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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
A IMAGEM DO PROFESSOR EM MOÇAMBIQUE
Um estudo de representações sociais
Bento Rupia Júnior
Orientador: Prof. Dr. Francisco Cock Fontanella
Di
Dissertação parcial apresentada em banca de
avaliação no PPGE para a obtenção do grau de
mestre em Educação pela UNIMEP
Piracicaba, 2006
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AGRADECIMENTOS
Neste momento não poderia deixar de agradecer a um conjunto de
pessoas que se revelaram especialmente importantes na efectivação deste
projecto.
Pelo encorajamento a trilhar por uma carreira ainda embrionária na
actividade docente o meu especial reconhecimento ao Professor Carlos Machili.
Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos pela forma sábia, paciente e
compreensiva tornearam os momentos de sistemáticas ausências, como
acolheram e contribuíram de forma fraterna na consolidação deste projecto.
Uma palavra de apreço ao meu Orientador e amigo Professor Francisco
Fontanella pelos incomensuráveis ensinamentos e atenção dispensados. Aos
professores do PPGE uma referencia especial com consideração e estima.
Ao Lulu e a Keli, aos companheiros e colegas Joel Libombo, Simão
Robate, Ângelo Muria, Augusto Mondlane, Joaquim Tchamo, Zacarias Magibire,
Zeferino e André Vale o meu muito obrigado, extensivo aos colegas da
Universidade Pedagógica pela cooperação disponibilizada.
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Resumo:
O presente projecto visa analisar a imagem do professor em contexto social
Moçambicano. Trata-se de um estudo de representações sociais, ancorado na
teoria da prática de Pierre Bourdieu com vista a captação das acções e
disposições sociais que decorrem no meio escolar, articulado pela matriz teórica
de estruturação de Anthony Giddens com a finalidade de situar as práticas e
evidenciar a relevância dos encontros na construção da imagem do professor.
Com recurso a uma conjugação metodológica, a pesquisa permite constatar que
a imagem do professor é construção social, relacional e por isso, contextual
marcada pela natureza das relações na sala de aulas e pelas condições sociais
de existência no universo social moçambicano.
Palavras Chave: Representação social, capital, campo, habitus e professor.
Resume
The gift project aims at to analyze the image of the professor in social
Mozambican context. Its about a study of social representations, anchored in the
theory of practical of Pierre Bourdieu with sight the captation of the shares and
social disposals that elapse in the half pertaining to school, articulated with the
estruture theory of Anthony Giddens with the purpose to point out the practical
ones and to evidence the relevance of the meeting in the construction of the
image of the professor. The research allows to evidence that the image of the
professor is social, relationary construction and therefore, contextual marked for
the nature of the relations in the classroom and for the social conditions of
existence in the Mozambican social universe.
Keys Words: Social Representations, Capital, Field, Habitus, Professor
ÍNDICE
NOTA INTRODUTÓRIA..................................................................................... 1
I PARTE
1. Retratando Contextualmente o professor na educação moçambicana......... 5
1.1. Razões objectivas possíveis para a escolha do tema............................. 12
2. A realidade social como uma construção relacional......................................
16
3. Da Prática à Representação: uma extensão analítica da Teoria da Prática
no quadro de sistemas simbólicos.................................................................
24
3.1. Por entre vários conceitos de representação..........................................
33
4. Uma construção localizada da imagem representada...................................
36
5. Sobre algumas opções metodológicas..........................................................
43
5.1. As entrevistas numa insipiente abordagem ao terreno............................
51
5.2. Constituição da amostra e sua representatividade..................................
52
5.2.1. Breve olhar sobre as escolas e seus públicos.......................................
55
II PARTE
1. A descrição de um auto-retrato Prudente......................................................
58
1.1. Sistematização.........................................................................................
66
2. Uma imagem legitimada na sala de aulas....................................................
67
2.1. Sistematização .......................................................................................
75
3. Uma tarefa com condições desfavoráveis....................................................
76
2.2. Sistematização.........................................................................................
79
4. Ser professor: uma imagem de conjunto.......................................................
81
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES..........................................................................
85
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................
89
ANEXOS............................................................................................................
97
Nota Introdutória
O estudo das representações sociais pressupõe um articular dum
conjunto de operações teóricas e metodológicas cujo alcance, urge
problematizar. No presente estudo sobre a imagem do professor em
Moçambique, procuro desenvolver alguns dos principais conteúdos e propostas
em torno do que qualifico como uma sociologia «revolucionada» da vida
quotidiana, sem que, no entanto, deixe de introduzir na análise
aperfeiçoamentos analíticos.
A discussão das implicações teóricas e metodológicas de uma tal
sociologia, vista como uma análise das práticas quotidianas (re)produzidas e
representadas em situação, passa por uma interrogação daquelas que serão as
principais dimensões do projecto de investigação a que me proponho, ou seja,
passa por uma discussão das dimensões que constituem a perspectiva de
análise dai decorrente.
De acordo com a proposta que aqui apresento são duas as linhas que
presidem à construção da minha análise. Uma primeira passará por inscrever a
conceptualização das representações que estruturam a imagem do professor
com base nas vivências quotidianas. Esta incursão será sustentada, com
recurso à teoria da prática elaborada por Pierre Bourdieu, articulando posições,
disposições e tomadas de posição sociais. Esta linha terá na sua extensão uma
abordagem problematizada da matriz de estruturação de Anthony Giddens, com
o intuito de situar as práticas, captar as implicações da conceptualização desta
e salientar a importância da contextualidade dos encontros, na edificação da
imagem representada.
A segunda linha traz consigo a inscrição da representação com os estilos
de vida moçambicanos, captados na óptica que os agentes (re) fazem nos
tempos de interacção entre a escola, espaço de acção por excelência do
professor e outros espaços sociais em que se intercruzam práticas sociais
geradoras da imagem. Do accionamento das duas linhas, decorrem implicações
que conduzirão ao ultimo momento sistematizador da perspectiva analítica, o da
busca de um núcleo social e central da imagem do professor em Moçambique.
Esta perspectiva é edificada reconhecendo que a matriz conceptual
somente poderia ser sustentada por preceitos construídos em realidades sociais
cuja estrutura social goza de uma sustentabilidade que Moçambique não
usufrui. As intersecções que poderão ocorrer entre as propostas de Bourdieu
(Teoria da Prática), Giddens (rotinização da vida), passando pelos fecundos
conceitos de representação social de Moscovici, Jodelet e Doise, terão o
simples propósito de realçar a possibilidade de imbricação entre princípios
teóricos susceptíveis de comunicarem-se mutuamente, ainda que pareçam
descoincidentes. É esta possibilidade de comunicação que os torna
heuristicamente providos de potencial para o necessário aperfeiçoamento e
adequação a realidade social a que se reportam. Para lá duma mera reprodução
dos conceitos teóricos, registe-se a preocupação ao longo do trabalho em gerar
interpenetrações conceptuais, numa clara afirmação de uma heterodoxia
controlada. Daí que seja frequente uma vigilância epistemológica e uma busca
sistemática de (re) construção dos conceitos num jogo que vai da teoria a
empiria e vice versa.
Dividido em dois blocos, um teórico e outro empírico, o presente projecto
obedece a um roteiro em que esta presente na primeira parte uma
caracterização do professor e sua contextualização dentro do sistema educativo
moçambicano. No momento subseqüente procuro demonstrar a dimensão
relacional e social do real com base no reconhecimento da articulação de
disposições e tomadas de posição sociais no quotidiano dos agentes em
situação.
O ponto três apresenta-se como o epicentro da matriz teórica. Com
recurso a teorização de Pierre Bourdieu procuro concretizar uma relação
conceptual entre campo, habitus e capital, à prática social e a construção da
representação social. Esta relação torna-se fundamental para sustentar a
análise dos processos simbólicos que estão subjacentes à criação da imagem
do professor em contexto social moçambicano.
No quarto ponto do primeiro bloco procuro demonstrar que os cenários de
co-presença que a prática no quotidiano escolar dos agentes propicia a
construção de uma imagem do professor.
No quinto momento encontram-se as opções técnico-metodológicas que
guiaram a pesquisa. Não se tratando apenas de meras opções, mas dado o
carácter relacional do objecto de estudo, a matriz teórica contribui de forma
significativa para a busca conciliatória com as metodologias e as técnicas
accionadas.
Do edifício teórico anunciado, finalmente procuro dar conta do relato e da
sistematização da análise dos processos simbólicos em torno da imagem do
professor e das múltiplas formas como os próprios professores, os estudantes e
a sociedade de um modo geral os percepcionam.
Tratando-se apenas de uma nota introdutória e não pretendendo aqui
explanar as conclusões do trabalho, que considero que a leitura do mesmo
permitirá a não redução do leque reinterpretações e reapreciações.
I Parte
1. RETRATANDO CONTEXTUALMENTE O PROFESSOR NA
EDUCAÇÃO MOÇAMBICANA
A realidade moçambicana é uma realidade que é atravessada por
algumas peculiaridades, das quais importa reter e relevar, sempre que se
busque uma leitura com este alcance. Trata-se de um país com uma extensão
territorial de 799.390 km², para “albergar” uma população de aproximadamente
19.420.036 habitantes. Tido como um país “maioritariamente jovem, mais de
seis milhões e meio situam-se entre os sete e os 24 anos, onde perto de três
milhões estão ainda em idade de escolarização primária (INE; 2005)
1
.
Da diversidade lingüística, onde podemos encontrar:
1
Os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) aqui usados podem ser encontrados numa
busca ao site desta instituição. Cfr. Http: //www.ine.gov.co.mz. Para um aprofundamento dos
mesmos conferir MINED/Direcção de Planificação (2003), Estatísticas e levantamento escolar,
Maputo.
«o emakuwa, falado por cerca de 26% da população, o xichangana falado por
11% da população, o cisena, o elomwe e chuwabo falados por 7%, 8% e 6% da
população nacional respectivamente, à diversidade religiosa onde se destacam
como as mais praticadas a católica (24%), o islão (18%), sião (18%),
protestantes e evangélicos (8%)» (INE, 1997)
2
,
deixam transparecer uma dificuldade em considerar-se uma realidade social
onde o acento Tônico seria a homogeneidade cultural. Um dos grandes ideais
da classe política passa pela construção da Unidade Nacional e com ela ver
emergir um Estado-Nação
3
.
O sector da educação foi alvo de nacionalização após a independência
do país em 1975. Por esse período o país sofreu um desfalque no quadro de
pessoal da educação, dado que a sua maioria era constituída por portugueses
que encontraram no retorno a Portugal a solução para os seus problemas. O
Governo moçambicano numa busca de soluções locais decide introduzir
medidas organizativas que culminaram com a adopção do Sistema Nacional de
Educação (SNE) através do decreto lei 4/83 de 23 de Março. O SNE
compreende o ensino Geral (subdivido em ensino Primário do Primeiro e
segundo graus), Ensino Secundário (com primeiro e segundo ciclos); ensino
Técnico Profissional com níveis elementar, básico e médio. E o ensino Superior.
2
Dados percentuais obtidos do Recenseamento Geral da População e Habitação em 1997 pelo
INE (Instituto Nacional de Estatística). Importa referir que outros 33% da população
moçambicana falam outras línguas moçambicanas distintas das referenciadas acima. O
português é falado por apenas 9 % da população total nos centros urbanos e nas instituições de
serviços públicos.
3
Sobre a construção da Nação em Moçambique podem-se ler os trabalhos de Sergio Baleira e Edson
Borges, numa organização de ensaios elaborada por Peter Fry em que se retratam momentos da historia de
Moçambique com base em ensaios elaborados por Professores moçambicanos. Cfr. FREY, P. (2001)
Moçambique-Ensaios, RJ, UFRJ Editora, pp. 157-179 e 224-247.
A lei 6/92 de seis de maio de 1992 confere estatuto especial a outras
modalidades como o Ensino Especial, o Vocacional, o de Adultos, à Distância e
a formação de Professores. A despeito do esforço das autoridades educacionais
para melhorar cada vez mais o Sistema educativo, ainda persistem graves
problemas que estão intimamente ligados à eficácia interna do sistema
educativo, à cobertura escolar, assim como a formação dos professores.
Convém salientar que, uma das formas encontradas pelo governo moçambicano
de resolver o problema da insuficiência de quadros e do alargamento da rede
escolar foi recrutar massivamente professores, incluindo os professores sem
formação pedagógica.
A UNESCO num relatório efectuado por encomenda do Banco Africano
de Desenvolvimento (BAD), analisava o desempenho do sistema educativo
moçambicano e reconhecia que:
«Existia um declínio na expansão da rede escolar causado por problemas políticos e de
guerra civil que tiveram como uma das conseqüências à deterioração económica»
(UNESCO, 1994; 21).
A qualidade do ensino continuava em declínio devido a escassez de
recursos, entre eles os humanos. Esta foi uma das situações que contribuiu
para o acentuar das disparidades e desequilíbrios regionais na cobertura e
rendimento interno do sistema educativo. O Estado assumia-se como a única
instituição responsável pela educação formal no país, daqui se explicar a sua
impotência para reverter o quadro. As possibilidades do Estado permitiam a
oferta de um serviço educacional mínimo, dividido em três turnos, com turmas
superlotadas e com o tempo lectivo bastante reduzido.
A própria herança da colonização não permitia muito mais. Se olharmos
para a área de maior concentração da demografia educativa (o ensino primário),
dados estatísticos do Ministério da Educação indicavam que no ensino primário
do primeiro grau (EP1) perto de 5.484 professores em exercício, num
universo
de 22.544 professores, não tinham qualquer formação. Deste mesmo universo
1024 tinham concluído a classe e mais três anos de formação para o
professorado e apenas 62 tinham concluído o Magistério Primário (MINED,
1996: 2). Sendo o Ensino Primário o eixo do Sistema Nacional de Educação:
«a expansão do acesso à escola, a promoção da equidade de oportunidades, a
melhoria de qualidade e relevância, a reforma curricular e avaliação e a
formação inicial e em exercício de professores foram desenhadas como
estratégias pelo governo da Frelimo» (MINED, 1996: 3-6).
Os indicadores educacionais e efectivos escolares de 1994 mostravam
que a média do número de alunos por professor é de 57 para o Ensino Primário
do primeiro grau (EP1) e cerca de 37 alunos por professor para o segundo grau
do mesmo tipo de ensino (idem, 5-6).
Em 1997 aumentaram as exigências e com elas a capacidade de
resposta do Estado, embora continue a estar longe do pretendido. No Ensino
Primário do primeiro grau (EP1), por exemplo,
«existiam 5.689 escolas do ensino público para 1.745.049, o que perfazia uma
relação media de 61 alunos por professor; enquanto que no Ensino Primário do
segundo grau (EP2), 336 escolas albergavam 154482 alunos orientados por
3965, criando uma relação média de 39 alunos por professor (INE, 1997: 8).
Em 2003 o ensino público passou a contar com 8.077 escolas para perto
de 2826362 alunos e 42837 professores no Ensino Primário do primeiro grau
(EP1) gerando uma relação media de 66 alunos por professor. Enquanto isso, o
Ensino Primário do segundo grau (EP2) passou a contar com 950 escolas para
351224 alunos orientados por 9075 professores, o que perfazia uma média de
39 alunos por professor (idem, 2003: 4). Este quadro permite perceber a
necessidade de professores para um sistema com suas insuficiências da acção
dos agentes educativos, inerentes à sua formação e preparação destes.
No campo institucional o governo projectou a criação do Instituto de
Aperfeiçoamento de professores (IAP), uma instituição subordinada ao
Ministério da Educação, através do diploma Ministerial 56/88, de 27 de abril.
Esta instituição estaria vocacionada à organização e administração dos cursos
de formação e aperfeiçoamento em exercício de professores dos vários
subsistemas do Sistema Nacional de Educação, recorrendo ao Ensino à
distância e ao ensino presencial através de micro-ensino e de outras
modalidades a serem adoptadas
4
. A instituição contava em 96, ano da sua
criação, com 21 técnicos pedagógicos, seis técnicos administrativos e 9
funcionários de secretariado e auxiliar.
O Instituto contava, numa perspectiva de cooperação, com o apoio do
Instituto de Desenvolvimento da educação (INDE) no desenvolvimento
curricular, com a Direcção Nacional do Ensino Primário (DNEP) que estabelece
a política de formação de professores e controla os Institutos de Magistério
Primários e os Centros de Formação de Professores Primários. Estas últimas
criadas para a formação inicial de professores. O Instituto contaria ainda com o
apoio da Universidade Pedagógica (UP), instituição de ensino superior que tem
como vocação a formação de professores, cabendo-lhe a tarefa de conceber
cursos voltados para o bacharelato ou licenciatura em ensino primário, tanto
para formação de professores deste nível, como para docentes do ensino
primário em geral.
Em coordenação com este leque de instituições o Instituto de
Aperfeiçoamento de Professores seria o responsável pela formação de
professores em exercício.
