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1
ARNALDO TEBECHERANE HADDAD
DIREITOS HUMANOS
PRISÃO CIVIL
A PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE
DO DIREITO BRASILEIRO E DO DIREITO
INTERNACIONAL
MESTRADO EM DIREITO INTERNACIONAL
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2
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS
SANTOS-2006
ARNALDO TEBECHERANE HADDAD
A PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DO
DIREITO BRASILEIRO E DO DIREITO INTERNACIONAL
Dissertação de Mestrado apresentada à
banca examinadora da pós graduação da
Universidade Católica de Santos como
exigência para obtenção do título de Mestre
em Direito, sob orientação do Prof. Dr.
Alcindo Fernandes Gonçalves.
SANTOS/SP
2006
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3
Banca Examinadora
____________________________
______________________________
_______________________________
4
Aos meus PAIS,
que me transmitiram os genes da indignação
e me ensinaram o verdadeiro sentido de um
ideal.
Ao Professor Dr. Alcindo Fernandes Gonçalves
cujos primeiros passos foram decisivos no
meu destino científico.
5
À minha mulher Eliana, meus
filhos Carolina e Arnaldo, pela
compreensão nos momentos
em que estive ausente.
À Catia Caires da Silva Santos pelo
carinho da sua amizade.
6
As idéias habitam as nossas mentes, por isso
são passageiras.
Os ideais habitam os nossos espíritos, por isso
são imortais.
( o Autor)
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 1
1. DIREITOS HUMANOS
1.1. Conceito................................................................................................4
1.2. Evolução histórica...............................................................................6
1.3. Classificação dos direitos humanos................................................ 13
1.3.1. Classificação segundo o direito internacional.......................... 13
1.3.2. Classificação segundo a geração dos direitos humanos....... 14
1.3.2.1. Direitos humanos de 1ª geração............................................. 14
1.3.2.2. Direitos humanos de 2ª geração............................................ 15
1.3.2.3. Direitos humanos de 3ª geração............................................. 15
1.4. Características dos direitos humanos..............................................17
1.5. Os direitos humanos e a prisão do depositário infiel..................... 19
1.6. As constituições brasileiras e os direitos humanos....................... 20
1.6.1. Constituição de 1824....................................................................22
1.6.2. Constituição de 1891....................................................................24
1.6.3. Constituição de 1934................................................................... 25
1.6.4. Constituição de 1937................................................................... 26
1.6.5. Constituição de 1946................................................................... 27
1.6.6. Constituição de 1967................................................................... 29
1.6.7. Constituição de 1988................................................................... 30
1.7. Direitos Humanos globais................................................................. 34
2. TRATADOS INTERNACIONAIS
2.1. Conceito......................................................................................... 38
2.2. Capacidade jurídica........................................................................43
2.3. Capacidade de representação.......................................................44
2.4. Validade dos tratados....................................................................45
2.5. Processo de elaboração dos tratados e sua introdução no
direito interno................................................................................46
2.5.1. Monismo e dualismo...............................................................46
2.5.2. Teoria dualista.........................................................................46
2.5.3. Teoria monista.........................................................................47
8
2.5.4. Processo de elaboração dos tratados...................................48
2.6.Classificação dos tratados.............................................................51
2.7.Extinção dos tratados.....................................................................52
2.8.Previsão dos tratados nas Constituições do Brasil....................53
2.9. Hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos.........................................................................................57
3. PRISÃO CIVIL
3.1. Conceito..........................................................................................64
3.2. Depositário infiel............................................................................65
3.3. Dos depósitos e sua previsão legal.............................................66
3.4. Dos tipos de depósitos..................................................................68
3.5. Decreto-lei 911/69...........................................................................71
3.6. Jurisprudência................................................................................77
3.6.1. Posição do Superior Tribunal de Justiça..............................78
3.6.2. Posição do Supremo Tribunal Federal..................................84
4. PESQUISA DE CAMPO (ENTREVISTAS)
4.1. Entrevistas com os Magistrados (método da pesquisa)............97
4.2. Depoimentos dos Magistrados...................................................101
4.3. Depoimento do empresário.........................................................106
5. CONCLUSÃO
5.1. Considerações..............................................................................109
5.2. Depositário no decreto-lei 911/69...............................................111
5.3. Depositário contratual e judicial.................................................113
5.4. Aplicação do direito internacional..............................................118
5.5. Dos danos Morais e psíquicos....................................................120
6. BIBLIOGRAFIA......................................................................................122
9
RESUMO
A prisão civil do depositário infiel embora seja prevista na
Constituição Federal brasileira, não é admitida pela Convenção Americana de
Direitos Humanos positivada em nosso ordenamento jurídico desde 1992.
A discussão a respeito da possibilidade ou não da prisão civil é
enfrentada na esfera jurídica, cotejando-se as normas do direito brasileiro e a
legislação internacional de proteção aos direitos humanos (Convenções
internacionais).
A posição do autor relativa à prisão civil do depositário infiel é
baseada no Direito Brasileiro tanto quanto no Direito Internacional dos Direitos
Humanos.
Além do embasamento jurídico, o autor faz uma análise das razões
sociais e humanas da irrazoabilidade da prisão civil do depositário infiel.
DIREITOS HUMANOS
DEPOSITÁRIO INFIEL
PRISÃO CIVIL
IRRAZOÁVEL
10
ABSTRACT
The civil arrest of the defaulting trustee due to the law in Brazilian
Federal Constitution is not admitted by the American Convention of the Human
Rights introduced in Brazilian Law since 1992.
The discussion upon the possibility or not of the civil arrest is
analyzed in the juridical sphere comparing the rules of the Brazilian Law and the
international legislation of the Human Rights (International Conventions).
The position of the author related upon the civil arrest of the
defaulting trustee is based on the Brazilian Law as well as on the International Law
of the Human Rights.
Besides the juridical basis the author analyses the social and human
reasons for the unreasonable of the civil arrest of the defaulting trustee.
HUMAN RIGHTS
DEFAULTING TRUSTEE
CIVIL ARREST
UNREASONABLE
11
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem o escopo de estudar a prisão civil do depositário
infiel em face do direito brasileiro e do direito internacional.
É um estudo dos Direitos Humanos à luz da legislação pátria
frente ao Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Traz à luz o aparente confronto do inciso LXVII do artigo 5º da
Constituição Federal e o artigo 7º, 7 da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
A dissertação marca a posição contrária do autor com relação à
prisão do depositário infiel, estribando-se em razões jurídicas que encontram
guarida dentro do direito brasileiro assim como, no direito internacional.
Além do embasamento jurídico firmado frente à doutrina
pesquisada, o autor traz as razões pessoais e sociais que justificam o seu
posicionamento contrário à prisão civil do depositário infiel.
Para tanto, o trabalho subdivide-se em cinco capítulos:
1. Direitos Humanos.
Este capítulo faz um estudo dos direitos humanos desde o seu
conceito, suas características, classificação, evolução histórica.
Faz ainda, uma análise dos direitos fundamentais previstos em todas
as Constituições brasileiras desde a primeira Constituição do Império promulgada
em 1824 até a Constituição vigente de 1988.
Estabelece um paralelo entre a prisão do depositário infiel e os
direitos humanos.
12
Encerra com as considerações necessárias a respeito dos direitos
humanos globais, ou seja, aborda o direito internacional dos direitos humanos
ainda que sucintamente.
2. Tratados Internacionais.
O segundo capítulo trata dos tratados internacionais, seu conceito,
classificação, capacidade jurídica, capacidade de representação, sua validade,
seu processo de elaboração e sua entrada no direito brasileiro e a hierarquia das
suas normas dentro do direito brasileiro e sua extinção.
São abordadas neste capítulo as teorias do monismo e dualismo e a
teoria adotada pelo sistema brasileiro e a previsão dos tratados internacionais nas
diversas constituições brasileiras.
3. Prisão Civil.
No tema prisão civil, é discutida a prisão do depositário infiel, não
sem antes, conceituar o depositário, as formas de depósito, sua previsão legal.
Aqui também trazemos à luz o polêmico decreto-lei 911/69 que,
através de uma ficção jurídica, equipara o devedor fiduciante a depositário.
A pesquisa englobou a jurisprudência das instâncias superiores (STJ
e STF), com o posicionamento de vários de seus Ministros.
4. Depoimentos
Foi realizada pesquisa qualitativa que trouxe o posicionamento dos
juízes de primeira e segunda instância a respeito do assunto, assim como a
entrevista com um empresário que sofreu prisão civil por depositário infiel, que
relatou sua impressão, seus sentimentos e agruras passadas no presídio.
13
5. Conclusão.
A conclusão condensa em razões finais, a opinião do autor, todo seu
embasamento jurídico, assim como, as razões de foro íntimo que norteia seu
pensamento contrário à prisão civil.
14
1. DIREITOS HUMANOS.
1.1. Conceito.
É tarefa das mais difíceis, estabelecer um conceito de algo ou
alguma coisa.
Em direitos humanos principalmente, seu conceito é
particularmente de extrema dificuldade.
Segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda
1
Direito é
definido como (...) 9. “aquilo que é justo, reto e conforme a lei. 10. Faculdade legal
de praticar ou deixar de praticar um ato. (...) 12. Faculdade concedida pela lei;
poder legítimo (...)
Na mesma obra, às pg.735: “ Humano. (...) 1. Pertencente ou
relativo ao homem: natureza humana; gênero humano.
Desta forma, conceituamos os direitos humanos, como “O poder
legítimo, concedido pela lei, ao ser humano”.
O poder referido acima se refere à capacidade do ser humano, de
exercer toda e qualquer atividade lícita inerentes à manutenção da sua vida, de
acordo com os princípios da dignidade, liberdade, honra e justiça.
Para o filósofo Ubiratan Borges de Macedo
2
, os direitos humanos
são entendidos como direitos subjetivos, sendo seu sujeito, a humanidade.
Socorre-se das lições de John Rawls, para quem os direitos humanos se
distinguem dos direitos constitucionais, dos da cidadania democrática e de outros
tipos de direitos mais concretos, vez que, sua função principal, é especificar limites
1
Aurélio Ferreira Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. p. 478
2
Ubiratan Borges Macedo. Direitos Humanos e sua Teoria in Arquivos de Direitos Humanos-
diretores: Celso D. de Albuquerque Mello/ Ricardo Lobo Torres. P. 129/130.
Para que se entenda melhor, a citação de John Rawls é referenciada por Ubiratan Borges Macedo,
como da obra: Law of Peoples in On Human Rights. The Oxford Amnesty Lectures 1993. New
York: Basic Books, 1993, p. 70.
15
à soberania dos povos e às instituições internas de cada país, entendendo que, ao
ser respeitado, legitima o regime político e a decência da sua ordem legal.
O autor complementa, afirmando que se trata de um conceito
moral, daquilo que uma comunidade julga ser o mais importante de sua moral
social, um ponto de coagulação do código moral. E ainda, que os direitos
humanos constituem uma instância moral transcultural e permitem a coexistência
entre as diferentes civilizações.
Para João Baptista Herkenhoff
3
, os direitos humanos são
modernamente entendidos como aqueles direitos fundamentais que o homem
possui pelo fato de ser homem, por sua natureza humana, pela dignidade que a
ela é inerente. Para o autor, são direitos que não resultam de uma concessão da
sociedade política; são direitos que a sociedade tem o dever de consagrar e
garantir.
O professor André de Carvalho Ramos
4
, em sua obra “Direitos
humanos em juízo”, citando HESSE, entende os direitos humanos como um
conjunto mínimo de direitos necessários para assegurar uma vida do ser humano
baseada na liberdade e na dignidade.
Chamando a atenção para o termo, entende ser mais apropriado
dizer-se direitos fundamentais da pessoa humana, visto ser este direito inerente à
própria existência do ser humano.
Em qualquer conceito citado, ou encontrado em livros e tratados
sobre a matéria, teremos sempre os direitos humanos em íntima relação com a
dignidade do ser humano.
São conceitos inseparáveis, ligados umbilicalmente, dependentes
em sua essência, e necessários na condução da vida do ser humano.
3
, João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos Humanos volume I-Gênese dos Direitos Humanos.
p. 30/31
4
Direitos Humanos em Juízo. Max Limonad. P.27.
16
O conceito de dignidade humana é tão vasto quanto o conceito de
vida, pois a dignidade nasce com o ser humano, não representando propriamente
um direito, mas sim, uma condição necessária para a existência.
A dignidade humana não é uma convenção, mas uma situação
inerente e necessária a todo ser humano.
A dignidade, como dito, nasce com o indivíduo, se perpetua em
sua vida, e deverá estar presente no momento da sua morte.
O ser humano deverá ter preservados seus direitos e sua
dignidade enquanto existir, devendo lhe ser assegurado dignidade inclusive para
morrer.
1.2. Evolução histórica.
A origem dos direitos humanos remonta o ano 1690 a.C. sendo
previsto já no Código de Hamurabi, que já garantia alguns direitos fundamentais,
como o direito à vida, à propriedade, à honra, à família, etc.
Consta da história a previsão no Código de Hamurabi das
primeiras punições de que se tem conhecimento, nos casos de ocorrência de “erro
médico”, onde o profissional quando condenado tinha sua mão amputada.
A cultura grega estabelece estudos diversos a respeito de
liberdade, e inclusive, da participação democrática do homem comum nos
destinos da comunidade.
As concepções religiosas muito contribuíram para a consagração,
através dos tempos, dos direitos humanos, principalmente, arraigando a
concepção dos princípios de igualdade.
O poder estatal sempre caminhou junto com a evolução dos
direitos da pessoa humana, em vários momentos, porém, castrando seu alcance,
como no absolutismo, quando os princípios de igualdade e liberdade foram
17
mitigados pelo poder Estatal, ou pela exploração do homem, quando do
liberalismo.
Foi João Sem-Terra em 1215, o responsável por uma das mais
importantes declarações dos direitos fundamentais da pessoa humana, em sua
“Magna Charta Libertatum”, que previa, entre outros, o direito de ir e vir, o devido
processo legal, a pena proporcional ao delito, etc.
Na seqüência, assistimos ao aparecimento do hábeas corpus, já
existente na common law e regulamentado em 1679; o Bill of Rights em 1689; o
Act of Seattlemente em 1701; o direito à vida, à propriedade e à liberdade
previstos na Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, que também sedimentou
os princípios basilares da ampla defesa e do devido processo legal; a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada pela Assembléia Nacional
francesa em 1789 e a previsão dos direitos fundamentais, nas diversas
legislações, como a Constituição dos Estados Unidos da América em 1789, e a
Constituição Francesa de 1791.
No Brasil, suas várias Constituições incorporaram os direitos
fundamentais da pessoa humana, desde a primeira Constituição do Império de
1824, continuando-se na primeira Constituição da República de 1891, mantendo-
se nas demais Constituições promulgadas em sua história, como a de 1934, 1937,
1946, 1967 e a de 1988, conforme veremos mais adiante.
Denota-se que, em todos os momentos da sua existência como
país, mesmo nos períodos de exceção, o Brasil, muito embora, por vezes não as
respeitando, manteve as garantias fundamentais da pessoa humana, em sua
legislação maior.
O Brasil viveu, no século XIX, momentos de grande respeito aos
direitos humanos, quando do movimento abolicionista, embora o contexto geral da
época não os favorecesse de forma permanente. Foi nessa época que, em clara
homenagem ao princípio da dignidade humana, foram promulgadas, as leis que
davam liberdade aos escravos.
18
Foram atos de grande coragem, pois iam de encontro aos
interesses dos poderosos da época, que davam sustentação ao poder político do
Império.
Foram elas:
1. Lei de Extinção do Tráfico Negreiro no Brasil - Lei nº 581 de 4
de setembro de 1850.
2. Lei do Ventre Livre de 28/9/1871.
3. Lei do Sexagenário de 28/9/1885
4. Lei Áurea - Lei nº 3.353 de 13/5/1888.
Não restam dúvidas, de que a promulgação da Lei Áurea foi o
golpe de misericórdia no sistema Imperial, dando o impulso final para a
proclamação da República.
Embora o mundo viva constantemente momentos de desrespeito
aos direitos humanos, também é verdade que sua história é preenchida de
movimentos de proteção a esses direitos fundamentais.
Mas foi a partir do fim da 2ª Guerra Mundial, com os horrores do
nazismo, que o mundo voltou definitivamente seus olhos para os direitos da
pessoa humana, quando tais direitos assumiram proporções internacionais, para
uso não só interno, mas também e principalmente externo, com as diversas
declarações, conferências, pactos e convenções que passaram a ser respeitados
pelos países signatários, chegando à previsão de ingerência externa em casos
extremos.
Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), o
mundo inicia nova fase em direção à proteção aos direitos da pessoa humana,
agora, de forma integrada e globalizada, visto que as determinações atingiam
todos os Estados membros da Organização.
19
A Carta da ONU de 26 de junho de 1945 configurou um dos
principais documentos dedicados à proteção dos Direitos Humanos elaborados no
século passado.
A preocupação dos Estados-membros na manutenção da
liberdade e dos direitos fundamentais do ser humano vem expressa logo em seu
preâmbulo, demonstrando de forma clara, o desiderato da criação de uma
organização forte, de cunho internacional, voltada para o bem estar da
humanidade, conforme se observa
5
:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS,
RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do
flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe
sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na
igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a
justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras
fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o
progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade
ampla.
Composta de 111 artigos a Carta da ONU prevê em seu art. 61, a
criação Conselho Econômico e Social, com suas atribuições previstas no art. 62:
1. O Conselho Econômico do e Social fará ou iniciará
estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter
econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos e poderá
fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembléia Geral,
aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas
interessadas.
2. Poderá, igualmente, fazer recomendações
destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais para todos.
3. Poderá preparar projetos de convenções a serem
submetidos à Assembléia Geral, sobre assuntos de sua competência.
4. Poderá convocar, de acordo com as regras
estipuladas pelas Nações Unidas, conferências internacionais sobre
assuntos de sua competência.
5
www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php. Acesso em 10/10/2005.
20
Mas foi em 10 de dezembro de 1948, no Palácio de Chaillot em
Paris (França) que foi aprovada pelas Nações Unidas, a primeira Declaração
sobre Direitos Humanos.
A histórica e paradigmática “Declaração Universal de Direitos do
Homem”, foi o documento da era moderna que mais marcou a humanidade, sendo
um dos principais documentos editados pelo homem em toda a sua história.
Contou com a participação de representantes de vários países,
estando lá representadas, as várias matizes políticas da época, tais como Eleanor
Roosevelt dos Estados Unidos da América do Norte, até Alexander Borgomolov e
Alexei Pavlov da antiga União Soviética, passando por representantes do Chile,
França, Líbano, Canadá e Reino Unido.
Logo em seu preâmbulo, esse documento histórico já
demonstrava a grande preocupação com a necessidade do reconhecimento e
respeito para com os direitos da pessoa humana, conforme se verifica
6
:
CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da familia humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo,CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos direitos
do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem
de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do
temor e da necessidade, CONSIDERANDO ser essencial que os direitos
do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não
seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a
opressão, CONSIDERANDO ser essencial promover o desenvolvimento
de relações amistosas entre as nações, CONSIDERANDO que os povos
das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos do homem
e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores
condições de vida em uma liberdade mais ampla,CONSIDERANDO que
os Estados Membros se comprometeram a promover, em cooperação
com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades
fundamentais do homem e a observância desses direitos e
liberdades,CONSIDERANDO que uma compreensão comum desses
6
www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em 10/10/2005.
21
direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento
desse compromisso,
A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a presente
"Declaração Universal dos Direitos do Homem" como o ideal comum a
ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que
cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover
o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os
povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos
territórios sob sua jurisdição.
Composta de 30 (trinta) artigos, a Declaração resume em seu
artigo 1º, toda a sua essência, toda a sua alma:
Artigo 1º : Todos os homens nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem
agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Após esse marco histórico, várias outras declarações,
proclamações, pactos aconteceram sob a coordenação da ONU.
Eis as principais:
1. Em 21 de dezembro de 1965: Aprovação pela Assembléia
geral, da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial.
2. Em 16 de dezembro de 1966: Aprovação pela Assembléia
Geral do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
3. Em 7 de dezembro de 1967: Aprovação pela Assembléia
Geral, da declaração sobre a eliminação da discriminação contra a mulher.
4. Em 13 de maio de 1968: Proclamação de Teerã.
5. Em 26 de novembro de 1968: Aprovação pela Assembléia
geral, da Convenção sobre imprescritibilidade dos crimes de guerra e do crimes de
lesa humanidade.
22
6. Em 30 de novembro de 1973: Aprovação pela Assembléia
geral, da Convenção Internacional sobre a repressão e o castigo do crime de
“Apartheid”.
