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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
VALÉRIA FERNANDES DE CARVALHO
A PRÁTICA EDUCATIVA
DO MOVIMENTO ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO
NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO:
O CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFRJ
NITERÓI
2006
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VALÉRIA FERNANDES DE CARVALHO
A PRÁTICA EDUCATIVA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO
NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO:
O CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFRJ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para a obtenção do Título de Mestre em
Educação.
ORIENTADORA: Prof
a.
Dr
a.
MARIA DE FÁTIMA COSTA DE PAULA
Niterói
2006
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VALÉRIA FERNANDES DE CARVALHO
A PRÁTICA EDUCATIVA DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO
NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO:
O CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFRJ
Aprovada em julho de 2006.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________
Professora Doutora Maria de Fátima Costa de Paula - orientadora (UFF)
_______________________________________________________________
Professora Doutora Adônia Antunes Prado - (UFF)
_______________________________________________________________
Professor Doutor Victor de Araujo Novicki - (UNESA)
Niterói
2006
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação
à todos os camaradas junto a s quais contribuo para
construir e vertebrar a posição que destruirá o tigre
de pés de barro e abrirá a possibilidade do
proletariado exterminar de vez com a exploração da
maioria do povo pelo capitalismo.
o
o e
o o
à minha mãe, ao meu pequeno e ao meu
companheiro, que c m amor, carinho, d dicação e
força contribuíram para a realização deste estudo.
à meu verdadeiro pai,
Antônio Carlos Carvalho - Tônic (in mem riam).
5
Com todos os camaradas do Partido,
aprender junto das massas
e continuar a s r alunos destas, e
eis o meu desejo.
Mao Tse Tung,
Prefácio e Posfácio a investigação no campo,
6
SUMÁRIO
INRODUÇÃO
CAPÍTULO I: Referencial Teórico- Metodológico
1. A educação política na concepção marxista
2. Procedimentos metodológicos
3. O trabalho de campo
CAPÍTULO II: Surgimento, consolidação e principais posicionamentos e ações da União
Nacional dos Estudantes (UNE) no período de 1937 à década de 90.
1. Antecedentes
2. A proposta de reforma universitária da UNE: o movimento estudantil define e sistematiza
seu posicionamento diante da conjuntura da década de 60
3. A Declaração da Bahia, Carta do Paraná e UNE: a luta atual pela Reforma Universitária:
posições do movimento estudantil para a Reforma Universitária -
4. O trabalho político junto às bases: ações e divergências no movimento estudantil
CAPÍTULOIII: O contexto da pesquisa
1. Neoliberalismo e Educação Superior
2. A Reforma da Educação Superior
3. A UFRJ no contexto do neoliberalismo
CAPÍTULO III: A prática educativa do movimento estudantil no curso de Ciências Sociais
1. O nosso local de pesquisa
2. A materialização das dimensões político-econômica e ideológico-cultural do neoliberalismo
entre os estudantes: conformações e contradições
3. Estudantes e militantes: perspectivas dissonantes
4. Luta geral, luta específica: unidade ou dicotomia no processo de educação política
CONSIDERAÇÒES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES - ROTEIROS DAS ENTREVISTAS
7
RESUMO (com palavras chave)
O objetivo principal deste estudo é analisar a prática educativa do movimento estudantil
universitário, através da relação militantes - estudantes
1
, no contexto do neoliberalismo.
A contradição entre a conjuntura, potencialmente favorável à organização e mobilização dos
estudantes, e o quadro de esvaziamento e desmobilização do movimento estudantil nos levou
a investigar que práticas educativas este movimento tem desenvolvido, assim como, as suas
perspectivas e suas dificuldades e, identificar as suas contribuições para constituição da
consciência contra-hegemônica .
Para tal, situamos historicamente e analisamos a linha política que predominou no movimento
estudantil no período de 1937 à década de 90, a partir da análise da relação que se
estabeleceu entre os militantes e o conjunto dos estudantes. Analisarmos, também, a política
neoliberal e as especificidades que a mesma assume em nosso país, particularmente, na
educação superior - como subsídio fundamental para a análise das características, desafios e
possibilidades que esta conjuntura coloca para a prática educativa do movimento estudantil
nos dias atuais.
8
INTRODUÇÃO
A pesquisa objetiva analisar a prática educativa do movimento estudantil universitário, através
da relação militantes - estudantes
2
, no contexto do neoliberalismo. Pretende-se compreender
que práticas educativas este movimento tem desenvolvido, assim como, as suas perspectivas e
dificuldades e, identificar as suas contribuições para a superação da perspectiva neoliberal no
campo da educação, tendo em vista que este movimento, ao organizar e orientar uma prática
educativa, constitui-se como um educador político.
O nosso objeto situa-se numa conjuntura potencialmente favorável à organização e à
mobilização dos movimentos sociais - dado o aprofundamento da política neoliberal e de suas
conseqüências nos serviços e direitos sociais, assim como, nas condições de vida da maioria
da população. Entretanto, a ofensiva ideológica desta política alcançou posições entre os
setores populares e, de forma geral, nos movimentos sociais, configurando um quadro de
esvaziamento e de desmobilização.
Esta contradição nos levou a investigar que limites e dificuldades o movimento estudantil
enfrenta e quais as potencialidades, respostas e estratégias desenvolve como educador
político em sua própria dinâmica, para contribuir na construção de uma perspectiva contra-
hegemônica.
As reflexões em torno do tema foram feitas a partir de um estudo de caso: o curso de Ciências
Sociais, vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (IFCS/UFRJ), nos dias atuais.
O interesse por este estudo surgiu da experiência que tive, durante cinco anos, como
estudante de graduação no curso analisado. Na vivência do cotidiano de precariedade das
condições básicas e estruturais de ensino, participei de discussões sobre a reforma curricular,
de debates junto ao centro acadêmico do curso, em grupos de estudos sobre as questões
relacionadas ao neoliberalismo e à política educacional. Assim, neste processo de participação
nos movimentos, no interior da faculdade e na universidade, e em grupos de estudos sobre a
reforma educacional, sobre as políticas e propostas do Banco Mundial para as universidades,
1
Utilizamos o termo "militantes" para designar os estudantes integrados em organizações políticas (partidárias ou não
partidárias) e "estudantes" para designar os que não se integram a nenhuma organização política.
2
Utilizamos o termo "militantes" para designar os estudantes integrados em organizações políticas (partidárias ou não
partidárias) e "estudantes" para designar os que não se integram a nenhuma organização política.
9
comecei a observar que um número reduzido de colegas se propunha a participar das
discussões e da busca de outros caminhos que levassem à garantia das reivindicações e do
sentido público da educação.
Observamos a naturalização (aceitação), por parte da maioria dos estudantes, do processo
progressivo de precarização das condições de estudo e da redução de seus direitos, ou seja, a
incorporação desta realidade tal qual ela é. Não havia, por parte dos mesmos, a busca e o
envolvimento na construção de caminhos que avançassem na superação desta situação; ao
contrário, predominava a busca por saídas individuais dentro desta realidade, considerada por
muitos, "a única possível".
O que chamava a atenção era como diante de uma situação, que comprometia seriamente a
nossa própria formação, a maioria dos estudantes se colocava à parte desse processo, numa
atitude aparentemente conformista diante dos problemas colocados.
E por que "aparentemente"? Porque a preocupação com as dificuldades que enfrentávamos no
dia-a-dia do curso estava presente em nossas conversas (entre os estudantes), era uma
tensão permanente. No entanto, parte significativa dos mesmos não se dispunha a organizar-
se de forma coletiva, para reivindicar melhores condições de estudo. Os que se propunham a
participar (característica principalmente dos estudantes dos primeiros períodos), ao longo do
curso, ficavam desestimulados e afastavam-se das discussões e mobilizações.
A partir da minha experiência como estudante, vivendo os mesmos problemas, as mesmas
dificuldades, as mesmas tensões, nos debates e nos questionamentos, procurava compreender
o distanciamento da maioria dos colegas do curso do centro acadêmico.
Nos movimentos sociais, de um modo geral, há um quadro de esvaziamento e desmobilização.
"A desmobilização é geral, há descrença na eficácia da organização, a participação dos
indivíduos no movimento é mínima" (Gohn, 2001,p.102).
No movimento estudantil não é diferente. Atualmente, no interior da universidade, há um
afastamento - no sentido de não engajamento, não identificação e não reconhecimento - da
maioria dos estudantes, dos seus órgãos de representação (Centro Acadêmico- C.A e
Diretório Central dos Estudantes - DCE)
3
.
3
Na convivência e nas relações com os colegas de outros cursos da universidade, constatei que, apesar de algumas
especificidades, o processo descrito acima se reproduzia, inclusive, no que diz respeito ao DCE.
10
A partir da análise da prática dos estudantes frente às transformações da educação pública
superior, às conseqüências da materialização do ideário neoliberal, nas dimensões político-
econômica e ideológico-cultural, buscamos compreender as dificuldades que este contexto
traz e, concomitantemente, o potencial e as possibilidades do movimento estudantil, para o
processo de construção de uma perspectiva contra-hegemônica.
O descrédito dos estudantes em relação aos seus centros de organização e representação é
um aspecto fundamental na compreensão do tema proposto e será o foco desta pesquisa, que
enfatizará a relação entre a vanguarda e a base do movimento estudantil.
No caso do curso de Ciências Sociais da UFRJ, observamos, entre a maioria dos estudantes,
que dois sentimentos - aparentemente contraditórios - se misturavam em relação à situação
que viviam: indignação e conformismo. Indignação expressa nas tensões e preocupações
diante das conseqüências concretas da política neoliberal, na vida cotidiana dos estudantes e
conformismo manifestado na naturalização da situação. Partimos do princípio de que este
"conformismo" poderia ser a expressão do aspecto subjetivo por onde a ideologia neoliberal se
manifestava, resultado de todos os mecanismos utilizados e desenvolvidos pelas classes
dominantes para tentar controlar e abafar as contradições presentes no seio da sociedade. No
entanto, esse conformismo provinha não de uma situação de satisfação, mas sim, como
resposta ao descrédito à possibilidade de mudança, reforçada pelo descrédito dos estudantes
em relação aos seus órgãos de organização e representação estudantil.
Estas reflexões nos levaram a constituir as questões norteadoras que trazemos para análise
nesta dissertação: como educador político, que tipo de relação o movimento estudantil tem
estabelecido com o conjunto dos estudantes? Que prática educativa predomina nesta relação,
no contexto atual? A praxis do movimento estudantil reforça, estimula, contribui para a
formação dos estudantes enquanto agentes de transformação social? Por que, no contexto do
neoliberalismo, o movimento estudantil universitário perdeu força? Por que perdeu o seu
potencial de ator revolucionário, passando por um processo de despolitização?
11
Capítulo I - REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
1. Aspectos da educação política na concepção marxista
Na análise de nosso objeto, a educação política - compreendida como processo de constituição
e desenvolvimento da consciência crítica revolucionária - configura-se como conceito
fundamental.
A partir de algumas pedras angulares do referencial teórico marxista, identificamos princípios
que consideramos fundantes da educação política. Esta, na perspectiva mencionada, constitui-
se enraizada nas contradições sociais e mediada pela relação vanguarda-base à luz de
determinada conjuntura.
Um de nossos primeiros esforços orientou-se no sentido de tratar o objeto como uma questão
colocada pela luta de classes em nossa época e compreender como a totalidade das
contradições presentes na sociedade se manifesta no movimento estudantil (sem deslocá-lo),
permitindo-nos extrair e fazer aproximações com os conceitos da teoria marxista para analisar
as especificidades da prática educativa deste movimento no contexto do neoliberalismo.
A análise dos movimentos sociais sob o prisma do marxismo refere-se a processos e lutas
sociais voltados para a transformação das condições existentes na realidade social
4
(Gohn,
2000).
Ao promoverem a organização, o estímulo à inserção nas lutas pelos direitos, a coesão em
torno de objetivos comuns e ao impulsionarem a incorporação e a união dos indivíduos na luta
pela conquista de suas aspirações, os movimentos sociais podem formar sujeitos críticos,
coletivos e construir novos conhecimentos e valores - assim, constituem-se como espaços
educativos (Caldart, 2000)
5
. Neste sentido, a relação militantes-estudantes, no movimento
estudantil, será entendida como uma relação entre educador-educando.
4
Gohn cita uma carta de Marx redigida a F. Bolt: "Assim, além dos distintos movimentos econômicos dos operários, surgem
em todos os lugares movimentos políticos, isto é, movimentos de classe, com o objetivo de impor os seus interesses de forma
geral, de uma forma que possui coercitiva-social geral. Se esses movimentos pressupõem certo grau de organização prévia, em
compensação eles igualmente significam meios de desenvolver esta organização" (K. Marx apud Roseli, 2000, p.177).
5
Caldart resgata a tradição pedagógica que identifica o sujeito educativo na própria dinâmica e nas práticas sociais.
12
Assim, consideramos que a educação política se desenvolve a partir da inserção dos indivíduos
nas lutas - lutas estas, que não se resumem às lutas sindicais e econômicas, mas que
englobam e articulam as lutas teóricas, políticas e ideológicas ,ou seja, é a partir deste
processo que surge a possibilidade de amadurecimento, constituição e consolidação da
ideologia revolucionária (do proletariado).
Marx e o marxismo são resultados deste processo. O marxismo surgiu como a fusão da teoria
com o movimento revolucionário, ou seja, o marxismo surge totalmente arraigado no seio da
classe operária, surge como sistematização da prática (política e teórica) e dos problemas
políticos colocados por esta classe em seu movimento real. Desta forma, observamos que o
marxismo, antes de ser resultado da genialidade de Marx e Engels, é a sistematização das
posições teóricas da classe operária, das quais aqueles tornaram-se os seus representantes
(Balibar, 1975). Isto só foi possível porque os mesmos estavam inseridos no movimento
revolucionário
6
. Marx e Engels colheram
7
o marxismo das mãos da classe operária, forjaram o
marxismo a partir e em sintonia com esta classe e se, em alguns momentos, não conseguiram
na teoria dar conta do desenvolvimento do processo histórico, foi da classe operária que, mais
uma vez, receberam as respostas
8
, para contribuírem no desenvolvimento da teoria e no
avanço do movimento revolucionário.
Neste sentido, consideramos a prática social um elemento importante na definição do
posicionamento teórico, político, prático e ideológico dos indivíduos diante da realidade.
Segundo Frigotto (1997, p.82):
Para a teoria materialista, o ponto de partida do conhecimento, enquanto esforço reflexivo
de analisar criticamente a realidade e a categoria básica do processo de conscientização,
é a atividade prática social dos sujeitos históricos concretos. A atividade prática dos
homens concretos constitui-se em fundamento e limite do processo de conhecimento.
6
Segundo Balibar (1975, p.31-32): "Uma tática marxista da direção das lutas proletárias começa a constituir-se no decorrer dos
acontecimentos, com experiências positivas e negativas, sobre a base do materialismo histórico. É a própria condição duma
ligação recíproca entre a teoria e a prática".
7
"A teoria marxista não pode ser estudada independentemente da história do movimento operário, cujas etapas determinam os
seus problemas, as suas demonstrações, a constituição dos seus conceitos, as suas transformações e inelutáveis retificações"
(Balibar, 1975, p.13).
8
Marx e Engels (1996, p.42), por exemplo, à época em que escreveram o Manifesto do Partido Comunista, ainda não
vislumbravam o que substituiria a máquina do Estado. "A Comuna, especialmente, demonstrou que a classe operária não pode
simplesmente se apoderar da máquina estatal já pronta e colocá-la em movimento para os seus próprios fins".
13
Utilizaremos a concepção de prática social
9
, desenvolvida por Mao Tse Tung (1979a), para
analisar a dimensão que o envolvimento nas práticas e lutas sociais tem sobre a educação e a
formação política dos estudantes e sobre a dinâmica do próprio movimento estudantil.
De acordo com esta concepção, a prática social é o ponto de partida do conhecimento humano
- este, seria, então, a sistematização do processo advindo da prática social, ou seja, o
conhecimento se inicia na prática social e, mediado pela mesma, retifica-se e desenvolve-se
ininterruptamente: "é justamente porque a prática que modifica a realidade objetiva, na base de
idéias, teorias, planos e projetos determinados, está em progressão constante, que o
conhecimento humano da realidade objetiva se aprofunda sem cessar" (Mao Tse Tung, 1979a,
p.27).
Assim, o processo de construção do conhecimento é entendido como um processo que
desenvolve-se do simples ao complexo, do unilateral ao multilateral, em um processo infinito.
No entanto, cabe ressaltar que o mesmo não se desenvolve de forma linear, não é mecânico
mas, ao contrário, é permeado de contradições, de avanços e recuos.
Esta perspectiva já estava fundamentada em Marx e Engels (2002, p. 100), quando apontavam
que: "a questão de atribuir ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão
teórica, mas sim uma questão prática. É na práxis que o homem precisa provar a verdade, isto
é, a realidade e a força, a terrenalidade de seu pensamento".
Marx e Engels (1996), ao analisarem como a classe operária, passando por diferentes fases de
desenvolvimento - advindas das lutas - organizou-se e adquiriu consciência de classe, já
atribuíam à prática social
10
um papel importante na educação política, na constituição,
coerência e organicidade dos sujeitos coletivos e no desenvolvimento da ideologia, teoria e
prática revolucionárias.
Consideramos a prática social como o caminho através do qual se viabiliza a possibilidade de
questionamento/ruptura ou reforço da legitimação da ideologia dominante. A prática social é o
locus de confrontação das ideologias dominante e dominada. Neste sentido, com base em
9
Prática social que assume outras formas, além da prática de produção, tais como a luta de classes, a vida política e as
atividades da ciência e da arte: "as diversas formas de luta de classes exercem uma influência particularmente profunda sobre
o desenvolvimento do conhecimento humano"(Mao Tse Tung, Sobre a Prática,1979, p.13)
10
Na Ideologia Alemã (2002, pp.19/20), defendem que a consciência advém da prática social, ou seja, do local, da posição
que os indivíduos estão inseridos, produzindo suas condições de existência. Nesse processo, de produção e reprodução das
condições materiais de existência, os homens entram em determinadas relações de produção - que são, nas sociedade de classe,
relações de exploração - a partir de determinadas condições materiais, e nesta inserção constituem sua consciência. Ou seja, é a
14
Toledo (2003), a ideologia é a expressão dos efeitos, dos conflitos e práticas sociais na
consciência e ação dos agentes sociais em luta, e ao mesmo tempo, revela-se como um motor
dinamizador que orienta uma concepção de mundo e uma atividade prática (Gramsci, 2004). A
ideologia se constitui na luta de classes e é a expressão desta na superestrutura
11
.
De acordo com Balibar (1975, p.71):
Assim, a ideologia histórica duma classe (a "consciência de classe" do proletariado, por
exemplo), não é criada, elaborada, inventada (...): produz-se em condições materiais dadas
face à ideologia contrária e ao mesmo tempo que ela, como uma forma particular da luta de
classes, e impõe-se na sociedade (realiza-se, existe simplesmente) com o desenvolvimento
desta luta.
As classes dominantes por se apropriarem do poder material dominante, detêm também o
poder espiritual dominante e se apropriam dos meios de produção intelectual. Logo, as suas
idéias são as idéias dominantes. As classes dominadas, às quais são negados os meios de
produção intelectual, estão submetidas à expressão ideal das relações materiais dominantes
(Marx e Engels, 2002, p.48). Ou seja, na contradição principal que caracteriza o modo de
produção capitalista, qual seja, capital/trabalho, as classes dominantes, detêm a hegemonia
da representação da realidade, pois dispõem de meios para colocar seus pensamentos como
os únicos universalmente válidos
12
.
Destacamos que se por um lado, elas dispõem de mecanismos eficientes para disseminar a
sua concepção, por outro, verificamos que a realidade lhes impõem limites, pois efetivamente
não conseguem dar conta e respostas às necessidades mais candentes das classes
exploradas, assim consideramos que ao mesmo tempo que a hegemonia das classes
dominantes é forte, ela é instável e precária
13
.
partir do ser social inserido e intervindo na produção das suas condições de existência (materiais, culturais e espirituais) que a
consciência se constitui.
11
Superestrutura/infra-estrutura formam uma totalidade, composta pela unidade destes aspectos contraditórios, ou seja, a infra-
estrutura determina (não no sentido determinista) a superestrutura, todavia, a mesma está inscrita na base material. Constituem
uma relação dialética e não uma relação mecânica, dicotômica. Engels, em carta a Bloch, esclarecia esta relação "(...) A
situação econômica é a base, mas os diferentes atores da superestrutura (...) também exercem sua influência sobre o curso das
lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua forma, como fator determinante". Carta de Engels a Bloch. Londres, 21/22
de setembro de 1890, Obras Escolhidas, vol. 3, s/d, p. 294.
12
Um destes mecanismos é denominado por Althusser (1978) de Alusão/Ilusão, mecanismo através do qual a ideologia
burguesa releva alguns aspectos da realidade - ocultando os demais - e apresenta-os como universais, de acordo com seus
interesses. Com este mecanismo, trabalha com contradições, que efetivamente existem no seio das classes dominadas, no
intuito de dividi-las e tentar mascarar as relações de exploração e assim, justificar e legitimar o Estado burguês e o
agravamento das condições de vida do povo.
13
Toledo (2003, p.19) também caracteriza esta hegemonia como precária e contraditória: "porque as idéias e os valores
dominantes na sociedade de classes não podem representar, em profundidade e permanentemente, os interesses e as
necessidades (econômicas, políticas e culturais) do conjunto da sociedade". Todavia, enfatizamos que esta é uma questão
15
Em luta e confronto com a concepção da classes dominantes, está a concepção de mundo das
classes exploradas
14
, que tem como necessidades cruciais, desvendar, desconstruir e
desmascarar os aspectos dissimulados pela ideologia dominante e se firmar enquanto
concepção hegemônica.
Marx e Engels (2002) já consideravam a existência da luta de classes na superestrutura, pois
entendiam a relação entre a superestrutura e a infra-estrutura como uma totalidade. Assim,
compreendemos o que o conceito e o papel da ideologia não podem estar calcados numa
questão ontológica ou determinista, que o confronto das classes antagônicas e as contradições
presentes na sociedade expressam-se na consciência dos indivíduos também de forma
contraditória.
Gramsci (2004,v.1,p.103) ajudou-nos a compreender melhor esta perspectiva, ao afirmar que
"é quase possível dizer que o homem ativo da massa tem duas consciências ou uma
consciência contraditória: uma que o unifica a seus colaboradores em torno de uma
determinada ação para transformar a realidade, e outra verbal (que ainda expressa a ideologia
da classe dominante)".
Assim, tanto a luta de classes, quanto e a precariedade e a instabilidade da hegemonia das
classes dominantes abrem espaço para o questionamento, a organização e a mobilização das
massas, ou seja, para o desenvolvimento de uma ideologia contra-hegemônica. Contudo, este
processo não é espontâneo e nem é linear, a consciência crítica não nasce espontaneamente -
não há uma relação mecânica entre o sofrimento e exploração das massas e o
desenvolvimento da consciência crítica e, ainda, as massas podem, em alguns momentos,
desenvolver ações que questionem as classes dominantes, sem assumirem imediatamente
uma consciência crítica. Para Gramsci (2004) esta pode ser uma primeira fase. A coerência
entre a teoria e a prática, entre o discurso e a ação é uma construção.
Este autor ajudou-nos, também, a compreender que o fato das massas expressarem
verbalmente a concepção da ideologia dominante, não significa que estejam totalmente
influenciadas por essa perspectiva. As contradições borbulham nas mentes, mexem o tempo
todo com os indivíduos e precisam ser ativadas e trabalhadas, para que o aspecto crítico da
complexa, pois o aspecto que ainda prevalece é o de dominação e eficiência da ideologia burguesa, que consegue se manter, se
conservar e ainda ganhar espaço entre as classes dominadas, sem recorrer à força.
14
"A existência de idéias revolucionárias em uma determinada época já supõe a existência de uma classe revolucionária"
(Marx e Engels, 2002, p. 49)
16
consciência se torne o aspecto principal e dominante. Para a consolidação deste processo,
Marx e Engels (2002) ressaltavam a importância da prática revolucionária no surgimento,
desenvolvimento e constituição da consciência comunista
15
.
Marx analisava que a Revolução é um processo das massas:
A época dos ataques de surpresa, das revoluções feitas por pequenas minorias
conscientes dirigindo as massas inconscientes, já passou. Onde trata-se de uma
transformação completa da organização social tem que interferir diretamente
as massas, devem já ter compreendido por si próprias do que se trata, por que dá
seu sangue e sua vida. Isto nos ensinou a história dos últimos 50 anos. E para que
as massas compreendam o que devem fazer,
temos
que realizar um trabalho
longo e perseverante (As lutas de classe na França de 1848 a 1850. In: Obras
Escolhidas, vol.1, s/d, p.106, grifos nossos).
No entanto, este processo não é espontâneo, Marx atribuiu um importante papel aos dirigentes
(vanguarda) no processo de educação política das massas - para que estas, nas lutas, possam
compreender por si próprias do que se trata e, assim, tomem para si, vejam e sintam a
Revolução como sua.
Lênin (1981, p.131) desenvolveu esta perspectiva, ao destacar o papel da vanguarda no
processo revolucionário.
A tarefa dos sociais-democratas [comunistas] não se limita à agitação política no domínio
econômico; a sua tarefa é transformar essa política trade-unionista (economicista) numa
luta política social-democrata, aproveitar os vislumbres de consciência política que a luta
econômica fez penetrar no espírito dos operários para elevar estes à consciência política
social-democrata.
Assim como Gramsci (2004,vol.1, p.104-105), na formulação de sua concepção sobre o
intelectual orgânico e sobre o partido
16
, analisou que:
Uma massa humana não se distingue e não se torna independente "para si" sem
organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem
organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se
distinga concretamente em um estrato de pessoas "especializadas" na elaboração
conceitual e filosófica. (...) O processo de desenvolvimento está ligado a uma dialética
intelectuais-massa; o estrato dos intelectuais se desenvolve quantitativamente e
qualitativamente, mas todo progresso para uma nova "amplitude" e complexidade do
estrato dos intelectuais está ligado a um movimento análogo da massa dos simples, que
15
"Uma ampla transformação dos homens se faz necessária para a criação em massa dessa consciência comunista, como
também para levar a bom termo a própria coisa; ora, uma tal transformação só se pode operar por um movimento prático, por
uma revolução; esta revolução não se faz somente necessária, portanto, só por ser o único meio de derrubar a classe dominante,
ela é igualmente necessária porque somente uma revolução permitirá que a classe que derruba a outra varra toda a podridão do
velho sistema e se torne apta a fundar a sociedade sobre bases novas." (Marx e Engels, 2002, p.86)
16
Gramsci entende os partidos como os elaboradores das novas intelectualidades, "Os partidos selecionam individualmente a
massa atuante, e esta seleção opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estreita entre
teoria e prática quanto mais seja a concepção vitalmente e radicalmente inovadora e orgânica aos antigos modos de pensar"
(2004,vol.1, p.105)
17
se eleva a níveis superiores de cultura e amplia simultaneamente o seu círculo de
influência, com a passagem de indivíduos, ou mesmo de grupos mais ou menos
importantes para o estrato dos intelectuais especializados.
De forma semelhante, Mao Tse Tung (1979b, p.177), na elaboração sobre os métodos de
direção
17
, afirmou que:
Por muito ativo que seja o núcleo dirigente, a sua atividade reduzir-se-à a esforço
infrutífero dum punhado de indivíduos se não for combinada com a atividade das grandes
massas. Por outro lado, se apenas as grandes massas são ativas, e não há um forte
núcleo dirigente que organize adequadamente essa atividade, ela não poderá ser mantida
por muito tempo, não poderá avançar na justa direção nem atingir nível mais elevado. (...)
Um núcleo dirigente verdadeiramente unido e ligado às massas só pode formar-se
progressivamente, no processo da luta das massas, não isolado dessa luta.
Apropriamo-nos destas concepções para tratar da relação entre os militantes e os estudantes,
como uma relação entre educador e educando, na qual, os dirigentes do movimento estudantil
podem assumir papel relevante no processo de desenvolvimento e amadurecimento da
consciência crítica dos estudantes, na medida em que inseridos nas lutas cotidianas dos
estudantes, trabalhem politicamente, estimulando-os a engajarem-se na luta pela
transformação social.
Estas perspectivas assumem relevância na pesquisa, principalmente porque consideramos
com base em Marx, Engels e Gramsci, que a construção da consciência crítica é um processo.
Processo este, que não é espontâneo, muito menos mecânico e, por isso, exige uma direção e
um trabalho político para viabilizar o seu desenvolvimento. Trabalharemos com o conceito de
catarse (Gramsci) para compreender como ocorre este desenvolvimento.
Gramsci estabelece que o momento "catártico" é o ponto de partida de toda a filosofia da
práxis (2004, vol.1, pág. 314). Este momento seria justamente a passagem da consciência
"meramente" reivindicativa econômica - que diz respeito ao problema do indivíduo/grupo
naquele momento - para uma consciência mais coletiva, mais crítica e com um sentido mais
profundo e amplo, no que diz respeito à necessidade da mudança da própria estrutura
(necessidade da ruptura das relações de produção dominantes), ou seja, o momento em que o
indivíduo toma para si esta responsabilidade e torna-se um agente da transformação, inserido
17
Mao Tse Tung combate o que denomina de "dirigismo": "porque ultrapassa o nível de consciência política das massas e
viola o princípio da ação voluntária das massas, é uma manifestação daquele mal chamado precipitação" e combate o
"seguidismo": pois, "se mantém abaixo do nível de consciência política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu
avanço; é uma manifestação daquele mal chamado lentidão". (Obras Escolhidas, vol.3, Sobre o Governo de Coalizão, 1979, p
421/422)
18
em um coletivo que tenha esta perspectiva e que desenvolva uma prática que dê conta deste
objetivo.
Pode-se empregar a expressão "catarse" para indicar a passagem do momento
meramente econômico (ou egoístico passional) ao momento ético-político, isto é, a
elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isso
significa também, a passagem do "objetivo ao subjetivo" e da "necessidade à liberdade"
(Gramsci, 2004, Vol. 1 pág. 314).
Esta reflexão identifica-se com um dos princípios enunciados por Marx e Engels no Manifesto
do Partido Comunista (1996, p.98): "os comunistas lutam para alcançar os interesses e
objetivos imediatos da classe operária, mas no movimento presente representam ao mesmo
tempo o futuro do movimento".
A inserção nas lutas pelos interesses (políticos e econômicos) imediatos e/ou concretos dos
dominados deve ser um dos elementos no despertar e desenvolvimento da consciência crítica
revolucionária.
Entendemos que é no mesmo sentido (enunciado acima) que Marx, Engels e Gramsci
compreendem a possibilidade de desenvolvimento da consciência como um processo, ou seja,
da passagem da "consciência do senso comum" (filosofia espontânea) para a "consciência
crítica" (filosofia científica).
Marx e Engels (1996) analisaram como os operários, a partir de suas lutas, de tempos em
tempos, obtiveram triunfos efêmeros, no entanto, o resultado principal foi a união cada vez
maior entre eles, assim tomaram corpo e consciência de classe (Marx e Engels, 1996, p.
73/74).
Gramsci também faz uma análise dos diversos momentos do desenvolvimento da "consciência
política coletiva": o primeiro momento é o que denomina econômico corporativo, no qual
emergem os interesses mais específicos e elementares; o segundo momento atinge a
consciência da solidariedade, onde já se coloca a questão dos direitos do grupo; e um terceiro
momento é o ético-político, caracterizado pela superação dos interesses corporativos e o
amadurecimento da consciência de classe (Gramsci, 2004, vol.3, p.41).
Neste processo, de despertar para o saber filosófico-científico, Gramsci enfatiza o papel da
organização, do educador, dos dirigentes, dos intelectuais e do partido, e ainda destaca a
necessidade destes elementos partirem de onde o povo está, partirem do senso comum,
conhecerem o povo, perceberem as suas necessidades e as suas aspirações. Estabelece
19
assim, a união indissolúvel que deve haver entre intelectuais e massa para forjar uma unidade
ideológica entre eles.
(...) De resto, a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se
entre os intelectuais e os simples se verificasse a mesma unidade que deve existir entre
teoria e prática, isto é, se os intelectuais tivessem sido organicamente os intelectuais
daquelas massas, ou seja, se tivessem elaborado e tornado coerentes os princípios e
os problemas que aquelas massas colocavam com a sua atividade prática,
constituindo assim um bloco cultural e social (Gramsci, 2004, vol.1,pág. 100, grifos
nossos).
Nesta unidade dialética, intelectuais/massa, é necessário existir uma coerência entre a teoria e
a prática. É desta forma que o movimento torna-se filosófico
18
, na medida em que os
intelectuais coloquem como seus os problemas das massas que, no contato com estas,
levantem os problemas a serem estudados e resolvidos, proporcionando um sentimento de
pertencimento, de envolvimento e de identificação por parte das mesmas (Gramsci, 2004,
vol.1, pág.100). Entretanto, isso não significa ficar no nível do senso comum, mas saber
trabalhar a partir deste, para junto com as massas avançar, evitando assim o basismo e ao
mesmo tempo o elitismo.
A filosofia da práxis não busca manter os simples na sua filosofia primitiva do senso
comum, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a
exigência do contato entre os intelectuais e os simples não é para limitar a atividade
científica e para manter uma unidade no nível inferior da massas, mas justamente para
forjar um bloco intelectual-moral que torne politicamente possível um progresso intelectual
da massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais (Gramsci, 2004,vol. 1, p. 103)
No processo, ambos (intelectual e massa) se transformam, dado que a relação entre teoria e
prática não é mecânica para nenhum dos dois, não se constitui de forma instantânea, ao
contrário, é uma construção histórica.
(...) trabalhar de modo incessante para elevar intelectualmente camadas populares cada vez
mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa
trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa
e que permaneçam em contato com ela para se tornarem seus "espartilhos". Esta segunda
necessidade, quando satisfeita, é a que realmente modifica o "panorama ideológico" de uma
época (Gramsci, 2004, vol.1, pág. 110).
Os autores citados ao longo deste texto, de diferentes formas, nos deram contribuições para o
entendimento da possibilidade de se constituir uma consciência crítica (revolucionária), e esta
18
Para Gramsci (2004, p.100) "(...) só através deste contato é que uma filosofia se torna histórica, depura-se dos elementos
intelectualistas de natureza individual e se transforma em vida".
20
passa por uma educação política que leve em conta a complexa relação entre as reformas e a
revolução, entre as lutas específicas e as lutas políticas gerais.
Balibar (1975, p.42) analisa que Marx, ao redigir a mensagem inaugural da Internacional, já
levava em conta esta preocupação:
É ele que redige o estatuto e a mensagem inaugural da Internacional: considerando que a
"emancipação da classe operária deve ser conquistada pela própria classe operária", e
que ela consiste no "aniquilamento de qualquer dominação de classe", cuja base reside na
"sujeição econômica do trabalhador a proprietário dos meios de trabalho", enuncia o
princípio da combinação necessária das lutas econômicas e políticas, nacionais e
internacionais.
A Internacional realizou vários inquéritos, para ter esclarecimento exato das condições em que
trabalhava e se movia a classe operária (Marx, 1974). Estes inquéritos auxiliavam na formação
teórica
19
da classe operária e serviam como instrumento para a luta de classes.
(...) O inquérito operário, o inquérito marxista-leninista, é o pressuposto de uma luta
política radical, isto é, que toma as coisas pela raiz, que vai à raiz das coisas, que conhece
a realidade de A à Z, para a transformar de A à Z. Pressupõe, por sua vez, uma profunda
capacidade de inserção das vanguardas nas massas, uma movimentação dos
revolucionários entre as massas com o à-vontade dos peixes na água (...) diz
essencialmente respeito à luta de classes. Se objeto por excelência é a luta de classes, as
suas manifestações concretas, o grau de combatividade, de consciência e de preparação
que as classes atingiram através do devir histórico e no decurso da luta (Mao Tse Tung,
1974, p.7).
Lênin (1981) oferece importantes esclarecimentos para compreendermos a relação dialética
das formas de luta de classes (Balibar, 1975), ou seja, a relação entre os aspectos que a luta
de classes assume em cada realidade, em cada conjuntura. Este debate foi travado e tratado
de diferentes formas ao longo do desenvolvimento da teoria marxista. No que diz respeito às
lutas econômicas/reivindicativas, o próprio Marx, no livro "Salário, Preço e Lucro" (s/d) já
colocava os limites das lutas econômicas
20
, e Lênin em "O que fazer?" (1981) travou um
acirrado debate com os "economicistas"
21
. Este autor enfatizou, por um lado, que as lutas
econômicas, por si só, não levariam ao desenvolvimento da consciência política da classe
operária e, por outro, que estas lutas não eram a única ou a melhor forma para integrar as
19
Estes inquéritos eram difundidos sob a forma de mensagens, que eram publicadas em diferentes países, e pela imprensa em
seções nacionais (Balibar, 1975, p.44).
20
"(...) a classe operária não deve exagerar a seus próprios olhos o resultado final destas lutas diárias. Não deve esquecer-se de
que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que logra conter o movimento descendente, mas não fazê-lo
mudar de direção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente
por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do
mercado". (Marx e Engels, Obras Escolhidas, vol. 1,s/d , pág. 377, vol. 1, grifo nosso).
21
massas na luta política. Ou seja, a luta política não poderia reduzir-se ou ficar amarrada à luta
econômica. Estabelece ainda, como tarefa absolutamente necessária, a mais ampla agitação
política e a organização de denúncias políticas em todos os seus aspectos.
A social-democracia revolucionária [comunistas] sempre inclui e continua a incluir no
quadro das suas atividades a luta pelas reformas. Mas usa a agitação "econômica" não só
para exigir do governo toda a espécie de medidas, mas também (e em primeiro lugar) para
exigir que ele deixe de ser um governo autocrático. Além disso, considera seu dever
apresentar ao governo esta exigência, não só no terreno da luta econômica, mas também
no terreno de todas as manifestações em geral da vida política e social. Numa palavra,
subordina, como a parte ao todo, a luta pelas reformas à luta revolucionária pela
liberdade e pelo socialismo (Lênin, 1981, pág. 123, vol. 1, grifo nosso).
Lênin, à luz da conjuntura russa da época, qual seja, ascensão e auge do movimento de
massas, desenvolveu princípios fundamentais da teoria marxista, dentre eles, a relação entre
as reformas e a revolução
22
.
Entendemos que é neste mesmo sentido que Althusser (1999, p.154) destaca o papel da fusão
da luta de classe política na luta de classe econômica, na perspectiva da constituição de uma
consciência crítica que dê conta da luta pela tomada de poder pelo proletariado.
A luta de classe econômica, que não pode ser o único fator determinante na batalha
decisiva pela revolução socialista, a saber, a batalha pela tomada de poder de Estado, não
é uma luta secundária nem subordinada, mas a base material da própria luta política. Sem
luta econômica obstinada, cotidiana, ininterrupta, a luta de classe política é impossível ou
inútil. Não existe luta de classe política real e capaz de conseguir a vitória a não ser que
esteja profundamente enraizada na luta de classe econômica, e somente nela, já que a
luta de classe econômica, é, se me é permitido empregar esta expressão um pouco
metafórica, a infra-estrutura determinante, em última instância, da própria luta política que
é, por ser sua função, a única que pode dirigir a batalha decisiva das massas populares.
Portanto, primado da luta de classe política: mas esse primado continua sendo inútil se a
base da luta política, ou seja, a luta de classe econômica, não for empreendida
cotidianamente, infatigavelmente, a fundo e segundo uma linha justa.
21
Corrente que surgiu de uma parte da social-democracia russa, na segunda metade dos anos 90 do século XIX, afirmava que
os operários deveriam preocupar-se unicamente com a luta econômica, sendo contrária à criação do partido independente da
classe operária.
22
O livro "Que Fazer" de Lênin, muitas vezes, é utilizado como embasamento para posições que minimizam o papel das lutas
imediatas dos estudantes durante minha graduação, escutei este tipo de argumento em conversas que tinha com os colegas do
Centro Acadêmico e com os que pertenciam às diversas posições políticas na faculdade. No entanto, é importante não
deslocarmos esta obra da conjuntura em que foi escrita e, ao mesmo tempo, entender as contribuições que nos oferece para
compreendermos a atualidade. É importante destacar também que Lênin nunca desprezou as lutas imediatas da classe operária
e, em vários momentos desta mesma obra, no debate com os economicistas, acusa-os de manter linha que foi justa para o
período inicial do movimento "(...) Nessa altura as nossas forças eram de fato mínimas, era então natural e legítima a resolução
de nos consagrarmos inteiramente ao trabalho entre os operários e de condenarmos severamente todo o desvio desta linha;
então toda a tarefa consistia em consolidar-nos no seio da classe operária.(...)." ( op. cit., p.141)
22
Cabem ainda alguns esclarecimentos sobre os possíveis questionamentos acerca das
limitações que a nossa análise pode incorrer ao manejarmos uma teoria que se constituiu com
base na classe operária para analisarmos um segmento que, predominantemente, pertence à
pequena burguesia.
Em primeiro lugar, resgatamos a ressalva que fizemos, no início, ao considerarmos que em
nossa análise estabelecemos aproximações com a teoria marxista. Em segundo lugar, cabe
esclarecer que sem descartar a centralidade que a classe operária assume na análise marxista,
trabalhamos com o conceito de proletariado de Marx - considerado por este como os não
proprietários dos meios de produção, e, neste sentido, a condição da maioria dos estudantes
permite-nos estabelecer aproximações com este referencial. Também contribuiu, para tanto, o
sentido do conceito de massas utilizado por Lênin (1979, p. 158): "compreendo por massas
todo o conjunto dos trabalhadores e explorados pelo capital, principalmente os menos
organizados e esclarecidos, os mais oprimidos e os mais refratários à organização". Em outro
artigo, este mesmo autor destaca que "(...) o conceito de massas muda no sentido de que por
ele se entende uma maioria, não uma simples maioria de operários, mas a maioria de todos os
explorados" (1979, p. 198).
Nos apoiamos ainda na análise de Mao Tse Tung (ano) para compreendermos o papel que os
estudantes e os intelectuais podem assumir no processo revolucionário, na medida em que
inseridos nas lutas - dado seus conhecimentos, seu senso político aguçado e a capacidade
que têm de assumir papel de vanguarda - podem contribuir com a classe operária nas
diferentes fases do processo revolucionário.
Não desprezamos as vacilações típicas da pequena burguesia no processo histórico,
entretanto, compreendemos que da mesma forma que não podemos mecanicamente colocar
os estudantes como revolucionários, não podemos desconsiderar o potencial que os mesmos
têm para colocar-se ao lado da classe operária no processo de transformação social.
2. Procedimentos metodológicos
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada com base em um estudo de caso. Desta forma,
deve-se levar em consideração que tanto a pesquisa, assim como os resultados da
23
investigação estão circunscritos ao caso estudado. Entretanto, ainda que seja um caso
específico, nele estão contidos elementos particulares e gerais, relacionando-se mutuamente.
