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GILBERTO ALVARO
A ARQUEOLOGIA COMO METODOLOGIA DE ANÁLISE DO DISCURSO
Dissertação apresentada à Universidade Estadual do
Oeste do Paraná UNIOESTE como um dos pré-
requisitos para a obtenção do título de mestre em
Letras área de concentração em Linguagem e
Sociedade e linha de pesquisa: Funcionamento dos
Mecanismos Lingüísticos.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Daniel Omar Perez
CASCAVEL
2006
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Ficha catalográfica
Elaborada pela Biblioteca Central do Campus de Cascavel - Unioeste
A476a Alvaro, Gilberto
A arqueologia como metodologia de análise do discurso . / Gilberto Alvaro — Cascavel, PR:
UNIOESTE, 2006.
87 f. ; il.; 30 cm
Orientador: Prof. Dr. Daniel Omar Perez
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Bibliografia.
1. Análise do discurso. 2. Arqueologia. 3. Foucault. Michel, 1926 - 1984. I. Perez, Daniel
Omar. II. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. III. Título.
CDD 21ed. 401.41
Bibliotecária: Jeanine S. Barros CRB9-1362
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GILBERTO ALVARO
A ARQUEOLOGIA COMO METODOLOGIA DE ANÁLISE DO DISCURSO
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de
mestre em Letras - área de concentração em Linguagem e Sociedade e linha de pesquisa:
Funcionamento dos Mecanismos Lingüísticos - à comissão julgadora da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________
Prof. Dr. Daniel Omar Perez ( Orientador) PUC - PR
_________________________________________________________________
Prof. Dra. Inês Lacerda Araújo (1ª titular) LETRAS / PUC - PR
_________________________________________________________________
Profª. Dra. Aparecida FeoIa Sella (2ª titular) LETRAS / UNIOESTE
DEDICO
a Ruti Rosane Pêgo, Secretária do Mestrado,
pelo estímulo e a atenção dispensada.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Daniel Omar Perez.
À Profª. Doutoranda Ana Josefina Ferrari.
Á equipe de coordenação, professores e colegas do
Programa de Mestrado.
Ao Comando da 15ª Brigada de Infantaria Motorizada.
Um novo arquivista foi nomeado na cidade. Mas será que foi
mesmo nomeado? Ou agiria ele por sua própria conta? As pessoas
rancorosas dizem que ele é o novo representante de uma tecnologia,
de uma tecnocracia estrutural. Outros, que tomam sua própria
estupidez por inteligência, dizem que é um epígono de Hitler, ou,
pelo menos, que ele agride os direitos do homem (não lhe perdoam o
fato de ter anunciado a “morte do homem”) . Outros dizem que é
um farsante que não consegue apoiar-se em nenhum texto sagrado e
que mal cita os grandes filósofos (...) O novo arquivista anuncia que
se vai ocupar dos enunciados. Ele não vai tratar daquilo que era,
de mil maneiras, a preocupação dos arquivistas anteriores: as
proposições e as frases. Ele vai negligenciar a hierarquia vertical
das proposições, que se dispõem umas sobre as outras, e também a
lateralidade das frases, onde cada uma parece responder a outra.
Móvel, ele se instalará numa espécie de diagonal, que tornará
legível o que não podia ser apreendido de nenhum outro lugar,
precisamente os enunciados.
Gilles Deleuze, in Foucault.
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................ 07
ABSTRACT ........................................................................................................................... 08
SUMARIO .............................................................................................................................. 09
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 10
1. UM OLHAR SOBRE A FILOSOFIA ANALÍTICA ...................................................... 17
2. O DOMÍNIO ARQUEOLÓGICO ................................................................................... 40
.1. A Arqueologia do Saber ............................................................................................. 40
2.2. O enunciado: uma função que atravessa a linguagem............................................ 42
.3. Caminhado em solo arqueológico: do enunciado ao discurso................................ 52
3. A METODOLOGIA FOUCAULTIANA DE ANÁLISE DO DISCURSO.................. 57
.1. Uma determinação metodológica negativa............................................................... 57
.2. A metodologia de análise discursiva de Foucault.................................................... 60
3.2.1. A Formação dos Objetos ................................................................................... 61
3.2.2. A Formação das Modalidades Enunciativas .................................................... 63
3.2.3. A Formação dos Conceitos ............................................................................... 66
3.2.4. A Formação das Estratégias ............................................................................ 68
3.2.5. O Método Foucaultiano de Análise Descritiva dos Discursos ......................... 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . ............................................................................ 81
RESUMO
Este estudo pretende fornecer elementos que corroborem o entendimento da arqueologia
como uma metodologia de análise do discurso e traçar a sua especificidade. A arqueologia
constitui uma forma peculiar de enfocar desempenhos verbais a qual dista da uma análise lógica
de proposições e nem pode ser compreendida da perspectiva do “sujeito que fala” ou de seus “atos
de vontade”. O foco se desloca da busca da significação e da verdade de um dizer para suas
condições de existência. Foucault não irá buscar no discurso o que nele existe de verdadeiro ou
falso, mas sim buscará descrevê-lo como práticas regradas. No primeiro capítulo faz-se um olhar
sobre a Filosofia Analítica haja vista que é no diálogo com a Gramática, a gica e a Filosofia
Analítica que Foucault apresenta, em A Arqueologia do Saber, uma proposta metodológica para a
análise do discurso; especifica as regularidades que obedece e define o domínio ao qual ela é
suscetível. No segundo capítulo explicita o domínio arqueológico, o domínio do enunciado, uma
função que atravessa a linguagem e constitui a unidade mínima do discurso. No terceiro capítulo
traça-se a especificidade da análise do discurso numa perspectiva foucaultiana: uma análise
descritiva do discurso que se dirige às suas condições de existência, ou seja, às regras que definem
um modo de produção dos objetos, das modalidades enunciativas, dos conceitos e das estratégias,
como níveis indissociáveis do processo de formação discursiva, às regularidades pré-terminais dos
discursos. Reconhece-se, pois, em A Arqueologia do Saber para além de um projeto de ordem
pessoal, auto-reflexivo, que traz uma coerência teórica retrospectiva aos três primeiros escritos de
Foucault, distinguindo-se do estruturalismo; para além de um projeto de ordem epistemológico e
filosófico no qual aprofunda a crítica do sujeito começada em As Palavras e as Coisas , uma
metodologia de análise descritiva do discurso centrada sobre os enunciados.
Palavras–chave: Michel Foucault, Arqueologia, Metodologia, Análise do Discurso.
ABSTRACT
This paper aims to give elements that corroborate the understanding of the archaeology as a
methodology of discourse analysis and trace its specificity. The archaelogy constitute a peculiar
form of focusing verbal performances that differ from of the logical analysis of propositions and
not even it can be understood from speaker’s perspective or form his “acts of will”. The focus
dislocates itself from the search of the signification and of the true of a saying for their conditions of
existence. Foucault will not search in the discourse what there is of true or false in it, he will search
to describe it as ruled practices. In the first chapter, there is an analysis on the Analytical Philosophy
because in the dialog among Grammar, Logic and Analytical Philosophy that Foucault present, in
The Archaeology of knowledge, a methodological proposal to discursive analysis; specify he
regularities that obey and define the dominion in which this discursive analysis is susceptible. In
the second chapter is shown the archaeological dominion, the dominion of the enunciation, a
function that cross the language and constitute the minimal unit of the discourse. In the third
chapter is displayed the specificity of the discursive analysis by Foucault perspective: a descriptive
discursive analysis that aims its conditions of existence, in other words, the rules that define a way
of production of the objects, of the enunciative modalities, of the concepts and of the strategies, a
indissociable levels of the process of discursive formation; the regularities pre-terminals of the
discourses. In The Archaelogy of Knowledge, it is recognized much more than a project of personal
order, self-reflexive, that presents a retrospective theoretical coherency to the first three writings by
Foucault, discerning of the Structuralism; much more than a project of epistemological and
physiological order, in wich deepen the critique of the subject started in The Order of Things, a
methodology of description focused on the enunciations.
KEY WORDS: Michel Foucault, Archaeology, methodology, discourse analysis.
INTRODUÇÃO
Quando se elege para os estudos na Academia um pensador da estatura de Paul-
Michel Foucault - intelectual em ruptura com a tradição filosófica moderna, escritor paradoxal,
original pelos temas e referências inesperados e marginais
1
- cabe fazer demarcações. No espaço
das leituras possíveis, o presente trabalho, mais que lançar um olhar inquieto sobre o que têm sido
as maneiras de ler Foucault, perscrutar sua vida, suas idiossincrasias, seus afetos e desafetos ou
fazer uma incursão pelo que o professor do Collège de France escreveu sobre o sujeito, os saberes,
os poderes e as instituições modernas
2
, tem como proposta situá-lo nos domínios dos estudos
1
Paul-Michel Foucault (1926-1984), irrompe no cenário intelectual na década de 1960. Ele, na História da
Loucura (1961) questiona razão, desrazão e loucura; em O Nascimento da Clínica (1963) reavalia a medicina; em
As palavras e as coisas (1966) aborda o estatuto das ciências humanas e introduz o tema “a morte do homem” e,
em A Arqueologia do saber(1969), investiga as condições de formação dos discursos. Eleito para o Collége de
France em 1970, Foucault ocupa a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento. As pesquisas no Grupo de
Informação sobre as Prisões o levam, em Vigiar e Punir (1975), a compreender as redes e dispositivos das
relações de poder e a ocupar-se com uma História da sexualidade (1976-1984) onde relê os clássicos greco-latinos
e coloca em perspectiva os procedimentos reguladores da expressão da sexualidade e o cuidado de si. Entre 1969,
A Arqueologia do saber e 1975, Vigiar e punir, Foucault publica A Ordem do Discurso, conferência inaugural
pronunciada no Collége de France (1970) uma abordagem dos mecanismos de controle da produção e da circulação
dos discursos; Isto não é um Cachimbo (1973) onde estabelece na análise enunciativa relações com a linguagem
estética dos quadros de Magritte e evidencia a harmonia recíproca entre o discurso pictórico e o escrito; A
Verdade e as formas jurídicas, resultado da compilação de cinco conferências realizadas por ele na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) em 1974; além de coordenar a edição de Eu, Pierre Rivière,
matei minha mãe, minha irmã e meu irmão (1973). Morre em Paris, no dia 26 de junho de 1984, vítima da Aids.
Atualmente estão sendo publicadas transcrições dos cursos realizados no Collége de France entre 1970 e 1984, a
saber: A vontade de saber (1970-1971); Teorias e instituições penais (1971-1972); A sociedade punitiva (1972-
1973); O poder psiquiátrico (1973-1974), Os anormais (1974-1975); Em defesa da sociedade (1975-1976);
Segurança, território e população (1977-1978); Nascimento da biopolítica (1978-1979); Do governo dos vivos
(1979-1980); Subjetividade e verdade (1980-1981); A hermenêutica do sujeito (1981-1982); O governo de si e dos
outros (1983); O governo de si e dos outros: a coragem da verdade (1984). Eribon, em Michel Foucault 1926-
1984, realiza um estudo sobre os mais diversos e controvertidos episódios da vida de Michel Foucault (cf.
ERIBON, D. Michel Foucault 1926-1984. São Paulo: Companhia das Letras, 1990). Uma cronologia detalhada do
percurso biográfico/intelectual de Michel Foucault pode ser encontrada ainda nas primeiras páginas dos Ditos e
Escritos I (cf. FOUCAULT, M. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 1-70).
2
Dentre aqueles que no presente fazem uma leitura atenta dos escritos de Foucault e em suas produções traçam como
que um programa de leitura dos referidos escritos, pode-se citar ARAÚJO, I. L. Michel Foucault e a crítica do sujeito.
Curitiba: UFPR, 2002; FONSECA, M. A. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo: Educ, 2003;
GREGOLIN, M. R. e Pêcheux na construção da análise do discurso: diálogos e duelos. São Carlos: ClaraLuz, 2004;
BILLOUET, P. Foucault. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
lingüísticos no que concerne à análise do discurso. Esta abordagem remete ao Foucault
3
de A
Arqueologia do Saber (1969), texto no qual afasta o discurso de uma relação de transparência entre
as palavras e as coisas
4
, investiga suas condições de possibilidade e o coloca na condição de
acontecimento enquanto determinado pelas práticas discursivas e pelo conjunto de regras que
regem essas práticas.
3
Embora demasiadamente esquemático, não constitui uma arbitrariedade situar os escritos de Michel Foucault
segundo momentos e deslocamentos do seu percurso. Os especialistas falam em três momentos ou domínios no
percurso de Michel Foucault: o arqueológico, o genealógico e a ético. Segundo Muchail (1988, p.34), a primeira
envolve os principais livros publicados entre 1961 e 1969 (História da Loucura, 1961; O Nascimento da Clínica,
1963; As Palavras e as Coisas, 1966; A Arqueologia do Saber, 1969). A segunda, os livros escritos a partir da década
de 70 (Vigiar e Punir, 1975; A Vontade de Saber” e o período mais recente, quando são publicados (...)
respectivamente, L’usage des plaisirs e Le souci de soi, 1984. (...) a análise se volta para a questão da constituição dos
sujeitos sexuais ou mesmo dos sujeitos morais (...). Na leitura que faz Deleuze, os momentos do percurso foucaultiano
são descritos em termos de linhas que compõem os diversos dispositivos analisados por ele. A dimensão do saber,
segundo Deleuze, trata de “linhas de visibilidade e enunciação” ; “pensar é, primeiramente, ver e falar ” (DELEUZE,
1992). A dimensão do poder aborda as “linhas de forças” (DELEUZE, 1988a., p. 186). A dimensão ética contempla as
“linhas de subjetivação”, as quais apontam para novas possibilidades de existência (DELEUZE, 1992, p. 120). Por
outro lado, Castro ‘considera um primeiro Foucault (a produção anterior a 1954) imerso nos temas e na problemática
existencialista-fenomenológica e, especificamente, nas relações entre esta, o marxismo e a psicanálise, um segundo
Foucault de (a produção entre 1961 e 1976) para o qual o distanciamento da fenomenologia e o descobrimento da
dimensão estrutural do sentido desembocam em um estudo das condições formais do desenvolvimento e de
determinadas configurações do saber, numa temática antisubjetivista e em uma proposta metodológica da formação
histórica do conhecimento, e de um terceiro Foucault (1984) que, a partir da problemática aberta a propósito das
condições de existência do saber dirige sua atenção à questão das relações entre saber e o poder e redescobre o papel
da subjetividade’ (CASTRO, 1995, p. 14-15). Araújo (2001, p. 22-23) adota um critério mais elástico centrado nas
práticas discursivas. Discerne, na trajetória de Foucault, os escritos em que a preocupação com as práticas discursivas
encontra-se ausente, aqueles escritos em que ela predomina e aqueles em que aponta para as relações desta prática
com as não discursivas. Em outra perspectiva, Morey (1991) toma como critério a pergunta foucaultiana sobre a
ontologia do presente para se chegar aos três eixos em torno dos quais se poderia ordenar a trajetória intelectual de
Foucault: saber (ser-saber), ação de uns sobre os outros (ser-poder), ação de cada um consigo próprio (ser-consigo).
Por sua vez, Perez (2004, p. 11-12) fala em um período arqueológico, no qual se discute a problemática das
condições de possibilidade do saber; um período genealógico, cujo o enfoque é o saber enquanto poder sobre o corpo
do outro e a hermenêutica do sujeito, que contempla o saber enquanto poder sobre o próprio corpo. Vê-se que, embora
diversos os modos de distribuir e recompor os escritos de Foucault, estes quase sempre se sobrepõem e, sem
dificuldades, complementam-se. O que se observa entre discurso, poder e subjetivação é um alargamento de
problematizações. E como afirma Davidson (1992) , é possível reconhecer a arqueologia implícita em textos tardios
produzidos por Foucault como o próprio enfoque genealógico presente na História da Loucura (1961).
4
A relação entre as palavras e as coisas, simples a primeira vista, resulta algo desconcertante para um olhar mais
atento. A tradição lingüística e filosófica construída desde Platão, passada para os latinos e para os medievais afirma
que as palavras falam das coisas; que entre as palavras e as coisas existe um vínculo de representação, de designação.
A gramática de Port Royal, consolidando a tradição gramatical dos gregos, privilegia as “partes do discurso” . Na visão
de Port-Royal, a relação entre palavras e as coisas é sempre mediada pelo pensamento. As palavras expressam a
concepção do mundo, as proposições expressam os julgamentos das coisas concebidas. A gramática ou as suas partes
significam na medida em que expressam os objetos do pensamento ou a maneira do pensamento. Os substantivos, os
adjetivos, os artigos, os pronomes, os particípios, as preposições, os advérbios são signos dos objetos do pensamento; os
verbos, as conjunções e as interjeições são signos da maneira do pensamento. A concepção saussureana de signo,
definida na primeira parte do Cours, embora ainda presa à tradição clássica, inova pelo fato de não o confundir com
o significante mas ser o conjunto de um significante e um significado, e por não incluir o referente, o que faz com que
não possa ser visualizado pelo triângulo formado da relação entre palavra e referente. Contrariamente à concepção
tradicional do signo como uma coisa que está no lugar de outra - especialmente desenvolvida pela lógica clássica, e a
representação da língua como uma nomenclatura, Saussure utiliza as expressões ‘imagem acústica’ e ‘conceito’ para
designar respectivamente o significante e o significado (Saussure, F., Cours de linguistique générale: Paris, Payot,
1972, 30). Ele repete que os signos que compõem a língua não são abstrações, senão objetos reais, entidades
Foucault, após uma década de atividade acadêmica, durante a qual questiona razão,
desrazão e loucura
5
num diálogo com Descartes
6
e Nietzsche, em que reavalia a medicina e
perscruta os fundamentos das ciências do homem
7
, dedica-se à reflexão sobre as novas técnicas por
ele desenvolvidas, e conclui que, ao longo de sua análise, descobre um vasto território não
concretas da lingüística e se induzem a partir da relação entre significante e significado (SAUSSURE, F., Cours de
linguistique générale. Paris: Payot, 1972, p. 144.146). Saussure concebe a língua a partir de sua radical arbitrariedade –
o aspecto imotivado da relação significado-significante (ARAUJO, 2004, p. 30-31) - com o duplo efeito da
imutabilidade sincrônica e a mutabilidade diacrônica que permite renovar a teoria das mutações fonéticas e das
inovações analógicas do neogramáticos. Razões semiológicas determinam tanto a mutabilidade quanto a imutalidade.
Assim se explica o fato de que, depois de quatro ou cinco séculos, uma língua se torna irreconhecível apesar de haver
servido ininterruptamente como meio de comunicação. Em razão da linealidade, todas as relações gramaticais se
manifestam seja mediante a ordem e a continuidade das palavras, seja mediante o ritmo prosódico que preside o
agrupamento das palavras e a segmentação dos enunciados, seja mediante a repetição e a distribuição das marcas
formais. A língua é compreensível somente a partir da solidariedade sincrônica de seus componentes e é esta
solidariedade que determina como um sistema. As leis sincrônicas são leis de uma regularidade sistemática que
expressão uma ordem existente, constatam um estado de coisas, são gerais e, com respeito dos indivíduos falantes, não
imperativas (Saussure, F., Cours de linguistique générale, Paris, Payot, 1972, p. 134). A Lingüística da Enunciação
retira a linguagem da clausura do sistema e desperta o interesse pelo discurso. Nesta impostação, Benveniste introduz o
sujeito da enunciação, imprescindível para os estudos de Foucault (BENVENISTE E. Problemes de linguistique
generale, Paris: Gallimard, 1966). Contudo, Foucault concebe o discurso dentro de uma teoria não-subjetivista da
enunciação, um conjunto limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de
existência.
5
Em A História da Loucura na Idade Clássica não se trata de explicar como se originam as enfermidades mentais
a partir das condições históricas e materiais da existência, senão de definir as relações entre o discurso da
psicopatologia e as práticas sociais. A questão se desloca da objetividade à objetivação, da realidade patológica à
patologia. E, paralelamente, a esta desessencialização da enfermidade mental, posto que esta é primariamente um
produto da objetivação e não uma realidade objetiva. Marx e a psicologia marxista cedem o lugar a Nietzsche e a
Heidegger.
6
Segundo Foucault, Descartes é o começo do racionalismo enquanto o constrói negativamente, ou seja, excluindo a
loucura. A história da loucura é a outra cara do racionalismo moderno, das exclusões da razão, do que está abandonado.
O que para Husserl é um dado indiscutível, ponto de partida do pensamento, a subjetividade para Foucault é uma
produção histórica, um dos momentos da racionalidade. Foucault interpreta a primeira das M editações cartesianas
como a exclusão filosófica do irracional. Segundo ele, na economia da dúvida de Descartes não supera do mesmo modo
o perigo do sonho ou do erro dos sentidos e o perigo da loucura. A exclusão da loucura ‘ou do estar louco’ em
Descartes constitui uma condição epistemológica necessária a fim de fornecer um ponto de partida indubitável a
reflexão filosófica. “Quem pensa não pode estar louco: se trata da impossibilidade de estar louco essencial, não ao
objeto do pensamento, senão ao sujeito que pensa”. O conceito de enfermidade mental não é outra coisa que o modo
em que a razão racionalista conceitualiza o irracional, a loucura, aquilo que excluiu. cf. FOUCAULT, História da
Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2004, 45-48; FOUCAULT. Resposta a Derrida . In Ditos e
Escritos (Vol. II). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002b, 268-284 ; Foucault, “La vie: l’experience et la
science”, en Revue de Métaphysique et de Morale, 1, enero-marzo1985, 6-7.
