Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
-
MESTRADO
VIVIANE PRADO BUIATTI MARÇAL
A QUEIXA ESCOLAR NOS AMBULATÓRIOS DE SAÚDE MENTAL DA REDE
PÚBLICA DE UBERLÂNDIA: PRÁTICAS E CONCEPÇÕES DOS PSICÓLOGOS
Uberlândia
-
MG
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
VIVIANE PRADO BUIATTI MARÇAL
A QUEIXA ESCOLAR NOS AMBULATÓRIOS DE SAÚDE MENTAL DA REDE
PÚBLICA DE UBERLÂNDIA: PRÁTICAS E CONCEPÇÕES DOS PSICÓLOGOS
Universidade Federal de Uberlândia
2005
ads:
2
VIVIANE PRADO BUIATTI MARÇAL
A QUEIXA ESCOLAR NOS AMBULATÓRIOS DE SAÚDE MENTAL DA REDE
PÚBLICA DE UBERLÂNDIA: PRÁTICAS E CONCEPÇÕES DOS PSICÓLOGOS
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em
Ps
icologia Aplicada da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito para obtenção do grau de
Mestre em Psicologia Aplicada.
Área de concentração: Psicologia do Desenvolvimento
Humano e Aprendizagem
Orientadora: Profª Dra. Silvia Maria Cintra da Silva
Uberlândia
2005
3
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof Drª. Silvia Maria da Cintra Silva
-
UFU
___________________________________
Prof Drª Marilene Proença Rebello de Souza
-
USP
________
___________________________
Prof Drª Lúcia Helena Ferreira M. Costa
-
UFU
Uberlândia, 05 de abril de 2005.
4
Ao meu filho Victor Hugo que, com seus
poucos 4 anos, pôde compreender meu
recolhimento, estando sempre ao meu lado.
5
À minha orientadora, Profª Drª Silvia Maria Cintra da Silva, que com carinho, estímulo,
paciência, soube compreender minhas idéias, respeitar meus limites, transmitir confiança e
orientações fundamentais para a realização não deste trabalho, como também na valiosa
contribuição para o meu crescimento pessoal e profissional.
À Prof.ª Drª Myrtes Dias da Cunha, pela atenção e as importantes sugestões para o
direcionamento deste trabalho em sua participação no exame
de qualificação.
À Prof.ª Drª Marilene Proença Rebello de Souza que, mesmo sem o saber, esteve sempre
presente nestes dois anos de pesquisa, na construção deste trabalho, dialogando comigo, por
meio de seus valiosos escritos.
À Prof.ª Drª Lúcia Helena Ferreira M. Costa, pela disponibilidade e pelos apontamentos
essenciais para o aprimoramento do trabalho.
À Profª. Drª Maria José Ribeiro, pela importante contribuição em minha formação na
graduação e especialização, pela disponibilidade em compartilhar mais esse momento
comigo.
À Profª. Ms. Agda Terezinha Fontes, que primeiramente leu meu projeto e orientou
-
me para o
processo de seleção no Mestrado.
Ao meu pai Waterley e à minha mãe Irani, que com seu amor e carinho estavam sempre
próximos, atentos, auxi
liando
-
me nos momentos em que precisei.
Ao Hélio, meu esposo, que esteve ao meu lado, pelo apoio, companheirismo e tolerância nos
meus momentos de stress e de ausência.
À minha irmã Virginia e meu cunhado Luis Cláudio, com quem pude contar em todas as
ho
ras, de forma incondicional. Faltam
-
me palavras para agradecer
-
lhes.
À minha amiga Liliane, pela interlocução nos (não poucos) momentos difíceis, dividindo
comigo as angústias, incertezas, oferecendo sempre uma escuta atenta.
À amiga Leila Gomes, coordenadora do CAPS-Renascer, pela compreensão, sensibilidade e
flexibilidade, tornando possível a condução deste trabalho.
À Aline e Isaura, auxiliares desta pesquisa, pela parceria imprescindível, ajudando-me de
maneira responsável e ética.
À Sônia Miralda,
que, com presteza, ajudou
-
me no aprimoramento do texto.
A todos os psicólogos entrevistados, que me acolheram com disposição e respeito, abrindo
suas salas, compartilhando comigo suas experiências, possibilitando a execução deste
trabalho.
A todos os professores e funcionários do Programa de Mestrado em Psicologia Aplicada da
Universidade Federal de Uberlândia, pela convivência produtiva durante este curso.
6
É precisamente a alteração da natureza pelos
homens, e não a nature
za enquanto tal, que
constitui a base mais essencial e imediata do
pensamento humano.
Frederic Engels
7
RESUMO
Com o ingresso de psicólogos em ambulatórios dos serviços públicos de Saúde Mental a
partir da década de 1980, houve um aumento significativo nos encaminhamentos de
problemas escolares, de comportamento e de disciplina, por parte das escolas a estes
ambulatórios. Os psicólogos neles alocados buscaram dar respostas a esses casos, por meio de
orientações às famílias e atendimentos psicoterapêuticos às crianças, deixando de lado os
mecanismos ideológicos da escola que contribuem para a produção do fracasso escolar. O
presente estudo refere
-
se a um levantamento realizado junto aos psicólogos que atuam na rede
pública de Saúde Mental de Uberlândia- MG, com a finalidade de verificar o movimento da
demanda de queixas escolares, bem como o atendimento e a compreensão desses profissionais
a respeito dessa demanda. A pesquisa delineou-se sob a perspectiva histórico-cultural, e a
construção do
s dados foi organizada a partir de entrevistas semidirigidas, gravadas em áudio e
realizada de outubro de 2003 a novembro de 2004, com dezesseis psicólogos alocados em
doze ambulatórios. Constatou-se a presença maciça de mulheres, na faixa etária acima de
30
anos, em sua maioria com experiência profissional de no mínimo dois anos. Também
procedeu
-se a um levantamento dos dados de prontuários de crianças encaminhadas aos
ambulatórios desde o ano 2000, para a identificação dos procedimentos efetuados pelos
pr
ofissionais. O estudo verificou a existência de uma alta demanda de queixas escolares entre
crianças de cinco a treze anos de idade, com a maioria dos encaminhamentos advindos de
escolas. Quanto à compreensão da queixa, observou-se que prevalece uma concepção de que
existem principalmente questões emocionais por trás dela, e que a família está diretamente
relacionada às dificuldades de aprendizagem dos filhos. A análise dos procedimentos
avaliativos apontou que apenas quatro entrevistados consideram importante contatar a escola,
embora tenham relatado que não se sentem aptos para o atendimento desse tipo de queixa,
além de acreditar que o ambulatório não deve responsabilizar-se por esses casos. A maioria
utiliza técnicas indiferenciadas na avaliação de todas as queixas, guiando-se por um
referencial clínico baseado em desenho, observações com a criança, testes, e anamnese com
os pais. Essa compreensão, essencialmente clínica e desconectada da escola é respaldada,
segundo os entrevistados, por sua formação acadêmica. O presente estudo confirma dados de
outras pesquisas na área escolar que compartilham do mesmo referencial teórico aqui
utilizado, indicando a urgência da revisão curricular dos cursos de formação de psicólogos, no
sentido de melhor instrumentaliza
r os profissionais egressos.
Palavras
-
chave:
queixa escolar, ambulatórios, concepções, formação e práticas psicológicas.
8
ABSTRACT
With the advent of psychologists working in public Mental Health ambulatories in the 1980´s,
there was a significant increase in referrals from schools regarding problems such as behavior
and discipline. Psychologists assigned to these ambulatories sought responses for theses cases
by orienting families and psychotherapeutic sessions for the children, therefore leaving out
school ideological mechanisms which contribute to school failure. The present study is a
survey performed together with psychologists who work in the public Mental Health system
in the city of Uberlândia-MG, Brasil. It aims to verify the demand of school complaints as
well as the conduct and comprehension of the professionals to this demand. The study was
based upon a historical-cultural perspective and data was obtained through audio-taped semi-
structured interviews of 16 psychologists assigned to 12 ambulatories, from October 2003 to
November 2004. Professionals were predominately women, aged older than 30 with at least 2
years of professional experience. Files of children referred to the ambulatories since 2000
were also researched to identify procedures performed by the professionals. This study
verified the existence of a high demand of school complaints among children from 5 to 13
years old. The majority of the referrals came form the schools. As for the comprehension of
the complaint, it was observed that the idea that mainly emotional questions were behind the
complaint and that the family was directly related to the learning difficulties of the children
remained prevalent. Analysis of evaluation procedures pointed out that only 4 professiona
ls
considered it important to contact the school although they too admitted to not feeling apt to
see children with this type of complaint and even believed that the ambulatory should not be
responsible for these cases. The majority use undifferentiated techniques to assess all
complaints, guided by a clinical reference based on drawings, observations of the child, tests
and anamneses with parents. This comprehension, essentially clinic and disconnected to the
school is supported by their academic training, according to the interviewees. The present
study confirms data of other researches in this educational field which share the same
theoretical reference here used, indicating the urgency of a curricular revision of the courses
which provide academic training for psychologists in the sense of furnishing them better
know
-
how and instruments.
Key
-words:
school complaint, ambulatories, concepts, training and psychological practices.
9
SUMÁRIO
1- O DELINEAR DA PESQUISA NO ENCONTRO DA TEORIA COM A
PRÁTICA
........................................................................................................................11
2- A QUEIXA ESCOLAR E A VISÃO DE HOMEM NA PSICOLOGIA
A-
As concepções "psi" e a formação do psicólogo............................
.................................17
B
-
Os procedimentos avaliativos da queixa escolar.............................................................30
3-
A QUEIXA ESCOLAR
-
RELAÇÕES COM A ESCOLA E A FAMÍLIA
A- A escola e/a na constituição do sujeito: uma persp
ectiva histórico
-
cultural...................45
B-
Metodologias e práticas educacionais.............................................................................55
C- A família das crianças e a sua relação com as escolas e os psicólogos......................
.....71
4-
OS CAMINHOS DA PESQUISA
A-
Caracterização da Saúde Mental na rede pública do município de Uberlândia................76
B-
Caracterização da pesquisa: a investigação qualitativa....................................................86
5-
A PESQUISA: ANÁLI
SE DAS ENTREVISTAS
A- Conhecendo os participantes da pesquisa........................................................................91
A.1
-
Caracterização das entrevistadas..................................................................................
91
A.2
-
As entrevistas: as salas de atendimento e a relação entrevistadora
-
entrevistado.........94
B-
Os procedimentos avaliativos..........................................................................................95
C-
Entrevista devolutiva: atendime
ntos oferecidos e encaminhamentos...........................108
D- Formação do Psicólogo..................................................................................................114
E-
Concepções sobre o Problema de aprendizagem........................
...................................117
F-
O psicólogo e a escola...................................................................................................125
F.1
-
Demanda e encaminhamentos..........................................................
..........................125
10
F.2
-
Percepção dos psicólogos em relação às escola.........................................................132
F.3
-
Contato com a escola....................................................................................
.............137
G-
A relação entre as famílias, os psicólogos e a queixa escolar.......................................140
H-
Condições de trabalho...................................................................................................150
6-
O QUE O
S PRONTUÁRIOS NOS CONTAM
.........................................................155
A-
Considerações a partir dos encaminhamentos, do diagnóstico (CID) e das queixas
explicitadas............................................................................
...............................................160
B-
Avaliação psicológica, atendimentos oferecidos, encaminhamentos realizados e outros
atendimentos.........................................................................................................................165
7-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
.......................................................................................168
8-
REFERÊNCIAS
............................................................................................................17
3
9-
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
.............................................................................180
ANEXO A
-
Parecer do Comitê de ética da UFU................................................................183
APÊNDICE A
-
1º Roteiro de entre
vistas...........................................................................184
APÊNDICE B
-
2º Roteiro de entrevistas...........................................................................185
APÊNDICE C
-
1º Termo de consentimento..............
........................................................186
APÊNDICE D
-
2º Termo de consentimento......................................................................187
APÊNDICE E
-
Tabela de registro dos prontuários..................................
..........................188
APÊNDICE F
- Queixa escolar x Queixa emocional..........................................................189
APÊNDICE G
-
Os psicólogos e a escola...........................................................................190
11
1- O DELI NEAR DA PESQUI SA NO ENCONTRO DA TEORI A COM A
PRÁTICA
Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência, a vossa
...
A liberdade das almas,
Ai! Com letras se elabora...
E dos venenos humanos
Sois a mais fina retorta:
Frágil, frágil como o vidro
e
mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempo,
Pelo vosso impulso rodam...
Cecília Meireles
Um grande mero de crianças com queixas escolares são encaminhadas aos Serviços
Públicos de Saúde para atendimento psicológico (PATTO, 1981, 1992; MACHADO &
SOUZA,1997; MOYSÉS & COLLARES, 1992, SILVA, 2002). São, na grande maioria,
encaminhadas pelas próprias escolas, que parecem não se considerar responsáveis por esta
grande demanda, isentando-se e cupabilizando somente os alunos e suas famílias pelo
f
racasso escolar.
Com o ingresso de psicólogos nos serviços públicos de Saúde Mental e ambulatórios a
partir da década de 1980, houve uma transferência abundante de problemas escolares, de
comportamento e de disciplina, das escolas para estes ambulatórios. Os profissionais neles
alocados buscaram dar respostas a esses encaminhamentos, por meio de orientações às
famílias e atendimentos psicoterapêuticos às crianças, deixando de lado os mecanismos
ideológicos da escola que propiciam a produção de problemas
(MORAIS et al., 2000).
Pode
-se pensar nessa situação como a construção de uma demanda em função dos viéses da
formação dos psicólogos.
Estudos revelam que 50 a 70% das crianças e adolescentes encaminhados aos serviços
públicos de saúde m como queixa dificuldades de aprendizagem ou problemas de
12
comportamento na sala de aula ou fora dela (MACHADO & SOUZA, 1997; SOUZA, 1996).
Várias outras pesquisas têm abordado o papel do psicólogo e sua forma de atuação, que
localiza a dificuldade no aluno, deixando em s
egundo plano a intervenção junto à escola e aos
pais (CABRAL & SAWAYA, 2001; BOCK, 1999).
De acordo com Souza (2002), levantamentos já realizados em outros estudos indicam
que a faixa etária mais encaminhada para atendimento psicológico está entre sete e q
uatorze
anos e, que aproximadamente dois terços dos encaminhamentos ocorrem por problemas
vividos pelas crianças em seu processo de escolarização. Em uma pesquisa realizada em
clínicas
-escola de prestação de serviços de atendimento psicológico, a autora constatou que as
crianças atendidas encontravam-se, em sua maioria, no início do processo de alfabetização. A
soma dos motivos de encaminhamento aponta que 69% das crianças apresentavam problemas
na aprendizagem ou atitudes consideradas inadequadas em sala d
e aula.
As queixas analisadas na pesquisa apontam problemas e dificuldades atribuídos
exclusivamente às crianças. Os pais relatam ou apresentam os relatórios das escolas que
descrevem os alunos: não conseguem ler e escrever, trocam letras, não obedecem as
regras,
são tímidos ou deprimidos, entre outros problemas. A escola encaminha maciçamente as
crianças, revelando com isso suas próprias dificuldades em ensiná-las, de cumprir plenamente
a função educativa que lhe cabe e de se envolver neste processo. Parece que as instituições de
ensino não possuem conhecimento suficiente do processo de alfabetização, do ensino da
leitura e da escrita e do desenvolvimento infantil. Trocas de letras, erros ortográficos e
gramaticais, omissão de letras e sílabas, próprios do processo de aprendizagem da língua
escrita, muitas vezes são considerados como erros e os alunos rotulados como possuidores de
dificuldades de aprendizagem.
O que se tem percebido é que os profissionais que atuam nos serviços públicos de
Saúde Mental, ao receberem estes encaminhamentos, ou os engavetam, considerando-
se
13
incapazes para atender esta demanda, ou usam procedimentos diagnósticos semelhantes ou
idênticos para todas as crianças que procuram o setor atendimento psicológico,
independentemente da especificidade da queixa (FRELLER, 1997). Geralmente as questões
escolares não são consideradas, e os profissionais acabam apontando exclusivamente
problemas familiares e emocionais, compactuando com a escola que patologiza e estigmatiza
as crianças.
Souza
(1997, p. 24) escreve que a queixa psicológica na sua grande maioria não se
refere a distúrbios emocionais ou familiares, mas es diretamente relacionada com
dificuldades no âmbito do processo de escolarização; é uma queixa escolar.
A alta demanda de crianças nos ambulatórios de psicologia em Saúde Pública, de
acordo com Boarini e Borges (1997), denuncia uma crise da infância . A grande quantidade
de encaminhamentos, por parte das escolas, de crianças das classes populares com problemas
de aprendizagem denota o fracasso das instituições sociais (p. 15). A estigmatização contra
essas crianças é intensa, visto que elas se tornam responsáveis pelo próprio fracasso.
Segundo Morais et al. (2000), a queixa escolar envolve uma mescla de sintomas, como
auto
-
es
tima rebaixada, auto-imagem negativa, imaturidade e dificuldades de relacionamento,
que até justificariam um atendimento de psicoterapia em grupo. Mas esses comportamentos
muito raramente são as causas do fracasso escolar e, sim, mais freqüentemente, seu e
feito.
Mesmo se necessária, a psicoterapia por si não basta para facilitar a aprendizagem, e
levará, provavelmente, ao abandono de tratamento, além de obter pouco impacto sobre a
queixa inicial. As questões escolares referentes à dinâmica da sala de aula, às relações
interpessoais que se dão na instituição escolar, bem como as questões mais amplas, que
envolvem aspectos sociopolíticos determinantes do processo educacional, ficam à margem do
processo psicoterapêutico tradicional.
14
As queixas escolares trazem angústias e indagações tanto dos pais quanto de
educadores, que desejam e se preocupam em saber a causa do problema de aprendizagem e
fazem diversos questionamentos , na busca por respostas e soluções. Rubinstein (2003)
escreve que não há certezas, pois se trata de compreender o indivíduo inserido no tempo e
espaço cultural.
Trabalhando algum tempo em Ambulatório de Saúde Mental na cidade de
Uberlândia
- MG, deparamo-nos com uma grande quantidade de crianças da à 4ª série do
Ensino Fundamental com queixas escolares, na grande maioria encaminhadas pelas escolas.
Estas, em geral, solicitavam atendimento e avaliação psicológica. Ficávamos sensibilizadas
com a imensa demanda e ao mesmo tempo inquietas, pois percebíamos que, na maioria das
vezes, estas
crianças não recebiam nenhum tipo de atendimento no Ambulatório.
Em virtude do interesse pela Psicologia Escolar, tentávamos atender estas crianças em
grupo, realizando as avaliações também em grupo, envolvendo pais e filhos. Procurávamos,
abarcar também a escola, solicitando que as professoras respondessem a um questionário
enviado à escola por intermédio dos pais. Nas perguntas, investigávamos o(s) motivo(s) do
encaminhamento, como descreviam a criança, como definiam o problema de aprendizagem,
as dific
uldades que possuíam para trabalhar com a criança, entre outras questões.
No curso de Especialização realizado no ano de 2000, desenvolvemos o trabalho
monográfico intitulado: "A queixa escolar na infância: uma proposta de avaliação em grupo",
que consistiu em uma reelaboração e reflexão sobre nossa própria prática, enquanto psicóloga
do Ambulatório de Saúde Mental. Devido à constatação de que naquele momento a chegada
de crianças com queixas escolares aumentava a cada dia no ambulatório onde trabalhávamo
s,
propusemos a organização de um modelo de atendimento que pudesse contemplar um maior
número de pessoas, em tempo hábil, sem perda da qualidade do serviço: donde a avaliação em
grupo, com sessões programadas. O processo avaliativo consistia em cerca de nove encontros
15
que envolviam os pais ou responsáveis e as crianças, a fim de contemplar tanto fatores intra
quanto inter-psíquicos da criança avaliada e a implicação da mesma, assim como da família e
da escola, na construção das queixas apresentadas (RIBEIR
O; MARÇAL; SILVA, 2000).
A leitura de trabalhos de autores que tratam da queixa escolar levou-nos a questionar
como de fato esta demanda estaria sendo atendida pelos psicólogos nos ambulatórios, o que
veio redundar na questão norteadora desta pesquisa: Como o psicólogo de ambulatório da
rede pública da cidade de Uberlândia lida com a demanda de crianças com dificuldades de
aprendizagem?
Para responder a esta questão, iniciamos a investigação primeiramente da demanda: se
existe, de onde ela vem e quais são os procedimentos utilizados pelos psicólogos da rede para
atendê
-la. Considerando que a pesquisa envolve os psicólogos, as crianças com queixas
escolares, o serviço público de saúde, a escola e a família, abordamos, nos capítulos seguintes
esses elementos
que se imbricam no desenvolver deste trabalho. No capítulo dois discutimos a
visão de homem na psicologia, o impacto desta na formação do psicólogo e os procedimentos
avaliativos da queixa escolar decorrentes da formação profissional. O terceiro capítulo t
rata
das relações entre a queixa escolar e a instituição educacional, considerando a importância da
escolarização na vida da criança numa perspectiva histórico-cultural, as metodologias e
práticas educativas.
As repercussões da queixa escolar na família são discutidas no capítulo quatro. Os
caminhos da pesquisa, com a apresentação dos aspectos metodológicos, constituem o quinto
capítulo. No capítulo seis, apresentamos a análise das entrevistas, no capítulo sete, a descrição
e discussão do levantamento de dados obtidos nos prontuários. Por último, as considerações
finais.
Esta pesquisa teve como objetivo primordial conhecer o trabalho do psicólogo que
atua nos ambulatórios de saúde da rede pública no atendimento dos encaminhamentos
16
provenientes da escola, bus
cando aprofundar o conhecimento sobre os saberes e práticas deste
profissional junto a este tipo de clientela. Neste sentido, acreditamos que as reflexões
apresentadas poderão contribuir para a compreensão destes encaminhamentos, das formas de
atendimento
realizadas pelo serviço público, e também perceber como a formação dos
psicólogos tem respondido a tal demanda, considerando os conhecimentos adquiridos na
graduação e s-graduação como condição necessária e imprescindível para a atuação
profissional.
O presente estudo apresenta-se como uma possibilidade de mapeamento de uma
situação discutida por outros pesquisadores e que carrega consigo a urgência de propostas
de mudança. Como apontam Moysés & Collares (1996), é necessário que a escola retome sua
fun
ção pedagógica, deixando de patologizar o espaço educativo.
17
2-
A QUEIXA ESCOLAR E A VISÃO DE HOMEM NA PSICOLOGIA
Para sermos capazes de ler sentimentos humanos
descritos em linguagem humana precisamos ler como
seres humanos
e fazê
-
lo plenamen
te.
Harold Bloom
A-
As concepções "psi" e a formação do psicólogo
A psicologia inicialmente constituiu-se tendo como parâmetro o modelo médico, em
uma visão centrada na doença, no eixo curativo. O indivíduo, nesta concepção, é isolado,
deslocado
de sua realidade social. Com os movimentos sociais na década de 1980, as questões
relacionados à saúde crescem e a psicologia, de uma certa forma, supera modelos e
concepções tradicionais, caminhando para uma visão de indivíduo que está imerso em uma
reali
dade social, influenciando
-
a e sendo por ela influenciado.
Utilizar um modelo essencialmente curativo, em que se acredita na privatização dos
sentimentos e na busca de sua interiorização, é desconsiderar a maneira como as pessoas
sustentam suas versões de mundo, como representam a relação entre saúde/doença.
Dimenstein (2000) aponta que a sociologia e a antropologia vêm mostrando há algum tempo a
inexistência de uma natureza humana universal e, conseqüentemente, a não-
universalidade
de modelos e repres
entações existentes entre os saberes psi , e que estes podem não só variar
de uma cultura para outra e através dos tempos, mas entre as classes sociais também.
Bock (1999) situa o psiquismo como sendo formado a partir de determinadas
condições sociais, nã
o advindo da natureza, mas historicamente constituído. A autora enfatiza
que não existe natureza humana , pois esta tem um caráter ideológico na medida em que
18
desconsidera a determinação social do homem, ele é deslocado de sua realidade social,
realidade
essa que o constitui e lhe sentido. Em contrapartida a essa idéia, aponta que
existe a condição humana, que é definida pela inexistência de instintos predeterminados no
homem. Neste sentido, o homem constrói as formas de satisfação de suas necessidades e faz
isso na interação com os outros homens.
Os cursos de psicologia geralmente centralizam seus currículos no sujeito psicológico
e desconsideram o conhecimento dos aspectos sócio-históricos, políticos e ideológicos que
permeiam sua realidade e sua prá
tica. Distanciam
-
se do social à medida que se desprendem de
concepções políticas e sociais, colocando-se numa posição de neutralidade, sem
questionamentos, aliando
-
se à ideologia dominante. O profissional formado nessa vertente vai
atender a um sujeito "ideal", desconectado da vida real, ou seja, existente apenas nos livros
em que estudou.
uma psicologização dos problemas sociais, e as possibilidades de tratamento, as
concepções de doença e de sofrimento psíquico são idênticas para a clientela de consult
ório
particular ou de postos, centros ou ambulatórios da rede pública de saúde. Muitas vezes, os
psicólogos partem do pressuposto da prática psicoterápica individual com finalidades de
busca de ajustamento, da mesma forma que o fazem para a clientela de assistência pública e
privada. Dimenstein (2000, p. 54 ) escreve que estes profissionais
consideram que essa população compartilha a mesma versão de mundo,
expectativas, mesmas representações e modelo de subjetividade que a de
consultório privado. Esta estaria mais em busca de se conhecer , de se
tratar , ao passo que a clientela pública teria como objetivo a eliminação de
sintomas.
A psicoterapia individual de base psicanalítica é na maioria das vezes transposta para o
setor público, independentemente da necessidade e objetivo do mesmo. E o que ocorre é o
alto índice de abandono do tratamento por parte da clientela e a baixa eficácia dos
atendimentos. Estas questões são fundamentais para compreendermos a formação do
19
psicólogo, sua identidade, modos de atuação, teorias e técnicas, em que o indivíduo é visto de
forma descolada de seu contexto social, um ser abstrato e a
-
histórico.
Dimenstein (2000, p. 57) afirma que o modelo hegemônico de subjetividade no
campo psi é o do sujeito psicológico, desenvolvido a partir do ideário individualista e
engendrado pelos próprios saberes psi . O indivíduo representa, então, um ser autônomo,
independente, isto é, destituído de influências culturais e determinantes históricos.
Nos anos 1960, o processo de modernização car
acterizou
-se pela idéia do indivíduo
livre, independente, porém dotado de uma singularidade, uma subjetividade. A psicanálise
adentra neste contexto, nas idéias de subjetividade individualizada, singular a cada sujeito,
mediada exclusivamente pela história de vida pessoal de cada indivíduo. Dimenstein (op. cit.,
p. 60) aponta que
A ênfase na privatização e nuclearização da família, na responsabilidade
individual de cada um de seus membros, nos projetos de ascensão social, na
descoberta de si mesmo, na busca da essência e na libertação das repressões,
foram algumas destas estratégias que culminaram na promoção de uma
psicologização do cotidiano e da vida social e num esvaziamento político.
O perfil da clientela de Saúde Pública é em grande parte a classe d
e baixa renda. O que
se percebe é que esta população não corresponde àquela idealizada por alguns psicólogos e
muitas vezes é rotulada como incapaz de receber e se beneficiar de um atendimento
psicoterapêutico, devido a problemas sociais, carências culturais e falta de estimulação. Isso
demonstra o desconhecimento, pelo profissional, da clientela a ser atendida e de suas
necessidades, dificuldades, valores, práticas, entre outras características. O profissional, neste
sentido, descontextualiza o indivíduo adotando posturas elitistas e que acabam por "culpar a
própria vítima" (RYAN, apud MOYSÉS & COLLARES, 1996 ).
Segundo Souza (1996), na tentativa de explicar a realidade apenas através de aspectos
psicológicos, os currículos de psicologia passaram a reforçar o investimento no indivíduo
20
como aquele que precisa ser tratado em seus males psíquicos, desvinculando a dimensão
intrasubjetiva da realidade social.
Nos primeiros currículos dos cursos de psicologia, predomina o modelo médico de
atendimento, de caráter clínico e individual, enfocando a doença. Isso muda com a inclusão
dos psicólogos em outros campos de atuação como hospitais, escolas, áreas de saúde em
geral, e organizações, trazendo questionamentos e demandas sociais à sua prática. Souza
(1996, p. 13)
enfatiza que
Os psicólogos não têm como clientes apenas elites: a imagem profissional, a
representação do psicólogo e da Psicologia se popularizou. Mas o que
podemos afirmar é que o mesmo não aconteceu com o modelo de
atendimento à população. Mesmo trabalhando nos serviços públicos, as
maneiras de realizar o trabalho ainda apontam para concepções com ênfase
na análise psicanalítica dos fenômenos psíquicos e atendimentos individuais
na sua maioria.
De acordo com uma pesquisa do Conselho Federal de Psicologia (1994), a saída da
clínica privada para a área de saúde é apontada como uma das principais modificações que
emergem no trabalho psicológico clínico. "Parece haver um questionamento dos referenciais
teóricos psicanalíticos onde a dimensão individual, interpessoal daria lugar para a inserção
social do sujeito"
(SOUZA, op. cit., p. 16).
Segundo Souza e Checchia (2003), a maioria dos cursos de Psicologia surgiram no
Brasil, no fim dos anos de 1960 e durante a década de 1970, num momento histórico de
implant
ação do regime militar, em uma época que deveria extirpar quaisquer idéias críticas de
indivíduo e sociedade. A psicologia conforma-se a essa realidade, surgindo como uma
"ideologia de adaptação do indivíduo à sociedade" (op. cit., p.111).
Dessa forma, os currículos dos cursos de Psicologia investiram no indivíduo como um
ser que necessita de tratamento de seus "problemas internos", e de psicoterapias de auto-
conhecimento, ou seja, o sujeito desvinculado da realidade social.
21
Os movimentos da Luta Antimanicomial, a partir de 1987, são marcados pela
necessidade de se buscar alternativas de novas formas de atendimento ao usuário de saúde
mental. Checchia e Souza (2003) consideram que essas discussões questionam a atuação do
psicólogo a serviço de práticas geradoras de exclusão, desigualdade e preconceitos, propondo
diferentes concepções de ciência, de homem e de sociedade.
A saída do psicólogo da clínica para os serviços públicos de saúde aponta dificuldades
e impasses na formação deste profissional, que questões relativas às políticas públicas de
saúde e suas diretrizes não são discutidas nos currículos de psicologia. Geralmente são
adquiridos em cursos de pós
-
graduação ou na prática do dia
-a-
dia nas instituições.
Segundo Meira (2003), a formação do psicólogo e sua relação com a qualidade do
exercício profissional precisa ser rediscutida. A autora acredita que um grande
distanciamento entre a formação e as demandas postas pela sociedade, uma predominância de
um modelo de atendimento essencialmente clínico, e um distanciamento das questões
políticas e das determinações sociais do psicólogo.
Nessa perspectiva, a formação deve ser comprometida com a realidade e estrutura
social, para que esse profissional, nas palavras de Meira (op. cit., p. 64) "seja um
profissional
comprometido com as necessidades sociais humanas, ou seja, aquelas que permitam o
máximo desenvolvimento possível do homem."
Lo Bianco et al. (1994, p. 33) discutem que, com a saída do psicólogo da clínica
privada para a saúde, surge uma preocupação desse profissional com as práticas de atuação e
um olhar voltado para o "contexto social". Segundo os autores, "esse movimento relativo às
questões de saúde, se por um lado amplia as possibilidades de inserção do psicólogo no
campo, por outro, demanda modelos de atuação bastante diferentes e, em grande parte, ainda
carentes de formulação".
22
Para os referidos autores, essa reformulação revela a necessidade de uma atuação
interdisciplinar, ações de saúde coletiva e de caráter educativo, estratégias grupais de
atendimento, a prevenção e a promoção de saúde. Todas essas ações compõem-se como
funções e deliberações do psicólogo que se insere no serviço público, ambulatorial, de saúde
mental. Isso requer do profissional uma visão de elaboração, criação e
transformação.
Lo Bianco et al.(1994) acreditam que o que dificulta o trabalho interdisciplinar na
saúde pública é que a maioria dos profissionais exerce suas atividades específicas, não
havendo um atendimento em conjunto, um trabalho individualizado. E a
atuação do psicólogo
no atendimento de forma descontextualizada demonstra como tem sido a formação destes
profissionais. Em uma pesquisa realizada com psicólogos, averiguaram que estes
profissionais, em seus relatos, apontaram que a inserção da Universidade na comunidade é
muito pequena e o ensino fica distante da prática e da realidade.
Os entrevistados dessa pesquisa sugeriram a necessidade de inserir outras disciplinas
na graduação em Psicologia, como aquelas que possibilitem analisar os contextos e a
clientela, como as ciências sociais. Além de conhecimentos específicos em Saúde Pública não
de doença mental, mas, sim, concepções de saúde, de funcionamento de serviços e em
políticas de saúde. Consideraram também como importante a integração de métodos e
técnicas às realidades com as quais o psicólogo irá atuar e poder proporcionar fundamentos
científicos para as técnicas ensinadas, desenvolvendo uma postura autocrítica de sua função
enquanto psicólogo.
Outra pesquisa realizada por Contini (2001), com dez psicólogos que atuavam na área
de Educação, detectou que, para a maioria dos participantes, o curso de Psicologia
proporciona uma formação fragmentada e dispersa, com valorização do aspecto patológico do
comportamento humano. Segundo a pesquisadora, a visão de homem é da perspectiva do
indivíduo natural, havendo uma prioridade da técnica em detrimento da teoria.
23
Alguns psicólogos desta pesquisa apontaram também o predomínio da clínica, a forte
influência do modelo clínico liberal na formação, sendo que outros conhecimentos
importantes são pouco considerados, como o atendimento institucional e também à
comunidade, por meio de grupos. Outros relatos demonstraram que o curso necessitaria
acoplar conhecimentos de outras áreas afins aos currículos de psicologia, para que a formação
possa estar voltada à promoção de saúde no sentido mais amplo. Contini (2001, p. 103) relata
que, para todos os participantes, é imprescindível que a técnica deve estar voltada para a
leitura teórica da realidade. Nas considerações da autora, "então, parece que o importante não
é a técnica em si, mas a sustentação teórica que a produziu e a sua devida contextualização
dentro de um projeto articulado entre teoria e prática. Tais situações nem sempre são
presentes na formação atualm
ente".
Contini (ibid.) acrescenta que, para os sujeitos participantes, preciso construir um
referencial teórico e profissional que habilite o psicólogo a ter uma ação que além da ação
meramente curativa, entendida hoje como a sua função principal". Outra questão é a das
práticas institucionais e comunitárias na psicologia como necessidade de ter-se mais espaço
na formação.
Para a autora, é importante questionar a quem a psicologia está abarcando em termos
de clientela, isto porque considera que ainda existe uma visão naturalizante do psiquismo,
influenciada pelo positivismo. Destaca que a psicologia deve atingir setores de excluídos e
para que isso ocorra, a atuação do psicólogo deverá enfocar o cotidiano social, a ética e o
indivíduo visto em sua amplitude histórica e social. Nesse sentido, atitudes que dêem valor às
relações humanas por meio de mediações sociais são fundamentais à promoção de saúde.
A intervenção psicológica, de acordo com essa proposta aparentemente
ampla, não deve perder a especificidade do trabalho psicológico e esta
especificidade é a de ser um profissional que promove saúde, atuando nas
questões da subjetividade humana (intrapsíquicas) concretizada nas relações
sociais (inter
-
psíquicas) (CONTINI, 2001, p. 128).
24
A preocupação dos entrevistados dessa pesquisa revela mudanças em seu enfoque, na
estrutura curricular. De acordo com a autora, estão ocorrendo aberturas para práticas e
reflexões em cursos de psicologia que possibilitem ao profissional ações mais concretas na
comunidad
e, buscando a prevenção e envolvendo a educação. Essa prevenção como destaca
Contini (2001, p. 130), voltada para a construção de espaços de reflexão sobre as
dificuldades e o enfrentamento cotidiano da vida, num processo de conscientização dos
fatores
que interferem nesse cotidiano".
Espaços de promoção de saúde podem ser propostos por psicólogos, cuja atuação
provoque rupturas de ações cristalizadas. Segundo Contini (op. cit.) para a realização deste
trabalho dentro das instituições é necessário que o profissional conheça a instituição (os
sujeitos que a compõem e a comunidade), que valorize as relações humanas percebidas como
espaço de mediações sociais, produzindo o conhecimento dos determinantes sociais e afetivos
contidos na dinâmica institucional
.
Essa atuação nas instituições envolve a questão apontada pelos psicólogos dessa
pesquisa, que é a interdisciplinaridade. Ou seja, a importância de refletir durante a graduação,
sobre questões referentes ao trabalho em equipes, compostas por diferentes profissionais, haja
vista que atualmente é algo imprescindível no contexto de trabalho.
Nesse sentido, estudo realizado por Contini (op. cit.) revela importantes contribuições,
dentre elas, a necessidade de mudanças na formação de psicólogos, o que foi enfatizado pelos
sujeitos da pesquisa. As reflexões trazem a emergência de se considerar a realidade atual, o
papel do psicólogo dentro das instituições e diante das novas exigências do mercado de
trabalho, pois o que a autora constatou nos relatos é que o modelo essencialmente clínico é o
que prevalece. Isto é, o psicólogo acaba sendo formado para aplicar técnicas, com uma
postura curativa e preventiva do comportamento patológico do indivíduo. Para Contini (2001)
25
Essa situação tem contribuído para uma consolidação da identidade do
psicólogo marcada exclusivamente pelo seu caráter terapêutico, dificultando
a construção de um outro perfil profissional que possa atender diferentes
situações, como as institucionais e comunitárias (CONTINI, 2001, p.150).
Co
m isso, a formação do psicólogo suscita modificações, pois este profissional tem
sido solicitado em diversas instâncias e isso está propiciando discussões sobre sua função
diante desse movimento de transformações. O que se questiona é a busca dessa "clínica" no
sentido de uma clínica extensa, que significa ir ao encontro das condições e modo de vida de
sua clientela, "buscando compreender, dentro da sua característica de profissional, o
fenômeno psicológico traduzido nas subjetividades que se apresentam no contexto social, seja
este contexto institucional e/ou individual"
(CONTINI, 2001, p. 153).
Com relação às práticas psicológicas, Cabral e Sawaya (2001) descrevem que o
psicólogo tem se baseado numa atuação extremamente clínica que focaliza apenas o
indiv
íduo, mesmo que este esteja em uma instituição escolar. As autoras consideram que
enfocam
-se as dificuldades de aprendizagem advindas de deficiências dos alunos, déficits
cognitivos, problemas emocionais devido à desestruturação familiar, isentando, desta forma,
os fatores pedagógicos e os processos de ensino-aprendizagem da responsabilidade pelos
problemas escolares.
Cabral e Sawaya (op. cit.) realizaram uma pesquisa com psicólogos que atendem
crianças encaminhadas com queixas escolares aos serviços públicos da cidade de Ribeirão
Preto (SP), buscando através de entrevistas conhecer como os psicólogos compreendiam seu
trabalho e como o desempenhavam. Verificaram neste estudo que a natureza das queixas e a
grande incidência de crianças encaminhadas demonstram que as escolas ainda vêem o
encaminhamento para o psicólogo como única forma de resolução dos problemas
apresentados pelos alunos. Os psicólogos, por sua vez, acabam por reforçar esta compreensão,
reafirmando que os problemas estão localizados nas crianças. Metade das respostas aponta as
causas das dificuldades escolares ou no meio sóciocultural das famílias ou no próprio aluno.
26
A escola e os seus problemas internos também foram citados pelos psicólogos, porém não
uma inter-relação efetiva com a instituição escolar e estes profissionais. Os psicólogos não
formularam uma análise das questões que contribuam na produção das dificuldades escolares
das crianças.
As autoras detectaram também que, igualmente em outras pesquisas, a queixa escolar
é considerad
a um problema do indivíduo, sendo de âmbito emocional ou cognitivo, como uma
das supostas conseqüências das suas condições de vida sobre o seu desempenho escolar. O
enfoque dos atendimentos psicológicos oferecidos é dirigido à estruturação cognitiva e aos
problemas emocionais. O funcionamento psíquico e os processos mentais envolvidos na
aprendizagem são tratados independentemente da análise do contexto institucional onde os
problemas escolares são produzidos.
No entanto, percebe-se que os psicólogos reconhecem a necessidade de entrar em
contato com a realidade escolar, mas não se acham preparados/capacitados e/ou
instrumentalizados para intervir no contexto educacional. Alguns acreditam que não são
especializados para tratar de problemas de aprendizagem, por estarem atuando na área clínica,
e esperam que dentro da própria escola deva haver uma equipe psicopedagógica para cuidar
destes assuntos.
Segundo Silva (1992), durante décadas as práticas de ensino na área da psicologia têm
sido direcionadas à preparação para o exercício autônomo da profissão na clínica-
consultório.
É relativamente recente a inserção dos profissionais nas instituições de Saúde Pública,
tornando
-se possível principalmente a partir do movimento da VIII Conferência de Saúde
(1986), na qual o Sistema Único de Saúde (SUS) se reestruturou para a possibilidade de uma
atenção integral à Saúde, incorporando assim novas profissões no atendimento à população.
Neste sentido, a proposta da autora é a organização de equipes interdisciplinares que,
de maneira integrada, possam pensar na saúde dos indivíduos. Ela aponta que nas Unidades
27
Básicas de Saúde prioriza-se a clínica, evidenciando ações individualizadas em detrimento do
trabalho em equipe, com o exercício de práticas psicoterapêuticas de seguimento contínuo
e/ou prolongado.
