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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE QUÍMICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA
ELVIS SIDNEI BÖES
Estudo Teórico da Solvatação de Ânions em
Solventes Orgânicos
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de
Mestre em Química
Prof. Dr. Hubert Stassen
Orientador
Porto Alegre, maio de 2005
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DECLARAÇÃO DE AUTORIA E ORIENTAÇÃO
O trabalho relatado na presente dissertação foi realizado inteiramente pelo autor,
sob a orientação do professor Dr. Hubert Stassen, durante o período de tempo entre
maio de 2002 e abril de 2005, no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Elvis Sidnei Böes
Dr. Hubert Stassen
ii
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à agência CAPES pelo apoio financeiro durante a realização do trabalho
aqui relatado.
iii
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vi
LISTA DE TABELAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . x
RESUMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xi
ABSTRACT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xii
1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.1 FORMULAÇÃO TERMODINÂMICA DA SOLVATAÇÃO . . . . . . . . . . 5
2.2 A CRIAÇÃO DA CAVIDADE DO SOLUTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.3 A ENERGIA DE CAVITAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.4 O PROBLEMA ELETROSTÁTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.5 A ENERGIA DE VAN DER WAALS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3 PROCEDIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.1 A ESCOLHA DOS SOLUTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2 OTIMIZAÇÃO DA GEOMETRIA MOLECULAR DOS SOLUTOS . . . . . 27
3.3 METODOLOGIA I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.4 METODOLOGIA II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.4.1 As Simulações de Dinâmica Molecular . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.4.2 As Simulações de Supermoléculas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.4.3 O Cálculo da Energia Livre de Solvatação . . . . . . . . . . . . . . . 35
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.1 METODOLOGIA I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.1.1 A Utilização dos Raios de Bondi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.1.2 A Parametrização com os Raios de Pauling . . . . . . . . . . . . . . 48
4.1.3 Comparações com a Teoria de Born . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.2 METODOLOGIA II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
4.2.1 As Simulações de Dinâmica Molecular . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
4.2.2 As Simulações de Supermoléculas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.2.3 Os Parâmetros de van der Waals . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4.2.4 A Energia de Solvatação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
iv
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
v
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Média dos desvios absolutos M.D.A. (em kcal/mol) entre os resul-
tados para energia livre de solvatação calculados e experimentais
para os ânions em AN em função do tamanho da cavidade. . . . . . 42
Figura 2: O mesmo que na fig.1, porém com os resultados obtidos para o
conjunto de ânions em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Figura 3: Comparação da energia livre de solvatação (em kcal/mol) calculada
G
cal
, e os respectivos dados experimentais G
exp
, para os ânions
em AN. A linha reta representa a correlação perfeita entre os dois
conjuntos de dados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Figura 4: O mesmo que na fig.3, mas com os resultados para os ânions em
DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Figura 5: Média dos desvios absolutos M.D.A. (em kcal/mol) entre os resul-
tados para energia livre de solvatação calculados e experimentais
para os ânions em AN em função do tamanho da cavidade, utili-
zando o conjunto de raios atômicos de Pauling. . . . . . . . . . . . 48
Figura 6: O mesmo que na fig.5, porém com os resultados obtidos para o
conjunto de ânions em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Figura 7: Comparação da energia livre de solvatação (em kcal/mol) calculada
G
cal
, e os respectivos dados experimentais G
exp
, para os ânions
em AN, utilizando raios atômicos de Pauling. A linha reta representa
a correlação perfeita entre os dois conjuntos de dados. . . . . . . . 52
Figura 8: O mesmo que na Fig.7, mas com os resultados para os ânions em
DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Figura 9: Função de distribuição radial para F
CH
3
na solução líquida do
ânion F
em AN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Figura 10: Função de distribuição radial para Cl
CH
3
na solução líquida do
ânion Cl
em AN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Figura 11: Função de distribuição radial para Br
CH
3
na solução líquida do
ânion Br
em AN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Figura 12: Função de distribuição radial para I
CH
3
na solução líquida do
ânion I
em AN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Figura 13: Função de distribuição radial para F
CH
3
na solução líquida do
ânion F
em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Figura 14: Função de distribuição radial para Cl
CH
3
na solução líquida do
ânion Cl
em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Figura 15: Função de distribuição radial para Br
CH
3
na solução líquida do
ânion Br
em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
vi
Figura 16: Função de distribuição radial para I
CH
3
na solução líquida do
ânion I
em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Figura 17: Estrutura do complexo [F(CH
3
CN)
6
]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Figura 18: Estrutura do complexo [Cl(CH
3
CN)
6
]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Figura 19: Estrutura do complexo [Br(CH
3
CN)
6
]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Figura 20: Estrutura do complexo [F(DMF)
3
]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Figura 21: Estrutura do complexo [Cl(DMF)
3
]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Figura 22: Estrutura do complexo [Br(DMF)
3
]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Figura 23: Comparação da energia livre de solvatação (em kcal/mol) calculada
G
cal
, e os respectivos dados experimentais G
exp
, para os ânions
em AN obtidos com a parametrização completa dos termos. A reta
indica a correlação ideal entre os dois conjuntos de dados. . . . . . 77
Figura 24: O mesmo que na fig.23 mas com os resultados obtidos para os
ânions em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
vii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Dados experimentais da energia livre de Gibbs de hidratação, de
transferência e de solvatação (em kcal/mol) para o caso do sistema
água/acetonitrila. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Tabela 2: Dados experimentais da energia livre de Gibbs de hidratação, de
transferência e de solvatação (em kcal/mol) para o caso do sistema
água/DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Tabela 3: Raios atômicos (em Å) de Bondi e de Pauling respectivamente para
os átomos presentes nos solutos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Tabela 4: Parâmetros físicos caracterizando os solventes AN e DMF no mo-
delo de contínuo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Tabela 5: Parâmetros de van der Waals e cargas parciais nos potenciais in-
termoleculares usados nas simulações de dinâmica molecular das
soluções de ânions em AN e DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Tabela 6: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e ex-
perimental para o conjunto de ânions em AN com raios de Bondi e
um fator de 1,31. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Tabela 7: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e ex-
perimental para o conjunto de ânions em DMF com raios de Bondi
e um fator de escalonamento de 1,33. . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Tabela 8: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e ex-
perimental para o conjunto de ânions em AN. Utilizando somente o
termo eletrostático puro, raios de Pauling e um fator de escalona-
mento de 1,30. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Tabela 9: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e ex-
perimental para o conjunto de ânions em DMF. Utilizando somente
o termo eletrostático puro, raios de Pauling e um fator de escalona-
mento de 1,27. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Tabela 10: Raios atômicos de Pauling dos solutos (em Å) e a comparação entre
o raio iônico efetivo de Born e o raio efetivo da cavidade molecular
no PCM para alguns ânions em AN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Tabela 11: Raios atômicos de Pauling dos solutos (em Å) e a comparação entre
o raio iônico efetivo de Born e o raio efetivo da cavidade molecular
no PCM para alguns ânions em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
viii
Tabela 12: Resultados das simulações de dinâmica molecular das soluções
dos ânions em AN. A tabela mostra a distância radial onde apa-
rece o ponto de máximo da função de distribuição radial, a distância
ânion-hidrogênio calculada e o respectivo fator de escalonamento
calculado com os dados obtidos em AN. . . . . . . . . . . . . . . . 64
Tabela 13: Resultados das simulações de dinâmica molecular das soluções
dos ânions em DMF. A tabela mostra a distância radial onde apa-
rece o ponto de máximo da função de distribuição radial, a distância
ânion-hidrogênio calculada e o respectivo fator de escalonamento
calculado com os dados obtidos em DMF. . . . . . . . . . . . . . . . 66
Tabela 14: Parâmetros geométricos obtidos nas simulações de supermolécula
dos complexos íon-solvente. As distâncias estão expressas em
ângstrons e os ângulos em graus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Tabela 15: Parâmetros atômicos de van der Waals ξ
i
(in kcal/molÅ
2
) otimizados
para o cálculo do termo de van der Waals na energia de solvatação
dos ânions em AN e DMF com os fatores 1,44 e 1,52 respectivamente. 74
Tabela 16: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e ex-
perimental e as respectivas contribuições para o conjunto de ânions
em AN com fator de 1,44. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Tabela 17: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e ex-
perimental e as respectivas contribuições para o conjunto de ânions
em DMF com fator de 1,52. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Tabela 18: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) separada em
suas contribuições calculadas (eletrostática G
ele
, não-eletrostática
G
ne
, van der Waals G
vdW
e cavitação G
cav
) e as respectivas
frações percentuais em relação a energia total de solvatação para o
conjunto de ânions em AN com fator de 1,44. . . . . . . . . . . . . . 79
Tabela 19: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) separada em
suas contribuições calculadas (eletrostática G
ele
, não-eletrostática
G
ne
, van der Waals G
vdW
e cavitação G
cav
) e as respectivas
frações percentuais em relação a energia total de solvatação para o
conjunto de ânions em DMF com fator de 1,52. . . . . . . . . . . . . 80
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AN Acetonitrila
ASC Apparent Surface Charge
BEM Boundary Element Method
DMF N,N-dimetilformamida
DMSO Dimetilsulfóxido
GEPOL Generation of Polyhedra
HMPT Triamida hexametilfosfórica
IEF Integral Equation Formalism
M.D.A. Média dos desvios absolutos
OPLS Optimized parameters for liquid-phase simulation
PCM Polarizable Continuum Model
RDF Radial Distribution Function
RHF Restricted Hartree-Fock
S.D. Standard Deviation (Desvio Padrão)
SM Solvation Model
SPT Scaled Particle Theory
x
RESUMO
O presente trabalho relata a parametrização do modelo de contínuo IEF-PCM para
o estudo da solvatação de ânions monovalentes em acetonitrila e N,N-dimetilformamida.
Nós propomos duas metodologias de parametrização do modelo de contínuo polarizá-
vel para este estudo teórico. A primeira proposta é baseada unicamente no cálculo do
termo eletrostático da energia livre e na equiparação deste termo com a energia livre
de solvatação experimental. Na segunda proposta de metodologia, a parametrização
do modelo de contínuo polarizável foi realizada com o auxílio das simulações de di-
nâmica molecular e dentro desta segunda proposta nós calculamos todos os termos
que contribuem para a energia livre de solvatação, a energia de cavitação. a energia
eletrostática e a energia de van der Waals. Com a aplicação da primeira metodolo-
gia, é obtido um erro médio absoluto de 2,1 kcal/mol nas energias de solvatação dos
ânions em acetonitrila enquanto que o erro médio absoluto calculado para energias
de solvatação dos ânions em N,N-dimetilformamida é 2,8 kcal/mol. A aplicação da se-
gunda metodologia resulta num erro médio absoluto de 1,4 kcal/mol nas energias de
solvatação dos ânions em acetonitrila e um erro médio absoluto de 1,2 kcal/mol nas
energias de solvatação calculadas para os ânions em N,N-dimetilformamida. Estes
resultados indicam que o modelo de contínuo polarizável IEF-PCM é adequado para o
estudo dos efeitos termodinâmicos nas soluções de ânions nos solventes acetonitrila
e N,N-dimetilformamida.
Palavras-chave: Modelos de contínuo, modelo do contínuo polarizável, PCM, IEF,
solvatação de ânions, energia livre de solvatação, acetonitrila, DMF.
xi
ABSTRACT
Theoretical Study of Anion Solvation in Organic Solvents
The present work reports the parametrization of the polarizable continuum model for
studying the solvation of monovalent anions in acetonitrile and N,N-dimethylformamide.
We have proposed two methodologies of parametrization of the polarizable continuum
model for this theoretical study. The first proposal is based on the computation of
the single term of electrostatic free energy equating this term with the experimental
solvation free energy. In the second proposal of methodology, the parametrization of
the polarizable continuum model was performed with the help of molecular dynamics
simulations and within of this proposal we have computed all the terms contributing
to the solvation free energy, cavitation energy, electrostatic energy and van der Waals
energy. With the application of the first methodology a mean unsigned error of 2.1
kcal/mol in the solvation free energies of the anions in acetonitrile is achieved whereas
the mean unsigned error in the solvation free energies of anions calculated in N,N-
dimethylformamide is 2.8 kcal/mol. The application of the second methodology results
in a mean unsigned error of 1.4 kcal/mol in the solvation free energies for the anions
in acetonitrile and a mean unsigned error of 1.2 kcal/mol in the solvation free energies
for the anions in N,N-dimethylformamide. These results indicate that the polarizable
continuum model is suitable for the study of the thermodynamic effects in solutions of
monovalent anions in the solvents acetonitrile and N,N-dimethylformamide.
Keywords: Anion solvation, solvation free energy, polarizable continuum model, inte-
gral equation formalism, acetonitrile, N,N-dimetilformamide.
xii
1 INTRODUÇÃO
A influência do solvente nos fenômenos químicos tem sido observada ao longo
de vários anos e tem recebido a atenção de pesquisadores nos campos da química
teórica e experimental. Por exemplo, é bem conhecido que a velocidade de uma re-
ação química pode ser alterada em muitas ordens de magnitude com a mudança do
solvente que constitui o meio reacional
1
. Além do seu impacto sobre a reatividade, o
solvente também pode modificar a estrutura e a distribuição de carga das moléculas,
como é revelado pela espectroscopia eletrônica ou vibracional de moléculas em solu-
ção
2
. Muitos destes fenômenos tem sido explicados através de conceitos qualitativos
ou por estratégias empíricas baseadas na parametrização de dados experimentais re-
lacionados com as propriedades físicas e químicas dos solventes, e com as forças
intermoleculares presentes
3
.
Tomando por base os tipos de interações intermoleculares que agem entre as mo-
léculas do solvente e do soluto, podemos classificar os solventes em três categorias
principais. Dependendo da habilidade das moléculas do solvente em formar ligações
de hidrogênio com as moléculas do soluto, podemos classificar os solventes em apo-
lares apróticos, polares próticos e polares apróticos
4
. Os solventes apolares apróticos
tem constantes dielétricas menores do que 15, e possuem momentos de dipolo nulos
ou muito pequenos. Neste grupo estão incluídos os hidrocarbonetos, seus derivados
halogenados, aminas terciárias, e o dissulfeto de carbono. Os solventes polares pró-
ticos possuem em suas estruturas moleculares, átomos de hidrogênio ligados à ele-
mentos eletronegativos tais como o oxigênio, e por isso são formadores de ligações de
hidrogênio. Estes solventes são caracterizados por constantes dielétricas geralmente
maiores do que 15. Bons exemplos de solventes próticos são: água, amônia líquida,
álcoois, ácidos carboxílicos, aminas e algumas amidas. Os solventes próticos geral-
mente solvatam fortemente os ânions devido à habilidade que possuem de formar as
ligações de hidrogênio.
No terceiro grupo desta classificação temos os solventes polares apróticos, ou sol-
ventes não doadores de ligações de hidrogênio. Estes solventes geralmente possuem
constantes dielétricas maiores do que 30, e suas moléculas exibem momentos de
dipolo maiores do que 2,0D. Adicionalmente, a presença de um par isolado de elé-
1
trons faz com que estes solventes solvatem mais fortemente os cátions. Os principais
representantes deste grupo de solventes são: nitrometano, dimetilsulfóxido (DMSO),
N,N-dimetilformamida, acetonitrila, acetona, nitrobenzeno, uréias cíclicas, triamida he-
xametilfosfórica (HMPT), sulfolano entre outros
4
.
Neste trabalho nos dedicamos primeiramente ao estudo da solvatação de íons nos
solventes polares apróticos. A importância de estudarmos a solvatação de espécies
iônicas em solventes com estas características é devido ao fato experimental de que
algumas reações do tipo S
N
2 são aceleradas de maneira notável em solventes po-
lares apróticos
5
em comparação com as mesmas reações realizadas em solventes
polares próticos. Uma possível explicação para estas observações é a de que pelo
fato dos solventes apróticos possuírem uma menor habilidade de solvatar os ânions,
estes últimos ficam mais livres para reagir com o átomo de carbono saturado
6
do que
no caso da solvatação em solventes próticos, na qual os ânions estão mais fortemente
ligados às moléculas de solvente por ligações de hidrogênio. Muitas outras reações
químicas envolvem mecanismos onde ocorrem a participação de íons nas etapas ini-
ciais ou nos estados de transição. Assim, a observação de que a solvatação de ânions
é correlacionada com as constantes de velocidade das reações químicas nos motivou
a iniciar um estudo teórico para modelar a solvatação de ânions em solventes polares
apróticos. Com este tipo de estudo, podemos estabelecer princípios para a seleção
dos solventes adequados para cada processo químico onde ocorre a participação dos
íons
4
.
Devido ao desenvolvimento de novas metodologias teóricas e ferramentas compu-
tacionais, nos últimos anos tornou-se possível modelar os fenômenos físicos e quími-
cos em solução. Entre as metodologias mais importantes, podemos mencionar aque-
las que se utilizam de campos de força clássicos, tais como Monte Carlo e simulações
de dinâmica molecular
7
. Uma outra abordagem que vem se tornando promissor é o da
supermolécula, na qual tanto o soluto quanto as moléculas do solvente são tratadas
explicitamente através dos formalismos da mecânica quântica
8
. Porém se resultados
quantitativos são requeridos, a abordagem da supermolécula torna-se computacional-
mente muito pesada. Entretanto existe a tendência de que esta abordagem venha ser
cada vez mais utilizada na medida em que ferramentas computacionais mais podero-
sas tornem-se disponíveis. Por fim, vamos mencionar as metodologias baseadas nos
modelos de contínuo para a representação do solvente. Nesta aproximação, geral-
mente o soluto é explicitamente tratado pelos métodos da química quântica, enquanto
que o solvente é considerado como um meio contínuo dotado de certas propriedades
físicas relacionadas com seu comportamento eletrostático. Estes métodos tem sido
amplamente adotados nas últimas décadas, especialmente na descrição das caracte-
rísticas energéticas da solvatação
9,10
. Além destes, modelos baseados em combina-
ções das aproximações descritas também tem sido propostos recentemente
11,12
.
2
Neste trabalho, vamos dirigir a nossa atenção para um modelo chamado de mo-
delo do contínuo polarizável, em inglês polarizable continuum model (PCM). Este modelo
apresenta uma boa exatidão, confiabilidade, adaptabilidade, e esforço computacional
relativamente pequeno na descrição dos processos de solvatação
13–15
. Através do
PCM simulamos o processo de solvatação inserindo o soluto dentro de uma cavidade
envolta pelo solvente o qual é representado por um meio contínuo infinito caracteri-
zado por suas propriedades físicas macroscópicas tais como a constante dielétrica.
O soluto por sua vez é representado por uma distribuição de carga obtida através
de cálculos mecânico-quânticos. Conforme este modelo, a distribuição de carga do
soluto polariza o meio dielétrico ao seu redor induzindo cargas aparentes sobre a su-
perfície da cavidade do soluto. Estas cargas induzidas geram um campo de reação,
o qual é introduzido no operador hamiltoniano do soluto como um operador de per-
turbação correspondente ao potencial gerado pelas cargas induzidas. A solução da
equação de Schrödinger correspondente ao soluto perturbado gera uma redistribuição
de carga no soluto. A nova distribuição de carga induz um novo campo de reação e
assim por diante, levando a um processo iterativo que é repetido até que este atinja
a auto-consistência. Os formalismos matemáticos envolvidos no equacionamento e
resolução deste problema podem ser encontrados nas refs.
9,16–19
, e serão expostos
na seção 2.
A construção da cavidade para o soluto dentro do meio contínuo é um dos passos
mais importantes dentro dos procedimentos executados no modelo PCM. Uma vez de-
finida a fronteira soluto-solvente, a cavidade do soluto é cuidadosamente construída
de acordo com o formato do soluto. A cavidade depende das posições e dos raios dos
átomos do soluto e também da molécula do solvente que está sendo modelado
20
. As-
sim, para estudarmos o processo de solvatação em um dado solvente, o modelo PCM
precisa ser parametrizado quanto ao tamanho e forma adequada da cavidade dos so-
lutos no solvente sob consideração. Este processo de parametrização é geralmente
realizado através da aplicação de um fator de escalonamento aos raios atômicos do
soluto. Geralmente este fator de escalonamento é escolhido por um procedimento de
maximização da concordância entre os dados experimentais e os valores computados
de alguma propriedade para um grupo representativo de solutos em um dado solvente.
Diversas parametrizações do PCM, que fazem uso direto dos raios atômicos e um fator
de escalonamento apropriado, são descritas na literatura recente
12,20–22
. Os principais
trabalhos publicados referem-se aos processos de solvatação de moléculas neutras
em água
12
, e solventes orgânicos tais como clorofórmio
20
, tetracloreto de carbono
21
,
e octanol
22
.
Uma menor atenção tem sido dada para a aplicação do PCM no estudo da solva-
tação de moléculas carregadas. Dentro destes estudos, citamos o trabalho de para-
metrização para a solvatação de solutos iônicos em água
23
e, mais recentemente em
3
dimetilsulfóxido
24
. Neste presente trabalho, vamos apresentar a parametrização e a
aplicação do PCM na modelagem do processo de solvatação de ânions em dois sol-
ventes polares apróticos, acetonitrila (AN) e N,N-dimetilformamida (DMF). Estes dois
solventes são de grande importância na química como é indicado por seu uso bastante
difundido em diversas operações
25
.
4
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 FORMULAÇÃO TERMODINÂMICA DA SOLVATAÇÃO
Neste trabalho, estudamos a termodinâmica de solvatação de ânions em solventes
orgânicos, utilizando como metodologia principal um modelo de contínuo, auxiliado pe-
las simulações de dinâmica molecular das soluções líquidas. No modelo de contínuo
utilizado, a atenção é dirigida principalmente ao soluto, o qual é tratado detalhada-
mente pelos métodos da química quântica, enquanto que o solvente é descrito de
uma maneira simplificada representado por um meio contínuo polarizável.
Ao estudarmos a solvatação, primeiramente precisamos definir de maneira formal
o que é solvatação. De acordo com Ben-Naim, solvatação é o processo de inserção
de um soluto em um dado solvente, na qual uma partícula do soluto (átomo ou mo-
lécula) é transferida de uma posição fixa na fase gasosa para uma posição fixa na
solução, mantendo-se constantes, temperatura, pressão, e composição do solvente
26
.
Respeitando-se estas condições, podemos relacionar a variação da energia livre de
Gibbs (G
sol
) que acompanha esse processo, com o trabalho reversível W(M/S) que
é realizado para transferir o soluto M da fase gasosa para o solvente S,
G
sol
= W (M/S) + RT ln
(q
rot
q
vib
)
gas
(q
rot
q
vib
)
solu
RT ln
(n
M
Λ
3
M
)
gas
(n
M
Λ
3
M
)
solu
(2.1)
onde q
rot
é a função de partição rotacional, q
vib
é a função de partição vibracional, n
M
é a densidade numeral e Λ
M
é a função de partição de momento. O último termo é a
contribuição chamada de energia de liberação, que surge da diferença na função de
partição de momento do soluto em fase gasosa e em solução. Na definição de Ben-
Naim, a soma dos dois primeiros termos na equação (2.1) é designado por G
sol
,
e representa a energia livre de solvatação em densidades numerais iguais em fase
gasosa e em solução
26
. O trabalho de acoplamento entre o soluto M e o solvente S,
pode ser particionado em várias contribuições, na forma
5
W (M/S) = G
ele
+ G
cav
+ G
dis
+ G
rep
(2.2)
onde G
ele
é a variação de energia livre de Gibbs decorrente da interação eletrostática
entre o soluto e o solvente, G
cav
é um termo positivo que corresponde ao trabalho
realizado para criar a cavidade dentro do solvente onde é inserido o soluto, G
dis
é um
termo referente à energia de dispersão soluto-solvente e G
rep
é um termo referente
à energia de repulsão soluto-solvente. Com isso, podemos escrever a energia de
solvatação como a soma das contribuições referidas, como
G
sol
= G
ele
+ G
cav
+ G
dis
+ G
rep
+ G
mm
(2.3)
onde definimos
G
mm
= RT ln
(q
rot
q
vib
)
gas
(q
rot
q
vib
)
solu
RT ln
(n
M
Λ
3
M
)
gas
(n
M
Λ
3
M
)
solu
(2.4)
como sendo a contribuição da energia devido ao movimento molecular vibracional,
rotacional e translacional do soluto. Se considerarmos que o efeito do solvente sobre
os graus de liberdade vibracional, rotacional e translacional do soluto é desprezível, os
quocientes na equação (2.4) se tornam unitários e conseqüentemente os logaritmos
se anulam, fazendo com que o termo referente ao movimento molecular G
mm
, seja
anulado. Com estas considerações, temos que a energia de solvatação pode ser dada
pela soma
G
sol
= G
ele
+ G
cav
+ G
dis
+ G
rep
. (2.5)
Então, uma vez definida a energia livre de solvatação, na forma da equação (2.5),
vamos descrever os métodos utilizados na avaliação de cada um dos termos que
contribuem para a energia de solvatação conforme adotamos neste trabalho.
2.2 A CRIAÇÃO DA CAVIDADE DO SOLUTO
Em toda teoria de efeito de solvente que desenvolvemos na seção anterior, deve-
mos em primeiro lugar definir uma cavidade dentro do meio dielétrico onde é colocado
a molécula do soluto. A construção desta cavidade deve seguir algumas normas, para
que se possa conseguir a convergência dos cálculos. A cavidade deve ter um tama-
nho e uma forma apropriada ao tipo de cálculo que se deseja realizar, incluindo dentro
dela a distribuição de carga do soluto. A cavidade deve fornecer em sua área externa
toda a superfície que pode ser acessada pelo solvente. Se a cavidade tiver a forma
ou tamanho inadequados, podem surgir efeitos de solvatação fisicamente irrealísticos,
com as energias correspondentes que podem ser superestimadas ou subestimadas
conforme o caso. Uma cavidade com o formato inapropriado pode gerar distorções no
6
campo de reação, e assim causar erros no cálculo da energia de interação proveniente
de uma distribuição irregular da carga na região de contorno da cavidade, ou mesmo
fora dos limites desta. Uma cavidade pode ser construída na forma de um sólido geo-
métrico regular ou irregular que envolva a molécula do soluto totalmente. No passado
foram comumente utilizadas cavidades na forma de esferas
27
, e elipsóides
28,29
.
Um outro tipo de cavidade são as cavidades moleculares
30
, que acompanham a
forma molecular, sendo construídas através da união de esferas sobrepostas centra-
das nos núcleos do soluto, ou centradas num certo grupamento químico da molécula,
ou então a união de esferas centradas nos núcleos e mais algumas esferas que ser-
vem para modelar e para para cobrir as áreas não acessíveis ao solvente
31,32
. A
superfície também pode ser constituída por mais de uma forma geométrica, com a
união de esferas, cilindros e outros sólidos regulares côncavos que preenchem as
regiões não acessíves ao solvente. A cavidade construída é caracterizada por seu
volume e área superficial, e por isso é necessário uma atenção especial sobre como
as moléculas se distribuem quanto à sua forma e volume quando estão em fase con-
densada, pois sabe-se que o volume molecular relacionado com as distâncias das
ligações e geometrias moleculares podem se alterar quando se passa do vácuo, ou
fase gasosa, para a fase líquida, o que é de grande interesse no estudo das proprie-
dades das soluções líquidas. Na primeira versão do modelo de contínuo polarizável
(PCM)
13,14
, a cavidade foi construída com a sobreposição de esferas, centradas nos
núcleos do soluto, e com um raio proporcional aos raios de van der Waals dos átomos
que constituem a molécula do soluto,
R
i
= f · R
vdW
i
(2.6)
onde R
i
é o raio da esfera que constitui a cavidade molecular, f é um fator multiplica-
tivo que estabelece uma certa proporção em relação aos raios de van der Waals dos
átomos R
vdW
i
. Os raios atômicos de van der Waals podem ser os raios compilados
por Bondi
33
, ou por Pauling
34
, que são encontrados em tabelas construídas através
de medidas cristalográficas.
O fator de correção dos raios atômicos f, que é utilizado na construção das esfe-
ras que constituem a cavidade molecular, conforme a equação (2.6), deve ter um valor
numérico levemente maior do que a unidade, como indicaram os trabalhos realizados
até o momento
12,20–22
. Os primeiros estudos realizados indicaram que para o caso de
solutos moleculares neutros em água como solvente, o fator situa-se próximo de 1,2.
