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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A LÓGICA NORMATIVA DO MERCADO DE CÂMBIO NO BRASIL:
IMPACTOS E CONSEQÜÊNCIAS SOBRE O
BALANÇO DE PAGAMENTOS
Porto Alegre
2006
Francisco Carlos Esteves Mariotti
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A LÓGICA NORMATIVA DO MERCADO DE CÂMBIO NO BRASIL:
IMPACTOS E CONSEQÜÊNCIAS SOBRE O
BALANÇO DE PAGAMENTOS
Porto Alegre
2006
Autor: Francisco Carlos Esteves Mariotti
Orientador: Prof. Dr. Gentil Corazza
Dissertação submetida ao
Programa de Pós-Graduação em
Economia da Faculdade de
Ciências Econômicas da UFRGS,
como quesito parcial para obtenção
do grau de Mestre em Economia,
modalidade profissionalizante, com
ênfase em Economia Aplicada.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiro a Deus, que sempre me deu forças para
superar os obstáculos da vida.
Dedico ainda este trabalho aos meus irretocáveis pais, responsáveis pela
formação do meu caráter e que sempre me apoiaram nas minhas escolhas
pessoais.
Finalmente, dedico este trabalho a minha doce, querida e amável noiva
Daniele, que mudou a minha vida!
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, que, como sempre, ilumina a trajetória da minha vida.
Aos meus pais, pela orientação da melhor escolha.
A minha querida Dani, tão importante nos momentos mais difíceis na
conclusão deste humilde trabalho.
A Ademir Júlio Schenatto, pela orientação técnica e irrestrito apoio à
conclusão deste trabalho.
Ao meu Orientador, Prof Gentil Corazza, pela presteza e atenção dedicada ao
bom andamento deste trabalho.
À vida, pelas surpresas que ela nos reserva a cada minuto.
RESUMO
O mercado cambial brasileiro é, ainda hoje, uma grande colcha de retalhos, tendo o
seu fundamento legal embasado em normas que datam dos anos vinte do século
passado. Devido a esta característica, existem diversos questionamentos quanto à
necessidade de reformulação das normas de câmbio no país.Este trabalho tem o
objetivo de avaliar a evolução da normatização cambial no país, dando ênfase às
questões relacionadas à adoção da livre mobilidade de capital e ao fim da
necessidade de internalização das divisas provenientes das exportações brasileiras.
Tendo como pano de fundo a criação do duplo mercado de câmbio no Brasil,
representado pela Resolução 1552/88, marco histórico nas tentativas efetuadas pela
autoridade monetária de trazer para a legalidade às transações cambiais antes
realizadas a margem da lei. Considerando a efetividade da medida tomada pelo
Banco Central e a relativa estabilidade econômica alcançada pelo país a partir de
1995, começa a ser questionada a restrição imposta aos capitais estrangeiros
desembarcados no país sob a forma de empréstimos e investimentos, uma vez que
passa a moeda nacional a ser considerada uma relativa reserva de valor. O fim da
cobertura cambial das exportações, assunto recorrente neste momento em que o
país vive o boom do comércio exterior, está diretamente ligado à necessidade de
constituir reservas em moeda forte, em virtude da necessidade de (este) honrar seus
compromissos externos. Enfim, o que buscamos demonstrar ao longo deste trabalho
é que a parcial conversibilidade da conta financeira e de capital e a necessidade de
cobertura cambial das exportações, estão diretamente associadas ao histórico
financeiro do país nas suas trocas internacionais, o que, conjuntamente com o
elevado nível da dívida interna e externa, dificultam a adoção de medidas
liberalizantes no curto prazo.
Palavras Chaves: Câmbio, Exportações, Decreto 23.258/33, Lei 4131/62.
ABSTRACT
The Brazilian cambial market is, still today, a great bedspread of remnants, having its
legal grounds based in norms that dated of the Twenties at the last century. Due to
this characteristic, have diverses questionings as for the necessity of rewording the
norms of exchange in the country. This work has the objective to evaluate the
evolution of the cambial regulation in the country, giving emphasis to the questions
related to the adoption the free mobility of capital and to the end of the necessity of
frontier internalization proceeding from the Brazilian exportations. Having as
background the creation of the double exchange market in Brazil, represented for the
1552/88 resolution, historical landmark in the attempts effected by the monetary
authority to bring for the legality the cambial transactions before carried out the law
edge. Considering the effectiveness of the measure taken for the Central Banking
and the relative economic stability reached by the country from 1995, it starts to be
questioned the restriction imposed to the foreign capitals landed in the country at
loans and investments form, once the national currency passes to be considered a
relative reserve of value. The end of the cambial covering in exportations, recurrent
subject at this moment where the country lives the foreign commerce boom, is
directly join to the necessity of constitute reserves in hard currency, in virtue of the
necessity of this honoring its external commitments. At last, what searched to
demonstrate in this work is that the partial convertibility of the financial account and
the capital and the necessity of cambial covering of the exportations, is directly
associates to the financial description of the country in its international exchanges,
what, jointly with the raised level of the internal and external debt, make difficult the
adoption of liberality measures in a short time.
Key Words: Exchange, Exportations, Decree 23.258/33, Law 4131/62.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Taxa de câmbio a preços de Janeiro de 2003.........................................31
Gráfico 2 – Vendas de Câmbio Financeiro – Período de
2005............................................................................................................................57
Gráfico 3 – Preço da exportação de manufaturados e câmbio real (média móvel de
12 meses)...................................................................................................................73
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Balanço de Pagamentos do Brasil – Transações Correntes – Itens
Selecionados..............................................................................................................38
TABELA 2 – Movimento de Câmbio no segmento Flutuante – 1989 a 2003.............43
TABELA 3 – CBE – 2005...........................................................................................62
TABELA 4 – Dados da Dívida Externa.......................................................................75
LISTA DE SIGLAS
ACC – Adiantamento sobre Contrato de Câmbio
ACE – Adiantamento sobre Cambiais Entregues
BACEN – Banco Central do Brasil
CBE –Capitais Brasileiros no Exterior
CC5 – Carta Circular nº 5.
CMN – Conselho Monetário Nacional
CPMF – Contribuição Provisória sobre movimentação Financeira
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUNCEX – Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior
IPA – Índice de Preços por Atacado
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
RDE – IED – Registro Declaratório Eletrônico de Investimentos Estrangeiros Diretos
RDE – ROF – Registro Declaratório Eletrônico de Registro de Operação Financeira
SELIC – Serviço Especial de Liquidação e Custódia
SISCOMEX – Sistema Integrado de Comércio Exterior
TIR – Transferências Internacionais em Reais
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................12
2 LEGISLAÇÃO CAMBIAL BRASILEIRA................................................................17
2.1 A estruturação hierárquica das normas..........................................................18
2.2 Origem do controle cambial no Brasil.............................................................19
2.2.1 O controle cambial sobre as operações de comércio exterior........................19
2.2.2 A compensação privada de créditos...............................................................20
2.3 A restrição imposta aos capitais estrangeiros...............................................21
2.4 Início da flexibilização cambial no país...........................................................23
3 CONTROLES CAMBIAIS.......................................................................................28
3.1 Afluência do mercado paralelo.........................................................................29
3.2 O paralelo como fato desestabilizador............................................................32
3.3 O mercado dual de câmbio...............................................................................34
3.4 Câmbio flutuante, contas CC5 e transferências internacionais em moeda
nacional.....................................................................................................................39
3.5 A demanda por ativos estrangeiros em um mercado de câmbio dual: um
modelo simplificado.................................................................................................41
3.6 Prós e contras dos regimes duais....................................................................42
4 A UNIFICAÇÃO CAMBIAL.....................................................................................45
4.1 A unificação dos mercados de câmbio e suas conseqüências.....................48
4.2 Empecilhos à liberalização do câmbio.............................................................52
4.3 Os embates em torno da liberalização cambial...............................................58
4.4 A análise dívida externa x poupança (no exterior)..........................................61
5 EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS E O FIM DA COBERTURA CAMBIAL.............65
5.1 Fim da cobertura cambial das exportações.....................................................67
5.2 Os impactos sobre a economia do país frente à liberalização dos fluxos
comerciais.................................................................................................................68
5.3 Impactos diretos do fim da cobertura cambial sobre os controles internos
do Bacen...................................................................................................................70
5.4 Exportadores, volatilidade cambial e adequação as normas........................72
5.5 Exportações: sinalizador de desempenho econômico e solvência do
país............................................................................................................................74
6 CONCLUSÃO........................................................................................................78
REFERÊNCIAS .........................................................................................................83
12
1 INTRODUÇÃO
O mercado de câmbio brasileiro é caracterizado, ainda hoje, pelo seu efetivo
engessamento, uma vez que as operações nele realizadas são abarcadas por
legislação específica, em que para cada transação de compra e venda de moeda
estrangeira, torna-se necessária a completa identificação do comprador e do
vendedor das divisas.
Diante deste fato, poderíamos nos perguntar qual seria o objetivo de tal
rigidez sobre compras e vendas, ou seja, qual a necessidade de se realizarem tantas
identificações quando, na verdade, espera-se que haja liberdade aos poupadores na
condução de seus recursos financeiros entre as economias.
A partir destes questionamentos, damos início a uma análise dos motivos
justificadores para tal controle, procurando enfatizar o intuito maior do país no
relativo cerceamento que este executa sobre o capital estrangeiro aqui internalizado.
Conjuntamente a este fator, nos voltaremos à análise do controle exercido pelo país
sobre as divisas provenientes das operações de vendas internacionais,
caracterizadas pela necessidade de conversão da moeda forte em moeda nacional,
movimento este necessário a um país com grande história de memória inflacionária,
o que, em essência, gerou perdas ao poder de compra da nação brasileira.
Iniciamos nossa abordagem justificando que os controles sobre o fluxo de
moeda estrangeira na economia se deram pela necessidade de diminuir a excessiva
volatilidade proveniente do ambiente econômico externo. A corrida armamentista
gerada pela 1
a
grande Guerra provocou a necessidade de emissão monetária por
“O mercado não é uma criação divina. É uma invenção
humana. Ele falha, mas falha bem menos que o governo.”
Robert Reich, Secretário do Trabalho dos EUA.
(
citado
p
or Joelmir Betin
g)
13
parte dos governos no intuito de financiar a produção, trazendo como conseqüência
a perda de valor das moedas nacionais, instabilizando o sistema de trocas
financeiras. Este movimento teve continuidade com a 2
a
Guerra Mundial, o que, ao
seu fim, gerou a necessidade de criação, por parte das nações afetadas pela guerra,
de um novo sistema de câmbio, mais rígido, baseados no dólar americano. Com a
introdução de controles efetivos, o movimento de capitais entre as economias passa
a sofrer severas restrições no seu livre arbítrio alocativo.
O sistema de câmbio fixo aplicado às economias capitalistas ratificadoras do
acordo de Bretton Woods promoveu, inicialmente, uma relativa calmaria entre os
incipientes mercados financeiros, o que, no entanto, não garantiu a continuidade de
um regime estável de câmbio entre os países na medida em que o seu próprio
idealizador, o governo americano, gerava crescentes déficits em suas transações
com o exterior.
No caso brasileiro, com o intuito de garantir a continuidade do sistema
adotado, procurou o governo brasileiro regular os fluxos de capitais entrantes no
país, através da edição da Lei 4.131/62, geradora da necessidade de registro nos
movimentos de aplicação de recursos nos setores da economia. Ao mesmo tempo,
uma vez normatizado a contabilização dos ativos, realizou o governo inclusões na
mesma lei que tiveram como objetivo controlar a saídas destes capitais, garantindo
assim relativa estabilidade ao balanço de pagamentos do país diante de crises no
cenário internacional.
O que teremos oportunidade de constatar, no entanto, é que,
independentemente do cenário econômico internacional, a economia brasileira
sempre esteve, ao longo de sua história, rodeada pelo processo de perda de valor
da sua moeda, em que a variação exagerada nos níveis de preços provocava
distorções no sistema, gerando por parte dos agentes externos ceticismo nas
aplicações e, nos agentes internos, corrida em busca de reservas de valor para o
seu capital.
Esta última característica passava pelo próprio interesse dos agentes
negociadores do comércio exterior brasileiro, que, buscando alternativas para
manutenção das divisas fortes conquistadas, procuravam evitar a internalização de
seus recursos via subfaturamento de suas receitas com vendas internacionais,
14
desviando-as de seus capitais para o que ficou conhecido como mercado negro de
câmbio.
Esse movimento tomou grande dimensão à medida que o poder de compra
da moeda nacional deteriorava-se. Ao fim dos anos de 1980, a inflação mensal do
país chegou perto de 30%, levando a exacerbação do black, mercado este onde se
negociavam, em cotações paralelas, a moeda norte-americana.
Neste período, conforme veremos adiante, procurou o Banco Central
mecanismos para enxugar o mercado negro, atraindo para a legalidade o fluxo de
negociações realizadas a margem da lei. A criação do duplo mercado de câmbio,
onde, no primeiro deles, eram negociadas as operações tradicionais de compra e
venda de moeda estrangeira e, no segundo, em que se negociavam os capitais sem
identificação de origem, trouxe, como resultado, o fim do mercado paralelo de
câmbio no país.
Ressaltamos, no entanto, que o efetivo enxugamento do black só ocorreu à
medida que o país começou a conquistar a estabilidade de preços, condição
necessária, à luz dos investidores estrangeiros, em suas decisões de investimento
dentro da legalidade normativa do mercado cambial brasileiro.
Constataremos, ao longo deste trabalho, que, uma vez conquistado um dos
pilares às decisões de investimento estrangeiro, iniciam-se, nos meios acadêmicos e
no mercado brasileiro e internacional, debates referente à livre movimentação
cambial dos recursos entre o Brasil e o exterior. As opiniões dos críticos partem de
pressupostos de que os controles de capitais impostos geram, como resultado
direto, um aumento no risco-país, dada a possibilidade de aprisionamento dos
investimentos estrangeiros em seu retorno ao país de origem. Em outra medida,
defendem alguns que o controle de câmbio é necessário ao país, uma vez que sua
moeda não possui, ainda, aceitação internacional, o que poderia levar, em
momentos de crises, a fugas maciças de moeda estrangeira.
No centro das discussões, está a Lei federal 4.131/62, norma esta que deu
direito a autoridade monetária de interromper o fluxo de saída de capitais em
situações que possam caracterizar desequilíbrios fundamentais no balanço de
pagamentos brasileiro.
15
Propostas de revogação da norma, bem como a alteração dos artigos
diretamente responsáveis pelo impacto sobre a decisão de alocação de recursos de
investidores estrangeiros, estão entre as principais considerações feitas no debate.
Finalmente, uma vez abertos os questionamentos referentes às normas
cambiais no Brasil, nos direcionaremos ao embate existente entre a rigidez imposta
pelas regras de comércio exterior, em essência o Decreto 23.258/33, e as pressões
realizadas pelos exportadores brasileiros quanto ao fim da necessidade de cobertura
cambial das exportações.
Nossa proposta consistirá em analisar a razoabilidade do fato, realizando
considerações quanto aos seus impactos diretos sobre a oferta de moeda
estrangeira no país a disposição da autoridade monetária, as suas conseqüências
sobre o nível de reservas e, por fim, o seu efetivo benefício à promoção do
desenvolvimento econômico brasileiro.
De antemão, destacamos que o fim da obrigatoriedade de cobertura de
câmbio gerará, por si só, uma conversibilidade seletiva, em que apenas uma
pequena parcela da sociedade terá nas mãos a possibilidade de converter ou não
seus recursos em moeda nacional, contrapondo-se diretamente as regras impostas
aos fluxos de capitais internalizados na economia do país.
Na verdade, o que procuraremos constatar ao longo deste trabalho é a real
dimensão de como o país, assolado por anos e anos de instabilidade econômica e
financeira, procurou garantir um mínimo de sustentabilidade ao seu balanço de
pagamentos.
Enfim, com o objetivo de analisar estas questões, o presente trabalho foi
estruturado da seguinte forma: depois desta introdução, nos voltaremos a um breve
resumo da legislação cambial brasileira, abordando em essência as normas ainda
hoje intervenientes no fluxo cambial brasileiro. No terceiro capítulo, definiremos o
marco de nossa análise, representado pela tentativa da autoridade monetária de
trazer a legalidade, senão todas, grande parte das operações de troca de moedas
entre o país e o exterior.
Uma vez estruturada a análise nos voltaremos à análise de dois dos temas
mais relevantes nas análises dos fluxos cambiais. O primeiro deles, abordado no
capítulo 4, fará referência aos debates sobre a liberalização cambial no país, em que
apoiaremos nossa análise nas movimentações financeiras de capitais. Finalmente,
16
no capítulo 5, abordaremos o tema referente ao fim da obrigatoriedade de cobertura
cambial das exportações, assunto este tão debatido nos dias de hoje.
Concluindo nossas análises, buscaremos resultados a respeito das questões
levantadas, caracterizando a viabilidade ou não das medidas liberatórias.
17
2 LEGISLAÇÃO CAMBIAL BRASILEIRA: UM BREVE HISTÓRICO
O Brasil é, particularmente, versado em controles cambiais que, sem exagero
algum, fazem parte de nossa histórica republicana. Mais do que uma simples
burocracia, a idéia principal destes foi sempre o de garantir o mínimo de
sustentabilidade ao balanço de pagamentos para um país tão dependente de capital
estrangeiro.
Nas palavras de Gleizer (2003, p. 1), fica evidente esta afirmação:
No contexto brasileiro, este debate (legislação cambial) assume contornos específicos,
resultado de nossa triste história monetária. Diante de um quadro de inflação crônica, nossas
autoridades buscaram sistematicamente impedir que o dólar funcionasse como reserva
efetiva de valor. Para tanto, introduziram restrições de toda ordem à compra, retenção e
remessas ao exterior, de moeda estrangeira. Temia-se que diante da constante e intensa
erosão do poder de compra da moeda nacional, a possibilidade de trocá-la por dólares com
facilidade levaria boa parte da poupança nacional a se deslocar para o exterior,
comprometendo-se ainda mias nosso desempenho econômico. Assim, o aparato regulatório
que disciplina nosso mercado de câmbio foi marcado pelo objetivo de estancar a evasão de
divisas.
Como podemos observar, o autor destaca a necessidade de o país afugentar
moeda forte, devido, em sua essência, ao ambiente inflacionário e à conseqüente
corrosão do poder de compra da moeda nacional.
Nesse sentido, damos início ao nosso objetivo neste capítulo, que é o de
caracterizar a evolução dos controles cambiais no Brasil, procurando enfatizar as
principais normas intervenientes sobre os fluxos de capitais financeiros e comerciais
e seus impactos diretos e indiretos sobre a Economia Brasileira. Para isso,
iniciaremos o capítulo analisando a estrutura normativa do mercado de câmbio
brasileira. Por conseguinte, passaremos pelas fundamentações históricas que
justificaram a introdução de normas intervenientes nos fluxos comerciais e
financeiros internacionais. Finalizaremos a nossa análise, abordando o início do
“Uma das utilidades da história é que ela nos lembra daquilo
que pode acontecer novamente”.