7
Michel Foucault estendendo-se a partir do pensamento de Nietzsche (1844-1900) considera que ele indicava de
longe o ponto de inflexão: “não é tanto a ausência ou a morte de Deus que é afirmada, mas sim o fim do homem”
(FOUCAULT, 2002: 533). O sujeito transcendental, herdeiro do iluminismo, como medida de si e de todas as coisas, é
questionado e relegado. O homem não é aquilo a partir do qual se organiza o sentido. Ele é mesmo produto de certa
prática discursiva a das ciências humanas, que determina suas condições e possibilidades. Descobre-se que aquilo
que torna o homem possível, no fundo, é a linguagem, ou seja, um conjunto de estruturas que pode pensar e descrever,
mas do qual não é o sujeito, a consciência soberana. Trata-se aí, observa Foucault, de um lugar que Nietzsche e
Marllamé haviam indicado: o lugar do questionamento da linguagem em seu ser, quando um deles perguntava: “Quem
fala?” e o outro vira cintilar a resposta na própria Palavra (FOUCAULT, 2002: 530).
delimitado, um domínio que ainda não havia sido objeto de análise, irredutível às interpretações
8
e
às formalizações, inacessível tanto aos saberes derivados das ciências do homem (a hermenêutica),
quanto àqueles que abandonam completamente o significado (o estruturalismo)
9
. Ele, em A
Arqueologia do Saber (1969)
, “apossa-se deste novo domínio e expõe o instrumento necessário a
sua exploração” (DREYFUS e RABINOW: 1995, p. 49)
10
. Embora surja, conforme observa
Maingueneau
11
(2001), no ano em que com número 13 da revista de Langages, a análise do
discurso tornou-se conhecida na França sob a visão do que se chamou mais tarde “a Escola
Francesa de Análise do Discurso”, A Arqueologia do Saber, longe de se inscrever nesta
perspectiva fundada sobre a lingüística estrutural, o marxismo de Althusser e a psicanálise de
Lacan, orienta-se de modo diverso. Na entrevista a J. J. Brochier, publicada no Magazine
8
Em A Arqueologia do saber, fenomenologia e arqueologia se oporão. Husserl, representante maior da
fenomenologia, propõe a primazia do sujeito, do papel da subjetividade. Foucault advoga a primazia da linguagem;
trata-se de desubjetivar a história do saber: “liberar a história da dominação fenomenológica”. Este antagonismo
aparece claramente através das contraposição dos conceitos centrais de Husserl e Foucault: totalidade/série,
interior/exterior, origem/espaço de dispersão, temporalidade do saber/espacialidade do saber.
9
Conforme assevera Castro (1995, p.182), no viés foucaultiano quatro são os eixos de oposição entre fenomenologia
e estruturalismo: 1) A concepção da linguagem: enquanto a fenomenologia subordina a linguagem ao sentido, o
estruturalismo procede de modo inverso. 2) A primazia do sujeito sobre a linguagem para a fenomenologia, a
subordinação para o estruturalismo. 3) O modelo comunicativo: na fenomenologia, a linguagem transmite um
sentido; na lingüística trata-se de um problema de códigos - codificação e decodificação. 4) A relação sentido-
história: a fenomenologia busca descobrir um mundo precategorial a partir do qual, pela intencionalidade da razão,
se originava no mundo categorial das objetividades intersubjetividades. Para o estruturalismo, ao contrário, a única
historicidade possível concerne às mutações entre sistemas ahistóricos sem que se possa explicar a partir dos
sistemas involucrados a razões ou causas das mutações.
10
Nas palavras de Foucault (1998, p.158) em A História da Loucura e O Nascimento da Clínica, eu ainda estava cego
para o que fazia. Em As Palavras e as Coisas, um olho estava aberto e o outro fechado (...) Enfim, na Arqueologia,
procurei precisar o lugar exato de onde eu falava.
11 “L'année où est parue l'Archéologie du savoir fut aussi l'année où avec le numéro 13 de la revue Langages l'analyse
du discours s'est fait connaître en France sous le visage de ce qu'on a appelé plus tard "l'Ecole française". La
coïncidence des deux parutions est heureuse pour l'historien des idées. "L'Ecole française d'analyse du discours", très
influencée par le marxisme d'Althusser et la psychanalyse de Lacan, brisait la continuité des textes pour établir des
connexions invisibles et révéler ainsi le travail d'une sorte d'inconscient textuel, supposé être la condition du sens
manifeste. Cette démarche d'analyse du discours pensait produire une "rupture épistémologique" en contribuant à
construire une véritable science de l'idéologie, qui se serait fondée à la fois sur la linguistique structurale, sur le
marxisme et sur la psychanalyse. Or voilà que le livre de Foucault, bien loin de s'inscrire dans cette perspective, ouvrait
une conception de la discursivité qui était orientée tout à fait différemment. Comme il n'était pas seulement une suite
d'intuitions fulgurantes, qu'il proposait un réseau serré de concepts au service d'une conception forte et cohérente du
discours, il ne pouvait pas ne pas exercer une forte attraction sur les analystes du discours.”.MAINGUENEAU,
D.Archeologie e Analyse du discours - Communication à une table-ronde sur Foucault, le 23 juillet 1998 à la
Conférence internationale de Pragmatique (Reims). Paris: SdT, 2001, vol 7, n° 5.
Littéraire
12
, Foucault, explica o que pretende em A Arqueologia do Saber (1969):
Tento fazer uma outra coisa e mostrar que havia em um discurso (...) regras de formação
dos objetos ( que não são regras de utilização de palavras), regras de formação dos
conceitos (que não são leis de sintaxe), regras de formação de teorias (que não são regras
de dedução, nem regras retóricas). São regras postas em ação em uma prática discursiva em
um momento dado que explicam que tal coisa seja vista (ou omitida) ; que ela seja
enfocada em tal nível; que tal palavra seja empregada com tal significação e em um tal
tipo de frase. Consequentemente , a análise a partir das coisas e a análise a partir das
palavras apareciam nesse momento como secundárias em relação a uma análise primeira,
que seria a análise da prática discursiva (FOUCAULT, 2000, p. 150) .
O Professor do Collège de France se recusa a tratar o discurso somente como um
conjunto de fatos lingüísticos ligados entre si por regras sintáticas de construção e afirma que a
palavra, o discurso, enfim as coisas ditas não se confundem commeras designações. O discurso
ultrapassa a simples referência a ‘coisas’, existe para além da mera utilização de letras, palavras,
imagens, sons e frases, e não deve ser entendido como mera expressão’ de algo. Igualmente, ele
não assume a lógica interna do que está sendo analisado, nem parte de alguma metanarrativa
transcendente ao próprio discurso. Ele analisa as condições de possibilidade do discurso
13
, as
regras de formação discursiva. Trata-se de revelar as práticas discursivas em sua complexidade e em
sua densidade; mostrar que falar é fazer alguma coisa algo diferente de exprimir o que se pensa,
de traduzir o que se sabe, e, também, de colocar em ação as estruturas de uma língua; de mostrar
que somar um enunciado a uma série preexistente de enunciados é fazer um gesto complicado e
custoso que implica condições e que comporta regras; e, ainda, que uma mudança, na ordem do
discurso, não supõe “idéias novas”, um pouco de invenção e criatividade, uma mentalidade
diferente, mas transformações em uma prática, eventualmente nas que lhe são próximas e em sua
12
FOUCAULT, M. Michel Foucault explica seu último livro. In: Magazine Littéraire (28): 23-23, abr/maio 1969.
cf. FOUCAULT: 2000, p. 145-152.
13
PAVEAU, 2006, p. 206-207.
articulação comum
14
.
A relevância deste estudo, encontra-se nãono fato que oportuniza articular como
que uma anti-epistemologia, no sentido de uma crítica ao fundamento clássico da verdade, do
sujeito e da representação, na medida em que a noção foucaultiana de discurso traz uma
abordagem do sujeito, do autor, da obra e elide todo e qualquer ponto de apoio anterior à palavra,
mas sobretudo porque busca fornecer elementos que corroborem a hipótese de trabalho, ou seja, o
entendimento de A Arqueologia do Saber como uma metodologia de análise do discurso onde se
apresenta as regras que definem as condições de existência dos acontecimentos discursivos - as
regularidades dessa dispersão. Busca-se, pois, a partir da análise de textos de fontes primárias de
Foucault bem como de fontes secundárias constituídas pelos comentadores citados no decorrer do
trabalho, a sustentação para a hipótese que move essas páginas.
Assim sendo, tomando-se uma certa distância do enfoque mais difundido quando o
propósito é analisar o discurso e, realizando um deslocamento em relação aos pesquisadores que
nesses trópicos assumem certas noções erigidas no interior do materialismo histórico, tais como,
ideologia, aparelhos ideológicos, divisão e luta de classes
15
bem como, daqueles que se inserem
num projeto de análise discursiva tributária dos últimos trabalhos de Michel Pêcheux, onde se
percebe o distanciamento de um althusserianismo stricto sensu e uma aproximação com Foucault
no que concerne ao entendimento do discurso como prática discursiva e do poder como algo que
não é localizável em um único polo
16
, procurar-se-á, dialogando com a Gramática, a Lógica e a
Filosofia Analítica, traçar a especificidade da análise do discurso foucaultiana.
14
FOUCAULT, 2002, p. 237.
15
Nessa perspectiva, mostram-se pertinente as considerações de Schons (2000, p. 64) acerca do estatuto de
formação discursiva em A Arqueologia do saber e em Semântica e discurso: “Foucault define a formação
discursiva a partir das noções de descontinuidade, regularidades e dispersão; Pechêux, a partir da luta, das relações
de confronto entre as classes e das bases do materialismo histórico”. Mostram-se também pertinentes e relevantes
as postulações de Araújo (2004, p. 225. 239-240).
16
O Grupo de Estudos em Análise do Discurso de Araraquara GEADA, vinculado à pós-graduação em
Lingüística da Universidade Estadual Paulista , em suas discussões e pesquisas voltadas à constituição dos
discursos e a possibilidade de serem enunciados, realiza este percurso de aproximação com Foucault e
distanciamento de um althusserianismo stricto sensu (cf. SARGENTINI, V; NAVARRO-BARBOSA, P. Foucault e
os domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004, pp. 12-13.
1 – UM OLHAR SOBRE A FILOSOFIA ANALÍTICA
Desde Platão e Aristóteles
17
, passando pela Gramática de Port-Royal, ao enfoque
lógico-analítico de Frege (1848-1925) , Russell (1870-1970) e de Wittgenstein (1889-1951) no
Tractatus Logico-philosophicus (1921), a proposição, seja na forma sujeito-predicado seja por meio
dos quantificadores da lógica proposicional, ocupa um lugar proeminente.
Nas abordagens lógico-analíticas
18
, sob os pressupostos de que “as frases
representam fatos ou estados–de-coisa e, numa língua ideal, estariam em correspondência
estrutural com eles” (LYONS, 1984, p. 118) e de que numa afirmação, uma proposição que
pode ser verdadeira ou falsa, encontra-se o projeto de uma linguagem rigorosa que reflita com
exatidão a forma lógica do pensamento ou a estrutura dos fatos determinando a realidade através
das condições de verdade de seus enunciados. A relação linguagem/realidade constitui-se pois em
uma abordagem que pretende explicar como preencher uma sentença com valor de verdade.
Em sua abordagem lógico-semântica, Frege
19
reporta a estado de coisa pensados e
17
A forma lógica da proposição (S é P) - onde um predicado P é atribuído a um sujeito S - foi sugerida por Platão em
Teeteto. A proposição constitui a ordenação de linguagem capaz de permitir a definição, ou seja, a explicitação da
essência ou da identidade de uma coisa. Segundo Aristóteles, a proposição como todo pensamento e todo juízo
encontra-se submetida a três princípios lógicos os quais se sustentam na idéia de causalidade: princípio de
identidade (uma coisa pode ser conhecida e pensada se for concebida e conservada com sua identidade,
essência); princípio da não-contradição ( A é A e é impossível que seja na mesma relação não-A); o princípio do
terceiro-excluído (ou Sócrates é homem ou não é homem). Desta forma, partindo da identidade, afastando o
contraditório, vinculando a verdade a um princípio, Aristóteles busca garantir a verdade da linguagem, do sentido. A
articulação entre o ser (essência) e a linguagem faz com que, nesta concepção exista uma perfeita adequação entre
conhecimento e objeto. cf. MOSÉ, 2005, p. 161.84; SANTOS, 2002.
18
A linguagem, segundo o nível a que o pesquisador se atenha, evidencia as dimensões de signo/frase gramatical ,
de proposição/sentença lógico-semântica, de uso da fala em situação ou de discurso (ARAUJO, 2004, p. 10). Conforme
mesmo constata Araújo (2004), do signo ao discurso e deste àquele , passando pela proposição e pelos atos de fala se
articulam e compõem as perspectivas sob as quais se pode analisar a linguagem. A lingüística estuda desde a menor
unidade significativa, que é o fonema, até a maior unidade significativa, a frase gramaticalmente bem construída
segundo as regras fonológicas, sintáticas e semânticas. A frase, nível superior para as semânticas de cunho estrutural,
representa o limite da língua como sistema de signos. A partir daí, tem-se o discurso. Neste mesmo diapasão,
Mainguenau no artigo L’ unité de la linguistique (1990) propõe que se distingam duas abordagens na pesquisa
lingüística: um plano gramatical, que configura a abordagem dos pesquisadores que reivindicam a língua; e um plano
hipergramatical, dos pesquisadores que reivindicam o discurso.
19
As investigações de Frege sobre as noções de objeto, conceito, função, sentido e referência são explicitadas em
três artigos: “Função e conceito” (1891), “Sobre o sentido e a referência” (1892) e “Sobre o conceito e o objeto”
(1892). cf. FREGE, G. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix, 1978, p. 35-103.
enunciados
20
; portanto, não mais no limitado fruto da mente pensante, abrindo novas perspectivas
para entender a relação entre significação, verdade e realidade haja vista não haver pensamento
sem linguagem (ARAUJO, 2004, p. 70). O desejo de explicar como é possível que uma oração da
forma “a = b” possa ter valor informativo, ao contrário do que ocorre com “a = a”
21
, constitui a
motivação inicial de sua teoria. Nesta, “Cervantes = o autor do Quixote” é verdadeira e não trivial
porque ambos termos têm distinto sentido. Frege sustenta que a existência não é uma propriedade
das coisas mas dos conceitos. Ele entende ser perfeitamente possível designar, falar acerca de
algo sem que esse algo precise, de algum modo, “existir” (FREGE, 1978, p. 63). A linguagem
enseja a transmissão e compreensão do “sentido” sem precisar recorrer à referência. Ele se
empenha, ademais, em demonstrar que “a diversidade de designações não justifica, por si só, uma
diversidade de designados”. No plano da linguagem ordinária, “Estrela da Manhã” e “Estrela da
Tarde” são dois nomes próprios que têm a mesma referência
22
(Vênus), mas que se distinguem,
20
Para Frege não acesso inteligível à realidade exceto pelo caminho das estruturas da língua. Ele sustenta que
tudo quanto existe é função ou é objeto. Objeto designa tudo o que não é função, de modo que a expressão dele
jamais contém um lugar vazio. Função é algo incompleto, insaturado, necessitando sempre de um argumento para
prover a sua saturação. Os nomes próprios designam os objetos e as expressões funcionais designam as funções.
21
A teoria de que a cópula expressa uma relação de identidade “A é A”, atribuída a Estilpon, gozou de celebridade
na Idade Média e encontra uma formulação mais elaborada na lógica de Hegel, particularmente na doutrina do juízo.
Hegel sustenta que um juízo genuíno afirma uma “identidade na diferença” (SIMPSON, 1964, 35-40).
22
Segundo Ferrari (2001), “a referência se configura como um problema desde, para tomar uma data inicial, 1892
com Frege. Ele foi um dos que tentou, a partir da lógica, abordar essa problemática. Para ele, todo objeto
sensivelmente perceptível tem obrigatoriamente um nome e um sentido unindo o nome e a coisa. Existe a diferença,
para esse autor, entre nomes comuns e nomes próprios. Os nomes comuns referem a classes de objetos e aos nomes
próprios corresponde uma única referência, quando existe. Tal referência tem um signo ou vários signos que a
expressam e um sentido, estabelecendo o nexo entre signos e referência. Em outras palavras, o nome próprio (signo)
“a estrela da manhã” e o nome próprio “a estrela da tarde” tem uma única referência: Vênus , e um sentido unindo
signo a referência; o nome comum (signo) “cadeira” refere a todos os objetos da classe que tem as características
próprias duma cadeira: quatro pés, um encosto, etc. e um sentido unindo o nome comum ao signo. As cadeiras
podem ser diversas, a estrela da manhã é única. Aqui residiria a diferença entre os dois. Frege também diz que o
nome pode ser substituído pela forma parafrástica “aquele que” e, ao introduzir essa forma dá a possibilidade de
pensar que o nome próprio se igualaria a uma descrição definida. Esse ponto particular será abordado por Searle que
contraporá no texto “Os nomes próprios”, a noção de nome próprio e a de descrição definida. Assim, ele chegará ao
ponto de afirmar que os nomes próprios denotam, tendo uma íntima ligação com o objeto como um todo, e as
descrições definidas falam a respeito de um aspecto do objeto, somente predicam a respeito dele, não
representando o objeto real como faz o nome próprio. A importância, do ponto de vista pragmático, dos nomes
próprios, reside, para esse autor, no fato deles nos darem as condições de possibilidade para a referência dos objetos.
Eles não se constituem como descrições, eles são, para Searle: cabides, dos quais pendem as descrições (SEARLE,
1981, p. 227). Por outras palavras, eles servem de suporte para posteriores descrições, os nomes próprios são
anteriores às descrições e eles dependem delas para terem um sentido, entendendo sentido como “modo de
apresentação” que identifica o referente. Portanto, seu sentido não é tão imediato como odas descrições definidas.
Ou seja, eles são, a partir de Searle, uma condição de possibilidade”.
pela diferença de sentido ou pelos conceitos diferentes que expressam. Assim como 2
4
e 4.4 não
são iguais na designação do designado 16, “Estrela da Manhã” e “Estrela da Tarde” não são iguais
na designação do designado “Vênus”. Ele assimila a sentença assertiva
23
a um nome próprio, cujo
o sentido é um pensamento e cujo objeto é um valor de verdade, ou seja, o verdadeiro e o falso.
Uma sentença assertiva como César conquistou as Gálias” é formada de uma parte não saturada
“conquistou as Gálias” , que contém um lugar vazio (x conquistou as Gálias), e de uma parte
saturada “César”. O argumento “César”, a função “x conquistou as Gálias” tem como referência o
verdadeiro; para o argumento “Aristóteles”, a mesma função tem como referência o falso. Frege
igualmente assevera que o conceito dista do nome próprio dada a sua natureza predicativa
24
. Em
“A estrela matutina é um planeta”, “A estrela matutina” é um nome próprio de um objeto Vênus;
“um planeta” é um termo conceitual ou uma expressão predicativa. O artigo definido singular
indica um objeto, ao passo que o artigo indefinido acompanha um termo conceitual ou uma
expressão predicativa. O artigo definido expressa a univocidade lógica, “existe um e apenas um”,
condição para o nome próprio. Contudo, tal asserção oferece algumas dificuldades haja vista que o
artigo definido muitas vezes acompanha não um nome próprio mas um termo conceitual. Assim,
“O cavalo é um animal quadrúpede” deve ser entendido como um juízo universal, ou seja, “todo
cavalo é um animal quadrúpede”. Em sentenças universais e particulares, afirmativas e negativas,
exprimem-se relações entre conceitos. Segundo Frege, “todo”, “cada”, “nenhum”, “algum”, em
termos lógicos, se relacionam mais à sentença como um todo do que aos termos conceituais que as
seguem. A negação de uma sentença como “todos os mamíferos são animais terrestres” incide não
sobre o predicado “são animais terrestres”, mas sobre “todos” : “É falso que todos os mamíferos
sejam animais terrestres”. Frege esclarece, ainda, que os conceitos constituem-se em propriedades
23
Conforme Simpson (1964, p. 143), “ uma oração é usada assertivamente quando o que a pronuncia pretende fazer
uma afirmação mediante ela”.
24
Para Frege não acesso inteligível à realidade exceto pelo caminho das estruturas da língua. Ele sustenta que
tudo quanto existe é função ou é objeto. Objeto designa tudo o que não é função, de modo que a expressão dele
jamais contém um lugar vazio. Função é algo incompleto, insaturado, necessitando sempre de um argumento para
prover a sua saturação. Os nomes próprios designam os objetos e as expressões funcionais designam as funções.
do objeto. Se um objeto determinado tem as propriedades “x”, “y”, “z”, por exemplo, poderão ser
combinadas num conceito “w”, formados pelas notas “x”, “y”, “z”. Dessa forma, pode-se dizer
que “2 é um número inteiro, positivo, menor que 10”.
Na abordagem do sentido e da referência, ele parte da distinção kantiana entre
juízos analíticos e juízos sintéticos.
Em todos os juízos em que se pensa a relação de um sujeito com um
predicado (...), essa relação é possível de duas maneiras: ou o predicado B
pertence ao sujeito A com algo que está contido (implicitamente) no
conceito A, ou B está inteiramente fora do conceito A, ainda que esteja, na
verdade, em conexão com ele. No primeiro caso, eu nomeio o juízo como
analítico; no outro, como sintético. (KANT, 1987, 29).
Para Kant, “o juízo analítico consiste em tomar consciência de uma relação
necessária (...), de uma verdade redutível por cálculo a uma identidade, enquanto que, (...) o juízo
sintético é um ato do sujeito que coloca uma ligação entre o conceito e algo de exterior a ele”
(PÊCHEUX, 1997, 52). Ele diferencia o sentido do termo “ser” como noção gramatical na
função de cópula da noção léxica como marca de identidade. Observando este duplo aspecto
léxico-gramatical, Kant elabora duas instâncias de análise, uma sintática, onde reformula os
princípios lógicos, e outra semântica, onde restringe a sua interpretação e aplicação. O exemplo de
Julius Cesar , análogo ao caso do rei calvo da França, explicita a tese kantiana
25
. Kant distingue
as proposições nas quais o predicado P está contido no sujeito S – proposições analíticas, baseadas
inteiramente no princípio da não-contradição, das proposições sintéticas que dizem mais do que por
simples análise poder-se-ia tirar do sujeito e, por tal motivo, são ampliativas, ou seja, estendem o
conhecimento. Para estabelecer a possibilidade dos juízos sintéticos, ele inicia o texto da Crítica
da Razão Pura reunindo as partes constitutivas do juízo sintético, obtidos por um procedimento
de análise; por uma parte espaço e tempo, e pela outra as categorias, produtos das operações da
sensibilidade e do entendimento respectivamente, enquanto âmbitos de conhecimento inteiramente
diferentes, pelo que são representações de natureza diversa, ou seja, as intuitivas - ordem sensível
e as intelectuais - ordem lógica (PEREZ, 2002, p. 79 e 81)
26
.
