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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Escola de Serviço Social
OS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: MITOS E DILEMAS NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO BRASIL
Cláudia Mônica dos Santos
2006
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Santos, Cláudia Mônica dos.
Os instrumentos e técnicas: mitos e dilemas na formação
profissional do assistente social no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ,
2006
ix, 247f; 29,7 cm.
Orientadora: Yolanda Aparecida Demétrio Guerra
Tese (doutorado) UFRJ/Escola de Serviço Social/Programa de
Pós-graduação em Serviço Social, 2006.
Referências Bibliográficas: f.238-247.
1. Instrumentos e técnicas: intenções e tensões na formação
profissional do assistente social. 2. Os instrumentos e técnicas na
nova proposta de formação profissional (1996). 3. Na prática a teoria
é outra? 4. As dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e
técnico-operativas da prática profissional: unidade na diversidade e
não na identidade. I. Guerra, Yolanda. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social, Programa de Pós-
graduação em Serviço Social. III. Os instrumentos e técnicas: mitos
e dilemas na formação profissional do assistente social no Brasil.
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ii
INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: MITOS E DILEMAS NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO BRASIL
Cláudia Mônica dos Santos
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Serviço Social da Escola de
Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de doutor em Serviço Social.
Orientadora: Professora Drª Yolanda Aparecida
Demétrio Guerra
Rio de Janeiro
Junho de 2006
iii
INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: MITOS E DILEMAS NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO BRASIL
Cláudia Mônica dos Santos
Orientadora: Professora Drª Yolanda Aparecida Demétrio Guerra
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Serviço
Social, da Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ , como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
Serviço Social.
Aprovada por:
______________________________________________
Presidente, Profª Drª Yolanda Aparecida Demétrio Guerra
___________________________________
Prof. Dr. Hélder Boska de Moraes Sarmento
___________________________________
Prof. Dr. José Paulo Netto
___________________________________
Profª Drª Leila Baumgratz Delgado Yacoub
___________________________________
Profª Drª Rosana Morgado
Rio de Janeiro
Junho de 2006
iv
DEDICATÓRIAS
Ao meu filho Rodrigo, que o desista de buscar
aquilo que deseja. Vale a pena o risco.
Ao meu companheiro Rubens, por me ensinar que
na produção de um trabalho o ganho principal é
quando o autor percebe que já não é o mesmo do
início para o final de sua elaboração. Obrigado pelo
seu apoio, estímulo, por sua confiança,
contribuindo para que eu não desistisse.
Aos meus pais, pelos valores ético-morais a mim
transmitidos.
Aos meus irmãos, em especial Telma, Ana Maria,
Flávio, Solange, Regina e Bia pela convivência
amiga e fraterna.
v
AGRADECIMENTOS
A UFJF, nas pessoas da Magnífica Reitora Professora Drª Margarida Salomão e da
então Diretora da Faculdade de Serviço Social professora Sandra Hallack Arbex, por
terem propiciado meu ingresso nesse programa como “aluna especial”.
A atual Diretora da FSS/UFJF, professora Marilene dos S. Sansão, pelo apoio e
confiança a nós dedicado.
Ao Departamento de Fundamentos de Serviço Social, na pessoa da professora
Mônica Grossi, pelos dois anos de licença integral e parciais concedidos aos
professores que fazem parte do convênio estabelecido entre a UFRJ e a UFJF para
doutoramento.
Aos membros da banca examinadora, Professores Doutores Hélder Sarmento, Leila
Delgado, Rosana Morgado e José Paulo Netto, que, com certeza, favoreceram ao
aprimoramento e ao crescimento deste estudo.
As Professoras Doutoras Nobuco Kameyama e Rosângela Batistone, que
gentilmente aceitaram ser membro da banca examinadora na condição de suplentes.
À Professora D Yolanda Aparecida Demétrio Guerra, por sua disponibilidade,
atenção, rigor e carinho no acompanhamento da elaboração desta tese.
A todas as colegas da F.S.S da UFJF, por suprirem nossas ausências durante os
referidos afastamentos.
As amigas do “Lar de Maria”: Ana Lívia, Alexandra, Ana Amoroso, Cristina, Nair e
Sandra, pelo acolhimento e sensibilidade.
A Leila, pela confiança constante em meu trabalho, estimulando-me a seguir em
frente.
As amigas Ana Lúcia, Zulmira, Sheila, Célia, Maria Helena. Amizades que nem o
tempo nem a distância afastaram, ao contrário, aproximam-nos cada vez mais.
A minha cunhada e amiga Isabel, pelas conversas sobre a “arte de escrever”.
A Denise Guarnieri e Mirian Regina Ribeiro, pelo interesse que ultrapassa o mero
“profissional”.
As amigas Alexandra, Cristina, Mônica e Sandra pela presença e companheirismo.
Em especial ao amigo Rodrigo, por sua disponibilidade em ser meu interlocutor,
fazendo uma leitura atenta que apenas um amigo se predispõe a fazer. Por sua
presença constante nos risos e nas dificuldades.
vi
RESUMO
INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: MITOS E DILEMAS NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO BRASIL
Cláudia Mônica dos Santos
Orientadora: Professora Drª Yolanda Aparecida Demétrio Guerra
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programam de Pós-graduação
em Serviço Social, Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Serviço Social.
Esta tese versa sobre os instrumentos e técnicas na formação profissional do
Assistente Social no Brasil. Constato que a lacuna existente na formação profissional
advém da incorporação equivocada do que seja teoria e prática no materialismo
histórico-dialético e da relação de unidade que as mantém. Tal equívoco gera mitos
na categoria profissional que deságuam em duas afirmativas recorrentes: 1) na
prática a teoria é outra e 2) o movimento de “intenção de ruptura” não se viu
acompanhar de um arsenal de instrumentos e cnicas próprios. Defendo a tese de
que de um referencial teórico não se deriva de imediato instrumentos e técnicas para
a intervenção. Na concepção do materialismo histórico-dialético, uma relação de
unidade entre teoria e prática, mas na diversidade. Toda prática é constituída por
determinações que refletem uma lei, essa, todavia, não se expressa na aparência do
objeto. Somente quando se tem um procedimento teórico sobre a prática é que ela
poderá expressar uma teoria que só poderá modificar a prática quando utilizada
para projetá-la e avaliá-la. Para a teoria se transformar em prática, são necessárias
as definições dos fins e a busca dos meios os quais implicam uma dimensão ético-
política e técnico-operativa. Aponto, nesse processo, tanto a unidade entre as
dimensões aqui privilegiadas, quanto as diferentes funções desses elementos na
efetivação da ão, detendo-me nos instrumentos enquanto elementos que fazem
parte dos meios. Assim, a formação profissional deve contemplar os conhecimentos
necessários a essas dimensões, quais sejam, um conhecimento teórico, um
conhecimento ético-político e conhecimentos procedimentais.
PALAVRAS CHAVE: instrumentos e técnicas, formação profissional, dimensões da
intervenção.
Rio de Janeiro
Junho de 2006
vii
RÉSUMÉ
INSTRUMENTS ET TECHNIQUE: MYTHES ET DIMEMMES DANS LA
FORMATION PROFESSIONNELLE DE L’ASSISTANTE SOCIALE AU BRÉSIL
Cláudia Mônica dos Santos
Directrice de thèse: Professeur Dra. Yolanda Aparecida Demétrio Guerra
Résumé de la thèse de Doctorat présentée dans le cadre d’une formation
doctorale au Service Social, de l’École Supérieure de Service Social, de l’Université
Fédérale de Rio de Janeiro UFRJ, pour l’obtention du titre de Docteur en Service
Social
Il s’agit d’une thèse sur les instruments et les techniques mis en place dans la
formation de l’Assistante Sociale au Brésil. Je constate une lacune dans cette
formation professionnelle en fonction d’une incorporation problématique de ce qui
est la théorie et la pratique dans le matérialisme historique-dialectique, ainsi que de
la relation d’unité qui les maintient. Cette erreur engendre des mythes dans ce
groupe professionnel qui conduisent à deux affirmatives courantes: 1) dans la
pratique la théorie est différente et 2) le mouvement « d’intention de rupture” n’a pas
été accompagné par des instruments et des techniques propres. Moi, je soutiens la
thèse selon laquelle un référentiel théorique n’a pas pour origine des instruments et
des techniques pour l’intervention. Selon le matérialisme historique-dialectique, il y a
une relation d’unité entre la théorie et la pratique, pourtant, cela se passe dans la
diversité. La pratique est constituée des terminations qui traduisent une loi qui ne
s’exprime pas dans l’apparence de l’objet. C’est seulement quand on a une approche
théorique de la pratique que celle-ci peut produire une théorie qui soit capable de la
modifier à la condition qu’elle soit utilisée pour la protéger et la juger. Pour que la
théorie se transforme en pratique il faut des définitions sur les finalités et une
recherche des méthodes qui comprend une dimension éthique-politique et une
dimension technique-opérative. Dans cette étude, j’analyse autant l’unité entre les
dimensions ici privilégiées que les différentes fonctions de ces éléments dans
l’accomplissement de l’action, comprenant les instruments en tant que des éléments
qui font partie des moyens. Ainsi, la formation professionnelle doit privilégier les
connaissances nécessaires à ces dimensions-là, c’est-à-dire, une connaissance
théorique, une connaissance éthique-politique et une connaissance des processus.
Mots clés: instruments et techniques, formation professionnelle, dimensions de
l’intervention.
Rio de Janeiro
Junho de 2006
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 10
1 INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: INTENÇÕES E TENSÕES NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL ................................................................ 27
1.1 OS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: DA
CRIAÇÃO DAS PRIMEIRAS ESCOLAS AO MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL ......................................................................................................... 29
1.2 OS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: DA
DIREÇÃO DE INTENÇÃO DE RUPTURA DO MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL À IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES DE
1996................................................................................................................................. 50
2 OS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NA NOVA PROPOSTA DE FORMAÇÃO
PROFISSIONAL (1996) .................................................................................................... 59
2.1 A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR E A PROPOSTA DE FORMAÇÃO
CONTIDA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DE 1996........................................... 59
2.2 AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA OS CURSOS DE SERVIÇO
SOCIAL........................................................................................................................... 68
2.3 O PAPEL E O ESPAÇO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL HOJE: O EXAME DE ALGUNS CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL NO
BRASIL........................................................................................................................... 81
2.3.1 Oficina Nacional – “O Ensino do Trabalho do Assistente Social” ...................... 88
2.3.1.1 Regional ABEPSS/Norte: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí .................................................... 89
2.3.1.2 Regional ABEPSS/ Nordeste – Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Alagoas,
Sergipe, Bahia. ........................................................................................................................................ 91
2.3.1.3 Regional ABEPSS/leste – Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro.................................... 93
2.3.2 Seminário Latino-Americano de Serviço Social – “Articulação Latino-Americana
e Formação Profissional” – Oficina Nacional da ABEPSS............................................ 95
2.3.3 Oficina Nacional – “O Ensino do Trabalho Profissional: Desafio para a Afirmação
das Diretrizes Curriculares e do Projeto Ético-Político”................................................ 98
ix
3 NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA? ................................................................. 112
3.1 TEORIA E PRÁTICA NO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO.............. 115
3.2 A RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE TEORIA E PRÁTICA: UNIDADE NA
DIFERENÇA................................................................................................................. 135
3.3 A PRAXIS COMO CATEGORIA CENTRAL ................................................... 144
4 AS DIMENSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS, ÉTICO-POLÍTICAS E
TÉCNICO-OPERATIVAS DA PRÁTICA PROFISSIONAL: UNIDADE NA
DIVERSIDADE E NÃO NA IDENTIDADE. ................................................................. 166
4.1 A POSIÇÃO DO FIM E A BUSCA DOS MEIOS PARA TORNAR ATO A
FINALIDADE ............................................................................................................... 170
4.2 RELAÇÃO TEORIA-FIM-MEIO-EFETIVAÇÃO DA PRÁTICA: AS DIMENSÕES
TEÓRICAS - ÉTICO-POLÍTICAS E TÉCNICO-OPERATIVAS.................................. 182
4.2.1 A Posição dos Fins e a Busca dos Meios na Prática Profissional do Assistente
Social......................................................................................................................... 193
4.3 INSTRUMENTOS E RACIONALIDADE EMANCIPATÓRIA .......................... 208
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 226
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 238
INTRODUÇÃO
Meu interesse pelo tema “instrumentos e cnicas na formação profissional do
Assistente social” encontra-se em duas ordens de razão.
A primeira advém de minha trajetória profissional como assistente social. Meu
primeiro emprego foi em 1986, na Pastoral do Menor do Rio de Janeiro, trabalhando
com crianças e adolescentes que moravam ou que ficavam, grande parte de seu
tempo, nas ruas do centro da cidade. Minha preocupação detinha-se sobre “o que
fazer” e “como fazer” com tais crianças, uma vez que as mesmas freqüentavam a
instituição boa parte de seus dias.
Através de concurso, tomei posse, em 1987, com mais 50 colegas (em sua
maioria recém-formadas), na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
(SMDS) do município do Rio de Janeiro. Fomos "lotadas" nas regiões
administrativas, devendo atuar nas áreas de abrangência das mesmas. Atendíamos
ao “Plantão”, ou seja, nosso setor Serviço Social Regional estava aberto para
atender às diversas solicitações advindas da população organizada e não
organizada – dos bairros e favelas que compunham aquela região. Outras propostas
de trabalho ficavam condicionadas ao interesse, ao compromisso, ao referencial
teórico e à criatividade dos profissionais, de acordo com a realidade de cada região.
Tínhamos, portanto, uma autonomia relativa quanto à nossa intervenção, o que fez
com que o dilema vivido na instituição anterior se repetisse aqui.
Todavia, para minha surpresa, essa era uma dificuldade geral dos
profissionais. Tínhamos dificuldades de escolher, operacionalizar e, até mesmo, criar
atividades que fossem ao encontro das demandas postas e que, ao mesmo tempo,
11
fossem compatíveis com nosso referencial teórico-metodológico e com nosso
compromisso ético-político. Acreditávamos, nessa época, que nosso relativo
conhecimento da realidade, inclusive da realidade particular de nossa região, e da
população usuária dos serviços, assim como nossa posição ético-política
resultariam, de imediato, na escolha e na utilização de instrumentos técnico-
operativos para nossa intervenção, o que era um equívoco de nossa parte o qual se
complementava com um outro: a busca por instrumentos específicos do Serviço
Social, sendo esses construídos no campo das Ciências Humanas.
Muitas de nós tendíamos a uma prática politicista e partidária, negando a
assistência e, conseqüentemente, as atividades de ‘plantão’, como campo de
intervenção do Serviço Social. Postura essa atravessada por certa tendência neo-
positivista dentro do marxismo
1
.
Minha formação se realizou sob a vigência do currículo anterior ao de 1982,
isto é, sob a influência de um Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade, mas
com alguns professores fazendo críticas ao Serviço Social “tradicional”
2
. Entretanto,
a maioria de minhas colegas de trabalho graduou-se sob a direção do àquela
época “novo currículo”, o qual inclui, formalmente, a disciplina de "metodologia do
1
Consuelo Quiroga (1991:11-12), referindo-se à direção de intenção de ruptura do movimento de renovação do
Serviço Social defende, que nesse uma “impregnação positivista que mina, no sentido de invadir às ocultas
todas as esferas da vida social, entranhando uma das concepções ‘não-positivistas’ da sociedade, o Materialismo
Histórico e Dialético, o que, na concepção aqui veiculada, o deforma e compromete a sua própria significação”.
No Serviço Social, essa impregnação se deu pela incorporação teórica de um marxismo positivista representado
por Althusser, Harnecker e também, segundo Netto (1990:282-283), por Mao-Tsé-Tung. O autor afirma, ainda,
que “o simplismo e o vulgarismo desses ‘fundamentos’ são tão evidentes e flagrantes [...] que não vale perder
tempo com eles; mas é preciso pelo menos sugerir que é no seu diapasão que a reflexão epistemológica converte-
se no epistemologismo mais formalista, num andamento intelectivo que, diluindo as dimensões ontológicas
originais da fonte marxiana, indica a hipoteca (neo)positivista que pesa sobre esse epistemologismo”. Uma das
característica dessa influência é a tendência dos profissionais se aproximarem da tradição marxista via militância
política.
2
Estamos considerando por Serviço Social tradicional “´a prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada`
dos profissionais, parametrada ´por uma ética liberal-burguesa`e cuja teleologia ´consiste na correção – desde um
ponto de vista claramente funcionalista de resultados psicossociais considerados negativos ou indesejáveis,
sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre
pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado factual ineliminável” ( Netto, 1990:117, nota 5).
12
Serviço Social" na grade curricular, substituindo a abordagem da questão
metodológica no Serviço Social realizada através das disciplinas de Serviço Social
de Caso, de Grupo e de Comunidade. No entanto, todas nós nos encontrávamos
angustiadas com o “que fazer” as atribuições do Serviço Social e com o “como
fazer” incluindo os instrumentos e técnicas da intervenção diante daquela
realidade, queixando-nos de que nas diferentes escolas de Serviço Social essa
questão não havia sido bem explicitada, ou, se explicitada, não apreendida ou
absorvida adequadamente.
A segunda ordem de razão advém de duas afirmativas recorrentes no Serviço
Social, a saber, a teoria social marxista não instrumentaliza para a prática e na
prática, a teoria é outra. Um resgate da produção bibliográfica do Serviço Social
(pontuada mais abaixo) parece indicar que a segunda afirmativa é destinada,
principalmente, à primeira, ou seja, que a incorporação no Serviço Social do
referencial teórico marxista característica do movimento de renovação
3
do Serviço
Social em sua direção de intenção de ruptura não se viu acompanhada de um
arsenal de instrumentos e técnicas próprios que objetivasse uma prática coerente
com essa teoria. Assim, reforçam a idéia de que na prática, a teoria é outra.
Tal situação vem sendo denunciada na produção bibliográfica dessa profissão
desde a década de 1970, por segmentos conservadores da profissão, mas também
por segmentos de vanguarda, o que significa conotações diferenciadas na denúncia.
Algumas fortalecem a concepção na qual os instrumentos da ação são
conseqüências imediatas do referencial teórico e este possui um corpo próprio de
instrumentos. Outras negam que a relação proceda dessa forma e chamam a
3
Este tema será retomado no capítulo I da tese.
13
atenção para a relação de mediaticidade existente entre pensamento e ão.
Selecionei algumas citações que ilustram a intensidade e qualidade dessas
afirmativas nesses diferentes segmentos, confirmando, igualmente, minha assertiva
de que, a partir do movimento de renovação do Serviço Social, a segunda afirmativa
refere-se ao segmento profissional adepto à teoria subjacente à intenção de ruptura,
ou seja, à direção marxista:
O método dialético materialista é excelente como instrumento de análise da
realidade, mas não instrumentaliza para a prática (...) o processo de
reconceituação trouxe consigo uma desarticulação curricular ou uma
heterogeneidade na formação do profissional, que impede fixar objetivos
para ação (IX Seminário Latino-Americano de Trabajo Social;1979 apud
Junqueira, 1980:27) (grifo meu).
No contexto das tensões teoria/prática, conhecer/agir, programar/executar,
o grande desafio se coloca na prática, no agir e no executar.
A proposta de reconceituação não poderia fugir a essa condição, e após
quase duas cadas de considerável produção de análises críticas, de
elaborações, de propostas metodológicas é pouco significativo o espaço
aberto à operacionalização da proposta (Junqueira, 1980:26) (grifo meu).
As questões mais expressivas do movimento de reconceituação (a natureza
da prática do Serviço Social, o grau de cientificidade, seus compromissos
ideológicos, a inconsistência do que coloca tradicionalmente como seu”
objeto, seu caráter de fenômeno histórico é produto do movimento social,
etc...) não atingiram ou não encontram ressonância no dia-a-dia da maioria
dos Assistentes Sociais (Cadernos PUC n.10, 1980:81-82) (grifo meu).
Ainda é corrente, entre segmentos conservadores e núcleos da categoria
profissional, a tentativa de desqualificar as propostas oriundas desta
perspectiva [intenção de ruptura] com a “argumentação” de que são frutos
de atividades estranhas” às “práticas de campo” do Serviço Social. Aqui,
mais que em qualquer outra situação, retoma-se o velho refrão segundo o
qual, na “prática”, a “teoria” é outra (Netto, 1990:249) (grifo meu).
Em outros termos: os efeitos da ação profissional aparecem como uma
negação dos propósitos humanistas que a orientam. Torna-se palpável a
defasagem entre propósitos e resultados da ação, entre teoria e prática
(Iamamoto,1992:28).
Primeiro [referindo-se aos impasses profissionais vividos e condensados em
reclamos da categoria profissional], o famoso distanciamento entre o
trabalho intelectual, de cunho teórico-metodológico, e o exercício da prática
profissional cotidiana. Esse é um desafio colocado por estudantes e
profissionais ao salientarem a defasagem entre as bases de fundamentação
teórica da profissão e o trabalho de campo. Um grande aspecto a ser
enfrentado é a construção de estratégias técnico-operativas para o exercício
da profissão, ou seja, preencher o campo de mediações entre as bases
14
teóricas acumuladas e a operatividade do trabalho profissional
(Iamamoto,1998:52) (grifo meu).
Considero que, em ambos os casos, os assistentes sociais se debruçam em
falsos dilemas (...) Para efeito da análise que ora nos propomos, importa
destacar a repetição acrítica de chavões, modismos, palavras de ordem, tais
como, na prática a teoria é outra e a requisição (a meu ver improcedente)
que os assistentes sociais fazem por modelos de intervenção, por uma
pauta de instrumentos técnico-operativos (Guerra, 1998:10).
Essa denúncia ainda é colocada hoje por profissionais da intervenção
conforme pesquisa de Vasconcelos (2002) –, bem como por alunos referindo-se a
seus campos de estágio. Em 2005, fui abordada em sala de aula por alunos que
tinham ingressado no estágio. Eles se diziam decepcionados com o que estavam
presenciando nos campos, uma vez que em nenhum deles havia uma intervenção
condizente com o que estavam aprendendo na universidade. A decepção
aumentava ao terem como supervisores, em sua maioria, profissionais oriundos da
universidade a qual estudavam e muitos deles formados a menos de cinco anos, ou
seja, com a implantação das novas diretrizes curriculares. Ouvi, então, repetirem:
parece que na prática a teoria é outra.
Não considero que esses sejam “falsos dilemas” ou “pseudo-problemas”. Na
verdade o que tais afirmativas, verbais e escritas, expressam é a dificuldade de
apreensão da relação teoria e prática e, conseqüentemente, da relação entre as
dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas da intervenção
profissional, que rebate numa expectativa equivocada ao que se refere às
potencialidades dos instrumentos e cnicas: ora supervalorizando-os, ora
ignorando-os. Dificuldades essas, tanto por parte dos profissionais da intervenção
quanto dos profissionais docentes. Assim sendo, trata-se de um problema que não
pode ser ignorado ou mascarado e que envolve diretamente a formação profissional.
15
O movimento que se instaura na década de 1960 de revisão teórica e
metodológica do Serviço Social denominado Movimento de Reconceituação
4
ou
Reconceptualização do Serviço Social caracteriza-se primordialmente pela
contestação da prática profissional “tradicional”. Ele denuncia a existência de uma
apropriação inadequada de uma teoria, ou seja, o Serviço Social se apodera de uma
teoria que é adequada para uma realidade que não é a brasileira. Portanto, a
afirmativa na prática, a teoria é outra caso fosse procedente não deveria ser
creditada apenas às dificuldades advindas da orientação teórica defendida na
direção de intenção de ruptura, mas sim, ao Serviço Social de forma geral,
sobretudo às vertentes conservadoras pela apropriação eclética e equivocada das
teorias.
Ressalva feita, quero afirmar que a questão dos instrumentos e técnicas no
Serviço Social
5
sempre foi, no mínimo, problemática. No início de sua
profissionalização, a ênfase era dada em instrumentos moralizantes de viés
cristão/humanista. Após sua consolidação, aglutinou-se ao anterior um viés
tecnicista amparado em uma concepção positivista e, a partir da década de 1970,
um viés teoricista. Essas concepções serão retomadas no capítulo I, cabendo aqui
destacar que minha tese se restringe ao período que se estende de meados da
década de 1970 anossos dias, privilegiando, todavia, uma análise que contemple
uma concepção de história que mostre o processo social no seu movimento
contraditório, articulando os elementos de continuidade e de ruptura, de avanços e
de retrocessos.
4
Para maiores detalhes consultar, dentre outros, Silva e Silva, 1995 e Netto, 1990.
5
Esta questão não é emblemática apenas no Serviço Social. Na década de 1980, houve um debate intenso de
mesmo teor na Educação, haja vista a polêmica instaurada pelo Livro Magistério de Grau Da Competência
Técnica ao Compromisso Político, de Guiomar Namo de Mello, obra bastante polêmica e referência para vários
autores. Para maiores detalhes ler Nosella (1983) e Saviani (1983).
16
Chamou-me a atenção o fato de que nas produções bibliográficas do Serviço
Social a partir da década de 1980 os autores sempre fazem referência à importância
de se trabalhar sob a perspectiva de unidade entre as dimensões teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa para uma intervenção com
competência. Inclusive ressaltam, dentro da dimensão técnico-operativa, a
relevância no trato adequado desses elementos, como o exemplificado abaixo:
Parece pertinente supor, todavia e a despeito desta indagação, que o
estaria vulnerabilizado o seu eixo central: a formação de um agente
profissional em que as capacidades técnicas estariam criticamente
consteladas por uma sensibilidade política, respaldada por informação
teórica e disposição investigativa (Netto, 1990:289) (grifo meu).
O importante é que continuemos o desenvolvimento desse processo que,
apesar do recuo que parece vivenciar nesse momento de grandes
transformações, precisa avançar num esforço de superação dos problemas
e de construção de uma profissão, com competência intelectual e cnica,
orientada por uma perspectiva política que supere o voluntarismo, com
vinculação orgânica da profissão com o conhecimento crítico da dinâmica
social dos nossos dias (Silva e Silva, 1995:250) (grifo meu).
o domínio de uma perspectiva teórico-metodológica, descolada seja de
uma aproximação à realidade, do engajamento político, ou ainda de uma
base técnico-operativa, ele, sozinho, não é suficiente para descobrir e
imprimir novos caminhos ao trabalho profissional (...) Portanto, o mero
engajamento político, descolado de bases teórico-metodológicas e do
instrumental operativo para a ação é insuficiente para iluminar novas
perspectivas para o Serviço Social (Iamamoto, 1998:54-55) (grifo meu).
... o trabalho profissional na saúde, em contraposição a um trabalho
espontâneo e/ou instintivo, exige toda uma complexa série de requisitos. De
modo necessariamente incompleto, listamos:
. formação e capacitação profissional continuada no que se refere ao
referencial teórico-metodológico, ético, político e às estratégias e técnicas
utilizadas, considerando a melhoria da qualidade dos serviços prestados na
busca de superar o ecletismo e a fragmentação do saber e do trabalho
profissional (Vasconcelos, 2002:451) (grifo meu).
É consensual, dentre os autores citados, a consideração de que para uma
competência profissional faz-se necessária a capacitação teórico-metodológica,
ético-política e também a técnico-operativa o que considero um avanço, tendo em
vista nossa herança moralista cristã e tecnicista –, porém, o vimos avançar na
17
bibliografia nem nos fóruns de debates da e sobre a profissão uma discussão sobre
a última, a qual aparece sempre como um apêndice das demais dimensões o que,
a meu ver, se constitui uma lacuna. Melhor dizendo, apesar da grande preocupação
em se evidenciar que as dimensões formam uma unidade na diversidade, o que faz
com que para se pensar a dimensão técnico-operativa seja necessário pensá-la em
conjunto com as demais dimensões, nunca se chega à dimensão técnico-operativa
propriamente dita. Em contrapartida, encontram-se na bibliografia do Serviço Social
estudos de qualidade que tratam das demais dimensões
6
, sem, por sua vez, fazer
uma correlação com a dimensão técnico-operativa, a não ser da forma listada acima.
Fica evidente, então que existe uma preocupação com as singularidades das demais
dimensões da intervenção, mas não da última citada, nem dos instrumentos e
técnicas, elementos estes que possibilitam, juntamente com os demais, a
materialização da ação.
Reforçando meu argumento, recorro à pesquisa realizada por Campagnolli
(1993:264-265), a qual visualiza três momentos nos documentos decorrentes dos
Encontros Nacionais da categoria com relação ao Instrumental Técnico a partir da
década de 1970:
1- Do final da década de 60 a meados da cada de 1970, uma continuidade ao tipo de
abordagem verificada nos anos anteriores que nos permitiram detectar não a
continuidade ou não do processo de adoção de técnicas de outras disciplinas, mas
também o entendimento e o tipo de relação estabelecida com o instrumental técnico(...)
2- De meados da década de 1970 ao início da segunda metade da década de 1980, uma
inexistência de abordagens ou de elementos significativos para a discussão sobre o
instrumental técnico (...)
6
Apenas a título de exemplificação: Barroco (2001), Iamamoto (1998), Cadernos ABESS n.3 (1989).
18
3- Do último terço da década de 1980 aos dias atuais, uma retomada da questão, agora sob
novas bases, indicando uma tendência de reaproximação ao instrumental técnico (...)
O primeiro momento elucidado por ela é o que marca a consagração da influência
metodológica norte-americana no Serviço Social brasileiro, com seu caráter
pragmatista e tecnicista. O segundo marca a aproximação equivocada à leitura de
Marx. O terceiro se caracteriza por um estágio de apreensão amadurecido da leitura
de Marx e de demais marxistas. Entretanto, como veremos na seção posterior, não
há uma fragmentação nesses momentos, mas sim continuidades e rupturas.
Considero que essa retomada aos instrumentos e técnicas se faz apenas
como advertência, ou seja, alertando a categoria para não reiterar o “tecnicismo” da
herança intelectual e salientando sua importância desde que “parametrado por uma
perspectiva que ultrapasse a positivista-conservadora” (idem:289).
Diante do exposto, minha hipótese é de que a lacuna existente hoje quanto à
questão dos instrumentos e técnicas na formação profissional dos Assistentes
Sociais no Brasil advém de uma incorporação equivocada e não satisfatória da
relação teoria e prática na concepção do materialismo histórico-dialético. A teoria
social de Marx avançou quando enfatizou a unidade entre as dimensões da prática
interventiva em uma relação dialética, evidenciando a diversidade. Todavia, a
formação profissional trata a unidade sem levar em conta as suas diferenças, ou
seja, não trata as especificidades entre tais dimensões.
Essa apropriação
7
inadequada refletiu no trato problemático das dimensões
da prática interventiva do Serviço Social, as dimensões teórico-metodológicas, ético-
7
Netto (1989:97) afirma que houve uma apreensão enviesada da tradição marxista por parte de setores do
Serviço Social e indica três traços interligados que singularizam essa apreensão: “em primeiro lugar tratou-se de
uma aproximação que se realizou sob exigências teóricas muito reduzidas (...). Em segundo lugar, e
decorrentemente, a referência à tradição marxista era muito seletiva e vinha determinada menos pela relevância
19
políticas e técnico-operativas, ou seja, de como trabalhar essas dimensões na
unidade e diversidade, e não na identidade. Melhor explicitanto, a teoria foi
apreendida como:
1- algo que se transforma em prática de forma imediata, portanto, ‘teoria de
ruptura’ igual à ‘prática de ruptura’;
2- algo que, por si só, oferece os procedimentos para a intervenção, ou seja,
que da teoria se retira, também de forma imediata, instrumentos próprios a
ela;
3- análoga à formação profissional.
E prática foi apreendida como:
1- sinônimo de instrumentos e técnicas, ou seja, resume-se na utilização de
instrumentos e técnicas;
2- análoga ao mercado de trabalho exclusivamente;
3- reduzida à prática profissional.
Essas concepções são visíveis nas afirmativas recorrentes no Serviço Social:
1- O movimento de intenção de ruptura no Serviço Social não se viu
acompanhar de um arsenal de instrumentos e técnicas próprios (SIC);
2- Na prática a teoria é outra (SIC).
Nessa direção, minha tese é que de um referencial teórico não se deriva, de
imediato, instrumentos e técnicas para a intervenção, mas o mesmo contribui e é
condição necessária para a escolha dos instrumentos mais adequados à ação.
Ainda, é ele quem empresta o conteúdo a ser comunicado através desses
da sua contribuição crítico-analítica do que pela sua vinculação a determinadas perspectivas prático-políticas e
organizacional-partidárias. Enfim, a aproximação não se deu às fontes marxianas e/ou aos “clássicos” da tradição
marxista, mas especialmente a divulgadores e pela via de manuais de qualidades e níveis discutíveis”.
Acrescento a esses elementos o pouco tempo de acúmulo do Serviço Social com essa matriz de pensamento, uma
vez que este não fez parte da herança intelectual e cultural da profissão, conforme apresento no capítulo I.
20
instrumentos e oferece subsídios à sua utilização ao desvelar as mediações
necessárias à passagem da teoria à prática. Contudo, é necessário lembrar que
conhecimento teórico se distingue de outras formas de conhecimento.
Sustento essa tese fundamentada na própria concepção de teoria e prática
defendida no materialismo histórico-dialético. Para tal concepção, teoria e prática
mantêm uma relação de unidade na diversidade, formam uma relação intrínseca,
sendo o âmbito da primeira o da “possibilidade” e o da segunda o da “efetividade”.
Transmutar da possibilidade à efetividade requer mediações objetivas e subjetivas
que se relacionam entre si. Os instrumentos e técnicas da intervenção pertencem ao
âmbito da efetividade, os quais, a partir das mediações, potencializam as ações dos
homens e, portanto, merecem atenção.
Assim, garantir o ensino do “como operacionalizar os instrumentos de
intervenção no Serviço Social”; refletir sobre as singularidades dos instrumentos e
técnicas na intervenção profissional do Serviço Social e sobre a melhor forma de
escolhê-los e operacionalizá-los, ou seja, “como” manuseá-los; e ocupar-se dos
instrumentos na formação profissional não significa, necessariamente, um retrocesso
a uma razão manipulatória, ao instrumentalismo da razão analítico-formal. Dessa
forma, na minha concepção torna-se imperativo que na formação profissional se
garanta o ensino do mesmo. A resolução, para não se cair no tecnicismo, passa pelo
esclarecimento da relação teoria/prática e por um nivelamento das interconexões
entre as três dimensões indicadas acima teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa.
É fundamental que se garanta na formação profissional, a partir dessa
concepção marxista de teoria/prática, o ensino do “como operacionalizar os
instrumentos”, porque é um dos elementos que constitui os “meios” de organização
21
da prática. Assim um bom domínio dos instrumentos e técnicas contribui, também,
para uma prática profissional competente, sendo parte de um outro tipo de
conhecimento.
Defendo que está faltando ao Assistente Social o domínio dos instrumentos e
técnicas que pertencem ao acervo cultural teórico-metodológico herdado das
Ciências Sociais e Humanas e reapropriado pelo Serviço Social. Faltam-lhe
principalmente, elementos que propiciem a criação de novos instrumentos mais
condizentes com a realidade atual e com as finalidades postas pelos profissionais. O
assistente social tem dificuldade, dentre outras, de explorar os instrumentos; de
saber, por exemplo, como conduzir uma entrevista, uma reunião ou um grupo; de
diferenciar entre reunião e grupo; de distinguir uma entrevista de um
encaminhamento ou de uma abordagem.
O Estado da Arte
8
do debate contemporâneo sobre instrumentos e técnicas
na produção do Serviço Social que elaborei como parte do material apresentado no
8
Para esse estudo, delimitamos nossa consulta bibliográfica às produções do Serviço Social compreendidas no
período que vai de 1995 a 2002. Essa opção deve-se ao fato de ser esse o período de discussão, aprovação e
início da implementação das novas diretrizes curriculares dos cursos de Serviço Social, bem como por ser
apontado em alguns estudos como um período marcado pelo avanço na discussão sobre a temática em pauta. Na
definição das obras a serem pesquisadas, decidimos pelas seguintes: ANAIS dos Congressos Brasileiros de
Assistentes Sociais (CBAS), ANAIS dos Encontros Nacionais de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ENPESS), Revista Serviço Social e Sociedade, Revista Temporalis, Cadernos ABESS, dissertações de mestrado
e teses de doutorado das unidades de ensino públicas e privadas que possuem cursos de Pós-graduação no
Brasil. Selecionamos artigos cujo objeto de estudo e pesquisa centrava-se nas particularidades dos instrumentos e
técnicas do Serviço Social, buscando respeitar os diferentes focos de abordagens e direções. Desse modo,
produções que mencionavam o tema, mas o o tornavam questão central, não se configuraram objeto deste
estudo, assim como produções que não se adequavam aos critérios estabelecidos de data de publicação e tipo de
produção. Nos anais dos CBAS, encontramos seis artigos que se enquadravam nesses requisitos, sendo que três
estavam cadastrados na temática “Formação Profissional do Assistente Social”, um na temática Trabalho e
Formação Profissional” e dois na temática “Serviço Social e Sistema Sócio-Jurídico”. Nos Anais dos ENPESS,
encontramos três artigos, dois cadastrados na temática “Serviço Social e Formação Profissional” e um na
temática “Processo de Trabalho e Serviço Social”. o encontramos nos Cadernos Abess artigos que tratassem
especificamente desse tema. Alguns se referiam ao mesmo, mas não o abordavam como tema central.
Encontramos um artigo na Revista Serviço Social e Sociedade (2000) e um artigo na Revista Temporalis (2001).
Quanto às dissertações de mestrado e às teses de doutorado, encontramos uma em cada modalidade, a primeira
do ano de 1998 (PUC/SP) e a segunda do ano de 1999 (ESS/UFRJ). Aqui utilizamos o estudo realizado pela
professora Nobuco Kameyama da UFRJ, que catalogou todas as teses e dissertações existentes nos cursos de
Pós-graduação em Serviço Social do país. Entretanto, como só tivemos acesso ao cadastro realizado até o ano de
1997, vale ressaltar que não o atualizamos. Baseamo-nos, então, nas indicações de referências bibliográficas dos
22
exame de qualificação aponta um avanço qualitativo na concepção de instrumentos
e técnicas, mas confirma as tendências postas anteriormente.
Um grupo de autores chama a atenção para a unidade entre as dimensões
teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, contrapondo-se à herança
intelectual que concebe essa última como “neutra”. Enfatizam que as práticas
profissionais enquanto uma das formas de objetivação do ser social envolvem,
principalmente, dimensões políticas e éticas, não podendo ser reduzidas à sua
dimensão técnica. Defendem que o uso dos instrumentos implica uma habilidade
técnico-política, uma vez que articulam dimensões econômico-sociais e ético-
políticas relativas aos sujeitos profissionais, individualmente, e aos interesses de
classe, além de envolver um referencial teórico-metodológico que lhes oferece uma
leitura crítica da sociedade. É a articulação das dimensões teórico-metodológica,
técnico-operativa e ético-política que possibilita a ruptura com a lógica formal
abstrata na utilização dos instrumentos e técnicas pelos assistentes sociais, visto
que o instrumental não pode ser tomado isoladamente por estar articulado às
relações sociais constituintes e constitutivas do Serviço Social.
Dessa forma, enfatizam que o instrumental deve ser considerado o apenas
em seus aspectos técnicos, referentes ao “fazer”, mas também relacionado às
dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas da profissão, ou seja, deve ser
tratado para além de recursos interventivos e de habilidades técnicas. Negligenciar
esses fundamentos traz como conseqüência um ativismo sem consistência ou
parametrado numa razão abstrato-formal.
autores lidos e de profissionais da área. Essa situação configurou-se numa restrição para o levantamento de toda
a produção existente acerca da temática. Encontramos, portanto, um total de treze produções que correspondem
ao nosso interesse, num universo, porém, de apenas sete autores.
23
Um segundo grupo, minoritário no que se refere ao número de produções
sobre a temática ora em estudo, se caracteriza por resgatar mesmo que travestida
de “roupagens” diferentes a herança cultural e intelectual conservadora, de cariz
positivista ou neopositivista, que sustentou hegemonicamente o referencial teórico-
metodológico e político da profissão desde suas origens até, aproximadamente, a
década de 1970. Elucido a seguir alguns aspectos comuns às produções que
determinam o debate sobre instrumentos e técnicas direcionado pela razão analítico-
formal:
1. Os instrumentos são entendidos como um caminho para se alcançar determinado
fim, de forma linear e evolutiva;
2. Os instrumentos são tratados como elementos que têm fim em si mesmos,
portanto, neutros, abstratos, a-históricos;
3. Os instrumentos e técnicas são utilizados com o objetivo único de favorecer
essas mudanças, tendo em vista o controle social, às ações centradas numa
abordagem individual, em que as seqüelas da “questão social” são consideradas
como problemas dos indivíduos, cabendo, portanto, uma ação que objetive
mudanças de atitudes e de comportamento dos indivíduos que estão em
“disfunção”;
4. As produções indicam uma preocupação unilateral com a eficácia e a eficiência
das ações. Para tanto, o uso adequado dos instrumentos e técnicas faz-se
necessário;
5. Instrumentos e técnicas são abordados apenas como um conjunto de
procedimentos e habilidades;
24
6. A preocupação com a cientificidade da técnica na obtenção da qualidade das
informações é enfatizada, de forma imediatista, ou seja, sem reconhecer as
mediações constitutivas da intervenção profissional;
7. A dimensão técnico-operativa é reduzida a instrumentos e técnicas e é descolada
das demais dimensões da intervenção profissional do Serviço Social. Essa
fragmentação vem ao encontro da concepção de “neutralidade” no trato dos
instrumentos e técnicas.
Considerar a unidade entre as dimensões da prática profissional é um “divisor
de águas” entre a gica formal-abstrata e a lógica crítico-dialética. Quero lembrar
que a negação de uma “suposta” neutralidade da ação profissional foi possível
com o reconhecimento da dimensão ético-política no Serviço Social. Essa dimensão
ganhou visibilidade durante o processo de renovação do Serviço Social com a
inserção, no debate teórico-metodológico, da matriz marxista. Reconhecer essas
dimensões e a relação de unidade entre elas vem sendo fundamental para o avanço
da reflexão sobre o tema ora pesquisado. Todavia, diante das angústias dos
profissionais de Serviço Social explicitadas verbalmente e denunciadas em
pesquisas com base no debate contemporâneo sobre esse objeto, sustento que
ainda muito que avançar.
Desse modo, minha tese foi estruturada em quatro capítulos que abarcam os
questionamentos postos pela categoria numa tentativa de problematizá-los e de
responder a eles.
No primeiro capítulo, busco, no desenvolvimento histórico da formação
profissional, os elementos centrais que articulam as construções curriculares; os
principais elementos que perpassam o debate e que direcionam a escolha, a
utilização e a criação de instrumentos e técnicas na formação profissional.
25
No segundo capítulo, procuro situar quais são as lacunas na formação
profissional no que diz respeito aos instrumentos e técnicas até antes do novo
currículo, enfatizando e questionando o currículo em vigor: ele está sendo uma
resposta? Quais foram seus avanços? Onde estão suas pendências? A análise é
realizada a partir de uma apreciação dialética da história, indicando que uma
relação de continuidades e de rupturas no debate sobre instrumentos e técnicas na
formação profissional, ou seja, priorizando o processo de formação na sua
contraditoriedade
9
.
Nessa direção, delimitei qual a concepção de formação profissional que
permeia o novo currículo e a concepção e a lógica mercadológica de educação
subjacente na sociedade brasileira atualmente, evidenciando que aquela está na
contramão desta, constituindo-se em um dos limites à sua implementação.
Com o objetivo de examinar essas questões e de conhecer o lugar e o papel
dos instrumentos e técnicas nos cursos de Serviço Social hoje, procedi a uma
investigação, analisando dados empíricos secundários:
1- os relatórios de eventos da categoria promovidos pela ABEPSS: as
publicações da Revista Temporalis Suplemento (nov. de 2002) e n.º 8 (jul
a dez de 2004); a publicação “Memórias” – Seminário Latino-Americano de
Serviço Social (jul. de 2003)
10
, ambas organizadas e publicadas pela
ABEPSS. Tal escolha se deu em função desses documentos conterem os
relatórios dos resultados das oficinas nacionais que tinham por objetivo
9
Segundo Konder (1981:165) “para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada
(...), o pensamento dialético é obrigado a um paciente trabalho: é obrigado a identificar, com esforço,
gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o ‘tecido’ de cada totalidade,
que dão ‘vida’ a cada totalidade” e considera a contradição como princípio básico do movimento pelo qual os
seres existem” (idem:167).
10
Apesar desses documentos constituírem-se de relatos, ou seja, de não possuírem uma natureza científica, o
ricos enquanto fonte de dados da realidade. Daí, minha opção pela análise dos mesmos.
26
avaliar a implantação das novas diretrizes curriculares no que se refere ao
núcleo de fundamentos do trabalho profissional com o ensino da
dimensão técnico-operativa – e discutir a formação profissional;
2- Os dados da realidade resultantes da pesquisa “Ensino do Instrumental
Técnico de Intervenção em Serviço Social: explorando possibilidades”,
realizada em 1998 por Vânia Teresa Moura Reis.
No terceiro capítulo, retomei a discussão de teoria e prática no materialismo
histórico-dialético, focando a relação de unidade entre teoria e prática, mas
delimitando o âmbito de cada uma delas. Parti do pressuposto de que, apesar de
considerar a fratura na relação teoria/prática antiga no Serviço Social bem como
em outras profissões, porque o é no modo de pensar dominante na ordem burguesa
–, ela não vem sendo evidenciada e problematizada na formação profissional.
Assim, neste capítulo, preocupei-me em destacar alguns elementos que
fundamentam a questão em estudo e para tanto irei me deter na concepção marxista
por considerar que a denúncia de distância entre teoria e prática, na maioria das
vezes, é destinada a esta direção teórica, hoje hegemônica na categoria.
Dessa forma, estando definido o que é teoria e o que é prática e o âmbito de
cada uma delas, detenho-me, no quarto e último capítulo, nas três dimensões da
prática profissional, enfatizando a relação de unidade na diversidade e articulando-
as aos elementos que constituem a passagem da teoria à prática: os fins e a busca
dos meios.
Nas considerações finais, refleti sobre o possível significado das afirmativas
da categoria apontadas aqui e indiquei algumas propostas para a formação
profissional envolvendo todos os órgãos responsáveis pela mesma no que se refere
27
à dimensão técnico-operativa da intervenção, mais especificamente, ao trato dos
instrumentos no Serviço Social.
1 INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: INTENÇÕES E TENSÕES NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
Historicamente, o Serviço Social vem se deparando com três tendências
11
quanto
à relação entre mercado de trabalho e formação profissional. A primeira subordina a
formação profissional às exigências do mercado de trabalho, tendendo as agências
de formação ficarem na dependência dos interesses do empregador, ou seja, busca-
se conhecer as demandas, vinculando a formação estritamente a essas demandas.
Essa posição dificulta a projeção de novos requisitos, tendo como objetivo único a
preparação do profissional para o emprego.
A segunda tende ao extremo oposto. Negligenciando tais exigências, a formação
não privilegia o mercado de trabalho, o que pode acarretar a formação de técnicos
qualificados, mas sem condições de empregabilidade.
Por fim, existe a tendência de a formação considerar as requisições impostas
pelo mercado de trabalho, buscando, contudo, transcendê-las. Em outros termos
prioriza-se, nesta tendência, a formação de um profissional qualificado que apreenda
as condições reais de existência da profissão na sociedade brasileira sem se
restringir apenas à demanda do mercado, mas também antecipando reivindicações
de grupos e classes sociais, prospectando demandas.
Conforme desenvolvo na seção seguinte, a meu ver, na primeira tendência a
formação profissional caracteriza-se por oferecer um papel de destaque ao ensino
dos instrumentos e técnicas, os quais são hipervalorizados e considerados
exclusivamente como os responsáveis por uma prática profissional com
11
O leitor poderá encontrar esta discussão em Iamamoto (1998) e Netto (1996).
28
competência. Competência essa reduzida à satisfação das necessidades do
mercado.
Na segunda tendência, o destaque é oferecido às dimensões teóricas e políticas
da prática profissional, desmerecendo-se as questões referentes ao uso dos
instrumentos e técnicas no Serviço Social. Competência profissional passa a ser
concebida, também de forma unilateral, como competência teórica e política.
É na terceira tendência que a formação reconhece a importância da dimensão
técnico-operativa na prática profissional, juntamente com as demais dimensões
teórico-metodológica e ético-política. Não obstante esse reconhecimento, não se
consegue, ainda, situar o papel dos instrumentos e técnicas nesta dimensão, não
há, na formação, um posicionamento explícito sobre a centralidade dos mesmos no
Serviço Social.
Dessa forma, ressalto neste capítulo as lacunas existentes na formação
profissional no que diz respeito aos instrumentos e técnicas, apresentando como
esses vêm sendo abordados na formação profissional do Assistente Social desde a
criação das primeiras escolas de Serviço Social
12
até a aprovação das diretrizes
curriculares de 1996, em desenvolvimento na atualidade, identificando os elementos
de continuidades e rupturas. Divido o mesmo em dois grandes momentos. O
primeiro diz respeito ao período marcado exclusivamente pela tradição
conservadora
13
no Serviço Social. O segundo refere-se à introdução de uma
12
Foge aos objetivos deste capítulo fazer uma análise exaustiva sobre a historiografia do Serviço Social, haja
vista sua finalidade de situar o debate sobre os instrumentos e técnicas na formação profissional hoje. Para um
maior rigor desse aspecto, indico a leitura de Iamamoto (1985, 1992), Netto (1990, 1992), Castro (1993) e
Verdès-Leroux (1986).
13
Para Iamamoto (1992:21-22-23), o conservadorismo moderno, que supõe uma forma peculiar de pensamento
e experiência prática, é fruto de uma situação histórico-social específica: a sociedade de classes em que a
burguesia emerge como protagonista do mundo capitalista. (...) A fonte de inspiração do pensamento
conservador provém de um modo de vida do passado, que é resgatado e proposto como uma maneira de
interpretar o presente e como conteúdo de um programa viável para a sociedade capitalista. (...) O
Conservadorismo não é assim apenas a continuidade e persistência no tempo de um conjunto de idéias que,
29
vertente que tenta romper com a herança conservadora, a direção de “intenção de
ruptura” do movimento de renovação da profissão, a qual privilegio nessa tese.
1.1 OS INSTRUMENTOS E CNICAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: DA
CRIAÇÃO DAS PRIMEIRAS ESCOLAS AO MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL
O processo de surgimento do Serviço Social nos países ntricos, segundo
Netto (1992), está intimamente ligado ao agravamento da “questão social”
14
por
ocasião da passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista.
O agravamento da “questão social” intensifica a organização e a luta dos
trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Essa
organização e luta possibilitam aos trabalhadores expressarem as seqüelas
resultantes das contradições sociais que ameaçam a ordem burguesa a qual se
impulsionada a buscar “solução” para minimizá-las.
A partir de uma análise que se restringe as particularidades da realidade
brasileira, constato que a necessidade de a ordem burguesa oferecer soluções às
contradições geradas por ela mesma faz com que o Estado brasileiro na República
pós-30 do culo XX amplie sua intervenção para a esfera econômica, além da
política. Conforme afirma Mendonça (1990:243),
reinterpretadas, transmutam-se em uma ótica de explicação e em projetos de ação favoráveis à manutenção da
ordem capitalista”.
14
O entendimento sobre a questão social pode ser encontrado em Iamamoto, que especifica: “A questão social
não é senão a expressão do processo de formação e de desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no
cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado”
(Iamamoto, in Iamamotao e Carvalho, 1985:57), portanto, inerente à sociedade capitalista. Caso o leitor esteja
interessado em conhecer o debate atual sobre esse tema, consultar Revista Temporalis n.º 3, 2001.