John Kenneth Galbraith
18
processo de flexibilização das normas cambiais no país e sua relevância nos dias de
hoje.
2.1 A estruturação hierárquica das normas
Os controles utilizados pela autoridade monetária estão embasados por uma
série de normas, que vão desde Leis federais, Decretos-leis, passando por
resoluções editadas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN, até Cartas-
Circulares de âmbito interno, estas últimas utilizadas para esclarecer aspectos já
regulamentados.
A priori, toda e qualquer mudança deve se iniciar por alterações em Leis, no
nosso caso, às que regem o fluxo de capitais internacionais na economia, para que
se possa flexibilizar ou mesmo ampliar os controles exercidos.
A legislação cambial brasileira possui, como característica principal, a sua
rigidez, já que existe pouco espaço para atos de origem privada, o que, a nosso ver,
não impediu uma maior discricionariedade na condução das operações de câmbio
no país.
Ressalta-se, no entanto, que esta maior discricionariedade não significa
liberdade, lato sensu, mas sim o fato de permitir que instituições financeiras,
responsáveis por mais de 90% da movimentação cambial no país, tivessem
condições de acompanhar pari-passo o aumento dos fluxos internacionais de
capitais
1
, “observando a legalidade de transações, inclusive de ordem tributária [...] e
a fundamentação econômica das operações [...].”
2
Nesse sentindo, procuramos descrever de forma sucinta e objetiva a evolução
destas normas no país, na tentativa de melhor elucidar os impactos dessas medidas
sobre o fluxo de capitais entre o país e a economia internacional.
1
No ano de 2000 o fluxo de comércio exterior era 22 vezes maior que o de 1950 (ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2005).
2
Retirado do texto do Regulamento de Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais - RMCCI,
editado pelo Banco Central do Brasil em março de 2005 (BRASIL. Banco Central, 2005).
19
2.2 Origem do controle cambial no Brasil
O mercado de câmbio no Brasil começou a ser efetivamente monitorado a
partir da segunda década do século XX, em resultado do crescente aumento nos
fluxos internacionais de recursos provenientes da perturbação econômica vivida pela
Europa na época, especialmente com a Primeira Guerra Mundial.
A regulação passa a se dar com a promulgação do Decreto 4182 de 1920,
que tinha, dentre os seus objetivos, o de conferir ao governo a responsabilidade
sobre o câmbio, conforme consta expressamente em seu artigo 5: “É
responsabilidade do governo fiscalizar os bancos no intuito de prevenir a
movimentação irregular de câmbio”. (BRASIL. Decreto nº. 4.182).
Como podemos depreender, o objetivo era dar ao governo, através do órgão
competente, o poder de fiscalizar o jogo de câmbio, possibilitando à autoridade exigir
as provas de que as operações de compra e venda de moeda estrangeira eram
reais e legítimas, proibindo-se as ações em contrário, inclusive através de multas.
O mesmo Decreto foi regulamentado a posteriori pelo Decreto 14.728, de
1921. Este determinava que quaisquer indivíduos ou pessoas jurídicas que
praticassem operações proibidas naquele regulamento ou pelo inspetor de bancos,
seriam punidos com a mesma penalidade aplicada aos bancos e casas bancárias.
Ou seja, desde o passado, exercia o governo o seu poder de coibir toda e qualquer
transação cambial que estivesse fora de seu controle e interesse, o que foi mantido
até o fim dos anos de 1980, com o fim da autorização prévia de compra e venda de
moeda estrangeira
3
.
Ao longo desse período, porém, que vai de 1920 a 1980, outras Leis,
Decretos e normas infra-legais foram promulgadas e editadas no sentido de manter
os controles sobre os fluxos comerciais e financeiros.
2.2.1 O controle cambial sobre as operações de comércio exterior
Já no ano de 1933, foi promulgado o Decreto 23.258, dispondo sobre
operações de câmbio. Este dispositivo instituiu a obrigatoriedade de utilização de
3
Continuaram a existir autorização prévia do governo federal, representado pelo Banco Central até
março de 2005, quando foi instituído o novo Regulamento de Mercado de Câmbio e Capitais
Internacionais.
20
estabelecimentos autorizados na contratação de operações, mas sua principal
função foi a de exigir a cobertura cambial das exportações brasileiras e de impor
penalidades tanto ao subfaturamento das exportações, assim como ao
superfaturamento das mercadorias importadas. Neste sentido, diz o mesmo Decreto
em seu art. 3: “São passíveis de penalidades as sonegações de coberturas nos
valores de exportação, bem como o aumento de preço de mercadorias importadas,
para obtenção de coberturas indevidas”. (BRASIL, Decreto nº. 23.258).
Para se ter uma noção da importância da norma, basta dizer que o controle
cambial exercido pelo Banco Central nas operações de comércio exterior, ainda hoje
é baseado quase que em sua totalidade pela fundamentação dada pelo Decreto
23.258 de 1933. Partem de diversos setores da sociedade brasileira críticas a esta
norma, principalmente pela sua antiguidade e desatualização frente ao fluxo de
comércio internacional hoje tão desenvolvido.
Dada a representatividade da questão nos dias atuais, procuramos dedicar
parte exclusiva deste trabalho a estudos e propostas feitas por diversas influências
da economia brasileira quanto à necessidade de cobertura cambial das exportações,
analisando proposições que vão desde a manutenção do regramento atual, até a
possibilidade de não internalização das divisas provenientes das operações de
comércio exterior em solo pátrio.
Ressaltamos, desde já, nossa opinião de que divisas provenientes das
operações de comércio internacional, moeda forte, são, ainda hoje, necessárias ao
bom funcionamento do modelo econômico, principalmente para uma economia como
a nossa, assolada por anos e anos de crônica inflação, fato que contribuiu para
manutenção de regras impostas ao fragilizado mercado cambial brasileiro.
2.2.2 A compensação privada de créditos
Em 1946 foi editado pelo governo federal o Decreto-lei 9025, que tinha como
objetivo a proibição da compensação privada de créditos entre exportadores e
importadores.
O aumento do fluxo de comércio internacional ocasionado pela 2
a
Guerra
Mundial gerou um alto volume de fluxos de pagamentos e recebimentos em moeda
estrangeira. Este incremento gerou a racionalidade de se realizar a compensação
21
privada destes créditos, já que, na medida em que empresas apresentavam recursos
provenientes de exportações efetuadas e débitos referentes a importações, tornava-
se atrativo realizarem compensações, que tinham como objetivo principal a
minimização do custo financeiro das operações de conversão da moeda estrangeira
em moeda nacional e vice-versa.
Dessa forma, o governo brasileiro, desde aquela época, dependente dos
capitais internacionais, procurou fazer com que créditos em moeda estrangeira
fluíssem para dentro da economia, com o objetivo de poder ter em suas mãos a
moeda forte necessária para honrar seus compromissos internacionais.
No entanto, com o desenvolvimento do Sistema Financeiro Internacional e a
engenharia financeira associada aos pagamentos externos, várias foram às soluções
encontradas pelos detentores das divisas provenientes do fluxo comercial
internacional como forma de liquidarem as suas posições sem a necessidade de
internalizarem os seus ganhos.
No decorrer do período da edição daquela norma, em 1946, até os dias
atuais, vários foram os instrumentos encontrados pelo governo com o objetivo de
garantir a entrada das divisas, tais como valoração aduaneira das mercadorias e
serviços vendidos ao exterior.
Veremos, no entanto, que assim como o supramencionado em nossa análise
do Decreto 23.258, a vedação à compensação privada de créditos é, hoje, alvo
constante de críticas por parte dos exportadores brasileiros, reclamantes dos custos
associados às operações financeiras de conversão de moeda estrangeira em
nacional e seu retorno na forma de pagamentos de importações, tais como custos
bancários e pagamento de CPMF.
2.3 A restrição imposta aos capitais estrangeiros – o controle cambial dos fluxos
financeiros
No ano de 1962, foi promulgada pelo Senado Federal a Lei 4131/62, tendo
como um de seus objetivos, a atribuição de disciplinar à aplicação do capital
estrangeiro e as remessas de valores para o exterior, além de outras providências
complementares.
22
A “lei do capital estrangeiro”, como é conhecida, tem em sua essência
motivadora o controle do fluxo de empréstimos, financiamentos e Investimentos à
economia brasileira, procurando dar as devidas amarras às possíveis fugas em
forma de remessas de valores para o exterior, ou seja, desde seu início a mesma lei
deixa claro que o objetivo é regular diretamente todas as remessas provenientes dos
capitais aqui desembarcados.
Todos os empréstimos, financiamentos e investimentos internacionais são
objetos de registro, antes comprobatório, hoje declaratório junto ao Banco Central,
por parte de pessoas físicas e jurídicas beneficiárias dessas remessas. Esses
registros servem, a priori, como indicador da dívida externa brasileira, em seu
caráter financeiro, excetuando-se os Investimentos Estrangeiros Diretos - IED, que
mesmo sendo caracterizados como dívida patrimonial, contabilizado no Patrimônio
Líquido (passivo não exigível), não representam dívidas.
A 4131 é objeto de críticas ferrenhas por parte de investidores e recebedores
de recursos, com a argumentação principal de que parte do spread requerido é
proveniente da probabilidade extrema de centralização do câmbio, o que estancaria
o retorno positivo do capital aqui aplicado.
Destacamos, por oportuno, parte da presente lei, como forma de visualizar a
restrição por esta imposta ao fluxo cambial de saída dos estoques aqui aplicados:
Diz o Art. 28:
Sempre que ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos, ou houver sérias razões
para prever a iminência de tal situação, poderá o Conselho Monetário Nacional impor
restrições, por prazo limitado, à importação e às remessas de rendimentos dos capitais
estrangeiros e, para este fim, outorgar ao Banco do Brasil monopólio total ou parcial das
operações de câmbio (BRASIL. Lei nº 4.131, art. 28).
Ou seja, conforme bem podemos observar, na ocorrência de perturbações
sobre o balanço de Pagamentos, pode a autoridade monetária, autorizada pelo
Conselho Monetário Nacional - CMN, utilizar-se de sua “Espada de Dâmocles”, no
intuito de evitar conseqüências ainda mais desastrosas sobre a economia.
Na direção das críticas a legislação cambial brasileira, citamos Arida (2003, p.
2):
23
As leis que disciplinam o regime monetário foram marcadas pelo objetivo de brecar aquilo
que, no jargão de antigamente, denominava-se como fuga de capitais. O argumento é que
haveria uma grande demanda reprimida por dólares ou outras moedas fortes que deveria ser
contida através da legislação. Ou seja, se pudéssemos trocar reais por dólares (e vice-versa)
com a mesma facilidade com que se troca dólares por euros, por exemplo, boa parte da
poupança nacional hoje mantida no País em reais, fluiria para o exterior.
Com a contínua inserção da economia brasileira no cenário Internacional,
através de empresas transnacionalizadas, cresce o movimento pró – liberalização
das amarras existentes, indicando que, a flexibilização delas provocaria um impacto
positivo sobre o fluxo de capitais, diminuição dos componentes associados aos
ganhos de capital, tais como o risco país, o spread, e a própria remuneração básica.
Essa discussão ampliou-se ainda mais com o crescente fluxo de
investimentos estrangeiros no país nos anos de 1990, provenientes das
privatizações e concessões das empresas estatais.
Procuraremos ao longo deste trabalho, em especial em seu capítulo 4, avaliar
o fundamento de tais críticas, considerando assim a razoabilidade do fim do controle
de capitais no país.
2.4 Início da flexibilização cambial no país
No ano de 1969, a autoridade monetária, utilizando-se da suas atribuições
concedidas pelo Conselho Monetário Nacional, expediu a Carta Circular nº. 5, norma
infra-legal que teve como objetivo estabelecer regras para abertura de contas de
depósitos no país, de pessoas físicas ou jurídicas, residentes, domiciliadas ou com
sede no exterior, estas mantidas exclusivamente em bancos autorizados a operar
em câmbio.
Entendemos que, em sua origem, as contas “CC5” eram usadas para a
manutenção e movimentação de recursos financeiros de não domiciliados no Brasil
tais como fixação de residência temporária e remessas do exterior para o Brasil. Na
verdade, estas poderiam ser entendidas como contas-correntes tradicionais,
mantidas por pessoas físicas e jurídicas junto a instituições financeiras no Brasil.
Passados cerca de 20 anos desde a criação das contas CC5, baixou o CMN a
Resolução sob o número 1552, de 22.12.1988, que trouxe como resultado o
desdobramento em dois mercados, o primeiro de taxas chamadas livres e o
segundo, de taxas flutuantes.
24
A diferenciação entre os dois mercados estava no detalhamento de
informações a serem prestadas ao Banco Central. No “livre” passaram a cursar as
operações de comércio exterior, como também os serviços financeiros em forma de
juros, lucros, dividendos e outros componentes, estes das próprias Transações
Correntes do Balanço de Pagamentos. Além dessas, o mesmo mercado
contabilizava as operações provenientes das entradas e saídas de capitais, como os
investimentos estrangeiros diretos, empréstimos, financiamentos e etc. Já no
segmento “Flutuante” passaram a cursar as divisas provenientes do turismo do e
para o exterior, além dos recursos transitados pelas próprias contas CC5.
No entanto, o objetivo principal da Resolução 1552 foi o de criar condições
para o enxugamento do mercado paralelo de câmbio no país, que representava o
principal veículo condutor de vazamento de divisas, tão prejudicial ao Balanço do
País.
Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que foi a 1552 a grande responsável
pela mudança no mercado cambial brasileiro, pois foi a partir desta que se iniciou o
processo de um melhor controle das transações com o comércio e os serviços
internacionais, dando, assim, sustentabilidade ao processo de flexibilização das
normas infra-legais hoje existentes.
Encontramos respaldos em nossas argumentações nas palavras de Franco e
Pinho Neto (2004, p. 28):
As respostas devem levar em conta o fato de o “ágio” entre o “paralelo” e o “oficial” se tornou
insignificante a partir dos meados dos anos 1990, salvo por situações localizadas, o que faz
crer que o grau de “distorção regulatória” é bem menor que em passado recente. E, com
efeito, o virtual desaparecimento do “ágio” é da maior importância para desencorajar a
migração de transações cambiais para a informalidade.
De forma complementar, a criação do duplo mercado de câmbio no país que
vigorou até 2005, destacamos normas essenciais a completa estruturação do
mercado cambial, tais como a Resolução 1946, responsável pela criação de
identificação das pessoas responsáveis por pagamentos e recebimentos, em
espécie, em moeda nacional ou estrangeira, a Circular 2677, de 1996 que, além de
dispor sobre movimentações anteriormente embasadas pela Carta Circular n
0
. 5,
dispunha sobre as Transferências Internacionais em Reais – TIR, matéria tão
criticada nos meios políticos e acadêmicos.
25
Pois bem, tratamos até agora de expor de forma sucinta as principais normas
referentes ao mercado cambial brasileiro, todas elas dignas de análise cuidadosa,
uma vez que, em conjunto, formaram um emaranhado de regras e procedimentos a
serem seguidos pelos operadores do mercado de divisas estrangeiras. No compasso
deste regramento, chegamos ao fim de 1998 e início de 1999, momento este de
perturbação internacional extrema, principalmente para as economias emergentes,
que culminou com a crise cambial do país, representada pela maciça fuga de
capitais.
Na existência da crise, procurou a autoridade monetária promover uma série
de medidas, com o intuito de poder conter a crise disseminada internacionalmente,
que agora atingia em cheio a economia brasileira.
Dentre tais medidas, não podemos deixar de destacar a alteração do regime
cambial brasileiro, do modelo cambial fixo para o flutuante, o que trouxe desde o seu
início um amortecimento na perda de reservas internacionais.
No compasso dessa mudança, destaca-se a Resolução 2588/99, responsável
pela unificação das posições de câmbio dentro das Instituições Financeiras. A idéia
principal estava em poder irrigar o sistema com divisas que se encontravam
apartadas em suas negociações, promovendo assim, relativa liquidez em um
mercado sedento por moeda forte.
Com o controle de crise anteriormente disseminada, podia o Banco Central se
concentrar em medidas de âmbito normativo que fossem condizentes com o modelo
cambial adotado, tanto quanto pela estabilidade alcançada no mercado cambial a
partir do ano de 2003.
Dessa maneira, o CMN editou as resoluções 3265 e 3266, de março de 2005,
sendo a primeira caracterizada como veículo condutor e normatizador da unificação
dos mercados de câmbio no Brasil, trazendo em seu texto a disciplina de uma série
de mudanças ocorridas no ambiente interno de atuação da autoridade no mercado
de câmbio, a começar por tirar das mãos deste o poder de “príncipe” de decidir,
diretamente, pela legalidade e fundamentação econômica das remessas financeiras
para o exterior.
Mudanças outras ainda ocorreram, motivadas pela necessidade de repassar
ao mercado a responsabilidade na condução das transações financeiras e
comerciais.
26
Finalmente, em referência a Resolução 3266, trouxe a mesma,
esclarecimentos quanto à movimentação cambial proveniente das exportações de
mercadorias e serviços, atendendo, em parte o desejo dos exportadores. Dentre
estas, citamos a autorização concedida a eles para que, em caso de interesse,
possam realizar descontos de cambiais no exterior, bem como a ampliação do prazo
para a internalização das divisas provenientes das exportações de 180 dias para
210.
A edição da norma em si traz consigo a ampliação dos debates que tomam
conta do cenário do comércio internacional brasileiro, principalmente em forma de
críticas quanto à manutenção da necessidade de cobertura cambial das
exportações, tal como representado pelo Decreto 23.258 de 1933. Argumentações
das mais diversas fazem parte do contexto exploratório de um mercado crescente,
que ano após ano é responsável pelo fechamento de grande parte das contas
externas brasileiras e que, uma vez liberalizado, poderá promover a completa
fragilização externa do país. Neste sentido, abrimos desde já a pauta desse assunto,
ampliando-o ao longo do presente trabalho, que terá como ponto de partida a
análise da trajetória de convergência do mercado paralelo de câmbio no Brasil a
índices medíocres, alcançado pelo Banco Central ao fim dos anos 1980, início dos
anos de 1990.
Assim sendo, podemos colher algumas características interessantes
referentes à legislação cambial brasileira. A primeira delas consiste na elaboração
dessas normas que sempre foram precedidas de fatos históricos que trouxeram
impactos diretos sobre o fluxo de moedas entre as economias e a sua conseqüente
internacionalização.
A corrente de comércio, como não poderia deixar de ser, foi sempre a força
motriz para a elaboração das leis cambiais, uma vez que o movimento financeiro,
pelo menos no passado, não era tão forte nem possuía intuito especulativo, ou tão
pouco a forma de hedge, mas sim visava garantir os pagamentos de mercadorias
negociadas entre os países.
No entanto, com a própria evolução das transações mercantis, abriu-se a
lacuna da diferenciação cambial, que tornou possível a obtenção de ganhos, não
pela comercialização de bens tangíveis, mas pela informação assimétrica presente
entre os mercados financeiros internos ou internacionais.
27
Quanto ao Brasil, vale lembrar que este sempre esteve à mercê do capital
estrangeiro. Como não deixar de lembrar do financiamento concedido pela Coroa
Inglesa ao Reino de Portugal no intuito de promover a ampliação da produção
açucareira no Brasil no século XVIII.