25
No esclarecimento da sintaxe lógica segundo a estrutura proposicional S-P, Kant postula que julgar é comparar
algo com uma coisa. Onde a “coisa” é o sujeito S, a “característica” é o predicado P e a relação de comparação é
expressa pela cópula. Dado um sujeito S, sua predicação será P ou ~ P. Assim na proposição “S é P” predica-se
afirmativamente P de S. Introduzindo-se o sinal da negação “S é ~P” predica-se negativamente P de S. Essa relação é
imediata que nela se funda o ato de comparação no juízo. Kant considera a verdade de uma proposição a partir da
determinação do sujeito pela afirmação de um predicado na exclusão de seu oposto. Sendo assim, a concordância entre
S e P pode ser afirmativamente negativa ou afirmativamente positiva, devido à função gramatical de cópula, onde o
termo designado pelo sujeito S inclui ou exclui na sua extensão o predicado P através da pula. Na extensão deste
processo surge o silogismo, baseado no princípio de identidade e de não contradição, onde S-P-p’ encontram-se
envolvidos na operação. Vai-se do predicado, característica imediata ou intermediária ao predicado do predicado, ou
característica mediata e utiliza-se de conversões ou contraposições para explicitar a cadeia de inferências que conduz
da premissa maior à conclusão. Na conclusão do silogismo, restringe-se a determinado objeto, após tê-lo pensado na
premissa maior em toda a sua extensão, sob certa condição. Conforme declara Kant em Acerca da falsa sutileza das
quatro figuras do silogismo (1762), quando se tem um juízo, formula-se um conceito claro; quando se tem um
silogismo, formula-se um conceito completo. As unidades lógicas enquanto conceitos puros do entendimento, são
deduzidas da tábua dos juízos. Kant dista de Aristóteles (cf. Metafísica) que obtém essa tábua a partir das proposições
declarativas e as deriva dos tipos de palavras. A categoria substância em Aristóteles designa o sujeito substantivo; as
outras nove, ou seja, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação, paixão, significam apenas
acidentes, os predicados possíveis. Como já mencionado, para Kant, em todo juízo predica-se P de S, seja afirmando-
o ou negando-o. Os juízos segundo a sua quantidade, ou seja, segundo a extensão de sua validade, dividem-se em
singulares (este S é P), particulares (alguns S são P) e universais (todos os S são P); segundo sua qualidade, dividem-se
em afirmativos (S é P), negativos (S não é P) e infinitos (S é um não-P); segundo a relação entre as representações,
dividem-se em categóricos (S é P), hipotéticos (se S é P, então não é Q) e disjuntivos (S é ou P ou Q); segundo sua
modalidade, seu valor epistêmico, dividem-se em problemáticos (talvez S seja P), assertórios (S é P) e apodíticos (S é
necessariamente P). A esse sistema dos tipos de juízo corresponde o sistema das categorias o qual contempla categorias
de quantidade - unidade, pluralidade, totalidade; categorias de qualidade - realidade, negação, limitação; categorias
de relação substância-acidente, causa-efeito, ação recíproca; categorias de modalidade existência, possibilidade,
necessidade.
26
Perez (2002), na primeira parte de sua tese, aborda o problema de significação nos textos kantianos referentes aos
conceitos das proposições teóricas. Segundo ele, a questão do significado dos conceitos torna-se problema no
período pré-crítico e seu modo de resolução avança ora em termos sintáticos, ora em termos semânticos. Exemplo
disso é o tratamento dos princípios lógicos de identidade, contradição e terceiro excluído, bem como a teoria
silogística. A passagem para o tratamento crítico se caracteriza fundamentalmente por uma sistematização da
abordagem semântica. O que fora tratado como caso, no período –crítico, no entanto, no período crítico é tratado
no interior de uma teoria do significado (PEREZ, 2002, p. 96). Segundo ele, Kant na doutrina do juízo
perguntará pelas condições de subsunção dos dados da sensibilidade aos conceitos do entendimento. Nessa
doutrina estuda o procedimento que a categoria, como forma lógica, deve suportar para ter uma aplicabilidade
adequada no domínio dos objetos da experiência possível – esquematismo transcendental, bem como, as condições
Na visão de Frege, um nome próprio nomeia a sua referência e expressa o seu
sentido. Ele postula, ainda, que a relação de igualdade é uma relação entre nomes de objetos e
não entre objetos. Esta perspectiva possibilita afirmar que sentenças do tipo a = a, analíticas a
priori, têm valor cognitivo diferente das sentenças do tipo a = b, mas o mesmo objeto de
referência. Contrapondo sentido e representação - no sentido de “idéia subjetiva”, Frege defende a
objetividade e a universalidade do sentido. A representação sendo constituída de imagens internas
subjetivas encontra-se vinculada a um portador e a uma época determinada. O sentido, por outro
lado, mostra-se independente do sujeito que o engendra, ou das circunstâncias de sua enunciação,
não é, portanto, a criação de um sujeito ou a expressão de sua vida interior (FREGE, 1978, p. 65).
Ele não concebe qualquer designação independente do mecanismo descritivo.
Ao definir o valor de verdade de uma oração como “a circunstância de que seja
a partir das quais uma proposição é verdadeira ou falsa. Kant se pergunta pelas condições de possibilidade de
verdade de uma proposição, e não apenas pelos critérios epistemológicos de verdade ou falsidade. Perez (2002, p.
81) explicita: A semântica transcendental enuncia as condições necessárias que uma proposição deve respeitar para
que possa ser considerada validamente ou verdadeira, ou falsa. Enquanto que, por outro lado, os critérios
epistemológicos precisam de uma semântica a partir da qual possam discernir o que é verdadeiro do que é falso,
enquanto tal. No interior deste quadro é onde Loparic enuncia os requerimentos semânticos de toda proposição
sintética teórica objetivamente válida, a saber: 1) os conceitos não lógicos usados nas proposições devem ter
referência objetiva; 2) as formas discursivas proposicionais devem poder relacionar-se com formas sensíveis. A
simples condição formal, fornecida pelo princípio de não contradição, é necessária, mas não é suficiente para
formular proposições cognitivas adequadas. esquematismo transcendental um sistema de operações que permitem a
subsunção de um objeto sob um conceito. O próprio dos objetos da sensibilidade é o seu ser no tempo. O tempo
determinará o domínio de aplicabilidade dos conceitos no conhecimento teórico e mediante a sua determinação
estes terão significação objetiva. Os conceitos são regras para a produção de objetos que encontram o seu fim nas
representações intuitivas. Kant trata da subsunção de um objeto sob um conceito segundo uma regra de
determinação de tempo. O tempo intervém como domínio de aplicabilidade das categorias e como regra de
determinação. Kant postula que “o tempo não transcorre, senão que nele transcorre a existência do mutável”. As
coisas são enquanto são no tempo. Conforme assevera Perez (2002, p. 87-88), ele é muito claro quando diz que o
esquema de um conceito puro do entendimento é algo que não pode se reduzir a nenhuma imagem, e que não é
mais que a síntese pura operada segundo uma regra de unidade, conforme com os conceitos em geral e expressada
pelas categorias. O esquema é uma síntese (composição unitária) operada de acordo com uma regra explicitada
através da categoria e determinada pelo tempo. Conseqüentemente, é o tempo, como forma pura da sensibilidade,
aquilo que permite esta relação das representações intuitivas com um conceito puro intelectual. O tempo (...) se
constitui como forma de toda a intuição possível. Os conceitos (como unidades lógicas) encontram nele o seu
domínio de aplicabilidade objetiva. (...) O tempo é deste modo entendido como medium do dado no espaço
externo.(...) como condição formal das representações sensíveis, contém a diversidade representada a priori na
intuição pura (CRP A138/B177), enquanto os conceitos puros do entendimento (que se referem ao objeto em geral,
como simples funções lógicas de unidade mediante a intervenção do tempo) são sensibilizados e limitados na sua
aplicação a determinadas formas intuitivas do espaço. (...) se descreve uma figura extensa com a orientação do
tempo estabelecida como regra, deste modo (e assim) é possível “ler” os fenômenos no espaço. (...) O conceito
não é o nome nem mesmo o arquétipo da coisa, não há relação nome-coisa nem explicação da imagem pelo conceito
através da regra. (...) As operações intelectuais, mediante a intervenção do tempo, permitem realizar o que
poderíamos denominar de uma “leitura” sobre o campo sensível externo, desenhando-encontrando os objetos
possíveis na extensão, ou seja, prescrevendo a lei de cada caso e possibilitando , deste modo, a regularidade dos
fenômenos (CRP B 164). Portanto, todos os conceitos devem ser aplicados a uma multiplicidade sensível dada com
o objetivo de ordená-la (e não somente nomeá-la), pelo qual conhecer objetos é, de alguma forma, constituí-los.
verdadeira ou falsa”, ele se mostra preocupado por manter a conexão essencial entre as
proposições e “os fatos objetivos”. Uma oração se concebe como o resultado de combinar o nome
de uma função com o nome de um argumento. A notação lógica corrente ao simbolizar uma oração
atributiva com o esquema “F(x)”, reflete claramente esta concepção .
Contudo, na análise das sentenças subordinadas, Frege constata que razão pela qual
alguns tipos dessas sentenças não possuam sentido independente ou completo e possuam um
pensamento como referência e não um valor de verdade, reside no fato de terem uma referência
indireta ou contenham um indicador indefinido. Este serve para unir duas sentenças, a principal e a
subordinada, as quais consideradas em uníssono encerram um pensamento e podem ter um valor
de verdade como referência. Segundo ele, as sentenças substantivas do tipo “Quem descobriu a
forma elíptica das órbitas planetárias morreu na miséria”, as sentenças adjetivas, as sentenças
adverbiais de lugar e de tempo, as condicionais exemplificam esta indicação indefinida. As
adverbiais concessivas introduzidas por embora, e as adjetivas que determinam um nome próprio,
como em “Napoleão, que reconheceu o perigo para seu flanco direito, comandou pessoalmente
sua guarda contra a posição inimiga” têm sentido completo e valor de verdade como referência.
Embora Frege não especifique claramente as condições que determinam que uma expressão
lingüística tenha referência indireta advoga que os nomes que figuram em sentenças assertivas
subordinadas aos verbos de dizer e alguns outros, entre estes “dizer”, “ouvir”, “pensar”, “estar
convencido”, “inferir”, “parecer”, “alegrar-se”, “lamentar”, “consentir”, “desaprovar”, “ter
esperança”, “temer”, “ordenar”, “pedir”, “proibir”, “duvidar que”, “não saber que” tenham
referência indireta. As adverbiais finais têm como referência seu sentido e não um valor de
verdade. As subordinadas com “que” depois de “ordenar”, “pedir”, “proibir”, equivalentes ao
imperativo no discurso direto, cuja referência não é um valor de verdade, mas uma ordem, um
pedido, uma proibição. E, ainda, as interrogações indiretas após expressões como “duvidar que”,
“não saber que”, as interrogativas indiretas introduzidas por “quem”, “o que”, “onde”, “quando”,
“como”, como o verbo no subjuntivo.
A referência indireta resolve, no interior da teoria de Frege, o paradoxo da
denotação. Segundo ele, uma expressão poderá ser substituída por outra , sem que se altere o valor
de verdade, se ambas forem co-referenciais. Frege, contudo, não ignorou a faculdade das línguas
naturais de permitir que se fale significativamente de coisas inexistentes, o que denomina de
“sentidos sem referência” e que procura isolar de uma causa estritamente lógica. Como lógico
atribui esses casos de sentido sem referência à irregularidade ou a exceções. Na concepção de
Frege, o sentido deve determinar as condições de verdade da sentença , independentemente das
circunstâncias de uso ou do contexto. Por isso, as línguas naturais não se prestam à causa lógica.
Assim, Frege chama de nome próprio qualquer palavra, expressão, grupo de
palavras ou sentença assertiva cuja referência seja um objeto. Chama de sentido “o modo de
apresentação do objeto” e de referência, o objeto do qual a significação é um nome. As
proposições encontram-se relacionadas aos nomes próprios através do princípio da funcionalidade,
segundo o qual a significação das proposições é função da significação dos elementos que a
compõem. Por isso, ao se substituir uma palavra da sentença por outra que tenha a mesma referência
, mas sentido diferente, o sentido muda, mas sua referência permanece a mesma; do mesmo modo,
se faltar referência em um dos nomes próprios que compõe a sentença assertiva, a sentença toda
será sem referência. Existe entre “A Estrela da Manhã é um corpo iluminado pelo Sol” e “A
Estrela da tarde é um corpo iluminado pelo Sol”, existe uma identidade de referência, mas não de
sentido. Frege chama de ‘pensamento’ – com suas duas partes: sujeito e predicado - ao sentido de
uma sentença e ao objeto de referência de ‘valor de verdade’. Todas as sentenças verdadeiras têm
a mesma referência, o verdadeiro; todas as falsas também têm a mesma referência, o falso.
As descrições possuem “uma estrutura que expressa uma certa análise da maneira
em que denotam o pretendem denotar”. Um nome denota sua denotação e expressa seu sentido. As
expressões “o vencedor de Austerlitz” e “o derrotado de Waterloo” denotam o mesmo militar
francês, mas expressam conceitos obviamente distintos. É possível, pois, que dois nomes
coincidam num aspecto do significado (a denotação) e diferem em outro (o sentido).
Bertrand Russell, por sua vez, numa aproximação ao sonho de Leibniz, formulou
no simbolismo de Principia Mathematica
27
o esquema de uma gramática universal que tinha a
pretensão de refletir a estrutura do fatos, oculta sob as formas enganosas da linguagem corrente.
Na concepção de Russell uma linguagem logicamente perfeita, capaz de refletir a
estrutura dos fatos deve conter símbolos para cada componente. Requer-se que as palavras de uma
proposição corresponda uma por uma aos componentes do fato referido, salvo as palavras lógicas
como “ou”, “se ... então...” e que haja uma palavra e não mais de uma para cada objeto simples,
e cada coisa que não seja simples seja expressa pela combinação de palavras que designam objetos
simples. O simbolismo de Principia Mathematica proporciona a estrutura de uma linguagem
logicamente perfeita. Russell em The Philosophy of Logical Atomism
28
, postula que um fato
atômico possui um número definido de elementos, entre os quais se conta, necessariamente uma
propriedade ou uma relação. Se o fato é monádico, ou seja se sua forma é F (x), seus elementos
são dois, e um fato n-ádico possui n+1 elementos, pois tem que contar a relação n-ádica que os
vincula. Existe ao menos uma relação R e uma propriedade o tal que R tem essa propriedade,
mas sua conversa não a tem “(ER) (Eo) [ o (R). ~ o (conv-R)]” . Os objetos da vida cotidiana, na
doutrina de Russell não são os “átomos” simples que constituem os fatos, senão as “construções
lógicas” analisadas em termos de dados sensíveis e relações entre estes. A complexidade do fato
encontra-se refletido na complexidade da oração, já que os componentes do fato não são outra coisa
que os significados das palavras que integram a oração referida a ele. Os “fatos” concebido a
maneira de Russell, se distinguem entre si do mesmo modo que as proposições em Frege. Duas
proposições que diferem em algum conceito componente são distintas, pois o significado total de
uma oração é função dos significados dos nomes que a integram. A negação de que toda
proposição da forma aRbpermite inferir b conv-R a” constitui um postulado básico da doutrina
27
RUSSELL, B. Our Knowledge of External World.. Tradução espanhola Nuestro conocimento del mundo externo.
Buenos Aires: Losada, 1946.
28
RUSSELL, B. The Philosophy of Logical Atomism. In: _____ Logic and Knowledge. Londres: George Allen &
Unwin Ltda, 1956.
do primeiro Wittgenstein
29
e Russell e se vincula ao propósito de assegurar a correspondência
exata entre linguagem e fato. Contudo a existência de identidade de estrutura e um fato não deve
confundir-se com a questão da verdade e da falsidade da oração.
Russell, embora sustente em muitos aspectos uma posição análoga à de Frege, de
uma forma original faz oposição entre nomes próprios, os quais denotam um objeto, e expressões
denotativas do tipo “o tal e tal”, tais como “o atual rei da França”, “o autor de Waverley”
30
. Frase
como “o autor do Quixote”, “o atual rei da França”, que parecem referir-se a um objeto indicando
alguma característica que lhes pertence de maneira exclusiva , denominam-se “descrições” e neste
modo de referência se distinguem de nomes próprios como “Pedro” ou “João”. Estas frases se
caracterizam pela presença dos artigos determinados “o” ou “a”, e por isso se denominam, mais
particularmente, “descrições determinadas”. As expressões denotativas diferentemente dos nomes
próprios
31
não podem figurar como sujeitos lógicos de orações que tenham a forma sujeito-
predicado. No artigo ‘On denoting’ (1905), Russell sustenta que o significado é a denotação das
expressões com sentido, o que caracteriza uma teoria referencial do significado; segundo Araújo
(2004, p. 70), um retrocesso com relação à distinção sentido e referência de Frege. O significado de
um nome deve ser identificado ao objeto que ele denota. Russell assevera que, ao confundir
29
MORENO, A. R. Duas observações sobre a Gramática filosófica. In: MUCHAIL, S. T.(org) Um passado
revisitado: 80 anos do curso de Filosofia da PUC-SP. São Paulo: EDUC, 1992.
30
O caso de George IV foi aduzido por Russell para provar que “o autor de Waverley” não é um nome próprio, e de
acordo com sua teoria, carece de significado independente. Para Frege, o mesmo fato “prova” que “o autor de
Waverley” não é sinônimo de “Scott”.
31
Conforme observa Araújo (2004, p.63), Frege considera que as descrições definidas pertencem à categoria mais
ampla dos nomes próprios, os quais abarcam os nomes próprios propriamente ditos (“João”, “Curitiba”, as
descrições definidass (“O atual rei da França...”), os demonstrativos (“isso”, “aquele”), os predicados e as sentenças
completas (“Sócrates é mortal”).
nomes próprios
32
, os quais designam objetos , independentemente da frase em que ocorrem, com
as descrições, que, não sendo nomes, nada denotam, Frege constrói uma teoria da significação que
admite sentidos sem referência e orações significativas sem valor de verdade. Aquele ao responder
à questão de como é possível que uma frase significativa como “O atual rei da França é careca”
seja considerada significativa quando não nada no mundo que lhe corresponda à descrição,
diversamente de Frege para o qual essa frase é privada de referência, nem verdadeira e nem falsa,
vai dizer que tal frase é significativa, mas não sem referência. É uma frase falsa, pois, afirma-se
com essa frase, que existe uma entidade (e apenas uma) que é o rei da França, quando na realidade
não existe nenhuma.
A teoria das descrições de Russell intenta fundamentar um rechaço a Menoing que
estabelece uma distinção entre “existir” e “subsistir”, que constituiriam formas distintas de ser,
mediante a análise das orações cujos sujeitos gramaticais são descrições determinadas, ou seja
das orações da forma “O tal e tal é B” ou A tal e tal é B”. Segundo Russell constitui um erro
considerar que as orações do tipo “O tal e tal é B” são da forma sujeito-predicado, como “Sócrates
é mortal”. “O tal e tal” não representa um sujeito lógico, mas sim um sujeito gramatical, o que não
implica problemas com a sua denotação. A oração “O tal e tal é B” , “O rei da França é calvo não
expressa uma proposição singular atributiva, por mais que seja esta sua aparência gramatical. Na
realidade, esta proposição, dito de maneira mais explícita, expressa: Existe pelo menos um
indivíduo que é rei da França. Existe no máximo um indivíduo que é rei da França. Se alguém é
rei da França, então é calvo”. Em outras palavras, “existe ao menos um indivíduo x tal que x é rei
da França, e qualquer que seja z, z é rei da França, se e z = x, e ademais x é calvo”. Este
enunciado faz uma afirmação existencial explícita, como tal, pode ser verdadeiro ou falso, mas não
nada na forma da oração que obrigue a aceitar a existência ou subsistência de um objeto
32
Nos dizeres de Araújo (2004, p. 73), “o papel de nome próprio fica reservado, por Russell, aos empregos
lingüísticos de “isto”, cujo uso implica nomeação e é assegurado pela existência do objeto. Se não houver o
objeto ou entidade denotada por meio de “isto”, a sentença fica desprovida de significação. Em suma, se x é nome
próprio, “X denota” significa que um objeto do qual se tem conhecimento direto representado por x. .
Wittgenstein discorda de Russell, pois sustentar que o nome próprio precisa referir ao objeto para que a sentença
denote faz a significação depender da existência de entidades, ainda que restrita ao uso de nomes e não de
descrições.”
correspondente a uma descrição, pois a descrição foi eliminada.
A análise russelliana das frases descritivas se encontra ligada a considerações de tipo
gnoseológico, que localizam sua teoria em uma perspectiva mais ampla , donde a lógica empalma
com a teoria do conhecimento. Ela forma parte de uma teoria mais geral do que chama “frases
denotativas”. O princípio fundamental da doutrina de Russell é que “as frases denotativas não tem
significado por si mesmas, senão que tem significado cada proposição em cujas expressões
verbais elas aparecem” (RUSSELL, 1956, p. 42-43). Em Russell as descrições carecem de
significado autônomo mas contribuem para formar o significado global da oração, possuem valor
informativo, como prova o fato de que “Cervantes = autor do Quixote” significa , segundo a
análise de Russell, que “ Existe ao menos um x tal que x é autor do Quixote, e qualquer que seja z,
si z é autor do Quixote, então z = x e x = Cervantes”, onde a descrição desaparece para dar lugar
ao predicado “ser autor do Quixote”.
Assim, dentro da teoria de Russell, as orações falam acerca dos significados de
seus termos integrantes, termos dos quais se diz que “denotam” seus significados; mas o objeto
denotado por uma descrição não constitui o significado desta , e portanto as orações em que a
descrição figura como elemento gramatical não falam acerca desse objeto, como o revela o fato de
que a descrição seja eliminável. A interpretação de Russell mostra a possibilidade de uma
linguagem sem frases descritivas, cuja eliminação constitui uma segurança contra os paradoxos, na
mesma direção do programa de Wittgenstein no Tratactus, que visa evitar os erros filosóficos
mediante o emprego de um simbolismo que os exclua.
