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Luiz Moreira da Costa Filho
A Inserção do Seminário Episcopal
de Fortaleza na Romanização do
Ceará (1864 – 1912)
UFC – FORT
2004
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2
Luiz Moreira da Costa Filho
A Inserção do Seminário Episcopal
de Fortaleza na Romanização do
Ceará (1864 – 1912)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em História Social.
Linha de Pesquisa: Cultura e Poder
Orientador: Prof. Dr. João Alfredo de Sousa
Montenegro – Universidade Federal do Ceará
FORTALEZA
2004
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Universidade Federal do Ceará
Departamento de História
Programa de Pós-Graduação em História Social
Dissertação intitulada “A Inserção do Seminário Episcopal de
Fortaleza na Romanização do Ceará (1864-1912)”, de autoria de
Luiz Moreira da Costa Filho, aprovada pela banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:
____________________________________________________
Prof. Dr. João Alfredo de Sousa Montenegro - UFC
(Presidente e Orientador)
Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá - UECE
(Membro da Banca Examinadora)
Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos - UFC
(Membro da Banca Examinadora)
4
Ao Deus todo-poderoso, Senhor da glória,
fonte de toda sabedoria, que executa grandes
obras sobre a terra. Ao Deus eterno,
imutável, real, manifestado em Cristo Jesus,
amigo leal e misericordioso, em quem
encontro forças para vencer as dificuldades
do cotidiano. Toda honra, glória e louvor a
Ele por mais uma vitória.
Aos meus pais, Lucimar e Luís, que têm dado
suas vidas para que eu seja feliz.
5
AGRADECIMENTOS
Nessa caminhada que está chegando ao fim, reconheço a importância
que tiveram para essa vitória e dirijo os meus sinceros agradecimentos: a
minha irmã Luana, por ter ajudado no financiamento do meu computador, tão
útil para a conclusão desse trabalho; a minha namorada, Ana Maria, pelo seu
apoio, especialmente, nos momentos difíceis; a Ana Glória Lopes e Hermeson
Claudio Mendonça Menezes, verdadeiros amigos, irmãos e companheiros a
eles devo muito e jamais poderei retribuir-lhes; ao Prof. João Alfredo, pela sua
orientação na dissertação; a Scherlandro, pelo apoio técnico na pesquisa e
elaboração digital do banco de dados; aos professores do Departamento de
História da UFC, tanto da Graduação como do Mestrado, que foram meus
mestres na minha formação acadêmica – destacando as pessoas de Eurípedes
A. Funes e Ivone Cordeiro, que me incentivaram a não desistir desse projeto;
aos funcionários do Departamento de História: Lucinha, Fátima, Dantas,
Constantino, Edileuza e Augusto, pelo atendimento e confiança que em mim
depositaram; a Regina, secretária do Mestrado, pela sua atenção e dedicação
tão necessários nas precisas; a Dona Zefinha, do Setor de História Eclesiástica
do Seminário Episcopal de Fortaleza, que tão amorosamente sempre me
atendeu nas vezes em que lá pesquisei, e a todos que dessa instituição
contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho; à FUNCAP, pelo apoio
financeiro dispensado; enfim, a todos os que de alguma forma me ajudaram ou
com atos ou com palavras para que eu concluísse essa etapa de minha vida
acadêmica.
6
RESUMO
Essa dissertação analisa o papel do Seminário Episcopal de Fortaleza
no projeto de reforma católica no Ceará, mais especificamente entre 1864, data
de sua fundação, e 1912, momento em que esse projeto assume
características diferentes das que tinha no início, redefinindo-se assim a
posição da instituição no contexto da romanização. Tomando, principalmente,
para o estudo das fontes primárias produzidas pela Igreja do Ceará e pelas
autoridades civis locais, procurei problematizar o Seminário nos seus vários
ângulos: seu código disciplinar, sua administração, seus professores, seus
alunos, seu método avaliativo, além dos resultados produzidos pela escola no
âmbito da luta contra a modernidade secularizante que se fortalecia no Ceará e
em todo o Brasil. Dessa forma, delineia-se neste trabalho uma história
institucional que se desenvolve em meio ao conjunto de esforços da Igreja na
defesa do tradicionalismo religioso.
Palavras-Chave: Igreja, Romanização e Seminário.
7
ABSTRACT
This dissertation analyzes the role of the Episcopal Seminary of
Fortaleza in the project of Catholic Reform in Ceará, more specifically between
1864, date of its foundation, and 1912, moment that the project assumes
characteristics different from the ones that it had in the beginning, redefining the
position of the institution in the context of the romanization. Taking, mainly, for
the study of the primary sources produced by the Church of Ceará and the local
civil authorities, I sought problematize the Seminary in its several angles: its
disciplinary code, administration, teachers, students and its evaluation method,
besides the results produced by the school in the ambit of the fight against the
secularizing modernity that strengthened in Ceaand in the whole Brazil. This
way, it is delineated in this work an institutional history that is developed amid
the group of efforts of the Church in the defense of the religious traditionalism.
Keywords: Church, Romanization and Seminary.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................09
CAP 01: O MOVIMENTO DE REFORMA CATÓLICA NO CEARÁ
1.1 – O Concílio de Trento ...................................................................19
1.2 – A reforma católica no Brasil: o caso do Ceará.............................23
1.2.1 – As estratégias para reorganizar a religiosidade
popular............................................................................32
1.2.2 – Estratégias para o controle do clero local.......................39
1.3 – A continuação do projeto romanizador com D. Manuel da
Silva Gomes.................................................................................46
CAP 02: O SEMINÁRIO EPISCOPAL DE FORTALEZA: FUNDAÇÃO
E ORGANIZAÇÃO
2.1 – Visão panorâmica da história do ensino no Ceará......................57
2.2 – Os primeiros passos....................................................................61
2.3 – A edificação do prédio..................................................................66
2.4 – O regulamento interno.................................................................75
2.5 – Os cursos de Preparatórios e Teológico: caracterização............82
2.6 – As avaliações...............................................................................90
CAP 03: REITORES, PROFESSORES, CRIADOS E ALUNOS
3.1 – Os reitores....................................................................................98
3.2 – Os professores...........................................................................107
3.3 – Os criados..................................................................................114
3.4 – Os seminaristas: perfil sócio-econômico
e os números de formação....................................................... 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................130
BIBLIOGRAFIA................................................................................................138
FONTES..........................................................................................................143
9
INTRODUÇÃO
Em outubro de 1914, a Diocese do Ceará fez uma grande festa para
comemorar os 50 anos de fundação do Seminário da Prainha. Foram
convidados para o evento autoridades eclesiásticas do Ceará e de outros
estados, ex-seminaristas e autoridades políticas do Estado. Os fortalezenses
compareceram em grande número à missa de ação de graças na igreja da
Prainha. Quais foram, porém, as razões dessa comemoração? Quais
benefícios trouxeram à Igreja e à sociedade cearense a fundação dessa
instituição? Qual a história por dentro dos muros dessa escola de padres? As
respostas dessas questões passam pela compreensão do significado de duas
palavras-chave Seminário e Romanização no contexto de um projeto de
enquadramento doutrinal e disciplinar do clero e da sociedade cearense.
Inicialmente acentuo que o estudo histórico e analítico de instituições
como o Seminário da Prainha parece o ser temática muito trabalhada pelos
historiadores nacionais, especialmente no que se refere ao estudo do vínculo
da fundação de uma casa do tipo com a romanização, ou ao exame da
disciplina interna na formação de padres em instituições dessa natureza. Isto,
porém tornou instigante esta pesquisa legando-lhe importância e dando ar de
novidade no campo historiográfico, se não nacional pelo menos local.
De uma forma geral, o tema seminário aparece quase sempre na
bibliografia que trata da história da Igreja na Europa e no Brasil. Esse material,
entretanto, não explora a temática do funcionamento interno nem da relação
dos seminários com a sociedade em que se inserem, mas apenas a sua
instrumentalidade como espaço de ampliação do quadro de clérigos no
contexto da reforma católica; ou seja, tratam de sua origem durante o Concílio
de Trento, da obrigação dos bispos reformadores de os fundarem em suas
dioceses, dos critérios que devem satisfazer os noviços para ingressarem
nessas casas, mas não comentam sobre exemplos históricos específicos de
alguma instituição do gênero
1
.
1
Como exemplo posso citar: HOORNAERT, Eduardo. O Cristianismo Moreno do Brasil.
Metrópolis, RJ: Vozes, 1991. AZZI, Riolando. Ascensão ou Decadência da Igreja. S. Paulo:
Editoras das Américas S. A., 1962.
10
a romanização ou reforma católica no Brasil ou no Ceará é tema
bastante estudado em nossas universidades, havendo concordância entre a
maioria dos autores, que tratam sobre o assunto, sobre o sucesso, se não total,
pelo menos parcial, do projeto de reforma clerical importado da Europa.
No contexto da historiografia que aborda a romanização do Ceará e um
pouco da história do Seminário Episcopal de Fortaleza, o trabalho que mais se
aproxima da idéia que desenvolvo nesta dissertação é o elaborado por
Edilberto Cavalcante Reis, Pro Animarum Salute: A dicocese do Ceará como
“vitrine” da romanização no Brasil (1853 – 1912). Esse autor estuda, num
interregno de quase cinqüenta anos de funcionamento da Diocese do Ceará,
as várias estratégias usadas pela igreja cearense para executar um projeto de
reorganização da religiosidade popular e de enquadramento do clero regional
nos padrões eclesiásticos de Roma. Interessou-me sobremodo seu terceiro
capítulo, onde ele se propôs a tratar da formação do clero cearense no
Seminário Episcopal de Fortaleza, porém, de forma resumida. Por não ser um
trabalho direcionado ao estudo do Seminário em si, mas da romanização, o
autor não aprofundou algumas questões, como: a análise do Diretório dos
Semináristas, ou seja, as normas da escola que deviam reger a vida dos
seminaristas e o estudo mais detalhado das fichas individuais dos alunos que
estudaram nessa instituição, onde estão dados sobre o comportamento deles
que me permitem tecer considerações sobre a resistência ao estado sacerdotal
e a aplicação das punições pela desobediência ao Diretório. Acontece que o
autor fica muito preso a uma das principais fontes que também utilizamos, o
Álbum Histórico do Seminário Episcopal de Fortaleza, não recorrendo a outras
fontes de caráter primário que me permitem fugir dessas limitações, trazendo à
luz novas informações. Em comparação a outros textos produzidos sobre o
Seminário, como o de Plácido Castelo e o de Francisco Alves de Andrade
2
,
estes fogem ao objetivo de fazer uma história institucional da escola, o trabalho
de Edilberto foi inovador na abordagem do tema e teve importância
considerável para nosso estudo.
2
ANDRADE, F. Alves de. O Seminário de Fortaleza e a Cultura Cearense. Separata da Revista
do Instituto do Ceará, Tomo XXXIX Ano XXXIX. Ed. Instituto do Ceará, 1967. CASTELO,
Plácido Aderaldo. História do Ensino no Ceará. Coleção Instituto do Ceará: Monografia n
0
22, Departamento de Imprensa Oficial, 1970. LIMA, Francisco. O Seminário da Prainha.
Fortaleza: BNB, 1982.
11
Além das obras citadas anteriormente, algumas outras obras
encontradas, respeitantes ao Seminário Episcopal de Fortaleza, são de
abordagem superficial e tendenciosa, que não consideram ou não revelam a
principal função para que fora fundado no século XIX: contribuir para a
romanização do Ceará. Na verdade, o aspecto da reforma católica é ocultado e
a contribuição da instituição para o desenvolvimento intelectual local é
ressaltado. Sem dúvidas, isso constituiu uma realidade e teve sua importância,
em razão da pobreza e da pouca quantidade de instituições educacionais na
Província no século XIX, mas seria simplista por demais seguir esta mesma
linha de pensamento, sem tentar ir mais além na abordagem. Embora não
pretenda fazer uma história de louvor ao “heroísmo” dos bispos cearenses e
dos primeiros reitores e professores, nem tampouco dos “grandes” feitos de
“homens santos” da igreja cearense, em perspectiva diferenciada, sem
desprezar a capacidade e a importância dos personagens da nossa história
eclesiástica local, meu trabalho buscou a interpretação dos fatos que
envolveram a fundação do Seminário, no século XIX, e a contribuição deste
para o projeto que a Igreja de Roma possuía, não para o Ceará e o Brasil,
mas para toda a América Latina “terra do erro pagão” e do “cristianismo
irregular”, que precisava ser colocado “nos eixos”
3
. E, acompanhando este
eixo, procurei estudar o funcionamento interno e a administração
(regulamentos, melhoramentos, contas etc) da instituição, ajudando a
vislumbrar um pouco do seu cotidiano.
Diferentemente do que se poderia esperar de uma história institucional
este ensaio não fica preso aos aspectos administrativos nem aos números
produzidos pela instituição (receitas e despesas, estatística de matrículas e
formação). A história da instituição se mistura à história da Província/Estado e
do Brasil e isso pode ser percebido à medida que destaco os fatos externos
que têm interferência no desenrolar histórico do Seminário. Como exemplos,
posso citar: o fenômeno climático da seca de 1877-78 no Ceará, que quase
provoca o fechamento da instituição; ou ainda a Proclamação da República, em
1889, que leva o Seminário a buscar outros meios para manter sua receita,
que as subvenções do Estado cessaram nesse período. No aspecto da
3
Visão do Papa Pio IX, na segunda metade do século XIX. Ver: HOORNAERT, Eduardo. O
Cristianismo Moreno do Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991, p. 131-132.
12
interpretação dos números gerados pelo Seminário, busquei representá-los,
quando possível, como resultados de fatores internos e externos à escola. Por
exemplo, o maior número de padres formados pelo seminário é natural de
cinco regiões do Ceará: Icó, Fortaleza, Sobral, Aracatí e Crato. Como pode ser
entendido isso?
Portanto, a minha preocupação foi inserir o Seminário em uma escala
maior de compreensão que envolve a história da Igreja, no contexto ocidental,
e a história do Ceará, como espaço de uma religiosidade que durante a
primeira metade do século XIX não se encaixa no molde tridentino, sendo
escolhido para se iniciar um projeto de reforma católica que servirá de modelo
para outras regiões do País.
Diferente de uma análise que se poderia fazer de manicômios ou
prisões, como objetos de estudo vistos como laboratórios onde se produzem
novos discursos e verdades visando ao controle social, este trabalho
reconhece o Seminário como um instrumento que faz parte de um projeto de
controle sócio-religioso (a Romanização) que visa a modificar os rumos do
catolicismo latino-americano. Na realidade, no casarão da Prainha, não existe
lugar para reformulações de conceitos, antes para reprodução de uma visão de
mundo espiritual e temporal que rejeita todo discurso modernizante de linha
iluminista e revolucionário – inclusive, em alguns momentos, o próprio cotidiano
no Seminário transmitia essa sensação de ausência de mudanças, devido a
regularidade das atividades lá desenvolvidas.
Mais especificamente sobre o termo romanização, pego emprestado de
Ralph Della Cava, em Milagre em Joaseiro, a idéia de reforma-católica que ele
mesmo tomou do antropólogo Roger Bastide, a qual consiste basicamente no
movimento político-religioso da Igreja Romana, no século XIX, com vistas a:
reafirmar a autoridade da igreja institucional e hierárquica (episcopal) no
controle de todas as expressões religiosas de catolicismo, como nos casos das
manifestações religiosas das irmandades e de outros motos religiosos leigos;
reformar o episcopado objetivando o controle sobre a doutrina, a fé, as
instituições e a educação do clero e do laicato; aumentar a dependência do
clero brasileiro às Ordens e Congregações missionárias estrangeiras (como os
lazaristas, capuchinhos, beneditinos), realizando a transição do catolicismo
colonial ao catolicismo universalista (tridentino), sob absoluta rigidez moral e
13
doutrinária; e por fim, buscar esses objetivos, mesmo que os interesses
políticos locais se manifestem contra
4
. Além desse autor, serviu-me na analise
do desenvolvimento da romanização no Ceará: Edilberto Cavalcante Reis;
Eduardo Hoornaert; Riolando Azzi; Pedro A. Ribeiro Oliveira; Francisco José
Pinheiro e outros que me dão uma visão ampliada da reforma católica no Brasil
e no Ceará.
Aliado ao conceito de romanização, está outro que, em termos
ideológicos, se contrapõe ao pensamento romanizador, especialmente por ser
visto como deturpador da ortodoxia doutrinária pregada pela Igreja romana: a
idéia de religiosidade popular sendo mais voltada para as práticas de
catolicismo - que defino como todo uso de bens e símbolos sagrados católicos
pelos grupos sociais (leigos ou clérigos, pobres ou ricos) que desvirtua a matriz
religiosa primeira ensinada pelo alto clero, que procura monopolizar e controlar
todas as manifestações religiosas. Esta religiosidade pode, de acordo com as
circunstâncias, ter o caráter de autonomismo, quando o poder religioso oficial
não é presente ou efetivo, ou seja, acontece a livre manipulação do sagrado
pelos agentes populares sem interferência da Igreja; ou pode ter o caráter
subversivo, quando, mesmo diante da vigilância da hierarquia, ela resiste de
forma surda, escondida ou mesmo aberta a um saber oficial imposto.
Contribuiu para esta conceituação as leituras que fiz de Michel de Certeau,
Eduardo Hoornaert e Gledson Ribeiro de Oliveira.
Ainda no sentido do estudo do catolicismo plural fiz uma rápida análise
da organização da religiosidade popular a partir de uma instituição que exerceu
importante papel sócio-religioso no Brasil e no Ceará: as irmandades. Outro
momento em que me refiro a outro tipo de manifestação vinculada a
religiosidade popular é quando trato do caso do Padre Cícero, que se formou
no Seminário e que mesmo tendo recebido o ensino ultramontano se envolve
com o “milagre” de 1º de março de 1889, desafiando a autoridade da hierarquia
eclesiástica a que se subordinava. Esse fato assume importância pela razão de
se constituir numa resistência aberta de um padre que, como disse Eduard0o
Hoonaert, tinha a cabeça romanizada, mas o coração voltado a expressões
menos rígidas de religiosidade católica.
4
. DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. 2 ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
14
Este trabalho, entretanto, não deseja elaborar uma história da
romanização no Ceará, embora este tema participe e contribua para o
enriquecimento desse quadro. O meu objetivo principal é fazer uma história da
instituição (sua disciplina, seus critérios de formação, sua importância
educacional etc.) e analisar qual a parcela de contribuição da principal
instituição de formação ultramontana no Ceará, o Seminário Episcopal de
Fortaleza, na reforma do catolicismo dessa região, entre o período de 1864,
ano da sua fundação, e 1912, fim do governo da Diocese de D. Joaquim José
Vieira e de um modelo de romanização voltado mais para a reforma dos
princípios comportamentais e doutrinários do clero e da sociedade, quando a
Igreja tinha uma ação mais assistencialista e evangelizadora junto às camadas
populares que reivindicava junto ao poder público por melhores condições de
vida da população. Este último ano representou, em termos locais, a mudança
de estratégia da romanização, quando a Diocese passou às os do bispo (e
primeiro arcebispo do Ceará) D. Manuel da Silva Gomes, que, procurando
inserir a Diocese na discussão do que se costumou chamar “Questão Social”,
ele passa a agir dentro dos princípios de uma nova visão de ação sócio-
religiosa, envolvendo o clero e a intelectualidade católica cearense em lutas
sociais de que ainda a igreja local não havia participado efetivamente, como a
luta do operariado por melhores condições de vida e trabalho.
Assim, procurando sistematizar esses pensamentos, dividi a
dissertação em três partes. No primeiro capítulo, fiz uma explanação sobre o
movimento de reforma católica que atualmente os historiadores denominam de
romanização, inserindo o Ceará do século XIX nesse contexto. Nesse sentido
destaco o início do movimento com o Concílio de Trento, dando atenção
especial ao projeto de criação dos seminários episcopais como instrumento de
multiplicação de sacerdotes romanizados. Descrevo como se deu o processo
de organização dessas instituições desde a Europa do século XVI, passando
para o contexto nacional até chegar à Província do Ceará. Também tento
delinear ainda sobre o papel dos jesuítas na evangelização no Brasil e na
fundação dos primeiros cleos educacionais de primeiras letras até a
fundação dos primeiros seminários episcopais, ressaltando que o projeto de
enquadramento da religião no Brasil começa com os membros da Ordem.
Depois da expulsão da Companhia de Jesus das terras da coroa portuguesa,
15
mostro como se modifica o quadro moral e educacional do clero e em que
situação religiosa o primeiro bispo do Ceará encontra a região. A partir daí,
descrevo os passos dados pelos três primeiros bispos do Ceará, tratando
especialmente sobre as atividades que demonstram suas atitudes reformistas,
como: a construção do Seminário, por D. Luis Antônio dos Santos; o
enquadramento das irmandades religiosas; o incentivo ao movimento religioso
leigo no estilo da Conferência Vicentina; o tratamento dado pelos bispos à
postura desviante do clero local – referindo-me especialmente ao Pe. Ibiapina e
ao Pe. Cícero Romão Batista; as estratégias de enquadramento do clero: os
retiros espirituais e as visitas pastorais; as lutas contra as idéias secularizantes
(liberalismo, positivismo, socialismo), antes e após a Proclamação da
República (1889); a criação das corporações ou associações operárias
católicas, no período de D. Manuel da Silva Gomes; a atividade de imprensa
católica no Ceará, com a Tribuna Católica como meio para divulgação das
idéias ultramontanas da Igreja, entre outras coisas.
Além da bibliografia usada para compor esse capítulo algumas fontes
foram de relevância entre as quais: os Relatórios de Presidente da Província do
Ceará, que me ajudaram a conhecer, por meio de documentos redigidos pelo
Poder Público, sobre as condições moral e intelectual do clero cearense, a
situação dos templos e a prestação do serviço religioso feito pela Igreja antes
da implantação do Bispado do Ceará (1854) e em período posterior; os jornais
eclesiásticos (Tribuna Católica e A Verdade), que foram veículos para
divulgação das idéias romanizadoras junto à população local, tentando
doutrinar e rebater as “heresias” que entravam na Província; o livro de
Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894) e o Primeiro Livro das Constituições Sinodais
do Bispado de Fortaleza, de1888, que proporcionaram ver como se organizou
a Diocese do Ceará e como era administrada; e o Álbum Histórico do
Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, de 1914, que contem várias
informações importantes sobre a história do Seminário, não encontradas em
nenhuma outra do Setor de História Eclesiástica
5
.
5
Segundo fiquei sabendo pelo professor João Alfredo Montenegro e confirmado por alguns
padres do Seminário, boa parte da documentação sobre a instituição está na Casa Mãe dos
16
No segundo capítulo, trabalhei exclusivamente a fundação e
organização do Seminário como instituição de ensino, inserindo-o no contexto
educacional cearense da segunda metade do século XIX. Como subdivisão,
nesta seção nos detive-me em analisar o regulamento interno e suas
peculiaridades, em caracterizar os dois cursos oferecidos: o preparatório e o
teológico, a distribuição dos horários e disciplinas ensinadas, o valor dos
exames e o significado das férias como momento de perigo. É nesse capítulo
que são explorados mais elementos sobre o cotidiano dos alunos e seus atos
de resistência à vocação imposta pelos pais. Aqui também procurei ver as
tensões internas causadas pela intransigência da direção do Seminário; a
“revolta dos seminaristas” é um dos destaques desses momentos. Para a
composição desta seção, além de outras, as fontes mais usadas foram Álbum
Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza/ Cea, de 1914 que é
onde encontro as normas da instituição, as disciplinas ensinadas, os horários
das aulas, entre outras coisas; o Livro de Matricula do Seminário Provincial de
Fortaleza (1864-1890) – essa fonte era onde o reitor fazia anotações periódicas
sobre questões relativas à espiritualidade, ao estudo, ao comportamento e
infrações disciplinares. Ela também nos traz os nomes, lugar de onde vinham
os seminaristas, os nomes dos pais, situação sanitária (se eram vacinados ou
não) e a causa da saída voluntária ou da expulsão deles. Foi por meio dela
que, entre outras coisas, trabalhei vários aspectos relacionados ao
cumprimento do regulamento interno e a resistência dos alunos ao regime do
Seminário.
No terceiro e último capítulo, detive-me mais especificamente nas
pessoas que fizeram o Seminário, seus reitores e professores, seus criados e
alunos. Na medida do possível, o perfil dos professores e reitores foi delineado
e aqui as três administrações (Pedro Augusto Chevalier 1864 a 1890 –, o pe.
Júlio Simon 1891 a 1907 e o pe. Vicente Péroneille 1909 a1914) do
Seminário foram detalhadas, mostrando as mudanças estruturais realizadas
pelos reitores ao longo dos anos. O grupo dos professores é estudado, levando
em consideração suas peculiaridades individuais e coletivas, como: de onde
Lazaristas, no Rio de Janeiro. Essas fontes teriam sido levadas pelos padres lazaristas
quando deixaram a direção da instituição em 1964.
17
procediam, as dificuldades na adaptação climática, categoria (colaboradores ou
lazaristas) etc. os criados, procurei destacá-los na trama histórica do
Seminário como uma categoria que, diferente do que se escreveu sobre eles,
que eram pessoas “bisonhas e inconstantes”, tiveram sua importância para a
vida da escola; seus nomes aparecem, o valor de seu trabalho, sua
qualificação profissional, sua confiabilidade é distinguida. Já os alunos são
analisados a partir de sua condição socioeconômica anterior à entrada no
Seminário, depois, como padres, como alguém que engrossa as fileiras de
um exército de sacerdotes a serviço da romanização; mas também, quando
não se formam, alguns alunos vão compor o grupo de intelectuais que dão
peso à elite letrada do Ceará e prestígio à Escola, não sendo na maioria das
vezes possível, pelas limitações desse trabalho, saber os caminhos trilhados
por eles e fazer uma análise mais profunda de suas colaborações para os
objetivos da Igreja cearense. Quanto aos que deixam o Seminário para uma
vida de anonimato, estes servem como indício numérico das escolhas
pessoais, da resistência a uma vida celibatária, da não-adaptação à disciplina
da instituição. Aqui a fonte principal também é o Álbum, somente ele fornece
algumas importantes informações biográficas dos professores e reitores. O
Dicionário Bio-Bibliográfico, de Guilherme Studart, foi também muito
importante, no sentido de compor algumas histórias de vida de padres e de
intelectuais que estudaram no Seminário; assim também o Livro de
comemoração do Primeiro Centenário da Instalação da Diocese de Fortaleza
(1861 1961), de D. Antônio de Almeida Lustosa. Das fontes primárias usadas
estão: o Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890), O
Livro de Lançamento da Receita e Despesa do Seminário Episcopal da
Diocese (1864 1886), Relatórios de Presidentes de Província do Ceará, entre
outras.
Finalizando, deixei para as considerações finais uma avaliação da
inserção do Seminário, ou mais especificamente dos padres formados, no
projeto romanizador do Ceará. Aqui procurei revelar em números por que o
Seminário pode ser considerado como um dos instrumentos mais importantes
para a romanização local, principalmente nos primeiros cinqüenta anos de
existência da Diocese do Ceará. Dessa forma, este trabalho não constitui uma
história da doutrina da Igreja, embora esteja relacionada a ela, mas é a história
18
de uma instituição de ensino eclesiástica e de seu papel no enfrentamento
contra os “desvios” da religiosidade popular e da igreja “morena” e contra a
laicização que vem com a Modernidade.
19
- CAP 01-
O MOVIMENTO DE REFORMA CATÓLICA NO CEARÁ
1.1 - O Concílio de Trento
Ao tratar de uma instituição como o Seminário Episcopal de Fortaleza,
achamos importante reaver qual a idéia central que está por trás da criação
desse tipo de instituto na Europa, no século XVI: a formação de um clero
capacitado e obediente que fizesse frente, moral e intelectualmente, a todas as
críticas e ideologias que pudessem surgir contra a Igreja e seu arcabouço
teórico-doutrinário. Bem preparado e escolhido, tal clero seria usado na luta
pela restauração e fortalecimento de valores religiosos tradicionais abalados
pela reforma protestante e, posteriormente, por outras visões de mundo que
surgiram com o Movimento Renascentista e que se desenvolveram e se
fortaleceram com o Movimento Iluminista. A idéia era reforçar a necessidade de
submissão do mundo ocidental à Santa Igreja Católica, “Mãe e Mestra dos
homens”, longe da qual ninguém poderia alcançar a salvação. Dessa forma, a
fundação de seminários episcopais em todo o mundo cristão ocidental fazia
parte do propósito da Igreja de recuperar seu poder sobre homens, reinos e
idéias insurgentes que quisessem desafiá-la, procurando contornar assim seus
problemas.
Sobre o contexto religioso da Europa do século XVI, dos problemas
que tinha a Igreja para resolver, é notório, pela historiografia que trata do
assunto, que ao romper da Reforma Protestante (1517) parte do clero romano
achava-se em estado de decadência moral e intelectual
6
. Depois de um
período de letargia o papa Paulo III (1534 1549) procurou reverter o quadro,
buscando corrigir os problemas morais e barrar o avanço do protestantismo
7
,
que punha em perigo a influência da igreja não na Europa como também no
Novo Mundo. Cônscio da necessidade da reforma da Igreja começou, então, o
6
Ver: MUIRHEAD, H. H.O Cristianismo Através dos Séculos. 2 ª ed., Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1940, (Vol II). CIARNS, Earle A. O Cristianismo Através dos Séculos.
Trad: Israel Belo de Azevedo. 2
a
. ed., São Paulo: Vida Nova, 1995. BETTERSON, H.
Documentos da Igreja Cristã. Trad. Helmuth Simom, São Paulo, 1998. AZZI, Riolando.
Ascensão ou Decadência da Igreja. S. Paulo: Editoras das Américas S. A., 1962.
7
Pois por volta de 1545 o protestantismo encontrava-se solidamente plantado em algumas
regiões da Alemanha, França, Escandinávia, Suíça, Inglaterra e Escócia.
20
papa a executar as primeiras estratégias para sanar os males que corroíam a
Igreja, empregando as mais severas medidas para reprimir o protestantismo,
fortalecer o poder clerical, reformar o clero decaído e revitalizar a religião pela
reafirmação e incremento dos dogmas religiosos. Nesse sentido, os três meios
principais empregados para este fim foram: a criação da Companhia de Jesus
(confirmada como ordem religiosa em 27 de outubro de 1540), a convocação
de um Concílio em Trento e a intensificação dos trabalhos do Tribunal da Santa
Inquisição.
Desejado por Lutero e outros teólogos desde antes da deflagração das
95 teses, o Concílio de Trento se desenrolou em três fases (a primeira de
1545-1547, a segunda de 1551-1552 e a terceira de 1561-1564) marcadas pela
centralização das decisões na pessoa do papa apoiado pelos jesuítas, fiéis
defensores dessa centralização e não mais no conjunto de bispos que, nos
concílios anteriores, tinham poder de voto superior ou igual ao primeiro. Ao final
do longo Concílio, todos os presentes tiveram de assinar uma profissão de
que enfatizava, entre outras coisas, que os reinos que formavam o Sacro
Império Romano deviam total obediência em termos de ao papa, sob pena
de anatemização
8
. Esse desejo, da Igreja de reafirmar seu poder religioso e
também temporal sobre toda Europa, entretanto, provocou vários
desentendimentos entre ela e alguns líderes dessas nações, durante os três
séculos seguintes
9
, levando-a, até certo ponto, a se submeter a acordos com
eles para não perder mais terreno, embora isso enfraquecesse sua influência e
tolhesse sua liberdade até mesmo em termos da administração da religião nos
territórios correspondentes. Um exemplo disso pode ser visto nas relações
desenvolvidas entre Portugal, a Espanha e a Igreja pela oficialização do direito
do Padroado Régio, permitindo às respectivas nações organizarem a religião
católica nos seus domínios, limitando assim o poder da Igreja nesses reinos.
Além de tentar reafirmar o poder da Igreja o Concílio buscou criar
estratégias para sanar os males que prejudicavam sua imagem diante da
sociedade: a formação intelectual e a decadência moral do clero. Para
conseguir esses objetivos, tentou-se acabar entre o clero e os candidatos ao
8
BETTERSON, H. Documentos da Igreja Cristã. Trad. Helmuth Simom, São Paulo, 1998, p.
372.
9
Sobre esses conflitos entre Igreja e Estados modernos ver: AZZI, Riolando. Ascensão ou
Decadência da Igreja. S. Paulo: Editoras das Américas S. A., 1962.
21
estado clerical com a idéia de a vocação sacerdotal ser um meio, a certo
ponto fácil, de ganhar a vida. Assim, foi proibido o acúmulo de benefícios
eclesiásticos e a compra e venda de cargos eclesiásticos, chamando-se a
atenção dos clérigos para suas responsabilidades sacerdotais, pois, em não
poucos casos, padres recebiam seus proventos sem, contudo, prestar a devida
assistência religiosa aos seus rebanhos. Nesse sentido, a exigência do
cumprimento rigoroso dos votos de pobreza e castidade foi levada ao Concílio
como critério importante a ser considerado, visando a obrigar, já desde o
recrutamento e seleção do noviciado, que os candidatos tivessem com a
carreira eclesiástica propósitos exclusivamente religiosos.
para se tentar melhorar o quadro intelectual, que também não era
nada animador, objetivou-se elevar o nível cultural dos futuros padres,
melhorando sua instrução geral e religiosa, dando-lhes condições de bem
administrar os sacramentos, compreender as confissões e as regras do ritual e
das cerimônias religiosas. Para ampliar as possibilidades de instrução do clero
e o número de padres, foi determinado que se fundassem seminários
teológicos diocesanos por todas as circunscrições religiosas católicas. Estes
tinham a função de amparar desde a juventude os vocacionados
10
, ensinando
corretamente as doutrinas, formando um corpo de sacerdotes bem
disciplinados e preparados para se oporem às heresias insurgentes
11
. Nessa
preocupação, o Concílio decidiu fixar algumas regras para o processo de
admissão de candidatos à carreira religiosa como: 1 para ingressar em um
seminário o menino deveria ser filho de matrimônio legitimo e provar que sabia
ler e escrever de modo satisfatório; 2 poderiam ser admitidos aos seminários
meninos de famílias ricas ou pobres, estes tinham preferência e aqueles
pagariam uma pensão; 3 – desde o primeiro momento, deveriam vestir o
hábito, cortar o cabelo, assistir à missa diariamente e confessarem-se uma vez
por mês. Assim, os seminários surgiam debaixo de um projeto disciplinar
10
Em épocas anteriores a preparação para o sacerdócio era realizada em abadias e catedrais,
sob a orientação de clérigos veteranos. Ver: AZZI, Riolando. Op. Cit., p. 212 - 213.
11
A heresia pode ser considerada como qualquer outra verdade ou opção para se atingir o
mesmo alvo ou que questione os meios e os fins da romanizada. A fé protestante, por
exemplo, é vista como ilegítima por não estar debaixo da obediência à Santa Sé, por ser
uma corrente religiosa que interpreta de forma diferenciada as Escrituras, por isso é
herética.
22
marcado pela exigência de uma rígida formação moral e intelectual que
assegurasse uma sólida formação cultural de cada padre.
Tiveram, também, papel de destaque no Concílio as discussões sobre
as atividades que deviam ser desenvolvidas pelos bispos diocesanos nesse
processo de reformulação da vida clerical. A partir de uma antiga reivindicação
da alta hierarquia eclesiástica, ficou decidido que a autoridade dos bispos fosse
reforçada e eles passassem a ser reconhecidos como delegados da Sede
Apostólica. Além disso, foram ampliados os seus deveres e responsabilidades:
eles teriam o dever de promover a fundação dos seminários, cuidando de sua
organização e funcionamento, examinando a conduta dos futuros padres e
ordenando apenas aqueles que demonstrassem efetiva vocação religiosa e
preparação adequada para o exercício das funções sacerdotais. Aliado a isso,
os bispos deveriam realizar as visitas pastorais regulares às paróquias de sua
diocese, para fiscalizar o comportamento do clero, assim como o
funcionamento dos conventos, seminários e igrejas
12
.
Como podemos observar pelo descrito há pouco, entre outras coisas, a
formação do presbiterado foi tomado, como algo de grande importância e
diligência, mas alguns anos depois do Concílio de Trento é que o projeto de
abertura de seminários episcopais foi colocado em prática. O grande
responsável por começar a executar essa e outras determinações do Concílio
foi o Papa Gregório XIII (1572 1585), ao possibilitar que essas escolas se
tornassem os lugares por “excelência para a formação de membros do clero e
(...) perpetuação do modelo eclesiológico clerical”
13
. Com essa iniciativa,
estava em ação o plano que visava à recuperação da unidade política e
doutrinária da Igreja, tomando como bases a reforma moral e intelectual do
clero e a busca pelo reconhecimento da autoridade máxima do papa em
matéria de gerenciamento da religiosidade ocidental.
12
LUIZETTO, Flávio. Reformas Religiosas. São Paulo: Contexto, 1989, p. 61 – 65.
13
REIS, Edilberto Cavalcante. Pro Animarum Salute: A Diocese do Ceará como “vitrine” da
romanização no Brasil (1853 1912).Rio de Janeiro, 2000, p. 85. (Dissertação de Mestrado
- Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Universidade Federal do Rio de Janeiro).
23
1.2 - A reforma católica no Brasil: o caso do Ceará
Na época em que tais fatos se desenrolavam na Europa, no Brasil,
ainda colônia portuguesa, os jesuítas começavam a dar os primeiros passos no
sentido da criação de meios para a formação de padres que viessem ajudar na
evangelização dos nativos das novas terras e de seus colonos. As Confrarias
do Menino Jesus (uma espécie de seminário menor) foi a primeira investida
dos jesuítas, não sendo, porém, bem-sucedida. A segunda experiência, em
1560, foi com a criação de colégios de formação presbiteral, espalhados pelas
maiores cidades coloniais que, mais adiante, se tornariam as sedes das
primeiras dioceses locais (Salvador, Rio de Janeiro, Olinda, S. Paulo, Recife, S.
Luiz e Belém). Em fins do século XVII, surgem os primeiros seminários
menores e maiores e em meados do século XVIII, poucos anos antes da
expulsão da Companhia de Jesus da terras portuguesas, os religiosos
fundaram os primeiros seminários episcopais, que ficaram sob a autoridade
dos bispos diocesanos
14
. Estavam assim, os jesuítas, cumprindo nada mais
nada menos do que os objetivos propostos pelo Concílio de Trento,
possibilitando a formação de um quadro de clérigos dentro dos princípios da
contra-reforma. Tal projeto abortou, porém, com a expulsão do grupo de
religiosos das terras da Coroa, em 1759, em razão das divergências políticas
do Marquês de Pombal eles.
Assim, antes de 1759, a educação no Brasil-colônia estava quase que
totalmente nas mãos dos jesuítas. Depois desse ano, o ensino no Brasil ficou
limitado a algumas aulas régias de primeiras letras (Latim, Grego, Filosofia,
Geografia, Gramática, Retórica, Matemática) e a algumas escolas religiosas,
seminários e aulas particulares. A partir desse momento, a formação
presbiteral
15
, assim como a educação secular, entraram em uma fase muito
difícil. No caso desta última, além de o imposto literário (usado no
desenvolvimento da educação pública) não ser bem administrado, não se
encontrava gente suficientemente capacitada para ministrar aulas, amesmo
14
REIS, Edilberto Cavalcante. Op. Cit., p. 87-88.
15
Depois de l759, vários seminários
foram fechados, temporária ou permanentemente, tal
sendo o caso dos pertencentes à Bahia, Paraíba, Maranhão, Mariana, São Paulo, Pará, o
único mais estável era o do Rio de Janeiro, que não era dirigido pelos jesuítas.