A pesquisa focou o curso de Ciências Sociais da UFRJ, estabelecendo correlações com o
movimento estudantil como um todo, de forma a entender como as relações se dão
concretamente, em sua dinâmica e especificidade, no intuito de contribuir para a compreensão
da totalidade (Kuenzer, 2002). Essa perspectiva não descaracteriza o estudo de caso, pois,
como afirmam Lüdke e André (1986), a dimensão da totalidade deve ser sempre mantida.
Neste sentido, a análise do objeto assumiu duas dimensões que estão articuladas
dialeticamente e que consideramos como:
fatores externos: a influência da política neoliberal sobre o movimento estudantil brasileiro, a
partir dos anos 1990.
fatores internos: fatores que dizem respeito à dinâmica, às concepções, às formulações
políticas e à organicidade do movimento estudantil, no caso concreto estudado.
Tendo em conta estes dois tipos de fatores, estabelecemos alguns procedimentos, que
orientaram a coleta de dados e a análise do objeto:
A realização de entrevistas com os militantes das organizações políticas presentes no
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e com os estudantes, para dar "voz" aos
mesmos, com o objetivo de entender como se desenvolvem as relações entre os mesmos.
Levantamos as contradições, os conflitos, as expectativas, as perspectivas, e assim,
analisamos como se processa a prática educativa deste movimento.
Através das entrevistas, obtivemos dados sobre o papel que tem sido desempenhado pelo
movimento estudantil como educador político e como tem sido a sua relação com o conjunto
dos estudantes.
Levantamos material que nos permitiu analisar as principais reivindicações e o nível de
organização e envolvimento dos estudantes com as mesmas.
A partir de pesquisa bibliográfica, situamos historicamente o movimento estudantil.
Privilegiamos, no segundo capítulo da dissertação, a análise da década de 60 - considerada
o "auge" do movimento estudantil como ator revolucionário - para fazer uma análise das
24
referências políticas, das táticas e estratégias do movimento, neste período, comparando-o
com o contexto neoliberal.
3. O trabalho de campo
Realizamos 20 entrevistas com os estudantes do curso de ciências sociais da UFRJ,
abrangendo estudantes do 1
º
ao 8
º
períodos do curso. Dos entrevistados, seis eram militantes
das seguintes organizações políticas: Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido dos Trabalhadores
(PT), Mobilização e Luta (ML) e Movimento Estudantil Libertário (MEL). Na época em que
estávamos realizando o nosso trabalho de campo, os militantes do PT e do PSB estavam na
coordenação do Centro Acadêmico. A escolha dos militantes que entrevistamos baseou-se no
destaque dos mesmos como principais representantes das correntes políticas citadas.
Os demais estudantes entrevistados não pertenciam a nenhum partido ou organização política.
Com base em observações e análise documental de panfletos e programas de chapas para o
centro acadêmico, criamos tópicos/blocos de perguntas que nos permitiram: perceber a visão
do conjunto dos estudantes acerca da realidade, as formas de organização, as divergências
políticas, as diferentes posições e maneiras de compreensão do movimento estudantil.
Destacamos a seguir os tópicos utilizados no roteiro de entrevista, que segue como apêndice:
1. Realidade concreta: questões ligadas à estrutura do curso;
2. Formas de organização do movimento estudantil/ opinião sobre o Centro Acadêmico;
3. Compreensão mais geral da sociedade: questões relacionadas ao país, a educação, ao
mundo, relacionando as mudanças político-econômicas com o movimento estudantil, com o
mercado de trabalho;
4. Avaliação das tendências do movimento estudantil, articulações entre as mesmas,
diferenças nas posições e direcionamentos práticos, divergências entre as tendências e
lutas, relação as entre questões específicas do curso e as questões gerais da sociedade.
O roteiro aplicado foi basicamente o mesmo para os dois grupos de entrevistados, entretanto,
algumas perguntas se diferenciavam: por exemplo, uma das perguntas dirigidas aos
"militantes" referia-se aos critérios através dos quais eles decidiam quais seriam as lutas
principais - pergunta que não fizemos aos "estudantes"; caso inverso, na questão da opinião
25
sobre as assembléias. Essas diferenças baseiam-se no lugar que cada um deles (militantes e
estudantes) ocupam em nossa análise.
Além das entrevistas, estivemos presentes no IFCS em diferentes momentos, entre eles, em
um dos dias que os estudantes ocuparam a sala da direção do IFCS reivindicando a reabertura
da biblioteca
23
e num dos debates de chapa para a eleição do Centro Acadêmico.
Uma de nossas dificuldades foi encontrar materiais, panfletos e informativos das diferentes
correntes políticas do movimento estudantil, excetuando-se os programas das chapas para a
eleição do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS). Por isto, não trabalhamos com
estes materiais, pois só tivemos acesso a uma pequena quantidade, o que não nos permitiu
fazer uma análise mais sistemática a partir destas fontes.
23
fechada na época a quase dois anos
26
CAPÍTULO II: Surgimento, consolidação e principais posicionamentos e ações da União
Nacional dos Estudantes (UNE) no período de 1937 à década de 90.
O objetivo do presente capítulo é situar historicamente o movimento estudantil no período de
1937 à década de 90, a partir da análise da relação que se estabeleceu entre os militantes e o
conjunto dos estudantes. Analisaremos a linha política que predominou no movimento
estudantil, no trabalho junto às bases, para compreendermos a relação que se estabeleceu
entre os militantes e o conjunto dos estudantes, e como se constituiu a linha de atuação
central da UNE.
1. Antecedentes
Historicamente, o movimento estudantil se constituiu inserido nas contradições da sociedade.
Segundo Fávero (1995), "(...) os estudantes, ao mesmo tempo que se pretendiam
'revolucionários', participavam de uma aprendizagem do processo político, em termos de
conservação e mudança"
24
(p.12). Ao fazermos uma retrospectiva do processo de consolidação
deste movimento, observamos que, predominantemente, o mesmo se alinhou às posições mais
progressistas e em alguns momentos assumiu papel de vanguarda. Participou ativamente da
frente única antifascista, organizando, no mês de outubro de 1934, o Congresso Nacional
Estudantil Antiguerreiro e Antifascista, assim como as manifestações e os atos da Aliança
Nacional Libertadora, através do Comitê do Congresso da Juventude Estudantil e Popular do
Brasil (Prestes, 1997). Contribuiu, também, na organização da Campanha de Solidariedade aos
republicanos na Guerra Civil Espanhola e alguns de seus setores apoiaram o Levante
Comunista de 1935.
No entanto, foi a partir da criação da União Nacional dos Estudantes - UNE, em agosto de
1937, resultado de um longo período de lutas e do amadurecimento político em torno da
necessidade de maior inserção e engajamento dos estudantes na vida política do país,
vislumbrando contribuir com a transformação da realidade brasileira, que o movimento
24
Maria de Lourdes Fávero se refere aos movimentos estudantis da América do Sul como um todo e destaca que estes
"aderiram a um amplo projeto de reforma social, política, econômica, defendida por diferentes segmentos progressistas da
sociedade, cuja realização significaria a deposição das oligarquias nacionais e a possível comoção dos grupos hegemônicos
internacionais a elas vinculados" (p.12).
27
estudantil conseguiu ter uma atuação mais sistemática, permanente e nacionalmente mais
coesa.
Entre 1937 e os anos imediatos ao golpe de 1964, a UNE conseguiu alcançar importantes
momentos de participação e mobilização estudantil. Neste contexto, em sentido mais amplo,
observamos que no aspecto político-econômico a questão nacional se fez presente durante
toda a época, principalmente através do ideário do nacional-desenvolvimentismo. No entanto,
este ideário foi concebido e compreendido, pelos setores sociais, de maneira diversa, em
diferentes momentos. Subjacente a ele esteve o debate sobre o projeto de nação que se
estabeleceria como dominante.
Foi um período marcado por intensos conflitos políticos e sociais que expressaram as
contradições entre as frações da burguesia brasileira, destas com o imperialismo e, de ambos,
com as classes populares. As disputas destes setores pela hegemonia política e pela definição
do tipo de projeto de nação, que orientaria o desenvolvimento do país, ajudam a compreender
as perspectivas e posições políticas que predominaram. A política populista esteve em pleno
vigor e se caracterizou, principalmente, por dirigir a industrialização capitalista, com amplo
apoio das camadas populares. (incluir a referência, Boito)
Os posicionamentos e a atuação do movimento estudantil, apesar de não serem uma
reprodução mecânica da estrutura social e de suas contradições, não podem ser
compreendidos fora das mesmas.
Na conjuntura de acirramento das contradições e disputas entre as frações da classe
dominante e destas com as classes dominadas, que resultará na decretação do Estado Novo
(1937), no contexto em que o cenário mundial estava mergulhado no aprofundamento das
contradições interimperialistas, que eclodiram na II Guerra Mundial, com o avanço do fascismo
e do crescimento da resistência dos comunistas, a UNE, apesar de ter definido sua finalidade
no esforço de congregar todos os estudantes em torno da defesa de seus interesses, colocou,
como uma de suas preocupações centrais, a queso dos problemas nacionais. As teses de
construção de uma siderurgia brasileira, da emancipação nacional de todos os países da
América Latina e da necessidade de libertar a economia nacional do jugo da exploração
imperialista, dentre outras, aparecem em seus primeiros congressos. Na pauta de
reivindicações específicas dos estudantes estiveram presentes: problemas das taxas de
matrículas, subvenção do Estado, questões relacionadas à alimentação, à habitação, etc. .
28
Assim, sem deixar de tratar dos anseios mais imediatos dos estudantes, a UNE se afirmou e
se posicionou frente às questões colocadas no âmbito nacional e internacional (Poerner, 2004).
No desenrolar das disputas em torno da decisão sobre o posicionamento do país no conflito
mundial, a UNE cumpriu papel importante na pressão para que o governo brasileiro se
posicionasse ao lado dos Aliados. Desenvolveu intensa campanha pela derrota do
nazifascismo. Apoiou setores e personalidades contrárias ao Eixo
25
, além de ter vanguardeado
as manifestações de rua e os movimentos de massas antifascistas, entre eles, a Marcha
pública de 4 de julho de 1942, ato inédito, até então, no Estado Novo. Carone (1988) afirma
que o movimento estudantil tornou-se, neste momento, porta voz dos anseios populares "A
resistência estudantil vai extravasar e atingir as ruas, numa arrancada que o governo quer, mas
não pode impedir, pois o que se pede é a entrada do Brasil na guerra, na hora em que os
nossos navios são afundados pelos alemães" (p. 293).
Assim, entre 1942/45, a UNE desenvolveu campanha contra o Eixo, adquirindo neste processo
maior dinamismo, o que permitiu fortalecer-se como entidade, ao mesmo tempo que ganhou
maior espaço político na sociedade. Em 1945, apoiou o movimento pela anistia, realizando
uma série de manifestações de rua. Entre 1947/50, após um breve período de ascendência
udenista na entidade
26
, intensificou a luta em defesa do patrimônio do território e da economia
nacional. Neste momento lançou a campanha "O Petróleo é Nosso" e enfatizou a luta pela
industrialização siderúrgica nacional como uma condição fundamental para a libertação do
país. As lutas em defesa da soberania nacional - apesar de um descenso da participação
política do movimento estudantil - prosseguiram mesmo no período em que predominou uma
posição direitista na UNE (1950/1956), isto explica-se devido ao avanço, no interior da
entidade, das posições em defesa do patrimônio nacional.
Os anos de 1956/1959 foram um período de recuperação política e de ampla mobilização. A
UNE desenvolveu campanha contra a América Can
27
, se posicionou e realizou manifestação
contra o acordo de Raboré
28
, provocou a constituição de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito sobre a Shell e a Esso, organizou campanhas contra o preço dos bondes, com as
25
Exemplo disso, foi o apoio que deu ao chanceler Osvaldo Aranha quando este se manifestou a favor dos Aliados para se
contrapor a um pronunciamento de Getúlio Vargas que tendia a favor do Eixo. Os estudantes mobilizaram a UNE, o DCE, a
Confederação Brasileira dos Desportos Universitários (CBDU), os diretórios e centros acadêmicos das faculdades para
diversos comícios e para a manifestação popular de apoio àquele ministro. (Poerner, 2004, p.147)
26
Em julho de 1945, o Congresso da UNE elege o udenista José Bonifácio Coutinho Nogueira para presidente da entidade.
27
Empresa norte-americana que queria destruir a indústria brasileira de lataria.
29
quais contou com a solidariedade dos operários, originando a União Operária-Estudantil contra
a Carestia e é neste período, também, que surgiu a primeira Frente única de católicos e
comunistas no movimento estudantil (Poerner, 2004).
Alguns autores destacam que, a partir dos meados da década de 50, o movimento estudantil
iniciou uma nova fase. Cunha (1983, p.61) afirma que "(...) os estudantes universitários, até
então buscados como massa de manobra para conflitos entre segmentos das classes
dominantes, passaram a atuar como aliados explícitos das classes trabalhadoras na
construção de uma nova ordem mundial".
Para Sanfelice (1986), o movimento estudantil adquiriu maior politização e intensificou sua
atuação frente aos acontecimentos nacionais. Segundo Fávero (1995, p.25), a partir do I
Seminário de Reforma do Ensino, em 1957, os estudantes universitários ingressaram de forma
mais sistemática na luta pela Reforma Universitária e começaram a esboçar a preocupação
com a transformação estrutural das instituições de ensino, que se intensificou com o debate
sobre a Lei de Diretrizes e Bases (1961), definindo como prioridade, para o movimento
estudantil, a luta pela democratização do ensino.
O anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases data de 1948
29
, no entanto só foi sancionado em
1961, em razão do confronto que se travou entre os interesses dos grupos privados da
educação e os defensores da escola pública. Alguns setores deste último se aliavam ao projeto
do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
30
, no qual a escola pública era vista como
propulsora do progresso. Os empresários do ensino tiveram seus interesses expressos no
Substitutivo de Carlos Lacerda (1958), que defendia a liberdade da família em relação à
escolha da escola de seus filhos e atribuía ao Estado papel suplementar à iniciativa privada. A
Campanha em Defesa da Escola Pública surgiu como uma reação a este substitutivo
31
e
contou com intensa participação dos estudantes. No entanto, apesar da ampla agitação e
mobilização desenvolvida pelos setores progressistas e populares, a correlação de força
acabou favorecendo os privatistas, o substitutivo Lacerda foi aprovado com algumas
modificações em 1960 (Cunha, 1983). Para Freitag (1986, p. 58), "a LDB reflete assim, as
28
Este acordo pretendia aplicar os recursos da Petrobrás no antiplano da Bolívia para atender aos interesses da Gulf.
29
A necessidade da elaboração da LDB estava prevista na Constituição de 1946 (Freitag, 1986)
30
explicar posições do ISEB a partir de Toledo (resolver)
31
Cunha (1983) relata que o Manifesto dos Educadores, redigido por Fernando Azedo e assinado por vários intelectuais,
defendia "a expansão do ensino público como condição necessária à democracia, à igualdade de oportunidades e ao
30
contradições e os conflitos que caracterizavam as próprias frações de classe da burguesia
brasileira. Apesar de ainda conter elementos populistas, essa lei não deixa de ter caráter
elitista".
José Serra, em documento da UNE
32
(1963), destacou que a discussão sobre a LDB abriu
espaço para que os estudantes compreendessem que a luta por melhores condições de ensino
estava articulada às lutas mais gerais presentes na sociedade: "é o primeiro passo para que o
estudante ligasse a sua condição e suas lutas às contradições da sociedade brasileira"
(p.CVII). Ou seja, essa discussão possibilitou maior compreensão por parte dos estudantes em
torno da articulação entre a estrutura social e as questões que viviam no interior da
universidade, ao mesmo tempo, situou sua atuação inserida num contexto mais amplo e aliado
às forças populares. Ianni (1975, p.110) caracteriza essa articulação de percurso dialético, "é a
partir da reforma do ensino superior que a juventude se coloca o problema de reforma da
sociedade. É como se a juventude compreendesse a sociedade nacional a partir da situação
concreta dentro da Universidade".
Essa perspectiva é reforçada durante a greve deflagrada pelos estudantes da Universidade da
Bahia (1960), que rapidamente se alastrou para outras universidades brasileiras. Neste
momento, houve um progressivo amadurecimento dos estudantes em torno da necessidade de
se posicionar diante das mudanças na estrutura social. O questionamento introduzido pelo
debate da LDB: Universidade para quem? - aliado ao aprofundamento da análise da realidade
brasileira - impôs-se como uma questão fundamental a ser tratada, pois poderia permitir uma
definição mais conseqüente das posições e dos rumos do movimento estudantil na teia de
contradições presentes naquela conjuntura.
2. A UNE e a conjuntura da década de 60
As posições da UNE sobre a Reforma Universitária foram sistematizadas, basicamente, em
três documentos: Declaração da Bahia (1960), Carta do Paraná (1962) e UNE: a luta atual pela
Reforma Universitária (1963). Estes documentos nos permitem compreender o fio condutor das
análises, propostas e desenvolvimento das posições teóricas, políticas e práticas que o
desenvolvimento econômico baseado na industrialização"(p.124). Este manifesto, segundo este autor, teria dado início
àCampanha em Defesa da Escola Pública.
32
UNE: a luta atual pela Reforma Universitária
31
movimento estudantil assumiu na conjuntura da década de 60. Neste contexto, de acirramento
das contradições e da luta de classes, e de avanço das lutas populares, os estudantes foram
chamados a definirem e amadurecerem as suas posições.
No início dos anos 60, houve intensa politização no interior do meio universitário brasileiro
(Martins Filho,1998)
33
. Este fenômeno não se restringiu ao movimento estudantil, foi a
expressão, neste segmento, do processo de acelerada politização da sociedade e conseqüente
aumento dos movimentos reivindicatórios da classe trabalhadora, tanto no campo, quanto na
cidade.
Ao aprofundarmos a nossa análise sobre a conjuntura da década de 60, percebemos que o
aumento da participação política dos setores populares e dos trabalhadores pode ser
compreendido como avanço da consciência, destes segmentos, advinda dos anseios e pressão
por melhores condições de vida e como resposta à política econômica financeira, que vinha se
desenvolvendo com Jânio Quadros
34
. Esta última, se aprofundou durante o período
parlamentarista e se arrastou no governo Goulart, configurando-se como um fator decisivo para
o desencadeamento do golpe político-militar de 1964.
O aumento do custo de vida, a protelação dos problemas sociais no campo e na cidade, junto à
associação das classes dominantes ao Imperialismo e o receio destes diante do avanço das
classes dominadas no processo político fizeram com que a sociedade brasileira se tornasse, a
partir de 1959, cada vez mais conflitante (Carone, 1981).
No período parlamentarista (setembro/61- janeiro/63), houve continuidade da política anterior e,
como conseqüência, um agravamento da crise econômica e financeira, decorrente,
principalmente: da contínua redução da capacidade de importação do país, da elevação da
dívida externa, dos crescentes défictis da balança de pagamentos, das remessas de lucro das
empresas estrangeiras e do aumento da inflação. Marini (1972), comenta o significado da
aceleração, desta última, naquele momento:
33
Segundo este autor, "o crescimento da UNE deu-se no bojo de um processo de radicalização geral do meio estudantil no
início dos anos 60 e da sua capacidade de expressar as reivindicações dos universitários" (p.88).
34
O governo Jânio Quadros herdou da era JK uma dívida externa de U$S 3,802 bilhões; com o argumento de saldar essa
dívida, baixou a Instrução 204. Esta Instrução estabelecia a liberdade cambial e suprimia os subsídios governamentais à
importação de combustível, papel e outros produtos. Carone (1985) esclarece que o governo Jânio Quadros "(...) Anunciando
defender a 'verdade cambial', isto é, a de terminar com todas as formas de subsídio existentes, como nos casos do trigo, do
petróleo, das máquinas etc., a Instrução 204 divide as taxas em duas categorias, como as instruções anteriores. Todas as
operações de câmbio para a importação se fazem pelo mercado de taxa livre, com algumas exceções. (...) A elevação do dólar e
o fim dos subsídios levam o país a uma crise, onde as oposições denunciam cada vez mais a subordinação ao esquema do
Fundo Monetário Internacional e à sua política monetarista" (pp. 111/112)
32
(...) No Brasil, sua aceleração indicava uma luta entre preços e salários que apenas
significava que a inflação, como instrumento de acumulação de capital, deixava de ser
eficaz. É impossível continuar financiando a industrialização através de arrochos forçados,
quando se tinha o nível de vida popular comprimido ao máximo (graças à erosão
constante a que haviam estado submetidos os salários) e um movimento sindical em
melhores condições
Foi diante deste quadro, que João Goulart assumiu o governo com plenos poderes, após
plebiscito que repudiou o parlamentarismo. Para tentar sanar a crise, lançou o Plano Trienal de
Desenvolvimento Econômico e Social (ano), cujo objetivo principal era retomar a taxa de
crescimento, combater a inflação e, paralelamente, diminuir as tensões sociais através de uma
melhor distribuição dos frutos do desenvolvimento. No entanto, para o movimento sindical, as
medidas propostas por este Plano - amortização da dívida externa via maior entrada de capitais
estrangeiros e redução do dispêndio público programado - não davam conta do objetivo
anunciado e iriam agravar o endividamento e entravar o desenvolvimento do país, além de
significar uma capitulação ao latifúndio e ao Imperialismo, uma vez que deixavam intactos os
lucros do capital estrangeiro, do latifúndio e das classes dominantes às custas do sacrifício das
classes trabalhadoras (Toledo, ano).
Apesar de todas as controvérsias, contradições e limitações do governo Goulart, a expectativa
das classes trabalhadoras e dos setores progressistas em relação a este governo foi grande,
no sentido do que ele poderia significar em termos de maior espaço para as lutas e conquistas
de suas reivindicações. A adesão destes setores à Rede da Legalidade, organizada e liderada
por Leonel Brizola para garantir a posse de Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros,
explicita esta perspectiva.
A UNE participou ativamente desta Campanha, decretando greve geral dos estudantes e
deslocando a sua diretoria para o Rio Grande do Sul. Após o desfecho deste episódio, com o
estabelecimento do parlamentarismo, a entidade, através de um documento
35
posicionou-se,
anunciando o que esperava do governo: atender aos interesses e apoiar as reivindicações das
classes trabalhadoras, trabalhar por um Brasil livre, soberano e autodeterminado, consolidar as
riqueza nacionais, combater o colonialismo interno, coibir o abuso econômico de grupos e
35
"O que a UNE espera do governo Jango", de 02/09/61 citado em Sanfelice (1986)
33
classes, contribuir para a justa distribuição da renda nacional, garantir o direito de greve, a
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e a co-gestão operária e tornar efetiva
a reforma agrária.
O clima era de fortalecimento dos anseios, reivindicações e mobilizações por mudanças.
Toledo (ano) caracteriza os: "tempos de Goulart" como singulares na história política brasileira,
"neles a política deixou de ser privilégio do parlamento, do governo e das classes dominantes,
para alcançar de forma intensa a fábrica, o campo, o quartel". (p.67). Dênis (1989) corrobora
esta análise, acrescentando que o engajamento político advinha, não somente do acirramento
das contradições internas do país mas, também, da convicção - reforçada pela conjuntura
internacional, de avanço da construção do socialismo na China, das lutas de libertação
nacional na África e na Ásia, e da conquista da independência da Argélia - de que vivíamos
um período com perspectivas mais favoráveis À revolução.
O recrudescimento da luta de classes, o agravamento da crise econômica e as expectativas de
avanço do processo revolucionário levaram a uma ebulição social que se espraiou em todos o
segmentos da sociedade: os trabalhadores do campo realizaram, em 1961, o seu I Congresso
Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, onde estiveram presentes cerca de 1.600
delegados; na cidade, o movimento sindical intensificou as suas mobilizações
36
, os intelectuais
fundaram, em 1963, o Comando dos Trabalhadores Intelectuais, houve um crescente
engajamento de setores progressistas da Igreja no processo político e a UNE integrou-se à
frente anti-latifúndio e anti-imperialista, defendendo que a Universidade precisava romper com
a sua estrutura arcaica e conservadora e somar-se à luta pela transformação da sociedade.
A reforma universitária é uma bandeira histórica do movimento estudantil latino-americano,
data de 1908, quando os estudantes realizaram, em Montevidéu, o I Congresso de Estudantes
Latino-americanos. Entretanto, foi a partir da Carta de Córdoba
37
(1918), que a luta pela
Reforma Universitária espraiou-se pela América do Sul, e através da qual o movimento
estudantil conseguiu unir-se para lutar pela democratização do ensino, por uma universidade
36
Expressos através do aumento do número de greves: entre 1958/60 o movimento sindical realizou 177 greves, este número
pula para 435 paralisações, entre 1961/1963.
37
Elaborada durante o I Congresso da Federação Universitária da Argentina, realizado em Córdoba em 1918, foi aprovada com
o nome de Carta Magna da Reforma Universitária, mas ficou conhecida como Carta de Córdoba. Dentre os princípios
estabelecidos nesta Carta, constam: participação dos estudantes e dos formados na direção da universidade; autonomia
universitária; extensão universitária; ajuda social aos estudantes; orientação social dos estudos universitários, abordando os
grandes problemas nacionais; periodicidade das cátedras, entre outros (Cunha, 1983).
34
aberta ao povo, além de questionar e condenar a subordinação econômica e política dos
países dominados.
Compreendemos que os rumos tomados pelo debate sobre a Reforma Universitária, podem ser
considerados como uma expressão da conjuntura no seio do movimento estudantil, como um
amadurecimento de seu posicionamento nas lutas que se desenvolveram na década de 60.
Os documentos da UNE revestem-se de importante significado para entendermos os
fundamentos e as posições que predominaram na definição das práticas, táticas e estratégias
do movimento estudantil, no que diz respeito às questões educacionais e sua articulação ao
processo econômico-político do período.
3. A Declaração da Bahia, a Carta do Paraná e UNE - a Luta Atual pela Reforma
Universitária: as posições do movimento estudantil sobre a Reforma Universitária
Nos documentos da UNE, a Reforma Universitária aparece como superação de um estágio
anterior do movimento estudantil, no qual os estudantes tratavam de forma paralela (não
articulada) as lutas específicas e a luta geral e, ao mesmo tempo, como expressão do avanço
na compreensão da unidade que estes dois aspectos (específico/geral) integram. Afirmam
também, que as lutas teriam proporcionado o progresso de suas posições: 1) no que diz
respeito ao caráter da luta anti-imperialista como uma luta inserida no processo da revolução
brasileira; 2) na superação da desilusão com a burguesia brasileira; 3) no entendimento da
necessidade da direção da classe operária na luta anti-imperialista, considerada a única classe
capaz de levar o processo revolucionário à frente e; 4) na definição da classe operária como
seu verdadeiro aliado. Postulavam que a inserção e o comprometimento maior dos estudantes
nas lutas populares permitiram que assumissem uma postura mais conseqüente nas lutas de
libertação nacional e que se integrassem na vanguarda daquelas.
A análise da forma como os universitários conceberam a Reforma Universitária possibilita
entender de que ponto de vista se posicionaram para definir as suas concepções e propostas.
Partem da análise da realidade brasileira, uma vez que concebiam que a universidade só
poderia ser compreendida dentro da estrutura social na qual estava inserida, para entenderem
o arcabouço e as características da universidade, apontando os seus limites e insuficiências.
Simultaneamente, extraem desta perspectiva, ou da crítica à perspectiva que predominava na
35
estrutura universitária, as propostas e os pontos que deveriam ser revistos, superados e os
possíveis avanços na estrutura social capitalista apontando, concomitantemente, as diretrizes
para a superação da mesma.
Os documentos sobre a Reforma Universitária podem ser considerados como resultado do
amadurecimento das posições da UNE, conseqüência da exigência posta pelo avanço da
conjuntura, na definição dos rumos do movimento estudantil. Esta perspectiva está expressa,
inclusive, na forma como definiu o papel de cada documento: a "Declaração da Bahia" é um
primeiro esforço de elaboração da crítica à estrutura universitária predominante e de
delineamento de um projeto de reforma, ou seja, é um documento em que colocam as bases
de sua reforma
38
; a "Carta do Paraná" aprofunda o debate anterior, no entanto, centra-se na
definição de uma linha comum de ação para o movimento estudantil, e o documento - "UNE: a
luta atual pela reforma universitária", traz um primeiro balanço e autocrítica sobre o processo
de lutas desenvolvidas para a efetivação da reforma universitária. Percebemos, então, a
trajetória política que a UNE desenvolveu a partir do debate sobre a Reforma Universitária,
através do aprofundamento teórico, da definição de direcionamento e da posição política e dos
encaminhamentos práticos à luz da especificidade da realidade dos estudantes.
Procuraremos destacar, em traços gerais, algumas características que se sobressaem a partir
da análise dos documentos citados anteriormente e que consideramos importantes para o
entendimento das posições e ações que o movimento estudantil assumiu.
Caracterizavam o Brasil como um país dominado economicamente e subordinado politicamente
aos interesses do Imperialismo, ao mesmo tempo, compreendiam que havia uma articulação,
associação e vínculos da burguesia brasileira àqueles interesses. Criticavam o
desenvolvimento promovido pelo Estado burguês
39
e definiam o tipo de desenvolvimento que
almejavam. Este passaria pela reformulação total da estrutura sócio-econômica do país e
deveria basear-se na "promoção da classe operária"
40
.
Os aspectos centrais que, em nossa opinião, fundamentaram toda a análise da UNE é a
concepção que defende de interpenetração e influência mútua entre a sociedade e a
universidade, e a articulação desta última com o desenvolvimento.
38
Para Poerner (2004) este documento significou uma fase de transição, na qual, "os estudantes dão um salto, no afã de
conceituar e, a partir daí planejar sua ação" (p.175)
39
Analisavam que o desenvolvimento em bases capitalistas aprofundou a espoliação da classe operária e a proletarização da
classe média. (Declaração da Bahia apud Fávero (1995), p. VII)
40
Entendida como o fim da exploração, a socialização dos meios de produção e a melhoria das condições de vida.
36
A universidade era vista como fator propulsor, por excelência, do desenvolvimento do país,
tendo papel crucial neste processo. Daí o movimento estudantil ressaltar a expectativa de
extrair todo o potencial daquela instituição e colocá-lo a serviço do desenvolvimento.
Os estudantes postulavam que a universidade, ao não atender os objetivos expostos acima,
falhava em suas missões: 1)cultural: por não estimular a pesquisa e se limitar a importar
esquemas, e por não esclarecer o povo; 2) profissional: por não problematizar os cursos, por
não desenvolver a iniciativa crítica do estudante e por não formar profissionais que as
realidades nacional e regional necessitavam; 3) social: por não assumir o seu papel
insubstituível de liderança social e por formar profissionais individualistas, mantenedores da
ordem - uma vez que, a estrutura e a concepção que predominava na universidade, calcada e
sob a direção e orientação da classe burguesa, ao invés de contribuir para o avanço do
progresso e do desenvolvimento do país, servia como "uma das peças de sustentação do
status quo e um obstáculo ao projeto histórico brasileiro"(p.XX DB).
Assim, a UNE compreendia que a Reforma Universitária só poderia ser efetivada dentro do
processo da Revolução Brasileira. Como entendia que esta não era um processo imediato
41
,
propunham que a universidade de obstáculo se transformasse em "fator de impulso à evolução
social" (p. 20 DB).
Com este intuito, os universitários procuraram formular propostas que significassem
compromisso e aproximação com os anseios das classes trabalhadoras. Com esta perspectiva,
propuseram: 1) lutar pelo direito de acesso à educação para todos, em todos os graus, e
reivindicavam, também, condições para se manter na universidade: bolsa de estudos,
restaurantes, habitação, assistência médico-odontológica, assistência social, aquisição de
livros e materiais técnicos, bibliotecas, trabalho remunerado na própria universidade, entre
outras; 2) abrir a universidade para o povo, através da criação, nas faculdades, nas favelas,
nos bairros operários e nas fábricas, de cursos acessíveis a todos, dentre eles: cursos de
alfabetização, de mestre de obras, cursos para lideranças sindicais; 3) criar escritórios que
pudessem dar assistência (jurídica, médica, odontológica, entre outras) às classes desvalidas,
no entanto, enfatizavam que era necessário, sobretudo, despertar a consciência do povo por
seus direitos; 4) transformar a universidade numa trincheira de defesa das reivindicações
populares (p.21 DB).
37
Nas conclusões do I Seminário Nacional de Reforma Universitária, os estudantes formularam
propostas para a superação de alguns obstáculos que impediam a Universidade de realizar, na
sua concepção, os seus objetivos fundamentais, entre elas: o fim da cátedra; a adoção de
departamentos articulados entre si; a concentração de verbas, de pessoal, de aparelhagem; o
estímulo à carreira de magistério, dando melhores condições de trabalho aos professores e
estudantes, melhor remuneração aos primeiros e um sistema eficiente de assistência
estudantil; além da reformulação dos currículos e programas para que fossem baseados nos
estudos, das necessidades e problemas do país.
Objetivavam constituir um corpo docente capaz de formar profissionais que orientassem o
desenvolvimento do país. Para tanto, apontavam a necessidade de se criar uma verdadeira
comunidade universitária, através do diálogo criador entre estudantes, técnicos-admistrativos e
docentes, e defendiam a participação destes setores, através da indicação de seus órgãos de
classe, nas Comissões e Departamentos que seriam criados, enfatizando o papel dos
estudantes como essencial para a renovação do ensino e dos valores da Universidade.
A Declaração da Bahia pode ser considerada um esforço e amadurecimento dos estudantes
universitários de situar a sua perspectiva, na medida em que avançaram na compreensão de
sua realidade específica, a partir das contradições e lutas presentes no seio da sociedade. Isto
se expressou, em termos de concepção, no vínculo que estabeleceram entre a Reforma
Universitária e a Revolução Brasileira. Esta era definida como tomada de consciência do povo
para a mudança da estrutura sócio-política, e neste processo consideravam que,
aos jovens brasileiros, principalmente a partir da Universidade, cabe iniciar essa grande tarefa. São
eles, e os oprimidos, os elementos dinâmicos por excelência que precisam romper uma série de alienações,
de preconceitos e de deficiências, oriundas da sua própria formação. Tomar consciência da realidade
brasileira e partir para uma atuação política concreta ao lado dos operários e dos camponeses por uma
revolução brasileira (p.16 DB).
De acordo com o balanço feito na Carta do Paraná, o I Seminário Nacional de Reforma
Universitária cumpriu o papel de estabelecer as bases da concepção sobre este tema,
possibilitou despertar os estudantes para a questão da Reforma Universitária e fez as
41
Os universitários entendiam que não havia acúmulo de forças para a transformação imediata da universidade, trabalhavam
com a perspectiva de avançar na direção do processo revolucionário.
38
autoridades voltarem-se para o problema. Entretanto, no fundamental, a estrutura da
universidade permaneceu a mesma.
Segundo Poerner (2004), a Declaração da Bahia desempenhou função importante, contudo,
pecou pela falta de objetividade. O II Seminário Nacional de Reforma Universitária, realizado
em março de 1962 - do qual resultou a Carta do Paraná, documento que sistematizou as
idéias discutidas e aprovadas - surgiu com a finalidade principal de traçar as diretrizes e táticas
da luta estudantil para garantir o avanço das propostas de reforma universitária. As comissões
e estudo dos vários aspectos que foram organizados, no II Seminário, expressam o esforço no
dos estudantes para compreender a realidade brasileira e a universidade, buscando uma linha
de luta comum para o movimento estudantil.
Neste documento, os universitários reafirmam a sua posição ao lado das classes exploradas:
"(...)Ao estudante brasileiro, se impõe a consciência de sua situação, de suas possibilidades de
atuação. Deve firmar sua posição de compromissado com a problemática nacional e com as
massas trabalhadoras e aí colocar o ponto de partida para a reforma"(p. LVIII CP).
Podemos perceber alguns avanços nas posições políticas da UNE: ao definir a reforma
universitária como uma reforma de base, como um dos front da luta anti-imperialista e popular,
que deveria se integrar às outras reformas básicas, pois só poderia ser concretizada na medida
em que estas fossem alcanças e, neste sentido, afirmam que "a luta pela Reforma Universitária
foi definitivamente inserida na luta mais geral e global de superação da estrutura econômico-
social brasileira, abrindo o ensino superior às exigências nacionais e populares da atual fase de
nosso desenvolvimento" (p. XCV CP); ao rechaçar o "desenvolvimentismo puro", apontando
que o desenvolvimento era um imperativo histórico, no entanto, poderia assumir duas posições:
a da classe dominante ou a das forças progressistas
42
.
Em termos de análise de conjuntura, os estudantes acreditavam que o processo revolucionário
se acelerava, que as contradições se aguçavam e que a consciência do povo estava
avançando. Analisavam que o mundo caminhava para sua a definição histórica, que o
colonialismo agonizava no mundo, que na América Latina, na Ásia e na África havia
aumentado a consciência anti-imperialista e revolucionária, denunciavam, ainda, o grau de
42
"De um lado, se colocaram representantes da classe dominante, para os quais o desenvolvimento era entendido apenas como
a intensificação da atividade econômica (...) De outro, as forças progressistas do país, para as quais o desenvolvimento por si
só não repararia as incorreções e injustiças sociais, ressaltando a necessidade de, juntamente com o crescimento e injustiças
sociais, melhorar a distribuição de riqueza (...)" (p. XLII CP).
39
espoliação dos países dominados pelos países dominantes, via capitais estrangeiros e
apontavam um processo de radicalização das forças políticas após a crise de 1961
43
.
A Reforma Universitária era tida como uma necessidade da Universidade se integrar e se
somar no processo de avanço das forças progressistas, sendo dirigida e dirigindo o mesmo
44
,
constituindo-se como um dos passos decisivos para a revolução brasileira. "A Reforma
Universitária tem por fim transformar a estrutura universitária, de tal maneira que a
universidade se torne um baluarte na luta pela revolução brasileira"(p. LXXIX - CP)
Os universitários aprofundaram as suas concepções em torno da Universidade e defenderam
uma escola unitária, criticando o que chamavam de "tecnicismo desumanizante", visto como
um das bases da reforma universitária proposta pela burguesia, que para contrastar com o
diletantismo da universidade, pregava um tecnicismo pragmático. Para superar esta
perspectiva, que consideravam unilateral, os estudantes propuseram o que denominaram de
teoria totalizante, que postulava que o humanismo e a técnica deveriam ser momentos de um
só processo: "esta escola unitária, longe de se preocupar apenas com a formação de técnicos,
deve voltar-se para o estabelecimento do homem consciente da realidade nacional", (p. L CP).
Para tentar frear o processo de dominação do imperialismo sobre a universidade afirmavam a
necessidade desta desenvolver um trabalho de cultura popular, a partir das massas, com o
objetivo de desalienar as classes dominadas. Definiam dois tipos de alienação: uma conceitual
e outra na participação. Esta, de acordo com o documento, é que proporcionaria a
possibilidade de surgimento de uma consciência revolucionária, pois "(...) dá a oportunidade e
instrumentos para a transposição da situação de classe dominada à situação de sujeito, capaz
de autodeterminar-se conduzindo, conscientemente, como classe ascendente
45
, o processo
histórico, em função dos interesses humanos". (p.LV CP) Consideravam, então, que o papel da
universidade deveria passar pela ampliação de sua atuação nos problemas comunitários, na
colaboração estreita na resolução dos problemas populares, na atuação junto às massas
trabalhadoras do campo e da cidade, no sentido de despertar-lhes a consciência de seus
direitos e estimular o espírito coletivo. Entendiam que este objetivo só poderia ser alcançado
43
Referem-se à campanha para garantir a posse de Jango, após renúncia de Jânio Quadros e à chamada solução de
compromisso: parlamentarismo.
44
De acordo com a Carta do Paraná, a Universidade deveria: "Fazer-se instrumento na luta contra o subdesenvolvimento, na
promoção das classes menos favorecidas e desenvolver sua produção cultural e intelectual como reflexo dos problemas
nacionais e como meio também de sua efetiva resolução" p. LIX
40
através da democratização e da transformação da universidade. Para tanto, ressaltavam como
fundamental a regulamentação da participação do estudante na direção das universidades,
uma vez que este era visto como agente principal nesta transformação, influenciando nas
deliberações e posições assumidas pela universidade.
Essa perspectiva aparece de forma clara na Carta do Paraná, ao enfatizar como tarefa
imediata a presença dos estudantes nas reformulações dos estatutos da universidade, para
que pudessem garantir o co-governo
46
.
O documento "UNE: a luta atual pela reforma universitária" (1963), é um documento
importante, pois sintetiza as reformulações e retificações políticas e práticas, que advêm deste
breve período de lutas, influindo nas discussões das posições que existiam no interior da UNE
e que, de alguma maneira, estiveram presentes na pauta de debates e na orientação prática do
movimento estudantil nos anos seguintes.
É um documento dirigido às lideranças do movimento que propõe uma revisão dos
instrumentos de luta no campo teórico e prático. Traz como tensão principal a formulação da
luta, tendo em conta as dificuldades e a necessidade de levar o problema da reforma
universitária para as bases, fazendo-as compreender que a reforma universitária era uma
tarefa específica dos estudantes dentro do processo de libertação do povo. (apresentação do
doc.)
Alguns pontos deste documento são fundamentais para a nossa análise, na medida em que
expressam a avaliação
47
da relação entre os militantes e a base no movimento estudantil, feita
a partir da visão da UNE. Destacaremos alguns pontos, nos quais aparecem a análise e a
autocrítica sobre a relação citada acima: 1) a vanguarda é caracterizada como atuante,
combativa, mais ou menos consciente, no entanto, a UNE considera que o conjunto dos
estudantes estava desligados dos debates e das posições das lideranças; 2) identificava que
este distanciamento não se dava por oposição, mas por alheamento; 3) apontava que estas
dificuldades, advindas da própria origem de classe dos estudantes e das contradições que
45
Classe ascendente, de acordo com a Carta do Paraná (UNE), é entendida como classe revolucionária, para a qual o mais importante é a
degradação radical da estrutura vigente, com posterior edificação de uma nova sociedade
.
46
O artigo 78 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional previa a participação dos estudantes na direção da universidade, no
entanto, a reelaboração dos estatutos deixava a cargo das direções das universidades a decisão sobre a forma de participação). A proposta de
co-governo da UNE reivindicava a participação de 1/3 dos estudantes nos órgãos de direção das universidades, além da garantia de sua
presença no Conselho Federal de Educação e nos Conselhos Estaduais de Educação. Este co-governo era visto como a perspectiva mais
imediata da luta pela reforma.
47
Esta avaliação é feita não apenas em relação ao contexto daquela época, mas desde o Estado Novo até a década de 60.
41
viviam em termos de perspectiva de vida, por se situarem como elementos da classe média, só
poderiam ser superadas com a sua inserção nas lutas, através das quais tomariam consciência
da realidade do povo brasileiro.
A inserção e a radicalização das lutas na sociedade são consideradas como fator determinante
para o avanço não só do movimento estudantil
48
, mas também, para o amadurecimento da
consciência estudantil e da posição política do que era denominado de tarefa específica do
universitário.
Na compreensão teórica, percebemos uma maior clareza em relação ao que significava definir
a reforma universitária como uma reforma de base e mais, como uma luta específica do
universitário.
