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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
RAPHAEL ALBERTO RIBEIRO
ALMAS ENCLAUSURADAS:
práticas de intervenção médica, representações
culturais e cotidiano no Sanatório Espírita de
Uberlândia (1932-1970
)
Uberlândia
2006
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2
RAPHAEL ALBERTO RIBEIRO
ALMAS ENCLAUSURADAS:
práticas de intervenção médica, representações
culturais e cotidiano no Sanatório Espírita de
Uberlândia (1932-1970
)
Dissertação apresentada à banca
examinadora do Programa de Pós-
graduação em História, da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em
História. (Área de Concentração:
História Social)
Orientadora: Maria Clara Tomaz
Machado
Uberlândia
2006
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3
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de
Catalogação e Classificação / mg / 08/06
R484a
Ribeiro, Raphael Alberto, 1975-
Almas enclausuradas : práticas de intervenção médica,
representações culturais e cotidiano no Sanatório Espírita de
Uberlândia (1932-1970) / Raphael Alberto Ribeiro. Uberlândia,
2006.
163 f.
Orientador: Maria Clara Tomaz Machado.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uber -lândia,
Programa de Pós-Graduação em História.
Inclui bibliografia.
1. História social - Teses. 2. Loucura – Teses. I. Machado,
Maria Clara Tomaz. II. Universidade Federal de Uberlândia.
Programa de Pós-Graduação em História. III. Título.
CDU: 930.2:316
4
RAPHAEL ALBERTO RIBEIRO
ALMAS ENCLAUSURADAS:
práticas de intervenção médica, representações culturais e
cotidiano no Sanatório Espírita de Uberlândia (1932-1970)
Dissertação apresentada à banca
examinadora do Programa de Pós-
graduação em História, da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em
História. (Área de Concentração:
História Social)
Orientadora: Maria Clara Tomaz
Machado
Banca Examinadora
___________________________________________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Puga
___________________________________________________________
Profª. Drª. Yonissa Marmitt Wadi
___________________________________________________________
Profª. Drª. Maria Clara Tomaz Machado
5
AGRADECIMENTOS
Oito anos de convívio com colegas e professores da Universidade Federal de
Uberlândia foram cruciais para a realização deste trabalho. Toda produção de
conhecimento precisa ser compartilhada e devo muito a estas pessoas que um dia tive a
chance de conhecer. Nestes momentos é imprescindível que tenhamos a humildade de
admitir que também aprendemos com aqueles que não temos quase nenhuma afinidade.
É impossível citar todos os nomes, por isso agradeço, essencialmente, professores e
alunos do curso de História.
É natural que parte da nossa personalidade seja encontrada também em nossos
amigos, tal como nos diz a lei de afinidade. Agradeço profundamente aos amigos do
peito, pessoas que ajudaram na minha transformação, diariamente. Seria injustiça
esquecer um que fosse, por isso cito apenas Jussara, com quem convivi por quase seis
anos ininterruptos, pessoa que sempre amarei.
Um agradecimento todo especial à professora da minha banca de qualificação,
Luciene Lehmkuhl, pela disposição de participar e pelas inúmeras contribuições que me
foram valiosas.
Devo agradecer duplamente à Vera Lúcia Puga, por aceitar participar da defesa e
também do exame de qualificação. Além de sempre gentil, respeitando o aluno, nos
incentivando, as suas dicas na qualificação me ajudará bastante em um futuro próximo.
Foi com bastante satisfação que recebemos a notícia do comparecimento da
professora Yonissa Marmitt Wadi para a defesa da minha dissertação de mestrado. O
seu primeiro livro, resultado de sua dissertação me influenciou muito na escrita deste
trabalho.
Um agradecimento todo especial à minha orientadora Maria Clara T. Machado.
Foram anos de boa convivência, muito aprendizado acadêmico e pessoal. Serei
eternamente grato por tudo.
6
RESUMO
A proposta deste trabalho é pensar a loucura e sua institucionalização na cidade
de Uberlândia. Esta discussão envolvendo a temática da loucura continua atual e
instigante por tudo que ela representou e ainda representa em nossa sociedade. Dúvidas
têm surgido de maneira intensa em torno da grande incógnita que envolve a loucura.
Quais os indícios que evidenciam a loucura? Mais ainda, a loucura realmente existe?
Muitas outras indagações estão colocadas, inclusive questionando o discurso médico,
que antes se apresentava como vencedor, como também suas práticas e técnicas
curativas. Em contrapartida, percebemos hoje o quanto foram importantes os debates de
outros segmentos da sociedade, que, de uma maneira ou de outra, não aceitaram a
imposição do saber psiquiátrico.
Este trabalho de pesquisa nasceu a partir de uma vasta documentação encontrada
no Sanatório Espírita de Uberlândia, instituição fundada em 1942 e desativada em
meados dos anos 90. São 29 livros contendo inúmeros prontuários dos internos de 1942
a 1959. Nesta documentação encontramos informações sobre o motivo da internação,
relatado pelo responsável do asilado, diagnóstico e prognóstico, muitos deles por
psicografias, terapêuticas utilizadas, entre outras.
Tendo em vista as diversas possibilidades de análise desta documentação, o
campo de reflexão utilizado na pesquisa tem como premissa trabalhar os complexos
discursos que foram elaborados sobre a insanidade presentes na cidade de Uberlândia e,
como isto possibilitou as práticas de sua institucionalização.
Palavras-chaves: Loucura, espiritismo, obsessão, Uberlândia/MG, institucionalização.
ABSTRACT
CONFINED SOULS:
Medical intervention practice, daily and cultural representations in the Sanatório
Espírita de Uberlândia (1932-1970)
The proposal of this work is to think about how madness and its
institutionalization happened in Uberlândia. This discussion involving madness as the
thematic still is current and intriguing for all that it represented and still represents in
our society. Doubts have appeared intensely around the great unknown that involves the
madness. Which are the indications that evidence madness? Or even, madness really
exists? Many other investigations are placed, also questioning the medical speech, that
before was presented as winning, as also its practices and curative techniques. On the
other hand, today we can observe how much the debates of other society segments had
been important, because, in a way or another, they had not accepted the imposition of
psychiatric knowledge.
This research was originated from a vast documentation found in the Sanatório
Espírita de Uberlândia, institution established in 1942 and deactivated in middle 90´s.
They are 29 books containing innumerable handbooks of the interns from 1942 to 1959.
In this documentation we find information about the reason of the internment, report
from the responsible for the sheltered, theirs diagnostics and the prognostics,
therapeutical methods used, among other informations.
Having in mind these documentation possibilities of analysis, the field of
reflection used in this research has as premise to work with complex speeches that had
been elaborated about the insanity present in Uberlândia and understand how it made
possible the institutionalization practical.
Keys words: Madness, spiritualism, obsession, Uberlândia/MG, institutionalization
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
IMAGEM 1 – Sanatório Espírita de Uberaba ....................................................