30
sem dúvida alguma a industrialização brasileira teve o seu ‘arranco’ a partir
das transformações ocorridas ao longo da cada de 30. Estabeleceram-se
então os contornos iniciais da implantação de um núcleo de indústrias de
base, assim como a definição de um novo papel do Estado em matéria
econômica, voltado para a afirmação do pólo urbano-industrial enquanto
eixo dinâmico da economia (grifo meu).
A legitimação política do Estado precisa, agora, do intercâmbio com outros
elementos sócio-políticos na busca de consensos e de articulação com os demais
segmentos dominantes, tais como a Igreja Católica entre os anos de 1930 e 1940
– e o empresariado.
Para isso, o Estado responde às demandas das classes subalternas
assumindo sua tutela através do atendimento de algumas reivindicações dos
trabalhadores, tais como, segundo Cunha (1989:49), a organização sindical
15
, o
salário mínimo, as férias remuneradas, a limitação do trabalho da mulher e do
“menor”, além de outros benefícios.
Nos primeiros vinte anos do século XX, a Igreja Católica tentava recuperar
sua influência na vida do país, perdida historicamente e ameaçada pelo comunismo,
pelo liberalismo, pelo positivismo e pelo redimensionamento do Estado no caso
brasileiro, a República.
Assim, impulsionada pela Encíclica Rerum Novarum, a Igreja também se
preocupa com a “questão social”, assumindo com maior amplitude a intervenção na
vida social, com o objetivo de atrair a “simpatia” dos operários, que se voltavam para
o comunismo.
Na década de 1930, a Igreja busca consolidar sua posição na sociedade civil
ao mesmo tempo em que o Estado busca o seu apoio. Dessa forma, Igreja e Estado
15
Quanto à organização dos trabalhadores na década de 30, Cohn (1985:302) afirma que “o elemento decisivo
seguramente era a própria presença de uma massa operária impossível de ser ignorada, mesmo quando não se
articulava em movimentos políticos definidos”. Ou seja, mesmo sem uma organização forte, o elemento
‘quantitativo’ era de se respeitar.
31
se aliam no sentido de buscarem uma resposta minimamente satisfatória aos
anseios do proletariado. O acordo entre Estado e Igreja Católica ocorre diante do
pacto do anti-comunismo, entretanto, ambos delimitam seus terrenos, ou seja, unem
–se com o objetivo comum de “resguardar e consolidar a ordem e a disciplina social”
(Iamamoto, 1985:159), resguardando, porém, seus campos de intervenção e
delimitando áreas de influências.
Em 1932 é criado, na cidade de São Paulo, o Centro de Estudos e Ação
Social (CEAS), com o objetivo de
promover a formação de seus membros pelo estudo da doutrina social da
Igreja e fundamentar sua ação nessa formação doutrinária e no
conhecimento aprofundado dos problemas sociais, visando tornar mais
eficiente a atuação dos trabalhadores sociais e adotar uma orientação
definida em relação aos problemas a resolver, favorecendo a coordenação
de esforços dispersos nas diferentes atividades e obras de caráter social
(Cerqueira, apud Iamamoto, 1985:173).
O CEAS se ocupa da formação de quadros especializados para a ação social
e a difusão da doutrina social da Igreja. Como pretende atingir “moças católicas”
para intervir junto ao proletariado, cria as primeiras escolas de Serviço Social em
1936 e 1937, em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, orientando a
profissão por um viés moralizador, pautado na “doutrina social da Igreja”.
Para resolver os problemas sociais, a solução estaria no restabelecimento da
“ordem social” através da justiça e da caridade. Para tanto, fazia-se necessária a
adaptação do indivíduo ao meio, bem como pesquisar as causas dos problemas
sociais a fim de prevenir sua ocorrência, reforçando a idéia de que as causas das
mazelas sociais se encontravam no indivíduo. Os problemas sociais eram, portanto,
transformados em problemas de cunho pessoal. Na obtenção do conhecimento das
32
causas sociais seria preponderante um aprendizado especial, justificando-se, assim,
a criação de Escolas de Serviço Social.
Ideologicamente, Igreja e Estado se encontraram nessa conjuntura para
melhor efetivação do controle social. A primeira com o objetivo de recristianização da
sociedade, o segundo para garantia da hegemonia dominante. Backx (1994:26), em
análise dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) apresentados ao Instituto
Social (RJ) no período compreendido entre 1940-1950, confirma: “nesse sentido, se
o discurso dos alunos é informado pelo discurso da doutrina social da Igreja, este
por sua vez se inscreve no projeto burguês de dominação”.
Neste período de gênese do Serviço Social no Brasil sob a influência da
doutrina social da Igreja aliada ao Estado e do Serviço Social europeu
16
–, a
profissão adquiriu uma formação moral e técnica, ambas de substrato humanista,
calcada na filosofia aristotélico-tomista. Tinha-se o cuidado de não deixar que a
preocupação com a técnica” profissional fosse maior do que com a “moral
doutrinária”. A técnica deveria estar a serviço da doutrina; a base mais doutrinária
sobrepunha-se à científica. Assim, a preocupação com os instrumentos e técnicas
não poderia suplantar a moral cristã, deveria antes ser uma técnica com a finalidade
de se garantirem valores morais cristãos: “era empregado o método da Ação
Católica: ver, julgar e agir” (Reis, 1998:84).
Iamamoto (1992:19) sintetiza esse momento de criação do Serviço Social no
Brasil quando afirma que
o Serviço Social surge da iniciativa de grupos e frações de classes
dominantes, que se expressam através da Igreja, como um dos
16
Para Netto, é característica da influência européia a preocupação com a recristianização da sociedade. É nela
que encontraremos a especial ênfase dada à questão da ordem, sendo, para isso, fundamental que os assistentes
sociais tivessem uma formação doutrinária e moral.
33
desdobramentos do movimento do apostolado leigo. Aparece como uma
das frentes mobilizadas para a formação doutrinária e para um
aprofundamento sobre os ‘problemas sociais’ de militantes, especialmente
femininas, do movimento católico a partir de um contato direto com o
ambiente operário. Está voltado para uma ação de soerguimento moral da
família operária, atuando preferencialmente com mulheres e crianças.
Através de uma ação individualizadora entre as massas atomizadas social
e moralmente’, busca estabelecer um contraponto às influências anarco-
sindicalistas no proletariado urbano.
Nesse momento, o currículo dos cursos de Serviço Social estava direcionado
para a formação moral, principalmente de base doutrinária e técnica. Na formação
profissional deveria ser assegurada a vocação do Assistente Social aliada à sua
personalidade, ao seu conhecimento dos problemas sociais e à técnica adequada ao
trabalho a ser desenvolvido, de acordo com o que se constata na leitura destes
depoimentos:
o preparo técnico não basta apenas ao Assistente Social, é necessário que
a ele seja aliada uma sólida formação moral, porque, quase sempre, terá o
Assistente Social de pôr à prova seus princípios morais, quer aconselhando,
quer adotando uma atitude frente a um problema moral daqueles que
procura reajustar.
(...)
Técnica apropriada, agentes competentes, eis o que caracteriza o Serviço
Social. Essa técnica e esta competência, tornam-se dia a dia mais
indispensáveis para que seja o Serviço Social eficiente e para que seja
eficaz para o bem de todos e de cada um. O exagero da técnica e da
ciência nos casos individuais, no entanto, suprime a alma do Serviço Social
(Mancine, 1939:3-8, apud Sá, 1995:75) (grifo meu).
Em função dessa preocupação, o currículo era constituído de disciplinas
como: Religião, Moral, Sociologia, Psicologia, Higiene, Direito, Seminários,
Introdução ao Serviço Social, Serviço Social de Casos, Visitas a Obras, Práticas de
Casos. As disciplinas de Introdução ao Serviço Social, Religião, Moral e Doutrina
Social da Igreja seriam fundamentais na luta contra o tecnicismo.
34
Identifica-se, neste período, então, a interface entre uma ideologia dominante,
fundada no positivismo, e os preceitos da doutrina cristã católica, cabendo ao
Serviço Social uma ação que materializasse essa ideologia.
Tal postura na formação profissional resultou, segundo Junqueira (1980:4),
em uma “quase ausência de métodos e técnicas na concepção européia do Serviço
Social, que então predominava”, fazendo com que o Serviço Social buscasse o
aporte norte-americano. A esse respeito, considero que a necessidade da busca de
técnicas com respaldo científico se deve à conjuntura social, política e econômica do
Brasil à época, que exigia uma resposta aos problemas sociais agravados pelo
desenvolvimento da industrialização no país.
Posso afirmar, de forma sintética, a partir da leitura do que a profissão tem
produzido na vertente crítica, que a formação caracterizava-se, nesse período de
gênese do Serviço Social, por uma preocupação com as técnicas, mas se tomando
cuidado com os princípios doutrinários: a técnica deveria estar a serviço da moral
doutrinária e não o contrário.
Na década de 1940, no Brasil, no bojo de uma política econômica
favorecedora da industrialização, estimulando a emergência da burguesia industrial,
no poder do Estado aliado aos grandes proprietários rurais e, conseqüentemente, ao
crescimento do proletariado urbano-industrial
17
, o Estado criou instituições de
assistência estatais, paraestatais e autárquicas –, com o intuito de direcionar e
integrar as reivindicações da classe trabalhadora através de políticas sociais
17
Conforme discurso do Presidente Getúlio Vargas, “o individualismo excessivo, que caracterizou o século
passado [XIX], precisava encontrar limite e corretivo na preocupação predominante do interesse social. o
nessa atitude indício de hostilidade ao capital que, ao contrário, precisa ser atraído, amparado e garantido pelo
poder público. Mas, o melhor meio de garanti-lo está, justamente, em transformar o proletariado numa força
orgânica de cooperação com o Estado e não o deixar, pelo abandono da lei, entregue à ão dissolvente dos
elementos pertubadores, destituídos dos sentimentos de Pátria e de Família” (in Fausto, 1985:252). Para uma
análise do processo de industrialização no país nesse período, ver também Oliveira, Francisco de. Crítica à
Razão DualistaO Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
35
assistenciais desenvolvidas nessas instituições
18
, as quais demandam ações dos
profissionais do Serviço Social, sendo eles os agentes executores das políticas
sociais direcionadas ao proletariado urbano.
O surgimento das grandes instituições executoras de políticas sociais
constituiu o mercado de trabalho do Assistente Social, cujas bases de legitimação
foram se deslocando para o Estado e setores empresariais da sociedade,
permitindo, assim, que se deflagrasse um processo de distanciamento na formação
profissional com suas origens católicas que se concretizaria mais tarde, na
década de 1960. Foi tal processo que legitimou a profissão na “divisão social e
técnica do trabalho”.
Esse processo vai ao encontro do que Netto (1990) afirma: que o Serviço
Social só se constitui enquanto profissão a partir da existência de um espaço sócio-
ocupacional e não o contrário, não é o Serviço Social que se constitui para criar um
espaço sócio-ocupacional. Assim, sua institucionalização se vincula à forma pela
qual o Estado enfrenta as refrações da “questão social”.
A busca de “solução” para as seqüelas da “questão social” por parte do
Estado é permeada pela racionalidade positivista, que se configurava num dos
suportes para se pensar o social
19
.
Os sujeitos tornam-se meros objetos, e o social é visto segundo uma ótica
ético-moral, o que leva à psicologização das relações sociais, ou seja, as
expressões da “questão social” são tratadas como externas às instituições da
18
A saber, Legião Brasileira de Assistência (1942), Conselho Nacional de Serviço Social (1938), Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (1942), Serviço Social da Indústria (1946), Serviço Social do Comércio
(1946) e Fundação Leão XIII (1946).
36
sociedade burguesa, desencarnadas da esfera econômica, da cultura, do social e
sem historicidade; reduzidas à esfera pessoal e moral. Nas palavras de Netto
(1992:58), “a despolitização surge no tratamento da ‘questão social’ como objeto de
administração técnica e/ou campo de terapia comportamental”. de se enfatizar
que nesses moldes o tratamento da questão social não é aleatório, mas típico do
reformismo conservador, o qual, no capitalismo monopolista, “é entronizado como
estratégia de classe da burguesia” (idem).
Essa racionalidade formal-abstrata
20
influi nos procedimentos de intervenção
do Serviço Social, incorporando elementos do Serviço Social norte-americano –
dentre eles os “métodos” de trabalho com Grupos e Comunidades. O Serviço Social
de Caso é predominante no início da institucionalização dessa profissão e, de
acordo com observação de Dantas (1995), centra-se nos fenômenos intrapsíquicos,
valorizando o funcionamento social do indivíduo e tem como referência a
metodologia psicanalítica. Assim, segundo o autor, nesse momento não houve, ou
houve minimamente, uma influência da corrente funcionalista.
No final da Segunda Guerra Mundial, introjeta-se, no Serviço Social, o
“método” de Grupo com o aporte da teoria funcionalista americana que, ainda
focando os indivíduos, visa fortalecê-los por meio da convivência grupal.
Na década de 1950, inicia-se a aplicação do “método” de Comunidade, que
se desenvolve até o final da década seguinte. Netto (1990:140), na historiografia da
19
Netto (1992:39) nos confirma, “De um estilo de pensar o social que tem por limite o marco da sociedade
burguesa, o positivismo, que antes de ser uma “escola” sociológica, é a auto-expressão ideal do ser social
burguês.”
20
Entendemos essa racionalidade conforme Guerra (2001:216): “uma modalidade, nível ou grau de abrangência
da razão. Essa forma de pensar e agir, conveniente ao modo de produção/reprodução capitalista, encontra na
Sociologia [de Durkheim] os instrumentos, procedimentos e modelos de interpretação e intervenção na realidade
social, já que esta disciplina se consolida sobre uma base natural e, por isso, pode atribuir aos fatos, fenômenos e
processos sociais total objetividade e autonomia. Ao isolar os problemas da vida social pela naturalização e
independentização dos sujeitos que os fatos sociais são coisas, exteriores, superiores e anteriores –, este tipo
37
profissão indica três vertentes profissionais no que se refere ao Desenvolvimento de
Comunidade:
uma corrente que extrapola para o DC os procedimentos e as
representações “tradicionais”, apenas alterando o âmbito da sua
intervenção; outra, que pensa o DC numa perspectiva macrossocietária,
supondo mudanças socioeconômicas estruturais, mas sempre no bojo do
ordenamento capitalista; e, enfim, uma vertente que pensa o DC como
instrumento de um processo de transformação social substantiva, conectado
à libertação social das classes e camadas subalternas.
A ênfase no “como fazer” está presente nos processos de Caso, Grupo e
Comunidade, marcando o “metodologismo” na trajetória intelectual da profissão.
No final da década de 1940, embora mantivesse seus aspectos doutrinários, a
profissão já detinha um caráter mais técnico-científico, o qual é delegado à influência
norte-americana no Serviço Social, mas (não coincidentemente) se fez de forma
paralela a uma mudança no cenário brasileiro. Temos uma sociedade brasileira
consolidando o projeto de urbanização e de industrialização, o qual é fortalecido no
término dos anos de 1950 e início dos anos 60, sustentados pelo modelo
desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek, marcado pela
internacionalização da economia com o fortalecimento do setor privado e do capital
internacional
21
.
Este período final dos anos 50 até 1964 é marcado pelo fortalecimento de
uma política econômica tendo apenas como medida social importante a instituição e
a regulamentação da Lei Orgânica da Previdência Social. O Governo João Goulart
tenta desenvolver, mediante uma política populista de maior radicalização, o
de racionalidade neutraliza qualquer possibilidade de os indivíduos organizarem-se e, sobretudo, modificarem a
realidade”.
21
Para detalhamento desse período na historiografia brasileira, ler Mota, C. G. Brasil em Perspectiva. São Paulo:
DIFEL editora, 1985; Linhares, Y. M (coord.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus Editora, 1990 e
outros.
38
nacionalismo desenvolvimentista, contrapondo-se ao processo de
internacionalização da economia brasileira e abrindo espaço para os processos de
mobilização e lutas a favor das mudanças de base, no contexto de um processo de
ampla luta política; impõe restrições aos investimentos multinacionais e adota uma
política nacionalista de apoio e concessão de subsídios diretos ao capital privado
nacional. Assim, a política é determinada por diversas forças atuantes na sociedade,
incluindo as manifestações de oposição dos militares desde a posse de Goulart.
A influência do Serviço Social norte-americano no Brasil, iniciada em meados
da década de 1940, se fortalece na década de 1950 e 1960, tornando-se
hegemônica nesta última. Essa influência impugna um caráter mais técnico-científico
ao Serviço Social, embasado no referencial teórico funcionalista – sem romper,
porém, com a herança católica-européia e na interação com as Ciências Sociais,
trazendo para dentro da profissão uma preocupação com o conhecimento da
realidade através da Sociologia, Filosofia, Antropologia e Psicologia Social, e
adquirindo, das Ciências Sociais, seu cariz tecnocrático, de neutralidade.
O Serviço Social passa a ter presença significativa no projeto de
desenvolvimento Nacional em 1950, com a divulgação e sistematização, pela ONU,
do Desenvolvimento de Comunidade (DC). Para combater o comunismo,
principalmente pós revolução cubana de 1959, criam-se programas de assistência
internacional, como a Aliança para o Progresso, em 1960.
Na formação profissional a partir de 1960, percebe-se que a Doutrina Social
da Igreja cede lugar a correntes psicológicas principalmente à psicanálise e
sociológicas destacando-se o positivismo de Durkheim e o funcionalismo –,
passando a buscar o avanço técnico na perspectiva do ajustamento do indivíduo em
39
uma sociedade harmônica. Entretanto, os valores norteadores da profissão
permanecem com seu caráter humanista.
Ao destacar a realidade brasileira, faz-se necessário dentro dessa formação,
um conteúdo social ao conhecimento, com disciplinas abrangendo Sociologia,
Psicologia, Moral, Higiene, os métodos de Caso, Grupo e Comunidade e técnicas
básicas tais como, Estatística, Pesquisa Social e Administração.
As bases de legitimação da profissão se deslocam para os setores
empresariais e para o Estado via políticas sociais, exigindo-se um profissional com
qualificação técnica, que conta dos problemas sociais que constituem a realidade
brasileira. Trabalhar numa perspectiva de desenvolvimento de comunidade” torna-
se, então, prioridade.
As respostas do Serviço Social face a essa conjuntura são: ação organizativa
e educativa entre o proletariado urbano; práticas com referencial estritamente
técnico, de viés tecnicista; afirmação do Serviço Social na visão de Caso, Grupo e
de Comunidade que o tomando solidez e associando a eles o estudo, o
diagnóstico e o tratamento; ação para modificar, reformar, ajustar, adaptar, controlar
os conflitos e as disfunções, promovendo o indivíduo no seu meio e estabelecendo a
ordem social; relevo ao Serviço Social de Grupo; criação de novas técnicas como
reunião e nucleação em virtude do eixo de preocupação estar se deslocando do
indivíduo para a comunidade.
A formação profissional desenvolve-se, então, a partir de dois eixos, quais
sejam, a base doutrinária e a base técnica. A primeira fundamentada na filosofia
aristotélico-tomista e a segunda, em valores positivistas/funcionalistas.
Essa convivência, entretanto, não é tranqüila. Permanece a preocupação com
a ameaça da técnica, cabendo à disciplina Introdução ao Serviço Social a função de
40
minimizar esse problema, “porque é essa matéria que dando os princípios da técnica
do Serviço Social mergulha no campo filosófico, especialmente para defesa de uma
filosofia cristã(Arquivo ABESS. Ata da Sessão. III Convenção, 1953:3 apud Sá,
1995).
A década de 1950 marca a regulamentação do ensino de Serviço Social em
três anos pela Lei n.º 1889 de 13 de junho de 1953, a qual é regulamentada em
1954, lei de âmbito federal, regularizando os objetivos do ensino do Serviço Social,
sua estruturação e os requisitos dos diplomados. A lei n. 3.252, de 27 de agosto de
1957, confere o direito de exercício profissional aos portadores de diploma, conforme
Carvalho (1985).
Vale relembrar que, o processo de desenvolvimento do país estava ocorrendo
segundo a ideologia “desenvolvimentista”, de grande penetração norte-americana.
No campo das ciências sociais, o referencial teórico funcionalista (que é uma
variante do positivismo de Comte e de Durkheim) estava direcionando as discussões
e as produções teórico-práticas, o que significava que o Serviço Social continuava
compatível com a proposta autoritária e conservadora do Estado, mantendo “seu
caráter técnico-instrumental voltado para uma ação educativa e organizativa entre o
proletariado urbano, articulando – na justificativa dessa ação – o discurso humanista,
calcado na filosofia aristotélico-tomista, aos princípios da teoria da modernização
presente nas ciências sociais” (Iamamoto, 1992:21).
A penetração das idéias positivistas durkheimianas e de seu desdobramento
funcionalista fortalece, no Serviço Social, uma ênfase nas atividades técnicas de viés
instrumental, pautadas na racionalidade formal abstrata. Esse período marca o
“tecnicismo” do Serviço Social, de neutralidade, atribuindo um caráter técnico-
científico a esse campo, absorvido pelo perfil tecnocrático das ciências sociais
41
americanas. A técnica é utilizada tendo um fim em si mesma. A formação convive,
ainda, com princípios doutrinários, mas com um forte aporte técnico-científico,
sistematizado e fortalecido na década de 1960.
O fortalecimento dos movimentos sociais no Brasil, o movimento socialista, a
adesão de segmentos da Igreja Católica aos movimentos sociais e de alguns
segmentos da pequena burguesia contribuem para que a reação conservadora
apoie a tomada de poder pelos militares em 1964, instaurando a “autocracia
burguesa”
22
no país (Netto, 1990).
Esse período é marcado pela desmobilização dos movimentos políticos
emergentes no período populista o Movimento de Educação de Base (MEB), o
sindicalismo rural e experiências de desenvolvimento de comunidade –; pelo
fortalecimento do padrão intervencionista do Estado, implementado no pós-1930,
intervindo-se na área social e na relação capital-trabalho, nos sindicatos e
instituindo-se políticas salariais; e pelo agravamento da “questão social” com o
crescimento industrial, demandante de um maior controle da força de trabalho,
desencadeando uma ampliação do mercado de trabalho para o Assistente Social.
Esse mercado de trabalho exige um profissional com características técnico-
racional, ou seja “moderno e racional” (Netto, 1990), o que significava mudanças na
formação profissional. É nesse momento que o curso de Serviço Social entra para a
universidade, ocupando o status de curso universitário. Segundo Netto (1990), tal
ingresso é contraditório, ele propicia a interação das preocupações técnico-
profissionais com as disciplinas vinculadas às ciências sociais, recebendo influência
22
O período da “autocracia burguesa” corresponde ao período de 1964 a 1979 e é considerado por Netto (1990)
como sem precedentes na historiografia da profissão, pelo desenvolvimento que a mesma alcançou.
42
da Sociologia, da Psicologia Social e Antropologia, ao mesmo tempo em que adquire
dessas influências o seu cariz tecnocrático e asséptico.
Sob a égide da autocracia burguesa, o Serviço Social passa por um momento
importante em que repensa sua formação e intervenção junto à realidade brasileira.
Não se trata, porém, de um movimento isolado, mas da combinação de
determinações da conjuntura social, política e econômica da América Latina que
se convencionou chamar de movimento de reconceituação do Serviço Social ou de
reconceptualização (Netto,1990) que também o impulsiona a uma auto-crítica.
Para este autor, tal movimento, que durou de 1965 a 1975
23
foi preponderante
para o que ele denomina processo de ”renovação do Serviço Social brasileiro”, o
qual é entendido como
o conjunto de características novas que, no marco das constrições da
autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas
tradições e da assunção do contributo de tendências do pensamento social
contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza
profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas
sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a
remissão às teorias e, disciplina sociais (...) A renovação implica a
construção de um pluralismo profissional, radicado nos procedimentos
diferentes que embasam a legitimação prática e a validação teórica, bem
como nas matrizes teóricas a que elas se prendem (idem:131).
Esse processo de renovação é bastante contraditório e heterogêneo dentro
da categoria. Ao mesmo tempo em que traz em seu bojo segmentos que reforçam o
regime autoritário brasileiro, vigente à época, traz um outro segmento que o
questiona e se lhe opõe.
23
Silva e Silva (1995) defende ser o movimento de reconceituação um processo” histórico, portanto inacabado
e em permanente dinâmica de construção e reconstrução, onde o Serviço Social vem desenvolvendo uma
renovação de sua base teórica, portanto as direções dessa renovação são consideradas, por essa autora, como
expressões desse movimento, quais sejam, modernização e ruptura. Essa visão contrapõe-se ao que ela denomina
concepção restrita desse movimento, em que o mesmo se constitui em um evento específico e delimitado num
momento histórico e conjuntural, especificamente, no período de 1965-1975.
43
De forma geral, pode-se dizer que esse movimento vai se opor à herança
intelectual e cultural da profissão, acenando para “novas” concepções teóricas,
ideológicas e políticas. Netto (1990) identifica três direções predominantes e distintas
nesse processo: a perspectiva modernizadora, a perspectiva de reatualização do
conservadorismo e a perspectiva de intenção de ruptura. As duas primeiras,
segundo o autor, apesar de não pretenderem romper com as concepções herdadas
do passado, requisitaram oferecer maior consistência científica à profissão, com o
respaldo de um referencial teórico-metodológico bem definido, apropriado das
ciências humanas e sociais.
A perspectiva modernizadora, expressou o avanço técnico da profissão numa
perspectiva de eficiência/eficácia e modernização. O aprimoramento teórico-
metodológico que se procura nesse momento visa a sustentar a intervenção, sem
contudo, questionar o poder vigente. Com o suporte da concepção sistêmica,
consolidam-se o Serviço Social de Caso, de Grupo e de Comunidade, reforçando-se
o estudo, o diagnóstico e o tratamento.
Assim, o exercício profissional se fortalece em ações como respostas às
requisições feitas ao profissional que continuam centradas nos indivíduos, vistos
como desajustados. As interseções entre esses e a estrutura social são
reconhecidas, mas não questionadas. Assim, as ações centram-se na adaptação do
sujeito ao meio; são ações “educativas” que interferem nos valores e costumes das
classes populares. Requisita-se a participação popular, mas sob controle, dirigida.
Diante isso, uma grande preocupação com técnicas adequadas à intervenção; a
tecnificação e a ampliação das funções da profissão são esforços em direção às
demandas postas. Entretanto, não se trata mais de técnicas doutrinárias, mas do
44
aperfeiçoamento técnico e científico, fundamentado na Sociologia via positivismo,
funcionalismo e concepção sistêmica.
Segundo Frigotto (1993), à perspectiva tecnicista alia-se a “teoria do Capital
Humano
24
”, de origem norte-americana, a qual se alastra nos países
subdesenvolvidos pela condição americana de organizadores e deres do sistema
imperialista mundial que se fortalece após a II Guerra Mundial. Ela reforça o
intervencionismo do Estado e legitima a ação imperialista americana. Com esse
objetivo, as teorias do desenvolvimento “vão ensejar aos EUA não só um
intervencionismo econômico e militar, mas igualmente político, social e educacional,
fortalecendo-os como detentores da hegemonia do imperialismo capitalista”
(idem:123) (grifo meu). A teoria do capital humano defende a idéia de que o
subdesenvolvimento é um problema que deve ser tratado a partir da intensificação
de recursos humanos qualificados, subtraindo dessa questão as relações de poder
presentes: “a questão das desigualdades sociais, dos antagonismos de classes, o
conflito capital-trabalho seriam superados, por um processo meritocrático” (ibidem:
126).
Essa teoria rebate no Serviço Social
25
e encontra-se bem delimitada no
Documento de Araxá (1967:22/23) fruto do encontro ocorrido na cidade de
Araxá/MG – quando textualmente refere-se ao processo de Desenvolvimento de
Comunidade como
24
Para Frigotto (1993:122-123), a teoria do capital humano é “apenas uma das especificações das teorias de
desenvolvimento que se desenvolvem amplamente nos anos após a II Guerra Mundial (...). Trata-se de teorias
que não se propõem analisar a gênese e as leis que governam o desenvolvimento capitalista, ou seja, as bases
materiais e contraditórias em que se estrutura o processo de produção e reprodução capitalista. Trata-se, ao
contrário, muito mais de uma perspectiva de modernização, em cujo horizonte se delineia o projeto
desenvolvimentista”.
25
Este fenômeno não se restringe apenas à profissão de Serviço Social, mas também às demais, como deixa claro
Frigoto (1993:121) ao se referir à educação nesse período: “o remédio para tirar o sistema educacional da sua
inoperância e ineficácia era ‘tecnificar a educação’, isto é, conceber o sistema educacional como empresa e
aplicar-lhe as técnicas e as máquinas que haviam produzido ótimos resultados no desenpenho industrial”.
45
contribuindo na formação do capital social básico e na expansão da infra-
estrutura, amplia-se a perspectiva do DC, ressaltando-se a sua integração
no desenvolvimento sócio-econômico, através do estímulo ao capital
humano, ‘transformando recursos humanos ociosos em capacidade
produtiva, dentro dos objetivos explicitados pelas próprias comunidades’
(grifo meu).
A ênfase na técnica tendo em vista o desenvolvimento é a tônica do
documento, sendo explicitada nas seguintes passagens: na introdução, quando se
afirma ser fundamental ao Serviço Social vincular-se ao processo de integração e
“propõe uma abordagem técnica operacional em função do modelo básico do
desenvolvimento” (idem:10); e no final do documento, ao apresentar a técnica como
um elemento que se constitui em conjunto com a ideologia do desenvolvimento
integral, do planejamento e da mobilização de forças organizadas e capital (recursos
humanos e materiais) no modelo de atuação do Serviço Social na perspectiva de
desenvolvimento, “na técnica, a micro-atuação do Serviço Social seria a utilização
dos processos de Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade, bem como de
técnicas auxiliares, procedendo-se sua seleção em vista da melhor aplicabilidade ao
desenvolvimento” (idem:28) (grifo meu).
Desse modo, tem-se uma unilateral atenção ao aprimoramento do
instrumental técnico-operativo que redunda no desenvolvimento dos modelos de
diagnóstico e planejamento, marcando o que Iamamoto (1998:215) denominou
“tecnificação pragmatista do Serviço Social”, de direção teórica baseada no
estrutural funcionalismo e no discurso positivista.
Nesse período foi introduzida no currículo dos cursos de Serviço Social, a
Sociologia funcionalista norte-americana, recorrendo-se à Sociologia Geral de base
positivista. Em 1970, “a Sociologia de cunho religioso cede lugar à Sociologia Geral,
voltada à ‘totalidade social’, à mudança” (ABESS, 1953:4 in Sá, 1995:213). Havia
46
uma preocupação em se desenvolver as habilidades dos alunos e sua capacidade
operativa, onde a competência profissional era equiparada à competência técnica
(Reis, 1998:34) (grifo meu). As técnicas estavam a serviço do sistema com o objetivo
de ser útil ao desenvolvimento econômico do país. O caráter doutrinário vai
perdendo força ao mesmo tempo em que se fortalece, na formação profissional,
uma concepção técnica, visando à eficiência.
Em 1970 foi regulamentado pelo Conselho Federal de Educação um currículo
mínimo para os Cursos de Serviço Social que ampliou a duração do mesmo para
quatro anos, com a obrigatoriedade de seis meses de estágio, sob parecer n.º 242
de 13 de março (idem:35).
No que se refere à segunda direção do movimento de reconceituação
indicada por Netto, a reatualização do conservadorismo se expressa nos seminários
de Sumaré (1978) e do Alto da Boa Vista (1980), ambos ocorridos na cidade do Rio
de Janeiro. Há uma preocupação marcante com uma elaboração teórica em produzir
conhecimentos sobre a prática profissional, sendo o referencial de influência a
fenomenologia e o Personalismo de Mounier, conforme Almeida (1980).
Nessa direção, ganha destaque como grande expoente dessa vertente a
professora Ana Augusta de Almeida (PUC/RJ), que apresenta uma proposta
sistematizada, a “metodologia dialógica”, seguindo os princípios fenomenológicos e
buscando a sua inspiração de apoio na teoria do conhecimento personalista e em
uma “ética cristã motivante”, nas palavras de Almeida (idem). Vale ressaltar que
essa formulação, no que se refere à sua concepção de educação, apoia-se,
também, no educador brasileiro Paulo Freire, para quem educar significa diálogar”:
“a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de
47
saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” (Freire, 1980:78).
Essa metodologia se desenvolveu pelo país, na década de 1980,
principalmente no Rio Grande do Sul, Pará, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Nessa
última cidade, encontram-se profissionais que, apesar de não terem o destaque de
Almeida, também contribuíram com produções, as mais conhecidas são: Ana Maria
Brás Pavão (1988) e Anésia de Souza Carvalho (1987).
As categorias básicas da “metodologia dialógica” são: a pessoa, o diálogo e a
transformação social, estando estas interligadas. Essas categorias pretendem ser
uma resposta ao Positivismo principalmente quando este trata “o fato como
coisas”. O ponto de partida para o “diálogo” é a presença das pessoas percebidas
como sujeitos os quais provocam a situação existencial problematizada (SEP).
Assim, a SEP se faz presente a cada encontro de pessoas. Nesses encontros, a
pessoa/cliente e pessoa/Assistente Social intercambiam conhecimentos, ações e
sentimentos, possibilitando, então, a sua caracterização. Assim sendo, no “diálogo” o
cliente se faz “sujeito de uma experiência de investigação de uma verdade.
Experiência que provoca transformações ao ser conhecido em diferentes graus de
verdade – a SEP” (Almeida, 1980:117). Para Almeida (idem:119), pessoa “é o
homem total que é sujeito logo racional e livre. A ajuda psicossocial é oferecida à
pessoa como tal”.
É no espaço do diálogo que ocorrem todos os momentos da “metodologia
dialógica”, os quais significam a sistematização da proposta. Neles a objetivação
da SEP; a análise crítica da SEP; a síntese crítica da SEP; a construção de um
projeto e o retorno reflexivo ocorre o movimento de transformação social, a qual é
concebida como um processo de capacitação viabilizado através do movimento de
48
consciência percebido a partir dos momentos dos “diálogos”; estando, portanto,
integrada, também, à categoria pessoa, conforme Almeida (1980:117):
o trabalho que caracteriza a atuação do Assistente Social no processo não
consiste unicamente em transferir alguns conteúdos de conhecimentos
achados na comunicação Assistente Social-cliente para conceitos teóricos
de uma interpretação do fenômeno estudado –SEP. Mas também e acima
de tudo, em tornar o cliente sujeito de uma investigação de uma verdade.
Experiência que provoca transformações do ser conhecida em diferentes
graus de verdade – a SEP (grifo meu).
Ou seja, através do diálogo, a pessoa pode trocar conhecimentos, atos e
sentimentos, o que pode gerar, por sua vez, a “transformação” de seus
conhecimentos, atos e sentimentos. A “transformação social” caracteriza-se, dessa
forma, como um processo que se desenvolve no plano pessoal, podendo gerar ou
não a transformação da sociedade. Em outros termos, a transformação social passa
pela mudança pessoal, não sendo mencionada a mudança de estrutura.
Assim, a ação se centra nos sujeitos, com forte tendência à subjetivação e à
psicologização. Apesar dessa matriz tentar romper com a herança positivista e com
a tecnologia importada dos Estados Unidos no Serviço Social, o que se tem é um
regresso à herança conservadora da profissão: a recuperação de seus “valores
universais” e a centralização nas dinâmicas individuais e o retorno a valores cristãos,
ou seja, a ação do Serviço Social retoma a ajuda psicossocial. Como afirma Netto
(1990)
essencial e estruturalmente, esta perspectiva faz-se legatária das
características que conferiram à profissão o traço microscópico da sua
intervenção e a subordinaram a uma visão de mundo derivada do
pensamento católico tradicional; mas o faz com um verniz de modernidade
ausente no anterior tradicionalismo profissional, à base das mais explícitas
reservas aos limites dos referenciais de extração positivista.
49
Netto (1990:211 a 215) aponta alguns traços marcantes dessa vertente:
ausência de relação entre os autores representantes da corrente e as fontes
originais, remetendo a fontes secundárias – com exceção de Anésia de Souza
Carvalho (1987), que utiliza como referencial teórico o filósofo Merleau-Ponty,
fazendo-o, contudo, de forma bastante frágil –; falta de referências às
problematizações de que as posturas, as propostas, as categorias e os
procedimentos fenomenológicos foram e são objeto, perdendo a dinâmica interna e
externa da constituição do movimento fenomenológico; empobrecimento teórico e
crítico de categorias engendradas na vertente aberta por Hurssel.
Cabe ressaltar que a exposição das características marcantes desses
períodos demonstra a estrutura sincrética
26
do Serviço Social apontada por Netto
(1992) ao se visualizar, na formação, a convivência de fundamentos científicos e
ideológicos no Serviço Social que pautam matrizes que se contrapõem. Dessa
forma, a próxima seção ise debruçar sobre a terceira direção desse movimento
a intenção de ruptura por se distinguir das demais, culminando em uma nova
concepção de profissão e de formação profissional, sendo esta, inclusive, a direção
privilegiada nessa tese (conforme já delimitado na introdução).
26
Netto (1992:88) defende ser o sincretismo “o fio condutor da afirmação e do desenvolvimento do Serviço
Social como profissão, seu núcleo organizativo e sua norma de atuação. Expressa-se em todas as manifestações
da prática profissional e revela-se em todas as intervenções do agente profissional como tal. O sincretismo foi
um princípio constitutivo do Serviço social”.
50
1.2 OS INSTRUMENTOS E CNICAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: DA
DIREÇÃO DE INTENÇÃO DE RUPTURA DO MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL À IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES DE
1996.
O processo de renovação marca o pluralismo
27
teórico-metodológico no
Serviço Social, quando, pela primeira vez, evidenciam-se nesse campo orientações
distintas, não necessariamente antagônicas, que travam um debate com a herança
intelectual e cultural conservadora. Entretanto, segundo Netto (1990), as direções de
modernização conservadora e reatualização do conservadorismo verificadas nesse
momento, apesar de avançarem ao oferecerem para o Serviço Social um tratamento
“científico”, buscam respaldo nas correntes sistêmicas (de origem positivista) e na
vertente fenomenológica, não rompendo, assim, com o universo teórico-
metodológico de tradição conservadora, pelo contrário, mantendo-o.
Para Netto, a única perspectiva que vai de encontro ao conservadorismo é a
“intenção de ruptura”. Apesar dessa perspectiva, em seu momento inicial década
de 1970 –, ter sido atravessada por equívocos, ao incorporar uma leitura “enviesada”
de Marx, o que acarretou a assimilação da concepção neopositivista de influência
althusseriana
28
, em seus momentos posteriores
29
tenta romper com os mesmos,
principalmente na década de 1980, que foi determinante para esse processo.
27
Segundo Iamamoto, “o pluralismo não se confunde com o ecletismo. Enquanto o pluralismo implica o embate
e o debate de diferentes posições, o ecletismo expressa-se como conciliação no plano das idéias, fruto, inclusive,
da tradição de conciliação política predominante em nossa formação histórica e social” (1992:180).
28
Haja vista a experiência da Escola de Serviço Social da UC/BH, conhecida como “método B.H.” Para maiores
detalhes, ver Netto (1990).
29
Abreu (2002) distingue dois momentos na intenção de ruptura. O primeiro tem lugar na década de 1970 e
expressa um viés mecanicista com rejeição das instituições estatais. um descompasso entre ação profissional
e ação política partidária e um superdimensionamento da participação popular. Nesse período, o debate sobre a
profissão se faz, sobretudo, nos meios acadêmicos. O segundo momento tem início no final da década de 1970 e
atravessa a cada seguinte. De orientação gramsciana, com uma perspectiva dialética, expande-se a polêmica
51
Devido à ditadura militar, inicialmente o processo de renovação em sua
direção de intenção de ruptura ficou restrito à academia. Com a abertura política,
esse processo ampliou-se para a categoria em meados de 1980. Desde então,
um amadurecimento das reflexões sobre a concepção marxista, buscando-se
ampliar os conhecimentos sobre Marx a partir de leituras do próprio autor e de
autores marxistas, como Lukács e Gramsci.
A perspectiva de intenção de ruptura” tentou romper com a herança
intelectual e cultural do Serviço Social, trazendo para o debate a concepção
marxista, a qual, marcada por uma racionalidade crítica e reflexiva, trouxe novos
elementos que ajudaram a repensar os instrumentais técnico-operativos do Serviço
Social bem como o Serviço Social enquanto constituído por uma dimensão política,
sobre a unidade entre teoria e prática a partir de uma visão de totalidade.
Essa perspectiva conseguiu chamar atenção para o caráter político dos
instrumentais técnico-operativos, negando uma suposta neutralidade no seu
manuseio, defendida pela razão instrumental, de cunho formal, bem como contribui
com o debate sobre a formação profissional, a qual durante o período entre 1975 e
1979, foi fortemente debatida no interior da categoria, culminando com a instituição
de um novo currículo em convenção da ABESS (Associação Brasileira de Escolas
de Serviço Social)
30
, em Natal, no ano de 1979. Sua aprovação pelo Conselho
Federal de Educação data de 1982, tornando-se, a partir dessa data, obrigatório
para todos os cursos de Serviço Social no Brasil.
anterior para o meio profissional, constituindo-se num momento de reflexão sobre os erros e acertos do período
inicial, tentando-se refletir sobre os equívocos ocorridos. Para Netto (1990), esses momentos são três: o de
emersão (1972/1975), o de consolidação acadêmica (1980) e o de espraiamento sobre a categoria profissional (a
partir de 1985).
30
Em 1996 ocorre a junção da ABESS ao CEDEPSS, recebendo a denominação de ABEPSS Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
52
A nova proposta curricular tentava romper com a metodologia tradicional
31
,
eliminando as disciplinas de Caso, Grupo e Comunidade. Ao mesmo tempo, buscou
empreender uma reflexão teórico-metodológica que partisse do conhecimento da
sociedade, utilizando pensadores clássicos (Karl Marx, Max Weber, Émile Durkheim,
entre outros) que, muito diferencialmente, oferecem uma produção teórico-
metodológica de explicação da mesma.
A mudança no currículo propiciou o surgimento de novas questões e
reafirmou velhas dúvidas quanto à dimensão teórico-metodológica do Serviço Social.
Uma pesquisa sobre “as tendências no ensino da metodologia em Serviço Social”
realizada pela então ABESS, divulgada no número 3 de sua revista (1989), em nível
nacional, apontou quatro tendências e contratendências quanto a esse ensino.
A primeira delas “se exprime pela tendência de justaposição e de articulação”
(idem:69). Refere-se à permanência do dualismo entre teoria e metodologia,
impregnada pela concepção positivista, ou seja, mantêm-se disciplinas de
metodologia, de teoria e de história como se não formassem uma unidade, uma
totalidade. Além desse divórcio, em vez de Caso, Grupo e Comunidade, mantêm-se
também uma visão tripartite com a divisão do conteúdo das disciplinas de
metodologia no estudo do positivismo, da fenomenologia e do marxismo e suas
respectivas derivações, vistos de forma isolada e tendendo à especialização
profissional a partir de cada uma.
A segunda tendência refere-se à “transição dos conteúdos do antigo para o
novo currículo, como um remanejo ou construção de um patamar crítico” (ibidem:
76). Algumas escolas tendem a fazê-lo apenas como remanejamento, outras como
construção de um patamar crítico. Essa transposição é feita, predominantemente, de
31
É considerado por metodologia tradicional a metodologia restrita aos processos de Caso, Grupo e Comunidade
53
forma mecanicista e fragmentada, não possibilitando perceber os elementos de
mudança entre eles. As disciplinas de metodologia são divididas de acordo com as
vertentes que influenciam o Serviço Social funcionalismo, fenomenologia e
marxismo sem, entretanto, aprofundar o significado dessa herança para o
momento atual. Percebeu-se, ainda, que a rejeição pelo “método” de Caso, Grupo e
Comunidade acarretou uma desvalorização da ação profissional nos atendimentos
individuais e grupais. Há uma associação entre esses “métodos” com, funcionalismo,
fenomenologia e dialética, respectivamente, ou seja, parte-se do pressuposto,
equivocado, que esses referenciais teóricos criam procedimentos de intervenção
próprios e específicos a eles.
A terceira tendência refere-se à redução do ensino da metodologia a uma
única disciplina ou em sua articulação com outras disciplinas do currículo. Aqui, a
pesquisa encontrou três manifestações: a ênfase no discurso teórico em detrimento
da unidade teoria/prática; a separação entre metodologia da ação e metodologia do
conhecimento; a compreensão da metodologia da ão e da metodologia do
conhecimento como uma expressão. Cabe ressaltar que essas manifestações
estão em debate, ainda hoje, no próprio marxismo.
Tendo ainda como referência a pesquisa divulgada nos Cadernos ABESS n.º
3, outra questão polêmica presente na terceira tendência é a existência ou não de
uma teoria própria do Serviço Social, questão discutida, também, dentro da matriz
marxista. Essa tendência enfatiza a apropriação complexa da relação teoria/prática,
denunciando “a identificação da sistematização de prática com a formulação de
teorias” (ibidem: 81) no interior da academia.
(ABESS, 1989:73)
54
A quarta tendência, segundo a pesquisa (1989:87), refere-se ao papel do
aparato "técnico-instrumental" no interior da discussão metodológica. De um lado, as
tendências caminham para uma ênfase no tecnicismo, em conformidade com nossa
tradição, e, de outro, para a politização das técnicas, acompanhando o movimento
de ruptura. Considero importante transcrever aqui alguns resultados dessa pesquisa
quanto a este item:
no ensino da metodologia tradicional havia uma preocupação em se ter um
domínio das técnicas de abordagem ligadas aos processos de Caso, Grupo
e Comunidade. Entretanto, o ensino desse instrumental era desvinculado de
uma proposta que lhe desse uma direção. No novo currículo o ensino da
Metodologia parece não aprofundar o significado do Serviço Social de Caso,
Grupo e Comunidade, deixando de lado o estudo de todo o instrumental
pertinente aos respectivos processos.
Nos relatórios regionais constata-se que no novo conteúdo da Metodologia
em Serviço Social o estudo do instrumental é visto de forma pouco
relevante, aparecendo como apêndice em algumas unidades dos conteúdos
programáticos. Na perspectiva de se relacionar a Metodologia do Serviço
Social aos métodos das Ciências Sociais, despreza-se grande parte do
conteúdo instrumental identificando-o com a da Metodologia tradicional, sem
se ter clareza sobre que instrumental poder-se-ia utilizar na nova proposta.
Nesse aspecto é fundamental refletir sobre que significado tem o
instrumental no processo de formação profissional (Cadernos Abess n.3,
1989: 87) (grifo meu).
Os pesquisadores afirmam que os informes obtidos na coleta de dados
indicam que a utilização dos instrumentos parece adquirir conteúdo na relação com
a teoria que lhe significado” e, também, apontam uma “preocupação [por parte
dos informantes] com a desvinculação entre instrumental e teoria” (ibidem: 87-88).
Fica aqui uma questão: existe uma relação entre teoria e instrumentos e técnicas?
Em caso afirmativo, que relação é essa? Essa questão tem por fundamento a
afirmativa posta, também nesse documento, de que “está evidente que do
referencial teórico-metodológico crítico-dialético não se inferem diretamente os
procedimentos particulares para a condução da intervenção profissional” (ibid:88).
55
Parece-me serem afirmativas que se contrapõem, o que aponta para a
complexidade da questão da relação teoria/prática.
Vem ao encontro de minha percepção a observação dos pesquisadores de
que mesmo as escolas que têm por referencial teórico-metodológico a concepção
crítico-dialética consideram esse referencial insuficiente para a ação, sendo “preciso
uma metodologia que conta da prática” (ibidem: 88). uma nítida confusão
entre metodologia e procedimentos operacionais, entre teoria e método e entre
teoria e prática que culmina nas afirmativas de que na prática a teoria é outra e de
que do referencial teórico-metodológico crítico-dialético deve-se inferir diretamente
os procedimentos particulares para a condução da intervenção profissional, ou seja,
os procedimentos são aferidos diretamente de um determinado referencial teórico.
A referida pesquisa (1989:67-68) indica, ainda, como dificuldades em relação
ao ensino da Metodologia em Serviço Social: “a fragmentação dos conteúdos das
disciplinas associada a pouca clareza teórica sobre método/metodologia, como
mediação da unidade entre teoria e prática”; “pouca fundamentação sobre a questão
da relação teoria/prática, apresentando dois pólos distintos centrados ou na teoria ou
na prática (teoricismo x praticismo)”; “a questão da capacitação docente”; “falta de
bibliografia intrínseca à área profissional e pouco acesso à bibliografia clássica”. No
meu entendimento, essas dificuldades denunciam que falta à categoria profissional
uma apreensão mais adequada do referencial teórico marxista. Essa apreensão
resulta num trato equivocado da relação teoria e prática. Esse resultado fortalece
minha visão de que a lacuna no trato dos instrumentos em Serviço Social que se
expressa a partir da década de 1970 advém de uma apropriação inadequada da
concepção de teoria e prática, merecendo, a meu ver, atenção para desmistificar a
“relação” teoria/instrumentos e técnicas – tema que desenvolvo no capítulo III e IV.
56
As tendências indicadas nestas pesquisas sugerem, segundo meu ponto de
vista, que o currículo implementado a partir de 1982 prioriza o ensino da teoria em
detrimento do ensino da prática. A dimensão técnico-operativa é considerada como
imanente ao posicionamento teórico e ético-político; os instrumentais da ação
prescindem de espaço específico no currículo. A academia passa a considerar que
se deter no ensino do “como operacionalizar os instrumentos e técnicas” seria um
retrocesso ao tecnicismo. Diante da dificuldade de compreensão do âmbito da teoria
e do âmbito da prática que a primeira é supervalorizada –, os profissionais se
vêem diante da dificuldade de compreensão de como a teoria contribui para a ação,
de saber qual é o papel da teoria e quais são seus limites. Assim, tentam enquadrar
a teoria na prática e, não conseguindo, consagram a afirmativa de que na prática a
teoria é outra. Houve um amadurecimento na forma de conceber os instrumentos e
técnicas, mas o mesmo não se fez acompanhar de um amadurecimento na forma de
incorporá-lo em suas particularidades na formação e na produção acadêmica
32
do
Serviço Social. A academia não vem se detendo nas particularidades do uso dos
instrumentos para atender as demandas profissionais, na habilitação para o seu
manuseio. Nesse processo que ocorre com rupturas e continuidades, avanços e
retrocessos, amadurecimentos, mas também um vazio que precisa ser
preenchido e o qual se caracteriza como o desafio da categoria.
O movimento de ruptura pôs em xeque, portanto, o “tecnicismo”, mas pode ter
incorrido numa atitude oposta: a negligência de uma reflexão sobre a dimensão
técnico-operativa do Serviço Social dentro dessa nova direção da profissão.
É interessante registrar que, em 1980, no período de 03 a 05 de dezembro, a
PUC/SP organizou um seminário sobre metodologia do Serviço Social, o qual
32
Nesta direção, quero destacar aqui a contribuição de Martinelli (1994), Sarmento (1994), Trindade (1999) e
57
objetivava “alimentar a prática de ensino desenvolvida em nossos cursos a partir de
um reflexão conjunta e aprofundada, sem posições pré-definidas, de professores,
alunos e supervisores” (Cadernos PUC, 1980:3). Da leitura do referido material,
chamou-me a atenção a seguinte conclusão:
temos percebido que o nosso curso pouco instrumentaliza o aluno. Na
verdade, temos tido certa resistência em dar “técnicas” de intervenção. No
entanto, elas o fundamentais para operacionalizar qualquer trabalho
profissional. Sem dúvida, estão também vinculadas a posturas teórico-
metodológicas que lhes dão o conteúdo específico na ação. Será preciso
repensar formas de alocar no currículo (em que disciplinas) as técnicas, que
são nossas ferramentas de trabalho. Importante, também, será sistematizar
e pesquisar novas técnicas que m surgido na ação profissional (idem:37)
(grifo meu).