Silva (1992, p. 30) afirma que é comum observarmos um pinçamento, ou seja, uma
retirada de eventual clientela do contexto em que se encontra, para propor uma intervenção do
tipo psicoterápica
. Não uma preocupação com ações que respondam mais objetivamente
às necessidades detectadas junto aos serviços, como, por exemplo: apoio técnico à equipe,
planejamento de palestras e orientações, apoio a pacientes e famílias antes e após intervenções
traumáticas e/ou cirúrgicas.
É imprescindível que o profissional amplie seu conhecimento, reorganizando-
o,
analisando suas práticas, o que, assinala Silva (op. cit.), implica ter o domínio da técnica e
não ser dominado por ela . O processo saúde-doença se enquadra numa dimensão que in
clui
aspectos sociais, e conhecer a demanda, suas características e representações de saúde é fator
primordial para o planejamento de projetos de atendimento. Como profissional da Saúde, cabe
ao psicólogo buscar a promoção da saúde, o que implica ter abertura para o trabalho em
equipe, inserindo-se na instituição com o olhar voltado para a integração de saberes de
diversas, mas também complementares, áreas.
Neste sentido, muitas vezes, o trabalho do psicólogo que está no campo da Saúde
Pública culmina no isolamento, por não conseguir, em grande parte, se vincular efetivamente
a equipes multidisciplinares e à comunidade, e também por não questionar seus parâmetros,
deixando de fora as dimensões sociais, culturais e políticas dos indivíduos e não buscando a
co
mpreensão desta clientela.
A psicologia, nessa perspectiva, precisa envolver e analisar o processo de
escolarização como algo constituinte da subjetividade do indivíduo, considerando a realidade
28
social e a individualidade como aspectos que se entrelaçam e são determinantes na formação
da estrutura psicológica de cada um.
Com isso, o psicólogo deve repensar sua prática para entender as necessidades da sua
demanda, ou seja, incluir no seu diagnóstico a análise da instituição escolar na qual a criança
está inserida. E, ainda, desmistificar concepções arcaicas, como a questão da carência e da
diferença cultural. Ao discutir o papel do psicólogo, Souza (2000, p. 106 ) enfatiza que
É preciso propor alternativas de trabalho, discuti-las, realizar trabalhos de
par
ceria, por um lado, com os professores, com o intuito de rever as causas
do fracasso escolar centradas na concepção da "carência cultural" e, por
outro, com os nossos colegas psicólogos que, desconhecendo o dia-a-
dia
escolar, utilizam ações que pouco contribuem para a melhoria da qualidade
do processo de escolarização das crianças populares.
Souza (1996) realizou uma pesquisa em quatro instituições universitárias de formação
em Psicologia na cidade de São Paulo, com o objetivo de investigar como os psicól
ogos
entendem e atendem a queixa escolar no curso de Psicologia. Verificou que tanto os
profissionais da área escolar quanto da clínica fazem críticas à escola. Nos estágios da área
clínica, a queixa escolar é atendida com uma abordagem clínica, e suas causas são atribuídas a
problemas familiares e individuais. Na área de Psicologia Escolar, os atendimentos à queixa
escolar são realizados em uma abordagem "psicopedagógica clínica", em grupos ou
individualmente, sendo que em alguns casos se assemelham a um atendimento clínico e
também são realizados numa abordagem institucional, apontando que os problemas de
aprendizagem são advindos de dificuldades do âmbito escolar.
Na análise dos prontuários, a referida autora observa que uma tendência de se
responsabil
izar as crianças por suas dificuldades escolares (aspectos de personalidade,
orgânicos e cognitivos), e também a família, desconsiderando-se assim aspectos do cotidiano
escolar.
29
Souza considera que o fracasso ou o sucesso escolar estão intimamente ligados às
relações da criança com a instituição escolar, que envolve o processo pedagógico e político,
na contramão dos dados obtidos em sua pesquisa. A autora afirma:
O psiquismo, sendo um dos aspectos constitutivos do processo de
escolarização, e, ao elegê-
lo
como o aspecto central de sua análise, o
psicólogo incorre no erro de desprezar inúmeras outras situações que são
constitutivas de ações realizadas pelas crianças e de reações a determinados
contextos extremamente hostis (SOUZA, 2002, p. 192).
Dessa forma, as pesquisas que discutem a formação do psicólogo citadas
anteriormente (LO BIANCO et al., 1994; SOUZA, 1996; CONTINI, 2001; CABRAL &
SAWAYA, 2001), revelam a necessidade desse profissional entender de forma mais completa
a realidade das escolas públicas, suas concepções, diretrizes e práticas, que se inserem em um
contexto social, político e econômico mais amplo, influenciando o cotidiano e a subjetividade
de todos que integram a instituição (alunos, educadores e demais funcionários). Por isso, esta
re
de de relações deve ser objeto de estudo e intervenção da psicologia.
Os cursos universitários de psicologia não têm oferecido a visão e a formação de
habilidades para o trabalho no contexto do serviço público de Saúde. As pesquisas (SILVA,
1992; SOUZA, 1996; DIMENSTEIN, 1998; CABRAL & SAWAYA, 2001) revelam que a
formação do psicólogo está voltada demasiadamente para a valorização do profissional
liberal, limitando-se seu campo de atuação e sua capacidade de contribuir para a sociedade.
Torna
-se, então, uma profissão apolítica, neutra, atrelando-se sempre à ideologia dominante e
conservadora das relações sociais.
Entretanto, algumas reformulações m ocorrido nos currículos de psicologia, a partir
de interpretações e discussões das normatizações das Diretrizes Curriculares Nacionais para
os cursos de graduação, formuladas pelo Conselho Nacional de Educação e pela Câmara de
30
Educação Superior
1
. A Resolução n. 8/2004 pretende garantir, entre outras coisas, que o
egresso tenha um domínio básico de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-
los
em diferentes contextos que necessitem a investigação, análise e avaliação, prevenção e
atuação em processos psicológicos e psicossociais, e na promoção da qualidade de vida.
Pretende
-se, dessa forma, que a formação possibilite ao psicólogo atuar em diversos níveis de
ação, seja em caráter preventivo, seja terapêutico, devendo considerar as características das
situações e dos problemas específicos com os quais se depara.
Neste sentido, as mudanças propostas por essa resolução, prevêem alterações nos
cursos de psicologia, sendo que a formação deve estar ligada às exigências das demandas de
serviço psicológico da comunidade em que o profissional está inserido. Assim, o psicólogo
deverá ser capaz de atuar com competência e coerência, considerando as características de
população com que irá trabalhar.
B-
Os procedimentos avaliativos da queixa escolar
Freller (1997) realizou uma pesquisa, na qual entrevistou psicólogos que atenderam
crianças com dificuldades escolares e analisou os laudos por eles elaborados. Constatou que
existe um desconhecimento dos psicólogos em relação à estrutura e ao funcionamento das
escolas públicas e um preconceito em relação às famílias pobres, que é justificado por teorias
psicológicas que
remetem aos mecanismos intrapsíquicos da criança e às relações desta com a
sua família. Os problemas escolares são em grande parte explicados por carências materiais e,
1
Fonte: CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO & CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR. Resolução
nº 8, de 7 de maio de 2004. Regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
psicologia. Psicologia Teoria e Pesquisa
, Brasília, vol. 20, n. 2, p. 205
-
208, maio
-ago, 2004.
31
portanto, de estímulos. Nesta perspectiva, não são consideradas as práticas e as condut
as
educacionais que constróem, mantêm e reforçam o fracasso escolar.
As práticas psicodiagnósticas ainda estão basicamente voltadas para a concepção de
indivíduo distanciado do seu contexto social, desconsiderando o que se passa na escola.
Enfocam
-
se o in
divíduo e sua família, situando o problema como emocional, e o que acontece
na escola é visto apenas como um sintoma dos conflitos vividos pela criança.
No processo diagnóstico tradicional, utilizam-se entrevistas de anamnese com a
família, testes projetivos e de inteligência com a criança, para avaliar o nível intelectual, a
psicomotricidade e questões afetivas, entre outros aspectos. Estes procedimentos são os
mesmos utilizados para quaisquer crianças que buscam atendimento psicológico,
independentement
e da queixa.
Patto (1990, p. 37) considera que não se trata de negar a influência dos conflitos
psíquicos vivenciados pelas crianças mas de entender que as relações escolares contribuem,
modificam ou reforçam quaisquer que sejam esses conflitos". Tais relações podem levar a
comportamentos agressivos, violentos ou de total apatia.
Descontextualizar a criança, excluindo-a da realidade em que vive, é desconsiderar as
influências e as determinações do meio. Machado e Souza (1997, p. 47) discutem o
procedimen
to diagnóstico quanto à importância de incluírem
-
se as questões escolares:
Precisamos conhecer como a professora entende os problemas de seu aluno,
dando informações sobre o contexto de sala de aula; obter dados sobre sua
história escolar, sobre a classe em que está, etc. Ao invés de aplicarmos
testes de inteligência e projetivos, formamos pequenos grupos onde são
criados espaços de expressão e comunicação, onde a criança fala de seu
aprendizado, de sua vida escolar e mostra as suas potencialidades cognit
ivas
e expressivas.
Os psicodiagnósticos tradicionais analisam as relações do bebê com a mãe, questões
como tolerância à frustração, angústia, ansiedade, inveja e agressividade. Enfatizam a
estruturação da personalidade, considerando que a capacidade de enfrentar um ambiente
32
adverso estaria relacionada a mecanismos intrapsíquicos do sujeito, e dessa forma o sucesso
ou insucesso escolar dependeria exclusivamente da própria criança.
Desse modo, muitas vezes, os profissionais não procuram conhecer a realidad
e escolar
da criança, desconsiderando efetivamente os fatores intra-escolares associados às queixas de
dificuldades de aprendizagem. Diante disso, fica evidente a necessidade de se pensar o perfil
do psicólogo como um profissional que leve em conta o meio
social na avaliação e tratamento
do sofrimento mental, a fim de tornar possível uma intervenção coerente com as reais
necessidades de sua clientela.
É preciso repensar a forma de avaliação das crianças com queixas escolares, inserindo
a escola no processo, pois, conforme ressalta Souza (1996; 1997), várias pesquisas
constataram a presença maciça de queixa escolar nos atendimentos psicológicos. Muitas
vezes, sem saber que atitude tomar em relação à criança que aos olhos institucionais não
consegue aprender, ou que é supostamente indisciplinada e/ou desinteressada, a escola
encaminha
-a aos serviços públicos de Saúde Mental, para uma avaliação por parte do
psicólogo ou, mais raramente, do médico. Em alguns casos, a permanência da criança na
escola é atrelada
ao acompanhamento psicológico.
Freller (1997) acredita que o psicólogo, ao acolher a criança com queixas escolares
como paciente e utilizar um psicodiagnóstico para conhecê-la melhor, sem levar em conta os
fatores intra-escolares envolvidos, terá limitada a compreensão e condução do caso. A autora
descreve o que geralmente acontece quando o psicólogo depara
-
se com essa demanda:
A priori ele ratifica as concepções do agente encaminhador, em geral a
escola, e procura o problema na criança ou em sua família. Assim como os
teóricos da carência cultural desviam o olhar da escola e o fixam no aluno ou
em sua família, que mais uma vez o culpabilizados pelo fracasso escolar
(FRELLER, 1997, p. 66).
33
Uma pesquisa realizada por Cabral e Sawaya (2001) constatou que 94% dos
psicólogos da rede de serviços públicos da cidade de Ribeirão Preto- SP, ao atender crianças
encaminhadas com queixas escolares, utilizavam testes psicodiagnósticos como instrumento
de avaliação. O uso dos testes tinha como objetivo avaliar a capacidade individual das
crianças, e para complementar as informações, era realizada a anamnese com os pais. Com
relação à condução do tratamento psicológico, a pesquisa averiguou duas direções: o
atendimento psicopedagógico e a ludoterapia. O primeiro consiste em atividades que tenham
o objetivo de favorecer a aprendizagem, enquanto a segunda é utilizada com vistas a resgatar
a auto-estima, suscitar na criança uma relação prazerosa com a aprendizagem e com a escola,
além de ajudar a melhorar seu relacionamento em classe. Paralelamente se desenvolve um
trabalho de orientação aos pais, a fim de promover em casa o desenvolvimento dos
comportamentos esperados para o bom desempenho escolar das crianças.
Moysés (2001) relata ter acompanhado ao longo de sua experiência, que os testes
têm servido para classificar e rotular crianças absolutamente normais, e propõe uma avaliação
inversa às tradicionais. Enfatiza a importância de dirigir o olhar para o que a criança sabe, o
que ela tem, o que ela pode, de que ela gosta. Assim, uma criança que gosta de jogar bolinha
de gude, por exemplo, precisa ter coordenação visomotora, orientação espacial, força,
velocidade, noção de tempo, sociabilidade, pois não joga sozinha; além de conseguir
memorizar as regras do jogo, capacida
de de abstração para entendê
-
lo, entre outros aspectos.
Nesta concepção, ao invés de se apontar defeitos, carências das crianças e suas
dificuldades, o profissional parte do que ela sabe fazer. Segundo Moysés (2001), esta
proposta de avaliação requer profissionais mais competentes, com conhecimentos
aprofundados sobre o desenvolvimento da criança, uma vez que é mais difícil de ser
viabilizada do que a aplicação de um teste padronizado.
34
Machado (1997, p. 78 ) descreve alguns mitos utilizados para a explicação do fracasso
escolar, também discutidos por Moysés e Collares (1992; 1996), usualmente traduzidos em
expressões como: distúrbios de aprendizagem, disfunção cerebral mínima, hiperatividade,
déficit de concentração, dislexia, entre outros. A autora resum
e que
Existem lesões que prejudicam o processo ensino-aprendizagem, disfunções
neurológicas, existe desnutrição, pobreza, problemas emocionais, violência,
existe professor desinteressado, pais alcoolistas. Existem crianças com
problemas psicológicos que merecem atendimento, pois elas estão sofrendo.
Mas não é possível estabelecermos uma relação direta de causa e efeito entre
problemas emocionais e capacidade de aprender.
A autora reflete acerca da importância de se dirigir o olhar para a queixa escolar
con
siderando a rede de relações, o campo de forças, a partir do qual se viabiliza a solicitação
de uma avaliação psicológica. "A busca de uma categoria para o que a criança apresenta - se
ela é deficiente mental leve (como se isso existisse), se ela tem algum 'distúrbio' etc. - veicula
a falsa idéia de que devemos lapidar nossos diagnósticos no sentido de definir melhor aquela
criança" (MACHADO, ibid.).
Para Machado (1997, p. 85), as situações e acontecimentos não possuem causas
individuais, mas efeitos que são produzidos em uma rede de relações. Dessa forma
precisamos, ao invés de perguntar sobre os sujeitos, deslocar nossos questionamentos para as
relações e práticas, pois a queixa escolar é construída no coletivo: "Com certas práticas
diagnósticas, criam-
se
graus de deficiências e crianças com problemas, com certas práticas
pedagógicas, inventam
-
se alunos pré
-
silábicos; com outras, alunos lentos ou normais".
Machado (2003) afirma que a avaliação não significa avaliar apenas o sujeito
encaminhado, mas "avaliar um campo de forças", o que implica pensar nos espaços de
produção de práticas e processos de subjetivação. "Os acontecimentos não são causas do que
vem depois, são engendrados nesse campo" (p. 80).
Todas as relações desse sujeito se inserem nesse campo, elas produzem as questões
subjetivas. Investigar a produção do encaminhamento ou da queixa escolar, significa conhecer
35
essas forças, entender que podemos modificá-las ou não. Machado (2003, p. 81) esclarece
que,
Para não cairmos na armadilha de apenas aumentarmos o espectro de causas
em relação às questões que antes pareciam relacionadas ao funcionamento
individual do sujeito, temos de buscar o funcionamento das práticas nas
quais o fracasso engendra, dando nomes, produzindo marcas.
Investigando esse espaço de produção, buscamos não mais aquilo que está no sujeito,
pois esse campo reflete as diversas práticas que puderam gerar o encaminhamento ao
psicólogo. Estas envolvem os sentimentos da criança perante suas dificuldades, o discurso dos
professores em "entregar" as crianças a especialistas, a ansiedade dos pais diante dos filhos
com dificuldades em aprender, a importância de se pensar em projetos pedagógicos para essas
crianças e o conhecimento do funcionamento e rotina da escola (MACHADO, 2003).
Na década de 1980, autores como Patto (1981) iniciam reflexões na área da Psicologia
Escolar que apontavam a necessidade do rompimento com o modelo essencialmente clínico
de atuação, o que sustentava a culpabilização dos alunos, em um processo de psicologização e
patologização dos problemas de aprendizagem. Nessa perspectiva, as dificuldades escolares
tinham como causas aspectos individuais, características da personalidade, comportamentos
considerados inadequados, déficit cognitivos, intelectuais, desnutrição, en
tre outros.
Patto (1997) analisa que, na psicologia psicométrica, o uso de testes converte pessoas
em objetos, padroniza respostas, classifica e emite laudos compatíveis com uma visão
ideológica de mundo, na medida em que desconsidera as diferenças pessoais e culturais.
Assim, para ela, substituir os testes por outras formas de avaliação implica relacionar-se com
pessoas, conhecê
-
las, considerando
-
as como sujeitos sociais e históricos.
A autora enfatiza que a avaliação psicométrica não revela as relações que são
produzidas no âmbito escolar, não traduz a realidade ali vivida pelas crianças. Isto porque o
atual contexto das escolas denota o descaso político para com o ensino público brasileiro no
desestímulo de professores mal remunerados que, muitas vezes, culmina na qualidade do
36
ensino oferecido. O preconceito e o desrespeito pelos pobres está presente no discurso e na
atitude de alguns profissionais; contaminando práticas pedagógicas, podendo gerar problemas
na aprendizagem. Além disso, as dificuldades nas relações entre os profissionais da escola
impedem a concretização de mudanças, uma vez que contribuem para o enraizamento de
concepções, estigma, exclusão e autoritarismo.
Outra questão é a ausência e troca de professores por períodos longos, o que p
ode
culminar numa classe inteira rotulada como "fraca". Todos esses fatores influenciam na auto-
estima das crianças e se não considerados, estas passam a ser vistas como portadoras de
dificuldades de aprendizagem, de distúrbios físicos ou psíquicos. Desse modo, Patto (1997, p.
59) conclui que
Os resultados alcançados nos próprios testes de inteligência dependem da
história escolar, uma vez que esta exerce influência sobre a reação da criança
à situação de avaliação e sobre o resultado obtido em testes saturados de
atitudes e informações escolares que não poderiam ser exigidas, como prova
de inteligência, de crianças que o tiveram garantido o direito a uma escola
de boa qualidade.
Com relação ao uso de testes na avaliação da queixa escolar, Moysés e Colla
res (1997)
discutem que essa padronização não leva em conta o contexto, a realidade em que a criança
vive. Exemplificam que algumas crianças fazem pipas e outras desenham, ambas utilizam a
mesma coordenação motora, mas se tratam de expressões diferentes, que representam os
valores sociais do contexto a que pertencem.
As autoras consideram que um máximo de desenvolvimento intelectual a ser atingido
pelos indivíduos, depende das reais condições sociais em que ele vive, de sua historicidade, de
sua cultura e d
e seu grau de desenvolvimento intelectual, ou seja, é uma construção histórica e
social. Em suas palavras:
Da mesma forma que não se pode comparar crianças que vivem em classes e
grupos sociais com valores distintos, mesmo que vivam num mesmo espaço
geográ
fico e temporal, não se pode pretender comparar crianças que vivam
em espaços temporais e, portanto, históricos e sociais distintos. E vice-
versa... (MOYSÉS & COLLARES, 1997, p. 72).
37
Moysés e Collares (1997) esclarecem que os testes de inteligência idealizados por
Galton tinham como base teórica o social-darwinismo. O determinismo biológico postula que
as características dos indivíduos se definem por seus genes e, dessa forma, os fenômenos
sociais (positivos ou negativos) seriam efeito da constituição genética dos homens que
integram um determinado grupo social. "Assim, a sociedade seria determinada
biologicamente, pela simples somatória dos atributos biológicos, individuais de seus
membros"
( MOYSÉS & COLLARES, op. cit., p. 73).
Nesse sentido, é interessante a reflexão das autoras, pois os testes de inteligência
devem medir a capacidade intelectual do indivíduo; para avaliá-la da forma como é
preconizado, é preciso afastar toda a sua realidade, como se fosse possível separá-lo de suas
próprias vivências para focalizar somente o intelecto. Portanto, é preciso classificar, encontrar
repetições, desconsiderar o singular: "Ao propor tarefas padronizadas a clínica psicológica
silencia a criança, nega-lhe voz para que não fale de si própria, de sua vida, não tenha a
pretensão de ser sujeito"
(MOYSÉS & COLLARES, 1997, p. 81).
Sobre a relação entre os problemas emocionais e a queixa escolar, Souza (1996)
assinala que, mesmo que as questões emocionais estejam presentes, o espaço pedagógico
constitui elemento estruturante do psiquismo e provedor de relações mais saudáveis. E, ainda
que sejam constatados no psicodiagnóstico problemas emocionais de origem familiar, ou
entendidos como um fator impeditivo da aprendizagem, é essencial encontrar ações
pedagógicas que possam inserir-se nesse contexto, "pois, simplesmente afirmar para o
professor que seu aluno apresenta um distúrbio emocional, em geral, paralisa a ação
pedagógica" ( SOUZA, 1996, p. 206 ).
A escola, as relações institucionais onde são produzidos as chamadas "dificuldades de
aprendizagem" muitas vezes não são abordadas e de acordo com Souza (op. cit., p. 220), essa
38
é uma das mais sérias lacunas na formação do psicólogo atualmente. As questões escolares
são apresentadas, quando muito, nas disciplinas de Psicologia Escolar, o que demonstra falta
de consenso e interligação na formação profissional entre as áreas que compõem os currículos
de psicologia.
Estudos mais recentes vêm trazendo reflexões importantes sobre os fenômenos
psicológicos no interior dos processos de produção do fracasso escolar (MACHADO &
SOUZA, 1997; SOUZA, 2000; TANAMACHI & MEIRA, 2003; 2003; ALMEIDA, 2003).
Trata
-se de trabalhos que apresentam uma análise crítica sobre a formação das queixas
escolares e de seus determinantes sócio
-
históricos
.
Contudo, concordamos com Souza (2000) ao pontuar que, embora essas reflexões
estejam acontecendo, ainda encontramos discursos e leituras essencialmente psicologizantes
dos processos de escolarização, que desconsiderm o todo, as relações da instituição,
as
vivências escolares, histórica e pedagógica.
Neste sentido, os processos de avaliação restringem-se ao diagnóstico do aluno,
quando muito de sua família, num viés afetivo. A queixa se cristaliza num conteúdo único, ou
seja, a dificuldade do indivíduo que se encontra no sentido contrário ao padrão estabelecido
pela instituição escolar. A respeito da avaliação da queixa escolar, Meira (2003, p. 27)
destaca que muitas vezes os psicólogos
Aceitam a queixa como um dado real, concreto, verdadeiro e se tornam
incapazes de compreender o contexto e as relações que produzem os motivos
para se encaminhar alunos para atendimento, ou seja, todo o processo de
produção da queixa escolar.
O foco desse tipo de avaliação é o aluno, o que gera a exclusão e estigmatização da
criança, caminhando para uma culpabilização do indivíduo ou da família, na medida em que
as possíveis práticas e relações que originaram a queixa e que trouxeram a necessidade de
encaminhamento para o psicólogo não são discutidas.
39
Tanamachi e Meira (2003, p. 26) acreditam que a psicologia não pode desconsiderar
os aspectos educativos em quaisquer de suas áreas de estudo, atuação e formação, pois,
segundo elas, "a atuação do psicólogo deve visar uma multiplicidade de ações, uma vez que a
identidade profissional está nas finalidades a serem atingidas por recursos teóricos e práticas
diferenciadas".
Com relação à demanda de queixa escolar, as autoras propõem a descrição e análise da
relação entre os fatores produtores da queixa escolar e os processos d
e
subjetivação/objetivação dos indivíduos neles envolvidos. A queixa é vista como uma síntese
de múltiplas determinações, envolvendo a família, grupos de amigos, contexto social e
escolar. Cabe ao psicólogo, nessa perspectiva, por meio da investigação e de ação conjunta,
ser o mediador na compreensão daquilo que se denominou de queixa.
O que é investigado, portanto, é a historicidade dos fatos apresentados como queixa,
buscando em todos os envolvidos, atitudes e acontecimentos que possam tê-la produzido.
C
omo descrevem Tanamachi e Meira (2003, p. 32)
A avaliação aqui adquire caráter investigativo e não classificatório, do que
concluímos que a base da nossa avaliação é o resgate histórico das situações
concretas que permitiram a existência da queixa. Perguntamos sobre os
conteúdos escolares, procuramos entender como são trabalhados na sala de
aula e investigamos com a escola (em conversa com
professora/coordenadora/diretora e em observações na escola) o que
acontece quando a professora ensina, o que ensina, quando os alunos
aprendem, quando não aprendem.
As autoras afirmam que, na avaliação com a criança, são observados em suas
atividades os aspectos que demonstrem sua capacidade de aprendizagem. Com a família e a
escola são investigadas as concepções, hipóteses sobre a queixa, mobilizações, ações para
superá
-las e levantadas as expectativas. Para o trabalho de intervenção, recomendam buscar
alguns recursos, tais como: a criação de situações que possibilitem um trabalho que ao
40
encontro do interesse da criança, técnicas de jogos coletivos, planejamento de atividades com
o grupo de pais e com o grupo de professores.
O trabalho desenvolvido pelas autoras ilustra uma aplicação da teoria histórico-
cultural, pois abrange as diversas relações da criança, mobiliza todos os envolvidos; o
psicólogo é o mediador desses elementos, e em parceria com o educador atua na "construção
do sentido pessoal e social do processo de ensinar e de aprender de todos os participantes"
(TANAMACHI & MEIRA, 2003, p. 42).
Ribeiro, Silva e Ribeiro (1998) também apresentaram uma proposta de avaliação
qualitativa psicoeducacional, com o objetivo de avaliar crianças com queixas escolares
encaminhadas a serviços de Psicologia. Propõem analisar a criança dentro do contexto em que
ela se insere, nas suas relações com a escola, na família e também os procedimentos com a
criança em situações propostas no decorrer do processo avaliativo.
As autoras consideram que os escores obtidos nas avaliações quantitativas m um
valor muito restrito, e que
O importante é podermos pensar o que o sujeito nos diz em cada resposta,
quais processos cognitivos, afetivos e sociais estão envolvidos nas respostas
emitidas, recuperando sua singularidade, sem preocupações de
enquadramento em critérios de normalidade (RIBEIRO, SILVA &
RIBEIRO, op. cit., p. 89).
Este modelo de avaliação consiste em entrevistas com o professor e os pais,
observações da criança na escola, e em encontros com a mesma (sessão livre, entrevista e
desenho, avaliação da escrita e do número, leitura, jogos). Nesses encontros, utilizam-
se
materiais que pertencem ao universo do aluno (rótulos, embalagens, gibis, livros de histórias,
lápis de cor, papéis coloridos, barbante, entre outros). Para finalizar, são realizadas entrevistas
devolutivas com a
criança, a família e a escola.
41
Esse processo avaliativo é interessante, pois contextualiza a criança, podendo auxiliar
na compreensão da queixa, uma vez que envolve as pessoas relacionadas a ela, de modo que
possam pensar e refletir sobre suas possíveis c
ontribuições na instalação da mesma.
Outro trabalho importante foi realizado por equipes multiprofissionais de Unidades
Básicas de Saúde de São Paulo
2
, que descreveram diversas possibilidades de encontros em
escolas e creches, com o objetivo de discutir questões advindas de dificuldades relatadas
pelas instituições. Temas como disciplina/comportamento, relações interpessoais, doenças
sexualmente transmissíveis e aids, dificuldades de aprendizagem, entre outros, foram
abordados. As equipes de Saúde utilizaram dinâmicas e reflexões para explicitar os temas, e a
partir desse trabalho constataram um movimento entre professores de incluir em suas práticas
atividades lúdicas e as próprias dinâmicas vividas por eles, enfocando o aluno para conhecê
-
lo
mais profund
amente.
Morais et al. (2000) consideraram que o grupo de professores pôde ser ouvido e
acolhido a partir de um bom vínculo estabelecido entre estes e os profissionais da equipe de
saúde. Os encontros abrangeram questões como: metodologias de ensino, recursos que seriam
facilitadores ou que dificultariam a aprendizagem do aluno, crenças e mitos a respeito de
carências culturais, o aluno numa visão ideal e real. A equipe verificou a disponibilidade e o
interesse dos educadores em participar das discussões e
dos temas abordados:
A equipe de saúde pode propiciar uma reflexão junto aos educadores sobre
as relações e mecanismos que tornam a escola doente . Uma escola
saudável deve ser um espaço de prazer, realização de vida, de ser si próprio,
ser criança e ser feliz, e não um lugar de ser rotulado, de ter uma experiência
continuada de fracasso, de ser marginalizado e excluído (MORAIS, et al.,
2000, p. 48).
De maneira geral, a avaliação dos trabalhos descritos foi muito positiva, como
considera Azevedo:
2
Trabalhos descritos no livro: MORAIS, et al. (Org.) Saúde e Educação: muito prazer! Novos rumos no
atendimento à queixa escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo
, 2000. 266 p.
42
Gradual
mente foi acontecendo uma integração, houve a aquisição de novos
conhecimentos, a visualização de novas alternativas para o trabalho, a
descoberta de outras posturas que repercutem na prática em sala de aula e a
real possibilidade de troca de experiências. Os educadores relataram que
puderam se sentir mais seguros, menos ansiosos por ter um grupo com
quem compartilhar as angústias e dificuldades e apoio para superá-las (2000,
p. 123).
Outra questão constatada pelas equipes de saúde é que um reconhecimento dos
educadores de que a tendência é sistematizar o olhar para o aluno que se sai melhor, pois o
fracasso da criança aponta para as dificuldades do professor, gerando angústias e ansiedades.
Dessa forma, colocam-se as causas como externas à escola, pela própria dificuldade do
docente em repensar sua prática.
Nos encontros com os professores, os autores buscaram o uso de técnicas de dinâmicas
de grupo, dramatizações, expressão corporal, relaxamento, jogos e debates, para possibilitar a
expressão de opiniões e trocas, espaços de discussão e compreensão acerca da prática do
professor em sala de aula. Enfatizam que é essencial o planejamento das reuniões com temas
específicos para melhor aproveitamento do encontro.
As equipes de saúde constataram também que os professores, na maioria das vezes,
relataram causas como as ambientais e orgânicas como responsáveis do fracasso escolar. As
primeiras dizem respeito às questões familiares, problemas emocionais, e as orgânicas se
referem a problemas de gestação, des
nutrição e neurológicos.
A parceria dessas equipes de saúde junto às escolas demonstrou um importante e
necessário encontro da Educação com a prevenção e promoção da saúde. Esse encontro
depende da disponibilidade dos profissionais dos ambulatórios, para que possam criar
possibilidades de ampliar seu trabalho, seus conhecimentos, planejando projetos que atendam
essa demanda. Sabe-se que essa tarefa não é fácil, pois encontra barreiras nas escolas, pela
43
própria dificuldade do educador em pensar e introduzir mudanças, questionar mitos e
preconceitos.
Morais et al. (2000) descrevem algumas medidas que os psicólogos de Unidades
Básicas de Saúde devem tomar para avaliar a queixa escolar:
solicitar ao professor ou
coordenador pedagógico um relatório que contenha informações sobre o aluno em sala de
aula, no recreio e biblioteca, fazendo a escola refletir sobre sua própria prática e sobre o
aluno;
colher dados com a família a respeito de seu histórico escolar;
levantar as
expectativas dos pais e seus projetos em relação à criança, bem como o relacionamento da
família com a escola;
investigar com a criança sobre a queixa escolar, seu conhecimento e
autoconceito;
olhar o material escolar, examinando a produção do aluno, exercícios
propostos, avaliação dos p
rofessores.
A respeito de trabalhos com grupos de professores, Meira (2003) considera que o
psicólogo pode oferecer grandes contribuições, visto que introduz a discussão de aspectos da
subjetividade, constrói espaços para pensar como cada um posiciona-
se
perante as próprias
atitudes na educação e para refletir sobre a percepção que os profissionais têm de sua função e
que sentido pessoal expressam suas ações no âmbito educacional. Isso significa analisar
dialeticamente os determinantes sociais e as questões próprias de cada sujeito, as relações
entre a subjetividade e as práticas escolares.
Acreditamos que essas reflexões colocam em discussão as concepções que de certa
forma estão cristalizadas e são defendidas por grupos de educadores. A partir da análise de
como esse fazer tem sido construído por cada um, as concepções podem ser transformadas à
medida que o grupo torna-se mais fortalecido para ampliar as opiniões que os professores
possuem de suas potencialidades e assim redescobrir e dar sentido à sua capacidade. A partir
daí, é possível fazer uma ponte entre as teorias de ensino e aprendizagem e as práticas
pedagógicas vigentes.
44
Meira (2003) enfatiza que afeto e cognição são interdependentes, e que é preciso
analisar a queixa escolar, a indisciplina e outros encaminhamentos para os serviços de
psicologia em uma dimensão que leve em conta os determinantes sociais e psicológicos,
compreendendo que não se trata de negar os problemas dos alunos, mas de buscar novas
formas de entendê
-
los e lidar com os me
smos.
As propostas alternativas de avaliação e intervenção nas escolas refletem a
compreensão de que a educação tem um lugar imprescindível na constituição do indivíduo, é
ao mesmo tempo social e singular. Meira (op. cit., p. 57) sintetiza que " não homem, nem
individualidade, nem subjetividade plenamente desenvolvida sem a apropriação do
conhecimento, ou seja, sem educação".
3-
A QUEIXA ESCOLAR
-
RELAÇÕES COM A ESCOLA E A FAMÍLIA
45
Nas relações de ensino compartilhadas, professor e
crianças ensin
am e aprendem. Eles aceitam o convite
do poeta e contemplam juntos as palavras. Eles
aceitam juntos o desafio das palavras, mergulhando na
história, nas práticas sociais de conhecimento em que
se constituem, em busca das chaves...
(FONTANA; CRUZ, 1997, p.
115)
A-
A escola e a/ na constituição do sujeito: uma perspectiva histórico
-
cultural
Segundo Bock (2001) em 1875 Wundt (1832-1920) iniciou as discussões sobre a
psicologia como ciência. Para ele, o pensamento humano era visto como produto da natureza
e concomitantemente criação da vida mental. Os estudiosos e pesquisadores que utilizaram os
ensinamentos do eminente psicólogo alemão ramificaram-se em ciências que compreendem o
homem de forma cindida, ou a partir da subjetividade ou da objetividade, configurando a
dicotomia interno/externo e psíquico/orgânico.
a perspectiva histórico-cultural de Vygotsky (1896-1934), baseada no marxismo e
no materialismo histórico e dialético, traz uma visão do homem como um todo. Nessa
perspectiva, o homem é considerado um ser social, histórico, e assim, critica-se a visão a-
histórica que considera o fenômeno psicológico como puramente abstrato.
Bock (op. cit., p. 19) analisa que a noção de indivíduo surgiu e se desenvolveu com o
capitalismo. Para a autora:
A idéia de um mundo "interno" aos sujeitos, da existência de componentes
individuais, singulares, pessoais, privados toma força, permitindo que se
desenvolva um sentimento e esse fenômeno também é resultado desse
processo histórico. A psicologia se torna necessária.
Neste sentido, a noção de fenômeno psicológico vem como algo externo e que domina
o indivíduo, sem que este tenha controle do mesmo; ou seja, surge como algo deslocado da
realidade à qual o indivíduo pertence. "O mundo social é um mundo estranho ao nosso
eu".
(BOCK, 2001, p. 22). Cabe portanto ao homem adaptar-se a este mundo. Na medida em que a
Psicologia compactua com estas idéias torna-se e constitui-se como uma representação da
46
ideologia, porque desconsidera a relação do indivíduo com as questões materiais e sociais
necessárias ao desenvolvimento de suas potencialidades.
A abordagem histórico-cultural critica a visão de que o fenômeno psicológico é algo
pertencente à natureza humana e considera que este reflete a condição de vida concreta dos
sujeitos.
Para essa teoria, "falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da
sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens".
(BOCK, op. cit., p. 22). Dessa forma, subjetividade e objetividade se inter-relacionam nu
ma
relação dialética que não dissocia mundo psicológico e mundo social. Bock (op. cit, p. 23)
esclarece que
Conhecer o fenômeno psicológico significa conhecer a expressão subjetiva
de um mundo objetivo/coletivo; um fenômeno que se constitui em um
processo
de conversão do social em individual; de construção interna dos
elementos e atividades do mundo externo.
Ainda segundo Bock (2001) a abordagem histórico-cultural envolve as concepções
materialista, dialética e histórica. A primeira se caracteriza pela realidade material, pelo
conhecimento das leis; a segunda descreve que a contradição é soberana e sua superação é que
provoca a transformação da realidade; a histórica busca alcançar as duas anteriores, pois é
possível compreender a sociedade e a história buscando-se as leis (materialista) e o seu
movimento que está em constante transformação (dialética) e assim, o homem tomado pela
contradição é um ser ativo que age sobre sua realidade e constitui
-
se social e historicamente.
Neste sentido, o fenômeno psicológico deve compreender o homem na sua
integralidade, numa visão que contemple o movimento e as suas transformações, nas quais os
elementos sociais e valores culturais façam parte de sua estruturação.
Vygotsky (1988) entende que os fenômenos psicológicos resultam de um processo em
que o indivíduo se constitui através das relações interpessoais, na qual a subjetividade é
formada pelas mediações sociais. O sujeito e sua subjetividade se produzem dentro de um
contexto histórico, na relação dialética com
a realidade objetiva. Para Gonçalves (2001, p. 50)
47
o homem não está isolado, "há homens concretos, determinados pela realidade social e
histórica e, ao mesmo tempo, determinantes dessa realidade, através da ação coletiva".
Gonçalves (op. cit.) acredita que o sujeito do liberalismo e da visão cientificista da
modernidade é visto como individual, racional e natural, contrapondo-se ao sujeito social,
ativo e histórico do marxismo; "é o sujeito que se individualiza no processo histórico e social"
( p. 69).
Na
perspectiva do materialismo histórico, o modo de produção capitalista que
propunha o trabalho dividido, permeia formas de relações objetivadas, e nas palavras de Patto,
"transforma as coisas em entidades que se relacionam socialmente e as relações entre co
isas"
(1997, p. 57). Essas relações sociais de produção desvelam concepções naturalizantes daquilo
que é social, o que aparece como a
-
histórico.
Vygotsky (2001) faz considerações contundentes sobre o papel do outro na
constituição da pessoa. Ressalta que as necessidades da criança pequena podem ser
completadas pelo outro, e é por meio dessa relação que a criança e suas ações vão se
constituindo.
Para Smolka, Góes e Pino (1998), nessa estrutura o outro é formado da relação entre o
outro e eu, mas essa pa
rceria não é uma ligação fusionada. Os autores explicam:
A formação de identidade se apresenta como um processo complexo pelo
qual a criança começa a se posicionar como um indivíduo em oposição aos
outros; a formação do eu envolve a afirmação de uma identidade e uma
expulsão do outro para fora dessa identidade (p. 155).
O filósofo russo Bakhtin (1992), assim como Vygotsky compartilha da noção de
homem como um ser social e histórico e, na relação com o outro, numa atividade prática
comum intermediada pela linguagem, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito. Para
Bakhtin, a atividade mental do sujeito que fala, levando em conta suas potencialidades
singulares, se num movimento que oscila entre a atividade mental do eu e a atividade
48
mental do nós. Dessa forma, caracteriza-se a formação da consciência individual configurada
pela e na relação com os outros, permeada por diferentes "vozes" ou palavras de outros.
Bakhtin (op. cit.) enfatiza a interação quando descreve a reciprocidade na qual o
indivíduo
se constitui, apontando que seu pensamento se origina e forma-se no processo de
interação e em conflito com pensamentos de outros. O autor considera que a consciência não
pode ser reduzida a processos internos, ou seja, a consciência individual nada pode e
xplicar, a
não ser a partir do meio ideológico e social. Em suas palavras, "o indivíduo enquanto detentor
dos conteúdos de sua consciência, enquanto autor de seus pensamentos, enquanto
personalidade responsável por seus pensamentos e por seus desejos, apre
senta
-se como um
fenômeno puramente sócio
-
ideológico" (BAKHTIN, op. cit., p. 52).
Vygotsky debate aspectos psicológicos e pedagógicos e Bakhtin enfoca a dimensão
ideológica, apontando a diversidade cultural e lingüística, as lutas de poder entre pessoas e
instituições. O aspecto presente e bastante forte nos dois autores é a reflexão sobre a
interação. Para Bakhtin, a experiência discursiva individual forma-se e se desenvolve em uma
constante interação com os enunciados individuais alheios: a linguagem con
stitui
-se na sua
realidade dialógica. A fala, as condições de enunciação e as estruturas sociais são aspectos
interligados e indissolúveis.
A linguagem, para Vygotsky, é um instrumento que possibilita a mediação das
relações entre os indivíduos. A respeit
o dessa concepção, Gonçalves (2001) reflete que
A linguagem é o que melhor representa a síntese entre objetividade e
subjetividade. Isso porque o signo é, ao mesmo tempo, produto social que
designa a realidade objetiva; construção subjetiva compartilhada
por
diferentes indivíduos através da atribuição de significados; e construção
subjetiva individual, que se através do processo de apropriação do
significado social e da atribuição de sentidos pessoais(GONÇALVES, 2001,
p.50).
49
A linguagem funciona como meio de expressão e organização do pensamento, é
mediadora no processo de internalização. Desse modo, Tanamachi e Meira (2003, p. 25)
concluem que "a comunicação é fator de desenvolvimento. Deve ser clara, precisa, provocar
dúvidas e o desejo de iniciar no
vos processos construtivos".