79
IMAGEM 2 – Sanatório Espírita de Uberlândia ................................................
80
IMAGEM 3 – Sanatório Ismael ............................................................................
80
IMAGEM 4 – Distribuição de Cestas Básicas .....................................................
92
IMAGEM 5 – Dispensário dos Pobres (foto 1) ....................................................
93
IMAGEM 6 – Dispensário dos Pobres (foto 2) ....................................................
93
IMAGEM 7 – Trabalhadores do Sanatório Espírita de Uberlândia ................
112
IMAGEM 8 – Psicografia 1 ...................................................................................
114
IMAGEM 9 – Psicografia 2 ...................................................................................
114
GRÁFICO 1 ............................................................................................................
136
PLANTA ARQUITETÔNICAORIGINAL .....................................................
108
PLANTA ARQUITETÔNICA – REFORMA .....................................................
109
8
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Instituições Assistenciais de Caridade Pública em Uberlândia
(1900-1967) .............................................................................................................
35
TABELA 2 – Subvenções, Contribuições e Auxílios - Despesas diversas .........
63
TABELA 3 – Contribuições Recebidas em Benefício do Sanatório Espírita
de Uberlândia – 1959 ............................................................................................
64
TABELA 4 – Distribuição dos Números da População, segundo a
Religião no Brasil em 2000 ...................................................................................
69
TABELA 5 – Distribuição dos Números da População,
segundo a Religião no Brasil em 1940 e 1950 .....................................................
70
TABELA 6 – Centros Espíritas de Uberlândia ..................................................
90
TABELA 7 – Procedência da Internação ............................................................
113
TABELA 8 – Ficha de enfermos do Sanatório Espírita de Uberlândia - 1942
a 1959 – (ficha 32) .................................................................................................
129
TABELA 9 – Ficha de enfermos do Sanatório Espírita de Uberlândia - 1942
a 1959 – (ficha 38) ..................................................................................................
130
TABELA 10 – Etnia ...............................................................................................
140
TABELA 11 – Tipos de doenças ...........................................................................
141
TABELA 12 – Motivo de saída .............................................................................
142
TABELA 13 – Idade ..............................................................................................
144
9
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................
10
1 - A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA EM UBERLÂNDIA:
discursos de controle e políticas de higienização ......................................................
22
1.1- Uberlândia: urbanização, progresso e exclusão social: entre a cidade
invisível e a real ....................................................................................................
23
1.2- Projeto de exclusão social: a construção do sanatório espírita ..............................
41
1.3- A política da convivência e o processo de legitimação do
Sanatório Espírita de Uberlândia. ........................................................................
57
2 - ESPIRITISMO: atuação política e legitimação social ......................................
68
2.1- O espiritismo no Brasil: trajetória e legitimação ..................................................
69
2.2- Representações espíritas da loucura .....................................................................
86
3 - O COTIDIANO NO SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA ...............
102
3.1- Concretos do esquecimento: a casa da dor ............................................................
103
3.2- Da caridade ao aprisionamento: a destituição do manicômio ...............................
119
3.3- Intervenções médicas e tratamento espírita: sentidos para uma história ...............
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................
147
FONTES DOCUMENTAIS ......................................................................................
149
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................
153
10
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Muitas questões concernentes à institucionalização da loucura, no final do
século XX, serviram, além de outras coisas, para mostrar o descaso e os abusos que
vinham sofrendo os internos. Desde a década de 1970, muitos grupos têm assumido a
defesa por melhores condições ao tratamento psiquiátrico, questionando o monopólio da
psiquiatria no que se refere à decisão daqueles que deveriam ser trancafiados. Isso
propiciou novos olhares à loucura, abrindo um vasto campo de discussão de
contraposição ao saber médico. A penosa realidade dos manicômios foi escancarada em
diversos instrumentos da mídia, propiciando uma certa descrença na terapêutica adotada
pela Psiquiatria. A materialização disto pode ser percebida, por exemplo, na Lei Paulo
Delgado,
1
sancionada em 06 de abril de 2001, que tem proporcionado hoje várias
experiências no tratamento dos transtornos mentais. Entre elas podemos citar na cidade
de Santos - que ficou conhecida nacionalmente a partir da criação da Rádio Tan-Tan -, o
hospital dia adotado como prática em diversas cidades, a arte terapia, o psicodrama,
entre muitos.
As inquietações ainda estão bem presentes em torno da grande incógnita que
envolve a loucura. Quais os indícios que a evidenciam? Mais ainda, a loucura realmente
existe? Muitas outras questões estão colocadas, inclusive questionando-se não só o
discurso médico, que antes apresentava-se como vencedor, como também suas práticas
e técnicas curativas. Em contrapartida, percebemos hoje o quanto foi importante os
debates de outros segmentos da sociedade que, de uma maneira ou de outra, não
aceitaram a imposição do saber psiquiátrico.
2
O interesse por estudar a institucionalização da loucura em Uberlândia aflorou
quando descobrimos uma vasta documentação, os prontuários do Sanatório Espírita de
Uberlândia. A partir destas fichas médicas, a sua maioria havia sido descartada pelos
antigos dirigentes, fomos descortinando os caminhos traçados por segmentos da
sociedade para excluir os seus moradores “anormais” do convívio urbano.
1
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei nº 10.216. Brasília: 06/04/2001.
2
PORTER, Roy. Uma história social da loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. Neste livro
podemos observar a partir das obras de literatos, poetas, e outros que foram submetidos ao internamento
asilar, análises críticas aos métodos aplicados à loucura desde o século XIX.
11
Este trabalho começara na graduação quando eu e mais dois alunos catalogamos
875 prontuários, todos que tivemos acesso, do ano de 1942 à 1959, sob orientação da
professora Maria Clara Tomaz Machado. Para o mestrado, fizemos também entrevistas
com pessoas que tiveram algum envolvimento com o sanatório e uma pesquisa
detalhada do que foi produzido nos jornais locais sobre a instituição e o espiritismo. A
perspectiva de trabalho lançada para este período do mestrado foi pensar a cidade e seu
processo de institucionalização da loucura, atividade esta que tinha relação com a
própria legitimação do espiritismo, por se tratar evidentemente de um hospício espírita.
Um outro caminho que poderíamos ter trilhado era o de recortarmos o Sanatório
Espírita de Uberlândia, (re)construindo a memória elaborada por estes excluídos
sociais, mas este esforço sempre era barrado pela falta de documentação, tais como
cartas de internos, processos-crime, entre outros. Muitos dos prontuários estão sem
informações, ainda que consideremos se tratar de um acervo importantíssimo.