Essa pesquisa data do ano de 1980, contudo, na década de 1970, em
algumas escolas, o predomínio de uma visão tecnicista já era bastante questionado.
Retomando a afirmativa de Junqueira (1980) de que até meados da década de 1940
havia uma ausência de técnicas no Serviço Social, considero que esse período
tecnicista foi hegemônico num espaço de tempo bem definido (aproximadamente
1950-1965), sendo que a partir da década de 1960 teve que dividir espaço com
concepções que se contrapunham a essa visão. Tal percepção é confirmada com a
aprovação, em 1979, pela categoria, após um longo debate (que se inicia
aproximadamente em 1975), de uma nova proposta curricular que rompe com essa
direção. Assim, essas constatações indicam que o ensino dos instrumentos e
técnicas sempre foi – mesmo em épocas onde havia um supervalorização da técnica
– insuficiente e/ou inadequado.
Em síntese, essa breve análise da historiografia do Serviço Social me faz
identificar uma relação tensa da formação profissional com os instrumentos e
Vasconcelos (2002).
58
técnicas que se resume em três grandes posturas. Estas denunciam os avanços,
mas também apontam a insuficiência e a inadequação dessa discussão na formação
profissional:
1- que substitui os instrumentos e técnicas pela moral religiosa, católica, com
um perfil ético-moral religioso;
2- que identifica instrumentos e técnicas com a moral laica, republicana e
burguesa, com a técnica a serviço da eficiência e da eficácia do sistema;
3- que as substituem por princípios éticos e vontade política.
Sendo assim, questiona-se: como se dá essa relação hoje?
Em 1996 foi aprovado pela categoria o documento “Diretrizes Básicas para a
Formação Profissional e, em 2001, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE),
“As novas diretrizes curriculares para o curso de Serviço Social”, não mais como
currículo mínimo obrigatório. Neste, o ensino da prática é retomado, tendo um
caráter de horizontalidade
33
a todo o currículo, juntamente com a pesquisa e a ética.
Segundo a ABESS/CEDEPSS (1996), a concepção de competência profissional
passa a englobar as dimensões que compõem a intervenção profissional: teórico-
metodológica; ético-política e técnico-operativa.
Diante da exposição acima, sintetizo a formação profissional, conforme
Faleiros (2000:165-166), indicando seis momentos no processo de reforma curricular
que marcam períodos distintos de nossa conjuntura:
- Anos 30 currículo fragmentado, centrado no disciplinamento da força
de trabalho através dos valores cristãos e controle paramédico e parajurídico;
33
Não é utilizado de forma explícita, nos dois documentos base, o adjetivo “transversal” para se referir ao ensino
da prática, mas sim enfatizada a relação horizontal entre os três núcleos, referindo-se ao “estabelecimento das
dimensões investigativa e interventiva como princípios formativos e condição central da formação profissional”
(ABESS/CEDEPSS, 1997:61) (grifo meu). Quanto ao ensino da ética, esse é assim pronunciado: “ética como
princípio formativo perpassando a formação curricular” (idem, 1997:62) (grifo meu).
59
2º- Pós-guerra currículo centrado na integração com o meio, na adaptação
social. Em 1952 é elaborado um currículo estruturado nos enfoques de “Caso”,
“Grupo” e “Comunidade”, sendo inserida as disciplinas de pesquisa, administração e
campos de ação;
3º- Anos 60 currículo centrado na solução de problemas individuais, no
desenvolvimento e planejamento social. Valores cristãos em contraposição à
influência dos setores progressistas cristãos socialmente engajados. Predomínio da
visão desenvolvimentista;
4º- Anos 70 currículos centrados no planejamento social com ênfase numa
visão tecnocrática/integradora; com o contraponto do trabalho comunitário e
pesquisa crítica;
5º- Anos 80 – reforma curricular centrada na crítica ao sistema capitalista, nas
políticas sociais e nos movimentos sociais com visão de integração social e
contraponto da visão de participação social, de cidadania e de luta de classes;
6º- Anos 90 – reforma curricular “centrada na análise da ‘questão social’ e nos
fundamentos teóricos e históricos da profissão enquanto ‘processo de trabalho’ – em
implementação. Teoria marxista da reprodução social”.
Encontra-se, nesse último período, o foco de minha questão. Deter-me-ei,
portanto, no capítulo seguinte, em situar o papel e o lugar que essa nova proposta
pedagógica e as diretrizes curriculares destinam aos instrumentos e técnicas.
2 OS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NA NOVA PROPOSTA DE FORMAÇÃO
PROFISSIONAL (1996)
No capítulo anterior elaborei um breve passeio pela historiografia da
profissão, delineando as diferentes concepções de profissão que marcam as
tendências no tratamento da questão dos instrumentos e técnicas em Serviço Social.
Essas tendências manifestam-se na formação profissional, para cujo projeto existe,
hoje, uma nova proposta incluindo novas Diretrizes Curriculares para a área de
Serviço Social – que se distinguem das propostas anteriores.
Assim neste capítulo, especifico qual a concepção de formação que permeia
tal projeto e alguns elementos que dificultam a sua implementação. Destaco, através
de análise de informações obtidas sobre alguns cursos, as manifestações postas
pela academia que determinam as lacunas existentes quanto ao tema dos
instrumentos e técnicas na formação profissional dos Assistentes Sociais em uma
análise dialética que o processo em sua contraditoriedade, portando uma relação
de continuidade e de ruptura –, dedicando especial ênfase em situar o lugar e o
papel dos mesmos na proposta de formação profissional em vigor nos cursos de
Serviço Social do Brasil.
2.1 A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR E A PROPOSTA DE
FORMAÇÃO CONTIDA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DE 1996
Na nova “proposta de formação profissional”, a formação não é considerada
como uma mera reprodução de quadros profissionais nem uma mera formação de
60
mão-de-obra qualificada. Sua finalidade não se resume em preparar o profissional
para o emprego; nem tampouco reduz-se a formação profissional às Diretrizes
Curriculares. As Diretrizes Curriculares de um curso fazem parte do projeto de
formação profissional, elas indicam uma determinada forma de pensar a formação.
Ela é um projeto articulado que envolve comprometimento com uma direção que
tenha definido que tipo de profissional se pretende formar; para que formar; para
quem formar.
O projeto de formação profissional aprovado pela categoria no que se refere a
esses três elementos fundamentais é bastante elucidativo. Quanto ao perfil do
profissional que se pretende formar, afirma ser o de um profissional capaz de
privilegiar a defesa dos direitos sociais, a ampliação da cidadania e a consolidação
da democracia, com uma competência a ser adquirida nas várias dimensões que
compõem o agir profissional: teórico-prática, técnica e ético-operativa. A formação
profissional se configura, então, como um “processo de qualificação teórico-
metodológico, técnico e ético-político para o exercício dessa especialização do
trabalho coletivo” (ABESS/CEDEPSS, 1996:163).
Nessa direção fica determinado o para que formar. A formação deve contribuir
para o desenvolvimento intelectual de uma profissão, com a constituição de
quadros intelectuais que possuam responsabilidades sociais sobre certos
aspectos da vida social; a construção de novas consciências e práticas
acadêmicas; além de ser um dos muitos espaços de formação cultural,
política e de exercício e luta pela cidadania (Cardoso et alli, 1993:4).
Trata-se, portanto, de formar profissionais não apenas com perfil técnico, mas,
sobretudo, com perfil intelectual. Profissionais que sejam capazes não apenas de
atender às necessidades do mercado, mas também de propor projetos de
intervenção profissional e de se fazerem necessários em áreas que ainda não
61
dispõem da atuação do Assistente Social, ampliando o mercado de trabalho.
Profissionais que sejam formados para a sociedade, “envolvidos com a construção
de uma nova cidadania coletiva, capaz de abranger as dimensões econômicas
políticas e culturais da vida dos produtores de riqueza, do conjunto das classes
subalternas” (Iamamoto, 1998:185).
Uma proposta de formação profissional nessa direção requer um projeto
pedagógico que contenha a “definição das ações intencionais de formação, de como
as atividades de professores, de alunos, da administração do curso se organizam, se
constróem e acontecem, como um compromisso definido e cumprido coletivamente”
(Silva,1998:20-21).
A partir dessa concepção, pode-se inferir quem são as agências e os agentes
responsáveis pela formação. As agências formadoras não se restringem ao espaço
da academia as universidades mas também os órgãos responsáveis pela
organização da categoria, como, por exemplo, a ABEPSS, o conjunto
CFESS/CRESS, a ENESSO, os sindicatos e as instituições que oferecem campos
de estágio. Nesse sentido, são agentes de formação: docentes, discentes,
supervisores de campo e profissionais que estão diretamente vinculados aos
organismos responsáveis pela organização da categoria. Cabe, contudo, ressaltar
que a universidade tem responsabilidade diferenciada nesta formação, que constitui
sua natureza e sua função precípua; a mesma é sustentada na articulação entre
ensino, pesquisa e extensão, tendo, por isso, um espaço privilegiado para a
formação, o que não a torna, todavia, a única responsável por essa. Essa é uma
questão que deve ser enfrentada por toda a categoria profissional do Serviço Social,
mas impulsionada pela academia.
62
Um projeto de formação profissional nesses moldes é construído
coletivamente pela categoria profissional. Trata-se de um processo constituído por
referenciais teóricos e influenciado pela conjuntura social, econômica, política e
cultural do país, refletindo a correlação de forças sociais que ocorre na sociedade e
na universidade, sendo, também, resultado da atuação da categoria profissional.
Nesse sentido, a defesa do projeto ético-político da profissão expresso nessa
concepção de formação requer a apropriação da concepção de educação contida na
política nacional de educação em andamento na sociedade brasileira. A concepção
de educação privilegiada no Brasil desde a década de 1960, com o período da
“autocracia burguesa”, fortalecida nos dois governos do Presidente Fernando
Henrique Cardoso inclusive com a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) em 1996 e em continuidade hoje, com o governo Lula,
evidenciada na proposta de reforma do ensino superior em andamento, encontra-se
em dissonância com a concepção defendida nessa proposta de formação profissional.
A concepção de educação defendida pelo atual governo federal em
continuidade às propostas de governos anteriores se expressa na reforma do
ensino superior intimamente ligada à reforma do Estado –, cuja LDB/1996
34
e suas
legislações regulamentadoras são as suas sustentações legais. Segundo Belloni
(1997:126), do ponto de vista da educação superior, a perspectiva educacional que
orienta a nova LDB reforça a tendência profissionalizante hoje vigente mas
questionada, na qual a formação global é escassamente considerada” (grifo meu).
A LDB/1996 vem processando inovações no ensino superior que provocam
mudanças na formação e refletem no perfil de profissional que se quer formar, no
para que formar e para quem formar. Trata-se “de uma mudança na filosofia mesma
63
do significado e papel da educação na construção da sociedade” (Ferreira, 2000:82),
provocando alterações não no Serviço Social, mas em toda educação, em
especial, na pública.
Sem deixar de reconhecer a importância de uma análise sobre a educação
superior brasileira
35
no contexto das reformas em andamento, deter-me-ei, aqui,
apenas em elucidar onde essas mudanças interferem na implementação das novas
Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social.
Netto (2000) indica cinco traços da política do ensino superior na atualidade
brasileira. O primeiro é o favorecimento à expansão do privatismo, que, segundo ele,
inicia-se com a instauração da ditadura em 1964, quando o ensino superior se
“transforma em campo de aplicação do capital” (idem:27). Se até então esse
privatismo se referia apenas ao ensino de graduação, a partir do governo Fernando
Henrique Cardoso, esse estende-se ao ensino de pós-graduação.
O segundo é a liquidação, na academia, da relação
ensino/pesquisa/extensão, separando esses três elementos, que formam ou
formavam o tripé da universidade. Na atual LDB fica evidente que a pesquisa não é
responsabilidade de todo o ensino superior, ficando a mesma sob a
responsabilidade dos Centros de Excelência, distinguindo-se as universidades
desses. Essa característica culmina no terceiro traço, qual seja, a supressão do
caráter universalista da universidade.
34
Lei n.º 9.394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996.
35
Para análise da educação superior, indico as seguintes leituras: TRINDADE, Hélgio (Org.). Universidade em
Ruínas: Na República dos Professores. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1999; BALZAN, N.C. e SOBRINHO, J.
D. (Orgs.) Avaliação Institucional: teoria e experiências. São Paulo: Cortez, 1995; BRZESINSKI, I (Org.). LDB
Interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997.
64
O quarto traço, que para mim está intimamente ligado ao primeiro o
privatismo – é a subordinação dos objetivos universitários às demandas do mercado,
passando este a legitimar a eficácia universitária.
O quinto traço, o qual, igualmente, se relaciona com os demais, é que a
concepção da autonomia passa a ser a autonomia financeira, ou seja, o governo
federal reduz sua participação financeira às universidades públicas, cabendo ao
mesmo a responsabilidade de obter recursos para sua manutenção, estimulando o
laço da universidade com o mundo empresarial.
Tais traços, no meu entendimento, determinam o perfil do profissional que se
pretende formar, qual seja, um profissional eficaz e eficiente para atender,
unicamente, às necessidades do mercado, portanto esse profissional é formado para
o mercado. A universidade é instituída, exclusivamente, para transmitir
conhecimentos que atendam à formação de mão de obra especializada para o
mercado de trabalho, imprimindo à universidade brasileira um viés mercantil e
empresarial com incentivo à privatização, submetendo-a aos interesses
empresariais. Conforme Iamamoto (2000:44), “a universidade passa a ser um centro
de produção de ciência e tecnologia filtrada pelos interesses do grande capital, em
troca dos subsídios e financiamentos concedidos”. Esse para quem define o para
que do ensino superior explicitado nesta citação de Iamamoto (idem:50):
A contrapartida [da autonomia financeira] é a negação da autonomia do
conhecimento, enquanto livre produção do saber. O seu fim deixa de ser a
descoberta da verdade histórica, a busca do saber universal, passando a
ser dominada pelo ’saber pragmático e instrumental’, ‘operativo’
‘internalizado’, produzido sob encomenda para que as ‘coisas funcionem’.
Faz com que a universidade, em nome da internacionalidade, perca a sua
universalidade.
65
Esses traços correspondem às diretrizes impostas pelo Banco Mundial a
serem adotadas para reformar o ensino superior, de acordo com indicação de
Sobrinho (1999:153), a saber: estimular a diversificação das instituições públicas e a
competitividade entre elas; buscar fontes alternativas de financiamento para as
universidades públicas; o financiamento do Estado deve corresponder ao aumento
de produtividade da instituição; estimular a ampliação de instituições privadas;
redefinir o papel do Estado em relação ao ensino superior, sua atuação deve ser
reduzida à melhoria da qualidade acadêmica e institucional.
Sem dúvida alguma, o projeto de formação profissional em andamento no
Serviço Social vai na contramão dos traços e características acima indicadas, os
quais influenciam na implementação do mesmo, não apenas no que se refere à
distinta posição quanto ao perfil do profissional que se quer formar, para que e para
quem formar. Na verdade essas características se materializam de diversas formas.
Uma delas é na aprovação com restrição pelo Conselho Nacional de Educação das
Diretrizes Curriculares estabelecidas pela categoria em 1996 após inúmeros
encontros e debates, modificando princípios fundamentais do mesmo
36
,
descaracterizando a proposta. Para Ferreira (2000:95), os cortes e restrições
sofridos podem acarretar um esvaziamento das diretrizes “já que existe uma
contradição entre a proposta de formação subjacente à reforma do ensino superior”.
Igualmente grave é o processo de privatização e mercantilização do ensino
superior, fazendo ampliar, exageradamente e sem critérios, o número de cursos
privados de Serviço Social mas não desses no Brasil, principalmente na
região sudeste. Segundo Ferreira (2001:63), em 1998, havia 89 cursos de Serviço
36
Acerca do processo de aprovação, com cortes e restrições, vale a pena consultar a nota de rodapé 6 de
Iamamoto (2002:22) e Ferreira (2004), em que se expõem o difícil processo junto ao Conselho Nacional de
Educação, culminando com a descaracterização das diretrizes originais proposta pela categoria.
66
Social reconhecidos pelo MEC. De acordo com dados do INEP/MEC, em 2002, esse
número sobe para 111 cursos. Em 2005, existiam174; desses, 142 privados e 32
públicos. Em março de 2006, segundo informações da ABEPSS Nacional, existiam
198 unidades de ensino, 32 públicas e 166 privadas. Ou seja, entre 1998 e março de
2006 houve um crescimento de aproximadamente 122% de cursos de Serviço Social
no país
37
.
Dados oferecidos por Cunha (1999:41) sustentam esse caráter privatizante e
de fragmentação institucional do ensino superior no Brasil. Ele afirma que 60% dos
estudantes de graduação estão matriculados em instituições privadas,
predominando as faculdades isoladas e associações de faculdades (N = 724) em
contraposição às universidades (N = 131). As faculdades isoladas e as associações
predominam no setor privado (80%). Ainda, de acordo com Cunha (2003:151), em
1990 haviam 35 universidades federais (autarquias e fundações) no país; em 2003
são 39, ou seja, esse segmento foi o que menos cresceu em todo o ensino superior
universitário. A esse respeito Trindade (1999:22) afirma que
a problemática é latino-americana e, mesmo nos países com forte tradição
de ensino público hegemônico, como México, Argentina e Uruguai, a
expansão do ensino privado é um fato significativo, indicando uma nova
tendência. Do privado sob a hegemonia do público (Daniel Levy, anos 70)
passamos progressivamente para o público submetido à expansão
descontrolada do privado.
Esse crescimento acelerado ocorreu logo após a discussão e aprovação pela
categoria profissional da nova proposta curricular em 1996, o que significa que esses
novos cursos não acompanharam esse processo, podendo inclusive desconhecê-lo,
37
Segundo informações da Presidente da ABEPSS, por ocasião da Plenária ampliada do conjunto
CFESS/CRESS ocorrida em 28/29 de abril de 2006, já são 209 cursos de Serviço Social no Brasil.
67
tendo em vista as modificações feitas pelo CNE. Este fato, segundo Ferreira (2004)
vem dificultando a implementação, na íntegra, das novas diretrizes.
Soma-se a isso a defesa da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão nas universidades. A proposta de formação em andamento no Serviço
Social sustenta a importância desse tripé para a universidade brasileira, sendo um
dos seus princípios a “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”
(ABESS/CEDEPSS, 1997:61).
No que se refere à pesquisa, esta é concebida como parte constitutiva do
exercício profissional e, portanto, da formação, nos dizeres de ABESS/CEDEPSS
(1996:152)
de fato, a pesquisa das situações concretas é o caminho para a
identificação das mediações históricas necessárias à superação da
defasagem entre o discurso genérico sobre a realidade e os fenômenos
singulares com os quais se defronta o profissional no mercado de trabalho.
Aliás, a principal via para superar a reconhecida dicotomia entre teoria e
prática, requalificando a ação profissional e preservando a sua legitimidade.
Dessa forma, nessa proposta, a pesquisa não pode ser uma atividade eventual, mas
sim inerente ao processo de formação profissional. Associada à atividade de
pesquisa, tem-se a extensão, ambas consideradas como “atividades
complementares” às atividades formativas básicas, ou seja, não podem ter um
caráter apenas mercantilizante de ofertas de serviços, de venda de produtos e sim
objetivar o ensino e a aproximação da universidade à sociedade, do conhecimento à
realidade. Como assinala Belloni (1997:131),
a extensão, desligada da produção acadêmica e do ensino, transforma a
universidade em prestadora de serviço de caráter assistencial ou de
consultoria técnica. Os estágios, que são dos alunos e dos professores, não
se constituem em canal suficiente e adequado para a necessária interação
com a sociedade, suas necessidades e prioridades.
68
As considerações acima elaboradas são importantes no sentido de sinalizar
que o processo de implantação da proposta de formação profissional, materializada
nas Diretrizes Curriculares passa por mediações que envolvem a concepção de
educação intrínseca à reforma do ensino superior; as condições de trabalho e ensino
defendidas pelo mercado; a gica curricular e a direção social e estratégica da
profissão (ABEPSS gestão 2005-2006). É nesse sentido que pensar a formação
profissional dos Assistentes Sociais e o instrumental nas suas intenções e tensões
tem que considerar as mediações da realidade postas neste momento histórico pela
“contra-reforma” do ensino superior, inclusive porque disso deriva uma dada
concepção de instrumento e do papel dos mesmos, tendo em vista determinados
objetivos.
É dentro desse contexto que, nas seções seguintes, farei uma exposição das
Diretrizes Curriculares no que se refere aos instrumentos e técnicas, tentando
delinear o papel e o espaço destinados aos mesmos nos cursos de Serviço Social.
2.2 AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA OS CURSOS DE
SERVIÇO SOCIAL
A década de 1990 é, para o Serviço Social, um período de amadurecimento
das reflexões acerca da proposta curricular de 1982; um período em que a
preocupação com a reforma curricular ganha ainda mais espaço e as críticas à
proposta de 1982 oferecem subsídios para a reformulação do currículo.
As atuais Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social fazem parte
da nova proposta de formação profissional construída pelo conjunto da categoria
69
nos anos de 1990 cujo conteúdo está contido em alguns documentos
38
sicos
escritos a partir de relatórios dos debates ocorridos em oficinas locais, regionais e
nacionais promovidos pelo conjunto ABESS/CEDEPSS, CFESS/CRESS e ENESSO,
num período de três anos (1993 a 1996).
O documento “Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional” tem
como parâmetros:
1- o currículo anterior, complementando-o e aprofundando-o, propondo como
perspectiva fundante da formação profissional um rigoroso trato teórico, histórico e
metodológico da realidade social;
2- o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais de 1993;
3- a Lei de Regulamentação da Profissão atual.
Esses três documentos constituem os pilares que oferecem sustentação ao
projeto profissional do Serviço Social hegemônico hoje na categoria.
De acordo com o documento citado publicado em 1996 na Revista Serviço
Social e Sociedade n.º 50 , enfatiza-se, nessa nova proposta, a concepção da
prática do assistente social como trabalho
39
e de seu profissional como trabalhador
assalariado, especializado, sendo sua matéria-prima “as múltiplas manifestações da
questão social na vida cotidiana que constituem o objeto dessa especialização do
trabalho” (1996:162). Na formulação da proposta, justifica-se que assumir o Serviço
Social como trabalho implica reconhecer que as alterações na esfera da produção e
38
Destaco aqui os documentos: “Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional” (apresentado em
novembro de 1995, na XXIX Convenção Nacional da ABESS realizada em Recife/PE) e “Diretrizes Gerais para
o Curso de Serviço Social” (com base no currículo mínimo aprovado em Assembléia Geral Extraordinária de 8
de novembro de 1996), ambos redigidos pela ABESS/CEDEPSS. Desses documentos originaram vários artigos
sobre a formação profissional, sua proposta pedagógica e diretrizes curriculares que vêm contribuindo para a
compreensão e aprofundamento dos mesmos.
39
É importante registrar que, dentre outras, polêmicas no meio acadêmico em torno da relação trabalho,
processo de trabalho do assistente social e prática profissional do Serviço Social. Ver Ferreira (2004), Cardoso
(2000) e ABEPSS (2000).
70
reprodução social afetam este campo disciplinar através das novas configurações da
questão social, como também através de mudanças nas condições objetivas de seu
trabalho.
Apreender as novas dimensões que permeiam o significado social da
profissão, segundo o documento “Proposta Básica para o Projeto de Formação
Profissional”, requer acompanhar o processo histórico de forma atenta e oferecer
aos profissionais uma capacitação teórico-metodológica que lhes dêem condições
de fazer uma (re)leitura crítica da trajetória intelectual da profissão. Requer, também,
“explicar a interferência das incorporações teóricas na análise da prática, na
priorização de conteúdos a ela atinentes e nas formas de condução técnico-
operativas dessas incorporações” (idem:166). Isso supõe a superação da concepção
tripartite da história, da teoria e do método que não poderiam ser diluídos em
disciplinas estanques, visto encontrarem-se articuladas “como dimensões de uma
única questão, a concepção teórico-metodológica historicamente situada (como
explicação da sociedade e explicação da profissão) que orienta o exercício
profissional e as suas formulações teóricas” (ABESS 3, 1989: 19). Sendo assim,
história, teoria e método passam a ser considerados como parte dos pressupostos
que perpassam todo o processo formativo.
A proposta de formação profissional se materializa através das novas
Diretrizes Curriculares e não mais “currículo mínimo”, conforme a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996 –, tendo como eixo
central a “questão social” nas suas determinações sócio-históricas e ideo-políticas.
Dessa forma, essas Diretrizes Curriculares aprovadas com cortes e
restrições pelo Conselho Nacional de Educação e homologadas pelo Ministério da
Educação e do Desporto em 04/07/2001– enfatizam princípios que fundamentam a
71
formação profissional (ABESS/CEDEPSS, 1997:61-62). Dentre esses, podem ser
destacados a dimensão interventiva e investigativa como condição central da
formação profissional, chamando a atenção para os equívocos anteriores, com a
exagerada abordagem do “como fazer” tecnicista e instrumental; a afirmação da
unidade entre teoria e prática, entre competência técnica e política; a adoção de
uma teoria social crítica que permite um método de apreensão do singular como
expressão da totalidade social e vice-versa, a totalidade como expressão do
singular; a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; o exercício do
pluralismo; a transversalidade do ensino da ética e da pesquisa; o estágio
acompanhado, obrigatoriamente, de supervisão profissional (de campo e
acadêmica).
Esse documento propõe, igualmente, diretrizes e metas para a formação
profissional a partir de premissas que podem ser sintetizadas em uma primorosa
capacitação:
> Teórico-metodológica, que permita uma apreensão crítica do processo
histórico como totalidade, que saliente a necessidade de tratar o campo das
mediações, possibilitando transitar de níveis mais abstratos para as
singularidades da prática profissional, a fim de compreender a prática
profissional como forma de trabalho determinado socialmente;
> Ético-política, que consolide os valores e princípios legitimados no atual
Código de Ética e possibilite apreender a prática profissional em sua
dimensão teleológica;
> cnico-política, para a gestão de serviços sociais na esfera estatal e
privada, empresarial ou não;
72
> Investigativa, como base para um ensino na busca da formação histórica
da sociedade brasileira e articulada à intervenção profissional, no sentido de
uma habilitação teórico-metodológica e técnico-política. Esta é considerada
como a “principal via para superar a reconhecida dicotomia entre teoria e
prática” (ABESS/CEDEPSS, 1996:152);
> Uma capacitação apta para apreender as demandas postas no mercado
de trabalho, tradicionais e emergentes.
Quanto às metas, destaco duas: “a permanente capacitação do corpo docente
no campo teórico-metodológico da pesquisa, da recriação de estratégias, táticas e
técnicas condizentes com as mudanças na configuração da questão social e nos
sujeitos envolvidos” e a “ampliação do investimento acadêmico no tratamento da
prática profissional, especialmente quanto ao ensino prático, à política de estágio e
ao intercâmbio entre unidades de ensino e instituições do mercado de trabalho”
(ABESS/CEDEPSS, 1996:167).
Desse modo, para sua operacionalização, as novas Diretrizes Curriculares
oferecem uma estrutura inovadora que abrange um conjunto de conhecimentos
relacionados entre si e expressos em três núcleos de fundamentação, a saber,
núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, núcleo de fundamentos
da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e núcleo de
fundamentos do trabalho profissional. Esses núcleos o considerados como
indissociáveis entre si em uma relação de horizontalidade entre os mesmos,
expressando “níveis diferenciados de apreensão da realidade social e profissional,
subsidiando a intervenção do Serviço Social” (ABESS/CEDEPSS, 1997:64).
É importante ressaltar que tais núcleos representam uma nova lógica
curricular, coerente com uma direção teórica marxista, em que, “a formação
73
profissional constitui-se de uma totalidade de conhecimentos que estão expressos
nestes três núcleos, contextualizados historicamente e manifestos em suas
particularidades” (ABESS/CEDEPSS, 1997:63), sendo, portanto, considerados como
eixos articuladores da formação pretendida, desdobrando-se em áreas de
conhecimento. Assim, os componentes curriculares matérias, disciplinas, atividades
complementares e atividades indispensáveis integradoras do currículo devem ser
originados desses núcleos, ou seja, toda a proposta curricular encontra-se
estruturada a partir desses núcleos temáticos, os quais articulam um conjunto de
conhecimentos e habilidades necessário à qualificação profissional dos assistentes
sociais na atualidade” (Iamamoto, 1998:71).
Tais núcleos detém a possibilidade de instrumentalizar o Assistente Social
para a intervenção profissional, sendo que, o núcleo de fundamentos do trabalho
profissional é considerado central nas Diretrizes Curriculares, e os demais se
direcionam a ele complementando-o e reforçando-o, pois para uma intervenção com
competência, faz-se necessário a compreensão do significado social da profissão.
Conforme explicita Ferreira (2004:29):
o caráter interventivo da pr
ofissão deve estar presente
em todo currículo, isto é, todos os conteúdos do currículo devem ser a base
para formar um profissional que vai intervir na realidade. Assim, os
conteúdos de todas as disciplinas devem ter a preocupação de mostrar a
vinculação entre teoria, realidade e as possibilidades de intervenção
profissional em diferentes contextos e momentos históricos.
Em outros termos, há uma indicação de que o “ensino da prática” deve
ocorrer necessariamente nos três eixos entretanto, considero que em níveis
diferenciados, uma vez que compreender o significado social da profissão é
fundamental para a ação, mas essa compreensão é de âmbito da teoria e o leva,
74
de imediato, à materialização da prática. Para isso, exige-se também um outro tipo
de conhecimento, o conhecimento procedimental
40
.
Nessa direção, o fato de se considerar esses núcleos como indissociáveis
entre si, bem como instrumentalizantes para a ação, não significa que seus
conteúdos desenvolvam as mesmas capacidades ou que possibilitem o mesmo tipo
de conhecimento. A intervenção profissional propriamente dita exige um tipo de
conhecimento que vai para além do conhecimento teórico e do conhecimento sobre
a realidade na qual se quer intervir. É necessário, portanto, demarcar e tratar das
questões que diferenciam esses núcleos.
Essa proposta de formação profissional é considerada, no meio acadêmico,
inovadora, principalmente por destacar a centralidade da dimensão interventiva e da
dimensão investigativa e indicar a dimensão ética como perpassando todo o
processo de formação. Ela ressalta a concepção de unidade entre as dimensões
técnico-operativas e teórico-metodológicas, bem como a concepção de que os
instrumentos devem ser escolhidos tendo por base a pesquisa e a intenção dos
sujeitos profissionais. Conforme redação do projeto de formação profissional,
por outro lado, a habilitação cnico-operativa do profissional tem sido um
dos muitos reclamos feitos à formação profissional. É necessário atribuir
maior importância às estratégias, táticas e técnicas instrumentalizadoras da
ação em estreita articulação com os avanços obtidos no campo teórico-
metodológico e da pesquisa. Isto porque a justificativa da escolha do
instrumental, das metas visadas, assim como o do conteúdo por eles
veiculados, tanto depende dos resultados da análise da realidade como da
intencionalidade e direção social imprimidas pelos sujeitos profissionais
(ABESS/CEDEPSS, 1996:153) (grifo meu).
40
Entendo por conhecimento procedimental os conhecimentos sobre os procedimentos necessários para
operacionalizar uma intervenção, sobre os modos de agir, sobre a construção operacional do fazer.
Conhecimentos sobre as habilidades necessárias ao manuseio dos instrumentos e sobre os próprios instrumentos.
75
Em outro momento desse documento, fica evidenciada, mais uma vez, a
ênfase destinada à articulação entre dimensão técnico-operativa e teórico-
metodológica. Isso ocorre quando se afirma a necessidade de um acompanhamento
do processo histórico e de uma capacitação teórico-metodológica para a
compreensão do significado social da profissão. Por sua vez, compreender esse
significado requereria decifrar o modo de pensar que historicamente informou as
sistematizações sobre a prática através do estudo das fontes teóricas que informam
e incorporam o Serviço Social e de seu rebatimento na “análise da prática, na
priorização de conteúdos a ela atinentes e nas formas de condução técnico
operativas das mesmas” (idem:166) (grifo meu). Essas Diretrizes Curriculares
salientam a importância da apreensão das demandas, tanto as tradicionais quanto
as emergentes, postas no mercado de trabalho, na formulação de respostas,
estratégias, táticas e instrumentos que possibilitam o enfrentamento das expressões
da questão social, ou seja, os instrumentos devem ser pensados,
fundamentalmente, a partir das demandas postas ao Serviço Social e tendo em vista
a finalidade da ação profissional.
Instaura-se com as novas diretrizes uma nova lógica para a formação
profissional, implicando uma relação intrínseca e dialética entre formação e
profissão. Dessa forma, a categoria ao estabelecer uma nova forma de conceber os
instrumentos e técnicas, por suposto que essa deva ser absorvida tanto pela
formação quanto pela prática profissional, o que supõe estabelecer uma nova
maneira de conceber e lidar com os instrumentos e técnicas da ação profissional
como com seu ensino.
Segundo o documento “Currículo Mínimo: Novos subsídios para o Debate”
(1996), são o rigor teórico metodológico e o acompanhamento da dinâmica
76
societária que vão oferecer um novo estatuto à dimensão interventiva e operativa da
profissão.
Nesse documento fica explícito que nenhuma técnica se define fora de um
contexto histórico e de uma opção teórico-metodológica, e, dessa forma a
preocupação com o processo de trabalho do Serviço Social está longe de reduzir-se
ao debate acerca de instrumentos e cnicas, mas os engloba. Esse entendimento,
significa um salto na reflexão sobre a formação no sentido de enfrentar as
dimensões estratégicas e técnico-operativas do trabalho profissional.
Considero, todavia, que esse salto somente poderá ser plenamente atingido
quando, de fato, a profissão enfrentar essa dimensão, detendo-se na
operacionalização dos instrumentos e técnicas da intervenção profissional, e não
apenas explicitando a subordinação destes à dimensão teórico e ético-política,
apesar de reconhecer que tal compreensão foi um grande avanço no debate sobre a
intervenção profissional.
No que se refere ao ensino dos instrumentos e técnicas propriamente dito,
levando em consideração que os mesmos são um dos elementos constitutivos da
dimensão técnico-operativa da intervenção profissional, as novas Diretrizes
Curriculares o situam no núcleo de “fundamentos do trabalho profissional”. Nesse
sentido, está posicionado, textualmente, no projeto de formação profissional, na
seção explicativa desse núcleo, da seguinte forma: “é de responsabilidade deste
núcleo a assimilação de uma bagagem técnico-operativa que incorpore a prática
profissional da teoria e da prática a partir das experiências profissionais acumuladas,
ou seja, o ensino da prática” (ABESS/CEDEPSS, 1996:171).
E ainda mais detalhadamente:
77
com base na análise do Serviço Social, historicamente construída e
teoricamente fundada, é que se poderá discutir as estratégias e técnicas de
intervenção a partir de quatro questões fundamentais: o que fazer, por que
fazer, como fazer e para que fazer. Não se trata apenas da construção
operacional do fazer (organização técnica do trabalho), mas, sobretudo, da
dimensão intelectiva e ontológica do trabalho, considerando aquilo que é
específico ao trabalho do Assistente Social em seu campo de intervenção
(...) As estratégias e técnicas de operacionlização devem estar articuladas
aos referenciais teórico-críticos, buscando trabalhar situações da realidade
como fundamentos da intervenção. As situações o dinâmicas e dizem
respeito à relação entre Assistente Social e usuário frente às questões
sociais. As estratégias são, pois, mediações complexas que implicam
articulações entre as trajetórias pessoais, os ciclos de vida, as condições
sociais dos sujeitos envolvidos, para fortalecê-los e contribuir para a solução
de seus problemas/questões (ABESS/CEDEPSS, 1997:67-68) (grifo meu).
Os três núcleos de fundamentação da formação profissional se originam e são
constituídos por matérias que “são expressões de áreas de conhecimento
necessárias à formação profissional” (idem:68). Essas matérias podem ser tratadas
no formato de disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios, atividades
complementares. O conteúdo sobre os instrumentos e técnicas se situam, mais
precisamente, nas matérias que se desdobram em oficinas/laboratórios, por serem
estas criadas como “espaços de vivência que permitem o tratamento operativo de
temáticas, instrumentos e técnicas, posturas e atitudes, utilizando-se de diferentes
formas de linguagem” (ibidem) (grifo meu).
Ao propor algumas matérias básicas para o currículo, entende-se que esse
conteúdo fica localizado na matéria “Processo de Trabalho do Serviço Social”, cuja
ementa contém, dentre outros,
os elementos constitutivos do processo de trabalho do Assistente Social
considerando: a análise dos fenômenos e das políticas sociais; o estudo da
dinâmica institucional; os elementos teórico-metodológicos, ético-políticos e
técnico-operativos do Serviço Social na formulação de projetos de
intervenção profissional; as demandas postas ao Serviço Social nos
espaços ocupacionais da profissão, nas esferas pública e privada e as
respostas profissionais a estas demandas. O Assistente Social como
trabalhador e o produto do seu trabalho. Supervisão do processo de
trabalho e estágio (ibidem: 70).
78
Além de estar implícito o trato desse conteúdo no núcleo de fundamentos do
trabalho profissional e nas matérias que constituem esse núcleo, outro espaço
curricular, tradicional, destinado ao trato dessa questão é o “Estágio
Supervisionado”. Tido – juntamente com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
como uma atividade indispensável integradora do currículo, o “Estágio
Supervisionado” consiste numa “atividade curricular obrigatória que se configura a
partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional objetivando capacitá-lo para
o exercício do trabalho profissional, o que pressupõe supervisão sistemática”
(ibidem: 71).
Pode-se concluir com os destaques retirados dos documentos ‘base’ de
análise da nova proposta para a formação profissional do Serviço Social no que diz
respeito ao ensino dos instrumentos e técnicas que estes são:
1- considerados como de importância para a ação, merecendo, dessa forma,
atenção por parte da formação;
2- considerados como elemento da dimensão técnico-operativa a qual não
pode ser tratada descolada das dimensões teórico-metodológica, ético-
política e investigativa;
3- escolhidos a partir das demandas postas ao Serviço Social; do resultado
da análise da realidade; da intencionalidade do profissional e da direção
social imprimidas pelos sujeitos profissionais;
4- criados tendo por fundamento a análise do Serviço Social como uma
profissão historicamente construída e teoricamente fundada;
5- definidos tendo por suposto uma postura investigativa sobre a realidade
social e as mediações que perpassam o exercício profissional, uma vez
79
que os instrumentos são construídos de acordo com as finalidades e os
modos de pensar e agir do profissional;
6- tratados para além de sua operacionalidade, ou melhor, enfatiza-se,
nesses documentos, uma preocupação em não reduzir o ensino dos
instrumentos à sua operacionalidade. O ‘o que fazer’, o ‘por que fazer’ e o
‘para que fazer’ devem estar juntos com o ‘como fazer’. Porém, este “como
fazer” não chega a ser, minimamente, abordado no projeto de formação
profissional.
Conceber os instrumentos sob esse ângulo mostra que as novas Diretrizes
Curriculares podem ser consideradas um avanço, tendo em vista as preocupações
dos profissionais, conforme enfatizo na seção anterior, em relação às lacunas
históricas deste tema. Entretanto, se a ênfase dada à relação de unidade entre as
dimensões da prática interventiva do Assistente Social não vier acompanhada de
uma compreensão de que unidade não é identidade, mas sim uma relação profunda
na diferença, esta proposta curricular continuará reforçando os equívocos em torno
dessa questão, quais sejam:
1- considerar que os instrumentos e técnicas são geridos de acordo com os
referenciais teóricos, em outras palavras, que as direções teóricas nos
emprestam instrumentos e técnicas específicos a elas;
2- requisitar, para a intervenção, modelos prontos;
3- dificultar a criação de novos instrumentos e técnicas adequados à
realidade;
4- apropriar-se, de forma problemática, dos instrumentos herdados de nossa
tradição profissional.
80
No entanto, não se sabe, ainda, se as Diretrizes Curriculares têm contribuído
ou contribuirão para diminuir esses equívocos, haja vista as críticas já formuladas no
campo do Serviço Social, o que pode ser exemplificado com a afirmação de Faleiros
(2000:169):
os tópicos de estudo (ementas) das Diretrizes Curriculares não abordam, de
forma, consistente, a questão da intervenção profissional, entendendo as
estratégias profissionais e o instrumental operativo apenas na frase: ‘o
assistente social como trabalhador, as estratégias profissionais, o
instrumental técnico-operativo e o produto de seu trabalho’. Nem parece
tratar-se de um currículo de assistente social.
As diretrizes e metas que fundamentam a formação, aqui evidenciada através
dos documentos que contêm a proposta atual, mostram que essa pode ser uma
leitura precipitada de Faleiros, mas real se não forem tomadas algumas medidas. A
análise por mim empreendida mostra que a questão dos instrumentos e técnicas é
abordada em vários momentos da proposta de formação profissional, não apenas no
citado por Faleiros. Entretanto, no que se refere às Diretrizes Curriculares, uma
referência explícita do trato da dimensão técnico-operativa. Em nenhum momento há
um detalhamento sobre os elementos que constituem essa dimensão a serem
priorizados nos programas das disciplinas, como, por exemplo, se estão sendo
incluídos os instrumentos e técnicas e, em caso afirmativo, quais são os
instrumentos de nossa tradição, os emergentes e como operacionalizá-los.
No que se refere às ementas, elas são, por natureza, sumarizadas. O
detalhamento deve estar contido nos programas das disciplinas e demais
componentes curriculares. Assim, são os programas das disciplinas construídos a
partir das ementas que poderão evidenciar como os instrumentos e cnicas vêm
sendo tratados nos cursos de Serviço Social. Se as ementas não oferecerem,
81
minimamente, uma direção, a questão continuará sendo ministrada de acordo com o
discernimento pessoal de cada docente, ficando, até mesmo, ausente.
Será que mais uma vez se incorre em uma teorização no trato desses
instrumentos? É importante perceber se a preocupação em enfatizar a unidade entre
as dimensões teórico-metodológicas, ético-política e técnico-operativa e em salientar
a importância de tratar os instrumentos e técnicas “para além de sua
operacionalidade” não está sendo apreendida como “um descuido com sua
operacionalização e de suas especificidades no Serviço Social”. Discutir tais
instrumentos e técnicas envolve o “o que fazer”, o “para que fazer”, o “por que fazer”,
mas também, o “como fazer”. O cuidado com o “que fazer”, com o “para que” fazer e
com o “por que fazer” não pode excluir o “como fazer”. O currículo não pode
prescindir de disciplinas que tratem da habilitação para o manuseio dos instrumentos
e técnicas no Serviço Social em conjugação com o debate filosófico, teórico, político
e ético.
2.3 O PAPEL E O ESPAÇO DOS INSTRUMENTOS E TÉCNICAS NA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL HOJE: O EXAME DE ALGUNS CURSOS DE
SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
A “Proposta Básica para o projeto de Formação Profissional” aprovada pela
categoria em novembro de 1996 em Assembléia Geral Extraordinária da antiga
ABESS forneceu novas Diretrizes Curriculares, recomendando aos cursos que
reformulassem seus currículos sob essa orientação. Algumas unidades iniciaram o
processo de criação de uma nova proposta pedagógica para seus cursos durante o
próprio processo de elaboração da mesma. Outras o fizeram logo após sua
82
aprovação, tendo esta como referência. Todavia, alguns cursos vêm se baseando
nas Diretrizes Curriculares aprovadas em 2001, pelo CNE, que não segue,
integralmente, as diretrizes aprovadas pela categoria. Alguns ainda não iniciaram o
processo de revisão curricular, continuando sob a orientação do currículo de 1982.
41
A pesquisa realizada por Reis (1998:10), cujo objetivo foi “identificar e analisar as
tendências do ensino do instrumental técnico presentes nos Cursos de Serviço
Social no Brasil, filiados à ABEPSS, no período de 1995/1997” período de
discussão e aprovação da nova proposta de formação profissional no país –, foi
valiosa para esse estudo. Sua contribuição foi fundamental ao oferecer alguns dados
de realidade importantes obtidos através da aplicação de questionários e leitura de
documentações fornecidas por 19 unidades de ensino de todo o país.
O período pesquisado por Reis contemplou tanto escolas que estavam sob a
vigência do currículo mínimo de 1982 quanto algumas que já tinham iniciado seu
processo de revisão curricular tendo em vista terem acompanhado, ativamente, a
formulação e aprovação das novas Diretrizes Curriculares
42
. Esse indicador,
contudo, não foi apontado na pesquisa, ou seja, os dados não foram analisados a
partir da adesão ou não ao novo projeto de formação.
Para o presente estudo, destaquei alguns resultados apontados por Reis (1998)
de maior interesse para o meu objetivo:
1 - o conteúdo sobre instrumental técnico encontra-se centrado nas disciplinas de
metodologia do Serviço Social (disciplina garantida na reforma curricular de
41
Informo que se encontra em andamento na atual gestão da ABEPSS (2005/2006) um projeto de pesquisa para
avaliar esse processo em todo o país. As mediações que interferem no processo de implantação das novas
diretrizes, conforme ABEPSS (2005), o: a lógica curricular (o não entendimento de alguns conceitos e da
própria gica), as condições do ensino superior público e privado (o esvaziamento das diretrizes pelo CNE), o
perfil docente e discente e a direção social estratégica da profissão, dentre outros. Ver seção 2.1.
42
Como é o caso da Faculdade de Serviço Social da UFJF.
83
1982), seguida, de longe, por Estágio Supervisionado. Em menor escala por
Teoria do Serviço Social e Planejamento Social e outras não significativas (Reis,
1998:43);
2 - apenas um curso, dentre o universo pesquisado, entende que todas as
disciplinas devem instrumentalizar o aluno para a intervenção (conforme
orientação do novo projeto de formação), apesar de afirmar igualmente que as
disciplinas de Metodologia o específicas para a abordagem do tema (conforme
orientação do currículo de 1982);
3 - nos currículos e programas consultados, bem como nos questionários
aplicados para 31% das Unidades de Ensino, não há referência ao instrumental
técnico profissional no Estágio Supervisionado: “a preocupação em formar
profissionais críticos (...) tem conduzido as disciplinas de Estágio a um espaço de
reflexão em que, sobremaneira, tem sido discutido o ‘que fazer’, ‘para que fazer’
e ‘porque fazer’, a partir dos campos de prática em que o Estágio se insere. Ao
‘como fazer’, pelo que os programas indicam, não tem sido dada a ênfase
necessária” (idem:44);
4 “não nos programas um acervo mínimo de referência a ser garantido no
ensino dos instrumentos e técnicas (...) nem mesmo os instrumentos clássicos de
que se utiliza o Serviço Social são ministrados em todas as Unidades de Ensino”
(ibidem: 48);
5 “não é garantido aos alunos viver experiências reais ou simuladas que lhes
possibilitem exercitar o uso do instrumental técnico. Ou seja, há cursos que estão
formando profissionais que nunca organizaram e coordenaram uma reunião,
nunca realizaram uma entrevista, salvo os estudantes que estagiaram em
campos de prática que lhes permitissem utilização de um significativo acervo
84
instrumental. Entretanto, aqueles que realizam seu estágio supervisionado em
uma pesquisa, por exemplo, não têm chances de viver estas experiências”
(ibidem: 49);
6 - a escassez de bibliografia específica, que particularize a abordagem do
instrumental técnico de intervenção no Serviço Social, foi a principal dificuldade
apontada pelos professores (42%); seguida pela falta de capacitação docente e
pela desarticulação entre as disciplinas (na relação entre professores, entre
teoria e prática, entre universidade e campos de estágio) (31%). Por último, a
falta de metodologia adequada, incluindo a falta de vivências para o aluno (26%);
7 – “os textos trabalhados nas disciplinas só atendem parcialmente às exigências
do ensino do instrumental técnico, pois tratam dos aportes necessários à
discussão, mas, considerando o acervo técnico-instrumental, propriamente dito,
como principal preocupação nuclear, estes títulos não atendem às demandas de
tal ensino (...) Dois por cento dos textos utilizados são da área de pesquisa
social. (...) Existe uma ênfase no uso de textos clássicos e tradicionais do Serviço
Social, inclusive, programas que os têm como única referência bibliográfica
para a discussão do assunto” (ibidem: 52);
8 - essas dificuldades trazem consigo, dentre outras, “a reafirmação de que ainda
estão muito presentes no ensino do Serviço Social as formas dicotomizadas de
relacionar teoria/prática ou teoria/metodologia, com posturas de superposição da
teoria, em detrimento da prática. Uma das expressões disto, segundo os
questionários, se encontra na ênfase que ainda se aos ‘conteúdos teóricos’”
(ibidem: 54) (grifo meu).
Entre a pesquisa de Reis (1998) e a pesquisa da ABESS (1989), um
intervalo aproximado de 10 anos. Entretanto, os resultados obtidos são
85
congruentes. Ou seja, em poucas unidades o entendimento de que todas as
matérias e disciplinas que compõem o currículo instrumentalizam para a prática
(proposta de 1996) sem, com isso, excluir as disciplinas que cuidem dos
instrumentos e técnicas, elementos os quais compõem a dimensão técnico-
operativa da prática interventiva. A despeito disso, os resultados denunciam,
ainda, um viés preponderantemente teórico no conteúdo programático dessas
disciplinas, até mesmo no Estágio Supervisionado. Ou seja, o se privilegia o
‘como fazer’, mas sim uma discussão de âmbito teórico: ‘o para que fazer’, ‘por
que fazer’, ‘quando fazer’, conteúdo contemplado em outras disciplinas.
Estou considerando que instrumentos e técnicas possuem uma relação quase
que direta com a prática, portanto, exigem um conhecimento procedimental,
apesar de o dispensar conhecimento teórico. Quando na academia se
considera que para a operacionalização da prática é suficiente um bom ensino
teórico, está se acreditando que a teoria transmuta, de forma imediata, em ações
e que os instrumentos são aferidos diretamente de uma direção teórica. Está se
confundindo, ainda, conforme Netto (2005) denuncia, a relação conhecimento e
prática, com a relação teoria e prática. Ou seja, está se privilegiando, na
formação, apenas o conhecimento teórico em detrimento dos demais tipos de
conhecimento, nesse caso o procedimental. Esses equívocos refletem, a meu
ver, um não entendimento do que seja teoria e prática no materialismo histórico-
dialético.
A quase total ausência de bibliografia específica sobre os instrumentos e
técnicas no Serviço Social parece refletir o pouco interesse de frações da
categoria por essa temática. Essa postura pode estar fortalecendo a busca, por
parte dos profissionais, por conhecimentos procedimentais de outras áreas,
86
como, por exemplo, na Psicologia, na Pedagogia, na Administração, sem
adequá-los à natureza do objeto de intervenção e aos objetivos propostos pelo
Serviço Social.
O problema não se encontra nessa busca por conhecimentos em outras
áreas, uma vez que os instrumentos e técnicas no Serviço Social advêm de
áreas afins. O problema está em não se observar a coerência entre os
fundamentos filosóficos, o referencial teórico-metodológico a eles subjacentes e
as finalidades desses instrumentos no Serviço Social, o que resulta numa
associação equivocada entre o Serviço Social e essas profissões. Segundo
Vasconcelos,
temos observado que na academia são apresentadas aos alunos as várias
teorias sobre os indivíduos e os grupos humanos, deixando-se a cargo do
aluno/assistente social “descobrir” a forma necessária de trabalhar com os
indivíduos e os grupos no Serviço Social. Resulta disso assistentes sociais
realizando aconselhamento, apoio e alívio de tensão como um fim em si
mesmo, seja na entrevista e/ou nas reuniões ou palestras, empreendendo
ações em contradição com seus princípios e objetivos ou destruindo e/ou
enfraquecendo as estratégias escolhidas (Vasconcelos, 2000:506-507).