A concepção histórico-cultural pretende conceituar de que forma se constrói o mundo
subjetivo do indivíduo a partir do mundo objetivo, que é histórica e socialmente determinado.
Tanamachi e Meira (op. cit., p. 24) escrevem que a finalidade do trabalho de Vygotsky "era
definir o método de compreensão do fenômeno humano, para descobrir o meio pelo qual a
natureza social se torna a psicológica dos indivíduos".
Nessa perspectiva, o funcionamento mental do indivíduo é constituído pela cultura,
por meio do social-interpsicológico; é uma operação que inicialmente representa uma
atividade externa que é reconstruída e começa a ocorrer internamente (VYGOTSKY, 1988, p.
64). A internalização de formas culturais tem como base as operações c
om signos, ocorre pela
transformação de um processo interpessoal em um processo intrapessoal, o que leva à
individuação, que é única, singular, porém socialmente engendrada.
Em seus estudos, Vygotsky, criticou tanto as teorias comportamentais que explicam
o
desenvolvimento humano através de condicionamentos, estímulos e respostas quanto aquelas
que pretendem explicar o desenvolvimento humano exclusivamente pela sua maturação
biológica. Freitas (1994 a) relata que Vygotsky foi o primeiro psicólogo moderno a
sugerir
mecanismos pelos quais a cultura torna
-
se parte de cada pessoa.
Enfatizou a origem social da linguagem e do pensamento, compreendendo
que o individual e o social devem ser concebidos como elementos
mutuamente constitutivos de um todo. Considera o
desenvolvimento
cognitivo como uma aquisição cultural, explicando a transformação dos
processos psicológicos elementares em complexos, por meio de mudanças
quantitativas e qualitativas na evolução histórica dos fenômenos. Para ele, as
funções psicológicas superiores constituem-se em transformações
internalizadas de padrões sociais de interação interpessoal (FREITAS, 1994
a, p. 88).
50
Neste sentido, Vygotsky considera que o indivíduo se desenvolve junto com o outro; a
atividade humana individual pode ser compreendida dentro de um contexto de relações
sociais, pois ela não existe fora destas relações. O autor afirma repetidas vezes o papel do
outro na constituição do homem.
Para o autor, a constituição do sujeito está diretamente relacionada ao aprendizado,
que é apropriado na interação com pessoas mais experientes, outros mediadores, seu grupo
cultural, por meio da utilização da linguagem. No dizer de Rego (2002, p. 50)
o comportamento e a capacidade cognitiva de um determinado indivíduo
dependerão de suas experiências, de sua história educativa, que, por sua vez,
sempre terão relações com as características do grupo social e da época em
que se insere. Assim, a singularidade de cada indivíduo não resulta de
fatores isolados (por exemplo, exclusivamente da educação familiar
recebida, do contexto sócio-político da época, da classe social a que pertence
etc.), mas da multiplicidade de influências que recaem sobre o sujeito no
curso do seu desenvolvimento.
Segundo Meira (2003), a Psicologia histórico-cultural busca discutir e relacionar o
indivíduo e a sociedade, refletindo sobre como o homem se insere no processo histórico,
contextualizando
-o. A autora compreende que "a relação entre homem e a sociedade é de
mediação recíproca, o que significa que os fenômenos
psicológicos só podem ser devidamente
compreendidos em seu caráter fundamentalmente histórico e social" (p. 19).
Nessa perspectiva, a educação tem uma função mediadora de transformação social,
quando considera o homem um indivíduo histórico. O indivíduo, de forma ativa, recebe as
influências do meio e as internaliza. O desenvolvimento é impulsionado pela aprendizagem.
O contato com o conhecimento formalmente organizado, nas atividades educativas, leva o
sujeito a novas formas de pensamento, de se inserir, agir e de se relacionar com o seu meio, e
a partir da expansão do conhecimento ocorre uma mudança na sua relação cognitiva com o
mundo. Assim, a escolarização tem impacto crucial no desenvolvimento das funções
51
psíquicas mais elaboradas e a qualidade do trabalho pedagógico é fundamental para a
promoção do desenvolvimento dos alunos.
Nesse sentido, Vygotsky (2001) considera que a aprendizagem é essencial, pois
constitui condição primária para o desenvolvimento das características humanas, não naturais,
mas
formadas historicamente. Assim, formula o conceito de nível de desenvolvimento atual e
a zona potencial.
Esse conceito postula que o professor pode detectar o nível de desenvolvimento que
cada aluno é capaz de atingir sozinho e o que pode alcançar com a ajuda de adultos ou
companheiros mais experientes. Essa concepção mostra que algumas crianças, em
determinado momento, não conseguem efetivar atividades propostas e necessitam de auxílio,
de propostas diferenciadas, como jogos, brincadeiras, exercícios em grupo, entre outras
atividades. Isso remete a um papel ativo do professor em relação ao processo de
aprendizagem e desenvolvimento. Tanamachi e Meira ( 2003, p. 48) apontam que
O professor que sabe que o desenvolvimento cria potencialidades, mas que
só a
aprendizagem as concretiza, é aquele que se volta para o futuro, para dar
condições para que todos os seus alunos se desenvolvam e que, portanto,
busca intervir ativamente nesse processo, não se limitando a esperar que as
capacidades necessárias à compreensão de um determinado conceito algum
dia amadureçam .
As autoras fazem uma analogia do ensino com a teoria de Vygotsky, afirmando que a
sala de aula é um local de formação social da mente. É nesse espaço que a educação se
realiza, e a relação/encontro entre professor e aluno é que vai delineando todo o trabalho. A
aprendizagem é considerada um processo, requer articular conceitos espontâneos aos
conceitos científicos; a atividade é requisito para que a aprendizagem ocorra e depende da
socialização, requer motivação, ao mesmo tempo, que o conhecimento é também um meio de
transformação social.
52
Nessa concepção, o "erro", ou seja, a resposta diferente daquela esperada, faz parte do
momento de desenvolvimento, do processo de pensamento do indivíduo, que deve ser ponto
de partida. Os conhecimentos da experiência de vida são fundamentais para auxiliar na
construção dos conceitos científicos. É importante uma proposta de trabalho adequada, que
favoreça as condições para que a aprendizagem ocorra, sem perder de vista que a interação
entre os alunos é essencial no processo de socialização e desenvolvimento cognitivo.
O conceito de Zona de Desenvolvimento Potencial, postulado por Vygotsky, afirma a
importância da atuação de outras pessoas mais experientes para que d
eterminadas
competências dos estudantes possam se transformar em conquistas. O "espaço" entre o que a
criança consegue fazer sozinha (desenvolvimento real) e aquilo que a criança é capaz de fazer
com o auxílio de outras pessoas configura a zona de desenvolvimento potencial. O conceito
de desenvolvimento potencial aponta para a concepção de que
"o único bom ensino é o que se
adianta ao desenvolvimento" (VYGOTSKY, 2001, p. 114). Nesse sentido, a aprendizagem
escolar pode orientar e estimular os processos inte
rnos de desenvolvimento.
Para exemplificar, Vygotsky (2001) descreve que ao submeter duas crianças a um
teste de inteligência, ambas obtiveram idade mental de sete anos. Mas quando em provas
posteriores, elas foram auxiliadas com perguntas-guia, exemplos e demonstrações, uma
criança resolveu com tranqüilidade os testes, superando em dois anos o seu nível de
desenvolvimento efetivo, enquanto a outra superou em um ano e meio. Este exemplo
demonstra o conceito de zona de desenvolvimento potencial, ou seja , "a diferença entre o
nível das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem
desenvolver
-se com uma atividade independente define a área de desenvolvimento potencial
da criança"
( VYGOTSKY, op. cit., p. 112).
Neste sentido, para Vygotsky, a aprendizagem antecipa o desenvolvimento. Os
processos de maturação do organismo individual são importantes, mas não decisivos para o
53
desenvolvimento, pois é o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos de
desenvolvimento
que, se não fosse o contato do indivíduo com um determinado ambiente
cultural, não ocorreria. Conforme o autor, o indivíduo se desenvolve junto com o outro, logo a
atividade humana individual pode ser compreendida dentro de um contexto de relações
socia
is, pois ela não existe fora delas.
O percurso do desenvolvimento humano se dá, portanto, de fora para dentro, por meio
da internalização de processos interpsicológicos. Todas as funções no desenvolvimento da
criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social (entre pessoas, interpsicológica)
depois, no nível individual (no interior da criança, intrapsicológica). Considerando o papel da
escola no desenvolvimento, Freitas (1994a, p. 93) afirma que
O material a ser aprendido é colocado pelo professor (processo interpessoal)
e o aluno apropria-se do conhecimento, dá-lhe significado próprio a partir de
sua experiência anterior e reconstrói, interna e individualmente, a operação
(processo intrapessoal).
Cabe ao educador compreender que as capacidades individuais estão diretamente
relacionadas ao mundo externo. Daí a necessidade de considerar o aluno (e o próprio
educador) em de uma dimensão histórica, como pertencente a uma sociedade, a um grupo
social, a uma classe, a uma cultura. Isto porque, a constituiç
ão do sujeito e suas características
peculiares está diretamente relacionada aos processos de aprendizado que ocorrem desde o
nascimento.
Sendo o processo de escolarização algo que constitui a subjetividade do indivíduo, a
psicologia deve considerar a realidade social e a individualidade como aspectos que se
entrelaçam e que são determinantes na formação da estrutura psicológica do indivíduo. Dessa
forma, a abordagem histórico-cultural contribui para uma melhor compreensão da relação
entre a Psicologia e a Educação, pois aponta um novo papel da escola, ao enfatizar a
importância do meio, ao acentuar a influência da cultura, colocando a linguagem e o outro
54
como mediadores. O educador amplia seu olhar para o desenvolvimento das funções
superiores, da formação da consciência, na constituição do sujeito que se inicia também no
exercício da cidadania.
O primeiro contexto de socialização da criança é a família. Segundo Rego (2002), a
atitude dos pais, suas práticas e formas de educação, as vivências culturais do a
mbiente
doméstico exercem influência precisa no desenvolvimento individual e no comportamento
dentro da escola. Porém, essa influência não é um determinante que permanecerá inalterável
ao longo de toda a vida do indivíduo. A escola se insere no cotidiano da criança e é um local
que possibilitará vivências diferentes das do grupo familiar, oferecendo oportunidades de
experimentação de novos desafios que suscitarão mudanças e desencadearão processos de
desenvolvimento e alterações no comportamento do indivíduo: o tipo de trabalho
desenvolvido na escola parece ter uma relação direta com as marcas que deixará no sujeito.
Portanto, a qualidade da escola faz a diferença
(REGO, op. cit., p. 72).
Vygotsky (2001, p. 115) enfatiza o papel preponderante e diferenciado da
escolarização no desenvolvimento integral do sujeito:
A aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta
organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental,
ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não
poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um
momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na
criança essas características humanas não-naturais, mas formadas
historicamente.
Nessa afirmação de Vygotsky fica evidente a importância determinante da escola na
constituição do sujeito, tanto no sentido de sua humanização quanto no sentido do
desenvolvimento dos conceitos científicos que estendem os limites da aprendizagem. Desse
modo, é fundamental que a instituição e os docentes tenham clareza da magnitude da tarefa
educativa.
55
B-
Metodologias e práticas educacionais
Bock (2003) analisa que a Pedagogia da Escola Nova, surgida no começo do século
XX, buscou na psicologia uma aliada, pois tinha como prioridades a criança e suas
manifestações. A escola deveria ser um espaço de expressão, comunicação e criatividade e,
para isto, era necessário conhecer o desenvolvimento infantil, e a psicologia poderia fornecer
este subsídio.
Segundo a autora, a relação Psicologia e a Educação estabelecem no plano ideológico,
como produtos que são da ideologia capitalista. A Pedagogia da Escola Nova traduz as
necessidades do capitalismo, pois a escola cumpre a função de reprodução, no trabalho com
técnicas exaustivas, buscando o desenvolvimento das potencialidades dos sujeitos. A
psicologia entra com suas concepções de que o homem e seu mundo psicológico advêm de
uma "natureza humana", e logo, suas condições de desenvolvimento seriam "internas",
inerentes, abstratas. A realidade social está à parte, fora dos indivíduos, não tendo relação
com suas estruturas e dinâmicas psíquicas. Essa noção da Psicologia compactua com a
Pedagogia, isentando esta última da responsabilidade pelas dificuldades e fracassos escolares.
Estes são imputados às pessoas, não se referem a metodologias, estruturas da escola ou à
política educacional vigente. Como afirma Bock (op. cit.)
O fracasso da escola, do processo de ensino-aprendizagem, da educação,
fruto de políticas educacionais que projetaram a "crise" da escola serão
explicadas pela pobreza, pela falta de apoio que os alunos têm de suas
famílias, da desestruturação familiar em grupos pobres da população, a
presença ou a ausência de um pai violento, a ausência freqüente da figura
mater
na que trabalha para o sustento da família, da falta de condições para o
estudo em suas casas, da falta de interesse para o estudo...(BOCK, 2003, P.
86).
Essas idéias produzem o diferente. As concepções de que cada um possui
características próprias, de que o desenvolvimento é universal, de que as condições
56
ambientais (e não sociais) podem dificultar, mas o sujeito deve esforçar-se para superá-
las,
são noções de base ideológica que restauram a idéia de indivíduo isolado do meio social, a-
histórico, mini
mizando a realidade educacional, que é social, a uma realidade individual.
Na visão de Bock (2003), as práticas educativas são carregadas de um discurso
contraditório. Isso é exemplificado quando os educadores expressam que a escola promove a
igualdade,
mas no cotidiano tratam os alunos como desiguais; apontam a importância de
relacionar a escola com a vida, mas desvinculam o ensino da vida das crianças; ressaltam a
valorização dos indivíduos, mas alguns são concebidos com uma certa desconsideração. "Esta
situação de contradição é vivida e significada do ponto de vista da subjetividade de cada aluno
e do próprio professor, desenvolvendo todos eles um descrédito naquilo que deveriam
acreditar" (BOCK, 2003, p. 93).
A construção ideológica prevê a igualdade de oportunidades, que é permeada pela
teoria de que somos indivíduos possuidores de capacidades iguais, inatas, advindas da
natureza humana. As diferenças aparecem pela forma diversa com que cada um é capaz de
aproveitar aquilo que o meio oferece, ou seja, as diferenças individuais surgem do próprio
indivíduo, sendo de sua total responsabilidade suas dificuldades e fracassos.
Bock (op. cit.) aponta algumas conseqüências desse pensamento naturalista no
cotidiano escolar, tais como: a forma de avaliação, que é a mesma para todos, pois todos são
considerados iguais; o aluno muitas vezes é desvalorizado, pois o professor fica num patamar
superior, como o detentor do saber, e ao aluno cabe aprender, isto é, não são parceiros no
processo; o erro não é considerado parte do momento de aprendizado, é tratado de forma
severa; e o ensino é ministrado sempre da mesma forma, desconhecendo-se a realidade dos
alunos. O aluno fica de fora da construção do projeto educacional, das atividades e avaliações.
"O aluno naturalizado chegará sempre com as características universais das quais é dotado e
57
cabe ao professor contribuir para desenvolvê-las em direção certa (o destino!). Não o que
fazer juntos"
(BOCK, 2003, p. 94).
Bock (2003, p. 98) declara que em avaliações como o Exame Nacional de Ensino
Médio (ENEM), as pesquisas demonstram que alunos das escolas públicas vão mal nas
provas. Os dados do CENSO 2000 mostraram que jovens de família com renda até um salário
mínimo tiveram desempenho médio de 26,01 na prova do ENEM, enquanto estudantes com
renda superior a 50 salários tiveram nota média de 52,67.
A autora aponta que uma "patologização da pobreza" (p. 96), e que o problema
ainda é visto como de ordem individual e não um problema da educação. Para Bock (op. cit,
p. 97
),
A Psicologia deveria ser capaz de denunciar as péssimas condições de vida
como geradoras de desigualdade que leva alunos desiguais à escola, escola
esta que incrementa esta desigualdade e oferece uma ideologia que consegue
fazer o aluno e sua família acreditarem que ele é o responsável pela situação
de fracasso
.
Concordamos com Bock (2003) quando afirma que em nossas teorias psicológicas o
mundo interno e mundo externo ficaram definitivamente separados, cindidos. O homem é
visto isolado, deslocado, como se não se relacionasse com o mundo cultural, como se ele não
interferisse em sua constituição como tal. Acreditamos que a psicologia pode contribuir no
campo da educação, na medida em que redimensione seus propósitos nesse sentido e passe a
ver o homem como um ser histórico e social. O que, nas palavras de Bock (2003, p.102),
possibilitará que
A Psicologia contribua para que o educador compreenda a importância do
planejamento das situações educativas, que compreenda a importância de
enriquecer o ensino com conteúdos da realidade próxima aos educandos,
pois todos esses elementos serão, sem dúvida, condições de construção de
um mundo psicológico saudável, à medida que possibilitam ao aluno ampliar
a sua compreensão do mundo que o cerca, potencializando sua intervenção
transformadora sobre sua realidade cotidiana.
58
O olhar dos educadores, de acordo com a perspectiva sócio-histórica, deve estar na
mediação das relações interpessoais e em atividades que propiciem o conhecimento, assim
como no incentivo à criatividade, na autonomia, na tentativa de adiantar-se ao
desenvolvimento do aluno, mostrando novos conhecimentos e estimulando estratégias para a
elaboração de outros conceitos.
Tanamachi e Meira (2003) salientam a importância, para o educador, da compreensão
acerca do desenvolvimento humano e sua inter-relação com a aprendizagem e as questões
sociais.
Sendo a escola o lugar de socialização do conhecimento historicamente acumulado,
cabe a ela propiciar a apropriação e a expressão de elementos culturais pelos alunos.
Quando a aprendizagem não ocorre da forma esperada, ou seja, quando os conteúdos
não são
internalizados, tem
-se o fracasso escolar que denuncia dificuldades que se relacionam
à instituição escola, mostrando que o que está sendo oferecido por ela não tem obtido o efeito
necessário. Então, questionamentos são feitos de todos os lados: professores, psicólogos,
pedagogos e famílias, que buscam, em seus discursos, culpados para o não-aprender da
criança.
Moysés & Collares consideram que houve uma biologização e patologização da
aprendizagem, no uso recorrente, por parte de psicólogos e de educadores, de termos como
lesão cerebral mínima, disfunção cerebral mínima (DCM), dislexia, afasia e outros, que
remetem o fracasso escolar a doenças neurológicas. "Esse reducionismo biológico pretende
que a situação e o destino de indivíduos e grupos possam ser explicados por- e reduzidos a
características individuais (1992, p. 39).
Sendo assim, as questões sociais não teriam influência na situação da criança,
isentando
-se de qualquer responsabilidade o sistema sociopolítico. Cada indivíduo seria o
único responsável por seu destino, por sua condição de vida. A escola também não se
59
considera responsável pelas dificuldades dos alunos, encaminhando-os para avaliações
médicas e/ou psicológicas.
Essa biologização da sociedade e isenção de responsabilidades trazem
como
conseqüências o sofrimento para a criança, o rótulo, a estigmatização, a introjeção da doença,
entre outras. Lefévre e Reed (1985, apud MOYSÉS & COLLARES, 1992, p. 43) enfatizam
que é mais cômodo para uma escola atribuir o fracasso de um aluno à DCM do que procurar
rever seus critérios pedagógicos. Para os pais também pode ser mais cômodo, pois reduzem a
própria responsabilidade no que tange à disciplina familiar .
O aluno com histórico de fracasso escolar muitas vezes apresenta uma auto-
estima
muit
o rebaixada e um auto-conceito marcado pelo sentimento de incapacidade de aprender,
que em primeiro lugar é instituído pela escola e em seguida corroborado pela família, que
passa a acreditar nisso.
Historicamente, várias pesquisas de cunho ideológico na área da Psicologia foram
realizadas com o intuito de demonstrar que crianças pobres são menos desenvolvidas e
carentes culturalmente. Em uma revisão destes estudos, Patto (1981) aponta que as conclusões
voltam
-se para a questão de que o ambiente precário de estímulos perceptivos desfavorece o
desenvolvimento e a aprendizagem escolar, destacando-se a pobreza e a desorganização dos
estímulos sensoriais presentes nas residências dessas crianças. Patto (1992) resume, dentro do
contexto histórico, as explicações
do fracasso escolar:
Na virada do século, explicações de cunho racista e médico; a partir dos anos
trinta, até meados dos anos 70, as explicações de natureza biopsicológica-
problemas físicos e sensoriais, intelectuais e neurológicos, emocionais e de
aju
stamento: dos primeiros anos da década de 70 até recentemente ( mas
ainda predominantemente nos meios escolares), a chamada teoria da
carência cultural, nos termos em que foi gerada nos E.U.A.(PATTO, 1992,
P. 108)
60
Ainda segundo esta autora, a teoria da carência cultural surgiu para explicar por que
negros e latino-americanos não conseguiam alcançar os melhores lugares na sociedade norte-
americana. Esta teoria afirma que o ambiente familiar pobre seria precário em estímulos
sensoriais, em interações verbais, na relação entre pais e filhos e dessa forma essas famílias
seriam consideradas inaptas e insuficientes para educar seus filhos. Neste sentido, as crianças
teriam dificuldades para aprender, pois não conseguiriam desenvolver habilidades necessárias
para
a aprendizagem. Os pais seriam tidos como inadequados por não proverem as
necessidades cognitivas dos filhos. As crianças oriundas de famílias pobres teriam, assim, um
retardo ou deficiência na construção de habilidades perceptivas, motoras, verbais, baixo
rendimento escolar, e sua linguagem seria vista como deficitária, com pensamentos
primitivos. O que se percebe é que muitos profissionais que trabalham com esta população
ainda acreditam que as dificuldades cognitivas são advindas de carências culturais, isentando-
se de toda a responsabilidade ao considerar que o problema está no indivíduo.
Surge nos anos 1970 a teoria da diferença cultural. De acordo com Sawaya (2002) esta
noção traz a idéia de que o aluno pobre fracassa na escola não por possíveis deficiências, mas
porque diferencia-se das crianças das classes média e alta. Nesta concepção, considera-se que
os alunos de camadas populares falam uma linguagem diferente de outras classes sociais,
resolvem distintamente os problemas escolares, e seus valores e padrões culturais divergem
dos parâmetros de classe média. A escola sente que está despreparada para trabalhar com
estes alunos, afirmando que os mesmos possuem ritmos de aprendizagem diferenciados.
Sawaya (2002, p. 199) analisa que "essa teoria não traz novas explicações para as causas
do fracasso escolar como gera políticas educacionais de forte impacto nacional, exercendo
enorme influência nos diferentes campos da educação .
Patto (1992) discute que, em geral, metodologias educacionais são inadequa
das
enquanto ambiente que deva propiciar uma real aprendizagem e crescimento intelectual, pois
61
negam hábitos, crenças e habilidades das crianças provenientes das classes subalternas.
Segundo a autora, o programa curricular está intensamente distante do dia-a-dia da sala de
aula, não incentivando e impedindo a criança de aprender.
Na visão de Canen (2001), a escola tem produzido a exclusão daqueles grupos cujos
universos culturais não correspondem aos dominantes. Em seus estudos e pesquisas, enfatiza
a importância de se pensar em algumas questões, como uma formação docente voltada à
pluralidade cultural, a identificação dos universos culturais dos alunos que chegam às escolas
e de detectar práticas pedagógicas favorecedoras da expressão desses universos. Uma
formação docente voltada para a valorização dessa pluralidade cultural poderia mudar a
realidade da grande quantidade de crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem
e/ou fracasso escolar.
Estas questões apontam para práticas pedagógicas inadequadas. Observam-
se
educadores que idealizam os alunos com a expectativa de que todos irão aprender da mesma
forma ou que vêm das salas de Educação Infantil quase alfabetizados, faltando-lhes pouca
informação para a aprendizagem da leitura e da escrita.
Alé
m dos aspectos especificamente pedagógicos, é importante considerar outros como
os destacados por Souza (2002) que analisa a alta freqüência de encaminhamentos para os
serviços de psicologia, por timidez ou agressividade, demonstrando que no âmbito
educaci
onal existe um conjunto sistemático de atitudes consideradas adequadas ou desejáveis
na escola. O aluno deveria adequar-se a uma linha de normalidade, que não é uma
característica de uma criança calada e tímida e nem daquela que briga. Aquele que não se
enquadra nesses padrões escolares, possui algum tipo de problema, necessitando portanto de
tratamento.
Desatenção, falta de concentração, dificuldade de memorização e distração são termos
muito utilizados pelas professores em encaminhamentos para psicólogos. A escola não
62
questiona a sua metodologia, no entanto o que se verifica na grande maioria das vezes é um
ensino do tipo mecanicista com atividades pouco interessantes.
Dessa forma, não há preocupação com um ensino que tenha significado para a
criança.
Observa-se que os espaços da escola não são aproveitados, como as áreas externas da
sala de aula, momentos em que a música pode ser um recurso interessante na aprendizagem, o
uso das artes, jogos, entre outros recursos. Geralmente, os alunos ficam presos na sala o
tempo todo, enfileirados nas carteiras, e aqueles que fogem a estas regras e limites impostos
são considerados alunos-problema .
Foucault (1987) mostra que a ordenação por fileiras, no século XVII, começa a
delinear e ordenar os indivíduos no sistema educacional e tem-se filas na sala de aula, nos
corredores, nos pátios, e outros alinhamentos: sucessão dos assuntos, alunos separados por
comportamento, os mais adiantados próximos à parede e os outros avançando para o meio da
sala. Ou seja, houve uma organização na estrutura espacial, mudanças "ao mesmo tempo
arquiteturais, funcionais e hierárquicas [...] Fez funcionar o espaço escolar como uma
máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar (op. cit, p. 134).
Corpos est
áticos "facilitariam" a condução do processo educativo.
Na escola atual, as crianças que não se adaptam ou fogem às regras são consideradas
indisciplinadas, desobedientes, sem limites e são geralmente encaminhadas para atendimento
psicológico, porque, segundo as professoras, não ficam quietas, sentadas, e conversam o
tempo todo. Até mesmo em grupos de Educação Infantil vêem-se carteiras enfileiradas com
pequeno espaço para locomoção, ficando evidente a dificuldade e até a impossibilidade dos
alunos se sub
meterem a tais regras, o que demonstra um desconhecimento no que se refere ao
desenvolvimento humano e à importância da relação da criança com o espaço físico.
A respeito da infância, Rubinstein (2003, p. 63) considera que: Se infans significa
aquele a quem não se ouve e que não tem voz, não é isso que rege a relação entre adultos e
63
crianças de hoje . As crianças na atualidade são muito ouvidas, desafiam os adultos,
contestam e os enfrentam. E neste sentido a escola precisa encontrar mecanismos para lidar
com a questão da disciplina, buscando aproveitar a vivacidade dessas crianças, construindo
junto com o grupo as regras, limites e valores importantes para o respeito mútuo, mantendo a
disciplina através de um estilo de aprendizagem que seja significativo
para elas.
A escola precisa adaptar-se às mudanças que vêm ocorrendo, pois está imersa nesta
realidade e o aluno, sujeito da aprendizagem, deve ser visto neste contexto social. Cabe ao
educador a reflexão constante sobre suas concepções; o professor tem uma função cada vez
mais ampla no sentido de se aproximar da realidade dos alunos, rever conceitos, se aprofundar
na busca de formar indivíduos aptos a enfrentar esta sociedade que está em constante
mudanças. É preciso entender que não existem respostas prontas nem certezas, e que lidar
com as contradições que se apresentam não é fácil. Por isso, muitos se imobilizam diante das
angústias, deixando o aluno de lado ou apontando causas externas a ele, ao invés de buscar as
possíveis soluções a partir do levantamento de questões e hipóteses sobre os problemas com
que se depara.
Segundo Rubinstein (2003) por meio da aprendizagem a criança tem possibilidade de
apreender o que deve ou não fazer e o que o outro espera dela, e a escola é o lugar que
propiciará o convív
io com o grupo, a construção de valores. A autora afirma que
Por intermédio dos desafios propostos na transmissão do conhecimento o
jovem irá desenvolvendo estratégias para ressignificá-lo, usando a
inteligência e a sensibilidade. Mas ninguém aprende sozinho. A escola é um
lugar para aprender por meio das relações verticais com os mestres e
horizontais com seus pares (op.cit, p. 52).
Para muitas crianças falta o prazer de aprender, e o que se observa em muitas escolas
são metodologias educacionais enraizadas e distantes do contexto social e cultural de seus
alunos, educadores que não refletem sobre suas práticas, e dessa forma a escola produz
64
fracassos, leva as crianças a apresentar dificuldades de aprendizagem, mostrando-
se
desmotivadas, angustiadas, ins
eguras e às vezes agressivas.
Os educadores geralmente traçam um perfil ideal de alunos como aqueles que lhes
obedecem, aprendem, fazem as cópias necessárias, mas se deparam na realidade com uma
clientela que algumas vezes não corresponde às suas expectativas. E neste contexto, na
maioria das vezes, culpam a família e os alunos pelo fracasso escolar, em detrimento de suas
próprias dificuldades em se aproximar destas crianças, em traçar possibilidades de
compreensão e metodologias alternativas que focalizem o aluno real. Associado a isto,
constata
-
se a realidade dos educadores com grande número de alunos por sala, baixos salários,
desvalorização social, formação precária e excesso de trabalho burocrático (SAWAYA,
2002).
Sawaya (2002) descreve a existência de estudos que revelam a seletividade social
operada pela escola por meio de mecanismos escolares produtores de dificuldades escolares: a
precariedade das condições materiais, administrativas e pedagógicas das escolas públicas do
ensino fundamental; a precariedade da situação dos professores, da sua formação, o excesso
do trabalho, a desvalorização profissional; a qualidade do ensino oferecido aos alunos nas
escolas públicas e dos materiais pedagógicos empregados; a falta de infra-estrutura material e
humana
.
Patto (1992) considera que os professores não devem ser os únicos responsabilizados
pela qualidade do ensino público fundamental, pois, além de terem uma formação
deficitária, são vítimas de uma política educacional tecnicista que não investe na escol
a
pública. O Estado paga mal aos educadores, e estes m em geral uma tripla jornada de
trabalho e acabam, por fim, oferecendo um ensino de qualidade ruim.
Porém, as questões estruturais da escola não são as únicas responsáveis pela
incapacidade de escolar
izar as crianças pobres, assim como depositar o problema no aluno por
65
justificativas localizadas internamente não provoca mudanças. É preciso considerar a escola
como uma instituição social, responsável pela construção de sujeitos sociais. E dessa forma,
c
onsiderar como ela se estabelece enquanto instituição.
Segundo Sawaya (2002), os processos geradores das dificuldades ou no desempenho
escolar relacionam
-
se diretamente às seguintes dimensões:
Relações entre escola e Estado: o excesso de atividades burocráticas e a
fragmentação de funções como empecilhos ao desenvolvimento do trabalho dos professores
na escola;
As relações entre a escola e a sua clientela: o que a escola e professores pensam e
acreditam em relação aos alunos interfere diretamente na participação dos pais e da
comunidade, na instituição e, acima de tudo, na forma como esta conduz sua prática;
Práticas institucionais que foram instituídas anos nas escolas afetam o bom
aproveitamento escolar, como, por exemplo, o remanejamento de alunos por classe, por série,
certas práticas disciplinares, entre outras;
Relação professor-aluno: a qualidade desta relação é determinante para o processo
ensino
-
aprendizagem.
Desse modo, o professor não encontra espaço na escola para discussões pedagógi
cas,
envolve
-se com atividades burocráticas e diversas outras funções que lhe tomam grande parte
do tempo. Concepções antigas permeiam suas práticas, o espaço extra classe não é explorado,
os alunos permanecem maciçamente dentro da sala de aula. Estas ques
tões geram indisciplina,
insatisfações e problemas de aprendizagem . Pode-se acrescentar o vínculo deficiente entre
professor e aluno. Aqueles que têm boa percepção e acreditam na capacidade de seus alunos,
conseguem facilitar a promoção de aprendizagens, e outros que estão repletos de preconceitos
ou conseguem ver aspectos negativos de seus alunos, não conseguem um bom
aproveitamento escolar por parte deles.
66
Consideramos
fundamental a boa relação entre professor e aluno, sendo o
estabelecimento desse vínculo imprescindível para que a aprendizagem ocorra. Como
salientam Morais et al. (2000, p. 247) as pessoas não se apercebem de que, mais do que as
palavras, são os gestos, as expressões faciais, as inflexões de voz e posturas que revelam as
disposiçõe
s inconscientes de aceitação/rejeição, crença/descrença no outro .
Acreditamos que afeto e cognição são inseparáveis e, desse modo, a relação vincular
está presente de forma muito intensa no processo de aprendizagem. Deve-se pensar que o
ensino necessita
vir ao encontro do aluno, e que ele é motivador à medida que faz sentido para
o sujeito, que lhe fornece significado.
Para aprender, o indivíduo deve confiar no outro que lhe ensina e sentir que ele
acredita nas sua capacidade. O conteúdo torna-se mais fácil de ser internalizado quando a
forma de ensiná-lo está mais próxima da realidade do aluno. Observa-se que muitos
professores sabem da necessidade de utilizar técnicas diferenciadas e estimulantes, mas, na
prática, as salas de aula permanecem com carteiras enfileiradas, com o uso constante e quase
exclusivo do quadro negro, lápis e caderno. Pouco ou quase nunca são propostas atividades
que modifiquem esta configuração.
Sawaya (2002) aponta que algumas mudanças têm ocorrido na maneira de conduzir o
trabalh
o pedagógico da leitura e da escrita, em que se centram as políticas de reorganização
do ensino fundamental, e no sistema de avaliação do aluno. Porém, apesar das afirmações
construtivistas de que toda criança é capaz de aprender se lhe forem dados tempo e condições
para que o seu aprendizado se efetive, tais postulados não foram assim assimilados pela rede
pública. Muitos docentes ainda possuem uma visão da criança pobre como portadora de
inúmeras deficiências e defasagens. É nessa perspectiva o professor organiza sua prática e se
relaciona com as crianças, produzindo, então, dificuldades de aprendizagem e de ensino, sem
sequer questionar suas concepções e práticas pedagógicas.
67
A soma de fatores como os baixos resultados muitas vezes obtidos pelas crianças
de
classes populares nos testes psicodiagnósticos, a culpabilização das famílias e, mais
recentemente, a culpa depositada no professor cada vez mais alvo de preconceitos, sem que
suas condições de trabalho e os seus baixos salários sejam também considerado, têm levado
muitos educadores a desistirem de ensinar, encaminhando essas crianças para os serviços de
atendimento psicológico, na esperança de que o psicólogo resolva a situação.
Hellman (1973) aponta a necessidade de a escola oferecer aspectos como liberdade de
expressão, atividade e criatividade. Estes são componentes que favorecem o desenvolvimento
da personalidade e a construção de conhecimentos. Segundo a autora,
O professor pode abrir o caminho para o trabalho e o saber se ele sentir o
desejo que tem a criança de provas de que ele a valoriza e a seus esforços, e
responder à expectativa dela de que pode prover às suas necessidades através
de sua capacidade e disposição de dar tanto amor quanto conhecimento
(HELLMAN, 1973, p. 71)
Contudo, essa reflexão aponta para questões que se relacionam à formação de
professores. A respeito disso, Gómez (1997, p. 104) destaca que essa formação deve envolver
a reflexão-
na
-ação, sendo um precioso instrumento para a aprendizagem. "No contacto com a
situação práctica, não se adquirem e constróem novas teorias, esquemas e conceitos, como
se aprende o próprio processo dialéctico da aprendizagem".
O conhecimento científico é demonstrado na prática cotidiana do professor, que pode
ser considerada como palco ideal para reflexões, formação, desenvolvimento, aprendizagem e
capacitação profissional. Através da prática, podem-se visualizar a realidade do contexto da
sala de aula, as técnicas e metodologias, e assim aprimorar e desenvolver habilidades
profissionais adequadas e
eficazes.
Gómez (1997) acredita que a prática deve ser considerada o eixo central do currículo
de formação de professores. O conhecimento teórico deve se integrar ao pensamento prático,
68
e neste sentido o autor critica a separação entre teoria e prática em alguns cursos que realiza.
Para ele, o conhecimento se mobiliza para enfrentar as situações divergentes na prática.
Assim entendida, a práctica é mais um processo de investigação do que um
contexto de aplicação. Um processo de investigação na acção, mediante o
qual o professor submerge no mundo complexo da aula para compreender de
forma crítica e vital, implicando-se afectiva e cognitivamente nas interações
da situação real, questionando as suas próprias crenças e explicações,
propondo e experimentando alternativas, participando na reconstrução
permanente da realidade escolar. A prática reflexiva exige um novo modelo
de investigação, onde tenha lugar a complexidade do real (GÓMEZ, 1997,
p. 112).
Segundo Campos e Pessoa (1998), os educadores que se detêm unicamente nas suas
práticas, sem uma reflexão sobre as mesmas, se acomodam, aceitando sem questionar o
cotidiano de suas escolas, prendendo-se a soluções rotineiras e impostas para resolver os
problemas que surgem na instituição, não conseguindo dimension
ar outras alternativas.
A respeito da atuação do professor, Fontana (2003) traz considerações importantes
quando enfatiza que, nas instituições escolares, as pessoas não se permitem mostrar
fragilidades porque se sentem expostas; muitas vezes, desconfiança e rivalidades, gerando
o empobrecimento das relações e do trabalho de docência.
A autora acrescenta a importância de os professores registrarem suas ações enquanto
possibilidade de colaborar na reflexão sobre seu trabalho, na elaboração do conhecimento e
no planejamento de estratégias de ensino, além de permitir um contato próximo com os
sentimentos que surgem no cotidiano escolar e na relação com o aluno.
Sawaya (2002) refere-se a algumas contribuições da psicologia para a formação do
educador, voltadas para uma revisão crítica das relações que constituem o fazer educacional
suas concepções, seus modos de atuação e suas relações com alunos e a instituição escolar.
Em primeiro lugar, necessidade de se repensar as relações professor e aluno baseadas
em
alguns pressupostos, como o do aluno ideal . É importante que o educador possa reconhecer
as diferenças individuais de cada um, perceber cada aluno como possuidor de necessidades e
dificuldades singulares.
69
Quanto à concepção de que os problemas escolares estão diretamente relacionados à
classe social, ou seja, aos alunos pobres, esta precisa ser revista, pois uma necessidade
urgente de se repensar as representações que o professor e a instituição têm do aluno. Outra
questão refere-se à forma com que esse educador se relaciona com o seu trabalho, pois o
modo como a sociedade o qualifica ou desqualifica influi diretamente no seu cotidiano com a
classe, os colegas e a instituição. A visão da instituição a respeito de sua metodologia,
currículo e também da disciplina são fatores que influenciam na conduta do professor. É
importante, neste sentido, questionar se as reformas educacionais estão contribuindo ou
agravando os problemas que o professor enfrenta no seu cotidiano.
Portanto, a busca de inovações e reflexões sobre a atuação são fatores emergentes, na
medida em que as concepções que se encontram enraizadas possam ser discutidas. Patto
(1981, p. 218 ) traz a seguinte reflexão:
Rediscutir integradamente os objetivos da escola e meios para atingi-los é o
primeiro passo para fazer da escola uma instituição participante dos
processos políticos e sociais que visem à criação de formações sociais
alternativas, mais compatíveis com os ideais democráticos defendidos por
tantos.
E Zeichner (1993 apud DICKEL, 1998) descreve algumas características que
envolvem um bom ensino, como a necessidade dos profissionais propiciarem um ambiente de
sala de aula em que as crianças se sintam acolhidas e valorizadas, criando um bom vínculo
entre professor e aluno; levar elementos culturais relevantes aos alunos e buscar estratégias e
práticas de ensino que respondam às necessidades dos discentes. Destaca também que é
fundamental para o educador ter um compromisso político que possibilite a reflexão sobre
reformas sociais e educacionais amplas e preconiza o desenvolvimento de pesquisas pelos
professores, para possibilitar contribuições ao conhecimento e à aprendizagem.
70
Apostamos na revisão crítica que a escola e o educador necessitam realizar sobre o
cotidiano institucional, sobre as funções da educação e também relativamente à formação
continuada de professores, como pontos imprescindíveis para que possa haver uma
compreensão mais efetiva a respeito das crianças que supostamente não aprendem.
C-
As famílias das
crianças e a sua relação com as escolas e os psicólogos
71
Atualmente, percebemos que existe uma forte cobrança dos pais para que os filhos, já
no início de sua vida escolar, estejam maduros e se sobressaiam nos estudos, e qualquer
dificuldade interpretada como uma patologia. Vêem-se crianças pequenas, de cinco, seis
anos de idade consideradas como alunos com dificuldades para aprender, e encaminhadas
para avaliação psicológica.
Muitas vezes os pais se culpam pela dificuldade de aprendizagem dos filhos e
ansiosamente querem buscar as causas para as mesmas, apontando aspectos da gestação, da
história de vida da criança ou de sua própria vida como possíveis motivos. Outras vezes
culpam as crianças, em conivência com a escola, chamando-as de preguiçosas, ou ainda
responsabilizando o professor e a instituição.
Percebe
-se que, de modo geral, a família pouco participa da vida escolar dos filhos,
pois muitos pais relatam que são chamados somente para ouvir a respeito das dificuldades e
do mau comportamento dos filhos, e de modo que não se sentem estimulados comparecer à
escola. Com isso, poucas vezes são ouvidos e são considerados como problemáticos .
As famílias das crianças com queixas escolares, ao receberem o encaminhamento para
procurar o psicólogo a fim de que seja realizado o psicodiagnóstico, muitas vezes não
concordam com o mesmo e não entendem o motivo pelo qual seus filhos estão sendo
encaminhados. Relatam por vezes ao psicólogo não saber porque estão ali, haja vista que em
casa o filho não se comporta da maneira agressiva como a escola relata, ou então contam que
a criança "sempre foi espertinha", até ingressar na escola.