Esperava-se com este projecto de formação que pelo menos 15 mil
professores primários da categoria E, quatro mil e duzentos professores em
4
Sobre o projecto em causa podem ser consultados os Planos Estratégicos do Ministério da
Educação e muito particularmente o plano director elaborado em Novembro de 1997. Este plano
contou com a assistência técnica do CETEB (Centro de ensino Técnico de Brasília), cabendo ao
CETEB o diagnostico situacional, a capacitação dos técnicos, a concepção do currículo dos
cursos, o desenho do protótipo do material auto-instrucional, entre outras tarefas.
exercício da categoria D beneficiar-se-iam dos cursos a administrar, o que
permitiria a passagem para o escalão D e C respectivamente
5
, com
conseqüências na melhoria do ensino para os alunos e nas condições de vida
do professor. O mesmo projecto permitiria um alargamento da acção do Instituto
para outras províncias do país, com a criação de 500 núcleos e uma garantida
formação permanente dos professores e do pessoal pedagógico, quer dos
Institutos do Magistério Primário, quer dos centros de formação de Professores
Primários.
Nota –se um claro reconhecimento da importância do complexo processo
de formação de professores. Mais do que formar novos professores torna-se,
pelo que os muitos actos governamentais mostram, urgente melhorar a
qualidade de formação dos professores existentes, o que exige adaptação de
várias modalidades de formação que se mostrem viáveis e uma maior
coordenação entre os vários sectores que concebem os currículos de formação,
realizam pesquisas dos processos de ensino-aprendizagem e participam do
desenvolvimento curricular e seu acompanhamento.
Quando se fala de professor, geralmente tem-se a percepção de se estar
a referir a uma classe profissional, social e cultural homogênea. Esta posição,
muitas vezes tem a ver com a natureza específica do trabalho que
desempenham, assim como com a associação do exercício profissional com
atributos como competência, qualificação, sabedoria, vocação, etc.
5
O sistema laboral público moçambicano encontra-se escalonado em categorias representadas
de A a E, sendo a mais elevada à categoria A onde o funcionário em causa usufrui condições
sócio-económicas melhores que os restantes funcionários de outras categorias. Para
informações aprofundadas consulte o Estatuto do Funcionalismo público acessando
www.gov.co.mz e o do Ministério de Trabalho.
Olhando para a realidade nacional moçambicana, o recorte histórico do
professorado dificilmente se dissocia da tradição herdada de um passado
colonial português
6
. Não apenas o professorado como todo o Sistema
educativo. A divisão em níveis de ensino hierarquizados (os actuais subsistemas
de educação), com uma maior representatividade da demografia educativa nos
níveis de escolaridade mais baixo, uma conferência estatutária e de prestígio ao
nível superior e aos seus diplomas, são algumas dessas marcas da ligação ao
passado.
Noutras realidades estes elementos acima referidos funcionam como
factores de diferenciação do estatuto do professor pelo salário auferido e pelo
prestígio que isso acarreta. A dificuldade em fugir-se a tentação de uma
homogeneização da classe de professores que parece transparecer neste
projecto é catalisada pela tênue representatividade da classe de professores de
níveis de ensino (como o superior) que gozem de elementos diferenciadores e a
freqüente transição de professores de um nível de ensino para o outro (devido a
limitada oferta). Aceitar tal como ponto de partida não representa um assumir
da perspectiva como um dado, mas suscitar a edificação de uma fecunda
hipótese que os resultados do trabalho de campo venham a infirmar ou não.
1.1. Razões objectivas possíveis para a escolha do tema
6
Na saudável crítica do sistema de formação de professores em Moçambique, muitos são os
autores que enfatizam esta ligação ao passado colonial e que a pretensa ruptura encetada com a
saída massiva de quadros de educação de Moçambique para Portugal não a materializou. Para
uma ilustração deste tipo de posicionamentos cfr. C. Osório (1991), Educação e Ensino da
História, in Moçambique 16 anos, Maputo, Vol. I. e ainda B. Mazula (1993) Educação, Cultura e
Ideologia em Moçambique: 1975-1985, São Paulo, p. 65.
Partir para uma pesquisa com razões escusas e omissas para a selecção
do objecto implicando a racionalização de uma inclusão e de várias exclusões
significará, estou certo, uma fuga clara à tentativa de objectivação de um
leque de razões nem sempre facilmente explicáveis e sistematicamente
portadoras de lógicas distintas, para além de constituir uma omissão mais ou
menos lamentável do ponto de vista dos cânones formais de uma dissertação.
Se tomarmos como perspectiva epistemológica o pressuposto de que não
nos deparamos com qualquer conhecimento científico que não seja saber
pessoal, apesar de nem sempre o contrário ser válido, poderemos perceber a
existência de uma íntima imbricação, quase indissociável, entre o saber
cientifico e o saber pessoal. Não constitui novidade que nem sempre se registou
uma convivência pacífica entre «verificações e valorizações» (Goldman; sd: 12),
porém, contrariamente a este autor, penso que a especificidade da abordagem
abstracto-formal das representações sociais do professor, embora exista uma
proximidade entre o investigador e o objecto, permitirá «libertar tanto quanto
possível o grau específico de identidade entre indivíduo e o objecto e dessa
maneira o grau de objectividade acessível à investigação» (GOLDMAN, op. cit).
Esta perspectiva não teme a «contaminaçã - anteriormente apelidei de
obstáculo epistemológico do objecto de estudo, traduzida em termos de
familiaridade ou de identificação. As razões são várias: Primeiro porque a
«contaminação» sempre existe. Depois porque a matriz teórico-conceptual
adoptada (e a sua especificidade irredutível) conferem a confiança ideal para
não temer a diluição da sua função orientadora de todos os momentos da
pesquisa. E por último, porque pensar de modo diferente do que aqui assumo é
pactuar com uma concepção fortemente imbuída do complexo de inferioridade
de que foram marca as ciências sociais, conhecidas também como pré-
paradigmáticas e até em franco subdesenvolvimento
7
. Se o discurso científico
se encontra carregado de juízos de valor e se as ciências sociais são tidas como
«formações ideológico-teóricas» de dominante ideológica
8
, que se assuma esta
dimensão, sem a termos de forma envergonhada como um nível «oculto» ou
«subterrâneo» da prática científica.
Reconhecer a concepção da prática científica como um corpus
específico, não reducionista, dotado de uma autonomia relativa e de uma
história própria leva a considerá-la como uma prática social, entre muitas outras,
sem pretensões hegemónicas ou até totalizantes. Não campos isolados e
impermeáveis à comunicação com outras esferas da racionalidade,
designadamente a vivencial e a afectiva. Em vez de defender uma ciência fria,
distanciada e até desumanizada, estaremos em condições de defender uma
prática científica eminentemente social, ou seja, expressiva e criadora na sua
plenitude? Seremos capazes de romper com o sentimento esquizofrênico de
uma dupla identidade (a de cientista e a de cidadão, por exemplo)?
7
Para melhor compreender o meu posicionamento nesta matéria, uma leitura dos
posicionamentos de Lucien Goldmann, na linha de Khun, sobre «verificações» e «valorizações»,
quando afirma: «... Ë por isso que em cada caso particular é necessário libertar tanto quanto
possível o grau específico de identidade entre individuo e o objecto e dessa maneira o grau de
objectividade acessível à investigação». Cf. Introdução à sociologia, Porto, Ed. Nova Crítica, s.d.
Contrariamente a posição assumida por este autor penso que as aproximações do observador e
do observado, em muitos momentos e dada a especificidade da abordagem e da análise em
causa, fornece vantagens no que concerne a apreensão analítica e a inserção do observador no
campo de estudo. Por outro lado compreendem-se posicionamentos como os de Goldmann em
contextos específicos da produção intelectual, característicos de uma época fortemente marcada
pelo deslumbramento da racionalidade «dura» das ciências ditas «exactas» e preocupados em
defender a objectividade das ciências sociais em épocas históricas onde facilmente eram
identificadas com ideologias subversivas ou projectos de contra-poder.
8
Um aprofundamento deste posicionamento pode ser feito no trabalho de João Ferreira de
Almeida e José Madureira Pinto em “A investigação nas Ciências Sociais”, Lisboa, Presença,
1975.
Suportaremos a coexistência, sempre singular, de uma face diurna e de uma
face nocturna, sem que as separemos lógica, ontológica e espacio-
temporalmente?
A minha proximidade afectiva e vivencial face ao universo escolar
exercendo as funções de professor na Universidade Pedagógica muito
contribuíram para a escolha deste tema como objecto de pesquisa.
Sem me esquecer dos momentos por que passou a sociedade
moçambicana, diria que o fim dos conflitos armados, a introdução de um
sistema político assente num pluralismo de opiniões e idéias constituiu um
momento de inversão no trajecto social dos moçambicanos. Alguns autores,
entre eles Carlos Machili (1995), reconhecem a década de 90 como o período
de mudanças e de transformações políticas com reflexos no sistema educativo.
Considera-se que
«actualmente verifica-se uma crescente atenção para com a melhoria do ensino
básico, a espinha dorsal de todos os níveis de ensino. O plano coloca no eixo do
seu desempenho não a reconstrução das infra-estruturas, mas também a
reestruturação da formação de professores» (PNUD, 1998: 22).
Ora, considero que o se pode avançar para uma revisão da formação
de professores sem o conhecimento da impressão, da imagem que a sociedade
tem do professor actualmente.
Uma outra razão da escolha do tema e com estreita relação com a
anterior, prende-se com a especificidade da instituição a que me encontro
vinculado a Universidade Pedagógica vocacionada para a formação de
professores, fez despertar um interesse em perceber como a sociedade olhava
para o resultado do trabalho desenvolvido por aquela instituição. Se tivermos
em conta os números que a incursão pelo Sistema educativo moçambicano nos
mostraram, facilmente percebemos a importância e o papel inevitavelmente
crucial assumido pela Universidade Pedagógica. Estará a Universidade
Pedagógica a responder a uma demanda da sociedade, sem conhecer a opinião
da sociedade sobre a sua realização? Encontrei na resposta a pergunta um
estímulo adicional para a feitura da investigação.
Outra motivação prende-se com a escassez ou a quase inexistência de
pesquisas sobre as representações sociais no campo da educação na totalidade
do país. O gosto pelo primeiro passo, pela primeira ousadia, cataliza e impele-
me para este projecto.
Uma última, não menos importante motivação, prende-se com a
configuração (não apenas estritamente curricular) do próprio mestrado, ao me
conferir uma experiência única, extremamente enriquecedora e patrimonial de
conviver e interagir com a sociedade brasileira, por entre professores, colegas,
funcionários da UNIMEP, o funcionário da portaria do edifício de habitação,
entre outros de distintos extractos sociais, na interminável busca de uma nova
aprendizagem.
2. A REALIDADE SOCIAL COMO UMA CONSTRUÇÃO RELACIONAL
Toda a construção que se segue procurará promover uma análise rica em
pergaminhos das práticas sociais, geradoras da imagem do professor, inscritas
no quotidiano. Dai que a rede conceptual por esta designada terá uma
incidência particular para o trabalho desenvolvido por Pierre Bourdieu e pela sua
teoria da prática. O autor de Le Sens Pratique (1980) insiste em afirmar a
perspectiva de estudar o aspecto activo da apreensão propriamente prática da
realidade social: uma apreensão que, sem ser formalizada explicitamente, não
deixa de accionar toda uma gramática de estruturação, construção,
classificação e percepção do mundo e das condições em que se exerce a sua
prática social; gramática essa que produz e reproduz criativamente as condições
de que é produto.
A obra de Pierre Bourdieu deixa-nos ante a emergência de um modo
específico de analisar o social, alternativo àquele que durante as últimas
décadas, sob os efeitos conjugados do individualismo e do substancialismo
9
,
constitui a imagem de marca epistemológica de algumas das mais influentes
formas de conhecer o social. A especificidade da teoria da prática passa pela
necessidade da realidade social ser conceptualizada, na linha de K. Marx, E.
Durkheim e M. Weber, como uma construção social, mas também pela forma
como procura superar a antinomia entre a sica e a fenomenologia sociais. O
modo de pensar relacionalmente de Pierre Bourdieu configura um programa de
9
O Substancialismo é tido como doutrina(s) oposta(s) ao fenominalismo que admite(m) a
existência de substâncias, que conformam à realidade, sem as quais a realidade não pode ser
explicada. Mesmo no debate em torno da questão da identidade, a oposição substancialismo/
construtivismo continua hoje a marcar presença como controvérsia central: uma querela cuja
origem remonta pelo menos dois séculos e que chega aos nossos dias sem ser encontrada
qualquer solução ou conclusão. O próprio paradigma da noção substancial de identidade no
pensamento moderno tem historia. Remonta ao Cogito Cartesiano. Mais aprofundamentos cfr.
Dicionários de Galegos e Charles Taylor (1989) Sources of the self –the making of the modern
identity, Cambridge, Cambridge Press University.
pesquisa alicerçado numa rede de construções teórico-metodológicas, do qual
interessa destacar particularmente a que permite empreender uma análise
objectiva que introduz a experiência dos agentes, analisando os seus esquemas
de percepção e de acção
10
as suas disposiçõespráticas e representações,
tornando, em suma o senso comum em objecto da ciência
11
.
Estamos, assim, no centro do programa de pesquisa teoria da prática e,
inevitavelmente, perante a tríade conceptual campo, capital, habitus.
Todos estes conceitos não são passiveis de definição em estado isolado.
O conceito de campo é «aberto» e elaborado «para ser posto em prática
empiricamente de modo sistemático» (Bourdieu, 1992: 71), o campo é um
espaço estruturado de posições: «em termos analíticos, um campo pode ser
definido como uma rede, ou uma configuração de relações objectivas entre
posições» (idem: 72). Estas posições definem um leque de propriedades que
têm a configuração que lhes é específica e são passíveis de serem analisadas
independentemente das características daqueles que as ocupam, devido aos
enjeux e interesses específicos
12
do campo de que tomam parte:
10
Pierre Bourdieu considera que o trabalho sociológico não se limita apenas a determinar o
espaço das posições sociais, como também o de eliminar as pré-noções do senso-comum. Este
procedimento ele designa por «dúvida radical». Para ultrapassar as dualidades [objectivismo e
subjectivismo], «Bourdieu transforma as Word hypothesis em aparência antagônicas, em
momentos de uma forma de analise visando captar de novo a realidade intrinsecamente dupla do
mundo social» (Wacquant, 1992: 19).
11
«Tomar para objecto o senso comum e a experiência inicial do mundo social, como adesão
não-tética a um mundo que não está constituído em objecto perante um sujeito, é uma maneira,
precisamente, de evitar o ser apanhado no objecto, de transportar para a ciência tudo o que torna
possível a experiência dóxica do mundo social, quer dizer, não a construção pré-construída
deste mundo, mas também os esquemas cognitivos que estão na origem da construção desta
imagem» (Bourdieu, 1988: 43).
12
Para comodidade analítica, dada a delicadeza do termo enjeux, as traduções que melhor se
adequadas a sua utilização neste projecto serão: «o que se pode ganhar numa competição»,
«disputas». Encontradas em consultas e pesquisas de dicionários de língua francesa traduzidos
para português. Cfr. O de Domingos Azevedo (1991: 607).
«a estrutura do campo é um estado da relação de força entre os agentes ou as
instituições envolvidas na luta ou, se preferirmos, da distribuição do capital
específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratégias
ulteriores» (Bourdieu, 1980b: 113-116).
O campo é o resultado histórico de um jogo e «as lutas de que o campo é
lugar têm por “enjeu” o monopólio da violência legítima (autoridade específica)
que é característica do campo considerado» (BOURDIEU, 1980b: 116). Dito de
um outro modo, o campo pode ser tido como um sistema de relações objectivas,
constituídas por varias formas de capital. Por ser um espaço social, é também
um espaço vincado por relações diferenciadas entre os agentes, que disputam
os diferentes tipos de capitais ao dispor.
A estrutura do campo é determinada pela posição dos agentes. No caso
de Moçambique pode-se dizer que é composto por espaços relativamente
autônomos de relações sociais objectivas e dotados de gicas específicas em
que, por vezes, se maximizam vantagens, reconvertendo num destes espaços
(como o da escola) às posições de mais ou menos poder ocupadas num outro,
permitindo assim clarear as homologias posicionais dos agentes em campos
distintos, como também homologias entre os diversos campos, para além das
posições de dominação e de subordinação que a estrutura de poder desigual do
campo suporta. E o político é disso exemplo.
Um outro conceito, o de capital, provido de um carácter multiforme,
confere um poder sobre o campo, como também consolida as noções de
interesse
13
e de investimento, noções fulcrais para percepcionar as lógicas dos
campos, como também perceber de que modo é feita a articulação entre campo
e habitus. O capital define a posição do agente nos diferentes campos e possui
três principais configurações: capital econômico (que normalmente impõe a sua
lógica sobre os restantes, ainda que não os determine de forma absoluta
14
, o
capital cultural que existe no estado objectivado, incorporado e no estado
institucionalizado (cfr. Bourdieu, 1979) e o capital social. A estes adiciona-se o
capital simbólico, que é a forma assumida por cada um dos capitais anteriores
quando reconhecido como especifico (BOURDIEU, 1979: 94-95).
