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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS (PPGHIS)
JOB DE FIGUEIREDO SILVÉRIO ALVES
A UTILIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
COMO INSTRUMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS E OS REFLEXOS PARA A
SOCIEDADE BRASILEIRA (1995-2004)
VITÓRIA
2006
i
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JOB DE FIGUEIREDO SILVÉRIO ALVES
A UTILIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
COMO INSTRUMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS E OS REFLEXOS PARA A
SOCIEDADE BRASILEIRA (1995-2004)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social das Relações
Políticas do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do Espírito
Santo, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em História Social das
Relações Políticas.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Cláudio Moisés
Ribeiro.
VITÓRIA
2006
ii
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iii
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Alves, Job de Figueiredo Silvério, 1969-
A474u A utilização do setor elétrico como instrumento de implementação de
políticas públicas e os reflexos para a sociedade brasileira (1995-2004) /
Job de Figueiredo Silvério Alves. – 2006.
205 f. : il.
Orientador: Luiz Cláudio Moisés Ribeiro.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Políticas públicas. 2. Intervenção estatal. 3. Serviços (Economia).
4. Serviços de eletricidade - Tarifas - Brasil - 1995-2004. 5. Política
energética - Brasil - 1995-2004. I. Ribeiro, Luiz Cláudio Moisés. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e
Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
iv
JOB DE FIGUEIREDO SILVÉRIO ALVES
A UTILIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
COMO INSTRUMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS E OS REFLEXOS PARA A
SOCIEDADE BRASILEIRA (1995-2004)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações
Políticas do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito
Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História Social das
Relações Políticas.
Aprovada em ________________________
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Cláudio Moisés Ribeiro
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
____________________________________________________
Prof. Dr. Cezar Teixeira Honorato
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________
Prof. Dr. Marco Antônio de Paiva Delgado
Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica
____________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Maria da Penha Smarzaro Siqueira
Universidade Federal do Espírito Santo
v
Para Cláudia, Caio e Davi.
Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama
vi
AGRADECIMENTOS
O presente estudo só foi levado a bom termo por força dos inúmeros e valiosos auxílios
recebidos ao longo do caminho trilhado, razão pela qual passo a me ocupar de um breve
registro desses apoios na esperança de que estas linhas sejam capazes de expressar todo o meu
reconhecimento.
Ao Prof. Luiz Cláudio Ribeiro, pela inestimável orientação deste trabalho, momento em que
me reservou não só sua experiência e vastos ensinamentos, como também grande dedicação e
gentileza ímpar.
Ao Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, da Universidade
Federal do Espírito Santo, na pessoa dos seus professores e funcionários, pelo brilhante
trabalho desempenhado, exemplo dos bons frutos que a sociedade brasileira merece colher
junto a suas instituições públicas.
Aos Profs. Michael Soubbotnik, Adriana Campos, Valter Pereira, Márcia Rodrigues, Geraldo
Soares e Gilvan Ventura, pelos novos horizontes proporcionados a partir das disciplinas
ministradas, com dedicação e talento, no Mestrado e, aos dois últimos ainda, pelas
inestimáveis observações apresentadas por ocasião da qualificação.
A Profª. Maria da Penha S. Siqueira, pela acolhida primeira e gentil indicação dos caminhos
para a orientação, além das valiosas contribuições em prol da melhoria da abordagem quando
do exame de qualificação.
Aos colegas de Mestrado, pelo companheirismo nas situações difíceis e a oportunidade de
trocar experiências, em um aprendizado conjunto e agradável.
Aos colegas da ESCELSA, Giovanni Lombardi, Carlos Monteiro, José Soares e Shirley
Reisen, pela troca constante de informações e conhecimentos sobre a evolução do setor
elétrico, além da providencial ajuda nos momentos árduos desta empreitada.
Ao Eng. Paulo Cesar Casate, pelo apoio decisivo que me permitiu cursar as disciplinas do
Mestrado e concluir o trabalho final, enriquecido ainda com suas valiosas sugestões de texto,
feitas a partir da leitura dos originais.
Aos meus pais, Job e Lydia Anália, pelo exemplo de vida, amor e dedicação, que buscarei
cultivar em meus filhos, preparando outros corações e mentes para os desafios e surpresas que
a vida nos reserva.
Aos que, direta ou indiretamente, deram sua parcela de contribuição e incentivo para que esse
objetivo pudesse ser concretizado.
A todos, o meu sincero obrigado!
vii
RESUMO
Este trabalho analisa a utilização do setor elétrico brasileiro pelo Estado como instrumento de
implementação de políticas públicas, no período de 1995 a 2004, quando foram instaurados
no país diferentes modelos institucionais-regulatórios que oscilaram de uma defesa das
virtudes do livre mercado até a retomada de espaços para a presença estatal. Pretende-se
evidenciar os problemas intrínsecos à conformação das estratégias do Estado na indução ou
coordenação do desenvolvimento sócio-econômico, bem como os reflexos negativos
produzidos para a sociedade, a partir da leitura da evolução dos serviços públicos de energia
elétrica no Brasil e das especificidades do ciclo político. As ações estatais, explorando o
potencial do setor elétrico brasileiro na implementação de políticas públicas, são questionadas
em função dos meios da qual se valem, da submissão dos princípios técnicos a variáveis de
ordem político-econômico-ideológicas, dos resultados que logram alcançar e da falta de
transparência de seus princípios básicos. As relações estabelecidas em torno do uso e da
produção da energia elétrica, dado seu duplo caráter econômico-social, são propícias para a
representação das múltiplas instâncias de exercício do poder político, por meio de uma
perspectiva que cumpre o propósito de romper a oposição entre Estado e sociedade, realçando
a complementaridade entre ambos.
viii
ABSTRACT
This work analyzes the use of Brazilian electrical sector by the State as an implementation
tool of public policies in the period that goes from 1995 to 2004 when different institutional
regulation models were instituted in the country. These models varied from the defense of the
free market virtues to the recovering of rooms to the state presence. This work intends to
highlight the intrinsic problems to the conformation of the State strategies as a conductor or
coordinator of the social-economic development, as well as, the negative reflexes brought to
society, from the reading of the electric energy public services evolution in Brazil and the
particularities of the policy cycle. The State actions exploring the potential of the Brazilian
electrical sector in the implementation of the public policies are questioned here based on the
means they are worth, from the submission of the technical principles to the political-social-
ideological variables, the results they will reach and the lack of transparency of its basic
principles. The established relations concerning the use and the production of electric energy
considering its economic and social character are good issues to the representation of the
multiple rooms for the political power practice through a perspective that breaks up the
opposition between the State and society enhancing their complementarity.
ix
QUADRO DE ABREVIATURAS
ABRADEE - Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica
ACL - Ambiente de Contratação Livre
ACR - Ambiente de Contratação Regulada
AMCHAM - Câmara Americana de Comércio
AMFORP - American & Foreign Power Company Inc.
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBEE - Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial
CBIEE - Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica
CCC - Conta de Consumo de Combustíveis
CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
CDE - Conta de Desenvolvimento Energético (criada em 2002)
CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais
CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CIP - Contribuição de Iluminação Pública
CMBEU - Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico
CMSE - Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico
CNAEE - Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica
CNPE - Conselho Nacional de Política Energética
COFINS - Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social
CONESP - Comissão Nacional das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos
CRC - Conta de Resultados a Compensar
DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
DNPM - Departamento Nacional da Produção Mineral
EAEE - Encargo de Aquisição de Energia Emergencial
ECE - Encargo de Capacidade Emergencial
ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S. A.
ENERSUL - Empresa Energética do Mato Grosso do Sul S. A.
EPE - Empresa de Pesquisa Energética
ESCELSA - Espírito Santo Centrais Elétricas S. A.
x
FFE - Fundo Federal de Eletrificação
FGTS - Fundo de Garantia de Tempo de Serviço
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FMI - Fundo Monetário Internacional
GCPS - Grupo Coordenador de Planejamento dos Sistemas Elétricos
GCOI - Grupo Coordenador para Operação Interligada
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IGP-M - Índice Geral de Preços – Mercado
IPCA - Índice de Preços ao Consumidor Amplo
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IUEE - Imposto Único sobre Energia Elétrica
MAE - Mercado Atacadista de Energia
MME - Ministério de Minas e Energia
ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico
PERCEE - Programa Emergencial de Redução de Consumo de Energia Elétrica
PIB - Produto Interno Bruto
PIS/PASEP - Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do
Servidor Público
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE - Plano Nacional de Eletrificação (de 1943)
PNE - Plano Nacional de Eletrificação (Projeto de Lei 4.277/1954)
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PND - Programa Nacional de Desestatização (criado em 1990)
PROINFA - Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia Elétrica
REVISE - Revisão Institucional do Setor Elétrico
RGG - Reserva Global de Garantia
RGR - Reserva Global de Reversão
RTE - Recomposição Tarifária Extraordinária
SEB - Setor Elétrico Brasileiro
SIN - Sistema Interligado Nacional
TE - Tarifa de Energia
TFSEE - Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica
TUSD - Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Processo de elaboração de Políticas Públicas 17
Figura 2 - Configurações básicas do Sistema Interligado Nacional – SIN 26
Figura 3 - Organismos do setor elétrico brasileiro 27
Figura 4 - Regulação econômica do SEB: reajustes e revisões periódicas (caso
ESCELSA) 34
Figura 5 - Evolução dos tributos e encargos setoriais no SEB 131
xii
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Comparativo entre as variações acumuladas de índices econômicos 120
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Composição das tarifas dos serviços de distribuição de energia
elétrica 34
Tabela 2 - Evolução do contingenciamento de recursos da ANEEL 110
Tabela 3 - Comparativo entre reajustes e índices econômicos 116
Tabela 4 - Relação dos tributos e encargos setoriais no SEB 130
Tabela 5 - Subsídios tarifários no SEB 136
Tabela 6 - Evolução das tarifas de energia elétrica comparativamente aos
índices econômicos 139
Tabela 7 - Evolução dos custos operacionais da ESCELSA 140
Tabela 8 - Evolução dos indicadores de qualidade no fornecimento de energia
elétrica 142
Tabela 9 - Domicílios com acesso ao serviço de energia elétrica (%) 143
Tabela 10 - Evolução dos gastos dos consumidores com a transmissão de
energia elétrica (R$ mil) 143
Tabela 11 - Evolução das perdas comerciais na ESCELSA 145
Tabela 12 - Participação de tributos e encargos setoriais nas faturas de energia
elétrica da ESCELSA em 2005 (valores médios em R$, para cada R$ 100,00
faturados) 164
xiv
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO 01
II. ESTADO E FORMAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO 07
2.1 Intervenção estatal e políticas públicas 08
2.2 O setor elétrico brasileiro: uma breve discussão 24
2.3 Os primórdios do setor elétrico brasileiro: das primeiras utilizações até
1930 39
2.4 De 1930 a 1944 - o início da instrumentação do setor elétrico brasileiro
pelo Estado 46
2.5 De 1945 a 1963 - os primeiros passos a caminho da estatização 53
2.6 De 1964 a 1984 - apogeu e crise: as faces da instrumentalização do SEB 61
2.7 De 1985 a 1994 - a fadiga do modelo estatizante e instrumentalizador:
revendo o papel do Estado 71
III. AS NOVAS FACES DA INTERVENÇÃO ESTATAL 79
3.1 O setor elétrico e o governo FHC 80
3.1.1 Descompasso entre privatização e reestruturação
88
3.1.2 Investimentos estatais e formação de superávits primários
95
3.1.3 O modelo de livre mercado e as especificidades do SEB
98
3.2 O setor elétrico e o governo Lula 103
3.2.1 Contingenciamento de recursos da ANEEL
108
3.2.2 Parcelamento da revisão tarifária e criação do Xa
112
3.2.3 A retomada de espaços para o Estado
121
3.2.4 O avanço da universalização do atendimento
125
3.3 Ainda sobre os reflexos para a sociedade de uma utilização política do
setor elétrico brasileiro 128
3.3.1 Elevação da carga tributária e dos encargos setoriais
129
3.3.2 Ampliação e permanência da incidência de subsídios tarifários
135
3.3.3 Evolução das tarifas de energia elétrica comparativamente aos
índices econômicos
139
3.3.4 Ilegalidade no fornecimento de energia e inadimplência
144
3.3.5 Incertezas quanto a investimentos futuros
146
xv
3.3.6 A captura do setor elétrico brasileiro e a crise do Estado
148
3.3.7 Hermetismo e falta de transparência
151
IV. CONCLUSÕES
157
V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
172
ANEXO – GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS 179
xvi
I. Introdução
Fazer a história, sim, na medida em que
a história é capaz, e a única capaz, de nos
permitir, num mundo em estado de
instabilidade definitiva, viver com outros
reflexos que não os do medo.
Lucien Febvre
xvii
Em 1993, durante um ciclo de palestras voltado para o resgate da história do setor de
energia elétrica no país, iniciativa do Centro de Memória da Eletricidade no Brasil
1
, Paulo
Richer, engenheiro e primeiro presidente das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. -
ELETROBRÁS (1962), narrou um episódio ocorrido durante o governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1961), por ocasião de uma greve de bondes no Rio de Janeiro para
aumentar o salário dos motorneiros e cobradores: “[...] se aumentasse o preço do bonde, a
UNE [União Nacional dos Estudantes] iria para a rua e viraria os bondes. Então o presidente
Juscelino encontrou uma solução: colocou um adicional na tarifa de energia elétrica para
pagar o aumento dos cobradores e dos condutores de bondes” (CENTRO DA MEMÓRIA,
1995, p.103).
Longe de ser apenas um fato curioso na história da energia elétrica no país, ressalvadas as
especificidades da exploração do serviço de eletricidade à época, a lembrança desse episódio é reveladora e
oportuna para simbolizar o questionamento acerca das estratégias de ação do Estado no interior da estrutura
social, a partir de uma leitura da evolução do setor elétrico brasileiro - SEB.
Do início da utilização da energia elétrica no país, nos últimos anos do século XIX,
substituindo ancestrais sistemas de iluminação, até a atualidade, em que estabelece as bases
para o desenvolvimento da 11ª maior economia do mundo
2
, o SEB passou por substanciais
mudanças derivadas de diferentes modelos institucionais-regulatórios que, postos em prática,
refletiram, em primeiro plano, o papel desempenhado pelo Estado no desenvolvimento
econômico e social do país.
Desde muito cedo o Estado descobriu as potencialidades do setor elétrico brasileiro
1
Entidade cultural instituída em 1986 por iniciativa da ELETROBRÁS com o objetivo de preservar a história da
implantação e do desenvolvimento da indústria da eletricidade no país.
2
Em 2005 o Brasil atingiu um Produto Interno Bruto – PIB de R$ 1,937 trilhão, se tornando a maior economia
da América Latina e a 11ª no mundo. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
xviii
como instrumento de implementação de políticas públicas e, através de medidas como a
contenção tarifária, a repartição dirigida dos custos dos serviços, a realização de
investimentos imprudentes e a criação de tributos e encargos setoriais, procurou utilizá-lo
como reforço na consecução de suas diretrizes sócio-econômicas, mesmo colocando em risco,
por vezes, a própria sobrevivência do setor. As políticas públicas, implementadas com o
concurso do SEB e voltadas para a inserção social, a distribuição de renda, a integração
regional e o desenvolvimento econômico, dentre outras motivações, acabaram por traduzir
interesses organizados ou correntes ideológicas operando dentro do governo, não podendo, de
qualquer forma, serem entendidas como uma ação estranha às competências do Estado.
Percebida, de forma bem distinta, por diferentes segmentos da sociedade, a estratégia
estatal é questionável em função dos meios da qual se vale, da submissão dos princípios
técnicos à variáveis de ordem político-econômico-ideológicas, dos resultados que logra
alcançar e da falta de transparência de seus princípios de ação, momento em que a
participação democrática da sociedade é limitada pelas próprias dificuldades encontradas em
se perceber como se dá essa utilização política do SEB, no que pese o hermetismo com o qual
se revestem etapas como a introdução de encargos setoriais nas faturas de eletricidade ou a
publicação de novos instrumentos regulatórios voltados para os serviços de eletricidade
3
.
Acompanhando a trilha aberta pelos eventos passados, torna-se objetivo desta pesquisa
analisar a utilização do setor elétrico brasileiro, como instrumento de implementação de
políticas públicas, identificando aspectos relativos à conformação dessa estratégia no ciclo
político (policy cycle) e seus reflexos para a sociedade. A partir deste objetivo,
contextualizado, por um panorama da prestação dos serviços de eletricidade no país, no
3
É certo que melhoras no processo foram alcançadas, principalmente após as ações da Agência Nacional de
Energia Elétrica - ANEEL, mas a observação de Álvares, de 1978, ainda merece reflexão: “o método brasileiro
[de fixação de tarifas] é quase que secreto, esotérico, e o consumidor nem sequer é avisado pela concessionária,
na maioria dos casos, sob a alegação de que, saindo a portaria publicada no Diário Oficial, é um ato
administrativo público sob presunção do conhecimento geral” (ÁLVARES, 1978, p. 421).
xix
período pós-privatização das concessionárias de distribuição de energia
4
, colocou-se como
hipótese central que a utilização do setor elétrico brasileiro pelo Estado, como instrumento de
implementação de políticas públicas no período de 1995-2004, foi uma estratégia que
apresentou problemas intrínsecos em sua conformação e produziu, para a sociedade, reflexos
negativos.
No tratamento da hipótese foi necessária uma leitura do processo histórico de formação
do SEB, priorizando-se a verificação da confluência entre a evolução do papel desempenhado
pelo Estado, na indução ou coordenação do desenvolvimento sócio-econômico e os modelos
institucionais-regulatórios adotados para o setor, em decorrência do pensamento político-
econômico dominante, de forma a caracterizar uma trajetória de estratégias estatais
implementadas no país com o concurso do setor. Nesse momento, analisando os reflexos para
a sociedade dessas ações políticas, foi discutida também a forma como o Estado é socialmente
produzido, ou seja, como setores da sociedade se articulam na própria estrutura estatal em
busca da defesa de seus interesses, de forma democrática ou não.
A escolha desse recorte temporal está associada ao início do governo Fernando
Henrique Cardoso, no qual foram adotados os princípios da reestruturação do setor elétrico
brasileiro, abrindo espaço para o livre mercado, após a privatização parcial do SEB, e chega a
2004, ano em que o governo Luiz Inácio Lula da Silva divulgou as bases para um novo
modelo setorial, no qual foram retomados espaços de atuação anteriormente perdidos pelo
Estado.
Pelo duplo caráter da energia elétrica, insumo de produção indispensável ao progresso
econômico e serviço público essencial, empiricamente, o SEB se apresenta como um pródigo
4
A partir de 1995, como resultado da política de privatização do governo federal, as participações detidas pela
ELETROBRÁS em empresas de distribuição e de geração foram vendidas a investidores privados.
Simultaneamente, alguns governos estaduais venderam também suas participações nas principais empresas de
distribuição do país. A Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. - ESCELSA foi a primeira distribuidora privatizada
no Brasil, em 1995. Maiores informações sobre esse processo estão no item 3.1 O setor elétrico e o governo
FHC, podendo ser encontradas também em (PINHEIRO; FUKASAKU, 2000; ROSA, 2001).
xx
campo de pesquisa para uma tradução dos acontecimentos políticos, a partir da observação de
dimensões da realidade histórica, e para a compreensão dos princípios da ação estatal, por
intermédio das políticas públicas, indicativas do grau de ingerência do Estado sobre setores da
vida social de uma nação.
Atendendo a todos os segmentos da sociedade, desde atividades industriais de grande
porte até os pequenos hábitos cotidianos, presente na imensa maioria dos lares e atividades
econômicas, um dos vetores básicos do desenvolvimento sócio-regional de um país, a energia
elétrica e as relações que se estabelecem em torno de seu uso e produção, são elementos
propícios para uma representação das múltiplas instâncias de exercício do poder político em
uma dada sociedade: “a eletricidade de tal forma penetrou a vida da civilização material
ocidental que, sem ela, os seus quadros econômicos e sociais sofreriam colapso semelhante ao
do corpo humano sem oxigênio” (ÁLVARES, 1978, p. 41).
A perspectiva de análise colocada busca cumprir o propósito de romper a oposição entre
Estado e sociedade realçando, nas reflexões realizadas, a complementaridade entre ambos e a
necessidade de se estudar, em conjunto, o Estado, suas instituições e a forma como o poder é
exercido na estrutura social, para a garantia de um correto entendimento das relações políticas
vigentes.
Podemos considerar que a presente dissertação refere-se a um estudo histórico, no nível
das macro-relações político-econômico-sociais envolvendo o SEB, que procura identificar os
meios dos quais se vale o Estado para exercer seu poder no interior da estrutura social e as
conseqüências derivadas dessa ação, procurando, em uma visão mais ampla, observar as
mudanças que afetam a sociedade propondo explicações para elas (RÉMOND, 1996).
A relevância desta pesquisa está associada à oportunidade de gerar um conhecimento
que contribua para a compreensão das estratégias de ingerência do Estado sobre a vida das
sociedades (a partir das chamadas políticas públicas), para a identificação das conseqüências
xxi
resultantes desta interação e para a avaliação de formas de participação da sociedade na
obtenção de contra-medidas a esses efeitos
5
, utilizando para tanto um setor de grande
significância e capilaridade, em conjugação com a própria capacidade das políticas públicas
em condicionar o comportamento dos segmentos sociais à medida que interferem nas escolhas
disponíveis ao conjunto dos agentes privados (MONTEIRO, 1982).
Ao trabalhar sobre um período recente da história brasileira entramos por um terreno
onde o conhecimento ainda não está totalmente acumulado e sistematizado, ou pelo contrário,
está em formação, nos aproximando dos princípios, riscos e desafios da história do presente
ou história imediata. Desafiando a ignorância do epílogo e a falência das fontes, mas,
apoiados “nesses arquivos vivos que são os homens”, tivemos neste trabalho, a um só tempo,
proximidade temporal da redação da obra em relação ao tema tratado e proximidade material
do autor em relação à crise estudada, promovendo, no instante em que tentávamos juntar os
acontecimentos aos seus princípios fundamentais, uma “arqueologia do presente” (LE GOFF,
1993; LACOUTURE, 1993).
5
Enquadrando também essa pesquisa em relação ao programa do Mestrado em História Social das Relações
Políticas da UFES/ES, na linha de pesquisa Estado e Políticas Públicas, cumpre ainda destacar que, ao lado da
internacionalização da vida interna dos Estados, foi a crescente intervenção do Estado na sociedade por
intermédio das políticas públicas que determinou a reabilitação do político no estudo da História (RÉMOND,
1996).
xxii
II. Estado e formação do setor
elétrico brasileiro
Na medida que os objetivos da política
econômica se tornam mais complexos,
também mais complexos têm que ser os
instrumentos dessa política. Com efeito: cada
novo objetivo de política econômica exige que
se ponha à disposição das autoridades
centrais pelo menos um novo instrumento de
ação.
Celso Furtado
xxiii
2.1 INTERVENÇÃO ESTATAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
A partir do século XIX, as grandes transformações de ordem social, econômica, e
tecnológica, originadas pela Revolução Industrial, promoveram uma mudança estrutural nas
relações entre Estado e sociedade
6
destruindo a separação entre ambos a partir dos fenômenos
correlatos de intervencionismo estatal na esfera social e de transferência de competências
públicas para entidades privadas, em um processo dialético de estatização da sociedade e de
socialização do Estado (HABERMAS, 2003).
As implicações decorrentes dos avanços da ciência, da rápida expansão econômica, da
concentração de capitais, da maior liberdade política, da evolução do pensamento político-
jurídico, das industrializações retardatárias e do imperialismo levaram a um acréscimo das
funções do Estado moderno e à derrubada das barreiras que o separavam da sociedade
industrial (BONAVIDES, 1996; VENÂNCIO FILHO, 1998).
Se o Estado moderno, fruto das deficiências da sociedade política feudal e da Revolução
Francesa, havia encontrado no liberalismo seu aglutinador ideológico fundando-se pela defesa
das liberdades individuais, da limitação dos poderes e funções
7
e da auto-regulação do
mercado
8
(WALLERSTEIN, 2002), passava a ser cada vez mais requisitado na criação de
novos dispositivos legais, na intervenção da economia e da vida social, na provisão de
necessidades individuais, na execução de atividades administrativas ou de cunho privado,
consolidando-se, assim, a passagem do Estado liberal para o Estado social.
6
Para um aprofundamento acerca da Revolução Industrial e suas transformações ver (POLANYI, 1980;
HOBSBAWM, 1986, 1995; SEVCENKO, 1998).
7
Segundo Bobbio (2000, p.17) a limitação dos poderes do Estado levaria a noção do Estado de direito e a
limitação de funções a noção de Estado mínimo. Em Rosanvallon (1997) encontra-se uma discussão quanto a
real validade da expressão Estado mínimo, pois, analisando o referencial teórico do liberalismo clássico, o autor
afirma que não se logra identificar claramente os limites para uma atuação do Estado
8
O liberalismo econômico defende o livre funcionamento do mercado, do seu mecanismo de preços e a
manifestação permanente das leis de oferta e procura. As forças do mercado, atuando livremente, promoveriam
de forma natural, com sua “mão invisível”, a ótima alocação dos recursos disponíveis.
xxiv
Complementando essa perspectiva, da passagem de Estado mínimo para Estado
máximo, ressalva-se como restou aumentada a possibilidade, formalmente permitida, do
exercício da participação política, levando determinados setores da sociedade a se articular em
busca de uma influência política que lhes permitisse equilibrar a disposição de forças
percebidas no setor econômico:
As intervenções do Estado na esfera privada a partir do final do século passado permitem reconhecer que
as grandes massas, agora admitidas à cogestão, conseguem traduzir os antagonismos econômicos em
conflitos políticos: as intervenções vão em parte ao encontro dos interesses dos economicamente mais
fracos, em parte também servem para repeli-los. [...] as intervenções do Estado, mesmo onde tenham sido
obtidas contra interesses dominantes, estão no interesse da manutenção de um equilíbrio do sistema
[capitalista] que não possa mais ser assegurado através do mercado livre (HABERMAS, 2003, p.174).
O processo de interpenetração do Estado e da sociedade é corroborado, já no século XX,
pelo aumento do leque de tarefas atribuídas ao Estado social, que sobreviveria mesmo às
investidas das políticas neoliberais, a partir da década de 1980, se constituindo em uma
instituição tão robusta quanto dispendiosa, cuja própria magnitude dificultaria propostas de
desmontagem de seus organismos fundamentais, dadas as pesadas conseqüências políticas de
se procurar implantar medidas que soariam impopulares aos ouvidos da massa de eleitores
(SADER; GENTILI, 1998). Chega-se evolutivamente a uma condição na qual:
[...] a escala e a difusão da intervenção do Estado no capitalismo contemporâneo são hoje
incomensuravelmente maiores do que em qualquer outra época e sem dúvida alguma continuarão a
crescer. O mesmo se aplica para a ampla rede de serviços sociais em relação aos quais o Estado assumiu
responsabilidade direta ou indireta (MILIBAND, 1972, p.20).
De forma semelhante Bobbio (2000, p.26) chama de publicização do privado o processo
de intervenção dos poderes públicos na regulação econômica, e complementa a análise das
transformações das sociedades industriais avançadas lançando mão de um outro processo, o
de privatização do público:
A vida de um Estado moderno, no qual a sociedade civil é constituída por grupos organizados cada vez
mais fortes, está atravessada por conflitos grupais que se renovam continuamente, diante dos quais o
Estado, como conjunto de organismos de decisão (parlamento e governo) e de execução (o aspecto
burocrático), desenvolve a função de mediador e de gerente mais do que a de detentor do poder de
império segundo a representação clássica da soberania.
xxv
O Estado que invade e engloba a sociedade é, dessa forma, perpassado pelos dois
processos, subordinando os interesses privados ao bem comum ou sendo assediado pelos
interesses privados por meio de grupos de pressão, que se servem da máquina administrativa
para alcançar seus objetivos próprios:
Através de leis e medidas administrativas, o Estado intervém profundamente na esfera do intercâmbio de
mercadorias e do trabalho social, pois os interesses concorrentes das forças sociais se transformam em
dinâmica política e, intermediadas pelo intervencionismo estatal, retroagem sobre a própria esfera.
Examinando-se isso a grosso modo, a ‘influência democrática’ sobre o ordenamento econômico não pode
ser negada (HABERMAS, 2003, p. 176).
As teorias sobre o Estado
9
favorecem uma melhor compreensão quanto às relações
desenvolvidas em seu seio pelas forças sociais e, como alerta Dagnino et al. (2002), o modelo
conceitual adotado sobre as relações Estado-sociedade influencia os resultados que podem ser
obtidos a partir da análise de uma dada política pública, mas, tendo em vista que cada política
tem suas características específicas (e são diversas as políticas que estaremos considerando no
texto), o analista não pode se fechar apenas sobre uma visão do Estado, mesmo que seu
entendimento particular tenda a isso, e sim manter ao alcance das mãos todas as visões
disponíveis, que podem ser úteis como guia metodológico dependendo da política em questão.
É, contudo, recomendável disponibilizar um enfoque mais eclético, que livre o analista das
amarras de uma concepção estanque que, mais à frente, se mostraria inadequada para um
estudo sobre políticas públicas
10
.
Passamos, portanto, na seqüência, a discutir as abordagens pluralista (o Estado como
resultado dos interesses sociais), elitista (o Estado como resultado das vontades das elites),
corporativista (o Estado “sujeito” de poder) e marxista (o Estado expressão da luta de
classes), sem nos limitarmos pelo fato de que a eventual utilização de um modelo de análise
9
Trabalhando sobre o conceito de Estado, Dallari (2002, p. 118) o coloca com sendo “a ordem jurídica soberana
que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Lato sensu, se o Estado é a
instituição dotada de poder, com liderança sobre a sociedade, o governo é o conjunto de indivíduos que
representa essa sociedade, exercendo o poder de Estado por um determinado período de tempo.
10
Na impossibilidade de enunciar todas as teorias do Estado, em face de uma grande diversidade de abordagens
teórico-metodológicas, que necessitariam de um estudo em separado, procuramos relacionar aquelas cujos
pressupostos poderiam agregar recursos para a realização desta pesquisa.
xxvi
do processo de elaboração de políticas públicas possa tornar imprópria alguma dessas
formulações, ou mesmo afastá-la, em função da leitura do recorte temporal em estudo.
Reafirmando a democracia, como valor fundamental e o voto como forma privilegiada
de expressão a teoria pluralista trata as políticas públicas como o resultado das preferências
de um grande espectro de grupos de pressão, dotados de diferentes níveis de poder, que em
função da defesa de seus interesses acabam por conformar a ação do Estado (DAGNINO et
al., 2002). Na medida em que existe competição entre blocos de interesses, no seio do Estado,
ocorre uma repartição do poder de forma equilibrada e sem privilégios: “Para os pluralistas, o
Estado é neutro, um ‘programa vazio’, e ainda um servidor da cidadania – do eleitorado –
porém o bem comum é definido como uma série de decisões empíricas que não
necessariamente refletem a vontade da maioria” (CARNOY, 2005).
A teoria elitista (ou neo-pluralista), promove uma extensão da visão anterior ao tempo
em que fundamenta sua teorização no exercício do poder pelas elites organizadas e
habilidosas em articular a defesa de seus interesses. Em cada sociedade, o poder político
pertenceria a um restrito círculo de pessoas, responsáveis pela tomada e imposição de
decisões, válidas para todos os membros do grupo, mesmo que, para tanto, tivessem que
recorrer ao uso da coerção.
A teoria corporativista, por sua vez, está centrada na premissa de que os indivíduos
devem transferir sua força para um Estado (representando o bem comum) por intermédio de
organizações da sociedade civil que funcionarão como grupos de pressão. À medida que esses
grupos são oficialmente reconhecidos pelo Estado passam a ter condições para influenciá-lo:
“[...] o Estado assume um papel central no desenvolvimento capitalista e a democracia é reduzida em
nome do crescimento econômico da ordem nacional. O Estado não é visto como interferindo na
eficiência de uma economia de livre mercado, mas como essencial para sua racionalização” (CARNOY,
2005, p. 316).
As teorias do Estado fundadas em uma análise marxista, sob a perspectiva da luta de
xxvii
classes, afirmam, em suma, que o Estado é uma expressão ou condensação de relações sociais
de classe que, por sua vez, implicam na existência de um grupo dominante. Existem várias e
importantes versões desse enfoque marxista e, dentre elas, destacamos as seguintes:
a) visão instrumentalista: o Estado dispensa apoio e boa vontade para com os interesses
econômicos dominantes na sociedade capitalista transformando-se em um instrumento
controlado pela classe capitalista e compelido a atuar segundo suas vontades;
b) visão estruturalista: na interpretação estruturalista o Estado é visto como um fator de
coesão social e útil para a classe dominante na medida em que pode orientar o uso da
sua força coercitiva e ou lançar mão de seu aparato ideológico;
c) visão estruturalista dialética: o Estado é a condensação material de uma relação entre
forças sociais, se tornando mais do que o reflexo da organização da classe dominante ou
o unificador das frações da classe capitalista. O Estado é, antes de tudo, moldado pelas
lutas de classe que, ao ocorrer na produção e em seu seio, contestam o poder político:
O Estado [...] não deve ser considerado como uma entidade intrínseca mas, como é aliás o caso do
‘capital’, como uma relação, mais exatamente uma condensação material (o Estado-aparelho) duma
relação de forças entre classes e frações tais com se exprimem, de maneira específica sempre (separação
relativa do Estado e da economia, dando lugar às instituições próprias do Estado capitalista) no próprio
seio do Estado (POULANTZAS, 1976, p.32).
d) visão do Estado independente: o Estado, entendido como uma forma
institucionalizada do poder político, é responsável por organizar a acumulação
capitalista dentro de limites de legitimidade colocados pelos trabalhadores. Transforma-
se em um mediador independente da luta de classes, situado entre os interesses do
capital e do trabalho e que busca atingir o interesse coletivo dos indivíduos de uma
sociedade de classes dominada pelo capital e
e) visão derivacionista: nessa ramificação da teoria marxista, o Estado é derivado da
crise geral do capitalismo pois, em função da tendência decrescente da taxa de lucro,
xxviii
A luta de classes se expressa através da extração do excedente e se reflete nos lucros em declínio. O
Estado emerge como resposta necessária a esta tendência e é historicamente moldado por ela. Como um
estado de classe, seu principal papel é prover contratendências à taxa de lucro decrescente a fim de
manter e estimular a acumulação do capital, face à sua tendência inevitável e ‘lógica’ ao declínio
(CARNOY, 2005, p.317).
Ressalvada a participação dos governos em outros setores da vida social, essas
diferentes visões favorecem o entendimento da participação do Estado na economia. Nessa
linha, (PIMENTA, 2002, p.35) apresenta a seguinte contextualização para intervenção estatal:
A intervenção pode ser definida como a ação do Estado no domínio econômico, buscando, no exercício
de suas funções, alcançar determinados objetivos. A intervenção, portanto, opera-se no plano da atividade
econômica, em sentido amplo, consistindo tanto na prática de atos materiais (fatos administrativos), como
na produção de atos normativos, dependendo do tipo de intervenção [...]. Sendo assim pode decorrer do
exercício de função administrativa, como de função legislativa.
Em função da análise da imbricação dos processos de publicização do privado e
privatização do público, pode surgir a dúvida da aplicabilidade de um conceito de intervenção
estatal nessa pesquisa, posto que o mesmo pressuporia a separação entre setores da vida
social e o Estado, ficando no vazio a explicação do fenômeno das relações entre este e a
economia. Falar de intervenção estatal, ou mais especificamente, de intervenção no domínio
econômico, como quer a presente análise, voltada para o SEB, significaria a retomada da
concepção liberal da separação Estado-sociedade ou imaginar, por exemplo, uma economia a
priori sem Estado, opções não disponíveis em face do referencial teórico já cooptado.
Entretanto, se imaginarmos que permanecemos uma economia e um Estado capitalistas,
ou seja, um sistema jurídico que adota a livre iniciativa e que a própria essência do
capitalismo fixaria como ponto zero da intervenção a separação entre o político e o
econômico, o conceito de intervenção traduziria a influência da política na economia, “[...] o
intervencionismo do Estado contemporâneo é expressão do caráter dominante do político [...]
dentro da formação social” (MOREIRA, 1978, p.202).
No Brasil, embora seja possível concordar com Sader e Gentili (1998), no tangente à
permanência de uma orientação social do Estado, no que pese o papel da Constituição Federal
xxix
de 1988, e as atribuições do poder público na provisão de serviços básicos relacionados à
saúde, educação e segurança, dentre outros, temos a introdução, a partir da década de 1990, de
modificações de ordem econômica, institucional e estrutural voltadas para uma reforma do
papel do Estado e calcadas em pressupostos liberalizantes de desestatização e
desregulamentação da economia nacional e de privatização das empresas estatais. Ao
diminuir sua intervenção direta na economia, buscando produzir respostas para as crises pelas
quais passava o sistema capitalista desde a década de 1970, o Estado abandonou o figurino de
Estado-metalúrgico, Estado-empresário, Estado-ferroviário, para se dedicar a um papel de
regulador, fiscalizador, incentivador e planejador da economia, incrementando ações em prol
de uma intervenção indireta.
Segundo Pimenta (2002, p.35-39), as modalidades de intervenção do Estado no domínio
econômico, buscando alcançar determinados objetivos no exercício de suas funções, previstas
na Constituição Federal
11
, são duas: na primeira “[...] o Estado age diretamente no campo
econômico por meio de empresa pública, sociedade de economia mista, ou subsidiária”
(intervenção direta), enquanto na segunda, o Estado atua como agente normativo e regulador
da atividade econômica, devendo nesse caso exercer funções de planejamento, fiscalização e
incentivo, dirigindo a cena econômica (intervenção indireta). Se na primeira opção a posição
do Estado se iguala a dos particulares, na segunda fica “[...] assegurado ao ente público o
manejo de amplo plexo de poderes para atingir os fins constitucionalmente qualificados”.
Mas, embora tenha substituído a intervenção direta pela intervenção indireta em muitos
setores da vida do país, o Estado brasileiro, apesar das privatizações e da abertura do
mercado, é “ainda responsável por um conjunto de atividades-chaves e básicas aos processos
de sustentação da economia, de suas possibilidades de crescimento, de geração de renda,
patrimônio nacional, empregos, etc.” (RIANI, 2002, p.56). O governo, enquanto agente da
11
Sob a ótica do nível de envolvimento do Estado na economia. O autor apresenta outras modalidades de
intervenção, quanto à técnica e quanto ao momento.
xxx
atividade política do Estado, é o responsável pelo planejamento da economia, baseando suas
ações em condicionantes sócio-econômicos, orientações político-ideológicas, estudos,
análises e dados estatísticos que permitam identificar e executar correções para as deficiências
que afetam o desenvolvimento do país. É com base nesse planejamento, que o Estado
intervêm estabelecendo as políticas a serem adotadas, objetivando a necessária correção de
rota (política fiscal, monetária, cambial, de investimentos).
Riani (2002), comentando sobre a impossibilidade dos mecanismos de mercado da
atividade privada lograrem sucesso em satisfazer a sociedade com uma produção ótima de
bens e serviços, oferece uma sistematização das deficiências do mercado que, comumente,
provocam o chamamento ao Estado com vistas a uma intervenção na economia, em paralelo
ao setor privado, de forma a favorecer uma melhor alocação de recursos. Temos, nesse
contexto, os seguintes pontos:
a) a existência de bens, para os quais não é possível estabelecer preços, via sistema de
mercado e que beneficiam todos os indivíduos igualmente, independentemente de
poderem pagar ou não para tê-los (como é o exemplo da defesa nacional);
b) o surgimento de externalidades, ou seja, a ação de determinados indivíduos
originando perdas ou ganhos para outros indivíduos (como no caso da poluição e dos
problemas sociais dos grandes centros urbanos);
c) a necessidade de provisão de bens por intermédio de atividades que não se mostram
interessantes (lucrativas) para o setor privado;
d) a existência de mercados imperfeitos (monopólios) e
e) situações de risco e incertezas na oferta de bens, nas quais a ação do Estado é
necessária para viabilizar o atendimento da demanda.
Identificada a necessidade de uma intervenção por parte do Estado, as políticas públicas
xxxi
irão cumprir seu papel, já que estão no âmago da observação que “os instrumentos de
intervenção estatal incluem os mecanismos orçamentários e fiscais, a receita e as despesas
públicas; a política monetária e cambial; a produção direta e o planejamento” (ROSA, 2001,
p. 114): ”do ponto de vista do governo federal, uma política pública é encarada como derivada
de sua autoridade para desenhar programas nacionais” (UNICAMP, 1999, p. 113).
Para fins deste trabalho, o conceito de políticas públicas está vinculado à tradição de
associá-las às políticas governamentais
12
(objetivos, princípios, programas e metas de um
governo), abarcando neste contexto a citação eventual de políticas setoriais (como política
tarifária, econômica, industrial), e dando à dimensão “pública” (e não privada ou coletiva) o
caráter imperativo das “[...] decisões e ações revestidas da autoridade soberana do poder
público” (RUA, 1998, p. 232).
Analisando o conceito de políticas públicas, encontramos em fontes bibliográficas uma
multiplicidade de representações, o que nos aconselhou a trabalhar com visões
complementares e capazes de cobrir o espectro pesquisado. Nesse ínterim, a visão de Bobbio
(2000, p. 222), sobre como a política “[...] é uma das grandes categorias dentro das quais se
divide o universo social, [...] no qual se desenvolvem as relações entre indivíduos, se
constituem grupos de indivíduos e se desenvolvem as relações entre os grupos
13
”, se
diversifica, com a conceituação de Reis (1989, p. 90), para qual “as políticas públicas são as
traduções técnico-racionais de soluções específicas do jogo de interesses da política”.
Para Rua (1998), a política consiste no conjunto de procedimentos formais e informais
que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos em
12
Para a conceituação de políticas públicas em outros contextos ou com objetivos diversos deste trabalho ver o
“problema de fronteira” em (MONTEIRO, 1982, p.15) e a questão da eventual criação de novas políticas no
momento da implementação de uma dada política, em (SILVA; MELO, 2000, p.11).
13
Derivado do adjetivo de pólis (politikós), compreendendo tudo aquilo que se refere à cidade, o termo
“política” segundo Bobbio (2000), foi difundido pela obra de Aristóteles com o significado de arte ou ciência do
governo, tendo sido empregado durante séculos em relação à obras que se voltavam para o estudo das coisas do
Estado. Modernamente o termo perdeu seu significado original passando a ser empregado para indicar a
atividade ou práxis humana referenciada a pólis ou Estado.
xxxii
torno da alocação de bens e recursos públicos, e ainda, para usar a sistematização de Easton
(1968), podemos afirmar que as políticas públicas são outputs, resultantes do processo
político, transmitindo ao ambiente externo um conjunto de ações e decisões voltadas à
alocação autoritária de valores, em resposta às necessidades oriundas do meio social (inputs) e
às demandas e apoios do próprio sistema político (withinputs).
O processo de elaboração de políticas públicas, por sua vez, pode ser dividido,
simplificada e esquematicamente, em três fases sucessivas que conformam um ciclo que se
realimenta - policy cycle (DAGNINO et al., 2002)
14
, sistematizando, inclusive, um
referencial para as análises que serão conduzidas no recorte temporal desta pesquisa, em prol
da identificação de um uso do SEB, como veículo de implementação de estratégias de ação
estatal e seus reflexos para a sociedade:
Ao subdividir o agir público em fases parciais do processo político-administrativo de resolução de
problemas, o “policy cycle” acaba se revelando um modelo heurístico bastante interessante para a análise
da vida de uma política pública. As várias fases correspondem a uma seqüência de elementos do processo
político-administrativo e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder, às redes
políticas e sociais e às práticas político-administrativas que se encontram tipicamente em cada fase
(FREY, 2000, p.226)
15
.
FIGURA 1
PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Formulação
Implementação
Avaliação
policy cycle
14
Utilizamos a formulação de Dagnino et al. (2002), pois, como afirma Frey (2000), na bibliografia sobre análise
política as tradicionais divisões do ciclo político se diferenciam apenas gradualmente, sendo que as etapas
elencadas na figura são as que se mostraram comuns as diferentes propostas existentes.
15
A recorrência, neste item sobre políticas públicas, aos trabalhos de (FREY, 2000; DAGNINO, 2002; RUA,
1998) se deve ao fato dos mesmos terem procedido uma sistematização das contribuições mais atuais e
significativas sobre análise política, beneficiando a elaboração de um texto mais pragmático. Consultando esses
trabalhos e promovendo o cruzamento entre eles, obtemos um valioso auxílio no entendimento de um importante
referencial teórico sobre o assunto, proporcionado por D. Easton; T. Lowi; P. Bacharach & M. Baratz; R. Dahl;
C. Lindblom; C. Ham & M. Hill; A. Rappoport e V. Prittwitz.
xxxiii
É importante assinalar, com base nos trabalhos de Frey (2000) e do Núcleo de Estudos
de Políticas Públicas – NEPP (UNICAMP, 1999), que esse modelo transcrito de policy cycle é
válido enquanto um quadro de referências, que viabiliza a verificação das características e
dificuldades intrínsecas às fases de um processo político-administrativo, norteando um estudo
que tem por foco a identificação de aspectos relacionados a uma estratégia de utilização do
SEB como veículo de implementação das ações do Estado e seus reflexos. Concordamos com
os autores citados que, na realidade, o ciclo político compreende uma significativa
interatividade entre suas etapas, de forma que as mesmas não devam se revestir de uma
composição estanque, linear e simples, mas que, de fato, precisam considerar a possibilidade
de ter sua dinâmica alimentada em estágios não ordenados da forma apresentada. O controle
dos impactos de uma política não precisa, necessariamente, ser realizado ao término da
implementação, um ponto de partida não precisa estar claramente definido e a própria etapa
de implementação pode implicar na tomada de decisões que acabarão por orientar novas
políticas (etapa de implementação vista como processo autônomo)
16
.
Resta esclarecer que o que nos move não é saber, por exemplo, como a política de
estabilidade econômica do governo FHC foi concebida a partir de 1995, ou quais os seus
resultados, mas, tão somente, saber se o SEB foi cooptado como facilitador dessa política e, se
o foi, como essa estratégia pode ser caracterizada, quais as dificuldades intrínsecas de sua
elaboração e, principalmente, quais os reflexos para a sociedade. Em outras palavras,
consideramos analisar, mais detalhadamente, o segundo tópico da assertiva de que: “[...] a
ação pública têm duas dimensões, que podem ser analiticamente desagregadas, i) objetivos e
ii) uma metodologia ou estratégia pela qual, entre outras alternativas possíveis, pretende-se
que estes objetivos sejam atendidos” (UNICAMP, 1999, p.107). Não havendo direcionamento
16
Com relação ao processo de elaboração de políticas públicas é também assaz pertinente considerar as lições
dos autores citados que dão conta da impropriedade de um primado excessivo à etapa de formulação (em
detrimento da implementação) e da necessidade de se incorporar ao policy cycle os grupos envolvidos pelas
políticas e que por ela nutrem interesse (garantia de sustentação política e legitimidade).
xxxiv
da pesquisa para uma completa e extensa reconstituição da vida de uma política específica e
de seus resultados (modelo de avaliação de políticas), temos afastado o rótulo de análise
política para este documento.
Com base no modelo descrito e feitas as ressalvas necessárias, temos que a política
pública é inicialmente formulada, ou seja, concebida, no âmbito de um processo decisório que
pode assumir inúmeras facetas (democrático ou autoritário; de “cima para baixo” ou de “baixo
para cima”; racional e planejado ou incremental e ajustável; detalhado ou incompleto). Sendo
necessária a escolha da mais apropriada das soluções disponíveis, é na fase da formulação que
os atores políticos
17
colocam claramente suas preferências
18
, lançando mão de seus recursos
de poder em busca de influenciar o processo político em prol do atendimento de suas
preferências, momento no qual se formam as arenas políticas
19
(FREY, 2000; RUA, 1998).
Apresentada a primeira etapa do policy cycle, voltamos imediatamente nossas atenções
para suas dificuldades intrínsecas que, em última instância, podem determinar que a
cooptação do SEB, como instrumento de ação política, transforme-se em um ferramental de
resultados ineficientes. Além da pressão oriunda dos atores políticos, segundo Silva e Melo
(2000, p.9-10), os formuladores de políticas operam em um ambiente repleto de dificuldades e
incertezas, com:
a) limitações cognitivas sobre os fenômenos sobre os quais devem intervir, derivadas da
complexidade dos fenômenos sociais;
17
Atores políticos são todos os que têm algo a ganhar ou a perder com as decisões relativas a uma política, são
sempre específicos, como por exemplo, os políticos, os burocratas, os organismos financeiros internacionais, os
trabalhadores e os empresários (RUA, 1998, p.235).
18
Preferência é a alternativa de solução para um problema que mais beneficia um determinado ator e se forma
em torno de issues ou questões (RUA, 1998, p.240).