Dizer que a reforma universitária é a luta específica do universitário significa dizer que ela é a sua
forma de se conscientizar dos problemas gerais da sociedade brasileira e de se inserir nas lutas mais
amplas de transformação social; de se politizar, organizar e acumular forças para os estágios superiores da
luta popular (p.CVI- doc. Une a luta atual)
Em termos de linha política para atuação prática e de tática, consideramos que também houve
um avanço, no sentido de que a reforma universitária aparece concebida como o lugar de onde
o estudante partiria, contribuiria e se engajaria no processo revolucionário, através do qual
poderia superar os seus limites de classe, possibilitando integrar-se e mesmo imbuir-se da
posição da classe operária.
A UNE considerava que a reforma universitária foi o elo que permitiu:
unir as reivindicações escolares à luta política do movimento estudantil. Não se tratava
mais de estabelecer vínculos aéreos e ideais entre o estudante e o povo. Não se
tratava mais de uma vanguarda que, desligada da realidade estudantil, ligava-se à
realidade popular em nome dos estudantes. Tratava-se de incorporar todo um
movimento, cem mil universitários, à consciência da luta popular, ligado a ela por
compromissos concretos da própria situação estudantil. Tratava-se de perceber que a
missão do universitário frente ao povo está, de início, na própria universidade (p. CV - Une
a luta atual, grifo nosso).
48
Pois os universitários ligados à UNE consideravam que foi a radicalização da luta no seio da sociedade que levou o
movimento estudantil a aderir a posições historicamente mais avançadas.
42
Esta avaliação da UNE foi motivo de intensos debates e mesmo divisões no interior do
movimento estudantil. Os nossos estudos não nos permitem afirmar se a concepção política
expressa nesta avaliação foi hegemônica no movimento estudantil. No entanto, observamos
que apesar das divergências, nos momentos em que esta posição predominou, proporcionou
uma maior sintonia entre a vanguarda e o conjunto dos estudantes.
4. O trabalho político junto às bases: ações e divergências no movimento estudantil
A questão de saber trabalhar e combinar dialeticamente as diversas formas que a luta de
classes assume em cada conjuntura, de saber tratar a relação entre as reformas e a revolução,
levando em conta a correlação de forças e respeitando o estágio de consciência das massas,
e, a partir daí, conseguir extrair as táticas e definir uma linha política que faça o movimento
avançar, sem isolar-se do conjunto das bases, foi um debate travado ao longo da história do
movimento estudantil - e para nós, constitui-se como um importante aspecto para a análise da
prática educativa do movimento estudantil.
Os estudantes saíram às ruas com reivindicações concretas. Lutavam por ampliação das
verbas para as universidades, contra o pagamento da anuidade, pela revogação das punições
impostas aos colegas, pelo fim da aplicação indiscriminada da pena de jubilamento aos
estudantes de menor rendimento escolar, pela melhoria da alimentação nos restaurantes
universitários, pelo aumento da quantidade de bolsas de estudo, pela ampliação do número de
vagas no ensino superior (luta pela absorção dos excedentes), e lutavam, também, pela
reformulação dos currículos, por uma pesquisa voltada para entender os desafios da
sociedade e para resolver os problemas do povo (Reis e Moraes, 1998).
Os depoimentos de alguns dirigentes estudantis da década de 60, momento em que houve
expressiva inserção, mobilização, politizão e organização de parcela significativa dos
estudantes nas lutas sociais, nos ajudam a perceber que houve um esforço para que as lutas
específicas e as lutas políticas gerais fossem trabalhadas de forma articulada.
Em função da discussão sobre a política educacional, podíamos abordar o que se estava
passando com o Estado brasileiro, que instituições estavam sendo criadas, o que era
ditadura militar. Portanto, a luta reivindicatória estava articulada com a luta política,
inclusive porque se chocava com a política educacional do governo e com a
43
ditadura militar. Mas, antes de tudo, era preciso fazer as lutas reivindicatórias, levá-
las a sério.(...) ( José Dirceu, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo.
In: Reis e Moraes, 1998, p.135, grifos nossos)
(...) Eu diria, ainda, sobre 68, que é necessário não esquecer que, se o movimento
mobilizava a sociedade, o fazia com base nos problemas dos estudantes. Esta é
uma indagação central para todas as lideranças estudantis: quais são os problemas
dos estudantes? Da boa resposta a esta questão dependerá a força do movimento
(Sérgio Passarinho, presidente da União dos Estudantes da Bahia, em 1968. In: Reis e
Moraes, 1998, p. 134, grifos nossos).
4.1 A palavra de ordem é: 1/3 ou Greve
A luta pela participação de 1/3 estudantes nos órgãos colegiados das faculdades e
universidades foi uma das medidas imediatas e concretas das posições discutidas durante o II
Seminário de Reforma da Educação Superior (1962). Esta reivindicação atendia alguns dos
objetivos expressos na Carta do Paraná: 1) participação efetiva dos estudantes nos órgãos
colegiados das universidades e faculdades; 2) superar a fase de mera teorização, unindo teoria
e ação concreta e 3) transformar a reforma universitária em uma bandeira do conjunto dos
estudantes e não somente das lideranças.
A Lei de Diretrizes e Bases (1961) previa a participação dos estudantes nos órgãos colegiados,
contudo deixava a cargo da direção das universidades da época - através da reelaboração dos
estatutos destas instituições - a forma como se daria esta participação. O tempo que os
estudantes tinham para garantir as suas reivindicações era muito pequeno, uma vez que
estavam há um mês do término estabelecido para que os estatutos reelaborados fossem
submetidos ao Conselho Federal de Educação. Este decidiu aguardar até o dia 1
º
de junho de
1962 pelas decisões das universidades, a partir daí a UNE tirou como palavra de ordem: um
terço ou greve.
Para a UNE, os grupos internos da universidade não fariam a reforma universitária, por isso
compreendiam que a participação dos estudantes nos órgãos de decisão poderia modificar a
correlação de forças no interior da instituição, desta forma, o co-governo passou a ser um
ponto básico do programa de reforma: "era, no fundo, uma tentativa de aliança política entre os
44
professores novos e os estudantes, voltada contra os professores estratificados, contra a velha
mentalidade dos catedráticos, visando a formação de uma correlação de forças progressistas
dentro das universidades" (Aldo Arantes, p. 17- História da UNE).
A UNE acreditava que, através do co-governo, os estudantes iriam "abalar a estrutura de poder
da universidade, deflagrando as demais reformas de que ela carece no contexto nacional"(p.
XCVII - CP).
Após definir as bases teóricas e a linha de atuação comum do movimento estudantil para a
reforma da universidade, a UNE, já na Carta do Paraná, começava a expor a preocupação na
forma como ela iria levar às bases suas decisões, ou seja, como iria convencer e ganhar o
conjunto dos estudantes para atuarem em sintonia com as suas posições, das quais a palavra
de ordem "1/3" expressava uma das definições fundamentais para concretizar, na prática, os
seus objetivos. Neste sentido, apontou como essencial buscar formas que possibilitassem que
todas as decisões do Seminário fossem assimiladas por todos os estudantes brasileiros e o
ponto de partida seria: "levar o interesse do meio estudantil aos fins mediatos atingindo-os
pelos imediatos. Só através dos problemas concretos é que a massa universitária poderá
compreender as necessidades das transformações que devem ser processadas dentro e fora
do âmbito da Universidade". (p.LXI - Carta do Paraná).
Através da UNE- Volante e do Centro de Cultura Popular, a UNE levou a discussão do
problema para todos os Estados e desencadeou campanha por todo o país, percorrendo cerca
de 250 faculdades no Brasil inteiro, realizando em cada Estado assembléia geral por faculdade,
além de realizar atividades culturais. O objetivo era galvanizar as amplas massas do
movimento estudantil.
O prazo para o atendimento da reivindicação se esgotou e imediatamente a UNE decretou
greve nacional. Segundo Poerner (2004), esta greve ampliou-se, chegando a paralisar a maior
parte das 40 universidades brasileiras
49
. Realizaram inúmeras manifestações, seminários
locais sobre a reforma universitária, ocupações, entre outras atividades.
A greve durou cerca de 3 meses, mas não atingiu o seu objetivo fundamental apesar de
algumas universidades terem concedido a participação de 1/3 dos estudantes, nos seus órgãos
colegiados.
49
23 federais, 14 particulares e 3 estaduais - de acordo com o autor citado.
45
Na avaliação sobre a greve, a UNE
50
destacou os aspectos positivos e os negativos do
processo e apontou a necessidade de rever todos os seus instrumentos de luta e explicitar de
forma mais clara os seus objetivos. Considerou como pontos positivos que: 1) com a greve
houve uma generalização da representação plural; 2) o problema universitário deixou de ser
uma preocupação da vanguarda, se fortalecendo e ampliando-se não só entre os
universitários, mas também se difundindo na população em geral, a necessidade da reforma do
ensino superior; 3) o movimento estudantil se unificou, cresceu e se fortaleceu para lutas
futuras. Entre os aspectos considerados negativos, destacou: 1) que boa parte das bases ainda
se mantiveram afastadas ou não participaram durante toda a greve; 2) a confiança excessiva
na atuação isolada do movimento estudantil; 3) o desgaste junto às bases pela deficiente
definição dos objetivos da greve. (p.CX)
Embora a UNE ainda não tivesse clareza ou amadurecimento suficiente para definir quais
seriam as táticas mais adequadas para o que denominou novo estágio do movimento, no item
"Balanço crítico e perspectivas atuais"( UNE: a luta atual pela reforma universitária, ano, p. CXI
apontava diretrizes que consideramos importantes: 1) a atuação do movimento estudantil
deveria ser cada vez mais alicerçada num permanente diálogo entre as lideranças e as bases,
o trabalho de base deveria ser considerado a preocupação primordial; 2) a necessidade de
reordenar o movimento estudantil; 3) o esforço de passar dos estudos gerais para o
aprofundamento da reforma universitária, de compreender e explicitar como esta reforma se
concretizava na especificidade de cada curso; 4) entrosamento cada vez maior com os demais
movimentos populares. Segundo o documento analisado:
Demais, impõe-se a compreensão da validade da luta por reivindicações parciais,
imediatas, como forma de despertar, galvanizar , aglutinar e organizar a massa estudantil
para lutas mais amplas e mais conseqüentes pela reforma universitária e, partir dela, pela
reestruturação da sociedade brasileira. A reforma universitária é um processo e, assim,
atravessa etapas; logo a luta tem de ser colocada a partir de problemas concretos,
imediatos e o que cumpria, como ainda hoje, identificar os pontos fundamentais capazes
de mobilizar os universitários e abrirem caminho para uma reformulação mais profunda do
ensino superior. O que não se pode é nem ficar na generalidade e na abstração, nem
se deixar absorver pela luta imediata, esquecendo os objetivos finais, resvalando no
reformismo; o que importa é travar a luta imediata numa perspectiva crítica,
50
Avaliação no documento UNE: a luta atual pela reforma universitária.
46
procurando conscientizar as bases e aprofundar progressivamente a luta (p.CXIII)
grifos nossos.
Para Cunha (1983), com o fim da greve (data), surgiram duas orientações no movimento
estudantil, uma que enfatizava as luas específicas dos estudantes e outra que achava que a
reforma universitária estaria sendo feita mais fora da universidade
51
do que dentro dela. O
autor avalia que embora essas orientações se articulassem, no fundo dispersaram forças,
enfraquecendo a luta pela reforma universitária.
Foracchi (1977) reconhece que a greve de 1/3 foi a mais representativa dos estudantes, que
ampliou as forças e influências no governo, entretanto, em sua análise, destaca os efeitos
negativos da greve, observando que o desgaste inaugurou uma nova fase na relação
vanguarda e base.
Em fins de 1962, após breve refluxo, a UNE retomou as lutas, hasteando as bandeiras da
democratização do vestibular, de combate a cobrança da anuidade e da preocupação de
especificar os objetivos da reforma universitária em relação aos diversos ramos do ensino.
Acreditava que assim estaria tornando a luta mais concreta.
O golpe de 64: primeiras reações do e sobre o movimento estudantil [vai deixar de ser
um ponto e entrar como parágrafo].
Diversos autores (Toledo, Carone, Moraes) analisam que o golpe de Estado foi um espectro
que rondou todo o governo de João Goulart, fruto da polarização político-ideológica e da
disputa entre as várias perspectivas de reformas que estavam em jogo. Gorender (1987, p.67)
definiu o golpe de 1964 - desfecho do processo acima - pelo caráter contra-revolucionário
preventivo
52
.
Apesar de tão anunciado e previsto por setores progressistas e de esquerda, muitos deles
foram pegos de surpresa. Segundo Poerner (2004), estes setores e os estudantes
questionavam a possibilidade de um golpe vigorar no Brasil. Entretanto, para Carone (1984),
51
Cunha esclarece que segundo a perspectiva de Vieira Pinto (identificar quem foi Vieira Pinto), a reforma universitária
estaria ocorrendo nos comícios de camponeses no Nordeste, por exemplo. De acordo com este pensamento, "os estudantes
deveriam se engajar diretamente nas lutas do povo, das quais a reforma universitária seria mais uma conseqüência do que um
fator de impulso" (1983, p. 246).
52
Para Gorender "nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por
isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventino. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para
agiar antes que o caldo entornasse". (p.67).
47
mais importante foi o fato da esquerda não ter caído em desespero e nem ter assumido uma
postura derrotista
53
.
No que diz respeito aos estudantes, alguns de seus setores participaram das manifestações
antigolpistas. Poerner (2004, p.201) destaca que a partir de 1964 "a história da UNE e do
movimento estudantil se confunde com a história da repressão às liberdades e da intervenção
estrangeira no Brasil". Nas primeiras horas do Golpe, a sede da UNE
54
foi invadida, saqueada
e queimada. Nas universidades, instalou-se uma verdadeira "caça às bruxas", interventores
foram nomeados, professores e estudantes foram perseguidos, presos, expulsos e passaram a
viver sob um rígido controle político-ideológico (Cunha e Góes, 1991).
4.2 Lei Suplicy de Lacerda: o tiro saiu pela culatra - o movimento estudantil se
reorganizou após o golpe de 1964
Após o golpe de 1964, a UNE ficou sem sede e sem diretoria, seus líderes perseguidos e
muitas entidades estudantis fechadas ou sob intervenção. Foi nesta situação, que as
lideranças definiram como uma das tarefas prioritárias reorganizar e rearticular a entidade.
Várias entidades fizeram congressos e conselhos tentando retomar as suas atividades e
mobilizações
55
. Exatamente no momento em que as instituições estavam tentando se reerguer,
o Ministro da Educação - do governo Castelo Branco, Flavio Suplicy, lançou a lei 4.464 de
9/11/64, que ficou conhecida - por causa de seu autor - como Lei Suplicy.
Esta lei tinha como objetivo principal extinguir a UNE, a União Metropolitana dos Estudantes
(UME), as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs), a União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (UBES), e demais entidades representativas dos estudantes. Pretendia, com
isso, impedir a participação política dos estudantes colocando-os sob seu controle.
Segundo Fávero (1995), os estudantes repudiaram esta lei porque consideravam: 1) que
desfigurava frontalmente as instituições em todos os níveis e, 2) que contrariava os princípios
básicos do funcionamento de qualquer entidade de representação:
53
"Grupos e partidos não caem no desespero e raciocinam que seria preciso partir para a 'liquidação rápida' da reação". (p.5)
54
Localizada na Praia do Flamengo.
55
Guedes (Historia da UNE) relata que a reorganização, desde a faculdade até a UNE, possibilitou a realização do 1
º
Congresso da entidade após o golpe de 1964 e, desta forma, o movimento estudantil forjou as condições para um maior
impulso da resistência estudantil, abrindo caminho para o auge do movimento em 1968.
48
Com as lideranças perseguidas ou exiladas, as entidades fechadas ou sob intervenção, a
Lei Suplicy vem para acabar com a participação política dos estudantes, destruindo a
autonomia e representatividade do movimento e tentando transformar as entidades
estudantis em órgãos dependentes do MEC, no que se refere a verbas e orientação (p.
60).
No entanto, esta Lei acabou funcionando como um dispositivo de reaglutinação dos
estudantes, que se uniram para combatê-la. Em julho de 1965, a UNE realizou seu 1
º
Congresso
56
após o golpe político-militar; a principal discussão foi sobre a posição em relação
à Lei Suplicy e a decisão da maioria foi pelo boicote a tal medida. A União Metropolitana de
Estudantes (UME) organizou, com patrocínio da UNE, um plebiscito sobre a Lei. O ano de
1965 foi dedicado, principalmente, a esta luta. Ocorreram, também, manifestações de repúdio
às prisões e atitudes repressivas do governo militar. A primeira manifestação que teve
repercussão ocorreu no Rio de Janeiro, ainda em 1965, como resposta à invasão da UNE - que
havia se instalado no Calabouço.
Altino Dantas (presidente da UNE na gestão 65-66) esclarece que o plebiscito da Lei Suplicy
tinha muito mais a função de mobilizar e ampliar a discussão dos aspectos repressores da lei:
a grande tarefa era organizar e mobilizar e a ela nos lançamos, levando a todo o país o
plebiscito contra a 'Lei Suplicy', reorganizando as UEEs fechadas ou sob interventoria,
mobilizando pela autonomia universitária e contra o terrorismo cultural que se abatia sobre
a Universidade brasileira. Destacava-se a luta contra o acordo MEC-USAID. A luta geral
contra a ditadura era levantada pela UNE, articulando os aspectos específicos do
Movimento Estudantil com a luta geral e política (História da UNE, p. 35)
Entretanto, no bojo deste processo de retomada das mobilizações e de possibilidade de
ampliar o debate junto à base estudantil, surgiu em seu interior uma divergência em relação ao
posicionamento frente à Lei Suplicy, que se consolidou em torno de três posições: participação,
boicote ou adaptação da lei. Para José Dirceu (Reis e Moraes, 1998) a posição de adaptação
era mais flexível, uma vez que não descartava o boicote à lei, onde os centros acadêmicos
eram mais fortes e, ao mesmo tempo, não descartava a possibilidade, no caso das faculdades
56
Este foi o 27
º
Congresso da entidade, o último Congresso legal da UNE, neste período. Na realidade, a entidade continuou
atuando, mesmo quando considerada ilegal, até a sua extinção em 1973, quando seu último presidente e três de seus diretores
foram assassinados (Fávero, 1995).
49
de menor tradição de organização, de que participassem das eleições e, progressivamente ir
ganhando compreensão dos estudantes para um centro acadêmico, não enquadrado na lei. A
posição de boicote total como forma de protesto- defendida pela diretoria da UNE - foi a
decisão que prevaleceu.
Podemos perceber algumas dificuldades que o movimento estudantil enfrentou durante esta
década, principalmente após o golpe, no que diz respeito à análise da correlação de forças e à
definição de táticas que levassem ao avanço do movimento.
Essas divergências não impediram a mobilização dos estudantes, a UNE desencadeou
protestos, greves e manifestações. Em julho de 1965, uma greve contra quaisquer medidas
que ameaçassem a democracia no ensino paralisou mais de 7.000 estudantes na
Universidade de São Paulo.
O resultado do Plebiscito apresentou um percentual de 92,5% de estudantes contrários à Lei
Suplicy.
Após as jornadas de lutas dos estudantes, do resultado do plebiscito e da forma como os
centros acadêmicos boicotaram ou adaptaram a lei às suas reais condições, ficou evidente o
fracasso do governo. Surgiram inúmeros diretórios acadêmicos livres, transgredindo a Lei, que
desenvolveram intensa atuação nas passeatas promovidas pela UNE.
Para Poerner (2004, p. 213), a Lei Suplicy "foi uma espécie de garantia permanente da
limpeza da área onde se tramava plantar os acordos MEC-USAID".
4.3 Os Acordos MEC-USAID e a Reforma Universitária "consentida"
57
A modernização do ensino foi colocada como uma necessidade por setores divergentes e
constituiu-se como o pano de fundo no debate sobre a reforma universitária. Para os
progressistas, isso significava colocar a universidade inserida no processo de desenvolvimento
soberano do país. Para a burguesia, associada ao imperialismo, destinava-se a formação de
uma mão-de-obra de acordo com as necessidades do capital monopolista. A reforma
universitária de 1968 tinha este objetivo (Cunha, 1983).
De acordo com Arantes (Historia da UNE, p. 16):
57
Expressão utilizada por Martins Filho
50
Nos moldes em que estava, a universidade não atendia nem aos interesses do movimento
popular democrático nem aos interesses do capital monopolista estrangeiro, que
necessitava de uma universidade com maior eficácia, em condições de responder à
necessidade da formação de técnicos que implementassem a política de desenvolvimento
dependente do regime militar.
Cunha (1983) analisa a perspectiva de modernização do ensino nos moldes da burguesia,
destacando que este processo vinha se gestando desde as disputas que giraram em torno da
LDB/1961, a partir do ponto de vista formulado e defendido pelo IPES
58
, ou seja, antes mesmo
dos acordos MEC-USAID.
A integração universidade-empresa
59
, considerada como base da reforma universitária, e o fim
do ensino gratuito nas universidades, foram diretrizes postuladas pelo IPES. Diante disso,
Cunha (1983) sustenta duas posições: 1) com o golpe de 64, não foi preciso criar uma nova
burocracia educacional, uma vez que esta já estava pronta e 2) apesar do regime militar ter
encontrado o ensino superior organizado ainda de forma arcaica este, já estava enquadrado
por marcos jurídicos e ideológicos que iriam se consolidar na reforma universitária de 1968. O
autor chama atenção, ainda, para o incentivo dado a esse processo de modernização pelo
governo norte-americano e suas agências, que desde 1950 já haviam firmado acordo de
assistência técnica com o Brasil
60
.
Não obstante o processo de modernização ter se iniciado antes do golpe de 1964, os acordo
MEC-USAID (1965 e 1967) somaram-se a esta perspectiva, contribuindo enormemente para a
implantação da Reforma Universitária de 1968. O IPES também continuou desempenhando
papel importante na adequação da educação superior. Logo após o golpe (dezembro de 1964),
realizou um Simpósio sobre a Reforma da Educação, no qual fez uma avaliação da
universidade e propôs algumas diretrizes para o ensino superior, dentre elas: 1) a universidade
deveria ter um vínculo maior com os interesses empresariais, 2) deveria formar técnicos e
profissionais de alto nível e desenvolver pesquisas em ciência pura e aplicada. Defendia ainda
que, nos países "em desenvolvimento", a educação superior não poderia ser um direito de
todos, apenas dos "mais capazes".
58
explicar o que foi o IPES
59
Considerada pelo IPES como base da reforma universitária
60
Segundo Cunha (1983, p.190), além do governo norte-americano, fundações privadas desse país contribuíram para a
modernização do ensino brasileiro. Dentre estas instituições, destacam-se: Fundação Rockfeler e Fundação Ford.
51
Poerner (2004) caracteriza os acordos MEC-USAID como pontos fundamentais da política de
desnacionalização e americanização do ensino brasileiro. O principal acordo com a USAID teve
como base o Relatório Atcon (1966)
61
, que dentre suas recomendações indicava: a
transformação da universidade estatal em fundação privada, a cobrança de mensalidades,
além de ressaltar a formação tecnicista.
O Acordo MEC-USAID de 1965 foi mantido em sigilo até fins de 1966. Segundo Mendes Júnior
(ano), somente em 1967 os estudantes tiveram acesso ao texto do acordo, através da Revista
Revisão
62
.
A UNE realizou uma série de encontros, grupos de estudos dentro das turmas e faculdades,
além de seminários nacionais e regionais com o intuito de aprofundar e debater os acordos
MEC-USAID. Em janeiro de 1967, realizou um Seminário em São Paulo, no qual elaborou um
programa de lutas, reivindicando mais verbas para a educação, denunciando a entrega do
ensino superior ao controle de capitais estrangeiros e recomendando o boicote às medidas
concretas de aplicação dos acordos e à reforma da universidade que seria realizada pelo
governo. Sobre o Seminário Nacional, realizado no Estado do Rio de Janeiro, Niterói, em junho
de 1967, (Fávero (1995, p.68) destaca que a sua principal finalidade foi realizar um estudo
crítico sobre os acordos, relacionando a política educacional do governo à política geral do
país.
José Luis Guedes, presidente da UNE na gestão 66/67, ilustra o significado destas iniciativas:
A realização de vários seminários regionais e do Seminário Nacional, em Niterói, para
debater o relatório Atcon, os Acordos Mec-Usaid e outros instrumentos de penetração
imperialista na Universidade Brasileira, constitui-se também num marco importante desse
período. Elaborou-se nesta oportunidade as teses da UNE sobre a Universidade arcaica e
a modelação imperialista em curso, como também as alternativas de luta em relação a
esta realidade (História da UNE,p. 51).
Sanfelice (1986) apresenta os principais aspectos desta Tese da UNE
63
, dentre eles
destacamos: 1) o imperialismo havia mudado sua tática, passando de um domínio externo e
61
Redigido pelo grego naturalizado norte-americano Rudolph Atcon. No pós-64, este especialista desempenhou funções na
estrutura do MEC.
62
Editada pelo departamento de publicações do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP. A edição à qual
nos referimos é um número especial desta revista, de maio/junho de 1967.
52
indireto, para um domínio direto e interno, através da proposta da reforma universitária de
transformar as universidades em fundações; 2) o Relatório Atcon postulava a eficiência do
ensino capaz de formar quadros técnicos para o desenvolvimento capitalista sob a orientação
do imperialismo; 3) os acordos MEC-USAID fazia parte de uma filosofia política que propiciaria
a manutenção do Brasil na condição de país periférico do sistema capitalista. No "Plano de
Luta", outro item da Tese, a UNE destacou a necessidade do movimento estudantil aliar-se às
lutas das classes trabalhadoras, no entanto, ressaltava que:
isso não implica em abandonar as lutas pelas reivindicações específicas dos estudantes.
Será a partir delas que poderemos mobilizar os estudantes e encaminhá-los para ações
mais conseqüentes. Isto requer, no entanto, que essas reivindicações particulares sejam
ligadas às reivindicações mais gerais de todo o povo, e, principalmente, dos
trabalhadores. Vincular os problemas específicos dos estudantes à realidade que eles
apresentam, assim, apreender essa realidade como uma totalidade" (Sanfelice,
1986,p.131).
Entretanto, Jean Marc (Reis e Moraes, 1998) esclarece que a posição da UNE foi resultado de
um amadurecimento político da entidade na forma de tratar a questão, ou seja, de como levar o
debate para o conjunto dos estudantes e ganhá-los para integrarem-se nas lutas contra os
Acordos. Segundo Jean Marc, no primeiro semestre de 1966 os discursos das lideranças eram
muito panfletários, não deixando claro o que representava estes Acordos, como iriam atingir a
universidade e as condições de estudos. Então, a partir de uma análise aprofundada, sobre os
Acordos, as lideranças de esquerda da faculdade os publicam nos "Cadernos de Estudos
64
da
Escola Nacional de Química", e a partir daí fizeram uma série de debates sobre o tema:
(...)O processo vivido no Centro de Estudos e na minha candidatura
65
foi importante
porque conseguimos provocar uma tomada coletiva de consciência (a minha junto com o
resto), superando o clássico distanciamento entre o discurso da 'vanguarda' e a realidade
das bases (p.120/121)
63
Publicada pela Revista Revisão em maio de 1967, com o título: "Seminário da União Nacional dos Estudantes sobre a
infiltração imperialista no ensino brasileiro" (apud Sanfelice, 1986, p. 124)
64
O Centro de Estudos da Escola Nacional de Química da UFRJ realizava debates sobre cultura popular, sobre o mercado de
trabalho, sobre conjuntura e diversos temas.
65
Refere-se a candidatura dela a presidente do Centro Acadêmico da Escola de Química da UFRJ, em 1968.
53
Sérgio Passarinho
66
(Reis e Moraes, 1998) dá mais um exemplo de como esta forma de
atuação contribuiu para o acúmulo político nas lutas de 1968:
Nós sabíamos que a reforma universitária do governo, os acordos MEC-USAID,
orientavam-se no sentido de cortar mais verbas, eles queriam privatizar as universidades
públicas, elitizá-las ainda mais. Mesmo sabendo que não pudéssemos derrotar aquele
plano, podíamos dificultar sua aplicação, inventariando com seriedade as nossas críticas e
reivindicações. Além disso, durante as ocupações, pudemos organizar grupos de trabalho,
de pesquisa e estudo, peças de teatro, todo tipo de manifestações culturais, conferências,
algumas mais políticas, outras de caráter artístico, enfim, todo tipo de movimento (p.
180/181).
A UNE realizou uma série de manifestações, protestos e passeatas contra os acordos MEC-
USAID, denunciando a ameaça ao ensino público e gratuito, a tentativa de transformar a
universidade em empresa e as modificações nos vestibulares, que não resolviam a questão
dos excedentes (Martins Filho, 1987).
Os estudantes resistiram tenazmente à política educacional implementada pela ditadura e que,
segundo Góes e Cunha (1991), levou ao poder os defensores do privatismo na educação, para
os quais esta era um meio de acumulação de capital. No ensino superior esta acumulação se
deu de forma mais intensa, através da facilidade de concessão e autorização para
funcionamento e credenciamento das faculdades particulares, através do crédito educativo, dos
subsídios governamentais ao setor privado e através da redução das verbas destinadas às
universidades públicas.
Em julho de 1968, através do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Universitária, o governo
preparou o relatório que serviu de embasamento para o seu projeto de reforma universitária.
4.4 Da "Setembrada" de 1966 às lutas de 1968
A UNE iniciou o ano de 1966 anunciando que resistiria a qualquer tentativa concreta de
fechamento de sua entidade
67
. O governo, por sua vez, recrudesceu a repressão policial sobre
o movimento estudantil, e concomitantemente, avançou na implementação de sua política
66
Em 1968 Presidente da União Estadual dos Estudantes da Bahia.
67
De acordo com trecho da reportagem do Correio da Manhã, de 11/01/66, em Sanfelice (1986, p.98)
54
educacional anunciando, em março deste ano, entre as suas perspectivas para a educação
superior, o fim da gratuidade nas escolas federais.
Diante deste quadro, os estudantes lançaram-se às ruas em protestos e passeatas contra a Lei
Suplicy, contra os Acordos MEC-USAID, contra o pagamento das anuidades, invadiram e
ocuparam restaurantes universitários fechados, lutaram pela manutenção dos preços das
refeições nestes restaurantes, pelo aproveitamento de todos os estudantes excedentes
aprovados nos vestibulares, contra a repressão policial e pelo direito de manifestação e de
liberdade. Segundo Martins Filho (1987), o governo colocou nas ruas um aparato de repressão
até então desconhecido, para reprimir as reuniões e as manifestações estudantis. As
passeatas repercutiram por todo o país e contaram com grande solidariedade da população.
Neste clima de ascensão das mobilizações e no bojo de um amplo processo de lutas
reivindicatórias e políticas, unificadas em plano nacional, a UNE - apesar da repressão e da
proibição por parte do governo - realizou o seu 28
º
Congresso, no qual elaborou dois
documentos importantes: "Declaração de Princípios" e "Plano de Ação para o exercício de
1966-67
68
" (Sanfelice, 1986). Nestes documentos reafirma como pauta de luta as
reivindicações que já vinha desenvolvendo e exigindo nas ruas, e se posiciona em relação aos
embates travados na sociedade como um todo: luta contra a política econômica financeira,
pela revogação da Lei de Greve, contra o arrocho salarial, pela anistia geral dos presos
políticos, pela reforma agrária, entre outras. Na "Declaração de Princípios", se coloca como
vanguarda do povo na luta contra a repressão, definindo como tarefas: denunciar, manifestar,
evidenciar contradições do regime e propor programa de luta capaz de fazer ressurgir o
movimento de massas.
Sanfelice (1986) aponta que as manifestações dos estudantes já não se restringiam às suas
questões, e assim, efetivamente, o movimento estudantil havia se aproximado muito dos
legítimos interesses das classes populares, transformando-se num porta voz das denúncias
contra as arbitrariedades e a política da ditadura, daí a necessidade de reprimi-lo mais
intensamente.
Após o 28
º
Congresso, o governo prendeu diversas lideranças estudantis, enquadrando-as na
Lei de Segurança Nacional, e começou a ocupar áreas centrais das cidades, com grandes
aparatos policiais e militares para dissuadir e reprimir os atos estudantis.
68
Citado em Sanfelice (1986)
55
Em resposta à violência policial, a UNE desencadeou uma série de atos, manifestações,
passeatas em várias as faculdades e escolas do país, exigindo a libertação de todos os
estudantes presos. Esta onda de manifestações estudantis desencadeou a organização do
"Dia Nacional de Luta contra a Ditadura", marcado para 22/09/66. No dia 18 deste mês, a UNE
decretou greve geral, que culminaria - no dia 23/09 - com o "Massacre da Praia Vermelha
69
",
no Rio de Janeiro, onde mais de 2000 estudantes foram brutalmente espancados pela polícia.
De acordo com Poerner (2004), neste momento, a palavra de ordem contra a política
educacional - lançada pelo 28
º
Congresso - junto às liberdades democráticas devido à intensa
repressão policial, iniciou um processo que fez de setembro de 1966 "um dos meses mais
intensos, agitados e heróicos do movimento estudantil brasileiro"(p. 247).
70
Segundo Sanfelice (1986), o movimento estudantil chegou, neste momento, a seu clímax no
período pós-64, entretanto, não soube promover um recuo organizado, necessário para
acumular forças.
Martins Filho (1987) analisa que apesar do movimento estudantil estar socialmente isolado,
pouco organizado e incapaz de encontrar uma perspectiva de continuidade, conseguiu
entender a luta anti-repressiva como aspecto da luta contra a ditadura. Este autor sustenta que
os aspectos políticos da estratégia autoritária para a universidade se constituíram na motivação
inicial do protesto estudantil. Essa perspectiva, ainda de acordo com Martins Filho, contraria o
ponto de vista de Vladimir Palmeira
71
, segundo o qual
Ao lutar contra a política educacional do regime, os estudantes partiriam de suas próprias
contradições no meio em que viviam, das contradições que expressam a dominação de
classe da burguesia de uma forma concreta e, desse modo, cada luta reivindicativa
serviria para caracterizar o governo como um governo ditatorial, como uma ditadura de
classe, chegando, por esse caminho, à compreensão da impossibilidade de resolver os
problemas universitários dentro do sistema capitalista
72
.
69
Neste dia os estudantes de várias faculdades da UFRJ e de outras instituições de ensino ocuparam o prédio da faculdade de
Medicina da UFRJ, a intenção dos estudantes era repudiar a ameaça do pagamento de anuidade, reafirmar a luta por uma
universidade livre e autônoma e protestar contra a ditadura militar.
70
Segundo Poerner, em setembro/66, a luta contra o pagamento das anuidades mobilizou mais de 50 mil estudantes em todo o
país.
71
Destacada liderança estudantil na época.
72
Depoimento de Vladimir Palmeira em "A esquerda Armada", citado em Martins Filho (1987), p. 103
56
Martins Filho critica esta avaliação, afirmando que na divergência travada pela esquerda
estudantil, na questão da oposição entre a luta "específica" e a luta "política", é possível
defender que no período de 1964-66 a oposição estudantil não seguiu caminho linear que
levaria da luta estudantil "específica" para a luta "política" mais geral. Para este autor, a política
educacional do governo só apareceu como tema central no ano seguinte (1967).
Em nosso entendimento, após análise das perspectivas dos autores, compreendemos que os
aspectos da luta ("específico"/"geral") estiveram articulados durante o período. Se em
determinado momento, a reação dos estudantes ao caráter repressivo da ditadura se
sobressaiu mais e conseguiu galvanizar, mesmo que limitadamente, outros setores sociais,
avaliamos que não é possível descartar as mobilização dos estudantes contra a política
educacional do governo, como elemento importante da luta política, como aspecto que
contribuiu para unificar os estudantes na resistência contra a política e a repressão do regime
militar.
Em 1967, o governo Costa e Silva aprofundou a política de precarização da educação. A
contenção e a redução das verbas para a educação pública chegaram a tal ponto, que algumas
escolas e faculdades ficaram ameaçadas de extinção.
Enquanto as verbas minguavam e o número de vagas se reduziam, a procura por vagas nas
universidades crescia. Neste cenário, a questão dos excedentes voltou com força. No início do
ano letivo, ocorreram várias greves em apoio aos excedentes
73
e manifestações por mais
vagas nas universidades.
A UNE encontrava-se extinta legalmente, no entanto, mesmo nesta condição e apesar do
refluxo do movimento estudantil, após a "Setembrada de 66", conseguiu organizar logo no
início de 67 um Seminário para debater os Acordos MEC-USAID, em maio divulgou sua "Tese
sobre a universidade arcaica", realizou algumas passeatas e mobilizações pontuais e em
agosto realizou seu 29
º
Congresso.
A partir das discussões e resoluções deste Congresso, a UNE redigiu o documento "Carta
Política". Para Sanfelice (1986), a preocupação central expressa no documento era a definição
do papel do movimento estudantil e as suas relações com a luta geral. De acordo com a
análise deste autor, a UNE, por um lado, definia que a luta do movimento estudantil também
73
Candidatos aprovados no vestibular mas não absorvidos pelas instituições de ensino superior.
57
era a luta política
74
e, por outro, insistia na necessidade permanente de desenvolver as lutas
reivindicativas, pois compreendia que estas educavam os estudantes, fazendo com que
tomassem consciência do papel da universidade na sociedade capitalista.
75
Santos
76
(História da UNE), considera que este Congresso representou uma virada da UNE no
pós-64, na medida em que, até então, a entidade - apesar de ter avançado em algumas
questões - não havia conseguido resolver o problema da articulação entre as lutas específicas
e as lutas gerais, assim como, o problema da direção política do movimento:
O 29
º
Congresso vai procurar resgatar a bandeira das lutas específicas, tentando retirá-las
daqueles que procuravam dar-lhes um conteúdo legalista e reformista. Era necessário
lutar também contra aqueles que diziam que 'a luta específica é reformista e a luta política
é revolucionária'. Era necessário compreender que tanto a luta política quanto específica
poderiam ter uma condução reformista ou revolucionária. E o Congresso procura então
representar uma alternativa de condução das lutas específicas, de modo a vinculá-las a
uma luta política contra a ditadura militar. Esta definição contribui decididamente para as
movimentações de massa de 68 (p.67).
De acordo com Santos, todo o período inicial da 29
ª
gestão da UNE foi dedicado ao trabalho de
ampliar as organizações de base do movimento estudantil e, até maio de 1968, a diretoria da
entidade conseguiu ter um funcionamento unitário, mesmo coexistindo várias tendências em
seu interior.
Martins Filho (1986) analisa que neste Congresso iniciou-se o processo de redefinições
político-ideológicas que levaria à consolidação das duas estratégias estudantis de 1968.
Em outubro de 1967, a UNE realizou um Conselho, no qual tirou como linha política de atuação
para o início de 1968: a organização de uma campanha contra a política educacional do
governo e por mais verbas para a universidade, a participação no 1
º
de maio e a organização
de manifestações de protesto contra a repressão e pela passagem do aniversário do golpe
militar em 1
º
de abril.
74
A luta política para a UNE caracterizava-se no movimento estudantil "pela denúncia da ditadura e do imperialismo e pela
luta concreta que o imperialismo e a ditadura propõem para a Universidade" Sanfelice (1986 p. 137).
75
Entre as suas conclusões, a Carta Política da UNE declarava que: "a condução da luta reivindicatória, articulada como luta
política, permitiu ao movimento estudantil se fortalecer em suas bases. O XXIX Congresso Nacional do Estudantes fez uma
análise crítica do Movimento Estudantil até hoje. A luta contra a lei Suplicy, as manifestações em todo o país em 1966 e 1967,
a campanha de anulação do voto em 1966, a luta contra os acordos MEC-USAID são marcos importantes desse avanço. Nossa
prática tornou cada vez mais claro o caráter de classe da ditadura" Sanfelice (1986, p. 137).
58
Em outro Conselho, no início de janeiro de 1968, a UNE voltou a discutir esta proposta e duas
tendências se enfrentaram: uma que propunha lutar diretamente contra a ditadura e outra que
defendia centrar a luta contra a política educacional. Jean Marc (Reis e Moraes, 1998)
esclarece como essas divergências eram tratadas:
Em termos de conteúdo, tivemos acordos básicos na definição da luta principal em 1968,
em torno do aumento de verbas para a Universidade, proposta defendida por mim e
apoiada por Vladimir. E, na hora do pau, respeitaram-se as decisões democráticas das
estruturas do movimento estudantil e todos lutamos juntos (grifos nossos) (p.122).
O movimento estudantil iniciou o ano de 1968 com a palavra de ordem "mais verbas, mais
vagas". Segundo Vladimir Palmeira (Reis e Moraes,1998) esta luta permitiu que a discussão
sobre a situação do ensino fosse levada a cada sala de aula, facilitando enormemente a
mobilização e a própria caracterização da ditadura militar.
Em 1968 ampliamos estupidamente o raio de ação da UME. Esta orientação permitiu que
tivéssemos mais ou menos 2 mil estudantes organizados, em grupos de cinco, ou então
por sala de aula. Este pessoal ia a todas as manifestações, conseguia incorporar a
dinâmica da luta dentro da universidade (p.103).
No dia 28 março de 1968, durante concentração para manifestação no Centro do Rio de
Janeiro, a polícia invadiu o restaurante Calabouço a tiros e assassinou o estudante Edson Luís.
Os estudantes reagiram imediatamente, em vários pontos do país realizaram greves e
manifestações de protesto. A manifestação de repúdio ao 4
º
ano (1
º
de abril) da ditadura se
transformou num dos maiores protestos contra este regime até então.
As lutas se radicalizaram em vários centros do país. Em maio, os estudantes da Faculdade de
Química da UFRJ entraram em greve por "mais verbas, mais vagas, contra a privatização da
universidade, pela melhoria do nível de ensino". Durante a greve, cerca de 400 estudantes
desta faculdade mantiveram-se mobilizados permanentemente, da manhã até a noite,
organizados em comissões nas quais discutiam a elaboração de alterações no currículo,
mobilizando outras faculdades - visitando cada sala de aula, além de cursos de pré- vestibular,
76
um dos vice-presidente eleito neste Congresso
59
discutindo a crise da universidade e neste processo, levantaram a proposta de greve geral na
UFRJ, que se efetivou em junho daquele ano.
Nas lutas por mais verbas e pela ampliação das vagas, os estudantes tentavam dialogar com o
governo e outras instâncias da universidade sobre as condições de ensino. Após inúmeras
tentativas, os estudantes da UFRJ, decidiram ocupar a reitoria para tentar forçar o diálogo. A
polícia invadiu o campus da Praia Vermelha, prendeu centenas de jovens e levou-os para o
campo do Botafogo, onde os espancou e os humilhou. No dia seguinte, os estudantes
realizaram novo protesto em repúdio aos fatos do dia anterior. O centro da cidade virou um
campo de guerra, a polícia reprimiu tenazmente a manifestação, entretanto se deparou com a
resistência do povo que se encontrava no centro do Rio de Janeiro, que somou-se aos
estudantes. Este episódio ficou conhecido como a "Sexta-feira Sangrenta". Dias depois seria
realizada a Passeata dos Cem Mil.
