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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Tensão entre Matrizes:
um estudo a partir do curso de Ciências Biológicas da
Faculdade de Formação de Professores/UERJ
Ana Cléa Braga Moreira Ayres
Niterói
Outubro de 2005
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ii
Ana Cléa Braga Moreira Ayres
Tensão entre Matrizes:
um estudo a partir do curso de Ciências Biológicas da
Faculdade de Formação de Professores/UERJ
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Faculdade de
Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em Educação.
Campo de Confluência: Ciência, Sociedade e
Educação.
Orientadora:
Sandra Lúcia Escovedo Selles
Niterói, outubro de 2005
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iv
v
Tensão entre Matrizes:
um estudo a partir do curso de Ciências Biológicas da
Faculdade de Formação de Professores/UERJ
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
...
É sobre-humano viver
E como não seria
Mais Simples
(José Miguel Winisk/Zizi Possi)
vi
DEDICATÓRIA
Este trabalho é, antes de tudo, um TRIBUTO à memória de muitas pessoas que
deixaram suas marcas na minha vida e/ou na Faculdade de Formação de Professores:
à Cláudio Barbosa da Costa, meu companheiro de todas as horas, de trabalho, de
militância, de estudos, de vida cotidiana. Meu grande amor! Como eu, e muitos outros, um
apaixonado pela FFP e por nossos alunos. Não sei se eu merecia ter tido o privilégio de
conviver tão perto de você, mas sei que não merecia que você me deixasse tão cedo...;
a Haydée da Graça Ferreira de Figueirêdo, também apaixonada pela FFP a ponto de
torná-la seu objeto de estudo. De alguma forma, tentei fazer um pouquinho do que você
faria, porém com um outro olhar. Não sei se com tanta competência quanto a sua, mas
penso que o que vale é a intenção;
à muitos outros professores, estudantes e técnicos-administrativos que deixaram
marcas na construção desta FFP. O esforço, a luta e a perseverança destas pessoas muitas
que eu nem conheci – impregnam as paredes e a alma de quem ali chega e se apaixona. Por
estas pessoas que a Faculdade continua existindo e continuará...
Espero que meu trabalho esteja à altura de todos estes companheiros.
Em homenagem a eles e por ter chegado até aqui, eu lhes (me) dedico esta canção:
Viver, Amar, Valeu
Gonzaguinha (interpretação de Zizi Possi)
Quando a atitude de viver
É uma extensão do coração
É muito mais que um prazer
É toda carga da emoção
Que era o encontro com o sonho
Que só pintava no horizonte
E, de repente, diz presente
Sorri e beija a nossa fronte
E abraça e arrebata a gente
É bom dizer viver, valeu
Ah! já não é nem mais alegria
Já não é nem felicidade
É tudo aquilo num sol riso
É tudo aquilo que é preciso
É tudo aquilo paraíso
Não há palavra que explique
É só dizer viver, valeu
Ah! eu me ofereço esse momento
Que não tem paga e nem tem preço
Essa magia eu reconheço
Aqui está a minha sorte
Me descobrir tão fraco e forte
Me descobrir tão sal e doce
E o que era amargo acabou-se
É bom dizer viver, valeu
É bom dizer amar, valeu.
Amar, valeu.
vii
OUTRAS DEDICATÓRIAS E AGRADECIMENTOS
Nestas páginas tem um misto de dedicatória e agradecimento. É difícil separar as duas
coisas, então...
À minha mãe, Therezinha, que tem sido incansável na tarefa de cuidar de mim neste último
ano tão difícil na minha vida e ao meu filho, Felipe, que com seu jeitinho desligado, tem
sido a razão maior para eu continuar a viver. À minha irmã, Cláudia; meu cunhado, Alcir e,
principalmente, ao meu sobrinho-afilhado, Caio, que me encheu (e ainda me enche) de
carinho nos momentos mais difíceis de minha vida.
À família que Cláudio me deixou, meus sogros, cunhados, sobrinhos e, principalmente os
filhos que eu acolhi como se fossem meus, Henrique, Eduardo, Ana Maria e Maria Teresa:
espero que saibam o quanto eu amo todos vocês! Também não posso deixar de registrar e
agradecer o carinho e a generosidade de Leila, mesmo sem saber como definí-la na minha
vida (coisas do Cláudio...).
À minha orientadora, amiga, irmã, companheira de todas as horas, que teve a paciência de
esperar o meu tempo. É um privilégio conviver com você, com sua energia, disposição para
o trabalho, compromisso com a escola, prazer pelos estudos, enfim, pela vida! Não sei se
teria chegado ao fim se não fosse pelo compromisso que assumimos juntas.
Aos grandes amigos (e parceiros de estudo) que construí na vida e que foram a minha base
de sustentação para enfrentar estes momentos: Cristininha, Danielle, Everardo, Luís
Fernando, Maicon, Márcia, Margarida e Mariana (em ordem alfabética, tá?). Obrigada pela
confiança, pelo apoio, pela torcida e pela ajuda na transcrição das fitas, na leitura da versão
inicial da tese e tudo o mais...
Aos companheiros Glauber, Ailton e Adriano, que se mantiveram firmes na gigantesca
tarefa de dar continuidade ao trabalho de Cláudio e a Marcos Couto, que “num susto”
precisou se juntar ao grupo.
Aos meus alunos-amigos - os atuais, os que já estão em vôos altos, os que estão começando
a voar, os estagiários de todos os tempos - razão maior do meu trabalho, esperança de um
mundo melhor. Vocês nem têm idéia de quanto aposto em vocês! Obrigada pelo carinho.
À família que ganhei: os amigos da Faculdade de Formação de Professores. Tudo se tornou
mais fácil para mim por contar com vocês. Só quem vive o cotidiano da FFP pode entender
do que estou falando. Obrigada pelos sorrisos, pelos abraços, pelas mensagens, pelos
oferecimentos de ajuda na tese, pelos olhares carinhosos, por me acolherem quando a dor
era insuportável e vocês a faziam quase sumir. Não preciso nem dizer os nomes, pois vocês
sabem bem a quem estou me referindo.
Aos professores e estudantes que gentilmente se dispuseram a conceder-me as entrevistas.
Suas histórias e memórias tornaram possível este trabalho.
Aos funcionários da Secretaria de Graduação da FFP: Ailton, Ana Lúcia e Gláucia, que me
ajudaram a localizar os documentos que usei na pesquisa.
Às alunas Ana Carolina Giannerine, Ludmila Ribeiro e Geciara Batista, um agradecimento
muito especial pela ajuda na organização dos dados iniciais da pesquisa e pela transcrição
viii
das fitas. Agradeço ainda às alunas da UFRJ, Flávia e Karine que também colaboraram
nesta última parte. Vocês foram preciosas!
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, por ter
acolhido o meu projeto, por ter tido a sensibilidade de compreender o momento difícil pelo
qual passei. Um agradecimento especial aos meus colegas de turma, pelos intensos
momentos que passamos juntos no primeiro ano do curso.
Agradeço profundamente aos membros da Banca Examinadora pela gentileza em aceitar o
convite e pelas contribuições que, sem dúvida, trarão e que enriquecerão o trabalho, que
sei, está só começando...
Aos colegas do Departamento de Ciências e à Sub-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
da UERJ por terem me liberado de parte de minhas funções docentes após o meu exame de
qualificação.
ix
RESUMO
O presente estudo analisa a trajetória da formação de professores para o ensino secundário
no Brasil, a partir de sua inauguração, na década de 30, relacionando-a com o processo de
urbanização e industrialização da sociedade brasileira. A partir desta análise se desenvolve
um estudo de caso, que trata da formação de professores de Ciências Biológicas, em uma
instituição específica a Faculdade de Formação de Professores, incorporada, desde 1987,
à Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Este caso é analisado à luz de
referenciais teórico-metodológicos do campo da formação docente, da história do currículo
e da cultura escolar ou institucional. Tal estudo foi motivado pela aprovação e posterior
implantação das novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores
para a Escola Básica, em Nível Superior, que requerem uma integralidade e independência
aos cursos de Licenciatura. Problematizando estas Diretrizes, procuramos analisar como
um curso exclusivamente voltado para a Licenciatura expressa a tensão historicamente
existente entre o Bacharelado e a Licenciatura, entre pesquisa e docência e,
conseqüentemente, entre uma matriz curricular profissional, voltada para a docência, e uma
outra, acadêmica, voltada para a pesquisa em Biologia. O estudo revela como, ao longo da
história desta Instituição, a tensão esteve latente, aflorando com intensidade a partir de sua
incorporação à UERJ. Revela ainda como, durante a sua trajetória, a FFP construiu uma
cultura institucional, provocada, em parte, por esta tensão entre as duas matrizes
curriculares. Neste processo, os sentidos e mecanismos de profissionalização e de
academização do curso foram sendo alterados. Conclui-se que a formação de professores
de Ciências Biológicas, em um curso exclusivamente de Licenciatura, não exclui,
automaticamente, esta tensão, que foi construída historicamente, sendo constitutiva e
estruturante deste - e, provavelmente, de outros - cursos que apresentam estas duas
habilitações.
x
ABSTRACT
The present work discusses the history of high school teacher education programs in Brazil,
since its beginning in the 1930s, relating it to the process of urbanization and
industrialization of the brazilian society. From this general analysis a specific case study is
chosen, that of the Biological Science teacher education in a particular institution the
Faculdade de Formação de Professores, incorporated into the Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (State University of Rio de Janeiro) - UERJ since 1987. This case is
analyzed under the theoretical-methodological frameworks of the areas of teaching
education, history of curriculum, and school culture. Such study was motivated by the
approval and subsequent implementation of the new Curriculum Directives to Courses of
Teacher Education for the Elementary School, in a higher education level, which demand a
comprehensive and independent approach. From a critical perspective upon these
directives, this study aims to investigate to what extent a higher education unity, restricted
to teacher education, reveals the historically existent tensions between bachelor and teacher
education programs; research and teaching activities; and consequently, between
professional and academic based curriculum matrices, the former much more involved in
teaching activities and the latter dealing mostly with research in the biological area. This
study shows how, along the history of this Institution, this tension remained latent,
emerging with great intensity by the time of its incorporation to the UERJ. It also reveals
how the FFP, along its history, has constructed an institutional culture, partly due to this
tension among different curriculum matrices. Along this process the meanings and
mechanisms of professional and academic influences upon the course have changed. It is
concluded that Biological Science teacher education programs do not automatically
exclude, by themselves, this historically built tensions, being a part of this and probably
other biological courses that have both types of graduation.
xi
RÉSUMÉ
Dans ce travail on analyse la trajectoire de la formation des professeurs pour l’École
Secondaire au Brésil, depuis se debút dans les annés 30, en rapport avec les processus
d’urbanisation et industrialisation de la société brésilienne. Dès cette analyse on a fait an
étude de cas que centre dans la formation des professeurs des Sciences Biologiques, dans
une institution spécifique – la Faculdade de Formação de Professores, que a s’encorporée à
l’Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Université de l’État de Rio de Janeiro)
UERJ, depuis 1987. Cette trajectoire a été analysé au moyen des férentiels théorique-
metholologiques des champs de la formation des professeurs, d’histoire du curriculum e de
la culture scoláire. Cette étude a été motivé par l'approbation et la postérieure implantation
des nouvelles Directives Curriculaires pour les Cours de Formation du Professeurs par
l’École Elementaire, au Niveau Supérieur, qui exigent une abordage intégrale et
indépendante. À partir d’en regard critique des cettes Directives on a cherché d’analyser
comme un cour exclusivement destiné à la formation des professeurs exprime la tension
historiquement présente parmi la recherche scientifique et l’enseignment et,
conséquentement, parmis une matrice curriculaire qu’on a appelé professionnelle, identifié
avec l’enseignment et une autre académicienne, tournée à la recherche dans la Biologie.
Cette étude montre comment, pendant l’histoire de cette institution, cette tension a resté
latente, en affleurant avec intensité à partir de son incorporation à l’UERJ. Il presente aussi
comment la FFP a construit une culture institutionnelle produite en part par cette tensions
parmis ces matrices curriculaires. Pendant cette dispute les plusieurs sens et mécanismes de
professionalization et d’académisation du cours ont changés. On peut conclure que la
formation des professeurs de Sciences Biologiques, dans un cour exclusivement destinée à
cette specificité n’exclut pas automatiquement, cette tension, que a construit, formé et
structuré celui-ci et autres cours qui présentent doubles habilitations.
xii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
PARTE I – APRESENTANDO OESTUDO..................................................................1
CAPÍTULO I – NTRODUÇÃO.............................................................................................2
I.1 - A Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro: elementos históricos para análise da formação docente...................................7
I.2 - O curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Formação de Professores da
UERJ: um estudo de caso............................................................................................11
I.3 - Compreendendo as tensões no interior do curso de licenciatura em Ciências
Biológicas: opções teórico-metodológicas..................................................................13
PARTE II - A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: ORIGEM E
TRAJETÓRIA...........................................................................................18
CAPÍTULO II ORIGEM E TRAJETÓRIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
SECUNDÁRIO NO BRASIL URBANO-INDUSTRIAL..................19
CAPÍTULO III - EXAMINANDO MODELOS DE FORMAÇÃO E IDENTIFICANDO
AS TENSÕES ENTRE BACHARELADO E LICENCIATURA.......42
III.1 - As Primeiras Tentativas de Introduzir a Formação de Professores para o Ensino
Secundário: o nascimento das faculdades de filosofia.....................................44
III.1.1 - O modelo que não saiu do papel: primeiro professor, depois
bacharel................................................................................................44
III.1.2 - O primeiro modelo da USP: a separação entre a formação cultural e a
formação profissional (pedagógica) e a gênese do 3 + 1”...................46
III.1.3 - Um caso especial: a UDF de Anísio Teixeira – o professor como
intelectual [antes de tudo, o professor]................................................47
III.1.4 - Da consolidação do modelo “3 + 1” na FNFi à sua radicalização com a
criação dos Institutos............................................................................49
III.2 – Questionando a Própria Gênese: a “crise” do modelo 3 + 1.............................57
xiii
III.3 - A Busca de um Novo Modelo: a racionalidade prática.....................................60
PARTE III – ANALISANDO UMA EXPRESSÃO DA TENSÃO: O CURSO DE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA FFP/UERJ................................................64
CAPÍTULO VI A FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O CURSO
DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: UMA TRAJETÓRIA IMERSA EM
CONFLITOS E TENSÕES...................................................................65
IV.1 Considerações Teórico-Metodológicas e Delineamento das Estratégias Nesta
Etapa da Pesquisa..........................................................................................66
IV.2 A Fundação e a Trajetória da Faculdade de Formação de Professores como
Instituição Pública e Isolada de Ensino Superior: entre esperanças e
crises.............................................................................................................72
IV.3 – A implantação da Licenciatura Curta em Ciências........................................84
IV.4 A Ampliação do Curso: Licenciatura Curta em Ciências e Plena em
Biologia.........................................................................................................95
IV.5 - O fim da Licenciatura Curta em Ciências e a Implantação do Curso de
Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação Biologia.............................102
CAPÍTULO V A “UNIVERSITARIZAÇÃO” DA FACULDADE DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS................................111
V.1 – Apresentando os Sujeitos da História “Recente” da FFP..............................115
V.2 – A Busca de Materialidade para o Curso de Ciências Biológicas e as Estratégias
de Superação da Crise Herdada do Período Anterior....................................124
V.3 – A Mudança Curricular Realizada no Período Pós-UERJ...............................137
V.4 A FFP e o Curso de Ciências Biológicas Visto por seus Estudantes e
Professores.....................................................................................................144
V.5 – O Encontro com a Docência na Escola...........................................................158
V.6 – Perspectivas Futuras para o Curso de Ciências Biológicas da FFP.................175
PARTE IV – O QUE NOS INDICA ESTE ESTUDO...................................................182
CAPÍTULO VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................183
xiv
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................193
LEGISLAÇÃO CONSULTADA.......................................................................................201
DOCUMENTOS INTERNOS ANALISADOS.................................................................205
APÊNDICES......................................................................................................................207
ANEXOS............................................................................................................................217
xv
LISTA DE TABELAS E FIGURA
Tabela I - Disciplinas Pedagógicas dos Cursos da FFP (1973-1974)...................................85
Tabela II Distribuição da Carga Horária Específica por Campo e Área na Licenciatura
Curta em Ciências (1973-1974)..........................................................................87
Tabela III - Distribuição da Carga Horária por Campo e Área na Licenciatura Curta em
Ciências (1975?-1977).......................................................................................93
Tabela IV - Disciplinas Pedagógicas dos Cursos da FFP (1978-1983)...............................95
Tabela V – Distribuição da Carga Horária por Campo e Área na Licenciatura Curta (1978-
1983)................................................................................................................100
Tabela VI – Distribuição das Disciplinas Pedagógicas (1984-1990).................................103
Tabela VII Distribuição da Carga Horária por Campo e Área no Curso de Licenciatura
Plena em Ciências – Habilitação Biologia (1984-1990)...................................108
Tabela VIII - Número de vagas e de estudantes matriculados no Curso de Ciências
Biológicas de 1991 à 1993............................................................................... 124
Tabela IX - Distribuição das Disciplinas Pedagógicas (1990-2005)..................................138
Tabela X Distribuição de Carga Horária entre as Áreas Específicas do Curso de Ciências
Biológicas (1990-2005)....................................................................................142
Fig. I - Evolução do número de alunos dos cursos da FFP entre 1992 e 1998...................125
1
PARTE I
APRESENTANDO O ESTUDO
2
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Este estudo trata da formação de professores para atuar na escola básica, com as
disciplinas escolares Ciências (ensino fundamental) e Biologia (ensino médio), no âmbito
de um campo disciplinar específico Biologia - que corresponde a sua principal ciência de
referência. O desejo de realizá-lo foi provocado pela elaboração, pelo Conselho Nacional
de Educação, de novas diretrizes curriculares para os cursos de formação de professores
para a escola básica, diretrizes estas que procuram inverter o modelo que funda, e até hoje
domina, os cursos de Licenciatura no Brasil. Este novo modelo, radicalizado, significaria
que deveríamos formar o professor, que tem como habilitação a Biologia, ao invés do
especialista – no nosso caso o biólogo – que tem como uma das habilitações a Licenciatura.
3
Esta perspectiva aparece em vários momentos no Parecer CNE/CP/009/2001
1
, seja ao
conferir terminalidade e integralidade própria aos cursos de Licenciatura em relação aos
Bacharelados, seja por enfatizar a necessidade de preparar o professor para atuar nos
diferentes níveis e modalidades de ensino e não nas diferentes disciplinas do currículo
escolar.
Esta inversão se fundamenta em duas lógicas que indiretamente se articulam. Uma
delas, de ordem teórica, associa-se às idéias de um grupo de autores
2
que valorizam o
estudo da prática docente reconhecendo que nela é produzido um conjunto de
conhecimentos próprios da prática profissional. Partem do pressuposto de que há na ação
docente algo que não pode ser aprendido, teórica e abstratamente, durante a formação, mas
que é construído na ação, na medida em que esta coloca desafios até então imprevistos e
que, portanto, não podem ser antecipados. Este conjunto de conhecimentos, chamado de
“saber experiencial” por Tardif (2002), daria especificidade à tarefa docente distinguindo-a
de outras profissões. Este autor refere-se a uma forma de conhecimento que o professor
possui e elabora, uma vez que os conhecimentos teóricos adquiridos na formação advêm de
outros profissionais o conhecimento biológico origina-se da pesquisa em biologia,
produzida por biólogos e o conhecimento pedagógico, da pesquisa educacional, produzida
por educadores
3
. Esta busca da especificidade da ação docente se processa no contexto de
um movimento de profissionalização do professor, que vislumbra, por esta via, a
valorização da carreira e o aumento do status que ela possui na sociedade (Tardif, Lessard,
Lehaye, 1991).
A outra lógica, de ordem sócio-econômica, advém da necessidade de produzir um
“novo professor” que conta das novas demandas colocadas para a escola, a partir das
mudanças no mundo da produção. A transformação da esfera do trabalho, do chamado
modelo fordista de produção para o que a literatura denomina de acumulação flexível
4
, faz
1
O primeiro parecer do CNE apresentando as Diretrizes Curriculares para a formação de professores,
aprovado em 8/5/2001.
2
Entre eles destacam-se Nóvoa, Shön, Zeichener, Gaultier, Tardif e Perrenoud. Não queremos, com isto,
dizer que todos estes autores apresentam concepções teóricas idênticas. Apenas afirmamos que seus
trabalhos têm como referência a questão da profissionalização docente e que suas idéias aparecem mescladas
e apropriadas nos documentos curriculares oficiais.
3
Tardif usa o termo “pedagogos” para designar os educadores que trabalham nas Faculdades de Educação.
4
O modelo de acumulação que se convencionou chamar de fordista, centrado numa forte intervenção do
Estado, definia-se por algumas características: (i) a organização do trabalho fundada em bases tecnológicas
que se pautam por um sistema de máquinas de caráter rígido, com divisão específica do trabalho; (ii) um
determinado regime de acumulação, que buscou compatibilizar produção em grande escala e consumo de
massa num determinado nível de lucro; (iii) e, por um determinado modo de regulação social que
compreende a base ideológica-política de produção de valores, instituições que atuam no plano do controle
das relações sociais, dos conflitos intercapitalistas e nas relações capital-trabalho. A partir do último quartel
4
com que a problemática da educação ganhe cada vez mais centralidade. Para a sociedade
técnico-científico-informacional não mais interessa um trabalhador cuja principal
habilidade cognitiva desenvolvida na escola seja a memorização associada a um certo
disciplinamento obtidos por meio da repetição de exercícios em questionários e cópias. O
que importa neste novo modelo de acumulação é que o trabalhador desenvolva habilidades
cognitivas complexas que o habilite a resolver os problemas que fogem ao alcance da
máquina (Kuenzer, 1999). Formar este trabalhador de tipo novo requer uma nova escola e,
conseqüentemente, um novo professor.
É neste contexto que o Ministério da Educação começa a implementar um conjunto
de políticas para o setor educacional, a partir dos anos de 1990, apoiado na Constituição de
1988, visando adequar o Brasil à “nova ordem”. Articulando-se a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, de 1996, a lista de medidas é grande: Educação para Todos; Plano
Decenal; Parâmetros Curriculares Nacionais; Programa Nacional do Livro Didático;
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, a Educação Superior, a
Educação Infantil, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Profissional e Tecnológica;
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica; Exame Nacional de Cursos/Provão
5
;
Exame Nacional do Ensino Médio; Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério
6
; Lei da Autonomia Universitária; novos
parâmetros para as IES; Educação à Distância e Cursos Seqüências e, mais recentemente, a
Reforma Universitária.
Entretanto, é necessário ressaltar que esta nova forma de ação do Estado no que diz
respeito às políticas educacionais não é específica do caso brasileiro. Ao contrário, trata-se
de um processo mundializado, que se instaurou no contexto global de reestruturação
econômica.
As duas lógicas, embora de naturezas diferenciadas, têm um foco comum: a
centralidade da escola e, nesta, a profissão docente. A conjugação dos interesses de caráter
econômico com o discurso acadêmico estruturado na perspectiva da profissionalização
docente, oferece condições para que uma concepção de um novo profissional se materialize
do século XX este regime de acumulação e regulação social, mostrou seus sinais de esgotamento, levando os
agentes econômicos a buscarem a reestruturação de suas atividades, lançando mão, em seus novos processos,
de uma nova base técnica. As novas tecnologias informacionais e de comunicações, associadas ao
desenvolvimento da microeletrônica, da microbiologia e engenharia genética, as novas fontes de energias, a
maior velocidade e capacidade dos sistemas de transportes são as bases da substituição de uma tecnologia
rígida por uma tecnologia flexível. Esta nova forma de produção, evidentemente, fez emergir novos
processos de qualificação da força de trabalho. (FRIGOTTO, 1995)
5
Atualmente, SINAES, Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior.
6
Em processo de transformação para atender a toda a Escola Básica.
5
em regulamentações que buscam reorientar o processo de formação. Ou seja, a concepção
que tem por base uma determinada perspectiva de profissionalização, via especificidade de
saberes e competências, é incorporada nas novas diretrizes, não porque seja consensual no
meio acadêmico ou no conjunto da categoria docente, mas porque, em certa medida, a atual
fase do processo de reprodução do capital assim o requer. O que queremos dizer com isto é
que só se modificam os dispositivos legais, e de maneira tão radical como a proposição das
diretrizes curriculares para a Licenciatura, porque existem fortes interesses no grupo
político-econômico hegemônico.
No entanto, para que as mudanças se efetivem é preciso construir estratégias de
legitimação que procurem promover um certo consenso, mesmo que ainda haja outros
grupos discordantes. Dias e Lopes (2003), ao analisarem o processo de recontextualização
do conceito de competência nos textos das novas legislações educacionais, particularmente,
a relacionada com a formação de professores, apontam a elaboração de um discurso que
responsabiliza a atuação profissional de professores pelo baixo desempenho dos alunos.
Esta seria uma das estratégias legitimadoras da reforma, que a solução para o problema
detectado encontra-se na mudança do processo de formação. Assim, segundo as autoras, a
perspectiva da reforma apresenta uma nova concepção de ensino que tende a secundarizar
o conhecimento teórico e sua mediação pedagógica. Nessa concepção, o conhecimento
sobre a prática acaba assumindo o papel de maior relevância, em detrimento de uma
formação intelectual e política dos professores. (Idem, Ibdem, p. 1157). Podemos entender,
então, que, conferir centralidade ao contexto escolar na formação docente, inclusive dando
destaque aos saberes produzidos neste contexto, seria a solução apontada pela legislação
para o problema do “fracasso” da atuação dos professores. Desta forma, incorporam no
texto legal elementos do discurso acadêmico
7
, sobre os quais a comunidade construiu
alguns consensos, sendo esta outra estratégia legitimadora. Selles (2003) nos alerta para os
riscos que isto representa: esta estratégia discursiva pode nos fazer ‘prisioneiros’ de
nossas idéias, dificultando a problematização dos textos legais e a compreensão de seus
significados e de suas implicações” (p. 29, grifo da autora).
É preciso deixar claro, no entanto, que muitos autores, cujas idéias reconhecemos
explicitamente ou nas entrelinhas dos textos legais, não produziram “conspiratoriamente”
tal discurso com o objetivo de serem utilizados na legislação. Processos de hibridização de
discursos, elaborados em diferentes contextos, acabam por produzir um outro discurso que
7
Isto pode ser verificado nos textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Macedo,
2002) e nas próprias Diretrizes Curriculares (Selles, 2003).
6
passa a circular no ambiente educacional como um todo e vai ganhando legitimidade.
Ainda baseando-se em Ball (1992), Lopes (2004, p. 112) destaca a produção de
comunidades epistêmicas compostas de intelectuais e técnicos em congresso, não
necessariamente pesquisadores em educação, produzindo livros e dando consultorias, com
apoio ou não de agências multilaterais que garantem a circulação de idéias e/ou de
supostas soluções para os problemas educacionais
8
.
Outro aspecto importante das mudanças na política educacional é a abertura
generalizada do ensino superior ao capital privado, que se torna uma mercadoria valiosa a
ser explorada pelos empresários da educação
9
. Cabe ao Estado criar as condições para a
consolidação deste “novo” mercado, diminuindo os custos dos cursos
10
. Como os cursos de
da área das Ciências Naturais são os de custo mais elevados
11
, e esta é a área na qual se
concentra o maior déficit de professores nas escolas, o afastamento do Bacharelado da
Licenciatura e a sua aproximação com a formação profissional, podem ajudar a expansão
dos mesmos, tornando-os também mais baratos. Não é objetivo deste trabalho aprofundar
esta questão, pois isto nos afastaria demais do nosso objeto de estudo, mas não podemos
perdê-la totalmente de vista.
Retomando a questão inicial, se as diretrizes curriculares para a Licenciatura
invertem a lógica da formação, podendo ser considerada um novo gênese para o processo
de formação de professores no Brasil (Andrade, Ayres e Selles, 2004), é importante
questionarmos: quais demandas de ordem teórico-acadêmicas e sócio-econômicas
informaram a primeira gênese na década de 1930? Como estes fatores se materializaram
no(s) modelo(s) de formar então implementado(s)? Como o modelo “vitorioso” foi sendo
modificado - sem, no entanto, romper com sua matriz - até os dias atuais? A que demandas
este modelo respondia?
8
Um ótimo exemplo é o livro de Tânia Zagury, “O Professor Refém”, que embora anuncie os professores
como vítimas, o que faz é associá-los ao fracasso da educação no Brasil. Esta autora usa todas as estratégias
apontadas por Lopes, e se tornou uma “autoridade” no diagnóstico dos problemas da educação no Brasil e
sabe sua solução: educar os professores!
9
Este processo não é novo, porém se acelerou como nunca a partir dos anos de 1990.
10
Foi aprovado pelo CNE, em 11/11/ 2004, o Parecer CNE/CES 329/2004, que fixa a carga horária mínima
dos cursos de Bacharelado. Dos 54 cursos apresentados no Parecer, 23 (42,5%) deles estão com a carga
horária mínima atribuída, que passará a ser de 2400 h. Se considerarmos aqueles que ficarão com até 3000 h
de duração, teremos 33 (61%) cursos. A diminuição da duração dos cursos é um dos elementos
indispensáveis para a redução de seus custos.
11
Estes cursos necessitam de laboratórios, equipamentos, reagentes etc que encarecem seus custos.
7
I.1 - A Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro: elementos históricos para análise da formação docente
Sem pretender fazer um estudo histórico stricto sensu
12
, mas referenciando-nos em
processos históricos que instituíram a formação docente no Brasil, apresentamos na
primeira parte de nosso estudo alguns dos fios desta intrincada teia de relações que
permitem situar as bases do conflito que aflige hoje os cursos de Licenciatura: entre um
modelo antigo que se recusa a morrer e um modelo novo que tem dificuldades para nascer.
Deste conflito pode vingar um novo modelo, que não será nem exatamente como o
anterior, ou seja, o da primeira gênese, e nem tal qual previram (se é que previram) os
“legisladores”
13
. Assim, na primeira parte de nossa pesquisa, realizamos uma
contextualização histórica procurando olhar para os projetos de formação de professores
articulados às necessidades de escolarização da população, identificando algumas das
múltiplas determinações deste processo. Discutimos, em seguida, as concepções de formar
produzidas a partir das mediações realizadas nos diferentes momentos históricos
abordados.
Com isto, situamos o nosso trabalho em uma perspectiva que procura estabelecer
uma relação dialética entre os contextos de análise macro e micro históricos. Neste
primeiro momento do estudo, estamos considerando o vel de análise em macro-escala
como o contexto sócio-político-econômico das diferentes fases do Brasil pós-1930 e suas
implicações na produção de uma política educacional referente, tanto aos processos de
escolarização da população para atender as exigências destas diferentes fases, como aos
processos de formação docente para atender a estes processos de escolarização. Por outro
lado, consideramos o nível de análise em micro-escala como os modelos de formação
docente instituídos pela legislação vigente nestas fases, bem como a sua reinterpretação nas
principais instituições formadoras.
É importante destacar, no entanto, que estes referenciais de escalas não são
estáticos, variando de acordo com o objeto de estudo a ser analisado. Ball (2001), por
exemplo, discute a produção de políticas educacionais globais, produzidas em contexto de
economia globalizada e por diferentes organismos multilaterais e as políticas locais,
12
Queremos deixar claro que, na primeira parte do estudo, apesar da consulta a algumas fontes primárias,
nosso eixo norteador foi a revisão de estudos já realizados, porém, reinterpretando-os, ao direcionar o nosso
olhar para as questões levantadas acima.
13
Isto significa que no contexto da prática, ou seja, de implementação do currículo, apesar de não ser
totalmente independente do contexto de produção das políticas curriculares, é possível recriar e reinterpretar
estas políticas tendo por base a cultura de cada instituição (Lopes, 2004 e Macedo, 2003).
8
produzidas em cada Estado Nação. Este autor defende, baseando-se em Amin (1997) que
as políticas educacionais necessitam ser compreendidas como um produto de um nexo de
influências e interdependências que resultam numa “interconexão, multiplexidade e
hibridização”, isto é a combinação de lógicas globais, distantes e locais” (Ball, 2001, p.
102).
Em estudo realizado por Nunes (2004) sobre a formação docente, a perspectiva de
macro-escala é tomada como aquela que analisa as políticas de formação inseridas no
conjunto de políticas educacionais, em sua relação com a sociedade e sua herança
histórica, dentre outros aspectos (p. 8). a micro-escala é tomada como as traduções da
política nacional nas políticas estaduais e municipais.
Concordamos com estes autores, quando defendem a articulação das diferentes
escalas de análise, o que implica compreender que os diferentes contextos que estamos
analisando se entrelaçam. Se cada momento histórico requer um determinado tipo de
trabalhador, portanto um determinado tipo de escola, o que leva a produção de um
determinado processo de formação docente, as instituições formadoras e escolares não são
meras executoras das determinações produzidas na forma de legislação ou de textos
curriculares
14
. Ou seja, no contexto de implementação da legislação pertinente, ou melhor
dizendo, no contexto da prática - no caso específico que estudamos das instituições
formadoras de professores, as determinações são recontextualizadas, recriadas e
reinterpretadas (Lopes, 2004, p. 112). Acreditamos ainda que, em alguns momentos, como
no processo de reformulação atual dos cursos de Licenciaturas, a pressão por parte da
comunidade de formadores, provoca mudanças na própria legislação.
Esta investida histórica que realizamos na primeira parte do trabalho nos será
fundamental também para situar nosso objeto de estudo empírico a Faculdade de
Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – que
tem suas origens marcadas por esta história, fundamentada em demandas sócio-econômicas
e políticas, constituindo uma unidade ímpar no cenário educacional brasileiro. Ímpar,
porque resgata, sob uma outra perspectiva, alguns aspectos das antigas Faculdades de
Filosofia, Ciências e Letras. Ímpar, porque o seu percurso histórico construiu uma cultura
14
Lopes (2004), com base no trabalho de Ball (1992), adota a denominação de contexto da produção dos
textos das definições políticas (p. 112), que por sua vez está articulado ao contexto global a que nos
referimos anteriormente.
9
institucional na formação de professores muito diferenciada da que existe na maioria das
universidades públicas brasileiras
15
.
Poderíamos dizer que a FFP, historicamente, vem antecipando alguns aspectos da
atual legislação sobre a formação docente
16
, porém, sem romper totalmente com a
perspectiva do modelo ainda vigente denominado pela literatura como racionalidade
técnica (Contreras, 2002) – e presente em grande parte dos cursos de Licenciatura existente
nas universidades públicas brasileiras, num formato tradicionalmente conhecido como “3 +
1”
17
. Ao contrário, na FFP, seus seis cursos
18
, todos voltados exclusivamente para a
formação de professores para a Educação Básica, não seguem este formato e mesclam
desde o primeiro período letivo e desde a sua fundação - disciplinas de conhecimento
específico e disciplinas de conhecimento pedagógico.
Caso seja acertado dizer que o modelo que fundamenta os cursos da FFP não rompe
com o modelo das demais universidades, em que sentido dizemos que ela é ímpar? No
sentido de manter aguçada a tensão que fundou os cursos de Licenciatura, nos moldes da
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, mesmo sem nunca ter havido
na FFP cursos de Bacharelado. Isto implica considerar que as tensões entre conhecimentos
específicos e conhecimentos pedagógicos, ciência e docência, bacharelado e licenciatura,
ensino e pesquisa
19
também estão fortemente presentes nesta Unidade que abriga, em um
mesmo espaço físico, cerca de 3.000 alunos e 136 professores efetivos: 20 no
Departamento de Ciências
20
, 23 no Departamento de Geografia, 19 no Departamento de
Ciências Humanas, 16 no Departamento de Matemática, 24 no Departamento de Letras e
15
Enquanto na maioria das universidades a formação do professor é atribuída à Faculdade de Educação, na
FFP a responsabilidade por esta formação é dos departamentos específicos, compartilhada com o
Departamento de Educação.
16
Nos capítulos que tratam da FFP e do Curso de Ciências Biológicas exploraremos estes aspectos.
17
A denominação “modelo 3 + 1” faz referência aos primeiros cursos de formação de professores nos quais
aos cursos de bacharelado de 3 anos de duração se somava um quarto ano, do curso de Didática, no qual o
futuro professor cursava as disciplinas pedagógicas necessárias a obtenção do título de licenciado. Ao longo
do tempo esta estrutura curricular foi sendo parcialmente modificada, porém, sem romper com a lógica
presente desde a sua origem. Voltaremos a esta questão no decorrer deste trabalho.
18
Ciências Biológicas, Geografia, História, Matemática, Letras (Português/Literatura) e Letras
(Português/Inglês). É preciso incluir ainda o curso de Pedagogia com habilitação para o magistério das séries
iniciais que tem uma outra organização, por não ser um curso de Licenciatura disciplinar.
19
Apesar de considerarmos que o ensino e a docência podem estar investidos do caráter de pesquisa, neste
trabalho estamos tomando estes termos como o que tradicionalmente se considera a ação do professor em
seu trabalho cotidiano na sala de aula das escolas brasileiras. Ao contrário, quando nos referimos à ciência e
à pesquisa estamos considerando a produção de conhecimento específico no campo em estudo, ou seja, a
Biologia.
20
Responsável pelo curso de Ciências Biológicas. Este departamento possui, além dos professores das
diferentes áreas específicas de Biologia e de Ensino de Ciências/Biologia, um professor de Química e um de
Física. Estamos desconsiderando no total de professores deste Departamento a dupla matrícula que possuem
dois dos seus professores.
10
34 no Departamento de Educação
21
. Destes professores, 102 são doutores ou doutorandos
22
em suas áreas específicas de conhecimento, sendo que alguns poucos tomam o ensino de
sua disciplina como tema de pesquisa. Estes professores trazem em seus corpos e mentes
habitus profissionais oriundos da formação que tiveram nas diversas universidades
brasileiras pelas quais passaram e, de alguma forma, tentam reproduzir na FFP os modelos
que vivenciaram.
A tensão a que estamos nos referindo também está presente, provavelmente, no que
restou de Faculdades de Filosofia no Brasil, particularmente, nas instituições fundacionais,
que mantém o modelo original, porém apenas com cursos de Licenciatura, como é o caso
da Faculdade de Filosofia de Campos/RJ (Andrade, 2006a). Porém, o fato de a FFP estar
vinculada a uma universidade pública, com uma carreira docente estruturada nos moldes
das demais universidades públicas brasileiras aumenta as exigências de caráter acadêmico
ao mesmo tempo em que a distancia da profissionalização de seus alunos. Nas instituições
que foram criadas a partir da fragmentação das Faculdades de Filosofia, acreditamos que
esta tensão nunca deixou totalmente de existir, porém, ela é mais tênue, ao menos antes das
discussões que levaram às novas Diretrizes Curriculares para este campo.
Nos últimos oito anos, com base em nossa vivência na instituição, observamos
algumas alterações que vêm ocorrendo no conjunto dos cursos da FFP. A transferência das
disciplinas de Prática de Ensino específicas do Departamento de Educação para os
departamentos específicos
23
; o desenvolvimento de grupos de pesquisa em ensino nas mais
diversas áreas e as repercussões do discurso produzido por estes grupos vêm instigando o
debate sobre o ensino e, conseqüentemente, sobre a docência como opção profissional
nestes departamentos e influenciando as práticas dos demais professores. Este movimento
parece estar, paulatinamente, mudando o perfil dos cursos e procurando romper, ainda que
tímida e improvisadamente, com o modelo da racionalidade técnica através da articulação
teoria e prática ao longo dos cursos. Isto vem fazendo com que diversas disciplinas tanto de
21
Estamos desconsiderando no total de professores deste Departamento um professor que muitos anos
está afastado da Unidade, cedido à outra Instituição.
22
A titulação do corpo docente efetivo atual da FFP é a seguinte: 78 Doutores (57%); 24 Doutorandos
(18%); 28 Mestres (21%); 2 Mestrandos (1%) e 4 Especialistas/Graduados (3%). Dentre os Mestrandos e
Especialistas/Graduados apenas 1 professor ingressou na FFP, via concurso público, após a incorporação à
UERJ. Fonte: Dados da Superintendência de Recursos Humanos/Departamento de Administração de
Recursos Humanos, disponíveis na Administração da FFP. As informações foram complementadas com
entrevista ao Diretor da FFP e a alguns Chefes de Departamentos e consulta à Plataforma Lattes/CNPq para
atualização dos dados. Cabe destacar que, em 2005, quando prestamos o Exame de Qualificação, havia 64
professores doutores na FFP e que vários dos Doutorandos estão em fase de conclusão de seus cursos.
23
Este fato possibilitou o ingresso, nos departamentos específicos, de professores com perfil peculiar que
fazem a interface entre a formação disciplinar e a formação pedagógica. Cabe ressaltar que o Departamento
de Educação nunca realizou um concurso para suprir as práticas de ensino específicas dos cursos.
11
conhecimento específico, quanto pedagógico, desenvolvam determinados projetos ligados à
prática docente
24
. Estas atividades mais uma vez parecem aproximar o modelo dos cursos
da FFP das novas diretrizes curriculares sem, no entanto, abrir mão da ênfase na
perspectiva disciplinar e acadêmica.
I.2 - O curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Formação de Professores da
UERJ: um estudo de caso
Percorrida a trajetória dos cursos de formação de professores e desvelando alguns
dos fios que os entrelaçam, o que procuramos investigar, na segunda parte de nosso estudo,
nestes tempos de mudanças ou de tentativas de ruptura pela via legal? Tomando o curso de
Ciências Biológicas da FFP/UERJ como um caso interessa-nos avançar no entendimento
de duas questões:
1 Como as tensões apontadas anteriormente - entre conhecimentos específicos e
conhecimentos pedagógicos, ciência e docência, bacharelado e licenciatura, ensino e
pesquisa – se expressam e vão sendo enfrentadas no decorrer do curso pelos seus diferentes
atores: professores e estudantes?
2 Considerando que a formação do professor nos cursos de Licenciatura vem sendo
historicamente centrada na lógica da disciplina acadêmica e não na prática profissional,
como a “formação biológica”, entendida neste estudo como o conjunto de disciplinas e
práticas
25
que se dão no âmbito das Ciências Biológicas stricto sensu, vem contribuindo
para a formação docente? Que grau de articulação vem sendo construído entre esta
“formação biológica” e a docência na escola básica?
É importante frisar que, nas questões que levantamos, não estamos tomando os
pólos da tensão como absolutamente antagônicos, mas sim considerando que estes se
relacionam de forma tensionada nos cursos de Licenciatura. A tensão entre estes pólos gera
ainda uma outra tensão, que título ao nosso trabalho, ou seja, entre uma formação cuja
24
Tais projetos tratam geralmente de reflexões acerca de materiais didáticos nos tópicos referentes ao
conteúdo da disciplina ou ainda de projetos temáticos desenvolvidos em escolas e/ou em comunidades.
25
Estamos incluindo aqui tanto práticas desenvolvidas nas diversas disciplinas do curso, como trabalho de
campo, atividades experimentais, projetos desenvolvidos em escolas etc, como também estágios em projetos
de pesquisa, docência e extensão orientados por professores de Biologia.
12
matriz curricular esteja centrada em bases acadêmicas intelectuais e políticas - e uma
outra, centrada mais fortemente nos aspectos prático-profissionais.
Buscamos, a partir destas questões iniciais, encontrar elementos substanciosos para
demonstrar que a existência de um curso exclusivamente de Licenciatura, em uma
instituição universitária de formação de professores, não elimina as tensões apontadas
acima e, muito menos, a ação política de estudantes e professores que buscam
materialidades (laboratórios, equipamentos etc.), argumentando que a sólida formação na
área disciplinar, tanto no que diz respeito aos conteúdos, quanto à compreensão e a
vivência dos processos de produção do conhecimento biológico, não é contraditória com a
formação docente
26
. Neste sentido, procuraremos compreender ainda, qual é o papel da
formação específica, relacionada com a pesquisa, contribui para a formação dos futuros
professores de Biologia.
Tomando a problematização exposta, nosso estudo apresenta os seguintes objetivos:
GERAL:
Compreender como as tensões existentes entre o conhecimento específico e
conhecimento pedagógico, ciência e docência, bacharelado e licenciatura, ensino e
pesquisa, são enfrentadas no interior de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas
em uma instituição universitária específica para a formação de professores.
ESPECÍFICOS:
a) Reconstruir a trajetória do curso de Ciências/Ciências Biológicas da Faculdade de
Formação de Professores da UERJ, em profunda articulação com a história da
Faculdade, e com a história da formação docente no Brasil, analisando
continuidades e rupturas nas matrizes curriculares implementadas e as tensões
decorrentes deste processo.
26
Este argumento tenta se contrapor ao pensamento de alguns setores da Administração Central da UERJ – e
que não é diferente de muitas outras Universidades - que considera a formação de professores uma tarefa
menor e, portanto, não a necessidade, nem a possibilidade, de dotar a FFP de estrutura para o
desenvolvimento de projetos de pesquisa nas áreas específicas, por exemplo. Esta visão menor da formação
de professores nas universidades brasileiras foi denunciada por Menezes, já em 1986.
13
b) Verificar como as articulações entre conhecimento biológico e conhecimento de
conteúdo pedagógico são construídas e vivenciadas por professores e estudantes ao
longo do curso de Ciências Biológicas;
c) Discutir as contribuições que a construção da base disciplinar acadêmica específica
confere à formação do professor de Biologia;
d) Considerar o papel da pesquisa na formação de professores de Biologia e suas
possíveis interseções com o ensino de Biologia.
I.3 - Compreendendo as tensões no interior do curso de licenciatura em Ciências
Biológicas: opções teórico-metodológicas
Responder às questões propostas neste estudo significa problematizar a contribuição
da disciplina acadêmica específica para a formação do professor. A experiência brasileira,
desde a criação dos cursos de Licenciatura, tem considerado as Faculdades de Educação
27
como o locus privilegiado da formação de professores. Nestas faculdades, na maioria das
universidades públicas, são oferecidos aos licenciandos os conhecimentos pedagógicos
necessários ao entendimento da problemática educacional e o estágio profissional, na
disciplina de Prática de Ensino
28
, ambos considerados fundamentais para o exercício do
magistério. Os estudos sobre formação de professores enfocando esta base pedagógica e
profissional obtidas nas disciplinas teóricas e práticas são numerosos. No entanto, em que
pesem as tentativas de compartilhamento da responsabilidade da formação entre as
Faculdades de Educação e os Institutos Específicos
29
, o debate teórico sobre o caráter da
contribuição da base disciplinar acadêmica específica para a formação ainda é incipiente.
As novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura nos desafiam a enfrentá-lo
e, para tal, precisamos problematizar a formação pela via desta base disciplinar, ou seja,
precisamos repensar o conteúdo, a abordagem e a forma pela qual este conhecimento é
transmitido aos licenciandos e como será também utilizado no exercício profissional do
professor. É preciso ainda, criar formas de articulação entre esta base de conhecimentos e
aqueles estritamente pedagógicos. Nestes aspectos, estamos tomando como referência
27
As Faculdades de Educação foram criadas após a reforma universitária, empreendida pelo governo militar,
em 1968. Antes delas existiam as Seções de Didática das Faculdades de Filosofia.
28
Este é um nome genérico, já consagrado, para a parte do curso relacionada ao estágio supervisionado.
29
A criação dos “Fóruns de Licenciatura”, a partir do início da década de 1990, vem procurando congregar
todas as unidades que participam da formação do professor, além de outros setores internos e externos à
universidade, e se constitui em um passo importante deste compartilhamento, ainda que tratando dos cursos
como um todo e não da especificidade de cada um (Marques e Diniz, 2002).
14
teórica o estudo de Shulman (1987). Este autor enumera e discute as bases de
conhecimentos dos professores. São elas: (i) o conhecimento de conteúdo; (ii)
conhecimento de conteúdo pedagógico; (iii) conhecimento de currículo; (iv) conhecimento
sobre os alunos; (v) o conhecimento pedagógico geral e (vi) o conhecimento dos fins,
propósitos e valores educacionais e sua base filosófica e histórica. Nosso estudo priorizará
as quatro primeiras bases, uma vez que, estamos focalizando nossa análise na base
disciplinar representada pelo conhecimento do conteúdo –, procurando articulá-la com a
docência, o que nos remete às outras três primeiras bases mencionadas. Obviamente que
não pretendemos perder de vista as duas últimas bases, mas estas apenas não estão na
centralidade deste estudo.
Do conjunto das bases do conhecimento docente apresentado por Shulman, a mais
original e, portanto, que merece ser definida neste momento é aquela que diz respeito ao
conhecimento de conteúdo pedagógico. Esta é definida pelo autor como sendo a mistura de
conteúdo e pedagogia dentro de um entendimento de como tópicos particulares, problemas
ou questões são organizados, representados e adaptados para os diferentes interesses e
habilidades dos alunos e apresentados para instrução. (Shulman, Id. f. 5) Tratando-se de
um estudo sobre a formação inicial de professores de Ciências/Biologia, a articulação entre
o conhecimento de conteúdo e o conhecimento de conteúdo pedagógico torna-se
fundamental neste processo.
Neste campo da formação também nos beneficiamos das contribuições de Tardif
(1991, 2002, 2005) referentes ao saber docente. Cabe destacar que, enquanto Tardif tem
como preocupação central os saberes produzidos pelos professores durante sua ação
docente o saber experiencial nosso foco de análise está na formação inicial, portanto,
anterior a esta vivência na prática. No entanto, este referencial nos é útil em dois sentidos:
ao analisarmos as ações dos professores formadores, como também dos egressos do curso
em questão, no exercício do magistério na escola básica. Ao fazer isto, procuramos
estabelecer as relações entre o universo vivenciado no processo de formação, na
universidade e o universo do exercício profissional, na escola.
A proposta inicial de circunscrever nosso estudo à produção teórica do campo da
formação de professores foi, aos poucos, se tornando insuficiente
30
. Na reconstrução da
trajetória do Curso de Ciências Biológicas da FFP desde a sua fundação, como Licenciatura
Curta em Ciências até o período atual, fomos levados a outros referenciais teórico-
30
Esta perspectiva não foi abandonada totalmente, entretanto, outras perspectivas foram a ela somadas.
15
metodológicos, particularmente àqueles que tratam de análises sócio-históricas no campo
do currículo. Esta ampliação foi necessária para darmos conta de realizar a reconstrução da
trajetória histórica do Curso - e da própria FFP -, a partir dos diferentes currículos que o
curso apresentou desde a fundação da Faculdade, em 1973. Para isto, procuramos
estabelecer as articulações entre a Instituição como um todo, o poder público e a legislação
pertinente à formação de professores, como também, entre os Departamentos de Ciências e
de Educação que, nos momentos iniciais da FFP, mais do que hoje, dividiam a
responsabilidade pelo curso. Isto, por sua vez, implicou em realizar um estudo pautado na
História da Educação, mas não da História de Educação em geral, mas, particularmente, da
história do currículo em uma instituição particular.
A literatura que tomamos por base indica uma certa confluência, nos estudos que
procuram abrir a “caixa-preta” das instituições educativas, procurando entendê-las por
meio de suas práticas concretas e simbólicas, de enfoques que abordam a história das
disciplinas, a história das instituições e a cultura escolar ou cultura institucional (por
exemplo: Souza, 2005; Faria Filho et. all, 2004; Viñao Frago, 1995).
Em nosso trabalho privilegiamos estudos curriculares que procuram desnaturalizar
os currículos, considerando-os como construções sócio-históricas, materializando conflitos
de diversas naturezas, na perspectiva defendida por Goodson (1997 e 2003) e estudos que
enfocam a cultura escolar. Neste campo, Souza (2005) aponta a diferença de concepções
defendidas por Antonio Viñao Frago, considerada pela autora como mais ampla,
compreendendo o conjunto das teorias, idéias, princípios, normas, pautas, rituais, inércias,
hábitos, práticas formas de agir e pensar, mentalidades e comportamentos sedimentados ao
longo do tempo em forma de tradições e regras do jogo compartilhadas por seus atores no seio das
instituições educativas, tendo como traços característicos a continuidade e persistência no tempo.
(Souza, 2005, p. 74-75). Para Souza, a concepção de
Dominique Julia, mais específica, é
entendida como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos. Tomando diretamente o trabalho de Viñao Frago
(1995), o próprio autor define que cultura escolar é toda a vida escolar, ou seja, tudo (p.
69).
Faria Filho et al. (2004) destacam também outra diferença de concepção entre esses
dois autores. Segundo estes autores, Viñao Frago coloca ênfase na continuidade, na
resistência apresentada pelas instituições educativas às mudanças, enquanto Julia procura
identificar os processos de mudança:
16
ao aproximar cultura escolar e continuidade, António Viñao Frago construía
uma acepção diversa da enunciada por Dominique Julia, que recorria ao
conceito para romper com a "grande inércia que percebemos em nível global" e
se deixar sensibilizar pelas "mudanças muito pequenas que insensivelmente
transformam o interior do sistema", como citado anteriormente.(Faria Filho et.
all, 2004 p. 149)
Além disso, enquanto Julia volta-se para a cultura da escola primária e da escola
secundária, Viñao Frago amplia o conceito para qualquer instituição educativa, incluindo a
universidade (Faria Filho et al., 2004). Esta ampliação permite que tomemos o conceito de
cultura escolar como base para o nosso estudo e nos convida a analisar a ação dos
diferentes sujeitos, nos diferentes momentos históricos, “enfrentando-se” com as exigências
legais e com o poder público, assim como, as relações internas que foram se constituindo e
geraram uma cultura institucional sui generis. Estas relações internas são consideradas aqui
como os embates e alianças entre os diferentes segmentos da FFP, particularmente sua
Direção, seus órgãos de deliberação, o Departamento de Educação e os Departamentos
específicos, no caso o Departamento de Ciências, e seu corpo discente. Entendemos, no
entanto, que esta cultura, não é estática: ela, em alguns momentos, se modifica com a
entrada em cena de novos atores e, em outros, se mantêm, como uma forma de resistência
ao que é de fora e de manutenção de sua identidade própria. Desta forma, nosso estudo nos
leva a caracterizar continuidades e mudanças ao longo da trajetória da FFP e do Curso de
Ciências Biológicas. Por fim, é preciso destacar que não objetivamos enfrentar
teoricamente o debate acerca das diversas concepções de cultura escolar. Destacamos
apenas os elementos que consideramos produtivos para o entendimento de nossas questões
de estudo.
O estudo por nós realizado pode ser caracterizado como um estudo de caso,
conforme define Lüdke e André (1986), no contexto de uma abordagem qualitativa de
pesquisa em educação. Constituindo-se em uma modalidade de estudo de caso de caráter
histórico, buscamos apoio também na historiografia propriamente dita, pela via do
movimento que ficou conhecido como Nova História, particularmente do trabalho de
autores como Burke (1992a), Prins (1992) e Thompson (2002). Estes autores nos ajudaram
a pensar estratégias metodológicas que articulassem fontes documentais e depoimentos; no
decorrer do trabalho outros autores serão convocados a nos ajudar na tarefa de analisar os
dados obtidos no estudo e responder as questões que nos colocamos ao iniciá-lo.
17
O trabalho se encerra, em suas considerações finais, buscando ressaltar aqueles
elementos que contribuíram para responder as questões de pesquisa, particularmente os
elementos que caracterizam a cultura da FFP no exercício de sua missão institucional: a
formação de professores para a escola básica, enfatizando, obviamente, o curso de Ciências
Biológicas. Esse esforço permite-nos adensar as reflexões para enfrentarmos os problemas
que enfrentamos teórica e cotidianamente na tarefa formar professores de Ciências e
Biologia para a dura realidade das escolas brasileiras. Procuramos ainda, apresentar
algumas limitações deste estudo que lhe conferem um caráter inacabado, apontando para a
continuidade em pesquisas futuras.
18
PARTE II
A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO BRASIL:
ORIGEM E TRAJETÓRIA
19
CAPÍTULO II
ORIGEM E TRAJETÓRIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
SECUNDÁRIO NO BRASIL URBANO-INDUSTRIAL
Se as mazelas atuais da educação brasileira não podem ser justificadas pelas nossas
raízes históricas, ao menos uma parte delas pode ser explicada por estas mesmas raízes. A
implantação de uma sociedade escravista, a longa hegemonia de uma economia agrário-
exportadora, a dependência e subordinação à metrópole e o atraso no processo de
urbanização e industrialização podem ser considerados o alicerce sobre o qual se edificou a
precária educação brasileira, que durante toda a história pré-republicana ficou, com raras
exceções, restrita ao ensino das primeiras letras. Isto se refletiu inclusive na construção
tardia do sistema universitário brasileiro, como nos mostra Cunha (1980), quando
caracteriza a universidade brasileira como temporã.
O modo de inserção da formação sócio-econômica brasileira na divisão
internacional do trabalho desde o período colonial deixou marcas no processo de
escolarização brasileira e, conseqüentemente, na formação de professores. Considerando
que o foco de nosso trabalho está na formação do professor especialista em uma disciplina,
que atua no e ciclos do ensino fundamental e no ensino médio, formado em nível
superior, podemos identificar mais claramente as conseqüências de todo este processo. Um
20
forte indicador é que a formação específica para ensinar nestes níveis de ensino
anteriormente organizados em conjunto constituindo o ensino secundário - foi
timidamente implantada no final da década de 1930. Neste período o país entrou em uma
fase de urbanização mais intensa, o que veio a exigir um aumento da escolarização da
população, tanto em relação ao acesso, quanto ao tempo de permanência na escola.
A expansão da escolarização foi se dando marcada pela influência jesuítica, com
base na disciplinarização, na memorização e no controle da criatividade, como também
pelo desequilíbrio, tanto quantitativo - em termos de oferta, baixo rendimento e
discriminação social - quanto estrutural - uma vez que não atendia às novas necessidades
decorrentes da modernização da sociedade (Romanelli, 1985). Segundo a autora, as classes
dominantes foram incapazes de atender ao aumento da demanda, imposto pelas camadas
médias e populares, assim como às necessidades de força de trabalho exigidas pelas
mudanças na economia, que expandia o setor urbano-industrial. Tais fatores explicariam as
diversas crises que envolveram todo o processo de expansão da escolarização no país.
Neste capítulo, nos ocuparemos em analisar os principais momentos deste processo,
a partir da década de 1930, mencionando, ainda que rapidamente, o início da escolarização
brasileira, em nível secundário, implementada pela Igreja e, posteriormente, pelo Estado.
Ao acompanhá-lo podemos verificar que os fios que entrelaçam o desenvolvimento
sócio-econômico-cultural do país, a escolarização da população e a formação de
professores, em diferentes momentos históricos, também estão envolvidos nas relações
estabelecidas entre o Estado e a Igreja Católica. Tais relações vão se constituindo, ora em
parceria, ora em disputa. É assim que a escolarização brasileira nasce, pelas mãos dos
jesuítas, e tem nos colégios seus principais centros de ensino na colônia. Nestes colégios,
como nos mostra Romanelli (1985), era oferecida
educação elementar para a população índia e branca em geral (salvo as
mulheres), educação média para os homens da classe dominante, parte da qual
continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe sacerdotal, e
educação superior religiosa para esta última. A parte da população escolar
que não seguia a carreira eclesiástica encaminhava-se para a Europa, a fim de
completar os estudos, principalmente na Universidade de Coimbra, de onde
deviam voltar os letrados. (p. 35)
Cabe destacar que desse grupo de “homens da classe dominante” eram excluídos os
primogênitos, que deveriam cuidar dos negócios da família. Os que freqüentavam os
21
colégios eram aqueles que podiam se dedicar ao cultivo das coisas do espírito, valorizadas
e desenvolvidas pelos jesuítas.
Constitui-se, neste período, uma primeira geração de padres-professores, onde o ser
professor, nesse caso, consistia, fundamentalmente, na apropriação dos conhecimentos a
serem transmitidos, na atenção às finalidades gerais da Companhia e no controle do
ambiente da transmissão, sendo suas ações prescritas através da Ratio studiorum de 1599
(Andrade, Ayres e Selles, 2004, p. 2). Neste período, educação e religião são
intrinsecamente ligadas.
A doutrina que seguiam era avessa ao desenvolvimento do espírito crítico, à
Ciência, à experimentação e à pesquisa. Ao contrário, apegava-se às formas dogmáticas do
pensamento e valorizavam-se os exercícios intelectuais como forma de “robustecer” a
memória e capacitar o raciocínio para fazer comentários de textos. Desta forma,
privilegiavam-se os estudos das letras e da cultura humanista.
Esta forma de organização da escolarização vai ser interrompida na segunda metade
do século XVIII quando o Marquês de Pombal fecha os colégios jesuítas e institui as aulas
régias e os exames de admissão para licenciar e prover os novos mestres, agora, pela
primeira vez, sob a responsabilidade do Estado (Romanelli, 1985). Este processo situa-se
no contexto de um forte movimento reformista que se instala em Portugal, voltado para a
necessidade de reestruturar as instituições, preparando novos quadros sintonizados com a
emergência de uma razão de Estado’, característica de uma modernidade tardia
(Andrade, Ayres e Selles, 2004, p. 3 grifo dos autores), movimento este que vem se
refletir na Colônia.
Muda-se a forma, mas não a concepção, já que foi o “clero secular”, formado pelos
jesuítas, que passou a constituir os mestres-escolas, responsáveis pelas aulas régias. Estes
professores, agora providos a partir dos exames de admissão instituídos pelo Estado,
mesmo sem ter uma formação específica para tal função, devem seguir determinados
Estatutos que disciplinam suas ações, instituindo um certo tipo de “formação”, de forma
precária que, no entanto,
impõe regras fixas e pouco flexíveis de admissão na categoria, estabelece
procedimentos de administração para controle da escolla que está nos
mestres e define, mesmo que de forma rudimentar, enfim, na dimensão do
ensino stricto sensu, suas finalidades gerais, seus conteúdos e materiais
didático-pedagógicos, além de dispositivos internos e externos de
avaliação não do adiantamento dos alunos, mas também dos methodos
adotados pelos professores. (Andrade, Ayres e Selles, op. cit., pp. 3-4)
22
É possível compreender que uma forma rudimentar de formação se dava durante
este processo de admissão e, posteriormente, de ação do professor. No entanto, não existia,
nem de longe, neste período, qualquer perspectiva que apontasse a necessidade de um
preparo anterior e específico para o ofício de ensinar. Tal perspectiva será aceita muito
depois, dando origem à primeira Escola Normal no Brasil, em 1835
31
, na Província do Rio
de Janeiro, para a formação de professores primários, e que se expandiu muito tímida e
lentamente.
Por outro lado, o ensino secundário
32
, interrompido com o fechamento dos colégios
jesuítas, em 1759, só será retomado a partir de 1834
33
, com a criação de liceus provinciais e
alguns colégios particulares e, posteriormente, em 1838, com a inauguração do Colégio
Pedro II, única instituição mantida pelo Governo Central e com o poder de conferir o grau
de bacharel, necessário para inscrição nos cursos superiores neste período (Romanelli,
1985). Paradoxalmente - aos olhos de hoje - nesta época, mas precisamente desde o início
do século XIX, já havia cursos superiores instalados no Brasil, que funcionavam a partir de
cátedras isoladas: Anatomia e Cirurgia, implantada em 1808; Engenharia, implantada em
1810 e, mais tarde, em 1827, a cátedra de Direito é instituída
34
. Para o Colégio Pedro II,
manteve-se o mesmo sistema de seleção de professores, ou seja, estes, tal como os
professores primários, eram providos a partir dos exames de admissão que nem sempre
significavam aproximação entre a formação anterior, mesmo nos cursos superiores
existentes, e a disciplina a ser ensinada
35
. A formação de professores para o ensino
secundário precisou ainda esperar um século para ser iniciada
36
. Que novas dinâmicas e
demandas sociais acabaram por exigir uma formação mais específica para atuar como
professor do ensino secundário?
Para responder a esta pergunta, consideramos, com base no estudo de Romanelli
(1985), que a economia agrária e arcaica que até então prevalecia no país, não demandava a
31
Atualmente Instituto de Educação Prof. Ismael Coutinho, no município de Niterói.
32
Por ensino secundário, neste período, entendia-se toda instrução oferecida após o primário.
33
Quando o Ato Adicional permitiu que as províncias regulamentassem e promovessem a educação primária
e secundária. Isto permitiu que algumas aulas gias fossem reunidas em liceus e que fossem criados, nas
capitais, os liceus provinciais.
34
Estes três cursos vão formar a base do ensino superior universitário brasileiro, posteriormente (Cunha,
2003).
35
Tomamos como exemplo o depoimento do professor Afrânio Coutinho que, formado em Medicina, na
Bahia, em 1931, lecionou História e Literatura em colégios particulares e, posteriormente, em 1947, foi
nomeado professor catedrático interino de Literatura do Colégio Pedro II. (Fávero, 1992)
36
Segundo Dávilla (2003), no começo do século XX um certificado do ensino secundário era suficiente para
dar aula em escolas primárias em qualquer parte do Brasil.
23
escolarização da força de trabalho, nem mesmo em termos de alfabetização. Além disso, a
população majoritariamente rural e subordinada a esta forma de economia, também não
podia dar grande importância à escola, pois tinha que lutar pela simples subsistência.
Foram as camadas intermediárias uma pequena burguesia, composta por mineradores,
artesãos e imigrantes – surgidas durante o século XIX, que saíram em busca de escola. Não
de um modelo diferenciado da escola secundária existente, mas justamente desta escola
da elite dominante, vista como uma possibilidade de ascensão social, que permitiria
desenvolver atividades consideradas mais dignas, como cargos burocráticos,
administrativos e intelectuais. Esta escola, preparatória ao ensino superior e completamente
dependente deste, era avessa a qualquer forma de profissionalização, ao contrário da escola
primária e profissional, destinada às camadas mais pobres da população. Este processo irá
culminar com uma série de transformações econômicas, culturais, políticas e sociais que
ocorrerão na primeira metade do século XX.
Costa (2003) descreve as primeiras décadas desse século, que marcaram o início do
processo de modernização da sociedade brasileira. Este processo faz irromper uma série de
movimentos que se estendem por diversos setores, principalmente o cultural. Ganham
destaque neste período a poesia, as artes plásticas, o cinema, a arquitetura, a ciência e a
educação. Este desenvolvimento cultural foi propiciado por um intenso processo de
urbanização que tomou conta, principalmente, de São Paulo e do Rio de Janeiro. No plano
econômico, a crise mundial que se abateu sobre os países capitalistas na década de 1920,
levou o Brasil a aprofundar um processo de industrialização substitutivo de importações
que impulsionou a instauração de novas atividades econômicas. Este processo criou as
condições para o desenvolvimento cultural da sociedade e demandou um incremento em
quantidade e qualidade da força de trabalho.
No âmbito do processo de modernização, e também de consolidação do Estado
Nacional, vários instrumentos foram criados a fim de também consolidar um sistema de
ensino nacional: o Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública, o Conselho
Nacional de Educação, a reestruturação do ensino secundário e comercial, o
estabelecimento do Estatuto das Universidades Brasileiras e a reestruturação da
Universidade do Rio de Janeiro.