19
Arena política (“policy arena”) são os processos de conflito e de consenso dentro de diversas áreas de política
(FREY, 2000, p.223), concepção introduzida por T. Lowi em 1972. As áreas de política podem ser: a)
distributivas: baixo grau de conflito, alocam recursos ou distribuem benefícios sem que fique muito claro quem
paga ou quem perde algo; b) regulatórias: conflitos variáveis, fica patente a prevalência de determinados
segmentos em detrimento de outros grupos ou setores; c) redistributivas: orientação para o conflito, envolve
grandes grupos sociais e são caracterizadas pelo deslocamento de recursos ou direitos entre setores sociais e d)
constitutivas: determinam as condições gerais a serem observadas nas negociações das outras políticas (RUA,
1998; FREY, 2000).
xxxv
b) constrangimentos de tempo e recursos operacionais;
c) imprevisibilidade do ambiente político futuro;
d) pressuposto de uma dada inserção institucional, para que uma instância da máquina
estatal crie programas;
e) documentos limitados representando os planos e programas, abrindo espaço para um
comportamento discricionário por parte dos agentes implementadores;
f) influências políticas minando a racionalidade técnica dos planos e programas em
formulação e
g) projetos e programas que, depois de formulados, acabam por expressar preferências
de atores políticos, não podendo ser vistos como ideais e coletivos mas mera
experimentação social. Na fase de formulação da política, a alternativa a ser escolhida,
dentre as elencadas, será aquela revestida de um viés político, por mais que o estofo seja
formado por considerações de ordem técnica ou ideais de uma sociedade justa.
Depois da formulação é iniciada a etapa da implementação da política, que diz respeito
“[...] às ações necessárias para que uma política saia do papel e funcione efetivamente. Pode
ser compreendida como o conjunto de ações realizadas por grupos ou indivíduos [...] com
vistas à obtenção de objetivos estabelecidos antes ou durante a execução das políticas” (RUA,
1998, p. 252). Para Dagnino et al. (2002), no momento da implementação da política os
órgãos e mecanismos existentes, ou criados para este fim, exercem uma discricionariedade
variável em função do nível hierárquico, adaptando a política formulada à realidade da
relação entre Estado e sociedade e das regras de formação do poder econômico e político,
impostas ao jogo entre atores sociais.
O processo de implementação não apenas pode adaptar a política formulada, no sentido
explicitado, como também enfrentar questões que não foram resolvidas na fase anterior, em
xxxvi
função da assimetria de informações entre formuladores e executores, de conflitos de interesse
não solucionados, de novas demandas surgidas no intervalo de tempo e da crença (dos
formuladores) no preparo dos executores, deixando para estes a necessidade de tomar
decisões que são cruciais para o sucesso da política (RUA, 1998; SILVA; MELO, 2000).
Enquanto não for implementada, a política consistirá apenas em um conjunto mais ou menos
vago de intenções, só se efetivando a partir de sua real implementação, lembrando que essa
implementação pode implicar em novas decisões, dotadas de complexidade própria, e que
articulam o sistema político em suas várias dimensões com a realidade concreta das práticas
políticas e sociais dos diversos interessados.
Entretanto, seja qual for o mote para a aplicação da política,
[...] sua implementação supõe que uma autoridade central busque fazer que os agentes implementadores
atuem de modo a realizar seus (da autoridade central) objetivos, segundo uma estratégia de atuação
considerada a mais adequada pelos agentes formuladores (e não necessariamente para quem deve
implementá-lo). A implementação é, portanto, um conjunto complexo de relações entre formuladores e
implementadores, e entre implementadores situados em diferentes posições na máquina governamental.
Em princípio, as vontades, os interesses, as lealdades e as concepções ideológicas destes diversos atores
dificilmente serão inteiramente coincidentes (UNICAMP, 1999, p. 108).
Se observamos na etapa de formulação uma série de dificuldades intrínsecas à
concretização dos objetivos propostos, é possível perceber que a etapa de implementação não
se mostra diferente: “[...] entre os objetivos e o desenho de programas, tal como concebidos
por seus formuladores originais, e a tradução de tais concepções em intervenções públicas, tal
como elas atingem a gama diversa de seus beneficiários e provedores, há uma grande
diferença” (UNICAMP, 1999, p.106). A distância entre concepção e implementação, segundo
o NEPP (UNICAMP, 1999), pode ocorrer em função das políticas virem a ser implementadas
em um ambiente em contínua mutação, com risco de mudança de posição dos grupos que dão
sustentação e legitimidade à política, e do exercício da discricionariedade pelos
implementadores. Além disso, dadas as características institucionais do país, pode ocorrer
uma incongruência entre a autoridade central (formulador) e as autoridades regionais ou
xxxvii
setoriais (implementadores), bem como, a necessidade de se implementar não o desenho
pretendido, mas o desenho resultante de um processo de negociação de adesões (barganha
política).
Finalmente, completando o policy cycle, temos a fase de avaliação da política quanto
aos resultados alcançados:
[...] apreciam-se os programas já implementados no tocante a seus impactos efetivos. Trata-se de indagar
os déficits de impacto e os efeitos colaterais indesejados para poder deduzir conseqüências para ações e
programas futuros. A avaliação ou controle de impacto pode, no caso de os objetivos do programa terem
sido alcançados, levar ou à suspensão ou ao fim do ciclo político, ou, caso contrário, à iniciação de um
novo ciclo, ou seja, a uma nova fase de percepção e definição e à elaboração de um novo programa
político ou à modificação do programa anterior. Com isso, a fase de avaliação é imprescindível para o
desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e instrumentos de ação pública, o que Prittwitz
20
denominou como “aprendizagem política” (FREY, 2000, p. 228).
O fato da etapa de implementação de políticas públicas acabar, eventualmente, por
orientar novas políticas, à medida que o executor toma decisões cruciais para o sucesso da
missão, também contribui para que a fase de avaliação seja entendida não como um
instrumento de correção de rota, mas, sim sob essa perspectiva de aprendizagem política,
instante no qual se desenvolve e adapta, continuamente, as formas e instrumentos disponíveis
para a ação pública:
Quando o policy cycle ocorre em um ambiente organizacional em que agentes de mercado, atores estatais
e instituições não-governamentais interagem fortemente as noções de hierarquia e controle fazem pouco
sentido. Elas dão lugar à negociação, barganha e troca enquanto princípios organizadores da
implementação. [...] Em contextos democráticos em que instâncias de controle através do parlamento e
órgãos auxiliares se fortalecem, e nos quais, novos mecanismos de participação e controle social são
criados, as noções de um núcleo racional formulador de propostas a serem implementadas dão lugar a
mecanismos de deliberação, engenharia social e aprendizagem coletiva. [...] É, portanto, essa visão do
processo de implementação e da avaliação [...] que deve informar as reflexões sobre os determinantes
centrais da intervenção estatal e que devem ser considerados numa estratégia metodológica de avaliação
(SILVA; MELO, 2000, p.15-16).
Nessa etapa, o que se espera minimamente de um Estado, é que cada vez mais as
decisões tomadas por formuladores e implementadores possam assegurar uma utilização
racional das potencialidades da Nação em equilibrar seus déficits sócio-econômicos, por meio
de medidas qualitativamente melhores e que incorporem o aprendizado com os “tropeços” do
20
O autor se refere a conceito introduzido por Volker von Prittwitz em 1994 no livro Politikanalyse.
xxxviii
passado:
Os estudos de avaliação de políticas e programas governamentais permitem que formuladores e
implementadores sejam capazes de, objetivamente, tomar decisões com maior qualidade, maximizando o
gasto público nas diversas atividades objeto de intervenção estatal, identificando e superando pontos de
estrangulamentos e êxitos dos programas, e, por conseqüência abrir perspectivas racionais para
implementar políticas públicas dotadas de maior capacidade de alcançar os resultados desejados pelos
formuladores no plano da operacionalidade dos programas e políticas públicas, em qualquer área de
competência do governo (UNICAMP, 1999, p. 133).
Ao implementar políticas públicas, valendo-se de determinados setores da economia
que garantam, pela sua significância, uma grande capacidade de resposta aos planos de ação
traçados, o Estado deve se assegurar que tal estratégia, efetivamente, irá produzir os efeitos
esperados, administrando, ainda com mais atenção, não só os problemas intrínsecos ao
processo de elaboração de políticas, como também as especificidades técnico-institucionais do
setor cooptado, para que reflexos colaterais não lancem por terra quaisquer boas intenções
contidas na concepção original e que tenham, por fundamento último, o atendimento das
dificuldades naturais de um país tão desigual quanto o Brasil.
2.2 O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: UMA BREVE EXPOSIÇÃO
Uma vez colocados conceitos, que minimamente nos situem em discussões a serem
realizadas no âmbito do presente trabalho, passamos a discussão do lócus da pesquisa.
Podemos entender por setor elétrico brasileiro - SEB, a conformação no país das atividades de
geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica mediante a atuação de
agentes estatais (empresas públicas e órgãos regulador, planejador e coordenador) e privados
a partir de um dado modelo institucional-regulatório.
As principais características do SEB, resultantes de um processo particular de formação
e exploração, iniciado a partir de fins do século XIX, são: a grande extensão do seu sistema de
produção e transmissão de energia elétrica (o Sistema Interligado Nacional – SIN), a operação
deste sistema de forma integrada e com uma coordenação centralizada, um parque gerador,
predominantemente hidráulico, e a convivência entre múltiplos agentes estatais e privados, no
exercício de concessões de serviço público ou de produção de energia.
Em 2005 a eletricidade era o serviço público com o maior índice de atendimento no
país
21
chegando a 56,6 milhões de unidades consumidoras e registrando consumos da ordem
de 335.411 GWh/ano
22
. Toma-se emprestado do Direito Administrativo o conceito de serviço
público que, segundo Mello (2004, p. 620), seria “[...] toda atividade de oferecimento de
utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível
singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e
presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público”.
21
A Pesquisa por Amostra de Domicílios – PNAD, realizada em 2004 pelo IBGE, indicou que 96,8% dos
domicílios particulares permanentes do país possuem energia elétrica. Não conseguimos localizar, em fonte
fidedigna, até a data de conclusão desta dissertação, o índice de atendimento, ou projeção dele, para o ano de
2005.
22
Fonte: (EPE, 2006, p. 15). 1 GWh (gigawatt-hora) equivale a 1 bilhão de kWh (quilowatt-hora), múltiplos da
unidade de medida de energia elétrica, esse último utilizado, por exemplo, no faturamento mensal de
consumidores residenciais.
xl
A capacidade instalada de geração no Brasil é atualmente da ordem de 93.576 MW
23
,
com 83.057 quilômetros de linhas de transmissão de energia
24
. A extensão do sistema de
transmissão é justificada pelo fato das principais usinas hidrelétricas estarem situadas a
grandes distâncias dos centros consumidores de energia, bem como, em função das regiões do
país estarem quase que totalmente interligadas eletricamente, de norte a sul. Apenas o
Amazonas, Roraima, Acre, Amapá, Rondônia e parte dos estados do Pará ainda não fazem
parte do SIN. Nestes estados, o atendimento é feito a partir de pequenas usinas termelétricas
ou de usinas hidrelétricas situadas próximas às cidades principais.
Como a geração hidráulica responde por 76,3% da capacidade instalada no país, ou
71.395 MW
25
, a operação coordenada do SIN pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico –
ONS e as regras setoriais vigentes, permitem um diferencial estratégico para o SEB, à medida
que o uso da água pode ser maximizado entre usinas da mesma bacia hidrográfica e regiões
podem efetuar transferências de energia entre si, otimizando as condições hidrológicas
derivadas das diferenças regionais entre os regimes de chuva, independentemente das centrais
geradoras pertencerem a diferentes proprietários. A queda no nível dos reservatórios, em uma
dada região, pode, por exemplo, ser compensada por algumas instalações da Rede Básica,
linhas troncais de transmissão de 500 kV
26
ou 750 kV, que possibilitam aos geradores, em
condição hidrológica mais favorável, abastecer outros pontos com insuficiência momentânea
de produção de energia.
A figura na página seguinte apresenta um diagrama simplificado do SIN (ano base
2005)
27
permitindo a visualização de sua extensão e relevância, bem como, das
funcionalidades de uma operação coordenada:
23
Fonte: ANEEL. Megawatt (MW): múltiplo da unidade de medida de potência. 1 MW = 1.000.000 W.
24
Fonte: ONS. Dados do SIN.
25
Fonte: ANEEL.
26
Quilovolt (kV): múltiplo da unidade de medida de diferença de potencial elétrico. 1 kV = 1.000 V.
27
Fonte: ONS, 2005.
xli
FIGURA 2
CONFIGURAÇÕES BÁSICAS DO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL - SIN
As linhas coloridas representam as linhas de transmissão, componentes do SIN. Os rios,
indicados por números na legenda, significam as principais bacias formadoras do SIN, ou
seja, a representação das regiões do país onde se concentra a geração hidráulica de maior
porte. O diagrama é feliz em representar as grandes extensões do sistema de produção e
xlii
transmissão de energia elétrica brasileiro e em possibilitar a inferência quanto às vantagens
para o país de uma operação integrada do SIN, a partir de uma coordenação centralizada.
O próximo diagrama, representa a visão atualizada dos principais organismos
responsáveis pelo SEB, encarregados desde a fixação de políticas de atuação e normas
reguladoras até a gestão técnica da operação dos sistemas elétricos
28
:
FIGURA 3
ORGANISMOS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
MME
CNPE
Ministério de
Minas e Energia
Agência Nacional
de Energia Elétrica
Conselho Nacional
de Política Energética
ANEEL
Comitê de Monitoramento
do Setor Elétrico
Operador Nacional
do Sistema
ONS
CMSE
Empresa de
Pesquisa Energética
Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica
CCEE
EPE
A Constituição Federal
29
incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, sempre por intermédio de licitação, a prestação dos
serviços públicos. Ressalvados os casos previstos na Constituição, a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
28
Para maiores informações sobre cada organismo, como constituição e função, consultar o (ANEXO –
GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS). Não foi incluída a Comercializadora Brasileira de Energia
Emergencial – CBEE, dada a previsão de sua extinção, a partir de 30 de junho de 2006, nos termos do disposto
no artigo 3º da Medida Provisória 2.209/2001. No diagrama poderia ser considerada ainda a existência do braço
empresarial do Estado, constituído pelas empresas do Grupo ELETROBRÁS.
29
Ver artigos 170, 173 e 175 da Constituição Federal de 1988.
xliii
segurança nacional ou à relevante interesse coletivo, ficando a mesma, prioritariamente,
incumbida a livre iniciativa de particulares. Dessa forma, a segurança pública e a defesa
nacional são exemplos de serviços públicos prestados de forma direta pelo Estado, ao passo
que serviços de utilidade pública como transporte, telefonia e energia elétrica são objetos, no
país, de exploração por particulares, mas com a outorga prévia do Estado, que mantém ainda
sobre os mesmos, o necessário controle e regulamentação
30
.
No Brasil, a exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento
energético dos cursos de água é objeto de concessões, permissões ou autorizações
(dependendo do tipo de empreendimento) que são contratadas, prorrogadas ou outorgadas
junto ao poder concedente
31
. As pessoas jurídicas, ou consórcios de empresas interessados em
atuar no SEB, construindo ou operando instalações de geração, transmissão ou distribuição de
energia elétrica, mediante regime de concessão ou autorização, devem participar de processos
licitatórios instruídos pelo governo federal. Para comercializar ou gerar energia podem,
entretanto, ser solicitadas permissões ou autorizações ao MME ou a ANEEL, como é o caso
de comercializadores, autoprodutores ou produtores independentes de energia.
Das atividades relacionadas como formadoras do SEB, a distribuição de energia
elétrica foi adotada como foco principal deste estudo, sobre estratégias de implementação de
políticas públicas, pois é a que apresenta uma maior interface com o consumidor final de
energia elétrica, reproduzindo, em última instância, os objetivos da ação estatal, motivo pelo
qual discorreremos, brevemente, sobre suas principais características.
O serviço de distribuição está relacionado à entrega de energia elétrica até os pontos de
uso final, como indústrias, casas, estabelecimentos rurais e comerciais, em tensões mais
baixas, por intermédio de um sistema de linhas, transformadores e chaves, que permitem a
30
O pacto do Estado com pessoas privadas à base do do ut dês – “dou para que dês” (HABERMAS, 2003).
31
Para maiores informações ver Lei 8.987/1995, Lei 9.074/1995 e (JUSTEN FILHO, 2003).
xliv
interligação com a rede de transmissão. É executado por empresas concessionárias, sob a
regulação e fiscalização da ANEEL e em conformidade com as políticas e diretrizes do
governo federal.
Por se tratar de uma indústria de rede, ou seja, formada por diferentes atividades que se
constituem em uma rede física, na qual a assimetria de informações por parte dos agentes, a
presença de bens públicos, a competição imperfeita,
[...] a essencialidade do consumo e a obrigação jurídica de fornecimento, a presença de externalidades
32
na prestação do serviço, a necessidade de um elevado nível de investimentos para a construção dos ativos
[...], a existência de economias de escala, de densidade e de coordenação são algumas especificidades
(TOLMASQUIN; OLIVEIRA; CAMPOS, 2002, p. 15),
o setor elétrico em geral, e a atividade de distribuição em particular, demandam regulação por
parte do Estado das atividades concedidas. A regulação pode ser entendida como a ação do
Estado tendo por finalidade a limitação dos graus de liberdade que os agentes possuem no seu
processo de tomada de decisões.
As atividades de distribuição de energia, assim como as de transmissão, são
consideradas monopólios naturais, ou seja, atividades que não comportam concorrência, nas
quais os custos serão menores quando os serviços forem prestados por um único agente. A
competição imperfeita, no caso do SEB, é caracterizada também pelo fato dos agentes serem
formadores de preços. A energia elétrica é um insumo indispensável, não armazenável na sua
forma pura, não manipulável como uma commodity comum, com a produção e a logística
atendendo quase simultaneamente a demanda e sem opções múltiplas de contratação para os
pequenos consumidores.
Em um outro enfoque podemos dizer que, a energia elétrica possui características
distintas de outros bens produzidos e consumidos em um país necessitando, portanto, “[...] de
uma infra-estrutura institucional e regulamentação detalhada para ordenar sua
32
Situações nas quais o comportamento de um dos agentes afeta o bem estar ou a produção de outro.
xlv
comercialização, com a participação do Estado como regulador
33
e planejador. É assim no
mundo todo” (TENDÊNCIAS, 2003, p.176). A presença do Estado por meio da regulação dos
serviços públicos está, portanto, voltada em última instância, para a garantia da adequação
entre oferta de energia, tarifas equilibradas e qualidade do serviço.
A ANEEL, é o organismo responsável no país pela regulação e fiscalização da
produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no país e coloca
como missão principal proporcionar condições que favoreçam um desenvolvimento do SEB
com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade. Considerando o escopo de sua
atuação e no que tange, especificamente, a atividade de distribuição, as atribuições da ANEEL
são, dentre outras: gerir os contratos de concessão ou permissão, fiscalizar a prestação dos
serviços
34
, dirimir divergências entre agentes ou entre eles e seus consumidores e autorizar o
reajuste das tarifas cobradas dos usuários.
Diferentemente do que podemos observar na geração e na transmissão, o Estado não
presta diretamente o serviço público de distribuição de energia, mas, o delega para que
terceiros exerçam essa atividade econômica mediante uma finalidade lucrativa, garantindo,
contudo, a regulação e a fiscalização das relações que se estabelecem.
Aos prestadores dos serviços o Estado acena com a cobertura dos custos de operação e
manutenção e dos custos de capital, mediante incorporação destes itens (chamados no jargão
técnico de custos “gerenciáveis”, ou Parcela B) nas tarifas que serão cobradas dos usuários
finais. A esses itens, no processo de formação das tarifas, se somarão outros custos, como a
energia elétrica comprada para a revenda, os encargos setoriais e os encargos de transmissão.
Estes itens, por sua vez, são chamados de custos “não gerenciáveis” ou Parcela A, pois a
concessionária tem controle restrito sobre a evolução desses dispêndios.
33
Para maiores informações sobre a regulação dos servos de eletricidade consultar (TENDÊNCIAS, 2003;
TOLMASQUIN; OLIVEIRA; CAMPOS, 2002) e o sítio da ANEEL na internet (<http://www.aneel.gov.br>).
34
Atribuição que pode ser desempenhada mediante convênio com órgãos estaduais.
xlvi
Em termos práticos, quando a distribuidora emite uma fatura de cobrança pelos serviços
prestados, e a mesma é paga pelo usuário, três movimentos distintos ocorrerão:
a) em relação aos itens de custo da Parcela A, presentes nas tarifas, a distribuidora
irá funcionar como uma mera arrecadadora de recursos, que pressupõem uma
subseqüente transferência dos valores pagos para os reais destinatários: órgãos federais,
geradores e transmissores de energia elétrica;
b) já a Parcela B, embutida nas tarifas aplicadas, representará a única parte da
receita auferida que efetivamente fica com a distribuidora para custear suas despesas de
operação e manutenção e de capital, e
c) finalmente são arrecadados na fatura pelo distribuidor, também para posterior
repasse, os tributos do Programa de Integração Social e Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP, da Contribuição Social para
Financiamento da Seguridade Social - COFINS e do Imposto Sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços - ICMS, além de contribuições estabelecidas em âmbito
municipal para o custeio dos serviços de iluminação pública.
O regime de regulação econômica dos contratos de concessão dos serviços de
distribuição adotado no Brasil é o regime (por incentivos) de tarifas pelo preço máximo (price
cap)
35
que tem por objetivo simular, ao ser implementado pela ANEEL, as condições de
eficiência econômica de um mercado competitivo onde este não se desenvolve naturalmente.
Diferente da regulação pelo custo (por comandos), onde o regulador ordena que o regulado
atue de uma determinada forma e verifica na seqüência se a sua ordem foi cumprida, a
regulação por incentivos cria mecanismos para que o regulado se sinta incentivado a
35
Lei 9.427/1996. Entende-se por serviço pelo preço o regime econômico-financeiro mediante o qual as tarifas
máximas do serviço público de energia elétrica são fixadas em contrato de concessão ou ato autorizativo da
ANEEL.
xlvii
maximizar seus resultados e nesse processo acabe por atingir os objetivos pretendidos pelo
regulador.
Os contratos de concessão possuem uma cláusula econômico-financeira na qual estão
previstas três formas de atualização das tarifas praticadas: o reajuste tarifário anual, a revisão
tarifária periódica e a revisão tarifária extraordinária. A revisão tarifária extraordinária é feita
quando algum evento provoca significativo desequilíbrio econômico-financeiro na prestação
dos serviços. Pode ser solicitada, por exemplo, em casos de criação, alteração ou extinção de
tributos ou encargos legais, desde que o impacto sobre as atividades das concessionárias seja
comprovado.
Embora anualmente, no momento dos reajustes tarifários, as despesas com os
chamados custos “não gerenciáveis” (Parcela A) sofram alterações por vezes até bruscas,
temos no serviço pelo preço, diferentemente do serviço pelo custo
36
, que as despesas relativas
aos custos “gerenciáveis” (Parcela B), uma vez fixadas no momento da assinatura do contrato
de concessão, devem permanecer inalteradas por um período de tempo previamente
determinado, sofrendo apenas uma atualização pelo Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-
M). Ao final desse período, durante o qual ocorrem apenas os reajustes tarifários anuais, é
realizada a revisão tarifária periódica, momento no qual as tarifas serão reposicionadas, ou
seja, fixadas com base em uma nova estrutura de custos.
O intervalo de tempo entre revisões, no qual as tarifas permanecem fixas, proporciona
à concessionária a oportunidade de aumentar seus ganhos financeiros a partir de medidas de
redução de custos e ganhos de eficiência, observado um dado nível de qualidade exigido na
prestação do serviço, pois, as penalidades existentes na regulamentação setorial desestimulam
36
Para alguns autores a forma de correção das Parcelas A e B no momento dos reajustes tarifários denotaria para
a regulação brasileira um caráter híbrido, de combinação entre regulação por comandos e regulação por
incentivos. Entretanto, entendemos que, mesmo para a Parcela A, existe por parte da legislação setorial a fixação
de incentivos e não um reconhecimento integral de custos, como podemos observar na definição de uma
trajetória decrescente para as perdas comerciais e o estabelecimento de critérios para a limitação do repasse para
as tarifas da compra de energia, beneficiando as contratações de longo prazo.
xlviii
fortemente as concessionárias de distribuição a buscar ganhos de eficiência em detrimento do
patamar de qualidade dos serviços estipulado pelo regulador.
Sob as condições descritas, o agente regulador (ANEEL) busca induzir o agente
regulado a acrescentar eficiência em sua gestão, via otimização e redução dos custos, dentro
de cada período regulatório, tal que esses benefícios possam ser apropriados pela empresa
antes que sejam transferidos, no todo ou em parte, aos consumidores em um movimento de
adequação das tarifas feito, periodicamente, no momento da fixação dos novos patamares para
o custo de capital e de operação e manutenção (revisão tarifária). A apropriação desses
benefícios apenas por um período de tempo, ou seja, até que ocorra uma nova revisão
tarifária, ocorre por meio da existência, no regime regulatório, de mecanismos de
compartilhamento de ganhos de eficiência e de ganhos de produtividade, baseados no
reposicionamento tarifário e na determinação do chamado Fator X, respectivamente. Estes
mecanismos de compartilhamento de ganhos, em prol da modicidade das tarifas, estão
previstos nos contratos de concessão.
No reposicionamento, uma parte ou mesmo todo o ganho de eficiência obtido, no
período revisório anterior, é transferido para o consumidor por meio da redução dos custos
gerenciáveis que o regulador autoriza para inclusão nas tarifas. O compartilhamento de
ganhos de produtividade (Fator X), por sua vez, está calcado no princípio que, durante o
período tarifário, incrementos são produzidos nas vendas da concessionária, tanto pelo maior
consumo dos clientes existentes (crescimento vertical) como pela incorporação de novos
clientes na área servida (crescimento horizontal). Como esses incrementos são atendidos, pela
concessionária, com custos incrementais decrescentes, em relação aos definidos no
reposicionamento tarifário, ocorre um ganho de produtividade do negócio (economia de
escala), que não se relaciona a uma maior eficiência na gestão da concessionária distribuidora
e deve, portanto, na visão da regulação econômica, ser repassado aos consumidores, mediante
xlix
a aplicação de um redutor do índice contratual (IGP-M) que atualiza a Parcela B das tarifas,
no momento de cada reajuste tarifário anual.
Uma vez definido o Fator X, no momento da revisão tarifária periódica, sua aplicação
será efetivada nos reajustes tarifários subseqüentes, dentro do intervalo revisional (período
tarifário). A Figura 4 procura demonstrar o calendário de eventos que cerca a regulação
econômica dos serviços de distribuição de energia elétrica, tomando por base o caso
ESCELSA, que tem revisões tarifárias de três em três anos:
FIGURA 4
REGULAÇÃO ECONÔMICA DO SEB: REAJUSTES E REVISÕES PERIÓDICAS (CASO ESCELSA)
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Revisão Tarifária
Periódica:
- reposicionamento
da Parcela B
- definição do Fator X
Reajuste Tarifário Anual:
- correção da Parcela B
por (IGP-M – Fator X)
Reajuste Tarifário Anual:
- correção da Parcela B
por (IGP-M – Fator X)
Período tarifário n Período tarifário n + 1
Voltando a questão da composição das tarifas temos, na tabela a seguir, uma
caracterização sucinta dos seus itens de custo:
TABELA 1
COMPOSIÇÃO DAS TARIFAS DOS SERVIÇOS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
Parcela A
(custos “não gerenciáveis”)
Parcela B
(custos “gerenciáveis”)
l
encargos setoriais despesas de operação e manutenção
energia comprada para revenda despesas de capital
encargos de transmissão
Em relação aos grandes itens de despesas das distribuidoras cabem as seguintes
considerações:
a) os encargos setoriais são arrecadações estipuladas pelo governo federal, a serem
processadas pelas distribuidoras, junto aos usuários dos serviços e posteriormente
repassadas para os órgãos que controlam a aplicação dos recursos obtidos em programas
sociais, econômicos ou setoriais;
b) as despesas com energia elétrica comprada para revenda dizem respeito à energia
que a distribuidora adquire, junto a fornecedores (geradores, comercializadores,
produtores independentes) para entrega aos consumidores finais;
c) os encargos de transmissão são os valores pagos pelas distribuidoras às empresas
transmissoras pelo transporte de energia elétrica na Rede Básica, pelo uso de instalações
de conexão (dedicadas a interligar a distribuidora ao SIN);
d) as despesas de operação e manutenção estão relacionadas a custos diretamente
vinculados a prestação dos serviços pelas distribuidoras, como pessoal, material,
serviços de terceiros e outras despesas e
e) as despesas de capital comportam a adequada remuneração do capital investido na
prestação do serviço de distribuição de energia elétrica e a necessária formação dos
recursos financeiros que se destinarão à recomposição dos investimentos realizados ao
término da sua vida útil (reintegração de ativos).
Em função da modelagem institucional-regulatória aplicada ao SEB, que promoveu a
separação entre a energia elétrica e o uso dos sistemas elétricos para transporte dessa energia,
li
alguns consumidores (consumidores livres, consumidores especiais
37
) possuem a prerrogativa
de adquirir energia de outros fornecedores (geradores, produtores independentes,
comercializadores) devendo, entretanto, contratar, com a concessionária local, o serviço de
distribuição de energia, ou seja, o transporte da energia comprada até o ponto de consumo.
Neste ínterim, os itens de despesa formadores das tarifas devem ser alocados pela ANEEL, de
forma a observar a diferença existente entre os consumidores cativos (que adquirem energia
da distribuidora) e os consumidores livres e especiais (que contratam energia junto a
terceiros), impedindo que esses últimos paguem às distribuidoras por custos associados à
energia elétrica, mas, tão somente, arquem com o transporte contratado e os encargos setoriais
devidos. Uma vez alocados os itens de despesa, resta constituída a tarifa de energia (TE) e a
tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD). Os consumidores cativos pagam para as
distribuidoras o somatório de TE mais TUSD, ou, a conhecida tarifa de fornecimento,
enquanto os consumidores livres e especiais pagam apenas a TUSD
38
.
A partir de 1982, as tarifas de energia elétrica no Brasil passaram a ser calculadas com
base na Teoria dos Custos Marginais (BRASIL, 1985), representativa do custo que seria
incorrido pelo setor elétrico para atender o crescimento do consumo, atribuindo para cada
consumidor a real fração correspondente ao custo do serviço que lhe fosse prestado, de forma
a assegurar uma base mais justa e racional de alocação. Pela metodologia do custo marginal,
temos também a introdução de sinais tarifários (política tarifária) que promovem a eficiência
das tarifas, favorecendo a otimização do uso do sistema elétrico com um melhor
aproveitamento e racionalidade da sua expansão. Essa distinção entre os custos a serem
repartidos faz com que, por exemplo, os consumidores que utilizam a rede em horários de
37
Ver (ANEXO – GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS). Os consumidores livres podem se conectar
diretamente à Rede Básica, não sendo necessária, neste caso, a contratação do uso do sistema de distribuição
junto à concessionária local.
38
A Resolução ANEEL 166/2005 apresenta a metodologia de formação das tarifas de energia e de uso dos
sistemas de distribuição. Para fins dessa explicitação estamos considerando a Tarifa de Uso dos Sistemas de
Transmissão - TUST junto com a TUSD.
lii
maior carregamento ou consumidores que estejam em níveis mais baixos de tensão,
demandando uma maior infra-estrutura para o atendimento, acabem sendo mais onerados
pelos serviços prestados do que os outros consumidores.
As tarifas praticadas pelas distribuidoras também sofrem diferenciações entre classes de
consumidores por comportarem uma série de subsídios explícitos e implícitos, associados às
políticas públicas de cunho sócio-econômico estabelecidas pelo Estado. Ao promover uma
repartição diferenciada dos custos dos serviços as tarifas permitem que certos segmentos
possam ser beneficiados em detrimento de outros, seguindo uma dada lógica redistributiva
pretendida pelo Estado. São exemplos, dessa opção, as condições especiais para os
consumidores rurais e os residenciais de baixa renda
39
.
O faturamento emitido pelas concessionárias de distribuição encerra também, como
vimos, encargos setoriais (dentro das tarifas) e tributos (sobre o importe da fatura). Com as
bases para cobrança fixadas pelo Estado, esses itens garantem uma valiosa fonte de
recursos
40
, captados sobre um setor estratégico e essencial para a economia do país,
posteriormente aplicada pela União, estados e municípios em consonância com os objetivos
políticos da administração pública.
Embora breve, o desenho do SEB que cuidamos de elaborar ao longo deste tópico, mais
do que realçar suas características centrais, permitiu a identificação de espaços institucionais-
regulatórios com potencial para a concretização de estratégias estatais de utilização do setor
elétrico brasileiro como instrumento de implementação de políticas públicas, reforçando ainda
mais seu papel de elemento chave no desenvolvimento sócio-econômico do país.
39
Unidade consumidora de baixa renda é aquela que, atendida pela ligação elétrica mais simples, apresenta
consumo mensal inferior a 80 kWh ou que, tendo consumo mensal entre 80 e 220 kWh, seja habitada por
unidade familiar cujo responsável esteja apto a receber os benefícios financeiros do Programa Bolsa Família, do
governo federal. Com a tarifa social o desconto no preço do kWh pode chegar a 65% além da não incidência de
alguns encargos setoriais. Em 2005 já seriam, segundo a ANEEL, 17 milhões de consumidores beneficiados.
Para maiores informações ver (TAVARES, 2003) e as Resoluções da ANEEL 246/2002 e 694/2003.
40
Segundo a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE, em 2004 foram
arrecadados, apenas pelo setor de distribuição, R$ 29 bilhões em encargos setoriais e tributos.
liii
A forma como as receitas das concessionárias são calculadas, a metodologia de reajuste
das tarifas, a diferenciação na repartição de custos dos serviços entre usuários, a concessão de
subsídios explícitos e implícitos, a criação de encargos setoriais, a carga e o modelo tributário,
além da própria presença estatal na estrutura institucional do SEB e do papel desempenhado
pelo órgão regulador, são alguns dos exemplos de espaços nos quais o Estado pode manobrar
em busca da consecução de objetivos de ordem política, como veremos mais detalhadamente
ao longo deste estudo.
Até o momento descrevemos o atual estágio do SEB, mas, lembrando que esse
instantâneo é tão somente o resultado de um processo de formação, em que a presença do
Estado teve um papel decisivo, passaremos no capítulo seguinte a fazer um breve retrospecto
dessa evolução, culminando no presente modelo institucional-regulatório implementado.
liv
2.3 OS PRIMÓRDIOS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: DAS PRIMEIRAS
UTILIZAÇÕES ATÉ 1930
A energia elétrica começou a ser utilizada no Brasil, nos anos finais do século XIX, sem
uma defasagem temporal significativa em relação ao emprego dessa nova tecnologia em
países da Europa e nos Estados Unidos
41
. Inicialmente, substituindo sistemas à base de azeite
de peixe, óleo de mamona, querosene ou a gás, a energia elétrica era produzida a partir de
dínamos
42
e direcionada para empregos na iluminação pública ou particular por meio da
utilização das novas lâmpadas elétricas
43
. Essa era, por exemplo, a característica da primeira
demonstração pública do invento de Edison no Brasil, a iluminação da Estrada de Ferro D.
Pedro II, em 1879, com seis lâmpadas elétricas acionadas a partir de dois dínamos que
garantiam a substituição de 46 bicos de gás (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
Poucos anos depois, em 1883, já se registrava no Brasil a primeira utilização da energia
hidrelétrica
44
e a inauguração do primeiro serviço público de energia elétrica
45
, em soluções
típicas da época, que acabam por ilustrar o contraste entre empreendimentos temporários ou
experimentais e instalações que já se afiguravam duradouras. As dificuldades e os custos,
associados ao emprego da energia elétrica, fizeram com que as primeiras utilizações
estivessem voltadas, prioritariamente, ao fornecimento para determinadas atividades
econômicas privadas ou para o serviço público de iluminação:
Na virada do século XIX para o século XX estavam em curso várias iniciativas privadas e locais de
geração de energia elétrica, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A
maioria era promovida por empresários cujas atividades agrícolas, comerciais, industriais ou financeiras
estavam vinculadas às localidades a serem beneficiadas pela introdução dos novos serviços (LEITE,
1997, p.47).
41
Para uma perspectiva sobre as inovações tecnológicas do período e as primeiras utilizações de energia no
Brasil e no mundo consultar (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988; LEITE, 1997; GONÇALVES JÚNIOR, 2002).
42
Dínamo é um aparelho rotativo que transforma energia mecânica em energia elétrica por meio de indução
magnética.
43
A lâmpada incandescente foi inventada por Thomas Alva Edison em 1879.
44
Instalação de uma usina de geração de energia em afluente do Rio Jequitinhonha em Diamantina/MG para
fornecimento de eletricidade para uma mina de diamantes (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
45
Iluminação municipal na cidade de Campos/RJ, com 39 lâmpadas acionadas por 3 dínamos (CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988).
lv
Se por trás dessas iniciativas pioneiras estavam empresários (grandes e pequenos)
46
e
municipalidades, data também dessa época a chegada dos primeiros investidores estrangeiros,
interessados no potencial da exploração dos serviços públicos de eletricidade nas fases de
modernização e industrialização de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
O estabelecimento no Brasil de concessionárias estrangeiras, na virada para o século
XX, garantiu as inversões necessárias para a viabilização do aumento da produção de energia
elétrica e do consumo no meio urbano e nas indústrias. Destaca-se, a partir desse período, a
constituição da São Paulo Railway, Light and Power Company Limited (1899) e da Rio de
Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited (1905), empresas do grupo canadense
que ficaria popularmente conhecido como Light e, um pouco mais tarde, da American and
Foreign Power Company Inc. – AMFORP (1927, americana). Ao lado dos serviços de
eletricidade, as concessionárias podiam explorar as atividades de telegrafia, telefonia e
transporte de cargas e passageiros, aproveitando a mesma estrutura empresarial e em regiões
de concentração urbana com elevada densidade populacional, o que, segundo Gonçalves
Júnior (2002), teriam sido os grandes atrativos para a vinda dos investimentos estrangeiros
focados na prestação de serviços públicos.
Nos primeiros anos do novo século, ao lado do grupo Light, a geração e a distribuição
de energia eram feitas no país, em caráter privado ou público, por uma miríade de pequenos
empreendimentos térmicos e hidrelétricos pertencentes a empresas de caráter local, voltados
para o atendimento de um único município, de instalações autoprodutoras em
estabelecimentos industriais ou de pequenas unidades consumidoras domésticas nas áreas
agrícolas, e responsáveis por um elevado ritmo de implantação de instalações para produção e
uso da eletricidade. Os principais aspectos, associados ao rápido desenvolvimento do setor
46
Sevcenko (1998, p. 547) analisando a vida cotidiana do início século XX, fala da utilização da eletricidade,
“[...] transformada de vilã sinistra em vedete cobiçada do espetáculo urbano”, na formação do poder simbólico
da autoridade pública ou do homem de negócios empreendedor que, ao promover as primeiras utilizações da
energia elétrica, se tornaria aquele que cativa, que tem o controle e o monopólio do novo potencial miraculoso, o
”[...] agente legítimo e incontestável da modernização”.
lvi
elétrico nesse início de século, guardam correlação com a expansão do complexo agrário-
exportador (principalmente da cafeicultura paulista) e do consumo industrial, como: a
expansão urbana e o assalariamento, a diversificação das atividades comerciais, bancárias e de
prestação de serviços, o aumento dos estabelecimentos industriais, a importação de
equipamentos elétricos, a utilização cada vez maior de novas tecnologias usuárias da energia
elétrica (como iluminação e bondes elétricos) e a substituição das máquinas a vapor existentes
nas fábricas. Duas características da eletricidade eram determinantes ainda para sua difusão: a
transmissibilidade, que permite o consumo da energia em locais distantes da sua produção e a
flexibilidade, ou seja, a possibilidade de conversão em luz, calor ou outras formas de energia
(LORENZO, 2002; SOUZA, 2002; CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
Entretanto, ainda na década de 1910, é observado (notadamente no estado de São Paulo) um
movimento de fusões e incorporações entre inúmeras iniciativas empresariais de caráter local e porte pouco
expressivo, por meio do qual as companhias, situadas em pólos de desenvolvimento regional, buscaram
absorver outras empresas em prol da solução de problemas técnicos e financeiros, que impediam o
estabelecimento de um sistema integrado de exploração de toda a cadeia de serviços associada à
eletricidade (geração, transmissão e distribuição).
Esse movimento antecipou o processo de concentração de capitais verificado na década de 1920,
quando a AMFORP, dado o monopólio do grupo Light nas duas principais cidades do país, focou suas ações na
encampação de pequenas concessionárias existentes no interior de São Paulo e em pólos como Recife/PE,
Salvador/BA, Natal/RN, Maceió/AL, Curitiba/PR, Vitória/ES, Porto Alegre-Pelotas/RS, Belo Horizonte/MG e Niterói-
Petrópolis/RJ, compondo a outra metade de um processo de concentração de capitais que acabaria por
deixar sob o monopólio das grandes concessionárias estrangeiras (Light e AMFORP) praticamente todas as
áreas mais desenvolvidas do país
47
, levando a uma quase desnacionalização do setor elétrico brasileiro.
As empresas nacionais, a despeito do pioneirismo dos primeiros anos, incapazes técnica
e financeiramente de enfrentar o desafio de atender a rápida expansão da demanda pelos
serviços, acabaram passando ao controle de capitais estrangeiros, o que, forjando o perfil do
setor elétrico brasileiro na chegada a década de 1930, acabaria por fomentar as teses
nacionalistas e de intervenção do Estado na revisão do modelo institucional das décadas
seguintes (LEITE, 1997).
O papel do Estado frente ao nascente setor elétrico brasileiro não era institucionalizado
e tampouco transparente, predominando a prestação de serviços de forma monopolista e
47
A Light, por sua vez, incorporou pequenas concessionárias que atendiam o Vale do Paraíba (paulista e
fluminense).
lvii
verticalizada
48
, sem uma regulamentação específica e abrangente, reproduzindo como regra
geral o perfil de uma intervenção no domínio econômico, subordinada às alianças políticas
formadas no atendimento dos interesses agrário-exportadores, prevalecentes no período
49
. Se
a política intervencionista estatal não era mais ampla estaria, entrementes, longe de um
“liberalismo puro” (ARAÚJO, 1977; SOUZA, 2002; CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
No que pese a Constituição Federalista de 1891
50
, a ausência de aparatos
administrativos e legais, a falta de recursos para o provimento pelo Estado da infra-estrutura
dos serviços de eletricidade e o envolvimento das concessionárias com as forças políticas da
época, temos, nos dizeres de Leite (1997, p. 46) que:
Na ausência de legislação específica, os serviços de eletricidade, desde a geração até a distribuição, eram
baseados nos atos de concessão e no correspondente contrato entre o concessionário e o poder público.
Este poderia ser representado indistintamente pelo governo federal ou pelos governos estaduais e
municipais, dependendo da natureza e abrangência do objeto do contrato. Diferia conforme o caso,
podendo portanto o sistema admitir variadas soluções (LEITE, 1997, p.46).
As tarifas de eletricidade, praticadas no período, eram negociadas e fixadas nos
contratos de concessão, acompanhando geralmente critérios de razoabilidade e semelhança,
ou seja, via comparação com tarifas praticadas em outras regiões ou países. Pesa-se, nessa
discussão, as diferenças existentes entre as muito bem estruturadas e preparadas
concessionárias estrangeiras e as pequenas prefeituras, incapazes de exercer uma adequada
fiscalização, com as quais se discutiam e fechavam os termos do contrato. Dependendo do
nível e da importância das relações mantidas entre as concessionárias e as forças políticas
ligadas à atividade agrário-exportadora, por ocasião da celebração dos contratos, o prazo de
48
Concessionária verticalizada é a que presta de forma integrada os serviços de geração, transmissão e
distribuição de energia elétrica.
49
Observando outros setores da economia em estágio de exploração mais avançado, é possível citar a assinatura
do Convênio de Taubaté, ocorrida em 1906, criando mecanismos de intervenção que mitigavam os efeitos para a
estrutura econômica e financeira do país da queda dos preços do café no mercado internacional e a intervenção
do Estado nas ferrovias, que se pautou no auxílio do governo a grupos privados na expansão da rede, via
subsídios e apoio e, posteriormente, em face da decadência do setor, na transferência dos ativos para o setor
público. Ver (ABRANCHES, 1977, p. 9-10; FAORO, 2001).
50
A Constituição de 1891 assegurava ampla autonomia aos governos estaduais em detrimento do governo
federal e do legislativo (federalismo); ao passo que fortalecia o poder decisório dos estados na exploração dos
recursos naturais não fazia referência à exploração de recursos hídricos. Até a organização do Código de Águas
em 1907 “[...] os dispositivos existentes sobre a classificação das águas eram antiquados e confusos,
remontando às Ordenações do Reino do período colonial (CENTRO DA MEMÓRIA 1988, p.72).
lviii
duração da concessão poderia se estender de 30 até 70, 80 ou 90 anos, exemplificando como a
evolução do SEB acabava por reproduzir as formas características do desenvolvimento do
capitalismo no Brasil (GONÇALVES JÚNIOR, 2002; LORENZO, 2002).
Era comum à época a introdução nos contratos da cláusula-ouro que determinava as
tarifas no momento do pagamento, metade em valores correntes e metade em ouro, a ser
convertida ao câmbio médio do mês de pagamento
51
. Prática comum no período, oriunda da
política de garantia de juros para investimentos em ferrovias, a cláusula-ouro permitia, na
prática, um contínuo reajustamento tarifário, garantindo a rentabilidade econômico-financeira
dos serviços de energia elétrica
52
.
O primeiro artigo de lei brasileira sobre a energia elétrica está no artigo 23 da Lei
1.145/1903, regulamentado pelo Decreto 5.407/1904 e que previa regras para os contratos de
concessão de aproveitamentos hidrelétricos (ÁLVARES, 1978). Na prática os efeitos do
Decreto foram muito reduzidos posto que não alcançava com força de lei os contratos com
privilégio de exclusividade celebrados por municípios e estados ou então era afetado por
disposições contidas nesses contratos
53
(CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
Em 1907, foi apresentado ao Congresso o projeto de um Código de Águas para o país, elaborado pelo
jurista Alfredo Valadão que, no entanto, só viria a se transformar em diploma legal em 1934, com algumas
adequações. O projeto do Código de Águas de 1907 trazia como características a restrição ao domínio
particular sobre as águas (rompendo o entendimento da Constituição republicana de 1891 de que as jazidas
minerais, as quedas d’água e todos os recursos hídricos eram acessórios à propriedade da terra
54
), a não
referência a pontos específicos de regulamentação dos serviços de energia e a reserva de espaço para
estados e municípios na administração do serviço público (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
Em síntese temos, portanto, que do início da utilização da energia elétrica no país, e até
51
Mais informações sobre a cláusula-ouro podem ser obtidas em (LEITE, 1997, Apêndice 2-D; CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988, p.72 ; CENTRO DA MEMÓRIA, 1995, p. 17 e 29-31).
52
“Um meio circulante seria são se conversível em ouro, vicioso se calcado sobre a moeda fiduciária” (FAORO,
2001, p.480).
53
O Decreto 5.407/1904 regulava o aproveitamento da força hidráulica
para transformação em energia elétrica
aplicada apenas a serviços federais, o que deixava sem cobertura a grande variedade de contratos firmados por
estados e municípios. Previa, por exemplo, um regime tarifário com revisões periódicas e a redução tarifária
quando os lucros excedessem 12% sobre o capital, o que a existência da cláusula-ouro nos contratos terminaria
por inviabilizar.
54
Ribeiro (2003) ressalta que a Constituição 1891 consagrou o princípio do direito da acessão, ou seja, o
entendimento de que as jazidas minerais, as quedas d’água e todos os recursos hídricos eram acessórios à
propriedade da terra, criando um novo espaço de poder e negociação entre as administrações locais, os
proprietários de terras e recursos energéticos e as empresas particulares e públicas de exploração dos serviços
energia.
lix
1930, período marcado pelo federalismo da Constituição de 1891, e pela intervenção restrita
do Estado no domínio econômico, o que se percebeu foi a ausência de uma legislação
específica, abrangente e funcional e de condições materiais para uma atuação estatal decisiva
no SEB, bem como, a prestação dos serviços mediante atos de concessão e contratos
celebrados tanto pelo governo federal quanto pelos governos estaduais e municipais,
momento no qual as negociações poderiam estar submetidas a correlação de forças político-
econômicas característica da época (ARAÚJO, 1977; SOUZA, 2002; CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988).
O volume e o impacto das ações promovidas pelo Estado no âmbito do SEB teriam
sido, à época revisitada, tão incipientes quanto o estágio de desenvolvimento dos serviços de
eletricidade
55
, embora determinados eventos possam suscitar discussões quanto às
potencialidades de utilização do setor elétrico no período na consecução de objetivos
políticos. Um exemplo desses eventos episódicos , representativos das ações processadas pelo
Estado, é a lei do orçamento de 1905, Lei 1.316/1904, estabelecendo no artigo 18 que “[...] às
empresas de eletricidade gerada por força hidráulica, que se constituíram para fins de
utilidade ou conveniência pública, poderá o Presidente da República conceder isenção de
direitos aduaneiros” (VENÂNCIO FILHO, 1998, p.190), medida fundamental para
incrementar no país o uso de uma nova tecnologia cujos componentes, tanto para a produção
quanto para o consumo, deveriam ser importados, o que favoreceria o desenvolvimento da
industrialização e, conseqüentemente, das atividades agrário-exportadoras.