A história do tratamento da loucura em Uberlândia inicia-se em 1932 com a
criação do Penate Allan Kardec, sob direção do Centro Espírita Fé, Esperança e
Caridade, na rua Tenente Virmondes. Com o aumento da cidade, foi preciso construir
uma casa maior, com uma arquitetura apropriada a instituições para esse fim, uma vez
que o Penate era bem pequeno (suportava aproximadamente apenas duas dezenas de
pessoas) e não tinha mais condições de satisfazer os inúmeros casos que requeriam
providências. O Sanatório Espírita de Uberlândia surge em 1942, encabeçado por uma
instituição espírita e criado aos moldes dos hospícios existentes no país, por isso a
relevância de utilizarmos os teóricos que pensaram a loucura e suas práticas de
internamento.
A proposta de estudar uma instituição espírita que pretende assistir à loucura na
década de 40 e 50 nos indicou um caminho de trabalho, quer sejam: uma discussão
acerca do assistencialismo; quais os discursos construídos que tentaram legitimar
práticas de institucionalização; as possíveis tensões de não espíritas com o projeto
institucional. Além da pertinente questão de ter os espíritas um projeto para tratar a
loucura, casando assim os interesses do poder público e da comunidade, como pensar a
atuação do espiritismo na cidade, quais as suas influências perante a comunidade que
propiciou guiar, no começo do século XX, uma tarefa de exclusividade da psiquiatria?
Questões importantes e essenciais, no entanto, devem ser avaliadas. O
manicômio sustentado pela comunidade, por meio de donativos vindos da comunidade
12
de maneira geral, arrecadados pelos militantes espíritas, mostram-nos que tal projeto
institucional “casava” com os interesses da cidade. A prática de caridade, materializada
na gerência da casa manicomial, promovia, de certo modo, o espiritismo na cidade e
região. Daí a proposta de entrecruzar essas práticas assistencialistas com as políticas
implementadas para internar a sujeito considerado insano.
O diálogo com Michel Foucault tem sido importante no que se refere à
constituição da Psiquiatria atrelado às estratégias de isolamento deferido aos sujeitos
estigmatizados como anormal. Portanto, o louco seria alguém com problemas e a sua
internação, seu enclausuramento não tinha apenas o sentido de exclusão, mas
pressupunha, antes de tudo, a cura. Quando pensamos em pesquisar parte dessa história
da institucionalização da loucura não podemos fugir das discussões sobre as formas de
disciplinarização e controle do corpo, especialmente do louco, proporcionadas pelo
saber gerado por esta nova medicina social. Portanto, a constituição da Psiquiatria e a
maneira de conceber a loucura como patológica são discursos elaborados, respaldado
pelo conhecimento científico.
Relativamente, grande parte dos teóricos que se atêm a estudar a loucura, do
ponto de vista da sua institucionalização, remetem suas análises a Foucault, mostrando
sua importância na historiografia. Foi a partir destes trabalhos que uma nova história
social passou a ser escrita, pois
[...] a história não é mais do que um discurso [...] e [...] os eventos
históricos não existem como dados naturais, bem articulados entre si,
obedientes às leis históricas e esperando para serem revelados pelo
historiador bem munido.
3
São evidentes, nas análises de O’BRIEN, as contribuições deste autor na
historiografia. Para essa autora:
[...] Ao fazer a pergunta que faz, ao descentralizar nosso entendimento
da punição como repressão e ao tirá-la do âmbito das interpretações
liberais e marxistas, Foucault foi capaz de substituir a repressão pelo
conceito de normalização – talvez um conceito mais satisfatório para
explicar um sistema (de funcionamento) permanente. Trata-se de um
método, não de uma teoria. A sua contribuição para a escrita da
história não é sua teoria social.
4
3
RAGO, Margareth. O efeito Foucault na historiografia brasileira. Tempo Social - Revista de Sociologia,
São Paulo: USP, v. 7, n. 1 e 2, out.,1995, p. 73.
4
O´BRIEN, Patrice A história da cultura de Michel Foucault. In: HUNT, Lynn (Org.) A Nova História
Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 51.
13
Foucault destaca que a psiquiatria elabora discursos sobre a cura do louco,
buscando respaldado científico para consolidar-se perante a sociedade, numa relação de
saber e poder intrinsecamente ligados
5
. A institucionalização é fruto, portanto, deste
esquadrinhamento necessário à medicina, cuja conseqüência última isola o sujeito
doente afim de estudá-lo e medicalizá-lo
6
. É nesta perspectiva teórica que as instituições
serão consideradas um sistema social de dominação e resistência. Segundo Wadi:
[...] O discurso é um jogo estratégico de ação e reação, de pergunta e
de resposta, de dominação e de esquiva, é também uma luta. Neste
sentido, o discurso é sempre o espaço da articulação entre o saber e o
poder (...).
7
Talvez por isso Roberto Machado afirma que:
[...] só é possível compreender o nascimento da psiquiatria brasileira a
partir da medicina que incorpora a sociedade como novo objeto e se
impõe como instância de controle social dos indivíduos e das
populações. É no seio da medicina social que se constitui a
psiquiatria.
8
A maneira como problematizo as fontes é a partir da escolha do procedimento
teórico-metodológico, aceitando que as práticas sociais emergem da cultura de um
determinado tempo e espaço; a maneira como Roger Chartier trabalha o conceito de
representação tecido também na relação produção/recepção. A realidade, segundo o
autor, é conflituosa, há um constante choque no campo das representações, maneira pela
qual as pessoas se situam no ambiente em que vivem. A preocupação deste autor é
perceber como as atitudes, os embates, as disputas, mas também as alianças, as
consonâncias vão sendo geridas a partir do campo simbólico que se mistura com as
ações, e como as práticas culturais constroem uma representação deste vivido. E isso só
5
FOUCAULT, Michel. A história da loucura na idade clássica. 6 ed, São Paulo: Perspectiva, 1999.
________. Microfísica do poder. 4ªed, Rio de Janeiro: Graal, 1984.
________. Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003..
6
MUCHAIL, Salma Tannus. O Lugar das Instituições na Sociedade Disciplinar. In: RIBEIRO, Renato
Janine (Org.). Recordar Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988.
7
WADI, Yonissa Marmitt. Palácio para guardar doidos. Uma história das lutas pela construção do
hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2002, p. 31.
8
MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no
Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 376.
Cf.: CUNHA, Maria Clementina Pereira. Cidadelas da Ordem. São Paulo: Brasiliense, 1990.
_______. O Espelho do Mundo: Juquery, a história de uma asilo. São Paulo, Paz e Terra, 1998.
14
é possível pelas resignificações e reapropriações recriadas a partir das relações que o
historiador enxerga, ou interpreta. As práticas para Chartier estão na maneira de agir,
também situadas no universo simbólico. A preocupação do autor é entender o período
histórico em que se situa o seu objeto, mas não só isso. Ele busca também apontar que a
documentação não está congelada no tempo: ela é transformada, reapropriada mediante
a recepção. Assim: “Se aceitamos que a construção do significado depende, em grande
parte, das formas de transmissão e de recepção dos discursos, temos que explorar seus
diferentes efeitos cuidadosamente”.