7. Em 25 de junho de 1993: Aprovação da Declaração e
Programa de ação de Viena, aprovados pela Conferência Mundial de Direitos
Humanos.
8. Declaração do Milênio das Nações Unidas, no ano 2000.
Segundo Carlos Weis
7
, o artigo 68 da Carta da ONU já previa que
o ECOSOC deveria estabelecer comissões para a promoção dos direitos
humanos, decorrendo daí, a criação da Comissão de Direitos Humanos, aprovada
pela Resolução 5 (I) de 16/2/46 e efetivada pela Resolução E/RES/9 (II) do
ECOSOC, de 21/6/46, esta atribuindo-lhe a função de apresentar sugestões
concernentes às vias e meios para a efetiva implementação dos direitos humanos
e liberdades fundamentais
8
.
A Organização das Nações Unidas vem, através dos anos, se
mantendo ativa na busca por melhorias da condição de vida da espécie humana,
através de instituições regionais jurisdicionais de garantias dos direitos do homem.
1.3. Classificação dos Direitos Humanos.
1.3.1. Classificação segundo o Direito Internacional.
7
Carlos Weis, Direitos Humanos Contemporâneos.São Paulo: Malheiros. p.67
8
Em março de 2006, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a criação do Conselho de
Direitos Humanos, que entrará em funcionamento em junho de 2006, substituindo a Comissão.
23
Carlos Weis
9
aborda o tema, referindo-se à divisão dos direitos
humanos em ”civis e políticos” de um lado, e “econômicos, sociais e culturais” de
outro, agrupando em duas categorias os cinco tipos distintos. Os direitos civis e
políticos correspondem aos direitos fundamentais de origem liberal, enquanto que
os demais, têm suas origens nos movimentos sociais do século XIX.
Acontece que os tratados internacionais não costumam promover
divisão interna, nem diferenciar os tipos de direito.
Weis na mesma obra discorre, que a doutrina tem buscado
estabelecer certa especificação, havendo grande modificação de autor para autor,
citando Jorge Miranda, para quem os direitos civis (segundo denominação do
direito internacional) são aqueles direitos de liberdade que tem por objeto a
expansão da personalidade sem interferência do Estado ou de terceiros. São os
direitos que tem como objeto a proteção dos atributos que caracterizam a
personalidade moral e física do indivíduo. Já os direitos políticos, são exercidos,
como poderes da pessoa de tomar parte na vida política e na direção dos
assuntos políticos do seu país.
Dentro desse raciocínio, assevera que os direitos civis são
“liberdades-autonomia”, e os políticos, “liberdade-participação”.
Quanto aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais,
Weis cita José Afonso da Silva para quem, “é difícil discerni-los com nitidez”, pois
os econômicos são baseados no poder estatal de regular o mercado, visando o
interesse público; os sociais, como tutela pessoal, tendem a corrigir os desníveis
sociais; os culturais cuidam dos bens físicos e espirituais.
Ocorre que os diversos países apresentam diferenças ideológicas
e culturais, dificultando sobremaneira o entendimento e aplicação dos direitos
humanos, tornando impossível a viabilização de um pacto internacional único de
direitos humanos, como era o sonho da Carta das Nações Unidas.
9
Op. cit. p. 44/45
24
1.3.2.Classificação segundo as gerações dos direitos
humanos.
Alguns autores entendem que os direitos humanos sofreram e
sofrem ainda processo de evolução e nesse sentido os classificam em gerações,
iniciando-se com os de 1ª geração, passando para os de 2ª, 3ª, e já se fala em
direitos de 4ª geração.
1.3.2.1. Direitos humanos de 1ª geração.
Os direitos de 1ª geração tratam dos direitos civis e políticos, de
titularidade dos indivíduos, são os primeiros e basilares da estrutura da pessoa
humana. São na verdade, os que nascem no ventre da estrutura de uma
sociedade civilizada, constituindo-se em direitos fundamentais da pessoa humana.
1.3.2.2. Direitos humanos de 2ª geração.
Tratam dos direitos sociais, econômicos e culturais; cuidam a
exemplo da anterior, da titularidade dos indivíduos, porém, fazem parte da sua
evolução,representam a seqüência das necessidades do ser humano.
1.3.2.3. Direitos Humanos de 3ª geração.
Estes fazem parte da titularidade coletiva, dos grupos humanos,
da família, povo, nação, do conjunto da humanidade, fazem parte dos direitos
difusos e coletivos.
Hoje, já se fala em direitos de 4ª geração, que tratam do
patrimônio genético e estes estabelecem uma relação íntima com a bioética e o
biodireito, que, aos poucos, amadurecem no mundo, e particularmente em nosso
país.
25
Essa teoria, no entanto, não é unânime, existindo críticas pela
falta de fundamento jurídico, conforme opinião exarada pelo Professor Cançado
Trindade, na V Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em 25 de
maio de 2000 na Câmara dos Deputados, Brasília, DF.
Nesta conferência, o Professor Cançado Trindade verbalizou suas
críticas, a Norberto Bobbio, que, no entender do eminente professor, não é o autor
dessa teoria:
“Eu não aceito de forma alguma a concepção de Norberto Bobbio das
teorias de Direito. Primeiro, porque não são dele. Quem formulou a tese
das gerações de direito foi o Karel Vasak, em conferência ministrada em
1979, no Instituto Internacional de Direitos Humanos, em Estrasburgo.
Suas críticas se estenderam também, à própria teoria das
gerações dos direitos humanos:
“Sou isento para falar sobre o assunto. Sou amigo dele e não concordo
com a tese que ele apresentou pela primeira vez em 1979, e que
Norberto Bobbio copiou. “
Uma das principais críticas a essa teoria é a fragmentação dos
direitos, entendendo que o próprio direito à vida é de primeira, segunda, terceira e
de todas as gerações.
Para ele, a seqüência de evolução dos direitos individuais,
econômicos e sociais e direitos da coletividade, se aplica à evolução do direito
constitucional, vale dizer, no direito interno dos países, não no direito
internacional.
No direito internacional, entende o professor, os primeiros direitos
que surgiram foram os econômicos e sociais, visto que, as primeiras convenções
da OIT datam das décadas de 20 e 30, anteriores à criação da ONU, sendo a
segunda geração, correspondentes aos direitos individuais, com a Declaração
Universal e a Americana de 1948.
E vaticina o mestre:
26
“Então, a expressão “gerações é falaciosa, porque não corresponde ao
descompasso, que se pode comprovar; entre o direito interno e o direito
internacional em matéria de direitos humanos. Esta é a primeira razão
histórica. Trata-se de construção vazia de sentido e que não corresponde
à realidade histórica. “
A construção da teoria das gerações dos direitos humanos,
portanto, encontra forte resistência, não sendo consenso geral, principalmente
quando se fala dos Direitos Humanos, no plano internacional.
1.4. Características dos Direitos Humanos
10
Os direitos humanos possuem características próprias, tradicionais
e inseparáveis pela sua própria concepção, tais como: inalienabilidade,
irrenunciabilidade, imprescritibilidade.
Ocorre que outras características também fazem parte da
essência dos direitos humanos, a saber:
1. Inerência: é a noção de que os direitos humanos são inerentes
a cada ser, pelo simples fato de existir, decorrendo esta característica do
jusnaturalismo. Esta característica é contida no “preâmbulo” da Declaração dos
Direitos Humanos que a reconhece: “a dignidade inerente
a todos os membros da
família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo”.
Essa característica já era reconhecida no Século XVIII, conforme
se traduz do texto da Declaração de Direitos da Virgínia de 16 de junho de 1776:
“Todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm
certos direitos inatos
que, quando entram no estado de sociedade, não podem,
por nenhuma forma, privar ou despojar à sua posteridade, nomeadamente o gozo
da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade e obter
felicidade e segurança”. (grifei)
10
O item 1.4 segue Weis. Direitos Humanos Contemporâneos. p. 109/111/112/117/121
27
2. Universalidade: esta concepção decorre da idéia da inerência,
significa dizer, que estes direitos pertencem a todos os membros da espécie
humana, sem distinção.
Dentro desse princípio, funda-se o Direito Internacional dos
Direitos Humanos, uma vez que, a internacionalização dos direitos humanos só
será possível na medida em que se reconhece o caráter universal desse direito.
Essa foi a filosofia da Declaração dos Direitos do Homem de 1948
e, antes disso, da Carta das Nações Unidas de 1945.
3. Indivisibilidade e Interdependência: assim como não se admite
a existência de direitos humanos fragmentados, divididos, também não se admite
que atuem em separado.
Na medida em que são respeitados os direitos humanos, estes
devem fazer parte de um conjunto uno, indivisível, na medida da existência de
uma interdependência entre eles. Por exemplo, não se admite o exercício dos
direitos civis e políticos, sem o mesmo exercício dos culturais, econômicos e
sociais.
Os direitos humanos formam um conjunto homogêneo, fortemente
ligados por laços que se comunicam e se juntam de maneira que, a se separar
uma ponta, desatam-se as outras.
Vale dizer, que um direito não alcança a sua plena eficácia se não
houver a realização dos outros.
Na medida em que os seres humanos formam uma só espécie,
não haveria lógica a existência de direitos humanos fragmentados ou
independentes.
Sobre a transnacionalidade, escreve Dalmo Dallari
11
“Os direitos
fundamentais da pessoa humana são reconhecidos e protegidos em todos os
Estados, embora existam algumas variações quanto à enumeração desses
11
Carlos Weis. Op. cit. p. 121
28
direitos, bem como quanto à forma de protegê-los. Esses direitos não dependem
da nacionalidade ou da cidadania, sendo assegurados a qualquer pessoa”
É uma noção que deriva do jusnaturalismo, assim como a
característica da inerência.
Tal característica protege o ser humano mesmo quando este não
possui nacionalidade e, portanto, sem a proteção Estatal; de onde se denota, que
os direitos humanos têm um alcance além da nacionalidade, além da origem, além
da própria história.
1.5. Os Direitos Humanos e a prisão do depositário infiel
A vida é um direito inerente à pessoa humana.
De igual importância, na escala de valores, encontra-se o direito à
liberdade que só pode ser suprimida, como medida punitiva a atos ilícitos penais,
quando estes violem direitos indisponíveis, trazendo riscos à sociedade.
A prisão civil, no direito internacional, tem sido sistematicamente
vedada, como medida de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.
A exceção reside nos casos de inadimplemento de obrigação
alimentar, quando esse tipo de prisão é tolerada; mas somente nesta situação.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 já previa
tal proibição em seu artigo 11:
Art. 11 - Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação
contratual.
No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos,
também chamada de Pacto de San José da Costa Rica:
29
Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal.
7- Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de
autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplente de obrigação
alimentar.
No direito brasileiro, a prisão civil tem sido vedada como regra, e
só admitida excepcionalmente, nos casos de inadimplemento de obrigação
alimentícia e nos casos de infidelidade do depositário, conforme previsto na
Constituição Federal em seu artigo 5º, LXVII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de
obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
A principal diferença entre o direito brasileiro e o direito internacional,
nesse aspecto, reside justamente nas exceções. Enquanto a Convenção
Americana de Direitos Humanos só admite uma exceção (inadimplemento de
obrigação alimentícia), a Constituição Federal alarga sua possibilidade incluindo a
prisão civil nos casos de depositário infiel.
A prisão do depositário infiel é medida coercitiva que tem o escopo
de obrigar o devedor a adimplir obrigação e não medida punitiva por ilícito penal, e
nem mesmo procura garantir direitos indisponíveis.
Sem nenhuma dúvida, a prisão do depositário infiel representa
verdadeiro desrespeito aos direitos humanos, na medida em que o indivíduo é
privado da sua liberdade em nome dos interesses pecuniários de terceiros.
30
1.6. As Constituições brasileiras e os Direitos Humanos.
A Constituição de um País, é a lei máxima que norteia todos as
suas ações, a partir das atividades estatais, passando pela sociedade, regulando
as relações de governantes e governados, estabelecendo limites à atuação do
Estado e regras de direitos e deveres a serem seguidas.
Neste sentido, a lição de Patrícia Ferreira Machado
12
:
A Constituição vem a ser o espelho do Estado e da sociedade;
trata-se da estrutura estatal, da coluna dorsal do Estado e da sociedade e consiste
no regramento geral para governantes e governados
Sendo a coluna mestra do direito positivado, a Constituição de um
País expõe seus conceitos de direito e justiça, exibe seus valores e traça as
regras de convivência social.
É através da Constituição que visualizamos os valores
incorporados ao seu regramento, incluindo-se, neste contexto, a importância que
um País dedica aos direitos humanos.
Ainda Patrícia Ferreira Machado, na mesma obra
13
, em breve
resumo do constitucionalismo brasileiro, traz interessante retrospectiva das
diversas Constituições brasileiras, lembrando que sua história surgiu com a
independência, com a necessidade de uma estrutura centralizada, vez que o
Brasil deixava de ser colônia.
A primeira Assembléia Constituinte foi convocada por D. Pedro I
em 1822, promulgada como texto legal em 1824, sendo reformada em 1834,
vigorando por todo o tempo da Monarquia.
12
Patrícia Ferreira Machado. A Constituição e os Tratados Internacionais. p. 3.
13
Ibiden pg. 7/8.
31
A segunda Constituição brasileira, a primeira da República, foi
elaborada em 1890, logo após a Proclamação da República em 15 de novembro
de 1889, e promulgada em 1891, sofrendo revisão em 1926, vigendo até 1934.
A terceira Constituição brasileira, promulgada em 1934, veio na
esteira dos anseios de brasileiros que por ela lutaram na revolução de 1930.
Em 1937, com o golpe de Estado, foi elaborada nova Constituição,
a quarta da história do País, esta sem a participação de representantes do povo,
representando, um golpe fatal para a democracia brasileira.
A quinta Constituição, promulgada em 1946, representou o marco
da redemocratização do Brasil.
Em 1967, sob o comando do regime militar, tivemos nossa sexta
Constituição, que trazia algumas das características da carta de 1937, talvez por
ter sido elaborada também sob um regime de exceção.
Essa Constituição, logo no ano seguinte, em 1968 foi desfigurada
sofrendo ações dos comandantes das três armas, culminando com a edição do
Ato Institucional nº 5, que rompia com a ordem constitucional.
Em 1969, foi aprovada a emenda constitucional nº 1/69, que
desfigurou e alterou a Constituição de acordo com os interesses do governo da
época.
Por derradeiro, em 1988 foi promulgada a Constituição brasileira
vigente, que na verdade já sofreu mais emendas do que as anteriores, porém
mantendo os direitos e garantias individuais.
Não se nega que as Constituições brasileiras, desde o Império,
até a última promulgada em 1988, incorporaram os direitos fundamentais da
pessoa humana em seu corpo.
Embora nunca as tenham retirado do conjunto das suas normas,
alguns governos de exceção editaram outras que, na prática, colidiam com os
princípios basilares que regem os direitos humanos.
32
1.6.1. Constituição de 1824
A 1ª Constituição Federal brasileira, foi promulgada em 1824,
ainda no Brasil Império, já prevendo o respeito aos direitos da pessoa humana,
conforme expresso em seu Título 8º “Das Disposições Geraes, e Garantias dos
Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”:
Nela, já era garantida a inviolabilidade dos direitos civis, e
políticos, trazendo em seu corpo, várias das garantias inerentes à pessoa
humana, tais como
14
:
1. Liberdade de expressão;
2. de convicção religiosa;
3. inviolabilidade da casa;
4. proibição da prisão sem culpa formada;
5. o princípio do Juiz natural;
6. punição de autoridade que ordenasse prisão arbitrária,
assim como, de quem a tivesse requerido;
7. princípio da legalidade;
8. independência do Poder Judiciário;
9. princípio da isonomia;
10. abolição dos açoites, torturas, marcas de ferro quente e
demais penas cruéis;
11. proibição de transmissão da pena do delinqüente com
proibição do confisco de bens e da transmissão da infâmia
a parentes;
12. garantia de cadeias limpas e bem arejadas;
14
João Baptista Herkenhoff. Op. Cit. p. 71
33
13. direito de propriedade e de trabalho;
14. inviolabilidade do segredo das correspondências;
15. direito de petição e de queixa; instrução primária gratuita.
Não seria leviano afirmar, que a nossa primeira Constituição foi
das mais justas e modernas, reconhecendo direitos que até hoje, em diversos
momentos nos são negados.
1.6.2. Constituição de 1891.
A proclamação da República muda radicalmente o sistema
político, mas a sua Constituição, a primeira da história da República, procurou
manter as garantias e direitos individuais do homem, conforme expresso em seu
texto.
Manteve a inviolabilidade do direito à liberdade; à segurança
individual; à propriedade; o princípio da legalidade; da igualdade; da liberdade
religiosa; o ensino laico; o direito de ir e vir; a inviolabilidade do lar; liberdade de
expressão; proibição da prisão sem culpa formada; direito à ampla defesa; sigilo
da correspondência; propriedade intelectual; princípio da legalidade tributária,
A primeira Constituição republicana inovou em alguns aspectos,
pois separou a igreja do Estado; incrementou o princípio da ampla defesa; aboliu
as penas de galés, banimento judicial, assim como, a pena de morte; criou o
hábeas corpus e instituiu as garantias da magistratura, se bem que, somente aos
Juízes Federais.
15
Não deixou de ser um avanço, na medida em que, mantendo as
conquistas da anterior, ampliou certos direitos, contemplando os direitos civis,
políticos e sociais.
15
Ibid pg. 73
34
Com a emenda Constitucional de 1926, foram estendidas para a
magistratura estadual as garantias antes somente asseguradas à magistratura
federal.
1.6.3. Constituição de 1934
A Constituição de 1934, promulgada após a evolução
constitucionalista de 1932, manteve vários dos direitos previstos nas anteriores, tal
como: direito à liberdade; à propriedade; o princípio da legalidade; liberdade de
culto; de expressão; sigilo da correspondência; direito de ir e vir; inviolabilidade do
lar; direito de propriedade (inclusive intelectual); ampla defesa; juiz natural.
Essa constituição, além de manter direitos, inovou, trazendo
avanços importantes:
1. Reconheceu o direito adquirido e o ato jurídico perfeito;
2. reforçou o princípio da isonomia e igualdade;
3. determinou a comunicação imediata ao Juiz, de qualquer
prisão ou detenção;
4. manteve o habeas corpus;
5. instituiu o mandado de segurança;
6. proibiu a pena de caráter perpétuo;
7. criou a assistência judiciária aos necessitados;
8. proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas
16
. (grifei)
Foi a primeira Constituição brasileira a reconhecer o direito
adquirido e o ato jurídico perfeito.
A Constituição de 1934 foi a primeira a consagrar a proibição
da prisão civil.
16
Ibid pg. 75/76
35
Foi esta uma das Constituições brasileiras mais completas, não
faltando as garantias asseguradas aos direitos culturais, ampliando sobremaneira
o acesso à educação.
1.6.4. Constituição de 1937
Apesar do corpo da Constituição de 1937 prever os direitos e
garantias individuais, esta Constituição, elaborada durante o chamado “Estado
Novo”, foi na verdade, um verdadeiro retrocesso nas conquistas até então
alcançadas, refletindo bem a ditadura de Getúlio Vargas, na medida em que
fechou o Parlamento; concedeu ao Presidente da República o direito de governar
através de decretos-leis; retirou as garantias da magistratura; decretou estado de
emergência no país
17
.
Pode-se observar que o homem quando quer, usa o direito
positivado em seu proveito, na medida em que faz constar no ordenamento
jurídico normas que na verdade são dirigidas aos seus objetivos de poder.
Muitas vezes, em nome do direito coletivo, manipulam-se as
normas direcionando-as aos interesses individuais de pequenos grupos.
Foi o que aconteceu na constituição de 1937, promulgada sob o
comando e batuta da ditadura Vargas.
Essa Constituição, em nome do bem estar coletivo, fez constar em
seu ordenamento, vários artigos que representaram verdadeiros atos de
desrespeito e castração aos direitos até então conquistados.
Trazemos a título de ilustração do acima citado, alguns dos
artigos, onde grifamos as violações e retrocessos que serviram aos propósitos
ditatoriais:
DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
9º) a liberdade de associação, desde que os seus fins
não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes;
17
Ibid pg.78
36
10) todos têm direito de reunir-se pacificamente e sem
armas. As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de
declaração, podendo ser interditadas em caso de perigo imediato para a
segurança pública
11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá
efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos
determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente.
Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão
pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela
regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e
depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa;
15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu
pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens,
mediante as condições e nos limites prescritos em lei.
A lei pode prescrever
a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança
pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da
radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a
difusão ou a representação;
Das Constituições republicanas, a de 1937 foi a única a não proibir
expressamente a prisão por dívida.