Em junho de 1968, ocorreram, ainda, importantes ocupações nas faculdades em São Paulo,
Bahia e Minas Gerais, contra o corte das verbas e por mais vagas nas universidades e contra a
reforma universitária do governo. Durante estas ocupações, várias atividades foram realizadas:
atividades culturais, discussões sobre o currículo, sobre a reforma universitária, entre outras. A
União Estadual de Estudantes da Bahia (UEB) chegou a fazer um levantamento da situação
em cada escola e a partir daí constituíram uma plataforma de lutas:
O que eu acho mais decisivo é que a UEB teve uma orientação de privilegiar os interesses
reais dos estudantes, as condições de ensino e de pesquisa. (...) Em 1968 houve um
momento alto nesse processo: foi a greve com ocupação nas faculdades. Os estudantes
participaram intensamente. Foi feito um levantamento exaustivo, um relatório detalhado,
escola por escola, das carências, das deficiências, das reivindicações (p. 181).
O segundo semestre de 1968 foi um período de recuo. O movimento estudantil estava isolado
do movimento popular, pois apesar das greves operárias de Osasco e Contagem, tanto o
movimento operário, quanto o movimento camponês encontravam-se debilitados, sob forte
repressão e controle da ditadura. Depois de toda a agitação do 1
º
semestre, a mobilização ficou
sem continuidade, o que já demonstrava alguns impasses que o movimento estudantil
enfrentava.
60
Nesta conjuntura, o debate travado no 30
º
Congresso da UNE, em Ibiúna, ocorreu sob forte
tensão entre as tendências estudantis. As principais discussões giraram em torno da definição
das formas de luta e da prioridade a ser dada às lutas gerais ou às específicas.
Jean Marc, eleito presidente da UNE neste Congresso, elaborou as teses sobre "Movimento
estudantil e a luta popular" e "A luta dos estudantes nas universidades". Apesar de ser
integrante da Chapa "Unidade e Luta" - que defendia como prioridade a luta geral, reforçou
nas, teses que escreveu, o caráter específico do movimento estudantil e o seu papel de apoio
aos movimentos populares:
A tendência Unidade e Luta, cujo permanente radicalismo da 'luta de ruas contra a
ditadura' tinha provocado uma perda de influência na grande massa do movimento
estudantil, aceitou, embora em muitos casos a contragosto, a correção de linha implícita
na proposta. Não abandonava a luta política, mas ela era relativizada, subordinada ao
ritmo dos outros setores sociais, articulada com o movimento reivindicatório. Deixava-se
de absolutizar uma forma de luta e uma palavra de ordem. Creio no entanto, que esta
aceitação foi em parte formal em muito dos elementos das correntes Unidade e Luta
(p.85).
Após a queda do Congresso de Ibiúna, o movimento estudantil entrou num período de
esvaziamento e desarticulação. Com a decretação do AI-5, a UNE e o movimento estudantil
passaram por imensas dificuldades, muitas de suas lideranças foram perseguidas, presas,
torturadas e assassinadas. Segundo Costa (2005, p.77) "o movimento estudantil sofreu a maior
repressão jamais sofrida por um movimento estudantil". A UNE só voltaria a realizar seu
Congresso de Reconstrução em 1979.
5. Da reconstrução da UNE ao impeachment do Presidente Collor de Melo
A nossa pesquisa não tem como objeto a análise histórico-cronológica da UNE e do movimento
estudantil. Elegemos a década de 60 por entendermos ser este um período no qual o
movimento estudantil - mesmo com insuficiências - conseguiu envolver parcela significativa dos
estudantes na luta política, destacando-se como educador político, no sentido da
transformação social.
61
Além da conjuntura - de avanço da perspectiva revolucionária e da luta anti-imperialista no
mundo e, no Brasil, de acirramento das contradições internas - que contribuiu para o
crescimento do movimento de massas, consideramos que a concepção política adotada
naquele momento, de forma predominante, pelo movimento estudantil foi decisiva para que o
mesmo se constituísse como ator revolucionário.
Sem a pretensão de fazermos uma análise aprofundada deste movimento no período que
medeia a reconstrução da UNE até a década de 90, identificamos alguns elementos que
contribuem para uma melhor compreensão de nosso objeto.
Em meados da década de 70, o "milagre econômico" deu sinais de esgotamento. Neste
momento os movimentos populares começam a ressurgir. Em 1977, os estudantes voltam às
ruas exigindo liberdades democráticas, fim da ditadura, liberdade para os presos políticos, além
de lutarem por mais verbas para as universidades e pela redução dos preços das
mensalidades nas universidades privadas.
Em 1979, a UNE realizou o seu Congresso de Reconstrução, como dissemos anteriormente,
envolveu-se nas lutas pela Anistia, pelas Diretas Já e pela convocação de uma Constituinte
Livre e Soberana.
Foi um período de retomada e reorganização dos setores populares e médios, entre eles, os
estudantes. Entretanto, Martins Filho (1998) destaca que apesar do vigor das mobilizações dos
estudantes, os anos seguintes mostraram que "ao invés de abrir um capítulo do ciclo
inaugurado em 1962, constituíram um anteato da desmobilização dos anos 80. A partir daí, o
'movimento estudantil' passou a se restringir cada vez mais às atividades de suas áreas
militantes". Entre os motivos que levaram à desmobilização do movimento estudantil, este autor
destaca: o aparelhamento das entidades estudantis, a moderação da classe média satisfeita
com o ritmo gradual da abertura política e ainda, o fato do esgotamento do movimento de
massas não ter impedido uma radicalização das divergências no plano das correntes militantes,
o que só teria feito aguçar o distanciamento do conjunto dos estudantes, das lutas
reivindicatórias do movimento estudantil.
62
Oliveira (2001), em sua tese de doutorado
77
, levantou uma série de documentos da UNE e das
correntes políticas organizadas no movimento estudantil que reforçam a análise de Martins
Filho.
Em depoimento ao Jornal "Em Tempo" de 1979, Vera Paiva - liderança estudantil da tendência
Refazendo analisa que a razão fundamental para o refluxo do movimento estudantil, em 1978,
está no distanciamento entre a vanguarda e a massa estudantil. A pretensa liderança
deixou de ser liderança, passou a atuar no movimento estudantil mais em função de sua
tendência política, da sua concepção política, e não ser liderança do conjunto dos
estudantes, a partir de suas contradições. Essa liderança assumiu como um todo (e nisso
aí nós não eximimos nenhuma tendência política mesmo as que não se dizem enquanto
tal) uma concepção política, de entidade como instrumento de "passar sua posição", de
"ganhar suas posições" (...) O erro principal está exatamente na concepção política que
estas tendências desenvolveram no movimento e não no fato delas terem se organizado
(p.5)
Nos anos subseqüentes, verificamos - nos documentos da UNE, das correntes políticas e nos
artigos com depoimentos de várias lideranças estudantis - que a temática em torno do
isolamento, esvaziamento, distanciamento das bases e aparelhamento das entidades é uma
constante.
Do Congresso de Reconstrução da UNE (1979) ao 37
O
Congresso (1987), a direção da
entidade foi presidida pelo PC do B. Em documento de 1982, a UNE expõe que o critério de
eleição para os delegados objetivava "combater o extremo partidarismo que vem ocorrendo em
nossas instâncias"
78
. Em 1983 alertava
79
:
as entidades estudantis, com raras exceções, têm se mostrado incapazes de canalizar a
energia e o vigor dos estudantes (...) [aponta como uma das causas] a partidarização de
nossas entidades pelas tendências que, ao tratarem tais entidades como propriedades
suas, fazem com que elas deixem de representar o conjunto dos estudantes e passem a
servir de canais de transmissão da concepção político-ideológica deste ou daquele
agrupamento, excluindo consequentemente todos que não concordem com ela (p.)
No 38
º
Congresso (outubro,1987), o PT obteve a maioria dos votos e passou a presidir a
direção da entidade; em novembro, a nova direção da UNE lançou um documento, no qual
avaliava que:
77
OLIVEIRA, José Alberto Saldanha de. O mito do poder jovem: a construção da identidade da UNE. 257 págs.(Tese de
Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, UFF, Niterói, 2001.
78
UNE, União Nacional dos Estudantes. Boletim do 34
º
Congresso, 23/08/1982, citado em Oliveira (2001)
79
UNE, União Nacional dos Estudantes. Aos estudantes brasileiros, 10/09/1983, citado em Oliveira (2001)
63
a UNE vive hoje uma situação de 'distanciamento político e material. A nossa entidade foi
jogada no gueto. Não temos reconhecimento dos estudantes e nem da sociedade. Isso se
deve em muito à política desempenhada pelas últimas diretorias, que privilegiavam os
acordos de gabinete e transformaram a UNE num aparelho político partidário (p.1)
O PC do B, na oposição, passou a divulgar uma série de boletins de sua tendência política no
movimento estudantil
80
, acusando a diretoria petista da UNE de patrocinadores da
partidarização da entidade, de exclusivistas em seus atos, de imobilistas nas lutas estudantis,
de não terem representatividade na base e de aprofundadores da divisão do movimento
estudantil.
Este embate e troca de acusações entre as tendências nos leva a crer que as questões
apontadas eram dificuldades vividas pelo conjunto da vanguarda do movimento estudantil que
persistiram nos anos seguintes
81
. Segundo Poerner (2004), no 40
º
Congresso da UNE (1989),
houve o acirramento da polêmica em torno do aparelhamento da entidade.
A luta pelo impeachment do presidente Collor de Melo trouxe às ruas, novamente, parcela
significativa dos estudantes. Martins Filho (1998) considera que esta mobilização ocorreu:
"numa conjuntura de avanço do neoliberalismo, da inexistência em cena de um discurso visível
de esquerda, de extensa influência dos meios de comunicação (...). Levantou objetivos
bastante gerais, centrado num alvo único, de conteúdo ético geral e limitado estritamente às
regras do jogo político".
Mesmo com as limitações e as imprecisões que a nossa análise possa conter - a leitura de
parte dos documentos presentes na tese de Oliveira (2001) indica uma tendência de
distanciamento entre a vanguarda e o conjunto dos estudantes.
Este período (1979/1992) aparenta ter sido de fortalecimento das organizações e entidades
estudantis, entretanto, os impactos que as mesmas sofreram com a ofensiva neoliberal, assim
como o aprofundamento da tendência que indicamos acima, sinalizam que apesar da
reestruturação e da rearticulação daquelas, do ponto de vista político, não conseguiram dar
conta dos desafios colocados por uma conjuntura marcada pela crise do socialismo e pelo
avanço político, econômico e ideológico do capitalismo.
De acordo com Boito (2004), do ponto de vista ideológico, uma das estratégias do
neoliberalismo tem sido dividir para reinar, para tanto utiliza-se da revolta popular e instintiva
80
Boletim Viração. "Pela UNE combativa, unitária, independente e representativa" 1988.
64
contra a cidadania restrita e hierarquizada
82
; "o neoliberalismo 'confiscou' essa revolta difusa e
a dirigiu para o objetivo de construção de um 'Estado mínimo' no Brasil"(p.29). Desta forma,
apresenta os direitos conquistados por uma parcela da classe trabalhadora como privilégios,
jogando os pobres contra os remediados, ao mesmo tempo que mantém intacta a máquina de
transferência de recursos para o setor financeiro.
No que diz respeito à postura do sindicalismo e do movimento estudantil frente ao
neoliberalismo, este autor considera que ambos têm desempenhado um papel importante na
defesa dos direitos dos trabalhadores e da universidade pública,
Segundo Boito (2004) o neoliberalismo explora as contradições no seio dos estudantes para
dividi-los - classificando os estudantes que estão na universidade pública como privilegiados e
jogando os que não conseguiram entrar na universidade pública contra a mesma.
Para o objeto de nossa análise, importa destacar a mudança significativa da conjuntura, da
correlação de forças, o refluxo do movimento de massas, o enfraquecimento da perspectiva
revolucionária no mundo, assim como, a insuficiência no balanço e na análise da experiência
do socialismo, que acabou levando muitas organizações e partidos políticos a abandonarem
essa alternativa. Estes elementos, a nosso ver, interferiram nos movimentos sociais e,
conseqüentemente, guardadas as especificidades, no movimento estudantil.
No próximo capítulo, analisaremos a política neoliberal e as especificidades que a mesma
assume em nosso país, particularmente, na educação superior - como subsídio fundamental
para a análise das características, desafios e possibilidades que esta conjuntura coloca para a
prática educativa do movimento estudantil.
81
De acordo com os documentos levantados por Oliveira (2001).
82
Segundo Boito, a cidadania social restrita e hierarquizada está ligada ao clientelismo do Estado brasileiro: "a política social
brasileira (...) sempre marginalizou amplos setores da população trabalhadora (...) a política social populista não chegou a
implantar uma cidadania social ampla e igualitária (...) o populismo não chegou a incluir nos direitos sociais os trabalhadores
rurais. No que respeita aos trabalhadores urbanos, vinculou os direitos sociais ao emprego regulamentado, excluindo, portanto,
os desempregados e os trabalhadores informais, e segmentando e hierarquizando esses direitos de acordo com o status
profissional de cada um (...) após a democratização, alguns direitos sociais foram estendidos ao campo, mas, já então crescia o
desemprego, o subemprego e o mercado informal - essas chagas que foram ampliadas no neoliberalismo. Ora, essa população
65
CAPÍTULO II: O contexto da pesquisa
1. Neoliberalismo e Educação Superior
No final da década de 60, mais particularmente a partir da recessão de 1973, a sobre-
acumulação de capital e o limite da aplicação deste, no setor produtivo, dada a queda da taxa
de lucro e a super-produção de mercadorias - evidenciaram a crise e o esgotamento do modelo
econômico fordista e, ao mesmo tempo, a necessidade da reestruturação da economia, para
garantir a manutenção da taxa de lucro e a ampliação da extração de mais-valia.
Neste contexto, o neoliberalismo ganhou força. As obras de Friedman e de Hayek
83
,
'Capitalismo e Liberdade' (s/d) e 'O Caminho da Servidão' (1990), respectivamente,
ascenderam no momento em que o modelo econômico do pós-guerra entrou em crise. Estes
teóricos pregavam a defesa dos mecanismos de auto-regulação do mercado, da lei da oferta e
da procura, da vitalidade da concorrência como melhor forma de garantir e retomar as bases de
produção, reprodução e acumulação do capital.
Hayek(1990)
84
defendia que a concorrência era a melhor maneira de orientar os esforços
individuais, melhor método para que as atividades pudessem ajustar-se umas às outras e
preconizava o uso da concorrência como princípio da organização social (p.58/59). Friedman
85
defendia o que denominava de cooperação voluntária dos indivíduos - baseada na troca - como
a melhor forma de coordenar as atividades econômicas de um grande número de pessoas,
sem ser coerção (p.23). No centro destas perspectivas, estava a crítica ferrenha ao que
caracterizavam como limitações do Estado aos mecanismos do mercado e, ao mesmo tempo,
a definição do papel que aquele deveria cumprir:
Ao identificar as raízes da crise econômica nos excessos de intervenção do Estado na
economia e no poder dos sindicatos, o neoliberalismo atacava os principais pilares do Estado
de Bem Estar Social e do nacional-desenvolvimentismo (de alguns países latino-americanos,
como o Brasil) e propunha um conjunto de reformas
86
, para retomar as bases de acumulação
sobrante está, no modelo brasileiro de cidadania baseado no emprego regulamentado e na profissão, excluída dos direitos
sociais" (p. 28)
83
Milton Friedman e Friedrich Hayek, considerados os "pais" do neoliberalismo.
84
O Caminho da Servidão. 5ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
85
Refiro-me à obra Capitalismo e Liberdade. Editora Artenova, 1977.
86
Que caracterizam uma reformulação da intervenção do Estado (Boito Jr., 1999).
66
do capitalismo. Simultaneamente, a globalização reforçou este ideário, propagandeando o
declínio do Estado-nação, dado o extraordinário processo de internacionalização da economia
e a necessidade inevitável de abertura das economias (Fiori, 1996).
Podemos identificar os princípios que nortearam este processo de reformulação, através de
algumas idéias defendidas por Hayek e Friedman. A política monetária e a política fiscal foram
colocadas como as áreas mais importantes para a estabilidade econômica. Como decorrência
disto, estes autores defendiam, dentre outras propostas: a liberalização do capital, as taxas de
câmbio flutuantes como a solução do mercado livre, a liberalização comercial, a revigoração
dos mercados de capitais via abolição de impostos e a implementação de metas inflacionárias.
Ao mesmo tempo, Hayek desenvolveu alguns conceitos através dos quais já podíamos
vislumbrar em que sentido e forma deveria ser o papel do Estado nas políticas e direitos
sociais: através dos conceitos de segurança limitada
87
e segurança absoluta
88
(1990, p.123),
desenvolveu o princípio da focalização e caracterizou os direitos sociais como privilégios.
As reformas neoliberais propostas para a América Latina tiveram como referência o documento
conhecido como "Consenso de Washington"
89
. Os eixos centrais que sedimentaram as
propostas presentes neste documento significaram uma reformulação do Estado - que definiu
um "novo"
90
tipo de intervenção: garantir o que é, dentro desta perspectiva, prioritário (a
acumulação do capital) e, no mesmo movimento/ou como decorrência necessária para
viabilizar o que era/é principal, redefinir o papel do Estado no que diz respeito às políticas e
gastos sociais. Estes últimos, considerados excessivos pelos neoliberais e, juntamente com as
87
A segurança limitada é considerada justificável e caracteriza-se como a garantia de um mínimo a todos para subsistir e
assim, poder garantir a capacidade para trabalhar. "Que um mínimo uniforme seja garantido a todos; mas admitamos ao
mesmo tempo, que com essa garantia de um mínimo-base devem extinguir-se todas as reivindicações a uma segurança
privilegiada por parte de certas classes e desaparecer todos os pretextos para se permitir que determinados grupos, no intuito
de manterem um padrão especial e exclusivamente seu, impeçam os novos concorrentes de participar na sua relativa
prosperidade" (Hayek, 1990, p.190, grifo nosso). Isto lembra as "cestas básicas" propostas pelo Banco Mundial (Boito, 1999,
p.81, nota 96).
88
A segurança absoluta é caracterizada como privilégio de alguns que prejudicaria a maioria e só poderia ser concedida pelo
controle ou a abolição do livre mercado (p. 123).
89
Sintetiza ajustes que permitiriam inserir a América Latina na nova estruturação da economia mundial e (teoricamente)
superar a chamada "década perdida"(anos 80), a estagnação, a recessão e retomar o crescimento e o desenvolvimento.
90
"Novo" tipo de intervenção que se caracteriza como um rearranjo dentro do fenômeno (que continua o mesmo) - o processo
de acumulação capitalista. "Nem a contradição fundamental , no processo de desenvolvimento dum fenômeno, nem a essência
desse processo, determinada por essa contradição, desaparecem antes da conclusão do processo. Contudo, as condições
diferem geralmente umas das outras, em cada etapa do longo processo de desenvolvimento dum fenômeno. Eis a razão: se bem
que a natureza da contradição fundamental no processo de desenvolvimento dum fenômeno, bem como a essência do processo
permaneça sem modificação, a contradição fundamental agudiza-se progressivamente em cada etapa desse longo processo".
(Mao Tse Tung, 1979, p.46).
67
reivindicações e a pressão dos sindicatos sobre o governo para aumentá-los, responsáveis
pela corrosão das bases de acumulação capitalista (Anderson,1995).
No plano econômico, o Consenso de Washington propunha medidas que desonerassem o
capital: a diminuição da carga fiscal e a flexibilização do mercado de trabalho
91
; no plano
político: a reformulação da presença estatal na economia e na sociedade, via
desregulamentação, privatização e abertura comercial; no plano social: a restrição dos direitos
sociais e das atividades do movimento sindical (Fiori, 1997).
No Brasil, o ideário neoliberal norteou/influenciou a Reforma do Aparelho de Estado
92
- que
redefiniu a relação entre o Estado, a sociedade e o mercado (Pereira,1999). Segundo o
diagnóstico do governo Fernando Henrique Cardoso, o Estado sofria uma crise fiscal, crise do
modo de intervenção e crise do modelo burocrático de gestão pública. Diante da crise
gerencial, do déficit público e da necessidade do equilíbrio fiscal para captar empréstimos
externos, os Estados periféricos trabalharam dentro da ótica neoliberal, implementando todos
os programas e reformas necessárias, para se inserirem de forma subordinada na economia
mundial globalizada.
91
E, simultaneamente, propunha restabelecer um mecanismo (restauração da taxa "natural" de desemprego) considerado
natural e necessário em qualquer economia eficiente de mercado e também, uma das estratégias para quebrar os sindicatos e
romper o igualitarismo que destruía a liberdade dos indivíduos e a vitalidade da concorrência (Anderson, 1995). "Para realizar
um trabalho de organização, é necessário que se desenvolva paralelamente a uma área bastante vasta de atividades econômicas
não-planejadas. Deve haver uma reserva na qual se possam buscar trabalhadores, e quando um trabalhador é despedido deve
desaparecer daquele posto e da folha de pagamentos. Na ausência dessa reserva livre de mão-de-obra, não se poderá
manter a disciplina sem castigos corporais, como no trabalho escravo". (Coyle, D.C. apud Hayek, 1990, p.127, grifo
nosso).
92
Cabe um esclarecimento: o documento do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE (1997, vol.2,
p.2) caracteriza a proposta neoliberal de "Estado mínimo" como utópica e considera que o Estado tem um papel fundamental
para garantir a ordem interna, a estabilidade da moeda e o funcionamento dos mercados (Bresser Pereira, 1997,Cadernos
MARE, vol. 1, p.9). No entanto, ao ler Friedman e Hayek, compreendemos que estes não negam as funções que Bresser
Pereira estabelece para o Estado. Esta suposta "divergência" entre Bresser e os "neoliberais radicais", se é que houve tal
divergência, não significaria debate entre campos diferentes. Poderíamos considerar como "conversas entre camaradas para
alguns acertos". Em seu documento, um pouco mais adiante, Bresser explicita isso: "a centro-esquerda pragmática, social-
democrática ou social-liberal diagnosticou com clareza a Grande Crise como uma crise do Estado (...) e adotou as propostas da
centro-direita pragmática visando a obediência aos fundamentos macroeconômicos - ou seja, políticas econômicas que
envolvem ajuste fiscal, políticas monetárias apertadas, preços de mercado, taxas de juros positivas mas moderadas e taxas de
câmbios realistas - e a realização de reformas orientadas para o mercado. Mas alertou que estas políticas não bastavam, porque
o mercado apenas - o mercado auto-regulável do equilíbrio geral neoclássico e da ideologia neoliberal - não garante nem o
desenvolvimento, nem o equilíbrio e a paz social" (p.16). Mais à frente, afirma que "a centro-direita pragmática e mais
amplamente as elites internacionais, depois de uma breve hesitação, perceberam, em meados dos anos 90, que esta linha de
ação estava correta e adotaram a tese da reforma ou da reconstrução do Estado. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento tornaram os empréstimos para a reforma do Estado prioritários (...). Uma grande coalizão de centro-esquerda
e de centro-direita assim se formou". (Bresser Pereira, op. cit, p.17). Leher (2004) esclarece quais eram as principais
preocupações do Banco Mundial e das elites nacionais na implementação dessa política: "para assegurar a governabilidade,
sustentam medidas focalizadas capazes de aliviar a pobreza para assegurar o controle social, atualmente uma das maiores
68
A Reforma do Aparelho de Estado, a partir das propostas do Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado/MARE, já extinto, teve como estratégia central a implementação
das Organizações Sociais, através das quais podemos perceber a materialização da proposta
de reformulação do Estado.
Em linhas gerais, essa reforma do aparelho de Estado objetivou: a) delimitar o tamanho e
redefinir o papel regulador do Estado, através de programas de privatização, publicização e
terceirização, b) recuperar a governança, visando a superação da crise fiscal, c) redefinir os
setores de ação estatal, d) a transformação do denominado Estado Social em Estado Social-
Liberal, e) a reforma política que visava aumentar a "responsabilização" dos governantes
(Barreto, 1999). Em suma, o Estado deveria ser "mínimo" na garantia dos direitos sociais dos
trabalhadores e nos gastos públicos sociais; e "máximo" para garantir a liberalização e
desoneração do capital, aumentando a sua competitividade no mercado internacional. A
radicalização da política de cortes nos gastos públicos sociais e a desresponsabilização do
Estado, através de propostas do tipo descentralização da prestação de serviços (transferência
de atribuições do governo federal para os governos estaduais e municipais), desconcentração
participativa (delegação pelo poder de Estado de atribuições da política social a entidades civis
filantrópicas, a empresas e organizações não-governamentais, "terceiro setor") e focalização
dos serviços públicos (substituição da universalização dos direitos sociais pela concentração
dos gastos públicos nas populações de baixa renda), aprofundaram-se em nossa sociedade
(Boito, 1999).
Desta forma, o MARE - através das Organizações Sociais - propunha que o Estado transferisse
para o setor público não-estatal (terceiro setor) a responsabilidade de serviços como:
educação, saúde, cultura e pesquisa científica, ou seja, abandonasse o papel de executor e
prestador direto destes serviços, mantendo-se no entanto como regulador e promotor dos
mesmos (MARE, 1997, Organizações Sociais, Caderno 2).
O Estado continuaria a financiar as atividades públicas absorvidas pelas organizações sociais,
no entanto, otimizando os recursos
93
- menor utilização destes com ênfase nos resultados,
preocupações do Banco Mundial, em virtude da devastação social, e do conseqüente aumento da tensão social, provocado
pelas políticas neoliberais".
93
Laura Tavares caracteriza este processo de mercantilização social, "Há consenso que o financiamento público deve ser
mantido no social, mas a implementação dos projetos nessa área deve ser feita, preferencialmente, por um tipo de 'mercado'
especial que vai desde a grande seguradora financeira (que passa a garantir previdência social e saúde para os que podem pagar
pelo seguro) até uma vasta e heterogênea gama de 'atores' do chamado '3
º
setor' (que inclui desde as antigas associações
69
tendendo a assimilar as características de gestão próximas às do setor privado - "atender
melhor o cidadão-cliente a um custo menor" (MARE,1997, p.4, caderno 2).
Assim, na dita parceria entre sociedade e Estado e na chamada a uma maior responsabilidade
social podemos verificar: a internalização dos mecanismos de mercado (eficiência, eficácia e
produtividade) na dinâmica dos atendimentos dos serviços sociais, colocando no centro a
relação custo-benefício e, ao mesmo tempo, o fortalecimento de idéias do tipo "cada um faz a
sua parte", "se cada um der um pouco, as coisas melhoram", "não esperar que as coisas caiam
do céu ('paternalismo' do Estado), é necessário colocar a mão na massa", "recursos tem, mas
são mal administrados, mal alocados" e iniciativas como amigos da escola, e ainda, reforçando
as idéias de que o "destino das pessoas é determinado pela capacidade e habilidade de cada
um, que o enriquecimento depende exclusivamente do indivíduo" (Hayek, 1990, p.109/111).
Nessa linha de raciocínio, o documento do MARE propõe o estabelecimento de um novo
contrato psicológico: novas formas motivacionais e redefinição da relação desempenho-
recompensa
94
(1997,p.12, Caderno 2).
O Estado assumiria, então, prioritariamente, o papel de controlador dos resultados (das metas
de desempenho) para garantir que os financiadores (compradores dos serviços) e doadores
estivessem fazendo e investindo em um bom negócio.
O conjunto de procedimentos nomeados acima vincula-se tanto à estrutura quanto à
superestrutura, são aspectos de um mesmo fenômeno, compõem a mesma totalidade e sua
comunitárias ou igrejas, até as modernas Organizações não-governamentais de todo tipo). Por trás dessa 'opção preferencial'
encontra-se o irresistível apelo feito à chamada 'participação da comunidade' e aos inúmeros exemplos 'bem sucedidos'. No
entanto, o que se vê são 'pequenas histórias' em meio a um mar de dramas sociais. A fragmentação e o reforço, ou mesmo o
aprofundamento das desigualdades sociais são os resultados observados desse tipo de 'alternativa' ao público não-estatal. (...)
Esta é, por sinal, a última palavra em matéria de 'alternativas' de política social atual: a 'auto-sustentabilidade'. Os pobres
devem tornar-se 'micro-empreendedores' criando seus próprios 'pequenos negócios'. É a nova cara da mercantilização do
social (grifo nosso): tudo não só pode como de
ve
ser resolvido no 'mercado', inclusive a sobrevivência. Depender do Estado é
considerado uma 'vergonha', uma 'limitação'. Para os pobres, é claro. Para os empresários de verdade, os ricos, nenhuma
vergonha em depender de subsídios e isenções fiscais". TAVARES, Laura "De decorrências e retrocessos". Disponível
em:www.outrobrasil.net. Acesso em: 20.10.04.
94
Hayek e Friedman já trabalhavam com estes aspectos ideológicos. Hayek, ao tratar direitos sociais como privilégios,
contribuiu para a divisão da classe trabalhadora: "nunca houve pior e mais cruel exploração de uma classe por outra do que a
exercida sobre os membros mais fracos ou menos afortunados de uma categoria produtora pelos que já desfrutam de posições
estáveis, e isso foi possibilitado pela regulamentação da concorrência. Poucas coisas têm tido efeito tão pernicioso quanto o
ideal da 'estabilização' de certos preços (ou salários), pois, embora ela garanta a renda de alguns, torna cada vez mais precária a
posição dos demais" (1990, p.130); culpabiliza o indivíduo pelo seu "fracasso": "no regime de concorrência, o destino das
diferentes pessoas é determinado pela capacidade e pela habilidade, pelo acaso e pela sorte, pela habilidade e pela
iniciativa dos indivíduos (grifo nosso) e, em parte, pelas circunstâncias imprevisíveis"(Hayek, 1990, p. 109). E Friedman
desenvolveu a idéia de que "se cada um doasse um pouquinho", "fizesse a sua parte", a pobreza poderia ser amenizada:" um
recurso e sob muitos aspectos, o mais desejável - é a caridade privada. (...) um dos custos mais importantes da extensão das
atividades do governo nestas áreas foi o declínio correspondente das atividades de caridade privadas"(Friedman, 1977, p.165)
70
unidade garante a direção de um objetivo: manter/sustentar/tentar recuperar as bases da
acumulação capitalista. São medidas que dinamizam, potencializam o processo de extração da
mais-valia e, como não poderia ser diferente, dada a lógica inerente deste modo de produção,
a ofensiva sobre/contra os direitos sociais e trabalhistas e a redução dos gastos sociais
atendem as necessidades de acumulação do capital. Novamente, o peso da crise recai sobre
os ombros das classes exploradas.
2. A atual Reforma da Educação Superior
A atual reforma da educação superior está inserida dentro do contexto apresentado. As
transformações em curso na educação superior estão inseridas no quadro de mudanças da
estrutura econômica, política, social, cultural e ideológica, pelo qual passa o sistema capitalista
como um todo.
A prioridade de compromissos com o capital vem acirrando o fenômeno de financeirização do
orçamento público no Brasil (Juruá, 2004)
95
. Este tipo de política tem aprofundado ao longo dos
anos a precarização da Educação Superior Pública, impedido a sua expansão, restringido o
acesso, dificultado a permanência dos estudantes nas universidades públicas e, ao mesmo
tempo, facilitado a atuação das fundações "de apoio" privadas, que funcionam no interior das
universidades públicas. Por outro lado, a partir dos anos 90, tem havido acentuada proliferação
das instituições privadas de ensino superior, que ocupam o vazio deixado pelo Estado
brasileiro neste campo, que representa um grande negócio para os empresários do ensino,
crescentemente confundido com mercadoria.
A política neoliberal caracteriza a crise educacional como uma crise gerencial, fruto da
ineficiência e incompetência administrativa dos professores e do Estado. Não faltariam
recursos, professores ou vagas, mas sim, um melhor aproveitamento e distribuição dos
recursos e professores mais qualificados. A crise evidenciaria uma incapacidade do Estado de
gerir os recursos e gastos públicos e, simultaneamente, aponta para a necessidade de uma
95
Em 2005, as despesas com funções de Governo e com a Previdência Social correspondem a 20% do orçamento total,
enquanto a amortização e juros da dívida pública consomem 70% do orçamento total. O montante para o pagamento de juros e
a amortização da dívida pode ser maior se a taxa de juros SELIC média no ano de 2005 ficar acima da taxa projetada de
13,5%. JURUÁ, Ceci Vieira, "Orçamento federal 2005: vícios e virtudes" (Economia e Política Econômica). Disponível no
sítio:
www.outrobrasil.net. Acesso em 20/10/04.
71
reforma administrativa, pensada, orientada, dirigida e efetivada de acordo com os mecanismos
do mercado (Gentili, 1998).
Neste sentido, os pressupostos do MARE (1995) complementam algumas medidas
posteriormente implementadas pelo MEC - através da LDB (1996), decretos, entre outras - e
juntos, dirigem este processo. Assim, colocam a educação - a formação profissional e de
valores humanos - mais direcionada às necessidades do mercado, pressuposto este em
sintonia com as diretrizes dos organismos internacionais do capital.
A crise da educação superior é entendida como uma crise de modelo: incapacidade de
absorver a crescente demanda e de preparar adequadamente para o mercado de trabalho. Isto
é atribuído, entre outras coisas, ao elitismo da universidade e ao modelo universitário de
pesquisa, baseado na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, considerado
excessivamente unificado, caro e insustentável em tempos de crise; à unidade salarial e de
carreira existente nos sistemas públicos, especialmente, e aos "privilégios" de isonomia entre
ativos e inativos. Uma crise de financiamento: excessivo envolvimento do Estado; baixa relação
professor/aluno e custo/aluno excessivamente alto, tornando-se um problema financeiro sem
solução. Dentro desta perspectiva, o governo federal gasta mais do que pode com as
universidades públicas e seria pouco provável esperar que tenham condições de manter ou
aumentar os atuais percentuais de gastos com educação, especialmente no nível superior
(Sguissard e Silva Jr., 1999).
Algumas soluções são apontadas dentro da ótica neoliberal: para superar o modelo de
universidades de pesquisa, uma maior diferenciação do sistema de educação superior, com
incentivo à criação de instituições privadas; para superar a totalidade de financiamento do
ensino público superior com verbas federais, diversificação das fontes de financiamento,
introdução do ensino pago em todas as instituições, incluídas as oficiais e estreita vinculação
entre o financiamento e os resultados; no caso de insuficiência de recursos, liberdade para
firmar convênios de pesquisa, e de prestação de serviços com a iniciativa privada; para superar
o envolvimento do governo na questão relativa à manutenção das Instituições de Educação
Superior (IES), o Estado adotaria muito mais um papel de fiscalização e regulamentação do
que de manutenção, através do sistema de avaliação, para superar os limites da expansão,
pela via pública, facilidades de criação de condições para o desenvolvimento e recuperação do
ensino privado (Sguissard e Silva Jr, 1999)
72
Assim, universidades e escolas devem ter autonomia gerencial e financeira para cumprir
metas, ser produtivas, gerar receitas através de seus produtos, isto é, os cursos devem ser
ofertados seguindo o princípio do custo/benefício. Estas propostas seguem o receituário
expresso na cartilha do Banco Mundial. José Luis Coraggio (1996, p. 102) destaca que: "(...) o
banco estabelece uma correlação entre sistema educativo e sistema de mercado, entre escola
e empresa, entre pais e consumidores de serviços, entre relações pedagógicas e relações de
insumo-produtos, entre aprendizagem e produto".
Não bastaria ao sistema educacional estar voltado para suprir as necessidades do mercado,
isto é, das empresas pois, na concepção neoliberal, para superar a crise as universidades e
escolas precisam atuar enquanto empresas.
Estas são as orientações que permitem acabar com a "falsa promessa" dos Estados de bem-
estar social e nacional-desenvolvimentista, de educação para todos, através de uma escola
pública, gratuita e de qualidade e, ao mesmo tempo, garantir que somente os melhores e os
que mais se esforçam triunfem, essa teria a marca da sociedade moderna, na lógica neoliberal
(Gentili e Silva, 1999).
Na essência, a reforma educacional objetiva transferir a educação da esfera política para a
esfera abertamente mercantil. A educação (principalmente o ensino superior) é atingida
frontalmente por esta concepção. O levantamento de alguns dados possibilita analisar as
conseqüências concretas da política econômica neoliberal no campo da educação e, mais
especificamente, no ensino superior.
O governo federal é o que menos investe em educação
96
e, ao longo dos anos, os recursos
destinados para esta função foram drasticamente reduzidos, conforme tabelas a seguir
97
:
SUBFUNÇÃO 2000 (R$) 2004 (R$) (%) queda
de recursos
Ensino fundamental
2,4 bilhões 672
milhões
71,5
Ensino médio
350 milhões 196
milhões
80,2
Ensino profissional
970 milhões 825 15
96
Do total investido em educação, em todo o país, os Estados e os Municípios ficam responsáveis por cerca de 80%, enquanto
o governo federal por apenas 20%. Desigualdades de Renda e Gastos Sociais no Brasil: algumas evidências para o debate.
SDTS/PMSP. Disponível no sítio:
www.trabalhosp.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 21/11/04
97
Estas tabelas foram construídas a partir dos gráficos que constam no documento "Orçamento Federal de Educação - Análise
do período 2000- 2004". Este documento faz parte do estudo realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Disponível no sítio: www.campanhaeducacao.org.br. Acesso em: 30/04/05.
73
milhões
Educação infantil
303 milhões 174
milhões
43
Educação de jovens
e adultos
49,1 milhões 35,83
milhões
27
Educação Especial
61 milhões 41 milhões 29
Fonte: SIAFI- STN/CCONT/GEINC
Na subfunção Educação Superior, atribuição principal do Governo Federal
98
, essa trajetória de
queda de recursos se mantém:
Ano Recursos
liquidados (R$)
2000 9.132,11
2001 8.339,77
2002 8.848,42
2003 7.950,03
2004 7.183,29
Fonte: SIAFI- STN/CCONT/GEINC
Observamos, então, que a queda de recursos públicos estatais aplicados na Educação
Superior, no período 2000/2004, foi de 22%.
Nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), este é um quadro que se arrasta desde
1995, de acordo com os valores da tabela a seguir :
Ano Recursos destinados para
as IFES
1995 R$ 6,1 bilhões
1996 R$ 5,6 bilhões
1997 R$ 5,3 bilhões
1998 R$ 4,8 bilhões
1999 R$ 5,5 bilhões
Fonte: Jornal do Plebiscito do Provão/Fórum de Executivas, 2002
98
Segundo o artigo 11, parágrafos 1, 2 e 3 da Constituição Federal de 1988, "o governo federal financiará as instituições de
ensino superior", os Municípios "atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil", e os Estados
"atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio", respectivamente.
74
Assim, verifica-se que em 4 anos (1995-1999), as IFES tiveram seus recursos reduzidos em R$
3,2 bilhões
99
. Entre 2003/2004, esta trajetória de queda de recursos se manteve, pois as
verbas destinadas para as mesmas foram 20% menor do que no ano de 2000
100
.
Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação
Superior- ANDIFES, as universidades públicas perderam 77% dos investimentos e 24% do
custeio de manutenção
101
. Os recursos do governo destinados à manutenção das 54
universidades federais caíram de R$ 551milhões em 1995 para R$ 375 milhões em 2002. Isso
representa uma queda de 32% em sete anos
102
.
Uma das formas de retirar cada vez mais recursos das Universidades (que são “garantidos”
pela Constituição) é a Desvinculação das Receitas da União (DRU)
103
, que permite fazer um
corte no orçamento e que tem retirado destas instituições cerca de R$ 4 bilhões por ano
104
.
Essa subtração de recursos provocada pela DRU tem aumentado gradativamente, saltando de
R$ 1,8 bilhão em 2000 para R$ 2,7 bilhões em 2003
105
. Contingenciamentos deste tipo
reduzem anualmente o orçamento do MEC; através da análise deste no período 2001/2005
(previsão), podemos observar o peso da DRU e do superávit fiscal, nos cortes de recursos da
Educação, conforme gráfico abaixo
106
:
Orçamento do MEC (R$ bilhões)
Ano Orçamento MEC* Subfunção educação** Diferença (%)
2001 15,4 9,7 62,9
2002 16,1 10,3 63,9
2003 15,4 11,2 72,7
99
Este cálculo foi feito com a soma das perdas anuais, todas calculadas em relação ao ano de 1995.
100
LEHER, Roberto. "Considerações sobre o anteprojeto de lei da educação superior". Jornal da AdUFRJ- Seção Sindical,
edição de 14/03/05.
101
Universiabrasil.net, 09.03.2004.
102
Números atualizados pelo IGP-DI.
103
Proposta de implantação do Fundo Social de Emergência (FSE), encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional
em 1994, com o objetivo de controlar o déficit público, via redução de recursos do Fundo Público Federal (FSE). O FSE foi
transformado em Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, em 2000, em DRU. Em 1998, o FEF foi responsável por diminuir o
valor mínimo de recursos de FPF aplicados em manutenção e desenvolvimento do ensino em 41%. (Amaral, 2003)
104
Segundo Nicholas Davies, "em 2003 R$ 23,2 bilhões de impostos foram desvinculados da base de cálculo dos 18%, o que
significa cerca de R$ 4,2 bilhões a menos para a educação em âmbito federal". O financiamento da Educação Superior no
Governo Lula: uma loteria? In: Paula, Maria de Fátima de.(org.). Debatendo a Universidade: subsídios para a reforma
universitária, Florianópolis: Insular, 2004, p.87.
105
Segundo a Constituição Federal, 18% da Receita Federal deveria ser investida na Educação. No entanto, com a criação da
DRU, em 1994, obteve-se mais um mecanismo de desvio de recursos para gerar superávit primário. Hoje, o MEC recebe
somente 9,8% ao invés dos 18% que deveria receber. Disponível em:
www.universiabrasil.net
. Acesso em: 4/08/04.
106
Este gráfico foi retirado do documento da "Campanha pela Conversão da Dívida Externa em Recursos para a Educação"-
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 26/04/05.
75
2004 16,5 11,9 72,1
2005 17,3 12,0 69,3
Fonte: Orçamento da União (valores correntes)
*Orçamento: função educação
** Inclusas despesas com todas as subfunções da Educação
Somente em 2005, a previsão é de que estes contingenciamentos retirem 6,7 bilhões do
orçamento deste Ministério. Isto representa cerca de 30% do total previsto no Projeto de Lei
Orçamentária para o Ministério
107
.
Assim, enquanto os recursos do orçamento federal destinados à educação minguam, os do
superávit primário e do pagamento da dívida (interna e externa) são cada vez maiores
108
:
Ano Educação
(bilhões)
Superávit
Primário* (bilhões)
109
Pagamentos
Dívidas**
110
2000 15, 04 30,00 82,7
2001 15,43 29,00 107,4
2002 16,16 39,00 124,2
2003 15,16 42,00 145,3
2004 14,53 49,00 124,1
Fonte: SIAFI – STN/CCONT/GEINC (Orçamentos Fiscal e Seguridade Social)
* valores aproximados
**amortização, juros e encargos das dívidas internas e externas
A expansão da privatização e da mercantilização do ensino superior decorre do
aprofundamento do processo de financeirização de nossa economia.