Estudos de distribuição radial obtidos através de cálculos de dinâmica molecular mos-
traram que um fator na faixa de 1,2-1,25 é o mais adequado para descrever a energia
de hidratação de uma série de moléculas neutras
12
. A argumentação de que o fator
deve ser maior do que 1,0 é bem natural, pois as ligações químicas ou pares isolados
7
das moléculas do solvente geralmente tendem ficar mais afastados dos átomos per-
tencentes ao soluto, ou seja, numa distância um pouco maior do que os raios de van
der Waals dos átomos. Os solventes água
12
, clorofórmio
20
, tetracloreto de carbono
21
e octanol
22
, tiveram seus fatores determinados na faixa de 1,1-1,8 para que os resul-
tados dos cálculos se ajustassem aos dados experimentais. Com isso, sabemos que
existe uma grande dependência do fator f dependendo do solvente onde a solvatação
está sendo modelada.
Neste trabalho, a determinação do fator de escalonamento dos raios f, é um dos
principais objetos de estudo. Nós buscamos determinar este fator para o caso da
solvatação de ânions nos solventes orgânicos acetonitrila e DMF. Para isto, como ve-
remos em outras seções mais adiante, nós utilizamos uma metodologia de determi-
nação do fator de forma que os cálculos que reproduzissem as energias de solvata-
ção experimentais de uma série de solutos iônicos nestes solventes orgânicos. Os
procedimentos computacionais com os métodos de parametrização adotados serão
apresentados em maior detalhe nas seções 3 e 4 deste estudo.
2.3 A ENERGIA DE CAVITAÇÃO
A construção de uma cavidade de tamanho e formato apropriado para a inclusão
de um soluto molecular M no seio de uma solução contendo o solvente S, requer a
realização de um trabalho que pode ser relacionado com uma variação de energia
livre que acompanha o processo. A variação de energia livre que acompanha este
processo de formação da cavidade molecular do soluto no solvente chamamos de
energia livre de Gibbs de cavitação, e utilizamos a notação G
cav
. Este processo de
abertura de uma cavidade no líquido que constitui o solvente é realizado na ausên-
cia de qualquer tipo de força de interação entre o soluto e o solvente, para evitar o
acoplamento com os demais termos da energia de solvatação, e assim possibilitar o
tratamento isolado desta contribuição. Obviamente isto se constitui numa hipótese pu-
ramente teórica para facilitar o tratamento do problema através de uma separação, em
etapas, do processo de solvatação.
O conceito de energia de cavitação foi introduzido na literatura por Uhlig em 1936
35
. Este formalismo foi desenvolvido e aplicado na formulação do problema da solubi-
lidade de gases em líquidos. Diversas equações foram propostas ao longo dos anos
para avaliar a energia de cavitação G
cav
. Na metodologia original proposta por Uhlig,
a energia de cavitação é diretamente proporcional à área da cavidade esférica criada,
ou seja,
G
cav
= 4πR
2
cav
γ (2.7)
onde R
cav
é o raio da cavidade e γ é a tensão superficial macroscópica do solvente.
8
Ainda dentro deste formalismo, foi proposto mais recentemente por Pascual-Ahuir e
colaboradores
36
, uma correção que leva em consideração outras características do
solvente, com a energia de cavitação sendo então dada por
G
cav
= γS
M
RT ln(1 n
S
V
S
), (2.8)
onde γ é a tensão superficial do solvente, S
M
é a área superficial da cavidade, R é
a constante dos gases, T é a temperatura absoluta, n
S
é a densidade numeral do
solvente e V
S
é o volume de uma molécula do solvente.
A utilização da tensão superficial macroscópica do solvente γ, tem sido apontada
como a causa das deficiências apresentadas nestas metodologias mencionadas. Sur-
giram então propostas de correções que se utilizam de uma tensão superficial que leva
em consideração os efeitos de curvatura microscópicos. Dentro deste formalismo, a
aproximação mais adotada tem sido a proposta de Sinanoglu
37
. De acordo com esta
proposta, a energia de cavitação é dada por
G
cav
=
1 +
V
S
V
M
2
3
(k
g
S
1)
γS
M
, (2.9)
onde V
S
é o volume molecular do solvente, V
M
é o volume molecular do soluto, k
g
S
é um tipo de parâmetro de solubilidade estimado experimentalmente, γ é a tensão
superficial do solvente e S
M
é a área superficial da cavidade que pode ter a forma
esférica ou outra forma arbitrária.
Uma outra formulação da energia de cavitação é o formalismo proposto por Pierotti
38
. Este formalismo é baseado na scaled particle theory (SPT) de Reiss e colabora-
dores
39
. Na formulação da SPT, as moléculas do solvente são tratadas como esferas
rígidas, e mais recentemente este formalismo foi extendido para o caso de moléculas
de formato arbitrário
40
. No formalismo de Pierotti, a energia livre de Gibbs de cavita-
ção é expandida em potências de R
MS
, que é o raio da esfera que exclui os centros
das moléculas de solvente, ou seja,
R
MS
= R
M
+ R
S
, (2.10)
onde R
M
é o raio do soluto e R
S
é o raio molecular do solvente. Assim, neste forma-
lismo, a energia de cavitação é dada por uma expressão da forma:
G
cav
= K
0
+ K
1
R
MS
+ K
2
R
2
MS
+ K
3
R
3
MS
. (2.11)
Os coeficientes K
0
, K
1
, K
2
e K
3
são dados explicitamente por
K
0
= RT
ln(1 y) +
9
2
y
1 y
2
4πR
3
S
P
3
, (2.12)
9
K
1
=
3RT
R
S
y
1 y
+ 3
y
1 y
2
+ 4πR
2
S
P, (2.13)
K
2
=
3RT
R
2
S
y
1 y
+
3
2
y
1 y
2
4πR
S
P, (2.14)
K
3
=
4πP
3
, (2.15)
onde,
y =
4πR
3
S
n
S
3
(2.16)
e n
S
é a densidade numeral do solvente, R é a constante dos gases, T é a tempe-
ratura absoluta e P é a pressão, ambas mantidas constantes durante o processo de
formação da cavidade.
Na formulação original de Pierotti, a cavidade tem formato esférico e este forma-
lismo descreve razoavelmente bem os sistemas onde o soluto e o solvente são consti-
tuídos por moléculas pequenas e que podem ser descritas pela forma esférica. Para o
caso de solutos de formato mais complexo, o formalismo de Pierotti foi adaptado com
a finalidade de descrever também a energia de cavitação para cavidades molecula-
res de formato arbitrário como aquelas formadas pela sobreposição de esferas. Para
este caso mais geral, Claverie
41
propôs a seguinte expressão para a energia livre de
cavitação:
G
cav
=
n
i=1
A
i
4πR
2
i
G
cav
(R
i
) (2.17)
onde G
cav
(R
i
) é a energia de cavitação calculada pela equação (2.11) para o caso
de uma cavidade esférica de raio R
i
e A
i
é a área da esfera i do soluto que está
efetivamente exposta ao solvente. O somatório é realizado sobre as n esferas que
compõem a cavidade do soluto.
Este formalismo de Pierotti-Claverie foi aplicado com sucesso em diversos estudos
de solvatação utilizando modelos de contínuo e portanto foi escolhido para ser adotado
nos cálculos do termo da energia livre de Gibbs de cavitação no presente estudo sobre
a solvatação de ânions em solventes orgânicos.
2.4 O PROBLEMA ELETROSTÁTICO
Os métodos baseados numa distribuição contínua do solvente tem como conceito
básico o campo de reação
42
. A inserção de uma molécula M, numa cavidade criada
no solvente S, o qual é modelado por um meio dielétrico contínuo, surgimento à
um campo de reação. Isso ocorre porque o campo elétrico gerado pela distribuição
de carga da molécula ρ
M
, polariza o dielétrico que a envolve. Esta polarização do
10
dielétrico induz a formação de cargas na superfície da cavidade, e estas cargas indu-
zidas geram um campo elétrico em reação à presença do campo elétrico gerado pela
distribuição de cargas da molécula do soluto M. Numa formulação mecânico-quântica
deste sistema, estas interações entre a molécula do soluto M e o meio dielétrico con-
tínuo que representa o solvente S, são então incluídas no hamiltoniano do soluto, na
forma de um operador hamiltoniano efetivo que descreve o soluto e suas interações
com o dielétrico, intermediado pelo campo de reação, como veremos a seguir. Estes
métodos seguem a idéia proposta inicialmente em 1934 por Kirkwood
43
que possibi-
litava o cálculo da energia de interação de um soluto com o meio que o envolve, utili-
zando para isso uma descrição mecânico quântica do soluto, e representando o meio
através de um dielétrico contínuo e infinito. Em 1936, Onsager publicou um estudo
teórico acerca dos momentos elétricos das moléculas em líquidos
44
. Com o estudo de
Onsager foi estabelecido o modelo do solvente como meio dielétrico contínuo, na qual
é aberto uma cavidade, inserido a molécula do soluto e então calculado as interações
eletrostáticas resultantes dessa configuração do sistema.
Na formulação do problema da solvatação, vamos considerar um sistema cons-
tituído de um número grande de partículas (átomos ou moléculas) numa dada tem-
peratura e pressão, que faz com que este sistema comporte-se como uma fase lí-
quida em equilíbrio térmico e mecânico. Neste sistema físico, definimos um operador
hamiltoniano efetivo
15
para o soluto molecular H
M
, que na aproximação de Born-
Oppenheimer que estamos adotando, depende das coordenadas dos N elétrons q
(q = q
1
, q
2
, . . . , q
N
), depende parametricamente das coordenadas dos M núcleos Q
(Q = Q
1
, Q
2
, . . . , Q
M
) e da configuração do solvente em torno do soluto, que desig-
namos genericamente por . Este operador hamiltoniano efetivo pode ser escrito em
relação ao operador hamiltoniano para o mesmo soluto no vácuo H
0
M
, adicionando-se
à este último um potencial de perturbação correspondente à interação do soluto com
o solvente, conforme definimos na equação (2.18).
H
M
(q, Q, ) = H
0
M
(q, Q) + V
int
. (2.18)
O potencial de interação do soluto com o solvente V
int
, depende das coordenadas
eletrônicas e nucleares do soluto e também da distribuição do solvente em torno do
soluto. Assim escrevemos
V
int
= V
int
(q, Q, ). (2.19)
No modelo de contínuo utilizado neste trabalho, o operador do potencial de inte-
ração V
int
é reduzido à uma componente eletrostática, enquanto que a configuração
do solvente é substituída por uma distribuição contínua, representada pelo meio die-
létrico contínuo caracterizado por uma constante dielétrica . O potencial de reação,
11
que surge da interação eletrostática entre o soluto e o solvente, é então representado
pelo operador de potencial V
R
que então é introduzido na equação de Schrödinger
efetiva para o soluto
15
. Assim, as interações soluto-solvente são descritas em termos
de um campo de reação do solvente, que corresponde à um potencial de reação re-
presentado pelo operador de potencial V
R
. Este operador de potencial age como uma
perturbação no hamiltoniano do soluto. Então, na formulação mecânico-quântica, o
estado do soluto imerso no solvente é descrito completamente pela função de onda
Ψ que é solução da equação de Schrödinger, tendo como operador, o hamiltoniano
efetivo do soluto, e pode ser escrita na forma,
H
M
(q, Q, )Ψ(q, Q) = EΨ(q, Q)
H
0
M
(q, Q, ) + V
R
(q, Q, ρ
M
,
S
)
Ψ(q, Q) = E(Q)Ψ(q, Q) (2.20)
onde V
R
é o operador do potencial de reação, correspondente à interação eletros-
tática entre o soluto, caracterizado por sua distribuição de carga ρ
M
, e o solvente,
representado por um meio dielétrico contínuo caracterizado pela constante dielétrica
do solvente
S
. Na equação (2.20), Ψ é a função de onda do soluto, perturbada pela
presença do solvente, e E é a energia do soluto na presença do solvente. Uma vez
obtida a função de onda do soluto Ψ, podemos calcular a energia de Gibbs do soluto
na presença do solvente como
G
S
ele
=
Ψ(q, Q)
H
0
M
+
1
2
V
R
Ψ(q, Q)
(2.21)
onde o fator
1
2
na equação (2.21) se deve ao trabalho necessário no processo de
polarização do dielétrico, o qual é igual a metade da energia de interação eletrostática
U
I
, das distribuições de carga do soluto e do solvente, considerando-se que o solvente
comporta-se como um meio dielétrico contínuo de resposta linear
19
. A energia de
interação U
I
é dada por
U
I
=
1
2
ρ
M
V (2.22)
onde V é o potencial eletrostático gerado pelas distribuições de carga do soluto e do
solvente
17
.
A variação da energia livre de Gibbs eletrostática G
ele
, que acompanha o pro-
cesso de transferência do soluto para dentro do solvente é então dada pela diferença
entre a energia de Gibbs do soluto na presença do solvente G
S
ele
, e G
0
ele
que é a energia
livre de Gibbs do soluto livre na fase gasosa, ou seja,
G
ele
= G
S
ele
G
0
ele
. (2.23)
12
A energia livre de Gibbs do soluto no vácuo é aproximadamente igual a energia do
soluto E
0
que é obtida como solução da equação de Schrödinger (2.24) para o soluto
no vácuo.
H
0
M
(q, Q
0
(q, Q) = E
0
Ψ
0
(q, Q). (2.24)
E assim, temos que a variação da energia livre de Gibbs eletrostática é dada simples-
mente por
G
ele
= G
S
ele
E
0
G
ele
=
Ψ
H
0
M
+
1
2
V
R
Ψ
Ψ
0
H
0
M
Ψ
0
(2.25)
Portanto, o problema do cálculo do termo eletrostático G
ele
da energia de solvata-
ção se reduz formalmente à determinação da função de onda do soluto na presença
do solvente conforme dado pela equação (2.20)
15
. Para isto, precisamos conhecer
a forma do operador de potencial que representa a perturbação causada pela a pre-
sença do solvente que envolve o soluto. Se conhecermos o potencial eletrostático
total V , gerado pelas distribuição de carga do soluto ρ
M
e pela distribuição de carga
induzida σ pela polarização do dielétrico, então podemos escrever o operador corres-
pondente à este potencial, usando os formalismos da mecânica quântica. Vamos ver
então como esse problema de determinação do potencial eletrostático é formulado.
Sabemos que o potencial eletrostático total do sistema deve obedecer a equação
de Laplace
2
V = 0, (2.26)
e a equação de Poisson
2
V = 4πρ. (2.27)
Existem diversas estratégias para resolver o problema eletrostático proposto nestas
equações. Um dos métodos mais difundidos, e que é usado implicitamente neste
trabalho, é o método da superfície de cargas aparentes, do inglês Apparent Surface
Charges, geralmente denominado pela sigla ASC
9
. Neste método, o potencial eletros-
tático total é expresso como uma soma de dois potenciais eletrostáticos, um deles V
M
,
é o potencial eletrostático produzido pela distribuição de carga do soluto ρ
M
, e o outro
V
σ
, é o potencial eletrostático gerado pela distribuição de carga σ, localizada na su-
perfície da cavidade do soluto, e que surge com a polarização do meio dielétrico
13–15
.
Assim temos um potencial eletrostático dado por
13
V (r) = V
M
(r) + V
σ
(r)
V (r) =
ρ
M
(r
)
|r r
|
dr
+
Γ
σ(s)
|r s|
ds (2.28)
onde é domínio de integração em todo o espaço real tridimensional, enquanto que
Γ designa a região sobre a superfície da cavidade do soluto, ou a fronteira entre a
cavidade e o dielétrico contínuo. Com esta formulação, as soluções das equações de
Laplace e Poisson dentro e fora da cavidade do soluto, podem ser obtidas aplicando-
se o chamado método dos elementos de contorno, Boundary Element Method (BEM)
45
,
que transforma as equações diferencias parciais que definem o potencial em equações
integrais sobre a superfície da cavidade do soluto no dielétrico. Neste trabalho, ado-
tamos o formalismo das equações integrais, Integral Equation Formalism (IEF)
46
, que
nada mais é do que uma formulação do BEM onde se faz uso da teoria das funções
de Green para os operadores diferenciais.
No IEF, o problema eletrostático é formulado de maneira generalizada pelo con-
junto de relações:
L
i
V (r) = 4πρ(r) se r
i
L
e
V (r) = 0 se r
e
[V (r)] = 0 se r Γ
[
L
V (r)] = 0 se r Γ
(2.29)
onde L
i
e L
e
são operadores diferenciais parciais elípticos à serem definidos; o índice
i refere-se ao domínio interior da cavidade do soluto, região esta denotada por
i
,
enquanto que o índice e e
e
denotam a região do domínio exterior à cavidade do
soluto; o Γ denota a região da superfície da cavidade, o qual é a fronteira que separa
as regiões interior e exterior da cavidade
16,17,47–49
.
Vamos então definir explicitamente cada uma das equações em (2.29). O operador
L
i
é definido como
L
i
= = −∇
2
(2.30)
e o operador L
e
é dado por
L
e
V = V =
2
V (2.31)
14
no caso do meio ser um dielétrico isotrópico. Ele é definido como
L
e
V = −∇ · (V ) (2.32)
se o meio for um dielétrico anisotrópico caracterizado por uma permissividade elé-
trica tensorial . E para as soluções iônicas de concentração finita, descritas por uma
equação de Poisson-Boltzmann linearizada, temos o operador L
e
na forma
L
e
V =
2
V + κ
2
V, (2.33)
com κ representando o inverso do comprimento de Debye. A condição [V ] = 0 significa
que o potencial é constante ao se cruzar a interface Γ em um determinado ponto r,
[V (r)] = V
i
(r) V
e
(r) = 0 em Γ
(2.34)
e a segunda condição [
L
V (r)] = 0, expressa a forma como o gradiente do potencial
varia na interface,
[
L
V (r)] =
L
V
i
(r)
L
V
e
(r) = 0 em Γ
(2.35)
e que no caso de um meio dielétrico isotrópico se expressa simplesmente na condição
V
n
i
=
S
V
n
e
, (2.36)
onde n é o vetor normal à superfície e
S
é a constante dielétrica do solvente S
16,17,47–49
.
Se conhecemos as expressões analíticas das funções de Green para os operado-
res L
i
e L
e
então podemos usar uma combinção de equações integrais para obter o
potencial eletrostático V (r) em qualquer ponto do domínio
16,17,47–49
. Vamos ver como
isto pode ser feito para o problema colocado em (2.29).
A característica principal do formalismo das equações integrais é a introdução de
um conjunto de operadores integrais S
i
, D
i
, S
e
e D
e
, definidos em termos das funções
de Green dos operadores diferenciais L
i
e L
e
16,17,47–49
. Vamos denotar estas funções
de Green para os operadores L
i
e L
e
, respectivamente por G
i
e G
e
, e definí-los como
G
i
(r, r
) =
1
|r r
|
r
i
(2.37)
e
15
G
e
(r, r
) =
(|r r
|)
1
(det )
1
2
[(
1
(r r
)) · (r r
)]
1
2
r
e
exp(κ|r r
|)(|r r
|)
1
(2.38)
com as três últimas formas se referindo respectivamente ao casos de meios dielétri-
cos isotrópicos, anisotrópicos e soluções iônicas, nos pontos do domínio exterior à
cavidade do soluto.
Com isto, finalmente podemos definir os operadores integrais S
i
, D
i
, e D
i
, para
qualquer função contínua por partes u L
2
(Γ) com r, r
Γ, como:
(S
i
· u)(r) =
Γ
G
i
(r, r
)u(r
)dr
(2.39)
e
(D
i
· u)(r) =
Γ
r
G
i
(r, r
)u(r
)dr
, (2.40)
onde
r
G
i
(r, r
) =
r
G
i
(r, r
) · n(r
), sendo n(r
) o vetor normal no ponto r
, e
(D
i
· u)(r) =
Γ
r
G
i
(r, r
)u(r
)dr
(2.41)
com um significado análogo ao anterior,
r
G
i
(r, r
) =
r
G
i
(r, r
) ·n(r), sendo que n(r)
é o vetor normal num ponto r da superfície da cavidade. O operador D
i
é o adjunto
do operador D
i
16,17,47–49
.
De maneira semelhante, podemos definir os operadores integrais S
e
e D
e
para o
domínio exterior à cavidade, sendo dados por
(S
e
· u)(r) =
Γ
G
e
(r, r
)u(r
)dr
(2.42)
e
(D
e
· u)(r) =
Γ
r
G
e
(r, r
)u(r
)dr
(2.43)
com
r
G
e
(r, r
) = ( ·
r
G
e
(r, r
)) · n(r
), onde é o tensor de permissividade elétrica
do meio, que no caso dos meios isotrópicos lineares, se reduz à uma constante, a
constante dielétrica do solvente
16,17,47–49
.
Pode ser demonstrado que explorando-se as propriedades analíticas dos operado-
res integrais definidos, chega-se numa expressão para a distribuição de carga super-
ficial σ, o qual é obtida como solução da equação
A · σ = g (2.44)
onde os operadores
16
A =
I
2
D
e
S
i
+ S
e
I
2
+ D
i
(2.45)
e
g =
I
2
D
e
V S
e
E
n
(2.46)
são escritos em função dos operadores integrais definidos, do potencial eletrostático
V , de E
n
que é a componente normal do campo elétrico gerado pela distribuição de
carga do soluto, e de I, o operador unitário
16,17,47–49
.
No caso de um meio dielétrico isotrópico, é uma constante, e com isso podemos
definir os operadores integrais S
e
e D
e
por
S
e
=
S
i
(2.47)
e
D
e
= D
i
. (2.48)
Com isso, a equação (2.44) pode ser escrita como
S
i

I
2
D
i
+
1
I
2
+ D
i

σ =
1
S
i
E
n
, (2.49)
pois os operadores integrais possuem as seguintes propriedades
D
i
S
i
= S
i
D
i
(2.50)
e
I
2
D
i
V S
i
E
n
= 0. (2.51)
Se multiplicarmos a equação (2.49) em ambos os lados por [/(1)]S
1
i
, obtemos
+ 1
1
I
2
D
i
σ = E
n
(2.52)
que é a equação que define as cargas aparentes sobre a superfície da cavidade no
procedimento PCM original
13–15
. Assim mostramos que o formalismo das equações
integrais se iguala ao PCM original no caso de um meio dielétrico contínuo isotrópico
caracterizado por uma constante dielétrica .
Da mesma maneira que no modelo PCM original
13–15
, no IEF
16,17,47–49
a superfície
da cavidade do soluto é discretizada em pequenos elementos de área chamados de
tesserae
31,32
. Neste procedimento, a densidade de carga superficial σ é também dis-
cretizada e descrita por uma função constante sobre cada elemento de área. E com
17
esta aproximação, podemos escrever a equação (2.44) numa forma matricial,
CA
1
q = g (2.53)
onde C é uma matriz quadrada de ordem T ×T , com T sendo o número de elementos
de área, A
1
é a inversa da matriz diagonal A que contém as áreas dos tessera, q
é o vetor coluna que contém as cargas aparentes localizadas sobre cada um dos
elementos de área da superfície, e g é um vetor coluna que depende da distribuição
de carga do soluto ρ
M
. Nesta forma numérica, as matrizes da equação (2.53) são
escritas em função das matrizes correspondentes aos operadores integrais na forma
de
C =
A
2
D
e
A
1
S
i
+ S
e
A
1
A
2
+ D
i
(2.54)
e
g =
A
2
D
e
V S
e
E
n
. (2.55)
Assim, nesta forma discretizada das equações, os elementos das matrizes que
formam os operadores integrais são definidos como
S
kk
i
=
a
k
a
k
|s
k
s
k
|
(2.56)
e
D
kk
i
=
a
k
a
k
|s
k
s
k
|
3
(s
k
s
k
) · n (s
k
) , (2.57)
onde (k = k
T ) são os índices dos T elementos de área na qual a superfície foi
dividida, a
k
é a área do k-ésimo elemento da superfície, s
k
é o vetor posição de um
ponto onde se localiza a carga discretizada q
k
sobre o k-ésimo elemento de área da
superfície da cavidade
16,17,47–49
.
As matrizes S
e
e D
e
dependem do tipo de meio dielétrico que se está tratando
(isotrópico ou anisotrópico), e para o caso isotrópico, temos simplesmente as relações
S
e
=
S
i
(2.58)
e
D
e
= D
i
. (2.59)
No caso dos elementos diagonais das matrizes que representam os operadores D
i
e S
i
, temos
18
D
kk
i
=
S
kk
i
2R
, (2.60)
onde R é o raio da esfera sobre a qual está localizado o k-ésimo elemento de área,
sendo que S
kk
i
fica definido por
S
kk
i
= 1,07 a
k
4πa
k
(2.61)
expressão esta obtida através de considerações geométricas acerca da curvatura dos
elementos de área da superfície
17
. Com isto, o problema eletrostático fica completa-
mente formulado e o modo como devem ser resolvidas as equações fica determinado.
Então vamos voltar ao caso da resolução do problema mecânico-quântico da obtenção
da função de onda do soluto na presença do solvente.
O potencial eletrostático V (r) e o campo elétrico E
n
podem ser separados nas
suas contribuições eletrônicas e nucleares. Então devido a essa aditividade, podemos
particionar as cargas induzidas na superfície da cavidade em cargas superficiais indu-
zidas pelas cargas nucleares do soluto, e cargas superficiais induzidas pelas cargas
eletrônicas do soluto
47,48
. Assim podemos escrever os vetores que contém as cargas
como:
q = q
e
+ q
N
(2.62)
e
g = g
e
+ g
N
, (2.63)
onde o índice e quer dizer que estas cargas foram induzidas pelas cargas eletrônicas
do soluto, e N o mesmo para as cargas nucleares. Então, escrevendo a equação
(2.53) em função da carga fica
q = AC
1
g (2.64)
e com (2.62) e (2.63), segue que
q
e
+ q
N
= AC
1
g
e
+ g
N
. (2.65)
Com esse particionamento das cargas, podemos também separar a energia de
interação eletrostática U
MS
em quatro contribuições:
U
MS
=
ρ(r) σ(s)
|r s|
dr ds, (2.66)
U
MS
= U
ee
+ U
eN
+ U
Ne
+ U
NN
, (2.67)
19
onde a primeira letra do índice se refere à contribuição da carga do soluto e a se-
gunda indica a carga induzida na superfície de carga aparente
48,49
. Para uma confi-
guração nuclear fixa do soluto, o termo U
NN
é uma constante que depende somente
das posições e cargas dos núcleos do soluto. As demais contribuições dependem dos
orbitais moleculares do soluto na presença do solvente. No caso do formalismo de
Hartree-Fock que adotamos, os termos da equação (2.67) são dados pelas seguintes
expressões:
U
ee
= tr P X, (2.68)
U
eN
= tr P j, (2.69)
U
Ne
= tr P y, (2.70)
onde tr designa o traço (soma dos elementos da diagonal) da matriz resultante do
produto de matrizes definido
49
. A matriz P é a matriz de densidade dos orbitais mole-
culares do soluto, cujos elementos são definidos como:
P
µν
= 2
N/2
a
C
µa
C
νa
, (2.71)
onde C
µa
são os coeficientes da expansão dos orbitais moleculares do soluto conforme
a notação usual
50
. A matriz X, que depende da matriz de densidade P, corresponde
às interações entre os elétrons do soluto e as cargas aparentes q
e
. Os seus elementos
são dados explicitamente por
X
µν
=
T
k=1
q
e
k
V
k
µν
, (2.72)
onde o potencial V
k
µν
é obtido como
V
k
µν
=
χ
µ
1
|s
k
r|
χ
ν
. (2.73)
A matriz j inclui as interações entre a distribuição de carga eletrônica e as cargas
aparentes induzidas pelos núcleos q
N
, e os seus elementos tem a forma de
j
µν
=
T
k=1
q
N
k
V
k
µν
. (2.74)
A matriz y é relacionada com as interações entre as cargas nucleares do soluto e
as cargas aparentes induzidas pelos elétrons do soluto q
e
, e seus elementos ficam
definidos como
20
y
µν
=
T
k=1
q
e
k
V
k
N
, (2.75)
onde o potencial eletrostático V
k
N
gerado pelas cargas nucleares é dado por
V
k
N
=
M
A=1
Z
A
|s
k
R
A
|
(2.76)
para cada núcleo A de carga Z
A
localizado numa posição fixa R
A
48,49
. E ainda temos o
termo referente à interação das cargas nucleares com as cargas superficiais induzidas
no dielétrico por essa distribuição de carga nuclear
48,49
, sendo dado explicitamente por
U
NN
=
T
k=1
q
N
k
V
k
N
. (2.77)
Com estas definições em mãos, podemos então escrever a energia livre de Gibbs
eletrostática como sendo
G
ele
= tr P
h +
1
2
(j + y )
+
1
2
tr P [G + X] +
1
2
U
NN
+ V
NN
, (2.78)
e definindo-se
h
=
h +
1
2
(j + y )
, (2.79)
G
= [G + X] , (2.80)
V
NN
=
1
2
U
NN
+ V
NN
, (2.81)
onde V
NN
é a energia de repulsão nuclear do soluto, e as matrizes h e G possuem
o significado usual, reunindo respectivamente as partes de um e de dois elétrons
da matriz de Fock no vácuo
50
. A adição das contribuições do solvente como foram
definidas, leva às respectivas definições de h
, G
e V
NN
. Assim, podemos escrever, de
maneira análoga ao caso do soluto no vácuo, as equações de Hartree-Fock-Roothaan,
F
C = SC ε, (2.82)
com o operador de Fock efetivo
F
= [h
+ G
] (2.83)
definido para o soluto na presença do solvente
16,17,47–49
. Nestas equações, as matrizes
S, C e ε, possuem o significado usual, onde S é a matriz de overlap, C é a matriz de
21
coeficientes dos orbitais moleculares e ε é a matriz de autovalores de energia
50
.