55
Em 1930 o Brasil contava com uma capacidade instalada de energia elétrica da ordem de 779 MW (CENTRO
DA MEMÓRIA, 1988, p.99, Tabela 4). Apenas como referência a um dado atual, sozinha uma das vinte atuais
turbinas da usina de Itaipu possui uma capacidade de 700 MW.
lx
2.4 DE 1930 A 1944 - O INÍCIO DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DO SETOR
ELÉTRICO BRASILEIRO PELO ESTADO
Com a vitória da Revolução de 1930
56
, ocorreram profundas transformações na
estrutura político-econômica do país, já afetada pela crise econômica mundial de 1929,
inaugurando uma nova etapa no processo de industrialização e modernização da sociedade
brasileira. Nas raízes do novo marco histórico estavam o esgotamento do sistema oligárquico
agro-exportador, o desenvolvimento urbano-industrial e a consolidação de um novo pacto de
poder (NOGUEIRA, 1998):
[...] condensam-se simultaneamente, num curto período histórico, as múltiplas faces de um processo de
organização das estruturas de um Estado-nação e de um Estado capitalista cuja forma incorpora,
crescentemente, aparelhos regulatórios e peculiaridades intervencionistas que estabelecem um suporte
ativo ao avanço da acumulação industrial (DRAIBE, 1985, p.82).
A Revolução de 1930 impingiu mudanças institucionais ao setor elétrico decorrentes,
principalmente, da preocupação do poder público em regulamentar suas atividades (CENTRO
DA MEMÓRIA, 1988). Observa-se que as medidas adotadas para o setor elétrico guardavam
relação com as transformações em curso, caracterizadas pelo fortalecimento do poder de
intervenção do Estado, pela montagem de um aparelho econômico estatal centralizado e por
uma orientação para a política de desenvolvimento econômico na qual a industrialização
figurava entre os objetivos principais (DRAIBE, 1985).
Como explica Nogueira: “[...] já não seria mais possível defender princípios liberais [..]
o fortalecimento do Estado como centro de decisão e ação sobre a atividade econômica se
impunha como a única via possível de industrialização”. Nos anos 30 “[...] a industrialização
irá ganhar impulso [...] graças à regulação estatal e ao impacto da nova situação econômica
mundial” (1998, p.35).
Neste contexto, fica simplificada a tarefa de identificar momentos em que a ação do
56
Para maiores informações sobre as transformações motivadas pela Revolução de 1930 ver (FAORO, 2001;
NOGUEIRA, 1998; DRAIBE, 1985).
lxi
Estado no SEB teve a função de facilitar a implementação de políticas governamentais, mais
ainda a partir da clarificação feita a partir das conclusões de Gonçalves Júnior (2002, p.81-
82):
[...] a longa crise econômica imposta ao capital mundial até meados dos anos 1930 e o segundo conflito
mundial – 1939-1945 – criaram as condições para que surgisse no Brasil um projeto de desenvolvimento
ligado aos interesses do capital nacional. Tinha como um dos seus principais fundamentos econômicos a
implantação de um parque industrial voltado à produção de produtos destinados à substituição de
importações. Deste modo, regular e/ou controlar a indústria elétrica brasileira, cuja totalidade estava
concentrada nas mãos do capital estrangeiro, passa a ser uma das premissas para o desenvolvimento desta
indústria nascente.
É dessa forma que, já em 1931, a publicação do Decreto 20.395 pelo governo federal
suspendia todos os atos de alienação, oneração, promessa ou começo de transferência de
qualquer curso perene ou queda d’água. Também em 1933, outras duas medidas do Estado
sinalizaram uma postura bem diferenciada em relação àquela percebida nos governos
anteriores: a criação de um Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM, com uma
diretoria encarregada de tratar, entre outros, dos assuntos relativos à exploração de
aproveitamentos hidrelétricos, e a extinção da cláusula-ouro presente em alguns contratos de
concessão, alvo de críticas constantes por parte da sociedade
57
, pois permitia um
reajustamento automático das tarifas em caso de desvalorização cambial.
Tais medidas foram o prenúncio da promulgação por Getúlio Vargas, em 1934, do
Código de Águas, preparado pelo mesmo Alfredo Valadão, a partir do projeto original de
1907. A nova versão, no entanto, atribuía apenas à União o poder de autorização ou concessão
para o aproveitamento de energia hidráulica, mas mantinha a separação da propriedade do
solo da propriedade das quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica passíveis de
exploração, como no original. Assim, o aproveitamento industrial das águas e da energia
hidráulica, mesmo que em propriedade privada, passou a depender de autorização federal.
57
A exacerbação do sentimento nacionalista no período recebeu seu quinhão de contribuição do setor elétrico.
Em 1933 o empresário Eduardo Guinle denunciava na imprensa os ganhos exorbitantes do Grupo Light (“o
polvo canadense”) derivados de um contrato de concessão precariamente regulado pelo Estado.
lxii
Outro aspecto inovador no Código de Águas foi ter assegurado ao poder público a
possibilidade de um controle muito mais rigoroso e efetivo sobre as concessionárias de
energia, a partir da realização de fiscalizações de cunho técnico, financeiro e contábil,
rompendo com o regime anterior de base meramente contratual
58
(CENTRO DA MEMÓRIA,
1988; VENÂNCIO FILHO, 1998).
Em relação às tarifas de energia elétrica, a cobrança passou a ser fixada pelo conceito de
custo do serviço, ou seja, as tarifas a serem cobradas deveriam ser aquelas que permitissem a
adequada cobertura das despesas de operação, a remuneração do capital investido e as
reservas para promover a depreciação e a reversão dos ativos postos em serviço para atender
os usuários
59
.
O Código de Águas enfrentou nos anos seguintes a sua aprovação, entretanto, sérias
dificuldades para ser regulamentado, ocasionadas pela mudança do quadro institucional, pela
inflação crônica do período de guerra, pelas dificuldades em importar ou produzir no Brasil os
equipamentos necessários ao parque gerador e pelos posicionamentos em contrário das
empresas do setor, que enxergavam em uma de suas determinações, a que o capital deveria ser
remunerado pelo seu custo histórico (sem correção), um risco para a saúde financeira dos
negócios mantidos no país (LEITE, 1997).
No Estado Novo, a nova Carta de 1937, embora mantendo os princípios aprovados pela
Constituição de 1934, proibiu que companhias estrangeiras explorassem minas ou novos
aproveitamentos hidráulicos no país, em consonância com o forte sentimento nacionalista da
época. Para Draibe (1985), comentando a Carta de 1937, a propriedade da União sobre
recursos estratégicos abriria espaço no futuro para a presença do Estado-empresário, o que
não só legitimaria o intervencionismo estatal, como abriria espaço para que avançasse mais.
58
Os objetivos que norteariam a fiscalização das empresas, elencados pelo Código de Águas, eram: serviço
adequado, modicidade das tarifas e estabilidade financeira do prestador do serviço.
59
Na prática as tarifas se constituíram em um dos pontos principais de queixas contra o Código de Águas por
parte das concessionárias.
lxiii
Com o Código de Águas e a Constituição de 1937, colocando critérios para a expansão
dos sistemas elétricos e para a concessão de novos aproveitamentos a grupos estrangeiros, o
crescimento da demanda de energia, impulsionado pela industrialização, acenava de forma
preocupante com crises de suprimento. De 1930 a 1945, o consumo de energia elétrica
cresceu a taxas muito superiores às da expansão da oferta, impulsionado pela aceleração do
processo de industrialização e de urbanização das principais cidades brasileiras, provocando
um aumento na taxa de utilização da capacidade instalada (maior índice de utilização dos
empreendimentos existentes). Neste período, a potência instalada de energia elétrica no país
passou de 779 MW para 1.342 MW, registrando uma variação de 72%, enquanto que o
consumo passou de 243 GWh para 1.464 GWh, variando mais de 500%
60
.
Segundo Leite (1997, p.71) as tarifas praticadas pelas concessionárias estrangeiras à
época
[...] não eram reajustadas a tempo, e nem sempre nos níveis adequados à correção dos desgastes
provocados pela inflação. Não se falava ainda na hipótese de atualização monetária dos ativos sobre os
quais deveria vir a basear-se o cálculo da remuneração das empresas concessionárias [...]. Devido ao
impasse tarifário, os recursos gerados internamente pelas empresas eram insuficientes até mesmo para os
investimentos destinados a atender à população já servida.
O cenário de escassez de investimentos no SEB, para o período em questão, também é
explicado pela existência de aproveitamentos hidráulicos de porte, construídos antes de 1930
e que estavam com folga de atendimento, pelas conseqüências da crise econômica mundial de
1929 que afetaram não só os capitalistas estrangeiros, mas também a importação de
equipamentos para serem utilizados na expansão dos serviços e pelas implicações da
regulamentação do Código de Águas
61
. O próprio Estado teve que adotar um posicionamento
mais brando em relação às disposições do Código de Águas, que permitisse os investimentos
necessários à prevenção de novos episódios de racionamento de energia, refletindo as
dificuldades enfrentadas pelo Estado na remodelagem de um setor com predominância das
60
Estatísticas pragmáticas do setor elétrico no período podem ser obtidas em (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
61
Lima (1995, p. 36) traça um panorama da expansão do setor de energia elétrica no período 1930-45.
lxiv
companhias estrangeiras. A saída encontrada pelo governo foi editar novos instrumentos
legais
62
que retirassem os obstáculos à expansão da geração, distribuição e transmissão de
energia ou ao aproveitamento de novas quedas d’água pelo capital internacional e acenar com
reajustes tarifários a título precário
63
(LEITE, 1997).
Com a ampliação da máquina administrativa estatal ocorreu a criação de diversos
organismos focados para uma atuação em segmentos da economia, momento em que o setor
elétrico assistiu a criação do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica – CNAEE
(1939), diretamente subordinado à Presidência da República. O CNAEE implementaria uma
política governamental voltada para a “[...] tributação dos serviços de eletricidade, a situação
das concessionárias em face do Código de Águas e da Constituição de 1937 e a questão cada
vez mais premente do suprimento de energia” (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988, p.89).
Ocorreram no período as primeiras iniciativas, de governos estaduais, buscando intervir
diretamente no setor elétrico, em situações específicas, para garantir o atendimento
energético. Foram nesse sentido os movimentos do governo do estado do Rio de Janeiro, a
partir de 1937, voltados para a construção da usina hidrelétrica de Macabu
64
, as ações do
governo de Minas Gerais no início da década de 40 voltadas para a construção da usina de
Gafanhoto
65
e a instituição no estado do Rio Grande do Sul, em 1943, da Comissão Estadual
de Energia Elétrica - CEEE, responsável pela primeira vez no Brasil, por um plano regional
de eletrificação (1943-1944).
As crises de suprimento, que cada vez mais se tornavam preocupantes, estavam no
62
Nesse sentido consultar o Decreto-Lei 2.079/1940 e a Lei Constitucional 6/1942.
63
Apesar de tudo as tarifas efetivas permaneceriam congeladas até 1945 (LEITE, 1997). Um comentário
elucidativo sobre o histórico da discricionariedade do poder público nas relações com agentes do setor elétrico:
“em 1943 instituiu-se um sistema de revisão tarifária consagrado até o início da década de 1960, que consistia na
negociação, caso a caso com o CNAEE, sobre problemas tarifários, sem que houvesse, de fato, uma revisão de
contratos, uma nova política tarifária” (CENTRO DA MEMÓRIA, 1995, p. 25).
64
Segundo Leite (1997) a iniciativa foi um reconhecido insucesso técnico, organizacional e econômico, só sendo
concluída em 1950 (7,5 MW).
65
Inaugurada em 1946 a usina de Gafanhoto, na cidade de Divinópolis/MG, visava atender o município de
Contagem/MG, que caminhava para se tornar o principal pólo industrial do estado de Minas Gerais, na
impossibilidade técnica-financeira da subsidiária local da AMFORP.
lxv
âmago da decisão do governo em agir em prol de medidas efetivas de planejamento do
suprimento. Com esse espírito, organizou-se no final de 1943, uma comissão técnica sob os
auspícios do Conselho Federal de Comércio Exterior – CFCE reunindo representantes da
Divisão de Águas do DNPM e do CNAEE para trabalhar na elaboração de um Plano Nacional
de Eletrificação - PNE (concluído em 1946). Na base dos trabalhos elaborados no âmbito do
PNE estava o diagnóstico do setor elétrico brasileiro feito pela Missão Cooke
66
, que
considerou o SEB como um dos gargalos para a expansão industrial no Brasil, fruto da
redução das inversões nos serviços de energia motivada em parte pela rigidez da política
tarifária do governo.
Mas, como veremos a seguir, é a partir da criação da Companhia Hidrelétrica do São
Francisco - CHESF
67
, fruto de ações promovidas ainda no governo Vargas, que teremos a
representação do:
[...] marco inaugural de um novo estágio no desenvolvimento do setor elétrico brasileiro. Além do
envolvimento do Estado no campo da geração da eletricidade o projeto da CHESF indicava a tendência à
construção de usinas de grande porte e à dissociação entre a geração e a distribuição de energia elétrica
(CENTRO DA MEMÓRIA, 1998, p. 96)
68
.
O Decreto-Lei 2.281/1940 permitiu o desenvolvimento de uma lei fiscal de eletricidade,
abordando não só a relação tributária com a eletricidade como a relação fiscal com a
concessionária, fornecendo as bases para a composição dos recursos necessários ao novo
perfil do Estado: “À medida que avançava a expansão do aparelho estatal – não apenas do
66
Em 1942 uma missão técnica norte-americana chefiada por Morris Cooke chegou ao Brasil atendendo um
pedido de Vargas para planejar a mobilização econômica em face dos esforços de guerra e de uma visão de
longo prazo para o país. Mais informações podem ser obtidas em Fundação Getúlio Vargas. A Missão Cooke no
Brasil. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Brasileiros, 1948.
67
Instituída pelo Decreto-Lei 8.031/1945, a CHESF foi criada com o objetivo de explorar o potencial hidráulico
da cachoeira de Paulo Afonso, no rio São Francisco, entre Alagoas e Bahia, atendendo o nordeste brasileiro que
era servido precariamente por geração de base termelétrica. A proposta de construção da usina foi levada a
Vargas por Apolônio Salles, ministro da Agricultura, que chegou a visitar os Estados Unidos para conhecer a
experiência do Tennessee Valley Authority (TVA) em organizar o planejamento regional (CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988, p. 96).
68
A questão da intervenção estatal na geração de energia, especificamente no caso das primeiras iniciativas no
Estado Novo, e da usina de Paulo Afonso, deve ser avaliada com cuidado, pois como explica Lima (1995, p. 41)
“as iniciativas do Estado na produção de energia elétrica não devem ser entendidas, naquele momento, como
fruto de decisão política pela estatização do setor. Tratava-se de empreendimentos isolados e desvinculados dos
esquemas de planejamento do governo federal”.
lxvi
ponto de vista econômico, como também do social e do repressivo, visto que se acentuavam
as características intervencionistas e regulatórias – recolocava-se a necessidade do
alargamento das bases fiscais do Estado” (DRAIBE, 1985, p.120).
Portanto, em função da conjuntura proporcionada pela Revolução de 1930, observamos
em relação ao setor elétrico os reflexos do aparelhamento do Estado, à medida que a criação
de instituições e instrumentos regulatórios permitiu ao governo intervir na concessão para
exploração de riquezas naturais, na prestação dos serviços de utilidade pública (elaborando
códigos e regulamentos), na definição do regime econômico-financeiro das tarifas
(controlando os lucros obtidos via monopólio) e no planejamento da expansão dos sistemas de
energia. Dotado o Estado, dos instrumentos positivados que garantiam sua intervenção, as
políticas governamentais puderam assim ser implementadas, em alguns casos, com o concurso
do SEB, garantindo os objetivos de desenvolvimento econômico-social, suporte à
industrialização, demarcação da soberania e defesa do território nacional.
lxvii
2.5 DE 1945 A 1963 – OS PRIMEIROS PASSOS A CAMINHO DA ESTATIZAÇÃO
A máquina estatal montada por Vargas funcionou também nas eleições de dezembro de
1945 levando o candidato situacionista, Eurico Gaspar Dutra, a uma vitória nas eleições por
larga margem sobre os candidatos oposicionistas. O Brasil vivia naquele momento uma onda
de entusiasmo pela possibilidade de mudança do quadro político e já apresentava uma
economia diversificada, com indústria de bens de consumo, embora com a existência de
grandes desequilíbrios sócio-regionais (IGLÉSIAS, 2002; BIELSCHOWSKY, 2000).
Foi no governo Dutra, fechando a década de 1940
que se completou a fase de modificações estruturais que se operaram ao longo da primeira metade do
século XX, culminando na passagem de uma economia centrada na exportação de produtos primários,
sobretudo agrícolas, para uma economia industrial voltada para o mercado interno e urbano,
principalmente, tendo o Estado como elemento indutor deste processo. Essa passagem foi marcada por
novas relações entre o Estado e os agentes econômicos constituindo um fator decisivo para o avanço e
consolidação do capitalismo no país (RIBEIRO, 2003, p.35).
Em relação ao setor elétrico, o governo Dutra não “[...] imprimiu direção perceptível à
trajetória institucional do setor: não se pretendeu recuperar a tarefa de regulamentação do
Código de Águas nem se privilegiou a empresa pública como núcleo do desenvolvimento
setorial” (LIMA, 1995, p. 51). Entrementes, destaca-se, em relação às ações voltadas para o
setor elétrico no governo Dutra, o plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte, Energia)
de 1950 que, embora limitado e não implementado de todo, garantiu os aportes de capital do
Estado para o andamento das obras de construção da usina de Paulo Afonso e a conseqüente
consolidação da CHESF, primeira intervenção federal direta na geração de energia.
Ainda no campo da planificação estatal, em 1948, se forma no Brasil a Missão Abbink
69
que recomendou a colaboração do capital estrangeiro nos setores de combustível, mineração e
elétrico, cabendo para o Estado a tarefa de regular as atividades, mas que só colheu algum
69
Sob a direção de John Abbink foi formada por um grupo de técnicos norte-americanos e brasileiros, esses
chefiados pelo economista Otávio Gouveia de Bulhões e retomava os princípios de cooperação econômica da
Missão Cooke. Para mais informações ver (DRAIBE, 1985).
lxviii
resultado pelo seu papel de diagnosticar os problemas estruturais da economia brasileira
(CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
Durante o governo Dutra, no nível político das decisões do Executivo e do Legislativo,
percebe-se, à exceção do protecionismo, um predomínio da corrente liberal sobre a
nacionalista e um efetivo fortalecimento ideológico do primado da iniciativa privada
70
, em
oposição ao primado do dirigismo estatal, que marcara o Estado Novo (BIELSCHOWSKY,
2000), situação espelhada no setor elétrico pela Constituição de 1946, que incorporou a
adoção do critério de justa remuneração dos investimentos e derrubou a iniciativa de
nacionalizar as empresas concessionárias de energia.
O segundo governo Vargas, a partir de 1951, representou o retorno às aspirações de
progresso social e autonomia nacional, por meio de uma industrialização acelerada e do
reforço da natureza e dos graus de interpenetração do Estado no processo de acumulação
capitalista. Esse projeto desenvolvimentista de Vargas baseia-se na centralização dos
comandos no Estado, na empresa pública como fator de dinamização do progresso, na
constituição de um banco de investimentos (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
- BNDE) e na abertura para a articulação do empresariado com o Estado (DRAIBE, 1985).
Em decorrência dos reduzidos investimentos feitos pelas concessionárias estrangeiras
no atendimento à crescente demanda por eletricidade e das crises no abastecimento de
energia, percebidas desde o governo Dutra e capazes de afetar todo o programa de
desenvolvimento para o país, o Estado, por meio de empresas públicas estaduais e federais,
iria se colocar como a única opção de garantia dos investimentos necessários, em etapas do
processo como a geração e a transmissão de energia, que precisam de investimentos maciços e
70
Segundo Bielschowsky (2000) o pós-guerra no Brasil assistiu uma intensificação em prol de um maior
liberalismo econômico. As argumentações liberais se pautavam nos lucros excessivos obtidos pela indústria
existente, acusada ainda de causar a inflação e a estagnação da agricultura, na necessidade de extinção ou
marginalização de órgãos de controle originados no Estado Novo, na liberação das importações e no
repatriamento de capital e lucros pelas empresas estrangeiras.
lxix
apresentam lenta maturação, nas quais o setor privado não logrou atender ao aumento da
demanda verificada.
Não por acaso, os resultados apresentados pelos estudos da Comissão Mista Brasil-
Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico - CMBEU
71
acabaram por reservar às
empresas públicas um espaço relevante nos projetos do setor, o que viria a respaldar as
iniciativas estaduais de enfrentar diretamente os problemas de racionamento de energia (como
no caso do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo), embora houvesse sido atribuído ao
Estado um papel prioritariamente regulador e supletivo à iniciativa privada (LIMA, 1995).
O rompimento dos acordos com a CMBEU, embora tenha dificultado o financiamento
dos programas de infra-estrutura, não impediu o Estado de realizar movimentos em prol da
consolidação da presença estatal no setor elétrico, tais como:
a) elaboração, em 1953, de um projeto fiscal visando capitalizar as empresas públicas
do setor com a criação do Fundo Federal de Eletrificação – FFE
72
, cujos recursos viriam
basicamente da cobrança do Imposto Único sobre Energia Elétrica – IUEE. Convertido
na Lei 2.308/1954, o projeto garantiu o IUEE como a primeira fonte de recursos de
cunho fiscal, de alcance nacional diretamente vinculada a investimentos no setor de
energia elétrica
73
. Sua cobrança não suspendeu outros tributos de âmbito estadual ou
municipal voltados para projetos regionais (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988), mas, se
mostrou fundamental, como veremos à frente, na constituição das empresas estaduais de
energia elétrica;
b) envio ao Congresso, em abril de 1954, de um novo Plano Nacional de Eletrificação –
71
Constituída em 1950 contou com a montagem de um esquema de cooperação financeira com o Banco Mundial
e o Eximbank. Mais informações sobre a CMBEU ver (BIELSCHOWSKY, 2000; DRAIBE, 1985).
72
Além da parcela oriunda do IUEE o FFE era formado por 20% da receita oriunda da cobrança da taxa de
despacho aduaneiro e por dotações orçamentárias federais. Os recursos do FFE seriam geridos pelo BNDE e para
que estados e municípios recebessem a parcela que lhes cabia (60%) deveriam ser constituídas em cada estado
uma empresa pública especificamente para esse fim (CENTRO DA MEMÓRIA, 1985).
73
O IUEE era um imposto sobre o consumo de eletricidade com 40% da arrecadação destinada à União e o
restante para estados e municípios.
lxx
PNE, consubstanciado no Projeto de Lei 4.277/1954, recomendando a exploração do
vastíssimo potencial hidrelétrico brasileiro na superação das crises energéticas,
mediante a intervenção decisiva do Estado na geração e transmissão, deixando para a
iniciativa privada a continuidade da exploração dos serviços de distribuição de energia
que exigiram menos capital e de giro mais rápido
74
. As intenções de Vargas em relação
ao setor elétrico e os limites da atuação do Estado, em relação aos da iniciativa privada,
restaram bem explicitadas na Mensagem ao Congresso Nacional sintetizando o PNE de
1954, momento em que é possível observar a escolha do intervencionismo estatal como
meio de superação das limitações impostas ao desenvolvimento econômico e social:
Os empreendimentos industriais previstos para serem executados pela União, compreendem somente
grandes usinas geradoras e linhas transmissoras em alta tensão, além da implantação da indústria pesada
do material elétrico, se a iniciativa privada se desinteressar de criá-la. A distribuição de energia aos
mercados consumidores foi deixada a cargo da iniciativa privada e dos governos regionais e locais,
mesmo nas zonas a serem supridas preponderantemente pelas usinas federais (LIMA, 1995, p. 65);
c) encaminhamento, juntamente com o PNE, do Projeto de Lei 4.280/1954 autorizando
a União a constituir a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S. A. - ELETROBRÁS
“[...] visando assegurar o arcabouço institucional das iniciativas do governo federal no
setor de energia elétrica” (LIMA, 1995, p. 67)
75
.
Como resume bem Leite (1997, p. 97), portanto:
O início da década de 50 foi, ao mesmo tempo, contraditório e construtivo quanto à expansão e ao
aperfeiçoamento do sistema elétrico. A par da controvérsia ideológica, somavam-se experiências. A
tendência de intervenção crescente de empresas sob controle do Estado se apoiava na tradição técnica
gerada no âmbito das empresas sob controle estrangeiro. E os organismos financeiros americanos e
internacionais apoiavam indiscriminadamente estes diversos componentes do eclético sistema elétrico que
se ia consolidando.
74
“Os objetivos genéricos da Mensagem, ampliados e concretizados no Plano, não foram aprovados durante a
gestão de Vargas; resgatados em parte pelo Plano de Metas do governo Kubitschek, só foram implementados
após 1964” (DRAIBE, 1985, p. 185). Para maiores informações sobre o PNE ver (CENTRO DA MEMÓRIA,
1985).
75
A ELETROBRÁS seria criada efetivamente em 1962, oito anos após o envio do projeto ao Congresso. O
papel de coordenação e financiamento dos investimentos públicos no SEB estava sendo feito BNDE. Segundo
Gonçalves Júnior (2002) na proposta inicial de constituição da ELETROBRÁS constava sua atuação na
implantação da indústria elétrica, em função de uma esperada demanda por máquinas e equipamentos para as
novas obras a serem realizadas pelo Estado. Esta perspectiva não agradou o cartel internacional da indústria
elétrica pesada e somente a partir da sua retirada do texto original do projeto é que a ELETROBRÁS teve sua
criação aprovada.
lxxi
Empossado na presidência da República em 1956, Juscelino Kubitscheck representaria
o auge do pensamento econômico desenvolvimentista, constituindo a base da nova estrutura
econômica do país, em uma etapa em que o planejamento econômico teria efeitos decisivos
sobre a economia (BIELSCHOWSKY, 2000), privilegiando a:
[...] entrada maciça do capital estrangeiro nas áreas novas, sob o envoltório ideológico do
desenvolvimentismo, promovendo a profunda internacionalização da economia, justificada pela
necessidade de viabilizar os novos blocos de investimento do setor privado. Sem dúvida, [...] foram
resguardadas áreas e fronteiras de expansão, associadas ou não ao capital nacional privado. Mas essa
forma assimétrica de composição do capital estatal, do capital privado nacional e do capital estrangeiro
era uma equação bastante diferente da que se desenhara no projeto varguista (DRAIBE, 1985, p. 251).
Espelho da política econômica de JK, o Plano de Metas reservou para o setor elétrico
23,7% dos investimentos globais (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988), estratégia aderente à
necessidade de garantir o suprimento energético para o avanço da industrialização. Voltado
para a atração dos investimentos estrangeiros, o Plano de Metas não tardou a abraçar a
bandeira da reforma tarifária das empresas de energia, corrigindo o defasamento histórico dos
preços com o objetivo de criar um clima propício para os investimentos no setor elétrico, já
que a outra opção disponível para garantir os investimentos necessários era quadruplicar o
valor do IUEE e foi descartada (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
Assim, em 1956, o Grupo de Trabalho de Energia Elétrica - GTENE, organizado no
âmbito do Conselho de Desenvolvimento
76
, concluiu seus estudos sob a forma de um projeto
de lei propondo a elevação da taxa de remuneração dos investimentos realizados de 10 para
12%, a correção monetária trienal dos investimentos e o reajuste tarifário automático das
tarifas sempre que houvesse elevação dos custos das empresas acima de 10% (LEITE, 1997).
Entretanto, em face das oposições nacionalistas ao projeto no Congresso, JK aprovou,
em 1957, o Decreto 41.019, do Regulamento Geral dos Serviços de Eletricidade, que manteve
o reajuste automático, mas, recuou nos outros dois pontos principais (LIMA, 1995). Mais do
76
O Conselho de Desenvolvimento foi instituído em 1956 no governo JK e se tornou a primeira agência
deliberativa responsável por planejar e formular políticas econômicas (CODATO, 1997).
lxxii
que discutir a questão tarifária o Decreto, extenso e abrangente, acabou por preencher lacunas
deixadas na regulamentação pelo Código de Águas se tornando importante base normativa
para o setor elétrico (LEITE, 1997).
Além das investidas dos governos estaduais, diretamente, em empreendimentos de
geração de energia, para atender as carências pontuais que se verificavam, realizou-se no
governo JK obras expressivas como a ampliação da usina de Paulo Afonso e a construção de
Furnas (1.200 MW) e Três Marias (396 MW) em Minas Gerais, a partir de recursos oriundos
do FFE, fundamentais para uma alteração no perfil do setor elétrico e que também iria
contribuir, mais à frente, para a progressiva encampação pelas empresas estaduais das
concessionárias estrangeiras que operavam em suas regiões
77
.
Com o IUEE criado em 1953, é dado um estímulo afirmativo à estatização do setor
elétrico, fazendo com que, a partir de 1956, quando a transferência dos seus recursos para os
estados ficou condicionada a apresentação de planos de eletrificação, surgisse um grande
número de empresas estaduais de energia, independentes entre si e em relação ao governo
federal, que contribuíram para o aumento significativo da capacidade instalada de energia
elétrica no país, que saltou de 2.105 MW em 1953, para 6.355 MW em 1963, já com uma
participação das concessionárias estaduais da ordem de 28% do total do parque gerador,
fazendo com que, definitivamente, a empresa privada passasse a perder espaço para a empresa
pública
78
.
Em novembro de 1962, com as bases para o financiamento dos investimentos no setor
elétrico afetadas pelo processo inflacionário (LIMA, 1995), é sancionada a Lei 4.156, que
transforma o IUEE em imposto ad valorem e cria o empréstimo compulsório, calculado sobre
77
Para um panorama dos investimentos e obras no setor elétrico no período, bem como do processo de
constituição das empresas estaduais e de posterior encampação das concessionárias estrangeiras ver (CENTRO
DA MEMÓRIA, 1988, 1995; LEITE, 1997; RIBEIRO,2003).
78
Uma idéia do salto representado por esse crescimento é a comparação com a capacidade instalada em 1945,
que era de 1.341 MW. Dados sobre a evolução da capacidade instalada de energia elétrica no Brasil podem ser
obtidos em (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988).
lxxiii
a conta de energia (15% do valor da conta a partir de 1964 e 20% nos anos seguintes) e
atrelado a obrigações da recém estabelecida ELETROBRÁS (com rendimento de 12% a.a.,
sem correção monetária
79
e prazo de resgate de 10 anos), a vigorar por cinco anos. O
empréstimo compulsório, de 1962, foi uma clara exemplificação dos poderes do Estado em
aplicar medidas redistributivas, deslocando recursos de grandes grupos sociais em prol da
execução de suas políticas públicas.
A forma de atuação do Estado no setor elétrico foi pautada, também, pela necessidade
de produzir a conciliação entre os diversos tipos de interesses que se articulavam na arena
política, indo do nacionalismo extremado aos interesses do capital internacional com
investimentos vultuosos realizados nas concessionárias de energia. A opção, gestada no
governo Vargas, de atuar nos segmentos de geração e transmissão, deixando a distribuição
para as concessionárias locais foi a que logrou mais aceitação, pois, sob suas tintas
nacionalista-desenvolvimentistas, grupos como a AMFORP e a Light, viam a possibilidade de
se beneficiar significativamente da interligação com os sistemas elétricos estatais para
aumentar seu poder de oferta, sem que houvesse, para tanto, custos adicionais significativos
(ABRANCHES, 1977)
80
. Mas a possibilidade de vir a encampar, no futuro, as
concessionárias de distribuição levou o governo a criar, em 1962, a Comissão Nacional das
Empresas Concessionárias de Serviços Públicos - CONESP, que contava com a participação
da ELETROBRÁS e objetivava:
[...] indicar ao Poder Executivo os serviços que deveriam passar ao regime de exploração direta, negociar
as condições e a forma de reembolso ou indenização aos acionistas, bem como fixar normas a serem
seguidas no tratamento do patrimônio e na avaliação dos ativos das empresas a serem nacionalizadas
(CENTRO DA MEMÓRIA, 1988, p.198).
79
Segundo Leite (1997), essa disposição faria com que as obrigações da ELETROBRÁS se tornassem um dos
títulos mais depreciados do mercado de capitais, posto que entre 1961-4 a taxa média de variação anual da
inflação era de 62,4% e para o período 1964-7 de 51,5%.
80
O acordo tácito entre as partes para essa divisão das atividades no setor elétrico foi denominada por Nivalde de
Castro (apud LORENZO, 2002) de “pacto de clivagem”. Interessava, nas visões das partes, por dar uma
sobrevida às empresas estrangeiras e permitir progressivamente um domínio estatal sobre toda a cadeia
produtiva.
lxxiv
Conclui-se, portanto, que no período de 1945 – 1963 predominou a:
[...] clara tendência à intervenção do Estado na formulação e execução da política de energia elétrica do
país. Não obstante a posição ideologicamente contrária de segmentos políticos importantes, que ganharam
força pela influência americana após a guerra e pela queda de Vargas, a necessidade de energia para
permitir a industrialização e a mudança do perfil produtivo do país impunham essa solução (SOUZA,
2002, p.68).
Para garantir os investimentos e as obras necessárias em geração e transmissão de
energia, de forma suplementar a iniciativa privada e em articulação com esta, contornando a
possibilidade de uma crise energética de porte ou o fracasso do modelo desenvolvimentista, as
políticas governamentais voltadas para o setor elétrico ou implementadas com o concurso
deste (programas fiscais e de planejamento, criação de empresas públicas, realidade tarifária)
criaram as condições para uma atuação decisiva do Estado em projetos de infra-estrutura
vitais para a expansão econômica, caracterizando um modelo de intervenção parcial, no qual a
União desenvolvia projetos de geração e transmissão e a empresa privada se encarregava dos
serviços de distribuição de energia:
[...] as decisões que terminaram por definir os parâmetros da ação estatal na economia resultaram de um
complexo jogo político no qual, ao mesmo tempo em que era negociada – a nível das classes dominantes
– a organização do exercício do poder, sedimentavam-se alianças e compromissos que definiam a posição
dos agentes sociais mais relevantes no sistema de dominação e no próprio aparelho do Estado
(ABRANCHES, 1977, p. 8).
Completando o quadro, o setor elétrico brasileiro chegava ao final desse período com as
concessionárias atuando de forma verticalizada, sob uma tímida regulação do recém criado
MME (Lei 3.782/1960), com bases fiscais garantidoras dos investimentos estatais em
expansão e com as tarifas fixadas com base no custo do serviço, observando uma
remuneração garantida para os capitais investidos.
lxxv
2.6 DE 1964 A 1984 – APOGEU E CRISE: AS FACES DA
INSTRUMENTALIZAÇÃO DO SEB
Em março de 1964, o presidente João Goulart foi deposto por um golpe de Estado que
marcaria o início de vinte anos de regime militar, um momento de inflexão na trajetória
político-democrática do país. O modelo autoritário de continuidade da política de
desenvolvimento industrial previa uma expansão econômica impulsionada pela retirada de
entraves de natureza política e social oriundos da fase democrático-populista precedente.
Avançando sobre salários e sindicatos e articulando-se com as corporações multinacionais,
impôs as medidas necessárias para o avanço do capitalismo brasileiro (NOGUEIRA, 1998;
CANO, 1993; SADER, 2003):
O regime articulou-se simultaneamente com os grupos dominantes mais atrasados e com o grande capital
monopolista, promovendo rápida modernização econômica. Graças a uma inédita dose de intervenção
estatal, que centralizou decisões e subsidiou esforços expansivos, a produção industrial conheceu enorme
crescimento e a velha estrutura latifundiária foi contagiada pela racionalidade capitalista. Para realizar
uma rápida acumulação, o regime pôs em prática uma política econômica voltada para a produção de bens
de consumo duráveis, favoreceu as grandes empresas nacionais e estrangeiras, capitalizou e reprivatizou a
economia, reduziu salários e estimulou o inchaço do sistema financeiro. Modernizou o País, mas
deformou-o em vários setores, recheando de artificialismo a estrutura produtiva e impondo um pesado
ônus à sociedade. Após ter dado origem a um ciclo expansivo de curta duração (1967-73), tal modelo
econômico, concentrador e excludente, abriu falência, exponenciando seus efeitos mais perversos. Dentre
outros aspectos, jogou o país em grave crise inflacionária e recessiva, que se estendeu por toda a década
de 80 (NOGUEIRA, 1998 p. 103).
Não registrando uma ruptura substancial em relação ao modelo de desenvolvimento de
períodos anteriores, foram observadas ainda, ações voltadas para a ampliação da intervenção
do Estado na ordem econômica e para a modernização administrativa calcada nas empresas
públicas. Os governos do período implementaram reformas de cunho tributário, bancário e
financeiro que propiciaram o crescimento do setor financeiro, no qual o Estado se destacava
como tomador da poupança interna (utilizando mecanismos de poupança compulsória)
81
, e de
empréstimos no mercado internacional o que, juntamente com os resultados positivos obtidos
pelas estatais, culminaria em colocá-lo como o principal investidor nos setores de infra-
81
Como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS instituído em setembro de 1966.
lxxvi
estrutura.
No tangente ao SEB, o Estado assume as funções de planejamento, geração, transmissão
e até distribuição de energia elétrica, atuando em setores que já não se mostravam mais
atraentes ao agente privado, naquele contexto, em razão de demandarem capital intensivo e de
possuírem um longo estágio de maturação. A análise das mudanças estruturais do setor
elétrico, no período do regime militar, pode ser auxiliada pela observação de duas fases
distintas: de 1968 a 1974, ou a fase do “milagre brasileiro”
82
e a fase pós II Plano Nacional de
Desenvolvimento - PND
83
lançado, em 1974, pelo governo Geisel, para enfrentar as
dificuldades impostas pela crise do petróleo em 1973. Se durante o “milagre brasileiro” o
Brasil alcançou um processo de desenvolvimento acelerado, com taxas anuais recordes de
crescimento, assistiu com a crise do petróleo
84
a uma contração nas fontes de financiamento
externas, elevação das taxas de juros e déficits sucessivos na balança de pagamento que, à
medida que promoviam a reorientação da política econômica, traziam desdobramentos para a
conjuntura do SEB.
Com relação a este, foi fato relevante a finalização, em outubro de 1964, a partir do
planejamento realizado pela CONESP, das tratativas para a compra pelo governo federal das
empresas da AMFORP no Brasil (US$ 135 milhões), que passaram a incorporar em 1968 os
82
Por “milagre brasileiro” considera-se o período de desenvolvimento acelerado entre 1968 e 1974. A
disponibilidade externa de capital e a determinação dos governos militares de fazer do Brasil uma "potência
emergente" viabilizaram no período pesados investimentos em infra-estrutura (incluídas as usinas hidrelétricas e
nucleares), nas indústrias de base, de transformação, equipamentos, bens duráveis e na agroindústria de
alimentos, com a economia apresentando resultados excepcionais (PIB crescendo a 12 % e o setor industrial a
18% ao ano).
83
O II PND pretendia ajustar o funcionamento da economia nacional às mudanças provocadas pela crise
internacional do petróleo reservando um importante papel para as empresas produtivas estatais, direcionando
investimentos para setores que contribuíssem para a redução da dependência interna do petróleo importado. Seus
resultados foram afetados pela especulação no mercado internacional, o aumento da inflação e a dificuldade em
desestimular o crescimento do setor de bens duráveis em prol de bens de capital (CANO, 1993; CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988).
84
A crise do petróleo, em 1973, atingiu toda a economia mundial a partir da elevação dos preços no mercado
internacional e redução da produção pelos países integrantes da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo - OPEP, que respondiam por mais de 60% da produção mundial e quase 90% das exportações. A
chamada crise do petróleo afetou o "milagre econômico" de formas distintas, se por um lado provocou o
aumento da dívida externa por outro estimulou programas alternativos de energia como o Pro-álcool e a energia
nuclear.
lxxvii
ativos das concessionárias públicas estaduais que se formaram sob os auspícios do FFE
85
. Em
1979, seria a vez da Light ser adquirida pelo governo federal e transferida para o controle
acionário da ELETROBRÁS em uma operação que suscitou muitas críticas em função da
proximidade do término da concessão, que possuía cláusula de reversão do acervo sem
indenização, e dos altos valores pagos pelo Estado (US$ 380 milhões)
86
. A aquisição das
concessionárias estrangeiras deu uma nova face para o setor elétrico brasileiro, agora público,
em praticamente, toda sua extensão.
87
No reordenamento das instituições federais destaca-se a criação do Departamento
Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE em 1968 e a extinção do antigo CNAEE. O
DNAEE passou a “[...] promover atos normativos dos serviços de eletricidade; responder pela
concessão de aproveitamentos de recursos hídricos; fixar as tarifas de energia elétrica e atuar
como árbitro das pendências suscitadas pela aplicação da legislação” (LIMA, 1995).
Além do estabelecimento do DNAEE como órgão normativo e fiscalizador do setor de
energia elétrica, a ELETROBRÁS e o MME, progressivamente, vão consolidando os
instrumentos de planejamento, coordenação e de execução de políticas de governo para o
setor elétrico, fato impulsionado pela necessidade de se conduzir a expansão do setor elétrico
de forma integrada entre as empresas, garantindo a racionalidade das ações e a maior
confiabilidade dos sistemas. A liderança da empresa pública no processo de expansão do setor
elétrico passa a ser reforçada (LIMA, 1995). Tipificação dessas afirmativas foram os
trabalhos realizados no âmbito da cooperação entre o consórcio CANAMBRA
88
e o Comitê
85
Informações adicionais sobre o processo de encampação podem ser obtidas em (CENTRO DA MEMÓRIA,
1988; RIBEIRO, 2003; LEITE, 1997). Destaque para a encampação da subsidiária da AMFORP no Rio Grande
do Sul pelo governador Leonel Brizola em 1959 ao preço simbólico de um cruzeiro.
86
Maiores informações sobre a venda da Light podem ser obtidas em (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988; 1995).
87
Exceção feita no término do peodo a 29 empresas privadas de produção e distribuição de energia, de capital
nacional, concentradas em sua maioria no sudeste e sul do país, mas todas de pequeno porte. (CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988).
88
O consórcio CANAMBRA, cujo nome representa as iniciais dos países dos grupos técnicos envolvidos
(Canadá, América e Brasil), nasceu a partir de uma proposta inicial da então Centrais Elétricas de Minas Gerais -
lxxviii
Coordenador de Estudos Energéticos da Região Centro-Sul
89
cujos relatórios de 1963 e 1966
apresentaram planos de expansão, levantamento de potenciais hidráulicos e estudos de
crescimento de mercado, representando o “[...] maior e mais completo planejamento elétrico
integrado até então realizado no mundo ocidental” (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988, p. 208).
Os vultosos investimentos e os trabalhos técnicos realizados no setor elétrico, nesse
período, tendo o Estado à frente, foram responsáveis pela interligação dos diversos sistemas
elétricos existentes consolidando a formação do SIN e para o crescimento expressivo do
parque gerador, que dos 6.355 MW de 1963 chegaria em 1984 com 38.399 MW (CENTRO
DA MEMÓRIA, 1988).
A coordenação e o planejamento centralizador envolvendo a participação dos órgãos
federais e das fortalecidas concessionárias estaduais
90
, que no final da década de 60, já
dispunham de grupos próprios voltados para o planejamento, estabeleceram um padrão
técnico de atuar frente às especificidades do setor elétrico brasileiro, o que garantiria um
melhor aproveitamento da capacidade de geração e transmissão de energia existente.
As possibilidades de financiamento do setor, a partir do IUEE e do empréstimo
compulsório, foram reforçadas pelo Decreto 54.936/1964, que tornou obrigatória a correção
monetária do valor original dos bens do ativo imobilizado para as concessionárias de serviços
de energia elétrica (realismo tarifário). Na mesma linha o Decreto 54.937/1964, regulamentou
o tombamento das concessionárias para que ficasse determinado o investimento feito. O
CEMIG para levantar os recursos hidroenergéticos de Minas Gerais, estendida para a região sudeste por sugestão
do órgão financiador, o Banco Mundial.
89
Criado em abril de 1963, para coordenar os trabalhos do projeto CANAMBRA, o Comitê era composto por
representantes do MME, do Banco Mundial, dos estados do sudeste e de Furnas, representando a
ELETROBRÁS. Maiores informações podem ser vistas em (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988, 1995; LIMA,
1995; LEITE, 1997).
90
Destaca-se a criação do Comitê Coordenador da Operação Interligada - CCOI em 1969 e dos Grupos
Coordenadores para Operação Interligada - GCOI em 1973 que visavam dois objetivos primordiais: garantir o
atendimento adequado e promover a economia de combustíveis em centrais termoelétricas (CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988). Cita-se ainda o Grupo Coordenador de Planejamento dos Sistemas Elétricos - GCPS criado
em 1980-1982. Para maiores informações sobre a evolução da coordenação e planejamento integrados no setor
elétrico consultar (CENTRO DA MEMÓRIA, 1988, 1995; LIMA, 1995; LEITE, 1997).
lxxix
arrazoado seguinte expressa os objetivos contidos nos Decretos e seus resultados:
As repercussões desses decretos sobre a formação do custo do serviço das empresas de energia elétrica
foram consideráveis, uma vez que o item de maior peso neste custo era exercido exatamente pelo ativo
imobilizado. O objetivo dessas medidas era aproximar gradativamente o custo histórico desses ativos do
seu valor a preços correntes, o que implicaria, conseqüentemente, em substanciais elevações das tarifas.
Nos anos pós-1964, portanto, com a instituição do chamado realismo tarifário, foi possível praticar o
serviço pelo custo. Dessa forma, verificou-se a ampliação, no total das fontes de recursos do setor de
energia elétrica, da parcela de autofinanciamento, em detrimento dos recursos provenientes de dotações
orçamentais em nível federal, estadual e municipal, e de cunho fiscal. Até 1967, as tarifas cresceram, em
média, 62,4% ao ano, enquanto a inflação atingiu 39,0%, em média, no mesmo período (CENTRO DA
MEMÓRIA, 1988, p. 218).
Entretanto, os novos níveis de custo com o serviço não eram aplicados de forma
uniforme dentro da estrutura tarifária. O Decreto 62.724/1968, regulamentando o
agrupamento de consumidores em classes para fins de análise do custo do serviço e fixação de
tarifas, dava a medida da subvenção dos consumidores de baixa tensão aos de alta tensão,
estratégia estatal baseada em uma repartição dos custos do serviço de forma a privilegiar
determinados setores da economia:
[...] certa classe de consumidores [...] subvenciona os usuários para os quais a energia é insumo principal,
em outras palavras, os consumidores em baixa tensão estão pagando mais caro em favorecimento dos
grandes consumidores industriais. Trata-se de uma distorção nitidamente planejada, para favorecer a
orientação desenvolvimentista que visa criar no Brasil um Estado ou sociedade industrial. Veja-se como o
preço público da energia elétrica pode contribuir para a política econômica de qualquer país (ÁLVARES,
1978, p.405).
Ainda sobre o padrão de financiamento do setor elétrico, anteriormente à crise do
petróleo, merece destaque a majoração das alíquotas do IUEE em 1969 e a criação, em 1971,
da Reserva Global de Reversão – RGR, cujo objetivo era prover recursos para os casos de
reversão e encampação dos serviços de energia elétrica. Da mesma forma que a estrutura
tarifária, as formas de cobrança, tanto do IUEE quanto o empréstimo compulsório, estavam
baseadas em um faturamento diferenciado por segmento de consumo, de forma a onerar
classes específicas em conformidade com os resultados pretendidos pela política tarifária, o
que favoreceu determinados segmentos produtivos. Exemplo dessa cobrança diferenciada
eram os valores mais altos da IUEE pagos pelos consumidores residenciais, categoria que não
alteraria seu ritmo de crescimento de consumo a partir da elevação dos preços cobrados, em
lxxx
relação aos industriais.
O modelo institucional-regulatório e o padrão de financiamento do SEB implicavam, no
período, em uma transferência para a ELETROBRÁS de variada gama de atribuições
estratégicas. Tendo assumido, concomitantemente com sua atuação empresarial, o papel de
banco de desenvolvimento setorial, contava com um montante expressivo de recursos
oriundos do empréstimo compulsório, do IUEE e da RGR, traduzindo uma centralização de
recursos públicos voltados para a viabilização de grandes projetos de expansão.
Além das reformas fiscal e financeira do Estado no período e do aumento da capacidade
de geração interna de recursos através do realismo tarifário, o SEB estruturou suas formas de
financiamento no período 1967-1973, a partir da elevada disponibilidade de linhas de
financiamento oriundas do exterior, aspecto determinante para a realização de um
significativo conjunto de inversões na expansão dos serviços, de maneira aderente ao
crescimento do mercado consumidor, mesmo que ao peso de forte endividamento externo. No
período supracitado a expansão dos investimentos no setor de energia registrou taxas reais
superiores a 14% ao ano (LIMA, 1995).
Temos, portanto, no período 1964-1973, que as reformas implementadas pelo regime
autoritário e o cenário econômico internacional viabilizaram as condições de financiamento
necessárias para a expansão do SEB, processo para o qual as empresas públicas, capitaneadas
pela ELETROBRÁS, foram dotadas da autonomia necessária para exercer a liderança,
garantindo um período de relativo equilíbrio nas transformações associadas à constituição do
setor.