24
pelo fato de os vencimentos não serem atrativos
16
, nestes termos, a situação
que o era boa tendeu a piorar. No caso da formação do clero, nos cem
anos seguintes após 1759, e com vários seminários fechados, a única iniciativa
que teve sucesso foi a fundação do seminário diocesano de Olinda
17
pelo
padre lusitano D. José de Azeredo Coutinho, em 1800, tornando-se o berço da
difusão do liberalismo religioso e político entre vários padres do norte do País.
José Murilo de Carvalho diz que
(...) o Seminário de Olinda, foi concebido na melhor tradição do
Iluminismo português. O Seminário teve grande impacto na formação
nordestina e afetou as idéias e o comportamento político de toda
uma geração de padres
18
.
Sobre esta tendência intelectual, diferentemente do iluminismo francês
e apesar da postura truculenta do Marquês de Pombal para com os Jesuítas,
diz José Murilo que o Iluminismo português não era de espírito revolucionário,
anti-histórico, nem anti-religioso, aproximando-se mais do Iluminismo italiano,
que era progressista, reformista, nacionalista, humanista e também
essencialmente católico
19
. Por isso mesmo a Ilustração portuguesa andava de
mãos dadas com o regalismo
20
, doutrina que transferia poderes exclusivos da
Igreja para um rei, mas que, na verdade, neste caso específico, diminuiu em
muito a influência do poder papal nos territórios da Coroa portuguesa. Essa
relação correspondia a uma forma de compromisso entre Roma e o Estado
português que se estendia desde 1319, conhecida como Padroado Régio,
autorizando o monarca escolher e apresentar à autoridade eclesiástica
16
Em a História do ensino no Ceará, de Plácido Castelo, temos que de 1759 a 1822, isto é, da
expulsão dos jesuítas à Independência, decorridos, portanto, 63 anos, foram criadas, no
Ceará somente 18 escolas. Neste tempo a população era estimada em 200.000 habitantes,
ou seja, teríamos 11.112 pessoas para uma unidade escolar. Ver: CASTELO, Plácido
Aderaldo. História do Ensino no Ceará. Fortaleza: Departamento de Imprensa Oficial, 1970,
p.41.
17
Para esse Seminário era mandada boa parte do clero cearense até a fundação do Seminário
episcopal de Fortaleza, em 1864.
18
CARVALHO, José Murillo de. A Construção da Ordem: Teatro de Sombras. Rio de Janeiro:
UFRJ / Relume Dumara, 1996, p.58- 59.
19
CARVALHO, José Murillo de. Op. Cit., p.47.
20
Segundo Brasil Gerson, em O Regalismo Brasileiro, Rio de Janeiro: Cátedra, 1978, p. 14:
“Esse nome, de regalismo, quem o deu ou, pelo menos, quem codificou a doutrina regalista
na antiguidade foi Palatino, um teólogo de Pádua, autor do ‘Defensorium Paces’. Para ele
sua origem divina residia na congregação dos fiéis, por um direito comum a todas as
sociedades. Essa potestade podia ser transferida aos príncipes, se fiéis, ou aos bispos, se
infiéis fossem os príncipes (....) Ela se tornaria uma doutrina por demais controvertida,
principalmente depois da Reforma do início do século XVI, (....) a tal ponto que o Concílio
Tridentino de decênios mais tarde, reunido exatamente para dar armas à Igreja para manter
sua força sua unidade, não chegaria a um acordo definido a respeito”.
25
competente candidatos aos postos clericais, embora não os impusesse a sua
vontade. A partir do século XV, porém, os monarcas, apoiados em bulas e
concessões pontifícias, nomeavam ao seu bel-prazer os prelados. Após várias
suspensões e renovações, o direito do beneplácito gio, devido às relações
conflitantes entre o Estado português e Roma, foi definitivamente renovado em
1765. Em outros termos, o objetivo principal dessas medidas era fortalecer o
Estado absolutista, pondo termo à posição hegemônica do clero sobre a
sociedade civil, minando as forças desse grupo ante a sociedade e
controlando-o mais eficazmente em função da ordem política nacional
21
.
Apesar de com o regalismo a Coroa portuguesa tentar controlar a ação dos
padres em suas terras, observa-se, aqui no Brasil, a tendência de parte do
clero de formação nacional em identificar-se com as necessidades políticas e
humanas locais, o que levaria esse grupo adotar posturas mais revolucionárias
e insurgir-se em várias ocasiões contra o regime absolutista. Por exemplo,
entre 1789 e 1842, muitos clérigos envolveram-se em questões políticas contra
o Estado, como é o caso do frade pernambucano Caneca, que teve
participação ativa na Confederação do Equador, em 1824, sendo condenado à
morte. Sobre esta questão George C. A. Boehrer diz:
O clero lusitano, do qual proveio a hierarquia do Brasil, tornou-se o
obediente servidor e colaborador do Estado português. Ao terminar o
século XVIII, se o clero brasileiro se colocou em oposição ao Estado
na Inconfidência Mineira, na Revolução Pernambucana em 1817 e
na Revolução de 1824, tal não se deu por força de doutrina religiosa
nem de crueldade do regalismo com a Igreja, e sim porque o clero
aliou-se aos brasileiros no antagonismo às diretrizes políticas e
econômicas da Coroa portuguesa
22
.
Os ideais defendidos por esses clérigos eram os de liberdade,
igualdade e fraternidade apregoados durante a Revolução Francesa, ideais do
liberalismo econômico e político que tinham penetração em muitos seminários
do Brasil, como no de Olinda. Também por isso é que podemos dizer que
estava sendo germinado, no Brasil, um clero nacional ou, como classifica
21
BOSCH, Caio César. Os Leigos e o Poder - Irmandades leigas e política colonizadora em
Minas Gerais.São Paulo: Ática, 1986, p.44.
22
BOERHER, George C. A.. A igreja no Segundo Reinado:
1840-1889. In: KEITH, Henry H. &
EDWARDS, S. F. (org.). Conflito e Continuidade na sociedade brasileira. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1970. p. 134-178.
26
Eduardo Hoornaert, um “catolicismo da terra”
23
. Isto assustava a alta
hierarquia da Igreja no Brasil e em Roma e, do ponto de vista da Igreja, era
necessário se tentar reverter isso.
Com a reabertura de alguns seminários ainda durante o século XVIII, e
sem a direção dos jesuítas, o zelo pela disciplina ultramontana
24
para com a
formação dos futuros padres arrefeceu-se. Quando chegou o fim do mesmo
período e início do século XIX, o clero brasileiro era caracterizado pela sua
formação intelectual precária e por seus hábitos nada condizentes com a
disciplina eclesiástica de cunho europeu, que zelava pela manutenção do
celibato e por uma exemplar vida moral dos clérigos. Em oposição a esse
comportamento, era comum, na época, no Brasil encontrar-se padres vivendo
com mulher e filhos gerados dessas relações, tidas como ilícitas pela Igreja. A
exceção do clero nacional formado em Coimbra, que na sua maioria não tinha
tal comportamento, o clero nacional de postura liberal
25
, a que me referi
pouco, tinha tal comportamento. Mais especificamente sobre o clero do Ceará,
Daniel P. Kidder, durante suas viagens pelo “Norte” (1837-1838), fez referência
à existência de um clero “que, (com honrosas exceções) é ignorante, de
hábitos depravados e moral corrupta, interessado, antes nos negócios
mundanos que no seu divino mister”
26
. Além disso, escreveu sobre o declínio
dos conventos, da escassez de padres seculares e a situação física dos
23
HOONAERT, Eduardo. O Cristianismo Moreno do Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991. p.132.
Como ‘catolicismo da terra’ o autor está se referindo ao clero liberal de aspecto nacionalista
que propunha a institucionalização de uma Igreja Nacional.
24
O ultramontanismo consiste no sistema dos que são favoráveis à autoridade absoluta do
papa em matéria de e disciplina (defende a doutrina da infalibilidade papal do modo mais
extremo, pugna pela concentração do poder eclesiástico nas mãos do Sumo Pontífice, e
procura tornar o Catolicismo em força de caráter essencialmente político, quer pela
oposição à nacionalização da Igreja, quer pela intolerância relativamente às outras
religiões)”. Nova Enciclopédia Brasileira de Consultas e Pesquisas. S. Paulo: Novo Brasil
Editora Brasileira Ltda., 1987, vol. 5, p. 189. Esta maneira de pensar opunha os jesuítas ao
sistema regalista do Governo, além de opô-los a toda a pretensão de modernização da
sociedade que afetasse o tradicionalismo religioso da Igreja.
25
Um dos expoentes desse clero aqui no Brasil foi o Pe Diogo de Feijó, que chegou a elaborar
leis à Assembléia Legislativa Nacional, no Rio de Janeiro, em 1827 decretando: o fim do
celibato obrigatório para os padres; a extinção dos seminários-internatos; e uma reforma
curricular nos seminários. Essas idéias foram alvo de fortes críticas desferidas pelo bispo da
Bahia, Dom Romualdo Seixas, deputado eleito pelo Pará, que convenceu os demais
deputados da Assembléia a arquivar a proposta de Feijó. Ver: PINHEIRO, Francisco José.
O Processo de Romanização do Ceará. In: SOUSA, Simone (cord.). História do Ceará.
Fortaleza: UFC/ Fund. Demócrito Rocha/ Stylus Comunicações, 1989. p. 199-210. E
CARVALHO, José Murillo de. Op. Cit., p. 167
26
KIDDER, P. Daniel. Reminiscência de Viagens e Permanência no Brasil (Província do Norte).
Trad: Moacir N. Vasconcelos. São Paulo: Livraria Martins Editora, s/d. p. 142 .
27
templos católicos na região
27
. A descrição mostra que a própria condição de
vida e testemunho dos padres se refletia nas Igrejas.
Em contraposição a todo esse conjunto de coisas, entretanto, ao
regalismo, ao comportamento liberal de alguns clérigos e a todo tipo de política
modernizante, não no contexto brasileiro mas em todo o mundo católico,
haverá uma reação que partirá do papa Pio IX (1846 1878), que erguerá a
bandeira do tradicionalismo católico, convocando a vir após si toda a civilização
cristã e a resistir a toda a onda secularizante de idéias modernas que
estivessem em concordância com o Iluminismo francês. Isto levou a uma
reação da Igreja contra a política regalista de D. Pedro II e contra a onda
secularizante e cientificista que se fortalecia em alguns grupos nacionais, como
os maçons.
Um dos pontos fundamentais que a romana reavivou naquele
momento foi a necessidade da total lealdade do clero latino-americano à alta
hierarquia da Igreja. Isso não agradava o Estado imperial, pois ele mantinha
relativo controle sobre as atitudes políticas da Igreja no Brasil. Sobre esta
atitude da Igreja, diz José Murilo de Carvalho:
Não se tratava mais da participação de padres na política mas da
tentativa da hierarquia de definir uma política da Igreja perante o
Estado. A tentativa levou ao choque da Questão Religiosa [1872
1875] e à prisão dos bispos [Dom Antônio de Macedo Costa,
sacerdote baiano, e o bispo de Belém do Pará, Dom Vital Maria
Gonçalves de Oliveira]. A ênfase na lealdade eclesiástica levava
necessariamente ao conflito com a lealdade ao Estado
28
.
Na realidade, os ultramontanos não queriam a separação entre Igreja e
Estado, pelo contrário, havia a preocupação que isso ocorresse. A intenção era
definir uma política entre as duas instituições que desse maior liberdade à
Igreja Romana de comandar o clero, de interferir nas decisões de governo e de
controlar a sociedade. Assim, Pio IX pretendeu, durante seu pontificado,
reformar o clero do Novo Mundo, conhecido como indisciplinado, pelas razões
mencionadas nos parágrafos anteriores. Objetivando maior centralização do
clero em torno da e de firmar esse desejo no corpo de doutrinas da Igreja,
ele planejou o Concílio Vaticano I, onde ficou firmado o dogma da infalibilidade
papal (1870), o que reafirmava a sua soberania como chefe ou monarca da
27
KIDDER, P. Daniel. Op. Cit, p. 253.
28
CARVALHO, José Murillo de. Op. Cit., p.171.
28
Igreja
29
. Em sua encíclica de 1864, Quanta Cura, acompanhada de um resumo
dos principais erros da época, chamado de Syllabus, o Pontífice qualificava a
América Latina de “terra do erro pagão” e do “cristianismo irregular”, que
precisava ser colocado “nos eixos”
30
e condenava: o Panteísmo, o Naturalismo
e Racionalismo Absoluto, o Socialismo, o Comunismo, as sociedades secretas
(como a Maçonaria), as sociedades bíblicas, as sociedades clérico-liberais, o
Liberalismo Moderno etc
31
. Tal postura do Papa, sobretudo, revelava as
intenções reformistas ou romanizadoras que serão postas em prática no Brasil
a partir da segunda metade do século XIX.
A reforma-católica ou “romanização” tem seu embasamento nas
decisões do Concílio de Trento. Segundo a definição de Roger Bastide, ela
consiste no movimento da Igreja Romana, objetivando: 1) reafirmar a
autoridade da igreja institucional e hierárquica (episcopal) “sobre todas as
variações de catolicismo folk”, como é o caso das irmandades religiosas; 2) a
reforma do episcopado, em meados do século XIX, com vistas em “controlar a
doutrina, a fé, as instituições e a educação do clero e do laicato”; 3) aumentar a
dependência do clero brasileiro as Ordens e Congregações missionárias de
origem européia (como os padres lazaristas, da Congregação de São Vicente
de Paulo), “para realizar ‘a transição do catolicismo colonial ao catolicismo
universalista, com absoluta rigidez doutrinária e moral’”; 4) e por fim “a busca
destes objetivos, independentemente e mesmo contra os interesses políticos
locais”
32
.
Iniciado o Segundo Reinado, as primeiras atitudes dos padres
ultramontanos, no Brasil, para promover a reforma católica ou “romanização”,
foi buscar corrigir o clero decaído, por meio da criação das dioceses e de
seminários episcopais, sendo que ambos ficariam sob a supervisão de bispos
ultramontanos. Nesse período, as nomeações dos bispos eram feitas pelo
Imperador e será justamente ele que viabilizará o início da romanização,
quando, na década de 40, nomeia bispo de Mariana, em Minas Gerais, o padre
29
MANOEL, Ivan A. Donoso-Cortês e a antidemocracia Católica no Século XIX. In: História. S.
Paulo: UNESP, n º VII, p. 229-241, 1992.
30
HOORNAERT, Eduardo. Op .Cit., p. 131-132.
31
COSTA, Lourenço (org). Documentos de Gregório XVI e de Pio IX (1831-1878). Trad: Darci
L. Marin, São Paulo: Paulus, 1999, p 260-275.
32
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. 2 ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p.
50.
29
português Dom Antônio Ferreira Viçoso, ex-superior da Congregação da
Missão Vicentina
33
. Tal atitude do Imperador não se inconscientemente,
mas demonstra uma convicção por parte deste de que a reforma do clero no
Brasil devia ser realizada pelo clero europeu ou, pelo menos, por padres
brasileiros formados em Paris ou em Roma, lugares estes que haviam sido
transformados, após 1848, em centros ultramontanos
34
. É interessante notar
que essa atitude se encaixa perfeitamente em um dos objetivos elencados por
Bastide, o de aumentar a dependência do clero brasileiro às Ordens e
Congregações missionárias de origem européia. Será, então, nesse momento,
fazendo parte do projeto de D. Ferreira Viçoso para a reabilitação do clero
nacional, que se abrirá a porta para a criação do Bispado de Fortaleza e a
subseqüente fundação do Seminário Episcopal local, objeto central deste
nosso estudo.
Foi apostando na capacidade de alguns padres formados no Seminário
de Caraça, Minas Gerais, que D. Viçoso selecionou os mais promissores (D.
Pedro Maria de Lacerda, D. João dos Santos e D. Luiz Antônio dos Santos) e
os enviou a Paris e a Roma para estudar e entre esses estava aquele que seria
o primeiro bispo de Fortaleza, Dom Luís Antonio dos Santos.
Criado em 1853, juntamente com o bispado de Minas Gerais, pela lei nº
693 da Assembléia Geral, o bispado do Ceará foi organizado no início do
processo de romanização, que teve seu auge com a conclusão do Concílio
Vaticano II
35
. D. Luís, nomeado em 1860, tomou posse na Cidade em 16 de
junho de 1861, por meio de seu procurador, o Cônego Antônio Pinto de
Mendonça. Em 26 de setembro do mesmo ano chegou D. Luís no cruzeiro
vindo da Bahia
36
. Ao iniciar suas atividades na Diocese em 1861, D. Luís se
depara com uma situação semelhante à das demais dioceses do Brasil: o clero
33
BOEHER, George C. A. Op. Cit., p. 147. A Congregação da Missão Vicentina, é um grupo
organizado por São Vicente de Paulo, em 1625, em Paris, que agregava leigos para o
trabalho de caridade. Posteriormente, tornou-se uma sociedade de padres conhecidos
também como lazaristas e trabalhavam como missionários, especialmente nas zonas rurais,
e na formação de padres. Em l633 fundou, também, com Santa Luísa de Marilac, a ordem
das Filhas (ou irmãs) de Caridade, membros ao mesmo tempo da Congregação da Missão.
Ver: ATTWATER, Donald, Dicionário dos santos. S. Paulo: Círculo do Livro Ltda., 1965, p.
285–286.
34
Id. Ibidem, p. 168.
35
PINHEIRO, Francisco José. Op. Cit., p 201
36
BPMP. Microfilmagem. O Cearense, 26 de setembro de l861. Rolo 26.
30
escasso, mal formado e de comportamento e hábitos não condizentes com a
disciplina eclesiástica. É o que lemos no Álbum Histórico do Seminário (1914):
Sua magnanimidade de caráter [de D. Luís], ao desvendarem-se a
seus olhos, os campos cearenses desprovidos de igrejas e de
pastores, a Diocese por organizar, a carência de clero e os abusos a
corrigir, não trepidava diante das urzes, que lhe ensangüentariam os
pés, quando viajasse pelo sertão adusto pelo sol inclemente, nem
diante das angústias que lhe magoariam o coração, quando tivesse
de dar embate às múltiplas irregularidades daqueles tempos
37
.
Tais irregularidades, mencionadas, referiam-se à situação moral do
clero, sendo que esse tema era muito tempo assunto dos relatórios dos
presidentes da Província, como podemos exemplificar pelo trecho abaixo:
O culto prestado ao Todo-Poderoso em conformidade com a santa
religião que professamos parece estar em decadência nesta
Província, como está nas outras províncias do Império. Algumas das
igrejas paroquiais acham-se num estado de completa ruína; outras
necessitam de reparos consideráveis para que nelas possam
celebrar os sacrossantos mistérios da nossa Religião. Muitas delas
não têm os panos do altar nem as vestimentas necessárias para a
celebração dos sacramentos e outros ritos. Os párocos (com raras e
honrosas exceções) não se preocupam muito com a instrução de
seus paroquianos, e, se às vezes lhes propagam a Palavra, não os
edificam com o exemplo e a prática das virtudes cristãs que sem
dúvida teriam mais efeito do que as frases arrumadas dos sermões.
A esperança da próxima criação de uma Prelazia na Província e a
vinda de um Pastor Apostólico que esteja abrasado do zelo religioso
e que inicie a reforma dos costumes do clero e do povo deverão
consolar-nos
38
.
Esta citação, além de reafirmar a respeito da situação do clero
cearense, revela-nos também a condição em que se encontravam os templos
paroquiais do sertão. Muitos estavam por ser concluídos, outros sem recursos
eram abandonados pelos respectivos párocos que viviam quase a mendigar
para se manterem, como nos descrevem relatórios de anos posteriores, como
o de 10 de setembro de 1841 (período em que o Ceará ainda era região do
bispado de Pernambuco). Depreende-se destes que esta situação o é
exclusiva do Ceará. Boehrer, encontra os mesmos elementos do discurso
pouco transcrito em relatórios elaborados em outras províncias do Brasil,
durante o século XIX, como é o caso dos de Minas Gerais, da Bahia, de Santa
Catarina, entre outras. Como se vê, os problemas a serem resolvidos, do ponto
37
SEC/ SHE. ÁLBUM Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
02.
38
BPMP/ Microfilmagem. Relatórios da Província, Ceará, l836- 1856, Relatório que apresentou
o Exmo. Senhor Doutor Francisco de Sousa Martins, Presidente desta Província, na ocasião
da abertura da Assembléia Legislativa Provincial, no dia de agosto de 1840. p. 4. Rolo
01.
31
de vista da Igreja e do Poder Público, eram muitos e graves e precisavam de
soluções o quanto antes.
Para resolver parte desses problemas no Ceará, D. Luís intencionava
desde sua chegada a Fortaleza fundar um seminário diocesano. Na verdade, o
decreto imperial permitindo a fundação da instituição tinha sido expedido
desde 27 de setembro de 1860, pela Lei 1140, data em que Pio IX
confirmou, em Roma, a nomeação do Bispo cearense
39
. Além do Seminário,
fundou o colégio da Imaculada Conceição para a instrução da parte feminina:
órfãs e jovens de famílias fortalezenses, candidatas a boas esposas e mães.
Estes dois grandes empreendimentos, entretanto, se concretizaram,
respectivamente, em 1864 e 1865
40
. De acordo com o que escrevi em
parágrafo anterior, segundo Roger Bastide, a criação do Seminário Episcopal
de Fortaleza se encaixa no objetivo de buscar o controle da doutrina, da fé, das
instituições e da educação do clero e do laicato.
Estava iniciada a empreitada do Bispo cearense contra as
irregularidades e o desgoverno dos párocos. E foi para ajudá-lo que ele lançou
mão de ferramentas fundamentais para a educação dos futuros padres: os
padres lazaristas franceses, pertencentes à Ordem da Congregação da
Missão, muito ligada a Roma. Sua intenção, pois, era fundar um seminário
semelhante ao de Mariana (em Minas Gerais), que dirigira antes de chegar a
Fortaleza. Conclui-se que não somente era sua intenção moralizar o clero, mas
formar padres que, sobretudo, fossem obedientes a Roma. Havia, também,
segundo nos diz Francisco J. Pinheiro, a intenção de depreciar o Clero liberal
que, como no princípio citamos, partilhava dos ideais revolucionários do
Iluminismo francês. Segundo o autor:
Esta é uma das características fundamentais do processo de
romanização, apresentar o Clero liberal como sinal de decadência,
de formação inadequada, inobservante, portanto um Clero que não
39
LIMA, Francisco. O Seminário da Prainha. Fortaleza: BNB, 1982, p. 19.
40
Em fins de 1860 e início do seguinte, Thomaz Pompeu de S. Brasil, diz existir na Capital para
o ensino secundário público o Liceu; além disso funcionavam aulas públicas avulsas de
Latim nas cidades de Sobral, Crato, Icó, Aracati e Baturité. Havia ainda o Colégio de
Educandos Artífices, fundado em 1857, para órfãos desvalidos entre 7 e 18 anos e escolas
particulares. Estima-se para o período em questão que havia cerca de 71.428 menores
entre 6 a l5 anos, sendo que somente cerca de 6.000 recebiam instrução. Ver: BRASIL,
Thomaz Pompeu de Sousa. Ensaio estatístico da Província do Ceará. Tomo II. Edição Fac-
similar, 1997. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p 800 825. E CASTELO,
Plácido Aderaldo. Op. Cit.
32
merece confiança, enquanto o Clero romanizado é sempre
apresentado como aquele que deve salvar a Igreja do caos liberal
41
.
Além das intenções de reformar o clero decaído, havia a preocupação
com o controle e a vigilância da sociedade local, e era por isso que havia o
interesse da Igreja em educar consistentemente as classes dominantes nos
moldes católicos de Trento, pois elas conduziriam mais tarde a sociedade e
esperava-se que isso fosse feito a partir dos interesses da Igreja
42
.
A romanização buscava a construção de uma unidade entre cristãos, o
fim do sistema regalista e o redirecionamento da religiosidade popular
cearense. Entre o período que compreende a expulsão dos jesuítas até a
segunda metade do século XIX, o culto católico oficial brasileiro não possuía
uma unidade de expressão de culto e até mesmo de interpretação do sagrado,
apresentando formas diferenciadas de vivência da fé, tanto pelo povo como
pelo clero de caráter mais nacional. O pouco contato entre os fiéis do sertão e
o clero pode ser posto como o elemento fundamental responsável por dar
espaço para que a religiosidade popular assumisse aspectos pouco ortodoxos,
diferenciando-se do projeto tridentino, pregado pelo catolicismo oficial. O
problema da escassez de padres ou mesmo da intercalação temporal das
visitas pastorais para manter a constância dos ritos e do culto católicos deu
margem para as camadas populares desenvolverem um catolicismo que
valorizava menos a hierarquia eclesiástica em antagonismo a um catolicismo
de aspecto mais leigo, ficando esses estratos livres para manipular o sagrado,
substituindo a mediação do padre pela mediação dos santos, fortalecendo,
assim, o culto popular.
1.2.1 - As estratégias para reorganizar a religiosidade popular
Voltando um pouco na história, mais especificamente ao período
colonial, temos, como instituição que exerceu importante papel sócio-religioso:
as irmandades. Constituíam-se em associações leigas autorizadas pelo Estado
com (na maioria dos casos) o duplo objetivo de dar assistência religiosa e
material aos seus respectivos membros. Funcionavam como entidades de
41
PINHEIRO, Francisco José, Op. Cit., p.202
42
GAETA, Maria Aparecida Junqueira Veiga. A Deus, à Igreja e à Pátria: os estandartes da
família católica no século XIX. História, São Paulo, v.11.1992, p.254-255 (UNESP).
33
classe, congregando, inicialmente, pessoas de mesma cor (brancos, pretos,
mulatos), exercendo ação protetora aos seus membros, defendendo-os dos
infortúnios da vida, podendo ajudá-los na hora da enfermidade, da falência, da
pobreza e na manumissão de escravos, como é o caso da Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário que era uma irmandade de negros. Como
instituição religiosa, a maioria delas representava para a Igreja não romanizada
instrumento de promoção da devoção e sustentação material do culto religioso,
atuando também na construção de templos e cemitérios. Como os nomes da
maioria das irmandades revelam, elas eram consagradas a um santo,
coincidindo de muitas delas terem o mesmo santo como padroeiro, só que com
um desdobramento diferente (como, por exemplo, Nossa Senhora
apresentava-se com vários nomes, de acordo com a irmandade: Nossa
Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Conceição da Prainha etc). A esses
santos se patrocinavam cultos, erigiam capelas e em sua homenagem se
faziam festejos, ocorrendo nestes momentos a manipulação do sagrado pelos
agentes leigos. Dessa forma, as irmandades possuíam certa autonomia sobre
o uso dos bens materiais e simbólicos religiosos
43
.
Quando D. Luís chegou ao Ceará em 1861, em Fortaleza havia cerca
de onze irmandades, fora outras que havia no restante do Ceará
44
. Nesse
tempo, a criação de uma irmandade não dependia da permissão do bispo
diocesano, antes era apenas um contrato celebrado entre esta e o Governo
provincial (chamados de Compromissos), o que dava certa autonomia à
irmandade frente à hierarquia eclesial. Como o projeto romanizador visava ao
controle de expressões da religiosidade popular como essas, era mister que D.
Luís e os bispos seguintes criassem estratégias que ou controlassem as
irmandades em função dos objetivos reformistas ou as extinguissem. Nesse
sentido, posso citar dois exemplos característicos que mostram o tipo de
relação do bispo com as irmandades. Em primeiro lugar, pode-se ver pela
relação mantida entre D. Luís e seu sucessor, D. Joaquim, com a Irmandade
43
Sobre o tema das irmandades, ver CAMPOS, Eduardo. As irmandades religiosas do Ceará
Provincial.Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1980. OLIVEIRA, Gledson Ribeiro
de. Sal da Terra: uma leitura da identidade e intolerância de católicos e protestantes no
Ceará do Século dezenove.Recife, 2001. Dissertação de Mestrado - Centro de Filosofia e
Ciências Humanas/ Universidade Federal de Pernambuco.
44
CAMPOS, Eduardo. Op. Cit., p. 113-119.
34
de Nossa Senhora da Conceição do Outeiro da Prainha; e em segundo lugar
com a Irmandade de S. Francisco das Chagas de Canindé.
No primeiro caso, no período em que o Bispo procurava um prédio para
instalar o seminário, os membros da Irmandade de Nossa Senhora da
Conceição da Capela do Outeiro da Prainha estavam a construir os alicerces
de um prédio, junto da igreja dedicada à mesma santa, que serviria de colégio
para as meninas órfãs descendentes dos confrades. Entrando, porém, em
acordo com a irmandade, D. Luiz assume as obras de ereção do orfanato,
modificando seu projeto inicial e concluindo-o em 1863, gastando uma quantia
de 47:548$388, recurso este obtido do Governo Provincial (12:000$000),
esmolas do povo (13:622$490) e economias do prelado (21:925$898)
45
. Ainda
à procura de um local para instalar o seminário e não se agradando de
nenhuma das ofertas anteriormente feitas pelo Presidente da Província o
prédio do Lazareto da Lagoa Funda e o da Santa Casa de Misericórdia, ambos
ainda não utilizados o bispo resolve usar, temporariamente, o prédio que
seria destinado ao colégio das órfãs, mas para isso negociando com o governo
provincial o pagamento do aluguel do mesmo por 1:200$000, que serviria de
rendimento para o pagamento de outro espaço onde funcionaria o mesmo
colégio até que o problema fosse resolvido. Esta situação continuou a1865,
quando a casa foi definitivamente convertida em seminário, sendo que, até
1867, o colégio das órfãs funcionou em uma casa alugada pelo Cel. José
Francisco da Silva Albano, números 28 e 30, sendo depois transferido nesse
último ano para o antigo Colégio de Educandos, no Outeiro da Prainha.
Como podemos perceber, os objetivos de D. Luiz estavam se
concretizando, interferindo nos objetivos da Irmandade pouco citada. Esta,
durante todo o tempo em que se resolvia a questão do lugar definitivo do
colégio, não fez nenhuma reivindicação, até mesmo pelo fato de a instituição
não ter deixado de existir. Vemos, porém, que aqui acontece a primeira grande
interferência do Bispo nos negócios da Irmandade, pois o colégio ficou, a partir
de 1865, nas mãos das irmãs de caridade, o que demonstra o desejo de
centralidade administrativa de todas as instituições ligadas à Igreja em torno de
seus objetivos reformadores. Outra atitude que evidenciará essa visão de
45
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894), p.03.
35
centralismo e combate as atividades das irmandades será tomada pelo
segundo Bispo do Ceará, D. Joaquim José Vieira: convencer os membros da
Irmandade a cederem a Igreja da Prainha, contígüa ao Seminário, erigida pelos
membros da Irmandade.
Com respeito a Irmandade de S. Francisco das Chagas de Canindé,
durante muito tempo, o patrimônio do santo foi administrado por particulares
(leigos) sob a supervisão dos juízes da capela. Para estabelecer um controle
mais rígido da Igreja, em 1870, D. Luiz incentivou a criação canônica de uma
irmandade, sob a invocação de S. Francisco das Chagas, para cuidar da
promoção da devoção, do atendimento aos romeiros, do bom andamento do
culto e, é claro, para gerenciar o patrimônio do santo. A pequena vila de
Canindé, antes mesmo da criação da Diocese, era importante ponto de
peregrinação. Juntamente com os romeiros, vinham também muitas esmolas e
doações para os cofres do santo e quando a Diocese foi instalada, S.
Francisco, em Canindé, possuía um patrimônio considerável. Com a criação
da irmandade e o controle, mesmo que indireto, do Bispo sobre ela, parte dos
recursos que sobravam da manutenção do santuário e das obras pias ia sendo
enviado a Fortaleza para a compra de apólices da divida pública em nome do
Seminário de Fortaleza. Especialmente depois da Proclamação da República,
quando o Estado não financiava as atividades da Igreja no Brasil, os
recursos do cofre de S. Francisco eram bem-vistos como meio para a
expansão e manutenção do Seminário.
É importante observar que, com o fim do regalismo e a Proclamação da
República, os compromissos das irmandades não ficavam mais sob
intervenção estatal, dando margem ao gerenciamento maior destes espaços
pelo Bispo. Em conseqüência disto, em 1892, o compromisso da irmandade de
S, Francisco foi reformulado, expressando que esta deveria excluir dentre os
seus membros os maçons, grupo bastante presente nas irmandades locais e a
nível nacional, e que ela jamais poderia apelar para autoridade civil em caso de
problemas internos, a não ser à Igreja. Outra coisa, o pároco de Canindé ficava
sob o mais estrito controle da Diocese.
As relações, porém, o ficaram nesse pé. Algumas resistências ao
controle total da irmandade pelo Bispo diocesano surgiram. Segundo D.
Joaquim, em determinado momento, foi constatado pela Igreja que estava
36
havendo o uso indiscriminado ou equivocado dos recursos de S. Francisco. O
livro de apontamentos do Seminário esclarece:
O que se dava, e ainda se é uma certa largueza nas despesas
que podiam ser reduzidas a muito menor proporções. Muitas obras
se hão feito em Canina expensas do cofre de S. Francisco (...).
Além disso a Irmandade, julgando-se, sem fundamento, com direito
de dispor dos bens de S. Francisco para coisas profanas, tem gasto
não pequena soma com estradas, açudes e outras obras que deviam
ser feitas pela municipalidade
46
.
Mesmo com tantas admoestações de D. Joaquim, a Irmandade não se
enquadrava nos seus critérios de economia e em 1897 foi supressa por decreto
episcopal, passando o cofre do santo ao controle das mãos de um conselho
composto por três padres, incluindo o pároco da localidade. Era estabelecido,
assim, um maior controle da Igreja em Canindé. Logo no ano seguinte, D.
Joaquim fez um contrato com o superior dos frades capuchinhos italianos que
tinham uma missão no Maranhão. Aos seus cuidados foi entregue a
administração espiritual e temporal do santuário. Dessa forma o Bispo
cearense realizava o procedimento-padrão do episcopado nacional naquele
período em relação aos santuários de peregrinação, entregando-o nas mãos de
religiosos estrangeiros
47
.
Outra estratégia usada pelo Bispado para ofuscar o brilho das
atividades das irmandades na Capital e no restante da Província foi patrocinar
a organização de novos movimentos leigos no Ceará, como: as Conferências
de S. Vicente de Paula, a Pia Congregação das Filhas de Maria, as Irmãs de S.
Luiz Gonzaga e a Associação do Sagrado Coração (ou Apostolado da
Oração)
48
. A melhor maneira de combater os “abusos” da religiosidade popular
era competir com as instituições existentes, que elas não podiam receber
interferências diretas da Igreja, pelo fato de estarem legalmente ligadas ao
Estado regalista. As novas instituições teriam a tarefa de organizar a
espiritualidade leiga dentro da visão tradicionalista da Igreja.
Para exemplificar a atuação dessas novas instituições, a Conferência
de São Vicente de Paulo, instituição já conhecida na Europa, foi fundada
inicialmente em Aracati, em 1879, espalhando-se rapidamente pelo Ceará,
46
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894), p.11.
47
REIS, Edilberto Cavalcante. Op.Cit., p. 134 -137.
48
SEF/ SHE. Primeiro Livro das Constituições Sinodais do Bispado de Fortaleza. S/d (cap. 16,
art.18).
37
fazendo obras de caridade e incentivando a um novo tipo de espiritualidade
mais voltada para a individualidade e interioridade, em contraste com as
atividades comunitárias e a religiosidade, do ponto de vista da Igreja, mais
superficial das irmandades. Mais especificamente, as conferências
preocuparam-se em ajudar no atendimento espiritual e material dos mais
pobres, fazendo doação de alimentos e dinheiro às famílias e orientando-as
moralmente. Dentro da visão de moralidade cristã católica, a Conferência de
São Vicente se preocupava em: retirar do estado de mancebia os casais; retirar
da “vagabundagem” as crianças, catequizando-as e instruindo-as nas primeiras
letras; retirar da prostituição as mulheres; em reatar casamentos desfeitos;
visitar os encarcerados; e proteger os jovens desempregados da
marginalidade. As Conferências eram formadas por grupos de intelectuais,
como médicos, advogados, juízes, militares, comerciantes e políticos, ou seja,
uma elite política e intelectual. Em Fortaleza, estava à frente da Conferência o
médico e historiador Barão de Studart, dirigindo a instituição por quase meio
século
49
.
Além dessas instituições criadas pela Igreja, havia certas práticas que,
por intermédio delas, seriam incentivadas com o objetivo de mudar a
espiritualidade da população a ser recatolicizada. O novo modelo eclesial
implantado pelo ultramontanismo, baseado na ortodoxia tridentina e no
pensamento aristotélico-tomista, pretendeu estender-se por todos os setores
da sociedade, desenvolvendo para cada especificidade social (família, ensino,
trabalho etc) uma pastoral. Essa “intrusão eclesial” visava a penetrar o coração,
ou seja, em toda a vida emocional do homem, objetivando aprofundar a relação
deste com uma prática espiritual baseada na freqüência à missa, no exame de
consciência, na confissão e na comunhão, ou seja, na ênfase nos
sacramentos. Essa nova espiritualidade vinha repleta de confiança na
misericórdia de Deus (ou no Sagrado Coração de Jesus), na devoção para com
a Virgem e seu companheiro José e com a Eucaristia. Uma das intenções era
afastar os católicos de uma prática religiosa, como antes me havia referido,
puramente exterior, como a das antigas práticas religiosas do período colonial.
49
CAMPOS, Eduardo. Op. Cit. , p.82. Ver também: REIS, Edilberto Cavalcante. Op. Cit., p. 138
a 144.
38
Uma das áreas bastante trabalhadas pela igreja foi a do matrimônio. O
“sagrado” matrimônio, tema freqüentemente tratado pelos papas em suas
encíclicas, era visto como fonte de felicidade, amor, estabilizador social e
promovedor da paz. O verdadeiro lar cristão era aquele onde os filhos teriam
boa educação moral e por isso não deviam surgir de casamentos mistos entre
católicos e não católicos nem de concubinato ou relações adúlteras. Dessa
forma estes tipos de uniões, como se podia esperar, foram condenados, tendo
haja vista a necessidade de a Igreja garantir a moral e a educação das novas
gerações dentro dos princípios católicos. Sobre este assunto, no jornal Tribuna
Católica, que tinha grande circulação tanto na Capital quanto restante da
Província, no editorial de 19 de julho de 1868, sob o título Mas quando vier o
Filho do homem julgareis vós que achará ele alguma na terra?
50
,
condenavam-se veementemente tais mudanças de comportamento no
matrimônio, em fase de grande difusão na Europa, frisando que tal maneira
de viver traria o castigo divino sobre os que praticassem tais atos.
Expressavam ainda, que esse desvirtuamento do padrão familiar era fruto das
idéias modernas de homens incrédulos que penetravam a sociedade. Alertava
para a noção de que tal movimento de “impiedade” tentava se apresentar sob
títulos “tímidos” de: “idéias novas espírito modernos civilização filosofia
progresso”, mas todas essas inscrições sinalizavam unicamente para um modo
de vida que não era agradavel a Deus e demonstrava o desprezo pelos
ensinos da Igreja.
Maria Aparecida Gaeta, em seus estudos sobre as idéias e
representações construídas e desenvolvidas pela Igreja Católica e dirigidas à
família, diz que, para livrar as famílias de todos os desvirtuamentos que a
Modernidade trazia, os poderes civis, os bispos e os chefes de família eram
constantemente instados pela Igreja a defenderem a inviolabilidade do
matrimônio contra o divórcio e a se colocarem contra as perigosas uniões livres
que gerariam filhos impuros e sem salvação. Colocava-se sempre sobre os
pais a grande responsabilidade da educação e iniciação dos filhos na religião
desde cedo. Nesse sentido expunha o Tribuna Católica:
50
BPMP/ Microfilmagem, jornal Tribuna Católica-Fortaleza (19/07/1868), Rolo 91.
39
A salvação da maior parte dos cristãos depende dos primeiros anos;
e se um grande número se perverte é porque foram privados na
infância do benefício de uma boa educação cris
51
.