A bem da verdade, e em nome do resgate da história, a
constituição de 1937 foi elaborada sem a participação dos representantes do
povo, bem ao estilo do governo de exceção que à época vigia.
Foram oito anos de escuridão para os direitos humanos no Brasil.
1.6.5. Constituição de 1946.
Em 1946, houve a redemocratização do país
Ainda sob forte influência do pós-guerra, foi promulgada em 18 de
setembro de 1946, a nova constituição brasileira, que restaurou os direitos e
garantias individuais suprimidas com a Constituição de 1937, ampliando-os se
comparados com a de 1934.
Foram restaurados:
1. o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
37
2. o sigilo de correspondência;
3. a livre associação;
4. o mandado de segurança;
5. o hábeas corpus;
6. a ampla defesa;
7. o princípio da legalidade tributária;
8. a responsabilização da autoridade coatora em caso de prisão
ilegal;
9. o direito de petição;
Foram abolidas:
1. a censura e a pena de morte.
Foi nesta Constituição que se estabeleceu:
1. a soberania do júri e a individualização da pena;
2. o livre acesso ao judiciário;
3. salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas do
trabalhador e sua família;
4. participação do trabalhador nos lucros da empresa;
5. criação do seguro contra acidentes do trabalho;
6. criação da Justiça do Trabalho e várias outras conquistas
trabalhistas, além das conquistas culturais.
18
18
Ibid pg. 79
38
A Constituição de 1946, em seu artigo 141, § 32, restabeleceu a
proibição da prisão civil, excetuando, porém, pela primeira vez,
os casos de
inadimplemento de obrigação alimentar e do depositário infiel.
Ressalte-se que esta Constituição inaugurou a permissão da prisão
civil do depositário infiel.
1.6.6. Constituição de 1967
Promulgada durante o regime militar que se instalou em março de
1964, a Constituição de 1967 retirou vários dos direitos individuais, na medida em
que:
1. instituiu a censura;
2. limitou o direito às reuniões;
3. estabeleceu o foro militar para os civis;
4. criou a pena de suspensão dos direitos políticos, aplicando-a
aos opositores ferrenhos;
5. restringiu a liberdade de expressão.
Curiosamente, a Constituição de 1967 inovou quando previu em
suas normas o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário.
Foi uma Constituição que previu também, a punição ao
preconceito racial.
Manteve o princípio do direito adquirido; da coisa julgada e o ato
jurídico perfeito; da ampla defesa; o livre acesso ao judiciário; o hábeas corpus;
mandado de segurança; a soberania do júri popular; a propriedade intelectual; livre
associação; princípio da anterioridade tributária.
39
Também nessa Constituição, é proibida a prisão civil por dívidas,
excetuando, os casos de inadimplemento de pensão alimentícia e do depositário
infiel (artigo 150,§ 17), mantendo a exceção inaugurada na Constituição anterior.
Esse período da história brasileira foi marcado pelos atos
institucionais, principalmente o AI 5, que foi o grande contra ponto aos direitos
humanos no Brasil.
1.6.7. A Constituição brasileira de 1988
Direitos fundamentais.
A Constituição brasileira de 1988, a exemplo de todas as outras
também prevê em seu corpo, a proteção aos direitos fundamentais da pessoa
humana.
Apesar de inúmeras emendas, e tantas críticas, a nossa
Constituição é das mais completas no que tange ao tema dos direitos
fundamentais; aliás, conforme demonstrado, é da tradição constitucional no Brasil,
a previsão de tais direitos.
A Constituição brasileira vigente, escreve em cinco capítulos, que
formam seu Título II, os direitos e garantias fundamentais, abrangendo, os direitos
individuais e coletivos; civis, sociais, culturais e políticos, como se verifica:
TÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art.1º (...)
I (...)
ll (...)
lll - da dignidade da pessoa humana
Art. 3º (...)
40
l – construir uma sociedade livre, justa e solidária
ll (...)
lll – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais.
lV – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
Art. 4º (...)
l (...)
ll – prevalência dos direitos humanos
TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Capítulo l
Neste momento, a Constituição traz em seu art. 5º , caput, e seus
incisos, as garantias e direitos fundamentais, em uma estrutura voltada totalmente
à proteção dos direitos da pessoa humana.
Na verdade, a nossa Constituição abraça os direitos humanos de
maneira global, una, completa e eficaz.
A constituição de 1988, ampliou os direitos e garantias expressas
em seu corpo, estendendo-os, pela primeira vez, aos tratados internacionais em
que o Brasil seja parte, conforme se verifica em seu § 2º do art. 5º :
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Apesar de todos os avanços, a Constituição de 1988 manteve-se
inalterada em relação à exceção da prisão civil do depositário infiel.
41
A Emenda Constitucional Nº 45 de 30 de dezembro de 2004
acrescentou o § 3º ao artigo 5º, equiparando hierarquicamente as normas dos
tratados internacionais às normas constitucionais, desde que, aprovadas por três
quintos dos votos de cada casa legislativa:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais
A Emenda Constitucional nº 45, que será abordada mais adiante, foi
um grande avanço na direção da incorporação definitiva no Brasil, do direito
internacional, e mais ainda, do direito internacional dos direitos humanos.
Sempre que se fala em direitos humanos, obrigatoriamente
estaremos falando em direitos fundamentais da pessoa humana, o que nos remete
a todos os direitos inerentes ao ser humano..
Difícil é estabelecer uma escala de valores para hierarquizar tais
direitos, posto que todos são fundamentais.
O ser humano tem direito à vida, à saúde, e à liberdade, à
dignidade.
Como se concebe a vida sem saúde, sem liberdade ou sem
dignidade?
De toda forma, fácil é entender que a vida sem qualquer dos
outros direitos não se torna completa, deixa de representar a existência plena que
todo ser humano almeja.
A liberdade, porém, desponta indiscutivelmente como o mais
importante direito do ser humano, depois do direito à vida, pois a sua ausência faz
desaparecer o verdadeiro sentido da própria existência.
Sem a liberdade não há vida.
42
A privação da liberdade é ato extremo que só se justifica quando
da proteção dos direitos fundamentais de outro ser humano, vale dizer, quando a
vida, a liberdade, a saúde e a dignidade de terceiros estejam sendo ameaçadas.
Essa é a razão de existir do Código Penal, que capitula em seus
artigos os crimes e suas punições.
A supressão da liberdade tem função de pena e proteção da
sociedade contra aqueles que põem em risco os direitos de terceiros.
Quando se fala em prisão civil, onde a privação da liberdade se dá
como medida coercitiva de obrigação de pagar, chegamos ao limite do razoável,
onde é tênue a linha de separação entre o direito e a sua negação.
A Constituição de 1934 já proibia a prisão civil por dívidas, não
estabelecendo exceções, o que representou incrível avanço e respeito aos direitos
fundamentais do ser humano.
Nas demais Constituições seguintes, porém, tal proibição veio
acompanhada de exceções, permitindo a prisão por dívidas nos casos de
inadimplemento de pensão alimentícia e do depositário infiel.
A Constituição brasileira de 1988 manteve esta previsão em seu
art. 5ª, inciso LXVII, o que será motivo de análise em capítulo à parte.
De toda sorte, podemos considerar que a Constituição de 1988,
apesar da previsão de prisão por dívidas, forma uma legislação completa,
direcionada no sentido do respeito ao ser humano, no plano individual e coletivo,
como poucas vezes se assistiu no mundo.
Todas as Constituições republicanas brasileiras, com exceção da
de 1937, expressaram em seu corpo, a proibição da prisão civil, excetuando
porém, os casos de inadimplemento de obrigação alimentar e do depositário infiel.
43
1.7. Direitos Humanos Globais
O Direito Internacional dos Direitos Humanos
Os Direitos Humanos, para que representem verdadeiramente o
seu conceito, devem estar contidos nas legislações internas dos países, mas
também e principalmente, serem previstos, respeitados e irradiados no plano
internacional.
A Declaração dos Direitos do Homem de 1948 foi o marco inicial
do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
A Organização das Nações Unidas nasceu justamente da
necessidade da união dos seres humanos contra as atrocidades que o homem
demonstrou ser capaz de perpetrar.
Enquanto o denominador comum for o homem, isso se repetirá.
A história é rica em exemplos de exploração do homem pelo
homem e pelo próprio Estado totalitário que escraviza, tortura e mata.
A história é rica também em exemplos de invasões e dominações
que remontam tempos mais remotos e se protraem até os nossos dias.
A simples previsão legislativa estatal interna não é suficiente para
a proteção dos direitos da pessoa humana.
Os Direitos Humanos só se concretizarão quando sua
internacionalização existir de fato e não só de direito.
Somente quando o ser humano tiver acesso a uma justiça no
âmbito internacional, e quando essa justiça lançar suas luzes no direito interno dos
países, poderemos acreditar na aplicabilidade dos direitos da pessoa humana.
É a chamada “Humanização do Direito Internacional” que Antonio
Augusto Cançado Trindade defende e sonha um dia ver concretizado.
44
Em entrevista à revista CONSULEX
19
, Cançado Trindade defende
com veemência o acesso direto do indivíduo à Justiça Internacional como
condição de se atingir a humanização do direito internacional.
Perguntado dos avanços no acesso dos indivíduos à justiça no
plano internacional, responde que houve grande avanço no próprio continente
americano com a entrada em vigor em 1/6/2001, do Regulamento da Corte
Interamericana de Direitos Humanos que assegura a participação direta dos
indivíduos demandantes em todas as etapas do procedimento contencioso
perante a Corte Interamericana.
O mesmo autor, na obra Arquivo de Direitos Humanos reitera sua
defesa: (verbis)
20
“Uma das prioridades da agenda contemporânea dos direitos
humanos reside, a meu modo de ver, na garantia do acesso direto das supostas
vítimas aos tribunais internacionais de direitos humanos”.
O reconhecimento pelo Brasil, da competência da Corte
Internacional de Direitos Humanos, assim como, sua adesão ao estatuto do
Tribunal Internacional Criminal Permanente, foi importante avanço na direção
globalização dos direitos humanos.
Flávia Piovesan escreve interessante artigo onde demonstra que o
processo de globalização dos direitos humanos leva inexoravelmente a uma
revisão da noção tradicional de soberania, visto que a partir daí, são admitidos
intervenções no plano nacional em prol dos direitos humanos
21
.
Não poderia ser de outra forma, pois para que se torne
homogêneo, os direitos devem ser aplicados em seus critérios de rigor, mudando,
alterando e introduzindo normas próprias onde anteriormente não existiam.
19
CONSULEX, ANO IX- Nº 203. pg. 7 a 10
20
Antonio Augusto Cançado Trindade- Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à
proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional in Arquivo de Direitos
Humanos. Celso D. de Albuquerque Mello/ Ricardo Lobo Torres (diretores). p. 7.
21
Flávia Piovesan- Direitos Humanos Globais, Justiça Internacional e o Brasil in Arquivos de
Direitos Humanos. p. 73 a 90.
45
Ainda segundo Flávia Piovesan, o processo de incorporação do
Direito Internacional dos Direitos Humanos é conseqüência do processo de
redemocratização iniciado em 1985; tendo como marco inicial do processo de
incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito
Brasileiro, a ratificação em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
22
.
A partir de então, continua Piovesan, vários outros instrumentos
internacionais foram incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a égide da
Constituição de 1988.
Sem desconsiderar outros de igual importância, ressalte-se o
avanço dos Direitos Humanos no Brasil quando o Estado brasileiro reconhece a
competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
consagrada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José
da Costa Rica).
A conclusão a que se chega, é que, somente com a efetiva
aplicação do Direito Internacional aos Direitos Humanos, o homem terá
verdadeiramente seus direitos fundamentais exercidos dentro da sua mais pura
concepção.
Os Direitos Humanos são, como já dito, homogêneos, universais
inseparáveis, inerentes, indivisíveis e transnacionais.
O ser humano é, do mesmo jeito, uno, inseparável, indivisível e
universal.
Ambos formam uma estrutura monolítica homogênea, inseparável,
indivisível e universal.
Não há que se falar portanto em Direitos Humanos fora da sua
ótica global e universal, sob pena de, agindo assim, estarmos tentando fragmentar
o infragmentável.
22
Ibid. p. 81.
46
2. TRATADOS INTERNACIONAIS
2.1.Conceito.
Interessa agora analisar o que são e como funcionam os tratados
internacionais, na medida em que o conflito sobre a prisão do depositário infiel
decorre da sua proibição por um tratado (Convenção Americana de Direitos
Humanos), incorporado no nosso ordenamento jurídico em 1992, documento este,
que o Brasil se comprometeu a cumprir.
Representando a principal fonte de direito internacional, os tratados
são acordos entre Estados soberanos, visando produzir efeitos jurídicos que se
refletirão no direito interno dos signatários.
Durante muito tempo, acordaram-se convenções e pactos não
escritos de interesse comercial entre países, assim como, tratados de cooperação
mútua e de proteção contra inimigos comuns.
Com a evolução, e frente às atrocidades das guerras, a destruição
das cidades, a escravização do homem, a tortura, a fome, a desnutrição e as
insanidades dos regimes totalitários, os países sentiram a necessidade de
estabelecer acordos, pactos e convenções formais de ajuda que garantissem a
paz, a saúde, o tratamento digno e o fim da exploração dos povos.
O fim da Segunda Guerra Mundial foi mais do que o fim de um
conflito, foi um momento de reflexão para o mundo, que entendeu a necessidade
de união e proteção mútua contra os regimes totalitários.
E mais do que isso, o mundo começava a pensar uma nova ordem
econômica e social, onde houvesse trocas e compensações, encurtando-se as
distâncias e promovendo o desenvolvimento social e econômico dos Estados.
47
Os regimes totalitários, ao mostrarem força e união, alertaram a
humanidade para o perigo que representaram e que poderiam representar, caso
outros surgissem no futuro.
Acontece que as diferenças entre os países era muito grande,
quer no aspecto econômico, quer no aspecto cultural, isso tudo agravado pelas
seqüelas deixadas pela guerra, em conseqüência da destruição e
comprometimento das economias dos diversos membros envolvidos no conflito
armado.
Assim nasceu primeira Organização Internacional do pós-guerra, a
Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945, sob a égide da união,
integração, desenvolvimento e cooperação
A nova ordem econômica, política e social, exigia a união e
cooperação entre as nações, por ser esta a mola mestra propulsora da
materialização do novo sonho mundial.
Tais diferenças traziam o conseqüente desnivelamento na
produção, com evidentes efeitos no comércio e na riqueza gerada, refletindo-se na
qualidade de vida da população mundial.
Para equilibrar as relações entre os Estados, havia a necessidade
da criação de organismos internacionais e de acordos, pactos, convenções, enfim,
documentos que obrigassem os países a formalizarem regras e normas de
convivência e desenvolvimento equilibrado.
Na realidade os tratados existiam de há muito, porém de maneira
informal, regulados pelo direito consuetudinário, dentro do princípio do pacta sunt
servanda e da boa fé.
23
Os tratados de direito internacional público tiveram como marco
importante a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 23 de maio de
1969, cujo preâmbulo já mostra a alma, a essência e a razão dos tratados
internacionais como instrumento de aproximação e cooperação pacífica, de fonte
23
Patrícia Ferreira Machado, op.cit., p. 15
48
de direito internacional, de reafirmação dos usos e costumes, do princípio da boa-
fé, da manutenção da liberdade, da justiça e dos princípios de direito internacional
incorporados na Carta das Nações Unidas.
Seu preâmbulo diz:
Os Estados partes na presente Convenção,
Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações
internacionais,
Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do
direito internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as
nações, quaisquer que sejam seus regimes constitucionais e sociais,
Observando que os princípios do livre consentimento e da boa-fé e a regra
pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos,
Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como as outras
controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de
conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional,
Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criarem
condições necessárias à manutenção da Justiça e do respeito das obrigações
resultantes dos Tratados,
Conscientes dos princípios de direito internacional incorporados na Carta
das Nações Unidas, tais como os princípios da igualdade de direitos e
autodeterminação dos povos, da igualdade soberana e independência de todos
os Estados, na não-ingerência nos assuntos internos dos Estados, da proibição
da ameaça ou do emprego da força e do respeito universal e efetivo dos direitos
do homem e das liberdades fundamentais para todos,
Convencidos de que a codificação e o desenvolvimento progressivo do
direito dos tratados, alcançados na presente Convenção, servirão aos propósitos
das Nações Unidas enunciados na Carta, que consistem em manter a paz e a
segurança internacionais, desenvolver relações amistosas e realizar a
cooperação entre as nações,
Afirmando que as regras do direito internacional costumeiro continuarão a
reger as questões que não forem reguladas nas disposições da presente
Convenção,
Convencionaram o seguinte:
49
Com se vê, a Convenção de Viena marcou definitivamente a história
dos tratados internacionais.
Patrícia Ferreira Machado
24
conceitua tratado como o instrumento
formal, normalmente escrito, que concretiza um negócio jurídico no âmbito
internacional.
Segundo Francisco Rezek
25
, “Tratado é todo acordo formal
concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a
produzir efeitos jurídicos”.
Para Roberto Luiz Silva
26
, a maioria dos autores prefere o conceito
insculpido no art. 2º da Convenção de Viena:
Art. 2º:
Tratado é o acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo
Direito Internacional, que conste de um instrumento único, quer de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular.
Os tratados internacionais são, em última análise, deveres e
compromissos assumidos por duas entidades de direito internacional público,
visando interesses recíprocos.
Note-se que a Convenção de Viena alargou o conceito de tratado ao
aceitar como tal os acordos internacionais formais e escritos celebrados entre
Estados e regidos pelo Direito Internacional.
Daí se infere que, apesar das diferenças de denominações, segundo
a Convenção de Viena vários instrumentos jurídicos estão inseridos no conceito
de tratados:
27
24
Ibid p. 12
25
Francisco Rezek, Direito Internacional Público, p. 14
26
Roberto Luiz Silva, Direito Internacional Público, p. 40
27
Ibid. p. 41-42.
50
Convenções, declarações, atos, pactos
, estatutos, acordos, modus vivendi,
concordata, protocolo conferência,protocolo acordo, compromisso, carta,
convênio, arranjo pactum de negotiando, pactum de contrahendo. (grifei).
Ainda o artigo 2º da Convenção de Viena traz todas as expressões
empregadas em seu corpo, definindo exatamente o significado de cada uma, e
seu conteúdo, conforme se verifica:
Artigo 2
Expressões Empregadas
1. Para os fins da presente Convenção:
a) “tratado” significa um acordo internacional celebrado por
escrito entre Estados e regido pelo direito internacional,
quer conste de um instrumento único, quer de dois ou
mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua
denominação particular;
b) “ratificação”, “aceitação”, “aprovação” e “adesão”
significam, conforme o caso, o ato internacional assim
denominado pelo qual um Estado estabelece no plano
internacional seu consentimento em obrigar-se por um
tratado;
c) “plenos poderes” significa um documento expedito pela
autoridade competente de um Estado, designando uma
ou várias pessoas para representar o Estado na
negociação, adoção ou autenticação do texto de um
tratado, para manifestar o consentimento do Estado em
obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro
ato relativo a um tratado;
d) “reserva” significa uma declaração unilateral, feita por um
Estado, seja qual for o seu teor ou denominação, ao
assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele
aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito
51
jurídico de certas disposições do tratado em sua
aplicação a esse Estado;
e) “Estado negociador” significa um Estado que participou
da elaboração e da adoção do texto do tratado;
f) “Estado contratante” significa um Estado que consentiu
em se obrigar pelo tratado, esteja em vigor ou não;
g) “parte” significa um Estado que consentiu em se obrigar
pelo tratado e em relação ao qual este se encontre em
vigor;
h) “terceiro Estado” significa um Estado que não é parte no
tratado;
i) “organização internacional” significa uma organização
intergovernamental.
1. 2. As disposições do parágrafo 1.º relativas às
expressões empregadas na presente Convenção não
prejudicam o emprego dessas expressões, nem os
significados que lhes possam ser dados na legislação
interna de cada Estado.
2.2.Capacidade jurídica
A capacidade jurídica representa a faculdade das partes de
celebrarem tratados, estando reservada aos sujeitos de Direito Internacional.
52
Têm capacidade jurídica para celebrar tratados
28
:
1. Os Estados soberanos.
2. As Organizações Internacionais investidas de poderes para tanto.
3. Organizações ou movimentos de libertação, governos no exílio.
4. A Santa Sé.
5. Outros sujeitos de Direito Internacional, como por exemplo, Estados da
Federação e municípios, desde que obedeçam à ordem legal interna do seu
País no que concerne à autorização necessária.
2.3.Capacidade de Representação
Obviamente, para uma pessoa assinar um tratado, haverá
necessidade de estar imbuída de poderes de representação outorgada pela parte.