A crise do petróleo, entretanto, com os efeitos decorrentes da quadruplicação do preço
internacional do produto, passou a afetar a balança de pagamentos e fez com que as ações do
governo se tornassem mais incisivas, em prol de uma utilização do SEB como veículo de
implementação de políticas públicas, na linha de uma atuação que
lxxxi
[...] subsidiasse com tarifas reduzidas a implantação de indústrias eletrointensivas e substituísse o
consumo de combustível por eletricidade nos processos industriais em geral, o que obrigou o setor a
investir em novas plantas, maiores e mais distantes dos centros de carga, elevando os custos de operação e
investimentos setoriais. Ao mesmo tempo, visando reduzir os impactos inflacionários, controlava também
as tarifas em níveis inferiores aos demais aumentos de preços (ROSA; TOLMASQUIN; PIRES, 1998,
p.155).
Após o II PND, com a política de preços públicos adotada pelo Conselho de
Desenvolvimento Econômico – CDE
91
defendendo o suprimento ao menor custo possível dos
insumos industriais básicos (energia elétrica inclusa) produzidos por empresas
governamentais de forma a viabilizar e complementar a ação do setor privado (LIMA, 1995),
as empresas começaram a depender ainda mais do financiamento externo para garantir os
investimentos necessários à expansão dos sistemas que, naquele momento, deveriam ainda
cumprir o papel de oposição à conjuntura recessiva (investimentos anticíclicos) e de equilíbrio
da balança de pagamentos, o que aumentou o endividamento em moeda estrangeira e
desestruturou as finanças do SEB, posto que, naquele momento, esses recursos originários do
exterior já não eram tão fartos quanto antes. Entre o máximo de 1972 e o mínimo de 1986 a
tarifa média reduziu 44% (LEITE, 1997).
Acerca dos pressupostos dessa utilização do SEB como instrumento de implementação
de políticas governamentais, temos, nos dizeres de Dain (1977, p. 150-151), que:
[...] o caráter público da empresa estatal pode se manifestar por meio do repasse de seu potencial de
acumulação, através de preços subsidiados de sua produção, divisão das áreas de atuação e outros
mecanismos, a setores privados definidos como prioritários pela política econômica global. [...] por mais
eficiente que possa ser uma empresa pública, se a ela se agrega uma função implícita de reforço à
acumulação privada, a qual necessariamente reduz sua capacidade de autofinanciamento, a mesma
empresa está obrigada a recorrer a fontes externas de recursos, acrescentado novas etapas à cadeia de
operação entre setor público e setor privado.
O período 1973-1982 ficou marcado pela adoção para o SEB de estratégias derivadas
das orientações para a política macroeconômica emanadas pelo II PND, como: a manutenção
dos elevados patamares de investimento no SEB, mesmo em face da nova realidade
internacional, a partir do intensificado acesso a fontes de recursos externos destinados a
91
Entidade supra-ministerial criada em 1974, durante o governo Geisel e incumbida de estabelecer as diretrizes
gerais da política de desenvolvimento.
lxxxii
complementar a fórmula anterior calcada em parte no autofinanciamento; pela utilização da
contenção tarifária como instrumento de redução de altas de preços (controle inflacionário) e
de estímulo para o desenvolvimento; e pelo papel reservado para as empresas estatais na
atenuação dos desequilíbrios no balanço de pagamentos e dos efeitos cíclicos da crise sobre o
conjunto da economia brasileira (LIMA, 1995; VIEIRA, 2005).
Outro aspecto relevante para o entendimento da atuação do Estado na economia, por
intermédio do setor elétrico, foi a equalização tarifária iniciada na década de 1970, uma
tentativa de transpor para o setor elétrico, com insucesso, a mesma uniformidade dos preços
dos derivados de petróleo. Até 1974, as tarifas de energia eram diferenciadas no país por áreas
de concessão. Tais diferenciações poderiam ser, até tal ponto significativas, que poderiam
afetar as decisões sobre o estabelecimento de novas instalações industriais, prejudicando
ainda mais o equilíbrio entre regiões. A área de concessão da Light, por exemplo, apresentava
os custos médios mais baixos em função da alta densidade do seu mercado e uma energia
proveniente, basicamente, de fontes hidráulicas.
Em 1974, foi criada a Reserva Global de Garantia - RGG que transferiria recursos das
empresas mais rentáveis para as menos rentáveis, de forma que essas pudessem praticar
tarifas mais acessíveis. Como os custos de produção eram diferentes, para cada
concessionária, ocorria uma compensação a ser paga ou recebida por intermédio do fundo
equalizador tarifário (RGG), fazendo com que as concessionárias mais eficientes julgassem
estar subsidiando as menos eficientes e resultando em gastos desnecessários na operação,
passíveis de rateio, ou na resistência (e má vontade) contra as decisões governamentais. Os
déficits ou excessos de remuneração, de cada concessionária, eram registrados, no momento
da prestação de contas anual, na Conta de Resultados a Compensar – CRC, para serem,
posteriormente, repassados as tarifas.
A equalização das tarifas de energia, em nível nacional, marcaria o setor a partir desse
lxxxiii
período, transformando-se em um dos pivôs da crise institucional e um bom exemplo dos
reflexos negativos de uma utilização do SEB, como instrumento de implementação de
políticas públicas, resultando em atritos entre concessionárias, e em desequilíbrios, tanto
financeiros, quanto na expansão do setor. Ao misturar questões econômicas e sociais,
assimilando o setor como uma única e gigantesca companhia, na qual as empresas de estados
mais atrasados eram beneficiadas pela atuação do conjunto, a equalização tarifária deixava de
sinalizar o emprego racional dos recursos e
Vários efeitos negativos surgiram, decorrentes dessa política: as tarifas deixaram de sinalizar os custos
incorridos ao consumidor (não propiciando alocação ótima de recursos), as concessionárias mais
eficientes e/ou com menores custos operacionais julgavam estar subsidiando as menos eficientes (criando
má-vontade ou resistência às contribuições ao fundo ou mesmo provocando gastos desnecessários na
operação, para serem incorporados ao custo do serviço), as concessionárias ineficientes ou com maiores
custos não tinham incentivos à sua redução, e, de maneira global, a contenção dos níveis tarifários
associada à sua equalização provocou contração dos recursos de natureza pára-fiscal, dependentes da
tarifa média, ajudando a desorganizar ainda mais o equilíbrio financeiro da indústria e sua possibilidade
de expansão (SOUZA, 2002, p. 90).
Em 1979, a política energética nacional passou a ser afetada pelos impactos de um
segundo choque do petróleo e pela elevação das taxas de juros internacionais
92
, eventos que
se somaram a novos episódios da década de 1980 (desvalorizações cambiais, crise mexicana)
e levarão o país para um grave cenário de crise cambial e inflacionária, contribuindo para uma
discussão quanto ao papel do Estado intervencionista na economia, em função da
incapacidade de produção das respostas necessárias ao enfrentamento do cenário econômico
internacional, que reverteu o ciclo de crescimento, e de representação dos interesses
econômicos e sociais da sociedade brasileira. A grave crise do setor elétrico, que adentra a
década de 1980, evidenciou as limitações dos instrumentos de controle do Estado, a
interferência de interesse privados na administração pública e a deterioração das relações
entre empresas estaduais, controladas e a ELETROBRÁS, com a eclosão de conflitos de
natureza financeira e institucional (LIMA, 1995).
92
“O gesto americano de subir unilateralmente as taxas de juros em outubro de 1979 foi deflagrado com o
propósito de resgatar a supremacia do dólar como moeda reserva. O fortalecimento do dólar não só reafirmou a
liderança do sistema financeiro e bancário americano, como engendrou uma nova etapa de reestruturação
produtiva à escala global” (BELLUZZO; CARNEIRO, 2003, p.1).
lxxxiv
Em 1982, as tarifas começaram a ser calculadas através do conceito de tarifas baseadas
em custos marginais
93
, que se mantém até hoje (Decreto 86.463/1981), com ligeiras
mudanças, alterando a estrutura tarifária de forma a repartir os componentes de demanda e de
consumo de energia em uma configuração horo-sazonal. A teoria marginalista permitia a
existência de subsídios cruzados entre os consumidores, viabilizando tarifas sociais e
incentivos e favorecendo setores industriais e regiões (SAUER, 2002).
Concluímos este tópico ressaltando o vasto repertório de opções disponíveis aos
governos militares, parcialmente elencado aqui, demonstrativo do primado da intervenção
estatal no setor elétrico, momento em que o Estado se valeu da instrumentalização política das
empresas públicas para subsidiar atividades e setores tidos como relevantes para a economia,
impulsionar o desenvolvimento econômico, produzir efeitos que se contrapusessem às crises
econômicas, reduzir diferenças regionais, controlar índices inflacionários através,
principalmente, das políticas tarifária e fiscal adotadas, embora tais medidas viessem a
promover, logo em seqüência, a total inviabilização econômico-financeira das empresas de
energia elétrica.
93
Ver item 2.2 O setor elétrico brasileiro: uma breve exposição.
lxxxv
2.7 DE 1985 A 1994 – A FADIGA DO MODELO ESTATIZANTE E
INSTRUMENTALIZADOR: REVENDO O PAPEL DO ESTADO
Graças a um cuidadoso e eficiente trabalho de articulação política, Tancredo Neves foi
eleito presidente no colégio eleitoral de 1985, colocando um ponto final no já debilitado
governo militar, afetado pelos reflexos de um ambiente econômico internacional marcado por
crises que colocavam em xeque o papel e a própria forma do Estado:
As dificuldades econômicas dos anos 80, a fragilização do Estado, especialmente a redução de sua
capacidade econômica de condução do sistema capitalista nacional tiveram um papel importante na forma
pela qual se deu a desagregação final do regime militar e, por essa via, nas condições políticas legadas ao
governo que se instaurou em 15 de março de 1985 (SALLUM JÚNIOR; KUGELMAS, 1993, p. 289).
Com o falecimento de Tancredo Neves, José Sarney assumiu a presidência e defrontou-
se nos anos de seu governo com uma crise econômica impulsionada por uma violenta pressão
inflacionária, que acabaria por deslocar o debate político para as questões econômicas de
curto prazo e para a polêmica dos planos de estabilização que se sucederam (SALLUM
JÚNIOR; KUGELMAS, 1993).
Tornada comum a prática de utilização do setor elétrico, nessa altura já quase todo
estatizado, como ferramental de política de governo, dada sua capacidade de gerar reflexos
específicos sobre determinados segmentos da sociedade, verificou-se a construção de uma
situação paradoxal. Se, por um lado, como parte do setor produtivo estatal, o SEB poderia ter
acesso a diferentes fontes de financiamento, que não, necessariamente, se vinculavam aos
resultados de uma boa gestão empresarial (dotações orçamentárias federais e estaduais,
empréstimos com juros mais baixos), por outro lado a própria função de prover suporte à
determinadas políticas econômico-sociais do governo acabava por expor as concessionárias
do serviço público de eletricidade a uma condição de desequilíbrio econômico-financeiro, e é
esta faceta que aflora com mais intensidade nos anos seguintes de nosso roteiro.
Marcado por um cenário no qual o próprio Estado sofria as conseqüências de uma crise
lxxxvi
fiscal, o aporte de recursos para o setor elétrico, vindo de fontes estatais, não só era
prejudicado como, em sentido contrário, o próprio governo utilizava as concessionárias para a
obtenção de divisas no exterior no fechamento do balanço de pagamentos do país, a despeito
do encarecimento dos custos de captação, deteriorando ainda mais as condições econômico-
financeiras das empresas e estreando uma nova estratégia estatal de utilização do SEB como
instrumento de implementação de políticas públicas.
A evolução do SEB estava, naquele momento, marcada pela combinação entre a perda
de fontes de financiamento, aumento dos custos internos e tarifas que já não refletiam a
realidade da concessão, agravando o desempenho financeiro e técnico das empresas.
Incapacitadas, de realizar o volume de investimentos necessários para acompanhar a expansão
e manutenção dos serviços, as empresas ainda tinham que conviver com
[...] a fragilidade do órgão regulador (DNAEE), erros de planejamento, interesses políticos locais e
pressões de grupos de interesse vinculados às empresas construtoras. Estes elementos induziriam o setor
elétrico a sugerir tarifas inadequadas, a aceitar esquemas de financiamento incompatíveis com seu fluxo
de caixa e a programar obras que não necessitava, enquanto postergava obras indispensáveis à melhoria
do seu desempenho técnico e financeiro (ROSA; TOLMASQUIN; PIRES, 1998, p.156).
No que pese o setor elétrico no período consuma-se, portanto, “[...] a liquidação final do
setor elétrico” (LEITE, 1997, p.276). Na base da crise estão a “desestruturação dos fluxos
financeiros setoriais e a desorganização da estrutura institucional do setor elétrico” (ROSA;
TOLMASQUIN; PIRES, 1998, p.155), motivadas pela combinação de uma série de fatores,
que vão da gestão ineficiente do SEB até as formas encontradas pelos governos para enfrentar
o cenário econômico internacional desfavorável, marcado pelas crises do petróleo e o
aumento das taxas de juros internacionais.
Por sua vez, os problemas de gestão nas concessionárias vão, não só conduzir a um
grave quadro institucional, como fornecer subsídios para a construção futura dos argumentos
pela privatização das empresas estatais do setor. Nessa linha é possível citar:
a) ingerências políticas na administração das empresas;
lxxxvii
b) dificuldades de relacionamento dos agentes com o órgão regulador e na atuação deste
próprio;
c) pressões de grupos interessados na obtenção de benefícios;
d) inadimplência das concessionárias estaduais e
e) endividamento em níveis imprudentes.
Em 1985, era, de tal sorte grave a situação econômica e financeira das empresas do
setor elétrico, que foi criado um Plano de Recuperação Setorial envolvendo o MME, a
Secretaria de Planejamento e o Ministério da Fazenda objetivando a capitalização das
concessionárias, a redução do nível de endividamento e a regular e progressiva elevação da
remuneração dos investimentos:
Mas, a aplicação dos dispositivos contidos nos planos econômicos do período para o setor elétrico fez
com que as tarifas congeladas remunerassem os investimentos em patamares bem aquém dos necessários
ao equilíbrio econômico-financeiro das empresas, limitando sua capacidade de gerar recursos para novas
inversões (LEITE, 1997, p. 279).
A Constituição Federal brasileira, de 1988, relacionou, como competências da União, a
exploração dos serviços e instalações de energia elétrica e aproveitamento energético dos
cursos de água, diretamente ou sob regime de concessão, permissão (institutos de outorga) ou
ainda por meio de autorização. Entretanto, em uma conjuntura de esgotamento de recursos
públicos e dada a necessidade de investimentos em infra-estrutura, garantidores da evolução
do SEB, a Constituição eliminou a reserva de mercado do Estado no setor elétrico, permitindo
a participação da iniciativa privada, ao lado das empresas estatais, no momento que criou a
obrigatoriedade de licitação para a outorga de concessão e permissão de todos os serviços
públicos.
A Constituição de 1998, ao determinar o fim dos impostos únicos
94
, que,
historicamente, estavam associados a investimentos em setores específicos da economia,
94
Sobre energia elétrica, combustíveis, lubrificantes e minerais.
lxxxviii
eliminou uma importante fonte de recursos para o setor elétrico em benefício da criação do
ICMS, não necessariamente revertível para as atividades que caracterizam sua arrecadação,
mas sim, voltado para as necessidades dos estados. Afetando o fluxo de recursos do setor
tem-se ainda que o recolhimento da RGR passou a ser feito apenas quando a empresa
alcançasse o patamar legal de remuneração (10 a 12% sobre os ativos disponibilizados para o
serviço) e a arrecadação do Empréstimo Compulsório passou a admitir uma série de isenções.
Com o esgotamento das suas fontes de financiamento e a prática de tarifas insuficientes,
o marco institucional-regulatório passou a não mais ser observado, com as empresas não
efetuando os pagamentos sobre a energia comprada do grupo ELETROBRÁS e da Usina de
Itaipu
95
, alegando a não observância pelo governo, nas tarifas homologadas, dos níveis legais
de remuneração dos investimentos e a conseqüente incapacidade financeira de cumprimento
de compromissos. A inadimplência das concessionárias estaduais virou ferramenta de gestão
empresarial, generalizando-se por todo o país e afetando os alicerces institucionais do SEB.
O calote generalizado ao pagamento das faturas de energia das supridoras federais,
ficou mais difícil ainda de ser administrado, em função das ingerências políticas e do
“aprisionamento” do órgão regulador pelas próprias empresas estaduais, que eram as
responsáveis por fornecer e pagar os funcionários que as deveriam fiscalizar, uma vez que o
DNAEE contava majoritariamente com funcionários cedidos pelas concessionárias. As
empresas passaram a provisionar os déficits de remuneração na CRC que, em 11 anos de
existência, acumulou 23 bilhões de dólares liquidados contra o Tesouro Federal em 1993, pela
Lei Eliseu Rezende (8.631)
96
.
Outro retrato da gravidade do cenário não deixa dúvidas quanto aos problemas
95
A Lei 5.899/1973, ao dispor sobre a aquisição da energia produzida por Itaipu, estabeleceu que a potência da
usina deveria ser repassada, por meio de cotas, às concessionárias do sistema interligado sul e sudeste/centro-
oeste, considerando-se o mercado de cada uma.
96
Fernando Quartin (apud ROSA, 2001, p.68). Foi um artifício pelo qual se promoveu o encontro de contas
entre os débitos existentes das empresas estaduais, com a energia fornecida pela ELETROBRÁS e Itaipu, e os
valores da CRC.
lxxxix
estruturantes e os reflexos derivados de uma utilização política do SEB:
O contexto setorial prosseguiu em franca deterioração e sem perspectiva de solução para os anos
seguintes, com permanência da compressão tarifária e inadimplências generalizadas por parte das
empresas, tanto interna (recolhimentos das concessionárias à ELETROBRÁS) quanto em relação aos
empreiteiros e fornecedores. Uma das causas dessa situação foi a intensa utilização das estatais do setor
elétrico para proteção e viabilização da acumulação privada, quer através da contenção tarifária e preços
subsidiados para a indústria, quer pela captação de financiamentos vinculados à compra de equipamentos,
que eram adquiridos sem licitação (os chamados pacotes franceses); pela assunção de financiamentos para
outras finalidades (que não o serviço de energia elétrica) e pela antecipação de financiamentos
(descolados dos cronogramas de obras). Essa instrumentalização ocorreu tanto para tarefas que podem ser
consideradas como relevantes quanto para desvios (VIEIRA, 2005, p.68).
O fim da década de 1980, marca as discussões sobre a privatização das empresas sob o
controle do Estado, cenário em que o profundo desequilíbrio financeiro-institucional do setor,
sobre o qual discorremos, forneceria ainda mais munição para os defensores da solução
privatista:
Em função do crescimento exagerado do número de empresas sob o controle do Estado, de alguns
desmandos verificados, da deterioração decorrente do controle indiscriminado das tarifas de serviços
públicos, do endividamento excessivo e, por fim, das disposições constitucionais que apontavam na
direção da perda da autonomia administrativa, inclusive das grandes empresas, foi tomando corpo a idéia
da privatização, independentemente das posições ideológicas (LEITE, 1997, p. 277).
Reforçando os pontos já discutidos, é possível elencar pontos principais da crise do SEB
facilitando o entendimento das suas vindouras reformas:
a) fim do IUEE, com a criação do ICMS, e reduções no fluxo de recursos setoriais;
b) controle das tarifas com vistas à redução da inflação;
c) subsídio tarifário na substituição de combustíveis;
d) equalização tarifária;
e) utilização das empresas estatais no equilíbrio da balança de pagamentos;
f) elevação dos custos financeiros para obtenção de empréstimos internacionais;
g) redução dos aportes de recurso estatais (LEITE, 1997; ROSA; TOLMASQUIN;
PIRES, 1998).
No início dos anos 1990, o Estado sucumbe às pressões de organismos internacionais
xc
em favor de uma solução reestruturante, promovendo reformas políticas e econômicas e
sociais por meio da desestatização e desregulação da economia nacional, privatização das
empresas produtivas estatais e sistemas de saúde, educação e previdência, conjuntamente com
a abertura do mercado, facilitando negociações e associações de corporações transnacionais e
empresas brasileiras (IANNI, 1999). As idéias liberais estão devidamente retratadas na Lei
8.031/1990, que criou o Programa Nacional de Desestatização - PND, restringindo a atuação
do Estado às atividades como educação, saúde, segurança e regulação (pois não deveria
executar atividades que o setor privado fosse capaz de realizar) e transferindo à iniciativa
privada setores indevidamente explorados. Nas linhas da política econômica do governo
Fernando Collor de Mello estavam uma política antiinflacionária que, não reforçada por
reformas estruturais, se mostrou parcial e insustentada; uma diminuição do papel do Estado
feita por uma privatização não respaldada em objetivos maiores e uma liberalização
comercial de cunho voluntarista (CANO, 1993).
Embora o governo Collor tenha promovido uma reforma administrativa radical nas
empresas estatais do SEB
97
é sob o governo Itamar Franco que a já citada Lei 8.631/1993,
mais do que determinar o fim da equalização tarifária com acerto das contas referentes a
CRC, marcaria o início das mudanças institucionais-regulatórias, que seriam implementadas
no setor elétrico na década de 1990, com vistas à superação da grave crise em que se
encontrava, tendo se pautado na extinção do serviço pelo custo com remuneração garantida de
10% ao ano, na mudança do sistema tarifário, na assinatura de contratos de suprimento, na
criação dos conselhos de consumidores e na introdução de mecanismos voltados para uma
maior exigência de compromisso com a eficiência e a produtividade por parte das
concessionárias.
Mas, embora implementasse avanços relevantes em prol da recuperação das
97
A reforma trouxe como conseqüência básica a demissão de mais de 10 mil eletricitários (ROSA,
TOLMASQUIM, PIRES, 1998, p.158).
xci
concessionárias e equilíbrio do SEB, como o cancelamento da equalização tarifária, a Lei
98
estabeleceu novo regulamento para a Conta de Consumo de Combustíveis – CCC
99
, criada
pelo Decreto n.º 73.102, de 7 de novembro de 1973, determinando que todos os consumidores
do país passassem a arcar com a cobertura de custos de geração termelétrica nos sistemas
isolados da região Norte do país (subsídio): “se o espírito da CCC inicial era compartilhar
ônus e vantagens beneficiando a todos os usuários dos sistemas integrados o novo subsídio
aos sistemas isolados tem um só sentido, assumindo as características de um imposto, criado
de modo sub-reptício” (LEITE, 1997, p. 285).
Na continuidade das reformas iniciadas, naquele momento, o Decreto 915/1993 passou
a permitir a formação de consórcios de geração entre concessionários e autoprodutores para
exploração de aproveitamentos hidrelétricos e o Decreto 1.000/1993 (com a Portaria
337/1994) criou o Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica – SINTREL
estabelecendo facilidades para o acesso à transmissão e o intercâmbio entre concessionárias e
produtores independentes.
As medidas implementadas, a partir do início da década de 1990, especialmente pela
Lei 8.631, trouxeram para as empresas do SEB um novo patamar econômico-financeiro, com
a realidade das tarifas, a redução das estruturas administrativas, o encontro de contas da CRC
e a redução do endividamento, viabilizando a capacidade de alavancagem para obtenção de
recursos para novas inversões na expansão e melhoria dos serviços (VIEIRA, 2005, p.78).
Com o aumento das tarifas das concessionárias “[...] condicionados a ganhos de
98
Foi criada em 1987, sob a supervisão do MME e coordenação da ELETROBRÁS, a Revisão Institucional do
Setor Elétrico – REVISE, programa organizado com o objetivo de promover um exame global da situação em
que se encontrava o SEB. Para Vieira (2005, p. 78) a Lei 8.631 foi em grande parte inspirada nos trabalhos do
REVISE.
99
Refere-se ao rateio dos ônus e vantagens do consumo de combustíveis fósseis para geração de energia
termoelétrica. Esse tipo de geração de energia apresenta custos superiores à geração hidroelétrica, na medida em
que requer a utilização de combustíveis, como óleo combustível, óleo diesel, gás natural e carvão. A geração
termoelétrica se faz necessária quando as condições de geração de energia hidroelétrica são insuficientes para o
atendimento ao mercado.
xcii
produtividade por parte das empresas concessionárias, que passaram a firmar ‘Termos de
Compromisso’ com o governo federal através do DNAEE” o SEB chegava a um novo
patamar empresarial e econômico-financeiro “que poderia alavancar a modernização da infra-
estrutura dentro de um projeto país” (SAUER, 2002, p.131).
Em resumo, a leitura do período 1985-1994 nos informa quanto aos desdobramentos de
uma prolongada instrumentalização do SEB na implementação de políticas públicas pelo
Estado, sentidos através da inviabilização econômico-financeira de suas empresas, afetando o
marco institucional e a capacidade de atender, a contento, as necessidades relativas aos
serviços de eletricidade. O cenário de deterioração do SEB se somou à conjuntura político-
ideológica e às pressões internacionais pela reforma do Estado para dar voz e força aos
defensores da solução desestatizante. Antes que os resultados do REVISE estivessem
totalmente implementados e frutificando, indicando a viabilidade de uma solução que
passasse pela convivência entre o setor público e o privado na evolução do SEB, a decisão
final dos governantes brasileiros caminhou no sentido da privatização das empresas e da
redução do papel do Estado no setor elétrico brasileiro, como analisaremos na seqüência.
xciii
III. As novas faces da
intervenção estatal
O desenvolvimento das políticas
públicas sugeriu que a relação entre economia
e política não era de mão única: se não há
dúvida que a pressão dos interesses
organizados às vezes altera a condução dos
negócios públicos, a recíproca não é menos
verdadeira: a decisão política pode modificar
o curso da economia para melhor e para pior.
Uma escolha política que pode nada dever à
análise econômica, e obedecer apenas a
considerações ideológicas,[...] terá sobre a
economia conseqüências incalculáveis.
René Rémond
xciv
3.1 O SETOR ELÉTRICO E O GOVERNO FHC
Em 1995, Fernando Henrique Cardoso, que havia sido ministro da Fazenda no governo Itamar Franco,
impulsionado pelos bons resultados do Plano Real
100
e eleito pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB,
tomou posse como Presidente da República para um mandato de quatro anos, renovado em 1999, com o
instituto da reeleição
101
. No discurso político da vitória, tanto no primeiro quanto no segundo período de
governo, fulgurava a promessa de que:
[...] a estabilidade monetária – como resultado do combate à inflação, definido
como objetivo prioritário do país – abriria as portas do Brasil para a retomada do
desenvolvimento econômico interrompido uma década antes, para a chegada de
investimentos estrangeiros portadores da modernidade tecnológica, para a geração
de empregos, para uma política de redistribuição de renda – terminando com a
inflação, definida como ‘um imposto contra os pobres’ – e, finalmente, para o acesso
do país ao primeiro mundo” (SADER, 2003, p.151).
Embora as medidas governamentais tenham surtido os efeitos esperados na obtenção da almejada
estabilidade monetária, não conseguiram produzir o esperado desenvolvimento econômico e a melhoria dos
indicadores sociais do país:
Tudo parece travado pela forte concentração de energia na estabilidade monetária e numa fileira de
reformas e ajustes extraídos do receituário de agências financeiras internacionais, portanto revestidos de
uma pretensa validade universal. Com isso, não se registraram modificações consistentes na posição
relativa da área social, que continua inferiorizada diante da área econômica, desprovida de uma melhor
institucionalidade e incapacitada para se impor em termos de estratégica governamental (NOGUEIRA,
1998, p.173).
Ainda no governo Collor, a desarticulação institucional e econômica do SEB já
produzia efeitos preocupantes para a sociedade, como a perda da capacidade de realizar a
expansão e melhoria dos serviços, dando a sustentação necessária para o início do
planejamento da privatização do setor, aos poucos, com o apoio de técnicos do Fundo
Monetário Internacional – FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e Banco
Mundial, devido às resistências do Congresso e da sociedade.
Entretanto, seria no governo FHC que a privatização do SEB viria a se efetivar no
âmbito da Lei 9.074/1995, momento em que os ideais do chamado Consenso de
100
Programa de estabilização de preços implementado no Brasil em meados de 1994 e que teve por fundamentos
a ancoragem cambial e a implementação de políticas econômicas de fundo liberal.
101
A Constituição Federal previa um mandato presidencial de 5 anos com vedação à reeleição. Fazendo valer a
maioria governista no Congresso Federal o governo FHC conseguiu aprovar uma Proposta de Emenda à
Constituição alterando o mandato para 4 anos com direito à candidatura para reeleição sem afastamento do cargo
durante o processo eleitoral.
xcv
Washington
102
encontraram terreno fértil corroborando o entendimento de que a partir das
crises econômicas internacionais a maioria dos países latino-americanos foi obrigada a partir
para políticas de ajuste macroeconômico focadas em pagar a dívida e abrir a economia,
exigências que demandariam uma adequada política cambial e o enxugamento do Estado,
receituário aviado pelos organismos financeiros internacionais (CANO, 1993)
103
.
Com relação ao SEB, portanto, o governo FHC, seguindo essa mesma trilha, ficou
caracterizado por um amplo processo de reestruturação, em busca de uma conformação da
intervenção estatal em um viés indireto, marcado por palavras de ordem como privatização,
desregulamentação e abertura para o mercado, refletindo nesse segmento específico da vida
do país todo um conjunto de políticas de ajustamento econômico, que orientaram a ação dos
governantes brasileiros, a partir da década de 1990, na gestão da economia.
Assim como ocorreu no plano econômico, o resultado evidenciado dessas ações foi uma
distância entre o discurso do governo e os efeitos práticos, que se mostraram distantes das
respostas esperadas pela sociedade. Eventos adversos, como a retração dos investimentos, o
aumento das tarifas de energia e, principalmente, a redução compulsória do fornecimento de
energia elétrica aos consumidores finais, decretada pelo Poder Concedente no biênio 2001-
2002 (racionamento), se tornaram indicadores da insuficiência, ou inadequação, das soluções
implementadas pelo Estado para o setor elétrico brasileiro.
Ao chegar a meados dos anos 1990, o SEB conservava uma organização na qual o Estado se destacava
como o grande responsável pelo planejamento, construção, operação e expansão dos serviços de eletricidade
do país, resquício de uma arquitetura concebida a partir do governo Vargas, e que alcançou seu ápice
durante os governos militares. A política energética era formulada pelo MME que, por sua vez, apoiava-se em
uma estrutura formada por duas entidades principais, o DNAEE e a ELETROBRÁS. O DNAEE era o órgão regulador
das atividades setoriais e respondia pela supervisão e fiscalização dos serviços de energia elétrica,
homologação dos níveis tarifários e outorga de concessão ou permissão para exploração de potenciais
102
Em 1989 o economista John Williamson compilou uma lista das medidas de política econômica mais
recomendadas por analistas para fazer a América Latina retomar o crescimento e a estabilidade e que incluíam:
disciplina fiscal, reforma tributária, desregulamentação da economia, liberalização das taxas de juros, taxas de
câmbio competitivas, revisão das prioridades dos gastos públicos, maior abertura ao investimento estrangeiro
direto e fortalecimento do direito à propriedade.
103
Cano (1993) se refere no texto ao FMI e ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento –
BIRD, pertencente ao grupo do Banco Mundial. Abreu (1999), de forma detalhada, analisa a reestruturação do
setor elétrico brasileiro sob o enfoque da implementação das opções do Banco Mundial.
xcvi
hidrelétricos. A ELETROBRÁS era o braço empresarial do Estado, agente de financiamento setorial que, além de
exercer as decisões de investimento estatal, cumpria as funções de coordenação, planejamento e operação
de todo o sistema elétrico nacional, incluindo as empresas estaduais e as pequenas concessionárias de capital
privado.
No momento em que as falhas existentes no funcionamento do SEB, foram se exacerbando com o
contínuo processo de deterioração do equilíbrio econômico-financeiro de suas empresas, iniciado ainda na
década de 1970, ficou evidente a fadiga do antigo modelo calcado no papel indutor do Estado e a
necessidade de uma nova formatação institucional-regulatória para o setor, que permitisse o avanço para um
novo estágio de desenvolvimento, garantidor de uma oferta de energia apta para atender a um crescimento
do consumo de energia em patamares, por vezes, superior ao próprio crescimento econômico registrado
104
,
desafio que sempre se apresentou ao país em face da sua extensão territorial e potencial hidráulico a ser
explorado:
[...] a crise financeira do Estado [...] colocou em questionamento sua capacidade de
continuar conduzindo programas de interesse do desenvolvimento nacional. Essa crise
fez emergir um debate em torno da redução da participação do Estado na atividade
econômica, abrindo espaços à iniciativa privada. No setor energia, o debate
estatização x privatização colocou em pauta questões importantes, como o papel da
iniciativa privada na indústria de energia elétrica (ROMEU; FRANCO, 1989, p. 180).
Dessa forma, com o esgotamento do Estado se juntando as outras variáveis elencadas ao longo deste
estudo, ocorreu a composição de um cenário que sinalizava na direção de um novo modelo institucional-
regulatório para o setor elétrico. Esse modelo, entretanto, ao ser implementado, não levou em conta o caminho
aberto pelos resultados positivos do REVISE e observou a mesma orientação político-econômica dominante no
momento histórico do país, abrindo espaço para a privatização das empresas estatais, a instauração de um
mercado competitivo de energia elétrica, a priorização da participação do setor privado nos investimentos
para expansão dos serviços e a revisão do papel do Estado no SEB. Algumas das medidas atinentes ao novo
modelo foram tomadas independentemente do fato do SEB apresentar especificidades estratégicas que não
poderiam ser relevadas.
As Leis 8.987 e 9.074, ambas de 1995, viabilizaram o início da privatização do setor elétrico à medida que
regulamentaram a Constituição Federal e abriram o caminho para a implementação de um novo modelo para
o SEB, com medidas que:
a) exigiam que as concessões para fornecimento de serviços relacionados à energia
fossem outorgadas por meio de processos de leilão público;
b) permitiam gradualmente a contratação de energia livremente junto a outros
fornecedores por parte de alguns consumidores de porte mais significativo;
c) criaram a figura do produtor independente de energia que, por meio de uma
concessão, permissão ou autorização, poderia vender a energia que gerasse e
d) garantiam o livre acesso dos usuários aos sistemas de distribuição e transmissão de energia, mediante
pagamento do serviço, favorecendo a operação de consumidores livres e produtores independentes.
Em 1996, para desenvolver as bases da reestruturação do setor elétrico, em complemento aos sinais já
emitidos com a publicação das citadas Leis, foi contratada pelo governo brasileiro uma consultoria
internacional (Coopers & Lybrand, da Inglaterra), que se consorciou com empresas brasileiras (Ulhoa Canto,
Engevix e Main Engenharia), por uma proposta final de cerca de US$ 7 milhões. O trabalho ficou conhecido
104
“Historicamente, a expansão da produção e consumo de energia no Brasil – e nas economias modernas –
ocorre em taxas muito superiores ao crescimento do produto e da renda. Em parte isso ocorre devido a mudanças
graduais decorrentes de processos de urbanização e incorporação crescente da utilização de aparelhos movidos a
energia elétrica” (TENDÊNCIAS, 2003, p. 92).
xcvii
pelo nome de Projeto RE-SEB
105
e foi o responsável pela concepção de um modelo privatizado e competitivo,
baseado, em síntese, na introdução de um ambiente de transações financeiras envolvendo a energia elétrica
(mercado atacadista) e de um organismo responsável pela imparcialidade na gestão técnica do sistema
elétrico (ONS), fatores que, ao lado da introdução de mecanismos regulatórios representativos de uma
intervenção indireta do Estado, pretendiam garantir os alicerces de uma nova ordem para o setor.
Esse modelo institucional-regulatório para o SEB, articulado durante o primeiro
governo FHC, implementou a concorrência nos segmentos em que isso era possível (geração
e comercialização), mantendo a exclusividade nas atividades monopolistas por natureza
(distribuição e transmissão) e observou o espectro da energia tratada como mercadoria, da
operação independente do sistema elétrico e da presença de mecanismos de regulação que
garantissem o correto funcionamento do sistema energético.
Colocou-se, por fim, uma solução que preconizava a falência do Estado em seu papel
de catalisador das ações do setor elétrico, a deterioração da qualidade dos serviços de
eletricidade que eram prestados por empresas estatais e a necessidade de se introduzir
competição em segmentos nos quais a atração de investimentos era essencial para a expansão
e melhoria da qualidade dos serviços.
A oficialização das medidas de reestruturação ocorreu com a promulgação da Lei
9.427/1996, criando a ANEEL e fixando o regime de serviço pelo preço e da Lei 9.648/1998,
estabelecendo a revisão da estrutura básica do setor elétrico conduzida pelo RE-SEB e
determinando, dentre outros pontos:
a) o estabelecimento do Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE, para
contabilização e liquidação mercantil entre as empresas do setor elétrico das
contratações de energia realizadas, notadamente, das diferenças verificadas entre o
consumo total e a energia adquirida;
b) a criação de um órgão coordenador das atividades operacionais voltadas para a
geração e transmissão de energia no SIN: o ONS e
105
Para detalhes da funcionalidade do modelo ver (ROSA; TOLMASQUIM; PIRES; 1998) e (FERREIRA,
2000). Para uma visão de bastidores da montagem da reestruturação do setor elétrico consultar (PAIXÃO, 1999).
xcviii
c) o estabelecimento de processos de licitação pública para concessão, construção e
operação de usinas de energia elétrica e instalações de transmissão.
Na prática, com a operacionalização do novo modelo, a compra de energia deveria ser
feita diretamente entre as empresas, por meio de contratos bilaterais, com as diferenças
contabilizadas, entre recursos contratados e requisitos verificados, sendo liquidadas no MAE,
ao preço de curto prazo (spot)
106
. A operação técnica do setor elétrico ficaria a cargo do ONS,
organismo criado para gerenciar o SIN, tanto em relação à exploração dos benefícios
proporcionados pela disposição dos recursos hidrológicos no país, quanto aos riscos de crise
de energia. Além disso, era esperado que a criação da ANEEL emitisse os sinais da
existência de critérios transparentes, participativos e consistentes no exercício da autoridade
estatal, essenciais para garantir as inversões oriundas do setor privado na prestação dos
serviços públicos de eletricidade.
Destacaram-se, nesse processo de reestruturação, características que evidenciavam a
quebra do paradigma quanto ao papel do Estado no setor elétrico, como a entrada de novos
agentes no mercado - produtores independentes e consumidores livres - e a liberalização das
atividades de geração e comercialização de energia, com a energia tratada como uma
commodity e, portanto, sujeita a mecanismos financeiros como mercado de futuros, swaps,
opções, hedge e mercado spot
107
.
A criação da ANEEL, com funções como incentivar a competição, exercer a regulação
técnica e econômica do SEB e implementar as políticas do governo federal, se inseria em um
106
O preço spot, utilizado para valorar a compra e venda de energia no mercado de curto prazo, é calculado a
partir do processamento pelo ONS de modelos de otimização do despacho do SIN e busca representar a
estratégia de geração hidráulica e térmica que minimizaria o valor esperado do custo de operação para todo o
período de planejamento.
107
Para maiores informações sobre novas perspectivas de negócios, envolvendo a comercialização de energia no
reestruturado SEB, ver Guia do Cliente Livre. Duke Energy Brasil. Disponível em: <http://duke-energy.com.br>.
Acesso em: 3 mai. 2006. Consultar também FIRMO, H. T. ; LEGEY, L. L. F. Mercados Futuros, Derivativos e
outras Opções do Setor Elétrico Brasileiro. Revista Brasileira de Energia, v. 9, maio de 2002.
xcix
processo mais amplo pelo qual o papel reservado ao Estado era revisto e a sua substituição
pela iniciativa privada, na missão de catalisador de ações, demandaria a elaboração de um
marco regulatório consistente, isto sob a égide de um aparato institucional, pretensamente,
imune de ingerências estatais ou políticas que pudessem afetar o humor dos investidores
108
.
Esperava o governo que a introdução da regulação e da competição no setor, com a
privatização das empresas estatais, garantisse, pelo livre jogo das forças de mercado e o
aumento da eficiência das empresas, os investimentos necessários à expansão e melhoria dos
serviços prestados. Entretanto, o modelo implementado no governo FHC, baseado na
expectativa do avanço dos investimentos privados e na livre concorrência, não caminhou e
ruiu, em meio ao pior racionamento de energia da história do país:
[...] sobretudo em decorrência dessa fixação na produção de estatísticas macroeconômicas favoráveis, em
especial de recursos no caixa do tesouro, gerados por privatizações aceleradas, para atender às
expectativas de um sistema financeiro internacional atrelado à especulação de curto prazo. O longo
prazo, o planejamento, a construção de agências de regulação e de um modelo energético ficaram em
segundo plano, tal era a confiança na capacidade de a estabilização gerar ciclos virtuosos de investimento
na infra-estrutura
109
.
Neste trabalho, no âmbito do governo Fernando Henrique Cardoso, analisamos três
aspectos centrais colhidos no episódio da reestruturação ocorrida no SEB, que entendemos
serem relevantes para as questões em estudo
110
. Esses aspectos denotam uma utilização do
SEB pelo Estado no processo de elaboração de políticas públicas, enquanto instrumento de
reforço na implementação das estratégias estatais, sem que, contudo, fossem levadas em
conta, de forma satisfatória, suas especificidades técnico-institucionais e as próprias
dificuldades inerentes às etapas do ciclo político.
São esses os pontos de discussão:
108
“A nova regulação é, sem dúvida, um instrumento de implementação de uma política pública num
determinado setor” (MARQUES NETO, 2005, p.71).
109
Energia sem governo. Folha de São Paulo. São Paulo, 10 maio 2001. Editorial.
110
Os aspectos citados, que no âmbito deste estudo estão sendo explorados em um contexto de utilização do
setor elétrico como veículo de políticas públicas, foram identificados e analisados anteriormente por outros
autores que se dedicaram a analisar a evolução do SEB em diferentes momentos e enfoques. Dentre eles
destacamos: (LORENZO, 2002; SOUZA, 2002; CARVALHO, 2003; FERREIRA, 2000; ROSA, 2001), além de
(ROSA; TOLMASQUIN; PIRES, 1998).
c
a) descompasso verificado entre a privatização do setor elétrico e a montagem de uma
estrutura de planejamento e regulação dos serviços de eletricidade, sob a ótica de um
modelo de intervenção indireta do Estado;
b) utilização dos recursos das estatais do setor elétrico na formação de superávits
primários a partir do impedimento para a realização de novas inversões, buscando
fortalecer as contas públicas e reorganizar as empresas em compasso de privatização,
em detrimento da expansão da capacidade instalada e
c) adoção de um conceito de mercado auto-regulado para o SEB sem uma consideração
aprofundada das especificidades do serviço público de energia elétrica.
A partir de um diagnóstico desses pontos é possível estabelecer uma associação entre as
estratégias adotadas pelo Estado e o racionamento de energia, ocorrido no biênio 2001-2002,
que, pela relevância dos seus efeitos para a sociedade brasileira, deve ser entendido como o
reflexo maior de uma utilização política do SEB ao longo do governo FHC. Cooptando o
SEB como instrumento de implementação de políticas públicas voltadas, em última instância,
para a priorização de seus objetivos e metas, o Estado acabou por imputar ao país os reflexos
de um racionamento de inéditas proporções.
3.1.1 Descompasso entre privatização e reestruturação
Em relação ao primeiro problema citado, temos que, embora as empresas estatais
tenham sido listadas no PND em 1992, o processo de privatização do SEB sempre foi objeto
de amplos questionamentos, polarizando opiniões e posições em torno de quesitos tão
variados e importantes, quanto à soberania nacional ou os impactos tarifários para os
consumidores de energia.
Tendo encontrado dificuldades para vingar, ainda no governo Collor, em função da
ci
conjuntura política abalada pelos escândalos de corrupção e durante o governo Itamar Franco,
pela posição pessoal do governante quanto ao papel do Estado no setor (mesmo em desacordo
com as diretrizes emanadas do Ministério da Fazenda e do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
111
), a privatização das empresas estatais de
eletricidade se revestiu, durante o governo FHC, de uma estratégia diferenciada para dar seus
primeiros passos. A decisão governamental foi por iniciar a privatização a partir das
concessionárias federais de distribuição de energia (ESCELSA e Light), que estavam sob o
controle da ELETROBRÁS, aproveitando inclusive uma sinalização positiva por parte dos
governos estaduais. Dessa forma, a ESCELSA foi vendida, em julho de 1995, e a Light em
maio de 1996
112
.
Ainda no fim de 1996 consuma-se a venda da primeira distribuidora estadual, a
Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro - CERJ, abrindo, definitivamente, o
caminho para que, até 2002, fossem vendidas 19 concessionárias de distribuição e 4
geradoras, no âmbito federal e estadual, representando uma receita de venda de US$ 22,2
bilhões com mais US$ 7,5 bilhões de dívida transferida (BNDES, 2002).
Ao lado das considerações macroeconômicas sobre a decisão de vender ativos, a
conjuntura de grande déficit fiscal e em conta corrente teve papel importante na ampliação e
aceleração do programa de privatização no Brasil, durante o governo FHC, à medida que
influenciou a exigência do governo federal para que os estados realizassem acordos de
reescalonamento de suas dívidas, considerando ainda a utilização dos recursos oriundos da
privatização na sustentação do Plano Real (PINHEIRO; GIAMBIAGI, 2000).
111
Para uma leitura dos fatores que adiaram o processo de privatização das empresas estatais de eletricidade ver
(ROSA, 2001, p. 41-43). Repleta de simbolismo, nessa questão, a ordem de Itamar Franco, então governador do
estado de Minas Gerais, para que manobras fossem realizadas por tropas da Polícia Militar mineira em 1999 nas
proximidades da usina de Furnas ameaçando o abastecimento feito pelo rio Grande caso as idéias de privatização
da geradora fossem levadas à frente pelo governo federal.
112
Para maiores informações sobre a privatização do setor elétrico ver: (TOLMASQUIM; OLIVEIRA;
CAMPOS, 2003), (ERBER, 1998), (FERREIRA, 2000) e (PINHEIRO; GIAMBIAGI, 2000).
cii
Como a ANEEL, órgão regulador, só começou a funcionar em 1997, o ONS e o MAE,
em 1998, e o CNPE, apenas em 2000, mesmo previsto em lei desde 1997, é possível observar
pelas datas enunciadas que as empresas começaram a ser privatizadas no Brasil sem que
instrumentos importantes para a gestão do novo modelo restassem implementados,
caracterizando o descompasso verificado entre a privatização do setor elétrico e a montagem
de uma estrutura de planejamento e de regulação dos serviços de eletricidade.
No entendimento do caso ANEEL a fala de Marques Neto (2005, p. 15) é oportuna: “As
agências surgiram entre nós sem uma formulação muito sólida do que seriam e mesmo para
que serviriam. Foram sendo criadas no bojo de leis de reestruturação setorial, o que muitas
vezes levou a que fossem criticadas como parte dos processos de desestatização”.
A constatação anterior se soma à observação de Pinheiro e Giambiagi (2000), quanto
aos diversos aspectos pelos quais é possível correlacionar a privatização e a política macro-
econômica no governo FHC, conduzindo até a conclusão que, no SEB, ocorreu uma
priorização da venda dos ativos, enquanto instrumento de reforço à implementação das
orientações emanadas pela área econômica do governo federal, com as reformas vindo a
reboque. Ou seja, a privatização não se inseriu no projeto de reforma do setor elétrico, a
reforma foi feita para cobrir os desdobramentos da privatização já iniciada.
A reestruturação institucional-regulatória dos serviços de eletricidade no país se tornou
um segundo movimento, posterior a privatização, para ordenar a atuação das empresas e
agentes dentro de uma nova ótica, o que implica ressalvas na aceitação integral de assertivas
que dêem conta de uma reestruturação do SEB focada, prioritariamente, na urgente
necessidade de garantir a expansão e a melhoria da prestação dos serviços. As preocupações,
com o estágio de desenvolvimento do setor, se houveram, ficaram em segundo plano.
Portanto, o novo modelo se mostrou necessário em função da decisão de privatizar as
empresas estatais e abrir o mercado para a competição, decisão que, por sua vez, estava ligada
ciii
à sustentação da política macroeconômica do governo FHC (PINHEIRO; FUKASAKU,
2000). Feito para atender outros interesses e a toque de caixa, era natural que o novo modelo
acabasse por conter imperfeições, que poderiam ser corrigidas com o tempo, se o
racionamento de energia de 2001-2002 não as tivessem tornado tão evidentes e objeto de
críticas da sociedade:
Embora o objetivo declarado para as reformas tenha sido viabilizar um mercado mais competitivo de
energia, as transformações subordinavam-se à lógica da privatização [...]. Haja vista que as privatizações
estavam ocorrendo, a partir de meados de 1995, antes que as regras do jogo estivessem bem definidas e as
instituições previstas totalmente criadas (SOUZA, 2002, p.84).
Em abril de 2001, o nível dos reservatórios das grandes hidrelétricas do SIN estava
crítico e, em caso de continuidade normal da operação, em outubro ou novembro o sistema
entraria em colapso. Desta forma, foram adotadas pelo governo federal medidas no âmbito do
Programa Emergencial de Redução de Consumo de Energia Elétrica - PERCEE
113
, no período
de junho de 2001 a fevereiro de 2002, que se basearam na redução forçada do uso da energia
por meio do estabelecimento de metas mensais de consumo em função do tipo da unidade
consumidora e do estado da federação, sujeitando os usuários a pesadas penalidades
financeiras em caso de descumprimento das metas, bem como, na postergação do atendimento
de novas cargas que solicitassem atendimento.