O acervo de instrumentos e técnicas não são necessariamente específicos do
Serviço Social. Ele pertence às ciências sociais e humanas. Há, contudo, uma
especificidade no uso desses instrumentos pelo Serviço Social, a qual precisa ser
definida, pensada e trabalhada pelo conjunto da categoria a começar na formação
profissional – a partir de seus objetivos, de seus princípios, de seus objetos, de suas
demandas e de sua direção social. Trabalhar essas particularidades se faz
necessário no sentido de construir um acervo mínimo de referência a ser garantido
no ensino dos instrumentos e técnicas.
Merece atenção um fato grave que aparece nesta pesquisa. Ela induz ao
entendimento que não é raro considerar como campo de estágio a participação dos
87
alunos em projetos de pesquisa. Uma universidade deve, sem dúvida alguma, ter
como fundamento o Ensino, a Pesquisa e a Extensão, os três constituídos em uma
unidade. Todavia, o estágio é uma atividade de ensino que pode e deve ser
associada a uma atividade de pesquisa e/ou extensão, mas não substituída por elas.
Esse é um procedimento, no mínimo, irregular por parte da unidade de ensino.
Fica, então, uma questão: a formação profissional do Assistente Social vem
também instrumentalizando para a ação ou apenas para uma análise da realidade?
A meu ver, analisar a realidade é fundamental para intervir na mesma, entretanto,
analisar a realidade não implica, de imediato, em uma ação
43
.
Reis procedeu à coleta de dados em 1997. Hoje, com muitas instituições de
ensino superior realizando suas reformas, algumas em um processo mais avançado
em relação a outras, cabe indagar o que mudou.
Atualmente não se tem ao certo o número de escolas que procedeu a essa
revisão, ou que iniciou esse processo. Entretanto, a direção nacional da ABEPSS
vem priorizando espaços locais, regionais e nacional para discussão e avaliação
do processo de implantação e implementação dessas Diretrizes Curriculares.
Com o objetivo de obter um panorama sobre o papel e o espaço destinado
aos instrumentos e técnicas de intervenção na formação profissional hoje, pesquisei
também os relatórios resultantes das palestras e debates ocorridos nas oficinas
organizadas pela ABEPSS cujo tema versava sobre o ensino do trabalho profissional
nas novas Diretrizes Curriculares. Em outros termos, pesquisei eventos que
intencionavam o estudo e a avaliação da formação profissional no que concerne ao
núcleo de fundamentação do trabalho profissional
44
:
43
Conforme capítulo III deste estudo.
44
Necessário lembrar que é nesse núcleo que está localizado o ensino, propriamente dito, da dimensão técnico-
operativa da intervenção profissional
88
1º- Oficina Nacional – “O Ensino do Trabalho do Assistente Social” – 2002;
2º- Seminário Latino-Americano de Serviço Social e Oficina Nacional
“Articulação Latino-Americana e Formação Profissional” – 2003;
3º- Oficina Nacional “O Ensino do Trabalho Profissional: Desafio para a
Afirmação das Diretrizes Curriculares e do Projeto Ético-Político – 2004;
2.3.1 Oficina Nacional – “O Ensino do Trabalho do Assistente Social”
Realizada nos dias 6 e 7 de junho de 2002 na Universidade Federal Fluminense,
Niterói.
Os objetivos desta oficina foram, dentre outros: “consolidar as questões
emergentes das oficinas regionais acerca do núcleo de fundamentação do trabalho
profissional; indicar os conteúdos programáticos de ordem teórico-metodológica que
compõem o tópico de estudo de Serviço Social e processos de trabalho” (ABEPSS,
2002:10).
Como se priorizou os conteúdos programáticos, a mesma propiciou uma visão,
ainda que geral, acerca do conteúdo sobre instrumentos e técnicas, assim como de
sua locação, em termos do programa pedagógico dos cursos. Entretanto, não
ofereceu subsídios de como esses são trabalhados pelas unidades.
45
Dessa forma
temos:
45
As regionais apresentaram as análises conclusivas das oficinas regionais e locais que antecederam este evento.
Os encontros regionais e locais ofereceram um panorama referente ao ensino dos instrumentos e técnicas nas
unidades de ensino, no entanto, é importante ressaltar que as vice-presidentes das regionais denunciam o número
reduzido de unidades de ensino superior presentes nos mesmos, o que significa que a análise apresentada é
parcial. A regional ABEPSS/Sul II São Paulo e Mato Grosso do Sul o tratou dos resultados das oficinas
quanto a esse núcleo. A regional Sul I – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – e a Centro Oeste – Goiás e
Mato Grosso – não tiveram relatório publicado.
89
2.3.1.1 Regional ABEPSS/Norte: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí
O ensino dos instrumentos e técnicas é evidenciado de forma diferenciada pelas
unidades que compõem essa regional. Em duas unidades, os instrumentos e
técnicas são garantidos em quatro laboratórios de Instrumentos e Técnicas do
Serviço Social, que se responsabilizam pelo “exercício de instrumentos e técnicas
utilizados nos processos de trabalho do Serviço Social” (Rocha, 2002:19).
Outro componente curricular que pode possibilitar o conteúdo desse tema é a
disciplina Processo de Trabalho e Serviço Social, cuja ementa é assim explicitada:
“O Serviço Social no contexto dos processos de trabalho na sociedade
contemporânea. O Assistente Social como trabalhador nos espaços ocupacionais da
profissão na esfera pública e privada. Os elementos constitutivos do trabalho
profissional e sua dimensão técnico-operativa nos dias atuais”. Mesmo que não
tenham expressado o termo instrumentos e técnicas, considero que como são
elementos da dimensão técnico-operativa podem estar sendo contemplados nessa
disciplina, entretanto, não se pode afirmar com certeza, uma vez que não está
textualmente documentado, como no caso dos laboratórios.
Algumas unidades dessa regional mantiveram as disciplinas de metodologia,
de história e de teoria, incluindo o trato dos instrumentos e cnicas nas disciplinas
de Metodologia do Serviço Social conforme tendência, apontada por Reis, do
currículo de 1982. Indicam como objetivos dessa disciplina: “realizar leitura crítico-
política do instrumental técnico da profissão e obter noções de manejo das principais
técnicas e instrumentos em Serviço Social” e “sistematizar cientificamente a
intervenção profissional do assistente social, identificando o aparato técnico-
90
instrumental no espaço organizacional e o estudo das práticas em Serviço Social”
(ibidem: 21).
Outra unidade trata dessa questão na disciplina Fundamentos Teórico-
metodológicos A, B, C e D, abordando
as principais matrizes teórico-metodológicas ‘que dão suporte ao fazer
profissional’: positivismo, marxismo, método compreensivo e fenomenologia.
Em cada uma são identificados os instrumentos técnico-operativos e as
estratégias de intervenção profissional (ibidem: 22) (grifo meu).
Apesar dessa unidade afirmar já estar procedendo a algumas mudanças
frente às novas propostas de formação profissional, reitera um dos graves erros
apontados na avaliação da proposta curricular de 1982, a saber, o de identificar
referencial teórico com instrumentos e técnicas, reforçando a idéia de que
instrumentos próprios a cada matriz teórica. Tal postura fortalece minha concepção
de que um problema no ensino dos instrumentos e técnicas o qual está
diretamente ligado à concepção de teoria e prática que vem sustentando o debate. A
justificativa da regional fortalece essa concepção, ou seja, a dificuldade de
articulação entre as unidades e de participação nos eventos prejudicam a
capacitação docente. Por sua vez, essa dificuldade de capacitação docente é um
dos entraves à compreensão de teoria e prática na concepção materialista histórico-
dialética. Conforme a mesma,
os dados acima referidos refletem as conseqüências, para as unidades de
ensino e para a região, da falta de uma efetiva articulação regional a partir
de 1999, associada à dificuldade de participação de algumas unidades
também, nos eventos nacionais. Cada uma tem desenvolvido o processo de
implantação das novas Diretrizes Curriculares e buscado superar suas
dificuldades isoladamente, e, portanto, produzido projetos pedagógicos que,
em alguns aspectos, possuem diferenças significativas quanto à proposta
construída pela ABEPSS (ibidem: 22).
91
Contudo, essa unidade se destaca por dedicar um lugar no currículo para o
ensino dos instrumentos e técnicas, deixando explícito a preocupação com o
manejo, com as habilidades necessárias ao uso dos mesmos, preocupando-se com
os conhecimentos de ordem procedimental que sustentam esses elementos.
2.3.1.2 Regional ABEPSS/ Nordeste Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco,
Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia.
Nesta regional, segundo Trindade et alli (2002), o processo de elaboração dos
projetos pedagógicos está sendo realizado coletivamente, envolvendo professores,
alunos, supervisores, ABEPSS, CRESS, e estando em consonância com as
orientações das Diretrizes Curriculares em vigor.
No que se refere ao ensino dos instrumentos e técnicas em Serviço Social,
estão alocados nos laboratórios e nas oficinas, assim explicitado: nos laboratórios
“que permitem a operacionalização de conteúdos, de instrumentos/técnicas”
(idem:39) e nas oficinas “sugeridas possibilitam a aquisição de habilidades técnico-
instrumentais” (ibidem). Esses laboratórios e essas oficinas pertencem ao núcleo
Serviço Social e Processo de Trabalho.
Esta regional indica, também, algumas tendências desse núcleo:
inclusão do instrumental técnico-operativo no componente curricular Serviço
Social e processo de trabalho;
a dimensão técnico–operativa da formação profissional é tratada, no geral,
em Oficinas de instrumentalidade.Trata-se da aquisição de habilidades
relativas aos procedimentos e instrumentos presentes no trabalho
profissional. As abordagens individuais e grupais adquirem destaque, além
das variadas formas de documentação. Estão presentes vários instrumentos
relativos ao desempenho de atribuições próprias às novas configurações
das políticas sociais, tais como a avaliação e a elaboração de projetos e
processos de consultoria/assessoria;
92
no que concerne à dimensão técnico-operativa identifica-se a necessidade
de articulação da instrumentalidade com a fundamentação teórica (ético-
política, histórica e teórico-metodológica), evitando-se tendências de
padronização e transformação dos instrumentos em modelos para o
exercício do trabalho profissional.
é possível identificar que a articulação entre a dimensão técnico-operativa e
os fundamentos teórico-metodológicos ainda é pouco contemplada nas
propostas curriculares, pois, em sua maioria, não aparecem explicitamente
(ibidem: 47- 48).
A meu ver, esta regional apresenta duas tendências. Algumas unidades de
ensino, ao mesmo tempo em que se detêm na operacionalização e na aquisição de
habilidades no que se refere ao ensino dos instrumentos e técnicas, chamam a
atenção para a unidade entre as dimensões técnico-operativas, teórico-
metodológicas e ético-políticas da intervenção profissional.
Outras unidades, contudo, tendem a tratar os instrumentos e técnicas de
forma isolada, a-política e a-histórica, dissociados da dimensão teórico-metodológica
e ético-política. Ou seja, aqui, ao contrário dos que consideram que a teoria gera de
imediato instrumentos e técnicas, caminham para o extremo oposto. Defende-se que
os instrumentos têm um fim em si mesmo, ou que sua natureza é estritamente
procedimental (o que é denunciado na terceira assertiva transcrita acima).
Aponto, na discussão realizada por essa regional, igualmente um equívoco no
trato da “instrumentalidade
46
”. A segunda e a terceira afirmativas dão a entender que
esta palavra vem sendo utilizada como sinônimo de instrumentos e técnicas. Na
verdade, ela significa o conteúdo que antecede a escolha dos instrumentos e
técnicas: onde fazer, para que fazer, por que fazer. Originalmente, é concebida
como a capacidade social e histórica adquirida pela profissão. Dessa forma, não
procede a existência de oficina de instrumentalidade para somente tratar da
46
Como não é meu objetivo aprofundar-me nessa questão, indico a leitura de Guerra (1995), uma vez que foi
essa autora a inserir tal discussão no Serviço Social.
93
aquisição de habilidades relativas aos procedimentos e instrumentos conforme
parece indicar a segunda assertiva –, nem tampouco procede chamar a atenção
para a necessária articulação da instrumentalidade com as dimensões téorica e
ético-política conforme elucida a quarta afirmativa –, pois aquela supõe estas.
Enfim, o que quero chamar a atenção é que não procede identificar
´instrumentalidade´ a apenas instrumentos e técnicas; uma oficina de
instrumentalidade deve ser mais ampla do que uma oficina para treinamento do
manuseio dos mesmos.
2.3.1.3 Regional ABEPSS/leste – Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro
As Instituições de Ensino que constituem esta regional estão em diferentes
estágios de implantação das Diretrizes Curriculares. Ela não procedeu à discussão
conforme as duas anteriores, ou seja, pontuando as matérias e disciplinas que
compõem o eixo Serviço Social e processo de trabalho, mas aponta algumas
“implicações das Diretrizes no processo de ensino-aprendizagem” que ajudam na
análise do tema ora em estudo. São elas (ABEPSS, 2002:60-61):
o conhecimento suficiente e seguro das Diretrizes Curriculares por parte das
unidades presentes;
dificuldade em qualificar o que seja a dimensão teórico-prática que reflete na
dicotomia existente entre as disciplinas ditas mais “teóricas” e as práticas”, nas
quais os docentes tratam o conteúdo teórico abstratamente, sem fazer dele o
ingrediente intrínseco para análise da realidade;
94
o incorporação, por parte de algumas instituições de ensino, do princípio de
que o ensino da prática deva transcender a disciplina de acompanhamento do
Estágio;
dificuldade em apreender o sentido do ensino em seu aspecto teórico-prático;
fragilidade no tema instrumentalidade e instrumento. O papel e lugar do
instrumento no fazer profissional deve ser repensado, tendo em vista que ainda
a ilusão de que o instrumento usado na prática profissional depende da
opção política do agente, o que não é verdadeiro se temos claro o campo em
que ele se constituiu. Faz-se necessário, portanto, resgatar a perspectiva
filosófica dos instrumentos, e não somente saber operacionalizá-los”.
Esta regional confirma textualmente a falta de clareza teórica por parte dos
docentes sobre a relação teoria e prática que, a meu ver, implica num trato
equivocado dos conhecimentos necessários à formação profissional, ou seja, reduz-
se formação a conhecimento teórico e prática a instrumentos e técnicas.
Destaca, ainda, as divergências entre as unidades na compreensão do novo
projeto de formação profissional. Essa falta de conhecimento pode significar um não
acompanhamento, estudo e leitura desse processo, como pode significar, também,
uma deficiência, por parte dos docentes, na apreensão dos conteúdos necessários à
sua assimilação, inclusive da Teoria Social de Marx.
Ficam evidenciadas as diferentes conotações quanto à relação teoria/prática,
o que permite afirmar, mais uma vez, que o problema da formação, no que se refere
ao ensino dos instrumentos e técnicas, está diretamente associado à falta de clareza
dos formadores quanto à relação teoria e prática. Estas observações remetem,
diretamente, à questão da qualificação docente.
95
Em termos gerais, nessa oficina nacional, é bastante significativo o fato de
apenas duas regionais terem se detido na orientação fornecida pela executiva
nacional, centrando suas discussões no tema proposto. Tal fato pode referendar a
dificuldade no trato da questão apontada pela categoria profissional e/ou, até
mesmo, uma desqualificação do mesmo.
Percebe-se, nas regionais que se fixaram na proposta, que as ementas
continuam sem um acervo mínimo de referência a ser garantido no ensino, conforme
pesquisa de Reis. Não fica explícito quais o os instrumentos priorizados nem
tampouco o que estão considerando por instrumentos.
2.3.2 Seminário Latino-Americano de Serviço Social Articulação Latino-
Americana e Formação Profissional” – Oficina Nacional da ABEPSS
47
Realizado de 14 a 17 de julho de 2003 na PUC/RS, Porto Alegre.
Esse Seminário teve por objetivos, dentre outros:
favorecer o debate sobre a formação do assistente social na América Latina;
refletir o estado da arte sobre a formação profissional na América Latina;
fomentar a produção de conhecimento relativo à formação profissional.
Foram sucintamente publicadas pela ABEPSS (2003) e transcritas aqui as
observações e as recomendações dos grupos de maiores interesses para o estudo
ora em andamento, a saber,
47
Este contou com a apresentação de 150 trabalhos científicos, distribuídos por eixos temáticos. A apresentação
foi realizada em sessões temáticas e sucedida por debates.
96
1- “o ensino deve ter qualificação operativa, conhecendo as demandas, seus
limites e aquilo que vai além das demandas do mercado (ABEPSS, 2003:
09);
2- “o ensino do Serviço Social deve estar baseado numa relação inclusiva a
partir de saberes reflexivos e saberes interventivos numa construção coletiva
de professores, alunos e comunidades (idem:10);
3- “o ensino da prática não se no estágio. A articulação deve se dar
cotidianamente” (ibidem:16);
4- “é fundamental a articulação entre formação e exercício profissional. As
unidades de ensino são espaços fundamentais para a releitura crítica da
realidade e do nosso próprio cotidiano” (ibidem);
5- “articulação necessária do ‘saber’ e do ‘fazer’, há necessidade de superar o
distanciamento teoria/prática” (ibidem);
6- “há necessidade de uma leitura crítica de nossos instrumentos, atualizando-
os” (ibidem);
7- “necessidade de intensificar a articulação entre as disciplinas e com a prática
profissional do Assistente Social” (ibidem: 23).
Essas indicações, apesar de isoladas e soltas, permitem algumas observações.
Observa-se que pela primeira vez aparece, mesmo que de forma subliminar, a
constatação de que a formação profissional requisita níveis diferenciados de
conhecimentos: teóricos, políticos e conhecimento procedimental, devendo
contemplar todos eles. Isso é fundamental para não se exigir de um determinado tipo
de conhecimento aquilo que não é de sua natureza. Desse modo, os participantes
do evento defendem a necessidade de uma qualificação teórico-política, mas
97
também uma qualificação operativa, que se dá, concomitantemente, com saberes
reflexivos e saberes interventivos.
Aparece, também, de forma difusa, a relação formação profissional e realidade.
Ainda se exige da formação, no que diz respeito aos conhecimentos teóricos, que
ela respostas a todas as questões postas pelo mercado. Essa afirmativa está
desconsiderando o fato de que a realidade é mais dinâmica que a teoria, apesar de,
contraditoriamente, afirmarem que a formação é um espaço para releitura crítica da
realidade.
De outra forma, neste evento, destacam-se posicionamentos criticando a
distância entre teoria-prática, porém, o viés está na “dicotomia teoria/prática na
formação profissional”. Essa posição evidencia que o problema está nos
conhecimentos teóricos e nos conhecimentos procedimentais tratados na formação,
está nos procedimentos acadêmicos, nos elementos pedagógicos que a formação
vem oferecendo a essa relação. Essa hipótese é denunciada aqui na constatação da
disjunção supervisão acadêmica e supervisão de campo; na disjunção unidade de
ensino e campo de estágio; na preocupação em enfatizar que o ensino da prática
não ocorre somente nos campos de estágio; na reiterada preocupação em destacar
a necessária articulação entre formação e exercício profissional, entre disciplinas e
prática profissional do Serviço Social, de acordo com o próprio relatório:
- “foi denunciada a presença da “dicotomia teoria/prática na formação
profissional” (idem:13);
- “Os alunos reafirmaram a disjunção entre Supervisão Acadêmica/Supervisão
de Campo/Unidade de Ensino/Campo de estágio” (ibidem);
98
2.3.3 Oficina Nacional “O Ensino do Trabalho Profissional: Desafio para a
Afirmação das Diretrizes Curriculares e do Projeto Ético-Político”
Realizada no período de 5 a 7 de abril de 2004 na Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis.
Esta oficina teve como dinâmica palestras sobre a proposta pedagógica em
andamento; painel com o tema “O Ensino do Trabalho Profissional nas Regiões da
ABEPSS”, onde representantes das regionais da ABEPSS apresentaram as
conclusões obtidas nas oficinas locais e/ou regionais; painel composto por
representantes dos cursos de Serviço Social da UERJ, da UFSC, da PUC/SP e da
PUC/PR, com o tema “O Ensino do Trabalho do Assistente Social”, cujas escolas
apresentaram as propostas curriculares de suas unidades; painel “O Sistema de
Avaliação do Ensino Superior”; e Perspectiva da Oficina Nacional da ABEPSS, com
apresentação dos observadores convidados representantes do CNPq, CAPES,
CFESS. Para esse estudo, farei referência a dois painéis, por tratarem da questão
privilegiada aqui: O Ensino do Trabalho Profissional nas Regiões da ABEPSS e O
Ensino do Trabalho do Assistente Social nas Faculdades de Serviço Social”.
48
48
Quanto ao painel “O Ensino do Trabalho Profissional nas Regiões da ABEPSS”, é importante informar que
essa Oficina Nacional foi, também, precedida por oficinas locais e regionais, cujos resultados foram
apresentados neste painel. Como esta foi entendida enquanto complementar à oficina nacional ocorrida em 2002,
as regionais se detiveram na atividade integradora do currículo: “estágio supervisionado”, indicando alguns
complicadores/obstáculos que se fazem presentes na conjuntura atual. Entretanto, os relatos dessas oficinas
indicam que nem sempre as oficinas locais e/ou regionais se prenderam aos objetivos ou dinâmicas determinadas
pela ABEPSS/nacional. Esse fato refletiu na exposição realizada na Oficina Nacional e no relatório publicado na
Revista Temporalis n.8, 2004. Mais uma vez saliento que isso pode significar uma dificuldade em se deter num
tema que discuta diretamente a prática interventiva do Serviço Social ou até uma desqualificação do mesmo.
Algumas regionais se detiveram em situar os problemas, apresentando-os em bloco, de forma geral. Outras os
situaram por unidades. Por fim, algumas não se prenderam aos problemas, apresentando a implementação das
diretrizes em algumas unidades de ensino para depois apresentar os debates em grupos. No que se refere ao
Painel “O Ensino do Trabalho do Assistente Social nas Faculdades de Serviço Social”, o tema a ser tratado foi,
especificamente, a experiência dessas unidades quanto ao ensino do trabalho profissional. Igualmente as
instituições de ensino apresentaram o tema de forma diferenciada. Duas centraram na atividade de estágio, uma
no núcleo de fundamentos do trabalho profissional e outra na discussão dos três núcleos de fundamentação.
99
Preferi expor de forma geral as questões que as regionais apresentaram
como complicadores/obstáculos que remetem ao lugar e ao papel oferecido aos
instrumentos e técnicas da intervenção. A saber:
1) falta de qualificação do supervisor de campo e do supervisor acadêmico, o
que sugere um estudo sobre critérios de avaliação do campo de estágio e
uma política de capacitação destinada aos supervisores. Algumas escolas
já estão procedendo a essa prática;
2) necessidade de avaliação das disciplinas que articulam o fazer profissional
para que o estágio não se caracterize como o único locus do trabalho
profissional;
3) distanciamento entre professores, profissionais supervisores, Unidades de
Ensino, Instituições e campos de estágio, como produto de uma percepção
ainda fragmentada da relação ensino, pesquisa e extensão e de uma
concepção dicotômica entre teoria e prática;
4) falta na grade curricular de muitas unidades de ensino, a supervisão
acadêmica como espaço pedagógico. Não existe na grade curricular uma
disciplina destinada à supervisão acadêmica que seja co-requisito ao
estágio supervisionado;
5) aparecimento, em uma das regionais, de “uma interpretação de que a
maior dificuldade que os docentes estão enfrentando refere-se à dimensão
técnico-operativa. E, as novas diretrizes impõem conteúdos a serem
aprendidos e que não fizeram parte da formação dos assistentes sociais
que hoje estão em estágio supervisionado” (ABEPSS, 2004:107)
49
;
49
Tudo indica que, ao se referirem aos assistentes sociais que hoje estão em estágio supervisionado”, estão
fazendo menção aos supervisores de campo.
6) falta de aprofundamento sobre a concepção de estágio e insuficiência na
preparação do assistente social para ser supervisor;
7) necessidade de debater o lugar do ensino do instrumental técnico na
formação profissional na relação entre teoria e a articulação do
instrumental com o projeto ético-político;
8) dificuldades com alunos do curso noturno, no que se refere a campo de
estágio, uma vez que esses trabalham durante o dia;
9) dificuldade de campos de estágio em cursos abertos em cidades de
pequeno porte, uma vez que têm poucas instituições empregadoras de
assistentes sociais;
10) falta de uma política de estágio em algumas IES;
11) entendimento de que o ensino do trabalho profissional perpassa todos os
eixos da formação, não se reduzindo ao eixo do trabalho profissional, o
qual deve atravessar todo o currículo e ser trabalhado em diversas
disciplinas;
12) criação de oficinas teórico-práticas com o objetivo de “instrumentalizar os
alunos no desenvolvimento de competências e habilidades para o
exercício das atribuições profissionais do assistente social a partir do
conhecimento das expressões da questão social e dos processos de
trabalho, presentes nas instituições e organizações, de acordo com o
projeto ético-político profissional” (ABEPSS, 2004:121). Enfatizam a
preocupação em não transformarem as oficinas em disciplinas com ênfase
tecnicista ou tecnocrática, dessa forma, a técnica é tratada como “meio
articulado à questão social e à política social de dentro do próprio
processo que está se desenvolvendo, onde o assistente social está
inserido” (idem:122);
13) compreensão do trabalho enquanto “exercício profissional cotidiano
completo, e enquanto atribuições e competências do assistente social ao
exercer sua ação profissional” (ibidem:123);
14) entendimento da atitude investigativa como inerente ao fazer profissional
e de que o ensino do exercício profissional se realiza ao longo do curso,
através de todas as disciplinas, ancorado num conhecimento teórico,
metodológico, ético, político e instrumental. Entretanto, é fundamental a
existência“ de um núcleo de disciplinas e atividades que tratassem
especificamente do ‘fazer profissional’, de forma integrada e articulada
com os outros conjuntos de disciplinas e atividades curriculares”
(ibidem:124);
15) existência de duas disciplinas no formato de oficinas, com caráter de
complementariedade, que possuem como conteúdo os “aspectos teóricos
e os aspectos diretamente ligados à operacionalização da ação nesses
espaços interventivos” (ibidem:127);
16) indicativo de que a experiência de estágio deve extrapolar o “mero
aprendizado do que fazer em termos de técnicas” (ABEPSS, 2004:109).
Deve ser um momento privilegiado de reflexão e síntese entre teoria e
prática;
17) articulação entre estágio, ensino, pesquisa e extensão. Ou seja, pesquisa
e extensão articulado ao estágio favorece uma formação mais complexa
que o estágio comum;
18) estágio como um dos espaços privilegiados de contato dos alunos com as
expressões da questão social.
A leitura desses relatos publicados pela ABEPSS não ofereceu um
detalhamento dos conteúdos destinados às disciplinas, às oficinas, aos laboratórios
e demais atividades curriculares que privilegiam o conteúdo ora em estudo. Essa
situação dificultou uma apreensão sobre e como vêm sendo tratados os
instrumentos e técnicas na intervenção do Serviço Social. Porém, apesar de não se
poder detalhar os procedimentos das Escolas, as observações levantadas nos
painéis apontam para uma preocupação acertada, em algumas regionais, de se ter
uma dimensão de ensinar os instrumentos, inclusive com disciplinas que tratem de
seus procedimentos operacionais.
De forma geral, as oficinas apresentadas aqui ofereceram um panorama do
processo de implantação e implementação dos projetos de formação profissional no
Brasil, incluindo o papel e o lugar destinado aos instrumentos e técnicas, que podem
ser sumarizadas nas seguintes observações:
1ª- o ensino da prática ocupa posição central nos currículos das unidades e é
entendido como parte dos três núcleos: de fundamentos teórico-
metodológicos da vida social; de fundamentos da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira; de fundamentos do trabalho profissional. Ou seja, esses
três núcleos instrumentalizam para o exercício profissional, eles o
instrumentais ao Serviço Social, no entanto, é no terceiro núcleo que esse
conteúdo é tratado especificamente. Não fica visível como essa centralidade
ocorre na formação e se ela existe de fato. Como explicitado acima, estas
oficinas denunciam, igualmente, o risco desses núcleos estarem sendo mais
instrumentais à apreensão teórica da realidade e menos à intervenção
profissional. Não foi possível, igualmente, perceber se os núcleos mantêm, de
fato, uma articulação entre si. Considerando que essa nova estrutura é uma
das características da nova lógica curricular, pode-se supor que esta pode
estar sendo comprometida.
50
- o espaço destinado aos instrumentos e técnicas confirmam as diretrizes
da ABEPSS, qual seja, eles são compreendidos como elementos constitutivos
da dimensão cnico-operativa e inseridos nos componentes curriculares que
compõem o ensino do trabalho profissional, principalmente em oficinas de
teoria e prática e na disciplina de trabalho profissional. Apenas uma unidade
afirmou manter esse conteúdo na disciplina de Fundamentos teórico-
metodológicos;
3ª- nas disciplinas de Estágio Curricular não se têm registros desse conteúdo,
apesar de ser considerado um espaço de capacitação para o exercício
profissional, uma atividade integradora do currículo. Essa constatação mostra
que, no que diz respeito ao Estágio, o novo currículo não vem alcançando
mudanças, indo ao encontro das críticas de Reis à proposta curricular de
1982. Inclusive, ao se considerar a formação profissional como de
responsabilidade do conjunto da categoria profissional, é bastante
problemático a afirmativa de que há um distanciamento entre professores e
profissionais supervisores de campo; entre escolas e campos de estágio;
entre o conjunto de disciplinas e a realidade experienciada nos campos de
estágio;
50
Conhecer se, de fato, os núcleos estão mantendo uma articulação entre si requer uma pesquisa. Entretanto esse
não é o objeto de minha tese. Entendo que a pesquisa em desenvolvimento pela ABEPSS, sobre a implantação
das Diretrizes Curriculares, poderá contribuir com essa informação.
4ª- uma preocupação em se garantir disciplinas que tratem dos
instrumentais técnico-operativos, preferencialmente em laboratórios e oficinas,
mas sempre com a ressalva de que não se pode deter na operacionalização
destes e não se adotar uma postura tecnicista ou tecnocrática. Não aparece,
em nenhum momento, um detalhamento desses instrumentos: quais são,
como deveriam ser abordados, as particularidades desses no Serviço Social,
as habilidades necessárias ao uso dos instrumentais, ou seja, da capacitação
para a utilização do acervo técnico-instrumental e para a criação de novos. É
apontado o ‘como não deveria ser abordado’ em detrimento do ‘como poderia
ser manuseado
51
;
5ª- em todos os documentos analisados, aparece, mesmo que em contextos
diversos, a denúncia de separação entre teoria e prática. Acredito que garantir
a relação teoria e prática atualmente é mais uma questão de qualificação
teórico-metodológica, ético-política, de capacitação didático-pedagógica e
menos de mudança de currículo;
- verifica-se uma associação equivocada entre “instrumentalidade” e
“instrumentos e técnicas” (já comentado anteriormente);
- encontram-se ressalvas constantes de que o ensino da prática e/ou o
estágio não pode se restringir aos instrumentos e técnicas. Na minha
percepção, essa ressalva não se faz pertinente, pois o que as pesquisas e os
relatórios mostram é o contrário, em nenhum momento fica explícito um
51
É interessante observar que duas regionais indicaram uma preocupação com a operacionalização desses
instrumentos, dedicando mais de uma atividade curricular a esse conteúdo: a Norte e a Nordeste. Creio que o
destaque dado por essas regionais se vincula ao fato de em ambas terem-se profissionais dedicados e
preocupados com o estudo desse tema, sendo, inclusive, tratado em pesquisa e extensão. Na regional Norte,
destaca-se o professor Dr. Hélder Boska Sarmento e na regional Nordeste, a professora Dra. Rosa Lúcia Prédes
Trindade.
aprofundamento sobre os instrumentos e técnicas nas disciplinas de estágio.
Os mesmos são tratados em uma ou duas disciplinas, mesmo assim, em
alguns casos, sem se privilegiar o conhecimento procedimental dos mesmos;
8ª- apenas uma unidade ainda se referiu aos instrumentos e técnicas
adequando-os às direções teóricas: marxismo, positivismo e fenomenologia.
O que não significa a inexistência de outras, haja vista a pouca presença das
unidades de ensino nas oficinas regionais, o que pode o retratar, fielmente,
a realidade. Essa postura significa uma associação direta entre orientação
teórica e elaboração de instrumentos e técnicas, aqui já questionada.
Algumas dificuldades de implementação das novas diretrizes são comuns e
remetem à concepção de educação superior em desenvolvimento na sociedade: a
compreensão inadequada da teoria social de Marx, com destaque para a
perspectiva de “totalidade” e a concepção de “trabalho”; as condições de trabalho
das faculdades particulares – falta de incentivo à pesquisa e à extensão, professores
horistas, grande rotatividade do corpo docente –, que acarretam a seguinte
contradição: em algumas, o debate sobre a proposta curricular existe, mas não
reflete na estrutura dos cursos, ou seja, não querem acrescentar disciplinas ou
destinar carga horária para pesquisa ou extensão, em consonância com a atual
LDB; as universidades públicas, que enfrentam problemas semelhantes com
professores substitutos, os quais, ao assimilarem a lógica da nova proposta, são
desligados da instituição por terem seus contratos encerrados; e a dificuldade de
compreensão da nova proposta curricular por parte dos docentes, acarretando uma
apreensão diferenciada pelos mesmos.
No sentido de diminuir esses entraves, vem sendo, inclusive, recomendado à
ABEPSS o fortalecimento de programas de capacitação docente. Essas dificuldades
podem ser resumidas na necessidade de capacitação docente no que se refere à
direção teórica e política que oferece sustentação ao projeto de formação
profissional em vigor, qual seja, a direção materialista histórico-dialética, dificuldade
essa visível tanto na associação direta entre teoria e prática quanto na concepção
de que a prática fala por si só.
Identificou-se na questão dos instrumentos e técnicas, a denúncia de que
alguns docentes vêm defendendo a necessidade de disciplinas específicas para
discutir instrumentos e técnicas, considerando-se tal postura como um retrocesso,
haja vista a proposta de transversalidade da prática, da pesquisa e da ética.
Essas observações indicam que a questão relativa ao ensino dos
instrumentos e técnicas ainda se expressa muito mais pelo “receio” de ser
“tecnicista” do que pela ousadia de criar alternativas/experiências explícitas e
detalhadas para enfrentar o desafio de ensinar o “como fazer” sem ser “tecnicista”.
Como mencionado, salvo poucas exceções, reforça-se sempre o como não
ensinar os instrumentos e técnicas em detrimento do como deveria ser ensinado.
A meu ver, o debate travado em torno do ensino dos instrumentos e técnicas
apontados nas pesquisas e relatórios fica restrito a três posições. Posições essas
constituintes e constitutivas da historiografia da profissão, conforme capítulo I. A
primeira posição considera que o conhecimento da realidade e o conhecimento
teórico são os instrumentos necessários a uma boa intervenção, não necessitando
de uma disciplina específica. Essa posição se ancora no processo de ruptura com
nossa herança conservadora quando a profissão revê sua postura "tecnicista". Os
currículos tomaram, então, novos rumos, introduzindo e/ou fortalecendo conteúdos
que privilegiavam uma compreensão maior da realidade e da própria historiografia
da profissão, isto é, as dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas da
intervenção do Serviço Social. Os profissionais passam a defender que um
conhecimento profundo dessas dimensões constituem-se nos fundamentos da
prática profissional. Propõe-se, então, que o referencial técnico-operativo do Serviço
Social se faça a partir de uma compreensão adequada das dimensões teórico-
metodolológicas e ético-políticas.
A segunda posição é a própria concepção tecnicista que ainda encontra-se
em combate pelas novas Diretrizes Curriculares. Essa tendência não vincula a
dimensão técnico-operativa às dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas, ou
seja, não reconhece a relação de unidade entre as três.
A terceira posição não nega que o conhecimento teórico e da realidade sejam
fundamentais ao exercício profissional, mas considera necessário um conhecimento
sobre as particularidades dos instrumentos e técnicas que dão operacionalidade à
profissão. Para isso, afirma ser necessário tratar de questões como: os instrumentos
utilizados historicamente pela profissão; a relação entre instrumentos e
conhecimento da realidade; as possibilidades de criação e inovação de instrumentos
de intervenção; o desvendamento dos equívocos no entendimento de teoria e
instrumentos e técnicas; a relação de unidade entre as dimensões da intervenção
profissional; de como utilizar os instrumentos; do real papel dos instrumentos e
técnicas na intervenção. Essa posição se ancora na afirmativa de que a teoria não
se transmuta de imediato em prática e na crença de que o conhecimento teórico é
uma das formas de conhecimento. O exercício profissional exige conhecimentos
diferentes que extrapolam o conhecimento teórico. Minha concepção encontra-se
nessa terceira tendência.
Chama-me a atenção o fato de os profissionais que defendem a primeira
posição não defenderem o mesmo para a questão da ética e da pesquisa. A
transversalidade dessas duas últimas não elimina as disciplinas que cuidam de suas
particularidades. Parafraseando Ferreira (2004:29) ao se referir ao ensino da
ética
52
, mesmo que o ensino da prática seja comum a todos os conteúdos, de modo
a orientar o fazer profissional, o currículo não pode prescindir de uma disciplina
específica que trate dos instrumentos e técnicas da intervenção que conjugue o
debate filosófico e os preceitos éticos profissionais.
As dificuldades que dizem respeito à relação teoria/prática e a não apreensão
das novas Diretrizes Curriculares e de sua direção teórica, a meu ver, encontram-se
no fato de que, no projeto profissional ético-político contemporâneo, uma opção
hegemônica pela teoria social de Marx. Mas como é essa hegemonia? uma
apreensão com qualidade dessa teoria? Parece-me que essa hegemonia pode ser
contestada, ou seja, como quem vem discutindo, escrevendo e enfrentando o debate
sobre a profissão, em sua maioria, são os profissionais simpatizantes da teoria social
de Marx, essa posição aparece como hegemônica. Entretanto, um grande grupo
que vai de encontro a essa direção tais como os profissionais que defendem o
Serviço Social Clínico e Terapêutico
53
- e que não se manifesta publicamente ou não
enfrenta o debate nas instâncias próprias a ele, como congressos, seminários da
categoria, encontros de pesquisa, publicações e outros.
Por outro lado, tem-se, dentro do próprio bloco hegemônico, tendências que,
apesar de se considerarem adeptas ao projeto ético-político em vigor, não dominam
a direção teórica favorável à sua implementação, gerando uma posição eclética. Isso
52
A frase original é “A outra questão refere-se à compreensão da formação ética como momento específico em
uma disciplina, mas também de sua inserção em todos os componentes curriculares e em todas as disciplinas.
Nesse sentido mesmo que a atitude e a postura ética profissional possa e deva ser resgatada em todos conteúdos,
de modo a orientar o fazer profissional, o currículo não pode prescindir de uma disciplina específica de ética que
conjugue o debate filosófico e os preceitos éticos profissionais” ( Ferreira, 2004:29).
53
Para maiores detalhes, ler Revista Em Foco n.1 “O Serviço Social Clínico e o Projeto Ético-político do
Serviço Social”. CRESS – 7ª Região, maio de 2003 e Revista Em Foco complementar “Atribuições Privativas do
Assistente Social e o ‘Serviço Social Clínico’”. CRESS – 7ª Região, maio de 2004.
exige um processo permanente de capacitação profissional, haja vista que o
educador também precisa ser educado uma vez que as circunstâncias ou condições
externas o modificam e é ele quem pode modificar tais condições, conforme Marx
(2001).
Como vimos, percebe-se que o referencial teórico marxiano, apesar de estar
presente na academia desde a década de 1970, é incorporado como conteúdo de
disciplinas no interior de currículos somente no ano de 1982
54
, o que significa pouco
mais de 20 anos de contato com essa teoria. Na verdade, os docentes e
profissionais adeptos dela não possuíam um domínio mínimo e necessário sobre sua
concepção, daí a ocorrência de muitos equívocos na leitura de Marx devido à pouca
tradição nessa leitura
55
.
Pode-se afirmar que esse amadurecimento intelectual vem ocorrendo a partir
da década de 1990, portanto, a formação profissional vem contando com
profissionais supostamente habilitados no que se refere a essa teoria social e até
mesmo nas demais, haja vista o domínio até a década de 1960 de uma referência
da doutrina social da Igreja e não de fundamentos científicos dez anos. Isso
significa que os profissionais que até então foram formados também não tiveram
uma apreensão adequada dessa vertente. Daí ser perfeitamente compreensível uma
não apreensão minimamente satisfatória de suas categorias básicas que redunda na
não compreensão de teoria e prática.
As contribuições obtidas nas Oficinas Nacionais da ABEPSS e pesquisa de
Reis me possibilitam reafirmar a existência de uma lacuna no ensino dos
instrumentos e técnicas na formação profissional dos Assistentes Sociais a qual
54
Conforme Quiroga (1991:88), “a reconceituação trouxe consigo, em sua crítica ao assistencialismo e às novas
tendências neo-assistencialistas, a questão do marxismo, que, posteriormente, é incorporado como conteúdo
de disciplinas no interior de currículos”.
pode advir de um problema teórico de apreensão da relação teoria-prática na teoria
social de Marx por parte dos responsáveis pela formação profissional, bem como da
apreensão das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas
na unidade, ou seja, confunde-se unidade com identidade. Melhor dizendo, a
pesquisa realizada parece demonstrar que as Diretrizes Curriculares não priorizam
esse conteúdo por uma apropriação inadequada da relação teoria/prática no
materialismo histórico-dialético, que rebate na concepção de instrumentos e
técnicas.
A não apreensão da relação teoria e prática e da relação de unidade entre as
dimensões da intervenção profissional encontra-se manifesta nas seguintes
posições extraídas dos relatos:
1- nas posições extremadas quanto ao ensino dos instrumentos: ora dando
ênfase ao tecnicismo, ora considerando que um bom ensino teórico é
suficiente para se apreender os instrumentos e técnicas;
2- quando se considera que os instrumentos e técnicas são geridos de
acordo com os referenciais teóricos;
3- quando não se distingue conhecimento teórico de conhecimento
procedimental;
4- nas denúncias da forma dicotomizada de relacionar teoria e prática ou da
dificuldade em se qualificar o que seja a dimensão teórico-prática na
formação profissional;
5- na denúncia da necessidade de intensificar a articulação entre as
disciplinas com a prática profissional do Assistente Social;
55
Ressalto aqui a influência de Althusser e Mao tsé-tung no que se refere à concepção de teoria e prática.
6- na denúncia de que é necessário situar o lugar do ensino do instrumental
técnico na formação profissional e sua relação com as dimensões teórica,
ética e política;
7- no fato de serem poucas as regionais que efetivamente adotam, nos
programas das disciplinas voltadas para a dimensão técnico-operativa, a
garantia de conteúdos que identifiquem o aparato técnico-instrumental;
que cuidem do exercício de instrumentos e técnicas; que façam uma
leitura crítica dos instrumentos, atualizando-os; que cuidem da
operacionalização de instrumentos e técnicas e da aquisição de
habilidades técnico-instrumentais.
Essas manifestações podem ser sintetizadas na dificuldade, por parte da
formação profissional, de tratar do “como utilizar os instrumentos”; de não cuidar
suficientemente das habilidades necessárias no manuseio dos instrumentos,
significando uma identificação do caráter de unidade das dimensões da intervenção
com identidade; uma visão unilateral dos instrumentos apenas em sua razão
manipulatória; uma não distinção entre conhecimento teórico e conhecimento
procedimental.
Essa postura reforça e é reforçada pelas concepções de que na prática a
teoria é outra, de que a prática fala por si só, de que o conhecimento teórico traduz-
se, de imediato, em instrumentos para a ação, ou melhor, de que a teoria social
marxista não instrumentaliza para a prática. No sentido de polemizar essas
manifestações, no próximo capítulo trato da questão “teoria e prática” no
materialismo histórico-dialético.
3 NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA?
A hipótese sustentada aqui de que o problema relativo aos instrumentos e
técnicas na formação profissional dos Assistentes Sociais fundamenta-se em uma
compreensão inadequada sobre teoria e prática no materialismo histórico-dialético
rebatendo igualmente, em uma visão inadequada das dimensões da intervenção
profissional, gera a necessidade de elucidar o que seja teoria e o que seja prática na
vertente teórica em questão.
As expressões dos problemas investigados, configuradas no capítulo anterior
e reiteradas na afirmativa por parte da categoria profissional de que na prática a
teoria é outra, evidenciam e fortalecem, a meu ver, três entendimentos equivocados.
O primeiro é o de que a “teoria se transforma em prática”, ou seja, espera-se
de uma teoria que tem por orientação a ruptura com um referencial teórico
conservador que essa teoria ofereça, de imediato, uma prática de ruptura com a
ordem conservadora. A associação é direta: teoria de ruptura igual a prática de
ruptura. Como essa transposição não é verdadeira, afirma-se “na prática a
teoria é outra”.
O segundo entendimento vai na contramão do primeiro. Defende-se que a
prática fala por si só, ou seja, a ação prática oferece, também de imediato, a teoria, a
qual seria, portanto, apenas a sistematização da prática. Dessa forma, é consagrada
a afirmativa “na prática a teoria é outra”, mas não de forma “acusativa” e sim com um
tom de “conformação”, em que a prática seria mais importante que a teoria.
Em ambas as assertivas uma redução dos tipos de conhecimento a um
único: o teórico conhecimento é sinônimo de conhecimento teórico e entre
prática social e prática profissional – prática profissional é igual a prática social.
O terceiro entendimento que remete ao primeiro – é o de que a teoria social
de Marx não instrumentaliza para a ão. Tal afirmativa quer denunciar, igualmente,
que a teoria não está se transformando em prática, todavia destina-se diretamente a
uma particular direção teórica, à teoria social de Marx: a teoria social crítica não está
se transformando em prática crítica. Ao se adequar essa afirmativa a uma prática
profissional, no caso à prática profissional do Serviço Social, a queixa é de que a
teoria de ruptura não está se transformando em uma prática de ruptura, o que
justifica o antigo ‘chavão’ na prática a teoria é outra.
Por outro lado, fica subtendido, nessa afirmativa, a exigência de que uma
determinada teoria traduza-se em instrumentos próprios de ação, ou seja, que os
instrumentos sejam criados, extraídos, diretamente de uma teoria. A teoria é
reduzida a algo que se “encaixa na prática” e a prática social é reduzida à prática
profissional que, por sua vez, é reduzida à utilização de instrumentos de intervenção.
Mas, que a teoria não está se transformando em prática, considera-se que o mais
importante, então, seja a prática.
Assim, essas manifestações apontam para uma não compreensão de teoria e
prática que rebatem na não compreensão de prática profissional. A ausência de
entendimento sobre prática profissional aparece, muitas vezes, associando-se a
mesma como praxis social e praxis revolucionária, como também reduzindo-a à
aplicação de instrumentos e técnicas.
Este capítulo tem por objetivo questionar tais equívocos a partir de uma
aproximação da relação teoria e prática na tradição marxista, oferecendo destaque
para alguns elementos do debate que possam contribuir para o trato dessa questão
no Serviço Social e que, por alguma razão, vêm passando despercebidos. Nesse
sentido, nele resgato as concepções de Marx sobre teoria, prática e método, a partir
de sua própria leitura, bem como priorizo alguns autores marxistas das diferentes
áreas do conhecimento de grande penetração no Serviço Social que contribuíram
e ainda contribuem – para uma leitura mais aproximada das concepções de Marx no
que se refere ao tema.
Desse modo, é fundamental, a partir desse referencial, definir de que
concepção de teoria e de prática se trata; definir os tipos de prática; delimitar qual o
âmbito da prática e qual o âmbito da teoria; definir a relação entre práxis social,
práxis revolucionária e prática profissional.
Torna-se importante ressaltar que, na Modernidade, as correntes teóricas
significativas (Positivismo, Pragmatismo, Marxismo, Sociologia Compreensiva de
Weber, dentre outras) além de apresentarem certa relação entre pensamento e
ação, teoria e prática, afirmam a interação entre teoria e ação. Não obstante, o que
as distinguem é a concepção da natureza e da estrutura dessa interação, ou seja,
essa interação é apreendida de forma diversa pelas correntes teóricas. Destaco,
neste estudo, o marco de referência intelectual marxista por, como exposto
anteriormente, considerar que esse seja o destinatário das críticas aqui denunciadas
e por ser essa a direção teórico-política que orienta o projeto hegemônico na
profissão.
3.1 TEORIA E PRÁTICA NO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO
Marx e Engels concretizaram a concepção do homem como ser ativo e
criador prático que transforma o mundo, porém, não só em sua consciência,
mas também, praticamente, realmente. Introduzem a concepção de que a vida social
é um produto dos indivíduos, ao mesmo tempo em que esses também são um
produto social. Tais concepções estão explícitas textualmente desde o jovem Marx
em várias passagens de suas obras, como, por exemplo,
portanto o caráter social é o caráter geral do movimento inteiro; assim como
a sociedade mesma produz o homem como homem, assim ela também é
produzida por ele. A atividade e a fruição, tanto segundo o seu conteúdo
quanto também segundo o seu modo existência, são sociais, atividade
social e fruição social. A essência humana da natureza existe primeiro para
o homem social; pois é primeiro aqui que ela existe para ele como vínculo
com o homem, como existência sua para o outro e do outro para ele,
também como elemento vital da realidade efetiva humana, é primeiro aqui
que ela existe como fundamento da sua existência humana própria
(Marx:1984:148) (grifo da edição).
Em texto posterior, há várias passagens de grande valor para essa discussão:
mas não discutais conosco avaliando a abolição da propriedade burguesa
com as vossas representações burguesas de liberdade, de cultura, de
direito etc. As vossas próprias idéias são produtos das relações de
produção e propriedade burguesas, tal como o vosso direito é apenas a
vontade da vossa classe elevada a lei, uma vontade cujo conteúdo está
determinado pelas condições materiais de existência da vossa classe (Marx
e Engels, 1998:25) (grifo meu).
Mais adiante, na mesma obra, Marx e Engels assumem, de forma irônica,
esta posição:
será necessária uma inteligência excepcional para compreender que, ao
mudarem as condições de vida dos homens, as suas relações sociais, a sua
existência social, mudam também as suas representações, as suas
concepções, os seus conceitos numa palavra, a sua consciência? (...) O
que prova a história das idéias, senão que a produção espiritual se
transforma com a transformação da produção material? As idéias
dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante
(idem:28) (grifo meu).
Nessa citação, Marx e Engels indicam a posição central que a prática material do
homem ocupa na ontologia do ser social, na medida em que oferece centralidade à
categoria trabalho para a compreensão da sociedade. Para eles, o dado ontológico
primário é o trabalho.
Pode-se constatar que Marx contesta a concepção de prática dos idealistas.
Não se trata de uma prática como atividade do Espírito, mas de uma prática
material, que se traduz na concepção de que a transformação da natureza pelo
homem – o trabalho – é condição necessária da transformação do homem. A
produção é fundamento do domínio dos homens sobre a natureza e do domínio
sobre sua própria natureza; uma unidade indissolúvel entre produção e
sociedade ou entre produção e história. Nos dizeres dos próprios autores:
não que o mundo sensível que o cerca não é um objeto dado
diretamente, eterno e sempre igual a si mesmo, mas sim o produto da
indústria e do estado da sociedade, no sentido de que é um produto
histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações, sendo
que cada uma delas se alçava sobre os ombros da precedente,
aperfeiçoava sua indústria e seu comércio e modificava seu regime social
em função da modificação das necessidades (Marx e Engels, 2001:43).
