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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Joana Valente Santana
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICA
URBANA NO MUNICÍPIO DE BELÉM: TENSÕES E COMPATIBILIDADES
NO MODELO DE GESTÃO DE CIDADES E NO DISCURSO DA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Rio de Janeiro
2006
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2
Joana Valente Santana
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICA URBANA
NO MUNICÍPIO DE BELÉM: TENSÕES E COMPATIBILIDADES NO MODELO
DE GESTÃO DE CIDADES E NO DISCURSO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Escola de
Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutora em
Serviço Social.
Orientadora: Profa. Dra. Yolanda
Guerra.
Rio de Janeiro
2006
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3
Joana Valente Santana
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICA URBANA NO
MUNICÍPIO DE BELÉM: TENSÕES E COMPATIBILIDADES NO MODELO DE
GESTÃO DE CIDADES E NO DISCURSO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutora em Serviço Social.
Defesa: Rio de Janeiro, 22 de março de 2006
BANCA EXAMINADORA:
Profª. Dra. Yolanda Guerra – Orientadora
Profª. Dra. Fátima Cabral
Prof. Dr. José Paulo Netto
Profª. Dra. Maria Elvira de Sá
Prof. Dr. Helder Sarmento
4
No meio dessa caminhada perdi a pessoa
mais importante da minha vida: minha mãe.
Em sua honra continuei a caminhar.
A sua memória dedico, com todo meu amor, esta tese.
5
AGRADECIMENTOS
Tenho um enorme sentimento de gratidão por muitas pessoas que vivenciaram comigo
essa caminhada. Recebi muito carinho, amor e força. Foi difícil continuar depois que perdi
minha mãe, a qual era minha principal referência: mulher honesta que com seu jeito caboclo
de ser me ensinou a ser responsável no trabalho e a expressar meu amor pela vida e pelas
pessoas. Cresci e aprendi muito com a experiência do doutorado e não foram poucas as
pessoas que colaboraram para a finalização desse ciclo da minha vida.
Agradeço primeiramente à minha família pelo profundo amor, pelo carinho e pela
preocupação que sempre tiveram comigo. Meus irmãos: Liege, Linair, Dulcemira, Leopoldo,
Sandra, Mônica e Edilson e todos os meus sobrinhos. Ao Léo e Edilson sou grata pelo apoio
material nos primeiros meses do curso. Véio, obrigada pelo teu cuidado. Dhothô, obrigada
pela oportunidade de maior convivência nos últimos anos e pelos almoços nas sextas-feiras.
Mônica, valeu a troca de energias. Sandra (Zazá), obrigada pela enorme cumplicidade e por
tudo, todo dia! Todos vocês são muito importantes para mim. Não tenho como agradecer
tanto amor que recebi e o extremo cuidado que sempre me dedicaram. Amo vocês!
Um agradecimento muito especial à minha orientadora, Yolanda Guerra pelo
acompanhamento cuidadoso e responsável na elaboração da tese e, ainda, pela forma
respeitosa e afetuosa que sempre me tratou.
A Alana por cada dia de amizade e por simplesmente existir. Te adoro, maninha!
Meus amigos Selma, Flávio, Paula, Ana Dolores por todos os momentos e experiências
que passamos no Rio. Flavinho, um beijo pelo cinema às terças-feiras. Selma, obrigada pelo
acolhimento e pelo “abraço paraense”. A Stela, Eunápio, Kláudia, Maria Luiza, Mary Lucy,
pelo carinho e pela força. Sou muito grata a vocês! Stela te agradeço, especialmente, por ter
cuidado da minha saúde emocional; foi fundamental para eu conseguir caminhar depois da
perda da mamãe.
Ao Luiz, pelo carinho e pelas “conversas filosóficas”.
Um agradecimento especial ao Marcelo por ter me apoiado em um dos momentos mais
difíceis de minha vida!
Aos amigos da FASE: Graça, Guilherme, João, Aldebaran e Sônia pelo afeto que
sempre demonstraram por mim. Tenho muita admiração e respeito por vocês que acreditam
sempre que é possível construir uma nova sociedade.
A Olinda pelo acolhimento nos primeiros dias no Rio de Janeiro e pelas trocas durante a
convivência.
6
Aos que muito gentilmente me concederam entrevistas durante o levantamento de
dados: Guilherme Carvalho, Edmilson Rodrigues, Jurandir Novaes, Sandra Helena Cruz,
Solange Gayoso, Rodrigo Lopes, Reinaldo Alcântara, Raimunda Caravelas, Olinda Campos,
Cláudia Bandeira, Cleonice Macedo e Eli Valdina. Sou grata pelo respeito e seriedade que
tiveram com meu trabalho.
Aos participantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre os Fundamentos do Serviço
Social na Contemporaneidade (NEFSSC), da Escola de Serviço Social da UFRJ, pelo rico
aprendizado decorrente de dias de estudos e debates. Um abraço carinhoso em Cláudia
Mônica, Fátima Grave, Nádia Fialho, Juan Jetana e Ricardo Silvestre.
Aos professores da Escola de Serviço Social, José Paulo Netto e Fátima Cabral pela
contribuição na qualificação, defesa do projeto e pré-banca. Obrigada pela forma respeitosa
com que avaliaram minha produção acadêmica. A professora Ana Clara Torres Ribeiro pela
valiosa colaboração nos rumos do projeto de pesquisa. A professora Maria Elvira Rocha de Sá
pelas indicações na revisão da tese.
Ao Departamento de Políticas e Trabalhos Sociais da Universidade Federal do Pará pelo
apoio e liberação para cursar o doutorado.
A Ieda pela atenção dispensada e pelo tratamento carinhoso.
A Albano Gomes pela revisão da tese.
A todos que de alguma maneira colaboraram com minha caminhada e me deram apoio.
Muito obrigada!
7
"[...] a sabedoria não valia a pena se não fosse possível se servir
dela para inventar uma nova maneira de preparar o feijão."
(Gabriel García Márquez - “Cem anos de solidão”)
“Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
Igual a como quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem vindo de trem de algum lugar
E aí me dá como uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com quem contar
São casas simples com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
E eu que não creio peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar”
(Chico Buarque/Vinícius de Moraes/Garoto – “Gente Humilde”)
8
RESUMO
A presente tese de doutorado em Serviço Social busca apreender o significado do
financiamento multilateral do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aos países da
América Latina, particularmente o Brasil, procurando identificar como esse banco atua, por
muitas mediações, na defesa da continuidade da acumulação do capital. A pesquisa
identificou que o BID tem atuado não como financiador de políticas, mas, e
fundamentalmente, como inteligência geral dos interesses das frações de classe dominante,
através da prescrição de modelos de gestão que se voltam: a) aos governos federais, mediante
os Documentos de País e Documentos de Estratégia (cujo conteúdo central diz respeito à
temática da reforma do Estado, interligada à recomendação neoliberal dos ajustes estruturais
que facilitem, dentre outros, o pagamento da vida externa pelos governos centrais); b) aos
governos municipais, por intermédio da difusão de um modelo de gestão de cidades que
conclama esses governos a assumirem a condução das políticas sociais, devendo ser
eficientes/econômicos nos gastos sociais públicos e implementar políticas setorizadas e
focalizadas (para os pobres urbanos”), ao tempo em que devem preparar a infra-estrutura da
cidade, atraindo, assim, investimentos empresariais, devendo, ainda, formar “parcerias” com a
sociedade (estímulo à participação social) e com a iniciativa privada. Por outro lado, a
presente tese se deteve em analisar as discussões concernentes ao modelo de gestão de
cidades balizado na perspectiva democrática que, tendo por base os ideais de Reforma Urbana
(particularmente, o princípio de gestão democrática da cidade), se contrapunha àquele
modelo de vertente neoliberal difundido pelo BID, posicionando-se em favor das frações de
classe trabalhadora, validando processos democráticos (democracia direta) na defesa da
cidadania, sendo referenciado por ideais socialistas. Esse modelo democrático veio a ganhar
força, no Brasil, quando algumas prefeituras municipais passaram, especialmente a partir de
2000, a ser administradas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), momento em que se criaram
expectativas quanto à possibilidade de se construírem propostas que incorporassem os
avanços políticos vistos no país, sobretudo os vinculados à área social e previstos na
Constituição de 1988. Na cidade de Belém-PA, uma frente de esquerda dirigida pelo PT
venceu as eleições municipais de 1996, estendendo seu mandato ao ano de 2004. Em nível
de planejamento governamental, a Prefeitura Municipal de Belém reclamava uma direção
política interligada àquele modelo democrático de gestão de cidades, tendo por base os
princípios de participação social e democratização do Estado. Através de um projeto
financiado pelo BID (Programa Habitar Brasil-BID) - o Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal essa Prefeitura precisou responder a uma rie de exigências desse
Programa, dentre as quais a assinatura de um Termo de Adesão por 80% dos usuários.
Levando-se em consideração que a Prefeitura propugnava um tipo de planejamento
alternativo que incentivasse a participação dos moradores em todas as fases do projeto, a
pesquisa procurou verificar quais as tensões e as compatibilidades entre os modelos de gestão
de cidades e a noção de participação social de cunho neoliberal (propagado pelo BID) e de
base democrática. Os resultados indicam que as formulações discursivas do modelo
democrático de gestão de cidades apresentam, em relação às proposições do BID, elementos
de tensão (tendência contrária) - expressos, sobretudo nas propostas de universalização de
direitos, intersetorialidade de políticas e alusão a ideais socialistas - e elementos de
compatibilidades (adequação do Plano para garantia do financiamento), apontando,
entretanto, mais pontos diferenciados que compatíveis entre as agendas neoliberal e
democrática.
PALAVRAS-CHAVE: Banco Interamericano de Desenvolvimento; Política urbana;
Prefeitura Municipal de Belém; Modelo de gestão de cidades; Discurso da participação social.
9
ABSTRACT
This thesis aims at learning the meaning of the Inter-American Development Bank (IDB)
multilateral financial aid for Latin American countries, particularly Brazil, and tries to
identify how the bank operates, through several mediations, in the defense of continuing
capital accumulation. Our research identified that IDB operates not only as a policy financing
agent, but mainly as the general intelligentsia of the interests of the elite by prescribing
management models for: a) federal governments through the Country Documents and Strategy
Documents (mainly about State reform themes connected to the neoliberal recommendation of
structural adjustments to facilitate – among other things – the payment of the foreign debts by
the central governments); b) municipal governments, through the dissemination of a city
management model, urging local authorities to take over the execution of social policies with
efficiency and economy in the public social expenditures, and implement sectoral and focused
policies (for the “urban poor”), while preparing, at the same time, the city infrastructure in
order to attract corporate investors besides forming “partnerships” with society (enhancing
social participation) and private initiatives. On the other hand, this thesis also analyzes the city
management model, based on the democratic perspective of the Urban Reform (specially the
city democratic management principle), which is contrary to the neoliberal model
recommended by IDB, thus favoring working classes factions, validating democratic
processes (direct democracy) in the defense of citizenship, referenced by socialist ideologies.
Such democratic model started to be widely used in Brazil, particularly when some
municipalities started to be run by Workers Party mayors (as of 2000). At that moment, there
was some expectation regarding the creation of proposals incorporating the political advances
in the social sector as provided in the Federal Constitution of 1988. In the city of Belém, State
of Pará, a left winged front run by the Workers Party won the elections in 1996, renewing its
mandate until 2004. At the level of government planning, the Municipal Authority of Belém
claimed for a political management connected to the city management democratic model,
based on the principles of social participation and state democratization. Through a project
financed by IDB (Habitar Brazil Program – IDB), the Local Development Plan “Riacho
Doce” and “Pantanal”, the city had to comply with a series of demands, such as the signature
of an Acceptance Contract by 80% of the users. Since the city authorities favored an alternate
planning, which enhanced the participation of the local residents in all stages of the project,
the research tried to identify points of conflict and of compatibility between the city
management models and the social participation notion (a neoliberal proposal by IDB) of
democratic base. The results indicate that the city management democratic model discourse
presents some elements of conflict (contrary trends), mainly expressed by the proposals for
the universalization of rights, inter-sectoral policies, and allusions to socialist ideals. Elements
of compatibility were also found (adaptation of the Plan in order to guarantee the funds), but
the overall result appointed to more points of difference than of compatibility between the
neoliberal and the democratic agendas.
Key words: Inter-American Development Bank; urban policy; Municipal Council of Belém,
city management model; social participation discourse.
10
LISTA DE TABELAS, QUADROS E FIGURAS
Tabela 1 -
Capital social e poder de voto - Banco Interamericano de
Desenvolvimento
59
Tabela 2 - Distribuição dos empréstimos do BID, 1961-2000 78
Tabela 3 - Distribuição da população por município na Região Metropolitana de
Belém
211
Tabela 4 - Município de Belém /Rendimento nominal mensal (10 anos ou mais de
idade)
212
Quadro 1 -
Instrumentos de desenvolvimento econômico do governo urbano 128
Figura 1 - Visão do Igarapé Tucunduba assoreado e poluído 263
Figura 2 - Área do Riacho Doce vista da ponte da Perimetral antes da intervenção
do Projeto Tucunduba
263
Figura 3 - Área do Riacho Doce antes da intervenção do projeto de dragagem e
revestimento do canal do Tucunduba. Aspecto das habitações do tipo
palatifa
263
Figura 4 - Aspecto das estivas (pontes de madeira sobre o alagado) nas áreas do
Riacho Doce e Pantanal
264
Figura 5 -
Situação das habitações sobre o leito do igarapé do
Tucunduba
264
Figura 6 - Tipologia das casas às margens do igarapé do Tucunduba 265
Figura 7 - Aspecto do igarapé do Tucunduba após o remanejamento das famílias.
265
Figura 8 - Imagem do igarapé do Tucunduba 265
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
1
FINANCIAMENTO MULTILATERAL PARA A AMÉRICA LATINA: AS
DETERMINAÇÕES DO BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO – BID
18
1.1 O RECURSO DO FINANCIAMENTO NO PÓS-GUERRA 19
1.2 BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO: A GÊNESE 26
1.3 O CENÁRIO CAPITALISTA A PARTIR DOS ANOS 70: AJUSTES
ESTRUTURAIS E ATUAÇÃO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA
AMÉRICA LATINA
33
1.3.1
As modificações na órbita do Estado: os ajustes estruturais
36
1.3.2
O Brasil na entrada dos anos 90: a perspectiva do ajuste estrutural e a
Reforma do Estado
43
1.4 A ESTRUTURA ATUAL DO BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO
57
1.5 ESTRATÉGIAS E ORIENTAÇÕES DO BID PARA A POLÍTICA
BRASILEIRA
61
1.6 O SIGNIFICADO DO FINANCIAMENTO MULTILATERAL DO BID 76
1.6.1
Mecanismos de financiamento de políticas na estrutura do BID
83
2 AS CIDADES NO CONTEXTO DA URBANIZAÇÃO RECENTE:
ORIENTAÇÕES DO BID PARA A POLÍTICA URBANA BRASILEIRA
88
2.1 A CIDADE NO CONTEXTO URBANO RECENTE 89
2.2 O DEBATE SOBRE A PRESCRIÇÃO DE MODELOS DE GESTÃO DE
CIDADES NA PERSPECTIVA DAS AGÊNCIAS MULTILATERAIS
103
2.2.1
A concepção de gestão de cidades para o Banco Interamericano de
Desenvolvimento
116
2.2.2
A perspectiva da participação cidadã para o Banco Interamericano de
Desenvolvimento
141
2.3 A ESTRATÉGIA DO BID PARA A POLÍTICA URBANA O ENFOQUE NO
SETOR HABITACIONAL
152
2.3.1
Programa Habitar Brasil BID - exemplo de orientação de política na cidade
156
2.3.2
Programa Habitar Brasil BID – Regulamento Operacional e Manual de
Orientações do subprograma UAS: a formatação do controle de gestão
159
12
3 O DEBATE SOBRE A GESTÃO DE CIDADES NA PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA: O ENFOQUE NA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
168
3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: A REFORMA URBANA E OS
DESDOBRAMENTOS POLÍTICOS PARA A GESTÃO DE CIDADES
170
3.2 GESTÃO LOCAL: ARGUMENTOS “À ESQUERDA” EM TORNO DA
DEMOCRACIA E CIDADANIA
177
4 A PROPOSTA DEMOCRÁTICA DE GESTÃO EM BELÉM: TENSÕES E
COMPATIBILIDADES EM RELAÇÃO ÀS ORIENTAÇÕES DO BID
PARA A GESTÃO DE CIDADES
196
4.1 RECORTES HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO URBANA DE BELÉM: A
FORMAÇÃO DAS “BAIXADAS”
200
4.2 LUTAS POLÍTICAS EM TORNO DOS PROBLEMAS URBANOS EM BELÉM
213
4.3 A ASCENSÃO DO “GOVERNO POPULAR DEMOCRÁTICO” À
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM: O PROJETO POLÍTICO PARA A
GESTÃO DA CIDADE COM BASE NA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
219
4.3.1
A formatação do projeto político: a concepção do modelo e metodologia de
planejamento e execução de políticas municipais no primeiro mandato
221
4.3.2
O segundo mandato e o aprimoramento da concepção do modelo e
metodologia de planejamento e execução de políticas municipais
224
4.3.3
A noção de participação social inerente ao modelo democrático de gestão em
Belém
231
4.4 TENSÕES E COMPATIBILIDADES ENTRE AS ORIENTAÇÕES DO BID
(PROGRAMA HABITAR BRASIL) E O PROJETO POLÍTICO DA
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM: REFLEXÕES ACERCA DOS
MODELOS DE GESTÃO DE CIDADES E DO DISCURSO DA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
241
4.4.1
Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal: modelos de
planejamento em confronto: entre as regras do Programa HBB e a proposta
de gestão democrática
258
CONCLUSÃO
296
REFERÊNCIAS
306
13
INTRODUÇÃO
A reflexão inicial desta tese surgiu quando participei da primeira reunião com os
moradores das áreas do Riacho Doce e Pantanal (Tucunduba)
1
- áreas de baixadas, como
inúmeras outras da cidade de Belém na qual foi apresentada àqueles moradores a proposta
do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, que seria financiado pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), através do Programa Habitar Brasil-BID.
O referido Plano seria desenvolvido, a partir de 2001, pela Prefeitura Municipal de Belém
com o intuito de implementar serviços de infra-estrutura urbana (nos setores de habitação,
drenagem pluvial, esgoto sanitário, pavimentação, equipamentos urbanos e comunitários,
construção de estação de tratamento de esgoto), bem como desenvolver um projeto de
participação comunitária. O que me chamou atenção, no interior da proposta, foi o fato de que
para aprovação do Plano junto à agência financiadora, havia a exigência da assinatura de um
Termo de Adesão por 80% dos moradores atendidos pelo projeto.
A partir dessa realidade, a primeira indagação que se interpôs (em vel abstrato) e que
depois viria a fazer parte da construção do problema da pesquisa foi: por que seria importante
para o Banco Interamericano de Desenvolvimento, bem como para o governo brasileiro, que
os moradores de uma das cidades da América Latina participassem de um projeto, por ele
financiado, através de uma assinatura? Feita essa pergunta, passei a estudar sobre quais os
interesses imanentes ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e quais as determinações
de seu financiamento para a América Latina.
1
Participei na condição de professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA) e
coordenadora do Programa de Apoio à Reforma Urbana (PARU). Na época em que foi realizada essa reunião
(2001), a Prefeitura de Belém havia convidado a UFPA para assinar um Convênio de Cooperação Técnica e
Científica em que tomaram parte os cursos de Serviço Social, Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo e
Geografia. Com a formalização desse convênio, alguns professores dos referidos cursos (dentre os quais estive
incluída), bem como os alunos, passaram a realizar um levantamento bibliográfico e documental sobre a
produção referente às áreas do Riacho Doce e Pantanal para dar suporte à elaboração do referido projeto.
14
As primeiras aproximações (respostas) a essas perguntas indicaram que o BID tem
contribuído na condução das políticas macroeconômicas e sociais de seus países-membros,
através das recomendações de políticas, as quais, por muitas mediações, se interligam à
orientação maior dos denominados ajustes estruturais voltados, especialmente para a reforma
do Estado - ou contra-reforma, nos termos de Behring (2002) e que estão amplamente
amparados nas propostas neoliberais. Esse Banco, atuando em consonância com o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial, constitui-se em instrumento de propagação do
denominado pensamento único, visto que os bancos multilaterais têm colaborado,
sobremaneira, para a construção na escala-mundo do poder de comando da economia
capitalista, em vista da continuidade da produção e reprodução do capital.
No desenho da atual engenharia do capital, esses bancos elaboram e “vendem”
fórmulas, modelos, códigos normativos que devem ser “comprados”, na forma de
recomendações de políticas, por dirigentes políticos. Dentre essas recomendações uma
preocupação particular do Banco Interamericano de Desenvolvimento em formatar e
disseminar um discurso de planejamento urbano - o qual deixa de ser discurso e torna-se
exigência concreta quando se trata das imposições embutidas nos acordos de empréstimos -
destinado aos gestores urbanos (os administradores locais), que devem atuar de forma
eficiente e eficaz na condução das políticas econômicas e sociais. As diretrizes do Banco para
a área urbana buscam difundir um modelo de gestão de cidades, o qual é meticulosamente
elaborado por sua inteligência auxiliar (o termo é de Vianna Jr., 1998), a qual se esforça em
propagar, em nível das cidades, a defesa daquele pensamento único, interligando-se, por sua
vez, aos interesses do Banco, acima assinalados.
Por outro lado, verifica-se no Brasil uma série de discussões acerca da gestão de cidades
que se alinharam em torno do modelo democrático de gestão de cidades que, tendo por base
de referência os debates sobre a reforma urbana, sinalizavam para a valorização dos
15
mecanismos de democracia participativa em face de assegurar os direitos efetivos de
cidadania. A argumentação desse modelo de gestão colocava-se em confronto com as
proposições neoliberais de minimização do Estado, propondo, em seu lugar, a elaboração de
políticas públicas que se revertessem em favor da classe trabalhadora. Seguindo os passos de
outras administrações municipais vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, foi eleita na
cidade de Belém uma frente de esquerda (dirigida por esse partido) - que conduziu os rumos
da política municipal no período de 1996 a 2004 - que se advogava proponente daquele
modelo democrático, exponenciando a temática da participação social na elaboração e
execução das políticas municipais.
Essas reflexões levaram à percepção de que haviam propostas diferenciadas de gestão
de cidades entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (mediado pelos interesses do
governo brasileiro) e o projeto político desenvolvido em Belém (que representava, na época,
os ideais de transformações na cena política brasileira). Em nível concreto, o Plano de
Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (proposto pela Prefeitura de Belém) seria o
espaço de encontro dessas orientações diferenciadas em relação ao modelo de gestão e à
noção de participação social. Essas aproximações levaram à formulação do problema da
presente tese: há ou não (e se há quais são as) tensões e compatibilidades entre as
propostas de gestão de cidades e a noção de participação social desenhadas pelo BID e
pela Prefeitura de Belém tendo como referência analítica o Plano de Desenvolvimento
Local Riacho Doce e Pantanal, financiado pelo Banco, via Programa Habitar Brasil-
BID?
A pesquisa que caminhou no sentido de responder a essa indagação (isto é, apreender as
múltiplas determinações para, depois, expor sua síntese), foi realizada mediante as leituras
bibliográficas e dos documentos oficiais (tanto do BID, quanto da Prefeitura de Belém), assim
como através de entrevistas com alguns responsáveis pela elaboração da proposta política do
16
governo municipal e do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal. No âmbito
dessa pesquisa foram entrevistados: o Prefeito Municipal de Belém; a Secretária Municipal de
Planejamento e Gestão; a Presidente da Fundação Papa João XIII (área da Assistência); os
dois coordenadores do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social
e de engenharia); o Diretor de Desenvolvimento da Companhia de Desenvolvimento de
Belém; cinco assistentes sociais do PDL e; um historiador, membro da Rede Brasil sobre
Financiamentos Multilaterais.
A exposição do resultado da pesquisa, que se constituiu no esforço de apreensão do
objeto em sua totalidade, será feita da seguinte forma. O primeiro capítulo trata da questão do
significado do financiamento multilateral do BID para a América Latina, desvendando porque
houve a necessidade desse financiamento e como o Banco vai construindo suas
recomendações de políticas aos seus países-membros, especialmente para o Brasil.
O segundo procura identificar porque e como o BID vai conformando orientações de
políticas para as cidades, envoltas em uma proposta de planejamento urbano que se destina,
principalmente, aos administradores locais, demonstrando como esse Banco constrói um
modelo de gestão, que o difunde através do financiamento de projetos (a exemplo do
Programa Habitar Brasil- BID).
O terceiro capítulo apresenta as discussões feitas em torno do modelo democrático de
gestão de cidades; como surgiu no seio da intelectualidade e dos movimentos sociais face ao
debate da reforma urbana e quais suas premissas teóricas: a democratização da gestão e a
defesa da cidadania valorizando a temática da participação social.
O quarto e último capítulo - que em seu conjunto procura expressar a síntese (ou a
aproximação mais concreta ao objeto da presente tese) vai no sentido de demonstrar quais
as determinações sócio-históricas e políticas para a elaboração, na cidade de Belém, do
projeto democrático de gestão de cidades, as principais propostas deste projeto (as idéias-
17
força, em nível de planejamento urbano) e em que medida houve tensões e compatibilidades
entre as orientações do BID e a proposta política da Prefeitura Municipal de Belém no que se
refere ao modelo de gestão de cidades e ao discurso da participação social.
É oportuno lembrar que a elaboração desta tese não esgota (e nem poderia) as
possibilidades de apreensão do real a que se propôs a investigação. Os resultados
apresentados correspondem ao esforço do pensamento (crítico) de captar em que medida se
constroem (ainda que em nível de proposições, como é o caso do exame aqui realizado)
contra-tendências ao movimento hegemônico do capital em sua fase atual, procurando
demonstrar quais as possibilidades (e também os limites) de propostas alternativas
(configuradas em modelos de gestão democráticos) que se propõem a contraditar os modelos
de gestão de base neoliberal, difundidos pelas agências (em particular, pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento) que atuam na defesa das forças de mercado.
18
1 FINANCIAMENTO MULTILATERAL PARA A AMÉRICA LATINA: AS
DETERMINAÇÕES DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO
(BID)
O mundo capitalista experimenta modificações importantes especialmente a partir dos
anos 70, quando ocorre mais uma crise em seu processo de produção e reprodução, resultante
do esgotamento da “onda longa com tonalidade expansionista” (MANDEL, 1982). Nesse
período, as instituições multilaterais de crédito (FMI, Banco Mundial), que foram criadas para
monitorar o sistema monetário internacional no período de expansão capitalista, ganham
força, sobretudo pela necessidade de intensificar o financiamento aos países envolvidos com a
crise econômica.
Ainda no período expansionista do capitalismo (o período do pós-guerra) foi criado,
especialmente no âmbito da América Latina, o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento econômico e social dessa região,
o qual vai modificando seus objetivos a partir do contexto da crise capitalista e das novas
formas de acumulação.
Embora tenham sido institucionalizados após a Segunda Guerra Mundial, os bancos
multilaterais passam a desempenhar a partir dos anos 70 novas funções no que toca ao
processo de produção e reprodução do capital, notadamente através da defesa intransigente da
necessidade dos ajustes estruturais (com um enfoque especial na reforma do Estado) e da
apologia à programática neoliberal.
Muito mais que financiadores, os organismos multilaterais assumem o papel de
coordenação política e econômica dos interesses capitalistas à medida que atuam como
inteligência geral do capital, isso porque, embutidas no financiamento estão uma série de
orientações políticas, econômicas e sociais - que podem ser consideradas como prescrição de
modelos de gestão - que devem servir de base aos governos nacionais (bem como aos
governos municipais), sobretudo, aos dirigentes dos países periféricos.
19
Nesse particular, o BID com uma atuação voltada à América Latina, tem contribuído
nas decisões políticas e econômicas dos dirigentes dos países dessa região. Sendo que um dos
mecanismos de repasse de suas orientações são os Documentos de País e de Estratégia, os
quais avaliam detalhadamente a situação de cada país e expressam claramente as estratégias
do Banco nos diversos setores de políticas.
Tendo em vista a necessidade de apreensão das determinações da atuação do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, na América Latina, e em especial, os desdobramentos na
indicação de políticas para o Brasil, este capítulo trata dos seguintes itens: 1) o recurso do
financiamento no pós-guerra; 2) Banco Interamericano de Desenvolvimento: a gênese; 3) o
cenário capitalista a partir dos anos 70: ajustes estruturais e atuação dos organismos
internacionais na América Latina; 3.1) as modificações na órbita do Estado: os ajustes
estruturais; 3.2) o Brasil na estrada nos anos 90: a perspectiva do ajuste estrutural e a reforma
do Estado; 4) a estrutura atual do Banco Interamericano de Desenvolvimento; 5) estratégias e
orientações do BID para a política brasileira; 6) o significado do financiamento multilateral do
BID; 6.1) mecanismos de financiamento de políticas na estrutura do BID.
1.1 O RECURSO DO FINANCIAMENTO NO PÓS-GUERRA
No período subseqüente à Segunda Guerra Mundial, foram criados alguns organismos
internacionais fundamentais ao direcionamento político e econômico desenvolvido no
contexto da guerra fria. Dentre esses, tem destaque as instituições de financiamento de crédito
voltado aos países capitalistas membros desses organismos.
20
Nessa direção, a partir da Conferência de Bretton Woods
2
, foi criado, em 1945, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) que nasce com o objetivo de manter a estabilidade do sistema
monetário internacional, mediante o equilíbrio na balança de pagamentos e nos sistemas
cambiais dos países membros, com vistas a facilitar a expansão do comércio e dos fluxos de
capitais internacionais. Além do equilíbrio no balanço de pagamentos, o empréstimo
concedido por esse organismo aos países membros tem em conta o planejamento e o
monitoramento de programas de ajustes estruturais, aliado a um programa de orientação
técnica e treinamento aos governos centrais. Sendo que, hoje, o FMI conta com 181 países
membros (FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL, 2004).
Também em 1945, foi instituído o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), que compõe o Banco Mundial. A página oficial do Governo
Federal brasileiro (na internet) indica que este Banco tem por objetivo elevar o progresso
econômico e social de seus países membros (em torno de 180 países), através do
financiamento de projetos e que tal investimento estaria a serviço da melhoria da
produtividade e das condições de vida da população desses países (BANCO MUNDIAL,
2004).
No rastro da criação desses organismos internacionais envolvidos com a orquestração
do capital em nível mundial no 2º pós-guerra, foi criado, em 1959, o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Sua criação resulta de uma articulação dos governos latino-
americanos com os Estados Unidos no sentido de viabilizar uma instituição financeira de
caráter regional e multilateral voltada ao desenvolvimento econômico dos países da América
Latina.
2
Bretton Woods refere-se a uma cidade dos Estados Unidos onde no fim da Segunda Guerra Mundial ocorreu
uma reunião na qual participaram as principais autoridades econômicas dos países capitalistas. Na oportunidade
foi firmado um acordo concernente ao sistema monetário internacional, cuja base de conversão passou a ser
vinculada ao dólar, em substituição ao padrão-ouro (RAUTA RAMOS; SANTOS, 2002; FIORI, 1998).
21
Antes de uma aproximação às determinações do Banco Interamericano de
Desenvolvimento - necessária para construir os argumentos atinentes ao problema desta tese -,
importa questionar qual a funcionalidade do financiamento na perspectiva dos organismos
internacionais, no contexto em que foram criados, a saber, o período pós-guerra.
Mandel (1982) afirma que no período pós-guerra, o capitalismo experimentou um
momento de onda longa com tonalidade expansionista”. Esta onda” foi assegurada pela
superexploração da classe trabalhadora, permitindo a alta taxa de mais-valia e da taxa de
lucro. Houve assim uma acumulação de capitais que, por sua vez, tornou possível o
desenvolvimento da terceira revolução tecnológica, resultando no aumento da mais-valia
relativa e dos superlucros dos monopólios. Essa revolução facilitou o alongamento do período
de expansão com a elevação da taxa de lucro e com um aumento no vel de vida dos
trabalhadores devido à expansão do mercado
3
. Entretanto, a economia capitalista
internacional passou a enfrentar uma recessão generalizada a partir de 1974, isso por que:
a terceira revolução tecnológica e a própria expansão, uma vez que implicam uma
concentração acentuada do capital, levaram a um aumento pronunciado da
composição orgânica do capital
4
. O longo período de pleno emprego reforçou
3
Jacob Gorender, na apresentação do livro “O capitalismo tardio”, faz uma crítica a Mandel quanto à relação
entre o desenvolvimento da terceira revolução tecnológica e a “onda longa com tonalidade expansionista”.
Segundo o argumento daquele autor, o desenvolvimento capitalista do pós-guerra deve-se mais à segunda
revolução tecnológica (indústria produtora de bens duráveis de consumo, como o automóvel; produtos
petroquímicos, insumos industriais para a agricultura, etc.) do que propriamente a terceira revolução (baseada na
energia nuclear e na automação), cuja inovação tecnológica, segundo Mandel, tende a aumentar a composição
orgânica do capital, a diminuir a taxa de lucro ao economizar trabalho vivo e a diminuir a produção de mais-
valia, levando a uma crise de valorização do capital. Gorender afirma que há, nas teses de Mandel, um
deslocamento temporal em relação aos fatos históricos. “Portanto, as relações postuladas por Mandel entre as
revoluções tecnológicas e as ondas longas com tonalidade expansionista nem sempre coincidem com os fatos
históricos” (GORENDER apud MANDEL, 1982, p. XX). As considerações de Gorender não eliminam a
validade teórico-analítica de Mandel sobre a processualidade do capitalismo no período pós-guerra e por isso
esse autor será adotado nesta tese.
4
A composição do capital, segundo Marx (1994) deve ser apreendida sob dois ângulos: “Do ponto de vista do
valor, é determinada pela proporção em que o capital se divide em constante, o valor dos meios de produção, e
variável, o valor da fôrça de trabalho, a soma global dos salários. Do ponto de vista da matéria que funciona no
processo de produção, todo capital se decompõe em meios de produção e fôrça de trabalho viva; essa
composição é determinada pela relação entre a massa dos meios de produção empregados e a quantidade de
trabalho necessária para êles serem empregados. Chamo a primeira composição de composição segundo o valor,
e a segunda de composição técnica. estreita correlação entre ambas. Para expressá-la, chamo a composição
do capital segundo o valor, na medida em que é determinada pela composição técnica e reflete as modificações
desta, de composição orgânica do capital. Ao falar simplesmente de composição do capital, estaremos sempre
nos referindo à sua composição orgânica” (p. 712-713). De acordo com Marx, é a força de trabalho quem cria
valor mediante o mecanismo da produção de mais-valia e apropriação da mesma pelos capitalistas. Contudo, o
22
consideravelmente o peso objetivo da classe operária, a força de suas organizações
de massa (sobretudo dos sindicatos) e, em relação a um ciclo autônomo de luta de
classes em escala internacional, sua combatividade (MANDEL, 1990, p. 27)
5
.
Behring (1998) sintetiza muito bem, na passagem a seguir, como a onda longa com
tonalidade expansionista desenvolve seu sustentáculo ao tempo em que cria seu processo de
crise:
O período de expansão notabiliza-se pelo crescimento da composição orgânica do
capital, pelo aumento da taxa de mais-valia (o que pressupõe o recuo do movimento
operário) e pela possível baixa dos preços das matérias-primas. Esta situação cria
seus próprios obstáculos. Com a redução do exército industrial de reserva, tende a se
ampliar a resistência do movimento operário, baixando a taxa de mais-valia. Há,
ainda, uma generalização da revolução tecnológica, que está na base de todo ciclo de
expansão, diminuindo os superlucros extraídos do diferencial de produtividade do
trabalho. Nesse contexto, impõe-se a queda tendencial da taxa de lucros em relação
ao conjunto do capital social. A concorrência é acirrada, bem como a especulação.
Há uma estagnação do emprego e da produtividade, o que gera uma forte capacidade
ociosa na indústria. Assim, configura-se uma superabundância de capitais e uma
escassez de lucros (BEHRING, 1998, p. 166, grifo da autora).
Mandel (1990) afirma que essa crise da economia capitalista não é casual e sim
conseqüência de sérias transformações econômicas desenvolvidas durante o longo período de
expansão implementado no pós-guerra. Diz o autor que:
Essa expansão tinha dado um impulso poderoso a um novo avanço das forças
produtivas, a uma nova revolução tecnológica. Propiciou um novo salto para a
concentração de capitais e a internacionalização da produção, as forças produtivas
ultrapassando cada vez mais os limites do Estado burguês nacional [...]. A divisão
processo de desenvolvimento capitalista leva a uma mudança na composição orgânica do capital, tendo em vista
que há um aumento dos meios de produção em relação à força de trabalho, elevando a produtividade do trabalho.
Entretanto, diz Marx “[...] todos os métodos para elevar a fôrça produtiva social do trabalho, surgidos bre êsse
fundamento, são ao mesmo tempo métodos para elevar a produção da mais valia ou do produto excedente, que
por sua vez é o fator constitutivo da acumulação” (Idem, p. 725-726). A diminuição da força de trabalho produz
uma população trabalhadora supérflua relativamente (o exército industrial de reserva), que apesar de supérflua é
absolutamente necessária à acumulação capitalista. “Assim, com o progresso da acumulação, vemos que: um
capital variável maior põe em movimento maior quantidade de trabalho sem recrutar mais trabalhadores; um
capital variável da mesma magnitude põe mais trabalho em ação, utilizando a mesma quantidade de fôrça de
trabalho, e, finalmente mobiliza maior quantidade de fôrças de trabalho inferiores expulsando as de nível
superior” (MARX, 1994, p. 738).
5
Analisando a crise das relações do modo de produção capitalista no pós-guerra, Mandel (1982, p. 393) afirma:
“O capitalismo tardio marca um período histórico do desenvolvimento do modo de produção capitalista em que a
contradição entre o crescimento das forças produtivas e a sobrevivência das relações de produção capitalistas
assume uma forma explosiva. Essa contradição leva a uma crise cada vez mais acentuada dessas relações de
produção.” Para esse autor, o “capitalismo tardio” refere-se à terceira fase do modo de produção capitalista e
corresponde a uma sub-fase do período imperialista. “O Capitalismo Tardio tenta esclarecer a história do modo
de produção capitalista no pós-guerra de acordo com as leis básicas de movimento do capitalismo, reveladas por
Marx em O Capital” (p. 05).
23
internacional do trabalho no seio do conjunto dos países imperialistas
6
progrediu
fortemente. Do ponto de vista da organização do capital [...], isso se traduz pelo
desenvolvimento das empresas multinacionais, cada uma delas produzindo mais-
valia simultaneamente em vários países. Tais empresas atuaram no início da era
imperialista essencialmente no setor de matérias-primas. Sua esfera de atividade se
estende hoje a quase todos os setores da indústria de transformação propriamente
dita. A internacionalização da produção, que, no regime capitalista, toma
necessariamente a forma de uma concentração e de uma centralização internacionais
do capital sempre mais avançada, resiste cada vez mais às tentativas de os Estados
imperialistas nacionais aplicarem com sucesso uma política anticíclica, cujo alcance
continua limitado, no essencial, às fronteiras nacionais [...] (MANDEL, 1990, p. 11-
12).
Ocorre que as contradições inerentes à economia capitalista se agravam tanto nos países
imperialistas quanto nos países semicoloniais ou dependentes (os chamados países do
Terceiro Mundo). Assim, a “recessão generalizada expressa, portanto, de modo sintético, o
esgotamento da ‘onda longa expansiva’ (que começou no Estados Unidos em 1940, na Europa
Ocidental e no Japão em 1948, e durou até o final dos anos 60) [...]” (MANDEL, 1990, p. 13).
O autor afirma que a recessão generalizada que ocorreu nos anos de 1974/75 nos países
imperialistas é uma crise clássica de superprodução. “A recessão de 1974/75 é a conclusão de
uma fase típica de queda da taxa média de lucros
7
(p. 23, grifo do autor).
As causas da recessão do período assinalado, segundo Mandel (1990) antecedem ao
problema da alta do preço do petróleo; podem ser demonstradas antes mesmo pela diminuição
da capacidade produtiva (crescimento da capacidade ociosa da produção da indústria). Um
exemplo pode ser visto nos EUA quando da produção de armamentos militares ao invés de
produção comum (civil), ou seja, ocorre uma não-utilização quase permanente, para fins
6
Harvey (2004, p. 31-32) conceitua imperialismo capitalista “como uma fusão contraditória entre a política do
Estado e do império’ (o imperialismo como projeto distintivamente político da parte de atores cujo poder se
baseia no domínio de um território e numa capacidade de mobilizar os recursos naturais e humanos desse
território para fins políticos, econômicos e militares) e ‘os processos moleculares de acumulação do capital no
espaço e no tempo’ (o imperialismo como um processo político-econômico difuso no espaço e no tempo no qual
o domínio e o uso do capital assumem a primazia). Com a primeira expressão desejo acentuar as estratégias
políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um Estado (ou por algum conjunto de Estados que
funcionam como bloco de poder político) em sua luta para afirmar seus interesses e realizar suas metas no
mundo mais amplo. Com esta última expressão, concentro-me nas maneiras pelas quais o fluxo do poder
econômico atravessa e percorre um espaço contínuo, na direção de entidades territoriais (tais como Estados ou
blocos regionais de poder) ou em afastamento delas mediante as práticas cotidianas da produção, da troca, do
comércio, dos fluxos de capitais, das transferências monetárias, da migração do trabalho, da transferência de
tecnologia, da especulação com moedas, dos fluxos de informação, dos impulsos culturais e assim por diante.”
7
A lei de tendência à queda da taxa de lucro no modo de produção capitalista está explicitada n’O capital, livro
3, volume IV (MARX, 1987).
24
civis produtivos, de perto de um terço da capacidade instalada de produção nos Estados
Unidos” (p. 26, grifo do autor). O que para o autor é um exemplo clássico de superprodução.
Na conformação do capital no período pós-guerra, a atuação do Estado foi
imprescindível para o desenvolvimento da onda longa com tonalidade expansionista. Mandel
(1982) afirma que o capital monopolista ao desenvolver uma tendência à superacumulação
nas metrópoles e à exportação de capitais, além da propensão dos países imperialistas em
dividir o mundo em domínios coloniais, gerou uma demanda de intervenção estatal à medida
que houve a necessidade de aumento com as despesas armamentistas e atividades militaristas.
Aliado a essa função, o Estado também foi requisitado, no período imperialista, a gerir
os fundos sociais públicos. Isso porque no interior do capitalismo monopolista (especialmente
na Europa Ocidental) pôde-se observar o fortalecimento do movimento operário, expresso no
aumento do sufrágio universal. O surgimento de diversos partidos da classe trabalhadora pôs a
necessidade de um Estado integrador, o que, evidentemente, demanda uma atuação desse
Estado em favor daquela classe
8
. Correlato a esse processo, houve um aumento da legislação
social, o que para o autor, de certa forma, expressa uma resposta à força do movimento
operário, tendo em vista a necessidade de resguardar os interesses do capital frente às
manifestações da classe trabalhadora. Por outro lado, a atuação do Estado correspondia ao
movimento geral de reprodução ampliada no modo de produção capitalista, posto que visava a
manutenção física da força de trabalho, que estava visivelmente ameaçada pela
superexploração capitalista. Assim, diz o autor:
A tendência à ampliação da legislação social determinou, por sua vez, uma
redistribuição considerável do valor socialmente criado em favor do orçamento
público, que tinha de absorver uma percentagem cada vez maior dos rendimentos
8
Mandel (1982, p. 338) chama atenção para a ilusão que a atuação do Estado, nesses moldes, causa no
trabalhador assalariado, posto que vislumbra uma igualdade formal no contexto da cidadania. Essa ilusão
dissimula a desigualdade de acesso ao poder político que por sua vez dissimula a desigualdade econômica de
classe. Diz o autor: “A burguesia poderia, portanto, derivar vantagens consideráveis dessa forma de integração
dos partidos de massa da classe operária na democracia parlamentar burguesa, na medida em que as crises
econômicas e sociais não ameaçassem diretamente a sua posição de classe dominante [...]”.
25
sociais a fim de proporcionar uma base material adequada à escala ampliada do
Estado do capital monopolista (MANDEL, 1982, p. 338-339).
Behring (1998) assinala que a atuação do Estado nesse período baseado no aporte
keynesiano o conseguiu evitar a crise do capital, apenas conseguiu atenuá-la através de
alguns mecanismos, a saber:
a planificação indicativa da economia, na perspectiva de evitar os riscos das amplas
flutuações periódicas; a intervenção na relação capital/trabalho por intermédio da
política salarial e do controle de preços; a política fiscal e, dentro dela, os
mecanismos de renúncia fiscal; a oferta de crédito combinada a uma política de
juros; as políticas sociais (BEHRING, 1998, p. 166, grifo da autora).
No período de expansão, os estados nacionais utilizaram - para conter as crises
periódicas advindas da superprodução - o recurso da ampliação do crédito. Contudo, essa
medida de expansão creditícia é essencialmente inflacionária. Por isso, à medida que a
inflação se expandiu a todos os países imperialistas, resultando no enfraquecimento do
sistema monetário internacional, todos os governos desses países passaram a efetivar, ao
mesmo tempo, uma política antiinflacionária, o que levou a uma nova sincronização da
produção industrial, em nível internacional (MANDEL, 1990).
Mandel (1990) demonstra que a crescente dívida dos países terceiro mundistas es
relacionada a um fenômeno de maior importância que é a expansão do crédito como motor da
economia do capitalismo tardio, desenvolvido no período pós-guerra. Diz o autor:
Longe de resultar da imperícia dos países subdesenvolvidos, de suas classes
proprietárias ou de seus governos, a dívida não é senão uma manifestação particular
do papel-chave que a inflação do crédito e, portanto, a expansão de todas as
formas de dívidas – tem representado para estimular o crescimento (ou, melhor, para
retardar a crise) após a II Guerra Mundial em todos os segmentos capitalistas
(MANDEL, 1990, p. 275).
O mesmo autor afirma que dentre os mecanismos utilizados para amortecer, no curto
prazo, a intensidade das contradições fundamentais do capitalismo contemporâneo
encontram-se o aumento da dívida pública à medida que esta permite diminuir, ainda que por
26
um curto tempo, a crise fiscal do Estado, isto é, minimizar a distância entre o crescimento dos
gastos públicos e o crescimento das receitas do Estado.
Mesmo com o recurso da intervenção estatal, Mandel (1990) afirma que os capitalistas
tiveram dificuldades, a partir dos anos 60, de equilibrar o aumento da composição orgânica do
capital através do aumento da taxa de mais-valia, resultando na queda da taxa média de lucros
e na inversão da “onda longa expansiva”
9
.
É nesse cenário que se interpõe a necessidade de financiamentos externos como forma
de garantir a reprodução ampliada do capital, onde os organismos internacionais têm papel
fundamental, tal é a perspectiva do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
1.2 BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO: A GÊNESE
Os antecedentes da fundação do BID remontam aos fins do século XIX, quando foi
realizada, em Washington, a Primeira Conferência Internacional Americana (1889-1890), na
qual foi elaborada uma proposta de criação de uma entidade bancária de caráter privado
voltada a facilitar o comércio entre os países que participavam da União Pan-Americana. A
idéia principal do pan-americanismo desse período era criar vínculos comerciais e de
investimentos privados entre os Estados Unidos e os países da América Latina (HERRERA,
1971).
9
Mandel (1990) sinaliza que entre os anos 80/82 houve um segundo momento de recessão generalizada no
âmbito da economia capitalista internacional, depois da Segunda Guerra Mundial. Da mesma forma que a
recessão anterior (74/75), esta foi iniciada nos Estados Unidos, havendo uma diminuição da produção industrial
e do emprego no início dos anos 80. Em linhas gerais, esta recessão foi provocada pela baixa da taxa média de
lucro associada a uma queda no investimento produtivo.
27
Entretanto, segundo Chiriboga (1978)
10
, os Estados Unidos ofereceram resistência à
criação da referida entidade bancária, motivo pelo qual os países latino-americanos passaram
a exercer um tipo de pressão moral e política que tinha por objetivo solicitar o apoio daquele
país na constituição do Banco, levando em conta seu poderio econômico mundial.
Essa proposta somente iria ganhar força no período subseqüente à Segunda Guerra
Mundial, após a criação de organismos-chave para os países capitalistas nesse período (em
especial os Estados Unidos), como a Organização das Nações Unidas, o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial.
Nesse contexto, o Brasil - de acordo com o primeiro presidente do BID (Felipe Herrera)
teve papel importante na formação desse Banco. Isso porque em 1957, o presidente
Juscelino Kubitschek
11
propôs a fundação da Operação Pan-americana, a qual permitiu que os
EUA “decidissem reexaminar a sua política de cooperação para o desenvolvimento
econômico e social da América Latina” (HERRERA, 1971, p. XXX).
Couto (2000) afirma que o presidente Kubitschek colaborou para a constituição do BID
à medida que teve a capacidade de “sensibilizar” e convencer o governo americano a apoiar o
desenvolvimento regional. Sendo que o argumento da sensibilização” baseava-se na
necessidade de combater a propagação do socialismo, tendo em vista que o contexto vivido,
na época, era o da guerra fria.
Cardoso (1978) demonstra que tendo em conta o contexto da guerra fria e a constante
ameaça do socialismo, o governo JK assumiu certa liderança entre os países da América
10
Este autor foi um dos primeiros a escrever a respeito das intervenções do BID na América Latina e pode ser
considerado um de seus apologistas.
11
Na época da constituição do BID, o Brasil era governado pelo Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960),
onde o País vivia o período desenvolvimentista. Com base no Plano de Metas que visava o desenvolvimento
integrado do país, mediante o crescimento da indústria, a ampliação do sistema de transportes e a modernização
da agricultura, esse governo desenvolveu um amplo processo de industrialização especialmente a indústria
automobilística -, aliado a um programa de desenvolvimento econômico que primava pelos setores de energia,
transportes, indústria de base e de bens de consumo. Tem destaque, nesse momento do processo de
industrialização brasileira, a maior influência do capital estrangeiro, sobretudo dos Estados Unidos, com a
utilização do recurso ao financiamento externo para o fomento da industrialização, especialmente o recurso do
Fundo Monetário Internacional, criado naquele país, em 1945 (TEIXEIRA, 2000).
28
Latina, vinculando-se ao bloco ocidental. A Operação Pan-Americana proposta por esse
governo tinha por objetivo rever a política interamericana visando o fortalecimento do
continente em face da perspectiva do socialismo. É assim que uma articulação do Brasil
com o governo norte-americano no sentido de enfrentar o “inimigo comum”.
Levando em consideração as condições de subdesenvolvimento e de grave pobreza por
que passava o país, o discurso do Presidente JK centrava-se na perspectiva do
desenvolvimento, motivo pelo qual propunha o crescimento econômico especialmente com
base na industrialização -, para que o país pudesse sair do estado de atraso em que vivia
(CARDOSO, 1978)
12
.
Após apreciação e análise das diretrizes da Operação Pan-Americana, que propunha a
formação de uma organização financeira de caráter regional latino-americana, os Estados
Unidos concordaram, em 1958, em participar dessa organização. Para tanto, foi constituída
uma comissão de técnicos que, tomando por base o estatuto do Banco Mundial, tinha por
objetivo formular os termos do convênio da referida organização financeira. Em 8 de abril de
1959, foi firmado ad referendum o Convênio Constitutivo do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, entrando em vigor em 30 de dezembro do mesmo ano
13
.
O BID nasce com o objetivo de potencializar a integração econômica regional (da
América Latina) mediante aceleração do desenvolvimento econômico de seus países
membros. Nas palavras de Chiriboga (1978, p. 07), o Banco, em sua constituição, era
12
De acordo com Cardoso (1978, p. 93-94) a primeira Mensagem ao Congresso Nacional, elaborada no governo
JK, em 1956, explicitava suas intenções quanto aos rumos do país diante da crise vivenciada naquele momento:
“Diz ele: Acentua-se [...] a fase de transição de nossa economia, do estágio predominantemente agropecuário,
para o estágio da industrialização intensiva, quando se impõe evoluir da prática, quase exclusiva, das simples
indústrias de transformação, para as indústrias de base.’ [...]. Pretende ‘ampliar, estimular e fundar as indústrias
de que o Brasil necessita para sua completa e verdadeira libertação econômica: a indústria siderúrgica, a
metalúrgica, a produção de cimento, a fabricação de fertilizantes, a mecânica pesada, e a química de base, entre
outras.’”
13
À época de sua fundação, o BID era composto por 19 países membros (da América Latina), quais sejam:
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras,
México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela; e os Estados Unidos
(BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2005a).
29
considerado como o “motor financeiro do desenvolvimento econômico e social dos países
latino-americanos em processo de crescimento”
14
(tradução minha).
A estrutura financeira do Banco destinada ao financiamento de empréstimos aos seus
países membros constituía-se, inicialmente, dos recursos ordinários (provenientes da
subscrição de capital dos países membros) - para empréstimos e investimentos de caráter
estritamente econômico -, e do fundo para operações especiais (FOE), também chamado de
recursos brandos – para empréstimos de caráter social.
Na organização inicial de funcionamento do BID tem destaque: 1) a disponibilidade de
assistência técnica aos países membros, no sentido de identificar as demandas prioritárias de
investimento e de orientar os projetos na solicitação do financiamento
15
; 2) o financiamento
do setor privado sem a garantia dos governos nacionais, isto é, os empréstimos poderiam ser
feitos diretamente às empresas privadas, sem a interveniência do poder público; 3) apenas os
países participantes da Organização dos Estados Americanos (OEA) estariam habilitados a
serem membros do Banco, o que será modificado posteriormente, com a inclusão de países de
outros continentes; 4) as decisões sobre as atividades do Banco são tomadas na Assembléia de
Governadores, na qual cada país membro deveria nomear um Governador e um Suplente para
os encontros anuais que seriam realizados na capital de um desses países; 5) a sede da
instituição foi instalada – não por acaso - na capital dos Estados Unidos.
Em sua gênese, o financiamento do BID, isto é, a dimensão operativa de seu
financiamento estava voltada, segundo documentos do Banco, a projetos notadamente de
cunho econômico. A ênfase do financiamento, portanto, estava no investimento privado de
14
Rossetto (1993) chama atenção de que embora os organismos internacionais (como é o caso do BID) tenham
assegurado especialmente nos primeiros anos de sua atividade - que os financiamentos de políticas aos países
subdesenvolvidos visem à promoção do desenvolvimento econômico, o combate à pobreza e a busca de melhoria
das condições de vida, uma análise mais detalhada permite observar que a preocupação com a “ajuda” a esses
países está alinhada ideologicamente aos interesses dos Estados Unidos sobretudo após a ascensão de Fidel
Castro ao governo cubano em limitar o avanço do comunismo e em contribuir ao avanço do capitalismo nos
referidos países.
15
Esse é um tema de especial importância dentro da discussão da influência do BID na direção de política
econômica e social da América Latina e seabordado quando da análise da relação do Banco com o Brasil, a
partir dos anos 90.
30
projetos, tendo em vista que de seu capital inicial de 1 bilhão de dólares, 850 milhões
correspondiam ao capital ordinário (destinado ao setor privado) e o restante, 150 milhões,
referia-se ao Fundo de Operações Especiais (destinado a projetos de cunho social)
16
(HERRERA, 1971).
Desde logo, o BID demonstrava uma das determinações de seu financiamento: orientar
em qual direção os países da América Latina deveriam seguir no que se refere ao
desenvolvimento econômico desses países. A análise dos dez primeiros anos de atuação do
Banco, por seu primeiro presidente, parece ir ao encontro dessa assertiva:
[...] a aplicação das políticas do Banco tem contribuído para a reorientação setorial e
geográfica do investimento na América Latina, especialmente no que se refere ao
financiamento com recursos de origem externa. Assim, quando o BID iniciava as
suas operações, grande parte do financiamento externo recebido pela Região estava
vinculada à execução de obras de infra-estrutura, ao passo que agora a sua
intervenção conseguiu estabelecer uma relação mais equilibrada entre os
investimentos neste campo e os projetos relacionados com os setores produtivos, isto
é, a indústria e a agricultura (HERRERA, 1971, p. XL).
O financiamento a projetos privados de investimento constituía-se na atividade
fundamental do Banco nos primeiros anos de sua atuação. Entretanto, os recursos destinados a
projetos sociais (recursos brandos) apresentam uma tendência de crescimento, pois
significavam, após dez anos de atuação do Banco, dois terços de sua carteira de crédito.
Sendo que nesse período, 30% desse recurso haviam sido aplicados em projetos da área
social, tais como: habitação e desenvolvimento urbano, saneamento ambiental e educação.
Em termos históricos, essa tendência de crescimento de recursos para investimentos
sociais no interior do Banco decorre de uma articulação política entre os países latino-
americanos e o presidente dos Estados Unidos, em 1960, onde foi apresentada “de maneira
dramática, a necessidade de os países membros do sistema interamericano fazerem um
esfôrço de inusitadas proporções para o fim de atender às justas demandas sociais das grandes
16
Essa informação é importante pois, como veremos posteriormente, no transcorrer de suas atividades, o BID
passa a destinar a maioria de seus recursos aos setores sociais tendo em conta as transformações
socioeconômicas e políticas ocorridas a partir dos anos 70.
31
massas latino-americanas” (HERRERA, 1971, p. XLII). Em decorrência, foi assinada a Ata de
Bogotá, nesse mesmo ano, na qual os Estados Unidos dispuseram de seu orçamento o
montante de 500 milhões de dólares a serem aplicados em projetos que redundassem no
desenvolvimento rural, na produção de habitação e projetos de educação e saúde. Sendo que o
BID ficou responsável por administrar a maioria desse recurso - 394 milhões de dólares
destinado à constituição de Fundo Fiduciário de Progresso Social, o qual deveria facilitar o
crescimento social e econômico dos países da América Latina.
É claro que a preocupação dos países latino-americanos, bem como a dos Estados
Unidos, no atendimento das justas demandas sociais das massas latino-americanas não se fez
aleatoriamente. A crescente pobreza latino-americana era em si uma ameaça à expansão
capitalista, posto que poderia permitir a aceitação das idéias difundidas pelo bloco socialista
17
.
Nota-se nos documentos que avaliam a atuação do BID nesse momento, que havia uma
clara preocupação com as possíveis tensões sociais tendo em conta a situação de atraso (e
conseqüentemente, da situação de pobreza) de grande parte dos países da América Latina e
cujas tensões sociais podem ser associadas ao perigo do avanço comunista nessa região:
[...] o atraso de uma parte do território pode criar sérios problemas a toda a
coletividade, como também no continente, [...] nações de notório
subdesenvolvimento podem significar perigosos desajustes e tensões para o futuro
econômico, político e social de nossa comunidade de nações (HERRERA, 1988, p.
15, tradução minha).
Outra característica do Banco no que se refere às suas primeiras ações diz respeito aos
financiamentos de vel global que se diferencia de projetos específicos, tais como:
habitação, saúde - que incluem a aprovação de projetos que façam parte dos Programas
17
É assim que se propaga - especialmente a partir do governo JK - a idéia de segurança para o desenvolvimento.
Cardoso (1978, p. 138) ao referir-se à política desse governo, afirma que: “Internamente, como a primeira
suposição é de que seja a miséria a principal responsável pela aceitação de idéias subversivas, surge como uma
questão de segurança a promoção do desenvolvimento [...]”. Em seguida, afirma a autora: “O objetivo primeiro
do desenvolvimento segundo esta ideologia é o do combate ao comunismo. JK assim o colocou para o mundo,
logo que foi reconhecido como Presidente eleito do Brasil: ‘Durante vinte dias deixei claro (nos Estados Unidos,
na Holanda, na Inglaterra, na Bélgica, na França, na Itália, na Alemanha e em visitas de afetuosidade histórica ou
espiritual que fiz a Portugal, Espanha e ao Santo Padre Pio XII), que o intuito básico do Programa de Metas era
defender o nosso modo de viver contra a ofensiva de ideologias opostas a nossas crenças cristãs e a nossas
instituições democráticas’” (p. 149).
32
Nacionais de Desenvolvimento dos governos centrais, isto é, do planejamento macro dos
países da América Latina, como por exemplo, os Planos Plurianuais. Disto decorre um
envolvimento do BID nos assuntos referentes à orientação para a elaboração dos programas
nacionais, para o que, gradativamente, vai formando-se dentro do Banco a necessidade de
técnicos e/ou especialistas (expertos) de alto nível com o intuito de conhecer e analisar a
realidade da Região no que toca aos seus problemas econômicos e sociais, contribuir na
formulação dos programas e estabelecer a prioridade do investimento
18
.
A integração econômica da América Latina constitui-se em outra particularidade do
BID presente na gênese e nos primeiros anos de seu desenvolvimento. A intenção dessa
política de integração era orientar os países membros que faziam parte da América Latina
a utilizarem eficazmente seus recursos a fim de promover o crescimento econômico em
sintonia com o comércio exterior.
Na esteira dessa política de integração, foram criados no interior do Banco, em 1965, o
Instituto para a Integração da América Latina (Intal) e o Fundo de Pré-investimento para a
Integração da América Latina, sendo que o primeiro teria a função de treinamento, pesquisa e
assessoria no que se refere à integração dos países latino-americanos. Observa-se que, em
especial, a criação do INTAL coaduna-se com os objetivos do Banco, acima referidos, no que
tange à formação de pessoal dotado de capacidade técnica para estudo, identificação de
problemas e posterior orientação para definição de políticas em nível regional.
O primeiro presidente do BID - Felipe Herrera - avalia que após dez anos de trabalho, o
Banco tem a capacidade de influenciar no processo de desenvolvimento competitivo de seus
países membros pertencentes à América Latina; de ser um agente de mudança no que se
refere às estratégias, aos setores e às técnicas de desenvolvimento econômico e social dessa
região e; principalmente, de contribuir com os rumos a serem tomados pelas economias
18
Importante assinalar essa característica tendo em vista que, a partir dos anos 90, o estudo e análise dos
problemas econômico-sociais e políticos da América Latina, bem como a orientação de políticas aos governos
centrais, terão enorme peso nos rumos tomados por esses países, em função da relação estabelecida com o BID.
33
latino-americanas, com destaque especial para o planejamento como um elemento definidor
de políticas regionais:
Para êste efeito, o Banco terá que intensificar o seu apoio ao processo de
planejamento das economias latino-americanas; à formulação de políticas
deliberadas de desenvolvimento dos recursos produtivos da comunidade; aos
esforços dos países para mobilizar os seus recursos internos, organizar os seus
mercados de capitais e melhorar a sua participação na captação de recursos
financeiros externos; aos esforços de planejamento social, com interêsse especial na
implementação do desenvolvimento urbano; a melhora dos níveis educacionais,
científicos e tecnológicos e, finalmente, à consolidação e modernização das
instituições, tanto no setor público, quanto no setor privado (HERRERA, 1971, p.
LXI).
Pode-se observar que em sua gênese, e nos primeiros anos de intervenção, os objetivos
expressos pelo BID centravam-se no crescimento econômico dos países atrasados,
notadamente o crescimento de nível regional. Não havia, no início da atuação do BID uma
setorização de políticas. A ênfase estava mais na política econômica e os principais
interlocutores seriam as empresas privadas e os estados nacionais, como é o caso do Brasil.
Ocorre que na entrada dos anos 90 e início do século XXI a incidência do Banco, em termos
de orientação de políticas, será maior sobre o poder público com um claro enfoque na
setorização de políticas, no contexto dos ajustes estruturais, como se verá posteriormente.
Contudo, para compreender a atuação do BID no período em questão cabe a apreensão
dos giros empreendidos pelo capital no espectro econômico, político e social a partir dos
três últimos decênios do século XX.
1.3 O CENÁRIO CAPITALISTA A PARTIR DOS ANOS 70: AJUSTES ESTRUTURAIS E
ATUAÇÃO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA AMÉRICA LATINA
Os anos 70 caracterizam um período de significativas transformações no interior da
ordem burguesa. Conforme assinalado anteriormente, o capitalismo da era dos monopólios
sofreu uma crise generalizada, atingindo os países imperialistas, marcando o esgotamento do
34
período de acumulação capitalista considerado como uma onda longa expansionista”,
desenvolvida no contexto da Segunda Guerra Mundial (MANDEL, 1990).
Sobre as mudanças ocorridas no cenário capitalista, especialmente a partir dos anos 70,
Harvey (1992) dirá que esse período expressa uma transição da produção baseada no fordismo
– que marcou a expansão da acumulação capitalista do pós-guerra - para um regime de
acumulação “flexível”, manifestando, por sua vez, a crise do capitalismo. Diz o autor:
Aceito amplamente a visão de que o longo período de expansão de pós-guerra, que
se estendeu de 1945 a 1973, teve como base um conjunto de práticas de controle do
trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-
econômico, e de que esse conjunto pode com razão ser chamado de fordista-
keynesiano. O colapso desse sistema a partir de 1973 iniciou um período de rápida
mudança, de fluidez e de incerteza [...]. Mas os contrastes entre as práticas político-
econômicas da atualidade e as do período de expansão do pós-guerra são
suficientemente significativos para tornar a hipótese de uma passagem do fordismo
para o que se poderia ser chamado regime de acumulação ‘flexível’ uma reveladora
maneira de caracterizar a história recente [...] (HARVEY, 1992, p. 119).
Para Harvey (1992), esse tipo de acumulação flexível contrapõe-se à forma rígida de
produção fordista. uma maior flexibilidade nos processos de trabalho, mercados de
trabalho, produtos e padrões de consumo. É marcado pelo aparecimento de novos setores
produtivos, novos mercados, com alta inovação comercial, tecnológica e organizacional. Esse
tipo de acumulação também se caracteriza pela intensa mudança nos padrões de
desenvolvimento desigual entre os setores produtivos, bem como entre as diversas regiões,
resultando na criação de empregos no setor de serviços e um desenvolvimento industrial em
países considerados subdesenvolvidos.
Fiori (1998) assinala que nos anos 80 as transformações ocorridas no mundo capitalista
foram impulsionadas pelas transformações referentes à globalização financeira. As decisões
estatais tais como: a revalorização do dólar pelo banco central norte-americano (em 1979), o
fim do controle do movimento de capitais, ao lado da liberação das taxas de juros pelos
governos americano e inglês facilitaram essas transformações. Além disso, realizou-se um
processo de desregulamentação monetária e financeira que teve como conseqüência o
35
surgimento dos mercados de obrigações articulados em nível internacional, onde os governos
financiam seus déficits colocando títulos da dívida publica (sic) nos mercados financeiros
globais e transformando-se em reféns da ‘ditadura dos credores’” (FIORI, 1998, p. 91).
Afirma o autor que nos anos 90 os países por ele considerados “emergentes” (os da
América Latina e os do ex-mundo socialista) passam a incorporar-se ao cenário financeiro e
globalizado.
É a hora em que se universaliza a revolução neoliberal, promovendo por todos os
lados a desregulação e a abertura das economias nacionais, permitindo que a
globalização financeira alcance uma dimensão territorial sem precedentes, mesmo
quando não inclua a maior parte dos estados nacionais. É a hora da incorporação dos
estados menos industrializados, de forma que, depois de duas décadas de
internacionalização financeira, os estados mais frágeis e as elites mais submissas
foram se resignando a compor com esta nova realidade competindo pelos novos
investimentos através de políticas mais agressivas de desregulação econômica e
desoneração fiscal, tão mais predatórias quanto mais embaixo estiverem na escala de
risco dos ‘mercados emergentes’ (FIORI, 1998, p. 91-92)
19
.
Nessa direção, Antunes (2000) demonstra que, de fato, a partir dos anos 70 o
capitalismo passou a sinalizar mais uma crise que reflete o esgotamento do modelo de
desenvolvimento baseado no fordismo/keynesianismo, com uma significativa queda da taxa
de lucro; esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; hipertrofia da
esfera financeira em detrimento do capital produtivo; maior concentração de capitais; crise do
Estado de bem-estar; aumento das privatizações e flexibilização do processo produtivo. Sobre
as alterações na forma de acumulação capitalista e as modificações operadas no âmbito do
processo de trabalho, diz Netto (1996, p. 92-93):
19
Santos e Silveira (2003, p. 185) demonstram que no mundo atual as bases materiais e políticas têm
possibilitado uma transformação nas formas de circulação do dinheiro, gerando assim novos modos de
acumulação. De uma parte, os avanços nas telecomunicações, na eletrônica e na informática permitiram a
interconexão das bolsas, dos bancos e das praças financeiras, em tempo real, facilitando uma circulação rápida
de diversos tipos de dinheiro. De outra parte, a situação política estabelecida com a desregulação, favorece os
fluxos de dinheiro acima das fronteiras nacionais, impondo leis internacionais aos territórios nacionais. “Na
realidade, as novas regras do jogo nas finanças não negligenciam as fronteiras nacionais, mas as tornam outra
fonte de lucro, uma vez que o as grandes empresas mundiais que estabelecem os umbrais e ganham com as
conversões entre sistemas monetários, balanços do comércio exterior, juros, pagamento de royalties e outros
instrumentos da macroeconomia. E a concessão a essas políticas globais não cria senão ilusoriamente o
enraizamento dos capitais [...].”
36
Não é preciso muito fôlego analítico – para quem conhece a projeção marxiana
acerca da relação ciência/produção, cada vez mais confirmada pela dinâmica
capitalista para concluir que a revolução tecnológica tem implicado uma
extraordinária economia de trabalho vivo, elevando brutalmente a composição
orgânica do capital. Resultado direto (exatamente conforme a projeção de Marx):
cresce exponencialmente a força de trabalho excedentária em face dos interesses do
capital [...]. O capitalismo tardio, transitando para um regime de acumulação
‘flexível’, reestrutura radicalmente o mercado de trabalho, seja alterando a relação
entre excluídos/incluídos, seja introduzindo novas modalidades de contratação (mais
‘flexíveis’, do tipo ‘emprego precário’), seja criando novas estratificações e novas
discriminações entre os que trabalham (cortes de sexo, idade, cor, etnia) [...]. A
exigência crescente, em amplos níveis, de trabalho vivo superqualificado e/ou
polivalente [...], bem como as capacidades de decisão requeridas pelas tecnologias
emergentes [...], coroa aquela radical reestruturação reestruturação que, das ‘três
décadas gloriosas’ do capitalismo monopolista, conserva os padrões de exploração,
mas que agora se revelam ainda mais acentuados, incidindo muito fortemente seja
sobre o elemento feminino que se tornou um componente essencial da força de
trabalho [...], seja sobre os estratos mais jovens que a constituem [...], sem esquecer
os emigrantes que, nos países desenvolvidos, fazem o ‘trabalho sujo’ (grifo do
autor)
20
.
Paralelamente às transformações verificadas no aspecto produtivo, e absolutamente a
ele articulado, tem-se um processo de ajustes no âmbito do Estado, com o avanço do que tem
sido denominado de neoliberalismo, que opera uma redução nos gastos sociais públicos,
afetando diretamente a reprodução da força de trabalho.
1.3.1 As modificações na órbita do Estado: os ajustes estruturais
As transformações no âmbito do Estado conectam-se às mutações verificadas no mundo
capitalista ocidental em fins da década de 60 e início da de 70, quando ocorre a denominada
crise do Estado de bem-estar. Essa crise expressa, na concepção de Netto (2001, p. 69), “a
curva decrescente da eficácia econômico-social da ordem do capital” (grifo do autor).
20
A passagem a seguir mostra como a crise do capital gera conseqüências infortúnias não somente nos países
subdesenvolvidos, como nos próprios países ricos: “Mesmo nos países imperialistas, o crescimento do
desemprego e a inflação persistente fizeram ressurgir a fome em uma proporção que não se conhecia muitos
anos. Nos Estados Unidos, fontes oficiais estimam que cerca de 10 milhões a 20 milhões de habitantes são
cronicamente subalimentados. O destino dos aposentados que vivem de pensões miseráveis causa pena em países
como Grã-Bretanha, França, Itália, Espanha. Na Andaluzia, não longe do paraíso turístico da Costa del Sol,
famílias de 300.000 trabalhadores agrícolas em desemprego sazonal persistente devem se contentar durante uma
boa parte do ano com uma refeição ordinária composta de pão seco e tomates" (MANDEL, 1990, p. 116-117).
37
Significa que o fundamento do arranjo sócio-político típico do padrão de acumulação
experimentado no pós-guerra – o Welfare Statetorna-se problemático quando se desenvolve
a reversão desse padrão na passagem da onda longa expansionista para a onda depressiva
(NETTO, 2001, p. 70).
De acordo com Netto (2001, p. 70), a crise do Estado de bem-estar social vai além do
esgotamento de um arranjo sócio-político formatado no interior da ordem burguesa: ela
demonstra que a dinâmica desta ordem chegou a um nível no qual a sua reprodução tende a
requerer a extinção dos ganhos sociais e dos controles mínimos cedidos (ao trabalho) pelo
capital no âmbito daquele arranjo. “Sinaliza que o arranjo sócio-político do Welfare State
constituiu uma possibilidade da ordem do capital que, pela lógica intrínseca desta última,
converte-se agora num limite que ela deve franquear para reproduzir-se enquanto tal [...].”
Nesse cenário, a ordem do capital cria novas formas de legitimação política e
econômica para sustentar seu processo de produção e reprodução. Assim formatam-se as
bases do chamado neoliberalismo, que tem na década de 40 seu marco histórico, na Europa e
na América do Norte, exatamente onde o capitalismo estava mais desenvolvido, sendo um
claro contraponto à teoria keynesiana, e, principalmente, ao Estado de bem-estar europeu. O
texto de Friedrich Hayek, escrito em 1944 - O caminho da servidão" tem forte impacto na
“doutrina” neoliberal, cujo conteúdo dizia respeito aos mecanismos de mercado, que não
deveriam ser limitados por parte do Estado. Este inibia a liberdade dos agentes econômicos,
impedindo a livre concorrência de mercado (Anderson, 1996).
De acordo com a concepção neoliberal, a regulação da relação capital/trabalho, operada
pelo Estado de bem-estar, era prejudicial ao capitalismo tendo em vista que os movimentos e
os sindicatos operários possuíam um relativo poder de negociação frente ao Estado,
requerendo um aumento com os gastos sociais, mediante políticas sociais, que facilitassem a
38
reprodução da força de trabalho. Nesse aspecto, os gastos sociais com os trabalhadores
estariam levando os capitalistas a diminuírem seus lucros.
Nessa perspectiva, o neoliberalismo propunha a diminuição do poder dos sindicatos; dos
gastos sociais, bem como o enfraquecimento da intervenção do Estado na economia. Os
governos deveriam ter como meta principal a estabilidade monetária. Para tanto, seria
imperiosa uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com o bem-estar, e a
restauração da taxa ‘natural’ de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de
trabalho para quebrar os sindicatos” (ANDERSON, 1996, p. 11)
21
.
O trabalho de Soares (2002) contribui para elucidar, no contexto dos anos 90, a
refuncionalização do Estado, este que é ao mesmo tempo o alvo e o mentor dos ajustes
estruturais compatíveis com a escala de produção e reprodução do capital nesse período.
A autora enuncia que o processo de internacionalização dos mercados, dos complexos
produtivos e da propensão à unificação monetária e financeira, redundou na perda de
autonomia dos Estados nacionais, fragilizando suas políticas econômicas e precarizando suas
políticas sociais.
As orientações de política (monetarista e neoliberal) permitem apreender o sentido da
crise do Estado capitalista a partir do final dos anos 70, a qual está absolutamente vinculada à
crise geral de um modelo social de acumulação (capitalista) conforme referido
anteriormente -, sendo que o modelo estrutural utilizado para a saída dessa crise o
neoliberalismo traz em seu cerne uma série de conseqüências prejudicais aos trabalhadores:
o trabalho informal, o desemprego, o subemprego, a total desproteção ao trabalho, além de
uma nova” pobreza, o que permite uma reprodução precária da força de trabalho que é
funcional ao modelo de acumulação contemporâneo (SOARES, 2002).
21
Sobre o neoliberalismo, dentre as inúmeras obras que tratam do assunto em perspectivas
diferentes e até divergentes, consultamos: Draibe (1993); Laurell (1997); Teixeira; Oliveira
(1998).
39
Portanto, para a autora o ajuste neoliberal não tem apenas um sentido econômico, ele
expressa uma rearticulação global do campo político-institucional e das relações sociais. Para
tanto, é arquitetado um projeto de “reintegração social” voltado particularmente para os
pobres, que passam a ser considerados, na perspectiva desse projeto, alvo de políticas
focalizadas de assistência - se quiser, de políticas mínimas ao tempo em que se reproduz,
ideologicamente, a lógica individualista de que no âmbito do mercado é natural que haja
ganhadores e perdedores, os que conseguem ter acesso a esse mercado e os que,
evidentemente, ficam do lado de fora.
Seguindo sua argumentação, Soares (2002) demonstra que o modelo de acumulação
contemporâneo gera um recrudescimento na concepção de cidadania
22
, com a perda de
direitos sociais (componentes do Estado de bem-estar social) e uma desproteção da força de
trabalho.
No âmbito econômico, os ajustes estruturais voltam-se a orientar, especialmente nos
países da América Latina, políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado, as quais em
última instância pretendem, no curto prazo, reduzir o déficit fiscal, diminuindo o gasto
público e incentivar uma política monetária para baixar a inflação. Essas políticas visam, em
médio prazo, transformar as exportações em impulso de crescimento, liberalizar o comércio
22
Segundo a concepção de Marshall (1967), a cidadania seria composta pelos direitos civis, políticos e sociais.
Os direitos civis, alcançados no século XVIII, dizem respeito aos direitos individuais de liberdade, propriedade,
de ir e vir, direito à justiça; os direitos políticos, conquistados no século XIX, são os direitos individuais que se
exercem coletivamente e correspondem ao direito de participar no exercício do poder político (no parlamento ou
nos conselhos do governo local); os direitos sociais, obtidos no século XX, relacionam-se ao bem-estar
econômico (garantia de acesso aos meios de vida) e equivalem aos direitos na área da educação e dos serviços
sociais. Para este autor, o exercício da cidadania depende da existência de um Estado de bem-estar liberal-
democrático, este que deveria garantir os direitos civis, políticos e sociais a todos os cidadãos, para que estes
pudessem se sentir participantes da vida em sociedade. A cidadania é um meio de atenuação das desigualdades
sociais, onde os indivíduos devem ser livres e iguais perante a lei e pertencentes a uma comunidade nacional em
que o Estado deve manter a ordem política. Kymlica e Normam (1997) ressaltam que embora Marshall seja
influenciado pela matriz liberal, ele escreve no contexto do desenvolvimento do Estado de bem-estar (do pós-
guerra), onde o acesso aos direitos representa um meio para o status de cidadão. Nesse sentido, a concepção de
cidadania de Marshall é criticada pelos teóricos neoliberais, especialmente quanto à atuação do Estado de bem-
estar face à garantia de direitos sociais. Segundo a concepção neoliberal, esse Estado tornou os membros
passivos e dependentes dos serviços oferecidos pela burocracia estatal, motivo pelo qual os direitos deveriam
associar-se às obrigações. Aqueles que dependiam dos programas sociais oferecidos pelo Estado, deveriam
responsabilizar-se pelo seu auto-sustento Em contraponto, os teóricos neoliberais dirão que os indivíduos m o
livre arbítrio para vislumbrar possibilidades de melhoria de sua vida. Nessa direção, a garantia dos direitos
sociais não deve estar sob a responsabilidade do Estado.
40
exterior, fragilizar as regulações do Estado ao mesmo tempo em que devem fortalecer o
mercado e incentivar o investimento privado
23
. Ocorre que
O modelo neoliberal, que propõe para a América Latina a liberalização comercial e
financeira a todo custo, entra em aberta contradição com o intenso neoprotecionismo
nos países centrais. Na realidade, esse modelo de caráter monetarista se reduz à
instalação de políticas macroeconômicas que têm por objetivo restabelecer o
equilíbrio da balança de pagamentos (para pagar a dívida externa e as importações) e
controlar a inflação através de medidas recessivas. Por outro lado, a suposta
integração na economia internacional por meio dessa liberalização pressupõe que a
indústria nacional desses países não não seria afetada, como aumentaria a sua
competitividade e a sua eficiência. Tudo isto produto apenas das ‘forças livres do
mercado’ e sem a interferência do Estado (SOARES, 2002, p. 15-16).
Soares (2002) chama a atenção para a natureza desigual do modelo implantado sob as
bases neoliberais. O desenvolvimento produtivo é caracterizado pela concentração, em poucos
países, das mudanças tecnológicas e pela desigual repartição dos ganhos do progresso cnico
e dos custos sociais das políticas de ajuste. Os países da periferia são os que, efetivamente,
pagam os custos sociais, havendo uma precarização das conquistas sociais referentes ao
período pós-guerra (relacionadas ao Estado de bem-estar social)
24
.
No desenho da crise do Estado para a qual são reservadas as políticas de ajuste, está
presente a crise de natureza fiscal que se agrava, especialmente, a partir da relação dos
Estados Unidos com os países periféricos. Isso porque crescem os serviços financeiros
externos e/ou internos da dívida pública, os quais resultam de operações feitas (pelos
governos nacionais) com títulos de dívida pública nos mercados como forma de equilibrar o
balanço de pagamentos. No entanto, esse tipo de transação financeira tem levado ao
agravamento da distribuição de renda e da riqueza nacional no interior dos países, gerando
23
A esse respeito, afirmam Santos e Silveira (2003, p. 305): “O próprio fato da globalização e a subordinação ao
mercado dito global, conferindo um novo papel ao mercado, pode ser apontado como uma das causas do
desequilíbrio do pacto federativo, já que a União precisa reunir forças mais concentradas e maciças para
operacionalizar a economia globalizada. Isso tem um preço, que é o seguinte: para fazê-lo, tanto a nação quanto
o território devem ser desconsiderados, enquanto o próprio Estado renuncia às funções de regulação social e
privilegia o seu papel de suporte da expansão das lógicas monetaristas.”
24
Por sua vez, Soares (2002) lembra que não o somente nos países periféricos que os custos sociais do ajuste
são desiguais. Também os países centrais apresentam expressivas taxas de desemprego, resultado da
flexibilização produtiva, como é o caso dos Estados Unidos e da Inglaterra, representando a crise estrutural do
mercado de trabalho no capitalismo contemporâneo.
41
a maior concentração de riqueza privada já vista na história do capitalismo” (SOARES, 2002,
p. 20, grifo da autora).
É assim que se constrói, segundo Soares (2002), uma ideologia que falsifica a realidade
no que se refere à ineficiência do Estado. São os Estados nacionais que, verdadeiramente,
pagam, através dos recursos públicos advindos da arrecadação da própria população
empobrecida, a infra-estrutura física e social que vem enriquecendo cada vez mais os que
podem participar do paraíso fiscal.
O trabalho de Behring (2002) é uma referência importante para que se apreendam as
requisições feitas ao Estado no âmbito da economia capitalista contemporânea, em particular
o Estado brasileiro. Afirma a autora que, em relação ao Estado, se está processando uma
verdadeira contra-reforma que implica um profundo retrocesso social, em benefício de
poucos. Esta caracterização relaciona-se ao abandono das possibilidades de ruptura com a
heteronomia e de uma redemocratização política e econômica inclusiva dos trabalhadores e da
maioria da população brasileira” (p. 16, grifo da autora).
Por sua vez, essa contra-reforma conecta-se às políticas neoliberais, estas que possuem
certas orientações atratividade, adaptação, flexibilidade e competitividade - que são
articuladas, tendo em conta a inserção de determinado país no movimento atual do
capitalismo e cuja inserção é caracterizada pela busca de rentabilidade do capital por
intermédio da reestruturação da produção e da globalização.
Nessa configuração, ocorre uma decomposição da unidade que constitui o Estado e do
capital nacional. Em lugar do desenvolvimento de políticas industriais, o Estado nacional
deve facilitar as inversões estrangeiras tornando seu espaço territorial mais atrativo às
empresas. Com base em Husson, Behring demonstra que os Estados nacionais são compelidos
a garantir a infra-estrutura, principalmente aquela que não é interessante para o investimento
privado, imprimir políticas de incentivo fiscal, facilitar a liberalização, desregulamentação e
42
flexibilidade no que diz respeito às relações de trabalho, bem como promover processos de
privatização, contribuindo para o investimento externo.
assim um enfraquecimento da soberania dos Estados nacionais que passam a ser
monitorados por modelos de ajuste estrutural capitaneados pelo Banco Mundial e pelo Fundo
Monetário Internacional
25
. Por sua vez, os Estados nacionais
ao reorientarem a parte mais competitiva da economia para a exportação [...], [ao]
conterem o mercado interno e bloquearem o crescimento dos salários e dos direitos
sociais, e aplicarem políticas macroeconômicas monetaristas, com altas taxas de
juros e o estímulo à depressão dos fatores de crescimento, forçando o
desaparecimento de empresas e empregos, encontram dificuldades de desempenhar
suas funções de regulação econômico-sociais internas (BEHRING, 2002, p. 75-76).
Behring assinala que no desenho das funções do Estado, as políticas sociais aparecem
revestidas de um discurso ideológico, sendo caracterizadas como paternalistas, promotoras de
desequilíbrio e que deixam de ser direito social à medida que devem ser acessadas via
mercado. Os gastos públicos com as políticas sociais são minimizados ao mesmo tempo em
que há um incentivo às privatizações para o atendimento dessas políticas.
Nesse cenário, as políticas sociais devem seguir o padrão dos ajustes estruturais, sendo
que este envolve a desregulamentação dos mercados, a diminuição do déficit fiscal e/ou do
gasto público, as políticas de cunho privatizante, a continuidade das transações financeiras
que resultam na dívida (externa) com maior incidência do capital internacional. Nesse
cenário, as políticas sociais, devem ser focalizadas ao tempo em que se estimulam a
25
De acordo com Chossudovsky (1999, p. 12) o “FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio
(OMC) são estruturas administrativas, são órgãos reguladores operando dentro [...] [do] sistema capitalista e
respondendo a interesses econômicos e financeiros dominantes. O que está em jogo é a capacidade dessa
burocracia internacional para supervisionar as economias por meio da deliberada manipulação das forças do
mercado” (grifo do autor). Na mesma direção, Borón (1996) avalia que as instituições de Bretton Woods (FMI e
Banco Mundial) possuem, especialmente em relação aos países periféricos, uma função disciplinadora no
âmbito da economia capitalista internacional. Tendo em vista a recessão dos anos 80 e do aumento da dívida
pública, o poder dessas instituições cresce sobretudo na América Latina e na África, particularmente quando se
trata da imposição de uma rígida disciplina fiscal. Fiori (1998) diz, ainda, que, particularmente a partir do final
dos anos 80, o FMI e o BIRD exercem o papel de intermediários entre o governo dos Estados Unidos, os setores
privados e os governos endividados, atuando como instituições responsáveis pela administração das políticas
econômicas dos países periféricos.
43
solidariedade e o voluntarismo, sendo importante a atuação das organizações filantrópicas e
organizações não governamentais (BEHRING, 2002).
Seguindo essa linha de argumentação, Soares (2002) afirma que nos países em que o
se vivenciou plenamente um Estado de bem-estar social como é o caso do Brasil as
políticas de ajuste foram voltadas mais para o âmbito econômico atividades comerciais e
industriais e desemprego. Os ajustes relacionados às políticas sociais voltaram-se à elaboração
de programas sociais de cunho emergencial e focalizado, com base na solidariedade
comunitária”.
O aspecto da focalização da política no atendimento aos pobres vem ganhando espaço
na agenda de organismos internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional, o Programa das Nações Unidas e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento
26
. No entanto, Soares (2002) demonstra que as políticas de focalização de
combate à pobreza, propostas por esses organismos, correspondem a uma tentativa de
equilibrar a agravante problemática da pobreza e o abandono social presentes nos países que
foram submetidos ao ajuste (neoliberal).
1.3.2 O Brasil na entrada dos anos 90: a perspectiva do ajuste estrutural e a reforma do
Estado
Nos países da América Latina, o processo de ajuste estrutural e reformas aparecem com
maior incidência em fins dos anos 80 e início dos anos 90. A natureza do ajuste orientado
pelos organismos internacionais sofre um giro entre as décadas de 80 e 90. Na primeira
década o ajuste estava mais voltado para o equilíbrio nas contas públicas, corte nos salários e
26
Chossudovsky (1999, p. 58) aponta que a partir do final dos anos 80, a diminuição da pobreza” passou a ser
uma condicionalidade nos acordos de empréstimos, especialmente do Banco Mundial. Ocorre que essa
preocupação está atrelada ao serviço da vida, pois a orientação dos credores é de que os Estados nacionais
cortem gastos da área social e reorientem as despesas de acordo com um critério seletivo e simbólico em favor
dos pobres. Na verdade, o autor indica que essa orientação volta-se ao atendimento de “grupos-alvos”.
44
nos gastos públicos, com vistas à geração de saldos na balança comercial e,
conseqüentemente, o pagamento da dívida externa. Na segunda, embora a orientação continue
a primar pelo enxugamento nos gastos públicos e corte nos salários, a meta do ajuste não é
(somente) a produção de saldos comerciais favoráveis e, sim, o aumento nas importações, que
por sua vez, deveria ampliar a competitividade dos países latino-americanos, facilitando o
pagamento das contas externas com a intensificação dos fluxos de capital externo (SOARES,
2002).