No que se refere ao ensino secundário, a reforma Francisco Campos, de 1931
37
,
pretendeu, dar-lhe organicidade, reduzindo os exames parcelados preparatórios ao ensino
37
Decreto 19.890, de 18/04/1931, consolidado pelo Decreto 21.241, de 04/04/1932. Disponível no sítio do
Senado Federal (http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/).
24
superior. Nesta reforma, o ensino secundário passa a ser dividido em dois ciclos: o
primeiro, de 5 anos, chamado de Curso Secundário Fundamental e, o segundo, de 2 anos,
chamado de Curso Secundário Complementar, obrigatório para os candidatos à matrícula
em determinados institutos de ensino superior
38
, totalizando 7 anos de estudos.
Foi neste fervilhar de idéias e necessidades modernas que o ensino secundário
começa a se expandir no Brasil. Tal expansão coloca em cena novos problemas, antes
mesmo de solucionar os antigos, gerando a necessidade de um preparo profissional do
professor para enfrentá-los. É justamente o despreparo do professor um sistema escolar
em expansão demanda ampliação do quantitativo docente - o fator apontado como
responsável pelos problemas deste nível de ensino, fortemente marcado pelo improviso.
Desta forma, um novo profissional o professor secundário vai começar a ser forjado,
imbuído do espírito modernizador do período e com domínio da alta cultura.
No entanto, o ideal de modernidade que marca as primeiras décadas do século XX
se corporificava em diferentes projetos políticos, defendidos por diversos segmentos da
elite brasileira, que acabaram por constituir projetos próprios de educação e de
universidade. Neste movimento destacam-se ao menos três experiências que disputavam a
hegemonia pelo rumo que o processo modernizador iria tomar. Estas três experiências
deixaram suas marcas na educação brasileira e no entendimento do que seria formar o
professor. O início da década de 1930 foi marcante nesta disputa e tornou-se palco de
grandes transformações no incipiente sistema educacional brasileiro.
Alguns dias antes da aprovação da Reforma do Ensino Secundário, o Ministro
Francisco Campos estabelece o chamado Estatuto das Universidades Brasileiras
39
. Este
Estatuto pretende dar um caráter universitário às instituições de ensino superior já
existentes no Brasil
40
, notavelmente voltadas à formação profissional
41
. Ao mesmo tempo,
outro Decreto
42
reorganiza a Universidade do Rio de Janeiro, nos moldes do Estatuto,
tornando-a modelo para as demais universidades brasileiras. É neste Estatuto que a questão
38
As disciplinas a serem cursadas neste Curso Complementar variavam de acordo com o curso de nível
superior pretendido pelo estudante e estavam definidas no Decreto. Nele faz-se menção à Faculdade de
Educação, Ciências e Letras, que seria voltada para a formação de professores e cujo regulamento de
implantação deveria instituir estas disciplinas. Cf. artigos 5
o
, 6
o
, 7
o
e 8
o
do Decreto 19.890, disponível no
sítio do Senado Federal (http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/).
39
Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, in: Fávero, 2000b.
40
Nesta época existiam oficialmente a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920 e a Universidade
de Minas Gerais, criada em 1927.
41
Segundo dados apresentados por Romanelli (1985), para o ano de 1864, o predomínio de matrículas no
ensino superior ocorria nos cursos jurídicos. Nas Faculdades de Direito também se ministravam cursos
ligados às humanidades. Estes estudos eram considerados mais adequados para o posterior preenchimento de
cargos na burocracia do Estado.
42
Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931, in: Fávero, 2000b.
25
da formação de professores para o ensino secundário será enfrentada oficialmente pela
primeira vez, definindo-se para isto também um modelo a ser implementado em todas as
universidades.
Neste contexto de modernização da sociedade e de implantação do Estatuto das
Universidades Brasileiras, três universidades serão criadas e/ou reorganizadas e esboçarão
a solução para a questão da formação de professores. Porém, as soluções propostas não
serão exatamente iguais ao modelo estabelecido pelo Estatuto, pelo menos no primeiro
momento. Vejamos o que este diz no Art. 5º do Estatuto:
A constituição de uma universidade brasileira deverá atender às seguintes
exigências:
I, congregar em unidade universitária pelo menos três dos seguintes institutos do
ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de
Engenharia e Faculdade de Educação, Ciências e Letras
43
.
A Faculdade de Educação, Ciências e Letras tinha como missão dar o “caráter
verdadeiramente universitário” às universidades, sejam as existentes, ou as que viessem
a ser criadas. Este caráter seria dado, justamente, por uma formação o-profissional. A
expectativa, estabelecida pela legislação naquele momento, era de que tal unidade
universitária pudesse ser a sede de estudos desinteressados, afastando a universidade da
mera formação profissional, característica dos cursos superiores existentes. Nas palavras de
Francisco Campos, em sua exposição de motivos para a reforma do ensino superior,
Esta última [a Faculdade de Educação, Ciências e Letras], particularmente,
pela alta função que exerce na vida cultural, é que dá, de modo mais acentuado,
ao conjunto de Institutos reunidos em Universidade, o caráter propriamente
universitário, permitindo que a vida universitária transcenda os limites do
interesse puramente profissional, abrangendo, em todos os seus aspectos, os
altos e autênticos valores de cultura, que à Universidade conferem o caráter e
atributo que a definem e individuam, isto é, a universalidade
44
.
Seria este ambiente, que abrangeria os altos e autênticos valores da cultura,
responsável por uma importante tarefa a formação de professores para o ensino
secundário. Foi este o primeiro movimento oficial no sentido de instaurar a formação de
professores secundários no Brasil.
43
Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931. A legislação encontra-se disponível na internet, no sítio do
Senado Federal: www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
44
“Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos sobre a Reforma do Ensino Superior”. In: Fávero,
2000b, pp. 25-26.
26
No entanto, esta faculdade não conseguiu “sair do papel”. Apesar da enfática defesa
de sua necessidade e da missão transcendente que caberia a ela, somente após oito anos
uma faculdade com essa natureza foi implantada na Universidade do Rio de Janeiro. Antes
disso, iniciaram-se outras duas experiências: a Universidade de São Paulo (USP), criada
por Fernando de Azevedo, em 1934, e a Universidade do Distrito Federal (UDF), criada
por Anísio Teixeira, em 1935. Apesar de ambas terem sido criadas por integrantes do grupo
conhecido como Pioneiros da Escola Nova
45
, se constituíram em modelos diferentes de
universidade. Cabe acrescentar que Francisco Campos também fazia parte deste grupo e
que o documento assinado por eles o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, 1932 -
apontava a necessidade de formação em nível superior dos professores para todos os níveis.
O processo de criação destas universidades, com seus diferentes projetos, materializa a
heterogeneidade da elite brasileira e vale a pena ser descrito, ainda que a especificidade do
nosso estudo não permita um maior aprofundamento. É isto o que passaremos a fazer.
A Universidade de São Paulo foi gestada longamente pela intelectualidade paulista.
Neste processo concorreram interesses antagônicos como os da oligarquia tradicionalista e
os dos educadores da Escola Nova, chamados de educadores profissionais. A universidade
era vista como um organismo concatenador da mentalidade nacional, uma vez que nela se
formariam essas admiráveis legiões de estudiosos desinteressados, que do ambiente sereno
das bibliotecas e dos laboratórios indicam, em todas as nações cultas do universo, as
diretrizes seguras por onde trilham confiantes os homens de ação (Mesquita Filho, 1925,
apud Limongi, 2001, p. 152). Segundo Limongi, a idéia expressa por Mesquita Filho, não
significava, simplesmente, que os cientistas viriam a oferecer as bases para a ação dos
homens públicos; mais que isto: é a emancipação nacional que está em jogo, entendida
como o encontro entre a nação com o seu destino, com a definição dos ideais que deve
perseguir (idem, p. 152). Nas palavras do próprio Mesquita Filho, caberia a estes
intelectuais desinteressados trabalhar para
dotar o povo de um mínimo de princípios gerais em harmonia com o nosso
passado histórico e com as tendências naturais da nacionalidade, isto é,
procurando, num esforço continuado e sincrônico, a fórmula intelectual que
mais se aproximasse de uma ideal unidade de doutrina, sob cuja orientação
45
A literatura tem apontado a heterogeneidade de projetos entre os signatários do Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova, liderados por Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo. A este respeito ver, p.
e., Cunha (1980) e Vicenzi, (1986).
27
envolva livremente a coletividade brasileira (Mesquita Filho, 1925, apud
Limongi, 2001, p. 152-3).
A essa universidade assim gestada ainda era atribuída a tarefa de formar professores
para o ensino secundário, o que viabilizaria a estruturação deste nível de ensino. Isto
porque a falta de formação dos professores era considerada responsável pela situação
precária do ensino brasileiro, levando o país à beira do abismo. Os professores, assim, eram
vistos como os “potenciais salvadores” da nação conforme enfatiza Mesquita Filho,
o papel fundamental nessa obra de regeneração caberia, evidentemente,
aos institutos de ensino secundário que (...) criassem esta mentalidade
média nacional e se constituíssem em reserva permanente de elementos
para a constituição das elites intelectuais, a cuja maior ou menor
perfeição deve hoje a sua maior ou menor eficiência na luta pela
existência. (Mesquita Filho, 1925, apud Limongi, 2001, p. 153.)
O grupo de educadores que esteve à frente das propostas educacionais para a
sociedade brasileira compartilhava a visão de que a formação de professores era a chave
para a reforma educacional. Segundo Dávila (2003), eles expressavam desdém pelos
professores contratados previamente pelo sistema escolar da cidade [Distrito Federal] e
pelos contratados em outras partes do país
46
(p. 101). Para o autor, tais educadores
sentiam que faltava aos professores profissionalismo, capacidade cnica e força moral.
Eles entreviam, ao contrário, uma categoria profissional de professores que deveria ser
formada por uma elite profissional devidamente selecionada e preparada
47
. (Dávila, 2003,
p. 101)
Assim, ao ser instituída a Universidade de São Paulo, em janeiro de 1934, foi
também instituída pela primeira vez a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL).
Ao contrário do modelo indicado no Estatuto das Universidades Brasileiras como padrão
para as demais universidades, a USP incorpora à sua estrutura o Instituto de Educação, que
oferecia cursos de nível superior, de caráter profissionalizante para o magistério, desde
1933 (Evangelista, 2001). Segundo Cunha (2003), Fernando de Azevedo era um defensor
do modelo de formação de professores americano o Teachers Collegeonde o candidato
a professor fazia a maior parte do seu curso, recorrendo aos institutos específicos para fazer
46
No original: “expressed their disdain for the teachers previously hired by the city school system and those
continuing to be hired in other parts of the country”
47
No original: “felt that the teachers lacked professionalism, technical capacity, and moral force. They
envisioned instead a teacher corps that was comprised of a properly selected and trained, exclusive and
grifted professional elite”.
28
algumas poucas disciplinas de conteúdo específico. Este, no entanto, não foi o modelo
implantado na USP. Ao contrário disto, os estudantes deveriam passar a maior parte de sua
formação envolvidos com os conhecimentos específicos na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras. E esta Faculdade foi purgada de qualquer tipo de formação profissional,
devendo os seus alunos, após a formação específica dada em seus cursos de origem
48
, se
dirigir ao Instituto de Educação para cursar as disciplinas pedagógicas a fim de se tornarem
professores: a Faculdade de Filosofia proporcionaria a cultura e o conteúdo especializado
e o Instituto de Educação a formação propriamente pedagógica. (Antunha, apud. Limongi,
2001, p. 187). Assim, preservava-se ao menos em uma unidade da universidade um espaço
não impregnado pelo espírito da profissionalização, mas voltado para a verdadeira missão
da universidade, que seria a promoção da alta cultura e da ciência.
Esta concepção implantada na USP durou pouco, pois em 1938, o Instituto de
Educação é desligado da universidade e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras passou
a incorporar também os estudos pedagógicos necessários à formação do professor,
ganhando assim, um caráter também profissional, tal qual instituía o Estatuto das
Universidades Brasileiras.
no Rio de Janeiro um outro modelo de universidade é estruturado e, em 1935,
Anísio Teixeira funda uma instituição, denominada Universidade do Distrito Federal
(UDF). Esta universidade foi composta por várias Escolas
49
e um Instituto
50
e,
principalmente, pela Escola de Educação, constituída a partir da incorporação do Instituto
de Educação
51
à UDF. Suas finalidades, de acordo com o Decreto nº 5.513
52
que a instituiu,
seriam:
a) promover e estimular a cultura de modo a concorrer para o aperfeiçoamento
da comunidade brasileira; b) encorajar a pesquisa científica, literária e
artística; c) propagar as aquisições da ciência e das artes, pelo ensino regular
de suas escolas e pelos cursos de extensão popular; d) formar profissionais e
técnicos nos vários ramos de atividade que as suas escolas e institutos
comportarem; e) prover a formação do magistério, em todos os seus
graus.”(Prefeitura do Distrito Federal, apud Vicenzi, 1986, p. 10)
48
Era permitido também que, no ano do curso, os alunos cursassem as disciplinas pedagógicas no
Instituto de Educação.
49
Escola de Ciências; Escola de Economia e Direito; Escola de Filosofia e Letras.
50
Instituto de Artes
51
O Instituto de Educação foi criado em 1932 por Anísio Teixeira, a partir da Escola Normal do Rio de
Janeiro, que funcionava em um prédio construído por Fernando de Azevedo na Tijuca. Este Instituto,
nesta época, também oferecia formação de nível superior para professores.
52
Decreto assinado pelo então prefeito do Distrito Federal, Dr. Pedro Ernesto, de 4 de abril de 1935.
29
Na concepção de Anísio, a formação de professores para o ensino secundário seria
realizada em estreita articulação entre as Escolas que ministravam as disciplinas
necessárias à realização deste curso.
Um ponto em comum a USP e a UDF foi a escolha e contratação do corpo docente:
em ambos os casos enviou-se um representante para a Europa em busca de professores
estrangeiros para as instituições
53
. Cabe destacar ainda que Anísio Teixeira conseguiu
reunir na UDF grandes nomes da intelectualidade brasileira das mais diversas matizes
políticas
54
.
Esta experiência, no entanto, durou pouco. Em 1939 a UDF foi destruída e seus
alunos e alguns professores foram incorporados a então recém-criada Faculdade Nacional
de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil
55
. Esta faculdade foi finalmente criada pelas
mãos de Gustavo Capanema, através do Decreto-Lei 1.190/39
56
, no período de ditadura
getulista, que impôs um projeto educacional autoritário e centralizador. Este momento irá
marcar fortemente a criação desta faculdade. Uma destas marcas diz respeito à forma de
contratação de seus professores que, ao contrário do que ocorreu na USP e na UDF, foi
feita pelo governo e sob forte influência da Igreja Católica
57
- por meio de Alceu Amoroso
Lima e George Dumas (Fávero, Guimarães & Siano, 1989) - e dos militares que
disputavam o controle da educação.
Tal expressão do autoritarismo vigente se refletiu também no fato de que houve
uma severa restrição à incorporação do quadro de professores da UDF à FNFi,
principalmente no campo das ciências humanas e sociais, uma vez que muitos deles eram
considerados comunistas e inimigos do regime e da Igreja Católica.
O Decreto-Lei 1.190/39 estabeleceu como finalidades da FNFi:
53
No caso da UDF, além da contratação de ilustres intelectuais brasileiros e de estrangeiros que já atuavam
no Brasil, Afrânio Peixoto foi encarregado, em 1935, de buscar na Europa outros professores estrangeiros.
(Vicenzi, 1986)
54
Fizeram parte do quadro docente da UDF intelectuais como Júlio Afrânio Peixoto, reitor; Manoel
Bergstrom Lourenço Filho, diretor da Escola de Educação; Roberto Marinho de Azevedo, diretor da Escola
de Ciências; Hermes Lima, diretor da Escola de Economia e Direito; Edgardo Castro Rebello, diretor da
Escola de Filosofia e Letras; Celso Octávio do Prado Kelly, diretor do Instituto de Artes e os seguintes
professores Bernhard Gross e Plínio Sussekind da Rocha, de física; Herman Lent, de zoologia; Gilberto
Freyre, de sociologia e antropologia; José Leite e Oiticica, de lingüística; Lúcio Costa, de arquitetura;
Cândido Portinari, de pintura mural e cavalete; Heitor Villa-Lobos, de música; e mais, Sérgio Buarque de
Holanda, Cecília Meirelles e Mário de Andrade (Vicenzi, 1986).
55
A Universidade do Rio de Janeiro foi transformada em Universidade do Brasil, através da Lei 452 de 5 de
julho de 1937. In: Fávero, 2000a.
56
Decreto-Lei 1.190, de 4 de abril de 1939. Disponível no sítio do Senado Federal:
www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
57
Anísio Teixeira era explicitamente refratário à Igreja Católica.
30
a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades
culturais de ordem desinteressada ou técnica; b) preparar candidatos ao
magistério do ensino secundário e normal; c) realizar pesquisas nos vários
domínios da cultura, constituidores de objeto de seu ensino. (Fávero, Guimarães
& Siano, 1989, p. 133)
Como se pode verificar deste artigo, ao contrário da USP, a Universidade do Brasil
atribuiu a FNFi, tanto a formação científica, quanto a formação profissional. Cabe destacar
ainda que o Decreto-Lei 1.190/39 estabeleceu o prazo de de janeiro de 1943 para que o
preenchimento de qualquer cargo ou função no magistério secundário ou normal fosse feito
apenas com portadores de diploma de licenciado do curso correspondente à disciplina que
irá lecionar. Tal aspecto deve ser visto com prudência uma vez que muitos professores
continuavam sendo aprovados com base em clientelismo e a diplomação não era o critério
padrão (Dávilla, 2003). Além disso, o número de professores formados foi insuficiente para
suprir as necessidades de expansão da escola. Mesmo no momento em que a expansão
ainda era lenta, o número de egressos que se dedicaria ao magistério não correspondia à
demanda (Nunes, 2000).
Temos, então, na USP em 1934, na UDF em 1935
58
, e na UB em 1939 a primeira
gênese da formação de professores para o ensino secundário no Brasil. Estas três
instituições tinham a missão de produzir a intelectualidade brasileira de forma a viabilizar o
processo de modernização. Tais instituições tinham, no entanto, perspectivas bastante
diferenciadas deste processo, expresso fundamentalmente pelos seus mentores e criadores.
A USP tinha uma clara pretensão de construir uma elite intelectual e política que
devolvesse à São Paulo a hegemonia que havia perdido nas armas
59
. A UDF se enquadrava
em um projeto educacional mais amplo que incluía todo o sistema educacional do Distrito
Federal e que pudesse ser estendida ao restante do país. A reforma educacional levada a
cabo por Anísio Teixeira, enquanto esteve a frente da Diretoria Geral da Instrução do Rio
de Janeiro, consistia em implantar um sistema educacional bastante avançado para a época,
bem articulado e democrático, através da ampliação e modernização da rede de escolas de
ensino primário e secundário. Além disso, o projeto de Anísio levava à equiparação do
ensino técnico-profissional ao nível do secundário (o que permitiu que todos pudessem
pleitear o ingresso no ensino superior), a transformação da Escola Normal em Instituto de
Educação e a própria criação da UDF, entre outras ações. Para Anísio, o Distrito Federal
58
Estamos incluindo esta experiência não só como registro histórico, mas para marcar uma concepção
diferenciada de universidade e de formação de professores.
59
Referimo-nos à derrota paulista na Revolução de 1932
31
seria um “laboratório” de inovações educacionais, alimentado pela fartura das verbas
federais, o que colocava a cidade do Rio de Janeiro em situação privilegiada. Ainda para
ele, a formação de professores era central no processo de desenvolvimento e modernização
do país e esta era a missão principal da UDF. Tais mudanças, baseadas em idéias que foram
caracterizadas como “liberal democrática” (Cunha, 1980), estavam voltadas para a
ampliação dos direitos à escolarização dos trabalhadores e não estavam apenas restritas à
formação das elites
60
.
a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, como dissemos
anteriormente, foi criada com uma forte perspectiva autoritária e centralizadora, fortemente
influenciada pelo regime do Estado Novo. Sua perspectiva estava mais voltada para a
formação de quadros técnicos e intelectuais para servir à burocracia do Estado. É esta a
concepção que sai vencedora. O governo Vargas, além de extinguir a UDF, obriga a USP a
se enquadrar nos moldes ditados pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, o que implica
em excluir o Instituto de Educação de sua estrutura e incorporar a seção de Educação à
FFCL.
Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, com todas as idas e vindas, são estas
as instituições responsáveis por formar de modo sistemático a primeira geração de
pesquisadores e professores brasileiros.
Apesar do prazo estipulado pelo Decreto-Lei 1.190/39 para que o preenchimento de
cargos no magistério secundário ou normal fosse feito apenas por portadores de diplomas
de licenciado isto acabou por não ocorrer na prática devido ao baixo número de licenciados
egressos desta escola e mesmo das demais Faculdades de Filosofia que foram criadas no
país. Além disso, muitos dos egressos das três principais faculdades acabavam por serem
incorporados aos quadros da própria universidade, se tornando assistentes de seus
professores
61
.
Cabe destacar que o surgimento de novas Faculdades de Filosofia no resto do país
foi se dando de forma bastante precária. Até 1950 em todo o Brasil havia apenas vinte e
duas delas, sendo sete oficiais, cinco em universidades particulares católicas e dez escolas
isoladas. Em 1960 passavam de setenta, que exerciam, salvo raras exceções,
exclusivamente a função de formar professores secundários (Candau, 1987). Candau
apresenta dados retirados de artigos publicados por Anísio Teixeira e Newton Sucupira, em
60
Cunha (1980) caracteriza as idéias defendidas por Mesquita Filho e Fernando de Azevedo (fundadores da
USP) como “liberal elitistas”.
61
Fávero, 1992.
32
1969, que demonstram que a grande maioria de alunos matriculados em instituições
privadas de ensino superior, concentrava-se na área de humanidades, onde os custos são
mais baixos, por não necessitarem de instalações físicas tais como laboratórios ou
equipamentos mais sofisticados. Assim, Licenciaturas em Física ou em Química eram raras
dentre os 500 cursos existentes no país em 1965. Se na própria FNFi as condições eram
precárias tanto para o desenvolvimento dos cursos, com aulas práticas laboratoriais, quanto
para a realização de pesquisas, piores ou inexistentes eram as condições nas demais
instituições do gênero. Além disso, Candau (1987) afirma: dados de 1960 nos mostram que
menos de 20% dos professores secundários são diplomados por faculdades de filosofia,
emergindo eles das escolas normais e de outros cursos superiores. (p. 16) Isto indica como
a tentativa para acabar com o improviso na educação e, particularmente, na formação de
professores, não foi - e até hoje não é, uma tarefa fácil. Em moldes mais sofisticados do
que aqueles anteriores ao século XX, permaneceram os processos de “provisão” docente
(Andrade, Ayres e Selles, 2004).
No que tange ao ensino secundário, este vai sofrer algumas modificações pouco
significativas em 1942, através do Decreto-Lei 4244/42
62
, que altera a configuração dos
ciclos já existentes, passando o primeiro ciclo a ser chamado de Ginásio, com duração de 4
anos e o segundo ciclo, separado em Clássico e Científico, com duração de 3 anos.
Segundo Nunes (2000) a ênfase, nesta reforma, foi colocada na cultura geral e humanística,
excessivamente enciclopédica. Além disso, não existia uma grande distinção entre os dois
cursos do segundo ciclo.
O fim do Estado Novo em 1945 possibilita a retomada do processo democrático e
uma longa discussão é travada em torno da educação culminando, dezesseis anos depois,
com a aprovação da Lei 4.024/61
63
, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
na qual o termo ensino secundário é substituído por ensino médio, mantendo a duração dos
dois cursos que o compunha: o ginásio e o colegial. Durante todo este período houve uma
forte expansão do ensino secundário, mas esta se deu de forma precária, uma vez que não
significou um aumento correspondente no número de escolas, mas a superlotação das
turmas já existentes ou a criação de novos turnos, o que implicou na diminuição da duração
dos mesmos (Nunes, 2000). Além disso, o recrutamento de professores era feito de forma
emergencial, uma vez que não havia professores formados em número suficiente para
62
De 9 de abril de 1942. Disponível no sítio do Senado Federal: www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
63
Lei de Diretrizes e Bases da Educação , de 20 de dezembro de 1961. Disponível no sítio do Senado
Federal: www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
33
atender tal demanda. Cabe destacar ainda que, apesar da expansão em termos de matrícula,
esta não foi acompanhada de expansão nos resultados. Ou seja, os índices de retenção e
evasão no ensino secundário chegavam a faixa de 80%, ocasionados, segundo Nunes
(2000), pelas dificuldades financeiras que as famílias encontravam para manter seus filhos
no colégio. Isto significa dizer que, apesar da expansão de matrículas, não houve um
aumento significativo no nível de escolarização da população.
O período democrático vivido após a ditadura varguista, no entanto, não durou
muito. O golpe militar de 1964 estabelece um regime autoritário e vai impor um novo ritmo
ao processo de desenvolvimento do país, com investimentos pesados na indústria de base,
com uma grande necessidade de aumento da força de trabalho com qualificação técnica, o
que vai exigir uma ampliação vertiginosa do acesso à educação escolar. Assim, o ensino
secundário, tradicionalmente restrito às elites e às camadas médias em busca de ascensão
social, passa a ser acessado pelos trabalhadores e seus filhos, ao menos até o ginásio.
Além disso, a ampliação do acesso ao segundo ciclo do ensino médio faz aumentar
a pressão por ensino superior, sendo esta demanda incorporada fortemente nas bandeiras do
movimento estudantil pós 1964, mesmo sob a ditadura. Este movimento se intensifica ao
final desta década e, em 1968, há o recrudescimento do regime militar aumentando a
censura e a perseguição dos líderes estudantis e políticos.
Ao contrário da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1961, o regime
militar faz rápidas mudanças na legislação alterando significativamente a educação escolar
brasileira, através da Lei 5.692/71
64
.
A educação escolar passa, então, a ser organizada em dois graus: o grau
incorpora o antigo primário e ginásio, unificando-os em 8 anos de estudos, e o 2º grau, com
3 anos, corresponderia ao segundo ciclo do ensino médio anteriormente vigente. As
mudanças advindas desta organização são bastante drásticas. Por um lado, amplia a
obrigatoriedade do ensino para oito anos de escolaridade, correspondente ao 1
o
grau, a ser
cursado de 7 a 14 anos. Por outro lado, a implantação do grau não se configurou apenas
em uma mudança de nomenclatura. Este nível de ensino passa a ser, obrigatoriamente,
profissionalizante. Esta medida, segundo Cunha (1977b) visava reprimir a demanda por
ensino superior, dando o caráter de terminalidade a este nível de ensino. Esta
obrigatoriedade acaba por desvalorizar o diploma dos cursos cnicos e profissionalizantes
existentes até então, inclusive do Curso Normal.
64
De 11 de agosto de 1971. Disponível no sítio do Senado Federal:
www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
34
A Lei 5.692/71 não se restringe a modificar apenas a organização da educação
escolar. Na medida em que, a partir desta nova organização, se espera uma expansão ainda
maior da escolaridade havia a exigência de se expandir também a formação de professores
e tal legislação responde a esta exigência, com a alteração os mecanismos de formação,
disciplinando as necessidades formativas dos professores para cada nível de ensino. Assim,
em seu artigo 30, determina:
Exigir-se-á, como formação mínima para o exercício do magistério:
a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau;
b) no ensino de grau, da à séries, habilitação específica de grau
superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1º grau obtida
em curso de curta duração;
c) em todo o ensino de e graus, habilitação específica obtida em curso
superior de graduação correspondente a licenciatura plena.
§ 1º. Os professôres a que se refere a letra a poderão lecionar na e séries
do ensino de 1º grau se a sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou,
quando em três mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo
que incluirão, quando fôr o caso, formação pedagógica.
§ 2º. Os professôres a que se refere a letra b poderão alcançar, no exercício do
magistério, a série do ensino de grau mediante estudos adicionais
correspondentes no mínimo a um ano letivo.
§ 3º. Os estudos adicionais referidos nos parágrafos anteriores poderão ser
objeto de aproveitamento em cursos ulteriores.
Desta forma fica instituída a Licenciatura Curta como formação mínima para atuar
até a série do grau e a tradicional Licenciatura Plena passa a ser obrigatória apenas
para atuar na 3
a
série do 2
o
grau. Com as regulamentações que se seguem à Lei, realizadas
pelo Conselho Federal de Educação, se torna possível formar professores das três grandes
áreas de ensino Comunicação e Expressão, Ciências e Estudos Sociais
65
em um mínimo
de um ano e meio
66
. No conjunto dos dispositivos legais admitia-se também que o
professor formado em cursos de grau acrescidos de mais um ano, poderia lecionar até a
6ª série.
A abertura destes cursos de Licenciatura Curta, baseados na noção de polivalência,
era impulsionada pela demanda por professores para fazer frente à expansão da
escolarização da população. Grande parte destes novos cursos ocorreu através da iniciativa
privada, uma vez que seu custo foi barateado pela diminuição de sua duração e pela própria
65
Resolução 8, de 1/12/1971, do Conselho Federal de Educação, que fica o núcleo comum para os
currículos de 1
o
e 2
o
graus.
66
Conferir na Resolução Nº 1, do Conselho Federal de Educação, de 17/01/1972.
35
perspectiva profissional que o fundamentou. Dados apresentados por Marri (1977)
67
mostram que o maior número destes cursos foi criado em Instituições de Ensino Superior
privadas e, ao contrário do que se esperava, encontrava-se na Região Sudeste e não em
regiões onde a carência de professores era maior. A criação de tais cursos de curta duração
foi o meio que o Estado Brasileiro encontrou de atender, sem grandes gastos, à necessidade
de ampliação das vagas no ensino superior, reivindicada pelos estudantes.
A justificativa para a oficialização dos cursos de Licenciatura Curta polivalente
baseava-se na necessidade de preparar o professor mais ajustado ao ensino de 1
o
grau, que
deveria atuar com um conhecimento integrado
68
, organizado no núcleo comum do ensino
na forma de matérias. Consideravam-se também as possibilidades financeiras da maioria
dos Estados e argumentava-se que era muito ambicioso formar o professor para o nível de
1
o
grau tendo como base a disciplina acadêmica. Estes argumentos foram expressos por
Valnir Chagas, então conselheiro da Câmera de Ensino Superior do Conselho Federal de
Educação, em Parecer
69
sobre a Duração dos Cursos de Licenciatura de 1º Grau, que deu
origem à Resolução 1/72, citada. Neste Parecer, Valnir Chagas insiste no caráter
provisório da proposta, referindo-se à carga horária mínima dos cursos, mas defende a sua
concepção. Em suas palavras:
... de um lado, porque resulta de experiência iniciada neste Conselho que se vem
rapidamente impondo na prática; de outro, por expressar um mínimo, fixado
com todo o realismo, que é de esperar seja sempre ampliado onde e quando haja
condições para tanto. (Parecer 895/71, p. 309)
É importante ressaltar que os Cursos de Licenciatura de 1
o
Ciclo haviam sido
aprovados pelo Conselho Federal de Educação em 1965, no caso de Letras
70
e Ciências
71
e
em 1966, no caso de Estudos Sociais
72
, com duração de 3 anos. Estas medidas estavam
consoantes com uma discussão que ocorria no meio educacional, expressando a
preocupação com a especificidade deste nível de ensino. A justificativa para a existência
67
No Simpósio Formação de Professores para o Ensino de Disciplinas Científicas para o 1
o
e 2
o
Graus”,
realizado durante a 28
a
Reunião Anual da SBPC.
68
A partir da crítica a excessiva fragmentação do conhecimento em disciplinas no ginásio e no colégio, o
Conselho Federal de Educação elaborou uma proposta curricular que postulava a unidade essencial do
conhecimento. Desta forma, o currículo do 1
o
e 2
o
graus foi organizado em matérias: Comunicação e
Expressão, Estudos Sociais e Ciências. (Cunha, 1977a)
69
Parecer nº 895/71, C.E.Su., aprovado em 9/12/1971.
70
Parecer nº 236/65, do Conselho Federal de Educação.
71
Parecer 81/65, do Conselho Federal de Educação e Portaria 46 de 26/02/65, do Ministério da Educação.
72
Parecer 106/66, do Conselho Federal de Educação.
36
destes cursos havia sido apresentada pelo Conselheiro Newton Sucupira em uma
Indicação aprovada em outubro de 1964. Segundo ele,
esta figura do professor polivalente se justificaria sob vários aspectos: em
primeiro lugar o professor de ginasial não de ser o especialista puro; em
segundo lugar, do ponto de vista pedagógico formativo o ideal seria que, no
primeiro ciclo, o mesmo mestre se ocupasse de várias matérias; finalmente,
porque contribuiria para resolver o problema da falta de professores. (apud.
Cunha, 1977a, p. 422)
No entanto, o modelo de formação de curta duração e polivalente em Ciências
73
,
institucionalizado a partir da Lei 5.692/71, sofreu grande resistência por parte da
comunidade acadêmica, principalmente nesta área. Apesar de o Conselho Federal de
Educação ter determinado a obrigatoriedade da implantação deste modelo para a
Licenciatura em Ciências a partir de 1978
74
, esta obrigatoriedade acabou por não se efetivar
nas instituições públicas
75
. Nas décadas de 1970 e 1980 ocorreram intensos debates
organizados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, e publicados na
revista Ciência & Cultura
76
, frutos de diversos seminários realizados no país, visando
acabar com esta modalidade de formação docente. Outra forma de pressão ocorreu pela via
dos concursos públicos que, ao menos no Rio de Janeiro, na segunda metade da década de
1980, passaram a exigir a Licenciatura Plena para ocupar cargos docentes, a partir do
segundo segmento do grau. Em decorrência dessas pressões muitos cursos se
extinguiram ou se ampliaram, tanto ao criarem a possibilidade de complementação em uma
das disciplinas, quanto ao passarem a ter apenas a habilitação de nível pleno.
A análise deste período, correspondente à vigência da Lei 5.692/71, marcado pelo
regime militar, nos mostra que a expansão do acesso à escola não foi acompanhada de
melhoria na qualidade da educação oferecida às parcelas mais desfavorecidas da
73
Resolução nº 30, de 11/07/1974, do Conselho Federal de Educação.
74
Resolução nº 37, de 14/02/1975, do Conselho Federal de Educação.
75
A obrigatoriedade de implantação do modelo instituído pela Resolução 30/74, foi adiada, sem
estabelecimento de novo prazo, pela Resolução nº 5, de 28/06/1978, do Conselho Federal de Educação.
76
Por exemplo: Simpósio “Formação de Professores para o Ensino de Disciplinas Científicas para o 1
o
e 2
o
Graus”, realizado durante a 28
a
Reunião Anual, em 1976, publicado no V. 29, 4, de abr./1977;
Documento SBPC “Sugestões para a formação de professores da área científica para as escolas de 1
o
e 2
o
graus”, publicado no V. 33, Nº 3, de mar./1981; “Licenciatura em Ciências e Reformulação dos Currículos”,
fruto de Encontro realizado pela Regional Rio, para discutir o tema, publicado no V. 34, 1, de jan./1982;
Simpósio “Os Cursos de Licenciaturas e a Formação de Professores”, realizado durante a 34
a
Reunião
Anual, em Campinas em 1982, publicado no V. 35, Nº 9, de set./1983 e também no V. 36, Nº 9, de set./1984
com o título “As licenciaturas nas áreas de ciências naturais e exatas”; “Recursos Humanos para a
Educação”, publicado no V. 37, Nº 1, de jan./1985. Simpósio “A Licenciatura em Questão”, realizado
durante a 39
a
Reunião Anual, em 1987, publicado no V. 40, Nº 2, de fev./ 1988.
37
população. Os índices de evasão e repetência permaneceram altos e farta literatura
77
sobre este período denunciando estes indicadores e apontando problemas tais como o
“sucateamento” das escolas, o despreparo dos professores, a perda do valor econômico e
simbólico do diploma de professor. Durante este período, o ensino de 1º grau foi expandido
precariamente, muitas vezes com redução da jornada diária a fim de atender a um maior
número de alunos. Seus professores se depararam com um alunado de nível sócio-
econômico mais baixo do que estavam acostumados, e isto não foi acompanhado por uma
mudança nos conteúdos e métodos de ensino, aumentando os problemas da repetência e
evasão, afetando diretamente este grupo de alunos. Tal estado é agravado ainda mais pela
formação aligeirada obtida nas Licenciaturas Curtas, em um momento em que uma
formação sólida seria mais que necessária para atender ao desafio de ampliação da
escolarização da população mais pobre. Cunha (1977a), em artigo que analisa a
implantação desta modalidade de Licenciatura conclui que esta acarretará, provavelmente,
a diminuição da qualidade de ensino, devido a deterioração da qualidade do corpo
docente, pouco satisfatório, pela redução drástica do tempo de estudos e pelos
equívocos da ‘integração’ (p. 427).
Com relação ao ensino de 2
o
grau, as escolas não estavam preparadas para a
profissionalização universal e compulsória: não possuíam equipamentos e ambientes
necessários para o oferecimento dos cursos técnicos, nem professores especializados para
as disciplinas desta natureza. Sendo assim, os estudantes oriundos das camadas populares
que passaram a ter maior facilidade de acesso a este nível de ensino freqüentavam escolas
públicas com condições precárias, tanto com relação ao quadro docente, quanto em relação
às instalações e equipamentos. Desta forma, a ampliação da incorporação da juventude
trabalhadora ao ensino de 2
o
grau não se deu nem com base no modelo propedêutico que
corresponderia ao ensino secundário anterior, clássico ou científico, nem com base em uma
profissionalização consistente. Ao contrário, foi-lhes oferecido um arremedo de
profissionalização, que não atendia aos anseios de ascensão social e mesmo às necessidades
da indústria, que sempre preferiu formar os seus próprios trabalhadores. Já a elite e as
camadas médias, também insatisfeitas com o modelo compulsório de formação
profissional, passaram a formar os seus filhos em escolas particulares que burlavam de
todos os modos possíveis a legislação vigente, continuando a preparar os seus alunos para o
vestibular de acesso ao ensino superior.
77
Ver, p. e., Poppovic, (1981), Picanço (1982), Mello (1982), Mello, Maia & Britto (1983) e Sipavicius
(1987).
38
A imposição da profissionalização universal e compulsória (Germano, 1993) foi
revogada pela Lei 7.044/82, sem conseguir, efetivamente, profissionalizar a juventude
trabalhadora brasileira. Ou seja, o projeto dos militares para a educação brasileira fracassou
e os colégios voltaram a oferecer cursos de formação geral, persistindo apenas alguns
poucos cursos profissionalizantes.
Chegamos à década de 1980, período marcado por novo processo de
redemocratização do país. Como o regime político-econômico e as medidas educacionais
dele decorrentes acabaram por exacerbar a exclusão social existente, este período se
caracterizou por uma série de medidas voltadas para os chamados “carentes” (Germano,
1993). Nos aspectos que interessam ao nosso estudo poucas transformações ocorreram até
o início dos anos 90.
A partir da década de 1990 o Brasil começa a se integrar em um processo mundial
de reestruturação econômica, chamado de mundialização do capital ou globalização, que se
dá pela passagem de um modelo de acumulação fordista/taylorista para um modo de
acumulação flexível. Os impactos desta transformação vêm gerando, no que se refere à
educação, um amplo debate internacional no qual a temática da formação de professores
ganha destaque. Este debate, fundamentado na idéia de que o capital gera o seu próprio
processo pedagógico, se processa, por um lado, entre aqueles que implementam e/ou
defendem um projeto educacional que atrela a formação dos trabalhadores ao novo modelo
de produção e, de outro lado, por aqueles que, em uma perspectiva crítica, realizam a
reflexão buscando superar um modelo de educação estritamente vinculado às
determinações da esfera produtiva.
Dentro deste processo, o Estado Brasileiro implementou uma série de políticas para
o setor educacional, descritas na Introdução deste trabalho, que acabou por configurar
substantivas alterações em todos os níveis do ensino. Estas políticas causaram uma
completa reconfiguração da ação estatal no setor, na medida em que, pela primeira vez,
o deslocamento da esfera da gestão para a esfera da avaliação, no contexto da emergência
do que a literatura vem denominando de neoliberalismo (Saviani, 2002).
As políticas educacionais implementadas a partir daí vão muito além da forma de
organização da educação escolar. Elas são eminentemente pedagógicas, alterando o próprio
processo de ensino, por meio do que vem sendo chamado de “pedagogia das
competências”. O grande progresso técnico alcançado nos últimos anos e incorporado ao
sistema produtivo acaba por exigir um novo tipo de trabalhador. Uma vez que este,
formado com base na pedagogia tradicional, não consegue se inserir no processo de
39
produção flexível, baseado em alta tecnologia, torna-se necessário, segundo o discurso
oficial, transformar esta pedagogia, de modo a permitir a formação das novas competências
demandadas pelas novas formas de produção. No lugar do conhecimento
fragmentado/disciplinar, da ênfase no conteúdo/memorização e no desenvolvimento de
capacidades psicomotoras, emerge a interdisciplinaridade e suas tecnologias com ênfase na
solução de problemas e no desenvolvimento de capacidades cognitivas complexas. Isto
significa romper com a tradição enciclopédica e clássica, característica de nossa educação
desde os tempos dos jesuítas
78
.
Além dos aspectos pedagógicos das mudanças, é preciso aumentar o tempo de
permanência dos estudantes no sistema educacional. Como a qualidade da educação não
melhorou significativamente nas últimas décadas, tal aumento vem tentar melhorar as
competências dos trabalhadores. A ampliação das vagas no ensino médio
79
, associada ao
discurso ideológico que afirma a necessidade de qualificação cada vez maior para acesso ao
emprego, empurra os jovens para o ensino superior. Este novo aumento de demanda vai
gerar uma nova forma de reprodução do capital, através da proliferação exacerbada de
instituições de ensino superior privadas. Neste processo, e para atender a constante
flexibilização do mercado, cursos novos, de caráter mais especializado, vão surgindo a cada
ano
80
. Nossos jovens trabalhadores vão ao ensino superior completar a sua formação de
nível médio e, mesmo assim, devido à baixa qualidade desse ensino, dificilmente
conseguirão exercer a profissão na qual se diplomaram.
81
Diante das novas exigências da esfera produtiva, da maior exigência de
escolarização e das novas competências exigidas dos trabalhadores, a questão da formação
dos professores precisa também ser revista, uma vez que não é suficiente elaborar novos
parâmetros e diretrizes curriculares para a escola básica se os professores continuam sendo
formados para atuar com base em uma pedagogia “tradicional”. É neste contexto que se
estabelecem os programas de capacitação/atualização de professores seja na modalidade
78
Não vamos avançar na análise da questão da chamada “pedagogia das competências”. Para
aprofundamento deste tema, ver, p.ex., Ramos (2005), Macedo (2002), Ropé e Tanguy (1997) e Perrenoud
(1999).
79
A LDBEN 9.394/96, aprovada em 20/12/1996, define que o Estado deve, progressivamente, garantir a sua
obrigatoriedade e gratuidade. Disponível em: www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
80
Por exemplo: Microbiologia, Administração Hospitalar, Engenharia de Computação, Produção Cultural,
Moda, Gerontologia, Gestão Ambiental, Gestão em Políticas Públicas (os três últimos foram criados na
recém inaugurada USP Leste).
81
Um exemplo gritante deste fato é a proliferação dos cursos de Direito e a dificuldade dos egressos em
serem aprovados nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, fartamente noticiada pela imprensa.
40
presencial seja à distância e, também, as novas Diretrizes Curriculares para a Formação de
Professores para a Escola Básica, em nível superior.
Nesse sentido, um grande esforço vai ser realizado pelo Estado a fim de qualificar
os professores, mais uma vez tentando superar, através de medidas emergenciais
82
, o atraso
histórico na escolarização da população brasileira. Dados oficiais demonstram que ainda é
grande o número de professores não habilitados em cursos superiores de Licenciatura que
atuam no segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio
83
. Esta situação se
agrava com a exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
84
, aprovada em
1996, de que todos os professores tenham nível superior, mesmo para atuarem nas séries
iniciais do ensino fundamental. A necessidade de aumento da qualificação também vai,
mais uma vez, impulsionar o mercado do ensino superior privado.
Para atender a essas necessidades, duas exigências são cruciais: por um lado, a
diminuição dos custos da formação e, por outro, torná-la cada vez mais próxima da esfera
profissional, através da imersão no universo escolar o mais cedo possível, buscando
desenvolver a formação em maior associação com os professores em exercício (Selles,
2003). Isto implica deslocar o locus de formação da universidade para a escola e, além
disso, afastar a Licenciatura do Bacharelado, dando cada vez mais especificidade a esse
curso. É importante assinalar que desde o início dos anos de 1990, no Brasil, a literatura
educacional, particularmente sobre formação de professores, vem tratando de questões
relativas a especificidade do trabalho docente. Como apontamos no primeiro capítulo deste
trabalho, e retomaremos no capítulo seguinte, esta discussão é incorporada nas diretrizes
curriculares para a formação de professores.
Estas Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores para a Educação
Básica, em nível superior
85
, inauguram um novo momento da história da formação docente
brasileira, se configurando como um novo gênese deste processo (Andrade, Ayres e Selles,
2004). Trata-se não mais de formar um professor com ênfase na sua ciência de referência,
junto com o bacharel, com forte influência científica e intelectual. O que a legislação
requer agora é formar um profissional que tenha uma especificidade própria, que não se
82
Inclui-se neste processo, além da formação de professores por meio da educação à distância, ações como
cursos de complementação pedagógica para diplomados de outras carreiras, cursos de final de semana, a
flexibilização dos currículos com o fim do currículo mínimo, entre outras.
83
Um estudo do INEP mostra que 32% das funções docentes de 5
a
a 8
a
série no país são ocupadas por
professores sem licenciatura plena, chegando a 59% na Região Norte e 52% na Região Nordeste. No ensino
médio este percentual no país é de 21%. (MEC/INEP, 2003)
84
Lei 9394/96 de 20/12/1996. Disponível em: www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/
85
Parecer CNE/CP 009/2001, aprovado em 8/5/2001 e modificado pelo Parecer CNE/CP 20/2001, aprovado
em 2/10/2001.
41
confunda com o bacharel ou pesquisador, mas que seja capaz de solucionar os problemas
que a prática pedagógica lhe coloca cotidianamente no universo escolar. Por isto a ênfase
recai sobre a prática e a ela é dedicada em torno de 800 horas, do mínimo de 2.800 horas
que a legislação estabelece. Além disso, as Diretrizes estabelecem uma ampla articulação
entre os conteúdos a serem trabalhados na Licenciatura e os conteúdos da escola básica.
Se por um lado, estas mudanças implicam em uma tentativa de valorização das
Licenciaturas no âmbito da universidade, por outro se corre o risco de torná-la mais
desvalorizada, uma vez que a separação do Bacharelado pode se traduzir em rebaixamento
da qualidade da formação (Freitas, 2002). Justamente em um momento em que é,
novamente, imperioso avançarmos na qualidade da educação oferecida às nossas crianças e
jovens, não podemos correr o risco de rebaixar a qualidade da formação do professor, pois,
senão, acabaremos por repetir os mesmos resultados desastrosos que tivemos em outros
momentos históricos.
Na próxima parte deste trabalho examinaremos os modelos de formação e de
professor presentes em cada um dos momentos citados, a fim de buscarmos elementos que
nos ajudem a entender os processos formativos propostos pelas legislações curriculares
propostas na atualidade.
42
CAPÍTULO III
EXAMINANDO MODELOS DE FORMAÇÃO E IDENTIFICANDO AS
TENSÕES ENTRE BACHARELADO E LICENCIATURA
Na parte anterior deste estudo nos preocupamos em traçar um panorama geral da
evolução do sistema educacional brasileiro e da formação de professores. Demonstramos
como o sistema foi se modificando para atender as demandas econômicas e sociais dentro
de um processo de modernização da sociedade brasileira que se estende até os dias de hoje,
trabalhando com o que anunciamos na Introdução deste estudo como uma análise macro
histórica.
Nesta parte, procuraremos centrar a análise na questão da formação de professores,
via Licenciatura, utilizando-nos de uma abordagem em micro-escala. Assim, daremos a
este Capítulo um enfoque mais internalista, tentando entender as concepções e modelos
instituídos para dar conta dos problemas enfrentados em cada momento histórico, sem
perder de vista, obviamente, o panorama mais amplo traçado anteriormente. Ou seja,
procuraremos mostrar que cada fase do desenvolvimento brasileiro demanda um
determinado tipo de professor e isto faz emergir um modelo de formação. Entender este
processo torna-se fundamental quando os dispositivos legais referentes ao tema procuram
impor uma nova maneira de conceber a formação de professores. Isto porque qualquer
mudança curricular não se sem disputa e esta acaba por produzir um “híbrido” entre o
43
velho e o novo, uma vez que, o velho insiste em permanecer e o novo não consegue se
instituir plenamente. O processo que vivemos hoje, de implantação das novas Diretrizes
Curriculares para os cursos de formação de professores em nível superior, expressa essa
disputa. Apesar de o Estado tentar romper com o modelo anterior, não consegue impor
plenamente o seu projeto, na medida em que não foi possível separar totalmente o
Bacharelado e a Licenciatura, o que estava na base da criação dos Institutos Superiores de
Educação. Assim, o modelo é novo, mas o locus de formação, ao menos nas universidades,
continua sendo o mesmo, o que, sem dúvida, implicará em arranjos que não estavam
previstos na legislação inicial.
A perspectiva contida nestas Diretrizes investe na tentativa de resolver as tensões
existentes entre os conhecimentos específicos e os conhecimentos pedagógicos e práticos,
diminuindo a pressão dos primeiros e privilegiando os últimos na organização do currículo.
Nesta nova concepção é nuclear a idéia da especificidade do fazer docente, dando
especificidade também à formação, o que demanda uma autonomia das Licenciaturas em
relação ao Bacharelado. Ou seja, espera-se poder formar, em essência, o professor, com
uma identidade própria, anterior à identidade disciplinar, que até agora tem prevalecido na
formação dos professores.
A proposta de estabelecer uma total autonomia entre o Bacharelado e a
Licenciatura, alterando, inclusive, o seu locus, através da criação dos Institutos Superiores
de Educação, dentro ou fora das instituições universitárias sofreu fortes críticas e pressões
da comunidade científica. Isto porque a separação destes cursos contradiz radicalmente à
experiência acumulada pela universidade brasileira, particularmente, das universidades
públicas, que consideram a docência, ou a Licenciatura, apenas uma habilitação nos
diferentes cursos/carreiras científicas, humanísticas e artísticas que oferecem. Por conta
desta pressão a versão final do documento acabou por flexibilizar esta exigência.
O modelo ainda vigente, que se mantém praticamente inalterado nas universidades
públicas brasileiras desde a década de 1930, também vem sofrendo fortes críticas, isto
muito antes da reforma proposta. Porém, elas não foram suficientes para que as
universidades, e sua comunidade de educadores, autonomamente, conseguissem
implementar um projeto próprio e alternativo para os cursos de Licenciatura. Isto de certa
forma também colaborou para que o Estado, pressionado pelas novas exigências do mundo
globalizado, propusesse um modelo bastante diferente, tentando romper com a tradição
universitária brasileira, em uma política de “terra arrasada”, conforme definem Linhares e
44
Silva (2003), uma vez que é uma tentativa de desmontar toda a estrutura existente nas
universidades.
A despeito de um movimento reformista radicalizado, as tensões entre Bacharelado
e Licenciatura, conhecimento específico e conhecimento pedagógico, pesquisa e ensino e,
conseqüentemente, ciência e docência, que sempre estiveram presentes no interior dos
cursos que possuem as duas habilitações, persistem e, ao que parece, estão longe de
deixarem de existir. Tentaremos demonstrar neste capítulo como, em diferentes momentos
históricos, as tensões foram sendo equacionadas.
III.1 - As Primeiras Tentativas de Introduzir a Formação de Professores para o
Ensino Secundário: a gênese das faculdades de filosofia
III.1.1 - O modelo que não saiu do papel: primeiro professor, depois bacharel
A primeira vez que o Estado brasileiro pensa um projeto oficial para a formação de
professores para o ensino secundário, foi na década de 1930, quando Francisco Campos, a
frente do Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública estabelece uma série de
transformações na educação brasileira, tanto no nível secundário, quanto no nível superior.
Ao estabelecer o Estatuto das Universidades Brasileiras
86
e prever nela a existência de uma
Faculdade de Educação, Ciências e Letras, dá um primeiro passo para enfrentar o problema
da preparação destes professores.
Esta faculdade seria constituída por três Seções: Educação, Letras e Ciências. Cada
uma conferiria ao estudante o direito de lecionar determinada disciplina nos cursos
secundários e normais. Assim, a Seção de Educação conferiria licença em Educação; a
Seção de Ciências, em Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Químicas ou
Ciências Naturais e a Seção de Letras, em Letras, Filosofia, História e Geografia ou
Línguas Vivas. Para obter a licença para o magistério o estudante deveria cursar as
disciplinas de sua Seção, além de disciplinas exigidas pela Seção de Educação. Aos
licenciados na Seção de Ciências seria permitido pleitear o diploma de doutor em uma das
ciências, após cumprirem algumas exigências relativas aos estudos superiores e a defesa de
tese
87
.
86
Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931. In: Fávero, 2000.
87
Idem
45
O Estatuto das Universidades Brasileiras não chega a detalhar a forma de
organização dos cursos, mas, apesar de apresentar a Faculdade de Educação, Ciências e
Letras com objetivos bastante amplos
88
, coloca a ênfase na formação do professor, peça
fundamental para o desenvolvimento cultural da sociedade
89
. Isto significa que desde o
primeiro momento em que se formula um modelo para a formação do professor secundário
este está intimamente atrelado a uma formação cultural e científica mais ampla, necessária
ao desenvolvimento cultural da sociedade brasileira. Entenda-se aqui, a formação da elite, e
de um grupo social intermediário em busca de ascensão social, que tinham acesso aos
cursos secundários (Romanelli, 1997; Nunes 2000; Dávilla, 2003)
Quando, em 1934, uma Comissão especial, formada por importantes professores
90
,
apresenta o Anteprojeto para a organização desta Faculdade ao Conselho Universitário da
Universidade do Rio de Janeiro aparece, pela primeira vez, a dicotomia entre a formação
para o magistério e a formação para a pesquisa. Mantendo-se, como previa o Estatuto, a
amplitude dos objetivos, a Comissão, na Exposição de Motivos do Anteprojeto, explica:
O plano que se segue procurou satisfazer às necessidades fundamentais. De um
lado a formação de professores destinados aos estabelecimentos secundários e
normais de ensino, de outro, o desenvolvimento da cultura desinteressada ou a
preparação básica para as diversas especializações. Daí a criação de duas
espécies de licença: a magistral para o primeiro caso, e a cultural para o
segundo. (In: Fávero, 2000, p. 130 – grifos no original).
Apesar de o documento claramente colocar as duas formações em lados opostos a
dicotomia ainda era relativa. A Faculdade de Educação, Ciências e Letras da qual trata o
documento é a unidade da universidade que deveria estar mais distanciada da mera
profissionalização. Logo, formar professor, neste momento, está muito mais associado a
uma formação cultural, do que profissional. Isto pode ser concluído tomando por base que
as duas licenças cultural e magistral - seriam colocadas no mesmo espaço. Além disso, a
formação pedagógica a ser realizada seria limitada a duas disciplinas: Psicologia
Educacional e Organização do Ensino. A grande ênfase da formação, que estava prevista
para ocorrer em três anos, estava centrada na área específica.
88
Os objetivos desta Faculdade seriam “ampliar a cultura no domínio das ciências puras; de promover e
facilitar a prática de investigações originais; de desenvolver e especializar conhecimentos necessários ao
exercício do magistério; de sistematizar e aperfeiçoar, enfim, a educação técnica e científica para o
desempenho profícuo de diversas atividades nacionais” (Fávero, 2000, p. 136).
89
É preciso lembrar que Francisco Campos é signatário do “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” que
tinha a formação de professores como um dos seus princípios centrais.
90
Pontes de Miranda, Miguel Osório de Almeida, Ignácio M. Azevedo Amaral, Leoni Kaseff e ministro
Ronald de Carvalho. (Fávero, 2000, p.127)
46
Considerando que o ensino secundário é muito anterior a este projeto e que,
portanto, já havia professores providos para lecionar neste nível, o que a proposta de
Francisco Campos e este Anteprojeto vão tentar combater, neste primeiro momento, é o
autodidatismo expresso na provisão. Na essência, a concepção de professor é praticamente
a mesma, ou seja, ser professor é dominar profundamente os conhecimentos de uma
determinada área para poder transmiti-lo aos seus alunos. Os conhecimentos pedagógicos
seriam apenas um complemento, constituindo-se em uma espécie de apêndice da formação
cultural, esta sim, a principal. Bastariam algumas noções de Psicologia, necessárias para se
lidar com os jovens estudantes na sala de aula
91
, e o conhecimento da forma de organização
do sistema de ensino. Ainda assim, a proposta institucionaliza uma formação que passa a
focalizar aspectos do ensino.
III.1.2 - O primeiro modelo da USP: a separação entre a formação cultural e a formação
profissional (pedagógica) e a gênese do “3 + 1”.
A Universidade de São Paulo vai, no seu primeiro momento, procurar radicalizar
este modelo, promovendo a separação dos espaços de formação científico-cultural e
pedagógica. Desta forma, ao incorporar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e
também o Instituto de Educação, mantém os conhecimentos científico-culturais na primeira
e os conhecimentos ditos profissionais, leia-se, pedagógicos, no segundo. Com isto, evita a
tensão entre estes dois campos: o Decreto 6.283/34
92
, que cria a USP, estabelece no
Parágrafo 1º, Art. 5º, do capítulo referente ao Instituto de Educação, que:
A licença para o magistério secundário será concedida pela universidade
somente ao candidato que, tendo se licenciado em qualquer das secções em que
se especializou na Faculdade de Philosophia, Sciencias e Letras, haja concluído
o curso de formação pedagógica no Instituto de Educação. (In:
INFORME/FFLCH/USP, 2003, p. 4).
No parágrafo seguinte, no entanto, o documento abre a possibilidade de que os
candidatos ao magistério realizem o curso de formação pedagógica, simultaneamente ao
ano. Já o parágrafo terceiro, apesar de não definir as disciplinas a serem cursadas,
91
No início do século XX, influências antropológicas casavam-se a tendências psicológicas e tentavam
redimir os indivíduos considerados “alunos problemas”.
92
Assinado pelo interventor em São Paulo durante o Governo Vargas, Armando de Salles Oliveira, em 25 de
janeiro de 1934. (In: INFORME, Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP,
maio/2003).
47
estabelece as finalidades da Secção de “Matérias de Ensino”, afirmando que esta seria
autônoma da de Prática de Ensino. Essa teria
por fim o estudo theorico-pratico: a) da metodologia da matéria, da dificuldade
que lhe são inerentes, e das thecnicas e processos para remove-las; b) da
importancia da materia para a formação mental do adolescente; c) da historia
do ensino da materia; d) dos princípios e da pratica da organização dos
programmas escolares. (Idem, Ibdem)
Apesar de não estar exposto claramente, o parágrafo citado acima indica, via a
referência que faz a uma Seção de prática de ensino, que este tipo de atividade pedagógica
estava prevista.
Da mesma forma que o Anteprojeto da Faculdade de Educação, Ciências e Letras
da Universidade do Rio de Janeiro, a formação pedagógica se dava como complemento,
após a formação científico-cultural, permitindo-se, no máximo, que ela ocorresse
simultaneamente ao terceiro ano do curso. Porém, o parágrafo supracitado indica que esta
formação era bem mais ampliada, do ponto de vista teórico-prático, do que se pretendia no
Rio de Janeiro, ao menos naquele primeiro momento, não deixando, entretanto, de ser
complementar.
Assim, de fato, a proposta da USP se constituiu o primeiro modelo para a formação
de professores no Brasil, tradicionalmente chamado de 3 + 1, em referência ao fato de que
os estudantes deveriam passar três anos em estudos específicos e, só depois disso,
realizarem a formação pedagógica.
Logo em 1938 o Instituto de Educação foi desligado da USP e a tensão entre os dois
eixos da formação teve que ser levada para dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, que passou a incorporar as matérias pedagógicas, tendo sido forçada a se integrar ao
modelo previsto no Estatuto das Universidades Brasileiras.
III.1.3 - Um caso especial: a UDF de Anísio Teixeira o professor como intelectual [antes
de tudo, o professor]
O modelo instituído na Universidade do Distrito Federal, por Anísio Teixeira, em
1935, se constituía, do ponto de vista político e organizacional, em um projeto bastante
diferenciado tanto da USP, quando da FNFi, que será posteriormente implantada. A UDF
não era um projeto isolado. Fazia parte de um grande projeto de democratização do acesso
48
a educação, mesmo que ao ensino superior, pago e caro
93
, pudesse ter acesso a elite
econômica e social.
Em discurso pronunciado por Anísio Teixeira na inauguração dos cursos da UDF,
ocorrida em 31 de julho de 1935, ele afirma:
É que nenhum país do mundo, ahoje, julgou possível construir uma cultura de
baixo para cima, dos s para a cabeça. Para haver ensino primário, é
necessário que exista antes o secundário e para que o secundário funcione, é
preciso que existam universidades. (Teixeira, 1998, p. 91)
E mais adiante:
O humilde ensino primário que lhe permitiam possuir está hoje quase que
duplicado com escolas que honram todo o Brasil. O ensino técnico, redimido de
suas bases antidemocráticas, hoje se ostenta como um verdadeiro sistema de
ensino secundário, de sentido nacional, para uma sociedade de trabalho, que
leva para a oficina o mesmo título que habilita a uma ocupação de carteira. E
agora o ensino superior, iniciado com o preparo em nível universitário dos
mestres primários, se amplia em uma universidade de fins culturais, que buscará
desenvolver o saber em todos os seus aspectos, aspirando transformar-se num
dos grandes centros de irradiação científica, literária e filosófica do país. (Idem,
p. 96)
Estes trechos mostram a intenção de Anísio em construir, verdadeiramente, um
sistema educacional articulado, no qual a universidade tivesse um papel fundamental, tanto
na produção de um pensamento pedagógico, via Instituto de Educação
94
, quanto de
formação de professores articulando as diferentes unidades da UDF.
Anísio Teixeira elaborou algumas instruções normativas que organizavam o
funcionamento da UDF e seus cursos. A Instrução 1 estabelece em alguns artigos a
organização dos cursos para a formação de professores. São eles:
93
Vicenzi (1986) apresenta uma comparação dos custos dos cursos já existentes e que foram implantados
mais tarde e da UDF: esta última cobrava 20 mil réis de taxa de inscrição e uma anuidade de 200 mil réis
paga antecipadamente. Cursos como Direito, Medicina e Engenharia, na URJ, cobravam, em 1931, 100 mil
réis para a matrícula anual e 120 mil réis por matéria e por período escolar. a FNFi, em 1939, cobrava
uma anuidade de 120 mil réis. O salário mínimo, em julho de 1940, foi fixado em 240 mil réis.
94
O Art. do Decreto que institui a UDF determina a incorporação do Instituto de Educação à esta
universidade, altera a sua denominação da Escola de Professores para Escola de Educação e estabelece ainda
suas finalidades: O Instituto de Educação, que tem por fim prover a formação do magistério e concorrer,
como centro de documentação e pesquisa, para a formação de uma cultura pedagógica nacional, fica
diretamente incorporado à universidade pela sua atual Escola de Professores, que passa a denominar-se
Escola de Educação mantidos os objetivos estabelecidos pelo Decreto 3.810. de 19 de março de 1932.”
(In: Vicenzi, 1986).
49
Art. 13º O programa para a formação do professor secundário compreende
cursos de fundamentos, de conteúdo e de integração profissional, ministrados
nas diversas escolas ou no instituto da universidade, simultâneas ou
sucessivamente.
Art. 14º Os cursos de fundamentos compreendem matérias de cultura geral
indispensáveis ao professor, biologia e sociologia educacionais e belas-artes.
Art. 15º Os cursos de conteúdo compreendem as matérias específicas a cujo
ensino se destina o professor, ministradas do ponto de vista de cultura
especializada e de seleção de material para o ensino no nível secundário.
Art. 16º Os cursos de integração profissional compreendem os estudos de
educação, psicologia educacional, medidas educativas, organização e programa
da escola secundária, filosofia da educação e prática do ensino secundário. (In:
Vicenzi, 1986).
Pode-se depreender destes artigos a grande importância dada por Anísio à formação
cultural - geral e específica - e artística e aos estudos pedagógicos, de integração
profissional, onde se incluía a prática de ensino. Destacamos ainda a liberdade dada aos
alunos para organizar a sua própria formação, uma vez que os três grupos de cursos
poderiam ser realizados simultânea ou sucessivamente, o que afasta este modelo dos
anteriormente expostos, muito mais rígidos.
Não podemos analisar mais profundamente as conseqüências deste modelo, uma
vez que apenas uma turma foi formada, totalizando, segundo Vicenzi (1986), 127
professores secundários nos diferentes cursos. Com a extinção da UDF os alunos foram
transferidos para a recém-criada Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do
Brasil. Mas é importante registrar a perspectiva que Anísio Teixeira buscava imprimir a
formação do professor enquanto intelectual, cuja missão seria reformar toda a sociedade
elevando, na medida do possível e com o máximo de extensão, as novas gerações por ele
despertadas e orientadas (...) à condição de elites. (Idem, Ibdem).
III.1.4 - Da consolidação do modelo 3 + 1 na FNFi à sua radicalização com a criação dos
Institutos.
Como mencionamos, no Rio de Janeiro, a Faculdade de Educação, Ciências e
Letras, não chegou a ser implantada. Apenas em 1939, com a extinção da UDF, é
finalmente criada uma unidade na Universidade do Brasil
95
, que recebeu o nome de
Faculdade Nacional de Filosofia – FNFi, que incorporava os objetivos previstos para
aquela e que, finalmente, serviria de modelo para as demais universidades. Ao contrário do
95
A Universidade do Rio de Janeiro foi transformada em Universidade do Brasil em 5 de julho de 1937.
50
momento inicial da USP, a Universidade do Brasil atribui a FNFi, tanto a formação
científica, quanto a formação profissional, conferida através do curso de Didática. Porém,
estes dois lados da formação continuavam a serem vistos de maneira independente, tal qual
anunciava o Anteprojeto de 1934.
A estrutura da FNFi foi montada a partir de quatro Seções e 11 cursos: Seção de
Filosofia (curso de Filosofia); Seção de Letras (cursos de Letras Clássicas, Letras
Neolatinas e Letras Anglo-Germânicas); Seção de Ciências (cursos de Matemática,
Química, Física, História Natural, História e Geografia e Ciências Sociais); Seção de
Pedagogia (curso de Pedagogia) e, por último, a Seção Especial de Didática (curso de
Didática)
96
. Após três anos de curso em uma das seções
97
obtinha-se, então, o diploma de
bacharel. Com mais um ano no curso de Didática, obtinha-se o diploma de licenciado.