A noção de habitus
15
é uma noção mediadora e que possibilita o
depósito da sociedade nas pessoas, ou seja, a forma como os agentes se
dispõem no campo (social) para percepcionar (mente) a realidade tendo como
pressuposto a socialização, permite articular analiticamente os conceitos de
capital e de campo e funda não a análise das estruturas objectivas como
também abre portas a uma análise da gênese social das disposições
subjectivas. Esta noção, epicentro da obra de Bourdieu, «serve para referir o
funcionamento sistemático do corpo socializado» (Bourdieu, 1988: 62), que,
enquanto
13
Aqui a idéia de interesse aproxima-se ao pensamento Weberiano quando trata do interesse
econômico e que Bourdieu bem aproveita. «Estar interessado é atribuir a um jogo social
determinado que o que acontece tem sentido, que estes enjeux são importantes de ser
perseguidos» (Bourdieu 1994: 149-167). Pode ser utilizado o conceito de illusio entendido como
uma motivação inerente a todo indivíduo dotado de um habitus e em determinado campo.
14
Uma vez que a legitimação da sua posse só se obterá por via simbólica – via capital cultural.
15
Tida como uma noção originaria do pensamento Aristotélico e na Escolástica medieval, com
raízes na noção de hexis sobre a virtude elaborada por Aristóteles, significando um estado
adquirido e firmemente estabelecido do carácter moral que orienta os nossos sentimentos e
desejos numa situação e, como tal a nossa conduta. No século treze, o termo foi traduzido para
Latim como particípio passado do verbo habere por Tomás de Aquino na sua Summa
Theologiae, recuperada e trabalhada na década de 60 por Bourdieu. Cf. para mais
aprofundamentos: Loic Wacquant (2000), Explain the Habitus, New York: Oxford University
Press.
«sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as
experiências passadas, funciona em cada momento como uma matriz de
percepções, de apreciações e de acções» (BOURDIEU, 1971: 178)
articula em si uma competência prática responsável pela (re)produção
incorporada das estruturas sociais. Tratando-se de um conceito que designa o
social vivificado (idem, 1988a: 75-106) e, por isso, a «interiorização da
exterioridade» assim como a «exteriorização da interioridade», o habitus, como
estrutura estruturada e também estruturante, é o produto histórico de um meio
determinado.
É neste quadro, e na linha de Norbert Elias
16
, entre outros autores, que
Pierre Bourdieu propõe um objecto de analise sociológica alternativo que
«não é nem o indivíduo, esse “ens realismum” ingenuamente celebrado como a
realidade das realidades por todos os individualismos metodológicos”, nem os
grupos como conjuntos concretos de indivíduos, mas a relação entre duas
realizações da acção histórica. Ou seja, a dupla relação obscura entre os
habitus, sistemas duráveis e transponíveis de esquemas de percepção, de
apreciação e de acção que resultam da instituição do social no corpo (ou nos
indivíduos biológicos), e os campos, sistemas de mecanismos que têm a quase
realidade dos objectos físicos; e, evidentemente, tudo o que surge dessa
relação, quer dizer, as práticas e as representações sociais ou os campos
16
Que defende que «a sociedade não é um amontoado de acções individuais comparável a um
monte de areia, nem um formigueiro de indivíduos programados no sentido de uma cooperação
mecânica. Ela assemelha-se antes a uma teia de pessoas vivas que, sob uma diversidade de
formas, são independentes» (Elias, 1994: 51).
desde que eles se apresentam sob a forma de realidades percebidas e
apreciadas» (Bourdieu e Wacquant, 1992: 102, itálicos meus).
Esta longa citação serve para ilustrar o real social como uma noção
relacional e evidencia a relação entre o habitus e o campo como, num primeiro
instante, uma relação de condicionamento, mas também, num segundo
instante, como uma relação de conhecimento e de construção cognitiva
17
,
desafia o investigador a demonstrar, tal como assinala Luis Casanova,
«acima de tudo, a explicabilidade das práticas sociais em função não apenas do
habitus e dos volumes, estruturas e trajectórias de capital dos actores, mas
também do campo específico em que aquelas práticas são desenvolvidas, bem
como da eficácia dos habitus e dos capitais nesse mesmo campo»
(CASANOVA, 1995: 68)
e coloca-nos perante a afirmação, do ponto de vista do esforço desenvolvido
para o seu conhecimento, de um modo de «pensar relacionalmente» (Bourdieu,
1988a: 23-34).
A prática para Pierre Bourdieu aparece como o produto de uma relação
dialéctica entre a situação e o habitus, anteriormente explicitado como um
sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as
experiências históricas, funciona como uma matriz de percepções e acções e
torna possível cumprir tarefas diferenciadas no quotidiano da vivência colectiva.
17
Visto que «o habitus contribui para constituir o campo como mundo significante, dotado de
sentido e de valor, no qual vale a pena investir a sua energia» (Bourdieu e Wacquant, 1992: 103).
Pode-se afirmar que a escola aparece como um campo onde os agentes
mantêm um determinado tipo de relações sociais em que o enjeu é determinado
pela posição dos agentes no campo. O professor conta com o poder que lhe é
conferido pela escola de conduzir os destinos dos estudantes, transmitindo
conhecimentos, avaliando o desempenho dos estudantes, influenciando ou não
seus colegas na tomada de posição em relação a determinados estudantes.
Aqui o professor estaria a recorrer ao capital cultural para sua afirmação no
enjeu e obtenção de vantagens no mesmo.
O capital económico expressa-se na forma salarial. Muitas vezes é
marcado pelo nível de formação do professor.
Por seu turno, o estudante ao obter determinado tipo de resultado
(reprovando ou não) veria seu prestígio ser determinado pelo aproveitamento
acadêmico. Esta-se em presença de capital cultural e que se converte
gradualmente em capital econômico e depois social à medida que se materializa
a aquisição de um diploma. A freqüência a escolas particulares e colégios
aparece como uma outra forma de utilização do capital económico no campo.
3. DA PRÁTICA À REPRESENTAÇÃO: uma extensão analítica da
Teoria da Prática no quadro de estudo de sistemas simbólicos
A sociologia como todas as ciências sociais não pode ignorar os
princípios de divisão e classificação do mundo social, assim como ao papel
estruturante destes mesmos princípios produzidos pelos interesses parciais dos
agentes na construção significativa do mundo social
18
. Embora ela se constitua
contra tais princípios, ao se falar de habitus mais não é do que:
«incluir no objecto o conhecimento que os agentes, que fazem parte do objecto,
têm do objecto e a contribuição que este conhecimento traz à realidade do
objecto» (Bourdieu, 1979a: 544).
Chega-se assim, as representações sociais. Antes de deter-me
demoradamente neste conceito, importa referir que o cerne da presente
pesquisa é a imagem do professor em Moçambique.
O conceito de imagem é um conceito utilizado como sinônimo de
representação social. A representação não pode ser tida como um mero reflexo
do mundo exterior, não é uma reprodução passiva de um exterior em um
interior, concebidos como radicalmente distintos, tal como podem fazer supor
alguns usos da palavra imagem. Tomaz Tadeu da Silva busca um conceito de
representação aproximando-o de significação, tal como Bourdieu, ao reconhecer
que:
18
Aqui, «o conhecimento do mundo social tem de ter em conta um conhecimento prático deste
mundo que lhe pré-existe e que não deve deixar de incluir no seu objecto ainda que, num
primeiro momento, ele deva constituir-se contra as representações parciais e interessadas que
esse conhecimento prático procura» (Bourdieu, 1979a: 544).
«na representação está envolvida uma relação entre um significado (conceito,
idéia) e um significante (uma inscrição, uma marca material: som, letra, imagem,
sinais manuais). O processo de significação é fundamentalmente social» (DA
SILVA, 2005: 1).
Este conceito pode ser alargado a outros conceitos nomeadamente o de
estereotipo e imagem, sendo este último objecto dum maior aprofundamento ao
longo do trabalho.
O conceito de estereótipo, tal como o de representação é uma forma de
conhecimento. No processo do conhecimento do outro, aquele funciona de
forma econômica.
«No estereótipo a complexidade do outro é reduzida a um conjunto de signos:
apenas o mínimo necessário para lidar com a presença do outro sem ter que se
envolver com o custoso e doloroso processo de lidar com as nuances, sutilezas
e profundidades da alteridade. O estereotipo é, assim, o resultado de um
complicado compromisso. De um lado, a existência do outro me impõe colocar
em ação alguma forma de conhecé-lo. De outro, esse conhecimento é
restringido» (DA SILVA, idem: 5).
O que Tomaz Tadeu procura mostrar-nos é que o conceito de
estereótipo, partindo de um determinado ponto de vista, pode ser considerado
como uma forma de representação, que naquele «o outro é representado
através de uma forma especial de condensação em que entram processos de
simplificação, generalização, homogeneização» (Idem, 6). O estereótipo
enquanto representação movimenta um leque de instrumentos semióticos, o
que leva a que ele não possa ser descrito apenas como uma descoincidência
entre determinado real e determinada imagem, como uma refracção,
deformação. Por este reducionismo parece passar de forma semelhante o
conceito de imagem. Assim como a noção de estereótipo, por vezes, pressupõe
um confronto com uma realidade da qual o estereótipo seria reprodução
distorcida, a noção de imagem pressupõe a existência de uma realidade que a
imagem simplesmente reproduz. De certa forma, o estereótipo é um caso
particular de imagem. Entretanto, «a noção de imagem partilha com a noção de
representação um mesmo foco na inscrição, na visibilidade, no registro. Nós
podemos ver a representação, podemos apontá-la. O mesmo ocorre com a
imagem» (idem, 6).
As representações podem ser vistas como conjuntos de imagens que
condensam um conjunto de significados; sistemas de referência interpretativa e
que dão sentido ao inesperado; categorias para classificar circunstâncias,
fenômenos, indivíduos; teorias naturais que explicam a realidade quotidiana
19
.
No entanto, Martine Joly releva o carácter multifacetado da utilização do
conceito de imagem e consequentemente dos seus usos e sentidos. Joly
considera que a palavra imagem, para lá da sua polissemia,
«ela designa algo que, embora remetendo sempre o visível, toma de
empréstimo alguns traços ao visual e, em todo o caso, depende da produção de
19
Uma melhor explanação da vitalidade analógica dos conceitos de representação e de imagem
e da compatibilidade dos mesmos para a utilização como sinónimos pode ser conferida em
Moscovici (1976: 71-89). Por comodidade analítica assistir-se-ão momentos na pesquisa em que
ambos serão utilizados como sinônimos.
um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém, que a produz
ou a reconhece» (JOLY, 1994: 13).
Quando falamos deste conceito no âmbito da sua ligação com
actividades psíquicas ou mentais, ele «corresponde à impressão que temos,
quando, por exemplo, lemos ou ouvimos a descrição de um lugar, a impressão
de o ver quase como se estivéssemos» (idem: 19). Uma representação
psíquica constrói-se de forma quase que alucinogénica e que «parece pedir
emprestadas as suas características à visão. Vê-se» (idem, ibidem). Martine
Joly considera que quando falamos de imagem, falamos simultaneamente de
visualização e semelhança.
No caso da abordagem em curso torna-se conveniente colocar
opcionalmente o conceito de imagem sob o ponto de vista da significação.
Afirmar isso corresponde a um reconhecimento da necessidade de existência de
uma relação analógica entre o significante e o referente.
Falar da imagem do professor é:
«Colocar a imagem na categoria das representações. Se ela se
assemelha é porque ela não é a própria coisa; a sua função é, pois a de
evocar, a de significar outra coisa que não ela própria, utilizando o
processo de semelhança. Se a imagem é entendida como representação,
tal significa que a imagem é entendida como signo» (idem: 39).
Daqui não resisto a registar dois aspectos importantes da colocação
teórica de Martine Joly em torno do conceito de imagem. O primeiro prende-se
com o duplo risco que se corre quando se fala de imagem: o de falta de
semelhança que geraria a ilegibilidade ou o de muita semelhança, que
conduziria a uma «confusão entre imagem e representad (idem, 39-40). O
outro aspecto não é mais do que uma advertência. Segundo a autora, convém
recordar-mo-nos:
«que se toda a imagem é representação, tal implica que ela utilize
necessariamente regras de construção. Se estas representações são
compreendidas por outros que não aqueles que as fabricam, é porque existe
entre elas um mínimo de convenção sócio-cultural, por outras palavras, que elas
devem grande parte da sua significação ao seu aspecto de mbolo» (idem: 40).
Retomando o conceito de representação, note-se que Pierre Bourdieu
trata as representações, no prolongamento dos trabalhos de Émile Durkheim,
como formas de classificação social. Para além de reter a génese das
classificações sociais, a sua análise deverá igualmente aperfeiçoar o estudo da
relação mantida pelas mesmas classificações com as divisões sociais. Segundo
Bourdieu, esta relação será, sobretudo, de correspondência, variando a
composição das classificações com as posições sociais ocupadas pelos
agentes, seus produtores, nas diferentes distribuições de poder de que
participam. Por outro lado, como ele mesmo assinala, «as estruturas cognitivas
que os agentes sociais põem em acção para conhecer praticamente o mundo
social são estruturas sociais incorporadas» (BOURDIEU, op.cit: 545) que, por
esse motivo, inscrevem no corpo as oposições mais vincadas da realidade
social: entre dominante e dominado.
Assim, as divisões e os sistemas de classificação sociais conjuntos de
atributos que fixam oficialmente os limites da ordem social e que, sendo
definidos pelos interesses dominantes de um determinado grupo ou classe, são
reconhecidos praticamente pelos agentes tornam-se em princípios de divisão
do mundo social que têm a característica de particularmente transformar os
limites objectivos do mesmo mundo em sentido dos limites (o goffmaniano
«sense of one’s place»), sendo este último tanto mais importante quanto a sua
interiorização passa pelo esquecimento da sua condição de limite. E aqui
radicará não somente a gênese dos esquemas de classificação – que não serão
«outra coisa do que a incorporação de leis objectivas segundo as quais se
constitui objectivamente o seu valor» (BOURDIEU, 1979a: 549) -, assim como o
ajustamento das categorias de percepção e de apreciação do mundo às
divisões da ordem social estabelecida (impondo-se «com todas as aparências
da necessidade objectiva» e sendo a própria «visão da classificação função da
posição ocupada nas classificações» (idem: 548-549), o que nos coloca perante
a interpretação praxeológica do «conformismo lógico» durkheimiano
20
.
A construção das classificações sociais segue à lógica do interesse de
que os agentes sociais se encontram investidos e, assim, à lógica do
20
«A socialização tende a constituir o corpo como operador analógico, instaurando todos os tipos
de equivalências práticas entre diferentes divisões entre sexos, entre as classes etárias e as
classes sociais ou, mais exactamente, entre as significações e os valores associados aos
indivíduos ocupando posições praticamente equivalentes nos espaços determinados por estas
divisões; e isto, integrando numa mesma linguagem corporal a simbólica da dominação e da
submissão social e a simbólica da dominação e submissão sexuais» (idem: 553).
reconhecimento que estes mesmos agentes procuram ver garantido para as
suas interessadas atribuições de sentido. Esta é uma característica evidente,
sobretudo em todas as classificações que são construídas em redor de
identidades sociais estereotipadas
21
, o que, para alem de salientar que a lógica
da classificação estereotipada passa por um fechamento da identidade social do
outro num conjunto restrito de propriedades necessariamente depreciadas
(confrontar a análise de Goffman da identidade virtual
22
), lembra que as
mesmas classificações são fruto de uma luta em que o(s) agente(s) ou grupo(s)
procura(m) elaborar um sistema de classificação apto a defendê-lo(s) ou
antecipar em sua defesa as propriedades favoráveis do sistema de classificação
dominante.
Por outro lado, os próprios sistemas de classificação não escapam a uma
igual definição em luta, obedecendo, tal como os esquemas de classificação, à
lógica da tomada de posição
23
. Assim, e ainda que produto de um mesmo
esquema de classificação ou de um sistema de classificação comum, as
classificações sociais as representações sociais podem ser alvo de usos
antagônicos, tal como se verifica sempre que os agentes procuram tirar partido
da independência relativa da estrutura do sistema das palavras classificantes e
21
«Os estereótipos são crenças rígidas, aplicadas tanto a categorias inteiras de indivíduos como
a cada individuo. Apesar dos estereótipos serem freqüentemente considerados indesejáveis,
porque também constituem a base do preconceito, eles são essenciais à vida social. Quando
ingressamos em uma situação em que não conhecemos nenhum dos indivíduos, por exemplo,
temos de possuir alguma base para saber o que esperar de nós. A fim de realizar esse
propósito, confiamos no que é chamado de o OUTRO GENERALIZADO, ou seja, a maneira
como vemos aqueles que ocupam determinados status sociais. Quando consultamos um médico
pela primeira vez nada sabemos sobre ele, apenas sobre médicos em geral. Nessa base,
contudo, fazemos todos os tipos de suposições sobre esse dado médico, suposições que são, no
fundo, estereotípicas» (Johnson, 1995:93).
22
Cfr. Goffman emStigmate. Les Usages Sociaux des Handicapés”, Paris, Minuit, 1975.
23
«O enjeu das lutas à propósito do sentido do mundo social é o poder sobre os esquemas
classificatórios e os sistemas de classificação que estão na origem das representações e, assim,
da mobilização e da desmobilização dos grupos (...). É somente na e pela luta que os limites
incorporados se tornam fronteiras» (Bourdieu, 1979a: 559).
classificadas face à estrutura de distribuição dos capitais, ou seja, sempre que
os agentes procuram precipitar a construção de uma identidade social real
através da usurpação de uma identidade social nominal.