Patto destaca que a principal forma de relação da escola com as famílias é a reunião
de pais, durante a qual as famílias ouvem queixas a respeito de seus filhos ou recebem a
informação de que estes possuem algum problema mental, sendo então encaminhados para
avaliação médica e/ou psicológica. No dizer da autora,
72
As opiniões das educadoras sobre os alunos repetentes - muitas vezes
co
nfirmadas por laudos psicológicos produzidos a partir de procedimentos
diagnósticos bastante duvidosos - em geral têm grande poder de
convencimento sobre a criança e seus familiares, o porque produzidas
num lugar social tido, como legítimo para dizer quem são os mais capazes,
como também porque vão na direção do slogan liberal segundo o qual
vencem os mais aptos e os mais esforçados (PATTO, 1992, p. 117).
Souza (2000) discute que em geral a concepção que psicólogos e equipe de
professores têm dos pais é de que, por pertencerem a de camadas populares, são desligados,
não se preocupam com o estudo, não se interessam pela escola, ou não possuem afeto, muitas
vezes são alcoólatras, analfabetos.
Patto (1992) descreve, em uma pesquisa com pais de escola pública, a dificuldade dos
mesmos em manter seus filhos na instituição. Geralmente não podem contribuir com dinheiro
ou têm grandes dificuldades para comprar algum material ou uniformes, mas lutam pela
permanência dos filhos na escola, acreditando que com o estudo estes terão melhores
oportunidades no mercado de trabalho.
Sposito (1992) aponta que são recorrentes, no interior do discurso acadêmico
representações sobre a família carregadas de preconceito, principalmente as das classes
populares. Muitas vezes, a
tribui
-se às crianças e suas respectivas famílias a responsabilidade
pelo fracasso escolar e pelas dificuldades relativas ao processo de ensino e aprendizagem. As
famílias são rotuladas de carentes, desorganizadas ou incapazes de proporcionar um ambiente
c
ultural estimulante para seus filhos, em discursos que reeditam as velhas teorias da carência e
da diferença cultural.
Moysés e Collares (1996) detectaram em uma pesquisa que a imagem das diretoras e
professoras em relação às famílias de seus alunos evidencia uma concepção idealizada de
família, revelando seu desconhecimento sobre a vida concreta dessas pessoas. Isto é revelado
pela forma como descrevem as causas do fracasso escolar centradas na família: famílias
desestruturadas (pais separados, alcoolismo, desemprego e prostituição) e famílias que não
73
colaboram (mãe que trabalha fora, pais analfabetos, falta de estímulo, de interesse e de
responsabilidade). Muitas vezes, esses profissionais são guiados por concepções
preconceituosas, advindas de mitos que p
ermeiam teorias ultrapassadas.
As autoras apontam que realmente existem alterações emocionais que ocorrem em
uma família com um membro alcoólatra, mas o que se questiona são as generalizações
indevidas. Os discursos são contraditórios, pois de um lado a escola verbaliza que o
desemprego impede a aprendizagem dos filhos, e por outro lado, os pais que trabalham fora
são ausentes e isto colabora para a não aprendizagem
3
. Assim, um deslocamento para
causas externas à escola "o suficiente para condicionar a resolução do fracasso da escola a
mudanças socioeconômicas mais profundas" (MOYSÉS & COLLARES, 1996, p. 178).
Desse modo, aqueles que escapam aos padrões pré-estabelecidos como dentro de uma
"normalidade" construída pela classe burguesa, são rotulados como "desajustados". Os
estigmas perpassam discurso de que famílias desestruturadas gerariam crianças
desestruturadas e problemáticas. Assim, Moysés e Collares (1996, p. 179) enfatizam que "a
disseminação/simplificação de idéias, teorias, são faces distintas de um mesmo processo,
portanto, indissociáveis".
Nesse sentido, há um desrespeito em relação às crianças e suas famílias, na medida em
que as generalizações são incorporadas como verdades e não se busca compreender o sujeito
em suas particulariedades, mas en
quadrá
-lo como portador de problemas que impedem sua
aprendizagem. É interessante o que Moysés e Collares (1996, p.180) escrevem a respeito
desses postulados: "o campo da normalidade/anormalidade fica aberto para as conveniências
do momento, as de cada um"
.
Ou seja, esse critério fica muitas vezes à mercê da ideologia da
moda, pois ao reduzir o problema a algo interno ao indivíduo, retira-se a historicidade sócio-
político
-
cultural da questão.
3
Algumas diretoras e professoras parecem esquecer
-
se de que também são mulheres "mães que trabalham fora".
74
As autoras apontam que existe também a noção, por parte dos educadores, de que as
famílias devem estar sempre em contato com a escola e responsabilizarem-se pela
aprendizagem escolar de seus filhos. Quando isso não é feito da forma como a escola acha
que deveria ser, os profissionais dizem que os pais não se interessam pela educação das
crianças. Moyseés e Collares (1996) pontuam que esse é um discurso que contradiz a
realidade dessas famílias, que inúmeras mães passam horas em filas para conseguir vaga
para seus filhos terem acesso à educação. É preciso, então, que os educadores revejam e
questionem como tem sido os encontros dessas famílias com eles, e que em grande parte se
dão nas reuniões. Isto é, repensar como essas reuniões são preparadas e de que forma
poderiam ser estruturadas para que ocorra um diálogo que favoreça a interlocução e assim,
promova auxílio na aprendizagem das crianças
4
.
Na pesquisa das autoras, as falas dos entrevistados revelam que a pobreza é
patologizada. A criança pobre é considerada como "vazia" internamente, devido a carências
na estrutura familiar, em estímulos e afeto; a privação de alimentos é também apontada como
algo que justificaria o fracasso do aluno. Como escrevem Moysés & Collares (1996, p. 191),
"a criança pobre, marginalizada cultural, ou vem como página em branco, 'sem nada', ou vem
repleta de defeitos, pontos negativos".
Quanto à alegação de que as famílias não colaboram, não auxiliam as crianças em casa
nas tarefas, no reforço do que foi ensinado na escola, as autoras remetem à desconsideração
por parte da escola de que muitos desses pais são analfabetos, sem condições para ajudar os
filhos. Dessa forma, os papéis ficam muito misturados, pois essa tarefa deveria ser assumida
pela escola. As crianças são rotuladas como aquelas que terão dificuldades para aprender,
4
Outros pontos a serem considerados são o dia e o horário em que as reuniões com os pais e mães são
agendadas: a escola precisa l
embrar
-
se de que nem todos podem faltar ao trabalho para comparecer ao encontro.
75
porque suas famílias não têm condições de participar da educação escolar. A respeito desse
preconceito em relação à família, Moysés e Collares (1996, p. 175 ) enfatizam que "em uma
sociedade que prega a igualdade entre os homens e que se funda na desigualdade, crer em
mitos e preconceitos que coloquem nas pessoas a responsabilidade por sua desigualdade é
essencial para a manutenção desse sistema".
Outro ponto que acreditamos ser importante destacar é o impacto que os
encaminhamentos ao serviço de saúde mental provocam na família. Nem todas as famílias
têm consciência de que a educação é um direito de todo cidadão e muitas vezes levam a
criança ao profissional solicitado pela instituição de ensino por medo de perderem a vaga na
escola. Algumas poucas pessoas chegam a questionar as queixas (MOYSÉS & COLLARES,
1992), mas pouquíssimas m coragem de negar-se a compactuar com a instituição
educacional.
Quando os pais ou responsáveis chegam ao psicólogo, podem deparar-se com um
profissional que reitera o discurso institucional que culpabiliza a criança, mas também podem
encontrar um psicólogo que os escute e tenha uma compreensão mais ampliada em relação às
queixas escolares. Somente assim é que o discurso pode ser quebrado e a história daquela
criança reescrita em um cami
nho de não assujeitamento.
76
5-
OS CAMINHOS DA PESQUISA
Por mais que o discurso seja aparentemente bem
pouca coisa, as interdições que o atingem revelam
logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o
poder.
Michel Foucault
A-
Caracteri
zação da Saúde Mental na rede pública do município de Uberlândia
Este trabalho teve por objetivo primordial investigar e compreender como os
psicólogos que atuam em ambulatórios da rede pública de Saúde de Uberlândia lidam com a
demanda de crianças com qu
eixas escolares que procuram o setor de psicologia. E mais, quais
as suas concepções, ações, o que sabem, sentem, pensam e dizem sobre esta clientela. Tendo
em vista a grande incidência desse tipo de queixa apontado por outros autores (SOUZA,
1996; ALMEIDA, 2003; SILVA, 2002), acreditamos ser importante tanto para a população
diretamente envolvida nas questões escolares (crianças, famílias e escolas) quanto para os
próprios psicólogos que lidam com essa problemática, à realização de uma pesquisa que
pude
sse delinear a situação na cidade de Uberlândia.
Nossa inquietação relacionava-se à compreensão do movimento das crianças que
chegam aos ambulatórios de psicologia com queixas escolares e apreender, no diálogo com os
psicólogos, suas práticas, concepções e a relação destas com a sua formação acadêmica. Não
foi intenção desta pesquisa avaliar o trabalho realizado pelos colegas psicólogos; ao discutir e
analisar as concepções e práticas "psi" frente à demanda de queixa escolar, pretendemos
buscar na comunicação com os profissionais a dinâmica e a multiplicidade de fatores que
caracterizam a queixa escolar, suas interfaces com a escola e refletir sobre os mitos,
preconceitos e crenças que foram construídos ao longo da graduação, da formação posterior e
da atuaç
ão profissional.
77
Na interlocução com diversos autores, nosso interesse foi também conhecer os
atendimentos oferecidos pelos ambulatórios e entender como são interpretadas e analisadas as
dificuldades escolares, as práticas psicológicas que configuram o dia
gnóstico, e a partir dessas
ações, abarcar as concepções que permeiam a prática destes profissionais.
Diante dos levantamentos realizados por diversas pesquisas mencionadas nos capítulos
anteriores, preocupou-nos o grande número de encaminhamentos de crianças para
atendimento psicológico advindos das escolas. Esse fato levou-nos a refletir sobre a maneira
como os educadores avaliam o que seja "adequado" ou "inadequado". Lançamos mão da
hipótese
- pelo contato que tivemos com professoras, no trabalho que realizamos no
ambulatório e também de experiências vividas durante a graduação e a pós-
graduação
- de
que muitas vezes o ensino é apresentado às crianças como algo distante de sua realidade, de
sua cultura, e é maçante, pois não há espaço para o lúdico, des
considerando
-se assim a
condição infantil.
Ouvindo os entrevistados para esta pesquisa, pudemos desenvolver uma análise que
mostra que a queixa escolar se configura nas relações da criança com a escola e vice-
versa,
bem como na visão de psicólogos com form
ação embasada essencialmente na clínica refletida
em sua prática. Buscamos, dessa maneira, responder a diversos questionamentos suscitados
durante o processo de investigação, no diálogo com estudiosos do tema, interlocutores que
fomentaram nossas inquietaç
ões. Então, perguntamos:
a) O que os psicólogos pensam a respeito dos encaminhamentos de crianças com
dificuldades no processo de escolarização? Quais as suas concepções acerca das
dificuldades apresentadas e relatadas pelas famílias e/ou escolas?
b)
Quais são o
s procedimentos utilizados no atendimentos dessas crianças?
c)
Como esta compreensão da queixa escolar vincula
-
se à formação do psicólogo?
78
d) Quais as condições de trabalho oferecidas para o psicólogo receber estas crianças nas
Unidades em que estão alocados?
e)
Co
mo se configura a relação entre psicólogo e escola?
f) Como se dão as relações das famílias com as crianças, com a escola e os psicólogos? De
que forma estas instâncias estão articuladas?
Durante a pesquisa, ocorreram diversas mudanças na organização da rede de saúde
pública do município, às quais procuramos nos adaptar sem perder de vista o foco deste
trabalho. Como estamos inseridos na configuração dessa rede pelo fato de trabalharmos em
um dos setores de saúde mental (Centro de Atenção Psicossocial CAPS -
adulto), percebemos
que essas mudanças trouxeram angústias, incertezas e questionamentos por parte de toda a
equipe de saúde mental. Dentre as modificações verificadas no setor, destacamos a troca da
coordenação em meados do ano de 2004, a implantação dos Programas de Saúde da Família
(PSF) em algumas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e, ainda, a substituição do Secretário
Municipal de Saúde.
Dessa forma, vivenciamos nestes dois anos de pesquisa um processo de
transformações, reflexões, construções, desconstruções, divergências e o que chamaríamos de
uma sensação de "turbulência" entre os profissionais da rede pública de saúde do município,
em especial na Secretaria de Saúde.
Consideramos que essas mudanças e conflitos também transbordaram no movimento
desta
pesquisa, e reformulações tivemos que realizar. Inicialmente pretendíamos entrevistar
todos os psicólogos alocados nos ambulatórios, mas como o modo de funcionamento de
algumas UBS modificava-se com a instalação do PSF, optamos por não entrevistar os
prof
issionais ali lotados, pois estariam num período de transição em que suas funções
sofreriam alterações para se adequarem ao programa.
79
Quando iniciamos a pesquisa (ano de 2003), a configuração da rede pública de saúde
de Uberlândia delineava-se da seguinte forma: quinze (15) Unidades Básicas de Saúde (UBS)
e cinco (5) Unidades de Atendimento Integrado (UAI). Segundo as normas do Sistema Único
de Saúde (SUS), as primeiras destinam-se ao atendimento básico, essencial, isto é, referem-
se
à atenção primária, que é curativa e preventiva. Possuem ambulatórios de ginecologia,
pediatria, clínica médica, odontologia, saúde mental, serviço social e vacinação (realizada por
equipes de auxiliares de enfermagem). Este é o que chamado atendimento primário. Em nível
prevent
ivo, os grupos operativo-educativos que têm como objetivo ensinar e informar à
população como cuidar de sua saúde para que a doença não se instale; e é também curativo,
pois, de acordo com os seus recursos disponíveis, oferece o tratamento para a doença quando
já instalada.
As Unidades de Atendimento Integrado são de média complexidade, chamadas de
atenção secundária, porque, além de possuir o atendimento básico, dispõem de estrutura para
pequenas cirurgias, equipamentos de média complexidade para alguns exames mais
detalhados como raios X, eletroencefalograma, coleta de sangue, entre outros, além do pronto
socorro e especialidades médicas ambulatoriais (cardiologia, dermatologia, urologia,
neurologia etc.).
Para os casos de alta complexidade, a rede blica dispõe do Hospital de Clínicas
(HC) da Universidade Federal de Uberlândia e das Unidades de Tratamento Intensivas (UTI)
em hospitais conveniados aos SUS. O trabalho realizado no HC é considerado como de
atenção terciária, pois conta com a possibilidade de leitos disponíveis, procedimentos
cirúrgicos de grande porte, maior número de especialistas e UTIs, entre outros serviços.
A rede pública também dispõe de quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
Adulto e um CAPS Infantil, que atendem prioritariamente os casos de transtornos mentais
severos e persistentes. Há também um CAPS de atendimento à Dependência Química e
80
Álcool (CAPS - AD). Nessas unidades trabalham equipes interdisciplinares: psicólogos,
assistentes sociais, psiquiatras, enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares
administrativos e auxiliares de serviços gerais.
No final de 2003, a Secretaria Municipal de Saúde iniciou discussões sobre a
implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) no município, e o secretário de saúde e
sua
equipe propuseram que algumas Unidades Básicas de Saúde se transformassem em
núcleos de saúde da família. Dessa forma, a saúde mental também precisou configurar-se de
acordo com esse novo modelo de atenção descentralizada e de base comunitária. A equipe de
coordenação do setor de saúde mental do município, composta pela coordenadora de ações
em saúde mental de Uberlândia e outras quatro dos distritos participaram de reuniões,
supervisões com especialistas, fóruns de discussões, para elaborar uma proposta de inserção
da saúde mental na atenção básica do Programa de Saúde da Família.
A cidade é dividida em quatro distritos que possibilitam a descentralização e
regionalização dos atendimentos, o que significa que o usuário deve procurar a Unidade de
Saúde mais próxima de sua residência. Para compreender como as mudanças ocorreram,
descrevemos abaixo a forma como o serviço de saúde era estruturado no início dessa
pesquisa, anteriormente a essas novas propostas.
Na tabela a seguir temos o número das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e as
Unidades de Atendimento Integrado (UAI) e de profissionais que nelas trabalhavam em
Ambulatórios de Saúde Mental.
81
Tabela 1: Número de Distritos, Ambulatórios de Saúde Mental e Psicólogos da rede de Saúde
Pública da cidade de
Uberlândia.
_______________________________________________________________________
Distrito Ambulatórios de Saúde Mental Nº de psicólogos
________________________________________________________________________
Central/
Norte 4 UBS e 1 UAI 07
Sul
4 UBS e 1 UAI
07
Leste
5 UBS e 1 UAI
08
Oeste
2 UBS e 2 UAI
06
_______________________________________________________________________
TOTAL/4 Distritos 15 UBS e 5 UAI
28
_______________________________________________________________________
A implantação do Programa Saúde da Família ocorreu nos distritos Sul, Leste e Oeste,
sendo que o Distrito Central/Norte não sofreu alteração em sua forma de funcionamento. Nos
distritos onde houve mudanças, apenas uma UBS foi mantida e as demais passaram a ser
chamadas de Unidades Básicas de
Saúde da Família (UBSF), compostas por equipes de saúde
da família. Essas equipes são constituídas por profissionais de diversas áreas: médicos,
dentistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e o técnico em saúde mental de referência (o
psicólogo). As Unidades de Atendimento Integrado continuaram oferecendo os serviços
especializados em seus ambulatórios, não sofrendo alterações em sua estrutura.
Em uma semana no mês de maio de 2004, os psicólogos alocados em ambulatórios
dos Distritos Sul, Leste e Oeste, participaram de um Projeto de Capacitação para as equipes
de Programa do Saúde da Família, durante o qual discutiram as funções e metas destes
agentes para o atendimento da sua comunidade de referência.
Em seguida, a coordenação das ações em saúde mental apresentou a toda equipe da
rede uma proposta com o objetivo de incluir no programa os psicólogos que estavam nas
UBSF. Propõe-se, então, que haja um psicólogo de referência para duas equipes de saúde da
família. Segundo a coordenação, constituem ações e atividades destes psicólogos as seguintes
funções:
- reunir-se sistematicamente com as equipes de PSF e de saúde mental; - oferecer
82
suporte técnico, orientando, acompanhando e avaliando as ações relativas à saúde mental; -
planejar e desenvolver ações conjuntas para o enfrentamento das questões consideradas
prioritárias;
- colaborar para o desenvolvimento de ações intersetoriais que se façam
necessárias;
- ajudar na potencialização de recursos comunitários; - contribuir para a difusão
de uma cultura de assistência não manicomial, diminuindo o preconceito e a segregação da
loucura;
- colaborar na capacitação das equipes para atuação em questões relativas à saúde
mental;
- favorecer o intercâmbio entre equipes de PSF e serviços de retaguarda, que seriam
os am
bulatórios, CAPS e serviços de internações psiquiátricas.
Portanto, os ambulatórios de Saúde Mental de UBS e UAI devem ser um serviço de
retaguarda para os casos que não demandam atendimento em CAPS, oferecendo intervenção
sistemática individual ou grupal. Para a visualização dessa nova configuração, a coordenação
propõe o seguinte desenho organizacional das instituições, suas ações/atividades, na rede de
serviços oferecidos pelo setor de saúde mental no município:
Equipes de PSF/Saúde Mental
CAPS (adulto, infantil, AD)
Ambulatório (retaguarda)
UBS e UAI
Todos os psicólogos, independentemente do lugar em que se encontram, recebem a
demanda no acolhimento em Saúde Mental, que é realizado uma ou duas vezes por semana,
num período de no mínimo duas horas. O acolhimento é a porta de entrada para todos os que
necessitam e procuram atendimento psicológico na rede pública. Este se diferencia da
triagem, pois é mais complexo, tido como um primeiro atendimento que serve para avaliação,
orientação e conduta. O usuário deve sair dali com alguma resposta ou com outro horário
83
agendado para retorno ou com encaminhamento para atendimento externo ou, ainda, com
pedido para aguardar em casa um aerograma assim que surgir a vaga, ou mesmo com as
orientações devidas, caso não seja necessário o atendimento.
Observamos que, atualmente, os psicólogos alocados em UBSF ainda estão
construindo suas ações, continuam atendendo da mesma forma à demanda espontânea de
saúde mental nas unidades em acolhimentos, reúnem-se com as equipes de saúde da família
para discussão de casos, quando solicitados fazem visitas à comunidade com os agentes,
participam em alguns momentos de grupos operativo-educativos junto a outros profissionais
da unidade, atendem em psicoterapia os casos encaminhados pelos agentes e realizam os
encaminhamentos necessários. Percebemos que este profissional, juntamente com a
coordenação de Saúde Mental e a Secretaria de Saúde, está buscando formas de inserir-se no
PSF, haja
vista que o momento é de implantação do serviço, ainda incipiente no município.
Realizamos esta explanação para esclarecer como o serviço de saúde mental está
configurado nesse momento, e mostrar onde estão lotados os psicólogos. O foco da nossa
pesquisa são os psicólogos que se encontram nos ambulatórios, assim a investigação ateve-
se
a estes profissionais. Aqueles que estão dentro das UBSF não foram entrevistados, salvo os
que já haviam sido entrevistados antes da implantação deste modelo. Dessa forma, ti
vemos 16
participantes, sendo que quatro destes psicólogos atualmente estão em UBSF. Seis psicólogos
se recusaram a participar, alegando não atender crianças com queixas escolares ou falta de
tempo, e os demais trabalham nas UBSF.
Para obtenção dos dados foi realizada uma entrevista individual semi-dirigida, com
todos os psicólogos, orientada por um roteiro com 15 questões abertas. Após a qualificação do
projeto de dissertação, em abril de 2004, foram alteradas algumas destas questões (ver
apêndice A - Roteiro de entrevistas e apêndice B - Roteiro de entrevistas). Com o
84
primeiro roteiro foram realizadas 11 entrevistas, e com os outros sujeitos foi utilizado o
segundo roteiro, perfazendo cinco entrevistas.
As mudanças referem
-
se às questões sete
5
, nov
e e catorze do primeiro roteiro. A banca
de professores na qualificação sugeriu para a questão sete, ao invés de perguntar diretamente
sobre a avaliação diagnóstica, questionar quais procedimentos eram realizados pelo
profissional, para que a resposta não
fosse induzida. Dessa forma, a questão nove foi excluída,
pois os procedimentos teriam sido contemplados. A modificação da questão catorze
6
foi no
sentido de propiciar maior clareza à pessoa inquirida, visto que estavam sendo investigadas as
condições
de trabalho do entrevistado.
Houve também uma sugestão de que se suprisse a primeira questão (Aqui no
ambulatório existe uma demanda de crianças com queixas escolares?), considerando que é
de nosso conhecimento, através da literatura, a existência da demanda de queixa escolar nos
ambulatórios. Porém, persistimos em manter esta questão, já que nos propusemos neste
trabalho a delinear a situação específica da cidade de Uberlândia e pensamos que, dessa
forma, a corroboração deste dado seria importante para o conjunto dos estudos existentes
sobre o tema.
Reorganizamos a entrevista de acordo com o 2º roteiro (ver apêndice B), de forma que
possibilitasse aos entrevistados apresentarem suas reflexões e suas considerações diante das
perguntas. Temos então que a seção anterior às questões refere-se à caracterização dos
participantes da pesquisa, aborda os dados pessoais, a formação, tempo de trabalho no
ambulatório, o que faziam antes do trabalho atual e as atividades concomitantes ao serviço na
5
Questão sete do 1º roteiro de entrevista: Que tipo de avaliação diagnóstica você faz? Com as devidas
modificações, temos no 2º roteiro de entrevistas: Que tipo de procedi
mentos você faz?
6
No roteiro de entrevistas, a questão está assim colocada: Você enfrenta problemas que são da instituição
(unidade de saúde) para atendimento deste tipo de queixa? Qual (is)? Com as devidas modificações, temos no 2º
roteiro de entrevi
stas: Quais são as suas condições de trabalho na sua unidade?
85
rede pública em saúde mental. Em seguida, as questões de um a cinco dizem respeito à
caracterização da demanda de crianças com queixas escolares que procuram o psicólogo nos
ambulatórios, se ela existe, como chega ao setor, se vem das escolas, que tipo de solicitação é
feita
e qual o conteúdo dos encaminhamentos. Na questão seis, procuramos compreender a
família diante desse processo, o que ela traz, o que diz, suas expectativas, sentimentos e
solicitações. As questões de sete a dez abarcam as práticas dos psicólogos quando r
ecebem
esta clientela, seus procedimentos. Da décima primeira à décima terceira, tem-se as
concepções dos entrevistados sobre sua formação e a temática da queixa, ou seja, como
descrevem o problema de aprendizagem, como relacionam a prática com sua formação e as
possíveis dificuldades enfrentadas na estrutura de trabalho oferecida pela Unidade em que
estão alocados. Por fim, na última pergunta, o entrevistado pode acrescentar algo que não foi
questionado, mas que gostaria de dizer ou explicitar.
As entrevistas foram registradas em áudio, sob a anuência dos entrevistados, após
assinatura do Termo de Consentimento (ver apêndice C) apresentado pela entrevistadora,
sendo que nesse momento foram esclarecidas algumas dúvidas que os participantes da
pesquisa apresentaram, tais como os objetivos do trabalho, o motivo das gravações em áudio,
de que forma esses dados seriam apresentados, entre outras questões. Os sujeitos foram
entrevistados em suas respectivas salas nos ambulatórios. À coordenadora das Ações em
Saúde
Mental do Município foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento para a
realização da pesquisa (ver apêndice D).
Também foi realizado um levantamento dos dados de prontuários de crianças
encaminhadas com queixas escolares, para a verificação dos procedimentos efetuados pelos
profissionais. Nossa intenção com a análise dos prontuários foi de aprofundar os dados
obtidos nas entrevistas acerca do tratamento dado às crianças com queixas escolares. Isto é,
buscamos informações complementares que pudessem nos mostrar quais registros
86
encontraríamos a respeito de vários pontos, como o procedimento diagnóstico utilizado pelos
profissionais, a apresentação da queixa, a chegada da criança ao setor, ou seja, se foi
encaminhada, por quem, as ações realizadas com
a criança, com as famílias e com a escola, os
tipos de atendimento oferecidos e a descrição dos possíveis encaminhamentos para outras
instâncias. Além disso, levantamos a quantidade de crianças com queixas escolares que
possuem registros em prontuários daquela unidade, a faixa etária e o período (anos) que
conseguimos abarcar, a partir dos escritos a que tivemos acesso.
Para auxiliar no registro dessas informações, organizamos uma tabela (ver apêndice E)
com a função de nortear-nos quanto àquilo que gostaríamos de abstrair dos escritos. Na
maioria das vezes, os psicólogos nos entregavam os prontuários para que pudéssemos
manuseá
-los e verificar o que considerávamos importante para o nosso estudo. Dessa forma,
íamos anotando e, em seguida, categorizávamos os dados preenchendo a tabela, a fim de
facilitar sua posterior análise.
O estudo foi desenvolvido durante os anos de 2003 e 2004. O projeto foi devidamente
aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Uberlândia, em 7 de outubro de
2003 (ver anexo). Contamos com duas auxiliares de pesquisa, estudantes do Curso de
Psicologia da UFU, que colaboraram na investigação realizando entrevistas, transcrições e
levantamento de prontuários, sendo orientadas para tal por meio de supervisões semanais da
pesq
uisadora e também de sua orientadora.
B-
Caracterização da pesquisa: a investigação qualitativa
Apoiando
-se na análise das entrevistas, no discurso dos sujeitos e nos registros dos
prontuários, a pesquisa foi orientada pela abordagem qualitativa. Como enfatizam Bogdan &
Biklen (1994, p.48), os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que
87
simplesmente pelos resultados ou pelos produtos , condição fundamental para a teoria
histórico
-
cultural e para a compreensão de nosso objeto de e
studo: as concepções e as práticas
dos psicólogos da rede de Saúde Mental diante da demanda de queixa escolar.
A análise qualitativa dos dados implicou o trabalho minucioso com todo o material
obtido durante a pesquisa, compreendendo as transcrições das entrevistas, as análises dos
prontuários e das demais informações obtidas. Nesse processo, procuramos relacionar as
descobertas feitas na pesquisa com a literatura existente acerca do tema, pois, de acordo com
Lüdke & André (1986), essa interlocução é fundamental para o pesquisador tomar decisões
mais seguras sobre as direções em que vale a pena concentrar o esforço e as atenções, bem
como para respaldar as análises de maneira mais aprofundada.
Freitas (1994b), ao descrever a abordagem histórico-cultural como orientadora da
pesquisa qualitativa, afirma que o pesquisador, ao valorizar os aspectos descritivos e as
percepções pessoais, precisa olhar o particular como parte da totalidade social, buscando
compreender os sujeitos envolvidos e através deles entender também o contexto. Ou seja, é
necessário levar em conta todos os componentes da situação, em suas interações e influências
recíprocas.
Nesse sentido, na presente pesquisa não nos apoiamos em resultados, e sim na
compreensão dos fenômenos indo ao encontro da situação, no seu acontecer, em seu processo
de desenvolvimento. O foco é a observação do processo, a escuta do discurso, do movimento
dos entrevistados em relação à clientela constituída crianças com queixas escolares,
procurando descrever as ações dess
es profissionais, o que fazem, como relatam suas atitudes e
concepções e o que dizem de sua formação.
É importante destacar que o uso do gravador possibilitou o registro integral de falas,
pausas, ênfases, risos e outros elementos que constituem o discurso
dos entrevistados. Queiroz
afirma que na utilização do gravador encontramos uma riqueza de dados, pois a gravação da
88
voz abrange tanto o que está explícito no discurso, como abre as portas para o implícito, o
subjetivo (QUEIROZ, 1991, p. 75).
De forma interessante, Queiroz (op. cit., p. 98) escreve sobre como vão se construindo
os encontros entre o pesquisador e o pesquisado e suas interfaces durante o processo. Para a
autora, "nas entrevistas gravadas, o pesquisador se encontra diante do texto em três
circunstâncias diversas, pelo menos: na realização do depoimento; na escuta da gravação para
a transcrição da escrita; na leitura aprofundada do documento escrito".
Neste trabalho, como contamos com duas auxiliares de pesquisa, procedemos da
seguinte forma: a pessoa que realizou a entrevista a transcreveu, pois, como enfatiza Queiroz
(1991, p. 99), ela é que detém os detalhes dos movimentos e que "pode garantir maior
profundidade entre a coleta oral e o resultado escrito". Para que houvesse unidade no trabal
ho,
nos reuníamos para discutir, expor as informações e, dessa forma, todos tinham conhecimento
das situações vividas em cada entrevista. Essa troca favoreceu a análise dos dados, na medida
em que os diversos olhares e sensações foram compartilhados e refletidos pela equipe da
investigação.
A partir da transcrição das entrevistas na íntegra, procedemos a uma leitura minuciosa
e analítica de cada texto, e então selecionamos trechos que entendíamos sintetizar as falas
apreendidas. Neste sentido, efetuamos recortes em todo o material obtido, extraindo o
máximo de informações que pudessem dialogar com os nossos questionamentos propostos na
pesquisa, além de outras perguntas que foram suscitadas no processo de análise, quando
buscamos a interlocução entre os dado
s e a literatura.
No próximo capítulo, nas análises, destacamos depoimentos dos participantes da
pesquisa em forma de citações, em itálico e entre aspas, para demarcar as falas e exemplificar
nossas reflexões, permitindo uma aproximação dos entrevistados com o leitor. Procuramos
89
apresentar da maneira mais ética possível, a correspondência entre os significados da fala dos
entrevistados e o tema abordado.
Durante a entrevista, buscamos estabelecer laços de confiança com o entrevistado,
considerando que na investigação qualitativa o pesquisador pretende interagir com seus
sujeitos "de forma natural, não intrusiva e não ameaçadora" (BOGDAN & BILKLEN, 1994,
p. 68). Interessava-nos construir um momento de diálogo com o entrevistado, no qual era-
nos
importante conhecer suas opiniões, concepções, suas experiências, vivenciando e
apreendendo a sua realidade. E por isto, a entrevista foi realizada nas respectivas salas dos
psicólogos, a fim de que estes se sentissem mais à vontade e para que pudéssemos observar o
cont
exto em que trabalhavam. Bogdan & Biklen (op. cit, p. 70) resumem que os
investigadores qualitativos "tentam compreender o processo mediante o qual as pessoas
constroem significados e descrever em que constituem estes mesmos significados".
Na maioria das vezes, percebemos que os entrevistados ficaram à vontade para
expressar suas convicções. Como aponta González Rey (2002, p. 55), a interação entre o
pesquisador e o participante da pesquisa constitui elemento imprescindível para a qualidade
da informação produzida na pesquisa. Para o autor, "o sujeito, na realidade, não responde
linearmente às perguntas que lhe são feitas, mas realiza verdadeiras construções implicadas
nos diálogos nos quais se expressa".
Consideramos que em na nossa pesquisa obtivemos uma grande extensão de dados e
procuramos nos orientar pelas perguntas do roteiro de entrevista para organizar as categorias
de análise.
De acordo com González Rey (op. cit.), a pesquisa qualitativa não se destina a
comprovações, a provar ou verificar, mas a construir. Em face disso, nosso objetivo foi
produzir idéias, reflexões que possam suscitar indagações sobre as práticas psicológicas frente
90
à queixa escolar, suas interfaces com a formação profissional e a visão de homem na
psicologia.
Uma das principais contribuições das pesquisas é gerar possíveis desdobramentos,
provocando novos questionamentos e estudos, como afirma González Rey (2002, p. 136): " a
capacidade de uma teoria para gerar novos conceitos que, por sua vez, são geradores de novos
problemas e de zonas de sentido sobre a realidade é uma expressão do contato entre teoria e a
realidade, a qual com freqüência está muito além da consciência do pesquisador". A
produção do conhecimento gerada pela pesquisa e a sua relevância social, podem repercutir
em vários níveis da ação humana, como o ensino, por exemplo, e também nas ações que se
dão no cotidiano dos profissionais.
91
6-
A PESQUISA: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
O diálogo é o encontro amoroso dos homens que,
mediatizados pelo mundo, o 'pronu
nciam', isto é, o
transformam, e, transformando
-
o, o humanizam para a
humanização de todos.
Paulo Freire
A-
Conhecendo os participantes da pesquisa
A.1
-
Caracterização das entrevistadas
A primeira parte da entrevista refere-se aos dados pessoais dos entrevistados. Para a
apresentação dos participantes da pesquisa, a tabela abaixo delinea o perfil dos psicólogos
entrevistados, a partir dos seguintes dados: sexo, idade, tempo de formação, tempo de serviço
nos ambulatórios.
Tabela 1: Informações sobre os
psicólogos entrevistados
_______________________________________________
Dados pessoais dos entrevistados Nº
_______________________________________________
Sexo
Masculino
01
Feminino
15
Nº total de entrevistados 16
Idade
1. 20 a 30 anos 03
2. 31 a 40 anos
05
3. 41 a 50 anos 08
Tempo de formação
1. até 2 anos 02
2. 6 a 9 anos
04
3. 10 a 14 anos 05
4. 19 a 23 anos 05
Tempo de serviço
1. 1 mês a 6 meses
04
2. 1 ano a 2 anos 02
3. 2 anos a 4 anos 02
4. 5 anos a 7 anos
02
5. 9 anos a 13 anos 06
_______________________________________________
92
Conforme aponta a tabela, observa-se no grupo de entrevistados, a presença maciça d
e
mulheres
7
, uma característica da profissão já discutida por Bock (1999). Em relação à idade, a
maioria das entrevistadas (50%) tem acima de 40 anos. Quanto ao tempo de formação, a
maior parte dos profissionais (14) formou-se mais de seis anos, sendo que 10 psicólogos
têm mais de dez anos de formados. O tempo de serviço nos ambulatórios é variável, sendo
que grande parte possui experiência acima de dois anos. Aqueles que contam de um mês até
dois anos no serviço são os aprovados pelo concurso público d
a Prefeitura ocorrido em 2002 e
que efetivou parte dos aprovados em agosto de 2003 e outra parte em outubro do mesmo ano.
Com relação aos cursos de pós-graduação, a tabela 2 que se segue mostra os cursos
que nove psicólogas relataram ter realizado. Das sete psicólogas que não fizeram pós-
graduação, cinco possuem tempo de serviço entre um mês e um ano.
Dentre as nove psicólogas que possuem curso(s) de pós-graduação, grande parte (sete)
tem acima de cinco anos de formação e, apesar de não sabermos quando essas psicólogas
fizeram suas especializações, esse fato parece evidenciar que é com a prática que vai
emergindo o interesse e a busca pelo aperfeiçoamento profissional.
Tabela 2: As entrevistadas e as áreas de especialização
_________________________________
_________________________________________
Psicólogas Pós
-
graduação
lato
-
sensu
__________________________________________________________________________
Entrevistada 1 Psicodrama e Terapia
Corporal
Entrevistada 2 Psicologia clínica, Psicopedagogia e Gerenciamento em
Saúde Pública
Entrevistada 3 Psicoterapia analítica e Gerenciame
nto em saúde pública
Entrevistada 4 Psicossomática e Esquizoanálise
Entrevistada 5 Psicodrama
Entrevistada 6 Psicopedagogia e Psicodrama
Entrevistada 7
Psicopedagogia
Entrevistada 8 Psicossomática
Entrevistada 9 Psicopedagogia
__________________________________________________________________________
7
Como a grande maioria dos entrevistados é composta por mulheres, optamos por deixar no feminino os termos
referentes aos participantes da pesquisa
93
De acordo com a tabela, cinco psicólogas fizeram duas especializações e as outras
quatro, uma. É interessante observar que duas entrevistadas buscaram o aperfeiçoamento
voltado especificamente ao serviço público, cursando a pós-graduação em Gerenciamento em
Saúde Pública, sendo que um
a delas há 10 anos está em ambulatório de saúde mental e a outra
12 anos. Isto evidencia o interesse dessas profissionais em estudar e em qualificar-
se
dentro de uma área em que já estão alocadas há algum tempo.
A tabela 2 mostra ainda que o curso de psicopedagogia foi escolhido por quatro
psicólogas, mas a maioria escolheu a área clínica para especializar-se, sendo que duas
psicólogas buscaram, além da clínica, a psicopedagogia. O interesse pela clínica na pós-
graduação aponta um perfil de profissionais que possuem como objetivo e desejo o trabalho
nesta área e, como veremos posteriormente nos tópicos seguintes, o ambulatório acaba sendo
um lugar da clínica, da psicoterapia, de um serviço ligado à saúde, com traços de um modelo
predominantemente médico.
Quando questionadas sobre o que faziam anteriormente ao ambulatório de saúde
mental, sete entrevistadas disseram que trabalhavam apenas em seus consultórios particulares
exercendo a psicologia clínica; quatro relataram não exercer nenhuma atividade anter
ior; duas
atendiam em consultório particular e, além da psicologia clínica, atendiam crianças com
queixas escolares; uma disse ter trabalhado como acompanhante terapêutico em serviço
público em outra cidade; uma tinha experiência na área industrial em recrutamento e seleção,
e uma como professora no ensino fundamental. Esses meros mostram que aquelas
profissionais que, de uma forma ou de outra, trabalhavam com a clínica, totalizam 10, diante
do que podemos dizer que a grande maioria das entrevistadas, antes de estar no ambulatório,
exercia sua função como psicóloga clínica.
Atualmente, concomitantemente ao ambulatório, 12 psicólogas relataram que possuem
consultório particular, sendo que uma afirmou ter outro vínculo com a prefeitura, trabalhando
94
na Divisão de Trabalho em Recursos Humanos, além do consultório no período noturno. Por
fim, quatro disseram não exercer outra atividade além do trabalho no ambulatório em saúde
mental. Assim, constatamos que grande parte das entrevistadas exerce outra atividade
juntamente com o atendimento no ambulatório e que corresponde ao trabalho em clínicas
particulares. Nenhuma entrevistada realizou ou está realizando cursos de pós-
graduação
stricto sensu
, ou seja, mestrado ou doutorado.
A.2
- As entrevist as: as salas de atendimento e a relação entrevistadora-
entrevistadas
As entrevistas foram realizadas nas respectivas salas de atendimento das psicólogas,
em 12 ambulatórios da cidade de Uberlândia, sendo que em quatro ambulatórios trabalhavam
duas psicólogas; e todas as p
rofissionais dessas unidades foram entrevistadas.
Quanto ao espaço físico, cinco salas são bastante adequadas, pois são espaçosas,
arejadas, e com boa iluminação, tendo um armário para arquivo de prontuários, outro para
guardar materiais e uma mesa pequena com várias cadeiras, sendo possível o atendimento de
grupos. Três salas são pequenas, porém apropriadas para os atendimentos, uma vez que são
bem iluminadas e isoladas do barulho externo; em todas armário para arquivo e uma mesa
com duas e/ou três cadeiras. Outras três salas são pequenas, sem ventilação, improvisadas
junto a salas de vacinação, sendo separadas por uma divisória; o barulho externo é muito alto,
o que incomoda e atrapalha consideravelmente os atendimentos; possuem armário de arquivo
e mesa com duas cadeiras. Por último uma sala ampla, arejada, com armário de arquivo e
outro com duas portas, mesa e várias cadeiras; é uma boa sala, a não ser pela interferência do
barulho externo e pode
-se ouvir o que está acontecendo do lado de fora e v
ice
-
versa.
95
Nos ambulatórios onde as salas são pequenas, as psicólogas entrevistadas relataram
que utilizam uma sala de reunião existente na unidade para atendimentos em grupo. Este
espaço, que é utilizado pelos profissionais das diversas especialidades para a realização de
grupos (hipertensos, climatério etc.), é amplo, bem iluminado, com uma mesa pequena e
várias cadeiras. Os horários de ocupação são pré-estabelecidos, de maneira que o uso da sala
seja compartilhado por todos.