Trabalhando fortemente para a educação cristã, a Conferência de São
Vicente de Paulo buscava catequizar as crianças e, fazendo assim, declara
Gaeta, eles estariam cuidando para refrear a laicidade civil destruidora da
ordem
52
.
Como símbolo máximo da família virtuosa, a Igreja colocava a família
de Nazaré (Jesus, Maria e José) como modelo. Estrategicamente, ela queria
incutir, por intermédio dessas referências, o conformismo na classe pobre para
com sua situação socioeconômica. A Igreja temia as sublevações e revoluções
de trabalhadores, e exaltava os exemplos de Jesus, Maria e José, como
pessoas mansas, trabalhadoras e conformadas com a vida humilde, que
mostraram o verdadeiro comportamento cristão para os despossuídos. Por
isso, tantas vezes, o José era colocado como patrono de inúmeras
associações de trabalhadores católicos
53
.
A devoção mariana se tornava importante por situar Maria como
exemplo de castidade para as donzelas, devoção e fidelidade das esposas aos
maridos e grande amor filial capaz de qualquer sacrifício. A mulher era vista
como uma espécie de centro em torno de quem gravitava toda a família, em
seqüência, em volta da família, a sociedade civil e desta o Estado. Dessa
forma, o cuidado com a família torna-se ponto-chave na luta contra uma
sociedade desviada do padrão de cristianismo defendido pela Igreja Católica.
1.2.2 - Estratégias para o controle do clero local
pouco me referi a alguns mecanismos usados para o controle da
religiosidade popular. No âmbito do controle do clero local, D. Luiz pretendeu
usar três estratégias: a formação espiritual no seminário, os retiros espirituais e
as visitas pastorais. A formação de padres no seminário visava a educar
“soldados de Cristo” no modelo tridentino, que eram poucos os membros do
alto clero que possuíam tal educação. Dessa forma, a construção do seminário
51
BPMP/ Microfilmagem, jornal Tribuna Católica-Fortaleza (19/08/1868), Rolo 91.
52
Ver: GAETA, Maria Aparecida Junqueira Veiga. A Deus, à Igreja e a Pátria: os estandartes
da família católica no século XIX. In História, São Paulo, 11: 243-258, 1992.
53
Id. Ibdem, 248-249.
40
episcopal tornou-se alvo importantíssimo a ser alcançado. Enquanto isso não
acontecia, D. Luiz mandava seus vocacionados para o seminário da Bahia,
ainda considerado o melhor do Império. Depois, com a construção do
Seminário de Fortaleza, a formação baseada na reclusão dos seminaristas
dentro das quatro paredes do prédio demonstrava o esforço de separação
espiritual do grupo do mundo temporal e suas filosofias modernas. Esse
distanciamento do clero em relação ao mundo social levava a sua auto-
marginalização à realidade histórica da Província, aproximando-os da ideologia
tradicionalista que norteava a ética romanizadora, de não-envolvimento direto
na luta política pelos direitos dos grupos sociais dominados. Nesse sentido,
toda atuação política e filantrópica executada pelo clero romanizado assumia
um caráter espiritual diante da sociedade, ou seja, o compromisso com o
próximo dava-se como resultado do aspecto de irmandade cristã, como ação
piedosa e não como ato de responsabilidade política
54
. Em outros termos, a
formação tradicionalista do Seminário de Fortaleza visava à irradiação de uma
cultura religiosa baseada em valores universalistas (contrapondo-se ao
modernismo, ao liberalismo, e valorizando a ordem, a piedade, a moralidade
católica), a partir da preparação de pregadores totalmente obedientes a tais
princípios
55
. Portanto, do Seminário deveriam sair padres que não tivessem
comportamentos “desviantes” como eram considerados os do padre Ibiapina e
do padre Cícero Romão Batista, apesar deste último ter sido formado nesta
instituição.
Padre Ibiapina, formado em Direito no Recife, foi um missionário que
ficou bastante conhecido no atual Nordeste por adotar uma metodologia
pastoral mais próxima às camadas populares e por deixar um conjunto de
obras e de realizações de cunho sócio-caritativo.
Ele fundou na Província, entre
1862 e 1883, cerca de 22 casas de caridade que amparavam mulheres
54
Um exemplo disso foi a atuação da Igreja cearense no período da seca entre 1877-79,
quando D. Luiz, os professores do seminário, seus seminaristas e as Irmãs de Caridade
acorriam para a população vitimada pela calamidade com seus socorros espirituais. Em
1878, pendindo a Deus chuvas para província D. Luiz consagrou a Diocese ao culto
europeu do Sagrado Coração de Jesus, considerando que a calamidade era fruto da cólera
divina pelo esquecimento de suas leis e pela imoralidade e impiedade dos tempos
modernos. Ao fazer tal consagração o Bispo estabelecia nova dulia católica no contexto da
realidade religiosa local, frisando a superioridade desse culto em relação a outras
expressões de devoção popular.
55
MONTENEGRO, João Alfredo. O Trono e o Altar: As Vicissitudes do Tradicionalismo no
Ceará (1817 – 1978). Fortaleza: BNB, 1992. p. 94.
41
desvalidas e órfãos
56
. Suas obras, porém, não foram suficientes para desviá-lo
da mira do processo de reorganização da religiosidade cearense, levando a
sérios atritos com a alta hierarquia da Igreja no Ceará. Entre seus atritos mais
sérios está o episódio em que Ibiapina pretendeu fundar, sem permissão do
Bispo, uma congregação religiosa de freiras, em 1862. Ibiapina tinha recebido
permissão somente para pregar, mas esse último ato ultrapassou esse limite
colocado pela Igreja local, o que rendeu sua expulsão do Ceará pelo Bispo D.
Luiz
57
e o confisco das casas de caridade que fundara pela Igreja.
O segundo caso, o do Padre Cícero, com o “milagre” de 1 º de março
de 1889, quando a devota Maria de Araújo, na capela de Juazeiro, ao receber
a Comunhão, “caiu por terra e a Imaculada Hóstia branca que acabava de
receber tingiu-se de sangue”, foi o mais intrigante e de maior notoriedade. O
fato revestiu-se de intenso misticismo, atraindo os olhares de vários romeiros
de todo o Norte e da imprensa do País. Dentro da interpretação de Luitgarde
Oliveira, o fenômeno do Juazeiro é o resultado de uma revolta do sertanejo
contra o sistema opressor da política estatal e clerical. Estas duas instituições,
o Estado e a Igreja, ou o trono e o altar, compunham uma força ideológica que
procurava disfarçar a desigualdade social no País. O discurso da necessidade
de ordem recheava-se de religiosidade e submissão às autoridades
constituídas por Deus e essa obediência a elas era um critério importante que
contaria para se entrar no Reino dos Céus, ou seja, lutar contra a autoridade
era lutar contra Deus e perder a vida eterna. Como contraste dessa pregação
inócua da Igreja oficial, que iguala os grupos socialmente diferentes, é que a
pregação de beatos e beatas (como José Lourenço, do Caldeirão) e de
missionários do perfil de Ibiapina invade o sertão empobrecido de gente sem
esperança na autoridade civil que se refugia na caridade de “pseudo clérigos”,
mostrando uma práxis diferente de uma ideologia da mesmice e da
conformação. É certo que grande parcela de sertanejos que ouviam as
pregações desses religiosos havia inculcado a ideologia da aceitação
passiva do sofrimento como meio de penitência, mas havia momentos, como
diz o historiador Regis Lopes, de “rebeldia em face das agruras e angústias do
56
LEVINE, Robert M. O Sertão Prometido: O Massacre de Canudos. Trad.: Mônica Dantas. S.
Paulo: EDUSP, 1994. p. 190.
57
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. 2 ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p.
33 – 35.
42
viver”, quando, apelando ao santo, o devoto rogava um milagre para solucionar
seus problemas, ou seja, o sofrimento nem sempre era visto como uma forma
de purificação da alma ou simples conseqüência do pecado, mas como algo
que deve terminar. Mesmo em meio as relações de compadrio
58
, que envolvia
a relação do sertanejo e seu patrão rico de laços religiosos, o sofrimento era
visto como tendo limites,“sobretudo quando a dominação chega à
determinados níveis de exploração ou violência”
59
.
Nesse sentido, o Padre Cícero emerge no mundo do Juazeiro como um
homem “santo” que se aproxima do sofrimento do povo e que é visto como um
canal das bênçãos de Deus, reunindo um discurso baseado na tradição
católica, que salienta a necessidade do cumprimento dos sacramentos e a
prática assistencialista das esmolas, do incentivo ao trabalho e da não-
cobrança de dinheiro pelos serviços religiosos prestados, um direito de que ele
abria mão, tocando assim o coração dos assistidos. Ele, tendo uma visão mais
larga da realidade do sertão, incentiva o desenvolvimento da policultura e do
artesanato em região tão atípica. No próprio contexto da seca de 1877, fora
ele, que não abandonando o rebanho, como era comum na época fazerem os
padres, permaneceu e incentivou a cultura da mandioca e de silos
60
para
amenizar tão desgraçada situação. Tais atos de bondade e abnegação, como
eram encaradas tais atitudes pelos homens e mulheres que acorriam ao lugar
em busca de esperança e conselho do Padre, pouco a pouco o travestiram de
santidade que mais tarde seria “confirmada” pelo milagre visível da
transubstanciação. Agora os romeiros não iam somente ao Padre para que os
ajudasse nos seus problemas econômicos, mas buscavam agora seus
“poderes sobrenaturais”, para que resolvesse problemas de saúde e conflitos
familiares, até mesmo aqueles entre as camadas dominantes da região iam ter
com Cícero. É por isso que o historiador Regis Lopes refere:
O Santo de Juazeiro foi inventado no meio de vários outros
protetores, definidos por acordo e tensões das experiências sociais
58
“Nessa perspectiva, o catolicismo que penetrou nos caminhos da caatinga deixou uma
cultura da proteção através da qual a existência de potentados e despossuídos é, em certa
medida, justificada: Deus faz o rico para proteger o pobre. A obediência é, nesse sentido, o
honroso comportamento do camponês que recebe o abrigo do generoso patrão”. RAMOS,
Francisco Régis Lopes. O Verbo Encantado: a construção do Pe. Cícero no imaginário dos
devotos. Ijuí: Ed. UNJUÍ, 1998, p.41-42.
59
Id. Ibdem, p.32-43.
60
Construção impermeável para conservar forragem destinada ao alimento dos animais.
43
de sujeitos historicamente situados. Ou melhor: o Pe. Cícero dos
romeiros faz parte de um imaginário constituído, de certa forma, por
experiências cotidianas que se orientam e se (re)fazem na medida
em que (re)constroem laços de proteção. Proteção que se configura
como realidade e desejo, para enfrentar as inseguranças do devir,
como as secas, as doenças, a privação de recursos, a desventura
ligada ao casamento, a violência dos potentados e despossuídos
errante ou toda sorte de querelas em nome da honra ou da posse de
terra
61
.
Nesse sentido, o imaginário popular se na autoridade de interpretar
o acontecido como milagre e não puro embuste, como fizera D. Joaquim, e o
Padre como santo. Aqui os despossuídos do poder institucional religioso criam
sua ideologia do sagrado, não esperando que a autoridade eclesiástica
autentique o fenômeno como real, ela mesma tira suas conclusões, canoniza,
consagra. Desde então, ninguém mais conseguiria reverter o quadro, fosse a
suspensão das ordens do Padre Cícero de pregar, sua retirada para o
Salgueiro ou seu envolvimento na política local. É certo que a própria atitude do
sacerdote em não aceitar passivamente o aval do Bispo diocesano contribuiu
para o caso permanecer como estava, mas o que mais impressiona é que a
formação ultramontana recebida por Cícero no Seminário Episcopal de
Fortaleza, a qual condenava tal postura, não tivera grande efeito sobre sua
insubmissão e, de certa forma, reprodução das tradições da cultura religiosa
sertaneja, tão combatida pela visão romanizadora
62
. Eduardo Hoonaert diz que
os estudantes dos seminários romanizados eram formados sem receber
nenhuma instrução sobre sua própria expressão de religiosidade paterna e
materna senão de forma preconceituosa, ou seja, apresentado-a como
superstição, atraso, fanatismo, em oposição a uma religiosidade pautada na
liturgia oficial. Ele diz ainda, citando mais especificamente o caso do Pe.
Cícero, que esse “curto-circuito” ou alternância contrastante de atitudes
religiosas era comum a outros sacerdotes que tinham a “cabeça romanizada,
mas o coração ainda pulsando com o ritmo da vida do povo. A ortodoxia na
cabeça, mas a fé no milagre, no coração”. Afirma ainda que tal comportamento
é mais presente em padres brasileiros, ou seja, que tiveram na infância alguma
61
RAMOS, Francisco Régis Lopes. Op. Cit, p.38.
62
Sobre o assunto da história do Padre Cícero ver: DELLA CAVA, Ralph. Op. Cit. e BARROS,
Luitgarde Oliveira Cavalcanti. O Movimento Religioso de Juazeiro do Norte. Padre Cícero e
o fenômeno do Caldeirão. In SOUZA, Simone (Coord). História do Ceará. 4
a
. ed., Fortaleza:
Fundação Demócrito Rocha, 1995, p. 249-296.
44
convivência com essa religiosidade popular
63
, ou seja, havia ainda certa
identificação com a cultura religiosa local.
Pode-se perceber que viva estava e viva ficou a força da religiosidade
popular, mística, sobrenatural e de caráter não autorizado, na perspectiva da
Igreja. Até hoje a imagem do santo Padre Cícero permanece na mente do
sertanejo que peregrina até o horto no Juazeiro. Em qualquer outra parte do
Ceará, existe cheiro e presença de religiosidade popular, seja nas crendices
que convivem com uma doutrina oficial, seja nos altares domésticos, onde se
misturam imagens de santos e santas da Igreja Católica, entidades do
candomblé, fitas bentas, flores murchas e benzeduras das rezadeiras. Os
santos mudam de cor, ficam morenos, mudam de roupa, ganham atributos de
acordo com a bênção recebida ou local de “aparecimento”. Existe a Senhora do
Perpétuo Socorro, a do Livramento, a das Dores etc., todas criações e
inserções populares, frutos de uma resistência e criatividade, (re)invenção de
homens e mulheres que vêem de forma diferente a religião muitas vezes
imposta. Nesse sentido, quando convêm, a Igreja se apropria das (re)criações,
entretanto ela tenta limitar o culto e estabelecer uma liturgia, um local sagrado
para este. Em tudo isso, no entanto, mesmo quando a mão da autoridade
eclesiástica tenta tudo controlar, escapam quase sempre por entre os dedos
coisas pequenas até, demonstrando a fuga da ortodoxia fria e quase inerte das
práticas oficiais. Acrescentando, tomando o conceito de cultura de Michel de
Certeau, a religiosidade popular é o resultado de uma flexibilização do sistema
religioso formal ortodoxo. Ela foge do padrão que se quer conferir aos símbolos
e às idéias, às coisas e aos espaços da religião oficial. Seus praticantes
utilizam os bens religiosos dando-lhes significados diferentes. Eles vivem o
tempo, lêem os textos e vêem as imagens de outra forma. Essa religiosidade
não é imóvel, não é rígida, mas provém do “fluxo e do refluxo de murmúrios
nas regiões avançadas da planificação”, de “uma luta multiforme entre o rígido
e o flexível”. Essa forma de religiosidade pode se manifestar quando a
produção de uma elite que se vê dona dos símbolos e bens da religião deixa de
fazer sentido para um grupo, produzindo apatia, levando à substituição ou
63
HOONAERT, Eduardo. A Devoção dos Beatos Negros. In Revista de Ciências Sociais, vol.
18-19, n º 1 e 2, 1987-1988, p 17-18.
45
reelaboração dos significados dessas coisas
64
. Assim, tanto no caso das
irmandades como na questão do Juazeiro do Padre Cícero, observa-se esse
movimento de luta e ressignificações de idéias e de coisas que levam a outra
compreensão do mundo.
A igreja procura, no entanto, se cercar de todos os instrumentos
possíveis para evitar aas fugas dentro do sistema religioso católico. Como
escreví anteriormente, a formação de um clero obediente era fundamental para
o sucesso da reforma católica e essa foi uma das estratégias de D. Luís,
entretanto, isso resolvia parcialmente a problemática da ausência de
prelados bem formados. Nesse sentido, o que fazer com os padres já em
atividade? Foram implantados os retiros espirituais que serviriam de uma
espécie, numa linguagem moderna, de um programa de recapacitação dos
padres mais antigos não formados no Seminário Episcopal. Nessas reuniões, o
Bispo diocesano procurava corrigir falhas de liturgia e comportamento, por
meio da doutrinação e atualização do clero local nas últimas recomendações
feitas pelas encíclicas e documentos pontifícios. Objetivava-se com isso a
recuperação da imagem do clero diante da sociedade cearense levando-o a
conquistar a devoção do povo com o controle da vida cio-espiritual e das
expressões religiosas. Nesse objetivo, o padre deveria fazer o povo mudar a
visão de Igreja como entidade dispersa e distante e até mesmo quase indistinta
em termos morais dos simples populares
65
.
Outro item importante nesse mecanismo de controle, de acordo com o
que ficou proposto aos bispos pelo Concílio de Trento, as visitas pastorais
feitas por estes deveriam ser, em termos gerais, um instrumento de vigilância
para corrigir os abusos do clero e do povo que estavam sob a sua jurisdição
eclesiástica. Em seu trabalho sobre a romanização no Ceará, o historiador
Edilberto Reis analisa as visitas e cartas pastorais dos bispos D. Luís e D.
Joaquim descrevendo os objetivos principais dessa prática: 1 possibilitar um
melhor conhecimento da geografia do bispado (topografia, distâncias, pessoas)
e do conjunto de párocos e vigários; 2 saber se os sacramentos estavam
sendo ministrados aos fiéis de forma correta; 3 conhecer o estado de
64
CERTEAU, Michel de. A cultura no Plural. Trad.: Enid Abreu Dobránszky, S. Paulo: Papirus,
1995, p.233-242.
65
OLIVEIRA, Gledson Ribeiro de. Op.Cit., p. 48 -49.
46
conservação dos templos, paramentos, livros paroquiais e cemitérios; 4
ministrar os sacramentos (crismas, batismos, casamentos) como forma de
aproximação da pessoa do Bispo ao povo; 5 fiscalizar as associações leigas
(irmandades, casas de caridade e associações pias). Na realidade, as visitas
pastorais eram práticas raríssimas no contexto do Ceará, sendo que em quase
duzentos anos de colonização a primeira fora realizada em 1834, por D. João
da Purificação Marques Perdigão. Nessa época, o Ceará fazia parte da
Diocese de Pernambuco e o isolamento dos párocos no sertão, as distâncias,
os perigos das viagens dificultavam tais visitas, dando margem ao que já
indiquei sobre os desvirtuamentos da ortodoxia católica
66
. Nesse sentido, elas
tomavam caráter de visitas de disciplina do povo e do clero, buscando controlar
os provincianos e introjetar valores muitas vezes distantes das suas
experiências sociais, acostumados à não-interferência direta da alta hierarquia
eclesiástica em suas expressões religiosas.
1.3 - A continuação do projeto romanizador com D. Manuel da Silva Gomes
Durante os cinqüenta anos iniciais de existência da Diocese do Ceará,
o projeto romanizador de seus dois bispos, D. Luiz Antonio dos Santos e D.
Joaquim José Vieira, seguiu, dentre outras coisas, os parâmetros delineados
pouco, sendo que a estratégia de enquadramento da religiosidade popular
foi objeto de alguma modificação significativa a partir da ascensão de D.
Manuel da Silva Gomes a bispo do Ceará, em 1912.
Para se entender a importância da atuação de D. Manuel para a ação
romanizadora no Ceará, é interessante lembrar de uma das principais
conseqüências do fato ocorrido em 15 de novembro de 1889: o
desmembramento entre Igreja e Estado. Como é notório, com esse
acontecimento, automaticamente, houve a perda de poder e privilégios políticos
que a Igreja possuía, além da perda de espaço no campo religioso em virtude
da proclamação da liberdade religiosa permitida pelo novo regime. Assim, a
Igreja se viu sacudida por esses acontecimentos.
66
REIS, Edilberto Cavalcante. Op. Cit., p. 41- 45.
47
Tentando amenizar os problemas, logo após a Proclamação da
República, uma das primeiras atitudes da Igreja foi criar estratégias para
aproximar-se do Estado a fim de continuar a influenciar nas decisões políticas.
Foi então que se fundou um partido político, em 1890, com sede no Rio de
Janeiro, o Partido Católico. Acompanhando essa tendência no Ceará, também
houve o esforço de organizar o Partido em vários municípios, contudo, não
logrando sucesso no pleito de fevereiro desse ano, não conseguindo eleger
nenhum deputado ao Congresso Nacional. Em termos locais, a derrota na
eleição foi atribuída, pela própria Igreja, a fraudes eleitorais, algo bastante
comum em tempos de voto de cabresto. Para o cientista político Josênio
Parente, contudo, a derrota pode ser atribuída também à falta de organização
da Igreja, que não possuía maturidade para participar do jogo partidário que
envolvia, especificamente naquele momento, a Igreja e as elites políticas
tradicionais locais
67
. Mesmo alegando corrupção eleitoral, segundo o
historiador Francisco José Pinheiro:
A oposição da Igreja ao Estado tinha seus limites bem definidos, isto
é, interessava à hierarquia católica apenas modificar a situação que
se criou com a separação do Estado. Portanto, a operação estava
limitada nestes parâmetros e jamais admitiu chegar a uma posição
de confronto com o Estado
68
.
Esta postura da Igreja local era nada mais nada menos do que de
defesa da ideologia tradicionalista, e isso levava ao distanciamento do clero de
confrontos políticos mais sérios com os grupos mais organizados, além do
afastamento, por esta estratégia, das causas populares.
Além da difícil situação política pela qual passava a Igreja, o regime
republicano, como já mencionado, dá abertura para maior penetração de novas
idéias e pensamentos, como o Positivismo, o Protestantismo e o Racionalismo
Ateísta e outras correntes filosóficas citadas pouco, que continuariam a ser
combatidas discursivamente pela Igreja. Na realidade, esses embates
aconteciam mesmo antes da Proclamação da República. Para exemplificar a
luta da Igreja contra movimentos desse gênero, entidades como a Academia
Francesa (1872) e a Padaria Espiritual (1892), que defendiam a laicização da
sociedade promovendo em suas reuniões a divulgação e debate do ideário
67
PARENTE, Francisco Josênio Camelo. A e a Razão na Política Conservadorismo e
Modernidade das elites cearenses. Forteleza/Sobral: UFC edições e Edições UVA, 2000, p.
84-85.
68
PINHIERO, Franciso José. Op. Cit., p. 201
48
positivista-evolucionista, constantemente entravam em divergências com a
Igreja do Ceará. Escreve Sânzio de Azevedo:
E a época era a das idéias cientificistas, com a crítica de Taine
subordinando obra de arte ao meio, à raça e ao momento; com o
Positivismo de Comte, e a sua recusa ao metafísico; com o
evolucionismo de Darwin, a Geografia de Ratzel, a História de
Buckle, enfim, todo um elenco de novas idéias que apontavam para o
materialismo, razão dos choques então havidos entre os rapazes da
Academia Francesa, alguns dos quais se serviam das colunas do
jornal maçônico Fraternidade, para expor suas teorias, e os
colaboradores mais radicais da Tribuna Católica” .
69
Os rapazes dessas agremiações literárias, como escreve o historiador
Sebastião Rogério da Ponte, “cultivavam o encantamento francês”
70
, a cultura
da Revolução, enquanto a Igreja na sua “agremiação” (o Seminário) dirigida por
lazaristas franceses cultivava uma cultura, também propagada na França, mas
de aspecto anti-revolucionário. Enquanto os primeiros “gritavam” liberdade,
igualdade e fraternidade no jornal maçônico Fraternidade
71
(1873-1875),
acusando os padres formados no Seminário de jesuitismo e anti-nacionalismo,
o segundo grupo convocava seus “soldados” no Tribuna Católica (1866-1878)
para lutar contra as forças secularizantes:
Estejamos pois de atalaia (...) Armemo-nos contra todas invasões
dos poderes destruidores, contra as doutrinas dos modernos
Voltaires. (...) Os seminários sejam os pontos de apoio para a
reação. Os bispos já se tem levantado, levantem-se também os
seminaristas
72
.
O historiador João Alfredo diz que tal postura da Igreja é comum a
instituições quando passam por esse tipo de crise conjuntural causada pelo
surgimento de doutrinas que atingem a tradição com tendências progressistas.
No Ceará, o auge do conflito entre essas duas forças, a tradicionalista
e a progressista, se deu, segundo João Alfredo, com a fundação da Academia
Francesa, que forçou a Igreja, via imprensa e outros meios, a “relançar
argumentos extraídos do velho pensamento teológico, redimensionados ao
nível da enunciação tradicionalista”
73
. Essas discussões filosóficas, entretanto,
ficavam mais ao nível dos pensadores dos dois lados sem uma maior
69
AZEVEDO, Sânzio. In: SOUSA, Simone (coord.). História do Ceará. Fortaleza: UFC/ Fund.
Demócrito Rocha/ Stylus Comunicacões, 1989, p 201
70
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: Reformas Urbanas e Controle Social
(1860-1930). 2
a
. ed, Fortaleza:Fundação Demócrito rocha, 1999, p.146
71
BPMP/ Microfilmagem, Jornal Fraternidade – Fortaleza (1873-1875), Rolo.
72
Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, Setor de Microfilmagem, jornal Tribuna
Católica-Fortaleza (05/05/1867), Rolo 91.
73
MONTENEGRO, João Alfredo de Souza. Op. Cit., p.62.
49
repercussão entre outros grupos populares menos letrados. Em relação ao
protestantismo, é possível que as investidas tenham sido muito mais
acirradas
74
que contra esses grêmios literários, a pelo fato desses últimos
terem duração efêmera.
Voltando à perda de influência da Igreja no território político, por um
lado, considerando-a parcial, pelo menos no caso do Ceará
75
, a Igreja local, na
gestão episcopal de D. Manuel (1912 1941), procurou reforçar sua atuação
no campo das decisões estatais e dos potenciais eleitores, usando de algumas
estratégias, como, por exemplo, voltando a participar dos pleitos para as
câmaras estadual e federal, mesmo depois da experiência negativa do final do
século passado com o Partido Católico. Assim. a igreja organizou a Liga
Eleitoral Católica (LEC), em 1933
76
, para disputar as eleições que se seguiriam,
tendo antes da fundação da LEC, porém, a preocupação de arregimentar com
o padre Misael Gomes um grupo de intelectuais que fossem capazes de
defender a bandeira da Igreja. Foi assim que se criou o Círculo Católico de
Fortaleza, em 1913, compondo-se de um grupo de médicos, advogados e
várias outras personalidades que tiveram papel de destaque na política local na
década de 1930, tendo entre outros objetivos o saneamento moral e
revitalização da religião na sociedade local. É interessante saber-se que essa
elite intelectual foi preparada desde sua juventude para defender os ideais
católicos, ou no Seminário Episcopal de Fortaleza ou em escolas católicas
77
.
74
Ver: OLIVEIRA, Gledson Ribeiro de. Sal da Terra uma leitura da identidade e intolerância
de católicos e protestantes no Ceará do século XIX. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco/ Centro de Filosofia e Ciências Humanas/ Programa de Pós-Graduação em
História, 2001.
75
Considero essa perda de poder com parcial na área da política regional e até nacional l pois
entendo que a Igreja continuou tendo seu peso como instrumento formador de opinião no
campo das relações políticas, ajudando no estado de conformismo dos católicos diante de
uma política estatal opressora.
76
Sobre o sucesso dessa empreitada política Josênio diz: “A Liga Eleitoral Católica (LEC) foi
uma organização suprapartidária criada por inspiração do cardeal dom Leme de Almeida, no
Rio de Janeiro, para apoiar candidatos que se comprometessem com as propostas da
Igreja, sobretudo para a Constituinte de 1933. São Paulo e Ceará se destacaram por
apresentarem resultados bem acima do normal. A LEC cearense, tendo a coordenação de
dom Manuel da Silva Gomes, elegeu para as Constituintes federais e estaduais a maioria
dos deputados federais e estaduais, além de senadores”. Ver: PARENTE, Francisco
Josênio Camelo. Op. Cit, p. 76.
77
Esse tipo de atuação da Igreja existia no plano nacional. A Igreja, especialmente depois que
o governo republicano acabou com a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas
públicas, procurou desempenhar uma forte atuação na educação por meio da fundação de
escolas católicas privadas. Em 1914, havia cerca de 15 escolas católicas no Ceará, sendo
que 12 delas em Fortaleza. Este número expressivo de escolas na Capital demonstra a
50
Além da disputa nas eleições, a Igreja precisava convencer os eleitores
a votarem em sua legenda e por isso desde cedo procurou também atuar junto
à classe operaria (que crescia tanto em número como organizacionalmente em
Fortaleza e no restante do Ceará), por meio de corporações como o Círculo de
Trabalhadores Católicos (CTC), de 1915, criado para fazer frente ao Centro
Artístico Cearense (CAC), de 1904, que inicialmente teve influência anarquista.
Além dos CTC´s, que se espalharam por todo o Ceará, foi fundado também o
Círculo Operário Católico (COC)
78
que, juntamente com a União de Moços
Católicos procurou doutrinar os trabalhadores contra o comunismo, corrente
considerada pela Igreja como perigosa à estabilidade política nacional. É
importante ressaltar-se que a ideologia defendida pelas corporações católicas
tivera grande influência das encíclicas papais, como a elaborada por Leão XIII,
a Rerum Novarum, de 1891, ratificada pelo papa Pio XI em 1931; e a
Quadragésimo Anno, que condenava o Socialismo, o Liberalismo, o
Comunismo e outros ismos
79
presentes no Brasil. Elas defendiam, também, a
conciliação entre a classe patronal e o operariado, idéia diretamente oposta as
ideologias de esquerda.
Com essa linha de pensamento, ao chegar à década de 1930, com a
repressão do novo governo ao movimento operário, a Legião Cearense do
Trabalho (LCT de 1931) e os Círculos Operários Católicos passaram a atuar
ao lado do operário, defendendo, acima de tudo, a cooperação entre as classes
sociais com a finalidade de conseguir a harmonia social
80
.
Foi, então, discipulando os trabalhadores contra toda linha de política
trabalhista revolucionária, que a Igreja no Ceará conseguiu arregimentar com
suas corporações um forte eleitorado que garantiu uma vitória expressiva nas
eleições de 1933, com participação da LEC, que tinha como proposta de
governo o seguinte decálogo:
preocupação da Igreja de garantir, dentro da elite local, pessoas comprometidas com os
ideais católicos. Ver: GAETA, Maria Aparecida J. Veiga. A Op. cit. In: História. S. Paulo:
UNESP. N º VII, 1992.
78
Os Círculos Operários Católicos foram criados pela influência do padre holandês Guilherme
Vaessem, reitor do Seminário entre 1914 e 1927.
79
PIMENTEL Jr (org). A doutrina social da igreja: as encíclicas papais de Leão XIII (Rerum
Novarum), Pio XI (Quadragesimo Anno) e João XXIII (Mater Et Magister). S. Paulo:
Dominus, 1963.
80
SOUZA, Simone. Da “Revolução” de Trinta ao Estado Novo. In SOUZA, Simone (org). Uma
Nova História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2002, p. 301.
51
A Liga Eleitoral Católica e o proletariado:
- defender a constituição da família, - difundir a instrução, -
elevar o nível de educação, - desenvolver o ensino profissional, 5°
- cuidar da assistência, 6° - fomentar o desenvolvimento econômico e
saneamento do solo, - promover a harmonia das classes, -
proteger o trabalho na base do sindicalismo cristão, - manter e
fomentar a união entre os Estados, 10° - velar pelo patriotismo moral
da nacionalidade
81
.
Ao analisar as encíclicas que tratam da questão social percebo que
estas pautas estavam totalmente de acordo com a visão da Igreja no que se
refere as relações trabalhistas e ao desenvolvimento da sociedade.
Observando-se mais especificamente a sétima proposta da Igreja, da harmonia
entre a classe patronal e o proletariado, é certo dizer que a relação
desenvolvida pela Igreja com a classe operária local durante as primeiras
décadas do século XX, por meio das corporações católicas, não objetivava
levar o movimento operário cearense a conseguir a emancipação sócio-política
era desejada pelos movimentos comunista e socialista. Esta proposta da LEC
parecia ter o objetivo principal de controlar o movimento operário, impedindo
que forças vistas como subversivas conseguissem produzir resultados
semelhantes aos da Revolução Russa de 1917.
Seguindo essas diretrizesn D. Manuel tentou recuperar poder para a
Igreja, articulando um projeto que visou a preencher espaços vagos na política
cearense, organizando um grupo de intelectuais católicos para pensar, de
forma estratégica, a sociedade local e suas instituições, em um momento em
que não havia nenhum grupo político suficientemente forte e coeso que
conseguisse cooptar as potencialidades do eleitorado local, ficando a disputa
eleitoral entre o PSD (Partido da Social Democracia), liderado por Fernandes
Távora, e a LEC. O primeiro fez 13 deputados e o segundo 17, no pleito de
1933 para a Assembléia Constituinte.
É importante se referir que a estratégia da arregimentação intelectual
leiga não consistia em novidade no mundo católico europeu, pois, desde a
segunda metade do século XIX, na Europa, intelectuais como Juan Donoso-
Cortês atuavam na defesa dos direitos da Igreja contra o liberalismo e o
republicanismo. No Rio de Janeiro, o arcebispo D. Sebastião Leme também
81
Jornal O Nordeste 20.01.33 Apud SOUZA, Simone. Da “Revolução” de Trinta ao Estado
Novo. In ______. Uma Nova História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha,
2002, p. 302.
52
agiu no sentido de cooptar e favorecer a formação de uma intelectualidade
católica capaz de defender a Igreja em diferentes situações. Para isso procurou
formar uma intelligentsia católica que atuaria como vanguarda do laicato
aglutinando-se em volta do Centro D. Vital (referencial para todo a
intelectualidade católica brasileira) que tinha a revista A Ordem como porta-
voz. Em todas essas organizações citadas, o tradicionalismo era a ideologia-
mãe de seus discursos, em defesa da ordem social, a partir de uma conciliação
entre as classes, e da defesa dos direitos da Igreja. O posicionamento
continuava sendo reforçar a idéia de que qualquer outra linha de pensamento
que prejudicasse os interesses da Religião devia ser considerada herética e
prejudicial ao bom encaminhamento da sociedade.
Para Josênio Parente, na reorganização e arregimentação da
intelectualidade católica cearense, o Seminário de Fortaleza e as escolas
católicas locais serviram como espaços de treinamento e formação de parte
desse grupo de políticos
82
. Entre esses pensadores que passaram pelo
Seminário temos os ex-seminaristas e advogados Álvaro Gurgel de Alencar e
Antônio Augusto de Vasconcelos e o Padre D. Helder Câmara. Os dois
primeiros fizeram parte do Conselho de Honra do Círculo Católico Cearense e
o último teve participação importantíssima na LCT, juntamente com Jeová
Mota, que foi um dos co-fundadores dessa corporação. É importante ressaltar
que, entre outras iniciativas que ajudaram na formação de organizações
católicas, Helder fundou a JOC
83
(Juventude Operária Católica) no Ceará e o
movimento Sindicalização Operária Católica Feminina, todos na década de
1930; isso sem falar de várias atuações nas lutas sociais em que se envolveu,
fazendo com que seu nome ficasse conhecido nacionalmente. Quanto a outros
nomes que receberam influência da ideologia católica em colégios desta
mesma linha, temos o de Severino Sombra, Fundador da LCT e grande amigo
de Helder, que teve sua formação básica no Colégio Cearense, da Ordem
82
PARENTE, Francisco Josênio Camelo. Op. Cit., p.76-97.
83
A JOC foi um movimento que tinha orientação ideológica semelhante à LCT e agiu no
sentido de organizar escolas para instruir os filhos pobres de operários dentro dos princípios
da doutrina católica. Sobre a atuação de D. Helder Câmara na política cearense, ver:
PILETTI, Nelson e PRAXEDES, Walter. Dom Helder Câmara: Entre o Poder e a Profecia.S.
Paulo: Ática, 1997. MONTENEGRO, João Alfredo de Souza. Op. Cit., p.185-266.
53
Marista, localizado em Fortaleza
84
. Embora os exemplos não sejam, na ordem
quantitativa, significativos, pelo menos, nos dois últimos casos, na ordem
qualitativa, têm bastante expressão no contexto dessa história da luta da igreja
cearense por espaço na política local e nacional nos primeiros trinta anos do
século XX.
Mesmo que não tenham sido todos ou a grande maioria desses
intelectuais que integraram as ligas e corporações católicas ex-seminaristas,
não posso deixar de concluir que o movimento de renovação do catolicismo no
Ceará, entre a década de 1912 e a década de 1930, foi obra apenas de um
Arcebispo, D. Manuel, e de um grupo de intelectuais leigos. A influência ou
participação do Seminário nesses acontecimentos pode ser reconhecida a
partir da formação do quadro de clérigos que serviu à Igreja no Ceará nesse
período. Pois, Certamente a divulgação das idéias defendidas pela Igreja por
intermédio das instituições ou corporações em todo o Estado teve participação
efetiva de bispos, párocos e vigários recém-formados no Seminário Episcopal
de Fortaleza, alocados nas circunscrições eclesiásticas. Como exemplo no
período eleitoral de 1933,
A Igreja Católica, nos sermões das missas, apresentava o PSD como
Partido Sem Deus, e os padres pediam aos católicos para que não
votassem essa legenda Partidária
85
.
Portanto, o sucesso da LEC nas eleições não teria sido possível sem o
empenho de toda hierarquia eclesiástica local e a utilização de todos os
instrumentos possíveis de divulgação que a Igreja possuía, como os jornais
eclesiásticos.
Apesar de minha análise sobre o Seminário não se aprofundar para a
depois da primeira década do século XX, penso que a romanização ou o
processo de reforma católica no Ceateve dois momentos diferentes: antes e
depois de Dom Manuel da Silva Gomes. No primeiro momento, que se estende
de D. Luís a D. Joaquim, a luta da Igreja era fundamentalmente pela
organização da Diocese e da religiosidade popular, especialmente no que diz
respeito ao combate contra as expressões de religiosas desviantes (das
irmandades dirigidas por leigos, dos missionários do sertão, do “fanatismo” dos
84
CORDEIRO JR., Raimundo Barroso. A Legião Cearense do Trabalho. In SOUZA, Simone.
Op. Cit.,p. 327.
85
PARENTE, Francisco Josênio Camelo. Op. Cit., p.92.
54
romeiros de Juazeiro etc). Com a chegada de D. Manuel, a maior parte das
forças da Igreja foi redirecionada para as frentes dos embates político-eleitorais
ao nível estadual e nacional.
A mudança de estratégia de cooptação da sociedade católica com D.
Manuel pode ser vista como resultado de vários elementos, como: a
Proclamação da República e suas conseqüências para a Igreja; as
transformações ocorridas com a reorganização do mundo do trabalho
produzida pelo desenvolvimento do capitalismo e do liberalismo no contexto
nacional, levando os trabalhadores a formar partidos e agremiações com o
objetivo de defender seus direitos diante da classe patronal; além da influência
das encíclicas dos papas Leão XIII e Pio XI, que conclamaram a Igreja a
apontar soluções para os problemas sociais provocados pelo capitalismo,
liberalismo, socialismo e comunismo no mundo ocidental.
Nesse contexto, foi importante a visão de D, Manuel que, diante dessas
questões sociais, conseguiu perceber a ausência de um partido politicamente
forte que canalizasse os anseios da classe trabalhadora, oprimida por um
Estado ditatorial, aproveitando-se da situação para concretizar os objetivos da
Igreja. É importante ressaltar-se que, mais adiante, a própria Igreja se aliou a
esse Estado ditatorial com o objetivo de obter em troca, entre outras coisas, o
retorno do ensino religioso à grade curricular das escolas públicas.