Assim, a noção de prática se define em oposição ao caráter especulativo e
contemplativo da filosofia idealista, de modo que é entendida não como mera
atividade da consciência, mas como atividade real, objetiva, material do homem
social, que pode ser assim considerado em e pela praxis. É o que ressalta a
seguinte citação:
filósofos, meio-filósofos e beletristas alemães apossaram-se avidamente
desta literatura, esquecendo apenas que, com a importação dos escritos
franceses, não se importavam para a Alemanha as condições alemãs, a
literatura francesa perdeu todo significado prático imediato e assumiu uma
feição puramente literária. Havia de aparecer como especulação ociosa
sobre a realização da essência humana. Assim, para os filósofos alemães
do século XVIII, as reivindicações da primeira revolução francesa tinham
o sentido de reivindicações da razão prática (grifo da edição) em geral e as
expressões da vontade da burguesia revolucionária francesa significavam,
aos seus olhos, as leis da vontade pura, da vontade como esta deve ser, da
vontade verdadeiramente humana (Marx e Engels, 1998:36) (grifo meu).
Nessa passagem, Marx e Engels reforçam sua concepção de que a
sociedade é resultado da ação recíproca dos homens, oferecendo um destaque à
atividade prática ao defender uma primazia da prática em relação à consciência
humana: “ela [referindo-se à sua concepção de história] não explica a prática
segundo a idéia, explica a formação das idéias segundo a prática material”(idem:36).
Sua teoria e seu método partem do mundo real e a ele retomam. Prática, nesse
momento de suas produções, é igualada à “existência”.
As citações apresentadas contêm uma primeira aproximação à concepção de
teoria e prática que os autores vão explorar e desenvolver durante sua vida. Elas
deixam em evidência os princípios que fundamentam suas idéias, os quais
sintetizam uma concepção de mundo baseada no materialismo histórico-dialético.
Materialismo porque parte do pressuposto que a realidade é anterior ao
pensamento, a matéria precede o conceito, ela existe antes de existir um
pensamento sobre ela. Dialético porque parte de uma explicação do Ser em todas
as suas modalidades, como uma totalidade em permanente movimento. Histórico,
num duplo sentido: primeiro porque essa explicação é específica à sociedade, à
história e à cultura, ou seja, ao ser social; segundo porque toma o objeto como um
componente do processo histórico, isto é, os indivíduos são um produto social, a
sociedade muda, as idéias mudam.
Coerente com essas premissas, Marx quer conhecer teoricamente a
sociedade capitalista, mas tendo em vista possibilitar a sua transformação. Ele se
dispõe a conhecer o Social, tendo como referência o Ser Social posto na ordem
burguesa, constituindo-se sua obra de “uma reflexão ontológica sobre um processo
real” (Netto, 1990:6). Assim, ele parte de uma concepção ontológica do homem, ou
seja, ele quer entender o modo de ser de um ser social específico: o ser social
burguês, posto na ordem do Capital.
Marx está interessado na apreensão do movimento efetivo do objeto e não no
modo como esse objeto é assimilado pelas consciências ou como as representações
desse objeto se expressam na consciência. Dessa forma, ele supera a postura
especulativa dos filósofos, ao mesmo tempo em que inaugura uma concepção de
método que não pode ser, sob hipótese alguma, descolado da teoria, uma vez que o
método vai constituir-se no processo de apreensão do objeto (a história) pela razão,
ou seja, organizando logicamente o processo real, apresentando-o em teoria. Diz
Marx (1984:410):
enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não
é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do
concreto, para reproduzi-lo espiritualmente como coisa concreta. Porém,
isto não é, de nenhum modo, o processo da gênese do próprio concreto.
Nessa passagem, Marx demarca ainda que a sua pretensão com a
investigação é justamente conhecer a constituição do concreto ou seja, o
pensamento apenas reconstrói e reproduz o objeto para que se retorne a ele
como um concreto pensado. Contudo, ele distingue o movimento que o pensamento
faz para apreender essa constituição do próprio processo de constituição desse
concreto, visto o concreto existir, independente e anteriormente ao esforço da
razão de o apreender. O objeto pode existir sem o sujeito, mas não pode existir
conhecimento sem sujeito. Aqui, ele distingue a teoria da prática, ao mesmo tempo
em que assegura a unidade entre ambas e ressalta a supremacia da última. Assim,
apropriar-se do concreto pelo pensamento é um ato teórico, enquanto que o
concreto, em si, é um ato prático que está vinculado às necessidades e ações
práticas dos homens, portanto, existe fora do pensamento.
Marx (1984:410) compreende que “o concreto é concreto porque é a síntese
de muitas determinações, isto é, unidade do diverso”. As determinações o os
elementos constitutivos que compõem o objeto, elementos que se obtêm para
concretizar a análise de um processo, elas expressam condição histórica e são
resultado da ação prática dos homens.
Nessa concepção, o mundo real é considerado como o mundo criado pelo
homem: as coisas, as relações e os significados são produtos deste homem, o que
significa afirmar que o mundo real é o mundo da praxis humana. Assim, o método
em Marx é referendado na prática e pela teoria: é o método do desenvolvimento e
da explicitação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática objetiva do
homem histórico” (Kosik,1989:32).
Lefebvre (1977) corrobora com essas reflexões afirmando que no método de
investigação de Marx apossar-se do real é ir para além do imediato, do sensível,
para que se possa alcançar conhecimentos mediatos que são pensamentos e
idéias através da inteligência e da razão. Parte-se do sensível, do empírico, para
superá-lo. As idéias devem ser situadas no real, o qual se constitui dos produtos da
ação prática dos homens, por isso, penetrar no real é
atingir pelo pensamento um conjunto cada vez mais amplo de relações, de
detalhes, de elementos, de particularidades, captadas numa totalidade.
Esse conjunto, essa totalidade, por outro lado, jamais podem coincidir com a
totalidade do real, com o mundo. O ato do pensamento destaca da
totalidade do real, mediante um recorte real ou “ideal”, aquilo que é
corretamente chamado de um “objeto de pensamento”. Um tal produto
abstrato do pensamento não apresenta nada mais misterioso que um
produto da ação prática (Lefebvre, 1979:112) (grifo meu).
Superar a aparência é o que torna a ciência necessária e a justifica, como
afirma Marx (1984:444) em carta a L. Kugelmann, em 1868:
e então o economista vulgar crê fazer uma grande descoberta quando,
frente à revelação das conexões internas, alardeia que na aparência as
coisas se apresentam de outro modo. De fato alardeia que ele permanece
aferrado às aparências e as toma como instância última. Para que, então,
ainda uma ciência?.
Ou de forma mais direta: “aliás, toda ciência seria supérflua se houvesse
coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas” (Marx,1980:939).
Essas citações trazem dois elementos a serem destacados. O primeiro é o
fato de não ser redundante ressaltar que a necessidade da ciência encontra-se
nessa relação entre a essência das coisas e a sua forma fenomênica
56
, uma vez que
outras teorias sociais não vão além das aparências, tomando-as como verdades em
si mesmas. Negam, inclusive, a possibilidade de alcance da ‘coisa em si’, a exemplo
da sociologia positiva de Durkheim.
O segundo é o fato de Marx querer, justamente, diferenciar sua concepção
desses outros pensadores. Para ele, a busca da essência é um princípio
fundamental, ou seja, ele parte do conhecimento empírico, mas não o toma como
conhecimento do real. O empírico é, para ele, um nível necessário do real, mas que
tem de ser superado pela razão. Ou, nas palavras de Kosik (1989), a dialética trata
56
As características com as quais se mostram, por exemplo, a cor, o odor, a forma, o tamanho etc.
da “coisa em si”, e essa não se manifesta imediatamente ao homem, para conhecê-
la é necessário um esforço.
Para esse autor, a realidade é a unidade da essência e do fenômeno, os dois
não podem ser considerados como autênticos ao se apresentarem em separado. De
outro modo, quando se identifica o aspecto fenomênico da coisa em que a coisa
se manifesta e se esconde com sua essência, desaparece a diferença entre o
fenômeno e a essência. Daí a dificuldade de o homem comum entender a prioridade
da prática em relação à consciência.
Assim, a aparência, o empírico, é o ponto de partida para o conhecimento. A
dialética não aceita o mundo das representações e do pensamento comum sob o
seu aspecto imediato, “submete-os a um exame em que as formas reificadas do
mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa
originalidade para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como
sedimentos e produtos da praxis social da humanidade (Kosik,1989:17) (grifo meu).
É importante ressaltar que o empírico valorizado nessa concepção não é o
empirismo abstrato dos hegelianos, mas o empírico, o dado, como um momento
primeiro de um processo e como uma totalidade orgânica. Assim, o ponto de partida
da investigação é o empírico, os homens em suas relações econômicas e sociais, é
a relação homem/natureza mediada pelo trabalho, como visto anteriormente. Mas
esses dados devem ser superados, ultrapassados, o que significa não os considerar
em si; supõe-se ir além de sua forma, buscando sua estrutura dinâmica, suas
determinações. Esse processo o modifica, necessariamente, “o dado”, que pode
permanecer o mesmo no plano empírico. O que modifica é o conhecimento que se
tem dele.
Dito com outras palavras, o processo de conhecimento realizado a partir da
imediaticidade tem dois momentos, que Marx elucida como o “caminho de ida”
ponto de partida e o “caminho de volta” – ponto de chegada. O caminho de ida é o
primeiro momento: o momento em que nos deparamos com a “representação
caótica do todo”, pois ainda não se entrou em contato com as várias determinações
que constituem esse todo, não se alcançou a universalidade. Nesse momento, o
concreto se mostra na sua aparência.
Assim, o concreto é aquilo que se quer alcançar, que se quer compreender;
portanto, ele é o resultado a que se quer chegar. Contudo, ele é ao mesmo tempo, o
ponto de partida, uma vez que é a partir dessa observação imediata que se buscam
suas múltiplas determinações para conhecê-lo em sua singularidade,
particularidade e universalidade –, tendo em vista a concepção de totalidade. É a
partir das representações que se inicia o processo do pensamento.
Dessa forma, segundo Marx, o caminho de ida refere-se ao processo de
abstração desse concreto, ou seja, parte-se da aparência, do imediato, da busca de
suas conexões, de suas determinações, postos pela prática. Já o caminho de volta é
o momento em que, através da compreensão do concreto em sua universalidade,
volta-se para ele, mas não mais como um concreto apropriado apenas na sua
aparência. Ele se tornou um concreto pensado, o sujeito o em suas conexões,
contradições, em sua totalidade. Nesse sentido, aparência e essência se encontram.
Como elucidado, essa é a maneira de o pensamento se apropriar do concreto,
mas não o processo de gênese do próprio concreto. Esse processo não é acabado,
mas um processo de aproximação sucessiva do real, uma vez que não se esgotam
as determinações encontradas no concreto. Nesse processo posto pela prática, na
medida em que o concreto é resultado das várias práticas humanas e apreendido
teoricamente pelo pensamento, teoria e prática se encontram.
As elaborações traçadas até aqui permitem algumas considerações
importantes para a hipótese defendida neste estudo, que serão reforçadas no
transcorrer do capítulo.
A primeira consideração salientada é que Marx se distingue de outros
pensadores da modernidade por conceber as idéias enquanto produtos das relações
de produção, ou seja, que a produção material precede a produção espiritual: a
prática é anterior à consciência, essa é parte de um desenvolvimento histórico. Se a
prática precede a teoria, isso significa que uma relativa autonomia entre teoria e
prática e nessa autonomia a prática antecede a teoria porque é mais dinâmica ou,
nas palavras de Marx (1985:73), a teoria é post-festum: “a reflexão sobre as formas
de vida humana e, portanto, também sua análise científica, segue sobretudo um
caminho oposto ao desenvolvimento real. Começa post festum e, por isso, com os
resultados definitivos do processo de desenvolvimento”. Se a prática humana é mais
dinâmica que a teoria, essa será sempre “aproximativa”. Aceitar essa concepção
implica rechaçar a concepção de que na prática a teoria é outra. A própria teoria
explica essa relação de unidade e de autonomia entre teoria e prática. O processo
de investigação deve, portanto, ser constante para se apreender o maior número de
determinações possíveis a fim de que o sujeito (a razão) se aproxime cada vez mais
do objeto (a ser conhecido).
Por outro lado, se o conhecimento é aproximativo, a teoria não é algo que se
“encaixe” na prática, nem pode servir de modelo, amesmo porque, se ela é uma
reprodução do objeto pelo pensamento, ao se conhecer determinados objetos de
realidade social, o processo de conhecimento que é sempre aproximativo e
provisório deve ser retomado e revisado. Todavia, a teoria pode ter um caráter
prospectivo, pode antecipar uma prática. Nesse caso, ela apresentará as
determinações dessa prática, as leis que permitiram tal antecipação.
A segunda consideração é a de que o processo de investigação, para Marx,
não modifica necessariamente o dado. Essa afirmativa significa que a teoria não
passa, de imediato, à prática, uma vez que o dado, o concreto produto das ações
práticas do homem pode continuar o mesmo no plano empírico. Ou seja, o que a
teoria modifica, de imediato, é o conhecimento que se tem sobre o concreto, não o
próprio concreto. Esse é o método do conhecimento. Contudo, a Teoria Social de
Marx pode possibilitar a transformação social, sendo para isso necessárias
mediações.
Lukács sintetiza muito bem o método de investigação de Marx ao afirmar,
referindo-se à tendência do pensamento científico, que
a aspiração a uma generalização que compreenda o máximo número
possível de casos singulares, aparentemente heterogêneos, à mais
compreensiva generalização possível. Isto significa que esta forma universal
destrói, ou pelo menos supera, o inteiro conjunto das formas singulares e
particulares, nas quais costuma aparecer a lei que nela se manifesta, a fim
de poder expressar com adequação suficiente a própria lei, revelando os
momentos essenciais e comuns ocultos na superfície de imediaticidade.
Que esta universalidade não é abstrata, mas concreta, se é que a lei é
essencial e real, é algo várias vezes assinalado: é suficiente remeter o
leitor ao que Engels afirma a propósito da concreticidade destas
generalizações. Mas esta concreticidade é a concreticidade da máxima
universalidade, do máximo afastamento formal das formas do mundo da
evidência imediata. O critério da sua justeza e da sua profundidade é
precisamente esta universal aplicabilidade a fenômenos de conteúdo
aparentemente heterogêneo, cuja heterogeneidade é superada justamente
nesta concreta universalidade. Mesmo que a finalidade do conhecimento
científico seja a investigação do caso singular, esta fundamental estrutura
do reflexo não se altera. Em seu devido lugar, chamamos a atenção para o
fato de que este retorno do universal ao singular que o se confunde
com um isolamento positivista de singularidades freqüentemente exteriores
ou mesmo insignificantes pode produzir frutos científicos se cada
singular for conhecido conjuntamente com as leis que o põem em relação
com a universalidade que o compreende e com as particularidades
intermediárias (Lukács, 1968:183) (grifo meu).
A riqueza dessa assertiva nos leva ao entendimento de que as
determinações que constituem o ser real supõem níveis de concretude, quais sejam,
o nível da universalidade, o nível da particularidade e o nível da singularidade.
Sendo assim, Singular, Particular e Universal são dimensões da realidade, são
níveis de abrangência da realidade os quais constituem as instâncias da totalidade
social, são categorias que existem na realidade.
O nível da universalidade é o âmbito que mostra a legalidade – a mais
aproximada possível da verdade da realidade investigada. É o máximo
afastamento das evidências imediatas. É a máxima generalização possível, ou seja,
é a apreensão das leis que envolvem o singular e o particular. “É o socialmente
submetido a leis” (Lukács,1979:84).
No nível da singularidade a lei se expressa, a lei aparece, a lei se encarna, se
determina. É o lugar determinado em que a legalidade se manifesta, ou seja, é o ser
determinado. É o lugar onde se manifesta o resultado da ação prática dos homens.
O nível da particularidade é o campo no qual se localizam as mediações entre
esses dois níveis. O singular está conectado à totalidade social através de suas
relações, assim, é através do particular que essas relações se evidenciam e o
singular pode aparecer. O determinado é, para Lukács, o particular.
Mesmo que não se tenha consciência dessas dimensões, elas estão
presentes, necessitando ser desvendadas. Por conseguinte, no processo de
apreensão do real pela consciência, parte-se do singular para o universal, mas
sendo preciso voltar ao singular. Essas passagens são mediatizadas pela categoria
da particularidade. Assim, conhecer o real é situar o objeto do conhecimento do
ponto de vista social e do ponto de vista do “privado”, é não considerá-lo isolado, é
investigar suas relações em sua totalidade. O singular pode ser cientificamente
conhecido quando se esclarecem as universalidades e particularidades histórico-
sociais que intervêm sobre esse singular, o que faz com que todo singular seja
universal e todo universal só apareça no singular, conforme Lukács afirma:
a ciência autêntica extrai da própria realidade as condições estruturais e as
suas transformações históricas e, se formula leis, estas abraçam a
universalidade do processo, mas de um modo tal que deste conjunto de leis
pode-se sempre retornar ainda que freqüentemente através de muitas
mediações aos fatos singulares da vida. É precisamente esta a dialética
concretamente realizada de universal, particular e singular (Lukács,
1968:88) (grifo meu).
Nesse processo do singular ao universal e deste ao singular, cheio de
determinações, o particular é o campo de mediação. É através do particular que o
pensamento pode compreender o singular e o universal. O particular é, então, a
categoria de mediação entre os homens singulares e a sociedade:
a vida individual do homem e a sua vida do gênero não são diversas, por
mais que também e isto necessariamente o modo de existência da vida
individual é um modo mais particular ou mais geral da vida do gênero, ou
quanto mais a vida do gênero é uma vida individual mais particular ou mais
geral (Marx,1984:172).
Em Lukács (1968), o particular não é uma faixa de ligação, é um campo de
mediação, é um traço intermediário para o universal e, em casos particulares, para o
singular, ou seja, a particularidade em relação ao singular representa uma
universalidade relativa e, em relação ao universal, representa uma singularidade
relativa. Essa posição relativa é vista por ele como um processo. Singular e universal
são pólos extremos, são pontos cada vez mais impelidos para o exterior, enquanto a
particularidade é meio mediador. Assim, o movimento no qual o conhecimento
científico reflete a realidade objetiva culmina, de acordo com suas finalidades
concretas, no universal ou no singular, tendo a particularidade como função
mediadora.
Lefebvre (1979:237) partilha da concepção de Lukács ao afirmar que o
método é “alternadamente a expressão das leis universais e o quadro da aplicação
delas ao particular; ou, ainda, o meio, o instrumento que faz o singular subsumir-se
ao universal” (grifo da edição).
Esses três níveis singular, particular e universal são totalidades parciais
da totalidade social, ou seja, a totalidade, que é o social, é formada por totalidades
de menor complexidade. Conhecer em sua totalidade é ver a contradição, é alcançar
a máxima complexidade. De acordo com Lukács, a totalidade é um complexo de
complexos, é constituída de totalidades. São essas que permitem o pensamento
teórico alcançar seu objetivo de reproduzir e refletir com precisão o movimento do
objeto, alcançando sua estrutura interna, particular e sua dinâmica.
Marx compreende a sociedade partindo de uma perspectiva de totalidade.
Isso quer dizer que a categoria da totalidade é a categoria fundamental de análise
nesse pensador. Netto (1990:118) confirma tal posição ao esclarecer que
o ser social posto pelo trabalho tem uma natureza, tem uma estrutura que
se articula enquanto totalidade (...) A totalidade é uma categoria que existe
na realidade e que é reconstruída teoricamente enquanto um princípio
teórico metodológico recuperado para a análise do social.
Kosik (1989:53-54) nos alerta para o fato de a categoria da totalidade não
poder ser entendida “horizontalmente”, como relação das partes e do todo, não
podendo se desprezar nem seus caracteres orgânicos; nem sua dimensão
“genético-dinâmica” (criação do todo e unidade das contradições), nem sua
dimensão “vertical” (dialética de fenômeno e essência). Caso isso ocorra, corre-se o
risco de se perder justamente seu caráter dialético.
Sob esse ângulo, o método configura uma determinada perspectiva, uma
relação que permite ao sujeito apreender o movimento do objeto, o movimento da
realidade em sua totalidade. Ele busca a conexão interna e necessária entre os
fenômenos. Seu método é o método pelo qual o pensamento se apropria do objeto
(Marx,1980).
Marx sustenta que teoria é a reprodução ideal do movimento real do objeto (a
ser conhecido), como ele mesmo deixa esboçado, embrionariamente, desde suas
primeiras obras:
a minha consciência geral é apenas a figura teórica daquilo do qual a
coletividade real, o ser social, é a figura viva, ao passo que hoje em dia a
consciência geral é uma abstração da vida efetivamente real e como tal se
defronta inimiga a esta. Por conseguinte, a atividade da minha consciência
geral – como uma tal atividade – também é a minha existência teórica como
ser social (Marx, 1984:171) (grifo da edição).
E, mais tarde: “as proposições teóricas dos comunistas são expressões gerais de
relações efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que
se processa diante de nossos olhos” (Marx e Engels, 1998:21).
A teoria é reprodução do objeto no sentido do objeto ser um produto,
fazer parte da realidade, já existir, ou seja, a teoria o reconstitui pelo pensamento. A
sua produção não é dada pela consciência, mas na prática, podendo ser, contudo,
reproduzido no âmbito da razão a partir do momento em que o objeto do
conhecimento já existe no mundo.
A produção crítica madura no Serviço Social se apropria dessas referências, a
partir da década de 1980, marco nas produções do Serviço Social no que se refere à
Teoria Social de Marx. Assim, despontam, na profissão, produções de qualidade que
ajudam em sua apreensão, cujos autores passo a comentar.
Netto, coerente com o referencial marxiano, fortalece o entendimento de que
a reflexão teórica não “constrói” um objeto, ela é um instrumento de análise do real:
“o produto teórico por excelência, é uma reprodução ideal de um processo real”
(1989:143-144). Confirma que teoria não é apenas uma descrição da realidade da
ordem burguesa, ela é a apreensão da lógica do objeto – a ordem burguesa –, o que
implica conceber a sociedade como uma totalidade concreta para gerar um
conhecimento efetivo da realidade.
Para esse autor, a teoria “é um movimento através do qual a razão extrai dos
processos objetivos a sua legalidade intrínseca” (idem), realizando a “apreensão do
movimento do ser social” (ibidem). Nessa linha, afirma que método é “a relação
constituinte necessária e objetiva entre o investigador e o objeto investigado”
(1986:56).
Em Kameyama, encontramos reflexão semelhante quando ela explicita a
relação teoria e prática ao salientar o caráter transformador da teoria em Marx:
[a teoria é] a forma de organização do conhecimento científico que nos
proporciona um quadro integral de leis, de conexões e de relações
substanciais num determinado domínio da realidade. É um sistema de
representações, idéias, referentes à essência do objeto, a suas conexões
internas, às leis do seu funcionamento e aos processos e operações no
domínio teórico e prático da realidade. A teoria consiste também num
conjunto de princípios e exigências interligadas que norteiam os homens no
processo de conhecimento e na atividade transformadora. Por isso, então,
na teoria marxiana a questão do conhecimento está internamente ligada
com a questão da transformação. O conhecimento visa a transformação que
é a prática social (1989:100) (grifo meu).
Na mesma perspectiva, para Iamamoto (1992), teoria é a reconstrução, pelo
pensamento, do movimento do real, apreensão de suas contradições, tendências,
relações e determinações. Assim, ela serve como referência para uma análise, não
podendo ser confundida, contudo, com um modelo a ser seguido, nem podendo ser
tomada como absoluta.
A autora ressalta o caráter de “possibilidade” da teoria, ao mesmo tempo em
que a desobriga da função de transformar a prática, ou seja, a teoria “afirma-se,
também, como teoria das possibilidades da ação. Assim, se ela é condição para a
explicação do real, é também condição para desvendar as possibilidades de ação no
processo social” (idem:178). Apesar de possibilitar a ação, o âmbito da possibilidade
não é o da efetividade, Este é o da prática.
Iamamoto entende a relação teórico-metodológica como um modo de ler e
interpretar a sociedade e os elementos que constituem suas particularidades, assim
como uma forma de se relacionar com o ser social, uma relação entre o sujeito que
busca o conhecimento e o objeto investigado. Para isso, “implica uma apropriação
da teoria uma capacitação teórico-metodológica e um ângulo de visibilidade na
leitura da sociedade – um ponto de vista político, que, tomado em si, não é suficiente
para explicar o social” (ibidem: 179).
Ler e interpretar o objeto de conhecimento não é, conseqüentemente,
proceder à sua mudança. Portanto, mais uma vez, sustento que a afirmativa na
prática a teoria é outra remete a uma expectativa equivocada da categoria dos
Assistentes Sociais em relação à função da teoria e da prática.
No método do abstrato ao concreto está contida a concepção marxiana de
teoria e de prática. Destaquei primeiramente, a enfática afirmativa de que teoria é
ato do pensamento e em um segundo momento, o fato de teoria ser a apreensão do
movimento efetivo do objeto pelo pensamento. Esses destaques significam que
nessa vertente, a teoria se distingue da prática, é ato do pensamento, o qual,
todavia, dirige-se para um objeto produto da prática –, ou seja, a teoria almeja o
conhecimento da constituição do concreto, entretanto, esse concreto tem sua
gênese na prática, é nela que se expressam as determinações do objeto. Dessa
forma, teoria e prática se distinguem ao mesmo tempo em que estabelecem uma
relação de unidade.
Teoria é a apreensão das determinações que constituem o concreto e prática
é o processo de constituição desse concreto; teoria é a forma de atingir, pelo
pensamento, a totalidade, é a expressão do universal, ao mesmo tempo que culmina
no singular e no universal. É através da teoria que se pode desvendar a importância
e o significado da prática social, ou seja, ela é o movimento pelo qual o singular
atinge o universal e deste volta ao singular. A prática é constitutiva e constituinte
das determinações do objeto; gera produtos que constituem o mundo real; não se
confunde, portanto, com a teoria, mas pode ser o espaço de sua elaboração. Nesse
caso, ela só se transforma em teoria se o sujeito refleti-la teoricamente.
A definição de teoria aqui sintetizada reforça as análises realizadas acima, ou
seja, se a reflexão teórica, por si só, não “constrói” um objeto e esse objeto já existe,
ela permite ao sujeito conhecer os elementos que compõem as determinações do
objeto, para modificá-lo. Se a teoria é um instrumento de análise do real, esse objeto
é anterior à teoria, portanto, pode-se inferir que essa última tem na prática seu
fundamento.
Dessa forma, na perspectiva do materialismo dialético, na prática a teoria
pode ser a mesma, uma vez que ela é o lugar onde o pensamento se põe. A teoria
quer, justamente, conhecer a realidade, extrair as legalidades, as racionalidades, as
conexões internas postas nos produtos da ação prática dos homens, assim, o
como na prática a teoria ser outra. Essa posição é verdadeira se se considerar
por teoria algo pronto, acabado, que se adeqüa a uma prática. Aqui a teoria é
constante movimento, movimento que acompanha a prática e pode contribuir com
ela. Nas palavras de Chauí (1980:110):
a teoria está encarregada de desvendar os processos reais e históricos
enquanto resultados e enquanto condições da prática humana em situações
determinadas, prática que origem à existência e à conservação da
dominação de uns poucos sobre todos os outros. A teoria está encarregada
de apontar os processos objetivos que conduzem à exploração e à
dominação e aqueles que podem conduzir à liberdade.
A teoria, por ser condição para explicar o real, pode contribuir com a
descoberta de possíveis ações humanas. Essa constatação remete, mais uma vez,
ao fato de que o âmbito da teoria é o âmbito da possibilidade, ou seja, a teoria
possibilita a prática, mas não de forma imediata. Essa não é sua função precípua.
Ela pode ter como intenção a transformação social, mas isso não significa que tal
passagem dependa, exclusivamente, dela, embora seja uma condição.
Sintetizando, a afirmação de que a teoria é um modo de ler e interpretar a
realidade implica afirmar que a teoria tem como locus de atuação a prática,
possibilitando transformações e se alimentando da mesma. Enfim, teoria e prática
formam uma unidade, apesar de suas diferenças.
A teoria, na concepção marxista, é o resultado de um movimento do
pensamento para se apreender o objeto. No caso de uma prática profissional como
a do Serviço Social, a teoria permite que o sujeito Assistente Social apreenda
seu objeto de ação, o movimento do mesmo, sua direção, suas contradições. Nesse
sentido, a meu ver, o Serviço Social, ao necessitar conhecer seus objetos de ação e
compreender as demandas por seus serviços, encontra, na Teoria Social de Marx os
pressupostos e o método para conhecer a realidade que está posta pela prática
social, buscando sua essência.
O Serviço Social buscou apoio nos demais campos do conhecimento,
procurando extrapolar uma visão endogenista da profissão, evitando continuar
pensando o Serviço Social pelo Serviço Social e no Serviço Social e visando romper
com a concepção de que os objetos de sua ação são problemas dos indivíduos.
Essa busca por uma visão universal da profissão e dos fenômenos com os
quais atua, entretanto, rebateu no equívoco de considerar que o conhecimento
teórico sobre a realidade gera, de imediato e unilateralmente, respostas ao “fazer
profissional”. Tal equívoco se expressa em dois momentos contraditórios,
apontados aqui: 1 quando a formação profissional negligencia o ensino do “como
fazer” alegando que o conhecimento teórico traduz-se em conhecimentos
procedimentais; 2 quando a categoria profissional critica que a teoria social de
Marx não instrumentaliza para a ação.
A meu ver, há uma tendência no profissional de Serviço Social que é a de não
fazer o “caminho de volta”. Ele vem pesquisando sobre os fenômenos da realidade,
mas não como esses fenômenos se expressam nas demandas que chegam ao
Serviço Social. Não busca conhecer nem como o fenômeno se manifesta nos
sujeitos, nem as possibilidades de intervenção frente às expressões das questões
sociais.
Ao mesmo tempo em que se afirma que o conhecimento teórico é suficiente
para se pensar os instrumentos e técnicas para uma intervenção, há uma separação
entre conhecimento sobre o fenômeno enquanto processo social e enquanto
intervenção, ou melhor, centra-se força no conhecimento sobre o fenômeno sem
buscar as mediações que estão, necessariamente, imbricadas nessa passagem da
teoria à prática e vice-versa. Constata-se, então, uma polaridade: um acervo teórico
que se distancia de um acervo sobre a intervenção.
Os fenômenos têm uma dupla condição: são tanto objetos necessários de
conhecimento, porque são processos sociais, como são objetos de intervenção.
Dessa forma, o Assistente Social deve estudá-los como processo social e como
indicações que possam subsidiar a intervenção, possibilitando a relação teoria/
prática.
Do ponto de vista do conhecimento teórico, o Assistente Social pode buscar o
universal, pois a formação profissional através das Diretrizes Curriculares tem como
princípio uma teoria social que o orienta a esse procedimento. Entretanto este, ao
encontrar o universal, nem sempre volta ao singular, percebendo as mediações que
o vinculam do universal ao singular, o que torna-se um problema, sobretudo porque,
como destacado, o acervo de conhecimento não pode resolver, de imediato, a
problemática da intervenção. Iamamoto denuncia (1998:75) que
uma hipótese de trabalho sobre o desenvolvimento do Serviço Social nos
anos 1980 indica que a profissão teve os olhos mais voltados para o Estado
e menos para a sociedade, mais para as políticas sociais e menos para os
sujeitos com quem trabalha.
O problema não se encontra na aquisição de um acervo macro, esse é
fundamental. O problema está em não se trabalhar com o movimento dialético do
universal para o singular. Do contrário continuará a se esperar que a teoria ofereça
instrumentos de ação, negando-se, na formação, os conhecimentos procedimentais
que habilitam a sua utilização
57
. Aponto aqui um outro problema: a redução dos
conhecimentos a um tipo de conhecimento, o teórico. É necessário, assim, pensar
também conhecimentos procedimentais. Há aqui uma suposição equivocada de que
conhecimento teórico e conhecimento procedimental possuem a mesma natureza.
57
Essa questão será retomada no capítulo IV.
Nesta seção, busco explicitar o que é teoria e o que é prática no materialismo
histórico-dialético, centrando-me na concepção de teoria a fim de justificar porque
na prática a teoria é a mesma. Indico, também, que teoria e prática estão
subsumidas no processo das objetivações humanas, as quais não são as mesmas
para todos os seres humanos. Nas várias objetivações, estão unidas as operações
de transformações materiais, ou seja, as concepções práticas e as concepções
ideais que as orientam. Tem-se, então, aí, a unidade entre um movimento ideal e a
intervenção material, entre teoria e prática. O conjunto das objetivações humanas
forma a praxis.
De posse da concepção de teoria e de prática no materialismo histórico-
dialético e da relação de unidade entre teoria e prática, já se pode traçar o âmbito da
teoria e o âmbito da prática, ressaltando, assim a unidade na diferença. Dessa forma
será possível traçar a relação plausível entre teoria, prática profissional e o acervo
técnico-instrumental, com o intuito de se desmitificar a relação direta entre teoria-
instrumentos e entre prática-instrumentos.
3.2 A RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE TEORIA E PRÁTICA: UNIDADE NA
DIFERENÇA
Desde o início deste capítulo, procurei evidenciar a relação intrínseca entre
teoria e prática, considerando-as como elementos tanto do conhecimento (que, em
última instância, já é ato de “conhecer”, podendo levar a uma ação) quanto da ação
(que necessita de algum tipo de conhecimento – teórico, técnico, do senso comum
sobre ela, consciente e/ou não).
Neste ítem é necessário enfatizar, entretanto, que teoria e prática formam
uma unidade, lembrando que unidade não é sinônimo de identidade. Unidade é um
vínculo intenso e profundo entre diferentes; assim, apesar de formarem uma
unidade, há uma diferença entre ambas, a qual vai determinar o âmbito de cada uma
delas. Por conseguinte – e a partir das conclusões da seção anterior –, vai-se
desfazer a concepção de que o conhecimento teórico traduz-se, diretamente, em
instrumentos para ação profissional.
No que diz respeito ao âmbito da prática, Marx, na segunda Tese sobre
Feuerbach, indica que a praxis aparecerá como fundamento, critério de verdade e
finalidade do conhecimento: “é na praxis que o homem precisa provar a verdade, isto
é, a realidade e a força, a terrenalidade do seu pensamento. A discussão sobre a
realidade ou a irrealidade do pensamento isolado da praxis é puramente
escolástica” (Marx e Engels, 2001:100). Aqui, o conhecimento é considerado como o
conhecimento de um mundo criado pelo homem, ou seja, inexistente, fora da
história, da sociedade e da indústria. O objeto é visto como um produto da atividade
subjetiva, entendida como atividade real, objetiva, material. O conhecimento é
concebido em relação a essa atividade, como conhecimento de objetos produzidos
por uma atividade prática da qual a atividade pensante, da consciência, não pode
ser separada.
As várias formas de conhecimento encontram seu alcance e sentido na
conexão com a atividade prática, entendida aqui como a existência material, social e
espiritual do homem as relações efetivas entre os homens, suas condições de
vida, enfim, a vida real. Nesse sentido, a prática é o espaço onde se origina, realiza-
se e se confronta o conhecimento, visto ser o local onde a realidade se põe.
Assim, a condição da prática na sua relação com o conhecimento é a de
proporcionar o objeto do conhecimento, como também o critério de verificação da
verdade. Este último o de forma a priori, direta e imediata, pois, uma vez que a
prática não fala por si mesma, os fatos práticos devem ser analisados e
interpretados por um sujeito prático, social e crítico.
O critério de verdade está na prática, mas se o descobre numa relação
propriamente teórica com a prática mesma. Tal afirmativa contesta tanto a
concepção idealista para quem a teoria carrega em si mesma o critério de sua
verdade quanto empiricista para quem a prática proporciona de forma direta e
imediata o critério de verdade da teoria.
O âmbito da prática é, então, o da efetividade da ação sobre o mundo, que
tem por resultado uma transformação real desse mundo. É atual, não potencial, ou
seja, o que pode ocorrer ou fazer aqui e agora, culminando na transformação de
uma matéria-prima num produto natural e/ou social.
A prática determina até onde pode se desenvolver o conhecimento, visto
estar ele associado às necessidades materiais, produtivas, práticas do homem
social. É a prática que oferece as formações econômico-sociais que, por sua vez,
estão diretamente ligadas ao tipo de produção e técnica necessárias a essa
formação. Nas palavras de Vázquez (1977:222), “a prática em seu mais amplo
sentido e particularmente, a produção, evidencia seu caráter de fundamento da
teoria na medida em que esta se encontra vinculada às necessidades práticas do
homem social”.
O que caracteriza a prática é ser uma ação direcionada a um objeto com a
finalidade de transformá-lo em algo inicialmente previsto mesmo que não se tenha
consciência dessa finalidade –, ou seja, já se tem um resultado ideal ou uma
finalidade, porém, o resultado final é um produto efetivo, real, que nem sempre é
aquele idealizado. Assim, a prática implica, necessariamente, objetivação.
Quanto ao âmbito da teoria, no materialismo histórico-dialético, este é o
âmbito da produção de conhecimentos, da antecipação ideal, da possibilidade, o
futuro. É um desencadeador de finalidades ou de resultados ideais para a ação.
A finalidade é produto da consciência e a tentativa de adequar a finalidade
ideal à finalidade real tem um caráter consciente. Ao elaborar uma finalidade, o
sujeito adota uma dada posição, que expressa e incorpora valores e princípios éticos
da realidade. Aqui, a teoria revela os fundamentos, as condições e o objetivos da
prática. Por isso, Marx (1985:73), influenciado por Hegel, reafirma que o
conhecimento é post festum. Isto é, o conhecimento é a posteriori à existência, se
realiza sobre aquilo que já existe ou a partir daquilo que existe, ou melhor, a
realidade é anterior ao conhecimento. Assim, criar finalidades para a prática requer,
de certa forma, determinados conhecimentos da realidade sobre as quais se
pretende intervir. Transformar a finalidade em resultado requer, também, um
conhecimento do seu objeto, dos meios e instrumentos para transformá-los e das
condições das possibilidades dessa realização.
É a teoria que oferece a análise das experiências, o estudo das condições
objetivas. Em suma, é a “análise concreta das situações concretas” (Lênin in
Vázquez, 1977:231). Seu âmbito é o da transformação da consciência que se tem
dos fatos, das idéias sobre as coisas.
Não obstante ao seu caráter post festum, para Vázquez, a teoria pode ter
uma autonomia relativa frente à prática, uma vez que pode propiciar uma prática
inexistente ao antecipar-se idealmente a ela, ou ao pretender ampliar e aprofundar o
próprio conhecimento, isto é, uma teoria pode surgir para resolver desafios de outra
teoria. Ela pode se antecipar à prática quando esta determinar aquela enquanto sua
fonte e finalidade. Fonte de conhecimento e finalidade ao se ter necessidades de
práticas transformadoras, ainda inexistentes, para as quais carece instrumental
teórico. A teoria surge, portanto, da reprodução da existência e, igualmente, é
indispensável para a continuidade do processo de produção e reprodução humana.
O autor exemplifica com as teorias matemáticas “que outrora não encontravam
campo de aplicação e que hoje o tem em atividades práticas específicas” (ibidem:
233).
O âmbito da teoria, então, se circunscreve em propiciar o conhecimento da
realidade que é objeto da transformação; o conhecimento dos meios e de sua
utilização com os quais se efetiva essa transformação; o conhecimento da prática
acumulada em forma de teoria; a finalidade ou a antecipação dos resultados
objetivos que se pretende atingir; e, no decorrer do processo prático, um
atendimento às necessidades que irão surgindo com a resistência da matéria a ser
transformada, e que vai acarretando resultados imprevisíveis.
A teoria determina ações ao esclarecer os objetivos, as possibilidades e as
forças sociais participantes, sendo, portanto, fundamento da ação, contribuindo para
o exame e a identificação dos obstáculos que se colocam à prática.
Parafraseando Lukács (1978:163), ao citar como a teoria é vista no reflexo
artístico, pode-se afirmar que ela pode contribuir como instrumento de
compreensão, com profundidade, riqueza e amplitude dos fenômenos da vida, o
enquanto teoria pronta e acabada, a ser usada.
Há, então, um duplo aspecto na formulação da teoria: como fundamento de
ações reais e como crítica teórica. Assim, a teoria nunca deixa de ser mera teoria
enquanto não se realiza ou se materializa em atos. O que não ocorre de maneira
direta e imediata.
O que se alcança com a atividade teórica de per si são transformações das
idéias sobre o mundo e não do mundo mesmo. Para produzir conhecimentos e
finalidades, o homem necessita de operações mentais, ou seja, operações
subjetivas, psíquicas. Nesse sentido, não cabe à atividade teórica a transformação
objetiva de uma matéria através do sujeito, isso é competência da prática.
Mesmo transformando percepções, representações ou conceitos e criando
tipos específicos de produtos como hipóteses e leis, a teoria não transforma a
realidade. Todavia, a atividade teórica proporciona um conhecimento indispensável
para transformar a realidade ou traçar finalidades que antecipem, na idéia, sua
transformação. Não obstante, que se captar as mediações que se interpõem
entre a teoria e a prática.
Chauí (1980:111) permite precisar o âmbito da teoria e o âmbito da prática,
quando afirma que
a relação entre teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca por
meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega
a prática como um fato dado para revelá-la em suas mediações e como
práxis social, ou seja, como atividade socialmente produzida e produtora da
existência social. A teoria nega a prática como comportamento e ação
dados, mostrando que se trata de processos históricos determinados pela
ação dos homens que, depois, passam a determinar suas ações. Revela o
modo pelo qual criam suas condições de vida e são, depois, submetidos por
essas próprias condições.
A prática, por sua vez, nega a teoria como um saber separado e autônomo,
como puro movimento de idéias se produzindo umas às outras na cabeça
dos teóricos. Nega a teoria como um saber acabado que guiaria e
comandaria de fora a ação dos homens. E negando a teoria enquanto saber
separado do real que pretende governar esse real, a prática faz com que a
teoria se descubra como conhecimento das condições reais da prática
existente, de sua alienação e de sua transformação.
É preciso passar da atividade teórica à prática, mas, de per si, a teoria não
pode dar esse passo, não se passa direta e imediatamente de uma esfera à outra.
Segundo Vázquez (1977:207), a teoria pode contribuir para a transformação
da prática, todavia, tal possibilidade se efetivará se a teoria ”sair de si mesma” e
for assimilada e aceita pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal
transformação. É necessário, para isso, um trabalho de educação das consciências,
de organização dos meios materiais e planos de ação. Ele ressalta, contudo, que
não é qualquer teoria que possibilita a transformação, como explicitado
anteriormente, de ser uma teoria que fortaleça a consciência da praxis. Dessa
forma, é determinante, nesse processo, o tipo de teoria e o tipo de homem para se
atingir a transformação, conforme crítica do próprio Marx (1998:42):
como o desenvolvimento do antagonismo entre as classes acompanha o
desenvolvimento da indústria, eles [referindo-se ao socialismo e ao
comunismo crítico-utópicos] tampouco identificam as condições materiais
para a libertação do proletariado e procuram, para criar tais condições, uma
ciência social e leis sociais (grifo meu).
O que significa afirmar que não é qualquer teoria que possibilita a transformação.
Netto(1998:XXXVI) igualmente afirma que “a existência concreta e objetiva de
uma possibilidade não equivale, necessariamente, à sua conversão em efetividade;
a passagem de uma possibilidade à efetividade demanda a complexa intervenção da
atividade organizada dos homens (grifo do autor). Com isso, ele reforça haver uma
diferença entre o plano prático-político e o teórico, apesar da relação de unidade
entre ambos.
Disso posso inferir que a competência teórica é indispensável para a
formação profissional, mas ela sozinha não habilita para a intervenção. Sem essa
formação teórica adequada, uma intervenção com qualidade fica prejudicada, visto
ser a teoria que vai oferecer o significado social da ação, suas implicações e
rebatimentos nas ões do outro, ultrapassando, dessa forma, o conhecimento do
senso comum, rompendo, inclusive, com a visão de neutralidade dos instrumentos e
técnicas. Todavia, a teoria está no nível da “possibilidade”, isto é, pode-se ter clareza
teórica e metodológica, mas não do ponto de vista operativo, da qualificação e da
habilidade para operacionalizar.
Dessa forma, pode-se adiantar que os instrumentos e técnicas utilizados na
operacionalização da intervenção profissional não são aferidos diretamente de uma
dada direção teórica. Isso porque os instrumentos e técnicas da intervenção
possuem uma relação quase que imediata com a prática.
O âmbito da teoria é o da sistematização lógica, o da abstração, porquanto o
sujeito pode abstrair tudo o que influencia a intenção de “reconstrução ideal do
movimento real” ele pode controlar as variáveis enquanto que na intervenção
profissional não se pode abstrair todos os elementos intervenientes do agir
intervenientes institucionais, acidentais, estruturais etc. Há, na intervenção, um
elemento difícil de se controlar: a “surpresa, o aleatório”, o que também evidencia
que as mediações existentes no campo da teoria não são as mesmas no campo da
prática. Assim, os princípios teóricos têm vigência na intervenção, orientam a
intervenção, mas não a esgotam.
De acordo com Marx (1984:410), várias formas de se apropriar do mundo:
“o todo, tal como aparece na cabeça, como todo de pensamento, é um produto da
cabeça pensante, que se apropria do mundo da única maneira em que o pode fazer,
maneira que difere do modo artístico, religioso e prático-espiritual de se apropriar
dele”. Nessa direção, tendo a afirmar que se apropriar dos instrumentos e técnicas
da intervenção requer um conhecimento procedimental, o qual embora implique
conhecimento teórico e esteja vinculado a um suposto teórico, possui uma relação
quase que imediata com a prática. Instrumentos e técnicas não são “a prática do
Serviço Social”, mas estão vinculados a ela.
Essas demarcações reforçam que o âmbito da prática é o da efetividade, o da
ação, o dos meios, enquanto que o âmbito da teoria é o da possibilidade, é o da
determinação, da projeção dos fins. A passagem da teoria à prática necessita das
definições dos fins, que envolve um plano ético e político, e da escolha dos meios,
que envolve, também, um processo de valoração e um encaminhamento técnico-
operativo.
Considero, então, que, na prática profissional do Serviço Social entendida
aqui como uma expressão da praxis social, portanto, como uma das formas de
objetivação humana que tem como particularidade desenvolver uma posição
teleológica do tipo secundária, ou seja, que visa influir sobre outros seres humanos,
sobre seus comportamentos e sua consciência, dois elementos merecem,
igualmente, destaque na passagem da teoria à prática: a finalidade e os meios.
58
O ítem a seguir irá se deter, então, na categoria praxis, uma vez que sua
elucidação contribuirá para situar o que a categoria profissional vem considerando
como prática ao se afirmar que a teoria social marxista não instrumentaliza para a
prática profissional, ou seja, ao esperar que uma prática profissional mude
radicalmente uma realidade.
3.3 A PRAXIS COMO CATEGORIA CENTRAL
No item anterior foi ressaltada a concepção de que teoria é a apreensão do
objeto pelo pensamento, portanto, que não modifica, necessariamente, o real, mas
sim o conhecimento sobre o real. Contudo, enfatizou-se também o caráter de
possibilidade da teoria. Assim, neste ítem, a ênfase está no caráter transformador da
teoria, ou seja, a teoria de Marx se distingue das demais por intencionar a
transformação social, por possibilitar a prática, conforme afirma o mesmo: “os
filósofos interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de
transformá-la” (Marx, 2001:103). Mas a que prática Marx se refere aqui? A
expectativa da categoria profissional de que uma “teoria de ruptura” se reverta em
“prática de ruptura”, subtendida na afirmativa a teoria social de Marx não
instrumentaliza para a ação, é procedente? Qual concepção de prática profissional
permeia esta afirmativa da categoria?
Na elaboração teórico-metodológica de Marx (2001:102), fica evidente a praxis
como categoria central: “toda vida social é essencialmente prática. Todos os
mistérios que conduzem ao misticismo encontram sua solução racional na praxis
humana e na compreensão dessa praxis”. Lukács afirma, inclusive, que o “mérito
histórico da teoria de Marx é o de ter trazido à tona a prioridade da praxis, sua
função de guia e de controle em relação à consciência” (1979:52), seu caráter
prático. zquez (1977) compartilha dessa afirmação, reforçando que a distinção da
filosofia de Marx das demais é que, sendo essa uma interpretação científica do
mundo, corresponde a necessidades práticas humanas, exprime uma prática
58
Esta relação fins/meios será tratada no último capítulo dessa tese.
existente e aspira conscientemente a ser guia de uma praxis revolucionária como
finalidade da teoria.
uma tendência, na consciência comum, de considerar praxis como atividade,
no entanto, Vázquez (1977) esclarece que toda praxis é atividade, mas nem toda
atividade é praxis. O que as distingue é o fato de a praxis ser uma atividade
específica: uma atividade teórico-prática, nem somente teórica, nem somente
prática. Isso significa que a praxis possui um lado ideal – teórico – e um lado
material – propriamente prático –, que só se separam por um processo de abstração,
conforme aponta o método de Marx.
Conhecer a realidade requer superar a consciência comum
59
– que reduz o
prático a apenas uma dimensão: a do prático/utilitário –, bem como a consciência
idealista. A prática do homem comum se insere numa praxis, mas não é considerada
praxis do ponto de vista do próprio homem comum.
O homem burguês se aliena de seu trabalho, ele não reconhece os produtos
de seu trabalho como sendo seu, nem mesmo tem acesso a esses produtos, não
podendo adquiri-los. O resultado de seu trabalho, os produtos, são apropriados pelo
capitalista:
o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser
alheio, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o
trabalho que se fixou num objeto, se fez coisal, é a objetivação. No estado
econômico-político esta realização efetiva do trabalho aparece como
desefetivação do trabalhador, a objetivação como perda e servidão do
objeto, a apropriação como alienação, como exteriorização (Marx,
1984:149) (grifo da edição).
A praxis humana é possível em razão da atividade humana ser um r
teleológico, ou seja, o homem, ao agir, põe uma finalidade que desencadeia
relações causais. O homem, mesmo que não tenha consciência, age pautado numa
finalidade ideal, num projeto que guia e orienta essa ação (teleologia). Entretanto, o
resultado dessa ação é um produto real, não necessariamente igual ao projetado.
Influem nesse resultado as condições reais e concretas sobre as quais o trabalho se
realiza, isto é, a causalidade (a realidade objetiva), criando-se, assim, a realidade
social. Desse modo, a ação humana é teleológica, mas o o é a história humana.
Isso porque a história não está dada, ela é construída, não por um indivíduo, mas
por uma praxis social coletiva que, por sua vez, é uma combinação de diversidades
de praxis individuais.
O fato de a praxis social coletiva poder ter como resultado o aparecimento de
uma nova formação econômico-social a qual não pode ser imputada à intenção ou
ao projeto de nenhum sujeito prático individual ou coletivo devido às relações
causais que desencadeia faz com que a racionalidade objetiva de determinada
formação social não apareça de imediato, que seja necessário um processo de
abstração, de produção de conceitos, para que ela possa ser apreendida. Essa
racionalidade deve ser buscada no nível das estruturas sociais e das mudanças
fundamentais que nelas ocorrem:
as leis que regem o funcionamento das estruturas e da mudança que nelas
se efetuam [na praxis histórica] atuam à margem da consciência e da
vontade dos indivíduos concretos, mas, por sua vez, operam como leis de
sua atividade ou, mais exatamente, como leis que existem e se cumprem
por meio deles. A objetividade dessas leis, que é o que ao processo
histórico seu caráter natural, não se baseia, portanto, numa sua suposta
existência metafísica à margem dos homens que as leis históricas não
passam de leis da praxis humana –, mas sim no fato de que existem e
atuam à margem de sua consciência e vontade (Vázquez, 1977:354-355).
59
Para quem a “prática é o ato ou objeto que produz uma utilidade material, uma vantagem, um benefício”
(Vázquez, 1977:12).