Com base em Maria da Conceição Tavares, Soares (2002) demonstra que os ajustes
estruturais efetivados na América Latina voltados ao balanço de pagamentos, tiveram como
conseqüência a obtenção de superávites primários que serviram para o pagamento parcial da
dívida externa. Contudo, esse ajuste de natureza recessiva o alcançou a estabilização das
economias, estas que possuíam inflação crônica e forte restrição externa, o que resultou em
uma queda na arrecadação fiscal e no aumento da dívida interna, que por sua vez implicou em
desajustes fiscais e patrimoniais no âmbito do poder público. Desta forma, a orientação
estrutural do ajuste tem exigido um permanente ajuste fiscal. Este, porém, não tem se
revertido em aumento da carga fiscal, especialmente nos casos em que excessiva inflação,
onde se exponencia a dificuldade de arrecadação tributária.
No entanto, afirma Soares (2002, p. 31) que:
[...] mesmo reconhecendo as gritantes evidências do fracasso social do ajuste, os
organismos internacionais mascaram a impossibilidade de que, a persistir a mesma
política econômica, esse fracasso possa ser revertido, impondo uma visão de que os
problemas sociais hoje existentes são apenas um problema de administração do
ajuste, culpabilizando, mais uma vez, os Estados nacionais de serem incompetentes
na gestão econômica e social. É nessa perspectiva que se situam as recomendações
recorrentes da necessidade de ‘reformas’, baixo o argumento de que elas ou ainda
não foram realizadas ou foram mal implementadas nos países latino-americanos
(grifo da autora).
Segundo Tavares (1996), o Brasil entra nos anos 90 seguindo os processos de ajuste
fiscal e de estabilização financeira, desenvolvendo uma desvalorização da taxa de câmbio
com vistas a tranqüilizar os mercados de risco e promover um aumento do superávit
45
comercial capaz de tornar possível o serviço da vida externa e garantir uma melhor posição
das reservas internacionais no país. O incremento do fluxo financeiro internacional
acompanhou a subida da taxa de juros real e a política de liberalização financeira nos
mercados econômicos e financeiros privados.
Entre os diversos autores que se detiveram (e se detém) a estudar a adoção do ideário
neoliberal no Brasil, um consenso em torno da afirmação de que, muito embora o governo
Collor de Mello
27
tenha dado início a esse processo, foi o Presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002) que desenvolveu um projeto político-econômico de forte base
neoliberal, onde o Brasil entra na rota dos ajustes estruturais, antes referidos.
Sem sombra de dúvida, a direção política tomada por esse governo, a partir da primeira
metade da década de 90, agravou enormemente a situação econômica e social da classe
trabalhadora (sem contar com a piora nas condições de reprodução socioeconômica dos
setores médios). O processo de privatização das estatais (de que a venda da Vale do Rio Doce
é um exemplo), o aumento monumental do desemprego, a queda da renda salarial, a
precarização das políticas de saúde, educação, assistência, previdência, moradia (incluindo-se
um claro desrespeito aos servidores públicos, especialmente pela estagnação salarial), além
do aumento da vida externa, tornam evidente que o governo Fernando Henrique Cardoso
(FHC) atuou em consonância com as propostas neoliberais amarradas no Consenso de
Washington
28
.
27
Fernando Collor de Melo ascende ao poder federal pelo voto direto, em 1989. Representando claramente os
setores conservadores da política brasileira e apresentando um forte discurso de mudanças radicais para o país,
esse governo delineou um plano de estabilização e reforma econômica de cunho liberalizante. A ausência de
consenso em torno do projeto político, aliado às denúncias de corrupção e a um surpreendente movimento de rua
capitaneado pelo movimento estudantil levou ao processo de impeachment, que redundou na renúncia do
presidente em fins de 1992 (TEIXEIRA, 2000).
28
A expressão Consenso de Washington
foi utilizada por John Willianson, economista inglês e diretor do
Institute for International Economics, após reunião convocada por esse Instituto e realizada em 1989 na cidade
de Washington, onde participaram economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional, Banco Interamericano de Desenvolvimento e do governo norte-
americano, com o objetivo de avaliar as reformas econômicas no contexto da América Latina. De acordo com
Negrão (1998), as conclusões do referido consenso tornaram-se um receituário indicado pelas agências
multilaterais para a concessão de créditos. Qualquer país que pretenda adquirir empréstimos junto ao FMI ou às
demais agências internacionais deve ajustar sua economia às regras econômicas e políticas estabelecidas naquela
46
É importante que se faça, aqui, uma observação. É notório que não se pode hipotecar
somente aos governos nacionais que ascenderam ao poder a partir da década de 90, a crise
econômica, social e política que assolou (e vem assolando) o Brasil. Nesse sentido, uma
concordância com a afirmação de Netto (1999, p. 76) de que o quadro visto no país a partir
desse período é resultante de
um processo de formação histórica de largo curso, no interior do qual as camadas
mais ativas das classes dominantes, mediante instrumentos de repressão aberta e/ou
mecanismos mais refinados de controle, revelaram-se capazes de erguer um sempre
renovado sistema de privilégios e uma metódica exclusão das classes e camadas
subalternas dos avanços sociais
29
.
No entanto, se não se pode reduzir o grave quadro socioeconômico brasileiro à atuação
dos governos nacionais da última década do século XX, pode-se afirmar que, especialmente, o
governo FHC empreendeu um projeto que deitou água nas conquistas políticas decorrentes do
processo de redemocratização, muitas das quais foram consubstanciadas na Carta Magna de
1988, a qual indicava a possibilidade de se efetivar, particularmente na área social, políticas
que favorecessem as frações de classe trabalhadora.
Faremos, a seguir, uma breve remissão ao processo de redemocratização brasileira, o
qual foi iniciado ainda no período militar, mais precisamente no Governo Geisel (1974-1979)
e representou um arranjo político de natureza conservadora. Em termos históricos, esse
governo - cujo projeto de modernização econômica primava pelo incentivo fiscal a
investimentos nacionais e estrangeiros, desenvolvendo grandes projetos de infra-estrutura (de
base industrial, energética e tecnológica) financiados por empréstimos advindos das agências
reunião. Nesta medida, essas agências procuram garantir e auxiliar nas reformas estruturais, monitorando a ação
dos governos nacionais. O autor afirma que: “Em síntese, é possível afirmar que o Consenso de Washington faz
parte do conjunto de reformas neoliberais que, apesar de práticas distintas nos diferentes países, está centrado
doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira [...]” (p. 42), bem como
na modificação do papel do Estado.
29
Obviamente o autor está fazendo referência à história da formação social, econômica e política do Brasil -
onde, do período colonial à atual república encontram-se diversas formas de dominação das frações de classe
dominante em relação às frações de classe trabalhadora - retratada por autores, dentre outros, como Florestan
Fernandes (A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1968), Caio Prado Jr. (História econômica do
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1963) e, Celso Furtado (Formação econômica do Brasil. 32 ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2003). A remissão à formação histórica brasileira escapa a possibilidade de
tratamento nesta tese.
47
internacionais - enfrentou sérias dificuldades para pagar os juros e serviços da vida externa.
Isso porque entre os anos de 1974 e 1975 fatores da ordem econômica mundial como a
elevação dos preços do petróleo e a alta dos juros dos países industrializados causaram um
impacto negativo sobre o comércio e as operações financeiras internacionais, agravando,
sobremaneira, as condições econômicas dos países subdesenvolvidos. Ao governo seguinte
o último do regime militar, do general João Batista Figueiredo (1979-1985) coube a tarefa
de desacelerar o crescimento em vista de reduzir a necessidade de importação e,
conseqüentemente, impulsionar as exportações com o objetivo de criar saldos comerciais
favoráveis que permitissem o pagamento das contas externas. Ocorre que essa direção de
política escolhida pelo governo provocou problemas de maior gravidade para a economia e a
sociedade. A queda da produção industrial levou à demissão de uma enorme massa de
trabalhadores, provocando uma alta taxa de desemprego. Além disso, no final do governo
Figueiredo a inflação anual era superior a 220%, o que enfraquecia (mas não indicava o fim
definitivo) o (do) regime militar. Por outro lado, os militares passaram a ser pressionados – de
forma mais intensa, visto que a resistência ao regime sempre existiu - por setores
oposicionistas (a exemplo das reivindicações pela lei de Anistia e pelo fim do bipartidarismo,
das greves dos metalúrgicos do ABC paulista em 1978, 1979 e 1980, das campanhas em
defesa dos direitos humanos e pelas eleições diretas ao governo federal - a Diretas Já, esta
última que, embora não sendo vitoriosa, foi uma das maiores manifestações populares vistas
na história do País, arregimentando milhares de pessoas pelas ruas das principais capitais).
Em face da insustentabilidade política desse regime, os militares arquitetaram (ainda no
governo Geisel) a denominada abertura política, levada a cabo pelo presidente Figueiredo, a
qual deveria redundar no processo de redemocratização do país. Assim:
Reconhecendo o fato irreversível, o governo aceitou negociar sua sucessão e o fim
do regime: os militares passariam o mando aos civis, desde que estes fossem
representados por um presidente ainda eleito indiretamente no Colégio Eleitoral.
48
Seria uma passagem’ mais controlada e menos arriscada, como queriam desde o
início os mentores militares da abertura política (TEIXEIRA, 2000, p. 312).
O caráter conservador e conciliatório do processo de transição democrática foi
claramente visto quando das eleições presidenciais em 1985, no âmbito do Colégio Eleitoral.
Um ano antes se formou a chapa denominada Aliança Democrática constituída pelo Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e pela Frente Liberal (que, não por acaso, foi
construída por dissidentes do Partido Democrático Social (PDS), que era a antiga Arena, o
partido representante do governo militar). A Aliança Democrática lançou para a presidência e
vice-presidência, respectivamente, Tancredo Neves (governador licenciado de Minas Gerais)
e José Sarney (senador e ex-presidente do PDS), os quais venceram Paulo Maluf e Flávio
Marcílio (ambos do PDS). Deste modo, a
vitória de Tancredo Neves representou a afirmação dos setores políticos e sociais
que optaram pela transição conciliadora e a articularam nos círculos mais estreitos e
influentes do poder civil e militar (governo, Congresso, Forças Armadas,
associações patronais). Foi a vitória de um grande pacto político entre forças
conservadoras, aliadas tradicionais do regime militar, e grupos da elite que a ele
resistiram de várias maneiras. Um pacto entre as elites, fiel à tradição política
brasileira [...], apresentado em nome da ‘coesão nacional’ e feito não para enfrentar
mas para substituir o regime [...] dentro de suas próprias regras” (TEIXEIRA, 2000,
p. 313, grifo meu).
Mesmo representando um pacto das elites, não há como negar que nesse processo houve
avanços de natureza política, do que a Constituição de 1988 - ao incorporar demandas dos
movimentos reivindicatórios, como é o caso dos movimentos sociais urbanos, que serão vistos
no terceiro capítulo - é um exemplo. Netto (1999, p. 77) afirma a esse respeito que:
[...] o essencial da Constituição de 1988 apontava para a construção pela primeira
vez assim posta na história brasileira – de uma espécie de Estado de bem-estar
social: não é por acaso que, no texto constitucional, de forma inédita em nossa lei
máxima, consagram-se explicitamente, como tais e para além de direitos civis e
políticos, os direitos sociais (coroamento, como se sabe, da cidadania moderna).
Com isto colocava-se o arcabouço jurídico-político para implantar, na sociedade
brasileira, uma política social compatível com as exigências de justiça social,
eqüidade e universalidade (grifo do autor).
Ao contrário de valorizar essas conquistas, notadamente as que referem à política social,
o Governo FHC, primou pela imperiosidade da redução do déficit público (para o que o
49
governo cortou em cheio o investimento nas políticas de saúde, educação, emprego,
agricultura, segurança, dentre outras), tudo em nome da estabilidade da moeda (LESBAUPIN,
1999). Sob o mote do controle da inflação
30
, esse governo priorizou a proposta de
“desregulamentação” da economia, onde o Estado deveria afastar-se das funções de regulador
dos preços da economia, bem como da relação capital-trabalho, abrindo flanco para o livre
jogo das forças de mercado (SOARES, 2002).
Segundo Lesbaupin (1999), o governo FHC, seguindo os passos do ideário neoliberal,
submeteu-se às regras da economia globalizada – particularmente as regras ditadas pelo
Fundo Monetário Internacional - aumentando a dependência dos capitais externos
(especialmente os especulativos). A abertura econômica e a alta dos juros provocaram a
quebra de muitas empresas e o desemprego tomou índices alarmantes. Entretanto, afirma o
autor, não “foi a globalização, não foram as crises externas que nos demoliram: foram as
medidas tomadas pelo governo FHC [...] que geraram a vulnerabilidade em que o país se
encontra. Foram elas que produziram a maior taxa de desemprego da nossa história” (p. 09-
10)
31
.
Essa afirmação de Lesbaupin (1999) é da maior importância para que se faça um
esclarecimento: embora se reconheça que os organismos multilaterais são instrumentos
fundamentais de comando da economia capitalista e que atuem decisivamente na defesa das
30
Uma das heranças (malditas) do governo militar, a inflação acompanhou o governo de José Sarney (1985-
1989) - este que assumiu o poder devido à morte de Tancredo Neves, em 1985 -, chegando a 1000% ao ano no
final de 1989. A superação da inflação foi uma das metas prioritárias do governo Itamar Franco este que
passou a governar o País após a destituição de Fernando Collor de Melo, em 1992 -, motivo pelo qual seu
Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, elaborou, em junho de 1994, o Plano Real, com o objetivo de
estabilizar a economia (TEIXEIRA, 2000). Através desse Plano a moeda brasileira passou a ser equiparada ao
dólar, sendo denominada de real. Vale assinalar, que o controle da inflação pela equipe de Fernando Henrique
foi decisivo para que o então Ministro se tornasse Presidente nas eleições de 1994 (CAMPOS, 1999).
31
Na seqüência, Lesbaupin (1999) faz uma constatação da maior importância para a interpretação crítica do
governo FHC e que, aliás, parece ser válida, também, para a leitura do governo Lula: “Para o governo,
um compromisso sagrado: pagar as dívidas externa e interna, pagar aos credores internacionais, aos banqueiros e
aos especuladores. Para estes vão os recursos do país. E como os recursos o são infinitos, para garantir o
pagamento destas dívidas, o governo corta recursos. [...] Atinge o salário dos trabalhadores, dos aposentados [...]
reduz as possibilidades de emprego, com a única finalidade de garantir os lucros dos investidores do capital. E
como isto ainda o é suficiente, retira recursos dos estados e municípios, ao mesmo tempo em que lhes
transfere mais atribuições. Endivida-os e ainda os obriga, também eles, a cortar investimentos nas áreas sociais:
este é o ‘dever de casa’ imposto pelo FMI” (p. 10).
50
forças de mercado como reguladores da vida social, política e econômica, há que se
reconhecer que não houve uma passividade do governo brasileiro na adoção das diretrizes
orientadas pelas agências. Houve também por parte do Estado nacional uma articulação
política que expressa uma sincronia de interesses (nacionais e supranacionais) em favor das
frações de classe dominante. Por esse motivo, as orientações não são implementadas
obrigatoriamente e, sim, casam com o projeto político do governo brasileiro.
No desenho do projeto político daquele governo vai conformando-se a reforma do
Estado
32
caracterizada pelas privatizações das empresas estatais e pela redução das atividades
no setor público. Sustenta-se, a partir desse projeto, que esse setor é ineficiente e ineficaz, e
que, ao contrário, o setor privado carrega em si a capacidade de promover o crescimento
econômico (SOARES, 2002). Pode-se verificar, assim que
[...] outra idéia cara ao neoliberalismo (e explicitada no receituário do FMI e do
Consenso de Washington), que é a do estabelecimento de um Estado mínimo que
cumpra apenas com algumas funções básicas, como a educação primária, a saúde
pública e a criação e manutenção de uma infra-estrutura essencial ao
desenvolvimento econômico. Ou seja, a proposta é a de que o Estado se afaste das
funções não prioritárias’ para a alavancagem de um desenvolvimento ‘autônomo’ e
‘auto-sustentado’ (SOARES, 2002, p. 40).
Analisando a questão da reforma do Estado, os ajustes (políticos, econômicos)
implementados no Brasil, Batista (1999) demonstra que houve uma inversão quanto ao lugar
da crise no padrão de acumulação do capital, especialmente na década de 90, uma vez que,
segundo a concepção neoliberal, o Estado é em grande parte responsável por essa crise,
motivo pelo qual essa concepção indica como necessária a reformulação das atividades
estatais.
No Brasil, Batista (1999) aponta os aspectos históricos de maior consolidação do
neoliberalismo, que coincide com a ascensão ao poder executivo federal do Partido da Social
32
Ou melhor, a contra-reforma do Estado, nos termos de Behring (2002), tendo em vista que as reformas,
embora limitadas, o positivas, a exemplo das reformas agrária e urbana, que são articuladas às lutas dos
movimentos sociais. E vale dizer: estas reformas estiveram (e estão, ainda) muito longe da agenda
governamental brasileira.
51
Democracia Brasileira (PSDB), a partir de 1995. Dentre as ações efetivadas pelo Governo
Federal, promovendo ajustes neoliberais, o autor destaca o processo de privatização das
empresas estatais, que ao invés de trazer ganhos para os cofres públicos, trouxe um resultado
negativo ao Estado
33
; a privatização/mercantilização dos serviços públicos de natureza social
através do processo de publicização”, que diz respeito à criação de organizações sociais
(entidades do chamado terceiro setor: entidades sem fins lucrativos, organizações o-
governamentais, voluntárias ou não), onde o Estado, através de parcerias com essas
organizações, conclama os membros da sociedade a assumirem as atividades correspondentes
às políticas sociais; além da modificação no sistema de previdência social e corte nos gastos
sociais públicos.
As orientações para as reformas/ajustes em nível estatal são sintetizadas claramente por
Bresser Pereira, o qual foi Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (em 1995)
no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Para Bresser Pereira (1996), devido à
crise pela qual passa o Estado desde os anos 70, a necessidade de reconstruí-lo,
especialmente diante do processo de globalização, onde o Estado deve facilitar a
competitividade da economia nacional em nível internacional. Para tanto, o autor apresenta
uma série de propostas para reorganização do Estado brasileiro que, no seu entendimento,
devem facilitar o ajuste fiscal, em especial nos estados e municípios e tornar moderna e
eficiente a administração pública. O autor afirma que:
A proposta de reforma do aparelho do Estado parte da existência de quatro setores
dentro do Estado: (1) o núcleo estratégico do Estado, (2) as atividades exclusivas do
Estado, (3) os serviços não-exclusivos ou competitivos, e (4) a produção de bens e
serviços para o mercado (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 283).
No referente aos serviços não-exclusivos (universidades, escolas técnicas, centros de
pesquisa, hospitais, museus), o autor propõe que sua forma de propriedade seja de caráter
33
Diniz (2000) afirma que o processo de privatização verificado no Brasil, especialmente na década de 90, foi
um dos mais rápidos e abrangentes de que se tem conhecimento na história econômica mundial.
52
público não-estatal e que esses serviços sejam desenvolvidos por “organizações sociais” que
devem celebrar um contrato de gestão com o Estado, contando com a autorização do
Legislativo para que possam participar do orçamento público, mediante um “programa de
publicização”, que, segundo o autor, não pode ser confundido com privatização, tendo em
vista que esse programa deve garantir o caráter público das organizações, embora sejam de
direito privado.
Uma leitura atenta sobre a referida proposta demonstra a intencionalidade de
desobrigação do Estado quanto às políticas sociais que devem ser repassadas tanto aos estados
e municípios quanto às entidades da sociedade, através das “organizações sociais”. Assim,
essa proposta coaduna-se perfeitamente com os princípios neoliberais de minimização do
Estado para os serviços sociais e intervenção nas atividades de natureza política e econômica
que facilitem a competitividade do país em escala internacional. Como diz Netto (2001) é um
Estado mínimo, porém máximo para o capital
34
.
Behring (2002) demonstra que nas propostas do mentor intelectual do Plano Diretor da
Reforma do Estado (Bresser Pereira), uma preocupação com a disciplina fiscal, a
privatização e a liberação comercial. Sendo que o Estado deve ter, de acordo com aquelas
propostas, um papel coordenador suplementar. Em resposta à insolvência fiscal do Estado, ao
excesso de regulação e de rigidez e a pouca eficiência do serviço público, há a necessidade da
reforma do Estado, no sentido de recuperar sua governabilidade (relacionada à atividade
financeira e administrativa).
34
Essa argumentação vai ao encontro da afirmação de Santos (2003) quando lembra que embora a globalização
financeira contribua para formar um território nacional da economia internacional, o Estado continua forte na
regulação da economia e na construção da infra-estrutura necessária ao investimento externo. uma
contradição, segundo o autor, entre o interno e o externo, posto que tanto as empresas transnacionais como as
instituições supranacionais dependem da força normativa dos Estados nacionais. Como diz o autor (p. 77-78): “É
o Estado nacional que, afinal, regula o mundo financeiro e constrói infra-estruturas, atribuindo, assim, a grandes
empresas escolhidas a condição de sua viabilidade. O mesmo pode ser dito das instituições supranacionais (FMI,
Banco Mundial, Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio), cujos editos ou recomendações necessitam
de decisões internas a cada país para que tenham eficácia. O Banco Central é, freqüentemente, essa correia de
transmissão [...] entre uma vontade política externa e uma ausência de vontade interior [...].”
53
Nas argumentações de Bresser, destaca Behring (2002, p. 193), a “superação da crise
fiscal é o elemento central para o enfrentamento da crise do Estado” e essa crise resulta, de
acordo com aquele autor, dos problemas econômicos herdados da década de 80, a saber: o
déficit público, baixas poupanças públicas, excessiva dívida interna e externa e falta de
crédito do Estado. Portanto, a proposta de reforma se expressa na iminência de um Estado
pequeno e ao mesmo tempo forte que leve em consideração a crise fiscal, que preconize as
reformas voltadas para o mercado e garanta a disciplina fiscal, que tenha como meta a
diminuição da dívida pública interna e externa, bem como a redução da influência norte-
americana na América Latina (BEHRING, 2002).
Analisando criticamente as propostas de contra-reforma do Estado brasileiro nos anos
90, Behring (2002) demonstra que uma aparente esquizofrenia entre o discurso da reforma
e a política econômica pois,
argumenta-se que o problema está localizado no Estado, donde é necessário
refuncionalizá-lo para novas requisições, corrigindo distorções e reduzindo custos;
enquanto isso, a política econômica corrói aceleradamente os meios de
financiamento do Estado brasileiro por meio de uma inserção na ordem internacional
que deixa o país à mercê dos especuladores no mercado financeiro, de forma que
todo o esforço de redução de custos preconizado escoa pelo ralo do crescimento
galopante das dívidas interna e externa (BEHRING, 2002, p. 221).
O resultado da implementação dos ajustes neoliberais na América Latina, e em
particular no Brasil, é o agravamento das expressões da questão social, com a pauperização
crescente e quase absoluta dos trabalhadores. A piora nas condições de proteção social do
poder público leva Soares (2002) a afirmar - com base em Francisco de Oliveira - que se
produziu um Estado de mal-estar em contraponto ao frágil Estado de bem-estar latino-
americano.
Gomes (2002) demonstra, a esse respeito, que especialmente nos países terceiro-
mundistas uma radicalização da miséria e uma degradação das condições de inserção
produtiva de grande parte dos trabalhadores. Particularmente no Brasil, diz a autora que a
54
“dinâmica econômica imposta pelas orientações neoliberais, em virtude das mudanças no
mundo do trabalho, se refletem na crise das políticas sociais [...] e acentuam um processo de
modernização excludente” (p. 170).
As políticas sociais sob o prisma neoliberal são caracterizadas, segundo Soares (2002)
pela redução dos gastos sociais públicos, com uma clara redução do orçamento para os setores
sociais; pela descentralização dos serviços sociais, ocorrendo um repasse de responsabilidades
aos estados e municípios no que concerne às políticas sociais, sem o correspondente
orçamento para a implementação de tais políticas; pela privatização total ou parcial dos
serviços, de que a saúde e educação o exemplos expressivos e; pela focalização da política,
isto é, a redução do público que deverá ter acesso aos serviços, notadamente os mais pobres
entre os pobres
35
. Nesse cenário ganham espaço os programas de solidariedade com apelo ao
benemérito da sociedade, de que o Programa “Comunidade Solidária”, experimentado no
governo Fernando Henrique Cardoso, é característico.
Interessa destacar que no contexto dos ajustes estruturais um redirecionamento na
orientação de políticas públicas, especialmente para o setor social, havendo uma maior
influência dos organismos internacionais de crédito na elaboração e execução dessas políticas
nos países ditos em desenvolvimento. De acordo com Pastorini (2002), na década de 80, o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional tiveram forte influência nos rumos das
políticas locais e nacionais nos países do Terceiro Mundo. Contudo, até a primeira metade
dessa década a preocupação com os “setores mais pobres” não era objeto central de atenção
desses organismos, o que foi modificado na segunda metade dessa mesma década quando os
35
Cabe aqui uma observação: o aspecto da focalização da política pública no Brasil não é uma exclusividade das
duas últimas cadas do século XX, nem do início do século XXI. Se observarmos, por exemplo, o período do
regime militar, veremos que as políticas, embora envoltas por um discurso universalista, foram extremamente
seletivas. O que é característico do período mais recente, sobretudo quando se analisa a natureza da política a
partir dos anos 90, é que a questão da focalização não se expressa, apenas, na implementação da política, e, sim,
desde sua definição, isto é, de seu planejamento. Portanto, o aspecto do foco da política (especialmente a política
social) está amplamente articulado à imperiosidade de diminuição dos gastos sociais públicos de corte neoliberal,
tendo forte influência dos organismos internacionais de crédito.
55
referidos organismos passam a indicar a necessidade de programas compensatórios e
assistenciais ao lado das políticas de ajuste. Isso porque
Perante a constatação do fracasso das medidas de ajuste automático, propostas pelos
organismos internacionais, foi necessário realizar algumas inflexões nas orientações
futuras em relação aos chamados países periféricos. Essas mudanças, que buscam
acompanhar as novas exigências e necessidades do grande capital, têm como marco
a reunião realizada em 1989 entre representantes do FMI, BID, BIRD e do governo
dos EUA, com economistas latino-americanos, que passa a ser conhecida como
Consenso de Washington (PASTORINI, 2002, p. 174-175).
Uma das inflexões sentidas nos discursos dos organismos internacionais dizem respeito
às orientações quanto ao tratamento dos problemas sociais nos programas governamentais da
América Latina, programas esses que teriam que compatibilizar a redução de gastos sociais
públicos com o atendimento à população empobrecida. Como afirma Pastorini (2002, p. 176):
A doutrina neoliberal, que tem como peças centrais o ajuste fiscal, a reforma do
Estado [...] [com] a privatização do sistema de proteção social, defenderá a idéia da
necessidade de focalizar as ações sociais e recursos públicos para combater a
pobreza e atender aos problemas mais urgentes das populações empobrecidas. É
assim que se coloca em funcionamento um leque variado de programas sociais
focalizados e emergenciais com a finalidade de atender às populações mais
‘vulneráveis’ que se transformam cada vez mais em estorvos para o crescimento
econômico, entendendo que excessivas desigualdades podem provocar conflitos
sociais graves (grifo meu).
Desse modo, nas orientações dos organismos internacionais para os países da América
Latina, os programas sociais de “alívio” à pobreza devem ser - segundo a autora -
complementares às reformas econômicas e ajustes estruturais, devendo ser
[...] dirigidos para aqueles que supostamente ‘fracassaram’ na sociedade por o
saberem enfrentar os azares da vida, tanto no mercado de trabalho [...] quanto na
esfera do consumo, e que, portanto, dependem da ajuda de outros (incluído aqui o
Estado) para satisfazer às suas necessidades básicas. Para eles serão reservados
alguns programas focalizados e emergenciais, como forma de ajudá-los a
sobreviverem na pobreza (mas não superá-la) [...] (PASTORINI, 2002, p. 213-214).
Nessa mesma direção, Soares (2002) demonstra que para pôr em funcionamento o
processo de diminuição do Estado e de privatização dos serviços sociais na América Latina,
são articuladas duas estratégias: a focalização e a auto-ajuda, características dos “Programas
56
de Combate à Pobreza”, os quais são emergenciais, residuais e temporários
36
. Esse tipo de
programa social vem configurando-se no eixo principal das propostas dos organismos
internacionais de financiamento para os países latino-americanos - bem como para os países
periféricos - tais como as propostas do Banco Mundial e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento e cujos programas visam amenizar as conseqüências da crise econômica e
dos processos de ajuste aos quais vêm submetendo-se esses países.
Simionatto (2000) demonstra a esse respeito que nos últimos dez anos, as agências
multilaterais de crédito passaram a dispor de recursos através dos Programas de
Compensação voltados aos países da América Latina e Caribe, sendo que esses programas
têm por meta o “alívio” das conseqüências das políticas de ajuste que recaíram sobre os
segmentos da classe trabalhadora. Em realidade, esses programas não alteram as causas
estruturais da pobreza - e nem se propõem a isso - conseguindo, apenas, atenuar as
conseqüências dos processos de globalização, ajuste e modernização das economias. Além
disso, em grande parte dos países da América Latina em que esses programas foram
efetivados, continuam a aumentar as linhas de pobreza e extrema pobreza
37
.
É assim que no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, os organismos
internacionais vêm elaborando novos enfoques de políticas que orientam os ajustes estruturais
dos países da América Latina. Dentre esses organismos, tem destaque a atuação do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, como um importante financiador de políticas
36
Pode-se afirmar que o Programa “Fome Zero” do atual governo brasileiro enquadra-se nessas orientações à
medida que é balizado por uma perspectiva focalista no atendimento à política social (destinada aos “pobres” do
país). Dessa forma, o demonstra grandes alterações em relação à direção social implementada pelo governo
FHC.
37
Sobre a noção de políticas sociais no âmbito dos organismos internacionais, diz a autora: “Fica evidente,
assim, a concepção de políticas sociais públicas das agências multilaterais, que, afastadas cada vez mais das
propostas universalizantes e de afirmação de direitos, subordinam-se à lógica do mercado, à contenção de custos,
à redução do papel do Estado, à transferência direta de ações para indivíduos, organizações da sociedade [...] e
comunidades, e à focalização de programas para os segmentos mais pobres da população, que justificam e
fundamentam a retórica da justiça, da igualdade e da democracia mediante a correção das assimetrias sociais.
Enfim, a reforma do Estado, em todos os países, passa uma idéia artificial de combate à pobreza, de politização e
de controle a ser exercido pela sociedade [...], principalmente das frações de classe subalternizadas que ainda não
tiveram a oportunidade de construir uma cultura política que lhes possibilite intensificar as lutas sociais em favor
de uma nova hegemonia” (SIMIONATTO, 2000, p.15).
57
econômicas e sociais para os países subdesenvolvidos, que vem sobressaindo-se, entre os
organismos internacionais, como financiador de políticas para a área social.
1.4 A ESTRUTURA ATUAL DO BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO
O BID pode ser considerado, hoje, como o maior banco internacional de
desenvolvimento regional em nível mundial, além de ser, desde 1993, a mais importante fonte
multilateral de crédito do Brasil. Do início de suas atividades, ao ano de 1999, o Banco
destinou a projetos de investimento privados e públicos, o valor correspondente a US$ 159,8
bilhões de dólares (conforme a cotação de 1998), para os países membros (mutuários) da
América Latina e do Caribe (COUTO, 2000).
Nos dias atuais o Banco continua a prover empréstimos e orientação técnica utilizando
capital fornecido por seus países membros, bem como recursos obtidos nos mercados
mundiais de capital mediante emissão de obrigações” (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2003b). Sendo que seus principais objetivos são: redução da
pobreza, eqüidade social e crescimento sustentável no que diz respeito ao meio ambiente. As
áreas prioritárias de atuação correspondem a:
Incentivo à competitividade mediante o apoio a políticas e programas que
aumentam o potencial de desenvolvimento de um país numa economia aberta e
globalizada.
Modernização do Estado pelo fortalecimento da eficiência e transparência das
instituições públicas.
Investimento em programas sociais que expandam as oportunidades para os
pobres.
Promoção da integração regional com o estabelecimento de laços entre países que
desenvolvem mercados para bens e serviços (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2003b, grifo meu).
58
O Banco pertence a 47 países membros
38
, sendo 26 países mutuários da América Latina
e do Caribe e 21 o mutuários. Note-se que a proporção de países mutuários, isto é, aqueles
que são acionistas e tomadores de empréstimos do BID é de aproximadamente 50% do total
dos países membros, e correspondem justamente aos países da América Latina e Caribe
(Tabela 1). A outra parte corresponde aos países desenvolvidos que, não sendo mutuários (não
tomam empréstimos), têm nessa instância de financiamento multilateral a possibilidade de dar
orientações de política econômica e social para os países do chamado Terceiro Mundo.
Nessa linha de observação, cabe ressaltar sobre o poder de voto que os países membros
têm na Assembléia de Governadores
39
. O voto depende da subscrição de capital que cada país
tenha no Banco. A América Latina e Caribe, pela quantidade de países membros, têm,
aproximadamente, 50% de subscrições, Japão 5%, Canadá 4%, outros países não mutuários
11% e os Estados Unidos, sozinhos, possuem 30% de capital, o que demonstra o peso político
(e econômico) desse país nas orientações para o desenvolvimento capitalista no mundo e, em
particular, na América latina
40
.
38
São eles os países membros do BID: Alemanha, Argentina, Áustria, Bahamas, Barbados, lgica, Belize,
Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, El Salvador, Equador, Eslovênia,
Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Israel, Itália, Jamaica, Japão,
México, Nicarágua, Noruega, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido, República da
Coréia, República Dominicana, Suécia, Suíça, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai, Venezuela.
39
Nessa Assembléia de Governadores, que é a instância máxima da instituição, participam os governadores (ou
suplentes), esses, na maioria dos casos, são os ministros da fazenda, presidentes dos bancos centrais ou outra
autoridade do país. A reunião da Assembléia é anual e corresponde ao momento em que são tomadas as decisões
sobre as operações do Banco. Na oportunidade, muitos dos governadores delegam seus poderes à Diretoria
Executiva que é composta por 14 membros eleitos ou designados pelos governadores para um mandato de três
anos. A essa diretoria cabe a responsabilidade de decidir sobre as políticas da instituição, aprovar os projetos que
são propostos pelo Presidente do Banco, fixar as taxas de juros dos empréstimos, autorizar a captação de
recursos nos mercados de capitais, além de aprovar o orçamento administrativo do Banco. Vale ressaltar que os
diretores executivos representam blocos de países, apenas os Estados Unidos e Canadá possuem seus próprios
diretores.
40
Não é supérfluo lembrar, segundo os documentos do BID, que, por tradição, o presidente do Banco é latino-
americano e o vice-presidente é dos Estados Unidos, o que demonstra, mais uma vez, a supremacia desse país no
que tange ao seu poder político e econômico. E apesar da presidência ser latino-americana, a sede do Banco
encontra-se em Washington, D.C.
59
Tabela 1 - Capital social e poder de voto
Banco Interamericano de Desenvolvimento
Países membros
mutuários Ações Votos
% total de votos
(1)
Argentina 900.154 900.289 10,752
Bahamas 17.398 17.533 0,209
Barbados 10.767 10.902 0,130
Belize 9.178 9.313 0,111
Bolívia 72.258 72.393 0,865
Brasil 900.154 900.289 10,752
Chile 247.163 247.298 2,953
Colômbia 247.163 247.298 2,953
Costa Rica 36.121 36.256 0,433
El Salvador 36.121 36.256 0,433
Equador 48.220 48.355 0,577
Guatemala 48.220 48.355 0,577
Guiana 13.393 13.528 0,162
Haiti 36.121 36.256 0,433
Honduras 36.121 36.256 0,433
Jamaica 48.220 48.355 0,577
México 578.632 578.767 6,912
Nicarágua 36.121 36.256 0,433
Panamá 36.121 36.256 0,433
Paraguai 36.121 36.256 0,433
Peru 120.445 120.580 1,440
República Dominicana 48.220 48.355 0,577
Suriname 7.342 7.477 0,089
Trinidad e Tobago 36.121 36.256 0,433
Uruguai 96.507 96.642 1,154
Venezuela 482.267 482.402 5,761
Total de países
membros mutuários
4.184.669 4.188.179 50,018
Países membros não
mutuários Ações Votos
% total de votos
(1)
Alemanha 158.638 158.773 1,896
Áustria 13.312 13.447 0,161
Bélgica 27.438 27.573 0,329
Canadá 334.887 335.022 4,001
Croácia 4.018 4.153 0,050
Dinamarca 14.157 14.292 0,171
Eslovênia 2.434 2.569 0,031
Espanha 158.638 158.773 1,896
Estados Unidos 2.512.529 2.512.664 30,008
Finlândia 13.312 13.447 0,161
França 158.638 158.773 1,896
Israel 13.126 13.261 0,158
Itália 158.638 158.773 1,896
60
Japão 418.642 418.777 5,001
Noruega 14.157 14.292 0,171
Países Baixos 28.207 28.342 0,338
Portugal 4.474 4.609 0,055
Reino Unido 80.551 80.686 0,964
Suécia 27.268 27.403 0,327
Suíça 39.347 39.482 0,472
Total de países
membros não
mutuários
1.334.995 1.337.425 49,982
TOTAL GERAL 8.367.080 8.373.290 100,000
(1) Dados arredondados. Devido ao arredondamento, a soma das parcelas pode diferir do total geral.
Obs. Esta tabela não consta o capital e poder de voto da República da Coréia.
Fonte: BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2005a. Dados de 31 de dezembro
de 2003.
Note-se que o Brasil é o segundo maior acionista do Banco, cuja posição é igual da
Argentina (Couto, 2000).
Embora se considere uma entidade distinta e separada do Fundo Monetário
Internacional, o BID opera em cooperação com o FMI e com o Banco Mundial. Com esse
atua como co-financiador de reformas, projetos e programas e com aquele, em projetos que
visem a estabilidade macroeconômica da América Latina e Caribe (BANCO
INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2003b).
Os mutuários do BID podem ser governos federais, províncias, estaduais e municipais,
instituições públicas autônomas e organizações da sociedade, que tenham o aval do governo.
As empresas privadas também podem ser mutuárias do Banco, independentemente da
autorização do governo, desde que o valor do financiamento não ultrapasse os 5% da carteira
de empréstimos. O Banco conta com aproximadamente US$ 8,5 bilhões para investimentos
em projetos setoriais públicos ou privados. A política setorial tem como prioridade o apoio às
políticas e aos programas que estimulem a competitividade global, a diminuição da pobreza e
61
a eqüidade social, a modernização do Estado e a reforma setorial, além da integração
econômica
41
.
As operações do BID para a América Latina e Caribe têm um enfoque setorial
claramente definido, o qual pode ser observado com maior nitidez nos documentos
orientadores de política para cada país, como é o caso do Brasil.
1.5 ESTRATÉGIAS E ORIENTAÇÕES DO BID PARA A POLÍTICA BRASILEIRA
O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) elaboram para
os países tomadores de empréstimos, documentos contendo as estratégias e os planos,
descrevendo os tipos de operações para os empréstimos a cada país. Assim, o Documento
com a Estratégia de Assistência do País”, mais conhecido por CAS (Country Assistence
Strategy) do Banco Mundial e os “Documentos de País (Country Paper - CP) e de Estratégia”
do BID, apresentam as orientações referentes a reformas econômicas ou ajustes estruturais e
projetos de investimentos, tais como: infra-estrutura, agricultura, meio-ambiente, reforma
agrária, saúde, educação (VIANNA JR., 1998).
O Grupo Banco Mundial
42
e o BID constituem-se nas maiores fontes de financiamento
externo do governo brasileiro para projetos cujos setores não são objeto de atenção de bancos
privados, a exemplo dos setores de apoio às políticas de ajuste estrutural, os de combate à
pobreza rural e os de educação básica” (VIANNA JR., 1998, p. 82).
41
É possível verificar, ainda, uma maior setorização no financiamento de projetos a partir dos temas de
desenvolvimento eleitos e considerados prioritários pelo BID, quais sejam: agricultura, capacitação e emprego,
desenvolvimento urbano, educação, finanças, indígenas, informática, infra-estrutura, integração e comércio,
juventude, meio ambiente, microempresa, mulher, pobreza e eqüidade, reforma do Estado, reforma fiscal, saúde,
setor privado e sociedade. Ressalte-se que a habitação inclui-se no item sobre desenvolvimento urbano.
42
O grupo Banco Mundial é composto pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)
e pela Corporação Financeira Internacional (CFI).
62
Em linhas gerais, os documentos caracterizam-se como um suporte à política
macroeconômica de cada país, e expressam a afinidade que os bancos têm (ou não) com a
política econômica destes, pois os julgamentos dos projetos que decidem se os países estão
aptos a receber apoio técnico e financeiro - dependem, quase que totalmente, da política
econômica que esteja sendo desenvolvida, devendo estar adequada aos interesses financeiros
desses bancos (MINEIRO, 1998)
43
.
No caso do Brasil, o Documento de País (1998) - do BID -, faz referência à eleição de
Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1994, destacando as medidas econômicas
implementadas por esse governo, particularmente o programa de estabilização econômica
que, segundo o documento, teve êxito no sentido de conter a alta dos preços. Observa que os
principais objetivos da política econômica, do referido governo, dizem respeito à
consolidação e estabilização dos preços (alcançada desde meados de 1994), e ao mesmo
tempo, colocar o país no rumo do crescimento econômico sustentável (DOCUMENTO DE
PAÍS, 1998).
O documento em questão sinaliza os desafios do desenvolvimento socioeconômico
brasileiro do primeiro governo FHC, que são: estabilização dos preços, reforma do setor
público, abertura da economia e modernização dos setores produtivos, redução das
desigualdades e erradicação da pobreza. Igualmente destaca as três áreas priorizadas pelo
governo como estratégia de desenvolvimento, que, naturalmente, coincidem com aqueles
desafios, são elas: i) reforma do setor público e modernização do Estado
44
; ii) abertura
43
Sobre a decisão do BID em financiar (ou não) determinado projeto em países da América Latina, disserta
Rossetto (1993, p. 26-27): “A pobreza e as condições econômicas de cada país classificam, ao menos
formalmente, os países quanto a possibilidade de receber recursos subsidiados ou não. Porém, [...] não o
consideradas apenas as características econômicas; vários outros fatores influenciam na definição do país que
receberá a ‘ajuda’. Em geral, o fatores relacionados com a implementação de interesses de política externa dos
governos emprestantes – como o alinhamento político e papel estratégico do país tomador de recursos – e com os
interesses econômicos, vinculados ao desenvolvimento do capitalismo em escala mundial.
44
Diz o documento ao analisar os objetivos e programas de desenvolvimento governamental no primeiro
mandato de FHC: “O governo indicou que as suas duas mais prementes prioridades são a reforma tributária, que
depende muito de emendas à Constituição, e maiores esforços para reduzir e racionalizar o gasto público. Este
último objetivo exigirá um grande esforço de ‘Reconstrução do Estado’ com vistas a diminuir o tamanho do
63
econômica e modernização dos setores produtivos; iii) redução das desigualdades e
erradicação da pobreza.
No referente ao objetivo de redução da desigualdade, o Documento enfoca que a
estratégia do governo para a atenuação da pobreza visa ao atendimento dos pobres e dos
desempregados através da parceria com a sociedade. Assim,
Pouco depois de sua posse, o novo governo anunciou [...] [o] programa [...]
Comunidade Solidária (PCS) para estabelecer a coligação entre o Governo Federal,
os estados e a sociedade [...] para atuar nas seguintes áreas: a) saúde e nutrição,
especialmente em programas orientados às crianças de tenra idade e às mães
lactantes, programas de merenda escolar e a distribuição de alimentos; b) serviços
urbanos, com ênfase em água e esgotos e habitação de baixo custo; c)
desenvolvimento rural, enfatizando programas de assentamento no campo e apoio às
famílias de agricultores; d) emprego e renda, com ênfase na capacitação da força de
trabalho e no crédito às microempresas; e) proteção às crianças vulneráveis,
mediante apoio a creches, programas pré-escolares e programas para atender as
necessidades dos ‘meninos de rua’ e oferecer-lhes alternativas. [...] (Documento de
País, 1998, p. 173-174, grifo do documento em negrito, grifo meu em itálico).
A partir das análises macroeconômicas que incluem os objetivos do Governo Federal, o
Documento de País apresenta suas recomendações à política de governo para o período de
1995-1997, o que coincide, em quase todos os itens, com a direção implementada no primeiro
período da era FHC. O documento expõe “a estratégia recomendada pelo Banco para o
financiamento das operações no Brasil, por setor de atividade” (Documento de País, 1998, p.
177).
Dentre as estratégias do BID para o Brasil, no referido período, a modernização do
Estado encontra-se na linha de frente, ou melhor, é a primeira operação do documento a ser
considerada pela política de governo. Nesse setor estratégico, as orientações voltam-se a três
setor público e reestruturar suas funções para obter maior eficiência. Embora esse objetivo a longo prazo possa
ser atingido parcialmente mediante a aceleração da privatização, serão também necessárias: a) a renovação e/ou
eliminação em grande escala de muitas instituições e programas existentes; b) a modificação e a
desregulamentação das relações entre os setores públicos e privados; e c) a redefinição dos beneficiários dos
programas sociais para atender mais eficientemente as necessidades dos que são realmente pobres”
(DOCUMENTO DE PAÍS, 1998, p. 172).
64
aspectos: a capacidade de planejamento e gestão
45
, a reforma do funcionalismo público e
reforma fiscal
46
.
A segunda indicação diz respeito ao setor de infra-estrutura produtiva. Aqui a
orientação está calcada na necessidade de abertura da economia e redução do Custo Brasil,
devendo a política de governo incentivar o investimento nos setores de transporte (rodovias,
ferrovias) e energia, os quais são setores fundamentais para o desenvolvimento da produção.
Nesse aspecto, o Documento destaca a premência da participação do setor privado nos
projetos de infra-estrutura produtiva e do setor energético.
A terceira orientação refere-se aos setores sociais e está centrada no atendimento às
necessidades sociais das pessoas de baixa renda”
47
em nível urbano e rural, com prioridade
nos setores de educação, saúde, desenvolvimento urbano e erradicação da pobreza e
saneamento
48
. É clara a indicação do Banco, nesse setor, de descentralização das
responsabilidades do Governo Federal que devem passar aos níveis estaduais e municipais,
com a participação das comunidades locais e a sociedade, tal como a política desenvolvida
pelo Programa Comunidade Solidária. Nesse sentido, o documento em análise afirma que
o apoio do banco deveria enfatizar: i) o fortalecimento da capacidade financeira e
técnica dos governos municipais e estaduais; ii) o melhoramento dos mecanismos
de transferências fiscais que deveriam incluir incentivos de desempenho e critérios
de distribuição eqüitativa; iii) a adoção de meios eficientes e inovadores de
45
Cabe ressaltar que a orientação para a Reforma da Previdência encontra-se articulada a esse item. Considera o
documento que “Uma oportunidade de apoio do Banco é a modernização das operações do sistema de
previdência social, que desnecessariamente gasta cerca de US$ 1 bilhão por ano devido em grande parte a
procedimentos ineficientes e caros de verificação da idoneidade para aposentadoria” (DOCUMENTO DE PAÍS,
1998, p. 178).
46
O Documento considera três elementos importantes para a consecução da Reforma Fiscal: i) o aumento da
receita, especialmente no âmbito estadual, através do melhoramento no sistema de arrecadação tributária; ii)
diminuição do desequilíbrio fiscal, com maior esclarecimento quanto à responsabilidade dos estados e
municípios na implementação de políticas públicas e; iii) “apoio a ajustes fiscais, ajudando o governo a
concentrar seus esforços e verbas em tarefas governamentais essenciais e apoio a novas formas de colaboração
com o setor privado ou aos esforços de privatização” (DOCUMENTO DE PAÍS, 1998, p. 178), sendo que
tarefas governamentais essenciais, leia-se: fortalecimento do poder central na condução das políticas
macroeconômicas condizentes com as recentes exigências de acumulação capitalista.
47
Os termos “pessoas de baixa renda”, “baixo poder aquisitivo”, embora imprecisos, tendo em vista que
aparecem desarticulados da condição de classe social dos sujeitos, o utilizados largamente nos documentos
governamentais e por isso serão reproduzidos nesta tese.
48
Para o setor de saneamento, o Documento orienta, recorrentemente, a privatização dos sistemas de
abastecimento de água e esgoto.
65
prestação de serviços, inclusive a privatização, concessões, participação das ONGs
e envolvimento comunitário na supervisão e manutenção dos serviços sociais
(DOCUMENTO DE PAÍS, 1998, p. 181, grifo do documento).
As demais orientações do Banco para a política brasileira estão voltadas aos setores
financeiro, meio-ambiente, agricultura e pobreza rural, incentivo às microempresas e ao
setor privado, com prioridade de privatização da infra-estrutura nos setores de energia, água e
saneamento e transporte.
Analisando as estratégias dos financiamentos multilaterais para o Brasil, Vianna Jr.
(1998) nos mostra que o BID financiou, desde o período de sua fundação, mais de 175
projetos no Brasil, correspondendo a uma cifra que excede 12,5 bilhões de dólares
49
.
Entretanto, o autor chama atenção de que esses números (somados aos investimentos do
BIRD no Brasil) correspondem a menos de 1% do Orçamento da União (para o ano de 1997).
Assim, dirá o autor, que essa observação, apesar de importante, precisa ser articulada a um
outro fator:
Para além da importante função meramente financeira, os bancos têm atuado como
‘inteligência’ auxiliar do governo na elaboração de programas e projetos, como por
exemplo, os programas responsáveis por políticas de ajuste estrutural, os projetos
setoriais de desenvolvimento, os de combate à pobreza e, mais recentemente, os de
reforma agrária, com financiamento da compra de terras. Deste modo, parte das
novidades em políticas públicas e projetos do Governo brasileiro, é, muitas vezes, o
resultado de um trabalho de cooperação internacional em que o Grupo Banco
Mundial e o BID tem um relevante papel [...] (VIANNA JR., 1998, p. 82, grifo
meu).
Nessa linha de raciocínio, cabe enfatizar que os documentos oficiais do BID para o
Brasil apresentam em sua folha de rosto as seguintes observações: “divulgação restrita”
(Documento de País, 1998) e “não-autorizado para o uso público” (Documento de País, 2001)
e (Estrategia del Banco con Brasil, 2004), o que permite inferir que as orientações contidas
nos Documentos são confidenciais e seu conteúdo interessa, apenas, aos planejadores e
executores de políticas, especialmente os de nível federal. Vianna Jr. (2001) observa que o
49
Couto (2000) afirma que o Brasil é o principal tomador de empréstimo do BID. Em 1999, o BID havia
financiado ao Brasil 260 projetos correspondendo a aproximadamente US$ 28,1 bilhões (ano base de 1998).
66
Documento tem um caráter oficial e que poucas pessoas m acesso a ele, tais como alguns
funcionários do Banco e poucos funcionários dos governos.
No Brasil, o acesso ao Documento de País e ao CAS (do Banco Mundial) só foi possível
recentemente, quando a Rede Brasil - uma ONG que acompanha os financiamentos
multilaterais no Brasil - iniciou uma interlocução com a Câmara dos Deputados
(especialmente com o Deputado Ivan Valente PT/SP) e com o Congresso Nacional (através
da Senadora Heloísa Helena à época do PT/AL) com vistas a pressionar o BID e o Banco
Mundial para a publicização dos referidos documentos.
É o próprio documento do Banco que diz não ser a maximização de lucros, o objetivo
do BID, embora os procedimentos de cobrança de juros sigam as orientações dos bancos
privados (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2003c). O que reforça
os interesses dessa instituição em indicar a direção política, social e econômica a serem
seguidas pelos países da América Latina. Nesse aspecto, o Banco conta com projetos de
cooperação técnica que “transferem conhecimentos técnicos aos países mutuários,
particularmente os menos desenvolvidos, e fortalecem a capacidade institucional e de gestão”
(BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2003d).
Através de seus especialistas e dos funcionários e técnicos alocados nos países da
América Latina e Caribe, o BID realiza estudos sobre os planos de desenvolvimento e os
programas de investimento desses países, no sentido de identificar as prioridades dos projetos.
O departamento de pesquisa do Banco
realiza estudos de macroeconomia, finanças internacionais, modernização do Estado,
pobreza, serviços sociais, infra-estrutura, mercados de trabalho e outros temas. [...]
O departamento coordena a Rede de Centros de Pesquisa Econômica [...] e a Rede
Latino-Americana de Bancos Centrais e Ministérios da Fazenda, um foro para
debates de macroeconomia e finanças. Por fim, prepara estudos sobre os desafios de
desenvolvimento que os países da região enfrentam, visando criar um quadro para
debates de política entre os formuladores de políticas e o Banco e identificar
prioridades para as atividades da instituição (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2003e).
67
que se ressaltar, ainda, que o Banco conta com o Departamento de Integração e
Programas Regionais, o qual coordena estudos e programas regionais mediante a atuação do
Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social (Indes) e o apoio e supervisão do
Instituto para Integração da América Latina e do Caribe (Intal). Sendo este responsável por
estudos e pesquisas que facilitem a cooperação técnica a governos, instituições acadêmicas e
empresas, dentre outros; e, aquele, responsável pela qualificação em gestão social voltada a
executivos envolvidos com a concepção e execução de políticas sociais.
Em 2000, o BID elaborou o “Documento de País” para o Brasil, com orientações para o
período de 2000-2003, coincidindo com os três primeiros anos de execução do Plano
Plurianual elaborado pelo governo Fernando Henrique Cardoso - eleito em 1999 para o
segundo mandato - e com o primeiro ano de administração do que seria o próximo governo.
Tal como o “Documento de País” anterior (1998), o Documento 2000/2003 faz uma
análise sobre os desafios enfrentados pelo governo brasileiro, identificando, prioritariamente,
cinco desses desafios, os quais servem de referência para a definição das estratégias do
Banco, cujos desafios são:
- retomada do crescimento econômico, em condições de eqüidade social e respeito
ao meio-ambiente, preservando a estabilidade alcançada;
- reforma do setor público, considerando que a redução do déficit fiscal exige que se
concluam rapidamente as principais reformas estruturais;
- melhoria da competitividade mediante uma redução significativa do custo Brasil’,
modernização produtiva e apoio às pequenas e microempresas;
- problemas sociais, particularmente a pobreza, a distribuição de renda desigual,
acesso desigual a serviços sociais básicos e ineficiência no esforço de investimento
social que o país realiza;
- revitalização e ampliação da integração regional (DOCUMENTO DE PAÍS, 2001,
p. 195).
Os desafios da política brasileira referentes à área social, identificados pelo BID,
centram-se na redução da pobreza, através de programas de combate à fome, diminuição da
mortalidade e do trabalho infantil e proteção a grupos vulneráveis; na educação e saúde;
acesso da mulher à educação.
68
Em suma, a análise do BID, quanto ao Plano Plurianual em questão, demonstra que os
desafios da política brasileira voltam-se ao crescimento sustentável, ao desenvolvimento
econômico e social que leve em consideração o meio ambiente, a justiça social e a
democracia; além do investimento em infra-estrutura econômica e nas áreas sociais. “O plano
destaca claramente a manutenção da estabilidade econômica como requisito para o
crescimento com eqüidade, sublinhando o controle da inflação alcançado e enfatizando que a
estabilidade exige o equilíbrio das finanças públicas(DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p.
212, grifo meu).
Em seguida, o Documento apresenta suas estratégias que têm como “objetivo central
cooperar com o governo em seus esforços de crescimento em um quadro de estabilidade e
redução das desigualdades e da pobreza” (Documento de País, 2001, p. 216). Essas estratégias
centram-se em quatro temas, quais sejam: modernização do Estado; melhoria da
competitividade e acesso ao mercado através da redução do “custo Brasil”; redução das
desigualdades sociais e da pobreza e; meio-ambiente e recursos naturais.
Do mesmo modo que o Documento anterior (de 1996), a Modernização do Estado
continua a ser o “carro-chefe” das orientações do BID ao Brasil para o período de 2000/2003,
com enfoque na aprovação de leis como a de Responsabilidade Fiscal, a reforma da
previdência social e a reforma tributária
50
. Nos dizeres do Documento:
O banco, portanto, continuará atribuindo alta prioridade à modernização do Estado,
com uma estratégia centrada na melhoria da eficiência e da transparência da gestão
pública, em torno de duas grandes linhas de ação. Em primeiro lugar, dada a
gravidade do problema e seu peso sobre o déficit fiscal, o banco procurará respaldar
as iniciativas de reforma do sistema de previdência social em todos os níveis do
governo. [...] Em segundo lugar, o banco aprofundará sua ação na área de
modernização administrativa e fiscal nas esferas federal, estadual e municipal [...]
51
(DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 223, grifo do documento).
50
Essas orientações demonstram como qualquer governo especialmente os da América Latina que seja
tomador de empréstimos dos organismos multilaterais, tem necessidade de cumprir uma agenda política que
expresse os compromissos com esses organismos. Tal é o caso do Brasil, onde o governo atual empenhou-se em
aprovar no âmbito do poder Legislativo a (contra) reforma da Previdência, bem como a aprovação da (contra)
reforma tributária.
51
A esse respeito, diz, ainda, que: A despeito das perspectivas favoráveis, a área de maior vulnerabilidade
continua sendo a das finanças públicas, cujo desafio enfrentado pelo Brasil consiste em manter e consolidar o
69
Em relação à reforma do Estado, Vigna e Sauer (2001) dirão que as instituições
financeiras multilaterais prescrevem uma agenda de proposições que visam a modernização
do Estado não no sentido de minimizá-lo, mas de reestruturá-lo de acordo com seus
interesses.
A segunda estratégia do Banco refere-se à melhoria da competitividade e inserção no
mercado através da redução do “custo Brasil”. Indica a prioridade de investimento em infra-
estrutura nos setores produtivos (transporte viário, transporte urbano, energia, expansão do
sistema de transmissão elétrica). Observa a necessidade de fortalecer o setor financeiro, com
apoio às pequenas, dias e microempresas; e apoiar o desenvolvimento tecnológico, o setor
de turismo e a agricultura.
A estratégia para a área social - que consiste na terceira estratégia do BID - continua a
ter um enfoque setorizado, voltado para o “alívio” da pobreza dos grupos com maior carência
de atendimento nesse setor. A política setorial articula-se à necessidade de ajuste nos gastos
do Estado no âmbito das reformas, indicadas pelo Banco e tem clara preocupação em avaliar
e, de certo modo, controlar esses gastos com a indicação das políticas focalizadas. O
Documento assim resume as orientações para a referida área:
Diante do desafio de implantar o programa de ajuste fiscal com eqüidade social, as
questões de focalização do alvo e eficiência do gasto social, presentes, adquirem
renovada prioridade no enfoque estratégico do banco. Nesse sentido, o banco da
prioridade ao apoio a: (i) análise da incidência distribucional do gasto, bem como o
desenvolvimento de sistemas de focalização que permitam dirigir melhor os
recursos públicos para os grupos mais vulneráveis, com uma permanente
consideração dos fatores de gênero e atendimento à infância e à terceira idade; (ii)
implantação, melhoria e avaliação da rede de proteção social a fim de se
promoverem as ações de maior impacto sobre o alívio da pobreza (iniciativas do tipo
Bolsa Escola e Garantia de Renda Mínima, tendo os mais pobres como clientela
alvo); e (iii) implantação e aprofundamento de reformas em andamento nos setores
de educação, saúde, assistência social e desenvolvimento urbano e municipal, com o
objetivo de melhorar a eficiência, a eqüidade e qualidade dos serviços prestados aos
cidadãos (DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 235, grifo do documento).
ajuste fiscal para reestruturar o setor público e melhorar sua eficiência. O problema mais imediato é a
necessidade de reformas adicionais ao sistema de previdência social, tanto no regime geral que se aplica aos
trabalhadores privados, quanto no regime dos servidores públicos” (DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 204-
205).
70
No contexto da reforma do Estado, que inclui cortes nos gastos sociais, tratados pelo
Banco como eficiência nos gastos públicos, o Documento um destaque especial à
participação das organizações não-governamentais brasileiras na prestação de serviços a
pessoas de “menor poder aquisitivo”, que não são atendidas nem pelo Estado, nem pelo
mercado. O Documento observa a existência de mais de 220 mil organizações sem fins
lucrativos ou entidades filantrópicas e mais de 50 mil organizações que prestam assistência
social em nível de beneficência, destacando a importância de se estabelecer parcerias entre o
Estado e essas organizações com vistas ao alívio da pobreza
52
(DOCUMENTO DE PAÍS,
2001).
A quarta estratégia do BID, expressa no Documento de País volta-se à preservação e
conservação do meio ambiente e recursos naturais que envolve tratamento de esgotos,
diminuição da poluição ambiental, tratamento de resíduos sólidos, impacto ambiental e
manejo do patrimônio natural.
Em análise sobre os documentos das instituições multilaterais, Mineiro (2001, p. 38)
afirma que esses “tentam desenhar não apenas um cenário para a definição de projetos a
serem aprovados, mas neles também se desenham, às vezes de forma detalhada, as políticas
macroeconômicas a serem levadas adiante pelo governo brasileiro [...]”.
Le Cocq d’Oliveira (2001) demonstra que para as instituições financeiras multilaterais,
o crescimento econômico depende do ajuste fiscal e a redução do déficit público, por sua vez,
é condição para diminuição das taxas de juros no Brasil. Isso porque o desajuste fiscal seria,
na concepção dessas instituições, responsável pela vulnerabilidade externa no contexto da
crise em que se encontra o país, e pelo déficit na balança de transações correntes.
52
O Documento não tem o menor problema em afirmar que o governo brasileiro, a partir de 1995, diante da
necessidade de aumentar a eficiência dos gastos na área social eliminou as principais instituições
diretamente responsáveis pela assistência social, fortaleceu os ministérios setoriais encarregados de manter a
rede de segurança social e apoiou a criação de parcerias sólidas com a sociedade [...] a fim de assegurar um
crescimento eqüitativo” (DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 244, grifo meu).
71
Nessa direção, o Documento de País (2001, p. 204) demonstra que: “[...] o Brasil terá de
aprofundar seus esforços no sentido de alcançar um ajuste fiscal adequado, uma vez que as
finanças públicas continuam sendo a principal fonte de desequilíbrio macroeconômico”. Por
isso, Le Cocq d’Oliveira (2001) afirma que para as instituições financeiras multilaterais o
ajuste fiscal é central para solver os desequilíbrios macroeconômicos, sendo, para essas
instituições, o deus ex machina responsável por superar a crise econômica instalada no país.
Em contraponto, dirá o autor que o se pode responsabilizar o déficit público pelo
desequilíbrio da balança de transações correntes:
[...] querer atribuir ao déficit público um papel de protagonista no drama econômico
vivenciado pelos brasileiros é uma tentativa que peca por ingenuidade ou malícia. A
ingenuidade – fator grave nos que pretendem confeccionar diagnósticos propositivos
de política econômica consiste em imputar a uma variável dependente a
capacidade de solucionar as restrições que são impostas pelo setor externo. A
malícia consiste em perceber este fato e assim mesmo, apresentar os grilhões
financeiros como elemento irremissível, insistir em lançar nas variáveis internas o
peso do ajuste. Seja qual for a motivação, o fato é que a adoção das políticas
propostas tem significado o enquadramento da ação estatal no papel de fomentar a
aceleração da concentração da renda no país, agravando todos os problemas que o
BIRD e o BID afirmam querer auxiliar a resolver (LE COCQ D’OLIVEIRA, 2001,
p. 62).
De acordo com Vigna e Sauer (2001), as análises macroeconômicas (dos países da
América Latina) feitas pelas instituições financeiras multilaterais permitem que essas
formulem uma pauta de proposições que dêem continuidade aos programas de ajuste fiscal e
“modernização” do Estado. O BID (bem como o BIRD) pretende, mediante as orientações de
políticas, garantir, prioritariamente, a estabilidade do mercado nacional com o objetivo de
atrair o capital internacional. A orientação tem por objetivo contribuir para que o governo
respeite os acordos estabelecidos pelo Fundo Monetário Internacional, efetivando o ajuste
fiscal e permitindo que o Brasil tenha credibilidade junto ao mercado internacional.
Para os autores em pauta, a política do BID (e do BIRD) está voltada para o
monitoramento da problemática social e para a amenização dos efeitos perversos do ajuste.
“[...] A drenagem de capitais e os cortes orçamentários podem aumentar os riscos, resultado
72
dos custos sociais. Alguns empréstimos desses bancos visam a amenizar essa reação através
do financiamento de programas sociais, buscando aliviar as conseqüências perversas do atual
modelo econômico” (p. 140), tal é a perspectiva de redução da pobreza
53
.
Recentemente o BID elaborou a nova “Estratégia do Banco para o Brasil (2004-2007)”,
desta vez chamada “Documento de Estratégia”. Seguindo os documentos anteriores, essa
estratégia coincide com o segundo, o terceiro e o quarto ano do Plano Plurianual (PPA) a ser
executado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva eleito em 2002 para o mandato de
2003 a 2006 -, e com o primeiro ano do próximo governo.
O Documento em pauta enfatiza que o Plano Plurianual “Brasil de Todos” contém três
mega-objetivos, a saber: i) inclusão social e redução das desigualdades sociais; ii) crescimento
com geração de emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor de desigualdades
regionais; iii) promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia
(ESTRATEGIA DEL BANCO CON BRASIL, 2004).
Sendo que para a consecução desses mega-objetivos, o PPA (2004-2007) enumera três
desafios e três objetivos gerais. Desafios de crescimento: elevar a taxa de crescimento do
produto per capita; obter um crescimento sustentado; permitir que o crescimento se efetive
com um adequado manejo dos recursos naturais. Desafios sociais: reduzir a pobreza e;
alcançar maior igualdade e inclusão social. Desafios institucionais: alcançar uma maior
participação, transparência e controle social e; modernizar o Estado e fortalecer as instituições
governamentais em seus três níveis (ESTRATEGIA DEL BANCO CON BRASIL, 2004). Os
objetivos gerais são:
Promover o crescimento sustentado, com estabilidade e sustentabilidade ambiental.
Reduzir a pobreza, promover a inclusão social e uma maior igualdade social e
regional.
Apoiar o fortalecimento institucional, promover a democracia e a participação
(ESTRATEGIA DEL BANCO CON BRASIL, 2004, p. 24, tradução minha).
53
Interessante observar que assim como as reformas da previdência e tributária, que vem sendo implementadas
pelo atual Governo Federal, o Programa “Fome Zero” que visa, dentre outros, a redução da pobreza, encontra-se
em sintonia com as orientações dos organismos multilaterais.
73
Após analisar o cenário macroeconômico do Brasil, especialmente, a partir dos anos 90,
o Banco apresenta, novamente, suas estratégias para esse país, desta vez para o intervalo
2004-2007. O Documento indica as seguintes áreas de ação prioritárias que devem orientar
os empréstimos a serem realizados no período em questão:
Produtividade da média e pequena empresa e infra-estrutura, com prioridade ao
uso de modelos de cooperação público-privado nos novos investimentos;
Pobreza, eqüidade e formação de capital humano, com uma focalização central
na distribuição de renda;
Condições de vida e eficiência em cidades, integrando ações de combate à
pobreza urbana, e melhorias da habitabilidade, eficiência e qualidade ambiental
das cidades; e
Modernização do Estado priorizando o fortalecimento das instituições, [...] com
ênfase nas áreas subnacionais de governo (ESTRATEGIA DEL BANCO CON
BRASIL, 2004, p. 34-35, grifo do documento, tradução minha)
54
.
Analisando os setores elencados pelo BID como prioridade na orientação de políticas,
neste último Documento de Estratégia, pode-se fazer algumas observações: i) há uma inversão
quanto ao lugar do tema “Modernização do Estado” que se apresentou, nos documentos
antecedentes, como o “carro chefe” da orientação, sendo que neste aparece como a quarta área
prioritária; ii) as condições de vida urbana e a eficiência nas cidades aparecem como uma área
prioritária de atenção de políticas, quando nos documentos anteriores configurava-se um sub-
programa da área social
55
.
Possivelmente, o tema da modernização do Estado saiu da “linha de frente” para
assentar-se na “quarta colocação” no ranking de prioridades do BID no Brasil tendo em conta
a atuação dos dois mandatos da chamada era FHC (1994-2002), na qual o Presidente não
poupou esforços em costurar um processo político que redundou em diversas reformas
constitucionais, tais como as reformas da previdência e a tributária, bem como no repasse de
responsabilidades de políticas sociais ao poder público estadual e municipal. Desta forma, o
54
O documento indica dois outros temas que devem permear todas as áreas prioritárias: integração e meio
ambiente.
55
A argumentação sobre essa área (as condições de vida urbana e a melhoria habitacional nas cidades) será
objeto de atenção do capítulo II desta tese.
74
cumprimento do dever de casa pelo poder central - que reestrutura o Estado no sentido de
facilitar o “bom” andamento da economia capitalista, como por exemplo, a definição das
metas de inflação, o incentivo à infra-estrutura produtiva, e a redução dos gastos sociais
públicos - permite ao Banco definir como área prioritária de política a atenção aos setores
produtivos (das pequenas e médias empresas) e a infra-estruturação produtiva que priorize a
parceria público-privada.
E mais, além da era FHC, a atuação do governo Lula, a partir de 2003, mostra que este
continuou a seguir o dever de casa do governo anterior no que toca às reformas
constitucionais: em tempo recorde empenhou-se em conseguir apoio tanto na Câmara dos
Deputados quanto no Congresso Nacional para a aprovação das reformas citadas
anteriormente. Se o Documento de Estratégia do BID (2004-2007) não faz elogios como fazia
para a atuação do governo Fernando Henrique nos documentos anteriores, também não faz
nenhuma ressalva à atuação do governo Lula, ressalva essa que se poderia esperar de uma
instituição financeira multilateral a um governo que tem à frente o Partido dos Trabalhadores
e que, evidentemente deveria, de alguma forma, posicionar-se, ainda que em nível de
discurso, contrariamente aos interesses capitalistas, os quais são muito bem defendidos pelas
referidas instituições
56
.
Nessa argumentação, o referido Documento de Estratégia diz que a área de Reforma e
Modernização do Estado representa um dos temas de maior impacto resultante da cooperação
56
Antunes (2004, p. 02) faz a seguinte observação face à atuação do Governo Lula, a partir de 2003 - atuação
que, diga-se de passagem, deixou perplexos amplos setores da sociedade ao apostaram que esse Presidente,
sendo oriundo da classe trabalhadora, provocaria alteridades nos aspectos econômico e social em favor dessa
classe, o que não ocorreu: “Para aqueles que esperavam pelo principiar da mudança profunda da política
econômica, contraditando os interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos organismos multilaterais,
das finanças e das transnacionais; pela contenção do fluxo de capitais que migram para o sistema financeiro
internacional esgotando a produção da nossa riqueza; pelo combate ao nefasto projeto da Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA) [...]; pela recuperação da dignidade do salário mínimo, contra a política de
arrocho salarial; pelo combate aos transgênicos que tantos riscos podem trazer a nossa saúde; pelo início da
reforma agrária, imprescindível para desmontar a miséria brasileira; pela recuperação da res publica contra a
secular privatização do Estado brasileiro; enfim, pelo início de um programa efetivo de mudanças, com prazos e
caminhos construídos com sólida impulsão social, foi pesaroso ver que a primeira ‘reforma’ do Governo Lula foi
agendada pelo FMI, imposição que o governo aceitou sem resistência, desestruturando um setor importante da
classe trabalhadora brasileira, composta pelos funcionários públicos, e que sempre foi um dos pilares de
sustentação do Partido dos Trabalhadores (PT) [...]” (grifo do autor).
75
do Banco com o Brasil nos anos mais recentes e que, portanto, haveria a necessidade (apenas)
de aprofundar e expandir tal área.
Em respeito à continuidade, isto é, ao aprofundamento e expansão das reformas
institucionais, o Documento de Estratégia do BID destaca que os projetos para essa área
devem melhorar a eficiência, eficácia, qualidade e controle do gasto público. E que os estados
e municípios para quem a responsabilidade pelas políticas sociais vem recaindo não a
cada documento do BID, como em termos históricos no Brasil devem ter maior capacidade
no que se refere a arrecadação fiscal (e, portanto, ter mais capacidade na proposição de
políticas sociais e de endividamento junto aos organismos internacionais de crédito). Nos
dizeres do Documento:
O Banco apoiará a extensão da área de gestão ao nível estadual; as experiências
positivas [...] de desenvolvimento dos programas de administração tributária e as
ações de controle externo que alcancem os estados e municípios especificamente [na
administração] dos programas de gestão fiscal [...]. Igualmente o Banco levará em
consideração novas ões de modernização da administração dos serviços de
seguridade social e possível extensões a municípios com capacidade de
endividamento e de execução, de operações integrais que contemplem reformas e
investimentos para modernizar a gestão pública fiscal e previdenciária, como
também a modernização dos instrumentos de gestão de recursos humanos [...]
(ESTRATEGIA DEL BANCO CON BRASIL, 2004, p. 43, tradução minha).
Em nível das orientações para o setor produtivo e de infra-estrutura, o Documento
sinaliza o apoio ao governo brasileiro no que toca ao aumento da competitividade no mercado
e modernização dos setores produtivos. Para tanto apóia as intervenções nos investimentos de
infra-estrutura, através da associação entre o governo e a iniciativa privada; prioriza os
projetos de investimento em pequenas e médias empresas, bem como de microempresas, para
aumentar a competitividade dos sistemas produtivos locais. Destaca os setores de transporte,
energia, turismo e agricultura com prioridade para investimento
57
.
57
O Documento cita o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) como parceiro na execução de projetos
de infra-estrutura produtiva. “Ao combinar esforços com [o] BNDES, o Banco espera fornecer um veículo de
investimentos para fundos de pensões e outras entidades para contribuir com o desenvolvimento da infra-
estrutura no Brasil (transporte, telecomunicações, água potável, saneamento e energia) através da criação de um
fundo de investimento de capital” (ESTRATEGIA DEL BANCO CON BRASIL, 2004, p. 49, tradução minha).
76
Em relação às orientações para a área social, o Documento segue com uma orientação
de política focalizada e setorizada. O foco continua a ser a redução da pobreza e das
desigualdades sociais, inovando, apenas, quanto à formação de capital humano, leia-se:
qualificação de o-de-obra de nível secundário para o mercado de trabalho. Nessa área, o
Banco destina total apoio ao Programa Bolsa Família do Governo Federal que, segundo o
documento, tem por meta a transferência de renda aos segmentos mais pobres da sociedade.
Quanto a esse programa, afirma o Documento:
Entre estes, o mais importante é o Programa Bolsa Família (PBF) que se propõe a
unificar os principais programas de transferências [...] voltados às famílias [de baixa
renda], com o objetivo de diminuir a duplicação de esforços e melhorar a
focalização, a eficiência e o impacto destas transferências de renda sobre as
famílias mais pobres (ESTRATEGIA DEL BANCO CON BRASIL, 2004, p. 38,
tradução e grifo meu).
A setorização de políticas se expressa na prioridade às áreas de educação
58
; saúde; ações
de apoio à educação e capacitação profissional (cita como exemplo o Programa Primeiro
Emprego do Governo Federal), cuja ão coaduna-se com o tema de formação de capital
humano, antes referido e; ões de monitoramento e avaliação de políticas sociais em nível
federal e estadual.
1.6 O SIGNIFICADO DO FINANCIAMENTO MULTILATERAL DO BID
As leituras sobre o Banco Interamericano de Desenvolvimento permitem sintetizar que
este Banco tem uma particularidade no referente ao financiamento multilateral para a América
Latina: sua política é revestida de programas sociais com prioridade de atendimento à pobreza
58
É claro que não se trata de apoio ao nível superior. A ênfase maior recai, apenas, na educação sica e
secundária e na técnico-profissional.
77
(urbana), isto é, na aparência
59
o BID tem a função de minimizar os impactos sociais
advindos do quadro de crise econômica e da “desigualdade social”. É, portanto, o braço social
do capitalismo para os países que necessitam da ajuda dos países ricos.
Os programas sociais apoiados pelo BID devem aliviar as conseqüências perversas do
capitalismo, afastando o risco das tensões sociais. É o que demonstra a passagem a seguir,
retirada dos documentos do BID:
O governo [...] pode e deve fazer muito mais. Além de oferecer uma rede de
seguridade mínima para os menos afortunados, pode atender diretamente muitas das
necessidades básicas que definem um nível de vida mínimo. Quando o setor privado
não está em condições de criar empregos suficientes para reduzir o vel de pobreza
[...], o governo pode garantir educação básica e acesso a serviços de saúde para
pobres [...]. Em síntese, o governo, mediante a provisão de bens blicos, pode
melhorar diretamente as condições de vida dos pobres e isto pode contribuir
sensivelmente a reduzir a tensão social que ocorre quando a economia de
mercado não incrementa a renda dos pobres (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2003f, tradução e grifo meu).
Couto (2000) dirá que a preocupação com a pobreza é um tema crescente dentro da
estrutura do BID especialmente a partir dos anos 90 e que também para o FMI seria
importante humanizar a globalização e erradicar a pobreza, para o que seria necessário
compatibilizar ajustes fiscais com gastos sociais. Desta forma, também, na perspectiva do
FMI:
É preciso ouvir o grito dos pobres. [...] A extensão da pobreza ainda presente ao
final de um século de prosperidade é intolerável, e é claro que o grau de pobreza
absoluta é absolutamente intolerável. Assim, é hora de dar uma resposta a ela.
Nunca houve em uma reunião tanto apoio para colocar a redução da pobreza no
coração de nossos programas (Michel Camdessus - diretor gerente do FMI - apud
COUTO, 2000, p. 104).
Assim, na perspectiva dos financiamentos multilaterais, as políticas sociais têm um
caráter focalista e estão articuladas ao alívio da pobreza e das tensões sociais, cujos projetos
59
Aparência no sentido utilizado por Kosik (1986) como mundo dos fenômenos que esconde a essência (núcleo
interno essencial; síntese das múltiplas determinações), a qual só pode ser apreendida pelo pensamento crítico.
“Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta naquele
fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o
fenômeno, sem a sua manifestação e revelação, a essência seria inatingível” (p. 12). Vale dizer que a abordagem
desse autor está referenciada no célebre texto de Marx (Para Crítica da Economia Política, 1978), na passagem
que trata do método dialético.
78
sociais têm uma perspectiva fragmentada, e cujas concepção e execução que são,
prioritariamente, voltadas para os mais pobres” – devem ser efetivadas levando-se em
consideração a “eficiência” nos gastos sociais públicos sobretudo federais -, que, em outras
palavras, quer dizer diminuição de recursos para a área social, com maior envolvimento de
estados e municípios, com a participação da sociedade e com o incentivo à iniciativa privada.
Nesse aspecto o Banco autodenomina-se líder de atuação na área social em toda a
América Latina, com financiamento de projetos para os mais pobres, tal como o enunciado a
seguir:
O Banco tem sido líder na região no apoio e financiamento a programas de
transferências [...] de renda a famílias pobres e conta no Brasil com um conjunto de
experiências relevantes de fortalecimento da capacidade de gestão ao nível municipal
e estadual, e uma importante vantagem comparativa em programas de investimentos
sociais nas principais áreas metropolitanas onde se concentra uma porcentagem
importante e crescente de famílias pobres (ESTRATEGIA DEL BANCO CON
BRASIL, 2004, p. 39, tradução minha).
De fato, no período que vai de 1961
60
a 2000 a distribuição dos empréstimos do BID,
por setores, indica um maior investimento na área social, conforme tabela a seguir:
Tabela 2 - Distribuição dos empréstimos do BID, 1961-2000
Setores %
Setores sociais: saneamento, desenvolvimento urbano, educação,
fundos de investimento social, saúde, meio ambiente, microempresa.
29,7
Infra-estrutura: energia, transportes e comunicações. 27,4
Setores produtivos: agricultura e pesca, indústria, minas e turismo,
ciência e tecnologia.
22,7
Reforma e modernização do Estado, financiamento de exportações,
pré-investimentos e outros.
20,2
Fonte: BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (2003d).
Entretanto, se em sua aparência, o BID volta-se a atender os graves problemas sociais
de seus países membros, em sua essência, busca contribuir com o equilíbrio fiscal das contas
públicas, materializado no incentivo às reformas econômicas e políticas, que por sua vez, é
60
Ano em que foi feita a primeira operação de empréstimo do Banco.
79
fundamental para o pagamento de dívidas (e, conseqüentemente, de novos endividamentos)
junto aos principais bancos de financiamento de política econômica, qual seja o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial
61
. Esse jogo entre os principais bancos de
financiamento de políticas para a América Latina permite a continuidade do desenvolvimento
capitalista, com base na dependência dos “eternos” países em desenvolvimento em relação
aos países ricos
62
. Importante lembrar que tanto o empréstimo quanto o pagamento das
dívidas inserem-se na órbita do movimento de financeirização da economia como uma das
saídas para a crise vivenciada, especialmente a partir dos anos 70, no mundo capitalista,
fazendo parte, por conseguinte, do movimento maior de valorização do capital.
A propósito, o Documento de País (2001) expressa a inter-relação entre o BID e os
demais organismos multilaterais no que se refere ao financiamento externo para o Brasil: “A
ação do banco no Brasil mantém uma importante coerência com a atuação de outras fontes
externas, particularmente com a do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do
Japão” (DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 248). Nessa direção, Vigna e Sauer (2001)
afirmam que as análises macroeconômicas contidas tanto nos documentos do BID quanto do
Banco Mundial têm por base as propostas do Fundo Monetário Internacional.
O argumento de que, em essência, a preocupação do BID está em garantir o equilíbrio
fiscal de seus países membros pode ser sustentado quando se observa atentamente seus
relatórios anuais. Esses contêm análise minuciosa sobre a economia dos países da América
61
Sobre a dívida interna e externa brasileira, ver Gonçalves, Reinaldo e Pomar, Valter. O Brasil endividado. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo (Coleção Brasil Urgente), 2002; Gonçalves, Reinaldo e Pomar, Valter. A
armadilha da dívida. São Paulo: Fundação Perseu Abramo (Coleção Brasil Urgente), 2002.
62
Chossudovsky (1999) afirma que no contexto da crise global pela qual passa o capital, o movimento da
economia é regulado por um processo de cobrança de dívidas em nível mundial, que interfere nas decisões do
Estado nacional. O peso da dívida externa dos países em desenvolvimento é da ordem de dois trilhões de dólares.
A esse respeito, afirma o autor que: “A solução para a crise da dívida torna-se causa de mais endividamento. O
pacote de estabilização econômica do FMI tem, teoricamente, a intenção de ajudar os países na reestruturação de
suas economias, com o fim de gerar um superávit em suas balanças comerciais, para que estes possam pagar a
dívida e iniciar um processo de recuperação econômica. O que acontece, porém, é exatamente o oposto. O
próprio processo de ‘apertar o cinto’ imposto pelos credores solapa a recuperação econômica e a capacidade dos
países de quitarem suas dívidas. [...] Em outras palavras, as medidas fundamentais contribuem para o aumento da
dívida externa [...]” (p. 59).
80
Latina e Caribe. Portanto, o núcleo duro da análise o são os problemas sociais, e, sim, os
problemas referentes à macroeconomia: crise financeira, desestabilização de mercados,
choques externos, acesso a financiamento estrangeiro, volume de exportações, taxas de
câmbio, taxas de juros, políticas fiscais e monetárias, redução dos desequilíbrios fiscais,
déficit financeiro, crescimento do PIB, taxas de inflação, taxas de crescimento, preços de
produtos primários, controles de capital, confiança de investidores, títulos de dívida emitidos
por mercados emergentes, balanço de pagamento, taxas de desemprego, entre outros
(BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 1998). Os dados sobre os
problemas sociais, embora enfocados, não tem a mesma prioridade que os econômicos nos
documentos analíticos.
Assim, a análise macroeconômica de cada país configura-se no suporte principal da
proposição de políticas dos países membros, a qual é expressa nos “Documentos de País” e
“Documentos de Estratégia”, antes referidos
63
.
Nessa direção, Mineiro (2001) dirá que os projetos implementados tanto pelo BID
quanto pelo Banco Mundial na América Latina funcionam como um “colchão compensatório”
de recursos para viabilizar o ajuste fiscal nas três esferas de governo, sendo que uma
combinação entre esses elementos: o “colchão compensatório” torna exeqüível o ajuste à
medida que representa uma fonte de recursos para programas sociais e esses recursos, ao
mesmo tempo, são disponibilizados com uma série de condicionalidades, dentre elas, o
próprio ajuste fiscal. Por outro lado:
o sentido do ‘ajuste fiscal’ é claro: apontar aos investidores internacionais que os
recursos necessários ao pagamento das despesas financeiras (isto é para resgatar as
aplicações desses mesmos investidores) estará disponível afinal, é para zelar por
estes interesses que as instituições financeiras multilaterais existem [...] (MINEIRO,
2001, p. 28).
63
Importante observar que a análise macroeconômica do BID sobre o Brasil, faz referência,
recorrentemente, aos acordos feitos entre esse país e o FMI.
81
A temática do ajuste fiscal aparece com muita clareza nos textos oficiais do Banco
64
. O
Documento de País (elaborado em 2000 e publicado em 2001) expressa a preocupação com a
implementação das reformas estruturais necessárias para o controle das contas públicas:
O Brasil enfrenta diferentes tipos de risco que poderiam afetar a estratégia do país e,
por extensão, a estratégia do banco. O principal risco é a possibilidade de o processo
de ajuste fiscal perder seu ímpeto. Em 1999, o governo conseguiu aumentar
notavelmente o superávit primário; no entanto, aumentos adicionais de grandeza
semelhante serão difíceis de se obter; já que dependerão principalmente da
capacidade do país de continuar avançando na tramitação, aprovação e
implementação das reformas estruturais e emendas constitucionais pendentes
particularmente as que se referem ao sistema tributário e ao sistema de previdência
social e de certas leis, tais como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é
imprescindível para a melhoria da gestão das finanças estaduais (DOCUMENTO
DE PAÍS, 2001, p. 249, grifo meu).
Importante observar como houve uma correspondência dessas estratégias no governo
Fernando Henrique Cardoso no Brasil no que toca à imperiosidade do ajuste fiscal
65
,
continuando a ser identificada no governo Lula. Aliás, se analisarmos a linguagem do atual
Presidente da República quanto ao superávit primário, bem como o esforço em “continuar
avançando na tramitação, aprovação e implementação das reformas estruturais e emendas
constitucionais pendentes” de que o urgente empenho desse governo em aprovar as
reformas da previdência e tributária é um claríssimo exemplo - veremos o quanto uma
intercorrência entre as preocupações nodais das agências multilaterais e a direção político-
econômica implementada no Brasil.
Nessa direção, o Documento de País (2001) afirma que o principal indicador de aferição
da estratégia do Banco no país, isto é, o elemento central para medir a eficiência de suas
64
No início dos anos 70 aparecia nos documentos do Banco a preocupação com a temática fiscal: “No futuro,
o BID terá que imaginar modalidades de ação para promover o fortalecimento dos referidos mercados, visando a
possibilidade de sua integração regional. Similarmente, deverá promover também a aplicação prática das
conclusões obtidas em conseqüência dos estudos de que temos participado, justamente com outras organizações,
sôbre as melhorias fiscais nos países membros” (HERRERA, 1971, p. LXIX, grifo meu).
65
Fazendo uma avaliação sobre o empréstimo de emergência feito pelo BID em sua gestão, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso afirma que esse Banco tem papel importante no apoio a países que se encontram em
situação de desequilíbrio financeiro grave e demonstra que: “A participação de instituições como o BID em
fundos contingenciais de prevenção e de correção de riscos sistêmicos é uma exigência da própria economia
globalizada em que vivemos atualmente, e este me parece ser um progresso desejável e saudável no sentido de
aumento da coordenação entre entidades financeiras internacionais e regionais, nos seus diversos âmbitos de
atuação” (CARDOSO apud COUTO, 2000, p. 102-103).
82
atividades seria a poupança pública nas três esferas de governo (federal, estadual e
municipal); o controle das finanças governamentais permite avaliar o andamento das reformas
no âmbito do Estado, área prioritária em torno da qual se organiza a estratégia”
(DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 250)
Um exemplo de que o equilíbrio fiscal tem peso importante na estrutura do BID pode
ser visto quando do empréstimo de emergência feito por esse (em parceria com o FMI e o
Banco Mundial) ao Brasil, em 1998/99, objetivando o “fortalecimento das reservas
monetárias do país, do processo de reforma econômica e apoio a programas sociais voltados
para a população mais pobre”, no qual o BID destinou US$ 4,5 bilhões. É um tipo de
empréstimo voltado ao ajuste estrutural no Brasil tendo em vista que se destina ao pagamento
de juros e/ou à amortização de dívidas (COUTO, 2000, p. 93). A respeito desse empréstimo
de emergência, Roberto Campos apud Couto (2000, p. 94) faz a seguinte afirmação:
Eu acho o BID bastante importante [...] Ele tem auxiliado no processo de reforma.
[...] da mesma maneira que o Banco Mundial, ele indiretamente está financiando
problemas de balanço de pagamentos. o está mais financiando estritamente
projetos, como era o conceito original. Ele está financiando reajustes estruturais.