A teoria das descrições elaborada por Russell, segundo a qual as orações que
contenham uma expressão como “todo homem” são abreviaturas de outras orações nas quais esta
expressão não aparece, não é outra coisa que a interpretação moderna mais usual dos
enunciados que correspondem às formas aristotélicas A, E, I, O
33
. “Todo homem é mortal”,
nesta interpretação significa que qualquer que seja um objeto x, se x é homem, então x é
mortal”. Em símbolos (x) (H (x) M (x) )”. “Algum homem é mortal” significa que “existe ao
menos um objeto x tal que x é homem e x é mortal” . “(Ex) (H (x). M (x) )”. Em ambos os casos
o termo “homem” deixa de ser sujeito passando a formar parte de um dos predicados. De acordo
com a regra aristotélica de subalternação é possível passar sempre de uma proposição A à
correspondente proposição I. A lógica aristotélica permite inferir uma proposição I de uma A,
mediante a regra de “conversão por acidente”. Assim, de “Todo homem é mortal” significa
1) Qualquer que seja x , se x é H então x é M. “(x) (H (x) M (x) )
2) Qualquer que seja x, se x é H então x é M, e existe ao menos um H. “(x) (H (x)
M (x). (Ex) H (x)”.
Esta regra nos permite concluir “Algum mortal é homem” o que parece perfeitamente
natural. Esta questão se conhece como o problema do “conteúdo existencial” e não justificam a
inferência de A a I. A passagem de um enunciado universal afirmativo a um enunciado particular
afirmativo é discutível pelo fato de que o sujeito de A pode ser vazio enquanto que I faz uma
afirmação existencial, ou ao menos a existência do sujeito.
Para resolver esta dificuldade, Strawson (1952, p. 188) propõe interpretar as regras
aristotélicas como regras que se aplicam a enunciados cujos sujeito são, por definição, nunca
vazios. Para ele, é um absurdo perguntar se uma oração é verdadeira ou falsa, porque a verdade ou
33
Segundo a doutrina tradicional, toda proposição consiste na atribuição de um predicado a um sujeito. A forma
geral de uma proposição cai indicada pelo esquema clássico “S é P”, que cobre todas as proposições possíveis, que
segundo a lógica tradicional se reduzem a quatro, simbolizadas respectivamente pelas letras A, E, I, O, as quais
procedem das palavras latinas “AffIrmo” e “nEgO”. Nas proposições da forma A - “Todo S é P” se atribui a
propriedade P a cada um dos indivíduos S; nas formas de I “Algum S é P”- se afirma que a propriedade P é possuída
por um indivíduo S ou mais. Nas proposições de forma E _ “Nenhum S é P”, se nega a propriedade P a cada indivíduo
S e nas de forma O “Algum S não é P”- se diz que pelo menos um S sujeito não possui a propriedade P. Esta
forma geral “S é P” é o resultado de um duplo processo de abstração e de elaboração teórica, que consiste em
introduzir a cópula quando esta não aparece e em despojá-la de conteúdos temporais e psicológicos.
falsidade é uma propriedade dos enunciados e não das orações
34
. Assim como a verdade ou a
falsidade não é uma propriedade das orações, mas do enunciados, tampouco o fazer referência é
uma propriedade das expressões que podem figurar como sujeitos, senão do uso dessas
expressões. Se na teoria de Russell , caso não exista um rei da França, a oração “O rei da França é
calvo” é falsa, segundo Strawson, a oração não é nem verdadeira nem falsa, porque a existência
de tal rei não é algo afirmado, senão uma pressuposição necessária para que a asserção tenha algum
valor de verdade. Para Strawson, a interpretação de Russell se apoia na confusão entre oração e
enunciado, significado e denotação. Não é certo que “o rei da França” não tenha significado
independente porque, para que uma expressão singular tenha significado, basta que seja possível
usá-la em adequadas circunstâncias para fazer referência a alguma coisa, pessoa, lugar etc. Seu
significado é um conjunto de convenções lingüísticas que governam seu uso correto para referir a
algo. As orações do tipo “O tal e tal é B” são da forma sujeito-predicado; interpretá-las como
afirmações existenciais implica desconhecer a diferença entre pressuposição e asserção. Na
perspectiva de Russell , “O rei da França existe” não representa nenhuma dificuldade, pois
significa simplesmente: existe ao menos um objeto x que é rei da França, e qualquer que seja z, se
z é rei da França, então z = x. Para Frege é uma oração falsa da forma sujeito-predicado, cuja
particularidade consiste em que o sujeito possui denotação indireta e não se refere a uma entidade
individual senão ao conceito “o rei da França”, de quem afirma que não carece de aplicação. Mas
dentro da teoria de Strawson não se dispõe de um recurso como o da denotação indireta, que
permitia salvar a forma sujeito-predicado dos juízos existenciais. A solução de Strawson consiste
agora em negar que “O rei da França existe” possua a forma sujeito-predicado. Segundo Strawson
, “existe” não tem uso predicativo e “o rei da França” não tem neste caso um uso referencial.
Wittgenstein, por sua vez, no Tratactus Logico-Philosophicus (1921) aborda os
34
Segundo Strawson, a oração pode ser usada para afirmar algo acerca de um objeto, se é singular, ou de todos os
objetos de um certo grupo, se é universal. O resultado deste uso da oração quando é pronunciada ou escrita de modo
que seu sujeito tenha referência a um ou mais objeto, é um enunciado. Strawson, ainda, entende por “sentido” não
uma entidade abstrata, um conceito, como Frege, mas um conjunto de “convencões lingüísticas que governam seu uso
correto para fazer referência a algo”. STRAWSON, P.F. Introducion to Logical Theory. Londres: Methuen and Co.
Ltda, 1952, p. 188.
limites do pensável, constituído pelos limites rígidos das formas lógicas das proposições. As
proposições descrevem como a coisa é e não o que ela é (WITTGENSTEIN, 2001, p. 245, § 5.6). A
possibilidade das proposições encontra-se na possibilidade da representação de objetos por signos
(WITTGEINSTEIN, 2001, p.171, § 4.0312). A proposição exibe em sua estrutura , a estrutura do
mundo, “pensável” ou representável pelo discurso, pois na realidade, nos fatos elementos que
podem ser estruturados para ser pensados e representados pelo discurso (WITTGEINSTEIN, 2001,
p. 165, § 4.01). A proposição figura logicamente o mundo pelo pensamento, o que a linguagem
ordinária não logra fazer, pois suas proposições não projetam o fato. Os fatos só podem ser ditos se
puderem ser formulados de forma lógica, do contrário não são pensáveis: o que não pode ser dito,
não pode ser pensado. O dizível limita-se às proposições com função de verdade, ou seja, ao que é
verdadeiro ou falso, conforme a adequação ou não aos fatos (WITTGEINSTEIN, 2001, p. 191, §
4.3).
Conforme observa Araújo (2004, p. 79-81), em suas considerações sobre o
paralelismo entre a linguagem e realidade para Wittgenstein no Tractatus Logico-Philosophicus
O sentido de uma proposição não é a adequação às coisas, mas a possibilidade de traçar
projetivamente o que é essencial ao mundo para que se possa falar dele com sentido. (...)
“(...) um nome toma o lugar de uma coisa, um outro o de outra coisa, estão ligados entre si,
e assim o todo representa, como num quadro vivo, o estado de coisa” ( 2001, p. 171, §
4.0311 ). O que liga uma proposição à realidade não são os nomes, pois a relação se
entre a proposição e a realidade ou esta de coisa figurado e não simplesmente entre nome e
coisa nomeada. A linguagem espelha o mundo e, a partir dela, os constituintes últimos da
realidade podem ser inferidos.
Dessa forma, Wittgenstein do Tratactus clarifica a linguagem pelas notações lógicas, que
possibilitam a tradução das proposições que têm a estrutura do dizível, do afigurável do mundo, que
são os objetos em seu espaço lógico. O sentido do enunciado vem dado pela possibilidade de
representar a realidade.
De todo o exposto, percebe-se que as abordagens de Frege, Russell, Wittgenstein
evidenciam que todo pensamento completo, toda proposição, liga-se a um estado de coisas expresso
em asserções revestidas de valor de verdade
35
. Este último depois de uma desconcertante revisão
teórica, passa à análise de linguagem ordinária e amplia a noção de linguagem, não mais restrita às
regras de um código, às formulações revestidas de valor de verdade, e abre espaço para os jogos
de linguagem das Investigações Filosóficas e também para os atos de fala, nas produções de
Austin e da Escola Analítica Inglesa. Se antes Wittgenstein postulava entre o pensamento e a
realidade uma concordância de “tipo pictórico”, ou seja, de forma; pela perspectiva dos jogos de
linguagem, não estrutura alguma privilegiada para mostrar que as coisas se dispõem no espaço
lógico da afiguração. Assim sendo, a linguagem não pode restringir-se às proposições que figuram
projetivamente os fatos no espaço lógico. A função da linguagem não é falar acerca do mundo,
mas agir com a fala no mundo. Nas palavras de Araújo (2004, p.102.105.107), a
prioridade é a linguagem e não a mente pensante habitada por formas puras, a priori,
centrada no sujeito que apreende por meio de idéias, conceitos mentais e operações
transcendentais o Ser, o Devir, a Essência, a Existência. Tampouco (...) formatar o
pensamento em proposições com valor de verdade, suscetíveis de verificação empírica. (...)
as asserções completas para dizer que as coisas estão assim ou de tal outra forma, isto é, os
enunciados completos (com significado e valor de verdade) são substituídos pela descrição
dos usos realizados pela linguagem cotidiana em situação normal de discurso. Cada vez
que Wittgenstein menciona “jogo de linguagem”, poderia substituí-lo por “uso da
linguagem”, pois sua finalidade é tecer observações sobre a gramática, alimentada por uma
crítica impiedosa ao Tractatus.
A multiplicidade dos jogos de linguagem “salientam que o falar da linguagem é
parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 1989, p. 18, § 23) e remete
à descrição de semelhanças e diferenças entre usos, seus contextos e situações. Contextualizar a
fala, ver seus múltiplos empregos, a diversidade dos usos e jogos de linguagem, elide hipóteses de
cunho estrutural para as quais a linguagem é um conjunto de regras que possibilitam gerar todas e
somente aquelas sentenças do sistema, da langue, da competência” (ARAÚJO, 2004, p.112). Se
no Tractatus Wittgenstein advogara que o nome designasse o simples, nas Investigações
35
A abordagem lógico-semântica analisa a relação linguagem/ realidade através da proposição com
sentido/significação e referência, de modo que esta vem como que colada na asserção, a qual demanda uma
comparação com o estado de coisa, ou seja, um preenchimento empírico para que a asserção se complete com um
valor de verdade. (cf. ARAÚJO, 2004, p. 102 e 115).
Filosóficas
36
denominar dá-se num jogo de linguagem: designar, nomear ou referir depende
exclusivamente do uso lingüístico habitual dos nomes. A análise das proposições cede lugar à
multiplicidade dos usos por meio de regras que funcionam apenas apontando a direção, aprendidas
e praticadas em situação. A relação linguagem/realidade, sob a forma da nomeação constitui uma
entre as inúmeras formas de comportar-se com a linguagem. “A significação de uma palavra é seu
uso na linguagem (WITTGENSTEIN, 1989, p. 28, § 43). Não os pressupostos de uma
estrutura matriz sintática, ou de proposições afigurativas ou atos mentais originários, doadores de
significação, funcionando como pontes entre a linguagem e o mundo” (ARAUJO, 2004, p.120).
Tal como Wittgenstein nas Investigações Filosóficas (1948), Austin
37
(1911-1960),
em sua série de doze conferências proferidas na Universidade de Havard, em 1955, reunidas em
How to Do Things with Words
38
, trabalha com a linguagem cotidiana (ordinária) e na
afirmação não a forma privilegiada na qual as proposições se articulam com o mundo pelos juízos
de verdade, mas como um entre os atos de fala. Ao invés da análise da sentença, a proposta é a
análise dos atos de fala. Segundo ele, os gramáticos haviam alertado para o fato de que nem
todas as sentenças são usadas para fazer declarações; tradicionalmente, além das declarações,
perguntas e exclamações, e sentenças que expressam ordens, desejos ou concessões (AUSTIN,
1990, p. 21-28). Ele assim explicita
...Distinguimos um conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo, que sintetizamos
dizendo que realizamos um ato locucionário, o que equivale, a grosso modo, a proferir
determinada sentença com determinado sentido e referência, o que por sua vez, equivale, a
grosso modo, a “significado” no sentido tradicional do termo. Em segundo lugar dissemos
que também realizamos atos ilocucionários tais como informar, ordenar, prevenir, avisar,
comprometer-se, etc., isto é, proferimos que têm uma certa força (convencional). Em
36
Na revisão teórica de Investigações Filosóficas (1948), Wittgenstein postula que “a linguagem não é pura
expressão do pensamento, pois não simetria entre ambos; os atos lingüísticos são desencadeados por
intencionalidade; a linguagem, enquanto instrumento da expressão interindividual, funciona à semelhança de um
jogo; a significação dos atos de linguagem não se através das condições de verdade, e sim pelas condições de
uso da mesma”. CAZARIN, E. A. A não literalidade do sentido em Austin. In: ZANDWAIS, A. (org) Relações
entre pragmática e enunciação. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002, p. 93-104.
37
Austin retoma os princípios de Wittgenstein e continua a questionar os limites da Filosofia Analítica, ainda
baseada na lógica das condições de verdade. Ele desenvolve uma teoria da ação na qual procura determinar
“quando dizer é fazer”.
38
Tradução brasileira: AUSTIN, J.L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Medicas, 1990.
terceiro lugar também podemos realizar atos perlocucionários, os quais produzimos porque
dizemos algo, tais como convencer, persuadir, impedir ou, mesmo, surpreender ou
confundir. Aqui temos três sentidos ou dimensões diferentes... (AUSTIN, 1990, p. 95).
Austin elabora uma taxionomia dos atos de fala calcada numa visão da ação humana
e ao lado da sentença constatativa distingue a sentença performativa
39
, o que teve repercussão
positiva para a lingüística neste seu deslocamento de uma ótica exclusivamente lógico-semântica
em direção à pragmática. No exame das enunciações
40
, Austin percebe que muitas delas não
descrevem nem relatam ou constatam algo, não tendo, por isso, caráter de verdadeiro ou falso tal
qual os constatativos; constituindo a enunciação a execução de uma ação, onde o dizer é fazer algo.
Nesta perspectiva, o que interessa é a eficácia do ato de dizer, suas condições de sucesso. Verdade e
falsidade são substituídas pelos conceitos de “felicidade/infelicidade” que atestam o sucesso e o
insucesso do ato
41
.
A dimensão do ato locucionário permitiu a Austin observar e passar a considerar o
fato de se fazer algo ao dizer alguma coisa - dimensão por ele nomeada de ato ilocucionário. Na
39
Conforme observa CAZARIN (2002, p.96), “as sentenças performativas, segundo Austin (1990, p.24), têm as
seguintes características: verbo na pessoa do singular do presente do indicativo, voz ativa; não descrevem, não
relatam, não constatam, nem sãop verdadeiras ou falsas; seu proferimento é a realização de uma ação. A partir disso, se
pode estabelecer que para que um enunciado sejuja performativo, é preciso que estejam presentes: os traços funcionais
(juricidade / convenção e autoridade de quem profere o ato); os traços sintáticos (verbo na pessoa do singular do
presente do indicativo, voz ativa) e, traços pragmáticos (conjunto de condições necessárias para a realização do ato).
Como exemplo de performativo, Austin elenca o “sim” numa cerimônia de casamento; “eu te batizo ...” ; enunciados
produzidos em determinadas circunstâncias pela pessoa apropriada , num contexto e segundo as convenções sociais e
culturais que regem sua enunciação. As condições estão explicitadas por Austin através de seis regras que dizem
respeito às condições contextutuais do proferimento tais como: onde? Quando? Quem? Como? Por que? Para quem?
necessidade que as condições sejam adequadas para que o proferimento não “malogre”. Araújo (2004, p. 136 e
131), por sua vez, considera a distinção constatativo/performativo, como parte da teoria mais geral dos atos de fala,
onde no caso do primeiro a atenção se volta para os aspectos locucionários (AUSTIN, 1990, p. 83-84 - o fonético, que
consiste na produção de sons; o fático, ou seja, o emprego dos sons, expressando palavras de um determinado
vocabulário e conforme as regras gramaticais e o rético, a utilização de tais vocábulos com um certo sentido e
referência mais ou menos definidos), e fica sendo aproximadamente o que é justo e apropriado dizer em face das
circunstâncias, independentemente dos fins visados e da pessoa a quem se dirige; e, no caso do segundo, o valor
ilocucionário da enunciação é o que conta, e deixa-se de lado a dimensão da “correspondência” com os fatos.
40
Como observa Cardoso (2003, p. 100), “a unidade mínima de comunicação é o ato lingüístico em sua totalidade
(...) não é mais a verdade que se busca, mas o sentido ou a eficácia dos nossos atos de fala. A questão que agora se
coloca é: quais são as condições de sucesso dos nossos atos de fala”.
41
Austin chama a atenção para o fato de que quando um ato é considerado nulo ou sem efeito, isso não significa que
nada tenha ocorrido: outras coisas, que não as desejadas podem ter sido realizadas sem efeito não significa sem
consequências.
determinação do ilocucionário, ele introduz a noção de força ilocucionária que um valor, uma
qualidade especial a uma certa locução. Dessa forma, uma expressão como “Pense bem”, segundo
Austin, em decorrência das circunstâncias pode ter a força ilocucionária de uma ordem ou de um
pedido. Dizer algo é fazer algo com as enunciações pelo simples fato de serem ditas em determinada
situação
42
. Existe, em Austin, mesmo um lugar para uma performatividade não marcada
sintaticamente. O grito de “A bolsa!” proferido por um meliante, constitui um enunciado que foge a
todas as regras sintáticas e aos critérios estabelecidos. As regras contam para alguns performativos,
mas para outros, precisam ser relativizadas. Assim, quando se produz um ato locucionário produz-
se também o ato ilocucionário dotado da força do dizer e, além disso, muitas vezes provoca-se um
efeito no ouvinte tal como dissuadir, importunar, convencer, surpreender. Em outras palavras, na
abordagem dos aspectos locucionário (ato de dizer) e ilocucionário (atos produzidos ao dizer),
Austin delimita um terceiro aspecto, o perlocucionário
43
, atos através dos quais por se dizer algo,
produz-se conseqüências intencionais ou não intencionais. E isto lhe permite falar em produção de
determinados efeitos e/ou conseqüências.
Austin desloca a ênfase da estrutura da sentença para a análise do ato de fala. O
estatuto de uma afirmação não é o de uma proposição assertória com valor de verdade, mas ato de
discurso, e os diversos atos de fala constituem-se em construções lógicas elaboradas a partir dos
atos de discurso. Descarta igualmente, como mesmo postula Araújo (2004, p.138), “uma teoria do
conhecimento de estilo metafísico, calcada na noção de que os “objetos” “existem” e que por isso
podem ser conhecidos/percebidos, independentemente de uma linguagem”. Austin também postula
uma teoria da subjetividade onde o sujeito encontra-se com sua onipotência relativizada, não é
completamente dono da sua vontade e se apresenta atravessado por contradições, por
42
Os performativos não descrevem atos; os realizam. A ação é executada pelo sujeito da enunciação, em determinado
contexto, segundo normas (ainda que, no caso do meliante, a norma seja ilícita) vigentes ou aceitas na sociedade –
tanto o procedimento, quanto seu efeito são convencionais, o que não quer dizer que se trate da execução de um ato
intencional, e sim da execução de um ato específico.
43
Conforme sintetiza Cardoso (2003:101), o ato locucionário constitui-se do ato de dizer alguma coisa, o ato
ilocucionário se realiza ao dizer alguma coisa e o perlocucionário realiza-se por dizer alguma coisa.
desigualdades, o que conduz à análise das enunciações para além de sua literalidade (AUSTIN,
1990, p.43), não sendo o sentido controlado pelo sujeito. Nas palavras de Austin (1990, p. 35), as
ações são passíveis de serem executadas com dificuldade, ou por acidente, ou devido a este ou
àquele tipo de engano, ou mesmo sem intenção” .
Sob a perspectiva da análise do discurso de Foucault toda a discussão dos lógicos-
analíticos acerca da determinação do sentido passa a ser uma questão periférica, um entre os vários
efeitos do enunciado. A linguagem fica como que “dessencializada”, o que prescinde de remetê-la
a um sujeito fundador ou sua riqueza e complexidade à referência, à representação, a regras
estruturais. Foucault renuncia à transcendência e ao sujeito para ficar com a instância da própria
prática discursiva, para ir além do significado (conteúdo ou suporte mental/conceptual), mas
também além do significante (forma material/sonora). A descrição que Foucault realiza não se
confunde com a análise sistêmica da língua cujo trabalho visa a inventariar o léxico ou o campo
semântico para chegar à significação. Ele, igualmente, não irá buscar no discurso o que nele existe
de verdadeiro ou falso, mas sim buscará descrevê-lo como práticas regradas. Em torno destas
produzem-se não apenas efeitos de saber, mas efeitos de poder que, por sua vez, não são reflexos
nem de estruturas mais profundas da realidade, nem simples instrumentos produzidos por um
sujeito pré-existente que lhes sentido. O discurso se efetiva como vinculação, como espaço de
encontros, amálgamas e exclusões. O Professor do Collége de France desloca o enfoque da busca
da “significação” e da “verdade”
44
de um dizer para suas condições de formação e de
possibilidade. Desarticula a “soberania do significante” e pensa sobre os fios de sentidos
(aproveitados e excluídos) na materialização do dizer. Distingue-se, igualmente, da análise da
44
Nas páginas precedentes viu-se que, para Frege, não acesso inteligível à realidade exceto pelo caminho das
estruturas da língua. Ele se contrapôs à definição tradicional de juízo - “pensamento verdadeiro ou falso” afirmando
que “um juízo não é a mera apreensão de um pensamento, senão o reconhecimento de sua verdade” . De outra parte,
para Russell, uma proposição é a significação de “uma forma de palavras que pode ser verdadeira ou falsa”. Se uma
oração é verdadeira, deve existir entre ela e o fato ao que se refere uma “identidade de estrutura”. A condição é que a
cada componente do fato lhe corresponda um componente ( e somente um) na proposição, e a cada componente da
proposição também um componente (e somente um) no fato. Esta encontra-se formulada por Wittgenstein em sua
teoria das proposições como imagens pictóricas dos fatos. Tractatus Logico-Philosophicus, proposição 4.04
relação entre enunciado e pensamento, que intenta encontrar nos discursos atividade consciente do
sujeito falante, aquilo que supostamente ele desejou falar, ou o jogo inconsciente que veio à luz a
partir do que ele disse. Embora o enunciado se encontre nos textos, Foucault indica que a análise
enunciativa não constitui a análise das estruturas da linguagem ou da língua nos textos mas recai
nos discursos, no funcionamento dos discursos (FOUCAULT, 2000, p. 73). Não opera fazendo
relações entre palavras, frases mas sim impondo determinadas formas ao discurso. Nos dizeres de
Araújo (2004, p. 219) “Foucault inverte os níveis consagrados de análise e de sustentação
epistemológica da lingüística: não se vai da frase gramatical ao ato de discurso, pois é enquanto
discurso que uma frase ganha estatuto de frase gramatical”.