Para ter relativa tranqüilidade para desenvolver seus projetos, D.
Manuel precisava estar livre do peso de algumas questões como, por exemplo,
o controle das irmandades. Como expressei antes D. Joaquim conseguiu
suprimir a Irmandade de São Francisco das Chagas de Canindé, em 1897, e
também conseguira convencer a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição
da Prainha a doar a Igreja da Prainha para o Seminário, dois grandes
problemas resolvidos, o que sinalizava o poder da Igreja local sobre essas
instituições. Em 1914, segundo me informa o Correio Eclesiástico, embora eu
não tenha dados que confirmem a existência, por este tempo, de outras
confrarias que estivessem em funcionamento, tanto na Capital como no
restante do Estado, cerca de 27 que estavam em Fortaleza tinham padres
como diretores, o que confirma certo controle delas pela Igreja. no mesmo
sentido do controle da religiosidade popular, como referi em passagem anterior,
a Conferência de São Vicente foi criada para atrair a sociedade católica para
55
um novo tipo de espiritualidade, buscando ofuscar a atuação das irmandades.
Em 1914, o Ceará possuía 80 núcleos espalhados por todo Ceará, sendo que
em Fortaleza havia 28. Por estes dados, penso que D. Joaquim preparou o
terreno para o seu sucessor, dando mais tranqüilidade para ele agir em outros
flancos
86
.
Não posso deixar de informar também que, até 1912, outra
preocupação que ainda hoje existe para Igreja a quantidade de padres
também era amenizada com a formação de vários jovens pelo Seminário de
Fortaleza e a vinda de padres das ordens religiosas estrangeiras (capuchinhos,
franciscanos, jesuítas, salesianos etc.). Infelizmente não tenho aqui o número
de sacerdotes estrangeiros vindos para o Ceará, mas o total de jovens que
receberam as ordens no Ceará, até 1912, que provinham tanto da Prainha
como de outros províncias/estados, era cerca de 338 padres
87
, sendo que até
esse ano alguns haviam deixado o Estado para pastorear em outros prados
desta Nação. Até aqui o Seminário tinha executado bem o seu papel na
formação de padres e continuaria assim nos anos seguintes, mas, nesse
contexto, o Seminário Episcopal de Fortaleza tinha que compartilhar com
outras instituições católicas da formação religiosa da sociedade cearense.
Posso assegurar que, no conjunto de meios que tinha a Igreja no Ceará para
tentar manter sua supremacia religiosa, as instituições leigas (as CTC´s, os
COC´s, a LCT e a LEC etc), especialmente a partir do século XX, serviram de
instrumento para se trabalhar a mentalidade cristã da sociedade local apesar
de que tal projeto já havia sido iniciado pela Igreja, em um sentido menos
classista
88
, com a Conferência Vicentina ainda no século XIX. No caso da
Conferência, eram as irmandades que preocupavam, depois, com o surgimento
da classe operária e sua organização, eram os movimentos de esquerda que
mais intranqüilizavam a Igreja. Com tais instituições leigas católicas, a
formação e o aumento do número de padres no Ceará não eram a única via
para a reforma religiosa da sociedade cearense. Dessa forma, o Seminário da
86
SEF/ SHE. Correio Eclesiástico. Fortaleza, 1914, p. 169-172. Este material encontra-se
impresso em volume único. Era uma espécie de jornal com vários artigos religiosos e
acontecimentos que envolviam a Igreja no Mundo e no Ceará, servindo como um
instrumento de comunicação entre D. Manuel e seus liderados na Capital e nos demais
municípios do Estado, onde também era distribuído.
87
LUSTOSA, Dom Antônio de Almeida. Primeiro Centenário da Instalação da Diocese de
Fortaleza (1861-1961). Fortaleza, 1961.
88
Refiro-me a questão da luta de classes: patronato versus operariado.
56
Prainha, que no começo da organização da Diocese cearense, era quase que o
único meio de formação de intelectuais para a defesa e divulgação do
tradicionalismo religioso, agora passa a ter minimizado o seu papel, que
comporá, com outras instituições controladas pela Igreja no Ceará, o conjunto
de meios para atingir esses objetivos. É nesses parâmetros que a história do
Seminário da Praínha se insere no âmbito histórico da romanização do Ceará.
57
- CAP 02 -
O SEMINÁRIO EPISCOPAL DE FORTALEZA:
FUNDAÇÃO E ORGANIZAÇÃO
2.1 – Visão panorâmica da história do ensino no Ceará
Ainda não havia princípio de ensino de nível superior no Ceará, quando
o Seminário Episcopal de Fortaleza surgiu, abrindo mais uma possibilidade de
formação no contexto local. Na década de 1860, apenas duas escolas
fulguravam como de boas condições, o Liceu do Ceará, de 1845, e o Ateneu
Cearense, de 1863, ambos funcionando na Capital. Nas outras vilas e cidades
da Província, apenas se tinham aulas de primeiras letras e Latim. A partir de
meados do século XIX, porém, a estrutura educacional do Ceará, e
especialmente de Fortaleza, muda, tornando-se o Seminário da Prainha a
referência maior na formação eclesiástica romanizada local.
No capítulo anterior, informei que foram os jesuítas os criadores, no
Brasil, dos primeiros centros de educação religiosa. Nesses núcleos,
ensinavam-se a leitura, a escrita e a oração. Do ponto de vista da colonização
e catequese dos índios, os aldeamentos tiveram grande importância na
educação religiosa dos nativos habitantes. No Ceará, quando a ocupação do
território estava se efetivando, os jesuítas, antes de conseguirem algo de
significativo no âmbito da catequese indígena, tentaram por algumas vezes
durante o século XVII conquistar a serra da Ibiapaba para a católica.
Somente em 1695, com os padres Manuel Pedrosa Júnior e Ascenso Gago, a
missão da Ibiapaba formou-se, recebendo o nome de Aldeia de N. S. da
Assunção da Ibiapaba (hoje a cidade de Viçosa). Foi para consolidar a missão
que se pensou em construir conventos ou hospícios, que serviriam como centro
de instrução e educação públicas. Fundado que foi o primeiro hospício, não na
serra, mas em Aquirás, em 1727, depois de ter passado por Fortaleza,
escreveu Raimundo Girão que esta foi a primeira instituição de ensino de
humanidades e de história eclesiástica do Ceará, ou mesmo o primeiro
Seminário
89
. Depois outro fora construído em Viçosa, sendo os dois núcleos
89
GIRÂO, Raimundo. Pequena História do Ceará. 4
a
. ed., Fortaleza: Edições Universidade
Federal do Ceará, 1984, p.232-234.
58
onde se catequizavam os índios, ministravam-se aulas aos membros da
Companhia de Jesus e as aulas de primeiras letras, o princípio da instrução
popular. Segundo Plácido Castelo, era costume dos jesuítas, onde fundassem
algum colégio do gênero, ensinar a ler e escrever, além de Aritmética,
Humanidades, Artes e Teologia. O ensino de caráter secundário, porém, era
somente dado aos jovens que se destinavam ao sacerdócio. Além desses dois
hospícios, havia as aldeias em Paupina, Caucaia, Parangaba e Paiacu, onde
os índios aldeados aprendiam fiar, tecer, coser, ler e escrever. Tal
empreendimento, como esclareci no capítulo anterior, sofreu um revés em
decorrência da expulsão dos membros da Companhia de Jesus dos territórios
da Metrópole portuguesa, sendo as escolas e aldeias erigidas em vilas
entregues nas mãos de leigos. Isso teve como conseqüência a decadência dos
aldeamentos e a venda de alguns índios, como aconteceu com quarenta e um
meninos da aldeia de Parangaba, em 1786
90
.
Após a expulsão dos jesuítas, entre 1759 a 1822, segundo Plácido
Castelo, não houve iniciativas de grande sucesso na área educacional e, nesse
interregno de 63 anos, somente 18 escolas foram criadas. Estatisticamente,
para uma população de aproximadamente 200.000 habitantes no ano de 1822,
havia aproximadamente uma escola para 11.112 pessoas. No Ceará, estas
poucas aulas que havia consistiam em aprender a ler, escrever e contar ou
Latim, sendo estas mantidas pelo subsídio literário
91
, imposto criado pelo
Governo português após a expulsão dos jesuítas para a manutenção das
escolas primárias e secundárias. Dos lugares em que havia essas aulas temos:
a) ler, escrever e contar: na Ibiapina, Soure, N. S. Assunção, Aquirás, Aracati,
Sobral, S.R. Russas, Buriti-Viçosa, Icó, Fortaleza, Canindé, Sta. Cruz de
Uruburetama e São João do Príncipe; b) Latim: em Aracati e Aquirás
92
. Um dos
grandes problemas que não favoreciam o aumento do número de aulas, como
expresso no capítulo anterior, era não se encontrar gente suficientemente
capacitada para ministrar aulas, amesmo pelo fato de os vencimentos não
90
CASTELO, Plácido Aderaldo. História do Ensino no Ceará. Fortaleza: Departamento de
Imprensa Oficial, 1970, p. 15-32.
91
Consistia em imposto cobrado dos vendedores de vinho e açougueiros que residiam nas
terras da Coroa portuguesa, sendo da quantia de um real em arrátel de carne (459 g)
cortada. Este imposto foi promulgado em Lei de 10 de novembro de 1772 e suprimido pela
Lei de n º 4, de 14 de maio de 1835. Ver: CASTELO, Plácido Aderaldo. Op. Cit., p. 44.
92
Id. Ibidem, p. 42.
59
serem atrativos. Em Relatório de Presidente de Província, de 1865, a
seguinte declaração sobre a classe dos professores do Ceará:
O professorado, poucas exceções feitas, acha-se confiado ao um
pessoal destituído de habilitações literárias, frouxo e remisso no
cumprimento de seus deveres; porque lhes falta a vocação, o amor
de sua profissão e a inteligência da importância e grandeza de sua
nobre tarefa.
O professor, em regra geral, nenhum interesse tem pelo
aproveitamento de seus discípulos; entrega-se a ocupações
estranhas; nem ao menos procura salvar as aparências, certo que no
fim do mês não lhe de faltar o gracioso atestado do cumprimento
de deveres para receber seu ordenado
93
.
Além desse quadro de decadência moral e intelectual dos professores,
na Província poucos eram os cearenses que sabiam ler e escrever, inclusive
dentro da elite administrativa. Raimundo Girão escreve que, após a
Independência, a pobreza das finanças local era o grande que o Governo
provincial não se animava à criação de mais aulas. Destaca ainda que “quando
as escolas eram instaladas, era pequena a freqüência de alunos pelo pouco
amor dos pais às coisas da instrução”
94
.
Apesar dessas condições, até o ano de 1834, no Ceará, havia 30 aulas
distribuídas em 21 localidades, sendo dessa mesma cada o projeto de
criação de um Liceu no Ceará, que se concretizou, como informado, em
1845. Nessa mesma instituição de ensino ensinava-se, inicialmente, Português,
Latim, Francês, Inglês, Matemática, Retórica, Filosofia, Geografia e História.
Depois, pelo ano de 1895 em diante, além das matérias anteriores, suprimindo-
se Retórica e Filosofia, ensinava-se Alemão, Biologia, Geologia, Música e
Desenho, Física e Química. Sobre a atração que o Liceu causava sobre as
famílias e a juventude do Ceará, Raimundo Girão escreveu:
Com efeito, em conformidade com os seus seguros gisamentos, o
Liceu estruturou-se sabiamente, e em breve representaria não só um
fator de concentração daquilo que de melhor existia na Província e
vagava disperso, referentemente ao saber humanístico e às
cogitações filosóficas e científicas, mas também um foco de atração
à juventude que, na capital e no interior, estagnava em pernicioso
remanso, à falta da correnteza que conduzisse ao largo mar do
aprendizado integral.
95
93
Relatório com que foi entregue a administração da Província ao Excelentíssimo Sr. Dr.
Francisco Ignácio Marcondes Homem de Melo, Pelo Excelentíssimo Sr. Dr. Lafayete
Rodrigues Pereira, em 10 de junho de 1865, p. 13. (Internet:
www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html)
94
GIRÃO, Raimundo. Op. Cit., p.216.
95
Id.Ibidem., p. 219.
60
Apesar de o aparecimento do Liceu ser de grande importância para o
contexto da formação intelectual local, as condições da instrução pública,
durante o século XIX em todo o Ceará, não mudou muito e, dado o quadro
descrito há pouco, a formação primária e secundária demorou bastante para se
modificar. Nesse sentido, não é de se espantar que também o ensino secular
de caráter superior tenha surgido tardiamente no Ceará. A primeira Faculdade
do Ceará data de 1903, quando o governador Pinto Nogueira Accioly fundou a
Academia Livre de Direito, não sendo mais extremamente necessário à
juventude local se dirigir para Olinda ou lugares outros fora da Província para
se formar em Direito; entretanto o mesmo feito custou o fechamento de 90
escolas primárias do Ceapara que com os recursos destinados a estas, se
fundar a Academia, o que despertou protestos do opositor político de Accioly,
Rodolfo Theóphilo
96
.
No contexto das cidades cearenses, para o quarto qüinqüênio do
século XIX e primeira década do seguinte, em termos educacionais, Fortaleza
era uma das que se encontrava em razoáveis condições quanto ao número de
escolas primárias e secundárias. Até fins desse culo, havia o Liceu, escola
de ensino público, e as escolas particulares: o Ateneu (1870-1886), o Pantheon
Cearense (1872), o Colégio Universal (1875), o Colégio São José (1876), o
Instituto Cearense de Humanidades (1892) e o Colégio Nossa Senhora de
Lourdes (1896). A engrossar essa fileira, estavam o Seminário Episcopal de
Fortaleza (1864) que tinha dois cursos, o preparatório (ou primeiras letras) e o
teológico, e o Colégio da Imaculada Conceição (1865), para meninas. Tal
conjunto de instituições serviu para educar a elite local e uns poucos
desafortunados, como as meninas órfãs do Imaculada Conceição. Assim, a
educação secundária local foi mais aproveitada por aqueles que tinham
recursos, ficando ainda a maior parte dos citadinos na pouca ou nenhuma
instrução.
No caso do Seminário, que é objeto deste estudo, Plácido Castelo
escreveu:
O certo, evidentemente, é que a seriedade pedagógica e o zelo pela
formação moral e intelectual dos que freqüentaram o Seminário
permitiram a formação de uma elite e a tal ponto que se tornara
96
THEÓPHILO, Rodolfo. Libertação do Ceará. Edição Fac-similar, Fortaleza: Fundação
Valdemar Alcântara, 2001, p.12.
61
credencial, mesmo para o egresso da Praínha, o dizer que ali
estudara.
97
Essa elite a que se refere Castelo consiste no grupo de jovens que,
não se decidindo pelo caminho do altar, procura outros caminhos na área
secular como o Jornalismo, a Literatura, a Medicina, o Direito e outras áreas
bastante valorizadas na época. Se não todos, mas na sua maioria, esses eram
filhos de famílias ilustres do Ceará que tinham certa condição financeira para
pagar suas mensalidades no Seminário e que, saindo dali podiam ir aos
núcleos de ensino superior do Brasil ou Europa, como era o caso de alguns
que, querendo aperfeiçoar-se na carreira eclesiástica, mesmo depois de
passarem pelo Seminário, acorriam aos centros de formação em Roma ou
Paris. Enfim, a educação de melhor qualidade ficava para os que podiam
pagar, ensejando algo semelhante, como José Murilo de Carvalho escreveu
referindo-se à elite política brasileira, a “uma ilha de letrados num mar de
analfabetos”
98
.
2.2 – Os primeiros passos
Nesse mundo de poucas escolas primárias e secundárias, o Seminário
da Prainha emerge como uma espécie de faculdade teológica. Como relatei,
estava o Pe. Luís Antonio dos Santos a exercer suas funções de cônego da
catedral de Mariana e de reitor do seminário dessa cidade, tendo já concluído o
seu curso em Roma e sido laureado em Cânones, quando o apanha o decreto
imperial de 31 de janeiro de 1859, designando-o para o cargo de Bispo do
Ceará. Confirmado que foi tal decreto pelo então papa Pio IX, no Consistório de
28 de setembro de 1860, D. Luiz recebeu a 14 de abril de 1861 a sagração
episcopal das mãos do seu venerado mestre D. Viçoso.
Chegou a Fortaleza o prelado em 26 de setembro de 1861, sendo que
sua posse havia ocorrido em 16 de julho por meio de seu procurador, o
Cônego Antonio Pinto de Mendonça. Logo após sua chegada, D. Luís começou
a pôr em ação seu plano de reforma do clero cearense, tomando como primeira
atitude a reforma da Catedral de Fortaleza, ampliando-a e embelezando-a.
97
CASTELO, Plácido Aderaldo. Op. Cit., p. 157.
98
CARVALHO, José Murillo de. A Construção da Ordem - Teatro de Sombras. Rio de Janeiro:
UFRJ / Relume Dumara, 1996, p. 55.
62
Depois, arregimentou esforços para fundar, à semelhança do Seminário de
Mariana, uma dessas casas de formação para a Diocese do Ceará, sendo que
a autorização imperial para isso havia sido dada pela Lei 1.144, de 27 de
setembro de 1860, o que indica que a idéia da criação do Seminário era
anterior a sua chegada a Fortaleza. Como frisei no capítulo anterior, na
realidade, o bispo não estava fazendo nada mais nada menos que obedecer
aos ditames colocados pelo Concílio tridentino, que o responsabilizava pela
fundação de seminários e a formação de sacerdotes, cuidando da organização
dessas escolas e de seu funcionamento, além do exame da conduta dos
futuros padres, ordenando apenas aqueles que demonstrassem efetiva
vocação religiosa e preparação adequada para o exercício das funções
sacerdotais.
Antes mesmo de ter um prédio para este fim e prevendo a necessidade
de tal instituição ficar nas mãos de padres com verdadeiro espírito reformista,
D. Luís instou junto aos superiores da Congregação da Missão, no Rio de
Janeiro, para que enviasse ao Ceará quatro padres lazaristas (conhecidos
também como Filhos de São Vicente de Paulo) para darem forma a esse
intento, além de solicitar, também, a vinda das irmãs de caridade (as Filhas de
São Vicente de Paulo) que ficariam responsáveis pela educação feminina. Dois
anos de contato por carta com os padres Pedro Benit, no Rio de Janeiro, e
João Batista Etienne, em Paris, renderam-lhe não quatro mas somente dois
lazaristas: Pe. Pedro Augusto Chevalier e Pe. Lourenço Enrile; mas, antes que
os padres chegassem, era necessário haver uma casa onde ficassem
amparados os seminaristas, seus professores e funcionários, por isso D. Luís
empreendeu esforços para adquirir daquele que por acordo com Roma
(conforme o regime de padroado) era o protetor da religião nacional (o
Imperador) um prédio que atendesse as necessidades iniciais de um seminário.
Enquanto tal não era conseguido, os candidatos ao sacerdócio eram enviados
ao Seminário da Bahia para cursar Teologia, além de que o mesmo bispo
preparava no próprio palácio episcopal nas Primeiras Letras e estudos outros,
a fim de deixa-los habilitados a fazer o curso teológico. Há de se perguntar por
que a preferência pelo o Seminário da Bahia e não o de Pernambuco, mais
próximo ao Ceará, mas é simples entender esta postura do Bispo, ao se levar
em conta a história de envolvimento dos padres formados na instituição
63
olindense em muitas questões e lutas políticas contra o Governo, colonial e
Imperial. Já que o objetivo era formar padres obedientes aos preceitos da santa
religião ensinada pela Cúria Romana, que tinha uma visão anti-revolucionária,
o Seminário da Bahia era o mais próximo e em melhores condições para isso
em razão do o seu direcionamento ultramontano.
Por esse período em que o Bispo procurava um prédio para instalar o
seminário, os membros da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição Outeiro
da Prainha estavam a construir os alicerces de um prédio, junto da igreja,
dedicado à mesma santa, que serviria de colégio para as meninas órfãs
99
descendentes dos confrades. Entrando em acordo, porém, com a irmandade,
D. Luís assume as obras de ereção do orfanato, modificando seu projeto inicial
e concluindo-o em 1863, gastando uma quantia de 47:548$388, recurso este
obtido do Governo Provincial (12:000$000), das esmolas do povo (13:622$490)
e das economias do prelado (21:925$898)
100
. Ainda à procura de um local para
instalar o seminário e não se agradando de nenhuma das ofertas anteriormente
feitas pelo Presidente da Província o prédio do Lazareto da Lagoa Funda e o
da Santa Casa de Misericórdia, ambos ainda não utilizados e localizado em
Fortaleza o Bispo resolve usar, temporariamente, o prédio que seria
destinado ao colégio das órfãs, mas para isso negociando com o governo
provincial o pagamento do aluguel do mesmo por 1:200$000, que serviria de
rendimento para o pagamento de outro espaço onde funcionaria o mesmo
colégio até que o problema fosse resolvido. Esta situação continuou a1865,
quando a casa foi definitivamente convertida em seminário, sendo que, até
1867, o colégio das órfãs funcionou em uma casa alugada pelo Cel. José
Francisco da Silva Albano, nos números 28 a 30, sendo depois transferido
nesse último ano para o antigo Colégio de Educandos, no Outeiro da Prainha.
Como é cil perceber, os objetivos de D. Luís estavam se
concretizando, mesmo que interferindo nos objetivos da Irmandade citada. É de
bom alvitre, pelo que foi exposto no capítulo anterior, que o projeto
romanizador buscava organizar a religiosidade local, concentrando o ximo
99
As meninas órfãs eram filhas dos que morreram do cólera, entre abril e agosto de 1862 (11
mil num total de 200 mil populares no Ceará). BPMP/ Obras Raras. Revista Do Centenário
Do Colégio Da Imaculada Conceição. Fortaleza Tipografia, 1965, p. 05
100
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894), p.03.
64
possível todo o tipo de instituição que tivesse vínculo com a religião católica,
nas mãos do Bispo e de ordens religiosas estrangeiras. Dessa forma, durante
todo o tempo em que se resolvia a questão do lugar definitivo do colégio, a
Irmandade manteve-se calada, até mesmo pelo fato de a instituição não ter
deixado de existir. Vê-se, porém, que aqui acontece a primeira grande
interferência do Bispo nos negócios da Irmandade, pois o colégio ficou, a partir
de 1865, nas mãos das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo
101
, vindas
de Paris, o que demonstra o desejo de centralidade administrativa de todas as
instituições ligadas à Igreja em torno de seus objetivos reformadores. Outra
atitude que evidenciou essa idéia de centralismo e combate às atividades das
irmandades foi a decisão tomada pelo segundo Bispo do Ceará, D. Joaquim
José Vieira, de convencer os membros da Irmandade a cederem a Igreja da
Prainha ao Seminário, o que foi conseguido depois de vários diálogos com os
seus líderes.
Terminado que fora o dilema sobre o local definitivo do Seminário, a
sua abertura se em fins do ano de 1864. Quanto ao dia e mês em que
realmente teria acontecido, sobre isso existe uma certa indefinição: se o fato
teria acontecido no décimo oitavo dia de outubro, como lemos no Álbum
Histórico
102
, ou no décimo dia de dezembro desse ano, como defendem
Leonardo Mota
103
e o Barão de Studart
104
. Parece claro, porém, que a primeira
data se refere a que D. Luís mudou-se para o prédio com os moços a quem
ensinava na casa pastoral, enquanto a segunda data é referente à assinatura
do contrato entre a Tesouraria da Fazenda (órgão que responderia pelo
repasse dos recursos do Governo imperial para cobrir parte das despesas para
o funcionamento do prédio) e o prelado. Outro indício dessa minha afirmação é
101
As irmãs de caridade chegaram no Brasil em 1849, quando não havia formação intelectual
para moças. Foram inicialmente para o Rio de Janeiro e Recife, cuidando da educação da
mocidade feminina das classes mais elevadas. Também aqui ao lado do colégio de órfãs
fizessem funcionar uma escola para atender à educação de meninas de boas famílias, que
receberam o nome de pensionistas”. BPMP/ Obras Raras. Revista Do Centenário Do
Colégio Da Imaculada Conceição. Fortaleza Tipografia, 1965, p. 05.
102
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914,
p.08.
103
MOTA, Leonardo. Notas para a História Eclesiástica do Ceará. In: Revista do instituto do
Ceará. Fortaleza, 1945, p. 208-209.
104
STUDART, Barão de.Datas e Factos para a História do Ceará. Fortaleza: Fundação
Waldemar Alcântara, 2001/Edição Fac-simile de 1896/Tomo II, p. 181, 187 e 188.
65
o fato de o Livro de Despesas e Receitas do Seminário
105
, o livro contábil do
Seminário, começar seus registros em 18 de outubro, assim também como o
primeiro registro de matrícula ser desta data
106
.
Transferindo-se para o prédio do Seminário que foi dividido em dois
espaços destinados ao seminário menor (ou preparatórios) e ao maior (ou
curso teológico), D. Luís, seu auxiliar Pe. Clycério da Costa Lobo, Pe.
Fulgêncio e mais um número de 12 seminaristas deram início aos trabalhos da
casa, antes mesmo da chegada dos padres lazaristas, que aconteceu em 18
de novembro desse ano. Vinham os padres Augusto Chevalier (natural de
França) e Lourenço Enrile (natural da Itália), da Bahia. Ambos haviam
lecionado no Seminário Arquiepiscopal dessa proncia, sendo enviados para
ali como missionários depois de se formarem em Paris. Nesse mesmo dia, o
Bispo, que então morava desde a abertura da casa neste lugar, entregou aos
cuidados do Pe. Chevalier a diretoria do Seminário, dando as aulas de Moral
ao Pe. Enrile. Como era de costume, Chevalier, logo nos primeiros dias de
novembro, enviou uma carta ao Pe. Etienne, Superior Geral, em Paris,
relatando de sua chegada, recepção e condições estruturais do Seminário,
escrevendo que as condições talvez fossem uma das “mais favoráveis [para tal
empresa] do que em todas as outras dioceses”
107
, e isso era de admirar a
Chevalier pelo fato de a diocese ser nova e tal tipo de estabelecimento não ser
conhecido na Província.
Dando continuidade aos trabalhos iniciados pelo Bispo, havia apenas
quinze dias que tinha chegado, o Padre Chevalier suspendeu as atividades
escolares para entrar em retiro espiritual com todos os alunos, como que
preparando a todos espiritualmente para os intensos trabalhos de que
participariam. Assim transcorreu o mês de dezembro, cheio de atividades e
festas, especialmente em decorrência do Natal e do Ano Novo. Ao final do ano
de 1864, segundo pude conferir no livro de matrícula, entre 18 de outubro e 31
de dezembro, se haviam matriculado 26 seminaristas
108
. Até então, o prédio
105
SEF/ SHE. Livro de receita e despesa do Seminário (1864-1886), p.01.
106
SEF/ SHE. Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890), p.01.
107
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
23-24.
108
Sobre aos números reais, não consegui chegar a uma conclusão definitiva, ou seja, quantos
foram matriculados nesse ano. O próprio Álbum Histórico não deixa clara a questão, dado
que em seu anexo onde estão, supostamente, os nomes de todos os matriculados no ano
66
que acomodava os seminaristas era singelo, mas com o tempo se tornou um
dos mais imponentes em extensão construído no Ceará com objetivos
educacionais.
2.3 – A edificação do prédio
No terceiro capítulo do Álbum do Seminário (1914), já no final da última
página, encontrei a seguinte afirmação:
Grande, independente, completo, saudável e fresco tal é o Seminário de
Fortaleza que acaba de completar seu cinqüentenário de existência e
celebra suas bodas de ouro
109
. (sic)
Fundado em 1864, como informado antes dito, o Seminário até hoje
ocupa desde 1868 uma quadra inteira sendo sua entrada localizada ao norte,
à rua do Seminário (hoje, avenida Monsenhor Tabosa, 50, onde estão a
entrada do Parlatório e a Portaria), tinha ao sul a rua da Conceição (atual Ten.
Benévolo), ao leste a rua Arrecife (rua Sen. Almino) e ao oeste a Praça Sen.
Machado (atual Praça do Cristo Redentor) – constituindo-se, num interregno de
20 anos, no maior espaço destinado ao ensino que o Ceará teve na segunda
metade do século XIX. Nos seus tenros anos, afastado que era dos
movimentos da urbanidade do centro de Fortaleza, o prédio mostrava-se, por
isso, “independente”, recebendo os ares puríssimos do mar logo à frente,
dando a sensação de frescor e salubridade. Nesse início, Fortaleza, aos olhos
do viajante estrangeiro Luiz Agassiz, era uma cidade alegre, especialmente aos
domingos e dias de festa, quando as sacadas das casas eram adornadas, e as
moças vestiam-se elegantemente e os rapazes passeavam pelas calçadas
fumando, e como ele mesmo escreveu, ela não teria “esse ar morno e
sonolento de muitas cidades brasileiras; sente-se aqui movimento, vida e
prosperidade”
110
.
de 64, temos os registros de 51 seminaristas, mas no capítulo segundo fala-se que ao fim
de dezembro havia 70 matriculados, número este que contrasta com o que relata o pe.
Chevalier em carta ao seu Superior em Paris, pe. Etiene, quando diz ter o Seminário, na
data de 12 de abril de 1865, 66 seminaristas dos quais 26 estudam Teologia. Ver SEF/
SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza – Ceará, 1914, p. 27, 31
e 211.
109
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
44.
110
AGASSIZ, Luiz e AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil (1865-1866). Trad.: João
Etienne Filho. São Paulo: Livraria Itatiaia Edições Ltda, s/d, p. 261.
67
Internamente o prédio foi crescendo a partir da divisão de suas áreas,
como expresso: a dos preparatoristas e a dos teólogos, e com uma
arquitetura que facilitava a vigilância, pois, como se pode observar pela planta,
tinha longos corredores que permitiam a visualização de qualquer
movimentação.
A expansão do prédio do Seminário, ao longo do plano do terreno que
hoje ocupa, de certa forma, sinalizava para o crescimento da religião na
Província e o apreço que os moradores da região tinham pela formação
clerical, ou mesmo a falta de opções de formação local. Escrevo assim
principalmente em razão do crescimento do número de matrículas, exigindo
constantes reformas e melhoramentos no prédio, que de todos os cantos
vinham moços para estudar ali. E, nos vinte anos em que foi erguido, não se
pode dizer que o interesse dessa empreitada era somente algo do coração de
um bispo (D. Luís), mas de várias camadas da sociedade cearense (políticos,
pescadores, senhoras da alta sociedade etc.). Como exemplo, antes da vinda
do primeiro bispo, posso destacar os apelos feitos pelo Poder público ao
Imperador nos relatórios dos presidentes da Província do Ceará no sentido da
criação de uma prelazia na região. Como escrevi no primeiro capítulo, nesses
relatórios destacava-se a situação de pobreza em que se desenvolvia a prática
do catolicismo local: o abandono dos templos, que precisavam de reformas,
além de alfaias, e a falta de padres que ministrassem os sacramentos à
população do restante da Província. Depois, destaco o fato de que, na
construção do prédio, houve a contribuição financeira de uma população que
queria colaborar de alguma forma para o crescimento do “Reino de Deus”, ou
esmolando para a construção e incentivo das vocações sacerdotais, ou “dando”
seus filhos para serem padres, embora isso (ter um padre na família) também
fosse visto como honra, status para a família e até um meio de sustentação
financeira. Outro exemplo que posso argüir, antecipando a descrição que farei
mais adiante da construção do prédio, foi a colaboração da sociedade
cearense para o soerguimento de parte do prédio, que desabou na madrugada
de 07 de junho de 1894, em razão das chuvas torrenciais que caíram sobre
Fortaleza pelo inverno deste ano. Tal sinistro não deixou mortos, sendo visto,
dado o livramento dos que o sofreram (17 teólogos), como uma confirmação
divina da obra religiosa que se fazia por meio do Seminário, ou seja, havia
68
acontecido um “milagre”. Como que não havendo recursos para a
reconstrução, o bispo D. Joaquim teve a idéia de pedir ajuda das “principais
senhoras de Fortaleza”, que ficaram responsáveis por angariar esmolas na
Cidade. De forma organizada, o Bispo dividiu a Cidade em sete circunscrições
em que as sete comissões
111
de senhoras esmolaram pela Igreja. Além destas,
40 paróquias de fora de Fortaleza, sob ordens do mesmo Bispo, chamando-se
a atenção para o fato de que até mesmo da cidade de Santos, em São Paulo,
vieram recursos.
Quanto a referências a nomes de pessoas pertencentes às camadas
mais pobres da Cidade, o Album menciona apenas
uma velhinha, entre outras, muito pobre, [que] trabalhou quanto
pode, para vir trazer ao Reitor a soma de dois tostões.
Estes tostões porém eram sem dúvida muito valiosos diante de
Deus, que sabe perscrutar os corações os corações e louvar o
diminuto ceitil, posto no gazofilácio do templo pela pobrezinha do
Evangelho
112
.
Embora o nome de tal senhora não tenha sido citado, ou porque ela
não tinha grande expressão popular como as “principais senhoras de
Fortaleza” ou porque preferiu ser mais uma anônima, posso dizer que ela fazia
parte do contingente de ofertantes assim como muitos outros pobres da
província. Desse modo, tais indícios mostram que havia o interesse dos
diferentes grupos sociais de Fortaleza e do restante do Ceará em promover o
bem da Religião, inclusive em momentos anteriores à reconstrução desse
espaço do Seminário.
111
1 ª comissão: D. Senhorinha Baptista Vieira, D. Maria Theresa Cavalcanti, D. Clotilde
Rabello da Silva, D. Luiza Studart, D. Luiza Justa, D. Emília Barroso. Percorreram as ruas
Major Facundo e Formosa (2:692$200); 2
a
. comissão: D. Maria Fortuna, D. Branca
Menescal, D. Maria Mendes, D. Carolina Borges de Moura, D. Constância Brushweiler, D.
Diva Meton. Percorreram as ruas Senador Pompeu e General Sampaio (476$700); 3
a
.
comissão: D. Amélia Gondim Menescal, D. Maria Marçal, D. Amélia Brasil de Matos, D.
Virgínia Salgado, D. Luiza Xavier Guimarães, D. Hedwiges Macahyba. Percorreram as ruas
24 de Maio, Imperador, Morosó, Conselheiro Estelita (403$740); 4
a
´comissão: D. Maria
Joaquina Paranhos, D. .Clotilde Jaguaribe Nogueira, D. Carlota Gouveia de Miranda, D.
Brazíla da Costa Moreira, D. Abrelina de Castro Rocha e D. Cecília Albano. Tiveram por
parte as ruas entre Sena Madureira até Calçada de Mecejana e as praças respectivas
(3:175$320); 5 ª comissão: D. Elisa Mota, D. Luiza Furtado e D. Maria Caminha. Na Praça
de Pelotas e a rua do Benfica (378$109); 6 ª comissão: D. Casearina Carneiro Leão de
Vasconcelos, D. Elisa de Moraes Avelino e Silva e D. Maria Albano da Frota (347$000); 7
a
.
comissão: D. Adelaide Ribeiro, D. Joana Torres Abreu e D. Amália de Souza e Silva. Nas
proximidades da alfândega, do Mucuripe e do Meireles (504$009). Ver: SEF/ SHE. Álbum
Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza – Ceará, 1914, p. 124.
112
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza – Ceará, 1914,
p.125.
69
Voltando aos momentos anteriores ao desabamento, de acordo com o
Livro de Apontamentos Históricos
113
e o Álbum Histórico, a construção do
Seminário seguiu-se em cinco etapas: a primeira parte entre abril de 1863 e
outubro de 1864. Ainda no ano de 63, o prédio, como eu disse no primeiro
capítulo deste trabalho, projetava-se como colégio para as órfãs da Irmandade
de Nossa Senhora da Conceição do Outeiro da Prainha. Assim, até a sua
inauguração em outubro de 64, como seminário, a ala norte do edifício foi
concluída até a décima sétima janela que para a praia, e o edifício lateral,
ao nascente, até a quinta janela. Inicialmente a supervisão das obras ficou nas
mãos de Antônio Joaquim Batista de Castro
114
, sendo que em novembro de
1866 foi substituído por José Francisco da Silva Albano, o Barão de Aratanha.
A etapa seguinte foi realizada entre 1865 e 1866 e os sentidos da construção e
controle dos recursos gastos foram feitos pelo seu primeiro reitor, padre Pedro
Augusto Chevalier, que sabia mais do que ninguém quais as necessidades
estruturais que deveriam ser satisfeitas para se ter um bom seminário. Durante
esta fase, foi continuada a fachada norte, mas formando uma esquina em
ângulo reto com o bloco oriental anteriormente construído. Acrescentaram-se,
também, mais sete janelas ao bloco lateral que está de frente para o mar,
totalizando 24 janelões, ornadas até hoje com arcos que lhes dão elegância.
Antes de entrar a terceira fase de construção o Sr. Bispo D. Luís tratou
de desapropriar com recursos recebidos da Assembléia Provincial alguns
casebres que se avizinhavam o Seminário. É então que a área da escola toma
toda uma quadra e é cercado com um muro de tijolos o restante do terreno.
Depois, entre 1869 e 1873, aproveitando-se uns alicerces que havia desde
1859, das primeiras construções, e que não foram utilizados, o Pe. Chevalier
dividiu efetivamente o pavilhão central em duas áreas (dos teólogos e dos
preparatoristas), onde ficaram localizados o refeitório, a cozinha, os banheiros
e outras dependências que serviriam aos dois cursos ao mesmo tempo.
113
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza nesta Diocese (1894), p. 3 e 4
114
Sobre este não consegui mais informações a não ser que este homem morava no Outeiro
da Prainha, sendo que ele foi o requerente junto à Câmara Municipal no pedido de
autorização para a construção da Igreja da Prainha, em 26 de outubro de 1839. Ver:
MENEZES, Antonio Bezerra de.Descrição da Cidade de Fortaleza. Fortaleza: Edições
UFC/Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1992, p.138.
70
Entre 1874 e 1877, levantou-se mais um conjunto assobradado ao
nascente, perfazendo 24 janelas, igualando-se ao da frente norte, ficando ao
lado do pátio dos prepartoristas. Quando, entretanto, veio a grande seca que
durou até 1878
115
, a escola passou, como toda a Província, por graves
problemas financeiros, ficando ameaçada de fechar (tendo este fim o
Seminário do Crato). O número de seminarista caiu de 65, em fins de 1878,
para 45 em julho deste mesmo ano, pois muitos eram os alunos que iam de
férias para suas cidades de origem e não voltaram em razão da seca. As
construções só foram retomadas em 1881, seguindo-se até 1882, quando
foram construídos o espaçoso salão de recreios dos preparatoristas e um
alpendre que servia de rouparia para os alunos
116
.
Como diz a citação no início desta seção, o prédio era espaçoso e
podia acomodar, segundo o escritor do Álbum, cerca de 150 estudantes entre
os dois cursos. Quanto à satisfação das necessidades estruturais de uma
escola-internato, aparentemente o prédio as preenchia todas dentro das
limitações, é claro, da época, por motivo da falta de equipamentos mais
modernos como a luz elétrica que só será incrementada posteriormente.
Nessa segunda metade do século XIX, os prédios com o estilo
assobradado como o do Seminário, eram poucos. Segundo Raimundo Girão,
em Geografia Estética de Fortaleza, ao entrar a década de 60 do mesmo
século, Fortaleza possuía apenas 690 casas de tijolos, das quais 80 eram
sobrados, sendo que, com a construção e resistência dos primeiros sobre o
solo arenoso se desfazia a teoria de que “o terreno da cidade não suportava
edificações de mais de um andar”.