Esses financiamentos para reajustes estruturais são financiamentos de balanço de
pagamentos [...].
A fala de um de seus apologistas parece sintetizar bem a atual estrutura do BID:
[...] Portanto, na virada do novo século, a missão do Banco no Brasil será seguir
provendo apoio à continuação e consolidação do processo de ajuste fiscal e às
iniciativas relacionadas com os problemas de desigualdades sociais e pobreza
(RICARDO SANTIAGO apud COUTO, 2000, p. 107).
Dentro da sua estrutura, o BID possui alguns mecanismos concernentes ao
financiamento de políticas que garantem sua funcionalidade: a formação da inteligência e o
controle na elaboração e execução das políticas.
83
1.6.1 Mecanismos de financiamento de políticas na estrutura do BID
Dentre os mecanismos de financiamento utilizados pelo BID para garantir a eficácia de
sua orientação, destaca-se a formação da inteligência do Banco. Esta é articulada, em
primeiro lugar, por seus institutos de pesquisa, tal como o Instituto Interamericano para o
Desenvolvimento Social (Indes) e o Instituto para Integração da América Latina e do Caribe
(Intal) que estudam a realidade de cada país e cujo estudo serve de base para a elaboração das
diversas políticas orientadas pelo BID, bem como pelos escritórios de representação que
garantem um diálogo mais próximo com os gestores nacionais com vistas a facilitar a direção
política desses países pelo Banco. Segundo, pelos próprios Documentos de País e de
Estratégia, à medida que são a síntese da inteligência do Banco nos países membros.
A fala do primeiro presidente do BID, Felipe Herrera – ao avaliar os dez anos de
atuação do banco - é exemplar para captar a importância da formação da inteligência
(expertos) na implementação das políticas direcionadas pelo BID na América Latina.
A experiência de uma década indica que o ‘perfil’ ou ‘estilo’ marcadamente regional
do Banco Interamericano o está vinculado exclusivamente às suas políticas ou
operações. Emerge também do fator humano. Em verdade, o banco tornou-se uma
verdadeira ‘universidade do desenvolvimento’. Nêle, tem-se formado grande
número de dirigentes e técnicos. Muitos les, depois de alguns anos de contato
diário com a realidade do Continente e com pessoas procedentes de tôdas as nações
da Região, regressam aos países de origem para ocupar posições importantes, no
setor público, como no setor privado [...] (HERRERA, 1971, p. XXIV).
O ex-Presidente do Banco (Enrique Iglesias
66
) avalia que o BID - depois de quatro
décadas de atuação - em nome de facilitar o desenvolvimento econômico e social, individual e
66
Enrique Iglesias ex-Presidente do BID - iniciou seu quarto mandato em de abril de 2003. Foi o terceiro
presidente eleito do Banco após as administrações de Felipe Herrera (Chile), cujo mandato foi de 1960-1970 e de
Antonio Ortiz Mena (México) com o mandato de 1971-1988. Iglesias nasceu em Astúrias (Espanha), mas é
naturalizado uruguaio. É formado em economia e administração pela Universidade da República do Uruguai e
fez estudos de pós-graduação nos Estados Unidos e França. Foi ministro das Relações Exteriores do Uruguai, de
1985 a 1988; secretário executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, de 1972 a 1985 e
Presidente do Banco Central do Uruguai, de 1966 a 1968. Além disso, foi professor de desenvolvimento
econômico e diretor do Instituto de Economia da Universidad de la República do Uruguai. Em 31 de maio de
2005 apresentou sua renúncia do cargo da presidência. Em 27 de julho desse mesmo ano, a Assembléia
Extraordinária do Banco elegeu – para o mandato de cinco anos - o colombiano Luis Alberto Moreno como novo
84
coletivo dos países que compõem a instituição, fez uma leitura sempre atualizada da realidade
de cada país, adequando sua intervenção à realidade da região com vistas a responder, de
forma efetiva, às demandas dos governos. Sendo que:
Para essa tarefa, os escritórios de representação nos países, que nasceram como
expressão da capacidade inovadora demonstrada pelo Banco desde o início de suas
operações, constituíram-se em elemento crucial na sua relação com cada um dos
países-membros da região. Projetaram a presença institucional do BID nos países,
permitindo manter um diálogo contínuo e direto com as autoridades nacionais, as
entidades executoras de projetos e programas e diversos segmentos econômicos e
sociais internos, atuando como antenas para captar as preocupações e necessidades
que surgem das novas realidades (IGLESIAS apud COUTO, 2000, p. 09).
Em seguida, afirma que o BID:
É importante formador de opinião no exterior sobre os países e suas políticas.
Referência crescente na análise e discussão do desenvolvimento e do
subdesenvolvimento regional. Também um lócus privilegiado de conhecimentos,
reflexões, análises e debates. Um banco de idéias, dados, estudos (IGLESIAS apud
COUTO, 2000, p. 15)
67
.
Além da formação da inteligência que é um instrumento utilizado em larga medida
para permitir a funcionalidade do BID, especialmente quando se trata de indicar a direção
econômica e política dos países membros -, o mecanismo de controle na elaboração e
execução das políticas, é essencial dentro da estrutura do Banco. Couto (2000) dirá que nos
anos recentes, esse último vem adotando elementos de monitoramento e de avaliação de
políticas precisos e bem elaborados.
Esse mecanismo de controle tem forte peso na espinha dorsal do Banco e é expresso,
sobretudo, por quatro elementos: os Documentos de País e de Estratégia, os contratos de
financiamento, os manuais de operacionalização e os relatórios de atividades desenvolvidas
presidente do BID, o qual assumiu o cargo em de outubro de 2005. Vale observar que Moreno foi ex-Ministro
de Desenvolvimento Econômico da Colômbia e ocupava o cargo de embaixador de seu país, nos Estados
Unidos (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2005b).
67
Na mesma direção, afirma Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil (apud COUTO, 2000, p. 95):
“A contribuição do BID, não apenas em termos de recursos, mas também sob a forma de ‘expertise’ técnica, foi
decisiva em determinados projetos de desenvolvimento [...].” Em seguida, afirma Maílson Ferreira da Nóbrega,
ex-ministro da Fazenda (apud Couto, 2000, p. 101): “O BID terá sempre uma função no Desenvolvimento da
América Latina. Seja como provedor de recursos para setores não atrativos da iniciativa privada, seja como
disseminador de idéias da modernidade, no treinamento de recursos humanos.”
85
nos projetos em execução
68
. Embora auto denomine-se um banco flexível, há uma clara
rigidez na condução dos empréstimos, materializada em inúmeras exigências presentes nos
convênios e que devem ser seguidas, principalmente pelos estados e municípios
69
.
Nos documentos do Banco, o controle aparece revestido da necessidade de garantia de
eficiência na aplicação dos recursos e no bom desempenho dos projetos. É o que demonstra o
primeiro presidente do BID, Felipe Herrera:
[...] o Banco não se preocupa apenas com melhorar a qualidade das obras que
financia diretamente: promove, também, medidas complementares que considera
indispensável para assegurar a eficiência da execução das obras, tais como a
implantação ou expansão de sistemas de economia e empréstimo para garantir o
desenvolvimento de programas de habitação [...] É possível que a contribuição mais
significativa do BID para o crescimento das economias latino-americanas consista
no efeito catalítico que m tido as suas operações, em relação aos esforços dos
países da Região, tendentes a mobilizar e aplicar, com maior eficiência, os recursos
disponíveis (HERRERA, 1971, p. XXXIX).
Todavia, pode-se apreender que a preocupação com a eficiência na aplicação de
recursos está intimamente relacionada com os interesses do Banco em permitir o equilíbrio
nas contas fiscais do poder público.
A arquitetura do controle do financiamento é expressa, com muita clareza, na orientação
das reformas estruturais (econômicas, políticas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a
reforma tributária e da previdência) como forma de garantir os ajustes estruturais, dentre eles
os ajustes fiscais, que devem redundar no equilíbrio das contas públicas e no
controle/pagamento da dívida pública.
Assim se configura a estrutura do BID: em sua aparência, estimular políticas sociais
compensatórias no âmbito da atenuação da pobreza enredadas por um ajuste estrutural fiscal
que tanto é condição quanto é meio para o suposto alívio da pobreza. Em sua essência, esse
68
A discussão sobre o controle no interior do BID será objeto de atenção do segundo capítulo desta tese,
especialmente, quando tratar-se dos manuais de operacionalização do Programa Habitar Brasil BID.
69
Le Cocq d’Oliveira (2001) lembra que os documentos elaborados pelas instituições financeiras multilaterais,
como é o caso dos Documentos de País e de Estratégia do BID, servem de base para a assinatura dos contratos
de empréstimos. Por esse motivo pode-se inferir que o referido documento é um instrumento de controle tendo
em vista que fornece o princípio do contrato a ser executado mediante os projetos.
86
ajuste - materializado nas reformas do Estado - permitiria a continuidade da inserção
(subordinada) dos países da América Latina (como é o caso do Brasil) na competitividade
global do capital através da redução do Custo Brasil e aumento da atração de capitais
internacionais para o país. E mais: o receituário de políticas perpetua o endividamento interno
e externo em relação aos “velhos” financiadores de empréstimos (FMI, Banco Mundial, BID),
formatando a acumulação capitalista mesmo diante da crise estrutural pela qual passa desde a
década de 70.
Pode-se observar que na estrutura do BID uma trama de relações: i) com o poder
central estabelecem-se as relações de cunho mais econômico no que se refere às orientações
de políticas concernentes ao núcleo duro da economia capitalista; ii) com os estados e
municípios estabelecem-se as relações de caráter social, através da indicação da
descentralização administrativa e maior responsabilização daqueles com as políticas sociais.
Assim, o poder público estadual e, principalmente, o poder municipal têm, na estrutura
do BID, uma importância particular, tendo em vista que o município deve ser um forte
“parceiro” na execução das políticas sociais (focalizadas, fragmentadas) com vistas ao
“alívio” de tensões sociais. Além disso, na concepção do BID, o município é um especial
tomador de empréstimos, tanto para a implementação dessas políticas, quanto para políticas
que permitam uma maior infra-estruturação das cidades, lócus de investimentos capitalistas.
Nesse sentido, os municípios m que ser objeto de ajustes fiscais, com ênfase particular na
arrecadação tributária.
Desta forma, o BID possui uma série de orientações voltadas para a administração das
cidades. Há, na estrutura do Banco, uma disponibilidade de recursos para empréstimos no
âmbito da política urbana, esta que, por sua vez, articula-se a essa lógica de descentralização e
reforma administrativa. De imediato, é preciso refletir como há uma intencionalidade do
Banco em amarrar o conjunto de suas proposições na gestão das cidades. Assim, sua
87
inteligência auxiliar (VIANNA JR., 1998) elabora cuidadosamente o que pode ser
denominado de um modelo de gestão de cidades voltado ao planejamento urbano local que se
alinha aos objetivos do Banco, tratados anteriormente, onde se percebe uma atenção especial à
figura do gestor eficiente que deve empenhar-se em fomentar a participação social dos
usuários das políticas financiadas pelo Banco como forma de assegurar a eficaz aplicação dos
recursos. A seguir nos deteremos a apreender como, quais são e por que são tecidas as
orientações de políticas para as cidades no interior do Banco Interamericano de
Desenvolvimento.
88
2 AS CIDADES NO CONTEXTO DA URBANIZAÇÃO RECENTE: ORIENTAÇÕES
DO BID PARA A POLÍTICA URBANA BRASILEIRA
Resguardando as diferenças entre os países capitalistas dominantes e os periféricos,
observa-se, em nível mundial, a ocorrência de sérias transformações no desenvolvimento das
cidades, que, por sua vez, relacionam-se às modificações evidenciadas no mundo ocidental no
pós-70, referidas no capítulo anterior.
No âmbito da problemática urbana recente, duas questões de fundo parecem ser
importantes para reflexão. Primeiro: no atual estágio do capitalismo, como e por que se
operam significativas modificações no âmbito urbano nos aspectos econômicos, sociais,
políticos; e, segundo, como os organismos multilaterais contribuem para a formação de um
discurso ideológico que, em seu conjunto, elabora uma série de requisições - especialmente ao
poder público - que visam inserir as cidades no processo produtivo atual.
De forma mais aproximativa ao objeto da presente tese e levando-se em consideração as
reflexões empreendidas no primeiro capítulo desta, a indagação que segue às questões de
fundo, antes assinaladas, é a seguinte: Na textura da cidade, como o Banco Interamericano de
Desenvolvimento procura articular os elementos aparentes e essenciais - vistos anteriormente
- a partir das orientações de políticas, em particular da política urbana. Ou seja, no cenário da
cidade, qual a orientação do BID em relação às intervenções nas expressões da questão social
- na perspectiva da minimização das tensões sociais -, ao lado das recomendações de apoio às
reformas estruturais articuladas ao equilíbrio fiscal das contas públicas, mote da atuação deste
Banco em toda América Latina?
Por último, procura-se analisar o Programa Habitar Brasil-BID - ao qual se vincula o
Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, desenvolvido em Belém/PA - com
o financiamento do BID, com vistas a verificar como o Banco procura materializar o conjunto
de suas recomendações através das orientações a um programa/projeto específico.
89
Levando em consideração os questionamentos acima referidos, este capítulo apresenta
os seguintes itens: 1) a cidade no contexto urbano recente; 2) o debate sobre a prescrição de
modelos de gestão de cidades na perspectiva das agências multilaterais; 2.1) a concepção de
gestão de cidades para o Banco Interamericano de Desenvolvimento; 2.1.1) a perspectiva da
participação cidadã para o Banco Interamericano de Desenvolvimento; 3) a estratégia do BID
para a política urbana - o enfoque no setor habitacional; 3.1) o Programa Habitar Brasil BID -
exemplo de orientação de política na cidade; 3.1.2) Programa Habitar Brasil BID -
Regulamento Operacional e Manual de Orientações do subprograma UAS: a formatação do
controle de gestão.
2.1 A CIDADE NO CONTEXTO URBANO RECENTE
No estágio atual do capitalismo são diversas as análises sobre os impactos sofridos pelas
cidades, bem como sua importância no contexto da globalização financeira, levando os
analistas a denominarem a cidade de diferentes formas: global, mundial, competitiva, dual,
partida. Contudo, antes de empreender qualquer reflexão a respeito da cidade e, em particular
das cidades brasileiras no contexto da urbanização recente, é preciso ter claro, a partir do
nosso referencial teórico, que a vida urbana expressa as configurações da divisão social e
territorial do trabalho no âmbito da produção e reprodução (material e imaterial) das relações
sociais no capitalismo contemporâneo.
Nesta medida, parece ser importante a argumentação de Santos e Silveira (2003) quando
afirmam que o uso mais recente do território brasileiro está associado à nova divisão
territorial do trabalho. Esta divisão produz uma hierarquia entre os lugares e modifica a forma
de atuação das pessoas, das firmas e das instituições. No momento atual, dizem os autores,
novas técnicas se hegemonizam no território constituindo a base material da vida social. Por
90
sua vez, a ciência, articulada às técnicas cada vez mais informacionais, comanda o
desenvolvimento produtivo atual. É assim que o meio técnico-científico-informacional
representa a expressão geográfica da globalização
70
.
O movimento de homens, capitais, produtos, mercadorias, serviços, mensagens e a
fluidez do território articulam-se ao desenvolvimento da ciência, da técnica e da informação.
Com a instalação de um número cada vez maior de pessoas em um número cada vez
menor de lugares, a urbanização significa ao mesmo tempo uma maior divisão do
trabalho e uma imobilização relativa e é, também, um resultado da fluidez
aumentada do território. O peso do mercado externo na vida econômica do país
acaba por orientar uma boa parcela dos recursos coletivos para a criação de infra-
estruturas, serviços e formas de organização do trabalho voltados para o comércio
exterior, uma atividade ritmada pelo imperativo da competitividade e localizada nos
pontos mais aptos para desenvolver essas funções. [...] O resultado é a criação de
regiões do mandar e regiões do fazer (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 21-22).
De acordo com Santos e Silveira (2003) a era da globalização - sob a égide do mercado
- traz consigo um maior desenvolvimento da informação, que associada à ciência e à técnica
permite a formação de um mercado global. Isso porque o território é modificado tendo em
vista as grandes possibilidades da produção e, principalmente, “da circulação dos insumos,
dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens” (p. 52-53).
No período recente (a partir dos anos 70 e, principalmente, dos anos 80), nota-se uma
expansão no território de indústrias dinâmicas, de uma moderna agricultura e do setor de
serviços. Essa expansão é caracterizada por uma divisão do trabalho que tende a estender as
70
Importante registrar que a obra de Santos e Silveira (2003), ao analisar os principais aspectos referentes ao uso
do território brasileiro por diferentes atores, reafirma a centralidade do trabalho. Elucida que a utilização mais
recente desse território está associada à nova divisão territorial do trabalho seja através da utilização do trabalho
vivo ou do trabalho morto. “Na medida em que são representativas das épocas históricas, as técnicas, [...]
funcionando solidariamente em sistemas, apresentam-se assim como base para uma proposta de método. Esses
sistemas técnicos incluem, de um lado, a materialidade e, de outro, seus modos de organização e regulação. Eles
autorizam, a cada momento histórico, uma forma e uma distribuição do trabalho. Por isso a divisão territorial do
trabalho envolve, de um lado, a repartição do trabalho vivo nos lugares e, de outro, uma distribuição do trabalho
morto e dos recursos naturais. Estes têm um papel fundamental na repartição do trabalho vivo. Por essa razão a
redistribuição do processo social não é indiferente às formas herdadas, e o processo de reconstrução paralela da
sociedade e do território pode ser entendido a partir da categoria de formação socioespacial [...] (p. 20-21)”.
Embora os autores enfatizem a importância da informação, aliada à ciência e à técnica, no comando dos
processos produtivos, suas análises parecem ir ao encontro das proposições de Antunes (2003, p. 14) que afirma:
“[...] ao invés da substituição do trabalho pela ciência, ou ainda, da substituição da produção de valores pela
esfera comunicacional, da substituição da produção pela informação, o que vem ocorrendo no mundo
contemporâneo é uma maior inter-relação, maior interpenetração, entre as atividades produtivas e as
improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços, entre atividades laborativas e atividades de concepção, que
se expandem no contexto da reestruturação produtiva do capital [...]” (grifo do autor).
91
atividades produtivas por todo o território (centrifuguismo), mas que requer informações
especializadas, as quais tendem a localizar-se na Região Concentrada
71
, notadamente no
Sudeste e em São Paulo (SANTOS; SILVEIRA, 2003).
Para tanto, Santos e Silveira (2003) afirmam que o território brasileiro apresenta
significativas modificações em relação aos processos econômicos e sociais que renovam a
materialidade do território. Dentre as modificações destacam as novas técnicas referentes a
infra-estruturas de irrigação e as barragens, as ferrovias, os portos e aeroportos, as rodovias e
hidrovias, as telecomunicações, as instalações de energia elétrica, refinarias e dutos, os
semoventes e insumos de solo
72
.
Os autores em referência demonstram a importância da informação - aliada à técnica e à
ciência - no momento atual. No entanto, observam, de início, que a constituição e a
distribuição da informação o feitas de forma desigual no território brasileiro e que seu uso
será determinado pelo interesse de quem a produz e a possui - as empresas, o Estado e a
sociedade. Assim é que o avanço das informações sobre a terra e o tempo é imprescindível
para a produção (satélites, pesquisa meteorológica, controle do território com a utilização, por
exemplo, do Sistema de Vigilância da Amazônia Legal (Sivam), os zoneamentos).
O acesso às informações em “tempo real” permite uma maior eficácia, maior
produtividade e maior rentabilidade para aqueles que detêm o controle da informação. Deste
modo
Todos esses novos instrumentos de trabalho colonizam o território de forma seletiva,
de tal modo que os pedaços de maior densidade técnica acabam por oferecer mais
71
A expressão Região Concentrada foi utilizada pela primeira vez, em 1979, por Milton Santos e Ana Clara
Torres Ribeiro. Esta região é formada pelos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (SANTOS; SILVEIRA, 2003).
72
Dentre os avanços técnicos observados no Brasil, nos últimos anos, tem destaque o enorme desenvolvimento
das telecomunicações associado à produção de equipamentos de informática. Nesse aspecto, o número de
empresas ligadas ao setor de informática passa de 12, em 1974, para 71 em 1984, impulsionando a produção de
microcomputadores. Por sua vez, modificam-se as bases materiais de implantação das redes para reservas ligadas
às companhias aéreas, da informatização dos serviços bancários, da automação da produção industrial e da
creditização do território. Tem destaque, ainda, o desenvolvimento da telefonia móvel celular, que chega ao Rio
de Janeiro em meados dos anos 90 e, em 1993, a o Paulo, espalhando-se depois para os outros estados da
federação (SANTOS; SILVEIRA, 2003).
92
possibilidades do que os menos dotados desses recursos de conhecimento. Essa
crescente instrumentalização do território agrava as disparidades entre quem pode
conhecer o território e quem é menos favorecido para fazê-lo. Por isso e
paralelamente criam-se áreas mais informadas e menos informadas (SANTOS;
SILVEIRA, 2003, p. 99-100).
Analisando a reorganização produtiva do território, Santos e Silveira (2003)
argumentam que a evolução da ciência e da técnica, aliada à propagação acelerada da
informação, cria as condições materiais e imateriais para intensificar a especialização do
trabalho nos lugares. Assim, cada parte do território que se moderniza precisa oferecer uma
capacidade específica para a produção, formatando uma nova divisão territorial que se funda
na ocupação de áreas que antes eram periféricas (em relação ao circuito produtivo) e na
reorientação de regiões ocupadas anteriormente.
Observa-se um aumento da descentralização industrial - especialmente em áreas
consagradas por esse tipo de atividade, como é o caso de São Paulo -, ao tempo em que ocorre
uma especialização no comércio e nos serviços. Os autores em referência chamam a atenção
para um fato importante no que toca à reorganização produtiva do território brasileiro: o
surgimento de novos espaços de produção na área da agricultura moderna
73
demonstrando
como se reproduz (e se amplia) a dependência do capital financeiro no uso do território:
Em outras palavras, circunscrevem-se as porções reservadas ao processo direto de
produção, hoje altamente especializadas e chamadas a ser eficientes, e
obrigatoriamente se alarga o espaço das outras instâncias de produção, circulação e
consumo. Os pedaços do território destinados a essa produção direta exigem
custosos insumos de toda natureza e impõem a necessidade de uma circulação
ampliada. Assim, a economia e o território não se organizam nem funcionam sem
grandes somas de dinheiro nas suas formas de crédito, empréstimos, numerário vivo,
financiamentos, hipotecas, commodities, seguros e tantos outros investimentos. Cria-
se dessa forma uma dependência do sistema financeiro, que acaba invadindo todas
as etapas da produção em sentido amplo, pois todas ‘precisam’ dele e todas
constituem modos de acumulação de mais-valia (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p.
132-133, grifo meu em negrito).
73
É notório no Brasil o crescimento da agricultura (o chamado mundo do agronegócio). O avanço das técnicas
de uso do solo, dos processos de irrigação, telecomunicações, transportes rápidos e eficientes, a utilização de
semoventes (tratores, máquinas de plantio e de colheita) e de novos insumos ao solo (sementes estudadas em
laboratórios, fertilizantes), as informações referentes ao clima (que facilitam na previsão do plantio de
determinada safra) tem permitido a expansão de uma fronteira agrícola nas regiões do Centro-Oeste e na
Amazônia, sem contar com os tradicionais cinturões agrícolas do Sul e Sudeste.
93
Nota-se especialmente a partir dos anos 70 um movimento de desterritorialização da
produção industrial no Brasil, como expressão da divisão territorial do trabalho. O número de
estabelecimentos industriais, que entre 1970 e 1980 havia crescido 184,52%, experimenta um
decréscimo de -11,84% entre 1980 e 1990. Por outro lado, há uma complexificação da
produção industrial que se expande, principalmente, para novas áreas da região Sul e para
algumas localidades do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte (Manaus). Em São Paulo, em
particular, verifica-se um aumento do número de estabelecimentos industriais no interior do
estado em detrimento dos existentes na capital e na Região Metropolitana. Em relação à
produção industrial recente no Brasil vale assinalar, ainda, que a automação industrial tem
como conseqüência a queda do emprego industrial, especialmente nas indústrias com pouco
tempo de instalação que tendem a ser mais modernas economizando trabalho vivo (SANTOS;
SILVEIRA, 2003).
Em relação aos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a desindustrialização ocorre,
segundo Diniz (2000), devido à perda relativa e absoluta do peso da produção e do emprego
industrial no conjunto da economia.
Diniz (2000) afirma que o processo de modernização tecnológica verificado no Brasil,
no período mais recente, pode ser observado através da melhora no padrão de produtividade e
do surgimento de novas áreas industriais que utilizam alta tecnologia, com destaque para:
Campinas, São Carlos, São José dos Campos (SP); Santa Rita do Sapucaí, Pouso Alegre e
Belo Horizonte (MG); Curitiba (PR); Florianópolis (SC) e; Porto Alegre, Caxias do Sul (RS).
Embora as empresas nacionais e globais desenhem uma nova tipologia de uso do
território no que se refere à produção e ao consumo dos bens e serviços, seus centros de
comando continuam a ser as regiões Sudeste e Sul, e em alguns casos no estado da Bahia. Os
centros de comando, especialmente por sua capacidade de produzir e utilizar a informação
94
encontram-se, freqüentemente, na denominada Região Concentrada (SANTOS; SILVEIRA,
2003).
De outro lado, as modificações na implantação das atividades industriais no território
são precedidas, às vezes, por uma aguçada competição entre estados e municípios que
reivindicam a instalação de fábricas na sua área de administração, além de disputar recursos (a
chamada “guerra fiscal”), sendo que a indústria de automóvel é um exemplo significativo.
Nesse sentido, as empresas escolhem os lugares para desenvolver sua produção, sendo que
Nos lugares escolhidos, o resto dos objetos, o resto das ões, e, enfim, o resto do
espaço, tudo isso é, assim, chamado a colaborar na instalação da montadora; e tudo é
permeado por um discurso eficaz sobre o desenvolvimento, a criação de empregos
diretos e indiretos, as indústrias de autopeças, a exportação. Nada se fala sobre a
robotização do setor, a drenagem dos cofres públicos para o subsídio das atividades,
a monofuncionalidade dos portos e de outras infra-estruturas, os royalties e o
aumento da dívida externa, a importação de peças e de veículos completos [...]
(SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 112-113).
A “guerra dos lugares” - como também é conhecida a “guerra fiscal” - exige que o
poder público destine recursos para o investimento em infra-estruturas, tais como as rodovias,
ferrovias, portos e aeroportos, geração de energia, e preparação de terrenos para facilitar a
fabricação dos automóveis e caminhões
74
, no sentido de valorizar cada cidade como um
provável espaço produtivo.
Santos e Silveira (2003) chamam a atenção para o fato de que essa competição ente os
lugares é feita sob um alto custo para a sociedade, pois a produtividade espacial da cidade não
é duradoura e “quando envelhece, o lugar é chamado a criar novos atrativos para o capital” (p.
116). E este último, por ser comandado globalmente, não tem lealdade com o lugar produtivo,
ocorrendo uma permanente busca de vantagens pelo capital. Por isso o lugar deve oferecer
privilégios para garantir a permanência das atividades empresariais, sob pena de que essas se
74
Embora esta análise esteja voltada para a indústria automobilística, a guerra dos lugares”, pode ser verificada
em diversos ramos da produção e dos serviços.
95
desloquem para outro lugar
75
. “Os objetivos de tais empresas não são propriamente
finalidades, porque não têm teleologia. A busca fundamental e desesperada (e cega para tudo
mais) é a procura de um lucro, uma mais-valia, que deve ser sempre maior do que no minuto
anterior” (p. 296).
Nota-se assim, uma crescente segmentação territorial das etapas do trabalho,
aumentando as trocas e as relações entre as regiões, sendo que essas trocas não são,
necessariamente, entre áreas contíguas, indicando o movimento dos circuitos espaciais da
produção, que se caracteriza pela circulação de bens e produtos e que demonstra a fluidez
desses bens e produtos no território. Deste modo,
No período atual, esse movimento é comandado, sobretudo por fluxos não
obrigatoriamente materiais, isto é, capitais, informações, mensagens, ordens. Essa é
a inteligência do capital, reunindo o que o processo direto da produção havia
separado em diversas empresas e lugares, mediante o aparecimento de verdadeiros
círculos de cooperação. Circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação
mostram o uso diferenciado de cada território por parte das empresas, das
instituições, dos indivíduos e permitem compreender a hierarquia dos lugares desde
a escala regional a a escala mundial (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 144, grifo
meu)
76
.
Com a expansão do meio técnico-científico-informacional, os círculos de cooperação
tornam-se mais complexos e mais amplos na escala geográfica do país. Levando-se em
consideração que a produção precisa ser movimentada, os fluxos (que decorrem da
necessidade de circulação) ganham contornos mais intensos, extensos e seletivos. Daí a
importância dos fluxos reos, ferroviários, rodoviários e aquaviários para o processo de
75
Os autores em referência afirmam nesse sentido: Na medida em que, com o mercado chamado global, cada
empresa busca satisfazer-se nos lugares onde as respostas aos seus reclamos é mais adequada, tal demanda é
errática e o território passa a ter, nas áreas atingidas por esse tipo de relações, uma dinâmica praticamente
imprevisível no próprio lugar em que se exerce e que é também alienada, que não precisa ter correspondência
com os interesses da sociedade local ou nacional. Novas formas de compartimentação do território ganham
relevo e são capazes de impor distorções ao seu comportamento: são as novas caras da fragmentação territorial”
(p. 254). Santos e Silveira (2003) chamam a atenção para um fato importante: embora o território brasileiro não
seja completamente globalizado - a exemplo da Amazônia - existe uma influência direta ou indireta de uma
lógica global no comportamento dos agentes e dos lugares que beneficia as empresas capitalistas.
76
Santos e Silveira (2003) destacam a importância de alguns circuitos de distribuição e consumo presentes no
território, que são fundamentais para a fluidez da mercadoria: a rede Ceasa, responsável pelo armazenamento e
distribuição em 20 estados brasileiros da produção agrícola e os frigoríficos, a rede de supermercados
(responsável por 85% do abastecimento nacional) e feiras e os shopping centers (em 1999 existiam 155 em todo
o Brasil).
96
circulação. Nesta medida, no Brasil, verificou-se um crescimento significativo dos fluxos
aéreos: houve um aumento do número de passageiros de 15.508.850 (em 1986) para
18.039.779 (em 1995); dos fluxos ferroviários: em 1960, eram transportadas, via ferroviária,
44.846 toneladas de cargas, em 1990 eram 235.105 e, em 1994, esse número passa para
256.365 toneladas; dos fluxos rodoviários: a frota de veículos aumenta 7,6 vezes entre 1950 e
1970, 4,2 vezes entre 1970 e 1985 e 2,1 vezes entre 1985 e 1996; dos fluxos aquaviários: em
relação à embarcação de longo curso, o transporte de cargas para exportação em portos
marítimos cresceu 2,9 vezes entre 1973 e 1996 (SANTOS; SILVEIRA, 2003).
A partir desse contexto é que se podem apreender as modificações no cenário das
cidades brasileiras. Nota-se uma tendência de crescimento urbano em quase todo o território
nacional, configurando uma “população fortemente urbanizada” (TASCHNER, 2003, p. 14).
De acordo com Rattner (2001) nos últimos 50 anos houve uma inversão quanto à distribuição
da população no espaço geográfico. Em 1945, de um total de 45 milhões de habitantes, a
população urbana representava 25%. Em 2000, de um total de 169 milhões, essa população
sobe para 82%
77
.
Analisando as tendências da metropolização brasileira, Ribeiro e Silva (2003, p. 38)
demonstram que a elevada concentração espacial da população e de investimentos públicos e
privados articulam-se aos aspectos históricos da urbanização brasileira vinculados ao processo
de colonização, ao tipo de comando do território, ao movimento da industrialização; à
centralização do capital, ao desenho da rede urbana e à dinâmica seletiva do mercado de
trabalho. Esses aspectos aliam-se, no período atual, à busca de “acomodação da sociedade aos
ajustes da economia a fluxos financeiros mundiais e à reestruturação produtiva, o que
77
A esse respeito Motta (2004) elucida que a taxa de crescimento da população total brasileira diminuiu de
1,93% ao ano no período 1980/1991 para 1,63% ao ano no período 1991/2002. No entanto, a taxa de
urbanização apresentou tendências de crescimento de 2,45% ao ano. Em 2000, conforme havia sinalizado
Rattner (2001), dos 169,5 milhões de brasileiros, cerca de 81,2% viviam em cidades.
97
modifica a mobilidade espacial da população e a localização das firmas, assim como, a
agenda dos governos”.
As cidades tendem a crescer ao mesmo tempo em que as metrópoles regionais indicam
tendências de crescimento relativo maior que as metrópoles do Sudeste. As cidades de porte
médio também apresentam taxas de crescimento. As cidades que possuíam entre 20 mil e 500
mil habitantes experimentam um crescimento populacional de 7 milhões em 1950 para cerca
de 38 milhões em 1980, passando para 60.054.404 em 1996. De outro lado, as cidades com
mais de 1 milhão de habitantes passam de 6,5 milhões em 1950 para 29 milhões de pessoas
em 1980 e 46.718.598 em 1996 (SANTOS; SILVEIRA, 2003)
78
.
Diniz (2000) aponta, nesse sentido, que nas últimas décadas vem ocorrendo
transformações significativas no padrão de urbanização no Brasil. A queda no crescimento
demográfico, sobretudo pelo declínio da fecundidade, vem acompanhada do crescimento das
cidades de porte médio. A diminuição do crescimento demográfico, contudo, não é uniforme
tendo em vista as diferenças regionais nos níveis de fecundidade e as diferenças nos processos
migratórios. Houve, por exemplo, um maior crescimento nas regiões Centro-Oeste e Norte
devido às fronteiras agrícola e mineral, possibilitando uma migração para essas áreas ao
tempo em que uma diminuição dos fluxos migratórios em direção às grandes cidades por
conta da redução das oportunidades de trabalho nessas cidades
79
. De outro lado, as
possibilidades de emprego advindas do relativo processo de desconcentração da indústria e
dos serviços, têm permitido o maior crescimento das cidades de porte médio
80
.
78
“As cidades milionárias, que eram duas em 1960 (São Paulo e Rio de Janeiro), são cinco em 1970, dez em
1980 e cerca de 15 no ano 2000” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 206).
79
A esse respeito, diz Taschner (2003, p. 14): “Os percentuais de pessoas no Norte e Centro-Oeste vêm
aumentando; o Norte apresentava 5,56% da população total em 1980, passando a 6,81% em 1991 e a 7,60% em
2000. O Centro-Oeste tinha 5,72% em 1980, 6,42% em 1991 e 6,83% em 2000.”
80
Taschner (2003) destaca que nos tempos mais recentes, pode-se verificar no Brasil um processo de
redistribuição populacional e de empregos. Ao lado dessa redistribuição, registra-se a perda absoluta de
empregos formais devido à modernização tecnológica e à terceirização do trabalho. No período compreendido
entre 1990 e 1996 as áreas metropolitanas perderam cerca de 1,3 milhões de empregos formais, dos quais 685
mil (54%) na área metropolitana de São Paulo e 254 mil (20%) na área metropolitana do Rio de Janeiro, o que
98
Em paralelo ao crescimento das cidades dias, o cenário urbano brasileiro tem
apresentado uma baixa relativa de crescimento demográfico nas grandes cidades, a exemplo
do que vem acontecendo em metrópoles como São Paulo
81
. Nessa linha de raciocínio, Ribeiro
(1995, p. 2) afirma que a “perda relativa de atratividade das metrópoles [...] significa, em sua
face positiva, a afirmação de uma ampla rede urbana capaz de filtrar a pressão migratória
antes exercida sobre estes contextos. Significa, também os efeitos imediatos, na dinâmica
demográfica, da queda abrupta da fecundidade observada nas últimas décadas [...]”
O crescimento inferior relativo das grandes cidades em comparação às cidades médias é
denominado por Santos (1993) de “involução metropolitana”. De acordo com Ribeiro (1995),
este conceito é utilizado para demonstrar a propensão ao esgotamento da concentração
histórica e da centralização política e econômica dos centros urbano-metropolitanos existentes
no país, sendo que, na concepção da autora, este “esgotamento poderia ser indicado através da
crescente relevância, adquirida por cidades de porte médio, no processo de industrialização e
no desempenho de funções associadas à modernização da agricultura” (p. 07).
Assim é que em 1980 havia - fora das nove regiões metropolitanas - apenas quatro
cidades acima de meio milhão de habitantes. Em 1991 esse número passa para nove e em
1996 para doze. Essas cidades (como Brasília, Manaus e Goiânia que agora têm por volta de 1
milhão de habitantes, além de Campinas, São Luis do Maranhão, Natal, Teresina e Campo
Grande) possuíam, juntas, 5,11 milhões de habitantes em 1980 passando para 7,428 milhões
em 1991, cujo crescimento equivale a 44,23%, sendo superior ao observado nas nove regiões
metropolitanas, que foi de 22,33%. “Esses resultados, indicativos de nova tendência, isto é, de
aglomeração da urbanização em outro nível, parecem confirmar a tendência a uma
indica uma significativa perda do peso das regiões metropolitanas da região Sudeste com a expansão de novas
espacialidades que se inserem na reestruturação produtiva.
81
A cidade de o Paulo que antes detinha supremacia, em comparação às outras cidades brasileiras, devido à
produção industrial, transforma-se no local mais importante do país não por sua capacidade industrial, mas pela
possibilidade de produzir, coletar e classificar informações tanto suas como de outras regiões, tornando-se uma
metrópole onipresente em todo o território nacional (SANTOS, 1993).
99
desmetropolização que se verifica em paralelo com a permanência do fenômeno da
metropolização”
82
(SANTOS; SILVEIRA, 2003).
Nessa angulação, pode-se verificar que o crescimento das cidades conecta-se, por
muitas mediações, ao movimento da globalização. Na relação entre o local e o global as
cidades podem adequar-se, ou o, às necessidades das empresas nacionais ou globais. De
todo modo, com base na bibliografia adotada, podemos afirmar com segurança que o sistema
de cidades no território brasileiro é permeado pela lógica da produtividade e do lucro
empresarial
83
. Como afirmam Santos e Silveira (2003, p. 306):
Pode-se, de modo geral, dizer que nas condições históricas atuais o meio técnico-
científico-informacional, seja como área contínua, mancha ou ponto, constitui esse
espaço da racionalidade e da globalização. A serviço de grandes empresas privadas,
o território nacional conhece, em certos lugares, uma adequação técnica e política
que permite a tais empresas uma produtividade e um lucro maiores. Em última
análise, trata-se de uma racionalidade privada obtida com recursos públicos. Em
outras palavras, tal racionalidade representa sempre uma drenagem de recursos
sociais para a esfera do setor privado.
Nesse aspecto, Ribeiro (1998) assinala que se de um lado os avanços técnicos e a vida
urbana direcionam a modernização do território e a administração das relações sociais, de
outro, uma distribuição desigual dos ganhos tecnológicos que se reverte na precarização da
vida social. Diz a autora:
A vida social na periferia do capitalismo, especialmente na América Latina em
decorrência de seu elevado nível de urbanização, pode ser rapidamente descrita
pelas carências urbanas, em que sucessivos processos de modernização da economia
aconteceram de forma parcial ou incompleta. Assim, a vida urbano-metropolitana se
fez pela distribuição socialmente seletiva da técnica, gerando o desgaste de seres
humanos e o sobre-trabalho (p. 10).
82
Diniz (2000, p. 52) demonstra que houve um crescimento urbano e industrial de uma rede de cidades médias
em diversas partes do território brasileiro. Afirma que o “número de áreas industriais com mais de 10 mil
pessoas ocupadas na indústria subiu de 33 em 1970 para 90 em 1991, ou seja, 57 novas áreas industriais
relevantes, das quais 44 se localizaram na região Centro-Sul do Brasil (15 em SP, 12 em MG, duas no ES, uma
no RJ, cinco no RS, seis no PR e três em SC). As treze restantes estão espalhadas no resto do país, sendo nove no
Nordeste, das quais seis são capitais estaduais (Natal, Maceió, Aracaju, João Pessoa, São Luís e Teresina). As
outras quatro são também capitais, a saber: Goiânia, Brasília, Manaus e Cuiabá.”
83
“É assim que as cidades constituem, cada vez mais, uma ponte entre o global e o local, em vista das crescentes
necessidades de intermediação e da demanda também crescente de relações. Os sistemas de cidades constituem
uma espécie de geometria variável, levando em conta a maneira como as diferentes aglomerações participam do
jogo entre o local e o global. É dessa forma que as cidades pequenas e médias acabam beneficiadas ou, ao
contrário, são feridas ou mortas em virtude da resistência desigual dos seus produtos e de suas empresas face ao
movimento da globalização” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 281).
100
A aglomeração urbana, desvinculada do acesso à técnica, expressa diversos aspectos da
segregação sócio-espacial que configura a urbanização brasileira. Esses aspectos podem ser
percebidos na distribuição das redes de infra-estrutura e de serviços, na situação precária da
circulação urbana e no acesso diferenciado aos equipamentos urbanos (RIBEIRO, 1998)
84
.
É assim que no espaço urbano aprofundam-se as expressões da questão social que se
manifestam através da violência urbana, com altos índices de criminalidade, expansão do
tráfico de drogas, além da violenta exclusão econômica, social, cultural e espacial (GOMES,
2002), incluindo-se aí a precarização das condições de moradia nas cidades.
A dificuldade de acesso à moradia digna pela classe trabalhadora pode ser considerada
um dos problemas urbanos mais graves do país, levando-se em consideração que este acesso é
cada vez mais seletivo no que refere ao poder aquisitivo (ALVES, 1997). Por outro lado, o
grau de dificuldade no acesso à moradia pela classe trabalhadora é intensificado quando se
leva em conta a especulação imobiliária e fundiária. A ocupação do espaço urbano é
absolutamente desigual onde se verifica que os interesses especulativos sobrepõem-se aos
interesses relativos à função social do solo urbano
85
, o que permite a formação de inúmeros
lotes vazios e de imensas glebas o urbanizadas à espera de valorização. Além disso, a
especulação imobiliária é favorecida pela quase inexistência de uma política fundiária que
garanta o direito à habitação face ao direito à propriedade privada, cuja situação é agravada
pelo ínfimo investimento público na produção de habitação e de infra-estrutura em favor
daquela classe (MARICATO, 1996).
84
Com base em Egler, Ribeiro (1998, p. 10) continua afirmando que: A reduzida incorporação da técnica em
projetos voltados à humanização da vida metropolitana transforma em bens escassos áreas e serviços urbanos
tecnicamente atualizados. Esta escassez apóia o aumento exacerbado do seu valor econômico e do seu valor
simbólico, isto é, como itens de status e de estilos de vida trabalhados pela indústria cultural. A democratização
da técnica se constitui, portanto, num pleito que envolve direitos sociais fundamentais. A permanente reprodução
da escassez impõe a crítica à privatização perversa de investimentos que poderiam permitir o enriquecimento
cultural da vida metropolitana e a distribuição mais justa de oportunidades de acesso ao futuro.”
85
De acordo com Diniz (1995, p. 7) a função social da cidade “significa que a cidade deve servir a todos e não
apenas a uma minoria; significa que a qualidade geral de vida deve levar em conta a relação do homem com o
meio ambiente, o que resulta de uma melhor redistribuição de renda no espaço urbano.”
101
Gomes (2005) assinala que a problemática da moradia observada, especialmente, a
partir da crise econômica dos anos 70 do século anterior – está associada a dois elementos que
se interrelacionam: por um lado as novas condições evidenciadas pela globalização da
economia que produzem novas expressões da questão social (como é o caso da pobreza
urbana); por outro, a diminuição da atuação do Estado na área social, particularmente através
da substituição de políticas de natureza universal por políticas focalizadas, caracterizando
novos formatos de intervenção na área habitacional, precarizando o acesso à moradia,
sobretudo pela classe trabalhadora. Observa-se, segundo a autora, um giro quanto à atuação
estatal:
O papel do Estado mudou na política de habitação com a progressiva desregulação
do Estado que nos países capitalistas centrais, durante o fordismo, possibilitou
políticas de produção de moradia em massa para a população de baixa renda. Essa
mudança se verifica através de uma intervenção caracterizada por políticas pontuais
para o desenvolvimento da produção individual /privada de moradias [...]
86
(GOMES, 2005, p. 152-153).
O desenho urbano brasileiro é acompanhado da formação de inúmeras “áreas ilegais”,
manifestadas em favelas, ocupações de terras urbanas, moradia em áreas alagadas - como é o
caso da cidade de Belém, expressando a segregação social e espacial
87
que, por sua vez,
expressa a baixa qualidade das condições de moradia.
Pode-se verificar que a produção do espaço urbano é acompanhada da precariedade das
condições de vida, com o agravamento da desigualdade socioeconômica e cultural, que se
86
A autora chama atenção que a política habitacional do período fordista - em que havia forte intervenção estatal
e que nos países da América Latina o assumiu características de universalização - foi substituída por um
padrão de intervenção de natureza mais liberal (GOMES, 2005). Sobre as novas formas de intervenção urbana
que vem sendo instauradas em lugar do padrão fordista, de que trata a autora, cf. ABRAMO, Pedro. Formas de
financiamento do acesso à terra e funcionamento do mercado fundiário-imobiliário: um ensaio com base na
noção de regime urbano. Cadernos IPPUR/UFRJ. ano XV, n. 02 (ago/dez 2001) / ano XII n. 1 (jan/jul 2002).
87
Quanto ao aspecto da segregação espacial Trindade Jr. (1993, p. 20) observa que “Sendo o espaço a expressão
territorializada da sociedade, o maior ou o menor acesso a certos padrões de consumo se dá, em grande parte,
pela segregação no espaço das diversas classes ou frações de classe. Isso se verifica basicamente em decorrência
da capacidade diferencial que cada grupo social tem que pagar pela residência que ocupa, cuja característica é
definida não pelo tipo-qualidade como pela localização”. O mesmo autor, com base em O’ Neill (1986), nos
fala ainda de um tipo de segregação imposta que leva os segmentos da classe trabalhadora a ocuparem terrenos
não muito favoráveis à moradia tanto pelo seu aspecto topográfico (áreas alagadas) quanto por sua localização
(periferias distanciadas do centro da cidade).
102
reflete na problemática habitacional, especialmente nas cidades. Como diz Santos (1993, p.
09-10): “[...] a grande cidade, mais do que antes, é um pólo da pobreza (a periferia no pólo
[...]), o lugar com mais força e capacidade de atrair e manter gente pobre, ainda que muitas
vezes em condições sub-humanas”
88
.
A partir dessas reflexões é que se pode perceber que as cidades sofrem alterações
significativas em função do atual processo de produção e reprodução do capital. Cada vez
mais se ampliam os espaços de produção e circulação de produtos, pessoas, mercadorias,
informação (SANTOS; SILVEIRA, 2003). O alargamento das cidades é proporcional à
necessidade de produção e reprodução de capital, onde as empresas, conforme demonstra
Santos (2003), produzem o consumidor antes mesmo do processo produtivo, isto é, a
produção do consumidor antecede à produção dos bens e serviços
89
.
Tendo em vista a necessidade de garantir a inserção da cidade (ou sua acomodação) no
recente processo de produção, os organismos internacionais de crédito (particularmente o
BID) disponibilizam recursos orçamentários para projetos voltados à área urbana. Ocorre que
esse Banco, da mesma forma que “orienta” os governos centrais – através dos Documentos de
País e de Estratégia - na condução das políticas macroeconômicas, tece uma série de
88
Vale citar a passagem de Milton Santos (2003, p. 58-59) que corresponde a uma verdadeira denúncia das
condições precárias a que estão sujeitas parcelas enormes da humanidade: “Seja qual for o ângulo pelo qual se
examinem as situações características do período atual, a realidade pode ser vista como uma fábrica de
perversidade. A fome deixa de ser um fato isolado ou ocasional e passa a ser um dado generalizado e
permanente. Ela atinge 800 milhões de pessoas espalhadas por todos os continentes, sem exceção. [...] Dois
bilhões de pessoas sobrevivem sem água potável. Nunca na história houve um tão grande número de deslocados
e refugiados. [...] O desemprego é algo tornado comum. [...] A pobreza também aumenta. No fim do século XX
havia mais 600 milhões de pobres do que em 1960; e 1,4 bilhão de pessoas ganham menos de um dólar por dia.
[...] O fato, porém, é que a pobreza tanto quanto o desemprego agora são considerados como algo ‘natural’,
inerente ao seu próprio processo [...]”.
89
Nesse aspecto é importante a afirmação de Rauta Ramos (2002, p. 45): “Quando os consumidores fizerem
encomendas através das redes de informática, a produção será diretamente antecipada pelo consumo, evitando as
tradicionais despesas com estocagem e comercialização. Embora o centro do ‘novo regime de acumulação’
desloque-se da fábrica, esta ainda continua a exercer um papel importante na produção material, mas
subordinada a uma rede técnico-científica, ainda que prevaleçam em várias indústrias os modelos
estandardizados e de produção em grande escala.”
103
prescrições que se destinam, prioritariamente, aos gestores municipais através da difusão de
um modelo de gestão de cidades
90
. É o que veremos a seguir.
2.2 O DEBATE SOBRE A PRESCRIÇÃO DE MODELOS DE GESTÃO DE CIDADES NA
PERSPECTIVA DAS AGÊNCIAS MULTILATERAIS
Na fase atual do capitalismo denominada, por muitos autores, de globalização, que na
concepção de Santos (2003, p. 23) representa o “ápice do processo de internacionalização do
mundo capitalista”, cada vez mais ganha força a disseminação de um pensamento único, que
tendo por base a ciência e a técnica, impõe o mercado como solução única para a produção da
vida. A ideologia é, nesse aspecto, fundamental para a produção, difusão, reprodução e
conservação da globalização. Assim, afirma Santos (2003, p. 53):
Nas condições atuais, a ideologia é reforçada de uma forma que seria impossível
ainda um quarto de século, que, primeiro as idéias e, sobretudo, as ideologias
se transformam em situações, enquanto as situações se tornam em si mesmas
‘idéias’, ‘idéias do que fazer’, ‘ideologias’ e impregnam, de volta, a ciência (que
santifica as ideologias e legitima as ões), uma ciência cada vez mais redutora e
reduzida, mais distante da busca da ‘verdade’ [...].
Na constituição e disseminação do pensamento hegemônico característico do período da
globalização tem destaque, segundo Ribeiro e Silva (2004), a formação de um novo discurso
dominante que se apóia amplamente em uma racionalidade gestionária que articula o poder
econômico e o poder administrativo. Sendo que essa articulação tende a enfraquecer o poder
político, materializado na fragilização dos espaços públicos, e a priorizar as ações de
organização (gestão). Nos dizeres das autoras:
90
Ribeiro, L. C. Q (2000) aponta que dentre as diversas reflexões existentes sobre o desenvolvimento das
cidades, encontram-se as recomendações dos organismos internacionais, as quais consideram que a
reestruturação das economias urbanas, especialmente das grandes cidades, é estratégica para o desenvolvimento
da nação tendo em vista os nexos estruturais estabelecidos entre a dinâmica urbana e o desempenho
macroeconômico. De acordo com essas recomendações os nexos estruturais que precisam ser articulados são: o
nexo financeiro, que visa o equilíbrio do setor financeiro, garantindo a poupança privada; o nexo fiscal, que se
volta a uma melhor arrecadação nos municípios, evitando uma sobrecarga orçamentária do Governo Federal e; o
nexo produtivo cuja orientação tem em vista a eficiência na infra-estrutura urbana para o aumento da
produtividade das empresas.
104
[...] A globalização pode ser lida, portanto, como ocidente, técnica e modernidade,
descolados de ciência e filosofia. Pode ser lida, também, como réquiem da economia
política, na medida em que afirma-se (sic) a gestão econômica sem maiores
investimentos discursivos, o que significa, afinal, o descarte da política. Nesta
gestão, acontece o privilégio aos nculos entre poder econômico e poder
administrativo (RIBEIRO; SILVA, 2004, p. 349).
De acordo com Ribeiro e Silva (2004), o poder que se constrói na escala-mundo o
tem a necessidade de convencer, mas de seduzir, cuja tarefa de sedução cabe aos especialistas
em mercadorias que contribuem para mercantilizar a cultura e subordinar a política à
economia. Nesse sentido, as articulações entre informação e inovação indicam como se
processam a materialidade e a sociabilidade contemporâneas, permitindo a formação da
racionalidade gestionária antes referida.
A mescla informação/inovação sustenta, através de numerosas teorias-práticas e
campos profissionais, o polissêmico campo da gestão. Neste campo, m sido
controlados os riscos mais graves de queda das taxas de lucro das grandes
corporações, sempre presentes nos investimentos em técnica, e os riscos de conflito
social e político originados da socialização da informação, também estimulada pela
técnica, em diversos âmbitos da experiência coletiva (RIBEIRO; SILVA, 2004, p.
350).
Nas condições presentes, a nova ordem que se expressa em impulsos globais
91
afirma-se
mediante determinadas condições, tais como articulações políticas e fusão entre capitais, que
asseguram a sua permanência. Desta forma, a privatização de empresas públicas responsáveis
por serviços urbanos pode ser considerada um resultado/efeito de longa duração advindo da
articulação de interesses no âmbito da produção de um impulso global. Assim, o evento (no
caso, a privatização) transforma-se gradativamente em fato ou fatalidade, incorporado em
normas e referências legais para a conduta (RIBEIRO; SILVA, 2004).
Causa e previsão retornam, portanto, ao centro da análise: o evento que desestrutura
deve ser lido em sua capacidade de transformar-se em causa de novas mudanças,
tendo amplificados os seus impactos, por sua possibilidade de ser tornar fato, ou
seja, condição - e, amesmo, causa - de novos eventos. Acreditamos que a ação
hegemônica que se realiza no impulso global tenha esta capacidade de conquistar a
91
Ribeiro e Silva (2004, p. 351) denominam de impulsos globais os vetores que articulam informação e inovação
vinculados aos novos processos de gestão. Esses impulsos dizem respeito “à emergência de uma forma de agir
de natureza sistêmica e corporativa, que se apropria de condições herdadas e de níveis de controle da mudança
permitidos pelo meio técnico-científico-informacional”.
105
duração, a irreversibilidade dos desígnios de que é portadora e, também, o
fechamento de caminhos de retorno à situação vivida antes da sua manifestação.
Neste sentido, a face destrutiva - criadora do capitalismo possui conteúdos
normativos e codificadores da ação valorizada, que alteram marcos legais e o
imaginário social (RIBEIRO; SILVA, 2004, p. 358).
Para as autoras, uma das características importantes da nova gestão é a capacidade de
modificar eventos (incerto, novo) em fatos (condição herdada, estrutura) mediante a utilização
de imagens que alteram a forma de percepção da vida coletiva, bem como das
oportunidades
92
. “Desta maneira, existem hoje formas de controle da compreensão do todo e
do novo que dificultam a leitura das contradições alimentadas pela atual dinâmica do
capitalismo [...]” (RIBEIRO; SILVA, 2004, p. 360).
Na constituição do pensamento único que legitima ideologicamente a inexorabilidade
das forças de mercado, é absolutamente visível a influência dos organismos internacionais de
crédito (FMI, Banco Mundial, BID), que, considerados como inteligência geral, inteligência
global (SANTOS, 2003), são instrumentos fundamentais das empresas internacionais e
nacionais na busca incessante de acumulação do capital
93
.
A nosso ver, levando-se em consideração a importância das cidades para o recente
processo de globalização do capital, a notória produção de um discurso ideológico,
materializado em modelos orientadores do planejamento urbano, voltados, sobretudo, aos
gestores municipais.
92
A valorização do treinamento / capacitação para o trabalho (evento) em detrimento do sistema educativo (fato)
é um exemplo de como essa construção cultural imprime modificações na vida individual e coletiva.
93
Chossudovsky (1999) chama a atenção de que especialmente a partir dos anos 80, as instituições financeiras
multilaterais contribuem na produção e disseminação de um discurso econômico dominante que tem por meta a
dissimulação das manipulações do sistema econômico global. Esse discurso, que desestimula a capacidade de
análise crítica da realidade, tem exercido forte influência nas instituições acadêmicas e de pesquisa em todo o
mundo. Enredado pelo dogma neoliberal, esse discurso apóia-se em temas, tais como: o do desenvolvimento
sustentável e da diminuição da pobreza, distorcendo e disfarçando as questões políticas que verdadeiramente
referem-se à proteção do meio-ambiente e à produção da pobreza. Esse discurso ideológico (que no contexto dos
bancos pode ser considerado um “contra-discurso” ou contra-ideologia”, posto que é revestido de uma noção
moral e ética), é forjado quando essas instituições promovem pesquisas - por exemplo, sobre a pobreza e sobre
dimensões sociais do ajuste - que se revertem em orientações: diminuição da pobreza, questões de gênero,
eqüidade, etc., corporificando uma face humanitária dessas instituições que, aparentemente, comprometem-se
com as mudanças sociais no mundo. Para o autor, a incorporação desse discurso na agenda política (dos países,
estados, municípios) tendo em vista que se dissocia do debate macroeconômico, não se constitui em ameaça à
agenda econômica neoliberal.
106
Vainer (2002) demonstra que dentro da arquitetura de prescrição de modelos para o
desenvolvimento das cidades tem tido destaque o denominado planejamento estratégico, o
qual vem sendo propagado no Brasil e na América Latina através das agências multilaterais -
em especial o BIRD e o Habitat - e de consultores internacionais, particularmente os
catalães
94
, que difundem a experiência de gestão da cidade de Barcelona
95
.
O planejamento estratégico - que foi inspirado nos conceitos e técnicas do planejamento
empresarial - deve, segundo seus defensores, ser utilizado pelos governos locais tendo em
vista que as cidades passam pelos mesmos desafios e condições que as empresas. Nesse
sentido Borja apud Vainer (2002) afirma que devido à globalização da economia, um
aumento de competitividade entre os territórios e mais especialmente entre as cidades.
O discurso do planejamento estratégico é o da competitividade urbana posto que as
cidades devem competir pelo investimento de capital, tecnologia e competência gerencial,
bem como devem competir no sentido de atrair novas indústrias, negócios e força de trabalho
qualificada, devendo, ainda, ser competitivas no preço e na qualidade dos serviços oferecidos
(VAINER, 2002).
Harvey (1996) demonstra em relação a esse aspecto que, de fato, uma competição
entre as localidades, estados e regiões urbanas. Por esse motivo, os administradores urbanos
têm se orientado na perspectiva de construir um favorável clima de negócios que ofereça
diversos tipos de atrativos para os investimentos capitalistas na cidade.
94
Os catalães a que se refere o autor são Manuel Forn e Jordi Borja que vêm divulgando a experiência de
Barcelona e o modelo de planejamento estratégico mediante consultorias e produção de textos. Manuel Castells,
de certo modo, também integra o grupo e tem escrito trabalhos em parceria com Jordi Borja (VAINER, 2002).
95
Refletindo sobre as cidades no âmbito da economia mundial recente, Compans (2001) demonstra que tem
havido uma propagação de modelos de gestão urbana e estratégias de desenvolvimento local pensados por
agências multilaterais e consultores internacionais. Assim é que são oferecidos modelos de “cidades
sustentáveis”, “cidades empreendedoras”, “cidades saudáveis”, “cidades globais” que se colocam como
alternativas para a resolução dos problemas urbanos. Ribeiro, L. C. Q. (2004) observa que a literatura
internacional tem valorizado a discussão sobre as grandes cidades na perspectiva do desenvolvimento. Sendo que
a produção das agências multilaterais, em particular a do Banco Mundial, possui um caráter normativo, isto é,
apresenta modelos, diagnósticos e orientações cujos objetivos podem ser associados à resolução dos problemas
dessas cidades e ao incremento de sua produtividade para inseri-las no processo de desenvolvimento.
107
Analisando criticamente a proposta difundida pelos planejadores urbanos em questão,
Vainer (2002, p. 78) aponta que na perspectiva do planejamento estratégico, a cidade é vista
como uma mercadoria que deve ser vendida em um mercado bastante competitivo e onde
outras cidades também se encontram à venda. Talvez por esse motivo, demonstra o autor,
o chamado marketing urbano se imponha cada vez mais como uma esfera específica
e determinante do processo de planejamento e gestão de cidades. Ao mesmo tempo,
encontraríamos as bases para entender o comportamento de muitos prefeitos, que
mais parecem vendedores ambulantes que dirigentes políticos
96
.
Na mesma direção Sánchez (2001) lembra que, nessa perspectiva, os governos
municipais empenham-se em preparar uma imagem publicitária das cidades e, por esse
motivo, os gestores locais podem ser comparados a caixeiros viajantes que visam vender seus
produtos. Entretanto, a autora chama atenção de que esse tipo de gestão não se circunscreve,
apenas, ao nível local. O discurso da competitividade urbana, o da gestão urbana empresarial
(que sustenta o mito da política eficiente) e o discurso da cidade sustentável (em nível social,
econômico e ambiental) são produzidos e cristalizados como modelos dominantes veiculados
em escala mundial
97
.
Nesse contexto, a venda da cidade significa a venda de atributos que são específicos e
valorizados pelo capital transnacional, tais como: espaços para feiras e convenções, parques
industriais e tecnológicos, oficinas de informação e apoio a investidores e empresários e
segurança. Afinal, como afirma Harvey (1996, p. 55), “[...] a cidade tem que parecer como
96
Cocco (2001) faz referência à influência dos consultores catalães - em especial Jordi Borja - no planejamento
estratégico da cidade do Rio de Janeiro, nos anos 90. Sendo que uma das conseqüências dessa influência teria
sido a candidatura desse município aos Jogos Olímpicos de 2004. Vale lembrar que Barcelona sediou esses jogos
em 1992. Em tempos recentes, pode-se verificar a continuidade da lógica competitiva entre cidades, no caso
daquela cidade, tendo em vista que o Prefeito César Maia empenhou-se, e foi vitorioso, na construção do
marketing para vender a imagem do Rio com vistas a sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007.
97
Nesse aspecto, Rojo (1998) ao apresentar a experiência de Barcelona como cidade empreendedora, diz que os
principais desafios a serem enfrentados pelas cidades no século XXI são: a globalização dos mercados, o
desenvolvimento das telecomunicações e das tecnologias de informação, crescente competência internacional, as
mudanças na economia e nos mercados de trabalho, planejamento empresarial que leve em consideração as
articulações territoriais entre as nações. Para tanto, demonstra - com base na atuação da Prefeitura de Barcelona -
que os governos locais devem: planificar estrategicamente o futuro, adaptar os recursos humanos locais aos
novos perfis, descentralizar os serviços, estar dispostos a enfrentar novos desafios, aproveitar rapidamente as
oportunidades que oferecem as novas tecnologias, ser bons gestores, buscar um consenso para levar adiante os
objetivos da cidade, ser eficientes.
108
lugar inovador, excitante, criativo e seguro para viver, visitar, para jogar ou consumir”. De
acordo com Castells e Borja apud Vainer (2002), o governo local tem um papel importante na
preparação da imagem da cidade e na oferta de serviços (comunicações, oferta cultural,
segurança) e de infra-estrutura com vistas a atrair investidores, visitantes e usuários solventes
à cidade
98
.
Segundo Vainer (2002) uma outra noção presente no discurso do planejamento
estratégico é o da cidade-empresa. De acordo com esta noção, a cidade deve ser concebida
como um agente econômico e como tal, deve atuar no contexto do mercado. As decisões
tomadas na cidade devem levar em consideração as informações e expectativas produzidas no
e pelo mercado.
O autor em referência faz, então, um questionamento de como seria possível garantir
que a cidade-empresa, pensada e administrada estrategicamente como uma empresa, possa ser
eficaz, ou seja, possa alcançar a produtividade e a competitividade que se deseja de uma
empresa? A cooperação ou a parceria público-privada tem sido uma indicação dos
organismos internacionais para assegurar que os interesses do mercado adentrem no próprio
processo de planejamento e decisão acerca da cidade, sendo que o sentido de privado está
intimamente associado ao interesse privado dos capitalistas e encontra-se no mesmo campo de
expressões como iniciativa privada e privatização
99
.
O que nos parece central extrair destas leituras é que a analogia cidade-empresa não
se esgota numa proposta simplesmente administrativa ou, como muitas vezes
pretendem apresentar seus defensores, meramente gerencial ou operacional. Na
verdade, é o conjunto da cidade e do poder local que está sendo redefinido. O
conceito de cidade, e com ele os conceitos de poder público e de governo da cidade
98
Quanto a essa assertiva, diz Vainer (2002, p. 80): “Tem-se aqui o perfeito e imediato rebatimento, para a
cidade, do modelo de abertura e extroversão econômicas propugnado pelo receituário neoliberal para o conjunto
da economia nacional: o mercado externo e, muito particularmente, o mercado constituído pela demanda de
localizações pelo grande capital é o que qualifica a cidade como mercadoria. O realismo da proposta fica claro
quando nossos pragmáticos consultores deixam claro que esta abertura para o exterior é claramente seletiva: não
queremos visitantes e usuários em geral, e muito menos imigrantes pobres, expulsos dos campos ou de outros
países igualmente pobres; queremos visitantes e usuários solventes [...]” (grifo do autor).
99
Prova de que esta idéia encontra-se em largo processo de difusão é o projeto em debate no âmbito do governo
federal brasileiro de Parceria Público-Privada, que tem sido indicado como alternativa para - diante da crise
fiscal do Estado - facilitar, sobretudo, a criação de infra-estrutura necessária ao processo produtivo.
109
são investidos de novos significados, numa operação que tem como um dos esteios a
transformação da cidade em sujeito/ator econômico [...] e, mais especificamente,
num sujeito/ator cuja natureza mercantil e empresarial instaura o poder de uma nova
lógica, com a qual se pretende legitimar a apropriação direta dos instrumentos de
poder público por grupos empresariais privados (VAINER, 2002, p. 89)
100
.
Vainer (2002) aponta um outro elemento importante na produção do discurso do
planejamento estratégico que se encontra em difusão no Brasil e na América Latina. Trata-se
da noção de cidade-pátria, onde se busca construir um sentimento de patriotismo cívico. Para
tanto, o governo local é conclamado a ser forte, personalizado, carismático, devendo
expressar a vontade única (unificada) de uma cidade, com vistas a enfrentar as outras cidades
tendo por base um projeto competitivo e um patriotismo cívico.
Na verdade, o planejamento estratégico urbano e o propalado patriotismo de cidade -
que em sua gênese defendeu a proposta de descentralização do poder administrativo - acabam
esvaziando a esfera política local que se transforma em um espaço de execução de um projeto
de caráter empresarial e cuja execução deve ser feita por um líder (o administrador local)
personalizado e carismático. Transfigurando-a em mercadoria, em empresa ou em pátria,
definitivamente a estratégia conduz à destruição da cidade como espaço da política, como
lugar de construção da cidadania” (VAINER, 2002, p. 98). Em síntese, para o autor, este
modelo de gestão implica na apropriação da cidade por empresas globalizadas em detrimento
das condições de exercício da cidadania.
Seguindo essa linha de raciocínio, Compans (2001) argumenta que, segundo a
abordagem de Borja e Castells, a diminuição da capacidade reguladora do Estado nacional,
somada à crise fiscal e à descentralização administrativa teria permitido um fortalecimento
100
Ribeiro, L.C.Q. (2004) ao analisar as vertentes teóricas que se inserem no debate sobre as cidades, associa
(em nota) a produção de Borja e Castells como expressão do discurso das agências multilaterais (especialmente
do Banco Mundial), que aponta a possibilidade de desenvolvimento das cidades no âmbito da globalização,
sendo que para isso as cidades devem tornar-se “atores políticos”, representando os interesses privados e
públicos. Nas palavras dos consultores catalães: “Em primeiro lugar, a definição de um Projeto de Futuro é
eficaz se mobilizar, desde o seu momento inicial, os atores públicos e privados e concretizar-se em ações e
medidas que possam começar a implementar-se de imediato. Somente assim verificar-se-á a viabilidade do
plano, gerar-se-á confiança entre os agentes que o promovem e poder-se-á construir um consenso público que
derive numa cultura cívica e num patriotismo de cidade. Esta será a principal força de um plano estratégico”
(BORJA; CASTELLS, 1997, p. 125 apud RIBEIRO, L. C. Q., 2004, p. 19).
110
econômico e político dos governos locais, os quais se constituem em elo entre a cidade e os
investidores externos que buscam adquirir vantagens competitivas tanto na localização quanto
na proliferação de suas empresas. Assim diz a autora:
A estratégia desenhada por esses autores para as cidades visa exatamente tirar
proveito desse crescimento do protagonismo dos governos locais, mesmo se ele
estiver subordinado e dependente de fenômenos externos que os responsáveis
públicos não podem dominar. É uma estratégia de antecipação e adaptação às
exigências de mobilidade e competitividade dos capitais globais que constituem as
novas condições gerais da produtividade que os governos locais deverão agora
promover. Pois, além de promover a competitividade das atividades econômicas
urbanas, os governos locais devem promover também o marketing urbano, [...] para
atrair empresas e investimentos; a parceria público-privada, para captar recursos
adicionais às suas receitas próprias, necessários para a implementação dos projetos
de modernização urbana; a reengenharia administrativa com vistas à eficiência e à
adoção de uma lógica empresarial na condução da ação pública; e, por último, o
consenso político que assegure a governabilidade e a estabilidade política
(COMPANS, 2001, p. 117-118).
Refletindo sobre os discursos e imagens da cidade contemporânea na fase atual de
acumulação do capital, Sánchez (2001) afirma que na perspectiva urbana, a produção do
pensamento único (SANTOS, 2003) diz respeito a um discurso ideológico que procura
promover e legitimar determinados projetos de cidade, cujo exemplo significativo é a
chamada “cidade-modelo”. As instâncias políticas de produção desse discurso - o Banco
Mundial, o BID ou as Nações Unidas - atuam com base em um conjunto de variáveis
arbitrárias que avaliam, medem e classificam as propostas de modernização urbana tendo em
vista a inserção global das cidades.
É assim que se propaga, em nível mundial, a imagem de cidades que foram capazes de
superar crises (econômicas, políticas) através da modernização, da incorporação de infra-
estrutura compatível às necessidades de fluidez do dinheiro e da informação
101
102
. Hoje,
101
Nesse aspecto, afirma Ribeiro (1998, p. 13): “A crescente importância da imagem e da informação constitui a
expressão mais visível de sistemas e enlaces técnicos que o indispensáveis às novas formas de organização da
sociedade, à financeirização da economia e à transformação dos serviços em cunhas estrategicamente inscritas
nos circuitos hegemônicos da riqueza. Na organização moderna dos serviços, o dado substitui a narrativa, a
imagem substitui e/ou recodifica o discurso. Assim, fronteiras que isolavam as esferas pública e privada da vida
coletiva foram atravessadas por gestores, mediadores, e articuladores.”
102
Harvey (1996, p. 60) argumenta criticamente que a “produção orquestrada de uma imagem urbana pode, se
bem sucedida, ajudar também a criar um sentido de solidariedade social, orgulho cívico e lealdade ao lugar e
mesmo permitir que a imagem urbana forneça um refúgio mental em um mundo no qual o capital alija cada vez
111
contudo, a cidade considerada “modelo” de gestão é aquela que além de adequar-se à
modernização tecnológica e infra-estrutural possui uma imagem de cidade harmoniosa,
portadora de qualidade de vida com significativa vida cultural e artística
103
. Esse padrão de
cidade associa-se ao modelo de cidades sustentáveis (SÁNCHEZ, 2001), que por sua vez
conecta-se ao discurso sobre desenvolvimento sustentável amplamente defendido e divulgado
pelas agências
104
.
Os temas de cidades sustentáveis, preservação da qualidade de vida, boa governança
fazem parte, segundo Sánchez (2001) da agenda urbana neoliberal
105
, que expressa a imagem
da cidade competitiva e sustentável, a qual é associada à representação técnica da gestão (e
menos à representação política) à medida que é disseminada a idéia de eficiência técnica na
administração do território capaz de alcançar a eqüidade no que diz respeito aos benefícios da
urbanização, o que implica em uma despolitização na análise da problemática urbana
106
.
Seguindo sua argumentação, diz Sánchez:
mais o senso de lugar.” Isto é, a construção da imagem urbana concorre para a formação de um sentimento de
pertença à cidade, que por sua vez, facilita a construção da alienação face às contradições e conflitos urbanos.
103
Nessa configuração de cidades, o marketing urbano torna-se imprescindível. Veja-se o exemplo das cidades
de Barcelona e Curitiba (no Brasil) lembradas, resguardando-se as diferenças econômicas, como exemplos de
cidades-modelo.
104
Acselrad (2001) evidencia que a noção de sustentabilidade vem ganhando espaço nos debates sobre o
desenvolvimento. Sob a ótica das agências multilaterais, consultores técnicos e apologistas do desenvolvimento,
essa noção associa-se à necessidade de corrigir os rumos (do desenvolvimento) utilizando com eficiência os
recursos existentes no planeta. No referente ao debate sobre a cidade, o discurso da sustentabilidade urbana vem
sendo propagado especialmente a partir da elaboração da Agenda 21, a qual resultou da Conferência da ONU
sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em 1992. Segundo o autor, a partir daí tem-se uma certa
“ambientalização” do debate sobre as políticas urbanas ao mesmo tempo em que se verifica uma incorporação da
problemática urbana no debate sobre as questões ambientais. Essa incorporação deve-se de um lado à
preocupação de atores sociais da cidade (movimentos sociais) quanto à concentração populacional nas grandes
cidades e, de outro, aos investimentos que o Banco Mundial vem fazendo em projetos de caráter ambiental. O
autor observa, ainda, que têm sido produzidas, três matrizes discursivas sobre a sustentabilidade urbana: a
representação técnico-material da cidade (que envolve o modelo da racionalidade eco-energética e do equilíbrio
metabólico); a cidade como espaço da “qualidade de vida” (que diz respeito aos modelos de pureza, cidadania e
patrimônio) e; a reconstituição da legitimidade das políticas urbanas (que trata dos modelos de eficiência e
eqüidade). De todo modo, diz o autor (p. 51): “A busca de um consenso urbano de tal forma ampliado espacial e
temporalmente, legitimado nos propósitos do equilíbrio biosférico e da justiça intergeracional, se justifica, por
certo, pela necessidade de prevenção dos riscos de ruptura sociopolítica em cidades crescentemente
fragmentadas pelos processos de globalização e acumulação flexível.” Ou seja, o discurso da sustentabilidade
urbana é compatível e fundamental à continuidade da acumulação do capital.
105
Para Sánchez (2001), a Conferência Mundial sobre Cidades-Modelo, realizada em Cingapura, em 1999, com
o aval da ONU, é um exemplo de produção e disseminação da referida agenda.
106
No debate sobre a propagação da eficiência técnica da gestão da cidade, é interessante a observação feita por
Sánchez (2001) de que os governos municipais têm sido chamados a apresentar as boas experiências
112
A idéia de sustentabilidade ‘vendida’ pelas imagens-modelo vincula-se à orientação
gerencial das práticas do governo-empresa incorporadas no planejamento. A gestão
empresarial, e sua correspondente retórica, projetam na ‘cidade sustentável’
algumas das qualidades que a capacitam para uma inserção competitiva no
mundo globalizado: reestruturação urbana com vistas ao incremento da
atratividade, construção do patriotismo de cidade e, sobretudo, credibilidade e
confiança por parte dos potenciais investidores. São as próprias imagens de
marca das cidades-modelo que se encarregam de portar a bandeira da
sustentabilidade, como a ‘Capital Ecológica’ em Curitiba, ou a Cidade Jardim’ em
Cingapura, sínteses aggiornate aos valores contemporâneos (SÁNCHEZ, 2001, p.
162, grifo meu em negrito).
A autora em questão demonstra que o desenho de cidades-modelo vincula-se à
proposição de uma agenda urbana hegemônica, elaborada em tempos recentes, sendo que os
temas de competitividade e sustentabilidade compõem uma fórmula - a ser seguida em nível
mundial - que se associa à flexibilização da administração pública, ao envolvimento cívico da
população aos mega-projetos urbanísticos e a inserção das cidades no mundo global.
Oliveira (2001) afirma que, de fato, no período mais recente têm-se produzido uma série
de receitas para as cidades e um aparente consenso quanto ao pensamento orientador do
planejamento urbano. Sustentabilidade e competitividade são temas recorrentes no debate
sobre o urbano e compõem um conjunto de prescrições sugeridas às administrações
municipais.
Na verdade, afirma o autor, o discurso hegemônico sugerido para as cidades ao
pretender conciliar competitividade municipal (que inclui a criação de infra-estrutura para
atrair investimentos externos e aumentar a produtividade das empresas) com sustentabilidade
(controle de impacto ambiental e do risco ambiental, participação popular) contribui para o
administrativas reconhecidas como melhores práticas, que seria uma espécie de premiação aos bons gestores e
cujo critério de avaliação é eminentemente técnico. Exemplo disso o os concursos feitos pela ONU e, no
Brasil, pela Caixa Econômica Federal que premiam as experiências exitosas no âmbito da administração
municipal. No entanto, a autora avalia que “Nesse processo, parece haver uma lógica de duplo sentido: enquanto
as coalisões (sic) locais dominantes geram ideários renovados da agenda urbana global para atualizar seus
projetos de cidade e sua imagem, os ideólogos dos organismos internacionais, ao construírem uma nova
racionalidade para essa agenda, capturam dos projetos locais as ‘boas práticas’ que, pasteurizadas, porque
abstraídas de seus contextos, ressurgem em versões despolitizadas” (p. 172, grifo da autora). Pietri (2000)
argumenta que é por esse motivo que a experiência do Orçamento Participativo - efetivada em algumas cidades
brasileiras, notadamente as administradas pelo Partido dos Trabalhadores e que fora bandeira de luta dos
movimentos sociais no processo de democratização - é considerada como positiva pelo BID, que faz referência à
cidade de Porto Alegre quanto à incorporação da participação na gestão do município.
113
ocultamento dos conflitos sociais existentes na cidade e para a despolitização dos atores
sociais no enfrentamento das expressões da questão social
107
.
Acselrad (2001) assinala que a preocupação com as cidades sustentáveis articula-se à
necessidade das instituições políticas de conciliar o crescimento urbano com o
equacionamento dos problemas urbanos, com base na adaptação tecnológica, na economia de
mercado, na colaboração e no consenso. Essa argumentação compatibiliza-se com o
denominado “pensamento único urbano”, o qual propõe um ajustamento das cidades ao
processo de globalização financeira. Nesse sentido, as cidades são chamadas a serem
competitivas, transformando-se em espaços que disputam investimentos nos mercados
internacionais. Para estimular os investidores, a cidade deve ser eficiente na utilização dos
recursos e também econômica em conflitos sociais. Assim, os planejadores urbanos devem ter
não só competências para a organização do espaço urbano mas também para a
pacificação social, para o tratamento da crise urbana na perspectiva da ordem, ou
antes, de uma ordem. Paradoxo apenas aparente, pois ao estimular disputas entre
cidades pela via da guerra fiscal, este urbanismo de resultados’ tem, ao contrário,
muito contribuído para reduzir as receitas públicas e os recursos disponíveis para as
políticas sociais, aumentando a desigualdade, a exclusão das populações pobres e a
degradação dos recursos ambientais, favorecendo conseqüentemente a multiplicação
dos conflitos (ACSELRAD, 2001, p. 22).
No contexto da difusão de modelos de gestão urbana, Gomes (2005) chama a atenção de
que os organismos multilaterais têm aproveitado as reuniões internacionais - como é o caso
das Conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) - para estruturar um consenso
referente às diretrizes que orientem as formas de cooperação entre os países. A agenda
Habitat, que resultou da segunda conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos –
realizada em Istambul (Turquia), em junho de 1996 definiu um conjunto de princípios,
107
Argumenta Oliveira (2001, p. 200-201): “Desta vez, a luta simbólica se trava pelo reconhecimento da
autoridade para falar em competitividade, sendo recorrente a utilização de estratégias que procuram amenizar a
face dura da competição. A associação entre competitividade e sustentabilidade é uma delas. E as
incompatibilidades existentes entre ambas submergem em um mar de pactos’ urbanos que, apresentados como
capazes de conduzir a cidade a uma inserção privilegiada no mundo globalizado, terminam favorecendo a
concentração de poder nas mãos dos grandes investidores e empreendedores urbanos”. Tal é a perspectiva dos
investimentos imobiliários, que nas grandes cidades tornam visíveis as contradições urbanas entre aqueles que
podem morar no conforto dos prédios e das residências afastadas do centro e aqueles que submoram, isto é,
residem em condições demasiadamente inadequadas à reprodução social.
114
compromissos e metas que deveriam nortear os governos no que se refere às políticas urbanas.
Nesse sentido, o tema da descentralização administrativa ganha força à medida que, segundo
essa Agenda, os governos locais têm um papel importante para prover políticas de habitação
associadas ao desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis que inclua a
participação das comunidades na elaboração dessas políticas e programas.
Entretanto, argumenta a autora que, em realidade, essa descentralização a partir da
orientação neoliberal têm significado o repasse de responsabilidades (e não de recursos) do
Governo Federal ao governo local que passa a encarregar-se da resolução da enorme
problemática urbana.
Aliás, é muito interessante observar como na Agenda Habitat encontram-se expressos os
temas tratados anteriormente por Vainer (2002), Sánchez (2001), Compans (2001), Acserald
(2001), Oliveira (2001) sobre o modelo de gestão de cidades no período atual, particularmente
quando se analisa a forma de tratamento do governo local, o qual é conclamado (ou
seduzido!) a assumir as responsabilidades na condução das políticas. Vejamos o que diz a
introdução da Agenda Habitat para Municípios
108
quanto à atribuição às autoridades locais:
“[...] pela primeira vez em uma Conferência Mundial convocada pela ONU as
autoridades locais foram consideradas como um dos principais grupos de parceiros
dada a sua responsabilidade para o alcance dos objetivos perseguidos pela Habitat II
[...] Os municípios têm, portanto, na Agenda Habitat, uma referência internacional
para orientar sua atuação e definir suas políticas públicas, seus planos e programas
de ação” (FERNANDES, 2003, p. 12-13).
Importante assinalar, ainda, como o conjunto de princípios desta Agenda - com destaque
para os temas de descentralização, participação cívica (educação cívica de indivíduos e
planejamento participativo), parceria” entre os setores público, privado, voluntário e
comunitário, cidades sustentáveis, capacitação e desenvolvimento institucional dos
municípios, eficiência no planejamento e gestão, estímulo a trocas de “experiências bem-
108
Por solicitação da Caixa Econômica Federal, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM)
traduziu para o português o original da Agenda Habitat, sendo publicada pelo governo brasileiro e destinada,
especialmente, aos municípios (FERNANDES, 2003).
115
sucedidas” entre as autoridades locais - casam com as orientações de políticas do BID para as
cidades (com se verá mais detalhadamente nos dois itens seguintes).
Cabe, ademais, uma observação no sentido de apontar como são detalhadamente
gestadas as orientações de políticas para os municípios que, ao fim e ao cabo, devem facilitar
o andamento da economia capitalista: no capítulo sobre o Plano Global de Ação, item
capacitação e desenvolvimento institucional, a Agenda Habitat para municípios orienta que os
governos locais devem: 1) ampliar suas receitas próprias, intensificando sua capacidade de
arrecadação fiscal o que, conforme anotações vistas nesta tese, vai ao encontro das discussões
sobre a reforma do Estado, tema essencial dentro das recomendações de política do BID; 2)
captar recursos externos mediante contratos de financiamento com organismos internacionais,
como o BID, Banco Mundial, União Européia e programas de cooperação com ONG
estrangeiras (e assim, continuar a depender dos recursos externos e aumentar a vida dos
países subdesenvolvidos) e, por último veja-se que esta indicação ficou para o último lugar
no ranking de orientações; 3) estabelecer vínculos com o Governo Federal e requerer recursos
das dotações orçamentárias provenientes do Orçamento Geral da União (OGU) ou do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o desenvolvimento de políticas (o que, aliás,
é perfeitamente compatível com as reflexões feitas até o presente de que a formulação dos
organismos internacionais vai no sentido de liberar o governo central dos gastos atinentes às
políticas sociais em favor do pagamento das contas externas)
109
.
Importante apreender do conjunto dessas análises sobre a prescrição de modelos de
gestão de cidades como vai sendo formatado um discurso que se pretende hegemônico e como
109
Ao fazer um debate sobre o atual planejamento discursivo que envolve as cidades, Maricato (2002) demonstra
que na referida Conferência da ONU para os assentamentos humanos, da qual resultou a Agenda habitat II, a
importância da cidade foi exponenciada em nível internacional em contraponto ao alegado declínio do Estado-
Nação. Esta Agenda incorpora reivindicações e demandas que historicamente pertenciam ao campo das
esquerdas democráticas. E mais, os documentos da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e do Banco Mundial também vêm incorporando bandeiras de luta da esquerda e de
movimentos populares, tais como: a descentralização e autonomia do poder local e propostas de parcerias e a
autogestão de serviços coletivos. No entanto, diz a autora: “Desvendar esse panorama é uma tarefa complexa
devido ao poder de disseminação de idéias e conceitos dessas instituições e agências mundiais que, como se
sabe, têm grande influência sobre as universidades, os intelectuais e a mídia, de modo geral” (p. 133).
116
as agências multilaterais - em particular o Banco Interamericano de Desenvolvimento -
contribuem para materializar esse discurso através de suas orientações de políticas aos
governos nacionais e locais.
2.2.1 A concepção de gestão de cidades para o Banco Interamericano de
Desenvolvimento
Em 1997, o Banco Interamericano de Desenvolvimento com a colaboração da União de
Barcelona e do Centro Iberoamericano de Desenvolvimento Estratégico Urbano organizou na
cidade de Barcelona o “Simpósio de Cidades e Fórum de Boas Práticas em Gestão Urbana”, o
qual resultou na publicação, em 1998, de um livro intitulado “La ciudad en el siglo XXI:
experiencias exitosas en gestión del desarrollo urbano em America Latina” que reúne os
trabalhos comunicados durante o evento e do qual se pode apreender a concepção de gestão
das cidades latino-americanas na perspectiva do BID para o século XXI. As reflexões que se
seguem neste item terão por base os artigos da citada publicação.
No prólogo do referido livro, o então gerente do Departamento de Desenvolvimento
Sustentável do BID - Waldemar Wirsig
110
- sintetiza muito claramente qual é - na acepção
deste Banco - o papel das cidades latino-americanas no âmbito da economia regional e de que
forma os atores urbanos podem atuar com vistas ao desenvolvimento econômico e social dos
municípios. Os temas de crescimento econômico, eficiência, competitividade, produtividade,
meio ambiente urbano, boas práticas de gestão urbana, capacidade criativa dos
administradores municipais, presentes no debate - antes referido - sobre os modelos de gestão
de cidades compõem o discurso do referido gerente. Vale ressaltar, conforme dito no
110
Atualmente, Waldemar Wirsig é o representante regional do BID, no Brasil. Sendo que o escritório dessa
representação localiza-se em Brasília.
117
parágrafo anterior - que o Simpósio que deu origem ao livro em tela foi realizado em
Barcelona, cidade-modelo “vendida” como referência ao bom planejamento urbano.
Segundo Wirsig (1998), o referido encontro, ao reunir pensadores, dirigentes, políticos e
empresários, teve por objetivo debater o novo papel dos centros urbanos na América Latina,
apontando os problemas e as possíveis soluções mediante as trocas de boas experiências de
administração urbana
111
. Importante registrar que os trabalhos apresentados neste Simpósio
expressam a concepção de política focalizada e setorizada do Banco (tal como discutido no
primeiro capítulo). Eis os temas e tópicos comunicados: a) tendências globais (as cidades da
América Latina e o Caribe no século XXI); b) a cidade e o desenvolvimento econômico
(desenvolvimento econômico local, revitalização urbana, transporte urbano); c)
governabilidade (gestão municipal); d) agenda social (moradia e melhoramento de bairros,
violência urbana); e) financiamento de cidades (financiamento municipal,
microfinanciamento); f) meio ambiente urbano (serviços de saneamento ambiental)
112
.
Inicialmente Wirsig (1998) assinala que a América Latina e o Caribe caminham para
tornar-se, no século XXI, uma das regiões mais urbanizadas do planeta e que por esse motivo
seria preciso garantir um eficiente funcionamento das cidades. O processo de urbanização em
111
Ribeiro, A. C. T. (2000a, p. 245) chama atenção para o fato de que o relato de experiências urbanas
estimulado por financiadores de estudos e práticas urbanas pode incorrer em escolhas que não correspondem às
necessidades históricas da América Latina. Afirma a autora: “Reduções analíticas, e em narrativas da experiência
urbana na América Latina, têm sido sistematicamente estimuladas por financiadores da pesquisa e de
intervenções urbanas, coladas a experiências históricas e políticas de outras sociedades e culturas. Esta colagem,
que por vezes pode também significar real aprendizado, não acontece sem conseqüências, uma vez que orienta a
ação dos governos, de agentes econômicos e atores sociais e políticos. A busca de soluções rápidas para a
questão urbana pode, infelizmente, justificar ações que não correspondem, ou que correspondem pouco, à
historicidade da experiência urbana latino-americana, retendo o imaginário social e político e fragilizando
lideranças populares.”