Foucault analisa o discurso através de uma orientação que procura compreender o
enunciado na estreiteza e singularidade de uma situação, determinando as condições de sua
existência, fixando seus limites, estabelecendo suas correlações com outros enunciados a que pode
estar ligado, mostrando que outras formas de enunciação exclui (FOUCAULT, 2002, p. 31). Ele se
distancia do significado mais difundido e redefine ao longo da Arqueologia a noção de enunciado
mostrando suas características. Por enunciado, ele entende a modalidade de existência de um
conjunto de signos, modalidade que lhes possibilita ser algo mais que um simples conjunto de
marcas materiais, que lhes possibilita referir-se a objetos, implicar sujeitos, de relacionar-se com
outras formulações e de ser repetível não se reduz nem as possibilidades da frase enquanto frase
nem as possibilidades da proposição enquanto proposição. Ele descreve as regras de
engendramento, transformação e eliminação dos enunciados, as regras de ordenação dessa
dispersão que se constitui cada discurso enquanto saber de uma época. Nesta análise Foucault se
apossa de um domínio até então desconhecido, irredutível às interpretações e às formalizações e faz
aparecer a especificidade de seu método de análise. Cabe, pois, perscrutar a própria A
Arqueologia do Saber para traçar a especificidade da metodologia de análise do discurso
foucaultiana; uma metodologia de análise descritiva, o que não significa, como em Russell,
fazer lógica descritiva.
2 - O DOMÍNIO ARQUEOLÓGICO
2.1 - A Arqueologia do Saber
Após o surpreendente sucesso de As palavras e as coisas (1966), Foucault, então
em Clermont-Ferrand e à espera de um lugar em Paris, aceita a proposta de Jean Wahl, para vir
substituí-lo em Tunes (1966-1968) onde escreve A Arqueologia do Saber, trazida ao público após
seu retorno à França (1969). O texto constituído de cinco partes (Introdução; As regularidades
discursivas; O enunciado e o arquivo; A descrição arqueológica; Conclusão) tem seu corpus
emprestado de A História da Loucura na Idade Clássica (1961), de O Nascimento da Clínica
(1963) e As Palavras e as Coisas (1966)
45
, com suas análises da loucura, da clínica médica e das
ciências humanas, o qual referenda a extensão e a radicalidade das reflexões sobre as unidades do
discurso, as regras de formação, o enunciado e a função enunciativa, enfim, sobre a economia de
conceitos e regras operacionais próprias da análise do discurso em uma perspectiva foucaultiana.
Os capítulos da segunda e terceira partes, As regularidades discursivase O
enunciado e o arquivo, “propõem uma colocação em cena eminentemente filosófica, tanto pela
estrutura quanto pelo estilo, esta mesma da dúvida hiperbólica cartesiana ou do épochè
fenomenológica” (MAINGUENAU, 2001) e traçam a especificidade de uma metodologia
descritiva do discurso: o que são regras que definem um modo de produção dos objetos, das
modalidades enunciativas, dos conceitos e das estratégias e efeitos de verdade. Nesta perspectiva,
cabe destacar que Foucault busca se libertar de um jogo de conceitos que diversificam, cada um a
45
Por esse caráter metodológico, pondera Gregolim (2003),
a Arqueologia não pode ser lido independentemente dos
anteriores. Remissões, recolocações, deslocamentos das
análises anteriores costuram as reflexões de A Arqueologia do
Saber.
sua maneira, o tema da continuidade. Ele coloca em suspenso as unidades que se impõem de
maneira mais imediata; coloca fora do circuito as continuidades irrefletidas para fazer aparecer o
campo dos fatos de discurso e projeta "uma descrição dos acontecimentos discursivos (II, 1).
Foucault explicita a noção de regras de formação, enquanto condições de possibilidade dos
objetos, dos modos de enunciação, dos conceitos, das escolhas temáticas que definem uma
formação discursiva (II, 2). Explicita também a noção sujeito enquanto função, seja nos
diferentes status que recebe seja nos lugares ou nas diversas posições que ocupa quando exerce um
discurso seja, ainda, na descontinuidade dos planos onde fala (II, 4); considera o enunciado e a
função enunciativa (III, 1 e 2), o a priori histórico e o arquivo, enquanto a lei do que pode ser dito
e sistema que rege a aparição dos enunciados como acontecimentos singulares e de arqueologia
como o que descreve os discursos como práticas específicas no elemento do arquivo (III, 5); fala dos
diferentes planos no interior do discurso (IV, 5); a noção de "limiar" de positividade, que marca a
individualização de uma prática discursiva (IV, 6) e na conclusão, em forma de diálogo. Foucault
discute com seus adversários o seu projeto, ou seja, "livrar a história do pensamento de sua sujeição
transcendental" e reafirma sua visão metodológica: um novo método, o da descrição dos discursos
centrada nos enunciados; o que determinou a redefinição, às vezes complexa, de diferentes noções.
2.2 - O enunciado: uma função que atravessa a linguagem
A reflexão sobre o enunciado ocupa toda a terceira parte de A Arqueologia do
Saber, “O Enunciado e o Arquivo”. Ela se articula a partir das questões “o que é enunciado” e
“como o enunciado pode se ajustar à análise das formações discursivas”. Fischer (2001, p. 201)
atenta a certas inflexões imprimidas pelo Professor do Collège de France às noções, enfatiza:
‘Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados que se apóiem na
mesma formação discursiva” (...) Em quase todas as formulações sobre
discurso, Foucault refere-se ao enunciado. Discurso como “numero
limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de
condições de existência”, ou como “domínio geral de todos os
enunciados”, “grupo individualizável de enunciados”, “prática
regulamentada dando conta de um certo número de enunciados” são
algumas delas (1986, p. 90 e 135). A idéia contida nas expressões
“condições de existência”, “domínio”, “grupo individualizável” e “prática
regulamentada”, usadas nas definições anteriores, é básica para
entendermos a definição de enunciado como “função de existência” a qual
se exerce sobre unidades como a frase, a proposição ou o ato de linguagem.
O enunciado em si não constituiria também uma unidade, pois ele se
encontra na transversalidade de frases, proposições e atos de linguagem:
ele é sempre um acontecimento, que nem a língua nem o sentido podem
esgotar inteiramente” (p. 32); trata-se de “uma função que cruza um
domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que [estas]
apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (p. 99).
O discurso é definido em cada uma das três acepções que Foucault assina como uma
instância que dá conta da realidade dos enunciados. Ele chega aos enunciados a partir da suspensão
de formas imediatas de continuidade tradicionalmente consagradas. Ele revisa sínteses pré-
fabricadas, suprime unidades, categorias ou conceitos através dos quais se diversifica e se
conserva o tema da continuidade. Segundo ele, conforme observa Araújo (2001, p. 57) ,
não se deve aceitar sem exame crítico as noções de tradição, influência,
desenvolvimento, evolução, mentalidade pois pressupõe uma consciência
(...) Sínteses apressadas usadas anacronicamente, como literatura, ciência,
arte, religião, podem prejudicar a análise, uma vez que podem ter
significados distintos e usos diversos. Quando se referir a livro e obra,
nunca tratá-los como valendo por si mesmos ou isolados de um referencial.
Cartas, declarações para a imprensa, anotações, prefácios, o que pode valer
como “obra” de alguém?
Deixar em suspenso estas unidades, estas sínteses apressadas, estas continuidades,
possibilita ver o enunciado em sua singularidade e repetição, em sua instância própria; é dizer,
enquanto nem inteiramente lingüístico nem exclusivamente material, enquanto ligado a uma
memória, a uma materialidade (FOUCAULT, 2002, p. 32). “Uma vez suspensas essas formas
imediatas de continuidade todo um domínio encontra-se, de fato, liberado” (FOUCAULT, 2002,
p. 30).
Foucault concebe o enunciado como uma função que cruza um domínio de
estruturas e unidades possíveis (FOUCAULT, 2002, p. 98-99). Ele o descreve contrastando com
a frase , a proposição - unidades que a gramática e a lógica podem reconhecer em um conjunto de
sígnos e com o ato de fala, âmbito da análise filosófica e enfocando a relação enunciado e língua .
O Professor do Collége de France elide a possibilidade de se definir o enunciado pelos caracteres
gramaticais da frase embora a maioria das frases, definidas de forma ampla, constituem enunciados.
Contudo, uma conjugação verbal, um quadro de classificatório de espécies botânicas, uma árvore
genealógica, um livro de contabilidade, um gráfico constituem enunciados e todos têm leis de uso
e regras de construção diversas das frases (FOUCAULT, 2002). Enquanto que para estas mostra-
se suficiente uma estrutura sintático-semântica, para o enunciado não basta uma estrutura
lingüística. O enunciado ao contrário da frase não está necessariamente subordinado a uma
estrutura lingüística canônica. Por outro lado, os critérios que permitem definir a identidade de uma
proposição, de distinguir várias sob a unidade de uma formulação, não servem para descrever a
unidade singular de um enunciado. O enunciado está no plano do discurso, não pode ser submetido
às provas de verdadeiro/falso e, diversamente da proposição lógica, para os enunciados não
formulações equivalentes. “Nada foi ouvido” e “É certo que ninguém ouviu” são indiscerníveis do
ponto de vista lógico. Trata-se de uma mesma estrutura proposicional, mas com caracteres
enunciativos bastante distintos. Quando se diz que “O atual rei da França está calvo”, faz-se dois
enunciados, um sobre sua existência e não cabe à análise discursiva dizer se refere ou não, se é
falso ou verdadeiro, e outro enunciado acerca de sua calvície. Este enunciado pode ser
analisado, do ponto de vista lógico, se se reconhecem duas proposições distintas. Importam, em
termos de análise discursiva, o contexto e o referencial enquanto que na lógica, a veracidade.
A descrição do enunciado não é nem análise lógica nem gramatical, se localiza em
um nível específico de descrição. Foucault (2002, p. 90) descarta, contra Frege e Russell, a
possibilidade de definir o enunciado em termos lógicos e, contra os lingüistas (FOUCAULT,
2002, p. 94), a possibilidade de definição gramatical. Igualmente, o enunciado, diversamente dos
atos de linguagem, das pesquisas pragmáticas da filosofia analítica inglesa, não propõe procurar o
ato material (falar e/ou escrever); a intenção do indivíduo que es realizando o ato (convencer,
persuadir) ou o resultado obtido (se foi ‘feliz ou não). O ato de fala tem valor ilocucional.
Contudo, conforme assevera Araújo (2001, p.59)
se os analistas mostram como os atos de fala funcionam, não pretendem
mostrar em relação a que domínios eles funcionam, onde se situam e que
objetos podem articular . Para haver ato de fala pode ser necessário mais
de um enunciado. Sem enunciado, um ato de fala não tem efeito. Esse
efeito reporta-se a um autor; o autor de uma formulação (ato de fala) é
especificável, e o que diz é dito em circunstâncias únicas, que não se
repetem. os enunciados se repetem e o lugar do sujeito é um vazio a ser
preenchido.
Foucault (2002, p. 98) considera que “não basta qualquer realização material de
elementos lingüísticos, ou qualquer emergência de signos no tempo e no espaço para que um
enunciado apareça e passe a existir” e mostra que o que torna uma frase, uma proposição , um ato
de fala em enunciado é a função enunciativa, ou seja, o fato de ele ser produzido por um sujeito em
um lugar institucional, determinado por regras que possibilitam que ele seja enunciado. Toda esta
discussão acerca do conceito de enunciado acontece para precisar o objeto da descrição
arqueológica: “o campo de exercício da função enunciativa e as condições segundo as quais ela faz
aparecer unidades diversas que podem ser, mas não necessariamente, de ordem gramatical ou
lógica (FOUCAULT, 2002, p.122). O enunciado cruza os domínios da gramaticalidade, da
lógica e dos atos de fala, dando-lhes não uma estrutura , mas sim um suporte material e um
referencial. Não estão em jogo a correção gramatical, regras lógicas de construção e nem o autor
do ato de fala mas o referencial , o sujeito que ocupará o lugar vazio no enunciado, o domínio
associado e uma materialidade, aspectos estes que correspondem a uma possibilidade nas
formações discursivas.
Enquanto função, o enunciado não tem diante de si um correlato ou a ausência
deste, assim como uma proposição tem um referente ou não, assim como um nome próprio designa
um indivíduo. Ele está antes ligado a um referencial constituído por leis de possibilidade, regras
de existência para objetos que se encontram nomeados, designados, descritos, para as relações
que se encontram afirmadas ou negadas. O enunciado remete a um referencial constituído
pelas regras que definem as condições históricas de aparição dos objetos. Nessa impostação,
considera Araújo (2001, p. 60)
A marca notória do enunciado é sua ligação com o fator institucional, com objetos que se
delineiam para um saber, localizável não por referência a um estado de coisas, pois desta
forma seria confundido com um proposição para a qual importa saber se é verdadeira ou
falsa.
O referencial de um enunciado define as possibilidades de aparecimento e de
delimitação do correlato que à frase o seu sentido, à proposição o seu valor de verdade
(FOUCAULT, 2002, p.104).
Igualmente, o enunciado enquanto função mantém uma relação com um sujeito
que não pode ser reduzida à relação que o enunciado tem com aquele que o articulou, que o
proferiu. Foucault postula a necessidade de se diferenciar a relação de um enunciado com seu
sujeito da relação entre a proposição e o sujeito interior ao sintagma lingüístico e a relação
substancial ou funcional entre uma frase e seu autor. Neste particular, as considerações de Foucault
sobre o autor integram-se ao seu propósito de investigar o sujeito no discurso. A função-autor,
abordada em “O que é um autor?”, constitui apenas uma das especificações possíveis da função
sujeito. “Trata-se de retirar ao sujeito (ou ao seu substituto) o papel de fundamento originário e de o
analisar como uma função variável e complexa do discurso” (1992, p. 70). Segundo Foucault
(2002a), a função autor encontra-se ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra,
determina, articula o universo dos discursos. Ela não se exerce uniformemente e da mesma
maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização nem se
define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas através de uma série de
operações específicas e complexas, não reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real,
podendo dar lugar a vários “eus” em simultâneo, a várias posições-sujeito que diferentes indivíduos
podem ocupar (FOUCAULT, 1992, p. 56-57). O eu fragmentado derruba as certezas do cogito
46
.
Desaparece uma subjetividade fundadora em prol de um sujeito que é pluralidade de posições.
Conforme assevera Fischer (2001, p. 207) , não se está diante da manifestação de um sujeito, mas
do lugar de sua dispersão e de sua descontinuidade, que o sujeito da linguagem não é o sujeito
em si, idealizado, essencial, origem inarredável do sentido: ele é ao mesmo tempo falante e falado.
Não se pode reduzir o sujeito do enunciado aos elementos gramaticais na primeira
pessoa, intrínsecos ao sintagma lingüístico. Por outro lado, não se justifica a exterioridade do
sujeito do enunciado em razão de que as proposições carentes de elementos em primeira pessoa
careçam de sujeito, e porque uma proposição idêntica, enquanto enunciado, não necessariamente
mantém uma relação idêntica com seu sujeito. Não se pode, igualmente, identificar a relação do
enunciado com seu sujeito com a relação entre frase e autor. No caso de uma novela ou de um
conto, por exemplo, enunciados pertencentes a uma mesma pessoa não possuem, enquanto
enunciados, o mesmo sujeito. Foucault sustenta que é necessário substituir a noção de autor
concebido como um sujeito livre e criativo pela função de autor, a qual é uma função discursiva,
ou seja, um produto do discurso. Assim, o enunciado caracteriza-se por não ter um sujeito
gramatical nem sujeito lógico (ARAÚJO, 2001, p. 60). O sujeito do enunciado encontra-se
determinado pelo conjunto de regras que determinam quem pode ou deve pronunciá-lo e a partir de
quais condições. Uma análise do discurso numa perspectiva foucaultiana, portanto, não parte de
uma suposta estrutura ou de um sujeito autor, anteriores ao próprio discurso e que se colocam
acima dele. Não se trata também de analisar os discursos como indicadores de sentidos profundos
46
O desaparecimento do sujeito no discurso faz emergir o ser da linguagem. Barthes (1988, p. 66) afirma que para
Mallarmé “é a linguagem que fala, não o autor; escrever é, através de uma impessoalidade prévia (...), atingir esse ponto
onde a linguagem age, ‘performa’, e não eu. Fala-se da morte do autor procedimento de controle do discurso,
origem de toda a significação do discurso (FOUCAULT, p. 2002a) e do sujeito como dono da verdade. Para Foucault,
o eu cogito, expressão reflexiva por excelência, não se localiza nem na linha de uma filosofia transcendental nem pode
ser considerado um sujeito em termos fenomenológicos.
ou determinadas individualidades intelectuais ou psicológicas. Nas palavras de Foucault (2002,
p.109),
Não é preciso, pois, conceber o sujeito do enunciado como idêntico ao autor da
formulação, nem substancialmente, nem funcionalmente. Ele não é causa, origem ou ponto
de partida do fenômeno de articulação escrita ou oral de uma frase, não é tampouco, a
intenção significativa que invadindo silenciosamente o terreno das palavras, as ordena com
o corpo invisível de sua intuição; não é o núcleo constante, imóvel e idêntico a si mesmo de
uma série de operações que os enunciados, cada um por sua vez, viriam manifestar na
superfície do discurso. É um lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado
por indivíduos diferentes; mas esse lugar em vez de ser definido de uma vez por todas e de
se manter uniforme ao longo de um texto, de um livro ou de uma obra, varia – ou melhor, é
variável o bastante para poder continuar idêntico a si mesmo, através de várias frases, bem
como para se modificar a cada uma .
A função enunciativa, igualmente, não pode ser exercida sem a existência de um
domínio associado, pois uma relação do enunciado com a série de formulações com as quais ele
coexiste; ele se delineia em um campo enunciativo onde tem lugar e status, liga-se a uma memória,
não havendo “enunciado que, de uma forma ou de outra, não reatualize outros enunciados”
(FOUCAULT, 2002, p. 113). Diversamente da proposição e da frase que, mesmo isoladas
continuam sendo reconhecíveis pelos seus elementos lógicos e gramaticais, o enunciado tem
sempre as margens povoadas por outros enunciados” (FOUCAULT, 2002, p. 112), funciona no
interno de um conjunto de relações inscrevendo-se em unidades mais amplas, referindo-se a outros
enunciados, distribuindo o estatuto com outros enunciados. O campo associativo constitui-se da
série das outras formulações, no interior das quais o enunciado se inscreve; também, pelo conjunto
das formulações a que o enunciado se refere seja para repetí-las, seja para modificá-las ou adaptá-
las; seja para se opor a elas, seja para falar de cada um delas; ainda, pelo conjunto das
formulações cuja possibilidade ulterior é propiciada pelo enunciado ao qual segue como
conseqüência, seqüência natural ou sua réplica e pelo conjunto das formulações cujo status é
compartilhado pelo enunciado em questão, em relação às quais se apagará ou tomará um lugar
(NAVARRO-BARBOSA, 2004, p. 117). Quando Foucault diz que os enunciados são povoados,
em suas margens, de tantos outros enunciados, afirma a ação do interdiscurso, evidencia a
heterogeneidade e a importância da análise arqueológica uma vez que
não enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo parte de
uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, neles se
apoiando e deles se distinguindo: ele se integra sempre em um jogo enunciativo, onde tem
sua participaçao, por ligeira e ínfima que seja (...) Não enunciado que não suponha
outros; não nenhum que não tenha em torno de si, um campo de coexistências
(FOUCAULT, 2002, p.114).
Por fim, o enunciado apresenta-se sempre em uma espessura material que o
constitui. Ele requer uma substância, um suporte, um lugar e uma data, ou seja, um espaço de
distribuição, um tempo dado e a uma área social geográfica, econômica ou lingüística. Se na
formalização a materialidade é determinada pela materialidade dos signos; se a materialidade da
frase está determinada pela materialidade da escritura e do sentido; a materialidade do enunciado
vem determinada pelo conjunto de instâncias e regras que possibilitam e regem sua repetição. O
regime desta materialidade repetível, definida por certas instituições como a literatura, a ciência, o
jurídico etc, determina possibilidades de reinscrição e de transcrição mas também limites havidos
pelo lugar que ocupa entre outros enunciados . Desta forma, “A terra é redonda” é um enunciado
diferente antes e depois de Copérnico. Enquanto uma enunciação pode ser reiniciada ou
reevocada, uma forma lingüística ou lógica pode ser reatualizada, o enunciado tem a característica
de poder ser repetido. Foucault contrasta esses conceitos e acentua que os estudos lingüísticos
sempre deixaram o enunciado como um resto, um elemento residual, pressuposto mas não
analisado .
A descrição dos acontecimentos discursivos pergunta “como ocorre que tal
enunciado apareceu e nenhum outro em seu lugar” e ainda “qual é, então esta singular existência
que surge no que se diz e em nenhuma outra parte” (FOUCAULT, 2002, p. 126). Esta descrição
diferencia-se da Hermenêutica por não interessar pelos sentidos secretos mas pelas “ausências”,
pelas “exclusões” de certos temas (ibidem, p.127), e não postula uma clareza total ao enunciado.
Desta forma, Foucault leva em conta ao tratar dos enunciados, da análise enunciativa três
características: a raridade, a exterioridade e o acúmulo.
A análise foucaultiana dos enunciados e das formações discursivas, diversamente de
uma análise que trata do sentido implícito, soberano e comunitário, busca estabelecer uma lei de
raridade. O efeito de raridade dos enunciados pretende determinar, dado que em uma época
determinada nem todas as performance lingüísticas foram efetivamente produzidas, a lei que
determina porque determinadasperformances foram formuladas e outras não. Contrariamente à
abundância de significantes e de significados, o efeito de rareza não aspira a descobrir o não dito, a
multiplicar os significados, ou a descobrir o que se encontra debaixo ou detrás. A análise
enunciativa intenta determinar o espaço próprio dos enunciados com seus vazios e suas ausências.