A equação de Roothaan para o soluto na presença do solvente é resolvida com o
mesmo procedimento iterativo que é usado para o soluto no vácuo
50
. Como as matri-
zes que definem a perturbação devido à presença do solvente dependem dos orbitais
moleculares obtidos através da resolução da equação (2.82), em cada siclo SCF deve
também ser resolvido o problema eletrostático, determinando-se as cargas aparentes
sobre a superfície da cavidade, que por sua vez geram uma nova perturbação no ope-
rador de Fock. Assim a distribuição de carga do soluto ρ
M
e da superfície da cavidade
σ, são mutuamente rearranjadas até atingir-se o equilíbrio e a auto-consistência do ci-
clo de iterações
16,17,47–49
. Uma vez obtida a função de onda do soluto, podemos então
calcular a energia livre eletrostática, pela equação (2.78), e qualquer outra propriedade
que pode ser obtida através da função de onda do soluto.
2.5 A ENERGIA DE VAN DER WAALS
As forças de van der Waals estão presentes em todos os sistemas moleculares e
desempenham um papel muito importante em muitos fenômenos. Em primeiro lugar
temos o estudo dos gases feito por van der Waals que origem a bem conhecida
equação de estado
P +
a
V
2
(V b) = RT, (2.84)
a chamada equação de van der Waals, que nos diz que as moléculas individuais de
um gás não tem acesso ao volume molar total V , pois as próprias moléculas restantes
do gás ocupam o volume b. A correção a/V
2
no termo da pressão P implica que
a energia cinética com a qual as moléculas colidem contra as paredes do recipiente
é menor do que sua energia cinética no interior do fluido, devido a força atrativa das
moléculas umas com as outras. A correção atrativa na pressão é proporcional ao
inverso do volume ao quadrado, ou seja, é proporcional à 1/r
6
, onde r é a distância
média entre as moléculas do gás. Estas forças intermoleculares são chamadas de
forças de van der Waals
51
.
As forças de van der Waals fornecem a base da explicação de muitos fenômenos
na física, química e biologia. Estas forças intermoleculares explicam a origem da
condensação e da cristalização, em particular os chamados cristais de van der Waals,
como os cristais formados de átomos de gases inertes. Estas interações são também
importantes na formação de fases líquido-cristalinas e a absorção de água pelos solos
argilosos. Na química, as forças de van der Waals estão presentes no estudo da
adsorção em superfícies, no campo da catálise, no estudo de colóides, nos polímeros,
nos detergentes, na ciência da adesão e da lubrificação. Na biologia, as forças de van
der Waals estão presentes nas questões da adesão celular, na organização viral e de
22
estruturas supramoleculares, no movimento muscular e no reconhecimento molecular
dos ácidos nucleicos e das proteínas.
A interação de van der Waals entre átomos, moléculas e estruturas materiais de
modo geral, é de natureza puramente mecânico-quântica. A teoria quântica demons-
tra que em todo o espaço existe um campo de radiação quantizado. Em todo ponto
do espaço, fótons estão movendo-se aleatoreamente de acordo com a distribuição de
Planck. Estes fótons estão constantemente colidindo com as partículas presentes e
assim formam-se os dipolos instantâneos dos átomos e moléculas. Cada dipolo ins-
tantâneo µ
i
da molécula i induz um dipolo µ
j
na molécula j, o qual por sua vez tende
a diminuir a energia do dipolo instantâneo i, e assim mutuamente. O quanto a mo-
lécula i se polariza é certamente proporcional ao número de fótons que é obtido da
distribuição de Planck. O parâmetro que fornece o acoplamento entre os fótons e a
molécula i é a polarizabilidade molecular χ
i
. Sua parte real χ
i
descreve a polarização,
e a sua parte imaginária χ

i
descreve a relaxação, ou seja, a proporção de energia
dissipada da molécula para o campo de fótons. No equilíbrio térmico, ocorre um fluxo
equivalente de energia dos fótons para as moléculas, o que sugere que a intensidade
média da polarização das moléculas i e j é proporcional à parte imaginária das suas
respectivas polarizabilidades. As relações entre as interações moleculares e o espa-
lhamento ou absorção de fótons é que dá o nome de forças dispersivas, ou interações
moleculares dispersivas à esse tipo de forças de van der Waals. A energia resultante
associada com este tipo de interação recebe o nome de energia de dispersão.
A energia de van der Waals é composta de uma energia de dispersão e uma
energia de repulsão. A energia de dispersão surge das interações descritas acima,
enquanto que a energia de repulsão tem a sua origem física nos efeitos mecânico-
quânticos da interpenetração da distribuição de carga eletrônica de uma molécula com
a sua vizinhança. Esta interação entre as distribuições de carga gera um potencial,
que em moléculas no estado fundamental, origem à forças de caráter repulsivo.
Este potencial é também chamado de potencial de troca, pois a sua principal com-
ponente é relacionada com os operadores de troca para os elétrons das moléculas
envolvidas na interação. O ganho energético resultante destas forças é a chamada
energia de van der Waals repulsiva ou simplesmente energia de repulsão.
O tratamento teórico exato das forças de dispersão envolve a quantização tanto da
matéria quanto dos campos. O sistema elétron-fóton deve ser tratado através da teoria
da eletrodinâmica quântica. Através dos métodos da segunda quantização, é possí-
vel construir o hamiltoniano total do sistema a partir do hamiltoniano eletrônico, do
hamiltoniano para o fóton e de um operador de interação elétron-fóton. A energia de
dispersão entre duas partículas resulta numa perturbação de quarta ordem, pois cada
contribuição é devido a interação de dois elétrons e dois fótons. Se o sistema eletrô-
nico está em seu estado fundamental, e efetuando-se a média sobre todas excitações
23
instantâneas, então podem ser definidas suscetibilidades elétricas e magnéticas para
o sistema e tratá-lo com a teoria das Equações de Maxwell. Se também assumirmos
que o sistema de fótons está em seu estado fundamental, então podemos introduzir os
potenciais de interação elétrico e magnético e assim resolver a equação de Schrödin-
ger para o sistema. Desta forma, obtém-se equações requerendo uma teoria de per-
turbação de segunda ordem. Como o formalismo de Schrödinger é não-relativístico,
a equação de Schrödinger para vários elétrons assume potenciais elétricos e mag-
néticos estáticos entre todos os elétrons do sistema. Esta teoria não leva em conta
o tempo de propagação dos campos, ou seja, não leva em consideração o fato de
que os elétrons localizados em diferentes moléculas “sentem” suas posições mútuas
com um certo tempo de retardo. A inclusão deste efeito de retardo no formalismo de
Schrödinger é feito com a inclusão de potenciais de interação dependentes do tempo
e, consequentemente, torna-se necessário resolver a equação de Schrödinger para N
partículas através da teoria de perturbação dependente do tempo. Esta correlação no
movimento eletrônico e o decréscimo na energia de correlação por efeito do retardo é
responsável pelo surgimento das forças dispersivas dentro deste formalismo. E como
as forças de dispersão estão relacionadas com a correlação eletrônica, elas não po-
dem ser tratadas dentro do formalismo de Hartree-Fock simples, devendo ser incluída
de alguma forma a perturbação de segunda ordem.
Neste trabalho, estamos particularmente interessados no efeito das interações de
van der Waals nas soluções líquidas de ânions. A modelagem destas interações em
solução pode ser baseada num modelo molecular discreto do líquido ou num modelo
de contínuo, ambos consistindo de aproximações simplificadas em função do tamanho
dos sistemas estudados.
As metodologias baseadas em modelos discretos para as soluções líquidas ge-
ralmente fazem uso de potenciais de interação aos pares, onde os sítios interagindo
podem consistir de átomos, grupos de átomos, ou ligações nas moléculas do soluto
e do solvente. Para uma solução líquida consistindo de um soluto M e moléculas do
solvente S, que o circunda, temos que os potenciais de interação são expressos como
uma expansão em série de potências de 1/r
ms
, o inverso da distância entre os sítios
de interação,
U
ms
=
k=6,8,...
d
k
ms
r
k
ms
, (2.85)
onde d
k
ms
é uma constante e m, s são os sítios de interação m M e s S, respec-
tivamente do soluto e do solvente
52
. Uma vez conhecido a forma deste potencial, a
energia média de repulsão-dispersão pode ser calculada pela integral
E
disrep
=
···
U
ms
(r
ms
) g
ms
(r
ms
) dr
3
ms
, (2.86)
24
onde r
ms
representa o conjunto das coordenadas de todos os sítios de interação das
moléculas do soluto m M, e do solvente s S; g
ms
(r
ms
) é a função de distribuição
para as distâncias entre sítios m e s, e U
ms
é o potencial de interação apresentado
53
.
Então, a variação de energia livre é dada pela integral
G =
1
0
U
ms
(r
ms
) g
ms
(r
ms
) dr
3
ms
, (2.87)
onde λ é um parâmetro de acoplamento que varia de 0 até 1, representando a intera-
ção progressiva entre o soluto e o solvente no processo de solvatação. Nos modelos
empregados nas simulções computacionais, geralmente são utilizadas versões sim-
plificadas das equações (2.86) e (2.87)
52,54,55
. No caso, considera-se que o solvente
possui uma distribuição contínua uniforme na região exterior à cavidade do soluto, ou
seja, a função g
ms
fica definida por
g
ms
(r
ms
) = 0 se r
ms
int
g
ms
(r
ms
) = 1 se r
ms
ext
(2.88)
onde
int
designa o domínio interior, e
ext
o domínio exterior da cavidade do soluto.
Foi verificado nos cálculos da energia livre com o modelo de contínuo, utilizando
potenciais de interação intermolecular do tipo aos pares, que os valores assim obtidos
para a energia livre de Gibbs referente às interações de van der Waals, apresentam
uma boa correlação com a superfície e o volume das moléculas do soluto
54
. Portanto,
parece interessante do ponto de vista computacional, a utilização de uma expressão
simplificada que relacione a área superficial molecular do soluto exposta ao solvente e
o termo de van der Waals da energia de solvatação. Assim, propõe-se que a energia
livre de van der Waals pode ser escrita na seguinte forma:
G
vdW
=
N
i=1
ξ
i
A
i
(2.89)
onde G
vdW
é a variação de energia livre de van der Waals, ou seja, a variação
de energia livre resultante das interações de repulsão e dispersão do soluto com o
solvente, sendo que o somatório é feito sobre todos os N átomos do soluto, com A
i
sendo a área do átomo i do soluto diretamente exposta ao contato com o solvente,
e ξ
i
são os coeficientes de van der Waals, ou também chamados de dureza atômica
de van der Waals ou ainda tensão superficial microscópica do átomo i
12,20–23
. Estes
parâmetros são expressos em unidades de energia por área e, em geral, são obtidos
empiricamente pelo do ajuste das energias de solvatação calculadas teoricamente em
relação aos dados experimentais para a energia total de solvatação
12,20–23
.
Esta aproximação simplificada para o cálculo da energia livre de van der Waals
somente é possível porque as forças de dispersão decaem com 1/r
6
, o que faz com
25
que a contribuição individual do átomo i para a energia total, seja pouco dependente
da configuração espacial dos átomos vizinhos do soluto, o que permite o tratamento
individual desacoplado das contribuições. Assim, além de representar o termo refe-
rente a contribuição da energia de van der Waals para a energia total de solvatação,
este termo acaba cancelando, ou corrigindo os possíveis erros que podem ocorrer
nos demais termos calculados para a energia de solvatação. Também é possível in-
cluir os demais efeitos de solvatação atribuídos à organização e interação do solvente
na primeira camada de solvatação.
A descrição da contribuição de van der Waals para a energia de solvatação através
de uma relação direta com a área do soluto exposta ao solvente tem sido amplamente
utilizada por vários grupos de pesquisa, no estudo da solvatação através dos modelos
de contínuo, como por exemplo os métodos SM propostos por Cramer e Truhlar
56–58
e incluído no programa AMSOL
59
, sendo também empregado no método proposto
por Gogonea e Osawa
60
e principalmente nos estudos reportados por Luque e cola-
boradores
12,20–23
. Dado a sua simplicidade e eficiência, nós também adotamos esta
metodologia de cálculo da energia de van der Waals, neste presente estudo sobre a
solvatação de ânions.
26
3 PROCEDIMENTOS
3.1 A ESCOLHA DOS SOLUTOS
Neste estudo sobre da solvatação de ânions nos solventes acetonitrila (AN) e N,N-
dimetilformamida (DMF), nós primeiramente escolhemos uma série de ânions a serem
incluídos neste trabalho. Inicialmente, nós selecionamos todos os ânions para os quais
os valores da energia livre de transferência entre água e o dado solvente orgânico
estejam disponíveis na literatura
61,62
. Nós combinamos estes dados com a energia
livre de solvatação em água tomada do trabalho de Florian e Warshel
63
para F
, Cl
,
CN
, NO
3
and CH
3
CO
2
. Os dados da energia livre de hidratação para os ânions Br
,
I
e N
3
foram extraídos do artigo de Pearson
64
. Para os ânions I
3
, SCN
, ClO
4
e
BPh
4
a energia livre de solvatação em meio aquoso foi tomada da compilação feita
por Marcus em 1994
65
. No caso do ânion picrato este valor foi tomado do trabalho de
Kusakabe e colaboradores
66
.
As energias de solvatação experimentais foram obtidas das referências citadas,
e foram convertidas, quando necessário, para um estado padrão consistente com a
discussão da energia de Gibbs de transferência dado por Ben-Naim, correspondendo
ao processo de tranferência de 1 mol de soluto por litro de gás ideal para 1 mol por litro
de solução no solvente
67
. Nós combinamos os dados da energia livre de solvatação
em água com os dados da energia livre de transferência dos ânions entre a água e o
dado solvente orgânico, e com isso obtivemos os valores referentes à energia livre de
solvatação dos ânions em AN e DMF. Os dados assim coletados são mostrados nas
tabelas 1 e 2 abaixo.
3.2 OTIMIZAÇÃO DA GEOMETRIA MOLECULAR DOS SOLUTOS
Os ânions escolhidos para este estudo tiveram suas geometrias otimizadas em
fase gasosa, e para isso utilizamos o pacote GAMESS
68
. Estes cálculos foram reali-
zados no nível Hartree-Fock RHF/6-31+G(d,p). As geometrias dos solutos otimizadas
em fase gasosa foram utilizadas nos cálculos em fase líquida sem correções, pois foi
verificado anteriormente que o uso das geometrias de fase gasosa nos cálculos com
a presença do solvente não introduz erros expressivos quando comparados com as
27
Tabela 1: Dados experimentais da energia livre de Gibbs de hidratação, de transferên-
cia e de solvatação (em kcal/mol) para o caso do sistema água/acetonitrila.
Anion G
hid
G
trans
G
solv
F
107,0±6 +17,0 90,0
Cl
78,0±7 +10,1 67,9
Br
72,0±7 +7,5 64,5
I
63,0±7 +4,0 59,0
I
3
34,8±5 3,6 38,4
N
3
74,0±5 +8,8 65,2
CN
75,0±5 +8,4 66,6
SCN
66,9±5 +3,4 63,5
NO
3
66,0±5 +5,0 61,0
ClO
4
49,0±5 +0,5 48,5
CH
3
CO
2
82,0±5 +14,6 67,4
Pic
51,4±5 1,0 52,4
BPh
4
+11,9±5 7,8 +4,1
geometrias otimizadas em solução
21
.
3.3 METODOLOGIA I
O objetivo principal deste trabalho é obter, através de simulações computacionais
e cálculos teóricos, a energia de solvatação de um conjunto de ânions nos solventes
AN e DMF. Nós utilizamos o modelo de contínuo IEF-PCM
16,17,47–49
como o principal
método de cálculo da energia de solvatação dos ânions. Para utilizar adequadamente
este modelo no estudo da solvatação de ânions em AN e DMF, nós desenvolvemos
duas propostas de adaptação ou de parametrização do modelo para a aplicação na
modelagem do problema em questão. Descrevemos abaixo os procedimentos adota-
dos nesta primeira proposta que denominamos de Metodologia I.
No modelo PCM que nós adotamos neste trabalho, a energia livre de Gibbs de
solvatação total G
sol
é dada como uma soma de um termo referente à energia de
cavitação (∆G
cav
), que representa o trabalho realizado para construir a cavidade do
soluto no solvente, um termo de interação de van der Waals entre as moléculas do sol-
vente e do soluto (∆G
vdW
), e um termo de polarização eletrostática também resultante
da interação entre o soluto e o solvente (∆G
ele
)
22,69
. Assim temos:
G
sol
= G
cav
+ G
ele
+ G
vdW
(3.1)
Nesta primeira aproximação, que chamamos de Metodologia I, nós consideramos
somente a contribuição eletrostática para a energia livre de solvatação dos ânions. O
termo eletrostático é reconhecido como a contribuição dominante na energia de sol-
28
Tabela 2: Dados experimentais da energia livre de Gibbs de hidratação, de transferên-
cia e de solvatação (em kcal/mol) para o caso do sistema água/DMF.
Anion G
hid
G
trans
G
solv
F
107,0±6 +12,2 94,8
Cl
78,0±7 +11,5 66,5
Br
72,0±7 +8,6 63,4
I
63,0±7 +4,9 58,1
I
3
34,8±5 6,4 41,2
N
3
74,0±5 +8,6 65,4
CN
75,0±5 +9,6 65,4
SCN
66,9±5 +4,4 62,5
ClO
4
49,0±5 +1,0 48,0
CH
3
CO
2
82,0±5 +15,8 66,2
Pic
51,4±5 1,7 53,1
BPh
4
+11,9±5 9,2 +2,7
vatação de íons em solventes polares. As demais contribuições (cavitação e van der
Waals) são relativamente pequenas e na maioria dos casos podem ser incluídas de
alguma forma na própria definição do fator de escalonamento dos raios atômicos, no
processo de criação da cavidade do soluto, como foi reportado por Pliego e Riveros
para o solvente DMSO
24
. Então, como uma primeira aproximação, podemos conside-
rar
G
sol
= G
ele
, (3.2)
com a condição
G
cav
+ G
vdW
0. (3.3)
Como mencionamos na introdução, a escolha do tamanho da cavidade do soluto é
um objetivo central na parametrização do PCM. Em nossa estratégia, para construir a
cavidade do soluto, nós partimos das posições e raios atômicos na molécula do soluto
e utilizamos o algoritmo GEPOL-GAUSS-BONNET para gerar a cavidade do soluto
16,70
. Dentro deste método computacional, as superfícies são geradas através da so-
breposição de esferas centralizadas nas respectivas posições dos núcleos atômicos
do soluto. As regiões de contato interatômicas são suavizadas através da adição de
pequenas esferas com raios mínimos de 0,2Å localizadas em pontos intermediários
entre as esferas originais centradas nas coordenadas dos núcleos do soluto. Deste
modo, as regiões de sobreposição ou contato entre as esferas originais são suavi-
zadas para possibilitar a posterior exploração das propriedades matemáticas dessas
superfícies fechadas, tais como as relações entre superfície e volume e também as
suas propriedades analíticas. As rotinas que executam estas operações foram to-
29
das utilizadas na forma em que vem implementadas dentro do pacote GAMESS
68
. A
cavidade assim construída, deve ter seu tamanho ajustado conforme o solvente sob
estudo. Isto é feito modificando-se os raios das esferas que formam a cavidade (R
cav
i
),
através da inclusão de um fator de escalonamento (f) que multiplica os raios atômicos
originais do soluto (R
i
),
R
cav
i
= f · R
i
. (3.4)
O processo de parametrização do PCM consiste, entre outras tarefas, neste procedi-
mento de escolha do fator de escalonamento (f) adequado, o qual deve ser ajustado
para a devida reprodução dos dados experimentais da energia livre de solvatação em
cada solvente sob estudo. Nesta primeira etapa deste trabalho, a otimização destes
fatores de escalonamento foi realizada através de um processo de minimização da
média dos desvios absolutos dos valores calculados para a energia de solvatação do
conjunto de ânions em comparação com os respectivos dados experimentais.
Todos os cálculos em solução foram realizados utilizando-se o pacote GAMESS
68
com as mesmas bases e no mesmo nível dos cálculos de otimização geométrica dos
solutos em fase gasosa (RHF/6-31+G(d,p)). Nós adotamos o formalismo das equa-
ções integrais (IEF-PCM)
16,17,47–49
para o cálculo do termo eletrostático da energia livre
de solvatação dos ânions. Para corrigir a densidade de carga que escapa da cavidade
do soluto, nós aplicamos o método de renormalização apresentado por Mennucci e
colaboradores em 1996
71
, e que está implementado no pacote GAMESS
68
. Com os
tamanhos de cavidade que foram ajustadas neste trabalho, a carga que escapa da
cavidade é sempre menor do que 1% da carga eletrônica total do ânion.
Os raios atômicos iniciais utilizados na construção das cavidades dos solutos foram
obtidos da compilação feita por Bondi
33
e por Pauling
34
que são mostrados na tabela
3 abaixo.
Tabela 3: Raios atômicos (em Å) de Bondi e de Pauling respectivamente para os
átomos presentes nos solutos.
Átomo R
i
(Bondi) R
i
(Pauling)
H 1,20 1,20
B 2,08 2,08
C 1,70 1,70
N 1,55 1,60
O 1,52 1,50
F 1,47 1,35
S 1,80 1,85
Cl 1,75 1,81
Br 1,85 1,95
I 1,98 2,15
30
Após serem estabelecidos os fatores de escalonamento uniformes para os solutos
nos dois solventes estudados, não foram feitas modificações individuais dos raios atô-
micos nos solutos. Nós adotamos tais procedimentos com a finalidade de podermos
comparar os fatores otimizados neste trabalho para os solventes AN e DMF com os
trabalhos de parametrização para outros solventes préviamente reportados.
Os parâmetros físicos utilizados para caracterizar os solventes foram tomados da
ref.
72
. Os raios moleculares dos solventes AN e DMF foram tomados respectivamente
das ref.
73,74
. Estes parâmetros físicos estão mostrados na tabela 4.
Tabela 4: Parâmetros físicos caracterizando os solventes AN e DMF no modelo de
contínuo.
Propriedade AN DMF
Const. dielétrica 35,94 36,71
Raio molec. solvente 2,137 Å 2,647 Å
Densidade (298,15K) 0,77649 g/cm
3
0,94387 g/cm
3
Volume Molar 52,870 cm
3
/mol 77,442 cm
3
/mol
Nós buscamos o melhor fator de escalonamento f da equação (3.4), fazendo uma
variação sistemática do seu valor entre 1,00 e 1,50 e observando o valor médio dos
desvios absolutos nos resultados para o conjunto completo de ânions. Este procedi-
mento foi aplicado até encontrarmos o ponto correspondente ao mínimo na média dos
erros absolutos. Então os valores correspondentes aos pontos de mínimo em cada um
dos solventes foram escolhidos para serem os fatores de escalonamento utilizados na
construção das cavidades para os solutos nos respectivos solventes.
Também foram realizados alguns cálculos comparativos utilizando-se o pacote GA-
MESOL
75
com o modelo de contínuo SM5.42R/PM3 conforme a ref.
76
. Maiores deta-
lhes e a discussão dos resultados obtidos com estes procedimentos são apresentados
na seção 4.1.
3.4 METODOLOGIA II
Na segunda parte deste trabalho, nós realizamos a parametrização do modelo de
contínuo IEF-PCM
16,17,47–49
incluindo também as contribuições dos termos de cavita-
ção e van der Waals explicitamente. Esta segunda proposta chamamos de Metodo-
logia II. Nesta segunda proposta de parametrização, para estabelecer as cavidades
adequadas para os solutos, nós realizamos simulações de dinâmica molecular das
soluções diluídas de ânions em AN e DMF. As simulações de dinâmica molecular
fornecem uma perspectiva interna da estrutura dos líquidos, e de especial interesse
neste caso, uma visão da primeira camada de solvatação em torno do soluto. Então
nós utilizamos estas informações fornecidas pelas simulações de dinâmica molecular
31
para definirmos as cavidades adequadas para os solutos no modelo de contínuo. É
mostrado na seção 4.2, onde nós também relatamos e discutimos os resultados das
simulações de dinâmica molecular, que nós podemos estabelecer uma relação entre
as funções de distribuição radial obtidas nas simulações de dinâmica molecular e a lo-
calização da superfície da cavidade que define a interface soluto-solvente no modelo
de contínuo PCM. Os sucessos da aplicação desta metodologia em outros trabalhos
de parametrização tem sido relatados ao longo dos últimos anos
12,23
, e por isso tem-
bém empregamos estes procedimentos no presente estudo.
3.4.1 As Simulações de Dinâmica Molecular
Neste trabalho, estamos particularmente interessados nas propriedades estrutu-
rais das soluções líquidas diluidas de ânions em AN e DMF. Para investigarmos estas
propriedades, nós realizamos simulações de dinâmica molecular de um ânion haleto
(F
, Cl
, Br
e I
) em soluções tendo como solvente AN ou DMF.
As simulações de dinâmica molecular foram feitas utilizando-se o programa MDy-
naMix versão 4.3
77
, com uma função de energia potencial expressa na forma,
V =
bonds
k
r
(r r
eq
)
2
+
angles
k
θ
(θ θ
eq
)
2
+
dihedrals
V
n
2
(1 + cos )
+
N1
i=1
N
j>i
4 ε
ij
σ
ij
r
ij
12
σ
ij
r
ij
6
+
q
i
q
j
r
ij
(3.5)
onde as variáveis possuem o seus significados usuais, com k sendo as constantes de
força, q
i
e q
j
são as cargas parciais dos centros de interação, σ
ij
o diâmetro e ε
ij
a
energia de interação dos centros no potencial de Lennard-Jones.
O solvente acetonitrila foi modelado com o modelo de três centros de Edwards, et.
al.
78
. A flexibilidade molecular da acetonitrila foi levada em conta com a inclusão de um
campo de força intramolecular. Os parâmetros para este campo de força intramolecu-
lar foram obtidos da tese de Baaden
79
. As interações eletrostáticas foram modeladas
utilizando-se cargas parciais localizadas nos átomos. A lista de parâmetros utilizada é
mostrada na tabela 5.
Para modelar o solvente DMF, foram utilizados os parâmetros OPLS (optimized pa-
rameters for liquid-phase simulation). Estes parâmetros para o DMF foram obtidos na ref.
80
e também são mostrados na tabela 5. Neste modelo para as moléculas do solvente
DMF, os comprimentos e ângulos de ligação foram mantidos fixos, porém a rotação
em torno da ligação C
O
N foi incluída através de um potencial intramolecular diedral
de 84kJ/mol. Os parâmetros do campo de força para os ânions haletos (F
, Cl
, Br
e I
) foram obtidos da ref.
81
. Em todos os sistemas modelados, as regras de mistura
de Lorentz-Berthelot foram usadas para se obter os parâmetros de Lennard-Jones ε
ij
32
Tabela 5: Parâmetros de van der Waals e cargas parciais nos potenciais intermolecu-
lares usados nas simulações de dinâmica molecular das soluções de ânions em AN e
DMF.
Molécula átomo σ ε (kJ/mol) q/e
AN N 3,30 0,4157 0,398
C 3,40 0,4157 0,129
CH
3
3,60 1,5881 0,269
DMF CH
3
3,80 0,7112 0,285
N 3,25 0,7112 0,570
CH 3,80 0,4812 0,500
O 2,96 0,8786 0,500
F
F 2,73295 3,01248 1,000
Cl
Cl 4,41724 0,49283 1,000
Br
Br 4,62376 0,37656 1,000
I
I 5,40000 0,29288 1,000
e σ
ij
para átomos diferentes
7
.