9
É possível pensar, a partir de Chartier, as práticas e representações culturais
coladas às experiências concretas de vida dos sujeitos sociais. Neste sentido, os
discursos são compreendidos como representações coletivas capazes de elucidar as
tecnologias de poder, bem como as práticas e ações que remetem ao controle e à
disciplinarização sociais, tanto quanto às resistências à ordem instituída. Por este viés, o
conflito entre visões de mundo diferenciadas e as múltiplas vivências possibilitam
perceber as representações também como divergências, na medida em que expressam
uma maneira própria de se estar em sociedade, significar simbolicamente um estatuto e
uma posição e, sobretudo, conferir uma identidade social.
Dessa forma:
As percepções do social não de forma alguma discursos neutros:
produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade a custa de outros, por elas
menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para
os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.
10
Por isso, a perspectiva foucaultiana será aqui apropriada tanto pelo que remete
para o conhecimento da gênese dos discursos - que é possível de ser compreendido pela
história cultural também como representações, maneiras pelas quais a sociedade se
organiza -, quanto pela metodologia que propõe, permitindo a análise da evidência deste
corpus documental. Assim,
Trabalhando sobre as lutas de representações, cujo objetivo é a
ordenação da própria estrutura social, a história cultural afasta-se sem
dúvida de uma dependência demasiado estrita em relação a uma
9
CHARTIER, Roger. Do palco à página: publicar teatro e ler romances na época moderna – séculos
XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002, p. 52-53.
10
Idem. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1987, p.17.
15
história social fadada apenas ao estudo das lutas econômicas, mas
também faz retorno útil sobre o social, já que dedica atenção às
estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que
constroem, para cada clsse, grupo ou meio, um “ser-percebido”
constitutivo de sua identidade.
11
Na análise da documentação, se é evidente as relações de poder existentes dentro
da instituição manicomial, e os discursos elaborados em torno da loucura, é perceptível,
por outro lado, as diversas táticas e maneira como as pessoas pervertem àquilo que lhes
foi imposto, rejeitando essas normas ou modificando-as até mesmo inconscientemente.
É nessa perspectiva que trabalha Michel de Certeau, ensinando que:
[...] Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede de
“vigilância”, mais urgente ainda é descobrir como é que uma
sociedade inteira não se reduz à ela: que procedimentos populares
(também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos da
disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los.
12
Pensar a loucura na sociedade ocidental induz a considerar os vários significados
que lhe são atribuídos. O discurso médico não é único, daí a necessidade de descortinar
outras formas de entendê-la. Neste sentido, é relevante destacar outros olhares sobre a
insanidade, tais como o cinema, a literatura e a artes plásticas, cujos enfoques
contribuíram para a divulgação não só da barbárie cometida em nome da ciência, como
também sugerem um tratamento mais humano, desmistificando muitas teorias
psiquiatras.
O conhecimento histórico é construído culturalmente. Toda escrita está
carregada de valores do social. Toda obra é, portanto, objeto histórico e passível de
análise. É possível, se for o caso, avaliar, em muitos trabalhos estigmatizados pela
academia, as insatisfações, as inquietações que cerceiam determinada comunidade em
um determinado tempo histórico, nos ajudando a estabelecer as especificidades de
períodos diferentes, evitando as comparações. É fundamental ressaltar que o historiador
trabalha com fragmentos, destacando que nenhum trabalho irá recompor o passado, mas
reelaborar, reinventar a partir de um campo de possibilidades. Mais ainda, o historiador
recria sentidos à sua pesquisa e suas análises a partir do diálogo com as fontes.
11
CHARTIER, Roger. À beira da falésia – a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: Ed. da
UFRGS, 2002.
12
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.
16
Em se tratando de um instituição espírita, é oportuno pensar o campo do sagrado
e do profano. Sabemos que este binômio precisa ser pensado historicamente, abordando
os elementos culturais que nos possibilitam compreender as experiências individuais. O
cultural é aqui compreendido como modos de vida, o econômico, o social, o religioso, a
maneira como as pessoas dão significado ao sagrado e ao profano. Como aponta Eliane
Moura Silva, “[...] para estudar os fenômenos religiosos, o historiador deve sempre estar
atento ao uso e sentido dos termos que em determinada situação geram crenças, ações,
instituições, condutas, mitos, ritos, etc”.
13
Numa obra organizada por Le Goff e Pierre Nora, Alphonse Dupront
14
apresenta
um artigo apontando questões teóricas significativas para pesquisadores que optaram
por escolher trabalhar com religiosidade. O viver religiosamente, segundo este autor,
significa pensar uma constante integração entre o racional e irracional, a visão que estes
sujeitos possuem do universo,
15
na busca das divindades, associadas às suas
experiências vividas, sua maneira de atuar socialmente, a maneira de se organizarem.
Dentro ainda da mesma obra, Dominique Julia considera os fenômenos
religiosos numa complexa relação com a posição social destes sujeitos históricos,
juntamente com a idéia de sobrenatural que esses mesmos indivíduos construíram. Os
estudos sobre imaginário, segundo este artigo, foram imprescindíveis para redefinir
conceitos e métodos, ampliando caminhos de investigação e buscando refletir acerca do
campo simbólico envolvendo estas pessoas.
O estudo acerca dos valores simbólicos e o imaginário são de muita valia para
este trabalho. Em seu clássico texto, intitulado Imaginação Social, Baczko
16
apresenta
um estudo detalhado no que se refere à ideologia e ao poder simbólico do imaginário.
Ele remonta as construções teóricas de diversos filósofos, as suas aproximações e
distanciamentos, tal como Marcel Mauss, Durkheim, Rosseau, Marx, entre outros.
Mediando com diversos pensadores, Baczko defende que toda prática é fruto da
concepção que temos do mundo. É a exteriorização da própria existência, o que a sua
própria vida significa, relacionada com a imagem que se tem dos outros. Desse ponto de
13
SILVA, Eliane Moura. O espiritualismo no século XIX. In: Textos Didáticos. Campinas:
IFCH/Unicamp, nº 27/ago, 1999, p. 7.
14
DUPRONT, Alphonse. A religião: Antropologia religiosa. LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre.
História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
15
JULIA, Dominique. A Religião: História religiosa. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História:
novas abordagens. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
16
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Porto: Casa da Moeda, 1986.
17
vista:
[...] É assim que, através dos seus imaginários sociais, uma
coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação
de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais;
exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de
bom comportamento. [...].
17
O autor defende que o imaginário é o lugar dos conflitos, mas também rege uma
ordem social. É por esta condição que se tem a legitimação do poder. Portanto, a
imaginação social é uma das forças reguladoras da vida coletiva e o poder funciona
como uma espécie de dispositivo para assegurar a legitimidade do imaginário social. O
poder não o determina, mas o relaciona. O poder enfrenta o seu arbitrário dado de que
nenhuma sociedade é homogênea. Ao contrário, ela se apresenta de forma adversa e
conflituosa. Assim, é possível asseverar que:
O imaginário social torna-se inteligível e comunicável através da
produção dos “discursos” nos quais e pelos quais se efetua a reunião
das representações coletivas numa linguagem.