Estudam-se os enunciados no limite que os separa do que não está dito, na instância que os faz
surgirem à exclusão de todos os outros. O que é dito exclui outros dizeres, o enunciado tem uma
existência que se mostra na dependência de uma formação discursiva. Essa raridade indica ainda
que os enunciados não têm uma transparência infinita, ou seja, nem tudo pode ser dito num lugar
qualquer por um sujeito qualquer. Busca-se determinar o valor do dos enunciados que, como
explica Foucault (2002, p.139), não é definido por sua verdade, não é avaliado pela presença de
um conteúdo secreto; mas caracteriza seu lugar, sua capacidade de circulação e de troca, sua
possibilidade de transformação. O enunciado, o discurso aparecem como um bem - finito,
limitado, desejável, útil que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de
apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência a questão de
poder”
47
.
Foucault, igualmente, descreve os enunciados em sua exterioridade. Ele os busca
47
Na célebre aula inaugural de Foucault no Collège de France, proferida em dezembro de 1970, Foucault aborda
os mecanismos de controle do discurso. A aula parte da hipótese de que há restrições no ato de falar, que são tanto
internas quanto externas. uma política de silenciamento daquilo que oferece perigo, que transgride a norma.
Nem tudo pode ser dito. procedimentos de exclusão que incidem sobre o objeto como tabu, sobre o ritual da
circunstância, sobre o sujeito que fala em regiões como a sexualidade e a política. Há procedimentos de separação
e de rejeição que se estabelecem entre razão e loucura, o que impede que o discurso do louco possa circular como o
dos outros, seja não acolhido como verdadeiro ou visto como sendo dotado de poderes místicos. A oposição do
verdadeiro e do falso é, também outra manifestação da exclusão. Demarcam as fronteiras dos discursos, impondo
regras a sua circulação, procedimentos de controle tais como o comentário, o autor, as disciplinas e a vontade de
verdade.
onde se repartem, em sua relativa raridade, em sua vizinhança lacunar, em seu espaço aberto. A
análise dos enunciados procura, pois, restituir os enunciados a sua dispersão, para considerá-los em
sua descontinuidade e apreender sua própria irrupção no lugar e no momento em que se produziram
reencontrando sua incidência de acontecimento (FOUCAULT, 2002, p. 140). Desta forma, o
campo dos enunciados constitui-se como o local de acontecimentos, de regularidades, de
relacionamentos; como um espaço anônimo cuja configuração define o lugar possível dos sujeitos
falantes e cuja temporalidade é diversa da temporalidade subjetiva psicológica ou transcendental.
Ele se efetua sem referência a um cogito; situa-se no nível do “diz-se”. A noção de acúmulo
possibilita analisar a relação diversa entre os enunciados e a temporalidade. Se a leitura, o traço, a
decifração, a memória definiu, até então, o sistema que permite arrancar o discurso passado de sua
inércia e encontrar algo de sua vivacidade perdida (FOUCAULT, 2002, p.142), a noção de
acúmulo elide a possibilidade de analisar os documentos à maneira da história empírico-positiva. A
particularidade da análise enunciativa está em procurar que modo de existência pode caracterizar
os enunciados, independentemente de sua enunciação, na espessura do tempo em que subsistem, se
conservam, são utilizados, esquecidos e, até mesmo, destruídos. A relação enunciados e
temporalidade leva a considerar os enunciados na remanência que lhes é própria, a abordá-los na
forma de aditividade e recorrência específicas. A remanência ou conservação dos enunciados
ocorre devido a dispositivos técnicos (ex. o livro), segundo certas instituições (ex. a biblioteca) e
certas modalidades estatutárias (texto religioso, jurídico). Pela aditividade, os enunciados
coexistem e se relacionam com outros segundo sua modalidade e o modo específico de se compor,
de se anular, de se excluir, de se completar, de formar grupos mais ou menos indissociáveis e
dotados de propriedades singulares. e a recorrência diz respeito ao fato de que todo enunciado
compõe um campo de elementos antecedentes, em relação aos quais ele deve se situar, mas que
tem o poder de reorganizar e de redistribuir segundo relações novas. Na descrição dos enunciados e
das formações discursivas a imagem do retorno encontra-se proscrita. Busca-se descrever um
conjunto de enunciados como figura lacunar e retalhada, segundo a dispersão de uma
exterioridade e formas específicas de um acúmulo. Foucault substitui a busca das totalidades pela
análise da raridade, o tema do fundamento transcendental pela descrição das relações de
exterioridade, a busca de origem pela análise dos acúmulos (FOUCAULT, 2002, p. 144).
No que concerne a relação enunciado e língua, a descrição enunciativa não se ocupa
do que se na linguagem, senão do fato que existe linguagem, que existem determinadas
formulações efetivamente pronunciadas ou escritas e entende determinar as condições de
possibilidade
48
de existência destas determinadas formulações. O nível enunciativo se localiza
entre a materialidade bruta das formulações e a regularidade das frases e das proposições. Ressalta-
se assim que o enunciado, diferentemente dos atos de fala e mesmo das palavras, frases ou
proposições, não é imediatamente visível nem inteiramente oculto. Cabe à arqueologia tornar
visível e analisável essa transparência tão próxima que constitui o elemento de sua possibilidade.
2.3 – Caminhando em Solo Arqueológico: do enunciado ao discurso
A Arqueologia do Saberconstitui o lugar da problematização metodológica do
processo da análise discursiva em Michel Foucault. Apresentar uma possibilidade de análise e as
regularidades específicas a que obedece, esboçar um domínio ao qual ela é suscetível, definir seus
limites e sua autonomia constituem as preocupações de Foucault no que diz respeito à análise
descritiva do discurso em A Arqueologia do Saber. Uma análise que percorre o eixo prática
discursiva-saber-ciência
49
e encontra seu ponto de equilíbrio no saber, ou seja, num domínio em
que o sujeito é necessariamente situado e dependente (FOUCAULT, 2002, p. 207). Uma análise
que corresponde à especificação de um nível, o do enunciado e do arquivo, um domínio irredutível
às interpretações e formalizações, suposto mas não analisado por elas. Uma análise que se situa em
48
Nem oculto, nem visível, o enunciativo está no limite da linguagem (...) o súbito aparecimento de uma frase, o
lampejo do sentido, o brusco índice da designação, surgem sempre no domínio do exercício de uma função
enunciativa (FOUCAULT, 2002, p.130).
49
Foucault concebe o “saber” como o conjunto de elementos formados de maneira regular por uma prática discursiva
e que são indispensáveis para a constituição de uma ciência ainda que não estejam necessariamente destinadas a dar-
lhe lugar.
um nível diverso da análise lógica da proposição ou da gramatical da frase, ou mesmo, de uma
análise contextual das formulações. Uma análise que, segundo Foucault, constitui uma outra
maneira de abordar as performances verbais, de dissociar sua complexidade, de isolar os termos
que se entrecruzam e de demarcar as diversas regularidades a que obedecem. Esta análise
descritiva do discurso se dirige às condições de existência, às regularidades pré-terminais dos
discursos (FOUCAULT, 2002, p. 83-85).
Em uma das passagens de “Sobre as maneiras de escrever a história”, entrevista
concedida a R. Bellour (1967), Foucault argumenta:
Certamente nos interessamos pela linguagem; no entanto, não por termos
conseguido finalmente tomar posse dela, mas antes porque, mais do que
nunca, ela nos escapa. (...) Pessoalmente, estou antes obcecado pela
existência dos discursos, (...) , meu objeto não é a linguagem, mas o
arquivo, ou seja, a existência acumulada dos discursos (FOUCAULT,
2000, p. 72).
Isto o leva a propor uma teoria para a análise do discurso - a arqueologia, na qual
busca identificar os enunciados discursivos, relacionando-os às formações discursivas,
responsáveis pela geração do arquivo, “horizonte geral a que pertencem a descrição das formações
discursivas, a análise das positividades, a demarcação do campo enunciativo” (FOUCAULT, 2002,
p.151). Ou como discorre longamente
O domínio dos enunciados assim articulados por a priori históricos
50
, assim
caracterizado por diferentes tipos de positividade e escandido por formações discursivas
distintas (...) é um volume complexo em que se diferenciam regioes heterogêneas e em
que se desenrolam segundo regras específicas, práticas que o se podem superpor. Ao
invés de verrmos alinharem-se, no grande livro mítico da história, palavras que traduzem,
em caracteres visíveis, pensamentos constituídos antes e em outro lugar, temos nas práticas
discursivas sistemas que instauram os enunciados como acontecimentos (tendo suas
condições e seu domínio de aparecimento) e coisas (compreendendo a sua possibilidade e
campo de utilização). São todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos de um
lado, coisas de outro) que proponho chamar de arquivo. (...) Trata-se do que faz com que
tantas coisas ditas por tantos homens, tantos milênios (...) tenham aparecido graças a
todo um jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo. (...) O
arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos
enunciados como acontecimentos singulares. (...) é o que define o sistema de
enunciabilidade do enunciado-acontecimento. (...) é o sistema de seu funcionamento. (...)
50
Foucault (2002, p. 146-147) concebe o a priori histórico como o conjunto de regras que caracterizam uma prática
discursiva: as condições de emergência dos enunciados, a lei de sua coexistência com outros, a forma específica
de seu modo de ser, os princípios segundos os quais subsistem, se transformam ou desaparecem.
entre tradição e eo esquecimento, ele faz aparecerem as regras de uma prática que permite
aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se modificarem regularmente. É o sistema
geral da formação e da transformação dos enunciados. (...) O arquivo não é descritível em
sua totalidade e incontornável em sua atualidade. (FOUCAULT, 2002, p. 148-150)
Foucault se questiona a respeito de como a descrição dos enunciados pode se
ajustar à análise das formações discursivas e se propõe a verificar em que medida pode-se dizer
que a análise das formações discursivas é uma descrição de enunciados. Assim ele diz:
partindo do problema da descontinuidade no discurso e da singularidade do enunciado
(tema central) procurei analisar, na periferia, certas formas de grupamentos enigmáticos;
mas os princípios de unificação com que me deparei e que não são nem gramaticais, nem
lógicos, nem psicológicos, e que, por conseguinte, não podem referir-se nem a frases, nem a
proposições, nem a representações, exigiram que eu voltasse para o centro, ao problema do
enunciado e que tentasse elucidar o que é preciso entender por enunciado. E considerarei,
não que eu tenha construído um modelo teórico rigoroso, mas que tenha liberado um
domínio coerente de descrição do qual, se não estabeleci o modelo, pelo menos abri e
preparei a possibilidade se tiver conseguido ‘fechar o círculo’ e mostrar que a análise das
formações discursivas está bem centrada na descrição do enunciado em sua especificidade
(FOUCAULT, 2002, p.132-133).
Evidencia-se, pois, que fundamentação de um método de análise do discurso, passa pela proposta
de uma teoria da descontinuidade no discurso, da singularidade do enunciado e de como as
formações discursivas se relacionam com a descrição dos enunciados. A formação discursiva
constitui antes de tudo, o “princípio de dispersão e de repartição” dos enunciados (idem, p.124)
segundo o qual se determina o que pode e o que deve ser dito, dentro de determinado campo e de
acordo com certa posição que se ocupa nesse campo. Nas palavras de Foucault:
um feixe complexo de relações que funcionam como regra: ele prescreve o que deve ser
correlacionado em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal ou qual objeto, para
que empregue tal ou qual enunciação, para que utilize tal conceito, para que organize tal
ou qual estratégia. Definir em sua individualidade singular um sistema de formação, é
assim, caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma
prática (FOUCAULT, 2002, p. 82)
51
.
Conforme observa Machado (1981) não que se falar em incompatibilidade entre análise do
discurso e descrição dos enunciados. Ao contrário, a introdução do termo ‘enunciado’, sua
articulação com a análise do discurso, é indispensável para que se possa dar uma definição
precisa do objeto da análise arqueológica: o discurso.
Não existe, então, incompatibilidade entre análise do discurso e descrição dos enunciados.
Os discursos são analisados ao nível do enunciado e o que circunscreve, delimita e regula
um grupo de enunciados é uma formação discursiva. Não existe contradição e sim
correspondência entre discurso e enunciado, correspondência que se realiza entre os quatro
tipos de regras de formação que caracterizam uma formação discursiva e as quatro relações
que determinam o modo de existência do enunciado. “Descrever enunciados, descrever a
função enunciativa de que são portadores, analisar as condições que ela supõe e a maneira
como eles se articulam é procurar desvelar o que poderá se individualizar como
formação discursiva.” E Foucault continua explicitando a relação que nos interessa
estabelecer: “O que foi definido como ‘formação discursiva’ escande o plano geral das
coisas ditas ao nível específico dos enunciados. As quatro direções em que analisamos
(formação dos objetos, formação das posições subjetivas, formação dos conceitos,
formação das escolhas estratégicas) correspondem aos quatro domínios em que se exerce a
função enunciativa” (MACHADO, 1981, p. 170).
Segundo Foucault (2002, p.135), “a análise do enunciado e da formação discursiva são
estabelecidas correlativamente”. Assim, o que precisa ser observado são as possíveis relações
entre os princípios para a identificação do enunciado com os da formação discursiva. Para Silva
(2004)
O que está em jogo no solo do saber, com a introdução do conceito de formação
discursiva, é libertar-se das unidades de análises instituídas pela epistemologia e pela
história das idéias (obra, influências, origem, autores) para que possa ser estabelecido o
51
E ainda: No caso em que se puder descrever, entre um
certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão,
e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os
conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma
regularidade (uma ordem, correlações, posições,
funcionamentos, transformações, diremos por convenção, que
se trata de uma formação discursiva (FOUCAULT, 2002, p.
43).
solo em que a análise se detenha nas práticas discursivas (SILVA, 2004, p. 165)
52
.
O discurso, em Foucault, “abordado em um nível anterior a sua classificação em
tipos” (MACHADO, 1981, p. 161), concebido como “um conjunto de enunciados que se apoiem na
mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2002, p. 135), não é definível independentemente das
relações que o constituem. Conforme lembra Machado (1981), um discurso pode ser descrito
como regularidade, e portanto individualizado, descrito em sua singularidade, se suas regras de
formação forem determinadas ao nível dos objetos, relacionando-os ao conjunto de regras que
constituem suas condições de possibilidade; ao nível das modalidades enunciativas, determinando
as regras que possibilitam a existência de enunciações diversas; ao nível dos conceitos, definindo
as regras de formação dos conceitos, dando conta da emergência simultânea ou sucessiva de
conceitos dispersos, heterogêneos e mesmo incompatíveis e ao nível dos temas e teorias,
determinando-se os pontos de difração possíveis do discurso, as instâncias específicas de decisão.
Emerge a metodologia de análise discursiva na perspectiva foucaultiana.
52
O vínculo existente entre formações discursivas e enunciados contribui para situar a noção de prática discursiva.
Na perspectiva foucaultiana, essa não pode ser confundida com uma operação expressiva pela qual o indivíduo formula
uma idéia, um desejo, uma imagem, nem com a atividade racional que pode ser racionada em um sistema de inferência,
nem com a “competência” de um sujeito falante quando constrói frases gramaticais. Exercer uma prática discursiva
significa falar segundo determinadas regras e expor as relações que se dão dentro de um discurso. Nas palavras de
Foucault, a prática discursiva vincula-se diretamente a “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social,
econômica, geográfica ou lingüística,as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2002, p.136).
3 - A METODOLOGIA FOUCAULTIANA DE ANÁLISE DISCURSIVA
3.1 - Uma determinação metodológica negativa
Foucault substitui as noções de unidade, originalidade e significação que dominam a
história tradicional das idéias pelas de acontecimento, série, regularidade, possibilidade. Ele realiza
uma desconstrução da história e anuncia o descentramento do sujeito ao mostrar que a emergência
dos saberes não obedece a uma lógica contínua e evolutiva, mas a uma descontinuidade
53
. O
afastamento de conceitos utilizados pela história tradicional, tais como continuidade, linearidade,
causalidade e soberania do sujeito, e a incorporação de conceitos de uma “nova História”
descontinuidade, ruptura, limiar, série, transformação - estão na base da metodologia foucaultiana
para a análise descritiva dos discursos. (GREGOLIM, 2004, p. 87). Nesta perspectiva, a primeira
determinação da metodologia foucaultiana de descrição do discurso é negativa: não se pode reduzir
a análise discursiva nem à interpretação nem à formalização. Por isso, faz-se necessário evitar na
descrição dos enunciados todo recurso à superabundância de sentido, toda referência à
interioridade, à intencionalidade ou pensamento, em uma palavra, ao sujeito. Não se trata de
53
A proposta de Foucault na Introdução de A Arqueologia do Saber é a de uma Nova História na qual se busca
detectar as descontinuidades em vez de procurar o que lhe unidade. Abre na reivindicação de um projeto para
transformar documento em monumento. Nesse sentido, ele concebe cada núcleo de informação não como documento, ou
seja, como uma totalidade fechada que contém toda a informação pertinente, mas dotado com um valor que surgirá ao
colocá-lo em relação com outros núcleos de informação ou com outras informações, isto é, como monumento. O
monumento é um exemplo do incompleto, sempre chega quebrado em fragmentos, modificado, exige a reconstrução.
Este é um dos critérios básicos de Foucault na tarefa de investigação analítica de como os discursos constróem o
significado de algo. O conceito que o trabalho vai constituindo é o de uma história geral na qual se busca determinar
que forma de relação se pode descrever entre as séries de acontecimentos em contraposição a uma história global que
busca agrupar todosos fenômenos em torno de um centro único. Introduzir a categoria de descontinuidade na história do
saber implica, confrontar-se com a história transcendental das idéias e das ciências; enquanto um conceito
metodológico, renunciar às categorias provenientes das ciências humanas e enquanto resultado da descrição, subtrair-se
ao antropologismo moderno. Confrontar-se com a história transcendental das idéias introduzindo a categoria de
descontinuidade significa negar que se pode assegurar a continuidade da história do saber servindo-se da função
sintetizante da subjetividade transcendental. Nada de transcendência, sujeito constituinte ou origem , como diz Araújo
(ARAUJO, 2001, p. 66). Foucault tece longamente esta metáfora arqueológica mas está constantemente a pergunta
"da análise enunciativa" e da "prática discursiva".
estabelecer uma origem nem de recorrer a uma razão escondida. Por outro lado, tampouco se trata
de estabelecer um metacódigo.
Enquanto conceito metodológico, a descontinuidade põe em suspenso, abandona
as categorias provenientes das ciências humanas tais como tradição, influência, desenvolvimento,
evolução
54
, mentalidade ou de espírito. Abandona igualmente certos cortes, agrupamentos ou
unidades representados pelos grandes tipos de discurso, formas ou gêneros ou as unidades a
ciência, a literatura, a filosofia, a religião, a história, a ficção; as unidades mais imediatas de livro
e obra; as continuidades irrefletidas pelas quais se organizam de antemão o discurso que se trata
de analisar, ou seja, a origem
55
e o dito - interpretação, que permitiam estabelecer, apesar e
mais além das diversidades e das diferenças , um fundo contínuo e intangível. Nos dizeres de
Castro:
Foucault enumera três grupos de categorias ou conceitos: as categorias que relacionam
discursos, categorias que classificam discursos e categorias que garantam uma
continuidade infinita. No primeiro grupo encontram-se: a noção de tradição (permite
descobrir em toda mudança, em toda novidade um fundo permanente); a categoria de
influência (estabelece uma causalidade vagamente explicitada - entre indivíduos, obras,
conceitos ou teorias); as categorias de desenvolvimento e evolução (reagrupam uma
sucessão de fatos ou discursos dispersos a partir de um mesmo princípio organizador); as
categorias de mentalidade e espírito ( possibilitam estabelecer entre fenômenos simultâneos
ou sucessivos pertencentes a uma mesma época nexos simbólicos, semelhanças, etc). No
segundo grupo encontra-se as categorias de gênero, de livro, de obra. A unidade de
discurso não pode identificar-se com a unidade material dolivro. Além do começo, do
título e da linhas finais implica um conjunto de referências a outros discursos e a outros
autores. A função de denotação, um conjunto de textos que podem ser denotados servindo-
se de um nome próprio. O terceiro grupo está composto pelas noções de origem e
interpretação que nos autorizam a remeter todo acontecimento, por novo que se apresente
em aparência, a uma origem inverificável ou buscar mais além da formulação dos
enunciados, mais além do não dito, a intenção do sujeito, sua atividade consciente ou o
jogo de forças inconscientes (CASTRO, 1995, p. 195-196).
54
Foucault refuta qualquer perspectiva de progresso nos estudos de produção de saber. Essa posição, além de apontar
para a impossibilidade da busca de origens remotas coloca totalmente em xeque a idéia de evolução da verdade
segundo um tempo ordenado. Temporalidade epistêmica, diversamente da temporalidade sucessiva a qual nos tem
acostumado a história das idéias, sucessão gradual das diferentes posições, é a temporalidade da descrição e da análise
foucaultiana, temporalidade de ruptura. A passagem de um registro de saber a outro, marcada pela descontinuidade, não
assegura ou permite falar em evolução. Por mais que sejam semelhantes, os objetos jamais serão os mesmos, assim
como as maneiras de olhá-los (o que se reflete principalmente ao nível conceitual), as formas de enunciação e de
organização dos pensamentos. Não recuo possível em busca de uma origem que se perde no tempo. Não verdade
ou evolução sustentada na idéia de um “ sujeito soberano”. Não há o que falar no silêncio das entrelinhas: “os discursos
são domínios práticos limitados que têm suas fronteiras, suas regras de formação, suas condições de existência”
(FOUCAULT, 1972, p. 68).
55
Michel Foucault se recusa a procurar no discurso uma origem visível; procura começos relativos e, igualmente,
que se deva buscar sentidos escondidos atrás da materialidade das palavras. A arqueologia foucaultiana opta por
romper o fio da continuidade e assume, deliberadamente, as brechas, descobrindo o descontínuo.
Como resultado desta opção teórica e metodológica, Foucault oferece, opondo-se ao
antropologismo moderno, uma exposição que não só não recorre à subjetividade transcendental
como também não utiliza as categorias provenientes das ciências. O discurso é um acontecimento
que constrói aquilo do que fala e, enfocá-lo nesta perspectiva, é o que permite identificar os
enunciados como acontecimentos discursivos, ou seja, como funções daquilo que constróem e que
são diferentes deles mesmos, e não como o resultado de condições psicológicas, nem como meras
configurações lingüísticas
56
.