Além do PERCEE, foi criado também o Programa de Energia Emergencial, que vigorou
até 2005, voltado para a viabilização do aumento da capacidade da geração e da oferta de
energia elétrica, de qualquer fonte, em curto prazo, constituindo uma reserva de segurança
que permitisse superar novas crises de energia elétrica até que estivesse assegurado o novo
equilíbrio entre oferta e demanda no SIN. Para tanto, foram contratadas, pela recém criada
CBEE, 48 centrais geradoras térmicas espalhadas pelo país, com 1.829 MW de capacidade,
que ficariam de prontidão para serem despachadas em caso de necessidade, em uma solução
que ficou conhecida no país com o nome de “seguro anti-apagão”.
113
Medida Provisória 2.148-1/2001.
civ
Para cobrir os custos relativos a essa contratação foram criados:
a) o Encargo de Capacidade Emergencial – ECE, adicional tarifário rateado por todos
os consumidores finais de energia elétrica atendidos pelo SIN, para cobrir os custos
decorrentes da capacidade de geração posta à disposição (aluguel das centrais) e
b) o Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial – EAEE, para cobrir os
custos de geração das usinas emergenciais que fossem efetivamente acionadas, pagos
pelos consumidores da região beneficiada.
Em ambos os casos, as distribuidoras ficaram incumbidas de arrecadar os valores nas
faturas de energia dos consumidores e repassá-los para a CBEE, empresa pública federal
constituída para fins de gerenciamento do Programa de Energia Emergencial. Pelo fato da
contratação das centrais ter sido a solução possível, mas não viável, adotada em contraponto a
um planejamento que deveria ter sido realizado por um Estado responsável pelo
abastecimento interno e não o foi, recebeu muitos questionamentos por parte de setores da
sociedade, reforçadas ainda pelo fato dos produtores receberem um vultoso pagamento
mensal, apenas para ficarem à disposição para a eventualidade de uma ocorrência de uma
emergência no suprimento. Não por acaso o ECE recebeu o apelido jocoso de “encargo de
extorsão emergencial”.
Segundo dados da CBEE, no período 2002-06, para pagamento do combustível e da
potência disponibilizada pelas usinas foram arrecadados R$ 6,2 bilhões nas faturas de energia
elétrica dos consumidores brasileiros. Entretanto, a conta do racionamento não parou aí para
os consumidores brasileiros, que desde 2002 vem garantindo, via acréscimo tarifário em suas
faturas, a recomposição extraordinária das perdas financeiras das distribuidoras e dos
geradores, incorridas durante o racionamento. A Recomposição Tarifária Extraordinária –
RTE foi a solução encontrada pelo MME para solucionar os desequilíbrios econômico-
financeiros, verificados pelos agentes do SEB, em decorrência da crise de energia e que
cv
estavam afetando a capacidade de realização dos investimentos necessários nos serviços
concedidos.
Embora tenha ficado sem uma parte da energia necessária ao seu consumo, no período
do racionamento, o consumidor passou a efetuar pagamentos adicionais como se a energia
tivesse sido entregue. Via RTE, os consumidores das regiões que passaram pelo racionamento
deveriam arcar, nos próximos anos, com o pagamento de R$ 9,2 bilhões
114
.
Na análise dos efeitos do racionamento também é importante a questão da desaceleração
do PIB no período
115
e as dificuldades e dramas cotidianos que diversos segmentos da
sociedade enfrentaram, cada um com as suas especificidades, para superar as muitas vezes
duras limitações de consumo colocadas. Mas, detendo a análise apenas na soma dos dois
valores anteriormente citados (R$ 15,4 bilhões), a serem pagos pelos consumidores brasileiros
por benesses, não integralmente auferidas, podemos avaliar de forma pragmática a extensão
dos impactos para a sociedade da crise de energia.
Para tanto, colocamos na balança, motivando a reflexão sobre a relevância do
racionamento como tema de estudo, alguns itens da execução orçamentária dos recursos da
União no ano de 2002
116
, como a destinação de R$ 4,8 bilhões para os programas
assistenciais e Bolsa Escola do governo e de R$ 10,5 bilhões para o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF. Em
outra vertente, considerando a população brasileira em 2002, podemos afirmar que cada
114
Resoluções ANEEL 480, 481 e 483/2002. R$ 5,05 bilhões a preços de dezembro de 2001 e R$ 4,12 bilhões a
preços de fevereiro de 2002.
115
Fonte: Revista Conjuntura Econômica da Fundação Getúlio Vargas - FGV. O PIB brasileiro passou de 602,2
US$ bilhões em 2000 para 509,8 US$ bilhões em 2001 e 459,4 US$ bilhões em 2002.
116
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Evolução das despesas sociais por função.
Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/sof/estatistica/evolucao_desp_funcao.pdf>
Acesso em: 8 mai. 2006.
cvi
cidadão brasileiro, das regiões alcançadas pelo racionamento, firmou o compromisso de pagar
em média R$ 103,45 pelo “acidente administrativo” do racionamento de energia
117
.
Ainda em 2001, o governo federal criou a Comissão de Análise do Sistema
Hidrotérmico de Energia Elétrica com o objetivo de identificar as causas estruturais e
conjunturais do desequilíbrio entre a demanda e a oferta de energia que levaram ao
racionamento de energia. No relatório produzido sobre o assunto, dentre as conclusões
alcançadas, a Comissão destacava que, nas raízes do mais severo racionamento já ocorrido no
país, estava a combinação entre uma situação de hidrologia desfavorável e de desequilíbrio
entre oferta e demanda na partida da implementação do novo modelo para o SEB e a
existência de falhas no processo de transição do modelo anterior, marcado pela ineficácia da
gestão intragovernamental e pela falta de um marco regulatório mais claro e estável.
Antes mesmo de caminharmos para os dois pontos seguintes já é possível assentar o
racionamento
118
como sendo o reflexo maior da estratégia do governo FHC, de utilizar
politicamente o SEB sem que fossem tomados os devidos cuidados não só com as
especificidades do setor como com as próprias dificuldades inerentes ao ciclo político
(dificuldades próprias de um processo de elaboração de políticas públicas):
O fluxo de informação entre o ONS, ANEEL, MME e Presidência da República foi inadequado para
transmitir ao alto escalão do Governo qual o risco e qual a severidade da crise de suprimento que se
avizinhava.
Uma das claras razões, de caráter institucional, de ter eclodido a presente crise de abastecimento de
eletricidade no País, com a gravidade que está ocorrendo, é o fato se ter demorado muito para se
implantar o CNPE e terem havido poucas reuniões, até agora, do Conselho. As falhas de comunicação,
117
Fonte: IBGE. Estimativa de população residente em 01.07.2002. Leva em consideração o fato de que o seguro
“anti-apagão” foi pago por todo o Brasil e a RTE apenas nos estados incluídos no racionamento.
118
Embora a associação com o racionamento seja a mais importante, um exemplo dos problemas derivados da
ausência de um tratamento adequado das questões institucionais-regulatórias sobre a prestação do serviço
público de eletricidade, dentro da ótica do novo modelo, foi a celebração pela ESCELSA, em 1995, de um
Contrato de Concessão que não apresentava cláusulas contemplando a fórmula de reajuste das tarifas ou o
repasse para os consumidores de ganhos de produtividade verificados pela concessionária. A ausência desses
dispositivos legais levou a ESCELSA a enfrentar severas dificuldades nas negociações anuais junto a ANEEL
para correção de suas tarifas e, também, por ocasião da sua primeira Revisão Tarifária Periódica, em 1998. Além
disso, é necessário considerar que as próprias formações sociais e as necessidades atribuídas ao Estado se
desenvolvem em uma velocidade superior a evolução da legislação, o que coloca questões-chave ao sabor da
discricionariedade de órgãos institucionais: “[...] hoje as matérias necessitadas de regulação são, amiúde, tais que
não podem ser reguladas ex-ante com suficiente precisão pelo legislador político” (ARAGÃO, 2002, p.62).
cvii
coordenação e decisão entre o MME e outros ministérios afetos à questão, a ANEEL, o ONS e o BNDES,
teriam tido bem menos chance de ocorrer com a existência e funcionamento regular do Conselho.
Dificuldades da ANEEL na implantação de um ambiente regulatório adequado. [...] A regulação não se
caracterizou por regras estáveis, claras e concisas de forma a criar um ambiente de credibilidade que
tivesse propiciado o investimento contemplando, ao mesmo tempo, o interesse do consumidor. (BRASIL,
2001, p. 13-15).
Seguindo a linha investigativa, da forma como se deu a privatização do setor elétrico
com o arcabouço técnico-institucional em construção, questão merecedora de atenção foi a
não alocação pelo Estado, a qualquer outro órgão, das funções de planejamento que antes
estavam sob a incumbência da ELETROBRÁS, medida essencial para enfrentar uma
conjuntura em que novas condições de investimento estavam previstas com proeminência do
setor privado, abandonando a coerência com uma das principais características do processo
histórico de constituição da infra-estrutura dos serviços de eletricidade no país - a adoção de
estratégias de longo prazo
119
:
No novo modelo que está sendo adotado não mais existe a responsabilidade das geradoras federais e
estaduais, a partir da coordenação da ELETROBRÁS, em complementar a oferta criada pelas
distribuidoras de energia. Na nova situação, não existe nenhum agente com o papel de equilibrar a relação
oferta-demanda do sistema elétrico, pois qualquer empresa geradora só será responsável pelo
cumprimento dos seus contratos (ERBER, 1998).
No modelo anterior do SEB, a estrutura da ELETROBRÁS comportava o GCOI
(operação do SIN) e o GCPS (planejamento de longo prazo e programação dos
investimentos), grupos dirigidos por organismos colegiados, nos quais as principais
concessionárias de energia elétrica do país possuíam assento com direito a voto. Embora
mantida a coordenação federal, as preocupações e diretrizes das empresas estaduais se
mostravam relevantes, garantindo eficiência técnica ao processo. Embora essa sistemática de
planejamento também tenha alcançado seu esgotamento, com problemas de ordem
administrativa e financeira, como o restante do modelo, não logrou ser substituída por uma
119
“Uma característica singular do planejamento energético é a de que esta tarefa permaneceria no rol das
responsabilidades do governo mesmo se todas as empresas elétricas tivessem sido privatizadas. De fato, as
oportunidades de investimento neste setor são resultantes de um conjunto de decisões governamentais relativas
ao perfil da matriz energética nacional. [...] Portanto, ao projetar a demanda de energia elétrica para os próximos
cinco anos, o governo também torna explícitos seus compromissos com as metas da matriz energética, e esta
informação é decisiva para conferir credibilidade às oportunidades de investimento que serão anunciadas ao
setor privado” (ARAUJO JUNIOR, 2005, p. 9).
cviii
nova proposição adequada à conjuntura pela qual passava o SEB.
Buscando verificar a influência da falta do planejamento, nas causas da ocorrência do
racionamento, e fechando o tópico, voltamos à leitura do relatório da Comissão de Análise do
Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, sobre os eventos de 2001-2002, resultantes, em
última instância, do modelo implementado para o setor elétrico na gestão FHC:
Não há nenhuma lei estabelecendo a responsabilidade pelo planejamento de expansão do Setor Elétrico.
A legislação corrente se resume a portarias do MME. Nenhuma instituição esteve encarregada de verificar
a “lógica” global do processo e exercer a coordenação, entre as esferas de governo, na implementação da
política energética, especialmente na transição para o novo modelo e no enfrentamento de crises
(BRASIL, 2001, p. 14).
3.1.2 Investimentos estatais e formação de superávits primários
O segundo problema analisado diz respeito à outra opção adotada pelo governo FHC, na
transição para um modelo no qual o papel do Estado se pretendia reduzido e a política
macroeconômica, calcada na busca da estabilidade, deveria ser reforçada pela formação de
superávits primários e contenção de dispêndios públicos: a proibição dos investimentos em
geração e transmissão com recursos próprios das empresas estatais (Grupo ELETROBRÁS).
Como esta escolha, entretanto, se deu em um momento de incertezas regulatórias mais do que
capazes de não operacionalizar, ou mesmo afugentar, os novos investimentos privados, que
deveriam ter o papel de substituir os investimentos estatais, acabou por criar um vácuo nos
programas de expansão da capacidade instalada do sistema elétrico brasileiro.
Na transição para o novo modelo, a ampliação da capacidade de geração deixou de ser
uma responsabilidade de empresas geradoras estatais que seguiam um planejamento
centralizado determinativo, procurando manter o risco de algum racionamento em até 5%. A
expansão da oferta energética passaria a ser sinalizada para os novos empreendedores pela
iniciativa das empresas distribuidoras, interessadas em contratar energia a longo prazo para
atender à demanda energética crescente de seus consumidores.
cix
Entretanto, o novo processo decisório dos agentes privados, em um ambiente no qual as
forças do mercado atuavam livremente, não se encontrava influenciado apenas pela lógica de
atender o consumo, mas também pela possibilidade de obter resultados financeiros mais
satisfatórios com o equilíbrio entre renda variável (preço de curto prazo do MAE) e renda
estável (preço de compra e venda fixado no PPA
120
). Como, apenas em 2003, a ANEEL fixou
um nível mínimo de contratação de energia (95%)
121
pelos agentes de consumo no setor
elétrico, as decisões de investimento por parte do setor privado nos anos anteriores acabaram
prejudicadas, pois os investidores não sabiam até que ponto iam as reais necessidades de
consumo do país e quais riscos correriam ao tentar alocar a energia de um novo
empreendimento.
Pelo novo modelo, a expansão da geração ficava vinculada, primordialmente, a
celebração de contratos bilaterais de compra e venda de energia entre as empresas
distribuidoras e consumidores livres com as empresas geradoras. Tais contratos antecipavam a
quantidade de energia a ser suprida e o preço a ser praticado, sendo que as diferenças, entre os
montantes de energia, contratados junto à geradora, e o consumo real, seriam compensadas de
forma compulsória no MAE, mitigando os riscos dos investidores.
No caso do gerador ter mais energia gerada do que energia contratada venderia,
automaticamente, esse excesso ao MAE e receberia uma remuneração por esta venda.
Produzindo, menos do que o contratado, compraria a diferença e, em ambos os casos, o preço
de transação no MAE (preço spot) refletiria as condições de atendimento a curto prazo do
sistema. O preço spot, no entanto, estaria sujeito a uma condição de demasiada instabilidade
pela própria configuração do SIN, na qual, se as condições hidrológicas fossem favoráveis
(reservatórios vertendo) o preço spot seria próximo de zero e, por outro lado, se os
reservatórios estivessem vazios, o preço do MAE poderia chegar a patamares elevados.
120
Power Purchase Agreement, ou contrato de compra e venda de energia elétrica.
121
Resolução ANEEL 91/2003.
cx
Com esse cenário de referência, sob a égide de um preço de liquidação para a energia
não contratada, extremamente volátil, a aversão ao risco de potenciais investidores os
conduziria a uma posição contrária a realização de novos empreendimentos que não
apresentassem, na partida dos trabalhos, um contrato garantindo a contratação da energia a ser
produzida.
Os investimentos estatais, no momento em que foram suspensos pelo governo federal,
não puderam contribuir, como ocorria no passado, com o equilíbrio do cenário de expansão
no SIN e, tal fato, também foi incluído no relatório que analisou as causas do racionamento:
No que se refere às geradoras de controle federal, seus investimentos, assim como todos os demais do
setor público federal, são analisados e consolidados pelo Ministério do Planejamento no Orçamento da
União, que é posteriormente discutido e aprovado no Congresso Nacional. Existem metas de política
econômica quanto ao resultado final das contas públicas e, a nível micro, respeitadas estas metas, cada
projeto é avaliado por seus próprios méritos. Neste contexto, a Comissão não tem conhecimento de que a
possibilidade de que as geradoras poderiam estar expostas a graves perdas financeiras tenha feito parte
daquela análise ou da discussão do Orçamento (BRASIL, 2001, p. 10).
A combinação de decisões tomadas pelos agentes setoriais, somada a uma estrutura
institucional-regulatória em desenvolvimento e a falta de investimentos das estatais
contribuiu, decisivamente, para que o Brasil enfrentasse a grave crise de energia resultante do
programa de racionamento de consumo nas regiões mais adversamente afetadas - sudeste,
centro-oeste e nordeste, refletindo, de forma inequívoca, os resultados obtidos com o modelo
institucional de livre mercado implementado pelo governo FHC a partir de 1998:
Ao terem privilegiado os aspectos monetários e fiscais e metas de superávit fiscal, e mantida uma visão
bastante restritiva em relação aos investimentos públicos a partir de orientação ideológica da política
econômica, criaram-se as condições para uma seqüência de acontecimentos compreendendo desde
insuficientes investimentos em geração e transmissão, redução de oferta de eletricidade,
desabastecimento, enfim uma cadeia de efeitos negativos que certamente estão voltando contra a
pretendida transição à iniciativa privada (LORENZO, 2002, p.20).
3.1.3 O modelo de livre mercado e as especificidades do SEB
A constatação da existência desses “buracos” no episódio de reestruturação suscita o
questionamento quanto à prevalência de objetivos ideológicos, políticos e econômicos
cxi
voltados para a adoção do conceito de mercado auto-regulado no Brasil, em detrimento da boa
técnica, das especificidades do serviço público de eletricidade, do nosso sistema hidrotérmico
e do próprio processo histórico de formação do SEB, no qual o planejamento centralizado
ocupou papel central: “uma sociedade nacional cria os alicerces de seu futuro por decisões
que afirmam seu desejo de ser muito além dos sinais imediatos de mercado” (LESSA, 2005,
p.1).
Como explicam Vieira (2005) e Sauer (2002), a Lei 8.631/1993 permitiu uma
recuperação econômico-financeira na gestão das empresas do setor, indicando um caminho
viável, que poderia ser seguido pelo país, em que o papel reservado ao Estado, embora
revisto, manteria as funções de coordenação e planejamento voltadas para uma evolução
equilibrada do SEB, em conjunto com a iniciativa privada. Entretanto, podemos denotar por
Vieira (2005, p.82), que a implantação de um modelo de livre mercado prevaleceu como
opção pró-liberal do governo FHC, no que pese a necessidade de reforço do programa
econômico:
[...] para o capital financeiro internacional, a possibilidade das reformas liberalizantes e privatizantes
consubstanciava mais uma oportunidade de converter papéis financeiros em ativos capazes de produzir
renda. Mais atrativos ainda se tornavam os ativos de infra-estrutura, pela conquista de estabilidade dos
fluxos de receita que passaria a ser garantida via tarifas reguladas por entidades independentes dos
governos nacionais, mercados com demanda em forte crescimento e tecnologias estabilizadas. Conforme
referido, diversas entidades internacionais, como o Banco Mundial, colaboraram com esse esforço de
modificação da estrutura de investimentos, emprestando subsídios técnicos e conceituais, promovendo
seminários e programas de financiamento, tendentes a implementar esse tipo de orientação. Dessa forma,
os governos que promovessem as mudanças e ajustes tidos como necessários estariam melhor
posicionados nas agências de classificação de risco e poderiam ser beneficiados pelo afluxo de recursos
do mercado financeiro internacional.
A versão final do relatório, com a proposição do novo modelo, foi entregue pela
Coopers & Lybrand em agosto de 1997 e, a partir de 1998, o governo passou a implementar
as mudanças do setor, via medidas provisórias, acatando uma série de sugestões dos
consultores. Acerca do relatório da consultoria e do novo modelo em fase de implementação
Rosa, Tolmasquin e Pires (1998), teceram críticas que introduziram questões que, não por
acaso, iriam no futuro permear a análise das causas do racionamento.
cxii
Dentre os questionamentos, quanto à capacidade do modelo em produzir um ambiente
adequado para os desafios do SEB, estavam as dificuldades de implementação de um modelo
concorrencial em um setor com as especificidades do brasileiro (base hídrica plurianual), a
priorização pelo modelo da privatização como forma de reduzir os gastos e a dívida pública e
as dificuldades vindouras para uma cooperação institucional eficaz (aumento do número de
agentes setoriais nos processos afeitos ao SEB, em função das reestruturações estaduais e
licitações) e para uma busca de soluções consensuais envolvendo disputas federativas entre a
União e os estados (órgãos reguladores, administração de recursos hídricos).
Um bom exemplo das dificuldades enfrentadas pela “mão invisível” do mercado, em
solucionar os problemas que surgiriam no bojo da complexidade do setor elétrico brasileiro,
foram as dificuldades surgidas na autogestão do MAE, símbolo do novo modelo competitivo,
por meio da Administradora de Serviços do MAE - ASMAE, instituída em decorrência de
Acordo de Mercado, firmado entre as próprias empresas interessadas em viabilizar as
transações de compra e venda de energia elétrica nos sistemas interligados, apenas mediante
uma autorização da ANEEL.
Em 2002, ainda como desdobramento da grave crise do racionamento, o Governo
Federal editou a Medida Provisória 29 alterando a estrutura e forma de funcionamento do
MAE, acabando com a ASMAE e colocando o mercado atacadista, outrora com as próprias
empresas cuidando de sua operacionalização, agora sob autorização, regulamentação e
fiscalização da Agência. Na regulamentação da matéria
122
, a ANEEL informou que “[...] o
MAE, da forma como estava constituído, apresentava conflitos de interesses, resultando em
paralisia do Mercado e falta de credibilidade, e não estava desempenhando as atribuições
122
Resolução ANEEL 73/2002. Posteriormente a ASMAE virou MAE, ou seja, o braço operacional do MAE
recebeu o mesmo nome do Mercado Atacadista de Energia. Com a lei 10.848/2004, entretanto, o MAE (braço
operacional) passou a se chamar CCEE.
cxiii
esperadas, comprometendo, assim, a expansão da oferta de energia elétrica
123
”.
Novamente a leitura do relatório sobre o racionamento pode ajudar a lançar luz sobre a
capacidade do mercado em resolver os problemas que surgem e sinalizar positivamente para
os potenciais investidores:
O bom funcionamento da economia tem como um dos fundamentos o cumprimento das relações
contratuais livremente negociadas, de acordo com a Lei. A quebra de contratos, ou a arbitrariedade na
interpretação dos mesmos, tem no mínimo duas conseqüências severas para o funcionamento de qualquer
setor. A primeira é o efeito “em cascata” nas falhas de relações contratuais. A divergência quanto aos
compromissos contratuais de Angra II, que levou à paralisação das atividades de contabilização e
liquidação do MAE por um ano, resultou em perda de confiança dos agentes no mercado atacadista,
fundamental para o funcionamento do Setor. A segunda conseqüência negativa é o desincentivo a uma
avaliação realista de riscos e benefícios por parte dos agentes na negociação dos contratos. Ao avaliar que
estes possam não ser integralmente cumpridos, o agente pode se comportar de uma maneira prejudicial ao
bom funcionamento do sistema e aos interesses da Sociedade. (BRASIL, 2001, p.15).
A implantação do modelo liberalizante, durante o governo FHC, mostrou ser um
processo no qual as dificuldades oriundas das especificidades do setor e do país eram questões
menores, frente a uma “capacidade inexorável” do mercado em conduzir o SEB a um novo
patamar de desenvolvimento, aspecto que contraria a boa lição que:
[...] a teoria microeconômica sustenta que o mercado competitivo e sem intervenção é o mais eficiente,
pois maximiza o excedente do consumidor e do produtor. Entretanto quanto mais díspar for a distribuição
da renda e, logicamente, a estrutura social do comprador, menos eficaz será o mercado competitivo para
garantir o bem-estar da sociedade. Percebe-se, também, que a maximização dos excedentes do
consumidor e do produtor se dá pelo volume total de renda. A ponderação média da concentração de
renda, em virtude da grande diferença entre a quantidade de produtores e consumidores, não é
considerada na abrangência da análise microeconômica. Sendo assim, a maximização ética do bem-estar
social não estará garantida. Com efeito, conjeturar que o Mercado irá substituir o Estado em sua função
de mudança das estruturas econômicas e sociais não é sustentável. Nota-se que a apologia da “mão
invisível” de Adam Smith é utilizada equivocadamente pelos que “vendem” as beldades do mercado
(DELGADO, 2003, p.183).
Em conclusão, sobre o governo FHC, podemos afirmar que a estratégia governamental
de reforçar as políticas macroeconômicas, voltadas principalmente para a estabilidade, com o
apoio do SEB – através da privatização de ativos, da formação de superávits primários e da
abertura do mercado – apresentou problemas intrínsecos a sua conformação e produziu, como
123
O bom funcionamento do MAE nos anos de 2000 e 2001 foi afetado, principalmente, pela divergência entre
os agentes setoriais sobre as obrigações contratuais da usina de Angra II, que acabou por levar a uma paralisação
das atividades de contabilização e liquidação dos contratos firmados por cerca de um ano. Com esse episódio
ocorreu uma perda de confiança dos agentes em relação ao cumprimento de relações contratuais, livremente
negociadas e um pouco cuidado com a elaboração de análises de riscos e benefícios na celebração de novos
contratos.
cxiv
drástico reflexo para a sociedade, o racionamento de energia no biênio 2001-2002.
Com relação a esses problemas na implementação de políticas públicas, via setor
elétrico brasileiro, consideramos com base nas discussões conceituais do policy cycle que,
dentre outros, os seguintes erros na ação estatal podem ser percebidos: limitações cognitivas
dos formuladores da estratégia acerca das particularidades técnicas do SEB, constrangimentos
de tempo e de recursos para promover o encaixe privatização-reestruturação e a existência de
influências político-ideológicas minando a racionalidade técnica das reformas.
É possível observar que, em resumo, a tarefa de elaborar uma política pública não
parece ser entendida, pelos governos que se sucedem no exercício do poder do Estado, como
um processo, que precisa ser reajustado em decorrência de uma avaliação periódica dos
resultados alcançados. Ao utilizar as potencialidades do SEB, no reforço da implementação de
políticas públicas, voltadas para a consecução de objetivos macroeconômicos, o Estado não
observa as especificidades técnico-institucionais dos serviços de eletricidade no Brasil e
tampouco as dificuldades inerentes às etapas de elaboração de uma política (policy cycle),
restando inquestionável, no caso específico do período FHC, a correlação entre uma ação
ineficiente do Estado e a ocorrência de restrições de abastecimento de proporções inauditas no
país.
cxv
3.2 O SETOR ELÉTRICO E O GOVERNO LULA
Em 2003, o Brasil passou a ser governado por Luiz Inácio Lula da Silva, ex-operário,
com um passado de lutas pela causa trabalhista, eleito presidente a partir de uma campanha
eleitoral marcada pela defesa da necessidade de implantação no país de políticas de governo,
que permitissem um crescimento econômico sustentado e com justiça social.
Apesar de embalar o sonho de toda uma geração de brasileiros, que esperava ver com a
esquerda no poder uma mudança nos rumos do país, o cenário percebido pela sociedade, logo
após a sua posse, foi de continuidade das políticas do governo anterior, com as promessas de
campanha substituídas pela busca de credibilidade do governo petista junto aos agentes
financeiros internacionais:
Não deve haver dúvidas que a política econômica do Governo Lula é uma continuidade daquela posta em
prática na era FHC. O seu perfil combina políticas macroeconômicas ortodoxas, e reformas liberais. Na
sua essência a política visa obter a estabilidade e um ambiente institucional favorável à operação da
economia de mercado. A estabilidade, macroeconômica e institucional, abarcaria as condições necessárias
e suficientes para que o processo de desenvolvimento seja levado a bom termo pelo mercado
(BELLUZZO; CARNEIRO, 2003, p. 6).
Em 2002, ainda durante a campanha para a presidência, o Partido dos Trabalhadores
divulgou o documento Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico Brasileiro
(PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002) indicador das propostas do governo petista
para o setor elétrico e preparado por profissionais que acabariam, em alguns casos, por
integrar a nova equipe do MME. Em seu primeiro capítulo o documento estampava as
premissas básicas pelas quais deveriam ser norteadas as ações do governo Lula, no SEB, em
caso vitória nas eleições:
A política energética deve ser consistente com a orientação econômica e social que marca o perfil de um
governo. É imperativo que ela se volte, portanto, no plano interno, ao crescimento econômico, ao
atendimento das necessidades da sociedade, à geração de empregos, à melhor distribuição de renda e à
inclusão social (PT, 2002, p.8).
cxvi
A clareza desse parágrafo não pode ser entendida como mera retórica e lança luz ao
mote tratado no âmbito deste trabalho, ao afirmar existir uma clara correlação entre o setor
elétrico e a implementação de políticas públicas, com as potencialidades dessa associação, nas
promessas de campanha do Partido dos Trabalhadores, restando bem identificadas e
apresentadas aos eleitores, sendo correto esperar que delas se valesse o governo Lula durante
a sua gestão.
Com relação ao modelo do setor elétrico, implementado ao longo do governo FHC, o
programa de governo do Partido dos Trabalhadores se empenhou em apontar suas falhas e em
colocar o racionamento como a síntese negativa de alternativas que privilegiaram as soluções
de mercado em detrimento da ação planejadora do Estado:
Trata-se, portanto, de repensar e refazer de alto a baixo o modelo imposto ao setor, dando-se como
demonstrado que a crise de 2001 — ainda latente nos desdobramentos de 2002 — evidenciou todos os
seus equívocos, sua inadequação à realidade brasileira e, finalmente, o seu colapso. O modelo atual
precisa ser abandonado porque seria inócuo tentar introduzir-lhe aperfeiçoamentos fora dos marcos da
teoria neoliberal. Teoria que se tem revelado incompatível com a política econômica de um governo que
esteja comprometido com o desenvolvimento do país e com as metas de justiça social e distribuição da
renda que movem a esmagadora maioria dos brasileiros (PT, 2002, p.44).
Gestadas, ao longo do ano de 2003, as propostas do governo para um novo modelo do
setor elétrico se materializaram com a publicação da Lei 10.848/2004, regulamentada por
intermédio do Decreto 5.163/2004, reestruturando o setor com o objetivo de superar os
problemas verificados no desenvolvimento do SEB sob o modelo implementado no governo
FHC. Na mensagem divulgada pelo MME
124
, comunicando a regulamentação, foram
apresentados os seguintes objetivos norteadores da concepção do novo modelo: promover a
modicidade tarifária para os usuários dos serviços, garantir a segurança do suprimento e criar
um marco regulatório estável.
Apesar de descartar algumas abordagens exploradas na campanha eleitoral, no sentido de um
completo abandono do modelo anterior, a proposta apresentava mudanças relevantes no marco institucional-
regulatório dos serviços de eletricidade no país, principalmente com relação à:
a) restauração do papel do Estado no setor elétrico;
124
MME. Nota à imprensa, de 30 de julho de 2004. Disponível em:<http:// www.mme.gov.br>. Acesso em: 5
ago. 2004.
cxvii
b) valorização do planejamento de longo prazo;
c) introdução de leilões dirigidos pelo governo para a contratação da energia necessária ao atendimento
dos consumidores com base no critério de menor tarifa (pool de contratação regulada de energia);
d) liberdade para que as empresas estatais voltassem a investir na expansão do setor e
e) criação de mecanismos de incentivo à contratação de energia pelas distribuidoras (segurança do
suprimento).
Pelo Novo Modelo, o MME teria como atribuições principais a formulação e
implementação de políticas para o setor energético, de acordo com diretrizes do CNPE, a
retomada do exercício da função de planejamento setorial, o exercício do Poder Concedente, o
monitoramento da segurança do suprimento e a definição de ações preventivas para a
restauração do suprimento. Na reorganização das funções de planejamento da expansão e de
acompanhamento dos serviços prestados, foi destaque a criação da EPE e do CMSE.
O principal fator, em prol da modicidade tarifária, seria a realização de leilões, pelo
critério de menor tarifa, na contratação conjunta de energia pelas distribuidoras para
atendimento a seus consumidores. Além dos leilões de energia existente (centrais geradoras já
em operação) e leilões para ajuste de contratação, o modelo previa a realização de leilões
específicos para a contratação de novos empreendimentos de geração (com licença ambiental
prévia, contratos de longo prazo e garantia de repasse de custos de aquisição para as tarifas).
Operacionalmente o modelo considerava a criação de dois ambientes distintos de
contratação de energia: um Ambiente de Contratação Regulada – ACR, no qual as
distribuidoras poderiam contratar a energia necessária, por intermédio de processos
licitatórios regulados (leilões) e um Ambiente de Contratação Livre – ACL, em que a energia
poderia ser comercializada entre concessionárias de geração, autoprodutores, consumidores
livres, comercializadores, em essência, nos padrões do que era feito no modelo anterior
125
.
O novo modelo também decretou:
125
No Novo Modelo o MAE passou a se chamar Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.
cxviii
a) que as concessionárias de distribuição de energia teriam de garantir, por intermédio
de contratos firmados, o atendimento a 100% de seus mercados de energia, sendo que, a
energia alocada em contratos firmados pelos produtores, por sua vez, deveria ter lastro
físico de geração;
b) o fim da contratação direta de energia, entre empresas pertencentes ao mesmo grupo
econômico, e separação das atividades de distribuição de energia das de geração e
transmissão (desverticalização e limitações para a atuação empresarial no setor elétrico,
evitando operações comerciais, sem licitação, entre empresas do mesmo grupo ou
envolvendo diferentes serviços concedidos);
c) o repasse de até 103% da energia contratada pelas distribuidoras para as tarifas dos
consumidores finais;
d) a necessidade de declaração anual pelos agentes de consumo ao MME de suas
previsões de carga para os cinco anos subseqüentes;
e) a utilização de filtros no repasse dos custos com compra de energia para as tarifas dos
consumidores, garantindo um mecanismo de indução de eficiência na contratação feita
pelas distribuidoras e
f) a criação da CCEE, sucedendo o MAE e submetida à regulamentação da ANEEL.
Podemos afirmar que, no âmago das medidas implementadas pelo Novo Modelo do
Setor Elétrico, estava a questão da necessidade de se privilegiar o planejamento centralizado
da expansão do setor elétrico, introduzindo elementos regulatórios que estimulassem o real
dimensionamento das necessidades do mercado e a constituição de uma reserva de segurança
do sistema, evitando a ocorrência de novos episódios de racionamento, sem, contudo, deixar
de lado a busca de tarifas mais módicas e a atração de investimentos para o desenvolvimento
dos serviços (os objetivos norteadores da modelagem).
cxix
Esse equilíbrio de objetivos tornou-se o maior desafio para o sucesso da nova proposta
institucional e foi buscado por intermédio da proposta de reestruturação do planejamento
setorial (de médio e longo prazo), com o monitoramento das condições de oferta de energia
do sistema e o direcionamento das contratações de energia para o longo prazo, mitigando os
riscos associados aos investimentos.
Embora os preços praticados nos leilões, já realizados até o ano de 2005, apontem para
uma situação de estabilidade para os custos com energia contratada pelos distribuidores
126
e a
EPE, retomando o planejamento energético do setor, indique uma condição satisfatória para o
atendimento do mercado nos próximos anos
127
é necessário ainda, a partir da realização dos
leilões de novos empreendimentos de geração, verificar a capacidade do novo modelo em
atrair os investimentos necessários para que a oferta de energia cresça de forma compatível
com a evolução do consumo, sem esquecer que, com as rédeas na o mais uma vez, o
Estado pode determinar um posicionamento pró-ativo das empresas estatais e de seus fundos
de pensão frente a esse desafio.
Observando os aspectos centrais da reforma do SEB ou as ações tomadas pelo governo Lula, em seus
primeiros anos no poder, é possível identificar, da mesma maneira como ocorrido no governo anterior, a
utilização do setor como instrumento de implementação de políticas públicas pelo Estado, ou seja, podemos
observar que ações tomadas em relação ao SEB denotaram a necessidade de reforçar políticas públicas de
caráter sócio-econômico implementadas pelo governo.
Nesse sentido, podemos elencar os seguintes aspectos relevantes para análise no período relativo ao
governo Lula, lembrando que, se foram sanados os problemas derivados do racionamento, outros reflexos
significativos se farão sentidos pela sociedade:
a) contingenciamento dos recursos da ANEEL para fins de aumento do superávit
primário;
126
Principalmente se tomarmos por base a comparação dos valores médios dos Leilões de Energia Existente
com os valores praticados nos Contratos Iniciais e bilaterais entre geradores e distribuidores.
127
O artigo 2º da Resolução 1/2004, do CNPE, define o critério de garantia de suprimento de energia elétrica:
“[...] o risco de insuficiência da oferta de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional não poderá exceder a
5% (cinco por cento) em cada um dos subsistemas que o compõem.” No Plano Decenal de Expansão de Energia
Elétrica 2006-2015 (EPE, 2006) o risco de déficit é inferior a 5% em todos os subsistemas e cenários de oferta e
demanda projetados.
cxx
b) parcelamento do resultado das revisões tarifárias periódicas das distribuidoras e
criação do Xa (fator de ajuste da variação de custos de mão-de-obra formal na Parcela B
da receita das distribuidoras);
c) revisão do papel do Estado no SEB (gestão da demanda das distribuidoras,
contratação de reserva conjuntural de capacidade, presença nos Leilões de Energia e
reforço da regulamentação) e
d) criação do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia
Elétrica - “LUZ PARA TODOS”.
3.2.1 Contingenciamento de recursos da ANEEL
Ao longo dos últimos anos a ANEEL tem assistido os recursos financeiros necessários
ao seu funcionamento (e arrecadados via tarifas de energia) sofrerem um contingenciamento
por parte do governo federal, dentro de uma estratégia da equipe econômica, de formação de
superávit primário, que não encontra respaldo legal nas próprias leis instituidoras das agências
reguladoras independentes
128
.
Pela leitura de Aragão (2005), podemos entender por “contingenciamento” uma série de instrumentos
utilizados pelo Poder Executivo central com a finalidade de desviar os recursos das agências reguladoras,
destinando-os para outros fins, no caso analisado, para o cumprimento de metas de superávit primário. Dentre
esses instrumentos estão o remanejamento de verbas orçamentárias, mediante decreto de crédito especial ou
extraordinário, a publicação de leis orçamentárias, a retenção administrativa de recursos e a mera não
liberação dos recursos para as agências.
O superávit primário representa a diferença entre as receitas e despesas do governo. Por não incluir
como despesas o pagamento dos juros da dívida pública interna e externa é chamado “primário”, ao contrário
do superávit total que inclui o serviço da dívida. Desde o governo FHC, como resultado de metas impostas pelo
FMI, o superávit primário passou a ser utilizado como fundamento de uma política econômica, voltada para a
obtenção de economias a serem revertidas no pagamento dos juros da dívida pública, sinalizando ainda a
austeridade de um governo que arrecada mais do que gasta, fator incluído na análise de risco de potenciais
investidores externos
129
.
A ANEEL registrou, em documento sobre suas realizações nos primeiros sete anos de existência, a ação
do Poder Executivo, de retenção das verbas destinadas à agência e seus efeitos derivados:
128
Para maior detalhamento dessa questão e de suas implicações legais ver (ARAGÃO, 2005; ANEEL, 2004;
MARQUES NETO, 2005).
129
Em 1997, o superávit primário era de R$ 1,7 bilhões ou 0,5% do PIB. Em 2005 chegou a 93,5 bilhões, ou
4,84% do PIB. Fonte: Banco Central do Brasil - BACEN. Na obtenção do superávit primário o governo lança
mão de estratégias como a contenção de gastos com despesas correntes e investimentos e o aumento da carga
tributária. Neste momento é que surgem as críticas, feitas por diversos setores da sociedade, contra políticas de
austeridade fiscal que se baseiam no deslocamento de recursos que deveriam ser empregados em gastos sociais.
cxxi
Ainda que esses recursos sejam de destinação exclusiva ao custeio das atividades da ANEEL, nos últimos
anos o Governo Federal os tem contingenciado fortemente, em prejuízo da realização dessas atividades.
[...] O mais grave, nessa questão, é que os recursos cobrados ao consumidor de energia elétrica, que ficam
aplicados numa conta bancária à disposição da ANEEL, sem, contudo, poderem ser aplicados em
benefício de quem os paga, já somam mais de R$ 300 milhões em 2004 (ANEEL, 2004, p.93).
Em carta, encaminhada para órgãos da administração direta e representantes de
comissões parlamentares, organismos setoriais pintaram com tintas mais vivas o
contingenciamento percentual de recursos destinados a ANEEL, informando a evolução da
estratégia que rompe e ganha força no governo Lula, chegando a significativos três quartos da
verba total arrecadada mediante cobrança junto aos consumidores em 2005
130
:
TABELA 2
EVOLUÇÃO DO CONTINGENCIAMENTO DE RECURSOS DA ANEEL
2002 2003 2004 2005
34,8% 59,2% 64,3% 73,5%
As transformações ocorridas no setor elétrico, a partir da década de 1990, voltadas para
a redução do papel desempenhado pelo Estado, caminharam no sentido de deixar a
intervenção estatal calcada, mais em aspectos regulatórios do que no exercício de funções
como o planejamento e a gestão empresarial, consagrando um modelo de intervenção
indireta
131
em que caberia à agência reguladora implementar, por meio dos atos
regulamentares necessários, as políticas e diretrizes estabelecidas pelo governo federal para a
exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos.
Na estruturação dessa nova forma do Estado se fazer presente, as funções reservadas
130
Carta CT/146/2005: “Agenda urgente para o fortalecimento da Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL)”. Disponível em: <http:// www.eletrobras.gov.br /IN_Nuca/noticias_NUCA_detalhe.asp?cod=38148&
categoria=11&inf=951. Acesso em: 8 mai. 2006.
131
“Se bem é verdade que o surgimento das agências coincide e se relaciona com o processo de diminuição da
intervenção direta do Estado, não se pode dizer que as agências sejam, em si, vetores de não intervenção estatal.
Muito ao contrário, são mecanismos de interferência, de controle, do Estado sobre setores da economia”
(MARQUES NETO, 2005, p.15). Além disso, notar que, como discutido neste trabalho, a possibilidade de
intervenção indireta por parte do Estado, por meio da regulação setorial, não é excludente em relação à
intervenção direta do Estado no domínio econômico, fazendo prevalecer objetivos e comportamentos
determinados pela autoridade central.
cxxii
para a agência reguladora deveriam estar acompanhadas de uma certa autonomia
(administrativa, financeira e patrimonial) esperada para uma autarquia especial, criada por lei
específica, na figura de pessoa jurídica de direito público, de maneira que o exercício isento
dessas funções favorecesse a mediação de interesses entre prestadores do serviço concedido,
usuários dos sistemas e o Poder Público, observado, contudo, o interesse maior e geral da
sociedade: “[...] no exercício de suas atividades o ente regulador deve manter eqüidistância
dos interesses verificados no setor regulado, de modo a exercer, com prudência e
proporcionalidade, suas competências de forma a melhor atingir aos objetivos visados com a
regulação” (MARQUES NETO, 2005, p.51).
Ao analisar a independência necessária às agências reguladoras
132
, Marques Neto
(2005) a separa em duas espécies: a orgânica e a administrativa. A independência orgânica
das agências reguladoras está relacionada à existência de mecanismos capazes de coibir a
ingerência política na atividade regulatória. Dentre esses mecanismos estão a estabilidade dos
dirigentes nomeados para o comando das agências e a ausência de controle hierárquico,
entendida como a impossibilidade de anulação ou reforma dos atos praticados pelas agências
por órgãos da administração central. Na independência administrativa incluem-se quesitos
como a capacidade de gestão organizacional e a autonomia financeira, dada “[...] pela garantia
de que os recursos financeiros necessários à atividade da agência não dependerão da gestão do
tesouro (ou seja, sua liberação não demandará boa vontade do poder central)” (MARQUES
NETO, 2005, p. 77).
No setor elétrico, a Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica - TFSEE foi
instituída pelo Artigo 12 da Lei 9.427/1996, equivalendo a 0,5% do benefício econômico
133
anual auferido por cada concessionária. Os valores relativos a essa taxa são fixados pela
132
Notadamente as agências responsáveis pela regulação em setores como telecomunicações, energia, gás e
petróleo.
133
Para determinação do valor do benefício econômico é considerada a tarifa fixada no respectivo contrato de
concessão ou no ato de outorga da concessão, permissão ou autorização, quando se tratar de serviço público.
cxxiii
ANEEL e arrecadados dos usuários via tarifas de energia, com a finalidade de constituir uma
receita que permita ao órgão regulador cobrir o custeio de suas atividades.
Em entrevista
134
, em 2004, o então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, alertou para a
necessidade de se utilizar parte da arrecadação das agências na composição do superávit
fiscal: “Todos os setores reivindicam seus recursos, e é tudo legítimo. Mas alguém poderia me
explicar como eu faço superávit primário se atender a todos”. A fala do ministro continha a
certeza de que haveria agências que “arrecadam muito e precisam de pouco e outras que
arrecadam pouco e precisam de muito”, situação que forçaria o governo a reter os recursos
para corrigir distorções. Palocci argumentou ainda, que poderia haver um estímulo pela
multiplicação de taxas e de impostos se cada agência ficasse com o montante que arrecada.
Em um plano mais amplo, a utilização desses recursos para outros fins, que não os
originais ao que se destinavam, indica uma submissão dos interesses da sociedade às
estratégias da política econômica em curso, ainda que auxiliada pelas imperfeições nos artigos
de Lei atinentes a arrecadação de recursos para as agências reguladoras. Em plano restrito
podemos questionar, dada a continuidade das operações da ANEEL, se a TFSEE não poderia
ser reduzida para patamares que inviabilizassem o contingenciamento, favorecendo a
modicidade tarifária dos consumidores de energia elétrica.
O contingenciamento de recursos, no governo Lula, não observou o arcabouço legal e
ideológico de constituição de mecanismos de regulação, que permitissem ao Estado uma
intervenção apenas indireta nas atividades econômicas, principalmente em relação à
necessária independência administrativa, se constituindo em episódio exemplar da cooptação
do SEB na viabilização de políticas públicas, tidas como as mais relevantes pelo Estado, dado
o enfoque sócio-econômico.
134
Agências têm que ajudar no superávit. Jornal Valor Econômico, Rio de Janeiro, 18 jun 2004. Disponível em
<http:// clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=130616>. Acesso em: 15 mar. 2006.
cxxiv
3.2.2 Parcelamento da revisão tarifária e criação do Xa
A partir de abril de 2003, quando a ANEEL começou a aplicar, para as distribuidoras
135
que passavam por revisão tarifária, o novo conjunto de regras para o reposicionamento das
tarifas de energia cobradas e captura de ganhos de produtividade
136
, ações que abarcavam,
dentre outros quesitos, a remuneração e reintegração do capital investido, a cobertura de
custos operacionais e o Fator X, na expectativa que as novas condições regulatórias
propiciassem o devido equilíbrio econômico-financeiro das concessões de distribuição de
energia elétrica no país e a necessária atração de investimentos para a manutenção e expansão
dos serviços.
Embora as novas regras fossem um alento, em prol do restabelecimento do equilíbrio
econômico-financeiro das distribuidoras de energia, permitindo a recuperação dos pesados
investimentos realizados na concessão no período pós-privatização
137
, e uma sinalização de
estabilidade regulatória importante para a avaliação dos investidores, foram aplicadas em um
momento no qual os encargos setoriais e as despesas com energia comprada já pressionavam
por uma elevação das tarifas de energia, em parte devido à variação expressiva do IGP-M, nos
últimos doze meses, que precederam às revisões de abril de 2003, reflexo das turbulências na
economia motivadas pelo processo eleitoral de 2002.
A combinação desses eventos acendeu a luz vermelha para a ANEEL, pois sinalizava
reajustes das tarifas em patamares extremamente elevados. Podemos, a título de exemplo,
citar os reposicionamentos tarifários calculados pelo órgão regulador, tomando por base o mês
135
Ressalvamos que, para fins deste trabalho, serão focadas, primordialmente, as questões afeitas às
distribuidoras de energia.
136
Para maiores informações sobre regulação econômica do setor elétrico e formação de tarifas (revisão e
reajuste tarifário, Fator X) ver o item 2.2 O setor elétrico brasileiro: uma breve exposição.
137
Vultosos investimentos foram realizados no país pelas distribuidoras de energia recém privatizadas, buscando
garantir a melhoria da qualidade dos serviços prestados para os consumidores, aspecto previsto nos Contratos de
Concessão celebrados e objeto de fiscalização pela ANEEL.
cxxv
de abril de 2003, para a Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG (44,41%),
Companhia Energética do Ceará - COELCE (34,65%), Empresa Energética de Sergipe S.A. –
ENERGIPE (33,64%), Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia - COELBA (38,78%)
e Empresa Energética do Mato Grosso do Sul S.A. - ENERSUL (50,81%)
138
.
Estes valores faziam um contraste com a variação acumulada dos índices inflacionários
para o mesmo mês, como por exemplo em relação ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo
– IPCA, que variou 16,77%. Ou seja, considerando o desafio de rever a estrutura de custos
das distribuidoras pelas novas regras de revisão tarifária, em um momento no qual essa
própria estrutura já se encontrava pressionada por fatores econômicos inerentes à concessão
do serviço, o regulador se viu diante do dilema de autorizar majorações expressivas dos
valores que vinham sendo pagos pelos serviços prestados, o que afetaria a capacidade de
pagamento dos consumidores, trazendo desdobramentos para a apuração dos índices de
inflação do período, no país.
Diante do imbróglio a ANEEL tomou a decisão de realizar um “parcelamento” do
reposicionamento que deveria ser aplicado às tarifas de energia ou, em suas palavras:
O Regulador está consciente que, em alguns casos, a aplicação imediata das tarifas justas pode representar
um impacto econômico significativo sobre os consumidores de energia elétrica.