18
Uma questão imprescindível a ser abordada neste projeto de pesquisa é a
discussão sobre memória e História. Para Alessandro Portelli, a memória, a fala, as
experiências vividas são aspectos sociais, constituídos pelos indivíduos dentro de um
determinado espaço e tempo, não podendo ser considerados, contudo, como memória
coletiva. Cada indivíduo possui uma memória que lhe difere de outros. Há várias
maneiras de se olhar e interpretar uma dada realidade. As pessoas, à sua maneira,
ressignificam os espaços em que vivem, a partir de um tempo, elaborando mitos sobre
realidades que viveram ou que tiveram um contato com algo já ocorrido. É preciso
ressaltar, também pela ótica de Portelli, os sentimentos que são compartilhados destas
tantas memórias individuais. O medo, a insatisfação, a descrença, entre outros,
aproximam as pessoas, talvez constituindo uma identidade. Portanto, cada um apresenta
uma dimensão diferenciada de cada um destes anseios e sensações.
19
A memória e o relato oral sempre são uma questão de busca de sentido, a
memória não é um depósito de dados e de fatos. A recepção em si é uma interpretação;
17
Ibidem, p. 309.
18
Ibidem, p. 311.
19
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n.
14, fev, 1997.
18
então, sempre há interpretações, que estão sempre se processando, em movimento
constante. Assim sendo, todos são historiadores de alguma maneira, todos têm uma
visão de história, uma interpretação; todos dão um sentido ao passado, todos têm uma
relação entre o presente em que narram ou relatam e o passado de que falam. Há esses
paradigmas de forças, o passado e o presente, o entrevistado e o entrevistador, o “eu”
enunciador e o “eu” enunciado e todas essas relações estão sempre em movimento, o
tempo todo.
20
A evidência oral é importante não apenas como uma fonte de
informação, mas também pelo que faz para o historiador, que entra no
campo como um fiscal invisível. Pode ajudar a expor os silêncios e as
deficiências da documentação escrita.
21
Consideramos como ponto de partida mais positivo da história oral, para além
daquele que é o de rememorar uma época por meio da lembrança, a possibilidade de
recuperarmos a voz de sujeitos históricos e sociais desprivilegiados da cena histórica. A
emergência de que as histórias desses sujeitos sejam reconstituídas e reconstruídas só é,
em alguns casos, possível mediante a história oral. Segundo Alessandro Portelli, a
importância das fontes orais nos remonta a
[...] eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos
conhecidos: elas sempre lançam uma nova luz sobre áreas
inexploradas da vida diária das classes não homogêneas.
22
Além dos depoimentos, a documentação oficial da instituição (atas, fichas
médicas, relatórios, fotografias, orações e sugestões de tratamentos psicografados, entre
outros), é aqui considerada o aporte principal para a compreensão do cotidiano
vivenciados por médicos, religiosos, auxiliares de saúde e os doentes. Os artigos de
imprensa, os livros dos memorialistas, as atas da Câmara Municipal, os processos de
leis do executivo, as subvenções assistenciais, de forma secundária, permitirão
compreender que discursos e representações foram criadas pela sociedade,
possibilitando a institucionalização da loucura.
20
PORTELLI, Alessandro. História Oral e Memórias: entrevista com Alessandro Portelli. In: Histórias e
Perspectivas, Uberlândia, (25 e 26): jul./dez. 2001/jan./jul.2002, p. 36.
21
SAMUEL, Raphael. Documentação – História Local e História Oral. In: SILVA, Marco Antônio da.
Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v.9, n. 19, set.89/fev.1990, p. 237.
22
PORTELLI, Alessandro. “O que faz a História Oral diferente”. Revista Projeto História. São Paulo, n.
14 fev., 1997, p. 27.
19
A discussão sobre a imprensa também será valorizada com o intuito, entre
outros, de refletir acerca do lugar nela “conquistado” pelos adeptos do espiritismo e de
como, especialmente, por meio dos jornais, foi possível estabelecer seus espaços e se
afirmar perante a sociedade. A imprensa terá, desta forma, uma contribuição relevante à
propagação dos ideais espíritas. Segundo Capelato,
23
a imprensa quer passar uma idéia
de neutralidade, “revelando” verdades, mas atua influenciando nos comportamentos e
impondo ideologias políticas. Os meios de comunicação de massa dispõem de fortes
mecanismos de coerção forjadores de identidades, escondendo da sociedade que os
consomem, os conflitos presentes no cenário social. Esta relação de produção e
recepção de idéias e valores é conflituosa, por isso reelaborada incessantemente. É nesta
perspectiva que trabalha Michel de Certeau,
24
Chartier,
25
entre outros, quando apontam
rearticulações, ou reconstruções, que os leitores são capazes de fazer a partir das
informações absorvidas, interagindo com a sua maneira própria de entender o mundo e
as coisas. Assim, esta reelaboração
[...] é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua
ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com
os produtos próprios mas nas ‘maneiras de empregar’ os produtos
impostos por uma ordem econômica dominante.
26
Neste sentido, o trabalho se apoiará, também, nos documentos de época
disponíveis para análise e, para tanto, foi pesquisado, no acervo do Arquivo Público
Municipal da cidade e do CDHIS (Centro de Documentação e Pesquisa em História), e
na imprensa local – jornais e revistas – artigos que problematizavam os discursos das
elites, no que diz respeito à modernidade, ao progresso e aos demais projetos da ordem
que objetivaram excluir e estigmatizar parcelas significativas da sociedade, entre eles os
loucos.
As Atas Públicas Municipais, os Processos de Leis, os Códigos de Posturas
serão de grande relevância à pesquisa, pois possibilitarão compreender as articulações
políticas na construção e subvenção do sanatório. Fundamentalmente, trabalhar-se-á
23
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa, uma mercadoria política. Histórias & Perspectivas.
Uberlândia: UFU, n. 4, jan./jun., 1991.
24
CERTEAU, Michel. CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer.
Petrópolis/RJ: Vozes, 2002..
25
CHARTIER, Roger. Cultura escrita, Literatura e História. Porto Alegre: ARTMED, 2001.
________. À beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002.
________. A aventura do livro. Do leitor ao navegador. São Paulo: Ed. UNESP. 1999.
26
CERTEAU, Michel, Op. cit., p. 39.
20
com os vinte e nove prontuários catalogados do Sanatório Espírita de Uberlândia, de
1942 a 1959, em que constam, nestas fichas, ricas informações sobre os internos que ali
estiveram “enjaulados”.