Trata-se de captar o enunciado na estreiteza e singularidade de seu acontecer a fim
de restituir ao enunciado a sua singularidade de acontecimento. Trata-se não de referí-los a
operadores puramente psicológicos (a intenção do autor, a forma de seu espírito, o rigor de seu
pensamento, os temas que o obcecam, o projeto que atravessa sua existência e lhe significação)
senão captar outras regularidades entre enunciados, entre grupos de enunciados, entre enunciados e
grupos de acontecimentos; de descrever outras unidades que são normalmente invisíveis, analisando
sua coexistência, sucessão, seu funcionamento mútuo, a determinação recíproca, sua
transformação (FOUCAULT, 2002, p. 33).
3.2 – A metodologia de análise discursiva de Foucault
A metodologia de análise discursiva de Foucault pode definir-se como o projeto de
uma descrição dos acontecimentos discursivos como horizonte para a investigação das unidades que
estes conformam (FOUCAULT, 2002, p.30). Ele parte da análise do funcionamento dos
56
A questão que coloca a análise da língua a propósito de um fato qualquer do discurso é: segundo que regras foi
construído tal enunciado e, por conseguinte, segundo que regras poderiam construir-se outros?
enunciados nos domínios da medicina, da gramática e economia política
57
. A análise empreendida
evidencia que a unidade entre os enunciados de um mesmo campo se funda não em um domínio de
objetos cheio, fechado, contínuo, geograficamente bem recortado, nem em um tipo definido e
normativo de enunciação ou na permanência de uma temática, mas em séries lacunares de objetos,
jogos de diferenças, de desvios, substituições, de transformações, funções heterogêneas para
poderem se ligar em uma figura única, conceitos que diferem em estrutura e em regras de
utilização, que se excluem uns aos outros e que não podem entrar na unidade de uma arquitetura
lógica, possibilidades estratégicas diversas que permitem a ativação de temas incompatíveis, ou
ainda, a introdução de um mesmo tema em conjuntos diferentes (FOUCAULT, 2002, p. 42-43).
Segundo Foucault, a descrição dos enunciados, do que lhes dá unidade recai na dispersão que lhes
constituem, da regularidade que os reúne em meio a suas dispersões como princípio que
individualiza um discurso. Foucault introduz a noção de regras de formação como as condições que
estão submetidos os elementos de uma repartição discursiva, de um campo de saber enquanto
condições de existência.
3.2.1 – A Formação dos Objetos
Na análise arqueológica de A História da Loucura (1961), a emergência do objeto
constitui-se como problema maior. Segundo Foucault, a loucura nem sempre teve o mesmo estatuto,
pois de objeto de exclusão passou a ser encarcerada nos hospitais. No Renascimento a figura do
louco era indissociável da figura da razão; imanente à razão descobre-se a loucura. No período
clássico o pensamento racional, para se firmar e delimitar seus objetos, exclui o louco. É preciso
silenciar a loucura, encarcerá-la para que se lugar ao mundo da Razão. a partir do século
57
Foucault elabora quatro hipóteses a fim de estabelecer relações entre os discursos e de explicar sua unidade: a
unidade dos discursos se funda na unidade do objeto; a unidade dos discursos se funda em sua forma e tipo de
encadeamento, em seu estilo; a unidade dos discursos se funda na permanência de determinados conceitos e a unidade
dos discursos se funda na identidade de determinados temas. Ele, num primeiro momento, rechaça cada uma destas
hipóteses guiado por suas investigações históricas anteriores. Ato contínuo propõe uma solução diferente a cada uma
delas e, posteriormente, diferencia a descrição do fatos discursivos, por um lado, das análises interpretativas e por
outro, das análises formais.
XVIII, a loucura passa ser objeto do saber médico. O resultado, como situa Machado (1988, p.
161-162), é que “não é a unidade do objeto loucura que constitui a unidade da psicopatologia. Ao
contrário, é a loucura que foi construída pelo que se disse a seu respeito”. O conjunto de
enunciados que falam da loucura está longe de referir-se a um objeto; trata-se antes de uma
multiplicidade que se manifesta através do discurso médico, das sentenças jurídicas e das práticas
institucionais. Portanto, quando se trata de estabelecer as leis que determinam a aparição de
determinados enunciados e de descrever a constituição da formação discursiva, a hipótese que
pretendia fundar a unidade dos discursos na unidade e identidade dos objetos deve ser descartada.
A formação dos objetos depende das relações que se estabelecem entre superfícies
de emergência, instâncias de delimitação e regras de especificação e estas não são alheias ao
discurso. Localizar as superfícies de emergência é localizar donde se fala desse objeto, que não
será o mesmo em cada caso. Nesta perspectiva Foucault pode dizer que as superfícies de
emergência do objeto loucura não são as mesmas para as distintas sociedades, as distintas épocas,
nem nas diferentes formas de discurso. No século de XIX é possível que eles foram constituídos
pela família, grupo social próximo, o meio de trabalho, a comunidade religiosa, a arte, a
sexualidade, a penalidade. Aí, nesses campos de diferenciação, nas distâncias, as descontinuidades
e os limiares que se manifestam, o discurso psiquiátrico, encontra a possibilidade de delimitar seu
domínio, de definir aquilo de que se fala, de dar-lhe o estatuto de objeto e, portanto, de torná-lo
nominável e descritível.
As relações discursivas não são internas ao discurso e nem, todavia, exteriores ao
discurso. Encontram-se, de certo modo, no limite do discurso. Estas relações caracterizam não a
língua que utiliza o discurso nem as circunstâncias nas quais se desenvolve, senão ao discurso
mesmo enquanto prática. Por isso, não se trata de interpretar o discurso para fazer por ele uma
história do referente. Busca-se prescindir das “coisas”, substituir o tesouro enigmático das "
coisas" prévias aos discursos pela formação regular dos objetos que só nele se diferenciam. E ainda,
definir esses objetos sem referência ao fundo das coisas senão referindo-os ao conjunto das regras
que permitem formá-los como objetos de um discurso e constituem suas condições de aparição.
Tampouco se trata de remeter-se necessariamente à análise lingüística da significação mas de fixar
as relações que caracterizam uma prática discursiva. Neste tipo de análise, as palavras se
encontram deliberadamente ausentes como as coisas; é ficar ao nível do discurso mesmo e
identificar um grupo de regras apropriadas à prática discursiva. Isto leva a não tratar os discursos
como conjuntos de signos, ou seja, como elementos significantes que enviam a conteúdos ou a
representações, mas como práticas que formam os objetos de que falam. É certo que os discursos
estão formados por signos; mas o que faz é mais que utilizar esses signos para indicar coisas. É
esse mais que volve irredutível à língua e à palavra.
Foucault opta por enfocar as práticas discursivas num esforço para ir além dos dois
principais modelos alternativos de investigação, o estruturalista (formalização) e o hermenêutico
(interpretativo). Visa descrever aquilo que é efetivamente dito do ponto de vista de existência, de
condições de possibilidades específicas, pois, não se pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar.
Não é possível, portanto, numa formação discursiva, falar de qualquer coisa, mas apenas do que é
permitido pelas regras de formação dos objetos. Essas regras estabelecem as condições e as relações
que definem o aparecimento dos objetos. O objeto não preexiste a si mesmo, mas existe sob o
que Foucault define como um feixe de relações. Essas relações não estão contidas nos objetos;
estão, de alguma forma, no limite do discurso dentro do qual são oferecidos os objetos possíveis dos
quais se pode falar. Trata-se de relações discursivas. Não operam fazendo relações entre palavras,
frases mas sim impondo determinadas formas ao discurso. Elas são tudo aquilo que possibilita que
determinado discurso seja possível, em determinado momento. “Essas relações caracterizam não a
língua que o discurso utiliza, não as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o próprio
discurso enquanto prática” (MACHADO, 1988, p. 53). Trata-se de abordar, aqui, o conjunto de
regras que possibilitam a existência de certa prática discursiva, sendo que tais regras são o discurso
e não outra coisa; e são exteriores, ao servirem de condição de possibilidade para o discurso. O
objetivo de uma análise sobre a formação dos objetos não é fazer uma investigação semântica, nem
descobrir uma origem ou uma verdade dos objetos, mas relacioná-los ao conjunto de regras que
permitem formá-los como objetos de um discurso e que constituem, assim, suas condições de
existência.
3.2.2 – A Formação das Modalidades Enunciativas
Por sua vez, os resultados da investigação exposta em O Nascimento da Clínica
(1963)
58
elidem a hipótese de que a unidade do discurso provenha da unicidade das
modalidades enunciativas. Os diversos tipos de enunciação não estão relacionados à unidade de
um sujeito; não remetem à função unificante mas, antes, manifestariam a sua dispersão
(FOUCAULT, 2000, p. 61). Foucault sustenta uma concepção antisubjetivista que se manifesta
em uma oposição contundente a todas as filosofias da consciência. “Noções como o ‘eu pensante’
de Descartes, a mônada’ de Leibniz, ‘o sujeito do conhecimento’ de Kant foram fundamentais
para que se firmasse a idéia de que o sujeito é uma entidade já dada, uma propriedade da condição
humana, e, por isso, desde sempre (VEIGA-NETO, 2004, p. 132). Segundo Foucault, o
domínio enunciativo não deve ser referido a nenhum sujeito individual, nem a uma subjetividade
transcendental. Nos domínios da linguagem, uma concepção do papel e da natureza do sujeito
derivados da concepção cartesiana são idéias superadas tanto na postulação de sua unidade quanto
pelo pretenso domínio, nele, da consciência. Neste contexto de desobstrução discursiva, a tese da
morte do homem será vista pela perspectiva da superação do humanismo, do anulamento daquele
que fala e pelo ser da linguagem.
O sujeito consiste em posições, lugares ocupados no discurso, a partir das regras de
formação . Renuncia-se a ver no discurso um fenômeno da expressão, a tradução verbal de uma
síntese efetuada em outra parte. Se buscará nele antes um campo de regularidade para diversas
posições de subjetividade. Se não é pelas palavras e nem pelas coisas que se define o regime dos
objetos próprios de uma formação discursiva, da mesma maneira reconhece-se agora que não é pelo
recurso a um sujeito transcendental nem pelo recurso a uma subjetividade psicológica que se define
58
O problema colocado em O Nascimento da Clínica é saber como e porque se passado da medicina das
espécies à medicina clínica. Para Foucault isto decorre da espacialização social da enfermidade.
define o regime de suas enunciações
59
.
Seja nos diferentes status que recebe, seja nos lugares ou nas diversas posições que
ocupa quando exerce um discurso, seja ainda na descontinuidade dos planos onde fala, o discurso
manifesta a dispersão do sujeito e sua descontinuidade consigo mesmo. Foucault renuncia à
transcendência e ao sujeito a fim de ficar com a instância da própria prática discursiva e, doutro
lado, para ir além do significado , mas também além do significante , ficando com a dimensão que
à linguagem. Portanto, o domínio enunciativo em Foucault não se encontra referido a nenhum
sujeito individual nem a uma subjetividade transcendental
60
. O que se coloca em seu lugar são
“diferentes formas de subjetividade”.
O discurso clínico, enquanto prática, estabelece entre todos esses elementos um
sistema de relações, que não está realmente dado nem constituído de antemão. O sujeito fala com
as pessoas ou grupos em função de um respaldo institucional: como professor, como cônjuge, como
empregado, etc. No caso do médico: o hospital, a prática privada, o laboratório, a biblioteca. O
sujeito fala com as pessoas ou grupos em função de uma atitude comunicativa . O sujeito
interrogante, ouvinte, que olha fica situado a uma distância perceptiva boa, usa os instrumentais
intermediários, posições que pode ocupar na rede das informações.
Conforme observa Fonseca (1995, p. 17)
59
As conclusões da arqueologia das ciências humanas expostas em As palavras e as coisas (a prioridade da
interrogação contemporânea acerca da linguagem e a oposição entre o estruturalismo e a fenomenologia, entre a
interpretação e a formalização, entre o sentido e a estrutura, sujeito e o objeto abrem a via à A Arqueologia do saber.
Ela, por sua parte, desenvolve metodologicamente esta via. A Fenomenologia e o Estruturalismo explicam a existência
da ordem servindo-se do papel fundacional da subjetividade e da objetividade do sistema, respectivamente. A
arqueologia, ao contrário situa-se entre a subjetividade e a objetividade, entre as palavras e as coisas. Entende-se aqui
por palavras quanto provém do sujeito (a linguagem, as idéias, as teorias) e as coisas (as empiricidades, os objetos, a
objetividade). A ordem não provém nem do sujeito nem do objeto, é anterior, os constrói, os ordena.
60
Que a filosofia clássica da representação implique uma metafísica do infinito aparece claramente através da
necessidade de recorrer a Deus como garantia de nossas idéias e como aval da correlação entre elas e o mundo. O
espaço da finitude era definido negativamente, como limitação com respeito ao infinito. A modernidade, ao contrário
pensa a finitude a partir da finitude mesma, a finitude positiva da vida , do trabalho e da linguagem a partir da finitude
fundamental do ser do homem e a finitude fundamental do ser do homem a partir da finitude da vida, do trabalho e da
linguagem. Pensar a finitude a partir da finitude é a definição foucaultiana da modernidade. A positividade da vida, do
trabalho e da linguagem manifestam a finitude do homem. O saber é finito , posto que está contido em uma linguagem
que é em si mesmo finita, forma parte da vida e do trabalho que são finitos; por outro lado, trabalho, vida e linguagem
são finitos porque podemos conhecê-lo através de um saber finito. Nesta perspectiva, o interesse de Foucault pelo
esforço de Kant nas Críticas e em Was ist Aufklärung de encontrar na finitude sua problemática e a possibilidade de
uma resposta. (CANDIOTTO, 2005, p. 20-43) Contudo, ainda quando a obra de Foucault possa situar-se na linha da
interrogação kantiana acerca das condições de possibilidade, se diferencia ao introduzir a categoria de descontinuidade
que implica na renúncia ao antropologismo de Kant.
L’ archeologie du savoir mostra que a arqueologia encontra o seu ponto de equilíbrio num
domínio em que o sujeito é necessariamente situado e dependente, sem que jamais possa
figurar como titular. Tal domínio é o do saber.
Dreyfus e Rabinow reconhecem que a redução do sujeito a uma função do discurso
e sua tentativa de tratar o discurso sério como um sistema autônomo governado por regras levaram-
no a afirmar que seu método não é inteiramente estranho à análise estrutural. Outrossim,
reconhecem que “Foucault nunca foi um estruturalista estritamente falando, ou um pós-
estruturalista. Seu trabalho se situa além do estruturalismo e da hermenêutica” (DREYFUS e
RABINOW, 1995, XX)
61
.
3.2.3 – A Formação dos Conceitos
No plano dos conceitos, Foucault mostra igualmente que não é possível organizar os
conceitos como um conjunto permanente e coerente, compatíveis entre si e estruturado em forma
dedutiva. Ante esta impossibilidade, ele opta por analisar os conceitos em sua dispersão e descrever
a organização do campo em que os enunciados aparecem e circulam. Trata-se de abordar as relações
61
Algumas aproximações se fizeram entre o pensamento de Foucault e o estruturalismo. Em entrevistas, Foucault
afirma “estar ao lado do” e “não no” estruturalismo: “Não sou de modo algum um estruturalista, que os
estruturalistas, dos anos 50 e 60, tinham essencialmente como alvo definir um método que fosse, senão
universalmente válido, ao menos geralmente válido para toda uma série de objetos diferentes: a linguagem, os discursos
literários, os relatos ticos, a iconografia, a arquitetura... Esse não é, absolutamente, o meu problema (FOUCAULT,
2003
a
, p. 229). “Eu acuso explicitamente de mentir, e de mentir desavergonhadamente, pessoas como Piaget que dizem
que eu sou um estruturalista. Piaget o pode tê-lo dito senão por engano ou por estupidez: eu deixo a ele a escolha”.
(FOUCAULT, 1994, p. 89). “Penso que atualmente o estruturalismo se inscreve no interior de uma grande
transformação do saber das ciências humanas, que essa transformação tem por ápice menos a análise das estruturas do
que o questionamento do estatuto antropológico, do estatuto do sujeito, do privilégio do homem. E meu método se
inscreve no quadro dessa transformação da mesma forma que o estruturalismo ao lado dele, não nele”. (FOUCAULT,
2000, p. 152). Sua mais contundente provocação aparece no final de A Ordem do discurso (1971): “E agora, os que
têm lacunas de vocabulário que digam se isso lhes soar melhor - que isto é estruturalismo”. Deleuze (1988, p. 69)
em Foucault um neo-kantiano. Contudo, reconhece que o interesse do filósofo francês recai sobre “as condições de
experiência real e não as de toda experiência possível”. Por sua vez, Rajchmann (1987, p. 89) reconhece em Foucault
um kantiano sumamente paradoxal” devido ao fato de trabalhar sob uma perspectiva que amplia o conceito moderno
de Razão, ao pulverizá-la e distribuí-la em “múltiplos lugares’, para mostrar o seu caráter contingente, histórico,
constituído. Nesta perspectiva, Araujo (2001, p. 8) considera o pensamento de Foucault “uma alternativa bastante
fecunda com relação às ainda remanescentes filosofias do sujeito (marxismo, fenomenologia, existencialismo)”. Alega
que o pensamento dele não cabe inteiramente no estruturalismo (ARAUJO, 2001, p. 18) e assume como hipótese de
trabalho incluí-lo “entre os epistemólogos contemporâneos de linha contextualista e pragmática: os objetos não
preexistem ao saber; eles existem como acontecimentos, como aquilo que uma época pôde dizer devido a certos
arranjos entre o discurso e as condições não discursivas” (ARAUJO, 2001, p. 56).
conceituais que se definem em um domínio de saber e, simultaneamente, definem um modus
operandi do pensamento e potenciais de associação discursiva. Segundo Foucault, o que pertence
propriamente a uma formação discursiva e o que permite delimitar o grupo de conceitos, embora
discordantes, que lhe são específicos, é a maneira pela qual esses diferentes elementos estão
relacionados uns aos outros (FOUCAULT, 2002, p. 66). A configuração do campo enunciativo
supõe formas de sucessão, formas de coexistência e procedimentos de intervenção cujas relações
permitem delimitar um grupo de conceitos por mais heterogêneos que estes sejam e definem o
campo associado a um enunciado.
Definindo-se as regras de formação dos conceitos, pode-se pensá-los em seu caráter
produtivo, escapando à armadilha da “naturalização” ou da “descoberta”, tão comum quando se
desconsidera a complexidade da relação sujeito-objeto e cede-se ao estatuto de uma pretensa
“neutralidade” científica. Dessa forma, embora seja usado um mesmo termo para designar a
determinado conceito que utilizam determinados discursos, esta unidade se dispersa em função do
lugar que ocupa na sucessão discursiva de sua coexistência com outros conceitos e das formas de
fazer-se presente em um ou outros discursos mediante seu nome, representação gráfica, mediante
sua simbolização lógica. No que concerne às formas de coexistência, pode-se dizer que um mesmo
conceito não é o mesmo quando, na seqüência do texto aparece depois de um determinado ou de
outro. O termo " justiça " não significa a mesma coisa incluída em um parágrafo em que vem
falando do direito à liberdade, em outro em que postula a faculdade de deserdar na sucessão
testamentária ou incluído em outro sobre o reconhecimento do matrimônio entre pessoas do mesmo
sexo, etc. Trata-se de identificar um conjunto de regras para pôr em série uns enunciados, esquemas
de dependências, de ordem e de sucessões em que se distribuem os elementos recorrentes que
podem valer como conceitos, os diversos esquemas retóricos segundo os quais se pode combinar
grupos de enunciados. Semelhante análise concerne, em um nível em certo modo pré- conceitual,
ao campo em que os conceitos podem coexistir e as regras a que está submetido esse campo. Se,
para a análise das regras de formação de objetos, visto que não se deve nem enraizá-los nas coisas
nem referí-las ao domínio das palavras; para análise da formação dos tipos enunciativos, não se
deve referí-los nem ao sujeito de conhecimento, nem a uma individualidade psicológica, tampouco,
para analisar a formação dos conceitos, não se deve referí-los nem ao horizonte da idealidade, nem
ao caminhar empírico das idéias.
3.2.4 – A Formação das Estratégias
Por fim, a inconsistência da hipótese de que a unidade de uma prática discursiva
provém da persistência de determinados temas é demonstrada por Foucault a propósito de temas
como o evolucionismo ou a formação do valor na teoria econômica. Foucault trata os temas e
teorias como “estratégias” que permitem às formações discursivas, ordenar a heterogeneidade
expondo as regras de formação que possibilitam a existência de um discurso. A análise das
estratégias implica em assinalar os pontos de difração do discurso, na descrição das instâncias
específicas de decisão - ou seja, no papel que desempenha o discurso estudado em relação com que
lhe são contemporâneos pelo estudo da economia da constelação discursiva a que pertence - e na
caracterização da função que deve exercer o discurso em um campo de práticas não discursivas. Os
pontos de difração descrevem o discurso como um campo de opções possíveis.
Segundo Foucault, a determinação das “escolhas” teóricas associa-se, ainda, à
função que deve exercer o discurso em um campo de práticas não-discursivas, ao regime e aos
processos de apropriação do discurso e às posições possíveis do desejo em relação ao discurso.
Foucault deixa bem claro que esses elementos são formadores de discurso, e não elementos
“perturbadores” que mascarariam a formação discursiva. Assim, uma formação discursiva se
individualizará pela definição do sistema das diferentes estratégias que nela se estabelecem, ou
seja, como derivam todas elas de um mesmo jogo de relações. Define-se este sistema descrevendo
como os pontos de difração de um discurso derivam uns dos outros; como as eleições efetuadas
dependem da constelação geral na qual figura o discurso em estudo; como essas eleições estão
ligadas com a função que ocupa o discurso em estudo na prática social correspondente. que
notar que as estratégias assim descritas não enraizam na profundidade silenciosa de uma eleição
preliminar e fundamental. Pelo contrário, descrevem-se como maneiras de tratar objetos de
discurso, de dispor formas de enunciação, de manipular conceitos e como tais de por em obra
possibilidades de discurso.
Do mesmo modo como não se pode referir a formação dos objetos às palavras e as
coisas, a formação das modalidades enunciativas ao sujeito psicológico ou transcendental, a
formação dos conceitos a estrutura da idealidade ou à sucessão das idéias, tampouco se deve referir
a formação das eleições teóricas a um projeto fundamental ou a jogo secundário das opiniões.