Assim como na USP, até 1941, era possível cursar as disciplinas do curso de Didática
simultaneamente às disciplinas do bacharelado. Neste ano, o Decreto-Lei 3.454/41
98
acaba
por proibir esta simultaneidade, o que veio a institucionalizar mais rigidamente, em termos
de cronologia do curso, o “modelo 3 + 1” para a formação de professores.
A concepção que orienta os cursos da FNFi, no entanto, não se altera, ou seja, o
professor é formado com base em um conhecimento científico, humanístico ou artístico,
idêntico ao do bacharel, sobre o qual é adicionada uma determinada formação pedagógica.
Esta formação se constitui, basicamente, em um conjunto de técnicas necessárias ao
desempenho da tarefa de transmitir os conteúdos adquiridos no primeiro momento da
formação aos jovens estudantes do ensino secundário. Este modelo vem sendo chamado
pela literatura educacional de modelo da racionalidade técnica (Schön, 1992, Contreras,
2002). Daí, inclusive, a denominação do curso - Curso de Didática, que era entendida como
Ciência Aplicada. Este, no primeiro momento da FNFi era composto das seguintes
disciplinas: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional, Administração
Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da Educação.
A mudança no curso a partir do novo Regimento aprovado em 1946 ocorreu no
sentido de aumentar a duração do Bacharelado, de três para quatro anos. Para a
Licenciatura, este quarto ano deixa de ter apenas o caráter pedagógico e passa a incluir
também disciplinas específicas da área disciplinar do candidato ao magistério. O quarto ano
passa, assim, a ser composto de disciplinas gerais, de caráter pedagógico e comum a todos
96
Fávero, Jones & Fernandes (1989).
97
Com exceção da seção especial de Didática, que era responsável pelo curso de didática para a formação do
professor secundário.
98
De 24 de julho de 1941.
51
os cursos, e mais duas disciplinas que podiam ser da própria especialidade ou uma
pedagógica e a outra da especialidade. As disciplinas gerais eram: Psicologia Educacional,
Fundamentos Bio-Sócio-Filosóficos da Educação, Didática Geral e Especial e
Administração Escolar. A disciplina de caráter pedagógico que poderia ser cursada a mais
era escolhida entre: Higiene Escolar, Educação Comparada, História da Educação e
Evolução do Ensino no Brasil. Para cada curso eram definidas as disciplinas da
especialidade que poderiam ser cursadas neste quarto ano
99
.
É também nesta época que o Decreto-Lei 9.053, de 12 de março de 1946, obriga
as Faculdades de Filosofia a manter um ginásio de aplicação, com a finalidade de permitir
aos alunos matriculados no curso de Didática exercitar a prática docente (Bonardi, 1990,
p. 44-5), inaugurando o caráter “aplicacionista” da formação inicial de professores.
Podemos verificar que, além do predomínio da Didática e da Psicologia na
preparação profissional do professor, a primeira tentativa de mesclar as disciplinas de
conteúdo específico com as de caráter pedagógico se deu com a diminuição do número
destas disciplinas no quarto ano, a partir da fusão das disciplinas chamadas de
Fundamentos. Isto apenas reforça a perspectiva de formação caracterizada
fundamentalmente pela necessidade de domínio dos conhecimentos específicos pelo futuro
professor, tendo estes se expandido para o quarto ano, comprimindo os conhecimentos
pedagógicos.
Contreras (2002), ao analisar este modelo predominante da formação de professores
nos dias atuais, afirma que ele consiste na solução instrumental de problemas mediante a
aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da
pesquisa científica (p. 90). Assim, o professor é visto como aquele que aplica técnicas,
previamente produzidas por outros sujeitos e em outros espaços, com a finalidade de
conseguir determinados resultados, também definidos a priori. Nesta perspectiva, se
estabelece uma relação hierárquica e de dependência entre os pesquisadores da ciência
básica, os que produzem as técnicas tendo como referência a ciência básica, que consiste
numa ciência aplicada e, no final desta cadeia, os professores, considerados meros
reprodutores. Desta forma,
o professor seria o sujeito da aplicação prática – um sujeito desprovido de saber
próprio –, e sua formação profissional implicaria em uma apropriação hábil e
sem questionamentos de prescrições acerca do ‘que’ – a ciência e do ‘como’ –
a técnica – ensinar. (Andrade, et. alli, 2005, p. 6)
99
Conferir estas disciplinas no Anexo I.
52
Os cursos de Licenciatura, mesmo surgindo no cenário universitário ao mesmo
tempo em que os cursos de Bacharelado das disciplinas correspondentes, nascem em
situação de desvantagem, mesmo no momento em que a escolarização é considerada
fundamental para a modernização do país. Isto pode ser demonstrado através de
correspondência encaminhada pelo professor Lourenço Filho, responsável pela Seção de
Didática da FNFi. Mesmo defendendo a formação de professores, a faz considerando esta
uma tarefa para a qual se necessita de mais baixa capacidade intelectual se comparada a de
pesquisadores: ... será preciso não confundir esta formação [de professor], com a de
trabalhadores intelectuais da mais alta preparação, e para a qual muito poucos terão
verdadeira propensão e as aptidões necessárias
100
.
No entanto, como a formação dos pesquisadores, mesmo que de forma ainda
rudimentar, ocorria no mesmo espaço institucional da formação dos professores, a tensão
entre ambas estava sempre presente. Bonardi (1990), ao analisar correspondências entre
professores da FNFi e o Ministro Capanema reivindicando aumento da duração dos cursos
de três para quatro anos, indica que nestas cartas, as reivindicações de maior tempo para o
bacharelado são apresentadas como condições sicas para melhor se formar o professor
(p. 70). Se por um lado os professores da FNFi tinham como expectativa desenvolver a
ciência brasileira, através da formação de pesquisadores, por outro, não podiam abrir mão,
ao menos no discurso, da formação de professores e esta servia como argumento e defesa
para suas pretensões. Ao fazer isto reforçavam o modelo de formação de professores
centrado no domínio do conteúdo específico instaurada no Brasil e a hierarquização de
saberes.
Apesar de a formação de bacharéis estar em vantagem hierárquica na escala de
valores dos sujeitos envolvidos neste processo, esta não foi também uma tarefa fácil. Ao
contrário, fazer nascer a ciência brasileira, a partir de um programa sistemático de
formação, se tornou um trabalho árduo devido às precárias condições de trabalho na
instituição. Tomando por base os depoimentos colhidos por Fávero (1992) no âmbito de
sua pesquisa sobre a Faculdade Nacional de Filosofia, nos damos conta das dificuldades
para realização de pesquisas e de aulas práticas na FNFi. Tomaremos aqui alguns
exemplos.
100
Trecho de carta de Lourenço Filho ao Ministro Capanema, extraído de Bonardi, 1990, p. 73.
53
Antônio Geraldo Lagden Cavalcanti
101
, professor da Seção de Ciências, assim se
manifesta: na FNFi, tive uma surpresa tremenda porque encontrei total penúria de
material didático – coisa impressionante! [...], havia apenas um microscópio para todos os
alunos (In: Fávero, 1992, p. 40).
Ainda sobre isto a professora Bartyra de Castro Arezzo
102
comenta:
Naquela época, montar um experimento para aulas práticas não era tarefa fácil.
A Universidade não tinha recursos para investir em equipamentos, aparelhos ou
instrumentos. Restava o recurso que era aplicado pelo professor Cardoso. Pelo
conhecimento que tinha com outros órgãos como a Faculdade de Medicina,
Instituto de Biofísica, Instituto de Óleos e outros mais, ele em primeiro lugar
tomava conhecimento dos equipamentos que estavam fora de uso por qualquer
razão. A etapa seguinte era a de conseguir autorização para transferir estes
equipamentos para os laboratórios de Físico-Química. Finalmente, estes
equipamentos ou eram consertados ou então adaptados para nossas aulas.
(Idem, Ibdem, p. 71)
Maria Yedda Leite Linhares
103
assim se manifesta:
Quanto à criação do conhecimento, esta ficou esquecida. Não houve, naqueles
anos todos da Filosofia, um espaço para criar um centro de pesquisa que
caracterizasse verdadeiramente uma universidade. No fundo, havia aquela idéia
muito pragmática de formar o professor secundário de que a sociedade
brasileira precisava, além dessas atividades desinteressadas, não
comprometidas com o saber técnico, não comprometidas com a economia, com o
cotidiano. (Idem, Ibdem, p. 407)
Contraditoriamente a estes depoimentos, o grupo responsável pela pesquisa, afirma
que, a criação de laboratórios e a introdução de métodos de pesquisa na formação dos
alunos foram medidas, aos poucos, implementadas:
Em 1942, instalam-se os laboratórios de química, biologia, física e os museus
especializados de mineralogia, zoologia e antropologia. Gradativamente,
introduzem-se diversas práticas requeridas pelo trabalho científico: na seção de
ciências, a pesquisa de campo e o trabalho de
laboratório passam a ser
componentes obrigatórios; no curso de história natural são implantadas linhas
de pesquisa de biologia, zoologia e botânica. Para melhor familiarizar os alunos
com o trabalho científico desenvolvido em instituições nacionais o
estabelecidos convênios para estágio no Museu Nacional. (Fávero, Guimarães e
Siano,1989, p. 134).
101
Este professor ingressou na FNFi em 1943.
102
Ingressou como estudante em 1943.
103
A professora Maria Yedda Leite Linhares foi aluna da última turma da UDF, no curso de História e,
quando esta foi extinta, em 1939, passou para a primeira turma da FNFi. Em 1946, passou a trabalhar como
assistente do professor Delgado de Carvalho.
54
Em trabalho posterior, também decorrente da mesma pesquisa, Fávero (1996)
afirma que as dificuldades não foram capazes de obscurecer a importância científica da
FNFi, principalmente na área de Ciências Naturais e Matemática. A autora destaca que foi
nesta faculdade que surgiram importantes grupos de pesquisadores como o do professor
Costa Ribeiro (catedrático em Física Geral e Experimental) e o do professor José Leite
Lopes (em Física Teórica). Foi também a partir dela que foram criados o Instituto de
Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF),
entre outras importantes instituições científicas brasileiras. Foram justamente os
professores da área de Ciências Naturais que tiveram menores dificuldades na transferência
da UDF para a FNFi. Por questões políticas enfrentadas naquele momento os professores
das Ciências Humanas e Sociais foram os mais perseguidos e um número menor deles foi
transferido o que, provavelmente, dificultou o desenvolvimento acadêmico destas áreas.
Não pode ser considerado surpreendente que, no período em que praticamente está
nascendo a ciência brasileira e, ao mesmo tempo, a sociedade demanda a estruturação do
ensino secundário, as duas funções - a formação de especialistas que irão se dedicar à
pesquisa e a de professores que irão atuar no ensino médio - sejam alvo de disputas e
tensões no seio da instituição destinada a formar estes dois profissionais, enfrentando,
ambas, uma série de dificuldades. Apesar delas, serão os egressos da FNFi que irão atuar
nos centros de pesquisas existentes ou a serem criados, que lecionarão no ensino
secundário e que, muitas vezes, passarão a lecionar nesta própria Faculdade, inicialmente,
como assistentes dos professores catedráticos. Estas tensões foram diminuídas quando
ocorre o desmembramento da FNFi em institutos especializados, a partir da reforma
universitária de 1968
104
, tornando a formação de professores muito mais desvalorizada no
interior destes institutos e, conseqüentemente, da universidade como um todo.
Relacionando este modelo de formação às demandas do ensino secundário
verificamos uma relativa homogeneidade entre professores e alunos, os quais
apresentavam, basicamente, uma mesma origem social, ou seja, os cursos de formação de
professores tinham como alunos os filhos da elite e das camadas médias em busca de
ascensão social que irão, posteriormente, atuar no ensino secundário que atendia a estes
mesmos grupos sociais, em um sistema educacional extremamente excludente.
Completava-se, assim, o ciclo que pretendia formar uma elite cultural e científica capaz de
104
Lei Nº 5.540, de 28 de novembro de 1968.
55
alavancar o desenvolvimento nacional. Para dar conta deste projeto considerava-se
necessária uma sólida formação acadêmica, ministrada em conjunto e no mesmo espaço em
que se formavam os cientistas e intelectuais responsáveis por desenvolver a também
incipiente ciência brasileira. Acrescentava-se a esta formação básica um conjunto de teorias
e técnicas organizadas no sentido de regras tecnológicas (Contreras, 2002) a serem
obedecidas a fim de obter os resultados previamente definidos, ou seja, a aprendizagem.
Não havia problema a ser resolvido fora destas regras. As dificuldades na aprendizagem
eram consideradas de origem externa à escola, oriundas da família, portanto, não poderiam
ser resolvidas em seu interior.
Segundo Romanelli (1997), é somente a partir dos anos de 1960 quando a
crescente demanda por educação pressiona a estreita oferta quantitativa e qualitativa de
ensino, colocando em cheque a expansão sem mudança e exigindo uma política reformista
que se torna mais evidente a heterogeneidade daqueles que buscam o magistério como
profissão. Do mesmo modo, é também na década de 1960 que a heterogeneidade dos
estudantes começa a deixar marcas na legislação educacional brasileira.
A partir da reforma universitária de 1968 e do desmembramento da Faculdade
Nacional de Filosofia
105
a formação inicial no conhecimento específico passa a ocorrer em
um dos institutos específicos e, posteriormente, os candidatos ao título de licenciado,
convergem para a Faculdade de Educação e para o Colégio de Aplicação onde ocorre a
formação pedagógica e prática, respectivamente. Com alguma variação no tempo de
permanência em um e no outro espaço mantêm-se a mesma concepção, do modelo 3 + 1,
sendo, agora, mais aguçada pela separação entre a formação específica e a formação
pedagógica, uma vez que a possibilidade de diálogo entre estes dois campos se
severamente diminuída pela separação de seus loci. Têm-se, desta forma, uma diminuição,
ou quase anulação, da tensão existente entre o Bacharelado e a Licenciatura ou ainda entre
as disciplinas específicas e as disciplinas pedagógicas. No entanto, a hierarquização dos
conhecimentos torna-se cada vez mais cristalizada. A separação entre as Faculdades de
Educação e os Institutos específicos faz com que os cursos de Licenciatura não pertençam
organicamente a nenhuma das duas unidades, ficando abandonados no interior das
universidades, constituindo-se em um patinho feio que ninguém quer verdadeiramente
assumir.
105
Movimento que foi seguido em outras universidades.
56
No entanto, como afirmamos anteriormente, este formato de Licenciatura, como
uma radicalização do modelo 3 + 1, continua atendendo a formação de uma elite social
reduzida. Os professores que efetivamente atendiam a expansão da escola não provinham
destes cursos - nem das universidades públicas e nem das faculdades isoladas
principalmente nas áreas científicas, mantendo-se ainda neste período o criticado improviso
na formação de professores
106
. A ampliação cada vez maior do acesso à escola vai
agravando o quadro de reprovação e evasão, aumentando o desafio que a sociedade impõe
à escola. A heterogeneidade dos alunos provoca cada vez mais um aumento da
heterogeneidade dos professores. Isto irá ocorrer com a tentativa de diferenciar a formação
do professor do primeiro ciclo do ensino secundário - através da chamada Licenciatura de
Primeiro Ciclo - do professor do segundo ciclo deste curso, aumentando ainda mais a
segmentação no seio da categoria docente, marcada pela distinção entre professores
primários e secundários. A década de 1970 será palco da generalização desta segmentação.
Por outro lado, a expansão das vagas nas escolas multiplica vertiginosamente a
necessidade de professores. O processo de formação para o magistério até então existente
continuava sem dar conta da necessidade de professores, tanto em quantidade, quanto em
qualidade nesta fase de desenvolvimento brasileiro. Naquele momento, não se tratava mais
da formação da elite, mas de massas de trabalhadores em busca de uma maior formação, a
fim de alcançar melhores postos de trabalho.
algum tempo que um conjunto de educadores preocupava-se com a defasagem
entre a formação de professores secundários e as necessidades específicas do primeiro ciclo
deste nível de escolaridade e ansiava por uma formação mais generalista e mais rápida.
Esta demanda foi respondida pela criação das chamadas Licenciaturas de Primeiro Ciclo,
que pretendia formar este tipo de professor. Neste movimento, a Lei 5692/71 tornou oficial
este modelo de Licenciatura.
Premido pela urgência na formação de professores em número e prazo suficientes
para atender a expansão da escolarização e, por outro lado, inspirado nas dificuldades dos
professores do antigo ensino secundário em atender adequadamente a este novo público,
buscou-se a “solução” para os dois problemas na institucionalização das chamadas
Licenciaturas de Primeiro Ciclo ou Licenciaturas Curtas Polivalentes. Estas se proliferaram
principalmente em instituições isoladas de ensino superior, ou seja, não universitárias.
106
Isto se confirma pela necessidade de capacitação em serviço realizada por órgãos federais, como o
CADES (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário), que visavam dar alguma
formação aos professores. (Nunes, 2000)
57
Assim, procurou-se atender também a uma outra demanda da época: a ampliação do ensino
superior, bandeira de luta dos estudantes a partir da década de 1960. Tais cursos baseavam-
se fundamentalmente na lógica da formação profissional, reduzindo a formação científica
ou humanística, tão cara ao modelo 3 + 1
107
. Como a legislação permitia que, na ausência
de professores com titulação plena, o ensino de segundo grau poderia também ser atendido
por professores com Licenciatura Curta, este fator, aliado a outros fatores, como a
profissionalização compulsória, a diminuição da duração dos turnos de estudo, a
superlotação das salas de aula, contribuiu para que o problema da qualidade da escola,
particularmente das públicas, fosse se agravando.
III.2 – Questionando a Própria Gênese: a “crise” do modelo 3 + 1
Em meio à crise, a comunidade de educadores e o MEC, cada um a seu modo,
iniciam, a partir do final da década de 1970, quando a ditadura militar já começava a perder
força, um grande debate em torno da questão da formação de professores. A posição da
comunidade acadêmica se em um contexto político de resistência. As idéias marxistas,
as denúncias em âmbito internacional de arbitrariedades impostas pelos governos militares
casadas à divulgação de idéias freireanas confluem para um combate ostensivo ao modelo
tecnicista. As idéias educacionais críticas exercem influência sobre a rejeição do modelo 3
+ 1 por considerar que o zelo tecnicista é alienante. Em 1980, com a instalação do Comitê
Nacional Pró-Formação do Educador, durante a I Conferência Brasileira de Educação,
realizada em São Paulo, este movimento se intensifica, principalmente como um fórum de
oposição ao conjunto de indicações apresentado pelo MEC, conhecida como “Proposta
Valnir Chagas”.
108
A partir daí, ocorreram os seminários regionais e o Encontro
Nacional
109
, promovido pela Secretaria de Ensino Superior (SESu) do MEC, para debater o
tema “Reformulação dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação”.
Este encontro culminou com a criação da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos
de Formação do Educador (CONARCFE) num contexto de tensão entre educadores e
representantes do MEC (Brzezinski, apud Pereira, 2000, p. 56)
107
Voltaremos a esta questão no Capítulo IV, ao tratarmos da trajetória da Faculdade de Formação de
Professores, que foi fundada sob esta perspectiva.
108
Esta proposta, originária do início da década de 1970, foi a que instituiu as licenciaturas polivalentes e de
curta duração.
109
Realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1983.
58
Na esteira desta discussão, outro acontecimento importante foi o Seminário
Itinerante intitulado “Dependência econômica e cultural, desenvolvimento nacional e
formação de professores” realizado na USP em 1985, que resultou no lançamento do livro
“Universidade, escola e formação de professores”
110
no ano seguinte. Os textos do
seminário, publicados em livro, fazem duras críticas ao papel que as universidades
atribuem à formação dos professores, além de conclamarem a instituição a assumir esta
tarefa com a responsabilidade que ela exige. Em um desses textos, Menezes (1986)
sentencia: A universidade tem aceitado formar professores como espécie de tarifa que ela
paga para poder ‘fazer ciência em paz’. A universidade tem que assumir a formação do
professor como tarefa, como uma de suas tarefas centrais (p. 120 – aspas no original).
No segundo momento, ganha corpo um conjunto de pesquisas nas quais se destaca,
dentre outros, o trabalho coordenado por Candau, intitulado “Novos Rumos da
Licenciatura”. Esta pesquisa, realizada no período de 1985-1987, tinha como objetivo
analisar a problemática das licenciaturas, buscando ser especialmente sensível à ótica dos
profissionais envolvidos com as áreas específicas de conhecimento, não pertencentes às
Unidades de Educação (Candau, 1997, p. 30). Através da ótica escolhida para a realização
da pesquisa empírica foi possível confirmar muitos dos problemas levantados em Catani
(1986), como a hierarquização acadêmica que prestigia a produção acadêmica em
detrimento das atividades de ensino, a discriminação sofrida nos institutos específicos por
aqueles que se dedicam à pesquisa em ensino, a dificuldade de integração com a escola
básica e de implementação de atividades ou de equipes interdisciplinares.
Como propostas derivadas da pesquisa, Candau (Op. Cit.) destaca a necessidade de
superar a tentação das reformas curriculares, enfatizando que, apesar das muitas comissões
encarregadas de estabelecer novos currículos para os cursos de Licenciatura os problemas
continuam fundamentalmente os mesmos
111
. Propõe, então, uma mudança de eixo para as
Licenciaturas, estabelecendo o “primado do conteúdo específico”, considerando
fundamental que a liderança na formação de professores fique a cargo da área específica
com íntima colaboração das unidades de educação, uma vez que estas últimas vêm
assumindo sozinha a responsabilidade por este tipo de formação. Neste sentido Candau
(Idem) afirma:
110
Catani et al., 1986.
111
Esta questão também é discutida por Carvalho (1992) em artigo intitulado “Reformas nas licenciaturas: a
necessidade de uma mudança de paradigma mais do que de mudança curricular”.
59
a competência básica de todo e qualquer professor é o domínio do conteúdo
específico. Somente a partir deste ponto é possível construir a competência
pedagógica. Esta afirmação não implica na existência de uma relação temporal
de sucessão, e sim de uma articulação epistemológica (p. 46).
É a partir desta articulação epistemológica que a autora considera a necessidade de
se assumir a formação de professores numa perspectiva multidimensional, o que conjugaria
as dimensões científicas, políticas, afetiva e pedagógica do processo. Enfatiza ainda a busca
da construção de um espaço interdisciplinar, a necessidade de se promover a pesquisa em
ensino e de entender os determinantes estruturais e psicossociais da problemática das
Licenciaturas.
Lelis (2001) chama a atenção para a importância do trabalho de Candau, revelando
a necessidade de se investir no saber disciplinar, mesmo correndo-se o risco de hierarquizar
os campos do conhecimento. Segundo esta autora,
o trabalho teve o mérito de chamar a atenção para as relações de poder
existentes no interior da universidade entre os que pesquisam e o que ensinam,
destacando a importância e a necessidade da investigação sobre o ensino no
horizonte da superação de uma visão intuitiva ou meramente política sobre a
transmissão/apropriação do conhecimento (p. 51-2).
E ainda,
identifico nesse trabalho coordenado por Candau (1997), com os problemas que
provoca de natureza epistemológica, política, pedagógica o fermento para
pensar as políticas de formação sem o “discurso sobre a teoria” tão freqüente
entre os educadores (p. 52).
Está assim lançado o desafio de valorizar a formação de professores nos institutos
específicos, ainda que sem negar a articulação necessária com as unidades de educação.
Isto porque, desde o desmembramento das faculdades de filosofia, e a conseqüente criação
dos institutos específicos, estes passaram a se dedicar integralmente à formação de
bacharéis, ignorando, na maioria dos casos, que também estavam proporcionando a base
disciplinar para a formação do professor. Desta forma, a formação do professor ficava
sendo atribuição exclusiva das faculdades de educação. O que Candau vem defender é a
superação deste distanciamento, cobrando que o instituto passe a encarar também como sua
tarefa a formação do professor. Quando enfatiza a base do conhecimento específico para a
competência do professor, o faz não para reforçar a concepção original, de que para ser
professor é necessário o domínio do conteúdo acrescido de alguns conhecimentos
60
pedagógicos, tal como prediz o modelo da racionalidade técnica. O que procura apontar é
uma nova possibilidade de articulação entre teoria e prática, capaz de promover uma nova
perspectiva epistemológica para a organização desses cursos.
III.3 - A Busca de um Novo Modelo: a racionalidade prática
Os anos 1990 se iniciam sem que os paradigmas que regem a formação para o
magistério fossem alterados, centrados, até este momento, numa hegemonia que enfatiza,
de acordo com Lelis (2001), a perspectiva teórica. Neste momento começa a chegar ao
Brasil um outro tipo de literatura que introduz elementos novos nesta discussão. Trata-se da
idéia de “saber docente” que vai muito além dos conhecimentos adquiridos na formação
inicial, ou mesmo continuada, do professor. O texto de Tardif, Lessard & Lahaye,
publicado em 1991, introduz esta idéia, considerando o saber docente como um saber
plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência (p. 218). Os
saberes profissionais (ou pedagógicos) correspondem aos adquiridos através das
instituições de formação de professores, especificamente no que diz respeito aos métodos
de ensino. Os saberes das disciplinas correspondem aos diferentes campos do
conhecimento disciplinar. Os saberes curriculares relacionam-se com os discursos,
objetivos, conteúdos e métodos de ensino. E, por fim, os saberes da experiência são aqueles
resultados da prática cotidiana e validados pela mesma. Estes últimos incorporam-se à
vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de
saber ser (Idem, Ibdem, p. 220). Está, então, posta uma nova questão para quem pensa e
trabalha com a formação de professores. Se, até aqui, o espaço de produção de
conhecimento estava restrito ao âmbito da formação inicial, transmitida na universidade, o
trabalho destes autores destaca o espaço escolar, local onde se a prática docente, como
também formador e, portanto, como um locus privilegiado de produção de conhecimento.
Os trabalhos de outros autores também envolvidos com a questão da prática
docente, como Nóvoa e Perrenoud, também chegam ao Brasil reforçando esta perspectiva.
Segundo Lelis (2001),
Seja pela via da ênfase na relação entre dimensão pessoal, profissional e
organizacional da profissão docente (Nóvoa, 1992), seja pela via de que o saber
docente provém de várias fontes e de que a prática cotidiana faz brotar o “saber
da experiência” (Tardif, Lessard e Lahaye, 1991), ou ainda do habitus
61
profissional como “gramática geradora de práticas” (Perrenoud, 1993), a
fecundidade dessas propostas está, de um lado, na forte crítica à razão
instrumental e, de outro lado, na valorização da prática individual e coletiva
como lugar de aprendizagem dos conhecimentos necessários à existência
pessoal, social e profissional (p. 53 – aspas no original).
Cabe destacar que estes, e outros autores que também se referem com maior ou
menor intensidade à questão da prática, como por exemplo, Shulman (1987), estão direta
ou indiretamente envolvidos em pensar a profissionalização do trabalho docente. Neste
sentido, estão interessados em buscar na prática docente, elementos que elevem o trabalho
do professor, de ofício à categoria de profissão. É neste contexto que Tardif (2000) vai
tentar definir o que seria uma “epistemologia da prática profissional” (p. 5).
Também é neste período que o MEC desenvolve um conjunto de medidas bem
articuladas que se iniciam pelo ensino fundamental (via FUNDEF, PNLD, PCNs, SAEB),
passam pelo ensino médio (PCNs para o Ensino Médio articulando áreas de conhecimento
e não mais as disciplinas, as alterações no ensino técnico, ENEM), e desembocam no
ensino superior (ENC/Provão, Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação,
Educação à Distância, Cursos Seqüenciais). Como dissemos no capítulo anterior, estas
medidas são produzidas a partir das novas exigências colocadas para a escola, a partir do
processo de globalização e da adesão do Brasil ao neoliberalismo. Para dar conta destas
mudanças também é necessário forjar um novo professor, daí a necessidade de produzir um
modelo de formação radicalmente novo. As mudanças devem ser tão radicais quanto são
radicais as mudanças no mundo do trabalho.
Neste contexto, as questões propostas pelo conjunto de autores que estão
repensando a prática docente em busca de sua especificidade são recontextualizadas pelos
documentos que têm a finalidade de apontar os novos caminhos para a formação docente,
na forma de diretrizes curriculares.
Como apontamos anteriormente, nos referindo a um trabalho anterior (Andrade,
Ayres e Selles, 2004), este momento de reforma dos cursos de formação de professores no
Brasil pode ser considerado um novo gênese. O novo modelo, expresso no Parecer
CNE/P/009/2001, investe na separação da Licenciatura do Bacharelado, na construção de
uma identidade profissional ao longo do curso e não em uma identidade disciplinar, na
aproximação dos conteúdos disciplinares trabalhados nos cursos de formação daqueles que
são objetos de ensino na escola básica, na antecipação da experiência profissional levando-
a para o interior dos cursos de formação inicial, através da ênfase colocada na prática, além
de introduzir o conceito de “simetria invertida”, em referência ao fato dos estudantes de
62
Licenciatura terem passado longos anos no interior da mesma instituição em que passarão a
atuar profissionalmente.
É importante destacar também que o modelo que se tenta implantar no Brasil têm
semelhanças com o que vem ocorrendo em outros países. Young (2000) descreve o
conjunto de reformas realizadas no Reino Unido, desde a década de 1980, quando a
educação de professores foi deslocada da universidade para a escola, formando-os como
técnicos especializados na resolução de problemas práticos e os distanciando dos estudos
teóricos. Segundo o autor, o modelo então implantado gerou tantos problemas quantos
resolveu (p. 233), pois se limitou a uma preparação para resolver os problemas imediatos,
relacionados à aprendizagem de conteúdos específicos e não os preparou para enfrentar
problemas advindos das mudanças econômicas mais amplas. Ele faz, então, o seguinte
alerta:
As escolas geram conhecimentos práticos em suas atividades cotidianas, que
podem servir de base para que tanto estudantes quanto professores de carreira
aprendam; porém, ambos os grupos também precisam de conhecimentos teóricos
para poder conceituar como mudar sua prática em resposta a novas exigências.
(Young, 2000, p. 235)
Este alerta pode nos ser útil, uma vez que, as novas Diretrizes para a formação de
professores apostam nesta perspectiva prática e na aproximação cada vez maior com os
espaços e os conteúdos trabalhados na atuação profissional. Podemos nos perguntar ainda,
em que medida este novo modelo pode ser considerado como uma atualização do modelo
de Licenciatura Curta implementado no período da ditadura militar. Se ambos diferem no
que se refere à idéia de polivalência
112
, se aproximam em outras características: (i) na
ênfase na perspectiva profissional; (ii) na valorização de dimensões técnicas do trabalho
docente
113
; (iii) na diminuição dos custos; (iv) na separação do Bacharelado e (v) na
redução do tempo de permanência no curso
114
. Além disso, ambos foram propostos em
momentos de crescimento de demanda por escolarização. Felizmente, temos uma diferença
fundamental entre eles: o contexto de implantação. Ao contrário da década de 1970,
atualmente o debate é livre e a participação da comunidade de educadores tem permitido
112
Idéia baseada na concepção de ciência integrada, que previa a formação de professores por área do
conhecimento em um mesmo curso, p. e., curso de Ciências, para formação de professores de Matemática e
Ciências.
113
Macedo, 2003.
114
Se para os cursos de Licenciatura Curta em Ciências previa-se uma duração mínima de dois anos e meio e
1800 horas, a legislação atual exige uma duração mínima de três anos e 2800 horas.
63
alterar alguns aspectos da proposta
115
. O contexto de implantação da reforma em cada
instituição é outro fator importante, que permitirá a construção de arranjos mais variados,
principalmente nas universidades públicas. Esperamos que estes arranjos propiciem a
valorização da Licenciatura e da docência na escola básica no interior das universidades,
sem contudo, perder o caráter acadêmico e científico que marcaram a formação de
professores no Brasil, desde seu início, na década de 1930.
Nos próximos capítulos examinaremos a trajetória de um curso de Licenciatura que
surgiu como Licenciatura Curta, em uma instituição pública isolada de ensino superior que,
posteriormente, foi incorporada a uma universidade. Nosso objetivo é trazer à tona as
tensões entre uma matriz curricular profissional e outra, de base mais acadêmica e
científica, a partir da análise de um conjunto de dados empíricos que podem enriquecer o
debate e nos ajudar a compreender as questões que levantamos nesta pesquisa.
115
Um exemplo está no amplo debate referente ao curso de Pedagogia. Infelizmente, o debate não é tão
intenso quando se trata das licenciaturas voltadas para as diferentes disciplinas da escola básica.
64
PARTE III
ANALISANDO UMA EXPRESSÃO
DA TENSÃO:
O CURSO DE CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS DA FFP/UERJ
65
CAPÍTULO IV
A FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O CURSO DE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS:
UMA TRAJETÓRIA IMERSA EM CONFLITOS E TENSÕES
No Capítulo II analisamos os processos políticos e sócio-econômicos que
institucionalizaram os cursos de Licenciatura polivalentes e de curta duração. Enfatizamos
o processo pelo qual a legislação educacional foi elaborada, refletindo um período
dominado pelo regime ditatorial, e procuramos identificar como a formação de professores
foi ajustada às necessidades de expansão da escolarização da população trabalhadora.
Naquele momento tratamos a formação de professores em uma abordagem geral.
No que se refere à formação de professores da área de Ciências Naturais, vários
aspectos poderiam ser investigados. Um deles diz respeito à discussão da especificidade da
66
formação de professores para a disciplina escolar Ciências, de 5
a
a 8
a
série do ensino
fundamental. Neste caso específico, diferentemente de outras disciplinas escolares, se
confundem argumentos pedagógicos referentes à pertinência ou não de uma formação
específica para uma disciplina criada para o contexto escolar e que se mantém até hoje no
currículo com os argumentos que enfatizam a questão do tempo de formação
necessidade ou não de formação aligeirada do professor, em decorrência da escassez de
professores devidamente habilitados para atender ao processo de expansão da
escolarização. Como vimos, este último problema foi agravado pela ampliação legal da
obrigatoriedade da escolarização de 4 para 8 anos
116
. O debate acerca da Licenciatura Curta
é anterior ao regime militar, principalmente em relação ao primeiro argumento
117
. A partir
da ditadura, a ênfase do debate recaiu sobre o tempo de duração da formação. Apesar da
importância deste debate, não é a questão que será enfrentada diretamente em nosso
estudo
118
.
IV.1 Considerações Teórico-Metodológicas e Delineamento das Estratégias Nesta
Etapa da Pesquisa
Conforme anunciamos na Introdução deste trabalho, nossa pesquisa procurou
reconstituir a trajetória do Curso de Licenciatura Curta em Ciências, até se transformar em
curso de Ciências Biológicas, habilitação Licenciatura, existente hoje na Faculdade de
Formação de Professores da UERJ
119
. Nosso objetivo foi identificar os desafios e
desvendar as tensões que esta Unidade enfrentou, analisando de que forma estas foram
constituindo uma cultura institucional expressa, particularmente, no curso de Ciências
Biológicas. Para atingir este objetivo temos, efetivamente, que trabalhar com dois níveis de
116
A Lei 5692/71 criou o ensino de 1
o
grau por meio da junção do curso primário com o primeiro ciclo do
curso secundário. Este grau de ensino, com 8 anos de duração, passou a ser a escolarização obrigatória, a ser
suprida pelo Estado, para toda a população brasileira.
117
Esta é uma discussão que persiste até hoje. Tanto é que a recém-criada unidade Leste da USP instituiu um
curso específico de Licenciatura em Ciências Naturais, que formará professores para esta disciplina do
ensino fundamental. Ao contrário, o curso de Licenciatura em Estudos Sociais não manteve correspondência
com uma disciplina escolar, que, a despeito de sua criação, permaneceram História e Geografia
separadamente.
118
Sobre este tema ver Tavares, 2006. Trata-se de uma Dissertação de Mestrado, recentemente apresentada
no PPGE da UFF, na qual a autora discute a questão da Licenciatura Curta em Ciências.
119
Em 2006, convivem dois currículos: o implantado em 1991 e o implantado no primeiro semestre deste
ano, por exigência da nova legislação. Nosso estudo não trata mais profundamente do processo de
elaboração e implantação deste novo currículo, considerando como “atual” o currículo de 1991.
67
“jogos de escala”
120
. O primeiro se apresenta nas relações instituídas entre três elementos: a
política educacional referente à formação de professores e à legislação dela decorrente; os
interesses particulares dos diferentes grupos políticos que assumiram o governo do Estado
do Rio de Janeiro, a partir de 1973; e as ações e interesses dos sujeitos que atuavam e
atuam na FFP durante todo o seu período de existência e que, em alguns momentos aderem,
e em outros resistem, aos dois elementos anteriores. São estes sujeitos, professores,
estudantes e funcionários técnico-adiminstrativos que dão vida e forma aos projetos e, por
serem sujeitos, não são meros executores dos interesses alheios, mas, dialeticamente,
reinterpretam estes interesses (Lopes, 2004). Porém, a comunidade interna da FFP também
não se configurou, ao longo da trajetória da Instituição, como um bloco único. Tanto a
adesão, quanto a resistência, a que nos referimos acima, não envolveu, necessariamente,
todos os membros da FFP. Assim, em alguns momentos, podemos encontrar interesses
divergentes dentro do próprio grupo.
O segundo nível a ser trabalhado nesta tese, mais interno, mas que não deixa de se
articular com o anterior, reflete as relações travadas entre a Unidade como um todo e o
Curso de Licenciatura em Ciências, atualmente Licenciatura em Ciências Biológicas,
representado pelos seus alunos e pelos professores do Departamento de Ciências Exatas e
da Natureza, posteriormente transformado em Departamento de Ciências, assim como nas
relações entre este e o Departamento de Educação. Novamente neste nível, temos uma
relação dialética, pois, ao mesmo tempo em que o Curso e o Departamento de Ciências são
influenciados pela cultura geral da Instituição, são também geradores desta cultura. Isto nos
obriga, ao estudar a trajetória do curso que nos interessa especificamente, confrontá-la com
a trajetória da Faculdade, assim como com o primeiro “jogo de escalas” a que nos
referimos acima. Segundo Revel (1998), é preciso reconhecer que uma realidade social
não é a mesma dependendo do nível de análise ou variação na escala de observação
(apud. Figueiredo, 2000, p. 7 do manuscrito). Assim, por meio destes dois níveis de escala,
pretendemos apreender a realidade social que estudamos.
Caracterizamos inicialmente a nossa pesquisa, como um estudo de caso, que
apresenta, principalmente nesta etapa, uma forte ênfase histórica. Assim, para reconstituir a
trajetória da Instituição e do curso em questão, lançamos mão de estratégias de pesquisa
histórica, combinando, basicamente, dois tipos de fontes: a documental e a oral. Burke,
120
Tomamos esta expressão do título do livro de Jacques Revel, publicado pela Fundação Getúlio Vargas,
em 1998. Nosso contato com suas idéias se deu através do trabalho manuscrito de Haydée da G. F. de
Figueirêdo, ex-professora da FFP, cujo resumo foi publicado nos Livro de Resumos do III Congresso Luso-
Brasileiro de História da Educação, 2000 (Figueirêdo, 2000).
68
(1992a), ao apresentar o livro organizado por ele, intitulado, “A Escrita da História”, alerta
que o objetivo da obra é apresentar os pontos fracos e fortes do movimento conhecido
como Nova História. Ao tratar do problema das fontes, afirma que os historiadores tiveram
de buscar novos tipos de fontes para suplementar os documentos oficiais (p. 25). Isto
significou a utilização da história oral, das imagens e da estatística, assim como uma
releitura de alguns tipos de documentos oficiais. Em nossa pesquisa, procuramos fazer uma
leitura dos documentos, tanto os oficiais, produzidos por organismos de Estado, como o
Conselho Estadual de Educação, quanto os “não oficiais”, ou seja, documentos internos à
própria FFP, como seus livros de registros de reuniões e outros documentos, abordando
questões internas específicas num dado momento, sempre com o olhar voltado para nossas
questões de pesquisa.
Se a análise documental pode estar mais próxima da chamada História Tradicional,
não nos limitamos a ela. Muito importante em nosso estudo foram os depoimentos colhidos
de professores e estudantes que vivenciaram - e alguns ainda vivenciam - o cotidiano da
FFP. Estes depoimentos foram fundamentais para dar vida a esta história e,
conseqüentemente, ao nosso estudo, constituindo-se como o que a historiografia chama de
História Oral (Prins, 1992 e Thompson, 1992). A história oral constitui-se em narrativas
muitas vezes apaixonadas, de atores que viveram intensamente os acontecimentos, sendo,
portanto, sujeitos da construção da história da FFP e do Curso de Ciências Biológicas.
Baseamo-nos na perspectiva expressa por Prins (1992) que, ao questionar a
supervalorização das fontes escritas em detrimento das fontes orais, se apóia em Vansina
(1985) e afirma: A questão é que o relacionamento entre as fontes escritas e orais não é
“aquele da prima-dona e de sua substituta na ópera: quando a estrela não pode cantar,
aparece a substituta: [As fontes orais] corrigem as outras perspectivas, assim como a
outras perspectivas as corrigem” (p.166). Nesta perspectiva de confluência destes dois
tipos de fontes procuramos construir o que Burke (1992b) chama de história dos
acontecimentos. Ao discutir as possibilidades de construção de uma história que privilegie
as relações entre estrutura e acontecimento, de ligar a micro-história à macro-história,
Burke (Idem) expõe o problema que discute na referida obra:
a possibilidade de se fazer uma narrativa densa o bastante, para lidar não
apenas com a seqüência de acontecimentos e das intenções conscientes dos
atores nesses acontecimentos, mas também com as estruturas –
instituições,
modos de pensar etc. – e se elas atuam como um freio ou um acelerador para os
acontecimentos. (p. 339)
69
Caso consigamos, ao menos parcialmente, dar conta desta tarefa neste trabalho
estaremos nos considerando extremamente satisfeitas.
Os documentos por nós analisados foram os Pareceres do Conselho Estadual de
Educação (CEDERJ), que autorizam e reconhecem a Licenciatura em Ciências, em suas
diferentes configurações curriculares; as grades curriculares com os respectivos programas
e/ou ementas das disciplinas e as Atas de reuniões que ainda estão disponíveis na Secretaria
de Graduação da FFP: Atas da Congregação (desde a fundação da FFP até a sua
incorporação à UERJ); Atas do Conselho Departamental (período: 1973-1979); Atas de
Reuniões entre os Diretores das Unidades do Complexo Educacional de São Gonçalo
(1985); Atas do Departamento de Ciências Exatas e da Natureza (período: 1973-1979) e
Atas do Departamento de Educação (períodos: 1980-1992 e 1992-1999) e o Livro de
Registro dos Termos de Visita dos Inspetores do Departamento de Ensino Médio e
Superior da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro (DEMS/SEC-
RJ) (Livro I), referente ao período de 1973 à 1984. Utilizamos também documentos
internos produzidos por professores e/ou Direção da FFP, que fazem estudos sobre temas
específicos da Instituição, como também documentos produzidos pela Administração
Central da UERJ
121
.
A coleta dos depoimentos foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas,
gravadas em áudio, com duração de duas horas, em média. Estas entrevistas foram
realizadas em uma perspectiva de interação, tal como definiu Alasuutari (1995, apud.
Silveira, 2002), na qual entrevistador e entrevistado co-produzem a “entrevista em
profundidade” (p. 124 grifo no original). Nesta perspectiva, não se pensa que existam
afirmações ou posições de sujeito “imparciais”. Existe apenas uma fala situada que
alguém pode usar como dado, quando se tenta fazer sentido de fenômenos sociais ou
culturais. (Idem, Ibdem grifo no original). Nesta fase, então, tomamos os depoimentos de
professores do Departamento de Ciências Exatas e da Natureza (DEN) e do Departamento
de Educação (DED)
122
, além de uma aluna da Licenciatura em Ciências
123
. Os
Departamentos citados abrigavam as disciplinas oferecidas ao Curso de Licenciatura Curta
em Ciências que, posteriormente, foi desmembrado em Licenciatura Plena em Ciências
com habilitação em Biologia ou Matemática. Por limitações inerentes ao estudo realizado
121
Estes documentos constam na Bibliografia deste trabalho, com o título de “Documentos Internos
Analisados”.
122
O roteiro utilizado para as entrevistas com professores que vivenciaram a FFP no período anterior à
incorporação à UERJ encontra-se no Apêndice I.
123
O roteiro para a entrevista com a aluna que estudou neste período encontra-se no Apêndice II.
70
não foi possível entrevistar outros sujeitos que, como nos referimos acima, também
influenciaram a trajetória da FFP.
Na análise das transcrições, buscamos aproximações e conflitos de idéias e ações,
de forma a, não apenas reconstituir os fatos, mas encontrar elementos que nos permitissem
entender a construção da cultura institucional da FFP. Procuramos ainda elementos que
justificassem as escolhas feitas frente às exigências legais. Neste sentido, nossa pesquisa
articulou o contexto das formulações legais e a re-interpretação destas formulações por
uma instituição em particular, realizada, principalmente, por seu corpo docente. Não
podemos ignorar, no entanto, que outros agentes tomam parte deste processo: o poder
público, a instituição mantenedora da Faculdade e os estudantes. Por limitações impostas,
tanto pelas questões de estudo, como pelo tempo para realização da pesquisa, não foi
possível colher depoimentos de representantes destes outros agentes, à exceção de uma
estudante. Neste Capítulo, nos ateremos a fazer a reconstrução histórica da FFP, de sua
fundação (em 1973) até a sua incorporação à UERJ (em 1987).
Colhemos, assim, diversos depoimentos de docentes que participaram do curso em
diferentes momentos. Foram eles: professores César, Cíntia, Clarice e Carmen, do DEN, e
Edna e Elenita, do DED
124
. Destes, os professores César e Elenita ainda atuam na FFP
125
.
Infelizmente não pudemos contar com depoimentos de professores que tivessem atuado no
curso desde sua implantação até o momento atual, ininterruptamente.
Os professores César e Cíntia foram fundadores da FFP, sendo o primeiro,
professor de Matemática, e a segunda, de Biologia. O professor César participou, inclusive,
da formulação do curso e começou a lecionar no mesmo a partir do segundo semestre, em
função da disciplina que lhe coube neste primeiro momento. Esteve afastado da FFP
durante em dois períodos, entre 1978 e 1979 e, posteriormente, entre 1990 e 1991. A
professora Cíntia afastou-se no início de 1981 e retornou logo após a sua incorporação à
UERJ. Aposentou-se em 1998.
A professora Carmen, de Biologia, e a professora Clarice, de Geologia e
Paleontologia, ingressaram na FFP em momentos diferentes, mas posteriores à sua
inauguração. A primeira não soube precisar o ano de ingresso, nem de afastamento, mas
seu nome consta do Parecer 11/78, que autoriza a conversão do Curso de Licenciatura
124
Escolhemos nomes fictícios iniciados com a letra C, para os professores do Departamento de Ciências
Exatas e da Natureza, e com a letra E, para os professores do Departamento de Educação.
125
No Capítulo seguinte, que trata da FFP após a incorporação à UERJ, além destes dois professores,
analisaremos os depoimentos de outros docentes que ingressaram na instituição após o processo de
incorporação.
71
Curta para Licenciatura Plena em Ciências e no Parecer 742/82, que reconhece este Curso.
Não consta do Parecer 243/76, que reconhece os cursos da Faculdade, nem do Parecer
358/84
126
, que aprova o currículo pleno do mesmo
127
, o que nos faz supor que atuou na
Instituição no período compreendido entre 1976 e 1984. Esta professora mantinha
simultaneamente um vínculo profissional com o Museu Nacional da UFRJ e sua saída da
FFP deveu-se à opção pela Dedicação Exclusiva àquela instituição. A professora Clarice,
atuou na Faculdade de 1981 a 1992. Atuava também na UERJ, no Instituto de Geologia,
mesmo antes da incorporação da FFP, tendo também dois vínculos institucionais. Optou
por permanecer apenas no Instituto de Geologia, segundo ela, por uma série de desavenças
com a Direção da FFP.
A professora. Edna afirmou ter atuado nos cursos de treinamento de professores
desde a fundação do CETRERJ, passando a atuar como docente da FFP em 1982. Em seu
depoimento, esta professora afirma, no entanto, que trabalhou na FFP, como Secretária,
antes de ser contratada como Docente
128
. Ela aposentou-se no final da década de 1990. A
professora Elenita afirmou em sua entrevista que ingressou na instituição em agosto de
1981 e, como já colocamos, ainda se encontra em atividade na Universidade.
Os dois professores mais antigos do campo da Biologia e que atuaram na FFP até a
implantação do currículo que começou a ser extinto este ano, infelizmente, faleceram; um
enquanto ainda estava em atividade e, o outro, pouco tempo após a sua aposentadoria.
Também não identificamos professores que acompanharam todo este período no campo da
Educação. O depoimento mais completo é o do professor César que, mesmo sendo de
Matemática, participou de todos os processos de reforma curricular do curso, uma vez que
a Biologia só separou-se totalmente da Matemática em 1991.
A estudante entrevistada
129
Áurea
130
– cursou a Licenciatura Curta em Ciências e,
posteriormente, completou seus estudos, com a Licenciatura Plena em Biologia, no período
compreendido entre 1977 e 1983. Além de exercer atividades docentes, no município de
Rio Bonito, onde reside atualmente, Áurea trabalha também como bióloga, na área
126
A designação dos Pareceres citados e seus respectivos Decretos encontram-se no Anexo II.
127
Todos estes Pareceres citados tratam ao mesmo tempo dos cursos de Ciências e Letras.
128
Este fato é confirmado pelos Termos de Visita dos Inspetores do DEMS à FFP, compreendidos entre
setembro de 1978 e abril de 1981.
129
Entrevistamos um total de sete estudantes, sendo que, neste Capítulo nos deteremos apenas em um
depoimento referente à estudante da FFP que cursou a Licenciatura em Ciências antes da incorporação à
UERJ. A análise do depoimento dos demais estudantes será realizada no Capítulo seguinte. Apesar de nos
referirmos a eles como estudantes, quase todos estavam formados quando foram entrevistados.
130
Escolhemos nomes fictícios, iniciados com a letra A (de aluno), para identificar todos os estudantes
entrevistados durante a pesquisa.
72
ambiental, da Secretaria Estadual de Saúde. Durante o curso queria ser pesquisadora, o que
a levou a estagiar no Museu Nacional da UFRJ, na área de Entomologia, convidada pela
professora Carmen, da qual também foi Monitora, a partir de 1981. Este fato a isentou do
pagamento da mensalidade do curso
131
. O estágio realizado por ela permitiu que obtivesse
o Registro de Bióloga no Conselho Regional de Biologia para que pudesse assumir a vaga
conquistada pela aprovação no concurso que prestou para a Secretaria Estadual de Saúde, e
na qual vem atuando profissionalmente, paralelamente ao magistério.
A memória que procuramos resgatar por intermédio destes depoimentos, apesar de
apresentar algumas lacunas, é preciosa para a história da FFP, cuja contribuição para a
formação de professores para o Estado do Rio de Janeiro ainda não foi plenamente
reconhecida
132
. Não é nossa pretensão esgotar todas as questões relevantes referentes à
história da FFP. Procuramos, no entanto, nos documentos e nos depoimentos dos
professores e da aluna encontrar elementos que dêem suporte a análise que pretendemos
desenvolver
133
.
IV.2 A Fundação e a Trajetória da Faculdade de Formação de Professores como
Instituição Pública e Isolada de Ensino Superior: entre esperanças e crises
Em 1971 o governo do Estado do Rio de Janeiro criou
134
, no município de São
Gonçalo, o Centro de Treinamento de Professores do Estado do Rio de Janeiro
(CETRERJ). O objetivo principal desta instituição era oferecer cursos de treinamento em
serviço para os professores, principalmente do interior do Estado, que atuavam no recém-
criado 1
o
grau. Para abrigar o CETRERJ foi construída uma estrutura física bastante ampla,
em uma área de 40.850 m
2
, localizada no bairro do Patronato. Esta estrutura constava de: a)
Bloco de salas de aula e auditório, com 3.177 m
2
; b) Bloco de oficinas, com 1.319 m
2
e c)
131
Cabe esclarecer que apesar de ser uma instituição púbica estadual os cursos da Faculdade de Formação de
Professores eram pagos.
132
Neste momento, não podemos deixar de lamentar o falecimento precoce da Professora Hayddé da Graça
Figueirêdo, enquanto estava desenvolvendo o seu projeto de tese de doutorado que enfocava a história desta
instituição. Este fato significou uma enorme perda para a FFP e para o campo da História da Educação, uma
vez que esta era sua área de especialidade, portanto, saberia, melhor do que nós, “contar” esta história
133
Uma “síntese” da história da FFP pode ser encontrada em Assis e Silva (2001), que também utilizamos
em nosso estudo.
134
Lei nº 6.598, de 20/08/1971.
73
Bloco do Centro Cultural, com 1.768 m
2
, que abriga até hoje a Biblioteca
135
. Segundo a
professora Cíntia, esta sede do CETRERJ, veio substituir o chamado CETRERJinho, que
funcionava no bairro do Fonseca, Niterói, RJ. Ainda segundo ela, era pretensão do
Secretário de Educação da época construir, na área do CETRERJ em São Gonçalo, um
hotel que hospedasse os professores que viessem do interior do Estado para fazer os cursos,
mas esta idéia não chegou a se concretizar. Na estrutura deste Centro foi criada a Faculdade
de Formação de Professores que passou a funcionar em setembro de 1973, oferecendo as
chamadas Licenciaturas de 1
o
Grau em Letras, Ciências e Estudos Sociais, atendendo,
desta forma, as exigências da Lei 5.692/71. O funcionamento destes cursos foi autorizado
pelo Parecer 425/73, do Conselho Federal de Educação, e pelo Decreto Federal
72.525/73, de 25/07/73.
A FFP foi estruturada em quatro departamentos: Educação, Letras, Ciências Exatas
e da Natureza e Estudos Sociais
136
, sendo os três últimos responsáveis pelo curso
correspondente e o primeiro, responsável por oferecer as disciplinas pedagógicas a todos os
cursos.
O Parecer 243/76 do CEDERJ
137
, que aprova o reconhecimento dos três cursos
ministrados pela FFP, afirma que havia na instituição laboratórios e materiais didáticos
suficientes
138
, 3.616 títulos na biblioteca, além de outros recém-adquiridos, assinatura de 56
periódicos e um corpo docente muito bem qualificado, tendo todos os professores cursos de
pós-graduação, completo ou em fase de complementação. Cabe destacar que o corpo
docente do Departamento de Ciências Exatas e da Natureza era composto por apenas oito
professores, aprovados neste Parecer.
Segundo o professor César, a proposta de participar da criação de uma faculdade
dedicada à formação de professores foi vista com entusiasmo por um conjunto de jovens
professores que se preocupavam com a formação para o magistério. Estes jovens
professores já percebiam o desinteresse da Faculdade de Filosofia pela formação docente, o
que foi agravado, segundo professor César, com o desmembramento desta Faculdade e a
criação dos Institutos específicos:
135
Estes dados constam no Parecer 243/76 e no Parecer 742/82.
136
A Ata da reunião de instalação da Congregação, realizada em 01/09/1973 registra a aprovação da
mudança do nome do Departamento de Ciências Sociais para Departamento de Estudos Sociais.
137
O processo de reconhecimento dos cursos da FFP (datado de 1974) foi encaminhado ao CFE. Este órgão
entendeu que a competência para julgar o processo era do CEDERJ, uma vez que a mantenedora da FFP era
uma entidade de direito público estadual, enviando-o, então, para este órgão. Esta informação consta no
Parecer 243/76.
138
O documenta aponta a necessidade de enriquecimento do material didático apenas para o setor de língua
estrangeira.
74
Quando existia a Faculdade de Filosofia, os departamentos, na UFF, eram um
em cima do outro: Educação era no andar, Matemática no 5º, Geografia no
6º, História no 7º, Letras no 4º, se eu não me engano. E eles tinham também um
colegiado comum, Colegiado de Unidade. Quer dizer, nesse Colegiado da
Unidade as pessoas discutiam, divergiam, as questões apareciam e acabavam
afinando. Quando acabavam de discutir, você tomava café com o cara do
andar. Quando criaram os Institutos [...] eles criaram os Colegiados de Curso e
botaram representantes das várias faculdades que tinham disciplinas [em cada
curso], mas uma coisa é você interagir com um cara que você vê de dois em dois
meses ou de mês em mês naquela reunião, que es trabalhando a léguas de
distância de você, em uma época onde a comunicação até por telefone, de dentro
das Unidades, era difícil.
Professor César ressaltou que no processo de contratação de professores para a FFP,
pelo menos para a área de Matemática, se procurava selecionar docentes que tivessem
relação com a escola e, ao mesmo tempo, interesse em continuar os estudos em cursos de
pós-graduação. Outro aspecto importante, destacado pelo professor César e confirmado
pela professora Cíntia, foi que vários professores contratados na área de Biologia
ministravam cursos de treinamento aos professores das escolas públicas, tanto pelo
CETRERJinho, quanto pelo CECIGUA
139
, tendo, portanto, relação com processos
formativos de professores.
Os depoimentos e as fontes documentais analisadas nos fazem ver que, apesar da
disposição e motivação do corpo docente para o novo trabalho, a tarefa a qual se dedicaram
não foi fácil. Sem estar vinculada a uma universidade que lhe desse sustentação, localizada
em uma área pobre da periferia, criada como instituição estadual e tendo como missão uma
atividade desprestigiada social e academicamente, a FFP ficou à mercê dos humores dos
políticos estaduais. Isto fez com que mudasse de mantenedora várias vezes, sendo
incorporada à UERJ em dois momentos e desincorporada logo em seguida, enfrentando
crises e lutando pela continuidade de sua existência. Nas palavras da professora Edna: Eu vi
essa instituição nascer, em alguns períodos eu contribuía com dinheiro, foi uma vida, eu
me aposentei . O fato dos professores, muitas vezes, contribuírem com dinheiro para
custear as atividades dos cursos pôde ser confirmado em alguns trechos das Atas das
reuniões dos departamentos. Na Ata da Reunião do DEN, realizada em 11/04/78
140
, por
exemplo, os professores se propõem a comprar um mimeógrafo a álcool, para uso do
Departamento, cujo custo seria dividido entre todos os professores.
139
Centro de Ciências da Guanabara que, após a fusão do Estado do Rio de Janeiro e da Guanabara passou a
se chamar Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro (CECIERJ).
140
Primeiro Livro de Atas do DEN, fl. 26.
75
Assis e Silva (2001) dividiram os 15 primeiros anos da Instituição em duas fases,
sendo as duas de “dificuldades”:
Olhando de hoje percebemos que o período entre 1971
141
e 1982 caracterizou-se
como a época de instalação e luta pela manutenção da Faculdade em São
Gonçalo. O período de 1983 a 1985 é marcado pelo confronto dos professores
da FFP com o Governo do Estado, a fim de garantir nossa autonomia
acadêmica e institucional. (p. 94)
Em 1975, após a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a Faculdade
passou a pertencer a Fundação Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos da
Educação e Cultura (CDRH). A Faculdade mal começou a funcionar e veio a primeira
crise, como conta a professora Edna:
Quando houve a fusão foi a barbaridade [...]. Lógico que Niterói ficou sendo
uma instância do Rio de Janeiro e os nossos administradores jamais seriam do
Estado do Rio [...]. A sede não ficou mais sendo na Faculdade, ninguém ia
querer ficar com uma sede em São Gonçalo, que é coisa da cultura mesmo, [a
sede] foi transferida para São Cristóvão. [...] Na hora de equiparem o Centro de
Desenvolvimento, chegavam à faculdade e só apontavam: “vamos levar isso,
aquilo” [...] Nós tínhamos equipamento e pessoal. Foi tudo para o Rio, nada
disso voltou e a Faculdade ficou “a pé” e ficamos reduzidos, foi o momento
que a gente entrou com o mimeógrafo a álcool, ficamos reduzidos a isso.
Outros depoimentos, no entanto, nos mostram que esta crise não ocorreu tão
rapidamente como fala a professora Edna ou, pelo menos, não atingiu a todos os setores
igualmente. Professora Carmen, por exemplo, afirmou que dispunha de todo o material
necessário para realização de suas aulas, inclusive das aulas práticas de Biologia, que
requerem um material mais especializado. A professora Cíntia, destacou a importância da
Congregação como o espaço em que eram discutidas as necessidades dos cursos em termos
de material, equipamentos e contratação de professores. Segundo ela: era um local
adequado no qual falávamos de nossas satisfações e insatisfações em relação a isto. O
depoimento de Áurea confirma a existência de materiais necessários às aulas práticas.
Confrontando os depoimentos destas depoentes com os livros de Atas de diferentes
reuniões da Congregação, do Conselho Departamental, da Reunião do DEN
verificamos que em quase todas as reuniões havia queixas quanto à compra de
equipamentos e implantação dos laboratórios. O curso de Ciências dispunha de um
laboratório de Física, um de Química e um de Biologia. Não havia pessoal técnico para
141
Este ano se refere à fundação do CETRERJ que é anterior à criação da FFP.
76
estes laboratórios e, inclusive, na Ata da 7
a
reunião da Congregação da Unidade, realizada
em 23/04/1975, a representante do DEN cobra a compra destes equipamentos e afirma que
o curso de Ciências está funcionando com vários materiais de laboratório emprestados pelo
CECIGUA
142
.
Temos então uma aparente contradição entre os dados obtidos em diferentes fontes.
Para agravá-la encontramos o registro feito pela Inspetora do DEMS/SEC-RJ, na visita
realizada à FFP em 15/06/1979, considerando os laboratórios de Ciências como bons, a
primeira vista, e ainda, como uns dos poucos existentes nas diversas instituições de ensino
superior
143
. Acreditamos que todos os dados estejam corretos, ou seja, os laboratórios de
Ciências tinham alguma infra-estrutura material para realização de aulas práticas simples,
mas os professores não perdiam a oportunidade, durante as reuniões, de reivindicarem
melhorias das condições dos mesmos. a inspetora compara às condições da FFP com a
de outras instituições de ensino superior privadas, não universitárias, que estavam sob sua
supervisão, que apresentavam condições ainda mais precárias do que as da FFP,
principalmente para atender aos cursos da área de Ciências, conforme discutimos no
Capítulo II deste trabalho. A professora Edna, por sua vez, está se referindo à retirada de
equipamentos de uso comum à FFP e que seriam úteis na nova Sede da Mantenedora, tais
como equipamentos gráficos e áudio-visuais
144
.
Entretanto, talvez o maior problema estivesse na insegurança trazida pelas
mudanças constantes de mantenedora
145
. Cinco anos depois de passar para o CDRH, ou
seja, em 1980, a FFP foi transferida para a recém-criada Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), permanecendo na sua estrutura até 1987, quando
foi definitivamente incorporada à UERJ
146
. Até então os professores não dispunham de
plano de carreira e eram remunerados por hora/aula, o que dificultava o desenvolvimento
de atividades para além das de ensino de graduação. Outro problema vivido pela instituição
foi acarretado pela mudança na legislação relativa à acumulação de cargos públicos que
provocou um esvaziamento do quadro docente no início da década de 1980.
142
Livro de Atas de Reuniões da Congregação da FFP, fl. 25.
143
Livro de Registro dos Termos de Visita dos Inspetores do DEMS, fl. 32.
144
Uma conversa informal com um funcionário antigo da FFP confirmou este dado. Ele nos contou que o
Auditório contava com equipamento de projeção de filmes, funcionando como um Cine-Auditório. Com a
passagem da Sede do CDRH para a cidade do Rio de Janeiro este equipamento foi retirado da FFP e o
funcionário responsável pelo setor não sabia o que fazer com os rolos de filmes que restaram.
145
A Ata desta 7
a
Reunião da Congregação também menciona a criação da Fundação Universidade do
Estado do Rio de Janeiro UERJ feita através do Decreto-Lei 67, de 11/04/1975, e a apreensão gerada
pela incorporação da FFP a esta Universidade.
146
Lei Estadual nº 1.175, de 21 de julho de 1987.
77
Depois de quatro anos de experiência com a Licenciatura Curta, em 1978, os cursos
de Letras e Ciências da FFP passam a ter a possibilidade de complementação para obtenção
do diploma de Licenciatura Plena
147
. A fala do professor César justifica esta ampliação:
depois, nós notamos com as críticas de fora, que Licenciatura Curta não ia
dar “camisa” a ninguém e os próprios alunos começaram a pedir, aqueles
alunos que se formaram: “E quando vai ter a longa?” Sabe aquele aluno que
acaba hoje aqui [na FFP atual] e [fala] “o mestrado, quando começa? Você não
tem especialização? Eu quero fazer especialização.” Eles começaram a exigir
alguma coisa posterior porque o Estado também pagava tanto p’ra Curta e
fora os colégios particulares também começaram segregar, pagar menos para o
“cara” que tivesse a [Licenciatura] Curta e etc e tal. Então, as motivações eram
várias, o que queria estudar, o que queria ganhar mais e começaram a
pressionar.
Esta pressão dos estudantes para tornar os cursos plenos vem ao encontro dos
argumentos apresentados por Cunha (1977a) ao criticar o processo de implantação das
Licenciaturas Curtas no Brasil. Segundo ele, havia uma forte resistência das corporações
profissionais, no sentido de evitar a desvalorização econômica e simbólica dos diplomas e
também dos estudantes que buscavam ingressar num curso de longa duração, após
terminado o primeiro de modo a ‘completar’ sua formação (p. 421). Sendo assim, na
opinião do autor, tais cursos dificilmente permitiriam um aumento substancial na oferta de
professores para as últimas séries do ensino de 1
o
grau.
No sentido de reafirmar o projeto expresso na legislação então em vigor, o Parecer
11/78, do Conselho Estadual de Educação, registra que a FFP, desde 1973, já havia
lançado no mercado-de-trabalho, não no município de São Gonçalo, mas na região,
mais de 500 profissionais para atendimento de 5
a
à 8
a
série do 1
o
grau. Afirma ainda que
o curso de Ciências da FFP, de 1973 a 1977, teve um aumento de 32,8% no número de
alunos. Cabe registrar que a “pressa” em formar os professores fazia com que os cursos
fossem ainda mais aligeirados, não em termos de carga horária, mas de organização no
tempo. Assim, muitas vezes não seguiam o calendário letivo habitual, encurtando as férias.
As primeiras turmas da FFP iniciaram os estudos em setembro de 1973 e completaram o
curso em fevereiro de 1974, ou seja, dezoito meses depois.
Não dispomos de dados que nos permitam afirmar que a maioria dos egressos da
FFP deste período ocupou postos de trabalho no magistério do 1
o
grau, assim como não
147
O Curso de Licenciatura Curta em Estudos Sociais se manteve e foi ampliado para licenciatura plena,
com habilitação em História e Geografia, em 1985.
78
temos para o período atual. Informações não oficiais indicam que parte considerável dos
professores de São Gonçalo foi formada na FFP tendo, muitos deles, complementado a
formação tanto nesta instituição, como em outras instituições da região
148
. Isto, no entanto,
não exclui uma outra crítica que deve ser realizada, não especialmente a FFP, mas ao
projeto político de aligeiramento da formação de professores. Em bases meramente
profissionais e técnicas, desprovida de uma formação cultural mais ampla, tal projeto
ocorreu no momento em que estudantes das camadas sócio-econômicas mais baixas passam
a ter acesso ao ensino superior, e que as camadas sócio-econômicas ainda mais baixas
passaram a ter acesso às séries finais do 1
o
grau. Este processo de formação, ainda que
emergencial, como emergenciais têm sido grande parte das políticas voltadas para prover
de professores às escolas brasileiras, contribuiu para a desvalorização do magistério
enquanto profissão, conforme apontamos também no Capítulo II deste estudo.