Entretanto, entende-se que essa circunstância não pode nem deve invalidar a aplicação dessas tarifas, uma
vez que as conseqüências poderiam ser muito mais negativas para esses mesmos consumidores.
Considerando essa realidade, a ANEEL está propondo a aplicação das tarifas resultantes da revisão
tarifária periódica em etapas, de modo a atenuar o impacto sobre os consumidores e, ao mesmo tempo,
manter inalterada a condição de equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão associada a
essas tarifas
139
.
Com a medida do parcelamento, o procedimento para aplicação do índice de
reposicionamento tarifário, resultante do processo de revisão tarifária periódica, passou a ser o
seguinte: quando o reposicionamento era superior ao índice que resultaria da hipótese de ser
calculado o reajuste tarifário anual tradicional, as tarifas eram reposicionadas em percentuais
138
Considerados os valores finais dos reposicionamentos tarifários. Fonte: ANEEL.
139
Página 42 da Nota Técnica 043/2003 – SRE/ANEEL, de fevereiro de 2003, da revisão tarifária da Empresa
Energética de Mato Grosso do Sul - S.A, ENERSUL, disponível no sítio da ANEEL na internet.
cxxvi
equivalentes a este último. A diferença entre reposicionamento e reajuste era convertida em
acréscimos à Parcela B ( PB) a serem adicionados em cada um dos anos seguintes do
período tarifário (três ou quatro anos, dependendo da distribuidora), de modo que o fluxo de
fundos da concessionária, durante o período tarifário como um todo, lhe assegurasse a
obtenção integral dos resultados definidos na revisão tarifária. O reposicionamento tarifário
era implementado, portanto, em duas etapas: a primeira, correspondente ao percentual de
reajuste e a segunda, correspondente à diferença entre o reposicionamento e o reajuste,
implementada ao longo do período tarifário.
A solução encontrada pela ANEEL, para reduzir os impactos do reposicionamento
tarifário a ser aplicado, foi tomada mesmo não havendo previsão legal, ou no contrato de
concessão, que permitisse ao regulador promover, de forma unilateral, a mudança das
condições associadas à exploração da concessão pela distribuidora
140
. Os condicionantes
legais da ação não impediram o regulador, naquele momento e dada a conjuntura sócio-
econômica envolvida, de tomar a ação discricionária
141
que entendia ser a mais capaz de
preservar a capacidade de pagamento dos usuários dos serviços de energia.
Embora a preocupação da ANEEL fosse justificada e meritosa e as distribuidoras
viessem a receber nos anos seguintes, com correção, os valores diferidos pela ANEEL em
2003, equacionando no plano econômico o equilíbrio da concessão, a solução encontrada
gerou um significativo desgaste junto aos consumidores dos estados nos quais foi adotada a
140
Pode-se dizer que, ao parcelar o valor do reposicionamento tarifário, a ANEEL modificou unilateralmente
uma cláusula econômico-financeira do contrato de concessão, apesar dessa possibilidade estar expressamente
vedada. A Lei 8.666/93, no artigo 58, determina que o regime jurídico dos contratos administrativos confere à
Administração, em relação a eles, a prerrogativa de modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às
finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado. Entretanto, como estabelecido no § 1º, as
cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia
concordância do contratado.
141
Segundo lição de Mello (2004, p. 394), “[...] a disciplina legal deixa ao administrador certa liberdade para
decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a
utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o
interesse público que a norma legal visa a realizar”. Os atos discricionários seriam, portanto, “[...] os que a
Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência
e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles” (MELLO,
2004, p.394).
cxxvii
solução. Ano após ano, enquanto durasse a reposição do parcelamento, o usuário do serviço
público de eletricidade constataria que os reajustes praticados nas tarifas de energia eram
superiores aos índices puros de inflação no período, índices esses que para eles significavam a
correção de toda uma série de parâmetros como salários, cesta básica, transportes e outros
insumos básicos.
Interessado em coadunar a concessão do reajuste, com uma política de estabilidade, o
Estado aproveitou as potencialidades do modelo institucional-regulatório do SEB e atuou de
forma discricionária, parcelando as reposições tarifárias a serem aplicadas sem, contudo, levar
em consideração o precedente aberto com a ruptura unilateral de um contrato, sob a ótica dos
interessados em investir no SEB e os efeitos futuros que tal medida poderia ocasionar para a
sociedade.
A título de exemplo citamos o caso da ENERSUL, que teve um reposicionamento, para
abril de 2003, calculado em 50,81% e que, pela regra do parcelamento, viu suas tarifas serem
corrigidas, naquele momento, pelo índice de reajuste, ou 32,59%. A Tabela 3, com 2006
apurado em um esforço para reforçar a análise, demonstra como os reajustes das tarifas de
energia dos consumidores da ENERSUL, nos últimos anos, foram impactados pela
necessidade de cômputo da parcela diferida em 2003:
TABELA 3
COMPARATIVO ENTRE REAJUSTES E ÍNDICES ECONÔMICOS
Reajuste
nominal
Variação do IGP-M
(12 meses anteriores)
Variação do IPCA
(12 meses anteriores)
abril de 2004
11,22% 5,07% 5,89%
abril de 2005
14,81% 11,13% 7,54%
abril de 2006
11,46% 0,36% 5,32%
Fonte: Empresa Energética de Mato Grosso do Sul – ENERSUL.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Índice Geral de Preços – IGP-M Geral – Índice
(ago.1994) = 100 e IPCA Geral – Índice (dez.1993) = 100.
cxxviii
A percepção dos dispêndios futuros, com o parcelamento, se mostrou para as
distribuidoras e para a própria ANEEL um problema de esclarecimento e justificação pública.
Em cada reajuste anual estava agregado, ao índice nominal calculado, uma parcela diferida de
2003, para cada empresa que passasse pelo procedimento.
O esforço em explicar, adequadamente, a lógica do processo, no entanto, em nada
diminuiu o desgaste frente à opinião pública. Destaca-se a atuação, em Mato Grosso do Sul,
de um fórum permanente contra o reajuste das tarifas públicas, congregando órgãos da justiça
e de defesa dos consumidores, além da classe política, que, anualmente, se mobiliza contra os
reajustes verificados na área de concessão da ENERSUL, inclusive em prol da criação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, na Assembléia Estadual, para investigar os
aumentos praticados pela distribuidora.
Na mesma linha do parcelamento, outro exemplo, da forma como agem os governos
buscando viabilizar seus interesses, é o colhido no seio das discussões sobre as privatizações
no setor elétrico em 1995, quando, em função de uma decisão estratégica, embutida no
planejamento político da desestatização, o IGP-M foi adotado como indexador de preços e
tarifas buscando uma proteção para os contratos dos serviços de distribuição e de transmissão,
além dos contratos de compra de energia elétrica com prazo superior a um ano. A escolha se
devia a grande correlação do IGP-M com a variação cambial, o que garantiria uma maior
atratividade para investidores, presumindo-se que os financiamentos, necessários à
participação nas licitações e nos investimentos futuros para manutenção e expansão dos
serviços, estariam atrelados à variação do dólar ou cesta de moedas: “Tratava-se de uma
escolha estratégica e historicamente situada” (BRASIL, 2005).
Em abril de 2003, preocupava ao recém empossado governo Lula, o fato dos reajustes
tarifários dos serviços públicos de eletricidade, indexados em parte ao IGP-M, estarem
alcançando níveis consideráveis em decorrência, em parte, das turbulências eleitorais de 2002,
cxxix
pressionando a inflação e o custo de vida nos grandes centros urbanos. O IGP-M, altamente
aderente ao câmbio, portanto, volátil, apresentava variações diversas do índice oficial das
metas de inflação (IPCA), objeto de monitoramento pelo Banco Central, o que afetava os
próprios resultados da política monetária.
Antecipando os processos de revisão tarifária de algumas distribuidoras, que ocorreriam
a partir daquele momento, o CNPE publicou a Resolução 01/2003 estabelecendo diretrizes
para que a ANEEL, embora mantido o critério de reajuste da Parcela B da receita da
distribuidora, previsto no contrato de concessão (variação do IGP-M menos o Fator X)
142
,
passasse a considerar na, formação deste Fator X, um índice que refletisse o valor da
remuneração da mão-de-obra do setor formal da economia brasileira. Nos considerandos da
decisão tomada, o órgão afirmava que eram objetivos a serem buscados pela Política
Energética Nacional a proteção dos interesses dos consumidores e a busca pela eficiência e
modicidade tarifária.
A estratégia do CNPE de repetir, mesmo que de forma menos explícita, políticas vistas
no passado, de contenção inflacionária a partir do setor elétrico, aproveitou o fato dos
contratos de concessão apresentarem uma fórmula de correção da Parcela B (com seus custos
de mão de obra) pela variação do IGP-M (menos o Fator X), ou seja, o índice que
apresentava, no histórico de médio prazo, uma evolução bem maior do que a dos demais
indicadores econômico-financeiros, notadamente o IPCA.
Nas projeções do CNPE, baseadas na conjuntura observada naquele momento, a nova
metodologia propugnada pela Resolução faria com que o Fator X fosse “reduzido” pela
diferença percentual entre IGP-M e IPCA (componente Xa
143
), o que na prática significava
142
Para maiores informações ver o item 2.2 O setor elétrico brasileiro: uma breve exposição.
143
O componente Xa, foi criado para capturar os ganhos oriundos da diferença entre o indexador da Parcela B
definido pelo Contrato de Concessão (IGP-M) e o indexador IPCA que supostamente atualizaria parte dos custos
operacionais e de capital. Para fins de determinação do Xa, a ANEEL segmenta a Parcela B em custos
cxxx
passar a corrigir os custos de mão de obra inseridos na Parcela B pelo IPCA e não mais pelo
IGP-M, promovendo uma redução do reajuste tarifário anual a ser praticado e,
conseqüentemente, dos níveis inflacionários do período, mas como já dito, a solução se
espelhava naquela dada conjuntura econômica pela qual passava o país.
Se o governo não podia mudar o indexador contratual, “driblou” os contratos de
concessão já celebrados, definindo um novo componente para o Fator X (o Xa), que anulasse
a diferença entre a família de índices IGP, calculada pela FGV e a família dos índices IPC,
elaborada pelo IBGE. O CNPE impunha assim às concessionárias de distribuição mais uma
alteração unilateral da cláusula econômico-financeira de reajuste das tarifas, já que o único
indexador aplicável a todos os itens da Parcela B, previsto no contrato de concessão, era o
IGP-M, o que contrariava o artigo 58, §1º, da Lei 8666/93, que vedava esse tipo de ação sem a
anuência da contraparte contratada para a prestação do serviço.
Utilizando a regulação setorial, como mero veículo de implementação de políticas de
governo, o CNPE aproveitou a metodologia de definição do Fator X, que em sua essência
guardava relação apenas com a captura de ganhos de produtividade para fins de modicidade
tarifária, para introduzir nela a perspectiva de um novo componente, Xa, que carregasse as
determinações da administração pública em prol da contenção dos níveis inflacionários.
Conquanto sinalizasse com a possibilidade da redução nos percentuais finais dos
reajustes tarifários anuais das distribuidoras de energia, a implementação do Xa acabou por
proporcionar, nos anos seguintes a sua operacionalização, uma completa inversão dos efeitos
esperados, posto terem sido registradas, para as concessionárias com reajuste a partir de
meados de 2005, variações para o IPCA maiores do que para o IGP-M
144
. A medida, tomada
em caráter conjuntural, acabou, em curto prazo, contribuindo para um aumento dos níveis
operacionais e custos de capital. Para cada um desses componentes, atribui uma parcela correspondente a
materiais e equipamentos, indexada ao IGP-M, e outra relativa à mão de obra, indexada ao IPCA.
144
A partir de 2005 a redução da variação do IGP-M esteve associada, principalmente, à valorização do real
frente ao dólar.
cxxxi
tarifários, já que o Xa negativo acabava por anular os efeitos da captura dos ganhos de
produtividade do Fator X, em detrimento da análise de uma solução estrutural para o
problema e da modicidade tarifária.
O Gráfico 1, a seguir, mostra o histórico do comportamento dos índices que
influenciaram a tomada de decisão pelo CNPE e o comportamento futuro observado
145
. Pelos
dados, podemos observar a significativa diferença registrada entre os percentuais de reajuste
acumulados nos últimos doze meses, percebidos para os dois índices, notadamente no mês de
abril de 2003 (IGP-M=32,95% e IPCA=16,71%), que balizou a decisão conjuntural de criação
do Xa. O gráfico também nos permite checar como, a partir de junho de 2005, o IPCA
(7,27%) passou a registrar variações superiores ao IGP-M (7,12%), invertendo a tendência.
GRÁFICO 1
0,95
1
1,05
1,1
1,15
1,2
1,25
1,3
1,35
abr-02
jun-02
ago-02
out-02
dez-02
fev-03
abr-03
jun-03
ago-03
out-03
dez-03
fev-04
abr-04
jun-04
ago-04
out-04
dez-04
fev-05
abr-05
jun-05
ago-05
out-05
dez-05
fev-06
IGPM - Acumulado 12 últimos meses IPCA - Acumulado 12 últimos meses
COMPARATIVO ENTRE AS VARIAÇÕES ACUMULADAS DE ÍNDICES ECONÔMICOS
Apenas exemplificando os resultados obtidos pela ANEEL, com a adoção de um
componente Xa, quando ocorre uma inversão na tendência de alta dos índices IGP-M e IPCA,
145
Fonte: Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. IGP-M Geral – Índice (ago.1994) = 100 e IPCA
Geral – Índice (dez.1993) = 100. O Gráfico 1 indica o valor do índice acumulado nos últimos doze meses, ou
seja, o dado de abril/2002 considera o índice acumulado de maio/2001 a abril/2002.
cxxxii
como observado no quadro anterior, temos que, no caso da ENERSUL, em abril de 2006, o
reajuste das tarifas foi de 16,75% quando poderia ter sido de 15,59% se não fosse incluída a
fórmula do Xa. Essa medida representou uma perda em modicidade tarifária de R$ 10
milhões, em detrimento dos consumidores atendidos por aquela distribuidora, no estado do
Mato Grosso do Sul, no período de um ano, a partir de abril de 2006
146
.
A aplicação do componente Xa, nos processos de reajuste tarifário, ficou mantida pela
ANEEL, apesar de todos os questionamentos e recursos administrativos encaminhados pelas
concessionárias atingidas. O MME, no entanto, acabou por enterrar uma idéia que nasceu no
bojo da discussão sobre o Xa, afeita a substituição do indexador previsto nos contratos
vigentes (IGP-M) e determinou a adoção de outro (IPCA) apenas nos novos contratos, os
quais vinham sendo assinados desde o evento do primeiro leilão de energia existente em
dezembro de 2004
147
.
Tanto o episódio da criação do Xa, quanto à questão do parcelamento dos resultados das
revisões tarifárias, merecem ser questionados sob uma ótica da criação de espaços, cada vez
mais amplos, para que o Estado atue no SEB, implementando diretrizes de cunho sócio-
econômico que, em um primeiro momento, podem significar uma preocupação com o usuário
dos serviços, mas, concebidas inadequadamente e desrespeitando instrumentos contratuais
prévios, acabam se tornando portadoras de reflexos significativos para a sociedade.
3.2.3 A retomada de espaços para o Estado
Passando para o penúltimo aspecto da presente análise temos que, no novo modelo para
o setor elétrico brasileiro, instituído pelo governo Lula, destaca-se a necessidade das
146
Nota Técnica nº 130/2005-SRE/ANEEL. Disponível em: <http:// www.aneel.gov.br>. Acesso em: 20 abr.
2006.
147
Em 2004 a ANEEL encomendou à FGV estudos voltados para a criação de um índice setorial de correção dos
contratos de prestação de serviços de eletricidade, em substituição ao IGPM.
cxxxiii
concessionárias de distribuição de energia terem de garantir, por intermédio de contratos
firmados, o atendimento a 100% de seus mercados de energia, bem como, a abertura dada
para que a ANEEL autorize o repasse para as tarifas das distribuidoras de um excedente de
contratação, de até 3% do mercado de fornecimento realizado.
Considerando, do outro lado, as penalidades por subcontratação, as distribuidoras foram
incentivadas a contratar mais energia do que suas projeções de mercado indicam. Essa
premissa está incluída em um objetivo maior do modelo, de aumentar a garantia do
suprimento de energia na tentativa de evitar a reedição da crise do racionamento. Obrigadas a
contratar, no mínimo, a totalidade da energia dos seus mercados, as concessionárias emitirão
projeções futuras de consumo mais eficientes, vitais para a atração de novos investimentos e
para fins de um adequado planejamento da expansão dos sistemas elétricos e da capacidade de
geração instalada.
Essas projeções de demanda dos distribuidores, juntamente com as oriundas de outros
agentes de consumo no SEB, são encaminhadas para o MME anual ou previamente, em
relação à realização de leilões de energia, indicando os montantes que deveriam ser
contratados para o atendimento da totalidade das cargas
148
. Com essas medidas, somadas ao
episódio de criação da EPE, percebemos que o Estado retomou espaços de atuação perdidos
no modelo anterior, assumindo as funções de gerenciar a demanda do país e de criar uma
reserva conjuntural de energia no sistema interligado.
Para atendimento à obrigação prevista de atender a totalidade de seus mercados, as
distribuidoras devem adquirir a energia necessária, oriunda de empreendimentos existentes ou
novos, por meio de leilões realizados no recém criado ACR, caracterizado como o segmento
do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica entre
agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação, ressalvados os casos
148
Artigos 17 e 18 do Decreto 5.163/2004.
cxxxiv
previstos em Lei, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos definidos
no novo modelo. Agrupadas no ACR, as distribuidoras formam um pool de contratação de
energia (licitação conjunta na modalidade “menor preço”), na expectativa de um
favorecimento da modicidade das tarifas para os consumidores finais pelo aumento da
competição entre os geradores, aplicação de economias de escala, rateio de riscos e benefícios
entre os compradores e equalização dos preços dos contratos de compra de energia.
Os leilões realizados no ACR, do qual, compulsoriamente, devem participar as
distribuidoras, se quiserem assegurar o atendimento à totalidade de suas necessidades de
mercado, são promovidos pela ANEEL, direta ou indiretamente, observando diretrizes fixadas
pelo MME
149
. Cabe, por exemplo, ao MME, definir o preço máximo de aquisição nos leilões
de energia proveniente de empreendimentos existentes ou, ainda, estabelecer as regras de
operacionalização dos leilões. Por exemplo, uma das regras praticadas no âmbito do 1º Leilão
de Energia Existente, realizado pela CCEE em dezembro de 2004, dispunha sobre a utilização
de um fator de referência pelo leiloeiro (ou o MME em última instância), que ajustaria o total
da energia a ser contratada de forma a criar uma sobredemanda artificial. Ao se retirar essa
sobredemanda em etapa posterior, dentro do processo de leilão, a expectativa era acirrar a
disputa entre os ofertantes, forçando a redução dos preços praticados
150
.
Essas premissas do novo modelo, atinentes a participação do MME nos leilões de
energia, propiciam uma esfera de intervenção direta do Estado no processo de atendimento à
demanda do SIN, em prol da consecução, última, de objetivos maiores da política
governamental.
Além da responsabilidade pela fixação dos parâmetros dos leilões, a presença do Estado
nos mesmos se faz notar também pela grande representatividade da geração estatal, não de
149
Artigo 19 do Decreto 5.163/2004.
150
As regras adotadas nos leilões de energia estão disponíveis em www.ccee.org.br.
cxxxv
toda privatizada no governo FHC, no total da capacidade instalada no país
151
. Quando estatais
como Furnas Centrais Elétricas S.A., CHESF e Centrais Elétricas do Norte do Brasil –
ELETRONORTE, participam de um leilão, é válido tentar interpretar a orientação pela qual
sua atuação foi pautada, ou seja, se atuaram dentro de uma lógica esperada para uma
sociedade de economia mista, que se reporta aos seus acionistas ou se teve uma conduta
alinhada com objetivos políticos
152
, no caso em questão, forçando preços para baixo de forma
a favorecer a modicidade das tarifas dos consumidores. Ao se analisar os resultados práticos
dessa atuação pode surgir a conclusão, baseadas nos resultados obtidos no 1º Leilão de
Energia Existente, em dezembro de 2004, de que
Se a ELETROBRÁS fosse um grupo de controle privado, os órgãos de defesa da concorrência certamente
impediriam a presença dominante de um único participante em um leilão desse tipo. [...] Nos leilões de
energia [1º Leilão de Energia Existente], o preço [de venda de energia], comandado pela expressiva
atuação da ELETROBRÁS, ficou abaixo tanto do custo marginal de expansão
153
quanto do valor que
viabilizaria a taxa mínima de retorno de investimentos, inferior inclusive à definida pelo próprio órgão
regulador. [...] De forma oblíqua, os acionistas da ELETROBRÁS, e o maior deles é o contribuinte, estão
subsidiando os preços de energia
154
.
Ou ainda a conclusão que:
Uma análise do leilão de dezembro do ano passado deixa claro que o preço de reserva [preço máximo de
aquisição de energia] foi fator preponderante para os resultados [...]. É provável, entretanto, que o
Ministério de Minas e Energia tenha utilizado o preço de reserva não para coibir abusos [por parte das
geradoras vendedoras], mas sim para tentar reduzir efetivamente os preços dos leilões, em busca da
modicidade tarifária
155
.
A despeito de serem ou não legítimas tais conclusões, em relação aos leilões já
realizados, de estarem ou não situadas adequadamente ao tipo de comercialização (usinas
novas ou já depreciadas), das vantagens do consumidor ou desvantagens do contribuinte, é
inequívoca a capacidade reservada ao Estado, pelo novo modelo implementado pelo governo
151
As empresas da holding ELETROBRÁS são responsáveis por 69% da capacidade de geração instalada no
país.
152
É importante lembrar que o governo federal indica membros para os conselhos de administração das empresas
do grupo ELETROBRÁS.
153
Custo do investimento necessário para atender uma unidade adicional de demanda.
154
Landau, Elena. Um modelo regulatório com o sinal trocado. Rio de Janeiro: Valor Econômico, 23 jan. 2006.
No leilão citado as empresas do grupo ELETROBRÁS negociaram 11.000 MWmédios, correspondendo a 65%
de toda a energia leiloada.
155
Fonseca, Rodrigo. O preço de reserva e ação do governo nos leilões de energia. Rio de Janeiro: Valor
Econômico, 28 abr. 2005.
cxxxvi
Lula, de atuar como protagonista nos processos afeitos ao setor elétrico brasileiro, a despeito
do marco institucional-regulatório estabelecido, afastando qualquer possibilidade das decisões
associadas a etapas como o planejamento da expansão e a contratação de energia ficarem ao
sabor de uma lógica estrita de mercado.
A amplitude dada aos instrumentos regulatórios e fiscalizadores, também permitiu um
maior controle do Estado sobre a concessão dos serviços públicos, levando a uma situação em
que seria possível perguntar, se as rédeas da prestação dos serviços não estariam novamente
em mãos estatais, ou em outras palavras, se as empresas privadas, em razão da modelagem
institucional-regulatória adotada e do ferramental à disposição do governo para utilizar o SEB
como instrumento de implementação de políticas públicas, não teriam sido “reestatizadas”, à
revelia.
Tendo em vista a não privatização das empresas do grupo ELETROBRÁS, a criação da
EPE, as funções do MME voltadas para o gerenciamento da demanda (declaração de
necessidade dos agentes de consumo), a criação de uma reserva conjuntural de energia no SIN
(autorização de repasse de 103% da energia contratada e estabelecimento de penalizações por
subcontratação), a ação discricionária nos leilões e o reforço da regulação, podemos afirmar
que o governo Lula reverteu a sinalização do modelo anterior, recuperando espaços para uma
intervenção do Estado no setor elétrico brasileiro.
3.2.4 O avanço da universalização do atendimento
Com relação ao último ponto, elencado inicialmente, o governo federal instituiu, com a
publicação do Decreto 4.873/2003, o Programa Nacional de Universalização do Acesso e
Uso da Energia Elétrica - “LUZ PARA TODOS”, coordenado pelo MME com a participação
da ELETROBRÁS e de suas empresas controladas e realizado em parceria com as
cxxxvii
distribuidoras de energia e os governos estaduais, destinado a propiciar, até o ano de 2008, o
atendimento em energia elétrica à parcela da população do meio rural brasileiro que ainda não
possui acesso ao serviço público de eletricidade.
O “LUZ PARA TODOS”, prevendo a ligação da energia elétrica até os domicílios de
forma gratuita, incluindo a instalação de três pontos de luz e duas tomadas, foi orçado, à
época, em R$ 9,5 bilhões, para atender a 10 milhões de pessoas do meio rural até 2008. Desse
total, o governo federal destinaria 6,8 bilhões, com o restante sendo partilhado entre governos
estaduais e agentes do setor. Os recursos federais viriam de fundos setoriais de energia – a
Conta de Desenvolvimento Energético - CDE e a RGR – formados mediante valores cobrados
nas faturas dos usuários dos serviços de energia elétrica.
Com o programa, o governo pretendia ainda antecipar, em sete anos, a universalização
da energia elétrica no país, seguindo as metas do cronograma de atendimento, com reflexos
positivos ainda sobre a geração de empregos e nos investimentos em distribuição de energia.
Pela legislação anterior da universalização
156
, fixada pelo governo FHC, as concessionárias
de energia teriam prazo até dezembro de 2015 para eletrificar todos os domicílios sem acesso
à energia no Brasil. Na publicidade oficial do Programa “LUZ PARA TODOS” não restaram
dúvidas quanto às políticas públicas implementadas por meio do programa:
O mapa da exclusão elétrica no país revela que as famílias sem acesso à energia estão majoritariamente
nas localidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano e nas famílias de baixa renda. Cerca de
90% destas famílias têm renda inferior a três salários-mínimos e 80% estão no meio rural. Por isso, o
objetivo do governo é utilizar a energia como vetor de desenvolvimento social e econômico destas
comunidades, contribuindo para a redução da pobreza e aumento da renda familiar. A chegada da energia
156
Lei 10.438/2002, dispôs sobre a universalização do serviço público de energia, tendo sido regulamentada pela
Resolução ANEEL 223/2003, que estabeleceu as condições gerais para elaboração dos Planos de
Universalização de Energia Elétrica, visando ao atendimento de novas unidades consumidoras com carga
instalada de até 50 kW. A partir da Resolução 223/2003, a concessionária deveria atender, sem ônus para o
solicitante, ao pedido de nova ligação para unidade consumidora cuja carga instalada fosse menor ou igual a 50
kW, com enquadramento no Grupo B, que pudesse ser efetivada mediante extensão de rede em tensão inferior a
2,3 kV, inclusive instalação ou substituição de transformador, ainda que fosse necessário reforço ou
melhoramento na rede em tensão igual ou inferior a 138 kV. A partir de 2004, a concessionária também deveria
atender ao pedido que pudesse ser efetivado com extensão de rede em tensão igual ou inferior a 138 kV,
observadas as metas anuais de expansão do atendimento, para cada município da área de concessão,
apresentando a evolução anual até o alcance da universalização
cxxxviii
elétrica facilitará a integração dos programas sociais do governo federal, além do acesso a serviços de
saúde, educação, abastecimento de água e saneamento
157
.
Apesar das boas intenções contidas no projeto, o SEB enfrenta o desafio de como
repassar para as tarifas dos consumidores finais, de cada área de concessão, os investimentos
e os custos operacionais e de capital com um programa de universalização tão ambicioso, até
pelo fato de que os novos consumidores ligados, em sua maioria, se enquadrarão, também,
como aptos ao recebimento de subsídios tarifários. Em determinadas regiões do país, como no
Norte e Nordeste, é por vezes difícil definir quem se encontra mais abaixo na cadeia social, se
os consumidores que receberão o benefício ou os que arcarão com sua parcela de contribuição
na cobertura dos custos do programa. Em outros estados, como Mato Grosso do Sul e Pará,
que possuem uma baixa densidade populacional e dificuldades geográficas no atendimento a
certas regiões, a universalização exigirá investimentos e um aumento de custos operacionais
de tal ordem que as tarifas de eletricidade, como um todo, podem sofrer impactos médios
superiores a 10%
158
.
Muitos dos usuários dos serviços de energia elétrica, que pagarão por esse programa, já
sofrem os efeitos de outros encargos setoriais, subsídios e tributos incidentes nas tarifas de
eletricidade e em outras etapas da cadeia produtiva, podendo, minimamente, questionar se
toda as outras fontes de arrecadação do Estado já não deveriam ser capazes de cumprir os
objetivos sócio-econômicos de um programa como o “LUZ PARA TODOS e se o programa,
na forma como está desenhado, não representa, na verdade, um novo tributo “disfarçado”.
157
Fonte: Página do Programa “LUZ PARA TODOS” no sítio do MME na internet (www.mme.gov.br).
158
Em junho de 2005, através da Portaria 297, o MME constituiu um grupo de trabalho com a finalidade de
analisar os reflexos tarifários decorrentes da implementação do “LUZ PARA TODOS” e da antecipação de
metas dos planos de universalização. O grupo deveria identificar e propor ações para minimizar eventuais
impactos tarifários para os consumidores e propor diretrizes e metodologias para a manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro das concessionárias, além de eventuais ajustes nas normas vigentes para limitar em 10%
(dez por cento) o impacto tarifário para os consumidores decorrente dos custos adicionais da implantação do
“LUZ PARA TODOS” entre 2005 e 2008, preservar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão e assegurar
o cumprimento das metas do Programa “LUZ PARA TODOS” pelas concessionárias de distribuição.
cxxxix
Finalizando a leitura do governo Lula, podemos afirmar que a utilização das
potencialidades do SEB, no reforço da implementação de políticas públicas, foi uma
estratégia mantida, embora com uma roupagem original em relação às ações de gestões
anteriores (contenção tarifária por meio da regulação, retomada do papel do Estado,
aceleração na universalização, exacerbação do contingenciamento de recursos da ANEEL).
Entretanto, apesar do novo verniz dado às ações, reproduziu os problemas já observados
no governo FHC, trazendo reflexos outros mas não menos importantes para a sociedade,
como a quebra do marco regulatório, a criação de novos custos decorrentes de programas
sócio-econômicos, a utilização de recursos setoriais na formação de superávits primários e a
perda de benefícios na modicidade tarifária.
3.3 AINDA SOBRE OS REFLEXOS PARA A SOCIEDADE DE UMA UTILIZAÇÃO
POLÍTICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
Nos itens anteriores, cuidamos de avaliar cada item associado com políticas públicas
implementadas pelos últimos governos com o concurso do SEB, bem como os problemas e as
conseqüências dessa estratégia para a sociedade. Entretanto, o conjunto de mudanças
institucionais-regulatórias promovido pelo Estado, nos últimos anos no setor elétrico, acabou
por propiciar um cenário sócio-político-econômico extremamente complexo, em que outras
conseqüências ou efeitos, percebidos pela sociedade brasileira, em diferentes níveis de
intensidade, podem ser observadas, denotando que o SEB encontra-se no limite de sua
capacidade de utilização como veículo de implementação de políticas pelo Estado.
Dentre esses reflexos adicionais, de uma utilização política do setor elétrico, podemos
destacar:
a) a elevação da carga tributária e dos encargos setoriais cobrados por intermédio das
faturas de energia elétrica;
cxl
b) a permanência e ampliação de uma série de subsídios tarifários, nas faturas de
energia, refletindo políticas públicas específicas para determinados segmentos
econômicos ou sociais;
c) o aumento das tarifas de energia elétrica em patamares superiores aos verificados
para os demais índices econômicos medidos no país;
d) o aumento do número de consumidores que não conseguem mais arcar com os custos
da energia elétrica em seu uso cotidiano e partem para a clandestinidade do
atendimento;
e) as incertezas quanto à capacidade do setor elétrico em atrair os investimentos
necessários ao atendimento da expansão do consumo em médio prazo, com risco de
repetição do racionamento de energia, observado no Brasil recentemente;
f) a captura do setor elétrico brasileiro como fonte de recursos na viabilização de
políticas públicas e inserção dessa problemática em um conceito de crise do Estado
159
e
g) o hermetismo do modelo e a falta de participação democrática no processo decisório.
3.3.1 Elevação da carga tributária e dos encargos setoriais
No presente estudo, voltado para o SEB, o sentido de carga tributária
160
está relacionado
ao total de tributos arrecadados por meio das faturas de serviços de eletricidade em proporção
ao total dessas faturas. Dessa forma quando falamos em elevação da carga tributária no SEB
estamos nos referindo a um aumento da razão arrecadação tributária/faturamento das
159
“Crise é uma situação de conflito e impasse nas relações sociais. Ela se expressa particularmente nas
contradições relativas à distribuição do poder e da renda” (BOCAYUVA; VEIGA, 2001, p. 24).
160
Adaptação do conceito mais geral de carga tributária que diz respeito ao “indicador que expressa quanto os
governos retiram compulsoriamente da economia – como impostos, taxas, contribuições e títulos assemelhados”
(AFONSO; MEIRELLES, 2006, p. 2).
cxli
empresas de energia elétrica. A mesma lógica vale para os encargos setoriais, que são todas as
taxas, contribuições, encargos e custos específicos do setor elétrico.
Existe uma relação inequívoca do escopo desses componentes tarifários com as políticas
governamentais, à medida que os tributos têm suas alíquotas, formas de cobrança e destinação
de recursos fixados em conformidade com os interesses do Estado
161
, além do fato dos
encargos setoriais comportarem naturalmente uma carga distributiva associada à redução de
desigualdades regionais, à inclusão social, à distribuição de renda e ao desenvolvimento de
setores da economia.
O quadro seguinte apresenta os tributos e encargos setoriais que são incluídos nas
faturas de energia dos usuários dos serviços de eletricidade no país, e pode surpreender pela
quantidade de itens
162
:
TABELA 4
RELAÇÃO DOS TRIBUTOS E ENCARGOS SETORIAIS NO SEB
1
Tributos
1.1 Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social - COFINS
1.2 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL
1.3 Encargos sociais
1.4 Imposto de Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ
1.5 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS
1.6 Contribuição de Iluminação Pública - CIP (municipal)
1.7 Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP
1.8 Programa de Integração Social - PIS
2 Encargos Setoriais
2.1 Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis - CCC
2.2 Conta de Desenvolvimento Energético - CDE
2.3 Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica - TFSEE
2.4 Contribuição Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos - CFURH
161
“O mecanismo da tributação, associado às políticas orçamentárias, intervém diretamente na alocação dos
recursos, na distribuição de recursos na sociedade e pode, também, reduzir as desigualdades na riqueza, na renda
e no consumo” (RIANI, 2002, p. 134).
162
Para cada item pode ser feita uma consulta ao (ANEXO A – GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS). O
critério básico escolhido, para inclusão do item, é se ele está incluído na formação da tarifas aplicáveis aos
usuários de serviços de eletricidade.
cxlii
2.5 Custeio CCEE (MAE)
2.6 Custeio ONS
2.7 Custeio dos Leilões de Energia
2.8 Diferença de preços entre submercados (Art. 28 do Decreto 5.163/2004)
2.9 Eficiência energética
2.10 Equivalente hidráulico
2.11 Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial - EAEE
2.12 Encargo de Capacidade Emergencial - ECE
2.13 Encargos de Serviço de Sistema - ESS
2.14 Perdas comerciais
2.15 Pesquisa e Desenvolvimento - P&D
2.16 Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA
2.17 Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica - PERCEE
2.18 Provisão para Devedores Duvidosos - PDD
2.19 Recomposição Tarifária Extraordinária - RTE
2.20 Repasse de 103% da contratação de energia (Art. 38 do Decreto 5.163/2004)
2.21 Reserva Global de Reversão - RGR
2.22 Uso de Bem Público - UBP
Na Figura 5 podemos observar a intensa movimentação de encargos setoriais e
tributos, ocorrida no SEB, a partir da privatização das empresas de âmbito federal e estadual e
da implantação de novos modelos institucionais-regulatórios, levada a efeito nos governos
FHC e Lula:
FIGURA 5
cxliii
EVOLUÇÃO DOS TRIBUTOS E ENCARGOS SETORIAIS NO SEB
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
ICMS
CSLL
PASEP
CCC
E.sociais
COFINS
IRPJ
PIS
CFURH
RGR
Encargos setoriais
Tributos
TFSEE CDE
RTE
ESSUBP
C.MAE
C.ONS
103%
C. Leilões
Dif. Preços
PROINFA
ECE
EAEE
ECE
EAEEP&D
Ef.En.
ICMS s/
CCC
Desv.
+ PIS/
PASEP
+ COFINS
-CCC
Interl.
P. Com
Anteriores a 1996
PERCEE
PERCEE
Eq. Hid.
CIP
PDD
Os itens citados acima podem ser localizados na Tabela 4 anterior, à exceção dos
seguintes itens:
a) Desv., no ano de 2005: significa o aumento da carga tributária no SEB em
decorrência da necessidade das empresas realizarem a desverticalização das
atividades;
b) – CCC Interl. em 2003: significa o fim da cobrança da CCC para o sistema
interligado;
c) ICMS s/ CCC em 2004: representa o início da incidência do ICMS sobre a CCC
e
d) + PIS/PASEP e + COFINS em 2002 e 2003: aumento das alíquotas e mudança
na sistemática de cobrança.
cxliv
Estudo preparado pela PriceWaterhouseCoopers
163
indica que, ainda em 2004, o total de
tributos e encargos arrecadados em toda a cadeia do SEB representou R$ 33,8 bilhões, ou
44,8% da receita operacional bruta total das distribuidoras e agentes de comercialização,
principais responsáveis pela arrecadação dos recursos. O estudo, realizado em 2005, projetava
para aquele ano uma arrecadação total de tributos e encargos da ordem de R$ 36,9 bilhões,
chegando a R$ 45,8 bilhões em 2006 (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2005)
164
.
A ANEEL em 2004, em balanço dos seus primeiros sete anos de existência, informava,
com base em toda cadeia do setor elétrico, que no Brasil “[...] a parcela correspondente a
impostos e encargos setoriais já se aproxima de 50% do valor final da fatura de energia
elétrica ao consumidor final” (ANEEL, 2004, p.88). Bandeira (2003), introduz algumas
comparações com a experiência internacional
165
e cita a carga tributária incidente sobre a
fatura de energia paga pelo consumidor em países como o Canadá (de 11 a 19% dependendo
da província) e Noruega (24%)
166
. Yamada (apud TENDÊNCIAS, 2003, p.43), em uma
pesquisa sobre a carga tributária na tarifa de fornecimento para consumidores residenciais em
algumas cidades do mundo, relaciona dados interessantes para uma comparação: 4,9% no
Japão, 4,8% no Reino Unido, 5,2% na França e 13,8% na Alemanha. No Brasil, apenas o
163
Empresa prestadora de serviços de auditoria e assessoria tributária e de gestão empresarial em âmbito
mundial.
164
Pesquisas sobre a participação dos encargos setoriais e dos tributos na composição das tarifas de eletricidade
são constantemente publicadas por organismos setoriais como a ANEEL, Câmara Brasileira de Investidores em
Energia Elétrica - CBIEE, Câmara Americana de Comércio - AMCHAM e Associação Brasileira de
Distribuidores de Energia Elétrica - ABRADEE. Os números apresentados por essas pesquisas, consideradas
adequadamente as premissas e formas de apuração informadas, não produzem resultados divergentes a ponto de
por em cheque a conclusão quanto à elevação da carga tributária e dos encargos setoriais nos últimos anos.
165
Informações ou análises comparativas da carga tributária no SEB, em relação à experiência internacional,
podem ser encontras em documentos ou no sítio na internet de organismos setoriais: www.abradee.org.br,
www.cbiee.org.br, www.aneel.gov.br e www.amcham.com.br.
166
A comparação de preços no setor elétrico entre países é uma operação complexa dada a diversidade de
tipologias de redes elétricas, de fontes de geração de energia e de modelos institucionais adotados pelos
governos.
cxlv
ICMS sobre os consumidores residenciais (não baixa renda) já representa 33% dos valores
devidos
167
.
Um bom exemplo de como aumenta a carga tributária são as Leis 10.637/2002 e
10.833/2003, nas quais foi estabelecido o sistema não cumulativo
168
para o cálculo das
contribuições do PIS/PASEP e da COFINS, com elevação das alíquotas de 0,65% para 1,65%
e de 3% para 7,6%, respectivamente. Embora a mudança da sistemática de apuração
compense os efeitos da majoração do somatório das alíquotas de 3,65% para 9,25%, à medida
que permite a tomada de créditos que reduzem a base de incidência dos tributos, a ANEEL
estimou em 2%
169
a elevação da carga tributária do setor elétrico brasileiro em decorrência
dessas modificações implementadas pelo governo federal.
Temos ainda a decisão de incorporação de ICMS na CCC incidente sobre a compra de
combustíveis nos estados de origem. Como a CCC deve ser colocada com o ICMS nas tarifas
aplicadas nas faturas de energia elétrica, o consumidor passou a pagar ICMS sobre o ICMS,
com um custo adicional, em 2004, da ordem de R$ 450 milhões, representando na média
0,92% de impacto tarifário
170
.
Documento preparado pela AMCHAM em 2004, tomando por base um cenário de
tributação crescente e de surgimento de novos encargos setoriais denuncia uma “utilização da
tarifa como fonte arrecadadora de tributos”:
Vê-se claramente que o setor elétrico tem sido instrumento de políticas públicas. Tal prática não tem
poupado o consumidor que paga cada vez mais pela energia consumida. [...] Na ânsia arrecadatória, o
governo, [...] vê o setor elétrico como uma fonte cada vez maior para “criar” superávits internos. [...]
Percebe-se, claramente, que o sistema atual de tributação deforma a percepção que os agentes públicos
167
Exemplificando a questão, a partir de um consumidor residencial típico da ESCELSA, não baixa renda, com
um consumo no mês de 250 kWh, temos que no valor da fatura de energia, 37,11% são relativos a soma do
ICMS e das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS. A cobrança desses tributos é agravada pela própria
forma como o cálculo é realizado, “por dentro”, que no jargão contábil significa fazer incidir o imposto sobre o
próprio imposto.
168
Um imposto cumulativo é aquele que incide em cascata sobre a receita bruta de cada elo da cadeia produtiva,
enquanto o imposto não cumulativo tributa apenas o valor agregado ou adicionado em cada etapa de produção.
169
ANEEL estima aumento de 2% na carga tributária com novo PIS/COFINS. Agência Canal Energia. Rio de
Janeiro, 15 jul. 2005. Negócios.
170
Fonte: ANEEL. Mudança foi motivada pelo Artigo 86 da Lei 10.833/2003.
cxlvi
têm do setor elétrico, que passam a considerá-lo mais como fonte de recursos do que um prestador de
serviço público (AMCHAM, 2004, p. 45).
No caso dos encargos setoriais o Decreto 5.163/2004 criou, em silêncio, dois novos
encargos para os consumidores brasileiros: a reserva de capacidade instalada (103% de limite
de repasse da compra de energia) e a cobertura de riscos de preços entre submercados na
contratação de energia nos leilões.
Já para exemplificar a forma como o Estado não aceita abrir mão de receitas já
definidas, mesmo que o contexto em torno da contribuição fixada tenha perdido o sentido, um
bom tema é a Reserva Global de Reversão - RGR. Criada em 1957, para constituir um fundo
para a cobertura de gastos da União no caso da reversão de concessões do serviço público de
energia elétrica, a RGR
171
se mostra anacrônica, frente ao atual modelo institucional-
regulatório e a aplicação de seus recursos se faz em sobreposição com outros encargos
existentes no SEB, o que não impediu que, em 2005, fossem arrecadados para esse fundo
mais R$ 1,3 bilhões
172
.
Questiona-se dessa maneira a facilidade com que o Estado atribui ao SEB a
responsabilidade por uma geração cada vez maior de recursos, via cobrança de tributos e
encargos setoriais, permitindo o aumento das receitas fiscais e a implementação de políticas
públicas. O SEB tornou-se a fonte preferida pelo Estado para a obtenção de receitas fiscais e
para o custeio da implementação de políticas públicas.
É imprescindível lembrar que a arrecadação de recursos por intermédio do setor elétrico
é uma arrecadação sobre um serviço público de caráter essencial, ou seja, indispensável para a
sociedade (o que o torna capaz de propiciar receitas em regime regular e integral para o
Estado e objeto de interesse para viabilização de novas políticas) e origina valores que não
171
Pela Lei 9.648/1998 a RGR deveria ser extinta em dezembro de 2002. Entretanto a Lei 10.438/2002
prorrogou a cobrança até 2010 e facultou a utilização dos recursos no financiamento de projetos específicos de
investimentos.
172
Fonte: ELETROBRÁS.
cxlvii
têm a incumbência precípua de serem reinvestidos no desenvolvimento dos próprios serviços
de eletricidade.
Como as cobranças realizadas por meio do SEB acabam sendo compulsórias, dada a
essencialidade do serviço, eliminam, em prol do Estado, um problema característico da etapa
de implementação do ciclo político: “De todo modo, o grau de sucesso de um programa
federal, implementado através de relações intergovernamentais, depende do grau de sucesso
na obtenção da ação cooperativa de demais atores que não lhe são diretamente subordinados”
(UNICAMP, 1999, p.114).
Temos ainda, sobre as facilidades com as quais se reveste a opção de onerar o SEB, que
os tributos são arrecadados no setor elétrico tomando por base o montante faturado pelas
empresas e não o montante arrecadado, ou seja, em caso de eventual inadimplência, o setor
público não é afetado em suas receitas. Da mesma forma, os encargos setoriais são recolhidos
pelas distribuidoras, com base em valores fixados pela ANEEL, independentemente dos
efeitos da inadimplência ou da redução do mercado, ficando o ônus da diferença sobre os
distribuidores
173
.
3.3.2 Ampliação e permanência da incidência de subsídios tarifários
Subsídios tarifários são os benefícios concedidos, por intermédio de políticas
governamentais, a setores específicos, responsáveis pela produção ou consumo de energia,
visando fomentar o desenvolvimento de certas atividades econômicas ou compensar
desequilíbrios sócio-econômicos.
No Brasil, os subsídios podem ser explícitos, caracterizados por descontos na tarifa
aplicada, ou implícitos (cruzados), quando se trata de vantagens proporcionadas a
173
De certa forma, também sobre os consumidores adimplentes, se observamos que na fixação da remuneração
do capital das distribuidoras, a ser incluída nas tarifas, são incluídos itens como o risco país, risco regulatório e
risco de crédito da distribuidora, que irão refletir as condições institucionais-regulatórias do SEB.
cxlviii
determinadas classes, em detrimento de outras, em função da política tarifária adotada.
A tabela seguinte apresenta uma relação dos subsídios tarifários presentes no SEB:
TABELA 5
SUBSÍDIOS TARIFÁRIOS NO SEB
3
Subsídios Tarifários
3.1 Descontos tarifários para o rural (alta tensão)
3.2 Descontos tarifários para o rural irrigante e aqüicultura
3.3 Descontos tarifários na comercialização de energia de fontes alternativas
3.4 Descontos tarifários para serviços de água, esgoto e saneamento
3.5 Subsídio para concessionárias com consumo anual menor que 500 GWh
3.6 Subsídio para cooperativas de eletrificação rural
3.7 Subsídios tarifários para a subclasse residencial baixa renda
3.8 Subsídio cruzado entre consumidores de alta e baixa tensão
O processo de definição de tarifas comporta dois momentos distintos: a definição da
receita total a ser auferida pela concessionária (nível tarifário) e a forma como a
concessionária irá alocar esses valores para as distintas classes de consumo
174
(estrutura
tarifária). Ao montar a estrutura tarifária podem ser inseridas diferenciações entre clientes ou
em função do nível, perfil horário e período de consumo. Essas diferenciações na estrutura
tarifária podem, portanto, se manifestar sob a forma de subsídios explícitos (como os da
subclasse residencial baixa renda
175
e comercialização de energia gerada a partir de fontes
alternativas), e de subsídios implícitos (como as diferenças de tarifa entre classes de
consumidores da alta e baixa tensão).
Ao lado dos encargos setoriais cobrados e da elevação da carga tributária, a inclusão ou
permanência de subsídios, entre diferentes categorias de consumo, traduz planos de governo
para segmentos específicos da economia ou da sociedade, além de colaborarem para que a
174
Ver (ANEXO A – GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS).
175
Para o baixa renda existe ainda a isenção de incidência de alguns encargos setoriais. Como existe uma
complementação de recursos para o subsídio do baixa renda via CDE, podemos dizer que a tarifa social, além de
subsídio, também tem um viés de encargo setorial.
cxlix
percepção dos aumentos tarifários seja diferenciada por segmento de consumo, antiga
estratégia do Estado, percebida ao longo da leitura da evolução do SEB. Os subsídios
tarifários permitem a implementação de uma série de políticas públicas, à medida que a tarifa
de energia aplicada não representa uma “simples repartição aritmética de custos entre
usuários” (JUSTEN FILHO, 2003, p.374).
Como o artigo 35, da Lei 9.074/1995, estabelece que a estipulação de benefícios
tarifários pelo Estado deve estar condicionada à previsão da origem dos recursos ou à
mudança da estrutura das tarifas da concessionária do serviço público de energia elétrica, os
subsídios que forem concedidos a determinados consumidores deverão, necessariamente, ser
objeto de cobertura pelos demais, não ficando a receita total da distribuidora afetada sob pena
da perda da capacidade de prestação dos serviços contratuais.