Pois bem, o que vemos em nosso país é exatamente a ratificação de uma das
mais importantes Leis da física, a 3
a
, que diz que para cada ação existe sempre uma
reação de igual intensidade e mesma força, ou seja, em uma economia tão
dependente do capital internacional, uma vez que esse esteja a sair por motivos
distintos, torna-se necessário estancar o sangramento, garantindo um mínimo de
margem de manobra para mudanças que venham a trazer proteção às escassas
reservas de um país sedento por moeda forte.
Dessa maneira, damos início, a partir do capítulo 3, a análise dos fluxos de
capitais internacionais sobre a economia brasileira, tendo como pano de fundo a
criação do duplo mercado de câmbio no Brasil ao fim dos anos de 1980, década
esta caracterizada como a década do retorno da democracia e da abertura do país
ao mercado internacional de produtos e serviços.
28
3 CONTROLES CAMBIAIS: DO PARALELO AO DUPLO
MERCADO DE CÂMBIO NO BRASIL
Desde que o comércio internacional deixou de efetuar-se através de metais
preciosos ou trocas diretas, e introduziu-se a moeda fiduciária - no caso, moeda
"forte" -, como mediadora das trocas, as nações não emissoras, a "periferia
econômica" - viram-se obrigadas a monitorá-la. Ou seja, a restrita conversibilidade
das moedas, digamos, "fracas", fez dos controles cambiais um instrumento
necessário à manutenção das transações mercantis da "área periférica", já que
essas não dispunham do poder de emissão de moedas universalmente aceitas ou
conversíveis.
Nesse sentindo, poderíamos localizar o nosso país dentro dessas chamadas
“nações periféricas”, onde a necessidade de controles de capitais foi e é advinda
diretamente da falta de credibilidade de sua moeda no cenário internacional.
Dentro desta análise, mas não obstante, devemos analisar o próprio
funcionamento do mercado cambial, o que poderíamos, assim, nos embasar nas
próprias palavras de Franco (1992, p. 7), nas quais diz que “O regime cambial
brasileiro se define não só pela regra de determinação da taxa de câmbio, mas
também pelas restrições de acesso ao mercado oficial, as quais abrangem restrições
a participantes no mercado”.
Nossas abordagens neste capítulo se darão, inicialmente, em função do
enorme mercado paralelo de divisas criado pelos controles da autoridade monetária
sobre o mercado cambial brasileiro. Os motivos que justificaram a crescente
demanda por moeda forte – dólar - por parte das pessoas físicas e jurídicas
residentes, caracterizadas, em sua essência, não só pelas regras impostas ao
mercado em si, mas também devido a um ambiente econômico inflacionário,
corrosivo da moeda nacional.
“O mercado é um ininterrupto plebiscito, onde a
s
p
referências e os eventuais erros estão sujeitos a um
p
ermanente processo de revisão e ajustamento.
Roberto Campos
29
Na segunda parte, remeteremos nossa análise à criação do câmbio dual de
câmbio no Brasil, elucidando as medidas tomadas pela autoridade monetária,
focando os principais resultados alcançados, procurando, ainda, dar ênfase ao seu
objetivo maior de promover o enxugamento do mercado paralelo de câmbio, fator
crucial que levou o país a impor relativo controle sobre suas contas externas, além, é
claro, de gerar subsídios a reunificação do câmbio uno, estável e consistente com as
políticas macroeconômicas adotadas.
3.1 Afluência do mercado paralelo
Nosso país já vivenciou toda espécie de restrição cambial, cristalizada em
taxas de câmbio múltiplas, controles quantitativos e centralizações cambiais, fatos
que, segundo nossas postulações, foram favoráveis à emergência de um
paralelismo no mercado de divisas.
Assumindo-se, agora, que os controles impostos não isentam das
necessidades, digamos, adicionais, por moeda "forte", pode-se inferir que a
satisfação destas se dêem via mecanismos "paralelos" de obtenção. Nessas
circunstâncias, a afluência de um mercado de divisas, alijado dos controles oficiais,
constitui-se, pelo menos em primeira instância, como uma espécie de subproduto
das restrições impostas, a contra-face de uma adequação coercitiva entre oferta e
demanda de divisas.
Podemos enxergar o impacto destes mecanismos nas palavras de Garófalo
Filho (2002, p. 260) em que este afirma que “o fenômeno do mercado paralelo
gerava subprodutos indesejáveis”:
Turistas estrangeiros, viajantes em geral, quando em visita ao Brasil, não vendiam seus
dólares, ou qualquer moeda forte, ao sistema oficial, preferindo sempre o mercado paralelo
que lhe oferecia muito mais moeda nacional, adicional esse que chegou a 200%. Em
conseqüência, na conta de viagens, havia quase só saídas, gerando despesas da ordem de
US$ 600 milhões por ano
.
Informa ainda o autor que nos anos de 1980 as reservas totais do país
giravam em torno de US$ 5 bilhões, significando que despendíamos com turismo,
mais de 10% das reservas do país a cada ano.
30
Nestas circunstâncias, os anos 80
1
passam a ser nosso pano de fundo, tendo
em vista tanto o notável aumento da "dolarização" no Brasil como, no que toca ao
nosso propósito inicial, o comportamento do black
2
, contextualizando-o à
implementação do regime de câmbio dual.
A despeito do crescimento da influência do black sobre o mercado de câmbio,
vale a pena mencionar o comentário de Franco (1992, p. 11-12):
Até meados dos anos 80 havia oportunidades muito reduzidas de arbitragem, ou
'vazamentos', entre esse dois mercados - dólar oficial e paralelo. Prevalecia a crença na
irrelevância do black, alimentada principalmente por avaliações impressionistas sobre o
movimento diário de operações (da ordem de US$1.0 milhão nos anos 70), fazendo parecer
que aí somente tinham lugar operações ilegais e relativas ao turismo. Nos anos 80 o black
cresce de importância. Dizia-se que, em 1980--84, o black movimentava cerca de US$ 10.0
milhões diários [...] em 1989 o black estaria movimentando algo entre US$30 milhões e
US$45 milhões diários [...] O ponto importante a se destacar diz respeito às conseqüências
dessa mudança, ou seja, do notável aumento da dolarização da riqueza financeira no Brasil
[...] e que disto resultou uma importante mudança qualitativa do regime cambial brasileiro:
evoluiu-se de um sistema de câmbio administrado e mercado paralelo marginal para um
sistema de câmbio dual.
O que vemos claramente é que o crescimento do mercado paralelo se
promovia com o corrosivo ambiente inflacionário dos anos 80, que, aliado ao grande
aumento dos fluxos financeiros internacionais, dava ao mercado paralelo magnitude
exponencial.
Ainda, se considerarmos o spread entre os câmbios oficial e paralelo, como
uma proxy do comportamento acima descrito, pode-se ter uma visão mais precisa do
desenrolar dos acontecimentos. Conforme demonstra o Gráfico 1, a explosão do
mercado extra-oficial deu-se no início dos anos 80, mais precisamente, após a
moratória mexicana (1982), com trajetória nitidamente ascensionista, até 1987, e
alcançando seu auge, em 1990.
1
Uma visão mais detalha do comportamento desse mercado pode ser encontrada em Pechman
(1984), onde se disponibiliza uma serie temporal sobre o período 1947/1983, relativizando as
cotações, e o ágio entre elas, dos mercados de dólar oficial e paralelo.
2
Intitulação dada ao mercado paralelo no Brasil.
31
GRÁFICO 1 – Taxa de Câmbio a Preços de Janeiro de 2003
Fonte: Brasi, Banco Central, 2005.
Nota: Taxa de câmbio comercial e paralelo, ao final do mês, corrigida pelos índices IGP-
DI da FGV e pelo IPC dos EUA.
As informações dispostas remetem-nos a uma segunda questão, sem a qual
a afluência do black tornar-se-ia desprovida de nexo: afinal de contas, quais seriam
as razões que motivaram essa evolução do mercado extra-oficial, a partir da década
de 80?
Nossas observações iniciais, quanto à relação entre o mercado paralelo e os
controles cambiais, pode nos dar alguns indícios dos fatos motivadores, quais sejam,
a exacerbação das restrições no mercado de divisas, hipótese sustentável, em se
tratando da década de 80.
Essas restrições são suscitadas nos comentários de Zini (1995, p. 24):
A necessidade de recorrer a medidas de racionamento explicitas, na década de 80,
desgastou o sistema (no caso, a determinação de uma taxa de câmbio oficial administrada)
pela diversidade de regulamentações em suas diversas mudanças. A instabilidade e a
arbitrariedade de muitas dessas regras fez aumentar a busca de mecanismos alternativos,
levando [...] ao crescimento do mercado paralelo.
Todavia essa modalidade de argumentação peca por suas limitações, tendo
em vista que essas restrições são, via de regra, a ponta do iceberg, ou seja,
motivadas por fatores que extrapolam o mercado cambial. Na verdade, conforme
Batista Junior (2000) evidencia, a "tendência espontânea" dos agentes econômicos
de substituir moeda "doméstica" por moeda "forte" é majoritariamente um sinal de
32
descrédito, onde as funções clássicas da moeda são postas em xeque. Nestas
circunstâncias, a dolarização, via mercados extra-oficiais, pode ser interpretada
como um antídoto às incertezas, a conjuntura do cenário macroeconômico vigente,
que transfere à moeda toda sua instabilidade. Nas palavras de Franco (1992, p. 14),
encontramos respaldo as nossas considerações:
Surgiram (a partir de meados da década de 80) análises mais atentas à influência de fatores
macroeconômicos sobre o black que viriam a corroborar a importância de fatores sazonais
ligados ao turismo, mas estabeleceram, pela primeira vez, a sensibilidade das taxas no black
a diferenciais de taxas de juros e percepções quanto a incertezas macroeconômicas [...] As
variáveis sazonais [...] perdem importância, diante das variáveis macro (a taxa de câmbio
oficial, o diferencial de juros e uma proxy do déficit público). Dificilmente, esta mudança pode
deixar de se associar ao crescimento de importância do black, ao fim da década de 80, como
veículo de fugas de capital, ou de investimento de carteira por parte de residentes.
Do comentário selecionado pode-se depreender que à ascensão do mercado
extra-oficial foi, acima de tudo, um mecanismo de proteção dos agentes econômicos,
tendo em vista o cenário vacilante da "década perdida", denominação que sinaliza, e
muito bem, o grau de dificuldade enfrentado, à época, pelo país; inflação
estratosférica, recessão econômica, precarização do quadro social, enfim, a difícil
situação de uma nação que alicerçou grande parte de seu "milagre econômico" em
poupança externa e que, em algum tempo, teria que ressarci-la.
3.2 O paralelo como fato desestabilizador
A existência de um mercado extra-oficial inflacionado gera um "paralelismo"
extremamente perverso. Seu papel desestabilizador, os entraves por ele imposto ao
bom andamento econômico, podem ser consubstanciados na assertiva de Zini
(1995), segunda a qual um crescimento expressivo das transações paralelas de
compra e venda de divisas criaria uma espécie de" Balanço de Pagamentos
paralelo", na economia. Vejamos, então, as nuanças do processo.
Conforme ele enfatiza, as fontes e usos associadas ao mercado black são
essencialmente o subfaturamento de exportações, superfaturamento de
importações, turismo "receptivo" e ingresso de capitais sem registro - pelo lado da
oferta; importações contrabandeadas ou proibidas, turismo "emissivo",
investimento de portfólio em moeda estrangeira e repatriação de capitais não
33
registrados - pelo lado da demanda
3
. O autor ainda tece o seguinte comentário
quanto à magnitude e os instrumentais deste balanço extra-oficial:
Observadores privados estimam que o mercado exportador brasileiro operava, no final da
década de 80, com a regra do 80/20, isto é, de cada US$100 exportados, US$80 eram
faturados pelo câmbio oficial e US$20 eram desviados para o mercado paralelo. Outros
analistas acreditam que o subfaturamento de produtos agrícolas chegou a atingir 30% do
valor declarado de exportação em anos como 1988-1989, em função desses números pode-
se especular que o valor efetivo do saldo da balança de comércio do Brasil provavelmente
seria de 20 a 30% superior ao registrado oficialmente. (Zini, 1995, p. 25).
Infelizmente, não dispomos de informações sobre os vazamentos nas contas
serviço e financeira
4
, o que nos permitiria uma melhor quantificação das perdas
envolvidas. Entretanto, tal deficiência não inviabiliza racionalizarmos a natureza
deste balanço extra-oficial, por definição, equilibrado, uma vez que a taxa de câmbio
aí praticada é livremente pactuada.
Na conta comercial, oferta e demanda se equalizam, através do
subfaturamento de exportações e superfaturamento de importações - fontes -
importações contrabandeadas ou proibidas - usos; a conta de serviços, por sua vez,
atinge o equilíbrio, por meio, especialmente, dos turismos "receptivo" - fontes - e
"emissivo" - usos. Finalmente, a conta financeira, através dos ingressos de capitais
sem registro - fontes - e investimentos de portfólio em moeda estrangeira e
repatriação de capitais não registrados -usos.
Dando prosseguimento a nossa análise, objetivamos aferir os impactos
cambial e monetário desta movimentação para-oficial. No que toca à primeira
questão, pode-se argumentar que os mercados paralelo e oficial ingressam em um
processo concorrencial à compra e venda de divisas, tendo como resultado líquido
uma menor disponibilidade de moeda "forte", segundo a ótica das autoridades
institucionalizadas. Se considerarmos que a volatilidade do câmbio - no caso, o
mercado oficial ou administrado é função direta destas disponibilidades, conclui-se
3
Poder-se-ia ainda relacionar as operações contrabandeadas, mas como nosso propósito é
fundamentar o regime cambial clivado nos mercados oficial e turismo, ou livre e flutuante, o
contrabando passa ser uma questão policial e, como tal, desprendida de nossa realidade analítica.
4
A denominação “Conta Financeira” e não mais ”Conta Capital”, somente, refere-se a nova
metodologia adotada pelo Banco Central do Brasil, seguindo critérios estabelecidos na 5ª edição do
Manual de Balanço de Pagamentos do Fundo Monetário Internacional – BPM-5.
34
também que um mercado paralelo de grande monta é uma fonte autóctone
5
de
desestabilização do câmbio.
Quanto à segunda questão, parece-nos razoável supor que essas operações
extra-oficiais de compra e venda não sejam monetariamente neutras, promovendo
alterações autônomas no meio circulante. Nessas circunstâncias, a política
monetária tem graus diminutos de efetividade, tendo em vista que a oferta de moeda
não obedece, em sua totalidade, aos ditames oficiais - e aqui nos cabe ressaltar
que, em um contexto de câmbio fixo, como da época, a hipótese levantada assume
ainda uma maior relevância.
No resumo dessas observações, tornava-se necessário a adoção de medidas
que viessem a coibir os vazamentos maximizadores da fragilidade financeira de um
país tão dependente de moeda forte.
Foi por esta justificativa que o Banco Central criou um sistema de câmbio
dual, objetivando o enxugamento do descontrole cambial extrapolado ao longo dos
anos de 1980.
3.3 O mercado dual de câmbio
Essencialmente, mercados de câmbio duais são mecanismos de controle
cambial, tendo como objetivo maior isolar determinadas transações, vistas como
especulativas ou intempestivas dos movimentos regulares. Operacionalmente,
desenvolvem-se, através de um mercado regulamentado, onde as cotações são
fixadas pelas autoridades competentes, e um não regulamentado, onde as cotações
são livremente pactuadas entre as partes.
Na experiência nacional, a modalidade de câmbio dual assumiu inicialmente
as denominações de câmbios "oficial" e "turismo", com objetivos que, certas vezes,
extrapolaram os acima relatados. Aqui, mais que isolacionista, ostentou caracteres,
podemos dizer, incorporadores e flexibilizadores, tendo em vista que seu propósito
foi tanto trazer à legalidade as operações que se realizavam no black, como
flexibilizar a rigidez da conversibilidade. Mais sucintamente: reduzir o mercado
paralelo a mercado "negro" e preparar o terreno para uma "conta financeira" mais
liberal.
5
Do grego autócton, pelo latim autóchtone, que quer dizer independente das origens exóticas.
35
Dessa maneira, em dezembro de 1988, através da Resolução nº. 1552, o
Banco Central do Brasil estruturou medidas liberalizantes (selecionadas por nós,
segundo critério de importância ao bom entendimento de seus propósitos maiores)
que formataram a estrutura dual de nosso mercado de câmbio. Viabilizada por uma
espécie de "recorte legal", que procurou contornar algumas restrições de nosso
marco regulatório, qual seja a Lei 4131/64, ancorando-se no Decreto nº. 55.762/65,
e na Carta Circular nº. 5 de 1969, que estabelecia parâmetros à aquisição e remessa
de divisas, por parte de não residentes.
A partir de então, passamos a conviver com um segmento, em que as taxas
eram fixadas e voltadas às transações comerciais e financeiras, e, com outro, em
que as taxas eram livres e voltadas a algumas transações especificas. Vamos,
então, a elas:
I - Às instituições financeiras, às agências de turismo e aos meios de turismo
de hospedagem é permitida a realização de operações de câmbio a taxas livremente
convencionadas entre as partes, sob as seguintes condições:
a) Operações contempladas:
- compra e venda de câmbio de viajantes;
b) Limites:
1. Venda de Câmbio:
- em espécie, "traveller’s checks" ou ordem de pagamento : até US$
4.000,00 ou seu equivalente em outras moedas por viajante e por
viagem;
- 2. Compra de câmbio:
- sem limites;
c) Restrições:
1. Venda de Câmbio:
- em espécie, “traveller checks" ou ordem de pagamento: com
identificação compulsória do comprador, sujeita a comprovação da
viagem anterior, dispensada a exigência de interstício mínimo;
2. Compra de Câmbio:
36
- sem identificação compulsória do comprador, assumindo o
comprador o risco comercial pela boa liquidação do instrumento
financeiro adquirido.
d) Posição de Câmbio:
- as instituições credenciadas a operar no sistema devem registrar
suas operações de taxas flutuantes em posição apartada daquelas,
processadas no segmento de taxas administradas;
- a posição comprada pode ser repassada, contra cruzados
6
, a
instituição no exterior, com as quais poderão igualmente ser
efetuadas arbitragens;
- o Banco Central poderá fixar limites de posição comprada.
e) Contas em Moedas Estrangeiras:
- as instituições não bancárias, operadoras do sistema, podem
manter, junto a banco credenciado, contas de livre movimentação
em moeda estrangeira ou a prazo fixo, que podem ser remuneradas
exclusivamente na mesma moeda do depósito.
De pronto, cabe-nos destacar que o fito primeiro das medidas implementadas
foi atender às operações de compra e venda de divisas, afinadas à atividade
turística, que, diante das limitações impostas (tetos nas vendas e taxas deprimidas
nas compras), efetuavam-se majoritariamente à margem da legalidade. À
concretização do intuito, constituir-se-ia como condição necessária à convergência
entre as taxas praticadas
7
, fato que só foi possível graças ao processo de arbitragem
levado a cabo pelos agentes econômicos e sancionado pela autoridade monetária.