A ampliação dos cursos de Ciências e Letras significou que os professores
continuavam sendo formados nos cursos polivalentes para atender ao 1
o
grau e, caso
desejassem obter o diploma de Licenciatura Plena em uma das disciplinas do 2
o
grau,
deveriam cursar mais três semestres letivos. Como havia grande procura por parte dos
egressos da Licenciatura Curta, pela complementação do seu curso, houve a opção por dar
total equivalência dos cinco primeiros períodos (apesar das diferenças apresentadas) a
todos estes egressos que voltaram para cursar a Licenciatura Plena. O Parecer 742/82 faz
referência a este fato:
Em decorrência da procura por parte dos ex-alunos licenciados em Ciências e
Letras Grau, a FFP optou por uma instalação em que tais alunos pudessem
retornar, com vistas à Licenciatura Plena, a partir do período. Assim, no
semestre de 1978, ao mesmo tempo em que se implantava o período da nova
licenciatura, implantava-se também o 5° período e, assim, sucessivamente nos
semestres seguintes.
Desta maneira tornou-se possível completar uma série histórica de oferecimento
de todos os períodos do curso até o semestre de 1980. A complementação e o
prosseguimento dos estudos dos ex-alunos foram amparados pela Resolução
03/78, aprovada pelo Conselho Departamental da FFP, em 13/07/78.
148
Na Ata da 8
a
Reunião da Congregação, ocorrida em 01/07/1975, o corpo docente estava preocupado com
uma possível transferência da Faculdade para o Rio de Janeiro. Para defender a sua permanência em São
Gonçalo, escrevem um memorial no qual explicam que a maioria dos estudantes da FFP é oriunda de São
Gonçalo, Niterói, Itaboraí, Rio Bonito e Magé e que estes seriam muito prejudicados caso a transferência
viesse a ocorrer.
79
Esta demanda não se mostrou tão efetiva, ao menos, inicialmente, pois o “Termo de
Visita dos Inspetores”, de 15/09/1978, registra que, até aquela data, encontravam-se
matriculados vinte e sete alunos para a Licenciatura Plena em Matemática, nove alunos
para a Licenciatura Plena em Biologia, dezoito alunos para a Licenciatura Plena em
Português/Inglês e vinte e sete alunos para a Licenciatura Plena em Português/Literatura.
Os cursos tiveram início no dia 18 de setembro daquele ano. Não encontramos dados sobre
os períodos posteriores.
Ao tratar da implementação da Licenciatura Plena e da questão do retorno dos
alunos para complementação do seu curso, o Chefe do DEN solicita aos professores que
façam um curso sério, intenso, em nível de Licenciatura Plena, porém, salienta também o
ponto dos alunos estarem parados por dois anos, pede aos professores que considerem
esta ponte e que estimulem os alunos no sentido de continuarem o curso
149
. Tentando ainda
que os professores estimulassem os alunos à continuidade dos estudos, o Chefe do DEN,
em reunião ocorrida no mesmo mês
150
, pede que os professores esclareçam os alunos sobre
o curso, conscientizando-os do que estão cursando, para que não o façam por fazer (fl.
35). Acrescenta ainda que os professores devem mostrar aos alunos que com a Licenciatura
Plena eles terão outras oportunidades além do magistério, apesar de ser o curso de
formação de professores (fl. 36). Assim, a Licenciatura Plena, já naquele momento,
começa a abrir os horizontes profissionais dos estudantes e professores.
Se os períodos anteriores não foram de tranqüilidade para a instituição, havendo,
inclusive, constante incerteza com relação à realização ou não dos concursos vestibulares,
que dependiam da autorização da mantenedora, a década de 1980 foi particularmente difícil
para os professores e alunos da Faculdade de Formação de Professores. Neste período, a
FFP ficou muito vulnerável aos interesses políticos e às mudanças aconteciam rapidamente.
Assis e Silva (2001) descrevem a rapidez destas mudanças:
Em 05/03/83, no fim do governo Chagas Freitas, todo o quadro docente é
surpreendido com medidas governamentais inesperadas: a FFP é desvinculada
da FAPERJ e, pela segunda vez, se incorporada à UERJ, através do Decreto
Estadual 6.570. Transcorridos dez dias, o governo Leonel Brizola, através de
decreto conjunto, altera novamente a nossa vinculação, integrando-a à
Secretaria de Estado de Educação. Ainda neste mesmo ano, dá-se o
reconhecimento pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) através da
149
Livro de Atas da Reunião do DEN realizada em 06/09/1978 (fl. 32).
150
Livro de Atas da Reunião do DEN realizada em 19/09/1978.
80
Portaria 123, dos Cursos de Licenciatura Plena em Letras e Ciências da FFP, e
a mesma retorna à FAPERJ pelo Decreto Estadual nº 6.629/83.
Neste retorno, a Unidade passa a fazer parte do Complexo Educacional de São
Gonçalo, juntamente com o Centro Interescolar Walter Orlandini e a Escola
Estadual Tarcísio Bueno, com o objetivo de oferecer educação do Pré-Escolar
ao 3
o
Grau, bem como o Curso Normal Superior. (pp. 94-5 grifo dos
autores)
151
A década de 1980 foi uma época em que se mesclavam a esperança de alguns e a
descrença de muitos. Esperança, trazida pela posse de um Governo Estadual eleito após o
fim da ditadura militar e que se intitulava popular e democrático. Descrença, devido à
quantidade de medidas tomadas sem consulta prévia à comunidade da FFP. Ocorreram
neste período várias assembléias docentes que tentavam pressionar o governo a instituir um
regime de trabalho, que estabelecesse uma carga horária que incluísse, além das atividades
docentes, a possibilidade de realização de outras atividades afins aos Departamentos. Na
16
a
Reunião da Congregação da FFP, ocorrida em 21/12/1983, seu Diretor reproduz a
promessa do Presidente da FAPERJ, na época o Professor Darcy Ribeiro, de que esta
Faculdade renasceria das cinzas. Mas não foi bem isto o que aconteceu.
Em meio às lutas de resistência à política implementada pelo governo estadual
152
, o
corpo docente realiza a primeira grande reforma curricular dos cursos da FFP, que passa a
vigorar em 1984. A partir desta reforma os cursos de Ciências e Letras deixaram de ter a
possibilidade de conclusão na forma de Licenciatura Curta tornando-se totalmente plenos.
Além disto, os cursos de Ciências Biológicas e Matemática tornaram-se independentes,
porém mantendo-se a denominação de Licenciatura Plena em Ciências Habilitação
Biologia e Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação Matemática. Nesta reforma, houve
um processo de negociação intenso que envolveu não os Departamentos da Faculdade,
mas também interesses externos por influência do professor Darcy Ribeiro, Vice-
Governador do Estado do Rio de Janeiro e que acumulava vários cargos no Governo. Darcy
Ribeiro foi o formulador do projeto do Complexo Educacional de São Gonçalo (CESG). A
idéia desta “Instituição” era integrar a Faculdade de Formação de Professores, o Centro
151
O Curso Normal Superior o foi implantado devido às resistências dos professores da FFP a esta idéia.
O curso de Pedagogia habilitação em Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental foi criado em
1994.
152
Houve uma paralisação das atividades docentes no período entre 19 e 31 de maio de 1983 e uma
paralisação dos estudantes em junho de 1984. Outra paralisação das atividades da FFP ocorreu em outubro
de 1984. (Livro de Registro dos Termos de Visita dos Inspetores, fls 84, 96 e 99).
81
Integrado Walter Orlandini (CIWO)
153
e a Escola Estadual Coronel Tarcísio Bueno
(EECTB), articulando todos os níveis educacionais, desde a pré-escola e o ensino de 1
o
grau, oferecidos na EECTB, passando pelo 2
o
grau, oferecido pelo CIWO, até o ensino
superior, oferecido pela FFP
154
. Durante o seu período de funcionamento, professores,
estudantes, equipamentos e materiais circulavam entre as três Unidades. Como disse a
professora Elenita: Nós tivemos salas com carteirinhas de criança, aquelas mesas que você
até hoje, as quadradinhas, carteiras dos CIEPs. Este projeto, no entanto, sofreu grande
resistência por parte de um grupo de professores da FFP, afetando o próprio processo de
elaboração e implantação do novo currículo. Ainda, segundo a professora Elenita:
Um grupo de professores que estava à frente da elaboração desse currículo
concordava com o que estava sendo feito e havia outro grupo que não
concordava com as ingerências que estavam sendo feitas dentro do currículo,
que era a tal da questão do Complexo Educacional, que ninguém definia qual a
filosofia desse Complexo, qual a inserção da universidade.
Duas passagens do Livro de Registro dos Termos de Visita deste período deixam
claro o conflito existente no período. A primeira passagem revela a importância do projeto
para o governo estadual, pois mostra que a Aula Inaugural da Faculdade, em 19/03/1984,
foi proferida pelo Prof. Darcy Ribeiro, que tratou, o de sua experiência como
antropólogo em aldeias indígenas, mas também do problema da educação, enfatizando os
compromissos do governo do qual era Vice-Governador. O Inspetor resume esta parte da
Aula:
[...] dando ênfase à necessidade de desenvolvimento de atividades
artística, cultural, esportiva e recreativa do ensino. Ressaltou que a meta
do governo é o atendimento do processo educacional dinamizando a
Escola, de forma que o aluno viva os seus direitos e deveres e seja
conduzido ao campo profissional com segurança e amor. (fl. 92)
A outra passagem, diz respeito a um “desabafo” feito pelo Inspetor, justamente,
repudiando a mistura entre os três graus do ensino, o que estaria inviabilizando o pleno
funcionamento da Faculdade. Em suas palavras:
153
Hoje, Colégio Estadual Walter Orlandini.
154
Encontramos, na Secretaria Acadêmica da FFP, um livro de Atas destinado a registrar as reuniões entre
os Diretores das Unidades do CESG. Neste livro, só constam o registro de duas reuniões, a primeira ocorrida
em maio de 1985 e a segunda, em junho do mesmo ano. As falas dos participantes destas reuniões expõem
uma série de dificuldades para se alcançar a almejada “integração” das unidades. Em um trecho chega-se a
se pensar na transferência de funcionários que não se estejam adequados à filosofia do CESG.
82
Temos encontrado dificuldades das mais comuns para concordar com a
permanência do 3
o
grau em meio ao 1
o
e 2
o
graus. Assim não atendimento a
objetivos e o rendimento do trabalho está prejudicado.
Através desse termo esclarecemos não haver condição de orientar a realização
das tarefas do 3
o
grau.
É necessário que a Faculdade atenda a características próprias. É um acato e
respeito às decisões superiores por ocasião da autorização de funcionamento da
Faculdade e de reconhecimento de seus cursos de Estudos Sociais, Ciências e
Letras. (Livro de Registro dos Termos de Visita, 24/04/1984, fl. 94 grifos no
original)
Esta passagem mostra que a resistência não era interna, mas ocorria dentro da
própria Secretaria de Educação e Cultura, a qual o Inspetor estava ligado. Parece-nos que
Darcy Ribeiro tenta, através deste projeto, recuperar os ideais de Anísio Teixeira, quando
esteve à frente da Pasta de Educação do Distrito Federal. O projeto de Darcy Ribeiro
representa um momento importante da história da educação fluminense, que mereceria um
estudo aprofundado e específico, que não nos cabe fazer aqui. Tudo nos indica, também,
que este projeto que Darcy Ribeiro não conseguiu levar a diante em São Gonçalo, foi
retomado por ele, mais tarde, quando da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996 Lei 9.394/96 quando trata da criação dos Institutos
Superiores de Educação e da “obrigatoriedade” da formação em vel superior para os
professores de 1
o
e 2
o
ciclos do ensino fundamental.
É interessante destacar ainda sobre este período que o Parecer 358/84, do CEDERJ,
que aprova os currículos modificados dos cursos de Letras e Ciências, tornando-os
exclusivamente plenos, tem como Relator, Antonio José Chediak, que assim se pronuncia:
Os Currículos Plenos aqui examinados são, sem dúvida, extensos, sobretudo no
que se refere à parte pedagógica, mas tal não deve constituir obstáculo à sua
aprovação, sobretudo porque, segundo esclarecimento verbal da ilustre Diretora
de Desenvolvimento de Recursos Humanos da FAPERJ, é intenção das
autoridades fazer da FFP modelar instituição de ensino superior. Dessa forma,
manifesta-se o Relator favorável à aprovação dos currículos plenos, motivo
deste Parecer, bem como a relação dos professores que a este vai em anexo.
(DOERJ, p. 18 – grifo nosso)
Para avaliar a extensão dos currículos o Relator fez referência à legislação
pertinente ao tema: a Resolução 09/69 e o Parecer 672/62, do CFE, que trata da formação
pedagógica dos cursos de licenciatura e, no caso de Ciências, a Resolução 30/74, que
estabelecia uma carga horária mínima de 2.800 h para as Licenciaturas Plenas desta área.
83
Estranhamos a declaração contida no Parecer, quando afirma que a FFP seria uma
instituição modelar quando ocorreu, justamente, a sua maior crise. A professora Elenita
explica este fato da seguinte forma:
O desastre qual foi: no final do ano uma greve reivindicando, não sei se você
lembra, os alunos pagavam, e o movimento foi para os alunos não pagarem mais
e foi a organização do movimento docente, solicitando que houvesse plano de
cargo, e foi nesse período que ela [se referindo a Direção da FAPERJ] assinou e
estava havendo toda reformulação.E o currículo foi implantado e não tinha
como não dar continuidade a ele.
E continua:
Então, esse currículo foi implantado sem a mínima infra-estrutura, que até
pra dar conta disso aqui, você precisava de professores e precisava de
muitos. Nós reivindicamos a questão da eleição [...], e foi a crise. O
movimento vai ser mesmo de ostracismo, de levar a Instituição à mingua,
p’ra gente fazer vestibular por conta própria e ”peitar” pra conseguir a
autorização para fazer o vestibular. [...] Quando ela [a Diretora da
FAPERJ] falava em modelagem, esqueceu de combinar com as bases que
tinham que se enquadrar naquele modelo, não político-ideológico, uma
série de questões ali.
As resistências então encontradas e as dificuldades de implementação do projeto do
CESG fez com que a FFP fosse desligada dele, agravando ainda mais a situação da
Instituição: Acaba [o CESG], o Tarcisio Bueno e o Walter Orlandini ficam articulados e
nós ficamos à parte: Ah, vocês não querem brincar disso, então, vai pro final da fila... Isto
resultou em um longo período de abandono da FFP por parte do Governo Estadual e um
grande processo de luta pela sua sobrevivência. A Ata da 23
a
Reunião da Congregação, de
15/04/1986, traz a marca do processo de resistência, quando reafirma a realização do
vestibular com ou sem a autorização de Darcy Ribeiro. A reunião seguinte, em setembro,
conta com a presença de um Vereador e de um representante da UNIBAIRROS, a União
das Associações de Moradores do Município. Esta foi a forma que o corpo docente
encontrou para buscar apoio da comunidade gonçalense em defesa da Faculdade. Este
processo garantiu que a Secretaria de Educação do Estado cedesse alguns professores para
a FFP a fim de completar o quadro docente e atender a demanda gerada pela realização do
vestibular para o segundo semestre daquele ano.
A “solução” para a crise foi buscada na incorporação da FFP à UERJ, em 1987.
Este também não foi, evidentemente, um movimento harmonioso. Trataremos do processo
84
de incorporação e de suas conseqüências para a FFP no próximo Capítulo. Passaremos, a
partir deste momento, a discutir, especificamente, a organização do currículo do curso de
Ciências e como este foi se reestruturando frente às demandas provocadas pelas oscilações
e “tempestades” durante todo este período.
IV.3 – A implantação da Licenciatura Curta em Ciências
Neste contexto de incertezas, a Faculdade foi se estruturando e seus cursos sofreram
diversas modificações, sempre na perspectiva de ampliação da carga horária. Apesar de
estarmos tratando neste estudo do processo de mudanças pelo qual passou o curso de
Licenciatura em Ciências, vários aspectos aqui abordados podem ser estendidos para os
demais cursos, uma vez que a instituição sempre se preocupou em manter características
comuns entre os mesmos, mantendo, portanto, a mesma lógica institucional.
É importante ressaltar que para recuperar a história do currículo do curso em questão
estamos tomando a perspectiva teórica proposta por Goodson, exposta na Introdução
deste trabalho. Cabe esclarecer aqui que, nesta parte, estamos nos baseando,
fundamentalmente, no que Goodson (2003) chama de currículo escrito. Para este autor, o
currículo escrito é um testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se
escolhe para, mediante sua retórica, legitimar uma escolarização. E continua afirmando
que constitui um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da
escolarização. (p. 21). Goodson defende ainda que o processo de construção do currículo
escrito é envolto em conflitos que merecem ser investigados. Baseando-se no conceito de
“tradição inventada”
155
, de Holbsbawn, o autor afirma que a elaboração do currículo pode
ser considerada um processo pelo qual se inventa tradição. No entanto este currículo não é
pronto e acabado para sempre; é, antes, algo a ser defendido, onde, com o tempo, as
mistificações tendem a se construir e reconstruir de novo (Op. cit., p. 78). Se a história e a
reconstrução social desse currículo forem ignoradas em seu estudo, mais fáceis se tornam
esta mistificação e reprodução de currículo “tradicional”, tanto na forma como no
conteúdo (Idem, Ibdem, grifo do autor). Isto não significa, no entanto, desprezar a fase
interativa do currículo, ou seja, do currículo em ação nas salas de aula.
155
Segundo Hobsbawn, este conceito significa um conjunto de práticas e ritos: práticas, normalmente
regidas por normas expressas ou tacitamente aceitas; e ritos natureza simbólica que procuram fazer
circular certos valores e normas de comportamento mediante repetição, que implica automaticamente
continuidade com o passado. De fato, onde é possível, o que tais práticas e ritos buscam é estabelecer a
continuidade com o passado (Hobsbawn e Ranger, 1985, apud. Goodson, 2003, p. 78)
85
Através da apresentação e análise do currículo escrito do Curso de Ciências da FFP
e das mudanças que sofreu ao longo de sua trajetória, dos documentos analisados e dos
depoimentos obtidos de diversos sujeitos participantes deste processo de elaboração do
currículo, procuramos identificar alguns dos conflitos envolvidos neste processo, que
acabaram por ajudar a inventar uma tradição ou uma cultura, alimentada pelo discurso e
práticas destes sujeitos. No período aqui analisado, torna-se difícil trabalharmos com o
currículo em ação. O depoimento dos professores e da estudante, no entanto, nos dão
algumas pistas neste campo.
Os três cursos da FFP foram criados com uma estrutura curricular organizada em
quatro períodos letivos. Nestes quatro períodos estavam distribuídas as disciplinas de
conteúdo específico de cada um deles, além das disciplinas pedagógicas que eram comuns
a todos os cursos, com exceção da Prática de Ensino II que era direcionada para cada curso
específico
156
. A distribuição das disciplinas pedagógicas
157
neste primeiro currículo está
discriminada na Tabela I
158
.
Tabela I - Disciplinas Pedagógicas dos Cursos da FFP (1973-1974)
PERÍODO
LETIVO
DISCIPLINAS
CARGA
HORÁRIA
Psicologia da Educação I 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1
o
e 2
o
Graus I
30
Didática I 30
Psicologia da Educação II 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1
o
e 2
o
Graus II
30
2
o
Didática II 30
3
o
Prática de Ensino I 30
4
o
Prática de Ensino II 60
Optativa Instrumentação para o Ensino 60
TOTAL
330
FONTE: Arquivo da Secretaria de Graduação da FFP/UERJ
156
A grade curricular do curso de Ciências deste período, encontra-se no Anexo III.
157
Neste trabalho estamos considerando como disciplinas pedagógicas as disciplinas teóricas da Educação,
as disciplinas que fazem interface entre a Educação e as áreas de conhecimento específico, como a
Instrumentação e a Metodologia de Ensino e também a Prática de Ensino.
158
Todas as Tabelas apresentadas foram montadas por nós, a partir dos Históricos Escolares correspondentes
a cada período do curso. Em caso de conflito nos dados, estes foram confrontados com os Pareceres do
CEDERJ referentes à autorização ou reconhecimento de cada currículo e outros documentos presentes no
Arquivo da Secretaria Acadêmica da FFP.
86
Além das disciplinas pedagógicas havia ainda Educação Física
159
com 30 horas em
cada um dos quatro períodos, totalizando 120 horas, e Estudos de Problemas Brasileiros
160
,
no primeiro período, com 30 horas.
O elenco de disciplinas pedagógicas estava de acordo com o que previa o Parecer
672/69, do Conselho Federal de Educação, que tratava do conteúdo e duração da formação
pedagógica nos cursos de Licenciatura. Este mesmo Parecer, no entanto, determinava que
estas disciplinas deveriam ocupar um mínimo de um oitavo (1/8) das horas de trabalho
fixadas, como mínimas para cada curso. No que se refere a Ciências
161
, verificamos que a
parte pedagógica ocupava 330 das 1.740 horas
162
necessárias à sua integralização, o que
representava quase um quinto (1/5) do número de horas ou, em termos percentuais, a 19%,
portanto, bem além do exigido pela legislação em vigor. As horas destinadas a todas as
disciplinas não-específicas
163
ocupavam aproximadamente 28% do total das horas do curso,
ou seja, mais do que um quarto (1/4) do mesmo, uma vez que, ao conjunto das disciplinas
pedagógicas, estamos acrescentando as horas destinadas às matérias de Estudos de
Problemas Brasileiros e Educação Física.
Segundo o professor César, o grande número de horas destinadas às matérias
pedagógicas foi um primeiro momento de tensão entre os professores das áreas específicas
e de Educação. Disse ele: Então você vê, abre o primeiro [em referência ao primeiro
currículo] aqui e você vai ver que você tem [para a] Educação quase o mesmo número de
horas que nós tínhamos numa [licenciatura] plena. Conta que você vai ver. [...] Então, a
gente achava que não precisava ser tanto assim. Então essa era uma das brigas.
Com relação às disciplinas específicas
164
, verificamos que a carga horária do curso
não era dividida igualmente entre o campo da Matemática e o campo tradicionalmente
159
Disciplina obrigatória, mas que os alunos poderiam ser dispensados devido a diferentes motivos: trabalho,
maternidade, estudarem no período noturno etc., conforme legislação em vigor à época.
160
Esta disciplina, instaurada durante o Regime Militar, tinha caráter obrigatório para todos os cursos de
graduação no território brasileiro.
161
A legislação que fundamenta este curso a Resolução 01/72 do CFE - previa a carga horária mínima de
1500 h para as Licenciaturas de 1
o
grau em Ciências. Esta carga horária foi ampliada para 1800 h pela
Resolução 30/74.
162
Na prática, o curso constituía-se de 1620 horas, uma vez que grande parte dos alunos conseguia isenção
da disciplina Educação Física. Mesmo assim, como a organização do curso neste primeiro momento
baseava-se na Resolução 01/72 do CFE, sua carga horária ainda era superior à exigência legal.
163
Estamos considerando como “disciplinas não-específicas” o conjunto das disciplinas que não fazem parte
da formação disciplinar do graduado em Ciências/Ciências Biológicas, ou seja, todas as disciplinas de cunho
pedagógico (conforme definimos na Nota 39) e disciplinas que eram comuns à todos os cursos, voltadas para
a formação geral do licenciando, como Educação Física, Estudos de Problemas Brasileiros, além de outras
que irão ser incluídas no currículo posteriormente.
164
Consideramos como “disciplinas específicas” todas aquelas que, tradicionalmente, compõem o currículo
dos cursos de Ciências/Ciências Biológicas, independente da habilitação, ou seja, as disciplinas no campo de
Biologia, de Física, de Química, de Geociências e de Matemática.
87
considerado como de Ciências Naturais. Em cada um dos quatro períodos letivos havia
uma disciplina de Ciências Biológicas, uma de Física e uma de Química, totalizando 240
horas para cada uma delas. No 3
o
e 4
o
período era incluída a matéria Geologia, totalizando
60 horas. O curso era composto, então, por 780 horas no campo de Ciências Naturais. A
matéria Matemática também estava distribuída nos quatro períodos, sendo que, no 2
o
e 3
o
períodos havia ainda Desenho Geométrico. O campo de Matemática totalizava 480 horas.
A distribuição da Carga Horária específica por campo e área encontra-se na Tabela II.
Cabiam, assim, às disciplinas específicas, 72% da carga horária total do curso, sendo que,
destes, 38% eram ocupados pela Matemática e 62%, pelas Ciências Naturais.
Tabela II – Distribuição da Carga Horária Específica por Campo e Área na
Licenciatura Curta em Ciências (1973-1974)
165
CAMPO ÁREA CH
Matemática 360
Desenho Geométrico 120
Matemática
Subtotal 480
Biologia 240
Física 240
Química 240
Geologia 60
Ciências
Naturais
Subtotal 780
TOTAL DO CURSO 1260
FONTE: Arquivo da Secretaria de Graduação da FFP/UERJ
A ampliação do curso foi realizada em 1975
166
, após a fusão do Estado da
Guanabara ao Estado do Rio de Janeiro, quando a FFP passou a pertencer ao CDRH, porém
este foi um processo confuso. Na 15
a
Reunião do Conselho Departamental da FFP, em
23/04/1975, foi tratada a necessidade de adequação dos currículos às determinações da
Resolução 30/74. Na 17
a
Reunião, em 22 de agosto do mesmo ano, a Chefe do DEN
apresenta a proposta de ampliação do curso de Ciências de quatro para cinco semestres. A
proposta foi aprovada, a ampliação foi realizada, porém, em função de um processo aberto
por um grupo de alunos, em abril de 1976, este último período é extinto. Este passa a ser
definitivamente implantado no primeiro semestre de 1977
167
Com esta ampliação, o curso
de Ciências passou a ter 2.070 horas, superando a determinação da Resolução 30/74. A
estrutura do curso sofreu poucas alterações: as disciplinas do campo pedagógico passaram
165
Todas as Tabelas correspondentes à Carga Horária específica do Curso foram elaboradas com base no
Campo e Área. Para conferir as disciplinas que correspondem à cada área, ver os Anexos com a grade
curricular correspondente à cada período do Curso.
166
A grade curricular deste período encontra-se no Anexo IV.
167
Este currículo é logo modificado na reforma implantada em 1978, quando surge a complementação para a
Licenciatura Plena.
88
a ser cursadas a partir do segundo período, permanecendo as mesmas em quantidade,
seqüência e carga horária. Houve acréscimo na carga horária da matéria Educação Física
que foi estendida até o quinto período, totalizando, então, 150 horas. A participação do
campo pedagógico diminuiu ligeiramente, passando a representar aproximadamente um
sexto (1/6) do total das horas do curso, ou seja, 16%. O conjunto das disciplinas não-
específicas passou a ter 510 horas, ou seja, 25%. Isto significou um pequeno aumento na
participação das matérias específicas na formação dos professores de Ciências. De fato,
houve uma diminuição de 3% das horas das disciplinas do campo pedagógico, que foram
transferidas para as disciplinas específicas.
A alteração na parte específica do curso não foi apenas de carga horária. Houve
ainda a tentativa de construção de uma perspectiva de ciência integrada
168
e de
aproximação da formação da esfera profissional, através da proposição feita por um dos
professores do DEN, em reunião ocorrida em 28/01/1974, de unir as matérias Física,
Química e Biologia em uma única matéria, cujo nome sugerido foi Instrumentação para o
Ensino e Práticas de Ciências. Esta proposição não foi aprovada nesta reunião, alegando-se
não haver condições materiais para planejamento e realização adequados
169
. Esta
discussão é retomada na reunião de julho do mesmo ano, quando, então, a disciplina é
aprovada, para integrar o primeiro período do curso. No entanto, quando a Chefe do DEN
faz a proposta de ampliação do curso, na 17
a
Reunião do Conselho Departamental
170
, esta
idéia está modificada, sendo apresentada, como Instrumentação para o Ensino, com 150
horas no primeiro período e 120 horas no segundo e, a partir do terceiro período, a matéria
se mantém, porém, com 30 horas e se acrescenta as matérias específicas Ciências
Biológicas, Física e Química
171
. Esta proposta, inicialmente aprovada, acabou sendo
retomada na 20
a
Reunião do Conselho, em 04/12/1975, onde foi questionada por outros
professores. A formulação aprovada, enfim, foi a existência de duas disciplinas chamadas
Iniciação ao Estudo das Ciências I e II (IEC), cursadas no 1
o
e no 2
o
período letivo,
contando com 150 e 120 horas, respectivamente, ficando a Instrumentação para o Ensino
restrita ao 3
o
e 4
o
período, com 30 horas em cada uma
172
. Apesar desta decisão, não
168
Esta era a concepção que justificava teoricamente, nos anos 1980, a existência do curso de Licenciatura
em Ciências, a partir de uma perspectiva positivista que unificaria todas as ciências através do método
científico. A crítica a esta concepção pode ser encontrada em Cunha, 1977a.
169
Livro de Atas de Reunião do DEN (fl 8).
170
Ocorrida em 22/08/1975, conforme expresso na folha 35 do livro de Atas.
171
Esta estruturação não exclui as demais disciplinas já existentes no currículo.
172
Na Ata desta reunião consta a organização curricular de todos os cursos e, em todos eles, foi incluída a
Instrumentação para o Ensino, no 3
o
e 4
o
período, tendo sido ainda sugerido que a primeira ficasse com um
professor de Educação e a segunda, com um professor do curso específico.
89
encontramos na Secretaria da Unidade um modelo de Histórico Escolar para o Curso de
Ciências constando a disciplina Instrumentação para o Ensino no 3
o
e 4
o
período
173
. Esta
aparece apenas como uma disciplina optativa, com duração de 60 horas
174
.
É importante destacar que as disciplinas Iniciação ao Estudo das Ciências I e II
tinham a intenção de introduzir os alunos nos estudos científicos, no campo das Ciências
Naturais, em uma perspectiva mais experimental e integrada. No entanto, quando
analisamos os seus programas verificamos que o total de carga horária de cada uma delas
era distribuído entre a Biologia, a Química e a Física, separadamente
175
. Ou seja, a
perspectiva de ciência integrada, tão preconizada na criação das licenciaturas polivalentes
dos anos 1980, apresentava dificuldades de execução no próprio processo de formação dos
professores, conforme afirmação dos professores do DEN na primeira vez que a proposta
foi apresentada
176
. As falas de dois entrevistados apontam para uma outra dificuldade
relacionada à estruturação do regime de trabalho, como podemos constatar nos trechos
transcritos abaixo:
Prof. César.: Mas a idéia era que esses 3 professores davam aqui, ou 2
professores, trabalhassem entrelaçados. A idéia foi essa. Porque a idéia
era: nós não queremos formar em professor polivalente, como é que nós
estamos partindo isto, então? Se ela não é tão partida assim, até é o
mesmo professor que e tudo, então será que nós não podíamos fazer
uma Química junto com a Física e mostrar que está tudo ligado? Esse foi o
desafio. Esse realmente foi um desafio. Nós votamos a favor, mas não deu
muito certo não.
Pesquisadora: Isto que eu ia perguntar: se funcionou...
Prof. César: Não, não deu muito certo, não. Não deu muito certo porque
acabavam os “caras” [professores] não tendo tempo, porque s não tínhamos
dedicação exclusiva. Eu acho que essa integração, que nós teríamos colhido
melhores resultados se nós tivéssemos um regime de trabalho, tivéssemos
essas coisas todas, que essa integração seria possível se a gente não tivesse que
viver [trabalhar] em outro lugar.
Prof. Cíntia: Não é nem de hoje, muitos anos se fala em
interdisciplinaridade. O meu sonho é de colocar o professor que gostava do que
fazia e que gosta ainda, aquele que antes de tudo é um sonhador, quando nós
173
Esta estruturação do currículo de Ciências foi referendada em reunião do DEN, ocorrida em 15/12/1975
(fl. 19).
174
Como disciplina optativa, nesta época, aparentemente, era “sinônimo” de obrigatória, porque nos
históricos escolares aparece o termo “disciplina optativa” seguida do nome da matéria - o que dá a entender
que não havia escolha a ser realizada pelos alunos – o resultado acaba sendo o mesmo.
175
Esta divisão foi proposta por um professor do DEN e está registrada na mesma na Ata da Reunião citada
na nota 53.
176
Consta, inclusive, na Ata da Reunião do DEN, ocorrida em 11/04/1978, o pedido de um dos professores
de IEC, para que fosse providenciado um diário para cada professor da referida disciplina, alegando a
dificuldade em ter apenas um diário para três professores (fl. 25).
90
tínhamos aquele auditório com ar e tudo, pegar o professor de Física, de
Química, Matemática, Botânica, de Zoologia, e colocá-los ali. E vamos dar o
que? Se é fotossíntese, vamos conversar todo mundo sobre fotossíntese, dizer o
que é. E entra tudo isso [...]. Então, falar de Genética, sobre vários assuntos
[...]. No entanto, era muito difícil conciliar, reunir professores das diferentes
áreas. [...] Não era fácil, até porque o professor recebia por hora/aula.
No entanto, as dificuldades podem não se limitar ao regime de trabalho. Moreno
(1977) argumenta que não havia experiências de Ciência Integrada no âmbito da pesquisa,
levantando questões como: as nossas instituições de ensino estão capacitadas a ensinar
“ciência integrada”(...)?[...] Quantos de nossos pesquisadores têm tido atuação criativa
em várias áreas científicas que lhes assegure título de autoridades em “ciência
integrada”? (p. 442 grifos do autor) Isto significa que, mesmo se os professores
dispusessem de carga horária para atuarem em conjunto, a “integração” das áreas de
conhecimento, provavelmente continuaria não sendo uma tarefa fácil.
Do ponto de vista pedagógico, precisamos destacar que a década de 1970 foi
marcada pela influência do tecnicismo em todos os âmbitos da Educação, conforme
apontamos no Capítulo II. Os cursos de Licenciatura da FFP não poderiam estar imunes a
esta influência. O que era disponibilizado aos futuros professores que cursavam as
Licenciaturas Curtas era uma formação de base técnica e profissional, composta por um
mínimo
177
de conhecimento sobre o que ensinar associado ao conhecimento sobre como
ensinar, com forte influência da Psicologia, como ocorria também nas universidades.
que, ao contrário das universidades, na FFP, estes dois conhecimentos não seguiam um
após o outro, mas sim, paralelamente, havendo uma tentativa de aproximação entre os
dois. Esta aproximação, no caso específico da Licenciatura em Ciências, estava
intimamente relacionada ao movimento de renovação do ensino, comandado no Estado da
Guanabara, particularmente, pelo CECIGUA e, após a fusão, pelo CECIERJ. Este aspecto
ficará mais claro adiante, quando tratarmos dos conteúdos programáticos, principalmente,
da matéria Biologia.
A perspectiva profissional, característica do curso, e que estava em disputa neste
momento, foi justificada pelo professor César relacionando-a com a realização de exames
de suficiência
178
, muito utilizados para possibilitar que outros profissionais ocupassem
cargos no magistério. Segundo ele, a carência de professores devidamente formados em
cursos de Licenciatura era ainda muito grande, principalmente no interior do Estado. Com
177
Se comparado aos currículos das Licenciaturas Plenas das Universidades Públicas.
178
Exame a que eram submetidos os profissionais graduados em outras áreas (Medicina, Odontologia,
Direito, por exemplo) para habilitá-los ao exercício do magistério.
91
base nesta justificativa, afirmou: Eu prefiro um “cara” [professor] formado por 2.000
horas, mas voltado para a profissão, do que um médico formado por 5.000 ou 6.000 horas,
fazendo concurso de suficiência para ele ser professor como “bico”. Então, de cara eu
achei que ali era uma possibilidade de realmente formar professores.
Referindo-se ao resultado desta formação, professor César enfatizou que, apesar de
todas as críticas que este as Licenciaturas Curtas sofriam, os resultados eram positivos:
Agora o sucesso nosso estava na “cara”, porque o primeiro concurso que teve logo com as
turmas de Licenciatura Curta que puderam fazer, nossos alunos brilharam. A perspectiva
profissional que o curso da FFP oferecia permitia estabelecer uma relação quase direta
entre a formação e a atuação dos professores, mediada pelo concurso público, considerado,
na fala deste entrevistado, o balizador do trabalho desenvolvido. Também encontramos
registro desta relação na Ata da 10
a
Reunião da Congregação, realizada em 29/05/1976, na
qual se registra um voto de louvor aos ex-alunos aprovados no concurso para o magistério.
Isto pode significar que o que chamamos de “mínimo de conhecimentos sobre o que
ensinar”, estava muito próximo, em termos de conteúdo, do que era avaliado nos concursos
públicos, uma vez que estes, tradicionalmente, se referenciam basicamente no conteúdo
específico da área a qual se destina.
Ao analisarmos os programas das matérias específicas
179
pudemos verificar que
seus conteúdos eram organizados com características acadêmicas, constituindo-se dos
temas “clássicos” de cada área do conhecimento, sem fazer relação com os conhecimentos
escolares
180
, principalmente na Física, Química e Matemática. Esta última, no primeiro
período iniciava-se com uma revisão dos conteúdos de 1
o
e 2
o
graus. Apenas a matéria
Ciências Biológicas apresentava, no currículo de 4 semestres, uma maior proximidade com
os conhecimentos escolares, considerando uma certa “perspectiva utilitária”, mais
acentuada no 2
o
e 4
o
períodos, que abordavam temas ligados ao Corpo Humano. No 1
o
período, tratava-se de Zoologia e Botânica, mencionando-se a “nocividade” ou a
“importância econômica” dependendo do grupo estudado. No 3
o
período, o conteúdo era o
mais próximo do acadêmico, enfocando o estudo do ecossistema, origem da vida, sistemas
energéticos nos seres vivos, divisão celular e reprodução. Já o 2
o
período, abordava o
estudo dos organismos animais a partir de cada sistema e, em cada um deles, havia a
179
A Secretaria Acadêmica da FFP dispõe, em arquivo, de todos os programas vigentes em cada etapa dos
currículos de cada curso e esta foi a fonte dos dados analisados neste estudo.
180
Sobre a questão da especificidade do conhecimento escolar em relação ao conhecimento acadêmico e da
perspectiva utilitária do conhecimento escolar, ou seja, da aproximação deste conhecimento às necessidades
cotidianas dos alunos, ver, p. ex., Goodson, 1997 e 2003, Lopes, 1999 e Macedo e Lopes, 2002.
92
referência à questão da “Higiene” daquele sistema “no homem”. Havia também referência
ao estudo do tabagismo e do alcoolismo. No 4
o
período, a disciplina tratava do “Corpo
Humano: estrutura e função”; “Higiene e Saneamento”, onde eram abordados temas, tais
como: endemias, poluição, doenças de carência, higiene pessoal e social, imunidade, vacina
e soro. Incluía-se, ainda, neste período o estudo de Aspectos Ecológicos, tais como:
populações, sociedade, relações ecológicas, ciclos biogeoquímicos, biogeografia e o “papel
do homem no equilíbrio da natureza”.
Concluímos, então, que, a partir da seleção dos conteúdos a serem abordados nas
disciplinas da área de Ciências Biológicas, o curso, ora afastava-se, ora aproximava-se mais
do mundo da escola e de uma perspectiva utilitária dos conhecimentos, o que lhe conferia
uma perspectiva profissional, não através das disciplinas pedagógicas, mas também de
algumas disciplinas específicas. As disciplinas de Geologia faziam referência também à
utilização dos minerais e das rochas e a de Química, no 3
o
período, fazia uma breve
menção à poluição. Cabe ainda destacar, tratando-se diretamente do universo acadêmico
das Ciências Biológicas, que não havia um tópico específico para tratar dos processos
evolutivos, nem de hereditariedade, sendo o tópico, “DNA como material hereditário”
abordado dentro do tema “A Célula”, no 3
o
período.
Como dissemos anteriormente, no currículo de cinco períodos, houve a criação da
matéria Iniciação ao Estudo das Ciências, dividida em dois períodos e que a carga horária
da mesma era dividida entre Biologia, Química e Física. Mais uma vez, os conteúdos de
Química e Física nesta matéria, assim como nas matérias específicas dos períodos
subseqüentes, mantinham a mesma lógica acadêmica mencionada acima. A relação mais
próxima dos conhecimentos escolares ocorreu na IEC II, onde eram abordadas a preparação
e manutenção de aquários e terrários; excursões a diferentes ambientes e a questão do
“conservacionismo” e manejo de recursos naturais. O conteúdo programático de Ciências
Biológicas I, II e III, era equivalente ao do currículo anterior.
Sugerimos que esta maior aproximação dos conteúdos de Ciências Biológicas do
universo escolar devia-se à proximidade dos professores desta área com os movimentos de
renovação do ensino de Ciências, sob a influência dos Profs. Newton Dias dos Santos e
Ayrton Gonçalves da Silva. A Professora Cíntia, fundadora da FFP, conforme relatou em
sua entrevista, era muito próxima destes professores e participou da criação do Centro de
Ciências da Guanabara (CECIGUA). Ela foi professora, na Universidade Gama Filho, de
um outro professor que veio a atuar por um longo período e que, por sua vez, também deu
aula, na graduação, para um outro professor da Unidade, que ingressou posteriormente. A
93
professora Carmen também foi aluna do Prof. Newton Dias dos Santos e trabalhavam
juntos no Museu Nacional da UFRJ. Não possuímos dados sobre a origem dos professores
das demais matérias de Ciências, mas a introdução de temas mais próximos do que era
defendido pelo chamado “movimento de renovação do ensino de ciências”, nas disciplinas
de Ciências Biológicas é bem nítida. Desta forma, podemos afirmar que o currículo
proposto para a Licenciatura em Ciências da FFP oscilava entre um currículo mais
acadêmico e outro, mais escolar, ao menos na área de Ciências Biológicas.
A distribuição da carga horária específica no currículo de 5 semestres encontra-se
discriminada na Tabela III.
Tabela III - Distribuição da Carga Horária por Campo e Área na Licenciatura
Curta em Ciências (1975?-1977)
181
CAMPO ÁREA CH
Iniciação ao Estudo das Ciências 270
Matemática 480
Desenho Geométrico 90
Estatística (optativa) 60
Matemática
Subtotal 630
Biologia 180
Física 210
Química 210
Geologia 60
Ciências
Naturais
Subtotal 660
TOTAL DO CURSO 1560
FONTE: Arquivo da Secretaria de Graduação da FFP/UERJ
Cabe ainda destacar, que a aproximação com o mundo da escola ocorria, também,
pela própria forma de organização da Instituição, muito mais próxima deste universo do
que do universitário. Nas atas analisadas encontramos vários registros tratando de questões
relativas ao comportamento dos alunos, várias recomendações para que os professores não
se atrasassem no início das aulas, nem saíssem mais cedo, para que não levassem os diários
para casa, enfim, questões muito semelhantes às que ocorrem na escola. Além disso,
provavelmente relacionado ao momento de ditadura no qual vivia o país, havia um grande
controle dos estudantes por parte da Direção e do corpo docente: por exemplo, as eleições
para representação estudantil nos órgãos colegiados eram organizadas por professores. Na
reunião na qual tomou posse o primeiro representante dos estudantes na Congregação, a
sua fala tratou de reivindicações, tais como: tolerância dos professores quanto ao horário
181
O uso de “?” seguido ao ano de 1975 deve-se à dificuldade de implantação do 5
o
período do curso,
conforme apontamos no início desta seção.
94
de entrada dos alunos; que os docentes evitassem marcar provas e trabalhos no mesmo dia;
que não solicitassem muitos livros e nem muitos trabalhos e entrevistas. Tentando se
contrapor a esta visão “escolar” do estudante, um professor argumentou que os trabalhos e
entrevistas exigidos pelos professores são indispensáveis e que a formação de uma
consciência universitária e profissional requer muito esforço dos alunos
182
. Em outra
reunião, ocorrida no mesmo ano, enquanto um professor sugere que seja feita uma
explanação junto aos professores explicando que o objetivo da Faculdade é de formar
docentes para o 1
o
grau, aquele professor da fala anterior, sugere que a Faculdade se
proponha à pesquisa, utilizando recursos a serem liberados pelo CETRERJ
183
(grifo
nosso). Está presente nestas falas o embrião da tensão que estamos tentando investigar
184
.
Ao mesmo tempo, são também significativas para entender algumas falas do presente que
demonstram uma semelhança entre a FFP e a escola.
No período compreendido entre julho de 1977 e fevereiro de 1979 a FFP ofereceu
uma outra modalidade de curso, a “Licenciatura Parcelada Experimental de Ciênciaspara
professores da Rede Estadual de Ensino, em convênio com o MEC/PREMEM. Este curso
tinha a duração de 1.635 horas, divididas em módulos, sendo uma parte delas
desenvolvidas na própria Faculdade, durante as férias e, uma outra parte, através de
atividades realizadas em serviço, durante o período letivo, nas próprias escolas. Para
montagem das turmas deste curso, houve um exame vestibular com 70 vagas, a partir do
qual foram formadas duas turmas (com 34 alunos cada uma) de professores do interior do
Estado que não possuíam habilitação. Concluíram este curso 40 professores
(aproximadamente 61%).
É importante registrar também que nos primeiros anos de funcionamento da FFP
houve um grande esforço no sentido de ampliação do seu corpo docente. Enquanto o
Parecer 243/76 se referia a apenas oito professores no Departamento de Ciências Exatas e
da Natureza, o Parecer 11/78 aprova uma lista com dezessete professores para este
Departamento.
182
Ata da 5
a
Reunião da Congregação da FFP, realizada em 30/03/1974, fl. 13.
183
Ata da 10
a
Reunião do Conselho Departamental, ocorrida em 17/07/1974, fl. 23.
184
Esta foi a única vez que encontramos referência à pesquisa nas Atas do período referente ao CETRERJ e
ao CDRH. Havia, entretanto, sempre menção à possibilidade de criação de Cursos de Extensão para a
comunidade externa e interna, como forma de complementação dos recursos financeiros da Faculdade.
95
IV.4 – A Ampliação do Curso: Licenciatura Curta em Ciências e Plena em Biologia
.
A complementação do Curso de Licenciatura Curta em Ciências com mais três
períodos letivos representou um aumento considerável de sua carga horária. Para fazer jus à
Habilitação Plena em Biologia era necessário cursar um total de 3.645 horas
185
, ou seja,
uma carga horária muito superior às 2.800 horas, exigidas pela Resolução 30/74, como
mínima para a modalidade de Licenciatura Plena na área de Ciências. A parte do curso
correspondente à Licenciatura Curta também foi modificada, passando a contar com um
total de 2.160 horas. Neste curso houve um aumento considerável do componente
pedagógico, que passou a contar com 524 horas (24%) do total desta modalidade
186
.
Com a Licenciatura Plena, obtida em mais três semestres letivos, o campo
pedagógico passou a contar com 735 horas, baixando a sua participação no curso como um
todo, para 20%, próximo do que acontecia no primeiro currículo da FFP. A distribuição da
carga horária das disciplinas pedagógicas por período encontra-se na Tabela IV.
Tabela IV - Disciplinas Pedagógicas dos Cursos da FFP (1978-1983)
PERÍODO
LETIVO
DISCIPLINA
CARGA
HORÁRIA
Relações Interpessoais 30
Filosofia da Educação 30
2
o
Psicologia da Educação I 60
Psicologia da Educação II 60
Introdução aos Sistemas Educacionais 30
3
o
Didática I 60
Estrutura e Funcionamento de Ensino de 1
o
Grau 45
Didática II 30
4
o
Metodologia do Ensino de Ciências no 1
o
Grau 45
5
o
Prática de Ensino de 1
o
Grau 135
6
o
- -
Estrutura e Funcionamento de Ensino de 2
o
Grau 30 7
o
Metodologia do Ensino de Biologia no 2
o
Grau 45
8
o
Prática de Ensino de 2
o
Grau 135
TOTAL
735
FONTE: Arquivo da Secretaria de Graduação da FFP/UERJ
185
A grade curricular deste período encontra-se no Anexo V.
186
Trataremos da descrição e análise das disciplinas do campo pedagógico no curso como um todo mais
adiante.
96
Foi também introduzida no currículo a disciplina Comunicação e Expressão em
Língua Portuguesa, com carga horária de 60 horas. Estudo dos Problemas Brasileiros foi
desdobrada em duas disciplinas e colocadas no 3
o
e 4
o
período, mantendo, cada uma, 30
horas e foram mantidas as 30 horas de Educação sica. Acrescentando-se à estas
disciplinas as componentes do campo pedagógico chegamos a um total de 885 horas, o que
corresponde a 24% das horas do curso de Licenciatura Plena.
Ao contrário do que acontecia nos dois currículos anteriores, em que as matérias
pedagógicas de caráter teórico
187
contavam com a mesma carga horária, neste momento
passa a haver um predomínio da Psicologia (com 150 h) sobre as demais matérias vindo,
em seguida, as disciplinas voltadas para a Organização do Ensino (com 105 h) e a Didática
(com 90 h). Ocorreu também a introdução de Filosofia da Educação, que não havia nos
currículos anteriores, apesar da forma ainda muito “tímida”, com apenas 30 horas. Ocorreu
ainda a criação de duas outras disciplinas de interface entre os conhecimentos pedagógicos
e específicos, a Metodologia do Ensino de Ciências no 1
o
Grau (no 4
o
período) e
Metodologia do Ensino de Biologia no 2
o
Grau (no 7
o
período), oferecidas pelo
Departamento de Educação, cujo programa centrava-se no planejamento e nas técnicas de
ensino, mas incorporando os chamados “Métodos Ativos”
188
, substituindo a
Instrumentação para o Ensino existente no currículo anterior.
A Professora Edna comenta a forte presença da Psicologia nos currículos da FFP:
Em minha opinião é uma coisa até cultural também, porque houve uma época em que a
Psicologia que era o quente”, porque tinha publicação falando sobre o psicologismo,
tudo tinha que ter Psicologia. Quando esta ênfase na Psicologia começa a ser criticada,
abre espaço para a entrada de outras disciplinas. Ela continua: na medida em que começa a
crítica ao psicologismo, [...] a essa supervalorização da Psicologia, começa a abrir para
outras coisas, porque fundamentos, não é só a Psicologia; então vem a Filosofia, a
Sociologia...
Segundo o Professor. César, duas inovações foram introduzidas nos cursos no
tocante à disciplina Prática de Ensino quando da implantação da Licenciatura Plena: a
micro-classe, formada na Faculdade e constituída de alunos da comunidade, como espaço
187
Não estamos considerando a Prática de Ensino, que sempre teve a maior carga horária, mas que, neste
caso, foi diminuída para os professores que cursavam apenas a Licenciatura Curta.
188
No programa de Metodologia do Ensino de Ciências no 1
o
Grau aparecem expressões, tais como: “faça
para aprender”, “método prático e científico”, “utilização do laboratório ativo”; no programa de Metodologia
do Ensino de Biologia no 2
o
Grau: “método científico”, “método de demonstração”, “método de projeto”,
“resolução de situação-problema”.
97
para o estágio que era o “barato” da época
189
- e a prática compartilhada entre um
professor da área de educação e outro da área específica, quer dizer, então, as observações
de conteúdos, métodos e técnicas estavam juntas. Isto ocorreu a partir da implementação da
Licenciatura Plena, quando o professor da área de Educação não se sentia seguro para
avaliar os conteúdos abordados nas aulas dos licenciandos voltadas para o 2
o
grau. Este
compartilhamento, no entanto, foi criticado pela professora Cíntia, devido à
desproporcionalidade em termos de número de alunos nas disciplinas do início
190
e do final
de curso: Eu me sentia muito infeliz, porque quando eu chegava de carro, eu via que em
uma sala, às vezes, tinha dois professores e um aluno, era um professor de conteúdo da
área de Biologia e um de Educação. Isso tudo no curso de Biologia, na parte de Prática de
Ensino, e eu tendo que pegar sessenta alunos.
Além deste conflito interno de concepções e de valorização da Prática de Ensino,
encontramos no Termo de Visita do Inspetor, datada de 26/05/1982, uma crítica a
organização da Prática de Ensino em que os alunos atuavam na própria classe. Diz o
Termo: Nunca se poderá aceitar como estágio aulas dadas em sua própria classe. O
estágio se realiza em turmas de 1
o
e 2
o
graus e na própria disciplina em que se constitui o
conteúdo da Licenciatura, ocasião em que se define o modelo de situação que o futuro
professor terá que enfrentar no exercício das atividades de magistério.
191
Provavelmente o
Inspetor se referia a ausência de alunos de 1
o
e 2
o
graus nas chamadas "micro-classes”, o
que obrigava os licenciandos a darem aulas para seus próprios colegas de turma
192
. No
Termo de Visita de 10/06/1982 este mesmo Inspetor se refere à necessidade de criação do
Colégio de Aplicação da Faculdade e em 10/03/1983 parabeniza, enfaticamente, a FAPERJ
pela inauguração deste Colégio
193
. Como este Colégio nunca existiu de fato, talvez o
Inspetor estivesse se referindo à implantação do Complexo Educacional de São Gonçalo,
do qual trataremos mais à frente.
Ao contrário do que declarou o Professor Celso, a micro-classe, não foi estabelecida
como estratégia para a Prática de Ensino apenas com a implantação da Licenciatura Plena.
189
Pelo que pudemos depreender das Atas analisadas, em um primeiro momento, a Prática de Ensino era
realizada em escolas da comunidade, passando, posteriormente, a ser desenvolvida na forma de micro-
classes na própria FFP.
190
Havia poucos professores para ministrar estas disciplinas, o que gerava um número elevado de alunos nas
turmas.
191
Termo de Visita do Inspetor Álvaro Lopes, lavrada no Livro de Registro, fls. 70-71.
192
Este fato continua a acontecer na FFP, porque nem todos os professores de Prática de Ensino
encaminham seus alunos para as escolas da comunidade e os licenciandos convidam alunos das escolas
próximas para as micro-classes na Faculdade. Em alguns momentos estes alunos não chegam a freqüentar as
aulas.
193
Livro de Registro dos Termos de Visita, fls. 73 e 78.
98
Tivemos acesso a um documento, produzido em 1980, pelo CDRH em conjunto com a
FFP, intitulado “O Estágio Supervisionado na Faculdade de Formação de Professores do
CDRH: uma experiência em forma de laboratório real e controlado”
194
que discute a
perspectiva do Estágio adotado na FFP e que aponta a existência de micro-classes em
período bem anterior. Este documento é composto por três capítulos. No primeiro O
Estágio Supervisionado na Formação de Professores - a professora Jurésia Mendonça de
Souza
195
fundamenta a proposta de estágio com base em uma experiência realizada nos
Estados Unidos em 1963, chamada de “micro-ensino”, que é definido por ela como uma
situação de ensino em escala reduzida, em termos de tempo e número de estudantes.
Geralmente, uma aula de quatro a vinte minutos, envolvendo de três a dez estudantes. Não
é um ensino simulado, pois o professor é real, bem como os alunos. (p. 10) A autora afirma
que a micro-classe é um complemento do micro-ensino, constando de aulas de vinte a vinte
e cinco minutos ministradas por um conjunto de três ou quatro licenciandos. Este tipo de
atividade formativa parece realmente ser valorizado naquele momento, uma vez que a
autora faz referência a uma Dissertação de Mestrado, defendida na Faculdade de Educação
da Universidade Federal Fluminense, na qual foi feito um estudo comparativo com
licenciandos de Geografia, envolvendo dois grupos, tendo um deles estagiado em escolas
da comunidade e, o outro, em micro-classes. A conclusão da Dissertação é que o segundo
grupo obteve melhor desempenho no resultado final da disciplina Prática de Ensino. A
professora Jurésia M. de Souza conclui, então, que, através da micro-classe, os treinandos
têm oportunidade de identificar, de forma mais simples, algumas características dos
problemas de ensino de sua área, podendo formular alternativas legítimas para a solução
desses problemas, experimentando e retestando novas estratégias de ensino (p. 13).
O Capítulo seguinte do mesmo Documento O Estágio na Faculdade de Formação
de Professores: Características Básicas -, escrito pela mesma professora, descreve as
adaptações realizadas na proposta original do micro-ensino americano para atender a
realidade da FFP, onde passou a ser chamada de Turmas Experimentais TEPE. Afirma
ainda que as TEPEs passaram a ocorrer na FFP desde 1976. o terceiro Capítulo, escrito
pela equipe de professoras de Prática de Ensino da FFP “O Estágio na Faculdade de
Formação de Professores: Relato de uma experiência”aponta as dificuldades encontradas
194
Este Documento estava em poder de uma das professoras entrevistadas que, gentilmente, nos cedeu.
195
Esta professora era Assessora da Presidência do CDRH, Professora Assistente da Faculdade de Educação
da UFF e Mestre em Educação.
99
para a realização do estágio nas escolas da comunidade
196
e apresenta um relato da
experiência das TEPEs realizada na FFP.
Podemos compreender, do Documento aqui referido, que a perspectiva destas
micro-classes era a de treinar os licenciandos nas técnicas de planejamento e execução de
aulas. Este treinamento, no entanto, poderia se dar de forma mais livre e criativa, a partir de
temas propostos pelos supervisores que fugiam dos conteúdos tradicionalmente abordados
na escola. Estes temas
197
serviam a todos os cursos e eram transformados em “unidades
didáticas”, específicas para cada curso. Apesar de todo o acúmulo de discussão teórica
sobre o papel do Estágio Supervisionado na formação docente dos últimos anos, ainda hoje,
por força de uma tradição tradição inventada, como diria Goodson (2003) e das mesmas
dificuldades relatadas na década de 1970, alguns professores de Prática de Ensino dos
cursos da FFP insistem em manter a micro-classe como estratégia de estágio dos
licenciandos, como veremos no próximo capítulo.
Cabe ainda destacar com relação ao início dos anos de 1980 que o Parecer 742/82
do CEDERJ, que reconhece a conversão dos cursos de Licenciatura Curta em Licenciatura
Plena, critica o estado de conservação dos prédios da FFP, considerando-os de ruim a
regular, declarando que, de um modo geral, salvo o auditório, os laboratórios e a
biblioteca, as demais dependências deixam a desejar como estabelecimento de Ensino
Superior
198
. Com relação à Biblioteca, este Parecer diz que havia, para o Curso de
Ciências, 1.010 títulos para atender ao conteúdo específico e 995 para a formação
pedagógica, porém não havia comprovação de aquisições recentes e grande parte dos livros
necessitava de reparos e até mesmo de descartes. Estas constatações já são indícios da crise
pela qual passou a FFP durante a década de 1980. O referido Parecer aprova o mesmo
número de professores para o Departamento de Ciências Exatas e da Natureza, ou seja, 17
professores, de onde se deduz que do Parecer citado anteriormente, de 1978, até aquele
momento, não houve acréscimo no seu corpo docente.
196
O estágio nas escolas da comunidade ocorreu no ano de 1975, quando as turmas chegaram ao 4
o
período dos cursos. Logo em 1976 passou-se a adotar as TEPEs como alternativa para superar as
dificuldades enfrentadas no primeiro ano. As dificuldades apontadas no Documento são praticamente as
mesmas vivenciadas pelos professores e alunos de Prática de Ensino atualmente: acesso às unidades de
ensino; mudanças de horário das aulas; a diluição e/ou dispensa das turmas e a falta de sala para realização
dos comentários após as regências dos licenciandos (p. 22). O Documento afirma ainda que não o
afastamento total do licenciando da escola, uma vez que este teria que cumprir 20 horas de observação de
aulas em uma escola escolhida por ele.
197
Por exemplo: os temas desenvolvidos em 1977 foram: Esporte, Arte e Comunicação e em 1978, foram
Lazer, Estudo e Trabalho.
198
Esta crítica também é feita pelo Inspetor, no Termo de Visita de 13/07/1983, fl. 73 do Livro de Registro.
100
Analisando a grade curricular deste período, verificamos que, o campo das Ciências
Naturais volta a sua estruturação anterior, extinguindo-se a matéria Iniciação aos Estudos
das Ciências, ficando as matérias específicas distribuídas ao longo dos cinco períodos
correspondentes à Licenciatura Curta, porém, agora, uma ênfase maior na Biologia. No
campo da Matemática, uma maior diferenciação disciplinar, com um aumento
significativo de sua carga horária. A distribuição da carga horária nas áreas dos dois
campos do conhecimento específicos na Licenciatura Curta está discriminada na Tabela V.
Tabela V – Distribuição da Carga Horária por Campo e Área na Licenciatura
Curta (1978-1983)
CAMPO ÁREA CH
Álgebra 210
Geometria/ Desenho
Geométrico
225
Cálculo 120
Estatística 60
Matemática
Subtotal 615
Biologia 300
Física 285
Química 225
Geologia 60
Ciências
Naturais
Subtotal 870
TOTAL DO CURSO 1485
FONTE: Arquivo da Secretaria Acadêmica da FFP/UERJ
As disciplinas de Ciências Naturais mantêm, aproximadamente, a mesma lógica
anterior, porém, nos conteúdos da Biologia aparece, pela primeira vez, a idéia conjunta de
hereditariedade e evolução, como um tópico do programa de Biologia I, e a Biologia III é
integralmente dedicada ao estudo de Genética. Até o 5
o
período os conteúdos são mais
genéricos, ganhando especificidade dentro da Biologia a partir do 6
o
período, quando a
área é desmembrada em disciplinas
199
propriamente ditas, ganhando um perfil
exclusivamente acadêmico. Neste período, além de disciplinas do campo pedagógico e de
uma disciplina de Geologia, todas as demais são especificas da área de Biologia, conforme
consta no Anexo VI.
A construção de um currículo mais acadêmico foi justificada pelo professor César
devido à necessidade de reconhecimento dos seus cursos perante as demais universidades
da região, aproximando-o de outros cursos mais reconhecidos, de forma a permitir a
continuidade dos estudos de seus egressos. O trecho transcrito do depoimento deste
199
São elas: Zoologia, Botânica, Anatomia, Biologia Celular, Genética, Ecologia, Biofísica, Bioquímica,
Paleontologia, Fisiologia.
101
professor esclarece melhor este ponto e revela a tensão existente entre a formação de
professores e a adequação às exigências de reconhecimento acadêmico:
Prof. César: [...]. Então nós precisávamos que era uma [Licenciatura] Plena,
nós precisávamos botar umas matérias que caracterizasse de fato uma
[Licenciatura] Plena para que não ficássemos tão defasados em relação às
outras, embora...
Pesquisadora: As outras universidades.
Prof. César: As outras universidades. E pra gente até formar um professor de
Matemática e até de Biologia que depois pudesse até fazer um Mestrado ou coisa
desse tipo.
Pesquisadora: Então aí já tinha essa preocupação?
Prof. César: tinha essa preocupação. Em 82 tínhamos essa preocupação
porque nós [professores da faculdade] tínhamos mestrado e achávamos que
era importante o professor... O próprio Estado reconhecia o professor de
mestrado ganhando mais, foi em 80.
[...]
Prof. César: [...]
a gente teve a preocupação de fazer com que ele saísse
igual.
Pesquisadora: Igual ao licenciado?
Prof. César: É. Até porque ficavam dizendo, desqualificando, que o aluno daqui
não saía e tal [não tinha formação equivalente à de outras instituições], essas
coisinhas aí, de guerrilha mesmo, de universidade para universidade. [se
referindo a opiniões emitidas por professores de outras instituições sobre os
egressos da FFP]
Ainda sobre a implementação da Licenciatura Plena e enfocando a questão do
retorno dos alunos para complementação do seu curso, o Chefe do DEN solicita aos
professores que façam um curso sério, intenso, em vel de Licenciatura Plena, porém,
salienta, também o ponto dos alunos estarem parados por dois anos, pede aos professores
que considerem esta ponte e que estimulem os alunos no sentido de continuarem o curso
200
.
Tentando ainda que os professores estimulassem os alunos à continuidade dos estudos, o
Chefe do DEN, em reunião ocorrida no mesmo mês
201
, pede que os professores esclareçam
os alunos sobre o curso, conscientizando-os do que estão cursando, para que não o façam
por fazer (fl 35). Acrescenta ainda que os professores devem mostrar aos alunos que com a
Licenciatura Plena eles terão outras oportunidades além do magistério, apesar de ser o
curso de formação de professores (fl. 36). Assim, a Licenciatura Plena, naquela época,
começa a abrir os horizontes profissionais dos estudantes e professores.
Esta era a pretensão da estudante Áurea, que declarou que, desde o seu ingresso
no curso, não queria ser professora, apesar de, naquele momento, o curso ser ainda somente
200
Livro de Atas da Reunião do DEN realizada em 06/09/1978 (fl. 32).
201
Livro de Atas da Reunião do DEN realizada em 19/09/1978.
102
de Licenciatura Curta. Com a mudança para a Licenciatura Plena e o trabalho como
Monitora teve também a oportunidade de estagiar, como bolsista de Iniciação Científica, no
Museu Nacional. Segundo o depoimento da Professora Carmen, que foi sua orientadora
também no Museu Nacional, chegou a haver outros alunos nesta mesma situação. Na
memória de Áurea, no entanto, ela foi a única aluna de sua turma a ter vivenciado este tipo
de experiência. Segundo ela, seus colegas de turma, logo conseguiam um contrato como
professor na rede pública ou em escolas particulares e, portanto, não tinham tempo para se
dedicar a este tipo de atividade. Assim, naquele momento, o ingresso no ensino superior era
também a “porta de entrada” para o magistério público numa época em que os concursos
eram escassos, e que havia poucos professores graduados para atender à demanda de
ampliação da escolarização. Ela mesma atuava como professora em uma escola
Cenecista
202
, no turno noturno, o que permitia que estagiasse no Museu Nacional durante as
manhãs. Como suas aulas do curso de Ciências Biológicas eram no turno da noite, trabalhar
neste horário fez com que atrasasse a conclusão do seu curso. Como pudemos verificar pelo
seu depoimento, enquanto a maioria dos alunos profissionalizava-se apenas no magistério,
tanto pela formação, quanto pela atuação na escola, esta depoente construiu a sua trajetória
formativa em três vertentes: a formação na graduação propriamente dita, a formação na
pesquisa biológica e a formação no exercício profissional docente.
IV.5 – O fim da Licenciatura Curta em Ciências e a Implantação do Curso de
Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação Biologia
A partir de 1984 o Curso de Licenciatura Curta em Ciências entra em extinção,
ficando em seu lugar um curso novo, exclusivamente de Licenciatura Plena
203
. As
mudanças no currículo foram realmente grandes
204
, passando a Licenciatura em Ciências
202
CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade. A CNEC possuía diversas escolas ditas
comunitárias, muitas funcionando em prédios de escolas públicas, no turno noturno, cobrando mensalidades
mais baixas do que as escolas particulares e atuando como “complementares” à oferta de vagas mantidas
pelo poder público.
203
Como já mencionamos anteriormente, esta mudança ocorreu simultaneamente com os cursos de Ciências
e Letras da FFP.