Até então as casas se enfileiravam monotonamente justapostas,
estreitas e achatadas, construídas de taipa madeira amarrada a
cipós, com exameiro de barro mostrando duas águas sós, de telha
caindo para trás e para frente, em beira e bica ou beira e sub-
beira, paredes lisas, raras com platibandas ou frontões, sem
arabescos decorativos, sem frisos, sem colunatas, sem azulejos,
sem coisa alguma que acusasse o menor gosto arquitetural. O resto,
a maior parte, era tugúrios de palhas, mocambos míseros, dispersos
à toa, onde, no mais extremo desconforto, a pobreza fragilmente se
115
A seca de desse período foi uma das mais terríveis que atingiu o Ceará, sendo que
Fortaleza recebeu centenas de retirantes, os quais ficaram abarracados na periferia. Uma
das ocorrências mais tristes desse momento de calamidade foi a epidemia de varíola que
grassou, matando centenas de pessoas. Sobre o assunto ver: TEÓFILO, Rodolfo. Varíola e
Vacinação no Ceará. Fortaleza: Oficinas do Jornal do Ceará, 1904.
116
GIRÃO, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: BNB, 1879, p. 97.
71
resguardava da soalheira, naquele ardente lençol de areias brancas,
que em compensação espelhavam doces luares argentinos, fazendo
noitadas deliciosas e românticas
117
.
É provável que essa descrição se aproxime da realidade dos casebres
habitados pelos populares da região do Outeiro da Prainha, pelo tempo em que
o Seminário fora construído. Era dessa área, segundo o Álbum, de onde
afluíam pescadores, jangadeiros, marinheiros para as missas na Igreja da
Prainha (construída contígua ao prédio pela Irmandade de Nossa Senhora da
Conceição da Prainha) realizadas pelos padres lazaristas, professores do
Seminário, com a cooperação dos estudantes de Teologia e a presença dos
preparatoristas. Por esta época se realizava
(...) a Missa de madrugada nos domingo, à qual acode todo esse
povo amante do uso tradicional da Missa da aurora, e muitos que por
pobres não possuem vestes domingueiras. O concurso dos fieis
enche literalmente a Igreja, sendo belo ver a piedade desses homens
do mar, marinheiros, jangadeiros e peixeiros ao se ajoelharem e
fazerem suas orações com tais mostras de unção, que se percebe a
grande fé que lhes enche a alma
118
.
Ao passar dos primeiros anos, ao entrar a década de 80 desse mesmo
século, esse lugar (a igreja), onde se demonstravam tamanhas ações de
piedade e reverência, foi alvo da disputa entre o novo bispo diocesano, D.
Joaquim, e a direção da Irmandade a quem pertencia a Igreja da Prainha
desde 1854, data da fundação da irmandade. Durante o Governo diocesano de
D. Luís (1861-1881), não houve tensões entre o Governo diocesano e a
Irmandade. Para poder usar o espaço da Igreja, D. Luís fez acordo com a
Irmandade a fim de que o padre reitor do Seminário ficasse como capelão-mor
da Igreja. Tal moderação do Bispo no tratamento com a Irmandade decorria do
contrato celebrado entre essa instituição e o Governo local (o Compromisso)
que autorizava a Irmandade erigir igrejas e capelas, deixando integralmente a
direção, a modificação estrutural e o zelo destas nas suas mãos, não podendo
o Bispo interferir em sua ordem sem a permissão da direção das irmandades
que, além de caráter religioso, tinham função civil, no sentido do amparo de
seus filiados em situação de indigência. Assim, ao chegar para governar a
Diocese e com a mudança de regime de governo (o republicano), D. Joaquim
procurou mudar tal situação de dependência, pois
117
Id. Ibdem., p.78.
118
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
128-129.
72
a ornamentação dos altares, as chaves das portas e as horas de
abrir e fechar a Igreja estavam a cargo de um sacristão pago pela
mesa. Ora, este modus vivendi era por demais incomodo para uma
comunidade. Durante todo o tempo do Padre Chevalier, o excelente
Reitor conformou-se às exigências da necessidade
119
.
Achando-se em condições de disputar o espaço com a Irmandade, D.
Joaquim iniciou suas investidas frente a ela, pressionando a mesa regedora a
doar a Igreja para o Seminário, procurando convencê-la de tal necessidade.
Pelo Álbum, entende-se que a idéia de tomar a administração da Igreja para o
Seminário teria partido do padre reitor Julio Simon (1891-1903), sucessor de
Chevalier. Diante da pressão feita pelo novo Reitor, o Bispo insistiu pela
doação do prédio, sendo que a Igreja passou para os cuidados do Seminário
em abril de 1894, dando fim ao problema.
Sobre esta problemática, é interessante a observação que o historiador
Edilberto C. Reis faz sobre o inconveniente desta situação. que o projeto
romanizador objetivava obter o controle das instituições e instrumentos de culto
popular e pô-lo nas mãos dos bispos,
(,,,) para D. Joaquim era muito pouco educativo que os futuros
padres aprendessem a submeter-se aos caprichos das Irmandades
ou de outros movimentos leigos. Os seminaristas, afinal de contas,
estavam ali para aprender a comandar as igrejas paroquiais
120
.
Diante dessa declaração, poderia perguntar por que desde o começo
D. Luís não tratou de eliminar tal problema. D. Joaquim, ao relatar essa disputa
no livro de Apontamentos, lança a seguinte hipótese:
Ou porque se visse em dificuldades no começo das obras, ou porque
demasiadamente confiasse na Irmandade de Nossa Senhora da
Conceição da Prainha, esperando que ela mais cedo ou mais tarde
cedesse espontaneamente a interia administração da Capela, como
era de mister, deixou que continuasse o respectivo serviço religioso
sob a dependência e direção da Irmandade, resultando daí
gravíssimo inconveniente para a boa ordem do Seminário como é
fácil de compreender, pois é condição essencial a um
estabelecimento desta natureza ter uma capela própria sob sua
imediata e única administração
121
.
Posso considerar, entretanto, um elemento importante, mencionado:
no período em que D. Joaquim conseguiu da Irmandade a Igreja (1894), ele
119
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
127.
120
REIS, Edilberto Cavalcante. Pro Animarum Salute: A dicocese do ceará como “vitrine” da
romanização no Brasil (1853 1912).Rio de Janeiro, 2000, p. 130. (Dissertação de
Mestrado - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Universidade Federal do Rio de Janeiro)
121
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza nesta Diocese (1894), p. 5.
73
tinha mais poderes do que seu antecessor, pois, quando a República foi
estabelecida, as irmandades, assim como qualquer instituição responsável pelo
culto público, deixou de ter proteção e subvenção do Governo. Assim, segundo
o historiador Gledson R. de Oliveira, “desprovidas da gerência do Estado, as
irmandades passariam a ser apenas associações piedosas ligadas diretamente
ao bispo”
122
. De acordo com seus apontamentos, D. Joaquim desde a sua
chegada (1881), procurou convencer os membros da Irmandade a ceder a
administração da Igreja ao Seminário, mas o conseguiu, pois se ela não
quisesse doar a igreja não havia instrumento legal para tomá-la. Pelas fontes
que tratam do assunto o Álbum e o Livro de Apontamentos vê-se que o
Padre Chevalier, que foi reitor a 1891, ou seja, até dois anos após a
Proclamação da República, havia se conformado com a situação até então,
dando a entender as fontes que não havia pressão por parte dele para que o
problema fosse resolvido. Quando, porém, Julio Simon assumiu o Seminário, e
sentindo-se incomodado, tratou de insistir com o Bispo para que tomasse as
providências, o que foi feito. Entre 1891 e 1894, seguiram-se três anos, ao que
pode ter sido o período das mais intensas insistências de D. Joaquim diante da
Irmandade, período em que as tentativas baldaram-se, em virtude, segundo ele
mesmo escreveu, de que “alguns mais idosos da Irmandade” melindravam-se
“toda vez que se tratava de semelhante assunto”
123
. Essa justificativa parece
não muito convincente, a não ser que os membros da Irmandade ainda
gozassem de certo prestígio sócio-religioso de forma que se o Bispo
dissolvesse a Sociedade viesse arranjar mais problemas para além do que
havia. Deve ter sido por isso mesmo que D. Joaquim procurou a ajuda de um
dos membros da mesa que regia a Irmandade, o senhor Hermelino Macahyba.
Este intercedeu e convenceu os outros membros a fazerem a doação. Dessa
forma, os resquícios de poder que a Irmandade detinha sobre o culto popular,
nesse caso mediante a gerência de tal patrimônio (a igreja), o tirados dela,
revelando o enfraquecimento de tais tipos de associações religiosas, em
122
OLIVEIRA, Gledson Ribeiro de. Sal da Terra: uma leitura da identidade e intolerância de
católicos e protestantes no Ceará do Século dezenove.Recife, 2001, p. 60. (Dissertação de
Mestrado - Centro de Filosofia e Ciências Humanas/ Universidade Federal de Pernambuco)
123
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza nesta Diocese (1894), p. 5.
74
decorrência, especialmente, da perda de direitos políticos que antes garantiam
certa autonomia diante da alta hierarquia da Igreja.
Assim ergueu-se na periferia da Cidade a primeira escola de formação
ultramontana do Ceará – o Seminário Episcopal do Ceará, nascendo a partir do
redirecionamento dos espaços do antigo orfanato e da igrejinha da Prainha,
incorporado-os aos intentos de um projeto religioso que a tudo queria controlar.
É interessante também se observar o fato de que, enquanto o Seminário se
erguia como símbolo ou “quartel” do tradicionalismo católico (a romanização)
afastado da área urbana de Fortaleza, mais especificamente o seu centro
crescia, acerto ponto, com tendências moderno-secularizantes, em sentido
oposto. Seguindo nesse rumo, é válido dizer que o termo “independente” usado
para caracterizar a localização do prédio pode ser tomado com outro
significado além do distanciamento físico, expressando também o isolamento
ideológico da Igreja de novas idéias que circundavam e penetravam a Cidade,
por exemplo, com os grêmios literários formados por intelectuais que teimavam
em questionar a vida sacralizada. Não que a Igreja fosse contra a
modernização dos equipamentos urbanos que tantos benefícios trouxeram
(simbolizando o progresso técnico-científico), mas contra a modernização dos
ideais de mundo que se distanciavam da moral cristã (a maçonaria, o
Evolucionismo, o Positivismo, o Racionalismo ateísta etc). Por isso essas
novas visões eram veementemente combatidas pela Igreja, pois a maioria
sobrevalorizava a capacidade humana de resolver os problemas políticos,
econômicos e sociais acima de Deus e da Religião, defendendo o
distanciamento da religião dessas causas
124
. Portanto, mais do que um prédio
assobradado que embelezava a periferia da Cidade, o Seminário se colocava
imponentemente como um meio de resistência da Igreja contra todo o
desvirtuamento da religião e toda a força ideológica que visasse a penetrar e
dominar as mentes e corações dos fortalezenses e de todos os cearenses.
124
Syllabus. Papa Pio IX. In COSTA, Lourenço (org).Documentos de Gregório XVI e de Pio IX
(1831-1878). Trad Darci L. Marini, São Paulo: Paulus, 1999, p.260-275.
75
2.4 – O regulamento interno
Como toda casa que visa a formar pessoas em princípios morais,
dando-lhes conhecimentos das ciências naturais, humanas e espirituais, o
Seminário tinha seu código disciplinar em que devia se pautar o proceder de
seus alunos. Segundo mostra o Álbum, o estatuto interno compunha-se de
vinte artigos, que demonstram a austeridade de vida de um seminário dirigido
pelos lazaristas
125
. A simplicidade e objetividade do regulamento não deixavam
espaço para interpretações dúbias sobre o que o reitor do Seminário queria
daqueles que ali estavam para estudar: a obediência aos superiores, respeito
pelas regras e a constante prática da piedade
126
.
A obediência aos superiores era de real importância e o desacato às
normas e às ordens do reitor poderia implicar a expulsão do seminarista
(Artigos I e XIX). Analisando o Livro de Matrículas, onde observações sobre
o comportamento dos alunos, encontrei vários casos de insubordinação que
foram seguidos de expulsão. Por exemplo, o jovem João Honorato da Silva, 18
anos, matrícula n º 111, foi expulso por seu “mau comportamento”, em 1867. O
curioso é que ele fora readmitido depois, mas como não mudou de
comportamento, foi novamente expulso em 1871, devido a “seus maus
costumes e acusações provadas”
127
. É interessante que, tendo uma direção de
tal modo rígida, o Seminário aceitasse a reintegração do faltoso, dando-lhe
uma chance. Esse não é o caso somente de um aluno, mas de outros que, na
mesma condição, foram readmitidos. Talvez a insistência dos pais junto ao
Reitor ou ao Bispo fosse o que levasse à readmissão, pois, segundo escreveu
Raimundo Girão, “sabe-se que a formação de padres àquele tempo era ditada
na maioria dos casos pela imposição paterna”
128
.
Ao padre reitor competia avaliar tudo o que respeitasse à disciplina, ao
direito de ir e vir dos estudantes e de comunicação com determinadas pessoas
que os alunos poderiam ter, que o sistema era de internato. Para ser
dispensado de suas atividades rotineiras (exercícios, aulas, passeios, estudos)
125
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
54-56.
126
REIS, Edilberto C. Op. Cit., p. 104.
127
SEF/ SHE. Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890), p. 38.
128
GIRÂO, Raimundo. Pequena História do Ceará. 4
a
. ed., Fortaleza: Edições Universidade
Federal do Ceará, 1984, p. 217.
76
(Art. X), para falar com algum aluno do Curso Teológico e mesmo criados (Art.
XI), para receber visitas fora do horário normal (Art. XIII), para sair do
Seminário fora dos dias e horários previstos (Art. XV), tudo passava pela
avaliação do padre reitor. Até mesmo para enviar e receber cartas, estas
passavam pela leitura prévia dele (Art. XIV). Em outro ponto, as saídas não
autorizadas também valeriam uma expulsão. Este foi o caso de Antônio
Jesuíno Albuquerque Maria, matrícula n º 16. Descobertas suas saídas à noite,
deixou o Seminário em 1866, sendo que “lhe foi dito não voltar mais por não ter
talento, por ter saído sem licença”
129
. Assim, havia intenso controle sobre o
direito de locomoção e a comunicação dos estudantes de qualquer um dos
cursos. Tudo isso reforçava o ensino, a obediência e o respeito, sentimentos
que, futuramente, o candidato que se formasse teria que dedicar aos seus
superiores. Assim, tudo servia para o aprendizado do seminarista.
Outro elemento que pode ser jungido aos anteriores é o controle sobre
a entrada de informações por meio de revistas, jornais, livros e artigos: era
expressamente proibido o contato com tais materiais e, para evitar qualquer
problema com isso, era necessário grande vigilância dos lentes sobre qualquer
ato suspeito que implicasse a aquisição e uso desses meios pelos seminaristas
(Art. XX). A vigilância sobre o que se escrevia era também uma realidade
dentro do seminário. D. Helder Câmara, que teve sua formação no Seminário
da Prainha (1923-1932), conta que em determinado dia teve uma surpresa que
ele mesmo classifica como “desagradável”: seus cadernos foram vasculhados
pelo padre reitor, Tobias Dequidt, que tinha as chaves das mesas de estudo,
encontrando na mesa de Helder algumas poesias que considerou impróprias a
um seminarista escrever. Não que encerrassem algo de libidinoso, mas
simplesmente por demonstrar que o jovem estava deixando a imaginação se
soltar. Esperando que Helder o fosse procurar, ele deixou que o padre o
procurasse para falar-lhe a respeito do assunto, o que aconteceu alguns dias
depois do ocorrido. Dialogando com o padre, Helder tentou convencê-lo de que
não havia perigo algum nas suas poesias, ao que disse Tobias Dequidt:
129
SEF/ SHE. Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890), p. 06.
77
(...) sinto em você a vocação sacerdotal, e sei os perigos que está
correndo por causa da poesia. E quero protege-lo deles. A
imaginação... Eu ia perdendo a vocação por causa da imaginação
130
.
A questão entre Helder e o Padre Dequidt se resolveu quando o
primeiro disse que só retomaria a escrita de poesias depois que se formasse.
Observa-se aqui o controle que os professores e reitores queriam ter
sobre a mente dos alunos, sua maneira de pensar, sua imaginação. Assim, o
seminarista deveria não só ter cuidado com suas expressões gestuais ou orais,
mas sobre o que poderia pensar e escrever. Tudo era vigiado.
O respeito às normas e o seu fiel cumprimento no ambiente do
Seminário mostraria se o aluno era realmente vocacionado para o sacerdócio.
Cada regra servia como um fio que compõe a malha de uma peneira em que
passavam os melhores grãos que seriam semeados nos prados do Ceará e,
como veremos, do Brasil. Aceitar os avisos e reclamos sem questionar (Art.
XVIII) era um bom sinal, pois demonstrava humildade e submissão, qualidades
buscadas num sacerdote romanizado, caso contrário, qualquer indocilidade o
reitor se encarregaria de se comunicar com os pais, ou com quem havia de
respeito, para terem uma conversa séria com o estudante a fim de que o
emendasse de sua indisciplina. Se o tal não desse jeito, a expulsão seria certa,
inclusive, haveria casos em que ela aconteceria sem mais conversas, dada a
gravidade do(s) ato(s), como é o de sair do seminário sem permissão, prática
de agressão física ou escarnecimento dos exercícios de piedade (Art. XIX). Em
alguns casos, o próprio pai do aluno, reconhecendo sua falta de inclinação ao
estado sacerdotal o retiraria do Seminário
131
.
A freqüência contínua aos retiros e exercícios espirituais, missas e
orações, nas confissões e comunhão, a pontualidade e a reverência a esses
atos, eram outros pontos deveras observados pelos padres que faziam o
acompanhamento dos seminaristas. Pelo estatuto, os preparatoristas deveriam
confessar-se pelo menos uma vez por mês, além de o fazerem durante o retiro
espiritual. Quanto aos teólogos, a regra era confessarem-se toda semana (Art.
IV). Quando um seminarista passava algum tempo sem aproximar-se de um
confessionário, era motivo para ser visto como pouco piedoso. No sentido do
130
PILETTI, Nelson e PRAXEDES, Walter. Dom Helder Câmara: entre o poder e a profecia.
São Paulo: Ática, 1997, p.59 –61.
131
SEF/ SHE. Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890), p. 84.
78
controle da vida do seminarista, a confissão serve como um instrumento eficaz,
somente, é claro, quando o confessor é sincero no que diz. É neste momento
que os padres-lentes que acompanham a formação do candidato pode sentir
se realmente existe um coração vocacionado ao sacerdócio ou não, quais
possam ser as barreiras para isso se concretizar e quais serão os exercícios
espirituais que servirão para se vencer as crises e tentações
132
.
Por fim o estatuto legislava que os seminaristas não deviam cultivar
amizades particulares (Art. I). A esse respeito, é interessante pensar que a
solidariedade dos internados poderia causar problemas, ou seja, servir de
apoio para se resistir à ordem imposta. Um indivíduo que encontra
solidariedade em momentos de insatisfação tende a se tornar mais forte e
insubordinado. Segundo Goffman, em algumas instituições de caráter fechado,
(...) a equipe dirigente pensa que a solidariedade entre conjuntos de
internados pode dar uma base para atividade combinada proibida
pelas regras e por isso pode conscientemente tentar impedir a
formação de grupo primário
133
.
É interessante como nem sempre essas táticas do grupo dirigente
funcionam, permitindo momentos de tensão. Como exemplo disso, no ano de
1890, aconteceu um fato pitoresco que rompeu toda a tranqüilidade do
Seminário maior, e certamente da ala dos menores. O Álbum Histórico
somente algumas pinceladas sobre a tela da história, não deixando clara a
imagem dos acontecimentos, mas algumas outras fontes bibliográficas
apontam para algo mais da que uma simples revolta “tramada por alguns
espíritos exaltados”
134
.
No Álbum, não me foi revelada a causa imediata do acontecimento,
nem os nomes dos seus agentes diretos, além de que fica isenta de toda a
culpa a pessoa do reitor Pe. Augusto Chevalier; mas é da pena de outros dois
narradores da história eclesiástica local que a história toma outra tonalidade.
Ralph Della Cava, em Milagre em Joaseiro, fala que a causa da chamada
“revolta dos seminaristas” teria sido um ato de intransigência do referido Reitor
em o permitir a suspensão das aulas do Seminário a fim de que os alunos
132
Infelizmente foi-me vedado, pela direção do Setor de História Eclesiástica do Seminário,
fazer a análise do Livro de Observações sobre o Procedimento e Confissões dos
seminaristas (1864/1875) que me permitiria aprofundar a análise sobre as confissões.
133
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. S. Paulo: Perspectiva, 1996, p. 58.
134
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
57.
79
comemorassem o aniversário da Abolição dos Escravos no Brasil, que se
realizaria em 13 de maio daquele ano e por, inclusive, ser feriado nacional.
Segundo o autor, a postura do Reitor teria ferido o “sentimento patriótico” de
alguns seminaristas que não se conformaram com essa postura e promoveram
manifestações no interior da casa, recusando-se a assistir às aulas. Relata
também que nenhum dos professores ousou conter as manifestações, sendo
que os ânimos só teriam sido acalmados três dias depois com a intervenção do
Bispo diocesano, D. Joaquim, que, ao chegar ao Seminário, ordenou aos
revoltosos que se confessassem sem, contudo, lograr êxito. Então, o Bispo
fechou o estabelecimento por algum tempo e, três meses depois, o Pe. Reitor
era demitido, não levando a maiores conseqüências para os três cabeças do
movimento que no ano subseqüente foram ordenados
135
.
Em outro material, Homenagem à memória de Monsenhor João Alfredo
Furtado na data de seu nascimento (1868 – 1968), com uma das seções
escrita pelo sacerdote Carlos Lobo
136
, este enfatiza que o movimento teria sido
uma revolta pessoal contra os lazaristas franceses, ou seja, contra a sua
administração, destacando também que D. Joaquim resolveu o problema
substituindo “na direção do seminário o velho e ríspido Pe. Chevalier por Júlio
Simon” (grifo meu), sendo que este não seria menos rígido, como declara Pe.
Misael Gomes da Silva em outra seção, mas parece que era mais maleável.
Nesse livro também são revelados os nomes de dois dos seminaristas que
tomaram a frente da revolta. Eram: João Alfredo Furtado e Antônio Tomás que,
segundo o Pe. Misael, na seção Sobre a “Rebelião” dos Seminaristas – sobre o
Pe. João Alfredo Furtado
137
, sugere-me que a inspiração do movimento teria se
dado a partir da leitura da obra Girondinos, de Lamartine, e de onde teriam
tirado o grito de ordem: “Bebamos o sangue destes franceses!”. Vê-se aí que a
movimentação não foi apenas uma simples irregularidade, como traz o autor do
Álbum Histórico, mas uma expressão de repúdio à maneira como os lazaristas
(ou pelo menos o Pe. Chevalier) governavam a instituição. Não foi um
movimento contra a Igreja Católica, contra o celibato ou coisa outra do gênero,
135
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro .Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 68 – 69.
136
SEF/ SHE. Homenagem à memória de Monsenhor João Alfredo Furtado na data de seu
nascimento (1868 – 1968). Fortaleza: Departamento de Imprensa Oficial, 1968, p. 82 – 93.
137
SEF/ SHE. Homenagem à memória de Monsenhor João Alfredo Furtado na data de seu
nascimento (1868 – 1968). Fortaleza: Departamento de Imprensa Oficial, 1968, p. 97 – 118.
80
pois, se assim fora, D. Joaquim não teria ordenado os três seminaristas que
lideraram a revolta e não teria dado cargos de confiança, ao que se sabe pelo
menos, ao Pe. João Alfredo, que, de Coadjuntor da paróquia de Sobral,
chegou, na época do Arcebispo do Ceará, D. Manuel da Silva Gomes, a
governador do Arcebispado na ausência deste. Ralph Della Cava, ao lado de
outros fatos que envolveram os lazaristas franceses e os padres brasileiros no
Ceará, como a fuga do interior dos primeiros na seca de 1877-79 e a dúvida
lançada sobre a veracidade do “milagre do Juazeiro” pelo Pe. Chevalier,
conclui que existia “um problema teológico e eclesiástico em termos de
nacionalismo brasileiro”
138
.
Ainda sobre a temática da resistência da “classe dirigente”, a formação
de grupos de solidariedade entre internados, penso também que à medida que
se retiram certas bases de apoio emocional de um indivíduo, ele vai buscando
outras dentro das possibilidades que encontra. Se ele se rende ao sistema
imposto, ou por crer que é o certo ou por não ter como escapar totalmente
dele, tomando como colunas de sustentação moral e ideológica algum tipo de
doutrina e de costumes, ele tende a se tornar dócil. Quando ele assume um
caráter de resistência firme e encontra outros meios ou táticas para burlar ou
resistir à ordem imposta, tende a ser visto como ameaça para o sistema.
Quando um seminarista tem como apoio somente o seu confessor, a quem
abre sua mente e seu coração, certamente ele está se enquadrando ao regime
do seminário. Se, entretanto, ele tiver um amigo a quem possa confidenciar
seus medos e anseios, este amigo poderá dividir o espaço que deveria ser
somente do padre confidente. Também não posso deixar de pensar que essa
rede de vigilância a impedir tais aproximações entre os alunos, dado que todos
conviveram em um ambiente com muitos outros jovens adolescentes do
mesmo sexo e em fase de intensa produção hormonal, serviria para afastar
problemas com desvirtuamentos sexuais (homossexualismo).
Outra exigência imposta pelo estatuto aos seminaristas era de que
eles mostrassem simplicidade em sua maneira de vestir, evitando qualquer
coisa que chamasse atenção dos demais e instigasse a prática de vaidades,
como, por exemplo: deixar crescer o cabelo ou usar em demasia perfumes (Art.
138
DELLA CAVA, Ralph. Op. Cit., p. 69 – 70.
81
V e VI). Aqui podemos ver que a aparência usual do indivíduo deveria seguir
um padrão, levando a uma certa desfiguração pessoal
139
. O uso da roupeta
preta no ambiente do seminário e entre os cursistas menores demonstra o
nível dessa desfiguração da individualidade. Era necessário, inclusive, desde
então, ensiná-los a usar tal traje de distinção social, pois um dos problemas
que enfrentavam os bispos diocesanos de linha romanizada era o o-uso
dessa vestimenta. No Livro de Tombo da Freguesia de Pacatuba, de 1885,
encontrei algumas observações sobre esse assunto feitas pelo bispo D.
Joaquim, onde esse antístite manifesta desgosto e repúdio aos sacerdotes que
não usam o “hábito talar, vestimenta que recorda sempre ao padre o dia de sua
consagração”, recomendando o seu uso constante, colocando ainda que a
rejeição dessa norma poderia ser interpretada como a perda da fé ou a
presença de uma “consciência manchada de gravíssimos pecados”
140
. No livro
da Constituição Sinodal, de 1888, o mesmo prelado escreve como deveria ser
a maneira de vestir de todos os clérigos de ordens sacras:
Estatuímos e mandamos que todo o clérigo de ordem sacras traje
batina, capa e chapéu eclesiástico, como igualmente mandamos, que
traga coroa aberta, barba raspada e cabelo cortado, de modo que
apareçam as orelhas.
141
Acima de qualquer coisa, o sacerdote deveria mostrar distinção para
com os outros católicos. Um padre sem seu aparato acima descrito poderia
estar querendo se assemelhar aos simples mortais, pecadores, para esconder
seus “erros”. Alguém não se tornava padre apenas com o conhecimento da
doutrina, bom comportamento, ou por ter o altar como “oficina de almas”,
mas um padre se fazia também com indumentárias, ou seja, nesse o objeto (a
roupa) fazia o sujeito
142
.
No plano da curiosidade, como descrevem Nelson Piletti e Walter
Praxedes, na biografia stuma de Dom Helder Câmara, ainda na década de
1923, o rapaz que ingressasse no seminário era obrigado a preparar um
139
GOFFMAN, Erving. Op. Cit., p. 28.
140
SEF/ SHE. Livro de Tombo da Freguesia de Pacatuba: n º 01. 1985, p.06.
141
SEF/ SHE. Constituição Sinodal da Diocese de Fortaleza Livro Segundo. Título 2 º: Em
que se trata dos eclesiásticos em geral, dos párocos, dos coadjuntores, seus respectivos
direitos e deveres, das confrarias e associações pias. Artigo VII, 1888, p.61.
142
Sobre a noção de fronteira entre sujeito e objeto ver MERLEAU-PONTY, Maurice. Textos
selecionados. Trad.: Marilena de Souza Chauí, Nelson A. Aguiar e Pedro de S. Moraes. 2
a
.
edição: São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os Pensadores)
82
enxoval composto por: 6 camisas, 6 ceroulas, 2 calças, 2 calções de riscado
*
grosso para banho, 6 pares de meias brancas ou de cor, 1 batina de merinó
**
2
batinas de brim, 6 colarinhos eclesiásticos, 3 camisões de dormir, 2 pares de
sapatos e chinelas, 4 toalhas de rosto, 1 chapéu preto e 1 barrete
***
, 2
roquetes, entre outras coisas
143
. A presença de várias indumentárias
eclesiásticas mostra que os seminaristas desde o início deveriam aprender
como futuramente se vestiriam.
Essas eram as determinações do Concílio de Trento: desde o primeiro
momento, deveriam vestir o hábito, cortar o cabelo, assistir à missa diariamente
e confessarem-se uma vez por s
144
. Estes artigos compunham o estatuto
interno ao qual deveriam se submeter todos os seminaristas do curso de
preparatórios e do curso teológico. A futura ordenação dependeria do respeito
ao regulamento.
2.5 – Os cursos de Preparatórios e Teológico: caracterização
Como escrevi antes, dois eram os cursos oferecidos no Seminário: o
Curso de Preparatórios e o Curso Teológico, e essa divisão não era formal,
mas também espacial. Segundo Edilberto Cavalcante Reis, para que o
Seminário estivesse totalmente enquadrado nas determinações canônicas, os
cursos deveriam ser ministrados em prédios separados. Esse teria sido o
projeto inicial de D. Luís: dois prédios distintos e distantes um do outro, pois o
plano era ter-se um seminário menor no Crato, região centro-sul do Ceará,
ficando o seminário maior em Fortaleza. Em razão de vários problemas, porém,
que inviabilizaram esse objetivo (entre os quais a seca de 1877-79 e a questão
dos fenômenos religiosos envolvendo o Pe. Cícero), as duas fases de
formação ficaram mesmo em Fortaleza, estando mais próximo dos olhos do
próprio Bispo diocesano, existindo apenas uma divisão estrutural no prédio de
forma a manter incomunicáveis os estudantes dos dois cursos
145
.
*
Tecido com listras de cor.
**
Tecido feito de lã de carneiro.
***
Cobertura quadrangular que os clérigos levam sobre as cabeças.
143
PILETTI, Nelson e PRAXEDES, Walter. Op.Cit., p. 55.
144
LUIZETTO, Flávio. Reformas religiosas. São Paulo: Contexto, 1989, p. 61 – 65.
145
REIS, Edilberto Cavalcante. Op. Cit., p. 98.
83
O Curso de Preparatórios tinha a duração de seis anos: o primeiro ano
correspondia às primeiras letras; o segundo, terceiro e quarto anos
correspondiam a 1 ª, 2 ª e 3 ª divisão de Latim; no quinto ano, aprendia-se
Retórica e no sexto Filosofia. Nas primeiras letras, os seminaristas aprendiam
Gramática Portuguesa, Aritmética (as quatro operações), além de Música
Vocal, correspondendo a quatro horas e meia de aula, entre manhã e tarde;
quanto às divisões de Latim: na 1 ª divisão, que corresponde ao 2 º ano, os
alunos estudavam Gramática Portuguesa, Latina e Francesa, Geografia,
Aritmética (números inteiros) e História Antiga; na 2 ª divisão, ou 3 º ano,
estudavam-se gramática portuguesa, latina e francesa, Geografia Geral (menos
a América), Aritmética (frações) e História Geral (Idade dia); na 3 ª divisão,
ou 4 º ano, estudavam-se Gramática Portuguesa e Latina, Aritmética,
Geografia (menos do Brasil) e História Moderna. Vale se ressaltar que nessas
etapas anteriores todas essas matérias eram ministradas por um só lente
(mestre); no 5 º ano, ensinavam-se Retórica, Prosódia Latina, Geografia do
Brasil e História do Brasil, Álgebra e Geometria. aqui havia lentes
específicos para uma ou mais disciplinas, finalmente, no 6 º ano, a Física e a
Filosofia eram as matérias ensinadas
146
.
Os horários e as respectivas atividades estavam dispostos da seguinte
forma:
I – Horários das atividades realizadas de segunda a sábado
147
MANHÃ DESCRIÇÃO
5:00-5:30 Levantarem-se, arrumar as camas e prepararem-se
para a missa.
5:30-7:30 Missa e estudos individuais.
7:30- 8:00 Café e recreio.
8:00- 9:50 Aula
10:00-11:00
Estudo individual
11:00-2:15 Aula
TARDE DESCRIÇÃO
12:15-12:30
Ângelus
*
e estudo individual
12:30-14:00
Almoço e recreio
14:00-15:15
Estudo individual
15:15-15:45
Aula de Música
146
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
30-31.
147
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
57-58.
*
O Angelus: oração católica de graças pelo mistério da Encarnação. Corresponde a prece,
comumente chamada ave-marias ou trindades.
84
15:45-16:00
Recreio
16:00-17:15
Café e recreio
17:15-18:15
Ângelus e estudo individual
NOITE DESCRIÇÃO
18:15-19:15
Terço e leitura espiritual
20:00-20:45
Jantar e recreio
20:45 Recolhimento ao dormitório
21:15 Apagar-se-iam as luzes
II – Horários das atividades realizadas nos domingos e dias santos
MANHÃ DESCRIÇÃO
5:15-6:40 Orações da manhã, instrução, Ângelus, ladainha e
estudo.
6:40-7:00 Preparação para a missa
7:00-10:00 Missa e recreio
10:00-11:00
Estudos individuais
11:00-12:00
Catecismo
TARDE DESCRIÇÃO
12:00-14:15
Almoço e recreio
14:15-16:00
Terço e estudos individuais
16:00-17:00
Café e recreio
17:00-18:15
Vésperas
**
e recreio
NOITE DESCRIÇÃO
Obs: como nos outros dias da semana
III– Horários das atividades realizadas nos feriados
MANHÃ DESCRIÇÃO
5:00-9:15 As mesmas atividades realizadas na semana entre 5
e 8hs.
9:15-11:00 Estudos individuais
11:00-12:00
Catecismo
TARDE DESCRIÇÃO
12:00-13:00
Ângelus e recreio
13:00-14:15
Almoço e recreio
14:15-16:00
Estudos individuais
16:00-18:15
Café, recreio e passeio
NOITE DESCRIÇÃO
18:15 Estudos individuais
Obs: o restante como nos outros dias da semana
Por esses quadros, percebe-se que os preparatoristas tinham uma
carga de horários bastante pesada. Fora os recreios, não havia momentos para
tarefas outras que não estudar e exercitar-se na prática da piedade, exceto, é
claro, quando nas quartas-feiras saiam para passeio em grupo, acompanhados
por um padre-regente, a algum espaço de lazer da Cidade (como o Passeio
Público ou a Ponte dos Ingleses, conhecida hoje como Ponte Metálica), quando
**
As vésperas eram as horas em que se prestavam os ofícios divinos em que se rezam.
85
poderiam tomar outros ares que não cercados por muros e paredes claustrais.
Certamente que, para muitos dos garotos, acostumados que eram a uma vida
livre nos campos do sertão, onde a rigidez de horários quase não existia,
sujeitar-se a tal austereza era muito difícil e exigia boa vontade do internado
148
.
Quem sabe um ou outro, em algum momento, não sentia uma íntima inveja de
algum pardal “que talhando os ares se iam perder nas douradas brumas do
ocaso”
149
.
Foi, também, comparando os horários dos quadros que consegui
entender por que o autor do Álbum escreve que no Seminário “os dias são
todos idênticos”
150
, pois as modificações nos domingos e dias santos são
poucas e por que os estudos individuais, nem mesmo nesses dias são
dispensados. Chama a atenção, ainda, o fato de que nos dias, ordinários,
comparando-se com o tempo que passavam em sala de aula (cerca de pouco
mais de três horas), esses estudos individuais correspondiam a cerca de quatro
horas por dia. Nesses momentos, o seminarista deveria estudar as matérias
vistas e preparar-se para as aulas subseqüentes a esses estudos. Feitos em
salão próprio, nesses momentos, os alunos deveriam estar em silêncio, pois,
quanto a possíveis conversas e perturbações que poderiam acontecer nesse
lugar, reza o regulamento: “Artigo VII: observar-se-á um profundo silêncio no
tempo de estudo, (que se fará nos salões em comum)”
151
.
Para não dizer, porém, que tudo era obrigação, os momentos dos
recreios eram a hora da quebra do silêncio característico das salas de aula e
de estudo; era a hora da merenda. O silêncio começava a ser quebrado com o
toque costumeiro do sino. Depois, de forma ordenada, saíam para o refeitório
ou para o pátio. No refeitório, a casa fornecia um singelo lanche: café e
bolachas. Aqui também eram feitas as outras refeições (café-da-manhã,
148
De forma semelhante a Bernardo Guimarães, quando escrevia sobre sua personagem, o
noviço Eugênio, podemos indagar: quem sabe algum “filho do sertão, acostumado a
percorrer livre como o veado os campos e bosques da fazenda paterna, não pôde a
princípio deixar de estranhar a severa reclusão e imprescritível regularidade daquela vida
monótona e compassada do seminário”. Ver: GUIMARÃES, Bernardo. O Seminarista. o
Paulo: Editora Moderna, 1984, p. 26.
149
GUIMARÃES, Bernardo. Op. Cit., p. 29.
150
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
54.
151
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
55.
86
almoço e janta) e também deviam os seminaristas guardar silêncio, como diz o
Artigo VII.
Nesse espaço de tempo, no entanto, o aluno que tivesse alguém que
lhe levasse algo para comer, na portaria encontraria suas guloseimas e estas
lhe seriam entregues pelo porteiro do Seminário. Quem quisesse adquirir algo
mais para comer, como era o caso de alguns que moravam fora de Fortaleza e
não tinham conhecidos na Cidade, poderia comprar, de um dispenseiro
autorizado pelo seminário, frutas e doces. Além de comer, as brincadeiras e as
conversas também tomavam o tempo do recreio, mas sobre isso rezava o
regulamento: “Artigo VIII: nos recreios evitarão os gritos desentoados, jogos e
brinquedos ofensivos ou grosseiros”
152
. Percebe-se nesse artigo que o
seminarista deveria cultivar o domínio sobre suas forças e emoções a ponto de
não gritar “desentoadamente”. Não se pense que nesses momentos os
seminaristas estariam longe dos olhos prescrutadores de seus lentes, pois
aqui, também, seria um momento para corrigir-se qualquer falta de qualquer
rapazinho que saísse da linha. Aqui se poderia observar se alguém estava
cultivando amizades particulares, fumando, ou isolando-se, demonstrando
apatia. Sobre tal vigilância na hora dos intervalos de aula, o Livro do Conselho
do Seminário Provincial de Fortaleza (1864 – 1935), registra a seguinte decisão
coletiva, tomada no dia 13 de março de 1890, entre a direção e os professores
do seminário:
(...) assentou-se que nos dois recreios, do meio dia e da noite, dois padres
ficarão em baixo com o Curso Teológico e dois com o Curso dos
Preparatórios, os mais deverão passear no corredor de cima para impedira
a comunicação dos dois cursos e a ida dos moços aos dormitórios (...).
Quanto a algumas outras áreas que não deveriam ser freqüentadas
pelos seminaristas, regeu o Conselho:
Os dormitórios ficarão trancados todo o dia eem extraordinário os
moços teriam licença de ir lá. Caso tivesse necessidade de deitar-se
fosse para enfermaria.
A sala para os banhos ficaria aberta somente: 1 – durante os banhos;
2 durante o recreio e durante o jantar; 3 durante o recreio depois
do café: podendo tirar tudo o que precisar durante o dia
153
.