Garófalo Filho (2000, p. 157) ressalta aspectos sobre a questão:
O objetivo foi o de atender exatamente ao câmbio de viajantes, livrando-os das amarras
existentes: o brasileiro, com fortes restrições à compra [...] e os estrangeiros constrangidos
em vender seus dólares em um mercado ilegal [...] Resta entender qual a "mágica" utilizada
para que as taxas [...] fossem iguais àquelas observadas no paralelo [...] O segredo é
6
Moeda de curso forçado brasileira à época.
7
Zini (1995) e Garófalo Filho (2000) destacam ainda a importância do processo de arbritagem com
ouro, como instrumento equalizador das taxas.
37
simples: se uma mercadoria [...] é negociada em dois mercados, para que os preços, ou
taxas, sejam iguais, necessário se faz que exista a possibilidade de comprar em um e vender
em outro [...] Essa migração de um mercado para outro, em busca do diferencial de preços
[...] força a igualdade dos preços /taxas.
Digno de destaque é o fato que, ao permitir o repasse da posição comprada
contra cruzados para instituições não residentes - vide item "d" dos procedimentos
listados da Resolução 1552, autorizavam-se as transferências ao exterior em moeda
nacional, dando com isto curso internacional ao cruzado - neste caso, alterações a
posteriori, que oportunamente serão reveladas, ampliaram ainda mais as
transferências internacionais em moeda "doméstica".
Importa ainda mencionar que, contrariando o mercado de câmbio "oficial",
no mercado de taxas flutuantes, as autoridades monetárias não assumiriam a
obrigatoriedade de fornecer/receber moeda estrangeira, onde havia excessos de
posição vendida - "cobertura" - ou posição comprada - "repasses". Nestas
circunstâncias, movimentos setoriais intempestivos ou especulativos não
impactariam nos níveis de reserva, tendo em vista que a oferta de divisas deixou de
ser perfeitamente elástica.
Resumindo, pode-se argumentar que a grande inovação do câmbio "turismo"
foi, em primeiro lugar, a especificidade de sua organização, englobando tanto
instituições financeiras, como não financeiras; somando-se a isto, suas fontes e
usos, representadas, respectivamente, pelos turismos "receptivo" - neste caso,
ilimitadas e sem necessidade identificação - e "emissivo" - neste caso, com limite
fixado em US$4.000,00 e com identificação do comprador -, e a não obrigatoriedade
de "cobertura" e "repasse". Estas informações estão consubstanciadas nas palavras
de Zini (1995, p. 23), em que este diz que “O item Viagens Internacionais no
Balanço de Pagamentos passou de um déficit de US$ 600 milhões em 1988 para um
superávit de US$ 474 milhões em 1989 e um pequeno déficit de US$ 122 milhões
em 1990”.
O comentário de Zini é ainda corroborado conforme Tabela 1 abaixo:
38
TABELA 1 - BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL
Transações Correntes - Itens Selecionados
US$ milhões
Discriminação 1980-83
Média
1984-88
Média
1989 1990 1991 1992 1993
Jan/Set
Viagens Internacionais
Receita
Flutuante
Livre
Despesa
Flutuante
Livre
-411
118
0
118
529
0
529
-362
87
0
87
449
0
449
474
1.224
1.116
108
749
664
85
-123
1.382
1.227
155
1.505
1.427
78
-212
1.002
799
203
1.214
1.159
55
-298
923
702
221
1.221
1.167
54
-615
656
500
156
1.271
1.244
27
Transferências Unilaterais
Receita
Flutuante
Livre
Despesa
Flutuante
Livre
117
263
0
263
146
0
146
114
162
0
162
47
0
47
244
265
200
65
21
4
17
834
876
821
55
42
27
15
1.556
1.599
1.506
93
43
37
6
2.056
2.125
2.074
51
69
51
18
1.105
1.168
1.160
8
63
32
31
Fonte: Bacen, 2005.
Pode-se observar que no item "Viagens Internacionais", onde a contabilidade
oficial registrava valores anuais médios de cerca de US$100 milhões nas receitas e
US$ 500 milhões nas despesas, passa a registrar, a partir de 1989, valores
superiores a US$ 900 milhões, tanto para receitas como para despesas. Já no item
"Transferências Unilaterais", passou, no quesito receita, de valores inferiores a US$
milhões - anos anteriores a 1989 - para algo próximo de US$ 1,1 bilhão - jan/set de
1993. Obviamente, estas alterações representaram um "desencargo" sobre a
posição de caixa da autoridade monetária, tendo em vista que os itens em questão
registravam déficits significativos, nos períodos 1980/1983 e 1984/1988. Na verdade,
foi uma espécie de débâcle do "Balanço de Pagamentos Paralelo", característico dos
momentos áureos do mercado extra-oficial.
Desta forma, pouco a pouco o segmento "turismo" foi incorporando novas
operações, de modo a garantir uma maior flexibilidade em nossa "conta capital". No
âmago das medidas adotadas, estava a idéia de que restrições à saída
representariam desestímulos à entrada do capital, condição inaceitável a uma nação
que procurava, e ainda procura, se desvencilhar do estigma do protecionismo.
39
3.4 “Flutuante”, contas CC5 e transferências internacionais em moeda nacional
Conforme mencionado no tópico anterior, procurava-se fazer com que o
mercado de câmbio "Flutuante" fosse gradativamente incorporando novas
operações, permitindo assim uma maior mobilidade ao fluxo de capitais. Uma série
de medidas foram sendo adotadas, no sentido de viabilizar as intenções, mas
preferimos ressaltar apenas as que julgamos mais relevantes.
Dentro desse contexto, citamos a Circular 2242 e Carta Circular 2259, ambas
de 1992, que, em sua essência, permitiram que instituições estrangeiras, não
autorizadas a funcionar no Brasil, pudessem ter conta de depósitos de livre
movimentação - ou seja, plena conversibilidade - em bancos nacionais.
Operacionalmente, esta modificação deu-se através de alteração do plano contábil
das instituições financeiras, que passou a abrigar o item "Depósitos de Domiciliados
no exterior / Instituição Financeira", permitindo, entre outras coisas, a movimentação
de divisas sem prévio consentimento da autoridade monetária. As nuanças do
processo podem ser melhor compreendidas, através da cartilha sobre o regime
cambial brasileiro, editada pelo BACEN:
Utilizou-se uma conta padrão já existente ('Depósito de Domiciliados no Exterior'), mas cuja
utilização estava restritamente regrada pela Carta-Circular nº 5, de 27.02.69. Com isso, tinha
de um lado o regulamento do novo segmento do câmbio que permitia a livre movimentação
das contas de instituições financeiras não-residentes e, de outro lado, a Carta Circular nº. 5
que restringia a movimentação. Note-se, no entanto, que o Decreto nº. 55.762, norma de
hierarquia maior do que um regulamento, determina que a conta de não residentes [...] são de
livre movimentação [...] E o fez o regulamento [...] ao permitir que instituições financeiras
brasileiras e estrangeiras transacionassem moeda estrangeira [...]? Deu-se uma autorização
genérica e publica para que as contas -correntes em cruzeiros, tituladas por instituições
financeiras não residentes , fossem movimentadas sem restrição. (BRASIL. Banco Central,
1993).
Ou seja, como podemos observar, por caminhos, digamos, sinuosos, o
mercado flutuante, inicialmente concebido para abrigar operações de câmbio
afinadas aos turismos "emissivo" e "remissivo", passou também a incorporar
operações afinadas a remessas de divisas ao exterior, antes tidas como uma
espécie de heresia, um crime de lesa-pátria, e, como tal, conduzidas em grande
parte pelos caminhos extra-oficiais. Atingiu-se, assim, uma mobilidade de capitais,
até então, inimaginável, tendo em vista que, via instituições financeiras não
40
residentes, tornou-se possível converter moeda doméstica em estrangeira, e vice-
versa, dentro da legalidade e sem intervenção da autoridade monetária na
determinação das taxas praticadas.
Ainda digna de menção são as palavras de Garófalo Filho (2002, p. 271),
onde este explica que:
Se o agente transfere recursos em reais para uma instituição financeira não-residente, pode
ser que ela não compre moeda estrangeira aqui no Brasil. Ela pode usar moeda estrangeira
dela mesma para entregar ao beneficiário indicado pelo agente e manter os cruzeiros reais
em sua conta corrente [...].
Esta observação remete-nos a pensar na grande ferramenta criada no intuito
de conduzir a uma maior liberdade cambial, pois, na medida em que o agente de
recursos não comprasse moeda estrangeira dentro do mercado interbancário, menor
seria a pressão sobre o câmbio e o impacto direto sobre as reservas cambiais do
país.
Complementando as informações sobre o processo de flexibilização das
restrições cambiais, cabe-nos abordar os mecanismos legais que permitiram sua
implementação. Quanto à questão, os comentários, acima disponibilizados, da
autoridade monetária são bastante elucidativos, não deixando dúvidas sobre a
"engenharia legal" que envolveu os procedimentos. Na verdade, conforme já
mencionamos, o Brasil é tradicionalmente rígido nos controles cambiais, fruto, entre
outras coisas, de seu estado periférico, o que exigiu uma série de medidas paralelas
para flexibilizá-los.
Portanto, não causa espanto o fato desses "artifícios" terem gerado
questionamentos quanto à caracterização de um confronto legal com o marco
regulatório vigente, basicamente, a Lei 4131/62, que disciplina o capital estrangeiro
no país. Mais precisamente, argumenta-se que a seqüência de atos normativos e
regulamentos sobre a operacionalização do mercado de taxas flutuantes, ou seja, o
câmbio turismo amplificado, confronta-se diretamente com Lei maior, tendo em vista
que dão tratamento diferenciado ao postulado em norma hierarquicamente superior.
Daí decorrem todas as críticas e questionamentos ao modelo (e aqui nos isentamos
de qualquer comentário sobre os fatos, já que extrapola a nossos propósitos), que
apontam suas inconsistências e possíveis brechas para remessas de divisas de
origem duvidosa.
41
3.5 A demanda por ativos estrangeiros em um mercado de câmbio dual: um
modelo simplificado
Franco (1992, p. 15) procurou modelar o comportamento de residentes no
país quanto a sua composição de portfólio entre ativos em moeda nacional e em
moeda estrangeira em uma economia com câmbio dual.
Este argumenta que a busca por ativos em moeda estrangeira gera o
fenômeno conhecido como currency substitution que nada mais seria do que o
movimento feito por residentes no intuito de obterem moeda de curso internacional,
diferentemente da moeda brasileira.
Explicita ainda o autor as formas de se obter dólares
8
:
(i) ou de não residentes através de manipulação de transações do balanço
de pagamentos, tais como subfaturamento de exportações;
(ii) ou de residentes detentores de dólares que aceitam vendê-los em função
de suas expectativas de desvalorização e diferenciais de taxas de retorno.
Informa ainda o autor que pare esta última, as transações ocorrem entre
residentes [...] fora do balanço de pagamentos, mas com impacto sobre a
taxa de câmbio.
Assim sendo, ao modelar as relações existentes na busca por hedge, segundo o
autor, deve ser considerado o seguinte elemento no problema:
(i) disposição do público de efetuar movimentos de currency substitution, ou
de acrescentar ativos denominados em dólar.
Dessa forma, assim seria descrito o comportamento do público quanto as
decisões de alocação de portfólio:
____M____ = λ ( dj + _e_ ). λ' > 0
M + e.F* e
8
O autor cita o dólar, uma vez que a moeda é ainda hoje a principal envolvida em todas as
transações mercantis internacionais.
42
Onde, a parcela da riqueza total W= M + e.F* na forma de ativos em moeda
nacional M e em ativos em dólar e.F* é uma função positiva λ(.) do diferencial de
taxas de juros corrente no mercado nacional e internacional, dj, e da desvalorização
cambial esperada e/e.
O modelo desenvolvido por Franco demonstra a forma pela qual os agentes
procuram resguardar a sua riqueza financeira, que, na ocorrência de possíveis
movimentos causadores de depreciação cambial e conseqüente perda de valor da
moeda, leva os agentes a demandarem moeda estrangeira, alterando a sua
composição de portfólio e inflacionando o mercado de câmbio dual.
3.6 Prós e contras dos regimes duais
Retornando à nossa análise, a bipartição de nosso mercado de divisas
representou, conforme demonstrado, um mecanismo de liberalização, de
flexibilização das normas vigentes, que contribui, e muito, para dar uma maior
transparência às operações efetuadas. Buscaremos aferir sua eficiência/ineficiência,
através de quesitos afinados à esfera macroeconômica, cabendo, entretanto,
salientar que as considerações a serem feitas podem apresentar uma certa
defasagem temporal, tendo em vista as alterações que se procederam na esfera
cambial, mas procuraremos adequá-las, sempre que possível, ao contexto
histórico.
Iniciando nossa abordagem pelas implicações positivas, pode-se argumentar
que o regime dual permitiu um razoável papel ao mercado, na determinação da taxa
de câmbio, ao mesmo tempo em que manteve a maior parte do fluxo de divisas sob
os cuidados da autoridade monetária. Isto foi possível, com um breve interregno no
governo Collor, até o ano 1999, quando se abandonou à sistemática das bandas
cambiais, no mercado "livre" ou "comercial", adotando-se também aí o regime
flutuante. Ademais, apresenta-se como uma espécie de "válvula de escape" a
potenciais pressões cambiais, tendo em vista que se constitui como caminho
alternativo à saída de capitais.
Esta argumentação fica efetivamente corroborada através da análise do fluxo
cambial, Tabela 2 abaixo, que passou a existir com a criação do flutuante, ou seja, o
43
que antes não era monitorado e se processava em quase sua totalidade pelo black,
passa a compor as estatísticas de câmbio da autoridade monetária.
TABELA 2 - Movimento de Câmbio do Segmento Flutuante - 1989 a 2003
US$ Milhões
Ano Ingressos Remessas Saldo
1989 1.350,7 1.153,6 197,2
1990 3.678,1 8.370,3 -4.692,2
1991 6.522,3 11.513,1 -4.990,8
1992 6.415,0 9.970,0 -3.555,0
1993 11.418,0 17.239,0 -5.821,0
1994 12.476,1 16.367,1 -3.891,0
1995 22.475,6 24.398,4 -1.922,8
1996 5.102,0 19.515,2 -14.413,2
1997 5.568,4 29.452,5 -23.884,1
1998 7.530,6 39.284,1 -31.753,5
1999 9.057,1 20.235,4 -11.178,4
2000 8.522,6 17.525,6 -9.003,1
2001 8.415,3 16.280,2 -7.864,9
2002 9.556,5 17.531,5 -7.975,0
2003 13.117,9 10.754,1 2.363,8
Total
131.206,3 259.590,3 -128.384,0
Fonte: Bacen, 2005.
O mercado dual de câmbio permite, ainda, uma menor indução à fuga de
capitais e à fraude aos controles cambiais, já que dispõe de um segmento, em que a
conversibilidade apresenta grau superior de liberdade; neste caso, a redução do
mercado paralelo a casos marginais, após o processo de flexibilização, respalda a
hipótese levantada finalmente, e sem qualquer pretensão de esgotar o assunto,
permite, pelo menos nos moldes inicialmente propostos, uma maior autonomia na
condução das políticas monetária e cambial. Ou seja, ao não se comprometer, no
mercado de taxas flutuantes, a fornecer repasse e cobertura a posição cambial, a
autoridade monetária minora a possibilidade de uma expansão "autônoma" da base
monetária, assim como uma interferência mais incisiva, por parte do mercado, nos
níveis de reserva.
Já em relação às implicações negativas, o câmbio duplo é particularmente
eficaz em majorar o aparato burocrático, uma vez que requer um cerrado
acompanhamento para manter estanques os segmentos. Ademais, ao manter uma
taxa controlada (e aqui, voltamos a ressaltar que o comentário pertence a período
44
específico de nossa política cambial, não se adequando à realidade atual) e uma
taxa livre, o sistema induz à arbitragem, pondo em risco o mercado controlado.
Finalmente, mas não menos importante, mercados de câmbio duais são
convencionalmente vistos como estruturas transitórias, cuja implementação respeita
momentos de instabilidade, em que a escassez de divisas constitui-se na tônica da
questão. Sendo assim, sua perpetuação assume um caráter, digamos, paradoxal,
uma vez que, ao emperrar o livre fluxo de capitais, acaba contrariando seus
propícios propósitos.
Nessa medida, pudemos verificar, ao longo dessa análise, que o mercado
cambial brasileiro tinha o seu funcionamento limitado por um mercado paralelo de
divisas que trazia conseqüências, podemos dizer, desastrosas às contas do balanço
de pagamentos.
Dava-se a ilusão, não só à própria equipe econômica, mas aos investidores
internacionais de que o país era frágil, tendo como principal característica, a
fragilidade de suas contas externas, sempre sub-avaliadas em seus recursos e
superestimadas em seus usos.
Neste sentido, ao fim do ano de 1988, início de 1989, teve o Banco Central a
sutileza de diferenciar o mercado de câmbio brasileiro, por meio da separação dele
em um mercado “livre”, onde as taxas eram determinadas pela autoridade
monetária, e o flutuante, mais conhecido como segmento turismo, onde eram
livremente pactuadas. Dessa forma, o black vai perdendo gradativamente sua
importância; o que antes se fazia através de instrumentos extra-oficiais, passa então
a se realizar dentro do amparo legal, dando assim a capacidade da autoridade
monetária de promover ajustes efetivos no mercado cambial, sem maiores
probabilidades de grande vazamento de divisas.
No capítulo seguinte, a questão da reunificação dos mercados passa a ser
foco de nossas atenções. Sua coerência e implicações, diante de nossa realidade
cambial, nos auxiliará a assumir uma postura mais definida sobre os entre meios de
sua implementação, os passos a serem atingidos e a sua efetividade sobre a
economia brasileira.
45
4 A UNIFICAÇÃO CAMBIAL: A QUESTÃO DA LIBERALIZAÇÃO
DOS FLUXOS FINANCEIROS
Em janeiro de 1999, após uma maré especulativa que drenou boa parte de
nossas reservas, a autoridade monetária informou que, a partir de então, delegaria
ao mercado a tarefa de definir a taxa de câmbio - câmbios livre e flutuante -,
passando a intervir "ocasionalmente": Era o fim do regime de bandas cambiais,
substituído por um sistema de "flutuação suja". Criava-se assim uma espécie de
liberdade vigiada, subordinada aos interesses conjunturais.
Na verdade, entendemos que tais medidas visavam, em especial, a
proporcionar maior oferta de moeda estrangeira, uma vez que o país encontrava-se
em um momento de instabilidade financeira gerada pela propagação da crise de
âmbito internacional.
Geradas, assim, as bases para o processo de unificação cambial e seus
resultados sobre os fluxos de câmbio, passava às mãos do Banco Central a decisão
de promover a unificação dos mercados. Nas palavras de Garófalo Filho (2000, p.
172), encontramos uma visão prospectiva sobre a questão:
[...] prevíamos que o processo de unificação teria início pela unificação das taxas, o que
ocorreu em 1999 [...] Tal “unificação de taxas” se deu pela unificação das posições de
câmbio, o que faculta total arbitragem entre as operações conduzidas em um e outro
mercado: dólares comprados de turistas estrangeiros podem ser vendidos a importadores, e
assim por diante.