As simulações de dinâmica molecular foram realizadas no ensemble canônico NV T ,
para soluções líquidas contendo um íon haleto (F
, Cl
, Br
ou I
) e 255 moléculas
de solvente (AN ou DMF), inicialmente arranjadas numa rede cristalina cúbica de face
centrada numa caixa de simulação cúbica. As dimensões da caixa foram ajustadas
de acordo com as densidades experimentais dos solventes puros na temperatura de
298,15K conforme mostrado na tabela 4. Foram aplicadas condições de contorno pe-
riódicas para simular o sistema infinito e também aplicada a convenção de imagem
mínima. As interações eletrostáticas de longo alcance foram levadas em considera-
ção através do método do somatório de Ewald
7
. Uma distância de cutoff de 14Å foi
utilizada para as soluções contendo AN como solvente e de 16Å para as soluções
contendo DMF como solvente. Estas distâncias de cutoff correspondem à aproxima-
damente metade do comprimento da caixa cúbica de simulação com os respectivos
solventes. As velocidades iniciais foram escolhidas randomicamente correspondendo
a uma distribuição de Maxwell-Boltzmann para a temperatura de 298 K.
As equações de movimento foram integradas com o algoritmo de Tuckerman-Berne
82
com um passo de integração longo de 2fs e um passo curto de 0,2fs. A temperatura
foi mantida constante em 298K através de um termostato de Nosé-Hoover com uma
constante de acoplamento de 30fs
83
. Os comprimentos de ligação das moléculas
foram mantidos rígidos com a utilização do algoritmo SHAKE
84
, nas simulações de
dinâmica molecular contendo DMF como solvente.
Os resultados das simulações de dinâmica molecular relatados e discutidos na
seção 4.2.1, foram obtidos em simulações com tempo de duração de 100ps que foram
33
precedidas por simulações de 200ps de estabilização. As médias termodinâmicas
e as funções de distribuição radial foram obtidas com as configurações salvas em
intervalos de dez em dez passos.
As funções de distribuição radial (RDFs) para os pares XS, onde X é um dos
quatro ânions haletos (F
, Cl
, Br
ou I
) e S é um dos sítios de interação das molé-
culas do solvente, tal como um grupo metila, foram calculados a partir das simulações
de dinâmica molecular das soluções líquidas dos ânions em AN e DMF. A distância
radial correspondentes ao ponto de máximo do primeiro pico nas RDFs foram usadas
para localizar a posição média da primeira camada de solvatação em torno dos âni-
ons. Esta informação acerca da estrutura do solvente em volta dos solutos foi usada
para definir as cavidades para os solutos no PCM. Assim, nesta segunda metodologia
de parametrização proposta, o fator de escalonamento dos raios atômicos f, usado
nos cálculos PCM foi escolhido através de uma relação entre a estrutura do solvente
em torno do soluto, obtida nas simulações de dinâmica molecular, e os raios atômicos
dos solutos representados pelos ânions haletos (F
, Cl
, Br
ou I
). Uma vez que
as cavidades adequadas foram estabelecidas com os seus respectivos fatores de es-
calonamento, nós realizamos o cálculo dos termos eletrostáticos e de cavitação que
compoem a energia total de solvatação do conjunto completo de ânions.
3.4.2 As Simulações de Supermoléculas
Para estudarmos a estrutura da primeira camada de solvatação dos ânions haletos
em AN e DMF, nós realizamos também as simulações do tipo supermolécula. Nestas
simulações, o ânion soluto é complexado por um número de moléculas do solvente e o
sistema como um todo é tratado com os métodos moleculares da mecânica quântica,
sendo que a geometria molecular do complexo íon-solvente formado é otimizada em
fase gasosa.
Conforme as informações sobre a estrutura da primeira camada de solvatação ob-
tidas nas simulações de dinâmica molecular, as moléculas do solvente AN se arranjam
em torno dos íons haletos com os grupos metila voltados em direção ao soluto iônico.
No caso da solvatação em DMF, o grupo metila em posição oposta (trans) ao átomo de
oxigênio é que está posicionado na direção do soluto carregado negativamente. Com
estas informações em mãos, nós construímos as configurações moleculares iniciais
dos complexos íon-solvente. Conforme as informações fornecidas pela integração
das funções de distribuição radial obtidas nas simulações de dinâmica molecular, a
primeira camada de solvatação dos ânions haletos contém aproximadamente 3-8 mo-
léculas de solvente. Então, nas configurações iniciais para as supermoléculas, nós
arranjamos seis moléculas de AN em torno de cada um dos ânions estudados (F
,
Cl
e Br
), e três moléculas do solvente DMF em volta de cada ânion, nos complexos
formados com este solvente. Nós utilizamos três moléculas de DMF ao invés de seis,
34
como no caso do sistema contendo AN, por causa do elevado número de átomos na
molécula do DMF, e as nossas limitações computacionais envolvidas no tratamento
ab initio de um sistema dessas dimensões. Para realizarmos uma comparação, nós
também simulamos a formação de complexos destes ânions tendo água como sol-
vente. Deste modo, nós realizamos as otimizações das geometrias moleculares dos
complexos [F(CH
3
CN)
6
]
, [Cl(CH
3
CN)
6
]
, [Br(CH
3
CN)
6
]
, [F(DMF)
3
]
, [Cl(DMF)
3
]
,
[Br(DMF)
3
]
, [F(H
2
O)
6
]
, [Cl(H
2
O)
6
]
, [Br(H
2
O)
6
]
. As geometrias moleculares destes
complexos foram otimizadas em fase gasosa, sem quaisquer restrições de graus de
liberdade ou simetria molecular. Os cálculos ab initio foram realizados no nível RHF/6-
31+G(d,p) e as configurações de geométricas de menor energia foram verificadas com
a análise de modos normais que apresentou a ausência de freqüências imaginárias
para todas as estruturas obtidas. As estruturas obtidas para estes complexos foram
analisadas quanto aos aspectos das distâncias entre os átomos centrais X (X = F, Cl
e Br) e os átomos de hidrogênio mais próximos, e os respectivos ângulos formados
com as ligações XHC de cada complexo. Os resultados destas simulações são
descritos na seção 4.2.2.
3.4.3 O Cálculo da Energia Livre de Solvatação
Nesta segunda proposta de metodologia, a energia livre de Gibbs de solvatação é
calculada pela adição de todas as três contribuições explicitamente,
G
sol
= G
cav
+ G
ele
+ G
vdW
.
A componente eletrostática da energia de solvatação, G
ele
, foi calculada utilizando-
se o modelo de contínuo IEF-PCM
16,17,47–49
com o mesmo procedimento da primeira
proposta de parametrização recém descrita. A diferença é que dentro da Metodologia
II nós usamos os fatores de escalonamento estabelecidos com auxílio das simulações
de dinâmica molecular. A energia livre de cavitação G
cav
, que é uma medida do tra-
balho empregado na abertura de uma cavidade no solvente onde deve ser inserido o
soluto, foi calculada pelo formalismo de Claverie-Pierotti
38,41,69
adaptada para cavida-
des moleculares como descrevemos na seção 2.3. Os parâmetros físicos do solvente
requeridos para o cálculo deste termo, a saber, temperatura, pressão, raio do solvente,
volume molar do solvente, foram tomados das ref.
72–74
e estão mostrados na tabela 4.
A contribuição referente à energia de repulsão-dispersão de van der Waals G
vdW
,
foi calculada utilizando-se uma relação linear entre esse termo e a área superficial de
cada um dos k tipos de átomos do soluto que é acessível ao solvente, dado pela
expressão
35
G
vdW
=
k
j=1
ξ
j
A
j
, (3.6)
onde A
j
é a área superficial do átomo j e ξ
j
é o parâmetro de van der Waals para o
átomo j, o qual relaciona a área superficial do átomo j no soluto com a sua respectiva
contribuição para a energia de van der Waals
22,69
. Os coeficientes atômicos de van
der Waals ξ
j
foram obtidos para cada um dos átomos presentes nos solutos através
dos procedimentos de otimização realizados dentro do modelo de regressão linear
múltipla
85
.
De maneira geral, se a resposta de uma variável y pode ser escrita como uma
função de k variáveis independentes, nós temos um modelo da forma
y = ξ
0
+ ξ
1
x
1
+ ξ
2
x
2
+ ξ
3
x
3
+ ··· + ξ
k
x
k
+ , (3.7)
o qual é chamado de modelo de regressão linear com k variáveis de regressão. Os
parâmetros ξ
i
, i = 1, 2, 3, . . . , k, são os chamados coeficientes de regressão, e repre-
sentam a variação na resposta y por unidade de variação na variável x
i
quando todas
as demais variáveis x
j
(j = i), são mantidas constantes.
Se nós conhecemos a resposta y para um número grande de níveis das variáveis
de regressão x
i
, nós podemos obter os coeficientes ξ
i
no modelo de regressão linear
pelo método dos mínimos quadrados. Se no processo de modelagem de um sistema
ou fenômeno descrito pela resposta y, nós tivermos acesso a um número n (n > k) de
observações, e se nós chamamos de x
ij
a i-ésima observação da variável x
j
, temos
o seguinte conjunto de dados disponível para a modelagem:
{x
i1
, x
i2
, . . . , x
ik
; y
i
| i = 1, 2, 3, . . . , n e n > k}. (3.8)
Então, supondo que cada observação deva obedecer a uma relação funcional da
forma (3.7), temos
y
i
= ξ
0
+ ξ
1
x
i1
+ ξ
2
x
i2
+ ··· + ξ
k
x
ik
+
i
y
i
= ξ
0
+
k
j=1
ξ
j
x
ij
+
i
i = 1, 2, . . . , n,
(3.9)
ou seja, o modelo deve satisfazer n equações da forma (3.7) simultaneamente e com
a maior exatidão possível.
Define-se então o funcional dos mínimos quadrados como sendo
36
L =
n
i=1
2
i
=
n
i=1
y
i
ξ
0
k
j=1
ξ
j
x
ij
2
. (3.10)
Este funcional L é minimizado com respeito aos coeficientes ξ
0
, ξ
1
, ξ
2
, . . . , ξ
k
. Assim,
pelo método dos mínimos quadrados, estes coeficientes devem obedecer as condi-
ções de mínimo para o funcional L,
L
ξ
0
ξ
1
,...,ξ
k
= 2
n
i=1
y
i
ξ
0
k
j=1
ξ
j
x
ij
= 0, (3.11)
L
ξ
1
ξ
0
,...,ξ
k
= 2
n
i=1
y
i
ξ
0
k
j=1
ξ
j
x
ij
x
i1
= 0, (3.12)
e assim por diante, até
L
ξ
k
ξ
0
,...,ξ
k1
= 2
n
i=1
y
i
ξ
0
k
j=1
ξ
j
x
ij
x
ik
= 0. (3.13)
Com isto, obtemos as equações normais dos mínimos quadrados
0
+ ξ
1
n
i=1
x
i1
+ ··· + ξ
k
n
i=1
x
ik
=
n
i=1
y
i
ξ
0
n
i=1
x
i1
+ ξ
1
n
i=1
x
2
i1
+ ··· + ξ
k
n
i=1
x
i1
x
ik
=
n
i=1
x
i1
y
i
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
ξ
0
n
i=1
x
ik
+ ξ
1
n
i=1
x
ik
x
i1
+ ··· + ξ
k
n
i=1
x
2
ik
=
n
i=1
x
ik
y
i
.
(3.14)
Este sistema de equações lineares pode ser resolvido pelos métodos usuais da Álge-
bra Linear, e a sua solução é o conjunto de parâmetros, ou coeficientes de regressão
ξ
0
, ξ
1
, ξ
2
, . . . , ξ
k
. Nós também podemos escrever este sistema de equações lineares
na forma matricial. Para isso, vamos supor que sejam conhecidas as respostas, ou
valores que a variável dependente y assume para um conjunto de n experimentos ou
n níveis diferentes para as variáveis x
j
do modelo. Assim temos, conforme a equação
(3.9),
y
i
= ξ
0
+ ξ
1
x
i1
+ ξ
2
x
i2
+ ··· + ξ
k
x
ik
+
i
i = 1, 2, . . . , n.
Este sistema com n equações pode ser representado na forma matricial como
37
y = X ξ + , (3.15)
onde
y =
y
1
y
2
.
.
.
y
n
, (3.16)
X =
1 x
11
x
12
··· x
1k
1 x
21
x
22
··· x
2k
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
1 x
n1
x
n2
··· x
nk
, (3.17)
ξ =
ξ
0
ξ
1
ξ
2
.
.
.
ξ
k
, (3.18)
=
1
2
.
.
.
n
, (3.19)
ou seja, y, X, ξ e são matrizes contendo os elementos definidos no modelo de
regressão linear.
Para que nós possamos calcular o vetor de coeficientes ξ, temos que minimizar o
funcional L, que na forma matricial é dado por
L =
n
i=1
2
i
=
T
= (y X ξ)
T
(y X ξ), (3.20)
onde
T
é a transposta da matriz . E da mesma maneira que fizemos anteriormente,
nós buscamos a minimização do funcional L através do conjunto de equações que
determinam a condição de mínimo,
L
ξ
= 0. (3.21)
Fazendo as derivações e devidas simplificações, resulta que devemos resolver a equa-
ção matricial
38
X
T
X ξ = X
T
y (3.22)
que nada mais é do que uma forma equivalente das equações obtidas em (3.14) mas
expressas na notação matricial conveniente. Resolvendo esta equação para o vetor
dos coeficientes ξ, temos
ξ = (X
T
X)
1
X
T
y. (3.23)
E assim nós obtemos os coeficientes ξ
0
, ξ
1
, ξ
2
, . . . , ξ
k
do modelo de regressão linear
múltipla. O modelo de regressão assim obtido segue uma expressão da forma
y
i
= ξ
0
+
k
j=1
ξ
j
x
ij
i = 1, 2, . . . , n.
(3.24)
No modelo de solvatação que estamos utilizando no presente estudo, o modelo
de regressão linar múltipla é adotado na modelagem do termo de van der Waals da
energia livre de solvatação. Nós definimos as variáveis independentes do modelo de
regressão como sendo as áreas dos átomos presentes em cada soluto do conjunto, e
neste caso a resposta y
i
é a energia livre de van der Waals para o respectivo soluto
i. De maneira geral, temos para um soluto i, a contribuição de van der Waals para a
energia livre de solvatação,
G
i
vdW
= ξ
1
A
i1
+ ξ
2
A
i2
+ ··· + ξ
k
A
ik
, (3.25)
onde G
i
vdW
(i = 1, 2, . . . , n), representa a energia livre de van der Waals para o i-
ésimo soluto de um conjunto contendo n solutos, ξ
0
, ξ
1
, ξ
2
, . . . , ξ
k
são os coeficientes
do modelo de regressão linear múltipla os quais chamamos de coeficientes de van der
Waals, obtidos através do método dos mínimos quadrados como foi descrito acima, e
os termos A
ij
representam a área, efetivamente exposta ao solvente, do j-ésimo tipo
de átomo presente no i-ésimo soluto do conjunto.
As áreas A
ij
são conhecidas como um dos resultados fornecidos pela aplicação
do algoritmo de criação da cavidade molecular dos solutos, e também conhecemos a
suposta contribuição da energia de van der Waals, dada pela diferença entre a ener-
gia de solvatação experimental e as contribuições teóricas do termo eletrostático e do
termo de cavitação (G
sol
(exp) G
ele
G
cav
), para cada um dos n solutos dispo-
níveis no conjunto de dados, então nós aplicamos o método dos mínimos quadrados
e assim estimamos os coeficientes de van der Waals para cada um dos elementos
presentes nos solutos. Com isso obtemos a relação linear entre a superfície exposta
ao solvente e a energia livre de van der Waals para cada um dos solutos.
Então, dentro da proposta que estamos chamando de Metodologia II, nós realiza-
mos a minimização da diferença entre as energias de solvatação experimentais e a
39
soma dos termos da energia de cavitação e eletrostática que foram calculados para
cada soluto nos solventes estudados. Assim, temos de maneira geral,
|G
sol
(exp)G
sol
(cal c )| = min{G
sol
(exp)G
ele
G
cav
G
vdW
(A
j
; ξ
j
)}, (3.26)
onde G
vdW
(A
j
; ξ
j
) denota a dependência linear da energia livre em relação as áreas
atômicas do soluto através dos parâmetros ξ
j
que foram otimizados num processo que
minimiza a diferença entre a energia livre de solvatação experimental e as contribui-
ções obtidas nos cálculos teóricos.
Portanto, uma das principais etapas desta segunda proposta de parametrização do
modelo de contínuo IEF-PCM para o estudo da solvatação de ânions em AN e DMF,
consiste na otimização dos parâmetros de van der Waals ξ
j
para cada um dos átomos
presentes nos solutos. A energia de van der Waals fica assim determinada como
um termo empírico, o qual é adicionado à fim de obtermos o melhor ajuste possível
das energias de solvatação calculadas aos dados experimentais. Maiores detalhes
acerca destes procedimentos são fornecidos na seção 4.2, juntamente com os seus
respectivos resultados.
40
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 METODOLOGIA I
Nesta primeira proposta de metodologia de paramatrização do modelo de contínuo
IEF-PCM, o qual chamamos de Metodologia I, realizamos a parametrização do mo-
delo baseado somente nos resultados fornecidos pelos cálculos do termo eletrostático
para a energia de solvatação dos ânions em AN e DMF. Ou seja, neste caso temos
uma aproximação que considera a energia total de solvatação dos ânions como sendo
descrita unicamente por um termo de energia eletrostática de interação destes solu-
tos com os respectivos solventes estudados, conforme a equação (3.2). Em primeiro
lugar, otimizamos os fatores de escalonamento dos raios atômicos dos solutos, con-
forme a equação (3.4), em cada um dos solventes, e também realizamos um estudo
com a finalidade de determinarmos qual é o conjunto de raios atômicos, dentre os
dois principais fornecidos na literatura, que é mais adequado para descrever a ener-
gia de solvatação destes ânions nos respectivos solventes. Nós experimentamos dois
conjuntos de raios atômicos disponíveis, os chamados raios de Bondi
33
e os raios de
Pauling
34
. Os procedimentos experimentais realizados em cada um dos casos foram
idênticos. Buscamos um fator de escalonamento uniforme para cada conjunto de raios
atômicos, o qual minimiza o erro absoluto médio ou erro médio sem o sinal, para o con-
junto de resultados teóricos obtidos em comparação com os dados experimentais da
energia livre de solvatação dos ânions em cada um dos respectivos solventes.
4.1.1 A Utilização dos Raios de Bondi
No primeiro procedimento de parametrização, baseado somente no termo da ener-
gia eletrostática, e utilizando o conjunto de raios atômicos de Bondi, obtivemos um
fator de escalonamento de 1,31 para os raios atômicos dos ânions solvatados em AN
e um fator de escalonamento igual a 1,33 para a solvatação em DMF. Estes fatores
de escalonamento correspondem aos menores desvios absolutos médios obtidos nos
cálculos da energia de solvatação dos conjuntos de solutos nos solventes AN e DMF.
As relações entre o erros médio absolutos e os fatores de escalonamento dos raios
atômicos dos solutos são mostradas nas figuras 1 e 2 para os resultados em AN e
41
DMF respectivamente.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1 1.05 1.1 1.15 1.2 1.25 1.3 1.35 1.4 1.45 1.5
fator de escalonamento
M.D.A.
Figura 1: Média dos desvios absolutos M.D.A. (em kcal/mol) entre os resultados para
energia livre de solvatação calculados e experimentais para os ânions em AN em
função do tamanho da cavidade.
Para compararmos a performance global desta otimização, com a outra proposta
que utiliza o conjunto de raios atômicos de Pauling, nós calculamos a energia livre
de solvatação dos ânions utilizando os fatores de escalonamento otimizados para AN
(1,31) e DMF (1,33), juntamente com os parâmetros estatísticos do desvio padrão e
do erro médio incluindo o sinal dos desvios. Os resultados obtidos são comparados
com os valores experimentais na tabela 6 para a solvatação em AN e na tabela 7 para
o caso da solvatação dos ânions em DMF.
A correlação entre os resultados teóricos e as energias de solvatação experimen-
tais dos ânions em AN e DMF é mostrada nas figuras 3 e 4, respectivamente.
Para os resultados em AN, mostrados na figura 3, nós podemos observar a dis-
tribuição de pontos em torno da linha reta de declividade unitária que corresponde à
concordância perfeita entre os dois conjuntos de dados. A disposição dos pontos no
gráfico indica uma boa correlação entre as energias de solvatação calculadas com
um fator de 1,31 e os dados experimentais para pelo menos nove dos doze ânions
deste conjunto. O critério de julgamento da qualidade dos resultados é um erro de
até ±5 kcal/mol na energia de solvatação calculada em comparação com os respec-
tivos dados experimentais. Este critério aqui utilizado, vem do fato de que existe uma
incerteza de ±5 kcal/mol na medida dos valores experimentais da energia de solva-
tação da maioria destes ânions
63
. A mesma constatação é válida para as soluções
dos ânions em DMF, cujos resultados são mostrados na figura 4, com as energias
de solvatação calculadas usando um fator de escalonamento dos raios atômicos dos
42
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1 1.05 1.1 1.15 1.2 1.25 1.3 1.35 1.4 1.45 1.5
fator de escalonamento
M.D.A.
Figura 2: O mesmo que na fig.1, porém com os resultados obtidos para o conjunto de
ânions em DMF.
solutos igual a 1,33. No caso dos cálculos em DMF, ao menos oito dos onze ânions
estudados apresentaram resultados satisfatórios nos cálculos da energia livre de sol-
vatação, utilizando os raios atômicos de Bondi e um fator de escalonamento de 1,33,
na aproximação que considera a energia total de solvatação como sendo uma energia
eletrostática pura.
Observando-se os resultados nas tabelas 6 e 7, nós verificamos que em ambos
os solventes, as maiores diferenças entre os resultados dos cálculos e os dados ex-
perimentais ocorrem para os ânions F
, SCN
, ClO
4
e picrato. Em qualquer um dos
solventes, três ânions apresentam desvios positivos nos valores calculados, ou em ou-
tras palavras, as energias de solvatação calculadas para estes três ânions são menos
negativas do que os respectivos valores experimentais. São os ânions F
, SCN
e
picrato que mostram erros de sinal positivo em relação aos respectivos valores experi-
mentais das energias de solvatação. Para o caso do ânion ClO
4
ocorrem desvios para
valores mais negativos em relação aos respectivos valores experimentais da energia
de solvatação. Os erros positivos observados para três destes ânions merece uma
discussão em separado. Os desvios positivos apresentados nos resultados para o
ânion F
em AN e DMF são a primeira vista difíceis de explicar porque no caso dos
outros ânions haletos nós obtivemos bons resultados. Mas constatamos posterior-
mente, através dos resultados obtidos na aplicação desta mesma metodologia porém
com a utilização do conjunto de raios atômicos proposto por Pauling, que este pro-
blema observado no caso do ânion fluoreto, pode ser resolvido com a escolha de um
raio atômico mais apropriado para a descrição da cavidade deste soluto. O que es-
tamos afirmando é que o raio atômico de Bondi não fornece a melhor descrição para
43
Tabela 6: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e experimental
para o conjunto de ânions em AN com raios de Bondi e um fator de 1,31.
Anion G
solv
(calc) G
solv
(exp) erro
F
83,1 90,0 +6,9
Cl
69,1 67,9 1,2
Br
65,1 64,5 0,6
I
61,2 59,0 2,2
I
3
42,4 38,4 4,0
N
3
64,0 65,2 +1,2
CN
67,0 66,6 0,4
SCN
58,4 63,5 +5,1
NO
3
61,6 61,0 0,6
ClO
4
54,4 48,5 5,9
CH
3
CO
2
67,4 67,4 0,0
Pic
46,6 52,4 +5,8
erro médio sem sinal 2,8
erro médio com sinal 0,3
S.D. 3,7
o flúor na solvatação do ânion fluoreto. Como veremos mais adiante, na seção 4.1.2,
que trata dos resultados obtidos com a utilização do conjunto de raios atômicos de
Pauling, é o raio atômico proposto por Pauling que melhor descreve o átomo de flúor
no caso dos cálculos teóricos da energia de solvatação do íon fluoreto nos solventes
AN e DMF.
Nos resultados dos cálculos da energia de solvatação do ânion SCN
, nós ob-
servamos um desvio positivo de 5,1 kcal/mol em AN e de 4,9 kcal/mol em DMF. Os
resultados obtidos para os outros ânions contendo átomos de carbono e nitrogênio
em suas estruturas exibem uma boa concordância com os dados experimentais, apre-
sentando desvios pequenos e com sinais opostos. Assim, nós somos levados à crer
inicialmente que os desvios observados nos resultados para o ânion SCN
são re-
lacionados à uma descrição inapropriada do átomo de enxofre nesse tipo de soluto.
Foram feitas tentativas de melhorar os resultados pela modificação do raio atômico do
enxofre, mas tais modificações não resultaram em melhoras significativas dos resul-
tados fornecidos pelos cálculos com o PCM. Nós também realizamos alguns cálculos
adicionais utilizando o método SM5.42R
76
, que inclui os termos não-eletrostáticos nos
cálculos da energia livre total de solvatação. Com o emprego deste método, os des-
vios nas energias de solvatação calculadas caem para aproximadamente 4 kcal/mol
em ambos os solventes. Assim, estes resultados sugerem que pelo menos 10% do va-
lor da energia livre de solvatação poderia ser atribuída aos termos não-eletrostáticos,
no caso do ânion SCN
. Esta conclusão é também suportada pelos resultados ob-
44
Tabela 7: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e experimental
para o conjunto de ânions em DMF com raios de Bondi e um fator de escalonamento
de 1,33.
Anion G
solv
(calc) G
solv
(exp) erro
F
82,0 94,8 +12,8
Cl
68,2 66,5 1,7
Br
64,3 63,4 0,9
I
60,5 58,1 2,4
I
3
41,7 41,2 0,5
N
3
63,6 65,4 +1,8
CN
66,1 65,4 0,7
SCN
57,6 62,5 +4,9
ClO
4
53,8 48,0 5,8
CH
3
CO
2
66,5 66,2 0,3
Pic
45,4 53,1 +7,2
erro médio sem sinal 3,6
erro médio com sinal 1,3
S.D. 4,9
tidos na segunda parte deste trabalho, onde nós incluímos explicitamente os termos
não-eletrostáticos no processo de parametrização, como discutiremos na seção 4.2.
Os desvios iguais a 5,9 kcal/mol e 5,8 kcal/mol, encontrados nos resultados ob-
tidos para a energia de solvatação do ânion ClO
4
em soluções de AN e DMF respec-
tivamente são também dignos de uma análise. É importante fazermos a observação
de que existe uma certa controvérsia na literatura acerca dos dados experimentais
referentes à energia livre de hidratação do ânion ClO
4
. Inicialmente em nossa pes-
quisa da literatura, nós encontramos como sendo o valor experimental da energia livre
de solvatação do ânion ClO
4
em água, 102,8 kcal/mol na ref.
86
. Usando este valor
combinado com o dados das energias livres de transferência entre água e AN ou DMF,
nós obtivemos o valor de 102,3 kcal/mol para a energia livre de solvatação em AN e
101,8 kcal/mol para a energia de solvatação em DMF Mais tarde nós encontramos
uma outra compilação de dados experimentais sobre a termodinâmica de hidratação
de íons que contém o valor de 49,0 kcal/mol para a energia de solvatação do ânion
ClO
4
em água
65
. Combinando este último valor experimental com os dados das ener-
gias livres de transferência, nós obtivemos uma energia livre de solvatação em AN
igual a 48,5 kcal/mol e igual a 48,0 kcal/mol para a solvatação do ânion ClO
4
em
DMF. Se nós compararmos os dados experimentais obtidos destas duas fontes e os
resultados dos cálculos realizados neste trabalho, nós podemos notar que os resul-
tados teóricos estão mais próximos dos valores fornecidos pela fonte mais recente
65
.