O artigo 7 da Convenção de Viena delimita a representação de um
Estado, exigindo que, para isso, o indivíduo possua plenos poderes outorgados
pelo Estado parte ou algo que indique ser essa a intenção do Estado.
Estão habilitados também, independente da apresentação de plenos
poderes, os chefes de Estado, chefes de governo e ministros das Relações
Exteriores; além dos chefes de missão diplomática e os representantes
acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional
ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência,
organização ou órgão.
28
Ibid. p. 45-46
53
2.4. Validade dos tratados
Obedecendo ao exigido em todo e qualquer contrato ou acordo, os
tratados devem, para sua efetiva validade, conter objeto lícito e possível, não
podendo contrariar a moral internacional ou conter algo impossível de ser
realizado.
Isso já vem implícito no próprio conceito de tratado, expresso no art.
2º da Convenção de Viena, uma vez que tal conceito exige a legalidade
internacional, não se admitindo como válido o tratado que contenha cláusulas que
versem sobre tortura, discriminação racial, escravização ou qualquer situação
atentatória à dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a Convenção de Viena, em sua Seção II, traz as
condições de nulidades dos tratados, prevendo entre outras condições, a nulidade
dos tratados em conflito com norma imperativa de Direito Internacional :
Seção II
Nulidade de Tratados
Artigo 53
Tratado em Conflito Com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral
(Jus Cogens)
É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflita com uma
norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente
Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma
norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados
no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida
e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional
geral da mesma natureza.
54
O conceito jus cogens inclui a proibição do uso ou ameaça de força
e agressão, prevenção e repressão do genocídio, pirataria, tráfico de
escravos,discriminação racial, terrorismo ou tomada de reféns.
29
Ainda no corpo da Convenção de Viena a previsão de nulidades dos
tratados em casos de erro, dolo, corrupção e coação.
2.5. Processo de elaboração dos tratados e sua introdução no
Direito interno.
2.5.1. Monismo e dualismo
Antes de se adentrar no assunto propriamente dito, importante se faz
a abordagem das teorias monistas e dualistas, tema que permeia toda e qualquer
discussão a respeito de tratados internacionais e sua validade no direito interno de
um país.
2.5.2.Teoria Dualista.
Entre os defensores dessa teoria, tivemos no século passado, Carl
Heinrich Triepel na Alemanha, e Dionísio Anzilotti na Itália
30
.
Para os dualistas, existe total independência entre o Direito
Internacional e o Direito Interno, a ponto de não se confundirem nem mesmo se
29
Roberto Luiz Silva, op. cit. p. 49
30
Francisco Rezek, op. cit. p. 4-5.
55
condicionarem, havendo, para estes, exclusão total de normas, tendo em vista a
diferença de sujeitos, objetos e diferença de vontades, visto que, no Direito
Interno, a vontade é de um Estado, enquanto que no Direito Internacional, vige a
vontade de vários Estados.
31
Os dualistas, no entanto, entendem que as normas do Direito
Internacional poderão operar seus efeitos no Direito Interno, desde que o Estado
proceda sua entrada em sua legislação, através de um processo de internalização
solene e formal.
2.5.3.Teoria Monista.
Para os monistas, não existe separação entre o Direito Internacional
e o Direito Interno, formando ambos, a mesma estrutura, um sistema único.
A teoria monista comporta ainda, duas vertentes:
32
1. Uma que sustenta a unicidade da ordem jurídica sob a primazia do Direito
Internacional a quem se ajustariam as normas do Direito Interno. Esta corrente
teve em Kelsen, seu principal defensor.
2. Outra sustenta a unicidade da ordem jurídica, sob o primado do Direito Interno
de cada Estado soberano, que poderá como faculdade discricionária, adotar os
preceitos do Direito Internacional.
31
André Lipp Pinto Basto Lupi. A Aplicação dos Tratados de Direitos Humanos no Brasil a partir da
Emenda Constitucional 45 in Estudos de Direito Internacional. vol.III. Wagner Menezes
(coordenador). p. 145.
32
Francisco Rezek. op.cit. p. 4.
56
Na verdade, trata-se de discussão a respeito de, se o Direito
Internacional e o direito Interno formam dois sistemas isolados (dualismo) ou um
bloco único (monismo) e nesse caso, qual teria primazia, o Internacional ou o
Interno.
Como tudo no direito, as correntes se dividem, havendo autores na
defesa de ambas teorias, com fortes argumentos a embasarem suas posições
doutrinárias.
2.5.4. Processo de elaboração dos tratados.
A elaboração de um Tratado Internacional obedece a basicamente,
seis fases distintas:
1. Negociação.
2. Assinatura.
3. Ratificação.
4. Promulgação.
5. Publicação.
6. Registro.
57
Negociação
A fase de negociação representa todo o início do processo.
Nessa fase se estabelecem as condições, são discutidas as
condições, o objeto e o conteúdo do documento.
É a fase de atuação dos plenipotenciários, que deverão ter poderes
conferidos por seus Estados, para todos os momentos da negociação.
Os negociadores poderão estar acompanhados de peritos versados
no assunto em discussão, para que possam conduzir o processo de maneira
técnica e profissional, pois são os responsáveis perante seus representados por
todos os atos constantes no documento a ser assinado.
A fase de negociação é nevrálgica e primordial visto que, a partir
dela, todo o processo se inicia, em cujas bases se assentarão as normas que
influirão nas condutas assumidas pelos Estados- membros, não podendo haver
erros ou enganos, sob pena de se estabelecer desequilíbrio entre as partes
contratantes, assim como a impossibilidade de cumprimento do tratado.
A fase de negociação se encerra com a redação final do documento,
que será redigida em várias línguas, que serão as dos Estados contratantes.
Assinatura.
A fase de assinatura representa a aceitação pelos plenipotenciários,
nas cláusulas constantes do documento.
Poderão, porém, nessa fase, ser introduzidas as chamadas
“reservas”, conforme constante do art. 2º, “d” da Convenção de Viena.
58
Com as assinaturas, está encerrada e concluída a formalização do
tratado pelos representantes dos Estados, restando, para a sua validade, a
ratificação da autoridade competente de cada Estado membro.
Ratificação
A ratificação representa aceitação, do tratado, pelos Estados
signatários, dentro do seu ordenamento interno.
No Brasil, há previsão constitucional que confere ao Presidente da
República, a competência privativa de celebrar os tratados internacionais em que
o País seja parte, conforme se observa no artigo 84 da Constituição Federal:
Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da república:
....VIII- celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos
a referendo do Congresso Nacional.
Como se observa, o inciso VIII expressa claramente a necessidade
do referendo legislativo como condição de validade do Tratado Internacional.
Como assevera Patrícia Ferreira Machado
33
, a aprovação legislativa
é requisito obrigatório de validade, dos tratados internacionais, é quando o
Legislativo autoriza o Executivo a ratificá-lo.
O Presidente da República poderá pedir autorização legislativa,
antes da ratificação ou mesmo depois dela, mas nesta condição, deverá frisar a
necessidade do referendo legislativo.
33
Op cit. p.17
59
A aprovação se dá por decreto legislativo e retorna ao Presidente da
República para promulgação e publicação.
A partir da promulgação e publicação no Diário Oficial da União, o
tratado passa a integrar o direito positivo interno do País, gerando todos os seus
efeitos.
Após a conclusão de todo o processo interno, o tratado passa a
existir dentro do Estado signatário, devendo ser registrado na secretaria da ONU,
para a devida publicidade, gerando seus efeitos no plano internacional.
2.6. Classificação dos Tratados
Extraída da obra de Roberto Luiz Silva
34
, temos a classificação dos
tratados em:
1. Tratados bilaterais: são os que envolvem somente duas partes.
2. Tratados multilaterais: envolvem três ou mais partes.
3. Tratados abertos: são os que possuem cláusula de adesão, onde
outros sujeitos de Direito Internacional podem dele fazer parte.
4. Tratados fechados: não possuem cláusula de adesão, não se
abrindo para outros sujeitos de Direito Internacional.
5. Tratados Lei: onde a vontade das partes contratantes tem conteúdo
idêntico.
6. Tratados Contratos: a vontade das partes tem conteúdo diferentes.
7. Tratados Constituição: são os que criam organizações
internacionais.
34
op. cit. p. 52-53
60
A mesma obra refere ainda, a classificação proposta por Jorge
Miranda:
1. solenes e não solenes;
2. perpétuos e temporários;
3. principais e acessórios;
4. públicos e secretos;
5. exeqüíveis por si mesmos e não exeqíveis.
2.7. Extinção dos Tratados
A Convenção de Viena prevê na sua parte V, nos artigos 54 a 64, as
condições de extinção dos tratados, que podem ocorrer nas seguintes situações:
1. Execução integral: com a execução total do tratado, o mesmo se esvazia,
por perda do seu objeto.
2. Consentimento mútuo: quando, após consulta às partes, houver
consentimento.
3. Cláusula que põe termo ao tratado: são aqueles tratados que vigem por
tempo determinado
4. Violação de uma das partes: quando há violação de uma das partes,
autoriza a outra a invocar a violação para a extinção do tratado.
5. Denúncia unilateral: representa a extinção do tratado por vontade de uma
das partes. Tal denúncia pode ser prevista no corpo do tratado, e nestes
casos, a parte denunciante deverá cumprir um decurso de prazo para que
cessem os efeitos dos compromissos assumidos no pacto.
61
6. Mudanças circunstanciais: quando acontecem mudanças supervenientes,
que impossibilitam o cumprimento do tratado, pelo desequilíbrio das
condições. (cláusula rebus sic stantibus”)
2.8. Previsão dos Tratados nas Constituições do Brasil
Os tratados internacionais estão previstos em todas as Constituições
brasileiras, desde a do Império, conforme se demonstra:
Constituição de 1824.
Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos
seus Ministros de Estado.
São suas principaes attribuições:
VIII. Fazer Tratados de Alliança offensiva, e defensiva, de Subsidio, e
Commercio, levando-os depois de concluidos ao conhecimento da
Assembléa Geral, quando o interesse, e segurança do Estado
permittirem. Se os Tratados concluidos em tempo de paz envolverem
cessão, ou troca de Torritorio do Imperio, ou de Possessões, a que o
Imperio tenha direito, não serão ratificados, sem terem sido approvados
pela Assembléa Geral.
Note-se que o Imperador, como autoridade máxima, não necessitava
de aprovação legislativa, somente dava ciência à Assembléia após concretizado o
tratado.
Constituição de 1891
Art.48 - Compete privativamente ao Presidente da República:
62
16) entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e
tratados, sempre ad referendum do Congresso, e aprovar os que os Estados,
celebrarem na conformidade do art. 65, submetendo-os, quando cumprir, à
autoridade do Congresso.
A primeira Constituição republicana já exigia o referendo do Poder
Legislativo para a validade dos tratados internacionais
.
Constituição de 1934
Essa Constituição mantém os poderes do Presidente da República
em celebrar tratados:
Art.5º - Compete privativamente à União:
I - manter relações com os Estados estrangeiros, nomear os membros
do corpo diplomático e consular, e celebrar tratados e convenções
internacionais
.
Mas confere competência exclusiva ao Poder legislativo a resolução
de assuntos relativos aos tratados e convenções:
Art.40 - É da competência exclusiva do Poder Legislativo:
a) resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações
estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os
relativos à paz;
Mantém a necessidade de aprovação legislativa para a validade dos
tratados:
Art.56 - Compete privativamente ao Presidente da República:
6º) celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do
Poder Legislativo;
63
Constituição de 1937.
Essa Constituição, repete em seu artigo 15, inciso I, as mesmas
palavras do artigo 5º, inciso I da constituição de 1934, acrescentando em seu
artigo 54, que cabia ao Poder legislativo, o início de qualquer discussão e votação
dos projetos de lei sobre tratados internacionais.
Mais adiante, em seu artigo 74, letra “d”, a constituição conferia
competência privativa ao Presidente da República para celebrar tratados
internacionais, mas exigia o referendo do Poder legislativo.
Constituição de 1946
A exemplo de outras, a Constituição de 1946 conferia ao Presidente
da República competência privativa para celebrar tratados internacionais,
exigindo, porém, o referendo do Congresso Nacional, conforme se demonstra:
Art.87 - Compete privativamente ao Presidente da República:
VII - celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do
Congresso Nacional.
E ainda, em seu artigo 66, conferia competência exclusiva ao
Congresso Nacional, para resolver sobre os tratados e convenções celebrados
pelo Presidente da República.
64
Constituição de 1967
Essa Constituição repete as outras, conferindo em seu artigo 47, ao
Congresso Nacional, a competência exclusiva para resolver sobre tratados
celebrados pelo Presidente da República, exigindo, porém, em seu § 1º, que o
Poder Executivo, enviasse ao legislativo, no prazo de 15 (quinze) dias após a
assinatura, os tratados celebrados pelo Presidente.
Em artigo seguinte (art. 83), a Constituição faz a previsão da
necessidade do referendo legislativo para validar os tratados.
Constituição de 1988
A Constituição vigente, a exemplo das demais, prevê expressamente
os tratados internacionais, reservando privativamente ao Presidente da República,
a celebração, e ao Congresso Nacional, a resolução dos mesmos:
Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República:
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a
referendo do Congresso Nacional.
Art. 49 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional;
65
2.9. Hierarquia dos Tratados Internacionais de proteção dos
Direitos Humanos.
A doutrina e a Jurisprudência caminham de maneira pacífica, no
entendimento de que os tratados internacionais tradicionais têm hierarquia de
norma infra constitucional, vale dizer, lei ordinária federal.
A própria Constituição federal de 1988, ao prever em seu art. 102,
inciso III, letra “b”, ser de comprtência do Supremo Tribunal Federal “julgar
mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado
ou lei federal”, está estabelecendo a hierarquia infra constitucional dos tratados
internacionais convencionais.
Muitos dos doutrinadores entendem estarem os tratados
internacionais em mesma hierarquia das leis ordinárias federais, não havendo
supremacia destas sobre os tratados ou daqueles sobre as leis.
Segundo eles, uma norma jurídica votada por maioria simples
(tratado internacional) não tem o condão de revogar norma constitucional que
exige quorum privilegiado.
O entendimento da Jurisprudência, e particularmente do Supremo
Tribunal Federal, é justamente no sentido da paridade hierárquica das normas dos
tratados internacionais com as leis ordinárias federais, entendimento este já
firmado antes da promulgação da carta de 1988,.
Neste sentido, o julgado da Suprema Corte, no Recurso
Extraordinário nº 80.004/77
35
:
35
Roberto Luiz Silva , op. cit. p. 68-69
66
“Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre
letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito
interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País
, disso
decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Decreto-
lei nº 427/69, que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em
Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título.
Sendo o aval um instituto de direito cambiário, inexistente será ele se
reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto.
Recurso Extraordinário conhecido e provido” (grifo nosso)
No mesmo sentido, o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade ( ADIN nº 1480) na liminar de seu relator
36
:
“(...) No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções
internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade
normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum
valor jurídico terão os tratados internacionais que, incorporados ao
sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou
materialmente, o texto da Carta Política(...)
Os tratados ou convenções internacionais
, uma vez regularmente
incorporados ao direito interno, situam-se
, no sistema jurídico brasileiro,
nos mesmos planos de validade, de eficiência e de autoridade em que
se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre
estas e os atos de direito internacional público, mera relação de
paridade normativa(...)” (grifo nosso)
Embora se respeite o posicionamento jurisprudencial, não se pode
negar que tal situação leva, inexoravelmente, ao entendimento de que os tratados
podem ser revogados por leis ordinárias federais posteriores se forem estas,
incompatíveis.
36
Ibid. p. 70.
67
Acontece que, como bem assevera Flávia Piovesan (mesma obra),
isso contraria o princípio da boa fé, além de afrontar a Convenção de Viena em
seu artigo 27, segundo o qual, não cabe ao Estado invocar disposições de seu
direito interno como justificativa para o não cumprimento do tratado.
Francisco Rezek
37
aponta em sua obra exceção à regra de paridade,
onde a norma internacional se sobrepõe à norma interna, ainda que auqela não
seja a última palavra do legislador.
É o caso do Código Tributário Nacional quando diz em seu artigo nº
98 que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”
Nessa situação, independente do momento em que a norma foi
incorporada ao direito positivo, valerá a internacional.
Apesar de tudo, para a doutrina, como já dito anteriormente, a
hierarquia das normas dos tratados internacionais convencionais não gera
grandes discussões, sendo aceita, pela maioria, a paridade hierárquica com as
leis ordinárias.
Grande discussão se trava no entanto, quando se volta para a
hierarquia das normas dos tratados internacionais de proteção aos direitos
humanos.
Nesse aspécto, surgem três correntes distintas:
1. Hierarquia de norma supra-constitucional.
2. Hierarquia de norma infra-constitucional
3. Hierarquia de norma constitucional.
37
Op. cit. p. 100
68
A primeira corrente é minoritária, havendo poucos doutrinadores em
sua defesa.
A segunda corrente é majoritária, sendo defendida pela maioria da
doutrina e da Jurisprudência.
A terceira corrente é defendida por parte da doutrina e, embora não
majoritária, conta com juristas de expoência no direito internacional, tal como
Cançado Trindade, Dalmo Dallari, Flávia Piovesan e outros.
Para a corrente “humanista”, os tratados internacionais têm
hierarquia de norma constitucional por força do artigo 5º, § 2º da Constituição de
1988.
Neste sentido, a lição de Flávia Piovesan
38
:
“Em favor da natureza dos direitos enunciados em tratados
internacionais, um outro argumento se acrescenta: a natureza
materialmente constitucional dos direitos fundamentais. Este
reconhecimento se faz explícito na Carta de 1988, ao invocar a
previsão do art. 5º, parágrafo 2º. Vale dizer, se não se tratasse de
matéria constitucional ficaria sem sentido tal previsão”.
A discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da hierarquia das
normas dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos se encerrou
com publicação em 31 de dezembro de 2004, da Emenda Constitucional nº 45,
que inseriu o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, definindo a hierarquia dos
tratados internacionais sobre direitos humanos no nosso direito positivo,
equiparando-os a normas constitucionais, desde que aprovados por três quintos
dos votos em cada casa do Congresso Nacional :
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
38
op. cit. p. 77-78
69
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.
A emenda nº 45 não deixa dúvidas pois prevê, inclusive, quorum
privilegiado para sua aprovação, equiparando também por este aspecto as normas
dos tratados de proteção aos direitos humanos às emendas constitucionais.
A grande falha da emenda 45 reside na sua aplicação temporal, pois
ela não retroage para irradiar seus efeitos sobre os tratados já em vigor. Vale
dizer, a emenda 45 tem efeito ex nunc, quando deveria ser, ex tunc, o que
resolveria definitivamente tal discussão.
Indubitavelmente, a emenda 45 representou enorme avanço na
direção da proteção dos direitos humanos no Brasil mas há de se reconhecer que
pecou pela lacuna deixada.
Já houve a primeira tentativa, após a promulgação da emenda 45, no
sentido de se reconhecer a hierarquia constitucional da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
Trata-se de projeto do deputado federal por São Paulo, Dimas
Ramalho (PDC 1595/2005), apresentado em 31/3/2005, cuja ementa
transcrevemos:
Ementa: Faz equivaler à Emenda Constitucional a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
de 22 de novembro de 1969.
Explicação da Ementa: Aplicando dispositivos da Emenda
Constitucional nº 45, de 2004 (artigo 5º, parágrafo 3º da Nova
Constituição Federal).
Indexação: Equivalência, Emenda Constitucional, ato internacional,
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovação, (OEA),
adesão, País, Brasil, inclusão, texto, edição, impressão, Constituição
Federal, Direitos e Garantias Fundamentais.
70
A mesa diretora da Câmara dos deputados, em 04/5/2005 deu o
seguinte despacho:
4/5/2005 - Devolva-se ao Autor, por evidentemente inconstitucional
(RICD, art. 137, § 1º, II, b). Pretende alterar a natureza jurídica de
normas decorrentes de tratado multilateral assinado e ratificado pelo
Presidente da República, na condição de Chefe do Estado brasileiro,
após autorização do Congresso Nacional por meio de Decreto
Legislativo nº 27/1992, já internalizadas no ordenamento jurídico pátrio
mediante Decreto Executivo nº 678/1992, com status de Lei Ordinária,
tudo na mais estrita conformidade com o regime constitucional vigente
antes da promulgação e publicação da Emenda Constitucional nº
45/2004. A nova regra constitucional que permite a atribuição de
caráter de Emenda Constitucional aos tratados sobre direitos humanos
(CF, art. 5º, § 3º) somente se aplica aos acordos internacionais cuja
ratificação pelo Presidente da República ainda não foi autorizada pelo
Congresso Nacional e cujas normas ainda não ingressaram no
ordenamento jurídico pátrio. Publique-se. Oficie-se DCD 03 05 05 PÁG
15831 COL 01.
Conforme se observa, o legislativo brasileiro assume o
posicionamento já consagrado pela jurisprudência, entendendo que as normas
dos tratados internacionais têm hierarquia de lei ordinária.