A partir das palavras de Garófalo Filho, identificamos dois dos fatores
primordiais na tentativa de unificação dos mercados de câmbio no Brasil: a primeira
“Os fluxos de capitais são como aviões a jato. Eficientes e
benéficos ao mundo, mas seus desastres são
espetaculares”.
Lawrence Summer (Vice-secretário do Tesouro dos EUA)
46
referente à mudança do regime cambial brasileiro, da polêmica taxa de câmbio fixa,
ou bandas, para taxa de câmbio flutuante ou flexível, e, em nível operacional, a
unificação das posições de câmbio dos bancos autorizados a operar neste mercado.
Independentemente das mudanças ocorridas, manteve a autoridade
monetária apartados os mercados de câmbio “livre” e “flutuante”, onde, no primeiro,
continuavam a operar-se as transações relativas ao comércio exterior de bens e
serviços, nestes incluídos os serviços financeiros, tais como: pagamentos de juros,
lucros, royalties, além dos ingressos e remessas de divisas referentes a conta
financeira, tais como: investimentos estrangeiros diretos, financiamentos, dentre
outros. Já no segmento flutuante, mantiveram-se as operações referentes ao câmbio
turismo, representada pela rubrica viagens internacionais do balanço de pagamentos
assim como serviços relacionados à aquisição de software
1
, cursos e, não deixando
de lembrar, as operações relacionadas às transações internacionais em reais – TIR.
No estudo dos regimes cambiais, duas são as considerações a serem feitas a
estes: A primeira faz referência à faculdade de intervenção da autoridade monetária
no mercado de câmbio. No regime de flutuação, diga-se de passagem, necessário
para que haja livre mobilidade de capitais sem engessar a economia
2
, o Banco
Central não possui compromisso público de estabelecer uma determinada cotação
para o câmbio, utilizando-se da sua Espada de Dâmocles para intervir no mercado
em casos de apreciações ou depreciações excessivas da moeda de referência, sem
deixar de ressaltar a possibilidade de intervir tão somente com o objetivo de compor
reservas. Já a segunda refere-se ao poder normatizador do Bacen, disciplinando o
mercado através de regras específicas que levem ao maior controle do fluxo de
moeda estrangeira na economia do país.
Vemos assim, que, com a adoção do regime de câmbio flutuante em 1999, foi
dado o passo inicial para pretensões futuras de dar maior liberdade aos fluxos
internacionais, restando, tão somente, a adoção de medidas de âmbito normativo,
promovedora de resultados diretos sobre o fluxo de câmbio contabilizado no balanço
de pagamentos.
1
Um dos grandes problemas enfrentados pelo Banco Central, no que tange as autorizações para
pagamento de softwares, seja o principal deste ou os juros, estava em estabelecer um valor plausível
para o bem intangível, uma vez que pouco se pode argüir de valor sem saber a sua real utilidade.
2
Aqui vale citar o caso Argentino que, com sua livre conversibilidade mas com taxa de câmbio fixa
em relação a moeda americana, levou o país ao colapso com a maciça saída de capitais em 2001.
47
Gostaríamos ainda de ressaltar que, na época da mudança do regime,
permitiu a autoridade monetária que bancos operadores do mercado de câmbio
unissem as posições referentes aos mercados livre e flutuante, dando assim
liberdade às instituições financeiras de se utilizarem de moeda forte de acordo com
as posições que se encontrassem nos dois mercados cambiais.
Nessa linha de raciocínio, chegamos à conclusão de que, com as medidas
tomadas, passava o Banco Central a desmoronar a Engenharia normativa
estabelecida em 1988 com a criação do duplo mercado de câmbio no Brasil, tendo
agora em suas mãos a oportunidade de verdadeiramente “aplainar” o mercado
cambial, removendo paulatinamente os entraves ainda existentes.
Na verdade, com o novo regime cambial em funcionamento e a unificação das
posições, acirraram-se ainda mais as pressões para que o BC promovesse uma
liberdade ainda maior dos fluxos cambiais. Além dos próprios bancos operadores do
sistema, exportadores animados com o grande aumento das exportações, passaram
a trabalhar diretamente para que houvesse uma completa reestruturação das
normas.
Esta visão fica caracterizada nas palavras de Arida (2003, p. 8):
Controles cambiais, no entanto, não são a resposta microeconômica correta para aplainar a
volatilidade excessiva na taxa de câmbio. No contexto das taxas flutuantes, Bancos Centrais
sempre podem evitar a apreciação ou depreciação exageradas através da intervenção
aberta, aumentando ou diminuindo suas reservas; alternativamente, podem impor taxação
temporária com alíquota uniforme e universal para entrada ou saída de moeda estrangeira.
Qualquer dos dois métodos é preferível a deturpar o funcionamento do sistema de preços
através de normas e regulamentos que privilegiam, por ato do príncipe, certas categorias de
transação e certos agentes em detrimento dos demais.
Assim sendo, passado o período de perturbação econômica vivida pelo país,
e dada a fundamentação, via taxas flutuantes, para a diminuição dos entraves do
sistema, passou o Banco Central a editar uma série de medidas com o intuito de
promover a maior liberalização nos fluxos comerciais e financeiros, objetivando
adequar a legislação em âmbito operacional
3
da autoridade monetária ao
funcionamento do mercado cambial.
3
Vale aqui ressaltar, como já dito anteriormente, que a legislação cambial brasileira data dos anos de
1930 e que esta legislação só pode ser modificada através da elaboração de leis substitutivas às
vigentes, o que não está no plano de capacidade do Banco Central, já que estas leis só podem ser
alteradas por propostas enviadas, votadas e promulgadas pelas casas do congresso nacional.
48
O que veremos no correr deste capítulo é exatamente a forma como estas
medidas foram, e estão sendo conduzidas, os debates gerados por seus resultados
e, principalmente, os impactos que novas propostas venham a ter sobre o balanço
de pagamentos e sua conseqüências sobre a economia do país.
4.1 A unificação dos mercados de câmbio e suas conseqüências
Em 04 de março de 2005, por meio da Resolução 3265 do Conselho
Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil deu nova redação ao mercado de
câmbio brasileiro, dando um importante passo rumo à liberalização do fluxo de
moedas estrangeiras na economia.
Estabeleceu-se o fim do duplo mercado cambial, livre e flutuante, passando a
existir novamente um único mercado, onde se realizam todas as operações de
compra e venda de moedas estrangeiras
4
, operações com ouro-instrumento cambial
e, inclusive, as operações referentes às transferências internacionais em reais,
chamadas pelo mercado de CC5.
Descrevemos de forma sucinta as alterações, iniciando-se pelas operações
em seu caráter genérico:
a) As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda
estrangeira ou realizar transferências internacionais em reais, de qualquer
natureza, sem limitação de valor, observada a legalidade da transação, tendo
como base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na
respectiva documentação. Incluem-se nesta faculdade as compras e vendas
de moeda estrangeira, por pessoas físicas ou jurídicas, residentes,
domiciliadas ou com sede no País, em banco autorizado a operar no Mercado
de Câmbio, para fins de constituição de disponibilidades no exterior e do seu
retorno. Fica dispensada a manifestação prévia do Bacen para assunção de
compromisso no exterior.
4
Aqui sai de nossa esfera qualquer comentário sobre o mercado paralelo que será abordado em
momento oportuno.
49
b) Manutenção do respaldo documental para todas as operações conduzidas no
mercado de câmbio, deixando, no entanto, de serem discriminados os
documentos por tipo de operação, sejam elas referentes as operações de
comércio exterior, sejam elas de remessas diversas, tais como manutenção
de residentes, aplicações no exterior etc.
Iniciamos nossa abordagem, fazendo uma breve análise referente a estas
primeiras mudanças: a liberdade concedida para compra e venda de moeda
estrangeira, sem limitação de valor, demonstra a maturidade alcançada pela
economia. Sabemos que o nosso país é tido como um país em desenvolvimento,
que necessita de fluxos sempre crescentes de capitais estrangeiros, capazes de
financiar o seu crescimento e desenvolvimento econômico.
Essa liberdade representa uma condição sine-qua-non, pois, na medida em que
investidores não tenham receios de aprisionamento de suas aplicações, mais forte
se torna a capacidade de atração de capital sem a desconfiança deles quanto a
possíveis confiscos impostos pela autoridade monetária.
Ratificamos, ainda, as argumentações de que controles excessivos, mesmos os
burocráticos, até então, presentes em nossa realidade de trabalho
5
, afugentam o
investidor estrangeiro, o importador, e o próprio residente no país, tornando-os
céticos quanto a suas relações financeiras com o país.
Exatamente no sentido de tais afirmações, promoveu o Banco Central mudanças
relevantes na forma de condução das tão comentadas operações em moeda
nacional
6
- TIR, objeto de distintas interpretações pelas mais diversas correntes e
doutrinas:
c) Continuam a ser livremente convertidos em moeda estrangeira, para
remessa ao exterior, exclusivamente em banco autorizado a operar no
5
A necessidade de empresas honrarem seus compromissos no exterior, tais como pagamento de
serviços terceirizados relacionados à garantia de uma exportação de bem realizada, em valores
acima de US$ 3.000,00, necessitava de uma análise documental, fazendo com que uma simples
remessa chegasse a demorar cerca de uma semana para ser autorizada, desde seu protocolo no
Banco até a chegada da autorização nas mãos do solicitante.
6
Interessante notar que as operações via TIR não são efetivamente fechadas em moeda nacional. O
que ocorre é a conversão dos reais na moeda que será depositada no exterior na conta de um não
residente ou de um próprio residente, possuidor de conta no estrangeiro.
50
mercado de câmbio, quaisquer saldos em moeda nacional existentes em
contas de residentes, domiciliados ou com sede no exterior, de
propriedade do titular da conta, sendo vedada a utilização em nome de
terceiros.
d) Nas transferências internacionais em reais passam a ser observados, no
que couber, os mesmos critérios, disposições e exigências estabelecidos
para as operações de câmbio em geral e as orientações específicas
previstas na regulamentação.
Identificamos, nesse ponto, uma importante medida tomada, uma vez que se
torna compulsório que todos os saldos em moeda nacional, a serem convertidos e
posteriormente remetidos ao exterior, devam estar identificados pelo vendedor das
divisas, o que, em tese, passa a facilitar o controle quanto ao remetente da moeda
ao exterior.
Como sabemos, os questionamentos referentes a estas operações partiam
principalmente da falta de identificação do real remetente das divisas ao exterior.
Com as mudanças ocorridas, tenta a autoridade monetária acabar com o “veio
poluído” gerado pelo envio de moeda estrangeira ao exterior através dos depósitos
de recursos em conta de instituições financeiras não residentes, estas não
proprietárias dos recursos em suas contas depositados.
Por fim destacamos, nos pormenores, as medidas relacionadas diretamente
aos residentes no país, em sua liberdade de realizar aplicações financeiras no
exterior:
e) Permissão para que as pessoas físicas e jurídicas possam comprar e
vender moeda estrangeira para fins de aplicação no exterior, dentre as
quais, constituição de disponibilidade, investimento direto e etc., realizadas
diretamente na rede bancária, sem limitação de valor, exceto para aquelas
operações que possuem regulamentação específica.
Trata-se de uma medida lógica, que procurou romper com uma das maiores
distorções geradas pelo rígido controle cambial exercitado pelo Banco Central.
51
Como explicar o sonho de todo brasileiro de classe média, poupador, que
interessado em aplicar seus recursos em economias com moeda forte, seguras, mas
que, no entanto, sempre esbarravam nos controles impostos, conforme exposto por
nós no capítulo 3 deste trabalho. Na verdade, a liberdade concedida passa a trazer
ao cidadão o fim do sentimento de estar cometendo um crime de lesa-pátria, ao
retirar de seu país o pouco que ele tem de poupança, tão necessário aos ganhos
estrondosos de poucos.
Pois bem, pode agora todo o cidadão, independentemente de maiores
constrangimentos, realizar diversas operações de investimento no exterior
7
, seja
para manter o valor de seu salário real seguro contra possíveis corrosões
inflacionárias, como também para financiar o crescimento e o desenvolvimento
econômico produtivo de outras nações.
Dentre outras faculdades geradas pela Resolução 3265, citamos a liberdade
concedida aos brasileiros de reconhecido sucesso internacional que, remunerados
por opções de ações de grandes companhias transnacionais na qual trabalham,
podem agora facultar as suas decisões quanto a melhor forma de aplicação de seu
capital adquirido.
Por fim, destacamos a liberdade concedida às empresas brasileiras
internacionalizadas que agora podem, sem restrição de valor, promover o
crescimento de suas unidades industriais, sem a necessidade de realizarem
operações estruturadas que, stricto sensu, envolviam um valor demasiado no
subfaturamento de suas receitas de exportação como financiamento a seu
crescimento externo
8
.
O que vemos, uma vez caracterizadas as medidas de âmbito liberalizantes
provocadas pela Resolução 3265, é a exata dimensão a ser gerada pelo embate
entre esta e o controle dos fluxos de capitais exercidos pela Lei 4.131/64. A edição
da norma pelo CMN foi realizada tão somente no intuito de dar continuidade ao
processo de flexibilização do câmbio diante das bases solidificadas pelo regime de
câmbio flutuante. Os controles de capitais são capitaneados pela necessidade de
dar maior raio de ação ao país diante de crises sistêmicas, o que não quer dizer que
7
Não cabe aqui comentários relacionados a tributação exercida pelo fisco brasileiro, no entanto, deve
o investidor ser sabedor da necessidade da correta informação ao fisco em relação ao seus recursos
no exterior, e possíveis incidências de tributos relacionados a renda.
8
Simplesmente pela manutenção da divisa no exterior para fins de ampliação de unidade produtiva
ou mesmo para aplicação em novas oportunidades de negócio.
52
o país deva sempre cercear os fluxos em moeda estrangeira devido a um possível
momento instabilizador a ser gerado no futuro.
Este sentimento está diretamente exposto pela própria repercussão da norma
3265 e os seus impactos sobre o fluxo de capitais ocorridos no país. Correntes
favoráveis a ainda maior liberdade, via mudanças na norma legal, utilizam-se de
argumentos referentes ao risco que o país imputa aos investidores estrangeiros
diante da possibilidade de limitarem a saída de capitais. Por outro lado, defendem
alguns, que o controle de capitais é necessário ao correto desenvolvimento
econômico sustentado, uma vez que o enxugamento gerado pela saída de divisas
em momentos de crises poderá trazer impactos devastadores sobre a economia do
país.
O que procuramos a partir do próximo tópico é exatamente tentar expor tais
características e os possíveis resultados gerados pela adoção de medidas ainda
mais liberalizantes.
4.2 Empecilhos à liberalização do câmbio
Dentre todas as atribuições do Banco Central na condução da economia,
talvez seja a política cambial e seus meandros a mais frágil delas. Anos e anos de
inflação em níveis astronômicos transformaram o país em um cais de difícil
ancoragem para os capitais internacionais, uma vez que os rendimentos aqui
aplicados eram diretamente corroídos pela efetiva perda de valor da moeda.
Conseguida a tão sonhada estabilidade de preços, passa a economia a
transformar-se em uma potencial recebedora de recursos internacionais.
Verificamos que, atingido um dos pilares fundamentais da boa economia
capitalista, passa o país a ser visto como grande pólo de capitais migratórios em
busca de reconhecida agregação de valor. No Brasil, a estabilidade do poder de
compra da moeda trouxe como conseqüência a necessidade de efetiva liberalização
dos fluxos cambiais, necessários ao reconhecimento da moeda nacional como
instrumento de reserva de valor. Franco (1999 b, p.1) destaca este aspecto:
Já faz tempo que o Brasil está muito próximo de declarar sua moeda conversível no sentido
implícito no Artigo VIII do Convênio Constitutivo do FMI, que prescreve a 'conversibilidade em
conta corrente' [...] O único obstáculo a uma solene declaração que o Brasil está no Artigo
53
VIII seria a cobrança de IOF que incide sobre as compras com cartões de credito no exterior
[...] do lado da conta capital a situação normatizadora é bem mais complexa. Permanece em
vigor a Lei 4.131, de 1962, que regula 'capitais estrangeiros' [...] através de uma disciplina
muito simples: só tem permissão para sair o dinheiro que entrou e foi registrado. Ou seja,
resguardados os direitos de remessa de juros e dividendos [...] a repatriação está limitada ao
registro [...] Numa época em o black vinha se tornando cada vez mais importante, montou-se
uma engenhosa arquitetura jurídica para criar o que depois ficou conhecido com 'o flutuante'
[...] E foi assim que foram autorizadas as CC5 [...] e se criou uma 'janela' na conta de capitais
através da qual se podia desobedecer o princípio que 'só sai o que entrou previamente.
O que vemos é que, uma vez conquistado um dos pilares para o
reconhecimento da moeda nacional, passa a existir a necessidade de se fazer que
esta tenha curso internacional, ou seja, na mesma medida em que capitais
estrangeiros aqui investidos são convertidos em moeda nacional, a sua
transformação na saída deve ser feita e aceita da mesma forma. O que aqui
destacamos é que esta liberalização deve ser compassada de acordo com a
inserção representativa do país no mercado internacional.
Foi exatamente neste contexto de ampliação da moeda brasileira nas
transações com exterior que o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução
3265, dando ampliação aos debates sobre a liberalização da conta financeira do
Balanço de Pagamentos, terreno extremamente pantanoso e que possui sobre a sua
égide a tão famigerada “lei do Capital Estrangeiro”.
O objetivo principal desta norma infral-egal foi a de atender uma demanda
antiga por parte do sistema financeiro, caracterizado por anos e anos de completa
dependência de autorizações especificadas pela autoridade monetária no fluxo de
remessas financeiras com o exterior.
Além da própria dependência em si, pairavam sempre os questionamentos
quanto à legalidade das transações realizadas e o indevido uso ou não das contas
denominadas CC5.
Conforme descrevemos no tópico anterior, a Resolução provocou a unificação
dos mercados de câmbio livre e flutuante, promovendo uma unicidade no tratamento
mais detalhista do primeiro e mais branda do segundo, superando assim os conflitos
entre os dois mercados e suas peculiaridades.
A grande questão, no entanto, paira sobre a liberdade concedida aos bancos
brasileiros de realizarem remessas ao exterior sem a prévia autorização baseada em
documentação pertinente. Os questionamentos valem-se do argumento de que é
possível desburocratizar o mecanismo de trocas cambiais sem obrigatoriamente
54
romper com o disposto na lei. Caso possível, essa liberalização não aumentaria a
vulnerabilidade externa do país diante de crises internacionais, tais como as
acontecidas em anos anteriores?
Vamos ao cerne da questão: Estamos analisando a Lei 4.131, que, dentre
seus meandros, alguns se prestam diretamente a nossa análise.
Diz o Artigo 27 da referida Lei:
Art. 27 - O Conselho Monetário Nacional poderá determinar que as operações cambiais
referentes a movimentos de capital sejam efetuadas, no todo ou em parte, em mercado
financeiro de câmbio, separado do mercado de exportação e importação, sempre que a
situação cambial assim o recomendar. (BRASIL. Lei 4.131).