Nos últimos 15 anos, verificou-se um crescimento vertiginoso das Instituições Privadas e o
fechamento de Universidades Públicas. Em relação a 1994, o número de alunos no setor
público nem chegou a dobrar, enquanto no setor privado triplicou
111
. Desde 1991, a cada ano
tivemos mais de duas universidades públicas fechadas. Isso significa que em 11 anos (1991-
2002), 27 Universidades Federais e Estaduais foram fechadas
112
. Enquanto isso, as instituições
107
ibidem
108
Valores referentes ao superávit primário da União de acordo com dados do Fórum Brasil Orçamento. Disponível em:
www.forumfbo.org.br. Acesso em: 10.05.05
109
Este superávit primário refere-se somente à esfera federal, pois o superávit primário total (Federal, Estados, Municípios e
Estatais) de 2004 até dezembro foi aproximadamente: R$ 84 bilhões, de acordo com dados divulgados no artigo de ASSIS,
José Carlos, "Quem está ganhando com o (pouco) crescimento da economia". Disponível no sítio:
www.desempregozero.org.br. Acesso em: 15.05.05.
110
Coluna construída com dados do documento da "Campanha pela Conversão da Dívida Externa em Recursos para a
Educação" da CNTE, no entanto, atualizamos o dado gastos com pagamento da dívida, fornecido por Maria Lúcia Fatorelli,
através de documento disponível no sítio:
www.forumfbo.org.br
. Acesso em: 12.05.05.
111
Disponível em: www.universiabrasil.net. Acesso em: 4/08/04.
112
"Em 11 anos, 27 universidades a menos". O Globo, 14/12/03.
76
de ensino superior privadas avançaram. No mesmo período, a cada ano, 70 instituições
privadas foram abertas - em 1991 eram 671; em 2002, 1.442 privadas
113
.
A partir de 1997, há um acelerado crescimento do número de instituições privadas no Brasil. O
Censo da Educação Superior/2003
114
mostra como este processo vem se desenvolvendo
atualmente: das 1.859 instituições de educação superior, 1.652 (88,9%) são privadas
115
; entre
as 10 instituições com os maiores números de matrículas, nos cursos de graduação, 7 são
privadas e 3 são estaduais; há o predomínio numérico das IES privadas em todas as regiões
do país; em 2003, dos 3.887.771 alunos matriculados 2.750.652 estavam nas instituições
privadas, ou seja, 70% do total de matrículas
116
estão na rede particular.
O Censo conclui que o sistema de educação superior brasileiro é um dos mais privatizados do
mundo.
Além desta forma de privatização (mais explícita), verificamos - como já exposto - um processo
de privatização interno, que vem crescendo aos poucos, por dentro das próprias universidades
públicas - é a chamada privatização branca, viabilizada principalmente pelas fundações de
"apoio" privadas que têm o papel de captação e distribuição de recursos nas universidades
públicas.
Num dos primeiros documentos lançados como base para a discussão da Reforma
Universitária
117
, no governo Lula, as fundações de "apoio" eram consideradas imprescindíveis
para o funcionamento autônomo das universidades federais, no entanto, a Associação dos
Docentes da USP- ADUSP contestou tal perspectiva e apresentou através de documento
118
113
ibidem
114
Censo da educação superior /2003 - Resumo Técnico realizado pelo INEP/MEC. Disponível no sítio: www.inep.gov.br.
Acesso em: 17.05.05.
115
"Interessante observar que, não obstante o acelerado processo de privatização da educação superior como um todo, no setor
público predomina a universidade como forma de organização acadêmica (38,2% do setor). As faculdades, escolas e
instituições representam 39,6% do setor público, seguidos pelos centros de educação tecnológica com 18,8%. As demais
formas de organização acadêmica somadas, representam 3,4%". Censo Educação Superior 2003, p.7
116
De acordo com o censo, nas universidades públicas entre, 2002 e 2003, houve um aumento de 69.563 matrículas.
117
Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho Interministerial em 2003: "Bases para o enfrentamento da crise emergencial
das universidades federais e roteiro para a reforma universitária brasileira".
118
"Fundações: uma opção privatizante para as Universidades" - Carta e documento enviados ao Ministro da Educação sobre
as fundações de apoio da USP, assinado pelo presidente da ADUSP - S. Sind, em 18/02/04. Os dados apresentados no
documento foram levantados a partir de investigação realizada pela Adusp, que vem, desde 2000, pesquisando com
profundidade a atividade das fundações. De acordo com o documento: as maiores fundações repassam para a USP,
individualmente, somente 5% ou menos de toda a receita que arrecadam anualmente. Na década de 1990, as verbas obtidas
junto aos órgãos públicos pelas fundações chegaram a representar até 80% da receita total de algumas das fundações. A maior
parte destes contratos não passou por licitação, como revela estudo do Tribunal de Contas da União (TCU); as fundações
apropriaram-se do símbolo da USP, utilizando-o como uma logomarca ao seu bel-prazer (...) e ocuparam prédios e instalações
da universidade, em vários casos permanentes; além de quebrar a isonomia salarial, as atividades privadas (cursos pagos,
77
alguns dados que possibilitam compreendermos o caráter das atividades desenvolvidas por tais
fundações.
De forma resumida, o documento conclui que as fundações de "apoio" usam a sigla das
universidades públicas para captar e transferir recursos públicos para organismos privados -
parcela substantiva das verbas capitadas pelas fundações ligadas à USP provém de órgãos
públicos federais, estaduais e municipais - e, ao contrário da perspectiva apresentada pelo
Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) do governo federal, estas fundações comprometem o
caráter público das universidades (ADUSP, 2001, Carta ao Ministro Tarso Genro).
Embora, no plano do discurso, o Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior
119
proponha o fortalecimento das universidades públicas e a expansão da rede pública de
instituições de educação superior, diversas medidas, já consolidadas de forma fragmentada,
através de leis, decretos e medidas provisórias - como o PROUNI, a Lei de Inovação
Tecnológica, o Projeto de Parceria Público-Privada, entre outras - caminham na direção de
corroborar o modelo neoliberal
120
.
Estas medidas, assim como o anteprojeto, devem ser analisadas inseridas num contexto mais
amplo, para que possamos compreender que características e especificidades assume o
"novo" tipo de intervenção (reformulação) do Estado, no campo da educação superior.
A partir de dois aspectos desta intervenção - quais sejam, "enxugamento" dos recursos
destinados aos gastos sociais e aumento de recursos destinados ao capital financeiro e ao
pagamento de juros e amortização da dívida pública - podemos observar a interferência da
política econômica neoliberal nas políticas de educação superior.
projetos de consultoria e outras) vêm induzindo modificações na graduação e na pós-graduação, afetando a grade curricular, o
programa de disciplinas e a relações entre docentes e alunos, bem como o objeto das pesquisas, que passou a ser determinado,
em larga escala, pelo "mercado"; os dados mais recentes, de 2001, enviados ao Grupo de Trabalho sobre Fundações instituído
pela Reitoria em 2003, indicam que na USP continua a ocorrer o fortalecimento econômico-financeiro das fundações de
"apoio", inclusive as menores, ou seja, a privatização expande-se. As 25 entidades que aceitaram enviar seus dados
movimentaram em 2001, computando-se a soma das suas receitas, R$ 457.814.558,14. Através de cursos pagos as três
fundações de "apoio" que atuam na Faculdade de Economia e Administração (USP) obtiveram uma receita conjunta (em 2001)
de R$ 112 milhões.
119
BRASIL, MEC. Anteprojeto de Lei de Reforma da Educação Superior. Dezembro/2004
120
A análise desta reforma feita pela ANDES- "Análise do GTPE/ANDES-SN do Anteprojeto da Lei de Educação Superior
do MEC, versão dezembro de 2004"- , permite termos uma idéia dos rumos da educação superior : "a Lei de Inovação
Tecnológica institucionaliza a mercantilização do conhecimento. Através desta lei o campo empresarial irá definir, de acordo
com seus interesses, o tipo de pesquisa e de conhecimentos que serão produzidos. Isso caracteriza uma inserção das Parcerias
Público-Privados (PPP) no âmbito da educação; o Prouni: consolida o eixo do fornecimento privado. Envolverá num futuro
próximo cerca de R$ 3 bilhões (por meio da completa isenção de impostos e contribuições) em troca de 120 mil bolsas. Com
estes recursos seria possível ter ensino noturno em todas as IFES, criando de imediato, 400 mil novas vagas e, em 3 a 4 anos
78
O governo federal, apesar do discurso de fortalecimento da educação superior pública, ao
manter e aprofundar a política neoliberal, inviabiliza a proposta que anuncia, na medida em que
coloca grande parte dos seus esforços para garantir os ganhos exorbitantes do capital
121
.
A reestruturação do Estado está vinculada a esta política, e as reformas em curso fazem parte
desta perspectiva. Desta forma, reafirmam e institucionalizam uma política educacional que,
nas últimas décadas, desmontou a educação pública superior, estreitando, mais ainda, as
portas desta educação para as camadas populares, aprofundando o processo de privatização
interno da universidade pública, mercantilizando cada vez mais o sentido da formação
universitária, aumentando a precarização das condições de ensino e pesquisa, enfim,
intensificando a inserção das universidades públicas na lógica do capital (Paula, 2002).
A Reforma Universitária proposta pelo atual governo insere-se no contexto do neoliberalismo,
iniciado nos anos 1990, levando ao aprofundamento da integração subordinada
122
do país ao
sistema imperialista mundial. O abandono do Estado em relação às instituições universitárias
públicas afeta a produção de conhecimento estratégico e inovador agravando a condição
subordinada do país.
3. A UFRJ no contexto do neoliberalismo
chegar a 1 milhão de matrículas. Cumpre o papel de operacionalizar as PPP na educação superior, diluindo a fronteira entre
o público e o privado".
121
O Brasil é o campeão mundial de juros reais (12,3% ao ano). NEVES, L.A., "Campeão mundial de juros e do câmbio
valorizado". Disponível em: acidadania.com.br, economia, 25/04/05. Em 20 anos já transferimos o total de R$1,2 trilhão ao
ciclo da financeirização, através do pagamento de juros de títulos públicos. POCHMANN, Márcio, "Plutocracia do capital
financeiro". Boletim Diário Carta Maior (agência de notícias) - Políticas Sociais, 27/4/2005. Disponível no sítio:
www.agenciacartamaior.uol.com.br; ano passado (2004), o superávit primário ficou em 4,61% ou R$ 1,65 bilhão a mais do
que os 4,5% do PIB prometidos pelo governo ao FMI. E em janeiro de 2005, o superávit primário, já bateu outro recorde
histórico, R$ 11.373 bilhões."Superávit Primário atinge recorde histórico de R$ 11.373 bi em janeiro" e, Ana Paula Ribeiro,
Folha Online, 28/02/05. Disponível em: tools.folha.com.br. Observação: Para atingir esta meta o governo federal anunciou
corte de R$ 15.9 bilhões em despesas previstas no orçamento de 2005; o governo Lula/PT registrou o maior gasto com juros
desde a implementação do Real (1994). Em 2003 as despesas com juros somaram 145,2 bilhões. Reinaldo Gonçalves,
professor de economia da UFRJ, em recente estudo sobre a relação entre os juros e os salários no Brasil, no período de 1883 a
2003, aponta o governo Lula como o responsável pela maior transferência de renda dos trabalhadores para os rentistas desde o
governo Figueiredo - entrevista concedida para o Correio da Cidadania, disponível no sítio:cidadania.com.br, Acesso em:
20.05.04.
122
"Integração subordinada, onde o imperialismo está qualitativamente mais presente na estrutura econômica. Presente com
maior peso em setores determinantes, como o setor financeiro. A grande burguesia brasileira aumentou o seu grau de
subordinação não só no setor financeiro, como também no setor produtivo e, principalmente, na definição da direção da
intervenção estatal'. Boletim Centro Cultural Antônio Carlos Carvalho - CeCAC, Ano XI, no. 1, março-abril/2005. Disponível
no sítio:
www.cecac.org.br
. Acesso em 11/05/05.
79
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é a maior instituição federal de educação
superior, no que se refere ao número de estudantes de graduação e uma das três melhores
universidades em pesquisa e extensão do Brasil
123
.
Através da análise de diversos documentos, entre eles: jornais da UFRJ, da Associação de
Docentes (ADUFRJ)
124
, do Sindicato de Trabalhadores em Educação (SINTUFRJ), da
Associação de Pós - Graduandos (APG- UFRJ)
125
, do Diretório Central dos Estudantes Mário
Prata, de panfletos de alguns Centros Acadêmicos da UFRJ, do site da UFRJ, além de
matérias de alguns jornais - buscamos desenhar um panorama geral das condições da UFRJ,
analisar os impactos do neoliberalismo e as conseqüências desta política para a vida da
comunidade, no que diz respeito às condições de ensino, de estudo, de pesquisa, de trabalho,
de extensão e de atendimento à população e, ao mesmo tempo, identificar as tendências e
alternativas que emergem neste cenário.
A UFRJ
126
foi fundada em 7 de setembro de 1920 sob a denominação de Universidade do Rio
de Janeiro, através da união da Faculdade de Medicina - antiga Academia de Medicina e
Cirurgia
127
, da Escola Politécnica
128
e da Faculdade de Direito.
Em 1937
129
, a UFRJ passou por uma reestruturação. O governo de Getúlio Vargas doou-lhe o
complexo arquitetônico do extinto Hospital Pedro II (atual Palácio Universitário), localizado na
Praia Vermelha, no qual foram instalados, após reformas, a Faculdade de Arquitetura, a Escola
de Educação Física, a Biblioteca Central e a Reitoria. Neste momento, a UFRJ foi reorganizada
e recebeu a denominação de Universidade do Brasil (UB).
Esta reestruturação, no entanto, não conseguiu unificar todas as unidades em um campus
único
130
. Essa proposta, que já vinha sendo discutida desde 1930, só começou a ser efetivada
em 1948, momento em que se iniciou uma série de estudos para decidir o local mais adequado
123
Das IFES, a UFRJ é a que oferece o maior número de programas de pós-graduação, só ficando atrás a USP e da UNESP.
"Excelência na pós-graduação". Jornal SINTUFRJ, no 678, 8 a 14/08/2005, p.9.
124
Criada em 1979.
125
Criada nos anos 80
126
As informações para a construção deste pequeno histórico da UFRJ constam na página da universidade:
www.ufrj.br/institucional
127
Criada em 1808 por D. João VI.
128
Continuação da Escola Central de Estudos Científicos de Engenharia, criada em 1811.
129
Neste período a UFRJ já abrigava em seu interior as Faculdades de Farmácia e Odontologia, incorporadas desde 1925, e
outras unidades como a Escola Nacional de Belas Artes e a Faculdade Nacional de Filosofia.
130
As Escolas que deram origem à UFRJ continuavam instaladas nos seus prédios, fora do Complexo da Praia Vermelha:
Faculdade Nacional de Medicina, na Av. Pasteur, Faculdade Nacional de Direito, no Campo de Santana e; a Escola
Politécnica, no Largo do São Francisco. JAHARA,Joana. Formando cidadãos e gerando saber: UFRJ: 85 anos. Jornal da UFRJ,
Ano II, n.8 - setembro/2005, p. 18.
80
para a instalação das unidades da Universidade do Brasil. Em 1954, iniciaram-se as obras de
construção de sua Cidade Universitária, em um espaço de 4,8 milhões de metros quadrados,
na Ilha do Governador
131
.
De acordo com dados do site da URFJ, atualmente a Cidade Universitária possui um conjunto
de edificações que congrega 60 unidades acadêmicas e instituições afins conveniadas, além
de setores técnicos, esportivos e administrativos, por onde circulam diariamente cerca de 60
mil pessoas. Abriga ainda, através de convênios de cessão de uso de áreas, o Instituto de
Engenharia Nuclear da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), o Centro de Pesquisa
e Desenvolvimento da Petrobrás (CENPES), o Centro de Pesquisa da Eletrobrás (CEPEL) e o
Centro de Tecnologia Mineral (CETEM).
O território desta universidade chega a 6.237.660 metros quadrados, distribuídos nas seguintes
localidades: Fundação Pró-Memória e um prédio cedido ao Ministério de Relações Exteriores
(na Praça da República); Escola de Enfermagem (Estácio); Faculdade de Direito (Centro),
Maternidade Escola (Laranjeiras); Campus da Praia Vermelha e Canecão (Botafogo); Hospital
Escola São Francisco de Assis (Presidente Vargas); Prédio cedido ao município em troca da
área ocupada pelo Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp) na Lagoa (Centro)
132
; IFCS (Centro);
terrenos vazio na Av. Chile, na Av. Mem de Sá e em Arraial do Cabo; Escola de Música
(Centro); reserva biológica (Santa Teresa); loteamento em Itaguaí; terreno para pesquisa
(Jacarepaguá); Observatório Nacional (Centro), Museu Nacional (São Cristovão) e Cidade
Universitária (Ilha do Governador)
133
, Núcleo de Pesquisas Ecológicas de Macaé (NUPEM).
Além da Cidade Universitária, a UFRJ mantém atividades no campus da Praia Vermelha e nas
unidades citadas, assim como, em oito hospitais universitários e na Casa da Ciência.
Em 2005, a UFRJ possuía 36.174 estudantes
134
de graduação e quase 10.000 estudantes de
pós-graduação
135
distribuídos, respectivamente, em 164 cursos e 84 programas de pós-
131
"Optou-se por situar a cidade universitária em uma ilha artificial na baía de Guanabara, no Estuário de Manguinhos, na
Enseada de Inhaúma - formada pelos rios Jacaré, Farias e Timbó. Assim, no período de 1949 a 1952, nove ilhas (Cabras,
Pindaí do Ferreira, Pindaí do França, Catlão, Bom Jesus, Pinheiro e Ssapucaia) foram interligadas, (...) para abrigar a Cidade
Universitária.(...) O campus foi projetado para uma população inicial de 25 mil pessoas, que poderia chegar a 40 mil, entre
alunos, professores, funcionários e pacientes do Hospital Universitário, havendo a previsão de habitação para 10 mil alunos e
300 famílias de professores". A cidade universitária foi inaugurada em 1972 - disponível em:
http://www.ufrj.br/institucional/ahistoria/home.php
. acesso em 12/04/2006
132
em permuta pela utilização do espaço da Prefeitura, a UFRJ cedeu aquela, um terreno na Rua Luís de Camões.no. 68, no
Centro da Cidade. (PDI)
133
De acordo com o artigo do jornal O GLOBO, "UFRJ negocia parte de seu latifúndio para tentar superar crise financeira -
Universidade quer arrecadar R$ 16 milhões por ano com áreas ociosas", Ruben Berta, 3/12/2002, 2
ª
edição.
134
De acordo com a Divisão de Registro de Estudantes (DRE-UFRJ)
81
graduação stricto sensu ( 87 cursos de mestrado e 72 de doutorado). O quadro de docentes
conta atualmente com 2.954 professores e, possui ainda, 8.318 técnicos-administrativos
136
.
A universidade abriga em seu interior centenas de laboratórios de pesquisa, só no Centro de
Ciências da Saúde (CCS) são 300 laboratórios; possui 43 bibliotecas, com um acervo total de
4 milhões e 500 mil itens (entre livros, periódicos, monografias, teses e outros)
137
; possui 8
hospitais
138
- que juntos oferecem aproximadamente 1.000 leitos. Entre eles, o Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho - HUCFF, que administra diariamente 1.200 consultas,
entre 1.300/1.500 exames complementares e 50 cirurgias, além de ser especializado em
tratamento e cirurgias de alta complexidade, entre as quais se destacam os transplantes, as
neurocirurgias e as cirurgias ortopédicas
139
e o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão
Gesteiro - IPPMG, que é um centro de referência no atendimento materno-infantil, tem
enfermarias, ambulatórios e emergência clínica, trata de pacientes com doenças graves, como
Aids e outras. Uma média de 1.500 mulheres são atendidas a cada dois dias - gestantes fazem
pré-natal, entre elas, as gestantes de alto risco- como as portadoras do vírus HIV. O Instituto
também é um centro de referência no tratamento do câncer infantil, onde por dia são atendidas
cerca de 150 crianças (na emergência) e 150 doentes no ambulatório
140
,
141
.
A Universidade conta ainda, desde 1986, com uma Farmácia Universitária, na qual são
atendidas cerca de 300 pessoas por dia, recebendo orientações acerca do uso de
medicamentos, além de informações sobre efeitos colaterais, reações adversas e cuidados
com a conservação dos medicamentos.
A UFRJ, assim como as demais instituições públicas de educação superior, desenvolve uma
série de atividades que ultrapassam os seus muros e não se restringem ao universo de seus
estudantes. Estas instituições públicas:
135
Segundo a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa em: Informações Básicas para o aluno de pós-graduação, 2005.
136
Segundo Plano de Desenvolvimento Institucional- PDI da UFRJ, Série Debates, Março/2006.
137
Conforme informações prestadas por Paula Mello, diretora do órgão responsável pelas bibliotecas da UFRJ, em matéria do
Jornal do SINUFRJ, no. 622, 21 a 27/06/2004.
138
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - HUCFF, Hospital Escola São Francisco de Assis - HESFA, Instituto de
Ginecologia, Instituto de Neurologia Deolindo Couto - INDC, Instituto de Psiquiatria - IPUB, Instituto de Puericultura e
Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG, Instituto de Doenças do Tórax - IDT e Maternidade Escola.
139
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no 484, "Novo diretor do hospital do Fundão se elege com ampla maioria de votos", p.5
140
Segundo dados apresentados em matéria do Jornal do SINTUFRJ, Ano XIX, no 628, 2 a 8/08/04, "Funcionários aderem ao
movimento num instituto onde falta verba para tudo - IPPMG dá exemplo".
141
Jornal do SINTUFRJ, no. 668, 30/05 a 3/06/05, "Esgoto expõe dificuldades do IPPMG - encanamento com mais de 50 anos
de uso e falta de manutenção são as causas do problema", p. 7.
82
são responsáveis pela produção de mais de 90% da pesquisa científica nacional,
oferecem cursos nas diversas áreas do conhecimentos, possuem colégios de aplicação
atuantes na educação fundamental e no ensino médio, abrigam escolas técnicas e
colégios agrícolas, têm campi no interior dos Estados e gerenciam hospitais universitários,
que desenvolvem atividades muito além das atribuições dos hospitais-escolas, chegando
a substituir o sistema público de saúde em certos momentos. Também contam com
outorgas para colocar no ar as rádios e televisões educativas, abrigam orquestras,
museus, teatros e bibliotecas comunitárias, oferecem cursos de línguas estrangeiras e pré-
escola musical à população em geral, prestam serviços jurídicos à população de baixos
rendimentos, orientam e ministram cursos a agricultores e produtores rurais e colaboram
com ações governamentais relacionadas à saúde da população (...)abrigam laboratórios
para análise de qualidade de alimentos, de medicamentos, de solos e de controle de
endemias humanas e animais, qualificam professores das redes municipais e estaduais e
mantêm observatórios astronômicos, planetários, estações ecológicas, centros esportivos
(...) (Amaral , 2003, pp. 149/150).
3. Orçamento
A situação em que se encontra a UFRJ atualmente, apesar de suas especificidades, não difere
do conjunto das demais IFES.
De acordo com estudo de Amaral (2003):
Recursos da UFRJ como percentual do PIB, das Despesas Correntes do FPF e
da arrecadação de impostos da União
(Valores em R$ milhões, a preços de janeiro/2003 (IGP-DI/FGV)
UFRJ
Ano PIB Despesas
correntes do
FPF
Impostos
Recursos % PIB %FPF %
Impostos
1989 1.408.403 240.014 109.378 1.322 0,09 0,55 1,2
1990 1.409.181 229.929 119.886 998 0.07 0,43 0,8
1991 1.432.250 167.124 94.166 757 0,05 0,45 0,8
1992 1.395.684 184.753 56.889 691 0,05 0,37 1,2
1993 1.393.080 237.329 104.337 906 0,07 0,38 0,9
1994
1.376.560 229.352
139.352
1.085 0,08 0,47
0,8
1995 1.521.148 262.071 119.719 1.255 0,08 0,48 1,0
1996 1.650.403 270.722 119.806 1.114 0,07 0,41 0,9
1997 1.709.762 277.633 122.698 1.050 0,06 0,38 0,9
1998 1.727.901
305.880 136.897 1.015 0,06 0,33
0,7
1999
1.653.497
316.517
137.663 1.043 0,06
0,33
0,8
200 1.643.493 296.127 125.560 942 0,06 0,32 0,8
2001 1.622.804 316.275 131.517 887 0,05 0,28 0,7
2002 1.574.396 316.320 126.473 915 0,06 0,29 0,7
83
A comparação entre 1989 e 2002 mostra que houve, aumento do PIB, aumento das despesas
correntes do Fundo Público Federal (FPF)
142
, e um aumento da arrecadação de impostos,
entretanto, estes crescimentos não se reverteram em aumento de recursos destinados à UFRJ,
no período, ao contrário, os recursos destinados a esta universidade caíram. A participação da
UFRJ em relação ao PIB, ao FPF e aos impostos, apesar destes terem aumentado, caiu.
Mesmo no ano de 1994, onde houve pico de arrecadação de impostos, considerando o período
analisado, verificamos que não houve a recuperação da participação da UFRJ (em relação a
1989) em termos de recursos, em relação à percentagem de impostos, como ainda manteve-se
a tendência à queda no financiamento estatal desta instituição.
O mesmo ocorre se compararmos o pico de despesas correntes do FPF (1999) e o pico do
PIB (1998) com a percentagem destes valores destinados à UFRJ.
Em todos estes casos, é possível percebermos que houve uma queda significativa dos
recursos destinados a esta universidade, o que acabou levando, conseqüentemente, à redução
do financiamento federal para investimentos e manutenção da instituição, conforme podemos
verificar na tabela abaixo:
Recursos de investimentos e efetiva manutenção da UFRJ, excluindo-se os recursos próprios (1990-
2002). Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2003 (IGP-DI/FGV)
143
Ano Investimentos
144
Efetiva Manutenção
145
1990 20,9 90
1991 9,9 66
1992 11,4 71
1993 10,3 79
1994 8,8 90
1995 13,9 51
1996 16,9 56
1997 3,2 53
1998 0,6 47
1999 1,4 52
2000 1,3 40
2001 0,1 36
2002 1,7 43
Fonte: Execução orçamentária apurada pela STN, de 1990 a 1994
142
O financiamento das IFES se dá por meio do Fundo Público Federal: este, reúne os recursos financeiros arrecadados da
população mediante os tributos - impostos, taxas e contribuições (Amaral, 2003)
143
Apud Amaral (2003)
144
De acordo com o Documento do GTI "há muito as universidades federais deixaram de contar com um programa específico
para recuperação predial e aquisição de equipamentos para seus laboratórios e bibliografia para o ensino de graduação. Essa
situação tem provocado o fechamento de laboratórios, desabamentos de prédios e degradação de instalações que, em alguns
casos, deixam as universidades federais em clara aparência de penúria" (1.6 Investimentos)
145
são os recursos de outras despesas correntes, extraídos os salários indiretos e o pagamento de professores substituto e o de
médicos residentes (Amaral, 2003).
84
e Execução Orçamentária da União de 1995 a 2002 - http://www.camara.gov.br
.
Ao analisarmos o orçamento da UFRJ ao longo dos anos, percebemos algumas variações
orçamentárias, todavia é possível verificar que, na totalidade, a queda dos recursos é um
aspecto que predomina.
Recentemente, a Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento da UFRJ (PR-3) divulgou a
"Evolução do orçamento aprovado (LOA)/Executado - UFRJ":
Orçamento UFRJ
Recursos do Tesouro Nacional e Receitas Próprias
(2000/2006*)
146
Ano Aprovado
147
Executado IGPM (%)
2000 32.551.069 39.735.121 9,95
2001 35.053.465 41.932.247 10,37
2002 41.068.759 52.473.096 25,30
2003 42.067.911 63.790.354 8,69
2004 52.998.232 74.380.724 12,42
2005 69.487.294 80.007.527 0,80**
Fonte: Pró- Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (PR-3)/ UFRJ/ * previsão/ ** até outubro
Os dados apresentados nesta tabela revelam que houve um crescimento dos recursos nos
últimos anos, entretanto, isto não nos permite afirmar que há uma tendência à reversão do
quadro orçamentário, uma vez que não se constitui como um significativo reajuste diante das
perdas orçamentárias
148
.
Este quadro agrava-se e torna o crescimento de recursos (dos últimos anos) insuficientes, se
levarmos em conta o aumento do número de estudantes
149
, a redução do quadro de docentes
e técnicos-administrativos, os déficits constantes, o grau de degradação em que se encontra a
universidade e o número de problemas que se acumularam ao longo dos anos. Os valores
relativos (referentes a 1989, por exemplo) não foram recuperados, o que tem dificultado a
universidade de dar conta de seus custos básicos de manutenção e não tem permitido mudar o
quadro geral de suas condições.
146
Tabela apresentada em Jornal do SINTUFRJ, ano IXI, 14 a 20/11/2005, "Proposta de orçamento projeto déficit para 2006",
p. 5
147
Recursos do Tesouro Nacional e Receitas Próprias
148
Há 10 anos as IFES estão sem reajuste no orçamento. "Orçamento 2005 - Federais pedem mais R$ 250 milhões",
18/11/2004.
http://www.folhadirigida.com.br/script/Fdg... acesso em 25/11/2004
149
De acordo com Joel Teodósio, pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFRJ, nos últimos 20 anos o número de
estudantes aumentou cerca de 20%. Folha on-line, 14/11/2003, "Prédios da UFRJ podem desabar". Fabiana Cimieri
85
Este aspecto merece um estudo mais aprofundado, no entanto, em nossa análise não
percebemos, no geral, elementos que indiquem a melhora das condições orçamentárias da
instituição.
A reitoria da UFRJ tem chamado atenção para a diferença entre o orçamento aprovado eo
orçamento executado, e o decorrente e constante déficit orçamentário. De acordo com o
material que tivemos acesso, as declarações em torno do tema são freqüentes e se repetem a
cada ano.
Em 2003, a UFRJ fechou o ano com déficit de R$ 20 milhões, que acumulado com o que restou
de 2002 - R$ 21 milhões, somou R$ 41 milhões
150
. Segundo Aloísio Teixeira - Reitor da UFRJ,
em 2004, as despesas de custeio da universidade eram de, pelo menos, R$ 150 milhões
"despesa que a universidade tem e não temos dinheiro (...)
151
." Sobre o orçamento de 2004,
Sylvia Vargas - Vice Reitora da UFRJ, afirmou
152
: "os recursos que recebemos não cobrem
nossos gastos com custeio e manutenção, sem nenhuma sombra de dúvida. E isso vai
acontecer mesmo com o aumento prometido pelo MEC para o ano que vem".
Diante da previsão orçamentária para 2005, que girava em torno de R$ 77 milhões
153
(R$ 52
milhões do Tesouro e R$ 25 milhões da Secretaria de Educação Superior- SESU), Joel
Teodósio, Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFRJ (PR-3) declarou que,
apesar do salto significativo, a receita prevista para este ano só daria para satisfazer as
necessidades mínimas de custeio e capital da universidade, sem qualquer investimento, "na
realidade precisaríamos de R$ 167 milhões para recuperar e manter a infra-estrutura em boas
condições de funcionamento"
154
.
A UFRJ decidiu que R$ 16 milhões, dos R$ 25 milhões provenientes da SESU, seriam
distribuídos entre as unidades através de uma proposta de orçamento descentralizado. Para
tanto, a PR-3 solicitou que todas as unidades fizessem um levantamento dos itens relativos a
custeio e capital, como material de consumo, material permanente e serviços terceirizados. Os
150
Segundo dados apresentados no Jornal do SINTUFRJ, ano XIX, no. 604, 9 a 15/05/2004, "Sem dinheiro: a UFRJ fechou
2003 com déficit de R$ 20 milhões - colapso financeiro", p.5.
151
"A Andifes não pode se tornar uma agência regulatória". Entrevista de Aloísio Teixeira no Jornal da ADUFRJ, ano IX, no.
147, 3/08/04.
152
Folha Dirigida. Universidades - "Recursos não cobrem gastos". http://www.folhadirigida.com.br/script/Fdg..., acesso em
24/11/2004.
153
Jornal da UFRJ, ano I, no.3, dezembro/2004, "Somando idéias para dividir o bolo - orçamento descentralizado recupera
papel das unidades no planejamento estratégico da UFRJ", Coryntho Baldez, p. 7.
154
Jornal da UFRJ, ano I, no.3, dezembro/2004, "Somando idéias para dividir o bolo - orçamento descentralizado recupera
papel das unidades no planejamento estratégico da UFRJ", Coryntho Baldez, p. 7.
86
valores somados de todas as unidades chegaram a R$ 59 milhões
155
. No entanto, as verbas
que a SESU pretendia repassar para as IFES caíram de R$ 86 milhões para R$ 51 milhões, e
o montante inicialmente previsto para a UFRJ também foi reduzido, de R$ 25 milhões para R$
15 milhões, o que também acabou acarretando a redução dos recursos para as unidades da
UFRJ, via gestão descentralizada, de R$ 16 milhões para R$ 9,6 milhões
156
. Diante deste
quadro, em setembro de 2005, a UFRJ já acumulava um déficit de R$ 15 milhões
157
.
Ao apresentar a proposta orçamentária de 2006 aos membros do Conselho Superior de
Coordenação Executiva, a reitoria já apresentava um indicativo de déficit, uma vez que apesar
do aumento de recursos de custeio de financiamento para R$ 55,5 milhões (R$ 54,9 milhões do
Tesouro e RS 580 mil de receitas próprias), a UFRJ precisaria de R$ 64,9 milhões
158
.
Em recente entrevista, Aloísio Teixeira considerou a questão dos recursos extremamente
complicada e, mesmo classificando o orçamento previsto para 2006 como um avanço, se
considerando-se os anos anteriores, afirmou que a UFRJ precisaria ainda de R$ 30 milhões
apenas para conservar e manter a universidade, sem pensar em grandes investimentos
159
.
Segundo Joel Teodósio, a UFRJ não conseguirá atender a demanda dos centros e dos
hospitais, que gira em torno de R$ 278 milhões
160
.
Em relação aos limites orçamentários anunciados pelo governo para 2006, Aloísio Teixeira
ressaltou que:
quando olhamos os números apontados pela equipe econômica para as universidades
federais, vimos claramente que não houve, na prática, nenhum crescimento no orçamento
e que vamos enfrentar sérios problemas (...) Temos sido submetidos, desde os anos 90
até o início da nossa década, a uma política educacional equivocada, que reduziu os
orçamentos das universidades e criou imensas dificuldades à manutenção da qualidade
155
Jornal da UFRJ, ano I, no.3, dezembro/2004. "Somando idéias para dividir o bolo - orçamento descentralizado recupera
papel das unidades no planejamento estratégico da UFRJ", Coryntho Baldez, p. 7.
156
Jornal da UFRJ, ano II, no.6, julho/2005. "Consuni aprova mudança no orçamento - recursos destinados à gestão
descentralizada pelas unidades foram distribuídos de forma proporcional", Coryntho Baldez, p. 16
157
Jornal do SINTUFRJ, ano XIX, no. 681, 29/08 a 04/09 de 2005, "Bandejão: pouca verba - reitor não esconde preocupação",
p.12
158
Jornal do SINTUFRJ, ano XIX, no. 692, 14 a 20/11/2005, "Proposta de orçamento projeta déficit para 2006", p.5
159
Folha Dirigida on-line: Universidades "UFRJ: reitor quer mais 2 mil funcionários para a universidade", 06/03/2006. Acesso
em 10/03/06
160
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 482, 29/11/2005, "Reitoria apresenta proposta orçamentária para 2006. Pró-reitor afirma
que obras do bandejão devem começar em abril", p.7
87
em que nós desenvolvemos nossas ações. No momento, nós operamos um verdadeiro
milagre
161
.
E ao analisar
162
a previsão de déficit orçamentário - de R$ 81,77 milhões das cinco instituições
federais de ensino superior do Rio de Janeiro - apenas com despesas de custeio, em 2006
163
,
declarou:
parece que não querem que mude esse quadro. Infelizmente sou economista: no fundo,
está se pretendendo aumentar o superávit, o que inviabiliza qualquer expansão na
educação ou em qualquer área carente de investimento público. Com isso não podemos
nos acomodar.
A UFRJ prevê, para o ano de 2006, uma insuficiência orçamentária de R$ 41 milhões
164
.
3.2 Condições de infra-estrutura
Tendo em conta as questões levantadas acima, procuramos analisar as condições da
universidade diante de seu quadro orçamentário. Apresentamos abaixo o levantamento de
alguns dados e situações que nos permitem ter uma idéia do que a redução dos recursos tem
significado efetivamente na vida da universidade.
Ano 2002:
UFRJ: no dia 5 de agosto, a Light cortou a luz da universidade por atraso no
pagamento.
165
IFCS: a biblioteca foi fechada em 3 de setembro, em função de uma grave
contaminação por fungos
166
, causando problemas de saúde em alguns de seus funcionários.
161
Matéria Universidades em ação. Raphael Ferreira
162
Em matéria "Reitores criticam falta de investimento na Educação". Tribuna da Imprensa on-line.
www.tribunadaimprensa.com.br
, 23/08/05. Acesso em 23/08/2005
163
De acordo com matéria da Tribuna da Imprensa on-line: "Reitores criticam falta de investimentos na Educação",
23/08/2005, o déficit previsto é mais que o dobro do déficit global das cinco instituições (UFRJ, UFF, UFRRJ, Uni-Rio e
CEFET-RJ) em 2005, que foi de R$ 35 milhões.
www.tribunadaimprensa.com.br, acesso em 23/08/2005
164
Valor aproximado. Matéria Universidades em ação. Raphael Ferreira
165
Jornal do SINTUFRJ, AnoXIX, no. 604, 9 a 15/02/04 "Cronograma do caos", p. 6
166
idem
88
Detectou-se a presença de resíduos de roedores e a falta de manutenção adequada do
acervo.
Hospital Universitário: cancelamento de cirurgias - redução em 25%, redução de
internações, falta de medicamentos e materiais. O Conselho Administrativo do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) aprovou a redução de 30 leitos em diversos
setores, como na Unidade Coronariana e no CTI da unidade cardíaca, e o fechamento de
um posto, acarretando perda de 14 leitos cirúrgicos e houve corte de 400 horas de trabalho
semanais através de Programa de Produtividade.
167
Ano 2003:
Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC) - ficou completamente alagado,
devido às fortes chuvas. Vários computadores e documentos foram perdidos e o prédio ficou
com risco imediato de desabamento.
168
Instituto de Matemática - inundação
169
. Cinco mil livros da biblioteca deste instituto
foram atingidos pela chuva, devido a estragos no telhado.
170
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG): a emergência do
IPPMG foi fechada e seus pacientes foram transferidos para outras unidades, em novembro,
por problemas na rede de esgoto
171
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) - falência das instalações elétricas e
falta de condições para o combate de eventuais incêndios
172
. Durante este ano, houve cinco
focos de incêndio
173
Instituto de Macromoléculas: as colunas do Instituto estão com as ferragens
expostas, com avançada deterioração e risco real de queda. O prédio também sofre com
infiltrações e alguns equipamentos foram danificados, devido às goteiras.
174
Ano 2004:
Sistema de Biblioteca e de Informações (SIBI) - falta de aquisição de material
bibliográfico devido ao não repasse de verbas pelo governo federal desde 1998. Desde 2000
a universidade não assina um periódico estrangeiro em papel
175
. Alagamento, infiltrações e
167
Jornal O Globo, "Hospitais universitários do Rio ameaçados", Daniel Engelbrecht, 16/11/2002
168
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no. 117, 17/11/03, "Risco de Desabamento no NESC", 17/11/03
169
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no. 121, 15/12/03 "Estudantes mobilizam-se contra a reforma universitária" p.10
170
Jornal do SINTUFRJ, AnoXIX, no. 604, 9 a 15/02/04 "Cronograma do caos", p. 6
171
idem
172
idem
173
Jornal do SINUFRJ, Ano XIX, no. 615, 3 a 9/05/2004 "Estudantes ocupam Conselho Universitário em busca de solução
para UFRJ", p.3
174
Jornal do SINUFRJ, Ano VIII, no. 588, 13 a 19/10/03 "Excelência em apuros - infra-estrutura: ferragens expostas na
colunas comprometem prédio do IMA", p.11
175
Jornal da UFRJ, ano I, setembro/2004, "SIBI: projetos em ação", p.11 - Geralda Alves.
89
vazamentos são alguns dos problemas que afetam as bibliotecas da UFRJ, que derivam da
falta de manutenção dos prédios ao longo dos últimos 20 anos.
176
Centro de Tecnologia (CT): freezer do Departamento de Química Inorgânica
pegou
fogo
Escola de Música: instrumentos estão em péssimas condições. No mês de
setembro, o lustre do salão principal despencou e a insalubridade inutiliza o 1
º
andar
177
Colégio de Aplicação: problemas de infiltração, falta de sede própria, quadro de
funcionários incompleto e faltam recursos para alimentação dos estudantes
178
.
IFCS - 2 anos de fechamento da biblioteca. Os funcionários tiveram que colocar
toldos para proteger os livros do acervo da biblioteca fechada, pela precariedade física do
prédio do IFCS.
179
Escola de Belas Artes (EBA) - inundação do prédio da Reitoria afetou obras raras da
biblioteca da Escola de Belas Artes
180
. Livros e revistas de artes do início do século XX
foram danificados. Luminária de ferro enferrujada desabou ao lado de um professor.
181
Hospital Universitário (Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - HUCFF):
está com problemas de cobertura e sem as esquadrarias das janelas, sujeito a inundações
que comprometem a sua infra-estrutura.
182
Pró- Reitoria de Extensão: curto circuito no aparelho de ar condicionado da sala da
Pró - Reitoria -5 destruiu duas salas, equipamentos e mobiliário, ocasionando a perda da
melhor rede de computadores da UFRJ.
183
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteiro (IPPMG): das 6
enfermarias, duas estão fechadas, à espera de obras. O problema foi causado pela
infiltração da rede de esgoto em quase todo o prédio. A falta de profissionais é outro
problema grave, para algumas especialidades o Instituto só conta com um médico.
184
Ano 2005:
176
De acordo com informações de Paula Mello, diretora do SIBI, em matéria do jornal do SINTUFRJ, no. 622, 21 a 27/06/04,
"Não estamos parados".
177
Jornal da UFRJ, Ano I, no.3, dezembro/2004, "Por uma universidade melhor", Liana Fernandes e Lucas Bonates, p.11.
178
idem, "Entre os melhores do Brasil", Liana Fernandes e Lucas Bonaes, p.13.
179
Jornal SINTUFRJ, ano XIX, no. 614, 26/04 a 02/05/04, "IFCS: prefeitura não libera dinheiro", p.
180
idem
181
Jornal da ADUFRJ, no. 458, "Estudantes da EBA ocupam salão da reitoria - luminárias desabando e ratos no Pamplonão
são comuns na Escola", 30/05/05, p.5.
182
Jornal do SINTUFRJ, Ano XIX, no. 604, 9 a 15/5/04, "Sem dinheiro: a UFRJ fechou 2003 com um déficit de R$ 20
milhões- Colapso Financeiro", p.5
183
Jornal do SINTUFRJ, ano XIX, no. 618, 24 a 30/05/2004, "Fogo na Pró-reitoria de Extensão", p.11
184
Jornal do SINTUFRJ, Ano XIX, no 628, 2 a 8/08/04, "Funcionários aderem ao movimento num instituto onde falta verba
para tudo - IPPMG dá exemplo".