71
3. PRISÃO CIVIL
3.1. Conceito.
Prisão civil é aquela que não decorre da prática de ilícito definido na
lei como delito, vale dizer, não capitulado como crime, não previsto na legislação
como tal.
A prisão civil melhor se chamaria prisão por dívida, visto que, no
nosso ordenamento jurídico, só é prevista em duas condições, ambas
configurando inadimplemento, que é prisão do depositário infiel e a do
inadimplente de obrigação alimentícia.
Claro está que a principal diferença entre a prisão civil e a prisão
penal, é que esta se aplica como maneira de apenar o indivíduo por infração
penal, enquanto aquela, aplica-se como maneira coercitiva de cumprimento de
obrigação.
O que se deduz é que a prisão penal é fim, enquanto que a prisão
civil é meio.
Ambas as situações são previstas na Constituição Federal vigente,
em seu artigo 5º, LXVII: -não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel.
O inadimplente de obrigação alimentar é aquele que deixa de cumprir
com suas obrigações junto a seu alimentando, descumprindo com uma obrigação
que versa sobre direito indisponível, deixando a descoberto, pondo em risco a vida
daquele a quem se obrigou atender e prover em suas necessidades.
Note-se que o texto legal condiciona a prisão ao inadimplemento
voluntário e inescusável
da obrigação alimentar, o que nos remete à conclusão de
que o legislador tomou o cuidado de somente deixar prender aquele que,
72
voluntariamente e sem justificativa
, deixou de cumprir com sua obrigação
alimentar.
Tal modalidade de prisão civil, no entanto, não será motivo de
discussão aqui.
Ao contrário da primeira situação, onde se exige o inadimplemento
voluntário e inescusável, no caso do depositário infiel não há o mesmo rigor,
bastando apenas a condição de depositário infiel e nada mais.
Não há justiça alguma nessa prisão, até porque, em situações mais
graves, não é permitida a prisão do infrator.
A prisão do depositário infiel caracteriza maneira de, forçosamente,
adimplir obrigação pecuniária que versa sobre direito disponível, cuja prisão
representa verdadeira violência contra a lógica do próprio direito brasileiro.
São, portanto, duas situações absolutamente distintas,que merecem
tratamentos diferentes.
Discutiremos aqui, a prisão do depositário infiel.
3.2. Depositário Infiel
Segundo Aurélio Buarque de Holanda
39
, depositário é aquele que
recebe em depósito.
O mesmo autor, em sua obra, à p. 764 conceitua infiel
como “falta de
fidelidade; desleal, traiçoeiro, pérfido e ainda: “que não cumpre aquilo a que se
obrigou ou se obriga....”
39
op. cit. p. 434
73
Depositário é a pessoa que se torna responsável por algo que lhe é
entregue, assumindo a obrigação de guardá-la e conservá-la, devendo apresentar
e restituir a coisa, assim que exigido pelo depositante, sob pena de ser
considerado infiel, podendo nessa situação, ter sua prisão decretada.
3.3. Dos depósitos e sua previsão legal
.
O contrato de depósito é aquele onde o depositário recebe um bem
móvel para guardá-lo, com o compromisso de restituí-lo assim que exigido.
Foi previsto no Código Civil de 1916, em seu artigo 1265, e está no
Código Civil vigente em seu artigo 627:
Art. 627- Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar,
até que o depositante o reclame.
O contrato de depósito é gratuito (art. 628 C.C.), podendo, no
entanto, ser fixada uma remuneração:
Art. 628- O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se
resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.
O depositante porém, deverá pagar ao depositário, as despesas
feitas com a coisa ou os prejuízos que dela advirem. (art. 643 C.C.):
Art. 643- O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa,
e os prejuízos que do depósito provierem.
Pode ainda o depositário reter a coisa, até que lhe seja paga a
retribuição devida, assim como,o valor das despesas ou dos prejuízos suportados
coma coisa, desde que provados. (art. 644 C.C.):
Art. 644-O depositário poderá reter o depósito até que lhe pague a retribuição devida, o
líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando
imediatamente esses prejuízos ou essas despesas
.
74
É também do contrato de depósito, a obrigação do depositário cuidar
da coisa, conservá-la e devolvê-la com todos os seus frutos quando exigido pelo
depositante (art. 629 C.C.):
Art. 629-O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o
cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la com
todos os frutos e acrescidos quando o exija o depositante.
Portanto, entre as obrigações do depositário, está a de restituir a
coisa no tempo combinado ou a qualquer tempo quando lhe for exigida, sob pena
de, em não o fazendo, estar sujeito a prisão pelo tempo máximo de um ano, assim
como, ressarcir os prejuízos.
Tal possibilidade de prisão, já era prevista no código Civil revogado,
repetindo-se no atual Código Civil em seu artigo 652.
Art. 652-Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando
exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a 1 (um) ano, e ressarcir
os prejuízos.
A prisão do depositário infiel é prevista também, no Código de
Processo Civil, em seu artigo 902, parágrafo 1º.
Art. 902(...)
§ 1º- Do pedido poderá constar, ainda, cominação da pena de prisão até 1 (um) ano, que
o juiz decretará na forma do art. 904, parágrafo único.
Art. 904(...)
Parágrafo único-Não sendo cumprido o mandado, o juiz decretará a prisão do depositário
infiel.
A Constituição de 1988 também faz tal previsão de prisão, em seu
artigo 5º, inciso LXVII.
75
Art. 5º (...)
LXVII- não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
3.4. Dos tipos de depósitos
Os depósitos podem ser:
1. Contratual é aquele que decorre de um contrato, vale dizer, de um acordo
de vontades, obrigando o depositário a guardar a coisa, devendo restituí-la
assim que exigido pelo depositante. O depósito contratual por sua vez
subdivide-se em:
1.1. voluntário (art. 627 a 646 do Código Civil): quando existe em função da
livre manifestação dos contratantes, onde o depositante escolhe o
depositário da coisa.
1.2. necessário):
40
quando não depende da vontade dos contratantes,
porque resulta de fatos não previstos, onde o depositante é obrigado a
entregar a coisa a quem nem conhece, para que a mesma não pereça,
subdividindo-se esta modalidade de depósito em:
1.2.1. legal: decorre em desempenho de obrigação de lei
1.2.2. miserável: quando efetuado durante uma calamidade (incêndios,
enchentes, naufrágios, etc.)
1.2.3. depósito do hoteleiro ou do hospedeiro: resultante da entrega para
guarda de bagagens dos viajantes, hóspedes e fregueses de
estalagens, pensões e ainda, bens de pacientes de hospitais, alunos de
escolas, internatos, etc.
O depósito necessário é previsto nos art. 647 a 652 do Código Civil
vigente.
40
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 286- 288
76
2. Judicial: é o depósito determinado pelo Juiz, onde se entrega a coisa,
objeto de um processo, a um depositário, com a finalidade de guarda e
zelo, até decisão final da causa principal, preservando-se os direitos dos
interessados.
Conforme a lição de Marcus Vinícius Rios Gonçalves
41
, o depositário
contratual é possuidor direto da coisa e o depositante possuidor indireto, ao passo
que o depositário judicial não tem a posse, “mas a mera detenção da coisa, que a
mantém consigo em nome do Estado, e no exercício de um munus.
Teremos aí a grande diferença entre os depositários, conforme será
explanado mais adiante.
A ação de depósito será proposta, quando o depósito for contratual,
pois quando judicial, não haverá necessidade de propositura de tal ação, visto que
o Juiz poderá determinar a busca e apreensão do bem através de simples
mandado.
É o que acontece nos processos de execução, onde o depositário
judicial que não entregar o bem e não o apresentar ao Juiz quando ordenado,
poderá ter sua prisão decretada nos próprios autos, sem a necessidade da
propositura de ação própria de depósito.
A respeito dessa matéria diz a Súmula 619 do Supremo Tribunal
Federal: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo
em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de
depósito”.
41
Sinopses Jurídicas- Procedimentos Especiais. p. 26
77
De um jeito ou de outro, a não entrega do bem poderá ter como
conseqüência a decretação da prisão do depositário visto que, nestas condições,
passará à condição de infiel.
Existe ainda, a possibilidade de prisão do depositário infiel, nos
casos dos depositários da Fazenda Pública, que são aqueles responsáveis pela
retenção de tributos e posterior recolhimento aos cofres públicos.
Essa possibilidade está prevista na Lei 8866 de 11 de abril de 1994,
conforme se observa:
LEI Nº 8.866, DE 11 DE ABRIL DE 1994.
Dispõe sobre o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda
Pública e dá outras providências.
Art. 1º. É depositário da Fazenda Pública, observado
o disposto nos arts. 1.282, I, e 1.283 do Código Civil, a pessoa a
que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação
de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos,
impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social...
...Art. 3º. Caracterizada a situação de depositário infiel, o
Secretário da Receita Federal comunicará ao representante
judicial da Fazenda Nacional para que ajuíze ação civil a fim de
exigir o recolhimento do valor do imposto, taxa ou contribuição
descontado, com os correspondentes acréscimos legais...
...Art. 4º. Na petição inicial, instruída com a cópia autenticada,
pela repartição, da prova literal do depósito de que trata o art. 2º.,
o representante judicial da Fazenda Nacional ou, conforme o
caso, o representante judicial dos Estados, Distrito Federal ou do
INSS requererá ao juízo a citação do depositário para, em dez
dias:
...2º. Não recolhida nem depositada a importância, nos termos
deste artigo, o juiz, nos quinze dias seguintes à citação, decretará
a prisão do depositário infiel, por não superior a noventa dias...
78
Conforme demonstrado, poderá ser decretada a prisão civil do
depositário infiel em duas situações:
1. Quando do deposito contratual, através da propositura de ação de depósito.
2. Quando do deposito judicial, sem necessidade de propositura de ação de
depósito, como é o caso das execuções e do depositário da Fazenda Pública.
A ação de depósito, prevista do Código de Processo Civil, em seus
artigos 901 a 906, prevê a prisão do depositário por até um ano
, quando requerida
pelo autor (art. 902, § 2º), nas situações em que não seja cumprido o mandado
judicial para entrega do bem ou seu equivalente em dinheiro (art. 904, § único).
Conforme se verifica, a prisão do depositário infiel está condicionada
a uma ação de depósito ou à situação de depositário judicial, não se alargando a
legislação a outras situações.
3.5. DECRETO LEI 911/69.
A legislação permite o ajuizamento de ação de depósito em todas as
modalidades de depósito contratual, com a finalidade de restituição do bem
depositado (art. 901 do CPC)
Portanto, há necessidade de se configurar a situação de depositário,
para que se legitime o direito do credor.
Sem a condição acima, não há que falar em ação de depósito, vale
dizer, se não houver depositário, não haverá depósito.
79
A legislação, como já dito, não se alargou para permitir outra
situação se não aquela prevista no ordenamento.
Na década de 60, com o escopo de se institucionalizar o mercado de
capitais, foi promulgada a lei 4728/65.
Essa lei previu em seu artigo 66, o instituto da alienação fiduciária
em garantia
42
Acontece que em 1º de outubro de 1969, fazendo uso do Ato
Institucional nº 5 (AI 5), foi promulgado pelos então Ministros da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, o Decreto-Lei 911/69
43
, que alterou profundamente a
relação jurídica antes existente na lei 4.728 de 14 de julho de 1965.
44
O Decreto-Lei 911/69, em seu artigo 1º alterou a redação do artigo
66 da lei 4.728/65:
Art. 1 - O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a ter a seguinte
redação:
Art. 66 - A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a
posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem,
tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as
responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.
(grifo nosso)
Em seu artigo 4º, prevê a conversão, nos mesmos autos, do pedido
de busca e apreensão em ação de depósito, remetendo aos artigos 901 a 906 do
Código de Processo Civil.
Ao fazer tais alterações, criou a figura do depositário na alienação
fiduciária e desta forma, a possibilidade da ação de depósito.
42
Segundo Maria Helena Diniz em sua obra “Curso de direito Civil Brasileiro”, 4º vol. P. 481/482:
“A alienação fiduciária em garantia consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da
propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível ou de um bem imóvel, como
garantia, como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento
da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida”.
43
Decreto-Lei 911/69- Altera a redação do art.66 da Lei 4.728,de 14 de julho de 1965, estabelece
normas de processo sobre alienação fiduciária,e dá outras providências.
44
Lei 4.728 de 14 de julho de 1965- Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o
seu desenvolvimento.
80
Estava criada, portanto, a condição para a decretação da prisão civil
do alienante fiduciário.
Essa ficção jurídica, transformou, através de um decreto-lei,
uma relação de mútuo em relação de depósito.
E mais do que isso, tal legislação subverte totalmente a lógica do
próprio Direito e da Justiça, na medida em que, desequilibra a relação entre as
partes, em favorecimento do credor (art. 2º e parágrafos); interfere na livre
iniciativa do juiz (art. 3º- parte final) e suprime direitos do devedor (§ único do
artigo 5º).
Foi uma das maiores violências já perpetradas contra o ordenamento
jurídico, conflitando diretamente com as doutrinas jurídicas.
.
Poucas vezes se viu uma lei colidir de maneira tão violenta com as
estruturas jurídicas, alterando substancialmente:
1. O direito material, pois transforma relação de mútuo em relação de
depósito.
2. O direito processual:
2.1. dá à ação de busca e apreensão características de uma ação
autônoma e não acessória.
2.2. altera o disposto nos incisos VI e VII do art. 649 do Código de
Processo Civil.
81
3. Equipara o devedor fiduciante em depositário infiel, o que representa
verdadeiro absurdo na medida em que, na alienação fiduciária não há
depósito do bem, mas somente o bem em garantia.
Nascido no berço do governo militar, esse decreto-lei veio com clara
intenção de proteção às instituições financeiras, em flagrante desrespeito aos
direitos de seus cidadãos, particularmente, o sagrado direito à ampla defesa e ao
contraditório, conforme se verifica nos § 1º e 2º do artigo 3º do texto original:
§ 1º - Despachada a inicial e executada a liminar, o réu será citado para, em três
dias, apresentar contestação ou, se já tiver pago 40% (quarenta por cento) do
preço financiado, requerer a purgação da mora.
§ 2º. Na contestação só se poderá alegar
o pagamento do débito vencido ou o
cumprimento das obrigações contratuais.
(grifos nossos)
Essa situação perdurou por 35 (trinta e cinco) anos.
Somente com a edição da lei 10931/04 foram alterados os
parágrafos do artigo 3º do decreto-lei, restabelecendo alguns dos direitos
suprimidos, conforme se verifica:
1. O parágrafo 2º, permite o pagamento integral da dívida.
2. O parágrafo 3º concede o prazo de quinze dias para a resposta do devedor.
3. O parágrafo 6º prevê a condenação do credor ao pagamento de multa em
favor do devedor.
Embora alguns autores tentem associar o decreto-lei com o
crescimento econômico, alegando que após sua edição, as instituições financeiras
82
passaram a aumentar sua confiança e investimentos no país, tal assertiva cai no
vazio, a se considerar a força demolidora que tal decreto causou nas instituições
jurídicas e no direito do cidadão brasileiro.
O decreto-lei 911/69 representou e ainda representa, uma
verdadeira teratologia jurídica.
Houve proposta legislativa de alteração do caput do artigo 1º e
revogação do artigo 4º do decreto-lei 911/69 de autoria do Deputado Paulo
Delgado, através do Projeto de Lei 1747/99 apresentado na Câmara Federal em
23/9/1999.
45
Tal proposta obteve parecer favorável do relator da Comissão de
Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados, Deputado Geraldo
Magela que referindo-se ao decreto-lei, como “aberração jurídica”, socorre-se do
magistério do eminente Álvaro Villaça Azevedo:
“A esse respeito, assim se posiciona o festejado Álvaro Villaça
Azevedo (em Prisão Civil por Dívida
, Ed. Revista dos Tribunais,
1993, pp. 107-109):
“(...)sendo o credor-fiduciário proprietário desse objeto, que
foi transmitido, deveria correr os riscos normais do direito de
propriedade, tal a perda do objeto, em mãos de outrem, sem
culpa deste.
É o princípio de que a coisa perece para o dono, contido no
Código Civil Brasileiro, principalmente nos arts. 865, 866, 869 e
871.
(...)Ora, o que ocorre é que tal princípio, consagrado por
todo o sistema obrigacional do CC, não é observado na alienação
fiduciária em garantia; pois, perdida a coisa fiduciada, sem culpa
do devedor, o credor executa o contrato, com as outras garantias
nele constantes (títulos de crédito avalizados, por exemplo).
Tenha-se presente que o Decreto-lei 911/69, sob
comentários, concede ao fiduciário-credor, por seus arts. 3º, 4º e
5º, respectivamente, as ações de busca e apreensão do bem
fiduciado, de depósito e executiva (estas duas últimas com
45
www.câmara.gov.br. Acesso em 20/02/2006
83
procedimentos previstos pelo CPC). O aludido art. 3º, referindo-se
ao fiduciário-credor, como proprietário, admite a consolidação da
propriedade e da posse plena e exclusiva, em suas mãos, da
coisa fiduciada.
Resta clarividenciado o sistema de dois pesos e duas
medidas dessa legislação; pois, ante a perda da coisa fiduciada,
sem culpa do devedor-fiduciante, o credor não sofre as
conseqüências desse perdimento, recebendo seu crédito, por
outro meio. Todavia, sofre essa perda patrimonial o devedor-
fiduciante, o que jamais poderia ocorrer, dado que essa esdrúxula
legislação o considera como depositário do mesmo objeto.
Para executar sua garantia, portanto, o fiduciário-credor é
proprietário; para sofrer a perda do bem fiduciado, sem culpa do
devedor-fiduciante, é este quem sofre referida perda!!! Aliás, o
que é verdadeiro absurdo, pois, sendo o fiduciante-devedor
considerado depositário, jamais poderia sofrer essa perda
patrimonial, aplicando-se o princípio de que a coisa perece para o
dono.
(...)Essa flagrante contradição do legislador ocorreu no afã
de reforçar, exageradamente, a garantia das empresas de
financiamento, com a propriedade do bem fiduciado e com a
eventual prisão do depositário.”
A última informação colhida a respeito do projeto de lei, é que o
mesmo foi aprovado na Câmara dos Deputados, tendo sido encaminhado ao
Senado Federal em 12/4/2002 através do Of. PS-GSE/163/02.
Sem dúvida nenhuma, foi uma louvável tentativa de resgate do
direito suprimido do cidadão brasileiro, em épocas de exceção.
Ainda em relação ao devedor fiduciante, e corrroborando com a tese
esposada pelo o eminente Professor Villaça, tomo a liberdade de introduzir um
adendo:
A se considerar o devedor fiduciante depositário, este poderia
pleitear do depositante, as despesas feitas com a coisa, conforme
84
preceituado no artigo 643 do Código Civil e nessa condição, tais despesas
poderiam ser deduzidas do débito, a título de compensação.
Como se vê, o devedor fiduciante nada tem de depositário.
3.6. Jurisprudência
A possibilidade da prisão do depositário infiel nas ações de depósito
típicas tem sido aceita de maneira pacífica pela jurisprudência, principalmente nos
casos de depositários judiciais, pois, nestes casos, a infidelidade se manifestaria
contra o Estado que confiou o bem à guarda do devedor, que deverá prestar
contas quando lhe for determinado.
Infindáveis porém, são as discussões travadas a respeito da
possibilidade da prisão do depositário infiel da alienação fiduciária em garantia.
Até os dias de hoje, a jurisprudência não se pacificou quanto a isso,
havendo posições antagônicas inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
3.6.1. Posição do Superior Tribunal de Justiça.
O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado de maneira
uniforme contra
a prisão civil do devedor fiduciante, por entender que este não é
depositário.
Para o STJ, a alienação fiduciária em garantia não representa um
contrato de depósito, não podendo o alienante ser equiparado a depositário infiel.
85
Esse argumento tem sido motivo de reiterados acórdãos emanados
daquela Corte.
Neste sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Não cabe prisão civil do devedor que descumpre contrato por alienação
fiduciária.
No caso de alienação fiduciária em garantia não se tem um contrato
de depósito genuíno, portanto o alienante não deve ser equiparado ao depositário
infiel”.