Assim, os resultados teóricos obtidos neste trabalho sugerem que o valor fornecido na
45
-100
-90
-80
-70
-60
-50
-40
-30
-100 -90 -80 -70 -60 -50 -40 -30
G
exp
G
cal
Figura 3: Comparação da energia livre de solvatação (em kcal/mol) calculada G
cal
,
e os respectivos dados experimentais G
exp
, para os ânions em AN. A linha reta
representa a correlação perfeita entre os dois conjuntos de dados.
compilação de Marcus em 1991 provavelmente não está correto e o valor fornecido
na compilação de Marcus em 1994 é o que deveria ser adotado. O trabalho reportado
por Abraham e Liszi também sugere um valor de aproximadamente 45 kcal/mol para
a energia livre de hidratação do ânion ClO
4
, 46 kcal/mol e 48 kcal/mol respectiva-
mente para as energias de solvatação em AN e DMF
87
. Mas os resultados obtidos
com o PCM são ainda mais negativos do que estes dados experimentais por cerca
de 6 kcal/mol. Para compararmos, também foram realizados cálculos com o método
SM5.42R
76
no caso do ânion ClO
4
, e estes resultaram num valor de 77,7 kcal/mol
para a energia de solvatação em AN e 80,2 kcal/mol em DMF. Então, como pode-
mos ver, os resultados obtidos com o método SM5.42R diferem ainda mais dos dados
experimentais mais recentes.
Para o ânion picrato, nós também observamos um desvio positivo relativamente
grande nos resultados. O erro da energia de solvatação em AN é de 5,8 kcal/mol e
em DMF os resultados apresentam um desvio de 7,2 kcal/mol. Não é difícil entender
porque o modelo que nós estamos utilizando é incapaz de descrever corretamente
a solvatação deste ânion em AN ou DMF. A presença de um anel aromático na sua
estrutura molecular é responsável pelas propriedades moderadamente hidrofóbicas
deste ânion. Portanto, ocorrem interações dispersivas com as moléculas dos solven-
tes orgânicos tais como a AN e o DMF, quando este íon é solvatado em meio orgânico
54,66,88,89
. Como nesta primeira aproximação nós não estamos incluindo explicitamente
a contribuição de van der Waals na energia total de solvatação, a descrição dos efeitos
da solvatação deste ânion é deficiente. Estas deficiências são corrigidas na segunda
46
-100
-90
-80
-70
-60
-50
-40
-30
-100 -90 -80 -70 -60 -50 -40 -30
G
exp
G
cal
Figura 4: O mesmo que na fig.3, mas com os resultados para os ânions em DMF.
parte deste trabalho, dentro da metodologia II, onde nós incluímos os termos de ca-
vitação e van der Waals no procedimento de parametrização, e com isso podemos
observar a melhora nos resultados obtidos para a energia total de solvatação do íon
picrato, evidenciando assim a importância desses termos na solvatação deste ânion.
Além destas considerações, nós também verificamos que a utilização do conjunto de
raios atômicos de Pauling em conjunto com os fatores de escalonamento otimizados
para esse conjunto de raios, também fornece resultados em melhor concordância com
os dados experimentais no caso da energia livre de solvatação do ânion picrato como
se pode ver na seção 4.1.2.
A maioria dos resultados obtidos para a energia de solvatação dos ânions mos-
tram uma boa concordância com os dados experimentais, com erros menores do
que a faixa de incerteza experimental que situa-se em torno de ±5 kcal/mol a ±7
kcal/mol dependendo do íon para o qual a energia de solvatação está sendo medida
63,90
. Considerando-se o conjunto inteiro de ânions, nós obtivemos uma média dos
erros absolutos, ou erro médio sem sinal, de 2,8 kcal/mol nas energias de solvatação
em AN e de 3,6 kcal/mol em DMF. Estes erros são comparáveis aos erros obtidos
nas parametrizações dos modelos de contínuo para a solvatação de íons em água e
DMSO relatados recentemente na literatura
23,24,58
.
Agora vamos analisar os resultados obtidos nos procedimentos de parametrização
onde utilizamos, para descrever os solutos, o conjunto de raios atômicos compilados
por Pauling
34
.
47
4.1.2 A Parametrização com os Raios de Pauling
Em um segundo experimento, realizamos os procedimentos de parametrização dos
fatores de escalonamento dos raios atômicos, utilizando o conjunto de raios atômicos
conforme a compilação de Pauling
34
(ver tabela 3). Neste caso ainda estamos tra-
tando a energia livre de solvatação dos ânions como sendo dada puramente por sua
contribuição eletrostática, conforme a equação (3.2).
Os fatores de escalonamento para a criação da cavidade dos solutos, foram oti-
mizados observando-se a média dos desvios absolutos apresentados nos cálculos da
energia eletrostática de solvatação, o qual foi tomada como sendo a energia de sol-
vatação total dos ânions, em comparação com os respectivos dados experimentais.
Desta forma, encontramos um fator de escalonamento dos raios atômicos dos solutos
igual a 1,30 para a solvatação em AN. E no caso dos solutos em DMF, o fator de es-
calonamento otimizado é igual a 1,27. A variação do erro absoluto médio em relação
ao fator de escalonamento para os raios atômicos de Pauling pode ser acompanhada
nas figuras 5 e 6 para a solvatação em AN e DMF respectivamente. Observa-se clara-
mente, nestas figuras, a ocorrência de pontos onde o erro absoluto médio atinge seu
valor mínimo em relação ao fator de escalonamento dos raios f.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1 1.05 1.1 1.15 1.2 1.25 1.3 1.35 1.4 1.45 1.5
fator de escalonamento
M.D.A.
Figura 5: Média dos desvios absolutos M.D.A. (em kcal/mol) entre os resultados para
energia livre de solvatação calculados e experimentais para os ânions em AN em
função do tamanho da cavidade, utilizando o conjunto de raios atômicos de Pauling.
A média dos desvios absolutos, ou erro médio sem sinal, dos resultados obtidos
para a energia livre de solvatação dos ânions em AN, no ponto de mínimo, é de 2,1
kcal/mol. O erro médio com sinal é de 0,4 kcal/mol e o desvio padrão igual a 2,9,
quando utilizamos um fator de escalonamento de 1,30 e os raios de Pauling na mode-
lagem da solvatação dos ânions em AN. Se compararmos estes dados com aqueles
48
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1 1.05 1.1 1.15 1.2 1.25 1.3 1.35 1.4 1.45 1.5
fator de escalonamento
M.D.A.
Figura 6: O mesmo que na fig.5, porém com os resultados obtidos para o conjunto de
ânions em DMF.
obtidos nos cálculos utilizando o conjunto de raios atômicos de Bondi, em conjunto
com um fator de escalonamento f otimizado em 1,31, e a mesma aproximação da
energia de solvatação como sendo descrita por um termo eletrostático puro, podemos
verificar uma melhora nos resultados globais. Observamos que o erro médio abso-
luto diminui em 0,7 kcal/mol e o desvio padrão também diminui em 0,8 unidades, o
que mostra uma menor dispersão destes resultados e uma melhor correlação com os
dados experimentais.
Fazendo-se a mesma análise dos resultados obtidos para a energia de solvatação
dos ânions em DMF, verificamos que o erro médio sem sinal diminui em 0,8 kcal/mol
quando utilizamos o conjunto de raios atômicos de Pauling em comparação com os
raios de Bondi em conjunto com o fator de escalonamento otimizado para esse con-
junto raios atômicos. Também verifica-se uma redução do desvio padrão dos resul-
tados em DMF, que passou de 4,9 com os raios de Bondi e um fator de 1,33, para
3,4 no caso em que utilizamos o conjunto de raios atômicos de Pauling e um fator de
escalonamento otimizado em 1,27.
Assim, com este estudo, determinamos em primeiro lugar que a utilização do con-
junto de raios atômicos da compilação de Pauling
34
, produz resultados de qualidade
superior em comparação com os resultados obtidos para a energia de solvatação cal-
culada para os ânions utilizando-se o conjunto de raios atômicos de Bondi para estes
solutos em AN e DMF.
Nas figuras 7 e 8, podemos visualizar a correlação entre os dados experimentais e
os valores teóricos calculados para a energia livre de Gibbs de solvatação dos ânions
em AN e DMF respectivamente. As tabelas 8 e 9 mostram o conjunto completo dos
49
resultados obtidos nos cálculos da energia de solvatação com fatores de escalona-
mento de 1,30 em AN e 1,27 em DMF, e cavidades para os solutos construídas com
os raios atômicos de Pauling e esses fatores de escalonamento otimizados para estes
solutos nos respectivos solventes.
Tabela 8: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e experimental
para o conjunto de ânions em AN. Utilizando somente o termo eletrostático puro, raios
de Pauling e um fator de escalonamento de 1,30.
Anion G
solv
(calc) G
solv
(exp) erro
F
90,5 90,0 0,5
Cl
67,5 67,9 +0,4
Br
62,6 64,5 +1,9
I
57,5 59,0 +1,5
I
3
38,7 38,4 0,3
N
3
63,2 65,2 +2,0
CN
66,5 66,6 +0,1
SCN
59,1 63,5 +4,4
NO
3
62,2 61,0 1,2
ClO
4
55,4 48,5 6,9
CH
3
CO
2
68,6 67,4 1,2
Pic
47,5 52,4 +4,9
erro médio sem sinal 2,1
erro médio com sinal 0,4
S.D. 2,9
Uma vez determinado que os raios de Pauling, juntamente com os fatores de es-
calonamento otimizados, fornecem os melhores resultados nos cálculos da energia de
solvatação dos ânions, vamos então analisar e discutir alguns dos resultados obtidos,
com esta combinação de parâmetros, nos cálculos da energia de solvatação, nesta
primeira proposta de metodologia, onde a energia de solvatação dos ânions é dada
por seu termo eletrostático.
A primeira constatação importante que podemos mencionar é que o problema do
desvio que observamos na energia de solvatação do ânion F
foi resolvido com a ado-
ção do conjunto de raios de Pauling, no caso, um raio de 1,35 Å para o átomo de flúor.
Na solvatação deste íon em AN, a energia de solvatação calculada apresentou um erro
de apenas 0,5 kcal/mol. Em DMF, o erro fica em 2,3 kcal/mol, quando comparamos
o valor obtido nos cálculos com o respectivo dado experimental. Assim, verificamos
que a otimização dos fatores de escalonamento dos raios, aplicado ao conjunto de
raios atômicos de Pauling para os solutos, fornece resultados de excelente qualidade
para os cálculos da energia de solvatação do ânion F
em ambos os solventes.
Podemos também observar que nos demais ânions haletos (Cl
, Br
e I
) os des-
50
Tabela 9: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e experimental
para o conjunto de ânions em DMF. Utilizando somente o termo eletrostático puro,
raios de Pauling e um fator de escalonamento de 1,27.
Anion G
solv
(calc) G
solv
(exp) erro
F
92,5 94,8 +2,3
Cl
69,0 66,5 2,5
Br
63,9 63,4 0,5
I
58,7 58,1 0,6
I
3
39,9 41,2 +1,3
N
3
64,0 65,4 +1,4
CN
67,9 65,4 2,5
SCN
60,0 62,5 +2,5
ClO
4
56,5 48,0 8,5
CH
3
CO
2
70,4 66,2 4,2
Pic
49,1 53,1 +4,0
erro médio sem sinal 2,8
erro médio com sinal 0,7
S.D. 3,4
vios apresentados são pequenos em todos os casos, indicando a consistência do
conjunto de raios de Pauling na descrição da solvatação para esta série de ânions.
Uma outra observação importante é que os ânions SCN
, ClO
4
e Pic
, são aque-
les que apresentam os maiores desvios nos valores obtidos para as suas energias de
solvatação, em comparação com os respectivos dados experimentais em AN. Verifi-
camos um erro de 4,4 kcal/mol na energia de solvatação obtida para o ânion SCN
.
Assim verifica-se a mesma tendência observada nos resultados obtidos com o con-
junto de raios de Bondi, onde também foi observado um desvio para valores mais
positivos no caso da energia de solvatação do ânion SCN
. Também observa-se um
desvio positivo na energia de solvatação deste ânion em DMF, onde o erro é de 2,5
kcal/mol na energia de solvatação calculada em relação ao valor experimental. Em
ambos os solventes, AN e DMF, os valores obtidos para as energias de solvatação do
ânion ClO
4
são os que mais se distanciam dos valores experimentais. Neste caso,
a energia de solvatação obtida nos cálculos é bem mais negativa do que os valores
experimentais. O desvio é de 6,9 kcal/mol em AN, e de 8,5 kcal/mol na energia de
solvatação em DMF. Estes desvios nas energias de solvatação em AN e DMF obtidas
para o ânion ClO
4
merecem uma discussão mais extensa.
Mesmo com as conhecidas limitações das metodologias empregadas neste tra-
balho, os resultados obtidos aqui parecem indicar que talvez existam problemas nos
dados experimentais adotados. Em primeiro lugar, se nós observarmos o intervalo de
valores reportados, desde 45 kcal/mol
87
até 102.8 kcal/mol
86
, para a energia de
51
-100
-90
-80
-70
-60
-50
-40
-30
-100 -90 -80 -70 -60 -50 -40 -30
G
exp
G
cal
Figura 7: Comparação da energia livre de solvatação (em kcal/mol) calculada G
cal
, e
os respectivos dados experimentais G
exp
, para os ânions em AN, utilizando raios atô-
micos de Pauling. A linha reta representa a correlação perfeita entre os dois conjuntos
de dados.
solvatação do ânion ClO
4
em água, temos razões para acreditar que o valor desta
grandeza poderia também estar entre estes dois extremos como sugerem os resulta-
dos teóricos obtidos com os métodos computacionais do PCM e do SM5.42R.
Então, se o problema está nos valores experimentais, é interessante revisarmos
rapidamente alguns dos problemas e dificuldades que aparecem na determinação ex-
perimental das propriedades termodinâmicas da solvatação de íons.
Primeiramente nós queremos declarar que não é o nosso objetivo aqui neste traba-
lho, descrever e discutir os procedimentos experimentais envolvidos na determinação
das funções termodinâmicas da solvatação de íons. Os detalhes destes procedimen-
tos podem ser encontrados nas ref.
5,61,62,91,92
. Nestas referências são descritos os
princípios usados para medir e obter as funções termodinâmicas para os íons em
soluções, os processos de extrapolação para diluição infinita, e as grandezas termo-
dinâmicas referentes à transferência dos íons de uma fase para outra.
A determinação experimental da energia livre de Gibbs de transferência dos íons
entre dois solventes pode também envolver alguns detalhes que não são levados em
consideração na modelagem teórica do processo, mas que podem estar relacionados
com os desvios observados nos resultados dos cálculos, especialmente no caso dos
ânions ClO
4
, SCN
e picrato. De acordo com Marcus
90
, existem algumas complica-
ções nos procedimentos de medição experimental das quantidades termodinâmicas
envolvidas na transferência de íons entre solventes. Uma destas complicações é de-
corrente da possibilidade de formação de pares iônicos em solventes com constantes
52
-100
-90
-80
-70
-60
-50
-40
-30
-100 -90 -80 -70 -60 -50 -40 -30
G
exp
G
cal
Figura 8: O mesmo que na Fig.7, mas com os resultados para os ânions em DMF.
dielétricas baixas ou moderadas. Uma outra complicação é o da coextração do sol-
vente usado como referência, no processo de transferência de alguns ânions de um
solvente para outro
90
. Este último, é o problema mais grave para a determinação
das funções termodinâmicas de transferência de íons, especialmente os ânions, nos
processos de transferência da água para um solvente orgânico
66,93
.
Os estudos sobre a interação íon-solvente nas soluções resultantes da dissolu-
ção dos sais compostos de perclorato de sódio ou de lítio em acetonitrila indicam a
formação de pares iônicos numa grande faixa de concentrações
94
. Assim, as fortes
interações íon-íon podem tornar complicado o procedimento de separação das con-
tribuições iônicas individuais para as funções termodinâmicas de transferência destes
eletrólitos. Estudos semelhantes foram feitos com as soluções de perclorato de só-
dio e lítio em DMF, e também mostraram evidências da existência de pares iônicos
de contato e pares iônicos compartilhados com moléculas de solvente
95
. Os estudos
sobre a estrutura das soluções de NaClO
4
em DMF também descrevem evidências
experimentais que sugerem a formação de pares iônicos do tipo compartilhado por
moléculas de solvente
96
. Estes complexos poderiam ser responsáveis por erros nas
medições das energias de transferência ou outras propriedades termodinâmicas dos
processos de solvatação para os íons individuais, pois estes experimentos mostram
que é possível de que a separação completa dos íons pode não acontecer na reali-
dade, e é esta separação uma das hipóteses básicas empregadas na determinação
das grandezas termodinâmicas. Estas grandezas termodinâmicas, tais como a ental-
pia e a energia livre de Gibbs de solvatação, são separadas em suas contribuições
individuais para cada um dos íons como estão referidas nas tabelas de dados experi-
53
mentais destas propriedades. As interações entre os íons, que resultam na formação
destes complexos em solução, podem causar erros na determinação das grandezas
termodinâmicas de solvatação ou transferência de fase, em relação aos respectivos
valores experimentais reais para os íons livres. Estes erros podem ser na direção de
valores mais positivos ou mais negativos dependendo da estrutura e da distribuição
de carga dos complexos formados.
O problema da coextração de solvente nos processos de transferência de íons, es-
pecialmente no caso da transferência de ânions em água para solventes orgânicos foi
também observado em estudos experimentais. Osakai e colaboradores
97
descobriram
que alguns íons, como por exemplo o SCN
, o ClO
4
e o picrato, são transferidos da
água para solventes orgânicos como íons hidratados. Um efeito adicional, a quebra
de simetria da estrutura do ânion devido as moléculas de água coordenadas, pode
alterar a distribuição de carga do ânion e, conseqüentemente afetar o valor da energia
de solvatação do ânion em ambos os solventes no processo de transferência. Assim,
existem problemas na determinação experimental das quantidades termodinâmicas
para estes íons em solução decorrentes destes efeitos. O conceito teórico do pro-
cesso de solvatação é baseado na hipótese de que um íon é transferido livre de sua
camada de solvatação original. Portanto as observações citadas exigiriam uma nova
metodologia para o tratamento da energia livre de Gibbs de transferência de íons, onde
a hidratação deste íons seja levada em consideração quando ocorre a transferência
para a fase orgânica
97,98
.
Obviamente, em nossa formulação do processo de solvatação de ânions através
do modelo de contínuo, nós não levamos estes efeitos em consideração, mesmo por-
que consideramos que a energia calculada é devido à transferência do soluto livre no
vácuo para dentro de um solvente puro. Esta é a mesma hipótese considerada na
determinação experimental das funções termodinâmicas. E existe todo um esforço no
sentido de aprimorar os procedimentos experimentais a fim de minimizar a influência
dos efeitos relacionados com os desvios das hipóteses básicas envolvidas na determi-
nação das funções termodinâmicas. Portanto de qualquer maneira estas quantidades
são sempre referidas como sendo as contribuições individuais dos íons para as fun-
ções termodinâmicas de transferência sem levar em conta o transporte de solvente
entre as duas fases imiscíveis
90
.
Com estas considerações, fica aparente que as diferenças entre os valores teó-
ricos e experimentais das energias livres de solvatação dos ânions SCN
, ClO
4
e
picrato são em parte relacionados à estas dificuldades experimentais. Os dados ex-
perimentais das energias livres de solvatação usados neste trabalho são baseados
nos dados das energias de transferência e portanto são afetados pelas dificuldades
experimentais relatadas, pelo menos para o caso dos ânions SCN
, ClO
4
e picrato,
que sabe-se que são transferidos como íons hidratados. Assim, os estudos teóricos
54
realizados neste presente trabalho podem contribuir para resolver os problemas refe-
rentes à determinação correta das energias livres de transferência e das energias de
solvatação dos ânions em solventes orgânicos.
Ainda no caso do erros observados nos resultados dos cálculos da energia de sol-
vatação do ânion picrato, podemos justificar o erro positivo de 4,9 kcal/mol na energia
de solvatação em AN como sendo resultado da falta de inclusão do termo de ener-
gia de dispersão de van der Waals, o mesmo valendo para o desvio de 4,0 kcal/mol
na energia de solvatação em DMF. Dado as características da estrutura molecular do
ânion picrato, dificilmente podemos desprezar a contribuição da energia dispersiva,
ou no caso desta metodologia, incluir este termo na própria definição do fator, pro-
cedimento este que se mostrou eficiente no caso dos demais ânions de estruturas
moleculares mais simples, compostas de um menor número de átomos, com uma me-
nor superfície exposta ao solvente e uma menor interação dispersiva com o solvente.
É interessante notar que embora tenhamos, nesta primeira metodologia, a Meto-
dologia I, um tratamento bastante simplificado da solvatação e do cálculo da energia
livre deste processo, com uma descrição feita através do termo eletrostático da ener-
gia livre, conforme a equação (3.2), os resultados obtidos com estes procedimentos
de parametrização do fator de escalonamento dos raios e cálculo da energia livre de
solvatação são bastante satisfatórios. Comparando-se a performance dos conjuntos
de raios empregados na Metodologia I, verificamos que a utilização dos raios atômicos
de Pauling, e um fator de escalonamento otimizado em 1,30 para a solvatação de âni-
ons em AN e 1,27 em DMF, é a combinação que fornece os melhores resultados nos
cálculos da energia de solvatação dos ânions nestes solventes. Tomamos, por exem-
plo, o resultado obtido para a energia livre de solvatação do ânion CN
em AN. Neste
caso temos um desvio de apenas 0,1 kcal/mol, o que é desprezível frente a magni-
tude da energia de solvatação deste ânion em AN. Este erro pode ser considerado
pequeno até mesmo em comparação com a energia livre de transferência deste ânion
entre água e AN que é de 8,4 kcal/mol
61
. Outros exemplos importantes da eficiência
desta metodologia são os resultados obtidos nos cálculos das energias de solvatação
dos ânions NO
3
e CH
3
CO
2
, que são exemplos de ânions importantes aparecendo
em varios sistemas de interesse na química. Os resultados obtidos para a energia
de solvatação em AN diferem em apenas 1,2 kcal/mol dos dados experimentais para
estes dois íons. Isto representa algo em torno de 2% da energia total de solvatação, e
também é muito menor do que as correspondentes energias de transferência destes
íons entre água e AN, ou mesmo a incerteza nos dados experimentais da energia de
solvatação destas espécies, conforme pode ser verificado na tabela 1 e na ref.
63
.
Também observamos que a aplicação desta metodologia fornece resultados com
uma exatidão suficiente para modelar as características energéticas da solvatação
para a maior parte dos ânions do conjunto estudado, desde os ânions inorgânicos pe-
55
quenos até o ânion CH
3
CO
2
, o qual representa um protótipo de uma classe de ânions
contendo grupos carboxila, derivados de ácidos orgânicos. No caso do ânion picrato,
a utilização dos raios atômicos de Pauling, e a otimização dos fatores de escalona-
mento compatíveis com estes raios, possibilitou a produção de resultados bem mais
próximos dos valores experimentais para a energia de solvatação deste íon. Ainda
assim persistem desvios positivos que representam cerca de 10% da energia total de
solvatação deste ânion nos solventes AN e DMF. Neste caso, como dissemos, e
como veremos na seção 4.2, na discussão dos resultados obtidos na aplicação Me-
todologia II, a energia total de solvatação deste ânion depende em grande parte das
contribuições não-eletrostáticas, e portanto, a descrição empregada na Metodologia I,
o qual considera somente a contribuição do termo eletrostático, torna-se ineficiente no
caso de íons orgânicos maiores e estruturalmente mais complexos.
Os fatores de escalonamento para os raios atômicos obtidos em nossa parametri-
zação do modelo PCM para o estudo das soluções de ânions em AN e DMF, 1,30 e
1,27 respectivamente, são semelhantes ao fator de escalonamento reportado no tra-
balho de parametrização reportado por Pliego e Riveros para o DMSO
24
(f =1,35).
O presente trabalho mostra que valores semelhantes para os fatores de escalona-
mento podem ser esperados para toda essa classe de solventes polares apróticos. As
pequenas diferenças apresentadas nestes fatores de escalonamento refletem as di-
ferenças globais nos parâmetros físicos (constante dielétrica e raio das moléculas do
solvente) usados para descrever os solventes no modelo de contínuo utilizado. Uma
outra observação é a de que estes fatores de escalonamento para os solventes pola-
res apróticos são maiores do que o fator obtido no estudo da solvatação de ânions em
água
23
(f =1,15). Isto sugere qualitativamente que a primeira camada de solvatação
dos ânions em água fica mais próxima do soluto do que no caso da solvatação em sol-
ventes polares apróticos. Portanto, estes simples procedimentos de parametrização
são capazes de fornecer também uma informação qualitativa que confirma a observa-
ção experimental de que os ânions são mais fortemente solvatados pela água do que
pelos solventes polares apróticos
4
.
4.1.3 Comparações com a Teoria de Born
Dentro do contexto da metodologia que estamos aplicando para o cálculo da ener-
gia livre de solvatação de ânions, através da utilização da energia puramente eletrostá-
tica, é interessante fazermos uma comparação com a Teoria de Born
99
da solvatação
de íons, que também assume que a energia livre de Gibbs de solvatação dos íons é
de natureza unicamente eletrostática.
Na teoria proposta por Born
99
, a variação da energia livre de Gibbs que acompanha
o processo de transferência de um íon da fase gasosa para um solvente depende da
carga do íon, do raio de íon e da constante dielétrica do solvente. Estas variáveis
56
estão relacionadas pela equação
G
sol
=
1
N
A
(Z
i
e
0
)
2
2r
i
, (4.1)
onde é a constante dielétrica do solvente para o qual o íon está sendo transferido,
N
A
é o número de Avogadro, Z
i
é a carga do íon, e
0
é a carga elementar e r
i
é o raio
do íon, que é considerado de forma esférica
99
.
Tem sido afirmado, baseado na teoria de Born, que a energia livre de solvatação de
íons pode ser representada por um termo eletrostático puro, se um raio de Born efetivo
for escolhido para o íon
99–101
. A fim de verificarmos esta afirmação, nós realizamos o
cálculo dos raios de Born efetivos que na aplicação da teoria de Born para o cálculo
das energias livres de solvatação fazem com que os resultados se igualem aos valores
experimentais das energias de solvatação. Nós calculamos estes raios efetivos para o
caso da solvatação dos ânions em AN e DMF, e comparamos com os raios efetivos das
cavidades no modelo PCM que resultam nestes mesmos valores para as energias de
solvatação. Os resultados obtidos são mostrados nas tabelas 10 e 11 para as soluções
em AN e DMF respectivamente.
Tabela 10: Raios atômicos de Pauling dos solutos (em Å) e a comparação entre o
raio iônico efetivo de Born e o raio efetivo da cavidade molecular no PCM para alguns
ânions em AN.
Anion raio atômico r (Born) r (PCM)
F
1,35 1,76 1,77
Cl
1,81 2,31 2,34
Br
1,95 2,43 2,45
I
2,15 2,65 2,71
N
3
2,41
Pic
2,97
Nestes resultados, nós podemos notar que o raio de Born efetivo e o raio da ca-
vidade usado para reproduzir os mesmos valores no PCM são praticamente iguais.
Mas esta relação é simples de estabelecer somente para o caso dos ânions esféricos
representados pelos haletos. Para os íons não-esféricos tais como o N
3
ou o picrato,
seria muito difícil definirmos de maneira consistente um raio de Born efetivo devido
as suas geometrias moleculares não-esféricas. Por exemplo, para o ânion N
3
, o raio
de Born efetivo em AN é igual a 2,41 Å, e para o ânion picrato, esse raio é de 2,97
Å. Valores similares são encontrados para o raio de born efetivo destes íons também
em DMF, como se pode verificar na tabela 11. O que estes resultados nos mostram
é que tal definição de raio efetivo é destituída de significado físico para o caso destes
íons não-esféricos pois os raios efetivos obtidos são muito menores do que os raios
57
Tabela 11: Raios atômicos de Pauling dos solutos (em Å) e a comparação entre o
raio iônico efetivo de Born e o raio efetivo da cavidade molecular no PCM para alguns
ânions em DMF.
Anion raio atômico r (Born) r (PCM)
F
1,35 1,67 1,67
Cl
1,81 2,36 2,40
Br
1,95 2,47 2,50
I
2,15 2,69 2,76
N
3
2,40
Pic
2,94
definidos para estas moléculas através de suas posições atômicas. Isto faz destes
solutos contra-exemplos para a aplicabilidade do modelo de Born. Nestes casos o
modelo PCM é mais eficiente e realístico do ponto de vista físico pois com ele é possí-
vel tratarmos solutos de geometrias moleculares arbitrárias. O modelo PCM também
possibilita obter informações acerca do efeito do solvente sobre o soluto além das pro-
priedades termodinâmicas da solvatação como as alterações da funcão de onda do
soluto e todas as propriedades que podem ser obtidas através dela.
