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Esta distância também me fez perceber que, ali, mesmo estando na posição de
doutorando e professor universitário, não dominava conhecimentos tão especiais como
aqueles que se instauravam naquela grande festa. Denomino de grande festa porque, ali,
a sabedoria era outra e a forma de aprendizado também, passados através da celebração
e da comunhão.
Mestre Salustiano, homem simples do povo, levado por sua peleja, construiu
uma espécie de templo da arte popular: a Casa da Rabeca, com as sedes de seu
Maracatu Rural Piaba de Ouro de seu Cavalo Marinho Boi Matuto.
O então secretário de cultura do Estado no governo de Miguel Arraes
(1995/1998), o escritor Ariano Suassuna, acrescentou a este complexo cultural o Espaço
Ilumiara Zumbi, uma espécie de palco/arena, na entrada da rua que abriga a Casa da
Rabeca e bem em frente à residência do mestre Salustiano. Em determinados períodos
do ano, este complexo abriga e agrupa diversos grupos de manifestações populares,
principalmente de Cavalo Marinho, nos festejos natalinos e de Maracatu Rural, durante
o período de carnaval.
Exatamente neste dia, 25 de dezembro de 2002, noite de Natal, acontecia o
encontro de Pastoril e Cavalo Marinho e eu, pela primeira vez, estava lá com um grande
desejo de recuperar o tempo perdido sem festa, sem brincadeira e sem aquela alegria
imensa e cativante.
Como já sinalizei, foi em 1997, quando tive contato com a obra do poeta,
dramaturgo e engenheiro calculista Joaquim Cardozo
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, que este universo popular se
mostrou, ainda muito embaçado e complexo para mim, pois, sua obra dramatúrgica,
criada a partir de festas populares como o Pastoril e o Bumba-meu-boi, me causava, ao
mesmo tempo, estranheza e fascinação.
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Joaquim Cardozo nasceu em 26/08/1897, no bairro do Zumbi, em Recife, Pernambuco. Na década de
20, participou de um grupo de intelectuais, juntamente com Ascenso Ferreira, Luís Jardim, Gilberto
Freyre e outros, configurando a corrente modernista do Recife. Fundou a Revista do Norte, dedicada à
cultura brasileira e, paralelamente cursou a Escola de Engenharia de Pernambuco. Suas atividades
enquanto engenheiro calculista incluem-se na História da Arquitetura Moderna do Brasil, junto a Luís
Nunes, na construção de vários prédios no seu estado natal e Oscar Niemeyer, em Belo Horizonte
(Complexo da Pampulha, entre outros) e na construção de Brasília (principais prédios da capital).
Considerado por Oscar Niemeyar como o maior intelectual que este conheceu, dominava mais de dez
idiomas, entre eles o sâncrito, chinês, russo, alemão, inglês, entre outros. Enquanto poeta, publicou seis
livros que asseguraram seu lugar entre os maiores poetas do país, dos quais destacam-se Poemas,
Trívium, entre outros. Como dramaturgo, possui textos como O coronel de Macambira, De uma noite de
Festa e Marechal, boi de carro, baseados no bumba-meu-boi pernambucano, Antônio Conselheiro, sobre
a guerra de Canudos, entre outros. Faleceu em 04 de novembro de 1978, aos 81 anos de idade, deixando
como doação para a Universidade Federal de Pernambuco, mais de 7.500 títulos em diversas áreas como
matemática, física, arquitetura, lingüística, engenharia, artes, etc., e em vários idiomas.