As salas pequenas separadas por divisórias são muito abafadas, além do que pareceu-
nos não ser possível a privacidade. No momento em que realizávamos uma entrevista em uma
delas, por exemplo, uma enfermeira entra por uma porta, pede licença e sai por outra. Tal fato
demonstra a inadequação desse espaço para o atendimento em saúde mental, uma vez que
revela a falta de respeito ao usuário e ao profissional, comprometendo a privacidade e o sigilo
que a situação requer.
Como mencionamos acima, o barulho é um fator que incomoda bastante em algumas
salas. Para o profissional que passa algumas horas nesse local com a especificidade de fazer
uma escuta, deve ser um tanto estressante ter que afastar os ruídos que vêm de fora e
concentrar
-se naquilo que o paciente lhe diz. Ao mesmo tempo, para o cliente pode ser difícil
tranqüilizar
-se quanto ao sigilo do que é dito ali, pois, se ele ouve os sons externos à sala,
pode considerar que do lado de fora também pode-se ouvir o que se fala dentro. Por outro
lado, é importante enfatizar que encontramos cinco salas bem estruturadas, nas quais é
possível realizar um trabalho com qualidade, devido às características relatadas acima.
Quanto à relação entre entrevistadora e entrevistadas, em sua maioria as psicólogas
foram receptivas, simpáticas, tranqüilas, colocando-se à disposição para participar da
pesquisa. Existiu, por parte de algumas, uma certa apreensão quanto a quem leria a entrevista
ou ouviria a fita; assim, esclarecemos que não iríamos identificar as pessoas e que a fita seria
96
ouvida somente pela pesquisadora para fazer a transcrição
8
. Em dois casos, as entrevistadas
mostraram
-se um pouco distantes, confusas ao responder às questões, deixando transparecer
um pouco de agressividade na fala.
B-
Os procedimentos avaliativos
Na análise da qu
estão referente ao procedimento (ver Roteiro de Entrevista
-
Apêndice
A e B- questão 7), indica que a maioria das respostas as profissionais buscam no contato com
a criança perscrutar problemas de ordem emocional e questões relacionadas à família.
As falas se repetem, parecendo compor um discurso único, em 14 respostas, neste
item; uma tentativa de verificar o que existe "por de trás" da queixa, e detectar se é um
problema de ordem emocional ou se é uma questão escolar. Essa cisão, problema emocional x
problema escolar, é muito forte, e o ambulatório faz essa diferenciação por entender que o
setor de saúde mental deve responsabilizar-se pelo atendimento clínico, que é oferecido à
clientela com distúrbios de ordem emocional caracterizados como casos graves, ou seja,
aqueles pacientes diagnosticados como neuróticos graves ou psicóticos
9
.
Essa tentativa de diferenciação fica evidente nos seguintes depoimentos (ver outros
exemplos no Apêndice F):
8
Quando as entrevistas foram realizadas pelas auxiliares de pesquisa, o mesmo esclarecimento foi feito. Nesse
caso porém, seriam elas que ouviriam a fita para a transcrição, o que foi dito aos participantes da pesquisa, além
de enfatizarem que as pessoas não seriam identificadas.
9
No município, a Saúde Mental faz essa priorização de atendimento em virtude de uma interpretação da
legislação em Saúde Mental, na qual o Ministério da Saúde enfatiza a necessidade da desospitalização e redução
de internações psiquiátricas. Assim, o atendimento aos casos mais graves e a busca por uma alternativa à
hospitalização são tidos como diretrizes e metas do serviço.
Quanto às políticas do Ministério, na normatização do atendimento em Saúde Mental, tem-se a Legislação
Estadual: Lei nº 11.802, de 18 de janeiro de 1995; Lei nº 12.684, de 1º de dezembro de 1997; Decreto nº 42.910,
de 26 de setembro de 2002; e a Legislação Federal: Lei 10.216, de 6 de abril de 2001. Essas leis discutem,
entre outras questões, o tratamento humanizado ao portador de sofrimento me
ntal e ações e serviços substitutivos
ao hospital psiquiátrico, como, por exemplo, os Centros de Atenção Psicossocial - CAPS (infantil e adulto) que
já existem no município.
97
"Então, o que é que a gente tem que fazer: tem que fazer toda essa avaliação primeiro,
pra gente tá detectando se é problema de aprendizagem ou se tá associado a um problema
emocional. Quando está associado, a gente atende, porque nós trabalhamos com o
problema emocional. Agora, se for só problema de aprendizage
m, a gente não atende não".
"Eu faço é como se fosse uma avaliação diagnóstica, pra eu detectar se é uma coisa
familiar, uma ansiedade familiar, ou então uma coisa escolar, pra mim estar separando
essa coisa da queixa sabe".
Essa priorização no atendimento é considerada uma norma pelos participantes da
pesquisa, mas pensamos que ela também vem ao encontro da própria dificuldade que os
profissionais sentem no atendimento e avaliação da queixa escolar. De modo geral, as
psicólogas relataram um despreparo em sua formação para realizar esse diagnóstico. Nessa
pergunta referente aos procedimentos avaliativos, em dez respostas, as profissionais
mencionam essa dificuldade.
Parece que, para atender a uma demanda que se apresenta explicitamente como queixa
emocional, o profissional se sente mais seguro, e o contrário se mostra quando a queixa vem
acompanhada do relato de uma dificuldade de aprendizagem escolar. muitas dúvidas para
a realização do diagnóstico; nas palavras de uma das psicólogas podemos perceber essas
incertezas:
"Assim, não é uma avaliação que você pode falar assim, talvez sessenta ou setenta por
cento no máximo, não é uma avaliação cem por cento, a gente não tem material e nem
conhecimento suficiente para fazer uma avaliação psicopedagógi
ca de falar assim: ó, a gente
dá um diagnóstico definitivo".
98
Quatro das entrevistadas disseram que não sabem o que fazer com essa demanda que
envolve problemas de aprendizagem, pois faltam materiais para realizar uma avaliação nesse
sentido. Esses materiais incluem brinquedos, testes, materiais pedagógicos e jogos. A falta de
tempo é outro fator apontado como dificuldade, pois, segundo as entrevistadas, a demanda por
atendimentos em saúde mental é grande e o tempo para atender a tanta gente é pouco, ficand
o
inviável realizar uma avaliação criteriosa dos referidos casos. Além disso, as entrevistadas
acreditam que, na grande maioria, essa clientela não constitui casos para atendimento no
ambulatório de psicologia. Outra reclamação das profissionais é a falta de espaço físico (salas
pequenas e abafadas) e a ausência de materiais para o atendimento infantil.
Contudo, no geral, observa-se uma preocupação das psicólogas com relação ao
atendimento das crianças com queixas escolares e suas famílias. Em todas as respostas, as
profissionais queixam-se de que não na rede municipal um local para onde encaminhar
essas crianças para serem avaliadas por especialistas, que elas não se sentem
instrumentalizadas para fazê
-
lo. Isso pode ser percebido nos relatos abaixo:
"Eu acredito que é necessário atendimento pra essas crianças, mas aqui não tem
como fazer, porque se nós formos atender estas crianças, nós vamos deixar de atender os
adultos, né, com mais problemas, que é o que a coordenadora pede pra gente estar dando
preferência".
"Eu não tenho formação pra atendendo a dificuldade de aprendizagem e, mesmo
que tivesse, também, hoje a gente tem uma definição assim: de atender prioritariamente os
casos mais graves, como psicoses e neuroses graves".
"Coloco o meu limite com relação ao problema de aprendizagem: eu não posso
oferecer atendimento, porque eu não estou habilitada para isso. Até eu falo assim: olha, eu
não vou falar que eu sei, porque eu não sei trabalhar com o problema de aprendizagem".
"Acho grave a saúde pública não ter espaço para o atendimento de criança".
99
As respostas das psicólogas ao questionamento sobre os procedimentos no
atendimento ambulatorial trazem esse discurso de não ser prioridade do serviço avaliar e
atender as crianças com queixas escolares. Desse modo, no acolhimento, na maioria das
vezes, uma escuta da queixa, mas é realizado um psicodiagnóstico que condiz com o que
os profissionais acreditam. E suas concepções mostram um diagnóstico de caráter
essencialmente clínico. Entendemos que não uma diferenciação na condução do
atendimento em virtude da queixa ser escolar, porque na maioria das vezes as relações
escolares não são consideradas. Observa-se nos relatos uma necessidade de buscar, na
avaliação, o sintoma, a desordem emocional qu
e está atrapalhando a aprendizagem da criança.
Na avaliação da criança, a análise das entrevistas mostra alguns instrumentos
utilizados pelas profissionais:
a)
Hora lúdica: atividades lúdicas com brinquedos e brincadeiras.
"Eu tento brincar com a criança, a gente tem alguns brinquedos aqui. Eu deixo a
criança escolher os brinquedos, verifico como é que é, qual a escolha que ela faz, depois
como ela lida com o brinquedo, né, e com isso também vou perguntando coisas sobre o
brinquedo, né".
b) Desenho: pede-se à criança para desenhar e contar histórias, fazer desenho livre e
desenho da família.
c) Testes: aplicações de testes como, HTP (House, Tree and Person), CAT (Children
Aperception Test), e Bender ( Teste Gestáltico Viso
-
motor para crianças).
d) Observação da criança: observações com relação ao comportamento, se o
desenvolvimento condiz com a idade, se ouve bem, se enxerga, se há déficit
mental ou problemas neurológicos, se tem boa compreensão.
e)
Observação da relação da criança com a família no atendimento conjunto.
100
f)
Solicitação de que a criança leia e escreva.
g)
Observação do caderno da criança.
Nesse caso, consideramos que a apresentação dos dados numéricos pode ser
interessante, pois mostram os procedimentos avaliativos mais utilizados nos atendimentos, e
que de algu
ma forma revelam como as entrevistadas compreendem a queixa escolar.
Tabela 3: Utilização dos instrumentos avaliativos
Instrumentos
Total de respostas
Hora lúdica
7
Observação da criança (comportamento e
desenvolvimento)
7
Desenhos
5
Testes
4
Solici
tação de que a criança leia e escreva 3
Observação da relação da criança com a família
3
Observação do caderno da criança
1
Como se vê, as relações da criança com os processos de escolarização, as relações
institucionais, a vivência escolar, histórica e pedagógica ficam de fora, não aparecem na
avaliação realizada pelas profissionais nos ambulatórios. O diagnóstico se centra no aluno e
na sua família, como apontam as discussões empreendidas por vários autores e sobre as quais
refletimos neste trabalho (MOYSÉS E COLLARES, 1992, 2000; PATTO, 1990, 1992, 1997;
FRELLER, 1997; SOUZA, 1996).
Dessa forma, na avaliação da queixa escolar buscam-se causas individuais,
desconsiderando
-se a rede de relações que envolve a questão, o "campo de forças"
expressão utilizada por Machado (2003) para caracterizar a avaliação que procura analisar e
refletir a produção da queixa que gerou o encaminhamento para o psicólogo. Para a autora,
todas as relações do sujeito se inserem nesse campo, originando as questões subjetivas. Isto é,
101
os sentimentos da criança, as relações familiares, a rotina escolar estão imbricados no
contexto do cotidiano do indivíduo, os quais influenciam
-
no e são por ele influenciados.
Essa discussão nos remete à concepção de indivíduo histórico-
cultural
, em que
Vygotsky preconiza o intercâmbio do sujeito com a sociedade, sendo uma mediação
recíproca, na qual os fenômenos psicológicos passam pela compreensão do processo histórico
e social. A respeito da ligação entre subjetividade e relação social, Leite
(1999, p. 22) escreve:
É desse modo que a expressão da subjetividade expressa-se na consciência
individual, como forma especificamente humana do reflexo subjetivo da
realidade objetiva, e que pode ser entendida como produto das relações e
mediações emocionais que emergem no transcurso do surgimento e do
desenvolvimento da sociedade.
Nesse sentido, a subjetividade é permeada e construída nas e pelas relações sociais, e a
queixa escolar é compreendida como uma síntese de diversas determinações que envolvem a
família, os relacionamentos interpessoais, o contexto social e escolar. É necessário que a
avaliação centralize a investigação da historicidade dos fatos, conhecendo e questionando
todos os envolvidos, as atitudes, os episódios que se relacionam à produção da queixa.
Contudo, no depoimento das entrevistadas não essa compreensão, as avaliações
enfocam a criança, não são discutidas as possíveis práticas e relações que originaram a queixa
e que conduziram o encaminhamento dela ao psicólogo. Em algumas respostas, as
profissionais relatam examinar aquilo que está por trás da queixa, a causa, nos conflitos
internos, como mostram as seguintes falas:
"Eu avalio mais as respostas mesmo da criança, a resposta emocional, a resposta
física, né; tento ver a reação psicossomática do problema, como é que tá a relação da
emoção com isso, né, e dar pra criança a possibilidade de resolver as coisas com a saída
dela, não a saída doente, a saída saudável".
102
"Tem muitas
[crianças]
que são problemas de aprendizagem aparentemente e por trás
existe um problema clínico e a gente precisa dar um suporte".
Com relação à família, nove entrevistadas disseram que realizam a anamnese com a
mãe, pois na maioria das vezes quem procura o serviço é ela. Nessa entrevista inicial, a
grande maioria das psicólogas disseram que procuram verificar se a queixa é algo relacionado
somente à aprendizagem da criança ou se existe algum problema de ordem emocional que
está interferindo. Investigam a história de vida da criança, buscam compreender como se dão
as relações familiares e se algum problema familiar que produziu este "sintoma" de não
aprender, fazem observações sobre o relacionamento familiar e investigam como a família
está vendo o problema, como o traz para o consultório.
Seis profissionais afirmaram que no próprio acolhimento, quando recebem este tipo de
queixa, fornecem orientação aos pais, explicam como eles devem acompanhar as tarefas
escolares dos filhos, sugerem tipos de exercícios, discutem a forma como eles lidam com a
crian
ça, como colocam limites, ou a falta de limites e/ou superproteções. Orientam também
no sentido de a família modificar alguma atitude na relação para que a criança se desenvolva
de maneira mais saudável.
Quando as entrevistadas relatam observar as relações da criança com a família,
demonstram preocupação em investigar se uma desestruturação familiar que esteja
impedindo a aprendizagem da criança e provocando a queixa. Enfatiza uma psicóloga:
"A gente como a criança brinca, né, como é a interação com os pais, porque às
vezes a queixa escolar a gente que é um reflexo de uma estrutura familiar inadequada,
então a gente vê a relação da mãe com a criança, é muito observação, né, e de estar
conversando".
103
Apesar da maioria das respostas demonstrar práticas que estão basicamente voltadas
para a compreensão do indivíduo isolado, desconsiderando o que se passa na escola,
observamos em quatro respostas que os profissionais evidenciam o interesse em buscar, de
certa forma, um contato com a vivência escolar da criança: quando uma psicóloga diz que
pede à criança que leve o caderno para ela olhar, e outras três entrevistadas, quando solicitam
às crianças que leiam e escrevam.
Todavia, a maior parte dos procedimentos diagnósticos ocorre de acordo com o que
Fre
ller (1997) discute, pois parecem ser idênticos para todas as crianças que chegam ao
psicólogo, independentemente da queixa. Isto é, na grande maioria são procedimentos
tradicionais, relacionados a mecanismos intrapsíquicos, como foi apontado anteriormente
,
com a utilização de técnicas voltadas para o atendimento clínico, como a hora lúdica, análise
de desenhos, anamnese, uso de testes, entre outros.
Acreditamos que esses procedimentos até podem ser válidos dependendo do contexto
em que são utilizados, mas desde que seja incluída a relação da criança com sua dinâmica
escolar e sejam feitas abordagens que possam ir ao encontro de sua realidade, dirigindo-se o
olhar para o que a criança sabe fazer, o que ela consegue realizar, e utilizando-se materiais
que sã
o do universo dela, como salienta Moysés (2001).
Essa compreensão advém do entendimento de que a questão pedagógica é essencial
para a estruturação do psiquismo. Os problemas emocionais e familiares podem ser realmente
fenômenos presentes em determinados casos, mas é importante ressaltar, como lembra Patto
(1990), que as relações escolares podem contribuir no sentido de agravá-los ou minimizá-
los.
Assim, quando o psicólogo reconhece e questiona todos os fatores intra-escolares envolvidos,
pode alcançar um
maior entendimento e, desse modo, prestar o devido auxílio em cada caso.
Apresentamos uma experiência relatada por Patto (1999), em que ela analisa o caso de
uma menina, Ângela, que freqüentava uma turma de ensino especial e constata, em sua
104
avaliação, que no seu dia-a-dia a menina assumia os afazeres da casa e cuidava dos irmãos.
Na observação da criança em sua residência, a autora nota que a menina não tinha tempo para
brincar, assumindo os papéis de dona de casa e mãe. Quando ia para a escola levava a b
oneca,
e por este fato era considerada imatura. A professora culpava os pais por não incentivarem
Ângela nos estudos, alegando que estes eram analfabetos e pobres. Patto (1999, p. 352) afirma
que "tendo em vista a natureza das atividades e das relações escolares nesta escola, suas
necessidades de exercer a fantasia através do lúdico e de receber atenção foram mais uma vez
frustradas".
A observação da pesquisadora neste caso demonstra que, ao contrário do que a escola
considerava, a forma como a criança realizava as tarefas domésticas, a maneira estruturada e
coordenada como cantava e dançava, a harmonia e equilíbrio com que subia na laje da casa, o
fato de que expressava suas opiniões de forma detalhada, criava e lia estórias acompanhando
sabiamente as ilustrações, distanciava qualquer hipótese de se tratar de um quadro de
dificuldade de atenção, de linguagem, imaturidade emocional, déficit mental ou psicomotor.
Contudo, o relatório com a avaliação da psicóloga de um Centro de Saúde revelou um
QI abaixo da média de normalidade, no aspecto motor, dificuldade de organização espaço-
temporal e quanto à personalidade, conflitos entre as figuras paterna e materna e de
identidade. Por fim, essa profissional recomenda ludoterapia individual para a criança e
orientaç
ão para a mãe.
Na concepção de Patto (1999), os resultados dos testes contrastaram com as
habilidades reveladas em sua pesquisa pelas observações feitas junto à criança, e reforçaram
aquilo em que a escola acreditava, ou seja, que os conflitos são internos à criança e inerentes
às relações familiares. Apesar de, no caso de Ângela, estes realmente existirem, a autora
aponta as falhas da avaliação:
105
Chama a atenção a omissão total, nesse relatório, da experiência escolar
como parte integrante das experiência
s de Ângela; tudo se passa como se seu
comportamento escolar independesse da escola e seu comportamento nos
testes independesse das experiências que viveu durante os três anos em que
foi reprovada e estigmatizada no ambiente escolar, como se seu mundo se
limitasse às experiências familiares. Considerando como causa de seu
fracasso escolar "conflitos muito intensos a nível emocional" de origem
familiar, o relatório exclui, como convém ao sistema, a dimensão social e
política da (re)provação escolar (PATTO, 1
999, p.367).
Esse caso estudado por Patto ilustra muito bem a nossa discussão sobre os
diagnósticos realizados pela maioria das entrevistadas, uma vez que revela o quanto os
psicodiagnósticos podem compactuar com o sistema sociopolítico vigente, na medida em que
os indivíduos são apontados como os únicos responsáveis por suas dificuldades, como
também discute Bock (2001), quando enfatiza o papel ideológico da psicologia.
É interessante observar que o caso Ângela foi investigado em 1983 pela pesquisado
ra
citada, ou seja, 22 anos, e o que constatamos é que atualmente as avaliações ainda não
diferem muito das que se realizavam naquela época. Salvo o decréscimo no uso dos testes
(que talvez seja mais pela falta material, como afirmaram algumas entrevistadas), as relações
das crianças com a escola e suas experiências diárias ainda são muito pouco consideradas.
Uma das psicólogas entrevistadas nesta pesquisa relata não avaliar a queixa escolar
por acreditar que a criança com dificuldades de aprendizagem não consegue interagir, ficando
inviável o contato, o atendimento. Acrescenta que no serviço público não é possível esta
avaliação, que ela não é prioridade no setor de Saúde Mental, que não há espaço nem
materiais próprios. O que essa profissional diz poder fazer é observar se problemas de
comportamento e de desenvolvimento. Em suas palavras:
"A gente não atende crianças com problema de aprendizagem. Eu não faço avaliação
escolar. Eu faço avaliação comportamental e de desenvolvimento. O trabalho da gente aqui é
trabalhar com as crianças que têm... é...interativa, tá? Problema de aprendizagem, não".
106
Nesse depoimento parece haver um certo preconceito para com as crianças que
chegam ao ambulatório com queixa escolar, como se tivessem alguma falha grave e não
fossem capazes de se relacionar ou de interagir. A fala soa um tanto agressiva e demonstra
como é forte a rotulação e a estigmatização de supostas incapacidades da criança,
denunciando o olhar do profissional direcionado para o que ela não sabe fazer. Esse
descrédito na capacidade da criança, que muitas vezes vem das escolas e dos professores,
acaba sendo, infelizmente, confirmado pelo parecer do psicólogo.
Nos relatos de modo geral, o que fica evidente e chama a atenção é a tentativa de
separar
o que se constitui problema escolares dos problemas emocionais, como se cognitivo
não tivesse ligação com as emoções, como se a situação da criança com queixa escolar fosse
menos grave. E o diagnóstico essencialmente clínico confirma essa visão de indivídu
o
deslocado, desapropriado de sua integralidade.
A respeito dessa interligação entre emoção/ cognição e indivíduo/ sociedade, Leite
(1999) faz uma reflexão interessante, considerando que o psiquismo, em sua essência, tem por
base a atividade e o meio sócio-histórico. Isto é, o indivíduo não se constitui por oposições e
dualidades: individual e social, mas por uma relação de reciprocidade. E a consciência
individual é um efeito da convivência social entre pessoas, não sendo algo distante de sua
realidade. Na visão de Leite (1999, p. 45) "as significações sócio-históricas vão refletir,
através da linguagem, os objetos sentidos, percebidos para os indivíduos, na dependência das
relações que estes possam ter para a própria vida do sujeito, frente às suas necessidades e
motivos".
Nessa concepção, o surgimento das emoções estaria diretamente ligado à interlocução
com o meio e pelas necessidades internas. As diversas emoções e sentimentos que o indivíduo
experimenta, como alegria, tristeza, medo, são vivenciadas quando os acontecimentos do seu
107
meio são apropriados e valorizados pelo indivíduo. Leite (1999, p. 76) afirma que "as
emoções não são o reflexo dos objetos, mas das relações do sujeito para com eles".
González Rey (2002, p. 37) caracteriza a subjetividade como uma rede de
significações e sentidos subjetivos originados da relação do homem com a cultura, com suas
vivências sociais. Para o autor, "a subjetividade individual é determinada socialmente, mas
não por um determinismo linear externo, do social ao subjetivo, e sim em um processo de
constituição que integra de forma simultânea as subjetividades social e individual". O ser
humano é constituinte da subjetividade social, ao mesmo tempo que se constitui nela.
Como a subjetividade está diretamente relacionada ao momento atual do indivíduo e
aos processos culturais, está em constante desenvolvimento, permitindo reformulações que se
concretizam nas atitudes e opções do sujeito, sendo portanto flexíveis e mutáveis. A
subjetividade do indivíduo influencia as diferentes experiências humanas, inclusive no
processo de aprendizagem. Nas palavras de González Rey (op. cit., p. 38),
A aprendizagem surge em sua definição subjetiva como um processo que
integra as condições atuais de vida do sujeito que aprende, a história de sua
constituição subjetiva diferenciada, expressa em sua personalidade, e a
qualidade dos processos de relação que caracterizam a vida escolar na
configuração subjetiva do aprender, um aspecto essencial do sentido
subjetivo da aprendizagem para o sujeit
o.
Ao analisar as crianças que chegam ao setor de psicologia, nos ambulatórios, com
queixas de dificuldade de aprendizagem, entendemos que é fundamental considerar todo o seu
contexto, pois o não - aprender constitui-se e é constituído pelo todo indissociável cognição-
afeto, fruto de suas relações com as vivências cotidianas no âmbito escolar e na vida. As
situações vividas na escola, tidas apenas como de ordem cognitiva pelas entrevistadas,
também estão imbuídas de afetos e emoções (constitutivos da subjetividade), podendo gerar
nas crianças um possível sentimento de fracasso.
108
C-
Devolutiva à família: atendimentos oferecidos e encaminhamentos
De modo geral, as profissionais pesquisadas disseram que na entrevista devolutiva
explicitam para a mãe
10
o que puderam perceber da criança e, se acharem necessário, dão
algumas orientações acerca de uma melhor forma de agir com o filho. Nesse momento, são
também realizados encaminhamentos para instituições externas ao ambulatório ou para outros
profissionais ou, ainda oferecem-se atendimentos em grupo de orientação a pais ou
atendimento para a criança em grupo de crianças. Não apareceu nos relatos a devolutiva com
as crianças, ou seja, não um momento em que as psicólogas conversam com as crianças
sobre o que puderam pensar a respeito de suas queixas, da avaliação que fizeram no contato
que tiveram com elas.
Doze das entrevistadas relataram que, se perceberem que a queixa é somente escolar,
não existindo uma questão emocional mais grave, encaminham a criança para e
specialistas
(neurologista, fonoaudiólogo, escolas especializadas) ou para aulas de reforço na própria
escola do aluno ou orientam o acompanhamento de professores particulares. Seis profissionais
disseram que para este tipo de queixa não oferecem atendimento às crianças, mas atendem os
pais em grupos de orientação. Três relataram inserir as crianças em atendimento de grupo,
caso percebam a questão emocional também associada. Para exemplificar como os
encaminhamentos são efetuados nessa devolutiva, vejamos o discurso de algumas das
entrevistadas:
"Se é um caso que a gente percebe que tem uma questão emocional envolvendo, então
vai para a psicoterapia. Se não, fica a mãe na orientação e eu peço também pra mãe ir
observando se tá havendo melhora, se tá tendo
alguma mudança, e nesse grupo de orientação
10
Por não haver contato com a escola, a devolutiva é realizada somente com a fa
mília.
109
ir relatando as coisas, né? Então depende muito do que foi percebido no
psicodiagnóstico".
"Quando está associado, a gente atende, porque nós trabalhamos com o problema
emocional. Agora, se for só problem
a de aprendizagem, a gente não atende não".
"Se é um problema de aprendizagem, a gente tenta orientar a mãe para procurar
novamente a escola, para pedir auxílio à escola, porque não é nosso papel, pelo menos o que
a gente percebe é que a gente não pode e
star atendendo esta demanda. Se a gente for atender
toda criança que aparece com problema de aprendizagem, a gente estaria atendendo só
problema de aprendizagem".
Apenas uma psicóloga relatou atender em grupo de crianças este tipo de queixa, e
consideram
os tal conduta muito interessante, pois a profissional se coloca de imediato
disponível para o atendimento. Após a avaliação, insere a criança com problemas de
aprendizagem, no grupo de crianças com queixas diversas. Utiliza histórias, desenho e teatro,
visando explorar a expressão da criança. Existe uma preocupação de trabalhar os conteúdos
emocionais que possam estar dificultando o processo de aprendizado, mas de qualquer forma
observamos que essa psicóloga, sem se dar conta, também inclui os conteúdos e
scolares,
quando busca os acontecimentos vividos na escola. Ela diz:
"Ao invés de você ler a historinha, ele pra você, que vai aproveitando os
conteúdos emocionais com os itens da leitura, da escrita... às vezes eu peço pra fazer uma
redação,
tipo assim: agora eu quero que você faça uma redação de como você hoje na
escola e como você estava".
Três profissionais disseram atender as famílias de crianças com queixas escolares no
grupo de Orientação a pais, pois isso é sugerido pela Coordenação do Serviço de Saúde
Mental do município. Essa demanda não é considerada prioridade do serviço, mas, como é
110
muito grande, encaminha-se a família para o grupo para que não fique sem atendimento.
Como ressalta uma entrevistada:
"Segundo a coordenação de saúde mental, o ambulatório deve privilegiar os mais
graves para atendimento, principalmente os adultos. Então nós não vamos realizar atividades
com as crianças, né, o máximo que a gente faz é uma ou duas sessões de avaliação pra gente
saber se a criança realmente pode ser encaminhada, por exemplo, para a Universidade, e né,
ou questão de uma orientação psicopedagógica que nós não temos pra onde encaminhar. O
máximo que a gente pode fazer é um grupo de pais, que é o que é sugerido pela nossa
coordenadora".
Os grupos de pais, não são específicos para as dificuldades de aprendizagem, pois os
componentes possuem queixas diversas. As entrevistadas acreditam que a orientação à família
é fundamental, uma vez que os pais estão muito ausentes e é preciso resgatar a afetividade
durante os encontros, o que reitera a ênfase dada ao "emocional". As psicólogas contaram que
no grupo discutem alguns temas como limites, como lidar com a criança hiperativa,
dificuldades de atenção, a participação dos pais na escola, como auxiliar as crianças nas
tarefas e de que forma estimulá-las. Tais temáticas giram em torno da criança e da família,
sem possibilitar discussões que abordem o papel social da escola na constituição da queixa.
Confirma isso o relato dessa psicóloga:
"A gente trabalha muito positivo no grupo de pais, porque assim, a gente que eles
vêm com tanta coisa negativa do filho pra eles, que é como se o filho fosse um problema,
né, o filho. Então a gente procura fazer essa coisa do positivo, para tentar resgatar e
ssa
coisa da afetividade, né, resgatar as relações familiares, de mãe e filho".
Dessa forma, como discutido no item (B) dos procedimentos avaliativos, a família
fica sendo responsável pelas dificuldades escolares. Nos atendimentos oferecidos não um
a
interligação com a escola. Isso fica explícito nas seguintes considerações:
111
"A criança vai demonstrar na escola um problema que ela vivendo em casa, às
vezes no lugar que ela colocada, e se o é bem o que corresponde, às vezes a criança é
muito
alvo da doença da família, né, da desestrutura familiar e isso vai aparecer na escola
mesmo. É difícil mesmo, avaliar se é um problema escolar, se um problema escolar que é
secundário a um problema clínico".
"Porque muitas vezes é o tipo de atendimento, tipo de educação, o cuidado que
sendo oferecido pra essa criança, às vezes ele é um cuidado que não sendo adequado pra
essa fase da criança, pro momento que ela vivendo, pro que ela solicitando naquele
momento de enquanto retaguarda, né, enquanto meio ambiente, enquanto limite. Então a
gente faz um grupo de pais, pra orientação aos pais".
Quando as crianças com queixas escolares vão para o atendimento, são colocadas, na
maioria das vezes, em grupos que reúnem queixas diversas, assim como nos grupos de pais.
De acordo com a grande parte das respostas, nesses atendimentos não são trabalhadas
especificamente as questões escolares, e os profissionais reclamam da falta de materiais e de
conhecimento para enfocar as questões pedagógicas: "Tento ver a parte emocional, porque a
impotência da parte pedagógica é meio grande".
Em dois depoimentos, observamos que as psicólogas discutem e tentam refletir com a
criança sobre a importância de aprender, de freqüentar a escola e sua responsabilidade nisso.
No trecho abaixo, isto fica evidente:
"A gente vai orientar a criança, como que ela pode estar fazendo pra poder melhorar,
melhorar a aprendizagem. Então é orientar a criança, colocar o prazer, a alegria de estar
numa escola, o que tem de bom ali, também, é orientar a criança pro que é da parte dela, ela
pode fazer melhor".
112
Algumas entrevistadas enfatizam que deveria existir um local na rede pública, externa
ao ambulatório, para onde pudessem encaminhar essas crianças, pois consideram que mesmo
que
seja feito o trabalho com os pais, é necessário que as crianças possam ser atendidas por
especialistas, no caso um psicopedagogo. Assim descrevem essa necessidade:
"Tenho trabalhado o emocional e a parte pedagógica não tem como trabalhar, mas eu
sinto falta desse tipo de trabalho na rede, porque assim não tem como você trabalhar sem
uma estrutura, né, não tem como".
"E a criança vai sendo orientada por eles [pais], mas o trabalho deveria ser feito ali,
no caso, seria um trabalho psicopedagógico né, e aq
ui no ambulatório não tem e, assim, acho
que nem deveria oferecer, porque a psicopedagogia é diferente da clínica".
Nesses relatos, percebe-se uma concepção de que para atender as crianças que chegam
ao setor de psicologia com queixa escolar é necessário ter uma especialidade, dispor de
materiais diferenciados. Essa estrutura, de acordo com esses dizeres, o ambulatório de Saúde
Mental não possui, pois esse lugar é da clínica, da psicoterapia, e a queixa escolar não se
encaixa nesse modelo de atendimento oferecido. Essas crianças são consideradas
diferenciadas, e algumas psicólogas entrevistadas entendem que deveria existir um lugar
específico para elas.
Diante disso, percebemos um sentimento de inaptidão, de dificuldade por parte das
entrevistadas. O discurso de que a queixa escolar não deve ser atendida pelos ambulatórios de
psicologia parece ter engessado as pessoas, no sentido de ficarem mobilizadas diante dessa
demanda. Constatamos uma preocupação com essa demanda, sobre o que fazer com ela, mas
a prerrogativa de que este não é um lugar para essas crianças reforça o sentimento de
incapacidade dessas profissionais. O relato abaixo demonstra essa inquietação:
113
"E se eu percebo que é mesmo escolar o problema, a orientação é brevíssima,
então eu vou oferecer essa oficina para as crianças concomitante ao grupo de pais. A gente
tenta não deixar a criança, de maneira alguma, sem o atendimento, por mais que seja breve,
ou uma orientação brevíssima, é o que a gente tenta fazer".
Acreditamos que o trabalho de orientar as famílias e as crianças é muito válido, pois
muitas vezes os pais ou responsáveis ficam angustiados, ansiosos, com muitas dúvidas
perante as queixas advindas da escola. Por outro lado, não basta oferecer qualquer tipo de
atendimento, como um subterfúgio filantrópico, porque alguns pais culpabilizam as crianças
pelo fato de não aprenderem e compactuam com a escola, depositando as falhas nos filhos.
Nesse sentido, é preciso refletir junto à família acerca dos acontecimentos que podem estar
afetan
do ou trazendo prejuízos para o andamento do processo de aprendizagem, considerando
que tais acontecimentos envolvem também as relações com a instituição escolar, buscando
resgatar o direito que possuem enquanto cidadãos a um ensino de qualidade, em uma es
cola
onde possam ser ouvidos e participar do que está acontecendo na escola, na sala de aula, no
relacionamento do professor com os seus filhos.
Contudo, esse questionamento não é realizado, pois parte-se sempre da premissa de
que o problema está na famíl
ia, e que o sintoma do não aprender está diretamente ligado à sua
desestruturação. Essas generalizações trazem como conseqüências o estigma das crianças, o
rótulo das famílias, o que Ryan (apud MOYSÉS & COLLARES,1992) denomina de
"culpabilização da vítima". É importante que as entrevistas devolutivas sejam repensadas
pelos psicólogos da rede pública de saúde, de maneira a possibilitar uma compreensão mais
ampliada da queixa escolar por parte da família e permitir que esta retorne à escola munida de
mais ele
mentos para refletir sobre a situação da criança.
114
D-
Formação do psicólogo
Quando foi questionado à entrevistada se a sua formação teria fornecido condições
para atendimento da queixa escolar, 90% das respostas relataram que sua graduação não lhes
dera
suporte para atender a esta demanda.
A grande maioria das psicólogas declararam não se sentir aptas para atender essas
crianças e também reclamaram da falta de recursos nos ambulatórios, como testes, materiais
como jogos, brinquedos, papel sulfite, lápis
de cor, entre outros, além da falta de espaço físico
e de tempo. Assim, as psicólogas sentem que saem da faculdade sem instrumentos para
avaliar, atender e entender as crianças com dificuldades de aprendizagem. Como demonstram
as palavras de uma entrevista
da:
"Então, a gente faz algumas coisas na escola, mas eu não acho que seja muito
aprofundado, acho que nós não saímos de com instrumento para avaliar bem estas
crianças, eu pelo menos sinto isso".
Em outras respostas, as entrevistadas pontuam que o ensino da faculdade é em grande
parte voltado para a clínica, ou seja, para o atendimento psicoterapêutico de consultório, como
se no seguinte relato: "Na faculdade você entra sabendo se você vai ser psicólogo
clínico, escolar ou organizacional, mas grande parte da faculdade você se prepara para o
psicólogo clínico".
E dez entrevistadas acreditam que para atender crianças com problemas de
aprendizagem, é necessário fazer uma pós-graduação, uma especialização na área escolar.
Como exemplifica esta fala:
"Acho que a formação é insuficiente para atender essas crianças,
precisaria fazer uma especialização na área para ter conhecimento específico".
115
Esses relatos, em nosso modo de ver, m ao encontro do que diversos teóricos
discutem e que demonstram em várias pesquisas (LO BIANCO et. al., 1994; SILVA, 1992;
SOUZA, 1996; CABRAL & SAWAYA, 2001; MEIRA, 2003): a formação do psicólogo
prioriza o profissional liberal em uma visão em que o sujeito é "analisado", pinçado, retirado
de seu contexto social.
Nas respo
stas das entrevistas fica evidente o quanto o modelo essencialmente clínico é
enfatizado durante a graduação, como pudemos perceber no tópico referente à avaliação
utilizada para o psicodiagnóstico desses casos. uma grande dificuldade em transpor essa
"clínica", num sentido mais amplo, para o ambulatório de Saúde Mental. O psicólogo
formado segundo a visão referida acima, assume a identidade, o perfil profissional de curar e
prevenir patologias, em caráter terapêutico. De acordo com o discurso das participantes da
nossa pesquisa, parece que ao longo do curso são pouco abordados /estudados o papel do
psicólogo dentro das instituições públicas, o trabalho com a comunidade, técnicas utilizadas
com grupos etc. As mudanças são emergentes, haja vista que este profissional tem sido
amplamente procurado por diversas instâncias para, por exemplo, compor equipes
multidisciplinares para o trabalho com a comunidade, no caso do programa de saúde da
família.
As entrevistadas desta pesquisa, de forma geral, enfatizam sua incapacidade para o
atendimento de crianças com queixas escolares. Em suas concepções consideram que este tipo
de caso é para o profissional da educação ou para o psicopedagogo. Fazem uma separação: o
psicólogo deve atender o fator emocional e o especia
lista em educação é quem deve investigar
as questões escolares. Essa cisão é evidenciada nos seguintes depoimentos:
"Então eu acho que a Secretaria da Educação deveria investir nisso, né, eu acho que,
como eu te disse, a gente tem procurado dar conta do recado, atendendo as questões
116
emocionais, né, eu acho que a Secretaria da Educação deveria assumir, acho que a
psicopedagogia é uma coisa muito importante".
"Eu acho que trabalhar o problema, mesmo, em si, a..., a criança não consegue fazer
a letra tal,
tudo isso: dislalia, dislexia, tudo isso que eu nem sei o que é direito, eu acho que a
gente não pode mesmo, nem se meter, porque você tomando o espaço de um outro
profissional, que na verdade seria o pedagogo, né, ou um psicólogo ou pedagogo com
especialização em psicopedagogia".
Em uma outra resposta, uma entrevistada disse que sua formação não lhe propiciou
condições para o atendimento não só de crianças, mas da clientela do serviço público. Isso nos
remete à discussão de Lo Bianco et al. (1994) em sua pesquisa, quando afirma que a
graduação em psicologia deveria fornecer conhecimentos sobre saúde pública, funcionamento
desses serviços, políticas de saúde e reflexões acerca do papel do psicólogo neste contexto.
Pensamos que, muitas vezes, a teoria fica distante da realidade do futuro profissional, e que é
preciso pensar em adequar os métodos e técnicas à realidade do exercício da profissão, já que
o serviço público constitui um grande mercado de trabalho que a cada dia solicita o psicólogo
para
compor as equipes técnicas de saúde. Desse modo entendemos que os cursos de
psicologia necessitam, com urgência, de adequações neste sentido.
Apenas em uma resposta, uma psicóloga afirmou que está preparada para atender essas
crianças:
"apesar de não fazer uma avaliação específica da queixa escolar, porque não fiz
pós
-graduação nessa área, sinto que consigo entender como essa criança funciona". Nesse
relato, percebemos que ela tenta compreender, ouvir a queixa, o que é interessante, pois
coloca
-se disponível para fazê-lo. Contudo, salienta que necessitaria de um maior
conhecimento para avaliar essas crianças e que este deve ser buscado nos cursos de
especialização.
Acreditamos que o curso de pós-graduação é essencial para o aperfeiçoamento
profissional, incluindo a importância da pesquisa, mas consideramos que a graduação deveria
117
propiciar o conhecimento instrumental básico para que o profissional egresso da faculdade
tivesse a compreensão do indivíduo em seus diversos contextos, ou seja, um profissional
capaz de desenvolver e aplicar modelos alternativos de trabalho de acordo com a realidade da
clientela e da instituição.
Portanto, a questão não é meramente técnica e material, mas conceitual. Não basta
apenas saber como avaliar a queixa escolar, é necessário compreender os modos pelos quais
ela é socialmente constituída e o papel ideológico da intervenção do psicólogo, quando este
reproduz a visão naturalizante de homem ainda vigente em muitas instituições.
E-
Concepções sobre o problema de aprendizagem
Na análise desta questão sobre o que as psicólogas acreditam que seja problema de
aprendizagem, chama-nos a atenção o fato de que em sua grande maioria, as entrevistadas
relacionam o problema exclusivamente à criança. As respostas trazem as seguintes d
escrições
das possíveis causas:
a)
"a criança está com dificuldades no processo de alfabetização";
b)
"dificuldades de socialização na escola";
c)
a criança pode ter alguns problemas físicos:
"visão", "audição";
d) "problemas emocionais que atrapalham a aprendizagem";
e) dificuldades de ordem cognitiva: "raciocínio", "assimilação", "troca de letras na escrita
e/ou fala", "compreensão de textos", "na matemática" e na noção espaço
-
temporal";
f) "
déficit na memorização" e "falta de atenção";
g)
"a criança não estuda, não gosta";
h) "
existe um atraso no desenvolvimento da criança";
i)
"problemas neurológicos";
118
j)
"a criança é repetente, já apresenta dificuldade para aprender";
k)
"a criança está desmotivada", "ansiosa" ou "agressiva".