3.2.5 - O método foucaultiano de análise descritiva dos discursos
Michel Foucault, ao longo de A Arqueologia do Saber, procura distinguir a
arqueologia de outros tipos de análise discursiva. Após abordar e colocar em suspenso a escanção
do discurso segundo grandes unidades, define um domínio, o do campo enunciativo e do
enunciado e, para estabelecê-lo, faz uso de uma série de noções tais como formação discursiva,
positividade, práticas discursivas. Ele reconhece a possibilidade de se pensar o conceito geral de
regra de aparição na teoria do discurso e pergunta pelas condições de possibilidade do discurso.
Diversamente de Heidegger , de grande parte da tradição hermenêutica e de
Wittgenstein, para os quais as práticas não discursivas determinando o mundo subjacente às
práticas discursivas podem fornecer o horizonte de compreensão do discurso, Michel Foucault
reconhece que se pode não somente isolar senão também explicar o fato enunciativo previamente a
toda investigação nos fatos não-discursivos. O Professor do Collège de France aborda os discursos
do ponto de vista de sua regularidade, ou seja, das regras que descrevem uma formação discursiva.
Ele mostra a contraface plural e dispersa dos objetos, do sujeito, dos conceitos e do tema. Trata-se,
em lugar de reconstituir cadeias de conclusões, estabelecer quadros de diferenças, descrever
sistemas de dispersão, de estabelecer formações discursivas, ou seja, a descrição de uma certa
regularidade dos enunciados, o que possibilita estabelecer , como denomina Foucault, uma
positividade, entendida como um espaço no qual é possível estabelecer se fala ou não do mesmo
objeto, se os diversos sujeitos envolvidos se situam ou não no mesmo nível, se utilizam os mesmos
conceitos, se trata ou não dos mesmos temas. Se não existisse nenhuma regularidade, nenhuma
relação, nenhuma possibilidade de comparação entre um enunciado e outro, a descrição das
formações discursivas seria impossível. Delineam-se, assim, as linhas-mestras, os traços mais
gerais de “uma certa forma de interrogação e um conjunto de estratégias analíticas de descrição”
(LARROSA, 1994, p. 37) de um domínio onde estão em questão os enunciados, as regularidades
dessa dispersão, irredutível análises gramaticais, lógicas que tomam o enunciado como tão óbvio,
que não o analisam; a especificidade do método foucaultiano de análise descritiva dos discursos.
Um método, uma certa forma de interrogação que pergunta pelas condições de possibilidade, de
existência dos discursos. Um todo de descrição do discurso, não mais como conjunto de
signos e elementos significantes que remeteriam a determinadas representações e conteúdos, tal
como pensavam os estruturalistas tributários de Saussure, mas como um conjunto de práticas
discursivas que instauram os objetos sobre os quais falam, legitimam os sujeitos enunciadores,
definem os conceitos com os quais operarão e fixam as estratégias que rareiam os atos discursivos.
O texto de A Arqueologia do Saber constitui-se, pois, numa descrição do método
arqueológico, das regularidades que, independentemente das relações primárias e secundárias, das
práticas sociais e da subjetividade, visam descrever do ponto de vista de existência, as condições de
possibilidades específicas de objetos, das modalidades enunciativas, dos conceitos , das estratégias
discursivas e das possibilidades de reinscrição dos enunciados, as quais não se reduzem nem as
possibilidades da frase enquanto frase nem as possibilidades da proposição enquanto proposição.
Foucault, em sua análise do discurso, interessa por esse grupo de regras que são
imanentes a uma prática e a definem em sua especificidade. A análise descritiva do discurso, numa
perspectiva foucaultiana, considera, quanto a formação dos objetos, o conjunto das regras que
permitem formá-los como objetos de um discurso e constituem suas condições de aparição, ou seja,
as relações que se estabelecem entre superfícies de emergência, instâncias de delimitação e regras
de especificação. Localizar as superfícies de emergência é localizar donde se fala desse objeto,
que já não será o mesmo em cada caso. Descrever instâncias de delimitação implica em identificar
os diferentes estamentos sociais que designam, nomeiam ou instauram os objetos e de que se
diferenciam (a medicina, a justiça, a autoridade religiosa, a crítica literária e artística).
Pela análise das regras de especificação vê-se os sistemas segundo os quais se
separa, se opõe, se conecta, reagrupa, classifica, se fazem derivar uns das outros as diferentes
objetos de um discurso; exemplo, as diferentes ‘loucuras’ como objetos do discurso psiquiátrico.
As superfícies de emergência , as instâncias de delimitação e as regras de especificação desenham o
espaço intradiscursivo no qual podem aparecer os objetos, ser nomeados e descritos. Elas não
explicam como o objeto está constituído, senão porque em uma determinada época se começou a
falar de certo objeto. Assim, o discurso é outra coisa distinta do lugar ao que vem a depositar-se e
sobrepor-se; se caracteriza não por objetos privilegiados senão por como forma os seus objetos.
Neste sentido, os discursos vêm considerados como uma prática, pois, constróem seus objetos.
O Professor do Collège de France postula subjetividades como posições, lugares
ocupados no discurso, a partir das regras de formação; regras que definem o estatuto de quem, por
regulamento ou por tradição, por definição jurídica ou por aceitação espontânea, pronuncia ou
escreve um enunciado; os âmbitos institucionais que circundam o falante; as diversas maneiras
em que pode situar-se com respeito a determinados objetos ou um domínio de objetos e as relações
entre estas instâncias constituem o sujeito de um enunciado. Portanto, no seu método de análise do
discurso, quanto a formação das modalidades enunciativas, Foucault considera o estatuto do
falante, os âmbitos institucionais e as posições do sujeito.
A análise foucaultiana do discurso, recorta a região da linguagem para interrogar o
estatuto de quem enuncia, de quem tem o direito de entrar na ordem do acontecimento discursivo.
Esta pergunta se desdobra em quem fala e no interior de que instituições
62
. Foucault responde, por
intermédio do exame das modalidades enunciativas, que demarcam um campo de regularidades
para as diversas posições que ocupa, fazendo surgir o sujeito do discurso como uma dispersão.
Na configuração do campo enunciativo, ele considera as formas de sucessão, ou seja,
a maneira como as séries enunciativas se ordenam mutuamente (inferência, demonstração, esquema
de generalização, o modo no qual a temporalidade espacializa na linealidade dos enunciados); aos
tipos de tipos de dependências enunciativas (hipótese-verificação, asserção-crítica, lei geral - lei
particular) e esquemas retóricos (articulação, deduções e descrição em um texto).
As formas de coexistência estabelecem um campo de presença, permitem descrever
um campo de concomitância e comporta um domínio de memória. Os enunciados formulados em
outra parte, admitidos, criticados ou excluídos estabelecem o campo de presenças. Os enunciados
que pertencem a outro domínio de objetos ou a outro tipo de discurso, mas que intervém a título de
analogia ou de premissa ou de princípio geral permitem descrever um campo de concomitância. Os
enunciados a respeito dos quais, sem ser admitidos ou discutidos, se estabelece uma filiação ou uma
gênese ou uma continuidade ou uma descontinuidade comportam um domínio de memória.
Os procedimentos de intervenção que podem aplicar-se legitimamente aos
enunciados contemplam as técnicas de rescritura, métodos de transcrição dos enunciados, modos de
tradução de enunciados quantitativos em qualitativos e reciprocamente, meios para acrescentar a
aproximação e refinar sua exatidão, a maneira como se redelimita o domínio de validade dos
enunciados; a maneira em que se transfere um enunciado de um campo de aplicação ao outro; os
métodos de sistematização de proposições. Esta descrição não pode valer por uma descrição direta
62
Fischer (2001, p. 208) explicita: “Foucault multiplica o sujeito. A pergunta “quem fala? desdobra-se em muitas
outras: qual o status do enunciador? Qual a sua competência? Em que campo de saber se insere? Qual o seu lugar
institucional? Como seu papel se constitui juridicamente? Como se relaciona hierarquicamentecom outros poderes além
do seu? Como é realizada sua relação com outros indivíduos no espaço ocupado por ele. Também cabe indagar sobre
o “lugar de onde fala”, o lugar específico no interior de uma dada instituição, a fonte do discurso daquele falante, e
sobre a sua efetiva “posição de sujeito” (...) É assim que se destrói a idéia de discurso como “expressão” de algo,
tradução de alguma coisa que estaria em jeito, algo que preexiste à própria palavra”.
e imediata dos próprios conceitos. Busca-se determinar segundo que regras os enunciados podem
estar ligados uns aos outros em um tipo de discurso; como os elementos recorrentes dos
enunciados podem reaparecer, se dissociar, se recompor, ganhar em extensão ou em determinação,
ser retomados no interior de novas estruturas lógicas, adquirir, em compensação, novos conteúdos
semânticos, constituir entre si organizações parciais. Esses esquemas permitem descrever uma
dispersão que caracteriza um tipo de discurso e que define, entre os conceitos, formas de dedução,
de derivação, de coerência, e também de incompatibilidade, de entrecruzamento, de substituição, de
exclusão, de deslocamento.
Os discursos dão lugar a certas organizações de conceitos, a certos reagrupamentos
de objetos, certos tipos de enunciação que formam temas e teorias, convencionalmente, chamados
estratégias. Assinalar os pontos de difração do discurso, ou seja, evidenciar os pontos de
incompatibilidade, os pontos de equivalência e os de enganche de uma sistematização; explicitar a
economia da constelação discursiva que conta do porquê não todas as combinações possíveis
se verificaram e caracterizar a função que deve exercer o discurso em um campo de práticas não
discursivas, todo este jogo de relações constitui um princípio de determinação que permite ou
exclui no interior de um discurso dado certo número de enunciados. Foucault substitui as intenções
puras de não-contradição por uma rede emaranhada de compatibilidades e incompatibilidades. Os
pontos de incompatibilidade evidenciam enunciados que, ainda quando aparecem na mesma
formação discursiva, não podem pertencer a mesma série; os de equivalência, enunciados que
respondendo as mesmas possibilidades de existência e situando-se em um mesmo nível representam
uma alternativa. Os pontos de enganche em uma sistematização, evidenciam como a partir dos
pontos de equivalência ou incompatibilidade se derivam uma série coerente de objetos, de formas
enunciativas e de conceitos com outros pontos de incompatibilidade ou equivalência. No estudo da
economia da constelação discursiva determina-se o papel que desempenha em um discurso
determinados enunciados com respeito a outros; trata-se de um sistema formal do qual outros são
aplicações em campos semânticos diversos; de um modelo concreto que é necessário referir a outro
de maior grau abstrato; se encontra em uma relação de analogia, de oposição ou de
complementariedade com respeito a outros discursos; se podem delimitar-se mutuamente. No que
concerne à função que o discurso deve exercer em um campo de práticas não discursivas, Foucault
(2002, p. 74) salienta que a análise das riquezas desempenhou um papel não nas decisões
políticas e econômicas dos governos, mas nas práticas cotidianas pouco conceitualizadas e pouco
teorizadas do capitalismo nascente e nas lutas sociais e políticas que caracterizaram a época
clássica. No tocante aos processos de apropriação do discurso, esta propriedade do discurso,
entendida ao mesmo tempo como direito de falar, competência para compreender, acesso ilícito e
imediato ao corpus dos enunciados formulados, capacidade de investir esse discurso em
decisões, instituições ou práticas, está reservada a um grupo determinado de indivíduos
(FOUCAULT, 2002, p. 75). E, por fim, a possibilidade de o discurso estar relacionado com o
desejo não é apenas o fato do exercício poético, romanesco ou imaginário do discurso, pois, os
discursos sobre a riqueza, linguagem, natureza, loucura, vida e morte, entre outros, podem ocupar,
em relação ao desejo, posições bem determinadas.
Segundo o quanto sustenta a esta altura, Foucault pretende “fazer aparecer” a
positividade dos discursos, suas condições de existência, os sistemas que regem sua emergência,
seu funcionamento e suas modificações
63
e os efeitos de verdade. Para alguém que adote uma
perspectiva foucaultiana, sua análises se deslocam “para fora” das proposições e centrará em
questionamentos tais quais: “que visibilidades são ativadas por esse enunciado?”, “que posições de
sujeito se criam com esse enunciado?”, “a que vontade de verdade atende esse ou aquele
enunciado?”, “como se engendraram os saberes que precisaram ser ativados para que se chegasse a
esse enunciado?”.
63
FOUCAULT, M. Resposta a uma questão. Tempo Brasileiro (28): 57-81, jan/mar.1972
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Michel Foucault, apresenta em A Arqueologia do Saber uma metodologia de análise
do discurso; aborda as regularidades específicas a que obedece e o domínio ao qual ela é
suscetível. Uma análise discursiva que se situa em um nível diverso da análise lógica da proposição
ou da análise gramatical da frase, ou mesmo, de uma análise contextual
64
das formulações. Uma
análise que corresponde à especificação de um nível, o do enunciado e do arquivo, um domínio
irredutível às interpretações e formalizações, suposto mas não analisado por elas.
Nele não há simplesmente as palavras representando as coisas, consideradas como
entes em si, nem relaciona conceitos ou palavras, nem estabelece relações dedutivas entre
proposições, mas determina que relações o discurso enseja ou proíbe, em uma certa época, para
que certo domínio de objetos se constitua para um saber. Igualmente, ele não se reduz a um sistema
ou código, de modo que um procedimento puramente estrutural bastasse. Se os nomes ligam-se
àquilo que designam; se a relação frase/sentido depende de regras da língua e de seu uso habitual;
se as proposições demandam um referente e se não tiver um referente, não se lhe pode atribuir valor
de verdade; em contrapartida a especificidade do enunciado discursivo vem de seu referencial - o
que difere da designação, da referência e do valor ilocucional; de assinalar uma posição possível
64
Como postula Araújo (2004, p. 229), “o próprio “contexto” é um efeito provocado pelo domínio associado, pelos
enunciados vizinhos. Conforme a posição, função e papel que tem uma formulação ou ato de fala com relação às
outras, seja numa narração, numa argumentação, numa verificação, varia o modo como o sujeito as utiliza, adapta,
modifica. (...) Pode-se perfeitamente fazer análise lingüística ou análise lógica sem precisar tomar por tema o campo
dos enunciados, mas as unidades significativas da frase e da proposição ocorrem num dado espaço, o domínio de
enunciados, um espaço propriamente discursivo que é onde frases, proposições e atos de fala se multiplicam e se
acumulam”.
ao sujeito; de dispor de um domínio associado; de revestir-se de uma materialidade específica.
Indagações pertinentes e relevantes são o como o discurso funciona, quem o detém, de que lugar se
fala, como seus efeitos são produzidos e regulados. O discurso não é, portanto, um pensamento
revestido por signos com efeitos de sentido decorrentes da estrutura das línguas, dito por um sujeito
fundador, constituinte, fonte original de sentidos e das proposições verdadeiras, dotado de uma
intencionalidade, cujo correlato pode ser um mundo pronto a ser pensado por um cogito que
nomeia, designa, refere. Dessa forma, a verdade não se encontra nem na correspondência entre
objeto e a palavra, nem na estrutura formal da proposição, nem porque logicamente coerente mas
no efeito de verdade havido no discurso.
Nesta perspectiva, a análise do discurso foucaultiana se situa no coração mesmo da
problemática filosófica contemporânea, haja vista o uso singular que Foucault faz de Kant em Was
ist Aufklärung
65
. O sujeito de um discurso não é a origem ou ponto de partida da articulação, nem
aquele que ordena as palavras significativamente, um sujeito psicológico, intencional; não é sempre
idêntico a si, mas uma função, um lugar vazio que poderá ser efetivamente ocupado por indivíduos
diferentes. Foucault postula subjetividades como posições, lugares ocupados no discurso Sempre
que se puder assinalar essa função-sujeito – uma frase gramatical, uma proposição lógica ou um ato
de fala – passa a valer como enunciado no interior de um dado discurso. Não interessa aqui a
relação entre autor da elocução e a elocução, mas possibilidade de determinar qual é a posição que
deve e pode ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito.
Foucault os discursos a partir de sua exterioridade, em sua irrupção de
65
Foucault se refere à Aufklärung em 1978, numa conferência na Sociedade Francesa de Filosofia, intitulada “Qu’
est-ce la Critique? Bulletin de la société francaise de filosofia, 2: 35-63; no texto “La vie: l’expérience et la
science”, in: Dits et écrits, IV, p. 763-776, prefácio à edicção americana de Le normal et le pathologique de
Georges Canguilhem; ainda, na conferência nos Estados Unidos, “What is Enlightenment?”, in: Dits et écrits, IV, p.
562-578; e no curso de 5 de janeiro de 1983 no Collège de France publicado como como “Qu’ est-ce que les
Lumiéres?”, in: Dits et écrits, IV, p. 679-688 (CANDIOTTO, 2005, p. 3). O problema do método vem indicado a Kant
por Lambert em correspondência onde declara que o “início da metafísica não são as definições, mas o que se deve
saber para formar definições”. As condições de possibilidade das definições são as condições de construção de
objetos que devem se apresentar aos conceitos.( Kant, I. AK XIII, p. 29-30, apud PEREZ: 2002, p. 50). Contudo,
ainda quando a obra de Foucault possa situar-se na linha da interrogação kantiana acerca das condições de
possibilidade, se diferencia ao introduzir a categoria de descontinuidade que implica na renúncia ao antropologismo de
Kant. A arqueologia carece de toda referência absoluta. “A morte de Deus e a morte do homem são contemporâneas”
(CASTRO, 1995, p. 31).
acontecimento, definindo um lugar possível para os sujeitos, que não é o sujeito soberano do “eu
disse”. A análise do discurso sob a perspectiva foucaultiana postula que formações discursivas
fazem emergir o sujeito do enunciado através de possibilidades de preenchimento dessa função que
variam conforme a situação, o lugar institucional do/no qual sujeitos são investidos para poderem
falar e sua fala produzir efeitos. Não uma voz anônima por detrás, mas um domínio no qual
alguém pode dizer o que diz. Desenha-se, pois, um espaço de exterioridade no qual se pode
determinar a dispersão do sujeito e sua descontinuidade com relação a si mesmo, de modo que não é
possível, no domínio discursivo, um sujeito de tipo transcendental ou uma subjetividadepsicológica
(ARAÚJO, 2004, p.224).
A Arqueologia do Saber explicita uma metodologia de análise do discurso, uma
certa forma de interrogação que pergunta pelas condições de possibilidade, de existência dos
discursos; um método de descrição do discurso, das práticas discursivas que instauram os objetos
sobre os quais falam, postulam subjetividades como posições, lugares ocupados no discurso,
definem os conceitos com os quais operarão e fixam as estratégias que rareiam os atos discursivos.
Foucault se interessa e explicita esse grupo de regras que são imanentes a uma prática e a definem
em sua especificidade. Ele considera em seu método de análise do discurso, quanto a formação dos
objetos, o conjunto das regras que permitem formá-los como objetos de um discurso e constituem
suas condições de aparição, ou seja, as relações que se estabelecem entre superfícies de emergência,
instâncias de delimitação e regras de especificação; quanto a formação das modalidades
enunciativas, considera o estatuto do falante, os âmbitos institucionais e as posições do sujeito. Na
configuração do campo enunciativo - conceitos, eas formas de sucessão, as formas de coexistência
e os procedimentos de intervenção e, na formação dos temas e teorias, convencionalmente,
chamados estratégias, assinala os pontos de difração, a economia da constelação discursiva e a
função prática dos discursos.
O Professor do Collège de France aborda os discursos do ponto de vista de sua
regularidade, ou seja, das regras que descrevem uma formação discursiva. Ele mostra a contraface
plural e dispersa dos objetos, do sujeito, dos conceitos e do tema. Trata-se, em lugar de reconstituir
cadeias de conclusões, estabelecer quadros de diferenças, descrever sistemas de dispersão, de
estabelecer formações discursivas, ou seja, a descrição de uma certa regularidade dos enunciados, o
que possibilita estabelecer , como denomina Foucault, uma positividade, entendida como um
espaço no qual é possível estabelecer se fala ou não do mesmo objeto, se os diversos sujeitos
envolvidos se situam ou não no mesmo nível, se utilizam os mesmos conceitos, se trata ou não dos
mesmos temas. Nesta perspectiva metodológica, a formação discursiva constitui antes de tudo, o
“princípio de dispersão e de repartição” dos enunciados (FOUCAULT, 2002, p.124) segundo o
qual se determina o que pode e o que deve ser dito, dentro de determinado campo e de acordo com
certa posição que se ocupa nesse campo. Assim, falar de discurso é falar de relações discursivas ou
de regularidade discursiva, das relações entre objetos, entre tipos enunciativos, entre conceitose
estratégias que possibilitam a passagem da dispersão à regularidade.
A metodologia de análise do discurso de Foucault possibilita, pois, uma outra
maneira de abordar as performances verbais, de dissociar sua complexidade, de isolar os termos
que se entrecruzam e de demarcar as diversas regularidades a que obedecem. Esta análise
descritiva do discurso se dirige às condições de existência, às regularidades pré-terminais dos
discursos (FOUCAULT, 2002, p.83-85). Para alguém que adote uma perspectiva foucaultiana, sua
análises se deslocam “para fora” das proposições e centrará em questionamentos tais quais: “que
visibilidades são ativadas por esse enunciado?”, “que posições de sujeito se criam com esse
enunciado?”, “a que vontade de verdade atende esse ou aquele enunciado?”, “como se engendraram
os saberes que precisaram ser ativados para que se chegasse a esse enunciado”
66
.
Reconhece-se, pois, em A Arqueologia do Saber para além de um projeto de ordem
pessoal, auto-reflexivo, que traz uma coerência teórica retrospectiva aos três primeiros escritos de
Foucault, distinguindo-se do estruturalismo; para além de um projeto de ordem epistemológico e
filosófico no qual aprofunda a crítica do sujeito começada em As Palavras e as Coisas , uma
metodologia de descrição do discurso centrada sobre os enunciados. Nas palavras de Gregolim
66
VEIGA-NETO: 2004, 128-129.
(2004, p. 85), “tendo a si mesmo como interlocutor privilegiado, não página da A Arqueologia
do Saber em que Foucault não esteja respondendo a si mesmo sobre o seu método”. Contudo, esse
a si mesmo não deve ser compreendido como o vivido das análises fenomenológicas mas sempre
uma ‘experiência limite, que arranca o sujeito de si mesmo’. Essa depreciação de si mesmo é
reivindicada em A Arqueologia do Saber (2002, p. 20): “Não me perguntem quem eu sou e não me
digam para permanecer o mesmo”.
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