No Anexo 1 trazemos as ementas e outros detalhes dos vários
julgados de lavra do Superior Tribunal de Justiça que citamos abaixo:
46
Processo
AgRg nos EREsp 489648 / GO ; AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE
DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL
2003/0185321-4
Processo
MS 6275 / SP ; MANDADO DE SEGURANÇA
1999/0026623-4
Processo
HC 36871 / DF ; HABEAS CORPUS
2004/0100890-6
Processo
HC 29284 / SP ; HABEAS CORPUS
2003/0125939-0
Processo
HC 38913 / DF ; HABEAS CORPUS
2004/0146713-5
Processo
REsp 120768 / RJ ; RECURSO ESPECIAL
1997/0012744-3
Processo
REsp 149518 / GO ; RECURSO ESPECIAL
1997/0067225-5
Processo
EREsp 149518 / GO ; EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL
1998/0063056-2
46
www.stj.gov.br.acesso em 15/02/2006
86
3.6.2. Posição do Supremo Tribunal Federal
A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal posiciona-se de
maneira contrária
à do Superior Tribunal de Justiça com relação à prisão do
devedor da alienação fiduciária.
Para o STF, tal prisão é constitucional, não havendo qualquer
confronto com a Constituição.
Ao se cotejar as normas da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) com a Constituição Federal, entende
o STF que os tratados internacionais têm hierarquia de lei ordinária, não se
equiparando às normas constitucionais. Por conta disso, a prisão civil do
depositário infiel encontra guarida na Carta Magna.
Entende ainda o STF, que o devedor da alienação fiduciária é
depositário necessário por força de dispositivo legal.
Em paradigmático acórdão proferido no julgamento do Hábeas
Corpus nº 72131 realizado em 23 de novembro de 1995 o Supremo Tribunal
Federal cristalizou sua posição favorável à prisão civil do devedor da alienação
fiduciária em garantia.
47
Participaram do julgamento os Ministros: Marco Aurélio Mello,
Sepúlveda Pertence, Francisco Rezek, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Néri da
Silveira, Octavio Gallotti, Ilmar Galvão, Sydney Sanches, Celso de Mello, Moreira
Alves,
HC 72131 / RJ - RIO DE JANEIRO
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES
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www.stf.gov.br. acesso em 15/02/2006
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Julgamento: 23/11/1995 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ 01-08-2003 PP-00103 EMENT VOL-02117-40 PP-08650
Parte(s)
PACTE. : LAIRTON ALMAGRO VITORIANO DA CUNHA
IMPTE. : MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO
COATOR : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
INTDO. SATEPLAN CONSORCIOS LTDA
ADVDO. : VILMAR JOSÉ ARRABAL DE CARVALHO
ADVDOS. : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTRO
Ementa
EMENTA: "Habeas corpus". Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do
devedor como depositário infiel. - Sendo o devedor, na alienação fiduciária em
garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura
essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na
ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. - Nada
interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o
disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. "Habeas
corpus" indeferido, cassada a liminar concedida.
Observação
Votação: por maioria, vencido os Mins. Marco Aurélio, Francisco Resek,
Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence.
Resultado: indeferido o pedido e cassada a liminar.
Acórdãos citados: Rcl-314 (RTJ-136/1363), Pet-423-AgR (RTJ-136/1034)
(grifos nossos)
Interessante ressaltar que nesse habeas corpus, a Procuradoria
Geral da República manifesta-se contrária à prisão e pela concessão da ordem
por não terem sido, segundo a Procuradoria, preservados os direitos do
consumidor e por entender não ter havido o ânimo de não restituir o bem, embora
entenda não haver incompatibilidade entre a ordem constitucional e a prisão do
depositário infiel.
A seguir, os votos dos Ministros:
1. Ministro Marco Aurélio (relator).
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O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, faz longa explanação da
matéria, destacando três pontos principais:
1. Contrato de alienação fiduciária não se confunde com contrato de depósito;
2. Não há possibilidade de prisão civil fora das hipóteses previstas no inciso
LXVII do artigo 5º da Constituição Federal que não contempla a situação da
alienação fiduciária;
3. O Pacto de San José da Costa Rica derrogou o decreto-lei 911/69 no que
dispõe sobre a prisão civil.
Para o Ministro, enquanto no contrato de depósito o que se persegue
é a devolução do bem, no segundo (alienação fiduciária) persegue-se o
pagamento e liquidação das parcelas.
As exceções de prisão civil, diz o relator, não são passíveis de
elastecimento visando a proteção de credores.
Em sua brilhante peça, o relator cita, entre vários autores, o eminente
Professor Álvaro Villaça em defesa da inexistência de contrato de depósito na
alienação fiduciária.
Destaca o Ministro que no caso em discussão, a empresa credora
torna-se a um só tempo, alienante e adquirente, e nessa condição, também
depositária, sob a proteção do decreto-lei 911/69.
Frente às diferenças das duas modalidades de contratos, não é
contemplada na exceção do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal a
prisão civil do devedor fiduciante.
Entende o Ministro que a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, que entrou para o ordenamento jurídico interno em 6 de novembro de
1992, portanto posteriormente ao decreto-lei 911/69, derrogou este diploma legal
no que dispõe sobre prisão civil.
Disse o Ministro:
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"De qualquer forma, no magistério de Francisco Rezek, veiculado em Direito dos
Tratados, uma vez promulgada, a convenção passa a integrar a ordem jurídica em
patamar equivalente ao da legislação ordinária. Assim, a nova disciplina da matéria,
ocorrida a partir de 06/11/92, implicou na derrogação do Dec.-Lei 911/69, no que se tinha
como abrangente da prisão civil na hipótese de alienação fiduciária."
Com tais entendimentos e por essas razões, o relator firmou seu
voto, concedendo a ordem no sentido de afastar a possibilidade de prisão do
paciente.
2. Ministro Maurício Corrêa.
Posição diametralmente oposta tomou o voto do Ministro Maurício
Correa, que julgou pela legalidade e constitucionalidade da prisão civil do devedor
alienante, por entender que o contrato de alienação fiduciária se consolida no
contrato de depósito, permitindo, dessa forma, a prisão do devedor:
"A alienação fiduciária, tal qual introduzida no nosso ordenamento jurídico, já se arraigou
na cultura de nossos costumes comerciais. A alienação fiduciária se consolida no
depósito e portanto na prisão. Excepcionada a prisão pelo não pagamento de prestação
alimentar, que a Constituição ostensivamente autoriza, o depósito regulamentado no
Código Civil também seria inconstitucional? Respondo que a prisão do depositário infiel,
no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária, de igual forma está protegida por
lei. Não vejo diferença nas duas situações. Pois tanto uma quanto a outra são produtos
da construção do direito civil, com base na lei infraconstitucional, não atentatória ao
enunciado no inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal, porque nele prevista a figura
do depositário infiel."
Com esse entendimento, o Ministro Maurício Correa cristaliza sua
posição de equiparar o devedor fiduciante ao depositário.
Além disso, o Ministro não enxerga a derrogação do decreto-lei
911/69 com a adesão do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos,
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entendendo que, a adesão se deu de maneira harmônica com a Constituição e em
consonância com o ordenamento jurídico brasileiro.
Entende que, o artigo 7º, 7º da Convenção Americana de Direitos
Humanos, ao dizer que ninguém será preso por dívidas, na verdade quer dizer,
que ninguém será preso porque deixou de pagar uma obrigação contraída nas
relações negociais comuns, o que não se aplica nas relações jurídicas especiais
onde o devedor inadimplente se nega a devolver o bem, como o caso da
alienação fiduciária em garantia.
Com esse entendimento, o Ministro indeferiu o habeas corpus.
3. Ministro Ilmar Galvão.
Entendeu o Ministro Galvão, que o devedor fiduciário é um
depositário e portanto, sujeito à legislação pertinente, inclusive a prisão, se
configurada sua infidelidade.
Entende não haver prisão por dívida, vez que esta poderá
eventualmente ser decretada em função da negativa de entrega do bem e não a
sua inadimplência.
Entende que o Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 7º,
7º, proíbe a prisão por dívida, o que não é o caso da alienação fiduciária, onde a
prisão se dá, como dito acima, pela negativa da entrega do bem e não pelo
inadimplemento.
Entende dessa forma, que a norma do pacto aplica-se à prisão por
dívida (não pagamento), o que não se configura na situação do depositário infiel.
Ainda entendendo a hierarquia do pacto como lei ordinária
infraconstitucional, não teriam suas normas o condão de revogar leis de natureza
especial.
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O que fica muito claro no voto do Ministro Galvão é a sua
preocupação com as instituições de crédito, defendendo a manutenção das
garantias a essas instituições que representam, segundo ele, “a mola propulsora
da atividade econômica e portanto, do desenvolvimento”.
Essas foram as razões do seu indeferimento do habeas corpus.
4. Ministro Moreira Alves.
O Ministro Moreira Alves defendeu sua posição favorável à prisão
civil do devedor fiduciante, por considerá-lo depositário, uma vez que entende
haver depósito necessário na alienação fiduciária em garantia.
Entende ainda que a Convenção Americana de Direitos Humanos,
entrando no nosso ordenamento jurídico como lei ordinária infraconstitucional, não
pode restringir o alcance das exceções previstas no art. 5º, LXVII da Constituição
Federal vigente.
Tais exceções estariam a proteger os credores da pensão alimentícia
e também os credores de depósito convencional ou necessário.
E ainda, disserta que o artigo 7º, 7º da Convenção, por ser norma de
caráter geral, não revoga dispositivos de legislação especial como a alienação
fiduciária.
Termina seu voto, citando o § 2º do artigo 7º do Pacto de San José
da Costa Rica que preceitua:
“ Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas
condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos estados-partes ou
pelas leis de acordo com elas promulgadas”.
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Para o Ministro, o texto acima, justifica a aplicação das normas
constitucionais e legislação infraconstitucional interna do Brasil.
Pelas razões acima, indefere o habeas corpus.
5. Ministro Octávio Gallotti.
Seu voto limitou-se a “acompanhar por seus próprios fundamentos o
voto do eminente Ministro Moreira Alves” e reafirmar a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal até então firmada.
6. Ministro Néri da Silveira.
O Ministro Néri, em seu voto, reporta-se aos termos de seu voto no
HC 70625-8/130 (SP) e, quanto à Convenção Americana de Direitos Humanos,
entende que a mesma entrou para o direito interno como lei ordinária
infraconstitucional, não revogando o decreto-lei 911/69.
Entendeu também que a Convenção como lei geral não revoga leis
especiais que regulam a figura do depositário infiel.
7. Ministro Sydney Sanches.
O Ministro Sanches não inovou em seu voto, reportando-se ao ano
de 1969, quando da entrada em vigência do decreto-lei 911/69. Na época, como
Juiz de 1º grau em São Paulo, teve a oportunidade de julgar as primeiras ações a
respeito dessa matéria, concluindo “que era perfeitamente compatível com a
Constituição e com o Código Civil a assunção da condição de depositário, pelo
alienante-fiduciante” sujeito, portanto, à prisão civil em caso de infidelidade.
Entendeu o Ministro que, com a promulgação da Constituição de
1988, nada mudou em relação a essa matéria e que o decreto-lei 911/69 foi
recepcionado pela Constituição.
Quanto ao Pacto de San José da Costa Rica, entendeu que, como lei
geral, não revogou lei especial.
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E assim, valendo-se dos votos dos Ministros Ilmar Galvão, Moreira
Alves, Maurício Corrêa, Celso de Mello e Otávio Gallotti, votou pelo indeferimento
do habeas corpus.
8. Ministro Celso de Mello
Em longa dissertação a respeito da hierarquia das normas dos
tratados internacionais, o Ministro em seu voto entendeu a submissão das normas
dos tratados à Constituição que autoriza, excepcionalmente, a prisão civil do
depositário infiel.
Discorre também a respeito da não condição de prisão por ilícito
penal, sendo o depositário infiel protegido pela cela especial, longe dos criminosos
comuns.
Por esses argumentos, acompanha o voto do Ministro Moreira Alves,
indeferindo o habeas corpus.
9. Ministro Francisco Rezek.
O Ministro Rezek, em sua fundamentação, reporta-se à hierarquia
infraconstitucional do Pacto de San José da Costa Rica, lembrando, porém, que a
infração às normas dos tratados pode acarretar responsabilidade internacional por
ato ilícito.
Entendeu em seu voto a inexistência de conflito entre a norma do
pacto e a norma constitucional.
Para o Ministro, o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal
representa apenas uma autorização de prisão do depositário infiel, que pode ser
invalidada pela assunção de um tratado internacional com o qual se estabeleceu
compromisso internacional de honrar.
O Pacto não derroga o instituto do depósito, mas sim, a faculdade de
prisão civil do depositário infiel.
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Traz a caracterização do depósito, apontando a não ocorrência deste
instituto na alienação fiduciária, onde não se intenta a devolução do bem.
Relembra que a edição do decreto-lei 911/69 é da época em que o
Brasil encontrava-se rompido com a ordem constitucional, decidindo também, com
a moléstia do então Presidente Costa e Silva, romper com a ordem institucional,
não dando posse ao vice-presidente, assumindo o controle da nação, a junta
militar.
Foi essa junta militar que assinou o decreto-lei 911/69.
Ao encerrar sua fundamentação, defende que a hipótese da
alienação fiduciária em garantia não se enquadra na exceção constitucional da
prisão civil por dívida no caso do depositário infiel.
10. Ministro Carlos Velloso
.
O mInistro Velloso inicia sua fundamentação, referindo-se ao art. 66
da lei 4728/65, com a redação do art. 1º do decreto-lei 911/69 que, ao transferir ao
credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel e tornando o devedor
fiduciante em depositário, estabelece mera ficção.
Ao ser apartado pelo Ministro Moreira Alves, o Ministro Velloso
estabeleceu as diferenças básicas entre o depositário, que tem somente a guarda
do bem, o que não acontece na alienação fiduciária em garantia, onde há a
transferência da propriedade da coisa móvel.
Interessante ressaltar, a locução veemente do Ministro afirmando
que o credor fiduciário não tem a propriedade da coisa. Esta é do comprador; o
que o credor detém é a posse indireta do bem móvel, que representa uma ficção:
“...posse não é propriedade e posse indireta não é posse, é uma ficção”.
Enumera, em seu voto, três ficções na alienação fiduciária em
garantia:
1. a ficção que leva à falsa propriedade do credor fiduciário,
95
2. a ficção do contrato de depósito em que o devedor é equiparado à
depositário,
3. a ficção da posse indireta.
E vaticina: “E a partir dessas ficções, fica o comprador-devedor, na
alienação fiduciária, sujeito à prisão civil”
Defende que o texto constitucional só autoriza a prisão civil do
depositário infiel, vale dizer, daquele que se tornou depositário através de um
contrato de depósito, e não daquele que se tornou depositário através de uma
ficção.
Apontou também, que o decreto-lei 911/69 não passou pela
aprovação do Congresso Nacional, tendo sido editado por uma junta militar
que serviu àqueles que tinham interesse econômico.
Entende ainda o Ministro que o Pacto de San José da Costa Rica
não permite a prisão civil em equiparações com a finalidade de resolver
obrigação civil mediante prisão.
E mais, o direito encerrado no art. 7º, 7º do Pacto, é um direito
fundamental em pé de igualdade com os direitos fundamentais expressos na
Constituição Federal.
E conclui seu voto, defendendo a revogação do decreto-lei 911/69
pelo Pacto de San José da Costa Rica, visto que, sendo ambas, leis
infraconstitucionais, “lei posterior revoga lei anterior”.
Pela razões apresentadas, defere o habeas corpus, acompanhando
os votos do Ministro relator e do Ministro Francisco Rezek.
11. Ministro Sepúlveda Pertence
.
96
O Ministro Sepúlveda Pertence entende que a prisão civil do
alienante fiduciante não encontra guarida nas exceções de prisão por dívidas
insculpidas no inciso LXVII do artigo 5º da Constituição federal vigente.
Para o Ministro, o alienante fiduciário (devedor) é o verdadeiro
proprietário do bem (embora limitado o seu domínio) e não seu depositário.
Com voto objetivo e pelas razões acima elencadas, deferiu o hábeas
corpus.
Conforme se verificou, o Supremo Tribunal Federal negou, por
maioria, o habeas corpus, entendendo pela constitucionalidade da prisão civil
do devedor da alienação fiduciária, em caso de infidelidade.
Apesar de sua votação polêmica, com votos divergentes de vários de
seus Ministros, tal acórdão tem balizado os demais julgamentos daquela Corte,
representando verdadeiro paradigma jurisprudencial a nortear os julgamentos
a respeito dessa matéria:
HABEAS CORPUS Nº 75.306-0 - RJ
RELATOR: MINISTRO MOREIRA ALVES
EMENTA:HABEAS CORPUS.
Esta Corte, por seu Plenário (HC 72131), firmou o
entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988,
persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário
infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como
que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não
poder contrapor-se à permissão do artigo 5º, LXVII, da
mesma Constituição, não derrogou, por ser norma
infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais
especiais sobre prisão civil do depositário infiel.
Habeas corpus indeferido.
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Há fortes possibilidades de alterações na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, visto que houve substancial modificação dos membros daquela
Corte com a aposentadoria de vários Ministros e a conseqüente assunção de
outros.
A composição atual do Supremo Tribunal Federal é a seguinte:
1. Ministra Ellen Gracie.
2. Ministro Sepúlveda Pertence.
3. Ministro Celso de Mello.
4. Ministro Marco Aurélio.
5. Ministro Eros Grau.
6. Ministro Carlos Britto.
7. Ministro Joaquim Barbosa.
8. Ministro Gilmar Mendes.
9. Ministro Cezar Peluso.
10. Ministro Enrique Ricardo Lewandowski.
11. Ministro Nelson Jobim.
Ressalte-se que o Ministro Nélson Jobim encontra-se em vias de
aposentadoria já anunciada, havendo nova alteração nos quadros do STF.
Dos onze Ministros que compunham o STF à época da votação do
HC 72131, restam apenas três:
1. Ministro Sepúlveda Pertence (votou pele concessão do hábeas corpus)
2. Ministro Marco Aurélio (votou pela concessão do hábeas corpus)
3. Ministro Celso de Mello (votou pela não concessão do hábeas corpus)
98
Note-se que, dos três Ministros acima, dois manifestaram-se pela
inconstitucionalidade da prisão civil do devedor fiduciante.
A tendência é de acentuada mudança jurisprudencial, conforme se
infere da recente liminar concedida pelo Ministro Joaquim Barbosa, no habeas
corpus nº 88173, no sentido de suspender a ordem de prisão contra empresário
acusado de depositário infiel.
48
48
www.conjur.com.br- Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2006. acesso em 15/3/2006
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4. PESQUISA DE CAMPO-
ENTREVISTAS
Neste capítulo, apresentamos depoimentos colhidos através de
entrevistas realizadas com 10 (dez) Magistrados e 1 (um) empresário, este último
vítima de decretação de sua prisão civil por depositário infiel.
4.1. Entrevistas com os Magistrados- método da pesquisa.
Os Magistrados foram escolhidos entre os que têm ou tiveram forte
atuação em julgamentos que envolveram o tema da prisão civil do depositário
infiel.
Dessa forma, foi realizada pesquisa qualitativa
com o intuito de se
apurar o posicionamento dos julgamentos desses Magistrados, na medida em que
alguns, atuando em primeira instância, julgam e decidem os pedidos de prisão
civil, enquanto outros, atuando em instância superior, julgam, ou julgaram recursos
no mesmo sentido.
Foi entrevistado também um Magistrado que não atua na área cível,
mas foi escolhido para entrevista por ser o Juiz corregedor dos presídios na
Comarca de Santos, tendo portanto, profundos conhecimentos das condições
carcerárias da nossa região e do Estado de maneira geral.
Foram entrevistados 10 (dez) Magistrados, estratificados por tempo
de magistratura:
Três Magistrados com até 10 (dez) anos de Magistratura
Três Magistrados entre 10 (dez) e 20 (vinte) anos de Magistratura.
Quatro Magistrados acima de 20 (vinte) anos de magistratura (Desembargadores).
100
As entrevistas obedeceram a roteiro prévio, onde foram
apresentadas as questões pertinentes à matéria, abrindo espaço para as
considerações que os entrevistados julgaram importantes.
O roteiro das entrevistas foi baseado nas seguintes questões:
1. Qual a sua opinião a respeito da prisão civil do depositário infiel.
2. Como sentencia (ou sentenciou)?
3. Por que? (justificativa)
4. Houve mudança em seu posicionamento ao longo dos anos?
5. O tema direito internacional é do seu interesse (estudos)?
6. Qual sua opinião a respeito da hierarquia das leis oriundas da convenções
internacionais?
No Anexo 2, estão todos os detalhes desta pesquisa qualitativa.