Tais aspectos são amplamente encontrados na fala das psicólogas, sendo que alguns
deles traduzem suas concepções, aquilo que acreditam constituir o problema de aprendizagem
escolar. A grande incidência desse modo de ver a questão evidencia o quanto a criança é
responsabilizada por suas próprias dificuldades. São muito freqüentes as colocações de que a
criança possui dificuldades na compreensão, isto é, de que ela apresenta algum déficit e este
dificulta seu desenvolvimento. Isto fica evidente nestes trechos dos depoimentos das
entrevistadas:
"Eu entendo como problema de aprendizagem é quando a criança realmente
apresenta dificuldade, né, para desenvolver, quando começa no processo de alfabetização,
né, da leitura, da escrita, quando ela troca alguma letra, quando ela realmente não
consegue".
"A criança tem muita dificuldade na matemática e muita dificuldade também na
questão da compreensão do texto".
"É aquela criança que não consegue estar retendo aquilo que tá sendo passado. Ou às
vezes por um déficit de memória, ou às vezes até auditivo, né, visual, ela não consegue é...
transmitindo aquilo que aprendeu".
"Eu acho que problema de aprendizagem escolar é a repetência, para mim é um
problema de aprendizagem, né, a criança desmotivada nas tarefas, na escrita, na leitura, na
falta de atenção, no roer unha, no fica
r agressiva, então tudo pra mim é queixa escolar, tá?".
É também muito marcante a concepção de que o problema de aprendizagem constitui-
se como um sintoma, e o que está por detrás são dificuldades de ordem emocional, na
estrutura psíquica da criança.
119
"O problema de aprendizagem é um sintoma de que alguma coisa não vai bem, né, e
ela começa a apresentar isso que infelizmente vem em sala de aula, então eles vêm com a
queixa de problemas de aprendizagem, mas não é só isso. Ou às vezes esse problema é só u
m
sintoma, o que está causando são outros tipos de problemas relacionados à afetividade,
relacionamento e limite".
"Os problemas estão ligados a questões do desenvolvimento da criança: se teve
dificuldades para andar, pra falar, se teve problema no parto, alguma gestação difícil, e
pode ser que tenha alguma coisa mais neurológica".
Em outras respostas, a família é tida como a responsável pelas dificuldades dos filhos,
sendo por várias vezes citada, acompanhada de algumas destas descrições:
a) as dificuldades de aprendizagem são referentes a problemas de ordem familiar: separação,
déficit nas relações afetivas, alcoolismo paterno;
b) falta estímulo em casa;
c)
a família não acompanha as tarefas, é ausente, não vai à escola.
O que tem sido denunciado por diversos autores também se confirma em nosso
presente estudo: a tendência em acreditar que a maioria das causas dos problemas de
aprendizagem está localizada nas crianças e em seus pais. Como destaca Souza (1997, p. 31)
A adesão dos psicólogos ao modelo psicologizante ou medicalizante do
atendimento à queixa escolar é um fato. Ela é reflexo de uma visão de
mundo que explica a realidade a partir de estruturas psíquicas e nega as
influências e/ou determinações das relações institucionais sobre o psiquismo,
encobri
ndo as arbitrariedades, os estereótipos e preconceitos de que as
crianças das classes populares são vítimas no processo educacional e social.
Em diversos depoimentos, o olhar está nas crianças e em suas famílias, na firme
concepção de que existe algo que precisa ser reajustado nesta relação. Acreditamos que, sem
dúvida, é preciso investigar essas instâncias, porém o que tais respostas nos indicam é que a
relação da criança com a instituição escolar é pouco considerada quando não totalmente
120
desconsiderada
(como vimos no item referente aos procedimentos avaliativos). Salientam as
psicólogas desta pesquisa:
"Sempre tem alguma coisa na família que precisa ser ajustado. Então, muitas vezes eu
imagino assim, que o problema não está na criança sozinha, não, em geral tem a ver com
alguma coisa a mais que está acontecendo com a família, certo?"
"A criança vai demonstrar, na escola, um problema que ela vivendo em casa, a
criança é muito o alvo da doença da família, né, da desestrutura familiar e isso vai apare
cer
na escola mesmo".
"Esse é um problema que a criança está vivendo, tá? É uma crise de desenvolvimento,
por circunstâncias familiares que ocorreram".
"Na situação familiar mesmo, a gente percebe que está dentro de casa mesmo. Eu
percebo que uma situação familiar, na dinâmica familiar, mães que não têm critério para
por limites porque a maioria fica fora, deixa o filho sozinho, abandona".
A escola é mencionada por oito entrevistadas (50% da amostra) como uma instituição
que pode estar contribuindo para reforçar de alguma forma as dificuldades de aprendizagem
dos alunos. Nas respostas, os problemas escolares aparecem relacionados à formação de
professores, que consideram deficitária, e a uma certa dificuldade deles em lidar com as
crianças. Destacam-se ainda a questão do rótulo que a escola coloca nos aluno e o
empobrecido vínculo entre professor e aluno.
A rotulação aparece em algumas respostas como algo destrutivo, levando as crianças a
se sentirem realmente incapacitadas, pois os professores acabam desistindo de ensiná-las e,
então, encaminham-nas para o psicólogo, porque são tidas como "problemas". É interessante
como uma psicóloga refere
-
se à questão:
121
"Existe mostrar ali o rótulo, aí de fracassado, né, o fracasso escolar, que aí realmente
a criança não consegue sair do lugar, como ela é vista por todos ali, até o professor desiste
mais ou menos da criança, porque ela é fracassada mesmo, né; então não tem jeito de sair
do lugar".
Há também apontamentos sobre a conduta da escola, destacando
como, de certa forma,
esta possui dificuldades em estar com as crianças. As psicólogas questionam as metodologias
de ensino, sugerindo que elas têm-se mostrado ultrapassadas, não condizentes com o
momento atual, com a realidade do aluno e, dessa forma, não fazendo sentido para eles. Isto
nos remete às reflexões de alguns autores, como Patto,1992; Sawaya, 2002 e Bock, 2003,
quando dizem que muitas vezes a escola não é adequada aos hábitos, às crenças, à cultura e
às habilidades das crianças. A respeito disso, as falas de duas entrevistadas são ilustrativas:
"Na maioria, eu percebo que é dificuldade da escola, sabe, às vezes a escola não sabe
lidar com a criança".
"Raras vezes quando você faz um psicodiagnóstico e tal, né, organizado, tem
realmente uma dificuldade no sentido, por exemplo, um déficit de inteligência ou de atenção
ou memória. Às vezes, a gente faz jogos de memória e a criança tem uma memória superboa,
né, tem atenção, e tal; eu penso que o problema de aprendizagem tem dois lados: a
dificuld
ade da criança, por algumas questões, mas tem uma dificuldade da própria escola em
lidar com essa criança de hoje, que é um pouco diferente daquela educação formal, passada.
Eu penso que, talvez, a escola não tenha ainda se atualizado muito em muitas coisa
s".
Ainda com relação à escola, algumas psicólogas questionam o vínculo entre professor
e aluno, pois sentem que parte das crianças que chegam para atendimento têm medo de seus
professores. Isto porque os alunos não são ouvidos, os limites são rígidos e
duramente
impostos, o educador se mostra muitas vezes uma figura autoritária, o que pode favorecer a
122
desmotivação dos alunos na medida em que não espaço para a expressão. Ressaltam as
entrevistadas:
"Eu vejo que, assim, muito, muito, vários mesmo, um grande número de problemas de
aprendizagem estão muito ligados à relação da criança com o professor, mas por causa do
discurso do mestre com a escola, mesmo, com o lugar em que é colocada na escola como a
liberdade dela é cerceada [...] E o que acontece na maioria das escolas é que existem limites
mil para crianças e não existe nada para os adultos".
"Muitos casos que chegam para nós, a gente muito isso, né, às vezes uma
professora muito autoritária, né, que a criança tem até medo. Então, eu vejo assim, que essa
parte, tem uma questão individual, né, que a criança tem aquilo que não consegue
explicar[...] Eu vejo que de estrutura escolar mesmo, da forma que está sendo colocado, em
algumas escolas, né, do incentivo, da motivação de tá ali".
Neste tópico, os números são significativos para o nosso estudo pois revelam as
concepções das entrevistadas em relação à queixa escolar. Das 16 que compõem o grupo
pesquisado, seis consideram que o problema de aprendizagem está relacionado à criança e
suas famílias, três acreditam que o problema tem ligação com a criança e a escola e três
apontaram somente a criança como responsável pelas próprias dificuldades. Estes dados
mostram que, na maioria das vezes, apenas a criança e sua família são citadas para explicar a
s
dificuldades de aprendizagem.
Entretanto, temos que quatro psicólogas, em suas respostas, disseram entender que o
problema de aprendizagem envolve as três instâncias: a criança, a família e a escola. Essas
profissionais demonstram a compreensão de que é necessário buscar todos os que estão
envolvidos na produção do encaminhamento da criança para o atendimento psicológico. Elas
declaram:
123
"Então, para mim, o problema de aprendizagem é um problema de escolarização que
envolve não a criança, mas a criança, a escola, a família. E, por isso, não tem que ser
resolvido pegando a criança. Eu acho que pode ajudar a atender aquela criança, orientar
a família, mas o problema está dentro de um contexto, não tem como você trabalhar a
criança e não mexer com aquilo que ela está vivendo. Sabe, de ir à escola, conversar com a
professora, de conversar com a família, né, com os amiguinhos".
"Tem uma questão individual, que é da criança, que tem aquilo que a gente não
consegue explicar, e muitos casos chegam para nós, de professores muito autoritários[...]
Existe uma estrutura familiar de pais alcoólatras, violentos, a casa com brigas e confusões. E
a pressão na hora de fazer a tarefa, a mãe que não tem paciência. Tem também a falta de
limites, criança que não te
m limite, faz o que quer na hora que quer".
"A escola, muitas vezes, coloca coisas das crianças que, no contato com elas
percebemos que aquilo não existe. A família algumas vezes não sabe lidar com as crianças,
as culpam e não tem paciência; outras vezes
existe dificuldades que são das crianças, ligadas
ao seu desenvolvimento ou personalidade".
No discurso destas psicólogas percebemos a concepção de que é preciso investigar as
relações da criança com a escola. Analisando seus depoimentos como um todo, d
etectamos
que muitas vezes há, sim, a compreensão de que a escola também deve estar envolvida no
processo; porém, quando indagadas a respeito das avaliações das queixas escolares, as
mesmas declaram que não se sentem aptas ou que o ambulatório não é responsável por
avaliar e atender esse tipo de queixa. Em alguns momentos, percebemos que encontram
dificuldade em realizar esta avaliação. No item que trata da formação, elas nos falam da falta
de conhecimentos e instrumentos para lidar com estas crianças, e o
utras vezes, parece
-
nos que
sabem que é necessário o contato com a escola, mas pensam que não é o ambulatório de
Saúde Mental que deve realizar este atendimento, por não ser caso para ele (quando fazem a
distinção entre queixa escolar e queixa emocional).
124
uma outra reflexão importante a ser feita, pois, das quatro que responderam que a
queixa escolar envolve a família, a criança e a escola, três são recém-formadas (de um a dois
anos). Este é um dado importante, pois aponta algumas mudanças que estão ocorrendo na
universidade, durante a graduação, como o contato dos estudantes com textos de autores com
uma visão mais crítica a respeito da área escolar. Duas entrevistadas destacam que uma
professora da área escolar trouxe reflexões sobre o atendimento do problema de
aprendizagem, que considera a criança inserida no contexto de sua realidade social. Como
relata uma psicóloga:
"Tive uma professora que falou de avaliação qualitativa, do problema de
aprendizagem que envolve muito mais que a criança, como a família, a escola, a forma com
que a escola vê aquela criança, né, como que ela lida com o problema".
Neste sentido, a concepção das psicólogas em relação à queixa escolar está
diretamente relacionada com a sua formação e reflete-se também na concepção e
procedimentos utilizados e no próprio discurso da instituição de saúde mental sobre o papel
do psicólogo dentro dos ambulatórios. Pode-se pensar nas questões aqui focalizadas como
integrantes de uma rede, em que se vinculam e interpenetram as práticas cotidianas dos
psicólogos no serviço público, as aulas e estágios durante os anos de graduação e pós-
graduação, os currículos dos cursos de psicologia baseados em Diretrizes Nacionais e a
maneira como estes currículos são trabalhados. Aquilo que o psicólogo
faz (ou deixa de fazer)
quando está diante de uma queixa escolar pode ser pensado como uma breve cena no espaço
do serviço público (ou particular), que nem sempre explicita tudo o que ocorre (e ocorreu) nos
bastidores espaço
-
temporais.
125
F-
O Psicólogo e
a Escola
F.1
-
Demanda e encaminhamentos
As entrevistadas foram unânimes em afirmar a existência de uma demanda de crianças
com queixas escolares nos ambulatórios de psicologia e que esta clientela é realmente grande.
Quanto à procedência desta demanda, a grande maioria das psicólogas (12) afirmaram que as
crianças são encaminhadas pelas escolas, e por meio de relatórios que indicam a necessidade
de atendimento psicológico.
Duas profissionais disseram que as crianças são encaminhadas sem um documento, a
professora ou a supervisora escolar pede para que a família procure uma ajuda psicológica.
Em outras duas respostas, as entrevistadas relataram que duas supervisoras foram
pessoalmente conversar com elas, levando diversos casos para discussão e solicitando
atendimento e avaliação. Três psicólogas citaram que o pediatra, embora mais raramente,
também encaminha pacientes, e o Conselho Tutelar é apontado por duas entrevistadas como
uma instituição que solicita atendimentos e o faz por escrito.
Quatro psicólogas mencionaram que existem casos em que a família busca
espontaneamente o setor, com a queixa de que a criança está com dificuldades de
aprendizagem. Por fim, uma única psicóloga relatou uma solicitação de avaliação feita por
telefone em que a diretora de uma escola pedia atendimento psicológico para algumas
crianças que não conseguiam aprender.
As psicólogas explicaram que os encaminhamentos feitos por escrito pelas escolas
seguem um formulário padrão em papel timbrado, com o nome da instituição de ensino, e no
qual a professora, supervisora ou diretora descrevem a(s) queixa(s) relativas à criança,
constituindo
-se em um pequeno relatório. As entrevistadas relataram as seguintes queixas
mais apresentadas pelas escolas:
126
" aluno com problemas de aprendizage
m"
"é avoada"
" indisciplinada", "não tem limites"
"criança apresenta comportamento agressivo dentro da sala"
" conversa demais na sala de aula"
"criança apresenta déficit de atenção"
"hiperativa"
" briga com colegas e com o professor"
" problemas de concentração"
" não memoriza"
" dificuldades de raciocínio"
"não faz cópias", " não lê"
" dificuldades de relacionamento"
"não consegue ficar no horário"
" é repetente"
Segundo as psicólogas, geralmente as escolas apontam algumas destas características
dos alunos, e a grande maioria solicita avaliação e atendimento psicológico. No momento da
entrevista, foram mostrados alguns encaminhamentos recebidos para exemplificar. São
bastante parecidos: acima da folha constam os dados pessoais da criança (nome, nome dos
pais, série), em seguida vem a queixa, depois o que parece ser um resumo da vida escolar do
aluno, e abaixo a solicitação da escola assinada por um ou dois profissionais da instituição.
Uma psicóloga sintetiza:
"As escolas, em geral, têm o formulário, elas preenchem o nome da criança,
colocam a queixa, né, coisas que é (sic) do atendimento psicológico, solicitam atendimento".
As queixas mais citadas pelas psicólogas como advindas das escolas são a indisciplina
em sala de aula, a hiperatividade e as dificuldades na aprendizagem. Analisando essas
127
queixas, acreditamos que as atitudes dos alunos, de suposta rebeldia ou problemas de
comportamento, estejam diretamente relacionadas à reação a possíveis regras estabeleci
das
pelo professor em sala de aula, às quais as crianças precisam adaptar-se e/ou submeter-se. A
respeito disso Souza (1996, p. 191) escreve:
A imagem que nos vem é a de um "aluno-padrão", cujas atitudes não
deveriam "pender" nem para aquele que briga, nem para uma criança calada,
que não reage aos colegas. Qualquer criança que se afaste do eixo da
"normalidade" é considerada como um problema que merece tratamento.
Concordamos com a autora quando diz que as crianças que fogem da normatização
traçada pelos educadores acabam por serem encaminhadas para psicólogos; talvez por isto a
demanda por atendimento infantil nos serviços de Saúde Mental seja tão alta. Em uma
pesquisa realizada com professores, Moysés e Collares (2001) constataram que a maior parte
dos
entrevistados acreditavam que os problemas de aprendizagem estavam diretamente
relacionados a problemas emocionais ou neurológicos das crianças. Isto é, aquele aluno que
apresenta dificuldades escolares necessita de tratamento, pois o problema está localiz
ado nele;
as questões referentes ao cotidiano da escola foram raramente consideradas, como
averiguaram as autoras.
As dificuldades para aprender parecem estar ligadas ao processo de alfabetização, haja
vista que as psicólogas em nossa pesquisa apontaram que a escola enfatiza, em diversos
encaminhamentos, dificuldades de leitura e escrita. É necessário refletir se as situações
consideradas "problema" estão relacionadas aos percalços que a criança enfrenta no processo
de aprendizagem da estrutura e dos mecanismos da língua. Para Azenha (2003), a omissão de
letras tantas vezes citadas nos encaminhamentos, não significa necessariamente que a criança
esteja errando e, sim, demonstra o que naquele momento ela pensa a respeito da escrita das
palavras; ao agir assim, a criança mostra que possui hipóteses sobre o sistema da escrita. A
referida autora considera que o trabalho de Ferreiro & Teberosky retira o caráter patológico
das interpretações, que se faziam das primeiras produções da criança, e enfatiza:
128
Saber que para o iniciante a relação entre letras e sons não é óbvia, que
existem critérios formais quanto ao mínimo e à variedade de letras, ajuda a
compreender por que determinadas crianças têm dificuldades para aprender
as vogais e as primeiras lições manuais de ensino. Saber que os primeiros
registros da sílaba oral são feitos apenas com uma letra, à qual se agrega
posteriormente outras, leva à interpretação destes fatos como eventos
naturais do percurso. Na verdade, estes são erros necessários à aprendizagem
e indicadores do caráter construtivo deste conhecimento, ao invés de indicar
a existência da patologia (AZENHA, 2003, p. 96).
Vygotsky (1988, p. 133) considera que a escrita é fundamental no desenvolvimento
cultural da criança. Para ele, a leitura e a escrita devem ser consideradas como algo de que a
criança sinta necessidade, que tenha significado para ela; caso contrário, se seu ensino for
essencialmente mecânico, o aluno ficará desinteressado. O autor faz uma crítica ao fato de
que, em algumas escolas, "a escrita é ensinada como uma habilidade motora e não como uma
atividade cultural complexa", uma vez que para ele "a escrita deve ser relevante à vida".
Desse modo, é preciso levar as crianças a entender sua importância, fazer sentido para elas e
ser apresentada dentro de sua realidade, como, por exemplo, em situações de brincadeiras.
Vygotsky (ibid.) resume: "o que se deve fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita, e não
apenas a escrita de letras".
O que os relatórios das escolas nos revelam, em sua grande maioria, é que as
dificuldades são atribuídas às crianças: elas que não aprendem, são desobedientes, possuem
algum déficit. Os processos de escolarização não são apresentados nos encaminhamentos, o
problema está no aluno, e a escola requer que o ps
icólogo resolva a situação assepticamente.
Ao nosso ver essas queixas indicam dificuldades de ensinar ou mesmo um
desconhecimento dos meandros do processo de alfabetização, sendo que a falta de atenção,
concentração e memória apontados sinalizam também a expectativa dos profissionais da
escola em relação à forma como acreditam que a criança deva aprender. Tarefas mecânicas,
repetitivas e pouco significativas para o aluno levam à distração, desatenção e desinteresse e,
129
assim, a repetência torna-se conseqüência: esta que é por vezes citada como queixa pelos
educadores.
O mau comportamento, por sua vez, reflete dificuldades no estabelecimento de regras
no cotidiano escolar, indicando o desacordo dos limites impostos. Segundo Souza (1996, p.
185), a apatia e a agressividade são demonstrações desse embate, "nos revelam o não saber
como lidar com aquelas crianças que não conseguem cumprir os "combinados", que não
sabemos até que ponto são de fato explicitados em sala de aula, ou se encontram implícitos
nas ações
pedagógicas do professor".
Retomando a questão dos encaminhamentos, um dado interessante
é o número de psicólogos que disseram que os encaminhamentos são feitos por escrito,
condizendo com 14 psicólogos. O que sugere que a escola, de certa forma, quer garantir que
a criança seja atendida, e que o psicólogo tenha conhecimento das dificuldades de
aprendizagem que o aluno está apresentando, ou como ele está se comportando na escola e,
ainda, de que forma ele é visto pela instituição - o que fica evidente quando descreve as
características discentes no encaminhamento.
As queixas relatadas pela escola demonstram o entendimento de que o problema está
no aluno, uma vez que a criança apresenta diversas dificuldades para aprender e se comportar
adequadamente no ambiente escolar. Dessa forma, parece que os educadores sentem-
se
incapazes
de lidar com tais situações, com aqueles alunos que consideram ter algum déficit,
por não acompanharem a turma ou mesmo por não conseguirem ficar o tempo todo quietos ou
atentos. Embora tal discussão escape aos limites do presente estudo, destacamos que é
fundamental que os professores revejam e repensem suas aulas, métodos e concepções de
ensino e de aprendizagem. Como afirma Dickel (1998, p. 62);
não se trata de buscar a escola que se repete em todos os lugares, mas de
uma escola onde haja condições para que essa criança seja percebida em
suas necessidades, onde tenha a oportunidade da fala, onde seja incorporada
ao processo pedagógico, deixando nele as suas marcas.
130
Considerando
-se a elevada demanda por atendimento de queixas escolares, tal fato
pare
ce refletir um desinteresse ou desmotivação das crianças em estar na escola. Esta reflexão
também deveria ser feita pela instituição: como tem sido o dia-a-dia nas salas de aulas, se a
forma de ensino tem sido significativa para as crianças. Não queremos aqui dizer que a escola
é a única responsável pelas queixas escolares, mas que é necessário refletir acerca desses
problemas, que o número de encaminhamentos é muito alto. Uma psicóloga entrevistada
relata sentir que a escola culpabiliza a criança:
"En
tão, sempre trazendo esta queixa, contando a queixa da criança, a razão, a causa
realmente de tudo é na criança, eles não importam se está acontecendo alguma coisa na
escola, relação professor
-
aluno".
Em duas respostas, as entrevistadas criticam os encaminhamentos, dizendo que a
criança não conhece a pessoa que escreveu, não sabe o que está escrito, nem mesmo a família
sabe, pois o documento vem lacrado. As psicólogas acreditam que isso acaba piorando o
comportamento da criança na escola.
"Eu sempre pego o encaminhamento e leio com a criança, na frente da criança.
Alguns encaminhamentos, pra você ter idéia, são feitos por pessoas que a criança não
conhece dentro da escola, nunca viu, não sabe quem é. Então, como é que aquela pessoa sabe
dela, diz dela, o
u pelo menos diz daquela criança, sendo que aquela criança não a conhece?"
Este relato mostra falta de respeito, de ética e também demonstra um despreparo da
escola em lidar com os problemas de aprendizagem. Em outra entrevista, a psicóloga relata
que a pedagoga foi pessoalmente ao ambulatório, acompanhando os pais da criança para
entregar
-
lhe o relatório. Como conta:
131
"A pedagoga chegou com o pai e o filho, mais a carta na mão, acho que nem passou
pela mão do pai, ela entregou direto para mim. O menino ainda perguntou pra ela: você
escreveu tudo isso de mim? Você falando isso tudo de mim? Você falando mal de mim?
Assim, eu acho que são coisas que realmente deve tomar... a pedagoga, a professora deve
tomar um pouco de cuidado, porque isso acaba pio
rando, né, o comportamento da criança na
sala de aula".
Segundo Patto (1999, p. 353), quando o descrédito em relação aos alunos com
problema de aprendizagem é revelado a todos, a criança fica exposta a críticas e é duramente
rotulada. Para a autora "a prática comum entre as professoras de fazer comentários negativos
sobre as crianças diante de quem quer que seja, incluindo a própria criança é uma das
principais responsáveis pela estigmatização de que muitas são vítimas".
Outra psicóloga relata que a escola muitas vezes atrela a entrada da criança na
instituição ao atendimento psicológico. Com suas palavras:
"Eles pedem avaliação por escrito para freqüentar a escola, eles fala; tem demanda
que fala se a criança não fizer a avaliação, ela não vai poder freqüentar as aulas; vem como
se fosse, assim, importante para a criança. Tem que vir pra poder fazer a avaliação, senão
não freqüenta as aulas".
O fato de a criança não saber por que está sendo encaminhada para o psicólogo, e de
ser obrigada a procurar este atendimento, pois caso contrário não pode entrar na escola,
demonstra um descaso, uma falta de cuidado com a criança, como se esta fosse um objeto que
está sendo rejeitado por não se encaixar naquele lugar. Nessa perspectiva, muitas vezes, o
encaminha
mento ao psicólogo é visto como um castigo, como se ela tivesse feito algo de
errado, e o tratamento psicológico configura
-
se como uma punição.
132
F.2
-
Percepção dos psicólogos em relação às escolas
Algumas entrevistadas consideraram que a escola não quer fazer parceria com o
psicólogo, sentem que a instituição não assume sua responsabilidade, quer que o psicólogo
atenda porque ele dá conta de resolver o problema. Em diversos momentos das entrevistas, as
profissionais levantaram essa discussão. Para exemplificar, temos os seguintes depoimentos
(ver outros no Apêndice G):
"Então a gente que às vezes falta também da escola assumir um pouco a parcela
dela de responsabilidade sobre aquele aluno. Então, enquanto ele tá na escola, isso é
responsabilidade da
escola, não é da mãe que tá em casa, ou da psicóloga que tá aqui".
como se a escola falasse: olha nós não conseguimos ficar com esta criança que
tem problema que a gente não sabe lidar, então resolvam para nós. O que a Saúde Mental
pensa é que esse não é um problema que a Saúde Mental deva estar resolvendo de forma
solitária, sabe?"
O discurso das entrevistadas a impressão de que é como se a instituição quisesse
uma fórmula mágica para solucionar a situação. A escola quer entregar o aluno ao psic
ólogo
para que ele resolva o problema que está no aluno, não assumindo e questionando sua parcela
de responsabilidade, porque talvez acredite mesmo que a causa das dificuldades esteja na
criança. Sendo assim, considera-se que o problema é de ordem emocional. E muitas vezes o
psicólogo compactua com a escola, depositando também o problema na criança e em sua
família, como já discutimos.
Cinco psicólogas fazem questionamentos sobre a sua relação com a escola, mostrando
que percebem a necessidade de que exista uma interlocução, pois não é possível atender
satisfatoriamente as crianças sem a parceria com a escola, mas relatam que a escola não quer
133
fazer essa ponte. O que percebemos, por outro lado, é que a forma como está estruturado o
ambulatório, não há abertura para que a escola tenha acesso ao serviço psicologia, pois, como
vimos no item relativo aos procedimentos, as crianças com queixas escolares não são, na
maioria das vezes, considerados casos para atendimento na Saúde Mental. Outras vezes,
verifica
-
se
entre as profissionais a compreensão e a preocupação em oferecer atendimento a
essas crianças, porém não se sentem aptas para fazê
-
lo.
Acreditamos que a escola também fica muito perdida diante da falta de informação e
de conhecimento tanto em relação à função do psicólogo e ao funcionamento do ambulatório
quanto no que se refere ao papel da instituição na constituição das queixas escolares. Haja
vista a concepção de que o psicólogo deve "consertar" a criança sem que os educadores
revejam seus valores, sua
s metodologias e a própria escola.
Como apontam duas entrevistadas, quando é oferecido o atendimento, a escola passa a
encaminhar maciçamente os alunos. Elas salientam:
"Se a gente atende uma escola, vamos dizer assim, eu atendi duas crianças de uma
esco
la, de repente vêm dez dessa escola, porque a diretora fala: ah, se atendeu duas, vou
mandar um monte de crianças daquela escola, como se escoasse".
"Então, a gente percebia, às vezes quando a gente fazia muitas visitas na escola, eles
começavam a passar muito a responsabilidade pra gente assumir o aluno. O aluno é da
escola; o filho é de responsabilidade da mãe, e o aluno é da escola".
Pode
-se com isso, pressupor que os atendimentos oferecidos, nesses casos, não estão
sendo resolutos, uma vez que é i
nviável atender, da forma como estão sendo realizados, a toda
a demanda da escola. Então, acreditamos que é preciso buscar outras alternativas, em
reflexões junto à escola, para que a criança, a escola e a família sejam atingidos, pois a queixa
envolve tod
os estes segmentos.
134
Em cinco respostas, as entrevistadas disseram que a escola solicita uma devolutiva em
termos de diagnóstico, havendo uma preocupação por parte dos psicólogos em fornecer esse
relatório, pois sentem que a escola rotula a criança e, por isso, questionam o uso que os
educadores possam fazer com esse tipo de devolutiva. Muitas vezes, a instituição escolar quer
por escrito essa devolutiva para saber se a criança necessita participar do ensino alternativo
11
.
Essas psicólogas relataram que não
atendem este tipo de solicitação:
"Aí eles pedem um diagnóstico, porque não sei o que que eles fazem com esse
diagnóstico. Mas acho que isso é meio mágico, assim, pra eles, porque se colocar um
diagnóstico na criança, porque parece que tudo o que acontecer fica por conta desse
diagnóstico".
"Põe no pedido que a gente mande um relatório, por escrito, do que que aquela
criança tem, quais as suas dificuldades, exigindo que coloque inclusive o CID
12
, pra que ela
possa participar do ensino alternativo, né? Então, essas coisas a gente não faz, pelo menos
eu não faço, e acho que as outras também não fazem, e a gente pede que se quiser venham
conversar pessoalmente, ou liga, né, pra não estigmatizar a criança."
Alguns participantes da pesquisa enfatizaram que deveria haver um psicólogo dentro
das escolas, pois no ambulatório não possibilidade de fazer essa ponte, mesmo porque
acreditam que se o problema foi gerado na escola, tem que ser resolvido lá. Como pontuam:
11
O ensino alternativo é indicado para crianças com dificuldades de aprendizagem e outras deficiências, sejam
elas físicas ou mentais; é um projeto oferecido por algumas escolas do município. As crianças participantes desse
ensino são avaliadas pelos educadores como possuidoras de maiores dificuldades e, por isso, necessitam de um
reforço. Então, vão para a escola em horário diferente do ensino regular, formam turmas menores, para
participarem do projeto. Quando a escola tem dúvidas sobre a necessidade de algum aluno freqüentar esse
projeto, solicita avaliação psicológica.
12
O CID corresponde a um diagnóstico que classifica desordens ligados à saúde mental e é retirado deste
manual:
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (Coord.). Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID -
10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1993.
135
"Eu não vejo muito como ajudar esta criança de forma tão distante das escolas assim,
distante deste ambiente da escola, de como esta instituição trata esses alunos, né, como que
ele é visto na sala de aula. A gente não sabe as privações na escola, né, não tem como, se
for um atendimento muito superficial, uma orientação muito superficial em vista do que
poderia ser feito por este profissional. Eu falo um psicólogo que estivesse dentro da escola".
"Porque um problema de escola eu entendo que tem que ser resolvido dentro da
instituição, né, lá
na escola, porque não adianta a criança vir pra cá. É um problema".
Porém, consideramos que a presença do psicólogo na escola não garante o fim dos
encaminhamentos para os serviços públicos de Saúde Mental, pois, dependendo da formação
e da postura do p
rofissional ali alocado, ele pode simplesmente realizar um trabalho clínico na
escola.
Seis psicólogas apontaram que os educadores deveriam refletir sobre sua metodologia,
que lhes parecem ultrapassadas, além de acharem que há necessidade de que o governo
ofereça cursos de aperfeiçoamento para os professores.
"Elas [professoras] não têm o que fazer com esses alunos, não sabem lidar com a
agressividade da criança dentro da escola, né, as crianças ficam desatentas, então não
mesmo uma capacitação para os professores, elas ficam perdidas, essa é a impressão que
tenho".
"Eu sei que ela com dificuldade de aprendizagem e se a dificuldade é
aprendizagem, ela[escola] não deveria nem ter mandado pra cá; se é uma dificuldade a nível
emocional, tudo bem. a impressão que eles acham que a gente conta de sanar
problemas que estão sendo originados lá".
"Eles chegam na oitava série, no colegial, sem saber ler e escrever e sem a mínima
noção de nada".
136
"A escola está despreparada, teriam que ser oferecidos cursos de aperfeiçoamento
nas escolas para professores, o governo deveria incentivar mais".
Nesses depoimentos, as psicólogas deixam transparecer que as escolas têm
dificuldades em lidar com a diversidade, com aquele aluno que talvez não seja considerado o
"ideal". E uma cobrança, por parte das entrevistadas, de que os educadores se
movimentem, que revejam seus critérios pedagógicos para que possam motivar os alunos para
a aprendizagem. E essa cobrança se estende para as lideranças políticas, no sentido de
estimular a escola, fornecendo auxílio para que as mudanças ocorram.
Na visão de Souza (1996, p. 189), essas mudanças incidiram na relação vincular entre
o professor e o aluno, o que se refletiria no processo de ensino-aprendizagem: "partem da
ne
cessidade do professor acreditar na capacidade de pensar de seu aluno, para que dessa
forma possa estruturar mais claramente as tarefas a serem realizadas em sala de aula".
Em outros relatos, considera-se que as crianças por vezes são encaminhadas para o
atendimento psicológico porque os profissionais que estão na escola não sabem avaliar qual é
realmente a necessidade delas:
"Às vezes a escola encaminha por não compreender aspectos básicos do
desenvolvimento infantil, manda porque a menina deu um beijinho no menino e diz que sua
sexualidade está precoce".
"Da forma como a escola encaminha, dá uma sensação da criança ter um retardo
mental".
Vemos que a criança acaba sendo a vítima de todo esse processo, pois chega ao
ambulatório rotulada pela escola, e muitas vezes o psicólogo que a recebe reitera o discurso
do professor, ou culpabiliza a escola e a família. Constatamos que não uma parceria entre
as duas instâncias, a fim que efetivamente sejam oferecidos atendimento e ajuda para as
137
crianças e seus responsáveis, de modo que os processos de ensino e de aprendizagem sejam
favorecidos.
F.3
-
Contato com a escola
Quando indagamos às profissionais se elas fazem algum contato com as escolas onde
estudam as crianças encaminhadas com queixas escolares, as respostas são diversas: quatro
relataram que não vão à escola por falta de tempo, duas disseram que pedem para a mãe
informar à escola que, se alguém quiser falar com elas, é ligar ou ir ao ambulatório, três
explicitaram que não entram em contato com a escola, duas encaminham uma devolutiva por
escrito para a escola quando a mesma solicita, uma disse que já ligou para algumas escolas do
bairro esclarecendo que não atende essa demanda e três descreveram que foram, algum
tempo atrás, às escolas, mas atualmente não vão mais, porque a demanda não é prioridade da
Saúde Mental ou por falta de tempo. Somando-se, temos 15 psicólogas, a grande maioria das
entrevistadas que, por razões diversas, não entram em contato com a escola. Apenas uma
psicóloga diz mandar por escrito um relatório para a escola através da família, fazendo-o em
todos os casos, mesmo que a escola não solicite.
Esses números indicam e confirmam o que constatamos no item Procedimentos: as
experiências escolares da criança não são abordadas. Isso fica evidente também no caso da
psicóloga que disse ter entrado em contato com as escolas por telefone não com a intenção de
discutir algum caso, mas para esclarecer que o ambulatório não oferece atendimento para essa
demanda. Ela relata:
"Porq
ue eu liguei pra algumas escolas e disse que não existe esse trabalho realizado
aqui, porque a diretora quer atendimento individual destas crianças, o que não é feito. Então
eu liguei, expliquei e elas pararam de mandar com tanta freqüência".
138
Das entrevi
stadas que disseram não fazer contato com a escola, uma associa a melhora
que a criança apresenta ao longo dos atendimentos, à estrutura familiar. Talvez por acreditar
que o problema esteja ligado exclusivamente às relações da criança com a família, essa
profissional não faz contato com a escola, e enfatiza: "tem criança que, assim, não vai
melhorar enquanto a estrutura familiar não mudar, e assim, talvez até sem perspectiva dessa
estrutura melhorar".
Das duas psicólogas que afirmaram enviar um relatório por escrito quando a escola
solicita, uma relata que encaminha uma carta à escola, a fim de esclarecer que o ambulatório
não atende este tipo de queixa: "Eles sabem que nós não atendemos, e geralmente eu mando,
digo: olha, é realmente problema de aprendizagem, mas infelizmente nós não atendemos este
tipo de demanda. Me coloco a seu dispor para outro tipo de problema que houver". A outra
psicóloga diz que manda à escola um pequeno relatório contendo sua avaliação e os
procedimentos realizados e informando s
e fez algum encaminhamento.
As profissionais que relataram ter ido à escola algum tempo e que atualmente não
o fazem, justificam que no momento não têm tempo, haja vista que a demanda no ambulatório
é muito grande. Uma delas aponta que o volume de trabalho na Unidade não lhe oferece
condições para sair do Centro de Saúde, pois há uma cobrança para o atendimento da
demanda existente e existe também a questão da produtividade. Em suas palavras:
"Teve um caso que fui à escola, pois a criança não queria entrar na sala, chorava
muito, então fui conversar com a professora. Mas geralmente não posso ir, não tenho tempo,
tenho uma demanda grande para atender. Se eu sair do ambulatório minha produtividade
cai".
139
Outra conta que chegou a ir à escola para orientar a professora, quando a demanda
era pequena; mas agora não tem tempo, devido ao aumento da clientela e pelo fato desses
casos de queixas escolares não serem responsabilidade da Saúde Mental.
A psicóloga que diz encaminhar um relatório para a escola, salienta que registra o que
percebeu da criança e o procedimento realizado. Em seu discurso percebemos que um
desejo de trabalhar em parceria com a escola, mas parece que algo a desestimula. Talvez seja
a forte concepção reinante de que os casos advindos das escolas não estão entre os que devem
ser atendidos pela rede de serviço em Saúde Mental.
"Propus, assim, ofereci da gente, assim, se quisesse a gente poderia fazendo algum
tipo de parceria, como tem uma sala que tava sendo encaminhado praticamente todos os
alunos dessa sala especial, aí então propus uma parceria, que a gente poderia fazendo em
conjunto com a escola, no espaço da escola. Talvez olhando atividades recreativas, ou
mesmo alguma atividade, algum grupo de pais lá. Mas morreu por aí. O engraçado é isso, cê
vai e dá uma parada".
A falta de tempo é um fator que aparece em diversos contextos. Parece que as
profissionais sentem toda a pressão externa de que esse tipo de caso não deve ser atendido no
ambulatório, o que ao mesmo tempo é reafirmado por suas próprias convicções da formação
basicamente clínica. Diante desses fatores, não conseguem refletir sobre esses
encaminhamentos.
Ainda não uma articulação entre a rede de saúde mental e as escolas, mas um
entendimento de que os psicólogos devem encaminhar a demanda para instituições externas
ao ambulatório que atendam essas crianças, separar o que é queixa escolar do que é queixa
emocional e quando possível oferecer atendimento aos pais em grupos de orientação, como
vimos nos tópicos anteriores. Mas, muitas das entrevistadas demonstraram preocupação com
140
as crianças, dizendo que deveria existir algum lugar no município para que elas fossem
atendidas.
G-
A relação entre as famílias, os psicólogos e a queixa escolar.
Na questão referente às famílias das crianças (ver apêndices A e B - questão 6), as
respostas explicitaram duas vertentes: a descrição das psicólogas sobre a maneira como estas
relatam a queixa, e a visão que os profissionais têm a respeito das famílias que buscam o
atendimento para seus filhos.
Para ficar mais claro, sintetizamos na tabela abaixo como as entrevistadas percebem as
famílias, o que lhes dizem durante o contato, de um lado, e na segunda coluna, a quantidade
de vezes que essas características apareceram
nos relatos das psicólogas.
Tabela 4: Relatos das famílias
Descrição das famílias segundo as psicólogas
Freqüência
Estão ansiosos e angustiados
8
Preocupados/temem que os filhos não aprendam e
que tenham um problema mental
7
Culpam os filhos: são indisciplinados, preguiçosos
e não gostam de estudar
7
Se mostram irritados, já foram chamados várias
vezes na escola
4
Levam os filhos para o psicólogo porque a escola
pediu, mas acham que não há necessidade
3
Se sentem culpados, pensam que fizeram algo
errado
3
141
Estão decepcionados com a escola/o problema está
na escola
2
Solicitam ajuda/sentimento de impotência
2
___________________________________________________________________________
Analisando a tabela, constatamos que, na leitura das psicólogas, predominam os
sentimentos de ansiedade e angústia dos pais, por não saberem o que fazer diante do
encaminhamento da escola, sem saber como ajudar as crianças, buscando as causas das
dificuldades dos filhos. A isso se segue a preocupação ligada ao temor de que o filho possua
algum problema mental, que não consiga prosseguir os estudos, ter uma carreira profissional,
aquilo que tanto desejam para ele e que talvez muitos deles não conseguiram alcançar. Como
relataram essas psicólogas:
"Tem muita angústia, muito medo do filho, que ele não seja nada. Eles falam: e aí, o
que ele vai ser? Tem que estudar pra poder pelo menos fazer até a oitava".
uma ansiedade em tentar saber o que está acontecendo, se tem culpa nisso ou não
né? Por que meu filho não aprende, será que ele tem algum problema na cabeça? Então a
gente vê que eles estão ansiosos em saber o que tá acontecendo, por que tá acontecendo".