Na praxis, o fator subjetivo só é levado em consideração em unidade com o
objetivo, ou seja, como intenção tornada objeto, realizada. O que se leva em
consideração não é a finalidade (resultado ideal), mas sim o resultado final
(resultado real):
a praxis, no seu mais alto grau (criador, revolucionário), inclui a teoria que
ela vivifica e verifica. Ela compreende a decisão teórica como a decisão de
ação. Supõe tática e estratégia. Não existe atividade sem projeto; ato sem
programa, praxis política sem exploração do possível e do futuro (Lefebvre,
1977:188).
As observações priorizadas aqui ressaltam que o homem é um ser ativo, que
suas atividades geram objetivações as quais possuem um caráter prático e teórico.
Envolvem uma prática porque os homens existem por transformarem a natureza
para suprir suas necessidades. Por sua vez, essa natureza também transforma os
homens. Ela é teórica, pois essa transformação é teleológica, ou seja, toda ação
humana implica que, ao agir, o homem possui, idealmente, o resultado que ele quer
alcançar mesmo que não tenha consciência disso. Porém, Marx ressalta que essa
finalidade ideal somente alcança um resultado aproximado, um resultado real,
porque a intenção desencadeia vários fatores que interferem e/ou se interpõem
entre a finalidade ideal e a finalidade real, fazendo parte desse processo de
objetivação humana.
Mais uma vez sobressai o caráter aproximativo da teoria. Se a finalidade ideal
está no âmbito da teoria e se a finalidade real, ou o resultado real, está no âmbito da
prática, o resultado apenas se aproxima da teoria, a qual não formula objetivos para
serem aplicados e atingidos na prática. No entanto, de maneira alguma, isso nem
mesmo insinua que na prática a teoria seja outra. Outrossim, a própria teoria explica
porque as ações práticas dos homens não são os produtos idealizados no início do
processo, mas sim os produtos reais, finais. A teoria ajuda a entender os fins e os
meios, os quais são elementos que constituem esse processo. A teoria abriga a
análise das experiências e o estudo das condições objetivas que indicam a
necessidade e a possibilidade dessa praxis, portanto na prática a teoria não é outra.
O mundo da praxis humana é o mundo real, o qual é considerado como
a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e
produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura (...), é um mundo em que
as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos do
homem social, o próprio homem se revela como sujeito real do mundo social
(Kosik,1989:18).
Isso implica aceitar que há uma unidade entre sujeito e objeto e que há um processo
teleológico que guia as ações dos homens, pondo em movimento relações causais.
Para Lefebvre (1979), no processo teórico dialético um sujeito (o homem)
e um objeto (a natureza). Sujeito e objeto, em termos filosóficos, são elementos do
conhecimento. Esses encontram-se numa relação de auto-implicação. O sujeito é o
homem que conhece, é o sujeito que pensa e age. O objeto é o mundo objetivo
mas que não se reduz a mundo material –, o mundo o qual independe da relação
que o sujeito cria com ele e da consciência que se tenha sobre ele, é o ser
conhecido (ou a ser conhecido) e transformado. Assim, sujeito e objeto agem e
reagem continuamente um sobre o outro. A ação se faz sobre coisas, as quais
respondem a essa ação, cedendo ou resistindo e se revelando.
Para o autor, sujeito e objeto auto-implicam-se, apesar de serem elementos
opostos que formam um todo numa interação dialética. Eles estão sobrepostos um
ao outro, constituem uma unidade, mas não uma identidade. O homem para
conhecer “a coisa em si”, tem que transformá-la em “coisa para si”, isto é, tomar
consciência de que esse objeto, que existe fora dele, tem significado e sentido
para o sujeito. Esse objeto, pela ação dos homens, é modificado ao mesmo tempo
em que os modifica. Por sua vez, esse sujeito só se mostra numa atividade objetiva,
produzindo os bens materiais, as relações sociais: objetivando-se.
O homem é um ser da praxis, que é o conjunto das objetivações humanas. A
praxis supõe o trabalho, este é o fundamento daquela, mas não a esgota. Todavia, é
o trabalho que garante a reprodução da sociedade.
A relação sujeito-objeto de aproximação e de distância surge a partir do
trabalho. Sem a consciência (do sujeito), a matéria fica sem sentido, apesar de
preservar sua existência enquanto objeto. Enquanto que o sujeito, sem os
pressupostos materiais e sem produtos objetivos, não pode existir: “o trabalhador
nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. Ela é o material no
qual o seu trabalho se realiza efetivamente, no qual é ativo, a partir do qual e
mediante o qual produz” (Marx, 1984:151). O homem pensa e também faz. Esse
fazer tem uma objetividade que ultrapassa o domínio do sujeito, visto o objeto
subsistir fora do pensamento. Da primazia do objeto sobre o sujeito, do ser sobre
a consciência, da existência sobre a consciência.
Segundo Marx (2001:19-20), “são os homens que, desenvolvendo sua
produção material e suas relações materiais, transformam, com a realidade que lhes
é própria, seu pensamento e também os produtos de seu pensamento”. Portanto,
para ele, o Ser Social se constitui pelo trabalho, pois a sociedade existe nessa
relação de troca com a natureza, a qual é possível através do trabalho. Tal
atividade transforma o sujeito e o objeto, ou seja, pelo trabalho o homem (o sujeito)
transforma a natureza (o objeto) que, por sua vez, transforma o homem. Assim, a
relação do homem com a natureza e vice-versa não é apenas de contemplação, mas
de ação:
1
50
é primeiro aqui que a sua existência natural se lhe tornou a sua existência
humana e a natureza se tornou para ele o homem. Portanto, a sociedade é
a unidade essencial acabada do homem com a natureza, a ressurreição
verdadeira da natureza, o naturalismo do homem e o humanismo da
natureza levados ambos a cabo (Marx,1984:170-171) (grifo meu).
O homem se naturaliza ao transformar a natureza e essa se humaniza ao ser
transformada pelo homem. É o trabalho que funda a socialidade humana, ou seja,
pelo trabalho o homem satisfaz suas necessidades e cria outras novas, sendo que,
nesse processo, ele se cria, emergindo, assim, o Ser Social, o qual tem por
característica o pensamento e a linguagem, ou, como afirma Netto(1990), ciência e
comunicação, ambos conquistados através do trabalho.
Essas prerrogativas significam que o homem é um ser ativo e que suas
atividades geram objetivações, as quais são as expressões do caráter prático e
social do homem. Em outras palavras, as objetivações envolvem prática, visto que o
homem existe na relação prática com a natureza, e são teóricas na medida em
que essa relação é teleológica. Por conseguinte, a transformação da natureza pelo
homem (atividade objetiva) e, por sua vez, a transformação do homem pela natureza
(atividade subjetiva) são o universo da praxis humana. O trabalho é considerado,
então, a forma primária e central de objetivação humana.
Segundo Kosik, a praxis do homem não é atividade prática contraposta à
teoria, é determinação da existência humana como elaboração da realidade. Essa
concepção é endossada por Lefebvre (1977:189), ao afirmar que a praxis
verdadeira é a condição de uma teoria real”, ou melhor, praxis é
ato; relação dialética entre a natureza e o homem, as coisas e a consciência
(que não se tem o direito de separar, como fazem os filósofos, que os
substantivam isoladamente). Mas, se por isso toda praxis é conteúdo, esse
conteúdo cria formas; ele só é conteúdo devido à forma, que nasce de suas
contradições, que as resolve de maneira geralmente imperfeita e se volta
para o conteúdo a fim de impor-lhe uma coerência (idem:184).
Segundo Vázquez(1977), o que caracteriza a atividade prática é o caráter
real, objetivo, da matéria-prima sobre a qual se atua, dos meios ou instrumentos com
os quais se exerce a ação e de seu resultado ou produto. O sujeito age sobre uma
matéria que existe a despeito de sua consciência sobre esse objeto que, por sua
vez, gera outros objetos materiais os quais também adquirem independência da
atividade subjetiva que os criou. Aqui o autor está se referindo estritamente ao
trabalho, todavia, enfatiza ser o objeto da atividade prática não apenas a natureza,
mas também a sociedade ou os homens reais e, como objetivo da atividade prática,
a transformação real, objetiva do mundo natural ou social para satisfazer
determinada necessidade humana. Esses objetos sobre os quais o sujeito exerce
sua ação determinam as formas de praxis que, para ele, são a atividade prática
produtiva; a produção ou criação de obras de arte; a atividade científica experimental
e a praxis em que o homem é sujeito e objeto dela, na qual ele atua sobre si mesmo
– a praxis social.
Na angulação de Vázquez, praxis social é um tipo de praxis cujo objeto da
atividade prática é a sociedade ou os homens reais; o objetivo é a transformação do
mundo social e a atividade toma por objeto não um indivíduo isolado, mas grupos ou
classes sociais, inclusive a sociedade inteira. Ele distingue, portanto, a praxis social
das outras formas: do trabalho, da arte, da atividade científica propriamente dita,
atentando, contudo, para o fato de, num sentido amplo, toda prática possuir um
caráter social na medida em que o homem age contraindo determinadas relações
sociais e, ao transformar a natureza pelo trabalho, também transforma a si mesmo,
implicando, assim, numa relação social.
Para Vázquez (1977), na praxis, a atividade prática integra o subjetivo
60
num
processo objetivo
61
. Assim, a praxis é subjetiva e objetiva, é dependente e
independente de sua consciência, é ideal e material, é uma unidade indissolúvel
entre esses elementos. Sob esse ângulo, a relação teoria e prática se conjuga na e
pela praxis.
Na praxis, reconhece-se uma materialidade que pressupõe uma atividade
subjetiva, sendo que o objeto não pode ser considerado à margem da subjetividade
humana.
Já para Lukács (2004), o conjunto das objetivações humanas constitui a praxis. O
trabalho e as demais esferas (a arte, a religião, a ideologia) são objetivações
humanas. Diferentemente de Vázquez, ele inclui o trabalho e as outras formas de
objetivações humanas como um tipo de praxis social. O trabalho é o modelo de toda
praxis social e esta, por sua vez, não se restringe ao trabalho.
Contudo, ele também distingue as objetivações humanas de acordo com os seus
objetivos. Diferencia o trabalho – que para ele, em sentido restrito, é a transformação
da natureza pelo homem das demais interações humanas, como, por exemplo, as
interações dos homens com os outros homens. A seu ver, essas são formas
ulteriores e mais evoluídas dentre as objetivações que compõem a praxis social.
Lukács considera, entretanto, que esses outros tipos de praxis social são
objetivações que emergem do desenvolvimento, das diferenciações do próprio
trabalho, ou seja, sem o trabalho, as demais objetivações humanas não poderiam
existir, uma vez que ele permite a reprodução da sociedade. No entanto, o
60
Como subjetividade, entendem-se as vivências, as finalidades/intencionalidades ou projetos, isto é, a atividade
da consciência dos sujeitos.
61
Por objetividade, entendem-se os atos ou operações que se executam sobre uma determinada matéria ou objeto
que exista independentemente da consciência do sujeito, de seus atos psíquicos, podendo ser comprovados por
outros sujeitos. Portanto, não são apenas projeção de sua consciência.
desenvolvimento das forças produtivas decorrente do trabalho requer o
desenvolvimento de outros tipos de objetivações para além dele. Assim, a praxis tem
seu fundamento no trabalho, uma vez que sua estrutura determinante está contida
nos demais tipos de praxis.
Segundo o autor, todos os tipos de praxis social o constituídos por posições
teleológicas e relações causais, sendo estas postas em movimento por aquelas,
apesar de ambas serem distintas. As posições teleológicas que envolvem o trabalho
são os atos voltados à transformação da natureza, denominadas de posições
teleológicas primárias. Tais posições põem em movimento relações causais, as
condições já encontradas.
O conteúdo das posições teleológicas das formas mais evoluídas da praxis social
“é a tentativa de induzir uma outra pessoa (ou grupo de pessoas) a realizar algumas
posições teleológicas concretas” (Lukács, 2004:103), ou seja, são ações que se
voltam sobre outros homens, denominadas posições secundárias, por considerar
que aparecem
logo que o trabalho se torna social, no sentido de que depende da
cooperação de mais pessoas (...) Por isso, esta segunda forma de posição
teleológica na qual o fim posto é imediatamente finalidade de outras
pessoas, já pode existir em estágios muito iniciais (ibidem).
Essa posição põe em movimento uma outra posição teleológica. Há, assim, uma
relação de identidade e de não-identidade entre os tipos de praxis social.
Lukács (idem:114-115) deixa evidente sua posição nesta afirmativa:
o trabalho é a forma fundamental e por isso mais simples e clara daqueles
complexos cuja mútua presença forma a peculiaridade da praxis social.
Exatamente por isso é preciso sublinhar sempre de novo que as marcas
específicas do trabalho o podem ser transferidas sem mais nem menos
para formas mais complexas da praxis social. A identidade de identidade e
não-identidade, a que nos reportamos muitas vezes, remonta, nas suas
formas estruturais, de acordo com o nosso entendimento, ao fato de que o
trabalho realiza materialmente a relação radicalmente nova do intercâmbio
orgânico com a natureza, ao passo que as outras formas mais complexas
da praxis social, na sua grandíssima maioria, pressupõem este intercâmbio
orgânico com a natureza, este fundamento da reprodução do homem na
sociedade.
Remeto, então, à pergunta inicial: quando a categoria profissional afirma na
prática a teoria é outra, denunciando que a teoria social de Marx não instrumentaliza
para a ação, está por detrás dessa afirmativa uma outra: o movimento de renovação
do Serviço Social em sua direção de intenção de ruptura trouxe uma teoria de
ruptura’, mas não uma ‘prática de ruptura’, de que prática está se falando? Qual é a
concepção de prática embutida nesses enunciados? ficou explícito que Marx está
se referindo a uma praxis social; ele não trata, especificamente, de uma prática
profissional. Será que a categoria está associando, diretamente, prática profissional
à praxis social?
Essas denúncias são feitas por uma categoria profissional inserida em uma
prática profissional. Essa profissão é o Serviço Social que, junto com outras, se
insere na divisão social e técnica do trabalho. Ou seja, a categoria, ao afirmar na
prática a teoria é outra está se referindo não estritamente à prática social humana,
mas a uma particular forma de objetivação humana: a prática profissional do Serviço
Social, que não possui uma teoria própria. Então, na verdade, na minha percepção,
ela está afirmando que os conhecimentos adquiridos no processo de formação
profissional não estão sendo adequados às necessidades da realidade postas pelo
mercado de trabalho.
Os autores acima, ao distinguirem os tipos de prática, ajudam na constatação
de que a praxis social em Marx é histórica, é social, é revolucionária, tem seu
fundamento no trabalho, mas também é constituída de formas mais complexas
originárias do trabalho.
Dessa forma, faz-se importante delimitar o que seja prática profissional e a
relação que ela estabelece com a praxis social, com a praxis política e com a praxis
revolucionária.
Vázquez (1977:202), com a afirmativa de que “as restantes formas
específicas de praxis nada mais são do que formas concretas e particulares de uma
praxis total humana, graças à qual o homem como ser social e consciente humaniza
os objetos e se humaniza a si próprio” (grifo meu), e de que
essa significação pode ser apreendida por uma consciência que capte o
conteúdo da praxis em sua totalidade como praxis histórica e social, na qual
se apresentem e se integrem suas formas específicas (o trabalho, a arte, a
política, a medicina, a educação, etc.), assim como suas manifestações
particulares nas atividades dos indivíduos ou grupos humanos, e também
em seus diversos produtos (idem:15) (grifo meu),
oferece-me subsídios para situar a prática profissional como uma forma particular de
praxis humana, como uma forma específica no interior das objetivações humanas.
Assim, a prática profissional não é uma praxis social, mas uma parte, uma
atividade, que se insere numa praxis social, possuindo posições teleológicas
secundárias.
Considerando igualmente a contribuição de Lukács, tendo aqui a situar o
Serviço Social como uma prática profissional e, como tal, parte de uma praxis social.
Entendo que, para esse autor, a categoria praxis social é mais ampla, envolvendo,
inclusive, a categoria trabalho. A praxis social, por sua vez, o pode ser reduzida a
uma de suas expressões, qual seja, a prática profissional.
A afirmativa de Iamamoto
62
de que uma “profissão existe em condições e
relações sociais historicamente determinadas” (1985:16) confirma a relação
intrínseca entre prática social e prática profissional ao mesmo tempo em que deixa
transparecer que as mesmas não se confundem. Isso quer dizer que uma profissão
existe como parte de uma prática social, ela é parte constitutiva e constituinte de
uma prática social, ela não existe solta e isolada de um contexto social, econômico,
político e cultural. Portanto, a prática profissional é uma “expressão” da prática social
(idem:74).
Em outras palavras, o Serviço Social é uma profissão que atua sobre e na
realidade. Ele se orienta e se reorienta como um resultado (produto) dos agentes
profissionais e das exigências postas pela realidade histórica, pelas mudanças
econômicas, políticas e sociais ocorridas na e em sociedade. Nas palavras de Netto
(1996:87), “as transformações societárias afetam diretamente o conjunto da vida
social e incidem fortemente sobre as profissões, suas áreas de intervenção, seus
suportes de conhecimento e de implementação, suas funcionalidades etc.”
Iamamoto (1992:103) salienta a existência de um movimento contraditório
nessa concepção de prática profissional, uma vez que a considera como atividade
socialmente determinada pelas condições histórico-conjunturais, mas mediada pelas
respostas dadas pelos agentes que a ela se dedicam, ou melhor, ela é também
produto teórico, prático e político da categoria profissional. Essas respostas ou
produtos estão circunscritos à realidade, cuja complexidade marca a vida do
profissional, sua visão de mundo e suas práticas.
62
Iamamoto é uma das autoras que, na metade da década de 1990, passa a discutir o Serviço Social como
trabalho. Para detalhamento deste debate, ver Iamamoto (1985, 1992, 1998) e Costa (1999), dentre outros.
Situar a prática profissional como parte da prática social requer elucidar que
uma profissão está necessariamente inserida na vida social, que atua na realidade a
qual por sua vez, é fruto da prática social. Significa aceitar que ela se insere no
sistema social em que se vive, nas relações sociais que se estabelecem entre as
classes, bem como em um espaço sócio-ocupacional. Parafraseando Netto (1992), a
criação de uma profissão está intimamente relacionada à existência de um espaço
sócio-ocupacional que a institui, e não o contrário. O que significa afirmar que a
prática profissional é influenciada pelas necessidades sociais das classes, pelas
estruturas e processos sociais. Nesse sentido, destaco em Iamamoto (1998:150-
151) a seguinte reflexão:
a prática profissional o tem o poder miraculoso de revelar-se a si mesma.
Ela adquire inteligibilidade e sentido na história da sociedade da qual é
parte e expressão. Assim desvendar a prática profissional cotidiana supõe
inseri-la no quadro das relações sociais fundamentais da sociedade, ou
seja, entendê-la no jogo tenso das relações entre as classes sociais, suas
frações e das relações destas com o Estado brasileiro.
Extraio das prerrogativas acima, como características da prática profissional
o fato de ser socialmente determinada ao mesmo tempo em que é produto de seus
agentes profissionais; ser histórica, mutável e exigir permanentes redefinições diante
das transformações societárias e das mudanças nas expressões da “questão social”.
Montaño (2000:157-158) complementa essas características ao considerar
ser a prática profissional
o exercício remunerado da profissão, onde um empregador, uma
demanda de trabalho e uma retribuição salarial pelos serviços prestados, no
exercício da profissão. A prática profissional é, portanto, uma prática
institucionalizada. Trata-se de uma prática com uma certa particularidade: é
uma prática que tem uma base de conhecimento científico e uma
sustentação técnico-operativa e teórico-metodológica.
Esta particularidade não somente faz da prática profissional apenas um
aspecto da prática social, como um aspecto diferenciado das demais. (grifos
do autor) (tradução minha).
Essa afirmativa informa que uma profissão requer ainda uma formação profissional
reconhecida como tal; um reconhecimento social, legitimidade social e institucional;
um reconhecimento material, através de uma remuneração salarial; e que essa
prática profissional envolva uma dimensão política, teórica e técnica, articulada com
o conjunto das práticas sociais.
A prática profissional, vista como um produto histórico e resultante de uma
intervenção teórica e prática dos agentes nela envolvidos, tem determinada prática
social implícita, a qual deve ser compreendida por esses agentes a fim de que seja
uma prática crítica. Entender que a prática profissional favorece determinada prática
social significa compreender até que ponto a atividade prática do profissional se
insere numa praxis humana social; compreender o significado social da profissão.
Baseando-me em Vázquez (1977:15), penso que um profissional o qual não
reconhece que sua prática está inserida na prática social é incapaz de se aproximar
do plano coletivo, de compreender o significado social de sua prática, de
compreender como essa prática se relaciona com as demais formas de objetivação
humana e vice-versa o que faz com que seus atos individuais influam nos dos
demais, assim como, por sua vez, os destes se reflitam em sua própria atividade. Ao
não compreender o significado social de sua prática, o sujeito não é capaz de
entender o âmbito da teoria na prática e vice-versa. Enfim, não é capaz de
reconhecer o caráter político de sua prática. Eis onde se define o âmbito da teoria!
A prática profissional é uma forma de objetivação humana que faz parte de
outra: a praxis social. Assim, a prática profissional não pode ser confundida com a
praxis social. Esta contém aquela, mas não se restringe a ela. Não pode ser,
também, confundida com a prática política, apesar de possuir um caráter político.
Silva e Silva (1995:236) adverte que o caráter político da prática profissional
está relacionado a uma concepção de mundo, ao tipo de inserção no contexto das
relações sociais contraditórias.
Corroborando a assertiva acima, Kameyana (1981:147) ressalta:
podemos afirmar que embora a Prática Profissional seja entendida como um
conjunto de atividades peculiares de cada profissão, existem aspectos de
suas práticas que estão relacionados com as dimensões estruturais e
conjunturais da realidade. Dessa forma, a prática profissional torna-se
subsidiária da prática política, quer seja na perspectiva de manter o “status
quo”, quer seja na perspectiva de transformação da realidade (grifo meu).
Frigoto (1993), ao se referir à dimensão política da ação educativa, considera
que essa dimensão se define nas relações sociais de produção da existência, ou
seja, “se vincula e recebe a determinação na luta hegemônica que se efetiva entre
as classes nas práticas sociais fundamentais, e que ela não é uma ação política que
se no mesmo nível da ação política que se desenvolve no interior dessas
práticas” (idem:184). Sua dimensão política se a partir do compromisso
assumido, conscientemente ou não, pelo profissional aos interesses de uma
determinada classe.
Da mesma forma, a prática profissional, ao favorecer determinadas práticas
sociais daí o seu caráter político –, pode contribuir ou ter como horizonte o apoio
ou a identificação com a praxis revolucionária, mas de forma alguma é a responsável
por ela.
Discutir essa questão implica afirmar que em Marx a praxis revolucionária é o
modelo radical de praxis. A transformação da sociedade pelo homem, do seu modo
de produção da sociedade burguesa –, é a mais completa das transformações
possíveis de serem alcançadas. Essa prática está diretamente associada a um tipo
de agente e de teoria que lhe fundamento, ou seja, a passagem da possibilidade
à efetividade exige um tipo de homem o proletariado e de uma determinada
teoria a que lhe ofereça a consciência de sua condição de classe. Aliado a isso,
faz-se necessária uma determinada condição sócio-histórica.
Na Tese III sobre Feuerbach, Marx (2001:100) critica a doutrina materialista a
qual pretende que os homens sejam, unilateralmente, produtos da circunstância e da
educação. Para Marx, os homens são produtos das circunstâncias, mas essas, por
sua vez, também são produtos dos homens: “por consegüinte as circunstâncias
fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias” (idem:36). O
homem tem, desse modo, um papel ativo em relação ao meio. Dessa forma, os
educadores também necessitam ser educados, uma vez que, ao transformar a
natureza, o homem se transforma, sendo esse um processo histórico e dinâmico.
O fato de o educador também necessitar ser educado e o fato de ser o
homem quem faz as circunstâncias mudarem, assim como a si mesmo, levam à
consideração de que a mudança das circunstâncias não pode ser separada da
transformação do homem, o que só poderá ocorrer, segundo Marx, com a praxis
revolucionária; não com a educação. Trata-se de transformar pela revolução: “a
coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou
automudança pode ser considerada e compreendida racionalmente como praxis
revolucionária” (idem:100).
Porém, em Marx, essa revolução tem de ser com base numa interpretação
científica, numa teoria que compreenda e interprete corretamente o mundo, dando
condições para que uma classe se auto-emancipe, possibilitando,
concomitantemente, a mudança das circunstâncias e das consciências. Assim, a
atividade revolucionária é uma atividade teórico-prática, tornando a praxis
revolucionária a forma mais radical de prática.
Desse modo, segundo Vázquez (1977:8), é necessário uma teoria que rasgue
os preconceitos, os hábitos mentais e os lugares comuns, uma teoria que ofereça
um verdadeiro significado de sua atividade prática, captando o conteúdo da praxis
em sua totalidade, ou seja, como praxis histórica e social. É essa consciência da
praxis que permitirá ao homem compreender até que ponto está contribuindo, com
seus atos práticos, para fazer a história humana – enquanto processo de formação e
auto-criação do homem.
A categoria profissional dos Assistentes Sociais, ao assumir seu compromisso
com a defesa dos direitos sociais, com a eqüidade e com a justiça social – princípios
do atual projeto ético-político hegemônico na profissão –, convive com uma
contradição: teoricamente sabe-se que os mecanismos de exploração da classe
trabalhadora são intrínsecos ao Capitalismo, ou seja, este somente sobrevive
mediante tal prática, portanto, a exploração não pode ser superada mantendo-se
essa ordem. Ora, o Serviço Social é uma prática profissional que existe a partir
desse sistema. Tendo o marxismo como base que informa a direção social do curso,
o Serviço Social pode estar se colocando contra a ordem vigente, entretanto, como
visto anteriormente, sua prática não é, e não pode ser, uma prática revolucionária.
Dessa forma, o máximo que se pode alcançar é uma atuação profissional de
enfrentamento das expressões da questão social” dentro dessa ordem, visando,
todavia, sua superação. Sua ação é circunscrita ao seu espaço na divisão social e
técnica do trabalho, conforme defende Iamamoto, de modo que seu nível de
intervenção não é de rompimento com essa ordem, por mais que o Serviço Social
tenha como objetivo último sua transformação.
Tal ordem capitalista se coloca como oposição a uma prática interventiva de
ruptura. O que uma direção teórica marxista possibilita é uma intervenção
profissional que intencione a ruptura, ou seja, com a intenção de romper com uma
prática profissional que coadune com valores não democráticos, que vão na
contramão dos direitos sociais conquistados pela população e contra a justiça social.
Apesar da profissão intencionar romper
63
com o padrão teórico conservador, essa
ruptura não pode se transformar em uma prática revolucionária, tendo em vista que
a prática profissional envolve ações interventivas na sociedade, com níveis de ação
diferentes das ações revolucionárias. Ou seja, a função da prática profissional é
distinta da função da praxis revolucionária. Os sujeitos se inserem em uma prática
profissional com a condição de trabalhadores assalariados do capital e do Estado
burguês, de subsunção do trabalho ao capital. A intencionalidade está no âmbito da
possibilidade, uma intenção, todavia sua materialização encontra-se
condicionada a um contexto favorável a essa intenção.
Porém, a prática interventiva do Serviço Social, apesar de não fazer a
revolução, de não se tratar de uma transformação radical ao assumir seu
compromisso com uma ação profissional voltada para a defesa de direitos sociais,
equidade e justiça social, comprometida com a luta pela consolidação da cidadania e
da democracia, que incentive a organização da população em consonância com o
63
De acordo com Netto (1996:111), “essa ruptura não significa que o conservadorismo (e, com ele, o
reacionarismo) foi superado no interior da categoria profissional; significa apenas que graças a esforços que
vinham, pelo menos de finais dos anos setenta e no rebatimento do movimento da sociedade brasileira –
posicionamentos ideológicos e políticos de natureza crítica e/ou contestadora em face da ordem burguesa
conquistaram legitimidade para se expressarem abertamente”. Ou seja, com “abertura para o diferente, de
respeito pela posição alheia” (Coutinho, 1995:14). Nesse sentido, uma prática que intencione a ruptura envolve a
aceitação dos princípios já citados aqui defendidos no atual Código de Ética da Profissão.
projeto ético-político profissional –, pode contribuir para o fortalecimento de uma
consciência revolucionária e de uma materialidade de ampliação da cidadania que,
em última instância, colide com a lógica do Capital. Conforme afirmativa de Marx,
“de tempos em tempos, os operários vencem, porém transitoriamente. O
verdadeiro resultado das suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez
mais ampla dos trabalhadores” (Marx e Engels,1998:16).
De outro modo, se o profissional se insere em uma instituição que tenha por
objetivo a luta pela conquista de direitos políticos e sociais, de organização de
classes cuja natureza é a organização dos trabalhadores –, sua prática pode se
aproximar de uma prática de ruptura. O que quero afirmar com isso é que essa
relação teoria de ruptura/prática de ruptura se faz ou não a depender da natureza do
objeto de intervenção, das finalidades da instituição, do profissional e da população.
Assim, uma concepção “fatalista”, em que “não se pode fazer nada, que a
realidade está dada” e uma concepção “messiânica”, em que com sua ação
profissional o Serviço Social “transformará o mundo”, são ambas limitadas.
Sendo assim, uma teoria de ruptura não pode se transformar, de imediato,
numa prática de ruptura. Em nenhum tipo de praxis. Isso pode ocorrer de forma
mediada, mas, mesmo assim, é necessário delimitar qual o nível de ruptura que uma
prática profissional pode alcançar. A finalidade e os meios de uma prática
profissional se diferem dos demais tipos de prática.
Nesse sentido, uma teoria crítica que objetive romper com a ordem capitalista
não resulta, de imediato, em um prática de ruptura com essa ordem. Para isso são
necessárias os fins e os meios. Para o homem agir, são necessárias condições
sócio-econômicas, políticas e culturais, também fornecidas pelas práticas humanas
que favoreçam essa ação com ruptura. A teoria contribui, inclusive, para analisar se
as condições são favoráveis ou não; gera um entendimento sobre o que se quer
transformar e analisar, inclusive as possibilidades de ruptura e as mediações
necessárias a essa transformação.
Esse é o dilema que vivem os Assistentes Sociais, uma vez que não
percebem que do reino da possibilidade (teoria) ao reino da efetividade (prática)
mediações que precisam ser conhecidas e trabalhadas. Ou melhor, esse projeto
profissional de ruptura encontra-se no reino da possibilidade, da finalidade, sendo
que, para alcançar a efetividade, precisa-se conhecer as mediações postas na
realidade, ou seja, postas na e pela praxis social como elementos constituintes da
prática profissional e não como elementos que a “impedem”. Entender essa relação
é fundamental para não se exigir de uma direção teórica aquilo que não lhe é
possível oferecer.
Como se trata de uma prática profissional com uma dimensão intelectual, cuja
intervenção afirma ser constituída pelas dimensões teórico-metodológicas, ético-
políticas e técnico-operativas, a passagem da teoria à prática requer uma
consciência da finalidade da ação profissional, dos resultados que se quer alcançar
idealmente. Requer conhecimento dos meios que podem possibilitar a efetivação do
fim. Essa consciência, nesse caso, requer um conhecimento teórico que possibilite a
escolha da finalidade da ação, ao oferecer uma análise das situações e dos
processos sociais que envolvem a ação; identificar os “meios possíveis” para se
alcançar a finalidade posta e avaliar suas implicações possibilitando, assim, a
escolha do(s) meio(s) mais adequados para se alcançar a finalidade; a identificação
e compreensão das relações causais que interpõem entre a finalidade ideal e o
resultado real; conhecimento teórico que possibilite o projetar de ações idealmente e
a compreensão do resultado real possível a esse processo.
Os conhecimentos procedimentais oferecem respostas ao “como fazer”. o
“por que” e “para que fazer” impõem problemas teóricos e práticos. É o
conhecimento teórico sobre o objeto da ão que responde qual o significado social
da ação, oferecendo, desse modo, a finalidade da ação e respostas ao “por que” e
“para que” fazer.
Examinada a relação teoria e prática no materialismo histórico-dialético, é
necessário também examinar a relação meios/fins, visto serem elementos
necessários à passagem da teoria à prática. A relação meios/fins implica dimensões
teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas da prática interventiva do
Serviço Social as quais constituem uma relação de unidade na diferença, assunto
sobre o qual me detenho a seguir.
4 AS DIMENSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS, ÉTICO-POLÍTICAS E
TÉCNICO-OPERATIVAS DA PRÁTICA PROFISSIONAL: UNIDADE NA
DIVERSIDADE E NÃO NA IDENTIDADE.
Ao examinar os dados secundários acerca dos instrumentos e técnicas na
formação profissional do Assistente Social, constato que a formação profissional
convive hoje com posições antagônicas, das quais destaco três, que precisam ser
superadas.
A primeira, presente na herança cultural e intelectual do Serviço Social no
Brasil, consiste na presença de uma concepção tecnicista que se caracteriza pela
associação direta entre competência técnica e competência profissional,
privilegiando-se, na formação, o aspecto técnico, sendo esse tratado como um fim
em si mesmo e de forma unilateral. Credita-se, unicamente aos instrumentos e
técnicas, a responsabilidade pela “eficiência e eficácia” da ação.
A segunda posição se origina da preocupação da formação em não reduzir o
ensino da prática ao “como fazer”, o que tem gerado um limitado trato do “como”
utilizar os instrumentos e das habilidades necessárias ao seu manuseio,
fortalecendo uma valorização unilateral da dimensão teórico-política da intervenção
profissional, sob a alegação de que um bom ensino téorico é suficiente para se
apreender, distinguir e habilitar os estudantes a utilizarem os instrumentos e técnicas
necessárias à intervenção profissional. Como observado, essa concepção reforça
a acusação da categoria profissional de que a direção teórica marxista não se viu
acompanhar de um arsenal de instrumentos e técnicas próprios.
As informações oferecidas tanto nos relatórios da ABEPSS quanto na
bibliografia pesquisada indicam que, de meados da década de 1980 até nossos dias,
há também uma terceira posição, a qual consiste em situar os instrumentos de forma
não isolada, não fragmentada, mas sim como um dos elementos que constitui a
dimensão cnico-operativa do Serviço Social, a qual, por sua vez, é concebida em
uma relação de unidade com as demais dimensões necessárias à prática
interventiva do Serviço Social, quais sejam, a dimensão teórico-metodológica e a
ético-política. Contraditoriamente, a meu ver, os profissionais defendem a relação de
unidade entre as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-
operativas, mas não reconhecem suas diferenças, o que, no limite, induz à
consideração da unidade entre as dimensões da profissão como identidade
A meu ver, tanto o “tecnicismo” quanto o “teoricismo” impregnados nessas
posições induzem à concepção de que a teoria se transforma de imediato em ações
e, ainda que “instrumentos e técnicas são aferidos, diretamente, de uma teoria”.
O ponto de partida dessas proposições é uma visão inadequada da
concepção marxista de teoria e prática que resulta no inadequado, limitado e
insuficiente tratamento desses elementos constituintes da dimensão técnico-
operativa da profissão, quais sejam, os instrumentos e técnicas.
No capítulo III procurei esclarecer esse equívoco, detendo-me na concepção
de teoria e prática no materialismo histórico-dialético, para o qual a teoria seria a re-
configuração do movimento do real pelo pensamento. Enquanto a prática constitui
esse real, ela o cria, é o processo de construção da vida social e, nesse sentido, a
própria existência humana. Se teoria é uma reprodução intelectiva do movimento
real do objeto, ela parte, como tal, da prática e tende para a prática, mas também, a
ilumina e a antecipa.
Ao explicitar essa concepção, constato que há, igualmente, uma relação de
unidade entre teoria e prática, mas na diversidade. Ou seja, toda prática é
constituída por determinações que refletem uma lei, entretanto, essa lei não se
expressa na aparência do objeto; para que seja conhecida é necessário um
movimento que gere um conhecimento teórico sobre esse fenômeno. Assim,
somente quando se tem um procedimento teórico sobre a prática é que ela poderá
expressar uma teoria, a qual, só poderá modificar a prática quando for utilizada para
projetá-la e avaliá-la, ou seja, o âmbito da prática é o da efetividade da ação sobre o
mundo e o âmbito da teoria é o de criar finalidades ou resultados ideais para a ação.
A teoria possibilita a ação, uma vez que aponta as tendências nela presentes.
A partir desses fundamentos, concluo que uma teoria não pode originar, de
imediato, uma prática e igualmente os instrumentos não surgem, de imediato, de
uma teoria. A passagem da teoria à prática se nos processos de objetivações
humanas, uma vez que, na acepção de Lukács (1978), a essência do trabalho e de
todas as práxis sociais humanas é a articulação entre teleologia e causalidade, cujo
resultado é uma causalidade posta. A objetivação envolve prática pois o homem
existe na relação prática com a natureza e com a sociedade e é teórica na
medida em que essa relação é teleológica. A passagem da teoria à prática, então,
necessita das definições dos fins e da busca dos meios os quais, por sua vez,
implicam uma dimensão ético-política e uma dimensão técnico-operativa.
Dessa forma, neste último capítulo, dou continuidade ao que foi desenvolvido
no segundo, ou seja, a partir das manifestações dos docentes quanto aos
instrumentos e técnicas em Serviço Social, defendo que a dificuldade existente
quanto a esse tema tem como suporte uma concepção enviesada de teoria e prática
no materialismo dialético exigindo-se que uma teoria se transmute de imediato em
prática e, ainda, que uma teoria origine instrumentos de intervenção próprios a ela
que repercute, por sua vez, num trato equivocado das dimensões ética, política e
técnico-operatica, que constituem a busca dos meios e a posição dos fins no pôr
teleológico. No capítulo III, respondo à questão sobre qual a relação existente entre
teoria e prática, tendo em vista minha primeira hipótese
64
. Neste quarto capítulo, a
partir de minha segunda hipótese, objetivo responder à questão: qual a relação
existente entre as dimensões teórico-metodológicas, as dimensões ético-políticas e
as dimensões técnico-operativas?
Assim, detenho-me nos dois elementos constitutivos do r teleológico como
elementos que interferem na passagem da teoria à prática, defendendo que aceitar
a unidade entre as dimensões que atravessam esses elementos, é também aceitar
as suas diferenças, uma vez que unidade não pode ser reduzida à identidade.
Assim, aponto, nesse processo, teoria-fins-meios- prática, tanto a unidade entre as
dimensões aqui privilegiadas, quanto as diferentes funções desses elementos na
efetivação da ação, detendo-me nos instrumentos enquanto um dos elementos que
faz parte dos meios.
Ressalto que, se a prática profissional interventiva do Serviço Social requer
tais dimensões, a formação profissional deve, por sua vez, contemplar, de fato, os
conhecimentos necessários a essas competências, quais sejam, conhecimentos
teóricos, conhecimentos ético-políticos e conhecimentos procedimentais, visto que o
Serviço Social é uma profissão interventiva.
64
Qual seja, a lacuna existente hoje quanto à questão dos instrumentos e técnicas na formação profissional dos
Assistentes Sociais no Brasil advém de uma incorporação equivocada, não satisfatória, da relação teoria e prática
na concepção do materialismo histórico-dialético. Essa inadequada apropriação refletiu no trato equivocado das
dimensões da prática interventiva do Serviço Social, as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e
técnico-operativas, de como trabalhar essas dimensões na unidade e diversidade, não na identidade.
4.1 A POSIÇÃO DO FIM E A BUSCA DOS MEIOS PARA TORNAR ATO A
FINALIDADE
Para Marx (1982), a teleologia é imanente à praxis humana, a mesma
existe nesse processo, o que distingue os homens dos animais, ou seja, o homem
se diferencia dos animais por buscar atingir seus objetivos através de uma ação
racional, por ter uma prévia-ideação. Dessa forma, a passagem da teoria à prática é
inerente à passagem da teleologia à causalidade posta; à passagem do reino da
possibilidade ao reino da efetividade; à passagem da finalidade ideal à finalidade
real. Nesse processo, a teleologia ocupa um papel determinante.
A posição teleológica tem por limite as determinações da causalidade. Assim,
teleologia e causalidade, apesar de se contraporem a primeira encontra-se no
âmbito do pensamento e a segunda no âmbito da matéria (natural ou social) –,
estão intimamente ligadas. Um fim pode ser posto em relação a um objeto, ou
seja, a finalidade incide sobre uma matéria, ela pretende transformar algo. Por sua
vez, as determinações que constituem a causalidade limitam a finalidade ou, melhor
dizendo, podem impedir ou ser o motivo da escolha daquela finalidade.
A finalidade posta movimenta vários objetos materiais orgânicos,
inorgânicos, humanos e sociais –, os quais reagirão a essa posição: adaptando-se,
acomodando-se, mudando de forma, desencadeando outras causalidades,
desencadeando outras finalidades.
Para a teleologia transformar uma realidade objetiva (uma causalidade) em
uma causalidade posta, ou seja, em um produto, ela precisa pôr o fim e buscar os
meios que possibilitem esse processo. No dizer de Lukács (2004:68), referindo-se a
Aristóteles, posto o fim tem-se que buscar os meios para realizá-lo. Através dos
meios, o fim posto se torna real”. A teleologia necessita da definição dos fins – o que
implica uma dimensão ético-política e da escolha dos meios – o que implica,
também, uma dimensão técnico-operativa –, sendo que a dimensão teórica
influencia tanto as opções finalísticas quanto a escolha dos instrumentos operativos
nesse processo de objetivação humana. Dessa forma é na relação de unidade entre
teoria-fim-meio que ocorre a efetivação da prática.
No ato teleológico, a posição do fim se origina de uma necessidade social, ao
mesmo tempo em que necessita dar uma resposta a essa necessidade. Ela
antecede a realização, ou seja, a finalidade existe antes da efetivação da ação, ela é
condição para tal, consoante Lukács (2004:69): um projeto ideal se realiza
materialmente, uma finalidade pensada transforma a realidade material, insere na
realidade algo de material que, no confronto com a natureza, apresenta algo de
qualitativamente e radicalmente novo”. Ou seja, a finalidade não caminha sozinha,
não se concretiza caso não tenha um movimento para isso. Para que a finalidade
ideal se torne finalidade real, ou seja, para que a finalidade se torne ato, é
necessário buscar, criar ou modificar os meios para transformar a causalidade dada
em causalidade posta. É somente nesse sentido que a finalidade pode tornar-se
realidade.
Em outros termos, a finalidade, que é um ato subjetivo, é posta sobre um
objeto a causalidade espontânea que pode ser uma matéria orgânica ou
inorgânica ou o próprio homem ou a sociedade. Ao mesmo tempo em que o
pensamento, mesmo que inconscientemente, estabelece a finalidade de sua ação,
ele articula a busca dos meios necessários para se alcançar aquela finalidade, para
transformar as causalidades espontâneas ou seja, as condições encontradas
em causalidades postas. A busca dos meios tem, assim, um papel fundamental no
alcance dos fins, porém, é a finalidade que tem o papel de dirigir o pôr teleológico.
Essa afirmativa implica em que, nesta concepção, os meios devem estar
intimamente relacionados com a posição dos fins: os homens buscam meios que
lhes dêem respostas aos fins.
Buscar os meios para transformar a causalidade dada requer um
conhecimento, mesmo que mínimo, das determinações que envolvem essa matéria
(natural ou social), um conhecimento dos nexos causais dos objetos, um
conhecimento do real, das determinações do real, sem o qual não é possível
transformar esse objeto sob o risco de permanecer a finalidade no âmbito ideal. Isso
significa que, para uma finalidade se efetivar, para que uma finalidade transforme
uma causalidade em causalidade posta, deve-se conhecer as determinações dessa
causalidade para que se possa interferir sobre ela e, assim, modificá-la. Não se trata
exclusivamente do conhecimento da realidade em geral, mas do conhecimento dos
objetos concretos que fazem parte do processo.
Lukács (1978:8) resume, adequadamente, a relação existente entre esses
elementos, quando afirma que
o trabalho é um ato de pôr consciente e, portanto, pressupõe um
conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinadas
finalidades e de determinados meios [...] quanto mais elas [as ciências]
crescem, se intensificam etc.,. tanto maior se torna a influência dos
conhecimentos assim obtidos sobre as finalidades e os meios de efetivação
do trabalho.
A necessidade que põe finalidades põe também necessidade de buscar
meios para a efetivação dessas finalidades. A necessidade de buscar meios para
realizar uma necessidade posta na finalidade faz com que os homens busquem
alternativas que possibilitem a realização da finalidade, ou seja, buscar objetos que
possuam características apropriadas à efetivação da finalidade dada. De posse das
alternativas, os homens avaliam e escolhem aquelas que poderão lhes oferecer um
resultado favorável, ou seja, que lhes permitirão agir.
Esse movimento faz com que os homens aperfeiçoem seus conhecimentos
sobre os objetos a serem transformados para se atender as necessidades, como
também faz com que desenvolvam as habilidades necessárias para agir. Dessa
forma, a busca dos meios ao mesmo tempo em que consagra alguns conhecimentos
sobre a natureza e habilidades no manuseio dos instrumentos para a ação, gera a
busca de novas necessidades que requerem novos conhecimentos sobre os objetos
mais adequados para se atingir os fins propostos. É assim através da busca dos
meios para efetivar uma posição do fim que os conhecimentos do real se
desenvolvem, que a ciência se origina e se aperfeiçoa. Lukács (2004:73) afirma que
“o ponto no qual o trabalho se liga ao pensamento científico e ao seu
desenvolvimento é, do ponto de vista da ontologia do ser social, exatamente aquele
campo por nós designado como busca dos meios”.
Sob esse aspecto, é bom ressaltar que os conhecimentos necessários à
busca dos meios, nos primórdios do trabalho, são frutos da observação, da
experiência de vida, da acumulação das experiências no trabalho. O conhecimento
tem início com a experiência que se abstrai, que rompe com a imediaticidade do
dado empírico. Na acepção de Lukács, apreender o real pela consciência tão
necessário ao pôr teleológico – tem o caráter de “reflexo”
65
, pois, caso fosse preciso
65
Lessa (2002), tendo como referência Lukács, afirma que o reflexo é uma categoria decisiva da consciência,
sendo essa categoria central ao ser social. Entende o reflexo como “a forma especificamente social da ativa
apropriação do real pela consciência” (idem:96), ou seja, o reflexo é o impulso da consciência em direção ao
real.
um conhecimento teórico para o homem trabalhar, o trabalho não existiria, uma vez
que é o trabalho que desenvolve a consciência, esta é produto tardio do
desenvolvimento do homem, porém de maneira nenhuma secundário
66
. No dizer
desse autor (2004:81), baseado em Marx, “a realidade do pensamento, o caráter
não mais epifenomênico da consciência só pode ser apreendido e demonstrado na
praxis”. Daí ser o trabalho considerado, por ele, como a forma originária de todas as
praxis.
O conhecimento das determinações do real na efetivação do pôr teleológico,
ou seja, “a consciência que reflete a realidade”, tem um caráter de possibilidade. O
caráter de possibilidade significa que o reflexo da realidade possibilita, mas não
efetiva, a passagem da causalidade à causalidade posta. Ela pode contribuir, o que
não significa que contribuir. Com outras palavras, a consciência pode contribuir
ou não, essa possibilidade se efetivará a partir de outros elementos que se somam
a esse processo, como veremos a seguir. É certo dizer, então, que o reflexo contém
a possibilidade, o que implica o âmbito de possibilidade da teoria.
Ainda em Lukács, nesse processo de passagem da teleologia à causalidade
posta, na posição dos fins e na busca dos meios, verifica-se a importância da
categoria “alternativa”. Desde o início do processo, é necessário uma decisão entre
alternativas na escolha dos fins e dos meios. A posição teleológica é um momento
ideal que dirige toda ação e implica uma escolha entre alternativas a qual requer um
conhecimento mínimo sobre o que se tem para escolher.
Pôr um fim e buscar meios para sua efetivação, passar do reino da
possibilidade ao reino da efetividade, envolve, dessa forma, a mediação da categoria
alternativa. Pôr um fim significa escolher alternativas “entre as muitas de fato
66
Conforme visto no capítulo III.
possíveis em cada situação concreta, transformando em ato a mera potencialidade”
(Lessa, 2002:104). Ou seja, se o sujeito só pode pôr uma finalidade a qual ele tenha
condições de efetivar, ele tem que conhecer, mesmo que superficialmente, os
objetos de que dispõe e, desse modo, escolher a finalidade. De posse da finalidade,
ele tem que escolher, dentre as alternativas, não só os meios que melhor se
adeqüem à efetivação de sua finalidade, mas também a alternativa que considera
ser a possível de contribuir com o sucesso da efetivação da ação. Essas alternativas
são dadas através da observação e da experiência. São elas que fazem o sujeito
reconhecer os objetos possíveis de serem os meios da efetivação da finalidade,
cujas propriedades mostram a adequação ou não de serem utilizados como meios,
de poderem ser aplicados. Conforme contribuição de Lessa (2002:104), “o elo
ontológico que articula o reflexo, que participa de uma prévia-ideação, com o
produto resultante do processo de trabalho, no contexto da ontologia lukacsiana, é a
categoria alternativa”.
Quanto mais se desenvolve o trabalho, mais se amplia e complexifica as
alternativas a escolher, surgindo, cada vez mais, novas alternativas. De acordo com
Lukács (2004:93),
para o homem primitivo, o objeto da alternativa é somente a utilidade
imediata em geral, ao passo que, na medida em que se desenvolve o
caráter social da produção, isto é, da economia, as alternativas assumem
um modo de ser cada vez mais diversificado, mais diferenciado.
Na acepção de Lukács (2004), no ato da alternativa estão presentes o
momento da decisão e da escolha, sendo o lugar e o órgão dessas decisões a
consciência humana. Ou seja, escolher entre alternativas tomar decisões passa
necessariamente pela consciência, a qual não tem, aqui, caráter determinante. O
que influencia, então, na escolha e na decisão entre as alternativas? O
conhecimento do objeto, dos nexos causais, é fundamental posso escolher ou
decidir conhecendo, mesmo que minimamente, o que os objetos de decisão são e
podem oferecer: o certo, o errado, o útil e o inútil. Se, no processo de escolha, é
importante a consciência, no sentido de discernir entre o certo e o errado, o útil e o
inútil, esses elementos certo/errado/útil/inútil, tanto na escolha dos meios quanto na
escolha dos fins, pertencem à esfera do processo de valoração. Sendo assim, o
processo de valoração é determinante, uma vez que, “do ponto de vista do sujeito,
este agir determinado a partir de um futuro definido é exatamente um agir orientado
pelo dever-ser do fim” (Lukács, 2004:121).
Escolher entre as alternativas significa, então, avaliar se um determinado
objeto será “útil” ou não, “adequado” ou não para atingir determinado fim e avaliar a
adequação do próprio fim posto. Isso requer igualmente um conhecimento prévio,
mas também uma avaliação de valor.
Afirmar que na posição do fim o reflexo é importante, mas não o determinante
significa que, para se pôr uma finalidade, o conhecimento necessariamente se faz
presente, sendo esse guiado pelos valores, ou seja, o sujeito busca um
conhecimento da causalidade de acordo com os seus valores e não o contrário; é
por isso que os valores são considerados os determinantes na posição do fim. Os
valores incidem sobre os conhecimentos necessários à escolha dentre as
alternativas possíveis de efetivarem a finalidade em causalidade posta. Conforme
Lessa (2002:126),
por mais correto que seja um reflexo e, portanto, por maiores que sejam
suas potencialidades para a objetivação –, ele apenas poderá vir a fazer
parte do processo de ideação-objetivação na medida em que for adequado
ao fim teleologicamente posto [...] as ideações apenas serão elevadas a
prévias-ideações se se atualizarem por meio da objetivação, se
corresponderem de algum modo ao dever-ser.