4.2. Depoimentos dos Magistrados.
As entrevistas deixaram muito claro o posicionamento dos
Magistrados no sentido de aceitar como legal e constitucional a prisão do
depositário infiel, desde que preenchidos os requisitos da norma positivada.
Chamou a atenção o cuidado demonstrado pelos julgadores que,
embora entendam como legal a prisão, fazem-no caso a caso, levando em
consideração o grau de entendimento que o depositário detém sobre a sua
obrigação, a boa fé e também, eventual má fé dos credores, como bem acentua o
Magistrado Amable Lopez Soto em seu depoimento:
101
“Sempre é preciso analisar caso a caso, pois cada caso tem suas circunstâncias
particulares que devem ser levadas em conta na hora do julgamento. O que há, às
vezes, é má fé por parte do credor”
Como exemplo de má fé do credor aponta aquela situação em que
financeiras alienam o bem sem pesquisar as condições do comprador, confiando
que o mesmo vai fazer de tudo para adimplir com sua obrigação em função do
risco da prisão.
Relativamente à boa fé do devedor, o Dr. Walter Theodósio relatou
interessante caso em que concedeu habeas corpus a um gerente que, depositário
dos bens da empresa que sofria execução, teve sua prisão decretada 10 (dez)
anos depois quando já não mais era funcionário da empresa e tampouco se
lembrava da sua condição de depositário.
Era o caso típico de boa fé.
Nos casos da alienação fiduciária em garantia caracterizada no
decreto-lei 911/69, as posições dos Magistrados se dividem bastante
, com
opiniões divergentes, bem aos moldes dos Ministros do STJ e do STF, com
tendência para a não aceitação da prisão nesta situação, havendo os que
entendem cabível a prisão, por ser constitucional e os que a consideram
descabida, por não enxergarem no devedor fiduciante, a condição de depositário,
havendo ainda, os que entendem que o Pacto de San José da Costa Rica revogou
o decreto-lei 911/69.
Um dos argumentos bastante interessante justificando a não
caracterização do devedor fiduciante como depositário foi exarado pelo
Desembargador Miguel Petroni Neto:
“O devedor fiduciante não está na situação jurídica de depositário. Também
transfigurada ficou a milenar regra do res perit domino suo que remonta o Código
de Hamurabi, pois na alienação fiduciária em garantia, se a coisa perecer sem
culpa do devedor, o prejuízo é dele, e não do credor”.
Outra situação posta, foi a ampliação do conceito de depositário.
102
Em suas razões, os entrevistados, Dr. Raphael Silva Salvador e Dr.
Márcio Kammer de Lima, fazem interessante crítica, considerando descabido o
alargamento do conceito de depositário infiel instituído pelo decreto-lei 911/69
pois, ao se admitir tal situação, corre-se o risco de amanhã uma lei estabeleça que
o inquilino inadimplente possa ser considerado depositário infiel.
O que ficou muito claro, é que as posições quanto à matéria são
claras e definidas:
1. Os que entendem cabível a prisão do depositário infiel somente nos depósitos
contratuais e judiciais.
2. Os que entendem cabível a prisão do depositário infiel nas situações acima e
também, nos casos de alienação fiduciária.
Ficou muito clara também a preocupação dos Magistrados em
pesquisar antes da decretação da prisão, a presença ou ausência de dolo do
devedor.
Os Magistrados entendem ainda que aqueles depositários que o são
por determinação judicial, quando infiéis, estão atentando contra a Justiça que
lhes confiou a guarda do bem e não diretamente contra o credor, não sendo
portanto esta uma prisão por dívida.
O Dr. Gustavo Pieroni Louzada, entende que no contrato de
alienação fiduciária, não há depósito contratual do bem e por isso não decreta a
prisão nestes casos, mas chamou atenção para a necessidade de se preservar as
garantias dos credores de depósitos contratuais e judiciais, cujos direitos também
devem ser respeitados.
Com relação à hierarquia dos tratados internacionais no nosso
ordenamento jurídico, a questão é pacificada entre os entrevistados, entendendo
os mesmos serem os tratados internacionais leis ordinárias infraconstitucionais.
Um dos argumentos mais fortes apresentados a justificar tal posicionamento foi o
103
de que os tratados podem ser considerados inconstitucionais, enquanto que com
as normas constitucionais isso não acontece.
Os Magistrados de maneira geral (não unânime) mantêm seus
posicionamentos desde o início das suas carreiras, sentenciando com os mesmos
convencimentos a respeito da matéria.
As mudanças quando aconteceram, foram em relação à decretação
da prisão do depositário infiel na condição do decreto-lei 911/69, existindo os que
no início da carreira decretavam tais prisões e hoje, revendo os conceitos, não
mais a decretam.
A pesquisa apurou também, que o direito internacional, embora do
interesse dos Magistrados, não faz parte dos seus estudos diários, limitando-se às
situações em que tal matéria vem à tona nas causas que lhes chegam;
demonstrando, porém, conhecimento da matéria e do Pacto de San José da Costa
Rica em particular.
Quando perguntados se os direitos humanos representam matéria do
seu interesse, responderam que sim.
Não deixou dúvida a preocupação dos entrevistados quanto aos
direitos humanos, a começar pela seletividade demonstrada na decretação da
prisão que era sempre precedida da investigação de ausência de dolo do devedor.
Em uma análise mais aprofundada a respeito do tema “prisão” o Dr.
Amable entende que esta punição tende a ser uma opção cada vez mais afastada
do mundo do direito.
Pondera o Magistrado, que a tendência da sociedade é de uma outra
resposta ao infrator penal ou civil que não a prisão, colocando-se esta, como
última alternativa possível.
Lembrou que, mesmo a prisão civil do devedor de alimentos tem
diminuído seu alcance, na medida em que a interpretação jurisprudencial mais
moderna, é no sentido de que não cabe a prisão no débito alimentar superior a
três meses. É uma regra jurisprudencial e não legal.
104
O Dr. Gilberto Ferreira da Cruz, como profundo conhecedor das
condições dos presídios, posicionou-se contrário à prisão do depositário infiel,
assim como contrário à qualquer prisão por dívida.
Justifica seu posicionamento no fato de que as condições dos nossos
presídios violam as garantias dos cidadãos insculpidas na Constituição Federal,
desrespeitando o princípio da dignidade humana do artigo 1º, inciso II e também
as garantias fundamentais do cidadão do artigo 5º, incisos XLVIII e XLIX.
Afirma que se os condenados pela prática de crimes não têm
respeitadas suas garantias, menos ainda se pode manter nessas condições
aqueles que não cometeram crimes.
Em seu depoimento, o Dr.Gilberto lembra que os presos por dívidas
ficam em cela separada chamada “seguro” mas que não os protegem:
...“Não existe cela especial que venha a preservá-los do contato com outros
presos; passam por momentos de aflição, por marcante e talvez indelével
sofrimento mental”...
Lembrou ainda,que nas celas, junto com o depositário infiel, ficam
detentos jurados de morte por facções criminosas, estupradores e outros.
Interessante notar que o depoimento do Juiz traduz muito do
afirmado na entrevista do empresário preso por depositário infiel adiante transcrita.
Perguntado se, com o advento da lei 9099/95 a questão da prisão do
depositário infiel teria ficado prejudicado, respondeu que sim, em razão do
princípio fundamental da dignidade humana.
105
4.3. Depoimento do Empresário.
Trata-se de micro-empresário da área industrial, réu em ação de
execução fiscal movida pela Fazenda Estadual.
Ao embargar a execução, ofereceu bens à penhora, consistentes em
mercadorias da sua indústria, já em fase de encerramento de atividades.
Em momento de sua ausência e por falhas nas informações, o Oficial
de Justiça relatou ao Juízo não ter encontrado o devedor, assim como, os bens
penhorados.
Frente a isso o Juiz decretou a prisão civil do empresário por
depositário infiel.
Poucos dias depois, o empresário foi abordado por dois policiais que,
exibindo o mandado judicial, deram-lhe ordem de prisão.
Sem entender o que acabara de acontecer, confuso, assustado e
envergonhado, pois tudo acontecia frente aos amigos e vizinhos, o empresário foi
introduzido na viatura policial e levado à carceragem do 5º Distrito Policial de
Santos.
Chegando ao Distrito Policial, foi despido, submetido à vistoria de
rotina e depois trancafiado em cela dita “seguro”, que em nada se diferenciava das
demais.
Junto com o até então cidadão prestativo, encontravam-se
estupradores, pedófilos e outros.
Refere que naquele dia pôde testemunhar a chegada de
delinqüentes que antes só conhecia das notícias de jornais, tais como
assaltantes, seqüestradores, latrocidas, etc. que haviam sido presos em flagrante:
“Não paravam de chegar bandidos e assaltantes trazidos pela polícia, aqueles
caras que já conhecia dos jornais.”
106
Em certo momento de desespero, chegou a pensar em dar fim à sua
vida:
“Em um determinado momento achei que poderia resolver tudo aquilo com aquela
45 que vi em cima da mesa do policial. Minha vida valia muito pouco”.
A sensação era um misto de medo, vergonha e revolta.
Medo
por não saber o que poderia acontecer, até porque, a qualquer momento
poderia haver uma rebelião e todos do “seguro” são vítimas em potencial.
“A primeira noite foi um pavor. Ouvia gritos, confusões, barulhos, e não conseguia
dormir.
”...
“Não sabia quando e se ia sair de lá, pois ouvia muito falar em rebeliões, fugas,
mortes,etc.”
Vergonha
porque nunca isso havia acontecido, e as lembranças da família,
particularmente do pai que enquanto viveu, propugnou pela honestidade e ética,
verbalizando o orgulho de seu filho trabalhador e cumpridor de suas obrigações e
vergonha por sua mãe (que para visitá-lo era obrigada a se despir para revista
realizada pelas agentes penitenciárias) e depois não queria mais ir embora:
“Minha mãe negava-se a sair da porta do D.P. enquanto eu estivesse lá e teve de
ir arrancada”.
Revolta
pelos devedores que de certa forma teriam contribuído para a situação
em que se encontrava:
“Revoltava-me lembrar que eu era credor de tantos clientes que, deixando de me
pagar levaram-me à insolvência e apesar disso estavam em liberdade”.
A revolta aumentava quando lembrava dos políticos acusados de
enormes desvios de dinheiro público (verba de saúde, educação e alimentação
dos necessitados) respondendo em liberdade e sem notícias de condenação de
qualquer deles.
107
“Eu estava sendo violentado pelo sistema, pela vida, por mim mesmo, sei lá.”
Ao sair da prisão as cenas dos dias lá passados se repetiam,
causando profundo trauma e marcas indeléveis:
“Durante muitos meses o trauma da prisão ficou em mim, viaturas de polícia me
estarreciam de medo, imagens me apareciam e ainda hoje guardo uma profunda
marca disso tudo.”
108
5. CONCLUSÃO.
5.1. Considerações
Conforme já dito em capítulo anterior, na escala de valores, a
liberdade desponta logo após a vida.
O conceito de vida é bastante amplo, envolvendo um conjunto de
atributos inseparáveis sem os quais a vida deixa de existir.
Na verdade, a liberdade equipara-se em valores à própria vida.
A vida sem liberdade nada significa, deixa de ser vida.
O ser humano sempre desejou ser livre e para isso sua luta, muitas
vezes insana, para alcançar seu direito de liberdade.
Muitas guerras foram e são deflagradas em nome da liberdade de
um povo e muitas lutas se travam em nome desse direito inalienável.
Beccaria
49
em sua magnífica obra, demonstra que os seres
humanos, em face de seus inimigos, frente aos temores de perda da sua
liberdade, abrem mão de parte dela no intuito de poder gozar do que lhe sobra,
com segurança.
Essa é a razão do ser humano em sociedade, estabelecer regras e
penalidades no intuito da manutenção de uma vida tranqüila e livre.
É o princípio do contrato social que estabelece as normas de
convívio entre os homens.
Só se admite a supressão da liberdade de um ser, quando este põe
em risco o bem estar geral.
Note-se que, ao me referir a um “ser”, não estabeleci exceções de
forma já que aí se enquadram todos os seres vivos.
49
Cesare Beccaria. Dos Delitos e das Penas. P. 25.
109
A liberdade do ser humano, portanto, deve ser preservada sempre, e
somente como exceção deve ser suprimida.
Entre as punições, a perda da liberdade só se aplica em casos
extremos, no intuito de se tutelar direitos de uma sociedade.
É inadmissível a supressão da liberdade como medida de coerção
para manutenção de qualquer direito disponível, principalmente o direito
pecuniário.
A prisão por dívida representa verdadeira aberração jurídica,
retroagindo aos bárbaros tempos em que o devedor respondia com seu corpo ou
sua vida.
Até o ano 326 a.C. o devedor, quando inadimplia, tinha decretada
sua morte ou virava escravo do credor.
Foi a Lex Poetelia Papiria que suprimiu esse tipo de condenação e
determinou que o devedor respondesse com seu patrimônio e não mais com sua
vida ou sua liberdade.
Inadmissível é nos nossos dias a decretação da prisão civil por
dívida, sob pena de voltarmos no tempo e recriarmos leis revogadas séculos antes
de Cristo.
É o caso do depositário infiel, que paga com sua liberdade a
inadimplência, bem à moda antiga.
Neste último capítulo, apresentamos as razões da não aplicação da
pena de prisão do depositário infiel e o porquê da aplicação do direito internacional
dos direitos humanos nessas situações.
A partir do momento em que decidimos e criamos regras de
convivência pacífica entre os homens, decidimos também pela aplicação do direito
e da justiça dentro dos princípios da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.
110
Toda e qualquer norma deve obedecer a tais princípios, sob pena de,
em não o fazendo, ficarmos de costas a todos os valores mais sagrados da nossa
existência.
O direito internacional dos direitos humanos preserva a dignidade da
pessoa humana, mantém direitos fundamentais de todo e qualquer indivíduo,
preserva, em última análise, o direito a uma vida digna.
A soberania de um Estado é violada quando se viola o direito de
seus cidadãos.
Ao cotejarmos as normas do direito brasileiro com o direito
internacional, deveremos observar e aplicar aquela que respeita e obedece aos
princípios acima elencados, pois assim agindo, estaremos protegendo nossa
gente, razão maior da formação de um Estado.
5.2. Depositário no Decreto-Lei 911/69.
Nem sempre as leis visam o bem comum, mais das vezes, são
criadas para beneficiar uma minoria que detém o poder.
Neste sentido escreve Beccaria:
50
“Abramos a história, veremos que as leis, que deveriam ser convenções feitas
livremente entre homens livres, não foram, o mais das vezes, senão o instrumento
das paixões da minoria, ou o produto do acaso e do momento, e nunca a obra de
um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido dirigir todas as
ações da sociedade com este único fim: todo o bem estar possível para a maioria.”
A prisão civil do devedor fiduciante, traduz bem o trecho acima, pois
foi resultado de uma ficção jurídica bárbara e cruel criada e editada por quem à
época detinha o poder, em favor de interesses pecuniários de uma minoria, em
detrimento da maioria.
50
Op. cit. p. 22.
111
A alienação fiduciária em garantia regulamentada pelo decreto-lei
911/69, que equipara o devedor fiduciante a depositário, além de ser um instituto
jurídico deturpado, peca em sua própria definição conforme se demonstrará.
Aurélio Buarque de Holanda
51
define alienação, como “cessão de
bens”.
O mesmo autor,
52
à p. 625, define fidúcia, como “confiança,
segurança”.
O que se conclui, é que a alienação fiduciária
representa em sua
origem
, um contrato de confiança onde acontece a cessão do bem.
E peca também em suas origens:
Maria Helena Diniz
53
em sua obra, relembra que o direito romano já
conhecia o negócio fiduciário, sob as figuras da:
1. fidúcia cum amico- que representava um contrato de confiança em que o
fiduciante alienava seus bens a um amigo, com a condição de lhe serem
restituídos quando cessassem as circunstâncias aleatórias como viagem,
riscos de perda com as guerras, acontecimentos políticos, etc.
2. fidúcia cum creditore- de caráter assecuratório ou de garantia, onde o
devedor vendia seus bens ao credor, sob a condição de recuperá-los se
dentro de certo prazo efetuasse o pagamento do débito.
51
Op. Cit. p. 69.
52
Ibid.
53
Op. Cit. p. 480.
112
Continua a autora, concluindo que, em ambas as espécies de fidúcia,
havia a transferência da coisa ou do direito, com a obrigação do adquirente de
restituí-la ao alienante depois de cumprido o objetivo que se pretendia.
O que se conclui, finalmente, é que a alienação fiduciária em garantia
é, na verdade, um contrato de mútuo com garantia real
, onde há a transferência
da propriedade do bem ao devedor que poderá perdê-lo se inadimplir em sua
obrigação.
A partir do momento em que há transferência do bem, o devedor
fiduciante torna-se proprietário
, não podendo dessa forma, ser depositário, pois
depositário não detém a propriedade, mas tão somente a posse direta.
A equiparação do devedor fiduciante a depositário é, portanto,
absurda e desmedida.
Dessa forma, não há que falar em prisão civil do devedor fiduciante,
visto não ser este, depositário.
E mais, o Pacto de San José da Costa Rica revogou o decreto-lei
911/69, visto que, sendo ambas leis ordinárias infraconstitucionais, a lei posterior
(Pacto) revoga lei anterior.
5.3. Depositário contratual e judicial
O depósito contratual ou o depósito judicial determinam os
verdadeiros depositários, que têm a obrigação de cuidar, manter e guardar o bem
até que lhe seja exigido.
113
Tais depositários existem em função de contrato de depósito ou
como obrigação ordenada pelo juiz, podendo ambos, figurar como depositários
infiéis.
É inegável que o não cumprimento da obrigação, isto é, a
infidelidade, deverá gerar conseqüências legais e punições, posto que
representam violações ao direito de terceiros, seja do proprietário do bem, do
credor, ou ainda desobediência ao Estado que confiou ao depositário a guarda do
bem.
O que se discute é justamente a punição, as conseqüência legais
que tal ilícito possa acarretar.
Para que se possa punir, primeiro deve-se verificar se a pena
obedece aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Razoável é tudo aquilo que respeita o racional, a razão, o equilíbrio.
Proporcional é aquilo que representa o “quantum” a ser reparado.
A aplicação da pena há de ser razoável, mas também proporcional
ao delito.
Muitas vezes, o limite entre a razoabilidade e a proporcionalidade é
bastante tênue e de difícil diferenciação.
Para alguns radicais que defendem a pena de morte, esta é
proporcional, pois é o castigo àquele que retirou a vida de outro; mas os mesmos
radicais sabem que não é razoável, posto que desobedece à própria razão, na
medida em que o Estado estaria agindo no mesmo erro do apenado.
A prisão civil do depositário infiel não encontra guarida em qualquer
dos dois princípios, posto que tal infração não tem poder ofensivo à sociedade,
não tem o escopo de ressocializar o indivíduo, além de representar medida de
extrema agressividade, desproporcional ao delito.
114
A prisão civil, por ser instrumento de coação para cumprimento de
uma obrigação civil, é inaceitável dentro de uma sociedade moderna.
A evolução dos costumes faz com que a sociedade caminhe na
direção de penas mais pedagógicas e ressocializantes e menos punitivas.
Bom exemplo disso, é a lei 9099 de 26 de setembro de 1995, que
dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Tal legislação, já incorporada aos nossos costumes, estabelece as
infrações de menor poder ofensivo, conforme se verifica em seu artigo 61:
Art. 61-consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta lei, as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um)
ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.
Posteriormente, com a edição da lei 10.259/01, que dispõe sobre a
instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça
Federal, foi alterado o conceito de delito de menor potencial ofensivo, abrangendo
aqueles com pena máxima prevista de até 2 anos:
Art. 2
o
Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de
competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.
Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos
desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa
(grifo nosso)
As infrações de pequeno potencial ofensivo são apenadas com
multas ou penas restritivas de direitos, exceto nas hipóteses do § 2º do art. 76:
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de
crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
115
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de
cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos
termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da
medida.
Ora, se as infrações penais com pena máxima de até 2 (dois) anos
não são suscetíveis de prisão, é absurdo, desproporcional e fora da razão se
admitir a prisão civil, principalmente se esta prever pena máxima de 1 (um) ano,
como é o caso do depositário infiel.
E mais.
Observe-se o crime de apropriação indébita capitulado no Código
Penal:
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
I - em depósito necessário.
(grifo nosso)
Aplicando-se o aumento da pena do inciso I do § 1º, a pena chegaria,
em caso de primariedade, a 16 (dezesseis) meses, situação que não autoriza a
decretação da prisão, por enquadrar-se no artigo 44 do Código Penal, conforme
se demonstra:
116
Art. 44 - As penas restritivas de direitos são autônomas e
substituem as privativas de liberdade, quando:
I - aplicada pena privativa de liberdade inferior a 1 (um) ano
ou se o crime for culposo;
II - o réu não for reincidente;
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja
suficiente.