Dar um lugar na análise das classificações sociais a este último processo
permite, por outro lado, reter o carácter classificado não das práticas e
representações, mas também dos agentes, já que eles são «objectos
classificáveis que se classificam (...) apropriando-se das práticas e das
propriedades classificadas (...) segundo a sua distribuição provável entre os
grupos classificados» (Idem: 561-562), num quadro em que as mais dotadas de
poder classificatório dessas propriedades se definem como sinais de distinção
ou como marcas de estigmatização:
«A instituição de uma identidade, que pode ser um título de nobreza ou um
estigma (“tu não passas de um...”), é a imposição de um nome, quer dizer de
uma essência social. Instituir, atribuir uma essência, uma competência é impor
um direito de ser que é um dever ser (ou de ser). É significar para alguém aquilo
que ele é e assinalar-lhe que deve deduzir-se em conformidade. O indicativo é
neste caso um imperativo» (BOURDIEU; 1993: 125-126).
Um sistema de esquemas classificatórios se institucionaliza como
sistema de classificação quando «cessa de funcionar como sentido dos limites»
e passa a ser explicitado e defendido como princípio de produção da ordem
social, tanto real como representada. Contudo, os sistemas de classificação
se produzem e reproduzem eficazmente porque transfiguram simbolicamente
afastamentos diferenciais. É de resto, neste seu carácter simbólico que reside o
contributo decisivo de todos os sistemas de classificação para a manutenção da
ordem social, que acrescentam «à eficácia dos mecanismos objectivos o
reforço que lhes trazem as representações estruturadas em conformidade com
a classificação» (idem: 559-560) levando-nos ao referenciado centro da
análise praxeológica dos sistemas simbólicos.
Desde a conceptualização pioneira de Emile Durkheim de
«representações colectivas», tidas como produções mentais sociais (relevando
de um estudo da «ideação colectiva») irredutíveis ao pensamento individual, um
longo percurso de transformações teórico-metodológicas ocorreu até ao
conceito de representação social
24
. As representações sociais são também
tratadas como formas de conhecimento que servem para apreender, avaliar e
explicar a realidade (Vala, 1986: 5). Como conceito, reconhece-se o seu
carácter complexo e polifacético, difícil de encerrar numa expressão
condensada. Muitos autores têm feito várias propostas de definição do conceito,
e como poderemos depois observar, na sua generalidade, não comprometem a
integridade do próprio conceito de representação social.
3.1. Por entre vários conceitos de representação social
De Moscovici pode-se reter a sua tentação em construir um conceito
inclusivo ao considerar que:
«Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos,
proposições e explicações originado na vida quotidiana no curso de
24
Deve-se, de facto, a Serge Moscovici umas das primeiras e das mais importantes
reactualizações do conceito durkheimiano de «representação colectiva» em representação
social. Para uma análise desta trajectória teórica cf. Moscovici (1989: 62-86).
comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade, dos
mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser
vistas como a versão contemporânea do senso comum» (MOSCOVICI,
1981:181).
Aqui o autor pretende aglutinar elementos como informação, atitudes e
imagem. Segundo Serge Moscovici, quando nos reportamos as representações,
«...a atitude é a mais freqüente das três dimensões e, talvez, geneticamente a
primeira. Por conseguinte, é razoável concluir que as pessoas se informam e
representam alguma coisa somente depois de terem tomado uma posição e em
função da posição tomada» (MOSCOVICI, 1976: 72).
Por seu turno, Denise Jodelet, como que buscando uma sistematização
do campo, considera as representações sociais como «socialmente elaboradas
e partilhadas, tendo um alcance prático e concorrendo para a construção de
uma realidade comum a um conjunto social» (1989: 36). Adicionalmente a
autora considera que uma representação é uma forma de saber prático que
entrelaça um determinado sujeito a um determinado objecto, e por isso,
poderá ser conceptualizada no quadro das relações materiais e simbólicas, que
os agentes sociais, seus (re)produtores, mantêm entre si. Quer isto dizer que ela
está no lugar de..., confere-lhe significados e é também social ou colectiva
porque a sua análise integrará elementos ligados à pertença, participação social
e culturais do sujeito. Jodelet afirma ainda que o lado prático dessa forma de
saber «se refere à experiência a partir da qual ele é produzido, aos quadros e
condições nos quais o é, e sobretudo ao facto de que a representação serve
para se agir sobre o mundo e sobre os outros» (Idem: 43-45).
Willem Doise, muito influenciado no seu quadrante analítico por trabalhos
de Pierre Bourdieu, afirma que
«as representações sociais são sempre tomadas de posição simbólicas,
organizadas de maneiras diferentes, por exemplo, como opiniões, atitudes ou
estereótipos, segundo a sua imbricação em relações sociais diferentes»
(DOISE; 1989:228)
25
.
Como podemos deparar, existe uma unanimidade por parte dos autores
em colocarem o simbólico no centro da conceptualização de representação
social. Podemos resumir aqui a representação social como a forma que as
pessoas atribuem significado às experiências partilhadas nas suas relações
quotiidanas.
Retomando a visão de Bourdieu sobre os sistemas simbólicos, pode-se
notar que ele alerta para a determinação das representações (E. Durkheim) a
homologia entre divisões sociais e esquemas de classificação resultante da
incorporação dos sistemas sociais nos esquemas dos agentes -, como também
para a função exercida por todo o simbolismo. Esta função não é exclusiva da
25
Para Doise, «de uma maneira geral podemos dizer que em cada conjunto de relações sociais
os princípios ou esquemas organizam as tomadas de posição simbólicas que estão ligadas a
inserções especificas nessas relações. E as representações sociais são princípios organizadores
destas relações simbólicas entre actores sociais; tratam-se, portanto, de princípios relacionais
que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos ou grupos, constituindo ao mesmo tempo
um campo de troca simbólica e uma representação desse campo» (Doise, 1989: 228).
comunicação, nem de conhecimento, ainda que activo, mas sobretudo de
integração
26
.
Por outro lado, convém reter que os sistemas simbólicos são
instrumentos de dominação e que, por isso, estão envoltos em relações de
força. Assim, reproduzidas através da homologia existente entre campo de
produção ideológica e o campo das classes sociais, as ideologias e os sistemas
por elas constituídos o um enjeu de lutas que resulta de uma dupla
determinação: não resultam do trabalho e dos interesses das classes e
fracções que as criam, como também dos interesses relativos à lógica
específica do campo de que são produto.
Esta apresentação, ainda que sumária, do núcleo central da teoria da
prática dota esta análise de um objecto específico. Designa a centralidade de
processos em que, do ponto de vista analítico, o simbólico é relevante. Contudo,
antes de analisar em pormenor os contornos da dimensão simbólica da imagem
do professor, um objecto assim estruturado confronta-se obrigatoriamente com
a necessidade de se ver localizado.
4. UMA CONSTRUÇÃO LOCALIZADA DA IMAGEM REPRESENTADA
Procurar perceber como se cristaliza a representação social do professor
requer uma contextualização. A utilização de alguns dos contributos de Anthony
Giddens sobre a «natureza recursiva da vida social» (GIDDENS, 1984: 23)
permite dar conta da referida contextualidade de um modo susceptível de ser
26
Os símbolos, na realidade, «enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação (...)
tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente
para a reprodução da ordem social» (Bourdieu, 1988: 10).
articulado heuristicamente com a concepção relacional da realidade social de
Pierre Bourdieu.
Giddens elabora uma proposta que podemos descrever como estando
alicerçada em dois traços principais que serão, por um lado, a importância do
conceito de rotina - que define como aquilo que é feito habitualmente, sendo,
por isso, a rotinização resultante da realização de actividades no decorrer do
dia-a-dia e, por outro lado, a centralidade da noção de co-presença
entendida, no prolongamento das analises de Goffman, como ancorada às
modalidades perceptivas e comunicativas do corpo
27
.
Uma conceptualização da rotinização permite a Giddens apresentar este
processo como um mecanismo vital susceptível de assegurar a segurança
ontológica necessária par o desenvolvimento da vida social (1984:23)
28
,
afastando a sua interpretação das concepções que o tendem a rotular mais
negativamente, e abre portas, devido à centralidade das sociabilidades (ou
interacções) na estruturação do quotidiano, para a reavaliação dos processos de
conhecimento dos contextos de co-presença. Convém recordar que esta
27
Giddens afirma o seguinte: «Aquilo a que Goffman chama “the full conditions of co-presence”
encontra-se sempre que os agentes “sentem que estão suficientemente perto para serem
percebidos no que estiverem a fazer, incluindo a sua experiência dos outros e suficientemente
perto para serem percebidos nesta sensação de ser percebido”. (...) contactos mediatizados que
permitem algumas das intimidades da co-presença são tornados possíveis na era moderna pelas
comunicações eletrônicas (...). Nas sociedades contemporâneas (...) o espaço contido num
quarto com excepções, como as das festas, em que a casa pode estar totalmente “aberta”
quase sempre define as fronteiras esperadas da co-presença. É claro, muitos “lugares
públicos” (...) em que não uma circunscrição física clara das condições de co-presença».
(Giddens, 1984:68). Esta opção define-se pertinente para demonstrar que será nas rotinas do
quotidiano do professor que a imagem vai-se (re)criando.
28
Segundo Giddens, as rotinas da vida quotidiana «são fundamentais mesmo para as formas
mais elementares de organização societal. No decurso das suas actividades diárias os indivíduos
encontram-se em contextos situados de interacção interacção com outros que estão
fisicamente co-presentes» (1984:64). Ele teve ocasião de salientar numa das suas mais recentes
obras, é na consciência prática que poderemos encontrar «a âncora cognitiva e emotiva dos
sentimentos de segurança ontológica característicos de largos segmentos da actividade humana
em todas as culturas. A noção de segurança ontológica esta intimamente ligada ao carácter
tácito da consciência prática» (1994:32).
incursão pelo pensamento de Giddens deve-se a necessidade de mostrar que é
no prolongamento dos encontros e da interacção das vivências práticas do
quotidiano por entre a escola e os espaços adjacentes - que a imagem do
professor se cristaliza.
Com efeito, a interacção sustentada nos contextos de co-presença é
analisada por Giddens como se tratando de uma realidade plural na qual é
possível distinguir formas diferenciadas. Seguindo de perto a tipologia de
Goffman, aquele autor distingue os «ajuntamentos» ou «reuniões»
gatherings») das «ocasiões sociais» social occasions») e, no interior de
ambos, o que poderá qualificar-se como «interacção não focada» unfocused
interaction») daquilo que constituirá «interacção focada»focused interaction»).
Os «ajuntamentos» referem-se a reuniões de agentes que compreendem
duas ou mais pessoas em contextos de co-presença, destacando-se na sua
composição a importância de um elemento de «disponibilidade» para quem quer
que entre nos limites de espaço-tempo do seu contexto. Sempre que estas
reuniões ocorram em «contextos mais formalizados», as interacções que aqui
têm lugar podem ser qualificadas como «ocasiões sociais». Estas serão
encontros que, para além de envolverem uma «pluralidade de indivíduos»,
implicarão uma circunscrição no espaço e no tempo bastante clara e
empregarão frequentemente «formas especiais de equipamento fixo», não
impedindo uma tal definição que um determinado sector «de espaço físico
possa simultaneamente ser o (...) local de várias ocasiões, cada uma delas
envolvendo múltiplas reuniões»
29
(GIDDENS,1984: 71).
29
Cf. a seguinte afirmação de Giddens: «Uma grande variedade de aspectos rotinizados da vida
diária, tais como o dia de trabalho numa fábrica ou escritório, são deste tipo. Mas há também
muitas ocasiões sociais irregulares, incluindo festas, danças, acontecimentos desportivos»
Quer os ajuntamentos ocorram ou não como ocasiões sociais, as
interacções que neles decorrem podem dividir-se em duas modalidades
principais: «a interacção não focada» diz respeito «a todos os gestos e sinais
que podem ser comunicados entre indivíduos simplesmente devido à sua co-
presença no interior de um contexto específico», no quadro de uma relação em
que as propriedades físicas do corpo e o horizonte limitado do posicionamento
da face são os constrangimentos principais (idem: 72); por seu lado, a
«interacção focada» realiza-se sempre que «dois ou mais indivíduos coordenam
as suas actividades através de uma interacção contínua de expressão facial e
voz», afirmando-se no seu decorrer um «fechamento» daqueles que estão
envolvidos relativamente aos demais co-presentes.
De acordo com Giddens, «uma unidade de interacção focada é um
envolvimento de face ou um encontro», e uma vez que «os encontros ocorrem
tipicamente como rotinas», a sua sucessão forma a teia constituinte do ciclo de
actividade diária. Segundo o autor inglês, é precisamente com a rotinização dos
encontros que se pode articular a reprodução social e «a aparente fixidez das
instituições» (GIDDENS, 1984: 72): «os sistemas sociais (...) estão organizados
como práticas sociais regularizadas, sustentadas em encontros dispersos ao
longo do tempo-espaço» (GIDDENS, 1984: 83). Ora, no caso dos professores
moçambicanos essa rotinização dos encontros faz-se no interior de um espaço -
a escola, desenvolvendo uma actividade o ensino, durante determinado
período de tempo, o que permite o reconhecimento duma determinada posição
social por força do conjunto estruturado de práticas.
(1984:71).
A argumentação de Giddens para sustentar a articulação entre
rotinização dos encontros e a institucionalização da vida social baseia-se numa
discussão das implicações teóricas do anteriormente referenciado conceito de
«posição social»: os actores, «cuja conduta constitui» as práticas do quotidiano,
são «actores posicionados» não no tempo-espaço, mas também
«posicionados relacionalmente», quer dizer, produzidos estruturalmente «como
intersecções específicas de significação, dominação e legitimação» (GIDDENS,
1984: 83-84) envolvendo a especificação de uma identidade definida no âmbito
de uma rede de relações sociais, cada posição social implica um conjunto -
«difusamente especificado» - «de prerrogativas e obrigações que um actor a
quem é concedida essa identidade pode activar ou desenvolver» (idem: 84),
inscrevendo-se, por sua vez, estas atribuições num quadro institucional mais
englobante. Os modos de posicionamento (interacções (re)produzidas no
âmbito de relações sociais) no tempo-espaço devem ser trabalhados no interior
de um referencial analítico que integre, em relação com a «dualidade da
estrutura», as práticas institucionalizadas
30
, o que nos coloca perante a
interligação dos três aspectos centrais da temporalidade, tal como esta é
concebida na teoria da estruturação: para além do posicionamento nas
trajectórias espacio-temporais do dia-a-dia, haverá que ter em conta o
posicionamento no interior dos ciclos ou trajectórias da vida, assim como a
longa duração [longue durée] das instituições (GIDDENS: 84-86).
30
«Todas as propriedades estruturais dos sistemas sociais (…) são o meio e o resultado das
actividades contigentemente cumpridas dos actores situados. A monitorização reflexiva da acção
[reflexive monitoring of action] em situações de co-presença é o principal traço de ancoragem da
integração social» (idem, 191). Para um estudo mais apurado do pensamento do autor sobre
este assunto, cf. Giddens (idem: 162-226).
Contudo, para concretizar uma análise dos modos de posicionamento e
«para mostrar como estas questões se relacionam com aspectos mais vastos
dos sistemas sociais é necessário considerar como a teoria social deve
confrontar a situacionalidade da interacção no tempo e no espaç (idem:
110).
Com efeito, a localização das práticas, e a «disponibilidade de presença»
que lhe subjaz, referencia, tal como tenho vindo a assinalar, um espaço-tempo
usado em contexto ou quadro de interacção [social setting]: «Os locais referem-
se ao uso do espaço que produz os quadros de interacção», estes últimos
sendo indispensáveis para precisar o carácter contextual da interacção, «a sua
contextualidade», dependendo a sua constituição de fenómenos «como o corpo,
os seus meios de deslocação e de comunicação e as suas relações com as
propriedades físicas do mundo envolvente» (idem: 110).
A disponibilidade de presença, assim como a co-presença a si associada,
remete para a problematização da corporalidade dos agentes e para um
segundo eixo de classificação dos modos de localização das práticas sociais.
Esta classificação diferencia as «regiões à frent (também conhecidas no
vocabulário interaccionista como de fechada), entendidas como contextos de
interacção dotados de visibilidade social, das «regiões atrás» (também
conhecidas como traseiras ou bastidores), contextos que asseguram às pessoas
uma completa solidão que lhes permite escapar à presença de outros e que
representam um importante recurso a utilizar reflexivamente para criar e manter
uma distancia psicológica entre as interpretações próprias do agente social a
propósito «dos processos sociais e aquelas que veiculam normas oficiais». A
proposta do autor inglês salienta, no processo de diferenciação entre regiões à
frente e as regiões atrás, a existência ainda de zonas de intercepção entre as
aparentemente distintas actividades «públicas» e as «privadas» (GIDDENS,
1984: 124-129).