4.2 METODOLOGIA II
Nesta seção, vamos reportar os resultados obtidos no estudo da solvatação de
ânions em AN e DMF, com a aplicação dos procedimentos que designamos de Me-
todologia II. Nesta segunda proposta de metodologia, realizamos a parametrização
completa do modelo PCM para a aplicação neste tipo de sistema. Por parametrização
completa, queremos dizer que nesta metodologia calculamos não somente a contri-
buição do termo eletrostático para a energia de solvatação dos ânions, mas também
o termo referente ao trabalho de construção da cavidade do soluto, a energia de cavi-
tação, e a contribuição das forças repulsivas e dispersivas, a contribuição da energia
livre de van der Waals.
Nesta segunda metodologia, o fator de escalonamento dos raios f da equação
(3.4) é determinado com auxílio das simulações de dinâmica molecular, e os objetos
de parametrização são os coeficientes de van der Waals ξ
i
, ou parâmetros de dureza
atômica de van der Waals, que estabelecem uma relação linear entre a superfície dos
átomos dos solutos com a contribuição da energia de van der Waals para a energia
total de solvatação de cada um dos ânions conforme a equação (3.6).
Para obtermos uma estimativa do tamanho da cavidade do soluto no caso das
soluções de ânions em AN e DMF, e a relação do raio da cavidade com os raios atô-
micos dos respectivos solutos, nós realizamos simulações de dinâmica molecular das
58
soluções diluídas dos ânions nestes solventes. Nas seções 4.2.1, 4.2.3 e 4.2.4, nós
relatamos os resultados destas simulações e da parametrização completa do modelo
aplicado no estudo da solvatação dos ânions em AN e DMF.
4.2.1 As Simulações de Dinâmica Molecular
Agora vamos relatar e discutir os resultados obtidos nas simulações de dinâmica
molecular e de uma segunda proposta de parametrização do PCM baseada nestes
resultados. Primeiramente queremos dizer que a estrutura interna das soluções lí-
quidas obtidas nas simulações de dinâmica molecular pode variar dependendo dos
parâmetros utilizados para descrever o soluto e o solvente nestas simulações. Ou
seja, os resultados aqui relatados são dependentes do modelo de simulação adotado,
e principalmente dos parâmetros de potencial utilizados para descrever as moléculas.
Portanto os resultados obtidos na parametrização do modelo de contínuo PCM, são
também dependentes dos parâmetros e procedimentos computacionais usados nas
simulações de dinâmica molecular das soluções de ânions em AN e DMF realizadas
no presente trabalho.
Nas simulações de dinâmica molecular dos ânions haletos em AN, nós calculamos
as funções de distribuição radial (radial distribution functions, RDFs) para os pares XS,
com X sendo o ânion (F
, Cl
, Br
e I
) e S um dos sítios de interação do solvente,
no caso o grupo metila na forma de átomo unificado. As funções de distribuição radial
XCH
3
nas soluções dos ânions em AN são mostradas nas figuras 9, 10, 11 e 12.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
0 2 4 6 8 10 12 14
r (Angstrons)
G(r)
Figura 9: Função de distribuição radial para F
CH
3
na solução líquida do ânion F
em AN.
Para todos os quatro ânions estudados em AN, as funções de distribuição radial
mostram um primeiro pico estreito e de grande amplitude, um segundo pico menor e
59
0
1
2
3
4
5
6
0 2 4 6 8 10 12 14
r (Angstrons)
G(r)
Figura 10: Função de distribuição radial para Cl
CH
3
na solução líquida do ânion
Cl
em AN.
mais largo, seguido por picos menores mais difusos. A partir das funções de distri-
buição radial XCH
3
, nós determinamos a distância média do ânion ao grupo CH
3
do
solvente na primeira camada de solvatação, tomando-se a distância radial correspon-
dente ao primeiro ponto de máximo no primeiro pico nas funções de distribuição radial
XCH
3
. Dentro do formalismo da superfície de carga aparente do PCM, os ânions
induzem cargas positivas sobre a superfície da cavidade do soluto. Sabendo disso,
o que temos que fazer é determinar a posição em torno do soluto, dos grupos ou
átomos do solvente que possuem carga positiva, pois estes estarão orientados em di-
reção aos solutos iônicos de carga negativa. Sabe-se que nas soluções de ânions em
AN, o grupo metila da AN fica orientada preferencialmente na direção dos ânions
102
.
A mesma observação também é válida para a orientação das moléculas de solvente
em torno dos ânions nas soluções tendo DMF como solvente. No caso das soluções
dos ânions em DMF, o grupo metila na posição oposta ao oxigênio do grupo carbonila
é que fica orientado preferencialmente na direção do ânion por causa dos efeitos re-
pulsivos entre o ânion e o oxigênio que é um portador de carga negativa no modelo
utilizado para descrever as moléculas de DMF nas simulações feitas neste trabalho.
No caso das soluções iônicas em AN, nós também calculamos a posição média
dos hidrogênios dos grupos metila na direção dos ânions. Para isto, tomamos as
posições dos pontos de máximo absoluto nas funções de distribuição radial XCH
3
para cada um dos ânions, e desta posição subtraímos a distância de equilíbrio da
ligação CH no grupo metila da molécula de acetonitrila. Com este procedimento,
nós calculamos a provável distância entre os ânions e os átomos de hidrogênio das
moléculas de acetonitrila na primeira camada de solvatação.
60
0
1
2
3
4
5
0 2 4 6 8 10 12 14
r (Angstrons)
G(r)
Figura 11: Função de distribuição radial para Br
CH
3
na solução líquida do ânion
Br
em AN.
Na solução do ânion F
em acetonitrila, nós observamos o ponto de máximo do
primeiro pico na RDF em 3,103 Å. Então, se subtraírmos desta distância, 1,107 Å, que
é a distância de equilíbrio da ligação CH na molécula de acetonitrila
103
, nós estabe-
lecemos a distância média entre o ânion e um átomo de hidrogênio numa molécula
de solvente, que neste caso é de 1,996 Å. Fazendo o mesmo procedimento para o
caso do ânion Cl
, nós observamos a distância correspondente ao ponto de máximo
do primeiro pico como sendo 3,757 Å. Assim, subtraíndo-se a distância da ligação
CH nós obtemos 2,650 Å para a distância média entre o ânion Cl
e um átomo
de hidrogênio do solvente. Na função de distribuição radial Br
CH
3
, a posição do
primeiro ponto de máximo é 3,803 Å e portanto a distância média à um átomo de hi-
drogênio da metila fica em 2,696 Å. Na solução do ânion I
em AN, o primeiro ponto
de máximo na RDF é localizado em 4,177 Å, e portanto, ao subtraírmos a distância
correspondente à ligação CH, obtemos a distância média de 3,070 Å entre o ânion e
um átomo de hidrogênio da acetonitrila. Assim nós calculamos a posição média de um
átomo de hidrogênio do solvente na direção dos solutos através das informações for-
necidas pelas simulações de dinâmica molecular das soluções de cada um dos quatro
ânions haletos em AN. Então torna-se possível de estabelecermos uma conexão en-
tre a distância média entre as moléculas do solvente e um ânion esférico como estes
que simulamos. Nós escolhemos simular as soluções dos ânions haletos esféricos
porque é mais simples de se fazer a conexão entre a distâncias obtidas através das
funções de distribuição radial e a definição da localização apropriada para a superfície
da cavidade do soluto no formalismo do PCM que estamos utilizando. É possível, pela
escolha de um fator de escalonamento dos raios atômicos dos solutos f, fazermos
61
0
1
2
3
4
0 2 4 6 8 10 12 14
r (Angstrons)
G(r)
Figura 12: Função de distribuição radial para I
CH
3
na solução líquida do ânion I
em AN.
uma conexão direta entre esses raios e a distância média entre os solutos esféricos
e os sítios das moléculas do solvente nas soluções dos ânions que foram simuladas.
Estas distâncias, definidas através da análise das funções de distribuição radial como
foi relatado acima, correspondem às posições adequadas das superfícies que definem
as fronteiras das cavidades dos respectivos solutos no formalismo do PCM.
Para estabelecermos o fator de escalonamento f, empregado na construção das
cavidades para os solutos no modelo de contínuo, conforme a equação (3.4), nós
então dividimos as distâncias médias ânion-hidrogênio que foram calculadas acima,
pelos raios atômicos dos respectivos haletos. Tomando-se o raio atômico do flúor,
igual a 1,35 Å, conforme a compilação de Pauling
34
que estamos adotando como
padrão, nós calculamos um fator de escalonamento de 1,48, pois a distância F
H
que obtivemos é aproximadamente 1,48 vezes 1,35 Å que é o valor que utilizamos
para o raio do flúor.
Nós realizamos os mesmos cálculos para o caso dos outros três ânions, utilizando
para estes os mesmos raios atômicos da compilação de Pauling
34
que utilizamos na
primeira parte deste trabalho onde propomos a parametrização do fator de escalona-
mento baseada na contribuição eletrostática para a energia de solvatação. No caso
dos ânions Cl
, Br
e I
, obtivemos respectivamente os fatores 1,46, 1,38 e 1,43. En-
tão podemos estabelecer que o fator de escalonamento médio para estes solutos em
AN é igual a 1,44. Assim, nós estabelecemos uma relação entre os raios atômicos
dos solutos e a distância média entre os ânions e os átomos do solvente que estão
mais próximos na primeira camada de solvatação em torno destes ânions. Com isto
queremos dizer que é possível encontrar uma constante de proporcionalidade (f), en-
62
tre os raios atômicos dos solutos esféricos e a posição média do solvente em torno
destes solutos obtida através da análise das funções de distribuição radial. Uma vez
que o fator de proporcionalidade é estabelecido, nós podemos calcular os raios efe-
tivos dos átomos dos solutos no processo de criação das cavidades para os solutos
no modelo de contínuo PCM que estamos utilizando. As esferas usadas para gerar
a cavidade do soluto no PCM são construídas tomando-se os raios dos átomos do
soluto e escalonando as suas dimensões através do fator f escolhido até atingirem
o tamanho adequado, conforme a equação (3.4). Como este fator está estabelecido
para o caso da solvatação de quatro ânions em AN, nós generalizamos e aplicamos
o modelo PCM com este fator para todos os outros solutos disponíveis no conjunto
de parametrização. Na adoção de tal procedimento, nós consideramos, por aproxima-
ção, que as moléculas do solvente se comportam estruturalmente da mesma forma
frente à todos os ânions do conjunto. Acreditamos que é razoável pensarmos assim,
pois por se tratarem todos de solutos carregados negativamente, eles devem induzir
a mesma orientação das moléculas do solvente na primeira camada de solvatação,
ou seja, com os átomos de hidrogênio do solvente voltados na direção do soluto. E
no caso do modelo de contínuo PCM, todos eles tendem a induzir cargas positivas
na superfície da cavidade, simulando o comportamento estrutural na primeira camada
de solvatação ao redor dos solutos que deve ser aproximadamente uniforme para a
maior parte dos ânions do conjunto, pelo fato de todos portarem uma carga negativa
inteira e com isso induzem a mesma orientação das moléculas do solvente nas suas
imediações. Além disso, observa-se uma proporção aproximadamente constante en-
tre a distância soluto-solvente e os raios atômicos dos solutos estudados, conforme
vemos pelos resultados que estão reunidos na tabela 12. Esta proporção é verificada
para os ânions haletos e é claro que seria mais complicado estabelecermos tal relação
para o caso de ânions poliatômicos não-esféricos também presentes no conjunto sob
estudo. Mas de qualquer forma parece razoável aceitarmos estas hipóteses dados
os resultados observados nas simulações de dinâmica molecular. Também não é o
nosso objetivo principal neste trabalho, estudarmos detalhadamente a estrutura des-
tas soluções líquidas de ânions em AN e DMF. Mas queremos utilizar as simulações
de dinâmica molecular destas soluções como uma ferramenta auxiliar para racionali-
zar a escolha do fator de escalonamento dos raios atômicos f, nos procedimentos de
parametrização completa do modelo de contínuo PCM para o estudo da solvatação e
seus efeitos nestes sistemas.
No caso da solvatação dos ânions em DMF, podemos observar um primeiro pico
nas funções de distribuição radial dos pares X
CH
3
, onde X
é o ânion haleto e
CH
3
é o grupo metila na posição oposta ao oxigênio do grupo carbonila na molécula
da N,N-dimetilformamida. Os átomos que formam os grupos metila da molécula de
N,N-dimetilformamida também são representadas por modelo de átomo unificado. As
63
Tabela 12: Resultados das simulações de dinâmica molecular das soluções dos ânions
em AN. A tabela mostra a distância radial onde aparece o ponto de máximo da função
de distribuição radial, a distância ânion-hidrogênio calculada e o respectivo fator de
escalonamento calculado com os dados obtidos em AN.
Par r
max
d
X
H
fator
F
CH
3
3,103 1,996 1,48
Cl
CH
3
3,757 2,650 1,46
Br
CH
3
3,803 2,696 1,38
I
CH
3
4,177 3,070 1,43
fator médio 1,44
funções de distribuição radial para as soluções tendo DMF como solvente podem ser
vistas nas figuras 13, 14, 15 e 16 abaixo.
0
2
4
6
8
10
12
0 2 4 6 8 10 12 14 16
r (Angstrons)
G(r)
Figura 13: Função de distribuição radial para F
CH
3
na solução líquida do ânion F
em DMF.
A função de distribuição radial para o par F
CH
3
, na solução do ânion F
em
DMF, mostra o primeiro ponto de máximo localizado em 3,227 Å, conforme se ob-
serva na figura 13. Sabe-se que a distância da ligação CH nos grupos metila da
molécula da N,N-dimetilformamida é de 1,095 Å
104
. Então, realizando-se o mesmo
procedimento que foi adotado no caso do estudo das soluções de ânions em AN, nós
calculamos a distância entre os átomos de hidrogênio e o ânion nas soluções tendo
DMF como solvente. Para o ânion F
, esta distância média fica então estimada em
2,132 Å. Este valor indica uma razão de 1,58 entre a distância ânion-hidrogênio e o
raio atômico do flúor, que é de 1,35 Å conforme a compilação de Pauling
34
.
64
0
1
2
3
4
5
6
7
0 2 4 6 8 10 12 14 16
r (Angstrons)
G(r)
Figura 14: Função de distribuição radial para Cl
CH
3
na solução líquida do ânion
Cl
em DMF.
No sistema Cl
/DMF, o ponto de máximo do primeiro pico da função de distribuição
radial Cl
CH
3
aparece em 3,867 Å, como pode ser visto na figura 14. Para a solução
do íon Br
em DMF, o primeiro ponto de máximo é localizado em 3,973 Å como pode
ser verificado na figura 15. E no sistema I
/DMF, com a função de distribuição radial
mostrada na figura 16, o primeiro ponto de máximo aparece em 4,293 Å. Com estes
dados, nós calculamos a distância média entre o soluto e os hidrogênios do grupo
metila para cada um dos ânions. Assim, a distância média entre o ânion Cl
e um
átomo de hidrogenio no grupo metila do solvente DMF é de 2,772 Å. No caso do
ânion Br
essa distância é de 2,878 Å. Para a solução de Cl
em DMF esta distância
representa 1,53 vezes o raio do átomo de cloro, ou seja, fornece uma razão igual a
1,53 entre a distância média ao átomo de hidrogênio do solvente e o raio atômico do
soluto. No caso do sistema Br
/DMF, a razão entre a distância do ânion ao átomo de
hidrogênio e o raio do átomo de bromo é de 1,47. Na solução do íon I
em DMF, a
distância média do centro do ânion à um átomo de hidrogênio do solvente é estimada
em 3,198 Å. Se dividirmos este valor pelo raio atômico do iodo, resulta numa razão de
1,49, ou seja, a distância assim obtida é 1,49 vezes maior do que o raio de Pauling
para o átomo de iodo, o mesmo valendo no caso dos demais íons e suas respectivas
distâncias obtidas. Estes dados obtidos através das simulações de dinâmica molecular
e das considerações geométricas feitas estão reunidas na tabela 13 abaixo.
Em nossa metodologia estas razões entre as distâncias médias ânion-hidrogênio
calculadas para cada um dos solutos correspondem aos fatoresde escalonamento dos
raios atômicos dos respectivos solutos dentro do modelo de contínuo. Assim, a média
dos quatro valores obtidos para os fatores de escalonamento para os ânions em DMF
65
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1
2
3
4
5
6
7
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r (Angstrons)
G(r)
Figura 15: Função de distribuição radial para Br
CH
3
na solução líquida do ânion
Br
em DMF.
Tabela 13: Resultados das simulações de dinâmica molecular das soluções dos ânions
em DMF. A tabela mostra a distância radial onde aparece o ponto de máximo da função
de distribuição radial, a distância ânion-hidrogênio calculada e o respectivo fator de
escalonamento calculado com os dados obtidos em DMF.
Par r
max
d
X
H
fator
F
CH
3
3,227 2,132 1,58
Cl
CH
3
3,867 2,772 1,53
Br
CH
3
3,973 2,878 1,47
I
CH
3
4,293 3,198 1,49
fator médio 1,52
é 1,52. Este número significa que nas soluções destes ânions em DMF, a distância
média de um átomo de hidrogênio do grupo metila do solvente na primeira camada de
solvatação, é de aproximadamente 1,52 vezes o raio atômico do soluto. No modelo de
contínuo isto corresponde à escolha de um fator f =1,52 para o escalonamento dos
raios atômicos no procedimento de criação da cavidade molecular do soluto no meio
dielétrico contínuo que representa o solvente no modelo PCM que estamos adotando.
4.2.2 As Simulações de Supermoléculas
Conforme os procedimentos computacionais relatados na seção 3.4.2, nós reali-
zamos também as simulações de supermolécula dos sistemas contendo cada um dos
três ânions haletos (F
, Cl
e Br
) solvatados em AN e DMF. Nós estudamos a geome-
tria molecular dos complexos formados por um ânion e seis moléculas do solvente AN,
66
0
1
2
3
4
5
0 2 4 6 8 10 12 14 16
r (Angstrons)
G(r)
Figura 16: Função de distribuição radial para I
CH
3
na solução líquida do ânion I
em DMF.
e no sistema contendo DMF, cada ânion foi envolto por três moléculas desse solvente.
Na tentativa de estudarmos mais detalhadamente a geometria da primeira camada de
solvatação dos ânions F
, Cl
e Br
, nos solventes AN e DMF, nós realizamos as oti-
mizações geométricas em fase gasosa dos íons complexos formados com os ânions
e as moléculas dos respectivos solventes.
Os resultados da otimização geométrica podem ser visualizados nas figuras 17,
18 e 19 que mostram as estruturas moleculares dos complexos formados em AN. As
figuras 20, 21 e 22, mostram as estruturas dos complexos formados em DMF.
Figura 17: Estrutura do complexo [F(CH
3
CN)
6
]
.
Nos complexos formados entre os ânions e as moléculas do solvente AN (CH
3
CN),
67
Figura 18: Estrutura do complexo [Cl(CH
3
CN)
6
]
.
podemos observar em primeiro lugar a disposição aproximadamente linear dos áto-
mos XHC, onde (X=F
, Cl
e Br
). As distâncias d(XH) e os ângulos a(XHC)
formados nestas moléculas podem ser verificados na tabela 14.
No complexo [F(CH
3
CN)
6
]
, nós observamos uma distância média FH de 2,042
Å e o ângulo formado entre os átomos FHC é de 179,72
, ou seja, um ângulo bem
próximo de 180
, o que demonstra o alinhamento destes três átomos na configuração
molecular que simula a primeira camada de solvatação do ânion F
em AN. Se divi-
dirmos a distância média FH obtida para este complexo por 1,35 Å que é o raio do
átomo de flúor, nós obtemos o valor 1,51 que é a relação entre a distância FH e o
raio do soluto. Portanto, o fator de proporcionalidade entre o raio do soluto e a distân-
cia do centro do soluto até os átomos de hidrogênio do solvente na primeira camada
de solvatação é igual a 1,51 conforme estas simulações de supermoléculas.
No complexo [Cl(CH
3
CN)
6
]
, nós obtemos uma distância uniforme entre os seis
átomos de hidrogênio ligados ao átomo de cloro central e este átomo. A distância
média dos seis átomos de hidrogênio e o átomo de cloro central é igual a 2,700 Å.
Neste complexo, o ângulo médio ClHC é de 168,30
e portanto é um pouco menor
do que no caso do complexo contendo o átomo de flúor no centro. Tomando-se o raio
atômico do átomo de cloro como sendo 1,81 Å, nós temos que a distância dos prótons
neste complexo é 1,49 vezes maior do que a medida do raio do átomo central. Em
nossa modelagem, isso representa que na solvatação do íon Cl
em AN os prótons
do solvente na primeira camada de solvatação, que estão mais próximos do soluto,
estão a uma distância média que é 1,49 vezes maior do que o raio deste soluto.
no complexo formado com o ânion Br
e as seis moléculas de AN, nós podemos
observar uma distância média BrH de 2,759 Å e um ângulo médio BrHC igual a
68
Figura 19: Estrutura do complexo [Br(CH
3
CN)
6
]
.
176,81
. Neste complexo, podemos verificar mais uma vez que o ângulo da ligação
de hidrogênio formada entre os átomos de hidrogênio das moléculas de AN e o ânion
haleto é bem próximo de 180
. O raio adotado para o átomo de bromo é 1,95 Å,
e assim, neste complexo, os prótons envolvidos na ligação de hidrogênio entre as
moléculas de AN e o ânion Br
estão localizados numa distância média que é 1,41
vezes o raio do átomo de bromo que forma este soluto esférico.
Se nós considerarmos os resultados obtidos para as distâncias e ângulos das liga-
ções de hidrogênio nos complexos formados entre as moléculas CH
3
CN e os ânions,
nós podemos concluir que os prótons do solvente AN na primeira camada de solvata-
ção destes ânions estudados ficam localizados numa distância que em média é 1,47
vezes maior do que os raios destes solutos. Portanto, baseado nestas simulações de
supermoléculas, nós podemos estabelecer que os centros de carga positva do sol-
vente na primeira camada de solvatação, estão localizadas nesta distância, o que é
representado no modelo de contínuo por um parâmetro do modelo, o fator de escalo-
namento dos raios atômicos do soluto conforme a equação (3.4), onde neste caso te-
mos f =1,47. Comparando-se este fator de escalonamento médio com aquele obtido
através das considerações feitas acerca dos resultados das simulações de dinâmica
molecular, nós podemos notar que eles diferem por apenas 0,03 unidades, o que re-
presenta que este fator de escalonamento é 2,1% maior do que o fator obtido com as
simulações de dinâmica molecular. Neste caso, temos a questão das diferenças nas
geometrias moleculares do solvente consideradas no cálculo do fator em solução e a
geometria molecular do complexo em fase gasosa obtida por cálculo ab initio. Com
69
Figura 20: Estrutura do complexo [F(DMF)
3
]
.
todas as aproximações envolvidas, ainda assim nós obtemos uma boa concordância
entre os resultados extraídos das simulações de dinâmica molecular e os resultados
das simulações de supermolécula. O aspecto mais importante que devemos destacar
é o fato de que as geometrias dos complexos formados com os haletos e as moléculas
de AN fornecem o embasamento teórico para as considerações e aproximações feitas
em relação ao posicionamento dos átomos na ligação de hidrogênio XHC utiliza-
das no cálculo da distância X
H a partir das informações fornecidas pelas funções
de distribuição radial XCH
3
. Nós queremos dizer que os resultados das simulações
de supermolécula mostram que é possível considerarmos que os átomos XHC en-
volvidos na ligação de hidrogênio podem ser considerados como estando alinhados,
e assim podemos obter a distância XH simplesmente como sendo dada pela dife-
rença entre as distâncias XCH
3
, fornecidas pelas funções de distribuição radial, e a
distância da ligação CH no grupo metila da molécula CH
3
CN.
Analisando as distâncias e os ângulos das ligações de hidrogênio nas estruturas
dos complexos formados entre os haletos e as moléculas do solvente DMF, conforme
os resultados mostrados na tabela 14, nós verificamos que no complexo [F(DMF)
3
]
,
os átomos de hidrogênio dos grupos metila mais próximos do átomo de flúor estão
posicionados a uma distância média de 2,083 Å desse átomo central. Os grupos metila
em posição oposta ao átomo de oxigênio nas moléculas do solvente HCO(CH
3
)
2
, estão
posicionados a uma distância média de 3,112 Å do átomo de flúor. O ângulo médio
formado entre os átomos FHC é de 157,61
. Assim verificamos que esta geometria
também é compatível com as considerações feitas acerca da primeira camada de
solvatação do ânion F
em DMF. A distância média FH é 1,54 vezes maior do que o
raio atômico de Pauling do flúor.
70
Figura 21: Estrutura do complexo [Cl(DMF)
3
]
.
No caso do complexo [Cl(DMF)
3
]
, os resultados das simulações de supermolé-
cula nos mostram que os átomos de carbono do grupo metila estão localizados numa
distância média de 3,845 Å do átomo de cloro, o que está em excelente concordância
com os dados fornecidos pelas simulações de dinâmica molecular, onde observamos
a posição do ponto de máximo da função de distribuição radial ClCH
3
em 3,867 Å.
A distância média ClH neste complexo é 2,825 Å, ou seja, 1,56 vezes maior do que
o raio de Pauling do átomo de cloro que é 1,81 Å. O ângulo médio ClHC como
podemos ver neste complexo é 158,20
.
Os resultados da otimização geométrica do complexo [Br(DMF)
3
]
, nos mostram
que nesta configuração, os átomos de hidrogênio dos grupos metila nas moléculas
de DMF ficam posicionados a uma distância média de 2,997 Å, ou seja, a ligação
de hidrogênio BrH neste complexo tem um comprimento médio que é 1,54 vezes
a medida do raio de Pauling do átomo de bromo que é igual a 1,95 Å. O ângulo
médio BrHC neste complexo mede 140,49
, ou seja, cerca de 20
menor do que
nos demais complexos formados com o DMF. Os ângulos XHC nos complexos
formados com DMF são menores do que 180
porque nestes casos o menor número
de moléculas de solvente em torno dos íons faz com que o espaçamento entre as
moléculas de solvente seja maior e com isso ocorre uma maior distorção do ângulo
das ligações XHC.
Se considerarmos que nós estamos simulando as características estruturais da pri-
meira camada de solvatação dos ânions F
, Cl
e Br
em DMF, nós podemos afirmar
que de maneira semelhante ao que observamos na solvatação em AN, na solvatação
dos ânions em DMF também ocorre a formação de ligações de hidrogênio entre os
71
Figura 22: Estrutura do complexo [Br(DMF)
3
]
.
ânions e os átomos de hidrogênio dos grupos metila presentes nas moléculas do sol-
vente DMF. Estas ligações de hidrogênio não são tão fortes quanto as ligações que
ocorrem entre os ânions e os prótons das moléculas de água, como podemos verifi-
car através dos comprimentos de ligação mostrados na tabela 14. Mas sem dúvida,
as ligações de hidrogênio presentes nas soluções dos ânions em AN e DMF desem-
penham um papel importante no ordenamento das moléculas desses solventes na
primeira camada de solvatação dos ânions. Com estes resultados, nós podemos ver
que mesmo em solventes classificados como solventes não doadores de ligações de
hidrogênio ou solventes polares apróticos, as ligações de hidrogênio podem estar pre-
sentes no caso da solvatação de solutos carregados negativamente. Estas ligações
de hidrogênio causam uma estruturação peculiar do solvente em torno do soluto que
na realidade pode fornecer uma contribuição entrópica importante para a energia livre
de solvatação dos solutos iônicos nos solventes AN e DMF.
Se nós fizermos a relação entre a posição média dos prótons do solvente na pri-
meira camada de solvatação dos ânions em DMF, a posição da superfície da cavidade
do soluto no modelo de contínuo IEF-PCM, e a relação entre a posição desta interface
soluto-solvente com o raio dos solutos, nós temos que em DMF a superfície da cavi-
dade deve ser posicionada a uma distância que é 1,55 vezes o raio atômico de Pauling
do respectivo soluto. Através das simulações de dinâmica molecular, nós estabelece-
mos esta mesma relação como sendo dada pelo fator f = 1, 52. Assim, nós podemos
verificar mais uma vez a consistência da escolha de um fator de escalonamento dos
raios f = 1, 52 para a solvatação de ânions em DMF. As simulações de supermolécula
apóiam os resultados obtidos nas simulações de dinâmica molecular e nos ajudam
a estabelecer de maneira inequívoca as considerações feitas acerca da estrutura da
72
Tabela 14: Parâmetros geométricos obtidos nas simulações de supermolécula dos
complexos íon-solvente. As distâncias estão expressas em ângstrons e os ângulos
em graus.
Complexo d(X
H) d(X
C) a(X
HC) fator
[F(CH
3
CN)
6
]
2,042 3,130 179,72 1,51
[Cl(CH
3
CN)
6
]
2,700 3,767 168,30 1,49
[Br(CH
3
CN)
6
]
2,759 3,840 176,80 1,42
[F(DMF)
3
]
2,083 3,112 157,61 1,54
[Cl(DMF)
3
]
2,825 3,845 158,20 1,56
[Br(DMF)
3
]
2,997 3,801 140,49 1,54
[F(H
2
O)
6
]
1,896 - - 1,40
[Cl(H
2
O)
6
]
2,621 - - 1,45
[Br(H
2
O)
6
]
2,600 - - 1,33
primeira camada de solvatação em AN e DMF e que foram utilizadas para estabelecer
um fator de escalonamento dos raios atômicos do soluto para ser utilizado como pa-
râmetro no modelo de contínuo IEF-PCM que utilizamos para calcular a energia livre
de solvatação dos ânions em AN e DMF neste presente trabalho. Como já dissemos,
não é o nosso principal objetivo aqui estudar rigorosamente a estrutura das soluções
de ânions em AN e DMF e sim justificar de forma coerente os parâmetros emprega-
dos dentro do modelo de contínuo IEF-PCM para o estudo dos aspectos energéticos
da solvatação de ânions nestes solventes. Para quem quiser buscar mais detalhes,
sugerimos a leitura dos estudos reportados na literatura que utilizam as simulações de
supermolécula de íons em AN com metodologias mais refinadas e uma análise dos
aspectos referentes a estrutura e energias de interação podem ser encontrados nas
refs.
105–107
.
4.2.3 Os Parâmetros de van der Waals
Uma vez que nós estimamos a localização adequada da interface soluto/solvente
para os sistemas sob estudo, nós realizamos então o cálculo da energia livre de sol-
vatação para cada um dos ânions do conjunto disponível nas soluções contendo AN
e DMF como solventes. Com os fatores de escalonamento dos raios atômicos es-
tabelecidos para a construção das cavidades em cada um dos solventes estudados
(AN: f =1,44 e DMF: f =1,52), nós calculamos as componentes eletrostática e de
cavitação da energia livre de solvatação dos ânions em AN e DMF.
Depois de obtidos os valores para estas componentes, nós realizamos a otimi-
zação dos coeficientes de van der Waals para cada um dos átomos presentes no
conjunto de solutos conforme os procedimentos descritos na seção 3.4.3. Estes co-
eficientes servem para fazer a relação entre a superfície dos átomos no soluto e a
73
componente de van der Waals da energia livre de solvatação conforme a equação
(3.6). O conjunto de coeficientes de van der Waals ξ
k
para a contribuição dos átomos
dos solutos nos respectivos solventes foram estimados através de um procedimento
estatístico de minimização da diferença entre a energia de solvatação experimental
para cada um dos ânions e a soma das componentes eletrostática e de cavitação
calculadas para os respectivos solutos do conjunto, conforme a equação (3.26). Os
parâmetros de van der Waals ξ
k
foram então obtidos pelo procedimento de regressão
linear múltipla apresentado na seção 3.4.3, seguindo as equações (3.6-3.26), e os
resultados assim obtidos são mostrados na tabela 15.
Tabela 15: Parâmetros atômicos de van der Waals ξ
i
(in kcal/molÅ
2
) otimizados para
o cálculo do termo de van der Waals na energia de solvatação dos ânions em AN e
DMF com os fatores 1,44 e 1,52 respectivamente.
Atomo ξ
i
(AN) ξ
i
(DMF)
H 0,2337 0,3488
B +22,5766 +28,0140
C 0,2769 0,4214
N 0,2098 0,2888
O 0,0959 0,1344
F 0,4545 0,9065
S 0,2596 0,3422
Cl 0,2421 0,3477
Br 0,2559 0,3461
I 0,1059 0,1847
Estes parâmetros de van der Waals foram então empregados no cálculo da con-
tribuição da energia livre de van der Waals para a energia livre total de solvatação do
conjunto de ânions em AN e DMF.
4.2.4 A Energia de Solvatação
Adicionando-se as três contribuições, eletrostática G
ele
, cavitação G
cav
e van
der Waals G
vdW
, nós calculamos a energia de solvatação total G
sol
conforme a
equação (3.1), para cada um dos ânions nos respectivos solventes AN e DMF, utili-
zando os fatores de escalonamento obtidos através das simulações de dinâmica mo-
lecular (AN: f =1,44 e DMF: f =1,52).
Os resultados obtidos aplicando-se estes procedimentos no caso das soluções de
ânions em AN são mostrados na tabela 16, e para as soluções em DMF, os resultados
estão na tabela 17. Assim, o processo de parametrização do modelo IEF-PCM está
completo, e com isso, podemos estudar a termodinâmica de solvatação de ânions,
incluindo as contribuições eletrostática G
ele
e estérica (G
cav
+ G
vdW
) na energia
74
de solvatação do conjunto de ânions nos solventes estudados.
Tabela 16: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e experi-
mental e as respectivas contribuições para o conjunto de ânions em AN com fator de
1,44.
Anion G
ele
G
cav
G
vdW
G
solv
(calc) G
solv
(exp) erro
F
82,4 2,8 10,4 90,0 90,0 0,0
Cl
61,5 4,2 10,0 67,3 67,9 +0,6
Br
57,0 4,8 12,3 64,5 64,5 0,0
I
52,4 5,5 6,2 53,1 59,0 +5,9
I
3
39,5 13,3 14,7 40,9 38,4 2,5
N
3
60,1 6,1 11,6 65,6 65,2 0,4
CN
60,6 5,0 11,5 67,1 66,6 0,5
SCN
53,7 7,2 17,0 63,5 63,5 0,0
NO
3
57,4 7,1 6,7 57,0 61,0 +4,0
ClO
4
52,3 8,9 8,7 52,1 48,5 3,6
CH
3
CO
2
62,4 9,2 14,5 67,7 67,4 0,3
Pic
43,5 21,6 30,1 52,0 52,4 +0,4
BPh
4
39,4 42,4 1,1 4,1 4,1 0,0
e.m. s/sinal 1,4
e.m. c/sinal 0,3
S.D. 2,3
A correlação entre valores calculados e experimentais obtida com esta parametri-
zação completa é mostrada nas figuras 23 e 24. Agora vamos discutir alguns resulta-
dos importantes obtidos com a parametrização completa do PCM aplicado ao estudo
da solvatação de ânions.
A média dos desvios absolutos, ou erro médio sem sinal, nos resultados dos cálcu-
los da energia total de solvatação do conjunto de ânions em AN é igual a 1,4 kcal/mol.
O erro médio, incluindo o sinal dos desvios individuais, é de 0,3 kcal/mol e o desvio
padrão dos resultados é de 2,3 kcal/mol. Os parâmetros estatísticos obtidos para os
resultados em DMF mostram um erro médio de 0,1 kcal/mol, um desvio padrão de
2,1 kcal/mol e a média dos desvios absolutos, ou erro médio sem sinal, fica em 1,2
kcal/mol, quando comparamos os resultados obtidos aos respectivos dados experi-
mentais.
Verificando a tabela 16 dos resultados e a figura 23, nós podemos observar que o
maior desvio nos resultados comparado aos dados experimentais, ocorre na energia
de solvatação dos ânions I
e NO
3
em AN. Vamos discutir acerca desses desvios na
seqüência em que aparecem os ânions no conjunto.
É interessante fazermos alguns comentários acerca dos resultados quanto à mag-
nitude relativa das três contribuições (cavitação, eletrostática e van der Waals) calcu-
75
Tabela 17: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) calculada e experimen-
tal e as respectivas contribuições para o conjunto de ânions em DMF com fator de
1,52.
Anion G
ele
G
cav
G
vdW
G
solv
(calc) G
solv
(exp) erro
F
78,3 4,2 20,7 94,8 94,8 0,0
Cl
58,4 6,6 14,3 66,1 66,5 +0,4
Br
54,2 7,4 16,6 63,4 63,4 0,0
I
49,8 8,6 10,7 51,9 58,1 +6,2
I
3
38,8 20,7 25,7 43,8 41,2 2,6
N
3
58,6 9,4 16,0 65,2 65,4 +0,2
CN
57,8 7,7 16,8 66,9 65,4 1,5
SCN
50,1 11,2 23,6 62,5 62,5 0,0
ClO
4
51,0 13,6 12,2 49,6 48,0 1,6
CH
3
CO
2
59,5 14,2 21,4 66,7 66,2 0,5
Pic
41,3 33,2 43,9 52,0 53,1 +1,1
BPh
4
38,8 65,1 23,6 2,7 2,7 0,0
e.m. s/sinal 1,2
e.m. c/sinal 0,1
S.D. 2,1
ladas para a energia de solvatação dos ânions em AN e DMF. Abaixo nós analisamos
paralelamente, os resultados obtidos para a energia de solvatação dos ânions em AN e
DMF. Nós também analisamos, em termos de proporções absolutas, as contribuições
eletrostáticas e não-eletrostáticas (cavitação e van der Waals) em relação a energia
total de solvatação dos ânions em AN e DMF. As tabelas 18 e 19 mostram a energia de
solvatação dos ânions particionada nas formas de energia eletrostática (G
ele
), ener-
gia não-eletrostática (G
cav
+ G
vdW
), e as suas respectivas contribuições relativas
expressas em termos de frações percentais absolutas em relação a energia total de
solvatação calculada para os ânions em AN e DMF respectivamente.
Na metodologia adotada nesta etapa do trabalho, o qual chamamos de Metodolo-
gia II, nós estamos considerando que as características estruturais da solvatação são
aproximadamente as mesmas para todos os solutos em cada um dos solventes onde
a solvatação dos ânions está sendo estudada. Baseado nisto é que nós aplicamos
um fator de escalonamento dos raios atômicos f, conforme a equação (3.4), uniforme
para todos os solutos do conjunto e definido em cada um dos solventes, conforme os
estudos estruturais fornecidos pelos resultados das simulações de dinâmica molecu-
lar. Com a atribuição deste fator de escalonamento, e demais parâmetros físicos do
solvente, nós calculamos as contribuições eletrostática e de cavitação para os solutos
em cada solvente. Com isso, o procedimento de parametrização do modelo IEF-PCM
dentro desta segunda metodologia, a Metodologia II, consiste na determinação dos
76
-100
-80
-60
-40
-20
0
20
-100 -80 -60 -40 -20 0 20
G
exp
G
cal
Figura 23: Comparação da energia livre de solvatação (em kcal/mol) calculada G
cal
,
e os respectivos dados experimentais G
exp
, para os ânions em AN obtidos com a
parametrização completa dos termos. A reta indica a correlação ideal entre os dois
conjuntos de dados.
parâmetros empíricos que relacionam a energia de van der Waals, de um soluto num
determinado solvente, com as superfícies de cada átomo do soluto efetivamente ex-
posta ao solvente conforme a equação (3.6). E é este procedimento da Metodologia II
que faz com que seja importante nós analisarmos cada uma das contribuições para a
energia total de solvatação de cada um dos solutos, com a finalidade de verificarmos
a consistência dos parâmetros de van der Waals otimizados para os ártomos dos so-
lutos em cada um dos solventes onde a solvatação dos ânions está sendo estudada.
Além disso, a possibilidade de uma análise individual de cada um dos termos que
contribuem para a energia livre de solvatação dos ânions fornece óbviamente uma
das motivações principais para o estudo teórico da solvatação destas espécies.
Na solvatação do ânion F
em AN, nós observamos que 91,5% da energia total
de solvatação é proveniente da contribuição eletrostática pura. A energia de van der
Waals também contribui com 11,6% em relação a energia total de solvatação deste
ânion em AN. em DMF, nós observamos que a contribuição eletrostática para a
energia de solvatação do ânion F
representa 82,6% da energia total de solvatação
e a contribuição não-eletrostática, ou estérica, é de 17,4%, sendo que a contribuição
da energia de van der Waals em relação a energia total é de 21,8%. A energia de
cavitação é pequena em valores absolutos, o que é de se esperar pois ela depende
do raio atômico do soluto que neste caso é o menor dos ânions do conjunto e portanto
o trabalho de criação da cavidade deve ser o menor dentre os exemplos estudados.
Esta observação é importante para verificarmos a consistência dos resultados obtidos
77
-100
-80
-60
-40
-20
0
20
-100 -80 -60 -40 -20 0 20
G
exp
G
cal
Figura 24: O mesmo que na fig.23 mas com os resultados obtidos para os ânions em
DMF.
para o termo de cavitação.
No caso do ânion F
, a energia de solvatação calculada é igualada ao valor ex-
perimental com a escolha apropriada do coeficiente de van der Waals que é ajustado
de maneira que os resultados para o termo de van der Waals sejam otimizados até
atingir-se um valor igual ao experimental para a energia total de solvatação calculada.
Como o ânion F
é o único membro do conjunto de ânions usado na parametrização
que contém o átomo de flúor em sua estrutura, não há contribuição estatística de ou-
tros solutos no procedimento de determinação e otimização do parâmetro de van der
Waals para este átomo, e portanto o seu ajuste é feito de maneira livre, ou seja, o coe-
ficiente de van der Waals deste átomo é uma variável livre dentro do procedimento de
ajuste dos coeficientes no modelo de regressão linear múltipla conforme as equações
(3.7-3.24).
Na solução do ânion F
em DMF, nós também notamos que o termo eletrostático
da energia de solvatação é, em valor absoluto, 4,1 kcal/mol menor do que na solvata-
ção em AN, e como se pode ver, ambos os termos não-eletrostáticos tem uma maior
parcela de contribuição relativa na solvatação deste ânion em DMF do que em AN. O
coeficiente de van der Waals para o átomo de flúor em DMF e o respectivo valor da
energia de van der Waals é aproximadamente duas vezes maior do que em AN. Estes
resultados são esperados porque em DMF a cavidade do soluto F
possui um raio
maior do que em AN, e isso leva à uma energia de interação eletrostática com o sol-
vente que é menor devido à uma interação mais fraca entre as distribuições de carga
do soluto e do solvente. E como as constantes dielétricas de ambos os solventes
são próximas, as diferenças nas interações eletrostáticas nos dois solventes ocorrem
78
Tabela 18: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) separada em suas
contribuições calculadas (eletrostática G
ele
, não-eletrostática G
ne
, van der Waals
G
vdW
e cavitação G
cav
) e as respectivas frações percentuais em relação a energia
total de solvatação para o conjunto de ânions em AN com fator de 1,44.
Anion G
ele
G
ele
G
solv
G
ne
G
ne
G
solv
G
cav
G
solv
G
vdW
G
solv
F
82,4 91,5 7,6 8,5 3,1 11,6
Cl
61,5 91,4 5,8 8,6 6,2 14,8
Br
57,0 88,4 7,5 11,6 7,4 19,0
I
52,4 98,7 0,7 1,3 10,3 11,6
I
3
39,5 96,6 1,4 3,4 32,5 35,9
N
3
60,1 91,6 5,5 8,4 9,3 17,7
CN
60,6 90,3 6,5 9,7 7,4 17,1
SCN
53,7 84,6 9,8 15,4 11,4 26,8
NO
3
57,4 100,7 +0,4 0,7 12,4 11,7
ClO
4
52,3 100,4 +0,2 0,4 17,1 16,7
CH
3
CO
2
62,4 92,2 5,3 7,8 13,6 21,4
Pic
43,5 83,6 8,5 16,4 41,5 57,9
BPh
4
39,4 961,0 +43,5 1061,0 1034,1 26,9
por causa das diferenças na polarização do dielétrico que envolve o soluto em função
dos diferentes tamanhos definidos para as cavidades dos solutos nos dois solventes.
Esta última observação também se aplica no caso da solvatação dos outros ânions do
conjunto de solutos.
Os resultados aqui obtidos para a energia de van der Waals estão em concordância
com a intuição química de que deve haver uma interação de van der Waals mais
intensa com as moléculas de DMF o qual possui dois grupos metila em sua estrutura,
comparado com a acetonitrila que possui apenas um, e que portanto podem contribuir
mais para as interações dispersivas de van der Waals
51,54,89
.
O caso do ânion Cl
é interessante porque o átomo de cloro também está pre-
sente no ânion ClO
4
e portanto o parâmetro de van der Waals calculado para o átomo
de cloro é compartilhado por mais de um soluto. Este fato nos ajuda na verificação
da consistência interna dos resultados otimizados para os parâmetros usados para
calcular o termo da energia de van der Waals em mais de um soluto do conjunto.
Os resultados obtidos para este ânion são também adequados para o propósito de
comparação da magnitude da energia livre de solvatação de um ânion em solventes
diferentes e principalmente para analisarmos as suas respectivas componentes ele-
trostática e estéricas (cavitação e van der Waals).
Na solução do ânion Cl
em AN, nós obtivemos uma energia livre de solvatação de
67,3 kcal/mol, valor este que está apenas 0,6 kcal/mol acima do dado experimental.
79
Tabela 19: Energia livre de Gibbs de solvatação (em kcal/mol) separada em suas
contribuições calculadas (eletrostática G
ele
, não-eletrostática G
ne
, van der Waals
G
vdW
e cavitação G
cav
) e as respectivas frações percentuais em relação a energia
total de solvatação para o conjunto de ânions em DMF com fator de 1,52.
Anion G
ele
G
ele
G
solv
G
ne
G
ne
G
solv
G
cav
G
solv
G
vdW
G
solv
F
78,3 82,6 16,5 17,4 4,4 21,8
Cl
58,4 88,3 7,7 11,7 10,0 21,7
Br
54,2 85,5 9,2 14,5 11,7 26,2
I
49,8 95,9 2,1 4,1 16,6 20,7
I
3
38,8 88,6 5,0 11,4 47,3 58,7
N
3
58,6 89,9 6,6 10,1 14,4 24,5
CN
57,8 86,4 9,1 13,6 11,5 25,1
SCN
50,1 80,2 12,4 19,8 17,9 37,7
ClO
4
51,0 102,8 +1,4 2,8 27,4 24,6
CH
3
CO
2
59,5 89,2 7,2 10,8 21,3 32,1
Pic
41,3 79,4 10,7 20,6 63,8 84,4
BPh
4
38,8 1437,0 +41,5 1537,0 2411,1 874,1
Em DMF, a energia de solvatação calculada é de 66,1 kcal/mol, o que resulta num
desvio de 0,4 kcal/mol. Estes resultados podem ser considerados excelentes, dado
que a incerteza no valor experimental da energia de solvatação deste ânion fica na
faixa de ±7 kcal/mol
63
. Se compararmos as contribuições individuais para a energia
livre de solvatação deste ânion, podemos ver que a maior contribuição fica por conta
do termo eletrostático que representa aproximadamente 90% da energia total de sol-
vatação do ânion Cl
tanto em AN quanto em DMF. O trabalho de cavitação e o termo
referente à energia de interação repulsiva-dispersiva de van der Waals possuem sinais
opostos e quando adicionados resultam num ganho de 5,8 kcal/mol na energia de
solvatação em AN e 7,7 kcal/mol em DMF, o que significa que aproximadamente 10%
da energia correspondente às interações que favorecem (termo negativo na energia
livre de Gibbs) a solvatação do ânion cloreto nos solventes estudados, são provenien-
tes dos efeitos estéricos. Então estes resultados nos ajudam a confirmar a hipótese
inicial, utilizada na primeira proposta de parametrização relatada neste trabalho, a Me-
todologia I, de que o processo de solvatação dos íons é dominado pelas interações
eletrostáticas íon-solvente. Estas observações são também válidas para o caso do
ânion Br
que apresenta resultados semelhantes quanto ao particionamento das con-
tribuições para a energia total de solvatação.
É também importante analisarmos os resultados obtidos para os ânions I
e I
3
,
pois temos mais uma vez o exemplo de um mesmo átomo que está presente em
dois solutos diferentes, e assim nós podemos avaliar a eficiência e a consistência
80
da metodologia que estamos utilizando para modelar a energia de van der Waals
destes ânions. É importante porque neste caso, nós temos um exemplo de um soluto
não-esférico, o I
3
, que se diferencia portanto dos solutos ideais representados pelos
ânions haletos monoatômicos esféricos que foram utilizados como protótipos para a
determinação do fator de escalonamento dos raios atômicos f, utilizado no modelo de
contínuo IEF-PCM que estamos adotando.
A energia de solvatação calculada para o ânion I
em AN apresenta um desvio
de 5,9 kcal/mol, e no caso da solvatação em DMF, nós observamos um desvio de
6,2 kcal/mol nos resultados teóricos em relação aos respectivos valores experimen-
tais. Estes são os maiores desvios encontrados nos resultados para todo o conjunto
de ânions em ambos os solventes. Vamos analisar estes desvios juntamente com a
análise dos resultados obtidos para o ânion I
3
.
Nos resultados obtidos para o ânion I
3
, nós observamos que ainda que esta molé-
cula seja estruturalmente diferente dos quatro primeiros solutos do conjunto, as contri-
buições para a energia total de solvatação seguem aproximadamente o mesmo parti-
cionamento que foi observado no caso dos quatro primeiros ânions haletos. Mais uma
vez, o termo eletrostático é o termo dominante, e neste caso, a energia eletrostática é
praticamente igual a energia total de solvatação do ânion I
3
em AN e DMF. Os termos
estéricos são aproximadamente de mesma grandeza e de sinais opostos gerando uma
soma pequena, e portanto contribuem pouco para o valor total da energia de solva-
tação do ânion I
3
nestes solventes. O desvio apresentado pelo valor calculado para
a energia total de solvatação é de 2,5 kcal/mol em AN e de 2,6 kcal/mol em DMF.
Para avaliarmos este resultado é bom mencionarmos que o ânion I
3
é um íon hidro-
fóbico e que a diferença entre a energia de solvatação em água e em AN é de 3,6
kcal/mol, como pode ser verificado na tabela 1, e também na tabela 2, onde vemos
que a energia de transferência entre água e DMF é de 6,4 kcal/mol
61
. Portanto, os
resultados obtidos nos cálculos teóricos podem ser considerados bons porque além
do desvio ser pequeno em termos absolutos, nós conseguimos reproduzir a tendência
qualitativa de que a solvatação do ânion I
3
é mais favorável nos solventes orgânicos
AN e DMF do que em água. O que nós queremos dizer é que com a aplicação da
Metodologia II, nós obtivemos energias de solvatação em AN e DMF que possuem
valores mais negativos do que os valores experimentais para a energia de solvatação
do ânion I
3
em água, demonstrando assim que esta metodologia é capaz de fornecer
resultados em concordância com as observações experimentais de que o ânion I
3
tem
maior afinidade com estes solventes orgânicos em comparação com a sua interação
com água, evidenciado pelo valor negativo da variação da energia livre de Gibbs do
processo de transferência do soluto I
3
entre as fases aquosa e orgânica.
No caso dos resultados obtidos para o ânion I
em AN e DMF, nós também pode-
mos fazer uma avaliação destes resultados comparando-se a grandeza dos desvios
81
nos valores da energia com as energias de tranferência deste ânion da água para a
AN e da água para o DMF que são respectivamente 4,0 kcal/mol e 4,9 kcal/mol, con-
forme os dados contidos nas tabelas 1 e 2. Neste caso verificamos que os desvios nos
resultados da energia livre de solvatação do ânion I
são maiores do que as energias
de transferência deste ânion entre a água e os solventes orgânicos AN ou DMF. Mas
o fato importante que destacamos é o sinal destes desvios. Em ambos os solventes
AN e DMF, os resultados obtidos para a energia de solvatação do ânion I
mostram
valores menos negativos do que os respectivos dados experimentais. Assim, se tivés-
semos que avaliar qualitativamente o processo de transferência do íon I
entre água
e os solventes orgânicos AN e DMF, nós poderíamos afirmar corretamente de que
a energia de solvatação na fase orgânica é menos negativa do que na fase aquosa,
ainda que quantitativamente os resultados superestimam o aumento da energia livre
de solvatação nas fases orgânicas aqui representadas por AN e DMF.
Estes resultados, juntamente com os resultados obtidos para o ânion I
3
, demons-
tram que existe consistência na hipótese de que podemos descrever o comportamento
dos ânions não-esfréricos com os mesmos parâmetros correspondentes à estrutura
do solvente em torno dos solutos e da interface soluto/solvente, determinados atra-
vés das simulações de dinâmica molecular realizadas para o caso das soluções dos
ânions haletos nos solventes estudados. Ou seja, embora o fator de escalonamento
dos raios, nesta segunda proposta de parametrização, tenha sido obtido através do
estudo da estrutura das soluções de apenas quatro exemplos do conjunto de solutos,
os resultados demonstram que as conclusões obtidas sobre a estrutura da primeira
camada de solvatação dos quatro ânions haletos nos solventes estudados, podem ser
estendidas também para o caso dos solutos iônicos mais complexos. Tais afirmações,
são baseadas somente nas observações referentes a consistência interna dos resul-
tados obtidos para as energias de solvatação do conjunto de solutos, e devem ser
confirmadas ou não, por estudos mais aprofundados acerca da estrutura destas solu-
ções líquidas de cada um dos ânions do conjunto apresentado. No presente trabalho,
o que mais nos interessa são os resultados obtidos com a parametrização e aplica-
ção do modelo PCM no estudo dos aspectos energéticos da solvatação de ânions nos
solventes orgânicos AN e DMF.
A justificativa para os desvios observados na energia de solvatação calculada para
os solutos contendo o átomo de iodo na sua estrutura, principalmente o caso do íon
I
, vem do fato de que na metodologia empregada na determinação dos parâmetros
de van der Waals da equação (3.6), nós estamos considerando, por aproximação, que
os átomos de iodo em ambos os solutos seguem um comportamento ideal em que um
único parâmetro de van der Waals (ξ
I
) determinado para o átomo de iodo, é capaz de
modelar a energia das interações de van der Waals soluto-solvente em solutos dife-
rentes (I
e I
3
), contendo o mesmo átomo em diferentes ambientes químicos. Estas
82
considerações são necessárias quando temos por objetivo alcançar resultados satis-
fatórios numa modelagem teórica da solvatação ao mesmo tempo em que buscamos
adicionar a menor quantidade possível de parâmetros empíricos na construção desse
modelo.
Os parâmetros para o cálculo da energia de van der Waals foram otimizados atra-
vés de uma metodologia estatística que faz uma média das contribuições dos átomos
em todos os solutos do conjunto, dentro da suposição básica de que estas contribui-
ções sejam uniformes nos diferentes solutos. Esta suposição favorece o método es-
tatístico empregado na otimização dos parâmetros. Nós sabemos que esta hipótese
não é estritamente correta, mas produz bons resultados, principalmente no caso da
solvatação de íons, onde a contribuição da energia de van der Waals não representa
a parcela mais importante para a energia total de solvatação. Também é interessante
notar que a termodinâmica de solvatação do ânion I
, tanto em AN quanto DMF é
ainda melhor descrita por um termo eletrostático puro como foi feito na primeira parte
deste trabalho, na Metodologia I, empregando os raios de Pauling, onde os desvios
observados foram de 1,5 kcal/mol em AN e 0,6 kcal/mol em DMF.
Em resumo, na análise dos resultados obtidos para os ânions I
e I
3
, observamos
que estes resultados possuem uma exatidão suficiente para que avaliemos qualitativa-
mente a diferença na energia de solvatação, quando transfere-se estes ânions da água
para AN ou DMF. Portanto também seria possível estimar a mudança na reatividade
destes ânions quando se troca o solvente de água para AN ou DMF de acordo com os
estudos reportados por Parker
4,5
sobre a relação existente entre a variação da energia
de solvatação de um ânion em diferentes solventes e a mudança na reatividade destas
espécies quando solvatadas em diferentes solventes.
Os resultados obtidos para a energia de solvatação do ânion N
3
em AN e DMF,
apresentam erros de 0,4 e 0,2 kcal/mol respectivamente. Como a energia de trans-
ferência deste ânion da água para AN ou DMF fica na faixa de 8,6 a 8,8 kcal/mol, os
desvios representam menos do que 5% da energia de transferência, o que demonstra
a ótima qualidade dos resultados obtidos para a energia de solvatação deste ânion
nos dois solventes. Estes resultados estão em concordância quantitativa com os da-
dos experimentais e também possibilitariam estudar as diferenças nas propriedades
do ânion N
3
relacionadas com o efeito da mudança do solvente.