152
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
55.
153
SEF/ SHE. Livro do Conselho do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1935). Este
material é uma cópia digitalizada e impressa da fonte original que se encontra na Casa Mãe
dos Lazarista, Rio de Janeiro.
87
É simples perceber aqui que, além das normas fixas, aquelas que
vão sendo anexadas de acordo com as conveniências e necessidades da
escola, regulando todos os passos dos estudantes e os usos dos espaços,
além de impedir os contatos entre os cursos. A análise do comportamento do
seminarista nesses momentos torna-se importante para que se avaliem as
chances de o candidato se tornar um bom padre.
Havia momentos que quebravam a monotonia dos dias regulares de
estudo: os dias de festa, semelhantes ao dia de São Pedro, em 29 de junho,
quando todos os estudantes (preparatoristas e teólogos) se envolviam em
atividades extraordinárias. Até mesmo o casarão do Seminário tomava nova
feição; era enfeitado com bandeirolas coloridas, lanternas chinesas, tapetes e
era feita ao Reitor uma homenagem pelos seminaristas. À noite acendia-se
uma fogueira do lado de fora do prédio e as bombas, foguetes e girândolas
abafavam o vozerio dos moços. Havia também um jantar de gala do qual
participavam os clérigos da Cidade e outras personalidades, entre as quais
posso destacar o senhor Barão de Aratanha, considerado um protetor do
Seminário.
Ao encerrar a etapa de preparação no Curso dos Menores, o aluno
estava em condições de entrar no Curso Teológico (ou dos Maiores) que
duraria quatro anos, sendo que no primeiro estudaria Direito Canônico e
História Eclesiástica e nos três seguintes Moral e Dogma. A Escritura Sagrada,
a Eloqüência, a Liturgia e o Canto Gregoriano (ou Cantochão) estudar-se-ão
durante todo o curso.
I – Horários das atividades realizadas de segunda a sábado
154
MANHÃ DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
5:15-5:30 Levantar e arrumar as camas e
preparar-se para a missa.
5:15-6:00 Oração vocal e meditação.
6:00-7:30 Ângelus, ladainha, missa, durante a
qual horas menores, cada qual
particular. Depois, estudo e banho
nos dias marcados
7:30-8:00 Café e recreio
8:00-8:15 Estudo individual
8:15-9:30 Aula
9:30-10:45 Estudo individual
154
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
58-59.
88
10:45-11:00 Novo Testamento
11:00-12:15 Aula Nos dias de jejum estas aulas
dar-se-ão das 8:15 às 9:15 e das
10:30 às 11:30. Nos sábados às
11 horas: Eloqüência.
TARDE DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
12:15-12:30 Ângelus e estudo individual Na quaresma, Vésperas antes
do exame particular, que nos
dias de jejum terá lugar às 11:45
12:30-14:00 Almoço e recreio
14:00-15:45 Terço e estudo Depois do terço serão as
Vésperas em comum para os de
ordem sacra
15:45-16:30 Aulas ou de Liturgia, ou de
Cerimônias ou de Canto Gregoriano
16:30-17:15 Estudo Matinas
*
em comum para os de
ordens sacras
17:15-18:15 Café e recreio Nos Sábados às l5:45:
exercícios de cerimônias
NOITE DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
18:15-19:15 Ângelus e estudo
19:30-20:00 Leitura espiritual
20:00-20:45 Ceia e recreio
20:45-21:15 Oração da noite e repouso
21:15 Recolhimento Nesse horário todos devem estar
deitados exceto os que
obtiveram permissão para
estudar até 22 horas.
II – Horários das atividades realizadas nos domingos e dias santos
MANHÃ DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
5:15-10:00 Em vez de meditação, instrução,
Ângelus, Ladainha, ir preparar-se em
silêncio para missa das 7 horas, na
qual fazem a comunhão. Depois do
café recreio.
10:00-10:45 Estudo individual
10:45-11:00 Exame particular, Novo Testamento
11:00-12:00 Explicação das Escrituras Sagradas
TARDE DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
12:00-14:30 Ângelus, recreio
14:30-16:00 Terço e estudos individuais Às 3:15, Matinas em comum
para os de ordem sacra
16:00-17:00 Café e recreio
17:00-18:15 Vésperas e bênção do Santíssimo Ou até às 19:00 horas, se
houver prática
NOITE DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
18:15 Estudo individual O restante como nos outros dias
da semana
*
Matinas: primeira parte do ofício divino rezado pelos padres.
89
III– Horários das atividades realizadas nos feriados
MANHÃ DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
5:00-9:15 Depois da oração, repetição. Depois
do café recreio
9:15-10:45 Estudos individuais
10:45-11:00 Novo Testamento
11:00-12:00 Hermenêutica
TARDE DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
12:00-14:30 Ângelus e recreio
14:30-16:00 Terço, Vésperas, estudo individual Às 3:15, Matinas em comum
para os de ordem sacra
14:00-18:15 Café, passeio ou recreio
NOITE DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO
18:15 Estudos individuais O restante como nos outros dias
da semana
Sobre as observações anteriormente feitas acerca das atividades que
cotidianamente realizavam os seminaristas, posso acrescentar mais algumas:
em primeiro lugar, enfatizo que todos os aspectos da vida são realizados no
mesmo espaço físico e sob única autoridade, ou seja, ou na sala de aula, ou na
sala de estudos, ou no refeitório, ou no dormitório, ou no pátio etc. Tudo era
feito sob a vigilância dos padres-lentes. Os momentos de solidão total não
eram permitidos, a única solidão que não se podia evitar era a dos
pensamentos não compartilhados, caso, é claro, se se pudesse guardá-los.
Em segundo lugar, cada fase das atividades diárias do seminarista era
realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outros
seus colegas, sendo todos eles tratados de forma igual e obrigados a fazer as
mesmas coisas em conjunto. Nesses momentos, a privacidade é relegada e,
em tais condições, o seminarista não se sentia vigiado pelos padres como
também pelos próprios companheiros de curso que, diante de uma falta dele
poderiam delatá-lo.
Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente
estabelecidas em horários, em atividades seqüenciais predeterminadas,
impostas de cima para baixo por um sistema de regras formais explicitas,
elaboradas por um grupo de especialistas. Pelo que consta no Álbum Histórico,
a disposição e os respectivos tempos das aulas dos dois cursos foram tirados
do Diretório dos Seminários, conforme funciona nos seminários dirigidos pelos
padres da Missão de São Vicente de Paulo, ou seja, tal estruturação era
européia e relegava os hábitos locais de estudo e de trato com a temporalidade
90
e adaptação climática. Deve ter sido por isso que a implantação do Diretório no
Seminário, feita pelo próprio bispo D. Luiz, que sabia de cor sua grade
curricular desde sua experiência como aluno e depois reitor do Seminário de
Mariana (Minas Gerais), não foi tal qual estava no diretório, mas a ordem das
matérias lecionadas foi, desde o começo, levemente modificada por ele
155
. O
escritor do Álbum, porém, escrevendo em 1914, diz que para sua época a
execução de tais horários era pesada para os alunos e que se eles não
tivessem sofrido certa modificação,
(...) hoje não o poderíamos talvez suportar com a docilidade dos
primeiros anos, devido a nova orientação da pedagogia e também ao
calor que em certos meses sobretudo fatiga sobremaneira o trabalho
continuado
156
.
Portanto as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano
racional único, que se materializa no estatuto interno, planejado para atender
aos objetivos da instituição que era formar padres obedientes aos padrões
românicos
157
.
2.6 – As avaliações
Ficou definido pelo Concílio de Trento que, para ingressar em um
seminário, o candidato deveria ser filho de matrimônio legitimo e provar que
sabia ler e escrever de modo satisfatório
158
. Este era o primeiro teste pelo qual
passava o candidato e foi o que impediu o primo do Pe. Cícero, José Joaquim
Teles Marrocos, um dos grandes responsáveis pela divulgação nacional da
“Questão do Juazeiro”, de estudar no Seminário de Fortaleza. Ele era filho
ilegítimo do padre João Telles Marrocos com uma escrava
159
.
De acordo com as normas do Seminário, antes de ser admitido, o
pleiteante passava pelos exames iniciais para se averiguar se o mesmo sabia
ler e escrever satisfatoriamente. Se tivesse instrução que equivalesse ao Curso
de Preparatórios, ingressaria no curso teológico, caso contrário, seria
155
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza – Ceará, 1914,
p.32.
156
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza – Ceará, 1914,
p.57.
157
GOFFMAN, Erving. Op. Cit., p. 17- 18.
158
LUIZETTO, Flávio. Op. Cit., p. 61 – 65
159
BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. O Movimento Religioso de Juazeiro do Norte.
Padre Cícero e o fenômeno do Caldeirão. In SOUZA, Simone (Coord). História do Ceará. 4
a
.
ed., Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995, p. 263.
91
matriculado em uma das divisões entre o 1
o
. e o 6
o
. ano
160
. Dai então
começavam os estudos e a preparação para a vida eclesiástica.
Depois dos primeiros meses de estudo, os alunos do Curso de
Preparatórios faziam os exames parciais e os exames gerais, sendo estes
realizados duas vezes por ano, no meio do ano letivo e no final. As avaliações
eram de dois tipos, oral e escrita, e o resultado se dava pela média das notas
dos dois períodos. A cada primeiro domingo do mês, as notas parciais eram
tornadas públicas aos alunos e no final de cada trimestre os boletins eram
arremetidos aos respectivos pais, revelando não só as notas das matérias, mas
também o comportamento, aplicação e estado de saúde dos alunos. Quanto à
assiduidade do aluno, ele perderia o ano, se, em período letivo, passasse dois
meses fora do Seminário, fosse em dias consecutivos ou alternados. Também
era motivo de reprovação não se sair bem em alguma matéria, o que implicaria
repetir todas as outras que estudou durante o ano
161
.
A critério de curiosidade, sobre a bibliografia usada pelos
preparatoristas, em que provavelmente eram baseadas suas avaliações,
descobri já nos últimos momentos da pesquisa, no Livro do Conselho do
Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1935)
162
, as referências aos seguintes
volumes e autores que foram usados pelos alunos do curso de preparatórios.
Curso de Preparatórios:
1º ano – Lente: Pe. Laurindo
1. Elementos de Gramática Latina...................Gomes Moura
2. Elementos de Gramática Portuguesa...........Cyrillo
3. Elementos de Gramática Francesa ..............Levine
4. Geografia (até pg 85)....................................Pompeu
5. Aritmética até as frações
6. História Antiga
7. Selecta dos SS. Padres (1° volume)
8. Epítome (?) História Sacra
9. Selecta Francesa.........................................Boquette
160
SEF/ SHE. Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890).
161
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914,
p.59-60.
162
SEF/ SHE. Livro do Conselho do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1935).
92
10. Catecismo da Diocese
2 º ANO – Lente: Pe. J. Calegni
1. Compêndio de Gramática Latina..................Gomes Moura
2. Compêndio de Gramática Portuguesa
(por este ano)............................................. Cyrillo
3. Compêndio de Gramática Francesa.............Levine
4. Geografia (pág. 271 a 344)...........................Pompeu
5. História da Idade Média................................Chantrel
6. Aritmética (frações, complexos e
inteiros(?)).....................................................Ottoni
7. Selecta Francesa...........................................Boquete
8. Santos Padres ( 2
o
. e 3
o
. volumes)
9. Cornélio, Virgílio
10. Catecismo da Diocese
3
o
. ANO – Lente: Pe. Pagoto
1. Gramática Portuguesa (por este ano)..........Cyrillo
2. Compêndio de Gramática Latina..................Gomes Moura
3. Geografia (da pág. 85 a 269)........................Pompeu
4. Aritmética (2 ª parte).....................................Ottoni
5. História Moderna...........................................Chantrel
6. Virgílio, Tito Lívio
7. IV e V tomos dos Santos Padres
8. Catecismo da Diocese
4
o
. ANO – Lentes: Pe. Clicério e Pe. Gonçalves
1. Retórica........................................................Condose (?) Figueiredo
2. História do Brasil..........................................Macedo
3. Geografia do Brasil.......................................Pompeu
4. Álgebra e Geometria.....................................Ottoni
5. VI tomo do Santos Padres
6. De Oratore....................................................Cícero
7. Dotores(?), Cânones
8. História Sagrada...........................................Boquete
9. Catecismo da Diocese
5
o
. ANO – Lentes: Pe. Romão e Pe. Gonçalves
93
1. Filosofia (por este ano).................................Soriano
2. Física............................................................Ganot
3. História Sagrada...........................................Boquete
4. Catecismo da Diocese
Sobre a bibliografia, o máximo que posso dizer é que ela foi usada na
década de 1870. A ela, quem sabe, possa ser possível acrescentar ainda
alguns outros livros que no jornal Tribuna Católica eram divulgados, como:
Aluno Penitente, ou Novo Penso-o-bem - Considerações sobre as verdades
eternas com história e exemplos; O Anjo Costódio Novo Manual de Missa e
Orações para os Devotos na Terra de Santa Cruz; Banquete Espiritual,
Voluntário e... em Favor das Almas do Purgatório e de Todo o Fiel Cristão;
Abade Verdal. Benefícios do Cristianismo; Breviário Romanum (4
volumes);Caminho do Ceo Considerações sobre as máximas eternas e sobre
os segredos e mistérios da Paixão de Cristo Nosso Senhor, para cada dia do
mês;.Catecismo da Diocese do Ceará; Catecismo Histórico, Dogmático,
Litúrgico e moral. Infelizmente a lista do jornal não traz os nomes da maioria
dos autores. De acordo com o Tribuna Católica, estes e outros livros de caráter
teológico, litúrgico, devocional, de leis canônicas etc. eram encontrados na
Livraria de Joaquim José de Oliveira
163
. Dessa forma, concluo que não eram só
seminaristas e padres que deviam se interessar pela leitura religiosa, mas
certamente devia haver alguém mais que a adquiria. Usando do Ensaio
Estatístico da Província do Ceará, de Thomaz Pompeu de Souza Brasil, sabe-
se que parte dos livros vendidos no Ceará vinha de várias outras províncias do
Brasil: Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e Rio de
Janeiro. Além dessas localidades não destaco a possibilidade de eles virem de
outros países, que o Ceará mantinha relações comerciais, na segunda
metade do século XIX, com os Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália e
Portugal
164
, de onde possivelmente poderiam vir alguns outros volumes,
especialmente da França, cuja cultura e língua eram tão valorizadas pelos
163
BPMP/ Microfilmagem, jornal Tribuna Católica-Fortaleza (03 e 10 de maio de 1868), Rolo
91. Provavelmente este Joaquim fosse um fornecedor de livros para o Seminário, além de
papel e tinta para escrever. No Livro de Receitas e Despesas do Seminário, no mês de
dezembro de 1865, aparece o nome de um tal Oliveira (um dos sobrenomes de Joaquim)
que fornecera tais materiais.
164
BRASIL, Thomaz Pompeu de Sousa. Ensaio estatístico da Província do Ceará. Edição Fac-
similar, 1997. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001. p.459.
94
cearenses. Como evidência disso, mais recentemente, quando alguns livros da
antiga biblioteca do Seminário estão sendo incorporados à atual, é possível
encontrar livros escritos em francês que pertenceram aos padres Misael
Gomes e Hipólito Gomes Brasil, datando da década de 1860. Certamente
esses também podem ser considerados como literaturas usadas pelos alunos
do Seminário no período da segunda metade do século XIX.
Voltando aos exames, que mais especificamente aos exames que
os teólogos prestavam, em um ano letivo eles faziam três de caráter mais
geral: o primeiro sobre conteúdos estudados ou recordados durante as férias; o
segundo, na metade do ano e o último no fim. Com exceção de Hermenêutica,
Eloqüência, Liturgia e Canto Gregoriano, todas as outras disciplinas seguiam
os parâmetros descritos pouco. que esta era a última etapa que
antecedia a ordenação, o candidato passaria por mais um teste sobre temas
que lhes fossem indicados, como, por exemplo, ligados a assuntos referentes a
Tratados de Teologia Moral e Sacramental. Se aprovado seria graduado como
teólogo. Quanto à perda do ano letivo, seguiam-se os mesmos parâmetros do
curso de preparatórios
165
.
Ainda sobre o sistema de avaliação dos teólogos, eles eram avaliados
ainda por outros critérios. Nas fichas de cada aluno (fosse do Curso Teológico
ou não), que estão no Livro de Matrículas, eram registradas observações sobre
o comportamento, a piedade, a índole, o talento e a aplicação dos alunos em
suas atividades. Como, ao fim do Curso Teológico, mediante a aprovação nas
matérias, os seminaristas poderiam ordenar-se, e como a função de padre não
requer somente conhecimento mas também dedicação em outros sentidos, era
então que, de acordo com o bom desempenho nos critérios ora elencados, o
aluno poderia ser ordenado em uma ordem maior (presbiterado, por exemplo)
ou menor (diaconato, por exemplo), ou mesmo ter negada a sua ordenação.
Assim, a sua vocação deveria ser provada em vários aspectos. Tal rigor quanto
à designação à tonsura era uma ressalva feita pelo próprio Papa em que não
se deveria “por as mãos” a ninguém que realmente não merecesse receber as
ordens. Instruía o Papa Pio IX aos seus confrades, em 1846:
165
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914,
p.60.
95
Por isso, como bem sabeis, deveis ter muita atenção, segundo o
preceito do Apóstolo, para não impor as mãos apressadamente às
sagradas ordens, de promover aos santos ministérios somente
aqueles que, examinados a fundo, conhecidos como possuidores de
todas as virtudes e louvados pela sabedoria, possam ser de utilidade
e ornamento às vossas dioceses
166
.
Em um período em que a Igreja sofria com certas posturas de alguns
padres que desrespeitavam as normas da Instituição, por exemplo, com a
quebra do celibato e a resistência ao uso da batina, era mister que os bispos e
arcebispos cuidassem de averiguar bem as condições de cada pretendente ao
estado eclesiástico, de forma a ter garantia, pelas melhores escolhas dentre os
pretendentes, da obediência deles. Por isso, os candidatos deveriam ser
“examinados a fundo”, sendo que aqueles que se mostrassem insubordinados
e relaxados em suas atividades no Seminário não seriam encaminhados para a
ordenação. E, como conhecer se alguém era um bom candidato? Observando
seu comportamento, freqüência aos sacramentos e retiros espirituais, ouvindo
sua confissão, vendo sua aplicação nos estudos e sua obediência ao Diretório.
No Livro do Conselho Provincial, encontrei algumas observações nesse
sentido, descrevendo sobre a aplicação nos estudos, a capacidade intelectual e
de memória, assiduidade nos sacramentos, demonstrações de vaidade quanto
ao uso de perfumes e cuidado demasiado com o cabelo, que se referiam aos
candidatos à tonsura. Por exemplo, na reunião do Conselho, de 30 de
novembro de 1871, um dos moços foi julgado em condições de receber senão
o subdiaconato por ser “um tanto mole para estudar e ter pouca inteligência,
mas boa memória”. Outro foi designado para o presbiterado, levando-se em
conta que era “assíduo aos sacramentos”, aplicado aos estudos e tinha “boa
índole”; entretanto, a outro se observou sobre ele que era “vaidoso”, “afetado
nos cabelos”, “cheiroso” e não merecia a tonsura e se caso resolvesse se lhe
dar que fosse severamente advertido sobre tais coisas e lhe dada uma
ordenação menor
167
. Pode-se ver que, pelo menos aparentemente, o rigor era
grande; o que demonstra a preocupação com a obediência e a moralidade dos
futuros padres.
Se dentro do Seminário o cuidado com os seminaristas era grande,
fora também o era muito diferente. Terminado o período letivo, seguiam-se
166
PIO IX. Qui Pluribus. Roma, 1846. In COSTA, Lourenço. Documentos de Gregório XVI e de
Pio IX (1831-1878). Trad Darci L. Marin, São Paulo: Paulus, 1999, p. 93.
167
SEF/ SHE. Livro do Conselho do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1935).
96
as férias, que se iniciavam em 8 de dezembro e iam até início de março. Nesse
período, o seminarista podia ir folgar, única e exclusivamente, na casa dos
pais. Aqui era o momento de perigos ao pretendente ao estado eclesiástico,
quando as tentações poderiam desviá-lo de futuro “tão excelente”. Por isso era
necessário que os pais e os párocos ou vigários das cidades dos respectivos
seminaristas os vigiassem e não permitissem que “caísse em tentação”, como
bem ilustra Bernardo Guimarães em O seminarista: “receando com razão que
as seduções do mundo o arredassem do santo propósito”
168
. Na Constituição
Sinodal de 1888, elaborada no governo da Diocese por D. Joaquim, foi escrito:
Os párocos hão de comunicar aos superiores dos seminários [maior
e menor] tudo quanto lhes importar saber, relativamente ao caráter e
comportamento dos seminaristas de suas paróquias.
E muito confiamos, que o testemunho, que dão do modo como eles
passam as férias, seja sincero e consciencioso
169
.
Como visto, o controle e a vigilância sobre os seminaristas eram
intensos, inclusive nas férias. Até mesmo a transferência dos estudos para
outros seminários de outra diocese era fortemente controlado pelo Bispo. A
mesma Constituição Sinodal rezava que só em caso de força maior seria
permitida a transferência, que deveria ter o aval do Bispo diocesano
170
. Em
sentido inverso, receber seminaristas de outras dioceses acontecia com a
autorização escrita dos bispos das localidades de onde vinham, como foi o
caso do seminarista Vicente Gomes de Magalhães, de Pernambuco, que, após
ter feito os preparatórios em Olinda, não foi recebido no Seminário de Fortaleza
por “não ter licença de seu bispo”, além de ser considerado “muito inábil”
171
.
Uma vida exemplar dentro dos padrões impostos pela Igreja – era esse
o perfil que deveria ter um sacerdote formado pelo Seminário. Avaliados
meticulosamente, eles alcançavam grau de ordenação de acordo com suas
capacidades intelectivas (inteligência, memória) e também morais, capacidade
de obedecer e até de resistir às vaidades. Poucos foram os que resistiram o
rigor da disciplina e vigilância interna e externa, talvez a mesmo por não
168
GUIMARÃES, Bernardo. Op. Cit., p. 47.
169
SEF/ SHE. Constituição Sinodal da Diocese de Fortaleza – Cap. Terceiro, Art. II. 1888. Este
documento corresponde a um código de leis eclesiásticas que visa normatizar e instruir
sobre todas as atividades do clero de uma diocese. O mesmo é baseado nas encíclicas e
outros documentos reguladores elaborados pela Sé romana.
170
SEF/ SHE. Constituição Sinodal da Diocese de Fortaleza – Cap. Terceiro, Art. III. 1888.
171
SEF/ SHE. Livro de Matricula do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1890). (matrícula
nº 236)
97
terem o objetivo ou, como poderiam dizer alguns, a vocação para serem
padres. O certo é que todas estas normas e critérios avaliativos tinham, em
conjunto com as Constituições Gerais do Seminário de Fortaleza, o objetivo de
marcar os limites da vida dos internados, aparando as arestas de uma
formação fora dos padrões romanizados.
98
– CAP 03 –
REITORES, PROFESSORES E CRIADOS E ALUNOS
O que mais compõe uma instituição semelhante ao Seminário da
Prainha, além de seus espaços físico e social, suas normas e seus objetivos?
Quem idealiza e quem rege as normas, quem as aceita e quem as transgride,
quem as transforma? Dentre outras perguntas, qual posso formular quando
olho para o prédio do Seminário depois de passar a admiração pela arquitetura
do século XIX? Não poderia ser: Quem estudou? Quais foram seus diretores
e professores? E até: quem limpou os seus pátios, suas salas de aula ou
cozinhou para os padres e seminaristas?
Nos dois capítulos anteriores, narrei sobre a idéia que estava por traz
da existência do Seminário e de como foi edificado, mas agora escrevo um
pouco sobre os grupos de pessoas que fizeram a instituição: os reitores, os
professores, os criados e os alunos.
3.1 – Os reitores
A responsabilidade de organizar e orquestrar toda a casa normas,
horários, distribuição das disciplinas, corrigir abusos, entre outras coisas era
dos reitores. Para o período aqui estudado, passaram pelo Seminário o pe.
Pedro Augusto Chevalier (1864-1890), o pe. lio Simon (1891-1907) e o pe.
Vicente Péroneille (1909-1914), cada um com suas peculiaridades
administrativas, embora zelassem pelo mesmo objetivo: formar padres
obedientes e de cultura elevada. Como os nomes bem indicam, eles eram
estrangeiros e tiveram, parcial ou integralmente, a sua formação eclesiástica na
Europa. Cada um deles procurou manter a regularidade dos estudos da escola,
realizando as alterações que achavam devidas.
Chevalier
172
, pelo fato de ter sido o co-fundador do Seminário, é o reitor
cujas bibliografias que narram a história da instituição mais dedicam linhas.
Sobre ele, além do que foi escrito no capítulo anterior, sabe-se que ele veio
172
Mais especificamente, para compor a história da administração deste reitor utilizei duas
bibliografias: o Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914,
p. 68 82 e p. 106 –115 e Apontamentos Biográficos do Pe. Pedro A. Chevalier, lazarista.
In: Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza/Ce, Tomo XVIII, 1903, (pg 251-290).
99
da França para o Brasil em 1857. Depois de chegar ao País, passou cerca de
sete anos, entre outras coisas, lecionando no Seminário da Bahia, onde
adquiriu experiência, sendo depois mandado ao Ceará para dirigir o Seminário
Episcopal de Fortaleza. o encontrando em funcionamento, mas carecendo
de uma melhor organização, procurou estabelecer as normas, os horários e o
que fosse mais necessário para o funcionamento da escola. Houve, inclusive, o
momento em que o próprio Chevalier assumira a direção das obras de
expansão do prédio.
Sobre sua personalidade, segundo conta o seu anônimo biógrafo,
Chevalier era homem austero e rigoroso. Escreveu-se sobre ele o seguinte:
É que sendo ele um homem de virtude muito austera e
extremamente sólida, não se viam jamais no seu proceder essas
mudanças, essa espécie de períodos e estações de vida do homem
volúvel.
O sentimentalismo não tinha existência real para ele; na sua severa
apreciação o dever era tudo; e o dever reconhecido como tal não
padece essas variantes e essas agitações impertinentes
173
.
Certamente foi por esta maneira de ver o seu dever que ele imprimiu
por mais de trinta anos um ritmo regular as atividades do Seminário, sem fazer
nenhuma modificação nos horários de estudo e nos exercícios espirituais de
que deviam participar os seminaristas. Esses aspectos faziam parte do
cotidiano da escola e que foram alterados logo depois da sua saída da direção.
Ressalta seu biógrafo que, até mesmo nos dias considerados como
feriados, quando os alunos tinham a liberdade para decidir quais atividades
desenvolveriam, o reitor fazia questão de lembrar, pelo toque do sino
174
, que as
atividades programadas pela direção do Seminário eram as melhores para que
eles se envolvessem. Certamente atitudes como esta o fizeram ser visto pelos
seminaristas como uma pessoa um tanto intransigente, provocando atitudes
como “a revolta dos seminaristas”, que aconteceu entre os alunos do Curso
Teológico, levando ao fim do reitorado de Chevalier. Uma curiosidade sobre
esse fato, que eu ainda não havia mencionado, é que, depois deste
acontecimento, quase todo o corpo de professores lazaristas foi trocado,
173
Apontamentos Biográficos do Pe. Pedro A. Chevalier, lazarista. In: Revista do Instituto do
Ceará. Fortaleza/Ce, Tomo XVIII, 1903, (pg 251-290).
174
O toque do sino indicava o início das atividades, Chevalier tentava manter os alunos
ocupados na orações e atividades devocionais.
100
ficando apenas o padre Alberto Ângelo Bruno
175
. Os textos e documentos
analisados não dizem quais foram os reais motivos disso ter acontecido, se foi
solidariedade a Chevalier ou se foi uma ação administrativa intervencionista de
D. Joaquim, que, segundo o Concílio de Trento, a boa ordem do Seminário
também era de responsabilidade do bispo. O texto do Álbum não fala de pedido
de demissão ou postura solidária por parte dos professores ou mesmo sobre
qualquer outra atitude que forneça uma perspectiva no sentido de se crer que
eles tenham pedido afastamento das aulas em demonstrando insatisfação ante
a atitude de D. Joaquim, em demitir o Reitor de suas funções. Apenas se diz
que
(...) pela demissão do Padre Chevalier houve uma grande alteração
no corpo docente, sendo substituídos quase todos os Padres da
Missão, que lecionavam neste Seminário
176
(grifo meu).
Assim sobre o fato em específico não existe nada de conclusivo,
apenas que o fato foi algo de contingencial, pois, ao menos pelas fontes
analisadas, posso asseverar que, durante o restante de sua administração, D.
Joaquim o teve nenhum desentendimento com qualquer professor do
Seminário, nem mesmo com Chevalier, que passou o resto de seus dias
morando no prédio.
A vida de Chevalier não se restringia à clausura do Seminário. Ele e os
seus sucessores se atinham a outras atividades, como rezar missas fora do
Seminário, confessar e participar de associações pias. Chevalier tinha como
predileção confessar regularmente as irmãs de caridade do Colégio da
Imaculada Conceição, assim como suas alunas. Celebrou também todos os
dias, durante os 36 anos que esteve em atividade, a missa das 6 horas da
manhã, realizada na capela do Colégio. Também era confessor das irmãs da
Santa Casa de Misericórdia (fundada em 1870) e do Asilo de Alienados. Ele
também dirigia os retiros anuais das Irmãs das Filhas de Maria.
Depois que a “revolta dos seminaristas” aconteceu, o cansado padre
de mais de 60 anos não se desligou do Seminário. Mesmo depois de afastado
de suas funções como reitor, continuou, entretanto, a dar aulas, a confessar e a
175
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Cea, 1914, p.
138.
176
Idem.
101
pregar, parando somente quando, por um ataque de apoplexia, ficou acamado
por sete meses antes de vir a falecer em 17 de junho de 1901.
Fato importante ocorrido no fim do reitorado de Chevalier foi o fim da
subvenção do Estado às coisas da religião, que aconteceu com a Proclamação
da República. Vinha do Governo o pagamento dos professores e com o novo
regime findou-se tal provimento. As outras rendas da casa vinham, em parte,
das mensalidades pagas pelos alunos. Estas, pelo menos entre 1864 a 1885
(que são os dados que possuímos), perfaziam, em tempos normais, entre 50 a
70% do valor anual das receitais. Também havia a caixa-pia e a Obra de
Vocações Sacerdotais, que angariavam esmolas para a casa, mas, com o corte
do pagamento dos professores que poderia corresponder na escala de 20 a
40% do total anual da receita, foi necessário encontrar-se uma saída para o
problema. Neste sentido, desde 1880, o bispo Dom Joaquim vinha investindo
na compra de apólices da dívida pública, adquirindo-as com o saldo que
sobrava dos gastos do Seminário. Estas apólices rendiam certa quantia que
servia para reparar a falta do auxílio do Governo. Como este meio era
insuficiente, Dom Joaquim recorreu ao Papa Leão XIII, pedindo-lhe permissão
para que as ofertas das missas, realizadas na Diocese em dias de festa,
fossem destinadas aos seminários de Fortaleza e do Crato (Sul do Ceará).
Este pedido foi aceito e oficializado em 31 de março de 1892. Por esta época, a
Diocese tinha 77 freguesias, das quais 64 eram providas por párocos. Fazendo
o bispo os cálculos, levando-se em conta a quantidade de missas que eram
celebradas nos dias de festa que não caíssem nos domingos
177
, angariaria
aproximadamente dois mil reis de espórtulas, no mínimo. Pelos cálculos feitos
pelo próprio Bispo, em 1892, a soma das espórtulas, adicionando os
rendimentos que trariam as apólices, perfizeram o total de 2.432$000
178
, bem
abaixo dos nove contos que vinham do Governo.
Certamente este valor aumentou por que, ao longo dos anos, o bispo
Dom Joaquim continuou adquirindo mais apólices, chegando em outubro de
177
É provável que a oferta arrecadada nas missas dos domingos ficassem para os cofres das
igrejas onde eram realizadas; por isso é que, no texto examinado, o Bispo faz referência às
missas de festa dos domingos como sem arrecadação para os seminários. Ele calculou em
cerca de 19 o número de tais celebrações, mas ressaltou que seriam bem menos, por
algumas vezes serem realizadas, tais festas, aos domingos.
178
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894), p.04 e 05.
102
1911 a mais de cem, sendo que estas poderiam ter rendimentos diferenciados
de acordo com o valor de cada uma delas; mas haveria uma pergunta a se
fazer sobre este fato: como se adquirira mais apólices, se as rendas do
Seminário foram reduzidas? A resposta está no Livro de Apontamentos, ao
revelar que parte do dinheiro para a compra das apólices vinha dos recursos da
Caixa-Pia; outros recursos, como mencionei no capítulo primeiro, vieram do
cofre de São Francisco de Assis de Canindé, que desde 1892 estava sob a
gerência do bispo Dom Joaquim. Parte do ouro com que o santo foi
presenteado (na importância de 2:528$000) foi vendido para a compra de
apólices. Pelo que tudo indica, essa prática continuou por muito tempo
179
.
Como visto, a Igreja então usava de estratégias dentro de seus próprios
domínios para vencer as adversidades.
Em outro momento, o Seminário foi beneficiado por uma doação por
testamento do falecido Francisco do Carmo Pereira, em março de 1911. Foi
assim designado:
- O aluguel líquido da casa 216, sita a Rua Senador Pompeu,
seja dividido em três partes sendo 1[um] para o asseio da Capela de
N. S. da Conceição da Prainha e as duas outras partes para auxílio a
ordenação de moços pobre.
- O aluguel quido da casa da Rua do Chafariz seja dividido em
três parte; sendo uma parte para o asseio da Capela do S. Coração
de Jesus da Sé e para luz do S. S. da mesma Sé; e outras duas para
a missa pelas almas do purgatório
180
.
Não sei ao certo se os pedidos do falecido foram cumpridos à risca,
mas com tais benefícios o Bispo comprou mais 13 apólices da dívida pública.
Possivelmente a partir deste momento o Seminário não passava por
problemas financeiros.
Concluídas estas observações sobre as condições financeiras do
Seminário, continuo a explanação sobre a administração dos reitores que
sucederam Chevalier.
Com o fim do reitorado de Chevalier, o seu sucessor, padre Julio
Simon, chegou em janeiro de 1891
181
. Seu noviciado foi feito na Congregação
de S. Vicente de Paulo, em Paris. Ao concluir o Curso Teológico, foi mandado
pelos seus superiores para o Brasil, mais especificamente Minas Gerais, vindo
179
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894),p. 09 e 11.
180
Idem, p. 20.
181
Idem, p. 116-173.
103
a lecionar Filosofia no Seminário de Mariana. Depois de algum tempo, veio a
ser o primeiro diretor de um seminário menor, no Caraça, a Escola Apostólica,
inaugurando os trabalhos do estabelecimento. Em seguida, foi-lhe ordenado vir
para o Ceará a tomar conta da administração do Seminário.
Assim como Chevalier, quando aqui chegou, Julio Simon estava na
casa dos trinta anos. Das coisas que manteve da administração anterior as
normas implantadas por Chevalier ficaram como estavam, mas algumas
mudanças contingentes não demoraram a ser feitas. Por exemplo, no que se
refere aos horários das refeições e durações das aulas, ele alterou o café que
passou a ser às 7h e 10 min, o almoço às 9h e 30min, a merenda às 12h 30min
e o jantar às 15h e 30min, com o chá às 20h. Um horário por demasiado
estranho para os nossos dias, especialmente no que se refere aos horários do
almoço e da janta; entretanto, este mesmo será alterado pelo reitor seguinte.
As aulas, que tinham duração de duas horas seguidas, foram mudadas
para uma hora e meia, no caso da primeira e terceira aulas, e a segunda para
uma hora. Outra novidade deste, reitorado foi a introdução de duas disciplinas:
as Ciências Físicas e Naturais, também acrescidos de novos autores, mudando
um pouco a bibliografia usada pelos seminaristas. Especificamente sobre essa
última alteração, esta ação de Simon sugere no mínimo que havia alguma
defasagem nos métodos e materiais anteriormente usados para o ensino.
Antes escrevi que ao fim de cada ano os alunos que se sobressaiam
melhor nos estudos eram premiados. Pois bem, até nisso houve alteração: o
novo reitor achou melhor do que dar livros encadernados como prêmios dar
coroas de louros e medalhas aos alunos. Até onde eu possa ver tal medida era
mais econômica do que a primeira, que premiar com livros sempre era mais
oneroso do que conceder coroas de louros e medalhas.
Até o início do primeiro dia de aula mudou. Antes era o dia 7 de março,
agora, por ordem do próprio bispo D. Joaquim, passava a ser o dia de
março.
Um dos fatos que julgo ter sido mais marcante na administração de
Julio Simon, anteriormente comentado, foi a aquisição da Igreja da Prainha
para o Seminário por meio de acordo com a Irmandade que cuidava do templo.
Essa anexação ocorreu, inclusive, pela insistência do mesmo reitor junto ao
bispo D. Joaquim, que tratou de argumentar junto à Irmandade. Após tal vitória,
104
a Igreja continuou a ser freqüentada pelos pobres da região da Praia do Peixe
que assistiam, como antes, à pregação dos estudantes de Teologia que se
exercitavam nessa prática durante as missas.
Quanto aos melhoramentos físicos na estrutura do Seminário, em
1892, mandou-se atijolar o páteo do recreio dos menores para amenizar o areal
que se desprendia em razão do vento abundante comum às regiões litorâneas
do Ceará. Também, para facilitar a aquisição de água potável que era tirada de
um poço por um cata-vento de madeira velho, vieram da América do Norte
dois novos, sendo perfurado mais um poço
182
. Outro grande melhoramento foi
a ampliação da rede de iluminação elétrica para outras áreas do Seminário,
antes insuficientes para iluminar a Igreja e a sala de estudos. Um motor e
alguns acumuladores de energia possibilitaram tal benefício
183
.
Todas essas mudanças foram feitas num espaço de dezoito anos de
reitorado, revelando o dinamismo de Julio Simon.
Nascido no sul da França, era o padre Vicente Péroneille, sucessor de
Júlio Simon
184
. Iniciou sua formação clerical na Casa-Mãe dos Lazaristas, na
França, mas, sendo enviado ao Brasil, continuou seu curso teológico em
Petrópolis, vindo depois para o Ceará, onde recebeu a ordenação pelas mãos
de D. Joaquim, em 1894. Antes de ser ordenado, já no Seminário, foi professor
de Latim, Francês e Ciências, tornando-se prefeito de disciplina das turmas dos
preparatórios, ou seja, durante sete anos foi responsável pela ordem e pelo
cumprimento das normas. Depois foi enviado ao Maranhão (1903), onde
passou 5 anos organizando e dirigindo o Seminário daquele lugar, voltando
a Fortaleza para assumir a direção do Seminário da Prainha.
Ao iniciar sua administração, padre Peroneille criou a liga do
Apostolado da Oração entre os seminaristas como meio de incentivo à
piedade. Sobre os dias de feriados, como eram consideradas as primeiras
182
Nesse período Fortaleza era abastecida por chafarizes públicos com água encanada que
vinha do sítio Benfica e a ampliação da distribuição d’água só foi realizada na década de 20
do século XX. Ver: PONTE, Sebastião Rogério. Op. cit., p.81-82.
183
Por este tempo a iluminação pública de Fortaleza era a gás carbônico, sendo que tal
sistema se entendeu até a década de 1930 quando a iluminação das ruas e praças
começou a ser feita por corrente elétrica. Ver: MENEZES, Antonio Bezerra. Descrição da
Cidade de Fortaleza. Fortaleza: Edições UFC/ Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1992, p.
191. NOGUEIRA, João. Fortaleza Velha. Fortaleza: UFC, 1981, p. 27.
184
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
174-199.