Esses depoimentos retratam a busca da família em saber o que está acontecendo com o
filho; os pais querem respostas e hipotetizam causas, como relata Patto (1999) quando
analisou o caso da menina Ângela com queixa de dificuldades de aprendizagem. Segundo a
autora, a mãe desta criança expõe sentimentos de impotência, atribuindo diversas hipóteses
para o fracasso escolar da filha: "ora aponta o desgosto pela escola e o gosto pelos trabalhos
domésticos, ora refere-se à constituição física de Ângela, ora suspeita que sua memória pode
estar fraca porque ela se recusa a comer antes de ir para a escola, ora imagina que seus
desentendimentos com o marido podem preocupá
-
la"(PATTO, op. cit., p. 351).
142
Desse modo, a ansiedade e o temor de que o filho seja portador de um déficit mental -
algo que muitas vezes é equivocadamente confirmado pelo encaminhamento dado pela escola
para o psicólogo - instala-se no cotidiano dessas famílias, como pôde ser verificado na fala de
grande parte das entrevistadas.
Patto faz considerações interessantes ao analisar as repercussões, para a criança, da
relação entre pais e filhos, em que eles não conseguiram estudar e muitas vezes depositam
nesses a possibilidade de realização de seus desejos:
Num plano intersubjetivo, faz sentido pensar na ambivalência que pode
instalar
-se nas relações dos pais com seus filhos no momento em que estes
começam a realizar um desejo insatisfeito daqueles: expectativa de sucesso e
inveja podem coexistir e levar a criança a viver simultaneamente o peso da
responsabilidade de realizar o que seus pais não realizaram, da culpa de estar
tendo a oportunidade que foi negada a seus pais, ao temor de perdê-los por
isso e de traí
-
los ao tornar
-
se diferente. (1999, p. 355).
Diante dessa ambivalência presente em algumas dinâmicas familiares, Patto (ibid.)
relata: ainda que a estrutura familiar constitua um obstáculo para um bom rendimento escolar,
não é possível a compreensão da relação da criança com as experiências escolares sem
considerar como a forma como tais experiências incidem na subjetividade infantil:
Não basta dizer que a criança vem para a escola presa de an
gústias
predominantemente esquizo-paranóides ou depressivas decorrentes das
relações familiares que se estabelecem na pobreza. Mesmo nos casos em que
isto for demonstrável, é preciso levar em conta a natureza da experiência
escolares suas relações com os temores com os quais a criança pode ter
chegado à escola; estas experiências certamente consolidam e aumentam tais
temores ou colaboram para sua elaboração e superação (p. 355).
Como afirma a autora, não se justifica dizer que o problema está somente na c
riança,
na família ou em ambas. Contudo, vemos que muitas vezes a família, diante do discurso da
escola de que o problema situa-se no aluno, parece compactuar com esta; e da mesma forma
que a escola desiste de ensinar às crianças com dificuldades de aprendizagem, os pais tendem
a considerar que os filhos são preguiçosos, não gostam de estudar, são indisciplinados,
desinteressados, desatentos, distraídos, e outros adjetivos que acentuam apenas a sua
143
incapacidade. Estas colocações aparecem fortemente nas entrevistas, e as psicólogas apontam
que este é um discurso bastante usado pelos pais, como se vê na seguinte fala:
"Eles dizem muito que tem preguiça, que a criança não consegue ler, não conta de
nada, né, e que ele não quer saber de nada, que é desatento, vem com uma queixa de
desatenção, falta de atenção, de concentração, está muito ligada pela falta de interesse pela
aprendizagem, pelo aprender, saber ler, escrever".
Nesse depoimento, a psicóloga explica que muitas vezes no relato da queixa, a famíli
a
culpabiliza os próprios filhos. Isto nos faz pensar acerca do poder de influência da escola
sobre essas famílias: os pais acreditam que professores e diretores são detentores do saber e,
diante de suas afirmações, sentem
-
se diminuídos, sem força para que
stioná
-
los. Alguns pais se
mostram resignados depois de convencidos pela escola de que seus filhos têm realmente
algum problema, embora sintam ansiedade e angústia diante do insucesso escolar da criança.
Outros chegam a duvidar do parecer da escola, mas se calam, por temer represálias para si
e/ou para seus filhos.
O aluno que vive a ambivalência destacada por Patto (1999) - que no mesmo instante
em que deseja satisfazer os pais, também sente-se culpado por diferenciar-
se deles
- acaba ou
por incorporar o estigma de preguiçoso ou por considerar-se alguém realmente possuidor de
dificuldade para aprender, assemelhando-se a seus pais, que também não prosseguiram nos
estudos.
Segundo alguns depoimentos, a fala dos pais denota também um sentimento de raiva,
de
irritação; eles dizem estar cansados, chateados por serem chamados várias vezes às escola
para ouvir reclamações a respeito dos filhos. Relatam as entrevistadas:
"A família parece irritada, com raiva, pois várias vezes já foi chamada na escola para
ouvi
rem reclamações".
144
como se dissessem: chega, olha, aqui porque não agüento mais a escola ficar
falando na minha cabeça, ficar queixando (sic); é todo dia, né, reclamação".
"Percebo sentimentos de raiva, de não estar dando conta, de ser chamado na
escola
para falar mal do filho".
Esses relatos evidenciam que a relação família-escola é realmente difícil, é como se a
escola depositasse toda a responsabilidade nos pais e estes sentem uma grande pressão para
que dêem conta daquilo que os professores consideram que está errado em seus filhos.
Quando são chamados à escola, parece que sabem que vão ouvir somente reclamações da
educadora. Assim, as crianças são rotuladas pela escola e a família também passa a acreditar
que o filho possui algum tipo de complicação por não conseguir aprender. Por outro lado,
essas famílias também são estigmatizadas, que comparecem à instituição para ouvir
queixas e reclamações a seu respeito e de suas crianças.
Em outros relatos, em menor mero (ver tabela 4: Relatos das famílias), as
psicólogas disseram que alguns pais levam a criança ao ambulatório para atendimento porque
a escola solicitou, mas que acreditam não haver problemas com o filho, justificando que em
casa este não apresenta o comportamento descrito pela escola. O que fica evidente é que
algo na relação dessa criança com a escola que tem propiciado que somente dentro da
instituição alguns comportamentos apareçam. Esses pais trazem esse ponto para reflexão, ou
seja, por que o filho se comporta de um
a forma em casa e a escola diz que ele se comporta de
outro jeito? Será que determinados comportamentos, que para a escola são inaceitáveis, para
os pais fazem parte da individualidade dos filhos? Também podemos pensar nos critérios de
normalidade/anormali
dade e de disciplina/indisciplina adotados pela instituição, muitas vezes
extremamente rígidos, que justificariam a não-aceitação de determinadas atitudes e ações por
parte dos estudantes. Outro ponto que merece destaque são as noções da escola acerca do
145
desenvolvimento infantil: muitas intercorrências características do processo de aprendizagem
não são assim consideradas, por desconhecimento de professores e da administração escolar.
Todas essas indagações precisam ser investigadas, uma vez que os próprios pais fazem
questionamentos nesse sentido.
Aparecem também nas entrevistas os casos das famílias que se culpabilizam,
procurando em si mesmas as causas do fracasso do filho, achando que fizeram algo errado,
dizendo que não souberam educar, ou porque existem muitas brigas em casa ou ainda porque
tiveram uma gestação difícil. A respeito disso, Patto (1992, p. 115) discute que a escola e
alguns laudos psicológicos têm grande poder de convencimento sobre as famílias e as
crianças, "não porque produzidas num lugar social tido como legítimo para dizer quem são
os mais capazes, como também porque vão na direção do slogan liberal segundo o qual
'vencem os mais aptos e os mais esforçados"'. Isto é, parece que algumas famílias sentem que
são menos aptas por não terem o mesmo nível de escolaridade que os profissionais psicólogos
ou educadores e acabam "mergulhando num discurso de auto-acusação" (PATTO, ibid.).
Relata uma psicóloga:
"Muitas vezes os pais se sentem culpados, acreditando que foi algo que eles fizer
am
de errado que resultou numa não aprendizagem da criança ou em seu mau comportamento".
Até o momento procuramos descrever o que as psicólogas relataram acerca dos
sentimentos e percepções das famílias e o que estas dizem sobre as dificuldades de
aprend
izagem dos filhos. Como apontamos inicialmente, nessa questão referente às famílias,
as respostas das entrevistadas mostraram também o que elas pensam dos pais que buscam
atendimento para crianças com queixa escolar. Elaboramos abaixo uma tabela para melh
or
visualizar o que aparece nos depoimentos e a freqüência com que as características dos pais
são apontadas pelas psicólogas:
146
Tabela 5: Relatos das psicólogas sobre as famílias das crianças com queixas escolares
Discurso das psicólogas em relação às
famíl
ias
Freqüência
Os pais são desinformados, não valorizam a
educação ou são analfabetos ou alcoólatras,
ou as famílias são pobres e as crianças não
têm estímulo em casa
11
Sentem que as famílias/ querem entregar a
criança para que elas (psicólogas) resolvam o
problema
5
Não conseguem colocar limites nos filhos
4
Pais não acompanham atividades da escola,
são ausentes
3
O sintoma problema de aprendizagem
denuncia algo da desestruturação familiar
3
Os pais são impacie
ntes
3
Família não se compromete no atendimento
psicológico
1
O que mais aparece nos relatos condiz com o que Patto (1981) vem discutindo há
tempos que é a presença muito marcante da teoria da carência cultural. Na grande maioria das
respostas, as psicólogas apontaram que as famílias das crianças da escola pública de bairros
de periferia, por algum motivo, não se dedicam com a devida atenção à educação dos filhos,
não sabem estimular as crianças e não conseguem acompanhá-las em tarefas escolares. Exist
e
um estigma de que esses pais não valorizam a educação, são também analfabetos, viciados em
bebida e não se preocupam com os filhos. São ilustrativos estes trechos das entrevistas:
147
"As crianças daqui têm um pouco mais de dificuldade, talvez, de se adequar ao
comportamento, nesse caso na escola. Talvez tenha a ver com o próprio nível de
escolaridade, assim, familiar. Tem muitos pais daqui que são analfabetos, né?. Então, eu
acho que isso, vamos dizer assim, acaba apresentando um atitude diferenciada dos pais com
relação à educação e que acaba repercutindo na criança também. Talvez essas crianças não
tenham tanto estímulo com relação à escola. Eu acho que, vamos dizer assim, conforme o
bairro, talvez até em função do nível de escolaridade dos pais também, eu acredito que existe
maior número de crianças neste sentido. Talvez famílias com nível de escolaridade maior
acabem, vamos dizer assim, fazendo com que a criança se engaje mais no seu desempenho".
"A comunidade, de uma forma geral, parece que não um devido valor do (sic) que
é educação, que seja tão importante assim, né .
"Fazendo uma leitura da criança como um todo, né, que ela vive num mundo que tem
as questões sociais que dificultam, né. Aqui são crianças muito pobres, desnutridas, crianças
co
m questões familiares graves e crianças com problemas mais específicos, acho que na
verdade estão todos esses biopsíquicos (sic) e social envolvidos".
Nestas falas aparece, como se vê, a relação entre a não-aprendizagem da criança e sua
possível desnutrição e pobreza, o que nos leva a acreditar que uma tendência em ressaltar
as características pessoais dos alunos, bem como sua situação sociocultural, de forma
negativa, logo, responsáveis por seus problemas escolares. Coniventes com o discurso da
escol
a, as psicólogas parecem julgar a criança pobre como inapta, com a explicação de que
não teria condição e estrutura emocional para aprender adequadamente. Nesta pesquisa, nos
itens "O psicólogo e a escola" e "Concepções sobre o problema de aprendizagem", alguns
relatos em que as entrevistadas consideram que a escola também tem parte na produção da
queixa escolar, e fazem referências à relação professor-aluno. Porém, na grande maioria das
falas, a causa da queixa escolar é entendida como um problema de âm
bito emocional, baseada
no psiquismo do indivíduo.
148
E assim, os maiores causadores dos problemas de aprendizagem seriam a falta de pré-
requisitos como carência de estímulos em casa e de assistência por parte da família, sendo
esta geradora de comportament
os prejudiciais ao bom rendimento da criança na escola.
A respeito da desnutrição, mencionada por uma psicóloga no depoimento acima,
Moysés & Collares (1996) enfatizam que o discurso de que o fracasso escolar é decorrente da
desnutrição é um mito e não tem qualquer respaldo científico, pois a grande maioria de
crianças que desenvolve desnutrição grave morre antes dos cinco anos, não estando ainda na
escola. As autoras afirmam que as funções intelectuais que poderiam ser comprometidas pela
desnutrição não são pré-requisitos para a alfabetização, porque ainda não se construíram
completamente aos sete anos. Essa concepção foi transformada em um dos preconceitos mais
cristalizados na área educacional, segundo as autoras.
Nossas entrevistadas relataram sentir que as famílias querem entregar a criança para
que elas cuidem e resolvam o problema, pois não conseguem ou estão muito ansiosas. Fazem
isso acreditando que a psicóloga solucionará o problema ou porque não querem assumir sua
parcela de responsabilidade no c
uidado com as crianças. Nas palavras das entrevistadas:
"Quer dizer, agora eles acharam um local em que eles podem, tipo, depositar: eu
quero depositar meu filho pra cuidar dele, resolver esse problema".
"Eles trazem muito isso, ansiedade, querendo entregar pra psicóloga o problema, pro
psicólogo resolver o problema pra eles, né, uma coisa de transferência também".
"Sinto que a família quer que a criança estude e se saia bem na escola e acreditam
que o psicólogo solucionará o problema da criança".
As psicólogas relatam ainda os casos de pais que não conseguem colocar limites nos
filhos. Descreveram que, por vezes, as crianças fazem o que querem, não têm horário para
estudar, são desobedientes, e esse comportamento também é apresentado na escola, que os
149
pais acabam isentando-se de suas responsabilidades e transferindo-as para a escola. Observa
uma psicóloga: "A criança, se for pra escola destratada, sem limite, a escola realmente
não vai dar conta disso, que a escola tem outras obrigações".
Questões como separação dos pais, alcoolismo, brigas, como também dificuldades
financeiras das famílias, em que crianças não se alimentam adequadamente, não possuem
objetos escolares e uma residência digna, são aspectos citados pelos psicólogos como
agravan
tes ao bom rendimento escolar, e o problema de aprendizagem seria um sintoma que
denuncia a falta de estrutura familiar. Para esta psicóloga:
"Tem muitos casos que têm a ver com a situação familiar, com a separação do casal,
com as brigas, e que atingem
as crianças emocionalmente e então não conseguem aprender".
Para algumas psicólogas, a família não tem a devida paciência para acompanhar as
tarefas e auxiliar os filhos no cotidiano escolar. E outras vezes é oferecido o atendimento
psicológico, mas os pais não comparecem, não levam as crianças, não se comprometem. Uma
psicóloga contou:
"Então ela [a mãe] faz esse processo, assim, de ida e vinda, de entrada e abandono,
de querer e não querer, muito ambíguo, né. Na verdade, não tem comprometimento da
fa
mília".
Essa afirmação demonstra que o preconceito em relação à família é ainda muito forte,
e nos remete ao que Moysés & Collares (1996) e Patto (1992) discutem: que esses
preconceitos sobre a criança pobre e sua família servem para camuflar questões sociais,
pedagógicas e culturais. No livro "Preconceitos no cotidiano escolar", Moysés & Collares (op.
cit.) apresentam opiniões de diversos profissionais (como médicos, psicólogos,
fonoaudiólogos, diretores de escola e professores) acerca dos motivos que levam as crianças a
150
não aprender. Essas falas são extremamente parecidas, no sentido de que revelam, no
preconceito que as perpassa, um desconhecimento em relação às reais causas do fracasso
escolar.
Verificamos em nossa pesquisa uma grande semelhança entr
e os relatos das psicólogas
e os dos sujeitos do estudo de Moysés & Collares: uma visão equivocada das dificuldades de
aprendizagem, do contexto em que estas ocorrem e das relações entre família e escola.
A escola muitas vezes busca um ideal de famílias,
identificadas por Patto (1992) como
aquelas que colaboram com o estabelecimento de ensino através de prestação de serviços e
contribuições financeiras, que ensinam e acompanham as tarefas escolares dos filhos, que
comparecem às reuniões e, o mais importante, que não reclamam ou reivindicam. Sendo
assim, as que fogem a estas expectativas são duramente julgadas, estigmatizadas, rotuladas,
por meio de um discurso preconceituoso e moralista.
O psicólogo pode compactuar com estas práticas ou, ao contrário, pode agir de forma
diversa, na medida em que o seu olhar para as famílias seja no sentido de buscar conhecê-
las
efetivamente em suas singularidades, necessidades e desejos. Além de levá-las à
conscientização de que são cidadãs e que é dessa forma que precisam se relacionar com a
escola de seus filhos, ou seja, entendendo que a escolarização é um direito e que a escola deve
buscar cumprir da melhor forma a sua função educativa, em parceira com a família.
H-
Condições de trabalho
Quando questionadas sobre as condições de trabalho nos ambulatórios, a maioria das
entrevistadas (9) alegou a falta de materiais para atendimento de crianças, como papel, lápis
de cor, jogos, tintas, brinquedos e testes psicológicos. As psicólogas acreditam que possuem
autonomia no trabalho, pois elas mesmas ficam com suas agendas, ou seja, recebem a
151
demanda em seus acolhimentos e decidem quando os pacientes devem retornar e/ou para onde
encaminhá
-los. Entretanto, acham que, apesar desta possibilidade de decidir suas ações, não
poss
uem as condições necessárias para o atendimento da clientela com problemas de
aprendizagem:
"Nós não temos estrutura pra trabalhar o déficit de aprendizagem aqui, não. Nós não
trabalhamos nada de psicopedagogia, na verdade não temos material para isso".
Algumas disseram não ter tempo para atender e fazer uma avaliação dessas crianças,
pois a prioridade é atender os casos graves, neuróticos graves e psicóticos. Uma psicóloga
entende que a demanda precisaria ser atendida, mas que é impedida pela questão d
a prioridade
e do grande número de pessoas que procuram o serviço:
"O que eu enfrento é assim: como nós temos que atender muita gente, e nos é passado
para atender casos graves, então quando surge uma criança, você pode até querer atender
esta criança, fazer um trabalho mais prolongado, mas te falta tempo para isso. Aqui, nós
temos que fazer aquele atendimento breve, atender um número maior possível de pessoas, em
modelo breve de atendimento, e então a gente fica com esta falta".
outros relatos em que as psicólogas dizem fazer atendimentos breves para dar
conta da demanda que procura o serviço. Uma entrevistada explica que é orientada pela
coordenação não atender as crianças, mas segundo ela "acho que se for caso para
atendimento, se o problema for
cl
ínico
e se tiver vaga, não recuso atendimento".
Este depoimento remete à cisão discutida anteriormente, à necessidade de separar o
que é da clínica e o que é da escola. O primeiro caso é para o ambulatório, e o segundo para o
psicopedagogo ou para a esco
la resolver.
Cinco psicólogas apontaram que se sentem muito isoladas no ambulatório, que não
reuniões para discussão de casos, não supervisão e também faltam indicações de leituras,
152
estudos e bibliografias sobre os problemas de aprendizagem. Outra diz que uma
coordenação de Distrital, mas que a coordenadora fica grande parte do tempo por conta dos
CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e não promove encontros que possibilitem aos
profissionais dos ambulatórios conversar sobre casos e trocar idéias. Nos ambulatórios onde
dois psicólogos a situação parece ser mais tranqüila, na medida em que é possível
compartilhar experiências.
Ocorrem também reclamações sobre a estrutura física das salas, a falta de espaço e/ou
sua inadequação. Essa realidade, d
iscutida no item referente às salas de atendimento (A.2), foi
constatada em algumas salas, onde o espaço é realmente precário para o atendimento não
de crianças, como de qualquer pessoa que esteja necessitando de algum tipo de auxílio na área
da saúde, devido à falta de privacidade e de espaço adequado. Muitas vezes as salas são
adaptadas em corredores, onde outros funcionários entram interrompendo o atendimento
psicológico. O barulho externo penetra nessas salas de tal forma que se pode ouvir o que
aco
ntece do lado de fora e vice-
versa, comprometendo o sigilo e a privacidade do profissional
e do cliente.
Uma das entrevistadas acredita que a formação do psicólogo deveria ser mais ampla,
relatando que não estudou na faculdade a respeito do serviço público e encontrou dificuldades
na prática, ao ingressar no ambulatório. Cinco entrevistadas enfatizaram a necessidade de que
na rede pública do município exista um lugar específico para onde encaminhar as crianças
com queixas escolares, pois entendem que estas precisam de atendimento, mas que o
ambulatório não é esse lugar. Por razões diversas razões consideram que não é possível
atender as crianças nos ambulatórios, tais como: a estrutura física inadequada, a falta de
materiais, a priorização dos casos graves e devido a suas próprias dificuldades decorrentes de
uma formação que não lhes deu suporte para oferecer estes atendimentos. Relataram que
153
gostariam que o Setor de Psicopedagogia fosse reaberto, "pois quando ele existia dava uma
boa resolutividade ao munic
ípio".
Para esclarecer a recorrência na referência a este Setor nas falas das entrevistadas,
cabe descrevê-lo. Existia no município de Uberlândia um projeto denominado Setor de
Psicopedagogia
13
, que atendia crianças com queixas escolares, e que funcionou no período de
1995 a 2002. Era composto por uma equipe de quatro psicólogas que atendiam as crianças de
seis a doze anos encaminhadas pelos ambulatórios de Saúde Mental. Segundo relato de uma
psicóloga que trabalhava, a equipe realizava avaliações com as crianças para averiguar se
necessitavam de atendimento. Utilizavam, nos procedimentos avaliativos com as crianças,
testes projetivos, avaliação de meros, do raciocínio lógico, da leitura e da escrita. Com a
família, realizavam a entrevista de anamnese e, quando julgavam necessário, iam às escolas
para discutir casos. Mas que não conseguiam ir às escolas em todos os casos, devido ao
grande número de crianças atendidas. Consideram, contudo, que o ideal seria ir em todas as
escolas. Para a psicóloga que nos relata o trabalho do Setor de Psicopedagogia, os problemas
das crianças advinham em grande parte de dificuldades de ensinagem (sic); ela sentia que a
dificuldade de aprendizagem estava diretamente relacionada à escola. Assim, eram realizadas
palestras nas escolas para as equipes de educadores, com finalidade preventiva, discutindo-
se
diversos temas ligados à aprendizagem e ao desenvolvimento infantil.
A psicóloga explica que o Setor de Psicopedagogia foi fechado porque, naquele
momento, os projetos de Saúde Mental estavam voltados para as discussões relativas ao
atendimento dos portadores de sofrimento mental considerado grave e para a implantação dos
Centros de Atenção Psicossocial. Além disso, a coordenação de Saúde Mental, naquela época,
7 Essas informações foram fornecidas por uma psicóloga que trabalhava nesse projeto, com quem tivemos uma
c
onversa informal, durante a qual obtivemos as informações aqui apresentadas.
154
entendia que a demanda de crianças com queixas escolares não deveria ser de
responsabilidade da Secretaria de Saúde, e sim, da Secretaria de Educação.
Na avaliação da psicóloga, quando o Setor de Psicopedagogia foi fechado, os
ambulatórios ficaram muito confusos, que anteriormente não atendiam a esta demanda,
porque encaminhavam tais casos para esse Setor. Várias discussões foram realizadas na
época, em fóruns da infância e adolescência, mas até o momento a Secretaria de Educação
não conseguiu implantar um serviço para atender essas crianças, e as escolas continuam
encaminhando
-as para os ambulatórios, acreditando que são casos para os psicólogos
resolverem.
Assim, não uma parceria entre a Educação e a Saúde para refletirem sobre
alternativas em que possam auxiliar essas crianças, que ficam perambulando de um lugar para
outro sem ser efetivamente ser atendidas, ou são atendidas inadequadamente .
As psicólogas têm razão, de certa forma, quando justificam a impossibilidade de
atendimento das queixas escolares porque o objetivo dos ambulatórios não é esse. Entretanto,
isso não justifica a falta de entendimento a respeito dessa demanda; tal compreensão, se
existisse, possibilitaria uma condução diferente nos acolhimentos e o imprescindível contato
com a escola para esc
larecimentos acerca da situação da criança.
As insatisfações das psicólogas entrevistadas refletem esse desencontro entre
resoluções dos órgãos públicos de Saúde e Educação, que gerou uma demanda made, que
não encontra um espaço para ser atendida. Por trás disso podemos perceber uma falta de
compreensão acerca da produção das queixas escolares e uma ausência de mobilização dos
profissionais envolvidos com essa questão para que haja mudanças nesse panorama que
tende a aumentar a demanda indevidamente encaminhada aos ambulatórios por falta de
melhores opções.
155
7-
O QUE OS PRONTUÁRIOS NOS CONTAM
... a vida é dialógica por natureza. Viver significa
participar de um diálogo, interrogar, escutar,
responder, concordar etc .
Bakhtin
Para o levantamento de maiores informações sobre as crianças que chegam ao
ambulatório de Psicologia com queixas escolares, propusemo-nos a buscar nos prontuários
das Unidades estes dados, porém esta tornou-se uma tarefa difícil, pois encontramos poucas
anotações e uma forte resistência por parte de alguns participantes da pesquisa em mostrá-
los.
Das 12 unidades visitadas, conseguimos ter acesso aos prontuários em oito delas. Todas as
entrevistadas relataram que têm muita dificuldade para escrever nos prontuários, justificando
que a demanda é muito alta e que grande parte dos atendimentos acontece em grupos,
tornando
-
se complicada esta tarefa de registrar tudo o que ocorre nos atendimentos.
Cada usuário que procura um serviço do SUS possui um prontuário único, da Unidade,
com anotações de todos profissionais que o atenderam. Os prontuários são guardados numa
sala coordenada pelo serviço administrativo. As pessoas que procuram o serviço de saúde
mental são atendidas primeiramente no acolhimento com o psicólogo. Nesse momento, es
te
profissional avalia, ouve a queixa e marca os retornos dos clientes, a inserção dos mesmos em
alguma modalidade de atendimento, ou faz encaminhamentos se julgar necessário. Dessa
forma, o psicólogo não conta com o serviço administrativo para marcar os horários dos
usuários, pois esta agenda fica em suas mãos e, assim, não um funcionário que conduza os
prontuários às salas de saúde mental, como ocorre em outros setores, como o médico, por
exemplo, em que a listagem dos pacientes a serem consultados fica com o auxiliar
administrativo. Este é um dos motivos citados pelas entrevistadas para não fazer os registros
nos prontuários, pois é necessário que elas mesmas busquem as pastas para preenchê-las; e
156
como realizam vários atendimentos no dia, isto se torna um aspecto dificultador da tarefa, até
mesmo inviável no cotidiano do ambulatório.
Neste sentido, algumas psicólogas guardam em seu próprio armário, em suas salas, as
anotações acerca das pessoas que atendem ou que procuram atendimento. Umas escrevem em
folhas de evolução clínica e após o trabalho anexam-nas no prontuário geral da unidade, ou
deixam
-nas em pastas suspensas, separadas por categorias de atendimento, por exemplo,
individual ou grupo. Outras, ainda, possuem cadernos para registrar os acolhime
ntos.
Outro aspecto que dificultou nossa investigação foi o fato de que em diversas unidades
houve mudanças de profissionais, e os que estavam presentes no momento da entrevista não
tinham acesso aos prontuários do psicólogo que ali trabalhava anteriormente. Na unidade em
que tivemos acesso a um maior número de prontuários, a psicóloga estava no local dez
anos e mostrou
-
nos todas as anotações que constavam de seu arquivo.
Como explicitamos no capítulo cinco, para facilitar a construção dos dados, utili
zamos
uma tabela (ver apêndice E) que nos orientava com relação à delimitação das informações que
necessitaríamos buscar nas anotações das psicólogas. Os prontuários que pudemos verificar
abarcaram o período de 2000 a 2004 e, com a ajuda das auxiliares de pesquisa, conseguimos
investigar 235 fichas e/ou prontuários correspondentes ao número de crianças com queixas
escolares que procuraram o setor, que foram atendidas ou não ou (em menor quantidade) que
estavam em atendimento na época. A faixa etária dessas crianças era em média de cinco a
treze anos.
Acreditamos que, em primeiro lugar, precisamos apresentar um dado importante para
esta análise, que diz respeito à forma como as crianças chegam ao setor, sua procedência,
quais instâncias as encaminham. Constatamos nos prontuários o que os psicólogos relataram
na entrevista: a grande maioria dos encaminhamentos é feita pelas escolas; em segundo lugar,
por pediatras; alguns por neurologistas e outros médicos; em menor número por escolas de
157
ensino especial e outr
os especialistas como fonoaudiólogos, assistentes sociais, e também pelo
Conselho Tutelar. Vários prontuários prontuários, porém, não apresentam essa informação.
Para realizar as análises dos dados encontrados, seguimos as colunas da tabela que
elaboramos
(ver apêndice E). Na primeira coluna, colocamos um item que encontramos nos
prontuários diz respeito à Classificação de Transtornos Mentais (CID-10). Verificamos que
em três das oito Unidades em que tivemos contato com os prontuários não consta o CID das
crianças. O restante, na maioria das vezes, apresenta o CID correspondente ao F81, que
condiz com os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares. Segundo
o CID-10 (1993, p. 237), este diagnóstico compreende "grupos de transtornos manifestados
por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado das habilidades escolares".
O F99 também foi encontrado em alguns prontuários e significa "Transtorno mental, sem
outra especificação". Este diagnóstico é utilizado quando o profissional está ainda em fase de
avaliação do caso e tem dúvidas quanto ao diagnóstico e nenhum outro código da CID-10 no
momento contempla o caso.
A queixa explicitada na segunda coluna corresponde à percepção dos psicólogos sobre
o que a família ou o responsável relata, ou o que é descrito nos encaminhamentos e/ou
aspectos observados na avaliação e no contato com a criança. A expressão "criança com
dificuldade de aprendizagem" é a mais usada como queixa (66 vezes citada), isto é, a queixa
está diretamente relacionada ao aprender, à escola. Outras queixas apontadas, que ao nosso
ver relacionam-se com os de problemas na aprendizagem, são encontradas nos seguintes
termos:
dificuldades na leitura e escrita: termos muito utilizados (63 citações), descrevem:
"tro
ca
e/ou omite letras", "não sabe ler", "não escreve", "não faz cópias", "não acompanha os
colegas na leitura", "não reconhece letras", "gagueja ao ler".
Problemas com a matemática
: "não sabe fazer contas", "não reconhece números".
158
Dificuldades de atenção, concentração: amplamente mencionadas (40 vezes apontados
como queixas), relatam: "não concentra-se nas tarefas", "não presta atenção",
avoado"
.
Repetência: também aparece bastante, 42 vezes nos prontuários. "repetiu a série várias
vezes, "história de
repetência".
Problemas no desenvolvimento: "criança tem raciocínio lento", "é regredida para a
idade", "criança não acompanha os colegas".
Problemas de memorização:
"esquece tudo", "não memoriza", "não grava as coisas".
Os problemas ligados ao comportamento dentro da escola destacam-se, após os
problemas de aprendizagem, como os mais citados como queixa. Estão agrupados nas
categorias descritas abaixo:
Agressividade: expressão usada por 49 vezes e ainda "criança bate nos colegas",
agressivo".
Desobe
diência às regras: "criança não tem limites", "é desobediente", "não segue às
regras", indisciplinado", "quer chamar atenção", rebelde", teimoso", "brinca o
tempo todo".
Hiperatividade:
"criança hiperativa", "não pára quieta", "criança agitada".
N
ervosismo, irritação:
"nervoso", "grita com os colegas", "criança estressada".
Distúrbio do comportamento: "tem algum distúrbio no comportamento", "comportamento
alterado".
159
Desinteresse pela escola: "não gosta de estudar", "não quer estudar", desanimad
o",
"não interessa pelos estudos"(sic), "desmotivado", "foge da escola", "chora, não quer
ficar na escola".
Lentidão, preguiça:
"é lento", "tem preguiça de fazer tarefas", "é preguiçoso".
Problemas com a avaliação: "tira notas ruins", "não presta atenção nas provas", "tem
medo das provas".
Timidez:
"criança calada", "quieta", "não conversa com a professora e com os colegas",
"muito tímida", "insegura", "tem baixa auto
-
estima", "é vergonhosa".
Um terceiro grupo de queixas refere-se às dificuldades de relacionamento interpessoal
na escola:
Problemas com a professora: "a professora é muito rígida", "sente medo da professora",
"não obedece a professora".
Problemas com os colegas:
"não respeita os colegas", "briga com a turma".
Problemas na família também aparecem como queixa, sendo descritos como:
"problemas familiares", "pais agressivos", "pai alcoólatra", "separação dos pais", entre
outros.
Após a apresentação dos grupos de queixas constantes dos prontuários, no tópico
seguinte analisamos esses dados com ma
ior profundidade.
160
A- Considerações a part ir dos encaminhamentos, do diagst ico (CI D) e das
queixas explicitadas
O diagnóstico F81 aponta uma doença, um transtorno que se revela em uma
"perturbação" da criança no processo de escolarização. Ou seja, o
problema está localizado no
indivíduo, ele é responsável por esse "sintoma", classificado como possuidor de um distúrbio,
e precisa de tratamento específico. Com o emprego desse rótulo, o profissional de saúde
compactua com o pensamento preconceituoso, mui
tas vezes originado na escola, que se isenta
de sua responsabilidade pedagógica e social.
Os encaminhamentos são na maioria das vezes feitos pelas escolas, o que confirma o
relato dos psicólogos nas entrevistas e o que outras pesquisas averiguaram ( PATTO, 1991;
SOUZA, 1996; MOYSÉS & COLLARES, 1992). Nesta pesquisa constatamos que em alguns
prontuários este encaminhamento está anexado à folha de evolução clínica, na qual há
anotações sobre a criança. Em algumas unidades está registrado que ela foi encaminhada pela
escola, mas este documento não se encontra na pasta. Cabe esclarecer que algumas psicólogas
colocam todos os encaminhamentos em um único local, em uma pasta suspensa em seu
armário, na qual estes ficam arquivados. Hipotetizamos que essa forma de organização se
deve ao fato de terem dificuldades para acessar o prontuário geral de cada pessoa que procura
o serviço. Os encaminhamentos que pudemos olhar, observamos que são em grande parte
feitos em papel timbrado da escola, com um pequeno resumo sobre a criança e solicitam
avaliação psicológica e atendimento.
Aquino (1997, p. 93) diz que no momento em que o aluno é encaminhado para
especialistas como o psicólogo, devido a uma dificuldade de ordem cognitiva, emocional ou
comportamental, "está
-
se pedi
ndo explicitamente para que um profissional externo às relações
161
escolares, e portanto ausente delas, conta do enfrentamento de um quadro sintomático
cujas causas remetem à interioridade mesma do cotidiano escolar".
Nessa perspectiva, um desejo de que esta criança seja atendida de forma isolada, o
que para Aquino (ibid.) significa que "o sintoma nunca desaparecerá por completo, pois não
se trata, a nosso ver, de uma disfunção individual (orgânica, psicológica e/ou social), mas do
efeito de uma trama cujas raízes são intransferivelmente institucionais".
No entanto, na maioria das vezes, as relações no âmbito escolar não são questionadas,
embora o alto mero de encaminhamentos revele que a escola está pedindo ajuda, pois não
sabe o que fazer com estas crianças. É evidente que há uma dificuldade no processo de
escolarização, entraves para ensinar esse aluno, principalmente em relação à alfabetização,
pois a faixa etária mais freqüentemente encontrada nos prontuários refere-se aos primeiros
anos do ensino fundamental, momento em que a prioridade é a aprendizagem da leitura e da
escrita. Outro dado importante diz respeito ao alto número de repetências, justificada em
termos como: dificuldade de leitura e escrita, amplamente utilizados como queixas. Souza
(1
996, p. 184) relata que na grande maioria as queixas são atribuídas às crianças "são elas que
trocam letras, não aprendem, brigam com os colegas, desobedecem muito, não sabem se
defender ou se defendem até demais".
É preciso questionar a compreensão dos professores a respeito do processo de
aprendizagem da leitura e escrita. Ao lado disso, é necessário investigar se não está havendo
uma idealização destas crianças, quais são as expectativas dos educadores, quais as suas
concepções sobre o "erro" inserido
no processo de alfabetização. Tais considerações têm a ver
com a formação de professores, pois os mesmos parecem desconhecer o que Ferreiro (apud
AZENHA, 2003) discute a respeito das hipóteses que a criança elabora sobre a leitura e a
escrita, conceitos básicos para entender a natureza do processo de aprendizagem da língua
escrita que muitas vezes ainda são desconhecidos ou pouco compreendidos pelos docentes.
162
Termos como dificuldade de atenção e de concentração são também bastante
encontrados nos encaminhamentos, ou seja, a criança é desatenta e não consegue concentrar-
se nas aulas. Esta é uma queixa das escolas que, dentre outras alegações é considerada como
"déficit" dos alunos, que por isso precisam de atendimento psicológico. Mas a escola não
coloca a possibilidade de que sua metodologia que talvez possa ser desinteressante ou
mecanicista/repetitiva, e que o aluno, por falta de motivação, torna-se desatento às aulas.
Muitas vezes a criança rotulada como aquela que não aprende, desacreditada pelo
profe
ssor, pode manter uma postura distante, como uma defesa para não entrar em contato
com aquilo que acredita não conseguir realizar da forma que é esperada pela escola,
conformando
-
se com o rótulo de fracasso.
Nos aspectos ligados a problemas de atitude des
taca
-se a queixa quanto à
agressividade. Na maioria das vezes, o termo relatado é: "criança agressiva". Ações agressivas
fazem parte da desobediência às regras, tem
-
se a classificação de crianças hiperativas, que não
ficam quietas, e aquelas consideradas nervosas. Essas características apontadas como queixa
escolar dão a idéia que elas se referem exclusivamente à personalidade das crianças e não ao
movimento de suas relações construídas no contexto escolar.
Os comportamentos agressivos nos levam à hipótese de que essas crianças estejam
expressando oposições a determinados procedimentos disciplinares que perpassam a conduta
da instituição escolar. A respeito disso, Focault (1987) explicita a rigidez e controle da escola,
que vão desde a sua organização espacial, até o engessamento dos corpos dos indivíduos. A
forma como os alunos são distribuídos nas salas, por meio da ordenação em fila, define e
restringe o movimento dos corpos, o rigor do tempo nas atividades, o ritmo coletivo e
obrigatório são aspectos citados pelo autor que evidenciam o caráter controlador dessa
instituição, muitas vezes incompatível com o desenvolvimento infantil.
163
Como vimos a respeito dos psicodiagnósticos utilizados, o psicólogo que recebe a
criança e que escuta dos pais ou nos encaminhamentos da escola que ela é agressiva,
hiperativa, geralmente tende recorrer a hipóteses relacionadas ao mundo interno dessa criança
e na sua relação com os pais e demais familiares, até mesmo porque sua formação tem sido
essencialmente clínica, como mostraram as entrevistas. Souza (1996, p. 192) considera que
"se investiga o 'ser agressivo' e não a manifestação de sua agressividade em uma determinada
situação e/ou relação". O que, ao nosso ver, novamente vai ao encontro das concepções da
escola.
O suposto desinteresse pela escola, assim como a suposta lentidão e preguiça podem
ser sinais da falta de interesse por aquilo que a escola está propondo. Nesse sentido, Souza
(1996, p. 193) argumenta que:
a crença em que a memorização, o ritmo e a coordenação motora sejam o
cerne do aprendizado da leitura e da escrita protagonizam metodologias de
ensino que desprezam a curiosidade, o interesse e o questionamento infantis,
enfatizando o aprendizado da língua como algo mecânico, pouco reflexivo.
Os problemas relatados sobre as provas aplicadas pela escola apontam um sentimento
de medo, de insegurança e de hostilidade de algumas crianças. Torna-se necessário, portanto,
questionar a forma como as avaliações têm sido realizadas e o porquê de serem tão temidas
pel
os alunos.
Sousa (1997) discute que as avaliações têm assumido caráter essencialmente
classificatório, na medida em que procuram apontar as diferenças das pessoas, tornando-
se
instrumento de exclusão e controle de comportamento. Para a autora, os erros deveriam ser
condição para o crescimento da criança e aprimoramento do ensino, e apoio à aprendizagem,
e não meio de punição e imposição do poder do educador em relação ao aluno. Sousa (op. cit,
p. 130) considera que "a avaliação como instrumento usado para a discriminação torna-
se
improdutiva pedagogicamente e injusta socialmente".
164
Problemas de relacionamento com professores também são descritos como queixas
pelos psicólogos. São relatos de professoras rígidas e de crianças que m receio de estar com
este
s educadores. Este dado não foi possível aprofundar porque não tínhamos muitas
informações acerca do que realmente pode ter acontecido nesses casos, se foi a família que
fez o relato ou se foi a escola que descreveu esta queixa. De qualquer forma, nesses casos, a
relação entre professor e aluno provavelmente está comprometida e possivelmente constitui
algo que interfere negativamente no processo de ensino-aprendizagem. Como não uma
parceria, as relações são regidas pela demonstração do poder do educador. E talvez por estes
motivos o aluno seja visto como aquele que não respeita o professor e que não lhe obedece,
isto é, não aceita as regras impostas.