No primeiro capítulo, abordaremos os discursos produzidos pela cidade de
Uberlândia, discursos estes que nos permitem perceber relações com o projeto
assistencialista associado às práticas de intervenção do poder público para higienizar o
espaço urbano. À medida que avançamos na análise da documentação, é perceptível um
espaço constante de lutas e conflitos. Neste sentido, as muitas memórias produzidas na
cidade nos possibilitam refletir sobre a complexidade dos discursos produzidos neste
campo de tensão, e a forma como tais práticas possibilitaram a construção de uma
instituição asilar para tratar a loucura, relacionando-a com outras instituições que
possuíam o mesmo intuito assistencialista.
Ainda no primeiro capítulo, será de grande valia o debate com outros
historiadores que pesquisam a institucionalização da loucura neste período, abordando,
primordialmente, as teorias médicas, tais como os projetos higienistas, as teorias
eugênicas, a utilização de terapias, entre outros.
No segundo capítulo, ampliando a discussão de assistencialismo, mais
especificamente ao tratamento da loucura, será discutido, com mais acuidade, a relação
existente entre o espiritismo e a loucura. Examinaremos as teorias espíritas, seus
ideários e ideólogos com o objetivo de possibilitar uma melhor compreensão das
práticas espíritas e, ainda, cogitar a relação entre o tratamento dado pelos espíritas aos
internos, com os tratamentos convencionais aplicados pela medicina, além de buscar os
possíveis conflitos com a sociedade de médicos, com o poder público local, com
clérigos, entre outros. Num segundo momento, poder-se-á investigar a atuação dos
referentes espíritas envolvidos com as políticas assistencialistas e conjeturar acerca dos
significados elaborados pelos dirigentes kardecistas em torno da caridade, associados
aos tratamentos tortuosos presenciados no manicômio.
Finalmente, no terceiro capítulo, debruçaremos nos prontuários da instituição,
mais especificamente nos históricos da doença, ou anamneses, parte contida na ficha de
enfermos, que contêm relatos dos familiares dos que ali seriam internados. Neste
capítulo, após as escolhas de casos significativos, discorreremos sobre os diversos
significados existentes acerca da loucura, fazendo possíveis contraposições com os
diagnósticos e com a forma de tratamento aplicada na instituição. Este exercício de
21
reflexão tende ampliar a compreensão de como os internos viviam na instituição,
permitindo ainda construir uma narrativa mais dinâmica e valorizar as vivências destes
internos, afastando com isso uma reflexão fria, congelada e mórbida. A pretensão é dar
vida a estes sujeitos, mostrando outras vozes que desafinavam com o coro da ordem e
do progresso materializado pela documentação.
22
1. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA EM
UBERLÂNDIA: DISCURSOS DE CONTROLE E
POLÍTICAS DE HIGIENIZAÇÃO
23
1.1 Entre a cidade invisível e a real: urbanização, progresso e exclusão social
Toda história da loucura, (re)contada nas vastas obras sobre o tema hoje
existentes têm algo em comum: a retirada dos “anormais” das ruas, da convivência com
o mundo são, com o propósito não apenas de isolar o irracional do racional, mas de
promover a sua cura. Fazem parte do imaginário popular, personagens “folclóricos”,
divertidos, que, por serem loucos, fugiam das convenções estabelecidas pela cidade,
levavam o riso às pessoas, recebendo em troca, de quando em vez, a chacota, o ultraje.
O riso, a zombaria, os insultos eram freqüentes, mas, todavia, os insanos conviviam com
os “normais” não invadindo o espaço um do outro.
Esta preocupação com os personagens estranhos, os “doidos” caricatos, feios e
desajeitados que perambulam por qualquer cidade dos fins do século XIX, alvo da
caridade pública, não por mera coincidência, na implantação da República brasileira,
tornou-se objeto de investigação, e gerou medidas de controle tanto por parte do Estado
quanto da própria medicina. Este foi um dos temas abordados pela pioneira investigação
de Maria Clementina:
[...] Como tema de reflexão... resta precisamente aquilo que parece
estranho aos nossos olhos de final do século XX: constatar que,
“loucos” ou não, estes personagens foram aceitos com tolerância,
protegidos espontaneamente pela população das cidades, objeto às
vezes de forte apreço popular, motivo de riso frequentemente, mas não
necessariamente de medo e inquietação, como hoje – questão que
remete imediatamente a significados no plano cultural. De
personagens pitorescos e aceitos em sua diferença, constrói-se a figura
ameaçadora do doente mental. Não há nada de fortuito na
convergência de tempos que faz com que esta passagem coincida com
o advento da República”.
27
Num primeiro momento nos interessa entender quando os loucos começaram a
ser motivo de preocupação para os habitantes de Uberlândia e, a partir daí, quais forças
sociais empreenderam projetos de ordenação do espaço urbano, disciplinarizandos-o e,
quais eram seus motivos ou justificativas. Contudo, será necessário enumerar as
diversas práticas assistencialistas ocorridas nesta cidade para se discutir o imaginário
em torno da construção de um sentimento humanitário que envolvia estas ações,
27
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Cidadelas da ordem. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 13-14; Cf.
CUNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo: Juquery a história de um asilo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1986.
24
imbricadas em relações de poder que, por sua vez, escamoteavam o desejo da ascensão
social das pessoas envolvidas, além de promoverem políticas de controle social.
Em todo país, desde o século XIX, inúmeras medidas foram tomadas pelo poder
público, tendo como intento a edificação de um modelo de sociedade que atendesse aos
interesses das elites. Os variados grupos sociais, numa relação conflituosa e ao mesmo
tempo consonante, se organizaram à sua maneira, estabelecendo projetos políticos e
econômicos que assegurassem o seu reconhecimento perante a sociedade. Seria
pertinente buscarmos quem são estes grupos? Qual era o limite de atuação das pessoas?
Havia uma hegemonia das elites? Quem eram estas pessoas capazes de transformar a
vida de muita gente? É necessário questionarmos estes movimentos utilizados para
disciplinarizar o espaço urbano, observando atentamente, por outro lado, as recusas.
O Sanatório Espírita de Uberlândia foi inaugurado em 1942 por espíritas,
freqüentadores do mais antigo centro espírita da cidade, denominado Fé, Esperança e
Caridade. Estes “militantes” religiosos serão os responsáveis pela construção do asilo e
também da sua administração, atividade esta mantida pelas contribuições da população
local e, mais tarde, pelo poder público estadual que desloca para a instituição um
médico especialista, que nela se mantém por 18 anos. Nesta cidade, tal empreendimento
não foi planejado por médicos, como ocorrera em outras cidades, mas por kardecistas.
A existência do Sanatório Espírita de Uberlândia e a sua eficácia em garantir o
isolamento do louco remonta uma complexidade de ações, daí o interesse deste capítulo
em investigar os dispositivos de controle lançados e defendidos por diversos setores
urbanos e a recepção das pessoas diante dessa instituição. Mais ainda, as maneiras pelas
quais as pessoas se posicionaram, se fizeram presentes, lutaram para que projetos
higienizadores não ficassem somente no papel. Portanto, entender as relações de forças,
o imaginário delineado em torno da doença,
28
dos portadores de transtornos mentais e
do tratamento assistencialista, nos possibilita entender a maneira como os diversos
setores da comunidade local se empenharam na transformação, limpeza e ordenação do
espaço urbano.