112
No Simpósio foram apresentadas as boas experiências de gestão urbana das seguintes cidades: Barcelona
(Espanha), Vitória-Gasteiz, Rafaela, Buenos Aires (Argentina), Santiago (Chile), Kingston (Jamaica), Quito
(Equador), Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo (Brasil), La Paz (Bolívia), Valledupar, Medellín,
Cali (Colômbia), bem como da Guatemala. Também foram apresentados projetos de organizações não-
governamentais, considerados exitosos, tais como: Programa Centros de Asesoramiento de La Vivienda Popular
(CAVIP) (Equador), Centro de Desarrollo Educativo (Estados Unidos), Viva Rio (Brasil). Alguns governos
nacionais apresentaram programas de governo: Sistema Financiero Nacional para la Vivienda / Banco
Hipotecario de la Vivienda (BANHVI) (Costa Rica), Financiamento de cidades (Argentina), Financiera de
Desarrollo Territorial S. A. (Colômbia). Algumas experiências de vel privado: Fundación Promotora de
Vivienda (FUPROVI) (Costa Rica), Centro de Servicios Integrado para el Desarrollo Urbano (PROA) (Bolívia),
Águas Argentinas (Argentina), Instituto de Promoción de la Economía Social (IPES) (Peru). O governo do
estado do Paraná (Brasil) apresentou comunicação referente a estratégias de financiamento urbano.
118
curso facilita o desenvolvimento econômico e social, isso porque nas cidades tanto as
empresas quanto os trabalhadores são mais produtivos, bem como no âmbito local pode-se
buscar as soluções para os problemas sociais de maneira mais eficiente. Assim, segundo o
gerente, as cidades são instrumentos fundamentais de desenvolvimento da região à medida
que se constituem a principal fonte de acumulação de capital das economias latino-
americanas
113
, e porque nelas podem-se criar empregos, facilitar o implemento de atividades
econômicas dinâmicas e produtivas.
Em nível político, afirma Wirsig, os trabalhos apresentados no Simpósio em pauta - que
em última análise, constituem as ações políticas de cidades cuja gestão considera-se exitosa -
demonstram que os governos locais através de uma postura eficiente e eqüitativa conseguem
ter capacidade criativa na resolução dos problemas e que as organizações sociais e os próprios
indivíduos acabam por gerar soluções originais diante dos diversos problemas sociais. Pode-
se associar essa assertiva do gerente do BID às análises antes referidas sobre as requisições às
administrações municipais no âmbito da eficiência (a cidade-empresa) e produtividade
(resolução de problemas), bem como nota-se a valorização das práticas das organizações
sociais (tratada no primeiro capítulo) e dos indivíduos - associado ao propalado voluntarismo
- para resolver questões de responsabilidade do poder público.
Concluindo seu raciocínio, Wirsig aponta que o BID espera, com a referida publicação,
colaborar na disseminação de boas práticas de gestão urbana. E que, com esse debate, o
Banco pretende reafirmar - diante da comunidade internacional - seu compromisso de
contribuir com as cidades tendo em vista o desenvolvimento e o crescimento econômico
eficiente e eqüitativo (em relação à demanda populacional) no âmbito da competitividade
econômica.
113
Na mesma publicação, Rojas (1998, p. 73) - especialista sênior do BID na área de Desenvolvimento Urbano -,
demonstra porque é preciso preocupar-se com os temas referentes às cidades: “Na América Latina e Caribe, mais
de quatrocentos anos de crescimento urbano têm produzido um sistema de cidades onde se concentra a maior
acumulação de capital dessas sociedades” (tradução minha).
119
Na mesma publicação, o Especialista Urbano Principal do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, Robert Daughters, esclarece, na introdução do livro, o motivo pelo qual o
Banco preocupou-se em discutir sobre o novo papel dos centros urbanos. Importante enfatizar
que a fala do referido especialista expressa a construção do discurso ideológico para as
cidades - tratadas no item anterior - onde seus gestores devem ser eficientes no sentido de
tornar os lugares competitivos e atrativos às grandes empresas.
Daughters (1998) inicia sua argumentação fazendo referência ao processo de
urbanização recente onde se verifica um espetacular crescimento da população urbana. A
América Latina e o Caribe possuíam, em 1997, mais de quarenta cidades com uma população
superior a 1 milhão de habitantes e que por esse motivo o desenho de políticas pública e
privada deveria incorporar as demandas de uma sociedade eminentemente urbana. De outro
lado, continua o especialista, as reformas políticas em curso na região
114
, que, no campo da
democratização e descentralização, têm repassado aos governos subnacionais as
responsabilidades e recursos (!?) para a provisão de serviços e infra-estrutura básica,
transformando os gestores municipais em atores fundamentais na busca do desenvolvimento
econômico e social da região. Em vista disso, afirma o autor: “a cidade e a dimensão local
passam a um primeiro plano” (p. 01, grifo do autor, tradução minha).
A seqüência do texto é primorosa para que se apreenda a real motivação do Banco em
reunir as melhores experiências de gestão para debater sobre as cidades e indicar os estados e
municípios como atores centrais no processo de desenvolvimento da cidade que, afinal, foi
alçada ao primeiro plano. Afirma Daughters (1998) que as novas relações comerciais
estabelecidas em nível mundial, ao enfraquecer as fronteiras nacionais, permitem que a
fluidez da economia se desenvolva especialmente entre as cidades. Estas, na atualidade, se
114
Aqui, seguramente o especialista está referindo-se às reformas (ou contra-reformas) do Estado, tema central
das orientações do BID nos anos 90 para a América Latina, conforme visto no primeiro capítulo.
120
transformam em lugares centrais de instalação de grandes redes de telecomunicação,
transporte e finanças. Assim, é preciso que as cidades tornem-se competitivas pois
A fim de sobreviver neste mercado a cidade do futuro estaobrigada, portanto, a
atrair, gerar e reter atividade empresarial. Como é sabido, isto depende da qualidade
e da eficiência dos serviços públicos oferecidos. Qualquer dirigente moderno de uma
cidade, portanto, entende que seu futuro está estreitamente relacionado com a
eficácia de sua gestão [...]
115
(DAUGHTERS, 1998, p. 1, tradução minha).
O especialista segue comentando sobre as áreas temáticas que orientaram as discussões
do Simpósio em referência, momento no qual demonstra a opinião do Banco acerca dos
assuntos tratados. Em relação às tendências globais, Daughters (1998) comenta que as
cidades têm assumido um papel estratégico no contexto da globalização da economia
mundial. As novas formas de integração regional e o avanço das telecomunicações colocam
alguns desafios aos centros urbanos, dentre eles, o de tornar as cidades mais competitivas
diante do crescente movimento de capitais.
Nesse sentido, ao comentar sobre o tema desenvolvimento econômico das cidades,
Daughters (1998) enfatiza que uma das novas exigências postas às cidades é de tornarem-se
mais competitivas através da adaptação tecnológica e do incremento de investimentos, para o
que é necessária a formação de um consenso entre empresas, trabalhadores, governos e
comunidades.
Quanto ao tema da governabilidade, Daughters (1998) afirma que o processo de
reforma política e administrativa exige que o governo seja transparente na prestação de contas
e que facilite a participação social na gestão pública. Entretanto, é preciso reorientar a
capacidade institucional dos governos locais, isto é, tornar os gestores mais modernos e
eficientes. Vê-se que o autor incorpora várias terminologias do pacote” a ser vendido dentro
115
Na publicação em tela, Saskia Sassen, professora de Urbanismo da Universidade de Columbia, Nova York,
uma autora reconhecida em nível mundial pela discussão que empreende sobre o tema de cidades globais, parece
estar em sintonia com as assertivas do especialista urbano do BID ao afirmar que o estudo das novas tendências
mundiais “permite considerar as cidades como lugares de produção para as principais indústrias da informação
de nossa época e nos permite recuperar a infra-estrutura de atividades, empresas, empregos necessária para o
funcionamento da economia empresarial avançada” (SASSEN, 1998, p. 29, tradução minha).
121
da construção do modelo de cidades a que se está fazendo a referência crítica nesta tese:
reforma política e administrativa (tema central no interior do BID) associada a um governo
eficiente (recorrência ao tema da cidade-empresa) e transparente, isto é, garanta a
participação social dos membros da cidade (que como se verá mais detalhadamente no
próximo item, facilita a aceitação das políticas mínimas).
No referente ao tema da agenda social, o especialista comenta que os maiores
problemas a serem enfrentados pelos gestores locais são a intensa concentração de pobreza e a
exacerbada violência nos centros urbanos. As prioridades de ação na área do financiamento de
cidades devem ser, de acordo com Daughters (1998), a criação de mecanismos eficientes de
arrecadação fiscal (em nível municipal e estadual), bem como a geração de estratégias que se
voltem a apoiar os setores produtivos locais, especialmente as micro-empresas, bem como os
projetos de residência popular (melhoramentos de moradia de interesse social). Curioso notar
que, tal como o autor, a Agenda Habitat também orienta que os municípios devem reunir
esforços para aumentar sua capacidade de arrecadação fiscal, o que demonstra a consonância
entre as recomendações dos organismos internacionais para as cidades.
As conclusões a que chega o especialista é que, ao lado dos amplos desafios, as cidades
possuem inúmeras possibilidades de desenvolvimento. Por isso, os princípios de ação que
devem animar o poder público local são:
a) Necessidade de criação de um mecanismo de planejamento estratégico e o
desenvolvimento de uma cultura de competitividade nos padrões de prestação de serviços e de
qualidade de vida;
b) Os governos locais têm mais facilidade que os governos nacionais de propor políticas
multisetoriais na área urbana;
122
c) No sentido de alcançar maior eficiência e competitividade em sua administração, o
poder público local deve atuar de forma rigorosa em relação a aspectos essenciais de sua
gestão, tais como a cobrança de tarifas, impostos e acompanhamento de recursos humanos
116
;
d) Os governos subnacionais podem colaborar na mitigação das condições de
segregação e vulnerabilidade das pessoas de baixa renda que moram nas cidades, através de
projetos que se voltem a reconstruir o capital social, inserindo essas pessoas nas atividades
dos setores formal e informal;
e) “A incorporação do setor privado pode ser um instrumento poderoso para melhorar a
eficiência na provisão de serviços públicos urbanos. Entretanto, esta modalidade requer um
setor público capaz de assumir as necessárias funções regulatórias e de compensação social na
provisão de serviços públicos urbanos” (DAUGHTERS, 1998, p. 09, tradução minha).
f) “Os mecanismos de financiamento de investimentos municipais se aproximam cada
vez mais das regras do mercado financeiro privado. Em conseqüência, os governos locais
necessitam melhorar seus sistemas de administração financeira para continuar sendo sujeitos
de crédito” (DAUGHTERS, 1998, p. 09, tradução e grifo meu).
O conjunto da argumentação do especialista urbano do BID confirma uma das hipóteses
apontadas no primeiro capítulo de que o Banco busca projetar uma imagem de financiador de
políticas sociais. Contudo, se se observam as prescrições da agenda social para as cidades, a
atenção continua a ser focalizada (a mitigação das condições de pobreza) e setorizada (por
exemplo, a violência urbana, a melhoria da moradia para pessoas de “baixa renda”),
caracterizando as políticas sociais de cunho compensatório. Interessante observar como esses
116
É digna de nota a responsabilidade que recai sobre a administração local, em particular, quando se trata da
orientação referente à arrecadação fiscal. Nesta angulação, o planejamento deve ser eficiente - evoca-se aqui o
discurso da cidade-empresa, tratado por Vainer (2002) - no sentido de criar mecanismos que aumentem a
arrecadação pública. Exemplo dessa preocupação no interior do Banco é o Projeto Desenvolvimento
Institucional (DI) - um sub-programa do Habitat Brasil-BID - que tem por meta melhorar a capacidade de gestão
dos municípios.
123
problemas aparecem desvinculados das determinações que os produzem - como a produção
social da riqueza e sua apropriação privada.
De outro lado, percebe-se uma apologia aos ajustes estruturais, materializados nos
processos de reforma (ou contra-reforma) do Estado - implementados e em implementação
pelos governos nacionais latino-americanos, especialmente a partir dos anos 90 e,
recorrentemente, orientados pelos organismos internacionais - pois o discurso do especialista
deixa clara a concepção do Banco quanto à remodelação de responsabilidades do poder
público na condução de políticas, tendo em vista que a descentralização resulta em uma maior
complexidade nas “funções e responsabilidades que hoje enfrentam os administradores de
cidades”
117
(DAUGHTERS, 1998, p. 1, tradução minha).
Desta feita, a administração local deve ser eficiente na condução das políticas
econômicas e nas de caráter compensatório - com uma clara orientação de parceria” com a
empresa privada, o que enfatiza, sobremaneira, o processo de privatização em curso -
seguindo um modelo competitivo de cidades sustentáveis que facilite a atração de
investimentos privados e a inserção de pessoas de “baixa renda” no mercado formal de
trabalho. Nesta medida, a ênfase no poder local
118
tanto para colaborar com a infra-
estruturação das cidades, tendo em vista o investimento empresarial, quanto para implementar
políticas compensatórias, responde a uma outra requisição: “liberar” o governo central para
conduzir as políticas macroeconômicas fundamentais ao equilíbrio das contas públicas para
que o país possa “continuar sendo sujeito de crédito, ou seja, possa continuar a depender dos
117
Nesse aspecto, vejamos a afirmação a seguir: “Na atualidade existe um ponto de vista quase convencional
entre os governos latino-americanos, que é amplamente compartilhado pelos organismos internacionais e os
meios acadêmicos, de que a descentralização incrementa as possibilidades de um desenvolvimento urbano
positivo” (BATLEY, 1998a, p. 16-17, tradução e grifo meu). Interessante notar como os especialistas urbanos
constroem suas argumentações invocando o peso político dos organismos multilaterais, colaborando para
legitimar as orientações desses organismos na condução de políticas para a América Latina, particularmente as
recomendações concernentes aos ajustes estruturais.
118
Sobre as discussões atinentes ao poder local, cf. DANIEL, Celso. Poder Local no Brasil Urbano. Espaço &
Debates. São Paulo, NERU, ano VIII, 24, pp. 26-39, 1988; FISCHER, Tânia. Poder local, um tema em
análise. In: FISCHER, Tânia (org.). Poder local, governo e cidadania. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio
Vargas, 1993.
124
financiamentos multilaterais, bem como honrar seu compromisso de pagamento da dívida e,
conseqüentemente, receber prescrições de modelos de gestão para a condução das políticas
econômicas e sociais.
Um outro elemento importante a ser destacado dessa argumentação no referente às
recomendações para o planejamento de cidades, diz respeito à orientação de participação
social na gestão pública. A valorização da participação no interior da administração urbana
faz parte de uma das estratégias do Banco em garantir a eficiência da gestão, particularmente,
o controle dos gastos públicos. Essa modalidade de participação, contudo, articula-se a uma
noção técnica, numérica, eficiente, se quiser, instrumental, devendo ser esvaziada da
perspectiva política. Nessa medida, a participação - tema caro na herança política dos mais
variados movimentos sociais e sindicais - é referendada e recomendada pelo BID. Isso tanto é
verdade que na publicação a que se está fazendo referência, o ex-prefeito de Porto Alegre
(Raul Pont) apresenta a experiência de Orçamento Participativo (que tradicionalmente vem
sendo desenvolvida nos governos ditos de esquerda), como um elemento positivo na gestão de
cidades
119
.
A argumentação de um dos autores do livro em referência merece destaque. O texto de
Nientied (1998) é emblemático para que se apreenda como os organismos internacionais -
entendidos como inteligência geral do capital - contribuem para formatar um discurso, no
âmbito da expansão do pensamento único, quanto ao papel das cidades na economia
contemporânea. Passemos a apresentar as idéias-chave do referido texto com vistas a captar
119
Esse é um tema de especial atenção no contexto da nossa argumentação, tendo em vista que no âmbito do
Programa Habitar Brasil BID, particularmente no Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (em
Belém/PA), a participação é, com perspectivas diferenciadas, um importante elemento de controle da execução
do projeto tanto por parte do BID quanto por parte da administração local, como se verá neste e no quarto
capítulo desta tese.
125
quais as exigências pensadas no âmbito do discurso hegemônico para as cidades latino-
americanas
120
.
O autor sinaliza que o atual cenário de globalização da informação, das finanças e das
novas tecnologias tem provocado mudanças na vida econômica e social. Nesta angulação, as
cidades sofrem um giro de importância no que diz respeito ao seu papel em vista do
desenvolvimento econômico nacional.
Para Nientied (1998) as cidades são consideradas centros de desenvolvimento
econômico, social e cultural. Constituem centros de inovação e de desenvolvimento regional,
nacional e até internacional em decorrência do processo de globalização da economia (com a
fluidez da informação, da tecnologia, das finanças, dos bens e das pessoas).
que se considerar, segundo Nientied (1998), a importância da gestão urbana para o
desenvolvimento econômico. Nesse sentido, os governos urbanos da América Latina têm a
tarefa estratégica de planejar o melhoramento do entorno produtivo das cidades. A política
governamental deve levar em consideração os temas referentes ao melhoramento de infra-
estrutura, educação profissional para o mercado de trabalho e atração de investimentos e
financiamento urbano.
Embora considere que não haja um consenso quanto aos elementos que determinem
uma experiência exitosa de desenvolvimento econômico urbano, Nientied (1998) disserta
sobre os aspectos que julga fundamental para que o governo local exerça um papel apropriado
em vista do desenvolvimento econômico de uma cidade. Assim, aponta que os governos
urbanos não devem assumir as responsabilidades do governo central de seu país. Em geral
podem, apenas, atuar na economia local através de instrumentos econômicos e fiscais,
influenciando no aspecto produtivo da cidade (implemento de infra-estrutura). Deve-se levar
120
No livro em questão, o artigo de Nientied (1998) refere-se a uma conferência mestra do Simpósio em tela e
enfoca as linhas gerais do tema: a cidade e o desenvolvimento econômico. É, portanto, um carro-chefe de
argumentações que serve de referência às comunicações menores que seguem apresentadas no seminário, as
quais tratam das práticas exitosas de gestão em diversas cidades.
126
em consideração que embora os governos locais tenham responsabilidades públicas a serem
cumpridas, as empresas do setor privado são os atores centrais para promover o
desenvolvimento econômico. Assim
Um aspecto crítico para o êxito econômico das cidades é a forma em que os
governos urbanos podem desenvolver associações entre os setores público, privado e
cívico, sobre a base de uma visão estratégica de futuro urbano global e de
desenvolvimento econômico local, e os [...] investimentos vitais na cidade. A
vinculação entre as preocupações territoriais e o desenvolvimento econômico exige
a existência de um governo urbano com espírito empresarial, que administre
eficazmente as associações públicas e privadas para o desenvolvimento urbano
(NIENTIED, 1998, p. 37, tradução e grifo meu).
É impressionante perceber como o discurso do autor (que seguramente é um apologista
do BID) faz a clara defesa à lógica da privatização. Nada mais evidente da expressão dessa
lógica: um governo local deve ter espírito empresarial sendo capaz de estabelecer associações
(ou se quiser, parcerias) entre os setores público e privado em vista do desenvolvimento
urbano, lembrando que os atores centrais são as empresas privadas.
Seguindo sua argumentação, Nientied (1998) demonstra que certas experiências de
planejamento urbano têm demonstrado a importância de se modernizar a economia local.
Nesta direção, o desenvolvimento econômico de uma cidade está hipotecado a um bom
desempenho do capital humano e a melhores oportunidades educacionais voltadas para as
demandas empregatícias (mercado de trabalho). A produtividade econômica, articulada às
mudanças tecnológicas, exige que os trabalhadores estejam capacitados; por isso é imperioso
que os governos implementem projetos de qualificação de mão-de-obra (escolas técnicas), sob
pena de prejudicar a expansão de empresas.
Por outro lado, é necessário melhorar a capacidade de gestão dos governos locais tendo
em vista o financiamento urbano para investimentos públicos e privados, isto é, os governos
devem incrementar ações de construção de infra-estrutura na cidade, a qual é primordial para
a produtividade urbana (NIENTIED, 1998). Novamente o autor apresenta argumentos em
127
favor da racionalidade privada: gestão eficiente para facilitar o entorno produtivo e,
conseqüentemente, atrair investimentos privados.
O autor segue seu raciocínio enfocando que os governos locais da América Latina e
Caribe têm enormes problemas que impedem que as cidades assumam seu papel como motor
de desenvolvimento econômico e social. Problemas referentes a transporte, infra-estrutura,
terra e moradia, pobreza urbana, educação, meio ambiente devem ser tratados pelos governos
locais. Por isso “[...] as cidades da América Latina e do Caribe devem enfrentar
decididamente seus estrangulamentos em matéria de políticas urbanas, competência,
capacidade e finanças” (NIENTIED, 1998, p. 37, tradução minha).
Em geral, afirma o autor, a capacidade cnica e de pessoal dos governos locais são
inadequadas para dar respostas estratégicas frente às demandas econômicas nacionais e
globais. Isso porque o planejamento urbano utilizado pelos gestores é deficiente e não
consegue transformar-se em mecanismos de coordenação do desenvolvimento de cidades. Por
esse motivo, em nível mundial, é cada vez maior o número de cidades que aderem a um tipo
de planejamento urbano integrado - com uma visão estratégica e orientada para a ação -,
abandonando os planos tradicionais. Esse tipo de planejamento advoga uma intervenção
governamental, em parceria com os setores privados, que formule um plano de
desenvolvimento urbano de largo prazo, com base em metas econômicas (NIENTIED, 1998).
Para responder adequadamente aos problemas urbanos é necessário que os governos
locais atuem em cooperação com os governos estaduais e o governo nacional e tenham boa
capacidade técnica e organizacional.
A diferença entre um governo ativo e um inerte é principalmente a existência
de um enfoque gerencial em vez de administrativo. A eliminação da inércia
administrativa e institucional urbana através do melhoramento dos recursos
(competência, capacidade de organização, finanças) constitui um requisito prévio
para responder aos atuais desafios (NIENTIED, 1998, p. 38, tradução e grifo meu).
128
Os governos locais precisam desenvolver um planejamento integrado que incorpore
estratégias urbanas essenciais ao desenvolvimento econômico das cidades. Dentre as
estratégias, tem destaque o melhoramento do entorno produtivo das cidades (infra-estrutura
física, cultural e social). Nesta medida, para aquecer a economia local e melhorar a qualidade
de vida urbana, a política local deve ter como meta a atração de capitais, melhoria da infra-
estrutura e dos recursos humanos da cidade. A efetivação dessa estratégia demanda um
governo urbano com capacidade gerencial. “A formulação e a execução de qualquer estratégia
requerem liderança, e neste sentido se exigirá mais dos prefeitos e administradores das
cidades” (NIENTIED, 1998, p. 39, tradução e grifo meu).
A seguir será reproduzido um quadro apresentado pelo autor, o qual sintetiza as
estratégias a serem priorizadas pela gestão local:
Quadro 1 - Instrumentos de desenvolvimento econômico do governo urbano
Metas de política
Análise de demanda
Estratégia para o desenvolvimento econômico
urbano
Instrumentos específicos
Desenvolvimento
físico
Desenvolvimento dos
recursos humanos
Incentivos
financeiros
Apoio do
setor privado
e comercial
Desenvolvime
nto
Institucional
Desenvolvimento da
infra-estrutura,
Desenvolvimento da
propriedade:
Centro da cidade
Centro comercial
Zona industrial
Provisão de terras e
edifícios
Educação (técnica),
Mercado de trabalho,
Participação
comunitária,
Cooperação com
universidades
Empréstimos,
créditos,
Garantias,
Incentivos
fiscais,
Redução de
preços [...]
Provisão de
informação,
Promoção da
cidade,
Centros
comerciais
público-
privados
Melhorament
o da
organização
do governo
urbano
Treinamento
do pessoal
municipal
Instalações
municipais
Fonte: Nientied (1998, p. 39, tradução minha).
Pode-se observar dos principais elementos defendidos por Nientied (1998) que, tal
como Wirsig e Daughters (apologistas anteriormente analisados), a indicação da economia
dos centros urbanos como fundamental ao desenvolvimento econômico e social, para o que é
essencial o bom desempenho do governo urbano (o bom governo).
129
Importante destacar do conjunto de suas assertivas como é construída – ideologicamente
- a orientação para a gestão. Em primeiro lugar, evoca-se o planejamento estratégico integrado
- e porque não dizer, moderno, em detrimento do planejamento tradicional -, no qual o
governo local deve imbuir-se do espírito empresarial, leia-se espírito eficaz, substituindo a
capacidade administrativa pela capacidade gerencial da cidade - novamente o tema da cidade
empresa analisado por Vainer (2002). Isso implica na adoção de um planejamento técnico que
limite, ao ximo, a discussão política sobre os problemas urbanos (que inclui a discussão
sobre os conflitos sociais existentes, decorrentes dos posicionamentos, interesses e
necessidades diferenciados dos sujeitos sociais da cidade). Esse gestor deve, ainda, conforme
o autor, ser uma liderança
121
sem esquecer, entretanto, que o ator principal da cidade é o setor
privado, com o qual o governo urbano deve estabelecer parcerias para a boa gestão.
Interessante notar que a construção teórica do autor caminha, recorrentemente, para a
defesa do processo de privatização. A lógica do espírito empresarial e a apologia às parcerias
(leia-se parcerias público-privadas), vinculam-se largamente a esse processo (de privatização).
Por isso, as atribuições primazes do gestor giram em torno de preparar a infra-estrutura da
cidade (o entorno produtivo) para atrair os investimentos privados e garantir a qualidade
educacional técnica dos recursos humanos (qualificação de mão-de-obra para o mercado de
trabalho), indicando uma posição secundária das políticas sociais no planejamento urbano
122
.
121
Lembremos da análise de Vainer (2002) de que o patriotismo cívico requer que o governo local seja forte,
personalizado, carismático, portanto, líder para dar conta das exigências postas à gestão urbana.
122
Abramo (2003) sinaliza que na literatura sobre a competitividade de cidades - na qual os urbanistas e os
planejadores (o autor cita, inclusive Castells e Borja) elaboram modelos de crescimento -, freqüentemente são
destacados os elementos que podem potencializar a atração de investimentos para a cidade, tais como: capital
humano, infra-estrutura pública e capacitação tecnológica e institucional. Seguindo essa indicação teórica, as
administrações locais têm desenvolvido projetos de formação profissional de cunho focalizado com vistas ao
crescimento urbano e superação da pobreza. “O raciocínio analógico dos formuladores de políticas públicas tem
nos modelos de crescimento endógeno um novo padrão de referência na formulação de políticas urbanas. Assim,
a partir dos anos noventa, verificamos que vários programas foram propostos com o objetivo de superar a
pobreza urbana, localizada territorialmente nas favelas, a partir de iniciativas de investimento em capital humano
dos moradores dessas comunidades” (p. 194). O autor cita como exemplo, o Programa Favela-Bairro,
desenvolvido na cidade do Rio de Janeiro com recursos do BID e da Caixa Econômica Federal.
130
Embora o autor não tenha dissertado sobre todas as variáveis indicadas no quadro acima
exposto, vale comentar três aspectos: no item desenvolvimento de recursos humanos, destaca
como instrumento específico, a participação comunitária, que tem sido recomendada pelos
organismos internacionais como forma de controle da execução dos projetos e busca de
legitimidade política do Banco, conforme se verá no decorrer deste e no quarto capítulo; no
item desenvolvimento institucional, destaca o melhoramento da organização do governo
urbano, treinamento do pessoal municipal e instalações municipais, as quais se configuram
em uma orientação absolutamente necessária dentro da arquitetura organizacional do BID,
tendo em vista que viabiliza a capacitação dos gestores locais, que, na maioria das vezes, não
possuem a qualidade técnica exigida pelo “planejamento moderno”; e, por último, cabe
observar que não há, no quadro em pauta - nenhum item que se volte ao tratamento das
expressões da questão social, corroborando as afirmações feitas anteriormente (Capítulo 1) de
que, em essência, a preocupação do BID está em contribuir com a acumulação do capital no
período recente.
Um outro artigo do livro “La ciudad en el siglo XXI ...” que merece atenção por discutir
o papel das cidades como motor de desenvolvimento econômico e por debater os elementos
essenciais da gestão urbana, é o de Jaime Ravinet
123
. Este afirma que a América Latina e
Caribe vêm passando por um importante crescimento urbano: 73,4 % de sua população vivem
em cidades, o que a torna uma das regiões mais urbanizadas da atualidade, devendo manter-se
assim no decorrer do século XXI. Por esse motivo, na acepção do autor, o crescimento das
cidades tem exercido uma pressão sobre as administrações urbanas, particularmente porque os
maiores desafios de crescimento urbano são de caráter econômico.
123
À época do Simpósio a que se está referindo, Jaime Ravinet era Presidente da União Internacional de
Autoridades Locais e Prefeito de Santiago do Chile. Importante salientar que o artigo de Ravinet (1998) também
corresponde, tal qual o artigo visto anteriormente (de Nientied), a uma conferência mestra e continua a enfocar o
tema: a cidade e o desenvolvimento econômico.
131
Ravinet (1998) disserta que existem muitas razões para que os governos voltem suas
atenções para as cidades. No âmbito econômico, os municípios contribuem, sobremaneira,
para a geração do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o Banco Mundial, afirma o autor,
perto de 80% do crescimento econômico futuro será proveniente das economias urbanas dos
países da América Latina e da Ásia que possuem alto grau de urbanização.
As cidades registram os mais altos níveis de produtividade. Nelas situam-se os setores
produtivos modernos com maior dinamicidade. Esta tendência deve manter-se
particularmente nas cidades que funcionam de maneira mais eficiente e oferecem os melhores
atrativos aos investimentos internacionais, tais como: infra-estrutura de telecomunicação,
mão-de-obra qualificada, centros científicos e tecnológicos de ponta e boa qualidade de vida.
Assim, as cidades têm assumido, recentemente, o papel de motor de desenvolvimento
econômico (RAVINET, 1998).
No que se refere aos aspectos econômicos e sociais, um dos desafios a serem
enfrentados nas cidades em vista do desenvolvimento econômico é a grave situação de
pobreza urbana, que por sua vez relaciona-se com o alto número de pessoas desocupadas ou
fora do mercado de trabalho. Desta feita, é necessário envidar esforços no sentido de
incrementar a produtividade do trabalho e gerar empregos mais produtivos; intensificar a
qualificação e a produtividade da mão-de-obra, criar novas oportunidades e estimular uma
maior versatilidade e criatividade no trabalho diante das mudanças no padrão tecnológico
(RAVINET, 1998).
Outros elementos devem ser levados em consideração na condução da política urbana
porque se revertem diretamente sobre a produtividade do trabalho: reforma do sistema
educacional, melhoria nas condições de moradia, dos serviços de saúde e de equipamentos
comunitários
124
. É necessário, também, que se crie um sentimento de identidade e adesão à
124
Ravinet (1998) destaca que se deve incluir na agenda de políticas urbanas o tema relativo à questão
ambiental.
132
cidade que sirva de base para a formulação de um plano estratégico que incorpore as vontades
e as esperanças dos habitantes da cidade tendo em vista a condição plena de cidadania. Uma
observação crítica a essa afirmação: não devemos esquecer apoiados em Vainer (2002) -
que o discurso do planejamento estratégico advoga um “patriotismo cívico” (aqui indicado
como um sentimento de identidade e adesão à cidade) que, na verdade, ajuda a construir
ideologicamente a noção de participação cidadã, mas que mascara, verdadeiramente, os
conflitos existentes na cidade.
Aliás, sobre os conflitos e problemas sociais da cidade, vejamos o que pensa o autor:
A agudização das diferenças e a segregação sócio-econômica no espaço urbano de
muitas cidades podem converter-se em uma séria ameaça a uma convivência
pacífica e, portanto, em um fator dissuasivo de uma dinâmica econômica que
contemple uma ativa participação de investimentos estrangeiros [...] seja como
conseqüência do surgimento de conflitos abertos e massivos [...] ou a proliferação
da corrupção e da delinqüência comum. A pobreza e a marginalidade devem ser
atendidas, senão por razões de equidade, por simples motivações de
crescimento econômico
125
(RAVINET, 1998, p. 44, tradução e grifo meu).
Esse tipo de afirmação casa perfeitamente com a preocupação” das agências
multilaterais de destinar recursos ao tratamento da pobreza na América Latina, sobretudo
através das políticas focalizadas que suavizem o quadro de barbárie a que estão submetidas
parcelas enormes da população evitando, assim, conflitos sociais que sejam óbices aos
investimentos estrangeiros. O autor fala claramente que o interesse do atendimento à pobreza,
na perspectiva do BID, não tem em conta a diminuição da desigualdade social (e nem poderia
ter) e sim, facilitar o crescimento econômico, isto é, contribuir com o bom andamento da
economia capitalista.
A argumentação seguinte de Ravinet (1998) refere-se ao aspecto político. Demonstra
que é preciso levar em consideração os temas de governabilidade e gestão pública das
125
Na mesma direção, Batley (1998a) afirma que diante do alto grau de segregação urbana na América Latina, o
poder público deve empenhar-se em redistribuir os recursos produzidos. Essa redistribuição seria de dois tipos: é
necessário que o governo propicie a infra-estrutura básica para os investimentos externos e implemente serviços
sociais. Isso porque a “redistribuição pode ser necessária para evitar a instabilidade política, situações
urbanas explosivas e uma deterioração urbana na qual as próprias classes altas ver-se-iam prejudicadas
(BATLLEY, 1998a, p. 15, tradução e grifo meu).
133
cidades. Nesse aspecto, é imperioso que os governos locais adquiram certa autonomia para
dar conta dos desafios existentes na cidade, especialmente os desafios concernentes à
promoção do desenvolvimento. O autor assinala que nos anos 80 e no início dos anos 90
pode-se observar um fato positivo na América Latina: a tendência de reformas políticas num
quadro de expansão da democracia, tendo por conseqüência a efetivação de eleições diretas de
prefeitos e conselhos comunitários nos países da região. Ravinet (1998) ressalta que, nesse
contexto, podem ser evidenciadas muitas experiências de boa gestão urbana que são
importantes para a vida política local, como o orçamento participativo, desenvolvido por
alguns governos locais, no Brasil
126
. Ressalta, também, que tem havido modificações, por
exemplo, no perfil dos prefeitos eleitos em muitas cidades da região: pessoas jovens, com
nível educacional superior, capacidade administrativa e criatividade empresarial e que, além
disso, possuem compromisso e lealdade tendo em vista a construção da cidadania.
Os gestores urbanos precisam implementar políticas de infra-estrutura e serviços
urbanos básicos. A não viabilização dessa política pode acarretar danos à atividade econômica
diminuindo a competitividade das cidades, bem como sua atratividade às empresas mais
exigentes e dinâmicas. Para tanto, é necessário que se desenvolva uma estratégia nesse setor
como
A incorporação do setor privado na prestação de serviços públicos, tanto no
que se refere ao financiamento de infra-estrutura e obras, como em relação à
gestão e à contribuição tecnológica. É necessário adotar opções estratégicas, de
forma clara e estável, porque a infra-estrutura e os serviços básicos configuram o
suporte material que estrutura a cidade, e portanto, além de ter importância quanto à
prestação de serviço em si mesmo, também a têm na estruturação e no
funcionamento da cidade em geral [...] (RAVINET, 1998, p. 45-46, tradução e grifo
meu).
126
Certamente o autor está fazendo referência à experiência de orçamento participativo desenvolvida em Porto
Alegre pelo Partido dos Trabalhadores, demonstrando que para os apologistas do BID o problemas em
indicar como positiva uma estratégias de boa governança ligada a partidos políticos vinculados à tradição de
esquerda. O que importa é defender a responsabilização dos governos locais na condução das políticas
(particularmente as sociais e de infra-estrutura) no marco da reforma do Estado.
134
É necessário que os gestores melhorem a capacidade administrativa, tornando-a mais
moderna e eficiente para dar conta de elaborar um plano estratégico que promova a imagem
da cidade, com objetivos, programas e tarefas claramente definidas. Por fim, o planejamento
urbano deve estimular que os habitantes da cidade transformem-se de consumidores em
cidadãos, através de uma educação cívica, política e cultural. Por esse motivo, é imperioso
que se criem mecanismos de participação que envolvam aqueles habitantes nos debates e
diálogos sobre os problemas da cidade (RAVINET, 1998).
O artigo de Ravinet (1998) continua a indicar elementos de apreensão do discurso - na
perspectiva dos organismos multilaterais - sobre o papel das cidades no cenário recente de
acumulação do capital. Seu raciocínio demonstra que diante do quadro de intensa expansão
urbana, as cidades assumem a tarefa de motor de desenvolvimento econômico e devem ser
capitaneadas por um gestor - de preferência jovem, de nível superior, com espírito
empresarial - que tenha habilidade para elaborar um plano estratégico moderno que promova
positivamente a imagem da cidade no cenário atual de competitividade urbana (VAINER,
2002; SANCHEZ, 2001).
Para dar conta dos problemas urbanos existentes na cidade o gestor deve incentivar a
participação do setor privado na prestação dos serviços - aqui uma clara apologia à
privatização -, sendo que um dos maiores problemas urbanos, a pobreza urbana, deve ser
tratada especialmente e urgentemente sob pena de se constituir em risco ou em tensão social,
que, certamente tornar-se-á em um empecilho ao crescimento econômico. O que fazer diante
do irreversível quadro de pobreza? Qualificar e estimular a mão-de-obra para aumentar a
produtividade do trabalho. Afinal de contas, como assinala Ravinet, a “pobreza e a
marginalidade devem ser atendidas, senão por razões de eqüidade, por simples motivações de
crescimento econômico”.
135
Além disso, o gestor deve ter habilidade suficiente para envolver os habitantes da cidade
a construírem um sentimento de pertença ao espaço urbano (como vimos, acima, essa
indicação conecta-se ao “patriotismo cívico” dos habitantes). É por isso que experiências do
tipo “orçamento participativo” são bem vistas porque contribuem para formar o “cidadão
participativo” que tenha identidade cívica com sua cidade. Na verdade, o discurso de
participação social é, como afirmado anteriormente, um recurso de controle na implementação
de políticas locais, que serve para dar legitimidade ao Banco sob dois ângulos: junto aos
administradores locais, particularmente os vinculados aos partidos de esquerda, que têm
desenvolvido no âmbito do planejamento urbano uma metodologia de participação e; junto
aos usuários de políticas financiadas pelo Banco, os quais devem dar seu aceite no projeto a
ser executado
127
.
Na seqüência do livro, o artigo de Nickson - especialista em gestão municipal do Grupo
de Administração em Desenvolvimento, da Universidade de Birmingham (Inglaterra), trata,
especialmente, das responsabilidades do governo local. Discute os elementos referentes à
descentralização administrativa, parceria entre o público e o privado na prestação de serviços
e a necessidade de referendar a participação popular para fortalecer as ações do bom
governo
128
.
Tal como os especialistas tratados anteriormente, Nickson (1998) faz uma apologia aos
processos de reforma do Estado ao ratificar a importância dos governos locais na condução
das políticas. Diante do alto grau de urbanização e do movimento de globalização - o qual
pressiona as cidades a melhorarem sua infra-estrutura física (transporte, comunicação) e
social (saúde, educação, esgoto sanitário), tendo em vista a inserção dessas cidades no âmbito
da economia internacional - os governos locais têm a capacidade de estimular e coordenar as
127
Esse assunto será examinado ainda neste e no último capítulo.
128
O artigo de Nickson (1998) corresponde a uma conferência mestra do Simpósio sobre as cidades e cuja
comunicação faz parte da discussão sobre o tema da governabilidade.
136
iniciativas do setor público e privado para promover o crescimento econômico local. Assim,
demonstra o autor:
Não deve surpreender, portanto, que a descentralização se tenha convertido
atualmente em uma importante característica da América Latina contemporânea. A
autonomia política dos governos locais está sendo fortalecida virtualmente em todos
os países da região. Os municípios estão assumindo novas responsabilidades na
provisão de serviços urbanos, e ao mesmo tempo estão procurando um novo papel
como “facilitadores” de coalizões locais de crescimento econômico em coordenação
com outros atores sociais. Estão desenvolvendo-se novas formas de associação entre
os governos locais e o setor privado, com o objetivo de financiar os investimentos de
desenvolvimento em longo prazo que devem acompanhar a urbanização. Ao mesmo
tempo os municípios estão desenvolvendo associações com organizações que
representam as populações mais pobres de sua jurisdição, com o objetivo de
assegurar que o desenho e a execução dos novos mecanismos de provisão de
serviços de adequem às novas necessidades locais e gerem a participação da
comunidade e sua disposição a pagar pelos bens públicos (NICKSON, 1998, p.
129-130, tradução e grifo meu).
Observa-se na fala do especialista que além da defesa da descentralização
administrativa - tema recorrente nas orientações dos organismos multilaterais - aparece a
recomendação da parceria público-privada
129
, que segundo Vainer (2002) encontra-se
articulada à noção de cidade-empresa que, por sua vez, é intimamente ligada às orientações
de privatização dos serviços públicos
130
. Um outro elemento, presente, ainda, nessa fala, diz
respeito ao mecanismo de participação dos moradores (“pobres”) da cidade no processo de
planejamento e execução de políticas.
Quanto ao tema da parceria público-privada, o autor argumenta que as empresas
privadas têm mais condições de prestar serviços de forma mais eficiente e com menos custos
que o setor público
131
. E mais, levando-se em consideração que o setor privado
freqüentemente atende aos interesses pessoais e de grupos (seguramente está tratando dos
129
Nesse aspecto, segue afirmando o autor que um dos maiores desafios dos governos municipais seria “[...]
melhorar a eficiência na provisão de serviços através da cooperação com o setor privado e uma melhor gestão
interna [...]” (NICKSON, 1998, p. 130, tradução minha).
130
Com base em documentos do Banco Mundial, Batley (1998b, p. 167) afirma a esse respeito que a: “América
Latina se tem mantido na dianteira nos [...] processos de privatização. A privatização planificada se tem aplicado
sobretudo nas atividades mais manifestadamente ‘produtivas’ que estavam nas mãos de empresas estatais
(comércio, indústria, comercialização de produtos agrícolas) e nos serviços de infra-estrutura (telecomunicações,
geração elétrica, distribuição de gás, portos, ferrovias e abastecimento de água)” (tradução minha).
131
Note-se que tal como Nientied (1998), esse autor faz uma clara defesa do processo de privatização, ao gosto
da engenharia neoliberal.
137
interesses privados capitalistas), o autor aponta que as organizações o-governamentais são
mais indicadas para assumir tarefas da administração urbana com vistas a atender os
segmentos mais “pobres” da população, “especialmente no que se refere à participação de
grupos que têm sido focalizados para receber atenção especial [...]” (NICKSON, 1998, p.
130, tradução e grifo meu).
Em relação à participação, Nickson (1998) demonstra que uma das premissas do bom
governo municipal é o fortalecimento da democracia representativa e participativa. No âmbito
da democracia representativa, é oportuno que o poder legislativo supervisione a administração
municipal, devendo, ainda, aprovar as principais decisões financeiras propostas por essa
administração. No âmbito da democracia participativa, o autor considera que a participação é
um elemento essencial para a consecução da democracia, através do estabelecimento de
diálogo e formação do consenso ao nível local.
Interessante notar que a concepção de participação apresentada pelo autor visa, em
primeiro lugar, um controle na execução da política municipal, particularmente, na questão
dos gastos financeiros que se inclui nas análises feitas no primeiro capítulo sobre o tema da
responsabilidade fiscal, articulada às orientações de (contra)reforma do Estado. E, em
segundo lugar, visa a formação de um consenso sobre a formulação e execução de políticas,
consenso que, como veremos posteriormente, traduz-se, na acepção do BID, em aceite de
políticas mínimas, focalizadas, setorizadas.
O artigo de Samayoa (1998)
132
- Consultor do Banco Interamericano de
Desenvolvimento - é muito elucidativo e também serve de referência para a análise da
concepção de gestão do BID no marco da formação do pensamento hegemônico sobre as
cidades no período recente.
132
O artigo de Samayoa (1998) faz parte da discussão sobre a governabilidade das cidades latino-americanas no
Simpósio a que se faz referência.
138
O primeiro aspecto tratado por Samayoa (1998) diz respeito à centralidade do tema da
gestão municipal na América Latina. As reformas políticas evidenciadas na região - ao final
dos anos 80 - intensificaram a autonomia dos governos locais, muito particularmente, para a
implementação de políticas sociais e de infra-estrutura. Diz o autor que a descentralização
administrativa “é um elemento necessário na modernização do Estado” e que, nesta medida, é
preciso reconhecer os municípios como “primeiro nível de governo” (p. 145, tradução minha).
No âmbito da refuncionalização administrativa, Samayoa (1998) destaca que é crescente
na América Latina o número de municípios governados por partidos de esquerda (como é o
caso de Cidade do México, Lima, Quito e Porto Alegre) e que os prefeitos eleitos têm adotado
uma postura de liderança no que se refere à ampliação de funções como, por exemplo, na
promoção do desenvolvimento local, integração social e melhoramento das condições
ambientais.
Entretanto, diz o autor, é preciso reconhecer que muitos municípios são absolutamente
débeis, com recursos insuficientes e baixa capacidade técnica e de gestão para a condução das
políticas públicas. Por esse motivo,
[...] existe amplo consenso nos países da região acerca da necessidade de fortalecer
as instituições que formam os governos locais. Acompanhando as reformas legais
que ampliam a autonomia, as responsabilidades e as atribuições dos municípios, se
delineiam dois elementos essenciais para o fortalecimento municipal: o
desenvolvimento de sua capacidade de gestão financeira, técnica e administrativa, e
a adequação dos mecanismos de financiamento incluídos tanto os de transferências
provenientes do governo central como os de obtenção e gerência de recursos
financeiros diretamente dos municípios (SAMAYOA, 1998, p. 145-146, tradução e
grifo meu).
O autor segue argumentando que ao mesmo tempo em que se redefine o papel dos
municípios na América Latina, é cada vez maior a participação popular nas atividades do
governo local
133
. Para ele, essa participação deve ser incentivada tendo em vista a necessidade
133
Samayoa (1998) faz referência às administrações locais que desenvolvem projetos que estimulam a
participação popular, tais como Porto Alegre, Guatemala e Valledupar. Sobre o município brasileiro, diz o autor:
“Nos orçamentos participativos’ de Porto Alegre encontramos a população de um município de 1.290.000
habitantes [...], participando organizadamente na definição do orçamento [...] do governo local [...]. A prefeitura
139
de melhorar a efetividade e a eficiência da gestão pública, posto que, em diversos casos,
muitas obras acabam sendo inadequadas, subutilizadas ou deterioradas por conta da falta de
acompanhamento dos moradores nos programas e projetos de desenvolvimento local.
Samayoa (1998) assinala, ainda, que a participação das empresas privadas na provisão dos
serviços urbanos também é crescente na Região. Essas empresas operam no fornecimento de
água potável, transporte e comunicação.
Igualmente à participação cidadã, a “privatização” dos serviços públicos [...], cuja
aceitação pelos governos ainda não está generalizada, [...] se encontra em pleno
desenvolvimento. Neste sentido, pode se dizer que o conceito de governo local na
região está orientando-se à responsabilidade compartilhada entre os diferentes
setores da população (estatais e privados) para o exercício do governo e a provisão
de serviços sociais e de infra-estrutura (SAMAYOA, 1998, p. 146, tradução e grifo
meu).
Assim, a descentralização administrativa, a autonomia política e financeira que garanta
o papel de liderança (do município), a participação popular e das empresas privadas com
vistas ao desenvolvimento local, constituem a atual fase da gestão municipal na América
Latina. Diante dos mais variados problemas existentes na cidade, os prefeitos e conselheiros
devem compartilhar experiências exitosas que possam subsidiar o bom governo local
(SAMAYOA, 1998).
Em síntese, Samayoa (1998) afirma que as principais tendências referentes à nova
gestão municipal na América Latina são: a) visão integral e de longo prazo na definição de
estratégias; b) administração local com capacidade de liderança integradora; c) participação
popular nos processos decisórios do governo local; d) participação das empresas privadas na
provisão de serviços e; e) inovação governamental na solução de problemas.
de Porto Alegre concebeu e desenvolveu um novo sistema de funcionamento para a definição de seu orçamento,
que atualmente incorpora [...] mais de 100.000 participantes. Desta forma, se parte de uma visão integral, que
incorpora os problemas, necessidades, condicionantes e potencialidades dos diferentes setores da população e ao
mesmo tempo a população se constitui em avaliadora e vigilante do cumprimento do orçamento. Atualmente
mais de 17 municípios brasileiros estão aplicando ‘orçamentos participativos’ baseados no modelo desenvolvido
em Porto Alegre” (SAMAYOA, 1998, p. 147, tradução e grifo meu).
140
Pode-se observar que o texto do Consultor do BID (SAMAYOA, 1998) apresenta
elementos importantes quanto às orientações do Banco para a gestão de cidades. Em primeiro
lugar, há que se destacar a ênfase dada pelo autor à gestão municipal e sua modernização, que
se incluem, conforme afirmações anteriores, no marco das recomendações para a reforma do
Estado e para a adoção do planejamento estratégico (moderno). Em segundo lugar, o autor faz
uma apologia ao planejamento moderno e eficaz quando advoga que a postura do gestor deve
ser de liderança e que diante da ineficácia administrativa - onde novamente o autor recorre à
crítica ao planejamento tradicional - o dirigente político deve melhorar sua capacidade de
gestão técnica. Note-se que, mais uma vez, aparece a defesa de um planejamento eficiente que
exponencia a administração técnica da cidade, desconsiderando os aspectos sociais e políticos
(problemas sociais advindos das contradições de classe) que demandam respostas do Estado
para além de uma postura eficaz.
A referência feita pelo autor às administrações locais comandadas pelos partidos de
esquerda na América Latina, que incluem a participação popular nos processos decisórios
demonstra que, para o BID, a legenda partidária não chega a ter importância no quadro de
recomendações de políticas. Aliás, como afirmado anteriormente, o tema da participação
popular oriundo da tradição dos movimentos sociais e sindicais de vertente esquerdista tem
sido capturado e utilizado largamente como orientação o pelo BID, como por outros
organismos internacionais de crédito, como é o caso do Banco Mundial.
Por último, que se destacar nas argumentações do autor, a clara defesa da
privatização dos serviços públicos e da propalada parceria público-privada na condução das
políticas sociais e de infra-estrutura.
Dentre as recomendações do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a gestão
de cidades tem destaque o tema da participação popular no planejamento e execução de
políticas locais. A reflexão que se segue procura indagar por que o BID preocupa-se em
141
incluir a temática da participação nas recomendações de políticas no processo de gestão de
cidades.
2.2.2 A perspectiva da participação cida para o Banco Interamericano de
Desenvolvimento
No campo de discussões sobre a composição de um discurso ideológico que se expressa
nas recomendações do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a gestão de cidades,
um tema merece atenção: trata-se da participação social ou, como aparece nos documentos
do Banco, participação cidadã.
A apreensão dessa temática é necessária por dois motivos. O primeiro é que em nível de
orientações gerais para os seus países-membros, o Banco tem debatido sobre a participação
social como um elemento fundamental que deve dar suporte aos programas/projetos por ele
financiados. O segundo é que no caso específico do projeto que origina o objeto desta tese - o
Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, em Belém - financiado pelo BID
(dentro do programa Habitar Brasil-BID), a participação social é condição sine qua non para a
aprovação, execução e avaliação do projeto em questão, conforme se verá mais
detalhadamente no item seguinte.
Quanto ao primeiro aspecto, vale fazer uma breve análise sobre dois documentos
produzidos pelo BID para que se possa aprender o motivo pelo qual o Banco inclui a
participação em suas recomendações de políticas.
O documento “Estrategia para promover la participación ciudadana en las actividades
del Banco”
134
afirma, em sua introdução, que as transformações em curso na América Latina,
134
Cabe notar que, tal como os documentos de país e de estratégia para o Brasil, analisados no primeiro capítulo,
este documento traz em sua folha de rosto a seguinte observação: “somente para uso interno”.
142
tais como: a democratização, as reformas econômicas, a descentralização administrativa, a
globalização da economia e as novas tecnologias da informação, têm implicado em
modificações no papel do Estado, do mercado e dos diferentes atores sociais. Nesse sentido,
verifica-se a crescente importância da participação dos cidadãos na formulação e
implementação das políticas públicas
135
. Demonstra o documento que:
Entende-se por participação o conjunto de processos mediante os quais os cidadãos,
através dos governos ou diretamente, exercem influência no processo de tomada de
decisão sobre ditas atividades e objetivos. [...] Por outra parte, a participação não
significa nem a substituição nem a diminuição do caráter dos governos dos países
membros do Banco como os interlocutores primários da instituição e integrantes de
seus máximos órgãos de direção e decisão (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 02, tradução minha).
Segundo o documento, a participação cidadã associada aos mecanismos de
representação política, fortalece a democracia, bem como contribui para legitimar as
instituições democráticas. Nessa direção, assegura o documento, que a modernização do
Estado - eixo prioritário nas estratégias do Banco - corresponde a um processo complementar
e recíproco de fortalecimento da sociedade.
Outro aspecto destacado é que os projetos de desenvolvimento que incluem processos
participativos apresentam vantagens no que diz respeito a sua eficiência, eficácia, equidade e
sustentabilidade. O estreitamento de relações entre o poder público e os participantes
constitui-se em elemento chave do bom governo à medida que eleva o nível de confiança no
governo e fortalece a capacidade cívica dos moradores (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2004).
De outro lado, a participação contribui para a identificação dos problemas a serem
enfrentados pelos próprios grupos atendidos pelas políticas e projetos
136
, assim como
135
Afirma o Documento que desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (realizada no Rio de
Janeiro, em 1992), até os encontros denominados de Reunião de Cúpula das Américas (realizados,
respectivamente, em Miami/1994, Santiago do Chile/1998, Quebec/2001 e Monterrey/2004), têm-se reconhecido
a importância da participação dos cidadãos no âmbito da elaboração de políticas.
136
Aqui uma clara referência à concepção liberal que responsabiliza os sujeitos (ou melhor, os indivíduos) na
resolução dos problemas sociais.
143
contribui para a redução de custos e para ampliar o sentido de propriedade das pessoas sobre
essas políticas e projetos. Nessa direção, diz o documento que quando os interessados têm
oportunidade de opinar sobre as decisões referentes a determinados projetos, estes acabam por
ser mais legítimos, garantindo sua efetividade. Dessa forma,
O assinalado anteriormente [no documento] está estreitamente relacionado com a
sustentabilidade dos projetos e à continuidade das políticas, questão que se tem
revelado como de maior importância em termos da efetividade dos projetos e
políticas de desenvolvimento. Com efeito, a participação cidadã, ao reforçar a
base de legitimidade dos projetos e políticas, pode contribuir de maneira
importante à sua sustentabilidade (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 05, tradução e grifo meu).
O documento segue argumentando que é preciso considerar a participação como um
tema central no âmbito da formulação de políticas, programas e projetos, incentivando a
formação de organizações sociais que permitam aos indivíduos e grupos participarem das
negociações com o poder público
137
. Essas organizações contribuem para o fortalecimento do
Estado, legitimando seu funcionamento e garantindo eficácia em seu desempenho.
Um ponto importante a ser destacado no documento e que é elucidativo do ponto de
vista da apreensão da intencionalidade do BID em direcionar o conteúdo das políticas
implementadas na América Latina diz respeito à utilização da participação na condução
dessas políticas. Explicando melhor: o documento afirma que o BID realiza constantemente
seminários e conferências nos quais participam funcionários de governo, especialistas, líderes
sociais e políticos que representam grande parte das organizações sociais, momento em que o
Banco pode influenciar, indiretamente, no processo de definição dos planos e políticas de seus
países membros.
E mais, segundo o documento, os treinamentos que o Banco realiza através de seu
Instituto Interamericano de Desenvolvimento Social (INDES), além dos empréstimos e
acordos de cooperação técnica firmados com seus países-membros “são outro meio de
137
Os potenciais participantes dos programas e projetos financiados pelo Banco são: organizações o-
governamentais, sindicatos, grêmios, empresários, organizações comunitárias, entidades acadêmicas, partidos
políticos, comunidades e populações vinculadas, especificamente, aos projetos financiados pelo Banco.
144
influência indireta na definição de planos e políticas de desenvolvimento dos países”
(BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 09, tradução minha).
Na mesma direção, diz o documento que o BID tem promovido uma interlocução entre os
dirigentes governamentais e especialistas tendo em vista a “construção de consensos em torno
de políticas de desenvolvimento em longo prazo” (idem, p. 10).
Antes de empreender a reflexão sobre as assertivas acima feitas, é importante registrar
que no organograma do BID, o documento “Estrategia para promover la participación
ciudadana en las actividades del Banco” corresponde a um sub-item do tema “Estratégia para
a modernização do Estado e fortalecimento da sociedade”, o qual se inclui no sub-item
“Estado, governabilidade e sociedade”, que por sua vez, é um sub-item da temática “Reforma
do Estado”. Disto pode-se inferir que a orientação do Banco em incentivar os processos
participativos visa, em última análise, dar suporte a um dos eixos centrais de intervenção do
Banco, que é a chamada modernização do Estado. É o que demonstra a passagem a seguir:
[...] a Estratégia de Modernização do Estado do Banco tem como objetivo apoiar os
países na consolidação de seus sistemas democráticos sob a premissa de que em
sólidos sistemas democráticos as políticas públicas respondem melhor aos
interesses, demandas e aspirações dos cidadãos. Em condições de governabilidade
democrática mais oportunidades e mecanismos para canalizar a participação dos
cidadãos e para que a mesma tenha influência na definição dos planos e políticas de
desenvolvimento (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO,
2004, p. 09, tradução minha).
Uma análise atenta da totalidade do documento leva a crer que a participação - diferente
do que procura demonstrar o documento - o é um fim e sim um meio de legitimar os
programas e projetos financiados pelo Banco em toda a América Latina. Nesta medida, é que
a participação não tem por objetivo decidir o rumo da política, mas, apenas, influenciá-la.
Isso é tanto verdade que ao definir as condições de participação no interior das atividades do
Banco, o documento assinala, claramente, que é preciso ter o entendimento de que “participar
não consiste em decidir senão em ter a possibilidade de influenciar as decisões que deverão
145
ser tomadas pelas instâncias de autoridades estabelecidas em cada caso” (BANCO
INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 08-09, tradução minha).
A participação tem, assim, um caráter consultivo, não sendo, portanto, deliberativa.
Mas, se assim o é, por que afinal, o Banco prioriza essa temática no âmbito das orientações de
políticas? Porque, a nosso ver, a participação, nesta perspectiva, facilita a legitimidade dos
programas e projetos por ele financiados, os quais têm, conforme tratado no primeiro capítulo
desta tese, um enfoque setorizado e focalizado. Na mesma direção, esse tipo de participação
garante o aceite da política, posto que desenvolve o sentimento de pertença das pessoas
atendidas por determinado projeto; ao mesmo tempo em que garante que essas mesmas
pessoas acompanhem/fiscalizem as atividades do poder público, com vistas alcançar a
eficiência, a eficácia e a sustentabilidade dos projetos que, aliás, permitem a formação do
bom governo, um dos temas de atenção do discurso sobre a gestão de cidades, visto
anteriormente.
Ademais, os processos participativos contribuem para diminuir os custos dos projetos à
medida que são ativos não financeiros, isto é, as pessoas envolvidas podem disponibilizar
recursos (econômicos e humanos) para o bom andamento do projeto
138
. O que é perfeitamente
compatível com as orientações de redução de custos no âmbito das políticas sociais que, por
sua vez, interliga-se ao processo de modernização do Estado. A esse respeito, vejamos a
passagem a seguir:
Quando as pessoas ou entidades interessadas percebem os potenciais benefícios de
determinados projetos e políticas, e se sentem comprometidas com seus resultados,
estão mais dispostas a investir seus próprios recursos econômicos e humanos.
Deste modo a participação pode ser uma fonte de recursos adicionais para a
execução de programas e projetos, assim como para a sustentabilidade dos mesmos.
Neste sentido a participação é uma sorte de ativo não financeiro à disposição de
todos os países pois a mesma permite executar projetos em uma dimensão
superior a que permitiriam as disponibilidades orçamentárias (BANCO
138
Um claro exemplo de redução de custos e de utilização de recursos humanos nas políticas públicas recentes, é
a utilização da auto-construção nos projetos habitacionais. Os moradores são envolvidos, mediante treinamento,
para construir sua própria casa ou contratam mão-de-obra especializada (isto é, garantem a sua contrapartida ou
sua parcela de recurso financeiro) para a construção da moradia.
146
INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 02, tradução e grifo
meu).
Pode-se notar, em síntese, que na perspectiva do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, o incentivo à participação - à medida que contribui para formar a opinião
dos usuários acerca das políticas mínimas - configura-se em mecanismo ideológico de apoio
às reformas do Estado, tema caro na agenda de recomendações do Banco para a América
Latina
139
.
Deve-se registrar que no Documento de Estratégia (de 2003) que trata especificamente
sobre a modernização do Estado, o Banco tece claramente as relações entre os processos
participativos e a reforma do Estado, no âmbito da governabilidade. Diz o Documento que o
Banco assume a expressão modernização do Estado como sinônimo de reforma do Estado
para que se possa alcançar a governabilidade democrática. Por sua vez, a governabilidade
deve ser construída mediante uma relação consensual e eficiente entre os diversos atores
sociais em um contexto de coesão social. O Estado, segundo o documento, é a “coluna
vertebral” da governabilidade democrática, esta que deve incorporar as preocupações da
sociedade e do mercado.
Neste sentido, o fortalecimento da sociedade [...] é uma condição essencial para a
efetiva vigência da democracia e para alcançar um desenvolvimento sustentável e
eqüitativo, mediante sua participação através das instituições da democracia
representativa e o desenho e implantação das políticas blicas. [...] [Para tanto, há]
o requerimento da coesão social como uma das condições da governabilidade
democrática (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2003, p.
02, tradução minha).
139
Um outro documento do BID (Série de monografias, sobre o tema “Estado, governabilidad y desarrollo”) não
deixa dúvidas de que a inclusão da temática de participação nas recomendações de políticas do Banco guarda
relação com as orientações de reforma do Estado. Segundo o documento, é necessário “reinventar o Estado”,
revisitando o tema sobre governabilidade que, por sua vez, diz respeito a uma revisão das relações entre Estado e
sociedade. Neste âmbito, as argumentações do documento centram-se na tese de que o governo deve construir
um consenso político que lhe permita exercer suas funções básicas de forma legítima, estável e eficiente. Para
tanto, é preciso que se estabeleça um diálogo entre o governo, o setor privado, o mercado, a sociedade e as
comunidades locais, com o necessário fortalecimento das organizações sociais (ou o fortalecimento dos
processos participativos). Ao lado desse fortalecimento, diz o documento, é imperiosa a reforma do Estado que
implica em uma redistribuição de funções públicas entre o Estado e a sociedade, o que significa a transferência
de tarefas públicas para os demais agentes econômicos e sociais (setor privado e sociedade) (TOMASSINI,
1993). Assim, a participação é um elemento importante para a garantia da governabilidade que deve ser exercida
com eficácia, legitimidade e respaldo social (consenso político).
147
Desta forma, a coesão - adquirida mediante a participação - ao significar harmonia,
concordância - e, portanto, ser contrária ao conflito - é funcional à legitimidade das políticas
(focalistas e setorizadas) orientadas pelo Banco.
O outro documento que serve de aporte analítico sobre a temática da participação na
perspectiva do BID, diz respeito ao livro “Programas sociales, pobreza y participación
ciudadana”
140
. Em sua introdução, Andrés Pietri (2000) - Consultor do Banco - demonstra que
diante do quadro de pobreza e desigualdade em que se encontra grande parte da população da
América Latina, é preciso, concomitantemente à promoção do desenvolvimento econômico,
que se criem oportunidades de formação do capital humano, muito especialmente, através dos
sistemas educativos. Assevera o autor que, complementarmente à educação, o investimento
nos processos participativos é fundamental para a construção de mudanças nos países da
região; a participação é, pois, um instrumento essencial no processo de desenvolvimento
econômico e social.
A realidade atual da América Latina e Caribe revela que, quase unanimemente,
nossos povos têm adotado a democracia como seu sistema político. Esta realidade,
em meio às profundas mudanças sociais e econômicas registradas nos países da
região, tem estimulado, de forma renovada, a idéia de participação como o eixo
para a recomposição do poder; para a estruturação orgânica de uma sociedade
massificada; para o manejo dos conflitos e das relações sociais e para a construção
de uma nova ordem, profundamente democrática, humana e solidária (PIETRI,
2000, p. XI, tradução e grifo meu).
Com base nas experiências apresentadas no seminário que deu origem ao livro em
pauta, Pietri (2000) afirma que a participação aumenta a eficiência, a eficácia, a transparência
e a sustentabilidade dos programas e projetos. Os processos participativos facilitam a criação
140
Este livro resulta de um seminário de título homônimo, realizado em 1998, em Cartagena de Índias
(Colômbia), durante a XXXIX Assembléia de Governadores do BID. Vale observar que Edmundo Jarquín é
chefe da divisão de Estado e sociedade do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do BID. O Seminário
foi dividido em sessões temáticas: educação, grupos vulneráveis, setores produtivos, equipamentos
urbanos/serviços, saúde, proteção ambiental, filantropia/ responsabilidade social e descentralização. Foram
apresentadas 32 experiências governamentais (de nível federal, estadual, municipal) e de organizações não-
governamentais - algumas financiadas pelo BID - de vários países da América Latina, que têm por base a
participação popular. As experiências brasileiras apresentadas foram: a) Reforma educativa do estado de Minas
Gerais, b) Programa de urbanização de assentamentos populares do Rio de Janeiro/Favela Bairro, c) Projeto de
proteção do meio-ambiente e das comunidades indígenas (PMACI), d) Grupo de Institutos, fundações e
empresas (GIFE) e, e) Orçamento Participativo/Porto Alegre.
148
de um sentimento de pertença e satisfação nos usuários dos referidos programas. Além disso,
a participação ao aumentar a transparência na administração e na gerência de fundos dos
programas inibe as possibilidades de corrupção e melhora a qualidade da gestão pública.
Também com base nos estudos apresentados, o autor demonstra que a participação, ao
mobilizar recursos humanos e financeiros, gera economia aos projetos. É o caso da utilização
de voluntários em campanhas de alfabetização, em programas de educação e saúde, em
programas de auto-construção, etc. Ademais, ressalta o autor que a participação produz,
também, um impacto social. Tal é a experiência de Porto Alegre que, mediante o Orçamento
Participativo, o governo conseguiu implementar o imposto progressivo que impulsionou a
arrecadação, criando mais possibilidades de atuação em projetos sociais. Segue o autor
argumentando que:
Todavia, um aspecto da participação que se deve destacar de maneira muito
especial, devido seu impacto político-institucional [...], [que é] a influência
determinante da participação cidadã na mudança da própria vida social, na
redistribuição de poder, no fortalecimento das capacidades dos indivíduos e em sua
contribuição para a realização integral da pessoa humana. Com efeito, o processo
de descentralização que se vem realizando na região, é a base fundamental para
a realização da participação, ao aproximar as fontes de poder e decisão cada vez
mais a quem são sujeitos das mesmas. É por isso que o nível local está ressaltado
como o espaço mais propício para a participação. [...] Tal é o modelo analisado e
comparado em nível local em Porto Alegre, Brasil e outras cidades de Argentina,
Bolívia e Colômbia, onde a participação em nível local tem contribuído para
melhorar a ação pública [...] (PIETRI, 2000, p. XIV, tradução e grifo meu).
O texto de Pietri (2000) continua a indicar que, na acepção do BID, a participação visa,
por muitas mediações, facilitar o processo de (contra)reforma do Estado. Sendo que, da
reflexão do autor, pode-se inferir que uma preocupação, em termos de orientações do
Banco, quanto ao incentivo à participação na esfera local. Nesse aspecto, um reforço da
descentralização administrativa e das boas experiências de gestão de cidades, como é o caso
de Porto Alegre, que conforme análise do item 2.2, é referenciada como cidade-modelo, e,
portanto, exemplo de boa administração.
149
Nesses termos, o autor, ao afirmar que a participação é o eixo central do
desenvolvimento econômico e social, produz um discurso que vai compatibilizando-se com a
agenda do BID para as cidades, conforme tratado anteriormente. É assim que, segundo Pietri
(2000) os processos participativos contribuem para a eficiência, eficácia, transparência e
sustentabilidade, que são elementos do discurso sobre a gerência de cidades. E mais, a
participação ao construir um sentimento de pertença dos usuários dos programas e projetos,
economiza recursos humanos e econômicos, como lembra o autor, ao utilizar o trabalho de
voluntários nos mais variados setores de políticas, dentre eles a auto-contrução de moradias.
Os editores do livro em tela apresentam alguns pontos que sintetizam os estudos
apresentados no seminário, referentes à participação. Os principais deles são:
Os trabalhos apresentados indicam que a participação cidadã favorece a eficiência
econômica, social e político-institucional dos projetos de desenvolvimento;
A participação cidadã gera economia, arregimenta recursos humanos e financeiros,
além do existente no projeto, e colabora para o fortalecimento da cidadania e da
democracia. Nesta direção, os processos participativos incrementam a eficiência nas
políticas públicas;
O investimento na capacidade gerencial dos governos locais e nas organizações da
sociedade gera vantagens no desenvolvimento da base produtiva e no incremento da
prestação de serviços;
O incentivo à cooperação entre o governo e os indivíduos pode reduzir conflitos
sociais;
Os governos da região deveriam considerar a participação cida como elemento central na
formulação das políticas sociais, fomentando a criação de organização social, redes e tecidos sociais,
que aumentem a capacidade dos cidadãos para gerenciar seus próprios assuntos e para intervir na
negociação com o setor blico. A existência de espaços públicos não estatais, longe de debilitar o
Estado e seu funcionamento, contribui para a legitimação do mesmo e para a eficácia de seu
desempenho” (JARQUÍN; PIETRI, 2000, p. XVIII, tradução e grifo meu);
150
A utilização da tecnologia da informação colabora com o aumento da transparência e
da eficácia da gestão governamental;
A participação cidadã, juntamente com a educação, é um caminho para gerar as
mudanças necessárias no desenvolvimento da região;
“Por último, se enfatizou que com a consolidação do sistema democrático, os países da região transitam
de um ambiente de desconfiança entre Estado e sociedade [...] para um amigável e cooperativo. À
medida que se considere que as políticas públicas orientadas à modernização das economias e sua
inserção competitivamente no mercado internacional - requerem, para seu êxito, o incremento da
coesão social através do investimento no capital humano e no desenvolvimento institucional
democrático e, portanto de criação de condições para uma maior participação cidadã, os vínculos de
cooperação e de confiança entre os governos e as organizações da sociedade [...] serão maiores [...]”
(JARQUÍN; PIETRI, 2000, p. XVIII, tradução e grifo meu).
Os pontos indicados por Jarquín e Pietri (2000) permitem afirmar que a preocupação
central do BID em valorizar, referenciar e recomendar o incremento da participação nos
programas e projetos por ele financiados refere-se ao interesse do Banco em fortalecer os
processos de reestruturação do Estado, muito particularmente dos processos de
descentralização administrativa. Nessa angulação, a participação é mais um elemento a ser
adicionado no rol de prescrições da agenda do Banco para as cidades
141
.
De acordo com os editores em tela, a participação tem o potencial de aumentar a
eficácia dos programas e projetos, que pode ser lida como economia de recursos, no sentido
de minimização de gastos para a área social (e, nesta medida, a participação, ao propiciar o
sentimento de pertença dos usuários, também representa uma economia de recursos humanos
e econômicos, através do incentivo ao trabalho voluntário).
Aliada aos processos participativos, é preciso garantir a “capacidade gerencial dos
governos locais” - tema recorrente na agenda de recomendações do Banco - posto que a
141
No prólogo do livro a que se está fazendo referência, Jarquín (2000, p. VIII) demonstra, a esse respeito, que o
BID tem priorizado os “programas orientados ao alívio e a eliminação da pobreza, os temas de modernização
do Estado, o fortalecimento da sociedade [...] e a participação. Isto tem significado que a instituição concentra
uma grande parte de seus recursos nos setores sociais e [espera-se] que [...] continue respaldando programas de
reforma judicial, fortalecimento de parlamentos e programas de descentralização, com o objetivo de melhorar o
marco normativo e institucional para o exercício dos direitos dos cidadãos” (tradução e grifo meu).
151
descentralização administrativa redunda em intensificação das responsabilidades dos gestores
locais na condução de políticas, bem como no apoio à infra-estrutura produtiva e de serviços.
Outro ponto importante: o incentivo à participação dos usuários “como elemento central
na formulação das políticas sociais” reverte-se em legitimidade do poder público para a
condução de políticas - conforme assinalado anteriormente, setorizadas e focalizadas
142
- e
propicia a eficiência de seu desempenho.
Além disso, a participação é um elemento de coesão social e tende a harmonizar as
possíveis relações conflitivas na sociedade. Nesse sentido, evitar o conflito significa primeiro,
incluir no mercado de trabalho (ou manter a expectativa de que serão incluídos em algum
momento) aqueles que potencialmente podem gerar conflitos, mediante o incentivo de
políticas educacionais (formação do capital humano) que contribua para a modernização da
economia no âmbito da competitividade econômica e; segundo, desenvolver um ambiente que
propicie a cooperação e a confiança dos usuários nos programas e projetos desenvolvidos.
Feitas essas reflexões, cabe indagar como o Banco Interamericano de Desenvolvimento
procura expressar o conjunto de suas orientações através das recomendações de políticas
urbanas - particularmente, a política urbano-habitacional brasileira - no âmbito da cidade.
Nesse aspecto, a presente tese volta sua análise a um dos programas financiados pelo BID, no
Brasil - o Programa Habitar Brasil-BID, que por sua vez financia uma experiência de
intervenção urbanística municipal, o Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e
Pantanal, desenvolvido em Belém/PA, objeto de exposição do quarto capítulo.
142
Vejamos o que diz Stein (2000, p. 242) ao apresentar, no seminário em referência, a experiência de
participação comunitária do Programa de Desenvolvimento Local (Prodel), da Nicarágua, a respeito da
importância da participação para a focalização de políticas: “A comunidade tem participado durante todo o ciclo
do processo, desde a definição das áreas de ação, a identificação de problemas e projetos, até o manejo e a gestão
dos investimentos. Isto tem tido um impacto significativo na capacidade local para focalizar o uso dos recursos
e identificar e planejar projetos de infra-estrutura e equipamento urbano” (tradução e grifo meu).
152
2.3 A ESTRATÉGIA DO BID PARA A POLÍTICA URBANA O ENFOQUE NO SETOR
HABITACIONAL
Conforme observamos nas propostas do Banco Interamericano de Desenvolvimento,
está claro que, para este, o processo de urbanização avança em uma velocidade significativa,
em escala mundial. A América Latina e o Caribe apresentam, em particular, as maiores taxas
de crescimento urbano em comparação às outras regiões do planeta. Locais como Cidade do
México (16,6 milhões de habitantes), São Paulo (16,5 milhões), Buenos Aires (11,6 milhões)
e Rio de Janeiro (10,2 milhões) estão entre as quatro maiores metrópoles do mundo, em
termos populacionais
143
. Por conta disso, o Banco volta sua atenção à América Latina e ao
Caribe por considerar a importância econômica e demográfica dessa região no contexto do
desenvolvimento econômico, levando em consideração os temas de competitividade e
inclusão social (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2003g).
O BID considera que esta tendência deva continuar, sendo que uma estimativa de
que para o ano de 2025, 85% da população de toda a América Latina estejam vivendo em
áreas urbanas. Entretanto, se de um lado a intensa urbanização tende a concentrar
espacialmente os problemas sociais e ambientais, de outro, a urbanização pode significar - de
acordo com o Banco - uma melhor oportunidade de crescimento econômico e social. Isso
porque as cidades são portadoras da infra-estrutura e dos serviços que possibilitam o
desenvolvimento das atividades produtivas de maior dinamismo, podendo gerar um
significativo impacto sobre a competitividade das empresas. Em nível social, concebe o BID
que a exacerbada concentração populacional nas cidades pode reverter-se em inclusão social à
medida que se promova a distribuição eqüitativa dos ganhos do desenvolvimento mediante
programas públicos de desenvolvimento do capital humano e aumento da riqueza dos grupos
143
A esse respeito, Sassen (1998) afirma que dentre os principais centros financeiros e comerciais internacionais
do período atual estão: Nova York, Londres, Tókio, Paris, Frankfurt, Zurique, Amsterdã, Los Angeles, Sidnei, e
Hong Kong. Entretanto, inclui-se agora nesta arquitetura de cidades: São Paulo, Buenos Aires, Bangkok, Taipei
e Cidade do México.
153
vulneráveis da sociedade (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO,
2003g).
Frente a essa concepção, o desenvolvimento urbano é um dos temas de atenção do BID
para a América Latina, enfocando quatro áreas principais: programas de desenvolvimento
local e regional, desenvolvimento integrado de cidades, investimento e reforma de políticas
no setor de habitação e programas de investimento social. Essas áreas são subdivididas em
cinco ões prioritárias: moradia, reabilitação urbana, pobreza urbana, desenvolvimento
municipal e regional e melhoramento de bairros.
Dentro desse contexto, o Banco destaca a moradia como um dos setores a ser priorizado
no cenário urbano, por considerá-la como um dos maiores problemas das cidades latino-
americanas, observando a inadequação das condições de moradia de milhares de famílias que
se expressa na ausência de saneamento básico, construções irregulares que põem em risco a
segurança das pessoas, dentre outros. Propõe-se, então, a melhorar as condições de vida da
população de “baixa renda” com um incentivo ao setor público e à iniciativa privada.
Para tanto, na área habitacional, o Banco propõe-se a: i) apoiar políticas e programas
que sejam sustentáveis e que se voltem a melhorar as condições de moradia da população de
baixa renda; ii) melhorar a eficiência do setor público que deve atuar como facilitador dos
investimentos privados em moradia, bem como melhorar a eficiência na gestão dos recursos
públicos destinados a esse setor (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2003h).
É nesse contexto que o BID estabelece para o Brasil, uma série de orientações referentes
à política urbana, as quais estão contidas nos Documentos de País e Documentos de Estratégia
(conforme primeiro capítulo).
Na concepção do Banco, mais especificamente, no Documento de País (de 1996), a
política urbana (considerada como “desenvolvimento urbano e erradicação da pobreza”)
154
inclui-se no item “setores sociais” e é expressa como uma das áreas prioritárias (ao lado de
educação, saúde e saneamento) de financiamento de políticas e está voltada para a diminuição
da pobreza urbana através do melhoramento das condições de vida e infra-estrutura. Nessa
direção, o referido documento indica que a política urbana deve centrar-se em dois aspectos:
redução da pobreza urbana e; financiamento de habitações e da infra-estrutura urbana
(Documento de País, 1998).
O “Documento de País” (2001) segue, basicamente, na mesma direção do documento
anterior no que se refere ao setor urbano, o qual é visto como um setor estratégico para a
redução da pobreza urbana. Mas o que é importante registrar é que no contexto das
orientações para a reforma do Estado, tratada anteriormente, com a necessidade de eficiência
nos gastos públicos, o Banco reitera a responsabilidade dos municípios na execução das
políticas urbanas através da indicação de ações de “desenvolvimento urbano e municipal”
144
.
No documento “Declaración de Misión” (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2003i) o BID enfatiza o processo de descentralização em curso na
América Latina e Caribe como fundamental para o desenvolvimento econômico e social,
particularmente na prestação de serviços públicos. Para o Banco, as administrações locais têm
uma posição privilegiada na promoção das economias locais tendo em vista sua proximidade
ao empresariado local e às organizações da sociedade.
Nesse aspecto, o BID disponibiliza recursos para o aumento da capacidade técnica e/ou
de gerenciamento dos municípios para o desenvolvimento de políticas nos setores sociais, em
particular no setor habitacional.
No âmbito dos serviços urbanos, a política de habitação denominada “habitação de
interesse social” volta-se para o extrato populacional de “menor renda”, aqueles que moram
144
A esse respeito, diz o Documento “O elevado nível de urbanização e o alto grau de descentralização
alcançado pelo país fazem com que o setor urbano desempenhe uma função importante na estratégia de
desenvolvimento. Cada vez mais, os municípios se encarregam das funções sociais, com responsabilidades, entre
outras, pela educação básica, saúde, assistência social e por programas de alívio da pobreza [...]”
(DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 239).
155
em habitações subnormais” (favelas, loteamentos irregulares e habitações coletivas), tendo
um enfoque setorizado, não considerando as políticas urbanas que se voltem à cidade como
um todo
145
. Assim, diz o Documento:
O governo impulsionará reformas dos sistemas de financiamento do setor, porém,
ainda se fazem necessárias ações específicas que levem os benefícios aos setores
mais pobres, definindo subsídios focalizados, isto é, voltados para a clientela-alvo,
e mecanismos que incentivem o esforço familiar e a participação do setor privado
(DOCUMENTO DE PAÍS, 2001, p. 240, grifo meu).
No último Documento de Estratégia (2004/2007), conforme visto no primeiro capítulo,
a problemática urbana deixa de ser um sub-item do item “setores sociais”, passando a compor
uma das quatro áreas de ação prioritária do BID, no Brasil, denominada Condições de vida e
eficiência em cidades. Nas argumentações do BID, esta área deve estar integrada às ações de
combate à pobreza urbana, melhoria nas condições de habitabilidade, eficiência e qualidade
ambiental das cidades (Estrategia del Banco con Brasil, 2004).
Desta forma, o Banco propõe-se a apoiar: i) programas e projetos integrados de
investimentos na área social e que sejam prioritariamente voltados a grandes áreas urbanas,
que tenham por objetivo o “alívio” da pobreza urbana e o acesso dos setores de menor renda
aos serviços básicos; ii) ações que visem o melhoramento da gestão municipal, bem como
programas de investimentos que tenham por meta a melhoria da habitabilidade e a eficiência
das cidades.
Importante observar dessas orientações como aquele modelo de gestão de cidades
(analisados no item 2.2) - moldado na perspectiva das agências multilaterais - aparece
claramente nos documentos do Banco, os quais se voltam a indicar prescrições de políticas no
marco do desenvolvimento urbano brasileiro. A temática de reforma do Estado, tema central
no conjunto das argumentações do BID se expressa na ênfase do Banco em valorizar a
145
Esse tipo de concepção nega a moradia como um direito constitucional e universal, tendo em vista que se
volta a atender as pessoas que moram nas áreas consideradas sub-normais” ao mesmo tempo em que não
articula a política habitacional à política urbana, a qual inclui os setores de transporte, energia elétrica, esgoto
sanitário, abastecimento de água, dentre outros.
156
administração municipal, a qual deve ter ampliada sua capacidade de gestão local, devendo
ser eficiente para comandar os recursos dos programas e projetos na área de infra-estrutura
urbana (esta última, que é requisito para os investimentos privados tanto no setor habitacional
quanto no de saneamento) e na área social. Aliás, neste setor é visível a predominância da
lógica setorizada e focalizada no atendimento à política urbana, quando os documentos
priorizam a melhoria das condições de moradia da população de “baixa renda”, aquela que
mora nas “habitações subnormais” e que é, portanto, o alvo (o foco” de pobreza) a ser
tratado, tendo em vista a necessidade de “aliviar” as expressões da questão social no nível
urbano. Vejamos como o conjunto de orientações do BID para a política urbana é expresso,
mais detalhadamente, em um programa específico, o Programa Habitar Brasil – BID.
2.3.1 Programa Habitar Brasil-BID - exemplo de orientação de política na cidade
O Programa Habitar Brasil-BID (HBB) resultou de um contrato de empréstimo (nº.
1126 OC/BR) firmado entre o governo brasileiro e o BID em 13.09.1999, com um custo
equivalente a US$417 milhões, sendo que 60% dos recursos provêm do referido Banco e 40%
da União. Seus objetivos são:
a) contribuir para elevar os padrões de habitabilidade e de qualidade de vida das famílias,
predominantemente aquelas com renda mensal de a3 salários mínimos, que residem em assentamentos
subnormais, localizados em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, e capitais de estados;
b) estimular os governos municipais a desenvolver esforços para atenuar os problemas dessas áreas, tanto
nos efeitos como nas causas, inclusive as institucionais, que originam; e
c) aprofundar o conhecimento setorial dos problemas de habitação e infra-estrutura do país
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000, p. 03).
O referido Programa foi elaborado durante o governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Nesse governo, a política urbana vinculava-se à Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano (SEDU). Coube a essa Secretaria assistir ao Presidente
no desempenho de suas atribuições, especialmente na formulação e coordenação das
políticas nacionais de desenvolvimento urbano, e promover, em articulação com as
157
diversas esferas de governo, com o setor privado e organizações não-
governamentais, ações e programas de urbanização, de habitação, de saneamento
básico e de transporte urbano [...] (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2003).
A Secretaria de Desenvolvimento Urbano desenvolveu nesse governo os seguintes
programas para área urbana: Carta de Crédito, Gestão da Política de Desenvolvimento
Urbano, Gestão Urbana e Metropolitana, Infra-Estrutura Urbana (Pró-Infra), Minha Casa,
Morar Melhor, Nosso Bairro, Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat
(PBQP-HABITAT), Programa Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (PROGEST),
Saneamento é Vida e Transporte Rodoviário Urbano (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
2003).
Dentre esses, o programa Nosso Bairro contava - em dois de seus subprogramas - com
os recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento. São eles: Apoio à modernização
institucional dos municípios para atuação na melhoria das condições do setor habitacional, no
segmento das famílias de baixa renda – Desenvolvimento Institucional de Municípios – DI
146
e Melhoria das condições habitacionais, de infra-estrutura e saneamento básico
Urbanização de Assentamentos Subnormais UAS”
147
, os quais são desenvolvidos dentro do
Programa Habitar Brasil, com os recursos da União e do BID
148
.
146
Este sub-programa, em linhas gerais, está voltado à modernização e a ampliação da capacidade institucional
dos municípios, com vistas a melhorar as condições habitacionais, especialmente, das famílias de “baixa renda”.
Seus objetivos são: “a.1) criar ou aperfeiçoar os instrumentos que permitam a regularização dos assentamentos
subnormais, nas dimensões urbanística, institucional e ambiental; a.2) propiciar condições para a ampliação da
oferta de habitações de baixo custo; a.3) adequar os padrões urbanísticos e administrativos às condições
socioeconômicas da população de baixa renda, facilitando que o aumento da oferta habitacional se verifique
dentro do marco legal; a.4) implantar estratégias de controle e desestímulo à ocupação irregular de áreas; e a.5)
aperfeiçoar a capacidade cnica das equipes da prefeitura que atuam no setor” (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2000, p. 09). Tem por meta contribuir na construção ou reforço da capacidade de atuação das
administrações municipais em vista das carências habitacionais de famílias “situadas nos extratos de mais baixa
renda” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2001, p. 7). Ressalte-se que este sub-programa é um pré-requisito
para que o município possa candidatar-se ao financiamento do Habitar Brasil-BID.
147
A partir de 2002 (com o governo Lula) a política urbana passa a ser de responsabilidade do Ministério das
Cidades. Entretanto, os contratos referentes ao Programa Habitar Brasil-BID continuam a ter vigência, sendo que
uma modificação na denominação dos referidos sub-programas que passam a chamar-se: “Modernização
institucional dos municípios para atuação na melhoria das condições do setor habitacional no segmento das
famílias de baixa renda” e “Urbanização de assentamentos precários” (PROGRAMAS E AÇÕES DO
MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005).
148
Os dois subprogramas em referência estão sendo desenvolvidos no município de Belém/PA, sendo que o
subprograma de Urbanização de Assentamentos Subnormais é objeto de exame desta tese, conforme se verá no
último capítulo. Ressalte-se que para a apresentação dos projetos referentes aos dois sub-programas, é necessário
158
Na época em que o programa foi assinado, sua estrutura organizacional assim
configurava-se: a República Federativa do Brasil era a mutuária do BID, enquanto este era o
mutuante do empréstimo para a execução do referido programa. A Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano (SEDU) correspondia ao órgão central, sendo gestora do programa,
cabendo a ela o papel de representar o governo junto ao BID, além de definir todas as
diretrizes, aprovar, avaliar, acompanhar e controlar a execução do Programa. A Unidade de
Coordenação do Programa (UCP), referia-se a um setor da SEDU, com a responsabilidade
pela coordenação e execução. Dentro dessa estrutura, a Caixa Econômica Federal (Caixa)
correspondia a empresa pública contratada para prestação de serviços, com a função de
implementar e operacionalizar o Programa Habitar Brasil-BID (HBB), sendo que os
Escritórios de Negócios da Caixa eram responsáveis pela articulação com as prefeituras
municipais e outras entidades que se envolvessem com o Programa. Os municípios tinham a
capacidade de apresentar e/ou propor projetos a serem financiados pelo referido Programa,
sendo, portanto, o principal executor de ações. Os estados também poderiam ser executores de
projetos financiados pelo Programa Habitar Brasil-BID (HBB), desde que firmassem
convênios com o Município
149
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000).
O conhecimento dessa estrutura é importante para refletir como uma articulação
entre as orientações do BID e as prioridades da política brasileira para a área
urbano/habitacional, à medida que a proposição de projetos (e a conseqüente
responsabilização) pelos municípios coaduna-se com a proposta de reforma do Estado
150
.