Vemos claramente que fica à mercê da autoridade monetária, por
determinação do CMN, a decisão de centralizar as operações de câmbio.
Na linha da centralização, expõe ainda a lei, em seus artigos 28 e 29 os
motivos justificadores da centralização cambial.
Art. 28 - Sempre que ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos, ou houver sérias
razões para prever a iminência de tal situação, poderá o Conselho Monetário Nacional impor
restrições, por prazo limitado, à importação e às remessas de rendimentos dos capitais
estrangeiros e, para este fim, outorgar ao Banco do Brasil
9
monopólio total ou parcial das
operações de câmbio.
§ 1º - No caso previsto neste artigo, ficam vedadas as remessas a título de retorno de capitais
e limitada a remessa de seus lucros, até 10% (dez por cento) ao ano, sobre o capital e
reinvestimentos registrados na moeda do país de origem, nos termos dos arts. 3º e 4º desta
Lei.
Art. 29 - Sempre que se tornar aconselhável economizar a utilização das reservas de câmbio,
é o Poder Executivo autorizado a exigir temporariamente, mediante Instrução do Conselho
Monetário Nacional, um encargo financeiro, de caráter estritamente monetário, que recairá
sobre a importação de mercadorias e sobre as transferências financeiras, até o máximo de
10% (dez por cento) sobre o valor dos produtos importados e até 50% (cinqüenta por cento)
sobre o valor de qualquer transferência financeira, inclusive para despesas com "Viagens
Internacionais". (BRASIL. Lei 4.131).
9
Leia-se Banco Central do Brasil.
55
Pela análise desses artigos, entendemos que, na necessidade de o país
adotar medidas que contenham a fuga de capitais, pode ele utilizar-se de seu poder
de “príncipe”, restringindo o fluxo de divisas com o exterior. Isso, no entanto, não
significa que medidas corretoras de assimetrias, não possam ser paulatinamente
efetivadas.
No que tange aos aspectos macroeconômicos, vemos como adequado o
momento em que se processam as medidas liberalizantes. O Brasil vem
apresentando, nos últimos anos, quais sejam 2002 a 2004, superávits cada vez
maiores no balanço comercial, provocados em sua essência pelo crescimento
avantajado das exportações brasileiras, concorrendo diretamente para a
minimização de déficits, a superávits de transações correntes, crescente
amortização da dívida externa assim como um grande esforço no intuito de
promover superávits primários que venham a gerar resultados diretos sobre a dívida
pública interna, principalmente a parte atrelada a variações de moedas estrangeiras.
Citamos ainda a política da autoridade monetária de intervir no mercado de câmbio
não como regulador de uma cotação, mas sim com o objetivo maior de maximizar a
composição de suas reservas internacionais.
Para corroborarmos ainda mais as ações tomadas no sentido liberalizante,
poderíamos nos questionar por que mesmo depois de cerca de 6 meses, desde a
data da unificação do câmbio e das medidas liberalizantes aos fluxos internacionais,
a trajetória do dólar neste período estaria sendo somente de queda.
A justificativa está em considerarmos que este movimento foi devido primeiro
pelo excesso de liquidez internacional que, aproveitando-se das altas taxas de juros,
aqui vieram repousar. Vale, no entanto, destacar que estamos a falar dos capitais
representados pela Lei 4.131 como empréstimos e financiamentos a prazos curtos
que, aproveitando-se de diferenciais de juros, maximizam as suas possibilidades de
arbitragem. Ao contrário destes, os investimentos em capital produtivo, em especial
os chamados Green Fields
10
, tem movimentos contrários, pois, na medida em que
maiores são os juros aqui oferecidos, menores são possibilidades de agregação de
valor via investimentos “tangíveis”.
10
Capital produtivo destinado a novos esforços de Investimentos, que devem gerar aumento direto no
nível de emprego e renda do país.
56
Não obstante, em oposição a isto, poderíamos nos perguntar por que nos
últimos 10 anos as taxas de juros reais eram ainda maiores e nem por isso havia
tanta oferta de moeda estrangeira? No entanto, para não continuarmos sempre a
responder questionamentos com novas perguntas, vamos a sintetização.
A questão da liberalização cambial através de medidas de âmbito interno da
autoridade monetária, sem confrontar com a lei maior, está caracterizada na própria
trajetória da nossa economia. Não podemos esquecer que, no passado recente, o
Brasil enfrentou graves crises cambiais, que o total de saída de moeda estrangeira,
por meio das transferências internacionais em reais (CC5), foi da ordem de mais de
US$ 100 bilhões e nem por isso o país voltou a declarar moratória.
O que vemos é que grande parte do escudo conquistado pela economia está
representado pela própria válvula de escape chamada câmbio flutuante que, em
situações de excesso de demanda age em favor da proteção das reservas cambiais
do país, estimulando as exportações brasileiras, bem como protegendo a política
monetária, já que assim o estoque de moeda nacional na economia não fica
diretamente condicionado ao “humor” dos investidores estrangeiros, tal como o
ocorrido com a Argentina no ano de 2001.
Caracterizado os fatos, perguntar-nos-íamos se não seria realística a
proposição de norma legal substitutiva a lei do capital estrangeiro, atendendo aos
anseios de investidores estrangeiros e de críticos do sistema de regulação cambial
hoje existente.
Medidas de natureza cambial devem ser tomadas paulatinamente, levando-se
em consideração a diversidade de fatores impactantes e geradores de resultados
negativos sobre a economia nacional.
Considerando ainda que tal medida padece de longa análise pela casa
legislativa brasileira, procurou a autoridade monetária mitigar os controles
operacionais, editando em março de 2005, a Resolução 3265, que trouxe uma série
de benefícios para o mercado cambial.
As reformas realizadas na legislação procuraram desburocratizar as
remessas financeiras para o exterior, dando maior liberdade ao fluxo cambial.
Unificou os dois mercados de câmbio ainda existentes, e acabou com a não
identificação do remetente de divisas para o exterior através das contas CC5 das
instituições financeiras.
57
Aqui ressaltamos a tentativa da autoridade de descriminalizar as remessas de
divisas para fora do país, através da identificação dos remetentes.
Estas séries de medidas produziram impactos efetivos sobre o fluxo de
divisas do país com o exterior, onde podemos identificar que o resultado do fluxo
financeiro de contratação de câmbio (venda de câmbio) para o período de janeiro a
julho de 2005, representado pelo Gráfico 2, teve sua magnitude aumentada em
cerca de 100%.
Como descrevemos anteriormente, a mudança produzida pela Resolução do
CMN trouxe tão somente maior transparência e liberdade às transações em moedas
estrangeiras, provocando, ao contrário do que muitos pensavam, apreciações na
moeda brasileira
11
.
0
2 000
4 000
6 000
8 000
10 000
12 000
14 000
16 000
Jan
Fev Mar
A
br Mai Jun Jul
Período de 2005
em milhares de dólares
Gráfico 2 – Vendas de câmbio – Financeiro
Fonte: Bacen, 2005.
Uma vez caracterizados os fatos, o que procuramos defender é que, atos
normatizadores por parte do poder regulador buscam tão somente dar maior
transparência as transações do mercado de câmbio, procurando romper com anos e
anos de efetivo controle burocrático. O objetivo das medidas está em adaptar o país
11
Destacamos que esta apreciação não foi dada tão somente pela desburocratização das remessas
financeiras, mas também, conforme descrevemos acima, pelo excesso de moeda estrangeira advinda
das operações comerciais e do excesso de liquidez internacional.
58
ao ambiente econômico hoje existente, em que o país consolida seu plano
econômico através do controle da inflação, da minimização das dívidas interna e
externa atreladas ao câmbio e da crescente corrente de comércio internacional.
Quanto à Lei 4.131/62, podemos dizer que esta representa um escudo para a
economia do país, uma vez que ela necessita estar resguarnecida de possíveis
abalos nos mercados internacionais.
O que podemos discutir, no entanto, é até que ponto esta característica deve
ser mantida? A simples revogação de parte da norma, em especial os seus artigos
28 e 29, poderia levar a um aumento ainda maior dos fluxos de capitais, mesmo que
para defender o país fosse necessário a imposição de taxações a “la Tobin”
12
, ou
seja, proteção através da imposição de taxações sobre o capital aqui investido.
Enfim, várias são as argumentações favoráveis quanto à manutenção da
regra maior disciplinadora dos fluxos cambiais, no entanto, flexibilizações nas
amarras possuem o intuito maior de gerarem resultados positivos sobre a disciplina
do mercado, procurando minimizar os entraves presentes no mercado cambial.
4.3 Os embates em torno da liberalização cambial
Os debates em torno da liberalização cambial no Brasil, ou, como definem
alguns, a conversibilidade plena da conta de capital e financeira do balanço de
pagamentos, estão mais do que nunca na ordem do dia. A ampliação da matéria se
deu em fins do ano de 2003, quando a cotação da moeda americana começava a
voltar à normalidade, após um período de inchamento artificial provocado pela
possibilidade de assunção ao poder no país de um partido que até anos atrás se
mostrava favorável a adoção de medidas que viessem a interromper a sangria de
moeda estrangeira para fora da economia brasileira.
As discussões sobre a adoção de medidas de caráter liberalizante encontram-
se baseadas, inicialmente, nos benefícios que a conversibilidade irrestrita geraria
sobre o risco-país e, conseqüentemente, pelo prêmio pago na composição da taxa
SELIC por parte do país.
Autores, como Arida (2003, p.153), defendem esta idéia claramente:
12
Proposição feita por James Tobin quanto à taxação de capitais na saída do país.
59
Quem empresta seus dólares a residentes no Brasil sabe que está correndo o risco do
devedor não ser capaz de gerar os reais necessários para quitar a dívida à taxa de câmbio
vigente quando do seu vencimento. A este risco de crédito, soma-se então outro, o risco da
espada de Dâmocles do Banco Central ser posta em uso, suspendendo-se, seletiva ou
generalizadamente, os pagamentos ao exterior e criando-se um racionamento de divisas por
via administrativa. Cresce, por conseguinte, a taxa de juros requerida pelo credor e com ela
as taxas de juros em reais.
A existência de livre arbítreo por parte dos investidores internacionais quando
do melhor momento para retirarem sua riqueza do país, sem a necessidade de
submissão às regras impostas pela autoridade monetária, levariam por si só à
maximização da entrada de fluxos cambiais no país e, ao mesmo tempo, à redução
da necessidade de se remunerar, via juros compensatórios, o capital internalizado
no país.
Já na direção oposta à interpretação de Arida, argumenta Ferrari Filho et al.
(2005, p. 9) que, mesmo tendo o país caminhado em um processo de crescente
liberalização das transações cambiais nos últimos anos, o risco país bem como a
taxa de juros tiveram trajetória ascendente:
O argumento de Arida de que as restrições administrativas às transações com moeda
estrangeira aumentam as taxas de juros interna e externa devido ao efeito das mesmas sobre
o prêmio de risco-país não tem respaldo empírico. De fato, a experiência histórica brasileira
mostra precisamente o contrário: ao longo dos de 1990, o Brasil caminhou na direção de uma
conversibilidade crescente da conta de capital, sem que houvesse uma tendência de redução
do risco-país ou na taxa real de juros doméstica.
A grande questão referente ao aumento do risco-país e da taxa de juros está
associada não somente aos próprios controles exercidos pela autoridade monetária,
mas também a fatores exógenos, ocorridos na seara internacional. Cenários de
escassez de liquidez nos fluxos de capitais bem como elevações nos juros dos
países desenvolvidos, em especial a prime rate americana, trazem impactos diretos
sobre as decisões dos investidores internacionais na alocação de seus recursos,
prejudicando, assim, os esforços de promoção da abertura cambial associada à
queda dos indicadores de risco e remuneração dos capitais.
Ressaltamos, no entanto, que fatores exógenos à economia do país podem
agir na direção contrária, beneficiando o fluxo de entrada de divisas. Podemos citar
o momento vivido pelo país no início dos anos de 1970, onde sérios déficits no
balanço de pagamentos em transações correntes foram gerados, essencialmente,
pelo aumento dos preços do petróleo no mercado internacional.
60
Na oportunidade, com a crescente liquidez nas mãos dos países
componentes da OPEP, os impactos sobre nosso balanço foram minimizados, uma
vez que os petro-dólares migraram para as economias emergentes, caso brasileiro,
o que contribuiu para o fechamento das suas contas externas, via saldos positivos
na conta capital.
Na verdade, o que devemos analisar é exatamente a forma pela qual as
medidas liberalizantes produzirão efeitos sobre o crescimento sustentado da
economia. Conforme destacamos anteriormente, os fluxos de petro-dólares
contribuíram positivamente para o fechamento positivo das contas externas, mas, ao
contrário do que ensina a cartilha sobre os pilares fundamentais, estes mesmos
aportes resultaram no alicerce do seu crescimento econômico baseado na
dependência externa da economia brasileira.
Assim sendo, a própria dependência de capitais gerou, no passado brasileiro,
a necessidade de se suspenderem os retornos de divisas diante da falta de liquidez
provocada não só pelo cenário externo desfavorável, mas também pelo excessivo
passivo exigível contabilizado no balanço do país.
Essa problemática está no cerne da questão defendida pelos críticos à
adoção da livre conversibilidade da conta de capitais, uma vez que, sem controles, a
única ferramenta disponível às autoridades monetárias na contenção de crises de
liquidez será execrada. Estas considerações são respaldadas nas afirmações de
Cunha, Ferrari e Ferrari Filho (2005, p. 21), uma vez que os resultados dos fluxos de
retorno de capital ocorrem pelas rubricas das transações correntes:
La cuestión central de la restricción externa se encuentra en la dificultad em garantizar un
resultado en cuenta corriente que no sea determinado por la cuenta de capital y financiera del
balance de pagos. Es decir, la ruptura de la restricción externa sólo será posible cuando los
superávits comerciales no se obtengan al costo de la reducción de la absorción interna.
Siendo así, la libre convertibilidad puede agravar la restricción externa [...]
Resumidamente, podemos definir que a questão da livre conversibilidade está
baseada na exata capacidade que terá a autoridade monetária em atuar diante da
possibilidade de fugas maciças de capitais, ocasionadas não somente pela própria
distorção do sistema normativo cambial, mas também pelas características da
economia do país, em especial pela sua ainda intensa dependência do capital
externo.
61
O crescimento favorável dos indicadores econômico-financeiros pró-
liberalização necessita, primeiramente, ser solidificado, dando assim, maior respaldo
empírico a adoção da conversibilidade da moeda nacional.
4.4 A análise dívida externa x poupança (no exterior)
Em torno das discussões quanto à liberalização da conta financeira do
Balanço de Pagamentos está a grande questão que envolve a decisão de
investidores estrangeiros quanto à alocação de seus recursos. Teria o Brasil a
capacidade de honrar os pagamentos de sua dívida externa? Pois bem, estamos a
tratar do volume de reservas internacionais que representariam a condição
sinequanon que o país poderia efetivamente suportar uma crise de dimensões
internacionais, tais como as ocorridas nos anos de 1980 e de 1990.
Como já analisamos, nossa economia é versada em controle de capitais
necessários, não pelos precários fundamentos macroeconômicos em si, mas sim
pela falta de credibilidade que esta representou por anos e anos de desajustes em
suas contas externas.
As reservas do país são estruturadas por um extenso trabalho de captação de
moeda forte, sendo formadas não somente pelos controles de câmbio, mas também
pela atividade efetiva da autoridade monetária diretamente no mercado cambial, com
o objetivo maior de garantir liquidez internacional.
Não obstante esta condução “amarrada”, existe um aspecto ainda pouco
dimensionado pelos investidores internacionais bem como pelas agências
classificadoras de risco. Fazemos menção aos ativos ainda hoje pouco valorizados,
os chamados Capitais Brasileiros no Exterior – CBE.
Desde o ano de 2002, data base 2001, o Banco Central vem realizando o
trabalho de contabilizar estes recursos, que são transferidos ao exterior por parte de
pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil para aplicações financeiras nos mais
diversos portfólios.
Esta pesquisa vem constatando resultados muito expressivos que merecem a
devida atenção, podendo ser observados conforme Tabela 3 abaixo:
62
Tabela 3 – CBE - 2004
ESTOQUE DOS RECURSOS 2001 2002 2003 2004
TOTAL (em US$ milhões) 68.598 72.325 82.692 94.731
1. Investimento Direto Brasileiro no Exterior 49.689 54.423 54.892 70.691
1.a. investimento direto (a partir de 10%) 42.584 43.397 44.769 55.523
1.b. empréstimo intercompanhia
1/
7.104 11.026 10.123 15.169
2. Investimento em Carteira (Portfólio) 5.163 4.449 5.946 8.201
2.a. participação societária
2/
2.517 2.317 2.502 2.241
2.b. Brazilian Depositary Receipts BDR
483 71 94 94
2.c. título de dívida longo prazo (bônus e notas)
3/
577 941 1.491 2.895
2.d. título de dívida curto prazo (market instruments)
4/
1.585 1.120 1.859 2.971
3. Derivativos 42 105 81 109
4. Financiamento 155 313 186 68
5. Empréstimo 696 537 687 631
6. Leasing/Arrendamento Financeiro 1 3 0 0
7. Depósitos 9.441 7.890 16.412 10.435
8. Outros Investimentos 3.411 4.605 4.488 4.597
Fonte: Bacen, 2005.
Vemos que o estoque de recursos em moeda de brasileiros no exterior é da
ordem de US$ 95 bilhões, o que representa mais de 180% do volume de reservas
internacionais do país.
Sabedores desta informação, resta-nos comentar como pode um país ser
taxado de grande devedor externo, se próximo de 50% da dívida esta garantida por
capitais no exterior. Dizemos isto com a convicção da grande ferramenta que o país
possui em suas mãos, porque boa porcentagem desta dívida é representada por
atração de capital do setor privado brasileiro, possuidor de grande parte dos
recursos do CBE.
Outras considerações devem ser feitas em relação à dívida externa, tais como
o seu perfil
13
. No entanto, a principal dentre as considerações refere-se ao
descrédito dado a contabilização da dívida, uma vez que grande parte desta já foi
efetivamente paga fora do país, através de operações realizadas inter-company.
Toda a contabilização do passivo externo exigível é feita pelo Banco Central
através do sistema RDE-ROF (Registro Declaratório Eletrônico de Operações
13
Segundo dados do Banco Central de agosto de 2005, cerca de 10% da dívida externa brasileira é
de curto prazo, enquanto o restante, cerca de 90%, possui o perfil de médio e longo prazo. (BRASIL.
Banco Central, 2005).
63
Financeiras), que consolida os dados referentes aos empréstimos externos,
financiamentos às importações e pagamentos antecipados de exportações acima de
360 dias. Nos fluxos de pagamentos destas linhas de crédito, existe grande parte de
parcelas não pagas, que dentro do sistema, caracterizam-se por dívidas vencidas a
mais de 120 dias. Neste ponto é que ocorrem as divergências, uma vez que estas
continuam a representar dívida do país, mesmo já tendo sido pagas pelas mais
diversas formas.
