místico é uma expressão comum de todas as formas de mística
religiosa autêntica. Como se pode ver, ao se destacar como
essência de todas elas a condição extática da experiência, esta
surge e vive da presença desse mais além do sujeito que só se
lhe faz presente descentrando-lhe em sua direção por meio do
mais absoluto transcendimento. O que, em realidade, constitui a
originalidade da experiência mística cristã é a peculiaridade da
configuração deste mistério.
77
Nesse caso, cumpre-se observar que não só a mística cristã, como afirma
Velasco, mas também as diversas tradições místicas buscam encontrar, no limiar do
mistério, o pórtico da suprema união, o espaço para se converterem naquilo que
amam e buscam.
78
.
Na raiz grega do termo “mística” (mystikós) encontra-se o verbo myein, que
significa “fechar os lábios e os olhos”.
79
. Já a palavra “mistério” (mysterion, em
grego) provém de múein, que quer dizer perceber o caráter escondido, não
comunicado de uma realidade ou de uma intenção. É importante ressaltar que o
Mistério não equivale a um enigma
80
. É da natureza do termo a designação de um
espaço próprio de profundidade que se inscreve na experiência do místico e a
totalidade do Real, indecifrável em sua essência.
81
O Mistério não se constitui em
77
Juan Martín VELASCO, El fenómeno místico, p. 217.
78
São João da Cruz descreve “a amada em amado transformada” (SÃO JOÃO DA CRUZ, Obras
Completas, p. 135); quando Hallaj professa sua identificação com a verdade, em sua famosa “locução
teopática” (shath): Ana al-Haqq (Eu sou a verdade); quando o místico sufi Bistami afirma: “Louve a
mim (Subhânî), louve a mim!Eu sou o meu Senhor, Mais Alto” (BISTAMI, Lês dites de Bistami, p. 44);
e quando os trinta pássaros da epopéia mística, descrita por Farid ud-DinAttar, encontram uma nova
vida na luz do Simurg: “No reflexo de seu rosto, os trinta pássaros (si morg) mundanos contemplaram
a face do Simorg espirital” (Farid ud-Din ATTAR, A linguagem dos pássaros, p. 231.
79
Ver Faustino TEIXEIRA, No limiar do mistério, p. 27-28.
80
“O homem é mistério, e Deus é quem é o seu mistério: colocado no centro da criação ‘como um
istmo entre a luz e a obscuridade’, ‘sentado sobre o umbral dos mundos’, é tão somente a criatura que
aceitou o depósito divino, a amâna do Corão. (...) A essência da santidade muçulmana, como a da
profecia, não é nada menos que a iluminação divina, a visão imediata e o conhecimento das coisa
invisíveis e desconhecidas, quando o véu dos sentidos é retirado de repente e o ‘eu’ consciente se
desvanece na glória que o domina, a da ‘única luz verdadeira”. Tradução de Eva de VITRAY –
MEYEROVITCH, Mística y poesia em el Islam, p. 14-16.
81
“O místico é o sujeito da experiência, o mistério, seu objeto, a mística, a reflexão sobre a relação
místico-mistério. A derivação etimológica desses termos vem de myein (fechar os lábios ou os olhos),
donde, por uma transposição metafórica, ‘iniciar-se’, do qual deriva o complexo vocabular: mýstes,
iniciado, mystikós, o que diz respeito à enunciação, tà mystiká, os ritos de iniciação, mistikôs
(advérbio), secretamente e, finalmente, mystérion, objeto da iniciação. Essa terminologia vem do culto
grego dos mistérios, ao qual mais adiante nos referirmos.” Ver L. BOUYER, “Mystique: essai sur
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