Nessa direção, é importante que se faça uma observação: seguindo as orientações do BID,
anteriormente referidas, cabe especialmente aos municípios a responsabilidade de elaborar os
que a Prefeitura elabore um Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais (Pemas), que
corresponde a um diagnóstico do setor urbano-habitacional do município.
149
Atualmente, essa estrutura continua válida. O que era de responsabilidade da Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano passou a ser do Ministério das Cidades.
150
Já se pode observar no Capítulo 1 que as prescrições de políticas feitas pelos organismos multilaterais não são
implementadas de forma obrigatória por seus países-membros. No caso do Brasil, a adoção das recomendações
do BID (bem como de outras agências multilaterais) encontrou (e vêm encontrando) ressonância com o projeto
neoliberal desenhado de acordo com os interesses das frações de classe dominantes no país.
159
projetos, bem como de executá-los. Daí o Programa Habitar Brasil/BID (HBB) conter o sub-
programa de Desenvolvimento Institucional de Municípios, que visa a ampliação e
modernização da capacidade dos executores de políticas na escala local.
Por outro lado, a estrutura do programa Habitar-Brasil/BID também demonstra que o
Governo Federal adotou – no que se refere à política urbana - uma lógica setorizada e
focalizada posto que o subprograma de Urbanização de Assentamentos Subnormais
(destinado às famílias que ocupam áreas consideradas sub-habitações e que tenham renda
mensal de até três salários mínimos) visa o atendimento dos setores de “baixa renda” no
âmbito do alívio da pobreza.
O Programa Habitar Brasil define que os municípios e estados, executores de projetos,
para estarem aptos a receber o financiamento do Programa HBB precisam corresponder a uma
série de exigências, normas, as quais são expressas no Manual de Orientação e Regulamento
Operacional do Programa Habitar Brasil BID, que são elaborados pela SEDU, e
acompanhadas mais de perto pelo Escritório de Negócios da Caixa. No âmbito desses
documentos cabe assinalar as orientações voltadas para o subprograma Urbanização de
Assentamentos Subnormais (UAS), ao qual se vincula o Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal.
2.3.2 Programa Habitar Brasil-BID Regulamento Operacional e Manual de
Orientações do subprograma UAS: a formatação do controle de gestão
O Regulamento Operacional define como objetivo específico do subprograma de
Urbanização de Assentamentos (UAS)
151
a
151
Dentro desse subprograma o referido regulamento aponta as ões, obras e serviços urbanos que podem
conter os projetos a serem elaborados pelo município (ou estado), para que possam submeter-se a apreciação dos
órgãos responsáveis pelo financiamento do Programa Habitar Brasil BID. Dentre elas destacam-se: regularização
fundiária, remanejamento/reassentamento de famílias, infra-estrutura (abastecimento de água, esgotamento
160
implantação, de forma coordenada, de projetos integrados de urbanização de
assentamentos subnormais, que compreendam a regularização fundiária e a
implantação de infra-estrutura urbana e de recuperação ambiental nessas áreas,
assegurando a efetiva mobilização e participação da comunidade na concepção e
implantação dos projetos (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000, p. 10, grifo do
documento).
Esse Regulamento indica passo a passo como os projetos devem ser elaborados pela
equipe técnica dos municípios, com uma série de exigências quanto à apresentação de dados
dominiais (levantamento da situação jurídica da área de intervenção, proposta de
regularização fundiária, etc.), urbanísticos e de engenharia, ambientais, sociais e econômico-
financeiros.
Ressalte-se que o Manual do Programa define como pré-requisito de seleção que a área
a ser objeto de intervenção urbanística seja:
Assentamento Subnormal definido na hierarquização apresentada pelo Município;
Área ocupada mais de cinco anos, contendo no mínimo 60% (sessenta por cento)
das famílias com renda até 03 (três) salários mínimos, ou;
Área de risco ou legalmente protegida (MANUAL DO PROGRAMA HBB, [2000?],
p. 10).
Dentre os requisitos presentes no Regulamento Operacional que devem ser apresentados
no projeto integrado, tem destaque as exigências referentes à equipe técnica da área social, em
especial as que dizem respeito à participação comunitária dos moradores das áreas objetos de
intervenção do Programa Habitar Brasil-BID.
Na Fase I de elaboração do projeto, as exigências/orientações para a equipe técnica
responsável pelo setor social são:
(i) a comunidade, composta pelos beneficiários, deverá possuir organização formal
ou informal, com a liderança residindo na área de intervenção;
(ii) deverá existir concordância expressa das lideranças quanto às áreas propostas
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000, p. 26, grifo meu).
Na Fase II, as principais exigências para a equipe da área social são as seguintes:
sanitário, drenagem pluvial, sistema viário, iluminação pública, coleta de resíduos sólidos, recuperação de áreas
degradadas), unidade habitacional básica, cesta básica de materiais de construção, melhoria habitacional e apoio
ao desenvolvimento comunitário.
161
[...] (ii) que um percentual de no mínimo 80% (oitenta por cento) das famílias
beneficiadas expresse a sua adesão ao projeto e sua disposição em pagar os
encargos decorrentes do mesmo através da assinatura do Termo de Adesão;
(iii) nos casos de reassentamento, devera-se apresentar o Plano de Reassentamento;
a solução oferecida deverá ser equivalente ou superior à situação inicial, sendo
indispensável que as famílias a serem reassentadas, bem como as da área receptora
tenham participado da elaboração da proposta e manifestado sua concordância
conforme exigido pelo Termo de Adesão; [...]
(vii) que os equipamentos comunitários previstos no projeto tenham sido priorizados
pela comunidade;
(viii) que o trabalho de participação comunitária obedeça à (sic) diretrizes
contidas no Manual do Programa (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2000, p.
31, grifo meu).
O Manual do Programa Habitar Brasil-BID
152
voltado ao subprograma Urbanização de
Assentamentos Subnormais contém as especificações, roteiros metodológicos e modelos para
a elaboração de propostas em nível municipal ou estadual.
No item “Roteiro técnico para formulação de projetos integrados”, sub-item Fase de
intenção e concepção”, o Manual - complementando as orientações previstas no Regulamento
Operacional para área social – define que, ao mesmo tempo em que as equipes devem
empreender estudos e levantamento técnicos sobre impactos sociais, econômicos, financeiros
e ambientais, devem iniciar atividades do “Trabalho de Participação Comunitária” (TPC), o
qual deve ser desenvolvido desde a formulação até a implantação do projeto
153
.
Para o desenvolvimento do TPC a equipe social deve ser definida preliminarmente, na
etapa de concepção do projeto integrado, dado que lhe cabe a responsabilidade de estabelecer
os primeiros contatos com os moradores das áreas objeto de intervenção do Projeto HBB,
procurando conhecer as instituições sociais que desenvolvam qualquer atividade na área, bem
como os representantes comunitários, as lideranças formais e informais. Nesse contato inicial,
a equipe deve realizar reuniões públicas contando com a presença dos moradores e das outras
152
O Manual integra a documentação do Programa HBB e é destinado às equipes técnicas responsáveis pelo
planejamento e formulação de projetos com vistas a garantir que sua elaboração esteja de acordo com as
diretrizes do Programa, bem como, adequada ao Regulamento Operacional.
153
Nesse item, também o recomendadas as ações para o trabalho de educação sanitária e ambiental e de
geração de trabalho e renda.
162
equipes do projeto para apresentar àqueles as informações sobre as ões a serem
desenvolvidas na área.
De acordo com o Manual de Orientações, os objetivos do Trabalho de Participação
Comunitária são:
fomentar a manifestação dos beneficiários acerca do empreendimento em todo o seu
processo (definição, implantação e pós-ocupação), a fim de adequá-lo às
necessidades e disponibilidades dos grupos sociais atendidos
Incentivar a mobilização da comunidade, potencializando a participação e a
organização comunitária dos beneficiários finais
transferir conhecimentos e habilidades sobre administração e gestão comunitária,
visando o adequado emprego de recursos na resolução de eventuais conflitos sociais
e/ ou institucionais suscitados durante a implantação do projeto e na pós-ocupação
incentivar a criação de novos hábitos e atitudes frente à apropriação, utilização e
manutenção dos benefícios implantados, especialmente quanto ao uso correto das
instalações sanitárias
estimular a defesa dos espaços reorganizados inibindo iniciativas de invasão e
garantindo a manutenção da qualidade de vida conquistada
fomentar a participação ativa das comunidades na recuperação, conservação, manejo
e defesa do meio ambiente
incentivar ações adequadas à realidade socioeconômica dos beneficiários, que
favoreçam a geração de trabalho e renda, promovendo a melhoria econômico-
financeira da comunidade e sua conseqüente fixação na área (MANUAL DO
PROGRAMA HBB, [2000?], p. 12-13).
O Manual recomenda, ainda, que a equipe social contemple, no projeto integrado, ações
de desenvolvimento da participação comunitária destinadas a incentivar a formação e o
fortalecimento de organizações de base existentes na área; capacitação de lideranças ou
entidades representativas; apoio à mobilização comunitária e à promoção de atitudes e
condutas sociais que permitam a melhoria da qualidade de vida
154
(MANUAL DO
PROGRAMA HBB, [2000?]).
Necessário enfatizar, ainda, que absolutamente todas as atividades dos profissionais
envolvidos, estão definidas no Manual de Orientações do Programa em questão, mais
especificamente, nas Fases I e II, constantes no Manual. A primeira fase diz respeito ao
154
Dentre as diversas exigências e orientações do Manual do Programa HBB para a área social, é importante
destacar que em suas recomendações técnicas, o documento expressa a obrigatoriedade de contratação na forma
terceirizada em caso de o haver quadro técnico próprio na Prefeitura ou Estado de um “Responsável
Técnico pela coordenação e acompanhamento do projeto, com necessária formação em Serviço Social e/ou
Sociologia e experiência comprovada na área de desenvolvimento comunitário, em programas de habitação,
saneamento e desenvolvimento urbano” (MANUAL DO PROGRAMA HBB, [2000?], p. 27).
163
momento de elaboração do Diagnóstico Integrado, que contenha dados sobre a população e a
área urbana a qual se dirige o projeto, enquanto a segunda fase corresponde à formulação
propriamente dita da Proposta / Projeto Integrado de intervenção para a referida área.
Em se tratando da Fase I, o Manual indica que a equipe multidisciplinar
155
deve ocupar-
se da elaboração do diagnóstico integrado (dados dominiais, de engenharia/urbanismo,
sociais, econômicos e ambientais) sobre a área urbana, bem como sobre a população objeto de
atenção do projeto. Deve, ainda, elaborar uma proposta de intervenção, de caráter inicial.
Sobre a população residente na área, o Manual exige que o diagnóstico contenha
informações socioeconômicas sobre as famílias (tais como renda, gastos mensais com taxas,
impostos, moradia, escolaridade, profissão, etc.); demanda de equipamentos comunitários
indicados pela comunidade; dados sobre organização comunitária; programas públicos ou de
ONG que prestem atendimento na área de saúde; informações sobre a vocação produtiva da
comunidade e a capacidade do mercado em absorver o-de-obra capacitada por projetos de
geração de renda; perfil das lideranças; apresentação dos valores culturais existentes na área.
Quanto às informações sociais do diagnóstico, o Manual indica que a metodologia a ser
utilizada no levantamento socioeconômico deve ser participativa e que o relatório do
diagnóstico social deve permitir a elaboração do Projeto de Participação Comunitária.
Terminada a elaboração do diagnóstico integrado, este deve ser apresentado aos
moradores e, posteriormente, encaminhado à Caixa Econômica Federal, que realizará análise
com vistas a verificar se os critérios foram cumpridos na Fase I e autorizar o desenvolvimento
da Fase II
156
.
155
O Manual considera equipe multidisciplinar, pois os profissionais da área social (assistente sociais,
sociólogos) e os da área física (engenheiros, arquitetos) - sem contar com outros profissionais como geógrafos,
advogados, economistas - devem trabalhar em conjunto seja nas Unidades Executoras Municipais (UEM), da
Prefeitura, ou na Unidade Executora Estadual (UEE), quando o projeto for desenvolvido pelo Estado.
Interessante notar como uma preocupação do Banco em amarrar além do aspecto político - o fazer técnico,
onde, afinal de contas, a orientação da política é operacionalizada.
156
Ressalte-se que entre os documentos exigidos na Fase I, estão as atas de assembléia com a aprovação da
proposta pela comunidade.
164
Na Fase II, o Trabalho de Participação Comunitária - antes referido - deve estar em
desenvolvimento, em particular, a apresentação e aprovação do projeto integrado pela
comunidade, bem como o levantamento de dados que se fizerem necessários ao
aprimoramento da proposta.
Nessa Fase, a equipe técnica da área social deve intensificar o trabalho com os
moradores no sentido de debater as informações contidas no projeto, tais como: os encargos
financeiros que devem surgir quando da execução do projeto (taxas de água e esgoto, energia,
impostos), os equipamentos comunitários, o reassentamento de famílias (quando for o caso).
A orientação mais enfática nesse momento é, sem dúvida, o fato de que os profissionais na
área social devem buscar como assinalado acima a aprovação da população, que deverá
ser expressa através da assinatura do Termo de Adesão, Compromisso e Obrigações,
assinado por pelo menos 80% das famílias(MANUAL DO PROGRAMA HBB, [2000?],
p. 27, grifo meu).
Com o devido aceite dos moradores, a equipe técnica da área social pode passar, então,
à elaboração do Projeto de Participação Comunitária, o qual deve basear-se nos dados obtidos
com o Diagnóstico Integrado e deverá estar de acordo com o Roteiro do projeto (que
corresponde ao anexo 4 do documento)
157
.
Importante dizer, ainda, que o Manual especifica a forma de avaliação e
acompanhamento do Projeto Integrado, pela Caixa, SEDU e BID, quando da sua execução.
Particularmente para o Trabalho de Participação Comunitária, define condicionantes que
devem ser observados, posto que serão monitorados por esses órgãos
158
.
157
As orientações seguintes do Manual dizem respeito ao encaminhamento do Projeto Integrado à CAIXA, a
qual procederá análise do documento e emitirá parecer técnico. Em caso de enquadramento do projeto às
diretrizes do subprograma UAS, a CAIXA o encaminhará, então, à UCP/SEDU para posterior aprovação e
habilitação para o contrato de repasse de recursos ao Município ou Estado.
158
Alguns instrumentos que devem ser utilizados nas atividades do Trabalho de Participação Comunitária e que
servirão para o monitoramento da Caixa/SEDU/BID o: diários de campo, relatórios mensais, relatório
trimestral de avaliação, fotos, fitas, vídeos, material de divulgação e de campanhas.
165
O Programa HBB prevê que ao término das obras físicas, o trabalho da área social deve
ter continuidade por um período de 12 meses, com o objetivo de:
assessorar o processo de adaptação dos moradores ao novo habitat; a difusão do
andamento do processo de regularização fundiária, priorizando a concessão de
títulos às mulheres chefes de família, ou mesmo àquelas com situação civil
regulamentar; acompanhamento e assessoria para ampliação e/ou melhoria das
unidades habitacionais; a realização de eventos tais como seminários, encontros e
atividades lúdicas que possibilitem aos moradores recontar sua história recente e
fortalecer o seu processo de participação continuada na cidade, como parte de seu
processo de avaliação do projeto (MANUAL DO PROGRAMA HBB, [2000?], p.
29).
Interessante observar como o BID, através dos contratos específicos com os governos
nacionais, como é o caso do Programa HBB, propaga uma racionalidade técnica, inerente ao
modelo de gestão de cidades antes referido, na condução da política. Embora advogue e
difunda a metodologia do planejamento estratégico, a análise atenta dos regulamentos
operacionais e dos manuais, demonstra que, na prática, há uma clara recorrência ao
planejamento do tipo tradicional, podendo ser identificada por dois aspectos: primeiro, a
definição de itens, etapas (fases I e II) do projeto, bem como as normas de atuação dos
profissionais envolvidos, correspondem a um mecanismo de (forte) controle da gestão, sendo
um caminho concreto de viabilização das propostas do Banco; segundo, todo o discurso de
incentivo à participação social (que é conectada ao planejamento estratégico) reduz-se, na
realidade, à assinatura de um Termo de Adesão, significando uma participação
individualizada que, conforme vimos afirmando no decorrer desta tese, é funcional aos
interesses do Banco, posto que facilita o aceite da política urbana.
As análises empreendidas no decorrer deste capítulo permitem a afirmação de que no
atual processo produtivo, regido pelo avanço da ciência, da técnica e da informação
(SANTOS; SILVEIRA, 2003), no âmbito da divisão social e territorial do trabalho, as cidades
possuem um papel central no contexto da produção e reprodução (material e imaterial) das
relações sociais no atual estágio do capitalismo.
166
No âmbito da competitividade entre os lugares, as cidades são conclamadas a tornarem-
se eficientes, isto é, o cenário mais adequado à consecução da lógica de produtividade e lucro
empresariais, devendo ser atrativas aos mais variados investimentos capitalistas.
O funcionamento dessa engrenagem tem sido sustentado pela construção de um
discurso onde os processos de gestão de cidades, da administração de cidades ganham cada
vez mais importância. As instituições financeiras multilaterais, em especial, o BID, ao
atuarem como inteligência geral do capital (SANTOS, 2003) contribuem para formatar e
divulgar esse discurso ideológico sobre a melhor forma de gestão de cidades, onde a
dimensão política é subordinada à dimensão técnica (da gestão), havendo um esvaziamento da
discussão política dos conflitos sociais na cidade.
É assim que se propagam os modelos orientadores do planejamento urbano que se
constituem em conteúdos normativos e codificadores da ação (RIBEIRO; SILVA, 2004) e que
buscam materializar uma racionalidade de gestão técnica, ampliando a capacidade gerencial
da administração local.
Nessa direção, o discurso formulado e disseminado pelos funcionários do BID
(consultores, representantes) visa, em última instância, garantir a articulação de seus
elementos aparentes e essenciais: enquanto os Estados nacionais são requeridos a dirigir o
núcleo duro da economia nacional (a exemplo do tratamento do serviço da dívida externa) e a
empenhar-se nos investimentos de infra-estrutura de maior porte (manutenção de rodovias,
ferrovias, portos, aeroportos, geração de energia), as cidades e sua administração municipal
tendem a ser responsabilizadas pela implementação tanto das políticas sociais destinadas aos
“pobres” da cidade (como é o caso daqueles que moram em “assentamentos subnormais”),
quanto das políticas que redundem em infra-estruturação urbana, factíveis à lógica de
produtividade e lucro empresariais.
167
Entretanto, é necessário que os gestores locais sejam eficientes na administração dos
recursos. Daí os documentos do BID referendarem as experiências locais que incentivam a
participação social tendo em vista que, na perspectiva do Banco, os processos participativos
contribuem para a eficiência/eficácia dos projetos. Além disso, a participação ao garantir o
aceite da política reforça a base de legitimidade dos projetos “mínimos” (setorizados e
focalizados), necessários para o alívio da pobreza e das tensões sociais que podem decorrer do
agravamento das expressões da questão social, a exemplo da grave inadequação das condições
de moradia nas cidades.
Por último, é possível perceber que para o BID o fomento à participação corresponde a
um mecanismo de apoio às reformas do Estado, tema absolutamente importante na prescrição
de modelos de gestão para a América Latina.
Em contraponto ao modelo de gestão de cidades propagado pelo BID, existe
particularmente no Brasil a discussão de um modelo democrático de gestão de cidades que
se propõe diferenciado das proposições neoliberais de administração de cidades. Levando-se
em consideração que a Prefeitura de Belém desenvolveu um projeto político calcado no
denominado modelo democrático, passemos a analisar o contexto histórico em que este foi
criado, seus referenciais teóricos e quais são suas propostas políticas para, em seguida,
apontar em que medida a gestão do Partido dos Trabalhadores, na cidade de Belém, conseguiu
diferenciar-se daquele modelo de gestão, demonstrando quais as tensões e compatibilidades
entre as concepções de gestão de cidades e a noção de participação social formatadas pelo
BID e pela Prefeitura de Belém, tendo como base de análise o Plano de Desenvolvimento
Local Riacho Doce e Pantanal (Belém/PA), financiado por esse Banco, através do
Programa Habitar Brasil-BID.
168
3 O DEBATE SOBRE A GESTÃO DE CIDADES NA PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA: O ENFOQUE NA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
No Brasil uma série de discussões em torno da gestão de cidades que, em seu
conjunto, expressam as reivindicações dos movimentos sociais urbanos, a partir dos anos 70
(em vista do direito à cidade), dos partidos políticos com tradição no campo da esquerda, dos
intelectuais com engajamento político tanto nos partidos como nos movimentos sociais,
dentre outros
159
.
De uma maneira geral, essas discussões alinham-se em torno de um projeto que se
convencionou chamar de modelo democrático de gestão de cidades, o qual foi sendo
formatado nos anos 80 e 90 (do século XX), ganhando contornos mais definidos a partir de
2000 quando um número expressivo de governos municipais passam a ser administrados por
partidos vinculados à tradição de esquerda.
Na verdade, o conjunto de proposições, expressas em concepções, princípios e práticas
desse novo modelo de gestão democrática tende a posicionar-se criticamente e contrariamente
àquele modelo de gestão formatado e orientado pelas agências multilaterais de crédito (a
exemplo do BID), o qual corresponde, por várias mediações, ao modelo de gestão calcado na
perspectiva neoliberal.
As principais discussões inerentes ao modelo de gestão democrática estão voltadas à
promoção da justiça social na cidade, interligada à construção de processos democráticos que
fortaleçam a organização da sociedade, aprofundando a articulação entre as formas de
159
Embora a maioria dos autores tenda a indicar o pós-70 como o período em que as reivindicações pertinentes
às contradições urbanas ganham, em nível nacional, mais visibilidade, que se ressaltar as manifestações
sociais ocorridas no Brasil pré-64. Havia nesse momento um ambiente favorável à consecução de reformas
sociais e políticas, encampadas pelo governo populista de João Goulart (setembro de 1961 a março de 1964),
este que propugnava as denominadas Reformas de Base (agrária, bancária, fiscal, eleitoral, educacional),
havendo também uma disposição por parte do poder central em desenvolver uma proposta de reforma urbana
(garantir aos inquilinos a propriedade das casas alugadas). Nesse contexto, diversos setores progressistas
ganham força no cenário nacional, tais como: os movimentos sociais da cidade e do campo (a exemplo das Ligas
Camponesas), o movimento estudantil (capitaneado, especialmente, pela União Nacional dos Estudantes (UNE)),
o movimento sindical (com um expressivo aumento das greves, tendo destaque a atuação do Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT) que tanto apoiavam quanto pressionavam o governo na implementação das referidas
reformas de base (TOLEDO, 2004).
169
democracia representativa e as de democracia participativa, em vista do exercício efetivo da
cidadania. A argumentação de Santos Júnior e Wahl (2004, p. 05) é importante para se ter a
noção do significado do projeto de gestão de cidades na perspectiva democrática, a que se está
fazendo referência.
No Brasil, especialmente, experiências inovadoras em curso desde o final dos
anos 1980, sobretudo a partir dos anos 1990, de disseminação de práticas
participativas que pretendem fundar uma democracia em que o cidadão constitua
verdadeiramente um ator decisivo nas decisões do governo. Trata-se de uma
democracia que combina as instituições e as regras da delegação política, próprias
do sistema representativo, com as da democracia direta. Ao mesmo tempo, esse
processo de mobilização social e de democratização do Estado tem como
fundamentos éticos o combate às desigualdades sociais e a realização de reformas
orientadas pelos princípios da justiça distributiva da riqueza, da renda e do poder.
Nota-se que, tal como o projeto desenhado, particularmente, pelo BID para a gestão de
cidades (tratado no Capítulo 2), esse projeto de perspectiva democrática enfatiza a temática da
participação social
160
como um elemento de legitimidade e sustentação política, tendo,
contudo, ao menos em nível de discurso, proposições e orientações diferenciadas (em relação
às propostas formuladas pelo BID) no referente ao significado da participação no âmbito das
políticas públicas.
Este capítulo volta-se a apreender as determinações históricas e o significado do
denominado modelo de gestão democrática, bem como a noção de participação a ele
vinculada. Para tanto, os itens a serem tratados neste capítulo o: 1) A constituição de 1988:
a reforma urbana e os desdobramentos políticos para a gestão de cidades e; 2) Gestão local:
argumentos “à esquerda” em torno da democracia e da cidadania.
160
Existe uma variedade conceitual no que se refere ao tema da participação. Participação comunitária,
participação popular, participação política, participação social, participação cidadã o as utilizações mais
freqüentes tanto no meio acadêmico quanto no âmbito das políticas (e do discurso) governamentais. Aqui não
temos o propósito de examinar o significado da temática participação em nível conceitual e sim demonstrar qual
a perspectiva da participação evidenciada no projeto de gestão democrática para, no capítulo seguinte, apontar
se ou o (e se quais são as) compatibilidades e tensões dessa proposta com a noção de participação
presente nas orientações do Banco Interamericano de Desenvolvimento voltadas à gestão de cidades.
170
3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: A REFORMA URBANA E OS DESDOBRAMENTOS
POLÍTICOS PARA A GESTÃO DE CIDADES
A maioria das análises que tratam da gestão de cidades brasileiras, especialmente a
partir dos anos 80, tende a indicar a Constituição de 1988 como um marco regulatório
importante na história política do país no que se refere às requisições e responsabilidades da
esfera municipal na condução de políticas públicas.
Entretanto, em termos históricos, ainda no período militar havia uma discussão sobre a
questão metropolitana
161
. A partir da promulgação da Constituição de 1967 iniciam-se os
estudos para definição dos critérios referentes à administração das regiões metropolitanas.
Contudo, somente em 1973 tem-se a promulgação da Lei Federal Complementar nº. 14 que
institui a criação das regiões metropolitanas de São Paulo, Belo, Horizonte, Porto Alegre,
Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza
162
(AZEVEDO; GUIA, 2000).
Levando-se em consideração as características próprias do regime militar, tais como a
centralização de decisões, a referida Lei, ao definir as responsabilidades dos municípios, não
releva as características regionais. De forma compulsória define que os municípios deveriam
participar na gestão de “serviços comuns de interesse metropolitano”, a saber: o planejamento
integrado do desenvolvimento econômico e social, o saneamento básico (água, esgoto,
limpeza pública), tratamento dos recursos hídricos, controle da poluição ambiental, produção
e distribuição do gás canalizado, transporte, sistema viário e uso do solo. A o consideração
das particularidades regionais na definição dessas atribuições aparece, por exemplo, quando
161
Azevedo e Guia (2000) assinalam que durante a década de 60 ocorreram alguns encontros e seminários, nos
estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, principalmente por iniciativa
dos governos estaduais que, em linhas gerais, voltavam-se a discutir a questão político-administrativa das
cidades face aos diversos problemas urbanos decorrentes da intensificação dos fluxos migratórios que
impulsionavam o processo de urbanização. Rolnik e Somekh (2004) lembram que também nesse período setores
da sociedade preocuparam-se com a temática da governabilidade das cidades, a exemplo do Seminário de
Habitação e Reforma Urbana, promovido em 1963, pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).
162
No ano seguinte, a Lei complementar Federal nº. 20/74 criou a Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(AZEVEDO; GUIA, 2000).
171
se inclui a gestão do gás canalizado para todos os municípios, enquanto esse serviço só existia
nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo (AZEVEDO; GUIA, 2004).
A Lei Complementar nº. 14 estabelece a criação de um Conselho Deliberativo para
tratar da gestão metropolitana (particularmente das políticas de desenvolvimento das regiões).
Todavia, mesmo com a existência desse Conselho os municípios tinham pouco poder de
decisão, cabendo-lhes, apenas, a possibilidade de dar sugestões quanto aos assuntos
metropolitanos. Na verdade, o poder decisório ainda estava centralizado na União que através
das instituições federais definia as linhas de planejamento e os recursos públicos a serem
investidos nas regiões metropolitanas
163
(AZEVEDO; GUIA, 2004).
A crise fiscal verificada na década de 80 e o processo de redemocratização evidenciado
no Brasil põem em cheque o modelo de gestão das metrópoles formatado no período do
regime militar. A diminuição de investimentos públicos federais leva ao enfraquecimento do
poder das companhias estatais urbanas. Além disso, no cenário político da redemocratização
aparecem as reivindicações dos governos locais que não tinham suas demandas contempladas,
a contento, pelas administrações de cunho metropolitano. “As entidades metropolitanas são
assim relegadas a um plano secundário ou amesmo extintas” (ROLNIK; SOMEKH, 2004,
p. 116).
A referida crise somada ao reaquecimento do debate político que questionava a ordem
vigente e propugnava a redemocratização brasileira, evidencia a fragilidade do sistema de
planejamento metropolitano. “De formulador e, em grande medida, executor da política
urbana no país, o Governo Federal passa a assumir o papel secundário na regulação e no
financiamento de alguns programas pontuais” (AZEVEDO; GUIA, 2004, p. 100).
163
Rolnik e Somekh (2004) chamam a atenção de que o modelo de gestão inerente ao referido Conselho era
bastante hierárquico e que o poder público estadual tinha mais poder de representação política que os
municípios. Nesse sentido, os recursos federais voltados ao desenvolvimento urbano (saneamento, habitação e
transporte) eram repassados para as companhias estaduais (a exemplo das Companhias de Habitação (COHAB))
que tinham poucos vínculos administrativos com os órgãos metropolitanos.
172
As reivindicações em torno da autonomia municipal ganham espaço na Constituição de
1988. Nesse contexto, os representantes do poder público municipal, parlamentares, juristas,
bem como intelectuais da área urbana expressam um movimento de resistência à forma de
gestão metropolitana. Segundo Azevedo e Guia (2004) o que estava em jogo, naquele
momento, era a formulação de um novo pacto federativo que redundasse na
institucionalização de mecanismos de descentralização e democratização da gestão, bem
como no aumento da autonomia financeira dos estados e dos municípios
164
. Afirma Jacobi
(2002, p. 23) ao analisar o cenário político brasileiro no final dos anos 80:
No Brasil, até o final da década de 70, o modelo de gestão pública baseava-se na
concentração do poder decisório e executivo no nível do Governo Federal,
definindo-se atribuições e competências residuais para o nível estadual e
atribuições de interesse local para os municípios. Esse processo se modifica
substancialmente com a crise do modelo existente e as mudanças no desenho
político-institucional.
É assim que a discussão sobre a gestão municipal tem impulso na Constituição de 1988.
De acordo com Santos Júnior (2001, p. 13) a promulgação da Carta Magna, mesmo
apresentando limites - particularmente quanto ao financiamento das políticas sociais - “definiu
uma agenda reformista, que se caracterizava por uma concepção universalista quanto aos
direitos sociais, redistributiva quanto à renda e democrática quanto à gestão pública”
165
.
Ainda na concepção do autor, a referida agenda - que foi formatada no interior do
movimento pela Constituinte - foi referendada pela articulação de amplos setores
organizativos da sociedade, tais como: movimentos sociais e sindicais, organizações o-
164
Nesse contexto, é notória a importância dos movimentos sociais urbanos na cena política brasileira no sentido
de impulsionar o movimento de redemocratização. A esse respeito, afirma Ribeiro, A. C. T. (2000b, p. 29):
“Neste período, aumenta a visibilidade das reivindicações urbanas, ao mesmo tempo em que aprofunda-se (sic) a
crise econômica, produzindo recuos nos investimentos sociais e a reorganização da esfera pública. Entre estes
processos destaca-se a descentralização administrativa, com novos papéis atribuídos a estados e municípios”.
165
Santos Júnior (1995, p. 38) afirma que as três características gerais dessa agenda reformista podem ser assim
consideradas: “- o universalismo, com o objetivo de estender e ampliar os direitos sociais ao conjunto da
população, bem como o de criar novos direitos, o que supõe o estabelecimento de patamares mínimos de
qualidade de vida e de atendimento de benefícios sociais; - o redistributivismo, visando a redistribuir a renda
nacional altamente concentrada, erradicar a miséria e reduzir a pobreza, bem como ampliar a responsabilidade
pública na regulação da economia; - a democratização do Estado e a descentralização da gestão, com o objetivo
de incorporar a participação da sociedade no planejamento e nas decisões governamentais, ou seja, garantir o
controle público do Estado pela sociedade brasileira” (grifo do autor).
173
governamentais, instituições de pesquisa e setores técnicos. Nesse contexto, tem destaque a
constituição da agenda da reforma urbana que enunciava a necessidade da descentralização
política e da democratização das cidades e defendia a formulação de uma nova concepção de
planejamento urbano, tendo por base os princípios políticos calcados na democracia e na
justiça social e a compreensão de que o processo urbano brasileiro reflete as desigualdades
sociais inerentes ao modelo de desenvolvimento econômico do país (SANTOS JÚNIOR,
2001).
que se ressaltar que as reivindicações em torno da reforma urbana
166
expressam os
debates e as formulações do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU). Este
movimento surge e se desenvolve durante o processo Constituinte, buscando incluir no texto
constitucional as questões relativas à gestão municipal, ao planejamento e à política urbana.
O MNRU representava a articulação intelectual e política de diversas entidades
representativas dos movimentos sociais urbanos, de instituições de pesquisa, de organizações
não-governamentais e de técnicos vinculados à área urbana
167
(SANTOS JÚNIOR, 1995).
O Movimento Nacional pela Reforma Urbana foi responsável pela elaboração da
emenda popular da reforma urbana
168
apresentada ao projeto constitucional a qual foi
constituída de 23 artigos distribuídos em cinco títulos: Dos direitos urbanos; Da propriedade
166
Nesse contexto de reivindicações por reformas institucionais, a noção de reforma urbana é formulada por
Ribeiro (1990, p.13) da seguinte forma: “Consideramos Reforma Urbana, neste texto, o conjunto de processos
sociais e institucionais que, expressando ideais de justiça social no espaço urbano, adquiriram visibilidade
pública, no país, a partir dos momentos que antecederam a instalação da Assembléia Nacional Constituinte.” A
autora chama atenção de que embora o ideário da reforma urbana tenha apresentado seu peso político nesse
momento da Constituição de 1988, não se deve desconsiderar as argumentações em torno da problemática
urbana que estiveram presentes na denominada Reformas de Base, nos anos que antecederam ao golpe de 1964.
167
Santos Júnior (1995, p. 13) assinala que embora arregimentasse setores diferenciados e apesar da sua
denominação, o MNRU assumiu mais o papel de elaborar alternativas e de intervir no cenário institucional-
jurídico do que de representar os movimentos sociais. Na verdade, o MNRU estabeleceu-se fundamentalmente
enquanto reunião dos múltiplos atores - intelectuais, técnicos e lideranças do movimento social -, que de uma
forma ou de outra, compartilhavam do ideário da reforma urbana.”
168
A elaboração dessa emenda foi possível porque a Assembléia Nacional Constituinte definiu no anteprojeto
de 15 de julho de 1987 que qualquer entidade organizativa da sociedade poderia apresentar projetos de emenda
constitucional, desde que fosse de responsabilidade de três entidades organizadas e respaldadas por, no mínimo,
30 mil assinaturas de eleitores. Articulando seis entidades, o MNRU conseguiu coletar cerca de 150 mil
assinaturas que referendaram a emenda popular da reforma urbana. Esta que foi entregue em agosto de 1987 à
Assembléia Nacional Constituinte (SANTOS JÚNIOR, 1995).
174
imobiliária urbana; Da política habitacional; Dos transportes e serviços públicos e Da gestão
democrática da cidade. Entretanto, a Constituição de 1988 incorporou apenas parcialmente as
propostas do referido movimento, particularmente nos artigos 182 e 183 (SANTOS JÚNIOR,
1995).
A Constituição Federal de 1988 no capítulo Da política urbana, Artigo 182, determina
que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal,
conforme diretrizes fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”
169
(apud SANTOS
JÚNIOR, 1995, p. 47). Declara, também, no parágrafo primeiro do referido artigo que as
cidades com mais de 20 mil habitantes deveriam ter, obrigatoriamente, seu Plano Diretor, o
qual se constituiria no instrumento básico da política de desenvolvimento e da expansão
urbana. O Artigo 183 trata do usucapião especial, o qual assegura que qualquer cidadão, após
cinco anos de moradia ininterrupta, pode requerer a propriedade da terra
170
(SANTOS
JÚNIOR, 1995).
Santos Júnior (1995) demonstra, ainda, que a Constituição Federal representou o
fortalecimento dos municípios ao autorizá-los a formular suas leis orgânicas e por deliberar
sobre a reforma do sistema tributário nacional, definindo uma maior participação municipal
na distribuição da receita pública
171
. De outro lado, a referida Constituição determinou a
169
Segundo Santos Júnior (1995, p. 47) o Artigo 182 apresenta, de forma sintética, as declarações seguintes:
“- o município é responsável pela política urbana; - a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes; - o
plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana e define a função social
da propriedade, tornando-se obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes; - cria os instrumentos
tributários - o imposto progressivo - e jurídicos - a edificação e o parcelamento compulsório e a desapropriação -,
que devem ser aplicados no caso de propriedades não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas, de forma
sucessiva.”
170
Vale registrar que, em 2001, foi aprovada a Lei Federal nº. 10.257 (de 10 de julho de 2001) - denominada
Estatuto da Cidade - que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece as diretrizes
gerais da política urbana.
171
Arretche (2000) considera que os processos de democratização e de descentralização fiscal evidenciados na
Constituição de 1988 modificaram profundamente as relações entre os governos. A transferência da parcela de
tributos federais a estados e municípios ampliou a autoridade dos governos sub-nacionais. “Em suma, como em
qualquer federação, no Brasil pós-88, a autoridade política de cada nível de governo é soberana e independente
175
responsabilidade dos municípios quanto ao ordenamento territorial, ao planejamento e o
controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano. O alargamento da autonomia
financeira e política, somada a uma maior definição no que se refere às prerrogativas do poder
municipal “consolidou a percepção da política urbana como arena local de disputa em torno
de um projeto de planejamento e gestão das cidades, orientado pelos ideais reformistas” (p.
14).
A partir das conquistas verificadas no texto constitucional, o Movimento pela Reforma
Urbana elabora três princípios básicos que deveriam servir de base às reivindicações por
políticas públicas que incluíssem o direito à cidade, a saber:
1. Direito à cidade e à cidadania, entendido como uma nova lógica que universalize
o acesso aos equipamentos e serviços urbanos, a condições de vida urbana digna e
ao usufruto de um espaço culturalmente rico e diversificado e, sobretudo, em uma
dimensão política de participação ampla dos habitantes das cidades na condução de
seus destinos.
2. Gestão democrática da cidade entendida como forma de planejar, produzir,
operar e governar as cidades submetidas ao controle e participação social,
destacando-se como prioritária a participação popular.
3. Função social da cidade e da propriedade entendida como a prevalência do
interesse comum sobre o direito individual de propriedade, o que implica o uso
socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço urbano (DE GRAZIA,
2003, p. 54, grifo meu).
É assim que a discussão sobre a gestão de cidades, permeada pelo ideário da reforma
urbana com ênfase no princípio da gestão democrática
172
- ganha força no início dos anos
90 e se espraia tanto no âmbito acadêmico quanto no cerne dos movimentos sociais urbanos,
que viam na esfera local a possibilidade de construção dos ideais de justiça social na
cidade
173
.
das demais. No caso brasileiro, acrescente-se o fato de que os municípios foram declarados entes federativos
autônomos, o que implica que um prefeito é autoridade soberana em sua circunscrição” (p. 47).
172
Cardoso (2003, p. 30) nos lembra que no texto da Emenda Popular pela Reforma Urbana, elaborado pelo
Movimento Nacional da Reforma Urbana e entregue à Assembléia Nacional Constituinte em 1987 (cf. nota 169),
o princípio da Gestão Democrática da Cidade refere-se a: “[...] ampliação do direito de cidadania através da
institucionalização da participação direta da sociedade nos processos de gestão, como forma complementar à
democracia representativa. A concretização deste princípio se traduziria na proposição de leis e nos processos de
elaboração e implantação de políticas urbanas, dando ênfase à representação das entidades comunitárias [...].
173
Ribeiro, A. C. T. (2000b) lembra que durante a década de 90 os ideais de reforma urbana irão permear os
processos de descentralização político-administrativos levando-se em consideração a necessidade de
176
Santos Júnior (1995) demonstra que a proposta de gestão democrática da cidade
debatida no âmbito do “Movimento em Prol da Reforma Urbana” visava ampliar em nível
municipal os mecanismos de participação popular contemplados na Constituição Federal
174
.
Segundo o autor, os objetivos seguintes expressam o conjunto de proposições em torno da
democratização da gestão municipal no pós-88:
a) redução do número de assinaturas necessárias para a apresentação de projeto
popular de lei, instituição de mecanismos para garantir sua apresentação no
plenário da Câmara de Vereadores pelos representantes dos movimentos populares
e agilidade no processo de tramitação no Legislativo;
b) regulamentação do plebiscito e da audiência pública, no sentido de garantir sua
utilização no controle do poder público pela sociedade;
c) descentralização inter e intragovernamental, visando a um movimento de
municipalização das políticas urbanas e a uma descentralização das decisões no
interior da administração municipal, principalmente através da regionalização da
gestão;
d) democratização do orçamento municipal, instituindo processos de orçamento
participativos que incorporassem as entidades da sociedade [...] à definição e ao
controle dos gastos públicos;
e) instituição de um sistema de informação que possibilitasse a formulação de
propostas de políticas públicas pelos atores locais, bem como o controle das ações
da administração municipal;
f) a incorporação dos Conselhos Municipais, garantindo a participação dos
movimentos sociais e demais instituições da sociedade [...] na gestão das políticas
municipais. Como instrumentos de gestão democrática, buscou-se afirmar
Conselhos com funções deliberativas e com composição paritária entre os
segmentos do governo e da sociedade (SANTOS JÚNIOR, 1995, p. 51-52)
175
.
Gomes (2002) assinala que as discussões pertinentes ao Movimento Nacional pela
Reforma Urbana evidenciadas no período de redemocratização no Brasil trouxeram ao cenário
acompanhamento da elaboração das constituições estaduais e da lei orgânica dos municípios e dos planos
diretores para as cidades com mais de vinte mil habitantes.
174
O Artigo da Constituição Brasileira de 1988 define o princípio da soberania popular ao reconhecer que
“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]”. Essa
Constituição estabelece o princípio da democracia semi-direta, em que o exercício do poder popular se efetiva
através dos representantes eleitos o sufrágio universal e o voto direto e secreto – ou de forma direta mediante o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (SANTOS JÚNIOR, 1995).
175
De acordo com De Grazia (2004, p. 1) o debate sobre a gestão democrática está referenciado pelos seguintes
elementos:
“- O compromisso e a determinação do governante de compartilhar o poder de decio com a sociedade na
definição das políticas públicas e dos investimentos;
- O respeito pelas diferenças de pensamento, sem abdicar da condição e da responsabilidade da proposição;
- Acesso às informações, para possibilitar uma compreensão maior e melhor da realidade social e do Estado e de
sua governabilidade;
- Constituição de espaços, canais ou instâncias de participação da sociedade, de forma conjunta sociedade e
governos -, contemplando todos os setores sociais existentes, na proporcionalidade correspondente com a
dimensão social de exclusão;
- O compromisso com a promoção da democratização do Estado para torná-lo transparente, descentralizado e
assegurando o controle social sobre as ações governamentais;
- A construção permanente de atores/sujeitos sociais-políticos autônomos.”
177
constitucional os problemas relacionados à gestão municipal, ao planejamento e à política
urbana, sendo que a Constituição de 1988 institucionalizou a participação popular no âmbito
das políticas sociais. A autora demonstra que no campo de discussões que envolvem a
reforma urbana,
[...] a cidadania se constrói na luta política com a participação e conscientização
dos sujeitos implicados. A cidadania, como direito implícito na proposta
democrática, passa pela exigência, junto ao Estado, daquilo a que todos os cidadãos
fazem jus, democratizando desse modo a cidade e rompendo com o padrão de
exclusão próprio da sociedade brasileira. Considerando os limites impostos à
cidadania na sociedade burguesa, trata-se de uma luta pautada numa perspectiva de
transição para uma nova sociabilidade (GOMES, 2002, p. 175).
Pode-se afirmar que, em conseqüência do processo de descentralização administrativa e
das conquistas evidenciadas no texto constitucional referentes aos direitos urbanos, é criada
uma expectativa em torno da gestão municipal, no sentido de que no âmbito local haveria uma
melhor possibilidade de proposição de políticas públicas em vista da redução das
desigualdades sociais e de renda, mediante a administração dos recursos públicos e da
participação dos moradores da cidade no acompanhamento dessas políticas.
3.2 GESTÃO LOCAL: ARGUMENTOS “À ESQUERDA” EM TORNO DA
DEMOCRACIA E CIDADANIA
No rastro do processo de redemocratização brasileira alguns partidos de esquerda ou
coalizões de centro-esquerda ascenderam ao poder público municipal com a perspectiva de
adotar novos critérios de gestão, visando modificar o quadro de desigualdade social presente
no país (RAUTA RAMOS; BARBOSA, 2002)
176
. Nesta medida, as análises tendem a
176
De acordo com Soares e Gondim (2002), nas eleições de 1988, o Partido dos Trabalhadores venceu as
eleições em mais de quarenta cidades brasileiras (médias e grandes), passando, dessa forma, a administrar em
torno de 20% do eleitorado brasileiro. Rauta Ramos e Barbosa (2002) afirmam segundo dados do TSE - que
nas eleições municipais de outubro de 2000, os partidos de centro-esquerda ocuparam 789 prefeituras,
equivalente a 14,16% do total de municípios (5.558). Sendo que daquele total (789), o PDT passou a administrar
178
demonstrar que essas administrações municipais notadamente as que se identificam com a
tradição de esquerda, capitaneadas pelo Partido dos Trabalhadores - passam a ter como um
dos desafios a articulação entre os mecanismos de democracia representativa e os de
democracia direta. Nesse aspecto, a ascensão desse Partido em capitais como São Paulo e
Porto Alegre animam as reflexões de diversos setores políticos, intelectuais, movimentos
sociais sobre os alcances possíveis da democratização
177
.
Todavia, esses desafios alinhavam-se com um debate maior no campo “das esquerdas”
quanto aos limites e às possibilidades da democracia em face de ideais socialistas. Uma das
questões que se colocava para reflexão era: como transformar os ganhos constitucionais em
direitos efetivos para as frações de classe trabalhadora levando-se em consideração que a
Constituição mesmo sendo um campo regulatório importante capaz de propiciar uma série de
reformas políticas (de cunho progressista) não altera (e nem poderia alterar) o grave quadro de
desigualdade de renda resultante da apropriação privada dos meios de produção?
As análises de Coutinho
178
(2000) são fundamentais para apreender o que no plano
teórico-político significava, naquele momento, as expectativas criadas - especialmente no
plano das administrações locais – em torno da articulação entre os mecanismos de democracia
288 cidades (36,59%), o PT: 187 (23,76%), o PPS: 165 (20,97%), o PSB: 133 (16,90%), o PV: 13 (1,65%) e o
PCdoB: 1 cidade (0,13%).
177
É importante registrar que ainda nos anos 70 algumas administrações municipais experimentaram um
processo de participação social sobre o orçamento público. É o caso das cidades de Lajes (SC) e Boa Esperança
(ES) – entre os anos de 1978 e 1982. Posteriormente, essa prática foi adotada em Diadema (SP), iniciada em1983
e Vila Velha (ES), entre 1986 e 1989 (FARIA; PRADO, 2003).
178
O professor Carlos Nelson Coutinho é um reconhecido intelectual e militante político. Primeiro foi militante
do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e depois do Partido dos Trabalhadores. No prefácio do livro Contra a
Corrente, o autor afirma que parte dos textos escritos tem o objetivo de fomentar o debate político e até mesmo
partidário, a exemplo dos textos: Democracia e Socialismo: questões de princípio, que foi elaborado
especialmente para o Seminário “PT: um projeto para o Brasil”, realizado nos dias 15 e 16 de abril de 1989, em
São Paulo (um ano após a promulgação da Carta Constitucional); o texto Marxismo, democracia e revolução que
resultou da exposição ao autor na mesa-redonda nacional “O PT e o marxismo”, organizada pela coordenação
Nacional do I Congresso do PT, ocorrida em São Paulo em 4 de agosto de 1991; e o texto O socialismo hoje:
entre crise e reconstrução, apresentado no Seminário de Estratégia”, promovido pela Secretaria Nacional de
Formação Política do PT, também efetivado em São Paulo, entre os meses de junho e agosto de 1997
(COUTINHO, 2000). Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governo brasileiro, a partir de
2002, o eminente professor afastou-se do Partido dos Trabalhadores.
179
direta e representativa, que por sua vez, conectam-se às reflexões sobre os vínculos (ou o)
entre democracia e socialismo.
Sobre a noção de democracia (e de cidadania), Coutinho (2000) demonstra, em primeiro
lugar, que no período moderno ocorre uma forte articulação entre cidadania e democracia. O
autor toma como ponto de partida uma definição sumária e aproximativa (como ele próprio
afirma) de que democracia é sinônimo de soberania popular (p. 50, grifo do autor) e que é
possível “defini-la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que
possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em
conseqüência, no controle da vida social” (p. 50). Assinala em seguida que um dos conceitos
que melhor explicita a noção de democracia é o conceito de cidadania. Para o autor:
Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma
democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens
socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana
abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado. Sublinho a
expressão historicamente porque me parece fundamental ressaltar o fato de que
soberania popular, democracia e cidadania (três expressões para, em última
instância, dizer a mesma coisa) devem sempre ser pensadas como processos
eminentemente históricos, como conceitos e realidades aos quais a história atribui
permanentemente novas e mais ricas determinações. A cidadania não é dada aos
indivíduos de uma vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é
resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das
classes subalternas, implicando assim um processo histórico de longa duração”
179
(p. 50-51, grifo do autor).
O autor dirá que no Brasil os debates referentes à relação entre democracia e socialismo
têm sofrido modificações importantes. Sob a influência do que se convencionou chamar de
“marxismo-leninismo”, grande parte da esquerda brasileira acreditava que a democracia
representava, apenas, um caminho para se chegar ao socialismo e que deveria ser
secundarizada quando se implantasse a “ditadura do proletariado”. A partir dos anos 70, essa
verdade será modificada quando se afirma que a democracia seria imprescindível para a
construção da luta pelo socialismo, bem como para sua organização. Em tempos mais
179
Ainda a esse respeito, o autor assinala a importância do sociólogo britânico T. H. Marshall para a apreensão
da dimensão histórica da noção de cidadania. Sobre as considerações de Marshall sobre cidadania, ver nota 22 do
primeiro capítulo.
180
recentes, alguns representantes da esquerda brasileira têm indicado, segundo o autor, a
incompatibilidade entre democracia e socialismo, mas agora com um novo enfoque: alguns
segmentos da esquerda m proposto o abandono dos ideais socialistas em nome de
“melhorar” o capitalismo e/ou conciliar “justiça social” com a economia de mercado
180
.
Retomando as reflexões feitas em seu ensaio A democracia como valor universal, de
1979
181
, Coutinho (2000) afirma que as várias objetivações que formam a democracia
moderna aparecem, em nível concreto, como respostas ao processo de socialização do
trabalho e ao desenvolvimento referente aos carecimentos da socialização da participação
política. A democratização
182
transforma-se em um valor porque permite explicitar e
desenvolver os elementos fundamentais do ser genérico do homem
183
. Assim, continua o
autor:
180
Coutinho (2000) afirma que o Partido dos Trabalhadores depois de passado vinte anos de sua fundação
representava a maior organização partidária formada pela esquerda brasileira (note-se que o autor está
escrevendo no ano 2000) e que em seu interior era possível vislumbrar essas três correntes de pensamento.
181
Vale dizer que essa obra foi bastante polemizada no meio acadêmico. Nessa direção, cf. o texto de Netto, J.P.
A redefinição da democracia. Revista Serviço Social e Sociedade. Ano VIII, nº. 20. São Paulo: Cortez Editora,
1986.
182
Fala em democratização em lugar de democracia ao incorporar a terminologia de Georg Lukács (L’uomo e la
democrazia, Roma, Lucarini, 1987), este que a considerava ontologicamente, um processo.
183
Na sua principal obra da maturidade Ontologia do ser social, Lukács (1979) demonstra que embora a teoria
marxiana não tenha tratado autonomamente de problemas ontológicos, as discussões apresentadas por Marx
tratam de um certo tipo de ser (o ser social), o que corresponde a afirmações ontológicas. A compreensão da
dimensão ontológica requer, por sua vez, a apreensão da noção marxiana sobre o trabalho, que é a base
ineliminável da constituição do ser social. O trabalho compreendido como a relação homem/natureza pressupõe
que toda e qualquer sociedade se produz e se reproduz material e espiritualmente. Assim, de acordo com a teoria
social, a relação entre o homem e a natureza é mediada pelo trabalho. Nesse aspecto, Lukács (1979) faz um
importante esclarecimento: pelo trabalho o homem transforma a si e a natureza. No esforço de compreensão do
ser social, Lukács procura explicitar o que é específico do ser social, o que determina o ser social. Para tanto,
compreende, em primeiro lugar, que o trabalho é o fundamento da hominização; é o fundamento da constituição
do ser social. Assim, a peculiaridade do ser social, tem o trabalho como seu fundamento. Mas, importa registrar
que Lukács não tem como ponto central de seus estudos a discussão do trabalho. Seu esforço é o de verificar, a
partir do trabalho, a especificidade do ser social, posto considerar que o homem não é um ser do trabalho e sim
um ser da práxis. A afirmação de que a distinção, a peculiaridade do ser social constitui-se na praxis pode ser
compreendida à medida que, no desenvolvimento de suas atividades, o homem exerce uma interação, cuja forma
de interação nem sempre supõe a presença direta do trabalho; não está imediatamente vinculada ao processo de
trabalho. No processo de desenvolvimento do ser social, outras esferas de objetivações se constituem, se
diferenciam, se autonomizam. Isso significa que o homem, como ser prático e social, se objetiva; constitui-se nas
suas objetivações que, por sua vez, correspondem a um universo complexo, diferenciado e crescente, sendo que
o conjunto dessas objetivações constitui a praxis. Com isso Lukács esclarece que embora na processualidade do
ser, o trabalho seja a mais elementar das objetivações, existem várias objetivações que não se reduzem ao
trabalho, a exemplo da estética, da ciência, da linguagem e do direito, dentre outras, que permitem a formação da
sociabilidade humana. Seguindo as argumentações de Lukács, Guerra (1999) demonstra que o homem, ao
produzir através do trabalho os meios de subsistência, se auto produz; através da práxis se relaciona com outros
homens, superando sua natureza individual e vinculando-se ao gênero humano.
181
Justifica que agreguemos ao substantivo valor o qualificativo de universal o fato
historicamente inquestionável – de que as objetivações democráticas são capazes de
promover essa explicitação e esse enriquecimento em diferentes formações
econômico-sociais, ou seja, tanto no capitalismo quanto no socialismo
(COUTINHO, 2000, p. 23).
Deste modo, ao explicitar os vínculos entre democratização e socialismo, Coutinho
(2000) afirma que tanto no período de transição para o socialismo quanto no socialismo
propriamente dito ocorrem situações passíveis de resolução somente com a democratização
política tendo em vista o enriquecimento do gênero humano. Segue afirmando que a
democracia socialista não deve significar uma continuação da democracia liberal; o processo
de democratização deve possibilitar a construção do socialismo. Nesse sentido, afirma:
Mas seria um equívoco supor que este novo patamar do processo de
democratização só possa se manifestar, em todos os seus aspectos, após a plena
conquista do poder pelos trabalhadores. Assim como as forças produtivas
necessárias à criação de uma nova ordem econômico-social já começam a se
desenvolver no interior da sociedade capitalista, também esses elementos de uma
nova democracia de uma democracia de massas - se esboçam e tomam corpo,
em oposição aos interesses burgueses e aos pressupostos teóricos do liberalismo
clássico, no seio dos regimes políticos democráticos, ainda sob hegemonia
burguesa. No primeiro caso, trata-se de suprimir as relações de produção
capitalistas para permitir que as forças produtivas possam se desenvolver de modo
adequado à emancipação humana; no segundo, trata-se de suprimir a dominação
burguesa sobre o Estado a fim de permitir que esses institutos políticos
democráticos possam alcançar pelo florescimento e, desse modo, servir
integralmente à libertação da humanidade (COUTINHO, 2000, p. 25).
Em direção oposta às argumentações de Coutinho (2000), Robert Dahl (teórico norte-
americano), cujas teses movem-se no campo da democracia liberal, argumenta as
possibilidades e os percalços da relação entre democracia e capitalismo. Após apresentar os
critérios para a efetivação de um processo democrático: participação efetiva, igualdade de
voto, entendimento esclarecido, controle do programa de planejamento e inclusão dos
adultos, o autor demonstra que uma tensão entre democracia e a economia de mercado
capitalista isso porque essa economia (capitalista) ao produzir a desigualdade econômica,
prejudica a igualdade política (condição essencial para a democracia). Contudo, ao lembrar os
regimes antidemocráticos - dentre os quais elenca o comunismo, o fascismo e o nazismo o
182
autor afirma que em uma economia capitalista de mercado geram-se as “condições altamente
favoráveis ao desenvolvimento e à manutenção das instituições democráticas políticas”
(DAHL, 2001, p. 175).
Com isso pode-se perceber que o posicionamento do autor indica uma defesa da
democracia nos marcos do próprio capitalismo afastando as possibilidades do socialismo. A
citação seguinte corrobora na interpretação da positiva relação (de acordo com a
argumentação teórica do autor) entre democracia e capitalismo:
[...] a longo prazo, o capitalismo de mercado levou ao desenvolvimento econômico
e o desenvolvimento econômico é favorável à democracia. Para começar, ao
reduzir a pobreza intensa e melhorar os padrões de vida, o desenvolvimento
econômico ajuda a reduzir os conflitos sociais e políticos [!?] (DAHL, 2001, p.
184-185).
Por outro lado, as citações seguintes apontam a crítica do autor ao socialismo (real):
Lenin e Stalin eram tão hostis à democracia que, com ou sem uma economia
centralmente dirigida, eles teriam impedido o desenvolvimento das instituições
democráticas. [...] A rigor, jamais houve uma experiência histórica que juntasse as
instituições democráticas com uma economia centralmente dirigida em tempo de
paz. De minha parte, espero que jamais aconteça. Acredito que as prováveis
conseqüências sejam totalmente previsíveis e são um mau presságio para a
democracia (DAHL, 2001, p. 189).
Por último, assinala o autor: “A democracia tem pelo menos dez vantagens [...] em
relação a qualquer alternativa viável” (DAHL, 2001, p. 58). Qualquer alternativa viável pode-
se ler: socialismo.
Ao contrário do posicionamento de Dahl, demonstra Coutinho (2000, p. 67-68, grifo do
autor): uma sociedade sem classes uma sociedade socialista pode realizar o ideal da
plena cidadania, ou, o que é o mesmo, o ideal da soberania popular e, como tal, da
democracia”. Nessa direção, este último continua a dissertar sobre quais os caminhos (as
objetivações institucionais) que possibilitam em nível mais amplo a realização do valor
universal da democracia (ou melhor, da democratização) no mundo contemporâneo. O autor
responde argumentando que é necessário integrar os organismos populares de democracia de
183
base aos mecanismos tradicionais de representação indireta (os parlamentos); em outras
palavras, garantir a articulação entre democracia direta e democracia representativa. Afirma:
Se se mantiverem abertos à pressão daqueles organismos populares, os parlamentos
podem adquirir uma nova função: podem ser o local de uma síntese política das
demandas dos vários sujeitos coletivos, tornando-se assim a instância institucional
decisiva da expressão da hegemonia. Aos que desconfiam dessa mediação
institucional, apostando numa fetichização da democracia direta, cabe lembrar que
tal instância de síntese geral é imprescindível se não se quer que os sujeitos
coletivos (ainda que sejam representativos dos setores populares) se coagulem no
nível da defesa corporativa de interesses puramente particulares. Onde não existir
uma instância democrática capaz de efetuar tal síntese, um seu sucedâneo terminará
sendo produzido ou pela burocracia estatal ou pelo mercado, ou por ambos, o que
conduz ou a um pseudo-socialismo ou à conservação do capitalismo (COUTINHO,
2000, p. 33).
Para tanto, o autor defende que é preciso uma radicalização da política de reformas
cujo objetivo deveria ser a conquista do consenso político que é fundamental para que se
alcance as reformas de novo tipo, estas que devem ser estruturais e ter por finalidade a
construção progressiva de uma nova lógica de acumulação que não gire em torno do lucro e
do consumo estritamente individual, mas da ampliação do bem-estar social e do consumo
coletivo. Desta forma, argumenta Coutinho (2000), é preciso que haja mudanças no estatuto
da propriedade, com um verdadeiro controle público dos setores mais importantes da
economia, fazendo com que o setor público “se torne o setor hegemônico, o que implica
conceber também a propriedade como um direito social” (p. 46).
Para o autor, a verdadeira política de reformas que se volte para a superação do
capitalismo exige uma transformação radical no aparelho do Estado, o que requer uma
modificação da direção política com o efetivo controle das instâncias do Estado pelas forças
renovadoras, havendo uma desburocratização do fazer político o que equivale a um maior
protagonismo político dos sujeitos sociais. Nesse aspecto, a política de reforma baseada numa
democracia de massas
184
pode permitir a gradual superação do capitalismo. Em síntese,
184
O conceito de democracia de massas é, segundo Coutinho (2000, p. 62), do marxista italiano Pietro Ingrao e
quer significar a articulação entre os organismos representativos e os organismos de base (de natureza
participativa). Aquele autor argumenta que a democracia de massas” corresponde a um projeto de sociedade
que se põe em oposição ao projeto liberal-corporativo” o qual corresponde às propostas econômicas do projeto
184
Coutinho (2000, p. 47, grifo do autor) sentencia que: Um reformismo que tem como objetivo
explícito aprofundar a democracia e superar o capitalismo é um reformismo
revolucionário
185
.
A fala de Santos Júnior (2004, p. 124), ao analisar os desafios da democracia e
governança local no Brasil, parece ir ao encontro das proposições de Coutinho, acima
referidas:
Assim, encontramos no projeto do socialismo democrático a energia utópica e a
referência necessária para um projeto de transformação profunda da sociedade
capazes de gerar novos projetos civilizatórios, baseados nos valores da
solidariedade, da justiça, da liberdade e da igualdade, e de efetivamente garantir a
democracia política, social e econômica.
É nesse ambiente teórico (político) - evidentemente com maior ou menor grau e
também com divergências e concordâncias - que os partidos, os intelectuais e os dirigentes
políticos do campo da esquerda, bem como os movimentos sociais constroem expectativas em
torno das administrações locais (notadamente as vinculadas a esse campo), especialmente as
neoliberal e que é expressão da hegemonia burguesa. Trata-se de uma disputa política que requer a “participação
política organizada do conjunto da cidadania, condição mesma para o êxito do projeto” (COUTINHO, 2000, p.
100). A democracia de massas expressa o conjunto de interesses das classes subalternas e constitui-se em um
caminho possível para a construção do socialismo. “Condição para isso, decerto, não é a minimização do Estado,
mas sim sua democratização radical, o que implica reformas substantivas que convertam os aparelhos estatais,
inclusive os econômicos, em instrumentos privilegiados do predomínio do interesse público (ou comum) sobre o
interesse privado (ou corporativo) [...]” (idem, p. 101, grifo meu).
185
Um interessante trabalho no campo da tradição marxista de viés gramsciano - que se debruça na análise da
relação entre democracia e a teoria social de Marx é o de Guimarães (1999). Sua argumentação busca esclarecer
a inconsistência da tese liberal de que uma incompatibilidade de fundamentos entre o marxismo e a
democracia. Para tanto, analisa as teses de Benedetto Croce, Max Weber, Karl Popper e Norberto Bobbio, que,
segundo o autor representam (sob diferentes aspectos) “ápices da inteligência liberal” (p. 13) e como tal se
detiveram em indicar as antinomias entre o determinismo histórico presente no marxismo e a cultura
democrática. Em vista de extrair os elementos da crítica liberal em direção ao marxismo, o autor procura
apreender o significado das tensões deterministas presentes na obra de Marx e de alguns autores marxistas
(Engels, Kautski, Plekanov, Lukács, Gramsci, dentre outros). Demonstra que a obra original de Marx não pode
ser enquadrada de forma rigorosa em uma concepção determinista da história” (p. 252, grifo do autor) e que só
há incompatibilidade de fundamentos entre democracia e marxismo se este for analisado a partir de uma
concepção determinista da história. Acredita o autor que embora haja ambigüidades e impasses dentro da cultura
marxista acerca da relação entre marxismo e democracia, é possível vislumbrar um campo teórico do marxismo
(como ele diz, crítico e renovado) que aponte para um projeto democrático crítico e alternativo à democracia
liberal. “A superação do impasse existente entre marxismo e democracia certamente não é apenas um problema
teórico. Passa por experiências históricas de largo espectro e de implicações duradouras, pela rearticulação de
movimentos sociais e de trabalhadores em torno de novos projetos emancipatórios em choque com as estruturas
de dominação capitalista. Supõe decisivas batalhas no campo político-cultural e a emergência de uma nova
hegemonia de valores civilizatórios. Tem necessariamente que se inscrever nos grandes dilemas e contradições
do mundo contemporâneo, da globalização e dos novos paradigmas tecnológicos. E, sobretudo, teria que ser
concebido desde o início como um movimento crítico e de resistência à hegemonia liberal prevalecente”
(GUIMARÃES, 1999, p. 260).
185
administradas pelo Partido dos Trabalhadores que ganharam força política desde os fins dos
anos 80 e particularmente nas eleições do ano 2000
186
.
Aqui é preciso que se faça uma observação: quando se fala em ambiente teórico
(político) não se está afirmando que havia hegemonicamente dentro do Partido dos
Trabalhadores a opção por um projeto de democratização balizado na perspectiva socialista,
embora esta opção pudesse ser vislumbrada por alguns segmentos do PT
187
. Todavia, o fato
de a cidade de Belém ser administrada por esse Partido cujo projeto de governo (conforme se
verá no capítulo seguinte) referenciou-se (ainda que em nível de discurso governamental) por
ideais de democratização socialista, exige que se faça a remissão a essas discussões (ainda que
polêmicas) no âmbito dessa legenda partidária a fim de apreender seu significado no plano
teórico e político.
Nessa direção, o Instituto Cidadania juntamente com a Fundação Perseu Abramo e a
Secretaria Nacional de Formação do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores
realizaram o Seminário “Socialismo e democracia”, ocorrido em dois momentos (nos anos de
2000 e 2001). Pode-se considerar esse seminário como uma expressão das discussões antes
referidas que buscavam construir os vínculos entre democracia e socialismo e como uma
manifestação da opinião de intelectuais progressistas e militantes políticos alinhados, naquele
período, ao Partido dos Trabalhadores
188
. Os resultados do seminário foram publicados na
186
Deve-se registrar que nesse momento havia também uma forte expectativa em função da eleição presidencial
que seria em 2002, onde o Partido dos Trabalhadores reunia possibilidades de ser vitorioso, como de fato
aconteceu.
187
O professor Carlos Nelson chamava atenção no ano 2000 de que: Hoje, porém, o PT corre o risco de ser
hegemonizado por correntes que vêm negando explicitamente o socialismo (em nome de uma abstrata
‘democracia republicana’) ou que, embora continuem a prestar-lhe homenagens, fazem-no muitas vezes de modo
puramente verbal” (COUTINHO, 2000, p. 19). Tudo leva a crer que a formatação dessa hegemonia no interior
do Partido dos Trabalhadores tenha levado o eminente professor a declarar seu afastamento do referido Partido
após a ascensão do governo Lula.
188
O Seminário arregimentou parlamentares, intelectuais, lideranças de movimentos populares, da Central Única
dos Trabalhadores, membros de equipe de governo, ONG e estudantes. Os temas apresentados com os
respectivos expositores e debatedores foram (no primeiro semestre de 2000): “Socialismo no ano 2000 uma
visão panorâmica” (Marilena Chauí, Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio Garcia); “Economia socialista”
(Paul Singer e João Machado); “O indivíduo no socialismo” (Leandro Konder, Frei Betto e Lula); Instituições
políticas no socialismo” (Tarso Genro, Edmilson Rodrigues ex-prefeito de Belém e José Dirceu); “Classes
sociais em mudança e a luta pelo socialismo” (Francisco de Oliveira, João Pedro Stedile e José Genoíno);
186
coleção “Socialismo em discussão”, cabendo uma reflexão sobre algumas das exposições (e
debates) com vistas a apreender quais as expectativas políticas criadas em torno das
administrações locais, onde se inclui a gestão petista na cidade de Belém.
Em linhas gerais, as exposições e os debates giraram em torno de discutir, em nível
mais ampliado, as convergências entre democracia e socialismo, demarcando um
posicionamento crítico e contrário às proposições neoliberais, reafirmando (em contraposição
a essas proposições) a defesa do Estado de direito. Nesta angulação, os autores se detiveram,
recorrentemente, no tratamento do tema da democracia radical (cf. COUTINHO, 2000), a
qual - muito sinteticamente - corresponde a articulação entre os mecanismos de democracia
direta e representativa, onde a temática da participação social (especialmente a partir das
experiências do orçamento participativo) é indicada e defendida como um elemento
fundamental da garantia dos diretos de cidadania, abrindo as possibilidades de uma
construção democrática no âmbito local
189
.
Na apresentação da coleção que registrou as palestras e os debates do segundo ciclo do
referido Seminário (2001), o professor Francisco de Oliveira um dos responsáveis pelo
evento - afirmava que diante da vitória nas eleições municipais de 2000, era necessário
examinar as questões concretas com as quais se defrontavam o movimento da esquerda no
Brasil. Assim, diz o professor ao fazer referência às discussões do seminário:
“Globalização e socialismo” (Maria da Conceição Tavares, Eduardo Jorge e Emir Sader). No primeiro semestre
de 2001 foram: “Perspectivas que a vitória das esquerdas nas eleições municipais de 2000 abre à construção do
socialismo” (Luiz Inácio Lula da Silva, Marta Suplicy, Raul Pont e Luiz Dulci); “Perspectivas que o
desenvolvimento local e a distribuição de renda abrem à construção do socialismo” (Celso Daniel, Ladislau
Dowbor, Marina da Silva e Miguel Rosseto); “O orçamento participativo como um dos pressupostos políticos da
construção do socialismo” (Olívio Dutra e Maria Victória Benevides); “Papel dos sindicatos e cooperativas ante
as mudanças nas classes sociais e suas lutas, na perspectiva do socialismo” (Fernando Haddad, Gilmar Mauro,
João Felício e Ricardo Antunes); “A luta pela terra e a organização dos assentamentos como contribuição para a
construção do socialismo (Plínio de Arruda Sampaio, José Graziano da Silva; “Perspectivas que a revolução
microeletrônica e a internet abrem à luta pelo socialismo” (Laymert Garcia, Bernardo Kucinski, Maria Rita Kehl
e Walter Pinheiro; “Alternativa socialista ante a globalização financeira” (Reinaldo Gonçalves, João Sayad,
Ronald Rocha e Tânia Bacelar).
189
Vale ressaltar que no período em que foi realizado este seminário, havia uma tendência (corrente política)
dentro do Partido dos Trabalhadores denominada de democracia radical, liderada por José Genoíno, a qual foi,
posteriormente, incorporada pela tendência do campo majoritário. Esta distinção é importante para esclarecer
que nesta tese não se está tratando da referida tendência e, sim, das discussões feitas em torno da temática
democracia radical (feitas, aliás, em sua maioria por dirigentes do PT de diferentes correntes internas).
187
A abordagem das questões concretas juntou as urgências de curto prazo com a
perspectiva histórica mais ampla do futuro. Por isso os vários temas foram
trabalhados, sempre, perguntando-se quais o suas interações com o socialismo.
De modo que as gestões da esquerda não devem ser apenas o breve ciclo de uma
administração, mas precisam também realizar concretamente, na vida cotidiana das
cidades, das cidadãs e cidadãos, uma mudança cujo nome histórico é socialismo.
Não para um dia qualquer posterior à revolução, mas diuturnamente. Desse modo, a
perspectiva histórica do socialismo ajuda, orienta e valoriza medidas simples, ao
alcance da cidadania, sem a grandiloqüência dos grandes eventos, mas preparando-
a para seu auto-governo (OLIVEIRA, 2002, p. 8)
190
.
Debatendo sobre os “Fundamentos para um projeto de instituições políticas no
socialismo”, o ex-prefeito de Porto Alegre - Tarso Genro
191
- afirma que é necessário
reinventar a democracia para reconquistar a confiança da maioria dos membros da sociedade
nas instituições políticas do Estado democrático, tendo em vista a construção da
democratização radical. Para tanto, há que se criarem, na concepção de Genro (2001), formas
de ação e organização que possibilitem a formação de uma esfera pública, popular,
democrática e o-estatal que acompanhe a atuação do Estado provocando neste uma
profunda reforma.
Nesta medida, Genro (2001) defende que as instituições de democracia direta (como é
o caso do Orçamento Participativo) são fundamentais para a construção democrática, sendo
capazes de, processualmente, dar uma dimensão nova à cidadania formal. Para o autor: “[...] o
campo rtil para iniciar tais processos o a produção e o controle do orçamento público e,
também, as decisões e o controle público sobre as políticas públicas de largo alcance [...]” (p.
17).
190
Outro idealizador do Seminário Socialismo e Democracia, Antonio Candido, assim afirmou no prefácio da
coleção referente ao primeiro ciclo do seminário (realizado em 2000): “Esperemos que esses seminários sejam o
começo de uma atividade permanente, que ajude o PT a conservar sua capacidade de luta política correta.
Mesmo porque, na diversidade de nossas tendências internas, um grande ponto de encontro, que mantém
nossa comunhão e nossa solidariedade fraternal acima das diferenças: esse ponto de encontro é precisamente o
socialismo” (CANDIDO, 2001, p. 10).
191
Tarso Genro foi vice-prefeito na primeira administração petista em Porto Alegre (1989/1992) e prefeito desta
cidade por três mandatos consecutivos (1993/1996; 1997/2000; 2001/2004).
188
Na seqüência da exposição de Tarso Genro, o ex-prefeito de Belém Edmilson
Rodrigues
192
considera importante ao Partido dos Trabalhadores refletir sua concepção de
socialismo e debater sobre a ocupação dos espaços institucionais do Estado. Para ele a
formação de uma nova sociedade requer o permanente exercício da participação democrática,
com a formação de sujeitos políticos coletivos, que em outras palavras, significa a construção
da democracia radical. Nesse aspecto, diz Rodrigues (2001, p. 27):
[...] os processos de ação que pretendam participar na construção de um mundo
socialista pressupõem, acima de tudo, o fim de qualquer medo de ter o povo como
sujeito político; deve-se ampliar ao máximo a participação decisória do povo.
Nesse sentido, tenho grande afinidade com a proposta de se refletir sobre e
fomentar a criação de esferas públicas não-estatais. As experiências de Orçamento
Participativo criam esferas que tensionam a institucionalidade [...].
Na mesma mesa de debates, José Dirceu
193
argumenta que o socialismo não deve ser
apenas conquistado, mas construído. Lembrando as resoluções do I Congresso do Partido dos
Trabalhadores
194
, o autor afirma que é preciso radicalizar a democracia. Por isso, mais que
uma reforma política é necessária que haja a combinação da democracia representativa com a
democracia direta. Os instrumentos de consulta popular (a exemplo do plebiscito e do
192
Edmilson Rodrigues foi prefeito de Belém por duas gestões seguidas (1997/2000 e 2001/2004).
193
José Dirceu foi deputado estadual em São Paulo (1987/1990) e deputado federal por duas vezes (1991/1994 e
1999/2002).
194
Um trecho dessa resolução diz que: “Para o PT, o socialismo é sinônimo de radicalização da democracia.
Isso quer dizer que a concepção de socialismo do PT é substancialmente distinta de tudo que, enquanto
concepção, vimos concretizado em todos os países do chamado socialismo real [...]. É por isso que encaramos a
democracia política, econômica e social como base constitutiva da nossa sociedade. O socialismo pelo qual o PT
luta prevê, portanto, a existência de um Estado de direito no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e
políticas, de opinião, de manifestação, de imprensa, partidária, sindical etc.; em que os mecanismos de
democracia representativos, libertos da coação do capital, devem ser conjugados com formas de
participação direta do cidadão nas decisões econômicas, políticas e sociais [...]” (apud DIRCEU, 2001, p. 31-
32, grifo meu). Fazendo referência à concepção de governo elaborada pelo Partido dos Trabalhadores, a qual
ficou conhecida como o “modo petista de governar”, Santos Júnior (2001), com base em Bittar (1992),
argumenta que essa forma de governar prioriza, entre outros aspectos, o fomento à participação social afirmando
a necessidade de articulação entre democracia representativa e as formas diretas de representação da sociedade,
além da inversão de prioridades quanto à aplicação de recursos públicos tendo em vista o atendimento das áreas
mais carentes de serviços urbanos básicos.
189
referendo), a participação no orçamento participativo e nos conselhos populares deve-se
configurar em “controle social do Estado pela cidadania”
195
(DIRCEU, 2001, p. 34).
Refletindo sobre o “Poder local e socialismo”, Celso Daniel
196
demonstra que no âmbito
local torna-se possível realizar algumas iniciativas inovadoras, a exemplo da prioridade nos
investimentos sociais, o fomento à participação popular e o orçamento participativo. Contudo,
é preciso, segundo o autor, que as gestões de esquerda orientem-se por referenciais socialistas.
Para Daniel (2002) deve-se pensar na construção de uma sociedade socialista tendo como
ponto de referência a radicalização da democracia. Nesta medida, o autor aponta que as
administrações locais devem criar condições que viabilizem o “encontro entre democracia
direta e democracia representativa” (p. 29). O autor assegura que na esfera local é possível
colocar em prática princípios socialistas e que
Do ponto de vista das referências da gestão local, parto da idéia de que o que está
colocado diante da gestão local são diferentes alternativas, por exemplo do
desenvolvimento local, da distribuição de renda, da participação da comunidade e
assim por diante. E estou tomando como base uma contraposição que acredito que
devemos fazer, no nível local, com as idéias neoliberais e com toda a herança de
autoritarismo e dependência que temos no Brasil além de um poder
administrativo combinado com clientelismo que é muito sólido no Estado brasileiro
(DANIEL, 2002, p. 32).
Na seqüência da fala de Celso Daniel, Miguel Rossetto
197
comenta que uma
administração local que se entreteça com as estratégias de transformação socialista deve ter
como princípio uma profunda radicalização da democracia, o que implica em reconstruir o
espaço estatal ampliando o processo de controle social, com base na idéia central de
participação popular. Trata-se de construir novas relações políticas com a inversão de pautas e
agendas que devem ser sustentadas com a permanente mobilização popular.
195
Continua afirmando que “o tema das instituições políticas no socialismo é muito importante para nós. E estou
convencido de que o nosso caminho é a radicalização das conquistas democráticas que a humanidade
construiu e sua combinação com a democracia direta [...]” (DIRCEU, 2001, p. 35, grifo meu).
196
Celso Daniel foi eleito três vezes Prefeito de Santo André (1989/1992; 1997/2000 e 2001/2004). Em janeiro
de 2002 foi assassinado em São Paulo.
197
Miguel Rossetto foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores; Secretário de Formação Política e
Secretário de Política Sindical da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no período de 1992 a 1994. Foi eleito
Deputado Federal, em 1996 e, Vice-Governador do Rio Grande do Sul, em 1998.
190
Participação popular, portanto, como instrumento de incorporação na política real,
na definição das políticas reais, das grandes maiorias excluídas. E, portanto, o
conceito de democracia participativa, direta, associada a um conceito de
democracia representativa, guarda não uma neutralidade em si, mas uma relação de
diálogo direto com uma estratégia de construção de um novo padrão de poder,
capaz de viabilizar e capaz de sustentar um programa de transformações [...]
(ROSSETTO, 2002, p. 61).
No seminário em questão, Olívio Dutra
198
dissertou sobre o tema “Orçamento
participativo e a questão do socialismo”. Afirmou que o projeto desenvolvido em Porto
Alegre teve por referência a experiência do orçamento participativo que permitiu um controle
sobre a execução de políticas públicas e que, segundo Dutra (2001), foi a essência e o
diferencial do projeto político implementado nesse município.
Para ele, a participação dos moradores da cidade nas decisões orçamentárias permite
que se alterem as relações de poder à medida que uma inversão de prioridades em que tais
decisões deixam de ser tomadas, apenas, por governantes, grupos empresariais, especialistas e
técnicos. Trata-se, na acepção de Dutra (2001), de um processo de democratização radical
que inclui o protagonismo popular no interior do Estado.
O autor argumenta que a democracia tem por fundamento a participação popular direta,
onde os cidadãos devem apropriar-se de informações referentes à administração e ao
planejamento governamental para que tenham capacidade de influir nas decisões concernentes
aos recursos públicos. “Assim, política e culturalmente, o orçamento participativo é também a
negação da ideologia neoliberal e da hegemonia do pensamento único: prega e pratica o
controle público sobre o Estado e se efetiva desde o início, de modo aberto e pluralista”
(DUTRA, 2001, p. 09-10). Continua o autor a avaliar o orçamento participativo:
[...] se alguém afirmar alguns o fazem que o orçamento participativo é apenas
uma forma mais organizada de os pobres disputarem entre si as migalhas do
capitalismo ou, no máximo, uma ligeira primavera democrática, mas sem qualquer
relação com o socialismo, estará inteiramente equivocado. Além de ser um
aprofundamento e uma radicalização da democracia, também se constitui num
198
Olívio Dutra foi Prefeito de Porto Alegre (1989/1992) e Governador do estado do Rio Grande do Sul
(1999/2002).
191
vigoroso impulso socialista, se encaramos o socialismo como um processo, para o
qual a democracia direta e participativa é elemento essencial, pois possibilita o
fortalecimento da consciência crítica e dos laços solidários entre os explorados e os
oprimidos, abrindo caminho para a apropriação pública do Estado e a construção de
uma nova sociedade (DUTRA, 2001, p. 12, grifo meu em negrito).
Maria Victoria Benevides ao comentar a palestra de Olívio Dutra sinaliza que o tema do
orçamento participativo está associado à discussão da democracia direta e é uma referência
importante do Partido dos Trabalhadores em vista da construção do socialismo. Benevides
(2001) discute sobre três premissas que considera essenciais na relação entre democracia
direta e socialismo. Em primeiro lugar, expõe que uma incompatibilidade radical entre
democracia e capitalismo. Em segundo, que a argumentação em favor da democracia direta
nas suas várias formas (dente elas o orçamento participativo) não entra em conflito com a
democracia representativa (não a exclui); há, pelo contrário, uma complementaridade entre
democracia direta e representativa. Em terceiro, que os processos democráticos de caráter
direto (como é o caso do orçamento participativo) devem ser considerados como parte da
construção da sociedade socialista. Para a autora, tanto a democracia quanto o socialismo o
processuais e, nesta medida, acredita que este último deva resultar do aprofundamento da
democracia. Nesse sentido, assevera:
Quando alguém me pergunta se sou uma democrata radical, eu digo: sou. Radical
de raízes, democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo. [...] além da
radicalização da democracia, o orçamento participativo é um vigoroso impulso
socialista, no sentido de que o socialismo é um processo no qual a democracia
direta é essencial, como no controle público sobre o Estado e na participação
popular no processo decisório (BENEVIDES, 2001, p. 24-25)
199
.
As idéias propagadas no Seminário “Socialismo e democracia” são referências
importantes para que se apreenda no nível teórico e político o enredo orientador da
administração de cidades, isto é, quais as expectativas e os desafios postos às gestões locais
vinculadas aos partidos de tradição de esquerda especialmente a partir de 2000, onde os
199
Em seu livro “A cidadania ativa”, Benevides (2003) realiza um estudo sobre os mecanismos institucionais de
participação direta (o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular) no âmbito da produção legislativa e nas
políticas governamentais, os quais foram incorporados na Constituição Federal de 1988.
192
discursos dos intelectuais, dirigentes e militantes indicam o fomento à participação social
como um elemento fundamental na formatação dos processos democráticos
200
.
A partir dessas reflexões pode-se observar que no debate concernente à gestão
democrática de cidade, uma observância da utilização do tema da participação social, a
qual tende a ser associada pela maioria dos autores aos mecanismos de democracia direta
capazes de fortalecer os mecanismos de democracia representativa face aos ideais de
cidadania e justiça social
201
.
No interior desse debate, Ribeiro, A. C. T. (2000b) aponta que a referência à
participação social geralmente aparece associada a três abordagens. Na primeira, a
participação relaciona-se ao controle social dos gastos públicos no sentido de impedir
desperdícios dos recursos governamentais provenientes da corrupção e desvios de verbas, que
evidentemente reduz a possibilidade de proposição de políticas públicas para os moradores da
cidade.
200
Vale registrar - para efeito de apreensão do projeto político desenhado especialmente pelo Partido dos
Trabalhadores na perspectiva da gestão democrática - que o Instituto Cidadania realizou, a partir de outubro/
2001, uma série de estudos e debates acerca da construção de um Projeto de Reforma Política. Os estudos foram
apresentados em três seminários (em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre), onde participaram intelectuais e
lideranças políticas de diversos partidos. Alguns dos estudos foram publicados no livro Reforma Política e
Cidadania, organizado pela Profª. Maria Victoria Benevides e outros (São Paulo, Editora Fundação Perseu
Abramo, 2003b). Na apresentação do livro, o então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da
Silva afirmou que durante o Seminário efetivado em São Paulo (em abril de 2002), o Prof. Francisco de Oliveira,
que foi o Coordenador Geral do referido Projeto (agora ex-militante do PT) teria sintetizado os objetivos dos
trabalhos nos seguintes moldes: “aperfeiçoar as instituições democráticas de nosso país, incluir mais cidadãos na
vida política ativa, aprimorar a qualidade de representação política popular, aumentar a transparência da política
para que o cidadão comum seja capaz de nela intervir como maior compreensão e cobrar regularmente a atuação
de seus representantes, E, finalmente, combater a corrupção na administração pública e a promiscuidade entre os
atores públicos e privados” (SILVA, 2003, p. 11). Uma observação: face aos últimos acontecimentos de
corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores, esta última frase tornou, no mínimo, esquizofrênica, a
concepção e o desenvolvimento desse projeto político no governo Lula. E mais, os eventos recentes de corrupção
tornam mais que compreensíveis o afastamento (e as atuais críticas) do Professor Francisco de Oliveira do/ao
PT. Ainda na apresentação do livro, Luiz Inácio destacou que a consecução das reformas estruturais (no campo
tributário, previdenciário, trabalhista e agrário), com destaque para a reforma política [importante observar que
não cita a reforma urbana], seria imprescindível para “o fortalecimento da democracia e a permanente ampliação
dos direitos de cidadania” (p. 12).
201
Em respeito à relação entre gestão democrática e participação - no âmbito dessas discussões -, afirma De
Grazia (2003, p. 56): “A gestão democrática da cidade dar-se-á fundamentalmente através do controle social e da
participação da população organizada como condição para a conquista de direitos, da cidadania, de novas
políticas públicas que incorporem os excluídos e de novas referências para as cidades.”
193
Na segunda perspectiva, a noção de participação é vinculada ao exercício da cidadania e
à observância dos limites da democracia representativa. Nesta abordagem a participação é
considerada um mecanismo de reivindicações de direitos, sendo que a atuação da sociedade
organizada é imprescindível para alcançá-los. Segundo a autora, são incluídas nesta noção as
“práticas político-administrativas, de cuja transformação dependeria a emergência de sujeitos
ativos com capacidade de gerar alterações em estruturas burocráticas de governo e nas formas
socialmente excludentes de exercício da política” (RIBEIRO, A. C. T., 2000b, p. 17).
Na terceira, a participação social é associada aos discursos que incluem as comunidades
no âmbito do planejamento, particularmente do programa de intervenção. Nesta vertente,
inclui-se a atuação das comunidades na execução (ou no acompanhamento da execução) de
obras. A abordagem da participação, sob esse prisma, tem em conta o barateamento de custos
e a articulação de projetos e/ou programas da área social (por exemplo, geração de emprego e
renda, saúde e educação) com intervenções na área de infra-estrutura urbana (obras de
saneamento).
Parece correto afirmar que a segunda acepção de participação social (indicada por
Ribeiro, A. C. T. (2000b)) é mais aproximativa à noção de participação contida nas discussões
referentes à gestão democrática da cidade que por sua vez associa-se aos desafios postos aos
governos municipais quanto às possibilidades de construção dos processos democráticos
202
.
As anotações pertinentes a este capítulo indicam que as determinações históricas, a base
teórico-conceitual e as proposições do denominado modelo democrático de gestão de cidades
estão alinhadas com a perspectiva concernente à democratização. Movem-se, portanto, no
202
Ribeiro, A. C. T. (2000b, p. 32) demonstra a esse respeito que: “O fortalecimento da participação política nos
níveis estadual e municipal, durante os anos 90, acontece numa conjuntura marcada por: redução de recursos
para as políticas urbanas, déficit público, endividamento dos governos. Porém, também acontecem, nesta década,
a afirmação de algumas gestões municipais inovadoras e democráticas, o desvendamento de soluções técnicas
para o enfrentamento das carências urbanas, a multiplicação de agentes sociais e de formas de ação na cena
urbana. Este nível de mudança produz alterações em exigências feitas aos movimentos sociais, às entidades de
assessoria e às lideranças.”