Apesar da eliminação gradual do subsídio cruzado, existente entre os consumidores de
baixa e alta tensão ocorrendo no período 2003-2007, na forma determinada pelo Poder
Concedente através do Decreto 4.562/2002, podemos observar que no SEB permanecem
antigos e são incluídos novos subsídios tarifários, contribuindo para aumentar a dicotomia
entre percepções da validade das políticas públicas que restam implementadas, com categorias
se beneficiando das ações tomadas e outras percebendo um peso cada vez maior do insumo
eletricidade em suas relações sociais ou de produção.
Apenas a título de exemplo, desse processo de conservação dos princípios de utilização
de subsídios na estrutura tarifária, listamos no recorte temporal em estudo as alterações no
benefício para irrigantes e aqüicultores (Lei 10.438/2002 e Resolução Normativa ANEEL
207/2006), a extensão dos descontos tarifários também para os compradores de energia das
fontes alternativas (Lei 10.762/2003 e Resolução Normativa ANEEL 77/2004) e a
possibilidade de classificação, como baixa renda, de unidades consumidoras habitadas por
unidade familiar cujo responsável esteja apto a receber os benefícios financeiros do Programa
cl
Bolsa Família, do governo federal (Resolução ANEEL 485/2002).
Uma lição de Justen Filho (2003, p.339), entretanto, nos convida a observar atentamente
a realidade do nosso país, antes do prosseguimento das discussões:
[...] não é possível conceber que o Estado poderia permanecer inerte em face de situação em que certos
cidadãos não dispusessem de recursos econômicos suficientes para custear o pagamento do serviço
público. Suponham-se aqueles extratos mais carentes da população, que não tem condições de pagar as
tarifas mínimas de água, esgoto e energia elétrica. Seria inadmissível que se lhes negassem as utilidades
indispensáveis à manutenção de sua dignidade.
Embora subsídios concedidos para determinadas categorias sejam pertinentes a essa
lógica justa, o Estado descobriu como a concessão de descontos nas tarifas pode ser útil para
fomentar políticas públicas de tons diversos. A recente concessão de descontos, nas tarifas de
uso dos sistemas de transmissão e distribuição, para a energia comercializada por fontes
alternativas, seja para quem produz como para quem vende, é o exemplo de como o governo
federal buscou, por intermédio do modelo institucional-regulatório do SEB, viabilizar
operacionalmente uma necessidade – dita urgente - de diversificação da matriz energética
brasileira.
Esse relato é sintoma da falta de uma observância mínima dos problemas intrínsecos ao
processo de elaboração de políticas públicas e do restrito horizonte de análise do Estado ao
utilizar o SEB como instrumento de ação. Instituindo a política do desconto, o governo
esqueceu que os estados, nos quais as tarifas de uso do sistema de distribuição já são as mais
altas, se tornarão, justamente, os estados preferenciais para que os produtores tentem
viabilizar seus projetos de geração de energia, a partir das fontes alternativas, o que, em
médio prazo, tornará ainda mais insustentável a situação das camadas que não têm nenhum
tipo de benefício tarifário e terão, ainda, que cobrir o desconto concedido.
3.3.3 Evolução das tarifas de energia elétrica
cli
Paralelamente, aos processos já mencionados, é possível observar uma evolução
significativa dos dispêndios da sociedade com energia elétrica, no período pós-privatização,
indicada a partir da constatação de uma majoração das tarifas para o serviço de eletricidade
em patamares superiores aos dos índices inflacionários mais utilizados no Brasil, como
pretende demonstrar a Tabela 6
176
, a seguir
177
:
TABELA 6
EVOLUÇÃO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA
COMPARATIVAMENTE AOS ÍNDICES ECONÔMICOS
1995 1998 2001 2004 2005 2005 / 1995
Tarifa Brasil
(R$/MWh)
59,58 86,57 122,88 197,35 236,68 297,25%
Tarifa ESCELSA
(R$/MWh)
53,72 79,70 112,55 185,37 211,75 294,17%
IPC
137 166 208 270 283 106,57%
IPCA
1.244 1.458 1.813 2.399 2.535 103,78%
INPC
1.256 1.465 1.830 2.460 2.584 105,73%
IGP-M
124 148 216 331 335 170,16%
Fonte das Tarifas: ANEEL e ESCELSA. Tarifas médias de fornecimento, valores em R$/MWh, sem ICMS.
Fonte dos Índices: IPEA. IPC Geral - Índice (ago.1994) = 100; IPCA Geral - Índice (dez.1993) = 100;
INPC Geral - Índice (dez.1993) = 100 e IGP-M Geral - Índice (ago.1994) = 100.
Nota-se, pela Tabela 6, que a variação acumulada no período (2005-1995), pelo IGP-M,
foi, significativamente, menor que a evolução da tarifa de energia, o que corrobora a
preocupação com os impactos para a sociedade da elevação da carga tributária, encargos
setoriais e custos com transmissão de energia elétrica (como veremos à frente).
Comparativamente, as tarifas do setor elétrico, com preços controlados pelo governo,
cresceram muito mais no período do que qualquer um dos índices que medem a inflação,
176
Na tabela 6 temos a média das tarifas aplicadas para todas as classes de consumo e níveis de tensão, sem
ICMS. O intervalo de três anos, até 2004, considera a observação dos anos de Revisão Tarifária Periódica da
ESCELSA.
177
A ESCELSA é a principal concessionária de distribuição de energia elétrica do estado do Espírito Santo,
superando a marca de um milhão de clientes, atendendo uma população de cerca de 3,1 milhões de habitantes,
em 70 municípios, numa área de 41.372 km
2
(90% da área total do estado). Sua área de concessão é limitada pela
Empresa Luz e Força Santa Maria – ELFSM, que atende outros 11 municípios de forma compartilhada ou
integral. Maiores informações sobre a constituição da ESCELSA podem ser obtidas em (RIBEIRO, 2003). A
ESCELSA por estar sujeita a mesma regulamentação setorial e não ter especificidades significativas em relação
ao restante do mercado consumidor do país apresenta resultados passíveis de utilização a título de amostragem e
exemplificação no âmbito deste trabalho.
clii
ficando a análise, ainda mais adversa, se nos aproximamos dos índices mais afeitos à correção
salarial.
Na seqüência a Tabela 7 irá demonstrar como a privatização e o movimento
subseqüente de reorganização das estruturas organizacionais e processos, criou um espaço
para a redução dos custos operacionais das distribuidoras de energia que deveria reverter,
como proclamado pelos defensores da venda dos ativos, em prol da modicidade tarifária dos
consumidores finais. Se a tarifa média da ESCELSA cresceu 266,62%, como vimos na Tabela
6, e seus custos operacionais apenas 133,73%, em um mesmo período de análise, é possível
verificar como a margem para redução dos níveis tarifários acabou sendo ocupada pelo
aumento dos encargos setoriais, das despesas com transmissão de energia e dos tributos, de
forma que os usuários dos serviços de distribuição não perceberam nenhum benefício da
privatização nas tarifas cobradas.
TABELA 7
EVOLUÇÃO DOS CUSTOS OPERACIONAIS DA ESCELSA
1995 1998 2001 2004 2005 2005 / 1995
Custos de O&M
(R$ mil)
96.333 88.765 106.331 217.183 225.160 133,73%
Nº Consumidores
(mil)
686 790 923 983 1.031 50,29%
Rede de
Distribuição (km)
30.678 33.228 34.885 44.564 50.052 63,15%
Fonte: ESCELSA. Considerados os custos de pessoal, material, serviços e outros (PMSO).
Saliente-se que o aumento das tarifas, em patamares superiores aos índices econômicos,
não resultou em um aumento dos lucros das concessionárias de distribuição
178
, ou foi
motivada por uma necessidade dessa ordem, posto que o ganho das empresas, com a atividade
que exercem, está baseado na remuneração dos investimentos feitos na prestação do serviço
(custo de capital reconhecido na tarifas), a partir de uma taxa de retorno estabelecida pela
178
Ver (ROCHA; BRAGANÇA; CAMACHO, 2006).
cliii
ANEEL
179
, já que a cobertura dos custos de operação e manutenção observa a tendência de
ficar em um patamar bem próximo do efetivamente realizado.
A fixação de uma taxa de retorno adequada às particularidades dos serviços de infra-
estrutura é tarefa primordial e merecedora de todos os cuidados por parte do regulador, à
medida que precisa corresponder tanto à garantia de atração dos investimentos privados na
expansão e manutenção dos sistemas, quanto à obtenção de tarifas módicas para os
consumidores.
Mas, seria possível imaginar que essa elevação das tarifas de energia, em patamares
superiores aos indicadores econômico-financeiros avaliados, pudesse estar de braços dados
com uma rentabilidade elevada sobre o capital investido, auferida, indevidamente, pelos
concessionários de distribuição e em prejuízo da sociedade. Essa hipótese, embora factível,
não prospera, pois estudos
180
já conduzidos indicam que, pelo contrário, a remuneração do
capital, no segmento de distribuição de energia elétrica no Brasil, foi, sistematicamente,
negativa no período de 1998 a 2003, indicando um processo de recuperação apenas em 2005.
Esta recuperação foi fruto dos processos de revisão tarifária levados a efeito, momento
no qual as distribuidoras passaram a apresentar uma rentabilidade condizente com a
racionalidade econômico-financeira entre risco e retorno (ROCHA; BRAGANÇA;
CAMACHO, 2006)
181
.
No período em destaque (1995-2004) o setor elétrico passou por um processo de
179
Ver detalhamento desta questão no item 2.2 O setor elétrico brasileiro: uma breve exposição.
180
Os autores, no trabalho Remuneração de capital das distribuidoras de energia elétrica: uma análise
comparativa, procuraram avaliar se a remuneração do capital investido no Brasil no setor de distribuição de
energia elétrica, no período 1998-2005, foi condizente com o risco e o custo de oportunidade requerido no setor
elétrico, considerando a máxima fundamental na teoria das finanças de que “[...] a remuneração de qualquer
investimento deve ser proporcional ao seu risco sistemático, ou seja, o risco efetivo do negócio que um
investidor racional e diversificado suporta, de forma a implementar o projeto” (ROCHA; BRAGANÇA;
CAMACHO, 2006, p.17).
181
“[...] uma taxa sobreestimada proporciona lucros anormais à empresa regulada, levando a um
sobreinvestimento em capacidade, enquanto uma situação inversa inibe a atratividade e a expansão do serviço,
levando à sua degradação e, por conseguinte, a limitações de crescimento” (ROCHA; BRAGANÇA;
CAMACHO, 2006, p.5).
cliv
constante evolução, com políticas governamentais para o SEB determinando maiores
inversões em prol do atendimento dos patamares de qualidade e confiabilidade determinados
pela ANEEL e da universalização da prestação dos serviços de eletricidade. Os aumentos
tarifários também estão relacionados às melhorias observadas no atendimento dos usuários do
SEB. As tabelas seguintes são propícias para ilustrar esse contraste e os cuidados de uma
análise simplificada das políticas governamentais envolvidas nos aumentos tarifários:
TABELA 8
EVOLUÇÃO DOS INDICADORES DE QUALIDADE NO
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
182
1995 1998 2001 2004 2005
2005 / 1995
(%)
DEC Brasil
24 24 17 16 17 -29,17%
DEC ESCELSA
36 18 13 11 12 -66,67%
FEC Brasil
20 20 15 12 13 -35%
FEC ESCELSA
27 15 11 10 08 -70,37%
Fonte: ANEEL.
Pela Tabela 8 é possível ver a nítida melhoria da qualidade do fornecimento de energia
elétrica no país, o que, mesmo que empiricamente, podemos associar ao aumento dos
investimentos das concessionárias de distribuição, recém privatizadas, nos serviços
concedidos, aos avanços tecnológicos e à própria evolução dos modelos institucionais-
regulatórios para o setor, que colocaram a melhoria da prestação dos serviços de energia como
um de seus pilares.
A qualidade dos serviços é, indubitavelmente, refletida no valor pago pelos
consumidores. O Decreto 2.335/1997 deixa claro que a modicidade tarifária, embora seja
benéfica à sociedade, não pode prevalecer sobre a qualidade do serviço público. Parte-se do
182
DEC é a duração equivalente de interrupção por conjunto de consumidores. Mede o tempo médio (em horas)
que um determinado grupo de consumidores (bairro, cidade, etc.) fica sem energia. FEC é a freqüência
equivalente de interrupções por conjunto de consumidores. Em vez de medir o tempo médio da interrupção de
energia mede o número de vezes em que é interrompido o fornecimento de energia em determinado grupo de
consumidores. Quanto menor o DEC e o FEC melhor a qualidade do serviço.
clv
princípio que, para o consumidor nenhuma tarifa é mais cara que aquela paga por um serviço
que não existe, ou que seja prestado em condições precárias (relativismo da expressão
modicidade tarifária).
Entretanto, podemos caminhar para uma situação em que a sociedade, em determinados
estados do Brasil, terá que decidir entre um serviço de eletricidade com qualidade igual, ou
até superior, a de um país do primeiro mundo e a possibilidade de poder honrar mensalmente
com os custos do fornecimento de energia elétrica.
TABELA 9
DOMICÍLIOS COM ACESSO AO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA (%)
1995
1998 2001 2004
Brasil
90,7 93,4 95,5 96,8
Espírito Santo
95,1 98,1 98,5 99,4
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Pesquisa Nacional de
Amostra de Domicílios – PNAD
183
.
Da mesma forma, temos na Tabela 9 a demonstração dos frutos colhidos pelo governo,
ao longo dos últimos dez anos, com programas voltados para a universalização do
atendimento e consumidores de baixa renda. O quadro também dá a dimensão exata do
alcance de políticas voltadas para o setor elétrico em face do alto grau de penetração do
serviço público de eletricidade em território nacional.
TABELA 10
EVOLUÇÃO DOS GASTOS DOS CONSUMIDORES
COM A TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (R$ MIL)
2001
2002 2003 2004 2005 2005/2001
Brasil
2.115.192 2.442.187 3.372.369 4.942.628 5.911.645 179,49%
183
Os dados da PNAD (disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br>) não incorporam ainda os efeitos do “LUZ
PARA TODOS”, que deve elevar ainda mais este percentual, a partir de 2005, para a quase totalidade dos
domicílios. A PNAD não leva em consideração a área rural dos estados da região Norte do Brasil. O MME
mantém em seu sítio na internet (<http://www.mme.gov.br>) um contador de pessoas atendidas pelo programa.
Em 29 jun. 2006 este contador indicava 3,4 milhões de pessoas atendidas pelo programa, desde seu início em
2004. A próxima PNAD deverá refletir o impacto positivo do “LUZ PARA TODOS”.
clvi
ESCELSA
50.043 61.292 77.023 96.328 117.783 135,36%
Fonte: ESCELSA e ANEEL (Impacto da expansão da transmissão na tarifa paga pelo consumidor.
Trabalho apresentado no XII Seminário de Planejamento Econômico Financeiro do Setor Elétrico.
Recife, 2004). Para os dados do Brasil o ano diz respeito ao ciclo de faturamento (exemplo: 2005 =
ciclo 2004/2005)
Já a Tabela 10
184
, ilustra complementarmente, a partir de um dos componentes da
cadeia de custos, como o oferecimento de um serviço de melhor qualidade e para uma gama
maior de consumidores está condicionado à realização de um volume mais expressivo de
inversões no sistema elétrico, com conseqüente incremento dos valores cobrados. Temos
dessa forma, uma correlação entre as políticas públicas implementadas por meio do setor
elétrico e o aumento das tarifas de energia no país, em patamares superiores aos índices
inflacionários, à medida que esse aumento foi ocasionado pela elevação dos encargos
setoriais, tributos, subsídios e melhoria das condições de atendimento aos usuários do SEB.
Os expressivos aumentos verificados nas tarifas de energia elétrica significam, em outro
enfoque, o aumento das receitas estaduais com a arrecadação do ICMS
185
. Vendo suas fontes
de arrecadação de tributos serem fortemente ampliadas, por movimentos que fogem da sua
alçada, os estados, por sua vez, passam a ter pulmão para realizar movimentos em sentido
contrário, concedendo isenções fiscais para determinadas áreas, nas quais seja considerada
necessária a implementação de políticas públicas de cunho sócio-econômico. Ou seja, a
ampliação da base de arrecadação de tributos dos estados, a partir dos aumentos das tarifas de
energia, pode reforçar a implementação de ações governamentais criando assim uma nova
fronteira de cooptação do SEB pelo Estado.
3.3.4 Ilegalidade no fornecimento de energia e inadimplência
184
O ano de 2001 foi escolhido para a partida da análise porque os critérios para a constituição das primeiras
concessionárias de transmissão foram estabelecidos pela ANEEL em 1998 (Resolução nº 245).
185
A concessionárias de distribuição de energia são grandes contribuintes do ICMS. A título de exemplo, no
estado do Espírito Santo, a ESCELSA é o segundo maior contribuinte de ICMS, perdendo o posto apenas para a
Petróleo Brasileiro S/A. Fonte: Anuário do Espírito Santo 2005. Vitória: A Gazeta, 2006.
clvii
Todos esses pontos já levantados acabaram por contribuir com o aumento da pressão
das tarifas do serviço público de eletricidade sobre a economia citadina, fazendo com que
cada vez mais famílias, ou mesmo empresas, tenham que lançar mão da clandestinidade para
garantir o acesso à energia para o uso cotidiano ou funcionamento dos negócios ou, então,
ficam sujeitos ao corte do fornecimento por não conseguirem manter os pagamentos das
faturas dentro dos prazos definidos pela legislação.
Mensalmente, no país, é cortado o fornecimento de cerca de 1,2 milhões de
consumidores e 7,8% do faturamento anual emitido pelas distribuidoras se transforma em
contas vencidas
186
. Corroborando as impressões lançadas, a tabela seguinte, demonstrativa da
evolução das perdas comerciais
187
, verificadas pela ESCELSA em sua área de concessão,
torna possível constatar um aumento nos últimos anos da ordem de 238,9% em relação à
energia vendida para consumo na área de concessão, seja pela distribuidora ou por outros
fornecedores:
TABELA 11
EVOLUÇÃO DAS PERDAS COMERCIAIS NA ESCELSA
1996 1998 2001 2002 2003 2004 2005 2005 / 1995
Perdas
(GWh)
96,7 86,5 225,6 341,1 442,1 468,5 449,4 364,5 %
% sobre
o total
1,8 % 1,5 % 3,8 % 5,5 % 6,4 % 6,8 % 6,1 % 238,9 %
Fonte: ESCELSA. O valor em percentual considera as perdas comerciais em relação ao total da
energia elétrica que é vendida na área de concessão da distribuidora. A amostra partiu do ano de 1996
para refletir os índices de perdas não-técnicas alcançados após a implantação de melhorias de
processos no período pós-privatização.
Se alguns efeitos da utilização do setor elétrico, como instrumento de implementação de
186
Fonte: Abradee. Dados relativos a 2004 e considerando mais de 80% do mercado atendido no país.
187
Perdas comerciais são as decorrentes da energia que é entregue para o consumo, mas não é faturada pela
concessionária em decorrência de erros de leitura, fraudes nos medidores de energia ou de ligações clandestinas.
Apenas para fins de comparação com a Tabela 10 o consumo anual de uma residência de classe média típica gira
em torno de 3.000 a 4.000 kWh (1 GWh = 1.000 MWh = 1.000.000 kWh). Ressalva-se a participação, também,
dos efeitos do racionamento no aumento das perdas comerciais das distribuidoras de energia.
clviii
políticas públicas, podem ter a sua percepção dificultada ou diferenciada dentro da sociedade,
as perdas comerciais e a inadimplência, ao contrário, se mostram um bom termômetro
analítico, correlacionando a capacidade das famílias e empresas permanecerem regularmente
inscritas no sistema sócio-econômico de um país. Dadas, a necessidade premente de
continuarem dispondo de um serviço ou insumo de produção básico, as dificuldades em obter
os recursos materiais para tanto e o fato de não conseguirem subsídios similares aos
autorizados, para outros segmentos sócio-econômicos, a solução encontrada por algumas
famílias ou pequenas empresas, para fugir da própria inadimplência que provocou o corte do
fornecimento, pode ser partir para uma situação de irregularidade, internalizando, por vezes, a
justificativa de que as concessionárias de energia seriam um braço do Estado, ou seja,
colaboradoras do maior responsável pela atual conjuntura em que se encontram
188
.
Como os custos derivados das perdas comerciais e da inadimplência, registradas pelas
distribuidoras, são repassados para as tarifas de energia dos consumidores até um dado
patamar, os valores pagos pela eletricidade incluem novos itens que devem ser, inclusive,
considerados também como encargos setoriais.
3.3.5 Incertezas quanto a investimentos futuros
Apesar dos aumentos tarifários verificados e da implementação de uma série de medidas
objetivando corrigir os rumos do setor elétrico – via modelos institucionais, não existem
garantias sólidas de que a sociedade brasileira não voltará a enfrentar, no médio ou no longo
prazo, um racionamento de energia elétrica, aos moldes do ocorrido no biênio 2001-2002, de
severas conseqüências para o país.
188
Em 2005 a ESCELSA efetivou em sua área de concessão 258.573 inspeções, com retirada de 142.801
ligações clandestinas, em universo de 1 milhão de unidades consumidoras. Fonte: ESCELSA.
clix
No Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015 (EPE, 2006) o risco de
insuficiência da oferta de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional é inferior a 5% em
todos os subsistemas e cenários de oferta/demanda projetados, entretanto, os
empreendimentos listados como “a serem executados”, de forma a garantir que o risco de
déficit fique nesse patamar, encontrarão certamente problemas de ordem financeira,
econômica e ambiental para entrar em operação no prazo previsto, condicionando o sucesso
do modelo, aliás, como o próprio governo admite:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevê uma série de liminares impedindo a construção de dois dos
principais projetos estruturantes no país: a usina de Belo Monte (11 mil MW) e o complexo hidrelétrico
do Rio Madeira (6.450 MW). Para ele, a construção de Santo Antônio (3.150 MW) e Jirau (3.300 MW),
será uma "guerra". Além disso, acredita, dificilmente será autorizada a construção de mais de 6 mil MW
em Belo Monte. "O Ministério de Minas e Energia vai querer fazer as usinas, enquanto o Meio Ambiente
vai exigir o cumprimento da lei", comentou Lula, que isentou os órgãos ambientais pela demora na
liberação das licenças ambientais e chamou a atenção para o rigor maior na legislação ambiental, que
implica em maiores restrições pelos órgãos de licenciamento e fiscalização pelo Ministério Público
189
.
A ANEEL também aponta tais dificuldades:
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica ainda enfrenta uma série de
obstáculos para cumprir a promessa de ajudar na diversificação da matriz energética do país. A meta é ter
pouco mais de 3,3 mil MW sendo gerados por 144 plantas de biomassa (27), eólicas (54) e pequenas
centrais hidrelétricas (63) até o fim de 2008. Mas o retrato atual do Proinfa mostra que apenas 916,6 MW
estão em construção e em vias de entrar em operação, segundo o relatório de fiscalização da Agência
Nacional de Energia Elétrica referente ao mês de abril
190
.
Analisando as tabelas 3-24 e 3-25 do Plano Decenal (BRASIL, 2006, p. 91-95),
percebemos no cenário de referência de expansão da geração, ou seja, no cenário mais
provável de obras que estarão concluídas segundo o governo, a inclusão de 3.150 MW de
usinas do PROINFA até dezembro de 2007, a entrada em operação de Jirau em janeiro de
2011, de Santo Antônio em janeiro de 2012 e de Monte Belo a partir de dezembro de 2012.
Causa preocupação também a inclusão da usina nuclear de Angra III (1.350 MW) a partir de
dezembro de 2012. Somados todos esses empreendimentos, com diferentes graus de incerteza
na implantação, chegam à cerca de um terço da capacidade que precisaria ser instalada no país
189
Lula prevê problemas com licenciamento. Rio de Janeiro: Agência Canal Energia. 05 mai. 2006. Disponível
em: www.canalenergia.com.br.
190
Proinfa enfrenta desafios para entrega dos 3,3 mil MW contratados até 2008. Rio de Janeiro: Agência Canal
Energia. 03 mai. 2006. Disponível em: www.canalenergia.com.br.
clx
para que as situações de déficit fossem realmente evitadas.
O sucesso em se evitar crises recidivas no abastecimento está intimamente associado às
políticas governamentais adotadas para a economia, em geral, e para o setor elétrico, em
particular, e sua capacidade em atrair os investimentos necessários para a expansão do parque
gerador. Este aspecto mais uma vez denota as implicações para a sociedade da evolução das
condições envolvendo a prestação de um serviço público intimamente relacionado às decisões
do Estado, em um momento em que esse mesmo Estado retoma um papel crucial de nortear as
ações de coordenação e planejamento do SEB e detém a capacidade de influenciar os
investimentos das geradoras federais e dos robustos fundos de pensão das empresas estatais.
3.3.6 A captura do setor elétrico brasileiro e a crise do Estado
Aberta a possibilidade ao Estado de utilizar o setor elétrico como veículo de
implementação de políticas públicas, é natural que grupos de pressão, representativos de
associações empresariais ou de outros setores da sociedade, procurem legitimar por meio de
articulações dentro da esfera do legislativo ou do próprio governo, pleitos similares
envolvendo a promoção de situações diferenciadas, a partir do SEB, para o desenvolvimento
dos seus negócios, redução de custos com a eletricidade e atendimento a demandas sócio-
econômicas.
Concessões feitas, para um determinado segmento, podem levar a um aumento de riscos
e preços para os demais usuários, que tentarão se defender com “contra-medidas”. Nessa
linha, observa-se a publicação de leis ou decretos pelo executivo cujo alcance de
determinados artigos é limitado, mesmo direcionado, ou ainda o trâmite no legislativo de uma
série de projetos de lei ou petições, envolvendo a utilização do setor elétrico como
instrumento de implementação de políticas de cunho sócio-econômico:
clxi
Mais do que em qualquer época anterior, os homens vivem hoje à sombra do Estado. Aquilo que eles
pretendem obter, individualmente ou em grupos, depende agora fundamentalmente da sanção e do apoio
do Estado. Uma vez, porém, que tal sanção e apoio não são aplicados indiscriminadamente, devem
buscar influenciar e dar forma ao poder e ao objetivo do Estado, de maneira cada vez mais direta, ou
tentar apropriá-los em conjunto. Os homens competem pela atenção do Estado e é contra o Estado que
batem as ondas do conflito social (MILLIBAND, 1972, p.11).
Um breve olhar sobre o sistema de consultas de Projetos de Lei
191
e outras proposições
da Câmara Federal
192
, em busca do assunto energia elétrica, permite encontrar uma série de
encaminhamentos realizados por parlamentares, nos quais são apresentadas medidas de cunho
sócio-econômico, que firmam no setor elétrico seu veículo de implementação. Apenas
exemplificando, relacionamos algumas propostas identificadas, de:
a) obrigar as distribuidoras a disponibilizar em suas faturas de cobrança de serviços
fotos de pessoas desaparecidas
193
;
b) redução em 20% das tarifas para usuários idosos em situação de pobreza
194
;
c) isenção de pagamento de tarifas para trabalhadores desempregados que tenham filhos
até sete anos ou dependentes acima de sessenta e cinco anos ou para pessoas portadoras
de deficiência que não possam trabalhar
195
;
d) não consideração de equipamentos terapêuticos prescritos pelo Sistema Único de
Saúde – SUS na faixa de consumo para classificação do consumidor baixa renda
196
;
e) noventa dias de carência para início da cobrança de juros e correção monetária e
realização do corte do fornecimento no caso de consumidor Baixa Renda que ficar
desempregado
197
e
f) criação de um encargo de 1% (um por cento) da receita anual das concessionárias de
191
O Projeto de Lei é uma proposição (estágio inicial da norma legal) que se constitui no fundamento sobre o
qual trabalha o Congresso Nacional no âmbito do processo legislativo (ver Artigo 59 da Constituição Federal).
192
Portal de pesquisa sobre Projetos de Lei e outras proposições tramitando na Câmara dos Deputados,
disponível em www2.câmara.gov.br/proposições.
193
Projeto de Lei 4.254/2004, Carlos Nader - PL/RJ.
194
Projeto de Lei 4.616/2004, Lincoln Portela - PL/MG.
195
Projeto de Lei 6.737/2006, Carlos Souza - PP/AM.
196
Projeto de Lei 5.963/2005, Luciano Zica - PT/SP.
197
Projeto de Emenda à Constituição 365/2005, Clóvis Fecury – PFL/MA e outros.
clxii
energia elétrica para a manutenção de programas sociais dos governos federal, estadual
e municipal
198
, algo perto de R$ 800 milhões/ano.
Na maioria das vezes, as propostas de uma utilização do setor elétrico, como veículo de
implementação de medidas de cunho sócio-econômico, possuem, certamente, um mérito
inegável de buscar soluções para questões relevantes de estratos da sociedade. Mas,
imaginadas por políticos ou pessoas, que não detém suficiente conhecimento das
especificidades do SEB, não levam em conta as complexidades operacionais no âmbito das
concessionárias, o fato que geram custos de implantação e que os benefícios concedidos
deverão ser cobertos pelos demais usuários, de forma que a receita total das empresas, com a
prestação dos serviços de utilidade pública, não seja afetada, evitando qualquer tipo de
comprometimento com a qualidade ou continuidade das atividades.
Implementadas em profusão, cenário com o qual já nos deparamos, as propostas de uma
utilização política do setor elétrico oneram de tal forma a parcela da sociedade que não se
enquadra nos quesitos para obtenção de benefícios, que o acesso a um serviço público,
essencial como a eletricidade, se apresenta restringido.
As esferas estaduais e municipais dos poderes públicos podem também legislar, de
forma um tanto quanto criativa, no sentido de obter novas receitas administrativas a partir da
tributação pelo uso do solo e do espaço aéreo para a instalação de infra-estrutura necessária à
prestação dos serviços de eletricidade ou mesmo, mitigar, por meio do SEB, custos que são
devidos à prestação de outros tipos de serviços concedidos.
Estados como o Rio Grande do Sul, Ceará e Minas Gerais já promulgaram leis que
permitem aos concessionários rodoviários cobrar das concessionárias de distribuição e
transmissão de energia valores relativos à ocupação das margens de estrada com os postes das
redes elétricas e pela travessia dessas mesmas redes por sobre as rodovias. Municípios como
198
Projeto de Lei 4.871/2005, Paulo Gouvêa - PL/RS.
clxiii
São Paulo, Goiânia e Florianópolis, por exemplo, aprovaram leis que autorizam a cobrança
pelo uso do solo, ou seja, as contas de energia elétrica dos consumidores serão oneradas por
um novo tributo recolhido às prefeituras sobre os postes que são alocados no município para
permitir que a eletricidade chegue até os pontos de consumo
199
.
Bobbio (1997, p.112-113) afirma que:
[...] para que uma sociedade qualquer permaneça reunida é preciso que se introduza também algum
critério de justiça distributiva. Aqui, como todos sabem, começam as dificuldades. Distribuir: mas com
qual critério? O debate atual sobre o estado social nasce da divergência de respostas a esta simples
pergunta.
As questões ora levantadas, em relação ao setor elétrico, também não fogem de um
contexto mais amplo de crise do Estado, pois, passam por pontos como o aumento das
despesas sociais em ritmo superior ao da própria economia e os limites entre o financiamento
e o caráter distributivo do Estado, aspectos que guardam correspondência com essa primeira
exposição sobre o problema em análise.
Ao analisar a crise do Estado-providência francês, Rosanvallon (1997) diagnostica três
pontos centrais que poderiam nos levar a uma fundamentada reflexão sobre o caso brasileiro:
o Estado-providência está em um impasse financeiro, com crescimento das despesas públicas
de cunho social redistributivo em um patamar superior ao das possibilidades da economia
(PIB), com sua eficácia sócio-econômica diminuída e sofrendo questionamentos quanto à
existência (ou não) de um limite sociológico para o tamanho do Estado social e o nível de
financiamentos que suas políticas demandariam.
3.3.7 Hermetismo e falta de transparência
Apesar de todos os avanços, na forma como a ANEEL vem capitaneando a
199
Fonte: Abradee. Notar que em tal peculiar situação, estados e municípios acabam por onerar, com suas leis e
dispositivos que buscam novas receitas, um serviço público cujo Poder Concedente é a União.
clxiv
regulamentação das políticas setoriais emanadas pelo Estado, inclusive com a realização de
concorridas audiências públicas e reuniões de diretoria abertas para a manifestação de
opiniões pelos segmentos interessados, o próprio SEB apresenta uma significativa
complexidade em seus instrumentos legais, nos procedimentos operacionais e nas funções de
seus organismos, que, dificilmente, poderia ser explorada em sua totalidade por não iniciados.
Essa assimetria de informações, entre os que estão inseridos no setor e conhecem os
meandros de seu funcionamento, e os que apenas percebem os efeitos das medidas
implementadas, é que torna possível a ocorrência de um duplo fenômeno, marcado: pela
constante descoberta de lacunas institucionais-regulatórias, que viabilizam a consecução de
interesses político-setoriais, de forma nem sempre transparente e, por outro lado, pelo quase
total conformismo e desconhecimento de causa dos atingidos, quanto aos fardos, cada vez
mais pesados, que lhe são postos às costas.
Se, do seu lado, o Estado e segmentos setoriais têm ao seu dispor os suportes técnicos e
teóricos suficientes para lhe garantir a possibilidade de serpentear entre os instrumentos
institucionais do SEB, identificando as melhores estratégias de ação em prol dos seus
interesses, o usuário dos serviços de eletricidade não dispõem das mesmas ferramentas para
avaliar se, por exemplo, a composição da tarifa paga obedece a quesitos básicos de eficiência,
justiça e igualdade.
Essa questão é agravada, como podemos depreender da análise do ciclo político, pelo
fato de que:
[...] modelos de implementação de políticas não são formulados pela autoridade central em condições de
irrestrita liberdade. Dado que a formulação de um programa – com seus objetivos e desenhos – é em si
mesma um processo de negociações e barganhas (inclusive de ordem federativa), seu desenho final, [...]
não será o mais adequado, mas – sim – aquele que se supõe que venha a ter mais possibilidade de
aceitação (UNICAMP, 1999, p.115).
Frutos de modelos institucionais adotados para o setor elétrico, principalmente pelos
governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003 em
clxv
diante), as conseqüências ou efeitos de uma utilização política do SEB podem ser
considerados positivos ou negativos, à medida que a percepção citada se dá de forma
diferenciada, qualitativa ou quantitativamente, dependendo do estrato da sociedade em
questão, podendo inclusive não ser do conhecimento de um dado segmento, nem a política
implementada e tampouco seus resultados, ficando apenas a sensação de que “a conta está
salgada”.
A introdução pelo Estado de um subsídio nas tarifas, para que o consumidor de baixa
renda venha a pagar menos pela eletricidade que consome, pode ocasionar um viés negativo
na análise dos demais consumidores, que passarão a arcar com o custo da benesse social, mas
será percebida de forma extremamente positiva por uma camada da sociedade que teria acesso
limitado ao serviço se não fosse alcançada por essa política governamental. Da mesma forma,
uma medida implementada pelo Estado para o setor elétrico, que ocasione a elevação da carga
tributária, pode despertar fortes manifestações por parte de associações que representem
interesses empresariais, para as quais a energia elétrica é parte vultosa nos custos totais de
produção, mas nem ao menos ser identificada pelo consumidor residencial, dado o
hermetismo pelo qual se reveste o processo de formação das tarifas de energia elétrica ou, em
outros casos, considerando o amplo espectro de consumidores existentes, prontos para
suportar eventuais subsídios ou encargos
200
, que restarão, portanto, diluídos nas cobranças
feitas pelos serviços prestados.
A ANEEL também deu um passo em busca do favorecimento da transparência no SEB,
em 2004, ao determinar que as faturas de energia passassem a conter a informação das
parcelas devidas pela compra de energia junto aos geradores, pelos encargos setoriais, pelo
uso dos sistemas de transmissão, pelo serviço de distribuição prestado pela concessionária
200
Podemos citar para ilustrar essa afirmativa o caso do Encargo de Capacidade Emergencial – ECE cujos
valores são significativos, mas, como é rateado por uma grande massa de consumidores, acaba restando tão
diluído quanto os questionamentos sobre sua validade, exceto da parte dos grandes consumidores industriais.
clxvi
local e pelos tributos
201
. Não deixa de ser um começo, embora os percentuais de participação
dos encargos setoriais e tributos não reflitam os valores arrecadados em todas as etapas da
cadeia produtiva do SEB (geração, transmissão, distribuição e comercialização), mas, tão
somente, os incidentes sobre o serviço de distribuição.
Mas as ações do Estado em relação ao SEB podem pecar pela falta de transparência
também em momentos outros:
A ELETROBRÁS, o ONS, a ANEEL e o MME estavam cientes, em meados de 1999, de que havia
riscos de déficit muito elevados para 2000 e 2001. No entanto, segundo o ONS, houve instruções do
MME para que não se divulgasse publicamente as avaliações de risco e severidade, com o objetivo de
evitar preocupações exageradas por parte da sociedade (BRASIL, 2001, p.12).
Para reforçar as questões, ora colocadas, lançamos mão de um exemplo colhido no meio
das lutas que se processam no Estado em busca da obtenção de benefícios setoriais e novas
receitas administrativas: a criação, pela Lei 10.438/2002, da CDE, visando o
desenvolvimento energético dos estados, a competitividade da energia produzida por meio de
fontes alternativas e a promoção da universalização do serviço de energia elétrica em todo o
território. Pela Lei, os recursos da CDE seriam provenientes, dentre outras fontes, de quotas
anuais, que a partir de 2003, seriam pagas por todos os consumidores de energia elétrica pelos
próximos vinte e cinco anos. Tendo passada desapercebida pela sociedade na sua criação,
vamos analisar um pouco mais detalhadamente essa nova cobrança, que representa o
recolhimento, por meio de quotas, de mais R$ 2 bilhões anuais junto aos consumidores de
energia elétrica no país
202
.
Inicialmente, a própria Lei 10.438/2002, que criou a CDE, publicada logo após o
término do racionamento, se apresentou como uma colcha de retalhos, cobrindo uma extensa
variedade de temas, que ia da expansão da oferta de energia elétrica emergencial até a
201
Resolução ANEEL 72/2004.
202
Em 2003 a Lei 10.762 colocaria também como função da CDE garantir recursos para atendimento à
subvenção econômica destinada à modicidade da tarifa de fornecimento de energia elétrica aos consumidores
finais integrantes da subclasse residencial baixa renda.
clxvii
recomposição tarifária extraordinária, passando pela criação do PROINFA
203
, por disposições
sobre a universalização do serviço e por alterações relevantes em leis precedentes. Em seu
artigo 13, parágrafo 2º, abaixo reproduzido,
§ 2º As quotas a que se refere o § 1º terão valor idêntico àquelas estipuladas para o ano de 2001 mediante
aplicação do mecanismo estabelecido no § 1º do art. 11 da Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998,
deduzidas em 2003, 2004 e 2005, dos valores a serem recolhidos a título da sistemática de rateio de ônus
e vantagens para as usinas termelétricas, situadas nas regiões atendidas pelos sistemas elétricos
interligados
204
a Lei estabelecia o valor das quotas a serem recolhidas, utilizando uma redação capciosa, que
ajudava a encobrir a realidade da criação de um novo encargo setorial, em substituição ao
encargo CCC dos sistemas interligados, que estava se extinguindo, a partir de 2003, na razão
de 25% ao ano
205
. Ou seja, na iminência da perda de uma fonte de recursos setoriais, o
Estado cuidou para criar uma nova destinação para aquela despesa, que o consumidor já
estava programado para pagar e pela qual não sentiria um peso adicional no bolso.
Mas, no presente caso, o Estado foi além, pois, ao determinar que as novas quotas da
CDE tivessem por referência a CCC dos sistemas interligados de 2001, encontrou uma forma
de alargar as bases do novo encargo setorial, à medida que a CCC de 2001 estava fortemente
impactada pelas condições hidrológicas desfavoráveis, que obrigavam as termelétricas do
sistema interligado a entrarem em franca operação, com conseqüente subsídio da CCC para
suas despesas crescentes com combustível. Comprovando essa afirmativa temos que a CCC
dos sistemas interligados, em 1999, era da ordem de R$ 500 milhões, ao passo que, em 2001,
triplicou, batendo na casa dos R$ 1,6 bilhões
206
.
Ao se aproveitar do momento de alta da CCC, em 2001, e do seu fim próximo, o Estado
não só criou um novo encargo setorial para os próximos 25 anos como arranjou uma forma de
203
Este programa não guarda correlação com a concessão de descontos para a comercialização de energia
proveniente de fontes alternativas, que pode ser entendida como uma outra medida do Estado para atender o
mesmo objetivo – incentivar a diversificação da matriz energética.
204
Lei 10.438/2002.
205
Resolução ANEEL 261/1998.
206
Fonte: ANEEL. Relatório de voto do Processo 48500.002938/02-21 sobre a sub-rogação da CCC,
aperfeiçoamento da Resolução ANEEL 784/02, Audiência Pública 022/2004.
clxviii
camuflar uma majoração desses encargos cobrados da sociedade. Assim, o consumidor não
foi desonerado dos custos da CCC dos sistemas interligados, mas viu, transferidos e
ampliados, os recursos que provia, agora para atender aos objetivos propostos pela CDE.
Nessas últimas páginas nos esmeramos em demonstrar os reflexos a longo prazo, para a
sociedade brasileira, derivados de uma utilização do setor elétrico brasileiro como
instrumento de implementação de políticas públicas pelos governos que se sucederam no
exercício do poder do Estado, na esperança de construir um quadro realista da atual situação
dos serviços públicos de energia elétrica.
clxix
IV. Conclusões
Compreender o que seja política no
sistema econômico mundial de hoje é, pois,
compreender o Estado nacional e
compreender o Estado nacional no contexto
desse sistema é compreender a dinâmica
fundamental de uma sociedade.
Martin Carnoy
clxx
Ao longo deste estudo, procuramos desenhar um cenário sócio-político-econômico
voltado para a contextualização da estratégia estatal de utilização do setor elétrico como
instrumento de implementação de políticas públicas, bem como, da complexidade dos
reflexos derivados dessa ação do Estado para a sociedade brasileira.
Para tanto, promovemos inicialmente uma leitura das teorias do Estado, discutindo a
complementaridade entre este e a sociedade e as formas como o poder é exercido na estrutura
social, ressalvando a relevância de um referencial eclético na identificação das políticas
publicas implementadas com o concurso do setor elétrico. Nessa linha, analisamos os
problemas associados à conformação do processo de elaboração de políticas públicas (sob a
ótica do policy cycle) em suas etapas de formulação, implementação e avaliação de resultados,
bem como a necessidade de uma cultura do setor público voltada para a aprendizagem
política, verificando se as medidas aplicadas estão atendendo os interesses primeiros que as
orientaram ou se correções de rumo são exigidas.
O processo de elaboração de políticas públicas, por si só, apresenta dificuldades em suas
etapas de formulação e implementação, como limitações cognitivas, constrangimentos de
tempo e recursos operacionais, imprevisibilidade do ambiente político futuro, comportamento
discricionário dos implementadores e influências políticas. Não vemos também, quando
passamos para a etapa de avaliação, estudos conclusivos e determinativos do Estado sobre os
resultados alcançados com as políticas públicas implementadas por meio do setor elétrico,
indicando, por exemplo, a necessidade de revisão de rumos ou os sucessos e insucessos
derivados das ações adotadas. Não temos, por exemplo, uma avaliação da complementaridade
entre políticas públicas implementadas, ou relatórios de acompanhamento da eficácia das
clxxi
mesmas, embora, como já vimos, o processo de elaboração de políticas se revista de uma série
de dificuldades em suas etapas e deva ser instituído sobre a égide do aprendizado:
Os estudos de avaliação de políticas e programas governamentais permitem que formuladores e
implementadores sejam capazes de, objetivamente, tomar decisões com maior qualidade, maximizando o
gasto público nas diversas atividades objeto da intervenção estatal, identificando e superando pontos de
estrangulamento e êxitos dos programas, e, por conseqüência abrir perspectivas racionais para
implementar políticas públicas dotadas de maior capacidade de alcançar os resultados desejados pelos
formuladores no plano da operacionalidade dos programas e políticas públicas, em qualquer área de
competência do governo (UNICAMP, 1999, p.133).
Na seqüência discutimos as especificidades do SEB, que podem afetar o sucesso de
quaisquer medidas políticas que venham a ser implementadas com o seu auxílio, em especial:
as técnicas (grande extensão do SIN, operação e coordenação integradas), as institucionais
(agentes privados e estatais) e as regulatórias (indústria de rede, necessária participação do
Estado, regulação price cap).
Na busca do entendimento das estratégias estatais recorremos, também, a uma leitura
dos serviços públicos de energia elétrica no Brasil, em mais de um século de evolução,
procurando identificar formas e momentos nos quais o Estado havia se utilizado do SEB, em
prol da consecução de seus objetivos políticos.
Se nos primórdios do setor a intervenção estatal era restrita, observamos a partir da
década de 1930 o início da chamada instrumentalização do SEB, com a regulação e a
fiscalização pelo Estado dos serviços de eletricidade, prestados em sua maior parte por
concessionárias estrangeiras, restando fortalecidas e direcionadas em busca de um
favorecimento das condições para a implantação de um parque industrial voltado à produção
de bens substitutivos de importações.
Posteriormente, na década de 1950, em função do gargalo no desenvolvimento sócio-
econômico do país, representado pela incapacidade das concessionárias arcarem com as
inversões necessárias à expansão e melhoria dos serviços prestados e pela possibilidade de
uma crise energética de porte, o Estado tomou as rédeas e passou a propiciar diretamente as
clxxii
condições necessárias para a evolução do SEB, com a empresa pública ganhando espaços de
atuação antes reservados para a empresa privada, evitando assim o fracasso do modelo
desenvolvimentista.
Durante os governos militares o SEB, assumindo um perfil quase todo estatal, conheceu
uma diversidade expressiva de utilizações políticas de suas potencialidades em condicionar o
crescimento sócio-econômico de um país, momento em que foi cooptado no auxílio do
fechamento da balança de pagamentos do país (tomada de empréstimos, realização de
investimentos imprudentes), na redução de desigualdades regionais (equalização tarifária) e
na defesa de interesses do setor produtivo (contenção dos níveis tarifários, aplicação de
rateios diferenciados de tributos e custos dos serviços).
O vasto repertório de opções disponíveis ao Estado acabou por promover a inviabilidade
econômico-financeira das empresas de energia elétrica, com uma grave crise do SEB que
adentrou a década de 1980, evidenciando as limitações dos instrumentos de controle do
Estado, a interferência de interesse privados na administração pública e a deterioração das
relações entre empresas estaduais, controladas e a ELETROBRÁS (braço do Estado no SEB),
com a eclosão de conflitos de natureza financeira e institucional.
O cenário crítico do SEB se somou à conjuntura político-ideológica e às pressões
internacionais pela reforma do Estado para dar voz e força aos defensores da solução
desestatizante, implementada a partir de 1995, mesmo com os resultados parciais obtidos com
as reformas da Lei 8.631/1993 indicando a viabilidade de uma solução que passasse pela
convivência entre o setor público e o privado na evolução do SEB.
No governo FHC, o apoio material do SEB foi obtido em fase com a estratégia
governamental de reforço às políticas macroeconômicas, voltadas para a estabilidade,
lançando mão de alternativas como a formação de superávits primários com recursos das
estatais, a venda das empresas do setor em poder do Estado e a criação de um livre mercado
clxxiii
para a energia elétrica. Estas medidas, além de apresentarem problemas em sua conformação,
calcados na inobservância das especificidades do SEB e do processo de elaboração de
políticas públicas, produziram, como drástico reflexo para a sociedade brasileira, o
racionamento de energia no biênio 2001-2002.
O racionamento foi exemplo didático da ausência de planejamento pelo Estado para as
ações envolvendo o SEB, dando para a ação estatal um que de amadorismo e falta de
racionalidade que só se sustenta, por vezes, por ocorrer favorecida pelo distanciamento
cognitivo involuntário dos afetados pelas medidas implementadas. Outrossim, ainda no
campo da análise dos problemas estruturais na conformação dessa estratégia, conseguimos
visualizar a captura do SEB pelas forças político-sociais, em aproveitamento de suas
características de indispensabilidade e universalidade, momento em que passa a ser cada vez
mais requisitado na viabilização de políticas sociais e econômicas ou se constituindo em uma
fonte arrecadadora de recursos, seja por parte de grupos de pressão setoriais, da atividade
parlamentar, do governo federal ou de estados e municípios.
No governo Lula, a utilização das potencialidades do SEB, no reforço da
implementação de políticas públicas, foi uma estratégia que ganhou novos instrumentos de
ação, como a contenção tarifária por meio da regulação, a aceleração na universalização e a
exacerbação do contingenciamento de recursos da ANEEL. Também foi observada a
recuperação de espaços para uma intervenção do Estado no setor elétrico brasileiro,
revertendo a sinalização do modelo anterior, tendo em vista a não privatização das empresas
do grupo ELETROBRÁS, a criação da EPE, o gerenciamento da demanda, a criação de uma
reserva conjuntural de energia no SIN, a ação discricionária nos leilões e o reforço da
regulação.