Em suma, o que Giddens propõe é a promoção da contextualização das
práticas que constituem o quotidiano, salientando a importância da localização
num quadro de relações em que se une a integração social e a integração
sistemática. Com efeito, é nas relações (ou na ausência de relações)
quotidianas, e por isso localizadas, que os agentes sociais mantêm com
diferentes campos que se (re)produzem e (re)actualizam as disposições sociais
que incorporam e que representam.
Convém, uma vez mais, recordar que com este itinerário tenho a firme
pretensão de - com base no princípio Giddensiano mostrar a natureza recursiva
da vida social, articulada com a concepção relacional da realidade social de
Pierre Bourdieu - edificar um corpus teórico-metodológico capaz de facultar uma
leitura da imagem do professor em Moçambique.
Tive a ocasião de salientar a importância das vivências quotidianas,
dando uma atenção específica as relações de condicionamento, de construção
cognitiva mantidas entre as posições sociais, os sistemas de disposições sociais
e os processos de representação (de tomada de posição) social. Num outro
momento procurei dar relevância à construção social da realidade feita com
base na localização espacio-temporal das referidas vivências quotidianas.
O cruzamento destes dois momentos (pre)supõem a retenção da
expressão localizada da relação entre os campos do social e os habitus dos
agentes.
5. ALGUMAS CONJUGACÕES NAS OPÇÕES METODOLÓGICAS
O esforço de tipificação inerente à adopção dos princípios teórico-
metodológicos consagrados na perspectiva analítica aqui em causa, implicam
uma tentativa de compatibilizar a teorização de Bourdieu com a realidade social
moçambicana. Ela poderá ser possível com recurso a utilização de
procedimentos metodológicos adequados.
No caso da pesquisa sobre a imagem do professor em Moçambique, os
passos a trilhar, não retiram desta proposta todo o reconhecimento do carácter
pluriparadigmático das ciências sociais, que me impelem para uma atenção
acrescida face às vantagens da combinação de procedimentos diversos de
selecção, recolha e tratamento da informação, ciente, igualmente, da falsa
neutralidade desses procedimentos, da sua permanente ligação ao corpus
teórico de partida, e sem esquecer, simultaneamente, as suas potencialidades
de reactualizar, recriar, transformar ou destruir esse mesmo corpus
31
. Esta
afirmação do carácter pluriparadigmático das ciências sociais é de fundamental
importância na superação da velha aporia entre métodos
quantitativos/extensivos (clássica e tradicionalmente tidos como «duros»,
«sistemáticos», «objectivos», «rigorosos») e qualitativos/intensivos («fracos»,
«especulativos», «subjectivos»), que a própria teoria social aponta, não sem
sobressaltos marcados por avanços e recuos substantivos, para a necessária
31
Sou absolutamente a desfavor de qualquer tentativa de conferir à função de comando da teoria
um «fundamentalismo epistemológico».
articulação entre regularidades, estruturas, padrões socioculturais,
constrangimentos e determinismos, isso por um lado, e singularidades, a acção
social, os particularismos dos processos sociais localizados e as possibilidades
que orientam os cálculos, interesses e estratégias dos agentes, por outro
32
.
A relação entre pesquisa qualitativa, seus métodos e a pesquisa
quantitativa e seus métodos tem sido objecto de debate nas ciências sociais.
Em grande parte das vezes nesse debate, como referi anteriormente, postula
técnicas quantitativas e as identifica com o positivismo e as técnicas qualitativas
como um monopólio dos que criticam esse positivismo. A relação entre
quantitativo e qualitativo não é inerte. Esta relação permite ao pesquisador ter
acesso a novas descobertas. O abismo entre as técnicas qualitativas e
quantitativas parece estar intimamente ligado a uma certa ortodoxia onde o
imperativo da medida deslocou preocupações teóricas.
O cerne o é, sem duvida, se as técnicas quantitativas podem conferir
elementos ao pesquisador que as técnicas qualitativas não podem e que as
técnicas qualitativas podem fornecer ao investigador o que as quantitativas não
podem. O cerne é qual é o corpus teórico-conceptual e a natureza do problema
que determina a metodologia a ser utilizada. Num caso e noutro é preciso
qualificar o uso de distintas metodologias com relação tanto aos postulados e
32
Sob um prisma similar, Raymond Boudon diz: «...não vemos como poderia a sociologia chegar
a uma unificação dos seus métodos sem renunciar à diversidade dos objectos sobre os quais
actualmente se debruça». Ou ainda mais categoricamente ele afirma: «A diversidade da
sociologia não provém, portanto, da sua juventude, mas da multiplicidade dos seus objectos.
Talvez até o facto desta diversidade começar a ser reconhecida seja sinal do acesso à
maturidade...» (s.d: 128-129). Numa outra perspectiva, Madureira Pinto refere as vantagens da
combinação dos métodos e técnicas distintos como sendo inerente, não propriamente à
diversidade dos objectos referida por Boudon, mas principalmente à necessidade de evitar «o
isolamento artificial dos objectos de pesquisa», afirmando, assim, o «carácter eminentemente
relacional de todo o trabalho científico» (Pinto, 1994: 41).
enquadramento teórico da pesquisa como com relação às características do
objecto de estudo.
No caso dos estudos das representações sociais, a recolha de
informação e tratamento da mesma é o momento crucial. o unânimes os
autores quanto a importância desse momento. Abric, por exemplo, considera
que:
«a montante da análise dos dados, a metodologia de colecta aparece como um
ponto-chave que determina prioritariamente o valor dos estudos sobre
representações.
Qualquer que seja o interesse e a potência de um método de análise é bem
evidente que o tipo de informações colectadas, sua qualidade e sua pertinência,
determinam directamente a validade dos resultados obtidos e das análises
realizadas.
Daí que a primeira questão que se coloca ao pesquisador das representações
sociais diz respeito aos instrumentos que ele vai escolher e utilizar para
apreender o seu objecto» (ABRIC, 1994: 59).
Noutras experiências similares autores como Jodelet e Moscovici
alertavam para a delicada tarefa de captar os conteúdos das representações
com base numa metodologia. Estes autores consideram tratar-se de um
problema tanto de cariz teórico como metodológico,que o problema coloca-se
quanto:
«A definição do material portador de conteúdos, sua fidedignidade e mesmo
sua validade. Problema que se relaciona, através da construção do dado, com a
construção do objecto. O campo de estudo e suas metodologias devem permitir
a identificação das condições sob as quais as representações emergem e
funcionam» (JODELET, 1989: 167-189).
No entanto, o trabalho de campo aproxima de tal forma o observador e o
observado que não raras vezes os papeis se complexificam, não tanto no
sentido destes se aperceberem da presença do investigador, mas enquanto um
conjunto de reflexões introspectivas a que o observador não escapa, no decurso
da sua pesquisa. O que ele e ouve tem um impacto maior do que aquele que
fica registado no diário de campo. Convém salientar ainda que nunca um campo
ou terreno de investigação nos será absolutamente familiar.
De todas as fases de recolha de informação, resultam sempre zonas de
sombra, contradições e equívocos que constituem, logo à partida, um verdadeiro
desafio ao corpus teórico que orienta a pesquisa. Trata-se de afirmar algo que é
comum os pesquisadores não se recordarem: a realidade é sempre mais
complexa do que à partida se julga, mesmo que se tente evitar as suas
«surpresas» pela construção de sofisticados modelos de análise, com alto nível
de formalização.
A pesquisa empírica tem sentido se admitirmos de antemão que a
realidade é sem dúvida mais complexa que a teoria, o que implica,
necessariamente, que o trabalho de campo faça surgir novas questões não
contempladas no corpus abstracto inicial. A defesa de redobrados cuidados
quando lidamos com aspectos da realidade que escapam aos aparelhos
conceptuais, com recurso a complementaridade de outros métodos e,
conseqüentemente, com o accionar de outras técnicas, parece-me a atitude
prudentemente razoável a tomar neste projecto, que questiono a realidade
partindo da tomada de consciência de que os quadros teóricos são
necessariamente incompletos (porque não totalitários), sem que isto signifique
uma formulação apressada de juízos preconcebidos ou precipitados.
No caso da imagem do professor torna-se necessário encontrar
instrumentos capazes de evitar que se trabalhe apenas em redor do que Jodelet
considera ser
«o discurso social flutuante, sem assento e correspondência com a prática, e
apresentando, além disso, o risco de ser falacioso, discurso doutrinal ou
humanitário, em desacordo com posições manifestas» (JODELET,1989: 169).
A imagem do professor em Moçambique, sendo um estudo de
representações sociais, constitui um estudo dos fenômenos simbólicos. Como
tal, é expressão de agentes para outros agentes e neste sentido elas são
intencionais e convencionais, quer dizer, que elas envolvem agentes activos que
recorrem a códigos lingüísticos e contratos sociais de ordem diversa.
Simultaneamente, elas são referenciais e são contextualizadas, ou seja,
representam algo, dizem algo sobre alguma coisa (neste caso, o professor) em
contexto particular.
Convém recordar que o estudo de representações sociais implica uma
discussão intensa sobre métodos de pesquisa. Isto assim é
«porque o conceito mesmo de representações sociais busca superar as
dicotomias entre individual e social ou entre subjectivo e objectivo, os métodos
de pesquisa devem levar estas dicotomias em conta» (JOVCHELOVITCH, 2000:
212).
R. Farr (1993) é um entre muitos autores que corrobora com a ideia de
não se restringir a apenas um único caminho sempre que se estudem as
representações sociais. Pode-se perceber no seu trabalho sobre métodos e
teorias em representações sociais, considera que as representações sociais são
fenómenos históricos, produzidas através dos canais de interacção quotidiana.
Elas envolvem aspectos múltiplos. Daí que se aceitamos a teoria, precisamos
também de assumir um compromisso com as implicações totais da colecta de
dados que possam dar conta do fenómeno das representações sociais.
É neste contexto e tendo em vista a natureza do próprio objecto em
causa e sua articulação com o corpus teórico até aqui elaborado, considero que
o recurso à administração de entrevistas narrativas e em profundidade com a
intensão de fazer emergir os elementos constitutivos da representação do
professor, conhecer como é que esses elementos se organizam e encontrar
elementos centrais serve cabalmente a essas pretensões. As entrevistas
narrativas, tal como o nome indica, são instrumentos fundamentais na pesquisa
de fenômenos simbólicos. Sendo entrevistas em profundidade, apresentam um
campo bastante alargado ao agente sujeito a entrevista. São entrevistas não
providas de estrutura prévia. O seu objectivo essencial é captar a versão
particular que os agentes constrõem em relação ao objecto a pesquisar. Neste
tipo de entrevistas o pesquisador não muito relevo aos factos e a sua
precisão, mas apenas a forma com que o entrevistado narra a história.
Ao pesquisador é reservada apenas a tarefa de iniciar a narrativa,
escutar, e fazer apenas intervenções esporádicas. Num último momento este
pode introduzir questões de interesse para a pesquisa.
Segundo Flick (1992), autor que se debruça sobre questões
metodológicas em estudos sobre representações sociais,
«a entrevista narrativa foi discutida como a forma mais conseqüente de dar
espaço ao ponto de vista do entrevistado, porque a principal demanda que se
coloca para entrevistador é não interromper ou perturbar a narrativa do
entrevistado» (FLICK, 1992: 181).
Complementar esse exercício com a observação directa das interacções
que decorrem das rotinas da actividade escolar, porque penso ser no decurso
das práticas quotidianas das actividades rotinizadas ligadas ao ensino que se
desenvolvem atitudes e tomadas de posição sobre o professor. Aliás, como
tenho vindo a frisar ao longo de todo o trabalho, fazendo jus ao principio de
Giddens, de que a ordem estrutural apenas se manifesta nas práticas
quotidianas dos agentes através das suas rotinas (escolares), as cristalizações
dessa mesma ordem, actualizando e transformando, os cenários de interacção
e que, por seu turno, conduzem aos participantes deste processo a
posicionarem-se e a revelarem, um importante conjunto de opiniões, atitudes e
representações, ora marcadas pelo consenso, ora marcadas por uma clara
conflitualidade, o que exige uma passagem por uma outra fase: o tratamento da
informação colhida em busca dos aspectos centrais que configuram essas
tomadas de posição em relação ao professor.
Uma das estratégias na condução das entrevistas passa pela tentativa de
dinamizar processos relacionais nas situações de entrevista, levando os
entrevistados a reflectir e a (re)construir o seu discurso com base em
depoimentos que uns e outros forem prestando e que oportunamente lhes são
apresentados de forma a suscitar reacções e tomadas de posição. Esta
estratégia não dista dos métodos mais utilizados nas pesquisas das
representações sociais para encontrar o núcleo central. Alguns deles,
nomeadamente, o da associação ou evocação livre, que consiste em pedir aos
entrevistados que, partindo
«dum termo indutor (normalmente, o próprio rótulo verbal que designa o objecto
da representação) apresentado pelo pesquisador, digam as palavras ou
expressões que lhes tenham vindo imediatamente a lembrança e a
hierarquização de items que consiste em pedir aos sujeitos para escolher, em
uma lista preestabelecida a partir de entrevistas exploratórias, os items mais
importantes ou mais característicos do objeto de representação» (SÁ, 1996:
114-120),
podem servir de todos complementares para clarear e suplantar grande
parte das zonas de sombra e distinguir a informação, o dado, da mera
impressão.
5.1. As entrevistas numa incipiente abordagem ao terreno
O trabalho de campo aqui referenciado iniciou com um conjunto de
acções no terreno que permitiram uma maior clarividência em relação aos
espaços onde as interacções têm lugar, e assim melhor definir quais universos
amostrais recorrentes para caminhar em direcção ao objecto, abreviando assim
o processo de aproximação a ele.
Realizei, com um claro intuito de criar uma fase exploratória da pesquisa,
uma série de entrevistas em duas escolas da cidade do Maputo a estudantes,
professores e funcionários. Foram entrevistados vinte estudantes, nove
professores e três funcionários. A primeira idéia que norteava esta opção
passava pela percepção de que as interacções em espaços escolares, tidos
aqui como «regiões atrás», permitiam gerar uma primeira representação e que
depois era veiculada em forma de bola de neve através do discurso para as
«regiões à frente», espaços fora da escola. Contudo, cedo dei conta da
limitação destas entrevistas e que não podiam servir para outro propósito que
não fosse o de orientar a incursão ao «terren para que esta fosse feita com
um conjunto de garantias bem estruturadas e que minimizasse o rol de
surpresas que este reserva. O próprio efeito de «saturação» que as entrevistas
atingiam tornavam bastante redundante a informação obtida.
Ainda assim, elas não deixaram de revelar-se úteis, na medida em que,
por um lado permitiram o accionamento de técnicas complementares que
assegurem um elevado grau de fiabilidade/adequação como foi referido no
ponto cinco e um retorno as teorias que de partida que permitiram edificar os
caminhos a seguir e na (re)definição da amostra.
5.2. Constituição da amostra e sua representatividade
Em congruência com os modelos teórico-metodológicos aqui erigidos,
torna-se indispensável privilegiar um espaço social que sirva de região amostral,
se partirmos do claro pressuposto de que se torna impraticável abarcar o
universo moçambicano na sua plenitude.
O trabalho de campo centrou-se na cidade do Maputo (capital do país),
por razões de ordem diversa, sendo de maior destaque a ligada ao pragmatismo
de uma busca sistemática da superação das condicionantes econômicas e
temporais. do trabalho exploratório pudemos constatar as vantagens de
trabalhar com uma amostra que não fugisse ao campo das interacções e das
práticas quotidianas dos professores.
A partir dos dados obtidos da pesquisa exploratória e tendo em conta a
dimensão populacional da cidade, assumi a necessidade de alargar o plano
amostral para outros segmentos sociais, sair do espaço escolar porque as
interacções não se restringem a esse espaço. Dos estudantes das distintas
escolas, dos próprios professores, dos funcionários, dos pais e encarregados de
educação, dos familiares dos estudantes, dos próprios professores, se tem uma
tomada de posição, uma representação, uma imagem.
Penso que alargar a amostra e buscar outras significações, outros
símbolos, não retira de forma alguma a idéia inicialmente sustentada pelo
corpus teórico de análise de que a imagem resulte das práticas do quotidiano
escolar e que aí ela ganha forma, cristaliza-se e se (re)produz.
Tal como já referi anteriormente, foram administradas entrevistas
narrativas a um universo o mais alargado possível de cidadãos na cidade do
Maputo, com o propósito de captar as dimensões múltiplas da realidade social
local, buscando assim, depoimentos diferentes. Sendo a cidade bastante vasta,
foi necessário delimitar os espaços para efectuar o trabalho de campo. A opção
passou pela escolha de quatro lugares para a realização do trabalho de campo
e que consistia na administração de entrevistas e questionários.
Assim, foi eleito o bairro da Polana Cimento, por se tratar de uma das
regiões de fachada da cidade, o Bairro 25 de Junho, por ser uma região de
maior fluxo de pessoas, o bairro da Coop, por ser contíguo a dois bairros: o do
Maxaquene e o do Alto Maé. Esta é uma região onde confluem com freqüência
agentes de ambos bairros. A baixa da Cidade por ser a «região atrás» da
cidade.
Nestes lugares foram definidas, por sorteio, as escolas onde saíram os
estudantes-alvo para as entrevistas, assim como os professores a privilegiar
nesta análise. Por tratar-se de populações gozando de especificidades, Foram
seleccionados proporcionalmente por escolas os distintos agentes acima
referenciados para submeter a entrevistas. Quer dizer, foram administradas 30
entrevistas a estudantes divididas proporcionalmente pelas escolas pelas
regiões sorteadas. No caso dos professores, o número de entrevistas foi de 18.
Em relação aos restantes agentes, foram administrados outros 30 questionários,
com uma estrutura diferenciada dos restantes, sendo que estes tiveram como
público-alvo os restantes segmentos populacionais escolhidos de forma
aleatória por entre os bairros acima referenciados. A administração das
entrevistas, como referi anteriormente, obedeceu a uma estratégia predefinida.
Uma última referência ao difícil trabalho de observação em presença
33
das interacções escolares. Esta técnica vem-se afirmando no universo da
sociologia e aqui é reservado ao investigador, contrariamente a observação
participante, um papel menos activo, com critérios de relacionamento com os
observados mais restritivos e com aproximações cientificamente menos
perigosas, que o aspecto mais relevante é a sua presença no campo de
análise apenas como um observador atento, evitando envolvimentos na e com a
realidade a observar, numa assunção do anonimato e da impessoalidade como
códigos.
O investigador assemelha-se freqüentemente a um espião, usufruindo
das vantagens da invisibilidade, sem entrar em interacção verbal com os
observados e limitando-se (por opção metodológica) à observação visual e
auditiva sistemática e metódica
34
. Esta técnica foi apenas aplicada em duas
escolas com as quais a Universidade Pedagógica têm acordos de trabalho,
permitindo assim a simplificação de processos burocráticos, em muitos casos
assumidos como obstáculos a produção de conhecimento.
Aproveitando da condição de anonimato que a aplicação desta técnica
confere ao investigador, procurar acessar aos comportamentos tidos à primeira
33
Muito cedo assume-se a necessidade da complementaridade metodológica como a melhor
estratégia para este projecto. Em relação a observação em presença, que não pode ser
confundida com a observação participante, são pouco conhecidas as suas aplicações em
sociologia. Freqüentemente utilizada em antropologia, é olhada com algumas reticências pelo
seu carácter não interferente sobre as realidades sociais observadas.
34
Para um melhor aprofundamento cf. Antonio Firmino da Costa, «A pesquisa de terreno em
Sociologia», in A. Santos Silva e J. Madureira Pinto, Porto, Afrontamento, 1987.
vista como insignificantes, registar textualmente conversas num contexto de
«expontaneidad com inversões dos horários escolares (intervalos, tempos
lectivos, saídas e entradas), serão os objectivos a buscar. Os resultados a obter
servirão para reduzir a porosidade e preencher os vazios que possam surgir do
trabalho de sistematização.
Importa ainda fazer referência ao comportamento dos estudantes (revelar
algum desconforto) no momento da administração das entrevistas estar
freqüentemente marcado pela situação dos mesmos em relação ao
aproveitamento dos tempos “mortos” entre uma aula e outra para outras práticas
rotineiras e que a pesquisa vinha quebrar.
5.2.1 Breve olhar sobre as escolas e os seus públicos
Como afirmei anteriormente, o estudo teve o seu trabalho de campo
efectivado em escolas da cidade capital do país. Foram eleitas as escolas do
nível secundário geral próximas ou pertencentes aos bairros acima
referenciados. A escola secundaria Josina Machel, a escola secundária da
Polana, a escola Secundária Estrela Vermelha e o Liceu Polana são escolas
que servem das 8ª a 12ª classes de escolaridade.
Com excepção do Liceu Polana, as outras escolas são escolas públicas,
com gestão serviços e públicos, sob orientação e supervisão tutelar do
Ministério da Educação e Cultura. Seus freqüentadores provem dos distintos
quadrantes sociais.
Dado que o sistema educativo moçambicano recentemente passou a
contar com o ensino privado, a oferta condicionava as escolhas, o ensino
público aparece como o mais diversificado e o mais representativo. Levanta-se o
problema da qualidade. Entre as escolas públicas e privadas em Moçambique
quais as que oferecem melhor qualidade? Tem-se a idéia que a qualidade está
associada aos professores que a escola dispõe e aos restantes serviços
administrativos para além dos curriculares. Mas este não é o objectivo central
deste projecto.
Importa considerar que nas escolas secundária Josina Machel e a escola
secundária da Polana foram administradas dezoito das trinta entrevistas aos
estudantes. As restantes doze entrevistas foram distribuídas pelas restantes
escolas. Esta opção deve-se a densidade de alunos que registam, sendo
àquelas primeiras as que mais estudantes albergam relativamente as restantes.
Como decorre do que tenho vindo a explicitar, proponho-me analisar a
imagem do professor na realidade moçambicana. Antes de iniciar a leitura das
impressões deixadas pela população-alvo que constituíu a amostra deste
projecto por meio de entrevistas narrativas e de questionário fechado, importa
assinalar um interesse em dotá-lo de momentos sistematizadores do percurso
teórico e empírico trilhado. Este exercício analítico de sistematização não deve
ser tomado como um enquadramento do universo analítico trabalhado, mas
como um esforço de busca, sempre em aberto e provisório e, de acordo com o
corpus da perspectiva que tenho vindo a enunciar, tal intenção suscita um
esforço de análise capaz de se desdobrar em enfoques susceptíveis de
captarem as distintas dimensões do real social.
Assim, neste segundo bloco, procuro identificar a auto-imagem, fazendo
apelo a uma análise dos discursos dos próprios professores captados em
contexto escolar. Uma tal análise será feita com recurso à leitura da impressão
que aqueles fazem da sua condição.
Num outro momento, em congruência com o grelha teórico-metodológica,
procurarei captar a imagem vinda dos estudantes, protagonistas de uma
sociabilidade específica, nas vivências quotidianas no espaço escolar. Como
anteriormente foi referenciado, os dois momentos serão possíveis graças a
informação recolhida através de entrevistas narrativas.
Num terceiro momento, com base no modelo de hierarquização de items
previamente definidos, analisar a representação do professor deixada por
segmentos da sociedade provenientes de distintos quadrantes.
II Parte
1. A DESCRIÇÃO DE UM AUTO-RETRATO PRUDENTE
Algumas destas entrevistas foram escolhidas do universo total das entrevistas
realizadas e permitem ilustrar as posições e tomadas de posições a que estão
votados os professores.
Como pode-se depreender da leitura das próprias narrativas, algumas
questões permeiam as do guião do questionário para, em forma de provocação,
obter mais profundidade no depoimento dos entrevistados. Porém, estas
questões nunca fizeram perder a coerência do questionário e a intervenção do
investigador continuou a pautar-se por intervenções mínimas e relativamente
eqüidistantes como a técnica utilizada o recomenda.
Atenda-se a algumas das entrevistas concedidas pelos professores das
escolas acima mencionadas:
Professor António Nhabomba, 37 anos,
«Quando eu fiz a nona classe em 1986 erámos direccionados e não havia opções para
trabalhar ou continuar a estudar. O meu nome caiu para a então Faculdade de
educação aqui na Eduardo Mondlane, então fui tirar o curso de formação de
professores de Física.
Por acaso já tive. Sempre foi o meu sonho de fazer engenharia eletrotécnica.
Bom eu acho que a maior parte dos professores, porque se dissesse que cem por
cento estaria a mentir, mas acho que a maior parte dos professores tem se dedicado.
Porque... Como eu tenho dito às pessoas que não conhecem a profissão de
professorado, não há ninguém que entre numa sala de aulas e queira ser apontado
como o professor que não dá muito bem as suas aulas. Eu fico com esta impressão. Eu
fico orgulhoso quando um professor é apontado como um bom professor, mas
alguns que retiram a imagem do nosso bom trabalho, mas a maioria que desempenha
o seu trabalho muito bem, acho.
Bom o grande aspecto tem a ver com o facto de a maior parte dos professores não
estarem formados psico-pedagogicamente, né? Então, esta seria a parte fundamental.
E muita das vezes o que faz com que o professor não desempenhe bem a sua função é
a remuneração. O professor chega a trabalhar em três ou quatro escolas porque o
salário que aufere é pouco. Acho que se devia rever a situação a partir deste ponto.
O professor para ser um bom professor tem que preparar bem as suas aulas. Esse é
um ponto fundamental. E tratar seus alunos como se fossem seus filhos. Até mais do
que filhos. Como se fosse a coisa que mais gosta na vida, porque cada professor
Deveria acompanhar o seu aluno na medida em que cada um tem os seus
próprios problemas.
Duma maneira geral aqui no nosso país o professor não é em visto. Não é bem
visto porque qualquer coisa é professor. Se o professor obtém cinco por cento
de aproveitamento ou dez por cento, a culpa é do professor. O professor é bem
visto enquanto corre o ano lectivo. Mas no final do ano associam-se as
reprovações do aluno ao professor e fala-se de corrupção».
Francisco Alberto, 34 anos, Professor
«O meu caso, chego ao professorado pela inclinação e pela sustentabilidade
econômica. Ë muito relativo falar-se de professores. Uns trabalham e
empenham-se com afinco e outros deixam a desejar. Primeiro a formação
pedagógica e depois a assiduidade que estão por detrás dessa falta de
empenho de alguns. Um professor deve ser empenhado, paciente, ou melhor,
compreensivo naturalmente, não é? Depois deve ser um professor com alguma
auto-estima. E muitos são os nossos colegas com falta de auto-estima.
A imagem do professor está muito desgastada. Primeiro em relação ao próprio
professor é preciso repensar e depois em relação à própria sociedade como
o professor. E isso do desgaste deve-se a remuneração que deixa muito a
desejar. E os problemas da sua representação e hierarquias. Eles não
conseguem se proteger dos ataques do exterior».
Cipriano António dos Reis, 31 anos, Professor
«Fui formado na Universidade Pedagógica e sou professor fazem três anos.
Sempre quis ser medico, mas acabei por ficar por aqui. Os professores, de
acordo com a realidade, têm-se empenhado muito. Porque acho que criar
situações de ensino boas em condições desfavoráveis é muito difícil. Como
qualquer sector, o da educação precisa também de mudanças. Eu tenho notado
uma certa...(pausa).
Não sei se por falta de vontade, mas uma tendência dos professores
ensinarem apenas o que tem nos seus programas e não ligam as outras coisas.
O aluno chega com problemas e cria problemas ao próprio professor, a turma. E
nós não estamos atentos a isso. Não basta dar conteúdos. O lado humano, o
ensinar como aprender.
O professor moçambicano é sacrificado, desmotivado, sem aprofundamento dos
conteúdos. E isto não se deve a falta de formação. Porque a maioria dos
professores que conheço tem formação. Mas falta a motivação. Pode ser a
motivação intrínseca e a motivação extrínseca. Nós como professores sentimos
isso e com isso a imagem que fica negativa. Tiramos para o exterior uma
imagem. Sabemos que os outros fora têm uma imagem e que nós
mesmos temos uma má imagem dos próprios professores».
José Carlos, 33 anos, professor
«Olhe, eu fiz a U.P. Eu fui para o professorado porque o meu pai foi professor. E eu
sempre quis seguir-lhe as pegadas.
A tarefa de educador e bastante complicada. Veja que nós somos chamados a
responder a assuntos que não tem a ver com a educação. Por causa da relação
entre a escola e a comunidade nós temos que deixar às vezes os assuntos
acadêmicos. Das conversas que tenho tido com o meu pai, posso concluir que os
tempos mudaram e as tarefas do professor também. Parece que hoje o professor é
mais sacrificado porque para além do papel de educador tem de assumir o de
comunicador.
As próprias instituições devem mudar a maneira como tratam o professor. Elas têm
dificuldades para lidar com a realidade que está a mudar. Eles chegam a tratar-nos
como mecânicos. Se a escola precisa tudo bem, chama o professor, assina o contrato
para trabalhar um ano. Se o carro está avariado chama o mecânico. Se o carro está a
andar não quer saber do mecânico, se têm problemas, se precisa de alguma coisa.
Mesmo assim o professor deve ser um individuo com moral, educador, deve ser aquele
que transmite conhecimentos e deve também ser modelo e embaixador do próprio
comportamento».
O retrato sincrônico que os elementos recolhidos pelas entrevistas nos
permite tirar, mostra alguns elementos curiosos. Vem sendo recorrente assistir-
se a uma cada vez maior aposta individual e institucional dos professores
moçambicanos, quer pela freqüência a cursos de curta duração, quer pela
freqüência a cursos ministrados pela Universidade Pedagógica, na formação
inicial ou em exercício com vista a uma maior capacitação e em busca de um
cada vez melhor desempenho por parte dos professores.
Ainda que esta aposta fique muito longe das reais pretensões, não deixa
de ser significativo assinalar que boa parte dos professores entrevistados
revelou obter alguma formação ou ainda freqüentando um curso nas distintas
instituições de formação de professores para a obtenção da qualificação
desejada.
A aposta institucional da parte da tutela ministerial é confirmada por
acções concretas nomeadamente, no reconhecimento e na redefinição do papel
do professor e no incremento de um sistema de formação de professores
integrado e uniformizado
35
. Alguns dados estatísticos podem ilustrar esta
tendência. Um ordenamento estatístico efectuado pelo MEC mostra que:
«No país inteiro inscreveram-se 2057 professores nos Centros de Formação de
Professores Primários (CPPF’s) para um curso de dois anos, tendo sido obtidos
os seguintes resultados em aproveitamento: No primeiro ano 87,9% dos
professores foram aprovados, 3,7% desistiram e 8,3% obtiveram maus
35
O primeiro Conselho Coordenador do Ministério da Educação e Cultura do governo saído das
ultimas eleições, definiu um novo perfil e um novo modelo de formação de professores, onde se
destaca a formação à distância, o desenvolvimento e supervisão profissional contínuo via
Universidades Pedagógica e Eduardo Mondlane, para professores em exercício. Cfr. MEC-
Propostas sobre a formação de Professores, Beira, 2005. Esta referência a este esforço visa,
fundamentalmente ilustrar alguns factores explicativos da impressão que se têm do professor no
que concerne ao seu grau de prontidão e preparação para o ensino.
resultados. No segundo ano inscreveram-se apenas 1936, tendo sido aprovados
83%, desistiram 4,4% e 12,6% não obtiveram a aprovação» (MEC, 2005 :52)
36
.
Estamos perante um duplo interesse (illusio)
37
: O interesse do Estado em
formar o maior número de professores com vista a manutenção do Sistema
Nacional de Educação em funcionamento, respondendo com qualidade as
necessidades da sociedade e um interesse dos professores em aumentar seu
capital cultural e que se transforma em aumento de capital econômico pela
obtenção de melhor salário, subida na categoria e conseqüentemente,
aumento de capital social.
Diria, face ao crescente esforço, estarmos perante processos de
interiorização e incorporação da importância da formação para suprir as
incapacidades vividas pela prática quotidiana e que transforma os momentos de
incapacidades em cenários de mobilização escolar e que resultam num
«...somatório de capitais e poderes» (Bourdieu e Wacquant, 1992: 95), embora
persistam problemas gritantes na formação dos professores.
Uma outra leitura que se pode fazer destes depoimentos prende-se com
o limite dos papeis do professor. As redes relacionais entre professor e
estudante no interior da escola ganham progressivamente outros contornos e
extravasam o simples limite da transmissão de conhecimentos científicos. O
36
Estes dados podem ser apreciados num relatório de indicadores estatísticos produzido pela
Direcção de Planificação do MEC. Cfr. Estatística da educação-educação geral e formação de
professores”, Maputo, Maio 2005.
37
«a existência de um campo especializado e relativamente autônomo é correlativa à existência
de alvos que estão em jogo e de interesses específicos: através dos investimentos
indissoluvelmente econômicos e psicológicos que eles suscitam entre os agentes dotados de um
determinado habitus, o campo e aquilo que está em jogo nele produzem investimentos de tempo,
dinheiro, de trabalho, etc. (...) todo campo enquanto produto histórico, gera o interesse, que é
condição do seu funcionamento». (BOURDIEU, 1990 a: 126-128).
professor moçambicano esbarra hoje com um tipo de estudante com outros
interesses e outras curiosidades. Ele é desafiado a acrescentar aos conteúdos a
administrar, «...aprendizagens informais e toda uma rica experiência de
convivialidade e intercâmbios educativos que possam ser considerados»
(Linhares e Leal, 2002: 122)
38
.
Pelo que se pode constatar nos depoimentos, há, portanto, um
reconhecimento da dificuldade em tratar no interior da sala de aulas de outras
matérias distintas das previamente elaboradas para leccionar, como confirma o
depoimento de um professor: «a tarefa de educador é bastante complicada.
Veja que nós somos chamados a responder a assuntos que não tem a ver
com educação»- o que mostra que a tarefa do professor encontra-se
duplamente condicionada: pelo tipo de formação e pela natureza do estudante
com que se depara. Aqui pode-se falar de uma fragilidade de um dos principais
capitais o cultural de que o professor deveria dispor no campo escolar para
enfrentar o efêmero quotidiano. Esta frágil imagem permite constatar que a
velocidade das transformações que ocorrem na sociedade dificilmente é
acompanhada pelas transformações que ocorrem na escola, via revisão do
currículo.