§ 1º - (VETADO)
§ 2º - Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a
substituição pode ser feita por multa ou por uma pena
restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena
privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena
restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direito.
§ 3º - Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a
substituição, desde que, em face de condenação anterior, a
medida seja socialmente recomendável e a reincidência não
se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4º - A pena restritiva de direitos converte-se em privativa
de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado
da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de
liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da
pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de 30
(trinta) dias de detenção ou reclusão.
§ 5º - Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade,
por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a
conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao
condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
(grifo nosso)
Como se vê, a prisão do depositário infiel
só se justificaria nas
situações de enquadramento da infração no Código Penal e assim mesmo, nos
casos de reincidência e quando caracterizado o dolo.
117
Por qualquer ângulo que se olhe, não se enxerga razoabilidade, nem
mesmo proporcionalidade na aplicação da pena de prisão do depositário infiel.
5.4. Aplicação do Direito Internacional
Segundo o Professor André de Carvalho Ramos
54
, o Direito
Internacional dos Direitos Humanos representa “o conjunto de direitos e
faculdades que garantem a dignidade da pessoa humana e beneficiam-se de
garantias internacionais institucionalizadas”, de onde se conclui, que a
internacionalização dos direitos humanos tem o escopo de garantir de maneira
universal a dignidade da pessoa humana através da institucionalização das suas
normas de maneira global.
Na mesma obra
55
, o Professor André mostra as diferenças dos
tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados; enquanto estes
contém vantagens mútuas aos Estados, aqueles obrigam os Estados a cumprir e
respeitar e garantir os direitos humanos.
A partir do momento em que um pais introduz em seu ordenamento
jurídico um tratado internacional, assume as responsabilidades de cumprimento
das suas regras, sob pena de responsabilização, que é a característica essencial
de um sistema jurídico
56
onde não faz exceção o sistema internacional.
Como toda regra não cumprida gera responsabilização da parte
infratora, o mesmo se aplica aos Estados que descumprem as normas de tratados
internacionais que se comprometeram a obedecer.
É regra inerente ao direito.
54
Responsabilidade Internacional por violação de direitos Humanos. P. 29.
55
Ibid. p. 36/40.
56
Ibid. p. 67.
118
Não é diferente no Direito Internacional onde a responsabilidade do
Estado é objetiva
57
, bastando para sua caracterização, os elementos: dano, o
ilícito e o nexo de causalidade que o vincule ao Estado
58
.
Como responsabilidade objetiva, não há a necessidade de
comprovação de culpa.
Independente da já discutida hierarquia das normas dos tratados
internacionais de direitos humanos, o Brasil ao assinar, votar e ratificar a
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)
firmou o dever de cumpri-la em todos os seus artigos, sob pena de
enquadramento nas sanções previstas.
Assumiu o Brasil obrigação de fazer
(garantia aos direitos humanos)
e obrigação de não fazer
(respeito aos direitos humanos com a limitação do poder
público)
59
O não cumprimento das normas da Convenção Internacional gera
responsabilidade e, uma vez caracterizada a responsabilidade do Estado, nasce o
dever de indenizar.
O Brasil reconheceu em dezembro de 1998, a competência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, o que leva o país, a reconhecer a sua
competência contenciosa
60
.
Essa é uma das várias razões, da necessidade do cumprimento das
normas do Pacto de San José da Costa Rica e a conseqüente proibição da prisão
civil do depositário infiel, sob pena de responder perante a Corte, por
desobediência aos direitos humanos que prometeu proteger.
Cai por terra o argumento do conflito de normas entre a Convenção
Internacional de Direitos Humanos e a Constituição brasileira, uma vez que o
57
Existem correntes minoritárias que entendem ser a responsabilidade do Estado baseada na
teoria subjetiva (da culpa), conforme nos ensina o Professor André de Carvalho Ramos em sua
obra citada, à p. 94/96
58
Ibid. p. 91.
59
Ibid. p. 41.
60
Flávia Piovesan. Op. cit. p. 269.
119
inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal apenas prevê
a possibilidade da
prisão civil do depositário infiel
, não sendo norma cogente que obrigue a prisão
nestes casos, podendo a mesma ser decretada ou não
ao passo que, o Pacto
de San José da Costa Rica, positivado em nosso direito interno, em seu art. 7, 7º
exclui, de maneira cogente
, qualquer possibilidade de prisão por dívida,
excetuando a do inadimplemento da pensão alimentar.
Ainda que isso não bastasse, mesmo que se aceite conflito de
normas, mesmo assim obrigatório seria a aplicação do pacto internacional por ser
norma mais favorável.
E por derradeiro, conforme já demonstrado quando cotejadas com as
normas penais, a prisão civil do depositário infiel fere de morte a coerência do
nosso ordenamento jurídico e sangra os princípios basilares que sustentam os
direitos humanos internacionais.
5.5. Dos Danos Morais e Psíquicos
O dano moral, segundo o psiquiatra forense Guido Arturo Palomba
61
difere do dano psíquico pois, enquanto o primeiro representa a ofensa aos valores
ético-morais do indivíduo capaz de causar dor moral, o segundo é o
comprometimento da esfera psíquica.
O dano moral não significa psicopatologia mas pode causar
distúrbios mentais, virando dessa forma, dano psíquico.
62
O que se conclui é que, embora se diferenciem, ambas as
modalidades de danos podem se entrelaçar uma vez que o sofrimento, elemento
causador do dano moral pode comprometer a esfera psiquiátrica.
61
Tratado de Psiquiatria Forense. p. 304/305.
62
Ibid. p. 305
120
Existem indivíduos que ao sofrerem traumas graves, desencadeiam
patologias psiquiátricas que anteriormente, em estado latente não se
manifestavam.
Existem também aquelas que embora não sejam portadoras de
qualquer pré-disposição, ao vivenciarem situações de extrema tensão
desenvolvem traumas psíquicos que deixam marcas definitivas em suas vidas.
É indiscutível que a prisão tem efeito devastador no ser humano,
causando danos morais e psíquicos de difícil reparação.
Desnecessário dizer as conseqüências funestas que a prisão causa
no depositário infiel. Mais das vezes estes nunca mais recuperam a saúde, com
transtornos claros para si, sua família e toda a sociedade.
O depoimento do empresário relatado no capítulo anterior é o
exemplo típico do acima afirmado, sendo a maior prova de verdade.
A prisão do depositário infiel não encontra embasamento jurídico ou
lógico a justificar sua decretação.
E mais, se a prisão civil tem o escopo de coação para o
adimplemento da obrigação, isso não se pode esperar do devedor que se
encontra preso sem condições de produzir para honrar seus compromissos.
É inadmissível em uma sociedade moderna a existência da prisão
civil, havendo alternativas viáveis de substituição desse método arcaico e
ultrapassado que só é admitido em situações restritas e específicas.
A história avança e os horizontes se alargam.
O Código Civil vigente demonstra esse avanço. É mais finalista,
alargou a visão do Direito e aumentou o alcance social das relações jurídicas.
A sociedade haverá de abolir em curto espaço de tempo a prisão do
depositário infiel, por ser esta, antijurídica, anti-social, despropositada,
desproporcional e acima de tudo, muito cruel.
PIOR DO QUE A AUSÊNCIA DO DIREITO, É A MÁ APLICAÇÃO DELE.
121
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em 15/02/2006
125
ANEXO I
Julgados do Superior Tribunal de Justiça.
Processo
AgRg nos EREsp 489648 / GO ; AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE
DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL
2003/0185321-4
Relator(a)
Ministro ARI PARGENDLER (1104)
Órgão Julgador
CE - CORTE ESPECIAL
Data do Julgamento
17/11/2004
Data da Publicação/Fonte
DJ 06.12.2004 p. 185
Ementa
PRISÃO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. A falta de devolução do bem
alienado fiduciariamente não autoriza a prisão civil do devedor.
Precedente da Corte Especial. Agravo regimental não provido.
Processo
MS 6275 / SP ; MANDADO DE SEGURANÇA
1999/0026623-4
Relator(a)
Ministro NILSON NAVES (361)
Órgão Julgador
S2 - SEGUNDA SEÇÃO
Data do Julgamento
09/08/1999
Data da Publicação/Fonte
DJ 25.10.1999 p. 34
Ementa
Alienação fiduciária em garantia (Lei nº 4.728/65 e Decreto-lei nº
911/69). Prisão civil. Recurso especial. Medida cautelar. Efeito
suspensivo. 1. Segundo decisão da Corte Especial do STJ, é
ilegítima, ou é ilegal a prisão civil do alienante ou devedor como
depositário infiel (EREsp-149.518, sessão de 5.5). Ordem de habeas
corpus expedida de ofício pela Turma, consoante o disposto no art.
654, § 2º do Cód. de Pr. Penal. 2. Mandado de segurança não
126
conhecido.
Processo
HC 36871 / DF ; HABEAS CORPUS
2004/0100890-6
Relator(a)
Ministro BARROS MONTEIRO (1089)
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento
19/10/2004
Data da Publicação/Fonte
DJ 13.12.2004 p. 360
Ementa
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRISÃO CIVIL. INADMISSIBILIDADE.
– Em princípio, descabe o uso de habeas corpus contra decisão
indeferitória de liminar em outro writ impetrado no Tribunal de
origem, ressalvada a hipótese de manifesta ilegalidade.
– “Não cabe a prisão civil de devedor que descumpre contrato
garantido por alienação fiduciária.” Orientação traçada pela egrégia
Corte Especial (EREsp n. 149.518-GO).
Ordem concedida para revogar o decreto de prisão civil
Processo
HC 29284 / SP ; HABEAS CORPUS
2003/0125939-0
Relator(a)
Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098)
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento
10/02/2004
Data da Publicação/Fonte
DJ 02.08.2004 p. 394
Ementa
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPÓSITO ACESSÓRIO À ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE CONTRATO DE MÚTUO. ORIENTAÇÃO DA CORTE
ESPECIAL.
Incabível a prisão civil atrelada aos depósitos acessórios às
garantias de alienação fiduciária prestadas em contrato de mútuo
(Corte Especial: Embargos de Divergência em Recurso Especial n.
127
149.518-GO).
Ordem concedida.
Processo
HC 38913 / DF ; HABEAS CORPUS
2004/0146713-5
Relator(a)
Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113)
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento
16/12/2004
Data da Publicação/Fonte
DJ 28.02.2005 p. 324
Ementa
PROCESSO CIVIL - HABEAS CORPUS - LIMINAR - CABIMENTO DA IMPETRAÇÃO
- EXCEPCIONALIDADE - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - AUTOMÓVEL - CONVERSÃO
EM
DEPÓSITO - PRISÃO CIVIL - IMPOSSIBILIDADE - CONCESSÃO DA ORDEM.
1 - Na via da excepcionalidade, quando manifesta a ilegalidade da
decisão, tem-se admitido o processamento do writ, evitando,
destarte, a ocorrência ou manutenção da coação ilegal (v.g. HC nº
26.705/GO, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJU de 13.09.2004). Essa
é a hipótese vertente.
2 - Consoante pacificado pela Corte Especial deste Colegiado
Superior de Uniformização Infraconstitucional (ERESP n° 149518/GO,
Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, DJU de 28.02.2000), descabe
prisão civil em alienação fiduciária, por não se tratar de depósito
típico.
3 - Ordem concedida, para afastar a cominação de prisão do ora
paciente, expedindo-se o necessário salvo-conduto.
Processo
REsp 120768 / RJ ; RECURSO ESPECIAL
1997/0012744-3
Relator(a)
Ministro ANSELMO SANTIAGO (1100)
Órgão Julgador
T6 – SEXTA TURMA
Data do Julgamento
128
12/05/1998
Data da Publicação/Fonte
DJ 08.09.1998 p. 123
Ementa
RECURSO ESPECIAL - DESCUMPRIMENTO DE ACORDO EM EXECUÇÃO DE
AÇÃO DE
DEPÓSITO - PRISÃO CIVIL DECRETADA - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO -
NOVAÇÃO E ILEGITIMIDADE DE PARTE - APELO RARO MANIFESTADO PELA
CREDORA-FIDUCIÁRIA.
1. Se a intervenção da recorrente foi negada no grau de origem, sem
recurso, não se lhe reconhece legitimidade para recorrer, à vista,
ademais, na Súmula 208/STF.
2. Se no "decisum" recorrido se entendeu que houve novação, não é
possível examinar tal entendimento, pois a tanto haver-se-ia de
examinar fatos e provas, o que não se encaixa com os objetivos do
apelo raro (Súmula nº 7/STJ).
3. Ademais, já ficou pacificada, nesta Corte, a impossibilidade da
prisão civil, ação
fiduciária, posto que não recepcionadas pela atual Carta Magna, as
normas de regência.
4. Recurso não conhecido.
Note-se que o acórdão acima, proferido pela 6ª Turma do STJ colide
com o acórdão abaixo, de lavra da mesma 6ª Turma.
Enquanto o primeiro posiciona-se contrário à prisão civil do devedor
fiduciário, o segundo entende ser cabível essa prisão.
Processo
REsp 149518 / GO ; RECURSO ESPECIAL
1997/0067225-5
Relator(a)
Ministro ANSELMO SANTIAGO (1100)
Órgão Julgador
T6 – SEXTA TURMA
Data do Julgamento
02/06/1998
Data da Publicação/Fonte
DJ 17.08.1998 p. 99
Ementa
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE DEPÓSITO PROCEDENTE - RÉUS INTIMADOS A
129
DEPOSITAREM O BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE, OU O VALOR DO MÚTUO,
SOB
PENA DE PRISÃO - "WRIT" PREVENTIVO CONCEDIDO NO TRIBUNAL LOCAL, SOB
O ARGUMENTO DE NÃO SER POSSÍVEL A CUSTÓDIA EM TAIS CIRCUNSTÂNCIAS
-
PONTO DE VISTA SUPERADO POR ITERATIVA JURISPRUDÊNCIA DA SUPREMA
CORTE - REVISÃO DO ENTENDIMENTO DA TURMA.
1. Tendo a Suprema Corte, guardiã maior de nossa Constituição,
admitido a prisão civil do devedor fiduciante em caso de
descumprimento de contrato de alienação fiduciária, não há como se
rebelar a tal orientação, que se funda, principalmente, em
fundamentos de índole constitucional, por quem, justamente, cabe dar
a última palavra em tal matéria.
2. Recurso conhecido e provido, com o envio dos autos ao juízo de
primeiro grau, para deliberar o quê de direito.
Acórdão
Por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento.
Resumo Estruturado
CABIMENTO, PRISÃO CIVIL, DEVEDOR FIDUCIANTE, CONTRATO,
ALIENAÇÃO FIDUCIARIA, DECORRENCIA, DESCUMPRIMENTO, ORDEM
JUDICIAL,
RESTITUIÇÃO, BEM, CARACTERIZAÇÃO, DEPOSITARIO INFIEL.
(grifos nossos)
Essas decisões conflitantes, suscitaram a interposição de embargos
de divergência, onde a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou o
entendimento em decisão unânime proferida em 05/05/1999, após brilhante peça
do seu relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
Processo
EREsp 149518 / GO ; EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL
1998/0063056-2
Relator(a)
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102)
Órgão Julgador
CE - CORTE ESPECIAL
Data do Julgamento
05/05/1999
Data da Publicação/Fonte
DJ 28.02.2000 p. 29
RT vol. 777 p. 145
Ementa
130
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Prisão civil.
Não cabe a prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido
por alienação fiduciária.
Embargos acolhidos e providos.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no
julgamento, por unanimidade, conhecer dos embargos de divergência e
recebê-los, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Vicente Leal, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves,
Felix Fischer, Costa Leite, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Garcia
Vieira, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro,
Hélio Mosimann, Francisco Peçanha Martins, Demócrito Reinaldo,
Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira votaram com o Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Edson Vidigal, Luiz Vicente
Cernicchiaro, Waldemar Zveiter e Cesar Asfor Rocha não participaram
do julgamento (art. 162, § 2º, do RISTJ). Licenciado o Sr. Ministro
William Patterson, sendo substituído pelo Sr. Ministro Felix
Fischer.
Notas
Processo em que se firmou jurisprudência sobre o descabimento da
prisão civil do devedor fiduciante.
Resumo Estruturado
DESCABIMENTO, PRISÃO CIVIL, DEVEDOR, ALIENAÇÃO FIDUCIARIA,
IMPOSSIBILIDADE, EQUIPARAÇÃO, ALIENANTE, DEPOSITARIO INFIEL, NÃO
CARACTERIZAÇÃO, CREDOR, PROPRIETARIO, BEM ALIENADO, INEXISTENCIA,
DEPOSITO (CONTRATO).
DESCABIMENTO, PRISÃO CIVIL, DEVEDOR, ALIENAÇÃO FIDUCIARIA,
DECORRENCIA, PROMULGAÇÃO, TRATADO INTERNACIONAL, LEI ORDINARIA,
DERROGAÇÃO, NORMA GERAL, CODIGO CIVIL, REFERENCIA, PRISÃO,
DEPOSITARIO INFIEL.
(VOTO VISTA) (MIN. NILSON NAVES)
RESSALVA, NÃO OCORRENCIA, DERROGAÇÃO, DISPOSITIVO LEGAL, CODIGO
CIVIL, REFERENCIA, PRISÃO, DEPOSITARIO INFIEL
131
ANEXO 2
Entrevista com os Magistrados
Todas as entrevistas foram realizadas pelo autor da dissertação da
seguinte forma:
1. Entrevistas gravadas e posteriormente transcritas.
2. Entrevista realizada por e-mail.
3. Entrevista realizada através de depoimento escrito.
Os Magistrados entrevistados foram:
A) Magistrados com até 10 (dez) anos de Magistratura:
1. Guilherme Ferreira da Cruz.
Ano de ingresso na Magistratura: 1995.
Juiz titular da 4ª vara Cível da Comarca de Santos/SP.
Entrevista gravada em 06/01/2006.
2. Gustavo Pierone Lousada.
Ano de ingresso na Magistratura: 1997.
Juiz titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Santos/SP.
Entrevista gravada em 19/01/2006.
3. Leandro de Paula Martins Constant.
Juiz titular da 2ª Vara Cível da Comarca de São Vicente/SP.
Ano de ingresso na Magistratura: 1997
132
Diretor do Fórum da Comarca de São Vicente/SP.
Entrevista gravada em 28/01/2006.
B) Magistrados entre 10 (dez) e 20 (vinte) anos de Magistratura:
1. Márcio Kammer de Lima.
Juiz titular da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Santos/SP
Ano de ingresso na Magistratura: 1993.
Diretor do Fórum da Comarca de Santos/SP.
Entrevista gravada em 19/01/2006.
2. Amable Lopez Soto.
Juiz titular da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera/SP.
Ano de ingresso na Magistratura: 1989.
Exerceu as funções de Promotor de Justiça nos anos de 1988/1989.
Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Entrevista gravada em 13/02/2006.
3. Gilberto Ferreira da Cruz.
Juiz titular da Vara do Júri e das Execuções Criminais da Comarca de Santos.
Juiz Corregedor dos Presídios da Comarca de Santos.
Ano de ingresso na Magistratura: 1989
Exerceu as funções de Promotor de Justiça no ano de 1988.
Entrevista gravada em 09/01/2006.
133
C) Magistrados com mais de 20 (vinte) anos de Magistratura.
1. Walter Theodósio.
Ano de ingresso na Magistratura: 1986 (Tribunal de Alçada Criminal)
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 1994.
Exerceu as funções de Promotor de Justiça e Procurador de Justiça
Aposentado em 1998
Professor de Ciência Política/Teoria Geral do Estado na Faculdade Católica de
Direito da UNISANTOS.
Entrevista gravada em 12/01/2006.
2. Antonio Raphael Silva Salvador.
Ano de ingresso na Magistratura (Tribunal de Alçada Civil) : 1983
Vice-Presidente do 1º Tribunal de Alçada Civil nos anos de 1991/1992.
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 1994
Exerceu as funções de Promotor de Justiça e Procurador de Justiça.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da UNISANTOS.
Aposentado em 1996.
Entrevista gravada em 07/02/2006.
3. Gildo dos Santos.
Ano de ingresso na Magistratura: 1983
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de 1991 a 2004.
134
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Católica de Direito da
UNISANTOS.
Aposentado em 2004.
Entrevista em enviada através de depoimento pessoal escrito em março de 2006.
4. Miguel Petroni Neto.
Ano de ingresso na Magistratura: 1983
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desde o ano de
2005.
Entrevista enviada por e-mail em 06/3/2006.
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