90
Faculdade de Direito: o espaço físico da faculdade está muito deteriorado. Em
alguns casos, há salas com cerca de 140 estudantes em uma turma. O número de
funcionários é insuficiente e o número de professores substitutos é maior do que os
efetivos
185
. 50 disciplinas estavam sem professores. As salas não possuem isolamento
acústico e faltam cadeiras
186
.
Colégio de Aplicação: a chuva ocasionou infiltração nas paredes de algumas salas
de aula. Goteiras vazavam pelo teto através da rede de eletricidade dos ventiladores e das
lâmpadas. Muitas paredes estão cobertas por mofo, quadros negros danificados e o reboco
de tinta do teto de algumas salas de aula está desfazendo e caindo
187
. Em maio, um
temporal inundou a biblioteca do Colégio e uma das lonas que cobriam emergencialmente o
prédio foi arrancada com o vendaval e forte chuva.
188
Alojamento: constante falta de luz e de água, carência no fornecimento das
refeições, elevado índice de contaminação dos alimentos oferecidos no café da manhã e da
tarde e infestações de ratos, baratas, lacraias e mosquitos em todos os compartimentos
189
.
Creche: as paredes estão mofadas e encharcadas, as instalações físicas estão em
estado crítico, inúmeras infiltrações provocam a queda de alguns rebocos. O
comprometimento das paredes e a possibilidade de curto-circuito representam um risco
constante, várias salas foram inutilizadas, devido à insalubridade
190
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG): vazamento de
esgoto atingiu dependências do IPPMG e trouxe transtornos para as crianças e
educadores
191
. As salas de atendimento às gestantes de risco foram inundadas, as
atividades do bloco, onde estão instaladas os mais de 20 consultórios materno-infantil, foram
suspensas. Uma parte da parede caiu, deixando à mostra os canos enferrujados
responsáveis pelas infiltrações
192
.
Escola de Belas Artes: o espaço utilizado como atellier funciona em um ginásio
adaptado, conhecido com Pamplonão, que estala e alaga quando chove, comprometendo o
trabalho dos estudantes. Tem permanentes goteiras geradas pelas chuvas, que dissolvidas
com bicarbonato de cálcio das obras, criam estalactites e estalgmites (cristais) no teto e no
185
Jornal da UFRJ, Ano II, no. 5, junho/2005, "Faculdade de Direito vive tempos de mudança", Fernando Pedro Lopes, p.14.
186
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no 181, "Direção temporária assume Faculdade de Direito - recuperação da grade de
disciplinas, melhorias nas instalações e recomposição dos representantes de departamento e na congregação são medidas
emergenciais" p.3
187
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no 173, 21/02/05'"Colégio de Aplicação enfrenta sérios problemas de infiltração - professores
e alunos terão que conviver com ambiente insalubre neste início de semestre", p.8.
188
idem, Ano IX, no 458, "Colégio de Aplicação poderá ter sede própria - no dia do aniversário do Cap, dirigentes e alunos
cobram melhor estrutura", p.4
189
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no. 174, "Estudantes reclamam de alojamento", p.3.
190
idem, "Infiltrações prejudicam funcionamento da creche universitária - rachaduras na parede e queda de rebocos levam
diretora a interditar a entrado do estabelecimento", p. 8
191
idem, "Vazamento no IPPMG compromete atividades da creche universitária" p.4
192
Jornal do SINTUFRJ, ano XIX, no. 668, 30/05 a 3/06/05, "Esgoto transborda no IPPMG".
91
piso do ginásio. Ratos também são comuns
193
.Parte do teto desabou e as constantes
inundações destruíram trabalhos de um semestre inteiro.
194
Hospital Universitário (Hospital Universitário Clementino Fraga Filho): acúmulo
de dívida em torno de R$ 7 milhões. Os serviços de abastecimento estão afetados,
principalmente na assistência, até o investimento em ensino e pesquisa
195
Centro de Letras e Artes (CLA): os banheiros estão interditados - os canos
estouraram, os tetos estão sob ameaça de desabamento, as salas estão úmidas e mofadas.
Há 7 meses, o ar condicionado central está quebrado, falta material de escritório e até papel
higiênico, uma parte dos revestimentos de gesso dos tetos da Seção de Pessoal desabou e
o restante ameaça cair e no Protocolo o mofo se espalhou pela sala toda.
196
Professores e técnicos-administrativos [perdas salariais, perda de direitos,
déficit de pessoal]: o governo federal , em 1994, retirou a data base dos servidores
públicos federais. Desde então, as perdas salariais acumuladas desde 1995 chegam a 56%,
de acordo com o DIEESE, para recuperar tais perdas é necessário um reajuste de 127%. De
1995 até os dias de hoje, 56 direitos já foram retirados
197
. Em 1998, o governo proibiu os
concursos públicos para repor as vagas abertas em função das aposentadorias,
falecimentos ou afastamentos decisivos. Atualmente, a UFRJ tem um déficit de 500
professores e 1.500 técnicos-administrativos
198
. Estes últimos, que já chegaram a 14.000,
atualmente somam 8.000.
A restrição orçamentária, a conseqüente precarização da estrutura da universidade,
assim como a ausência de uma política de assistência estudantil mais integrada e universal
tem afetado sobremaneira as condições de ensino e estudo dos estudantes.
Em recente estudo, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e
Estudantis (FONAPRACE), através de um levantamento amostral do perfil sócio-econômico
e cultural dos estudantes de graduação das IFES
199
, constatou que um contingente
expressivo (65%) dos estudantes necessitam de algum apoio institucional para a sua
193
idem nota 60
194
Jornal do SINTUFRJ, ano XIX, no. 668, 30/05 a 3/06/05, "EBA: acampamento continua", p. 7
195
Jornal da ADUFRJ, Ano IX, no 484, "Novo diretor do hospital do Fundão se elege com ampla maioria de votos", p.5
196
Jornal do SINTUFRJ, Ano XIX, no. 658, 21 a 27/03/05, "Condições de Trabalho: instalações do Centro de Letras e Artes
no prédio da Reitoria ameaçam a saúde e segurança".
197
Jornal ADUFRJ, ano IX, no. 129, 29/03/2004, "Eixos centrais da Campanha Salarial dos Servidores de 2004" - Suplemento
especial.
198
Universidades em ação. Raphael Ferreira
199
Esta pesquisa foi realizada entre novembro/2003 e março/2004contando com a participação de 47(88,6%) das 53 IFES. A
perspectiva, de acordo com a FONAPRACE, era "apresentar dados que possibilitassem construir uma política de assistência,
onde fosse assegurado não só o acesso como também a permanência dos estudantes na universidade" (p.1).
92
permanência na universidade e a conclusão dos cursos
200
. Destaca que 42,8% dos
estudantes encontram-se nas classes C, D, E, "cuja renda mensal média familiar atinge no
máximo R$ 927,00, e apresentam uma situação de vulnerabilidade social. Em algumas
regiões, vê-se o agravamento desta situação, como o Norte com 64,3% e o Nordeste com
47,8% dos estudantes"(p.10).
Entretanto, 86,8% dos estudantes das IFES não participam de programas de
assistência estudantil. De acordo com levantamento da FONAPRACE:
D
istribuição percentual dos estudantes segundo
a participação dos estudantes nos programas de Assistência Estudantil por região
Região (%)
Participação em:
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Total
Alimentação 2,8 4,2 8,0 13,2 9,4 7,4
Moradia 0,6 2,4 3,1 4,0 1,4 2,6
Psicoterapia 0,3 0,5 0,7 0,6 0,5 0,6
Assistência Médica 0,3 2,3 2,8 1,5 0,6 1,9
Assistência Odontológica 0,4 2,6 2,3 0,8 0,3 1,7
Bolsa de trabalho/manutenção 1,3 1,7 2,1 2,9 1,6 2,0
Bolsa de transporte 1,5 0,7 0,6 5,9 3,6 2,0
Outros programas de
assistência
1,0 1,2 1,2 0,6 0,7 1,0
Não participa de programas
de assistência
93,3 88,7 86,6 80,9 85,6
86,8
A conclusão do estudo é que existe uma discrepância entre a demanda potencial e a
oferta atual de programas de assistência estudantil. Observa ainda, que o transporte coletivo
é o mais utilizado pelos estudantes para chegar à universidade (59,9%) e que 18% vão de
bicicleta ou a pé. Quanto à utilização dos equipamentos comunitários, os restaurantes
universitários com 52,4% e as bibliotecas com 82,6% são utilizados em grande escala. No
que diz respeito a estas últimas, considera que o índice de utilização revela a sua
importância para a vida universitária, para estudos relacionados ao curso e para atividades
relacionadas ao lazer e à cultura.
Diante destas constatações e a de que a maioria dos estudantes das IFES (84,4%)
depende do ensino gratuito para continuar os estudos, o FONAPRACE aponta que "é
fundamental o incremento no investimento em políticas públicas de acesso e permanência
200
"São aqueles estudantes pertencentes às classes B2, C, D e E, que tem renda média familiar mensal variando de R$ 207,00 a
R$1.669,00". FONAPRACE. O estudo utilizou o critério de Classificação Socioeconômica da Associação Nacional de
Empresas de Pesquisa - ANEP, que determina a classe de acordo a renda média familiar, assim: classe A 1= R$ 7.793,00;
classe A2= 4.648,00; classe B1= 2.804,00; classe B2= 1.669,00; classe C= 927,00; classe D= 424,00; classe E= 207,00.
93
que devem ser efetivadas a partir do desenvolvimento de projetos que subsidiem transporte,
alimentação, moradia e bolsas acadêmicas"(p. 53).
A UFRJ e os seus estudantes, com as suas especificidades, inserem-se nesta
realidade. Há doze anos atrás a universidade tinha 10 bandejões que foram desativados
durante a gestão de Nelson Maculan (1990-1994). Os estudantes reclamam da má da
qualidade da comida
201
e do preço cobrado nos restaurantes e trailers que se espalham pela
universidade: "no bandejão a comida era R$1,00. Agora tem esse restaurante que cobra
caro e os alunos têm dificuldade de pagar. Nós não temos dinheiro para bancar alimentação,
passagem e outros gastos"
202
. No Colégio de Aplicação da UFRJ uma das principais
dificuldades enfrentadas é a alimentação, segundo relato de professores, algumas crianças
mais carentes chegam a desmaiar em sala de aula, pela falta de refeição
203
. A verba que o
Colégio recebe para alimentação é insuficiente, são R$ 0,9 centavos por aluno, por dia, no
ensino fundamental e R$ 0,11 centavos para o estudante do ensino médio por dia. Em
reportagem do jornal da ADUFRJ
204
, a diretora do Colégio, Izabel Goulart, declarou que
seriam necessários cerca de R$ 1,50 e R$ 2,00 por aluno/dia para que fosse oferecida, pelo
menos, a chamada 'merenda seca'(biscoitos, pão com manteiga, suco ou alguma bebida
láctea) e que, além disso, a unidade não possui espaço físico, nem equipamentos para a
construção de um refeitório e a instalação de uma cozinha industrial para o preparo das
refeições, faltam ainda, funcionários para garantir a produção e a distribuição da merendas.
Em 2000, a Escola de Serviço Social (ESS), junto com a Pró-Reitoria de Graduação
da UFRJ (PR-1), elaborou um Projeto de Assistência Estudantil, que foi aprovado pelo
Conselho de Ensino e Graduação (CEG). A professora Lilia Pougy, coordenadora adjunta da
pós-graduação da ESS, participou desta formulação e fez as seguintes considerações
205
em
201
Em depoimento a reportagem da Folha Dirigida, 3 a 7/07/2003, "Cardápio indigesto para os estudantes" de Mariana
Piragibe, o estudante de Fisioterapia da UFRJ, Hilmar Dias após ter parado no pronto socorro, depois de almoçar na faculdade,
disse: "Tive uma intoxicação alimentar, nunca mais apareci naquele restaurante (...) O preço da refeição é R$ 5,00. O estudante
acaba gastando R$ 10,00 por dia, incluindo o preço da passagem", p.12.
202
Depoimento de Gregory Magalhães do Centro Acadêmico de Letras da UFRJ, em matéria "Por uma universidade melhor",
Jornal da UFRJ, ano I, no. 3, dez/2004, p. 11, Liana Fernandes e Lucas Bonates.
203
de acordo com reportagem do Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 457, 17/05/2005, "Assistência estudantil ainda é fragmentada
na UFRJ", p. 13.
204
idem
205
considerações retiradas da matéria do Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 457, 17/05/2005, "Assistência estudantil ainda é
fragmentada na UFRJ", p. 14.
94
relação a : (1) oferta de transporte entre os campi: considera que houve alguns avanços,
apesar de muitos estudantes, principalmente os do alojamento, reclamarem quanto à pouca
quantidade de ônibus da universidade circulando entre os principais pontos da cidade; (2)
saúde: "com relação à atenção psico-social, os atendimentos médicos, odontológicos e
psicológico, que eram ações previstas na nossa política, também desconheço ações nesse
sentido. Não só em relação ao atendimento emergencial, como também ambulatorial"; (3)
programa de moradia: a professora considera que esta é uma grande questão e que está
muito longe de ser resolvida, "até onde sei, o alojamento continua em estado precário, a
equipe que lá trabalha continua tapando buracos com poucos recursos. Isso porque não há
ações propositivas na área do programa de moradia, há somente uma gestão com poucos
recursos e uma deteriorização". O alojamento disponibiliza 504 vagas para atender aos
estudantes, o que significa aproximadamente, 1,5% do total de estudantes de graduação,
sem contar com os pós-graduandos que também reivindicam a ampliação da moradia
estudantil. Em 2005, 258 estudantes se inscreveram no Programa de Benefício Moradia,
para ocupar os quartos que ficaram vagos, no entanto, apenas 90 foram contemplados
206
.
A Associação de Pós-Graduandos (APG-UFRJ), em 2004, fez um Radiografia da pós-
Graduação da universidade
207
, a maior parte dos pós-graduandos consultados trabalha e
estuda em tempo integral na UFRJ (na Ilha do Fundão, na Praia Vermelha e no IFCS). Após
constatar a grave situação da universidade, a Associação declara que a radiografia
objetivava compreender "como a falta de verbas se materializa na realidade dos pós-
graduandos, como atinge as nossas condições de trabalho nesta conjuntura?". Dentre as
questões apontadas pelos estudantes, no levantamento realizado pela APG, destacaram-
se: a falta de salas de informática adequadas ao número de usuários, assim como a falta de
laboratórios e salas de aula; equipamentos de informática escassos e falta de papel e tinta
para impressão de trabalhos; problemas na rede interna dos Programas são freqüentes na
maioria dos Centros; falta de limpeza dos banheiros e prédios. Problemas estruturais:
vazamentos e problemas nas redes elétricas dos laboratórios e programas, escassez de
bebedouros. Sérios problemas de segurança do trabalho: exposição insalubre a produtos
206
Relatório Final de Gestão 2005, Pró-Reitoria de Graduação, dados da graduação. Disponível em http:// www.sr1.ufrj.br
207
A APG-UFRJ elaborou um questionário sobre transporte, alimentação e condições de trabalho e estudo na UFRJ, da
amostragem de 603 questionários respondidos, 47,4% dos pesquisados são estudantes de doutorado e 52,6% de mestrado, de
25 programas de pós-graduação da UFRJ. Este estudo foi publicado no Jornal da APG, julho/agosto - 2004 "APG tira uma
radiografia da pós-graduação da UFRJ".
95
químicos e radioativos, falta de tratamento de rejeitos e de equipamentos de proteção,
aparelhos em mau estado de conservação e problemas de proliferação de fungos pela falta
de condições adequadas das instalações
208
. Falta de assistência médica e odontológica e de
creches para os filhos dos estudantes. Com relação à segurança: os estudantes do Fundão
levantaram a pouca iluminação nos pontos de ônibus, nos estacionamentos e no trajeto
entre os prédios, falta de telefones públicos - os poucos que existem estão estragados. 98%
dos pós-graduandos consideraram ser necessária a volta dos bandejões. Outra reclamação
constante dos estudantes foi o corte de assinaturas de alguns periódicos importantes em
papel, constatou-se que o número de periódicos disponíveis nas bibliotecas está ficando
cada vez menor, principalmente daqueles que não estão disponíveis no Portal da CAPES. A
falta de bolsas (principalmente mestrado) foi denunciada pelos estudantes de vários
programas, de todas as áreas.
Em relação às bolsas, em 2002, apenas 22% de mestrandos e 34% de doutorandos
da UFRJ tinham bolsas
209
.
A UFRJ, em 1994, recebeu da CAPES 1.179 bolsas de mestrado. Em 2003, este
montante caiu para 689, no doutorado houve um pequeno aumento, 475 em 1994 e 640 em
2003. O CNPq concedeu em 1994, 1.248 bolsas de mestrado e 448 em 2003. José Luiz
Monteiro, Pró- Reitor de Pós-Graduação (em 2003), ressaltou que mesmo com o aumento
das bolsas no doutorado, a participação das agências tem diminuído
210
.
Estes dados revelam que a UFRJ acompanha uma tendência nacional, de acordo
com a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), em 1995, 42% dos mestrandos e
60% dos doutorandos possuíam bolsas, em 2003 esses números caíram, respectivamente,
para 16% e 30%
211
, ou seja, 70% dos pós-graduandos não possuem bolsas.
Além do reduzido número de bolsas, os estudantes da pós-graduação enfrentam o
problema do baixo valor das bolsas. Segundo Ariane Leites, representante dos estudantes
da pós-graduação, em 2003: "mesmo tendo bolsa, muitas vezes o estudante tem que
arrumar um trabalho para complementar a sua renda e buscar por uma perspectiva de
208
Segundo Gustavo Ribeiro, doutorando em Ciências Biológicas e representante da APG "falta um setor de emergência no
hospital universitário e uma brigada de incêndio caso aconteça algum acidente". Jornal da ADUFJ, ano IX, no. 457,
17/05/2005, "Assistência estudantil ainda é fragmentada na UFRJ", p. 14.
209
Boletim da APG, novembro/2003, "Reitor se compromete com emenda para bolsas no orçamento de 2004", p.1.
210
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 115, 3/11/2003, "UFRJ sofre com redução de bolsas na pós-graduação: agências de
fomento promovem esvaziamento do mestrado desde 1994", p.8.
96
emprego futuro, já que as universidades não abrem concurso"
212
. Após 10 anos de
congelamento do valor das bolsas, em 2004, os pós-graduandos conquistaram um reajuste
de 18%, no entanto, a APG tem denunciado que:
"este valor não é capaz de suprir os constantes aumentos do custo de vida
213
dos últimos 10 anos (...)
os sucessivos cortes do número de bolsas de pós-graduação, bem como o congelamento do valor destas, têm
feito com que os bolsistas contornem a dedicação exclusiva, exigida pelos órgãos financiadores, em busca de
melhores remunerações
214
".
Consideramos estes dados levantados pela APG importantes porque, apesar de
alguns dos problemas serem mais específicos dos pós-graduandos, em seu conjunto
retratam de maneira geral as questões que atingem a totalidade de estudantes da UFRJ. A
bolsa de iniciação científica (IC), por exemplo, está congelada desde 1996.
Uma das especificidades da graduação diz respeito ao aumento do número de bolsas,
na gestão de Aloísio Teixeira.
Bolsas concedidas pela Pró-Reitoria de Graduação
Bolsas de assistência 2003 2004 2005 2006*
Auxílio-Manutenção (Alojamento) 0 504 504 504
Bolsa Auxílio 250 500 750 1000
Bolsa Apoio 504 250 500 500
Bolsas Acadêmicas 2003 2004 2005 2006*
Monitoria 0 600 1000 1000
Iniciação Artística e Cultural 0 150 200 200
Lab. de Informática de Graduação 0 0 200 100
Programa de Educação Tutorial 33 33 48 48
Fonte: Pró-Reitoria de Ensino e Graduação e Corpo Discente da UFRJ -http://www.pr1.ufrj.br/dados/default.php
(*) previsão
Em março de 2004, a reitoria confirmou a concessão de 1.500 bolsas novas. A bolsa-
auxílio passou de 250 para 500, as de monitoria foram reduzidas de 750 para 600 e as de
iniciação científica e cultura de 250 para 150
215
. As 250 bolsas de apoio ao estudante foram
211
A (des) valorização do pós-graduando no Brasil. Documento da APG-UFRJ, novembro/2003 (mimeo)
212
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 115, 3/11/2003, "UFRJ sofre com redução de bolsas na pós-graduação: agências de
fomento promovem esvaziamento do mestrado desde 1994", p.8.
213
Em 2003, a APG fez uma comparação entre o valor da bolsa e o aumento do custo de vida e da inflação, entre 1995/2001:
água e esgoto, neste período, aumento de 141%; telefone fixo 445%; energia: 188%; ônibus: 174%; inflação: 108%;
gás:107%;juros: 420%, bolsas dos estudantes: 0% (aumentos acumulados durante o Plano Real (janeiro de 1995 a julho de
2001). Jornal da APG, março/abril - 2003.
214
Panfleto da APG "Reajuste de bolsas... só acredito vendo!!" (s/d)
215
as bolsas de monitoria e iniciação científica e cultural tinham sido desativadas em 1997.
97
mantidas e as 504 bolsas Programa de Fomento da Graduação (Profag)
216
, foram
substituídas por um auxílio manutenção
217
.
De acordo com os dados da Divisão de Assistência ao Estudante (DAE-UFRJ)
218
,
1.155 estudantes se inscreveram para a seleção de novos alunos do Programa de Bolsa
Auxílio
219
, foram selecionados 250 veteranos e 150 calouros, e 454 bolsas foram renovadas,
sendo que no Programa de Apoio ao Estudante, 258 estudantes foram selecionados e 181
bolsas foram renovadas.
Observamos que apesar dos esforços que a reitoria vem fazendo para ampliar o
número de bolsas, essas ainda se encontram aquém das necessidades e cobrem um
percentual muito pequeno da totalidade de estudantes de graduação da universidade.
Para Aloísio Teixeira, privilegiar as bolsas é uma opção política
220
: "temos 3.000
bolsas, é o mais amplo programa de bolsas do país. Para continuar o programa de bolsas,
não vou poder pagar a luz"
221
.
Esta posição e a análise que fizemos de alguns documentos, revelam aspectos
específicos da UFRJ e sinalizam, simultaneamente, algumas tendências desta universidade
frente ao aperto orçamentário, em tempos neoliberais. Percebemos que a busca por
recursos próprios tem sido enfatizada pela Reitoria como uma política para suprir os
insuficientes recursos advindos do governo federal para manter a universidade.
Ao avaliar o primeiro ano da gestão de Aloísio Teixeira, o Pró-Reitor de Planejamento
e Desenvolvimento, Joel Teodósio, destacou como questão fundamental:
"estamos fazendo uso comercial do patrimônio fixo da Universidade, do Fundão principalmente, em
termos de construção de novos empreendimentos, com a possível construção do centro de convenções e de
um estádio de futebol. (...) Também podemos fazer uso comercial do patrimônio do campus da Praia Vermelha:
o bingo, o Canecão e a Casa da Ciência, conforme o projeto da PR-3, podem entrar em licitação para
216
Programa de Fomento da Graduação, criado na gestão Vilhena, vinculava o recebimento do benefício a um trabalho, muitas
vezes fora da área de atuação do bolsista.
217
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 126, 8/3/2004 "Estudantes comemoram confirmação de bolsas novas, p.7
218
Expostos no Relatório Final de Gestão de 2005 da Pró- Reitoria de Graduação (PR-1)
219
que tem como objetivo e meta "atender ao estudante de graduação que, face às condições sócio-econômicas de suas
famílias, possuem comprovada dificuldade para garantir a permanência nos cursos da universidade"- DAE
220
Jornal da SINTUFRJ, no. IXI, no 681, 29/08 a 4/09/2005 "Bandejão: pouca verba - Reitor não esconde preocupação", p.12
221
"Reitores criticam falta de investimentos na educação". Tribuna da Imprensa, on-line: www.tribunadaimprensa.com.br,
23/08/2005. Acesso em: 23.08.2005
98
arrecadar fundos que serão usados na reforma do Palácio Universitário e na construção de prédios para a
Faculdade de Direito e o IFCS"
222
O Pró-Reitor argumentou que, diante do quadro de insuficiência orçamentária, a
Reitoria partiu para uma "política agressiva de captação de recursos"
223
. Em entrevista ao
jornal Pasquim
224
, Aloísio Teixeira já havia sinalizado essa estratégia,
"No caso específico da UFRJ, temos alguma possibilidade de introduzir um modelo de gestão
diferenciado que aumente a geração de recursos próprios. Do ponto de vista da Reitoria, temos um imenso
patrimônio imobiliário. Não é possível que esse patrimônio não possa gerar recursos. É claro que a vocação da
universidade não é fazer administração patrimonial. Por outro lado, seria inconveniente a gente se desfazer
dessa patrimônio. Mas há formas em que ele possa se tornar rentável, com contratos de arrendamento".
Em 2004, a reitoria propôs um Plano Diretor e um Plano Estratégico de
Desenvolvimento para garantir a ocupação ordenada dos espaços do Fundão. Neste mesmo
ano, a universidade assinou um convênio com a Petrobrás que renderia R$ 8 milhões
durante os dois próximos anos. Esse dinheiro soma-se a outros R$ 2,5 milhões provenientes
de aluguéis, além de R$ 250 mil em taxas condominiais, pagas anualmente pela
Empresa
225
. Em troca, a Petrobrás - que já mantém o Centro de Pesquisa (Cenpes), no
Fundão - poderia construir o Cenpes II. Segundo Sylvia Vargas, Vice-Reitora:
"já que o governo federal não nos destina verbas suficientes, temos que procurar caminhos
alternativos. Isso pode até não ser o ideal, mas a participação de empresas, principalmente estatais, na
recuperação da estrutura destas instituições, será sempre bem vinda"
226
.
Em 2005, o aporte de recursos da Petrobrás já correspondia ao equivalente a 10% do
total das verbas previstas para a UFRJ pelo orçamento geral da União
227
.
Jornal da UFRJ, ano 1, no 3, dezembro/2004 "UFRJ e Petrobrás firmam acordos de R$ 8 milhões", Fernando Pedro, p.10
222
Jornal da UFRJ, ano1, no1, setembro/2004, "Um ano de desafios - há um ano à frente da UFRJ, Aloísio faz um balanço do
que considerou um período difícil, mas com reformulações importantes dentro da Universidade". Nathália Oliveira, p.7
223
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 147, "CEG discute o financiamento da universidade", p.3
224
edição 81, 27/09/2003. Entrevistão: "Aloísio Teixeira - um guerreiro na reitoria", p. 15
225
226
Folha Dirigida, Universidades, "Recursos não cobrem gastos", 18/11/2004. Disponível em:
www.folhadirigida.com.br/script/Fdg acesso em: 25/11/2004
227
Jornal da UFRJ, ano 1, no 3, dezembro/2004 "UFRJ e Petrobrás firmam acordos de R$ 8 milhões", Fernando Pedro, p.10
99
Em 2003, a primeira empresa privada
228
ocupou um lote de 8.800 metros quadrados
na UFRJ, no Parque Tecnológico. A Reitoria recebe cerca de R$ 4 mil pelo aluguel.
Segundo cálculo demonstrado no Jornal da ADUFRJ
229
, são R$ 2,66 mensais por metro
quadrado, destes, R$ 2,20 vão para a Fundação José Bonifácio
230
(num total de R$
19.360,00) e R$ 0,46 vão para a Reitoria (total de R$ 4.048,00).
O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
231
parece reforçar estas perspectivas,
ao colocar entre as ações para o "desenvolvimento de grandes projetos de requalificação
dos espaços ocupados pela UFRJ": concluir os estudos com vistas à preparação de edital de
licitação para cessão de uso de áreas comerciais no Campus da Ilha do Fundão (estádio de
futebol, centro de convenções, arena olímpica, hotel de trânsito, shopping center, etc.).
(p.68).
Outras iniciativas têm sido realizadas:
Em 2003, um feira - com cerca de 40 estandes ocupou o saguão do Bloco A do
Centro de Tecnologia. Cláudio Baraúna, decano deste centro, justificou o fato dos decanos
aceitarem alugar o espaço para atividades de comércio, vinculando-o à falta de recursos.
232
O Museu Nacional, ligado à UFRJ, em 2004, enquanto aguardava recursos
prometidos pelo MEC acabou firmando um contrato com as empresas Souza Cruz e
Petrobrás, para angariar recursos com a finalidade de revitalizar a unidade e resolver os
problemas de infra-estrutura, sucateamento de equipamentos e déficit de pessoal. Segundo
Vagner William Martins, diretor do Museu, "a Souza Cruz entrou com parte do dinheiro, mas
a parcela da Petrobrás ainda está sendo negociada. Como os valores são muito altos, temos
que negociar em partes. E para o restante das obras, alguns grupos privados e o próprio
BNDES estão sendo contatados."
233
228
a DBA Engenharia de Sistemas
229
"Empresa começa a ocupar área do Parque Tecnológico", ano IX, no. 117, 17/11/03, p.7
230
Segundo o diretor do Parque Tecnológico, Maurício Guedes, o valor destinado a FUJB é revestido ao custeio de atividades
de manutenção local. "Empresa começa a ocupar área do Parque Tecnológico", Jornal ADUFRJ, ano IX, no. 117, 17/11/03, p.7
231
Na apresentação do PDI, assinada por Aloísio Teixeira, consta que o PDI "poder tornar-se uma carta programática de
referência, um modelo de planejamento comum (...) [para a universidade] superar sua fragmentação e orientar (...) seu esforço
de renovação e de desenvolvimento". Proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento para a UFRJ - PDI, série Debate -
UFRJ, março/2006.
232
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no 96, 23/06/2003, "Vida no campus - feira rende equipamentos para a UFRJ. Decanias
driblam falta de recursos com aluguel de espaço para eventos", p. 3.
233
Folha Dirigida, Universidades: "UFRJ: museu quer parcerias com empresas". Disponível em:
www.folhadirigida.com.br/script/Fdg
100
Na Faculdade de Letras, a principal arrecadação passou a ser as mensalidades
cobradas pelo Curso de Línguas Aberto a Comunidade (CLAC)
234
, de acordo com o diretor
da unidade, Ronaldo Lima Lins: "levando em consideração a verba exígua destinada pelo
governo para a universidade, nossa principal fonte de financiamento acabou se tornando o
CLAC [um curso pago], que somente no ano passado nos rendeu R$ 2 milhões"
235
.
Na pós-graduação, pelo menos 17 dos 84 programas stricto sensu cobram taxas de
inscrição dos candidatos.
236
O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) tem uma ala particular,
onde os leitos são reservados para convênios e planos privados, o dinheiro recebido é
empregado no pagamento de equipes terceirizadas que realizam procedimentos complexos
como o transplante de órgãos
237
.
Este levantamento permitiu-nos perceber que as medidas implementadas, em sua
maioria, estão relacionadas à tentativa da universidade - frente aos exíguos recursos que
recebe do governo federal - sanar as suas dificuldades financeiras. Entretanto, parece-nos
que, na prática - intencionalmente ou não - essas iniciativas fazem avançar/reforçar a
perspectiva de autonomia universitária defendida pelo MEC.
Em uma de suas declarações, Fernando Haddad, Ministro da Educação, comentou
que o artigo 73
238
da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) "dá agilidade às instituições,
estimula a geração de receitas e inicia, na prática, a autonomia universitária prevista pelo
anteprojeto de Reforma da Educação Superior"
239
.
Buscamos apreender a realidade da UFRJ, no quadro geral das IFES, no contexto do
neoliberalismo. O que pudemos compreender é que a UFRJ segue a tendência das demais
234
Curso de extensão, subordinado à Faculdade de Letras. Há 15 anos este curso começou a funcionar gratuitamente, alguns
anos depois, com a aprovação da Congregação da Faculdade, começou a cobrar uma taxa de R$ 30,00, e na última gestão, o
curso passou a custar R$ 190,00, sem consulta à Congregação. Jornal da UFRJ, ano 3, dezembro/2004, "Por uma universidade
melhor", Liana Fernandes e Lucas Bonates, p.11.
235
Jornal da UFRJ, ano II, no 13, fevereiro/2006, "Administrando demandas democráticas", Raphael Ferreira, p.18
236
Segundo a pró-reitoria de pós-graduação e pesquisa da UFRJ. Os valores cobrados variam entre R$ 50,00 e R$ 160,00.
Jornal da ADUFRJ, ano IX, no. 161, 8/11/2004, "Dezessete cursos stricto sensu da UFRJ cobram taxas - levantamento da pró-
reitoria é apresentado ao CEPG", p.2.
237
De acordo com o diretor do Hospital Alexandre Pinto Cardoso, professor adjunto da Faculdade de Medicina. Jornal da
ADUFRJ, anos IX, no. 484, 20/12/2005
238
visa reduzir a burocracia na aplicação da receita própria de cada instituição
239
Jornal da UFRJ, ano II, no.8, setembro/2005, "Orçamento 2006".
101
instituições: expansão de atividades, aumento do número de estudantes
240
, sem a devida
contrapartida no quadro de trabalhadores e de recursos financeiros (Amaral, 2003).
Verificamos que a insuficiência de verbas tem agravado a situação das universidades
federais, impedido a manutenção de sua estrutura e consequentemente, ao longo dos anos,
aprofundado o seu estado de degradação.
A restrição orçamentária tem deixado a UFRJ refém de verbas extra-orçamentárias
241
- para complementar os seus custos básicos - que nem sempre são garantidas, o que acaba
empurrando cada vez mais a universidade para saídas privatizantes: a comercialização de
seus espaços, a proliferação em seu interior dos cursos pagos, a dependência de
convênios/contratos com empresas para manter a infra-estrutura de seus prédios, o
estabelecimento de relações de trabalho precárias (terceirização de mão-de-obra) para
amenizar o déficit de pessoal, entre outras.
Conforme afirmamos anteriormente, a estrutura precária e em estado de
deteriorização, a insuficiência de docentes e demais funcionários, e a ausência de uma
assistência estudantil universal tem dificultado as condições dos estudantes, dos
trabalhadores e da população que é atendida e beneficiada pelos trabalhos, pesquisas e
atividades desenvolvidas pelas IFES.
A política de educação pública superior promovida pelos governos neoliberais
sucateia e compromete toda uma estrutura de pesquisa que já estÁ montada, que se
consolidou e que tem um alto potencial de desenvolvimento, prejudica e, em alguns casos,
inviabiliza o atendimento a um conjunto expressivo da população que depende do sistema
público de saúde, por exemplo, sem contar outros tipos de serviços oferecidos pela
universidade prejudica, enormemente a formação dos estudantes, precarizando as suas
condições de estudo, restringindo o seu acesso e dificultando a sua permanência nos
cursos.
240
O número de estudantes nas IFES entre 1989/2001 aumentou aproximadamente 60% de acordo com dados do MEC/INEP,
apresentados por Amaral (2003)
241
"orçamentos não são cumpridos, recursos são contingenciados, repasses de verbas são absolutamente irregulares e a própria
execução orçamentária tem sofrido os prejuízos inevitáveis decorrentes dos grandes atrasos na aprovação e sanção do
orçamento geral da União" - "Algumas observações sobre a autonomia universitária" Documento pela ANDIFES, Brasília,
1992 [Mimeo].
102
Capítulo 4: A PRÁTICA EDUCATIVA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NO CURSO DE
CIÊNCIAS SOCIAIS
1. O nosso local de pesquisa
O curso de Ciências Sociais faz parte do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
(IFCS). A origem deste Instituto está ligada à Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi)
242,243
.
Em 1966, a FNFi foi desmembrada e, com a Reforma Universitária de 1968 alguns de seus
cursos foram reunidos formando Institutos, entre eles o IFCS - que surgiu da união dos
cursos de Filosofia, História e Ciências Sociais. No final de 1969, o IFCS
244,245
foi instalado
no Largo do São Francisco, no local onde antes funcionava a Escola de Engenharia da
UFRJ
246
.
Atualmente o IFCS possui 103 professores do quadro permanente e cerca de 3500
estudantes, dentre estes, aproximadamente 600 são do curso de Ciências Sociais. Em seu
interior, além dos três cursos de graduação, funcionam cinco programas de pós-graduação,
um curso de mestrado strito sensu, centros de documentação, diversos laboratórios e
núcleos de pesquisa e estão em andamento 130 projetos de extensão
247
.
O curso de Ciências Sociais compõem-se de três áreas específicas: Antropologia,
Ciência Política e Sociologia. Os motivos que levam à procura por este curso segundo os
alunos entrevistados, são diversos, dentre eles: afinidade com a área de Ciências Humanas
e identificação das Ciências Sociais como ponto de encontro dos diversos conhecimentos
específicos daquela área, necessidade de compreender melhor a sociedade e, em alguns
casos, esta compreensão é considerada como apoio para estar interferindo 'melhor' na
realidade e como 'instrumento de transformação', contato com a disciplina no 2
º
grau,
interesse por política e leitura anterior de alguns textos ligados à área.
242
Criada pelo Decreto Lei 1190 de abril de 1939.
243
Segundo Poerner (2004), durante o período de 1960/64, a FNFi "foi uma espécie de escalão avançado do movimento
estudantil como um todo". Com o golpe de 1964, o Diretório Acadêmico da FNFi foi fechado e 19 estudantes foram expulsos.
244
Até 1969, o IFCS instalava-se na Rua Marques de Olinda em Botafogo.
245
Paula (2002) nos informa que o IFCS teve um papel destacado nas lutas do movimento estudantil nos anos 68/69.
246
Esta foi transferida para a Cidade Universitária no Fundão - Ilha do Governador.
247
Estas informações constam no Relatório "Solicitação de vagas para o corpo docente do IFCS" - Fev/2006, preparado pela
Direção do IFCS e destinado à Decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ.
103
O currículo do curso é considerado, pela maioria de nossos entrevistados, "muito
acadêmico", no sentido de estar distanciado da realidade e da prática profissional; outros
apontaram que as aulas eram muito "temáticas" e criticaram a pouca leitura e conhecimento
dos autores clássicos nos primeiros períodos, o que estaria levando a uma especialização
muito grande, descolada de uma compreensão mais global do campo de conhecimento.
Alguns estudantes, entretanto, avaliaram o currículo de forma positiva, destacando as
matérias básicas e o desempenho de alguns professores. O mercado de trabalho é
considerado restrito e complicado, destacaram-se como possibilidades profissionais: a
docência e a pesquisa, todavia, esta última é vista como de difícil acesso.
Em relação à organização política estudantil, os três cursos possuem Centro
Acadêmico, eleito a cada ano. Além destes, outras correntes políticas contam com militantes
atuando de forma organizada, no interior das faculdades: PSB, PT, PCB, PC do B, PSTU,
PSOL, Mobilização e Luta (ML), Movimento Estudantil Libertário (MEL).
Algumas destas correntes políticas, na época de eleição para o Centro Acadêmico, se
articulam para a composição de chapas, e após o pleito eleitoral, mesmo não ganhando,
fazem-se presentes, manifestando as suas opiniões e disputando a hegemonia do
movimento estudantil.
As expectativas dos estudantes entrevistados, antes de entrar no curso de Ciências
Sociais, em relação ao movimento estudantil, também é bastante diferenciada: sete
declararam não ter expectativa nenhuma em relação ao movimento estudantil, três disseram
entrar na faculdade dispostos a conhecê-lo e se integrar, dois já haviam tido contato e
declararam-se decepcionados
248
e um esperava que fosse pior do que encontrou
249
.
248
Um deles havia participado do movimento como secundarista "(...) já tinha ficado decepcionado antes. Porque eles queriam
mais era vencer as eleições, não realizavam muito a partir do momento que venciam(...)" (Vítor). O outro havia estudado na
UFF: "lá eu até tinha participado mais, e até me afastei por causa destas questões, tipo você ia numa reunião, aí você tem as
coisas importantes para discutir, e por essas questões de partidarismo fugia-se completamente (...) e tinha várias coisas que não
eram discutidas (...) e essas questões bobas discutidas 1 hora e meia, e as questões importantes acabavam sendo deixadas de
lado (Mônica)".
104
2. A materialização das dimensões político-econômica e ideológico-cultural do
neoliberalismo entre os estudantes: conformações e contradições
A prática do movimento estudantil forja-se nos meandros da relação entre as
dimensões político-econômica e ideológico-cultural do neoliberalismo.
A partir das respostas, do nível de organização, das posturas e práticas que emergem
da relação militantes-estudantes, frente à política neoliberal, analisamos a prática educativa
do movimento estudantil, na especificidade do curso de Ciências Sociais.
A nossa análise centrou-se, num primeiro momento, na compreensão da forma
como o conjunto dos estudantes viam a realidade do curso. De forma geral, destacaram:
problemas relacionados à estrutura e assistência estudantil - a questão da biblioteca (acervo
desatualizado e péssimas condições dos livros), a dificuldade de estudar e se manter na
faculdade (daí a busca pelas bolsas), os gastos com a xerox (preço alto e má qualidade), a
falta de bandejão e lanches caros, a precariedade da estrutura do prédio, os banheiros
fechados em alguns andares, os gastos com livros e transportes, a necessidade de
ampliação do laboratório de informática, de curso noturno, de contratação de mais
professores, de maior acesso aos núcleos de pesquisa da faculdade e a falta de verbas.
Consideraram o curso "corrido", caracterizando-o de "curso técnico", na medida em que não
proporcionaria maior aprofundamento, nem a possibilidade de levantar questionamentos
Estas questões apareceram como uma preocupação constante entre os estudantes,
manifestada, principalmente, nas conversas com os colegas de turma e questionamentos
em torno do tema. Entretanto, alguns depoimentos revelaram que, apesar da preocupação,
existe a dificuldade de mobilização para tratar de tais temas, e algumas iniciativas parecem
ficar restritas à turma ou a grupos de colegas da turma:
"no geral eu acho que todo mundo se preocupa e se incomoda, só que não acreditam,
acham que não vai adiantar nada a gente se reunir, fazer uma manifestação.
Simplesmente acham que não vai adiantar nada, que não vai mudar, que a universidade
pública é assim mesmo"(Marília - 3
º
período).
"discutimos tudo, a mobilização que é mais difícil (Léo, 2
º
período).
249
Este estudante vinha com as referências do irmão que havia se formado no curso há pouco tempo.
105
A análise dos primeiros depoimentos nos permitiu iniciar a nossa compreensão
acerca de alguns aspectos da forma como a materialização do ideário neoliberal em suas
dimensões político-econômica e ideológico-cultural tem se efetivado. As questões e os
problemas que os estudantes levantaram indicam como a concretização da primeira
dimensão, tem trazido conseqüências, limites e dificuldades para eles manterem-se na
universidade e concluírem seu curso. Percebemos que os estudantes sentem-se
prejudicados, entretanto, apesar de expressarem e mesmo indignarem-se com tal situação,
verificou-se que não há uma relação recíproca entre as dificuldades pelas quais passam e a
disposição e iniciativa para a organização e para a luta. Através da postura que a maioria
dos estudantes tem assumido frente a seus problemas manifesta-se, também, a dimensão
ideológico-cultural.
