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outros já sabiam que não significava chorar. Qualquer coisa em seu rosto amorteceu um
pouco a alegria da moça da casa e deu-lhe um ar obstinado.
A viagem foi muito bonita.
As moças estavam contentes, Mocinha agora já recomeçara a sorrir. E, embora o
coração batesse muito, tudo estava melhor. Passaram por um cemitério, passaram por um
armazém, árvore, duas mulheres, um soldado, gato! letras – tudo engolido pela velocidade.
Quando Mocinha acordou não sabia mais onde estava. A estrada já havia
amanhecido totalmente: era estreita e perigosa. A boca da velha ardia, os pés e as mãos
distanciavam-se gelados do resto do corpo. As moças falavam, a da frente apoiara a cabeça
no ombro do rapaz. Os embrulhos despencavam a todo instante.
Então a cabeça de Mocinha começou a trabalhar. O marido apareceu-lhe de
paletó – achei, achei! o paletó estava pendurado o tempo todo no cabide. Lembrou-se do
nome da amiga de Maria Rosa, daquela que morava defronte: Elvira, e a mãe de Elvira até
era aleijada. As lembranças quase lhe arrancavam uma exclamação. Então ela movia os
lábios devagar e dizia baixo algumas palavras.
As moças falavam:
- Ah, obrigada, um presente desses eu rejeito!
Foi quando Mocinha começou finalmente a não entender. Que fazia ela no
carro? Como conhecera seu marido e onde? Como é que a mãe de Maria Rosa e Rafael, a
própria mãe deles, estava num automóvel com aquela gente? Logo depois acostumou-se de
novo.
O rapaz disse para as irmãs:
Acho melhor não pararmos defronte, para evitar histórias. Ela salta do carro, a
gente ensina aonde é, ela vai sozinha e dá o recado de que é para ficar.
Uma das moças da casa perturbou-se: receava que o irmão, com uma
incompreensão típica de homem, falasse demais diante da namorada. Eles não visitavam
mais o irmão de Petrópolis, e muito menos a cunhada.
- É sim, interrompeu-o a tempo antes que ele falasse demais. Olha, Mocinha,
você entra por aquele beco e não há como errar: na casa de tijolo vermelho, você pergunta
por Arnaldo, meu irmão, ouviu? Arnaldo. Diz que lá em casa você não podia mais ficar, diz
que na casa de Arnaldo tem lugar e que você até pode vigiar um pouco o garoto, viu...
Mocinha desceu do automóvel, e durante um tempo ainda ficou de pé mas
pairando entontecida sobre rodas. O vento fresco soprava-lhe a saia comprida por entre as
pernas.
Arnaldo não estava. Mocinha entrou na saleta onde a dona da casa, com um
pano contra pó amarrado na cabeça, tomava café. Um menino louro – decerto aquele que
Mocinha deveria vigiar – estava sentado diante de um prato de tomates e cebolas e comia
sonolento, enquanto as pernas brancas e sardentas balançavam-se sob a mesa. A alemã
encheu-lhe o prato de mingau de aveia, empurrou-lhe na mesa pão torrado com manteiga.
As moscas zuniam. Mocinha estava fraca. Se bebesse um pouco de café quente talvez
passasse o frio no corpo.
A mulher alemã examinava-se de vez em quando em silêncio: não acreditara na
história de recomendação da cunhada, embora “de lá” tudo fosse de se esperar. Mas talvez
a velha tivesse ouvido de alguém o endereço, até num bonde, por acaso, isso às vezes
acontecia, bastava abrir um jornal e ver o que acontecia. É que aquela história não estava
nada bem contada, e a velha tinha um ar sabido, nem sequer escondia o sorriso. O melhor
seria não deixá-la sozinha na saleta, com o armário cheio de louça nova.