Com o advento da República foi imperiosa a necessidade de se forjar a figura do
homem livre trabalhador, cuja mão de obra migrante ou de ex-escravos inchava as
28
A referência acerca do imaginário sobre a loucura considera tanto a produção do pensamento científico,
como também os significados construídos pela população leiga. Partindo desta premissa é interessante
conferir a obra de TRONCA, Ítalo A. As máscaras do medo: Lepraids. Campinas: Ed. da Unicamp,
2000. 157 p.
25
cidades brasileiras do século XIX. Para tanto, observa-se a existência de inúmeros
projetos políticos implantados para higienizar o espaço urbano e estabelecer normas de
condutas ideais aos habitantes.
29
Como nos mostra Roberto Machado,
30
houve uma
intensificação de ações por parte do Estado objetivando a regulação dos
comportamentos, sejam morais ou higiênicos. O pensamento científico da época
demonstrava que a nação estava doente e que precisava urgentemente ser medicada. O
problema era físico, representado pela miscigenação, a má alimentação, os
desregramentos, os vícios, unindo-se aos fatores morais. A própria maneira como se deu
a colonização brasileira constituiu-se num problema, uma vez que no discurso político
das elites republicanas a hibridação com o negro e o índio estabelecera traços de
inferioridade marcantes, impedindo o progresso da nação. Era preciso um controle
sistemático da população.
31
Temos hoje diversos trabalhos que exploram com propriedade a figura do
médico e a sua fundamental importância para o empreendimento de ações
higienizadoras. Porém, na cidade de Uberlândia a classe médica não estava bem
organizada, contava com pouquíssimos profissionais atuando na região que inclusive
faziam parte de um sistema itinerante, em que “doutores” aportavam por seis meses até
um ano criando clínicas por onde passavam.
32
Antes da fundação da Sociedade Médica
de Uberlândia, em 1945, o que se percebe são atuações isoladas, diferentemente do que
ocorrera em outras grandes cidades do país, nas quais as intervenções
disciplinarizadoras foram mais significativas, especialmente no que diz respeito às suas
ações. Todavia, os intelectuais da cidade, a exemplo do que ocorrera em todo o país,
foram atuantes em defender um tipo de comportamento físico e moral como saída única
para o engrandecimento da nação. Nos discursos produzidos, os médicos são vistos
29
Cf.: SALLES, Iraci Galvão. Trabalho, ordem, progresso e a sociedade civilizada. São Paulo:
Hucitec, 1986; CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. São Paulo: Brasiliense, 1986.
30
MACHADO, Roberto; et al. Danação da norma: medicina social e constituição da psiquiatria no
Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978. 559 p.
31
Diversos trabalhos foram publicados destacando a consolidação de teorias higiênicas e eugênicas,
influindo para a normatização da sociedade. Dentre elas, conferir: RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar
a utopia da cidade disciplinar (Brasil 1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; SCHWARCZ, Lilia
Moritz. O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993. 287 p.; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – cortiços e epidemias na
corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 250 p.; COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica
e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 2004. 282 p.
32
CASTRO, Dorian Erich de. Relicário das práticas médicas no interior das Minas Gerais :
transformações, astúcias e persistências (Uberabinha/MG, 1903-1945). 2004. 150 f. Dissertação
(Mestrado em História)-Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2004.
26
como verdadeiros pioneiros e bandeirantes de uma reação em construção. Assim nos
aponta uma publicação do noticiário de 1918:
O saneamento do Brazil, (sic) em bôa hora iniciado pela missão
Rochfeller e apoiado pelos mais legítimos representantes da classe
médica brasileira, vae encontrando, mercê de Deus, no interior do
Paiz, a cooperação ardentemente desejada. [...] O quadro é lastimável
e impressionador: indivíduos apalermados, mentecaptos e enfezados, a
arrastar a vida miseravelmente, sob o triste aspecto de uma raça em
declínio [...]. É a degenerescência da raça que se manifesta,
evidentemente.
33
No trabalho de Roberto Machado, atestamos as criações, no século XIX, dos
códigos de posturas, impostos pelos governantes das províncias, atuando, entre tantos
outros aspectos, como uma forte estratégia legal de controle social.
Fundada em 1888, a
cidade de Uberlândia, período em que se chamava São Pedro de Uberabinha,
apresentou, ainda no final do século XIX, leis que possibilitavam cercear a vida das
pessoas. Já na primeira Câmara Municipal, empossada em 1892, os vereadores
cobraram a criação de um código de posturas, reivindicação esta aprovada por
unanimidade.
34
Os Códigos de Postura municipais de 1903 e 1913, por exemplo, demonstram as
regras de condutas impostas aos habitantes da cidade e as infrações que resultariam em
punições – pagamentos ou prisões. A “polícia dos costumes” seria a responsável por
vigiar e impor as leis aos indivíduos que estivessem fora dos padrões estipulados,
excluindo da cidade, loucos, mendigos, prostitutas, ciganos, ébrios. O Código de
Postura de 1903 exemplifica:
Art. 111 – Só os pobres, reconhecidamente tais, e aos sábados, é
permitido implorar a caridade pública.
Art. 113 – Os ébrios encontrados nas povoações, serão recolhidos à
prisão por 24 horas, se alguém de outro não se responsabilizar pelo
seu restabelecimento.
Art. 114 - Os loucos, são seus parentes obrigados a tel-os em
segurança em lugar que não perturbem o socego (sic) e tranqüilidade.
33
PELO saneamento do Brazil. A Notícia. Uberabinha, 16 jun. 1918.
34
CÂMARA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA. Acta da primeira sessão ordinária realizada no dia 7
abr. 1892. Uberabinha, 1892.
27
Art. 115 – É expressamente proibida a entrada de cigano no
município.
Art. 120 – É proibida toda e qualquer reunião em casa de meretrizes.
35
Os dispositivos de controle presentes nos Códigos de Postura de 1903
maquiavam as desigualdades sociais, inibiam as lutas dos grupos sociais, funcionando
como um instrumento de vigilância e controle que legalizava a aplicação das normas
instituídas no espaço urbano. Quem não estivesse dentro dessas normas – ou seja,
muitos moradores – poderiam receber sanções:
Art. 216 – São prohibidos, dentro das povoações, os curtumes, as
facturas de sabão com materiais putrefactas e exhalando máu cheiro,
as fabricas de mel de fumo, bem com quaesquer manufacturas ou
fabricas, cujas emanações impurifiquem o ar: multa de 30$.