194
campo dos debates que tecem críticas ao neoliberalismo e exponenciam os processos
participativos identificados como mecanismos de democracia direta (a exemplo do
orçamento participativo) que fortalecem a democracia representativa os quais devem
contribuir para o controle e a formulação das políticas públicas, aumento da capacidade crítica
dos cidadãos em respeito às decisões políticas sobre os rumos da cidade e para a ampliação
dos direitos efetivos de cidadania.
Vale dizer, que as apostas (políticas) evidenciadas nesse projeto democrático foram
construídas em torno da gestão municipal, notadamente aquelas administradas por partidos
ligados à tradição de esquerda. Levando-se em consideração a experiência de gestão da cidade
de Belém do Pará por uma (então) frente de esquerda, liderada pelo Partido dos
Trabalhadores, o capítulo seguinte volta-se a examinar, na particularidade histórica dessa
cidade, um projeto político que se auto-denominou democrático-popular, com o objetivo de
apontar em que aspectos o modelo desenhado e desenvolvido por essa administração petista
foi colidente (elementos de tensão) e em que medida houve compatibilidades em relação às
orientações do BID, o qual financiou uma intervenção urbanística em Belém - o Plano de
Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal -, através do Programa Habitar Brasil- BID.
Antes de adentrarmos no capítulo seguinte, é preciso que se faça uma observação da
maior importância: é necessário não perder de vista que as discussões (antes referidas) feitas
sobre as possibilidades de democratização na esfera local foram realizadas em uma conjuntura
em que o PT constituía-se como um partido de oposição. Isto é, foram delineadas antes da
ascensão de Lula ao Poder Executivo federal, que, como nos mostram os fatos recentes,
afastou-se enormemente do conjunto dessas discussões, reduzindo (ou seria eliminando?) as
apostas dos intelectuais e dos setores progressistas neste Partido (seja para governar o país, os
195
estados ou os municípios). Vejamos o que diz a esse respeito o professor Carlos Nelson
Coutinho – que foi um dos maiores intelectuais e militantes (hoje, um crítico) do PT:
Com efeito, se examinarmos a evolução ideológica do PT, veremos que a velha
proposta socialista e democrática, defendida (ainda que sem sempre de modo muito
claro) desde a origem do partido, foi sendo progressivamente abandonada,
substituída pela prioridade dada à conquista do governo a qualquer custo. É
verdade, que esta prática eleitoralista e o conseqüente abandono do socialismo
demoraram a aparecer explicitamente no vel do discurso. O chamado ‘campo
majoritário’, que dominava e domina a direção do PT, continuou a tolerar que os
documentos congressuais falassem de socialismo, de luta por uma nova hegemonia
etc., embora sua prática o mais correspondesse a este discurso [...] Com as
vitórias eleitorais do PT, culminando na conquista da Presidência da República,
essa lógica se expandiu também para os governos petistas: conservar o poder pelo
poder passou a ser a única meta desta burocracia que empalmou o Partido. Isso
explica as alianças espúrias que o PT passou a fazer com todo mundo, sobretudo
com as forças do capital, em particular do capital financeiro. O abandono do
socialismo como proposta estratégica e a burocratização da direção partidária estão
assim na gênese da rede de corrupção que hoje envolve o PT e o governo: e não se
trata de uma corrupção que vise apenas ao enriquecimento pessoal (embora isso
também ocorra), mas de uma poderosa rede que tem por objetivo principal a
conservação do poder governamental por esse aparelho burocrático (COUTINHO,
2005, p. 04-05).
Esse registro tem o objetivo de evitar que se faça uma interpretação a-histórica do real:
Se as prospecções daqueles debates que vislumbravam processos efetivos de democratização
na cena brasileira forem trazidas para análise atual, é possível que os intelectuais que se
detenham a tal tarefa os identifiquem a um deslumbre idealista, afirmando, por conseqüência
que aquele projeto (sintetizado em torno do modelo democrático de gestão de cidades) tenha
perdido sua força política face aos acontecimentos acima referidos, sendo pouco provável sua
realização (para o que somente o movimento da história poderá responder). Contudo, o fato
desta tese “recortar” temporalmente o período em que o PT configurava-se como oposição,
impõe que os elementos teórico-conceituais que iluminam sua reflexão - especialmente o
capítulo seguinte, que trata da experiência da gestão petista na cidade de Belém sejam
arrancados daqueles debates acima apresentados.
196
4 A PROPOSTA DEMOCRÁTICA DE GESTÃO EM BELÉM: TENSÕES E
COMPATIBILIDADES EM RELAÇÃO ÀS ORIENTAÇÕES DO BID PARA A
GESTÃO DE CIDADES
A partir da segunda metade dos anos 90, a cidade de Belém, capital do estado do Pará,
experimentou um projeto político de gestão de cidades que pode ser considerado legatário do
processo de redemocratização brasileira verificado nos anos 80. Resultante da arregimentação
de forças de diversos setores políticos locais - movimentos sociais e sindicais, partidos
políticos, universidades, intelectuais - aquele projeto viria a expressar o anseio de vários
segmentos sociais que através de lutas políticas (particularmente as lutas por moradia e
educação) posicionavam-se criticamente em relação ao poder público municipal em busca do
acesso e melhoria às/das políticas públicas.
Capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores, o governo municipal que foi iniciado em
1997, reeleito em 2000 e finalizado em 2004, desenvolveu um projeto autodenominado
democrático-popular (o Governo do Povo) que se conecta, por muitas mediações, às
discussões em torno do modelo democrático de gestão de cidades, tal como indicado no
capítulo anterior. Referenciado, em nível de discurso, por ideais socialistas, esse projeto
formatou-se com base nos princípios de participação popular, transformação da cultura
política local, democratização do Estado e inversão de prioridades.
Nesse sentido, o arranjo político-institucional desse modelo de gestão democrática na
cidade de Belém alinhou-se com as discussões evidenciadas no capítulo anterior que
apostavam nas possibilidades da radicalização da democracia, materializada no incentivo à
participação social (democracia participativa) como forma de fortalecer os mecanismos de
democracia representativa, tendo em vista a ampliação dos direitos de cidadania.
Deve-se ressaltar que a temática da participação social configurou-se como a base de
legitimidade política desse governo, sendo absolutamente recorrente nos discursos do gestor
municipal (assim como nos da maioria dos que compunham o governo), nos documentos
197
oficiais, bem como serviu de referência para alguns projetos desenvolvidos pela Prefeitura, a
saber: as conferências e o apoio à formação dos conselhos (de Habitação, de Saúde, de
Saneamento, dentre outros), as assembléias do Orçamento Participativo (implementado no
primeiro mandato) e o Congresso da Cidade.
Por outro lado, conforme afirmação feita no segundo capítulo desta tese, a Prefeitura de
Belém no decorrer da primeira gestão habilitou-se ao financiamento de recursos junto ao
Banco Interamericano de Desenvolvimento, via Programa Habitar Brasil-BID, para a
execução de uma intervenção urbanística denominada Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal. O referido Programa (Habitar Brasil) sintonizado com as
orientações do BID para a gestão de cidades – salienta a importância da participação social, a
qual - conforme observações realizadas no segundo capítulo – deveria ser materializada
mediante a assinatura de um Termo de Adesão por 80% da população usuária, sendo pré-
condição para a aprovação e liberação de recursos para o projeto urbanístico em questão.
Em nível mais complexo, a reflexão empreendida no segundo capítulo apontou que as
agências multilaterais de crédito, particularmente o BID, têm prescrito uma série de
orientações que giram em torno de um modelo gestão de cidades que vinculadas ao tema da
reforma do Estado - tendem a valorizar a administração municipal sob dois aspectos: a)
inserir a cidade no âmbito da competitividade global, mediante a infra-estruturação urbana,
facilitando a atração dos investimentos capitalistas e, b) dar suporte técnico e financeiro para
que os governos municipais responsabilizem-se pela condução das políticas sociais em vista
do agravamento das expressões da questão social, liberando o governo central para tratar dos
assuntos referentes à área econômica, a exemplo da definição das metas de inflação e
pagamento da dívida externa.
No interior desse modelo de gestão os governos municipais devem ser absolutamente
eficientes na gerência dos recursos destinados às políticas públicas, motivo pelo qual o BID
198
referencia e orienta os processos de participação social à medida que, na acepção do Banco, a
participação permite a melhor aplicação de recursos (no âmbito da eficiência/eficácia dos
projetos). Pode-se considerar que esse tipo de participação, ao ser restrita ao indivíduo (a
exemplo da assinatura do Termo de Adesão) e desconsiderar o diálogo com os diversos
movimentos sociais existentes na cidade, tem uma perspectiva individualizada e
individualizante e tende a facilitar a aceitação, pelos usuários, dos denominados projetos
mínimos, que se caracterizam como setorizados e focalizados (sendo o foco principal os
“pobres” da cidade) tendo em vista o alívio das tensões sociais e a negação da universalização
de direitos, estando, portanto, amplamente vinculada à orientação de reforma do Estado.
Parece correto afirmar que existe uma agenda diferenciada quanto à proposição de
políticas para as cidades: As orientações pertinentes às agências multilaterais movem-se no
campo de debates que indicam os nexos de continuidade, grosso modo, entre democracia e
capitalismo; enquanto que as discussões inerentes ao modelo de gestão democrática tendem a
valorizar os processos democráticos, aproximando-se, entretanto, a ideais socialistas. Se isso é
verdade, cabe a seguinte a indagação: em que medida as experiências de gestão democrática
que ganharam força a partir do final dos anos 80 conseguem diferenciar-se das chamadas
orientações neoliberais? Como os governos municipais financiados pelas agências
multilaterais conseguem movimentar-se em vista da perspectiva da radicalização da
democracia? divergências entre as requisições embutidas na liberação do financiamento e
o desenvolvimento da política propriamente dita no âmbito local? Como e em que aspecto os
governos municipais compatibilizam a agenda diferenciada em relação à participação social?
Em nível do modelo de gestão de cidades que pontos o compatíveis e que pontos o
divergentes?
Levando-se em consideração que o formato do projeto político implementado em Belém
tem uma direção política que em seu conjunto está referenciado no modelo de gestão
199
democrática que prima por um tipo de participação social, considerada elemento chave para o
acesso a direitos universais e levando-se em consideração que os projetos financiados pelo
BID para a América Latina têm uma concepção de gestão de cidades na qual a noção de
participação que - conforme assinalado no segundo capítulo - é um elemento importante no
apoio às reformas estruturais que se materializam nas políticas mínimas, focalizadas e
setorizadas e, portanto, contrária aos direitos universais, este capítulo apresenta as reflexões
feitas sobre as tensões e compatibilidades entre as propostas de gestão de cidades e a noção de
participação social desenhadas pelo BID e pela Prefeitura de Belém tendo como referência
analítica o Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, financiado pelo Banco,
via Programa Habitar Brasil- BID.
A exposição da pesquisa empreendida sobre o objeto em questão seguirá, neste capítulo,
no seguinte sentido: em primeiro lugar, demonstrar as determinações históricas referentes à
ocupação urbana da cidade de Belém e os problemas urbanos dela decorrentes.
Posteriormente a reflexão segue no intuito de apontar as determinações políticas que
possibilitaram a aglutinação de segmentos sociais em favor da vitória eleitoral de uma frente
de esquerda nessa cidade; o desenho do projeto de gestão de cidades na perspectiva
democrática e a noção de participação social a ele vinculado. De forma mais aproximativa ao
problema da pesquisa serão expressas as reflexões que se propõem a indicar, em nível de
síntese, a aproximação às determinações mais complexas acerca das tensões e
compatibilidades entre as propostas de modelo de gestão de cidades e a noção de participação
social, moldadas pelo BID e pela Prefeitura de Belém, através da análise particular do Plano
de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal.
Nesta medida, os itens a serem tratados neste capítulo são: 1) Recortes históricos da
ocupação urbana de Belém: a formação das baixadas”; 2) Lutas políticas em torno dos
problemas urbanos em Belém; 3) A ascensão do “Governo Popular Democrático” à Prefeitura
200
Municipal de Belém: o projeto político para a gestão da cidade com base na participação
social; 3.1) A formatação do projeto político: a concepção do modelo e metodologia de
planejamento e execução de políticas municipais no primeiro mandato; 3.2) O segundo
mandato e o aprimoramento da concepção do modelo e metodologia de planejamento e
execução de políticas municipais; 3.3) A noção de participação social inerente ao modelo
democrático; 4) Tensões e compatibilidades entre as orientações do BID (Programa Habitar
Brasil) e o projeto político da Prefeitura Municipal de Belém: reflexões acerca dos modelos
de gestão de cidades e do discurso da participação social e; 4.1) Plano de Desenvolvimento
Local Riacho Doce e Pantanal: modelos de planejamento em confronto: entre as regras do
Programa HBB e a proposta de gestão democrática.
4.1 RECORTES HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO URBANA DE BELÉM: A FORMAÇÃO
DAS “BAIXADAS”
No contexto do domínio territorial amazônico pelos portugueses, foi construído em
1616 o Forte do Presépio (hoje denominado Forte do Castelo), o qual marcou a fundação da
cidade de Belém (RODRIGUES, 1996). Os historiadores que tratam da ocupação dessa
cidade tendem a indicar que a formação inicial de seu espaço foi marcada por dois fatores que
influenciaram (e continuam a influenciar) a configuração da rede urbana e a requisição de
políticas para os graves problemas urbanos deste município. Segundo Rodrigues (1998), tais
fatores são: a condição topográfica (aspectos físicos da malha urbana) e a tendência histórica
de ocupação.
Em relação ao primeiro fator tem-se a observar que o sítio urbano de Belém foi erguido
sobre fontes hídricas formadas ao ocidente pelas baías de Guajará e de Santo Antônio, e à
meridional pelo rio Guamá, possuindo em torno de 30 igarapés (RODRIGUES, 1998).
201
Abelém (1988) ressalta que o crescimento inicial da cidade sofreu influência dessa relação
com o rio (Guamá) e com o oceano à medida que os primeiros bairros foram originados
seguindo o vetor de acompanhamento do rio Guamá e da baía do Guajará.
O fato é que, do período de sua fundação até meados do século XVIII, Belém cresceu
seguindo os contornos de rios (Fase Ribeirinha). Somente a partir da segunda metade do
século XIX tem-se a diminuição da influência fluvial na constituição do espaço dessa cidade
(denominada Fase de Continentalização) (ABELÉM, 1988). O que é importante registrar em
relação aos aspectos topográficos é que, em função da relação com o rio, o crescimento
urbano de Belém tornou-se bastante irregular.
Em relação ao segundo fator (a tendência histórica da ocupação), a cidade de Belém
experimenta um significativo crescimento urbano em função do desenvolvimento da
economia da borracha na Amazônia a partir da segunda metade do século XIX
203
. Segundo
Rodrigues (1996) nesse período, essa cidade constituía-se como um centro dinâmico de
exportação do látex o que a tornava atrativa em termos populacionais, particularmente em
relação à população nordestina que migrava em busca de trabalho diante das secas existentes
no Nordeste.
Corrêa (1987) demonstra que entre 1850 e 1920 a rede urbana amazônica apresenta uma
nova dimensão devido à expansão da extração da borracha. A cidade de Belém, considerada à
época a mais importante da região, ganha destaque no cenário amazônico, inclusive, com um
crescimento demográfico considerável, ao atrair mão-de-obra para as atividades referentes à
extração da borracha
204
.
203
A extração da borracha no Pará e na Amazônia na segunda metade do século XIX ganhou impulso à medida
que alguns países da Europa e os Estados Unidos demandaram o referido produto para a indústria de artefatos de
borracha o que a valorizou bastante em termos de preço, conformando o chamado “auge da economia gomífera.”
204
De acordo com Rodrigues (1996), em 1872 quando a economia gomífera ainda estava em
expansão, a população de Belém correspondia a 22,52% da do estado do Pará, que por sua vez
representava 2,77% do total populacional do Brasil, cerca de 9.930.478. Contudo, em período
posterior, 1890, houve um refluxo demográfico tendo em vista que o número de habitantes
dessa cidade representava apenas 15,24% da população do Pará, que à época significava
202
Correlato ao desenvolvimento da economia gomífera, a cidade de Belém passa por um
processo de modernização de seu espaço, a qual refletia as novas tendências européias ligadas
à industrialização e ao desenvolvimento das ciências
205
. Nesse aspecto, em 1858, o então
Presidente da Província, Jerônimo Coêlho, propôs um Plano através do qual as áreas de
expansão da cidade de Belém teriam um padrão regular de ocupação: abertura de vias e
quarteirões, com maiores dimensões que os existentes na área mais central, arborização e
pavimentação de ruas. Todavia, a influência européia no padrão urbano de Belém será
exponenciada durante a administração do Intendente Antonio Lemos (1897-1911) que
imprime modificações urbanísticas baseadas nos aspectos de beleza, saneamento e progresso;
são criadas novas formas de organização do espaço urbano correspondentes às necessidades
do ciclo da borracha (DERENJI, 1994).
Com base em Coimbra (1993), Rodrigues (1996) demonstra que durante o ápice do
ciclo da borracha a cidade de Belém passou a ser considerada uma capital regional, com
destaque para a implantação de importantes equipamentos de infra-estrutura e serviços
urbanos, tais como: calçamento de ruas, instalação da rede de iluminação elétrica e linha de
bonde, construção do cais do porto e da estrada de ferro Belém-Bragança, arborização de ruas
(mangueiras)
206
.
19,34% (328.455) em relação à população nacional que girava em torno de 14.333.915. Esse
quadro é novamente modificado na cada seguinte, entre 1890 e 1900, quando a população
de Belém foi duplicada.
205
Para Derenji (1994, p. 266) as reformas urbanas européias estavam ligadas ao conceito de modernidade. “Os
conceitos de racionalidade, eficiência e progresso apóiam as necessidades técnicas dos planos de extensão ou
remodelação. Oposições são construídas entre beleza/feiúra, saneamento/falta de higiene, atraso/progresso. [...]
A decisão de elaborar um novo plano para as cidades, nasce em correspondência com uma fase particular de
expansão econômica, durante a qual é diagnosticada uma crise urbana considerada ‘doença’ a ser ‘curada’, um
descontrole a ser equilibrado [...]. Ainda que se impusesse, através das reformas, uma nova concepção de cidade
vinculada a uma sociedade que se formava em moldes industriais e capitalistas, a modernidade pretendida se
revestia assim de cientificidade e justificava-se a destruição de tecidos urbanos considerados como degradados
ou ‘doentes”.
206
Para Corrêa (1987, p. 53) os melhoramentos urbanos desenvolvidos em Belém deveriam espelhar as
condições do poderio econômico dos comerciantes e seringalistas. “O Estado, expressão dos interesses
vinculados ao comércio da borracha, investiu, sobretudo na organização do espaço urbano de Manaus e Belém,
reorganizando-o, dotando de infra-estrutura, criando assim condições para que a euforia da fase áurea da
borracha pudesse ser materializada.”
203
Ocorre que esse período marca também na história de Belém um vigoroso processo de
segregação sócio-espacial. Rodrigues (1998) aponta que, influenciado pela tendência européia
(acima referida) onde havia um temor diante da possibilidade das epidemias (peste negra,
varíola, febre amarela, dentre outras), associada ao incipiente avanço da medicina e da
engenharia sanitária, o Intendente Antonio Lemos desenvolveu uma política urbana marcada
por um padrão higienista e de embelezamento.
Nesse sentido, tudo que fosse considerado “feio” teria que ser extinto da cidade. Desta
forma, os “cortiços” e as barracas existentes, à época, foram demolidos e retirados da área
central, pois estavam associados à insalubridade, à ausência de condições higiênicas e
colocavam em risco a saúde pública, devendo ser substituídos por padrões “esteticamente
corretos” (DERENJI, 1994).
Valente (2000) demonstra que o projeto implementado por Antonio Lemos em Belém
teve forte influência francesa calcada no ideário modernizador conhecido como Belle-Époque
(bela época). Segundo o autor, as políticas efetivadas pelo governo Lemos baseadas no
embelezamento e urbanização - corresponderam aos interesses de uma elite formada em
Belém com o boom da borracha, a saber, os seringalistas e os comerciantes. Nesse sentido, as
obras públicas de arquitetura moderna existente na cidade tais como o mercado de ferro São
Brás, a basílica de Nazaré, o Teatro da Paz, a praça da República, o mercado do Ver-o-Peso, o
palácio Antonio Lemos, o palácio do Governo do Estado, dentre outras, o construções
datadas desse período histórico. Por outro lado, houve um excessivo controle sobre a vida
social, levando-se em consideração que aquele governo tinha por meta elevar a cidade de
Belém ao padrão “civilizatório” europeu. Nesse aspecto, foram criados os códigos de posturas
municipais, os quais tinham por objetivo disciplinar o uso do espaço urbano por parte da
população, definindo regras de higiene e novos padrões comportamentais que representavam
uma vigilância aos moradores da cidade, inclusive com o uso policial. As regras existentes
204
nos códigos proibiam, por exemplo: andar sem camisa nas ruas, apanhar mangas (muito
comum em Belém devido à quantidade expressiva de mangueiras), a venda ambulante no
centro da cidade, embriaguez nas ruas etc.
207
. O autor demonstra que:
Notamos que o projeto estético-urbanizador foi para poucos, na medida em que
excluiu os segmentos populares da ordem urbana. As medidas adotadas pela
intendência lemista obrigava os segmentos populares a demolir suas casas e
construir novas, ou simplesmente abandonar suas áreas de moradia. Mendigos,
prostitutas, menores ambulantes e vagabundos ficavam impedidos de circular no
espaço das elites. Um decreto-lei de 1898, expedido por Lemos impedia a população
de ‘dar gritos desnecessários’, sob pena de multa ou prisão. Na prática buscava
impedir a manifestação de elementos da cultura popular como as rodas de sambas ou
de carimbó, além de festas como a quadrilha de São João [...] (VALENTE, 2000, p.
06).
Dentre os vários aspectos herdados da política de Antonio Lemos para a cidade de
Belém é necessário destacar que os planos urbanísticos - pensados até o limite da Légua
Patrimonial
208
- priorizaram os terrenos de áreas firmes (altas) em detrimento das áreas
alagadas. Abelém (1988) ressalta que os primeiros equipamentos urbanos realizados nessa
cidade não levaram em consideração o saneamento das áreas hídricas, deixando grandes
áreas desocupadas, formadas por terrenos alagados ou alagáveis, de cotas baixas” (p. 36).
Como afirma Rodrigues (1998, p. 103): “[...] Lemos, de braços abertos com suas obras de
‘embelezamento e saneamento’ de Belém, nas quais empenhou vultosos recursos, inclusive
com empréstimos externos, preferiu fazer avançar a cidade pelos sítios secos e planos,
atalhando os terrenos baixos”
209
.
207
De acordo com Derenji (1994, p. 269) as mudanças urbanas e na tipologia arquitetônica, ocorridas no período
(1897/1911), foram estimuladas por uma legislação progressivamente cerceadora e excludente na medida em que
impunha normas para a edificação que uma parcela da população não poderia atender. [...] Na prática a
associação destas regras (legislação) eliminaria no meio urbano os temidos cortiços e barracas, ao proibir
materiais como palha e barro, investiria contra a casa térrea, predominante nas construções coloniais, e obrigaria
a reformar todas as fachadas ao impor platibandas.
208
“Área de terra de aproximadamente uma légua (contada a partir do marco de fundação da cidade) doada em
1627 pelo Governo e Capitão Geral do Estado do Maranhão e Grão Pará ao Conselho Municipal de Belém,
ficando, a partir desse momento, sob o Jus Domini do Governo desse Município.” O atual bairro do Marco
constitui-se no limite dessa Primeira Légua (TRINDADE JR. 1997, p. 22, grifo do autor).
209
Trindade Jr (1997) destaca que nesse período vários trechos de áreas alagadas da cidade foram aterrados (e
não saneados).
205
Rodrigues (1996) aponta que esse tipo de intervenção urbanística ao desconsiderar o
saneamento das áreas alagadas/alagáveis ocasionou enormes problemas de habitação,
saneamento e infra-estrutura.
Nos primeiros vinte anos do século XX - levando-se em consideração que Belém ainda
estava ligada à expansão da economia gomífera - a cidade experimentou um novo crescimento
populacional representando 24,06% da taxa demográfica do estado do Pará, que por sua vez
havia alcançado um crescimento de 120,84% em relação aos números nacionais: 30.635.605
habitantes (RODRIGUES, 1996).
Entretanto, o período compreendido entre 1920 e 1940 apresenta um decréscimo no
crescimento populacional em Belém. Se entre 1870 e 1920, os números demográficos
apontavam crescimento de 30 mil para 236 mil habitantes; esses números caíram para 209 mil
habitantes em 1940. Esse decréscimo, por sua vez, refletiu a chamada decadência do ciclo da
borracha
210
, que provocou uma diminuição no crescimento da economia. Por esse motivo,
houve uma crescente emigração de parcela da força de trabalho que ficara sem ocupação na
cidade (BORGES, 1992).
De acordo com Rodrigues (1998, p. 105), nas primeiras décadas do século XX a cidade
de Belém “podia satisfazer sua expansão evitando as áreas alagadiças, tanto pelo seu
contingente demográfico, quase estacionário após o declínio da borracha, quanto pelas
possibilidades oferecidas pelo planejamento urbanístico de Lemos [...]”. Entretanto, diz a
autora, esse processo de expansão urbana baseado na ocupação dos terrenos de cotas altas em
detrimento das áreas baixas começa a ser modificado a partir dos anos 40 (do século XX).
Essas modificações iniciam-se a partir do advento da Segunda Guerra Mundial quando a
cidade de Belém apresenta um crescimento populacional em função do “segundo ciclo da
borracha”. Isso porque o governo americano, impedido de comercializar a borracha asiática
210
Segundo Borges (1992), a decadência do “ciclo da borracha” ocorreu à medida que as indústrias da Europa e
dos Estados Unidos, ao conseguir um preço mais vantajoso que os da produção extrativa da Amazônia, passaram
a consumir a borracha produzida na Ásia por holandeses, franceses e ingleses.
206
que era fundamental à indústria bélica, realizou com o Brasil os chamados “Acordos de
Washington”, através dos quais aquele governo teria exclusividade ao acesso do produto ao
mesmo tempo em que injetaria recursos financeiros na extração da borracha. Observa-se que
entre 1940 e 1950 a população de Belém passa por um novo crescimento: de 206.331 para
254.494 habitantes
211
. Mesmo assim esse crescimento não foi tão significativo para a
urbanização da cidade, se comparado aos outros períodos.
Durante os anos 50-70 (do século XX), a população de Belém sofre um significativo
processo de crescimento de 387.565 habitantes acompanhando os níveis de crescimento
populacional do estado do Pará. Esse processo vincula-se, entre outros, à implantação do
Plano de Metas e à inauguração da Rodovia Belém-Brasília que colocava Belém como uma
importante cidade no meio regional e nacional, isso porque passa a desempenhar as funções
“de capital cultural, administrativa e econômica regional, consolidando sua vocação de tornar-
se uma metrópole, ainda que sua metropolização amplie uma série de problemas urbanos que
ao longo da história vêm se acentuando [...]” (RODRIGUES, 1996, p. 126).
Ressalte-se que esses problemas intensificam-se à medida que a construção da Belém-
Brasília cria um paradoxo: aproximou a região, em termos econômicos, ao Sul e Sudeste
(tradicionalmente mais desenvolvidos) ao mesmo tempo em que provocou um aumento entre
as diferenças regionais, desagregando as fracas indústrias locais como as de Belém, tendo em
vista que os produtos manufaturados de outras regiões tiveram acesso facilitado na Amazônia,
o que contribuiu para uma relação desvantajosa no que se refere à concorrência dos
produtos
212
.
211
Rodrigues (1996) afirma que nesse período foi implantada uma importante base aérea vinculada ao centro
urbano por uma rodovia asfaltada, o que possibilitou, dentre outros, a ocupação urbana de novas áreas. Foram
construídas, também, hospedarias para imigrantes, geralmente, os nordestinos; bem como foi implantada a sede
do recém-criado Banco de Crédito da Borracha, denominado, hoje, de Banco da Amazônia, o que contribuiu
para o fluxo de muitos trabalhadores para Belém.
212
Para Borges (1992) a partir dos governos militares, a economia amazônica passa por relevantes modificações
(que refletiram negativamente na vida dos trabalhadores) com a utilização da política de incentivos fiscais na
região. Nesse contexto o governo pretendia instalar uma frente capitalista que não levava em consideração os
interesses econômicos locais e as demandas da população regional. Ao invés de otimizar a retenção da renda
207
O crescimento demográfico evidenciado a partir dos anos 40 e, especialmente, entre os
anos 50-70, aliado à migração campo-cidade (para Belém) provocou uma modificação no
vetor de ocupação urbana que redundou em sérios problemas urbanos que marcaram (e
marcam ainda hoje) a história de Belém. Trata-se da ocupação das áreas alagadas (que são
conhecidas como baixadas
213
) por um significativo contingente populacional. Parcela da
classe trabalhadora que no primeiro momento da expansão urbana ainda conseguia alocar-se
próximo ao centro, foi gradativamente ocupando as baixadas, que são áreas alagadas da
cidade. Com isso uma alteração naquele eixo de crescimento configurado pelo contorno
dos acidentes hídricos e densificação das terras altas: o alagado passa a ser alternativa de
moradia para aqueles que não poderiam pagar para morar nas terras altas e com infra-estrutura
urbana.
Os registros históricos apontam que o processo de ocupação das baixadas desenvolveu-
se na década de 50, intensificando-se na década de 60. Naquela década conforme registrado
acima Belém passa por um crescimento populacional significativo o que irá contribuir para
a ocupação das áreas de baixadas. Diversas dessas áreas, que antes eram locus de atividades
agro-pastoris, foram ocupadas por parcela da classe trabalhadora, na maioria formada de
migrantes, para os quais a ocupação das referidas áreas significava não a possibilidade de
solucionar o problema da moradia como a formação de estratégias de sobrevivência na cidade
de Belém (TRINDADE JR., 1997)
214
. Como ressalta Abelém (1988, p. 39):
gerada, essa política de incentivos propiciou aos capitalistas de fora da região acumular capital e terras; além
disso a expectativa de geração de empregos foi frustrada, ocorreram fortes conflitos fundiários pela posse da
terra, inclusive com mortes e desaparecimento de pessoas; provocando, ainda uma séria devastação dos recursos
naturais existentes.
213
Segundo Trindade Jr. (1997, p. 22) as baixadas de Belém “são áreas inundadas ou sujeitas às inundações -
decorrentes, em especial, dos efeitos das marés - e ficaram conhecidas, principalmente a partir da década de 60,
por serem espaços de moradia das camadas sociais de baixo poder aquisitivo.”
214
Segundo Trindade Jr (1997, p. 30) “A imagem que se tem das baixadas, a partir da experiência cotidiana da
vida urbana, está diretamente relacionada à precariedade de moradia e dos equipamentos de consumo coletivo
que apresentam. Em decorrência disso, a baixada passa a ser considerada o ‘espaço sem cidadãos’, independente
das condições do sítio urbano”. Para o autor, a imagem das baixadas associa-se à favelização das condições de
moradia de parte da população no espaço urbano de Belém.
208
Com a corrida do campo para a cidade e de cidades menores para a capital, além da
pressão exercida pela população nativa sem condições econômicas, o problema
habitacional se agrava, as áreas alagadas de Belém, ‘as baixadas’, vão se
transformando em enormes ‘favelas’.
Assim, as áreas de baixadas passam a ser um espaço de conflitos e campo de luta pela
moradia, no qual são gerados processos de reivindicações coletivas em torno do direito de
morar. Na história da expansão urbana da Região Metropolitana de Belém
215
, aquelas áreas
destacam-se como um vetor de ocupação do espaço urbano por parte dos trabalhadores, sendo
que até a primeira metade da década de 70 essa ocupação atingia basicamente os bairros
localizados na 1ª Légua Patrimonial
216
.
A partir da cada de 70 (do século XX), o número de habitantes da cidade de Belém
novamente será acrescido. A cidade supera, em termos populacionais, o índice de crescimento
do estado do Pará em 50%; passa de 402.170 para 642.514 habitantes. Dessa vez o índice de
crescimento demográfico belenense está relacionado ao processo migratório advindo, em sua
maioria, dos conflitos fundiários ocorridos no interior da Amazônia. Rodrigues (1996, p. 128),
com base em Corrêa (1989), afirma que 68,28% das pessoas que migraram para Belém
durante a década de 70 eram originários do próprio Pará. Isso representava “um indício claro
de que a região metropolitana passou a exercer uma grande atração para as populações
trabalhadoras expulsas do campo pela expansão capitalista”.
A cidade de Belém inicia a década de 80 com aproximadamente 950.000 habitantes.
Durante a primeira metade da referida década a cidade apresenta índices populacionais
215
A Região Metropolitana de Belém, conforme Lei Complementar Federal, 14 de 08.06.1973, era composta
pelos municípios de Belém e Ananindeua. Em 1995, através da Lei Estadual nº 5.907 de 19.10.1995, os
municípios de Marituba e Benevides foram incorporados a esta Região Metropolitana; além do município de
Santa Bárbara (Lei Complementar nº 27 de 19.10.1995) (ALVES, 1997).
216
Sobre a ocupação das áreas de baixadas em Belém, o documento da Prefeitura de Belém (2001a, p. 109) diz
que: Constituídas por terrenos cujas curvas de nível o ultrapassam a cota 4,0m, as baixadas foram ocupadas
pela população de baixa renda, principalmente a partir os anos 50, quando as terras altas disponíveis na ‘Primeira
Légua Patrimonial’ tornaram-se escassas. Por estarem localizadas próximas ao principal centro de comércio e
serviços da cidade, se constituíram na alternativa mais viável à população de baixa renda, pois, em função da
proximidade das áreas centrais, onde se concentram os empregos, os custos de deslocamento casa-trabalho eram
mais baixos. Além do mais, como essas áreas não eram dotadas de serviços e equipamentos urbanos não havia a
necessidade de pagamento de taxas e tributos.”
209
crescentes. Contudo esse índice de crescimento é considerado baixo se comparado às duas
últimas décadas (60/70), pois em relação ao estado do Pará, a participação da população de
Belém baixou de 29,24% para 27,45%.
Em termos de expansão urbana, a partir da segunda metade da década de 70, Belém
registra um novo vetor de urbanização, desta vez por um expressivo processo de ocupações de
terra que contribuiu para o extrapolamento dos limites da 1ª Légua Patrimonial avançando em
direção ao eixo da Rodovia Augusto Montenegro e BR-316 (BORGES, 1992). Durante a
década de 80 e início dos anos 90
217
, a ocupação urbana, pela via das ocupações de terra,
continuou seguindo o referido eixo configurando a expansão para o município de
Ananindeua
218
. Rodrigues (1998, p.106) ao sintetizar o processo de expansão urbana de
Belém desde os anos 40 afirma que:
A propósito da expansão urbana da RM Belém, desde a década de 1940, uma
classificação freqüentemente usada [...], com as seguintes modalidades de ocupação:
1) propagação de vilas e passagens nas terras altas através do parcelamento das
grandes propriedades típicas do auge econômico da borracha [...]; 2) a ocupação dos
alagados; 3) a ultrapassagem do cinturão institucional
(219)
com a localização de
novas indústrias, a ocupação espontânea, inclusive com invasões, e a implementação
de projetos habitacionais (loteamento e conjunto) nas áreas rurais de Belém e
Ananindeua.
Em nível censitário, a cidade de Belém possui, atualmente, 1.279.861 habitantes. Se
forem considerados os dados de toda a Região Metropolitana de Belém, esses números sobem
217
Em 1991, Belém chega a 1.244.688 habitantes. Esse número revela que esta cidade novamente apresenta um
decréscimo em termos populacionais se comparado ao estado do Pará, que possuía 5.084.726 habitantes.
Segundo estimativas do IBGE, a população de Belém no ano de 1996 seria de 1.198.850. Em relação ao estado
do Pa(que teria 5.590.764 habitantes) esses números representam 21,44%, o que demonstra um decréscimo
populacional se comparado ao início da década de 90 e as décadas de 70 e 80, conforme dados acima expostos.
218
Em 1995, havia na Região Metropolitana de Belém em torno de 190 áreas de ocupações de terra sendo que
62% encontravam-se no município de Ananindeua e apenas 38% em Belém. O que demonstra o aspecto da
segregação sócio-especial, onde as áreas mais distantes do centro tornam-se alternativas viáveis de moradia aos
trabalhadores levando-se em consideração a oferta de terras tanto para a ocupação quanto para o aluguel cujo
preço é mais acessível se for comparado ao centro da cidade (ALVES, 1997). Por outro lado, as áreas de
baixadas antes desvalorizadas passam a ser consideradas locais privilegiados no interior da malha urbana
(TRINDADE JR. 1997).
219
Diz respeito a “uma vasta área de terrenos altos e secos apropriados por instituições públicas e privadas no
entorno da 1ª Légua Patrimonial, que cerca quase toda a área terrestre de Belém, porque se estende com algumas
interrupções do rio Guamá aa baía de Guajará” (RODRIGUES, 1998, p. 105). De acordo com Trindade Jr.
(1997) a área conhecida como “cinturão institucional” é pertencente ao Ministério do Exército, Marinha e
Aeronáutica, Universidade Federal do Pará, Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (hoje denominada
Universidade Federal Rural da Amazônia), Companhia de Saneamento do Pará e outras instituições públicas.
210
para aproximadamente 1,8 milhão de habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). Note-se, conforme Tabela abaixo, que Belém é o
município da Região Metropolitana com maior contingente populacional, sendo
predominantemente urbano (99,35%)
220
.
Tabela 3 - Distribuição da população por município na Região Metropolitana de Belém
RMB Pop. total Pop. urbana % Pop. rural %
Belém 1.279.861 1.271.615 99,35 8.246 0,65
Ananindeua 392.947 391.994 99,76 953 0,24
Marituba 75.448 65.754 87,15 9.694 12,85
Benevides 35.350 20.726 58,63 14.624 41,37
Santa Bárbara do Pará 11.375 4.010 35,25 7.365 64,74
Total 1.794.981 1.754.099 - 40.882 -
Fonte: IBGE, 2000.
No conjunto das atividades produtivas, destacam-se em Belém as atividades terciárias
(65% do Produto Interno Bruto). Na Região Metropolitana de Belém o setor terciário também
é predominante e se expressa em seu perfil ocupacional: 80,2% das pessoas são inseridas no
conjunto das atividades de comércio e serviços sendo distribuídos da seguinte forma: 27,4%
na prestação de serviços, 22,4% no comércio de mercadorias, 11,4% em atividades sociais, 8,6%
na administrão blica, 5,3% em transporte e comunicações e 5,2% em serviços auxiliares da
atividade econômica. No setor secundário encontram-se 15,7% do pessoal ocupado (61,2 mil),
dos quais 7,8% pertencem à indústria de transformação, 6,7% à construção civil e 1,1% a outras
atividades industriais. O setor primário conta com apenas 6,5 mil pessoas (1,7%) (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001a)
221
. Acompanhando a tendência das demais reges
220
Os estudos atuais indicam que Belém possui uma área terrestre correspondente a 505,83km
2
, dos quais
33,36% (173,78km
2
)
dizem respeito à parte continental e 65,64% (332,057km
2
)
à parte insular, que é composta
por 39 ilhas. A rede de drenagem de Belém é do tipo dendrítica. Seu território é entrecortado por rios, canais,
furos, igarapés, paranás e lagos que deságuam, ao norte, nas baías do Marajó e do Sol, a oeste na baía do Guajará
e, ao sul, no rio Guamá. Na parte continental do município destacam-se as seguintes bacias hidrográficas: Una,
Val-de-Cães, Furo do Maguari, Murutucu e Tucunduba (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
221
Sobre as atividades produtivas da cidade de Belém, afirma Martins (2000, p. 18) que: “Em termos
econômicos, Belém é um grande centro regional, centralizando, portanto, toda a atividade comercial e de
serviços especializados de ampla região, particularmente no que se refere à indústria extrativa no estado do Pará.
Isso envolve desde serviços de informática a financeiros, médico-hospitalares e educacionais, delineando, assim,
sua principal atividade econômica, tanto em termos de movimentação de recursos quanto de emprego. O turismo
211
metropolitanas, um crescimento do mercado informal na RMB, expressando a problemática
do desemprego. Dados do IBGE, referente ao ano de 1997, apontaram que, aproximadamente,
28,7% dos trabalhadores trabalhavam por conta própria no sentido de criar estratégias de
inserção produtiva no mercado informal (BARBOSA, 2003).
Em relação ao rendimento mensal, o município de Belém caracteriza-se por
remunerações extremamente baixas para a realização do viver da classe trabalhadora.
Conforme dados do IBGE, 25% dos habitantes encontram na faixa até dois salários-mínimos
mensais e 36,5% são considerados sem rendimentos.
Tabela 4 - Município de Belém /Rendimento nominal mensal
(10 anos ou mais de idade)
Faixa salarial (SM) mero de habitantes %
Até 1 168.770 13,2
Mais de 1 a 2 151.744 11,8
Mais de 2 a 3 67.085 5,2
Mais de 3 a 5 67.312 5,3
Mais de 5 a 10 65.903 5,1
Mais de 10 a 20 32.753 2,5
Mais de 20 19.166 1,5
Sem rendimento 467.163 36,5
Fonte: Dados montados a partir do Censo 2000/IBGE.
De acordo com Barbosa (2003), quando se trata da distribuição de renda, a Região
Metropolitana de Belém é considerada uma das regiões metropolitanas mais desiguais do
Brasil, com uma elevada concentração de renda: “Nota-se que 96,28% da população absorve
apenas 24,80% da renda, enquanto uma minoria, isto é, 3,72% da população, absorve 75,20%
da renda gerada, o que mostra uma distorção na distribuição de renda na RMB” (BARBOSA,
2003, p. 14).
Levando-se em consideração a relação da distribuição espacial da renda e das condições
de habitação no atual processo de estruturação urbana de Belém tem-se uma concentração dos
estratos mais elevados de renda nos bairros do Comércio, Reduto, Nazaré e Batista Campos
e o lazer crescem progressivamente. Também são consideráveis a produção de hortifrutigranjeiros, de açaí e a
indústria de móveis.”
212
(tradicionalmente os bairros mais equipados em termos de infra-estrutura urbana), além de
partes significativas dos bairros da Cidade Velha, Umarizal e Marco. Os setores de renda
média (intermediária) tendem a localizar-se no eixo da rodovia Augusto Montenegro e os
setores de menor renda residem, em geral, nas áreas de baixadas, na periferia continental
mais distante do centro (Icoaraci) e na periferia insular (Outeiro, Mosqueiro e Cotijuba)
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001a).
De acordo com a Prefeitura de Belém (2001b), as baixadas configuram-se como as áreas
urbanas de ocupação mais densa, com moradores na faixa de menor renda per capita, elevados
contingentes populacionais, sendo os locais de maiores problemas e carências urbanas. Em
geral, nas áreas de baixadas, as moradias têm uma dimensão física mínima e são ocupadas por
famílias numerosas ou até mesmo por mais de uma família.
Tendo em conta a situação do terreno que é alagado/alagável, o acesso dos moradores
tanto internamente quanto em relação às ruas pavimentadas é feito através das estivas, uma
espécie de ponte de madeira que contribui para definir um padrão horizontal de ocupação dos
terrenos (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c). É comum na história de Belém a
atuação dos próprios moradores no sentido de aterrar as áreas alagadas, substituindo
gradativamente as estivas por ruas aterradas, o que não diminui os problemas infra-estruturais.
Ressalte-se ainda que a maioria dos domicílios construídos nas áreas de baixadas são
considerados como palafitas
222
. São construídos em madeira, normalmente com um ou dois
cômodos em um único pavimento. “Em alguns casos, quando possuem maiores dimensões, as
casas funcionam à semelhança dos cortiços, com vários cômodos acessados através de uma
estiva, tendo, geralmente, como espaço de uso comum um único banheiro” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001a, p. 112). Por outro lado, uma precariedade nas
condições infra-estruturais dessas áreas. O consumo da água é proveniente de torneiras
222
Habitação sobre ou à margem de rios sustentada por estacas.
213
públicas ou dos igarapés; a energia elétrica é adquirida por meio clandestino (os chamados
“gatos”); inexiste esgotamento sanitário, o que leva os moradores a lançarem os resíduos
diretamente no alagado, resultando em uma drástica poluição ambiental. As condições
sanitárias são bastante precárias com um número muito baixo de banheiros por domicílio.
Essa situação tem sido agravada no município de Belém. Recentemente o jornal “O
Estado de São Paulo” informou, com base em pesquisa do IBGE, que em uma década (a de
90, do século XX) o número de moradores residentes em favelas nas capitais brasileiras
cresceu em torno de 39%. Belém, onde o crescimento foi equivalente a 84%, lidera, segundo a
pesquisa, o ranking das capitais brasileiras com a maior parcela da população habitando em
favelas: aproximadamente 35% dos moradores residem em condições inadequadas
(“aglomerados subnormais”) (POPULAÇÃO, 2006).
O quadro habitacional da cidade de Belém caracterizado pela ausência de políticas
públicas e pela precariedade das condições de moradia especialmente das áreas de baixadas
– provocou umarie de reivindicações dos movimentos sociais em torno do direito de morar,
particularmente, a partir dos anos 70. A remissão, ainda que breve, a esse assunto faz-se
importante à medida que a formatação desses movimentos por melhorias urbanas contribuiu,
em parte, com o fortalecimento da frente de esquerda que viria a ascender ao poder público
municipal em 1996, cujo projeto político refletia, àquele momento, as aspirações de diversos
setores da sociedade por mudanças político-sociais na cidade.
4.2 LUTAS POLÍTICAS EM TORNO DOS PROBLEMAS URBANOS EM BELÉM
A cidade de Belém tem uma tradição em sua história no que se refere às reivindicações
por melhorias urbanas (habitação, educação e saneamento). Muitas lideranças que chegaram
a ocupar cargos importantes na gestão do Partido dos Trabalhadores tiveram sua formação
214
política ainda no período militar, quando as lutas urbanas circunscreviam-se em torno das
associações de moradores e centros comunitários em diversos bairros de Belém.
Levando-se em consideração o cenário habitacional, configurado pela quase
inexistência de políticas públicas destinadas à classe trabalhadora
223
e pelos problemas
urbanos decorrentes da ocupação das áreas de baixadas, sobretudo os de infra-estrutura,
verifica-se a partir dos anos 70 (século XX), no período do regime militar (com o governador
Alacid Nunes) uma série conflitos de terra aliados às reivindicações por melhorias urbanas
das áreas de baixadas.
Nesse contexto, tem significativa importância a organização de centros e associações de
moradores surgidos em diversos bairros de Belém que discutiam as demandas a serem
reivindicadas ao Estado. Tem destaque também o apoio das Comunidades Eclesiais de Base
(CEB) e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), que
realizavam um trabalho de assessoria às entidades comunitárias no âmbito das lutas urbanas.
Também é importante registrar a criação, em 1977, da Sociedade Paraense em Defesa
dos Direitos Humanos (SPDDH) que atuava na defesa jurídica das pessoas envolvidas nos
conflitos de terra, sobretudo diante da ão repressiva do regime militar. Essa entidade, tendo
em vista a necessidade de articulação dos diversos setores que se identificavam com a luta
223
Existe no Brasil uma vasta literatura sobre a problemática da habitação e sua relação com as transformações
na política habitacional brasileira com rebatimento nos municípios. Para efeito desta tese não será feito um
estudo particular da política habitacional em nosso país. Dentre os estudos empreendidos acerca desse assunto,
tem destaque: GONÇALVES, Flora (org.) O novo Brasil urbano. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995;
MARICATO, Ermínia (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial. São Paulo:
Omega, 1982; MARICATO, Ermínia. Habitação e as políticas fundiária, urbana e ambiental: diagnóstico e
recomendações. Rio de Janeiro, II Seminário Nacional preparatório para o Habitat II, 1995; MARICATO,
Ermínia. Diagnóstico da situação social brasileira. FASE, [s.l.], fev. 1996. mimeo; RIBEIRO, Luis Cezar de
Queiroz; SANTOS JÚNIOR, Orlando A. dos. (orgs.). Globalização, fragmentação e reforma urbana: o futuro
das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994; RIBEIRO, Luiz Cezar de Queiroz;
AZEVEDO, Sergio de. A crise da moradia nas grandes cidades: da questão da habitação à reforma urbana.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996; SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Política habitacional brasileira: verso e
reverso. São Paulo: Cortez Editora, 1989. Deve-se registrar que entre os fins dos anos 70 e início dos anos 80 o
governo do estado do Pará, através da Companhia de Habitação do Estado do Pará (COHAB) produziu 8.129
unidades habitacionais (equivalente a seis conjuntos habitacionais) no âmbito da Grande Belém (Belém e
Ananindeua) (ALVES, 1997). Entretanto, seguindo as tendências verificadas em todo o país, a faixa salarial do
público atendido pela política habitacional nesse período (1979/1982) esteve acima de 1 a 3 salários mínimos,
para quem as unidades deveriam ser destinadas, o que, evidentemente, provocou um déficit de habitação,
sobretudo para as frações da classe trabalhadora (SANTANA, 1994).
215
pela moradia, em Belém, convocou uma assembléia, em 1978, que reuniu grande parte dos
centros e associações de moradores envolvidos com os conflitos de terra. Dessa reunião,
resultou a formação de uma entidade que viria a ganhar força política nos anos 80, a saber, a
Comissão de Bairros de Belém (CBB), a qual aglutinava o conjunto das reivindicações dos
diversos bairros da cidade, particularmente as vinculadas à moradia, saneamento e educação.
Diante do forte aparato repressivo do Governo do Estado, que reprimia as manifestações
populares através do uso da força policial, os movimentos utilizavam como instrumentos de
luta as passeatas, os abaixo-assinados, as campanhas por moradia e tinham como uma das
principais bandeiras, a permanência na terra (SANTANA, 1994).
Na primeira metade da década de 80, as reivindicações no âmbito urbano continuam,
porém com características diferenciadas do final dos anos 70. O processo de abertura
democrática evidenciada em nível nacional e a ascensão ao governo estadual do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) na pessoa do então governador, Jader Barbalho,
que àquela época, representava os anseios de mudança da sociedade brasileira, face aos anos
de repressão do regime militar, passam a formatar uma relação em que os movimentos sociais
buscam negociar com o Estado, principalmente, a desapropriação das terras ocupadas em
favor dos moradores
224
.
224
Vale registrar que durante o governo Jader Barbalho (1983/1986), o número de unidades habitacionais
construídas pela Companhia de Habitação reduz-se drasticamente: enquanto no governo anterior foram
produzidas 8.129, no governo Jader esse número passa 1.999 unidades (Belém e Ananindeua). Esses números,
decerto, refletem a crise do Sistema Financeiro de Habitação que ganhou visibilidade nos anos 80 e que
culminou com a extinção do Banco Nacional de Habitação em 1986. O governo Jader Barbalho inaugura uma
nova relação com os movimentos sociais em Belém. Tendo o tema da moradia como base de legitimidade
política, esse governo criou vínculos de diálogo com as lideranças dos movimentos populares (que muitos
autores denominam de “cooptação de lideranças”), criando dentro do aparato estatal um órgão denominado
“assessoria comunitária”, onde o governo visitava os bairros no sentido de “levantar demandas” referentes aos
problemas urbanos diretamente nos centros comunitários, esvaziando, de certa forma, o poder político das
entidades federativas (como é o caso da Comissão de Bairros de Belém). A atuação desse governo voltou-se para
a desapropriação dos terrenos ocupados, bem como para a infra-estruturação das áreas de ocupação gua,
energia, asfaltamento, esgoto sanitário). Foram desapropriadas, nesse governo, 3.445 áreas de ocupação, a
maioria delas situadas no município de Ananindeua. O tratamento dispensado por esse governo em uma área de
ocupação denominada “Jaderlândia” é emblemático para apreender como o Governo Estadual, nesse período,
formou as bases de legitimidade através da moradia (sobre esse assunto, Cf. Borges, 1992). Nesse sentido, as
reivindicações dos movimentos populares o substancialmente modificadas em relação ao período anterior.
Conforme afirmamos em outro lugar: Concomitante à abertura do governo em relação à moradia, ocorre,
216
A atuação dos movimentos populares face às demandas por moradia na segunda metade
da década de 80 foi caracterizada, basicamente, por reivindicações em torno da
desapropriação e titulação das terras ocupadas. Contudo, houve nesse período certo
arrefecimento das lutas urbanas, herança da desarticulação política gerada pela relação com o
governo anterior (governo Jader Barbalho)
225
.
As expectativas criadas em torno da administração municipal resultantes do texto
constitucional de 1988 - que explicitava as responsabilidades do município quanto à política
urbana, dentre outros aspectos, quanto ao ordenamento territorial, ao planejamento e o
controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, aliado à ampliação da autonomia
financeira e política dos municípios (SANTOS JÚNIOR, 1995) acabaram por estimular o
debate, ao nível de Belém, sobre a política urbana no âmbito municipal. Além disso, as
reivindicações do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, e em particular, a agenda da
reforma urbana (item 3.1) animaram as entidades vinculadas aos movimentos sociais urbanos
a debater uma plataforma de política urbana local.
É assim que foi criado, em 1992, o Fórum Metropolitano de Reforma Urbana (FMRU),
o qual reunia diversas entidades que possuíam afinidades com as reivindicações dos
movimentos urbanos por moradia e saneamento
226
. As primeiras reuniões do Fórum voltaram-
também, uma mudança na própria ação da população. Não se mais as grandes passeatas pelo direito de morar
que confrontava a população e policiais, observadas no governo anterior. Fala-se agora em negociação, em
audiência, em formação de comissões para denunciar ao poder público a ação de despejo sofrida a mando de
proprietários particulares ou a mando do próprio Estado. As passeatas ocorridas tinham um objetivo maior que
era a desapropriação das terras” (SANTANA, 1994, p. 21).
225
Entre os anos de 1987 e 1990, o Governo do Estado esteve sob a responsabilidade de Hélio Gueiros, o qual
deu pouca ênfase à problemática da habitação e foi comparado ao governo Alacid Nunes por ter dispensado um
trato repressivo em algumas ocupações de terra ocorridas nesse período. Mesmo assim, os representantes dos
movimentos sociais buscavam abrir canais de negociação com esse governo tendo em vista as reivindicações por
desapropriação e titulação das terras ocupadas (SANTANA, 1994). Note-se que, em relação ao período de
governo anterior (1983/1986) há, no governo Gueiros, um decréscimo no mero de construção de unidades
habitacionais: de 1.999 para 1966 unidades e também uma diminuição no número de desapropriações de terra: de
3.445 para 1.100 áreas desapropriadas (ALVES, 1997).
226
Participavam das reuniões do Fórum Metropolitano as seguintes entidades, partidos, organizações não-
governamentais, sindicato e igreja: Pró-Central dos Movimentos Populares, Comissão dos Bairros de Belém
(CBB), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE/Amazônia), Centro de Estudos e
Pesquisa Popular (Cepepo), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Pará (ADUFPA), Conselhos
Comunitários do Guamá, Jurunas e Cremação, Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido dos Trabalhadores
217
se a discutir o projeto de Macrodrenagem da Bacia do UNA
227
, que a essa época estava sendo
elaborado pelo Governo do Estado (com a participação da Prefeitura Municipal de Belém).
Posteriormente as questões foram ampliadas em torno do Projeto de Lei do Plano Diretor
Urbano de Belém. Os documentos iniciais produzidos pelo FMRU apontavam para os
seguintes objetivos:
Lutar pela aprovação do ante-projeto de Lei do Plano Diretor de Belém, nos
aspectos que favorecem a população mais pobre da cidade;
Lutar pelo acesso às informações contidas nos projetos de macro e microdrenagem
do poder público, conforme o que determina as constituições federal e estadual e a
Lei Orgânica do Município;
Lutar pela gestão democrática do espaço urbano;
Propor alternativas ao processo de ocupação urbana, que atenda aos interesses da
população (SANTANA, 1994, p. 54)
228
.
(PT), Núcleo de Meio Ambiente da UFPA (NUMA), Curso de Serviço Social da UFPA, Associação de
Moradores do Conjunto Pedro Teixeira, Partido Socialista Brasileiro (PSB), Sindicato dos Médicos, Federação
Metropolitana de Centros e Associações de Moradores (Femecam), Movimento de Urbanização Popular (MUP),
Igreja Anglicana, Movimento pela Titulação e Urbanização da área do Tucunduba (MOTUAT), Associação dos
Moradores do Benguí (AMOB) (Santana, 1994).
227
O Projeto de Macrodrenagem da bacia do Una tinha por objetivo a drenagem, retificação e revestimento de
canais, que faziam parte dessa bacia hidrográfica (a maior de Belém), incluindo nove bairros (Umarizal, Souza,
Fátima, Marco, Telégrafo, Pedreira, Sacramenta, Marambaia e Benguí). Na sua concepção, o projeto pretendia
atingir uma área de 3.664 hectares, destes 798 alagadas e/ou alagáveis. A população total da área é estimada em
torno de 543 mil pessoas. O referido projeto pode ser considerado uma antiga bandeira de luta dos movimentos
sociais de Belém pela melhoria das condições de vida dos moradores das baixadas. Foi aprovado em 1991 pelo
Governo do Estado, sendo inicialmente coordenado pela Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa). Em
1992, mediante um convênio com o Governo Estadual, a Prefeitura Municipal de Belém passou a fazer parte do
projeto, através da Secretaria de Saneamento (Sesan). Contou com recursos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
228
Importante também registrar que o Fórum Metropolitano ganhou força à medida que em nível estadual, a
partir dos anos 90, a formulação e execução das políticas de habitação tradicionalmente implementadas pela
Companhia de Habitação foram praticamente esvaziadas, levando-se em consideração o arranjo político
constitucional que diminuiu a responsabilidade dos governos estaduais na provisão de tais políticas. Segundo a
Cohab, havia uma estimativa de déficit habitacional na RMB (Belém e Ananindeua) para os primeiros cinco
anos da década de 90 (em relação à população na faixa salarial até 5 salários mínimos) de 160.063 unidades
habitacionais. Desse total, 156.537 encontrava-se em Belém e 3.526 em Ananindeua. Registre-se, ainda, que a
partir entre 1991 e 1993, o Governo do Estado foi administrado novamente por Jader Barbalho, que se afastou do
cargo em 1994 em função de sua candidatura ao Senado da República. Levando-se em consideração que a base
de legitimidade política do governo Jader Barbalho era a intervenção urbanística em áreas de ocupações de terra,
durante o seu segundo mandato a Cohab/PA passou a “reorganizar e regularizar lotes [...] [ocupados],
desapropriar áreas e implantar infra-estrutura básica e equipamentos coletivos de áreas de [...] [ocupação]”
(ALVES, 1997, p. 69). Por outro lado, o número de ocupações de terra foi crescente nesse período,
contabilizando, em 1995, um total de 190 áreas ocupadas em Belém e Ananindeua. A título de informação, vale
dizer que a autora dessa tese realizou (na dissertação de mestrado) estudo sobre a relação entre as ocupações de
terra e a atuação do Governo do Estado (através da Companhia de Habitação do Estado do Pará) na primeira
metade dos anos 90, demonstrando como essa Companhia reorientou seus objetivos em função da intervenção
nas áreas de ocupação. A dissertação tomou por estudo uma área denominada PAAR (Pará, Acre, Amazonas e
Rondônia) para demonstrar como houve um fantástico envolvimento do Governo do Estado face à busca de
legitimidade (aproveitamento político-eleitoral) através das ocupações de terra (ALVES, 1997).
218
Dentre as atividades do Fórum têm destaque as discussões em torno do projeto de lei do
Plano Diretor de Belém que seria votado na Câmara Municipal em 1992. O Fórum organizou
uma série de encontros nos bairros (audiências públicas) onde se apresentava aos moradores o
conteúdo do referido Projeto para que pudessem conhecer e sugerir propostas ao texto. Outra
atividade importante efetivada pelo Fórum Metropolitano diz respeito ao seminário
denominado Debate sobre o Plano Diretor urbano de Belém”, com a participação do
professor Cândido Malta (em janeiro de 1992), onde foram feitos vários encontros para
estudar e debater sobre esse Plano
229
.
Importa sinalizar que os debates e as atividades realizadas pelo Fórum Metropolitano de
Reforma Urbana estavam articulados às reivindicações do Movimento Nacional de Luta pela
Moradia (MNLM) e do Movimento Nacional pela Reforma Urbana e giravam em torno do
tema da gestão democrática da cidade, baseada no ideário da reforma urbana.
As experiências organizativas em Belém que vinham sendo construídas desde os anos
70 face às reivindicações por habitação e saneamento, culminando nos anos 90 com as
expectativas criadas em torno das administrações municipais, em vista do processo de gestão
democrática, por certo acumularam força política permitindo que diversos setores da
sociedade se arregimentassem no sentido de contribuir para a vitória eleitoral de uma frente
de esquerda, em 1996.
229
A autora dessa tese participou do FMRU na condição de estudante de graduação do curso de Serviço Social
da Universidade Federal do Pará (estágio curricular obrigatório). Nesse período (1992), havia nesse curso um
campo de estágio denominado Movimento Popular Urbano (MPU) que prestava assessoria aos movimentos
sociais da área urbana.
219
4.3 A ASCENSÃO DO “GOVERNO POPULAR DEMOCRÁTICO” À PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM: O PROJETO POLÍTICO PARA A GESTÃO DA CIDADE COM
BASE NA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
O ano de 1996 marcou a história política de Belém no que refere à formulação de um
projeto político para a cidade envolto nas utopias que se vinculam à tradição da esquerda.
Apostando nas possibilidades abertas em nível nacional com a redemocratização brasileira e
em nível local com os debates acumulados sobre a gestão democrática da cidade, alicerçados,
dentre outros, pelas propostas da Reforma Urbana, diversos setores da sociedade aglutinaram-
se em torno da elaboração do Programa de Governo da Frente Belém Popular, documento
basilar da frente de esquerda formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista
do Brasil (PCdoB), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU) e Partido Comunista Brasileiro (PCB). Além da elaboração do Plano,
aqueles setores arregimentaram forças no sentido de se mobilizar para a campanha eleitoral
que culminou com a vitória do arquiteto e professor Edmilson Brito Rodrigues (do PT) ao
Executivo municipal.
O processo de construção do Programa de Governo foi iniciado com a realização de
uma assembléia popular que discutiu sobre a metodologia de elaboração do referido
documento, bem como definiu os princípios programáticos que deveriam embasar a
administração da Frente Belém Popular. Posteriormente, efetivaram-se encontros com vistas à
discussão e formatação do Programa, os quais foram organizados por comissões temáticas
através de conferências, seminários, oficinas de trabalho e debates onde participaram diversos
intelectuais, militantes e entidades associativas (PROGRAMA DE GOVERNO, 1996).
O Plano de Governo elaborado para subsidiar a eleição de 1996 posicionava-se
criticamente em relação às práticas tradicionais baseadas no patrimonialismo e no
paternalismo, culturalmente construídas ao longo da história política da cidade. Em
220
contraponto, apontava naquele momento, que a administração municipal teria como alicerce a
democratização da esfera pública e estaria centrada na participação popular, elemento
fundamental para a construção da democracia e da cidadania. Assim,
[...] o Programa de Governo da Frente Belém Popular está fundamentado na
democratização da gestão pública e propõe um projeto de sociedade onde a
democracia assuma valor estratégico, um projeto que visa redefinir a relação entre o
poder público e a população, inverter prioridades e criar uma nova identidade social
no município, assim como uma nova cultura política. O governo municipal será
centrado na participação da população na gestão pública, prática que significaria
uma mudança extremamente substancial em Belém, onde o poder é oligarquizado e
o espaço público privatizado, através do patrimonialismo e do paternalismo,
mecanismos de poder que se complementam no sentido de impor controle sobre
pessoas e populações (PROGRAMA DE GOVERNO, 1996, p. 04).
O referido documento sinalizava os princípios programáticos que deveriam nortear a
elaboração e a implementação das políticas setoriais do governo, a saber: participação
popular, transformação da cultura política local, democratização do Estado e inversão de
prioridades.
No referente aos princípios programáticos, o Programa de Governo destaca a
participação popular como essencial para a construção do processo de inversão de
prioridades, indicando o orçamento participativo (OP) marca das administrações petistas
como um meio de participação direta da sociedade nas decisões das políticas públicas.
Procurando articular os mecanismos de democracia direta (o OP) com os de democracia
representativa (fortalecimento do poder Legislativo), o Programa afirma que a administração
da Frente Belém Popular deverá afirmar a “democracia como valor central e estratégico para a
reversão de prioridades” (PROGRAMA DE GOVERNO, 1996, p. 11). Para tanto, o
documento sintetiza que a participação popular se constituiria em uma marca de governo e o
instrumento fundamental para modificar a cultura política local, que seria transformada pela
vivência da democracia participativa.
Com um discurso contrário às proposições neoliberais, o Programa de Governo
posicionava-se em favor da ampliação da capacidade de planejamento do setor público e da
221
melhoria da eficiência da ão estatal, incluindo a formação de canais de controle social da
estrutura administrativa do município. Além disso, o Programa propunha-se a inverter
prioridades no sentido de formular políticas que o se voltassem apenas para as frações de
classe dominante da cidade, mas, especialmente para os segmentos da classe trabalhadora
230
.
Com a vitória eleitoral de 1996, o governo da Frente Belém Popular passou, a partir de 1997,
à elaboração dos documentos concernentes ao planejamento das políticas públicas tendo por
base os princípios programáticos definidos no Programa de Governo.
4.3.1 A formatação do projeto político: a concepção do modelo e metodologia de
planejamento e execução de políticas municipais no primeiro mandato
O projeto de gestão para a cidade de Belém, implementado a partir de 1997 pela
Prefeitura Municipal, foi elaborado com base no Planejamento Estratégico e contou com o
apoio de consultoria especializada no assunto. Nesse aspecto, tendo como premissa os
objetivos, metas de desenvolvimento e de ação estabelecidos no Plano de Governo, foram
definidas as Marcas de Governo” que seriam objetivos macros (diretrizes) articulados a
ações complementares e associadas. São essas as marcas: Dar um futuro às crianças e aos
adolescentes, Saúde para todos, Sanear Belém, Revitalizar Belém, Transporte humano,
Participação popular
231
. Por outro lado, essas marcas deveriam articular-se aos seguintes
eixos estratégicos: Desenvolvimento econômico, Inclusão social, Identidade cultural, Gestão
democrática e participativa, Meio ambiente e urbanidade (MARTINS, 2000). Em termos
230
Diz o documento: “Inverter prioridades significa por em prática um projeto de desenvolvimento que assuma a
questão social como o principal desafio de governo. Operando uma ruptura com padrões de governo que
privilegiam as elites locais, a ênfase passa a ser o atendimento das parcelas mais carentes da população. A
prioridade deste projeto de desenvolvimento é a melhoria da qualidade de vida destas parcelas mais carentes”
(PROGRAMA DE GOVERNO, 1996, p. 13).
231
Posteriormente foi incluída a marca Valorizar o servidor público.
222
administrativos a responsabilidade pelo planejamento e execução dessas marcas foi
distribuída por órgãos municipais de forma intersetorial
232
.
As marcas elencadas refletiam, na acepção da Prefeitura, um modelo de planejamento
desenhado com base na intersetorialidade das políticas, onde estas deveriam ser
complementares e integradas, rompendo com as formas tradicionais (departamentalizadas e
segmentadas) de definição e execução das políticas públicas (MARTINS, 2000)
233
. De acordo
com os documentos governamentais:
As Marcas de Governo, ao traduzirem a utopia do Governo do Povo de uma
sociedade justa, articulam elementos da vida cotidiana da cidade. Fica excluída uma
estrutura de funcionamento distanciada da vida da rua, do bairro, enfim da cidade,
bem como uma hierarquia entre as políticas. Os diversos órgãos interagem de forma
orgânica a partir da identificação de interfaces que levam, muitas vezes, um
determinado órgão a fazer parte de uma Marca (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2001, p. 15).
232
Na primeira gestão as marcas/diretrizes foram atribuídas aos seguintes órgãos, respectivamente: 1) Dar um
futuro às crianças e aos adolescentes: Fundação Papa João XXIII (Funpapa), Secretaria Municipal de Educação
(Semec), Fundação Municipal de Assistência do Estudante (FMAE), Fundação Cultural do Município de Belém
(Fumbel), Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque (Funbosque) e
Administrações Regionais (AR); 2) Saúde para todos: Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), Secretaria
Municipal de Saneamento (Sesan), Instituto de Previdência do Município de Belém (IPMB), Serviço Autônomo
de Água e Esgoto de Belém (SAAEB), Fundação Áreas Verdes de Belém (Funverde), Secretaria Municipal de
Administração (Semad); 3) Sanear Belém: Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), Serviço Autônomo de
Água e Esgoto de Belém (SAAEB), Administrações Regionais (AR); 4) Revitalizar Belém: Secretaria Municipal
de Urbanismo (Seurb), Secretaria Municipal de Economia (Secon), Fundação Cultural do Município de Belém
(Fumbel), Fundação Áreas Verdes de Belém (Funverde), Companhia de Turismo de Belém (Belemtur),
Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e
Gestão (Segep), Administrações Regionais (AR); 5) Transporte humano: Companhia de Transportes de Belém
(CTBEL), Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb), Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan),
Administrações Regionais (AR) (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997b). A marca Participação
popular foi desenvolvida sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento
e Gestão (Segep), Coordenadoria de Relações com a Comunidade (CRC) e Administrações Regionais.
Importante registrar que, seguindo a definição da Lei Municipal 7.682 de 05 de janeiro de 1994, a cidade foi
dividida em oito distritos administrativos: Distrito Administrativo de Mosqueiro (Damos), de Outeiro (Daout),
de Icoaraci (Daico), do Benguí (Daben), do Entroncamento (Daent), da Sacramenta (Dasac), de Belém (Dabel)
do Guamá (Dagua) (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001a).
233
Segundo os documentos governamentais, a definição das marcas seguiu a dois critérios: a integração setorial
dos órgãos, isto é, a articulação institucional das políticas em torno das demandas sociais e a priorização da
problemática a ser enfrentada face às carências e às características históricas mais relevantes da cidade. Desta
forma, cada marca agrega a seguinte política, respectivamente: 1) Revitalizar Belém: aspectos urbanísticos,
culturais, econômicos e ambientais; 2) Sanear Belém: política de saneamento, incluindo limpeza pública,
drenagem, pavimentação e abastecimento de água; 3) Dar um futuro às crianças e aos adolescentes: educação,
esporte, lazer, cultura, saúde, geração de renda para os pais; 4) Saúde para todos: valorização e manutenção da
saúde com enfoque preventivo; 5) Transporte humano: preservação da vida, segurança, humanização do
transporte e do trânsito; 6) Participação popular: construção do poder popular, cidade constituída por cidadãos
que decidem e exercem o controle sobre as políticas públicas; 7) Valorização do servidor: reconhecimento do
servidor como pessoa importante no desenvolvimento das políticas (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
2001).
223
O documento “Plano Plurianual 1998/2001”, elaborado pela Prefeitura para o primeiro
mandato, indicava a concepção do modelo de gestão orientador das políticas do governo.
Afirma que a adoção do Planejamento Estratégico Situacional tornou-se fundamental para a
percepção e reflexão sistemática dos problemas principais da cidade que deveriam ser
enfrentados mediante a articulação dos diversos órgãos públicos municipais e cujas ações,
objetivos e metas teriam por base o princípio da participação popular
234
. Segundo o referido
documento os objetivos a serem alcançados no âmbito do planejamento e gestão seriam:
- Impulsionar a prática do planejamento estratégico situacional, promovendo
continuamente a articulação e integração entre os órgãos na definição de suas ações,
priorizando os problemas sociais no momento de planejar;
- Consolidar os instrumentos de gestão democrática previstos no Plano Diretor
Urbano de Belém;
- Qualificar as decisões governamentais; fornecer subsídios à formulação das
políticas públicas; otimizar os recursos disponíveis;
- Consolidar uma gestão democrática e popular, fortalecendo a participação do povo
na gestão pública, democratizando os espaços de decisão e de formulação de
políticas na administração municipal;
- Estimular a população a fortalecer sua identidade com o espaço urbano que
constrói; promover a formação político-social de lideranças comunitárias; criar
mecanismos de informação, consulta, reclamação e avaliação da administração
pública municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997b, p. 61-62,
grifo meu).
Seguindo a tradição das administrações petistas, o Governo Municipal adotou, no
primeiro mandato, o orçamento participativo como metodologia de planejamento e tomada de
decisões políticas. Para Martins (2000), o orçamento participativo representou, no interior
dessa administração, uma forma de democratização no governo. O Plano Plurianual
1998/2001” referia-se a essa forma de planejamento da seguinte maneira:
O Orçamento Participativo, pelo seu caráter fortemente mobilizador, destaca-se
enquanto espaço privilegiado de discussão sobre planos e políticas governamentais,
e também, de decisão sobre o Orçamento Público Municipal. Esse fórum é um
instrumento estratégico para encaminhar o processo de inversão de prioridades, uma
das diretrizes de Governo, porque permite ao povo decidir diretamente onde e como
serão realizados os investimentos públicos. Essa forma de diálogo permanente com
234
Diz o documento: “O resultado da atuação desse planejamento [...] partiu da análise integrada e participativa
dos órgãos e da sociedade que apontaram [...] os desafios e a visão que se quer ter da nossa cidade, construída
através de informações de ordem diferenciada tais como a disponibilidade financeira e a possibilidade de
envolvimento da sociedade [...] nos projetos de governo, para que as ações propostas sejam efetivamente
realizadas” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997b, p. 01).
224
o povo, através do fórum de delegados e do Conselho do Orçamento Participativo,
cria um forte instrumento de democratização e de transparência da gestão pública,
pois permite ao cidadão fiscalizar e acompanhar as ações de governo. A participação
popular deve nortear todas as ações dos órgãos governamentais do município
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997b, p. 08, grifo meu).
Em relação ao projeto político do primeiro mandato no que toca ao planejamento para a
cidade, pode-se observar que o modelo de gestão orientador de todas as ações do governo
pressupunha o princípio da participação popular. Nesse sentido, Martins (2000, p. 75) afirma
que:
[...] os princípios do Planejamento Estratégico foram aplicados e desenvolvidos com
importante reinterpretação: a inclusão da população no monitoramento. [...] se
governar é tomar decisões, incluir a população nessa tarefa é efetivamente
democratizar o governo. A estrutura de decisão incorpora esse parceiro ou agente
nos procedimentos administrativos. Assim, não se trata de ‘ouvir’ a população, mas
de incorporá-la no processo de decisão e gerenciamento (MARTINS, 2000, p. 74,
grifo meu).
Martins (2000) demonstra - quanto ao primeiro mandato que o plano de governo
incorporava técnicas gerenciais no processo de planejamento estratégico tendo por base uma
concepção participativa. Assim, o desenho do modelo de gestão procurava articular
determinados instrumentos de gerenciamento e monitoramento da gestão pública com a
atuação política dos moradores da cidade na formulação e avaliação das políticas públicas.
4.3.2 O segundo mandato e o aprimoramento da concepção do modelo e metodologia de
planejamento e execução de políticas municipais
Com a proximidade das eleições municipais formou-se, no ano 2000, uma coligação
partidária (denominada “Frente Belém Popular”) composta pelo Partido dos Trabalhadores,
Partido Socialista Brasileiro, Partido Comunista do Brasil e Partido Popular Socialista, com
vistas a disputar a eleição municipal, na qual o Prefeito Edmilson Rodrigues candidatou-se à
reeleição.
225
O programa de governo elaborado como subsídio à campanha e intitulado “O próximo
passo: qualidade de vida por uma Belém criança. Diretrizes programáticas da Frente Belém
Popular, 2001/2004” resultou, segundo o documento, do debate de diversos setores (governo,
setores sociais organizados e contribuições individuais) efetivado em plenárias setoriais e
sistematizados por Grupos de Trabalho Temáticos. A perspectiva do referido programa era a
garantia da continuidade do projeto político desenhado no primeiro mandato, bem como a
proposição de avanços que se revertessem em melhorias para a cidade. Note-se que tal como
o programa de governo elaborado para a primeira gestão, este continua a indicar os processos
participativos em vista da construção da democracia e da cidadania. Vejamos:
A Frente Belém Popular [...] considera este programa, uma utopia possível [...].
Deve ser observado como um nexo processual, contendo os avanços que a
experiência de governar a maior e mais importante cidade da Amazônia nos faculta e
projetando os movimentos na direção desse sonho, onde a democracia seja
radicalizada, a cidadania universalizada e a sustentabilidade democrática seja
alcançada.
Este programa é uma sistematização que consolida um processo socialmente
construído. Um produto cujos insumos m da imensa Participação Popular que
desde o primeiro momento marca a diferença do jeito e do modo de governar Belém
que se iniciou em 1997. As plenárias do Orçamento Participativo, as Conferências
Setoriais, os Fóruns, Colóquios, Oficinas, enfim, o rico acervo que consubstancia
este Programa para o II mandato popular, é a PARTICIPAÇÃO [...] (PROGRAMA
DE GOVERNO, 2000, p. 7, grifo do documento).
O referido Programa de Governo ao definir os princípios programáticos para o segundo
mandato retoma a idéia de radicalização da democracia (conforme tratado no item 3.2) ao
enfatizar que as atividades do governo estariam centradas na ampliação dos canais de
participação para o que haveria a necessidade de combinar elementos da democracia direta e
da democracia representativa (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000).
Por outro lado, o documento expressa as reflexões feitas no âmbito das esquerdas de
que o processo de democratização torna-se importante na formatação do projeto socialista
(item 3.2) ao mesmo tempo em que apresenta um discurso crítico em relação ao
neoliberalismo. A proposição de fundo do documento é a construção de um projeto de cidade
226
que, tomando por base o princípio da inversão de prioridades e tendo por objetivo a
universalização da cidadania, caminhe para a construção do socialismo. Diz o documento:
O Governo do Povo, ao aprofundar a experiência do povo na gestão de uma das
esferas do estado, ao contribuir no processo social de construção de um futuro mais
bonito, feliz, constitui-se num processo histórico que irriga e fertiliza o solo do
sonho, bem como a luta de construir esse sonho de desenvolvimento e felicidade
humana, o socialismo (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000, p. 25).
Tal como observado no capítulo anterior, é preciso evidenciar que, embora apareça com
clareza nos documentos governamentais, não se pode afirmar que a perspectiva socialista
tenha sido transversal ao corpo dirigente do governo. As tendências diferenciadas dentro do
Partido dos Trabalhadores e a composição do governo por uma frente com vários partidos (de
posições e tendências diferentes) não expressaram, hegemonicamente, aquela perspectiva. O
que se pode afirmar, a partir da pesquisa empreendida para fins da presente tese, é que os
documentos governamentais produzidos pela Prefeitura de Belém apontaram para um projeto
político de democratização referenciado no socialismo (a utopia socialista).
De acordo com o Programa de Governo os princípios programáticos que deveriam
nortear o projeto de gestão do segundo mandato seriam: a participação popular entendida
com princípio basilar das ões de governo; a inversão de prioridades para que todos os
moradores tenham acesso à cidade; o projeto político deve ter um caráter anti-neoliberal
pautado na defesa da soberania nacional; apoio aos movimentos e organizações populares;
construção de um projeto de desenvolvimento local; valorização da identidade cultural da
cidade; desenvolver políticas que se revertam em melhorias do serviço e do servidor público
e; facilitar o acesso à informação aos moradores da cidade em vista do estímulo à
participação, contribuindo com o planejamento da cidade.
O referido documento sinaliza o modelo e a metodologia de gestão para o segundo
mandato, os quais deveriam ser materializados nas discussões concernentes ao Congresso da
227
Cidade que seria um espaço ampliado de participação e aprimoramento dos mecanismos de
participação de gestão democrática evidenciados no primeiro mandato. Assim:
[...] o Congresso da Cidade possibilita a participação orientada por processos
organizativos que visam [...] planejar a cidade seja a partir das suas necessidades
imediatas, seja por via de projetos estruturais que articulados às intervenções mais
prementes, vão forjando um projeto para Belém que vem se realizando em cada
ação, em cada passo que o atual governo vem dando, e que vem construindo com a
sociedade a Belém do futuro no presente, sem que este futuro seja apenas a
reprodução do passado mas a constituição efetiva de novas relações, onde cada
cidadão se sentindo como um governante da cidade, decidindo o seu próprio
destino (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000, p. 27).
O Congresso da Cidade seria, na acepção do documento, a expressão de um novo
modelo de gestão e planejamento que continua a ter o princípio da participação popular
como seu principal vetor, o qual deve orientar as ações do governo de forma a permitir que os
moradores da cidade proponham soluções e fiscalizem o uso dos recursos públicos e a
qualidade dos serviços (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000)
235
.
Após uma acirrada disputa eleitoral com o também candidato a Prefeito de Belém,
Duciomar Costa
236
(do PTB), o então Prefeito Edmilson Rodrigues, do Partido dos
Trabalhadores, foi reeleito em 2000 para o quadriênio 2001/2004. No início de 2001, a
Prefeitura Municipal elaborou um denso documento
237
destinado à Câmara Municipal de
Belém relatando os trabalhos realizados na primeira gestão (1997/2000).
No documento em pauta, a Prefeitura avalia o sistema de planejamento do primeiro e
aponta a concepção de gestão norteadora do segundo mandato. Por esse motivo afirma que o
“Governo do povo” empenhou-se em romper com o planejamento tecnocrático possibilitando
235
O Programa de governo aponta que as instâncias e os mecanismos de gestão para o segundo mandato
deveriam ser: Conselho de Belém, Conselho da Criança, conselhos distritais, conferências municipais, fóruns e
conselhos setoriais, Ouvidoria Pública Municipal, Orçamento Participativo do Povo, Orçamento Participativo da
Juventude, Fortalecimento político-administrativo das administrações regionais, comissões de fiscalização e
controle social (Cofis), Fóruns de gestores distritais de equipamentos públicos municipais, Conselhos de
equipamentos públicos municipais, Comitês ambientais, Colegiado de gestores dos órgãos municipais
(PROGRAMA DE GOVERNO, 2000).
236
Na eleição seguinte (em 2004), Duciomar Costa (à época Senador da República) foi eleito Prefeito de Belém
tendo disputado a eleição com Ana Júlia Carepa (também Senadora) do Partido dos Trabalhadores.
237
Prefeitura Municipal de Belém. Mensagem 2001 e Relatório 1997-2000 do Prefeito à Câmara Municipal de
Belém, 2001.
228
a formação de espaços de decisão e controle social, construindo uma forma de governar o
circunscrita aos muros governamentais”. Isso porque, segundo a Prefeitura, “governar não é
prerrogativa apenas do governo, e o próprio governo deve ser entendido como um conjunto de
relações sociais internas às suas estruturas e com a parte da cidade que não se encontra nos
aparatos governamentais” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 10).
Assim, a concepção de gestão que se expressa na (auto)denominação de “Governo do
povo” significa a articulação entre o conhecimento técnico e o da população. Nessa medida, o
governo procura disponibilizar as informações técnicas da gestão, isto é, do funcionamento da
estrutura governamental aos moradores da cidade para que possam se apropriar daquele
conhecimento e tomar decisões acerca das políticas públicas. Essa forma de governar
compatibiliza, segundo o documento em tela, a participação popular com a elaboração de
diretrizes estratégicas que orientam as ações governamentais.
O relatório sinaliza que o segundo mandato deverá imprimir um processo de
continuidade da mudança, reafirmando o compromisso com a inversão de prioridades e com o
aprofundamento e consolidação da democracia e da participação popular, com o
aperfeiçoamento do orçamento participativo e a ampliação da participação dos moradores no
Congresso da Cidade
238
.
A proposta de Congresso da Cidade materializa a concepção de gestão para o segundo
período de governo. Este (o Congresso) seria uma ampliação das discussões sobre a cidade,
sendo um espaço de debates que deveria ir para além das decisões orçamentárias do
município. A idéia de Congresso da Cidade, em Belém, vinha sendo construída desde 1998
238
“[...] Governo do Povo significa que o povo deve se apropriar das estruturas governamentais, do seu
funcionamento e do papel que deve ter um governo na sociedade, que é o de criar condições para o exercício
pleno do poder popular. Um governo comprometido com transformação de valores, com a inversão de
prioridades na aplicação de políticas, enfim que governa com e para a maioria. E esse movimento foi se
traduzindo na própria forma de governar, no CONGRESSO DA CIDADE, como forma de fornecer conteúdos,
combinados entre si ao processo de participação, compatibilizando a participação com a formulação de diretrizes
estratégicas e mecanismos distintos de controle social; compatibilizando as diretrizes estratégicas com um
ordenamento político-territorial para as intervenções na cidade” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
2001, p. 10-11, grifo do documento).
229
pela Prefeitura. Entretanto, segundo o documento, na segunda gestão, é que efetivamente seria
desenvolvido esse tipo de planejamento sobre a cidade. Assim,
[...] o Congresso da Cidade se afirma como um processo, pois não é um evento com
data marcada para terminar, mas apresenta movimentos de sínteses, em que as
diversas contribuições se encontram e se reinstala progressivamente um novo
momento, cada vez mais amplo. Da mesma forma que se inserem nesse processo, os
mecanismos de controle social e de acompanhamento e fiscalização do serviço
público [...]
239
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 12).
No documento Plano Plurianual (2002/2005) a Prefeitura de Belém alinha, de forma
mais precisa, a proposta de gestão para o segundo mandato. Reafirma que o planejamento
governamental do período 1997/2000 foi norteado pelas Marcas de governo e respaldado pela
prática do orçamento participativo. Entretanto, no quadriênio seguinte o planejamento de
governo deveria ser fundamentado por Diretrizes estratégicas (em substituição às marcas)
que seriam debatidas e aprimoradas no âmbito do Congresso da Cidade. As diretrizes são:
Desenvolvimento urbanístico e ambiental, Desenvolvimento humano por uma economia
solidária, Desenvolvimento humano pela inclusão social, Gestão democrática e qualidade
social do serviço público, Desenvolvimento humano por uma cidadania cultural, Direitos
humanos, Desenvolvimento e gestão do poder Legislativo.
Quanto ao mecanismo de planejamento denominado Congresso da Cidade que expressa
o modelo de gestão do segundo mandato, o referido Plano Plurianual afirma que:
Nesse segundo mandato, iniciado em janeiro de 2001, o Governo do Povo continua
profundamente comprometido na construção do Poder Popular, reforçando,
aperfeiçoando e ampliando os canais de Participação, em um processo permanente
de Mobilização Social, Mudança Cultural, onde a vida da Cidade continua a ser
decidida pelo seu Povo. Neste contexto, o CONGRESSO DA CIDADE é mais um
passo na consolidação de um Modelo de gestão, democrático, participativo e com
controle social, onde os cidadãos de Belém dizem a cidade que querem viver e
construir. Assim, o CONGRESSO DA CIDADE significa um processo socialmente
construído e articulado com a Sociedade [...] organizada e o Cidadão em geral, que
proporciona reflexões críticas e propositivas que materializam o espaço de
Planejamento Participativo, garantindo as ações para as Políticas Públicas
239
O documento sinaliza que a partir de 2001 as instâncias de participação do Congresso da Cidade que dariam
suporte ao planejamento governamental seriam, dentre outros, o Congresso de Belém, o Conselho da Cidade, os
Congressos Distritais e Temáticos, as Assembléias de Micro-Regiões, os Conselhos Distritais e os Fóruns
Consultivos.
230
Municipais (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001d, p. 5, grifo meu em
negrito)
240
.
Essa engenharia institucional requer, segundo o Plano em questão, uma articulação
entre as instâncias administrativas responsáveis pelos diferentes setores de políticas, isto é,
exige a intersetorialidade na definição das políticas, a qual deve ser referenciada pela
participação popular
241
. Assim, o Congresso da Cidade
é orientado por alguns elementos centrais: afirmação da identidade cultural da
cidade; criação das condições para que esta assuma e se aproprie dela mesma de
forma autodeterminada; reconhecimento de suas particularidades e de suas
desigualdades; radicalização do Controle Social sobre os serviços públicos; e,
instauração do debate sobre o financiamento do Município. Esse processo se assenta
em uma articulação inter-setorial das políticas públicas consubstanciadas em eixos
temáticos que organizam e dirigem a dinâmica de Congresso (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p. 17).
Na introdução do livro “Congresso da Cidade. Construir o poder popular reinventando o
futuro” (RODRIGUES; NOVAES; ARAÚJO, 2002), o ex-Prefeito de Belém, Edmilson
Rodrigues, avalia que a experiência de planejamento impressa em Belém no primeiro
mandato baseada no orçamento participativo foi absolutamente válida, mas que seria
importante avançar na reflexão da cidade como totalidade em vista da formatação de novos
240
Os documentos governamentais referiam-se ao Congresso da Cidade da seguinte forma: “[...] O Congresso da
Cidade não é um evento ou mesmo uma instância de decisão, é um processo de mobilização social, de mudança
cultural, onde a vida da cidade passa a ser decidida pelo seu povo. Isto é, uma nova concepção de governo,
fundada na convicção de que o povo mobilizado e consciente, estruturado em organizações de base, pode
assumir diretamente, em primeira pessoa, o governo de sua cidade [...] Apesar de ser uma proposta apresentada
pelo Governo, o Congresso da Cidade o é governamental, é um espaço hegemonizado pelos sujeitos sociais
concretos interessados em transformar a cidade de Belém num espaço de resistência à lógica de exclusão social
vigente [...]” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 20).