Apesar da força da ideologia dominante
250
, no levantamento que fizemos, foi possível
verificar que as contradições estão presentes, borbulhando nas mentes e têm gerado um
nível de tensão.
Se, por um lado, evidenciou-se que a ideologia das classes dominantes dirige
predominantemente as posturas e atitudes dos estudantes, por outro lado, percebeu-se
também, a sua precariedade e instabilidade
251
- determinadas pelos limites que a realidade
lhes impõe, na medida em que não consegue atender as necessidades mais candentes dos
estudantes.
Nesta análise, a ideologia surge conforme a concepção desenvolvida por Toledo
(2003) e Gramsci (2004), ou seja, como expressão dos efeitos, dos conflitos e práticas
sociais na consciência e ação dos agentes sociais em luta e, ao mesmo tempo, como um
motor dinamizador que orienta uma concepção de mundo e uma atividade prática.
Tanto a compreensão das formas através das quais as classes dominantes
conseguem estabelecer a sua ideologia como hegemônica, assim como a disputa e a luta
que travam com a ideologia da classe dominada já eram tratadas por Marx e Engels (2002).
250
E isto tem efetivamente se constituído como elemento principal na postura individualista que a maioria dos estudantes tem
assumido diante da realidade, e no processo de conformação subjetiva e social, não no sentido de não se incomodar, mas no
sentido de acharem que não é possível mudar
251
Toledo (2003, p.19) também caracteriza esta hegemonia como precária e contraditória. "Porque as idéias e os valores
dominantes na sociedade de classes não podem representar, em profundidade e permanentemente, os interesses e as
necessidades econômicas, políticas e culturais do conjunto da sociedade". Todavia, enfatizamos que esta é uma questão
complexa, pois o aspecto que ainda prevalece é o de dominação e eficiência da ideologia burguesa, que consegue se manter, se
conservar e ainda ganhar espaço entre as classes dominadas, sem recorrer à força.
106
As contradições presentes na realidade e os aspectos objetivos e subjetivos que a
compõem - assim como a forma como estes se relacionam enquanto unidade contraditória
conformando uma totalidade - se expressam através da luta travada entre a ideologia
dominante e a ideologia dominada, no processo de constituição da consciência, ou seja, no
processo de consolidação da ideologia que se sobressai e se estabelece (mesmo que não
definitivamente ou de forma absoluta) na consciência dos indivíduos.
Em nosso estudo, através da relação entre a conformação e a indignação dos
estudantes frente as suas condições de estudo expressa-se o confronto e a luta entre a
ideologia dominante e a concepção de mundo das classes exploradas. Apesar da
conformação
252
sobressair-se como aspecto predominante, a indignação revela-se como
espaço para o questionamento, para a desconstrução e desmascaramento dos aspectos
dissimulados pela ideologia neoliberal. O que corrobora com a idéia de que a ideologia não
está baseada na ontologia nem no determinismo, o que existe é uma luta, um confronto
entre as concepções de mundo, expressando-se de forma contraditória na consciência dos
indivíduos. Gramsci denominou-a de consciência contraditória. Todavia, este autor nos
chamou atenção para dois aspectos:
1) o fato de ser contraditória não significa que não exista um aspecto que predomine e que
dirija a conduta dos indivíduos, em nosso caso, verificamos que a conformação dirige a
postura da maioria dos estudantes;
2) apesar da indignação abrir espaço para o questionamento da realidade, para a
dinamização das contradições e a possibilidade de dirigi-las no sentido do fortalecimento
da consciência crítica (revolucionária), esta não desenvolve-se espontaneamente. A
indignação, por si só, não basta, e foi o que constatamos. Os estudantes indignam-se,
entretanto, este sentimento não os leva a organizarem-se e mobilizarem-se.
De acordo com o referencial teórico que adotamos para a nossa análise, a inserção nas lutas
constitui-se como elemento fundamental e capaz de possibilitar aos estudantes - integrados a
um processo social mais amplo - a ruptura com a conformação e com a naturalização da
realidade, e a integração em uma concepção contra-hegemônica.
252
Expressa na não mobilização da maioria dos estudantes para reivindicar seus direitos.
107
Imbuídos desta perspectiva, buscamos verificar, a partir das contradições postas pela
realidade, o envolvimento dos estudantes no enfrentamento de suas dificuldades. Para nós
importava verificar em que momento e que motivos levavam os estudantes a se mobilizar.
3. Estudantes e militantes: perspectivas dissonantes
Após levantarmos as principais questões que o conjunto dos estudantes enfrentavam
no dia-a-dia do curso, questionamo-lhes sobre as ações que estavam realizando para
enfrentá-las.
Entre os estudantes, uns não sabiam se havia alguma ação sendo desenvolvida, e
outros se declararam ausentes. Alguns, apesar de não terem citado nenhuma ação, fizeram
menção à realização de algumas ações, entretanto, trataram-nas como algo do qual não
faziam parte:
"algumas manifestações têm sido feitas. Tem alguns grupos que se mobilizam, às vezes
se juntam para conseguir mais força" (Victor - 6
º
período)
"eu vejo um grupo limitado de estudantes tentando organizar assembléias, atos". (Carol -
1
º
período).
Outros não se colocaram, mas apontaram "falhas" no centro acadêmico e no
movimento estudantil no tratamento das questões:
"esse Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS) que foi eleito tinha essa proposta,
mas até agora (...) talvez por causa da greve [dos técnicos administrativos] também, mas
até agora nada (...)" (Lucas - 4
º
período).
"hoje o movimento estudantil é muito partidário, não levanta essas questões. Estão por
questões mais políticas partidárias
253
, o movimento estudantil foi deixado de lado e está
sendo usado por uma questão maior. Então eu acho que isso [ações] tem que partir de
cada estudante, acho que tá sendo feito muito isso, porque se depender do movimento
estudantil, nada é feito" (Vinícius - 3
º
período).
Entre os militantes, o representante do PT, à época um dos coordenadores do Centro
Acadêmico, enfatizou que a prioridade da gestão "é tentar não cair num simples debate
253
Ao perguntarmos o que entendia como político partidário explicou que "o movimento estudantil se juntou com o
movimento partidário (...) Essa questão partidária de vencer, de querer campo, querer território para o partido, o movimento
estudantil foi deixado de lado. As questões de partido são muito maiores".
108
político de governo/oposição" e após afirmar que estavam tentando fazer uma gestão que
atendesse aos anseios dos estudantes, fez uma ressalva: "(...) agora eu tenho uma
autocrítica nesse ponto, porque pode parecer individualismo, você não discutir ideologia (...)
você não vai no estrutural, fica muito no conjuntural (...) e aí você não debate a política em
nível nacional". Os representantes do MEL e do PC do B não mencionaram nenhum tipo de
iniciativa e alegaram que haviam discutido os problemas da faculdade na época em que
conformaram chapas para concorrer à direção do Centro Acadêmico de Ciências Sociais
(CACS) e acusaram a gestão que estava dirigindo a entidade de não estar fazendo nenhum
tipo de mobilização. A militante do PSOL enfatizou o grau avançado de alienação das
pessoas e destacou a realização do debate como ação prioritária. O militante do Mobilização
e Luta ressaltou que os estudantes lutavam diariamente - mesmo que de forma individual -
pelas condições mínimas de estudo e que a resposta coletiva deveria ser permanentemente
construída.
A única ação mencionada claramente (nesta pergunta), tanto pelos estudantes quanto
por alguns militantes, foi a relacionada à xerox. A mobilização contra o preço alto e má
qualidade da xerox foi uma iniciativa dos estudantes no interior de várias turmas. Eles
organizaram um boicote à xerox de Ciências Sociais
254
e começaram a recolher dinheiro e
tirar cópia para toda a turma, fora da faculdade. Esta parece ser uma questão que mobilizou
os estudantes, pois quando perguntamos sobre a participação nas assembléias, uma parte
respondeu que havia ido na assembléia da xerox, e para alguns tinha sido a primeira
assembléia que participavam, mesmo sendo, alguns deles, estudantes de períodos
avançados.
Um dos representantes do Centro Acadêmico esclareceu como esta questão chegou
à entidade:
"(...) a questão da xerox não estava na demanda do Centro Acadêmico (CA) - das forças
que compõem o CA mas foi levado ao CA, e o CA se sentiu coagido, 'tem que abrir, tem
que encampar essa luta, tem que cobrir essa luta junto com outros grupos políticos
independentes' ".
Segundo uma das estudantes:
254
Cada curso tem uma xerox, onde os professores deixam em pastas os textos que serão utilizados nas aulas.
109
"nessa questão da xerox, não precisava chegar ao ponto que chegou. O CA poderia ter
resolvido há muito tempo, mas não resolveu, então precisou fazer o plebiscito, e agora
que está na mão deles para resolver, eu não estou vendo nada. O processo está meio
parado (...)" (Marília - 3
o
período).
A iniciativa dos estudantes em torno da xerox parece ter enfrentado ainda
divergências com militantes de outras organizações:
(...) quando eu estava conversando com o pessoal da minha turma sobre essa questão da
xerox, chegou um menino e disse para mim 'não, não pode ficar restrito a essa coisa
pequena que é a xerox, você tem que pensar no todo, você tem que pensar no país', e
tanto o pessoal do Fora Todos [PSTU] fica preocupado com coisas muito fora. (...) E aí
veio o pessoal do PC do B dizendo que o plebiscito era um absurdo, que a única coisa que
a gente queria era dividir e expulsar o responsável pela xerox, que a gente não podia fazer
isso. Eles continuaram defendendo a posição do partido deles, que tem que defender o
trabalhador, considerando todos os estudantes filhinhos de papai e causaram um grande
problema (...)e eles não foram capazes de pensar nos estudantes, de ver que a gente está
se sentindo prejudicado (...) (Marília- 3
º
período).
Conforme alguns depoimentos anteriores já apontavam - dado o baixo grau de
envolvimento e organização dos estudantes em torno de possíveis ações que poderiam
contribuir para a conquista de algumas de suas reivindicações - parece existir uma
dificuldade de mobilização. Contudo, a iniciativa dos estudantes, a postura do Centro
Acadêmico e as divergências entre os militantes que apareceram nos depoimentos acima,
reforçadas por outros aspectos que emergiram nas entrevistas - e que estaremos
apresentando ao longo do texto - parecem indicar que existe uma dissonância entre a
perspectiva dos estudantes e a dos militantes.
Buscamos extrair elementos que nos permitissem compreender a dinâmica da relação
entre os estudantes e os militantes.
Na época em que estávamos realizando o trabalho de campo, ocorreram as eleições
para o Centro Acadêmico. Quatro chapas concorreram ao pleito:
Chapa Concepção de entidade
(1)Apresente-se
(organizada por
militantes do
Movimento
Estudantil Libertário
e do PSOL)
A partir de uma avaliação crítica sobre a situação que vivemos, buscar abrir a entidade
e dar-lhe um caráter plural, para que tanto mais gente se sinta estimulada a participar
(...) nossa proposta gira em torno basicamente da estrutura da entidade. Queremos
um CA que tenha suas portas permanentemente abertas para que todos possam
participar de acordo com sua vontade e disponibilidade, não havendo qualquer
diferença entre aqueles/as estudantes que estavam compondo esta chapa e qualquer
outro/a do curso.
(2)Novos
O CACS deve zelar pelos interesses de todos os alunos do curso, interesses
110
caminhos, novas
conquistas
(organizada pelos
militantes do PSB e
do PT)
relacionados aos mais diversos tipos de demandas (...) deva ainda estimular debates
que abranjam temais atuais relacionados à conjuntura nacional e internacional (...)
(3) Mãos a obra
(organizada pelos
militantes do
Mobilização e Luta)
As entidades de organização e de luta dos estudantes devem ser construídas
baseadas em uma pauta de reivindicações. (...) as entidades dos estudantes foram
construídas com muita luta, muitas vezes debaixo de repressão direta. Infelizmente
hoje se encontram muitas vezes imobilizadas. Queremos um Centro Acadêmico DOS
estudantes, um espaço de referência de todas as lutas, que seja estímulo à
organização e participação de todos!
(4)Na pressão
pelas mudanças
(organizada pelos
militantes do PC do
B)
Um CA é, essencialmente, uma entidade que tem por finalidade representar os
estudantes do seu curso e conscientizá-los de seus direitos e deveres. (...) O CA deve
fomentar o debate político plural, envolver os estudantes nas discussões acadêmicas
(...), esportivas e culturais.
Destaca-se a importância que as chapas atribuem à participação dos estudantes e à
defesa de seus interesses e direitos.
Chamou-nos atenção as similaridades das pautas de reivindicações, o que nos levou
a investigar como os estudantes e os militantes viam e explicavam as diferenças entre as
chapas.
Organização Como apresentava a diferença entre as chapas
PT
é a questão da concepção de movimento (...) E a questão do partidarismo, que meio que
anestesia a pessoa e ela fica numa posição mesmo e não adianta, não adianta tentar unificar
uma pauta, unificar a pauta até sim, mas unificar a luta se torna impossível depois de um tempo,
de tantas mágoas que vão ficando pelo caminho, desentendimentos.
PC do B
A diferença principal é a questão macro. (...) Uma outra coisa é a diversificação do movimento
estudantil
255
, ele está muito burocratizado, parece que existe receita. (...) tem muita diferença na
forma de fazer política".
PSOL
a diferença fundamental é a forma como a gente se propõe a lutar por essas pautas. A relação
que a gente estabelece com a entidade estudantil e com os estudantes, aí reside a diferença".
PSB
existem interesses partidários, individuais e coletivos dentro de todos os processos. Existem
algumas coisas que divergem, acho que a maneira de atuar no CA (...) e outra era o governo
PT, diferenciava muito.
ML
nas prioridades que cada chapa coloca. Se a gente coloca que a prioridade é a luta contra a
falta de verbas, isso se materializa no que a gente propôs na campanha, de montar uma pauta
de reivindicações e lutar para isso.(...) Então a gente colocou a prioridade na mobilização,
porque todo mundo colocou [se refere as outras chapas] 'ah, os estudantes estão muito
desmobilizados' e não colocou o papel ativo que o CA tem que ter, para estar mobilizando e se
unindo e reunindo em cima das questões dos estudantes".
255
Esclareceu que diversificação do movimento estudantil é "fazer campeonato de futebol, criar movimentos culturais, fazer
sessão de cinema, teatro, festa".
111
MEL
a diferença é que na autogestão a gente vai tentando buscar essa unidade, mas não é uma
unidade abstrata , todo mundo amiguinho de um dia para o outro. (...) você ia aumentando as
contradições, aumentando o debate, a disputa, e ia ver na prática o grupo que ia conseguir,
mostrando com argumentos, que ia se estabelecer como hegemônico, majoritário dentro disso".
A maioria dos militantes colocou que a diferença estaria na concepção de movimento
estudantil, na forma de fazer política. O que pudemos observar nos depoimentos e nos
exemplos que alguns militantes deram ao se referir à outra posição - que não a sua - é que a
própria concepção de movimento estudantil e o que denominaram de forma de fazer política
estaria vinculada a um projeto político mais amplo de transformação da sociedade.
Fomos verificar como os estudantes estavam compreendendo essas diferenças:
Diferenças é partido (...) isso me preocupa, porque tem duas pessoas da mesma
faculdade que querem um bem, como o bandejão, que tem a mesma pauta de
reivindicações, se enfraquecem, a luta se enfraquece, por causa de interesse de partido
(Verônica, período)
As pautas são iguais e a diferença são os partidos que essas pessoas defendem, na
minha visão.(...) E são diferenças partidárias, e não de melhorias para a faculdade. São
brigas entre partidos (Daniele, 1
º
período)
Isso foi questionado no debate [debate entre as chapas, no período de eleição para o CA],
acho que tem questões do prédio que interessa todo mundo, mesmo a pessoas que não
querem ter uma participação política lá fora. Acho que isso tinha que ser tratado separado.
Porque às vezes a gente fica numa discussão "é a favor do governo", "é contra o governo"
e o teto tá caindo (...) (Léo, 2
º
período)
Os estudantes identificaram as diferenças de partidos como principal. E alguns
apresentaram a diferença entre os partidos como "partidos a favor do governo" e "partidos
contra o governo". Contudo, em nenhum momento foi feito, por parte dos estudantes, o
vínculo entre essas diferenças ou como essas diferenças poderiam interferir na forma de
atuação dos militantes nos encaminhamentos das lutas no interior ou do curso. Ao contrário,
os estudantes parecem desvincular os interesses estudantis dos interesses partidários,
como se não houvesse nenhum ponto de encontro entre esses interesses, ou como se o
projeto desses partidos não incluísse uma política para tratar das dificuldades que
enfrentavam. Colocaram as divergências entre os militantes como se fossem "rivalidades
polítoc-partidárias", uma vez que as reivindicações para o curso eram comuns.
As diferenças de concepções, de movimento estudantil, de projeto político, de modos
de fazer política parecem não ficar claras para os estudantes.
112
Esse é um ponto interessante a ser observado porque, nas entrevistas que fizemos,
em diferentes momentos, alguns militantes apontaram a questão da despolitização
256
, da
alienação como questões colocadas para o movimento estudantil enfrentar:
[o movimento estudantil] não está politizado. Então ele é incapaz de ver que a questão da
xerox, da falta de professores, da infra-estrutura, está ligada a questões políticas mesmo. (...)
Ele foi incapaz de ver isso, e enquanto for incapaz de ver isso, vai ter um monte de problemas.
Por mais que fique nessas questões pontuais, nunca vai conseguir resolver os problemas.
(MEL)
a primeira coisa que a gente tem que fazer é um trabalho de conscientização, porque as
pessoas estão tão alienadas, mas tão alienadas, a ideologia dominante está tão fortemente
estabelecida (...) que a primeira coisa é o debate. É você conscientizar as pessoas sobre o que
é a universidade pública, o que está acontecendo, porque a gente está nestas condições, se
isso é natural. E mostrar que isso é uma política de Estado, que isso tem um projeto político
por trás, mostrar que isso não é à toa (PSOL)
Não desprezamos a hegemonia que a ideologia dominante tem assumido no
direcionamento dos práticas e atitudes dos estudantes, na naturalização e mesmo falta de
crédito na perspectiva e possibilidade de transformação da realidade, para nós este parece
ser o aspecto principal e tem determinado o descenso e a desmobilização do movimento
estudantil. Todavia, procuramos identificar as possibilidades de se realizar, em meio às
contradições, à precariedade e à instabilidade da ideologia dominante, um trabalho de
educação política que permita avançar no processo de desenvolvimento, construção e
fortalecimento de uma contra-hegemonia.
Consideramos com base em Marx, Lênin, Mao Tse Tung e Gramsci, que este
processo não é espontâneo, muito menos mecânico e, por isso, exige uma direção e um
trabalho político para viabilizar o seu desenvolvimento. A vanguarda assume um papel
decisivo para o desenvolvimento desta perspectiva, na medida em que, inseridas nas lutas
cotidianas dos estudantes, trabalhe politicamente, estimulando-os a inserirem-se na luta pela
transformação social. Neste sentido, tratamos a relação vanguarda-base como uma relação
entre educador e educando
257
.
Até então, o quadro de nossa análise nos permite desenhar os seguintes contornos:
por um lado, a ideologia dominante no caso influenciada pela política neoliberal, como
256
A despolitização é caracterizada pelos militantes como a desvinculação entre as reivindicações específicas dos estudantes e
as questões políticas gerais
113
aspecto principal para a desmobilização dos estudantes. Todavia, identificamos, através dos
depoimentos dos estudantes, da externalização de suas dificuldades e preocupações, que a
ideologia dominante não é absoluta e que apresenta aspectos de precariedade e
instabilidade. Por outro lado, os militantes destacaram a questão da alienação, da
naturalização e da despolitização como os aspectos responsáveis pela desmobilização
estudantil e ressaltaram a importância de esclarecer o projeto político e as questões
estruturais da sociedade
Uma de nossas questões nas entrevistas tinha como objetivo compreender se os
estudantes identificavam ou não a relação existente entre as questões referentes ao curso e
a política econômica. A maioria avaliou que:
tem, a falta de professores, a questão da biblioteca, todas essas questões de
precariedade e abandono do prédio. Isso tudo tá ligado à política mais geral, não são
questões que ocorrem só aqui, acho que todas as faculdades públicas enfrentam esse tipo
de problema. Acho que são mais ou menos os mesmos [problemas](Mônica, 3
º
período)
completa interferência, porque essa faculdade é pública, é do governo, e como a gente
sabe, nosso país não é exemplo de boa atuação do governo junto a sociedade. Então há
interferência (Carol, 1
o
período)
totalmente direto. Porque é federal, e tem toda uma ligação. Hoje, o curso depende de
você, tem que correr atrás, até pela estrutura mesmo, as rodas não tem (...) tudo bem
competitivo mesmo (Vinícius, 3
o
período)
sim, com certeza. Primeiro por causa das verbas, até a questão do acesso à universidade
eu considero elitista (Clarice, 4
º
período)
O que parece haver, então, não é uma falta de compreensão da vinculação entre as
questões específicas do curso e as questões gerais, mas sim, uma dificuldade de entender
as diferenças das perspectivas políticas postas pelos militantes. Mas, como alguns destes
colocaram que os estudantes tinham dificuldades de enxergar que os problemas que viviam
estavam vinculados às questões estruturais da sociedade, e que esta era uma das causas
da despolitização, pareceu-nos importante verificar de que forma estavam trabalhando para
avançar na superação desta dificuldade.
Com base no método "das massas para as massas" de Mao Tse Tung ( a propósito
dos métodos de direção)
257
sem esquecer-se jamais de "aprender junto das massas e continuar a ser alunos destas" Mao Tse Tung - Prefácio à
114
isso significa recolher as idéias das massas (idéias dispersas, não sistemáticas) ,
concentrá-las (transformá-las por meio do estudo em idéias sintetizadas e sistematizadas),
ir de novo às massas para propagá-las e explicá-las de maneira que as massas tomem
como suas, persistam nelas e as traduzam em ação; e ainda verificar a justeza dessas
idéias no decorrer da própria ação das massas. Depois é preciso voltar a concentrar as
idéias das massas e levá-las outra vez às massas, para que estas persistam nelas e as
apliquem firmemente.
elegemos a análise da forma como os militantes estavam tratando os problemas levantados
pelos estudantes como um aspecto importante para analisarmos a relação entre os
militantes e os estudantes.
O que colhemos dos depoimentos dos militantes
258
, é que estes não conversavam
com os estudantes sobre aos problemas do curso, conversavam somente entre eles
[militantes]
259
. Para os militantes, estes problemas aparecem como algo já dado, "todos já
sabem que está ruim, todo mundo sente isso todo dia". A ênfase, em suas respostas, foi
dada à naturalização por parte do conjunto dos estudantes diante da realidade - o que
tornaria a conversa muito difícil, à presença da ideologia individualista - como entrave para a
perspectiva coletiva e à falta de disposição para a luta - o que estaria levando as pessoas a
"engolir sapo, tentar fazer do jeito que dá e deixar passar".
A impressão que passam é que a questão da convivência, do dia-a-dia, de saber qual
é a questão principal para os estudantes, de partir do estágio de consciência dos
estudantes, de ajudá-los a compreender e superar as contradições que estão em jogo -
isso, parece não existir, ou pelo menos, a maioria não sinaliza como algo que deva ser
levado em conta.
A definição sobre quais lutas devem ser prioritárias e fruto da militância do movimento
estudantil, na maioria dos casos, é realizada nos debates internos dos grupos políticos. A
militante do PSOL, após considerar que não via problema das bandeiras e lutas serem
tiradas dentro dos partidos políticos e ressaltar a importância destes para o movimento
estudantil, no sentido de possibilitarem a "qualificação e elevação do debate", posicionou-se
contra o aparelhamento das entidades:
investigação no campo, 1941.
258
Com exceção do militante do Mobilização e Luta
259
O que segundo o militante do PT acaba deixando a discussão "muito focada: governo e oposição. É muito difícil conversar
sinceramente".
115
hoje, por exemplo, a palavra de ordem do DCE da UFRJ é a palavra de ordem do PSTU,
que é "Fora Todos", então o DCE decidiu em reunião de diretoria fechada que essa seria a
palavra de ordem. Isso é um exemplo claro do que seria aparelhamento. Não tem reunião
de diretoria, quase. As reuniões não são divulgadas, assembléia estudantil nem se fala,
teve uma, numa gestão de dois anos.
Em relação à forma como decidem as lutas principais, o militante do ML esclareceu
que:
por exemplo, se eu tenho a pauta mais geral, por mais verbas, está de acordo com a
minha posição estar construindo com os estudantes, vendo qual são os problemas
principais. Às vezes a questão de ouvir os estudantes não é algo formal, somente numa
assembléia, por exemplo. Mas sim , na conversa do dia-a-dia, e depois a gente vai ver se
essa é a pauta principal na prática".
Para o militante do MEL :
infelizmente, na prática, as lutas principais são definidas pelo critério da despolitização,
pelo que as pessoas despolitizadas estão conseguindo ver.(...) As reivindicações são
uma piada mesmo (...) tem se pautado pela miséria do meio estudantil.
Com base nos critérios através dos quais decidiam quais as lutas que deveriam ser
colocadas como principais, em cada momento, pedimos aos militantes que avaliassem
como era a adesão dos estudantes às mesmas:
Organização Avaliação sobre adesão dos estudantes à chamada para as lutas
PSOL
Depende do momento, (...) a gente está num momento de refluxo claramente, nunca vi um
momento pior, de não adesão, de não mobilização, de individualismo, de descrença total, e o
governo contribui para isso, por isso a adesão é muito pequena, os grupos que se mobilizam hoje,
são reduzidíssimos
PC do B
(...) existe muito preconceito entre os estudantes que não tem partido [em relação aos militantes],
que são a maioria absoluta. Eles acham 'ah, você quer cargo, quer subir na vida política' e aí tem
pessoas que querem isso mesmo, tem outras que partidarizam
260
o movimento estudantil. (...) A
descrença nas instâncias e discussões políticas é grande, a crise política. Mas essa rixa de partido
no movimento estudantil de base é muito mais prejudicial, porque o cara vê na televisão e na
realidade.
PSB
(...) as reuniões do CA e as próprias assembléias pecam pela participação, agora eu acho que a
culpa não é de nenhuma força, não é de quem compõe o CA, é exatamente a dificuldade que você
tem de mostrar para o estudante que aquilo é fundamental para a vida acadêmica dele. E as vezes
tem a visão pessimista do movimento estudantil, várias vezes fui taxado de político profissional (...)
PT (...) muitos não tem a paciência de ir na reunião, mas acho que nessa gestão uma coisa está
sendo muito mais dividida, porque mesmo os estudantes não indo à reunião, estão se organizando,
está gerando um debate. Por exemplo, essa coisa da xerox gerou grande debate, tem estudante se
organizando para boicotar a xerox.
ML
É muito boa. Às vezes você não tem adesão nas assembléias, por exemplo, na questão da
biblioteca, a gente teve assembléias cheias, com várias pessoas participando, dando opiniões, e
teve assembléia com 20 pessoas. Mas a adesão as vezes estava nos atos, estava em diferentes
formas de ajuda, aí a gente vê que é a questão principal do momento, e essa adesão conseguiu
260
Explicou que partidarizar é priorizar o crescimento partidário em detrimento do crescimento do movimento estudantil, no
caso. Segundo o militante, ao priorizar o debate nacional conseguem mostram mais o que é o partido do que a luta pelo
bandejão, por exemplo. "então priorizar a ação do seu partido, exclusivamente, prejudica o movimento".
116
construir a ocupação [da direção do IFCS], a passeata (...)
MEL
Se você for fazer um ato contra ou a favor da Reforma Universitária vai uma vanguardinha mínima
que já está politizada. A grande massa dos estudantes, infelizmente, querendo ou não, aderiu a
sociedade do consumo (...) adesão só se dá nas questões básicas, mais ridículas, mais burras.
A não adesão dos estudantes à chamada para a luta que os militantes definiram como
principal foi justificada por alguns (militantes) pela descrença, pela falta de paciência, pelo
individualismo, pela despolitização e pelo preconceito dos estudantes que não têm partido
político. Entretanto, este aspecto, ligado ao depoimento do militante do ML, à iniciativa dos
estudantes destacada pelo militante do PT e pela identificação por parte do próprio militante
do PC do B em relação ao partidarismo existente no movimento estudantil, parece indicar
que diante da pequena adesão dos estudantes, não há uma reavaliação- por parte dos
militantes - dos próprios métodos através dos quais as suas centralidades são definidas, dos
critérios ou ponto que partiram para definir as lutas, para definir qual é o foco principal. E
quando a adesão dos estudantes ocorre, parece estar mais ligada às questões que lhes
atingem mais imediatamente, entretanto, a maioria dos militantes parece não tomar este
aspecto como relevante, parecem não levar em conta o estágio de consciência dos
estudantes.
A participação dos estudantes nas assembléias é pequena e a decisão de participar
apareceu ligada ao interesse pela pauta indicada para a discussão. A não participação foi
justificada por alguns estudantes pela falta de tempo para participar, e entre os que já
haviam participado de alguma assembléia, destacaram principalmente o que chamaram de
ineficiência das assembléias e falta de objetividade na discussão do tema proposto.
fui as assembléias, mas trabalho e tenho tempo de ficar de 12:00 até 13:30h. Nunca
consigo participar de uma assembléia inteira. Outro dia foi um cúmulo, da gente ficar
discutindo, e aí ficar de 12:00 h até 13: 30 h cada um expondo, ou seja, cada grupinho
expondo seu ponto de vista sobre a direção do IFCS (...) aí começou a UNE [se refere às
divergências em torno desta entidade]. Já que todo mundo tem uma opinião sobre a
direção do IFCS, por que não se junta, e aí ficou até 13:30 h nessa discussão e aí acabou
não decidindo e eu tive que ir embora. Agora, não vai ser motivo para eu não ir em outras.
Mas acho que para outras pessoas sim. Calouro geralmente participa porque tá naquela
"ah, vou conhecer", mas depois (...) (Verônica, 6
º
período)
acho que acaba consumindo mais tempo do que se fosse voltada para atender realmente
a questão (...) é extremamente cansativo. Você fica 2 ou 3 horas ali reunido, anda um
pouquinho no negócio, e sai exaurido, morto. Sabe aquela discussão, bate de lado e bate
do outro (Léo, 2
º
período)
117
É porque na assembléia, esse é um problema daqui também, as pessoas ficam discutindo,
dando voltas no mesmo ponto e aí demora muito, esta assembléia da xerox terminou às
três horas da tarde, não tinha como alguém ficar de meio-dia às três horas da tarde (...) a
pessoa foge do ponto principal, começam a discutir várias outras coisas (Marília, 3
º
período)
Os panfletos que recolhemos na época da campanha para o CA destacavam a
importância da participação dos estudantes e a proposta principal para que esta fosse
garantida estava vinculada ao sistema denominado "voz, voto e ação", através do qual
qualquer estudante do curso poderia ir à reunião do CA e ter o mesmo direito de
participação e voto que os coordenadores eleitos. Atualmente, muitas tendências estudantis
valorizam este sistema, que é apresentado como a forma que possibilita a participação dos
estudantes, ou seja, quem quiser participar é só ir nas reuniões, entretanto, a super-
valorização desta perspectiva e a ausência de conversas com os estudantes sobre os
problemas que enfrentam - conforme verificamos - e, dado o período de refluxo do
movimento, apontado várias vezes pelos próprios militantes, parece estar servindo para
substituir um trabalho mais permanente junto aos estudantes:
ninguém que está no CA, que está fazendo movimento estudantil, tem a obrigação de
descobrir o que se passa no coração do estudante, é preciso que a pessoa se mobilize
também, que seja um sujeito ativo. Então, não adianta estar cheio de anseio e não querer
participar das reuniões, porque ninguém vai descobrir o que está se passando. Agora, as
pessoas que participam das reuniões têm seus anseios contemplados (PSOL)
nos baseamos na pluralidade, no sentido de colocar o voz, o voto e a ação em prática
mesmo. Então, quem estiver disposto a ajudar, vai poder falar seu ponto de vista. No fim
das contas, notamos que quem quer colocar a mão na massa se sobressai, (...) quem tiver
interessado, vai lá e coloca sua pauta na ordem do dia
Se todo mundo quiser opinar, pode estar junto na reunião opinando, (...) Então o espaço
para os estudantes participarem é a reunião, se eles não vão à reunião também não
podem reivindicar, estão de certa forma se conformando com o que a gente está
oferecendo. A gente abre o espaço para o confronto, para que se apresentem propostas,
mas muitas vezes as reuniões não ficam cheias, outras sim. Então o espaço seria esse.
(PSB)
Os militantes do ML e MEL, sob diferentes aspectos, apontaram algumas dificuldades
neste sistema de organização, como critério para estímulo à participação:
estamos tentando manter o diálogo [refere-se ao CA], agora tem dificuldades claras, na
única reunião do CA que fui, foi para nunca mais, eles queriam mostrar que no debate
sobre reforma universitária era mais democrático colocar duas pessoas a favor e uma
118
contra, do que colocar 2 a 2, e ficou neste debate durante uma hora, eles não divulgaram
a reunião direito, eles estavam com 13 membros lá dentro e nós com 3 (...) (MEL)
você vai ao CA e põe um ponto de pauta, então a pauta fica decidida, não pensando no
conjunto dos estudantes, é a pessoa individualmente que colocou a principalidade da sua
cabeça (ML)
Os estudantes parecem não identificar ou dar a mesma ênfase, que os militantes, ao
sistema de "voz, voto e ação" como o espaço para participação e colocação de suas
questões, pelo menos foi o que pudemos avaliar a partir da análise das respostas que nos
deram, quando lhes perguntamos a quem recorriam quando tinham alguma dificuldade no
curso e se consideravam o centro acadêmico um instrumento para estar levando seus
problemas: uns disseram não recorrer a ninguém, outros se informavam com os grupos
organizados e procuravam participar das atividades propostas, outros apontaram que o CA
deveria ser um instrumento para isso:
Acho que deveria ser. Deveria ser instrumento para tentar pegar a unidade estudantil,
deveria ser espaço de conversa, de diálogo permanente, de tentar tá levantando
seminário, de reivindicações estudantis para poder tirar aquela coisa e tá reivindicando,
mas eu não vejo isso acontecer (Elaine)
Eh, pois é. Deveria ser. Tem uma pessoa no CA, que a gente vai, fala com ele, é a pessoa
que é assim sempre bem solícita às queixas, mas é aquela coisa bem política, sabe ele
"ah, tá. A gente vai ver", só que fica nisso, não tem muito bem um retorno (Jennifer)
Não me sinto à vontade. E também porque às vezes eles não querem ceder a posição
deles, sabe. Cada um tem uma posição e não chegam a um acordo, mesmo que tenha
que ceder um pouquinho (...) não sinto que me representem, muitas vezes vejo que são
questões nossas, mas não me sinto à vontade (Clarice)
Entretanto, todos os estudantes consideraram a organização importante, e alguns até
frisaram como importantíssima, para se fazer representar e levar suas reivindicações e
pontos de vista aos órgãos superiores da universidade (Consuni, CEG, por exemplo), e
reconheceram que algumas conquistas só se efetivaram porque se organizaram.
Questionamos, então: qual o papel do Centro Acadêmico? E para entender como
compreendiam e que relação estabeleciam entre o CA e o movimento estudantil, de forma
mais geral, perguntamos quais eram as prioridades do movimento. Novamente surgiram nas
respostas: seria, deveria e a pergunta na "prática ou na teoria?".
Mais especificamente, sobre o Centro Acadêmico:
na prática ou na teoria? Na teoria deveria ser um instrumento para os estudantes
conseguirem melhorar as condições da gente aqui dentro, mas na prática o CA não está
119
servindo para isso. Acho que eles conseguem organizar um torneio de esporte, mas na
hora de organizar uma coisa (...) ah, o CA eu vejo funcionar assim, eles discutem,
discutem, mas não estão conseguindo resolver bem as coisas (Marília)
seria representar os interesses, lutas e reivindicações dos estudantes. Tentar construir
ambiente, uma faculdade melhor, resolver problemas. Está representando as idéias e os
interesses dos estudantes (Mônica)
No que diz respeito às prioridades do movimento estudantil, a maioria não sabia e
outra parte, além dos "seria", "deveria", colocaram o que eles achavam prioridades:
bandejão, reforma da biblioteca, relação professor/ estudante, entre outros aspectos
A maioria dos estudantes parece colocar-se fora do movimento estudantil, como se
fosse algo que não lhe dissesse respeito, identificando-o somente com os militantes
envolvidos mais diretamente. Outros, apesar de não se colocarem com tanto
distanciamento, apresentam o que consideram as prioridades do movimento estudantil, e
apontam algumas críticas:
vejo bandejão para o Centro, vejo uma reforma boa na biblioteca, porque a biblioteca foi
aberta, mas precisa de muita coisa para melhorar, tem o curso noturno (...) Agora se fala
muito, inclusive quando eu fui da Comissão [eleitoral para CA], eu vi que os programas
das chapas eram preparados na minha frente, então você tem o mesmo modelo de
proposta que é bandejão, biblioteca, curso noturno, que são coisas que eu acho que
ninguém vai contestar, agora por trás disso tem a manutenção da chapa que ganha. Então
a chapa que ganha faz palestrinha prá lá, debatezinho para cá. Mas realmente uma luta
concreta, para que haja mudança, eu acho difícil. Eu nunca vi, tirando a luta da biblioteca.
Bandejão teve manifestação no fundão. Agora a própria reunião do CACS, para que você
possa se reunir para ter uma mudança assim, poucas vezes (Verônica)
o movimento estudantil está ligado, hoje ele fala em acabar com a ALCA, acabar com o
FMI. E hoje a ventilador não funciona, e tem outras questões, (...) aqui também não tem
sabonete, não tem papel higiênico, e a gente quer acabar com a ALCA, com o FMI, mas
não temos sabonete. Não temos o mínimo necessário para estudar, a biblioteca está
fechada, e assim vai. Acho que hoje ele é partidário, entra por questões político-partidárias
e não por questões do estudante em si (Vinícius)
Dirigimos a pergunta sobre as prioridades do movimento estudantil, também, para os
militantes, para sabermos quais as referências que estavam pautando as suas ações.
Os militantes do PT e do MEL, após destacarem o racha e a falta de unidade do
movimento estudantil a partir do governo Lula, enfatizaram:
Com o Lula o movimento estudantil se dividiu (...) A pauta hoje se divide nisso: é a defesa
do governo ou a oposição ao governo (PT)
120
[O movimento estudantil] está rachado, não tem prioridade. Houve unidade até o governo
Lula, que para a maioria da esquerda seria um primeiro período de soluções dos
problemas dos estudantes do Brasil. Mas o governo Lula e o fracasso que foi , acabou
fragmentando não só o movimento estudantil, mas os movimentos sociais. Não tem uma
reivindicação do movimento estudantil, não tem uma unidade, está rachado entre os que
romperam com o governo Lula e outros que acabaram se perdendo (...) (MEL)
O militante do PSB destacou a busca pela unidade como prioridade. O do Mobilização
e Luta enfatizou a luta contra a falta de verbas, todavia enfocou que esta luta deveria se da a
partir das questões através das quais ela se manifestava na faculdade. O militante do PC do
B listou o curso noturno, a monografia e mais professores, entretanto, declarou que a última
vez que tinha discutido sobre isso tinha sido na época para a eleição do CA. Para a militante
do PSOL, a prioridade do movimento estudantil é a reforma universitária, seguida do passe
livre e da oposição ao governo Lula.
Ao confrontarmos as respostas dos estudantes às da maioria dos militantes, parece
haver uma tendência dos primeiros a colocarem sua referência principal, em relação ao que
deveria ser o movimento estudantil, vinculada às questões mais imediatas que enfrentam no
dia-a-dia, já a maioria dos militantes,
261
ao responderem, parecem referir-se às questões
políticas mais gerais. Para nós, a diferença de referências, a princípio, não parece
constituir-se o ponto nevrálgico da questão que estamos tratando, mas sim, a forma como os
militantes trabalham estas duas dimensões, específicas e gerais, e como os estudantes as
têm absorvido.
Para tentar aprofundar a nossa compreensão, trabalhamos em nossas entrevistas a
questão da Reforma Universitária (RU) - dado que é um debate que está posto
nacionalmente, que interferirá diretamente nas universidades, que relaciona-se ao projeto de
desenvolvimento para o país, que com freqüência aparece nos panfletos e documentos das
diversas tendências do movimento estudantil e que tem sido alvo de grande polêmica entre
as mesmas. Procuramos saber como a proposta da Reforma Universitária tinha sido
discutida no curso de ciências sociais da UFRJ.
Organização Como a Reforma Universitária foi debatida no curso?
PC do B
Foram feitos três debates, mas infelizmente a questão da Reforma Universitária perdeu peso por
causa da crise política (...) a prioridade da UNE é a sustentação do governo, essa tem que ser a
261
Com exceção do militante do Mobilização e Luta, que em sua resposta enfatizou o vínculo da questão mais geral às
questões imediatas. E do militante do PC do B, que em sua resposta nos pareceu contraditório, na medida em que destacou as
prioridades, mas ao mesmo tempo, revelou não tratá-las e sequer discutir sobre as mesmas.
121
política para os Centros Acadêmicos.
PSB
Teve discussões com representantes a favor e contra.
PSOL
Até o momento de refluxo que a gente está, acho que a gente não conseguiu mobilizar fortemente
contra essa reforma, e a gente tem que esta batendo nessa tecla, não pode deixar passar.
PT
Está sendo muito bem debatido. Estamos colocando o debate em primeiro lugar, não estamos
(...) chamando um grupinho pequeno e decidindo que o CA é contra o ENADE, por exemplo.
MEL
É uma questão que rola com muito oportunismo, o PSTU tem sido o maior exemplo disso (...) se
coloca como salvador da pátria e a CONLUTE parece que é a única solução. E martelam
tanto a questão da Reforma Universitária, de uma forma tão burra. Ao invés de ligar a RU com as
questões que as pessoas são capazes de sentir mesmo: como a falta de professores, falta de
ventilador, xerox, biblioteca (...) em vez de se pautar por isso, que a reforma universitária vai
piorar, ao invés de melhorar, eles ficam martelando que é o imperialismo, que é o governo Lula
(...) ficam falando de CONLUTE, querendo se promover, então acaba gerando afastamento,
porque nossa sociedade não está politizada.
ML
A forma como o tema está sendo tratado pela maioria dos militantes, contra a reforma ou a favor
da reforma, sem fundamentar o que isso significa, tem afastado os estudantes. Se não ligar a
análise que fazem com o que significará para os estudantes, e ficar só nos chavões
"privatização", "fora isso, fora aquilo" e não tentar inserir os estudantes na luta, fica distante dos
estudantes, então a reforma universitária acaba virando uma etiqueta, que não significa nada
para os estudantes.