A análise das contribuições de cada termo para a energia total de solvatação do
ânion N
3
segue o mesmo perfil dos ânions haletos, com o termo eletrostático con-
tribuindo com aproximadamente 90% da energia total, e os termos de cavitação e
van der Waals com contribuições percentuais comparáveis com aquelas observadas
para o caso do ânion Br
em AN ou em DMF. O ânion N
3
representa mais um caso
onde verifica-se o sucesso da aplicação desta metodologia de cálculo da energia de
solvatação, pois temos neste ânion um exemplo de soluto não-esférico contendo o
83
elemento nitrogênio que também está presente nas estruturas de outros ânions do
conjunto como o CN
e o picrato. Os excelentes resultados apresentados para este
ânion demonstram a consistência dos parâmetros de van der Waals obtidos no proce-
dimento de otimização utilizado dentro do modelo de regressão linear múltipla adotado
conforme as equações (3.6-3.26).
Nos resultados obtidos nos cálculos da energia de solvatação do ânion CN
em
AN e DMF, nós podemos observar mais uma vez que o termo eletrostático é o que
fornece a maior contribuição relativa para a energia total de solvatação do íon, com
90,3% da energia de solvatação calculada em AN e 86,4% da energia total em DMF.
A diferença absoluta entre a energia total de solvatação e o termo eletrostático é de
6,5 kcal/mol em AN e de 9,1 kcal/mol em DMF.
O desvio apresentado pela energia total de solvatação do ânion CN
em relação
ao dado experimental em AN é de apenas 0,5 kcal/mol. Em DMF o desvio é de
1,5 kcal/mol. A razão para este desvio em DMF parece ser uma superestimativa da
contribuição do termo da energia de van der Waals para a energia total de solvatação
deste ânion em DMF. Podemos verificar na tabela 19 que a energia de van der Waals
contribui com uma fração percentual absoluta de 25,1% do valor total da energia de
solvatação , o que aparentemente é um valor superrestimado se nós considerarmos o
mesmo termo no caso do íon triatômico N
3
que fica num valor bastante próximo.
A energia livre de transferência do ânion CN
de água para AN é igual a 8,4
kcal/mol, e de água para DMF é igual a 9,6 kcal/mol. Também sabemos que a in-
certeza na energia livre de hidratação deste ânion é de ±5 kcal/mol
63
. Então os re-
sultados obtidos neste presente trabalho podem ser considerados de grau quantitativo
no cálculo da energia livre de solvatação pois os erros apresentados em qualquer das
metodologias de parametrização são bem menores do que o intervalo de incerteza
dos dados experimentais fornecidos pela literatura citada. Estes resultados obtidos
para o ânion CN
, que é um íon importante nos estudos de reatividade, também ates-
tam a qualidade, a consistência e a generalidade da metodologia de parametrização
apresentada neste trabalho.
A primeira observação acerca dos resultados obtidos para a solvatação do ânion
SCN
em AN e DMF, é que a energia de van der Waals tem uma contribuição relativa-
mente grande para a energia total de solvatação deste ânion em ambos os solventes.
De acordo com os parâmetros obtidos para a relação energia/superfície, fornecidos
pelos coeficientes de van der Waals da tabela 15, nós podemos observar que tal mag-
nitude desta contribuição é devida ao átomo de enxofre que tem um coeficiente de
van der Waals de magnitude próxima a dos coeficientes para os átomos de carbono
e de nitrogênio, mas a sua superfície exposta ao solvente é bem maior do que a dos
demais átomos devido ao seu raio e sua posição na estrutura molecular do ânion. Isto
faz com que a sua contribuição para a energia de van der Waals seja dominante e
84
resulte numa proporção maior do que a observada em outros íons como o N
3
e o
CN
.
O átomo de enxofre está presente somente na estrutura do ânion SCN
, e então
o coeficiente de van der Waals para este átomo é ajustado livremente para um valor
que resulte na energia de solvatação experimental para o ânion em questão. Por-
tanto, na realidade fica difícil avaliarmos o significado físico dos parâmetros de van
der Waals obtidos para o átomo de enxofre neste procediemento de otimização, pois
o conjunto não possui outros ânions contendo enxofre para compararmos a qualidade
dos parâmetros obtidos.
Na primeira parte deste trabalho, onde nós descrevemos a energia de solvatação
por um termo eletrostático puro, nós observamos que o ânion SCN
não fica bem des-
crito por aquela modelagem simplificada. Nós afirmamos que o problema observado
nos resultados para a energia de solvatação deste ânion era causado pela não inclu-
são explícita do termo referente à energia de van der Waals. Portanto, os resultados
apresentados por esta segunda proposta de parametrização, que incluem os termos
estéricos explicitamente, nos ajudam a apoiar a idéia de que a energia de van der Wa-
als pode representar uma parcela significante da energia total de solvatação do ânion
SCN
em AN ou DMF. Isto é verdade se considerarmos que os resultados obtidos
para os termos individuais da energia de solvatação deste ânion estão corretos.
Nos resultados obtidos para o ânion NO
3
, observamos um erro igual a 4,0 kcal/mol
na energia de solvatação calculada em AN, este que é o segundo maior desvio abso-
luto observado nos resultados obtidos para o conjunto de ânions em AN. Neste caso,
nós podemos notar que o valor da componente eletrostática da energia de solvatação
fica apenas 3,6 kcal/mol acima do valor experimental da energia total de solvatação
do ânion NO
3
em AN. A energia eletrostática calculada é maior, em valor absoluto,
do que a energia total de solvatação. A energia de van der Waals calculada é de
6,7 kcal/mol e não é suficiente para conpensar o trabalho de cavitação, sendo que
a soma destas duas contribuições não-eletrostáticas resulta num valor positivo de 0,4
kcal/mol.
Nestes resultados obtidos para o ânion NO
3
, a energia de cavitação e a energia de
van der Waals quase que se cancelam mutuamente, pois possuem valores similares
mas sinais opostos. Quanto ao erro observado, podemos atribuí-lo à uma descrição
não muito boa no termo de van der Waals, o qual deveria fornecer uma contribuição
mais negativa para que o valor da energia total de solvatação ficasse mais próximo do
valor experimental. Essa afirmação acerca da fonte do erro, baseia-se na observação
dos resultados obtidos com a primeira metodologia de parametrização, a Metodologia
I, onde nós obtivemos resultados bastante satisfatórios, com um desvio de apenas 2%
relativo à energia de solvatação do ânion NO
3
. E como na Metodologia I consideramos
somente o termo eletrostático, podemos então afirmar que não temos problemas para
85
obter corretamente o valor da contribuição eletrostática para a energia de solvatação
do ânion NO
3
. Então nos resta atribuir o erro ao termo de van der Waals, que é
visivelmente subestimado quando comparamos o seu valor absoluto com os valores
obtidos para este termo no caso dos outros solutos, tais como N
3
, CN
e SCN
. De
qualquer forma, o erro de 4,0 kcal/mol é menor do que a incerteza na determinação da
energia experimental de hidratação do ânion NO
3
que é de ±5 kcal/mol
63
, e portanto
podemos concluir que atingimos uma boa concordância com os dados experimentais
nos resultados obtidos para energia de solvatação do ânion NO
3
em AN.
A análise dos resultados obtidos para a energia de solvatação e suas respectivas
contribuições individuais para os ânions em AN e DMF, indicam que na maioria dos
casos a contribuição eletrostática é predominante em termos relativos da energia to-
tal. Isso indica que na maior parte dos casos é possível obter uma boa modelagem da
termodinâmica de solvatação dos ânions utilizando-se somente o termo eletrostático,
desde que seja otimizado convenientemente o fator de escalonamento dos raios atô-
micos f, ou seja, desde que seja definido adequadamente uma cavidade efetiva para
os ânions em cada um dos solventes. Essa afirmação é feita baseada no fato de que
os desvios observados nos resultados obtidos quando utilizamos a Metodologia I em
conjunto com os raios de Pauling, são comparáveis aos desvios obtidos com a aplica-
ção da Metodologia II, onde foram incluídos também os termos estéricos referentes à
energia de cavitação e de van der Waals. Mas é claro que ainda assim, a parametri-
zação completa realizada dentro da Metodologia II, fornece um modelo mais realístico
do processo de solvatação, pois inclui de forma explícita as contribuições estéricas e
além disso nos permite estimar a magnitude das diferentes interações soluto/solvente,
e também comparar estes efeitos nas soluções dos ânions em diferentes solventes.
Um soluto para o qual dedicamos bastante espaço na discusssão dos resultados
apresentados com a aplicação da Metodologia I é o ânion perclorato (ClO
4
). En-
tão aqui dentro da discussão dos resultados da Metodologia II, este soluto também
tem um espaço importante, pois como vimos na seção 4.1.2, os dados experimentais
para a energia de hidratação deste ânion variam num grande intervalo dependendo da
fonte. Portanto, os resultados dos calculos teóricos da energia de solvatação do íon
ClO
4
são importantes porque podem ajudar a resolver esse problema experimental
da determinação da energia de solvatação.
A energia de solvatação calculada para o ânion ClO
4
, com a aplicação da Meto-
dologia II em AN é de 52,1 kcal/mol. Este valor é 3,6 kcal/mol mais negativo do que
o respectivo valor experimental. Na solvatação deste íon em DMF, obtivemos com a
aplicação da Metodologia II, uma energia livre de solvatação com um erro negativo
de 1,6 kcal/mol. Em ambos os solventes, o desvio se na direção de valores mais
negativos. Além disso, nós observamos que a contribuição eletrostática é, em valo-
res absolutos, maior do que a própria energia total de solvatação do ânion ClO
4
em
86
ambos os solventes, AN e DMF. Por isso, é possível que os desvios negativos observa-
dos sejam resultantes de um valor superestimado do termo correspondente à energia
de interação eletrostática (G
ele
), de maneira semelhante ao que observamos na se-
ção 4.1.2, onde discutimos os resultados da aplicação da Metodologia I. O termo da
energia de cavitação (G
cav
) e de van der Waals G
vdW
, possuem valores absolutos
próximos, e por terem sinais opostos fornecem uma contribuição na forma da energia
estérica total (G
cav
+G
vdW
) de 0,2 kcal/mol, o que representa uma fração de apenas
0,4% da energia de solvatação calculada em AN. Em DMF, a energia não-eletrostática
(G
cav
+ G
vdW
) é igual a 1,4 kcal/mol e representa 1,4% da energia total de solva-
tação calculada para o ânion ClO
4
. Em todo o conjunto de solutos em AN e DMF,
estas são as menores contribuições relativas dos termos estéricos para a energia to-
tal de solvatação. Analisando-se de maneira individual as contribuições estéricas, nós
verificamos que o termo de van der Waals segue a mesma tendência observada nos
resultados obtidos para os outros solutos, com uma contribuição de 10-20% do valor
total da energia de solvatação em termos absolutos no caso da solvatação em AN, e
20-30% na solvatação deste íon em DMF. Estes dados reforçam e idéia de que pode
haver algum problema na modelagem da parte eletrostática da energia de solvatação
do ânion ânion ClO
4
, ou então voltamos a mencionar a questão da confiabilidade dos
dados experimentais para a energia de hidratação deste íon, como nós discutimos
anteriormente na seção 4.1.2, onde apresentamos os resultados da Metodologia I.
No caso do ânion CH
3
CO
2
, nós obtivemos um resultado para a energia livre de
solvatação em AN que é apenas 0,3 kcal/mol menor do que o valor experimental. E
na solução deste ânion em DMF, o valor calculado para a energia de solvatação fica
0,5 kcal/mol abaixo do respectivo dado experimental. Estes resultados podem ser
considerados em ótima concordância com os dados experimentais pois os erros re-
lativos apresentados são menores do que 1%. A incerteza experimental na energia
de solvatação em meio aquoso para este ânion também fica na faixa de ±5 kcal/mol,
e a energia de tranferência entre a água e os solventes orgânicos é de aproximada-
mente 15 kcal/mol. Portanto com os resultados obtidos neste trabalho, seria possível
prever quantitativamente as variações na energia de solvatação quando se transfere
este ânion da fase aquosa para as fases orgânicas estudadas, e os efeitos das pro-
priedades do solutos que acompanham essa mudança de meio. Estes resultados
são importantes porque o ânion CH
3
CO
2
é um ânion orgânico que aparece em diver-
sos processos químicos, e então com os resultados fornecidos por este trabalho, nós
sabemos que é possível reproduzir com grande exatidão, a termodinâmica de solva-
tação deste ânion nas soluções em AN e DMF. Se nós analisarmos as componentes
da energia de solvatação do ânion CH
3
CO
2
, nós podemos notar que em DMF, as
contribuições da energia de cavitação e de van der Waals são maiores do que em
AN, como foi observado também para os demais ânions. Para o ânion CH
3
CO
2
, a
87
soma das contribuições estéricas representa 7,8% da energia total de solvatação em
AN, e uma parcela de 10,8% da energia total de solvatação em DMF. Ou seja, em-
bora este ânion seja maior e de maior complexidade estrutural, ele também segue a
tendência geral observada para os ânions pequenos, como os haletos, o N
3
, ou o
CN
, onde a maior contribuição para a energia total de solvatação vem da parte ele-
trostática, se considerarmos o particionamento da energia nos termos eletrostático e
não-eletrostático ou estérico.
Agora vamos tratar dos resultados obtidos para um dos ânions mais importantes
do conjunto, o ânion picrato. Este é um dos ânions mais importantes do ponto de vista
deste estudo teórico porque possui dezoito átomos em sua estrutura molecular que
é composta dos elementos H, C, N e O, e portanto este ânion se constitui num bom
teste de qualidade, capacidade e consistência da Metodologia II, na modelagem do
processo de solvatação dos ânions. Se a Metodologia II é capaz de fornecer resulta-
dos bons para a energia de solvatação do ânion picrato, então é provável que também
forneça bons resultados para toda uma classe de ânions derivados do fenol e do ácido
benzóico que são íons semelhantes na estrutura e distribuição de carga.
Os resultados obtidos nos cálculos da energia de solvatação do ânion picrato
(Pic
), são importantes porque eles representam uma exceção quanto ao particiona-
mento dos termos que contribuem para a energia total de solvatação, quando compa-
ramos com o comportamento dos demais ânions analisados até agora. Nós vimos na
primeira parte deste trabalho, onde utilizamos somente o termo eletrostático para des-
crever a solvatação, que não é possível modelarmos corretamente a termodinâmica
de solvatação deste ânion, utilizando somente a contribuição da energia eletrostática.
Com a aplicação da Metodologia II no cálculo da energia de solvatação do ânion Pic
em AN e DMF, nós podemos verificar que o termo eletrostático na realidade contribui
com 83,6% da energia livre total de solvatação calculada em AN, e 79,4% em DMF,
o que representa a menor contribuição eletrostática relativa observada nos resultados
de todo o conjunto dos ânions.
Como era esperado, considerando-se as propriedades moleculares do ânion pi-
crato, a inclusão das contribuições não-eletrostáticas é muito importante para a mo-
delagem correta da solvatação deste ânion. Na solução do ânion Pic
em AN e DMF,
a energia de cavitação adicionada à energia livre de van der Waals equivale a 16,4%
da energia total de solvatação deste ânion em AN e 20,6% em DMF. Como vimos, no
caso dos ânions mais simples, constituídos de uma menor quantidade de átomos, a
contribuição estérica (a soma de cavitação e van der Waals) representa algo em torno
de 10-15% da energia total de solvatação. Se nós observarmos somente a contri-
buição de van der Waals, que é igual a 30,1 kcal/mol em AN e 43,9 kcal/mol em
DMF, nós podemos ver que em termos absolutos estas são as maiores energias de
van der Waals observadas de todos os solutos estudados. A energia de van der Waals
88
representa uma fração de 57,9% da energia total de solvatação em AN e 84,4% em
DMF. Portanto, existe uma contribuição significativa das interações dispersivas soluto-
solvente que favorece a solvatação do ânion picrato em AN e DMF. A diferença que
se observa entre os dois solventes na solvatação deste ânion é que na solução em
DMF, a energia livre de cavitação é 11,6 kcal/mol maior do que em AN. Mas a soma
da energia de cavitação e de van der Waals em ambos os solventes é próxima. O que
ocorre, como nos demais casos, é que o termo de van der Waals é bem maior, em
valores absolutos, na solvatação em DMF.
Como a energia de transferência do íon Pic
, da água para o DMF é igual a 1,7
kcal/mol, ainda é possível verificar-se qualitativamente, através destes resultados teó-
ricos para a energia de solvatação, que a solvatação do ânion picrato é mais favorável
em DMF do que em água, pois o erro de 1,1 kcal/mol no resultado para a energia total
de solvatação ainda é menor do que a energia de transferência. Teóricamente nós
podemos afirmar que a energia de solvatação do ânion picrato em DMF é 0,6 kcal/mol
mais negativa do que em água.
No caso da solvatação do Pic
em AN, o erro é de apenas 0,4 kcal/mol e portanto
seria possível prever teoricamente o comportamento hidrofóbico do picrato, na trans-
ferência deste ânion entre água e AN, pois a energia livre de transferência medida
experimentalmente é de 1,0 kcal/mol como se pode ver na tabela 1.
Não é difícil entendermos o comportamento hidrofóbico do ânion picrato que é de-
vido à presença do anel aromático na sua estrutura que faz com que ele tenha maior
afinidade pela fase orgânica, como é evidenciado pelo sinal negativo da energia livre
de transferência entre a água e os respectivos solventes orgânicos
66
. Portanto mais
um dos pontos favoráveis observados nos resultados obtidos com a aplicação da Me-
todologia II é a habilidade desta metodologia de reproduzir a energia de solvatação de
ânions com tal complexidade como o picrato com a qualidade demonstrada pelos des-
vios relativamente pequenos dos resultados teóricos comparados com os respectivos
dados experimentais. Além disso, a aplicação desta metodologia é capaz de fornecer
resultados que permitem prever o comportamento hidrofóbico
66
de um ânion orgânico
como é o caso do ânion picrato.
O ânion BPh
4
é um outro exemplo de ânion orgânico que tem uma energia livre
de solvatação que é menor em solventes orgânicos como AN e DMF do que em meio
aquoso. Para este ânion, a energia livre de solvatação calculada com os parâmetros
otimizados dentro da Metodologia II é igual aos respectivos valores experimentais da
energia de solvatação em AN e em DMF. Isso acontece porque o átomo de boro está
presente somente neste soluto e o procedimento de parametrização faz com que o co-
eficiente de van der Waals para este átomo em cada um dos solventes estudados seja
ajustado livremente até que a energia calculada reproduza exatamente os respectivos
dados experimentais. Portanto, não seria prudente tentar atribui um significado físico
89
aos parâmetros de van der Waals para o átomo de boro obtidos neste procedimento.
Se nós tentarmos atribuir algum significado físico para estes coeficientes otimizados
para o átomo de boro, seria que este átomo contribui com uma interação de van der
Waals fortemente repulsiva na solvatação do ânion BPh
4
. Mas seria necessário incluir
mais exemplos de solutos contendo o átomo de boro em suas estruturas moleculares
a fim de avaliarmos a real contribuição deste átomo para a solvatação em AN e DMF.
Como é esperado considerando-se as dimensões do ânion BPh
4
, a energia de
cavitação desse ânion é a maior energia de cavitação observada em todo o conjunto
de resultados, tanto em AN quanto em DMF. Isto se deve ao volume molecular deste
ânion o que implica num trabalho relativamente grande para construir a cavidade deste
soluto em qualquer um destes solventes.
A contribuição eletrostática para a energia de solvatação de um soluto carregado
num solvente polar é sempre uma quantidade negativa. No caso do ânion BPh
4
, a contribuição eletrostática para a energia de solvatação em AN é igual a 39,4
kcal/mol, o que que representa, em termos absolutos, a menor energia eletrostática
em todo o conjunto de resultados. Na solvatação do BPh
4
em DMF, nós também
observamos que a energia eletrostática, igual a 38,8 kcal/mol é o mais alto valor ob-
servado juntamente com o termo eletrostático para o ânion I
3
neste solvente. Como
a superfície da cavidade gerada para o ânion BPh
4
é relativamente extensa, quando
comparada com as cavidades dos demais solutos do conjunto, a densidade de carga
superficial é menor e obtém-se uma menor energia de interação eletrostática soluto-
solvente.
A energia de van der Waals calculada para o ânion BPh
4
em AN é 1,1 kcal/mol, o
que indica uma contribuição repulsiva para a energia total de solvatação. Em DMF, a
contribuição de van der Waals para a energia de solvatação é igual a 23,6 kcal/mol,
indicando uma interação dispersiva favorável à solvatação do ânion BPh
4
nesse sol-
vente. A contribuição estérica total (G
cav
+G
vdW
) é similar na solvatação em ambos
os solventes, com 43,5 kcal/mol em AN e 41,5 kcal/mol em DMF. Esta pequena dife-
rença nas contribuições estéricas calculadas, é resultante da diferença nas energias
de solvatação do ânion BPh
4
em AN e DMF, sendo que a solvatação desse ânion
em DMF é menos desfavorável do que em AN como indica o valor de 2,7 kcal/mol
para a energia de solvatação em DMF comparado com 4,1 kcal/mol para a energia de
solvatação em AN.
Em geral, as contribuições dos termos da energia de cavitação e de van der Wa-
als são sempre maiores em DMF do que em AN, mas essa diferença é mais intensa
no caso da energia de solvatação dos ânions F
, I
, I
3
e nos ânions estruturalmente
mais complexos Pic
e BPh
4
. É importante notar que ainda que estamos utilizando
um modelo de contínuo para representar as propriedades do solvente, a diferença nos
coeficientes de van der Waals obtidos no processo de parametrização adotado na Me-
90
todologia II torna possível a simulação das diferenças físico-químicas nas interações
soluto-solvente para cada um dos ânions e solventes que foram estudados no pre-
sente trabalho, como é demonstrado na análise dos resultados que foi apresentada
nesta seção.
91
5 CONCLUSÃO
No presente trabalho, nós apresentamos propostas de parametrização do modelo
de contínuo IEF-PCM para o estudo da solvatação de ânions monovalentes em AN e
DMF.
Na primeira proposta, que aqui designamos de Metodologia I, nós apresentamos
a otimização do tamanho da cavidade molecular do soluto baseada na aproximação
que considera a energia de solvatação como sendo completamente descrita através
de um termo eletrostático puro, conforme a equação (3.2). Dentro dos procedimentos
adotados na Metodologia I, nós realizamos um teste para determinar qual o conjunto
de raios atômicos, os raios de Bondi
33
ou os raios de Pauling
34
, fornece os melho-
res resultados na aplicação da Metodologia I ao cálculo da energia de solvatação dos
ânions. Lembrando que dentro da proposta da Metodologia I, o processo de parame-
trização do modelo de contínuo IEF-PCM, consiste unicamente na otimização do fator
de escalonamento dos raios atômicos que define o tamanho da cavidade dos solutos
conforme a equação (3.4).
Então, julgando-se pela qualidade dos resultados obtidos com a aplicação da Me-
todologia I no cálculo da energia livre de solvatação dos ânion, a escolha dos raios
atômicos de Pauling, juntamente com os fatores de escalonamento iguais a 1,30 e
1,27 em AN e DMF respectivamente, é a opção que fornece os melhores resultados.
Os raios atômicos de Pauling foram também adotados nos estudos realizados den-
tro de uma segunta proposta de metodologia o qual chamamos de Metodologia II.
Nesta segunda proposta de metodologia de parametrização do modelo IEF-PCM para
o cálculo da energia de solvatação de ânions, a definição da cavidade do soluto foi
feita com o auxílio das informações obtidas nas simulações de dinâmica molecular
e de supermolécula. Com as informações obtidas acerca da estrutura do solvente
na primeira camada de solvatação dos ânions, nós definimos os fatores de escalona-
mento dos raios atômicos nesta segunda metodologia. Os fatores assim definidos são
iguais a 1,44 para a solvatação dos ânions em AN e 1,52 para a solvatação dos âni-
ons tendo o DMF como solvente. Nesta segunda metodologia, incluímos no cálculo da
energia total de solvatação, além energia eletrostática, também os termos estéricos,
a energia de cavitação e de van der Waals. Para isto, nós realizamos a otimização
92
dos coeficientes de van der Waals que relacionam a área do soluto com a contribuição
da energia de van der Waals para a energia total de solvatação conforme a equação
(3.6), de acordo com os procedimentos apresentados na seção 3.4.3.
Os resultados da aplicação das duas metodologias no cálculo da energia de solva-
tação dos ânions são comparados com os dados experimentais, e mostram que para
a maior parte dos ânions estudados é uma boa aproximação considerarmos que a
energia de solvatação possa ser representada por um termo de energia eletrostática,
desde que sejam definidos fatores efetivos de escalonamento dos raios, ou seja, um
tamanho de cavidade efetiva para a descrição eletrostática da solvatação dos ânions.
Nos casos apresentados neste trabalho, as cavidades efetivas definidas dentro da Me-
todologia I são um pouco menores do que aquelas definidas na Metodologia II, através
das simulações de dinâmica molecular das soluções de ânions em AN e DMF.
Os procedimentos de parametrização descritos na seção 3, incluíram ânions de
diferentes tamanhos (de 1 até 45 átomos) e contendo diversos tipos de átomos nas
suas estruturas (H, B, C, N, O, F, S, Cl, Br e I). O modelo de contínuo IEF-PCM oti-
mizado conforme os procedimentos apresentados na seção 3, foi aplicado no cálculo
da energia livre de Gibbs de solvatação de um conjunto de treze ânions em AN e
de doze ânions em DMF, dentro da Metodologia II. Os maiores desvios apresenta-
dos nos resultados dos cálculos utilizando a primeira metodologia, foram atribuídos
à aproximação simplificada que não inclui explicitamente a contribuição dos termos
não-eletrostáticos para a energia total de solvatação e também aos problemas experi-
mentais envolvidos nos procedimentos de determinação de algumas quantidades ter-
modinâmicas tais como as energias de transferência dos ânions entre a fase aquosa
e a fase orgânica.
Nós observamos que com a aplicação da Metodologia II, onde incluímos os ter-
mos de cavitação e de van der Waals no processo de parametrização e no cálculo
da energia total de solvatação, a maior parte dos desvios nos resultados encontrados
inicialmente são removidos, principalmente no caso dos ânions perclorato, acetato, pi-
crato e tetrafenilborato. E a análise dos termos que contribuem para a energia total de
solvatação destes ânions mostra que nestes casos a contribuição dos termos estéri-
cos é relativamente mais importante do que no caso dos ânions inorgânicos menores.
Portanto a modelagem correta do processo de solvatação destes ânions deve incluir
os termos de cavitação e de van der Waals para que a descrição da termodinâmica
de solvatação destes ânions seja feita corretamente, pois neste caso a contribuição
estérica não pode ser incluída implicitamente através da definição de uma cavidade
molecular efetiva que compense através de um termo eletrostático efetivo a não inclu-
são dos termos não eletrostáticos no cálculo da energia total de solvatação. No caso
do ânion BPh
4
, a descrição correta da energia total de solvatação somente é possível
com a inclusão explícita da energia de cavitação e de van der Waals, pois a energia
93
de solvatação desse ânion tem um valor positivo que não pode ser reproduzido pelo
termo eletrostático que sempre assume um valor negativo. Portanto o cálculo da ener-
gia de solvatação dos ânions deste tipo somente é possível dentro da Metodologia II,
onde incluímos o trabalho que cavitação, que é um termo sempre positivo dentro do
cálculo da energia total de solvatação.
Este estudo também se mostra importante como um método de cálculo de grande-
zas termodinâmicas associadas com a solvatação de íons que pode servir de auxílio
na revisão e julgamento da coerência dos dados obtidos experimentalmente. O mo-
delo IEF-PCM assim parametrizado, nos permite calcular com exatidão as energias de
solvatação de ânions em AN e DMF, e combinando-se tais resultados com os dados da
energia de hidratação destes ânions, nós podemos estimar a energia de transferência
destes ânions entre água e os solventes orgânicos aqui estudados. Com isso também
é possível fazermos uma previsão da mudança que ocorre nas propriedades dos so-
lutos com a mudança do solvente
5
. Portanto, o modelo assim parametrizado também
está pronto para ser empregado nos estudos dos processos químicos onde a termodi-
nâmica de solvatação dos ânions desempenha um papel importante na descrição dos
sistemas contendo AN ou DMF como solventes.
94
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