lingüísticos no que concerne à análise do discurso. Esta abordagem remete ao Foucault
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de A
Arqueologia do Saber (1969), texto no qual afasta o discurso de uma relação de transparência entre
as palavras e as coisas
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, investiga suas condições de possibilidade e o coloca na condição de
acontecimento enquanto determinado pelas práticas discursivas e pelo conjunto de regras que
regem essas práticas.
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Embora demasiadamente esquemático, não constitui uma arbitrariedade situar os escritos de Michel Foucault
segundo momentos e deslocamentos do seu percurso. Os especialistas falam em três momentos ou domínios no
percurso de Michel Foucault: o arqueológico, o genealógico e a ético. Segundo Muchail (1988, p.34), a primeira
envolve os principais livros publicados entre 1961 e 1969 (História da Loucura, 1961; O Nascimento da Clínica,
1963; As Palavras e as Coisas, 1966; A Arqueologia do Saber, 1969). A segunda, os livros escritos a partir da década
de 70 (Vigiar e Punir, 1975; A Vontade de Saber” e o “ período mais recente, quando são publicados (...)
respectivamente, L’usage des plaisirs e Le souci de soi, 1984. (...) a análise se volta para a questão da constituição dos
sujeitos sexuais ou mesmo dos sujeitos morais (...). Na leitura que faz Deleuze, os momentos do percurso foucaultiano
são descritos em termos de linhas que compõem os diversos dispositivos analisados por ele. A dimensão do saber,
segundo Deleuze, trata de “linhas de visibilidade e enunciação” ; “pensar é, primeiramente, ver e falar ” (DELEUZE,
1992). A dimensão do poder aborda as “linhas de forças” (DELEUZE, 1988a., p. 186). A dimensão ética contempla as
“linhas de subjetivação”, as quais apontam para novas possibilidades de existência (DELEUZE, 1992, p. 120). Por
outro lado, Castro ‘considera um primeiro Foucault (a produção anterior a 1954) imerso nos temas e na problemática
existencialista-fenomenológica e, especificamente, nas relações entre esta, o marxismo e a psicanálise, um segundo
Foucault de (a produção entre 1961 e 1976) para o qual o distanciamento da fenomenologia e o descobrimento da
dimensão estrutural do sentido desembocam em um estudo das condições formais do desenvolvimento e de
determinadas configurações do saber, numa temática antisubjetivista e em uma proposta metodológica da formação
histórica do conhecimento, e de um terceiro Foucault (1984) que, a partir da problemática aberta a propósito das
condições de existência do saber dirige sua atenção à questão das relações entre saber e o poder e redescobre o papel
da subjetividade’ (CASTRO, 1995, p. 14-15). Araújo (2001, p. 22-23) adota um critério mais elástico centrado nas
práticas discursivas. Discerne, na trajetória de Foucault, os escritos em que a preocupação com as práticas discursivas
encontra-se ausente, aqueles escritos em que ela predomina e aqueles em que aponta para as relações desta prática
com as não discursivas. Em outra perspectiva, Morey (1991) toma como critério a pergunta foucaultiana sobre a
ontologia do presente para se chegar aos três eixos em torno dos quais se poderia ordenar a trajetória intelectual de
Foucault: saber (ser-saber), ação de uns sobre os outros (ser-poder), ação de cada um consigo próprio (ser-consigo).
Por sua vez, Perez (2004, p. 11-12) fala em um período arqueológico, no qual se discute a problemática das
condições de possibilidade do saber; um período genealógico, cujo o enfoque é o saber enquanto poder sobre o corpo
do outro e a hermenêutica do sujeito, que contempla o saber enquanto poder sobre o próprio corpo. Vê-se que, embora
diversos os modos de distribuir e recompor os escritos de Foucault, estes quase sempre se sobrepõem e, sem
dificuldades, complementam-se. O que se observa entre discurso, poder e subjetivação é um alargamento de
problematizações. E como afirma Davidson (1992) , é possível reconhecer a arqueologia implícita em textos tardios
produzidos por Foucault como o próprio enfoque genealógico presente na História da Loucura (1961).
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A relação entre as palavras e as coisas, simples a primeira vista, resulta algo desconcertante para um olhar mais
atento. A tradição lingüística e filosófica construída desde Platão, passada para os latinos e para os medievais afirma
que as palavras falam das coisas; que entre as palavras e as coisas existe um vínculo de representação, de designação.
A gramática de Port Royal, consolidando a tradição gramatical dos gregos, privilegia as “partes do discurso” . Na visão
de Port-Royal, a relação entre palavras e as coisas é sempre mediada pelo pensamento. As palavras expressam a
concepção do mundo, as proposições expressam os julgamentos das coisas concebidas. A gramática ou as suas partes
significam na medida em que expressam os objetos do pensamento ou a maneira do pensamento. Os substantivos, os
adjetivos, os artigos, os pronomes, os particípios, as preposições, os advérbios são signos dos objetos do pensamento; os
verbos, as conjunções e as interjeições são signos da maneira do pensamento. A concepção saussureana de signo,
definida na primeira parte do Cours, embora ainda presa à tradição clássica, inova pelo fato de não o confundir com
o significante mas ser o conjunto de um significante e um significado, e por não incluir o referente, o que faz com que
não possa ser visualizado pelo triângulo formado da relação entre palavra e referente. Contrariamente à concepção
tradicional do signo como uma coisa que está no lugar de outra - especialmente desenvolvida pela lógica clássica, e a
representação da língua como uma nomenclatura, Saussure utiliza as expressões ‘imagem acústica’ e ‘conceito’ para
designar respectivamente o significante e o significado (Saussure, F., Cours de linguistique générale: Paris, Payot,
1972, 30). Ele repete que os signos que compõem a língua não são abstrações, senão objetos reais, entidades