Valor e dever-ser são categorias intimamente unidas porque são momentos
de um único e mesmo processo o que “devo” fazer ou ser possui uma relação
visceral com os valores, estes indicam aqueles –, entretanto, possuem
características diferentes. Para Lukács (2004:130), o valor “influi mais especialmente
sobre a posição do fim e é critério de avaliação do produto realizado”, enquanto o
dever-ser “funciona mais como regulador do processo em si mesmo”. Enfim, uma
ideação é um dever-ser quando “age no sentido de regular as ações necessárias à
realização de um fim” (Lessa, 2002:129), daí ser predominante na busca dos meios,
enquanto que a ideação é um valor quando incide sobre a posição do fim, no sentido
de avaliar se o resultado real dessa finalidade é válido ou não, se o resultado
corresponde à finalidade posta no início do processo.
A utilidade que faz de um objeto um valor de uso ou não está relacionada à
finalidade, ou seja, ele pode ser considerado útil em relação à realização de um
fim concreto. São os fins que determinam a utilidade ou não de um determinado
objeto, não o contrário. Portanto, o processo de valoração é um processo objetivo e
subjetivo. com a evolução do trabalho, com a alienação do trabalhador no
desenvolvimento capitalista, “é o próprio valor que existe objetivamente e é
exatamente a sua objetividade que determina mesmo que objetivamente não com
a certeza adequada e subjetivamente sem uma consciência adequada – as posições
teleológicas singulares, orientadas para o valor” (Lukács, 2004:137-138). Dessa
forma, o valor não é dado somente pelas qualidades de um objeto, o valor está
intimamente relacionado com a utilidade desse objeto para a vida humana, não
podendo, assim, existir sem as qualidades objetivas do real. Daí seu caráter objetivo
e subjetivo.
Nem todos os valores de uso surgem do trabalho, como, por exemplo, a àgua,
mas grande parte deles pode ser considerada como oriunda do trabalho “mediante a
transformação dos objetos, das circunstâncias, do modo de agir, etc. naturais, e este
processo, enquanto afastamento das barreiras naturais, com o desenvolvimento do
trabalho, com a sua socialização, se amplia sempre mais, tanto em extensão como
em profundidade” (idem, 2004:131). O trabalho cria valor, esse é o seu fundamento
e, ao mesmo tempo, na sociedade burguesa é valorização do Capital. Isso significa
que o valor só existe na realidade do ser social, não na natureza.
O autor chama a atenção ainda para a importância das motivações morais e
éticas dos homens no que diz respeito à posição do fim e à eficácia dos meios na
posição teleológica secundária. Afirma que as motivações morais e éticas são
elementos determinantes nas escolhas dos meios possíveis na efetivação do fim,
visto ser de seu âmbito estabelecer o que é adequado e o que não é adequado,
justo ou reprovável. Nessa direção, Lukács (2004:184) reforça que
as motivações morais, éticas, etc. dos homens se apresentam como
momentos reais do ser social; momentos que, mesmo operando – com
maior ou menor eficácia sempre no interior de complexos sociais
contraditórios, mas unitários na sua contraditoriedade, são, no entanto,
sempre partes reais da praxis social; deste modo, por sua própria
constituição, desempenham uma função decisiva para estabelecer se é
adequado ou inadequado, justo ou reprovável determinado meio para
realizar um fim (determinada intervenção dos homens para decidir de um
modo ou de outro suas alternativas).
A visão de ética contemplada por Heller caminha nessa direção. Para ela,
ética é a tomada de consciência das motivações da humanidade e das motivações
dos indivíduos. Essa tomada de consciência inclui a compreensão da imanência
dessas motivações:
a moral é sempre imanente porém a humanidade enquanto humanidade
livre pode se elevar à autoconsciência à base da imanência moral, o
que significa convém repetir a tomada de consciência do caráter terreno
da vida e da contínua autocriação humana. A meu ver, essa é a
contraposição de princípio existente entre a ética de Marx e todas as éticas
religiosas (idem, 1992:118) (grifo da edição).
As motivações morais e éticas remetem à questão do valor. Assim, Lukács
ressalta a relação intrínseca entre o aspecto objetivo e subjetivo do valor: o valor é
posto por uma decisão subjetiva, mas as valorações surgem na objetividade social,
elas são produto do processo social objetivo, estando em conformidade com as
necessidades e possibilidades sócio-históricas dos homens.
Para Lukács (2004), na categoria alternativa aparecem algumas
características do homem que vive em sociedade, tais como a liberdade e o
determinismo. Liberdade e determinismo são, portanto, componentes fundamentais
de toda decisão alternativa. Escolher, entre as alternativas, os fins e os meios para a
efetivação da ação é exclusivo do ser social. Portanto, no trabalho, o homem
exercita sua liberdade no sentido de uma “decisão concreta entre diversas
possibilidades concretas” (Lukács, 2004:167), ou seja, a questão da liberdade é
posta em termos do homem escolher entre querer ou não transformar a realidade.
Todavia, o autor salienta que o homem exerce sua liberdade na tomada de
decisão, mas não pode prever as situações que podem surgir a partir de suas
escolhas, as quais podem desencadear reações não previstas anteriormente, uma
vez que, no processo de liberdade, faz parte um componente denominado por ele
“determinismo”. O homem ao agir não tem conhecimento de todas as conseqüências
de suas escolhas.
Assim, “a característica essencial da própria alternativa consiste em que é
preciso decidir sem conhecer a maioria dos elementos que compõem a situação, as
conseqüências, etc. No entanto, mesmo assim sobra um mínimo de liberdade na
decisão” (idem:168). Alerta, então, para a importância do conhecimento objetivo
correto dos materiais e dos procedimentos para que a finalidade se efetive em ação.
O conhecimento tem, portanto, a função de diminuir a ação do determinismo e de
compreender os resultados do mesmo na efetivação do processo.
Segundo Lukács, todas as praxis envolvem esses elementos no processo de
efetivação da ação: uma posição teleológica; a alternativa; o determinismo e a
liberdade. Em suma, nas várias objetivações humanas, encontram-se unidas as
operações de transformação material, mas também o conjunto de concepções ideais
que as orientam, que as selecionam, que as dirigem.
Essa estrutura geral que constitui o trabalho é uma estrutura de fundo para
todos os tipos de praxis. Pode haver mudanças qualitativas, mas a essência dessa
estrutura geral permanece. Entretanto, quando o objeto da finalidade é a
transformação do homem, o autor indica que há uma mudança significativa na
relação entre fim e meio, em que a posição do fim não pode utilizar os critérios do
trabalho simples. No dizer de Lukács (2004:183),
quando se põem cadeias causais no trabalho simples, trata-se de conhecer
causalidades naturais que, em si mesmas, continuam a operar como antes.
O problema é apenas até que ponto se conheceram corretamente sua
essência permanente e suas variações condicionadas pela natureza. Agora,
ao contrário, o “material” das posições causais que devem realizar-se nos
meios é de caráter social, isto é, trata-se de possíveis decisões alternativas
de pessoas e, por isso, de algo que, por princípio, não é homogêneo e que,
além disso, está em constante movimento. Deriva daí um tal grau de
insegurança das posições causais que com razão se pode falar de uma
diferença qualitativa relativamente ao trabalho originário.
Até aqui, ressalto os elementos fundamentais presentes na passagem da
teleologia à causalidade posta, a saber, a posição dos fins e a busca dos meios.
Nesses, a categoria alternativa é considerada como mediação. Ressalta-se, então, a
importância dos conhecimentos dentre eles o teórico e o procedimental e dos
processos valorativos na escolha entre alternativas na posição dos fins e na busca
dos meios, salientando-se que conhecimentos e processos valorativos, apesar de
presentes em todo o processo, possuem um nível diferenciado de inserção nessas.
Enquanto os processos valorativos são considerados determinantes na posição do
fim, o conhecimento é fundamental na busca dos meios. O reflexo “na busca dos
meios, é um momento essencial à captura do real pela subjetividade” (Lessa,
2002:113).
Lukács refere-se constantemente ao trabalho simples e, com menos
intensidade, às posições teleológicas secundárias. Em nenhum momento refere-se
diretamente à prática de uma profissão. Contudo, ao afirmar que
o homem que age praticamente na sociedade encontra diante de si uma
segunda natureza, em relação à qual, se quiser manejá-la com sucesso,
deve comportar-se da mesma forma que com relação à primeira, ou seja,
deve procurar transformar o curso dos acontecimentos, que é independente
da sua consciência, num fato posto por ele, deve, depois de ter-lhe
conhecido a essência, imprimir-lhe a marca da sua vontade. Isto é, no
mínimo, o que toda praxis social razoável deve tirar da estrutura originária
do trabalho (idem, 2004:181) (grifo meu),
ele oferece a possibilidade de inferir associações a uma prática profissional que e
posições teleológicas secundárias, ressaltando, porém que, apesar das posições
teleológicas secundárias se originarem do trabalho, devem-se ter reservas no trato
igualitário de ambas. Seguindo esse indicativo de Lukács, pretendo resgatar, aqui,
os elementos fundamentais na passagem da teleologia ideal à finalidade real. Busco
resgatar a unidade entre teoria-finalidade-meio-prática no contexto de uma prática
profissional que requer posições teleológicas secundárias, indicando que esses
elementos implicam uma dimensão ético-política e técnico-operativa.
4.2 RELAÇÃO TEORIA-FIM-MEIO-EFETIVAÇÃO DA PRÁTICA: AS DIMENSÕES
TEÓRICAS - ÉTICO-POLÍTICAS E TÉCNICO-OPERATIVAS
Na seção acima ressalto, no processo de passagem da teleologia à
causalidade posta, a presença marcante de dois elementos indissociáveis: a posição
dos fins e a busca dos meios. Situo a categoria da alternativa como mediadora
desse processo, como a categoria que faz a passagem da possibilidade à realidade,
ou seja, “só a alternativa daquela pessoa que põe em movimento o processo da
execução material através do trabalho pode efetivar essa transformação da
potencialidade em um ser” (Lukács, 2004:94).
A alternativa encontra-se presente tanto na posição dos fins quanto na busca
dos meios, uma vez que implica “escolhas”. “Escolhas” entre as finalidades que
tenham condições concretas de se efetivarem e “escolhas” entre os objetos que
podem ser os meios para concretização das finalidades postas. Essas escolhas
fazem parte dos processos valorativos, dos quais valores e dever-ser são partes
integrantes e fundamentais do processo de escolha dos meios e avaliação dos fins e
dos produtos objetivados, essenciais ao trabalho.
Escolher entre alternativas, então, é tomar decisões concretas entre valores
opostos, é fazer com que o valor se efetive, é buscar meios que materializem esse
valor, o qual incide sobre um objeto concreto. Nessa direção, Lessa (2002:128)
esclarece que
a articulação ontológica que conecta a totalidade da praxis social aos
valores é a categoria da alternativa. É ela que, como elemento ineliminável
da essência do pôr teleológico, funda a necessidade de distinção entre o útil
e o inútil para uma dada objetivação, e tal distinção é o fundamento último
da gênese e do desenvolvimento dos valores.
Assim, a categoria da alternativa, a meu ver, expressa dentro de si um caráter
teórico, ético, político e operacional. Um caráter teórico porque
cada praxis é imediatamente dirigida para alcançar um determinado fim
concreto. Precisa, portanto, conhecer a verdadeira constituição daqueles
objetos que servem de meio para tal finalidade, onde na constituição entram
também as relações, as possíveis conseqüências, etc. Portanto a praxis é
inseparável do conhecimento (Lukács, 1988:112);
um caráter ético-político porque o homem é capaz de agir com consciência e
liberdade, criando alternativas de valor, escolhendo entre essas alternativas e
adicionando esses valores em suas finalidades
67
; e um caráter operativo, no sentido
de que as alternativas, nesse processo, são alternativas que permitem a passagem
da possibilidade à efetividade; portanto, que se escolher, também, os meios, os
procedimentos e os instrumentos adequados à efetividade da finalidade ideal; Na
acepção de Lessa (2002:111),
a concretude inerente a toda escolha (...) faz com que a categoria da
alternativa se articule de modo inseparável aos processos valorativos.
Estes, no ser social, passam a desempenhar um papel ontológico de
primeira importância na determinação das formas de prossecução e na
direção do desenvolvimento das cadeias de alternativas a serem
objetivadas. Por essa mediação, os valores desempenham, com o
desenvolvimento da sociabilidade, uma influência nada desprezível e cada
vez mais intensa.
67
É importante lembrar que o homem mesmo sendo capaz de agir com consciência, nem sempre o faz.
Como visto, a posição dos fins e a busca de meios para tornar ato a finalidade
implicam processos valorativos e conhecimentos das determinações do real, mesmo
que sejam conhecimentos preliminares e não absolutos do real. Essa assertiva
contém em si o caráter teórico e ético que subjaz a esses elementos. Caráter ético
no sentido de que os juízos de valor
avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos,
estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis
ou indesejáveis [...] os juízos éticos de valor são também normativos, isto é,
enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos,
nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações
e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto
(Chauí,1995:336) (grifo da edição).
Esses valores são mutáveis, conforme se observa na história das
civilizações. O valor existe a partir do momento em que o homem destina um
significado à realidade, qualificando-a, como, por exemplo, ao afirmar que algo é
verdadeiro ou falso, belo ou feio, bom ou mau. Cabe, portanto, à ética buscar os
fundamentos desses valores, quais interesses representam, uma vez que são
construídos socialmente. Dessa forma, ética é entendida “como filosofia moral, isto
é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores
morais” (idem:339).
Os valores são encontrados em várias perspectivas, tais como, a da lógica; a
da estética; a da moralidade; a da científica; a da religião, a da econômica. A
perspectiva da moralidade pertence ao plano da ética, cabendo a ela entender os
fundamentos dos valores que regem o comportamento moral, entender o
comportamento classificado como bom ou mau.
Os comportamentos ético-morais se materializam no cotidiano por intermédio
das escolhas de valores e das implicações ético-políticas da ação profissional, ou,
nas palavras de Lukács (1976:106),
a realidade social deste comportamento [ético] depende, não por último, de
qual valor, entre os valores emergentes do desenvolvimento social, esteja
realmente ligado a ele, de que contribuição real ele dê para conservar,
tornar perenes, etc. estes valores.
As normas e regras, constitutivas da moral, se sustentam em valores os
quais, como mencionado na seção anterior, são criados pelos sujeitos na relação
que os homens estabelecem entre si e com a natureza, ou seja, na praxis social. É
nesse espaço da moralidade que se avalia o comportamento dos homens, julgando-
o aprovado ou reprovado, correto ou incorreto.
A moral, na sociedade capitalista, possui uma função ideológica. Suas
escolhas podem estar voltadas tanto para a dominação quanto vinculadas à
liberdade. Entretanto, o fato de ter um caráter normativo e o fato de haver um certo
nível de coerção em sua estrutura, visto sua função fazer com que as normas
vigentes sejam aceitas e reproduzidas pelos indivíduos, faz com que seu caráter
livre seja relegado.
Dessa forma, ao se afirmar que os valores (incluindo o dever-ser) possuem,
no ser social, um papel ontológico fundamental no processo de objetivação humana
através da alternativa, está se afirmando a dimensão ética presente tanto na posição
dos fins quanto na busca dos meios para tornar ato a finalidade. Ao se escolher um
fim, de se refletir sobre os valores que estão impregnados nesta escolha, para
que haja uma escolha consciente e coerente com o referencial teórico utilizado no
conhecimento dos meios necessários à ação. Ao se buscar os meios, em função de
responderem à finalidade posta, tem-se que ter clareza dessa finalidade, dos valores
que estão presentes nelas e dos valores que norteiam a direção teórica disponível
para se conhecer aquilo que governa os objetos presentes no processo de
transformação da finalidade ideal à finalidade real. Em outras palavras, o processo
de escolher requer, desde o princípio, avaliar entre certo e errado, útil e inútil. Ou
seja, no processo de passagem da teoria à prática, a escolha dos fins e dos meios
passa por decisões entre alternativas que se sustentam na consciência moral e nos
valores. Para Heller (1992:120), moral em Marx não concerne a qualquer domínio
particular,
quase todas as ações humanas têm um conteúdo moral, mas não há
nenhuma natureza puramente ética. A moral indica a relação objetiva do
indivíduo com a sua espécie, a sua pertinência ao gênero humano (relação
dos valores), o vel em que expressa essa relação (em que medida o
indivíduo tem consciência de sua pertinência ao gênero, em que medida
sua personalidade particular se combina com essa pertinência e em que
medida a universalidade do gênero chega a constituir a fundamentação
ética das suas ações). É no plano moral que se manifesta igualmente a
sabedoria da vida no indivíduo: em que medida é capaz de avaliar e
escolher diante das circunstâncias, “aplicando” seus princípios sem se
submeter passivamente à situação. E é no plano moral, por fim, que se
manifesta a força, a resistência e a solidez do caráter (grifo da edição).
A partir do momento em que ética é uma reflexão sobre os valores, sobre os
comportamentos morais do homem, ela está sempre presente em qualquer tomada
de decisão, mesmo que não se tenha consciência da ética. Conforme Chauí
(1995:337),
a consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para
deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma
delas antes de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as
motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as conseqüências
para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (...), a obrigação
de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral
ou injusto),
entretanto, “para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente
(...) Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética”
(Chauí:1995:337).
Nesse processo, a “escolha” está sempre presente. Ter condições objetivas
para agir e escolher com consciência é um ato de liberdade. A liberdade é, então,
uma capacidade fundamental do agir ético. No dizer de Barroco (2001:19), “a ética é
definida como uma capacidade humana posta pela atividade vital do ser social; a
capacidade de agir conscientemente com base em escolhas de valor, projetar
finalidades de valor e objetivá-las concretamente na vida social, isto é, ser livre”.
Desse modo, a liberdade requer a existência de alternativas conjugadas com o
conhecimento crítico dessas alternativas para que se possa fazer uma escolha
consciente, a qual implica na responsabilização do sujeito por essa escolha. Assumir
uma responsabilidade pela escolha entre alternativas resulta num compromisso
efetivo do sujeito com sua ação. Assumir responsabilidades e ter um compromisso
com algo ou alguém possui um caráter político, de forma que ética e política estão
sempre juntas.
Por que dimensão ético-política? Para Rios (2001), a idéia de política está
associada à de poder. O poder não se separa da força (dominação e consenso),
que são os meios que possibilitam influir no comportamento humano. A política
então, está associada à possibilidade que o homem tem de exercer influência sobre
o outro, mesmo que não se tenha consciência disso. Essa possibilidade se efetiva
ou não a depender de princípios determinados socialmente.
Assim, a dimensão política, constitutiva das práticas sociais, surge já na
intencionalidade dessas práticas, surge no pôr teleológico, ou seja, o fato de se ter a
intenção x ou y e de se optar pelos meios x ou y mostra a inserção política de seu
agente, uma vez que, na concepção de Heller (apud Rios, ibid:41), “ser político é
tomar partido e tomar partido significa não ficar indiferente em face das alternativas
sociais, participar e produzir em relação com toda a vida civil e social”. Tomar partido
implica comprometer-se, para se comprometer é necessário inferir valores sobre o
“objeto” de nosso comprometimento, daí o caráter ético-político do
comprometimento. Dessa forma, se ética é uma reflexão crítica sobre determinados
valores presentes na ação humana, e se toda ação dos homens sobre a sociedade é
uma ação política, há uma intrínseca relação entre ética e política.
A ética responde à pergunta “de que vale...?” (qual o valor?); a política
responde à pergunta “para onde vai...?” (qual é a intenção, qual é a finalidade?).
Para responder “de que vale” é necessário responder “para onde vai”, uma vez que
para onde vai implica os fins e como eles se articulam com os meios para alcançá-
los, ou seja, para eu saber o valor de algo, tenho que saber a que fim ele se destina;
sabendo a finalidade posso buscar os meios favoráveis à sua efetivação. Essa
afirmativa explicita a relação intrínseca entre o plano da ética e o plano da política
com a posição dos fins e a busca dos meios para tornar ato a finalidade. Escolher
finalidades significa projetar e implica valores; efetivar essas finalidades
impregnadas de valores supõe, então, uma decisão entre projetos diferentes, o que
se caracteriza como uma decisão política, ou seja, escolher o projeto com o qual, de
alguma forma, terei um ganho maior, qualquer tipo que seja.
A contribuição legada por Saviani (1983:142) vem ao encontro dessa
constatação quando afirma que “a identificação dos fins implica imediatamente
competência política e mediatamente competência técnica; a elaboração dos
métodos para atingi-los implica, por sua vez, imediatamente competência cnica e
mediatamente competência política”. Ou seja, a posição dos fins implica uma
dimensão ético/política, mas envolve, de forma indireta, uma dimensão técnico-
operativa na medida em que, para que os fins sejam efetivados, necessidade da
busca de meios para sua operacionalização. A busca de meios implica uma
dimensão técnico-operativa ao tornar real a finalidade ideal, ao executar um produto
final posto pela finalidade ideal. A busca dos meios da ação se materializa nos
instrumentos produzidos na e para a realização do trabalho. Entretanto, a escolha
dos instrumentos necessários à operacionalização de um resultado requer, também,
uma dimensão ético-política.
O homem, contudo, nem sempre tem consciência do âmbito ético-político de
sua ação, o que faz com que nem sempre se responsabilize por ela. Para que o
sujeito se responsabilize por sua ação, é necessário que tenha consciência desse
caráter ético-político, assim, essa ação deve ser “consciente, intencional e livre
(entendendo liberdade como articulação limites/possibilidades)” (Rios, 2001). Daí a
importância do conhecimento teórico para ação.
Até aqui enfatizei a dimensão ética, a dimensão política e a dimensão teórica
que atravessam a posição dos fins e a busca dos meios. Ou seja, não se pode
separar conhecimento, finalidades e valores e meios na efetivação da prática, sendo
que nesse processo, contudo, é o fim que regula os meios.
Entretanto, a busca dos meios tem uma especificidade. É através dela que a
finalidade ideal se aproxima da finalidade real, ou seja, ela é a responsável pela
operacionalização da ação, o que significa que encontrar os meios implica nesses
meios precisarem ser aplicados, o que acrescenta uma outra dimensão, a técnico-
operativa. É buscando os meios para tornar ato a finalidade que o homem se depara
também com a necessidade de conhecer recursos disponíveis que contribuam para
a efetivação da ação e de se buscar as habilidades pertinentes ao trato desses
recursos.
Segundo Marx (1982:203),
o meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que o
trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para
dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades
mecânicas, físicas, químicas das coisas, para fazê-las atuarem como forças
sobre outras coisas, de acordo com o fim que tem em mira. A coisa de que
o trabalhador se apossa imediatamente (...) não é o objeto de trabalho mas
o meio de trabalho.
Em sentido lato, são todas as condições materiais ferramentas, instrumentos
necessárias, de uma forma ou de outra, à realização do processo de trabalho. Ao
lado desses elementos materiais, segundo Paro (2001), o homem utiliza, também,
recursos conceptuais que consistem nos conhecimentos e técnicas que ele acumula
historicamente.
Marx deixa explícito que a transformação do objeto alcançada pela atividade
do homem por meio do instrumental de trabalho, no processo de trabalho, está
subordinada a um fim . Dessa forma, pode-se afirmar que os instrumentos são meios
de trabalho que contribuem com o alcance das finalidades reais, ou seja, que
contribuem com a passagem do reino da possibilidade ao reino da efetividade.
Dessa forma, a busca dos meios implica, também, um caráter procedimental, uma
vez que escolher um dado instrumento requer um caráter teórico, ético e político,
mas também um conhecimento de como utilizá-lo, das habilidades necessárias ao
seu bom uso. Esse conhecimento é técnico e procedimental.
Apropriando-me – com as devidas ressalvas elaboradas por Lukács e já
citadas neste capítulo – dessa postura marxiana acerca das considerações sobre os
intrumentos para uma atividade teleológica secundária, posso dizer que buscar os
meios requer conhecer as condições de trabalho, ter e conhecer o projeto
profissional, conhecer os recursos institucionais e, também, conhecer e dominar,
tecnicamente, os instrumentos.
Escolher, dentre alternativas, os instrumentos adequados à transformação da
finalidade ideal em finalidade real, requer, igualmente, conhecimentos das
determinações dos objetos e do real envolvidos no processo; um conhecimento da
própria finalidade ideal e dos valores embutidos nela e conhecimento dos meios
para alcançá-la.
Os elementos técnicos existem num determinado processo histórico, sendo
assim, para apreendê-los, faz-se necessária a apreensão da direção histórica que os
produziu. Para Nosella (1983), a técnica não antecede o político, ao contrário, ao se
escolher uma técnica já se está exercitando uma certa concepção política. Para esse
autor, a técnica contém uma visão de mundo, uma visão política na qual se
expressam intenções sociais gerais. Ou seja, é o político que orienta toda técnica e
instrumentação (sic), tenha-se ou não consciência disso.
Nesse sentido, Rios (2001) define competência como “saber fazer bem”.
“Saber” e “saber fazer” para ela tem uma dimensão técnica, mas “saber fazer bem”,
implica uma dimensão ética, na medida em que o “bem” envolve um valor que vai
além do caráter moral, não sendo separado do caráter técnico nem político da
atuação. Saber fazer bem não é a mesma coisa que “conhecer o bem” e “fazer o
bem”. Dessa forma, competência envolve competência ética, política e técnica. A
ética encontra-se presente em todas essas dimensões,
sinalizando direções, reivindicando atitudes, cultivando a sensibilidade,
convidando à mobilização ou ao sigilo, sugerindo parceiros, aliados e
mediações interdisciplinares, alertando para os riscos, desafiando os
medos, elencando as melhores escolhas e fins (Sales,1999:146).
Rios (2001) segue essa linha, defendendo que a dimensão ética é mediadora
das dimensões técnica e política. Para ela, tais dimensões são estreitamente
articuladas por meio da dimensão ética. Esta última, por seu teor de
responsabilidade e de compromisso, poderia evitar práticas politicistas e tecnicistas.
Estando a ética associada a escolhas, no processo de escolher as técnicas a serem
utilizadas na ação, já haveria um componente ético-político.
A dimensão política se distingue da dimensão técnica, sendo esta, todavia,
indissociável daquela. As regras, as técnicas, não têm fim em si mesmas; a elas são
imputados valores determinados pela dimensão ético-política que lhes dá feição.
O que quero salientar nessa seção é a relação orgânica entre as dimensões
teórica, ética, política e técnico-operativa, na posição dos fins e na busca dos meios.
Como aqui a referência é uma prática profissional, que, como visto no capítulo
precedente, guarda sua especificidade na praxis social, essas dimensões também
se fazem presentes. Se na prática interventiva do Assistente Social essas
dimensões são fundamentais, garanti-las na formação profissional do Assistente
Social é um imperativo. Inclusive, conforme evidencio no capítulo II, o projeto de
formação profissional do Assistente Social em vigor define como competência
profissional o trato rigoroso e adequado das dimensões teórico-metodológicas, ético-
políticas e técnico-operativas.
Parto do suposto de que o objeto de Marx é a sociedade, a prática social em
seu sentido mais amplo. Portanto, essa teoria permite ao Assistente Social conhecer
teórica e metodologicamente a sociedade numa perspectiva de transformação. A
prática profissional não se confunde com a prática social, mas está inserida nela. O
que faz com que a Teoria Social de Marx seja fundamental para o Assistente Social
comprometido com a transformação social, mas não esgote uma prática profissional
interventiva. Além do conhecimento teórico, precisa-se de outros tipos de
conhecimentos por exemplo o conhecimento procedimental que venham a suprir
necessidades de uma determinada prática social: a prática profissional do Assistente
Social.
Então, exposta a relação intrínseca entre a posição dos fins e a busca dos
meios e seu caráter teórico, ético, político e técnico-operativo, deter-me-ei, na sub-
seção seguinte, nas tensões objetivas e subjetivas para a construção da finalidade e
execução das mesmas na prática profissional do Assistente Social. Essa reflexão é
importante porque, no âmbito do Serviço Social, como evidenciado, lacunas no
trato dessas dimensões.
4.2.1 A Posição dos Fins e a Busca dos Meios na Prática Profissional do
Assistente Social
Como visto, vários elementos e condições que se interpõem entre a teoria
e a prática. No processo de objetivação humana, aqui estudado na prática
profissional do Assistente Social –, guardando as devidas proporções, isso não é
diferente.
Em uma atividade cuja posição teleológica é do tipo secundária, na qual o fim
imediato é o de transformar a consciência de outros homens ou da sociedade, há de
se esperar que este homem também tenha alternativas a escolher, portanto, é mais
difícil controlar ou prever os resultados, uma vez que são os resultados não apenas
da ação do profissional, mas também da reação dos demais atores envolvidos no
processo da ação. Ou seja, à finalidade posta pelo profissional ao resultado ideal,
tem-se um produto real que não é o mesmo idealizado no início, sendo que, nesse
processo, são desencadeadas outras finalidades postas pelos agentes envolvidos
no processo que culmina na modificação da finalidade original. sempre uma
incerteza, uma imprevisibilidade, uma vez que o “material” da posição do fim é o
homem, o qual possui igualmente valores, sentimentos, idéias, vontades e aptidões.
Assim, “a posição teleológica está submetida aos limites colocados pelas
determinações da causalidade” (Costa, 1999:31), nesse caso também pelas
determinações de outras posições teleológicas, quais sejam, as dos sujeitos que
recebem a ação. No dizer de Lukács (1978:11),
é verdade que a diferença entre a finalidade e seus efeitos se expressa
como preponderância de fato dos elementos e tendências materiais no
processo de reprodução da sociedade. Isso não significa, todavia, que esse
processo consiga afirmar-se sempre de modo necessário, sem ser abalado
por nenhuma resistência. O fator subjetivo, resultante da reação humana a
tais tendências de movimento, conserva-se sempre, em muitos campos,
como um fator por vezes modificador e, por vezes, até mesmo decisivo
(grifo meu).
O processo global do trabalho envolve a realização consciente da posição
teleológica, entretanto, para Lukács, tal consciência não elimina o fato de que o
sujeito que trabalha não detém o conhecimento acerca de todas as conseqüências
de seu trabalho, de todos os condicionamentos de suas atividades, de todas as
circunstâncias que envolvem seus atos, o que não impede, contudo, a ação do
homem.
Dessa forma, o projeto deve ser constantemente avaliado diante das
situações que surgem e que não podem ser previstas. Ele só pode conter uma certa
previsão ou uma antecipação ideal, mas o real, não podendo, por isso, estar
acabado ou definido.
Essas reflexões trazem elementos que me ajudam a pensar o Serviço Social,
profissão constituída e constituinte de projetos profissionais os quais são construídos
historicamente pelo conjunto da categoria profissional
68
. Neles estão contidos,
segundo Netto (1999), os valores, os objetivos, as funções e os requisitos teóricos,
institucionais e práticos para o seu exercício, bem como as normas para o
comportamento tanto com os usuários que buscam seus serviços quanto com as
demais profissões e instituições. Dessa forma, eles determinam as respostas dadas
pela categoria às demandas da população usuária e requerem um determinado perfil
de profissional.
Os projetos profissionais refletem, igualmente, as direções sociais assumidas
pela profissão em diferentes conjunturas. As direções sociais são os compromissos
ético-políticos estabelecidos a partir dos princípios norteadores do Código de Ética
Profissional dos Assistentes Sociais articulados às condições efetivas do exercício
profissional e implicando “a processualidade de um debate necessário entre
diferentes projetos e vertentes” (ABESS/CEDEPSS, 1996:147). Portanto, eles são
“indissociáveis dos projetos societários que lhes oferecem matrizes e valores”
(Iamamoto, 2002:20). Desse modo, as mudanças sofridas com e no modo de
produção capitalista refletem mas não de maneira direta e imediata a
constituição da profissão, renovando, reforçando e modificando os projetos
profissionais.
A concepção marxista de teoria e prática foi o sustentáculo para a construção
de um novo projeto profissional operado a partir de finais da década de 1970 e em
andamento até os dias atuais, inclusive com desdobramentos. Esse projeto
68
Segundo Netto (1999), a categoria profissional inclui não apenas os profissionais de campo, mas também o
conjunto dos intervenientes que dão efetividade à profissão: sindicato, ABEPSS, CFESS/CRESS, ENESSO.
encontra-se fundamentado num referencial teórico marxista que informa a direção
social do curso.
Os pilares que oferecem sustentação a esse projeto profissional do Serviço
Social, quais sejam, a Lei de Regulamentação da Profissão, o Código de Ética
Profissional dos Assistentes Sociais e as Diretrizes curriculares para os cursos de
Serviço Social, manifestam a hegemonia desse novo projeto que não é o único na
profissão – e refletem uma concepção de profissão construída a partir de uma
determinada visão de teoria e prática: a marxista.
O atual Código de Ética Profissional do Assistente Social, datado de 1993,
funda-se na concepção de “ontologia social” de aporte marxiano e textualmente
afirma sua adesão a essa direção teórico-prática quando em sua introdução assume
um compromisso com a universalidade, com a liberdade, com a democracia e com
valores fundamentais do trabalho
a revisão a que se procedeu, compatível com o espírito do texto de 1986,
partiu da compreensão de que a ética deve ter como suporte uma ontologia
do ser social: os valores são determinações da prática social, resultantes da
atividade criadora tipificada no processo de trabalho. É mediante o processo
de trabalho que o ser social se constitui, se instaura como distinto do ser
natural, dispondo de capacidade teleológica, projetiva, consciente; é por
esta socialização que ele se põe como ser capaz de liberdade (...) É ao
projeto social implicado que se conecta o projeto profissional do Serviço
Social (Coletânea de Leis, 2004:20-21) (grifo meu).
O que quero afirmar com isso é que a existência de um projeto profissional,
pautado numa direção ético-política define ser a prática profissional de Serviço
Social constituida de causalidades (condições objetivas) e pela teleologia
(finalidades). Dessa forma, ela é carregada de valores e escolhas os quais se
encontram em permanente conflito com o conjunto de causalidades dadas.
De outra forma, na prática interventiva do Assistente Social, como se trata de
uma posição teleológica que se pretende uma ação sobre outras consciências, ou
de influir sobre um ser que não é uma matéria inerte e sim outro ser humano e/ou
estruturas que lhe afetam e que, como tal, oferece uma reação sobre essa ação,
escolher uma finalidade e os meios existentes a serem mobilizados exige,
igualmente, um conhecimento dos sujeitos que procuram por serviços sociais:
conhecimentos dos fenômenos apresentados por eles, das relações sociais e
pessoais que os envolvem, seus valores, cultura, preconceitos, juízos. Esses
sujeitos sociais não são meros objetos, sendo assim, deve-se conhecer, também, os
determinantes estruturais, ideológicos e políticos que condicionam a existência
humana. Enfim, de se ter uma gama de conhecimentos que envolvem esse
processo, “assim, o conhecimento mais aproximado das determinações e conexões
sociais torna-se a base imprescindível para viabilizar a concreta liberdade de ação”
(Netto, 1998:XLVIII). Liberdade de ação que se traduz, aqui, na escolha consciente
entre alternativas.
Dessa forma, a teoria deve orientar esse processo, pois é ela que possibilita
conhecer e pensar as mediações, a começar pela indicação da posição teleológica.
A teoria pode oferecer não somente ela, haja vista a importância dos valores dos
sujeitos subsídios para as escolhas entre alternativas, tanto da finalidade, quanto
dos meios necessários. É ela que vai oferecer um conhecimento sobre as
determinações que envolvem o objeto” da ação; é ela que ajuda a compreender e
analisar o resultado real, a partir da análise dos elementos intervenientes durante o
processo; é ela que permite compreender que o projeto ideal nunca poderá ser igual
ao produto real e, dessa forma, compreender esse resultado final.
Outro aspecto fundamental na materialização da finalidade é o que diz
respeito aos valores morais, éticos e políticos dos profissionais. Ao escolher um
determinado fim, o profissional está se posicionando diante da realidade, devendo
buscar conhecer tal posição. Os profissionais agem pautados por valores e
ideologias que orientam a busca de um referencial teórico, ou seja, não é a teoria
que direciona os valores, mas os valores, a cultura, a ideologia que influenciam o
profissional na opção por determinada teoria. Melhor dizendo, os profissionais não
reagem efetivamente face aos valores segundo as suas concepções teóricas, ao
contrário, eles escolhem, mesmo que inconscientemente, seu referencial teórico de
acordo com seus valores éticos e morais. O que não significa que a teoria não
possa, a posteriori, influenciar os valores. Caso contrário, a relação teoria-prática
seria uma via de mão única e não de o dupla, ou seja, a prática é fundamento da
teoria, mas esta também pode ser fundamento daquela, conforme mostrei no
capitulo III.
O Assistente Social tem consciência desse pôr teleológico”? Ao projetar sua
ação, ele tem clareza de sua finalidade? Conhece os elementos que envolvem a
escolha dessa finalidade? Tem consciência dos valores que determinam essa
escolha? Do significado de escolher esta ou aquela finalidade, suas implicações
teóricas, políticas, metodológicas e técnico-operativas? Sua ação é uma ação livre?
Percebe a influência dos valores e princípios da sociedade burguesa e do
conservadorismo?
A escolha de uma finalidade envolve, em si, um certo conhecimento que
nem sempre é o conhecimento teórico. Tratando-se de uma prática profissional que
porta uma dimensão intelectual, a escolha por uma finalidade implica a aceitação de
uma determinada teoria. O Assistente Social tem consciência disso? O Assistente
Social vem extrapolando a consciência comum de praxis? Qual a sua concepção de
prática profissional e de teoria e prática? É a finalidade da ação que favorece a
projeção da ação, dessa forma, a clareza da finalidade da ação é que vai propiciar a
elaboração de um projeto para a intervenção que envolva todo o processo da
prática, desde a escolha da finalidade, da busca dos meios para alcançar os fins, à
projeção do que pode ocorrer, ou seja, é através do projeto que se aproxima a
finalidade ideal da finalidade real, que se transforma a finalidade em um resultado
real.
Isso significa que, se o profissional não tem consciência da finalidade de sua ação,
não pode projetar adequadamente essa ão; mas, se não a projeta, que tipo de
prática estará realizando? Se não tem clareza de suas intenções, o que ele vem
objetivando? Se o profissional não sabe a que resultado quer chegar, como avaliar
tal resultado?
Vasconcelos (2002:449), em pesquisa realizada junto aos assistentes sociais
da Secretaria Municipal de Saúde da cidade do Rio de Janeiro, constata que
a dimensão teleológica a capacidade de projetar, de estabelecer o que
será feito com antecipação de suas conseqüências –, não é exercitada pelo
Assistente Social da SMS a partir de respostas prático-conscientes. Assim,
os assistentes sociais não participam da criação e utilização dos seus
instrumentos de trabalho: aplicação e elaboração de instrumentos técnicos
operativos e conhecimentos teórico-metodológicos e da realidade, que
subsidiem a ação profissional no trato da “questão social”, relação com a
população usuária e instituição (grifo meu).
Ainda no documento “Relatório Final da Pesquisa: Análise da Prática
Profissional nas Instituições Campos de Estágio” (PUCSP n. 10, 1980:82),
nalguns casos não é possível afirmar nem que se trate de um Serviço
Social “tradicional”, expresso, por exemplo, em uma proposta funcionalista,
mesmo porque o que se observa com freqüência é a ausência de proposta
por parte do Assistente Social. O profissional recorre aos “objetivos da
instituição”, às finalidades da obra”, ao que “interessa à empresa”, sem
explicitar a “sua” proposta. Aliás, ele parece não ser capaz de apresentar e
muito menos de viabilizar uma determinada proposta, apresentando razões
que quase sempre se encontram “fora” dele (grifo meu).
Essas duas pesquisas possuem um intervalo de 20 anos: uma data de 1980 e
outra, de 2000. Os profissionais entrevistados então tiveram uma formação
profissional fundamentada em currículos construídos a partir de diferentes projetos
profissionais. A despeito disso, a constatação é a mesma, qual seja, a não atenção
dos assistentes sociais com a finalidade de suas ações, gerando-se atividades
profissionais sem planejamento, pontuais, fragmentadas. Cabe, aqui, a observação
de que a mudança de currículo é elemento determinante de certas mudanças, mas
não de todas, ou seja, nem tudo se resolve pela mudança de currículo.
A esse respeito, Vasconcelos (2002:31) denuncia em sua exposição que
ainda que com um discurso progressista, em sua maioria, [os profissionais]
não dispõem de possibilidades para superar, sem suporte capacitação
continuada, assessoria (cf. Vasconcelos, 1998) –, uma prática de caráter
conservador. Assim, quase todos, realizam uma prática que não caminha na
direção proposta pela formação graduada e continuada em última
instância, na direção proposta no debate teórico hegemônico na profissão,
pelo menos na intenção, onde foi dominante a produção influenciada pela
tradição marxista (grifo meu).
Essa constatação reforça que a afirmativa na prática a teoria é outra está
presente recorrentemente na categoria. A partir do momento em que há, no projeto
ético-político da profissão, uma hegemonia da direção de “intenção de ruptura” onde
quem vem se expondo são os profissionais que apresentam uma adesão a essa
proposta, o conflito não aparece. São poucas, ou inexistentes, as manifestações
públicas contrárias a esse projeto isso não significa que não haja conflito. Em
outros termos, muitos profissionais não assumem ou não reconhecem seus
compromissos com um projeto conservador, escondendo-se num discurso
progressista que não se compatibiliza com a finalidade de suas ações.
Por outro lado, também ocorre que, não raras vezes, o profissional não tem
consciência de seus valores, de sua ideologia e das concepções teóricas,
assumindo o discurso hegemônico sem uma crítica mais apurada, incorrendo no que
denominam de distanciamento entre teoria e prática. Nesse caso, posso afirmar que
há, aqui, a ausência de uma postura ética, no sentido de ausência de uma reflexão
sobre seus valores.
No entanto, chamo a atenção para o fato de que ocorre, nesses dois casos,
um distanciamento entre discursos e valores, não entre teoria e prática, pois “não
uma relação direta entre a ciência e o conjunto de valores que alguém aceita.”
(Coutinho, 1995:15).
Konder (2000) afirma que o homem possui um modo de ser, de perceber o
mundo e disposição para intervir nesse mundo que precedem a teorização sobre
esse mundo. Indaga, então, qual poderia ser o poder da razão em face de tais
impulsos. Penso que a ética, ao ser a reflexão sobre a moral, é a mediação entre
esses pólos. Tomar consciência da moral e dos valores que permeiam essa moral
remete a uma ética, a qual se configura, então, como resposta à indagação sobre o
papel da teoria no que diz respeito à moral, ou seja, até que ponto a razão pode
interferir na moral individual e coletiva?
Conforme Hegel (apud Coutinho, 1972:14),
as ações dos homens derivam de suas necessidades, de suas paixões, de
seus interesses, de seu caráter e de seus talentos, de modo que, nesse
espetáculo de atividade, não são senão tais necessidades, paixões,
interesses, que aparecem como as instâncias e intervém como o fator
principal.
Sabe-se, entretanto, que essas necessidades, paixões, interesses e talentos
são também construções sócio-históricas, têm uma determinação social, uma vez
que a reflexão e a paixão
são impulsionadas por forças propulsoras que agem por detrás dos
objetivos. Se os objetivos visados, ao nível individual e coletivo, são produto
da vontade, o o são os resultados que dela decorrem, que passam por
múltiplos vínculos sociais no âmbito dos quais se realiza a ação (Hegel
apud Iamamoto, 2002:25).
E ainda: “os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas,
os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder material
dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante”
(Marx e Engels, 2001:48) (grifo da edição).
A continuidade do sistema capitalista necessita da sua reprodução ideológica,
o que se faz através de mecanismos eficientes de moralização tendo em vista a
manutenção desse poder vigente. Ou, conforme Vázquez (1977:296), parafraseando
Lênin, “uma praxis espontânea do proletariado acaba por entrar em contradição com
seu ser de classe, em virtude de sua sujeição à consciência burguesa”.
Essas considerações fortalecem a nossa compreensão de que as coisas não
estão “dadas” a priori. Ou seja, passar da teoria à prática requer uma transformação
concomitante do homem e das circunstâncias, o que ocorre, também, através da
aquisição de valores no processo de relações humanas, onde se a sociabilidade
humana. Daí a importância da consciência de uma posição ético-política na prática
profissional.
Vázquez (1977:127), baseado em Marx afirma que
a aceitação pelos homens de uma teoria é condição essencial de uma
praxis verdadeira, mas não é ainda a atividade transformadora. É preciso
determinar, em primeiro lugar, o tipo de teoria que há de ser aceita e que
há de passar à própria realidade; é preciso igualmente determinar o tipo de
homens concretos que, uma vez que fazem sua a crítica, a convertem em
ação, em praxis revolucionária.
Parafrasenado esse autor, ao se tratar da passagem de um referencial teórico a
uma determinada prática profissional, pode-se afirmar igualmente que, para que tal
passagem ocorra, são necessários, antes de mais nada, agentes profissionais
comprometidos com uma determinada teoria que tenham consciência desse
compromisso. Sob esse aspecto, é imprescindível que esse profissional, nesse
processo de escolha por um referencial teórico, contraste-o com seus valores morais
e éticos, com sua cultura. Assim, ele poderá visualizar, inclusive, as contradições
existentes nessa relação. É preciso conhecer as condições objetivas e subjetivas
para a ação que estão subsumidas na posição dos fins e na busca dos meios.
Nas palavras de Pontes (1995:155), o Assistente Social realiza sua prática
através da rede de mediações, que ontologicamente estrutura o tecido social”. As
mediações
69
fundamentais nessa passagem da teoria à prática são de duas ordens:
as de caráter objetivo e as de caráter subjetivo.
As condições de caráter objetivo referem-se às circunstâncias do exterior. As
de caráter subjetivo são de âmbito do sujeito, do interior. É bom lembrar que o fator
subjetivo se integra no movimento dos fatores objetivos e vice-versa, ou seja, os
objetos são exteriores aos homens e existem sem eles, mas adquirem sentido
em sua relação com os homens. Pela atividade humana, “os homens agem dentro
da situação dada e na ação prática conferem um significado à situação” (KosiK,
1989:220), portanto, é importante ressaltar que não se podem separar os fatores
69
A categoria mediação pode ser vista de duas angulações, ou seja, como uma categoria ontológica e como uma
categoria reflexiva. Quando ela compõe a estrutura do ser social, não sendo uma invenção do intelecto, quando
está posta na realidade, quando existe independentemente da consciência que se tenha sobre ela, é uma categoria
ontológica. as mediações reflexivas são aquelas que o construídas pela razão para conhecer o objeto e guiar
a intervenção, são aquelas que garantem a apreensão das múltiplas determinações do objeto.
objetivos dos fatores subjetivos. É o apropriar-se das objetivações postas
socialmente que constitui as subjetividades, ou seja, o ser social só pode constituir
sua subjetividade porque é objetivo; não o contrário. Ou, nas palavras de Vázquez
(1977:39) apoiado em Lênin, o fator subjetivo é fundamental na transformação
econômica, social e política, porém, “sob a condição de integrar-se no movimento
dos fatores objetivos”, sendo que, para ele, os fatores objetivos são as forças
econômicas e sociais, a realidade social como um todo complexo e estruturado,
enfim, a própria estrutura social.
Nesse sentido, é necessário conhecer as características dos agentes que
historicamente vêm compondo essa profissão no que se refere a sua herança
cultural, sua bagagem teórica e técnica, seus valores ético-sociais, suas condições
econômicas, socioculturais e políticas, ou seja, sua herança social e cultural, tais
como classe, gênero, etnia, religião, valores, preconceitos e sentimentos
70
.
Essas condições são de ordem subjetiva, mas desencadeadas por condições
objetivas, principalmente sócio-históricas. Segundo Iamamoto (1992: 88-94), a ação
profissional depende, então, dos agentes profissionais, mas também das
“circunstâncias sociais objetivas”, tais como as relações de poder institucional; as
políticas sociais específicas; os objetivos e demandas da instituição empregadora; a
realidade social da população que busca por serviços sociais e as condições
materiais-concretas sobre as quais a intervenção profissional se realiza, quais
sejam, os recursos humanos, financeiros e materiais para atendimento das
70
Como, por exemplo, o fato de ser até hoje o Serviço Social uma profissão eminentemente feminina, o que
significa uma posição apesar dos avanços conquistados pelos movimentos feministas subalterna na
sociedade; o fato da profissão ter nascido sob a organização da Igreja Católica, sob sua direta tutela no que diz
respeito à formação profissional e direção ídeo-política, que marcaram um compromisso com valores humanistas
conservadores e a herança intelectual positivista. Segundo Iamamoto, em palestra proferida na Escola de Serviço
Social da Universidade Federal de Juiz de Fora em Maio de 2005, dados fornecidos pelo INEP, referentes a
fevereiro de 2004, constam que 93,8% de assistentes sociais é um público feminino. Dessa forma, ela considera
ser a questão de gênero determinante para decifrar a profissão.
demandas, os quais devem ser oferecidos pela instituição empregadora, uma vez
tratar-se de um profissional assalariado.
No Serviço Social, tais circunstâncias traduzem-se, dentre outras, em salários
inadequados que desmotivam o profissional; em políticas sociais fragmentadas e
pontuais; na imprecisão das instituições às quais se vinculam o profissional
quanto à competência dos profissionais, demandando atividades que não lhes
competem.
Todavia, apesar de o Assistente Social depender na organização da sua
atividade, das instituições empregadoras como Estado, Empresas, Entidades não-
governamentais no que se refere a propiciar o acesso dos usuários aos serviços
sociais, a fornecer os meios e recursos necessários no estabelecimento das
prioridades a serem satisfeitas, bem como na definição dos papéis e funções do
cotidiano das instituições, “a instituição não é um condicionante a mais do trabalho
do Assistente Social, ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa (...),
não é um condicionante externo e muito menos um obstáculo para o exercício
profissional” (Iamamoto, 1998:64) (grifo do autor).
Tais condições objetivas e subjetivas não podem ser consideradas pelos
assistentes sociais como empecilhos ou obstáculos à ação, mas sim ser
desocultadas como particularidades da ação profissional, como contradições que
perpassam a materialização da teoria em ação. São, assim, mediações que
envolvem os agentes profissionais das quais destaco: preparo teórico; técnico;
valores e cultura; as condições objetivas, materiais concretas, sobre as quais a
intervenção se realiza.
A prática profissional tem uma intervenção cuja execução é dinamizada por
sujeitos profissionais o Assistente Social –, porém, não é apenas esse sujeito que
sozinho a organiza. Como salientado anteriormente, essa prática é resultado da
formação teórica, política, ética e técnica dos profissionais, mas também produto da
organização social e do contexto institucional empregador. Destaco, ainda de
Iamamoto (idem:107), uma formulação pertinente a essa constatação:
ainda que dispondo de autonomia ética e técnica no exercício de suas
funções resguardadas inclusive pelo Código de Ética e pela
regulamentação legal da profissão –, o Assistente Social é chamado a
desempenhar sua profissão em um processo de trabalho coletivo,
organizado dentro de condições sociais dadas, cujo produto, em suas
dimensões materiais e sociais, é fruto do trabalho combinado ou
cooperativo, que se forja com o contributo específico das diversas
especializações do trabalho. (grifo da autora)
A própria demanda que chega ao profissional de Serviço Social, na maioria
das vezes, não vem diretamente da população e quando vem é, em grande parte,
ignorada tanto pela instituição quanto pelo profissional –, mas, da instituição, do
mercado de trabalho. Para que se ultrapasse essa aparência, é necessário um
movimento de compreensão das mediações que constituem esse processo.
Conforme Pontes (1995:174),
como demanda profissional estabelece-se que é a legítima demanda advinda
das necessidades sociais dos segmentos demandatários dos serviços
sociais. A demanda profissional incorpora a demanda institucional mas não
se restringe a esta, podendo e devendo ultrapassá-la. A construção da
demanda profissional impõe ao profissional a recuperação das mediações
ontológicas e intelectivas que dão sentido histórico à particularidade do
Serviço Social numa dada totalidade relativa (grifo meu).