Também fazem parte das queixas os problemas com a família mas, da mesma forma
que nos problemas com os professores, as anotações dos psicólogos não revelam se a
informação foi relatada pela família ou descrita nos encaminhamentos, ou ainda se o
psicólogo escreveu suas percepções devido à observação e à avaliação. Contudo, podemos
afirmar que a desestruturação familiar é apontada pelos profissionais como aspecto que se
relaciona às dificuldades de aprendizagem dos filhos. Nas entrevistas, os psicólogos disseram
que algumas famílias se culpam, achando que fizeram algo errado que levou a um não
aprendizado da criança. Por outro lado, é forte a concepção das psicólogas, como
averiguamos nas entrevistas, em acreditar que os pais são desinformados, alcoólatras, e que as
famílias pobres não se interessam pela escola; e sendo assim, nesse raciocínio linear e
simplista
, as crianças possuem problemas de aprendizagem. Segundo pesquisa de Moysés e
Collares (1996), também um discurso dos professores que culpabilizam maciçamente as
famílias dos alunos pelo fracasso escolar das crianças e estas passam a acreditar que são
r
ealmente culpadas.
165
B- Avaliação psicológica, at endimentos of erecidos, encaminhamentos realizados e
outros atendimentos
São poucas as anotações nos prontuários a respeito dos procedimentos avaliativos. Na
maioria deles estão descritos o CID, a queixa, a instituição ou profissional que encaminhou, a
modalidade de atendimento, quando oferecido, e o encaminhamento externo realizado.
Quanto às avaliações propriamente ditas, não há muitos registros.
Contudo, naqueles que pudemos olhar, constatamos que em grande parte é feita uma
anamnese com a mãe, e com a criança o uso de desenhos e jogos. Essa avaliação ocupa de
uma a três sessões. Não foi possível descrever se os desenhos são empregados como testes ou
como tática para estabelecer um vínculo com a criança ou, ainda, com outra finalidade,
porque essas informações não constam nos prontuários: como dissemos anteriormente, os
relatos são muito sucintos. Em apenas uma unidade encontramos descrições do uso de testes
projetivos (HTP, CAT) e de inteligência - nestes, elabora-se um relatório em que a criança é
descrita em aspectos como fantasias, medos, relações familiares - e de desenvolvimento,
raciocínio e memória. Encontramos um prontuário em que a psicóloga relata ter ido à escola
conversar com a professora e su
pervisora, mas não há maiores detalhes sobre esse contato.
Podemos inferir, pelos relatos das entrevistas, em que as psicólogas queixam-se de
que falta material para trabalharem, citando inclusive os testes acima referidos, que a
utilização dos desenhos provavelmente tem um cunho de medida, seja intelectualmente e/ou
afetivamente. Os prontuários confirmam também que as relações da criança com a escola não
são abordadas, conforme foi relatado pelas psicólogas nas entrevistas.
Quanto aos atendimentos oferecidos, na maioria dos prontuários encontra-se a
informação de que as famílias são encaminhadas para grupos de orientação a pais. No período
em que funcionava o Setor de Psicopedagogia, consta nos prontuários que um grande número
166
de crianças foi encaminhada para lá. Das oito unidades em que investigamos os prontuários,
uma delas descreve atendimento de psicoterapia em grupo e individual, e outras três, alguns
atendimentos individuais.
Como encaminhamento externo, após o fechamento do Setor de Psicopedagogia
,
verificamos alguns dirigidos para escolas regulares e de ensino especial, para aulas de reforço
na própria escola da criança, ou para aulas particulares, além dos encaminhamentos para
outros especialistas, como fonoaudiólogos, neurologistas e um para psiquiatra. também
encaminhamentos para a clínica-escola do Curso de Psicologia da Universidade Federal de
Uberlândia.
Conforme relato das psicólogas nas entrevistas, diversas solicitações para que o
Setor de Psicopedagogia seja reaberto, pois conseguia atender toda a clientela que atualmente
fica sem atendimento, uma vez que o ambulatório prioriza outra demanda, os casos mais
graves, de psicose ou neurose grave. Os prontuários confirmam também que o tratamento
oferecido está voltado na maioria das vezes para as famílias, em grupos de orientação, o que
nos remete à concepção de algumas entrevistadas de que as famílias das crianças com queixas
escolares não possuem estrutura para que a criança se desenvolva e talvez por isto necessitem
de orientação.
Como apontamos na última coluna da tabela (ver tabela no apêndice E) propusemo-
nos investigar também quais os outros atendimentos que essas crianças obtiveram na unidade
de saúde. Não conseguimos muitas informações a esse respeito, pois, como dissemos,
grande parte dos prontuários a que tivemos acesso eram internos, constavam de anotações
realizadas das salas das psicólogas, sendo que poucos prontuários gerais estiveram
disponíveis para a pesquisa. De qualquer forma, constatamos que algumas crianças, além do
contato com a psicóloga, estiveram em neurologistas e pediatras ou foram encaminhadas a
estes especialistas. O que hipotetizamos é que muitas dessas crianças vão ao neurologista para
167
investigação orgânica, no sentido de que problemas do Sistema Nervoso Central sejam
apontados como causa dos problemas de aprendizagem. Questionamentos sobre esse tipo de
conduta são realizados por Moysés e Collares (1992), que descrevem a tentativa de aplicar
modelos biológicos aos fenômenos sociais, buscando nessa perspectiva reduzir os problemas
de escolarização a falhas orgânicas. Para as autoras, "as circunstâncias sociais teriam
influência mínima, isentando-se de responsabilidades o sistema sociopolítico e cada um de
seus integrantes" (p. 39). O indivíduo, nessa perspectiva, seria responsável por sua condição
de vida, e esta justificada por um distúrbio ou doença que ele possui. Em decorrência disso,
diversas expressões o utilizadas por vários profissionais para comprovar o problema da
criança (hiperatividade, déficit de atenção, distúrbio de aprendizagem, entre outros),
apontando doenças que patologizam o espaço escolar, repercutindo negativamente sobre as
crianças e denunciando a precária formação desses profissionais.
168
8-
CONSIDERAÇÕES FINAI
S
Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto,
que não deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de
fazer ler, mas de fazer pensar.
Montesquieu
Este trabalho de pesquisa procurou responder à seguinte questão: como os psicólogos
dos ambulatórios da rede pública lidam com a demanda de crianças com queixas escolares
que procuram o setor?
Nas análises das entrevistas e dos registros dos prontuários, encontramos aspectos
semelhantes aos dados obtidos por Souza (1996) em sua pesquisa, no sentido de que as
concepções sobre a queixa escolar ainda estão vinculadas a uma leitura psicologizante e que
patologiza o processo de escolarização. Isso leva a concluir que essas concepções são
desencadeadas por uma rede de fatores que inicia na própria formação dos psicólogos que se
tornam docentes. E a rede se estende com a transmissão desses conhecimentos para seus
alunos, e desse modo, têm-se na atualidade atuações e práticas cotidianas geradas por esta
formação.
Percebemos nas entrevistas que uma visão que tenta considerar os determinantes
sócio
-históricos da queixa escolar, as relações entre os aspectos da intra e intersubjetividade,
porém observa-se uma certa dificuldade em amarrar estes conceitos com a prática. As
psicólogas entrevistadas nesta pesquisa enfatizam que sua formação não lhes ofereceu
suporte para o atendimento de crianças com queixas escolares, bem como para o serviço em
saúde pública. Parece que o problema não está somente na graduação, mas também na pós-
graduação, em particular nos cursos de especialização, haja vista que grande parte das
entrevistadas especializou-se em psicopedagogia. Isto nos faz pensar que novamente a
questão estaria na formação dos docentes, que se restringe a concepções não críticas e a-
169
históricas, que preconizam um indivíduo essencialmente abstrato. Por outro lado, a tentativa
das psicólogas de esboçar explicações mais contextualizadas sobre a queixa escolar sinaliza
que talvez tenham tido contato com a literatura mais crítica, mas que não conseguiram
apreendê
-la por motiv
os que escapam a este estudo.
Maluf (1994) faz questionamentos a respeito dos cursos de psicologia e suas
articulações entre teoria e prática. A autora considera que:
É preciso oferecer aos futuros psicólogos uma formação que os habilite a
reconhecer a interação entre os dados da natureza e os dados da cultura, que
é constitutiva de seu objeto de estudo; que lhes possibilite compreender que
as diferenças de comportamento não se explicam pelas diferenças
individuais, mas pelo par meio social/sujeito (MAL
UF, op. cit, p. 194).
Desse modo, atribuir à queixa escolar um caráter essencialmente psicológico,
desconsiderando as influências do contexto escolar e as relações de ensino e aprendizagem,
revela uma falha na formação profissional, que deveria oferecer subsídios para se refletir
sobre a questão do fracasso escolar de forma critica, problematizando as complexas vivências
no âmbito da vida escolar. A respeito disso, Checchia e Souza ( 2003, p. 126) enfatizam que
Os pressupostos que embasam a ação psicológica em uma abordagem crítica
frente à queixa escolar compreendem os seguintes elementos: compromisso
com a luta por uma escola democrática e com a realidade social; ruptura
epistemológica relativa à visão adaptacionista de psicologia e construção de
uma pr
áxis psicológica frente à queixa escolar.
Souza (1996) considera que a expressão "problemas de aprendizagem" traz o eixo de
compreensão ou para a explicação do fracasso escolar referente ao psiquismo e ao
desenvolvimento do indivíduo, ou para os aspectos pedagógicos, o que denota uma cisão
entre a esfera individual (subjetividade) e social (realidade social), cisão tão marcada no
discurso das nossas entrevistadas!
Concordamos com a autora quando ressalta que o que devemos analisar não são os
"problema
s de aprendizagem", mas, sim, o "processo de escolarização". Em suas palavras:
170
A concepção teórica que nos permite analisar o processo de escolarização e
não os problemas de aprendizagem desloca o eixo da análise do indivíduo
para a escola e o conjunto de relações institucionais, históricas, psicológicas,
pedagógicas que se fazem presentes e constituem o dia a dia escolar. Ou
seja, os aspectos psicológicos são parte do complexo universo da escola,
encontrando
-se imbricados nas múltiplas relações que se estabelecem no
processo pedagógico e institucional nela presentes (SOUZA, 1996, p. 229).
Auxiliar no rompimento da produção do fracasso escolar significa contemplar todos os
fatores determinantes da queixa escolar, englobando os aspectos das relações que
o
produzidas no âmbito educacional. Para Machado e Souza (1997) considerar o "campo de
forças" existentes nas relações escolares é uma busca de se extinguir ações e práticas
engessadas no interior das políticas educacionais. Souza e Checchia (2003, p. 128) mostram
que a queixa escolar é um sintoma gerado nessas relações:
Atender as crianças encaminhadas consiste em atender a produção da queixa,
que é considerada um sintoma social. E, para entendê-la, é imprescindível o
acesso à rede social de relações (incluindo professores, escola, pais e
alunos), que são vistas como relações de poder e podem produzir e
intensificar ou não este sintoma.
Souza e Machado (1997, p. 37) afirmam que é "nas relações e nas práticas que se
produzem as objetivações, então, as perguntas devem ser feitas sobre as relações e as práticas
e não sobre os objetos". Ou seja, a investigação deve estar voltada para a constituição da
historicidade das diversas redes que compõem as rel
ações do indivíduo.
No entender de Souza e Checchia (2003), cabe ao psicólogo levantar, questionar e
investigar as determinações sócio-históricas que constituem o processo de
escolarização/educação. Segundo as autoras,
O compromisso profissional do psicólogo com uma concepção política
emancipatória também implica uma ética profissional que reside na
indignação diante da humilhação e das práticas disciplinares e pedagógicas
que retiram do sujeito o seu status de ser pensante. E, ao considerar a não
natural
ização das ações humanas, das práticas sociais e pedagógicas, essa
ética possibilita o aprofundamento da crítica teórico-metodológica no campo
de conhecimento da Psicologia (SOUZA; CHECCHIA, op. cit, p. 130).
171
Percebe
-se então é que a crença, tanto dos psicólogos como também dos educadores,
de que as dificuldades de aprender estão nas crianças está levando alunos para classes
especiais , gerando indisciplina, agressividade, baixa auto-estima, auto-conceito negativo e
marginalização. Pais e professores entram em conflito, muitas vezes uns jogando a culpa nos
outros ou na própria criança e, por fim, esta é que sofre toda a conseqüência do preconceito e
estigmatização.
Por outro lado, profissionais da saúde muitas vezes disparam críticas aos educadores,
desc
onsiderando suas ansiedades e dificuldades. Raramente tentando formar parcerias, as
duas instâncias se isolam, mantendo-se distantes e cada qual envolvida em suas próprias
defesas, impossibilitando aberturas para trocas e comunicação.
Os Programas de Saúde da Família exemplificam a dificuldade apontada pelas
entrevistadas em atuar em projetos diversos, na rede pública, porque sua participação nesse
programa exige reflexão sobre o papel do psicólogo junto a equipes multiprofissionais no
trabalho com as comunidades, devendo voltar-se para a necessidade real das pessoas e para
situações vividas para elas. Observamos que a inserção do psicólogo nesse projeto tem sido
muito sofrida, pois na maioria das vezes o profissional sente que não está apto para conduzir-
se conforme a proposta desse programa, que está acostumado a atender clinicamente em
sua sala. Esses entraves remetem a possíveis lacunas existentes na formação do psicólogo,
resultante de um currículo que parece não oferecer embasamento para uma atuação que
extrapole o modelo clínico.
Entretanto, essas novas possibilidades para o exercício da profissão em programas
como o PSF podem trazer interessantes reflexões e promover a construção de projetos
demandados pela população e pelas instituições inseridas na comunidade, contribuindo na
prevenção e promoção de saúde.
172
O psicólogo não pode entrar no jogo de querer encontrar um culpado para o problema
das queixas escolares. Mesmo que houvesse disponibilidade física e humana nos ambulatórios
para atender às solicitações da escola, de atendimentos individualizados, isso não seria a
solução para essa questão. Enquanto não houver compreensão, tanto por parte dos psicólogos
quanto dos educadores, acerca do modo como estas queixas são geradas na instituição
educaci
onal e de que não é o atendimento que irá resolvê-las, continuará a haver essa dança
descompassada entre a saúde mental e a educação.
Acreditamos que o que ocorre com a criança envolve todo o contexto em que esta se
insere: família, escola, seu grupo de amigos, ou seja, sua integralidade. É importante poder
estabelecer parceria com a instituição em que o indivíduo se encontra, refletindo sobre ações
e metodologias que promovam a saúde das crianças e de suas famílias, ao invés de insistir na
doença ou no pr
econceito.
Queremos destacar a fundamental importância da formação do psicólogo,
especialmente durante a graduação, que deveria embasar o trabalho com os problemas
escolares, visto que estes configuram ainda uma grande demanda em nosso país. Acreditamos
qu
e as Novas Diretrizes Curriculares para os cursos de psicologia sinalizam na direção de
uma formação que responderá às reais necessidades da nossa população.
Considerando que algo precisa ser feito em relação à grande demanda existente, uma
alternativa viável dentro do serviço público seria a participação das equipes de Saúde da
Família nas escolas, junto aos professores, em um trabalho de promoção da saúde como um
todo.
Diante dessas considerações, esperamos que este trabalho possa suscitar dúvidas,
inquie
tações, reflexões, produção de outros conhecimentos e, como a epígrafe deste capítulo
explicita, é preciso produzir interrogações, vislumbrando alternativas para a construção de
novas formas ao atendimento das crianças com queixas escolares na rede pública
.
173
9-
REFERÊNCIAS
AQUINO, J. G. O mal-estar na escola contemporânea: erro e fracasso em questão. In:
AQUINO, J. G. (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, 1997. 153 p.
ALMEIDA, S. F. C. (Org.). Psicologia e
scolar
: ética e competências na formação e atuação
profissional. São Paulo: Alínea, 2003. 194 p.
AZENHA, M. da G.
Construtivismo
: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Ática, 2003.
112 p.
AZEVEDO, M. S. Construindo um trabalho integrado em meio a dificuldades e
inconstâncias. In: MORAIS, M. L. S; SOUZA, B. P.(Orgs.). Saúde e educação: muito
prazer!
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. 266 p.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara
Frateschi Vieira. São Paulo: Hucit
ec, 1992.
BOARINI, M. L; BORGES, R. F. Demanda infantil por serviços de saúde mental: sinal de
crise.
Estudos de Psicologia (Natal)
. Vol 3, "paginação irregular", 1998.
BOCK, A. M. B. Aventuras do Barão de Münchhausen na psicologia. São Paulo:
Cortez,1
999. 207 p.
BOCK, A. M. B. Psicologia da Educação: Cumplicidade Ideológica. In: ANTUNES ,M.
A. M.; MEIRA, M. E. M. (Orgs.). Psicologia Escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2003. 168 p.
BOCK, A. M. B.; et al. Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In:
BOCK, A. M. B. A psicologia sócio-
histórica
: uma perspectiva crítica em psicologia. São
Paulo: Cortez, 2001. 224 p.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S.
Investigação qualitativa em Educação- uma introdução à teori
a
e dos métodos. Tradução Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourenho
Baptista. Portugal: Porto Editora, 1994.
174
CABRAL, E.; SAWAYA, S. Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares:
os psicólogos nos serviços de saúde.
Estudos de Psicologia (Natal).
Vol. 6, p.143
-
155, 2001.
CAMPOS, S. de; PESSOA, V. J. F. Discutindo a formação de professores com Donald
Schön. In: GERALDI, C. M. G; FIORENTINI, D. ;PEREIRA, E. M. A (Orgs.).
Cartografias
do
trabalho docente:
professor(a)
- pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado de letras:
Associação de Leitura do Brasil
-
ALB, 1998. 335 p.
CANEN, A. Universos culturais e representações docentes: Subsídios para a formação de
professores para a diversidade cultural. Educação & Sociedade
.Vol.2
2, "paginação
irregular" , 2001.
CHECCHIA , A. K. A. ; SOUZA, M. P. R. Queixa escolar e atuação profissional:
apontamentos para a formação de psicólogos. In: ANTUNES ,M. A. M.; MEIRA, M. E. M.
(Orgs.).
Psicologia Escolar
: teorias críticas. São Paulo: C
asa do Psicólogo, 2003. 168 p.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO & CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR.
Resolução 8, de 7 de maio de 2004. Psicologia Teoria e Pesquisa, Brasília, vol. 20, n. 2,
p. 205
-
208, maio
-
ago, 2004.
CONTINI, M. de L. J. O psicólogo e a promoção de saúde na educação. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2001. 183 p.
CRUZ, S. H. V. Representação de escola e Trajetória Escolar. Psicologia USP. Vol,
8,"paginação irregular", 1998.
DICKEL, Adriana. Que sentido em se falar em professor pesquisador no contexto atual?
Contribuições para o debate. In: GERALDI, C. M. G, FIORENTINI, D. ,PEREIRA, E. M. A
(orgs).
Cartografias do trabalho docente:
professor(a)
- pesquisador(a). Campinas, SP:
Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil
-
ALB, 1998. 33
5 p.
DIMENSTEIN, M. D. B. O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a
formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia (Natal). Vol,3, "paginação
irregular", 1998.
175
______ A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista: implicações para a
prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia (Natal). Vol,5 p. 49-
70,2000.
FONTANA, Roseli, C. Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
204p.
FOUCAULT, M.
Vigiar e punir
: histór
ia da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, p. 125
-
146, 1987. 277 p.
FREITAS, M. T. A.
Vygotsky e Bakhtin
-
Psicologia e Educação:
um intertexto. São Paulo:
Ática, 1994 (a). 168 p.
FREITAS, M. T. A. O pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil. São Paulo: Papirus,
1994 (b). 192 p.
FREITAS, M. T. A. A abordagem cio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa
.
Cadernos de pesquisa
. Nº 116, "paginação irregular", 2002.
FRELLER, C .C. Crianças portadoras de queixa escolar: reflexões sobre o atendimento
psicológico. In: MACHADO, A.M & SOUZA,M.P(Org.). Psicologia Escolar: em busca de
novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.189 p.
GÓMEZ, A. P. O pensamento prático do professor: A formação do professor como
profissional reflexivo. I
n: NÓVOA, A. (Coord.).
Os professores e
a sua formação
. Tradução
Graça Cunha, Cândida Hespanha, Conceição Afonso e José A. Souza Tavares. 3. Ed. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1997. 158 p.
GONZÁLEZ REY, F. L. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. Trad.
Marcel Aristides Ferrada Silva. São Paulo: Pioneira, 2002. 187p.
GONÇALVES, M. da G. M. A psicologia como ciência do sujeito e da subjetividade: a
historicidade como noção básica. In: BOCK, A. M. B. et al. A psicologia sócio-
histórica
:
uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. 224 p.
GONÇALVES, M. da G. M. Fundamentos metodológicos da psicologia sócio-histórica. .In:
BOCK, A. M. B. A psicologia sócio-
histórica
: uma perspectiva crítica em psicologia. São
Paulo: C
ortez, 2001. 224 p.
176
HELLMAN, I. A psicanálise e o professor. In: SUTHERLAND, J.D. (Org.). A psicanálise e
o pensamento contemporâneo
. Rio de Janeiro: Imago, 1973.
LEITE, I. Emoções, sentimentos e afetos: uma reflexão sócio-histórica. Araraquara: JM
edi
tora, 1999. 113 p.
LO BIANCO A. C. et al. Concepções e atividades emergentes na psicologia clínica:
implicações para a formação. In: ACHAR, R. (Coord. ). Psicólogo brasileiro: práticas
emergentes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1994. 310 p.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. A pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU, 1986. 99 p.
MACHADO, A. M ; SOUZA, M. P. R (Orgs.). Psicologia Escolar: em busca de
Novos
Rumos
. São Paulo: Casa do Psicólogo,1997. 189 p.183
p.
MACHADO, A. M. Os psicólogos trabalhando com a escola: intervenção a serviço do quê?
In: ANTUNES ,M. A. M.; MEIRA, M. E. M(Orgs.). Psicologia Escolar: práticas críticas.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. (b)128 p.
______. Avaliação Psicológica na
Educação: Mudanças necessárias. In: TANAMACHI, E. de
R., SOUZA, M. P .R., ROCHA, M .L (Orgs.). Psicologia e
Educação:
desafios teóricos-
práticos. São Paulo, 2000. 183 p.
______. Avaliação e fracasso: a produção coletiva da queixa escolar. In: AQUINO, J. G.
(Org.)
Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997.
153 p.
MALUF, M. R. Formação e atuação do psicólogo na educação: dinâmica de transformação.
In: ACHAR, R. (Coord. ). Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a
formação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. 310 p.
MEIRA, M. E. M. ; ANTUNES, M. A. M. (Orgs.). Psicologia Escolar: teorias críticas. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. (a) 168 p.
MEIRA, M. E. M. ; ANTUNES, M. A. M. (Orgs.).
Psic
ologia Escolar
: práticas críticas. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. (b) 128 p.
177
MEIRA, M. E. M. Construindo uma concepção crítica de psicologia escolar: contribuições da
pedagogia histórico-crítica. In: MEIRA, M. E. M. ; ANTUNES, M. A. M. (Orgs.).
Ps
icologia
Escolar
: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. (a) 168 p.
MOYSÉS,M. A. A. A institucionalização invisível- crianças que não- aprendem- na escola.
São Paulo: Mercado de Letras, 2001. 264 p.
MOYSÉS, M. A. A., COLLARES, C. A. L. A história não contada dos distúrbios de
aprendizagem.
Cadernos CEDES
28, Campinas, CEDES/Papirus, p. 31
-
47, 1992.
______.
Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez,
1996. 264 p.
_____ .Inteligência abstraída, crianças silenciadas: as avaliações de inteligência.
Psicologia
USP
. São Paulo, v. 8, n. 1, p. 63
-
89, 1997.
MORAIS, M. L e SOUZA, B. P (Orgs.). Saúde e Educação: muito prazer! Novos rumos no
atendimento a queixa escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. 266 p
.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (Coord.). Classificação de Transtornos Mentais e
de Comportamento da CID- 10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Trad. Dorgival
Caetano. Porto Alegre: Artes médicas, 1993.
PATTO, M. H. S . A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
______(Org.).
Introdução à Psicologia Escolar
. São Paulo: T.A. Queiroz, 1981. 430 p.
______ A família pobre e a escola pública: anotações sobre um desencontro.
Psicologi
a USP
.
3 (1/2) p.107
-
121, 1992.
______ Para uma crítica da razão psicométrica. Psicologia USP. São Paulo, v. 8, n. 1, p. 47-
67, 1997.
QUEIROZ, M. I. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva
.
São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.
171 p.
178
REGO, T. C. Configurações Sociais e Singularidades: O impacto da Escola na Constituição
dos Sujeitos. In: OLIVEIRA, M. K. et. al. (Orgs.). Psicologia, Educação e as temáticas da
vida contemporânea
. São Paulo: Moderna, 2002.
RIBEIRO, M. J; SILVA, S. M. C; RIBEIRO, E. E. T. Avaliação qualitativa de crianças com
queixas escolares: contribuições da psicologia educacional.
Interações
. vol. 3 n. 5, p. 75-
92,
jan./jun, 1998.
RIBEIRO, M. J, MARÇAL, V. P .B, SILVA, S. M. C. A queixa escolar na infância: uma
proposta de avaliação em grupo. In: Revista da Sociedade de Psicologia do Triângulo
Mineiro
, vol.3, n.4, jan/jun 2000, p. 45
-
52.
RUBINSTEIN, E. R. O estilo de aprendizagem e a queixa escolar: entre o saber e o
conhecer .São Paulo: Casa do Psicól
ogo, 2003.
SAWAYA, S. M. Novas perspectivas sobre o sucesso e o fracasso escolar. In: OLIVEIRA,
M. K. et. al. (Orgs.). Psicologia, Educação e as temáticas da vida
contemporânea.
São
Paulo: Moderna,2002. 287 p.
______. O pensamento de Vygotsky como fonte de reflexão sobre a Educação.
Cadernos
Cedes.
nº 35, p. 79
-
93,1995.
SILVA, R. C. A formação do psicólogo para o trabalho na saúde pública. In: CAMPOS,
F.C.B.(Orgs.).
Psicologia e Saúde
-
repensando práticas. São Paulo: Hucitec,1992. 121 p.
SOUZA, M. P. R. Problemas de aprendizagem ou problemas de escolarização? Repensando o
cotidiano escolar à luz da perspectiva histórico-crítica em Psicologia. In: OLIVEIRA, M. K.
et. Al. (Orgs.). Psicologia, Educação e as temáticas da vida
contemporânea
. São Paulo:
Mo
derna, 2002. 287 p.
SOUZA, M .P. R
. A Queixa Escolar e a formação do psicólogo
. Tese (doutorado)
-
Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1996.253 p.
______. A queixa escolar na formação de psicólogos: Desafios e perspectivas In:
TANAMACHI
, E. de R., SOUZA, M. P. R., ROCHA, M. L (Orgs.). Psicologia e
Educação
:
desafios teóricos
-
práticos. São Paulo, 2000. 183 p.
SOUSA, S. M. Z. L. Avaliação escolar e democratização: o direito de errar. In: AQUINO, J.
G (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. Saõ Paulo: Summus,
1997. 153 p.
179
SMOLKA, A. L. B.; GOES, M. C. R. D.; PINO, A. A constituição do sujeito: uma questão
recorrente? In: WERTSCH, J. V.; RÍO, P. D.; ALVAREZ, A. Estudos socioculturais da
mente
. Porto Alegre: A
rtMed, 1990. 214 p.
SPOSITO, M. P. Família e Educação: uma questão em aberto. Psicologia USP. São Paulo, 3
(1/2), 09
-
12, 1992.
TANAMACHI, E. R. ; MEIRA, M. E. A atuação do Psicólogo como expressão do
pensamento crítico em psicologia e educação. In: ANTUNES ,M. A. M.; MEIRA, M. E. M.
(Orgs.)
Psicologia Escolar
: práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. (b)128 p.
VYGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:
VYGOTSKY, L. S; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. L
inguagem,
Desenvolvimento e
aprendizagem
. Tradução Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Ícone, 2001. 228 p.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Trad. José C. Neto, Luis S. M. Barreto,
Solange C. Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 168 p.
180
10
-
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALMEIDA, S. F. C. O Papel da escola na educação e prevenção em Saúde Mental.
Estilos da
Clínica
. Instituto de Psicologia USP, vol.1, n.1, São Paulo, pp. 112
-
119, 1996.
ANTUNES, M. A. M. A Psicologia
Escolar na implementação do projeto político
-
pedagógico
da rede municipal de ensino de Guarulhos: construindo um trabalho coletivo. In: ANTUNES,
M. A. M.; MEIRA, M. E. M. Psicologia Escolar: práticas críticas. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2003. (b)128 p.
AGUIAR, W. M. J. ; GALDINI, V. Intervenção junto a professores da rede pública:
potencializando a produção de novos sentidos. In: : ANTUNES ,M. A. M.; MEIRA, M. E. M.
Psicologia Escolar
: práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. (b)128 p.
BRITTO, L. V.
A subjetividade do professor: significados e sentidos do cotidiano escolar.
Dissertação (mestrado), Universidade Federal de Uberlândia- Mestrado em Educação, 2004.
132 p.
CARRAHER, T. N; CARRAHER, D. W; SCHLIEMANN,A. D. Na vida dez; na escola zero:
os contextos culturais da aprendizagem da matemática. Cadernos de Pesquisa. São Paulo,
n.42, p.79
-
86, 1982.
FAZENDA, I.(Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
174 p.
FERNANDES, Cleudemar Alves & SANTOS, João Bôsco Cabral (Orgs).
Teorias
Lingüísticas
: Problemáticas Contemporâneas. Uberlândia: EDUFU, 2003.
FONTANA, R. A. C. Trabalho e subjetividade. Nos rituais da iniciação, a constituição do ser
professora.
Cadernos Cedes
. Campinas, SP, 50, pp.103-
119, 2000.
181
FONTANA, R.; CRUZ, N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. 230
p.
FRELLER, C. P. Pensando com Winnicott sobre alguns aspectos relevantes ao processo de
ensino e aprendizagem.
Psicologia USP
. São Paulo, vol.10, n.2, p.189
-
203,
1999.
GONÇALVES, T. O, GONÇALVES, T. V. O. Reflexões sobre uma prática docente situada:
buscando novas perspectivas para a formação de professores. In: GERALDI, C. M. G,
FIORENTINI, D. ,PEREIRA, E. M. A (Orgs). Cartografias do trabalho docente:
professor
(a)
- pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do
Brasil
-
ALB, 1998. 335 p.
HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.).
Vidas
de professores
. 2 ed, caps 2, 4; Porto: Editora, 1995. 214 p.
LAJONQUIÈRE, L. de. Infância e Ilusão (Psico) Pedagógica- escritos de
psicanálise e educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999. 203 p.
MARTIN
-BARO, I. O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia. Vol. 2,n. 1, p. 7-
27,
jan/jun, 19
97.
MELLO, S. L. Classes populares, família e preconceito. Psicologia USP. São Paulo, 3 (1/2),
p. 123
-
130, 1992.
NÓVOA, A. (Coord). Os professores e a sua formação. Tradução Graça Cunha, Cândida
Hespanha, Conceição Afonso e José A. Souza Tavares. 3 ed. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1997. 158 p.
PAIVA, S. G. A. (In) disciplina na escola e o processo de constituição de sujeitos no
cotidiano da sala de aula. Dissertação (mestrado), Universidade Federal de Uberlândia-
Mestrado em Educação, 2004. 205 p
.
PATTO, M. H. S. Leôlo, Leolô: O trabalho e o sonho. Psicologia USP. São Paulo, vol. 9, n.
2, p. 139
-
150, 2001.
PIMENTA, S. G. Professor Reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA. S. G &
GHEDIN, E.(Org.). Professor reflexivo no Brasil- Gênese e crítica de um conceito. São
Paulo: Loyola, 1996. 224 p.
182
SAWAYA, S. M. A infância na pobreza urbana: linguagem oral e a escrita da história pelas
crianças.
Psicologia USP
. São Paulo, vol. 12, n. 1, pp. 153
-
178, 2001.
SILVA, A. M; PINHEIRO, M. S. F; FREI
TAS, N. E.
Guia para normalização de
trabalhos
técnico
-
científicos:
projetos de pesquisa, monografias
,
dissertações e teses. Uberlândia,
EDUFU, 2002. 159 p.
SIRGADO, A. P. O social e o cultural na obra de Vygotsky. Educação &
Sociedade
.
Campinas, vol. 21
n. 71, jul 2000.
SOUZA, M C. C. C. À sombra do Fracasso Escolar: A Psicologia e as práticas pedagógicas.
Estilos da Clínica
. Psicologia USP, São Paulo Ano III, n. 5, pp 63
-
83, 1998.
183
ANEXO A
-
Parecer do Comitê
de Ética da Universidade Federal de Uberlândia
184
APÊNDICE A
-
1º ROTEIRO DE ENTREVISTA
Sexo: Idade:
Ano de término da graduação:
Pós
- Graduação: ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Pós-
dout
orado
Àrea da Pós
-
graduação:
quanto tempo trabalha em ambulatório de Saúde
Mental?_____________________________________________________________________
Atividade que exercia anteriormente ao Ambulatório de Saúde
Mental:____________
_________________________________________________________
Exerce alguma atividade concomitante ao Ambulatório de Saúde
Mental?____________________________________________________________________
1. Aqui no ambulatório existe uma demanda de crianças com que
ixas escolares?
2. Esta demanda vêm com algum tipo de encaminhamento? De onde?
3. Como estes encaminhamentos são feitos? Por escrito? Qual o conteúdo? Quem
escreveu? Por telefone? Quem faz a ligação?
4. A escola faz algum tipo de solicitação?
5. Como
você recebe estes encaminhamentos?
6. O que a família traz? Como ela relata a queixa? Quais sentimentos que você percebe
perante ao discurso da família em relação ao filho?
7. Que tipo de avaliação diagnóstica você faz?
8. Você entra em contato com a esco
la? De que maneira isso é feito?
9. Quais são os procedimentos em relação à criança e à família?
10. Como você finaliza a avaliação (devolutiva)?
11. Terminada a avaliação o que acontece com a criança?
12. Para você, o que é um problema de aprendizagem es
colar?
13. Você acredita que a sua formação lhe dá suporte para atender este tipo de queixa? Por
que?
14. Você enfrenta problemas que são da instituição (unidade de saúde) para atendimento deste
tipo de queixa? Qual(is)?
15. Gostaria de falar mais alguma c
oisa sobre o assunto?
185
APÊNDICE B
- 2º ROTEIRO DE ENTREVISTA
Sexo:
Idade:
Ano de término da graduação:
Pós
-
Graduação: ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Pós
-
doutorado
Àrea da Pós
-
graduação:
Há quanto tempo que trabalha em ambulatório
de Saúde Mental?_______________________
Atividade que exercia anteriormente ao Ambulatório de Saúde
Mental?_____________________________________________________________________
Exerce alguma atividade concomitante ao Ambulatório de Saúde
Mental?___________
__________________________________________________________
1
- Aqui no ambulatório existe uma demanda de crianças com queixas escolares?
2
-
A demanda com queixa escolar vem com algum tipo de encaminhamento? De onde?
3
- Como estes encaminhamentos são feitos? Por escrito? Qual o conteúdo? Quem
escreveu? Por telefone? Quem faz a ligação?
4-
A escola faz algum tipo de solicitação?
5-
Como você recebe estes encaminhamentos?
6- O que a família traz? Como ela relata a queixa? Quais sentimentos que você percebe
perante ao discurso da família em relação ao filho?
7-
Que tipo de procedimentos você faz?
8-
Você entra em contato com a escola? De que maneira isso é feito?
9-
Como você finaliza a avaliação (devolutiva)?
10
-
Terminada a avaliação o que acontece com a crian
ça?
11
-
Para você, o que é um problema de aprendizagem escolar?
12
- Você acredita que a sua formação lhe dá suporte para atender este tipo de queixa? Por
que?
13
-
Quais são suas condições de trabalho na sua Unidade?
14
-
Gostaria de falar mais alguma coisa sobre o assunt
o?
186
APÊNDICE C
-
1º TERMO DE CONSENTIMENTO
Caro (a) psicólogo (a),
Estou realizando uma pesquisa para investigar a existência de demanda de crianças
com dificuldades de aprendizagem escolar e de que forma a mesma tem sido atendida, nos
ambulatórios da rede pública de Saúde Mental da cidade de Uberlândia. Esta pesquisa será
coordenada por mim, aluna do curso de mestrado em Psicologia Aplicada da Universidade
Federal de Uberlândia, sob orientação da professora Dra. Silvia Maria Cintra da Silva.
Contarei também com o auxílio de duas alunas do curso de Psicologia . Para tanto, serão
realizadas entrevistas semi-abertas, com base em um breve roteiro. Com o intuito de facilitar
o levantamento de informações, gostaríamos, se possível de registrar em áudio as suas
palavras. Salientamos que o conteúdo da entrevista será mantido sob sigilo, e os dados finais,
colocados à disposição dos entrevistados, resguardadas as identidades dos mesmos.
Ressaltamos também que sua participação não envolverá qualquer tipo de despesa.
Desde colocamo-nos à inteira disposição (e-
mail:
, Fone:
3229
-2118) para os esclarecimentos que se fizerem necessários, durante todo o transcorrer da
pesquisa e agradecemos sua preci
osa colaboração.
Atenciosamente,
Viviane Prado Buiatti Marçal
Pesquisadora responsável
Declaro, após ter lido os esclarecimentos acima explicitados, concordar em participar da
pesquisa coordenada pela aluna mestranda Viviane Prado Buiatti Marçal.
______
____________________________________________________________________
187
APÊNDICE D
-
2º TERMO DE CONSENTIMENTO
Cara Coordenadora das Ações em Saúde Mental: Marisa Alves dos Santos
Estou realizando uma pesquisa para investigar a existência de demanda de crianças
com dificuldades de aprendizagem escolar e de que forma a mesma tem sido atendida, nos
ambulatórios da rede pública de Saúde Mental da cidade de Uberlândia. Esta pesquisa será
coordenada por mim, aluna do curso de mestrado em Psicologia Aplicada da
Universidade
Federal de Uberlândia, sob orientação da professora Dra. Silvia Maria Cintra da Silva.
Contarei também com o auxílio de duas alunas do curso de Psicologia. Para tanto serão
realizadas entrevistas semi-abertas, com psicólogos da rede ambulatorial, com o termo de
consentimento devidamente assinado pelo profissional da unidade. Com o intuito de
levantamento de informações, gostaríamos de realizar uma pesquisa nos prontuários de
crianças encaminhadas com queixas escolares, desde o ano de 2000. Salientamos que o
conteúdo dos mesmos será mantido sob sigilo, e os dados finais colocados à sua disposição.
Desde agradeço a sua colaboração e coloco-me à inteira disposição para os
esclarecimentos que se fizerem necessários, durante todo o transcorrer da pesquisa.( e-
mail:
)
Atenciosamente,
Viviane Prado Buiatti Marçal
Pesquisadora responsável
Declaro, após ter lido os esclarecimentos acima explicitados, consentir com a pesquisa
co
ordenada pela aluna mestranda Viviane Prado Buiatti Marçal.
__________________________________________________________________________
188
APÊNDICE E
-
TABELA DE REGISTRO DOS PRONTUÁRIOS
Quantidade de crianças: Faixa etária:
Período:
CID
Queixa
Como chegou ao setor
Avaliação
psicológica
Atendimento
oferecido
Encaminhamento
externo
Outros
atendimentos
189
APÊNDICE F
-
QUEIXA ESCOLAR X QUEIXA EMOCIONAL
"Bom, às vezes a gent e não precisa f azer um acompanhamento,
principalmente se a queixa f or só de aprendizagem; a gent e o tem no
serviço
blico um atendimento escolar, a gent e o f az psicologia escolar, a gent e f az
psicologia clínica, né. Então quando a dif iculdade é só de aprendizagem, mesmo se
o f ator emocional t á legal, se a f amília t á com uma estrut ura legal, um suporte
legal,
e a dif iculdade é de repetência, sempre t eve essa dif iculdade, então aí a
mãe vai acabar procurando outro recurso".
"Se a criança precisar eu posso f azer alguma coisa por ela, clinicamente,
eu faço".
"Então eu tenho trabalhado o emocional e a parte peda
gógica não tem como
trabalhar".
"Problema emocional eu posso olhar, que problema de aprendizagem eu
não estou habilitada a olhar".
190
APÊNDICE G
-
OS PSICÓLOGOS E A ESCOLA
"Eles querem que a criança volt e bonit inha, mas eles não interessam em
buscar orientação, sabe? Eles não interessam em vir saber como est á o
andamento do at endimento, eles o vem, eles mandam, eles encaminham e
pronto".
"É um problema grave, mas de inadequação mesmo, de não assumir o seu
papel, quando assume, às vezes não
assume adequadamente".
"E como se f osse assim, depois que eu encaminhei, já f iz a minha parte, eu
sinto muito isso, sabe. Porque nunca ligaram pra pedir um relatório, uma
devolutiva, pra saber como que a criança está ou se foi atendida".
191
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UfU
Setor de
Catalogação e Classificação
M313q Marçal, Viviane Prado Buiatti
A queixa escolar nos ambulatórios de saúde mental da rede
pública de Uberlândia : pr
áticas e concepões dos psicólogos /
Viviane Prado Buiatti Marçal.
Uberlândia, 2005.
190f.
Orientador: Silvia Maria Cintra da Silva.
Dissertação (mestrado)
universidade Federal de
Uberlândia, Programa de Pós
-
Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.
1.
Psicologia da aprendizagem
Teses. 2. Psicologia educa
-
cional
Teses.
3. Psic
ólogos
Forma
ç
ão
profissional
Teses.
I.
Silv
a,
S
ilvia
Maria Cintra da.
II. Universidade Federal de Uberl
ân
-
dia
. Programa de P
ós
-
Gradua
ção em Psicologia. III. T
ítulo.
CDU: 159.953.5(043.3)
This document was created with Win2PDF available at http://www.daneprairie.com.
The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo