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Os altos índices de desemprego no país trazem cada vez mais a necessidade de
“aprimoramento” dos trabalhadores, que devem conseguir chances maiores de ocupar o
mercado de trabalho. Dentre as características exigidas para poder estar em um nível de
competição no mercado encontra-se a escolaridade. Assim, há uma percepção por parte de
alguns redutores de que os técnicos (representantes do saber formal) poderiam estar “tirando”
a possibilidade do redutor de danos (que possui este perfil ligado à comunidade e à
experiência do uso), ocupar um outro lugar (para além do trabalho de campo):
Érico - Não, eu acho que existe sim, existe não por parte de todas as pessoas, mas
existem muitos técnicos que não respeitam... e também existe por parte dos
redutores de danos, por alguns também, esta mágoa. Porque fazem todo o trabalho
de ponta, que é a parte mais perigosa do trabalho, trazem subsídios para o
enriquecimento do próprio técnico né, e não é reconhecido por isto muitas vezes, ou
se sente diminuído em função de não ter um diploma. E hoje em dia tu sabe que faz
falta mesmo. Eu acho que é por aí né, por exemplo... para tu adquirir esse
conhecimento técnico, tu tem que ter dinheiro. Sem grana tu não estuda. E já para
aprender o que eu redutor aprende (ri), tu tem que viver, tem que viver daí né. Só
que... existe este atalho. De repente o técnico pode estar aprendendo, convivendo
com o redutor, ele pode estar aprendendo através do relato coisas que... que foi
vivido lá em campo, então o cara está aprendendo a coisa ali sem sujar o sapatinho
de barro. E vai estar usando isso em conferências e coisa e tal. Então isto também
traz muita mágoa para os redutores. Porque daí na hora de sujar o pé, de aprender,
de colocar o conhecimento na mesa, é grátis. E daí na hora que o cara tem que
aprender com o técnico ele vai cobrar aula, para dar uma capacitação para mim, por
exemplo. E na hora de viajar lá para outro estado, para falar sobre o trabalho, até
pela forma de comunicação, quem vai é o técnico que se apropriou do
conhecimento que o redutor buscou em campo. Então acho que existe mais ou
menos um pouco de recalque por parte do redutor e um pouco de desprezo por parte
do técnico. [...]
Rafaela - E vocês vêem alguma saída, alguma forma de ter este reconhecimento
pelo redutor mesmo? De vocês estarem ocupando outros espaços, de poder falar
sobre este trabalho? De não ter que deixar que alguém faça isso?
Lima - De a gente não precisar de um braço para...
Rafaela - Pois é não sei se precisa... mas de poder fazer isso diretamente.
Érico - O braço a gente já é, a gente não precisa é de boca, que nós também temos.
Lima - Eu acho que a partir da forma que a gente tiver espaço, que a gente tiver...
como é que vou te dizer assim, tiver condições melhores de poder desenvolver mais
este trabalho, tu poder apresentar, a gente é muito espremido [...] a partir de que a
gente tiver mais condições, as dificuldades que a gente tem com o veículo, de
concluir um trabalho. Às vezes a gente desenvolve todo um trabalho, cria um
vínculo, cria tudo, e daí para deslocar a gente precisa de outra pessoa, de outro
órgão, de outra rede, para completar aquele trabalho. E daí às vezes esbarra, e daí
tudo aquilo que a gente montou no começo, que é a base, fica difícil de... (Érico e
Lima, redutores de danos; Rafaela, pesquisadora).
Ao mesmo tempo em que parece haver aqui um reconhecimento de que o saber do
redutor de danos é valorizado, há também uma denúncia de que esta valorização só seria
possível a partir de uma readaptação do mesmo a uma linguagem técnica. Assim, vemos a
percepção de uma impossibilidade de o redutor ocupar espaços em debates, conferências,
congressos.