Ressalta-se também que esta contabilização da dívida externa é feita
segundo critérios estabelecidos pelo Fundo Monetário Internacional para o Balanço
de Pagamentos e que neste, excluem-se os investimentos estrangeiros diretos feitos
na Economia. Esta diferenciação deve ser feita devido à argumentação de alguns
economistas de que estes investimentos representariam dívida para o país, o que
efetivamente não é. Estes ativos podem até representar uma exigibilidade, em forma
de patrimônio líquido, mas não o passivo em si, representado por dívidas, tais como
empréstimos e financiamentos.
Uma vez levantadas essas questões, podemos considerar que a
representatividade da dívida externa pode em muito ser minimizada por uma série
de questões, a começar pelo valor a ser dado ao volume de recursos de propriedade
de residentes do país no exterior, representada pelo CBE, segundo pela própria
reestruturação contábil da dívida externa brasileira.
Não cabe aqui fazer menção a necessidade de contabilização dos ativos no
exterior como reservas internacionais
14
, mas sim em sinalizar que o país possui
capacidade de pagamentos de suas dívidas, merecendo, inclusive, uma melhor
classificação de risco pelas agências internacionais.
Enfim, diante de todas estas argumentações, não podemos deixar de
ressaltar que a rigidez exercida na saída de capitais não se dá somente por livre
iniciativa governamental, mas sim pela falta de melhorias no processo de
enquadramento do fluxo cambial a sua realidade, considerando o que efetivamente
é passível de contabilização como ativo em moeda forte e o que seria passivo
externo, causador de más interpretações da saúde financeira do país a luz dos
investidores internacionais.
14
O Fundo Monetário Internacional, em seus manuais, não aceita a contabilização dos recursos
identificados como CBE para composição das reservas internacionais.
64
Considerando, assim, à análise realizada do mercado cambial brasileiro e as
suas características diante das intervenções da autoridade monetária no fluxo
financeiro do país com o exterior, adentramos no próximo capítulo em tema
expoente no debate econômico, referente à possibilidade por parte do país de abrir
mão das divisas estrangeiras provenientes das operações comerciais de venda para
o exterior.
O fim da cobertura cambial das exportações, proposta disseminada de forma
flagrante, em um momento que o país majora a corrente de comércio internacional,
poderá gerar, a priori, uma pretensão diretamente debatida por nós, qual seja a
conversibilidade total nas transações não só comerciais, mas também financeiras
internacionais.
65
5 EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS E O FIM DA COBERTURA
CAMBIAL
Assunto recorrente no âmbito do comércio exterior brasileiro, mas ainda
pouco explorado em nível acadêmico, o fim da cobertura cambial das exportações
está entre as principais pressões sofridas pelo Banco Central na sua atividade de
regulação do mercado de câmbio.
Com a edição da Resolução 3266, em março de 2005, o Conselho Monetário
Nacional concedeu flexibilidade aos aspectos normativos infra-legais das operações
de exportação. A ampliação do prazo de internalização das divisas bem como a
possibilidade de desconto de créditos provenientes das vendas realizadas foram as
de maior destaque. A primeira medida se dá em um contexto de crescente
participação das exportações brasileiras no fechamento positivo do balanço de
pagamentos. A concessão de aumento do prazo de conversão de moeda
estrangeira em reais caracteriza a tentativa de promover maior margem de manobra
aos exportadores diante de possíveis perdas ocasionadas por apreciações da
moeda nacional.
Inicialmente, destacamos que estas perdas podem ser minimizadas de
diversas formas, capitaneadas por instrumentos de derivativos financeiros. Não
longe deste, destacamos os adiantamentos sobre contratos de câmbio - ACC’s e
adiantamentos sobre cambiais exportadas - ACE’s que nada mais são do que
antecipações de futuras exportações as quais, uma vez aplicadas à taxa de juros
corrente, levam as empresas a, caso não tenham lucros crescentes, minimizarem
prejuízos de uma atividade que sofre, como todas as outras, da influência das
“A bandeira e hino ainda dá para proteger. A moeda
nacional tende a desaparecer”.
Joelmir Beting
66
condições adversas da economia e que não devem ter mais privilégios além das que
já possui.
O que tratamos aqui é a discussão quanto aos entraves burocráticos, em sua
essência, os legais responsáveis por boa parte dos principais questionamentos dos
setores essencialmente exportadores. O objeto de tal manifestação não está
somente em aumentar o prazo de recebimento das divisas, mas sim de dar total
liberdade ao processo de recebimento de divisas provenientes das transações de
comércio exterior.
Muitas são as argumentações por parte dos empresários e críticos do
sistema, destacando-se o grande custo que a conversão da moeda estrangeira em
nacional causa às empresas.
Grande parte das empresas exportadoras são ao mesmo tempo
importadoras, tanto de matérias-primas como de produtos outros que fazem parte de
suas atividades mercantis. Na ocorrência de pagamentos ao exterior, elas
necessitam arcar com o custo da tributação ocasionada pela CPMF.
Associados ao cunho fiscal das operações, destacam-se, na composição de
gastos, os custos provenientes da intermediação bancária, tais como celebração de
contratos de câmbio de entrada e de saída de moeda estrangeira, ordens de
pagamento, além, é claro, do spread cobrado na conversão das divisas estrangeiras
em moeda nacional.
Nas palavras de Fonseca (2005b, p. 1), fica caracterizada a argumentação de
que: “A exigência de cobertura cambial acarreta um custo que varia de 2% a 4% do
valor de cada transação. É um gasto inútil para a economia brasileira, e sem
nenhum retorno”.
Nessa medida e na direção da ampliação dos debates referente às atividades
de comércio exterior brasileira e seus custos, têm-se lançado propostas que se
confrontam diretamente com o âmbito normativo federal, qual seja o Decreto
23.258/33, base legal para a cobertura cambial das exportações.
A questão em nível legal regulatório estaria disposta pela necessidade de
alteração ou revogação da norma através da edição de outra, uma vez que o
Decreto 23.258 foi recepcionado pela Constituição de 1988 como regramento em
nível de lei ordinária.
67
Considerando, no entanto, que nosso intuito neste trabalho não é de realizar
estudos e análises referentes à estrutura hierárquica das normas intervenientes
sobre o comércio exterior, lançamos mão das propostas recorrentes no mercado
quanto à extinção da cobertura de câmbio e a conseqüente liberdade concedida aos
exportadores.
5.1 Fim da cobertura cambial das exportações
Abordamos agora, as principais proposições que gerariam como resultado a
não necessidade de internalização dos recursos provenientes das exportações.
Todas estas se baseiam, inicialmente, na criação e manutenção de contas em
moeda estrangeira, que teriam como benefício direto a minimização de custos
decorrentes da conversão de ativos estrangeiros em moeda nacional, seja em nível
microeconômico como também macroeconômico.
Destacamos, primeiramente, as argumentações de Fonseca (2005c, p.1), o
qual propõe que se permita que empresas mantenham caixa e ativos em moeda
estrangeira por meio de contas bancárias residentes no Brasil. Nas palavras do
autor: “Seria quase uma fonte de captação de reservas internacionais via setor
privado [...] Os exportadores poderiam irrigar o mercado evitando, ao mesmo tempo,
custos decorrentes dos spreads cobrados na compra e venda de moeda estrangeira,
dupla CPMF e taxas de corretagem”.
A proposta em si, não parece ruim quando nos referimos aos seus impactos
sobre a economia, especialmente em relação o balanço de pagamentos. A grande
questão é saber a forma pela qual deveria ser estruturada a contabilização dos
recursos provenientes das vendas externas, como estas contas seriam monitoradas
pela autoridade monetária, se as respectivas divisas seriam aceitas pelas regras do
Fundo Monetário Internacional como componentes das reservas do país e,
principalmente, a cabo desta última, como seria feita a intervenção do Banco Central
nestas contas, na necessidade de se atender demandas em moeda estrangeira em
casos de instabilidades financeiras.
Na direção do último questionamento acima descrito, destacamos as palavras
de Loyola (2004, p. 2), defensor de que as divisas provenientes das exportações do
país não sejam objeto de manutenção em contas em moedas estrangeiras,
68
argumentando que se tornaria dificultoso para o Banco Central atender as
demandas em momentos de conturbação econômica:
[...] no entanto, sob o ponto de vista prudencial, não seria aconselhável que fossem
autorizadas contas em moeda estrangeira de clientes nas instituições bancárias que operam
em território nacional. O melhor seria manter tais contas em outras jurisdições, tendo em vista
a dificuldade de BC brasileiro atuar como emprestador de última instância em moeda
estrangeira, no caso de crises agudas de liquidez que são características inerentes ao
processo de globalização financeira na presença de um fluxo extremamente volátil de capitais
internacionais.
A argumentação é parcialmente válida, uma vez que o Brasil, país
pertencente a um seleto grupo de economias ainda não classificadas como
Investiment Graded”, ou seja, aos olhos das agências internacionais classificadoras
de risco, o país ainda apresenta grandes probabilidades de conturbação financeira
geradas por instabilidades inerentes às economias em desenvolvimento. Não
obstante esta argumentação, questionamos a forma pela qual o autor pretende
solucionar os problemas de natureza prudencial, pois, na medida em que não
ocorram entradas de divisas provenientes das operações de exportações, maiores
são as dificuldades encontradas pela autoridade monetária na composição das
reservas internacionais. A não entrada das divisas estrangeiras provocaria, por si só,
uma escassez de recursos que poderiam levar a resultados perversos sobre o
balanço de pagamentos e conseqüentemente sobre a economia, uma vez que,
mesmo com a existência do câmbio flutuante, o repasse da desvalorização cambial
geraria, assim como o ocorrido no ano de 2002 e 2003, impactos diretos sobre os
níveis de inflação.
Na verdade, o que podemos constatar é que, medidas tomadas no intuito da
liberalização dos fluxos comerciais trarão conseqüências diretas ao funcionamento
da economia. O que deve ser analisado é em que grau tais medidas contribuirão
para o crescimento e desenvolvimento econômico do país.
5.2 Os impactos sobre a economia do país frente à liberalização dos fluxos
comerciais
Na medida em que se multiplicam as propostas de alterações nas leis
regentes do comércio exterior brasileiro, lançam-se questionamentos sobre a
69
viabilidade do novo modelo, baseados em benefícios e prejuízos ao bom
funcionamento da economia do país.
Destarte, tais medidas devem ser interpretadas, quanto a sua validade,
primeiro em nível microeconômico, que consistiria em caracterizar os resultados das
medidas pró-liberalização. Parte desse pensamento está exposto nas idéias
desenvolvidas por Franco e Pinho Neto (2004, p. 38), em que eles evidenciam os
impactos sobre o setor exportador:
[...] sob a ótica do exportador individual, parece fora de dúvida que a remoção desta norma
traria benefícios de várias ordens, pois teria o efeito de simplificar diversos procedimentos
comerciais e, em especial, evitaria os “custos de transação” necessariamente envolvidos em
manter e movimentar recursos no exterior, o que se afigura praticamente inevitável para um
exportador ativo à luz da rotina operacional de uma empresa com clientes em várias partes
do mundo. Estes custos envolveriam, por exemplo, a confecção de estruturas societárias
envolvendo off-shore, que assumem o papel de contra-partes pagadoras ou recebedoras
para importadores e exportadores, respectivamente, e de mecanismos facilitadores para
relacionamentos diversos no exterior.
A caracterização dos benefícios está demonstrada de forma clara e objetiva
pelos autores, o que, de certa maneira, é plausível ao sistema econômico brasileiro.
Sabemos que a estrutura tributária e fiscal do país é extremamente perversa,
tornando muito custosa não só atividades exportadoras, mas também todas as
atividades baseadas no mercado interno, dificultando assim a geração de valiosas
fontes de emprego e renda.
Nosso objetivo não é o de minimizar a atividade exportadora, mas sim de
demonstrar que, preliminarmente à adoção de medidas de caráter liberalizante ao
fluxo de recebimento de divisas provenientes das vendas ao mercado externo,
devem ser realizadas alterações no sistema tributário, como forma de distribuir os
resultados alcançados a todo sistema produtivo brasileiro.
Já no que se refere aos resultados macroeconômicos à liberalização dos
fluxos comerciais, valemo-nos das argumentações de Sicsú (2005, p. 8), em que
este destaca que o fim da cobertura cambial das exportações levaria os
exportadores a trabalharem como especuladores, gerando distorções nos preços
relativos e promovendo a necessidade de forte atuação da autoridade monetária via
política de juros:
[...] é uma medida instabilizadora (fim da cobertura) do câmbio, já que a entrada de dólares
no país resultante do saldo comercial que é uma variável bastante previsível e estável tornar-
70
se um fluxo movido agora por cálculos especulativos (exportadores terão que se especializar-
se na atividade especulativa de calculo do momento ótimo para internalização de dólares –
em momentos críticos, empresários poderão adiar a entrada esperando uma maior
desvalorização) [...] os fluxos comerciais de entrada tendem a ficar, portanto, assemelhados
aos fluxos financeiros internacionais, com movimentos mais imprevisíveis, transformando-se,
então, em mais uma variável capaz de instabilizar o cenário macroeconômico. Os fluxos
comerciais serão internalizados de acordo com as mesmas variáveis que influenciam a
entrada de capitais financeiros no país: diferencial de juros internos e externos, expectativa
de desvalorização cambial e risco de default.
O que podemos constatar é que o impacto do fim da obrigatoriedade de
cobertura de câmbio tenderá a gerar instabilidades no sistema, ocasionadas pelo
livre arbítrio dos exportadores quanto a melhor hora de converterem seus recursos
em moeda nacional. Dessa forma, passará o governo a depender ainda mais de
constantes intervenções no mercado, via política monetária, no intuito de corrigir
distorções causadas pelo privilégio concedido a um único setor.
5.3 Impactos diretos do fim da cobertura cambial sobre os controles internos
do Bacen
No âmbito das medidas a serem tomadas no intuito de promover
flexibilizações nas amarras aos capitais originados por intermediações comerciais,
encontram-se os controles internos do Banco Central.
Estes controles estão organizados dentro do sistema de informações do
Banco Central, responsável por captar, senão todas, pelo menos boa parte das
transações envolvendo o sistema financeiro brasileiro.
Ressaltamos que os sistemas de monitoramento e acompanhamento de
câmbio em suas vertentes comercial e financeira, são responsáveis por representar
mais de 50% dos recursos dos sistemas de informações do Banco Central. Todos os
dados armazenados servem de medida para diversos indicadores financeiros tais
como: contabilização financeira da balança comercial, investimentos estrangeiros
diretos, empréstimos e financiamentos internacionais dentre outros.
Conforme verificamos ao longo deste trabalho, estas estatísticas refletem as
obrigatoriedades impostas pelas normas cambiais, representadas inicialmente pelas
leis normativas dos fluxos de capitais e suas contrapartidas criadas, tais como os
registros de capitais na formas de empréstimos, financiamentos e Investimentos
Estrangeiros, RDE’s (ROF e IED). Na outra ponta, encontramos as normas
71
intervenientes sobre o comércio exterior, que trazem como resultados os registros
referentes às operações comerciais de importação e exportação, interligadas ao
Banco Central via SISCOMEX
1
.
O que buscamos, ao ressaltar estas informações, é exatamente chamar a
atenção quanto aos impactos que o fim da cobertura cambial poderá gerar sobre
todos os dados a serem coletados, analisados e cobrados pela autoridade
monetária. Na existência de contas em moeda estrangeira para exportadores, estas
poderão ser usadas não somente para pagamentos e recebimentos de transações
comerciais realizadas com o exterior. Na verdade, cria-se, com essa medida, a
liberdade de se efetivarem, contratações de empréstimos que fugiriam da
necessidade de registro junto ao Banco Central, contrapondo-se diretamente a Lei
4.131/62, que determina em seus meandros o registro de capitais aqui
desembarcados.
Na mesma linha de análise, encontramos argumentos de Franco e Pinho Neto
(2004, p. 42) que, mesmo demonstrando-se favoráveis às contas em moeda
estrangeira, ressaltam possíveis desvios em seu uso:
Na prática, havendo liberdade de movimentação nessas contas (contas em moeda
estrangeira), seus titulares podem pagar importações, contrair ou amortizar empréstimos
novos ou pré-existentes no DECEC (FIRCE)
2
[...] estaríamos novamente diante de uma
“conversibilidade seletiva”, na medida em que as empresas exportadoras teriam uma
liberdade de movimentação internacional de recursos que não estaria disponível para outras
empresas e pessoas físicas, mas seria muito difícil manter estas prerrogativas apenas dentro
dos limites das empresas exportadoras e preservar a relevância a relevância do aparato de
registro de capital estrangeiro construído em torno da Lei 4.131/62, vale dizer, da
movimentação cambial de investimentos estrangeiros baseadas no registro [...] Tudo isto
poderia se tornar obsoleto diante da liberdade concedida a um segmento tão relevante para
as nossas transações internacionais como os exportadores.
Os registros de capitais estrangeiros são peças fundamentais nas estatísticas
e indicadores financeiros do país. No caso brasileiro, o sistema, em sentido amplo, é
merecedor de elogios, uma vez que fornece dados relevantes do perfil da dívida
externa do país. Da mesma forma, o registro de investimentos estrangeiros sinaliza
a participação de cada economia internacional nos setores econômicos do país,
1
Sistema de registro de operações de comércio exterior da Receita Federal do Brasil. O mesmo
sistema possui vínculo direto com o sistema de controle de câmbio do Banco Central - SISBACEN.
2
Leia-se hoje DECIC – Departamento de Combate a ilícitos cambiais, supervisão, acompanhamento
de câmbio e capitais internacionais.
72
fornecendo dados relevantes para política de atração de capitais “Green Fields
junto a países estrangeiros.
Enfim, o que destacamos é que as medidas a serem tomadas em vias de
promoção da liberdade às exportações devem levar em conta uma série de fatores,
dentre os quais os aqui explanados, pois, no intuito de gerarem benefícios e
incrementos à participação comercial do país no exterior, poderão as autoridades
ocasionar grande instabilidade ao adequado controle do sistema de câmbio e
capitais estrangeiros.
5.4 Exportadores, volatilidade cambial e adequação as normas.
Ao final de 1998, com a mudança do regime cambial brasileiro para taxas de
câmbio flexíveis, reforçaram-se as argumentações de exportadores quanto ao
impacto da volatilidade do câmbio frente ao comportamento das exportações.
Os exportadores afirmam que a necessidade de se postergar o processo de
internalização das divisas acima do período estipulado pelas normas cambiais
vigentes, é ocasionada, em essência, pelo risco que a volatilidade imputa aos
produtos exportados.
Outro ponto de argumentação baseia-se na incapacidade de recomposição,
via preços, de seus produtos, como forma de minimizar perdas ocasionadas por
apreciações cambiais.
O que podemos verificar é que estas argumentações estão baseadas em
pressupostos utilizados por grande parte dos livros textos de Macroeconomia e
Economia Internacional em que países pequenos caracterizam-se como pricing to
taker, ou seja, não são capazes de alterarem os preços absolutos de seus produtos
como forma de recompor as suas margens de ganhos, em especial dos
manufaturados, mercado em que o nosso Brasil ainda engatinha.