204
A grade curricular do curso de Licenciatura em Ciências - habilitação em Biologia encontra-se no Anexo
VI.
103
Habilitação Biologia a ter um total de 3.675 horas
205
. As disciplinas pedagógicas cresceram
significativamente em carga horária e em diversidade, ocupando um grande espaço no
curso, conforme discriminado na Tabela VI.
Tabela VI – Distribuição das Disciplinas Pedagógicas (1984-1990)
PERÍODO
LETIVO
DISCIPLINA
CARGA
HORÁRIA
Psicologia da Educação I 60
Filosofia da Educação I 30
Sociologia da Educação 30
Prática Pedagógica I 30
Psicologia da Educação II 60
Filosofia da Educação II 30
2
o
Prática Pedagógica II 30
Psicologia da Educação III 30
Prática Pedagógica III 30
3
o
Optativa I (Educação) Educação Popular 30
Estrutura e Funcionamento de Ensino de 1
o
Grau 45
Optativa II (Educação) Arte Educação 30
4
o
Prática Pedagógica IV 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2
o
Grau 45
Didática I 30
Metodologia do Ensino de Biologia 60
5
o
Prática Pedagógica V 30
Didática II 45
Prática Pedagógica VI 30
6
o
Prática de Ensino I 45
Didática III 45
Prática Pedagógica VII 30
7
o
Prática de Ensino II 45
Prática Pedagógica VIII 30 8
o
Prática de Ensino III 45
TOTAL
945
FONTE: Arquivo da Secretaria Acadêmica da FFP/UERJ
Ainda na parte comum aos cursos a disciplina Comunicação e Expressão em
Língua Portuguesa passou a se chamar Língua Portuguesa e foi dividida em duas
disciplinas, no primeiro e segundo período, com 60 horas cada uma. A carga horária de
Educação Física é distribuída em todos os períodos, totalizando 240 horas, e Estudos de
Problemas Brasileiros mantém o mesmo espaço no currículo, agora, porém, sendo
oferecidas no primeiro e segundo períodos letivos. Além disso, foi introduzida a disciplina
205
Um currículo extremamente grande, se compararmos, por exemplo, com a UFRJ que, no período
compreendido entre 1983 e 1995, tinha o seu curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, tanto o integral,
quanto o noturno, com uma carga horária de 2.970 horas (Dado disponível no sítio da UFRJ:
https://146.164.247.15/repositorio-curriculo/ListaCursos.html)
104
Cultura Brasileira nos cursos da FFP, no primeiro período, constituída de 60 horas. Este
conjunto de disciplinas totaliza 480 horas, o que significa 13% do total do curso.
Como mostra a Tabela VI, as disciplinas pedagógicas totalizavam 945 horas das
3.675 horas destinadas ao curso, o que correspondia a mais de um quarto (1/4) do curso, ou
seja, a 26%. Somando-se às disciplinas anteriormente citadas temos um total de 1.425
horas não-específicas às Ciências Naturais, sendo, portanto, dedicadas a estas 39% das
horas do curso.
Com relação ao campo pedagógico, é necessário considerar que este currículo
também é fruto de um momento histórico de fim do período de ditadura militar, o que
facilitou a introdução de disciplinas teóricas como a Sociologia da Educação e Educação
Popular e ampliação da Filosofia da Educação, tornando o currículo menos técnico. É
fruto também de intensas negociações internas, conforme já apontamos anteriormente.
Além destas mudanças, a criação da disciplina Prática Pedagógica (PP), que ocupou uma
grande parcela da carga horária, sendo ministrada em todos os períodos letivos e em todos
os cursos, foi introduzida por força das negociações dentro e fora da instituição. Esta
disciplina parece ter sido motivo de muita polêmica na FFP, a contar pelas divergências
presentes entre os professores do Departamento de Educação e de Ciências Exatas e da
Natureza, ouvidos por nós.
Assim, a PP merece uma atenção especial, não só pelas divergências na sua
elaboração, nas dificuldades de implantação, como por sua semelhança à idéia de Prática,
presente nas Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores atuais. Com relação a
este assunto, o Professor César afirma que a denominação inicialmente pensada era de
Instrumentação para o Ensino, que seria ministrada pelos professores das áreas específicas
do curso. Este entrevistado explica a sua organização da seguinte forma:
O professor de Instrumentação para o Ensino é Instrumentação do Ensino de
Álgebra, Instrumentação para o Ensino de Geometria, Instrumentação para o
Ensino da Biologia, Instrumentação para o Ensino da Genética, está certo?
Então é o mesmo professor ou então algum companheiro dele que queira
complementar com ele.
Ainda segundo o professor César, havia o receio de que o nome sugerido permitisse
a entrada de novos professores indicados pelo governo estadual. Assim, no processo de
negociação, optou-se por chamá-la de Prática Pedagógica, ficando sob a responsabilidade
do Departamento de Educação. Isto desencorajou os professores dos Departamentos
específicos a atuarem na disciplina e possibilitou que o Departamento de Educação forjasse
105
o seu perfil, organizando-a na forma de projetos de caráter educacional mais amplo. É
interessante destacar que na Ata da Reunião do DED, realizada em 28/06/1988, consta que
foi o referido professor o responsável pela introdução desta disciplina no currículo
206
.
a professora Edna, que afirmou ter sido uma das formuladoras da referida
disciplina, justifica a sua criação da seguinte forma:
A idéia era integrar o aluno na Prática Pedagógica e nós observamos que o
aluno o conhecia a parte pedagógica, ele não gostava, não compreendia; e
quanto mais ele vivenciasse o pedagógico, melhor se situava na profissão e, além
disso, era também o espaço para o aluno construir seu próprio currículo. Ele
escolheria o que estudar, contando que fosse dentro da discussão pedagógica.
Com relação ao professor da área específica ficar responsável pela disciplina, a
professora Edna declarou:
Que podia ser de outro departamento, mas a gente viu, sem preconceito,
que o professor de outro departamento, por não conhecer direito o objetivo
e criticar que tinha muita carga horária, até tinha professores que
trabalhavam conteúdo dentro da Pratica Pedagógica. E aí, dessa forma, se
abria espaço pra discutir e desvalorizar a disciplina.
A outra professora do Departamento de Educação entrevistada, Elenita, ao ser
questionada sobre o mesmo tema, explica que é preciso entendê-lo no contexto de
implantação do CESG. Segundo ela, a idéia era
Trabalhar com uma perspectiva da educação das séries iniciais até a
universidade, e a Prática Pedagógica, para essas equipes que estavam
discutindo, era com a intenção de ser trabalhado o profissional que fosse
lecionar. Desde o início, ele [o currículo] está tendo uma referência do próprio
Darcy Ribeiro, [...] tinha uma diretriz baseada no Curso Normal Superior, de
formar o professor conhecendo a realidade da escola. Era um currículo que se
pensava numa maneira progressista e que o aluno, desde o período, estaria
indo, através desta Prática Pedagógica, fazendo uma intervenção na escola,
pesquisando a sua relação com o conhecimento na escola.
Desta forma, a professora afirma que a proposta estava relacionada com o ideário
de Darcy Ribeiro, de fazer uma educação de qualidade, então, esse currículo é um produto
dessa época.
206
Fl. 32 do livro de Atas da década de 1980.
106
Apesar de ver a proposta positivamente, a professora Elenita aponta os seus
problemas:
É uma disciplina? Pertence a que departamento? E aí, ela passou a ser um
grande problema. Se ela tinha um objetivo, fazer com que esse profissional que
estava saindo dali, tivesse um olhar da escola, mais embasado inclusive na
perspectiva da produção do conhecimento, nessa troca, ela passou a ser um
problema, porque as pessoas achavam que ela era uma disciplina do
Departamento de Educação. Na realidade se esperava que os departamentos
desenvolvessem projetos para cada área de conhecimento, para que o aluno
pudesse ir a campo, para que pudesse fazer essa pesquisa, então ela passou a ser
um nó
207
.
Quando este currículo foi implantado havia sido preparada uma proposta de
atuação para a PP I. Em reunião realizada em 29 de maio de 1984 o DED tenta formular
propostas de atividades para as demais PPs, de modo a dar uma certa coerência ao trabalho
subseqüente. Assim, as propostas foram formuladas da seguinte forma:
Partir de observação mesmo, isto é, o aluno vivenciando a experiência para
melhor percebê-la; participação em projetos de pesquisa de campo ou não,
montado por ele mesmo ou proposto pelo professor, desde a montagem até a
conclusão; participação em levantamento de dados que possibilitem a
caracterização da realidade do Complexo
208
, com tratamento estatístico e
trabalho em cima das unidades de 1
o
e 2
o
graus como: oficina literária, oficina
de teatro, projeto Criança-Ensina-Criança
209
, outros. Informar-se e questionar
outras formas de informação e educação como, por exemplo, PRODASEC
210
,
Associação de Moradores, Televisão, Educação Popular etc; observar e
comparar diferentes realidades educacionais; confeccionar e utilizar recursos
didáticos, por ex., seleção de livros, catálogos, cartazes, participação em
atividades de integração de disciplinas
211
.
Como podemos compreender das atividades propostas, estas eram bastante
complexas e ousadas, já incluindo um certo “olhar investigativo” sobre a escola. Esta
complexidade gerava um outro problema: o tempo do aluno para desenvolvê-las. O DED
propunha, então, que com exceção da PP I, que seria introdutória, as demais ficassem fora
do horário normal de aulas. Isto gerava um novo problema: um grande número de alunos
207
O acordo feito entre os Departamentos, segundo registro nas Atas de Reuniões do DEDU, dizia que o este
Departamento ficaria responsável pela disciplina do 1
o
ao 5
o
período, sendo os três períodos restantes de
responsabilidade dos Departamentos Específicos. Ao que parece este acordo não funcionou a contento.
208
Referindo-se ao CESG.
209
Projeto financiado pelo SPEC/PADCT/CAPES (Sub-Programa de Ensino de Ciências/Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) , sob a coordenação da Professora Nilza Vieira, que
atuava também no CESG.
210
Não conseguimos identificar o que significa esta sigla.
211
Fl. 11, do Livro de Atas da década de 1980.
107
da FFP consistia de trabalhadores, que não dispunham, portanto, de horário disponível fora
do turno em que freqüentavam a Faculdade. Esta proposta era, então, polêmica dentro do
próprio Departamento
212
.
Analisando esta problemática, podemos entender a dificuldade dos professores das
áreas específicas em aceitar esta disciplina. Para eles, provavelmente, a Licenciatura Plena
era a forma de garantir um aumento do status do curso, aproximando-o de um perfil mais
acadêmico. Vendo por este ângulo, não havia como aceitar um número expressivo de carga
horária utilizada em atividades pedagógicas, principalmente, considerando que havia um
grande número de aulas de disciplinas teóricas do campo da Educação. Para a área de
Ciências, mesmo com uma grande tradição em lidar com questões de ensino existem
fatores de ordem mais ampla a serem considerados. Isto porque, a década de 1980 marca o
surgimento, no país, de grupos de docentes e projetos com perspectiva mais voltada para a
pesquisa propriamente dita, que ainda irão levar um tempo para se afirmar como um campo
da pesquisa educacional. recentemente tal perspectiva começa a ser incorporada aos
cursos de formação inicial de professores desta área. Para as outras áreas do conhecimento,
esta perspectiva é ainda mais recente, portanto, deve ter tido uma resistência ainda maior. É
de se esperar que a disciplina se torne um problema “da Educação” e, obviamente, ficou
difícil para o DED
213
oferecer professores para as cinco (e, as vezes, oito) Práticas
Pedagógicas existentes em cada curso. Como disse a professora Cíntia, ao retornar a FFP,
após seu afastamento:
Eu encontrei na FFP uma disciplina chamada Estudos Pedagógicos I, EP II, EP
III, EP IV e EP V
214
, que o grupo de Educação dava a mais alta importância.
Quando eu tentei entender do que se tratava, eu vi que aquilo era, nada mais
nada menos, do que uma Iniciação Científica, que eu achava a válido.
Entretanto, os alunos achavam um exagero essas disciplinas e eles se
queixavam. E eu pude comprovar que alguns professores davam o mesmo
conteúdo na I, na II, na II na IV e na V, e percebi também, pelo menos junto à
Biologia, um certo domínio da Pedagogia, passando a ser como a parte
principal [quer dizer que as disciplinas pedagógicas tinham mais importância
que as disciplinas específicas].
212
Mais tarde, devido a dificuldade de execução da disciplina na forma proposta, ela acabou ganhando um
formato mais voltado para palestras, discussões e seminários, como pode ser verificado acompanhando as
discussões nas Atas e na Ementa única para todas as PPs, elaborada posteriormente.
213
O livro de Atas de Reuniões do DEDU mostra que em quase todas as reuniões realizadas na vigência
deste currículo esta disciplina era incluída como ponto de pauta.
214
A professora está se referindo às Práticas Pedagógicas.
108
Cabe-nos também investigar o impacto da ampliação da carga horária do campo
pedagógico na formação de professores em relação às disciplinas específicas. Ao
analisarmos a grade curricular verificamos que este impacto foi contrabalançado pela
separação dos cursos de Biologia e Matemática, o que possibilitou a eliminação de várias
disciplinas do campo da Matemática que eram necessárias quando da Licenciatura
polivalente
215
. Na prática, este aumento da carga horária pedagógica não comprometeu a
parte biológica do curso que, passou a contar com 1.650 h, e não mais 1.515 horas, como
era no currículo anterior. Este aumento foi possível devido à diminuição da carga horária
de Matemática, Física e Química. A distribuição da carga horária específica neste currículo
consta na Tabela VII.
Tabela VII – Distribuição da Carga Horária por Campo e Área no Curso de
Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação Biologia (1984-1990)
CAMPO ÁREA CH
Matemática Matemática 150
Biologia 1650
Física 120
Química 210
Geologia 120
Ciências
Naturais
Subtotal 2100
TOTAL DO CURSO 2250
FONTE: Arquivo da Secretaria Acadêmica da FFP/UERJ
É interesse destacar, tomando por fonte os programas das disciplinas deste período
do curso, que as disciplinas específicas perdem quase que totalmente a ligação com o
universo escolar, o que era restrito no currículo anterior. Podemos identificar uma certa
vinculação com este universo apenas na disciplina Biologia I, que tinha como objetivos: (i)
definir as divisões da Biologia; (ii) identificar as aplicações da Biologia na vida cotidiana;
(iii) reconhecer os comportamentos básicos de higiene na preservação da saúde; (iv)
aplicar o método científico na resolução de experiências e de problemas relativos à
manutenção da vida humana
216
. Estes objetivos eram desdobrados em conteúdos que
incluíam “Higiene e Saúde” e “Introdução ao estudo e aplicação do método científico”.
Podemos dizer que estes são objetivos e conteúdos mais voltados para a formação escolar,
do que propriamente acadêmica. Todas as demais disciplinas apresentavam programas
215
De um total de dez disciplinas que existiam no currículo anterior, manteve-se apenas três: Introdução à
Estatística, Cálculo Diferencial e Integral I e Geometria Euclidiana I. Procurou-se, com estas disciplinas,
manter ainda uma certa aproximação entre os dois cursos.
216
Conforme o Programa da disciplina Biologia I, disponível no Arquivo da Secretaria Acadêmica da FFP.
109
acadêmicos ou, ao menos, mais próximos disto. Desta forma, a formação profissional
propriamente dita fica quase que de inteira responsabilidade das disciplinas pedagógicas e
do DED.
Além disso, consideramos também na carga horária da área de Biologia as duas
disciplinas intituladas Seminários. Não foi possível determinar exatamente se estas tinham
uma característica escolar. No entanto, merecem destaque, por seu caráter “inusitado”. A
primeira disciplina, no 6
o
período, segundo o que consta no seu programa, tratava da
preparação de trabalhos práticos, basicamente, da montagem de aquário
217
e da montagem
de um esqueleto, incluindo, inclusive, “a ida ao cemitério”. A segunda dedicava-se a
realização de “práticas histológicas”.
Os depoimentos dos nossos entrevistados dão poucas pistas do que consistia o
currículo na fase interativa. Todas as três professoras do Departamento de Ciências
afirmaram que os alunos eram muito interessados, ficando, às vezes, até depois do horário,
“maravilhados”, principalmente com as aulas práticas, como demonstra, por exemplo, este
trecho do depoimento da professora Cíntia:
Nós tínhamos alunos tão interessados que as aulas iam até 23:15h, mas não
conseguíamos sair a esta hora porque os alunos ficavam encantados vendo
microorganismos, protozoários [...], viviam em microscópios e não queriam ir
embora, e por incrível que pareça, isto era em São Gonçalo e os alunos morando
em Niterói na época de 73-74 em que a violência não estava tão grande assim.
a professora Clarice, que trabalhou na FFP de 1981 a 1992, disse que os alunos
tinham o vel um pouco baixo, mas que iam melhorando conforme o trabalho ia sendo
realizado. A maneira como esta depoente descreve o seu trabalho demonstra uma
aproximação com a escola: eu dava prova prática de rochas e minerais. A gente dava aula
[de uma forma] do aluno acabar aprendendo, dava um testezinho, os tipos minerais,
brilho, dureza a cor e com essas características eles acabavam reconhecendo os minerais
e muitas rochas [...] A gente fazia a visita a São José, em Itaboraí
218
. No entanto, esta
“forma” de trabalhar estava mais relacionada à dificuldade dos alunos, do que à
intencionalidade da formação de professores. A professora Clarice chega a afirmar que
217
A montagem de aquários é uma atividade recorrente em várias disciplinas do curso, em suas diferentes
fases, provavelmente por influência do Professor Manoel Leslle, falecido, um apaixonado por aquários,
segundo depoimento de sua esposa, que foi uma das professoras entrevistadas por nós.
218
Itaboraí é um município vizinho à São Gonçalo e na localidade chamada São José existe uma grande
quantidade de fósseis.
110
relacionava a sua matéria com o conteúdo da escola, mas isto era feito para demonstrar aos
alunos a importância de sua disciplina na formação deles, mas que os professores, em
geral, pensavam que os alunos, depois de formados poderiam fazer outras coisas além do
magistério, apesar de reconhecer que esta era a possibilidade mais concreta para eles. A
professora Carmen também afirmou que o objetivo do curso, relacionado com a preparação
para o magistério, não era considerado por ela quando lecionava na FFP. Esta também é a
lembrança da aluna Áurea, que foi monitora da professora Carmen e atuou, inclusive, no
Museu Nacional, como bolsista de Iniciação Científica
219
. Como esta aluna ingressou na
graduação quando era apenas de Licenciatura Curta, mas logo em seguida viveu a transição
que introduziu a complementação para a Licenciatura Plena, talvez a sua memória esteja
mais viva com relação aos últimos períodos do curso, nos quais, como exploramos
acima, as disciplinas se tornaram mais acadêmicas. Áurea lembra, no entanto, que o curso
valorizava muito o desenvolvimento das aulas práticas.
Concluímos este Capítulo, relembrando que o que nos interessa neste estudo é
identificar os conflitos envolvidos na trajetória curricular da FFP - que, como mostramos,
não foram poucos - e analisar como estes expressavam a tensão entre uma formação mais
voltada para a docência, com caráter profissional e uma formação mais acadêmica, no
campo da Biologia em um curso exclusivamente de Licenciatura. Nossos dados evidenciam
que, no caso em estudo e neste período inicial, esta tensão era apenas latente. A etapa
seguinte, com a incorporação da FFP à UERJ, trará novos elementos para a nossa análise.
219
A visão dos alunos da FFP sobre o curso que realizaram será explorada no capítulo seguinte.
111
CAPÍTULO V
A UNIVERSITARIZAÇÃO DA FACULDADE DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
No Capítulo anterior abordamos a grave crise pela qual passou a FFP,
principalmente, a partir de 1983, que culminou com a suspensão do vestibular
220
e a
redução do seu corpo docente. Se esta crise tinha uma motivação localizada a resistência
ao projeto educacional do governo estadual na época também, pode ser considerada, em
um contexto mais amplo, com a dificuldade do Estado em lidar com uma instituição não-
universitária, criada durante o regime militar para atender às exigências legais – a formação
aligeirada do professor.
Como já mencionamos a “solução” para a crise foi buscada na incorporação da FFP
à UERJ, em 1987, mesmo não sendo uma saída tranqüila, nem consensual. Esta “solução”
provocou desconfiança em setores internos da FFP e, mais ainda, intensas reações
220
A partir de 1985 foram realizados vestibulares em julho de 1986 e janeiro de 1987. Esta forma de
ingresso de estudantes só foi normalizada a partir de 1991.
112
negativas dentro da comunidade acadêmica da UERJ. Estas reações acabaram por colocar
em risco, novamente, a existência da instituição, uma vez que somente a partir do início da
década de 1990 foram realizados os primeiros exames vestibulares para ingresso nos cursos
de graduação e os primeiros concursos docentes. Na visão da professora Cíntia, que
retornou à FFP neste período, o quadro era o seguinte:
Então, quando eu retornei, havia pouquíssimo tempo que os professores tinham
sido enquadrados, eram professores com uma certa identidade, estatutários,
tendo os seus direitos preservados, mas nesse evento houve uma queda na
Faculdade porque quem tinha mestrado, doutorado (...), tinha feito concurso
para uma outra universidade, então passou a ser um grupo de resistência, mas
também, um grupo enfraquecido.
A este “grupo de resistência”, se somou um conjunto de novos estudantes e
professores que ingressaram na FFP após a sua incorporação à UERJ e, muitos deles, se
incorporaram à luta, não pela sua manutenção, como também pela melhoria das
condições de trabalho e estudo. O principal problema que enfrentaram neste período de
adaptação às novas condições estava, talvez, na dificuldade de se enquadrar em uma grande
estrutura universitária, completamente diferente da trajetória histórica de faculdade isolada
que a FFP havia percorrido. Era preciso descobrir o “caminho das pedras” e isto coube a
alguns professores antigos, que mantiveram esse espírito de luta, e a alguns professores
recém-chegados que, imbuídos de uma visão mais universitária e, não se conformando
com a precariedade encontrada, procuraram conhecer a burocracia, a estrutura e os
artifícios para conseguirem da Universidade aquilo que precisavam para desenvolver os
seus trabalhos.
Contraditoriamente, como lembrou o professor Celso, os diretores da FFP no
período logo após a incorporação não “brigavam” para conseguir as vantagens que a
universidade oferecia. Como exemplo, ele relatou que, para estes primeiros diretores, os
professores poderiam manter-se lecionando com uma carga horária muito superior à que a
UERJ exigia, pois não reconheciam a importância das demais atribuições inerentes aos
professores universitários. Esta postura acabou por contribuir para a lentidão com que a
UERJ assumia a responsabilidade pela FFP. Confirmando este depoimento, a professora
Clarice, que também trabalhava na UERJ/Maracanã, afirmou que levava várias
informações sobre o que a universidade podia oferecer aos professores e estudantes, mas
isto era motivo de atrito com o Diretor da Unidade da época, que queria manter a FFP sob
seu controle absoluto.
113
A professora Cíntia, que possuía experiência em outra universidade blica e tinha
um bom relacionamento com alguns setores da UERJ/Maracanã, nos contou que chegou a
conseguir 10 bolsistas, numa época em que os demais professores ainda não sabiam como
conseguir ocupar estes espaços. Por outro lado, lembrou dos embates que ocorriam na
disputa por carga horária docente para a realização de concursos que suprissem as
necessidades dos cursos. Segundo ela, havia embates com a Vice-Reitoria, que oferecia
sempre uma carga horária menor do que era necessária e isto vinha expresso em
formulários baseados em fórmulas matemáticas difíceis de serem decodificadas que
deveriam embasar os pedidos feitos pelos Departamentos
221
. Mesmo com esta dificuldade
burocrática e política, a professora afirma que sempre conseguiu realizar os concursos
necessários ao DCIEN. Outra disputa lembrada por ela, foi para garantir uma carga horária
para professor substituto que pudesse cobrir as aulas do professor de Geologia do
Departamento, que cursava doutorado em São Paulo e desenvolvia sua pesquisa no Paraná.
Estes fatos, lembrados pela professora Cíntia, demonstram os primeiros momentos
de adequação do Departamento de Ciências às exigências da vida universitária: licença
para qualificação e concursos docentes que pudessem diminuir a carga horária dos
professores em sala de aula para que pudessem desenvolver outros tipos de atividades não
associadas diretamente com a docência.
Professor César com cautela as conseqüências da incorporação da FFP à UERJ.
Segundo ele, o que possibilitou o crescimento e a mudança de perfil da FFP não foi a UERJ
propriamente dita, mas a implantação de um regime de trabalho que permitia o
desenvolvimento de tarefas docentes para além da sala de aula, como a pesquisa, por
exemplo: Então, a pesquisa começou, não foi quando veio a UERJ, a pesquisa começou
quando deixamos de ser “horistas”. Professor César afirmou que muitos professores
tinham interesse em desenvolver pesquisas e em se qualificar, mesmo antes da
incorporação, mas o fato de serem contratados por hora-aula não permitia o
desenvolvimento dessas atividades e, além disso, qualquer curso de pós-graduação era
financiado pelo próprio professor, muitas vezes necessitando de um afastamento sem
remuneração para realizá-lo. Podemos considerar, seguindo a lógica do professor César,
que um processo semelhante ocorreu com a própria UERJ que, tendo sido por muito tempo
221
A professora está se referindo à Comissão Permanente de Avaliação Docente (COPAD) instância da
UERJ responsável pela avaliação das atividades dos departamentos e que, com base nesta avaliação
(realizada a partir de cálculos matemáticos), define às necessidades de carga horária, tanto para concursos,
quanto para contratação de professores substitutos. Esta Comissão é presidida pelo Vice-Reitor. No entanto,
pela experiência obtida como Sub-Chefe do DCIEN, verificamos que, nas reuniões deliberativas desta
Comissão, muitas vezes os critérios matemáticos são substituídos por critérios políticos.
114
uma grande “escola de nível superior” para formação de jovens trabalhadores
222
, foi, aos
poucos, mudando o seu perfil e se transformando em uma universidade plena, por meio da
conquista de rias reivindicações de seus professores e estudantes, a partir dos anos de
1980, com o fim da ditadura militar, incluindo entre estas um regime de trabalho mais
condizente com uma universidade (Mancebo, 1996).
Avançar nesta discussão nos afastaria em demasia de nosso objeto de estudo.
Tomamos, então, como pressuposto que, a incorporação à UERJ, com todas as implicações
derivadas dela, possibilitou uma mudança de perfil na FFP. Assim, a partir dos primeiros
embates após a integração à UERJ no final dos anos 1980, a FFP foi se reestruturando e se
modificando. Como estas modificações afetaram a formação de professores de Ciências
Biológicas e, em que medida, isto modificou também o perfil deste curso? Como
professores e estudantes enfrentaram os desafios impostos pela vida universitária? A
compreensão do enfrentamento destes desafios e das tensões que se instauram nestes
processos constitui a base da discussão que iremos tratar neste Capítulo.
Nesta parte da pesquisa tomamos por base, fundamentalmente, os depoimentos dos
novos atores que entraram em cena neste período estudantes e professores - e que deram
“vida nova” à FFP. Ouvimos os professores dos Departamentos de Educação e de Ciências
e estudantes
223
do curso de Ciências Biológicas. Na fala destes novos sujeitos vemos
emergir, com muita intensidade, a tensão latente no período anterior, hoje reconfigurada
pelos novos desafios postos pelas relações institucionais internas e externas sem que
consigamos prever o que virá a seguir.
Este Capítulo está dividido em seis seções: na primeira, faremos uma apresentação
dos sujeitos por nós entrevistados, com o intuito de traçar seus perfis, assim como
exporemos os critérios que utilizamos para selecioná-los; na segunda, apresentaremos as
estratégias utilizadas por estes sujeitos para dar materialidade ao curso e superar a crise
vivenciada; na terceira, exploraremos a reforma curricular empreendida pelo curso no
222
As origens da UERJ datam de 1950, quando várias faculdades privadas foram unidas sob a denominação
de Universidade do Distrito Federal (porém sem relação com a UDF criada por Anísio Teixeira). No início
dos anos de 1960 esta universidade passa a se chamar Universidade do Estado da Guanabara (após a
transferência da capital federal para Brasília) e vai, aos poucos, construindo um projeto universitário
unificado, ainda fortemente marcado pela formação profissional. Este projeto permaneceu hegemônico ainda
na década de 1970 (após a fusão do Estado da Guanabara ao Estado do Rio de Janeiro), quando passa a ter a
denominação atual, se modificando quando a abertura política, pós-ditadura, permite a organização de
setores, antes isolados na Instituição (Mancebo, 1996).
223
Efetivamente, apenas dois deles ainda eram estudantes quando foram entrevistados. Todos os demais
estavam formados e atuando como professores em escolas da rede pública. No entanto, preferimos
considerá-los neste trabalho como estudantes, porque o nosso foco central é a formação inicial que tiveram,
mesmo que confrontada com as suas experiências docentes.
115
contexto da UERJ; na quarta, discutiremos como professores e estudantes vêem o Curso de
Ciências Biológicas, em sentido amplo; na quinta, analisaremos os depoimentos dos
estudantes tomando como referência as suas experiências docentes e as relações que
estabelecem entre estas e a formação inicial que tiveram; e, finalmente, na sexta,
apresentaremos algumas das perspectivas futuras, apontadas pelos entrevistados, para a
FFP e o Curso de Ciências Biológicas.
V.1 – Apresentando os Sujeitos da História “Recente” da FFP
Quando usamos a expressão “recente” para caracterizar o período da história da
FFP que vamos tratar neste Capítulo algo soa estranho. Na verdade este período “recente”
se refere aos últimos 19 anos, portanto, um período ainda maior do que o abordado no
Capítulo anterior. O uso desta expressão se deve a dois motivos interligados: o primeiro é
que os investimentos da UERJ na FFP ocorreram, de forma um pouco mais intensa, em
um período inferior a 10 anos. Disto decorre o segundo: todos os nossos entrevistados desta
fase, no caso dos docentes, ingressaram na FFP a partir de 1997 e, no caso dos estudantes,
com uma única exceção, todos ingressaram a partir de 2000, ano em que o DCIEN passou a
contar com um corpo docente efetivo, mais próximo do número que tem atualmente
224
, o
que se refletiu em uma maior estabilidade do curso de Ciências Biológicas, uma vez que, o
aumento do número de professores efetivos fez com que estes pudessem atuar nas
disciplinas mais próximas de suas especialidades, ao contrário do que ocorria antes, quando
os poucos professores existentes lecionavam em disciplinas de áreas muito variadas,
simultaneamente
225
.
Se os investimentos da Administração Central da UERJ na FFP aconteceram, os
dados colhidos neste estudo nos permitem afirmar que os estudantes exerceram um
importante papel neste processo e, por isto, merecem um maior destaque neste momento.
Encontramos elementos nos depoimentos para compreender que, muito da materialidade
que suporte aos cursos da FFP foi construída graças ao espírito de luta tão comum aos
jovens, mas que parece ganhar centralidade nesta Unidade, por algumas de suas
224
Dos vinte professores efetivos do DCIEN, apenas seis ingressaram a partir do ano de 2001, sendo que
destes seis professores, três haviam atuado como professor substituto, em período anterior. Dois destes,
inclusive, foram entrevistados por nós (Estes dados encontram-se no Documento FFP/DCIEN,
Reformulação Curricular do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, 2005).
225
Conforme depoimento de um dos professores entrevistadas, que será destacado a diante.
116
características peculiares, como, por exemplo, a convivência de estudantes de áreas
disciplinares bastante diferenciadas; a força simbólica de uma Unidade da Periferia da
Metrópole, atendendo estudantes de camadas sociais mais desprivilegiadas econômica e
culturalmente; e a relação de maior proximidade entre estudantes e professores. Estas
características parecem fazer com que os últimos acompanhem continuamente os
primeiros, permitindo que estes incorporem a FFP como um espaço que lhes pertence
226
, ou
seja, tornando este espaço naquilo que os geógrafos costumam chamar de lugar
227
. Trata-se
de uma parcela considerável de jovens oriundos não somente de São Gonçalo e Niterói,
mas de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e alguns do interior do Estado
228
.
Como sabemos, pela nossa vivência na Instituição, que muitos deles prestaram mais de um
exame vestibular, para outros cursos e universidades, sem sucesso, ou pela proximidade
com o local de residência o que diminui os gastos com transporte, permitindo a
continuidade dos estudos para os que têm condições financeiras mais baixas - estes jovens
vêem nesta Faculdade a única possibilidade de acesso à universidade pública
229
, e buscam
igualdade de condições de estudo em relação às universidades localizadas mais próximas
ao centro da Metrópole. Como gostava de dizer o ex-Diretor da FFP, o professor e geógrafo
Cláudio Barbosa da Costa: a Periferia está no Centro!Se isto for verdade no caso da
226
Trataremos especificamente destas características no decorrer do Capítulo com base nos próprios
depoimentos dos entrevistados.
227
Estamos nos referenciando no conceito de lugar conforme definido por Carlos (1996): O lugar é a
porção do espaço apropriável para a vida - apropriada através do corpo - dos sentidos - dos passos de seus
moradores, é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais a
metrópole ou mesmo a cidade lato sensu, a menos que seja a pequena vila ou cidade -
vivida/conhecida/reconhecida em todos os cantos. [...] São os lugares que o homem habita dentro da cidade
que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida, onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é,
pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso.
Trata-se de um espaço palpável - a extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio do qual nos
deslocamos. (p. 20-22)
228
Dados coletados pelo Departamento de Educação da FFP mostram que, de 1.074 estudantes de todos os
cursos que ingressaram no segundo semestre de 1996, 592 (55%) eram procedentes de São Gonçalo; 251
(23%), do Rio de Janeiro; 135 (13%), de Niterói. Os 96 (9%) estudantes restantes procediam de 19 outros
municípios do Estado do Rio de Janeiro (Perfil dos Estudantes da FFP Relatório, 1996). Dados coletados
por nós (a partir de um questionário respondido por alunos no primeiro semestre – ver Anexo IX), a partir do
segundo semestre de 2000, apenas no curso de Ciências Biológicas, confirmam a procedência dos estudantes
dos diversos municípios, principalmente da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, excetuando-
se a Zona Sul do município do Rio.
229
Uma vez que a relação candidato-vaga nos cursos da FFP é mais baixa, especialmente para Ciências
Biológicas e, principalmente, em comparação a outros cursos da área Biomédica, conforme pode ser
verificado analisando-se estes dados nos sítios das universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro.
Destacamos, ainda, que, no questionário que aplicamos aos alunos do 1
o
período, desde 2000 (ver modelo no
Apêndice III), as respostas mais freqüentes à pergunta “Por que você veio estudar na FFP/UERJ? se
referem ao fato de ser uma instituição pública; de “ser mais fácil de passar” ou “foi a única que consegui
passar”; ou ainda, por proximidade como o local de residência. Para aqueles que trabalham, a justificativa
pela escolha está relacionada ao horário do curso (tarde/noite). É freqüente ainda, principalmente entre
aqueles que respondem que pretendem ser professor, a referência à informações que indicavam que a FFP é
uma instituição de qualidade nesta área.
117
FFP, e os depoimentos colhidos neste estudo são bastante sugestivos, em muito se deve aos
seus estudantes.
Nosso estudo procurou dar voz aos estudantes. Para isto colhemos depoimentos na
forma de entrevistas semi-estruturadas, mais próximas de uma conversa informal, nas quais
procuramos mergulhar nas visões por eles construídas, tanto em relação ao curso que
estavam concluindo ou que concluíram recentemente, quanto em relação às suas ações
profissionais e acadêmicas e às suas perspectivas futuras
230
. Estes depoimentos foram
gravados em áudio e transcritos. A análise do material produzido nos possibilitou partilhar
dos significados dados por estes sujeitos aos seus percursos formativos e, auxiliados pelo
referencial teórico, compreender e discutir as tensões geradas durante estes percursos. De
forma complementar, utilizamos dados obtidos por meio de questionários. O primeiro,
respondido por estudantes ao ingressarem no curso
231
, a partir do segundo semestre de
2000, buscou identificar o perfil das turmas de Ciências Biológicas, e o segundo,
respondido, em 2005, por estudantes a partir do 3
o
período, visava identificar o
envolvimento destes estudantes em estágios extracurriculares realizados por eles até aquele
ano e a relação que estabeleciam entre estes estágios e a formação docente
232
.
Escolher os estudantes a serem entrevistados não foi trivial, sobretudo pelo número
reduzido de entrevistas que poderíamos realizar. Esta escolha também não foi aleatória.
Procuramos identificar estudantes que tinham ou que tiveram uma vivência universitária
mais completa. Isto significou a escolha daqueles considerados de “bom desempenho
acadêmico” e que durante a sua trajetória de formação realizaram atividades para além da
sala de aula, principalmente os que participaram de estágios extracurriculares, com ênfase
na pesquisa de cunho biológico. Ouvimos também dois estudantes com vivência mais
voltada para atividades de docência e pesquisa em ensino.
Se estas foram características consideradas importantes dentro de nossos objetivos
de estudo, sendo comum a todos os entrevistados, suas trajetórias universitárias foram
diferenciadas e estas diferenças também serviram como critério para selecioná-los. Desta
forma, procuramos garantir que as tensões que estamos tentando analisar no curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas fossem observadas por diferentes ângulos, de acordo
com a trajetória de formação que cada entrevistado forjou durante o seu curso. Com
exceção do primeiro estudante apresentado logo a seguir, que não foi nosso aluno, todos os
230
O roteiro das entrevistas encontra-se no Apêndice IV.
231
Ver Apêndice IV.
232
Estes estágios se referem a participação em projetos de Iniciação Científica, Iniciação à Docência,
Monitoria, Estágio Interno Complementar e Extensão. Ver modelo no Apêndice V.
118
demais estudantes foram por nós acompanhados, como professora de diferentes disciplinas,
ao longo do curso
233
. Mantivemos os nomes iniciados por A para identificar os estudantes
entrevistados.
Alexandre estudou na FFP entre 1993 e 1997 e presenciou os primeiros
movimentos de tentativa de consolidação do curso no interior da Universidade. Teve uma
grande participação na construção do Departamento de Ciências e do curso de Ciências
Biológicas durante seu período de estudante. Assim, sua contribuição para o entendimento
de como este curso evoluiu é riquíssima. Alexandre queria ao mesmo tempo ser médico e
professor de Biologia. Passou no vestibular para este último curso e ali permaneceu.
Durante a graduação teve uma pequena passagem pela Bioquímica da UERJ/Maracanã,
mas não se identificou. Resolveu ser monitor de Histologia e Embriologia na própria FFP,
por considerar que esta era uma atividade mais próxima de sua futura atuação como
professor. Paralelamente, começou a lecionar em escolas particulares da região. Fez o
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de Ciências, na UFF e, atualmente, faz
Mestrado em Educação. Atuou como professor nas redes particular, municipal e estadual,
e, atualmente, é professor efetivo do CEFET/RJ
234
.
Aline ingressou no curso no primeiro semestre de 2000 e hoje se encontra no
Doutorado em Biologia Celular. Esta sempre foi a sua área de preferência dentro da
Biologia e, a partir do 3
o
período iniciou seu estágio em um laboratório na
UERJ/Maracanã, ficando durante toda a graduação, o Mestrado e, agora, o Doutorado.
Não sabia se queria ser professora até cursar a disciplina Prática de Ensino II, quando,
segundo ela, se encantoupelo magistério. Pouco antes de terminar a faculdade prestou
concurso para professora de Ciências da Rede Municipal de Silva Jardim, tendo sido
chamada no final do curso. Depois, prestou concurso para a Rede Estadual e leciona em
São Gonçalo, onde mora, na Educação de Jovens e Adultos. Aline construiu durante toda a
sua graduação uma carreira de pesquisadora em Biologia tendo se tornado professora, mais
efetivamente, ao final do seu curso. Por sua grande dedicação à pesquisa fora da FFP, seu
envolvimento com esta instituição foi pequeno e seu convívio com estudantes de outros
cursos se restringiu a algumas disciplinas pedagógicas em que foram realizados trabalhos
conjuntos.
233
A pesquisadora lecionou as disciplinas Biologia I (1
o
período), Biologia II (2
o
período), Metodologia do
Ensino de Ciências (5
o
período) e Prática de Ensino II Ciências (7
o
período). A segunda aluna a ser
apresentada neste texto foi aluna da pesquisadora na disciplina Prática de Ensino. O último não o foi
na Prática de Ensino.
234
Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca.
119
Ana Luísa e Augusto foram da mesma turma. Entraram na faculdade no segundo
semestre de 2000. Ana Luísa era uma das poucas pessoas de sua turma que queria ser
professora, fato que, segundo ela, era considerado um pouco estranho pelos colegas.
Augusto era ainda muito imaturo e não tinha idéia do que queria fazer, a não ser que não
tinha passado no vestibular para Odontologia, o que hoje ele considera muito bom. Mesmo
sem saber ao certo que caminho profissional seguir, Augusto construiu sua carreira de
professor e Ana Luísa, mesmo querendo seguir esse caminho, construiu sua carreira de
pesquisadora em Biologia. Explicando melhor: Augusto, durante todo o seu curso esteve
envolvido em estágios extracurriculares relacionados à pesquisa em Ensino de Ciências e à
docência, tanto na FFP, quanto no Colégio de Aplicação da UERJ. Teve uma passagem
rápida, como voluntário, pelo laboratório de Análises Microbiológicas da FFP, mas
também lecionava em escolas particulares da região. Antes de se formar fez o concurso
para o magistério da Rede Municipal de Angra dos Reis, conseguindo uma boa
classificação, mas, felizmente, não a suficiente para ser convocado, o que veio a acontecer
em 2005. Nesta altura, havia sido aprovado no concurso para o magistério da rede
estadual, para o município de Campos, e lecionava também na rede particular e no pré-
vestibular do CEDERJ
235
. Atualmente, além de lecionar em Angra dos Reis, é Tutor do
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do CEDERJ, também em Angra, e faz o
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de Ciências, na UFF. Pretende fazer
Mestrado em Educação.
Ana Luísa construiu um caminho inverso. A partir de um trabalho proposto pela
disciplina Sociologia da Educação, no 2
o
período do curso de Ciências Biológicas,
retornou, com seu grupo, à escola pública onde estudou. O contato com sua ex-professora
de Biologia e com os alunos da escola fez com que o grupo se interessasse em construir um
projeto voluntário com a professora. Ela participou deste projeto, auxiliando na realização
de aulas práticas no laboratório da escola e na elaboração de jogos didáticos, durante um
ano, aproximadamente. Quando o ano terminou pensou: “Pôxa, tem tanta coisa em
Biologia pra eu aprender, não posso ficar nesse estágio a faculdade inteira! Daí passou
pela Botânica, na própria FFP, depois pela FIOCRUZ, em Biologia Molecular, e, por
último, pela Biofísica da UERJ/Maracanã, onde se fixou. Por conselho de seu orientador no
estágio, acabou participando da seleção para o Mestrado em Morfologia, também da
UERJ/Maracanã, tendo sido aprovada, mantendo, no entanto, o orientador e a linha de
235
Centro de Educação à Distância do Estado do Rio de Janeiro.
120
trabalho que já desenvolvia na Biofísica. Antes de se formar prestou concurso para o
magistério da rede municipal de Itaboraí, tendo sido aprovada e convocada, começando a
atuar como professora logo que se formou. Posteriormente, foi aprovada no concurso para
o magistério da rede estadual, mas não assumiu. Ainda durante o curso prestou concurso
para o cargo de Bióloga na Secretaria Estadual de Saúde. Foi chamada recentemente e está
atuando no Hospital dos Servidores do Estado. Assim, Ana Luísa se constituiu como
professora, pesquisadora em Biologia e bióloga
236
.
Alberto ingressou na FFP no segundo semestre de 2001. Já no 2
o
período do curso
iniciou seu estágio em Parasitologia no Instituto de Biofísica da UFRJ, tendo permanecido
lá durante todo a sua graduação e, posteriormente, no Mestrado, iniciado tão logo se
formou. Paralelamente, devido à necessidade de custear as suas despesas durante a
realização do curso, foi procurar emprego em uma escola particular. Nas palavras dele: Eu
tinha que começar a trabalhar, eu tinha que começar a me sustentar, não dava mais p’ros
meus pais me bancarem [...] e tinha que arrumar um emprego. Não vou arrumar
[emprego] de lojista, vou arrumar emprego em um colégio e comecei a procurar um
estágio e consegui. Começou também a se envolver com o movimento estudantil da FFP e
da Biologia (tanto regional, quanto nacional) e com questões sócio-ambientais locais.
Entrou para o Centro Acadêmico da Biologia, e a diretoria da qual fez parte organizou, pela
primeira vez, um Encontro Regional de Estudantes de Biologia EREB-SE na FFP. Foi
ainda representante eleito dos estudantes no Conselho Departamental, órgão deliberativo
máximo da Unidade. Assim, ao perfil de professor e de pesquisador em Biologia,
acrescenta-se em Alberto o de militante e articulador político. De todos os entrevistados,
sem dúvida, é o mais envolvido e comprometido com a FFP.
Álvaro, por sua vez, ingressou no primeiro semestre de 2002, após três tentativas
frustradas de ingressar num curso de Medicina em uma universidade pública. Falava
pouco. Por volta do 3
o
ou 4
o
período começou a lecionar em um pré-vestibular comunitário,
mas a experiência foi curta. Também no 3
o
período iniciou um estágio em Biologia Celular.
Este estágio foi um dos elementos importantes para a construção de sua identidade de
biólogo, pois ao ter que buscar material para análise em uma maternidade pública, percebeu
236
Estamos aqui considerando as três atividades normalmente atribuídas aos biólogos: o exercício
profissional docente na área de Biologia; as atividades de pesquisa neste campo e as funções mais técnicas,
conforme discriminado na Legislação que regulamenta o exercício da profissão de biólogo (DECRETO
88.438, de 28 de junho de 1983). Esta legislação não diferencia os portadores de diploma de bacharel e de
licenciado. No entanto, fazemos questão, neste trabalho, de diferenciar estas atribuições, porque estamos
partindo do princípio que existem especificidades em cada uma delas, principalmente na atividade docente
na escola básica (Ayres, 2005).
121
que não agüentaria o trabalho de médico. Além disso, acrescentou outros elementos
importantes na sua formação: Experimentar as vivências que a faculdade me proporcionou,
os trabalhos de campo - muito legais: Ilha Grande..., Itaipu... Vários lugares assim, ver
outros caminhos, né? Outras coisas. [...] Acho que eu fui não me conformando, mas
aceitando e querendo, sabe? Ser biólogo, biólogo, biólogo. Durante todo o seu curso se
dedicou a projetos de Iniciação Científica na área de Biologia Celular na UERJ/Maracanã,
tendo passado por dois laboratórios. No final do curso dois fatos mudaram os rumos de sua
vida profissional: o primeiro foi uma decepção com o próprio trabalho no laboratório,
quando seus experimentos começaram a não funcionar e as cobranças se intensificaram:
... Não dominava a técnica a ponto de saber porque não dava certo. E a
cobrança. Começava a cobrança mesmo. Além disso, com o passar do tempo eu
fui vendo que a realidade no laboratório que funciona é cruel, extremamente
cruel. Um querendo “comer” o outro; meus experimentos tinham que ser assim,
eu escondia. Depois de um tempo eu comecei a entrar na paranóia de alguém
estar fraudando meus experimentos. [...] Num tempo certo, depois não dá,
tem alguma coisa errada. E essa disputa, essa coisa, foi muito desgastante...
Não estava dando certo.
Coincidência ou não, neste mesmo momento ele começou a lecionar em uma
pequena escola e, ao pesar as duas possibilidades para a sua carreira, optou pelo magistério
e abandonou o laboratório.
Cabe destacar ainda duas questões referentes à escolha dos estudantes a serem
entrevistados. A primeira diz respeito a não termos colhido depoimentos de estudantes
trabalhadores (o que é uma característica muito presente nos estudantes da FFP). Isto se
deveu ao fato de que estes estudantes, por trabalharem durante o dia e cursarem as
disciplinas preferencialmente no turno da noite, não dispõem de muito tempo para
construírem uma trajetória universitária para além da que é oferecida nas disciplinas do
curso. Como estávamos interessados fundamentalmente na relação entre pesquisa e
docência
237
, consideramos que não era prioritário ouvi-los
238
. Outro fato marcante é que
todos os entrevistados com trajetória na pesquisa biológica stricto sensu realizaram esta
formação fora da FFP. Tanto a pesquisa em Biologia, quanto a pesquisa em Ensino de
Ciências/Biologia são recentes na FFP, sendo a primeira muito mais consolidada em outras
237
O que geralmente diferencia os Bacharelados e as Licenciaturas nas universidades públicas.
238
Temos consciência de que esta foi uma opção a ser tomada e que delineou o estudo que fizemos, mas era
inevitável em termos de priorização dos sujeitos da pesquisa, neste momento. Outro recorte de pesquisa pode
ser feito, envolvendo uma maior diversidade de sujeitos.
122
Unidades da UERJ e em outras Instituições, atraindo o interesse da maioria dos estudantes.
Portanto, o universo de estudantes que desenvolveram atividades de pesquisa fora da FFP é
muito maior
239
. Como também era nossa intenção ouvirmos estudantes recém-formados
que já estivessem atuando em escolas públicas, acabamos por restringir ainda mais a
possibilidade de entrevistarmos aqueles que tinham desenvolvido atividades de pesquisa
nesta Unidade.
Mas a história a ser contada também é feita por docentes. Assim, novamente nos
detivemos em entrevistar professores do Departamento de Educação (que, após a
incorporação passou a usar a sigla DEDU) e do Departamento de Ciências (DCIEN, criado
após a incorporação), cujos depoimentos se somarão aos demais
240
. Foram seis docentes
entrevistados, sendo três de cada Departamento. Para selecioná-los, demos prioridade, no
campo da Educação, àqueles professores que atuam em disciplinas voltadas para a ação
docente Didática, Prática Pedagógica e Prática de Ensino que, a partir de 2000,
tiveram maior contato com alunos de Ciências Biológicas
241
. No caso da seleção de
professores do campo da Biologia, a escolha foi um pouco mais aleatória, sendo o único
critério o fato de terem um maior envolvimento com as atividades do Curso e do
Departamento. Todos eles, quando ingressaram na FFP, a partir do final da década de 1990,
se tornaram jovens professores universitários, ainda em processo de qualificação
242
. Para
facilitar a compreensão do texto, mantivemos as iniciais E, para os professores do DEDU e
C, para os professores do DCIEN.
Eleonora atua na FFP desde 1999. Sua formação inclui o Curso Normal, a
Licenciatura em Educação Artística e o Mestrado e Doutorado em Educação. Atuou pouco
como professora da escola básica e, sua maior experiência profissional, fora da
universidade, foi como Assessora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, principalmente
na área de políticas públicas urbanas e também na Comissão de Educação e Cultura. Na
239
A dificuldade para realização de pesquisa em Biologia na FFP pode ser explicada pela sua entrada tardia
no contexto universitário, como também (e em decorrência disto), pela ausência ou limitação de
equipamentos e espaços adequados.
240
O roteiro de entrevistas realizadas com professores do Departamento de Educação encontra-se no Anexo
XII e com professores do Departamento de Ciências encontra-se no Anexo XIII.
241
Este é um critério de difícil precisão porque o DEDU, ao organizar o horário semestral, o faz delimitando
uma ou duas turmas para cada curso. No entanto, com o sistema de créditos e matrícula informatizada, os
alunos podem se inscrever em qualquer turma, desde que não haja coincidência de horário. Isto implica que
nem sempre a turma determinada para um curso é realmente ocupada majoritariamente por alunos deste
curso. É justamente este fato que permite que haja a convivência entre alunos de diferentes cursos em uma
mesma turma.
242
Alguns, como veremos, ainda se encontram neste processo.
123
FFP leciona, principalmente, Estrutura e Funcionamento de Ensino e Prática Pedagógica.
Em 2005, assumiu a Chefia do DEDU. Tem se dedicado a pesquisas no campo de políticas
públicas em educação. Érica é professora da Faculdade desde 2002. É formada em
Pedagogia e Mestre em Educação. Atuou em várias faculdades particulares, principalmente
em cursos de Pedagogia e, na escola básica, como professora do curso de Formação de
Professores do ensino médio e como coordenadora em escolas de 1
a
à 4
a
série do ensino
fundamental. Na FFP, atualmente, vem lecionando Prática Pedagógica e Prática de
Ensino I. Ellen é também Pedagoga, com Mestrado em Educação e, atualmente, cursa o
Doutorado também nesta área. Seu interesse, na pesquisa, está no campo das Tecnologias
da Informação e Comunicação e, no Doutorado, vem estudando o discurso sobre a Ciência
na Televisão. Está na FFP desde 2003 e leciona Didática e Prática de Ensino I. Trabalhou
em algumas faculdades particulares e teve experiência na escola básica, excluindo 3
o
e 4
o
ciclos do ensino fundamental.
Do Departamento de Ciências entrevistamos os professores Cristiano, Caio e
Carlos. Cristiano, antes de seu ingresso como professor efetivo, em 2001, atuou como
substituto em dois semestres: 1996/2 e 1997/2. É Bacharel em Ciências Biológicas, Mestre
e Doutorando em Botânica, pelo Museu Nacional/UFRJ. Apesar de não ter cursado a
Licenciatura, lecionou em algumas escolas particulares de São Gonçalo, onde reside. Atuou
também como Biólogo na UFF e como Diretor Técnico-Científico do Jardim Botânico de
Niterói. Também lecionou, como substituto, na UERJ/Maracanã e na UFF. Perguntamos a
ele porque não fez a Licenciatura e ele argumentou que, na Universidade em que
estudou
243
, na época, não havia estímulo para que os estudantes cursassem esta habilitação,
que era “mal vista” entre eles, além do fato de ter que se deslocar para outro Campus. Caio
ingressou na FFP em 1997. É Licenciado e Bacharel em Biologia Marinha e Mestre em
Ecologia pela UFRJ. Atualmente, cursa o Doutorado em Recursos Florestais, na Escola
Superior de Agricultura Luis de Queirós (ESALQ), da USP, trabalhando com Unidades de
Conservação Ambiental. Assim que terminou a graduação atuou como professor no ensino
supletivo da Rede Estadual e, depois, no Colégio Pedro II, de onde saiu quando ingressou
na FFP. Carlos também é Licenciado e Bacharel em Biologia Marinha, mas nunca
lecionou na escola básica. É Mestre pela UFRJ e Doutor pela UERJ, ambos em Ecologia.
Sua experiência limita-se ao ensino superior, na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro UFRRJ, como professor substituto, e na Universidade Gama Filho, de onde saiu
243
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
124
recentemente. Algum tempo após ter sido aprovado no concurso para Zoologia na FFP,
enquanto aguardava a sua vaga como professor efetivo, foi convidado para lecionar como
professor substituto, em 2000, tendo sido incorporado ao corpo docente efetivo do DCIEN
em 2001.
V.2 A Busca de Materialidade para o Curso de Ciências Biológicas e as Estratégias
de Superação da Crise Herdada do Período Anterior
A união do corpo docente e discente aliada à tradição de resistência deste mesmo
grupo foi fundamental neste período para que uma instituição totalmente enfraquecida,
como caracterizou a professora Cíntia, fizesse frente às determinações de uma
Universidade em pleno período de fortalecimento como era a UERJ. Este
“enfraquecimento” pode ser demonstrado por dados sobre o número de estudantes
matriculados no curso de Ciências Biológicas após os primeiros vestibulares realizados
pela UERJ, expresso na Tabela VIII.
Tabela VIII: Número de vagas e de estudantes matriculados no Curso de
Ciências Biológicas de 1991 a 1993
Matrícula Ano Vagas no
Vestibular
Vestibular Transferência
Aproveitamento
De Estudos
Total
1991 30 20 01 04 25
1992 60 22 03 01 26
1993 60 39 05 03 47
TOTAL 150 81 09 08 98
Fonte: Processo encaminhado ao Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro para reconhecimento do
curso de Ciências Biológicas da FFP, em 1993, disponível na Secretaria do DCIEN.
Outros dados apresentados no Documento “Evolução Histórica - período 1992/1 à
1998/2”, produzido pela Sub-Reitoria de Graduação da UERJ indicam também como foi
lento o crescimento do número de estudantes, tanto ingressantes, quanto concluintes, que só
começou a se estabilizar no final daquela década
244
. A Figura abaixo, retirada do
documento preparado para o Processo de Reconhecimento do Currículo implantado em
1991, foi elaborada a partir dos dados do referido Documento e mostra a evolução do
244
As tabelas e gráficos, referentes à FFP, que constam no referido Documento, encontram-se reproduzidas
no Anexo XIV.
125
número de estudantes em todos os cursos da FFP, comprovando o período de estabilização
a que nos referimos acima.
Fig. I. Evolução do número de alunos dos cursos da FFP entre 1992 e 1998.
0
5 0
1 0 0
1 5 0
2 0 0
2 5 0
3 0 0
3 5 0
4 0 0
01/92
02/92
01/93
02/93
01/94
02/94
01/95
02/95
01/96
02/96
01/97
02/97
01/98
02/98
P e r í o d o s
nº de alunos
C i ê n c i a s B i o ló g i c a s G e o g r a fi a
C i ê n c i a s H u m a n a s M a t e m á t i c a
P e d a g o g i a P o t u g u ê s /In g lê s
P o r t u g u ê s / L i te r a t u r a
Fonte: Processo de Reconhecimento do Curso de Ciências Biológicas Habilitação
Licenciatura, da FFP/UERJ, produzido a partir dos dados do Documento “Evolução Histórica -
período 1992/1 à 1998/2”, citado acima.
Estes dados dão uma mostra do esvaziamento do corpo discente na FFP, bem como
da dificuldade em preencher o número de vagas, oferecidas pela via do vestibular, nos
primeiros momentos pós-incorporação à UERJ, quando a FFP não gozava de nenhum
prestígio no ambiente universitário e era, inclusive desconhecida por professores, por
estudantes e pela própria comunidade gonçalense. Isto foi constatado nos depoimentos de
professores e estudantes entrevistados por s. Apesar do longo percurso trilhado pela
FFP até aquele momento, alguns professores chegaram a acreditar que ela era um Campus
recém-construído pela UERJ. Quando chegaram a tomar conhecimento de sua existência,
como no caso dos professores do DEDU entrevistados, isto ocorreu no período em que
estavam em período de qualificação em outra universidade ou na graduação, na própria
UERJ. Mesmo o professor Cristiano, morador de São Gonçalo, não tinha uma idéia muito
clara do que era esta instituição antes de começar a atuar nela:
Mas como ela funcionava, quais os cursos que ela tinha... o que acontecia por
aqui eu fui ter contato quando eu vim dar aula em 96. [...] Tanto que quando
126
eu fui fazer vestibular eu fui fazer p’ra UNIRIO. Nem passou pela minha cabeça
que aqui tinha [graduação em Ciências Biológicas]
245
.
Para alguns destes professores, antes de seu ingresso na UERJ, era desconhecido o
fato da existência de Unidades Acadêmicas fora do Campus Maracanã. Érica afirmou: Eu
nem sabia que tinha Unidade em Caxias. Para mim era UERJ/Maracanã; eu não tinha
noção que tinha outras Unidades. Alguns receberam com surpresa a informação de que
haveria concurso para professor na “UERJ de São Gonçalo”, pois desconheciam a sua
existência. A existência da FFP anterior à UERJ o é sequer comentada por eles,
continuando a ser uma história desconhecida para muitos docentes mais recentes na
instituição. O discurso marcante em quase todos os depoimentos, com relação aos
primeiros contatos com a FFP, é o que esta instituição como um projeto em construção,
considerado por eles bastante interessante, e que ainda estava sendo gestado. Segundo a
professora Eleonora,
a primeira vez que eu ouvi falar daqui [...] é que era um lugar muito interessante
para trabalhar, porque não era um campus tradicional, antigo. Era um lugar
com ..., meio assim em formação. Era a idéia de um lugar aberto para ser
produzido. Então, inclusive, quando eu vim a saber da história mais antiga eu
me surpreendi, porque eu achava, na verdade, que aqui era uma espécie (...)
assim de campus novo. [...] As primeiras impressões que foram passadas foi
dessa coisa assim, da originalidade, do lugar ter sido, né? Do lugar onde ‘tava a
faculdade, a importância social disso, [...] Ah! lá no meio da pobreza, tá
na periferia...
a professora Ellen, que foi aluna da UERJ/Maracanã desde a graduação e
posteriormente atuou na Faculdade de Educação como professora substituta, disse que foi
na própria UERJ que ouviu falar da FFP, referindo-se à questão da nova concepção de
formação de professores, o que lhe pareceu bastante interessante. Os dois outros
professores de Biologia entrevistados tomaram conhecimento da existência da FFP à época
do concurso e esta, para eles, era apenas uma Unidade da UERJ, sem imaginarem nenhuma
especificidade, nem refletirem sobre o que o próprio nome significava.
Do lado dos alunos o discurso é o mesmo. Alexandre, mesmo morando ao lado da
FFP, afirmou que não a conhecia: Eu morava ali do lado, jogava bola no estacionamento,
na quadra, soltava pipa, andava por ali, levava corrida dos garotos do morro e não
conhecia a Faculdade. foi tomar conhecimento da existência dos seus cursos quando
teve acesso ao Edital do Vestibular: A primeira fonte foi essa, a de ver no edital: Caramba,
245
Cristiano prestou vestibular em 1991.
127
tem Biologia aqui! Então, eu fui ver, fui procurar saber como é que era, [...] comecei a
perguntar às pessoas se lá [na FFP] realmente tinha Biologia.
Este “desconhecimento” da existência e da história da FFP não é de se estranhar,
uma vez que esta, como descrevemos, viveu a maior parte do tempo envolta em crises
que não permitiam que se destacasse no cenário do ensino superior fluminense. O fato de
localizar-se na periferia também contribuiu para o apagamento da história da FFP, como
disse a professora Edna:
O fato da faculdade se situar em São Gonçalo, de certa forma, a gente estava
fazendo um trabalho que era mais ou menos pioneiro, porque a gente estava
trabalhando com a parte pedagógica desde o primeiro período muito tempo,
nós não tínhamos era o cuidado de registrar o que estávamos fazendo. E
então,não ficou registro. O primeiro registro foi sobre o Estágio Supervisionado,
mas muita coisa a gente podia ter escrito e depois disseminado. A gente viu
muita discussão em relação a isso. Mas quem chegava, por exemplo, veio o
pessoal da UERJ, vem p’ra São Gonçalo, ninguém vai admitir que ali está sendo
feito um trabalho apreciável.
Mais uma vez, podemos dizer que as crises pelas quais passou a FFP dificultavam
que os registros de suas práticas fossem feitos, tamanha era a energia despendida para
mantê-la funcionando. Assim, se os professores que entrevistamos estavam “equivocados”
no que diz respeito à idéia de construção nova, de campus novo, isto também não estava
totalmente errado. Podemos dizer, tentando chegar a um equilíbrio, que a entrada de novos
professores após a incorporação à UERJ e os conflitos e alianças que se deram com os
antigos professores, tornaram possível a reconstrução de um outro projeto de formação
docente, agora em novas bases. A fala do professor Cristiano sintetiza esta idéia:
A gente pegou o caminho andando e acho que incorporou um pouco. Quer dizer,
a gente está formando a identidade da instituição, mas a gente incorporou um
pouco de alguma coisa que existia aqui e que não veio do nada, né? Nem
surgiu quando você chegou aqui. Alguma coisa existia, uma latência, eu acho
que é como uma alma, como uma personalidade. Acho que já existe uma latência
dentro da pessoa, de personalidade, de alma e aqui existe isso, né?! Como existe
no Fundão, existe na UFF, existe um..., que a gente vai modelando com as
atitudes, com as ações que a gente vai tomando. (o grifo reproduz o tom
acentuado dado pelo professor durante a entrevista)
Esta latência a que o professor Cristiano se referiu pode ser entendida à luz do
conceito de cultura expresso por Viñao Frago e que apresentamos no Capítulo introdutório
deste trabalho. Conforme mencionamos, este autor, segundo Souza (2005, p. 74-75), aponta
como constitutiva da cultura das instituições educativas as
formas de agir e pensar,
128
mentalidades e comportamentos – sedimentados ao longo do tempo em forma de tradições e regras
do jogo compartilhadas por seus atores no seio das instituições educativas, tendo como traços
característicos a continuidade e persistência no tempo.
As formas de agir e pensar que
existiam na FFP estavam latentes devido à crise institucional pela qual passou no período
anterior à incorporação, quando a instituição ficou praticamente abandonada pelo governo
do Estado, sem professores e sem recursos financeiros. Estas foram, então, herdadas por
parte dos novos professores, mesmo de forma inconsciente e, mesmo eles trazendo “novas”
formas de pensar e agir, que tensionadas com as “velhas”, vão formando a nova identidade
da instituição, como anuncia professor Cristiano.
O ingresso de novos estudantes e docentes, ainda que de forma lenta, provocou
mudanças estruturais na Faculdade que se movimentava, em nível administrativo, por
adequar-se aos moldes da estrutura do conjunto das universidades brasileiras. Isto se
expressa no ressurgimento de organizações estudantis (Centros Acadêmicos) e da
organização de novos Departamentos a partir do desmembramento dos antigos. Este
processo de departamentalização ocorreu com o Departamento de Ciências Exatas e da
Natureza que deu origem aos atuais Departamentos de Ciências (DCIEN) e de
Matemática (DMAT) - e com o Departamento de Estudos Sociais - que deu lugar ao
Departamento de Ciências Humanas e ao Departamento de Geografia. Os Departamentos
de Letras e Educação
246
permaneceram com a mesma estrutura já existente.
O movimento de crescimento lento também ocorreu com o corpo docente do
DCIEN. No documento preparado para o Reconhecimento do Curso, citado
anteriormente, consta uma relação de professores constituída por apenas oito professores,
sendo seis deles anteriores à incorporação a UERJ e dois novos professores concursados
pela UERJ no início da década de 1990. Destes oito professores, apenas dois continuam
atuando na FFP, sendo ambos anteriores à UERJ. Além destes dois professores, o DCIEN
conta atualmente com mais dezoito docentes efetivos tendo, a maioria deles, como já
mencionamos, ingressado após 1997
247
, dez anos após o processo de incorporação. Deste
total de vinte professores, um tem formação no nível de especialização e o outro é
246
Como já mencionamos, a sigla do Departamento de Educação passou a ser DEDU.
247
Dois destes professores têm dupla matrícula (uma de 40 horas e outra de 20 horas), tendo transferido a
segunda matrícula de outra Unidade da UERJ, no caso, o Instituto de Biologia e o Colégio de Aplicação,
para a FFP. Outro professor que pertencia ao corpo docente da FFP antes da incorporação estava cedido ao
Colégio de Aplicação e retornou em 2000.
129
mestrando
248
. Do restante, cinco são mestres; sete são doutorandos
249
e seis o doutores.
Quanto à área de formação inicial, um é Engenheiro Químico e um é Físico, sendo todos os
demais formados em Ciências Biológicas, habilitados apenas no Bacharelado, apenas na
Licenciatura ou em ambos. Com relação à formação na Pós-Graduação, entre os biólogos,
apenas quatro têm Mestrado em Educação, tendo dois deles ingressado no início de 2006,
através de concurso para a área de Ensino de Ciências/Biologia. É interessante destacar que
um professor, que possui Mestrado em Zoologia, atualmente, faz seu doutorado em
Educação.