Num outro momento, é notória a freqüente referência a problemas
econômicos por parte dos entrevistados. Parece persistir uma inevitável ligação
entre condições de trabalho, motivação para o mesmo e as condições sócio-
econômicas. O salário auferido é, repetidas vezes, indicado como um dos mais
38
Para vincar esta idéia da emergência de novas competências para o professor, recorri a este
artigo da autora que entre outras coisas desenvolve uma crítica construtiva a formação de
professores. Cfr. para aprofundamento: Célia Linhares e Maria Cristina Leal, Formação de
professores – uma critica à razão e à política hegemônica, RJ, DP&A, 2002.
importantes factores de (des)motivação da classe dos professores e que acaba
por contribuir na definição dos contornos do retrato que muitos dos professores
fazem de si
39
. Por outras palavras pode-se considerar que o capital económico
tem uma vital importância na auto-imagem. Pelos depoimentos percebe-se que
é comum a consideração de que uma mudança positiva na aquisição desse
capital implicaria uma mudança na aquisição de outros capitais, no
comportamento dos professores e nas relações no interior do campo escolar.
1.1. sistematização
O auto-retrato dos professores em Moçambique está configurado em
torno do co-reconhecimento da existência de alguns factores que contribuem
para a construção de um perfil relativamente frágil do professor, nomeadamente
o factor econômico, a necessidade de uma formação continuada em domínios
não de exclusividade pedagógica.
É importante assinalar o peso que tem o factor econômico na definição
da imagem do professor e não propriamente a capacidade de transmissão de
saberes. Por outro lado, a forma prudente como esta auto-avaliação é feita
39
Importa recordar que Moçambique acaba de sair de dois momentos conturbados da sua
recente história, designadamente, a independência nacional e que custou ao país uma
mobilização compulsiva de quadros com formação precária para tomar conta de sectores vitais
do país porque os quadros portugueses optaram pelo retorno a Portugal, deixando o país “órfão”
de quadros e uma guerra civil que resultou numa destruição dos equipamentos sociais entre eles
os educativos. Num relatório elaborado em abril de 2001, com vista à edificação de um Plano de
Acção para a redução da Pobreza Absoluta em Moçambique e que ficou conhecido por PARPA,
foram identificados quatro problemas no sector da educação em Moçambique: «Acesso limitado
a oportunidades de educação, qualidade fraca e deteriorada do ensino e de desenvolvimento de
recursos humanos no geral, alta taxa de ineficiência, que se traduz em altos índices de repetição
e desistência e elevados custos de expansão do acesso e melhoria da qualidade de educação.
Uma análise do problema realizada no sector de educação em Moçambique debruçou-se sobre
as causas de acesso, eficiência e qualidade no sector educacional e identificou factores como
salários dos professores, corrupção e motivação, pobreza, propinas e outros custos, a educação
dos pais e a língua como razões da não ida a escola » (INE: 20-21).
buscando uma certa preservação da dignidade e da busca de alguma
identidade própria e defesa de alguma competência, rejeitando de certo modo, a
desvalorização do trabalho de professor. Porém, a espaços pode-se perceber
uma tentação em responsabilizar as condições de existência social, para um
auto-retrato marcado pela desmotivação, alguns actos de incorreção
profissional, falta de empenho laboral.
É curioso perceber das narrativas um reconhecimento por parte dos
professores entrevistados a existência por parte dos seus pares de
comportamentos que fogem do perfil ideal de professor e que contribuem para
uma imagem desvalorização da função no magistério.
2. UMA IMAGEM LEGITIMADA NA SALA DE AULAS
A dimensão de Análise que se segue tem como base a rede relacional e
as sociabilidades escolares dos agentes centradas nas rotinas do(s) tempo(s)
na escola, das práticas decorrentes e procurará apreender a impressão dos
estudantes em relação aos professores.
O conjunto de representações comummente partilhadas pelos estudantes
assenta no núcleo das atitudes destes em relação ao quotidiano escolar. Como
havia explicitado anteriormente com recurso ao cruzamento das perspectivas
interaccionistas de Goffman e de Giddens, a escola é um lugar internamente
regionalizado. Porém, a ela tem espaços física e simbolicamente mais visíveis e
expostos onde o controlo social que os professores exercem sobre os
estudantes, dos estudantes face àqueles e de uns e outros em relação a si
mesmos, se efectua de forma intensa, com reflexos mais ou menos evidentes
nos comportamentos, na linguagem verbal, nas posturas, nas tomadas de
posição. Como veremos em seguida, ganharão evidência elementos resultantes
das práticas sociais que decorrem no campo escolar (incluindo as práticas
pedagógicas) e da duração da interacção professor/estudante.
Atente-se as seguintes narrativas. A semelhança das narrativas efectuadas aos
professores, escolhi algumas para servirem de ilustração e facultarem a
percepção da analise feita aos seus conteúdos:
Bonifácio Jamaca, 17 anos, estudante
«No meu ponto de vista os professores são muito despachados, principalmente aqui na
Josina. Eu acho que é resultado de uma falta de interesse. Talvez porque recebem mal
ou coisa parecida. Porque aqui, epa, professores que dão aulas por causa do
dinheiro. No fim do ano a gente tem de pagar a eles, não sei porquê...
Eu acho que os professores são bem preparados. Alguns deles...outros não são
professores, são contratados, então, os contratados não costumam dar bem as aulas.
É isso.
Deviam dar mais palavra aos alunos para podermos reclamar. Porque se nós
dissermos que eles m este ou aquele comportamento, sofremos represálias. Fazem-
nos chumbar. Devia haver um conselho só para os alunos. Ou um modelo para fazer
chegar ao Director para poder reclamar e para o Director tomar medidas.
Ë assim que eu vejo os professores, de forma muito negativa, sim».
Ricardo Sitoe, 22 anos, estudante
«Os professores moçambicanos são muito estressados, de um modo geral. É o que eu
acho. Eu não sei se se deve aos salários, mas acho também tem a ver com a
formação que eles tiveram nas escolas e que acabam por tratar dessa maneira aos
estudantes.
Eles deveriam ser mais amigos, porque não é vir para a sala entrar dar ensinar e
transmitir alguns conhecimentos que nós não temos e ir embora.
Eles até podem ser bem preparados, mas outros que...Só não estou de acordo que
eles por não transmitirem bem os conhecimentos tenhas que pagar. Acho que eles
para serem hoje professores tiveram que passar por aqui. Acha que eles também
pagaram para depois estarem enquadrados aqui? Se fizessem uma investigação
sistemática hoje estaríamos a ver os professores a dar bem aulas e com uma atitude
positiva em relação a nós.
A impressão que fico deles não é muito boa, mas não acredito que seja isso que eles
querem, porque não acho que eles gostem de ver os alunos assim».
Cleida Armando, 18 anos, estudante
«Acho que os professores são muito bons. Apenas eles deviam parar de faltar e chegar
tarde. Acho que eles deveriam receber um salário melhor. viu que eles faltam
porque não recebem bem? Por isso eles não gostam de dar aulas e entram na sala
muito zangados.
Não são mal formados que acho que eles queriam ganhar mais dinheiro. Como não
podem, eles o fazer outras coisas ou ficam em casa ou chegam à escola, mas sem
vontade de ensinar. Quem se prejudica somos nós que queremos aprender.
Num ano são algumas disciplinas que temos porque as outras não têm professores.
Eles preferem ir trabalhar nos colégios porque lá ganham mais».
Dineima Valy, 21 anos, estudante
«O professor moçambicano de um modo geral não é muito valorizado. Para além da
responsabilidade de ter que lidar com muitos alunos, ele ainda assim não é muito
valorizado. Não são compensados pelo trabalho que fazem. Principalmente os que
lidam com as crianças nos primeiros anos de escolaridade.
Nem todos os professores são mal preparados. Apenas alguns.
algumas escolas que vivem isso, outras como a nossa não. Temos bons
professores aqui».
Telmo Nhantumbo, 17 anos, estudante
«O professor moçambicano bem aulas, mas precisa de material para trabalhar,
professores que não aprofundam, não explicam. Se você pede para ele explicar ficas
marcado porque ele não gosta de ser interrompido. Esquece que a tarefa dele é estar
ali para me ensinar e só pensa no fim do mês para receber qualquer coisa.
Falta de segurança ao darem as aulas. Alguns professores são bem formados e têm
outros que não Sabemos que as pessoas não consideram os professores.
Todos dizem que eles recebem pouco. Por isso alguns só dão aulas porque não podem
fazer outra coisa. Não têm carinho, não têm amor pela tarefa deles».
Nádia Adamo, 18 anos, estudante
«Primeiro acho que amor à profissão quando penso nos professores. Deve haver amor
a profissão, mas também devem formar-se para exercer a sua profissão que é ensinar
e transmitir conhecimentos. A sua actividade principal é educar, em todos os sentidos.
Eu acho que nós não devemos ter...Temos que acabar com aquilo: vamos para a
escola somente para aprender ciências. É! Aprender coisas da vida. É por ai.
Sabe que eu acho? Alguns dos nossos professores estão muito mal preparados. É.
Alguns ainda safam-se. Por isso, deviam mudar muita coisa. Veja que até chegam a ir
atrás das alunas! alunas que provocam, mas chega a ser de mais. Por isso que os
nossos professores não são valorizados. Nos ainda não temos os professores como
formadores.
Os dirigentes do país ainda não perceberam que eles andam desmoralizados. uma
necessidade de mostrar a importância dos professores às pessoas.
Eu acho que é por isso que eles não exercem a profissão de professor com muito
amor».
Judite Zimba, 19 anos, estudante
«Os professores de um modo geral são bons, mas nem todos olham para eles assim.
Há os que dizem que os professores esperam pelo final do ano para pedir alguma coisa
para o aluno poder passar. O que conta é o dinheiro e não a dedicação e saber. Acho
que ensinar e educar deviam ser as suas tarefas.
Veja por exemplo, com o nosso novo curriculum, puseram alguma aulas de campo.
vês que eles têm um grande problema, porque eles m dificuldade em fazer pautas e
ler os mapas, o que mostra que eles não estão a ser bem preparados para aquela
tarefa.
Se um dia tivesse que se fazer alguma coisa para mudar, eu acabaria com a corrupção.
Porque assim como se está a ensinar, as pessoas passam de classe, claro, mas não
sabem quase nada e isso é mau para o país».
Das entrevistas acima transcritas pode registar-se uma opinião
generalizada dos estudantes que coloca os professores com um registo
praticamente negativo. A performance no exercício da sua fundamental tarefa é
amplamente referenciada nos comentários dos estudantes entrevistados como
sendo de reduzida qualidade.
Encontra-se um amplo consenso em considerar os professores, apesar de
algumas clivagens, como professores com problemas na formação, no
relacionamento e na afectividade com os alunos, na responsabilização directa
pelos maus resultados obtidos pelos estudantes e na denúncia corrosiva de
tentativas de obtenção de benefícios pecuniários junto dos estudantes, sempre
que este obtém mau aproveitamento. São freqüentes referências como «ter que
pagar para passar de classe». Parece existir uma utilização da posição
dominante, com recurso ao capital cultural (possibilidade de reprovar um
estudante por não pagar), para a obtenção de uma melhor renda.
Relativamente à classificação dos professores ao estilo pedagógico do
professores encontramos nos entrevistados elementos que apontam para uma
forte dicotomização de opiniões «são bem preparados, mas nem todos...», o que
reduz de forma significativa às críticas que alguns dos entrevistados fazem. Esta
dicotomização é reveladora, a meu ver, da inexistência de modelos pedagógicos
uniformizados e articulados no sistema de ensino moçambicano, o que pode
suscitar duas visões: uma positiva no que concerne ao leque de liberdade
concedida aos agentes educativos; e uma negativa que aponta para um
centralismo desorganizado e ineficaz
40
. Encontramos ainda, opiniões que
associam o desgosto ou gosto pelo estilo pedagógico dos professores, a sua
(des)motivação, geradora de rotinas e hierarquias no campo escolar,
relembrando, como havia referenciado anteriormente na análise do retrato
deixado pelos professores, o quanto as práticas pedagógicas encontram-se
estreitamente ligadas aos universos administrativos e de gestão do corpo docente:
«todos dizem que eles recebem pouco. Por isso alguns dão aulas porque não
podem fazer outra coisa».
«Os dirigentes ainda não perceberam que eles andam desmoralizados... eu
acho que é por isso que eles não exercem a profissão de professor com muito
amor».
Um outro aspecto que sobressai das entrevistas e que parece estar ligado
ao anterior prende-se com a sistemática opção por parte dos professores pela
pluriactividade em busca do plurirendimento com a clara pretensão de suprir as
dificuldades resultantes do baixo salário, com claros efeitos sobre o rendimento
40
Um exemplo desse centralismo foi manifestado pela recente elaboração do novo Currículo para o
Ensino Secundário Geral pelo Ministério de tutela, retirando todas as possibilidades de participação
e emancipação do ensino.
pedagógico traduzido por palavras como «...sem vontade de ensinar. Quem se
prejudica somos nós que queremos aprender... Eles preferem ir trabalhar nos
colégios porque recebem mais». Ë como se os alunos, de forma retórica,
apontassem com mais facilidade, as causas do desinvestimento face à dimensão
lectiva da escola aos professores, para num segundo momento, de forma
indirecta apontarem para a incapacidade da escola em lidar com as aspirações e
vivências dos professores
41
.
2.1. sistematização
Esta rede de constatações permite-nos sistematizar um cenário do
professor moçambicano, na óptica dos entrevistados, marcado por um
desempenho abaixo do esperado. Fica marcante a impressão geral de que o
desempenho dos professores é fortemente condicionado pelo precário salário que
auferem. Salário precário significa desmotivação, falta de dedicação às suas
funções, precarização da vida e busca de escolas ou colégios para leccionar de
forma complementar.
Pode-se daqui inferir alguma similitude nos factores geradores de
representação quer por parte dos professores em relação a si mesmos assim
como por parte dos estudantes em relação àqueles. Os professores falam nas
41
Parece-me ser de vital importância a visão de Carlos Machili num trabalho elaborado num
seminário Nacional sobre a formação de Professores, com o título: Formação de Professores. Que
filosofia, que perfil?, ao considerar que a visão estratégica da formação de professores deveria
basear-se «na profissão docente e não na equivalência às categorias da Função Publica e outros
graus acadêmicos. Isto significa que o professorado deve ser tomado como uma categoria
específica e diferente da Função Pública» (Machili, 1998: 8). Esta visão deixada muitas vezes para
um plano secundário pelos organismos decisórios, parece ser uma das matrizes fundamentais para
suprir um problema que aparentemente tende a parecer insolúvel.
condições laborais, os estudantes falam de salários e das habilitações dos
professores e da desvalorização profissional.
É, portanto, um artifício administrativo, ou seja, as condições de formação e
de trabalho dos professores (condições materiais de vivência e de organização do
ensino) e que acaba sendo fulcral na construção da impressão deixada por eles
no desempenho das suas funções no interior da sala de aulas.
3. UMA TAREFA COM CONDIÇÕES DESFAVORÁVEIS
Finalmente, como havia anteriormente referenciado no quadro
metodológico, com a pretensão de obter a imagem que outros segmentos sociais
têm do professor, foi administrado um questionário onde foram previamente
seleccionadas dez (10) categorias (riqueza, pobreza, bom salário, mau salário,
honestidade, corrupção, boa formação dos estudantes, formação dos
estudantes, profissionalismo, falta de profissionalismo) que corresponderiam
a imagem do professor em Moçambique. Aos inquiridos foi-lhes solicitado que
escolhessem por ordem crescente de preferência as categorias que mais
correspondiam à imagem do professor. Este modelo permitiu obter leituras
complementares, confrontá-las com os pressupostos de partida deste projecto. As
interacções, vivências e práticas quotidianas no universo escolar e em espaços
adjacentes permitem uma transição das tomadas de posição, via discurso, para
parte significativa de outros quadrantes da sociedade, no caso, a moçambicana.
Atente-se a tabela abaixo.
Categorias
Freqüência
de Preferência
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
De números iguais ou
inferiores a cinco
19
19 12 14 13 7 7 15 14 9
De números superiores a
cinco
8 8 15 13 14 20 20 12 13 18
tabela I
Categorias
1. mau salário
2. pobreza
3. má formação dos estudantes
4. corrupção
5. falta de profissionalismo
6. bom salário
7. riqueza
8. boa formação dos estudantes
9. honestidade
10.profissionalismo
Dos trinta questionários
42
realizados, dezanove indivíduos preferiram
classificar o mau salário (categ.1) como sendo a categoria que mais simboliza a
imagem do professor enquanto que oito dos inquiridos consideraram o mau
salário (categ.1) estar longe de corresponder com a imagem do professor. Com
números similares encontra-se a categoria pobreza (categ.2), o que se pode
traduzir num posicionamento marcado por condicionalismos sócio-económicos da
própria realidade social em causa.
Ainda que estes condicionalismos se façam sentir, 15 dos inquiridos
preferem acreditar que os professores moçambicanos são uma garantia de boa
formação dos estudantes, enquanto que 12 deles consideram o contrário. Quando
a categoria se inverte, ou seja, quando se questiona se os professores são
sinônimos de formação para os estudantes, os posicionamentos são também
contrários. Quinze acreditam que os professores não são sinônimos de
formação dos estudantes, enquanto que 12 dos inquiridos pensam que são.