A relação com o mercado de trabalho (público e privado) remete a uma
questão crucial para o trabalho aqui exposto. A falta de clareza acerca da relação
teoria/prática leva a categoria profissional a remeter um problema que em realidade
pertence à relação mercado de trabalho e formação profissional à questão da
relação teoria e prática. Assim, as necessidades sociais, para as quais o mercado
de trabalho exige uma resposta, contratando, para tal, o profissional de Serviço
Social, são dinâmicas. Esse dinamismo não é correspondido, de imediato, pela
formação. Como dito, o conhecimento é post-festum, assim sendo mesmo na
tendência em que se objetiva subordinar a formação profissional às demandas do
mercado de trabalho, situada no capítulo I –, a formação jamais poderá responder
totalmente às necessidades do mercado. O não entendimento do limite da relação
formação profissional e realidade, originária da não compreensão da relação teoria e
prática, contribui para a assertiva dos profissionais de que na prática a teoria é
outra. Porém, o que na verdade a categoria quer afirmar com na prática a teoria é
outra é: os conhecimentos que se aprendem nas universidades estão distantes das
necessidades postas pelo mercado.
Conforme Netto (2005), formação e mercado de trabalho possuem dinâmicas
diferentes. A formação que pretende responder ao mercado de trabalho necessita
de um conhecimento real desse, portanto, ela não pode responder, integralmente, à
prática. Desse modo, o debate deve ser entre a realidade da formação profissional e
a realidade do mercado de trabalho. O problema não se encontra na relação teoria e
prática, mas sim na relação formação e mercado de trabalho.
Outro aspecto relevante nessa discussão é que de se ter clareza que o
posicionamento ético-político, defendido no projeto profissional hegemônico no
Serviço Social, vai de encontro à direção ético-política e sócio-econômica dominante
hoje em nossa sociedade. Esse fator limita os meios para umaão profissional que
se quer nesta direção. Parafraseando Frigotto (1993:185) ao se referir à ação dos
educadores –, os limites de uma ão democrática e voltada para a luta por
cidadania no Serviço Social coincidem com os limites da democracia e da cidadania
na sociedade de classe. Isso significa que a mediação política é fundamental na
passagem da teoria à prática.
Mostrar as tensões objetivas e subjetivas para a construção de finalidades
vinculadas à perspectiva teórica de transformação na prática profissional do
Assistente Social faz-se importante na medida em que se quer defender os
instrumentos e técnicas da intervenção como elementos fundamentais na ação
profissional e, portanto, imprescindíveis na formação profissional, melhor dizendo,
quando se quer influir no debate sobre instrumentos e técnicas na formação
profissional para que disso resulte uma mudança no tratamento dos mesmos. Nessa
direção, quer-se afirmá-los como elementos que compõem os meios de trabalho,
elementos que, dentre outros, compõem a dimensão técnico-operativa do Serviço
Social, a qual, por sua vez, mantém uma relação de unidade com as demais
dimensões aqui expostas. O que se pretende é situar o instrumento como um
elemento que só se põe quando em relação, no sentido de estar relacionado às
finalidades, como um dos elementos que permite objetificar as finalidades,
materializá-las
Nesse sentido, irei me deter, na última sessão desse capítulo, nos
instrumentos e técnicas da prática interventiva do Serviço Social, defendendo que
conhecer o “como” utilizá-los, bem como as habilidades necessárias ao seu
manuseio, não necessariamente fere uma direção emancipatória.
4.3 INSTRUMENTOS E RACIONALIDADE EMANCIPATÓRIA
Nas seções precedentes, identifico que da teoria à prática existem elementos
os quais conjugam uma dimensão teórica, ética, política e operativa. Marco a relação
de unidade entre essas dimensões, guardadas suas diferenças. Num outro
momento, mostro como essa relação reincide em uma prática profissional,
especificamente na prática profissional do Assistente Social. Essa digressão se faz
necessária para se chegar ao objeto desta tese: os instrumentos e técnicas na
formação profissional do Assistente Social.
Nesta seção, trato diretamente da segunda questão posta pela categoria: o
referencial teórico marxista não se viu acompanhar de um arsenal de instrumentos e
técnicas próprios. A partir do momento em que se evidencia que a teoria, a ética e a
política são indissociáveis da escolha dos meios e de como essa relação acontece,
fica igualmente explícito que, na busca dos meios para tornar ato uma finalidade,
de se utilizar instrumentos e, portanto, há de se ter habilidades em seu uso. Dessa
forma, exponho agora os motivos pelos quais considero que a formação profissional
deve contemplar discussões aprofundadas sobre esse elemento da intervenção, não
o restringindo a uma das dimensões – teórica, ética ou política.
Faz-se importante, primeiramente, situar o lugar que ocupam os instrumentos
nessa unidade. Lanço mão de duas afirmativas de Lukács. A primeira,
mencionada no início desse capítulo, “o trabalho para se realizar pressupõe um
conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinadas finalidades e de
determinados meios”, indica a imprescindível presença dos conhecimentos teóricos
e dos meios para a efetivação do trabalho, enquanto que a segunda, “no processo
social real é que surgem as finalidades, a busca dos meios e a aplicação dos meios”
(2004:96) indica que não basta escolher os meios, de se os aplicar. É aqui que
situo os instrumentos e técnicas como elementos que constituem os meios, bem
como a aplicação dos meios, estreitamente articulado aos fins e, por isso, aos
elementos que compõem esse processo: teoria, ética e política.
Aplicar os meios requer conhecer os instrumentos, ter habilidades para utilizá-
los, capacidade para criá-los e de escolher os mais adequados às finalidades
postas.
Contudo, foi afirmado aqui que a teoria não gera instrumentos próprios. O
que seria, então, a relação possível entre teoria e instrumentos?
Minha análise até agora evidencia que a teoria empresta à prática o
conhecimento da realidade a qual é objeto da transformação; o conhecimento dos
meios e de sua utilização, os quais permitem a transformação; o conhecimento da
prática acumulada, em forma de teoria; e uma finalidade ideal, que antecipa os
resultados objetivos a atingir, o projeto, cujos resultados reais não correspondem às
finalidades ideais. Nesse sentido, se ela não oferece os instrumentos e técnicas de
intervenção propriamente ditos, ela pode oferecer subsídios para que sejam
escolhidos, criados e utilizados.
A teoria contribui com o redimensionamento dos instrumentos ao oferecer-
lhes a forma de tratá-los, as estratégias e as abordagens, porquanto podemos
utilizar instrumentos diferentes em nossa intervenção, mas que os utilizemos de
acordo com o método por nós aceito. Daí, método não poder ser confundido com
procedimentos metodológicos, com instrumentos, estratégias e abordagens, mas
sim compreendido em uma intrínseca relação com a teoria e com o processo de
conhecimento. Um método pode se articular com estratégias de abordagens e
instrumentos vários, bem como um mesmo instrumento pode ser utilizado por
diferentes métodos. Portanto, a relação que deve ser mantida é entre teoria e
método.
A formação teórica é decisiva para a compreensão do significado social dessa
operacionalização. Todavia, é possível se ter clareza desse projeto, de seus
objetivos e de seus fins, sem, no entanto, ter-se qualificação para a
operacionalização da ação.
Posso destacar, então, dois grandes âmbitos da teoria os quais remetem,
através de mediações, à escolha e operacionalização dos instrumentos e técnicas.
São eles:
- o âmbito da análise das tendências estruturais da ordem burguesa e da
compreensão da dinâmica dos fenômenos
71
com os quais se deparam os
profissionais em sua prática cotidiana e
2º - o âmbito da teleologia, ou seja, da projeção, da finalidade.
O primeiro âmbito, a teoria entendida como um “instrumento para
compreender com maior profundidade, riqueza e amplitude os fenômenos da vida”
(Lukács:1978:163), tem por missão propiciar o conhecimento do conteúdo da
atividade prática. Dessa forma, ela oferece a compreensão da dinâmica social em
que se insere o objeto da intervenção como o significado social dessa intervenção,
ou seja, ela possibilita compreender até que ponto determinada atividade prática
está contribuindo para a construção da história humana, ajudando a conhecer o
verdadeiro potencial da prática: como praxis social e histórica.
De certa forma, o que a teoria oferece é a capacidade de pensar sobre os
conteúdos postos pela população, sobre os significados das diversas expressões da
questão social que chegam até o profissional e que são objetos de intervenção, ou
seja, ela oferece a compreensão da dinâmica social em que se insere o objeto da
intervenção e o significado social dessa intervenção, mas esse conhecimento não se
traduz, de forma imediata, em instrumentos no sentido técnico-operativo. Para isso,
é preciso pensar a intervenção, estudar o fenômeno enquanto processo e indicações
que possam subsidiá-la. Nas palavras de Lukács, mediado pelo particular, captar o
universal e desse retornar ao singular, ou seja, tomar o singular como expressão
particular de um fenômeno universal. Explicar os processos sociais que produzem as
expressões da questão social e como são apreendidas e vivenciadas pelos sujeitos
em seu dia a dia.
Todavia, conforme já ressaltado, a fim de que a teoria possa ser uma força
para a ão, primeiramente ela precisa ser aceita e apreendida pelos homens, ou
seja, faz-se fundamental a interferência dos sujeitos com suas subjetividades. Dessa
maneira, uma análise crítica
72
da realidade não implica, de imediato, uma
intervenção crítica na realidade. Para se ter uma prática crítica faz-se necessário,
conforme Montaño (2000:134), que o profissional adote uma perspectiva que deva
ser dada
pelo próprio objeto, considerado como totalidade, procurando apreender a
realidade concreta em sua complexidade e totalidade, não segmentando ou
‘recortando’ artificialmente o objeto em diversas “perspectivas”, ou em várias
sub-áreas, ou inclusive em distintos níveis da realidade social; portanto,
uma perspectiva definida a partir do objeto, a posteriori, e não a partir de tal
ou qual profissão, a priori.
Assim, uma intervenção crítica não significa, necessariamente, uma
intervenção com qualidade. A questão é: em que medida essa competência crítica
de intervir tem sido retraduzida em padrões de qualidade para a população? É
71
Os fenômenos têm uma dupla condição: o objetos necessários de conhecimento porque são processos
sociais – e objetos de intervenção.
72
Estou entendendo por análise crítica aquela que “a) procura com a teoria, a reprodução da realidade mesma, b)
mantém relação, interlocução e diálogo polêmico com autores de diversas correntes, o que permite, c) uma
profunda análise dos processos sociais contemporâneos e d) uma seletividade do conhecimento teórico (dos
produtos, dos processos e dos critérios que levaram a sua elaboração, e) isto em um marco de participação
político-social” (Montaño: 2000:104-105).
importante frisar, contudo, que uma análise e uma intervenção crítica são
imprescindíveis para uma intervenção com “competência
73
”, mas não suficientes.
O que compete à teoria é revelar as mediações que constituem a prática, é
mostrar que a prática é um processo histórico determinado pela ação dos homens, é
referenciar a prática e, dentro dela, os instrumentos e técnicas que podem ser
comuns a várias teorias. O que cabe à teoria, nesse sentido, é oferecer subsídios na
utilização desses instrumentos, ou seja, imputar a eles a finalidade, a análise, o
conceito, o conteúdo; dar a eles um significado próprio, condizente com os princípios
fundamentais da teoria que os orienta.
A análise de tendências sociais realizadas a partir da teoria possibilita a
antecipação de demandas que o além das colocadas, no momento, pelo mercado
de trabalho, ou seja, a teoria permite analisar, considerar e transcender as
demandas advindas do mercado de trabalho, o que exige um profissional qualificado
que responda a essas demandas, mas que também para além do mercado. As
respostas às demandas imediatas não podem ser também imediatas; é necessário
que se conheça os fundamentos dessas demandas, um conhecimento teórico-
prático. Exige-se, então, uma formação que contemple uma competência técnica
que saiba operacionalizar os projetos –, uma competência ético-política avaliar
prioridades, avaliar as alternativas viáveis à ação, analisar as correlações de forças,
saber fazer alianças e teórica que permita a elaboração de análises, inclusive
para investigar novas demandas para criar projetos.
O segundo âmbito o âmbito da teleologia, ou seja, da projeção, da
finalidade –, a teoria, ao oferecer a possibilidade de compreensão dos aspectos
73
Refiro-me, aqui, a uma “competência crítica capaz de decifrar a gênese dos processos sociais, suas
desigualdades e as estratégias de ação para enfrentá-las. Supõe competência teórica e fidelidade ao movimeto da
sócio-históricos que interferem nas condições e relações de trabalho, bem como nas
condições de vida da população, possibilita a construção de propostas de trabalho
que venham ao encontro das reais demandas postas pelo público, o qual busca por
serviços sociais, e que sejam coerentes com os limites e possibilidades impostos
pela profissão.
De posse da demanda, a partir da compreensão da realidade, do
conhecimento da instituição com a qual se trabalha, o profissional tem condições de
escolher e criar os instrumentos e técnicas mais adequados àquela situação e
buscar a forma de operacionalizá-lo, de maneira que ajude a se aproximar das
finalidades ideais do início da ação, transformando-as em finalidades reais. A
escolha dos instrumentos e técnicas a serem utilizados requer um conhecimento
prévio dos processos, das determinações e das conexões sociais em que está
inserido o objeto de sua intervenção, o que lhe é fornecido pela teoria. Ou seja, o
manuseio do instrumento não dispensa orientação teórica, ele implica um
conhecimento teórico.
Ao esclarecer os objetivos, possibilidades e forças sociais atuantes, a teoria
pode imprimir rumos à ação, contribuindo, também, para a compreensão das
finalidades e possível afastamento dos obstáculos que venham a surgir no processo
de execução, ao oferecer elementos para uma análise crítica desses obstáculos.
Reforçando esse argumento, Silva e Silva (1995:223) chama a atenção para a
necessidade de se superar as propostas metodológicas do Serviço Social
tradicional, o que ocorrerá com uma “articulação de instrumentos e técnicas de
ação com um corpo teórico consistente e coerente com a intencionalidade da ação
profissional” (grifo meu).
realidade; competência cnica e ético-política que subordine o ´como fazer` ao ´o que fazer` e, este, ao ´dever
A partir da análise da realidade, que é fundamental para uma intervenção com
competência, devem ser projetados/construídos/utilizados instrumentos de
intervenção que poderão contribuir com os objetivos que se pretende atingir, tendo
em vista as condições concretas para isso. Tais objetivos, por sua vez, também
devem ser construídos tendo como referência a análise da sociedade e dos
fenômenos postos na realidade.
É aqui que se encontra a relação possível entre teoria, fins, meios,
instrumentos e prática: se a análise da realidade é realizada com base na apreensão
da teoria social de Marx, isso possibilitará uma análise crítica da sociedade
burguesa, porquanto a intervenção nessa realidade poderá apoderar-se dessa
crítica resguardados os limites impostos por uma prática profissional. Para isso,
deve-se optar por instrumentos que não somente contribuam para a solução ou
minimização dos “problemas” imediatos postos pelos sujeitos sociais, mas também
que contribuam para que os agentes envolvidos tenham uma interpretação
aproximada dos fenômenos os quais os envolvem, podendo identificar tais
fenômenos como uma totalidade que é a expressão da questão social refletida
nele de uma totalidade mais complexa, ou seja, a sociedade capitalista. É preciso
compreender, assim, que sua situação é um complexo dentro de um complexo
maior.
A teoria nos possibilita a análise e a avaliação das circunstâncias e
causalidades postas, ela abriga a análise das experiências e o estudo das condições
objetivas que indicam a necessidade e a possibilidade dessa praxis. Reforçando
esse argumento, recorro novamente a Lukács (1978:3) ao salientar que
ser`, sem perder de vista seu enraizamento” (Iamamoto, 1998:80).
quando se diz que a consciência reflete a realidade e, sobre essa base,
torna possível intervir nessa realidade para modificá-la, quer-se dizer que a
consciência tem um real poder no plano do ser e não como se supõe a
partir das supracitadas visões irrealistas – que ela é carente de força.
Contudo, como evidenciado, não só a direção teórica influencia o tipo de
intervenção que se pretende, como também o tipo de sujeitos envolvidos no
processo, seu comprometimento ético-político e a própria estrutura da sociedade.
Esses elementos são essenciais na construção dos instrumentos de intervenção,
sendo determinantes para a eficiência e eficácia da ação, as quais devem ser
avaliadas tendo como parâmetro as finalidades postas no projeto ético-político da
profissão, nas finalidades aceitas pelo profissional e nos objetivos postos pela
instituição. Assim, pode-se afirmar que os instrumentos são movimentados a partir
da capacidade teleológica dos agentes envolvidos no processo: profissionais,
população, instituição e sociedade.
Faz-se necessário, também, questionar as finalidades postas, evitando o
perigo de restringi-las a uma racionalidade interna, que diz respeito apenas ao
emprego dos meios em sua adequação aos fins estabelecidos. Sendo os
instrumentos utilizados como meios de efetivar uma finalidade, a escolha dos
instrumentos não é, de maneira alguma, “neutra”, ou seja, não se trata apenas de
um aspecto técnico, uma vez que ele visa a um fim que não é somente atingir uma
eficiência e produtividade, mas sim determinada eficiência e produtividade: eficiência
e produtividade nas condições da ordem capitalista. Assim, a escolha do instrumento
cumpre, além de uma função técnica e operacional, uma função política e
ideológica.
Se atentos a isso, o uso dos instrumentos não está obrigatoriamente a serviço
de uma praxis manipulatória ou de uma razão mecanicista, característica do “período
da decadência” (Coutinho, 1972), onde alguns procedimentos práticos são repetidos
mecanicamente sem uma ligação com as finalidades e realidade postas, ocorrendo,
assim, uma ação burocratizada, na qual o “caráter repetitivo da ação burocratizada
bloqueia o contato criador do homem com a realidade, substituindo a apropriação
humana do objeto por uma manipulação vazia de ´dados`, segundo esquemas
formais pré-estabelecidos” (idem:27), o que redunda na extrema formalização do
real, na formalização da prática, na separação entre forma e conteúdo.
Na manipulação, “a burocratização da praxis penetra na vida privada,
produzindo a ilusão ideológica de uma completa subordinação da vida humana a
regras formais (...) a subordinação do todo social à manipulação tecnológica”
(ibidem: 61-62). Ou seja, transpõe-se, de maneira mecânica, a forma de um
determinado processo a um outro novo processo: “o conteúdo se sacrifica à forma, o
real ao ideal, e o particular concreto ao universal abstrato” (Vázquez, 1977:261).
Coutinho (1972) adverte que a simples manipulação é uma das primeiras
formas de contato do homem com a natureza, quando a finalidade de seu trabalho
tem um caráter mais limitado, quando o reflexo do real é um reflexo fixado na
aparência
74
. Adverte também que ela, por si só, não é um mal. Em algumas
situações, tais como nas atividades que se pretendem um domínio imediato da
natureza, ela se faz necessária:
a praxis torna-se manipulatória nos casos em que é possível uma execução
eficaz do ato teleológico sem que seja necessário levar em conta a
objetividade da coisa em si, ou em que se possa deixar de lado o
esclarecimento racional da finalidade proposta. Assim, tende a converter-se
em manipulatória a praxis cotidiana, repetitiva, habitual, tornada
inconsciente (Coutinho,1972:78-79).
74
A Razão Moderna se constitui de duas dimensões que lhe o imprescindíveis: a dimensão instrumental, que
se resume na preocupação com os MEIOS para intervir e manipular o mundo, e a dimensão emancipatória, que
não permite apenas instrumentalizar e manipular o mundo, mas também instrumentalizar os FINS, os quais
permitem a liberdade.
A praxis manipulatória é considerada limitada e limitadora do real quando
torna-se o tipo predominante de praxis humana, pois dificulta a apreensão do
significado social da praxis, principalmente quando se trata de atividades cujos
objetos são sociais, uma vez que “quando o homem reduz a realidade a simples
objeto de manipulação, empobrece simultaneamente sua própria essência,
convertendo-se assim, por sua vez, em outro objeto manipulável” (idem:80). A
imprevisibilidade é aqui perseguida como algo indesejável, buscando-se o previsível,
daí a imitação. Por isso, tem-se que extrapolá-la, para não se fixar numa prática
repetitiva, sem criatividade, que não leva em consideração a essência dos
fenômenos a serem tratados. Todavia, não se deve partir para o extremo oposto,
negar, sem critérios, toda prática repetitiva. Repetir uma ação, em alguns casos,
torna-se necessário para consolidar uma prática, o que é muito importante.
Nessa direção, Kosik (1989) denuncia que o Capitalismo vem romper com o
vínculo direto entre o trabalho e a criação, separando os produtos dos produtores.
Dessa forma, a técnica se separa das avaliações e dos fins, hipervalorizando-se a
eficácia dos meios em detrimento da adequação destes àqueles, isto é, os fins se
adequam aos meios ou “os meios justificam os fins”, adequando-se ao que ele
denomina de “razão racionalista” (idem:91)
75
. Eu diria que o Capitalismo não separa
a técnica dos fins, mas sim, que os fins, no Capitalismo, passam a ser a utilização de
meios apenas a serviço do Capital, daí a importância da crítica aos fins.
O uso de instrumentos e técnicas, por si só, não é negativo, depende de
como estão sendo empregados. Marx (1982:506) diz que
a maquinaria, como instrumental que é, encurta o tempo de trabalho, facilita
o trabalho, é uma vitória do homem sobre as forças naturais, aumenta a
riqueza dos que realmente produzem, mas, com sua aplicação capitalista,
gera resultados opostos (...) O economista burguês explica, então, que a
observação da maquinaria em si demonstra, sem a menor sombra de
dúvida, que todas essas contradições palpáveis são aparências vulgares da
realidade, mas que o têm nem existência real nem teórica. Assim, evita
quebrar a cabeça com o assunto e, por cima, imputa a seu opositor a
estupidez de combater o o emprego capitalista da maquinaria, mas a
própria maquinaria (grifo meu).
E ainda em Vázquez (1977:267),
a passagem da produção artesanal à maquinizada e desta, numa nova fase,
à automação, é um processo irreversível que implica evidentemente não
apenas num progresso técnico como humano, social. Esse progresso tem
por base a divisão social do trabalho; ela tornou possível a elevação da
produtividade e o incremento das forças produtivas, condição básica do
progresso social em todas as ordens. A divisão social do trabalho é uma
necessidade objetiva inerente a qualquer modo de produção e, por isso, não
poderá desaparecer nem mesmo na sociedade comunista (grifo meu).
A partir do momento em que os instrumentos são considerados como parte
constitutiva dos meios para operacionalização da prática e vão, de acordo com as
condições sócio-históricas, exigindo técnicas de aplicação dos mesmos, o modo de
produção capitalista impregna no uso dos instrumentos uma racionalidade
estritamente manipulatória, retirando desses sua implicação com as finalidades,
autonomizando, assim, a busca dos meios. Isso se intensifica com o advento da
grande indústria, que acarreta uma complexificação na divisão social e técnica do
trabalho.
A passagem da indústria manufatureira para a grande indústria tem como um
de seus marcos a fabricação de instrumentos de trabalho a partir da indústria de
máquinas. Essa fabricação separa os instrumentos de trabalho do próprio
trabalhador, exacerbando ainda mais a distinção entre trabalho espiritual e trabalho
75
Guerra (1995) denomina esta razão “racionalidade instrumental”, onde “os meios justificam os fins”.
manual. A habilidade e capacidade pessoal do trabalhador no manuseio de seus
instrumentos, tão fundamental à indústria manufatureira, torna-se agora
desnecessária diante da tecnologia decorrente do desenvolvimento da ciência. Não
é mais o trabalhador que domina os instrumentos de trabalho, mas os instrumentos
de trabalho que dominam o trabalhador ou, no dizer de Marx (1982:483),
na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na
fábrica, serve à máquina. Naqueles, procede dele o movimento do
instrumental de trabalho; nesta, tem de acompanhar o movimento do
instrumental. Na manufatura, os trabalhadores são membros de um
mecanismo vivo. Na fábrica, eles se tornam complementos vivos de um
mecanismo morto que existe independente deles (grifo meu).
A objetivação operada pelo trabalho tem sempre por características um
sujeito a humanidade, a sociedade e um objeto a natureza e um sistema de
mediações operacionais, os instrumentos. Os homens, para satisfazerem suas
necessidades, sempre construíram instrumentos de trabalho, os quais vão se
complexificando com a acumulação do trabalho humano, ampliando a divisão entre
trabalho manual e intelectual. Conforme Marx (1982:204):
o que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas
como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para
medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e além disso,
indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho.
Esses autores referem-se, especificamente, às objetivações realizadas pelo
trabalho, mas, nas objetivações humanas cujo objetivo é a transformação da
sociedade ou de outro homem objetivações essas originárias do próprio processo
de trabalho –, o uso dos instrumentos também sempre se fez presente, porém, de
forma diferenciada. O que se quer ressaltar aqui é que, em ambas objetivações, o
uso desses instrumentos traduz uma concepção de mundo, uma situação social,
uma situação histórica a “qual decide o modo de escolha e de aplicação de uma
técnica concreta” (Lukács,1978:191) e que deve ser desvelada para que não se caia
numa praxis manipulatória característica da sociedade burguesa, como definida
anteriormente.
Essas contribuições me levam a afirmar que não é o uso dos instrumentos e
técnicas que imputa ao Serviço Social um caráter conservador. Mas é o caráter
conservador, impregnado nessa profissão, que imputa ao uso dos instrumentos um
viés “tecnicista”. Dessa maneira, não se deve negar o uso destes, mas deixar claro
os fins que se busca alcançar, uma vez que, “porque se propõe objetivos o homem
precisa utilizar racionalmente os meios de que dispõe para realizá-los“ (Paro,
2001:19). Esse caráter conservador do Serviço Social não é originário dos
instrumentos e técnicas utilizados para concretizar seus objetivos conservadores,
mas resultado das condições sócio-econômicas e políticas vigentes na sociedade,
que os determinam e que imputam ao uso dos instrumentos e técnicas uma lógica
estritamente manipulatória.
Os instrumentos e as técnicas acolhem em si as relações sociais e de poder,
daí seu caráter político. Eles guardam as contradições contidas nessas relações,
sendo, assim, amplas as suas potencialidades.
De outro modo, quero ressaltar com isso que a escolha e o uso dos
instrumentos de intervenção dependem da natureza dos fins a que se quer alcançar
e das condições concretas presentes. Por outro lado, a escolha dos fins deve levar
em consideração, também, as condições concretas de realização e as possibilidades
ou capacidade real de realizá-los. A existência de objetivos não é suficiente, é
necessário que eles sejam perseguidos de maneira efetiva e que encontrem
condições objetivas na realidade; que passem do âmbito do ideal para o do real, da
possibilidade para a efetividade. Nesse sentido, é fundamental a busca dos meios, a
escolha de instrumentos e, portanto, a construção e o desenvolvimento de
habilidades para o manuseio desses instrumentos.
A escolha e o manuseio dos instrumentos e técnicas estão intimamente
relacionados aos princípios, métodos, natureza, condições objetivas e objetivos da
profissão, do profissional e da instituição. Esses estão articulados aos interesses de
classe, ou seja, pode-se adotar objetivos articulados com a classe trabalhadora ou
com a classe dominante. Assim, os instrumentos e técnicas devem ser escolhidos e
manuseados à luz dessa direção. De acordo com Paro (2001:30),
em seu desenvolvimento histórico, o homem atingiu um estágio em que ele
não apenas utiliza racionalmente seus recursos para atingir fins, mas possui
também consciência desse fato. Por isso pode refletir sobre ele e
sistematizar os conhecimentos, técnicas e procedimentos alcançados e
buscar intencionalmente fazê-los avançar de modo mais acelerado.
Sendo assim, a meu ver, ao se criticar a utilização de um instrumento e de
uma técnica, tem-se que fazê-lo criticando as intenções nelas contidas: nem todos
os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da
própria ação (...) fins éticos exigem meios éticos” (Chauí, 1995:339).
Discordo da afirmativa de que para se operacionalizar instrumentos basta o
bom senso, não precisando de ensinamentos. Afirmar que com o bom senso o
profissional saberia utilizar os instrumentos e técnicas de ação é afirmar que os
profissionais de nível técnico não precisam aprender o uso dos instrumentos
necessários ao exercício de sua função. É afirmar que as pessoas naturalmente”
estão habilitadas a manusear qualquer instrumento de trabalho, sem exigência de
nenhum preparo.
No caso do Serviço Social, é substimar ou banalizar, é não perceber a
complexidade dos instrumentos tais como, a entrevista, a reunião, a visita domiciliar
na vida do usuário. O usuário leva para uma entrevista ou reunião/visita domiciliares
sua vida privada, sua intimidade e, como tal, deve ser respeitado e bem conduzido;
para isso, não basta o bom senso. Há, na relação entre profissional e usuário, uma
relação de poder que deve ser conhecida e trabalhada adequadamente, ou seja, a
relação entre os atores envolvidos na ação profissional se dá na operacionalização
de um instrumento. É necessário, portanto, que se domine o manuseio desses
instrumentos para que se alcance uma relação apropriada, almejada na finalidade
posta pelo profissional e pautada no código de ética profissional: uma relação
democrática, justa, que prime pela equidade social.
São essas singularidades que precisam ser tratadas na formação profissional
por todos os órgãos responsáveis por ela. Um cientista que não domina os
instrumentos de pesquisa jamais será um bom pesquisador. O mesmo ocorre com o
profissional de Serviço Social. Se a academia não enfrentar esse desafio, o
profissional continuará a buscar, em outras profissões afins, “modelos” de atuação e
continuar a afirmativa de que na prática a teoria é outra.
A formação tem que garantir espaço de discussão sobre os instrumentos
utilizados nas abordagens individuais e coletivas, bem como sobre as singularidades
do Serviço Social nestas abordagens, extrapolando a abordagem setorizada no
âmbito da Psicologia, da Administração, da Medicina, da Educação etc.
Afirmei acima que os instrumentos utilizados pelo Serviço Social não são, em
sua maioria, específicos dessa profissão. Eles geralmente são oriundos das Ciências
Sociais e Humanas, principalmente da Psicologia, da Educação e da Administração
de Empresas, no entanto, considero que eles guardam uma singularidade quando
utilizados pelo Serviço Social. Por exemplo: a entrevista ou a reunião, quando
utilizadas por um psicólogo, pode ter as mesmas regras e normas que quando
utilizadas pelo Serviço Social, porém, o conteúdo trazido pela população ali presente
deverá ser abordado de forma diferente pelos mesmos, assim como seu foco de
atenção objetivos, demandas, competências e seus possíveis desdobramentos
serão, igualmente, distintos.
O Assistente Social não tem formação apropriada para um trabalho
psicológico, dessa forma, o objetivo profissional de “escuta”, “alívio de tensões” e
“catarse” torna-se vazio diante da impossibilidade de uma ação aprofundada. A
prática interventiva do Assistente Social deve centrar-se em possibilitar ao usuário
uma análise e compreensão da realidade social. Ou seja, sua intervenção deve
contribuir para que as demandas trazidas pela população que busca por serviços
sociais seja compreendida em sua dimensão universal, para que, daí, possam-se
proceder as providências cabíveis àquela singularidade que agora é vista de outra
forma, tanto pelo Assistente Social quanto pelo sujeito.
O Assistente Social vai intervir no âmbito da “questão social”, não desprovido
de suas refrações no sujeito, as quais exigem respostas imediatas, priorizando os
aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos que se singularizam no sujeito.
Conforme Iamamoto (1998), o Assistente Social deve estar atento aos sujeitos com
quem trabalha, com seu modo e condições de vida, sua cultura, as condições de
vida dos indivíduos sociais.; deverá
apropriar-se dos processos sociais macroscópicos que as geram e as
recriam e, ao mesmo tempo, de como são experimentadas e vivenciadas
pelos sujeitos nela envolvidos. Localizam-se fontes para a formulação de
propostas de ação, de programáticas de trabalho, alimentando um fazer
profissional criativo e inventivo (idem:194).
Portanto, está faltando ao Serviço Social pensar sobre o sentido dos instrumentos e
sua melhor adequação às finalidades e objetos da intervenção, pensar sobre o como
utilizar os instrumentos de intervenção, discutir quais o eles, tendo em vista que
esta profissão não se confunde com as demais profissões das ciências sociais e
humanas, a despeito de se relacionar com os diversos campos do conhecimento. A
ausência desse detalhamento incorre, no meu entendimento, nas dificuldades de se
ministrar tal conteúdo
76
em função da: ausência de um corpo de conhecimentos
comuns a serem trabalhados e de referências bibliográficas.
76
Vide capítulo I.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões realizadas nos quatro capítulos aqui desenvolvidos sustentam
que a relação teoria/prática se mantém na praxis. Teoria e prática estão subsumidas
no processo das objetivações humanas: a teoria é o que possibilita explicar,
interpretar, examinar o objeto o qual é resultado de uma prática social. Assim,
uma relação teoria/prática e prática/teoria. É dessa forma que se pode inferir a
relação de unidade entre um movimento de apropriação do mundo pelo ideal e a
intervenção material, entre teoria e prática.
Toda prática tem um significado social, ela é constituída por determinações
que tem uma legalidade interna e, portanto, inteligível à razão. Entretanto, essa
legalidade não é aparente, é necessário um movimento que gere um conhecimento
teórico sobre esse fenômeno. Assim, nem a teoria se transforma em prática nem a
prática se transforma em teoria. Quando se tem um procedimento teórico sobre a
prática, ela expressa uma teoria. De outro modo, essa teoria poderá modificar a
prática quando for utilizada para avaliá-la.
Nesse sentido, a função da teoria – em relação aos instrumentos e técnicas
em uma prática profissional consiste em oferecer ao profissional o significado social
de sua ação, consiste em oferecer o sentido social da sua ação. Somente o
conhecimento teórico sobre os fenômenos que são objetos de intervenção dos
assistentes sociais e, ao mesmo tempo, processos sociais é que pode oferecer o
significado social de sua ação. Portanto a relação teoria/prática encontra-se em uma
apreensão teórica que possibilita a compreensão das práticas profissionais e a
estrutura de seus objetos. Ela explicita as tendências presentes no movimento da
realidade, bem como as manifestações particulares no campo sobre o qual incide a
intervenção profissional. Conforme Iamamoto (1992:179),
a teoria não se “aplica” ao real, mas fornece parâmetros para uma análise
criativa que recupere as especificidades do processo de formação da
sociedade nacional, dos movimentos e inflexões conjunturais, dos atores e
forças políticas aí presentes.
Tais reflexões sustentam igualmente que a passagem da teoria à prática não
se faz de forma imediata, direta, mas envolve uma finalidade que põe causalidades,
ao mesmo tempo em que requer escolhas entre alternativas escolhas tanto dos
fins quanto dos meios, os quais supõem níveis de teoria; valores; considerar as
determinações da realidade ou as condições causais e a liberdade -, requer um
conhecimento objetivo correto dos materiais e dos procedimentos (meios) para que a
finalidade se efetive em ação. Ou seja, nem o conhecimento teórico gera, de
imediato, uma intervenção competente, nem uma intervenção competente existe
sem um conhecimento teórico.
Por conseguinte, a partir dos elementos analisados, pôde-se afirmar que na
prática, a teoria é a mesma e que a teoria não oferece instrumentos próprios a ela.
Afirmativas essas que são contrárias às emitidas reiteradamente pela categoria – na
prática a teoria é outra e o movimento de intenção de ruptura no Serviço Social não
se viu acompanhar de um arsenal de instrumentos e técnicas próprios.
Nesse sentido gostaria de ressaltar, aqui, três aspectos que, de alguma
forma, foram abordados nessa tese e que, na minha compreensão, merecem
atenção por possibilitar uma resposta aos mitos e dilemas da categoria profissional.
São eles:
1º- a categoria confunde um problema que é de formação e de mercado de
trabalho com um problema de teoria e prática;
2º- essa não apreensão da relação teoria e prática, hoje, é mais uma questão
pedagógica e/ou de capacitação profissional do que de reforma curricular,
melhor dizendo, essa questão, de fundo teórico, é fortalecida com a
dificuldade de socialização de informações e conhecimentos entre academia
e demais órgãos de formação: instituições empregadoras; instituições de
campos de estágio; órgãos de organização da categoria (ABEPSS, conjunto
CFESS/CRESS);
3º- a academia restringe o ensino das habilidades necessárias ao manuseio
dos instrumentos e técnicas da intervenção em Serviço Social, não
percebendo que a lacuna está na qualidade de seu manuseio o que requer,
igualmente, uma competência teórica, ética e política – e não no uso, “em si”,
de instrumentos.
As leituras necessárias a essa investigação me indicam que o real significado
desses “mitos” ou “equívocos” passa por essas três questões, das quais indicarei
apenas alguns elementos que os constituem por entender que merecem um estudo
posterior a este.
No que concerne ao primeiro aspecto, quando a categoria profissional afirma
que na prática a teoria é outra, parece estar utilizando a palavra prática como
sinônimo de mercado de trabalho ou instituições empregadoras e a palavra teoria
como sinônimo de formação profissional ou de conhecimentos. Ela se ressente dos
conhecimentos que obteve na formação não estarem adequados ou apropriados às
requisições feitas pelo mercado de trabalho. A queixa é de que uma distância
entre o aprendido em sala de aula e o vivenciado na prática interventiva. Na
verdade, é um problema entre a realidade da formação e a realidade do mercado de
trabalho. Como os profissionais não têm clareza teórica do que seja prática e do que
seja teoria, associam-nas à mercado de trabalho e formação, respectivamente.
Trata-se, porém, de categorias diferenciadas. Ou seja, esse debate refere-se à
adequação da formação ao tipo de exigência que se faz ao profissional. Observem
as próprias denúncias da categoria:
Entretanto, verifica-se que as Escolas ainda vivem uma defasagem entre
teoria e prática, entre classe e estágio, e os alunos expressam grande
perplexidade quanto à possível relação daquilo que se estuda em classe
com o que se pratica nos estágios e com a própria atuação dos profissionais
em campo. A contestação radicalizada às instituições onde atua o Serviço
Social abriu um vácuo entre teoria e ação, embora não possa esse fato ser
considerado o único fator de distanciamento (Junqueira, 1980:33) (grifo
meu).
A pesquisa foi motivada pela observação de que o ensino reconceituado do
Serviço Social não vinha encontrando eco nas instituições campos de
estágio, onde “a prática profissional se realiza”, conforme proposição inicial
desta pesquisa.
Para justificativa dessa afirmação, a equipe levantou algumas premissas
que nortearam a investigação proposta:
(...)
4. A faculdade ensina “como se deveria fazer” e o estágio mostra “como se
faz”. A distância entre as duas propostas é incomensurável, e os novos
profissionais sentem-se, repentinamente, diante de um engano, aderindo
quase sempre ao “como se faz”, sob a justificativa universal da necessidade
de sobrevivência (cadernos PUC-SP n.10 1980:42-43) (grifo meu).
Este descompasso, entre o discurso e a prática, no que se refere aos
instrumentos e as técnicas, foi também incrementado pelas formas de ação
introjetadas em nossas formas de pensar e agir, tradicionais, que não se
dispunham a auto-reflexão, implicando num acontecimento intrincado e
perigoso, a vulgarização.
No entanto este descompasso que se vai instaurando na formação
profissional, tem como um de seus motivos a própria questão do ensino no
Serviço Social (Sarmento, 1994:153)
Essas assertivas indicam as ambigüidades apontadas neste estudo. Por outro
lado, a formação não pode nem deve responder, exclusivamente, ao mercado, uma
vez que as necessidades postas pelo mercado são dinâmicas, mudam
constantemente. Se a formação se fecha a essas necessidades, restringe-se a
possibilidade de uma postura prospectiva de demandas. Outrossim, corre-se o risco
da universidade transformar-se em um anexo das instituições empregadoras
(empresas privadas e públicas), perdendo seu caráter de crítica, conforme vem
sendo conduzida a política nacional de educação. um elenco de necessidades
que precisam ser desveladas e legitimadas, pois não estão visíveis. Compete, então,
à formação oferecer conhecimentos que possam desnudar essas demandas e
necessidades e que, igualmente, dêem respostas qualificadas e críticas tanto às
necessidades postas quanto às latentes. Para isso, faz-se necessário haver
profissionais dotados teoricamente e de uma formação que privilegie especialmente
conhecimentos teóricos rigorosos e críticos.
A formação competente é aquela que conhece o mercado de trabalho, mas
que não se limita a ele. É nessa direção que caminham as novas diretrizes
curriculares. A formação profissional deve oferecer um conjunto de referências aos
alunos que incorporem o conhecimento das exigências postas, mas que seja mais
vasto ao que ele instrumentaliza, de imediato, na sua intervenção profissional,
antecipando demandas. Daí a importância de pesquisas que se voltem para o
exercício profissional e para as requisições do mercado. É urgente a necessidade de
se conhecer a intervenção do Serviço Social, incluindo os instrumentos necessários
a essa intervenção.
Segundo Netto (1996), antes da criação da carreira docente, os professores
eram profissionais com inserção nas agências empregadoras de assistentes sociais,
dedicando apenas uma parte de seu tempo à docência. Essa inserção, de certa
forma, facilitava o conhecimento sobre a realidade do mercado, mas em
contrapartida dificultava a inserção destes na vida acadêmica, ou melhor, na
pesquisa e extensão. Quando o curso de Serviço Social passou a integrar as
universidades, na década de 1960, criou-se a carreira docente. Os professores
passaram, então, principalmente na década de 1980, a dedicarem tempo integral à
docência. A meu ver, essa situação foi um avanço, na medida em que possibilitou
profissionais que se dediquem ao ensino, pesquisa e extensão, mas os afastou,
ocasionalmente, do mercado de trabalho. Por conseguinte um acompanhamento
sistemático da realidade do mercado de trabalho por parte da academia, pode se
realizar através de pesquisas e/ou projetos de extensão associados à pesquisa,
assim como de um contato aproximado com os campos de estágio. Todavia, são
poucas as pesquisas que os profissionais docentes vêm realizando com esse fim.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que se tem, a partir de então, a
oportunidade de gerar profissionais com qualificação teórico-metodológica, depara-
se com um crescente grupo de profissionais docentes que não têm uma inserção na
prática interventiva através de uma aproximação da realidade da intervenção pelo
viés da pesquisa, extensão, estágio, consultorias e assessorias ou possuem alguma
experiência enquanto assistentes sociais.
Por outro lado, um descompasso entre a categoria profissional e a academia,
é, de certa forma, fundamental na medida em que possibilita o incremento de
pesquisas. Contudo, o que se faz necessário é a construção de canais de
socialização entre esses dois campos, se se tem como horizonte o fortalecimento de
uma universidade que deva propiciar
o desenvolvimento da tecnologia de modo a também desenvolver através
dele a democracia, a justiça social, a solidariedade e a cidadania. Não a
eficiência produtivista e a qualidade mercantilista, mas a eficácia
democrática e qualidade social e pública (Sobrinho, 1999:166) (grifo meu).
O segundo aspecto a ser destacado, me leva a afirmar que essa é uma
questão que não requer, atualmente, mudança de currículo. O que é necessário é
que a academia se aproxime, de alguma forma, da realidade posta aos “profissionais
da intervenção”, visto que, de acordo com afirmativa de Netto (1996:111),
de uma parte, as insuficientes conexões entre centros de formação e
campos de intervenção têm reduzido a capacidade daqueles de viabilizar
inovações, bem como a sua retro-alimentação pela realidade das práticas
de campo – aqui, é inegável um mútuo desconhecimento (grifo meu).
A distância mercado de trabalho e formação profissional aumenta a partir do
momento em que são poucos os canais de socialização de informações entre os
diversos órgão formadores. Os Congressos de Assistentes Sociais são praticamente
os únicos que efetivamente agregam, num mesmo espaço, academia e profissionais
da intervenção. Os demais restringem-se à academia, quando muito com a inserção
dos campos de estágio, haja vista as reiteradas denúncias de distanciamento entre
docentes e supervisores de campo, entre universidades e instituições empregadoras
e entre universidades e instituições de campo de estágio. Para isso, faz-se
necessário criar canais de comunicação que permitam a socialização do que se
passa tanto na academia quanto na realidade do mercado empregador.
A meu ver, ainda que se defenda a formação profissional enquanto
responsabilidade de todas as instituições envolvidas no processo mas considerando
que a formação é função precípua da universidade, uma vez que ela é “uma
instituição social de caráter essencialmente pedagógico” (Sobrinho, 1995:15), no
sentido de conter elementos formativos e educativos, cabe à última a iniciativa de
buscar esta socialização, de encontrar mecanismos que propiciem uma relação mais
aproximada com a realidade profissional, mecanismos que coletivizem na categoria
profissional a produção intelectual dos Assistentes Sociais, simultaneamente ao
recolhimento, por parte dos intelectuais, dos problemas enfrentados na prática
interventiva que precisam ser tratados teoricamente.
Na medida em que o conhecimento é post-festum e o contato entre academia
e sociedade contribuirá para um conhecimento mais aproximado da realidade, ao
mesmo tempo em que a sociedade poderá usufruir dos conhecimentos produzidos
nas universidades, como esse intercâmbio está sendo realizado? Eis um problema
que envolve procedimentos acadêmicos. Ao se afirmar que o ensino da prática, da
ética e da pesquisa são transversais a todo o currículo, como está se efetivando tal
transversalidade? Essa questão foi posta sem respostas em todos os encontros
da ABEPSS pesquisados aqui e, igualmente, envolve questões pedagógicas: falta
uma discussão constante sobre os conteúdos programáticos para se garantir essas
transversalidades, reuniões de cunho didático-pedagógicas.
Nesse sentido, enfatizo que não uma dicotomia entre teoria e prática, mas
uma ausência de comunicação entre academia e supervisores de campo, entre
academia e campos de estágio. uma incompreensão, por parte dos profissionais
supervisores de campo e demais, de seu papel na formação profissional; uma
desarticulação entre formação e exercício profissional e entre disciplinas e prática
profissional. Cabe à universidade contribuir para que os profissionais originários dela
não se afastem, mas retornem a ela, agora de forma diferenciada, também como
formadores e informadores.
As reflexões levantadas neste estudo me indicam que discutir o ensino dos
instrumentos e técnicas no Serviço Social não é responsabilidade exclusiva de um
profissional, ou de apenas um setor. Pelo contrário, trata-se de uma questão que
deve ser debatida pelo coletivo dos profissionais profissionais de campo,
supervisores de estágio, pesquisadores e envolver todas as instituições e órgãos
responsáveis pela formação.
Compete à academia, em conjunto com a ABEPSS e CFESS/CRESS, em
instâncias regionais, encaminhar propostas que tenham por objetivo colher, entre os
parceiros, o que vem sendo considerado por instrumento; o papel que a categoria
vem oferecendo aos instrumentos na intervenção profissional; os tipos de
instrumentos utilizados pela categoria e sua forma de utilização, indicando as
singularidades no uso pelo Assistente Social. De posse desses elementos, deve-se
criar uma pauta de sugestões que orientem o tema
77
.
Nesse sentido, situo o terceiro aspecto que quero ressaltar. Pensar a
intervenção é fundamental numa profissão cuja natureza é prioritariamente
interventiva. A intervenção é constituída e constituinte de várias dimensões: ético-
política, teórico-metodológica e técnico-operativa. Pensá-las como unidade sendo
que a dimensão técnico-operativa deriva das demais vem sendo a grande
preocupação no debate atual sobre instrumentos e técnicas no Serviço Social.
No debate sobre instrumentos e técnicas, percebe-se – e vários autores
também denunciam uma grande preocupação e/ou medo de se cair numa
racionalidade estritamente instrumental, principalmente por essa concepção estar
em ressonância com a concepção de educação superior defendia pelo MEC. Desse
modo, sob a alegação de se estar trabalhando com uma visão de unidade,
focalizam-se, muitas vezes, os fundamentos da intervenção sem se chegar às
particularidades dos elementos constituintes da dimensão técnico-operativa do
Serviço Social.
77
Por exemplo, não está explícito onde e como tratar da entrevista, das reuniões, das visitas domiciliares, tendo
como parâmetro as finalidades do Assistente Social.
Cada vez mais a categoria inserida na intervenção profissional busca como
referência teorias que lhe apresentem modelos de ação. Creio que a forma como
esses elementos são tratados na academia precisa ser revista acredito que isso
vem sendo feito, mas não de forma contundente e suficiente. As disciplinas cujos
conteúdos são os instrumentos e técnicas e aquelas que lhes dão sustentação
parecem não fazer a articulação necessária, visto o repertório teórico de um
profissional interventivo não ser direta e imediatamente transformável em
instrumento de intervenção, mas decisivo para a compreensão social dessa
operacionalização.
Houve grande avanço no debate, entretanto, a categoria precisa enfrentar o
desafio de pensar sobre os instrumentos e técnicas que o e podem vir a ser
utilizados na intervenção do Serviço Social, numa postura de crítica e de construção,
tendo como parâmetro um referencial teórico-metodológico e ético-político crítico
dialético. É importante ficar claro como esses instrumentos e cnicas podem ser
utilizados tendo em vista os diferentes objetivos da intervenção profissional.
Essa é uma situação que merece ser avaliada atentamente pela academia.
Seguir modelos não é a solução para uma intervenção adequada a um referencial
crítico, mas também supor que somente por meio do conhecimento da realidade
poderemos inferir imediatamente o “modo” de trabalhar é bastante problemático. A
realidade indica os instrumentos e técnicas não de forma mecânica, imediata. É
necessário que se apreendam as mediações nessa passagem. A instrumentalidade
configura-se numa condição essencial para se pensar os possíveis instrumentos e
técnicas adequadas à realidade. A precedência da discussão da instrumentalidade
não elimina, porém, a importância de se deter sobre a questão dos instrumentos e
técnicas propriamente ditos, ao contrário, tal discussão dará suporte e direção ao
debate.
Vários são os elementos que interferem no exercício profissional, dentre eles,
os compromissos ético-políticos que informam o projeto profissional e as condições
de sua realização as condições e relações de trabalho em que se inserem os
assistentes sociais – como elementos fundamentais e indissociáveis para permitirem
a passagem do dever serà efetividade das ações dos assistentes sociais nessa
direção, impulsionados pelo jogo de forças sociais em que se inserem. Os
instrumentos técnico-operativos se definem nesse jogo de forças entre projeto e
realidade institucional e social do exercício profissional.
Convicta disso, ao eleger este tema, não estou considerando que depende
somente dele o sucesso ou o fracasso profissional. Como também não estou
afirmando que uma competência técnico-operativa é a única responsável pela
qualidade da intervenção, embora seja um dos elementos que constitui essa
competência e, ao contrário do que parece, seu estudo tem sido negligenciado pela
categoria. Tanto por aquele inserido nos campos de intervenção quanto pelos
inseridos na academia. Isso posto, reafirmo que não compartilho da perspectiva
modernizadora do Serviço Social, para quem a resolução da "crise" da profissão
reduz-se a apenas um maior aperfeiçoamento técnico-instrumental.
Tais observações o relevantes na medida em que a passagem do reino da
possibilidade ao da efetividade, ou da teoria à prática, requer mediações que se
fundamentam e se sustentam num referencial teórico-metodológico, ético-político e
técnico-operativo. Os profissionais necessitam, então, de uma competência nessas
três direções.
Chamo, então, a atenção para a sutileza do estudo sobre os instrumentos e
técnicas. Não defendo que dele dependa, exclusivamente, uma intervenção de
maior qualidade, mas, com certeza, ter maior habilidade no manuseio dos
instrumentos pode diminuir as angústias dos profissionais, contribuindo para que se
detenham no aprofundamento das reais dificuldades inerentes à sua intervenção.
O desafio está em situar os instrumentos e técnicas no Serviço Social,
delimitando o real debate sobre teoria e prática e tendo em vista não usá-lo como
pretexto para não se dar a devida atenção aos instrumentos e técnicas da
intervenção. Trata-se, portanto, de um desafio que requer a continuidade do estudo
ora apresentado.
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