241
Seguindo a proposta de intersetorialidade de políticas, o Plano Plurianual (2002/2005) demonstra que as
Diretrizes estratégicas devem agregar os seguintes Programas, respectivamente: 1) Desenvolvimento
urbanístico e ambiental (Transporte, saneamento, meio ambiente, Agenda 21, legislação): Desenvolvimento
urbano, meio ambiente - resultado das aspirações humanas, Transporte humano - segurança e mobilidade, Sanear
Belém - qualidade de vida com democratização e acesso, Assentamento Humano - habitação com dignidade; 2)
Desenvolvimento humano por uma economia Solidária (Economias formal e informal, turismo): Cidade das
oportunidades, Justiça fiscal - gestão tributária e fiscal; 3) Desenvolvimento humano pela inclusão social (Saúde,
assistência social, educação, esporte e lazer): Universalização dos direitos sociais, Escola Cabana - lugar de
criança e jovem é na escola, na família e na comunidade, Cidade Saudável; 4) Gestão democrática e qualidade
social do serviço blico (Servidor, controle social, informação, assistência ao servidor): Qualidade social do
serviço público, gestão democrática e controle social; 5) Desenvolvimento humano por uma cidadania cultural
(Cultura e comunicação): Belém - capital cultural da Amazônia, Comunicação democrática; 6) Direitos
humanos (Grupos sociais como: negros, mulheres, crianças, jovens, deficientes, índios e idosos): Direitos
humanos; 7) Desenvolvimento e gestão do poder Legislativo (Administração de pessoal, Processo legislativo,
Informatização e Construção da sede do poder Legislativo): Gestão do poder Legislativo qualificação para
melhoria do atendimento (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001d).
231
valores, na construção da democracia e de uma sociedade igualitária. Para tanto, o desenho do
modelo de gestão para o mandato seguinte colocava-se na perspectiva de um planejamento
urbano com participação popular, o qual deveria ser construído processualmente no
Congresso da Cidade. A fala do ex-Prefeito, ao referir-se ao segundo Programa de Governo,
sintetiza o modelo norteador de planejamento da cidade de Belém:
Nossa proposta falava em continuidade mas apresentávamos à sociedade um
conteúdo programático com muito mais clareza e radicalidade estratégica. Mais do
que mudar a cultura política local, desejávamos a realização do poder popular. De
acordo com essa concepção, a construção da cidade sustentável vincula-se ao
objetivo estratégico de construção do socialismo (RODRIGUES; NOVAES,
ARAÚJO, 2002, p. 08, grifo meu).
As anotações feitas até o presente demonstram que no período de 1997 a 2004, a
Prefeitura Municipal de Belém elegeu a temática da participação social como pressuposto
fundamental para orientar o desenho do projeto de gestão da cidade de Belém, bem como para
a tomada de determinadas decisões políticas. O recurso ao tema da participação é recorrente
nos documentos produzidos por essa administração: os programas de governo produzidos para
as campanhas eleitorais e os relatórios de atividades da primeira e segunda gestão têm os
processos participativos como base de sustentação política. Cabe destacar a noção de
participação social construída no âmbito desse projeto de gestão.
4.3.3 A noção de participação social inerente ao modelo democrático de gestão em Belém
O Plano Plurianual para o quadriênio 1998/2001 indica que as ações, os objetivos e as
metas da Prefeitura seriam orientados pelo princípio da participação popular, que representava
232
um mecanismo de interação entre governo e sociedade. O documento em tela referia-se à
participação da seguinte forma:
A Participação Popular no Governo do Povo se concretiza através dos diversos
fóruns de decisão abertos à comunidade. Nesses ‘espaços democráticos’, o povo
contribui para uma decisão política que busca a qualidade de vida e o bem-estar
social, construindo a democracia e a cidadania, numa parceria de co-gestão com o
Governo Municipal. Essa nova forma de governar se opõe ao autoritarismo e ao
clientelismo que tem marcado a relação entre o Poder Público e os setores
conservadores da sociedade. Agora, o os excluídos que se expressam,
transformando a cultura política local, a partir da reconquista dos espaços públicos
de decisão sobre a cidade. Esse diálogo se concretiza através de diversos canais de
manifestação política, como os Conselhos locais, setoriais ou temáticos, audiências
públicas, conferências, fóruns populares, e um dos mais importantes, o Orçamento
Participativo (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997b, p. 08, grifo do
documento).
O relatório do primeiro ano de governo, sistematizado na “Mensagem do Prefeito de
Belém à Câmara Municipal de Belém”, referente a 1997, aponta a experiência do orçamento
participativo - que no ano em pauta conseguiu reunir cerca de 15.000 pessoas participantes de
assembléias regionais e temáticas, as quais decidiram a aplicação de 54% dos recursos
orçamentários para o ano de 1998 – como uma forma de inversão de prioridades.
O referido documento traz alguns elementos para a apreensão da perspectiva de
participação no governo petista em Belém. Em primeiro lugar, aproximando-se dos debates
apresentados no item 3.2 (capítulo anterior), a noção de participação aparece associada ao
tema da radicalização da democracia (que prima pela articulação entre os mecanismos de
democracia direta e representativa) em vista da efetivação da cidadania. Assim, diz o
documento:
A construção de uma cultura política radicalmente democrática exige que a própria
população decida sobre as diretrizes políticas fundamentais do governo. A medida
que (sic) se institui um processo combinado de democracia formal com mecanismos
de democracia direta, de caráter voluntário, começa a ser construída uma nova
cultura política que fortalece a consciência coletiva e permite a população uma
vivência de democracia participativa (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
1998, p. 8).
Além disso, o discurso que envolve a temática da participação indica uma aproximação
a ideais socialistas. Nesse aspecto, o documento aponta determinados conceitos pertinentes à
233
tradição marxista, tais como a liberdade de homens e mulheres na formação de uma futura
sociedade. Avalia que as ações desenvolvidas no primeiro ano de governo
caracterizam-se por favorecer a consolidação de metas decisivas para um governo
democrático e popular como a participação popular e a inversão de prioridades
que têm como estratégia a edificação de uma sociedade futura erigida segundo o
princípio de uma coletividade de homens e mulheres livres (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 1998, p. 8)
242
.
O documento Mensagem da Prefeitura à Câmara Municipal”, referente às ações de
1998, destaca o orçamento participativo como instrumento de construção da democracia e
relaciona os princípios políticos desse governo ao movimento de resistência popular, ocorrido
em Belém no século XIX, denominado de Movimento da Cabanagem
243
.
Esta administração democrática e popular de Belém é parte desse sonho em
construção, desse ideário que fez tremular o estandarte vermelho dos cabanos
nestes rincões úmidos da Amazônia, dessa utopia como não-lugar que sempre
animou a luta incansável contra a miséria e as desigualdades sociais [...] Podemos
fazer muito. E sempre faremos mais porque o que nos anima não é o brilho
passageiro deste momento fugaz, mas a chama viva da história, da construção
coletiva de um futuro radiante e próspero para todos nós (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 1999, p. 12, grifo meu).
Ao fazer referência às atividades concernentes ao ano de 1999, o documento
“Mensagem da Prefeitura à Câmara Municipal”, lembra que o orçamento participativo é uma
das principais marcas do governo municipal. Através desse mecanismo de participação
popular, os moradores da cidade, segundo o documento, determinam e controlam os
242
A seguinte passagem do documento em questão também sinaliza uma aproximação à construção teórica
referente à tradição marxista: “A ação pela qual os seres humanos transformam a realidade e se transformam eles
mesmos é uma ação que só pode ser realizada em profundidade num processo histórico extremamente complexo,
que depende de intervenções enérgicas e incisivas de quem governa mas também de convicções socialmente
engajadas que ajudem a forjar, paulatinamente, mudanças sutis na percepção e na sensibilidade das grandes
massas” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1998, p. 8-9). O mesmo documento chega a citar um trecho
da obra A Teoria do Romance”, de Georg Lukács, que é um dos autores marxistas mais importantes do século
XX.
243
O Movimento da Cabanagem ocorreu na Província do Grão-Pará entre os anos de 1835 a 1840. É reconhecida
como a rebelião mais radical do período das Regências, resultado da organização das forças populares dos
índios, camponeses, caboclos, setores da classe média e intelectuais liberais. O Movimento posicionou-se contra
o poder absolutista dos lusos na Província do Grão-Pará, com o objetivo de conquistar o fim da escravidão, a
igualdade social e, principalmente, lutar pela terra. O movimento terminou com o massacre de aproximadamente
40.000 cabanos nas matas da Amazônia, impossibilitando a construção de uma sociedade livre do domínio
português. Ressalte-se que o termo “cabano” advém do tipo de moradia simples dos caboclos da Amazônia, que
habitavam em cabanas (SALLES, 1992).
234
investimentos públicos. Além disso, têm a oportunidade conhecer os mecanismos internos da
burocracia governamental (no que diz respeito ao orçamento municipal) para, através da
informação, debater e decidir sobre as políticas públicas. Afirma, portanto, que:
[...] nosso povo é o principal protagonista dessas transformações. Por entender que o
povo deve ser o senhor da cidade, a Prefeitura, desde o primeiro ano de governo,
desenvolveu diversos mecanismos de participação popular com destaque para o
Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade (PREFEITURA MUNICIPAL
DE BELÉM, 2000, p. 09, grifo meu)
244
.
O Programa de Governo elaborado para servir de base à campanha eleitoral da Frente
Belém Popular, face às eleições municipais de 2000, traz alguns elementos indicativos da
noção de participação presente no ideário de gestão democrática em Belém. Demonstra que os
mecanismos de participação popular, especialmente o Congresso da Cidade e o orçamento
participativo, fortaleceram a auto-estima e o orgulho do povo à medida que este (o povo) foi
protagonista das transformações evidenciadas na cidade. Isso porque:
[...] Nas reuniões, debates e assembléias, [do Orçamento Participativo] os
participantes discutem as políticas públicas, tomam conhecimento das conseqüências
dos atos dos governos estadual e federal na vida da cidade, e passam a conhecer os
complexos mecanismos que giram a roda da administração pública. Em Belém
agora, o Povo legitima-se como construtor de realidades novas, de um novo
alicerce coletivo. Uma cidade de índios e índias, de negros e negras, brancos e
brancas, mestiços, de crianças, adolescentes e idosos, de todos os credos religiosos.
Uma cidade de gente livre, altiva que recusa a fatalidade. Legitima-se porque faz
história [...] (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000, p. 22, grifo meu).
No relatório elaborado ao final da primeira gestão, o governo municipal avalia que o
planejamento das políticas públicas foi permeado pelas diversas experiências de participação
política e que a validade do orçamento participativo esteve em possibilitar aos moradores da
periferia a capacidade de tomar decisões sobre os recursos públicos, algo inédito na história
política do município de Belém. Segundo o documento, a participação expressa um princípio
básico de formação do poder popular, onde a cidade não é composta de usuários, mas de
244
E afirma, em seguida, que: “Belém adentra 2000 como uma metrópole onde o povo de forma crescente afirma
seus direitos, recupera sua história, decide o seu presente e discute o futuro” (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2000, p. 9-10).
235
cidadãos que têm a possibilidade de exercitar sua cidadania (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2001). Ratificando a noção participação popular no âmbito da gestão municipal,
esse relatório afirma que:
A Participação Popular no Governo do Povo é entendida como o processo de
apropriação, por parte da maioria do povo, de instrumentos que possibilitem o
avanço do poder popular. Estes instrumentos possibilitam que a maioria do povo que
sempre se viu a margem (sic) da participação/apropriação dos bens e serviços
gerados pela cidade passem (sic) a ter acesso aos mesmos, e ao mesmo tempo
decidindo a onde (sic) e para quem deve-se aplicar as riquezas coletivamente
produzidas. É portanto papel do governo municipal propiciar todas as condições
para que as mais variadas expressões da participação e organização popular se
viabilizem e tomem em suas mãos a construção da cidade (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 19).
O relatório sinaliza, ainda, que a primeira gestão do “Governo do povo” priorizou três
formas ou vertentes de participação política: o orçamento participativo; a discussão de
políticas públicas nas diversas conferências e fóruns que foram realizados com a participação
das mais variadas entidades dos movimentos sociais e sindicais e acadêmicas; a formação de
comissões de controle social, a exemplo das Comissões de Fiscalização e Controle Social
(COFIS) e de Conselhos Setoriais
245
. O documento informa que nessa gestão o orçamento
participativo reuniu cerca de 200 mil pessoas nos diversos espaços de decisão referente à
aplicação do orçamento municipal
246
.
Ainda nesse relatório, o governo enfatiza que a criação de mecanismos reais de
participação popular corresponde a uma ruptura com o modelo tradicional que balizou a
245
O relatório de 2001 faz um balanço das atividades da Prefeitura que envolveram a participação popular, tais
como: Audiências Públicas, I Fórum Municipal de Educação (1997), I Conferência Municipal de Educação
(1998), II Fórum Municipal de Educação (1999), I Fórum Municipal de Esporte e Lazer (1999), I Workshop das
Ilhas de Belém (1997), Workshop de Turismo (1998), I Fórum de Secretários Municipais de Turismo na
Amazônia (1998), I Colóquio sobre o Centro Histórico de Belém (1999), II Colóquio sobre o Centro Histórico de
Belém (2000), I Encontro da Mulher Cabana (1999), I Fórum Municipal da Cultura (1999), IV Conferência
Municipal de Saúde (1998), V Conferência Municipal de Saúde (2000), I Conferência Municipal de Turismo
(1998), I Conferência Municipal de Habitação (1998), I Conferência Municipal de Saneamento Ambiental
(1999), Conferência Municipal da Criança, I Conferência Municipal de Trânsito e Transporte (2000), Seminário
Internacional “Poder Local e Participação Popular” (1998), implantação de 10 conselhos municipais,
implantação de comitês ambientais (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001).
246
Através do orçamento participativo foram decididas, nos quatro primeiros anos de governo, 384 obras,
equivalente a uma cifra de R$67,7 milhões (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001).
236
prática política das elites dominantes existentes em Belém, visando a construção de políticas
cujos resultados favoreçam a todos os moradores da cidade
247
.
Em 2001 a Prefeitura Municipal de Belém elaborou um documento intitulado “Balanço
Geral da Participação Popular em Belém do Pará”, que sistematiza os diversos eventos
realizados no âmbito do primeiro Congresso Geral da Cidade de Belém - “Milton Santos” - no
decorrer desse ano, onde foi possível, segundo o governo, ampliar os mecanismos de
participação tendo em vista que os moradores apontaram prioridades e propuseram ações a
serem incorporadas no Programa de Governo
248
.
O Plano Plurianual 2002/2005” formatado pela Prefeitura Municipal para orientar as
ações da segunda gestão afirmava que o Governo Democrático e Popular iniciado em janeiro
de 1997, em Belém, sempre se pautou pelo princípio da participação do povo nas decisões
político-administrativas e que o orçamento participativo correspondia à melhor prática de
gestão urbana. Demonstrava, ainda que, as diretrizes, os programas, os objetivos, os
indicadores, as metas e os resultados previstos no Plano foram elaborados no sentido de
projetar “movimentos na direção de construir um projeto estratégico de desenvolvimento que
247
Nessa perspectiva, “[...] o controle social sobre as políticas de governo expressam na prática a construção de
uma nova cultura política que coloca a participação para além dos momentos eleitorais, pois tem como premissa
fortalecer a cidadania, forjando o cidadão que, mais que um simples eleitor, está comprometido e participando
ativamente do novo projeto e se apropriando da cidade nas suas diversas dimensões” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 49).
248
A título de informação, registra-se que a partir de abril de 2001, no contexto do Congresso da Cidade, foram
efetivadas várias oficinas e reuniões que antecederam os congressos distritais temáticos. Entre os meses de maio
e junho desse mesmo ano foram realizados 48 congressos distritais nos 8 distritos administrativos de Belém, com
os seguintes temas: Desenvolvimento urbanístico e ambiental, Desenvolvimento humano por uma economia
solidária, Gestão democrática e qualidade social do serviço público, Desenvolvimento humano por uma
cidadania cultural, Desenvolvimento humano pela inclusão social e, Juventude. Participaram dos congressos
distritais 12.539 pessoas, sendo eleitos 1.178 delegados titulares e 334 suplentes. Entre os meses de junho e
agosto foram realizados, no contexto do Congresso da Cidade de 2001, 117 congressos setoriais, envolvendo
diversas instituições e grupos, tais como: centros comunitários, associação de moradores, organizações não-
governamentais, comitês ambientais da Prefeitura, idosos, jovens, pescadores, estudantes, pesquisadores,
profissionais, que discutiram os temas acima referidos. Nesses congressos foi contabilizada a participação de
7.781 pessoas, dentre as quais foram eleitos 717 delegados e 193 suplentes. Nos meses de agosto e setembro de
2001 ocorreram 11 congressos municipais, sendo 5 congressos setoriais (de negros, deficientes, mulheres,
homossexuais e índios), que contaram com a participação 2.614 pessoas; e 6 congressos temáticos (sobre
juventude, inclusão social, urbanístico e ambiental, economia solidária, gestão democrática, cidadania cultural),
nos quais participaram 787 pessoas (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001e).
237
busque a universalização da cidadania e a conquista da sustentabilidade (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001d, p. 02).
O documento “Mensagem à Câmara Municipal de Belém” que sintetizou as atividades
do governo municipal no ano de 2001 (primeiro ano da segunda gestão) continuou a sinalizar
o reconhecimento à participação social no interior da proposta política desse governo. A
construção do discurso vai ao sentido de associar a participação à construção do poder
popular face à necessidade de controlar e garantir a transparência na utilização dos recursos
públicos pelo Estado. Nesta medida o orçamento participativo é indicado como uma
experiência radicalmente democrática que fundamenta e propicia a construção desse poder
popular. Na mesma direção o documento afirma que, no contexto do Congresso da Cidade
a perspectiva de participação é traduzida na representação e articulação, entre os [...]
diversos mecanismos que podem e devem ser convergentes, constituindo-se em um
espaço de planejamento e participação popular, onde o povo exerce sua cidadania e
tem oportunidade de tornar-se sujeito social cada vez mais engajado no processo de
reflexão crítica alcançando um novo patamar de compreensão da relação governo e
sociedade (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p. 11)
249
.
O relatório referente ao ano de 2002 “Mensagem do Prefeito de Belém à Câmara
Municipal” continua a referenciar a temática da participação considerada, no documento,
como um dos ícones do governo popular democrático. Segundo o relatório, as atividades
concernentes ao Congresso da Cidade significavam uma possibilidade de os moradores
tornarem-se protagonistas da história de Belém, onde a participação favorecia o processo de
radicalização da democracia:
A radicalização da democracia constitui-se num dos alicerces do governo
democrático-popular em Belém, onde a participação popular é o principal
instrumento de mudança proposto para a transformação da cultura política local.
Assim, o Governo do Povo assumiu a Democracia enquanto valor estratégico,
redefinindo a relação entre o poder público e população, invertendo prioridades,
avançando na perspectiva de planejamento urbano com participação popular.
249
Ratifica em seguida: “O Congresso da Cidade de Belém representa o fortalecimento do poder popular em
nossa cidade, através do qual as entidades organizadas, os cidadãos individuais, podem diretamente exercer a sua
cidadania e contribuir para a formação de sujeitos sociais críticos, conscientes e cada vez mais engajados na
busca de uma sociedade justa e igualitária [...]” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p. 18, grifo do
documento).
238
Reafirmando, dessa forma, a Ética Política e a Transparência Administrativa como
premissas primeiras do governo popular (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
2003, p. 21)
250
.
Vale registrar que no ano de 2002 ocorreu o II Congresso Geral da cidade de Belém,
que contou com a presença de, aproximadamente, três mil pessoas, sendo um momento de
síntese de diversas discussões realizadas durante o ano sobre os problemas da cidade e as
decisões de políticas públicas (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2003)
251
.
No último documento enviado à Câmara Municipal de Belém, em 2004, a Prefeitura
Municipal sintetiza as principais ações empreendidas pelo governo popular democrático na
primeira e segunda gestão. O texto enfatiza que a experiência realizada em Belém pautou-se
pelo respeito aos direitos humanos, às diferenças étnicas, respeito aos homens e mulheres,
trabalhadores, crianças e idosos e, especialmente, respeito aos acontecimentos históricos do
passado, fazendo referência às lutas e resistências que marcaram a história da cidade.
250
Vale ressaltar que, emborao esteja explícito, o discurso da participação aparece relacionado, nesse
relatório, ao movimento de resistência ocorrido em Belém, no século XIX (o movimento revolucionário cabano):
“Superando o modelo histórico de segregação da população de menores faixas de renda, a capital paraense,
desde o ano de 1997, vê-se diante da possibilidade real de um processo intenso de transformação através de uma
nova forma de concepção das políticas públicas. Bebendo das experiências libertárias do passado e
prosseguindo no mesmo rumo seguido por tantas lutas de resistência brasileiras, latino-americanas e do mundo
todo, o Governo do Povo de Belém está construindo uma nova experiência de participação popular. [...] Da sua
construção cotidiana emerge um novo conceito de cidadania baseado na luta popular e na solidariedade e em
uma visão crítica e soberana do seu papel no mundo (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2003, p. 17,
grifo meu). Adiante, o relatório faz uma relação entre a herança de lutas e resistências presentes na história de
Belém (a exemplo do Movimento da Cabanagem) com a experiência revolucionária na forma de governar a
cidade com base na participação: “Dessa forma, todos os dias, Belém dá exemplo de participação popular para o
Brasil e, porque não dizer, para o mundo, com a concretização de um modo de governar inovador e
revolucionário, onde a cidade é literalmente governada pelo povo. Sua herança de resistência, de lutas, [...] por
sua importância histórica [...] Belém é, cada vez mais, a capital de uma Amazônia diversa e dinâmica” (idem, p.
18).
251
A partir de março de 2002 até o início de 2003 ocorreram, dentro da dinâmica do Congresso da Cidade,
diversos encontros populares, tais como: oficinas preparatórias distritais, inscrições de demandas populares de
obras e projetos sociais, I Colóquio da Ilha do Mosqueiro, Fórum dos Servidores, assembléias de microrregiões,
Congresso da Juventude, Plenária Setorial (de mulheres, índios, negros, homossexuais), Seminário sobre
Controle Social, oficinas preparatórias de saneamento, Congresso Municipal de Saneamento, I Congresso
Municipal de Afro-Religiosidade e Biosegurança, III Congresso Municipal sobre AIDS, Congresso Geral da
Pessoa Idosa, Congresso Preparatório dos Idosos, Plenária em Defesa da Criança e do Adolescente, II Congresso
de Direitos Humanos, Plenária Setorial de Turismo, Congresso Geral da Juventude, oficinas preparatórias da
criança, Congresso Geral da Criança, Oficina Preparatória dos Portadores de Necessidades Especiais, oficinas
preparatórias distritais/oficinas com técnicos de instituições municipais, Plenária Municipal de Delegados e
Conselheiros, Abertura do II Congresso Geral da Cidade (janeiro/2003) e Plenária Final de Delegados e
Conselheiros (janeiro/2003). O número de participantes dessas atividades girou em torno de 95.107 pessoas
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2003).
239
O relatório afirma que o Governo do Povo configurou-se como um governo de esquerda
amplo, democrático e popular
252
e que a maior herança da gestão foi a participação dos
moradores, através da qual foi possível estimular e reconstruir os ideais de resistência política
(a resistência cabana) do povo belenense. Assevera o documento:
Mas, sem dúvida, o maior legado do Governo do Povo à cidade de Belém, é a
participação popular. Em nosso governo, Belém voltou a assumir sua própria
história. Resgatamos o espírito cabano de nosso povo e com ele vimos projetos e
obras se multiplicarem por toda a cidade. Em cada rua, em cada praça construída,
em cada prédio restaurado, no sorriso de cada criança e idoso, até na música ouvida
na monumental Aldeia Cabana de Cultura Amazônica, no novo e belo Ver-o-Peso,
o traço marcante da participação popular, primeiro expressa pela experiência do
Orçamento Participativo, depois galvanizada na síntese superior do Congresso da
Cidade, outra enorme contribuição que nossa cidade e seu aguerrido povo estão
legando ao presente e ao futuro. Nesses anos, 580 mil pessoas governaram a
cidade conosco, assumindo um papel protagonista e de construção do verdadeiro
Poder Popular (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2004, p. 02, grifo meu).
Os argumentos apresentados pela Prefeitura Municipal em torno do projeto de gestão
democrática da cidade de Belém, com base na participação social, permitem observar que a
construção do modelo formatado para essa cidade aproxima-se dos referenciais teórico-
políticos debatidos no capítulo anterior. Os documentos elaborados que refletem os princípios
e/ou a concepção política, os objetivos a médio e longo prazo, apontam, em síntese, para dois
aspectos:
- A construção discursiva indica que o projeto de gestão formulado em Belém move-se
no campo teórico de validação da democracia, muito especialmente, da democracia radical
cuja radicalidade está em valorizar a participação social direta através dos diversos fóruns do
orçamento participativo e nas discussões concernentes ao Congresso da Cidade. A escolha da
participação social como o eixo central do projeto vai ao encontro das argumentações de
Coutinho (2000) de que “democracia é sinônimo de soberania popular” e tem por objetivo, no
delineamento do projeto, facilitar a apropriação, por parte dos moradores, de informações
252
O documento faz alusão às cidades que referenciaram a experiência política de Belém: “Cidades irmãs
espalhadas pelo mundo inteiro, recantos distantes da Itália, da França, do Oriente Médio, como nossa irmã
Belém da Palestina, da China e, nossa irmã caçula, Havana, têm hoje Belém como referencial político,
econômico e cultural” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2004, p. 01).
240
referentes à ossatura da política municipal (recursos orçamentários) que lhes permitam
conhecer e definir o investimento público além de forjar, mediante os processos
participativos, o poder popular, que seria a formação da consciência crítica de sujeitos (o
povo como senhor da cidade). Nesta angulação, a participação associa-se à ampliação da
capacidade dos moradores no sentido de exigir direitos, além de propor, discutir e influenciar
na tomada de decisões políticas, o do município, como das outras esferas
governamentais. Tem como horizonte a universalização de direitos sociais, políticos,
econômicos e culturais.
- O discurso político do projeto está relacionado à concepção de democratização tendo
em mente a construção de uma nova sociedade, isto é, no desenho do projeto que se assenta
nos processos participativos vinculados à discussão da democracia radical é imanente à
referência ao socialismo como meta a ser alcançada em longo prazo. Mais uma vez, afirma-se
que essa posição não pode ser considerada unânime na direção política do governo. O que se
pode observar é que uma recorrência nos documentos governamentais do tema da
construção do socialismo.
241
4.4 TENSÕES E COMPATIBILIDADES ENTRE AS ORIENTAÇÕES DO BID
(PROGRAMA HABITAR BRASIL) E O PROJETO POLÍTICO DA PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM: REFLEXÕES ACERCA DOS MODELOS DE GESTÃO DE
CIDADES E DO DISCURSO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
A aproximação teórico-analítica empreendida demonstra que diferenciações no que
concerne ao debate sobre a gestão de cidades e a noção de participação social especificamente
quando se trata: 1) das orientações vinculadas à denominada agenda neoliberal, que tem nos
organismos multilaterais (Banco Mundial, BID) um forte instrumento de disseminação de
referenciais de planejamento urbano local, de que o Programa Habitar Brasil-BID é um
exemplo; 2) das discussões em torno da denominada agenda democrática, propalada no
âmbito dos partidos, movimentos sociais, intelectuais com tradição de esquerda e evidenciada
em algumas administrações locais, notadamente as capitaneadas pelo Partido dos
Trabalhadores, de que a Prefeitura Municipal de Belém é um exemplo.
Levando-se em consideração que há uma distinção entre as referidas agendas, a questão
central que se põe à reflexão, a partir desse momento, é: existem (e se existem, quais são as)
tensões
253
e compatibilidades entre os modelos de gestão de cidades e a noção de participação
social desenhadas no plano das chamadas agendas neoliberal e democrática? Em que pontos
divergências e em que pontos aproximações (similaridades) no que se refere a
concepções/princípios, objetivos moldados no seio dos organismos multilaterais,
especialmente o BID (expressos no Programa Habitar Brasil-BID) e das administrações à
esquerda, notadamente a Prefeitura de Belém. Em nível mais aproximativo ao objeto de
estudo, questiona-se: como essa Prefeitura, que apresentou um discurso crítico e contrário às
proposições da agenda neoliberal, conseguiu tornar-se apta ao financiamento de recursos
junto ao BID para o desenvolvimento do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e
Pantanal?
253
Considera-se nesta tese o termo tensão no sentido de posição contrária; que tem caráter diferenciado e em
oposição. No caso deste trabalho, o que se configura como contra-tendência ao modelo de gestão de cidades que
se ancora no discurso do pensamento único neoliberal.
242
A análise dos diversos documentos governamentais, bem como a reflexão sobre a
representação dos sujeitos
254
responsáveis pela formatação e efetivação do projeto
democrático popular desenvolvido em Belém no período de 1997 a 2004, corroboram na
afirmação de que houve, em nível de construção discursiva, pontos referenciais de tensões e
de compatibilidades entre os modelos de gestão e a noção de participação social desenhados
na perspectiva do BID (materializados no Programa Habitar Brasil BID) e do modelo
democrático de gestão de cidades, vislumbrado pela Prefeitura Municipal de Belém.
O conjunto das argumentações apresentadas nos relatórios sinalizam, em primeiro lugar,
a clareza, por parte do Governo Municipal, da processualidade do recente movimento do
capital, da conformação do postulado neoliberal no Brasil e da atuação das agências
multilaterais como suporte ao bom desempenho da economia capitalista, bem como dos
rebatimentos desses processos na escala local, seja no que se refere às exigências referentes à
competitividade urbana, seja na maior responsabilização dos municípios em relação às
políticas sociais. Vejamos o que diz o Prefeito Municipal
255
de Belém a esse respeito:
Quando se fala em guerra no Iraque ou no Afeganistão; quando se fala em crise na
Venezuela, não como falar desses fatos, sem que se consiga estabelecer relação
com a ONU, as estruturas que a ONU criou, inclusive, no âmbito financeiro, o
Consenso de Washington, o papel das agências de fomento, os órgãos que
pretensamente o para o desenvolvimento regional em termos de América Latina
ou o papel do FMI, do Banco Mundial, quer dizer, o que tudo isto tem a ver com
uma estratégia do grande capital ao mesmo tempo dos países [...] que formam o G8
e que são os principais [...] interessados e formuladores dessa estratégia [...] de
globalização neoliberal, de modo que nenhum programa que venham dessas
agências deixam de estar matizados por interesses que, geralmente, são interesses
muito conflitantes com os interesses das várias nações e com os interesses da
maioria daqueles que vivem [...] do seu próprio trabalho
256
.
Pode-se verificar que desde os primeiros documentos elaborados pela Prefeitura
Municipal de Belém, há indicações de elementos de tensão no discurso dessa Prefeitura face à
denominada agenda neoliberal. Na passagem a seguir, retirada do Programa de Governo que
254
As entrevistas realizadas giraram em torno de apreender qual a representação que os responsáveis pela
experiência fazem acerca do projeto democrático popular.
255
Para efeito de apresentação das entrevistas será indicado o cargo que o entrevistado ocupou no período de
1997 a 2004.
256
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém – Edmilson Rodrigues.
243
serviu de base à eleição de 1996, vê-se uma posição contrária a essa agenda: Contrapondo-
se claramente ao neoliberalismo, que defende o ‘Estado mínimo’ e a privatização dos bens
públicos, a proposta da Frente Belém Popular busca ampliar a capacidade de planejamento do
setor público e fomentar canais de fiscalização do próprio governo [...]” (PROGRAMA DE
GOVERNO, 1996, p. 12, grifo meu).
Por sua vez, o primeiro documento encaminhado à Câmara dos Vereadores traz uma
radicalidade no referente à crítica ao postulado neoliberal. Fazendo remissão aos indicadores
socioeconômicos no Brasil que expressavam a precariedade de vida da classe trabalhadora,
sinaliza que:
A longa noite do neoliberalismo veio a agravar este quadro. Depois de dominar
o mundo por mais de uma década, semeando fracassos por todos os continentes, o
neoliberalismo mostrou em nosso país que pode reduzir salários e as condições de
vida e de trabalho do nosso povo. Mas é incapaz de oferecer o progresso econômico
com condições dignas de vida. Apesar dessas evidências, o neoliberalismo
continua sendo a ideologia dominante na imensa maioria dos governos mundiais
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997a, p. 01, grifo meu).
As notas discursivas apresentadas demonstram que o governo municipal tem a
percepção de que existem limitações para o desenvolvimento de um projeto democrático de
gestão de cidades face ao conjunto das determinações econômicas, políticas e sociais que são
expressas e defendidas, sobretudo pelas instituições financeiras multilaterais, através da
prescrição de modelos de planejamento que correspondem, em última análise, à agenda
neoliberal. Contudo, a construção do projeto político, que segundo a prefeitura é uma síntese
do esforço de reflexões coletivas, coloca-se de forma diferenciada e contrária a essa agenda,
procurando verificar as possibilidades de atuação do poder público municipal. Nesse aspecto
afirma o Prefeito de Belém:
[...] se nós vemos a cidade como um ente, um espaço determinado por esse espaço
mais [...] total, a cidade também é vista, por nós, como um espaço que determina,
ainda que o poder de determinação seja, obviamente, muito menor. Uma cidade ela
também determina, influencia, ela tem o poder de modificação, inclusive, do status
quo, da ordem. Mas é obvio que os limites são muito grandes, os limites [...] que a
estrutura mais global impõe, eles criam barreiras muito grandes, enormes, e, nesse
244
sentido, as possibilidades de permanência ou mudança no nível local, elas se dão
muito a depender da capacidade [...] dos que [...] m uma visão estratégica
embasada numa [...] vontade de transformação social. A depender da visão
estratégica que se tenha e da vontade política que se possa construir coletivamente,
de transformar o mundo, apesar de todas [...] as dificuldades, a consciência que se
deve ter de que não se muda o mundo a partir de uma única cidade, que o se faz
socialismo a partir de uma única cidade, mas, também, o se faz a partir [...] das
estruturas que, hoje, representam os interesses globais
257
.
Segundo os documentos governamentais o projeto desenvolvido na cidade de Belém
ao incorporar as tradições das lutas históricas em favor da classe trabalhadora, a exemplo do
Movimento da Cabanagem - colocou-se em oposição ao postulado neoliberal, demonstrando
que os moradores dessa cidade souberam nadar contra a corrente dominante desenhando nas
águas e na margem esquerda do rio da História o seu próprio caminho” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 1997a, p. 01, grifo meu). Na seqüência, vai contrapondo o modelo
de gestão ancorado na participação social, como sucedâneo ao modelo calcado na lógica
neoliberal:
Quando repudiamos o neoliberalismo, não o fazemos no vazio, na negação pela
negação. Se recusamos o mercado como regulador básico e o controle burocrático
do Estado, temos que dizer que alternativa oferecemos. Esta alternativa existe: a
da escolha das alternativas pelo próprio povo. Mas será que existe forma de
fazer isto a partir de uma Prefeitura? Nós respondemos que sim. Que é possível
a partir de um governo democrático estimular ao máximo a participação e o controle
popular em diferentes níveis, de modo que a população possa ter uma influência real
sobre o poder público. A generalização, por exemplo, de práticas como o Orçamento
Participativo pode permitir à população o controle da aplicação de parte significativa
dos investimentos públicos [...]. Esta ação, em nosso governo, é parte de um
exercício coletivo de enfrentamento da lógica capitalista de mercado, do lucro
selvagem, da pilhagem dos recursos públicos, sem cair no burocratismo estatizante.
É parte de um processo de construção do poder popular (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 1997a, p. 01-02, grifo meu)
258
.
O documento “Mensagem 2001 e Relatório 1997-2000 do Prefeito à Câmara Municipal
de Belém” traz importantes indícios de contestação ao modelo de gestão de cidades de
vertente neoliberal. Afirma que no primeiro mandato o governo de Belém procurou planejar
257
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
258
Afirma, ainda, que, “Nosso objetivo é desenvolver uma nova força política e social, a partir dos trabalhadores
e setores populares mais organizados, que lute para conquistar a hegemonia política, social e ideológica na
sociedade, Se não podermos generalizar esta prática em todos os lugares, implantamos naquelas cidades em que
governamos”. E adiante: Começamos a inaugurar um governo de novo tipo, que busca superar o modelo
excludente de gestão municipal e mudar radicalmente as bases de poder local” (PREFEITURA MUNICIPAL
DE BELÉM, 1997a, p. 02).
245
as políticas públicas levando em consideração a necessidade de cada cidadão, mesmo
reconhecendo que se está em um contexto de determinações extra-grupo, extra-local.
Determinações que contribuem para definir onde [sic] se quer chegar, se por exemplo, na
ruptura ou na manutenção do status quo, mas nunca orientado por desejos externos à cidade”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 10). Em outro documento, vê-se que:
O Governo do Povo tem consciência dos seus desafios e de que muitos dos
problemas a serem enfrentados transcendem a esfera de atuação do Poder Público
Municipal. Mas tem diretrizes e metas, tem compromissos históricos, tem base
popular para executar um programa que mude, para melhor, a fisionomia de nossa
querida Belém (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1998, p. 14).
Nessa direção, o relatório demonstra que mesmo considerando a existência dos limites
decorrentes da inserção da cidade na dinâmica capitalista e da lógica neoliberal, deve-se
perceber que a esfera local é um espaço de luta contra a desigualdade e que os mecanismos de
participação social criados pelo governo (como o Congresso da Cidade) referem-se a um
“espaço hegemonizado pelos sujeitos sociais concretos interessados em transformar a cidade
de Belém num espaço de resistência à lógica da exclusão social vigente” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 12).
Em 2002 ao apresentar à mara dos Vereadores o relatório concernente às atividades
do ano anterior, a Prefeitura de Belém constrói uma argumentação que continua a sinalizar um
discurso crítico em relação ao postulado neoliberal. Afirma que o Brasil vem seguindo as
orientações da denominada política neoliberal que, associada ao movimento da globalização,
agrava as condições sociais e ambientais dos estados e dos municípios. Além disso, a crise
econômica, política e social vista no presente constitui-se, segundo o documento, em
manifestação do modelo (capitalista) excludente que reproduz a desigualdade em todo o
planeta. Em contraponto, diz o documento:
Mas, ao lado de uma conjuntura de agravamento da crise ergue-se um amplo
movimento de resistência ao modelo neoliberal e de afirmação de uma
alternativa verdadeiramente democrática e popular. É dentro desse quadro mais
246
amplo que nossa experiência de gestão na maior cidade da Amazônia deve ser
analisada. Nesse esforço extraordinário estamos na boa companhia de inúmeras
outras administrações que ousam remar contra a maré neoliberal, buscando
construir a necessária pororoca solidária de um modelo orientado pelo princípio da
sustentabilidade econômica, social e ambiental, absolutamente comprometido com a
defesa da soberania nacional, da cooperação internacional e da radicalização
democrática [...].
Em síntese, o modelo democrático e popular tem buscado construir um tipo de
política econômica anti-monopolista, anti-imperialista e anti-latifundiária. [...]
Esse modelo também por não ser economicista, busca garantir direitos sociais,
especialmente os atinentes à saúde, educação e moradia, bem como o direito a uma
renda mínima às camadas sociais que hoje vivem em situação de exclusão e miséria
sociais (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p. 05-06, grifo meu).
Nota-se que a direção política da Prefeitura de Belém procurava sintonizar-se com os
movimentos sociais de natureza global, a exemplo do Fórum Social Mundial, cujos debates
voltam-se à proposição de alternativas ao pensamento único neoliberal. Nesse sentido, vale
registrar que em 1999, Belém sediou o II Encontro Americano pela Humanidade e contra o
Neoliberalismo, no qual participaram representantes e líderes de entidades comunitárias, dos
movimentos sociais, organizações não-governamentais, partidos políticos de esquerda do
Brasil e da América Latina. O evento girou em torno de discutir propostas alternativas de
desenvolvimento socioeconômico e políticas públicas universais, visando estimular o
sentimento de solidariedade entre os povos latino-americanos (PREFEITURA MUNICIPAL
DE BELÉM, 2000)
259
.
Importante observar que por todo o período da primeira (e parte da segunda) gestão do
governo municipal, que coincidiu com o governo Fernando Henrique Cardoso, a Prefeitura de
Belém apresentou uma fala contestatória associando esse governo ao denominado modelo
neoliberal e cuja atuação implicava na defesa dos interesses do capital internacional:
Os indicadores macroeconômicos que resultaram da [sic] políticas neoliberais que
orientaram o governo [federal] desde 1994 são dramáticos [...]. Para enfrentar essa
crise o receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI) exige mais sacrifícios
para os brasileiros, como o ajuste fiscal que deverá retirar da economia R$ 16
259
Os documentos governamentais citam a participação da Prefeitura em outros eventos dessa natureza: durante
o III Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em janeiro de 2003, o IPPUR/UFRJ, a Prefeitura de
Belém, o Laboratório de Habitação da FAU/USP, o conselho da Cidade de Belém e a FASE Amazônia
(Programa Pará) organizaram uma oficina sobre Planejamento Participativo de Cidades: Congresso da Cidade e
outras experiências de construção do poder popular; em janeiro de 2004, o Prefeito Edmilson Rodrigues
participou do III Encontro Hemisférico de luta conta a ALCA, sediado em Havana (Cuba).
247
bilhões e comprimir ainda mais os gastos nas áreas sociais e nos investimentos
públicos, ou seja, o ajuste proposto não inclui a redução de pagamento de juros da
dívida e sim de recursos para as áreas de saúde, educação e saneamento, levando à
deterioração cada vez maior dos serviços públicos [...] (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 1999, p. 133).
Seguindo esse raciocínio, o Programa de Governo da Frente Belém Popular que serviu
de aporte à eleição municipal de 2000 afirmava que na primeira gestão o “Governo do Povo,
se esforçou para combater as conseqüências da nefasta política neoliberal aplicada pelos
governos federal e estadual, em especial o desemprego” (PROGRAMA DE GOVERNO,
2000, p. 10).
Da mesma forma, o relatório elaborado em 2001 que sintetizou as atividades do governo
na primeira gestão afirmava que:
Nenhum governante que pretenda manter firme seu compromisso com o direito
inalienável do povo a uma vida digna pode [...] se tornar presa fácil do discurso
dominante, de inspiração neoliberal, que pretende imputar aos prefeitos a
responsabilidade pela gerência da enorme crise social, alimentada diariamente pela
política de submissão do Governo brasileiro aos ditames do capital oligopólico
internacional (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 05-06)
260
.
Por sua vez, com a ascensão do Presidente Lula ao Executivo federal, em 2003, o
governo municipal enfatizou, com entusiasmo, que essa eleição deveria se transformar em
óbice às propostas neoliberais no país, fortalecendo, portanto, as apostas no processo de
ampliação da democracia. “A vitória de Luis Inácio Lula da Silva à presidência representa,
antes de tudo, uma derrota política e eleitoral do projeto neoliberal no Brasil, com amplas
repercussões em vel internacional” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2003, p.
05)
261
.
260
A crítica ao ideário neoliberal continua presente no relatório governamental referente ao ano de 2001: “[...]
Resta o Estado [governo federal] fantoche, governado pelos tecnocratas de confiança dos organismos do capital
internacional como o FMI. O estado nacional que aderiu ao Consenso neoliberal e abdicou de sua soberania não
sobrevive sem a tutela de Washington. [...] No Brasil o ajuste fiscal cada vez mais feroz continua garantindo a
manutenção da rentabilidade do capital financeiro com os juros dominando o balanço de pagamentos do país”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p. 95). “Será essa a herança do projeto neoliberal do Governo
Fernando Henrique para o Brasil [?]” (idem, p. 96).
261
Na entrevista concedida à autora da tese, o Prefeito Edmilson Rodrigues sinalizou que o governo Lula
significava uma mudança de rota na política urbana do país. Acreditava na possibilidade daquele governo em
contrarrestar com a gica dominante de produção da cidade: “[...] E o próprio fato do Ministério das Cidades,
248
Contrariamente à perspectiva do modelo de gestão de cidades disseminado pelas
agências multilaterais, muito particularmente no que se refere às discussões que valorizam as
cidades no sentido de torná-las eficientes e atrativas ao investimento capitalista (RAVINET,
1988; NIENTIED, 1998; WIRSIG, 1998), o Programa de Governo (2000) - aproximando-se
das análises críticas empreendidas por Vainer (2002); Sánchez (2001), Harvey (1996);
Compans (2001) - aponta que o projeto político construído em Belém posiciona-se em
contraponto à denominada cidade espetáculo que é voltada ao mercado e à competitividade
urbana. Em seu lugar, indica que a política de desenvolvimento urbano mesmo
vislumbrando a projeção do município em nível regional e mundial, mediante o incremento de
atividades econômicas deve atuar em vista da construção de sujeitos políticos, fortalecendo
o controle popular e enfraquecendo as estruturas tradicionais de dominação. Assim,
Optar por este projeto de cidade, significa não apenas negar, como também não
entrar no jogo do urbanismo espetáculo’ (das grandes obras e da sofisticação como
meta primeira), ou seja, do urbanismo como sinônimo de modernização da cidade
pura e simplesmente, onde as formas e as paisagens tendem a se tornar elementos de
maior importância, desconsiderando o ser humano e a qualidade de vida como
componentes principais [...]. A adesão e a defesa de projetos políticos nesse sentido,
são conseqüência [sic] da compreensão dessas teias ‘invisíveis’ de se
construir/formar cidades e cidadãos, ao invés de produção de consumidores e
espaços-mercadorias [...] (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000, p. 31)
262
.
A mesma construção lógica pode ser encontrada no relatório do ano de 2001, quando a
Prefeitura expõe os princípios atinentes à política urbana. Em primeiro lugar, disserta que o
plano de desenvolvimento urbano deve caminhar no sentido de combater a segregação sócio-
mesmo num país capitalista, mesmo num governo que não é um governo conquistado com base numa revolução,
mesmo os limites de um governo, como é o governo Lula, com limites impostos pela estrutura global neoliberal,
mas mudanças de orientação; e é conflituoso, porém, há mudanças, e, nesse sentido, um esforço para se
criar uma política nacional de desenvolvimento urbano [...] que inclui a ampla participação popular [...]”. É
oportuno assinalar que Edmilson Rodrigues afastou-se do Partido dos Trabalhadores após os acontecimentos
políticos no governo Lula, a partir de 2003.
262
Diz ainda, na mesma direção que: O desenvolvimento urbano será considerado em uma perspectiva mais
ampla e, ao mesmo tempo, mais pragmática, dimensionando-o como desenvolvimento sócio-espacial urbano;
que negue o desenvolvimento urbano como sinônimo de simples modernização da cidade e de crescimento
econômico; que extrapole a noção de desenvolvimento sustentável pautado em uma perspectiva ecocêntrica na
qual as formas e os processos da natureza são destacados em detrimento do homem como ser social e natural;
que discuta o desenvolvimento local para além da lógica do mercado; e por fim, que resgate e redimensione,
através de um planejamento urbano alternativo, O IDEÁRIO DA REFORMA URBANA” (PROGRAMA DE
GOVERNO, 2000, p. 33, grifo do documento).
249
espacial, tendo por objetivo a universalização da cidadania e a conquista da sustentabilidade
urbana, além da construção do poder popular superando as desigualdades e a injustiça
“própria de uma sociedade de classes” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p.
43). Para tanto, que se desenvolver uma política que se oponha à concepção de cidade
como mercadoria, privilegiando o atendimento de demandas sociais e atuando na perspectiva
da inversão de prioridades. Para o governo:
A distinção, portanto, da perspectiva de Desenvolvimento Urbanístico e Ambiental
para Belém, em um governo que busca consolidar uma radical democracia, é ter por
referência fundamental o resgate cotidiano da dimensão política e educativa do
controle social, o qual se vem conquistando como uma das principais obras’ da
administração pública municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002,
p. 43)
263
.
Em relação à noção de participação social, que na formulação deste trabalho é um dos
pontos importantes para se verificar os elementos de dissenso entre os modelos de gestão de
cidades a que se está fazendo referência, pode-se afirmar que na totalidade das argumentações
feitas pela Prefeitura de Belém nota-se uma concepção diferenciada e contrária à noção de
participação evidenciada na perspectiva do BID que, conforme anotações anteriores, tem uma
conotação individualizada e individualizante.
A análise sobre a temática da participação social no interior da construção do projeto
democrático-popular pensado e desenvolvido em Belém demonstra que a escolha da
participação como princípio programático essencial - sendo um eixo transversal à formulação
das políticas e às discussões sobre a cidade - obedeceu a uma lógica que se interliga, por
muitas mediações, ao debate sobre a radicalização da democracia como construção do poder
popular em vista do socialismo.
263
O excerto a seguir que trata da política de saneamento, demonstra uma postura crítica às agências
multilaterais que apóiam a privatização dos serviços urbanos básicos (como água e esgoto): “[...] instituições
financeiras multilaterais, como o BID e o Banco Mundial, têm ‘recomendado’ a abertura do setor de saneamento
à iniciativa privada nos seus documentos de estratégia de assistência para o Brasil” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2003, p. 71).
250
Dentro dessa formatação, a opção pela participação caminhou em dois sentidos. Em
primeiro lugar, as assembléias do Orçamento Participativo constituíram-se espaço de
definição de políticas calcadas no princípio da inversão de prioridades, a qual vem a serviço
de responder, via políticas públicas, às demandas socioeconômicas da maioria populacional
que sendo a cidade pensada e construída a partir dos interesses das elites dominantes
sempre se viu à margem dos bens e serviços produzidos pela cidade.
Em segundo lugar, os processos participativos, vislumbrados especialmente no que se
denominou de Congresso da Cidade, permitiriam a formação da consciência política, que em
outras palavras, refere-se ao poder popular, que balizado pela democracia radical, busca
alternativas ao desenvolvimento da cidade na perspectiva da maioria, isto é, das frações de
classe trabalhadoras. O raciocínio do Prefeito é importante na apreensão do significado do
tema da participação dentro do projeto democrático efetivado em Belém:
Eu diria que é o princípio fundamental para um governo socialista que tendo
consciência das dificuldades das transformações estruturais nem por isso cruza os
braços e se curva a elas, mas busca no âmbito local dialogar com as diversas
dimensões nacional e internacional, mas, ao mesmo tempo, busca soluções locais
[...] É necessário ter um projeto global, diria, no âmbito nacional e internacional,
mas nenhum cidadão que tenha compromisso com a construção de um mundo
verdadeiramente democrático, justo, feliz, diria, [...] o socialismo ou, como
queiramos expressar nossa utopia, nenhum pode deixar de responder a problemas
concretos, com soluções concretas [...]. uma necessidade [...] de que as classes
que, historicamente, são despossuídas do exercício do direito à cidadania,
experimentem, mesmo que no âmbito local, a capacidade de realizar conquistas;
conquistas que o frutos da sua necessidade - enquanto alguém que tem direito a
dignidade -, que são frutos da luta histórica provocada pela vida social, que o
estado, no caso o Estado brasileiro, e a prefeitura como parte da estrutura do estado
brasileiro tem de responder, mas, ao mesmo tempo, como expressão do próprio
protagonismo desses [...] seres humanos que não podem apenas receber [...] projetos,
programas, ões formuladas tecnicamente numa perspectiva tecnocrática para
dizer: “sim senhor” e aplaudir. [...] Não podem mais aqueles que constroem a
cidade, que constroem a nação, ficar como observadores. possibilidades de
mudanças no âmbito local e de contribuirmos de forma mais significativa com a
nossa experiência para mostrar que é possível mudar, para ajudar na formulação de
um projeto nacional de desenvolvimento, para contribuir nos fóruns, internacionais,
como o Pan-Amazônico, como o Fórum Social Mundial, com a experiência local
para formação de redes internacionais de cidades [...]
264
.
264
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
251
Na formatação do projeto político da Prefeitura de Belém ficou muito evidente que a
escolha do tema da participação social não foi aleatória. Ancorada no debate da democracia
radical, a predileção por esse tema constitui-se em estratégia no sentido de que os moradores
pudessem ampliar o nível de percepção das contradições socioeconômicas atuando junto ao
poder público na definição de políticas que se revertessem em favor das frações de classe
dominadas. Diz o Prefeito de Belém:
Como nós sonhamos com um futuro humano, humanizado, um futuro feliz para a
humanidade e queremos que esse legado seja garantido, também, para nós enquanto
povo, nós fazemos da experiência de governo um processo de protagonismo,
exatamente, porque queremos que esse protagonismo nos ensine, nos possibilite o
apoderamento, cada vez maior, da capacidade de entender a essência da sociedade e
um apoderamento da própria cidade, que é nossa. O apoderamento no sentido,
mesmo, de que uma participação numérica diz pouco se ela o for um espaço para
a desconstrução de valores que estão [...] enraizados na estrutura social [...]. Agora, é
uma espera, uma paciência revolucionária porque é uma paciência, ao mesmo
tempo, ativa, protagônica, de quem tem esperança porque acredita e vai, cada vez
mais, acreditando que é a organização, a participação. É, portanto, [...] o exercício
[...] da pressão, o exercício do dizer o que se pensa e de contribuir com o projeto que
vai ganhando força como cultura. Então, [...] o aprofundamento, o enraizamento e,
nesse sentido, de radicalização, por conta da raiz, de novos valores democráticos que
sejam valores [...] alternativos ao individualismo, ao egoísmo, ao ódio, ao desamor,
à perversidade, à fome, à miséria, ao desemprego [...]
265
.
Na avaliação da Secretária de Planejamento e Gestão de Belém, a dinâmica
empreendida pelo Governo Municipal no que toca à participação social tem por objetivo a
reversão da cultura clientelista do fazer político no sentido de que os moradores possam
através do acesso a informações, reivindicar as políticas públicas como direitos políticos e
sociais e, ao mesmo tempo, ampliar a capacidade crítica de percepção das contradições
sociais:
[...] Nós entendemos [...] que o nosso papel de um governo democrático e popular,
um governo de esquerda, ele é ao mesmo tempo prover a cidade de serviços, de
infra-estrutura, de serviços sociais, mas, acima de tudo, prover a cidade de espaços e
de condições para que as pessoas possam se encontrar, discutir, debater, criticar,
refletir, mesmo, criticamente sobre a sociedade em que vivemos. Sem isso, nós
faríamos o que qualquer outro governo honesto poderia fazer. Então, essa é uma
orientação central do nosso governo: trabalhar no sentido da transformação de
valores [...] e proporcionar que as pessoas possam ter uma percepção diferente do
mundo em que vivem e o papel do nosso governo é criar as condições para que as
265
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
252
pessoas façam esse debate, para que elas reflitam não, necessariamente, de forma
que não tenha conflitos, conflitos, divisões. Nós consideramos que o conflito faz
parte do processo de tomada de consciência crítica
266
.
Por sua vez, a Presidente da Fundação Papa João XXIII esclarece que a participação,
pensada no âmbito da Prefeitura de Belém, conectava-se aos objetivos de forjar uma
consciência política dos moradores sobre os direitos de cidadania, caminhando,
processualmente, na construção da utopia, leia-se, socialismo.
Nós nunca perdemos de vista o nosso principal princípio, que é, realmente, a
participação popular, [...] a organização, a conscientização da população da sua
realidade de vida com uma perspectiva mais democrática, mais revolucionária. E eu
estou falando do revolucionário o do ponto de vista, mesmo, de uma revolução
[...] de uma luta armada, eu estou falando de mudanças de comportamento, de
cultura, de mentalidade da população [...] Eu acho que é como você cria condições
para a população exercer sua cidadania de forma consciente. [...] Então, como que tu
vais criando isso, criando essas condições para que um dia, quem sabe, nós
consigamos, então, [...] [uma] mudança, realmente, do Estado ou tomada do poder,
de fato, [...] pela sociedade. [...] Acho que isso, ainda, é uma utopia [...] e a nossa
estratégia toda foi: - “vamos perseguir isso em direção a essa utopia” [...] E eu acho
que está em construção, é um processo que está em construção
267
.
Nesse contexto, o excerto a seguir, retirado do documento Mensagem à mara de
Vereadores, de 1998, indica que no projeto político da Prefeitura de Belém - a participação
caminha para a formação política dos cidadãos, no sentido de torná-los conscientes de sua
capacidade de participar e colaborar nas decisões sobre a cidade.
Mas somos conscientes de que este será um trabalho árduo e seus resultados se farão
perceptíveis pela comunidade na medida em que conseguirmos concentrar nossa
energia criadora em direções determinantes, que passemos a incorporar na atividade
política e cognitiva o cidadão comum, promovendo nas pessoas uma ampliação
universalizadora de horizontes, na qual a dimensão individual ao invés de se
perder se enriquece. A formação da cidadania, a consolidação da consciência da
plena cidadania depende da formação de cidadãos capazes para a ação e a reflexão,
ainda que em condições adversas, como adverso é o perfil social que tem
266
Entrevista com a Secretária Municipal de Planejamento e Gestão, Jurandir Novaes.
267
Entrevista com a Presidente da Fundação Papa João XXIII, Sandra Helena Ribeiro Cruz. Na mesma linha de
pensamento que associa a participação à ampliação da consciência política, afirma a Assistente Social do PDL:
“[...] eu acho que seria discutir incansavelmente, fazendo com que ele [o morador] pense, com que ele reflita,
sendo o mais didático possível, em que todos tenham o mesmo nível ou se aproximem do mesmo vel de
compreensão e defendam a proposta e discutam [...] o que é mais democrático decidir, de que forma é melhor
decidir [...]” (Entrevista com a Assistente Social do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal,
Raimunda Caravelas).
253
caracterizado o município de Belém (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
1998, p. 11, grifo meu)
268
.
Igualmente, o documento Mensagem à Câmara dos Vereadores, que resumiu as ações
do governo municipal no ano de 2001, demonstra que a modalidade de planejamento baseada
nas diversas instâncias de participação, cuja idéia central é o Congresso da Cidade, resulta em
um planejamento de curto e longo prazo para a cidade que visa a construção de uma nova
sociedade, onde os governos democráticos têm papel fundamental no processo de gestão
democrática e de controle social pelos moradores, sendo que:
Gestão Democrática e Controle Social significa o exercício pleno de uma
cidadania crítica, transformadora e de apropriação dos espaços públicos
estatais e da cidade em geral, em um contexto de mudanças profundas da
sociedade que impõe um posicionamento crítico frente a esse momento no
capitalismo, designado de neoliberalismo, como expressão das transformações que
interferem de forma drástica na vida das cidades e de seus cidadãos [...].
Esta nova engenharia institucional teve na Participação Popular seu principal
vetor, possibilitando ao cidadão influir direta e decisivamente nos destinos da
cidade, propondo soluções, escolhendo suas prioridades de obras, e o
acompanhamento a execução desses trabalhos, fiscalizando o uso dos recursos
públicos e a qualidade dos serviços (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
2002, p. 18, grifo meu.).
ainda um outro aspecto que deve ser refletido sobre a recomendação, pelos
organismos multilaterais, da participação social. Conforme assinalado no segundo capítulo, as
agências têm orientado e referendado as experiências de orçamento participativo municipal
sem qualquer restrição à sigla partidária (tanto faz que esteja vinculada à tradição de esquerda
ou direita). Isso é tanto verdade, que nas publicações do BID sobre participação, a atuação do
Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre, no que toca especialmente ao orçamento, foi
comentada e apresentada como uma experiência de gestão urbana a ser seguida por outros
municípios
269
. Como vimos, na perspectiva do BID essa modalidade de participação é
268
O mesmo raciocínio pode ser deduzido da passagem a seguir: “O Orçamento Participativo é um instrumento
fundamental na democratização da gestão pública, pois garante a permanente intervenção do cidadão nos
destinos da cidade. É no OP que cada cidadão expressa sua vontade e consciência política, ao decidir sobre as
necessidades da cidade como um todo, concretizando o processo de construção da cidadania” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 1999, p. 15).
269
Ver a esse respeito: Navarro (2000) e Pont (1998).
254
defendida em vista do processo de reforma do Estado, legitimando um tipo de gestão
municipal eficiente e eficaz nos gastos públicos. A fala do Prefeito de Belém corrobora com
essa assertiva:
[...] Porque, na essência, a participação, o que interessa para eles é, em certa medida,
uma participação muito ligada aos interesses estritamente financeiros, tanto que eles
indicam o Orçamento Participativo, também. Por quê? Porque o controle nesse nível
financeiro, e somente nesse vel, está absolutamente integrado ao seu programa de
ajuste fiscal. [...] A lei de responsabilidade fiscal é isto. Então, na medida em que, ao
liberar um milhão, por exemplo, eles possam estar mais tranqüilos de que aquela
obra vai gastar um milhão e bem, porque tem em certo grau de participação e
controle por parte da população, isto é bom, para evitar desperdícios e o
desequilíbrio da balança do país e o próprio desequilíbrio fiscal. [...] por que o
Banco Mundial, hoje, referenda o Orçamento Participativo? [...] Eu acho que
cumpre [...] um papel positivo [...] mas, a rigor o objetivo maior é o equilíbrio fiscal.
[...] O que ocorre, hoje, é que as imposições do FMI e seus complementos, elas
prezam a responsabilidade fiscal, mas não prezam a responsabilidade social [...]
270
.
Em se tratando de verificar indícios de tensão entre os modelos de gestão balizados pelo
ideário neoliberal e o ideário democrático, um ponto importante a ser destacado do conjunto
das argumentações da Prefeitura de Belém diz respeito à perspectiva de universalização de
direitos. Contrariamente à construção do pensamento que orienta à minimização do Estado,
especificamente no que toca à garantia da proteção social, as propostas do Governo Municipal
de Belém tendem a posicionar-se em favor da noção ampliada de direitos. Nessa direção,
afirma o Programa de Governo (2000, p. 25):
Nossas ações visam a Universalização da Cidadania, desenvolvendo ações
includentes, que enfrentam o neoliberalismo, buscando efetivar políticas sociais que
ampliem ao máximo o acesso dos excluídos a políticas que assegurem a qualidade
de vida e a cidadania.
Segundo o Governo Municipal, as políticas implementadas balizam-se pelo princípio da
universalização de direitos, motivo pelo qual a Prefeitura definiu como estratégia a articulação
e a integração das políticas setoriais (saúde, educação, saneamento, cultura e geração de
trabalho e renda). “Esses direitos, priorizados desde o início do Governo do Povo como
essenciais à garantia da cidadania, [...] inclui os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e
270
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
255
culturais que devem ser promovidos e protegidos pelos governos e cidadãos” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2002, p. 167)
271
.
A proposta de intersetorialidade constitui-se em uma idéia força dentro da arquitetura
política do governo. A aglutinação das políticas setoriais em Marcas de governo (no primeiro
mandato) e em Diretrizes estratégicas (no segundo) traduz a intencionalidade da Prefeitura de
Belém em desenvolver uma política de caráter integrado que se coaduna com a perspectiva de
universalização de direitos. Nesse sentido, essa proposta configura-se em elemento de tensão
com as indicações do BID sobre a natureza das políticas públicas, as quais devem ser setoriais
e focadas, sobretudo nas áreas mais “carentes” da cidade.
Ao lado dos elementos que indicam divergências com o modelo de gestão de cidades
propagado pelo BID, observam-se no interior dos documentos produzidos pela Prefeitura de
Belém, pontos de compatibilidades com o ideário concernente ao pensamento único. A
exemplo das orientações do BID, no marco da competitividade urbana, o governo municipal
exibe com orgulho as premiações recebidas em nível nacional e internacional referentes à
gestão da cidade de Belém. Note-se que a prática de premiações de experiências locais,
conforme observado no segundo capítulo, é bastante difundida pelas agências internacionais e
situa-se no rol das prescrições que estimulam a competitividade entre as cidades.
Nessa direção, o documento Mensagem à mara dos Vereadores, referente ao ano de
1998, afirma que pela primeira vez a cidade de Belém ganhou projeção internacional, isso
porque a Organizações das Nações Unidas (ONU) elegeu a cidade de Belém como modelo de
gestão participativa tendo em vista a experiência do Orçamento Participativo. Na seqüência o
texto informa que a cidade de Belém foi reconhecida pelo governo brasileiro (à época,
271
O princípio da universalização de direitos é reforçado no relatório de 2002 quando afirma que as estratégias
de gestão do Governo Municipal devem “propiciar a todas as crianças, jovens, adultos, idosos, portadores de
necessidades educativas especiais, índios, negros, homossexuais, todo homem e toda mulher, de qualquer credo,
religião, cor, opção sexual, acesso às políticas públicas com qualidade social e respeito às diferenças,
resguardando-se a garantia dos direitos de cidadania para todos/as” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
2003, p. 145).
256
Fernando Henrique Cardoso) como um modelo de gestão participativa. Entretanto, é curioso
notar na passagem a seguir que a Prefeitura, mesmo apresentando um discurso oposicionista,
confere importância a esse tipo de prática que, por muitas mediações, vincula-se ao processo
de reforma do Estado: “O Governo Federal, mesmo sabendo que nos opomos às políticas
do neoliberalismo, viu-se obrigado a reconhecer Belém como um modelo de gestão
participativa, em ação conjunta com o respeitado Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM)” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1999, p. 10, grifo meu).
O relatório do ano de 1999 continua a indicar pontos de compatibilidades com a lógica
das agências multilaterais que escolhem determinadas práticas de gestão como modelos a
serem seguidos por outras cidades. Cita o documento que Belém foi eleita como cidade-
coordenadora e sede do Secretariado Técnico do Programa Gestão Participativa de Rios
Urbanos em cidades da América Latina e Caribe, do Programa Gestão Urbana (PGU),
vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2000)
272
.
Na rota das premiações que se compatibilizam com o ideário (difundido pelas agências)
do bom governo e/ou da boa gestão, o Programa de Governo elaborado no ano 2000 destaca
os vários prêmios recebidos pela Prefeitura de Belém referentes aos projetos efetivados na
primeira gestão. Diz o documento: “Os êxitos do Governo do Povo foram reconhecidos em
todas as áreas. Na educação, Edmilson ganhou por duas vezes consecutivas o diploma de
Prefeito Criança, da Fundação ABRINQ” (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000, p. 22)
273
. E
272
O mesmo relatório informa que a Biblioteca do Congresso Norte-Americano, situada em Washington,
solicitou à Coordenação de Relações com a Comunidade (CRC), da Prefeitura de Belém, as publicações
concernentes ao Orçamento Participativo. E afirma: “Tornou-se motivo de orgulho para a Prefeitura de Belém, o
interesse da Biblioteca do Congresso, em fazer constar nos seus acervos os programas do Governo do Povo
voltados ao social” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2000, p. 31). Também informa que o Orçamento
Participativo de Belém foi selecionado pelo Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (CNUAH-
Habitat) entre as Melhores práticas de gestão para o entorno humano. Com o reconhecimento, o OP passou a
ser recomendado pela ONU aos países de todo o mundo como exemplo de gestão pública, visando a inclusão
social e a melhoria da qualidade de vida urbana” (idem, p. 33).
273
Acerca dessa premiação, diz o Prefeito Edmilson Rodrigues no relatório sobre a primeira gestão: “Somos
hoje, com enorme orgulho, uma cidade reconhecida nacional e internacionalmente por nossos projetos na área da
257
mais adiante: “Somos uma cidade premiada. São 46 prêmios ou menções, nacionais e
internacionais para o Governo do Povo de Belém” (idem, p. 23)
274
.
um outro elemento destacado pela Prefeitura de Belém que guarda compatibilidade
com a agenda do BID para as cidades. O relatório de 1998 demonstra que a política de
desenvolvimento urbano do município, ao lado de garantir a qualidade de vida da população
belenense, bem como a preservação de sua tradição cultural, deve propiciar a atração de
investimentos externos no âmbito da competitividade entre cidades. Vejamos:
A estratégia do Governo Municipal tem sido orientada para devolver à cidade de
Belém o lugar de centralidade política, cultural e econômica que sempre ocupou no
contexto nacional, afirmando-a como uma cidade competitiva no cenário
nacional, com imenso potencial para atrair investimentos de setores que
necessitam das vantagens locacionais oferecidas pela mais singular região brasileira
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2000, p. 11, grifo meu).
Passemos a analisar o Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal para
verificar, nessa experiência particular, os pontos de tensões e compatibilidades entre as
propostas de gestão de cidades e a noção de participação social.
infância. Não é por acaso que nós somos o único prefeito distinguido por dois anos consecutivos com o título de
Prefeito Criança, em certame organizado pela Fundação Abrinq para os Direitos da Criança e pelo Unicef”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 07).
274
O relatório da primeira gestão destaca as premiações recebidas pela Prefeitura de Belém referentes aos
projetos na área da infância e adolescência: O projeto Sementes do Amanhã (de erradicação do trabalho infantil)
recebeu nota 10 do Programa Brasil Criança Cidadã do Ministério da Previdência e Assistência Social sendo
premiado com o valor de R$100 mil; o Programa Bolsa Escola concorreu e foi escolhido entre os vinte melhores
projetos na área de Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas, Fundação Ford e BNDES, com o
prêmio de R$ 3 mil; o projeto Escola Circo foi selecionado pelo Unicef, através do programa Criança
Esperança para receber recursos a fim de realizar evento na área de conhecimento circense. Por sua vez, o
relatório do ano de 2001 faz um retrospecto de todas as premiações (um total de 44) recebidas pela Prefeitura de
Belém, em nível nacional e internacional, durante o primeiro mandato e do primeiro ano da segunda gestão
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2002). O Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal
foi escolhido entre as Dez melhores práticas de gestão local no âmbito do Programa Caixa Melhores Práticas,
da Caixa Econômica Federal. O mesmo foi premiado (entre 100 melhores práticas internacionais de gestão local)
no Best practices and local leadership programm (BLP) em Dubai (Emirados Árabes) (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2003). O último relatório do governo municipal cita, ainda, outras premiações
recebidas pela prefeitura de Belém, dentre elas, destaca-se o Prêmio Banco Mundial de Cidadania”, conferido
pelo Banco Mundial, Ministério do Meio Ambiente e pelo Governo do Estado do Amazonas ao Projeto Sócio-
Educacional Integrado (PROSEI), efetivado em parceria com a Universidade Federal do Pará (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2004).
258
4.4.1 Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal: modelos de
planejamento em confronto: entre as regras do Programa HBB e a proposta de gestão
democrática
Dentro da proposta de gestão democrática da cidade de Belém, tem destaque o Plano de
Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, o qual se vincula, no âmbito da política
urbana, à diretriz Desenvolvimento urbanístico e ambiental
275
. Na acepção da Prefeitura, este
Plano constitui-se em expressão de um planejamento urbano de natureza democrática, cuja
elaboração foi realizada com a participação de diversos setores da sociedade (lideranças
comunitárias, instituições governamentais e o-governamentais, intelectuais, dentre outros)
alinhados com o ideário de justiça social na cidade. Propunha-se, então, a ser uma experiência
particular de política urbana, primando por um tipo de construção metodológica que, em seu
conjunto, estava baseada nos seguintes aspectos: participação social transversal ao
planejamento, execução/acompanhamento da intervenção urbanística; intersetorialidade e
interdisciplinaridade na concepção e execução da política; perspectiva ampliada quanto ao
princípio de resolução da problemática habitacional: tratamento da moradia associado a
problemas urbanos como saneamento ambiental (esgotamento sanitário, limpeza pública,
educação ambiental), infra-estruturação urbana (pavimentação de ruas), equipamentos
comunitários (áreas de lazer), projetos na área de educação, incentivo ao esporte e cultura,
além de projetos voltados à geração de renda; preservação da característica natural do leito do
275
No primeiro mandato, a política urbana esteve alinhada às marcas Sanear e Revitalizar Belém. A marca
Sanear Belém girava em torno dos seguintes objetivos: “Coletar e proporcionar tratamento adequado de resíduos
sólidos; Desenvolver ões de macro e microdrenagem; Desencadear processo de municipalização do sistema de
água e esgoto; Implantar sistemas de esgotos sanitários e abastecimento de água; Promover a melhoria sanitária
domiciliar” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001, p. 23). Enquanto a marca Revitalizar Belém
propunha-se a: “ordenar o uso e a ocupação do espaço urbano; contribuir para modificar a situação de
degradação do ambiente urbano; potencializar as diversas expressões de identidades culturais da cidade;
implantar projeto com vistas a gerar ocupação e renda e segurança alimentar; possibilitar a oferta de cesta básica
com melhor qualidade e preço; promover o patrimônio histórico, cultural e ambiental como atração turística”
(idem, p. 38). No segundo mandato, os princípios, metas e objetivos da política urbana foram condensadas na
diretriz Desenvolvimento urbanístico e ambiental que envolvia as políticas de saneamento, educação ambiental,
habitação, turismo e transporte (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001d).
259
igarapé, garantindo sua navegabilidade; a totalidade da experiência deveria configurar-se em
modelo de planejamento urbano orientador de novos projetos urbanísticos na cidade .
Conforme assinalado no início desse capítulo, o Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento,
através do Programa Habitar Brasil-BID, o qual possui uma série de exigências e
recomendações previstas no Regulamento operacional e Manual de orientações tratados no
segundo capítulo que devem orientar de forma impreterível a elaboração dos projetos em
nível municipal.
Considera-se, nesta tese, que o Plano Riacho Doce e Pantanal (concepção e execução)
corresponde a um campo particular (aqui entendido como meio mediador, campo de
mediações, para seguir as reflexões de Lukács, 1978) onde se encontram princípios e
objetivos diferenciados no que se refere à concepção de gestão e processos participativos.
Nesse aspecto, far-se-á uma remissão ao citado Plano para em seguida, refletir sobre as
tensões e as compatibilidades existentes entre as propostas de gestão de cidades - incluindo-se
a noção de participação social - do Programa Habitar Brasil/BID e da Prefeitura Municipal de
Belém.
O Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal refere-se a uma proposta de
intervenção urbanística elaborada pela Prefeitura Municipal de Belém, com aporte financeiro
do Programa Habitar Brasil-BID. Em nível de planejamento municipal é vinculado ao
Programa assentamento humano habitação com dignidade
276
e articulado, conforme
assinalado acima, à diretriz Desenvolvimento urbanístico e ambiental (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001d). Embora interligado à matriz de planejamento na área
habitacional, o Plano guarda relação, de forma mais aproximativa, com a problemática do
276
Esse programa tem por objetivo Implementar a política habitacional do município, garantindo qualidade de
vida e inserção socioeconômica da população de baixa renda e dos servidores municipais” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001d, p. 22).
260
saneamento, um dos problemas urbanos mais graves da cidade de Belém proveniente do
processo histórico de ocupação das baixadas, conforme observado no item 4.1.
As localidades Riacho Doce e Pantanal, que fazem parte dos bairros Guamá e Terra
Firme, são consideradas áreas de baixadas e estão inseridas geograficamente na segunda
maior bacia do município de Belém, a bacia hidrográfica do igarapé do Tucunduba
277
. Em
termos históricos, a ocupação do Tucunduba data do final do século XIX e início do XX
(1887 a 1910). Ocorreu, portanto, durante a administração do Intendente Antonio Lemos que
proibiu, dentre outros, a construção de estábulos e pastoreio de gados nas terras altas e
centrais da cidade. Por esse motivo, os trabalhadores que exerciam atividades agropecuárias
dirigiram-se para as áreas de baixadas, a exemplo da área do Tucunduba (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c)
278
.
Por sua vez, a área do Riacho Doce que está localizada às margens do igarapé do
Tucunduba foi ocupada como assentamento espontâneo em setembro de 1990 (do século XX).
Sendo uma área proveniente de ocupação de terra e, sobretudo, pelo aspecto alagado/alagável
do terreno, os moradores passaram enfrentar os problemas característicos desse tipo de
ocupação: conflito com os supostos proprietários do terreno, divisão desordenada dos lotes,
construção de barracos de madeira, acesso à água potável por meio de canos quebrados ou
retirada de dentro da Universidade Federal do Pará, utilização da energia elétrica de forma
277
Esta bacia possui área de 10,55km
2
. Atinge os bairros Universitário, Terra Firme, Guamá, Canudos e Marco.
Tem uma população de aproximadamente 161.499 pessoas (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
O igarapé do Tucunduba é um dos rios da bacia, sendo que seu leito antes de desaguar no rio Guamá - passa
por dentro da Universidade Federal do Pará. Vale dizer que a expressão igarapé, muito usada na Região
Amazônica, vem do tupi e significa “rio pequeno”. Apresenta as mesmas características dos grandes rios, sendo
geralmente navegável (FERREIRA, 1999).
278
No início de sua urbanização, a área do Tucunduba serviu também de locus para a construção de asilos e
casas de saúde que deveriam servir de abrigos para mendigos e doentes mentais que, segundo os padrões de
embelezamento e higiene do plano urbanístico implementado na administração de Antonio Lemos, não poderiam
circular nas áreas centrais da cidade (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
261
clandestina (os chamados “gatos”), destinação do lixo doméstico em terrenos vazios ou
diretamente jogado no rio (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c)
279
.
A área do Pantanal também localizada às margens do igarapé do Tucunduba formou-se
mediante um processo de ocupação de terra entre os meses de maio e agosto do ano 1990 (do
século XX). Apresenta os mesmos problemas urbanos existentes na comunidade do Riacho
Doce: divisão desordenada de lotes, moradia do tipo palafita - algumas no leito do próprio
igarapé -, ausência de saneamento básico, energia elétrica e água potável (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c)
280
.
Atualmente residem nas localidades do Riacho Doce e Pantanal cerca de 1.537 famílias,
equivalente a uma população de 6.057 habitantes. A faixa de renda familiar predominante é
entre um e três salários mínimos (69,86%), seguido da faixa de menos de um salário
(13,74%). A principal ocupação dos homens e mulheres chefes de família correspondem aos
trabalhos por conta própria, a saber: comerciantes, vendedores ambulantes,
estivador/carregador, pedreiro, carpinteiro. Algumas famílias praticam a pesca (para
subsistência) no rio Guamá e na ilha do Combu (próxima à área). Além disso, a proximidade
com o rio permite a comercialização de produtos provenientes de municípios ribeirinhos (do
interior do Estado), através de barcos, tais como: madeira, palha, tijolo, açaí, farinha
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
No que se refere à tipologia arquitetônica das residências nas áreas do Riacho Doce e
Pantanal, uma predominância da utilização da madeira
281
, sendo que as construções são
bastante elevadas do solo e sustentadas por esteios (vigamento em madeira), tendo em vista
279
Um ano após a formação da área, foi fundado o Centro Comunitário do Riacho Doce que passou a reivindicar
do poder público, melhorias urbanas, tais como: abastecimento de água e ligações de energia elétrica
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
280
Em 1991, foi criada a Associação de Moradores Unidos do Pantanal (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2001c).
281
As casas construídas geralmente reproduzem o padrão habitacional ribeirinho de áreas de várzea da
Amazônia, tendo em vista que a maioria dos moradores dessas áreas é proveniente de municípios do interior do
estado do Pará.
262
que são erguidas, em sua maioria, em áreas de rzea
282
, caracterizando um padrão
habitacional do tipo palafita. A circulação externa dos moradores é feita por pontes de
madeira (estivas) sobre o terreno alagado. Parte dos banheiros localizam-se do lado de fora da
casa e devido à inexistência da rede de drenagem sanitária, os dejetos são lançados
diretamente no terreno configurando um quadro habitacional bastante precário, agravado, pela
ausência de saneamento básico (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c) (Figuras 1
a 8).
Face à problemática urbana, em 1999 a Prefeitura Municipal de Belém iniciou o
processo de habilitação para financiamento de recursos junto ao Programa Habitar Brasil-BID
(HBB). A lei nº. 7.976/99 votada pela Câmara Municipal e sancionada pelo Prefeito de Belém
autorizou o poder público municipal a participar do referido Programa
283
.
Vale lembrar que, em conformidade às anotações do segundo capítulo, o Programa
Habitar Brasil-BID, em sua estrutura, divide-se em dois subprogramas: a) Apoio à
modernização institucional dos municípios para atuação na melhoria das condições do setor
habitacional, no segmento das famílias de baixa renda Desenvolvimento Institucional de
Municípios (DI) e; b) Melhoria das condições habitacionais, de infra-estrutura e saneamento
básico – Urbanização de Assentamentos Subnormais (UAS); sendo que o primeiro sub-
programa constitui-se em pré-requisito para que os municípios tornem-se aptos a candidatar-
se ao financiamento junto ao HBB. Além disso, o Programa exige a elaboração de um Plano
Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais (Pemas), que corresponde a um
diagnóstico do setor urbano-habitacional do município.
282
Solo alagado ou alagável.
283
“Art. - Fica a Prefeitura Municipal de Belém autorizada a participar do Programa Habitar Brasil BID,
decorrente de contrato celebrado entre a União Federal e o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID,
celebrando convênios ou contratos com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano Secretaria de
Política Urbana - SEPURB, e com a Caixa Econômica Federal-CAIXA, visando a adesão e a implantação do
Programa, no Município” (Lei nº 7.976/99, de 08 de outubro de 1999).
263
FIGURA 1 A 3
264
FIGURA 4 A 5
265
FIGURAS 6 A 8
266
Vinculado ao sub-programa Desenvolvimento Institucional (DI), a Prefeitura de Belém,
seguindo as recomendações do Roteiro de Orientação para elaboração do Pemas, fornecido
pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDU) (do Programa HBB) organizou em 2001
- sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Coordenação Geral de Planejamento e
Gestão (Segep) - o Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais (Pemas),
referente ao município de Belém
284
.
Relacionado ao sub-programa Urbanização de Assentamentos Subnormais (UAS), a
Prefeitura Municipal de Belém elaborou, em 2001, o Plano de Desenvolvimento Local Riacho
Doce e Pantanal
285
(PDL) subdividido em duas áreas: Projeto físico implantação de infra-
estrutura urbana (habitação, drenagem pluvial, esgotamento sanitário, pavimentação,
equipamentos urbanos e comunitários, estação de tratamento de esgoto)
286
e Projeto social
284
O documento apresenta detalhadamente os seguintes dados sobre este município: caracterização físico-
territorial; perfil socioeconômico; processo de evolução urbana; organização da gestão municipal; atuação do
poder público no setor habitacional; avaliação prospectiva sobre a capacidade institucional no setor habitacional
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001a).
285
Para efeito de aprovação junto ao Programa Habitar Brasil-BID, o Plano foi dividido em 06 volumes,
apresentados da seguinte forma: 1) Concepção geral; 2) Dominial (regularização fundiária); 3) Caracterização
ambiental; 4) Trabalho de participação comunitária e; 5) Urbanístico, engenharia e anexos. As secretarias
municipais responsáveis pela elaboração do Plano foram: Secretaria Municipal de Coordenação Geral do
Planejamento e Gestão (Segep), Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) e Fundação Papa João XXIII
(Funpapa). Segundo Gayoso (2002), a previsão orçamentária do investimento para efetivação da primeira etapa
do Plano de Desenvolvimento Local (PDL) era de R$9.871.450,00 (nove milhões, oitocentos e setenta e um mil
e quatrocentos e cinqüenta reais), os quais foram requeridos junto à Secretaria de Desenvolvimento Urbano do
Governo Federal através do Programa Habitar Brasil/BID, sendo que desse total 15% correspondia à
contrapartida da Prefeitura Municipal de Belém.
286
As intervenções urbanísticas propostas dizem respeito a: estruturação da malha urbana existente, construção
de unidades habitacionais, reassentamento de famílias, preservação da orla do igarapé do Tucunduba e
construção de equipamentos urbanos e comunitários. A construção de unidades habitacionais deveria ser feita
por etapa, sendo que o processo de remanejamento das famílias das áreas do Riacho Doce e Pantanal deveria
considerar a divisão da área em 06 setores: Setor 1: corresponde ao terreno a ser desapropriado pela Prefeitura
Municipal destinado à construção de 500 unidades habitacionais; Setores 2 e 3: área da comunidade do Riacho
Doce onde residem as famílias a serem remanejadas; Setores 4, 5, 6: área da comunidade do Pantanal onde
residem as famílias também à espera de remanejamento. O Plano pre na Etapa 1: remanejamento de 421
famílias da área do Riacho Doce e 188 da ilha do Pantanal que deverão receber novas unidades habitacionais a
serem edificadas na área de expansão dos setores 1, 3, 4, 5; oferta de lotes urbanizados para auto-construção de
89 unidades habitacionais através de cesta de materiais de construção no setor 1; execução de 72 melhorias
habitacionais; construção de 141 módulos hidráulicos e da Estação de Tratamento de Esgoto para atendimento de
2000 famílias. Para a área do Pantanal, o Plano prevê pavimentação em blokret em determinados trechos e
construção de 77 unidades habitacionais. Na Etapa 1 devem ser executados os equipamentos comunitários
previstos: creche (no setor 2); Centro Comunitário do Pantanal; reforma de uma unidade habitacional para a
sediar o Centro Comunitário do Riacho Doce; reforma de 1 escola e 2 praças no Pantanal. Na etapa II estão
previstos remanejamentos no setor 2 em função da constatação de risco ambiental ou de desabamento de casas
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001b). Levando-se em consideração que esses dados foram
levantados em janeiro de 2004 e com o intuito de atualizá-los, vale informar que a execução do projeto sico
267
Programa Socioambiental das localidades do Riacho Doce e Pantanal
287
(PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
Na introdução do Plano (Volume I - Concepção Geral) a Prefeitura de Belém sinaliza os
princípios norteadores da intervenção urbanística no Riacho Doce e no Pantanal. Em primeiro
lugar demonstra que a atuação nessas áreas de baixadas corresponde a um processo de
inversão de prioridades centrada nas necessidades humanas e não na lógica de mercado.
Negar esta lógica significa, na acepção do governo, desprivatizar as ações da gestão municipal
constituindo um campo de debates entre os vários setores sociais. Esse processo exige que se
repense o modelo de planejamento urbano externo e normatizador (definido por modelos,
fórmulas), o qual define o uso e ocupação do solo a despeito da maioria dos usuários. Em
contraponto a esse modelo, diz o documento ao apresentar a proposta de planejamento do
PDL:
Belém assume o desafio de construir uma nova matriz que não siga o mesmo
caminho de dominação econômica, política e ideológica de inspiração externa,
mas a construção de uma práxis urbana comprometida com os agentes sociais
produtores da cidade. Esta, sem dúvidas, [sic] não é uma tarefa cil, pois impõe
uma postura de abdicação de fórmulas consolidadas de planejamento, onde
as diferenças são dissimuladas e que produzem uma cidade excludente
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001b, p. 02, grifo meu).
Assim, na perspectiva da Prefeitura, o Plano de Desenvolvimento Local consiste em um
exercício de planejamento que deve diferenciar-se da matriz de planejamento tradicional.
Para tanto, que se substituir, segundo o documento, a postura convencional de
distanciamento entre o planejador e os agentes sociais locais por uma prática de diálogo que
continua em andamento (pelo atual governo Duciomar Costa, eleito em 2004 e que sucedeu a administração
petista), sendo que até fevereiro de 2006, do total de obras previstas (na etapa), foi executado o percentual de
35,86%.
287
Este se divide em cinco subprogramas: Desenvolvimento comunitário/controle social; Serviço de atendimento
e informação; Geração de trabalho e renda; Educação sanitária e ambiental; Acompanhamento social às famílias
remanejadas. O Programa socioambiental, em seu conjunto, corresponde ao Trabalho de Participação
Comunitária. Também para efeito de atualização de dados quanto ao projeto da área social, cabe informar que na
gestão do governo atual (tratado na nota anterior) a equipe da área social aguarda (os dados são de fevereiro de
2006) aprovação da reprogramação das atividades do projeto que se encontra em avaliação no Governo Federal
(Caixa Econômica e Ministério das Cidades). Enquanto espera a referida aprovação, essa equipe vem atendendo
às lideranças comunitárias e moradores interessados no andamento do projeto. A falta de recursos tem
impossibilitado a equipe de dar prosseguimento à dinâmica empreendida anteriormente de reuniões com os
conselheiros eleitos.
268
incorpore as expectativas e necessidades dos usuários, transformando as fases de concepção,
elaboração, sistematização e implementação do plano em exercício de democracia
participativa. “Desta forma, o planejamento urbano assume o caráter de instrumento político
de construção do poder popular, possibilitando a ampliação dos espaços de participação e
gestão da cidade” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001b, p. 3)
288
.
Ocorre que mesmo diante de um posicionamento crítico em relação ao planejamento
normativo, a Prefeitura Municipal, para efeito de aprovação do projeto junto à agência
financiadora, precisou adequar a forma de elaboração do Plano às normas e requisições
contidas no Manual de Orientação e Regulamento Operacional do Programa Habitar Brasil-
BID, que em seu conjunto correspondem a um tipo de planejamento tradicional, caracterizado
por uma rigidez na orientação elaborativa do projeto que se expressa nos seguintes aspectos:
utilização de modelos (roteiros metológicos) para formatação da proposta; definição detalhada
das etapas a serem seguidas para aprovação do plano (a exemplo, das Fases I e II) e, neste
caso, o Manual determina passo a passo, quais as atividades a serem desenvolvidas pelos
profissionais envolvidos no projeto; a escolha tanto da área objeto de intervenção, quanto da
problemática urbana deve ser subsumida ao que o Programa HBB oferece (ou melhor,
estabelece) para financiamento, isto é, a área deve ser considerada um assentamento
subnormal para tornar-se apta ao recebimento de recursos e; exigência da assinatura de um
Termo de Adesão, Compromisso e Obrigações por 80% das famílias atendidas pelo projeto,
que, segundo o Manual, demonstra a participação e a aprovação dos moradores no e em
relação ao projeto a ser executado
289
.