Assim, no corpo docente atual do DCIEN, 25% dos professores têm relação com a
área de Educação. Concursos específicos para a área de “Ensino de” têm sido realizados
por todos os Departamentos Específicos após a transferência da disciplina Prática de
Ensino para estes. Podemos considerar que isto trouxe um uma reconfiguração interna à
estes departamentos, que passam a constituir-se também com especificidades próprias à
formação docente. Cabe destacar que o DEDU nunca havia realizado concurso para as
disciplinas de Prática de Ensino de disciplinas específicas. Este é um aspecto que merece
atenção. A convivência de professores, com formação específica em diversas áreas da
Biologia e com formação em Educação dentro de cada Departamento, traz a tensão entre a
formação para a pesquisa e a formação para a docência, para o interior dos Departamentos,
pois acaba “forçando” as discussões sobre o caráter da formação. Dessa forma, se existia
uma tensão latente, principalmente entre a visão do DEDU e dos Departamentos
específicos - o que de certa forma assemelhava-se ao que mencionou o professor César ao
se referir à antiga Faculdade de Filosofia da UFF - a partir do preenchimento das vagas
docentes para a área de “Ensino de”
250
a tensão se expressa intensamente, atingindo não
as relações entre o DEDU e os demais Departamentos, mas o interior de cada um deles.
Assim, no Curso em estudo, seja em conversas informais, seja em reuniões formais do
Departamento, a questão da formação para a pesquisa em Biologia e a formação para o
magistério estão sempre em pauta, algumas vezes de forma mais harmônica, em outras, na
forma de disputa
251
, mas se constituindo sempre como dois horizontes concretos de
248
São os dois professores que constavam na relação de docentes em 1990, que pertenciam ao quadro
docente da FFP antes da incorporação.
249
Dois deles concluem o doutorado ainda este ano.
250
Para atuar com as disciplinas Metodologia de Ensino e Prática de Ensino nas Licenciaturas e as
disciplinas das áreas específicas no curso de Pedagogia.
251
Um exemplo desta disputa é a escolha das áreas para realização de concursos docentes. O primeiro
concurso para a área de Ensino de Ciências ocorreu em 1997, tendo, no mesmo período ingressado no
DCIEN mais três professores de áreas específicas. Depois disso, ingressaram no Departamento mais oito
professores e só em 2006, foram abertas mais duas vagas para a área de Ensino. Há ainda um outro concurso
130
formação. Este fato vai trazer elementos diferenciados para o desenvolvimento das
disciplinas específicas de Biologia, conforme discutiremos mais a diante.
A chegada deste novo e variado contingente de professores e, principalmente, com
a sua qualificação, vai fazer emergir a tensão que também estava latente enquanto a FFP
era uma faculdade isolada, uma vez que estes professores trazem consigo as marcas da
cultura universitária obtida em seus processos formativos. Com isto, aumentam as
exigências materiais e acadêmicas: solicitação de licença para qualificação dos professores
que ainda não são doutores; bolsas acadêmicas para orientação de estudantes; aumento da
produção científica do corpo docente e conseqüente diminuição do número de aulas na
graduação; gabinetes de trabalho; laboratórios; computadores e todo tipo de equipamento
necessário às pesquisas nas suas áreas de formação. Estas exigências geram um conflito
252
com a Administração Central da Universidade que, por muito tempo, insistiu em vê-la
como uma espécie de Instituto Superior de Educação”, sem necessidade de desenvolver
pesquisas, principalmente nas áreas “duras”, o que se torna conveniente em um momento
de crise de recursos pelo qual passam as universidades públicas, em geral, e a UERJ, em
particular
253
.
Ao mesmo tempo, os estudantes também não se “conformam” mais com a mera
formação profissional para o magistério. Se no período anterior à UERJ este era o horizonte
possível e desejado pela maioria dos estudantes
254
, agora não o é mais. Os estudantes
começam a “invadiros laboratórios do Instituto de Biologia do Campus Maracanã e de
outras Instituições, como a FIOCRUZ e a UFRJ, a fim de conseguir estágios que lhes
docente para ser aberto também em área específica de Biologia. Fonte: Documento “Reformulação
Curricular do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas” encaminhado ao Conselho Superior de Ensino
e Pesquisa (CSEP) da UERJ, em 2005.
252
É também um dado relevante para entender os conflitos entre a FFP e a Administração da UERJ o fato de
que o crescimento quantitativo da FFP, em termos docentes e discentes, transformou-a em uma Unidade com
grande peso eleitoral, passando a adquirir uma crescente importância dentro da Universidade. Além disso, a
comunidade da FFP soube explorar as contradições entre um discurso de interiorização da Universidade e a
falta de investimentos nas Unidades externas. Para a FFP estes dois aspectos se constituíram em argumentos
fundamentais utilizados em todas as disputas que ocorrem com a Administração Central. Cabe ainda
ressaltar, que os processos eleitorais na UERJ, diferente do que ocorre em outras universidades públicas é
muito disputado, uma vez que não a elaboração de lista tríplice, sendo o eleito, obrigatoriamente
empossado pelo governo estadual, conforme determina a Constituição Estadual.
253
Durante nossa experiência como Sub-Chefe do DCIEN, ouvimos este argumento em diversas reuniões
com setores da Administração Central. Este fato tamm foi mencionado pelo professor Cristiano,
comentando a dificuldade que a Diretoria Jurídica da Universidade teve em aceitar a assinatura de um
convênio entre a FFP e a Prefeitura de São Gonçalo, referente ao desenvolvimento de projetos ambientais
em uma Área de Proteção Ambiental do município. Segundo ele, o parecer jurídico mencionava que a FFP
não tinha professores capacitados a realizar tais atividades.
254
Os depoimentos de alguns professores mais antigos da FFP demonstram que mesmo antes da
incorporação havia estudante que não desejava se tornar professor. Isto também era o que pensava a
estudante entrevistada – Áurea.
131
aproximem da formação para a pesquisa e que lhes abram as portas para a pós-graduação.
Isto significa que, com a “universitarização” da FFP, o seu curso de Ciências Biológicas
deixa de formar exclusivamente o professor de Biologia, em uma perspectiva mais
profissional para o magistério, passando a formar também o biólogo, em uma perspectiva
mais acadêmica, mesmo não conferindo o título de bacharel.
Nossos depoentes nos dão uma visão bastante rica de como a FFP foi se
transformando ao longo destes anos. Alexandre nos conta que a situação era tão precária
quando ingressou no curso que muitos dos estudantes daquele período escondiam o fato de
estudarem em São Gonçalo, por se sentirem inferiorizados. Em alguns casos, conseguiam
transferência para o Instituto de Biologia, na UERJ/Maracanã. Expressando o pensamento
dos estudantes na época, Alexandre disse: Porque estou em São Gonçalo e parece que
estou na extensão da escola, e se eu estivesse no Rio, estaria em uma Universidade de
verdade. Isto justificava a busca de transferência para o Campus Central. A isto se associa a
mudança do perfil dos estudantes da FFP que passa a ter um aumento do número de
estudantes oriundos do Rio de Janeiro, a partir da realização do vestibular unificado com a
UERJ. Segundo Alexandre, em sua turma, apenas ele e uma colega, moravam em São
Gonçalo. Assim, completou: a gente ouvia falar [da UERJ/Maracanã] por conta dos
outros alunos que vinham do Rio [já faziam estágio na UERJ/Maracanã]. Tinha gente que
estudava em São Gonçalo e mentia p’ros amigos que estudava no Rio. Ninguém queria
dizer que estudava em São Gonçalo porque era demérito! E completa, justificando a sua
ida para o estágio na UERJ/Maracanã: Lá, sim, eu vi um laboratório: fluxo laminar,
pessoas de jaleco, aquele imaginário todo que eu tinha de universidade, de cientista...
Quando comentamos com a professora Edna sobre o depoimento de Alexandre, ela
disse: mas a faculdade já teve laboratórios, os alunos não precisariam nem invejar.
Professor Edna está se referindo aos primeiros momentos da FFP, quando existia material
para as aulas práticas, conforme foi também apontado por Áurea e pelos demais
professores do DEN daquela época por nós entrevistados. Alexandre se refere a um outro
universo. O universo de uma universidade que além de oferecer aulas, possui laboratórios
de pesquisa, equipamentos sofisticados, pessoas trabalhando de jaleco etc.
No depoimento de Alexandre, podemos identificar as estratégias usadas pelos
estudantes para reconstruir e, em alguns sentidos, também construir - a materialidade da
FFP, particularmente, no curso de Ciências Biológicas no contexto de uma universidade
pública e não mais de uma faculdade isolada. Dentre estas estratégias, os estudantes
montaram o Centro Acadêmico (CA), realizaram “Semanas de Biologia”, buscaram junto
132
aos professores e editoras livros para a Biblioteca e chegaram a organizar uma biblioteca
no CA. Segundo Alexandre, a visão dos estudantes de Ciências Biológicas era bem
diferente da dos outros CAs:
A gente não estava preocupado com a política do governo ou do Reitor, quer
dizer, do Reitor, até por tabela, mas a gente estava focado na questão da
Biologia; a gente queria melhorar o curso, queria fazer uma Semana de Biologia
legal; queria que aquilo ali melhorasse. Várias sugestões de livros que
chegavam para a biblioteca, quando não tinha nada, a gente foi buscar.
Perguntava aos professores o que ele achava dos livros: “Olha, o que o senhor
acha? Quer botar na bibliografia?”
Ao conversarmos sobre os livros que conseguiam, afirmou que muitos não iam para
a Biblioteca da FFP e sim para a biblioteca montada no CA. Este fato foi justificado por ele
em dois sentidos: por medo de sumirem na biblioteca Ali devia ter tido alguma coisa
antes, não tinha nada de Biologia. A gente tinha medo que sumisse e pelo que ele
chamou de ego: Esse aqui eu que consegui; aquele lá, não, eu não sei quem conseguiu,
mas esse aqui fui eu. Questionado se isto não representava uma visão fragmentada da FFP,
ele disse que isto era motivo de crítica por parte dos estudantes dos outros cursos, mas que
os estudantes do curso de Ciências Biológicas pensavam assim: Eles que briguem pelos
deles e a gente briga pelos nossos, e todos vamos brigar pela Faculdade. Ou seja, para
estes estudantes, a soma da luta pela melhoria das partes (cada curso isoladamente) teria
como resultado a melhoria do todo (a Faculdade). Esta visão fragmentada da FFP pode ser
vista nas entrevistas como algo que se constituiu durante muito tempo como uma
característica tanto dos estudantes, quanto dos professores do DCIEN, indicando a
dificuldade de convivência, em um mesmo espaço, de campos disciplinares tão
diferenciados que disputam espaço cotidianamente. Isto nos remete ao que ocorreu na
Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, e que, junto com outros
fatores, resultou na sua fragmentação no final da década de 1960, como exploramos no
Capítulo II.
No entanto, esta dificuldade de convivência se transformou em desafio para alguns
professores e, como veremos mais adiante, passou a ser muito valorizada pelos estudantes.
Isto se deu, porque ao longo do tempo, uma grande parte dos estudantes de Ciências
Biológicas e professores do DCIEN foi se envolvendo cada vez mais com as atividades
mais gerais da FFP. Um indício disto é que, atualmente, o cargo de Diretor da Unidade é
ocupado por um professor deste Departamento e o cargo de Coordenador do Núcleo de
Extensão também foi, durante bastante tempo, ocupado por um de seus professores. Porém,
133
este envolvimento pode ser visto como uma ão mais individual do que departamental.
Isto é o que pensa o professor Cristiano. Professor Caio considera que o DCIEN é um
departamento atuante e propositivo e tem contribuído bastante com as discussões políticas
e acadêmicas da Unidade, mas ainda não é um dos mais ativos. Professor Carlos, ao
considerar que o DCIEN é um dos Departamentos mais atuantes, exemplifica esta atuação
com o grande número de bolsas acadêmicas que este recebe por meio de projetos
desenvolvidos por seus professores
255
. Apesar de considerarmos que este sucesso seja um
critério relevante, não caracteriza, propriamente, um envolvimento com a Unidade, mas,
uma vez mais, com o curso, cuja responsabilidade pertence ao DCIEN. De todo modo a
participação atual dos professores do DCIEN nas atividades político-acadêmicas da FFP
é bem maior do que em outros momentos. Os professores mais antigos entrevistados
mostraram-se muito mais envolvidos com o seu próprio trabalho ou com o Departamento,
sem demonstrar uma visão mais articulada da Unidade, traduzida em uma ação política. A
professora Carmem, por exemplo, quando perguntada sobre sua participação nos processos
de mudança curricular, no período em que trabalhou na FFP, entre 1976 e 1984, afirmou
que não teve participação e completou: Nós, biólogos, não somos muito chegados a estas
discussões. Sua fala parece traduzir uma certa cultura dos biólogos, tacitamente
reconhecidos como avessos a discussões e polêmicas e mais centrados em seu trabalho
técnico.
Voltando à questão da carência material do curso, dentre os estudantes
entrevistados, aquele que mais veementemente a destacou foi Álvaro, estudante que
desejava seguir a carreira de médico. Ele declarou:
No primeiro período foi difícil aceitar fazer Biologia, porque estava muito preso
à Medicina. Eu queria fazer Medicina. E também uma outra coisa que me
decepcionou, que me impactou, do que eu vi assim, foi a falta de estrutura. Falei:
caramba! A faculdade não tem infra-estrutura, não tem microscópio, não tem...
ah, caramba, onde eu me enfiei!
A precariedade das condições físicas de um dos prédios foi destacada pelo professor
Caio, o mais antigo dos entrevistados dentre os atuais professores do DCIEN
256
:
255
O DCIEN e o DGEO são os Departamentos da FFP com maior número de bolsas acadêmicas internas à
UERJ, no período 2005/2006, totalizando 40 bolsas cada um. Fonte: Documento “Diagnóstico da FFP”,
produzido em 2006 pela Direção da Unidade, para apresentação à Comissão Permanente de Avaliação
CPA, da UERJ.
256
Seu ingresso na FFP se deu em 1997.
134
Eu passei por esse período de trauma inicial, quando comecei a trabalhar aqui,
com as condições que a gente tinha, as condições físicas, assim... Eu dava aula
naquela sala famigerada, sala 64, lá de trás, que tinha uma coisa colada na
parede que eu não posso dizer que era um quadro negro, né, que era cheio de
bolotas, imperfeições, sei o que. Um chão de cimento e parede de tijolo. Os
porcos e as cabras que entravam no meio da aula, então, aquilo me traumatizou
um pouco, assim, no início, de eu ver como é que estava sendo precarizado o
ensino superior.
A estrutura física foi mudando bastante a partir do ingresso deste professor e não
impactou tão fortemente os professores que vieram depois
257
, mesmo com a falta de
equipamentos. Como vemos, o professor Carlos, que ingressou em 2000, teve outra
impressão: achei as instalações relativamente boas, lógico, que com todas as dificuldades
de equipamentos... Eu tive boas impressões. Apesar de... Porque a primeira coisa que se
fala é, São Gonçalo, a primeira coisa que se pensa é a localização, o que você vai
encontrar, mas me surpreendeu, o local e tudo.
O impacto vivenciado por Álvaro, parecido com o que viveu Alexandre nos anos
1990, e confirmado pelo professor Caio, aparentemente não foi tão forte para os demais
estudantes entrevistados. Talvez seja porque alguns equipamentos foram adquiridos no
decorrer do tempo em que passaram na graduação ou ainda porque esta carência de
recursos foi suprida pela vivência em laboratórios de outras Instituições. Isto significa que
os estudantes, ao longo do curso, foram (e, segundo nossa observação cotidiana, ainda vão)
buscando construir trajetórias de formação alternativas que acabam suprindo o que a
Faculdade de Formação de Professores não pode oferecer, principalmente em termos
materiais. Não se pode deixar de considerar que estas trajetórias alternativas são muito
facilitadas pelo fato da FFP fazer parte de uma universidade pública, o que mais
facilmente, “abre portas” para seus estudantes. Por nossa vivência como professora desta
instituição, podemos inferir que colabora também neste processo o fato de os estudantes
terem todas as manhãs livres e, à semelhança dos entrevistados, terem muito interesse
nestes estágios, em função da fragilidade das condições da FFP.
Além das estratégias utilizadas para conquistar alguns recursos materiais e o
reconhecimento do curso, havia também, segundo Alexandre, uma outra estratégia utilizada
para amenizar a carência de professores e o fato de os poucos docentes existentes
257
Isto se deveu ao fato de que os três laboratórios específicos para aulas práticas do curso de Ciências
Biológicas foram reformados em 1998 e o prédio a que se refere o Professor Caio (o Bloco B) também foi
totalmente remodelado após uma interdição, por risco de desabamento, e muita pressão do movimento
estudantil, em 1999. Estes fatos foram acompanhados diretamente por nós, como professora da instituição e
confirmados pelo atual Diretor da FFP, a quem nos dirigimos para nos certificarmos.
135
ministrarem aulas em diferentes áreas e disciplinas. Segundo ele, os estudantes procuravam
ir cursando as disciplinas priorizando aquelas ministradas por professores especialistas.
Iam, assim, “pulando” as que eram oferecidas por professores não especialistas, esperando
que um fosse contratado. Mas não esperavam! Pressionavam para que a universidade os
contratasse. E, neste aspecto, mais uma vez, a comparação com a UERJ/Maracanã era
inevitável. Alexandre nos conta como o DCIEN conseguiu um concurso para a área de
Microbiologia: era um pedido nosso, a gente via que no Maracanã tinha Microbiologia e
nós não tínhamos [...] a gente ficava insistindo mesmo! Com a pressão exercida pelos
estudantes, o concurso foi realizado, com duas vagas. Como não havia a disciplina no
currículo, o concurso foi feito para Ciências Biológicas (sem especificação da área), mas o
programa foi basicamente voltado para Microbiologia e Imunologia. Contou ele: Ela, [a
Professor Cíntia – Chefe de Departamento na época] explicou p’ra gente que o caminho da
criação da disciplina era fazer uma disciplina eletiva e [que] depois passaria para a grade
[curricular obrigatória], e a gente queria fazer Microbiologia e ficamos fazendo pressão
pra que ela conseguisse. E foi exatamente assim que aconteceu
258
.
O professor Cristiano, que trabalhou como professor substituto em 1996 e 1997,
confirma a fala de Alexandre sobre a carência de professores: Às vezes, os alunos passavam
períodos e mais períodos com o mesmo professor. O mesmo professor que dava Zoologia,
que dava Botânica, que dava... Eles vendo as mesmas “figuras” [professores] todo o
semestre, às vezes mais de uma vez dentro de um semestre... Todas as partes de Botânica
eram dadas por um único professor. Cristiano se referiu também à estrutura precária dos
laboratórios e equipamentos, mas como estava muito encantado por se encontrar atuando
na Faculdade e pela relação muito próxima que estabeleceu com os estudantes da época,
este fato não o impactou tanto.
Alexandre também nos contou como a entrada da primeira professora de Botânica,
via concurso público, começou a mudar o perfil do DCIEN, até então, apenas voltado para
as atividades de ensino. As atividades de Extensão eram muito incipientes e, as de
Pesquisa, inexistentes. Foi esta professora, que ingressou em 1994, quem criou o primeiro
projeto articulando estas duas vertentes da vida universitária. Tratava-se de um projeto de
258
É interessante registrar que os dois professores aprovados no concurso, em conversas informais no
DCIEN, diziam que nunca entenderam porque a universidade realizou um concurso para uma disciplina
inexistente. Como não existia a disciplina, tiveram que lecionar em outras a que a disciplina
“Microbiologia e Imunologia” fosse criada como Eletiva. Como eram dois professores, criaram também
outra Eletiva: Princípios de Biotecnologia. Mesmo assim, continuam lecionando outras disciplinas com que
têm afinidade, para completar a carga horária exigida pela universidade em atividades docentes. Na reforma
curricular, que passou a vigorar no 1
o
semestre de 2006, finalmente, a disciplina Microbiologia e Imunologia
passou a compor a grade de disciplinas obrigatórias, satisfazendo o desejo daqueles e de outros estudantes.
136
levantamento da flora da Serra da Tiririca, uma área de preservação ambiental, localizada
em Niterói, cidade vizinha a São Gonçalo. Associada a este projeto, a professora deu início
à implantação do Herbário da FFP, conseguindo, por meio destes dois projetos, várias
bolsas acadêmicas para os estudantes do curso, possibilitando assim a realização de
estágios extracurriculares na própria FFP. A partir de então, outros professores foram sendo
incorporados ao Departamento e, após o impacto inicial da falta de condições de trabalho,
alguns deles foram procurando, também como os estudantes, trajetórias de pesquisa
alternativas à sua formação de pesquisador
259
. Este foi o caso desta professora de Botânica,
mencionada por Alexandre, cuja formação no Mestrado foi em Biofísica, mais
especificamente, em Fisiologia Vegetal, área com muito mais dificuldade de ser
desenvolvida na FFP, por necessitar de recursos mais onerosos. Outros professores
seguiram o mesmo caminho, como foi o caso do professor Caio, entrevistado por nós. Ele
nos contou como abandonou a “Biologia dura”, no caso a Biologia Molecular de
Leveduras, para se inserir em uma área ligada à Conservação Ambiental, que hoje é tema
de sua tese de Doutorado. Segundo ele, isto tem um lado de característica pessoal e outro
da influência do que viveu na FFP principalmente ao assumir a Chefia do DCIEN, o que o
obrigou a conviver mais diretamente com os professores de outros Departamentos. Nas
palavras dele:
Eu costumo me enquadrar. Se eu fosse zoólogo, eu estaria discutindo Zoologia
pesado, mas o fato de eu ter assumido a Chefia mudou minha cabeça com
relação a isso, de respeitar, de ver que têm várias opiniões sobre um mesmo
assunto e tentar chegar a uma ntese de tudo isso. Eu acho que me identifico
mais com isso mesmo: o contato interpessoal, porque daí tem uma coisa da
Instituição, mas tem uma coisa pessoal também, né? Por isso que algumas
pessoas não mudam e algumas mudam.
Desta forma, avalia a formação que teve no Mestrado, como útil para seu ingresso
como professor da Universidade:
Ao longo do tempo (também não é uma coisa pontual, é um processo de oito
anos agora, né), eu mudei a maneira de enxergar a Biologia em si. Hoje eu estou
trabalhando com Conservação e mais até com a parte de Humanas, Ciências
Sociais e não tanto com a Biologia em si. E eu acho que quem contribuiu para
que eu mudasse minha visão foi a FFP.
259
Pela nossa observação pessoal, podemos constatar que isto não se deu, obviamente, com todos os
professores. Alguns são mais resistentes à mudança e ainda não conseguiram desenvolver atividades de
pesquisa compatíveis com a estrutura da FFP. Esta observação também foi realizada pelo professor Caio, na
fala transcrita logo abaixo.
137
A mudança do perfil do corpo docente do DCIEN também fez com que a tensão
entre a pesquisa biológica e a docência
260
que se estabelecia, após a incorporação, entre os
dois Campi, começasse a invadir o próprio espaço da FFP. Adequar-se às condições que ela
tem no momento e continuar a luta pela melhoria destas condições são estratégias sempre
presentes entre professores e estudantes.
Se for adequado afirmar que o curso amadureceu e se ampliou significativamente
ao longo do tempo
261
, o mesmo não se pode dizer da estrutura material e acadêmica para a
pesquisa. Existem atualmente na FFP apenas dois espaços específicos para este tipo de
atividade: o Herbário
262
e um laboratório voltado, principalmente, para pesquisa na área de
Análises Microbiológicas
263
. Todas as demais atividades de pesquisa, tanto em qualquer
outra área específica da Biologia, quanto em Ensino, são desenvolvidas em espaços
coletivos, geralmente fora dos turnos nos quais ocorrem aulas regulares da graduação, caso
necessitem usar os demais laboratórios existentes. Com relação às atividades de graduação,
as condições para o desenvolvimento de aulas práticas se ampliaram muito gradativamente.
V.3 – A Mudança Curricular Realizada no Período Pós-UERJ
Além das mudanças estruturais, a incorporação da FFP à UERJ acarretou um novo
processo de reforma curricular, cujo currículo entrou em vigor em 1991
264
e, a partir do
primeiro semestre de 2006, entrou em fase de extinção, como conseqüência das Diretrizes
Curriculares para a Formação de Professores, aprovadas em 2001
265
. Nesta reforma de
260
Nos primeiros anos após a incorporação, a formação para a docência, para diversos estudantes, se reduzia
à obtenção do diploma de licenciado.
261
Poderíamos tomar vários parâmetros para avalizar este amadurecimento: titulação dos professores, o
número de bolsas acadêmicas oferecidas aos estudantes (Iniciação Científica, Estágio Interno
Complementar, Iniciação à Docência, Monitoria e Extensão), os resultados do Exame Nacional de Curso, a
aprovação dos estudantes em concursos públicos para o magistério e em cursos de pós-graduação etc.
262
Espaço onde são preparadas e armazenadas amostras de plantas coletadas em diversas regiões nas quais
são desenvolvidos projetos de pesquisa na área de botânica.
263
Este laboratório conta com equipamentos apropriados para os trabalhos desenvolvidos e com o apoio de
uma bióloga efetiva da UERJ, além de vários estagiários.
264
Este currículo sofreu algumas modificações durante seu período de vigência que serão explicitadas mais a
diante.
265
Parecer CNE/CP Nº 009/2001, de 8 de maio de 2001.
138
1991, o Curso de Ciências Biológicas
266
passou a ter identidade própria, ou seja, deixou de
ser um curso de Licenciatura em Ciências, com habilitações em Biologia e Matemática,
para se tornar um Curso de Ciências Biológicas, com habilitação em Licenciatura. A
organização das disciplinas pedagógicas manteve-se a mesma, porém com diminuição da
carga horária de algumas delas. Nos anos 1990, seus cursos são todos de Licenciatura
Plena, organizados de maneira independente, porém, mantendo uma base pedagógica
comum. No caso em estudo houve uma considerável redução do número de disciplinas a
serem cursadas por período.
Estudos dos Problemas Brasileiros foi retirado do currículo; Educação Física foi
reduzida para duas disciplinas, no primeiro e segundo períodos dos cursos; ngua
Portuguesa e Cultura Brasileira passaram a constar apenas como disciplinas eletivas.
Quanto às eletivas, os estudantes passaram a ter que cursar um total de 150 horas podendo
optar, dentre um elenco de disciplinas, tanto específicas, quanto pedagógicas, além das
duas citadas acima. Houve uma redução da carga horária total do curso que passou,
inicialmente, a ter 3.105 horas.
A tabela IX apresenta a distribuição das disciplinas pedagógicas no decorrer do
novo curso.
Tabela IX: Distribuição das Disciplinas Pedagógicas (1990-2005)
PERÍODO
LETIVO
DISCIPLINA
CARGA
HORÁRIA
Psicologia da Educação I 60
Filosofia da Educação I 45
Psicologia da Educação II 45
Filosofia da Educação II 45
2
o
Sociologia da Educação 30
3
o
Didática I 45
Estrut. e Funcion. de Ensino de 1
o
e 2
o
Grau 60 4
o
Didática II 45
5
o
Metodologia do Ensino de Ciências (1
o
Grau) 45
Metodologia do Ensino de Biologia (2
o
Grau) 45
Prática Pedagógica I 30
6
o
Prática de Ensino I 60
Prática Pedagógica II 60 7
o
Prática de Ensino II 60
8
o
Prática de Ensino III 60
TOTAL
735
FONTE: Arquivo do Departamento de Ciências da FFP/UERJ.
266
A grade curricular deste período encontra-se no Anexo VIII.
139
Neste currículo, podemos verificar que houve uma diminuição na carga horária das
disciplinas pedagógicas. Como o curso também perdeu 570 horas (aproximadamente 15%),
as disciplinas pedagógicas mantiveram-se ocupando aproximadamente um quarto (1/4) da
carga horária total. A diminuição, no entanto, não afetou todo o campo pedagógico
linearmente: Prática Pedagógica, o componente curricular que mais perdeu horas devido
aos problemas discutidos anteriormente, passou de oito para duas disciplinas. Houve
também diminuição nas cargas horárias de Psicologia, Didática e Estrutura e
Funcionamento do Ensino. Por outro lado, houve aumento das cargas horárias de Filosofia,
Metodologia de Ensino e Prática de Ensino. Cabe destacar ainda, que Metodologia de
Ensino passou a fazer parte do elenco de matérias sob a responsabilidade do Departamento
de Ciências e não mais do Departamento de Educação
267
. Este componente curricular,
dividido em duas disciplinas Metodologia do Ensino de Ciências no 1
o
Grau e
Metodologia do Ensino de Biologia no 2
o
Grau – além da disciplina eletiva Instrumentação
para o Ensino, reflete a forte influência do movimento de renovação do ensino de ciências
das décadas de 1960 e 1970, pelo que pudemos perceber da análise da bibliografia presente
nas Ementas, onde é marcante a presença dos livros de autoria dos professores Ayrton
Gonçalves da Silva, Newton Dias dos Santos e Oswaldo Frota-Pessoa.
No que diz respeito à Prática Pedagógica, a solução encontrada pelo DEDU, ao
diminuí-la para apenas duas disciplinas, foi obrigar os estudantes a cursarem-nas
consecutivamente e com o mesmo professor, ficando a PP I para a elaboração de um
projeto e a PP II, para a sua execução. Esta solução também não proporcionou o resultado
esperado porque, devido ao sistema de créditos e a informatização da inscrição em
disciplinas, muitas vezes os estudantes não conseguiam vaga na PP II na turma do mesmo
professor com quem haviam cursado a PP I. Isto acarretava um grande atraso na conclusão
dos cursos e o DEDU acabou por abrir mão desta exigência.
267
Esta mesma transferência ocorreu para os demais Departamentos específicos que passaram a
responsabilizar-se pela Metodologia de Ensino correspondente ao curso sob sua responsabilidade. Esta
matéria surgiu no currículo anterior em substituição à Instrumentação para o Ensino. Como havia uma
discussão anterior que indicava uma partilha da Instrumentação para o Ensino entre o DEDU e os
Departamentos específicos, deduzimos que a pressão destes últimos aumentou após a incorporação à UERJ,
até mesmo porque, passar uma disciplina para outro Departamento implica em aumento da carga horária do
Departamento que a recebe e, conseqüentemente, maior chance de conquistar vagas docentes, ao demonstrar
carência de professores. Isto também se justifica pelo fato de que professores dos Departamentos específicos
vinham assumindo estas aulas o que acabava por prejudicar o Departamento na negociação de carga
horária com a UERJ.
140
Duas alterações foram feitas neste currículo depois de sua implantação: a retirada da
obrigatoriedade de Educação Física, que passou a fazer parte do elenco de disciplinas
eletivas e a ampliação da carga horária de Prática de Ensino para 300 horas, por força de
exigência legal
268
. Neste processo de ampliação houve também a transferência da
responsabilidade por parte desta carga horária para os Departamentos específicos, após
intensas negociações internas. Cabe ressaltar que a pressão para que esta transferência
ocorresse começou a ser registrada em Ata de Reunião do DEDU, em 1991
269
.
Com estas mudanças, a componente curricular Prática de Ensino passou a ser assim
distribuído: Prática de Ensino I, com 90 horas, sob a responsabilidade do Departamento de
Educação; Prática de Ensino II e Prática de Ensino III, com 105 horas cada uma, sob a
responsabilidade dos departamentos específicos, no caso em estudo, o Departamento de
Ciências
270
. Manteve-se, entretanto, a mesma lógica anterior, ou seja, a primeira disciplina
voltada para o contato e o conhecimento da realidade escolar de forma mais ampla; a
segunda disciplina voltada para o desenvolvimento de atividades no ensino fundamental e a
terceira para o desenvolvimento de atividades no ensino médio. Desta forma, então, a carga
horária total do curso passou a ser de 3.165 horas e a parte pedagógica, de 855 horas,
correspondendo a 27% do total do curso. Como não constam mais do conjunto de
disciplinas obrigatórias aquelas que não são nem específicas, nem pedagógicas (Educação
Física, EPB, Cultura Brasileira e Língua Portuguesa) a parte específica do curso sofreu um
aumento percentual, se comparado com o currículo anterior, passando de 61 para 68%,
mesmo diminuindo um pouco a carga horária, ficando com 2.160 horas. O conjunto de
disciplinas eletivas, por possuir tanto disciplinas específicas, quanto pedagógicas, está
excluído deste cálculo. Como este conjunto corresponde a 150 horas representa 5% da
carga horária do curso.
A disputa para assumir as disciplinas voltadas para a área de Ensino demonstra o
conflito de interesses entre os Departamentos específicos e o de Educação. Podemos
considerar que os Departamentos específicos se sentiam prejudicados por oferecerem
professores para cobrir disciplinas que não lhes pertenciam e, não necessariamente, se
preocupavam com o teor e a importância da disciplina em si para a formação dos
268
Lei 9.394/96, de 20/12/96, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
269
A explicação para este fato pode ser considerada a mesma para a transferência que ocorreu com a
Metodologia de Ensino.
270
A transferência da Prática de Ensino específica da Faculdade de Educação para as respectivas
Unidades/Departamentos ocorreu em todos os cursos de Licenciatura da UERJ.
141
estudantes
271
. Por outro lado, o DEDU relutou ao máximo em ceder as disciplinas, mas
também não investia na utilização de carga horária para concursos nestas áreas. Isto
demonstra como o jogo de força e de poder dentro de uma instituição influenciava, e ainda
influencia, as suas configurações curriculares em um dado período de tempo. Este exemplo
corrobora a concepção de currículo como uma construção social conforme defende
Goodson. Como discutimos anteriormente, este fato, que pode ser encarado apenas do
ponto de vista coorporativo e organizacional, acabou trazendo conseqüências de natureza
pedagógica para o interior dos Departamentos.
Manter esta estrutura curricular com as disciplinas do campo pedagógico
distribuídas ao longo do curso não foi fácil. Segundo a professora Elenita, a pressão da
UERJ para que os currículos fossem modificados radicalmente foi grande. Entretanto, a
característica da FFP de ser sempre um espaço de resistência, uma marca institucional
evidenciada pelos sujeitos desta pesquisa, fez com que não cedesse à pressão: Não
cedemos, brigamos. A Unidade era um grupo pequeno, que se articulou como um todo
para conseguir que nós tivéssemos esse currículo diferenciado, um currículo que
trabalhasse nessa perspectiva da formação de professores. Esta articulação era liderada
pelo DEDU, mas, apesar de os demais departamentos estarem mais voltados para a
formação específica, havia sempre algum professor, defensor da “bandeira” da formação de
professores e que tinha poder de liderança em seus departamentos, que conseguia
influenciar nas decisões. Também se construiu uma estratégia ao nível do discurso para
convencer os professores da necessidade de manter a identidade da FFP, ou seja, afirmava-
se que se os cursos da FFP se igualassem aos cursos da UERJ/Maracanã, não haveria
porque mantê-la. A preocupação com a manutenção da identidade na formação de
professores está expressa na Ata de Reunião do DEDU, de 12/07/1988, quando ainda se
iniciava a discussão do novo currículo. Nesta reunião, uma professora alertou aos membros
da comissão responsável pela reformulação, para que não deixassem que a identidade
original se perdesse. Com base nesta preocupação, o DEDU delibera pela elaboração de um
documento, que marque esta posição, a ser submetido aos representantes dos demais
departamentos
272
. A intenção era não deixar que o currículo da FFP fosse igualado ao
currículo das Licenciaturas da UERJ/Maracanã, que se caracterizava pelo tradicional
modelo “3+1”.
271
Este fato é semelhante ao que aconteceu com a Prática Pedagógica, que como pertencia ao
Departamento de Educação, os Departamentos específicos, muitas vezes, se recusavam a assumi-la,
conforme já discutimos.
272
Livro de Atas deste período, fl. 34.
142
Com relação à área específica houve uma redistribuição das disciplinas nos
diferentes períodos, diminuiu-se ainda mais a participação do campo da Matemática e da
área de Química e intensificou-se a perspectiva acadêmica nos conteúdos discriminados nas
Ementas, o que era bem marcante no currículo anterior. Com relação a este aspecto, no
entanto, mantêm-se uma certa perspectiva utilitária
273
na disciplina Biologia I, quando esta
apresenta como um dos tópicos do conteúdo Higiene e Saúde” e na disciplina Ecologia I,
porém apenas na apresentação do seu objetivo: Implantar hábitos de conscientização da
importância na preservação e manutenção do meio ambiente já que os conteúdos listados
são meramente acadêmicos. A novidade no currículo, que apresenta uma perspectiva mais
voltada para o universo escolar, é a disciplina Fundamentos de Saúde à Comunidade, que
tem como objetivo: Reconhecer a necessidade de utilização de comportamentos que levem
à preservação da saúde do homem e da comunidade, além de apresentar conteúdos
voltados para o universo escolar, mesmo constando da bibliografia um livro de
Parasitologia Médica. Outro aspecto que chama atenção na análise das Ementas é que, em
muitas delas, encontramos na bibliografia, livros destinados ao Ensino Médio, o que,
provavelmente, está mais ligado ao perfil dos estudantes e dos professores do curso naquele
momento, do que a uma intencionalidade em aproximá-los do universo da escola.
A distribuição da carga horária entre as áreas específicas do curso encontra-se na
Tabela X. Não estamos considerando neste cálculo as disciplinas eletivas.
Tabela X – Distribuição de Carga Horária entre as Áreas Específicas do Curso
de Ciências Biológicas (1990-2005)
FONTE: Arquivo do Departamento de
Ciências da FFP/UERJ
O que fizemos nesta seção é uma descrição dos elementos do currículo chamado
por Goodson (2003) de fase pré-ativa ou currículo escrito construído por aqueles poucos
273
Por perspectiva utilitária estamos nos referindo ao sentido atribuído por Goodson (1997 e 2003), ou seja,
aquela voltada mais diretamente para a vida cotidiana dos alunos.
ÁREAS CH
Biologia 1.725
Física 120
Química 60
Geologia 135
Matemática/Estatística
120
TOTAL NO CURSO
2.160
143
professores que compunham o corpo docente do DCIEN nos primeiros anos de
incorporação à UERJ. Apesar de na documentação encaminhada junto ao Processo de
Reconhecimento constar o nome de dois professores recém-concursados, todas as Ementas
foram preparadas antes disso, uma vez que todas foram datadas de 1990 e o novo currículo
passou a vigorar em 1991. É marcante o fato de que todas as Ementas das disciplinas
biológicas terem sido assinadas pelo mesmo professor.
Destacamos que entre os oito professores do DCIEN, três não eram biólogos (havia
um Físico, um Engenheiro Químico e um Geólogo). Dos cinco restantes, três tinham uma
forte tendência para a área de Zoologia
274
. Isto explica porque este currículo privilegiava
tanto esta área
275
. Com o ingresso de novos professores, os programas das disciplinas foram
atualizados, os livros didáticos de Ensino Médio foram aos poucos sendo abandonados
276
e
os conteúdos abordados tornaram-se ainda mais acadêmicos. Isto porque estes novos
professores ingressaram na FFP, ao menos, com o título de Mestre, tendo, portanto, uma
formação mais especializada para as disciplinas que lecionam. No entanto, novas
estratégias de aproximação com a escola foram inventadas. Trataremos desta questão nas
próximas seções deste Capítulo.
Cabe destacar ainda nesta seção que as disciplinas que sofreram maior modificação
foram Biologia I e Biologia II. Os programas originais destas disciplinas eram muito
confusos para os novos professores e acabavam se repetindo e constituindo-se em uma
revisão geral do conteúdo do Ensino Médio, o que também gerava insatisfação por parte
dos alunos. A proposta apresentada pelos professores novos para estas disciplinas consistiu
na transformação da primeira em uma espécie de Introdução à Filosofia da Ciência e à
História da Biologia. A segunda passou a ser organizada na forma de seminários
apresentados pelos próprios professores do DCIEN, alguns outros professores da FFP cuja
área de trabalho pudesse interessar aos alunos de Ciências Biológicas e ex-alunos que
274
Convivemos, como professora, no período compreendido entre 1997 e 2000, com estes três professores.
Uma tinha doutorado em Zoologia; outro tinha apenas Curso de Especialização em Metodologia do Ensino
Superior e o terceiro em Ensino de Ciências. No período em que a FFP ficou com poucos professores, os que
permaneceram, lecionavam em várias disciplinas de áreas diferentes. Com a incorporação à UERJ e as novas
contratações começou um processo de priorizar as áreas de preferência dos professores. Assim, no período
em que convivemos com estes professores, eles ministravam, prioritariamente, disciplinas de Zoologia,
sendo que o último citado, dividia sua carga horária entre esta disciplina e Metodologia e Prática de Ensino.
275
Este fato pode ser verificado na grade curricular do curso que se encontra no Anexo XV. Das 1.725 horas
da área de Biologia, 405 horas (23%) eram destinadas à Zoologia. Além disso, das seis disciplinas eletivas
que o DCIEN oferecia neste período, três delas também eram de Zoologia.
276
Conforme mencionamos, nas bibliografias que acompanhavam as ementas originais, diversos livros
didáticos estavam incluídos. A partir de 1997, no entanto, os programas correspondentes a estas ementas
foram atualizados e estes livros foram substituídos por livros acadêmicos.
144
estavam cursando ou haviam concluído a pós-graduação. Esta proposta tinha como objetivo
familiarizar os estudantes com as diferentes áreas da Biologia.
V.4 – A FFP e o Curso de Ciências Biológicas Visto por seus Estudantes e Professores
Nesta seção, abordaremos a visão que professores e estudantes têm sobre a FFP e,
particularmente, sobre o Curso de Ciências Biológicas. É nossa intenção compreender
como estes sujeitos vêm e vivenciam as tensões que estamos procurando analisar. Os
critérios de escolha e o perfil de todos os professores e estudantes entrevistados foram
apontados na seção 5.1 deste Capítulo.
Um aspecto que caracteriza a FFP e que foi destacado por todos os entrevistados,
embora com enfoques diferentes, é a convivência próxima entre as pessoas e as diferentes
áreas de conhecimento. O aspecto do relacionamento entre as pessoas foi comentado pelo
professor Cristiano: a gente sabe quem ‘tá limpando o banheiro, conhece e fala, sabe quem
‘tá guardando... sabe quem ’tá dando aula ali... Aqui as coisas são muito mais próximas, a
convivência, do que em outras universidades. [...] Você, às vezes, vai ali para tratar de um
assunto, encontra alguém, fala, conversa e tal.
Com um outro enfoque, professora Eleonora aborda o lado da convivência entre
áreas de conhecimento, caracterizando este aspecto como a nossa “riqueza” e a nossa
“ruína”. Em suas palavras:
Riqueza, no sentido que põe em contato pessoas com formação profissional e
pertencente a campos e espaços de discussão, que não estavam habituadas e não
tinham no seu horizonte a necessidade e a possibilidade daquela interlocução.
Então, eu acho que isso, por si, nos desorganiza nas nossas certezas e isso é
riqueza, né? Qualquer que seja... Você é obrigado a se esticar, a sair do lugar
que você estava de formulação e olhar as coisas em outras perspectivas, nunca
só em uma. É ruína, na medida em que a nossa história de compartimentalização
do conhecimento, das instituições, faz com que estar junto seja muito dolorido,
seja muito difícil. Acho também que é um ponto de tensão muito difícil, porque
não há uma adesão absoluta a esse estar junto.
O professor Carlos acha que esta convivência e integração entre os departamentos e
as próprias pessoas devem ter sido muito mais comuns cinco ou dez anos atrás.
Atualmente, devido ao crescimento da FFP, tanto em termos de corpo docente, quanto
discente, esta aproximação torna-se cada vez mais difícil. Este depoente considera que este
145
afastamento acaba sendo inevitável, a pelas próprias demandas também da
Universidade, que fazem você se isolar cada vez mais. Em sua avaliação, isto é ruim para a
Unidade, pois acaba por fortalecer só mesmo os grupos pequenos, os departamentos. Você
passa a ter os planejamentos departamentais e não [os] da Unidade. É preciso destacar
que a professora Eleonora destaca a possibilidade de mudança de olhar sobre os temas,
proporcionada pelo convívio com pessoas de áreas diferentes. Este argumento conflui para
o que foi apresentado pelo professor Caio
277
, quando nos contou da mudança na sua
atuação profissional, que se iniciou, principalmente, a partir do momento em que assumiu a
Chefia do DCIEN. Assim como Caio, Eleonora também é Chefe de Departamento.
Assumir esta posição implica mais diretamente em assumir esta perspectiva colocada por
ela, sendo mais tranqüilo para uns e mais conflituoso para outros. o professor Carlos
nunca assumiu funções administrativas ou que o obrigasse a ter mais contato com docentes
de outros Departamentos. Como sua área de pesquisa também é mais especializada dentro
da Biologia, além de questões de “temperamento pessoal”, estes elementos também ajudam
a entender a sua fala. Estamos querendo dizer com isto, que o espaço privilegiado de
convivência entre docentes de diferentes áreas do conhecimento passou a ser as instâncias
de discussão ou deliberação da FFP, como o Conselho Departamental
278
e a Comissão de
Licenciatura
279
. Para aqueles que não participam destas instâncias, a convivência, como
apontou o professor Carlos, se torna mais difícil.
Os estudantes, por sua vez, reconhecem e valorizam a aproximação entre
professores e estudantes como algo muito positivo e que ajuda a superar as deficiências
materiais do curso. Álvaro, logo após relatar a sua “decepção” com as condições da FFP,
complementa sua fala da seguinte forma:
Ao longo desse tempo, eu fui percebendo que essa falta de estrutura era
compensada por algumas outras coisas, algumas outras particularidades, que,
por exemplo, quando eu fazia estágio lá na UERJ/Maracanã eu não percebia lá,
que é justamente essa interação que o professor tem aqui com o aluno, que eu
277
Destacado por nós na seção 5.2.
278
O Conselho Departamental é o órgão máximo de deliberação em cada Unidade Acadêmica da UERJ. É
composto pela Direção da Unidade, pelas Chefias dos Departamentos, pela representação estudantil e pela
representação dos funcionários técnico-administrativos. No caso da FFP, como cada Departamento é de
uma área totalmente diferente da outra o que torna o Conselho Departamental também diferente de outras
Unidades nas quais os Departamentos são mais próximos é inevitável a convivência ao menos entre as
Chefias destes Departamentos.
279
A Comissão de Licenciatura, interna à FFP e de caráter permanente, constitui-se na Comissão de
Graduação, composta pelo Coordenador de Graduação da Unidade e representação de todos os
Departamentos (Coordenadores de Curso e Orientadores Acadêmicos). Nesta comissão discuti-se questões
que afetam a todos os cursos da Unidade.
146
acho que consegue suprir, muitas vezes, essa falta de estrutura. O professor está
sempre disposto a te esclarecer, te ajudar, até mesmo quando não é a disciplina
dele... [...], então, acho que essa coisa assim, ao longo do tempo foi me
cativando na universidade.
A fala de Alberto confirmou a de seu colega: Aqui não, as pessoas têm a visão um
pouco diferente, a questão da aproximação do professor e do aluno aqui na FFP, também
dá uma visão diferente de quem é o professor.
O depoimento da professora Érica, mesmo que se sinta “de fora”, uma vez que
pertence ao DEDU, confirma e também valoriza esta aproximação entre professores e
estudantes: Parece-me que todo mundo se conhece, é a impressão que eu tenho de fora.
Tem uma relação com os professores que é mais amigável do que nos outros cursos, [...]
eles são mais amigáveis com os professores, tratam pelo nome, não é uma coisa muito
distante.
Um outro lado desta aproximação que também é peculiar a FFP e que consideramos
muito importante para a formação docente, diz respeito ao convívio entre estudantes de
diferentes cursos. Este aspecto agregador foi valorizado em todos os depoimentos dos
estudantes. Aline destaca a troca de idéias na realização de um trabalho em uma disciplina
pedagógica:
A gente fazia vários trabalhos, então, a gente tinha que sentar, parar, conversar
e eram visões completamente diferentes, assim: tinha um que era da Geografia.
Um trabalho que eu fiz, foi até de [...] falando de álcool. Ai, a gente visitou o
A.A., assistiu às palestras, foi em vários lugares. Aí um era de Geografia, o outro
era de História, outro era de Português, eu era de Ciências; então, foi muito
bom. Cada um pegando seu lado assim, foi muito bom.
Augusto e Ana Luísa destacaram a diferença que reconheciam na forma de
expressão e na visão de mundo dos estudantes dos outros cursos. O primeiro estudante
falou: Eu gostava muito de ficar escutando quando os alunos de Geografia, nas aulas de
Educação, ficavam falando de política, os discursos que eles faziam, porque aquilo me
enriquecia, eu acho que a gente se enriquece muito.
E Ana Luísa completou:
Nas disciplinas de Educação a gente tem uma oportunidade maior, né, de fazer
[cursar as disciplinas] em outras turmas [se referindo a outros cursos]. Então, eu
fiz matéria com uma turma de História muito legal, porque eu vi as discussões
deles, obviamente vão ser voltadas pra outra coisa, né? Eu gosto muito do
147
pessoal de História e Geografia, porque eles sempre falam muito bem, né? Eu
fico assim “babando” com a empolgação deles pro discurso.
Alberto e Alexandre destacaram a convivência fora da sala de aula. A fala de
Alberto exemplifica este aspecto: Uma coisa que eu acho que tem na FFP, que é uma
integração dos cursos, você conversa com o pessoal da Geografia e você sai daqui vai pro
bar e comenta sobre o que ele está dando na escola
280
dele. Eu tinha um contato muito
grande com a Geografia, um pouco com Letras, com História, mais próximo com a
Geografia.
Procuramos saber dos professores como viam os estudantes de Ciências Biológicas
e as opiniões destoam parcialmente. Enquanto o professor Cristiano destaca que os
estudantes atuais têm mais pressa com relação à qualificação profissional especializada,
[...] têm muito mais essa coisa assim de, ah! Estágios! Mestrado! Doutorado! Tenho que
fazer minha especialização nisso, naquilo! Assim a gente isso hoje mais do que antes.
Outro aspecto que destaca diz respeito à disciplina que leciona que, segundo ele, os
estudantes trazem um ranço tão negativo [...] da Botânica que, para ele, o mais importante
é tentar sensibilizá-los para gostar da disciplina, mais do que fazê-los memorizar detalhes
do conteúdo. O professor Carlos destaca a carência geral dos estudantes que ingressam no
curso: carência de formação, cultural... [...] é difícil eles conseguirem se expor. Eles não
se expõem, não falam.
Ele afirma que há um grupo de estudantes muito “bons”, que avança
a partir das oportunidades que lhes são oferecidas, mas também um outro grupo muito
“fraco” e que avança pouco no decorrer do curso, tornando-se, nas palavras dele,
extremamente maléfico, pois recebe um diploma de professor. Se conseguirem atuar, não
serão bons profissionais e, se não conseguirem, a Faculdade está criando uma ilusão.
Apesar de o professor Carlos destacar este aspecto, quando perguntamos, quanto,
percentualmente, significaria este grupo de estudantes, ele afirmou que atualmente está em
menos de 10%. Dos três professores entrevistados, este é o que tem um perfil mais
identificado com um tipo de atividade acadêmica mais específica
281
, e talvez por isto, se
280
Esta referência à escola significa que muitos estudantes lecionam enquanto estão se graduando.
Exploraremos este aspecto mais à frente.
281
Isto não quer dizer que os outros dois não tenham um perfil acadêmico. Ao contrário, os dois são
doutorandos e um deles é bolsista do Programa de Incentivo à Produção Científica, Técnica e Artística
PROCIÊNCIA/UERJ/FAPERJ. O que queremos dizer é que esse professor desenvolve atividades
estritamente ligadas à Biologia no seu sentido mais “duro”, ou, melhor dizendo, de pesquisa básica,
enquanto os outros dois também desenvolvem atividades que envolvem aspectos mais humanos, como a
Etnobotânica, a Conservação e a Educação Ambiental.
148
impressione mais com as dificuldades dos estudantes. O professor Carlos também
reconhece a heterogeneidade do grupo, enfatizando que a precarização do ensino é geral,
principalmente em termos culturais, tanto no ensino público, quanto no privado. Porém, ele
afirma que aqueles estudantes que reconhecem as suas deficiências costumam ter muita
vontade de suplantá-las: Muitas vezes a gente percebe que o aluno tem a deficiência, ele
chega até você, ele identifica as mesmas deficiências, mas ele quer vencê-las. Ele chega
até você, ele pergunta o site, onde pode buscar; esse eu identifico como um bom aluno
também.
Os professores das matérias pedagógicas por s entrevistados, como atuam com
estudantes de todos os cursos trazem elementos diferentes que podem ajudar a entender o
perfil do estudante do curso de Ciências Biológicas. A fala da professora Érica é muito
interessante neste aspecto. Ela declarou que o perfil sócio-cultural dos estudantes de
Ciências Biológicas é um pouco melhor do que de outros cursos
282
e eles costumam ter um
melhor desempenho nas disciplinas que já lecionou:
Eu acho que tem uma diferença de classe; em desempenho acadêmico; são
turmas mais alegres do que os outros cursos, em relação à biologia. [...] Tem
uma coisa acelerada de reflexão do seu próprio curso; tem uma diferença muito
grande e eu acho que tem uma fertilidade de discutir, a curiosidade científica, a
alfabetização científica, essa coisa que eu acho que a escola tinha que ter mais
presente. [...] Eles [os alunos] ficaram motivados com a discussão mais geral da
ciência na escola, do conhecimento da criança, que passa pela origem social.
Em sua avaliação estas características se devem ao fato dos estudantes estarem
sempre com o professor e por terem atividades formativas muito variadas: eles têm funções
variadas, estão no laboratório, vão depois para o estágio, têm atividades variadas que
acabam dando, na formação deles, um resultado muito interessante. O depoimento da
professora Eleonora também reafirmou a avaliação da professora Érica.
As atividades variadas não estão relacionadas apenas aos estágios extracurriculares,
mas também a atividades desenvolvidas durante as próprias disciplinas de graduação, tais
como os trabalhos de campo e os mini-projetos de pesquisa, ensino e extensão. Ana Luísa
destacou algumas destas atividades pelas quais passou:
282
A professora destacou que, no curso de Geografia, há dois perfis bem diferenciados por conta da abertura
de vagas no turno manhã/tarde, tendo estes estudantes um padrão sócio-cultural mais elevado que os do
turno tarde/noite.
149
Ah, em Ecologia, por exemplo, nós fizemos trabalhos com Unidades de
Conservação. Então, trabalhos onde a gente teve que criar questionários,
entrevistar pessoas e colher dados. Na Botânica, a gente fez aquele trabalho de
algas, que é um trabalho grande, onde a gente vai mesmo aprender a identificar
as espécies, a fazer a coleta, a fazer as fichas, as chaves de classificação. E tudo
isso é muito bom pra gente, né? [...] Eu ficava assim: “caramba, olha só, esse
trabalho aqui que eu fiz com não sei quantas páginas, foi a gente que escreveu”;
a gente pega um monte de dados e no final, produz um trabalho.
Augusto alia as relações pessoais e a diversidade de atividades que, segundo ele
marcaram o seu processo de amadurecimento:
Porque aqui aprendi muito, as relações com as pessoas contaram muito, estar
envolvido em projetos de pesquisa
283
contou muito p’ra minha formação e as
várias atividades que a gente fez de Extensão. Em boa parte das disciplinas a
gente desenvolveu várias atividades de Extensão... Então, a gente passou pelo
ensino, pela pesquisa, pela extensão... Não foi fácil, e eu tive que correr muito
atrás - amadureci muito!
Este dinamismo característico dos estudantes de Ciências Biológicas, de
construírem diferentes trajetórias formativas é, a nosso ver, um traço cultural do curso,
gerado pelas primeiras turmas que ingressaram através do Vestibular UERJ, forçadas a
procurarem outros espaços mais acadêmicos para se sentirem em uma universidade, frente
à precariedade das condições de funcionamento do curso na FFP. Esta cultura do estágio
fora da FFP
284
vai sendo alimentada, tanto pelos estudantes veteranos que influenciam os
calouros, quanto pela própria equipe docente que, impossibilitada de atender a esta
demanda, por questões numéricas
285
, de espaço e pelo número reduzido de bolsas
acadêmicas que a UERJ oferece à Unidade, acaba também a estimulá-los a procurarem
estágios em outras Instituições ou Unidades da própria UERJ
286
.
283
Vale lembrar que Augusto esteve envolvido fundamentalmente em pesquisa em Ensino de Ciências.
284
Esta é uma característica peculiar, principalmente, do curso de Ciências Biológicas, seguida pelo curso de
História. Os estudantes dos demais cursos não vão estagiar fora da FFP, em número significativo. Este é um
dado obtido através do Banco de Dados do CETREINA órgão da UERJ responsável por coordenar as
atividades de estágio dos estudantes dentro e fora da Universidade.
285
Referimo-nos ao fato de serem poucos professores para orientarem muitos estudantes.
286
Com relação à UERJ, em 2005, o Instituto de Biologia obteve 243 bolsas (Este dado foi retirado do
Documento “Sistema UERJ de Ensino, Pesquisa, Extensão e Empregabilidade, produzido pelo CETREINA,
em 2006). Muitas destas bolsas do Instituto de Biologia o ocupadas por estudantes da FFP. Como muitos
dos estudantes necessitam deste apoio financeiro para se manterem na universidade é previsível que eles se
desloquem para os espaços onde encontram maiores chances de obterem estas bolsas. Este fator,
obviamente, está aliado às dificuldades da FFP em oferecer espaços adequados para a formação científica
específica destes estudantes.
150
Dados coletados por nós em 2005
287
demonstraram que de um total de 82
estudantes
288
de Ciências Biológicas que responderam ao questionário, 70 haviam feito
estágio em algum momento do curso, ou seja, 85% do total. Estes 70 estudantes
participaram, ao todo, de 140 estágios diferentes ao longo do curso
289
. Dos 140 estágios, 96
(69%) foram com bolsa. Destes 140 estágios, 96 (69%) foram realizados dentro da UERJ,
sendo 55 (39%) no Instituto de Biologia, 36 (26%) na FFP, 3 (2%) no CAp/UERJ e 2 (1%)
na Superintendência de Recursos Humanos (SRH)
290
. Dos estágios realizados fora da
UERJ, destacam-se as seguintes Instituições: FIOCRUZ, com 18 estágios (13%), UFRJ,
com 9 estágios (6%) e Instituições de Ensino, com 7 estágios (5%). Cabe destacar ainda,
que do total de estágios realizados, 60 (43%) foram especificamente de Iniciação
Científica, cujas bolsas podem ser da própria UERJ ou de agências de fomento, como
CNPq e FAPERJ.
Todos os professores de Biologia consideraram que esta vivência em laboratórios é
positiva para a formação docente, corroborando a visão externada pela professora Érica.
Porém colocam algumas ressalvas neste processo. O professor Cristiano, por exemplo,
lamenta que, muitas vezes, o trabalho no laboratório seja tão especializado que o estudante
não constrói uma visão global da atividade que está desenvolvendo. Cita o caso de uma
aluna que testava a toxidade do extrato de uma planta em uma bactéria e não sabia e nem
nunca tinha visto a própria planta. Na avaliação deste professor esta aluna desenvolvia um
trabalho meramente cnico e não era estimulada para a questão da produção do
conhecimento, do aprender a descobrir, sendo isto muito prejudicial para a formação do
professor. O professor Carlos considera que o objetivo do estágio é aguçar a curiosidade.
A visão que ele demonstrou sobre a questão da especialização precoce que ocorre com os
estudantes em alguns estágios foi mais otimista, no sentido de permitir que o mesmo decida
sobre o que ele deseja profissionalmente. Segundo ele, isto vai depender muito do
estudante, ou seja:
287
Através do Projeto de Estágio Interno Complementar intitulado “O estágio na formação do professor de
Biologia: o caso da FFP/UERJ”. O questionário utilizado para a coleta dos dados encontra-se no Apêndice
V.
288
Este número corresponde a aproximadamente 44% dos alunos, a partir do 3
o
período, quando eles
começam a procurar estágios.
289
Do total de 140 estágios realizados, apenas 22 (16%) daqueles realizados em universidades ou
instituições de pesquisa foram identificados como sendo da área de Educação ou Ensino. Todos os demais
foram realizados em áreas específicas da Biologia ou alguma área afim.
290
A SRH é responsável pelo projeto InvestUERJ, que oferece ensino fundamental e médio para os
funcionários da Universidade. As aulas são ministradas por licenciandos das diferentes disciplinas escolares.
151
Tem aluno que é muito mais influenciável, é muito mais fácil de direcionar, que
ele vai ver só a parte de pesquisa, ele não vai refletir, então, aquilo é que passa a
ser a vida dele. Têm outros que não, que querem uma diversidade maior de
coisas, embora a maior parte do tempo ele vão estar lá na FIOCRUZ, fazendo a
pesquisa, olhando para o DNA, para o microtúbulo do citoesqueleto, mas por
outro lado ele quer ver o macro, ele quer interagir. Então, isso varia muito de
pessoa para pessoa.
Para este professor, então, o estágio é fundamental: Como ele vai conseguir se
atualizar, buscar coisas novas, aguçar a curiosidade... De certa forma, ensinar é despertar
curiosidade nas pessoas, curiosidade de aprender algo novo. Professor Caio também o
estágio como uma parte importante da formação acadêmica e apresenta uma visão ainda
mais otimista:
Se você tem a possibilidade de olhar o específico, mas tem também um lugar
onde você seja instigado a criticar, a olhar o mundo de uma maneira mais
crítica, mais questionadora, acho que isso é bom porque você vai criticar o
próprio lugar onde você está fazendo o seu estágio e a própria formação que
você está tendo nesse momento. [...] acho que se a gente consegue discutir com
os alunos, no momento que eles estão tendo essa formação específica lá no
estágio, [...], dele levar essa postura crítica pra lá, eu acho que ele pode até
ajudar, de certa maneira, a enriquecer essa visão específica desses outros
lugares também. [...] É um momento de crítica também; ele vai começar a
perceber certas incoerências, paradoxos, e eu acho que vai se tornar, mesmo se
ele quiser ser um cientista, [...] um cientista melhor, porque ele vai ter uma
postura mais crítica, mais transformadora e talvez vá conseguir transmitir isso
melhor para o mundo.
As respostas dos estudantes ao questionário elaborado por nós
291
reforçam a visão
apresentada pelos professores com relação à importância do estágio para a sua formação
como professor: 65 estudantes (93% daqueles que fizeram estágio) afirmaram que o estágio
contribuiu para a sua formação como professor. Quando o estágio é relacionado à área de
ensino ou se desenvolve em escolas, é óbvia a contribuição para a formação, já que,
segundo eles: permite vivenciar a prática docente; conhecer o funcionamento da escola;
lidar diretamente com assuntos relacionados à educação e entender a importância dos
recursos didáticos. Porém, os conhecimentos adquiridos em pesquisas no campo da
Biologia, segundo os estudantes, fornecem um embasamento maior sobre os assuntos
estudados, aprofundando e complementando o conhecimento adquirido nas aulas; facilita a
sua transmissão em sala de aula; o desenvolvimento de uma boa didática advinda de um
conjunto de teorias e práticas e a atualização profissional. Além disso, a participação nestes
291
Ver Apêndice V.
152
estágios e as conseqüentes apresentações de seminários, trabalhos, palestras e artigos
auxiliam na preparação de aulas e na capacidade de lidar com o público. Apenas uma
parcela muito pequena de estudantes que responderam ao questionário, por trabalharem
com pesquisas muito específicas, não identificou a contribuição do mesmo para a sua
formação como professor. Cabe ainda destacar que, do total de 85 estudantes, apenas 5
deles afirmaram que não pretendem lecionar e apenas 2 responderam que não pretendem
fazer pós-graduação.
Existe farta literatura
292
sobre a importância, na formação, do que se convencionou
chamar de “professor pesquisador”. No entanto, esta perspectiva, que se configura em uma
gama razoável de concepções diferenciadas, pode ser definida, genericamente, como o
professor que pesquisa a sua própria prática. Soares (2001) apresenta outra perspectiva ao
enfatizar a importância das pesquisas nas áreas específicas na formação de professores.
Esta autora, entretanto, ao fazer a defesa desta idéia, a faz tomando como exemplo a sua
área de trabalho, ou seja, a Língua Portuguesa. A análise que Santos faz parece deixar clara
a relação existente entre a produção do conhecimento em Psicologia, Lingüística,
Sociolingüística, Psicolingüística, Sociologia da leitura e da escrita, para citar algumas
das “áreas específicas”
293
que estão em jogo na análise que poderia ser feita pelo professor,
a partir da produção de um texto escrito por alunos, no ambiente escolar. A autora
argumenta que é impossível dissociar “método” (quer de pesquisa, quer de aprendizagem,
quer de ensino) de conteúdo”, o que significaria dissociar conhecimento produzido de
seu processo de criação (Soares, 2001, p. 102). Este exemplo serve para justificar o
argumento da autora:
Só estará habilitado para uma ação pedagógica pertinente e competente no
ensino de Matemática, das Ciências, da Física, da Biologia, da Química, da
Geografia, da História etc., um professor cuja formação tenha sido influenciada
– marcada, determinada – pelas pesquisas na área específica ou nas áreas
específicas na qual ou nas quais e para a qual ou para quais se forma o
professor. (Idem, Ibdem, p. 100)
Esta perspectiva que enfatiza a importância do domínio das formas de produção do
conhecimento específico pelo professor também foi bastante discutida no campo
292
Ver, por exemplo, Gerardi, Fiorentini & Pereira, 1998; André, 2001 e Ludke, 2001.
293
A autora considera que um mesmo objeto a produção de um texto no contexto escolar deve ser
explorado por diferentes “áreas específicas”. Ela usa este termo para definir um conteúdo escolar que
pertence a uma determinada área disciplinar.
153
específico das Ciências Naturais
294
. No entanto, não parece ser esta a compreensão nem dos
professores, nem dos alunos que responderam ao questionário
295
. Para estes estudantes, a
relação entre a pesquisa biológica e a docência se dá, ou pela via do domínio do conteúdo
ou, pela via da comunicação com o público. Para os professores podemos considerar, ainda
que forçadamente, uma certa relação com a perspectiva apresentada no texto de Soares a
que nos referimos.
O texto de Soares levanta ainda questionamentos que parecem pertinentes no
âmbito de nossa pesquisa. Um deles é:
É possível que “áreas específicas” e pesquisas que nelas se desenvolvam sejam
comuns a currículos de bacharelado e de licenciatura? A definição de quais
“áreas” específicas” são necessárias para a formação do professor de
determinada “área específica” do ensino fundamental ou médio não obedecerá a
critérios diferentes daqueles que definiram as “áreas específicas” que devem
compor o currículo do “bacharel”? E conseqüentemente: a convivência e a
vivência com pesquisas em cada curso não estarão condicionadas pelo
profissional que se está formando em determinada área específica: professor ou
bacharel? (Idem, p. 104)
As questões colocadas pela autora colocam algumas reflexões importantes acerca
da trajetória do curso de Ciências Biológicas. Para os estudantes que trabalham com áreas
muito especializadas da Biologia parece que a resposta a estas perguntas aponta para uma
separação entre os dois campos, o do Bacharelado e o da Licenciatura. O mesmo se pode
dizer para os professores que criticaram a especialização precoce dos estudantes.