Números que revelam alguma coerência na forma de visionar o trabalho dos
professores.
Curiosas são as posições quando se levanta o problema da honestidade
(catg. 9) e da corrupção (catg. 4). Os números obtidos são coincidentes. Os
inquiridos afirmam uma repartição de posições. Pode-se depreender daqui uma
certa clivagem de opiniões, que penso estar associada aos resultados escolares
42
Convém assinalar que foram administrados trinta questionários como estava previsto inicialmente
na proposta metodológica assinalada anteriormente, tendo três deles sidos considerados nulos
após uma avaliação técnica dos mesmos.
obtidos pelos membros dos agregados familiares e que contribuem na definição
da imagem. Aliás, esta linha de interpretação encontra alguma consistência
cruzando informações anteriores. Esta impressão fez-se sentir anteriormente
quando a categoria em análise era a formação dos estudantes. Assim, penso que
os estudantes ao considerarem, de forma dicotômica que alguns professores são
bons e outros não, acaba por ter reflexos na forma como parte da sociedade vai
percepcionar o comportamento ético dos professores. A preferência dos inquiridos
em classificar a corrupção (14 vezes contra 13) reflecte, não apenas o fenômeno
de (des)qualificação profissional, como uma simultânea resistência por parte dos
professores a essa (des)qualificação do trabalho docente, daí assistir-se a
dicotomização de opiniões.
3.1. Sistematização
Da análise interpretativa dos dados é possível traçar um cenário, dada a
coerência e regularidade nas respostas dadas pelos inquiridos em que se
confirma a representação e reafirma a sua correspondência em relação às
práticas quotidianas no universo escolar e espaços adjacentes e que se
transformam – via discurso – num mapa cognitivo de visionamento do professor.
Assim, presume-se que seja devido à extrema pobreza que atravessa a
realidade social moçambicana que o professor aufere um salário que fica aquém
das suas reais necessidades e que contribui de forma significativa na forma de
prestação de serviços, condicionando a formação dos estudantes e sujeitando-se,
vezes sem conta, a situações de incorrecção ética dada a fragilidade profissional
vivenciada.
Não são poucas as vozes defensoras da necessidade de uma re-definição
do re-conhecimento institucional da função social do professor em Moçambique
43
.
Tido como um dos alicerces do Sistema Nacional de Educação, ao professor é
reconhecido ainda o papel de:
«...promotor do desenvolvimento científico, promotor do desenvolvimento
tecnológico, é também um participante activo do desenvolvimento de uma cultura»
- discurso ministerial no encerramento do Seminário Nacional Formação de
Professorescfr. (Machili, op. cit.:2-3).
No entanto, a condição profissional dos professores aos olhos da
sociedade parece ser a que mais sente as incidências das transformações
ocorridas no contexto nacional e a sua especificidade não parece gozar de
consenso geral. As diferenças na formação e na qualificação devem, certamente,
contribuir para esta visão precária da tarefa de professor.
Não deixa de ser verdade que um outro aspecto que pesa e perpectua a
situação burocrático-administrativa do salário tem a ver com a forma como os
professores encontram-se associados profissionalmente. A ONP
44
experimenta
43
fiz anteriormente referência à visão Machiliana da filosofia da formação de formadores, como
também importa realçar o próprio reconhecimento da tutela do papel destes na educação nacional
com o seguinte extracto: «A reforma na formação de professores descrita neste documento de
política reconhece a importância de providenciar a formação, e o apoio a todos os professores,
especialmente nas zonas rurais, e o papel vital que os professores exercem na promoção da
qualidade dentro do sistema educativo» (MINED-DNFPTE, 2004: 5).
44
Sigla dada a Instituição encarregue de responder pelos interesses dos professores. A instituição
continua a revelar alguns dos problemas por que passam as agremiações e organizações
profissionais e sindicais Moçambicanas nomeadamente, OMM, OJM, ONP, para superar a sua
ligação umbilical ao Governo depois da saída do sistema de Partido Único e da emergência de um
Estado Plural. É conhecido um estudo de Candido Teixeira realizado na UP sobre a greve de
dificuldades para reger a condição social dos professores e incutir um sentido de
profissionalismo na classe, através da implementação de um critério de conduta e
uma afirmação do professor com sentido de profissionalidade e profissionalismo
45
.
Entenda-se aqui profissionalidade como uma aposta na qualificação profissional e
profissionalismo como uma aposta na ligação a princípios normativos do exercício
cabal das funções de professor.
4. SER PROFESSOR: uma imagem de conjunto
Chega-se assim, ao momento crucial do projecto. Depois da interpretação
dos documentos de construção das classificações sociais do professor por parte
dos próprios, dos estudantes e de outros segmentos da sociedade moçambicana,
num brevíssimo registo procurarei engendrar um traçado sistematizador de
imagem comum do professor, ainda que este traçado não encerre o quadro
analítico aqui edificado. Primeiro porque as análises das representações sociais
gozam de uma especificidade marcadas pelo seu carácter não duradouro; porque
o tempo (re)constrói significados. Segundo porque toda a pesquisa enuncia o seu
carácter provisório, afirmando seu estatuto de “verdade à espera de vez”.
Não sendo fáceis de elencar os elementos aglutinadores e comuns da
imagem representada do professor, não significa a inexistência de um conjunto de
representações commumente partilhadas e que constituem um «núcleo duro» das
formas de percepcionar a classe profissional em análise.
professores onde se podem aprofundar pormenores.
45
A diferenciação destas duas categorias pode ser aprofundada com recurso a leitura dos textos de
Bourdoncle. É conhecido o seu interesse sociológico pela profissionalização do professor. Veja-se
para conferência La professionalisation des ensignants: analyses sociologiques anglaise et
américaines. Revue Française de Padagogie, Paris, n. 94, Jan/mar. 1991.
Em suma, para os moçambicanos, o professor aparece como um indivíduo
desmotivado, usufruindo um salário que não corresponde com as suas aspirações
e expectativas. Parte desta situação deve-se, na opinião generalizada, as
condições sócio-económicas da realidade moçambicana de pobreza extrema.
No que concerne à formação, é comum assistirmos parte da sociedade a
considerar que a qualidade do seu trabalho lectivo é marcada e condicionada pela
situação dicotômica, com alguns professores em busca de formação enquanto
exercem sua profissão e outros com a formação consolidada e que contribui para
natureza de formação a que os estudantes estão sujeitos, apesar dos esforços,
ainda não atinge os resultados esperados.
É por força deste tipo de condicionantes que o professor sente-se impelido
a buscar fontes adicionais de rendimentos, como outras escolas, outros colégios,
factor que influência de forma negativa no tipo de comportamento profissional,
nomeadamente a assiduidade e pontualidade (elementos que pertencem ao rol de
aspectos que os estudantes entrevistados gostariam de ver mudados nos
professores). Alguns professores capitalizam sua posição de força nas relações
que estabelecem com os alunos. A possibilidade de reprovar ou o a um
estudante confere-lhes um estatuto de gerenciadores dos destinos dos
estudantes, mas retira alguma da sua integridade (pela perda de capital social),
na medida em que os estudantes formam um Habitus (percepção e disposição
para entender o comportamento destes sempre que o que está em jogo são as
trocas em função dos interesses dos agentes em causa). Estas sistemáticas
práticas de troca de notas por dinheiro, num claro acto de corrupção, vista como
uma forma de contornar os condicionalismos de ordem econômico-financeira a
que a própria profissão está sujeita e que é socialmente reconhecida, o atraso as
aulas, a desmotivação manifestada com aulas não bem administradas fragiliza,
rotula, estigmatiza e acentua a discrepância entre posição material do professor,
poder social e estatuto que lhe deveriam caber.
Portanto, a representação de professor que reprova, cobra dinheiro,
assedia alunas, não aulas com interesse, influencia na imagem relativa ao
professor mais do que a prática dos actos acima referidos.
Os dados mostram um retrato marcado pelo tipo de relação no interior do
espaço escolar. Os resultados escolares parecem ditar de forma quase-
sistemática a imagem que os estudantes têm dos professores. Trata-se de uma
construção relacional e localizada da imagem, preposição enunciada na grelha
teórica.
Se olharmos para alguns números referenciados anteriormente, a própria
ratio número de alunos por professor, é possível extrapolar e perceber que a
natureza da relação numérica o parece também jogar de forma favorável a que
se tenha uma prestação positiva. A média de alunos por professor é bastante
elevada, onde «se chega a concentrar 82 ou mais alunos numa sala de aulas e os
professores podem leccionar dois ou mesmo três turnos» (DZVIMBO & LIMA,
1996: 7).
Fica acentuada a dicotomia na distinção entre a classe dos professores,
tendo uns com formação e outros sem formação. Se associarmos a esta categoria
diferenciadora o comportamento ético, o tipo de rendimento auferido com base na
pluiriactividade, encontramos nestas factores geradores da condição heterogênea
da classe. Esta distinção ficou mais perceptível no trabalho de campo realizado
com recurso à observação em presença e com recurso ao diário de campo, onde
pude registar configurações sociabilitárias dos distintos professores sustentadas
pela freqüência a mesmos centros de formação, a mesma turma na Universidade
Pedagógica ou a outras afinidades - «Fomos colegas na UP. Ele a disciplina
de Filosofia e eu Geografia...». Estes factores de diferenciação tendem a facultar
uma percepção de alguma heterogeneidade no interior do universo profissional.
Esta heterogeneidade parece ter sido assimilada de forma limitada pela
sociedade, na medida em que na configuração classificatória dos professores esta
categoria perde relevo e parece escapar ao imaginário dos agentes ou pelo
menos não consta dos seus relatos. Assumo este fenômeno como gerador de
outra investigação co contornos complementares a este projecto.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Se ao longo do projecto busquei o máximo de objectividade possível,
obedecendo ao roteiro inicialmente definido, reservo-me a possibilidade de
observar algumas reflexões em torno do exercício da profissão docente em
Moçambique e algumas das limitações que contribuem para a construção de uma
imagem precária e fragilizada.
Fica clara a importância desta categoria profissional no Sistema Nacional
de Educação em Moçambique. À medida que avançamos no tempo,
reconhecemos a sua importância vital enquanto eixo de alicerce do Sistema
Nacional. Daí que seja fundamental falarmos da carreira docente enquanto um
serviço publico com características especiais e suscitando um tratamento
especial.
No caso do professor moçambicano impõe-se um reconhecimento
profissional e que se estenda por toda a sociedade, conferindo-lhe o prestigio
social que outras profissões gozam actualmente.
Este reconhecimento não passa simplesmente pela possibilidade de
conferir a classe um estatuto no funcionalismo diferenciado. Passa pela
necessidade de enquadrar as instituições educativas num outro universo que não
o do serviço público.
O professor em Moçambique tem uma missão específica, porém não foram
ainda criadas as condições primárias para o exercício da profissão docente. Tem
sido prática encerrar-se o problema da profissão docente no elemento salário
enquanto gerador da desmotivação profissional e precarização da conduta
profissional. O salário não pode ser a finalidade última e um factor de motivação
único.
Sabe-se que são poucas as profissões que vêem seus problemas
profissionais em Moçambique resolvidos pela negociação de ajustes salariais. Se
nos colocarmos ao nível de uma sociologia das profissões, perceberemos que
outros atributos podem ser oferecidos para conferir uma maior profissionalização
do professor em detrimento do estatuto de mero funcionário.
Algumas das alternativas a tendente precarização do trabalho de professor
passariam por um envolvimento de outras instituições e da própria sociedade na
definição do perfil do professor, no levantamento das reais necessidades dos
professores para o exercício cabal das suas tarefas, na elaboração de cursos de
formação continuada, na construção de códigos de conduta, no incremento de
uma cultura de desempenho premiando os melhores.
Até porque as tendências actuais apontam para uma transformação nas
formas de organização do trabalho educativo à escala global. A escola, o
estudante, que conhecíamos com contornos tradicionais está sofrendo
transformações.
O que foi possível observar no terreno com este projecto foi uma crescente
dificuldade dos professores em dar resposta a novas exigências pedagógicas
vivenciadas.
Certamente que falo de uma realidade social a dar seus primeiros passos
em busca de uma autonomia e afirmação nos diversos domínios. E a extrema
pobreza é um dos fundamentais entraves da ambicionada afirmação. Esta
condição embrionária de afirmação social permite-nos evitar erros do passado
colonial e fazer das experiências de outras realidades escolares para a edificação
da docência enquanto uma carreira profissional alicerçada numa ONP com tarefas
reforçadas e poderes legitimados para defender, sancionar, promover, emular o
professor.
Acabar com a idéia de que ser professor hoje somente resulta enquanto
alternativa às frustrantes tentativas de enveredar por outros ofícios.
Às instituições de formação de professores caberia a tarefa de acompanhar
de perto as transformações que ocorrem na sociedade, usando o fértil campo da
pesquisa, resgatando a ligação entre a escola e a comunidade (um dispositivo em
franca decadência e que em difíceis momentos de transição no Sistema Nacional
revelaram-se de extrema utilidade), apostar na incidência curricular diferenciada
de matrizes ética e pedagógica, relevantes na formação docente e que até aqui
constituem uma das lacunas dos distintos programas de formação.
O processo de retificação da imagem do professor exige investimento em
torno do processo de formação. Mensurar o alcance da idéia de necessidade de
professores para as escolas leva muitas vezes a recrutar para o magistério
indivíduos que consideram suas liberdades intelectuais postas em causa porque
se sentem pressionados, obrigados, sem alternativas e por isso, sem entusiasmo.
Construir programas de capacitação com uma estrutura pré-definida de
curta duração e aplicáveis em períodos regulares e que não entrassem em
contradição com o regimento normal do magistério.
Seria desejável que a tutela deixasse de se reger pelo princípio da
legitimidade interior. Ou seja, que tudo dependa exclusivamente do Ministério da
Educação. Uma abertura para o exterior, valorizando as produções cientificas dos
últimos anos, valorização da parcerias, convidando o docente a participar na
tomada de decisões laborais, reduziria o abuso da posição dominante e do
centralismo exacerbado a que se tem votado.
Estes são alguns dos intervenientes na tarefa de (re)construção de uma
imagem do professor distinta da identificada pelo presente projecto.
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sociais» In: MOREIRA, Antônia Silva Paredes; OLIVEIRA, Denize Cristina (orgs.) -
Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB.
ANEXOS
A presente entrevista a administrar aos professores do ensino geral
moçambicano e todas as informações a ela relacionadas destinam-se a uso
meramente acadêmico, numa pesquisa de Mestrado em Educação sobre a
imagem do professor em Moçambique pela Unimep. Agradeço a
colaboração.
GUIÃO DE ENTREVISTA I
1. Quais foram as razões que o levaram ao exercício da presente profissão de
professor?
2. Se pudesse fazer uma outra opção profissional distinta da actual, qual seria
e porque?
3. Qual é a impressão que tem dos professores e colegas moçambicanos de
uma forma geral, quanto ao seu desempenho e quanto a natureza da
formação?
4. Existe em sua opinião algum aspecto que gostaria de ver mudado para
melhorar profissionalmente a actividade docente em Moçambique?
5. Quais os atributos e as características essenciais para ser um bom
professor?
6. Como se caracteriza a relação com os estudantes no espaço escolar e fora
dele. E qual acha que é a impressão que as pessoas têm do professor?
A presente entrevista a administrar aos estudantes das escolas do ensino
geral moçambicano em Maputo e todas as informações a ela relacionadas
destinam-se a uso meramente acadêmico, numa pesquisa de Mestrado em
Educação sobre a imagem do professor em Moçambique pela Unimep.
Agradeço a colaboração.
GUIÃO DE ENTREVISTA II
1. Como caracteriza os professores moçambicanos de um modo geral?
2. Quais são, em seu entender, as tarefas dos professores?
3. Quanto ao grau de preparação, considera que os professores bem ou mal
preparados para desempenhar suas tarefas, porque?
4. Se pudesse fazer mudar alguma coisa na actual estrutura profissional dos
professores o que seria?
5. Qual em sua opinião a imagem do professor fora da escola, em outros
espaços da sociedade?
6. Que tipo de relação existe entre os professores e os estudantes nas
distintas escolas moçambicanas? Como deveria ser a relação?
O presente questionário a administrar junto da população moçambicana e
as informações prestadas destinam-se estritamente a uso acadêmico,
numa pesquisa de Mestrado em Educação sobre a imagem do professor
em Moçambique na UNIMEP. Agradeço a colaboração.
QUESTIONÁRIO
As palavras (categorias) que lhe se apresentadas abaixo correspondem a um
conjunto de classificações associadas a imagem do professor em Moçambique.
Coloque por ordem crescente (1 à 10) de preferência as que para si
correspondem a imagem actual do professor, assinalando numericamente no
quadrado ao lado.
1. Ser Professor em Moçambique é sinônimo de:
RIQUEZA POBREZA
BOM SALÁRIO MAU SALÁRIO
HONESTIDADE CORRUPÇÃO
BOA FORMAÇÃO FORMAÇÃO
DOS ESTUDANTES DOS ESTUDANTES
PROFISSIONALISMO FALTA DE
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