105
quartas-feiras de cada mês, mudou o sistema das saídas dos seminaristas,
as permitindas com a autorização dos pais, procurando dessa forma evitar que
os seminaristas ficassem passeando pela Cidade sem uma vigilância mais
próxima. Aqueles que não tinham familia na Capital não sairiam do Seminário
nesses dias. Nesse sentido, para entretê-los o padre criou a Sessão Literária,
onde os seminaristas tinham a oportunidade de praticar a oratória recitando
textos. Com o tempo, Peroneille alugou o Sítio Betânia, de propriedade de Julio
Simon, onde os seminaristas almoçavam. Também eram realizados passeios a
localidades vizinhas, como Maranguape, Pacatuba, Mondubim, Porangaba,
Prado, Alagadiço e outras áreas que na época eram pouco urbanizadas e
ofereciam um contato maior com a natureza. Nessas pequenas viagens,
acompanhava-os a banda de música do Seminário, que fazia apresentações na
partida e na chegada, procurando alegrar mais estes momentos. Outro tipo de
atividade implementada foi o teatro. Em alguns momentos, os jovens faziam
encenações à noite quando, não os seus colegas, mas também a
comunidade circunvizinha ao Seminário, iam assistir às peças.
Semelhantemente a Julio Simon, Peroneille modificou os horários das
refeições e dos estudos, mas, em termos de mudanças quanto ao sistema de
ensino, a mais significativa foi a reestruturação das disciplinas nos respectivos
cursos (preparatórios e teológico). O reitor, a partir de 1913, retirou o estudo de
Filosofia do Curso de Preparatórios, que exigia o conhecimento básico de
Latim, e colocou no primeiro ano de Teologia, aumentando de quatro para
cinco anos este curso. O problema era que muitos alunos vinham para o
Seminário sem conhecimentos básicos da língua, o que atrasava alguns no
Curso dos Preparatórios. Com a devida autorização do bispo Dom Manuel da
Silva Gomes, sucessor de D. Joaquim, fez as modificações que achava certas.
Dessa forma, os cursos ficaram estruturados da seguinte maneira:
a) Curso de Preparatórios. Disciplinas: Ano: Catecismo e História
Sagrada; Português; Caligrafia e Desenho; Aritmética; Elementos de
Geografia. ano: Latim; Português; Francês; Corografia do Brasil;
Aritmética. ano: Latim; Português; Francês; Álgebra; Geografia
Geral. 4º ano: Latim; Literatura; História Natural; Geometria; História do
Brasil. ano: Latim; Literatura; Física; Cosmografia; História
106
Universal. Além destas disciplinas havia também toda semana aulas
de Civilidade, Instrução Religiosa, Cantochão e Música.
b) Curso Teológico. Disciplinas: ano: Filosofia; História
Eclesiástica; Teologia Fundamental; Dogma. ano: Filosofia; História
Eclesiástica; Teologia Fundamental; Moral. ano: Teologia
Dogmática; Direito Canônico; Teologia Moral. ano: Teologia
Dogmática; Hermenêutica; Teologia Moral. ano: Teologia
Dogmática; Apologética; Teologia Moral. Além destas disciplinas
semanalmente havia: Liturgia; Eloqüência; São Paulo e três de
Cantochão.
No novo sistema de Peroneille, semelhante às universidades de hoje,
algumas disciplinas eram ofertadas de dois em dois anos, mas tendo caráter
obrigatório, permitindo o melhor aproveitamento do tempo dos professores que
eram poucos.
Assim a Corografia do Brasil e a Geografia Geral, a História do Brasil
e a História universal, a Geometria e a Cosmografia, a história
Natural e a Física, a arte literária e a arte oratória são estudadas
alternadamente de dois em dois anos com o mesmo lente. Deste
modo tem se poupado o trabalho de um professor, ou melhor ficaram
menos sobrecarregados os sete lentes apenas que lecionam no
Seminário Menor
185
.
Quanto aos melhoramentos físicos, houve a preocupação de se
ladrilhar de mosaicos, em 1911, alguns espaços do Seminário, asfaltar e
ajardinar outras e instalar bancos tornando áreas pouco usadas, em razão do
areal incômodo, mais aprazíveis e freqüentadas. Quanto à higiene, na cozinha
trocou-se, por exigência do inspetor de higiene pública, o tampo das mesas
que eram de madeira ladrilhadas com mármore, optando-se por tampos de
mármore, facilitando a limpeza. Sobre a distribuição d’água, mais algumas
modificações foram feitas. Anteriormente, não havia água encanada no prédio.
Isso forçava os criados a levarem em baldes água para os banheiros e
lavatórios do térreo e do andar superior, sendo tal serviço bastante trabalhoso.
Com a instalação do encanamento hidráulico, alimentado por um reservatório
que, por sua vez, era alimentado por um motor elétrico que sugava água de um
poço artesiano, o incômodo com o abastecimento interno d’água foi
solucionado.
185
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
184.
107
Tais melhoramentos feitos pelos três reitores ao longo dos anos
demonstram que eles usaram de todos os meios possíveis para tornar a Escola
o mais aprazível e cômoda possível, que a vida de clausura não era muito
fácil e necessitava de abdicação. Os entretenimentos, as mudanças nos
horários, o incremento de disciplinas, também demonstram a preocupação da
direção em tornar a escola mais moderna, assemelhando-a às escolas de
padrões europeus, e também mais adaptável com as necessidades e costumes
locais, procurando, certamente, evitar que os alunos do Seminário ficassem
defasados quanto ao ensino.
Além de tudo isso eram necessários empenho e dedicação, não só dos
reitores como também do grupo de professores que mais de perto observavam
como o ensino e as normas estavam influindo na formação dos alunos.
3.2 – Os professores
Das mãos dos lentes ou mestres do Seminário saíram outros
professores, diretores de escolas, pastores para todo o Ceará e Brasil.
Também foram instruídos aqueles que, recebendo as primeiras letras,
enveredaram por outros campos, como a Medicina, o Direito, o Jornalismo, o
comércio etc. Os professores eram, como em qualquer escola, as peças
fundamentais para que os objetivos com que fora criado o Seminário se
concretizassem.
Remontando às origens da Escola, por um Relatório de Presidente de
Província, de 1865, tem-se que os primeiros professores que oficialmente
tiveram o Seminário foram os padres Clycério da Costa Lobo, auxiliar do bispo
D. Luís, e os lazaristas Pe. Pedro Augusto Chevalier, seu primeiro reitor, e Pe.
Lourenço Enrile, seu auxiliar. É bem provável que logo no início dos trabalhos o
Pe. Fulgêncio, outro auxiliar de D. Luís, e o próprio Bispo tenham servido de
professores. Este relatório informa ainda que, nos primeiros meses de
existência, o Seminário não funcionava com todas as disciplinas, sendo que as
poucas que eram lecionadas estavam nas mãos dos três padres pouco
citados. Assim: Teologia Dogmática, Cerimônia e Escritura Sagrada estavam
com Lourenço Enrile; História Eclesiástica e Teologia Moral, com Chevalier; e
Cantochão, com padre Clycério. Havia ainda a aula de Direito Canônico que,
108
por esse tempo, não tinha sido aberta por falta de alunos habilitados. Afora
estas matérias do Curso Teológico, havia as do Curso de Preparatórios:
Retórica, Filosofia, Geografia, Latim, Francês e Música, para as quais não o
especificados os professores
186
.
Logo de início, é perceptível o fato de que o número de professores era
pequeno para a quantidade razoável das disciplinas. Ao longo dos anos, com a
insistência junto aos superiores da Congregação da Missão no Rio de Janeiro e
em Paris, o Bispo conseguiu mais alguns professores os quais, ao que tudo
indica, continuaram sendo em número insuficientes para dar conta dos
trabalhos e por isso mesmo alguns alunos, com melhor desempenho em seus
estudos no Curso Teológico, foram chamados a lecionar aos preparatoristas.
Essa prática, de utilizar como mestres (colaboradores) os seminaristas mais
adiantados e os formados, em muito ajudou na carência de professores,
tanto estrangeiros como de outras províncias.
Para suprir essa carência, uma qualidade que os professores deveriam
ter era a capacidade para ensinar várias matérias ao mesmo tempo, ou seja,
deveriam ser polivalentes. Segundo o Álbum,
Raríssimas vezes encontramos na Europa um professor com mais de
duas matérias a lecionar; dispõem de tempo de sobra para entregar-
se ao estudo desse ramo tão confuso de ensino, que requer o exame
comparativo dos textos e dos comentários. No Brasil o professor
deve ter excelente memória para recordar-se de quanto aprendeu
nos bancos de classe, porque não lhe sobeja tempo para uma
preparação demorada e razoável
187
.
Nos Preparatórios, do primeiro ao quarto ano, o conjunto de disciplinas
era ensinada por único lente. Por exemplo, no 3 º ano, eram sete as disciplinas
ensinadas pelo mesmo professor: Gramática Portuguesa, Latina e Francesa,
Geografia Geral, Aritmética e História Geral.
Ao total de professores que o Seminário mantinha por ano, variava de
ano para ano chegando no ximo a dez, como confirma Relatório entregue
pelo padre Hyppolito Gomes Brazil ao Presidente da Província, em 1870
188
.
186
Relatório com que foi entregue a administração da Província ao Excelentíssimo Sr. Dr.
Francisco Ignácio Marcondes Homem de Melo, Pelo Excelentíssimo Sr. Dr. Lafayete
Rodrigues Pereira, em 10 de junho de 1865, p. 11. In Internet:
www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html.
187
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
135-136.
188
Internet: www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html, Relatório do Cônego Governador do
Bispado, Hyppolito Gomes Brazil, em 12 de julho de 1870, p. 02. in: Fala com que o
109
Nove eram as cadeiras pagas pelo Governo ao Seminário (Teologia Moral,
Teologia Dogmática, Direito Canônico, História Eclesiástica, Liturgia e
Cantochão, Filosofia, Retórica, Eloqüência Sagrada, Francês e Latim)
189
, o que
perfazia um total de 9:000$000
190
, sendo que, por ano, cada lente poderia
receber a 1:000$000
191
, entretanto, pelos dados que possuo do Livro de
Receitas e Despesas
192
(1864-1885) não para dizer com certeza se todos
os professores recebiam essa quantia exata e se havia diferença entre os
vencimentos dos lazaristas e dos colaboradores. Na realidade os valores
correspondentes às despesas com os vencimentos dos lentes não batem com
o valor da quantidade deles por aquele ano; ou seja, em nenhum momento, o
gasto com professores chegou ao total de 9:000$000. Isso pode ser atribuído à
rotatividade de professores durante o ano, tema que tratei mais adiante, ou
mesmo que os mestres recebiam menos do que 1:000$000 reis.
Sobre a participação de professores europeus, brasileiros e cearenses
no corpo docente do Seminário, a partir dos dados que extrai do Álbum, de
1864 a 1912, constatei que, fora os reitores, lecionaram no seminário 77
professores, em períodos diferenciados, dos quais 13 eram lazaristas naturais
de outras províncias brasileiras, 27 eram colaboradores com formação no
próprio Seminário e 36 eram lazaristas europeus, sendo apenas um não
identificado em sua nacionalidade.
Comparando o número de professores brasileiros com o número de
estrangeiros, têm-se que, no período correspondente, 41 eram nacionais e 35
estrangeiros, ou seja, 52,5%. Do total de brasileiros, 65,8% eram cearenses.
Um dos fatores que pode ter favorecido na escolha de lentes nascidos no Brasil
Excelentíssimo Sr. Desembargador João Antonio de Araujo Freitas Henriques, abriu a
sessão da 18ª legislatura da Assembléia Provincial do Ceará no dia de setembro de
1870.
189
Relatório do nego Governador do Bispado, Hyppolito Gomes Brazil, em 12 de julho de
1870, p. 03. in: Fala com que o Excelentíssimo Sr. Desembargador João Antonio de Araujo
Freitas Henriques, abriu a sessão da 1legislatura da Assembléia Provincial do Ceará
no dia 1º de setembro de 1870. (Internet: www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html)
190
SEF/ SHE. Apontamentos Históricos sobre a Fundação e Conservação do Seminário de
Fortaleza Nesta Diocese (1894), p.03.
191
Comparando-se com outra instituição, o Liceu do Ceará, nessa segunda metade do século
XIX, o Governo provincial chegava a pagar entre 400$000 e 1:000$000 reis por ano a um
professor, entretanto tais valores poderiam ser acrescidos de gratificações que aumentava,
respectivamente, entre 500$000 e 6:000$000 reis o valor total anual recebido. Ver:
CASTELO, Plácido Aderaldo. História do Ensino no Ceará. Fortaleza: Departamento de
Imprensa Oficial, 1970, p. 129.
192
SEF/ SHE. Livro de receita e despesa do Seminário (1864-1886).
110
e, especialmente, na própria Província, foi a não-adaptação de alguns dos
professores estrangeiros ao clima cearense. Por exemplo, dos 35 que eram
europeus, 8, pelo menos ao que se sabe, não se aclimatando, ou voltaram para
a Europa ou foram para outras províncias brasileiras como o Rio de Janeiro e
Minas Gerais. Além disso, era comum que os estrangeiros fossem chamados a
exercer funções em outros seminários ou instituições dos lazaristas no Brasil
(como nos seminários da Bahia e do Caraça MG) ou mesmo em outros
países. Sobre esta última observação, não pude deixar de perceber que
geralmente eram os lazaristas estrangeiros que assumiam os cargos de
instituições e funções importantes. Por exemplo, o padre Bruno, natural de
Turim, assumiu o cargo de Reitor do Seminário da Bahia
193
; o padre Henrique
Combe foi chamado para assumir o noviciado dos lazaristas em Petrópolis
194
; o
holandês Guilherme Vaessen tomou em suas mãos a Diretoria das Missões do
Caraça e depois foi ser o Superior da Residência e dos trabalhos dos lazaristas
do Recife
195
, ou seja, por alguma razão os lazaristas estrangeiros eram mais
cotados para tais cargos do que os nacionais. Mesmo assim, os padres
cearenses que eram professores do Seminário podiam a qualquer momento
ser designados para pastorear em qualquer parte da Província ou mesmo do
Brasil, indo até mesmo ensinar em outros seminários.
Reforçando o que eu já havia escrito, entre os problemas que os
padres estrangeiros encontravam no norte, parecem ter sido o clima e as
enfermidades tropicais os mais preocupantes. No que se refere ao clima
mesmo entre os professores de outras províncias do Brasil, havia casos de
não-adaptação. Como exemplo, cito os padres João Marques de Oliveira e
Manuel Maria de Albuquerque Melo Matos, que ficaram no Ceará menos de um
ano indo para o sul do País
196
.
Sobre o assunto, no Álbum encontrei a seguinte afirmação:
193
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
74.
194
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
143.
195
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
145.
196
Por essa época, as temperaturas médias anuais eram: à sombra 26,7 ° C e ao sol de 35,8°
C, enquanto na Europa, dependendo do local, talvez não chegasse a uma média de 20° C
positivos, levando-se também em conta os invernos muito frios. BRASIL, Thomaz Pompeu
de Sousa. Op. Cit ., p.23.
111
O clima é a grande preocupação dos estrangeiros, que abordam em
nosso país, porque as febres dizimam grande número deles. Um
padre da Congregação ao deixar a sua pátria deseja ao menos
encontrar no estrangeiro o meio de poder devotar-se ao bem das
almas e de encher de méritos suas mãos sagradas. Muitos
entretanto, apenas começam a messe, são colhidos pela mão voraz
da morte, deixando o campo sem cultor
197
.
Como se percebe pela citação acima, acompanhando o problema
climático e, conseqüentemente, das secas, estavam as enfermidades de
caráter endêmico. Thomaz Pompeu informa que na segunda metade do século
XIX, no Ceará, a presença das doenças variavam com a localidade, sendo do
tipo intermitente, citando entre as quais as febres gástricas e catarrais, mais
verificadas entre o princípio e fins da estação chuvosa. Havia, entretanto,
também como preocupação para a saúde pública na Província, a doença de
caráter epidêmico conhecida como febre amarela que, surgindo em junho de
1851, na Capital, estendera-se ao resto do Ceará. Esta mesma enfermidade
retornou com grande força em 1892, permanecendo até 1924, quando
começou a ser neutralizada pela “Comissão Rockfeller contra a febre amarela”.
Em outros momentos (1862-1864), o lera-morbus surge com grande perigo,
ceifando a vida de 11 mil cearense
198
. Além dessas enfermidades, registra
Pompeu que as asmas, bronquites, oftalmias
199
, pleurises, pneumonias eram
outras que incomodavam a população provinciana, chegando em alguns casos
a matar 6% dos contaminados
200
. Por sua vez a varíola (bexiga) era outra
doença terrível que desde 1804 trazia mortandade entre os cearenses, sendo
que a seca de 1877-78 foi o período de maior gravidade, registrando-se em
Fortaleza o número de 27.378 óbitos
201
. No Livro de Matrículas do Seminário,
havia um item que discriminava se o aluno havia sido vacinado contra ou se
tinha contraído bexiga. Tal tipo de cuidado demonstra a preocupação com
possíveis manifestações epidêmicas entre os alunos. Em decorrência de tais
problemas sanitários pelos quais passou a Província, em determinado
197
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
23.
198
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: Reformas Urbanas e Controle Social
(1860-1930). 2
a
. ed, Fortaleza:Fundação Demócrito rocha, 1999, p.78.
199
Enfermidade atribuída as areias finas que cobrem o litoral que incomodam os olhos dado
aos fortes ventos, sendo presente também no Crato e em serras mais frias, talvez devido ao
mosquito, constituído-se em verdadeiro flagelo. BRASIL, Thomaz Pompeu de Sousa. Op.
Cit ., p.130.
200
Id.Ibdem., p.130-132.
201
PONTE, Sebastião Rogério. Op. Cit ., p.78.
112
momento, o Seminário teve que fechar as portas por alguns meses.
Provavelmente em conseqüência de um surto de febre amarela, em1866, as
aulas foram interrompidas até de junho do mesmo ano quando foram
retomadas
202
. Diante desse quadro, não era animador para nenhum lazarista
aportar em Fortaleza, fosse vindo da Europa ou de outras províncias, talvez se
tornasse um empecilho que dificultasse a vinda deles até mesmo para outras
regiões do Brasil, causando neles certo temor
203
.
Se havia preocupações com tais problemas mencionados, entretanto,
as muitas ocupações não lhes dessem tanto tempo para ficar pensando muito
nisso. Com as muitas aulas durante o dia, a vida de professor tornava-se bem
corrida, além de que de sete em sete dias de cada mês havia retiros para os
dois cursos (Preparatorista e Teológico), onde eram abordados determinados
temas religiosos, quando o reitor e os professores ministravam, cada um ao
seu dia, um tema para meditação dos alunos. Por exemplo, no dia 16 de março
de 1873, o padre Gonçalves ministrou aos preparatoristas “Servir a Deus na
adolescência”, sete dias depois, Chevalier ministrou aos teólogos “Tender à
perfeição”. E assim, muitos outros temas eram levados para meditação dos
alunos a fim de que eles se tornassem mais piedosos e obedientes
204
.
A ministração de temas nos retiros e aulas semanais não era tudo pois,
caia ainda sobre a responsabilidade de cada lente a vigilância sobre os alunos
a fim de que a disciplina fosse mantida nas horas livres dos recreios,
impedindo-se a comunicação entre os dois cursos e também que os
202
Relatório com que o Excelentíssimo Sr. Dr. Sebastião Gonçalves da Silva, primeiro Vice-
presidente da Província passou a administração ao Excelentíssimo Sr. Dr. Pedro Leão
Vellozo, no dia 16 de novembro de 1867 p. 17. (Internet:
www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html)
203
Entre os professores que sofreram de graves enfermidades indo a falecer em razão destas,
estão: Victor Boullard que chegando em maio de 1912, enfermando, foi-se para o Rio de
Janeiro em outubro, vindo a falecer em dezembro do mesmo ano; porém sua enfermidade
não é especificada; também é citado um padre de nome Alfredo Ottoni que apesar de não
padecer de enfermidade característica do local (tísico pulmonar ou tuberculose), é atribuída,
no Álbum, como agravante do seu estado de saúde a falta de descanso pelo forte ritmo de
trabalho a que se submetia; também sofreram da tísica os padres Pascal Dégert e Julio
Bastos, que, contraindo a doença no Sul, vieram buscar melhoras no Ceará em virtude da
“reputação que goza este clima de ser favorável a taes doentes” (pg. 143); e, por fim, houve
o caso do padre Michel Pazienza que contraiu tifo morrendo desta doença, apesar de não
existir surtos epidêmicos no Ceará de tal patologia.
204
SEF/ SHE. Livro do Conselho do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1935). Este
material é uma cópia digitalizada e impressa da fonte original que se encontra na Casa Mãe
dos Lazarista, Rio de Janeiro.
113
seminaristas procurassem lugares isolados
205
. Posso dizer que, dessa forma,
os lentes tornavam-se uma extensão dos olhos do reitor, mantendo o controle e
a ordem das relações pessoais e dos deslocamentos dentro da escola, que
essa vigilância era um meio de impedir o seminarista de freqüentar lugares a
que não era permitido o acesso em determinados horários, como os
dormitórios, por exemplo, que durante os horários de aula não podiam ser
freqüentados.
Além de ensinar e vigiar, alguns professores, mais especificamente da
ala dos colaboradores, achavam tempo para realizar outras atividades, como
participar do movimento abolicionista e escrever artigos para jornais. Dentre
estes que defendiam a causa abolicionista e escreviam nos jornais locais,
estavam os padres cearenses João Scaligero Augusto Maravalho e Bruno de
Figueiredo. Eles colaboraram de forma efetiva, escrevendo em jornais a favor
da abolição dos escravos. O primeiro foi para o sul do País, onde foi professor
em vários colégios no Rio de Janeiro e no Seminário de Porto Alegre. Ele
chegou a fundar um jornal, O Apóstolo, que uma vez foi empastelado em 1897,
sendo que tais perseguições o levaram a fugir para a Europa de onde retornou
depois para restaurar a folha. Chegou, também a escrever para os jornais
cearenses Tribuna Católica e A Constituição. O segundo lente escreveu artigos
para o Libertador. Outro padre, o Francisco Valdivino Nogueira, redigiu artigos
para A Luz e A Verdade
206
.
Nem todos os professores ficavam o resto da vida como mestres. por
exemplo, quando havia necessidade, os padres colaboradores deixavam seus
postos de professores e iam, enviados pelo bispo, tomar conta de igrejas por
todo Ceará ou mesmo em outras províncias do Brasil. Foi assim com o padre
Manuel Cândido dos Santos, natural de Saboeiro (Ceará), que lecionou entre
os anos de 1879 a 1890 e depois foi ser vigário em Barbalha e Baturité
207
. Em
outros casos, ao deixar de ministrar no Seminário, alguns tomavam nas mãos a
205
SEF/ SHE. Livro do Conselho do Seminário Provincial de Fortaleza (1864-1935).
206
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
75. Valdivino é considerado pelo historiador João Alfredo de Sousa Montenegro um dos
padres responsáveis pela introdução do tradicionalismo assistencialista no Ceará, ideologia
promulgada pela encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Ver: MONTENEGRO, João Alfredo
de Sousa. O Trono e o Altar: As Vicissitudes do Tradicionalismo no Ceará (1817-1978).
Fortaleza: BNB, 1992, p. 121.
207
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza – Ceará, 1914, p.78
e 79.
114
direção de escolas tanto na Capital como no resto do Ceará, prosseguindo na
função de mestres e diretores, como foi o caso do padre Bruno Figueiredo, que
dirigiu o Ateneu Cearense e depois fundou o Instituto de Humanidades com o
monsenhor Cruz Saldanha, chegando este último a ser professor do Liceu do
Ceará
208
. Além do pastorado e da área educacional, menciono o exemplo de
José de Arimatéia Cisne, que ensinou aos preparatoristas, mas mais adiante
entrou para a política, defendendo a candidatura de Franco Rabelo para
governador, em 1912, sendo eleito a deputado para Assembléia Estadual do
Ceará
209
. Assim, de acordo com os interesses e dons é que os colaboradores
escolhiam suas outras atividades quando saíam do seminário, podendo atuar
em diversas áreas, conforme já especifiquei há pouco.
Assim, envolvendo-se em muitas e diversas atividades dentro e fora do
Seminário, os professores da casa, apesar das adversidades, tinham um papel
importante na formação dos seminaristas: garantir-lhes a aquisição da cultura
necessária para desempenharem o papel de padres e mestres romanizados,
de forma a tornarem-se, como disse o Apóstolo Paulo, o seu amigo Timóteo,
“um exemplo dentre os fiéis”
210
. Para isso, precisavam estar preparados no
conhecimento das matérias e ser exemplares em obediência, além de atentos
para não haver desvios de comportamento.
3.3 – Os criados
Por fim, dentro do conjunto de pessoas que ajudavam no desenrolar de
todas as cenas da história do Seminário, havia uma classe que, apesar de ser
considerada formada por pessoas “bisonhas e inconstantes” e que “não sabem
as práticas mais triviais de seus misteres”
211
, atuava nos bastidores, longe dos
holofotes, indignos de sequer terem seus nomes citados em algum álbum
208
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p
p.76.
209
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p
p.152.
210
A Bíblia Sagrada. Taduzida em Português por João Ferreira de Almeida, Edição revista e
corrigida, Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília. DF, 1969 Primeira Epístola de São Paulo a
Timóteo, p.271.
211
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
140.
115
comemorativo. Seus nomes não figuraram na maioria dos documentos o que
dificulta escrever algo de mais consistente sobre eles. Estes são os criados.
Os primeiros indícios da existência de criados no Seminário, ou seja,
daqueles que eram responsáveis por preparar e servir a comida dos que ali
trabalhavam, residiam e estudavam, por zelar pela limpeza do prédio, por
providenciar água para os lavatórios dos banheiros, onde, no Artigo XI, os
estudantes são advertidos que deviam evitar
Toda e qualquer familiaridade com os criados, por isso não lhes
darão encomendas, não lhes entregarão roupa para ser lavada, etc.,
mas haverá uma pessoa designada para receber todas as
encomendas, que as transmitirá ao comprador do seminário do qual
as receberão para entregá-las aos seus donos. O sábado à tarde é o
dia designado para entregar a roupa servida e receber a lavada
212
.
Por esse tipo de declaração, é simples entender que os criados o
deviam ser vistos como pessoas de total confiança, e, que os seminaristas
não deviam ter “familiaridade” com eles, era porque deviam representar, na
visão da direção do Seminário, certo perigo para a formação dos rapazes.
Dessa forma, procuravam, os padres, garantir sempre as melhores influências
possíveis para o convívio diário dos jovens.
Pelos documentos examinados, não foi possível saber que tipos de
requisitos (morais e técnicos) deveriam preencher as pessoas que faziam parte
desse quadro, mas parece que elas eram, pelos menos do ponto de vista de
quem compôs o Álbum Histórico, pessoas que, às vezes, não tinham
experiência suficiente para realizar as tarefas que lhes eram confiadas
213
. Era
por isso que no Seminário havia a função de procurador, dada a um dos
padres, ou seja, uma espécie de mordomo, que gerenciava os trabalhos,
sendo que esse podia ser um dos próprios professores, como no caso do
padre lazarista Alfredo Ottoni.
Em outro documento, um Relatório de 1870 do Presidente da Província
do Ceará, que se refere ao Colégio Ateneu Cearense, escola localizada na
Capital, um declaração que se assemelha à anterior encontrada no Álbum:
o diretor do colégio, o senhor Manoel Theóphilo da Costa Mendes, também fez
menção à dificuldade de se conseguir bons criados que realizassem bem suas
212
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
55.
213
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p
140.
116
funções
214
. Não sendo especificadas as funções a que se atinham esses
criados, nos casos analisados temos um indício da falta de qualificação dessa
mão de obra. Para suprir em parte esse inconveniente, o Seminário possuía o
“procurador”, que pela “incompetência” desses serviçais, muitas vezes, era o
mesmo obrigado a servir de “copeiro, despenseiro e até cozinheiro”
215
.
Pela falta de dados, é natural que não seja possível tratar muito sobre
essa classe. Além das pistas acima e de poucas fotos apresentadas no
Álbum
216
, existem algumas imagens desses criados, mas a outra fonte que diz
também um pouco mais é o Livro de Receitas e Despesas do Seminário. Nesta
última, os nomes deles e seus respectivos salários, sendo possível,
também, ter-se uma margem de quanto se gastava ao ano com o familiar.
Eram todos do sexo masculino. Entre eles, havia o Narciso, o Manuel,
o Libâneo, o Anselmo, o Benedicto, o Costa, o Belchior, o Cícero, todos nomes
citados sem apresentar sobrenome, o que indica que eram pessoas simples,
talvez de famílias sem expressão social, como se podia esperar pela função
que tinham. Em comparação com o salário dos professores do Seminário
(83$333 reis), não recebiam muito, seus vencimentos estavam perto de 6$000
a 30$000 reis por mês, certamente dependendo do tipo de trabalho que
faziam. Além dos vencimentos normais, registro de pagamento de rias
aos criados
217
e até aos pedreiros e carpinas
218
que trabalharam na obra de
expansão do Seminário. Esse tipo de tratamento dado aos trabalhadores
demonstra uma visão moderna nas relações trabalhistas entre a direção do
Seminário e seus funcionários. Quanto aos totais gastos com os criados por
ano, não existe uma constância nos percentuais, mas a média dos valores que
dentre os anos de 1865 a 1885 estava em torno de 4,9 % do total das
despesas anuais; bem menos do que se gastava com os professores. Talvez,
214
Relatório do Diretor do Ateneu Cearense. Manoel Theóphilo da Costa Mendes. In: Fala com
que o Excelentíssimo Sr. Desembargador João Antonio de Araujo Freitas Henriques abriu a
sessão da 18ª legislatura da Assembléia Provincial do Ceará, no dia de setembro de
1870, p. 04. (Internet: www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html)
215
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
140.
216
SEF/ SHE. Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p.
42 e 62.
217
SEF/ SHE. Livro de receita e despesa do Seminário (1864-1886). Despesas do mês de
março de 1867.
218
SEF/ SHE. Livro de receita e despesa do Seminário (1864-1886). Despesas do mês de
dezembro de 1867.
117
pelo fato de os vencimentos não serem altos, esse tipo de função não atraísse
gente mais qualificada para ocupá-lo.
Todo este corpo operacional, que se estende desde o reitor até os
criados, compunha a engrenagem que visava a assegurar o funcionamento
desse instituto de formação ultramontana. O objetivo não era simplesmente,
entretanto, fazer funcionar uma escola e sim r em prática um projeto de
formação clerical que se encaixasse na visão do cristianismo romanizado
(tridentino). Não era simplesmente multiplicar o número de padres, mas formar
o máximo possível de indivíduos em condições de defender os ideais da Igreja
reformada. Para isso, a escola precisava vencer os obstáculos causados pelos
fatos políticos e socioculturais locais, como o Padroado, a Proclamação da
República e a expansão do modernismo laicizante na sociedade, a falta de
professores. Com tantas mudanças materiais e intelectuais na sociedade, e
sendo a realidade interna da Instituição afetada de uma ou outra forma por
elas, a direção do Seminário procurou, na medida do possível e do aceitável,
reformar as estruturas funcionais da escola, tentando adequar-se aos novos
tempos, fosse trocando o sistema de iluminação, fosse procurando melhorar o
sistema de distribuição de água pelo prédio, acrescentando matérias na grade
curricular, adaptando os horários à realidade climática local. Tudo era feito
para melhorar o ambiente, o ensino, conquistar a confiança da sociedade, mas
sempre com a velha intenção por trás da renovação da maquiagem: a defesa
de uma sociedade mais voltada para os valores religiosos que a Igreja
defendia, longe das revoluções e de posturas anticlericais. A não-reformulação
do regulamento interno, ou do Diretório, exemplifica bem a insistência da
defesa dessa linha de pensamento. Portanto, no cerne da organização, que ia
da estruturação do prédio até a contratação de criados, estava o desejo de
perpetuar, com a formação dos jovens, idéias que poderiam ser usadas a favor
dos objetivos da Igreja.
3.4 - Os seminaristas: perfil socioeconômico e os números de formação
Provavelmente desconhecendo de inicio os objetivos político-religiosos
que a Igreja tinha por traz da criação do Seminário, os rapazes vinham de
todos os cantos do sertão e do litoral cearense, sendo ainda que um ou
118
qualquer outro de outra província (Pernambuco, Piauí e Paraíba) também vinha
estudar no Instituto. Eram jovens entre 12 e 30 anos que, ou por se sentirem
vocacionados ou pressionados por seus pais, vinham enclausurar-se e
preparar-se ou para uma vida diferente da grande maioria dos que os
cercavam ou para receber o ensino referente ao ensino secundário a fim de
depois estudar em alguma academia fora ou dentro do Brasil. O que mais
posso dizer desse grupo de jovens, entretanto, que ocuparam os bancos dessa
escola entre 1864 e 1912? Respondendo a esta questão, nesta seção pretendo
comentar sobre alguns aspectos gerais que me permitam ter um esboço de
quem era a maioria desses moços.
Partindo de um levantamento
219
que relaciona o local de nascimento
com a respectiva quantidade de padres formados entre 1864 a 1912, montei
uma tabela com dados para saber de onde provinha a maioria dos
seminaristas. De acordo com os dados, a maioria dos padres formados pelo
Seminário (mais de 70%) originava-se do interior da Província, o restante
procedia das cidades mais ao litoral, e, dentre o total, se destacam os cinco
principais centros econômicos da Província (Aracati, Sobral, Crato, Icó e
Fortaleza
220
), com 43,6% das ordenações, entre 1864 e 1914. O restante
(56,4%) procedia de outros 38 municípios e três outras províncias do norte
(Pernambuco, Piauí e Paraíba), tornando relevante o número oriundo das
outras cinco cidades. O que quero mostrar com esses números?
Considerando, ainda, que a maioria dos seminaristas pagava pelos estudos,
219
Esse levantamento foi feito cruzando dados referentes às ordenações registradas no Álbum
Histórico do Seminário Episcopal do Ceará. Fortaleza Ceará, 1914, p. 203 a 209 e nas
Biografias de padres do Dicionário Bio-bibliográfico de Guilherme Studart (Ver STUDART,
Guilherme. Dicionário Bio-Bilbiográfico do Ceará. Fortaleza: Typ. Minerva, 1915).
220
Aracatí, durante muitos anos, especialmente durante o período colonial, foi um importante
entreposto comercial na Província, desenvolvendo o preparo do charque (carne-de-sol),
exportando-o para outros centros e abastecendo o mercado consumidor interno
(Pernambuco, Bahia e rio de Janeiro). Sobral desenvolveu-se como grande centro coletor
de algodão e matérias-primas que, na segunda metade do século XIX, eram transportadas
pela estrada de ferro Sobral-Camocim para serem embarcadas no porto. No caso do Crato,
esta teve sua importância econômica dadas as condições climáticas favoráveis, permitindo
a produção de cana-de-açúcar. Fortaleza, embora não tivesse importância quanto à
produção de algum produto, a partir de 1866, alcançou seu desenvolvimento comercial com
a exportação do algodão pelo porto local. Como centro coletor e exportador desse produto e
de outros que vinham do interior cearense (açúcar, couros e café) e por ser o centro
administrativo da Província, Fortaleza, na segunda década do século XIX, ultrapassou
Aracatí em importância comercial, garantindo sua hegemonia político-econômica sobre as
outras localidades da Província (ORIÁ, Ricardo e JUCÁ, Gisafran. De Forte a Vila e Cidade
(1603-1889). In Fortaleza A gestão da Cidade. Fortaleza: UFC/NUDOC. Fundação
Cultural de Fortaleza, 1985, pg. 23 e 24).
119
penso que a maioria dos seminaristas da Prainha pertencia às famílias mais
abastadas da Província.
Tabela I – Número de ordenações por localidade (1864-1914)
Localidade Nº de Pes.
Formados por
localidade
Quant
%
Assaré, Aurora, Campo Grande, Canindé, Conceição,
Cococy, Ibiapina, Viçosa, Iguatu, itapipoca, Mulungu,
Piauí, Riacho do Sangue, Russas, São Mateus, Santa
Quitéria, S. J. do Príncipe, Tamboril, Trairí, Várzea
Alegre, Ipu.
01
21
13,6
Barbalha, Baturité, Cascavel, independência, Limoeiro,
Maria Pereira, Paraíba.
02 14 9,1
Jaguaribe-Merim, Arneiroz. Quixeramobim e
Pernambuco.
03 12 7,8
Jardim, Saboeiro, Maranguape. 04 12 7,8
Russas. 05 05 3,2
Santana do Acaraú e Milagres. 07 14 9,1
Lavras. 09 09 5,8
Fortaleza, Crato 10 20 12,9
Icó, Sobral. 12 24 15,6
Aracatí. 23 23 15,1
Total 154 100
Levando em conta a realidade econômica das cinco regiões
destacadas no parágrafo anterior e os números correspondentes à quantidade
de seminaristas que se formaram e pertenciam a esses lugares, e com base
ainda em informações de José Murilo de Carvalho sobre o assunto, penso dizer
que a maioria dos alunos do Seminário proveio de duas categorias familiais: de
famílias de muitos recursos ou de famílias de recursos menores.
Comentando sobre a realidade de formação dos jovens situados no
Brasil do culo XIX, José Murilo de Carvalho, informa que, para o caso dos
seminaristas procedentes de famílias abastadas, muitas vezes, eles passavam
pelo seminário objetivando fazer o curso de Preparatórios (educação
secundária) para depois ingressar em um curso superior no Brasil ou na
Europa, podendo escolher, na maioria das vezes, entre os curso de Direito e de
Medicina. Para freqüentar tais escolas na Europa, deveriam pagar anuidades
por cinco (Direito) ou seis anos (Medicina), o que exigia grande soma de
recursos financeiros da família do aluno. No caso dos jovens de famílias de
menos recursos, após os preparátórios, esses estudantes ou seguiam a
carreira eclesiástica, continuando no Curso Teológico, ou podiam ingressar na
120
Escola Militar, para uma carreira no exército, ou na escola Politécnica ou na
Escola de Minas, para uma carreira técnica. Segundo o autor,
Nenhuma dessas escolas cobrava anuidade, a Escola de Minas dava
bolsas para alunos pobres e à Escola Militar pagava pequeno soldo
aos alunos. Alguns dos mais capazes políticos do Império seguiram
esse caminho, salientando-se o caso do visconde do rio Branco, ex-
aluno da Academia Militar
221
.
Fora desses grupos de famílias, havia também aqueles que,
aparentemente, não tendo condições de pagar as mensalidades cobradas pela
instituição, eram apadrinhados pelo Seminário. Por um relatório apresentado
pelo padre Hipolyto Brazil (governador interino do Bispado cearense na
ausência do bispo D. Luís) ao Presidente de Província, em 1870, constatei
que, pelo menos nesse ano, do total de 102 alunos matriculados, 15 eram
“sustentados pelo Seminário”, sendo que os demais pagavam “mensalidades”
(ou anuidades) de 25$000 reis
222
no mínimo, podendo estas variar ainda até
75 mil reis (como encontrei registrado no Livro de Receitas e Despesas do
Seminário). Pelos decretos do Concílio de Trento, essa abertura para aceitar-
se jovens pobres era permitida
223
, mas acredito que jamais o número
daqueles que não pagavam seus estudos no Seminário fosse algo acima do
número dos pagantes, pois, para um seminário do porte do da Prainha
funcionar com regularidade, além dos recursos destinados pelo Governo
imperial para manter as cadeiras e das esmolas destinadas às Obras de
Vocações Sacerdotais, parece ser impossível manter a Casa sem a cobrança
de mensalidades da maioria dos alunos. Afirmo isso porque vejo que, de toda
a receita do Seminário entre os anos de 1865 e 1885, a renda gerada pelas
mensalidades chega em média a quase 60% do total dos recursos obtidos.