288
Em entrevista para fins da presente tese, a Secretária de Planejamento tratou da concepção de planejamento
do governo municipal: [...] é [...] uma tentativa nossa, permanente, de romper com o planejamento normativo,
aquele que o leva em conta de que a cidade ela é feita, também, no seu cotidiano, que não é suficiente um
plano que desenhe a cidade, que trabalhe as inferências para a cidade, a partir de uma visão concebida
intragoverno, apenas, que não leve em conta as [...] necessidades que não, necessariamente, estão dadas pelo
saber técnico, propriamente, mas, dessa relação entre o que é o saber técnico e de que são as necessidades
concretas da população, [...] que são [...] as outras formas de saber, que o, necessariamente, estão, apenas, em
uma especialidade acadêmica e nem, tampouco, em uma parcela da sociedade.”
289
O detalhamento dessas orientações encontra-se no Capítulo 2 desta tese (item 2.3.2).
269
Passemos a examinar, então, o Volume IV do Plano de Desenvolvimento Local Riacho
Doce e Pantanal, que consiste no Trabalho de Participação Comunitária (TPC), também
chamado de Projeto de Participação Comunitária, para verificar como a Prefeitura de Belém
adequou sua concepção de planejamento - incluindo os princípios de gestão democrática e
participação social - às recomendações do Programa Habitar Brasil-BID
290
.
Na apresentação do Projeto de Participação Comunitária a Prefeitura Municipal de
Belém ratifica a afirmação contida nos demais documentos oficiais de que o governo
municipal, iniciado em 1997, prima por um tipo de planejamento que se legitima pela gestão
participativa, a exemplo das atividades desenvolvidas no âmbito do Congresso da Cidade e
do Orçamento Participativo, instâncias decisórias que fomentam a participação e o controle
social, este último considerado como “os instrumentos e mecanismos que garantam condições
de acesso aos agentes sociais nas esferas de decisões e instâncias da administração pública”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c, p. 07). Demonstra que o Trabalho de
Participação Comunitária a ser desenvolvido no PDL pretende seguir a linha política em
curso na cidade, devendo conectar-se às experiências de planejamento (como é o caso do
Congresso da Cidade) que investe na radicalização da gestão participativa.
Seguindo esta linha de raciocínio, a Prefeitura argumenta que as diretrizes gerais do
Projeto de Participação Comunitária, no âmbito do PDL, no que toca à metodologia de
participação comunitária, devem ser orientadas nas diretrizes programáticas que norteiam a
gestão municipal, essas últimas são:
- Implementar um plano de desenvolvimento local que busque a universalização da
cidadania, a conquista da sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida;
- Participação popular ou comunitária com controle social como princípio norteador
das ações do plano;
- Fortalecimento da organização comunitária para construção e afirmação do poder
popular;
290
A escolha do Trabalho de Participação Comunitária, para exame, não é aleatória. Consiste em uma
aproximação sucessiva às determinações complexas (concretas) do objeto de reflexão desta tese. Busca-se,
mediante análise desse projeto, verificar os elementos que indicam se (e quais são) as orientações
diferenciadas em relação à gestão de cidades e à noção de participação social.
270
- Resgate das lutas históricas/sociais na busca do conhecimento e reconhecimento
das identidades sócio-culturais dos agentes sociais locais, para o fortalecimento de
sua organização;
- Permanência das famílias no mesmo local de moradia, criando mecanismos de
contenção da especulação imobiliária;
- Estabelecimento de padrões e procedimentos próprios para servirem de orientação
às ações do governo municipal na implementação de programas e projetos da
política urbana, ambiental e de inclusão social (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2001c, p. 10).
Nesse viés, o documento enfatiza que a participação deve colaborar na ampliação de
direitos sociais. Isso significa que ao lado de considerar a moradia como eixo central de
intervenção do projeto urbanístico, deve-se levar em conta outros aspectos que garantem a
habitabilidade digna: direito a educação, saúde, meio ambiente, renda, cultura e lazer,
organização, reconhecimento da cidadania e direito à terra/habitação. Nessa perspectiva, o
Trabalho de Participação Comunitária tem como principal objetivo:
Fortalecer a prática pedagógica e política dos agentes sociais, reforçando o processo
de luta pela garantia de direitos sociais mediante o planejamento democrático e a
administração compartilhada de forma a possibilitar o exercício da cidadania, assim
como, desencadear um processo articulado de mobilização e controle social do
Plano de Desenvolvimento Local (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM,
2001c, p. 87)
291
.
A metodologia do Plano prevê que as atividades a serem desenvolvidas nas áreas
Riacho Doce e Pantanal devem ter como princípio a participação (incluindo o respeito ao
saber) dos moradores em todos os momentos da execução do projeto. A modalidade de
291
São objetivos específicos do TPC:
“- Desenvolver um processo pedagógico junto às lideranças populares para exercerem o seu papel na gestão
pública e fortalecer sua responsabilidade social nas comunidades/entidades que representam;
- Identificar, a partir do processo pedagógico participativo, as habilidades e aptidões necessárias ao exercício da
gestão colegiada e controle social de projetos em desenvolvimento;
- Contribuir para a constituição de uma nova mentalidade sanitária e socioambiental através da participação da
população em atividades de Educação Sanitária e Ambiental;
- Articular ações de Educação Sanitária e Ambiental com as ações desenvolvidas por unidades de saúde,
instituições de ensino, grupos culturais, organizações comunitárias e o Distrito Administrativo do Guamá
(Dagua), visando o exercício da cidadania e soluções de problemas sanitários e ambientais locais;
- Promover ações voltadas à geração de trabalho e renda, considerando o potencial econômico e as relações
estabelecidas;
- Criar condições para que as famílias do Riacho Doce e Pantanal participem efetivamente de todas as atividades
do Plano de Desenvolvimento Local;
- Desenvolver uma proposta de metodologia de participação em projetos de intervenção, urbanística
habitacional, para subsidiar a política habitacional da prefeitura de Belém” (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2001c, p. 87).
271
intervenção urbana deve ter por base a interinstitucionalidade (ou intersetorialidade) e
interdisciplinaridade
292
.
No aspecto metodológico, o Plano apresenta uma peculiaridade: a base física de
elaboração e execução do projeto fica na própria área, às margens do Igarapé do Tucunduba.
Além disso, os técnicos que tradicionalmente - pela natureza da atividade “social” e “física” -
atuam em separado, foram dispostos na mesma sala (nesta base física) para - segundo o Plano
- facilitar a adoção da mesma linguagem no que se refere à compreensão da totalidade da
experiência. Nesse sentido, o trabalho de campo (feito anteriormente à construção do Plano)
que via de regra é uma atribuição do assistente social, foi realizado com equipe mista (Serviço
Social, Engenharia e Arquitetura). Da mesma forma que o projeto físico” foi debatido por
toda a equipe do projeto. Quanto a isso, diz o Plano:
Uma distinção preliminar refere-se à recusa do dualismo’ contido na divisão entre
‘trabalho social’ e ‘projeto sico’. Para além da simples ‘integração’ destas
atividades tem-se um aspecto relacional suplantando as práticas isoladas de
especialistas e peritos tanto no que diz respeito ao aparato conceitual que norteia a
intervenção, quanto às realidades localizadas [...] (PREFEITURA MUNICIPAL DE
BELÉM, 2001c, p. 93).
Adiante afirma que:
[...] Qualquer formação acadêmica, no âmbito do PDL, acompanha a execução da
atividade das outras e ao mesmo tempo reconhece o saber daqueles para quem as
ações são voltadas. Prevalece um aspecto relacional para cada atividade ou questão
abordada pelo projeto. A especialização aqui aparece como relativamente
subordinada a um processo de interlocução sistemática. [...] A divisão do trabalho
292
Algumas observações importantes quanto a esses dois aspectos. Em relação à interinstitucionalidade (ou
intersetorialidade), o Plano demonstra que a equipe do PDL deverá buscar articular-se às outras instituições de
nível municipal (Sesma, Semec, Codem, Funverde, Sehab, etc.) para responder às rias demandas na área
(educação, saúde, meio-ambiente, dentre outros). Ainda a esse respeito, vale registrar que a Prefeitura de Belém
firmou, em 2000, um convênio de Cooperação Técnica e Científica com a Universidade Federal do Pará,
envolvendo os cursos de Serviço Social, Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo e Geografia. Dentro desse
Convênio, professores (dentre os quais, a autora desta tese) e alunos dos referidos cursos realizaram um
levantamento documental e bibliográfico com o objetivo de mapear toda a produção acadêmica da UFPA
(graduação e pós) sobre a área do Tucunduba, cujos dados serviram de base para a elaboração do Plano. Em
relação à interdisciplinaridade, cabe observar que durante a formatação do Plano foram envolvidos técnicos de
diferentes formações acadêmicas: assistentes sociais, advogados, arquitetos e urbanistas, economistas,
engenheiros civis, engenheiros sanitaristas, engenheiros florestais geólogos, geógrafos, pedagogos, antropólogos
e educadores. A composição do quadro técnico da equipe do PDL foi prevista da seguinte forma: a) Equipe de
Engenharia e Urbanismo: um coordenador técnico com formação em Arquitetura e Urbanismo e cinco técnicos
(quatro arquitetos e um engenheiro civil); b) Equipe Social: uma coordenadora com formação em Serviço Social
e cinco técnicos (três assistentes sociais, um sociólogo e um economista).
272
técnico articula-se com o reconhecimento dos agentes sociais como sujeitos que
atuam de maneira ativa em face de quaisquer decisões tomadas em seu nome ou a
eles dirigida [sic], participando de todo o processo de elaboração da proposta
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c, p. 94)
293
.
Destaca, ainda, que a proposta urbanística deve evitar que se estabeleçam relações com
os moradores baseadas na ideologia do favor, que pelo seu aspecto individualizado e
individualizante, obstaculiza a percepção da noção de direito social e a valorização da
participação coletiva para a tomada de decisões. Ainda em nível metodológico, o plano
especifica que os subprogramas interligados ao TPC serão desenvolvidos mediante atividades
como: cursos, oficinas, produção de material informativo e educativo construído junto com os
moradores, instalação de uma sala de exposição permanente com informações sobre o plano, e
placas informativas sobre a consecução do projeto. Os procedimentos metodológicos e os
instrumentais técnicos a serem trabalhados são: pesquisa de campo, diário de
campo/atendimento, observação direta, visitas domiciliares, reuniões, relatórios, entrevistas,
dinâmicas de grupo, estudos/avaliação de casos.
Se se examina o Plano na ótica de seu conteúdo, pode-se observar que seu modelo de
gestão está associado a um tipo de planejamento urbano que busca ser construído
coletivamente primando pela participação do maior número de usuários em todos os
momentos da intervenção urbanística. Entretanto, quando se analisa a estrutura de elaboração
do projeto em questão, nota-se que o documento assume uma postura de planejamento
tradicional se adequando às regras, normas e modelos previstos nas requisições do Manual de
Orientação do Programa HBB. Essa afirmação pode ser verificada, em primeiro lugar, na
293 Essa afirmação é corroborada na fala do Prefeito de Belém: “[...] sendo um governo de caráter democrático e
popular, o pode essa contribuição se configurar como reprodução do tecnicismo que só reforça o poder de
alguns poucos que tiveram o privilégio de estudar, de ter emprego em ambientes [...] de produção técnica e
produção teórica; nós não podemos, em hipótese alguma, negar o saber científico como instrumento fundamental
para a transformação social, agora, este saber científico tem que estar sendo, permanentemente, mediado por
uma ação protagônica daqueles que, junto com os cidadãos que tiveram oportunidade de se transformar em
técnicos com formação [...] acadêmica, aqueles que foram excluídos desse direito, m que exercer o direito de
se integrar a este processo de produção das alternativas de desenvolvimento da cidade” (Entrevista com o
Prefeito Municipal de Belém).
273
apresentação detalhada do diagnóstico integrado com dados sobre as áreas e sobre as famílias
(aspectos físicos, populacionais e socioeconômicos)
294
.
Todavia, o aspecto mais elucidativo da adequação (compatibilidade) do projeto da
Prefeitura às exigências previstas no Manual diz respeito aos procedimentos metodológicos
relativos ao item Participação dos agentes sociais
295
. No subitem Etapa de elaboração e
adesão comunitária ao Plano, o documento sinaliza que a equipe responsável pelo projeto,
antes de sua elaboração, procurou envolver os moradores na produção do diagnóstico das
áreas, no mapeamento das lideranças formais e informais, no planejamento e formato dos
subprogramas, além das discussões referentes às propostas de intervenção urbanística. A
aproximação dos técnicos com os moradores ocorreu mediante visitas, rua de lazer, mutirão
de limpeza e reuniões/assembléias
296
. Nestas, a equipe apresentou o projeto às lideranças
comunitárias, solicitando que as mesmas assinassem a Ata de assembléia, imprescindível para
a aprovação do projeto junto à CAIXA e à SEDU
297
. O trecho seguinte clarifica essa
afirmação:
[...] Para contratação do PDL, conforme acordado em reunião com os técnicos
consultores da SEDU e com os técnicos da Caixa Econômica realizada no dia 21 e
22 de março/2001, será considerada a adesão das lideranças comunitárias. O
documento formal de adesão das lideranças na etapa de elaboração é a ATA DE
294
Os dados referem-se a: definição das áreas para intervenção, histórico de ocupação urbana do Riacho Doce e
Pantanal, aspectos socioeconômicos (população, orçamento familiar, potencialidade econômica nas localidades),
uso do solo, sistema viário existente, caracterização das habitações, esgotamento sanitário, coleta de lixo,
abastecimento de água, energia elétrica, saúde, equipamentos urbanos e comunitários, organização comunitária,
programas e projetos governamentais e não-governamentais desenvolvidos nas áreas de intervenção, ações de
difusão do projeto (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
295
Vale observar que esse item (Participação dos agentes sociais) é subdividido em etapas (Etapa de elaboração
e adesão comunitária ao Plano, Etapa de execução das obras físicas, etapa de pós-ocupação), cujo termo é
bastante utilizado na linguagem do planejamento tradicional. O uso do termo sugere a idéia de que não
movimento, contradições na realidade e, principalmente, de que o planejador pode definir o momento exato de
realização de determinada ação.
296
A aproximação (prévia) com os moradores das áreas objeto de intervenção do Programa HBB é uma das
requisições do Manual.
297
Nessa etapa foram realizadas, em maio de 2001, sete assembléias deliberativas onde participaram, em dia,
70 a 80 pessoas entre lideranças e moradores da área. Nessas assembléias, a equipe identificou 98 lideranças
comunitárias existentes no Riacho Doce e Pantanal, das quais 84,6% formalizaram a adesão ao Plano nos moldes
exigidos pelo Manual do Programa HBB. “A adesão dos participantes nas assembléias se deu na medida em que
o projeto foi sendo apresentado, sendo oficializado com a assinatura do documento de adesão na última
assembléia onde se obteve a assinatura de 99 aderentes (83 lideranças e 16 moradores) (PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c, p. 99, grifo do documento).
274
ASSEMBLÉIA. A adesão familiar será feita no prazo de noventa dias após a
contratação do projeto, e o documento formal será o TERMO DE ADESÃO para as
famílias o remanejadas e TERMO DE ADESÃO E COMPROMISSO para as
famílias remanejadas (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c, p. 90,
grifo do documento).
O projeto prevê que a adesão familiar de 80% dos moradores seria feita através de três
etapas: a) Plano individual: corresponde a visitas domiciliares, com o objetivo de apresentar a
equipe técnica e o trabalho a ser executado na área, bem como, convidar os moradores a
participarem das assembléias a serem efetivadas por ruas (quadras); b) Plano das mediações:
reuniões e oficinas de consultas com lideranças formais, informais e membros de instituições
que tenham envolvimento com a área; c) Plano coletivo: oficinas de consulta, a serem
realizadas por ruas para apresentar as propostas, discutir e aprová-las e, posteriormente, uma
oficina de consulta que envolva todos os moradores para a aprovação final do plano
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2001c).
Ainda no item referente à participação, subitem Etapa de execução das obras físicas, o
plano prevê a instalação de um conselho de controle social (de caráter consultivo)
298
e duas
comissões de fiscalização de obras e serviços. No subitem Etapa de pós-ocupação foi prevista
a participação dos moradores através das instâncias antes referidas (conselho, comissões) pelo
período de 12 meses após o término das obras físicas
299
.
Quando se analisa, em particular, a experiência do Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal, pode-se identificar pontos de tensão e compatibilidades entre as
orientações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (através do Programa Habitar
298
Para esse conselho foi prevista a seguinte composição: poder blico (um representante da Universidade
Federal do Pará e três representes do Governo Municipal); ONG (um representante de cada ONG que tenha
atuação na área do Plano); comunidade (um representante de cada entidade comunitária formalmente constituída
– centros comunitários, associação de moradores, igrejas, grupos culturais - e um a dois representante eleitos nas
assembléias de rua – nas quais ocorrerão a adesão familiar).
299
Registra-se que também no item Implementação do Projeto, o Plano continua a indicar a adequação da
proposta da Prefeitura ao modelo normativo de planejamento do Programa HBB. No subitem Etapas de
implantação do plano o documento enfatiza que o PDL, tanto no que se refere às obras físicas quanto à
participação comunitária será executado em duas etapas.
275
Brasil BID) e das propostas democráticas (desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de
Belém).
Em primeiro lugar, que se observar que em relação à concepção de política urbana
municipal uma divergência com as orientações do BID para as cidades. Embora a escolha
do PDL tenha obedecido a uma recomendação do Banco em atuar em áreas consideradas
bolsões de pobreza (como de fato são as áreas do Riacho Doce e Pantanal)
300
, no âmbito do
projeto da Prefeitura, o Plano de Desenvolvimento Local Sustentável vincula-se a uma
proposta de desenvolvimento integral para a cidade, sendo, na acepção do Governo
Municipal, uma experiência concreta do modelo de gestão de cidades de natureza
democrática. Assim, a reflexão demonstra que esse Plano tem características contrárias à
perspectiva de política focalizada
301
.
Por outro lado, a metodologia do Plano, que incorpora a participação social, deveria
tornar-se referência para o desenvolvimento de outros projetos no município (enquanto
projeto piloto)
302
. Um outro aspecto que pode ser indicado, em nível de planejamento, como
diferenciado da orientação de política focalizada do Banco é que a proposta do PDL foi
discutida por dentro da dinâmica do Congresso da Cidade, pretendendo ser parte de um
processo de planejamento global da cidade. A concepção de integralidade da política urbana
desenvolvida no PDL é tratada pelo Prefeito de Belém da seguinte forma:
300
Conforme assinalado no Capítulo 2, a prioridade de atuação em áreas de bolsões de pobreza corresponde, na
ótica do Banco, a uma necessidade de focalização de políticas (mínimas).
301
Segundo Gayoso (2002, p. 02), a complementaridade entre as linhas de ação definidas no projeto (a saber:
desenvolvimento comunitário e controle social, regularização fundiária, implantação de infra-estrutura urbana,
projetos habitacionais, educação sanitária e ambiental e geração de trabalho e renda) garante a caracterização do
Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal como um projeto integrado de intervenção urbanística
e social. Sendo que sua “execução tem como base fundamental o desenvolvimento de uma prática de
mobilização e participação de agentes sociais que seja instrumento de afirmação da coletividade, buscando
viabilizar a implementação de uma Política Pública construída com o público alvo.”
302
Sobre esse assunto argumenta Gayoso (2002, p. 03) que: “A proposta para além da implantação do projeto
urbano pretende constituir-se numa experiência piloto de metodologia de participação popular e institucional em
projetos dessa natureza, que venha a servir de base para outros projetos e intervenções do governo municipal. Na
prática o que se busca é estabelecer um padrão de trabalho técnico em conjunto com os agentes sociais que
fomente uma reinvenção do serviço público passando a uma prática de implantação de projetos de re-
urbanização o mais feitos para, mas com os agentes sociais da cidade. Neste sentido, os procedimentos
adotados para elaboração da proposta interviram decisivamente na composição e conteúdo do documento final.”
276
A grande conquista deste processo todo é a elaboração de uma metodologia que se
não é totalmente inovadora, mas ela é bastante inovadora, especialmente, para os
padrões de gestão, de administração [...] de governo local. Ela é tão importante para
nós, em Belém, que, hoje, nós pensamos um plano de longo prazo para Belém, que é
um Plano de Desenvolvimento Local de caráter estratégico para a cidade,
obviamente, dialogando com a perspectiva metropolitana, estadual, regional,
nacional, internacional. [...] nós estamos fazendo um esforço de reflexão de várias
áreas prioritárias para um trabalho [...] de Planos de Desenvolvimentos Locais, que
são respostas mais pontuais [...] para esse objetivo mais totalizante. [...] Portanto, é
um projeto que está em determinada área da cidade, mas ele cumpre um papel
estruturante para toda a cidade em termos urbanísticos, econômicos e sociais
303
.
Nessa mesma direção, o Coordenador do PDL - responsável pela área de engenharia e
urbanismo - considera que embora o Habitar Brasil se assente na articulação das políticas de
saneamento e habitação, constitui-se em um Programa de cunho focalizado e que a Prefeitura
procurou ampliá-lo, desenvolvendo uma diretriz de política urbana que obedecesse a um
princípio de integração da política. Nesse sentido, afirma:
[...] Eu acredito que a política urbana, ela é um processo que foi construído dentro
dessa gestão do Governo do Povo e hoje em dia está muito claro que o princípio que
orienta a política urbana é o princípio de planos integrados, projetos integrados. [...]
Busca-se dentro das intervenções urbanas a integração de várias políticas para
conseguir o desenvolvimento local das áreas que estão sendo foco de intervenção.
Então, eu acredito que o princípio que orienta a política urbana é esse, o princípio de
se buscar um plano integrado para o desenvolvimento local [...] O Habitar Brasil
BID [...] é bem focado, [...] ele é setorial. [...] E eu acho que [...] ele é um projeto
integrado porque integra política de saneamento com a política habitacional [...]
que ele tem limites e o que a Prefeitura busca ao implantá-lo, é implantá-lo mas
junto com ele vir com outras políticas, também, de fazer com que ele faça parte de
um plano maior de desenvolvimento local integrado. Então, eu vejo o [...] Habitar
Brasil BID como um programa que tem limites em termos de atuação, ele atua só em
algumas políticas, mas a Prefeitura buscou, a partir da implantação dele, trazer
outras políticas, também
304
.
A intencionalidade de articulação da política urbana à perspectiva de universalização de
direitos é observada no âmbito do PDL - nas propostas de intersetorialidade e
interdisciplinaridade. A Coordenadora do PDL avalia, nesse sentido, que: “[...] o PDL-
Tucunduba tem como implementação das políticas sociais ações específicas de cada política
que se articulam em um trabalho intersetorial e interdisciplinar, desta forma potencializando a
303
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
304
Entrevista com o Coordenador do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área de
engenharia e urbanismo), Rodrigo Lopes.
277
ação do governo municipal na busca pela universalização dos direitos” (GAYOSO, 2004, p.
312)
305
.
Quanto à adequação da Prefeitura às normas e regras estabelecidas pelo BID, através do
programa Habitar Brasil-BID - especialmente no que se refere à assinatura do Termo de
Adesão de 80% dos usuários atendidos no PDL - a pesquisa demonstra que, embora as
concepções de participação sejam diferenciadas, houve compatibilidade no aspecto formal de
elaboração do projeto, para efeito de aprovação junto ao Banco, mas não no seu conteúdo.
Os responsáveis pela condução da política municipal avaliam que diante da
intransponibilidade da exigência (a assinatura do Termo) e tendo a necessidade de garantir o
recurso financeiro, a Prefeitura incorporou essa demanda no Plano sem deixar de levar em
consideração o princípio político de participação social definida na política do governo. Nessa
direção, a Secretária de Planejamento e Gestão afirma que:
[...] O que nós fizemos em relação ao BID foi o seguinte: existem as normas
técnicas, existem os manuais a serem cumpridos, nada do que está, do ponto de vista
formal, digamos assim, ele [...] faz uma orientação que pressupõe que as suas
orientações, elas assumam um caráter de participação e aí os instrumentos, os
recursos de adesão de oitenta por cento, por exemplo, de uma comunidade que seja
beneficiada por um projeto, eu acho que eles usam de mecanismos formais que nós
usamos no cotidiano sem formalizar. O nosso processo de adesão, ele não vem,
necessariamente, pela formalização, mas ele se dá por outros mecanismos. Quer
dizer, quando nós instituímos, de uma forma muito participativa, o Conselho de
Controle Popular, por exemplo, do projeto, isso para nós é uma forma de adesão, é
suficiente esse instrumento como instrumento de controle social. Quando nós temos
as pessoas, todas, participando cotidianamente, quando a gente adota uma
metodologia que leve em conta os referenciais próprios de organização daquelas
pessoas naquela área, combinando aquilo que são os requisitos técnicos do projeto
[as exigências do BID] com as formas preexistentes de organização e essas pessoas
aderem a essa idéia, isso para nós é uma forma de adesão. [...] E no mais nós
desenvolvemos uma metodologia onde [...] não teve, em certa medida, grande
305
Nesse aspecto, os projetos desenvolvidos na área do Tucunduba foram: no setor saúde: Programa Família
Saudável, Programa Municipal de erradicação do Aedes Egypt, construção do Pronto Socorro Municipal do
Guamá; na área da educação: Bolsa Escola, Projeto sócio-educacional integrado (PROSEI), unidade de ensino
infantil e fundamental, esporte e lazer, Movimento de alfabetização de jovens e adultos Paulo Freire (MOVA);
na assistência social: Bolsa Escola/ Bolsa Família, unidade de atendimento Terra Firme, Programa Meu Primeiro
Emprego/Liceu de Artes e Ofícios Ruy Meira, auxílio moradia, cesta de alimentação; na habitação: construção
de habitações, cesta de material de construção, implantação de infra-estrutura urbana (pavimentação e
equipamentos urbanos e comunitários, rede elétrica e sistema viário), acompanhamento social às famílias
remanejadas, regularização fundiária; no saneamento: rede de esgoto sanitário e estação de tratamento de esgoto
(ETE), sistema de abastecimento de água, rede de drenagem urbana; no meio-ambiente: recuperação de áreas
degradadas, resgate da navegabilidade do Igarapé Tucunduba, programa de educação sanitária e ambiental
(GAYOSO, 2004).
278
comprometimento das duas partes porque a forma de fazer a participação das
pessoas nos projetos ela já estava dada para nós desde o primeiro momento
306
.
O Prefeito de Belém segue na mesma linha de raciocínio:
Bem, o Plano de Desenvolvimento Local Sustentável, portanto, que nós
trabalhamos, especialmente no Tucunduba, que é, digamos assim, o projeto piloto,
ele dialoga com esta concepção e prática. É por isso que se o BID se reivindica,
digamos, proponente de um plano que exige participação popular, a gente fica feliz,
mas ao mesmo tempo não se contenta com a participação exigida pelo BID, que é, a
rigor, uma falsa participação e, muitas vezes, cria conselhos totalmente apartados da
vida real de pessoas que passam a ser legitimadas como lideranças e que, muitas
vezes, o representam a verdadeira [...] movimentação social protagônica, aqueles
que efetivamente são as referências político-sociais e culturais do espaço onde o
projeto está se realizando e, por conta disso, não conseguem representar os
verdadeiros interesses daquela comunidade. No entanto, para o BID e para a própria
Secretaria de Desenvolvimento Urbano, estes representantes expressavam o ideal
de participação popular, de democracia entre aspas, participativa. [A Prefeitura tem]
um compromisso com um outro tipo de participação, que é a participação não-
burocrática, mas a participação protagônica, ou seja, a participação que efetivamente
cria condições para a reflexão, decisão, acompanhamento, elaboração de projetos,
controle no processo de elaboração e controle [...] pós-inauguração, pós [...]
execução
307
.
Do mesmo modo, a Presidente da Fundação Papa João XXIII avalia que para o BID a
recomendação de participação social, expressa na exigência de assinatura do Termo de
Adesão, está associada à busca de legitimidade e/ou credibilidade dos projetos financiados
pelo Banco junto à sociedade, contudo essa dimensão de participação tem um caráter
eminentemente burocrático e cnico
308
. A Presidente observa que embora a Prefeitura tenha
atendido e incorporado essa demanda no projeto, o trabalho realizado procurou estimular um
306
Entrevista com a Secretária Municipal de Planejamento e Gestão.
307
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
308
Esse raciocínio é corroborado na fala da Coordenadora do PDL: “[...] o entendimento que eu tenho da
participação que está no manual é a participação que cria condições para que a obra se execute; o Termo de
Adesão é a garantia disso [...] esse Termo de Adesão dá credibilidade, dá legitimidade para dizer que o
município fez participação. Acontece que eu posso produzir oitenta assinaturas e quem é que vai checar? Então,
isso, aqui, é uma garantia para a agência multilateral de que foi feita a participação, basta isso para eles. [...]
Temos que apresentar a adesão [...] se a gente não apresentar a adesão eles brecam o financiamento, porque o
Termo de Adesão para a agência multilateral é a garantia de que aquele projeto foi apresentado na comunidade,
que a comunidade tem conhecimento daquele projeto e que concorda com ele.(Entrevista com a Coordenadora
do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, Solange Gayoso). Essa reflexão também se
aproxima da explanação da assistente social do projeto quando afirma que a participação, na ótica do Banco, se
interliga à necessidade de aceitação do Plano por parte dos moradores: “[...] em relação ao Banco nós estamos
diante de um elemento contraditório, até, de certa forma, porque a participação quando ela é exigida pelos nossos
financiadores, ela é como uma necessidade de aceite do projeto: ‘- eu aceito, eu referendo o projeto’” (Entrevista
com a assistente social do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, Raimunda Caravelas).
279
debate político que ultrapassasse a dimensão técnica da participação (a assinatura do Termo
de Adesão). Quanto a isso, afirma:
[...] como é que a gente conta de toda essa exigência sem fazer com que isso seja
o principal? Sem [...] secundarizar o principal que era (propiciar) melhor condição
de vida para aquela população, de organização, de consciência, de politização. [...] A
burocracia que eles seguem, eles transformam a burocracia num instrumento de
inviabilização. Então, como que a gente lida com essa burocracia, mudando,
inclusive, alargando esses espaços e essa legalidade para a gente poder obter o nosso
objetivo, que é dar melhor condição de vida para o nosso povo, para a cidade de
Belém. Então, isso é um ponto de tensão [...]
309
.
A Presidente aponta, ainda, que a compatibilidade à demanda burocrática não significou
uma adequação do Governo Municipal à concepção de participação social do BID posto que a
Prefeitura, nessa relação, procurou considerar o princípio de participação imanente à proposta
do governo:
[...] esse princípio [...] político da democratização, da participação popular, da
organização, do acúmulo de forças para você poder assegurar um Estado mais
democrático [...], nós não perdemos isso de vista, o nos adequamos, em nenhum
momento, às concepções das agências [...] internacionais para poder assegurar o que
queríamos
310
.
A Coordenadora do PDL - responsável pela equipe da área social considera que a
adoção dos Manuais de orientações por parte do BID corresponde a um tipo de planejamento
tradicional que não leva em consideração as particularidades locais à medida que padroniza a
feitura do projeto.
[...] a manualização ela é exagerada [...], o manual faz uma leitura da realidade
urbana, que é uma leitura homogeneizada, é uma leitura que ela já vem padronizada,
é uma leitura que eu diria quadrada, quadrada no sentido de que ela vem dentro de
uma caixinha, que já vem dito a frase, ela vem com todas as pontuações e as vírgulas
que o programa ou que a agência multilateral ela direciona para o país. Então, o
manual do Programa, do Habitar Brasil-BID, ele é extremamente detalhado, ele é
um manual que vem te dizendo dos padrões técnicos da área de engenharia, como
para o trabalho social, vem dizendo tudo que o trabalho social tem que fazer e como
tem que fazer; ele já direciona como tem que fazer
311
.
309
Entrevista com a Presidente da Fundação Papa João XXIII.
310
Entrevista com a Presidente da Fundação Papa João XXIII.
311
Entrevista com a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social).
280
De outro lado, a assistente social do PDL demonstra que o acompanhamento do Plano
de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal pelos técnicos da Caixa Econômica
Federal (agência responsável pelo monitoramento) ao contrário de avaliar o alcance social do
projeto, visa o somente medir a experiência pelo viés burocrático, isto é, verificar se o
mesmo desenvolve-se em concordância às prescrições do Programa HBB:
Eu acho que são muito burocratas, muito tecnocratas, eles seguem muito a exigência
[....] do Manual, tanto da Caixa, como do BID, mesmo em cima do que está escrito
[...]. Não tem uma visão mais ampla do que é o social, [...] do que é um projeto
dessa natureza. Eu acho [...] que eles se prendem muito às exigências [...], se for
uma vírgula errada, se for uma letra errada, eles devolvem, dificultam muito, [...] são
muito tecnocratas não tem essa visão mais ampla
312
.
Se a Prefeitura de Belém concebe-se proponente de um planejamento alternativo (de
vertente democrática), portanto contrário ao planejamento técnico e normativo (advogado
pelo BID), como conseguiu incorporar - nos documentos exigidos - os princípios
concernentes ao modelo de gestão democrática (muito particularmente os de participação
social) diante das regras prescritas pelo Banco, através do Programa Habitar Brasil? Em
outras palavras: diante de modelos de gestão tão diferenciados com princípios e objetivos
opostos - quais as estratégias criadas pelo Governo Municipal para compatibilizar a proposta
de planejamento urbano de base democrática às recomendações do BID, expressas nos
Manuais e Regulamento Operacional do Programa HBB?
Sobre essa indagação, vejamos a percepção da Coordenadora do PDL:
Nós vimos que o manual vem com estas coisas muito orientadas, pré-determinadas,
fechadas; elas são fechadas e nós ficamos num processo de como é que nós vamos
fazer uma releitura desse manual para que nós não caiamos em fazer um projeto no
formato tradicional, que venha só dizer amém à manualização, que nós tínhamos que
dar conta do Programa Político do Governo, que é da participação como princípio
chave, mas uma participação efetiva, uma participação que delibera, que tem
intervenção, que tem condições de interferir na gestão. Como é que nós vamos dar
conta disto sem esbarrar no problema de termos inviabilizado o financiamento desse
projeto?
313
312
Entrevista com a assistente social do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, Cleonice
Macedo.
313
Entrevista com a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social).
281
Segundo a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local, o Governo Municipal,
tendo clareza das regras determinadas pelo Programa HBB, definiu certas estratégias na
condução do planejamento. Em primeiro lugar, a equipe realizou oficinas de nivelamento com
todos os técnicos e estagiários do PDL com o objetivo de discutir e apreender quais as
representações existentes (na linguagem dos moradores, da academia, das agências
multilaterais, dos documentos da Prefeitura e dos próprios técnicos) sobre as terminologias
utilizadas para identificar e classificar áreas de ocupações urbanas em Belém
314
. A idéia,
segundo a Coordenadora, era reconhecer as diferenciações de termos e conceitos no sentido
de: a) desconstruir determinadas noções pré-fixadas nas visões dos técnicos e estagiários; b)
facilitar a comunicação com os moradores da área e; c) definir e adequar a linguagem a ser
utilizada na elaboração do projeto (que seria enviado à aprovação junto ao Programa HBB) e
a ser trabalhada junto aos moradores. Assim, afirma:
Então, nos nossos documentos tem a linguagem do manual porque foi uma exigência
para ser aprovado, mas a nossa prática, ela indica que nós fazemos muito mais do
que o manual, do que ele orienta. Nós poderíamos, aqui, fazer um trabalho social
totalmente voltado àquele trabalho tradicional, que é o que o manual pede para
fazermos. Então, nós fomos, na verdade, recodificando o que estava no manual, e
descobrindo quais as formas que nós teríamos que acionar para estar fazendo para
além do que o manual orienta [...]. A nossa experiência ensinou isso, de que nós
tivemos que aprender os digos das agências multilaterais e os códigos dos
programas de financiamento para saber como atingir esses programas de
financiamento. E criar um código, que é um código paralelo, que é oficial para o
município, que é oficial para a comunidade, mas que, muitas vezes, não é o que está
nos nossos documentos também, ainda que nos nossos documentos a gente
registrando também o nosso plano
315
.
A segunda estratégia identificada pela Coordenadora do PDL em vista de compatibilizar
os princípios políticos da Prefeitura face às indicações do programa HBB, sem obstaculizar a
aprovação do projeto, procurando garantir, ao mesmo tempo, o processo de participação dos
314
Que podem ser chamadas de invasões, ocupações espontâneas, assentamentos espontâneos e formas
clandestinas de ocupação, assentamentos irregulares, loteamentos clandestinos, assentamentos subnormais ou
aglomerado subnormal ou esbulho possessório. Por exemplo, na definição do Manual do HBB as áreas de
ocupação urbana são consideradas assentamentos subnormais, enquanto os moradores comumente as definem
como invasões de terra; por sua vez, a academia refuta o termo invasões podendo chamá-las de ocupações
coletivas ou ocupações de terra.
315
Entrevista com a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social).
282
moradores, foi a definição da metodologia de elaboração do plano (incluindo-se as
exigências previstas nos Manuais quanto ao Diagnóstico Integrado e a própria assinatura do
Termo de Adesão dos moradores das áreas Riacho Doce e Pantanal).
Nesse sentido, os documentos da Prefeitura demonstram que durante o planejamento do
projeto os moradores foram convidados a conhecer, refletir e apresentar propostas a serem
incluídas no Plano, através de oficinas de consultas por ruas e quadras. Esse processo resultou
na eleição do Conselho de Fiscalização e Monitoramento - composto por 85 representantes
das ruas e quadras das áreas do Riacho Doce e Pantanal e por 14 representantes das
organizações sociais que colaboraram na elaboração do projeto tendo por objetivo o
acompanhamento e fiscalização da execução do projeto, em vista do controle dos usuários
sobre a atividade pública (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 2003).
Segundo a Coordenadora do PDL, o diagnóstico foi construído juntamente com os
moradores (especialmente as lideranças) que participaram, inclusive, da definição de variáveis
e da pesquisa de campo feita na área. Nessa linha de raciocínio, esclarece:
Nós atendemos todas as exigências que estão no manual, de assuntos a serem
apresentados no diagnóstico, todos os itens. Mas esses itens, eles foram inscritos,
também, pelas comunidades que foram atingidas pelo projeto. Então, é uma releitura
que a gente faz e existe uma linha, aqui, ou um plano de relação entre o técnico do
projeto com a comunidade, que é um plano de relação que ele foi sendo construído
numa aproximação [...] gradual, ela foi crescendo, e foi, primeiro, construída uma
aproximação que ganhou confiabilidade mútua para depois a gente iniciar esses
processos todos de discussão e de pesquisa. [...] Dissemos por que estávamos
fazendo, que era uma exigência do programa, que nós tínhamos que apresentar
senão não vinha o recurso e eles concordaram em fazer. [...] Então, a gente foi
criando estas estratégias [...]. E nós fomos construindo o projeto atendendo às
exigências do que estava no manual, mas, fazendo de uma forma efetiva que a
comunidade participasse desse processo
316
.
Em relação à assinatura do Termo de Adesão, a Coordenadora avalia que embora tenha
sido difícil solicitar aos moradores que o assinassem, a participação, especialmente das
lideranças, contribuiu para a realização, a contento, dessa atividade:
316
Entrevista com a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social).
283
É difícil porque as pessoas questionam por que assinar [...], a assinatura do papel ela
é muito difícil. Não foi mais difícil para nós - oitenta por cento é muito [...] e a gente
ultrapassou e chegou a oitenta e cinco. Então, s tivemos muitas vezes que pensar:
“- nós não vamos conseguir”, [...] mas o envolvimento das lideranças, de ter
envolvido a comunidade desde o início do planejamento do projeto foi importante
para a gente conseguir essa adesão
317
.
O Coordenador do PDL demonstra que embora a Prefeitura tenha respondido à
exigência da assinatura do Termo de Adesão, buscou ampliar a natureza técnica da
participação, desenvolvendo uma metodologia que incorporasse o maior número de
moradores da área:
[...] tem a questão das exigências, você tem que cumprir um monte de exigências
para estar se capacitando e tornando o projeto elegível [...]. Então, por exemplo, eles
pedem oitenta por cento de um termo de adesão ao projeto da comunidade, que,
por exemplo, o manual não coloca como ele quer que esses oitenta por cento sejam
conseguidos, para ele pouco importa, ele quer uma lista com oitenta por cento de
assinaturas [...]. Mas não, a prefeitura criou todo uma metodologia de trabalho, a
nossa metodologia que a gente implantou na área é uma metodologia de
participação, de controle social efetivo desde a elaboração do projeto. [...]
aconteceram assembléias por rua, um processo muito demorado, eleição dos líderes
para fazerem parte de um conselho de fiscalização e monitoramento do projeto numa
eleição por quadra para tirar um líder por quadra, um líder por rua para participar
desse conselho
318
.
Essa linha de argumentação é identificada, também, na fala da assistente social do
projeto quando demonstra quais as estratégias criadas pela equipe para fomentar o processo de
participação diante das exigências do Programa HBB:
[...] nós temos as exigências dos relatórios, das estatísticas pelos nossos
financiadores, mas nós conseguimos extrapolar essa questão da estatística. A gente
o número, sim, das pessoas que participaram das nossas reuniões, das nossas
assembléias, mas a gente tem muito mais elementos dentro dessa assembléia, muito
mais do que o número de participantes, nós temos o nível de participação, nós temos
o nível de discussão. Nós não relatamos para os nossos financiadores qual é [...], na
verdade, o poder de decisão que a gente para a comunidade, nem que a gente se
relaciona com ela nesse sentido de fazer crescer, de fazer com que ela perceba o
potencial que ela tem [...] de decisão. Isso o vai para o relatório. Vai o número de
pessoas que participaram, mas isso eu o vejo que conflita, a gente consegue fazer
os relatórios a contento do que se quer, do que se exige e consegue também
avançar
319
.
317
Entrevista com a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social).
318
Entrevista com o Coordenador do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área de
engenharia e urbanismo).
319
Entrevista com a assistente social do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, Raimunda
Caravelas. Segue afirmando a assistente social que: “E a gente vai para além disso, nós queremos a aceitação,
sim, para poder executar o projeto, mas nós queremos, também, que ele trabalhe a participação de outra forma,
atuando, decidindo, opinando [...]. Então, é a participação que eu digo para além desse aceite, seria a
284
Outra assistente social do PDL avalia que a exigência de participação dos moradores,
via assinatura do Termo de Adesão, está relacionada à imperiosidade do controle da aplicação
do recurso pelo município e que a inserção dessa demanda (assinatura do Termo) no trabalho
social não obstaculizou o desenvolvimento da proposta de participação pela Prefeitura
Municipal:
Eu acredito que a exigência nesse sentido, também perpassa por essa preocupação,
de [se] estar aplicando, realmente, aquele recurso. [...] Eu acredito que seja no
intuito de estar fazendo esse controle, de saber, realmente, [...] se o recurso [...] é
para essa finalidade. [...] Mas, para nós não se torna um problema, porque nós temos
o propósito da participação da comunidade nas nossas tarefas. Então, para nós não se
torna um problema, a partir do momento que, também, a gente pensa que é
necessária a participação. [...] Muito embora a visão de participação para nós seja
diferente. A participação para nós é a forma de percebermos que a comunidade
entende o projeto, que ela tem os questionamentos dela a respeito do projeto, e que
ela pode estar controlando esse projeto, se, realmente, se vai sair, se não vai, todas
essas exigências de modificações que forem necessárias. Eu acho que deve ter,
talvez, uma diferença de foco, mas para nós não se torna problema, porque, também,
a gente procura trabalhar com esse propósito da participação
320
.
Um outro aspecto sinalizado pela Coordenadora do PDL, que pode ser considerado uma
estratégia para compatibilizar as propostas do governo às orientações do BID no que se refere
à participação social, diz respeito ao caráter do Conselho de Fiscalização do projeto que,
segundo as determinações do Programa HBB deveria ser apenas consultivo, portanto não
deliberativo. Desta feita, no documento enviado à agência, encontra-se a definição de
conselho consultivo, contudo, segundo a Coordenadora, na execução da experiência o
participação para a vida deles, toda, eles estarem participando. E esse momento de participação, essa instância
que ele participa, que ele delibera, que ele discute, que ele escolhe seu conselheiro, que ele fala como quer sua
rua, sua casa, é um exercício de cidadania, porque, certamente, ele vai em outro momento estar, também, em
outros espaços de participação, estar em outros espaços de decisão. [...] e isso extrapola, certamente, um critério
de exigência de participação de oitenta por cento, de cem por cento, porque a gente pode e tem várias estratégias
para ter assinaturas que referendam a execução do projeto, mas não é só isso que nós queremos.”
320
Entrevista com a assistente social do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, Olinda
Campos. Outra técnica da área social opina que diante da dificuldade de assegurar a assinatura do Termo de
Adesão, os técnicos procuram explicitar aos moradores o motivo de tal solicitação tendo em vista a garantia do
financiamento: “[...] a gente fica entre a cruz e a espada. Se o for assinado o termo de adesão, como eu te
falei, não vem o recurso e se não vem o recurso, quem vai ser penalizado é a comunidade. Então, eu acho [...]
que, apesar de ser uma exigência, a gente tem que ter uma estratégia, tem que conversar [...] com as pessoas
sobre a questão dessa exigência [...]. Mostrar que é uma exigência deles e que se [...] eles não assinarem, não
vem o recurso” (Entrevista com a assistente social do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal,
Cleonice Macedo).
285
Conselho ganha caráter deliberativo. Isso porque além dos representantes por ruas e quadras,
o referido Conselho procurou incorporar as diversas formas de organizações sociais existentes
na comunidade, tais como: centro comunitário, associações de moradores, igrejas evangélicas,
grupos afro-religiosos, feirantes, dentre outros.
Nessa linha de raciocínio, a Coordenadora tece argumentos importantes no sentido de
demonstrar a particularidade metodológica do projeto no que diz respeito à intencionalidade
de assegurar, por parte da Prefeitura, a proposta democrática de participação social. Primeiro:
as definições das ações do PDL interligam-se às diretrizes previstas no Congresso da Cidade.
Segundo: a localização do escritório na própria área de execução do projeto tinha por objetivo
facilitar a aproximação entre técnicos e moradores. Nesse aspecto, a equipe organizou um
mural contendo as informações concernentes ao andamento do projeto e disponibilizou os
documentos (planilha de custos, relatórios) para que os usuários pudessem acessá-los.
Terceiro: a disposição física dos técnicos (da área de engenharia/arquitetura e da área social)
no mesmo ambiente de trabalho (mesma sala) visava uma integração interdisciplinar à medida
que - segundo a Coordenadora - qualquer atividade do projeto era discutida e deliberada por
toda a equipe com o objetivo de criar a cultura da participação entre técnicos e estagiários,
cuja prática pudesse ser reproduzida junto aos moradores, além de garantir a percepção do
Plano em sua totalidade. Quarto: a equipe procurou garantir a transversalidade da participação
dos moradores em todos os sub-programas do Plano
321
. Comenta a Coordenadora do PDL
sobre esse assunto que:
[...] todo o nosso trabalho [...], aqui, ele está relacionado com as diretrizes do
Congresso da Cidade, da cidadania plena, da participação efetiva, da gestão da
cidade. [...] Nós estamos aqui no sentido de ser um estimulador de um processo de
crítica, mesmo, de ter uma reflexão crítica sobre a sua realidade. Então, as nossas
discussões sobre o projeto, que nós sempre primamos para a comunidade ter acesso
321
Em texto que refletiu sobre a experiência do Tucunduba e o caráter da participação na ossatura do Governo
Municipal, a Coordenadora do PDL diz: “Ampliar a participação da sociedade na gestão municipal inverte a
lógica neoliberal de desqualificação da esfera pública personificada na figura do Estado. Radicalizar na
democracia e estabelecer como gestão municipal a participação popular em todas as instâncias da
governabilidade é requalificar o sentido de Estado” (GAYOSO, 2004, p. 323).
286
a todas as informações do projeto [...]; tem informações que não devem ir para a
comunidade. Não. Aqui todas vão, as boas e ruins elas o. Por outro lado, num
outro movimento [...] o escritório está aqui, os documentos estão aqui e com acesso
nós informamos a comunidade de tudo, absolutamente de tudo
322
.
A aproximação teórico-analítica ao Plano de Desenvolvimento Local desvela, em nível
essencial, algumas contradições que existem entre interesses diferenciados. Uma primeira
reflexão demonstra que as condições de empréstimo do Banco aos governos incluindo o
recurso à manualização - são extremamente burocráticas. A observação feita pelos
entrevistados demonstra que o controle do Banco, via normas e regras do Habitar Brasil-BID,
interfere pesadamente na execução das obras, gerando atraso em seu desempenho
323
. Quanto
a isso, avalia o Prefeito:
[...] a experiência prática mostra que todas as dificuldades são criadas para que os
recursos dos programas sejam realizados, que os projetos se configurem,
efetivamente, como projetos exeqüíveis. Eu falo com autoridade de quem está desde
1997 tentando avançar e acredito que as dificuldades que nós enfrentamos o
impostas aos governos populares e governos autoritários. Todos os prefeitos que eu
conheço reclamam da dificuldade de relação com os órgãos federais que obedecem,
por sua vez, às exigências dos órgãos internacionais, como o BID, por exemplo, no
caso do Habitar Brasil BID. É impressionante como quase todos os projetos
enfrentam atrasos [...] na sua execução porque tudo está, uma espécie de
centralismo burocrático [...]. Então, há uma grande contradição
324
.
Do mesmo modo, o Diretor da Companhia de Desenvolvimento de Belém afirma em
relação ao Programa HBB que:
[...] O HBB como um todo é um programa altamente burocrático, nada democrático
[...] Um exemplo disso é essa questão, [...] a gente tem que executar as ações para
depois recolher o recurso, que o município não tem. [...] O problema é geral, [...]
por quê? Porque a gente não consegue executar, sem dinheiro [...] O programa é o
burocrático porque, primeiro, começa pelo contrato de empréstimo da Federação
322
Entrevista com a Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal (área social).
Afirma, ainda, que: “Nós queremos [...] induzir, estimular para que as famílias que residem na bacia do
Tucunduba, elas possam, de fato, ter poder de gestão sobre o seu local de moradia dentro da cidade e aí passa
[...] a ter sentido o seguinte, de você ter um trabalho, que fazer a gestão da cidade não é só o projeto do governo
local, é você participar inteiramente, é você também interferir em coisas da cidade que não é o Governo
Municipal, que é da competência do Governo Municipal; tem [...] a competência do Governo Federal, do
Governo Estadual e, também, são coisas que são da competência das próprias famílias, dos cidadãos de uma
cidade, [...] são elementos culturais e tudo isto. Então, esse é o objetivo da participação [...] é o princípio do
Congresso da Cidade. É o mesmo, não é diferente [...].”
323
Importante registrar que o PDL sofreu atraso em sua execução devido a problemas referentes às exigências
técnicas dos manuais, bem como não conseguiu a liberação do terreno, destinado, inicialmente, para a construção
de unidades habitacionais que era pertencente à Cooperativa da Universidade Federal do Pará.
324
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
287
com o BID. Se é um contrato de empréstimo, desde que o governo brasileiro assuma
as suas obrigações, o BID não tem que dizer o que o governo brasileiro tem que
fazer. Eu entendo dessa forma, se tu estás me emprestando um dinheiro, desde que
eu te pague, eu faço dele o que eu bem quiser
325
.
Essas assertivas põem à reflexão os seguintes pontos: se o BID tem como um dos
objetivos principais a mitigação da pobreza nos países da América Latina, por que ele mesmo
cria obstáculos à implantação de projetos que ao fim e ao cabo deveriam apontar para esse
fim? Por que isso acontece? A nosso ver, a explicação está em que o BID, sendo um banco,
lucra tanto através do empréstimo aos governos centrais, tanto através do atraso da obra, posto
que o poder central paga juros pelo atraso na execução. Nesse sentido, afirma o Diretor da
Companhia de Desenvolvimento de Belém:
O governo brasileiro já, muito tempo, vem pagando os juros e não está utilizando
esse programa por conta das regras que foram criadas entre o próprio governo e o
BID. [...] O problema vem do programa, da formulação do programa, a formulação
das regras. Esse que é o grande nó. [...] Não é doação do BID ao governo brasileiro.
É empréstimo. O governo brasileiro paga juros e paga juros altos porque o recurso
não essaindo, as prefeituras não conseguem trabalhar no programa. Então, [...] o
governo brasileiro está pagando sem usar o recurso, pagando os juros. [...] É muito
difícil trabalhar com esse programa
326
.
Além disso, a resposta àquelas indagações pode estar no fato de que, conforme
assinalamos no primeiro capítulo, a preocupação com as expressões da questão social no
interior do Banco, tem um caráter apenas aparente. Em essência, a verdadeira motivação do
Banco está em vender” um tipo de orientação de política em que os municípios devem
responsabilizar-se pelas políticas urbanas “mínimas” enquanto o poder central deve cuidar dos
assuntos de política econômica que garanta, sobretudo, o pagamento da dívida externa dos
credores internacionais. Por outro lado, que se considerar que o BID, sendo um banco,
precisa criar mecanismos de capitalização. Nesse sentido, a estrutura criada permite a
acumulação financeira. Isso porque o Banco empresta e repassa recursos ao Governo Federal
que tem a responsabilidade de passá-los aos municípios. À medida que esses não conseguem
325
Entrevista com o Diretor de Desenvolvimento da Companhia de Desenvolvimento de Belém, Reinaldo
Alcântara.
326
Entrevista com o Diretor de Desenvolvimento da Companhia de Desenvolvimento de Belém.
288
encaminhar, a contento, as obras, pela quantidade enorme de regras e exigências, o governo
central é obrigado a pagar os juros pelo atraso em sua execução. A argumentação do Prefeito
vai ao encontro dessas formulações:
Porque há normas que se expressam não como vontade de garantir o direito à cidade,
mas com uma vontade de, na aparência, fomentar o direito, mas usar os recursos
desses programas apenas na aparência. Essa é a grande contradição. Há anos o
dinheiro está nos cofres públicos federais; o governo brasileiro começou a pagar,
a amortizar essa dívida e nenhum projeto consegue avançar. De modo que nós
estamos pagando, como povo brasileiro, várias prefeituras começam, também, a
ter que pagar o pouquinho do que foi liberado, porque o prazo de carência já esgotou
e o dinheiro não é gasto. De modo que o BID libera os recursos, o Governo Federal
não libera porque os municípios o cumprem as normas que o Governo Federal
aceitou para receber os recursos e cobra dos municípios as normas aceitas por eles
[...] e, ao mesmo tempo, o BID diz que está contribuindo com o desenvolvimento
dos países, dos chamados emergentes ou em desenvolvimento [...] e, se não
bastassem as normas rígidas que impedem a execução dos projetos, e o que
transformaria a vontade aparente numa essência inclusiva e de democratização e de
exercício do direito à cidadania, de morar bem, do lazer, dos programas sociais, de
saúde, de educação, então, tudo isto o se viabiliza plenamente, portanto, fica
apenas no discurso das agências multilaterais esse compromisso
327
.
Esta problemática também é evidenciada na reflexão do membro da Rede Brasil sobre
Financiamentos Multilaterais: “[...] o BID como instituição financeira ganha pelos dois lados,
ganha quando empresta e é utilizado o recurso e ganha quando o recurso não é utilizado. [...]
Esse é um problema”
328
.
Continua o Prefeito a dissertar sobre o mesmo assunto:
na verdade, entre aparência e essência, entre forma e conteúdo, entre discurso e
prática, um oceano Atlântico separando as necessidades reais, reconhecidas nos
programas, e as possibilidades reais de exercer direitos que respondam àquelas
necessidades concretas [...] que elevem à condição de cidadania. Então, uma
grande contradição, situações totalmente inconciliáveis de interesses expressos
não na elaboração do discurso das agências, mas, nos mecanismos que as agências
criam para que fiquem, apenas, no discurso o seu compromisso com a inversão de
prioridades, em termos de garantia do direito à cidade. E com isso eles se legitimam
como instituições, se legitimam, consolidam imagem de agências necessárias,
consolidam uma imagem democrática, consolidam uma imagem de compromisso
com o fim da desigualdade social, verbalizam isto formalmente em documentos, que
podem ser acessados a qualquer momento, mas, inviabilizam na prática
329
.
327
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
328
Entrevista com o membro da Rede Brasil sobre Financiamentos Multilaterais, Guilherme Carvalho.
329
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
289
A título de síntese, pode-se afirmar que a análise documental e as falas dos
entrevistados demonstram que a arquitetura do projeto político para Belém coloca-se em
oposição ao modelo de gestão de cidades referendada pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento. O que estava em jogo, na ótica do Governo Municipal, era, a partir de
experiências locais, construir projetos que defendessem a cidadania plena, no que trata da
efetivação de direitos. A opinião do Prefeito corrobora essa argumentação:
Não solução por decreto, não vale apenas a rebeldia inconsciente, vale ousadia e
capacidade revolucionária de ser paciente. É pensar estrategicamente, sabendo que
são muito grandes as dificuldades para se alcançar um sonho de uma nova estrutura
que [...] facilite o acesso mais rápido a direitos [...]. Só que enquanto não se
consegue viver um momento de mudanças globais e estruturais, nós temos que, no
limite do impossível, fazer o possível [...]. O sonho não se esgota, mas que, pelo
menos, [possamos] exercitar um processo de construção de direitos em que se
possam estabelecer patamares mais aceitáveis de exercício de cidadania
330
.
Assim, os modelos de gestão de cidades que se interligam às denominadas,
sumariamente, agenda neoliberal e democrática são diferenciados, apresentando elementos de
tensão no plano das propostas, perspectivas, objetivos. Nessa angulação o arcabouço
teórico da primeira agenda corresponde ao que Santos (2003) denominou de inteligência
geral e que se materializa nas formulações que vão desde as construções de Forn, Borja e
Castells, passando pelas discussões de Wirsig (1998), Daughters (1998), Nientied (1998),
Ravinet (1998), Nickson (1998), Samayoa (1998) (reconhecidos apologistas do BID) - e
amarradas pelas prescrições normativas dos programas financiados (tal é o caso do Programa
HBB) - que, com maior ou menor grau, apontam para uma orientação de que, tendo em vista a
dinâmica de competitividade urbana, as cidades latino-americanas devem funcionar de forma
eficiente para facilitar a atração (e retenção) dos investimentos empresariais. Desse modo,
cabe ao gestor municipal um papel fundamental no sentido de desenvolver experiências
inovadoras de administração de cidades que: a) criem condições de infra-estruturação urbana
e divulguem a imagem da cidade para atrair aqueles investimentos, b) atuem na minimização
330
Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém.
290
das tensões sociais (via políticas setorizadas e que obedeça à lógica de atendimento ao foco,
ou seja, aos pobres urbanos) para evitar conflitos que ponham em risco o andamento da
economia capitalista, sem esquecer de economizar recursos, sobretudo os do Governo
Federal, os quais devem ser poupados o conhecido superavit primário - a fim de serem
destinados ao serviço da vida pública junto aos organismos financeiros multilaterais de que
o próprio BID é um exemplo, ao lado do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
Destaca-se na propagação dessa agenda o incentivo à participação social a qual deve ser
estimulada para garantir a melhoria da efetividade e eficiência da gestão pública
(SAMAYOA, 1998; PIETRI, 2000), assim como os projetos que incluem a participação social
tendem a ser eficientes, eficazes, equânimes e sustentáveis posto que aumentam a confiança
dos usuários no governo, além disso, o recurso à participação permite a redução dos custos
pois as pessoas “beneficiadas” tendem a disponibilizar seus recursos econômicos e humanos
para o bom andamento do projeto (BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO, 2004).
Por seu turno, os princípios que norteiam a agenda democrática construída no seio da
intelectualidade, partidos políticos, movimentos sociais vinculados à tradição de esquerda
que, referenciados no ideário da reforma urbana (sobretudo no princípio de gestão
democrática da cidade) e cuja base teórico-conceitual interliga-se às discussões sobre a
democracia radical (COUTINHO, 2000; GENRO, 2001; RODRIGUES, 2001; DIRCEU,
2001, ROSSETTO, 2002; DUTRA, 2001), são colidentes com a agenda neoliberal de cidades
no seguinte sentido: essa agenda (neoliberal) prima por processos democráticos (dos quais o
incentivo à participação social pelos organismos multilaterais é um claro exemplo) desde que
não haja qualquer alteração na ordem burguesa, isto é, as tessituras político-sociais devem
movimentar-se no marco da economia capitalista
331
. Por outro lado, o conjunto das
331
Nesse aspecto, assinala o Prefeito de Belém: “[...] o que tem havido é que os mesmos que provocam a miséria
e lucram com ela, tentam cristalizar um tipo de democracia que permite a alguns poucos o poder de
291
argumentações da agenda democrática advoga a estreita relação entre os mecanismos de
democracia direta e representativa, tendo a participação social como eixo basilar e
fundamental (sobretudo através do instrumento denominado orçamento participativo), em
vista da cidadania sendo que, ao menos em nível de construção discursiva, é imanente a
referência ao socialismo nas proposições políticas da referida agenda (OLIVEIRA, 2002;
DIRCEU, 2001; DANIEL, 2002; ROSSETTO, 2002; DUTRA, 2001; BENEVIDES, 2001).
Em nível mais aproximativo ao objeto de reflexão da presente tese, nota-se que os
elementos de tensão, acima indicados, são evidenciados na proposta política de gestão de
cidades experimentada na cidade de Belém no período de 1997 a 2004, particularmente no
Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal. Entretanto, ao mesmo tempo em
que o Governo Municipal defende um tipo de planejamento alternativo - que, em sua
radicalidade, deva corresponder aos princípios políticos acima descritos -, na formulação do
projeto a Prefeitura compatibilizou sua forma de planejamento às requisições do Programa
HBB, motivo pelo qual o PDL apresenta uma estrutura documental de tipo tradicional
332
,
demonstrando, em síntese, que embora haja divergências e posições contrárias, o poder de
mando da economia capitalista é extremamente forte e muito bem desenhado no sentido da
garantia do controle da geopolítica em nível mundial face à defesa dos interesses do capital.
Nessa linha de raciocínio, o membro da Rede Brasil demonstra que a concepção de
política urbana vista no PDL é bastante diferenciada dos projetos desenvolvidos em Belém até
o presente, entretanto, a proposta não consegue confrontar-se com a lógica de produção da
cidade defendida pelo BID, via Habitar Brasil:
determinação daquilo que é capaz de mudar a estrutura, ou de manter a estrutura. [...] Tudo [...] é permitido
desde que a ordem não seja mudada” (Entrevista com o Prefeito Municipal de Belém).
332
Sem contar com as anotações referentes à importância dada pelo Governo Municipal aos prêmios nacionais e
internacionais pelo desenvolvimento de determinados projetos governamentais, o que demonstra que, mesmo as
administrações vinculadas a partidos políticos com posições eminentemente críticas em relação às agências
multilaterais, acabam por serem envolvidas e/ou influenciadas, em alguma medida, pela formatação do discurso
da inteligência do capital.
292
No entanto, mesmo esses avanços não contradizem, o se chocam, não se
confrontam com as linhas estratégicas das diretrizes políticas do Banco, por quê?
Porque você, ao urbanizar aquela área, você está incorporando aquela área no
mercado imobiliário, por exemplo, e isso está colocado dentro das estratégias do
Banco como um dos objetivos não do Habitar Brasil Tucunduba, mas, dos objetivos
gerais da Instituição; está colocada a questão da incorporação de terras ao mercado,
está posto isso, são os objetivos estratégicos. A questão do desenvolvimento da
economia urbana, dotar as cidades de infra-estrutura adequada, isso é importante
para o fortalecimento da economia, do mercado, porque é a maior capacidade de
atrair capital e uma série de coisas. Então, com relação a essas diretrizes gerais não
tem contradição, não tem confronto.
Essa última argumentação remete para a discussão sobre a relação conflituosa (ou não)
entre democratização e capitalismo. Se tomarmos para análise as recentes experiências de
administração de cidades no Brasil (às vinculadas à tradição de esquerda), legatárias do
processo de redemocratização e balizadas pelo ideário da reforma urbana, podemos afirmar
que o arranjo político-institucional dos denominados projetos democráticos apresentou -
muito especialmente a partir da crítica ao postulado neoliberal - sinais de tensão face àquela
relação entre capitalismo e democratização.
Nesta medida, não resta a menor dúvida de que o projeto de gestão de cidades
construído em Belém foi formatado sobre essas bases, isto é, a elaboração da proposta política
apresentava um discurso crítico à democracia liberal, advogando, em seu lugar, a defesa de
um projeto de democratização conectado a ideais socialistas. Nesse sentido, não como
negar a validade da formulação cuidadosa do projeto para Belém. Aqui, uma referência ao
planejamento urbano: houve seguramente um esforço detalhado de elaboração de políticas de
natureza integrada (intersetorial, interdisciplinar), com vistas à universalização de direitos,
que se assentaram nos instrumentos de participação, como o orçamento participativo e o
Congresso da Cidade.
Entretanto, mesmo reconhecendo os avanços do projeto de gestão democrática
desenvolvido em Belém, que se apontar, também, os seus limites que, ao fim e ao cabo,
constituem-se em limites do processo de democratização, acima referido, face à lógica
capitalista de produção da cidade, a qual é muito bem defendida pelo BID. Nesse sentido, a
293
incorporação dos processos participativos na condução da política tem pouco poder de
alteridade, por exemplo, no quadro de desigualdade de renda (como vimos no item 4.1, Belém
tem um alto grau de concentração de renda). Além disso, embora se reconheça que a
Prefeitura de Belém tenha, através do princípio de inversão de prioridades, se esforçado em
desenvolver um tipo de intervenção urbanística de natureza integrada (a exemplo do PDL)
com o aporte da participação social, é provável para não dizer, quase certo - que após a
urbanização, as áreas do Riacho Doce e Pantanal sejam incorporadas ao mercado imobiliário,
repetindo os processos, já evidenciados em Belém, da “expulsão” dos moradores para as áreas
mais distantes.
Não é objetivo desta tese avaliar os resultados sociopolíticos e econômicos do projeto
desenvolvido em Belém, mas é oportuno colocar para reflexão o fato de que mesmo tendo
desenvolvido um projeto baseado nos princípios de democratização do Estado, inversão de
prioridades e participação social, após oito anos de governo, a frente de esquerda capitaneada
pelo Partido dos Trabalhadores foi derrotada, em 2004, na eleição ao Governo Municipal por
uma composição política representante das forças conservadoras
333
. Repito: é uma questão
que se coloca para investigação e não é objeto de atenção desta tese, mas lembremos que no
último relatório governamental (enviado à Câmara dos Vereadores) a Prefeitura de Belém
afirmou que o maior legado da gestão democrática foi a participação social e o
protagonismo dos moradores da cidade, o que põe para reflexão: qual o alcance dos
processos participativos (interligados à democratização) face aos interesses políticos e
econômicos das frações de classe dominante?
Essa questão está longe de ser resolvida. Isso porque a engenharia atual de disseminação
das chamadas forças de mercado está cada vez mais bem elaborada, a exemplo da cuidadosa
preocupação das agências (conforme demonstrado nesta tese, no caso do BID) em monitorar
333
Nessa eleição, Duciomar Costa foi eleito Prefeito de Belém pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
apoiado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
294
os passos dos dirigentes políticos (nas três esferas governamentais), dificultando,
sobremaneira as possibilidades de construir projetos societários para além da ordem burguesa.
A partir dessas reflexões, que se fazer a seguinte ressalva: a gestão do Partido dos
Trabalhadores na cidade de Belém coincidiu (em quase sua totalidade) com o período do
governo Fernando Henrique Cardoso - cuja condução de política esteve alinhada às propostas
do BID para as decisões governamentais. Levando-se em consideração que o PT era tido,
nesse momento, como o partido de maior peso oposicionista ao governo FHC, isso
seguramente facilitou a construção de um discurso crítico e contrário às proposições
neoliberais, motivo pelo qual o estudo sobre o modelo de gestão de cidades na perspectiva
democrática indicou mais elementos de tensão do que elementos de compatibilidades com o
projeto do BID para a gestão de cidades.
Se atualizarmos essa discussão para o período mais recente, especialmente a partir dos
acontecimentos políticos vistos no governo Lula, aqui sumariamente apontados
334
, pode-se
afirmar que há, neste momento, uma diminuição das possibilidades de se construir modelos
democráticos de gestão que tenham como horizonte a perspectiva socialista e que se
constituam como contra-tendência à lógica do capital - muito bem defendidas pelas
instituições financeiras multilaterais.
Espera-se que esse episódio, que é de natureza histórica, o elimine as possibilidades,
também históricas, de construção de contra-tendências ao pensamento único que se esforça
em propagar a inexorabilidade do capital. que se ter o cuidado teórico de não permitir que
334
Embora a análise desse Governo não seja objeto de atenção desta tese, vale assinalar que os rumos tomados
pelo governo Lula vêm contrariando as apostas políticas construídas em longos anos de debates por renomados
intelectuais, militantes e dirigentes políticos que, validando os processos democráticos, vislumbravam um tipo de
alteridade principalmente na condução das políticas sociais e econômicas (o que não aconteceu ou se aconteceu
foi com pequenas alterações) que se revertesse nos chamados direitos de cidadania (de forma efetiva). As
recentes análises sobre a administração Lula apontam a continuidade da adoção do ideário neoliberal por esse
governo. Nessa direção, afirma Antunes (2004, p. 155): “Em vez de iniciarmos uma nova era, de desmontagem
do neoliberalismo, atolamos e chafurdamos na continuidade do nefasto projeto de desertificação social e política
do país, iniciado por Collor, desenvolvido por FHC e agora mantido pelo governo do PT. [...] A política
econômica, por exemplo, é de destruição do mundo produtivo, em benefício dos capitais financeiros, reiterando
vergonhosamente a dependência aos ditames do FMI [...].”
295
o pensamento conservador se apresse em dizer que os acontecimentos vistos no governo Lula
signifiquem o fim das lutas dos movimentos dos trabalhadores no Brasil, tal como aquele
pensamento alardeou que a queda do Muro de Berlim foi equivalente ao fim do socialismo (e
bem sabemos o estrago teórico-político que isso provocou em relação ao pensamento crítico,
vale dizer, à teoria social de Marx e mais, especificamente, à validade do método dialético de
apropriação do real). Aliás, esse pensamento continua, mais do que nunca, fundamental para
se apreender as novas formas de acumulação do capital no sentido de alimentar os
movimentos de resistência que se ponham em oposição à ordem burguesa e apontem
caminhos para sua reversão.
296
CONCLUSÃO
A crise do processo de produção e reprodução do capital (esta última desencadeada
durante a década de 70 e estendida até o presente) deu novo impulso às instituições
financeiras multilaterais (como o FMI, Banco Mundial e o BID), criadas depois da Segunda
Guerra Mundial para monitorar o sistema financeiro internacional. A partir dos anos 80 e,
mais particularmente nos 90 e início do século XXI essas instituições financeiras passam a ter
um papel importante na difusão e na defesa da imperiosidade dos ajustes estruturais no
sentido de permitir a orquestração da economia capitalista em nível mundial.
Dentre essas instituições, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, cuja atuação
volta-se à América Latina, tem-se destacado como financiador de políticas sociais com o
discurso de que é preciso reduzir a pobreza dessa região em vista do desenvolvimento
econômico e social de seus países (da América Latina). Em verdade, toda a formulação
estratégica desse Banco articula-se ao conjunto das argumentações que se põem em defesa do
bom andamento da economia capitalista, que propaga a defesa intransigente dos ajustes
estruturais (incidindo diretamente na temática da reforma do Estado para equilibrar as contas
públicas), ancorado na programática neoliberal.
Os bancos multilaterais atuam na defesa e na disseminação do denominado pensamento
único (cuja idéia central é a desregulamentação da economia e a valorização das forças de
mercado como forma de assegurar o desenvolvimento econômico e social). Ocorre que
uma sutileza na defesa desse pensamento expressa cuidadosa e detalhadamente em
orientações de políticas aos países membros, tentando repassar a imagem de que os bancos
têm boas intenções de “ajudar” os países pobres a galgar o tão sonhado desenvolvimento
econômico e social. Nessa direção, o BID, por exemplo, afirma que pretende cooperar” com
os governos na formulação de suas políticas.
297
Está suficientemente claro que as agências multilaterais e aqui a análise recai sobre o
BID - assumem um importante papel de coordenação política e econômica dos interesses do
capital atuando como inteligência auxiliar (VIANNA JR., 1998) ou inteligência geral
(SANTOS, 2003). A base de formação dessa inteligência no interior do BID são o Instituto
Interamericano para o Desenvolvimento Social (Indes) e o Instituto para Integração da
América Latina e do Caribe (Intal) que estudam minuciosamente a situação econômica,
política e social de cada país membro elaborando, por conseguinte, as recomendações de
políticas que os países recebem ao celebrar os contratos de financiamento para determinada
política.
Entretanto, as recomendações expressas, principalmente, nos Documentos de País e de
Estratégia constituem-se em modelos de gestão que atuam no sentido de orientar os governos
a gerirem políticas compensatórias que minimizem os impactos sociais, diminuindo os
conflitos sociais, políticas essas que devem ser focalizadas (destinadas aos “pobres” ou nos
dizeres de Castel (1998), aos desfiliados da sociedade) e setorizadas (setores de políticas
sociais que embora fundamentais à reprodução da força de trabalho, não são de interesse da
iniciativa privada). que se observar, contudo, que articulado à premência da reforma do
Estado, os governos devem ser “eficientes”, isto é, econômicos nos gastos sociais públicos e
devem conclamar a sociedade a responsabilizar-se pela condução dos problemas sociais a fim
de contribuir na poupança pública. Esta, aliás, é a verdadeira motivação do BID: permitir o
equilíbrio fiscal das contas públicas que além de propiciar a atração de capitais internacionais
para o país, possibilite que os governos centrais honrem seus compromissos de pagamento de
dívidas externas assumidas junto aos principais bancos de financiamento de política
econômica, a saber: o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Desta feita, a
engenharia institucional do BID tem por objetivo contribuir para a garantia da antiga
298
dependência dos países periféricos em relação aos países ricos, assegurando a continuidade da
acumulação do capital.
O desvelamento da estrutura do BID demonstra como são tecidos os fios daquela
inteligência geral que vai tramando as recomendações de políticas no âmbito do denominado
ajuste estrutural. Assim, no conjunto dessas orientações nota-se que o Banco procura incidir
nas decisões do poder central especialmente no que toca à política macroeconômica, isto é,
nos assuntos referentes ao núcleo essencial da economia capitalista (metas de inflação, juros,
balanço de pagamentos, etc.). Por sua vez, levando-se em consideração que o governo central
deve empenhar-se no controle econômico do país
335
, os governos estaduais e municipais são
requisitados, segundo as orientações do Banco, a assumirem responsabilidades concernentes
às políticas sociais (focalizadas, fragmentadas) ao tempo em que, principalmente os gestores
municipais, são estimulados a gerir um tipo de política que garanta a infra-estruturação das
cidades para atrair investimentos capitalistas.
Levando-se em consideração a importância das cidades no contexto da produção e
reprodução do capital e levando-se em consideração que, no desenho das orientações
conectadas ao denominado ajuste estrutural, as administrações municipais são relevantes em
vista da formulação e execução das políticas sociais, bem como no preparo da infra-estrutura
e serviços urbanos factíveis à dinâmica de investimentos empresariais, o BID disponibiliza
recursos orçamentários para a área urbana a serem investidos especialmente pelos municípios.
O que é importante reter da disposição do BID em atender às políticas urbanas é a forma
como aquele discurso - que corresponde a um comando/coordenação política e econômica
formatado pela inteligência geral que, ao fim e ao cabo interliga-se à defesa do pensamento
único - vai sendo difundido e, sobretudo, expresso nas recomendações de políticas do Banco.
335
Aliás, a partir do governo Fernando Henrique e continuando no governo Lula, a linguagem mais utilizada
pelos ministros da Fazenda, bem como pelos presidentes, no Brasil é a de que é preciso assegurar a estabilidade
macroeconômica e valorizar a moeda frente ao mercado competitivo global para evitar crises econômicas.
Enquanto isso, os segmentos da classe trabalhadora padecem diante do atendimento de políticas mínimas
caracterizando um quadro de precária reprodução social.
299
Assim, sob a alegação de que as cidades devem ser competitivas, atrativas, eficientes,
sustentáveis, os apologistas daquele pensamento (representados pelas discussões dos
intelectuais catalães) asseguram que os municípios correspondem ao lócus privilegiado da
produtividade e lucro empresariais, motivo pelo qual devem ser atrativos aos investimentos
capitalistas. Deste modo, as cidades consideradas símbolos de desenvolvimento econômico e
social devem servir de espelho para outras experiências em nível mundial. Eis que se constrói
um modelo de gestão de cidades que pretende ser orientador do planejamento urbano que
valoriza a dimensão técnica (da gestão), isto é, a capacidade gerencial da administração local.
Em uma visão crítica a essa concepção de cidades, afirma Arantes (2002, p. 26):
Embora se saiba que as cidades modernas sempre estiveram associadas à divisão
social do trabalho e à acumulação capitalista, que a exploração da propriedade do
solo não seja um fato novo, e que haja [...] uma relação direta entre a configuração
espacial urbana e a produção ou reprodução do capital, como estamos vendo, há algo
de novo a registrar nessa fase do capitalismo em que as cidades passaram elas
mesmas a ser geridas e consumidas como mercadorias.
Por outro lado, os representantes do Banco, responsáveis especificamente pela área
urbana, esforçam-se em disseminar esse modelo de gestão através da troca de experiências
com os gestores urbanos da América Latina, tal é a perspectiva dos seminários e encontros
realizados sobre as temáticas que tratam de assuntos referentes às “boas práticas” de gestão
urbana. Nesse particular, há uma ênfase quanto à responsabilidade do administrador local que
deve ser eficiente na aplicação dos recursos, tanto para área social quanto para o setor de
serviços urbanos e de infra-estrutura, devendo incentivar os processos de privatização e
fomentar a participação dos usuários das políticas. Aqui uma recomendação particular: a
participação deve ser incentivada à medida que facilita a boa aplicação dos recursos no
sentido de tornarem os projetos eficientes e eficazes, segundo a lógica da acumulação
capitalista.
300
A análise atenta sobre a recomendação da participação demonstra que esta deve facilitar
a aceitação das políticas nimas de caráter setorizado e focalizado, além de contribuir no
“alívio” das condições de pobreza e inibir conflitos sociais que podem surgir em face do
agravamento das expressões da questão social. Sem contar que na perspectiva do Banco o
fomento à participação constitui-se em mecanismo de apoio às reformas do Estado, assunto
central na prescrição de modelos de gestão para os países da América Latina.
Nesse sentido, o discurso formatado e propagado pelos apologistas do BID (como seus
funcionários e consultores) demonstra como há, por parte do Banco, um interesse em
assegurar seus objetivos que conforme assinalado, está a serviço da continuidade da
acumulação do capital à medida que todas as suas recomendações e debates acerca da
gestão urbana articulam-se às discussões acima feitas.
Na perspectiva prática da indicação do planejamento normativo orientado pelo BID, é
digna de nota a forma como a inteligência do Banco procura materializar suas
recomendações, vistas especificamente no Programa Habitar Brasil-BID. no enredo desse
Programa um cuidado em controlar a elaboração dos projetos a serem financiados, bem como
sua execução, mediante as prescrições existentes nos manuais de operacionalização e nos
relatórios de acompanhamento, que se caracterizam por uma rigidez no monitoramento das
experiências. Exemplo desse controle é a exigência da assinatura do Termo de Adesão por
80% dos usuários dos projetos financiados pelo Banco (como é o caso Programa HBB) em
vista de assegurar a correta aplicação de recursos.
Por outro lado, analisando a particularidade histórica brasileira no que toca à
administração de cidades - especialmente a partir dos anos 80 - nota-se a presença de uma
série de discussões que se alinharam em torno de um projeto denominado modelo
democrático de gestão de cidades, que foi formatado com base nos princípios da reforma
urbana e ganhou força a partir das eleições municipais de 2000, quando alguns municípios
301
brasileiros passam a ser administrados por partidos políticos ligados à tradição de esquerda,
especialmente o Partido dos Trabalhadores
336
.
Note-se que as proposições do citado modelo democrático de gestão de cidades se
vinculam ao campo de debates que se posicionam criticamente e contrariamente àquele
modelo de gestão defendido e orientado pelos bancos multilaterais de crédito (como é o caso
do BID) - o qual se associa ao modelo de gestão ancorado na perspectiva neoliberal. Por outro
lado, o modelo democrático em referência é calcado na concepção de democratização
(COUTINHO, 2000), referenciada pela perspectiva socialista. A prática política desse modelo
de gestão exponencia os processos participativos - a associação entre os instrumentos de
democracia direta (como é o caso do orçamento participativo) com os de democracia
representativa (acompanhamento das atividades do Legislativo, Executivo) como forma de
ampliar a capacidade crítica dos cidadãos face às decisões políticas da cidade tendo em vista a
efetivação dos direitos de cidadania.
Em Belém do Pará uma frente de esquerda capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores
venceu a eleição municipal de 1996 (sendo reeleita no pleito seguinte, com alguma
modificação nos partidos que compunham a frente, mas sempre encabeçada pelo PT,
permanecendo no Governo Municipal ao ano de 2004) passando a desenvolver um projeto
ancorado no referido modelo democrático de gestão de cidades.
O projeto em questão foi desenhado com base nos princípios de participação popular,
transformação da cultura política local, democratização do Estado e inversão de prioridades,
alinhando-se às discussões feitas no PT, naquele período, em nível nacional, sobre a
radicalização da democracia, onde as administrações locais deveriam estimular a
participação social (democracia participativa) dos moradores da cidade, fortalecendo os
mecanismos de democracia representativa. O arranjo político-institucional desse projeto
336
que se observar que de sua criação, em fins dos anos 80, até os acontecimentos políticos mais recentes do
atual Governo Federal, o PT era considerado um partido vinculado a essa tradição.
302
apostava nas possibilidades da radicalização da democracia, tendo em vista a ampliação dos
direitos de cidadania tendo como referência, ideais socialistas.
Em 1999 a Prefeitura de Belém habilitou-se junto ao Banco Interamericano de
Desenvolvimento (através Programa Habitar Brasil-BID) para financiamento de recursos que
seriam destinados para as localidades do Riacho Doce e Pantanal (áreas de baixadas com
graves problemas de saneamento ambiental) através do Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal. Note-se que, tal como a Prefeitura de Belém, o Programa HBB
referenda a participação social, sendo esta circunscrita à assinatura de um Termo de Adesão
por 80% da população usuária, sem a qual não haveria disponibilidade de recursos para o
referido projeto. Que importância, afinal, teria (para o BID) a assinatura de moradores de uma
área de baixadas em uma cidade da América Latina? A aproximação ao objeto de pesquisa
tornou possível afirmar que a temática da participação, conforme assinalado acima, interliga-
se por muitas mediações às orientações de (contra)reforma do Estado.
Posto isso, a pesquisa identificou – a partir da análise de uma particularidade histórica
a existência de proposições diferenciadas quanto ao modelo de gestão de cidades e à noção de
participação social. O conjunto das argumentações do Banco Interamericano de
Desenvolvimento permite afirmar, com segurança, que esse Banco valida a democracia
(processos democráticos) desde que não se altere a ordem do capital. Por outro lado, as
discussões pertinentes ao denominado modelo democrático de gestão de cidades também
legitimam a democracia (radicalização da democracia), mas tem uma aproximação a ideais
socialistas, isto é, movem-se no campo de debates ainda que em proposições discursivas -
que buscam transformações societárias que se projetem para além da ordem burguesa.
Com o intuito de se aproximar ao objeto da presente tese, a pergunta girou em torno do
seguinte questionamento: Se é verdade que o desenho do projeto político evidenciado em
Belém apresentou uma direção política diferenciada e contrária à agenda do BID para as
303
cidades, quais as tensões e compatibilidades entre as propostas de gestão de cidades e a noção
de participação social desenhadas pelo BID e pela Prefeitura de Belém tendo como referência
analítica o Plano de Desenvolvimento Local Riacho Doce e Pantanal, financiado pelo Banco,
através do Programa Habitar Brasil-BID?
A pesquisa bibliográfica, documental e as entrevistas com alguns sujeitos (responsáveis
pela arquitetura do projeto em Belém) evidenciaram que o projeto de gestão do Partido dos
Trabalhadores em Belém no período de 1997 a 2004 foi diferenciado e oposicionista ao
modelo de gestão de cidades difundido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento,
indicando, todavia, tanto elementos de tensões como de compatibilidades.
Em nível de tensões, a Prefeitura expressou, ainda que do ponto de vista discursivo,
sobretudo em seus documentos oficiais, que sua proposta se assentava na defesa dos direitos
de cidadania, tendo por referência ideais socialistas: [...] A dignificação dos homens e das
mulheres, ou seja, a humanização da sociedade e a construção de uma sociedade socialista,
esse é o sonho maior” (PROGRAMA DE GOVERNO, 2000, p. 65). Nesta angulação, que
ser ratificada a importância do projeto democrático pensado e desenvolvido em Belém que
fora, sem sombra de dúvida, inédito em termos da história política da cidade, se for
comparado às velhas práticas clientelistas que dominavam o cenário político nas eleições
municipais (a cada pleito, havia uma alternância de poder pelos grupos que tradicionalmente
comandavam o poder municipal). Por esse motivo, o projeto experimentado em Belém foi
extremamente válido como aprendizado político, especialmente pela incorporação da
participação social dos moradores nas discussões e decisões, o dos recursos, como dos
rumos a serem tomados como um todo pela cidade.
Em nível de compatibilidades, a análise particular do Plano de Desenvolvimento Local
Riacho Doce e Pantanal particular no sentido desenvolvido por Lukács (1978) como meio
mediador entre as relações do singular com o universal – demonstra que a Prefeitura de Belém
304
procurou imprimir nesse projeto, através de um planejamento urbano muito cuidadoso, uma
direção política diferenciada e contrária às orientações do BID. Entretanto, diante das
requisições dos manuais de operacionalização do Programa HBB (que afinal das contas
materializam, tornam concretos os interesses em conflito), a estrutura do projeto (do PDL) foi
adequada às exigências do Programa HBB, conformando um planejamento do tipo
tradicional. Nesta medida, quanto se trata especificamente da assinatura do Termo de Adesão
por 80% da população usuária do PDL, a pesquisa identificou que houve compatibilidades
por parte da Prefeitura no que se refere ao aspecto formal de elaboração do projeto, tendo em
vista sua aprovação junto ao BID, mas não no sentido substancial da experiência.
O desvelamento do objeto (em nível essencial) evidencia, em síntese, que a experiência
desenvolvida em Belém expressou um processo político visto no âmbito da esquerda
brasileira que, herdando as bandeiras de lutas dos movimentos sociais e sindicais, formuladas
especialmente contra o regime militar no marco da redemocratização no Brasil, ganhou força
a partir da década de 90 e início do século XXI quando diversas cidades brasileiras passam a
ser administradas pelo Partido dos Trabalhadores que, à época, representava uma contra-
tendência ao movimento hegemônico do capital, tendo, portanto, um posicionamento
eminentemente crítico e contrário às propostas neoliberais que, conforme assinalado, propõe
um ajuste estrutural que precariza, sobremaneira, a reprodução social dos trabalhadores ao
passo que garante a continuidade da maximização do lucro pelo capital.
O cenário atual demonstra que mais obstáculos que possibilidades de construção de
processos democráticos no Brasil devido, dentre outros: a) ao poder de controle das
instituições financeiras multilaterais sobre os dirigentes políticos - que se constituem na
inteligência geral do capital, elaborando minuciosamente as orientações de políticas que
favorecem os interesses capitalistas; b) a continuidade da adoção do receituário neoliberal no
Brasil, pelo Governo Federal, que prioriza a condução das políticas macroeconômicas em
305
detrimento das políticas sociais; c) a dificuldade das frações de classe trabalhadora em
organizar movimentos que se contraponham às formas de dominação burguesa, indicando
caminhos para sua reversão. Esses elementos, sumariamente apontados, indicam que há, nesse
momento, uma tendência - posta pela própria realidade histórica na qual estamos inseridos -
de mais compatibilidades e menos tensões no que se refere à possibilidade de se discutir
modelos de gestão de cidades (incluindo-se o estímulo à participação social) que apontem
para transformações fundamentais nos rumos do estágio atual do capitalismo.
O alcance do projeto de democratização não está resolvido, nem está esgotado. Quais
os caminhos a serem trilhados para que se consiga fazer um contraponto substancial ao
recente processo de acumulação do capital? Não certezas quanto aos rumos da história.
Mas, levando-se em conta que o movimento do capital é cada vez mais complexo,
dificultando, sobremaneira, sua apreensão, pelo menos uma tarefa é imperiosa: refletir
criticamente e reiteradamente (para usar uma expressão do professor Otávio Ianni) sobre as
novas formas criadas para sua produção e reprodução e que essa reflexão esteja sempre
voltada à construção de uma nova sociabilidade humana.
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