A percepção dos estudantes, sobre a mesma questão, se aproximava mais das
avaliações dos militantes do MEL e do ML:
eu acho que precário - porque eu, por exemplo, não tenho informação suficiente para
entender direito o que é. Nos debates que tiveram foram mais brigas entre estes mesmos
grupos, do que um esclarecimento sério sobre o que são os pontos da reforma (Mônica)
foi muito complicada, porque tinha os contra e os a favor. O pessoal que era a favor ficou
falando mal de quem era contra: "o pessoal é contra porque é, porque é contra tudo", e
diziam que a RU era boa, que ia trazer avanços. E o pessoal do contra muitas vezes não
sabendo nem argumentar (Marília)
Não estou vendo tanta discussão, não sei se os alunos sabem exatamente o que é a RU,
até para poder ter a opinião deles (Vítor)
Para nós, ainda não havia ficado claro de que forma os militantes se propunham a
trabalhar politicamente para superar o que afirmavam repetidas vezes como um dos
problemas do movimento estudantil - a despolitização. Perguntamo-lhes que estratégias
criavam para trabalhar as dimensões gerais e específicas na prática do movimento
estudantil, como faziam para vinculá-las e o que os estudantes achavam da opinião deles
[militantes].
Organização Como trabalhavam/vinculam as
questões gerais às questões
específicas?
O que os estudantes acham dessa sua opinião?
122
PT
Mostrar que a política
(concepções ideológicas
liberalismo, socialismo, social
democracia) está diretamente
ligada à concepção material,
está no seu dia-a-dia acadêmico
Os estudantes ficam de lado, à parte. E o perigo disso é o ciclo
vicioso que tem isso aí, do estudante ao mesmo tempo ser jogado
de lado , para isso [para debates entre militantes]. Quer dizer, por
um lado, a suposta vanguarda do movimento afasta os
estudantes, por outro, o estudante também tem horror a aderir ao
movimento, (...) o estudante passa a ter opinião negativa sobre o
movimento por causa disso
PSOL
Acho que é fazendo associação
com os dois.
[perguntamos se achava que os estudantes conseguem perceber
essa vinculação] acho que sim.
PC do B
Isso só dá para fazer mesmo em
passagem em sala de aula,
assembléia, você aprofunda o
debate político.
Infelizmente não tem concordado muito com a gente. Porque em
grande parte há falta de interesse, informação, desmobilização,
muita despolitização no movimento estudantil.
PSB
Atuamos nessa frente mais
política macro 'oh, o governo e
tal', tentamos ter esse lado mais
acadêmico dentro do CA, e que
são debates de desarmamento
com os professores, com o Viva
Rio, debate sobre ENADE, sobre
violência (...) existem essas
demandas específicas (...) e
existe uma demanda política que
é maior do que o espaço físico
do IFCS, é super complicado
Nem sempre compreendem isso. Existe uma rotulação por parte
dos próprios estudantes. E a gente acaba estimulando um pouco
isso. Isso acaba atrapalhando na hora de produzir demandas
mais específicas.
MEL
Específico tem sido
feito. Na prática isso
[vinculação entre geral e
específico] não tem sido feito.
As pessoas sabem, mas não o suficiente, a ponto de se revoltar.
As pessoas não criam ódio ou se criam ódio à sociedade não tem
uma expectativa para que isso se torne uma prática.
Destacamos o depoimento do militante do Mobilização e Luta porque parece
diferenciar-se dos demais:
"temos que pegar sempre as questões concretas - não que as lutas gerais não sejam
concretas. E quando encontrar as questões específicas que mais afetam os estudantes
procurar como elas são resultado de várias política gerais, por exemplo: quando não
temos bandejão, isto quer dizer que a gente tem uma falta de verba séria, e isso está
dentro de uma política mais geral(...) Procuramos botar as questões principais onde está
mais afetando os estudantes, e mostrar onde estão as causas (...) enfatizamos essas lutas
(...) e mostramos onde estão as causas".
A diferença de perspectiva que percebemos neste último depoimento ficou mais
explícita quando levantamos o processo de luta pela reabertura da biblioteca do IFCS -
fechada de setembro/2002 a dezembro/2004 devido à proliferação de fungos em suas
dependências, afetando tanto os seus documentos como, principalmente, os seus
funcionários.
123
Ao longo destes dois anos, os estudantes realizaram diversas atividades pela
reabertura da biblioteca: assembléias, IFCS na praça
262
, diversos atos, passeata à
subprefeitura do Rio de Janeiro
263
, foram várias vezes ao Conselho Universitário, à
Congregação do IFCS, e todo esse movimento culminou com a ocupação do gabinete do
diretor do IFCS, no dia 13/04/2004. Os estudantes exigiram a presença do Reitor. Este
compareceu no mesmo dia e durante três horas ficou negociando com os estudantes, que
exigiram-lhe que convocasse uma coletiva com a imprensa, para assumir publicamente o
compromisso de reformar o Instituto.
À época, estivemos presente nesta ocupação e identificamos duas perspectivas
diferentes, por parte dos militantes, sobre qual seria o caráter principal a ser destacado na
negociação com o Reitor: uma que queria transformar a ocupação numa ocupação contra a
reforma universitária e outra que defendia que a ocupação deveria continuar a ser pela
reabertura da biblioteca do IFCS. A disputa pelo caráter da ocupação ficou manifesta
também nas perguntas que dirigiriam ao Reitor: para a primeira posição - que queria que a
ocupação assumisse o caráter de ocupação contra a reforma universitária - num bloco de
quatro perguntas, apenas uma se referia diretamente à biblioteca, as demais eram sobre a
RU. A segunda posição defendia que as questões gerais tinham que ser inseridas na
questão da biblioteca, e não o contrário, apesar de destacarem que consideravam a RU
importante e que a questão da biblioteca estava inserida nessas questões gerais.
Dos nossos entrevistados, apenas dois participaram mais diretamente da
ocupação
264
, a militante do PSOL e o militante do Mobilização e Luta.
Para a militante do PSOL, que defendeu que a ocupação deveria assumir o caráter de
ocupação contra a RU:
havia um certo imediatismo que era totalmente justo (...) mas a gente engolir uma RU
privatizante (...) era fundamental se aproveitar daquele momento e fazer com que o Reitor
da UFRJ desse uma declaração, até porque a gente sabia que ele tinha uma posição que
262
Ato realizado na praça em frente ao IFCS. Os estudantes colocaram um som do lado de fora do Instituto e o microfone era
aberto para quem quisesse falar, distribuíram uma carta aberta à população, dois professores deram aula pública e um esquete
foi encenado pelos estudantes, além de colarem cartazes, faixas e um mural com fotos, mostrando as condições precárias do
interior do prédio.
263
Em agosto/2003, o Prefeito César Maia anunciou que assumiria a obra da Biblioteca, prometendo R$ 1 milhão e em
março/2004 chegou a distribuir panfletos pela cidade anunciando obras sem data para começar. Os estudantes realizaram a
passeata para exigir que as obras se iniciassem.
264
Os militantes do PC do B e do MEL disseram não estar ainda na faculdade, o do PT disse que neste período estava muito
ausente da faculdade e o do PSB alegou que ainda era independente, mas o que pode perceber ...
124
não era favorável a RU, pelo menos no primeiro momento, e a gente achava fundamental
que ele se manifestasse ali, pra justamente fazer a relação para a sociedade, entre aquela
situação que a gente estava vivendo da biblioteca e o que a gente estava vivendo
nacionalmente da reforma universitária, mas acho que isso ficou pouco claro para todo
mundo na hora (PSOL).
O militante do Mobilização e Luta defendeu que a ocupação deveria continuar a ter o
caráter de ocupação pela reabertura da biblioteca:
Porque se fossem [os grupos da primeira posição] fazer uma ocupação contra a RU,
porque não mobilizaram pela RU, se isso mobiliza os estudantes para fazer uma
ocupação, então tente. Agora, se apropriar de algo que estava sendo mobilizado para a
biblioteca e botar como RU, naquele contexto, acabaria sendo um desrespeito aos
estudantes. Então, os grupos lá quiseram colocar como se fosse um embate das questões
gerais contra as questões específicas (...) a gente não menosprezava as questões gerais,
mas queríamos pautar as questões gerais pelas questões dos estudantes. Naquele
contexto, era a questão da biblioteca, é claro que se fôssemos priorizar discutir sobre a
RU, o Reitor ia adorar, ia falar várias coisas sobre a visão dele sobre a RU e ia acabar não
resolvendo a nossa questão. Então [os grupos que defenderam a outra posição] propõe
algo aparentemente radical, mas que não é radical coisa nenhuma, porque não consegue
atender as reivindicações concretas dos estudantes. A reivindicação era que queríamos
um prazo para o início das obras, queríamos verbas para obras na biblioteca, e no final
acabamos conseguindo R$ 1 milhão para as obras na biblioteca. Ali ficou clara essa
questão.
A mobilização dos estudantes pela reabertura da biblioteca parece ter sido decisiva
para a liberação das verbas para a biblioteca, isso foi dito claramente pelo Reitor durante a
conversa que teve com os estudantes durante a ocupação
265
.
A diferença de perspectivas entre os estudantes e a maioria dos militantes, e a
divergência entre estes - expressa de forma mais aberta na disputa pelo caráter que a
ocupação da biblioteca deveria assumir - nos permitiram compreender a concepção que
predomina na prática educativa do movimento estudantil que analisamos.
4. Luta geral, luta específica: unidade ou dicotomia no processo de educação política?
Os teóricos que subsidiaram a nossa análise, de diferentes maneiras, trabalharam
com a questão da educação política através do tratamento que dispensaram às diversas
265
"A discussão com vocês é fantástica, temos uma responsabilidade política que precisa ser exercida. Vocês precisam
entender que o Reitor não serve para liderar a universidade, não posso participar de manifestações estudantis junto com vocês.
O papel da reitoria é outro (...) Várias outras unidades passam por dificuldades, mas os recursos empenhados estão destinados
ao IFCS". (Teixeira, Aloísio. Reitor diz que esperou pela prefeitura para começar obras, Folha Dirigida, 16/04/2004).
125
formas que a luta assume (política, econômica e ideológica - seja na dimensão específica,
seja na dimensão geral e através da articulação das mesmas). Em diferentes contextos,
fizeram um esforço para romper e superar a visão dicotômica da realidade e trabalhar
dialeticamente a relação entre os diversos aspectos que a luta assume, ou seja, trabalhá-los
como aspectos de uma totalidade. E deste modo, de acordo com a conjuntura, com a
correlação de forças, com a especificidade de cada realidade e com o amadurecimento do
movimento de massas ressaltaram determinados aspectos da luta, tentando contribuir para
encontrar as táticas mais adequadas para avançar no movimento, na luta de classes, na
educação política das classes dominadas.
Tendo em conta esses referenciais, a partir da análise de conjuntura e da correlação
de forças que vivemos - que tem se caracterizado como período de refluxo não só no
movimento estudantil, mas de forma geral, desfavorável para os movimentos sociais e para
as perspectivas de transformação da realidade, o que tem determinado e possibilitado um
avanço da política neoliberal e da ideologia dominante que lhe é correlatada, expressa
principalmente através da naturalização das condições não só de estudo, mas também de
trabalho e de existência - ao longo de nossa pesquisa, buscamos compreender como se
desenvolvia a prática educativa no movimento estudantil.
Uma de nossas primeiras identificações - conforme já afirmamos ao longo do texto -
foi que apesar da predominância da ideologia dominante, vinculada a política neoliberal, ela
assumia aspectos de precariedade e instabilidade, o que para nós constituía-se como
espaços contraditórios através dos quais a consciência crítica poderia se desenvolver, a
partir da educação política realizada junto às bases.
Através das entrevistas, percebemos que os militantes, destacavam a despolitização
dos estudantes - caracterizando-a como incapacidade/dificuldade destes últimos em vincular
as questões imediatas com a questão política mais geral - como um fator relevante no
processo de desmobilização do movimento estudantil.
Tentamos verificar o grau de despolitização dos estudantes, e entre os nossos
entrevistados, a maioria, com exceção de um
266
, avaliou que as questões relativas ao curso
estavam vinculadas e integradas à política econômica que dirigia o país. Se a despolitização
266
Que declarou não ter parado para pensar sobre isso.
126
é entendida como a não vinculação entre as questões imediatas e as gerais, podemos dizer
que este não parece ser um aspecto predominante entre os estudantes.
Contudo, há uma diferença qualitativa entre analisar a realidade e compreender que
as condições em que vivemos advêm de uma política econômica e social, e, a partir dessa
análise, integrar-se na luta pela transformação da realidade. Por isso, o que parece firmar-se
como predominante é o conformismo, a adaptação ao status quo.
Os estudantes dão o "primeiro passo": compreendem - mesmo que não fazendo uma
análise aprofundada - as conseqüências que a política econômica e social traz para a
universidade e para as suas condições de estudo, entretanto, o "segundo passo": organizar-
se coletivamente para enfrentar e superar essa realidade, parece ser a grande questão, que
exige por onde deve passar o trabalho de educação política.
O que parece desmobilizar os estudantes ou não fazê-los reagir - de forma mais
organizada, é o fato de não sentirem-se capazes de modificar a situação e,
simultaneamente, a falta de crédito à perspectiva coletiva do movimento estudantil, não
reconhecido como representante autêntico porta-voz dos seus interesses.
Trabalhamos com os dois aspectos: corformação e despolitização - como
determinantes no processo de desmobilização do movimento estudantil e, tendo em conta o
referencial teórico que nos orientou, fomos verificar como os militantes estavam trabalhando
para avançar/superar tal fenômeno.
Para nós parecia importante: (1) verificar em que momentos os estudantes entravam
em movimento, o que os levava a isso, mesmo considerando ainda as formas limitadas que
esse colocar-se em movimento poderia representar; (2) analisar os encaminhamentos, as
formas e o trabalho político que os militantes estavam desenvolvendo junto aos estudantes
para tentar superar o que denominavam de despolitização.
Em relação aos estudantes, o que nos chamou atenção foi que as suas iniciativas, a
adesão e a participação nos ato, assembléias e atividades, quando ocorriam, estavam
relacionadas às questões mais próximas a eles, a algum problema que estava dificultando o
seu estudo.
Identificamos o que Gramsci denominou - entre as diversas etapas do
desenvolvimento da "consciência política coletiva"- de momento econômico-corporativo, no
qual emergem os interesses mais específicos. Entretanto, apesar de elementares revestem-
127
se de importância significativa, pois segundo Mao Tse Tung (ano)
267
a consideração, luta e
organização em torno dos mesmos pode permitir e contribuir para o engajamento das lutas
gerais. Gramsci, através do desenvolvimento do conceito de catarse, soma-se a esta
perspectiva, ao apontar que no processo de despertar do saber filosófico-científico é
imprescindível que a vanguarda leve em conta os problemas das massas, perceba as suas
aspirações e interesses.
Observamos, entretanto, que a maioria dos militantes, ao se reportar a estas
questões, fazia sempre a ressalva de se "tomar cuidado para não se ficar nelas", "cuidado
para não ficar na conjuntura e esquecer da estrutura". Na análise do conjunto das
entrevistas, evidenciou-se o que significavam essas ressalvas.
A maioria dos militantes, a partir da avaliação de que os estudantes já sabem e
sentem os problemas existentes na faculdade, consideram que é necessário "conscientizar"
os estudantes, todavia constatamos que para aqueles [militantes], esse processo [de
conscientização] parece passar prioritariamente ou tão somente por um confronto de idéias
entre os militantes, descolado do enfrentamento das formas específicas através das quais a
política neoliberal vem se concretizando no curso.
Quando há algum tipo de mobilização em torno das questões específicas, seja por
iniciativa dos estudantes ou de algum grupo organizado, o que parece sobressair-se como
prioridade para a maioria dos militantes é a necessidade de expor as suas posições e
confrontar-se com a dos demais militantes - burocratizando, relegando para o segundo plano
ou para o esquecimento as reivindicações e as motivações que levaram os estudantes a se
mobilizarem.
Essa percepção foi ficando mais clara, principalmente, através da forma como os
estudantes absorviam e expressavam as posições e divergências entre as tendências
estudantis, na maneira como apreenderam o debate sobre a reforma universitária, na
avaliação que faziam das assembléias.
267
Todos esses problemas relativos às condições de vida das massas devem ser colocados na nossa ordem do dia. (...) Devemos
fazê-las compreender, partindo dessas questões, as tarefas de ordem mais elevada que nós propomos, (...) queremos conquistar
o apoio das massas? (...) se queremos, devemos ir para o meio das massas, despertá-las para a atividade, preocuparmo-nos
com seu bem estar, seu sofrimento e trabalhar séria e sinceramente em defesa de seus interesses (...). Se assim fizermos, as
amplas massas certamente nos darão apoio e verão a revolução como a sua própria vida (...) - Atenção às condições da vida das
massas, Mao Tse Tung.
128
Tratar o específico e o geral como unidade - à luz da conjuntura, da correlação de
forças e do estágio de consciência parece ser uma dificuldade para a maioria dos militantes.
Talvez este seja um dos motivos que os leve - diante de algumas iniciativas dos estudantes
ou de outros grupos, a sentirem-se coagidos a integrar-se; a tratar as lutas imediatas como
"pequenas", e para alguns até "mesquinhas e burras". No caso da ocupação pela reabertura
da biblioteca, a ficar mais preocupados em extrair uma declaração do Reitor contra a
reforma universitária, subestimando o quanto aquela mobilização dos estudantes
expressava em termos de embate político com as propostas da reforma universitária, e o
quanto a garantia da reivindicação poderia estar acumulando para os estudantes avançarem
na valorização de sua organização, da luta, da força coletiva, para reforçar a possibilidade
de mudança e para o questionamento à conformação.
Esta postura [dos militantes] reflete-se também na falta de integração com a base
estudantil na definição das lutas que decidem como prioritárias, assim como, na
hierarquização das mesmas. Apesar dos militantes colocarem em seus panfletos de
campanha que o Centro Acadêmico tem que zelar pelos interesses e direitos dos
estudantes, parecem não refletir ou não perguntar-se: quais são os reais interesses dos
estudantes? Como avançar na luta política, tendo em conta esses interesses?
O que sinalizamos acima pode ser corroborado pelo depoimento de um dos
coordenadores do CA que, pelo menos teoricamente, assume:
o movimento estudantil, para descobrir qual é a sua pauta, precisaria volta a ser
movimento estudantil, precisaria voltar para sala de aula, as lideranças - coloco aspas - a
vanguarda do movimento estudantil deveria romper com o vanguardismo, deveria
conversar com o estudante, deveria saber o que se passa pela cabeça das pessoas.
Porque se você me perguntar qual é a demanda do movimento estudantil, eu não sei te
falar com certeza qual é (...)qual é a demanda do estudante hoje? (PT)
O tratamento dispensado pela maioria dos militantes às questões levantadas pelos
estudantes pode estar vinculado à própria posição política à qual [os militantes] se
incorporam - que tem como uma de suas expressões a ênfase que dão aos espaços de
representação [formais], e não, à organização e mobilização dos estudantes. Percebemos
isso quando tivemos contato com os panfletos de campanha para o Centro Acadêmico, na
qual as chapas anunciavam um pauta de reivindicações muito similares, e na forma como os
estudantes as diferenciavam. O que parece indicar que para a maioria dos militantes a pauta
129
que anunciam seria garantida muito mais pela representação do que pela organização,
mobilização e luta dos estudantes. Os próprios estudantes identificam essa postura nos
militantes,
O que eu percebo da prática é esse distanciamento em relação aos estudantes no
decorrer do ano, e tem uma convocação para uma reunião, mas reflete bem o que é a
política eleitoral externa à universidade, aquela aproximação em época de eleição, que
você sorri, se você perde ou ganha tem aquele distanciamento. (Elaine)
Às vezes eu acho que isso aqui é mais aprendiz político do que outra coisa (Lu)
Aqui é miniatura desse movimento fora, o cara perdeu eleição, acabou. O movimento
partidário só existe no período de eleição. Isso acabou, ele se recolhe no seu casulo,
passou dois anos, volta. Aqui também [na época de eleição para o CA], o cara tem várias
questões bonitas, (...) mas perdeu "tchau", até porque o CA é fechado (Vinícius)
O peso dado ao sistema de "voz, voto e ação" reforça a nossa perspectiva. Os
depoimentos da maioria dos militantes revelaram acreditar que este sistema bastaria para
garantir a participação dos estudantes, o que ficou explícito na forma como puseram a
questão: se os estudantes não chegam até eles é porque são conformistas. A educação
política parece reduzir-se ou é vista somente no espaço institucional, na medida em que
reproduzem nas entidades as normas e procedimentos da democracia representativa,
independente se o movimento é forte ou fraco, à revelia do grau de mobilização.
Ao mesmo tempo, a postura dos militantes indica uma subestimação do grau de
penetração da ideologia dominante entre os estudantes, assim, aqueles estabelecem um
modelo de participação [voz, voto e ação], e acreditam que os estudantes, diante de algum
problema ou dificuldade, mecanicamente irão reportar-se a ele. Entretanto, a não procura
dos estudantes, ao invés de levar os militantes a buscarem outras estratégias para incentivar
a participação, os leva a concluir que os estudantes são alienados, despolitizados,
consumistas, individualistas, esquecendo-se de reavaliar seus próprios procedimentos e
procurar mecanismos que garantam a máxima participação.
A concepção política da maioria dos militantes, que dirige o tratamento das lutas
específicas dos estudantes, tem gerado um distanciamento destes em relação aos
primeiros, tem levado os estudantes a caracterizarem as divergências travadas entre os
militantes como brigas, rivalidades e, concomitantemente, a reivindicarem que as lutas dos
estudantes sejam tratadas separadas dos partidos - nos leva a concluir que a mesma, tem
130
aberto brecha para a ideologia dominante fortalecer-se e inclusive, para reforçar a
despolitização.
A maioria dos estudantes
268
que entrevistamos destacaram a presença dos partidos e
a desunião como ponto negativo:
Destaque um ponto negativo no movimento estudantil:
(A): grande setorização e partidos
(B): desconexão entre discurso e ação. Os partidos políticos fazem proselitismo
idiota
(C): é o partidário
(D): é a desunião entre os próprios integrantes do movimento
(E): talvez muita coisa ligada a partido
(F): influência de partido dentro do movimento estudantil
(G): não cederem, estarem sempre em conflito, ao invés de tentarem chegar a um
acordo
(H): não ter unidade, o cara do PSTU e o outro do PC do B nunca vão se juntar para
lutar pela mesma coisa
(I): partidos
A "partidarização"
269
do movimento estudantil tem levado os estudantes a negarem o
partido como forma de organização.
No atual estágio de luta que em estamos, a ênfase na crítica recai muito mais na
forma de organização do que na análise da posição que os partidos incorporam. Os
estudantes - em função das práticas e posturas dos militantes dos partidos institucionais -
negam, de antemão, a forma de organização que historicamente possibilitou o proletariado
unir-se em torno de uma posição - aglutinando diversos setores, entre eles os estudantes,
para integrar-se na luta pela transformação social.
Esse processo, de forma geral, tem levado os estudantes a afastarem-se da política,
identificarem-na como politicagem
270
e reduzirem-na ao jogo eleitoral, a concluírem que as
dificuldades que enfrentam podem ser de fato superadas e garantidas desvinculadas da
construção de um outro tipo de sociedade e, ao mesmo tempo, reforça a resignação diante
da realidade.
268
não chegamos a pedir a todos os estudantes que destacassem ponto positivos e negativos no movimento estudantil pois, já
haviam colocado sua opinião em outras perguntas, e entre eles a questão dos partidos também foi um destaque.
269
Entendida como a transposição burocrática das bandeiras e posições dos partidos como se fossem bandeiras das entidades
de base. Quando os partidos impõem as suas posições, sem levar em conta as especificidade as demandas e os interesses das
bases.
270
Entendida pelos estudantes como briga entre grupos por cargos e votos.
131
Compreendemos que a politização, no sentido de convencer as pessoas a aderirem à
perspectiva contra-hegemônica, não é um processo imediato, é um processo longo, que
exige um trabalho político, que demanda uma educação política, repleta de recuos e de
avanços.
Diante do atual estágio de consciência dos estudantes, constitui-se como elemento de
grande valor, no processo de educação política, o momento em que colocam-se em
movimento na busca para resolver os seus problemas. Compreendemos que , a partir da
organização coletiva, os estudantes podem romper com o processo de conformação diante
da realidade.
Todavia, esse processo só se desenvolve na medida em que os militantes funcionem
como elementos de mobilização e mediação entre as reivindicações específicas e gerais
estimulando os estudantes a somarem-se na luta pela transformação social.
A educação política desenvolvida pela maioria dos militantes, ao não levar em conta
os interesses e anseios dos estudantes, ao partir de uma análise mais geral e tentar aplicá-
la como um modelo - sem levar em conta as especificidades que o geral assume em
determinada concretude; ao achar que pode ganhar os estudantes para sua posição
somente no debate, na "conscientização", sem enfrentar as contradições postas pela
realidade, sem querer ter que se submeter e em muitos casos até ceder em aspectos ainda
atrasados da massa e saber superá-los junto com a mesma no processo de lutas, sem saber
fazer autocrítica junto aos estudantes e avançar junto com mesmos, acaba caracterizando-
se como educação bancária
271
(Freire, 1981).
CONSIDERAÇÒES FINAIS
As lutas estudantis da década de 60 mobilizaram milhares de estudantes que
participavam ativamente das discussões, das propostas e das lutas travadas. As
discussões partiam dos problemas concretos existentes nas universidades, e essas
discussões ocorriam, na maioria das vezes, dentro das próprias salas de aula, com a ativa
participação da maioria dos estudantes. Existia base real das entidades estudantis no
271
Na perspectiva do autor, "o educador aparece como seu indiscutível agente, cuja tarefa indeclinável é 'encher' os educandos
dos conteúdos de sua narração (...) Em lugar de comunicar-se, o educador faz comunicados (...) [o educador] será sempre o que
sabe, enquanto os educandos sempre os que não sabem(...)" - várias páginas.
132
interior de cada universidade e uma grande preocupação com a organização interna do
movimento estudantil,
Cada sala de aula debatia seus problemas, suas carências, o que fosse, mesmo de giz, ou de
professores, qualquer detalhe era relacionado, então elegia um representante para um encontro de toda a
Universidade. Chegamos através deste debate a uma plataforma de lutas extremamente vinculada às
aspirações dos estudantes. Ao mesmo tempo, cada representante saiu do encontro com a incumbência de
organizar grupos em cada sala - uma espécie de comissão interna - para participar da luta pelo atendimento
de nossas reivindicações (Jorge Batista, ex-presidente do DCE da UFMG. In: Reis e Moraes,1998, p. 175).
A discussão sobre a relação das lutas reivindicatórias e as lutas "políticas"
compreendia duas necessidades: mobilizar em massa os estudantes e, ao mesmo tempo,
desenvolver a luta política contra a ditadura e pela revolução social. A questão do
movimento de massas é o que se pode destacar em primeiro lugar como um dos
principais avanços do movimento estudantil em tal período.
"Creio que a extrema felicidade das lideranças do movimento estudantil no período foi
que não tentaram se opor ao movimento em função de suas análises e discursos
prévios, mas cavalgaram na maré e tomaram a frente. Quando o movimento avança,
muita coisa é superada na prática ou torna-se secundária(...)" (Jean Marc. In: Reis e
Moraes, 1998, p.131)
O movimento de massas foi decisivo para que as tendências do movimento
estudantil retificassem as posições equivocadas, e para que não permitissem que as suas
divergências paralisassem as lutas.
Alguns fatores foram determinantes para tal postura: 1) a proximidade que existia
entre as lideranças e o conjunto dos estudantes, no sentido de conviver, de vivenciar os
mesmos problemas, de escutar, de perceber as principais tensões e preocupações da
massa estudantil - permitiu não só elevar o grau de politização, mas também integrá-la
nas lutas contra a ditadura, fazê-la perceber as raízes políticas das dificuldades que
viviam, e concomitantemente, permitiu que as lideranças retificassem posições
equivocadas e que levassem a luta à frente, sem descolar-se ou isolar-se do conjunto dos
estudantes; 2) o respeito às decisões deliberadas nas instâncias representativas, seja, no
133
Congresso ou Conselho da UNE, seja em assembléias dos DCE,s ou Centro Acadêmicos
constituiu-se como elemento importante para garantir não só a unidade do movimento
estudantil, assim como, fortalecimento do mesmo, junto as bases estudantis.
A necessidade da mobilização dos estudantes era um imperativo para o
prosseguimento da luta política dentro da universidade.
O movimento estudantil, nesta época, a partir das lutas pelas reivindicações
imediatas, buscou um envolvimento dos estudantes na luta política que se radicalizava
no seio da sociedade, e esta foi uma das formas através das quais conseguiu despertar o
interesse dos estudantes e estimulá-los a tornarem-se sujeitos ativos neste processo.
Assim, o movimento estudantil destacou-se como importante ator revolucionário e
educador político, no sentido da transformação social. Um dos elementos fundamentais
para isso, como apontamos, foi a capacidade de inserção e sintonia que os dirigentes do
movimento tinham com a base estudantil: "os dirigentes estudantis não eram apenas
porta-vozes de um descontentamento difuso, mas lideranças de aspirações enraizadas no
cotidiano de estudantes e professores. Daí sua legitimidade e o melhor nível de
organização demostrado" (Reis e Moraes, 1998, p.16). Ou seja, souberam no
fundamental articular e tratar como totalidade as diversas formas de luta, não excluindo a
luta política ou a luta reivindicativa, a luta geral ou a luta específica.
Os problemas concretos/específicos dos estudantes não vêm sendo tratados adequadamente
pelos dirigentes do movimento estudantil e isto pode estar dificultando a prática educativa
deste movimento, a partir de uma perspectiva crítica, distanciando-o das bases e abrindo
brechas para a ideologia neoliberal difundir-se de forma mais ampla.
Um dos principais motivos para a fragmentação, para a desmobilização e para o esvaziamento
do movimento estudantil, e conseqüentemente, a tendência ao descrédito, à não participação
da maioria dos estudantes, ao desestímulo à reivindicação por seus direitos refere-se ao fato
da representação estudantil distanciar-se de uma postura dialógica na relação com o conjunto
dos estudantes, assumindo alguns aspectos da educação bancária (Freire, 1981).
Analiso que um dos motivos que levaram ao esvaziamento do movimento foi o distanciamento
entre os dirigentes do mesmo e o conjunto dos estudantes, parece que isto acabou dificultando
e limitando o próprio potencial político do movimento estudantil.
134
Esse é um dos ensinamentos de Marx e Engels, qual seja, através principalmente da prática de
lutas e no enfrentamento da luta de classes em todos os aspectos, promover uma educação
política, para desvendar, desconstruir, desmascarar os aspectos dissimulados pelas classes
dominantes e, neste processo, forjar uma nova concepção de mundo, um novo homem, uma
nova sociedade.
A questão de saber trabalhar e combinar dialeticamente as diversas formas que a luta de
classes assume em cada conjuntura, ou seja, de saber tratar a relação entre as reformas e a
revolução, levando em conta a correlação de forças e respeitando o estágio de consciência das
massas, e, a partir daí, conseguir extrair as táticas e definir uma linha política que faça o
movimento avançar, sem isolar-se do conjunto das bases, foi um debate travado ao longo da
história do movimento estudantil.
Ao analisar o depoimento de alguns dirigentes estudantis da década de 60, momento que
houve expressiva inserção, mobilização e organização de parcela significativa dos estudantes
nas lutas, podemos perceber que as lutas específicas e as lutas políticas gerais eram
trabalhadas de forma articulada:
Em função da discussão sobre a política educacional, podíamos abordar o que se estava
passando com o Estado brasileiro, que instituições estavam sendo criadas, o que era
ditadura militar. Portanto, a luta reivindicatória estava articulada com a luta política,
inclusive porque se chocava com a política educacional do governo e com a
ditadura militar. Mas, antes de tudo, era preciso fazer as lutas reivindicatórias, levá-
las a sério.... ( José Dirceu, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo.
In: Reis e Moraes, 1998, p.135, grifos meus)
(...) Eu diria, ainda, sobre 68, que é necessário não esquecer que, se o movimento
mobilizava a sociedade, o fazia com base nos problemas dos estudantes. Esta é
uma indagação central para todas as lideranças estudantis: quais são os problemas
dos estudantes? Da boa resposta a esta questão dependerá a força do movimento
(Sérgio Passarinho, presidente da União dos Estudantes da Bahia, em 1968. In: Reis e
Moraes, 1998, p. 134, grifos meus).
De forma que a grande passeata dos Cem Mil tem, na sua origem, a luta pelas
reivindicações imediatas dos estudantes e a luta para entregar estas reivindicações ao
Ministério da Educação (Wladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos
Estudantes em 1968. In: Reis e Moraes, 1998, p.110, grifos meus).
135
Os estudantes saíram às ruas com reivindicações concretas. Lutavam por ampliação das
verbas para as universidades, contra o pagamento da anuidade, pela revogação das punições
impostas aos colegas, pelo fim da aplicação indiscriminada da pena de jubilamento aos
estudantes de menor rendimento escolar, pela melhoria da alimentação nos restaurantes
universitários, pelo aumento da quantidade de bolsas de estudo, pela ampliação do número de
vagas no ensino superior (luta pela absorção dos excedentes), e lutavam, também, pela
reformulação dos currículos, por uma pesquisa voltada para entender os desafios da
sociedade e para resolver os problemas do povo (Reis e Moraes, 1998).
Comecei, então, a procurar os motivos que levavam a este descrédito:
Havia uma dissonância entre as análises da realidade feita por parte da "vanguarda" do
movimento estudantil e as leituras da maioria dos estudantes. A primeira anunciava em seus
discursos o caráter geral das reformas neoliberais, enquanto a maioria dos estudantes
enfatizava os problemas e as dificuldades vividas no dia-a-dia do curso
272
.
a) No que dizia respeito às posições que predominavam na direção do
movimento estudantil, observei: por um lado, um discurso que até levantava os problemas
reais colocados pelos estudantes, no entanto, acabava privilegiando as articulações e
negociações por cima, sem um efetivo envolvimento dos estudantes na conquista de seus
direitos; por outro lado, um discurso que privilegiava palavras de ordem gerais, mas
desvinculando-as dos problemas concretos/específicos dos estudantes.
b) Em relação ao conjunto dos estudantes, percebia: um afastamento da
política (identificada, por uma parte significativa, como politicagem, ou seja, briga entre
grupos desvinculada das dificuldades enfrentadas pelo conjunto dos estudantes, ao longo de
sua formação), a identificação da partidarização do movimento (presença de estudantes
organizados em partidos) como o problema principal, o fortalecimento da perspectiva
individualista e o aumento da resignação diante da realidade.
Assim, existiam posições que pregavam a revolução e posições que se
atinham às reformas, no entanto, a ideologia dominante neoliberal continuava, senão
272
Uns criticavam os discursos gerais e o desprezo da "vanguarda" (representantes) pelos problemas locais, "estes caras ficam
gritando 'fora isso, fora aquilo', mas não estão nem aí para a falta de professores na faculdade"; outros admitiam que como
não pagavam a faculdade, não poderiam ficar reclamando da falta de estrutura, professores e outros problemas. Os primeiros
acabavam se somando, na maioria das vezes, à postura dos segundos, contribuindo para a naturalização da realidade: ou seja,
"não tem como ser diferente, é muito difícil mudar esta realidade".
136
paralisando, pelo menos neutralizando o potencial de organização e de luta do movimento
estudantil.
Analiso que um dos motivos que levaram ao esvaziamento do movimento foi
o distanciamento entre os dirigentes do mesmo e o conjunto dos estudantes, parece que isto
acabou dificultando e limitando o próprio potencial político do movimento estudantil.
a) Os problemas concretos/específicos dos estudantes não vêm sendo
tratados adequadamente pelos dirigentes do movimento estudantil e isto pode estar
dificultando a prática educativa deste movimento, a partir de uma perspectiva crítica,
distanciando-o das bases e abrindo brechas para a ideologia neoliberal difundir-se de forma
mais ampla.
b) Um dos principais motivos para a fragmentação, para a desmobilização e
para o esvaziamento do movimento estudantil, e conseqüentemente, a tendência ao
descrédito, à não participação da maioria dos estudantes, ao desestímulo à reivindicação
por seus direitos refere-se ao fato da representação estudantil distanciar-se de uma postura
dialógica na relação com o conjunto dos estudantes, assumindo alguns aspectos da
educação bancária (Freire, 1981).
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Apêndices:
Roteiro 1: Estudantes
- Tópico 1:
Quais as principais questões/problemas que os estudantes enfrentam atualmente?
140
O que vocês têm feito, que ações são realizadas para enfrentar estes problemas? (não
basta só listar propostas, é preciso explicitar quais são os procedimentos para concretizar
as propostas/ações)
Você conversa com seus colegas sobre as questões do dia-a-dia do curso? O que pensam
sobre isso?
Aqui penso em pedir opinião a partir de alguns momentos quando ocorreram maiores
mobilizações e embates de posições políticas, inclusive, na forma de encaminhamento, e de
intervenção, por exemplo: ocupação da diretoria do IFCS: A biblioteca ficou fechada por
dois anos, o que foi feito? Que atividades foram feitas? Como foi a ocupação da direção do
instituto? Como foi a participação dos estudantes? Quais eram as propostas, o que fizeram
na ocupação, quais foram as discussões? Qual foi a pauta de discussão com o Reitor
durante a ocupação da direção? Como esta pauta foi decidida?
Posso elaborar questões sobre as lutas pelo Bandejão (almoções e idas ao Consuni),
passeata à subprefeitura do Rio (centro da cidade), eleições de forma geral (CA, delegado
para congresso da UNE, ida ao Congresso da UNE.
Tópico 2:
Quais as prioridades do movimento estudantil?
Muitas das reivindicações propostas nos programas de chapa para a eleição do C.A são
comuns. Quais seriam as diferenças?
Qual é a pauta de reivindicações dos ativistas e dos estudantes?
Qual o seu conceito de vanguarda estudantil? Na sua opinião, qual é o papel da chamada
vanguarda estudantil?
Quais são as formas de incorporação dos estudantes nas lutas e nas decisões, por parte da
chamada vanguarda?
Os estudantes participam das assembléias?
O que achou das assembléias?
Você acha que a pauta das assembléias refletem os principais anseios do conjunto dos
estudantes?
Ficou até o final? As assembléias costumam ficar cheias? Por que?
Você acha que as discussões nas assembléias dão conta do que foi proposto na pauta?
141
Como as decisões das assembléias são encaminhadas na prática?
Como a chamada vanguarda incorpora os estudantes nestes encaminhamentos, na
construção e no desenvolvimento das decisões das assembléias?
Qual a sua opinião sobre a passagem da chamada vanguarda nas turmas?
Quando você percebe alguma dificuldade em relação às condições da faculdade, o que
faz? A quem recorre?
Como se organizam para conquistar os seus direitos, as reivindicações e as soluções das
dificuldades do curso?
Considera o C.A um instrumento para isso? Por que?
Qual o papel do Centro Acadêmico?
Como você avalia a atuação do C.A junto ao conjunto dos estudantes? E do DCE?
Você participou das eleições do C.A? O que definiu seu voto?
Você acha importante a representação/organização dos estudantes?
Você costuma participar das atividades, reuniões e lutas propostas pelo C.A? Como foi? O
que achou?
Você acha que o discurso e a prática dos ativistas são coerentes?
Tópico 3:
Por que escolheu este curso?
Como você avalia o mercado de trabalho atualmente?
O que acha do currículo do curso frente aos desafios colocados para o cientista social na
sociedade?
Como você avalia as questões referentes ao curso e à política econômica-social? Há
ligações/interferências?
Qual é o papel dos estudantes/do movimento estudantil no processo político/na política
nacional, na sociedade?
Como os estudantes poderiam estar influindo nestas discussões ou políticas?
De que forma a proposta de reforma universitária está sendo discutida no curso?
Tópico 4:
O que é o movimento estudantil para você?
142
Qual é a importância do movimento estudantil?
Que avaliação você faz do movimento estudantil? Destaque os pontos positivos e
negativos.
Como é a relação da diretoria do C.A com as outras correntes políticas que atuam no
IFCS?
Como estas forças políticas se posicionam em relação às reivindicações imediatas dos
estudantes no dia a dia do curso?
E em relação à política nacional/geral?
Quando você entrou na universidade, qual a sua expectativa em relação ao curso, ao
movimento estudantil? Ela mudou?
Como você avalia as tendências presentes no movimento estudantil? Quais são as
diferenças?
Roteiro 2: Militantes
- Tópico 1:
Quais as principais questões/problemas que os estudantes enfrentam atualmente?
O que vocês têm feito, que ações são realizadas para enfrentar estes problemas? (não
basta só listar propostas, é preciso explicitar quais são os procedimentos para concretizar
as propostas/ações)
Você conversa com seus colegas sobre as questões do dia-a-dia do curso? O que pensam
sobre isso?
Aqui penso em pedir opinião a partir de alguns momentos quando ocorreram maiores
mobilizações e embates de posições políticas, inclusive, na forma de encaminhamento, e de
intervenção, por exemplo: ocupação da diretoria do IFCS: A biblioteca ficou fechada por
dois anos, o que foi feito? Que atividades foram feitas? Como foi a ocupação da direção do
instituto? Como foi a participação dos estudantes? Quais eram as propostas, o que fizeram
na ocupação, quais foram as discussões? Qual foi a pauta de discussão com o Reitor
durante a ocupação da direção? Como esta pauta foi decidida?
Posso elaborar questões sobre as lutas pelo Bandejão (almoções e idas ao Consuni),
passeata à subprefeitura do Rio (centro da cidade), eleições de forma geral (CA, delegado
para congresso da UNE, ida ao Congresso da UNE.
143
Tópico 2:
Quais as prioridades do movimento estudantil?
Muitas das reivindicações propostas nos programas de chapa para a eleição do C.A são
comuns. Quais seriam as diferenças?
Qual é a pauta de reivindicações dos ativistas e dos estudantes?
Como vocês decidem quais são as lutas principais? Baseados em que critérios?
A adesão dos estudantes é significativa?
O que vocês acham da discussão diretoria x autogestão/proporcionalidade x
majoritariedade?
Como decidem a pauta das reuniões do C.A e das assembléias? Levam em conta os
anseios dos estudantes?
Como é a participação dos estudantes na elaboração de jornais?
Nas reivindicações, a quem vocês se dirigem (direção, reitoria, departamento, direção)?
O que fazem após o diálogo com estas instâncias (citadas acima)?
Como vocês decidem a participação nas instâncias, comissões, departamentos?
Como é a participação dos estudantes nas assembléias e nos encaminhamentos?
Quais são as estratégias de mobilização do conjunto dos estudantes?
Muitas das reivindicações propostas nos programas de chapa para a eleição do C.A são
comuns. O que difere uma chapa da outra?
Tópico 3:
Por que escolheu este curso?
Como você avalia o mercado de trabalho atualmente?
O que acha do currículo do curso frente aos desafios colocados para o cientista social na
sociedade?
Como você avalia as questões referentes ao curso e à política econômica-social? Há
ligações/interferências?
Qual é o papel dos estudantes/do movimento estudantil no processo político/na política
nacional, na sociedade?
Como os estudantes poderiam estar influindo nestas discussões ou políticas?
De que forma a proposta de reforma universitária está sendo discutida no curso?
144
Tópico 4:
O que é o movimento estudantil para você?
Qual é a importância do movimento estudantil?
Que avaliação você faz do movimento estudantil? Destaque os pontos positivos e
negativos.
Que estratégias vocês criam para trabalhar as dimensões gerais/específicas na prática do
movimento estudantil? O que os estudantes acham desta (sua) opinião?
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