Considerando-se ainda que, em quase todos os anos desse interregno, o
casarão era ampliado em sua estrutura física e se faziam novas aquisições de
materiais domésticos (pratos, talheres etc), para o seu bom funcionamento, era
necessário ter-se uma boa receita a cada ano, admitindo-se que as despesas
com essa e outras coisas consumiam quase totalmente a receita.
221
CARVALHO, José Murillo de. A Construção da Ordem: Teatro de Sombras. Rio de Janeiro:
UFRJ / Relume Dumara, 1996,p. 65.
222
Relatório do Cônego Governador do Bispado, Hyppolito Gomes Brazil, em 12 de julho de
1870, p. 02. in: Fala com que o Excelentíssimo Sr. Desembargador João Antonio de Araujo
Freitas Henriques, abriu a sessão da 1legislatura da Assembléia Provincial do Ceará
no dia 1º de setembro de 1870. (Internet: www.crl.uchicago.edu/info/brazil/cea.html).
223
LUIZETTO, Flávio. Reformas religiosas. São Paulo: Contexto, 1989, p. 61 – 65.
121
Além desses dados, em biografia, escrita por Guilherme Studart, do
padre Miguel Tavares Campos, outro indício mostrando que eram
aceitos alunos não pagantes dependendo das condições financeiras do
Seminário. Em 1889, o bispo D. Joaquim José Vieira havia prometido a
entrada gratuita do jovem Miguel no Seminário, vindo com este fim, de
Santana do Carirí para Fortaleza. Ao chegar aqui, porém, teve frustradas as
suas esperanças em virtude das “dificuldades financeiras em que se achava o
Seminário naquele ano”. Depois de alguns meses, tendo tomado
conhecimento de que o Bispo do Rio de Janeiro recebia moços pobres no
Seminário desta cidade, foi até a mesma onde foi recebido pelo reitor da
escola. Depois de sete anos de estudo era consagrado presbítero. Como é
simples perceber, não o Seminário recebia moços pobres, mas também
outros seminários do País, dependendo, é claro, das finanças de cada
escola
224
.
É pena não ter sido possível mensurar o quanto realmente podiam
pesar os valores dessas mensalidades no orçamento das famílias dos alunos,
mas, tentando vislumbrar por outro ângulo o que estou afirmando, ou seja, de
ser a maioria dos alunos do Seminário provindo de famílias “boas”, no Livro de
Matrículas, registrado na ficha de cada aluno se eles detinham capacidade
de ler e escrever, se sabiam Francês, Latim ou Aritmética, e, de acordo com
isso, entravam no ano de ensino correspondente ao de seu aprendizado. Em
análise feita nas fichas que correspondem aos matriculados entre os anos de
1864 a 1871, constatei que cem por cento dos alunos tinham o ensino
primário, correspondente ao das primeiras letras, apesar de uma minoria ter
conhecimento de Latim e Francês. Tomando como ponto relacional a esses
dados outras duas realidades o quadro educacional e os estímulos e
dificuldades que os jovens pobres da Província tinham para ingressar no
mundo do ensino primário – vou ver se consigo melhorar meus argumentos.
Em primeiro lugar, fazendo uma rápida investigação sobre o quadro
educacional da Província durante o século XIX e parte do XX, está claro que
sempre foram poucas as aulas públicas de ensino primário no Ceará para
atender a demanda das crianças. Estando esses recursos educacionais,
224
STUDART, Guilherme. Dicionário Bio-Bibliográfico do Ceará. Fortaleza: Tipografia Minerva,
1915, v. 02, p. 392-393.
122
geralmente, localizados nos povoados, vilas e cidades mais importantes
(política e economicamente falando), como Aracatí, Sobral, Icó, Crato e
Fortaleza, localidades dominadas pela elite rural e urbana, parte desse grupo
se aproveitava das mesmas oportunidades para instruir seus filhos, ou seja, os
estes ocupavam em maior número os bancos escolares, sem considerar que
alguns tinham os próprios professores particulares.
Considerando, em segundo lugar, que, diferentemente da elite, era em
menor número a quantidade de crianças das camadas pobres a freqüentar as
escolas, especialmente no caso das áreas rurais, penso que alguns fatores
desestimulavam essa camada da população a buscar a instrução dos filhos.
Entre os elementos que causavam esse desinteresse, Djacir Menezes destaca
o fat de que os conhecimentos escolares que poderiam ser adquiridos em
nada contribuíam para alterar a condição real de vida que tinham aqueles que
dependiam da agricultura para sobreviver, ou seja, tais conhecimentos em
pouco contribuíam em sentido prático para o trabalho agropecuário, que exigia
conhecimentos ensinados oralmente de geração a geração, levando tal
camada da população a não valorizar as parcas oportunidades
225
. O autor
escreve:
A agricultura e a lavoura dependiam de processos antigos de
conhecimento empírico que se vinha transmitido de geração a
geração. A escola, com seu centro de gravitação no aprendizado de
ler e escrever, era uma inutilidade para a vida prática que se
desenvolvia em torno. Os interesses não a penetravam. E quanto
tempo ainda se levaria para compreender essa verdade a da
penetração recíproca e vital entre o meio social e o órgão escolar
226
!
É claro que não é correto dizer que essa visão conformista era geral
entre as famílias pobres. Talvez havia, esse tipo de argumento seja até
simplório e preconceituoso, pois certamente outros fatores que
desestimulavam as camadas mais pobres à busca de uma educação melhor
para seus filhos. Considero que, além da ignorância a impedir que alguns
vissem a necessidade de melhorar o nível educacional dos seus
225
MENEZES, Djacir. A Educação no Ceará: repasse histórico-social (das origens coloniais a
1930). In: MARTINS FILHO, Antonio e GIRÃO, Raimundo. O Ceará. edição: Fortaleza,
Editora Instituto do Ceará, pg. 350 – 360. ver ainda: ALVES, Joaquim. O Ensino Primário na
Primeira Metade do Século XX. In: MARTINS FILHO, Antonio e GIRÃO, Raimundo. O
Ceará. 3ª edição: Fortaleza, Editora Instituto do Ceará, pg. 361 – 368.
226
MENEZES, Djacir. A Educação no Ceará: repasse histórico-social (das origens coloniais a
1930). In: MARTINS FILHO, Antonio e GIRÃO, Raimundo. O Ceará. edição: Fortaleza,
Editora Instituto do Ceará, pg. 350 – 360.
123
descendentes, a realidade do homem do sertão era muitas vezes de grande
dificuldade, para não dizer de miséria, em virtude do estado de dominação dos
agregados, e até dos pequenos proprietários de terras, aos grandes
fazendeiros e as relações de trabalho que mantinham. A pouca quantidade de
aulas públicas, a seca e o período de colheita, que exigia todos os braços da
família no trabalho, entre outras coisas, devem ser levados em consideração
como elementos que enfraqueciam o estímulo aos estudos. Diante desse
quadro, acentuo que se havia poucos freqüentadores da camada pobre nas
aulas públicas, então, a grande maioria das vagas era preenchida com os
filhos das famílias de mais recursos da região, que tinham tempo e incentivo
para tal atividade
227
.
Em um texto – O Ceará na segunda metade do século XIX – de
Celeste Cordeiro, a autora coloca que, nesse período, a educação dos filhos
era “ponto de honra” para os fazendeiros, especialmente se com um título de
padre ou de doutor eles poderiam galgar investiduras políticas para defender
os interesses e privilégios de suas famílias. Tendo essa visão e tentado
acompanhar as mudanças políticas e culturais de sua época que essa elite,
para manter o status da família, investiu em seus filhos para os bacharelar em
outras províncias e na Europa, favorecendo-se dos meios educacionais
disponíveis dentro e fora do Brasil
228
. Sendo o Seminário de Fortaleza um dos
institutos da Província que, na segunda metade do século XIX, oferecia boa
qualidade de ensino, é bem possível que a Instituição possa ter sido usada
pela elite, não agrária mas também urbana, como um meio de educar seus
filhos com esse propósito político. Inicialmente o Seminário poderia garantir a
formação secundária dos filhos (no Curso de Preparatórios) para que, depois,
eles, ou concluindo o Curso Teológico, ou entrando nas academias de Direito,
Medicina etc, pudessem, quem sabe, ocupar cargos de expressão política na
Província.
227
Ainda sem querer generalizar, mas mais como constatação, no estudo de algumas
biografias de padres formados no Seminário (apenas 26 de 154 registros), vi que alguns
eram filhos de fazendeiros e militares (coronéis, tenentes, majores), outros eram filhos de
comerciantes dos núcleos urbanos cearenses, o que pode indicar a possibilidade de ser
considerável a quantidade de seminaristas que pertenciam a famílias de condições
economicamente superiores à maioria da população da Província.
228
CORDEIRO, Celeste. O Ceará na segunda metade do século XIX. In: SOUZA, Simone.
Uma Nova História do Ceará. 2ª edição, Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002, p. 137.
124
Sem querer defender a tese de serem políticas as razões que levaram
os jovens, ou mais especificamente seus pais, a usar o Seminário como
trampolim para outras carreiras profissionais, posso afirmar que, em alguns
casos, quando não optavam pela vida clerical, os jovens seguiam para outras
vocações e alguns poucos ingressavam posteriormente na política. No Álbum,
encontrei uma pequena lista de 101 nomes de ex-alunos que estudaram no
Seminário entre 1864 e 1912 e que, depois de abandonarem o Seminário,
procuraram outros campos profissionais. Como exemplo, há, o doutor Antonio
Pacheco Mendes, nascido em Aracatí, que, depois de concluir o Curso de
Preparatórios e entrar no Curso Teológico, antes de receber a tonsura “preferiu
a carreira de médico”, partindo para a Bahia em 1872. Mais tarde, ele foi eleito
deputado à Assembléia Constituinte da Bahia. Também o caso de Eugênio
Gomes de Matos, que fez até o primeiro ano de Teologia, tonsurou-se, mas
desistiu da carreira eclesiástica para ser médico
229
.
Faltam-me informações biográficas suficientes que me forneçam um
número preciso de quantos desses ex-alunos ingressaram na política. Dos 101
nomes encontrados no Album, apenas 42 se encontram no Dicionário Bio-
Bibliográfico, principal fonte de biografias. Desses 42, apenas 3 são descritos
como seguindo nesse rumo. No sentido de uma análise das profissões mais
cotadas por esses, entretanto, confirmando a tendência nacional para o século
XIX, tem-se que, dos 101 registros, 28 % escolheram Medicina e 14% Direito,
totalizando 42%. Em seguida, as outras preferências profissionais que se
destacam são: o comércio com 13%; as armas, com 8%; a arte farmacêutica
com 6%; o magistério com 5%. O emprego público (em áreas que não exigiam
nível superior), 8% do total, também foi outra opção para aqueles que não se
sentiam vocacionados.
Ao referir-me à desistência da carreira eclesiástica e ao mencionar o
número de 101 ex-alunos, é importante dizer que, além desses, muitos outros
moços optaram por não serem padres. Na verdade, o total é bem elevado,
especialmente levando em consideração o número dos que receberam as
ordens no período estudado. Não possuo o mero de desistências para todos
os anos que vão de 1864 a 1912, entretanto os dados que tenho revelam como
229
STUDART, Guilherme. Op. Cit. vol. 01, p. 113 e 251.
125
era difícil a obra das vocações sacerdotais no Ceará. Sobre esse problema, em
1878, D. Luís queixou-se ao Ministro do Império em um de seus relatórios
sobre a situação da religião no Ceará. Nesse ano a Província do Ceará estava
com 63 freguesias, das quais 14 eram ocupadas por vigários colados e 49 por
vigários encomendados, sendo que somente oito tinham coadjutores. Nessas
condições, D. Luís expressou no seu relatório que muitas outras freguesias
deixavam de ter coadjutores
Por falta de sacerdotes disponíveis a quem nomear, falta que
continuará esta diocese a sofrer ainda por algum tempo à vista da
escassez de vocações para o sacerdócio e conseqüentemente do
pequeno número de moços que recebem o sacro presbiterado
anualmente... Tenho mesmo deixado de assentir na criação de
outras [freguesias] que reputo necessárias...
230
.
Por meio do estudo de alguns relatórios enviados pelo Bispo ao
Presidente da Proncia e Ministro do Império, de dados do Livro de Matrículas
e do Álbum, pude perceber que o índice de desistência em alguns momentos
chegava a mais de 30 % das matrículas feitas ao ano. Por exemplo, em 1887,
a desistência foi de pouco mais de 32 % dos alunos matriculados. O ano letivo
anterior (1886) havia terminado com 104 alunos. No ano seguinte (1887),
foram matriculados 39, somando 143 alunos no total. No final do ano de 1887,
no entanto, o curso terminou com 95 seminaristas, ou seja, 46 moços tinham
deixado o Seminário, sendo que somente um havia sido ordenado. Acontecia
que, como expresso no capítulo anterior, muitos deles simplesmente não
voltavam mais depois das férias, uns eram mandados de volta aos seus pais
por serem indisciplinados e outros, como referido pouco, terminavam os
preparatórios e iam as faculdades de Direito ou de Medicina.
Para dar uma visão mais abrangente do número de desistências,
atente-se mais para o seguinte: o volume de matrículas na maioria dos anos
era bom, mas ao final dos anos os moços iam desistindo da vida eclesiástica.
De acordo com os dados que extrai do Livro de Matrículas e do Álbum, de
1864 a 1914, foram matriculados no Seminário 1406 alunos, entretanto, em
meados de 1914, o Seminário havia ordenado apenas 154 seminaristas (ver
tabela II); ou seja, cerca de 11% dos alunos matriculados entre 1864 e início
de 1914 concluíram o Curso Teológico, ordenando-se. É certo que esse
230
SEF/ SHE. Registro dos Ofícios Designados ao Ministério, Presidente da Província e Mais
Autoridades. P. 92.
126
número não representa a quantidade de sacerdotes do Ceará desse período,
(pois outros 196 sacerdotes foram ordenados aqui tendo sua formação em
outros seminários do País, como o da Bahia e o de Olinda) mas acho bem
reduzida a percentagem de formação para o tamanho do empreendimento que
foi erguer e manter o Seminário durante todos esses anos. Na verdade, numa
perspectiva puramente financeira, tal empreendimento pode ser visto como
altamente dispendioso, especialmente pelo pouco retorno obtido. Para ilustrar
o que estou registrando, tomando apenas as despesas do Seminário com
alimentação, professores e criados no ano de 1873 (ano em que o Seminário
consegue preencher quase que totalmente suas 150 vagas) e dividindo-se o
valor total pelo número de alunos que estudou nesse ano na escola, constado
que, nesse ano, cada aluno custou ao Seminário pouco mais do valor
correspondente a uma mensalidade (anualidade) de 75$000 reis. Então, cuidar
das vocações sacerdotais parece ter sido um investimento caro para a Igreja
no Ceará, mas que quantitativamente não teve grandes retornos.
Para amenizar essa impressão negativa que os números podem
trazer, se considerá-los de forma qualitativa, levando-se em conta o fato de
que esses poucos sacerdotes formados parecem ter sido de grande valia, não
para a Diocese do Ceará mas também para outras dioceses do norte e sul
do Brasil. Materializando em números, dos 154 padres formados pelo
Seminário para o período estudado, 31 deixaram a Diocese para servir em
outras partes do Brasil. Das localidades que mais receberam esses padres, o
Rio de Janeiro se destaca em primeiro lugar, por onde passaram 18 desses
sacerdotes. Em segundo lugar está o Amazonas, com 9 sacerdotes. Em
terceiro, encontram-se o Maranhão e o Pará, com 6 padres cada um. Ressalte-
se que um mesmo padre poderia servir em várias províncias/estados do Brasil
por vez. Por exemplo, o padre José Lourenço da Costa Aguiar foi cura da
de Fortaleza até 1876, deixando essa função para ser cônego da Catedral do
Pará a pedido do bispo D. Antonio Macedo Costa. Depois foi nomeado para
vigário Geral do Amazonas, cura da de Belém, chegando a 1° bispo do
Amazonas.
Para estar no rol dos que bem serviram a Igreja, porém, não é
necessário haver se deslocado para outras regiões fora do Ceará. Isso apenas
me ajuda a aquilatar o grau de aceitação dos sacerdotes formados na Prainha.
127
Por isso, nas biografias de outros padres, encontrei histórias de obediência,
abnegação e de grandes serviços prestados à Igreja no Ceará. Como
exemplos, cito os padres Francisco Maximo Feitosa e Castro e João Dantas
Ferreira Lima. De acordo com Guilherme Studart, o biógrafo dos dois
sacerdotes, o primeiro, depois de ter sido ordenado em 1873, foi paroquiar na
localidade de seu nascimento, Cococy, em Arneiroz (Ceará). No período da
grande seca de 1877 e 78, ele se viu em grande aperto especialmente por ver
seus paroquianos abandonarem a localidade em conseqüência das
dificuldades. De acordo com Studart, o sacerdote foi aconselhar-se com D.
Luís, que lhe disse: “’enquanto houver dois, ou três parochianos seus, não os
abandone’”. Essa ordem do Bispo faz sentido, ao se ver que, durante esse
mesmo período, no Crato, alguns missionários lazaristas que faziam parte do
corpo docente do Seminário Menor do Crato voltaram para a Capital, fugindo
da seca. Isso repercutiu negativamente entre os populares. Alguém, inclusive,
qualificou a saída dos lazaristas de “’deserção de soldados em frente ao
inimigo’”
231
. Pois bem, o Padre abnegadamente obedeceu ao Bispo, ficando
na localidade com as duas famílias de velhos que restaram, havendo
momentos em que ele teria passado tão grande necessidade que chegou a se
alimentar de “raízes silvestres, maças de cravatá e mucunã”
232
. É claro que
não se pode generalizar para os demais sacerdotes o exemplo do padre
Francisco Máximo, mas pelo menos é uma amostra de incorporação do
sacerdócio e de respeito à hierarquia eclesiástica.
231
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. 2 ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p.
69.
232
STUDART, Guilherme. Op. Cit. vol. 01, p.417.
128
TABELA II – Matrículas e Ordenações
Ano 1864
1865
1866
1867
1868
1869
1870
1871
1872
1873
1874
Matrículas 26 39 27 17 21 32 28 46 52 45 25
Ordenações 1 0 0 0 3 6 13 5 6 9 4
Ano 1875
1876
1877
1878
1879
1880
1881
1882
1883
1884
1885
Matrículas 20 6 12 2 4 15 14 18 41 44 35
Ordenações 8 3 3 2 8 6 5 3 2 2 2
Ano 1886
1887
1888
1889
1890
1891
1892
1893
1894
1895
1896
Matrículas 29 37 34 27 14 17 26 26 40 61 38
Ordenações 0 3 2 3 1 2 5 0 3 4 0
Ano 1897
1898
1899
1900
1901
1902
1903
1904
1905
1906
1907
Matrículas 24 35 10 13 32 29 13 32 28 28 36
Ordenações 1 4 2 1 3 4 7 2 3 2 1
Ano 1908
1909
1910
1911
1912
1913
1914
Total
Matrículas 26 30 29 41 38
31
13
1406
Ordenações 3 1 2 1 2
0 1
154
Quanto ao segundo caso, o do padre João Dantas, ele tem em seu
currículo um grande número de obras prestadas à Diocese do Ceará. Depois
de haver recebido o presbiterato em novembro de 1870, foi capelaniar a matriz
de Mulungu, onde passou oito anos. Depois, em 1884, foi nomeado vigário da
freguesia de Ipueiras, passando dois anos e seis meses, onde construiu um
cemitério, fez melhoramentos na matriz, construiu uma capela no povoado de
Várzea Formosa e vários oratórios privados para facilitar a desobriga da
extensa freguesia. Em 1886, foi removido para Uruburetama, permanecendo
pouco mais de dois anos. Em março de 1889, foi nomeado Capelão-Tenente
do Corpo Eclesiástico do Exército. Com o advento da República em 1890, foi
chamado ao Rio de Janeiro, sendo nomeado Capelão do Hospital Militar no
Morro do Castelo. Depois, voltou ao Ceará, onde foi nomeado capelão no 11°
Batalhão de Infantaria. Ainda chegou a reformar a Capela de Nossa Senhora
do Livramento que, depois de terminada, foi consagrada a Nossa Senhora do
Carmo. Assumiu em 1894 a promotoria do bispado
233
. Pode-se perceber, por
esse exemplo, que a vida eclesiástica podia ser bastante dinâmica, mesmo
que se desenvolvesse a maior parte em uma só região.
Finalizando, talvez tenham sido resultados como esses provindos do
ministério de padres como Francisco Máximo e João Dantas que
impulsionavam e impulsionam até hoje a Igreja continuar investindo na obra de
233
Id.Ibdem, p. 439 e 440.
129
vocações sacerdotais. É certo que nem sempre os resultados são positivos do
ponto de vista da Igreja, a exemplo do caso do padre Cícero, mas, na maioria
dos casos, parecem ter sido bons. Afinal, pelos menos a partir do que se sabe
da história eclesiástica local, pode-se assegurar que a maioria dos sacerdotes
formados na Prainha desempenhou bem seu papel de padres romanizados,
cooperando com o projeto tridentino. Se muitos não se formaram era porque
ou nunca eram vocacionados ou não se encaixavam no padrão clerical
desejado pela Igreja reformada. Certamente o pensamento da hierarquia
eclesiástica cearense fosse, parafraseando o provérbio popular: é melhor um
padre obediente na o que dois sacerdotes rebeldes, mal formados e
moralmente decadentes. Portanto, para isso cooperaram todos os que deram
vida ao Seminário: os bispos, os reitores, os professores, os criados e seus
seminaristas.
130
Considerações Finais
Semelhante às outras dioceses do Brasil, na primeira metade do século
XIX, o clero no Ceará era escasso, intelectualmente mal formado e de
comportamento e hábitos não condizentes com a disciplina eclesiástica. Além
dessas características, alguns desse clero eram seguidores do Iluminismo ou,
mais especificamente, do pensamento liberal como linha de pensamento
político e religioso.
Além disso, no campo da religiosidade popular, a manipulação dos
símbolos católicos por agentes leigos, com a conivência de parte do clero local,
havia modificado em vários aspectos a ortodoxia de apresentação dos ritos e
celebrações católicos. A própria ausência dos representantes oficiais da Igreja
junto às camadas populares tinha dado margem para tais desvios.
Outro elemento relacionado diretamente à organização da vida
religiosa nacional que também incomodou a Igreja romanizada foi o regalismo,
que limitou a ação da Igreja na gerência de seus bens e corpo de pessoal,
que por esse pacto a Igreja era considerada um departamento do Estado
português e depois do Império brasileiro.
Diante desse quadro considerado decadente pela Igreja, a criação da
Diocese do Ceará, em 1854, e a vinda de D. Luís Antonio dos Santos, em
1861, para dirigi-la representaram o começo de profundas mudanças na
religiosidade local. O cerne de tais mudanças remonta à Europa da segunda
metade do século XVI, quando começou a crescer a distância entre a religião
oficial e a popular em virtude da divulgação em larga escala de um saber mais
codificado e por isso mesmo mais intelectualizado, racional, lógico, que deixou
de lado os saberes orais mais ligados à experiência leiga. O Concílio de Trento
confirmou essa tendência, ratificando um saber eclesiástico elitizado que não
representava mais a vivência religiosa popular, que passou a hostilizar em
nome da ortodoxia e da centralidade administrativa clerical. Terminado o
Concílio, ficou decidido que, em cada diocese, os bispos seriam os delegados
responsáveis por implantar e expandir esse modelo reformado de catolicismo,
principalmente nos países que apresentavam um catolicismo fora dos padrões
romanizados. Eles tinham a obrigação de formar um clero ortodoxo, atualizar e
disciplinar o clero desviante e substituir as devoções populares tradicionais por
131
novas devoções sob controle clerical devoção mariana, ao Sagrado Coração
de Jesus, a São José etc.
No caso do Brasil, a “tridentinização” ou romanização teve início no
século XIX, o que ocasionou choques políticos e religiosos, como os clássicos
casos da “Questão Religiosa” e do “milagre em Juazeiro” (ainda hoje creditado
pelos romeiros ao padre Cícero revelando a sobrevivência de uma fé não
autorizada pela Igreja romana). No caso do Ceará, a romanização teve início
com a chegada de D. Luís e, ao final do século, se observou o fortalecimento
do seguimento ultramontano sobre as demais expressões de catolicismo. Isso
aconteceu com a atuação dos representantes do pensamento ultramontano
(bispos D. Luís e D. Joaquim), que procuraram superar a vigente idéia de uma
igreja sem padres e hierarquicamente sem unidade. No combate à
religiosidade popular (representada pelos beatos do sertão, pelo milenarismo,
pelas irmandades e festas dos santos), procurou-se retomar a visão de uma
igreja clerical, onde o padre é o indivíduo autorizado para ajudar o fiel a manter
contato com o sagrado e com os santos, ministrar os sacramentos e a
absolvição dos pecados. Esse sentimento clerical iniciado sob os auspícios do
primeiro bispo e dos especialistas lazaristas da Congregação de São Vicente
de Paulo, teve continuidade com D. Joaquim José Vieira, chegando até o
século XX.
Assim, o discurso e a prática da Igreja cearense procurou
gradativamente inculcar nos fiéis a necessidade de seguir um padrão religioso
romanizado, que enfocava, acima de tudo, a autoridade da hierarquia da Igreja.
Associada a esses elementos, percebe-se a valorização da erudição do clero
que tinha de estar pronto para ensinar corretamente os sacramentos e dogmas
aos seus fiéis e a rebater todo tipo de conhecimento discordante dos princípios
católicos. Com esse propósito o Seminário da Praínha foi erguido em 1864:
para formar um clero que se contrapusesse tanto à pregação leiga dos agentes
populares quanto ao clero liberal, que desvirtuava a idéia de uma Igreja
universal. Semelhante a outros seminários de linha ultramontana do País, os
sacerdotes cearenses formados na Prainha recebiam, durante todo o seu
período de formação, informações acerca da religiosidade popular, senão de
forma negativa. A religiosidade popular era comumente considerada atrasada,
supersticiosa, inculta e até expressão de fanatismo, sem valor para a vida
132
genuinamente cristã. O Seminário da Praínha procurou formar nos candidatos
ao sacerdócio um novo mundo religioso, fundamentado na prática dos
sacramentos e da liturgia oficiais e da obediência eclesiástica.
Ao chegar o final do século XIX, o novo modelo eclesiológico, clerical,
centralista e, na visão da Igreja, modernizante, tinha sido implantado com
tranqüilidade. Por exemplo, as irmandades tinham sido controladas sem muitos
problemas, pois a Diocese conseguira manter domínio sobre os seus
Compromissos, principalmente por elas não estarem mais sob a jurisdição do
Estado. Por outro lado, as novas devoções trazidas pelo primeiro bispo e seus
ajudantes (a Conferência de S. Vicente de Paulo, a Pia Congregação das
Filhas de Maria, as Irmãs de S. Luiz Gonzaga e a Associação do Sagrado
Coração ou Apostolado da Oração etc.) estavam espalhadas por boa parte
da Diocese. Tanto a Conferência Vicentina quanto o Apostolado da Oração
foram duas potentes armas da romanização que ajudaram a implantar um
novo tipo de piedade e a desenvolver uma espiritualidade mais voltada para a
individualidade e interioridade, em contraste com as atividades comunitárias e
de religiosidade das irmandades que, segundo a igreja, eram superficiais. A
grande aceitação das novas devoções era garantida tanto pela sua
disseminação pelos recantos da Diocese, como também pela inserção social
que elas mesmas permitiam. Por exemplo, enquanto os Vicentinos tinha uma
boa penetração em meio às elites letradas dos principais centros urbanos, o
Apostolado e também outras agremiações, como as Filhas de Maria,
conquistavam as camadas mais humildes da sociedade cearense.
Até então o Seminário dava os seus frutos e 114 sacerdotes
haviam sido formados, correspondendo a 74% dos que se formariam até 1914.
Essa geração de padres já se fazia notar pela sua atuação no desenvolvimento
do projeto da reforma católica para o Ceará. Além de a maioria ser
colaboradora fiel da eclesiologia centralista, os padres recém-formados
estavam pouco a pouco ocupando espaços importantes na sociedade e na
administração da Diocese, e, ao lado de outros recursos, ajudando a garantir a
continuação e até a expansão do projeto de enquadramento da religiosidade
popular cearense.
Como exemplificação da atividade dos padres e seminaristas no
sentido de ajudarem na continuação do projeto de romanização, dada a
133
importância que tinha o Seminário para a formação do clero e a dificuldade que
havia em manter sempre preenchidas as cadeiras com professores, para que a
casa não tivesse problemas com redução de disciplinas, a própria escola se
tornou espaço de treinamento para os que quisessem se desenvolver na área
do magistério. Vinte e sete desses se tornaram professores-colaboradores da
instituição. Houve deles que lecionaram durante mais de cinco anos, como o
padre João Scaligero Alves Maravalho que regeu aulas de Geografia, História
Geral, Latim e Português, de 1867 a 1873, ininterruptamente. Depois da
experiência no Seminário, foi para o sul do país, onde foi professor em alguns
colégios do Rio de Janeiro e, com sua experiência, foi convidado a ensinar no
Seminário de Porto Alegre. Outros padres da Prainha também tiveram esse
tipo de atuação fora do Ceará. Cito: padre Luiz Gonzaga (professor do
Seminário de S. José em Manaus); padre Vicente Ferreira Galvão (professor e
reitor do Seminário Santo Antonio no Maranhão); padre Bruno Rodrigues da
Silva Figueiredo (professor dos seminários de Manaus e do Maranhão).
Outro grande benefício que trouxe a formação de mestres no
Seminário também foi suprir a carência de professores para o Seminário
Menor do Crato, fundado em 1875. Além dos três padres missionários
responsáveis pela direção da escola, compuseram o seu corpo docente os
padres: Joaquim Severiano de Vasconcelos; Francisco Rodrigues Monteiro,
que também foi diretor do seminário, e Miguel Coelho de Sá Barreto.
Ensinar em seminários, porém, não era tudo o que faziam na área
educacional, pois outros também se tornaram mestres de escolas particulares
e públicas do Ceará e de outras províncias/estados do Brasil. Há pouco,
mencionei o caso do padre Maravalho, que lecionou em colégios do Rio de
Janeiro, mas, tomando mais um exemplo, menciono a atuação do padre Bruno
Rodrigues da Silva Figueiredo que, tendo ensinado o 2 º e o ano dos
preparatórios no Seminário de Fortaleza, depois de ordenado (1875), passou a
dirigir o Ateneu Cearense. Mais adiante, em 1879, fundou o Instituto Cearense
de Humanidades, com seu colega Monsenhor João Cordeiro da Cruz
Saldanha, dirigindo-o até 1884. Foi ainda professor interino do Liceu do Ceará
e professor da cadeira de Latim do Liceu, do Seminário, do Externato São José
e do Colégio Santa Tereza, todos em Manaus. No Maranhão, foi professor
134
interino de Latim no Liceu, lecionando também Liturgia no Seminário Santo
Antonio.
Esse tipo de atuação dos padres na educação formal dos jovens
consistiu em outra estratégia da Igreja para diversificar os ângulos para o
enquadramento da sociedade no modelo romanizado, principalmente depois
que o ensino religioso nas escolas públicas foi supresso pela Constituição
republicana de 1891. Com a experiência na área da educação secundária,
alguns padres fundaram escolas católicas particulares e outros foram atuar
como professores em escolas públicas e privadas locais. Isso tudo era meio
para se tentar influenciar e doutrinar os meninos e meninas das famílias
cearenses, especialmente aqueles que pertenciam à elite e que poderiam estar
futuramente nos postos de comando do Estado
234
. Principalmente depois da
instalação da República, tal estratégia visava a transmitir pressupostos
católicos à legislação e para o Estado. Para se ter uma visão do alcance da
Igreja na área da educação no Ceará, tirando o Seminário Episcopal e o
Colégio da Imaculada Conceição, das pouco mais de 20 escolas secundárias
fundadas em Fortaleza, entre 1870 a 1900, seis eram dirigidas por padres,
sendo cinco deles formados no Seminário. Até 1914, o quadro já havia mudado
em certo sentido, pelo fato de estarem a maioria de institutos do gênero nas
mãos de ordens religiosas e de leigos. Dos 15 colégios citados, nessa data,
como católicos, por D. Manuel, no Correio Eclesiástico, 11 estavam em
Fortaleza (01 dirigido por padres formados no Seminário, 01 pelos padres
capuchinhos, 05 pelas Irmãs de Caridade e 04 por senhoras leigas), 02 em
Pacotí (01 por padre formado em Fortaleza e outro por uma leiga), 01 em
Canindé (padres capuchinhos) e 01 em Porangaba (irmãs de caridade)
235
.
Esses números, além de mostrar como a ação dos leigos na educação
formal dos rapazes e moças de Fortaleza também assumira papel importante a
favor da Igreja, também indica que esse tipo de movimentação ainda era bem
tímido no Estado, à exceção de Fortaleza. Pelo menos durante o período deste
estudo, nesses locais, especialmente no meio rural pobre, o método de
234
Ver: GAETA, Maria Aparecida J. Veiga. A Deus, à Igreja e à Pátria: o estandarte da família
católica no século XIX. In: História. S. Paulo: UNESP. N º VII, 1992, p. 243-158. e
MALATINA, Tereza Maria. Catolicismo e Monarquia na Primeira República. In: História. S.
Paulo: UNESP. N º VII, 1992, p. 259-269.
235
SEF/ SHE. Correio Eclesiástico. Fortaleza, 1914. P. 170.
135
educação mais usado para envolver os grupos sociais no modelo tridentino de
sociedade ainda era os sermões e sacramentos ministrados nas missas pelos
padres, pois, excluídas em grande parte do sistema escolar, as camadas
dominadas permaneciam marginalizadas nesta estratégia de conquista de
posições pela Igreja. Além dessas considerações, é difícil para mim, no
momento, fazer outras de maior valor como: qual o retorno mais amplo que
teve para Igreja tal estratégia sobre a sociedade cearense. Isso requer um
esforço grande de estudos biográficos para conhecer quais políticos cearenses
tiveram parte de sua formação em escolas católicas e se isso influiu na sua
postura política, mais especificamente no que diz respeito À defesa de pontos
de vista defendidos pela Igreja.
Além da educação formal da elite, outra maneira pela qual a Igreja
cearense buscou influenciar nos rumos políticos da sociedade local e até
nacional foi a inserção política direta de agentes romanizados (padres ou
leigos) nas câmaras estaduais e federais. No núcleo do Partido Católico no
Ceará, composto por 10 integrantes, havia três padres que foram alunos do
instituto e um ex-aluno, formado em Engenharia (cônego João Paulo Barbosa,
vigário Antero José de Lima, cura José Teixeira da Graça e o engenheiro
Antônio Epaminondas da Frota). Se a luta era contra o novo regime, fora os
outros seis leigos, de quem não tenho informações mais detalhadas, esses
quatro também estavam na linha de frente do grupo de defensores da Igreja.
Em 1891, nas eleições de fevereiro para o Congresso Constituinte, dois ex-
seminaristas conseguiram lugar entre os vinte e quatro deputados eleitos:
padre Luiz e Sousa Leitão e padre Antônio Candido da Rocha
236
. De um modo
geral, dos padres que se formaram na Prainha, entre 1864 e 1914, pelo menos
14 deles foram eleitos para algum cargo público. No período republicano, dos
pleitos à Câmara Estadual que se seguem de 1900 a 1930, em quase todos
algum padre é eleito, nem sempre ex-aluno do Seminário, é claro, mas o fato
sinaliza para noção deque se não houvesse interesses puramente pessoais por
parte desses em ralação ao cargo público, posso dizer que a Igreja no Ceará,
236
Ver: MOTA, Aroldo. História Política do Ceará (1889-1930). Fortaleza: Stylus
Comunicações, 1987.
136
em seu coletivo hierárquico, sempre procurou investir nesse campo e nesse
sentido os novos padres formados na Prainha também estavam atuantes
237
.
Além do campo da educação secundária e da política, os ex-alunos do
Seminário se inseriram em outros espaços: as confrarias, nas quais a Igreja
teve a preocupação de controlar. e no corpo administrativo da Diocese. Das
vinte e sete confrarias existentes em Fortaleza em 1914, dezesseis eram
dirigidas por oito desses padres. Nessa mesma época, dos treze cargos
administrativos que compunham o Governo do Bispado, onze eram ocupados
por padres formados no Seminário
238
.
Como se pode perceber pelos números, obras e vários ministérios
desenvolvidos pelos padres formados na Prainha, tais sacerdotes, em sua
maioria, foram importantes soldados na luta pela implantação e
prosseguimento do sistema eclesial romanizado: fosse na manutenção das
instituições da igreja, fosse no controle das confrarias, na educação formal dos
jovens cearenses e no paroquiar as igrejas espalhadas por todos os recanto do
Ceará, tudo era feito para o bom desenvolvimento dos objetivos da Igreja. O
Seminário Episcopal de Fortaleza, como escola de formação presbiteral,
nasceu na mente e no coração de um bispo romanizado, D. Luís Antonio dos
Santos, e foi erguido a partir da apropriação dos espaços da Irmandade de
Nossa Senhora do Outeiro da Prainha (O prédio para o orfanato e a igrejinha
de Nossa Senhora do Outeiro da Prainha), dada a impossibilidade da
convivência entre dois tipos diferentes de visão religiosa. Com um conjunto de
matérias organizadas em uma grade curricular e professores capazes de
ministrar conhecimentos das ciências naturais, humanas e espirituais, foi
transmitida aos seus alunos uma cultura consistente para a época, levando a
estes a chance de se diferenciarem do clero anteriormente ordenado.
O código disciplinar, em que se devia pautar o proceder de seus alunos
e a austeridade de seus mestres e reitores ensinaram-lhes o costume, desde
cedo, com a vida de obediência que deveriam ter quando saíssem de lá. A
piedade sempre exercitada pelas orações, retiros e leituras espirituais ajudou a
237
Infelizmente também não foi possível conhecer qual a atuação que tiveram esses clérigos
na política local na formulação das leis.
238
SEF/ SHE. Correio Eclesiástico. Fortaleza, 1914. p. 170.
137
moldar os seus sentimentos. Cabeça e coração romanizados era o que
deveriam ter; mas como o ser humano é um poço de subjetividades, que tem
vontade própria, nem sempre ele é convencido de tudo o que lhe dizem ou
ensinam, por isso é que muitos se insurgem contra o sistema em que são
inseridos, desviando-se dos propósitos para que foram doutrinados esse é o
caso do padre Cícero. Pelo exemplo desse sacerdote e pelo dos seminaristas
que se envolveram na “revolta dos seminaristas”, e de um outro que se tornou
protestante, tem-se que estar conscientes de que, se muitos dos padres
formados no Seminário foram obedientes ao sistema eclesial romanizado, não
foi por “lavagem cerebral”, mas por escolha de cada um. Havia algum tipo de
convicção em cada um deles que os levou a tomar essa decisão. Como
exemplo oposto, posso citar a quantidade de moços que desistiu, fugiu, forçou
uma expulsão para não seguirem tal caminho. Pode até ter acontecido de
alguém haver sido constrangido à formação pelos pais e a sociedade a sua
volta (como ilustra o caso de Eugênio na obra O Seminarista, de Bernardo
Guimarães), mas fugir ou não ao estado sacerdotal eram as opções, por uma
das quais cada um teve que decidir em algum momento. Fossem quais fossem
os motivos que levaram os 154 seminaristas a abraçar a vocação, todos tinham
suas certezas íntimas quanto a isso.
138
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Relatório com que foi entregue a administração da Província ao Excelentíssimo
Sr. Dr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de Melo, Pelo Excelentíssimo
Sr. Dr. Lafayete Rodrigues Pereira, em 10 de junho de 1865..
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Sr. Dr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de Melo, Pelo Excelentíssimo
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