Entretanto, para as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Ciências Biológicas
296
a
resposta aponta para a equiparação, uma vez que propõe um bacharel mais generalista e
com perfil educativo. Ao buscarmos a literatura que trata do saber docente e do
conhecimento escolar encontramos, pelo menos, duas posições que podem contribuir para
esta discussão, sem, necessariamente resolvê-la. Se pensarmos em um conhecimento
escolar com maior centralidade do que o conhecimento específico
297
, a separação entre
Licenciatura e Bacharelado favoreceria uma imersão nas questões específicas do contexto
escolar, recontextualizando os conteúdos específicos. Ao contrário, se pensarmos nas bases
do conhecimento docente, tal como propõe Shulman (1987), o domínio das formas de
produção do conhecimento específico é um aspecto formativo mais valorizado do que na
294
Sobre isto ver Carvalho e Gil-Perez, 1993.
295
Na próxima seção que abordará o encontro dos estudantes com a docência, a partir do ingresso na rede
pública de ensino, voltaremos a esta questão, com a análise dos depoimentos.
296
Parecer CNE/CES Nº 1301/01, de 6 de novembro de 2001.
297
É o que parece defender Forquin, 1992.
154
perspectiva anterior. Como vemos, a questão é candente, e embora não estejamos fazendo,
neste momento, maiores aprofundamentos aos pontos levantados, encaminhamos, na seção
posterior alguns destes questionamentos, trazendo novos elementos para alimentar este
debate.
Os três professores do DCIEN avaliaram o curso de Ciências Biológicas que a FFP
oferece atualmente destacando seus pontos positivos. O professor Carlos enfatiza o perfil
do biólogo:
Eu acho que estamos conseguindo formar bons biólogos, principalmente na área
de meio ambiente. Esta tem sido a vertente do curso, com uma boa experiência
de campo que, ou eles vão levar para a vida profissional como biólogos se
forem fazer o mestrado e seguir a área acadêmica ou que eles vão usar nas
aulas. Eu acho que esse é o “grande barato” do curso [...] deles vivenciarem
mais os organismos, o ambiente. Eu acho que essa é uma parte legal que a gente
faz aqui.
Tanto o professor Cristiano, quanto o Professor Caio, ao avaliarem os pontos
positivos do curso, o fazem destacando a idéia de indissociabilidade entre o Bacharelado e
a Licenciatura, mesmo em um curso exclusivamente de Licenciatura. O primeiro fala de
um profissional mais holístico, capaz de exercer atividades diferenciadas. Afirma que no
seu trabalho cotidiano procura incentivar os estudantes a estarem abertos para as novidades,
a ficarem ligados no mundo à sua volta, a terem sensibilidade e a serem autônomos. Este
professor argumenta ainda a importância das relações humanas para a ação do professor
que, para sobreviver na escola, precisa de muito mais do que conteúdos técnicos.
Entretanto, vai além quando se refere à formação do biólogo, perguntando: será que dar
também um pouco de relações humanas a essa pessoa também não será legal? Assim, um
curso que desse um pouco mais de humanização a esse cara que está ali, só ali no
microscópio? Alega, então, que o curso da FFP é:
“Meio termo”: eu acho que os nossos alunos têm uma visão muito mais aberta
às novidades, ao mundo, do que os alunos dos outros cursos. [...] Eles são muito
mais versáteis. Tanto que a gente tem vários alunos que saem daqui e têm a
plena habilidade para fazer várias coisas. Não dar aula, com competência
mas, eles podem fazer outras, ter outras atuações.
O professor atribui este fato justamente à formação mesclada entre a Biologia e a
Pedagogia, que confere ao curso, desde o início, uma perspectiva mais humana. Uma
155
vertente humanizada dentro da própria Biologia também foi valorizada por Alberto e,
considerada por ele, uma outra peculiaridade da FFP:
Aqui a Biologia é mais humana, a grande maioria [se referindo aos professores],
talvez. A Biologia é mais humana, porque aqui os professores se preocupam com
isso. [...] No sentido de [valorizarem] menos laboratórios, menos coleta, se
preocupam mais com o contexto, pra que serve isso, pra que eu estou fazendo
isso. Eu vou pra APA, vou pegar uma planta e tenho que procurar o
“mateiro”, tenho que entrar naquela comunidade.
Esta perspectiva mais humanizada da formação do biólogo também é defendida nas
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Ciências Biológicas
298
, já que as mudanças
impostas pelo mundo do trabalho e as novas atividades desenvolvidas por biólogos
299
, mais
amplas, vêm exigindo destes profissionais uma formação mais generalista e com interfaces
cada vez maiores com outras áreas do conhecimento, inclusive das Ciências Humanas.
Discutimos esta questão mais detalhadamente em um trabalho publicado em 2005
300
.
Ao perguntarmos ao professor Caio se esta perspectiva menos especializada é uma
intencionalidade do curso e, conseqüentemente, compartilhada por todo o corpo docente,
ele afirma que é uma visão compartilhada por um grupo de professores do Departamento e
não de sua totalidade. Alguns professores ainda trabalham pensando nas coisas específicas.
Segundo ele, isto também é bom para os estudantes, porque eles podem conviver com a
diversidade de idéias. A justificativa que apresenta para o “sucesso” dos estudantes está na
qualidade humana do curso. Assim explica:
Eu acho que o que está fazendo a diferença somos nós: tanto os alunos, como os
professores [...]. Eu acho que os laboratórios são importantes, porque também a
gente não quer que os nossos alunos tenham uma formação alijada desta
prática, da ciência e tudo mais, mas eu acho que tem alguma coisa a mais e essa
coisa a mais, o que está fazendo mesmo, são as relações entre as pessoas e os
departamentos, essa relação mais próxima, esse convívio mais próximo aos
alunos.
Os estudantes, por sua vez, também apontam falhas no curso - além da falta de
equipamentos e laboratórios de pesquisa - principalmente relacionadas à área considerada
mais “biomédica, como expressou Aline:
298
Parecer CNE/CES Nº 1301/2001, de 6 de novembro de 2001.
299
Trabalhando com biotecnologia ou com questões ambientais, por exemplo.
300
Ver Ayres, 2005.
156
Desde o início da faculdade que eu me preocupava [se referindo a formação que
teria na sua área de preferência]. Seriamente me preocupava porque, assim, o
lado que eu queria, dessa parte de Biomédica, Biologia Celular, Imunologia, eu
acho que é muito falho aqui. Acho que é muito falho mesmo. Quem quer
Zoologia, Botânica pode ficar tranqüilo que vai conseguir rapidinho [ingressar
no Mestrado]. Agora eu ficava preocupada desde o início, que eu falava assim:
“Ah, vou fazer a prova de Mestrado e não vou passar, por causa disso, porque a
Biologia Celular [a disciplina no curso da FFP] é uma e aquela bem
superficial”
Apesar da queixa em relação à esta área, todos os estudantes entrevistados que
desejaram ingressar no Mestrado desta área supriram esta deficiência, como consta do
perfil que traçamos deles no início deste Capítulo. A própria Aline já está no Doutorado em
Biologia Celular; Ana Luísa estava concluindo o Mestrado em Morfologia quando foi
entrevistada e Alberto tinha acabado de ser aprovado no Mestrado em Parasitologia.
Enfocamos ainda, durante as entrevistas, a questão do “conflito” vivido pelos
estudantes entre uma carreira docente e uma carreira na pesquisa de caráter biológico. As
perspectivas apresentadas, aparentemente próximas, demonstram diferenças sutis, mas que
são importantes para o entendimento do processo de formação de professores de Biologia
na FFP. O professor Cristiano acha que alguns estudantes resolvem esta questão com
facilidade, porque entram no curso com uma determinada convicção. Acha, no entanto,
que poucos preferem o magistério e que isto pode ser um reflexo dos efeitos produzidos
pelos estágios que fazem fora da FFP. O professor Carlos avalia que eles ainda estão muito
imaturos, quando cursam a sua disciplina, no terceiro período, pois ainda estão começando
a conhecer a Biologia. Acha que eles acabam se direcionando para a pesquisa, porque têm
mais oportunidade de estágios nos laboratórios. Acrescenta a isto um outro argumento: a
dificuldade que os estudantes têm com as leituras e, portanto, acabam se afastando da
Educação, por conta das discussões teóricas, ficando mais motivados para o lado prático
que a Biologia lhes oferece.
Professor Caio leciona na metade do curso e, segundo ele, os estudantes estão em
pleno momento de “crise” e acha que contribui para que ela ocorra ao propor o
desenvolvimento de projetos nos quais os estudantes têm que ir às escolas ou às
comunidades. Por atuarem fora da sala de aula os estudantes têm a possibilidade de propor
atividades diferenciadas e sentir a dificuldade para realizá-las. O professor afirma que, com
isto, contribui para a crise e consegue identificar algumas mudanças de posições com
relação à docência. Declara ainda que:
157
A gente, de certa maneira, está conseguindo, ao fomentar essa crise, fazer com
que eles vejam que há possibilidade de se fazer esse trabalho múltiplo, de
magistério e de pesquisa, que não seja também específica do magistério, mas que
elas não são coisas excludentes. Então, tem gente trabalhando na FIOCRUZ,
mas também está dando aula. Acho que quanto mais a gente ampliar a visão é
mais enriquecedor, do que compartimentalizar.
A fala dos professores Cristiano e Caio, somada às falas dos professores do
Departamento de Educação por nós entrevistados, marcam mais uma vez, a tensão que
funda os cursos de Licenciatura no Brasil. Ou seja, junto com outros dados recolhidos ao
longo desta pesquisa, vemos fortalecer o argumento de que não se pode pensar na
construção de uma identidade docente, excluindo a identidade disciplinar, fortemente
pautada pela pesquisa em seu campo específico. Demonstram assim, ao menos para o caso
dos cursos de Ciências Biológicas, que não basta estar em um curso de Licenciatura para
afastar a identidade classicamente atribuída aos cursos de Bacharelado. Porém, estar em
uma Faculdade de Formação de Professores, no caso deste curso, parece fazer alguma
diferença, ao instituir uma perspectiva mais humanista a um curso, em geral, com uma
vocação mais técnica.
Outro aspecto que parece fazer diferença em uma Faculdade de Formação de
Professores, e que está presente nos depoimentos, é a construção de uma outra cultura:
iniciar muito cedo a lecionar. Muitos estudantes, dos diferentes cursos da FFP começam a
lecionar em pré-vestibulares comunitários ou em pequenas escolas que aceitam contratar
estudantes. Em nossa vivência institucional, constatamos que alguns estudantes de Biologia
conseguem conciliar o estágio no laboratório, os estudos na faculdade e um “emprego” na
escola. O fato de conviverem com estudantes de diferentes áreas também os ajuda a
estabelecer laços de socialização profissional, nos quais os estudantes mais antigos indicam
os mais novos para as escolas nas quais atuam ou, no caso da mesma disciplina, para
substituí-los quando conseguem uma escola melhor. Isto, no entanto, demonstra as duas
faces da moeda da profissão docente. Se por um lado pode atraí-los para a carreira docente,
por outro, pode fazer com que a encarem como uma atividade provisória, alguma coisa
para ajudar a custear os estudos, enquanto não conseguem emprego melhor. Esta seria mais
uma das tensões pelas quais passa o magistério e que implica em encará-lo ou não como
uma profissão.
158
É nesta tensão entre crises e esperanças, entre o “velho” e o “novo”, entre a riqueza
e a ruína de “estar junto”, que foi forjada a cultura institucional da FFP. Nesta tensão,
foram trilhados caminhos na formação de professores, que foram oscilando, ao longo do
tempo, entre uma perspectiva centrada na profissionalização docente, e outra que valoriza
um perfil mais acadêmico. As tensões entre estas duas matrizes curriculares vão
oportunizando a criação de estratégias que, em alguns momentos tendem mais para um dos
lados e, em outros momentos, buscam uma perspectiva conciliatória. Entender esta
trajetória marcada por tensões pode nos ajudar a construir alternativas mais viáveis e
eficazes para a formação de professores, respeitando a história de cada instituição, ao
contrário de tratar esta questão como terra arrasada (Andrade et. al., 2004), como tentam
fazer as Diretrizes Curriculares recém implantadas. É nesta direção que voltamos a nossa
pesquisa, tendo como referência o Curso de Ciências Biológicas.
V.5 – O Encontro com a Docência na Escola
As falas anteriores procuraram caracterizar a Faculdade de Formação de
Professores e o curso de Ciências Biológicas oferecido por ela. Procuraremos agora,
destacar o encontro destes estudantes, como professores recém-formados
301
, com a
docência em escolas públicas. O que os encanta e o que os desilude no magistério? Esta é
uma questão fundamental e, de alguma forma, vai interferir nas suas escolhas futuras, na
permanência ou não no magistério da escola básica. Huberman (1995) discute como estes
anos iniciais da carreira são cruciais e como os jovens professores passam por indecisões
entre abraçar ou não a profissão. Estas incertezas e, em alguns casos, conflitos, também
estão presentes na fala dos nossos entrevistados. Ao trazermos para a discussão tais
conflitos queremos nos contrapor a idéia, expressa nas novas Diretrizes Curriculares, de
que a separação entre a Licenciatura e o Bacharelado poderia vir a resolver os problemas,
tanto da falta de professores, quanto da qualidade destes. Se tais problemas podem ser
pensados em termos teóricos e, para eles, podem ser elaboradas soluções legais, não
podemos, no entanto, desconsiderar que suas raízes são históricas, como procuramos
demonstrar nos primeiros capítulos deste estudo. Nossos depoentes expressam claramente
301
Apenas Alexandre não é recém-formado, tendo aproximadamente 10 anos de magistério.
159
suas primeiras paixões e desencantamentos com a profissão e ouvi-los pode nos ajudar a
compreender melhor os dilemas da formação inicial docente
Neste momento da apresentação excluiremos os depoimentos de Alberto e Álvaro
porque, apesar de lecionarem, ainda não eram formados quando foram entrevistados.
Estamos privilegiando aqueles depoentes formados e lecionando em escolas públicas, a
partir da aprovação em concursos. Isto porque partimos do pressuposto de que o professor
da escola blica tem, além da estabilidade, uma maior autonomia para serem autores do
seu próprio trabalho
302
.
É importante relembrar que apesar dos quatro estudantes entrevistados
303
exercerem
a profissão docente, dois deles também exercem atividades profissionais ou acadêmicas
fora da docência/ensino
304
. Um outro, apesar de estar se dedicando a este campo, tanto
profissionalmente, quanto academicamente, manifestou o desejo de, futuramente, atuar fora
da escola básica ou, ao menos, exercer, além do magistério, uma outra atividade. Todos os
quatro têm em comum o sonho de se tornarem professores universitários. O ingresso no
magistério de ensino superior parece ser uma forma pela qual os estudantes do curso de
Ciências Biológicas da FFP têm pensado em adequar a vida profissional à formação que
tiveram. É comum ouvirmos dos estudantes expressões do tipo: vou ser professor sim, mas
de faculdade! Foi, por exemplo, o que disse claramente Aline: É. Eu tenho um sonho de
dar aula em faculdade. Isto, de certa forma, reflete a pressão a que vêm sendo submetidos
para o aumento da titulação. Para eles, não basta a graduação. Cada vez mais este nível de
formação vem sendo considerado apenas como um pré-requisito para a pós-graduação,
preferencialmente, stricto sensu
305
, como foi destacado pelo professor Cristiano. O sonho
302
Não desconhecemos a vasta discussão que envolve o conceito de “proletarização docente”, que envolve
justamente a perda de autonomia dos professores frente às exigências do Estado, cada vez mais burocráticas,
administrativas e avaliativas e que transformam o trabalho docente em um trabalho meramente técnico de
reprodução de políticas e projetos curriculares produzidos fora do âmbito da escola. Sobre esta discussão,
ver, p. ex., voa (1998) e Contreras (2002). No entanto, acreditamos que os professores não estão
totalmente dominados por estas exigências e que ainda encontram formas de agir que são suas, ou , como diz
Tardif e colaboradores, em suas obras, os professores são capazes de produzir um saber que lhes é próprio.
Ainda, segundo Nóvoa (1998), para superar esta crise de identidade e de proletarização docente é preciso
investir na consolidação da autonomia profissional, de um reforço do sentimento de que somos nós que
controlamos o nosso próprio trabalho (p. 31). Acreditamos que esta tarefa cabe, fundamentalmente, aos
professores das escolas públicas.
303
Também estamos excluindo a professora Áurea formada em 1983, porque ela vivenciou um período
anterior à incorporação à UERJ.
304
Estamos considerando como atividades acadêmicas fora da docência/ensino cursos de pós-graduação fora
da área de educação ou ensino de ciências.
305
Isto reflete, por um lado, o processo cada vez mais intenso, de “academização” do curso e, por outro, o
próprio discurso vigente na sociedade de necessidade de aumento da qualificação para obtenção de sucesso
profissional, discurso que acaba por justificar o desemprego em uma sociedade com cada vez menos postos
de trabalho. (Lima, 2006)
160
de ingresso no ensino superior também reflete uma característica do magistério como uma
profissão sem perspectivas de avanço na carreira. Assim, o ensino superior torna-se a única
possibilidade de ascensão profissional
306
. Huberman (1995) analisando o ciclo de vida
profissional dos professores faz referência ao estudo realizado por Prick (1986) que indicou
que este tipo de crise, voltada para a questão da progressão na carreira, era mais intensa em
homens, com idade entre 36 e 55 anos. Parece que, atualmente, esta “crise” atinge
indiscriminadamente mulheres e homens e cada vez mais cedo.
Alexandre, apesar do desejo inicial em se tornar médico, tinha associado o de ser
também professor, especificamente de Biologia. Esta opção pela disciplina de Biologia, de
acordo com o seu depoimento, não foi decorrente da proximidade com a área médica. Foi
mais relacionada à identificação com os professores e com um comportamento bastante
interessante que ele tinha durante o ensino médio. Assim, nos contou o que ocorria com ele
durante as aulas de Biologia:
Toda vez que eles estavam ali, dando aula, eu me pegava trocando de lugar com
eles. Aí eu pensava que se eu estivesse no lugar deles eu faria assim, ou não faria
essa pergunta. [...] Às vezes Geografia, eu achava a professora legal, mas essa
coisa de trocar de lugar, aqui na minha cabeça, [acontecia] com a professora
de Biologia.
Como o curso de Medicina parecia inalcançável, a Biologia foi a melhor opção e a
FFP, melhor ainda, pois morava muito próximo à Instituição. Sua passagem por um
Laboratório de Bioquímica da UERJ/Maracanã não foi capaz de afastá-lo do objetivo de se
tornar professor. Diferente dos demais entrevistados considerados nesta parte do trabalho,
Alexandre exerce o magistério 10 anos, portanto, superou aquelas incertezas do
início da profissão. Em seu depoimento conta como foi se dando a transformação de um
biólogo/professor para um professor. Disse-nos que, inicialmente, o fato de ser biólogo lhe
conferia um status e era com a dupla identidade que se identificava sempre que tinha que
preencher algum formulário. Hoje ele afirma se sentir muito bem em se identificar apenas
como professor. Ao fazer a comparação entre as duas atuações profissionais, explicou:
Eu acho que é diferente, o Biólogo faz uma coisa lá e eu faço outra cá, que tem a
sua relação, mas não é exatamente a mesma coisa e que tem outras atribuições,
outras visões bem diferentes. [...] Tem situações que eu vivo como professor que
306
Além desta, muitos professores das escolas públicas estaduais e municipais sonham com a possibilidade
de ingresso no magistério blico federal (Colégio Pedro II, CEFET, CEFET-Química, CAP/UFRJ) ou no
CAP/UERJ, pela possibilidade de, além de estabilidade, terem acesso à dedicação exclusiva, a um plano de
carreira mais favorável e desenvolverem outras atividades para além da sala de aula.
161
não viveria com qualquer outra profissão, que é esse contato com outras
pessoas, ver a transformação das outras pessoas. Não tem nada que me deixe
mais feliz, mais excitado, do que ver a cara de interrogação se transformando
em exclamação: “ah, é isso, caramba, que legal!”. Poder ajudar as pessoas da
forma que eu consigo ajudar, porque eu sou professor. E estou constantemente
ouvindo: “porque você não fez Medicina, você não quer ser médico?”. E eu
respondo: “Não, porque se eu fosse médico eu não estaria com você, explicando
pra você, você não entenderia o que estou falando se eu fosse médico. Você está
me entendendo, você está gostando do que eu estou falando, porque eu sou
professor.”
Para ele as características mais importantes e apaixonantes do magistério são a
possibilidade de ajudar às pessoas, através do conhecimento que pode lhes passar, e a
afetividade, o envolvimento, a convivência tão marcante no cotidiano da profissão. Este
aspecto do envolvimento afetivo e emocional da profissão docente é enfatizado na obra de
Tardif (2002a) e Tardif e Lessard (2005), sendo, inclusive, subtítulo desta segunda obra:
“Elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas”. Passando
a rever os depoimentos dos professores mais jovens verificamos que estas características
estão também presentes, mas a idealização da escola acaba por trazer-lhes outros
sentimentos, indo do encantamento à desilusão.
Encantamento e desilusão parecem ser os dois lados da moeda da profissão docente
para estes três jovens professores. Para eles o encantamento está no carinho dos estudantes,
na vontade de aprender que alguns demonstram, no esforço que estes fazem para avançar
no processo de conhecimento e na possibilidade que o professor tem de influenciar e
vivenciar o processo de crescimento de seus estudantes. Todos os três demonstram em suas
falas o compromisso com o desenvolvimento pessoal dos estudantes. O depoimento de
Augusto exemplifica este compromisso com os estudantes da escola pública:
Mostrar p’ras crianças da escola, das públicas que, em geral são mais humildes,
mostrar pra eles que têm uma possibilidade, que eles podem fazer alguma coisa
diferente daquilo que está em volta deles, que eles podem estudar mais, mesmo
que não estudem mais, mas se aperfeiçoar mais naquilo que eles querem fazer
quando forem adultos.
Entretanto, sabemos que ser professor é mais do que lidar com crianças e
adolescentes que querem e se esforçam para aprender. Ser professor, na realidade da escola
pública brasileira, é também saber lidar com estudantes desestimulados, desinteressados,
“mal educados”
307
e que, por mais que o professor tente seduzi-los para a experiência do
307
Expressão usada por um dos entrevistados.
162
conhecimento, eles lhes escapam e desafiam. Esta é a face da desilusão na moeda da
profissão docente, principalmente para os jovens professores. Como disse Ana Luisa:
É muito difícil ter que lidar com aqueles alunos que enfrentam, que
desrespeitam, sabe? Aqueles alunos que, que falam coisas que a gente não quer
ouvir, e tal. às vezes eu saio da escola desanimada pensando: ai meu Deus, é
pra isso que eu venho pra cá, pra ouvir essas coisas de aluno, e tal. Por mais
que a gente tenha consciência de que eles não estão fazendo aquilo ali
direcionado a mim, é por causa de um monte de outros problemas, de várias
outras questões, em alguns momentos a gente não consegue; eu não consigo
separar as coisas e, eu sei que está errado, mas às vezes eu não consigo separar.
[...] As vezes os alunos cismam com a gente, ? Que têm umas atitudes, umas
implicâncias, umas coisas assim. Que tem que pedir a intervenção de um
coordenador, e tal. E a gente fica até tentando entender o motivo do aluno estar
fazendo aquilo, mas em alguns momentos me desespero e penso: ah, caramba,
sabe? Eu tenho que ouvir isso? Eu tenho que enfrentar mesmo isso?
Lidar com a diversidade de estudantes, que vêm de estruturas familiares
desorganizadas, de nível sócio-econômico muito baixo, de culturas e valores diversos são
as dificuldades para as quais estes professores se sentem mais despreparados. Como uma
profissão eminentemente de interação humana, estes aspectos apontados pelos depoentes
tornam a profissão também muito desgastante, pois, como afirma Tardif (2002b) as
relações sociais desenvolvidas na sala de aula exigem que os professores se envolvam
pessoalmente nas interações, pois eles lidam com pessoas eu podem desviar e anular, de
diferentes maneiras, o processo de trabalho e das quais eles devem obter o assentimento
ou o consentimento, e mesmo a participação (p. 141, grifo no original). Isto significa que a
personalidade do professor é um componente essencial do trabalho docente, que o torna
um trabalho investido ou vivido. (Idem, Ibdem).
A análise que Tardif apresenta desta questão do envolvimento pessoal parece não
deixar saída ao professor, pois se este envolvimento pode levar a um desgaste emocional
grande, a indiferença e o desapego, também podem levar a uma relação dolorosa e
contraditória com o trabalho. Tardif e Lessard (2005) apontam para a necessidade de o
professor aprender a gerir seu trabalho, senão ele terá problemas para equilibrar os
diversos componentes de sua vida e o investimento que dedica a eles (p. 183). Apesar de se
sentirem despreparados para esta tarefa da função docente - como é característico de um
iniciante na profissão parece que nossos depoentes terão que aprender a lidar com ela, se
realmente quiserem permanecer no magistério.
Ser professor também, como aponta Tardif (2002) é saber viver na escola. E a
forma com que a escola se estrutura e acolhe estes jovens professores acaba se tornando um
163
fator importante de ligação ou afastamento da carreira. Todos os três entrevistados passam
ou passaram por experiências diferenciadas em relação a este aspecto da vida docente.
Augusto, logo que se formou, passou por duas experiências que quase o fizeram
desistir do magistério. Em uma escola particular o problema estava no controle exacerbado
exercido pela direção da escola. Havia câmeras espalhadas por todos os espaços, inclusive
nas salas de aula, sendo muito sufocante se sentir vigiado o tempo inteiro. A esperança veio
na aprovação no concurso para a rede estadual de ensino. Ele resolveu escolher a região de
Campos e lá vivenciou a frustração de trabalhar em um ambiente escolar totalmente
desorganizado, desestruturado e com estudantes sem perspectiva alguma de vida. Segundo
ele, se tivesse continuado lá, estaria se preparando para qualquer concurso que oferecesse
um bom salário, mesmo fora do magistério. A realização do seu sonho, ou a esperança de
realização, veio com a convocação para a rede municipal de Angra dos Reis, na qual está
atuando desde o início de 2005. A escola em que trabalha, apesar de muito grande e isto
dificultar sua organização, oferece algum apoio para a realização de seu trabalho. Apesar
do descontentamento dos professores mais antigos, que viveram épocas melhores do
magistério municipal, para Augusto, trabalhar na rede municipal de Angra dos Reis é estar
num “paraíso”.
Augusto cobre sua carga horária com apenas duas turmas, pois cada uma tem 6
horas/aula semanais, cuja freqüência gira em torno de 20 estudantes por turma, o que lhe
permite fazer um trabalho com muito mais tranqüilidade. Ele destaca a liberdade para
desenvolver o seu trabalho como um ponto positivo: o apoio da escola, em si, que eu tenho,
é a liberdade de trabalhar, de sair da sala de aula e trabalhar com eles no pátio da escola,
ir pra cidade, me o material de papelaria com abundância e tenho os recursos da
própria escola: sala de vídeo, sala de vídeo, sala de vídeo... No entanto, ele reconhece que
esta liberdade é relativa:
Porque a gente pensando, existe uma coisa por trás da escola, então a gente tem
algumas orientações que vem da Secretaria [Municipal de Educação], tem o tipo
de trabalho que ela quer desenvolver e você estando no grupo, você abraça.
Ainda assim, a gente tem uma liberdade muito grande, porque fechou a sala de
aula o trabalho é nosso, a gente segue as orientações se a gente quiser, ou seja,
se a gente tiver compromisso com eles.
Augusto está se referindo justamente às formas de controle que apontamos acima,
com base nos trabalhos de Nóvoa (1998) e Contreras (2002). Entretanto, ainda assim ele
reconhece a autonomia, mesmo que relativa, que tem no interior de sua sala de aula.
164
Outra característica importante da profissão considerada por ele é a flexibilidade
dos horários: também acho que eu não conseguiria trabalhar de 8h as 5h da tarde, de
segunda à sexta ou de segunda à sábado e voltar pra casa, seria muito desgaste.
Após a realização de um curso de linguagem de sinais oferecido pela Secretaria
Municipal de Educação de Angra dos Reis, assumiu mais um desafio: aceitou o convite
para uma “dupla regência”
308
em uma escola especial para surdos.
Ana Luísa teve mais “sorte” no seu primeiro cargo de professora. Apesar de
enfrentar muitos problemas com os estudantes, ela atua em uma escola organizada, com
uma equipe de professores e coordenadores muito envolvida, que realiza vários projetos
interessantes: eu não tenho como negar que estar trabalhando numa escola onde você tem
uma equipe te dando apoio, faz muita diferença. no concurso para a rede estadual não
aconteceu o mesmo: apesar de ter sido aprovada em 2
o
lugar para o município de Niterói,
teria que cumprir as 12 horas/aula em três escolas diferentes, sendo que em uma delas, teria
ainda que dividir as aulas de Ciências de uma mesma turma com um outro professor, que
ela sequer encontraria. Esta situação a fez tomar posse em um dia e pedir exoneração no dia
seguinte. Os aspectos do acolhimento na escola, do apoio moral e do encorajamento na
carreira, realizado pelos professores mais experientes em relação aos iniciantes, também é
destacado por Tardif & Lessard (2005) e parece fazer diferença no caso dos nossos
entrevistados.
Aline vive duas realidades bastante diferentes. O seu primeiro cargo de professora
foi na rede municipal de Silva Jardim. Sem nunca ter lecionado antes, foi surpreendida pela
aprovação e convocação no concurso público. O “susto” inicial se agravou quando soube
que lecionaria a disciplina “Educação Ambiental”. No entanto, este susto logo se tornou
motivo de satisfação. Pela inexistência de um programa formal, ela tem mais liberdade para
escolher, dentre as várias propostas de projetos da Secretaria Municipal de Educação,
aquele que irá desenvolver e a forma como será desenvolvido. Além disso, a escola é
pequena, de área rural, com a maioria dos professores jovens, aprovados neste último
concurso, sendo muitos deles formados na própria FFP. Isto facilita bastante a
comunicação e a integração entre eles.
Nem tudo são “flores”, entretanto, na vida de Aline. No seu segundo concurso,
agora para a rede estadual, foi trabalhar com Educação de Jovens e Adultos do ensino
fundamental no ensino noturno, no município de São Gonçalo, onde reside. Além da falta
308
Uma forma de “hora-extra” em que o professor concursado dobra sua carga horária de trabalho, cobrindo
a falta de novos professores na Rede.
165
de interesse de uma boa parte de estudantes que são mais jovens, a escola não oferece apoio
algum, sendo totalmente desorganizada, o que agrava o desinteresse dos estudantes. Em seu
depoimento ela afirmou:
Mas no Estado não, nada! Sabe o que é nada de nada, de nada. É assim. têm
uns poucos alunos que querem alguma coisa, mas você não consegue fazer
por causa dos outros, por causa da escola também, que a escola não nenhum
tipo de ajuda. Nada, nenhum incentivo, assim. Aí, teve uma semana, semana
passada teve um trabalho que a gente tinha que fazer. Por causa da Semana
Pedagógica. A gente fez o trabalho, no dia seguinte, quando a gente ia ver, tudo
destruído. [...] Aí dá um desânimo por causa disso.
Dois outros elementos foram apontados como dificuldades da tarefa docente por
Ana Luísa e Augusto. Ana Luísa destacou o tempo gasto em atividades que vão além da
sala de aula, envolvendo a preparação, a correção de provas e trabalhos, o preenchimento
de ficha de acompanhamento do desempenho dos estudantes, além do desgaste físico e da
voz durante a execução das próprias aulas. Por conta disto, afirma que: Eu quero ter
uma matrícula como professora e uma outra matrícula pra fazer outra coisa, porque eu
posso ter minhas três turminhas, ou quatro, dependendo de como for a carga horária, e
fazer o trabalho do jeito que eu gosto. Senão não dá! Augusto também enfatizou que a
burocracia da escola, com tantos papéis a serem preenchidos, seria um fator de desgaste e
que, de certa forma, este aspecto impele o professor a querer exercer outros tipos de
atividades profissionais: É a profissão que eu gosto, mas que a gente tinha que se
aposentar entre 15 e 20 anos de trabalho, porque a gente se desgasta muito. Nunca vi
tanto papel para preencher, tanto relatório. Trabalhar com turmas grandes. [...] Muita
coisa para levar para casa, muito papel pra preencher, muitas das vezes papéis inúteis.
Novamente aparecem nas falas dos depoentes os aspectos de normatização e controle que
acabam por diminuir a autonomia do professor, conforme já discutimos mais acima.
Voltando ao âmbito da formação inicial procuramos saber como estes jovens
professores relacionam a formação que tiveram com estas primeiras investidas na profissão
docente. Isto envolveu pensar tanto na formação para a pesquisa, quanto na formação
curricular, das disciplinas e atividades da graduação propriamente dita. Ou seja,
procuramos compreender como, a partir das experiências que possuem no magistério,
166
estes estudantes
309
olham para a formação que tiveram. Numa via de mão-dupla, seria
também verificar se identificam na formação que tiveram elementos que anteciparam estas
experiências profissionais. Isto significa olhar para o curso de duas formas
complementares: uma, identificando os momentos de aproximação com a atuação docente
e, outra, identificando elementos desta formação que contribuem para a ação docente.
Os trechos dos depoimentos em que os entrevistados se referem ao curso
propriamente dito, e também às suas experiências extracurriculares, dão, mais claramente, a
dimensão das mudanças ocorridas no decorrer do tempo. Mostram um curso em processo
de formação e consolidação, considerando-se a sua existência, de formas variadas, mais
de três décadas. Apesar de enfatizarmos os depoimentos dos três estudantes mais recentes,
não podemos deixar de resgatar alguns trechos dos dois estudantes mais antigos porque
demonstram as contradições entre o objetivo formal do curso e o que se dava na prática.
Por mais incrível que possa parecer, Áurea a entrevistada mais antiga do curso
declara que não havia preocupação dos professores das disciplinas específicas em
relacionar os seus conteúdos com a questão da escola e da formação de professores.
Segundo ela, a preocupação era com o conhecimento acadêmico dentro de cada área da
Biologia. Em sua memória, a relação com a docência era feita por meio das disciplinas
pedagógicas, particularmente, Didática e Prática de Ensino. Para ela, o “ponto alto” do
curso era a parte prática. Isto sim, a ajudou muito no seu trabalho futuro como professora,
pelo fato de ter sido monitora e ter que preparar muitas aulas práticas; pela experiência que
teve no Museu Nacional, como também pelo curso em si, que estava muito centrado em
aulas práticas. Esta desvinculação entre os conteúdos específicos e a formação para a
docência pode ser confirmada através do depoimento dos professores do Departamento de
Ciências que atuaram até a cada de 1990. Cabe destacar também que a relação com a
escola se dava por intermédio dos próprios estudantes que passavam a lecionar durante o
curso, já que a Prática de Ensino era realizada na própria faculdade, em micro-classes
310
.
Se esta separação entre a formação profissional e a formação acadêmica pode
parecer estranha em um curso que se propunha a ser mais profissional, em termos de
docência, isto mostra, mais uma vez, como não é possível mudar uma tradição por
intermédio de uma lei. A formação dos professores que lecionavam as disciplinas, tanto
pedagógicas, quanto específicas, na FFP foi realizada dentro do modelo de racionalidade
309
Cabe lembrar que toda vez que nos referirmos aos “estudantes”, na verdade, estamos falando de ex-
estudantes da FFP, agora professores da escola básica.
310
Apresentamos este aspecto do curso no Capítulo anterior.
167
técnica, já referido no capítulo III. Foi na separação entre a vertente acadêmica e a vertente
profissional que eles se formaram. Foi com base nesta separação que eles lecionavam e
formavam os novos professores. Entretanto, parece haver um aspecto, também discutido
no Capítulo IV, que a Áurea não se deu conta: a relação com o magistério era feita por
meio de disciplinas específicas, a partir dos próprios conteúdos programáticos. O que pode
explicar o depoimento de Áurea é o fato de ela ter complementado o seu curso de
Licenciatura Curta com a Licenciatura Plena e nesta parte, sim, os conteúdos apresentados
nos programas que analisamos, pareciam mais acadêmicos. Esta, portanto, deve ser a sua
memória do curso.
Esta também foi a experiência vivida por Alexandre na década de 1990, pós-
incorporação da FFP à UERJ. Como ele ainda viveu o período de crise e adaptação da
Unidade à universidade, sua “queixa” maior era com a pouca profundidade dos
conhecimentos ensinados nas disciplinas específicas: Tudo parecia uma extensão da
escola; um 2
o
grau um pouco melhorado
311
. Este fato, no entanto, não significava que o
curso estava sendo pensado em termos das necessidades formativas de professores, uma
vez que, segundo Alexandre, apenas um professor de Zoologia, que havia direcionado a sua
formação na pós-graduação para a área de Ensino de Ciências
312
, fazia a relação com a
escola nas suas aulas. Entretanto isto também era visto pelos estudantes como um
rebaixamento do conteúdo a ser abordado em um curso superior:
E falava tudo superficialmente. Por exemplo, se ele fosse falar de Zoologia, ele
falava tudo superficialmente e trazia o enfoque da escola. [...] E a gente
discutia: tudo bem que eu vou dar aula, e com ele eu não sei, eu sei até como dar
aula, mas sobre o que? Não tem como. [...] Mas ele era uma pessoa que estava
voltada para as questões de educação. Ele estava preocupado. Dizia: “Quando
você estiver na 5ª série e for falar do seu bichinho de não sei de onde, você
tem que ter cuidado”. Ele era o único que apresentava essa preocupação.
Quanto às disciplinas pedagógicas Alexandre declarou que, a princípio, os
estudantes não viam sentido nelas, a não ser quando se identificavam mais com o professor.
Uma das disciplinas de Prática de Ensino
313
, diferente do que foi vivenciado por Áurea, foi
311
Cabe lembrar que uma parte considerável das disciplinas apresentava livros de ensino médio em sua
bibliografia.
312
Este professor iniciou seu Mestrado na UNICAMP, na área de Ensino de Ciências, bem antes da
incorporação da FFP pela UERJ. Segundo um professor entrevistado ele não chegou a concluí-lo porque foi
obrigado a retornar para a faculdade, pois naquele período não havia um regime de trabalho que garantisse a
licença para a qualificação do corpo docente. Desta forma, o professor retornou à FFP apenas com o título de
Especialista em Ensino de Ciências.
313
Trata-se da Prática de Ensino II, voltada para a disciplina Ciências no ensino fundamental.
168
realizada na escola, mas com uma ressalva: como Alexandre já lecionava em escolas
particulares, o professor de Prática o liberava de ministrar aulas na escola. Assim, sua
tarefa se resumia a contar ao professor como era o seu trabalho na escola e a assistir
algumas aulas de seus colegas. Alexandre conta ainda que não havia um período para
observação de aulas do professor regente da escola durante o desenvolvimento da Prática
de Ensino,. Este professor apenas cedia o seu horário de aula para que os licenciandos
exercitassem a docência, que era acompanhada pelos colegas de turma e pelo professor de
Prática. A disciplina de Prática de Ensino, voltada para o ensino médio, foi realizada como
micro-classe, num projeto intitulado BioVest
314
.
Ao perguntarmos se sua vivência no Laboratório de Bioquímica o ajudou como
professor, Alexandre respondeu que lhe deu mais segurança para trabalhar com este tema
na escola. Para ele, o domínio do conteúdo específico serve como uma espécie de âncora
para poder transformá-lo em algo assimilável pelo estudante: Esta transformação é feita
procurando aproximar o conhecimento ensinado do mundo vivido pelos estudantes.
Alexandre afirma que aprendeu a ser professor, literalmente, na prática. Porém, a
troca de idéias com os colegas que lecionavam e com o professor de Prática de Ensino de
Biologia, foi fundamental para que ele resolvesse os problemas que iam aparecendo no
cotidiano do seu trabalho como professor. O estudante reconhece que o curso foi mudando
durante o seu percurso na graduação, tanto em termos de maior proximidade dos aspectos
próprios da vivência universitária o que se deu com a chegada de novos professores
quanto com relação a uma preocupação maior com a docência. Quanto a este último
aspecto, ele fala:
Uma atmosfera, uma troca de experiências, no finalzinho [do curso] tinha. Para
algumas pessoas, não pra todas. Mas no finalzinho [do curso] sim, porque no
final da faculdade, e depois no período em que eu fiquei acompanhando minha
namorada, era o período em que eu estava dando aula, [...] tinha outras
pessoas que davam aula antes de mim, mas eu e essas pessoas acabamos virando
referência para outras pessoas que estavam começando a dar aula. Então, essa
atmosfera foi sendo criada, construída por conta disso. As pessoas vinham
conversar: “Pôxa, com dificuldade nisso”; “não conseguindo falar disso”;
“pergunta p’ro Alexandre, p’ro Leandro. Ele fez isso, pergunta p’ra ele lá”.
É! No finalzinho já tinha essa atmosfera. No início e no meio não!
Quanto aos três estudantes mais jovens Aline, Ana Luísa e Augusto - apesar da
diferença de tempo entre a primeira e os dois últimos ser de apenas um semestre, a
314
Nesta disciplina, os estudantes são solicitados a resolverem questões de vestibular e a desenvolverem suas
aulas a partir destas questões, tendo como público alunos do ensino médio das escolas da região.
169
percepção das relações entre a docência e a formação inicial é bastante diferente entre eles.
As explicações para esta diferença podem ser de diversas ordens. Dentre os três, foi Aline a
menos preocupada com o magistério durante o seu curso e a que construiu uma trajetória
mais acadêmica. Como o curso estava, e ainda está, em fase de consolidação, com muitos
professores recém-chegados, estes também ainda estavam ajustando as suas estratégias
metodológicas e tentando construir uma proposta de curso mais adequada às condições e
necessidades da FFP. Este fato, sem dúvida, vem exigindo um período de amadurecimento
e de ajuste na proposta. Isto talvez explique o fato de Aline “reclamar”, por exemplo, dos
projetos desenvolvidos em disciplinas de Ecologia, afirmando que tudo foi muito
desorganizado. Contraditoriamente a esta posição, Ana Luísa e Augusto viram de forma
muito positiva e enriquecedora a realização desses e de outros projetos.
Para Aline, a Prática de Ensino II (Ciências) foi o marco de sua decisão em se
tornar professora. Isto se deu porque nesta disciplina ela pôde vivenciar a escola por dentro,
diferente das disciplinas teóricas do campo pedagógico que havia cursado:
Tudo na teoria, assim, aquelas coisas teóricas que sempre achei muito chato,
aquelas coisas de educação, nunca gostei. E na Prática de Ensino eu fui à
prática mesmo, ver o que era; a gente foi pra sala de aula, foi pras escolas, fez o
estágio. Acho que foi isso assim: vivenciar mais aquilo [...] as dicas que o
professor dava, as discussões e até mesmo os outros alunos que já tinham dado
aula...
Ao insistirmos mais sobre a relação da formação com a docência ela foi se
lembrando de outras disciplinas, como a Psicologia I, porque o professor conseguia
também fazer esta aproximação com a prática, e a Prática Pedagógica I e II, em função de
uma série de dinâmicas que foram desenvolvidas e que ela utiliza na sua prática
profissional atualmente na escola.
Perguntada se as disciplinas de Biologia faziam alguma articulação com a escola,
sua primeira resposta limitou-se à questão do conteúdo que precisa saber para lecionar.
Mais adiante, no entanto, se referiu a dois professores, um de Zoologia e o outro de
Botânica, que pelo fato de também serem professores do Colégio de Aplicação da UERJ,
faziam associações, dando exemplos do que acontecia na escola. Referiu-se ainda a um
outro professor de Ecologia, cujas sugestões estavam mais voltadas para o ensino médio.
Lembrou também de um projeto desenvolvido em uma escola, numa disciplina do 3
o
período, que considerou muito bom. Outro aspecto que considerou importante foi a
170
realização de trabalhos de campo, o que a ajuda atualmente, quando precisa organizar
atividades fora da escola com seus estudantes.
Augusto, assim como Aline, destaca a relação com a prática, como elemento
essencial para a sua identificação com o magistério. Afirma também que a certeza da
escolha pela carreira de professor veio com a Prática de Ensino, porque no 7
o
período, após
passar pelas diferentes disciplinas pedagógicas e de ensino”
315
, propriamente ditas, já
estava mais amadurecido, o que permitiu que tanto as discussões, quanto as atividades
propostas fossem mais produtivas. Destaca que as maiores contribuições para a docência
vieram das disciplinas que associavam teoria e prática, citando como exemplo, além da
Prática de Ensino, as disciplinas de Psicologia, Metodologia de Ensino de Ciências e
Didática, no âmbito pedagógico.
No âmbito do conteúdo específico, Augusto amplia a visão de Aline, quando
enfatiza a necessidade destes para o seu trabalho. Afirma que é nas áreas cujas disciplinas
apresentaram algum tipo de problema, alguma defasagem, que ele tem maiores dificuldades
para trabalhar. No entanto, ele diz que isto também acaba sendo bom, porque o obriga
sempre a correr atrás, a ir buscar mais conhecimento. Questionado sobre a relação entre a
ciência que se aprende na graduação e a que ensina na escola, uma vez que estava
destacando a “defasagem” de conteúdos em algumas disciplinas, demonstrou que dominar
o conhecimento, no nível da graduação, lhe mais segurança para trabalhar aquele
conteúdo na escola. E exemplifica:
[por exemplo] Trabalhar o reino animal. Se eu for trabalhar todos aqueles
grupos e algum deles, [abordado] aqui na faculdade, naquele estudo mais
aprofundado, eu não fui bem, nas aulas de Ciências, eu não tenho uma âncora,
não tenho uma ligação mais forte que me segurança para trabalhar
determinados conteúdos. Então eu preciso estar mais embasado, para não falar
aquela coisa “da boca pra fora”, estar falando com convicção, com certeza do
que eu estou falando.
Perguntado sobre como ele faz a relação desta “âncora” com o que vai trabalhar na
sala de aula, a receita foi simples:
Primeiro, é conhecer a realidade dos alunos, o que é mais importante, p’ra
saber com quem estou lidando, qual o tipo de linguagem e qual o tipo de
trabalho que eu posso ter. Eu costumo comprar algumas revistas tipo, Ciência
Hoje, Ciência Hoje das Crianças, A Ciência na Escola, a própria Nova Escola.
315
Está se referindo às disciplinas Metodologia do Ensino de Ciências e Metodologia do Ensino de Biologia,
oferecidas, respectivamente, no 5
o
e 6
o
período.
171
Leio artigos que trazem textos simplificados que eu posso, a partir dali, começar
a preparar minha aula, preparar as atividades práticas, as aulas expositivas
também
.
Em sua fala, portanto, Augusto se mostrou autor do seu próprio trabalho, tendo
como base uma série de recursos que estão além do conhecimento que adquiriu na
faculdade, mas que, de certa forma, parte sempre dele.
Com relação ao depoimento de Ana Luísa, a tarefa de resumi-lo se torna muito mais
complexa. Sua vivência em espaços tão diferenciados - a FFP, o laboratório de pesquisa, a
escola e o hospital - demonstra uma maturidade incomum em uma jovem professora.
Reconhece as diferenças entre estes espaços e tem um senso crítico muito desenvolvido em
relação a cada um deles. Também reconhece o quanto o fato de que ser professora a ajuda
como pesquisadora:
Então, tem essa questão de ser um ambiente muito distante, mas, a experiência
como professora me ajuda muito no sentido de..., É essa facilidade p’ra falar,
por exemplo, p ra falar em público. Porque, tem um monte de gente que faz
Mestrado, mas que tem dificuldade p’ra falar, p’ra escrever e eu acho que, como
sou professora, eu estou muito mais acostumada, tanto a falar, quanto a
escrever, leio um monte de coisas p ra depois tentar juntar tudo; juntar tudo às
vezes numa aula, um monte de coisas que eu leio em locais completamente
diferentes. Nesse sentido, eu acho que isso me ajuda bastante.
a relação inversa, de como ser pesquisadora a ajuda na escola, ela associa mais a
uma visão de Ciência que adquiriu nas discussões proporcionadas pelas disciplinas de
graduação e não tanto no laboratório. Isto acaba por diferenciá-la de outros professores da
área, que muitas vezes reproduzem para os estudantes uma idéia de pesquisador como
alguém que sabe tudo e que chega à verdade fazendo uso de um método que lhe garante
resultados precisos. Segundo Ana Luísa, a questão da produção do conhecimento
científico, analisada com base na Filosofia da Ciência, era muito debatida no curso, o que
permite que ela veja o próprio trabalho no laboratório de forma diferenciada de outros
colegas, que também freqüentam e atuam no laboratório: Eu acabo também vendo meu
trabalho no laboratório de uma forma diferente, porque eu também conheço pessoas que
fazem Mestrado, Doutorado e que têm essa mesma visão [se referindo a uma visão de
Ciência como algo pronto, acabado, verdade absoluta]. Quando faz referência à
necessidade de compreender os processos de produção do conhecimento científico, Ana
Luísa se aproxima de alguns dos argumentos apresentados por Soares (2001) e
discutidos. No entanto, Ana Luísa parece reconhecer que o entendimento destes processos,
172
em uma perspectiva mais contemporânea, não é garantido, simplesmente, por meio da
atuação em um laboratório de pesquisa que, muitas vezes, não leva os estudantes a
refletirem sobre estes processos, dando-lhes uma formação meramente técnica.
Ana Luísa demonstra em sua fala estar ainda muito ligada ao que aprendeu na
graduação: Cada vez que eu vou preparar uma aula, eu lembro o que eu aprendi na
Prática de Ensino, por exemplo, na Metodologia de Ensino: eu tenho que começar
questionando, fazendo os alunos pensarem, tentando fazê-los pensar, colocar em
contradição as questões deles, as idéias deles e tal. Segundo ela, os licenciandos ficam
esperando obter respostas, exemplos de situações concretas e respostas para os problemas
que irão enfrentar no cotidiano da escola, mas ela reconhece que esta é uma coisa que não
se aprende no curso de licenciatura e que, portanto, cada professor tem que achar o
caminho para lidar com os estudantes, principalmente em termos de disciplina. Esta idéia
também é próxima da que apresenta Nóvoa (1998), se referindo a uma segunda pele
profissional. Segundo o autor, cada um tem a sua maneira própria de organizar as aulas,
de se movimentar na sala, de dirigir aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos (p. 29).
Mesmo assim, Ana Luísa admite que as discussões que ocorreram durante seu curso
permitem que ela compreenda que a indisciplina dos estudantes não se refere a uma
questão pessoal com ela, mas, em geral, está ligada há muitos outros fatores.
Sobre a organização de sua aula, Ana Luísa diz que busca temas que podem ser
úteis aos seus estudantes na vida prática, como as questões de meio ambiente e de saúde.
Além disso, procura levar atividades que os façam pensar, refletir sobre as coisas, mas
reconhece que esta é uma tarefa muito difícil, porque os estudantes sempre esperam pelas
respostas prontas. Sobre isto, ela declara: Às vezes eles ficam , vindo me trazer
exercícios, isso que: mas professora, copia daqui até onde?” Eu não agüento, eu fico
desesperada. Tem hora que eu paro e dou um desabafo.
Para analisar as falas no que se referem à relação entre os conhecimentos que
adquiriram na graduação e os que ensinam na escola, consideramos fundamental
utilizarmos as bases do conhecimento docente propostas por Shulman (1987),
principalmente o conhecimento de conteúdo e o conhecimento de conteúdo pedagógico,
apresentadas por nós na Introdução deste trabalho. Nossos entrevistados demonstram que
ainda estão muito ligados aos conhecimentos de conteúdo adquiridos na graduação e
apresentam fórmulas simples de como transformá-los em conteúdo de conteúdo
pedagógico a fim de serem assimilados pelos alunos: muito estudo; busca de diferentes
fontes de consulta; e, basicamente, procurar aproximar estes conteúdos daquilo que pode
173
ser útil e próximo à vida de seus alunos. Para entendermos melhor como esta transformação
se processa necessitaríamos ter desenvolvido outras estratégias de pesquisa, o que não
caberia no horizonte de nosso estudo. Cabe apenas destacar que, a produção bastante
vasta no campo das relações entre conhecimento acadêmico e conhecimento escolar ainda
não se fazem tão presentes nas falas dos nossos entrevistados. Isto já era de se esperar, uma
vez que, apesar de vasta, ainda é pouco difundida entre os formadores de professores e,
todo o conhecimento produzido pela academia demora algum tempo para ser introduzido
nas aulas de graduação. Isto sem contar que ainda não contamos com uma produção que
aborde esta questão em uma linguagem mais apropriada para os iniciantes, ainda estudantes
de Licenciatura.
Olhando para o seu curso, Ana Luísa tenta compará-lo ao curso de Ciências
Biológicas da UERJ/Maracanã, que ela conhece pela convivência com os professores e
estudantes no laboratório no qual estagiou e no curso de Mestrado. Nesta comparação,
aponta como problemático o fato da FFP ter uma equipe de professores muito pequena para
lecionar todas as disciplinas do curso. Já o curso de Biologia da UERJ/Maracanã dispõe de
um número muito maior de professores especialistas. Lembra da falta de algumas
disciplinas e a deficiência na área da Biologia Celular e Molecular, cuja carga horária na
FFP é bem menor do que no Instituto de Biologia, sem contar as condições materiais para
realização de aulas práticas. Reconhece que a força do curso na FFP encontra-se na
Zoologia, Botânica e Ecologia e no fato de que algumas disciplinas estarem voltadas para a
questão do ensino na escola básica, o que faz com que o curso se fortaleça enquanto uma
Licenciatura, mas, ao contrário do que declarou Alexandre, isto não faz com que o
conteúdo específico seja tratado com superficialidade. Como exemplo desta articulação ela
citou a Zoologia IV e a Zoologia VI. Com relação à Zoologia IV Ana Luísa enfatiza o
enfoque dado ao conteúdo:
É uma disciplina maravilhosa, porque o professor é perfeito, ele é excelente.
Então, aquele enfoque evolutivo, por exemplo, já faz a gente pensar, ver a
Zoologia de uma forma diferente que a gente não vê, não via em outras
disciplinas. E aí, assim, aquele enfoque que ele na disciplina dele, me deu
base p’ra tentar pensar como ensinar Zoologia para os meus alunos, entendeu?
De uma forma, sem ter que ficar só fazendo os alunos decorarem quantas patas
tem um bicho, quantas asinhas, mas fazer eles pensarem no sentido mesmo, da
evolução, das adaptações, dessas coisas todas.
174
Na Zoologia VI e também em Histologia e Embriologia sua turma desenvolveu
modelos didáticos que Ana Luísa considerou uma estratégia importante de aproximação
com o mundo da escola. Assim, analisa:
Por mais que acabe sendo, mais ou menos, sempre a mesma fórmula, essa coisa,
né, de uma forma diferente de ensinar. Então, seria modelo, jogos, essas coisas
mais assim, mas isso faz a gente exercitar essa questão de: “caramba, como é
que eu vou dar essa matéria quando eu estiver dando aula”, né? Tem que fazer
isso ficar de uma forma, tem que ficar mais simples p’ro aluno, transformar isso
numa coisa mais simples, mais objetiva. [...] Esses trabalhos fazem a gente
exercitar isso, pensar, tentar planejar as coisas pro aluno entender, de uma
forma mais simples, p’ro aluno entender. E de uma forma mais atrativa, mais
divertida; então um jogo didático, uma coisa assim.
Este aspecto levantado por ela, voltado para o método de trabalho em algumas
disciplinas, nos instiga a pensar na mudança do perfil do curso e de sua relação com a
escola. Se no período analisado no Capítulo IV, muitas vezes, ela relação se dava através
dos conteúdos ministrados nas aulas e, pelo que declarou Alexandre, isto também acontecia
nos primeiros anos após a incorporação, atualmente o curso, em suas disciplinas específicas
vem procurando construir outras formas de relação com a profissão docente. E isto não está
mais no “rebaixamento” dos conteúdos ou em abordar temas comuns ao universo escolar,
mas em propor trabalhos de final de disciplina que permitam fazer esta ponte, ou seja, a
perspectiva profissional passou, de certa forma e em alguns casos, do conteúdo para o
método.
Para terminar, gostaríamos de destacar que Ana Luísa viu durante a sua formação e
procura exercitar no seu trabalho um processo de reflexão sobre a sua prática. Sobre isto
ela afirma que:
Uma coisa que aprendi, que eu vejo que me ajuda bastante é essa questão de que
a gente era sempre incentivado a, como professores, investigar a nossa prática o
tempo todo. Então, tem aquela coisa de ficar, de depois que dá a aula, avaliar as
coisas que aconteceram, tentar refletir sobre, sobre o que aconteceu, tentar
entender o que levou aquele aluno a agir daquela forma,...
Os depoimentos aqui registrados indicam o quanto estes jovens professores - e mais
claramente a Ana Luísa - se apropriaram, ao falarem sobre a sua formação e a sua atuação
profissional, do discurso educacional. Esta apropriação, ao que parece, ocorreu ao longo
dos seus quatro anos de graduação, uma vez que as disciplinas por eles citadas como
importantes e/ou marcantes para o trabalho docente foram oferecidas em períodos diversos.
175
Isto, no entanto, não descarta a centralidade da Prática de Ensino como um locus
privilegiado de identificação com o magistério.
Se, ao que parece pelos depoimentos, e apesar das falhas apontadas no curso, estes
jovens professores estão preparados para o exercício do magistério, possuindo uma
formação relativamente consistente, tanto em termos biológicos, quanto em termos
pedagógicos, o leque de possibilidades aberto pela vivência universitária e, de certa forma,
as dificuldades enfrentadas no cotidiano da escola, fazem com que todos os três almejem
conciliar o magistério na escola básica com alguma outra atividade profissional menos
desgastante e mais valorizada socialmente. Poderíamos considerar que isto é apenas um
reflexo das incertezas de principiante, como aponta Huberman (1995). A análise histórica
que procuramos desenvolver neste trabalho, tanto com relação aos processos de
escolarização, quanto de formação de professores, nos indica que não. A princípio diríamos
que o magistério, assim como seu curso preparatório, é uma profissão extremamente
contingenciada pelas pressões da sociedade. Esta afirmação nos remeteria a uma discussão
sobre as condições de exercício da profissão docente, o que não é o nosso objetivo.
Buscamos verificar como o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Faculdade de
Formação de Professores da UERJ vem enfrentando a tensão entre a formação para a
pesquisa em Biologia e a formação para o magistério. Esta tensão, semelhante à gerada na
antiga Faculdade Nacional de Filosofia, nos parece estrutural e, no nosso entendimento,
insolúvel, nas condições históricas atuais. Cabe-nos, então, unir esforços de todas as
naturezas - teóricos, políticos, práticos, e em todos os campos - na universidade, na escola,
nos órgãos de decisões políticas, nas sociedades acadêmicas, para mudar este quadro. E
acima de tudo, acreditar que nossos jovens merecem este investimento e que a mudança é
possível.
V.6 – Perspectivas Futuras para o Curso de Ciências Biológicas da FFP
Como afirmamos no início deste Capítulo, não temos como prever o que acontecerá
no futuro da FFP. No entanto, fizemos esta provocação aos professores entrevistados e
tivemos algumas respostas, ao menos relacionada ao que eles esperam. Um ponto em
comum é que todos desejam melhores condições de trabalho, materializadas em termos de
espaços próprios para o desenvolvimento de pesquisas e orientação dos alunos envolvidos
nas mesmas. Todos manifestaram também um desejo de construir projetos mais coletivos,
176
que integrassem professores de diferentes Departamentos, apesar de reconhecerem as
dificuldades desta construção.
Professora Eleonora destaca a grande mudança quantitativa e qualitativa ocorrida
nos últimos anos e que não foi acompanhada de uma mudança estrutural: A gente cresceu,
[mas o crescimento] em termos sicos e materiais e, principalmente funcional, não foi
proporcional a essa nossa mudança de perfil. Esta professora vislumbra para o futuro a
necessidade de se construir algumas estruturas materiais, físicas, funcionais e, vamos dizer
assim, de normas acordadas, que dêem sustentação para que esse trabalho de qualidade,
comprometida com a graduação, se consolide com centralidade. Como Eleonora
reconhece que a reconfiguração da vida universitária tende a valorizar o individualismo, ela
pergunta: Como é que a gente faz para, coletivamente, produzir bases institucionais que
dêem suporte ao trabalho que é comprometido com as coisas coletivas? Esta possibilidade
de trabalho coletivo, para ela, é o maior patrimônio da FFP, mas que fica muito
prejudicado pela falta de estruturas material e funcional. Ela com preocupação o fato de
alguns departamentos se perceberem como uma faculdade separada e o como parte da
FFP. Por isto ela diz que é preciso construir um processo de autonomia negociada, para
que os espaços de todos sejam respeitados.
A maioria dos professores também manifestou uma preocupação de que o
crescimento e a consolidação dos grupos de pesquisa na FFP não comprometam o projeto
institucional de formação de professores e a graduação, principalmente com a implantação
de cursos de pós-graduação. Professora Érica foi uma delas: [Nos cursos de] pós que se
separavam muito fortemente [da graduação], que deixam de ter tanto vínculo com a
graduação, a formação vai ficando no discurso, não vai ficando no envolvimento, na
carga horária... Vai sumindo um pouco do cotidiano desses professores e a gente deve ter
muito cuidado com isto. o professor César, apontou o mecanismo para que este
afastamento não aconteça: Eu acho que tem que ter um núcleo [conjunto de professores]
que segure isso [se referindo à questão da formação de professores], porque senão, se esse
núcleo se esfacelar este projeto “vai embora” [acaba]. Este professor afirma ainda que este
núcleo tem maior poder de interferir nos rumos da Instituição do que aqueles professores
que são muito especialistas em uma área de conhecimento, porque, em geral, os que
compõem este núcleo participam mais intensamente da vida da Faculdade.
Professor Caio como necessário o equilíbrio entre atividades mais específicas
(individuais) e coletivas: eu acho que [poderia ser criado] mais espaços de troca:
laboratórios que sejam multidisciplinares, [citou como exemplo um laboratório de História
177
Ambiental]; mas também melhorado as condições para que a gente tenha um momento de
pensar nos projetos específicos também. Um equilíbrio entre a fragmentação e a união
total.
Apesar de todos manifestarem o desejo de construírem projetos integrados,
reconhecem as dificuldades desta construção. Tardif (2005) discute as dificuldades de
desenvolvimento de um trabalho coletivo em escolas de ensino básico, a partir da realidade
dos professores do Canadá, que possuem uma dedicação integral à escola. Encontramos
algumas características comuns às duas realidades. O autor aponta que o desenvolvimento
de trabalhos colaborativos é mais desejado do que realmente presente nas escolas. Como
fatores que dificultam o trabalho coletivo Tardif (Idem) destaca: o tamanho do
estabelecimento escolar; a estabilidade do grupo de professores e a qualidade das relações
pessoais, entre outros. Parece-nos que estes fatores também estão presentes na Instituição
que estudamos: houve um grande crescimento no número de professores, o que faz com
que muitos nem se conheçam, portanto, dificultando o estabelecimento de relações
pessoais. Já destacamos anteriormente uma fala do professor Carlos que evidencia
justamente este aspecto. Ao mesmo tempo, o constante ingresso de novos professores e o
grande número de docentes em processo de qualificação (alguns com afastamento total de
suas atividades), faz com que a estabilidade da equipe docente ainda seja frágil. A
qualificação docente gera ainda outra tensão, entre o desejo de aproximação e uma
especialização cada vez maior dos professores, que acaba por afastá-los. Sabemos que
existem outros fatores em jogo, como o que foi levantado pela professora Eleonora, que é
específico da vida universitária, mas como uma instituição educativa, os fatores apontados
por Tardif (Idem) também podem ser utilizados para compreendermos algumas das
dificuldades para a concretização de projetos institucionais coletivos.
Do ponto de vista mais geral da FFP as questões referentes à integração e a
construção de projetos coletivos vêem se tornando um grande desafio, como os dados
apresentados até aqui demonstram. Com relação ao Curso de Ciências Biológicas,
especificamente, dois aspectos merecem destaque, a partir da implantação, neste ano, do
novo currículo. O primeiro diz respeito à criação, nos quatro primeiros períodos, de um
componente curricular chamado Laboratório de Ensino
316
. Estes “Laboratórios” visam
articular o conhecimento acadêmico, o conhecimento escolar e as pesquisas em ensinos de
Ciências e Biologia, procurando aproximar os estudantes, desde o primeiro período do
316
São quatro disciplinas, com 60 horas semestrais cada uma. Ver o Documento Reformulação Curricular
do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas”, de 2005.
178
curso, do universo da escola e atendem à parte das 400 horas destinadas à componente
curricular Prática, prevista pela nova legislação
317
. Ao conhecermos a história da FFP,
reconhecemos nestes Laboratórios” uma aproximação com a idéia original da disciplina
Prática Pedagógica, que, ao contrário do que aconteceu anteriormente, a
responsabilidade pela aproximação com o universo escolar, que cabia ao DEDU quando
elaborou a proposta de ementa e atividades para esta disciplina, passou a caber ao DCIEN.
Seria uma espécie de inversão de papéis entre os dois departamentos, uma vez que o
DEDU passou a não contar mais com disciplinas de caráter prático, além do primeiro
Estágio Supervisionado, a ser oferecido aos estudantes de 5
o
período. Todas as demais
disciplinas obrigatórias do campo educacional, pertencentes ao DEDU, nas Licenciaturas
específicas, contam apenas com carga horária teórica
318
. Como houve até este momento
a execução da disciplina Laboratório de Ensino I, não temos como avaliar os seus
resultados e, como mencionamos anteriormente, não é objetivo do nosso trabalho discutir a
implantação deste novo currículo, mas, no entanto, consideramos pertinente trazermos este
elemento, assim como o que trataremos a seguir.
O currículo novo trouxe um grande desafio: a implantação de monografia de final
de curso denominada no currículo de Projeto em Biologia. A discussão de como esta
questão será enfrentada, no sentido de construir um projeto para a elaboração das
monografias que atenda aos mais diversos interesses presentes no interior do Curso, exigirá
do corpo discente e docente do DCIEN uma grande mobilização e habilidade para enfrentar
os diversos aspectos envolvidos no problema. Ainda não existe uma definição para este
projeto, mas instigamos os nossos entrevistados professores do DCIEN e estudantes a
pensarem como poderiam ou deveriam ser estruturadas as monografias. O que nos
interessava saber era se os sujeitos de nossa pesquisa considerariam válida a produção de
monografias em qualquer área da Biologia ou se considerariam que, para um curso
exclusivamente de Licenciatura esta monografia deveria ser centrada em questões
pedagógicas.
