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melhor explicar a perspectiva de Husserl, pode-se dizer que nos deparamos,
permanentemente, com a realidade espaço-temporal, dentro da qual todos os homens se
encontram não apenas inseridos, mas com ela estão relacionados. Evidencia-se com isso
que, assim como Bergson e Farias Brito, Husserl parte do princípio de que toda a
consciência implica conteúdo
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, resultado da inserção do nosso ego psicológico
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no
mundo concebido espaço-temporalmente.
É por compreender a realidade apenas sob a perspectiva natural que a filosofia
naturalista se equivoca, levando-nos em direção ao que Husserl assegura ser intrínseco a
todas as formas de naturalismo, a saber: “a naturalização da consciência, inclusive a de
todos os dados intencionais imanentes da consciência” (HUSSERL: La filosofía como
ciencia estricta, Filosofia Naturalista, 1969, p. 50). Essa idéia de naturalização da
consciência
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também é evidenciada por Farias Brito, ao afirmar que os psicólogos
modernos, “preocupados com a idéia de dar a interpretação objetiva dos fatos psíquicos,
deslocam os dados naturais do problema, e tentam uma coisa em verdade impraticável:
32 Em 2.1.2 começamos a discutir esse problema em Bergson e Farias Brito. Segundo Husserl − e tendo
como inspiração a idéia de intencionalidade, derivada de Brentano −, a consciência, o ser consciente,
enquanto intencional, não é algo dado por natureza, e portanto, não tem como ser compreendido como um
conjunto de fatos empíricos fechados em si mesmos. Ao contrário, é em função de sua estrutura intencional,
mecânica, que sempre há na consciência um “algo” cujo caráter é ideal, de modo a nunca poder ser reduzido
a uma dimensão espaço-temporalmente determinada. Assim, tanto para Husserl, quanto para Brentano,
afirmar que a consciência é intencional é o mesmo que afirmar que ela sempre visa algo, posto que é sempre
consciência de alguma coisa. Todavia, esse “algo” visado, isto é, o seu objeto intencional, não é um momento
real da consciência, mas sim um momento ideal, que, embora a constitua − já que toda consciência é sempre
consciência de algo −, não faz parte dela materialmente. Verifica-se, desse modo, que a intencionalidade
representa um mecanismo da consciência, onde se pressupõe a relação entre sujeito consciente de si e objeto
externo ao sujeito, e é por esse motivo, pelo fato de a intencionalidade ser um mecanismo do psíquico, que se
pode cogitar da hipótese da filosofia como uma “ciência” rigorosa. A intencionalidade para Husserl é, pois,
condição da relação entre um sujeito de conhecimento, consciente de si, e um objeto visado pela consciência
desse sujeito.
33 Husserl, assim como Bergson, considera o eu (ego) sob dois pontos de vista: como eu psicológico,
empírico, inserido no âmbito de uma realidade espaço-temporal, e como eu puro transcendental, depurado
pela epoché ou redução fenomenológica (ato de pôr entre parênteses a atitude natural, ou seja, a existência do
mundo considerado anterior e independentemente da nossa consciência, o que significa, em última instância,
colocar também entre parênteses todos os conhecimentos derivados dessa realidade exterior, quer dizer, todas
as ciências mundanas, referentes ao mundo natural), cuja função estrutural é a de identificar, através das
nossas consciências, as nossas vivências mediante a reflexão.
34 Em Husserl, a noção de consciência possui três sentidos: no primeiro, ela significa o entrelaçamento das
vivências na unidade de seu fluxo, ou seja, é a consciência como unidade; no segundo sentido, ela é
entendida como a percepção interna de todas as vivências psíquicas, o que representa o ser consciente; e no