O que constatamos, no entanto, é que estas argumentações em muito
diferem dos resultados apresentados pelo relatório FUNCEX de outubro de 2004, o
qual analisa o comportamento das séries referentes ao preço de exportação dos
produtos manufaturados e o câmbio real no período de 1996 a agosto de 2004.
73
GRÁFICO 3 – Preços de exportação de manufaturados e câmbio real
(Média móvel de 12 meses)
Fonte: FUNCEX, 2005.
Em relação ao Gráfico acima, observa o relatório claramente que:
[...] a estreita relação que existe entre o índice de preços de exportação dos manufaturados e
a taxa de câmbio real (deflacionada pelo IPA). Com efeito, todos os grandes movimentos de
preços destes produtos foram precedidos por movimentos inversos da taxa de câmbio real.
Por exemplo, nos anos de 1998-99 e de 2001-2002 houve desvalorização cambial
acompanhada por queda dos preços. Já nos períodos de 1994 a 1996 e de 2000 a meados
de 2001 houve valorização real do câmbio acompanhada por um aumento dos preços. Este
último movimento está ocorrendo novamente desde o final de 2003 até o presente. Na
verdade, dada à magnitude da valorização recente, pode-se esperar que os aumentos de
preços dos manufaturados perdurem ainda por algum tempo. (FUNCEX, 2005)
Em relação a esta questão, pode-se afirmar que, lato sensu, as
argumentações por parte dos exportadores não são válidas, uma vez que estes
possuíram, ao longo do período analisado, a capacidade de alterarem os preços de
seus produtos em função de variações ocorridas na taxa de câmbio.
Esta argumentação é ainda definida por Franco (2004, p. 3), o qual afirma que
“a moderna teoria econômica descreve, como “pricing to market”, o fato de que os
74
exportadores têm o poder e enxergam a conveniência de manobrar seus preços e
margens diante de flutuações de câmbio”.
Defende ainda o autor que estas características de formadores de preços por
parte dos exportadores, está caracterizado pelo comércio inter-company, sendo os
produtos exportados tanto manufaturados quanto básicos.
Identifica-se, no Censo de Capitais estrangeiros realizado pelo Banco Central,
data base 2000, que 60,4% do total das exportações brasileiras, independentemente
da categoria de uso, foram realizadas intra-firmas.
Estas afirmações são a mais clara evidência de que os grandes responsáveis
pelos crescentes resultados positivos do balanço de pagamentos são empresas
transnacionais, que possuem a capacidade de se adaptarem ao ambiente externo
conforme as suas necessidades.
O objetivo desta seção não está em demonstrar que as críticas do setor
exportador são infundadas, ou seja, que o câmbio não interfere diretamente na
dinâmica do setor exportador. A idéia está alinhada no sentido de demonstrar que,
diferentemente do que defendem alguns, tem sim o país a capacidade de manobrar
o preço de seus produtos, em especial os manufaturados, como forma de reverter
perdas ocasionadas pela apreciação cambial.
5.5 Exportações: sinalizador de desempenho econômico e solvência do país
Reservamos esta última seção no intuito de entender como possíveis
mudanças na necessidade de cobertura cambial das exportações poderão gerar
resultados negativos aos olhos dos investidores internacionais.
O setor exportador brasileiro vem trazendo importantes resultados para os
indicadores econômicos de solvência do país. Considerando este fato, poderíamos
adentrar à nossa análise, utilizando como referência a relação dívida externa X
exportações.
Constatamos, conforme Tabela 4 abaixo, que, a relação entre a dívida
externa brasileira e as exportações vem caindo consideravelmente. No ano de 2000,
a dívida do país com a comunidade econômica internacional alcançava cerca de 3,9
75
vezes o volume exportado, chegando em 2005
3
, a cerca de 2 vezes o resultado das
exportações realizadas.
Tabela 4 - Dados da Dívida Externa
Discriminação 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Serviço da dívida/exportações (%) 88,6 84,9 82,7 72,5 53,8 49,8
Juros/exportações (%) 29,0 28,0 23,6 19,4 14,8 14,1
Dívida Externa total/exportações 3,9 3,6 3,5 2,9 2,1 2,0
Fonte: Bacen, 2005
Os resultados apresentados demonstram claramente a representatividade
que a rubrica exportações possui sobre os indicadores econômicos do país. Estes
resultados são demonstrações claras do crescimento da corrente de comércio para o
fechamento positivo do Balanço de Pagamentos.
Considerações adicionais devem ser feitas. Ao longo do período apresentado
na tabela, várias foram as turbulências em nível macroeconômico.
Conforme nos ensina a teoria econômica, as depreciações cambiais levam,
ceteris paribus, ao aumento das exportações. No entanto, a mesma depreciação
promove o aumento da dívida externa, em essência a atrelada ao câmbio. Esse
aspecto foi recorrente no país no período de 2000 a 2003, onde, para rolar a dívida
interna e externa, necessitou o Banco Central, oferecer papéis atrelados ao câmbio.
Entendemos que, mesmo com todo o crescimento da dívida derivada do
câmbio, como pelo próprio aumento dos juros no período, a relação Dívida
Externa/Exportações somente recrudesceu.
Em complemento à nossa análise, destacamos o comportamento das
reservas internacionais do país frente à possibilidade do fim da cobertura das
exportações. Sabedores do fato de que os crescentes recordes no volume exportado
beneficiaram a recomposição das Reservas Internacionais do país, uma vez que o
excesso de liquidez no mercado provocou a depreciação da moeda estrangeira e
conseqüente interesse da autoridade monetária em adquirir divisas, importaria-nos
saber quais seriam os impactos sobre o prêmio de risco que o país paga, já que o
3
Estimativa de resultado, considerando a dinâmica de crescimento das exportações.
76
nível de reservas seria diretamente impactado pela mudança da titularidade do ativo
das mãos do governo para a iniciativa privada.
Em um ambiente de câmbio flutuante, a moeda estrangeira em mãos do
governo funciona como estabilizador do sistema, uma vez que visa atender a
excessos de demanda por moeda forte, seja para pagamento de importações, seja
em momentos de turbulência externa ou internamente ao país. Com a posse de
grande parte das divisas nas mãos privadas, em especial nas mãos dos
exportadores, teriam estes o interesse de irrigar o mercado, promovendo o re-
equlíbrio entre a oferta e a demanda? Pois bem, entendemos como difícil tal medida,
uma vez que, na ocorrência de depreciações do câmbio, maior se torna a
capacidade de vendas do setor exportador. Esses movimentos, uma vez pré-
anunciados, levariam os investidores internacionais a retirarem seus recursos do
país, elevando, como uma bola de neve, a demanda por dólares e, a priori, o
aumento do risco país.
Diante da elucidação de todos os fatos por nós tratados quanto ao fim da
exigibilidade da cobertura cambial das exportações, só nos resta dizer que tal
medida, uma vez implementada, poderá até gerar resultados positivos sobre o
Balanço de Pagamentos uma vez que se tornaria menos custoso o processo
exportador, dando maior competitividade as empresas brasileiras. Não obstante,
estas mudanças poderão trazer conseqüências desastrosas para toda a economia, o
que se definiria, essencialmente, pela ainda fraca credibilidade que a moeda de
nosso país, o Real, possui internacionalmente.
A necessidade de políticas econômicas eficazes no combate a inflação,
conjuntamente a minimização dos indicadores financeiros de liquidez da economia,
trarão, como conseqüência, no médio prazo, a tão sonhada estabilidade econômica,
acompanhada do crescente poder de compra de nossa moeda em âmbito
internacional.
O fim da necessidade de cobertura de câmbio para as exportações deve ser
encarado através da análise de uma série de variáveis, conforme pudemos constatar
ao longo deste capítulo. Inicialmente, deve-se ter em mente as causas justificadoras
de tal demanda pelo setor exportador. Argumentações baseadas na antiguidade da
lei disciplinadora dos fluxos cambiais necessitam ser deixadas em um segundo
plano, principalmente se estas se prestam, ainda hoje, ao efetivo controle por parte
77
da autoridade monetária quanto aos fluxos cambiais de entrada. Da mesma maneira,
torna-se necessário verificar a validade das conseqüências a serem geradas.
Entendemos que os benefícios auferidos devem ser disseminados em forma de
ganhos para toda a sociedade brasileira e não somente para uma classe privilegiada
que, mesmo representando um importante motor do crescimento do país, não é a
única fonte geradora de riqueza e bem estar do país.
78
6 CONCLUSÃO
O sistema cambial brasileiro é, ainda hoje, um dos principais instrumentos de
análise do governo em suas decisões de desenvolvimento de políticas econômicas.
Em nossa discussão, não estivemos focados tão somente na análise normativa, mas
também em seus resultados diretos e indiretos sobre o balanço de pagamentos e
seu repasse a economia do país.
Na verdade, iniciamos nossa abordagem caracterizando as normas
intervenientes no mercado cambial brasileiro, orientadas desde seu nascedouro com
objetivo de conter, em sua essência, os jogos existentes entre as moedas
estrangeiras e a moeda nacional. No passado, estas transações já possuíam o
intuito especulativo que, no entanto, não geravam impactos instabilizadores de
grande magnitude sobre o funcionamento da economia do país.
No início dos anos de 1930, por resultado do grande aumento do comércio
internacional, foi promulgado o Decreto 23.258, que teve como objetivo principal
garantir a efetiva entrada das rendas provenientes das operações de exportação.
Esta garantia se deu basicamente em um período em que a economia
mundial passava por um momento de grande depressão, provocada pela crise da
bolsa de Nova Iorque. Num período de escassez de moeda forte, procuravam os
governos formas de garantir o fechamento de suas contas externas.
Diante de outros fatores externos destaca-se o empenho do governo
brasileiro em regular o seu mercado de câmbio. O principal deles foi exatamente à 2
a
Grande Guerra Mundial, que trouxe como resultado direto a devastação da Europa e
a conseqüente necessidade de financiamento da reconstrução dos países
arrasados. Findado os conflitos no ocidente, estabeleceu-se um acordo entre as
economias capitalistas chamado de Bretton Woods, acordo responsável por tentar
estabelecer uma nova rotina aos fluxos de moedas estrangeiras entre as economias.
A criação de um regime de câmbio fixo atrelado ao dólar americano e deste
em relação às moedas participantes do acordo, gerou uma relativa calmaria nas
transações internacionais ao longo dos seus primeiros anos.
79
Na medida em que cresciam os fluxos de capitais destinados aos países da
Europa, aumentavam-se as preocupações dos governos dos outros países
signatários do acordo quanto ao grande crescimento dos fluxos de moedas entre as
economias. Capitaneadores destes fluxos, encontravam-se os constantes déficits do
balanço de pagamentos americano.
No caso brasileiro, dentre as medidas encontradas para prevenir maiores
abalos sobre a economia do país, destacou-se a promulgação da Lei 4.131 em
1962. A mesma norma objetivou, em seus meandros, não só o simples registro dos
capitais estrangeiros aqui aplicados, mas também de garantir margem de manobra
por parte da autoridade monetária, uma vez deflagrada a saída múltipla de capitais.
Conforme destacado acima, a taxa de câmbio brasileira encontrava-se vinculada a
uma paridade com o dólar americano, o que trazia como necessário a criação de
medidas que pudessem garantir a efetiva manutenção do regime de câmbio
aplicado.
Uma vez estabelecidos os pilares para o controle dos fluxos cambias, passou
a economia ao longo dos anos de 1960 e 1970 sem maiores impactos sobre o seu
balanço de pagamentos, dado que, mesmo com o choque do petróleo de 1973, o
país passou a receber, via conta capital, importantes recursos provenientes dos
países árabes, os chamados petrodólares.
No início dos anos de 1980, passa a economia do país a conviver com um
crescente processo inflacionário gerado pelas políticas de crescimento adotadas nos
governos militares. Além desta, a segunda crise do petróleo impactou diretamente o
balanço de pagamentos, o que não foi bem suportado, uma vez encerrados os
fluxos de capitais para o Brasil, diante do grande aumento de juros promovido pelos
EUA.
Conforme verificamos, o crescimento da inflação, acompanhado da crescente
atuação da autoridade monetária na venda de divisas, ampliava cada vez mais o
mercado paralelo de câmbio no país. Com a decretação da moratória do país, o
mercado black adquire grande proporção, sendo responsável pela crescente
manobra de subfaturamento das exportações e superfaturamento das importações.
Uma vez restabelecido o pagamento da dívida, passa a autoridade monetária, mais
do que nunca, a fiscalizar toda venda de câmbio realizada no país.
80
Com o crescimento vertiginoso do mercado negro, edita o CMN a Resolução
1552 de 1988, responsável pela criação do duplo mercado de câmbio no Brasil. O
seu objetivo foi o de trazer para a legalidade as operações realizadas às margens da
lei, não exigindo a identificação das origens dos recursos. Com essa medida,
acompanhado da edição do plano Real, responsável por trazer de volta a
estabilidade dos preços da economia do país, promoveu o Banco Central o
enxugamento do black no país.
Ao longo dos anos de 1990, muitas foram as alterações promovidas pela
autoridade monetária no mercado de câmbio. O controle da inflação gerou uma
crescente entrada de moeda estrangeira na economia, liderada pelos investimentos
Diretos nas privatizações realizadas pelos governos federais e estaduais. O fluxo de
câmbio foi flexibilizado por uma série de medidas dentre as quais a Circular 2677/96
que teve por objetivo a entrada e a saída de recursos do país pelas contas de não-
residentes, denominadas Transferências Internacionais em Reais – TIR e
comumente chamadas de CC5. Estas contas, conforme tivemos oportunidade de
analisar, são ainda hoje objeto de grandes controvérsias, uma vez que por estas
existe a possibilidade de se realizarem transações de lavagem de dinheiro por meio
dessas contas, o que, no entanto, foi extremamente minimizada pela própria
autoridade monetária através de outras normas infra-legais, que objetivaram
explicitar os efetivos remetentes de recursos para fora do país.
Assim sendo, uma vez alcançados os objetivos de estruturação do mercado
cambial brasileiro, tornaram-se freqüentes os debates referentes a ainda grande
intervenção do governo nos fluxos de divisas financeiras e comerciais com o
exterior.
As críticas apóiam-se na Lei 4.131/64, já que ela estaria diretamente ligada às
decisões dos investidores estrangeiros quanto à aplicação de seus recursos no país.
Na opinião dos críticos quanto à norma, a probabilidade de confisco dos recursos
financeiros na saída do país por si só estaria por majorar o risco das aplicações no
país, o que resumiria a necessidade de se adotar um nível de taxa de juros mais
alta, compensatória aos investidores internacionais, na decisão de alocação de seus
portfólios.
De forma diferente, entendem os adeptos à norma que, a Lei 4.131/62,
responsável pelo efetivo controle de capitais, seria uma arma de defesa para o país ,
81
diante de crises de liquidez no mercado internacional, ou mesmo devido a distúrbios
internos na economia, podendo-se usar deste instrumento como forma de garantir a
sustentabilidade de seu balanço de pagamentos. A revogação da norma poderia
trazer como resultado a desconfiança por parte dos próprios investidores quanto à
efetiva condução da estabilidade econômica do país, o que geraria, a priori, um
recrudescimento dos fluxos de capitais emigrantes para o Brasil.
A propósito desse assunto, nossa opinião é que controles de capitais são,
ainda hoje, necessários ao bom funcionamento da economia do país. Nossa moeda,
hoje representativa de poder de compra em nível continental, em muito já ajudou o
país a desenvolver-se e estruturar-se dentro de um contexto de transnacionalização
das economias. O país já passou, desde a adoção do plano real, por grandes crises
de liquidez internacional e nem por isso a sua moeda, bem como a sua economia se
estremeceram profundamente. A aplicação de políticas errôneas na manutenção de
regimes cambiais em períodos inconsistentes com a própria formação da taxa de
câmbio foram minimizadas pela sustentabilidade alcançada pelo país ao longo da
trajetória de controle dos preços da economia. Na verdade, a manutenção da lei em
todos os seus meandros está em garantir à autoridade monetária as ferramentas
necessárias ao controle e busca por moedas estrangeiras de um país assolado por
anos e anos de perda da identidade monetária.
No mesmo sentido, surgem críticas à manutenção do regime de cobertura de
câmbio para as exportações realizadas pelo país. Estas críticas, apresentadas ao
longo deste trabalho, resumir-se-iam no grande custo aplicado aos exportadores
devido à necessidade de conversão dos recursos obtidos em moeda estrangeira
para moeda nacional.
As propostas de abertura e movimentação de contas em moeda estrangeira
estão entre os principais recursos pleiteados pelos exportadores junto à autoridade
monetária. O funcionamento, bem como a jurisdição à qual estas contas estariam
subordinadas seriam meras definições operacionais a serem acertadas.
Na verdade, medidas que gerassem a liberdade de abertura de contas em
moeda estrangeira trariam preliminarmente a necessidade de serem realizadas
alterações ou mesmo revogações das normas intervenientes nos fluxos comerciais,
quais sejam o Decreto 23.258/33 e a Lei 9025/46, o que envolveria, dessa forma, a
ação direta por parte do Congresso Nacional.
82
O nosso entendimento a esse respeito é o de que contas em moeda
estrangeira gerariam, em nível microeconômico, resultados positivos sobre o setor
exportador, o que, no entanto, não respaldaria resultados positivos sobre a
macroeconomia do país. A liberdade concedida aos exportadores em escolherem o
melhor momento de internalizarem seus recursos levaria ao completo descrédito a
formação das reservas do país bem como a oferta de moeda estrangeira em nossa
economia.
Somos sabedores de que nossa economia apresenta relativas melhorias nos
seus indicadores de desempenho, representados pela diminuição da relação dívida
externa/exportações, crescimento do volume de reservas internacionais
proporcionado pela valorização da moeda nacional perante as moedas estrangeiras,
e, ainda, outros fatores tais como queda do risco-país e minimização da dívida
pública atrelada ao câmbio.
O que realmente se torna necessário destacar é a exata dimensão em que
propostas centradas na liberalização cambial trarão à economia do país. Devemos
destacar que nosso país é, ainda hoje, um grande dependente do capital
estrangeiro, onde o poder de compra de sua moeda está balizado nas possíveis
oscilações do animal spirit dos investidores internacionais.
Destacamos ainda que, traduzidas em contas em moeda estrangeira, a
conversibilidade seletiva para os exportadores gerará a necessidade de extensão da
medida a outros grupos econômicos, trazendo como conseqüência, o próprio fim do
curso forçado da moeda nacional e a perda da identidade de um dos símbolos
nacionais conquistado a tanto custo após anos e anos de descrédito.
Não deixemos ainda de destacar que grande parte dos países europeus,
representados por economias maduras e desenvolvidas agiram de forma contrária,
procurando unir forças através da criação de uma moeda supranacional que
pudesse vir a combater a hegemonia imposta pela moeda americana a economia
mundial a partir do fim da 2
a
Guerra Mundial.
O que defendemos, finalmente, é que as medidas de caráter liberalizante
devam ser tomadas diante de ambientes que efetivamente propiciem resultados
positivos sobre a economia, e que assim, não deixem o país as margens das
decisões dos rentistas mundiais, tais como as ocorridas em países da própria
América do Sul.
83
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