Os professores entrevistados foram unânimes em afirmar que o Departamento não
deveria limitar a monografia às questões pedagógicas. As justificativas apresentadas
centraram-se na questão, apresentada, da diversidade de possibilidades de trabalho que
os estudantes podem vir a desenvolver. Reforça esta visão a posição do Conselho Federal
317
A Resolução CNE/CP 2, de 19 de Fevereiro de 2002 estabelece, em seu Artigo 1
o
, o mínimo de 400
(quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso.
318
Este dado pode ser confirmado através das ementas das disciplinas pedagógicas das Licenciaturas,
presentes no Documento mencionado na Nota 97.
179
de Biologia que considera biólogos tanto os licenciados, quanto bacharéis. Então, mesmo
reconhecendo que as atribuições dos dois profissionais são diferentes, os professores
consideram que a produção de pesquisas em áreas específicas da Biologia é válida e
enriquecedora para os estudantes. A divergência talvez esteja no grau de especificidade que
esta monografia pode ter. Professor Cristiano, por exemplo, argumenta que a monografia
deve envolver algum aspecto humano e social:
Eu acho que a monografia aqui [na FFP] não deve ser sobre algo pesado, essas
coisas puras e tal. Eu acho que tem que ser uma monografia que realmente tenha
comprometimento com a formação. Nesta formação, acho que podemos abrir,
não para a educação formal, como também para a não-formal. Acho que tem
que ter alguma aplicabilidade para a formação humana. Tem que ter algo
social, um retorno para sociedade, né? Para a sociedade.
Professor Caio também não vê necessidade de compartimentalizar, ou seja, de tratar
separadamente o que seria uma monografia de Bacharelado e de Licenciatura. Considera,
no entanto, assim como professor Cristiano, que na monografia deve haver alguma
aplicabilidade para a vida profissional futura como professor. Isto significa que o estudante
deveria pensar em como aplicar aquele tema desenvolvido, mesmo que seja mais
específico, na vida profissional de professor. Assim, este professor declarou que não se
deve cercear o direito do estudante (e do professor orientador) de pesquisar o tema que
achar melhor, mas que é possível convencer os professores orientadores a direcionarem o
trabalho, para que não fique algo esquizofrênico:
O estudante está sendo formado para o magistério numa faculdade de formação
de professores, de repente, está trabalhando com uma especificidade científica
dura, né? Então, não vamos ser tão esquizofrênicos assim. [...] O conhecimento
sobre um determinado pedacinho de alguma coisa e a gente tende a ver a
ciência de uma outra maneira, então, ela pode ser uma coisa mais ampla, mais
holística, mais integrada e tudo mais. Acho que aí é que está a grande diferença,
né? Ao invés de a gente fragmentar, a gente estruturar e enxergar esse todo
assim, se tem algumas pessoas que tem uma visão mais fragmentada, temos que
consegui convencer, o que não é muito simples, mas a gente pode tentar.
Professor Carlos afirma que se a monografia for apenas ligada ao ensino e à sala de
aula ele próprio não teria condições de orientar. Por outro lado, afirma que não orientaria
um estudo exclusivamente morfológico ou estritamente taxonômico, porque não atenderia
ao trabalho que ele procura fazer, voltado para a interpretação ambiental. Nesta parte,
180
segundo ele existe a possibilidade de fazer trabalhos ligados ao meio ambiente, onde você
vai detectar problemas, até estruturais, ou ligados à educação ambiental ou ao
saneamento e que muitas vezes o professor vai ter que atuar nessas áreas. Então não me
vejo atuando diretamente em educação, mas também não é totalmente excludente. Ainda
assim, considera que se o aluno faz um estágio fora, mesmo que muito especializado, e
quiser aproveitar o trabalho desenvolvido para a monografia não se deve proibir, até
porque a equipe docente do DCIEN é pequena para atender à demanda dos alunos.
Um dado interessante a ser destacado é que os professores entrevistados não
levantaram a hipótese de um professor de um outro departamento da própria FFP orientar
uma monografia do Curso de Ciências Biológicas, como por exemplo, do DEDU. Isto
sugere que prevalece uma visão de que apenas o DCIEN é responsável por este Curso e,
conseqüentemente, por seus alunos. Outro dado que merece destaque é que apenas o
professor Carlos pensou na possibilidade de implantação de um curso de Bacharelado. Ele
reconhece que não diferença entre a formação que o curso de Licenciatura da FFP
oferece e um curso de Bacharelado, principalmente após a implantação da monografia. Vê,
no entanto, um impeditivo legal, já que a legislação tende a separar os dois cursos. Ao final
da entrevista, aventou a possibilidade de se criar o curso de Bacharelado, separadamente,
no turno da manhã. A formação e o depoimento deste professor parecem manter uma certa
coerência, porém, poderíamos perguntar: se não diferença na formação e nem
impeditivo de atuação profissional, por que haveria expectativa em relação à criação de
Cursos de Bacharelado? Esta é uma questão que ficou escamoteada nos nossos dados e que
mereceria uma investigação mais aprofundada.
Se por um lado os depoimentos dos professores dividiram-se entre a defesa de uma
monografia com contornos mais próximos do bacharelado e outra da licenciatura, a visão
demonstrada pelos estudantes não expressou esta dicotomia. Os depoimentos,
principalmente daqueles que construíram uma formação mais especializada, apontaram
para uma monografia voltada para as questões da docência e do ensino. Esta foi a posição
defendida tanto por Álvaro, quanto por Aline. O primeiro disse que se tivesse que elaborar
uma monografia tentaria reformular o trabalho que teve no laboratório para a realidade da
FFP, voltando-o para o ensino e para a escola. Argumentou que o material final do curso
seria muito legal e que valeria à pena. Cabe destacar que Álvaro foi o único estudante a
mencionar a possibilidade de uma orientação feita por um professor do Departamento de
Educação.
181
Aline respondeu que o interessante seria a monografia voltada para o ensino,
poderia até ser o ensino de Biologia Celular, por exemplo, porque, senão, seria igual a um
trabalho de quem faz Bacharelado. Além disso, declarou que, seria mais uma oportunidade
que o aluno tem de verificar se é esta a área que ele quer seguir mesmo.
Augusto, por sua vez, respondeu que os dois tipos de monografia seriam
interessantes para o professor, porque para ele o domínio do conhecimento específico é
muito importante para que o professor faça a transformação deste conteúdo para as
condições de ensino. No entanto, ele diz que se o tema for muito específico, deve se esperar
que o estudante domine uma parte mais ampla do que exatamente aquilo que ele estuda. E
deu um exemplo: genética – o estudante está falando lá de uma determinada proteína, mas
ele deve entender também de duplicação de DNA, divisão celular, então, na minha visão
ele precisa dominar uma parte maior do que aquilo que ele está estudando.
As intrigantes questões apontadas acima, decorrentes da implantação do novo
currículo, merecem um estudo posterior. Tais questões surgem, no contexto desta pesquisa,
como altamente sugestivas da tensão instaurada no curso estudado ao longo desta tese. É
preciso considerar que a visão do estudante se modifica após a sua atuação docente,
entretanto, suas falas refletem suas expectativas e as formas como vivenciaram parte das
tensões que circulam na instituição e, particularmente, no interior do curso. Embora não
possamos enfrentar esta discussão mais profundamente neste momento da tese, até porque
o novo currículo acabou de ser implantado - o material aqui apresentado configura-se em
hipóteses a serem investigadas futuramente.
182
PARTE IV
O QUE NOS INDICA ESTE
ESTUDO
183
CAPÍTULO VI
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de iniciarmos uma síntese do trabalho desenvolvido, articulando os dados
apresentados e discutidos com as questões e objetivos de nossa pesquisa, consideramos
importante fazer algumas reflexões sobre o caminho percorrido, as dificuldades
encontradas e as mudanças de rumo que acabamos por realizar.
Como apontamos no Capítulo IV pretendíamos circunscrever o nosso trabalho
basicamente no campo da formação de professores, particularmente, em cursos de
Licenciatura, em que a formação disciplinar adquire centralidade. Considerávamos
importante esta opção devido a um entendimento de que a literatura sobre estes cursos é
ainda escassa, em comparação com a que trata de questões mais gerais da formação
docente. Desta forma, pretendíamos construir um trabalho teórico e empírico que apontasse
para a identidade disciplinar do curso de Ciências Biológicas. Decorre daí a ênfase
colocada nas trajetórias formativas voltadas para a pesquisa biológica, pois era nossa
184
intenção investigar a fundo o envolvimento de licenciandos nestas atividades e as
implicações para a atividade profissional futura como professor da escola básica.
Ao iniciarmos o estudo, nos deparamos com alguns questionamentos: o que
significa formar? Como os modelos formativos de professores se constituíram no Brasil?
Como estes modelos se relacionam com as questões mais amplas da sociedade à qual se
articula? Instigados por eles, fomos
319
enveredando por um caminho que buscava recuperar
historicamente a gênese da formação de professores em nosso país. Este primeiro momento
resultou na produção dos Capítulos II e III desta tese e na publicação de um trabalho
coletivo da equipe de pesquisa sob a supervisão de nossa orientadora (Andrade, Ayres e
Selles, 2004). Procuramos ainda compreender a legislação que estabeleceu profundas
mudanças no modelo formativo até então em vigor e em suas conseqüências,
particularmente, para os cursos de Ciências Biológicas e História. Com esta perspectiva,
além do trabalho citado, produzimos ainda outros (Andrade; Ferreira; Vilela; Ayres e
Selles, 2004 e Ayres, 2005).
Assim, abandonamos a idéia inicial de centrarmos nosso estudo empírico em uma
análise verticalizada da formação docente, particularmente, a realizada no Curso de
Ciências Biológicas da FFP nos últimos anos, confrontando-a com a perspectiva
apresentada pela nova legislação, para investirmos em uma análise horizontalizada,.em
sentido temporal, buscando entender como se constituíram historicamente as tensões entre
uma formação mais profissional e uma formação mais acadêmica no curso em questão.
Para realizarmos esta empreitada, tivemos que ampliar o nosso referencial de análise, uma
vez que, os estudos de natureza sócio-histórica do currículo e de cultura escolar nos
pareceram mais pertinentes a este estudo.
Do ponto de vista metodológico, a mudança de percurso nos obrigou a fazer uma
análise mais aprofundada da história da FFP, envolvendo um conjunto de fontes
documentais e orais, procurando compreender as relações históricas entre os contextos
mais amplos, relacionados com a política educacional nacional e os interesses dos governos
estaduais no decorrer do tempo, com o contexto interno da própria FFP, através do jogo de
forças entre seus diversos componentes organizacionais (Direção, Congregação, Conselho
319
E aqui estamos nos referindo a um processo coletivo que envolveu, inicialmente, o meu colega de
doutorado Everardo Paiva de Andrade e alguns alunos de graduação e, posteriormente, a mestranda Danielle
Tavares e a colaboração da Prof. Márcia Serra Ferreira e, obviamente, a nossa orientadora Prof. Sandra
Selles, no âmbito do Grupo de Pesquisa sobre a Formação Inicial de Professores e Processos de Produção
do Conhecimento Escolar do campo de Confluência Ciências, Sociedade e Educação do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFF, por ela coordenado. Mais tarde uniram-se ao grupo os doutorandos
Mariana Lima Vilela, Maria Margarida Gomes, Luiz Fernando Marques Dorvillé e o mestrando Maicon
Azevedo.
185
Departamental e Departamentos), cursos e sujeitos (professores e estudantes). Produzimos,
assim, um conjunto de dados que foram fartamente apresentados nos Capítulos IV e V
deste trabalho. Desta forma, nosso estudo se constitui em uma mesoabordagem, que
articula os planos de macro e de micro-escalas.
É preciso considerar ainda o nosso envolvimento pessoal e profissional com a
Instituição e o curso que estudamos. Este fato trouxe implicações importantes para a
pesquisa que não podemos desprezar. No entanto, buscamos, dentro dos limites de nosso
envolvimento natural com o objeto de estudo, manter um distanciamento crítico em relação
aos discursos produzidos, evitando idealizá-los em detrimento da compreensão da lógica
intrínseca em que emergem. Ao mesmo tempo entendemos que a riqueza de abordagens e
dados produzidos neste trabalho foi possível a partir de um envolvimento direto com o
objeto estudado. Deste modo, procuramos equilibrar, também na própria elaboração desta
tese, as tensões relativas a essas duas tendências, justamente trazendo para o texto o
confronto entre as diferentes fontes, procurando construir uma narrativa tomando por base
o que Burke (1992) chamou de história dos acontecimentos.
Assim, desprezamos perspectivas de pesquisa que primam pela pretensa
“neutralidade” do pesquisador frente ao objeto pesquisado, entendendo que, em toda
atividade de pesquisa, a produção de conhecimento se na relação entre sujeito e objeto.
Um trecho da obra de Geertz aponta para o que estamos tentando dizer:
Nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras
pessoas, (...) a maior parte do que precisamos para compreender um conhecimento
particular (...) está insinuada como informação de fundo antes da coisa em si mesma
ser examinada diretamente. (...) Bem no fundo da base fatual, a rocha dura, se é que
existe uma, de todo o empreendimento, nós estamos explicando e, o que é pior,
explicando explicações (1989, p. 19).
Neste sentido, compreendemos que outras explicações são possíveis com base nos
mesmos dados que produzimos. Isto, no entanto, não invalida o nosso trabalho, uma vez
que estas outras explicações também serão passíveis de re-interpretações. Também não
significa que estamos apostando em um relativismo exacerbado. A interpretação que
realizamos dos nossos dados está fundamentada em perspectivas teórico-metodológicas
bastante definidas e não deram sentido às nossas explicações, como também permitiram
a construção de uma descrição densa de nosso objeto de estudo. Assim como a Nova
História mostrou ser possível realizar releituras de alguns registros oficiais (Burke, 1992), a
186
partir de nossa leitura, outras leituras serão possíveis, com base em outros referenciais
teórico-metodológicos. Assim, o conhecimento se transforma como também abre a
possibilidade de transformação do próprio objeto de análise.
A partir dessas considerações, daremos prosseguimento nesta seção que encerra o
trabalho que ora apresentamos, verificando até que ponto o nosso estudo responde às
questões inicialmente propostas e a seus objetivos, seguindo-se de algumas considerações
de natureza mais geral para a formação docente e, por último, apontando algumas
perspectivas de pesquisa futuras que possam dar continuidade a este estudo.
Ao reconstruirmos a história da Faculdade de Formação de Professores e do
Curso
de Licenciatura Curta em Ciências até a sua transformação no Curso de Ciências
Biológicas que a FFP apresenta hoje verificamos como esta história está entrelaçada à
história da formação docente no Brasil. Este entrelaçamento se expressa não somente pelo
significado da sua implantação para a execução de uma política educacional de expansão
da escolarização e da formação de professores, tal como ocorreu na década de 1970, por
meio da Lei 5.692/71 e das Resoluções delas decorrentes, como também pela
implementação de um modelo formativo que, embora não estivesse centrado no
consolidado modelo “3 + 1”, mantinha uma perspectiva aplicacionista e tecnicista,
hegemônica tanto no meio acadêmico, quanto na legislação que regulava os cursos de
formação de professores. O aspecto “inovador”
320
estava centrado na forma de estruturação
do curso, com as disciplinas pedagógicas seguindo concomitantemente às disciplinas
específicas. No caso específico da Licenciatura Curta em Ciências, este aspecto “inovador”
estava ainda na forte influência do chamado “movimento de renovação do ensino de
Ciências” (Krasilchik, 1987), que informava a elaboração dos programas das disciplinas,
fundamentalmente, às da área de Biologia.
Como uma instituição de nível estadual as influências a FFP estava submetida não
se referiam apenas às questões de ordem nacional. Esta instituição esteve também - e
principalmente marcada pelas pressões dos diferentes governos estaduais, ainda mais
instáveis, que conferiram a ela uma sucessão de crises. Sua sobrevivência institucional,
então, esteve sempre condicionada a um processo de luta constante de sua comunidade que
320
Estamos nos referindo ao caráter “inovador”, porque estamos comparando os cursos da FFP com os
cursos das universidades públicas, de Licenciatura Plena, que se pautavam na lógica do modelo 3 + 1. Como
não fizemos um estudo comparativo entre os vários cursos de Licenciatura Curta do Estado do Rio de
Janeiro e do Brasil, não podemos afirmar até que ponto esta inovação originava-se na própria instituição ou
era comum nestes aos cursos naquela época – o que, sem dúvida, é o mais provável, ao menos para a área de
Ciências, devido ao movimento de renovação a que nos referimos. Por isto estamos usando as aspas.
187
entendia a relevância social da existência de uma faculdade pública (ainda que, em seus
primeiros anos, os alunos pagassem mensalidades) naquela região.
Na tensão gerada entre os interesses internos e externos destacamos o período no
qual a FFP esteve ligada ao Complexo Educacional de São Gonçalo, na década de 1980.
Este período, muito conflituoso, marca uma espécie de “ensaio” do projeto de criação do
Instituto Normal Superior, quando Darcy Ribeiro, a nosso ver, tenta resgatar o projeto de
Anísio Teixeira, ao tempo da implantação da Universidade do Distrito Federal, com a
centralidade na Escola de Educação
321
. Este “ensaio” fracassou naquela ocasião, mas foi
retomado por Darcy Ribeiro, quando da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei 9.394/96.
Do ponto de vista curricular, a trajetória da FFP e do Curso de Ciências Biológicas
é marcada por permanências e rupturas. Destacamos o poder de articulação e negociação
interna da Instituição para, mesmo com a transformação dos seus Cursos em Licenciatura
Plena, não modificar a sua estrutura curricular básica, mantendo as disciplinas pedagógicas
dispostas ao longo do curso. É interessante destacar ainda, a estratégia discursiva
produzida, fundamentalmente, pelo Departamento de Educação, quando da incorporação à
UERJ, para manter a identidade dos cursos frente às pressões que sofreu dos setores
hegemônicos desta Universidade. Esta estratégia discursiva que prezava pela manutenção
da autonomia curricular da Instituição, funcionava internamente como um forte argumento
para convencer setores discordantes, de que isto era necessário para a manutenção da
própria FFP.
Outro aspecto que ainda permanece na FFP é a atuação dos seus estudantes, como
professores, na escola básica ainda durante o seu processo de formação. Este aspecto,
presente desde as primeiras turmas, acaba por suprir um certo “afastamento” da escola pela
via da “institucionalização” das micro-classes como espaço de estágio e leva a uma
“profissionalização” precoce. Assim, o espaço privilegiado para a elaboração de uma visão
crítica do trabalho na escola não é, para muitos estudantes, as disciplinas de Prática de
Ensino, mas a relação individual com seus próprios colegas que vivenciam a mesma
situação
322
.
321
Este é um tema que merece um estudo detalhado que, pela abrangência desta tese, não foi possível
aprofundar.
322
Nos últimos anos, com a realização de concursos específicos para professores para a área de “Ensino de”,
um grupo de professores de Prática de Ensino tem optado pela realização de estágios nas escolas da
comunidade, apesar de todas às dificuldades advindas desta opção.
188
Ainda do ponto de vista curricular é interessante destacar o processo de disputa
interna entre os departamentos específicos e o Departamento de Educação pelo domínio da
formação profissional, pela via das disciplinas que fariam, ao menos tradicionalmente, a
aproximação com a escola. Encontraram-se em disputa no decorrer da história da FFP as
disciplinas Instrumentação para o Ensino, Metodologia de Ensino, Prática Pedagógica e
Prática de Ensino. As estratégias utilizadas pelos setores envolvidos nesta disputa reforçam
a perspectiva defendida por Goodson (1997 e 2003) que define o currículo como uma
construção social, procurando desnaturalizá-lo. Como demonstramos no Capítulo V, a
transferência das disciplinas Prática de Ensino II e III para os departamentos específicos
foi um grande marco do ponto de vista curricular e trouxe como conseqüência profundas
mudanças no perfil dos departamentos, particularmente no Departamento de Ciências, ao
levar para seu interior a tensão entre a formação acadêmica em Biologia e a formação para
a docência na escola básica.
Outra mudança também tão importante quanto a mencionada acima foi o ingresso
de professores de Biologia com formação acadêmica fortemente constituída. Estes
professores, inicialmente, atendiam a uma demanda dos estudantes de Ciências Biológicas
por uma formação mais profunda do ponto de vista científico. Porém, este ingresso foi
gerador de novas tensões, seja com a Administração Central da UERJ pela busca de
materialidades que fosse ao encontro de seus desejos de pesquisadores -, seja internamente
por se depararem com uma necessidade que não haviam pensado, nem se preparado
anteriormente, qual seja, formar professores de Ciências e Biologia. Para alguns, isto não
significou mudança alguma em sua forma de trabalho, tanto docente, quanto de
pesquisador. Estes se mantêm, de certa forma, descolados do que seria a missão da
Instituição, envolvendo-se pouco nas atividades coletivas propostas por esta. Como diz
Tardif (2002) a indiferença e o desapego do professor em relação ao seu próprio trabalho
pode ser também um processo doloroso e contraditório. Assim, talvez não seja fácil
manter-se na posição em que se encontram.
Outros professores procuraram adequar-se não às condições físicas e acadêmicas
da FFP, mas também às condições impostas pela sua própria localização, na periferia da
Metrópole. Daí decorre um processo de adaptação à realidade de uma faculdade que forma
exclusivamente professores como também de uma faculdade localizada em um município
pobre. Em nosso trabalho, estes dois fatores se expressaram nas falas dos entrevistados ao
se referirem à produção de uma Biologia mais humana, ou seja, com uma forte implicação
social. Esta é uma marca curricular importante do Curso de Ciências Biológicas e de
189
diversos projetos desenvolvidos por professores e estudantes. Alguns professores do
DCIEN encontraram na realização de diversos projetos extensionistas e na proposta de
desenvolvimento de projetos didáticos no interior das disciplinas de conteúdo específico
que ministram estratégias viáveis de adequação à FFP.
Os estudantes, por sua vez, também enfrentam esta tensão, mesmo aqueles que
ingressaram no curso desejando se tornar professores como foi o caso de Ana Luísa.
Como declarou o professor Carlos em sua entrevista, o aspecto prático da Biologia encanta
muito mais os estudantes, do que as discussões teóricas da Educação. Além disso, a mística
do biólogo atuando no laboratório ou no campo – de jaleco branco, como disse Alexandre –
é muito forte para os estudantes. Assim, independente de suas opções iniciais, são raros os
estudantes que, em algum momento de seus cursos, não se envolvem em atividades de
pesquisa voltadas para a Biologia propriamente dita. Desta forma, constroem trajetórias
formativas muito variadas, convivendo, harmoniosa ou conflituosamente, com as várias
perspectivas formativas a que é oferecida pelos professores de Biologia mais
“tradicionais”; aquelas oferecidas por professores de Biologia que desenvolvem projetos
“mais humanos”; as desenvolvidas nas disciplinas pedagógicas; nos diversos laboratórios e
instituições de pesquisa que freqüentam; nas escolas e pré-vestibulares comunitários que
lecionam; no movimento estudantil da FFP e nos embates com a Administração Central da
UERJ, com todas as suas implicações políticas, partidárias ou não.
Se este processo é tensionado no decorrer do curso, é na realização da Prática de
Ensino específica que muitos se dão conta que serão professores, sendo, para aqueles que
permaneceram apenas nos laboratórios, o principal contato com a realidade da profissão.
Daí que os estudantes entrevistados se referiram à esta disciplina como a responsável pela
sua opção por ingressar no magistério, mesmo que mantenham suas atividades acadêmicas
no campo da Biologia “dura”.
Não podemos negar que estas trajetórias formativas variadas que os estudantes
forjam no decorrer de seu curso são muito ricas e, mesmo que não tenham relação direta
com o magistério, são fundamentais para “abrir os horizontes” destes jovens que - assim
como a maioria dos alunos das escolas públicas tem na escola a única oportunidade de
acesso ao conhecimento dito universal e valorizado socialmente têm na universidade,
acessada a partir da FFP, uma das poucas oportunidades de contato com um universo de
discussão de idéias, de lidar com o contraditório, de construir uma visão crítica de mundo;
enfim, de contato com um mundo do qual se encontravam excluídos, o que restringia as
190
possibilidades de entender esse mundo em boa parte de sua complexidade. Isto, do nosso
ponto de vista, torna-os pessoas e profissionais mais autônomos e críticos.
ainda um aspecto diretamente relacionado à formação docente em Ciências
Biológicas na FFP que precisamos destacar. Trata-se de uma certa aproximação entre as
experiências dos estudantes durante a realização do curso e o universo da escola, não pela
via dos conteúdos e métodos abordados anteriormente, mas de uma cultura institucional
que é mais próxima do que ocorre em escolas do que em universidades consolidadas e que
se materializa na construção de relações muito próximas entre os estudantes de diferentes
cursos, como também entre os estudantes e os professores. Os estudantes entrevistados
foram unânimes em reconhecer que esta é uma característica especial da FFP, que eles não
vêem em outras instituições que freqüentam. Tanto os estudantes, quanto os professores
entrevistados valorizaram este aspecto. Se aliarmos a esta convivência mais próxima o
caráter mais humano da Biologia temos uma aproximação muito grande entre a vivência
no processo de formação e o que enfrentarão no futuro, como professores. Este talvez seja
um diferencial importante e também mereceria ser investigado com mais profundidade
posteriormente. Durante muito tempo, a FFP, assim como a UERJ antes dos anos de 1990,
foi considerada um “escolão”. Isto, obviamente, tem um sentido pejorativo para uma
Instituição que procura se afirmar no cenário universitário estadual e nacional. Talvez,
como indicam nossos dados, do ponto de vista da formação docente, esta aproximação com
o mundo da escola, sem usarmos o termo pejorativo, seja um fator relevante.
Isto nos remete a uma discussão mais ampla que está relacionada com o sentido que
a própria universidade vem tomando hoje, marcada por exigências mercadológicas e
sufocada por uma lógica de avaliação por produtividade. Os critérios que regem esta
avaliação não são adequados para “medir” a produção em uma instituição que forma
exclusivamente professores, com forte “vocação” extensionista. Desta forma, nos parece
que, quanto mais o corpo docente da FFP avança em qualificação e busca equiparação em
termos de avaliação com outras Unidades Acadêmicas da UERJ, mais se afasta do que tem
de mais produtivo em termos de formação de professores. Santos (2004), ao fazer a crítica
da reforma universitária em curso e apontar alternativas democráticas e emancipatórias
para esta reforma, aponta que, a avaliação quantitativa e externa que vem sendo feita sobre
o trabalho dos professores universitários, tanto em termos de docência, como de pesquisa,
deixa
191
De fora o desempenho de quaisquer outras funções, nomeadamente as de
extensão por mais relevantes que sejam no plano social. No caso da pesquisa,
centra-se no que é mais facilmente contabilizável através de técnicas
bibliométricas que diferenciam tipos e locais de publicação ou o impacto das
publicações medido por índices de citação. Nas áreas de extensão, menos
facilmente quantificáveis, pouca avaliação tem sido feita e quando ocorre tende
a privilegiar as relações universidade-indústria e a centrar-se em critérios
quantitativos, como, por exemplo, o número de patentes. (Santos, 2004, p. 105).
Esta nos parece uma questão central a ser enfrentada pela Faculdade de Formação
de Professores que também materializa a tensão entre a perspectiva profissional e
acadêmica. Como se adequar a estes critérios de avaliação e competir, com igualdade de
condições, com outras Unidades Acadêmicas da UERJ ou com outras instituições
universitárias e de pesquisa sem colocar em risco o projeto de formação de professores tão
caro à história da FFP? Eis uma pergunta para a qual não se tem resposta.
Outra questão que gostaríamos de discutir aqui é que, por mais que a formação
inicial docente possa ser melhorada – e não quer dizer que desprezemos a importância disto
– a docência propriamente dita continua sendo contingenciada por fatores que extrapolam o
processo formativo. Os estudantes entrevistados professores formados e em exercício
profissional nos deram várias mostras de o quanto o exercício da profissão docente é
desgastante, requerendo envolvimento pessoal, saber lidar com uma série de adversidades e
burocracias, que visam o controle estatal da profissão e a perda da autonomia profissional.
Discutimos estas questões em vários momentos do trabalho, com base em autores como
Tardif e Nóvoa. Estes fatores levam os jovens professores a buscarem ou a sonharem com
outras atividades profissionais – como o magistério no ensino superior, por exemplo.
Acreditam que assim estariam livres dos problemas que enfrentam no cotidiano da escola e
seriam ainda mais valorizados social e financeiramente. Isto nos remete, mais uma vez, a
compreender, tanto a formação, quanto a profissão docente, em termos históricos e a
buscarmos estratégias formativas que, além de contribuir para formar melhores professores,
possam também prepará-los para enfrentar e modificar politicamente esta situação. Uma
perspectiva de formação que assimile a rotina escolar, sem, no entanto, abrir mão de uma
formação teórica e política, pode potencializar a perspectiva de fortalecimento da profissão
docente.
Retomando o argumento central desta tese, afirmamos que, embora a aproximação
da escola seja um elemento constitutivo importante da formação docente, não se pode
desprezar a força do componente disciplinar neste processo. Os depoimentos dos
192
estudantes nos mostraram o quanto eles se sentem professores e, ao mesmo tempo,
biólogos. O que defendemos nesta tese é que este modelo de formação docente, centrado na
disciplina, é o elemento que fundou as Licenciaturas no Brasil e se constitui,
historicamente, como um fator estruturante destes cursos. Sendo assim, ao cursarem a
Licenciatura em Ciências Biológicas na FFP - para nos circunscrever apenas ao caso em
estudo, mas que pode não ser exclusivo desta instituição - constroem identidades múltiplas
que vem a enriquecer a identidade profissional docente. Portanto, não será apenas uma
legislação que mudará esta condição. Esta mudança, se é que ela deve ocorrer, terá que vir
acompanhada de um investimento maciço na valorização da profissão e, principalmente, da
autonomia do professor, para que se sinta produtor de seu próprio trabalho.
Desde o final dos anos de 1990 temos assistido a produção e execução no país de
políticas aligeiradas de formação de professores - em formatos diferentes, mas que podem
ser considerados mais comprometedores do que os que ocorreram na década de 1970. Em
um momento em que camadas mais desprivilegiadas econômica e socialmente atingem o
ensino superior e, dentro deste, os cursos de Licenciatura, há que se investir em uma
formação cada vez mais consolidada para que possamos realmente dar um passo
consistente na direção da melhoria da qualidade do ensino da escola básica. O estudo
histórico de um caso de formação docente institucional mostrou-se produtivo para ampliar
a compreensão da formação de professores em cursos de Licenciatura. Assim, sem
pretender defender o modelo apresentado neste trabalho como o “ideal”
323
, esperamos que
nosso estudo possa, ao menos, contribuir para o debate que está posto.
Para concluir, além das possibilidades de continuação da pesquisa apontadas
anteriormente, nos parece que investir mais intensamente em estudos das instituições
formadoras e da trajetória formativa e profissional dos egressos destas instituições, em
bases sócio-históricas, se constitui em um rico programa de pesquisa.
323
Ao contrário, os estudos sócio-históricos, como o que realizamos, apontam para a necessidade de
compreender as especificidades de cada instituição, com seus limites e avanços, portanto, dificultam o
estabelecimento de um modelo único.
193
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núcleo-comum para os currículos do ensino de e 2º graus, definindo-lhe os objetivos e a
amplitude. Disponível no sítio do Senado Federal
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cursos de licenciatura plena e de licenciatura de 1
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grau, para as disciplinas de 1
o
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grau. Disponível no sítio do Senado Federal
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RESOLUÇÃO CFE 30, de 11 de Julho de 1974. Fixa o currículo mínimo e a duração
dos cursos de licenciatura de 1
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grau e de licenciatura plena em Ciências. Disponível no
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curso de licenciatura em Ciências, a que se refere à Resolução 30/74. Disponível no
sítio do Senado Federal (http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/legisla/).
RESOLUÇÃO CFE, 05/78, de 17 de Janeiro de 1978. Adia, até ulterior deliberação, o
prazo estabelecido no artigo da Resolução 37/75 para a implantação obrigatória da
Licenciatura em Ciência a que se refere a Resolução 30/74. Disponível no sítio do
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Conselhos Federal e Regionais de Biomedicina e de Biologia. Disponível no tio:
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PARECER CNE/CP 28/2001, de 2 de outubro de 2001. nova redação ao PARECER
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Ciências – 1973-1974.
FFP – Livro de Atas do Conselho Departamental, 1973-1979.
FFP – Livro de Atas do Departamento de Ciências Exatas e da Natureza, 1973-1979.
FFP – Livro de Atas da Congregação, 1973-1987.
FFP - Livro de Registro dos Termos de Visita dos Inspetores do Departamento de Ensino
Médio e Superior da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro
(DEMS/SEC-RJ) (Livro I), 1973-1984.
FFP – Livro de Atas do Departamento de Educação, 1980-1992 e 1992-1999
PARECER CEDERJ/CÂMARA DE ENSINO DE 3º GRAU Nº 243/76, de 05 de agosto de
1976. Sobre reconhecimento dos cursos ministrados pela Faculdade de Formação de
Professores do Estado do Rio de Janeiro. PROCESSO Nº 03/100.787/76.
CETRERJ/FFP. Conjunto de Programas do Currículo do Curso de Licenciatura Curta em
Ciências – 1975?-1977.
PARECER CEDERJ/CÂMARA DE ENSINO DE GRAU 11/78, de 24 de janeiro de
1978. Autorização de conversão de cursos de Licenciatura de 1
o
Grau em Licenciatura
Plena nas áreas de Letras e Ciências. PROC. Nº 2.144/77 – CDRH.
CDRH/FFP - Regimento da Faculdade de Formação de Professores. Aprovado pelo
CEDERJ pelo Parecer Nº 338/80.
CETRERJ/FFP. Conjunto de Programas do Currículo do Curso de Licenciatura Curta em
Ciências e Plena em Biologia – 1978-1983.
PARECER CEDERJ/CÂMARA DE ENSINO DE GRAU 339/80, Reconhecimento
do Curso de Licenciatura Parcelada Experimental da Rede Estadual de Ensino, não
titulados em Ciências e Matemática. PROCESSO OF. N° 42/SE/3° GR/79.
CDRH/FFP. O Estágio Supervisionado na Faculdade de Formação de Professores do
CDRH: uma experiência em forma de laboratório real e controlado. 1980.
PARECER CEDERJ/CÂMARA DE ENSINO DE 3º GRAU Nº 742/82, de 23 de dezembro
de 1982. Reconhecimento da conversão dos Cursos de Licenciatura em Primeiro Grau em
Licenciatura Plena de Letras e Ciências da Faculdade de Formação de Professores da
FAPERJ. PROCESSO Nº E-03/102.141/80
PARECER CEDERJ/CÂMARA DE ENSINO DE GRAU 358/84, 03 de maio de
1984. Aprova os currículos plenos do Curso de Letras (habilitação Português – Literaturas
206
da ngua Portuguesa e Português Inglês) e Ciências (Habilitação Matemática e
Biologia). PROCESSO Nº: E-03/100.316/84
FAPERJ/FFP. Conjunto de Programas do Currículo do Curso de Licenciatura Plena em
Ciências, Habilitação: Biologia – 1984-1990.
FFP Relatório da Comissão Designada pela Presidência da FAPERJ para Reestruturar a
FFP e Integrar as Unidades do Complexo Educacional de São Gonçalo. Datado de
30/08/85.
FFP Livro de Atas de Reuniões entre os Diretores das Unidades do Complexo
Educacional de São Gonçalo, 1985.
DELIBERAÇÃO UERJ 30/90, de 28 de dezembro de 1990. Cria o Curso de Ciências
Biológicas – Habilitação Licenciatura.
UERJ/FFP. Conjunto de Programas do Currículo do Curso de Ciências Biológicas –
Habilitação Licenciatura – 1991-2005.
UERJ/FFP - Processo de reconhecimento do Curso de Ciências Biológicas da FFP,
encaminhado ao Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, em 1993.
HEES, M. P. das N. (Org.) Colégio de Aplicação: possibilidades e limitações. São
Gonçalo, RJ: Editora da UERJ, 1994.
UERJ/FFP/DEDU. Perfil dos alunos da FFP – Relatório, 1996.
UERJ/Sub-Reitoria de Graduação. Evolução Histórica: período 92/1 à 98/2, 1998.
UERJ/FFP/DCIEN. Reformulação Curricular do Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas. Documento encaminhado e aprovado pelo Conselho Superior de Ensino e
Pesquisa (CSEP) da UERJ, 2005.
UERJ/FFP. Diagnóstico da FFP. Documento produzido pela Direção da FFP e apresentado
à Comissão Permanente de Avaliação – CPA/UERJ, 2006.
UERJ/CETREINA - Sistema UERJ de Ensino, Pesquisa, Extensão e Empregabilidade.
2006.
207
APÊNDICES
208
APÊNDICE I
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURA COM PROFESSORES QUE
VIVENCIARAM O PERÍODO ANTERIOR À UERJ
1 Qual a sua formação? Como e quando você veio trabalhar na FFP? Trabalhava em
outras instituições? Como os professores eram selecionados para atuar na FFP? Eles tinham
que perfil? Este perfil foi mantido até quando?
2 A FFP foi criada para atender a lei 5692/71, certo? Porque ela foi criada logo em São
Gonçalo? O que diferenciava o projeto da FFP de outras universidades?
3 O que o corpo docente pensava sobre a formação de professores? Havia este tipo de
discussão aqui? Promovida por quem? Sempre existiu até hoje? Qual era a demanda dos
professores de Biologia? O que faziam para conseguir atender a estas demandas?
4 E o perfil dos alunos? Eram pessoas que atuavam como professor e não tinham
formação? Ou eram jovens em busca de ensino superior? O que eles vinham buscar? O
magistério sempre foi o horizonte deles?
5 Na década de 1980 houve muita discussão sobre a licenciatura curta. Não encontrei
registro da participação desta unidade nos debates promovidos pela SBPB (tem até da
Faculdade da Região dos Lagos). Vocês participavam desta discussão? Que posição era
hegemônica? Que grupo a defendia?
6 Quando a Faculdade foi criada havia a determinação dos currículos mínimos para os
cursos. O currículo daqui seguia à risca este mínimo ou era ampliado? Se for ampliado, por
que matérias e por quê? Quando ocorriam os processos de mudança curricular, quem ou o
que os provocavam? Em que aspectos os diferentes grupos conflitavam e em que
concordavam? Como era dividida a carga horária entre disciplinas específicas e
pedagógicas? Você acompanhou a criação da disciplina Prática Pedagógica? Como e por
que ela foi criada?
- Específica para os professores do DEN: Sobre a criação da disciplina Introdução ao
Estudo das Ciências: Por que ela foi criada? Vimos no programa que ela era
dividida por área. Havia alguma integração entre as áreas? Fale sobre a manutenção
de várias disciplinas de Matemática quando da criação da Licenciatura Plena em
Biologia.
7 – Como os professores dos campos específicos, particularmente do DEN/DCIEN –
Biologia, viam as disciplinas pedagógicas e a formação do professor em cada momento do
curso? Como os professores da educação, viam as disciplinas pedagógicas e a formação do
professor em cada momento do curso? Havia conflito? Quem o amenizava?
8 Qual o impacto da incorporação à UERJ na concepção de formação do professor, tanto
no DEDU, quanto no DCIEN? Como isto repercutiu nos cursos, no perfil dos alunos e do
corpo docente?
209
APÊNDICE II
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A ESTUDANTE DA FFP NO PERÍODO
ANTERIOR A INCORPORAÇÃO À UERJ
1 Quando você estudou na FFP? Por que você foi estudar lá? Fez outros vestibulares?
Queria ser professora?
2 – Fale sobre a sua trajetória no Curso de Ciências. Que atividades você desenvolvia?
3 – Qual o perfil dos alunos da sua época? Eles já eram professores? Quantos eram?
4 Quais eram as condições da FFP na época? Os laboratórios eram equipados? Havia
aulas práticas? E trabalho de campo? Havia projetos de pesquisa ou extensão
desenvolvidos por professores e alunos? Havia atividades culturais?
5 – Como os alunos viam o currículo? E a integração com a Matemática? Você via
preocupação dos docentes do curso com relação a formação de professores? Eles falavam
sobre isto? Davam exemplo? (Professores da área de Educação e da área específica.) Você
e seus colegas gostavam das aulas da área de Educação?
6 Você identifica em que o curso te ajudou na vida profissional como professora? Você
se sente mais professora ou mais bióloga?
7 – Você tem lembrança da participação de estudantes no processo de reforma curricular da
época?
210
APÊNDICE III
UERJ/FFP/DCIEN
PROF.: Ana Cléa Moreira Ayres
ALUNO: ______________________________________________ Data: ___________
QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL DA TURMA
1 – Por que você veio estudar na UERJ/FFP?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
2 – Por que você escolheu o curso de Ciências Biológicas?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
3 Você tem consciência de que nosso curso é de formação de professores? Pretende,
então, ser professor? Por que?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
4 – Onde você mora? CIDADE: _________________BAIRRO: ____________________
Se você vem de outra cidade e está aqui para estudar, indique a cidade de
origem:_______________
5 – Você mora com sua família? ( ) Sim ( ) Não Quantas pessoas moram com você? __
6 – Você trabalha? ( ) Não ( ) Sim / Em que? _________________________________
7 – Renda Familiar: ( ) de 1 a 3 salários mínimos ( ) de 3,5 a 6 salários mínimos
( ) de 6,5 a 10 s. m. ( ) de10 a 15 salários mínimos ( ) + de 15 salários mínimos
8 – Outras pessoas de sua família têm curso superior: ( ) não ( ) sim
Em caso afirmativo, quem: ( ) pai ( ) mãe ( ) irmãos ( ) tios ( ) primos
9 – Onde você cursou o ensino fundamental (1ª a 8ª série)?
( ) somente em escola pública: ( ) Federal/ ( ) Estadual/ ( ) Municipal
( ) somente em escola particular ( ) escola pública e particular (maior parte na ______)
10 – Onde você cursou o ensino médio (2º grau)?
( ) somente em escola pública: ( ) Federal/ ( ) Estadual/ ( ) Municipal
( ) somente em escola particular ( ) escola pública e particular (maior parte na ______)
11 – Fez pré-vestibular? ( ) Não ( ) Sim: Onde? _______________________________
211
APÊNDICE IV
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURA REALIZADA COM
ESTUDANTES DO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
1 – Identificação: Nome; Ano/semestre de ingresso na FFP.
2 Sobre o ingresso na universidade: Quantos vestibulares você fez e para quais cursos? Por que
veio estudar na FFP? Quando entrou, o que esperava do curso? Tinha intenção de ser professor? O
que pretendia fazer? Agora, o que pretende fazer depois que se formar (caso não seja formado)?
Que atividades você está realizando atualmente?
3 Sobre a sua vida de estudante: Como você é (ou foi) como estudante de Biologia? Como é (ou
foi) seu desempenho nas disciplinas de Biologia? Tem uma área de maior identificação? Como
você se sai (ou saiu) nas disciplinas pedagógicas? O que você acha ou achou delas? Se mudou de
idéia quanto a ser professor, como e quando foi esta mudança? O que mais você faz (ou fez) na FFP
além de assistir aulas? Você conhece muitas pessoas de outros cursos? Como as conheceu? Você
considera este contato importante? Fez trabalhos conjuntos (interdisciplinares) em alguma
disciplina (descreva e analise)? Que outras atividades de formação você tem ou teve durante o curso
(estágios, congressos,...)? Qual a importância destas atividades para a sua formação? Você convive
com alunos de outros cursos de Biologia? diferença entre os alunos de Biologia e os de outros
cursos?
4 – Sobre a perspectiva profissional e a contribuição do curso para a profissão: Como você se sente
em termos profissionais: mais biólogo ou mais professor? Você se sente mais preparado para fazer
que tipo de atividade? Em que atividades está encontrando mais dificuldades no magistério? O que
você mais gosta no magistério ou em quais atividades têm mais facilidade?
Em quais disciplinas específicas (de Biologia) você sentiu uma maior aproximação com a docência
e a escola? E um maior afastamento? Estas se aproximavam de que? Em quais disciplinas
específicas você sentiu uma maior aproximação com a pesquisa biológica? E um maior
afastamento? Estas se aproximavam de que? Em quais disciplinas pedagógicas você sentiu uma
maior aproximação com a docência e a escola? E um maior afastamento? Estas se aproximavam de
que?
Como você relaciona o curso que teve com a sua atividade como professor(a)? O contato com
estudantes de outro curso facilita o seu convívio na escola?
Para os que desenvolvem atividades de pesquisa biológica: como você relaciona o curso que teve
com a sua atividade como pesquisador(a)? O curso ajudou em algum sentido?
relação entre sua atividade como pesquisadora (em Biologia) e como professor(a)? relação
entre sua atividade de professor(a) com a de pesquisador(a)? Em que uma atividade ajuda a outra?
5 – Sobre a reforma curricular: O curso, na reforma, está incluindo a elaboração de uma monografia
de final de curso. Com base na sua experiência como professor(a) você acha que esta monografia
pode ser feita sobre qualquer tema da Biologia ou apenas em Ensino de Ciências/Biologia? Como
você acha que a sua opção colaboraria para o trabalho do professor?
212
APÊNDICE V
213
214
215
APÊNDICE VI
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA REALIZADA COM
PROFESSORES DO DEDU
I - IDENTIFICAÇÃO
Nome; Há quanto tempo trabalha na FFP? Formação: Graduação/Mestrado/Doutorado.
Experiência profissional anterior. Trabalha em outra instituição?
II – VISÃO DA FFP E DOS DEPARTAMENTOS
1 Você conhecia ou tinha ouvido falar da FFP antes de trabalhar aqui? Que idéia você tinha da
Unidade? Esta idéia se modificou com o tempo?
2 Como você a Faculdade de Formação de Professores no contexto educacional geral e
universitário brasileiro? Você identifica diferenças e/ou semelhanças em relação ao projeto de
formação de professores de outras instituições?
3 Como você a participação do Departamento de Educação da FFP e das disciplinas
pedagógicas (em termos de quantidade e qualidade) nas licenciaturas que temos? Que concepção de
formação de professores o DEDU tenta imprimir às licenciaturas? Existe esta discussão no
departamento? É possível identificar uma ou várias concepções?
4 Como você o papel do Departamento de Educação na FFP? Ele tem correspondido a esta
expectativa? Como você identifica esta atuação? (exemplos) Como você a relação do DEDU
com os demais departamentos da FFP? Como vo que é do DEDU acha que os outros
departamentos vêem o DEDU?
5 – É possível construir um projeto mais integrado entre os Departamentos?
6 – Como você vê a sua participação no DEDU e na FFP?
7 Se você pudesse prever o futuro, que futuro poderia ser previsto para a FFP? Que futuro você
gostaria que ela tivesse? Como construir um futuro que deseja? Justificativa.
III – VISÃO DO CURSO DE BIOLOGIA E SEU CORPO DOCENTE E DISCENTE
1 – Você já trabalhou com alunos de Biologia nas disciplinas: _____________________.
2 - Como você viu estes alunos em termos de: Interesse pela sua disciplina? Interesse pela
docência? Visão geral de mundo e da universidade?
3 – Você vê diferenças entre alunos de Biologia e de outros cursos? Quais?
4 Você percebeu neles um conflito entre voltar-se para a pesquisa ou para docência? De que
forma? Acha que os alunos estão mais preparados para uma coisa do que para outra? Como você
interfere neste conflito? [muitos alunos já dão aula e já fazem pesquisa]
5 A maioria dos alunos faz estágio em laboratórios de pesquisa fora daqui. Você acha que isto é
importante para a formação deles? Em que sentido? Você acha que eles deveriam estar mais
voltados para a docência?
6 Que grau de conhecimento você acha que tem em relação aos professores de Biologia? Como
você os vê? Você percebe preocupação nesses professores com a formação para a docência? Acha
que isto entra em conflito com a formação para a pesquisa?
IV – O SEU TRABALHO
1 O que seria o professor para você e como você acha que ele deve ser formado? (ele deve ter
uma formação mais voltada para a profissão ou uma formação mais acadêmica?)
2 - Descreva em linhas gerais a sua proposta de trabalho para as disciplinas que leciona.
3 – Você procura relacionar o seu conteúdo com a especificidade/necessidade dos alunos de
Biologia? Considera isto necessário? Considera que há especificidade? Exemplos.
4 – Como você relaciona o seu trabalho nas disciplinas com a atuação profissional do professor (na
escola)?
5 – Como o seu trabalho na disciplina colabora com a sua perspectiva de formação e de professor?
216
APÊNDICE VII
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA REALIZADA COM
PROFESSORES DO DCIEN
I - IDENTIFICAÇÃO
1 Nome. quanto tempo trabalha na FFP? Formação: Graduação/Mestrado/Doutorado.
Experiência profissional anterior. Trabalha em outra instituição?
II – VISÃO DA FFP E DOS DEPARTAMENTOS
1 Você conhecia ou tinha ouvido falar da FFP antes de trabalhar aqui? Que idéia você tinha da
Unidade? Esta idéia se modificou com o tempo?
2 – Como você vê a Faculdade de Formação de Professores no contexto educacional e universitário
brasileiro? E o curso de Biologia?
3 Você identifica diferenças e/ou semelhanças em relação ao projeto de formação de professores
de outras instituições?
4 Você acha que o fato de trabalhar em uma faculdade de formação de professores como esta
modificou a sua maneira de: (i) ver a biologia; (ii) trabalhar com a biologia; (iii) pensar os
processos de formação do biólogo ou do professor? Em que sentido?
5 Como você a participação e o envolvimento do DCIEN na FFP? Como você a
participação do Departamento de Educação da FFP e das disciplinas pedagógicas (em termos de
quantidade e qualidade) nas licenciaturas que temos? Como você a relação entre os
departamentos da FFP? É possível construir um projeto mais integrado entre os Departamentos?
6 – Como você vê a sua participação no DCIEN e na FFP? (Exemplos)
7 Se fosse possível prever o futuro, que futuro poderia ser previsto para a FFP? Que futuro você
gostaria que ela tivesse? Como construir o futuro que você deseja? E para o DCIEN? Justificativa.
III – VISÃO DO CURSO DE BIOLOGIA E SEU CORPO DOCENTE E DISCENTE
1 – Você já trabalhou com alunos de Biologia nas disciplinas: _____________________.
2 - Como você vê estes alunos em termos de: Interesse pela sua disciplina? Interesse pela
docência? Interesse pela pesquisa? Visão geral de mundo e da universidade? Conhecimento da
Biologia? Visão de ciência?
3 – Que tipo de profissional o curso de Ciências Biológicas da FFP está formando?
4 Você acha que existe uma intencionalidade na formação dada pelos professores do DCIEN aos
nossos alunos? Qual seria ela? Há um projeto ou vários? Quais seriam?
5 Você percebe nos alunos um conflito entre voltar-se para a pesquisa ou para docência? De que
forma? Acha que os alunos estão mais preparados para uma coisa do que para outra? Como você
interfere neste conflito? [muitos alunos já dão aula e já fazem pesquisa]
6 A maioria dos alunos faz estágio em laboratórios de pesquisa fora daqui. Você acha que isto é
importante para a formação deles? Em que sentido? No cômputo geral, você acha que isto tem um
peso igual, maior ou menor do que a formação que eles têm aqui?
7 – Dos ex-alunos que você têm notícia: o que eles estão fazendo profissionalmente?
8 – Para o curso de Biologia ficar como você gostaria o que está faltando ou está demais?
IV – O SEU TRABALHO
1 – Como você se sente em relação a estar formando professores de Ciências e Biologia?
2 – O trabalho da sua disciplina está voltado para este tipo de formação? De que forma? [exemplos]
Você procura relacionar o conteúdo de sua disciplina com a docência na escola e/ou com a pesquisa
em biologia? De que forma? Considera isto importante, por quê? Com relação a docência, que base
você toma para este trabalho?
3 Que projetos você desenvolve na FFP e qual a importância deles para a formação de nossos
alunos?
217
ANEXOS
218
ANEXO I
SEÇÃO DE PEDAGOGIA
324
CURSO DE PEDAGOGIA E SEÇÃO ESPECIAL DE DIDÁTICA – CURSO DE DIDÁTICA
No período de 1947 – 1955
Parte geral (para todos os cursos):
Psicologia Educacional
Fundamentos Bio-sócio-filosóficos da Educação
Didática Geral e Especial
Administração escolar
* Mais duas (02) disciplinas da própria especialidade ou uma (01) da especialidade e outra
de caráter pedagógico.
a) Disciplinas da própria especialidade:
No curso de Filosofia: Filosofia da Natureza, Ética;
No curso de Física: Física Superior;
No curso de História Natural: Anatomia e Fisiologia Animais Comparadas,
Biogeografia;
No curso de Geografia e História: 2 disciplinas na forma do art. 8º, § único do
Regimento de 1945;
No curso de Ciências Sociais: Ética;
No curso de Letras Clássicas: Língua e Literatura Latina, Língua Portuguesa;
No curso de Neo-Latinas: Língua Portuguesa, Língua e Literatura Francesa;
No curso de Anglo-Germânicas: Língua e Literatura Inglesa e Literatura Norte-
Americana.
b) Disciplinas de caráter pedagógico:
Higiene Escolar;
Educação Comparada;
História da Educação;
Evolução do Ensino Brasileiro.
c) Disciplinas para os alunos destinados ao Curso Normal:
Filosofia da Educação;
Higiene Escolar;
Didática Geral e Especial;
Análise dos Programas do Ensino Normal.
324
Retirado de com Fávero (Coord.), Jones & Fernandes (1989, p. 75).
219
ANEXO II
LEGISLAÇÃO E NORMAS PERTINENTES AO CURSO DE
CIÊNCIAS/CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA FFP
- Lei 6.598/71 de 20/08/1971 – Institui o CETRERJ.
- Parecer 425/73 – Sobre a autorização do funcionamento dos cursos da FFP.
- Decreto Federal 72.525/73 de 25/07/1973 - Autoriza o funcionamento da Faculdade
de Formação de Professores da Fundação de Treinamento de Professores do Estado
do Rio de Janeiro, com sede na Cidade de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro
(com os cursos de Letras, Ciências e Estudos Sociais, licenciaturas de 1º grau).
- Decreto-Lei 67/75 de 11/04/1975 Altera a denominação UEG para UERJ e
incorpora a FFP/CETRERJ, a Escola de Desenho Industrial e o Curso de Nutrição
do Instituto Anne Dias à UERJ.
- Decreto-Lei 202/75 de 15/07/1975 O CETRERJ passa a chamar-se CDRH e a
FFP faz parte de sua estrutura.
- Decreto 552/16 de 15/01/1976 - Incorporado à Fundação Centro de
Desenvolvimento de Recursos Humanos da Educação e Cultura – CDRH
- Parecer 243/76 de 05/08/1976 - Sobre reconhecimento dos cursos ministrados pela
Faculdade de Formação de Professores do Estado do Rio de Janeiro.
- Decreto-Lei 79.679/77 de 10/05/1977 Reconhece os Cursos de Estudos Sociais,
Letras e Ciências de 1
o
Grau da FFP/CDRH.
- Parecer - 11/78 de 26/01/1978 - Autorização de conversão de cursos de
Licenciatura de 1
o
Grau em Licenciatura Plena nas áreas de Letras e Ciências.
- Decreto 81.905 de 10/07/1978 Autoriza a conversão dos Cursos de Letras e
Ciências, 1
o
Grau, em Licenciaturas Plenas.
- Decreto 3.290/80 de 26/06/1980 Funde a FIDERJ ao CDRH em uma fundação
denominada FAPERJ.
- Decreto 3.291/80 de 26/06/80 Aprova o Estatuto da FAPERJ e mantém a FFP em
sua estrutura.
- Parecer - 742/82 de 23/12/1982 - Reconhecimento da conversão dos Cursos de
Licenciatura em Primeiro Grau em Licenciatura Plena de Letras e Ciências da
Faculdade de Formação de Professores da FAPERJ.
- Decreto 6570/83 de 05/03/1983 – Incorpora a FFP à UERJ.
220
- Decreto 6.625/83 de 15/03/1983 Passa a FFP para a Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro.
- Decreto 6.629/83 de 05/04/1983 – Vincula a FFP à FAPERJ.
- Parecer 358/84 de 03/05/1984 - Aprova os currículos plenos do Curso de Letras
(habilitação Português Literaturas da Língua Portuguesa e Português Inglês) e
Ciências (Habilitação Matemática e Biologia).
- Decreto-Lei 1.175/87 de 21/07/1987 – Estabelece os objetivos e a estrutura da
FAPERJ e passa a FFP para a UERJ.
- Deliberação 30/90 da UERJ de 29/12/1990 Cria o Curso de Ciências Biológicas
Habilitação Licenciatura na FFP/UERJ.
221
ANEXO III
GRADE CURRICULAR DO CURSO DE LICENCIATURA CURTA EM CIÊNCIAS
1973 – 1974
1º PERÍODO
Disciplinas CH
Ciências Biológicas I 60
Física Experimental e Geral I 60
Química I 60
Matemática I 120
Didática I 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus I 30
Psicologia da Educação I 30
Estudo de Problemas Brasileiros 30
Educação Física 30
2º PERÍODO
Ciências Biológicas II 60
Física Experimental e Geral II 60
Química II 60
Desenho Geométrico I 60
Matemática II 90
Didática II 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus II 30
Psicologia da Educação II 30
Educação Física 30
3º PERÍODO
Ciências Biológicas III 60
Elementos de Geologia I 30
Física Experimental e Geral III 60
Química III 60
Desenho Geométrico II 60
Matemática III 60
Prática de Ensino I 30
Educação Física 30
4º PERÍODO
Ciências Biológicas IV 60
Elementos de Geologia II 30
Física Experimental e Geral IV 60
Química IV 60
Matemática IV 90
Prática de Ensino II 60
Educação Física 30
DISCIPLINA OPTATIVA
Instrumentação para o Ensino 60
Carga Horária Total: 1740 h
Carga Horária Específica: 1260 h
Carga Horária Pedagógica: 330 h
Demais Disciplinas: 150 h
222
ANEXO IV
GRADE CURRICUALAR DO CURSO DE LICENCIATURA CURTA EM
CIÊNCIAS
1975(?) – 1977
1º PERÍODO
Disciplinas CH
Elementos de Geologia 60
Iniciação ao Estudo das Ciências I 150
Matemática I 120
Estudo de Problemas Brasileiros 30
Educação Física 30
2º PERÍODO
Iniciação ao Estudo das Ciências II 120
Desenho Geométrico I 60
Matemática II 120
Didática I 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus I 30
Psicologia da Educação I 30
Educação Física 30
3º PERÍODO
Ciências Biológicas I 60
Física Experimental e Geral I 60
Química I 60
Desenho Geométrico II 30
Matemática III 60
Didática II 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus II 30
Psicologia da Educação II 30
Educação Física 30
4º PERÍODO
Ciências Biológicas II 60
Física Experimental e Geral II 60
Química II 90
Matemática IV 90
Prática de Ensino I 30
Educação Física 30
5º PERÍODO
Ciências Biológicas III 60
Física Experimental e Geral III 90
Química III 60
Matemática V 90
Prática de Ensino II 60
Educação Física 30
DISCIPLINA OPTATIVA
Introdução à Estatística 60
Instrumentação para o Ensino 60
Carga Horária Total: 2070 h
Carga Horária Específica: 1560 h
Carga Horária Pedagógica: 330 h
Demais Disciplinas: 180 h
223
ANEXO V
GRADE CURRICULAR DO CURSO DE LICENCIATURA CURTA EM CIÊNCIAS/PLENA EM
BIOLOGIA
1978 – 1983
1º PERÍODO - CIÊNCIAS
Disciplinas CH
Biologia I 60
Geometria Euclidiana 45
Comunicação e Exp. em Língua Portuguesa 60
Álgebra I 90
Química I 45
Física I 45
Filosofia da Educação 30
Relações Interpessoais 30
Educação Física 30
2º PERÍODO - CIÊNCIAS
Biologia II 60
Física II 60
Desenho Geométrico 60
Cálculo Diferencial e Integral I 60
Álgebra II 60
Química II 45
Psicologia da Educação I 60
3º PERÍODO - CIÊNCIAS
Biologia III 60
Física III 60
Cálculo Diferencial e Integral II 60
Química III 45
Psicologia da Educação II 60
Didática I 60
Introdução aos Sistemas Educacionais 30
Estudo de Problemas Brasileiros I 30
4º PERÍODO – CIÊNCIAS
Biologia IV 60
Elementos de Geologia I 30
Geometria Analítica I 60
Física IV 60
Química IV 45
Didática II 30
Metodologia do Ensino de Ciências no 1º Grau
45
Estrut. e funcionamento do Ensino de 1º Grau 45
5º PERÍODO - CIÊNCIAS
Biologia V 60
Elementos de Geologia II 30
Introdução à Estatística 60
Geometria Analítica II 60
Álgebra III 60
Química V 45
Física V 60
Prática de Ensino de 1º Grau 135
224
6º PERÍODO – CIÊNCIAS-BIOLOGIA
Zoologia I 120
Anatomia 45
Botânica I 90
Biologia Celular 105
Geologia Geral 60
Bioquímica 75
7º PERÍODO – CIÊNCIAS-BIOLOGIA
Zoologia II 90
Botânica II 75
Genética I 75
Paleontologia 45
Biofísica 60
Estrut. e Funcionamento do Ensino de 2º Grau 30
Metodologia do Ensino de Biologia no 2º Grau
45
8º PERÍODO – CIÊNCIAS-BIOLOGIA
Zoologia III 105
Ecologia 90
Botânica III 75
Genética II 90
Fisiologia 75
Prática de Ensino de 2º Grau 135
Licenciatura Plena:
Carga Horária Total: 3645 h
Carga Horária Específica: 2760 h
Carga Horária Pedagógica: 735h
Demais Disciplinas: 150 h
225
ANEXO VI
GRADE CURRICULAR DO CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS –
HABILITAÇÃO EM BIOLOGIA
1984- 1990
1º PERÍODO
Disciplinas CH
Biologia I 75
Introdução à Estatística 60
Filosofia da Educação I 30
Psicologia da Educação I 60
Sociologia da Educação I 30
Prática Pedagógica I 30
Língua Portuguesa I 60
Cultura Brasileira 60
Estudo de Problemas Brasileiros I 30
Educação Física 30
2º PERÍODO
Biologia II 45
Ecologia I 30
Química I 60
Cálculo Diferencial e Integral I 60
Geometria Euclidiana I 30
Filosofia da Educação II 30
Psicologia da Educação II 60
Prática Pedagógica II 30
Língua Portuguesa II 60
Estudo de Problemas Brasileiros II 30
Educação Física 30
3º PERÍODO
Biologia III 60
Botânica I 60
Elementos de Geologia I 30
Física I 60
Química II 60
Zoologia I 45
Optativa I (Educ.) Educação Popular 30
Psicologia da Educação III 30
Prática Pedagógica III 30
Educação Física 30
4º PERÍODO
Biologia Celular 45
Botânica II 60
Elementos de Geologia II 30
Física II 60
Química III 45
Zoologia II 60
Estrut. e Funcionamento do Ensino de 1º Grau 45
Optativa II (Educ.) Arte e Educação 30
Prática Pedagógica IV 30
Educação Física 30
226
5º PERÍODO
Botânica III 60
Ecologia II 30
Genética I 45
Química IV 45
Zoologia III 60
Didática I 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau 45
Metodologia para o Ensino de Biologia 60
Prática Pedagógica V 30
Educação Física 30
6º PERÍODO
Anatomia I 45
Botânica IV 60
Bioquímica I 45
Ecologia III 60
Genética II 30
Zoologia IV 60
Seminário I 30
Didática II 45
Prática de Ensino I 45
Prática Pedagógica VI 30
Educação Física 30
7º PERÍODO
Anatomia II 60
Bioquímica II 45
Fisiologia Humana I 60
Genética III 45
Geologia Geral 60
Zoologia V 30
Seminário II 30
Didática III 45
Prática de Ensino II 45
Prática Pedagógica VII 30
Educação Física 30
8º PERÍODO
Biofísica I 60
Etologia 60
Evolução 45
Fisiologia Humana II 60
Paleontologia 60
Zoologia VI 60
Optativa (Biologia) Ecologia Aplicada 30
Prática de Ensino III 45
Prática Pedagógica VII 30
Educação Física 30
Licenciatura Plena
Carga Horária Total: 3675 h
Carga Horária Específica: 2250 h
Carga Horária Pedagógica: 945 h
Demais Disciplinas: 480 h
227
ANEXO VII
228
229
230
ANEXO VIII
GRADE CURRICULAR CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – HABILITAÇÃO
LICENCIATURA
1991-2005 (já modificado)
(considerado como atual neste trabalho)
1º PERÍODO
Disciplinas CH
Biologia I 60
Zoologia I 60
Botânica I 60
Filosofia da Educação I 45
Psicologia da Educação I 60
2º PERÍODO
Biologia II 60
Zoologia II 75
Botânica II 75
Química I 60
Filosofia da Educação II 45
Psicologia da Educação II 45
Sociologia da Educação 30
3º PERÍODO
Biologia Celular 45
Botânica III 60
Bioquímica I 45
Complemento de Física I 60
Fundamentos de Saúde à Comunidade 45
Introdução à Estatística 60
Zoologia III 60
Didática I 45
4º PERÍODO
Bioquímica II 45
Botânica IV 75
Complemento de Física II 60
Ecologia I 45
Matemática Aplicada à Biologia 60
Zoologia III 75
Didática II 45
Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio 60
231
5º PERÍODO
Biologia e Evolução 45
Biofísica 60
Ecologia II 45
Elementos de Geologia 75
Zoologia IV 60
Metodologia de Ensino de Ciências no Ensino Fundamental 45
6º PERÍODO
Ecologia III 60
Genética I 45
Geologia Geral 60
Parasitologia 60
Zoologia IV 75
Metodologia de Ensino de Biologia no Ensino Médio 45
Prática de Ensino I 90
Prática Pedagógica I 30
7º PERÍODO
Anatomia I 45
Fisiologia I 60
Genética II 45
Paleontologia 60
Prática de Ensino II para Biologia 105
Prática Pedagógica VII 60
Eletiva Restrita
45
Eletiva Restrita
30
8º PERÍODO
Anatomia II 60
Fisiologia II 60
Histologia e Embriologia 60
Prática de Ensino III para Biologia 105
Eletiva Restrita
45
Eletiva Restrita
30
LISTAGEM DE DISCIPLINAS ELETIVAS
DO CURSO DE CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS
Disciplinas CH
Biologia Marinha 30
Ecologia Aplicada 30
Entomologia 45
Fundamentos de Engenharia Genética 60
Fisiologia de Crustáceos 45
Etologia 30
Instrumentação para o Ensino de Ciências 45
Microbiologia e Imunologia 45
Princípios de Biotecnologia 45
Oceanografia (Departamento de Geografia) 30
Biogeografia Geral e do Brasil (Departamento de Geografia) 45
Educação Popular (Departamento de Educação) 30
Educação Física (Departamento de Educação) 30
História da Educação (Departamento de Educação) 30
Arte Educação (Departamento de Educação) 30
Língua Portuguesa I (Departamento de Letras) 60
Carga Horária Total: 3165 h
Carga Horária Específica: 2160 h
Carga Horária Pedagógica: 855 h
Carga Horária de Eletivas Restrita: 150 h
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