Com relação aos reflexos para a sociedade, da estratégia estatal de utilização política do
SEB, discorremos sobre a permanência do risco de não ocorrerem os investimentos
clxxiv
necessários, para garantir o atendimento do crescimento de consumo e a divergência
verificada entre as boas intenções iniciais do Estado e os resultados finais alcançados, através
das medidas adotadas com viés de contenção inflacionária (adoção do Xa, parcelamento do
reposicionamento). Ou ainda, a quebra do marco regulatório, com perdas para a modicidade
tarifária e a forma como a responsabilidade por dadas políticas está sendo colocada sobre as
costas de fatias da população que, em verdade, não estão muito distantes daquelas que, por
força da sua condição sócio-econômica, necessitariam auferir os benefícios (impactos da
universalização).
Ao analisar a privatização no Brasil Castelar e Fukasaku (2000, p.15) afirmam que “[...]
a privatização limita a liberdade do governo para adotar políticas econômicas
intervencionistas, forçando-o a empregar uma estratégia de desenvolvimento mais voltada
para o mercado”. Entretanto, observamos que o Estado acabou por encontrar espaços de
atuação, mesmo em um mercado regulado, no qual se pretendia apenas uma atuação estatal
indireta, que não afetasse o marco regulatório e a atração de investimentos privados. Assim,
apesar das mudanças institucionais realizadas, o raio de ação do Estado permanece amplo,
não encontrando limitações impostas pela sociedade.
No recorte temporal em estudo, a partir da leitura do policy cycle, nos deparamos com a
forma como aspectos técnicos e institucionais, representativos das especificidades da
exploração dos serviços públicos de eletricidade, ficaram em segundo plano em momentos
cruciais do processo de tomada de decisões quanto ao futuro a ser seguido pelo país, com
priorização de variáveis de ordem política, econômica e ideológica. Da mesma maneira
percebemos como essa estratégia, muitas vezes, se respaldou na falta de transparência e no
conhecimento apurado dos meandros institucionais-regulatórios do SEB, favorecendo a
consecução dos objetivos pretendidos pelos governos, com o mínimo de questionamentos por
clxxv
parte daqueles que são chamados a bancar com os recursos necessários, e a captura do SEB
por setores interessados em obter, também, o atendimento de suas demandas.
Uma utilização política do setor elétrico, ao longo de anos, contribuiu para que
problemas estruturais fossem criados no SEB. Dentre esses, procuramos destacar a elevação
da carga tributária e dos encargos setoriais, a permanência e ampliação de uma série de
subsídios tarifários nas faturas de energia (refletindo políticas públicas específicas para
determinados segmentos econômicos ou sociais), o aumento das tarifas em patamares
superiores aos verificados para os demais índices de inflação medidos no país e o número
expressivo de consumidores que não conseguem arcar com os custos da energia elétrica em
seu uso cotidiano e partem para a clandestinidade do atendimento.
A situação atual é tão crítica e merecedora de todas as atenções da sociedade que,
segundo a própria ANEEL, “[...] não se faz demasiado lembrar que, atualmente praticamente
mais da metade do total pago pela sociedade brasileira em suas contas de energia corresponda
a tributos, subsídios cruzados, taxas e encargos destinados a cumprir políticas públicas, sejam
elas setoriais ou simplesmente correspondam a ações típicas da esfera de governo”
207
. A
assertiva da ANEEL é corroborada por análises elaboradas por distribuidoras de energia
elétrica, levando em conta os encargos setoriais e tributos presentes em toda a cadeia
produtiva do SEB, e não apenas na atividade de distribuição de energia e deve fundamentar
posicionamento futuros em prol da mudança quanto à utilização política do setor elétrico
brasileiro.
Na Tabela 12, seguinte, mostramos, com base em toda a cadeia produtiva do SEB e não
apenas parcialmente, como costuma ser demonstrado nas faturas de energia elétrica enviadas
207
Relatório de voto do diretor da ANEEL Paulo B. M. Pedrosa dentro do processo 48500.004606/03-53, que
originou a Resolução Normativa ANEEL 077/2004, com a regulamentação dos procedimentos vinculados à
redução das tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição, para empreendimentos
hidroelétricos e aqueles com fonte solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada, com potência instalada
menor ou igual a 30.000 kW.
clxxvi
para as residências, como que para cada R$ 100,00, pagos pelos consumidores da ESCELSA
em suas faturas, R$ 48,67 estão relacionados aos encargos setoriais e tributos que revertem
para o Estado e, em última instância, para as políticas públicas que virá a implementar. Notar
que a tabela ainda não reflete os subsídios existentes nos valores pagos e tão somente os
encargos e os tributos, levando fidedignidade à afirmação emitida pelo próprio órgão
regulador.
TABELA 12
PARTICIPAÇÃO DE TRIBUTOS E ENCARGOS SETORIAIS NAS
FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA DA ESCELSA EM 2005
(VALORES
MÉDIOS EM R$, PARA CADA R$ 100,00 FATURADOS)
Geração Transmissão
Distribuiçã
o
Encargos setoriais
e tributos diretos
Separação por rubrica 27,67 5,62 35,05 31,66
Custeio real da atividade
23,14 4,28 23,91 -
Encargos setoriais e tributos
incidentes na atividade
4,53 1,34 11,14 -
Total de Encargos setoriais e
tributos na fatura
Total E.Setoriais + Tributos = 31,66 + 4,53 + 1,34 + 11,14 =
R$ 48,67
Fonte: Escelsa
208
.
Por força dos próprios exemplos que a história cuidou de nos mostrar, entendemos ser
plenamente justificável e necessária a atuação do Estado na economia, cumprindo atribuições
que não poderiam, a contento, serem atendidas pela livre atuação das forças de mercado. Bom
exemplo é a intervenção estatal no planejamento do SEB, em função das especificidades dos
serviços públicos de energia elétrica, que teria, por exemplo, sido capaz de evitar ou mitigar a
tempo os efeitos mais drásticos do racionamento. Da mesma maneira, reputamos como válida
uma utilização do SEB na implementação de políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento econômico e social pois um país marcado por tantas desigualdades, como é
208
O Conselho de Consumidores da CEMIG preparou o documento Tarifas de energia elétrica: conhecendo os
custos e encargos setoriais, disponível em <http://www.cemig.com.br/conselho/projetos/tarifas_energia_eletrica.
pdf>. Acesso em 20 mai. 2006. Neste documento os valores obtidos, considerando toda a cadeia produtiva do
SEB, são muito próximos aos da Escelsa, com R$ 19,61 para a geração, R$ 5,92 para a transmissão e R$ 26,19
para a distribuição, valores líquidos para as atividades, restando R$ 48,28 alocados para os encargos setoriais e
tributos totais.
clxxvii
o Brasil, não poderia se dar o luxo de restringir ferramentas de ação. O que, no entanto,
condenamos com veemência é a falta de planejamento e controle com que se reveste a ação
estatal.
As políticas públicas implementadas demandam recursos arrecadados por intermédio do
SEB fora de um contexto de otimização de resultados ou de respeito com a parcela da
sociedade que cumpre com os seus deveres, em função da falta de gerenciamento e
fiscalização na sua destinação ou da duplicidade dos efeitos pretendidos ou dos mecanismos
vigentes, aspectos não observados no momento em que uma nova política é posta em prática.
A discussão ora colocada, acerca da concessão de benefícios e descontos tarifários,
aproveitados de forma pouco racional em função da ineficácia ou inexistência de mecanismos
para uma gestão criteriosa dos recursos, nos leva à didática leitura de um relatório feito pelo
Tribunal de Contas da União – TCU, em 2005, sobre a investigação da destinação dos
recursos arrecadados dos consumidores de energia no país para custear a Conta de Consumo
de Combustíveis Fósseis – CCC dos sistemas isolados.
Em 2004, essa conta atingiu o patamar de R$ 3,1 bilhões e assumiu papel fundamental
para os consumidores beneficiados na Região Norte, por impedir que aumentos tarifários de
100% na média, ou de até 300% em alguns casos, inviabilizassem por completo a prestação
dos serviços de eletricidade para essas comunidades. O TCU, esclarecendo que a cessação do
benefício não seria insignificante para o restante da população que recolhe o subsídio, à
medida que proporcionaria reduções nas tarifas entre 3% e 7%, dependendo da distribuidora,
alertou para o fato que:
No tocante à eficácia dos processos gerenciais, constatou-se que, apesar da materialidade dos recursos da
CCC, não existe uma fiscalização efetiva da correta aplicação desses recursos. Os valores são repassados
às concessionárias mediante a apresentação das notas fiscais. A única checagem feita pela Eletrobrás,
gestora da CCC, consiste na análise do formulário de Solicitação de Reembolso em confronto com esses
documentos fiscais, não havendo conferência in loco. Também não há qualquer controle operacional no
sentido de verificar se a geração das usinas é compatível com o consumo do combustível.
Essa falta de fiscalização adquire maior gravidade quando são observados os elevados níveis de perdas
clxxviii
elétricas nos sistemas isolados. Enquanto a média nacional de perda de energia das concessionárias
brasileiras é de 15%, a Companhia de Eletricidade do Estado do Amazonas (CEAM) e a Manaus Energia
exibem percentuais de 45% e 33%, respectivamente.
A ANEEL e a ELETROBRÁS não imputam qualquer penalidade às concessionárias, nem fazem qualquer
comparação paramétrica no sentido de desestimular o desperdício de energia, tendo repassado o ônus
dessa omissão integralmente para os consumidores de todo o País. Praticamente, não há incentivos para
que as concessionárias gastem de forma eficiente os recursos arrecadados (BRASIL, 2005, p. 358)
209
.
Na mesma linha, o relatório também se debruçou sobre outro subsídio, o dos
consumidores residenciais na subclasse baixa renda, já analisado no âmbito deste estudo e
concluiu que:
Os resultados obtidos a partir da análise dos dados de renda e de consumo de uma amostra extraída da
Pesquisa sobre Padrões de Vida do IBGE revelaram que a utilização do consumo de energia elétrica como
critério de seleção dos consumidores que integram a classe de baixa renda, além de excluir domicílios
dessa classe social, faz com que seja incluída entre os beneficiários uma quantidade considerável de
domicílios de média e alta renda, o que traduz-se em efeito regressivo: consumidores de baixa renda
subsidiando consumidores de renda média ou alta. Para fornecer uma idéia dos valores envolvidos, pode-
se citar que, entre abril de 2002 e dezembro de 2003, os subsídios cruzados utilizados para financiar a
tarifa de baixa renda foram da ordem de R$ 1,8 bilhões, em valores correntes (BRASIL, 2005, p. 357).
Os exemplos da falta de cuidado com os recursos canalizados pelo Estado podem ser
avaliados em comparação com os impactos dos aumentos tarifários decorrentes, em grande
parte, da elevação da carga tributária sobre o SEB, dos encargos setoriais e dos subsídios
presentes na estrutura tarifária, que acabam por empurrar contingentes de consumidores para a
condição de inadimplentes ou fraudadores do sistema elétrico, premidos pela necessidade
primordial de garantir as condições mínimas de produção e vida.
Um outro exemplo, muito interessante a ser analisado como fechamento das discussões
mantidas, por abarcá-la em sua totalidade, congrega dois movimentos do Estado obtendo um
resultado que se mostra quase surrealista: a forma como é calculada a fatura de energia a ser
paga pelos consumidores de baixa renda. Como já discutido, esses consumidores de baixa
renda recebem um desconto nos custos do serviço de eletricidade estipulado pelo Estado, que
é cobrado dos demais consumidores de cada área de concessão de distribuição de energia.
Entretanto, quando ocorre a emissão da fatura, tributos como o ICMS, o PIS/PASEP e a
209
Notar que, calculando por baixo, com os índices de perda indicados, dos R$ 3,1 bilhões destinados a CCC
nada menos que R$ 1 bilhão simplesmente “desapareceu”.
clxxix
COFINS são calculados sobre o valor integral dos serviços, valor esse que deveria ser pago
pelo consumidor de baixa renda se ele não houvesse o desconto. Nesse caso, a mão do Estado
concede um benefício com o boné do usuário do SEB, mas tributa a operação, integralmente,
de forma que a benesse não afete suas receitas, acabando por mitigar os efeitos sócio-
econômicos positivos da concepção original.
A sociedade brasileira não comporta mais situações como as descritas nesse documento.
Tomando por base o resultado do fim da equalização tarifária, temos no país a aplicação de
diferentes níveis tarifários, variando por exemplo, das mais elevadas ENERSUL (0,41915
R$/kWh) e CEMIG (0,40671 R$/kWh), para a mais baixa, Companhia Energética de Roraima
- CER (0,24722 R$/kWh), ou seja, uma variação de 70% (setenta por cento) entre as regiões
do país
210
. Esses níveis tarifários diferentes refletem, dentre outros fatores, o patamar de
investimentos que as distribuidoras tiveram que arcar para levar o serviço prestado até as
metas de qualidade e de universalização estipuladas pela ANEEL e as próprias
especificidades da área de concessão, como a densidade do consumo, a topografia e o estágio
de urbanização.
Embora seja possível assumir que, com a realização dos leilões, as tarifas teriam um
sinal regulatório de convergência (já que um item de custo relevante para as empresas, a
energia comprada, passaria a ser o resultado da contratação feita pelo pool de distribuidoras a
um preço comum para todas), as diferenças tarifárias permanecerão, sofrendo ainda a pressão
da alocação dos custos com a redução dos prazos para a universalização dos serviços de
eletricidade.
Se políticas mal articuladas
211
, desconhecedoras das especificidades do SEB, se
somarem aos efeitos dessa diferenciação tarifária existente, o país corre o risco de produzir,
210
Tarifas residenciais médias vigentes em maio de 2006. Fonte: ANEEL.
211
Como o caso da política de oferta de descontos na TUSD para a comercialização de energia de fontes
alternativas.
clxxx
inadvertidamente, regiões cujos preços pelo acesso aos serviços de distribuição de energia
tornarão inviáveis a instalação de novos investimentos industriais ou comerciais, condenando
essas áreas a uma baixa taxa de desenvolvimento regional e alimentando um círculo vicioso, o
que estimularia a criação de novas e corretivas políticas.
Ressalva-se que no setor elétrico, diferentemente do que pode ser observado para outros
setores da economia, o aumento da demanda por eletricidade não significa, necessariamente,
redução de custos por causa da escala. Os novos investimentos, que deverão ser feitos para
atender a esse aumento, se darão a partir de novos empreendimentos de geração hidrelétrica e
de transmissão de energia, que envolvem custos cada vez mais altos, à medida que as soluções
mais econômicas já foram implementadas. Apesar de todas as mudanças já realizadas e as
políticas implementadas, permanecem as incertezas quanto à capacidade do setor elétrico em
atrair os investimentos necessários ao atendimento da expansão do consumo em médio prazo,
com risco de repetição do racionamento de energia observado no Brasil em período recente.
Ainda que o perfil traçado ao longo deste estudo se mostre por vezes sombrio, é
inegável o potencial da sociedade brasileira em produzir alternativas para os problemas
estruturais, identificados na estratégia de utilização do SEB, como instrumento de
implementação de políticas públicas, pelo Estado e, conseqüentemente, para os reflexos
negativos que produz.
Existem instituições voltadas para o setor elétrico - como conselhos e associações de
consumidores e de classe, organizações não governamentais - capazes de veicular e defender
os interesses de todos os estratos da sociedade, inclusive daqueles que se encontram à margem
cultural, econômica e social, sem qualquer tipo de representação política. Mas, o que se nota,
é que elas precisam ser refuncionalizadas para atingir, com êxito, esse objetivo, já que os
fluxos de comunicação que originam têm que passar pelas eclusas dos procedimentos
democráticos do Estado de direito para poderem exercer alguma influência sobre o legislativo,
clxxxi
os tribunais e a administração pública, que configuram o centro do poder político
(HABERMAS, 1997).
Foi possível observar no país, ao longo do tempo em que este trabalho foi elaborado,
diversas manifestações em prol da renovação das práticas políticas e da redução dos tributos,
dos encargos setoriais e dos subsídios tarifários no setor elétrico sem que seja possível
asseverar que êxitos foram obtidos, no que pese o fato de não existir uma coordenação entre
essas ações.
As pretensões ora discutidas, para que possam ocupar um papel decisivo nas lutas que
se originam, em torno das potencialidades de exploração política do SEB, precisam se
respaldar também na decisiva colaboração das próprias empresas prestadoras dos serviços,
que reproduzem as demandas do Estado. São essas empresas que têm capilaridade com os
consumidores finais de energia e entidades representativas, podendo utilizá-la no
esclarecimento das questões relevantes do setor, em prol de uma distribuição mais justa de
direitos e deveres.
Além de ações diretas nos movimentos e associações civis (palestras, cursos) as
concessionárias de distribuição de energia devem defender a utilização da própria fatura de
serviços (democrática que é, pois alcança a todos e com algum espaço para informação) para
reforçar o processo de esclarecimento, para além do que hoje já se propõe
212
. A fatura de
energia, instrumento último pelo qual o Estado se faz presente no SEB, pode passar a conter,
por exemplo, uma indicação mais ampla quanto à destinação de cada real arrecadado, dos
subsídios que são concedidos e dos tributos e encargos setoriais presentes em toda a cadeia do
setor e não apenas na atividade de distribuição de energia. Procedimentos como este é que
212
Vemos em (HABERMAS, 2003) como a imprensa, em seus primórdios, dado o seu potencial de informar, foi
de certa forma assumida pelos governantes para atender os interesses da administração mas, em um segundo
movimento, se voltou contra os próprios, com as pessoas utilizando os jornais para emitir suas opiniões
individuais contra o poder.
clxxxii
podem levar mais pessoas a se informarem e procurarem formas de organizar a manifestação
de seu descontentamento, em prol da busca de soluções pragmáticas.
Outro passo nessa luta, contra a utilização do setor de forma inadequada pelo Estado, é
certamente a blindagem do SEB contra novas incursões do setor público em busca de recursos
que permitam a viabilização de mais programas sócio-econômicos. Defende-se, portanto, em
uma primeira orquestração, a necessidade de publicação de instrumentos legais, aprovados
pelas esferas da democracia participativa, que determinem o impedimento legal contra novas
adições, mantendo em forma e intensidade os atuais tributos, encargos setoriais e subsídios
incidentes sobre o SEB.
Tal medida, se conquistada, viabilizaria, já em um segundo momento, o correto
dimensionamento dos tributos, subsídios e encargos, com a possibilidade de composição de
uma cobrança única incidindo sobre os serviços públicos de energia elétrica, englobando a
parcela da receita destinada aos programas estatais. Unificando procedimentos, formas de
cobrança e destinação, é possível aumentar a eficiência e a transparência do processo como
um todo para a sociedade, favorecendo ainda, mecanismos de controle, de fiscalização e de
otimização do emprego dos recursos apurados, quiçá produzindo resultados muito mais
expressivos do que os atuais, com menos recursos. Da mesma forma que instrumentos de
eficiência e produtividade são postos pelo Estado, para nortear a ação das empresas do setor
elétrico brasileiro, a sociedade precisa descobrir formas de estabelecer mecanismos similares
para circunscrever a ação do Estado.
A implantação das etapas anteriores certamente permitiria uma redução dos encargos
setoriais, tributos e subsídios tarifários, como conseqüência natural da introdução de melhores
mecanismos de gerenciamento e da unificação desses itens em uma componente única nas
tarifas, eliminando ineficiências e duplicidades de arrecadação/alocação de recursos. Além
disso, em um terceiro momento, seria possível fixar para o SEB uma programação de redução
clxxxiii
gradual da carga estatal, para que os valores pagos pelos usuários dos serviços públicos de
eletricidade possam, ano após ano (trajetória decrescente), terem a incumbência maior de
realmente custear esses serviços. Se hoje, como afirma a ANEEL, mais de 50% dos valores
pagos estão voltados para encargos setoriais, tributos e subsídios, é gritante a necessidade de
trazer esse patamar para níveis mais racionais, coerentes com o caráter duplo da eletricidade -
insumo indispensável para o setor produtivo e serviço público essencial.
Embora as idéias ora apresentadas possam ser criticadas por conterem um forte
componente utópico, seria possível reunir no caso brasileiro o ferramental necessário para
sugerir a efetiva revisão do modelo de atuação estatal vigente, pois contamos com estruturas e
potencialidades que podem ser exploradas, como a capacidade de levar ao tecido social a
publicidade sobre os reflexos da ação do Estado, instituições da sociedade que podem ser
refuncionalizadas para uma atuação mais ativa e procedimentos democráticos que podem ser
usados para nortear a instalação de uma legislação baseada em uma razão manifesta na
opinião pública.
clxxxiv
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cxci
ANEXO - GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS UTILIZADOS
213
Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL:
Autarquia em regime especial, vinculada ao MME, criada pela Lei 9.427/1996. Tem como
atribuições: regular e fiscalizar a geração, a transmissão, a distribuição e a comercialização da
energia elétrica, atendendo reclamações de agentes e consumidores com equilíbrio entre as
partes e em beneficio da sociedade; mediar os conflitos de interesses entre os agentes do setor
elétrico e entre estes e os consumidores; conceder, permitir e autorizar instalações e serviços
de energia; garantir tarifas justas; zelar pela qualidade do serviço; exigir investimentos;
estimular a competição entre os operadores e assegurar a universalização dos serviços.
Ambiente de Contratação Livre - ACL:
O segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia
elétrica, objeto de contratos bilaterais livremente negociados, conforme regras e
procedimentos de comercialização específicos.
Ambiente de Contratação Regulada - ACR:
O segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia
elétrica entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação,
ressalvados os casos previstos em lei, conforme regras e procedimentos de comercialização
específicos.
Autoprodutor de energia elétrica:
É a pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebem concessão ou
autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo.
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE:
Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que atua sob autorização do Poder
Concedente e regulação e fiscalização da ANEEL, com a finalidade de viabilizar as operações
de compra e venda de energia elétrica entre os Agentes da CCEE, restritas ao SIN, cuja
criação foi autorizada nos termos do artigo 4º da Lei 10.848/2004 e do Decreto 5.177/2004.
Classes e subclasses de consumo:
Para efeito de aplicação das tarifas de energia elétrica, os consumidores são identificados por
classes e subclasses de consumo. São elas:
Residencial na qual se enquadram, também, os consumidores residenciais de baixa renda
cuja tarifa é estabelecida de acordo com critérios específicos;
213
Quando não houver indicação específica, o verbete utilizado nesse glossário é uma reprodução de
conceituação obtida junto ao sítio da ANEEL na internet (<http://www.aneel.gov.br>).
cxcii
Industrial na qual se enquadram as unidades consumidoras que desenvolvem atividade
industrial, inclusive o transporte de matéria prima, insumo ou produto resultante do seu
processamento;
Comercial, Serviços e Outras Atividades na qual se enquadram os serviços de transporte,
comunicação e telecomunicação e outros afins;
Rural na qual se enquadram as atividades de agropecuária, cooperativa de eletrificação
rural, indústria rural, coletividade rural e serviço público de irrigação rural;
Poder Público na qual se enquadram as atividades dos Poderes Públicos: Federal, Estadual
ou Distrital e Municipal;
Iluminação Pública na qual se enquadra a iluminação de ruas, praças, jardins, estradas e
outros logradouros de domínio público de uso comum e livre acesso, de responsabilidade de
pessoa jurídica de direito público;
Serviço Público na qual se enquadram os serviços de água, esgoto e saneamento; e
Consumo Próprio que se refere ao fornecimento destinado ao consumo de energia elétrica
da própria empresa de distribuição.
Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE:
Empresa pública vinculada ao MME, com criação autorizada pela Medida Provisória 2.209 e
regulamentada pelo Decreto 3.900, ambos de 2001. Tem por objetivo a aquisição, o
arrendamento e a alienação de bens e direitos, a celebração de contratos e a prática de atos
destinados à viabilização do aumento da capacidade de geração e da oferta de energia elétrica
de qualquer fonte em curto prazo e à superação da crise de energia elétrica e ao reequilíbrio de
oferta e demanda de energia elétrica.
Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE:
Criado pelo artigo 14 da Lei 10.848/2004 e constituído pelo Decreto 5.175/2004, no âmbito
do MME e sob sua coordenação direta, com a função precípua de acompanhar e avaliar
permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético em todo o
território nacional. O CMSE, presidido pelo Ministro de Minas e Energia, é composto por
quatro representantes do MME e pelos titulares da ANEEL, CCEE, EPE, ONS e da Agência
Nacional do Petróleo – ANP.
Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos - CFURH:
A CFURH é um ressarcimento pela ocupação de áreas por usinas hidrelétricas e um
pagamento pelo uso da água na geração de energia. Corresponde a 6,75% do valor da energia
gerada.
Esse valor é pago pelos concessionários de geração de energia, sendo 6% destinados aos
Estados, Municípios e Distrito Federal que são atingidos pelas águas represadas ou que
abrigam as instalações de usinas hidrelétricas com potência superior à 30MW e, também, a
órgãos da administração pública da União. O percentual restante (0,75%) é destinado ao
Ministério do Meio Ambiente - MMA, para aplicação na implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e
constitui pagamento pelo uso da água.
cxciii
Conselho Nacional de Política Energética - CNPE:
O CNPE é um órgão de assessoramento do Presidente da República para a formulação de
políticas nacionais e medidas específicas para o setor energético, criado pela Lei 9.478/1997 e
regulamentado pelo Decreto 3.520/2000. É composto pelo Ministro de Minas e Energia (que o
preside), pelos Ministros da Ciência e Tecnologia; Planejamento, Orçamento e Gestão;
Fazenda; Meio Ambiente; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Casa Civil; por
representantes dos estados e do Distrito Federal; um cidadão brasileiro especialista em
matéria de energia; e um representante de universidade brasileira, especialista em matéria de
energia. Para o exercício de suas atribuições, o CNPE conta com o apoio técnico dos órgãos
reguladores do setor energético. Com a publicação do Decreto 5.793/2006, passaram a fazer
parte do CNPE o Ministro de Estado da Integração Nacional e o Ministro de Estado da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Consumidor:
Pessoa física ou jurídica, ou comunhão de fato ou de direito, legalmente representada, que
solicitar à concessionária o fornecimento de energia elétrica e assumir a responsabilidade pelo
pagamento das faturas e pelas demais obrigações fixadas nas normas e regulamentos da
ANEEL, assim vinculando-se aos contratos de fornecimento, de uso e de conexão ou de
adesão, conforme cada caso, nos termos do inciso III, artigo 2º, da Resolução 456/2000.
Consumidor de baixa-renda:
Com base na legislação em vigor, todos os consumidores residenciais com consumo mensal
inferior a 80 kWh, ou aqueles cujo consumo esteja situado entre 80 e 220 kWh/mês e que
comprovem inscrição no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal, fazem
jus ao benefício da subvenção econômica da Subclasse Residencial Baixa Renda.
A tarifa social de baixa renda sofre descontos escalonados do acordo com o consumo em
relação à tarifa da classe residencial (B1): aos primeiros 30 kWh é aplicada tarifa com 65% de
desconto em relação à tarifa aplicada a uma unidade consumidora residencial. Dos 31 kWh
consumidos, até o limite de 100 kWh, é aplicada tarifa com 40% de desconto. Finalmente, de
101 kWh até o Limite Regional, é aplicado desconto de 10%.
Define-se Limite Regional como sendo o consumo máximo para o qual poderá ser aplicado o
desconto na tarifa, sendo que tal limite é estabelecido por concessionária, e os valores que
excederem serão faturados pela tarifa plena (B1) aplicada às unidades residenciais.
Consumidor Especial
214
:
Consumidor, ou conjunto de consumidores reunidos por comunhão de interesses de fato ou de
direito cuja carga seja maior ou igual a 500 kW, independentemente dos prazos de carência
constante do artigo 15 da Lei 9.074/1995, e que podem comercializar energia elétrica com
titulares de autorização de aproveitamento de potencial hidráulico com características de
pequena central hidrelétrica, fontes eólica, biomassa ou solar, destinado à produção
independente ou autoprodução de energia elétrica, nos termos do artigo 26 da Lei 9.427/1996,
214
Redação do item dada pelo autor.
cxciv
alterada pelas Leis 9.648/1998, 10.438/2002, 10.762/2003 e 10.848/2004.
Consumidor Livre:
É aquele que, atendido em qualquer tensão, tenha exercido a opção de compra de energia
elétrica junto a outro fornecedor, conforme as condições previstas nos artigos 15 e 16 da Lei
9.074/1995.
Conta de Consumo de Combustíveis - CCC
215
:
Refere-se ao encargo setorial, criado pelo Decreto 73.102/1973, que é pago por todas as
empresas de distribuição de energia elétrica para cobrir os custos anuais da geração
termelétrica eventualmente produzida no país. A geração termoelétrica apresenta custos
superiores à geração hidroelétrica, na medida em que requer a utilização de combustíveis,
como óleo combustível, óleo diesel, gás natural e carvão. A geração termoelétrica se faz
necessária nas regiões do país localizadas fora da área de atendimento pelo SIN, nos
denominados sistemas isolados, ou quando as condições de geração de energia hidroelétrica
são insuficientes para o atendimento ao mercado.
Os custos da geração termoelétrica são rateados por todos os consumidores do país, mediante
a fixação de valores anuais para cada concessionária de distribuição, em função do seu
mercado e podem variar em função da necessidade maior ou menor do uso das usinas
termoelétricas.
A Lei 9.648/1998 e a Resolução ANEEL 261/1998, estabeleceram a extinção do benefício da
sistemática de rateio de ônus e vantagens decorrentes do consumo de combustíveis fósseis
para a geração de energia elétrica nos sistemas elétricos interligados (redução gradual de 25%
ao ano, a partir de 2003). Pela Lei 10.438/2002 o governo decidiu manter até 2018 a
sistemática de rateio do custo de consumo de combustíveis para os sistemas isolados.
Conta de Desenvolvimento Energético - CDE:
Refere-se a um encargo setorial, estabelecido em lei, e pago pelas empresas de distribuição,
cujo valor anual é fixado pela ANEEL com a finalidade de prover recursos para o
desenvolvimento energético dos estados, para viabilizar a competitividade da energia
produzida a partir de fontes eólicas (vento), pequenas usinas hidrelétricas, biomassa, gás
natural e carvão mineral nas áreas atendidas pelos sistemas elétricos interligados, e levar o
serviço de energia elétrica a todos os consumidores do território nacional (universalização).
Contrato de Concessão:
Instrumento legal celebrado entre a ANEEL e o concessionário, formalizador da concessão, e
que contém cláusulas essenciais, entre outras as relativas ao objeto, área e prazo; modo, forma
e condições de prestação do serviço; critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores
da qualidade do serviço; ao prazo do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e
revisão das tarifas; aos direitos, garantias e obrigações do Poder Concedente e da
Concessionária; aos direitos e deveres do usuário para obtenção e utilização do serviço; aos
casos de extinção da concessão, à forma de fiscalização das instalações e dos equipamentos;
215
Redação do item dada pelo autor.
cxcv
às penalidades contratuais e administrativas; aos bens reversíveis; aos critérios para o cálculo
e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; à
obrigatoriedade de prestação de contas da concessionária ao Poder Concedente; à exigência
da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; do foro e ao modo
amigável de solução de divergências contratuais.
Contribuição para Iluminação Pública - CIP:
Contribuição fixada por municípios e pelo Distrito Federal, nos termos da Emenda
Constitucional 39/2002, para custear o serviço de iluminação pública, cujo valor é informado
em destaque na conta de luz. A iluminação pública é o serviço que tem por objetivo prover de
luz, ou claridade artificial, os logradouros públicos no período noturno ou nos escurecimentos
diurnos ocasionais, inclusive aqueles que necessitam de iluminação permanente no período
diurno.
Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social - COFINS:
A COFINS foi instituída pela Lei Complementar 70/1991 e se destina a financiar as despesas
das áreas de Saúde, Previdência e Assistência Social.
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
216
:
Foi instituída pela Lei 7.689/1988 e tem como finalidade financiar diretamente a seguridade
social. Possui como base de cálculo o valor do resultado do exercício, antes do IRPJ, com os
devidos ajustes legais, sendo sua alíquota de 8%.
Diferença de preços entre submercados:
Conforme dispõe o artigo 28 do Decreto 5.163/2004, as regras de comercialização prevêem
mecanismos específicos para o rateio dos riscos financeiros decorrentes de diferenças de
preços entre submercados, eventualmente impostos aos agentes de distribuição que
celebrarem Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado –
CCEAR na modalidade de quantidade de energia. Na falta de cobertura integral dos
dispêndios decorrentes dos riscos financeiros referidos fica assegurado o repasse das sobras
aos consumidores finais dos agentes de distribuição.
Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora – DEC:
Intervalo de tempo que, em média, no período de observação, em cada unidade consumidora
do conjunto considerado ocorreu descontinuidade da distribuição de energia elétrica.
Eficiência Energética
217
:
Pela Lei 9.991/2000 as concessionárias e permissionárias de serviços públicos de distribuição
de energia elétrica ficam obrigadas a aplicar, anualmente, o montante de, no mínimo, vinte e
cinco centésimos por cento de sua receita operacional líquida em programas de eficiência
216
Redação do item dada pelo autor.
217
Fonte: Lei 9.991/2000.
cxcvi
energética no uso final.
Até 31 de dezembro de 2005 o percentual mínimo foi de cinqüenta centésimos por cento.
Empresa de Pesquisa Energética – EPE:
Empresa pública federal, vinculada ao MME, criada pelo Decreto 5.184/2004 com base no
disposto na Lei 10.847/2004. A EPE tem por finalidade prestar serviços na área de estudos e
pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia
elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis
e eficiência energética, dentre outras.
Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial - EAEE
218
:
Encargo instituído pela Lei 10.438/02. As usinas térmicas emergenciais, contratadas pela
CBEE no período pós-racionamento para ficarem de stand-by, se tivessem que entrar em
operação em caso de risco de falta de energia para o suprimento da demanda, fariam jus ao
recebimento do EAEE, pago por todos os consumidores de energia elétrica, exceto os
residenciais com consumo mensal abaixo de 350 kWh e os rurais com consumo mensal
inferior a 700 kWh..
Encargo de Capacidade Emergencial - ECE
219
:
Encargo instituído pela Lei 10.438/02 com o objetivo de evitar eventual risco de
desabastecimento de energia, destinado a cobrir o custo de contratação de usinas termelétricas
emergenciais instaladas no país, pago por todos os consumidores do SIN, com exceção dos
classificados como baixa renda.
Sua cobrança foi iniciada em fevereiro de 2002 e encerrada em 2005, conforme estabelecido
pela Resolução Normativa ANEEL 204/2005. Seu valor era informado em destaque na conta
de luz. Se o EAEE era pago apenas no caso da operação das usinas emergenciais, o ECE tinha
o caráter de um aluguel por disponibilidade.
Encargo de Serviço do Sistema – ESS
220
:
Valores repassados para os consumidores de energia a título de cobertura dos custos dos
serviços que um dado agente do SEB presta aos usuários do SIN. Dentre esses serviços estão
os decorrentes da geração despachada independentemente da ordem de mérito, das restrições
de transmissão dentro de cada submercado, da reserva de potência operativa disponibilizada
pelos geradores para a regulação da freqüência do sistema e sua capacidade de partida
autônoma, da reserva de capacidade disponibilizada pelos geradores, da operação dos
geradores como compensadores síncronos, da regulação da tensão e dos esquemas de corte de
geração e alívio de cargas.
Encargos sociais
221
:
Os encargos aplicados sobre os salários nominais considerados de maneira a cumprir
218
Fonte: CBEE.
219
Fonte: CBEE.
220
Redação do item dada pelo autor.
221
Redação do item dada pelo autor.
cxcvii
integralmente a legislação vigente e repassados para as tarifas dos consumidores finais
enquanto custos das prestadoras de serviços (FGTS, INSS, verbas rescisórias, 13º salário).
Equivalente Hidráulico:
A Lei 8.631/1993 estendeu o rateio do custo de consumo de combustíveis para a geração de
energia elétrica nos sistemas isolados a todos as distribuidoras. Isso porque a CCC somente
reembolsa os dispêndios com combustíveis que excedam o custo da energia hidráulica
equivalente à geração térmica. Assim, o equivalente hidráulico pode ser entendido como o
custo da energia da geração térmica, caso a produção se dê por meio da geração hidráulica.
Nesse sentido, a ANEEL publica anualmente o valor da Tarifa de Energia Hidráulica
Equivalente – TEH, a qual, aplicada sobre o montante de geração térmica dos sistemas
isolados, resulta no valor a ser deduzido das despesas a serem cobertas pela CCC. Esse
encargo é reconhecido somente às concessionárias que têm geração térmica e que pertencem
ao sistema isolado.
Freqüência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora – FEC:
Número de interrupções ocorridas, em média, no período de observação, em cada unidade
consumidora do conjunto considerado.
Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
222
:
O Decreto 3.000/1999, que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e
administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, estabelece que
titulares de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer
natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto de renda,
sem distinção da nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão (Lei 4.506/1964, Lei
5.172/1966 e Lei 8.383/1991).
O IRPJ é pago pelas pessoas jurídicas sobre seu lucro líquido do exercício ajustado por
adições, exclusões e outras compensações legais com uma alíquota única de 15% e adicional
de 10%, sobre a parcela que exceder a base mensal de R$ 20.000,00. Pode ser pago também
sobre o lucro presumido, forma simplificada que desobriga a manutenção de escrituração
contábil, com um percentual de 8%, mas, que pode variar dependendo da atividade (Lei
9.249/1995). Ou ainda, se aplica a cobrança pelo lucro arbitrado, representando um acréscimo
de 20% sobre o lucro presumido.
Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS:
Tributo de competência estadual, com alíquotas que variam de estado para estado e que não
integra o valor informado da tarifa, constituindo lançamento em separado na fatura.
Linhas de transmissão
223
:
São equipamentos elétricos utilizados para o transporte de energia elétrica entre os centros
geradores e as subestações dos centros consumidores.
222
Fonte: Decreto 3.000/1999 e (CARNEIRO, 2001, p.54).
223
Redação do item dada pelo autor.
cxcviii
Operam em altas tensões, superiores ou iguais a 230 kV e compõem a chamada Rede Básica.
Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE
224
:
Ambiente virtual (sem personalidade jurídica), auto-regulado pelos próprios agentes do SEB a
partir da assinatura de um contrato de adesão multilateral, chamado Acordo de Mercado. Foi
criado pela Lei 9.648/1998 para ser o ambiente onde se processaria a contabilização e a
liquidação centralizada das operações envolvendo a compra e a venda de energia elétrica
dentro do novo modelo proposto para o setor.
O braço operacional do MAE, nos seus primeiros anos de funcionamento, era a
Administradora de Serviços do Mercado Atacadista de Energia Elétrica - ASMAE, uma
sociedade civil de direito privado, autorizada pela ANEEL e que, no bojo das medidas de
correção dos rumos do SEB, após o racionamento, teve sua denominação igualada ao nome
do próprio Mercado Atacadista.
Dessa forma, o MAE, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que atuava sob
autorização, regulação e fiscalização da ANEEL, foi criada na forma da Lei 10.433/2002 e
permaneceu funcionando, como braço operacional do Mercado Atacadista, até a sua
substituição em 2004 pela atual CCEE, conforme a Lei 10.848/2004.
Ministério de Minas e Energia – MME:
O MME foi criado em 1960, pela Lei 3.782/1960. Anteriormente, os assuntos de minas e
energia eram de competência do Ministério da Agricultura. Em 1990, a Lei 8.028 extinguiu o
MME e transferiu suas atribuições ao Ministério da Infra-Estrutura, criado pela mesma lei,
que também passou a ser responsável pelos setores de transportes e comunicações. O
Ministério de Minas e Energia voltou a ser criado em 1992, por meio da Lei 8.422.
Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS:
Entidade de direito privado, sem fins lucrativos, criada pela Lei 9.648/1998, responsável pela
coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia
elétrica no SIN, sob a fiscalização e regulação da ANEEL. Cabe ainda ao ONS administrar e
coordenar a prestação dos serviços de transmissão de energia elétrica por parte das
Transmissoras aos usuários acessantes da rede básica.
Além dos encargos relativos ao uso das instalações da rede básica, as concessionárias
distribuidoras pagam mensalmente valores relativos ao custeio das atividades do ONS.
Perdas Comerciais:
Ou perdas não técnicas. Correspondentes à parcela de energia consumida e não faturada por
concessionária de distribuição, devido a irregularidades no cadastro de consumidores, na
medição e nas instalações de consumo.
As perdas comerciais têm caráter regulatório, pois refletem o valor que a ANEEL reconhece
como justo para repasse ao consumidor final, e não o que a distribuidora efetivamente perde
(ou alega perder).
224
Redação do item dada pelo autor.
cxcix
Geralmente esse tipo de perda está associado a um problema social que as distribuidoras
enfrentam em suas áreas de concessão.
Poder Concedente:
A União ou entidade por ela designada.
Produtor Independente Autônomo de Energia Elétrica:
É aquele cuja sociedade não é controlada ou coligada de concessionária de geração,
transmissão ou distribuição de energia elétrica, nem de seus controladores ou de outra
sociedade controlada ou coligada com o controlador comum.
Produtor Independente de Energia Elétrica - PIE:
Pessoa jurídica ou consórcio de empresas titular de concessão, permissão ou autorização para
produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua
conta e risco.
Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica -PERCEE
225
:
Medidas para a superação da crise de energia que tinham por objetivo compatibilizar a
demanda de energia com a oferta, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas
do suprimento de energia, conforme os artigos 13 e seguintes da Medida Provisória 2.198-
5/2001. A Medida Provisória 2198-5/2001, estabeleceu que o saldo da conta especial formada
com os custos administrativos adicionais incorridos pela concessionária durante o PERCEE
seriam reconhecidos nas tarifas.
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP e Programa de
Integração Social – PIS:
O Programa de Integração Social – PIS foi instituído pela Lei Complementar 7/1970, e o
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP, foi instituído pela Lei
Complementar 8/1970. Em 1976, essas duas contribuições foram unificadas pela Lei
Complementar 26/1975.
O PIS/PASEP tem como finalidade o financiamento do programa do Seguro-Desemprego e o
abono aos empregados que recebem até dois salários mínimos mensais.
Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA
226
:
Programa instituído com o objetivo de aumentar a participação da energia elétrica produzida
por empreendimentos de Produtores Independentes Autônomos, concebidos com base em
fontes eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa, na matriz energética do SIN,
implementado nos termos da Lei 10.438/2002 e Decreto 5.025/2004.
Os contratos de compra de energia são celebrados pela Eletrobrás por um prazo de 15 anos. O
valor pago pela energia elétrica adquirida e os custos administrativos incorridos pela
225
Fonte: Medida Provisória 2.198-5/2001.
226
Fonte: Lei 10.438/2002.
cc
Eletrobrás na contratação serão rateados compulsoriamente entre todas as classes de
consumidores finais atendidas pelo SIN, proporcionalmente ao consumo individual
verificado.
Programa de Pesquisa e Desenvolvimento do Setor Elétrico – P&D:
Pela Lei 9.9991/2000 as concessionárias e permissionárias de serviços públicos de
distribuição de energia elétrica ficaram obrigadas a aplicar, anualmente, o montante de, no
mínimo, setenta e cinco centésimos por cento de sua receita operacional líquida em pesquisa e
desenvolvimento do setor elétrico. Até 31 de dezembro de 2005 o percentual mínimo foi de
cinqüenta centésimos por cento.
As concessionárias de geração e empresas autorizadas à produção independente de energia
elétrica ficaram obrigadas a aplicar, anualmente, o montante de, no mínimo, 1% (um por
cento) de sua receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico,
excluindo-se, por isenção, as empresas que gerem energia exclusivamente a partir de
instalações eólica, solar, biomassa, pequenas centrais hidrelétricas e cogeração qualificada.
Provisão para Devedores Duvidosos – PDD
227
:
Com relação à inadimplência dos clientes a ANEEL incorpora as tarifas um percentual de
0,5% (meio por cento) do faturamento bruto (sem o ICMS) da distribuidora a título de
cobertura tarifária para a inadimplência regulatória, uma situação em que os consumidores em
situação regular acabam pagando parte dos débitos devidos a consumidores inadimplentes.
Racionamento:
Redução compulsória do fornecimento de energia elétrica aos consumidores finais, decretada
pelo Poder Concedente.
Recomposição Tarifária Extraordinária – RTE:
Aumento tarifário, temporário, autorizado pelo art. 4º da Medida Provisória 14/2001,
convertida na Lei 10.438/2002 para recompor a receita da concessionária durante o
racionamento de energia elétrica, para compensar o montante relativo às variações de valores
financeiros de itens da Parcela A, constantes dos contratos de concessão, no período de
01/01/2001 a 25/10/2001 e para compensar o montante relativo à compra de energia elétrica
no âmbito do Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE durante a vigência do PERCEE.
Rede Básica
228
:
Instalações de transmissão do SIN, de propriedade de concessionárias de serviço público de
transmissão, definida segundo critérios estabelecidos na Resolução Normativa 67/2004. Em
uma analogia muito utilizada no SEB a Rede Básica seria a auto-estrada principal, em
comparação com as estradas secundárias e vicinais (ou as redes de distribuição de energia,
operando em tensões inferiores a 230 kV e levando a energia das subestações até as unidades
consumidoras).
227
Redação do item dada pelo autor.
228
Redação do item dada pelo autor.
cci
Repasse de 103% da Contratação de Energia:
Pelo artigo 38, do Decreto 5.163/2004, no repasse dos custos de aquisição de energia elétrica
de que tratam os artigos 36 e 37 para as tarifas dos consumidores finais, a ANEEL deverá
considerar até cento e três por cento do montante total de energia elétrica contratada em
relação à carga anual de fornecimento do agente de distribuição.
Reserva Global de Reversão - RGR:
Trata-se de um encargo pago mensalmente pelas empresas de energia elétrica, com a
finalidade de prover recursos para reversão e/ou encampação, dos serviços públicos de
energia elétrica. Tem, também, destinação legal para financiar a expansão e melhoria desses
serviços, bem como financiar fontes alternativas de energia elétrica para estudos de inventário
e viabilidade de aproveitamentos de novos potenciais hidráulicos, e para desenvolver e
implantar programas e projetos destinados ao combate ao desperdício e uso eficiente da
energia elétrica. Seu valor anual equivale a 2,5% dos investimentos efetuados pela
concessionária em ativos vinculados à prestação do serviço de eletricidade, é limitado a 3,0%
de sua receita anual.
Reversão:
É o retomo ao Poder Concedente dos bens vinculados à concessão, ao término do prazo desta.
A reversão se fará com a indenização das parcelas dos investimentos realizados com o
objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido, ainda não amortizados
ou depreciados.
Setor Elétrico Brasileiro - SEB
229
:
Podemos entender por setor elétrico brasileiro (SEB) a conformação no país das atividades de
geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica mediante a atuação
de agentes estatais (empresas públicas e órgãos regulador, planejador e coordenador) e
privados a partir de um dado modelo institucional-regulatório. Na geração ocorre o processo
de produção de energia elétrica pela transformação de outras formas de energia como vapor,
calor ou queda d’água. A atividade de transmissão de energia é a responsável pelo transporte
da energia elétrica dos geradores até o sistema de distribuição por intermédio de uma rede de
linhas de alta tensão, transformadores e chaves, cumprindo ainda o papel de interligação do
próprio sistema elétrico. A atividade de distribuição está relacionada à entrega de energia
elétrica até os pontos de uso final, como casas, escritórios e indústrias, a tensões relativamente
baixas por intermédio de um sistema de linhas, transformadores e chaves que interligam a
rede de transmissão e a carga do consumidor. A comercialização de energia elétrica ocorre
entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia
elétrica, bem como destes com seus consumidores mediante contratação regulada ou livre,
observadas as diretrizes estabelecidas em legislação. Para que tais atividades sejam
desempenhadas a contento é ainda desenvolvida uma série de serviços como o planejamento,
a operação e a coordenação do sistema elétrico.
Sistema Interligado Nacional – SIN:
229
Redação do item dada pelo autor.
ccii
Instalações responsáveis pelo suprimento de energia elétrica a todas as regiões do país
eletricamente interligadas.
Submercados:
Subdivisões do mercado, correspondentes a áreas do sistema interligado, para as quais serão
estabelecidos preços de energia específicos e cujas fronteiras são definidas em função da
presença e duração de restrições relevantes de transmissão.
Tarifa de Fornecimento:
Tarifa aplicável no faturamento mensal de energia elétrica dos consumidores cativos de
concessionária ou permissionária de distribuição, homologada pela ANEEL, correspondente
aos valores relativos à tarifa de uso dos sistemas de distribuição e à tarifa de energia elétrica.
Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica - TFSEE:
A TFSEE foi criada, pela Lei 9.427/1996, com a finalidade de constituir a receita da ANEEL
para cobertura das suas despesas administrativas e operacionais. A TFSEE é fixada
anualmente pela ANEEL e paga mensalmente, em duodécimos, por todos os agentes que
atuam na geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.
Tributos
230
:
Receita instituída pela União, pelos estados, Distrito Federal e municípios, compreendendo os
impostos, as taxas e contribuições de melhoria, nos termos da Constituição e das leis vigentes
em matéria financeira. A Constituição de 1988 colocou as contribuições sob o mesmo regime
constitucional dos tributos em geral, às quais são aplicadas as normas gerais de legislação
tributária e os princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade.
Uso do Bem Público – UBP:
Recursos provenientes dos pagamentos pela concessão de geração.
230
Fonte: Tesouro Nacional. Disponível em: < http://www.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_t.
asp>. Acesso em 23 mai. 2006.
cciii
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