Art. 217 – são prohibidas, dentro das povoações, as casas de caridade,
enfermarias e lazaretos para o tratamento de molestias infecto-
contagiosas: multa de 30$ e obrigação de remover.
Art. 219 – Nas povoações ninguem poderá ter mais de dous porcos,
que deverão estar presos em chiqueiros bem limpos: multa de 5$ por
cada um que exceda de dous.
36
Depois de algum tempo, se intensificam os mecanismos de vigilância com a
sofisticação das leis contidas nos Códigos de Postura de 1950, que enfatizavam o papel
da polícia sanitária:
Art. 42 – A polícia sanitária do município tem por finalidade prevenir,
corrigir e reprimir os abusos que comprometam a higiene e saúde
pública, e velar pela fiel observância das disposições dêste título, além
de cooperar com as autoridades estaduais na execução do
Regulamento de Saúde Pública do Estado e com as autoridades
sanitárias federais.
Art. 47 – Para preservar, de maneira geral a higiene pública, fica
terminantemente proibido: VI – Conduzir para a cidade, vilas ou
povoações do Município doentes portadores de molestias infecto
contagiosas, salvo com as necessárias precauções de higiene e para
fins de tratamento.
37
35
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PEDRO DE UBERABINHA. Código de Posturas. Estatutos e leis
da Câmara Municipal de S. Pedro de Uberabinha, 1989/1903, Arquivo Público Municipal de Uberlândia.
36
Ibidem, p. 39.
37
CÓDIGO de Posturas Municipais. Câmara Municipal. Uberlândia, 1950. p. 12-13.
28
Em contrapartida, é preciso ponderar sobre as inúmeras leis elaboradas e a sua
aplicabilidade. Seria ingenuidade achar que todas estas leis foram cumpridas
integralmente, uma vez que o próprio sistema de exclusão brasileiro não consegue punir
todos os casos de infração. O cenário que temos visto no país é de cadeias sempre
lotadas, de pessoas sem atendimento médico, escola, casa, entre outros direitos à
cidadania constantemente desrespeitados, de modo que a impunidade não é somente
cultural no país, mas atua também como regulador das injustiças sociais. Se fossem
punir todos aqueles que praticam o curandeirismo e a mendicância certamente o poder
público disporia de uma alta quantia em dinheiro e teríamos uma cidade como a relatada
por Machado de Assis, na obra O Alienista,
38
em que a maioria da população estaria
excluída do convívio social.
Fato interessante que nos leva a acreditar nas incontáveis desobediências civis
refere-se à primeira cadeia pública construída em Uberlândia, em 1891. “Sua
inauguração foi feita por um hóspede do sexo feminino por nome Miguelina, de vida
alegre e dominada pelo álcool, razão porque ficou a prisão denominada popularmente
por Miguelina”.
39
Não apenas criminosos comuns eram presos, mas também arruaceiros
e loucos. Em 1908, um louco chamado Pachola fora ali trancafiado e, quando libertado,
tinha em mente colocar abaixo aquele lugar que chamara de “ninho de pulgas”. Tal
preso se indignara com a precariedade do local, quando, sem que ninguém percebesse,
ateou fogo em toda a cadeia. Como se não bastasse,
Com relativa dificuldade, subiu no esteio onde estava o sino, (porque
a corda de aciona-lo já não existia), debruçou-se no braço de ferro e
com uma pedra repicou o sino aceleradamente chamando por socorro
e a cantar a sua canção predileta:
“Chora
Pachola
Querer bem tem tempo!
Namorar tem hora
Pachola
Pachola!!!
40
Era recorrente nos artigos de jornais a cobrança às autoridades locais para punir
38
ASSIS. Joaquim Maria Machado de. O Alienista. São Paulo: Ática, 1998, 80 p.
39
TEIXEIRA, Tito. Bandeirantes e pioneiros do Brasil Central. História da criação do município de
Uberlândia. Uberlândia: Uberlândia Gráfica, 1970, p. 83.
40
Ibid, p. 84.
29
aqueles que mendigavam ou atuavam na prática da medicina ilegal.
41
Isto nos mostra
que as administrações locais não conseguiam resolver o problema. A minoria
penalizada, alguns mendigos, ébrios, prostitutas e outros compunham o cenário local e
disputavam este espaço com outros moradores. Assim, setores da classe média e alta
cobravam em Uberlândia providência do poder público:
Verdadeira “gang” de exploradores (e exploradoras) da ignorância
deitou raízes na cidade, notadamente nas vilas e nos subúrbios, onde,
por artes de bruxaria, curandeirismo e baixo espiritismo, tem iludindo
incautos pessoas de boa fé, burlando com isso as leis e a polícia.
Chamamos a atenção das autoridades policiais para a atuação nefasta
desses indivíduos sem escrúpulos, cuja atuação chega até mesmo a
cobrar com vidas, seu preço. “Quimbanda”, “despacho”, baixo
espiritismo, curandeirismo, “buena-dicha” (sic) e outros embustes tens
punições nos códigos, a Radiopatrulha está aí. Basta a Regional deter
e processar indivíduos dessa natureza.
42
Os avanços tecnológicos que despontavam no Brasil na metade do século XX, a
popularização dos meios de comunicação como o rádio, a ampliação da sociedade de
consumo, a urbanização e a industrialização contrapondo o meio rural, são elementos
fortes que caracterizam as transformações operantes neste momento histórico.
Uberlândia não era uma cidade diferente das outras cidades brasileiras, ou até mesmo do
mundo ocidental, no que tange ao caráter progressista defendido pelas suas elites e seus
discursos.
A partir da década de 1930, mais acentuadamente depois de 1950, o discurso de
ordem e progresso foi muito forte no Brasil e deixou não só os intelectuais vislumbrados
com as melhorias que o conhecimento científico poderia atingir, como também o
imaginário popular. Fascinava a possibilidade de desfrutar variados bens de consumo: o
advento de eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos; dos gêneros alimentícios; dos
avanços das indústrias, produzindo aço, alumínio, entre outros; o desenvolvimento da
indústria farmacêutica com a introjeção de vacinas e antibióticos, podendo eliminar a
tuberculose, a hanseníase e a paralisia infantil. Mesmo que a maior parte da população
não desfrutasse destes avanços, o sonho de consumo iria promover transformações
profundas no comportamento.
41
BOSI, Antônio de Pádua. Reforma urbana e luta de classes: Uberabinha/MG 1888 a 1922. São Paulo:
Xamã, 2004, 274 p.
42
CURANDEIRISMO e bruxaria dominando as vilas. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 3, 28 out.
1958.
30
Na década dos 50, alguns imaginavam até que estaríamos assistindo
ao nascimento de uma nova civilização nos trópicos, que combinava a
incorporação das conquistas materiais do capitalismo com a
persistência dos traços de caráter que nos singularizavam como povo:
a cordialidade, a criatividade, a tolerância.
43
Em Uberlândia, nas importantes obras de memorialistas da cidade e também das
entrevistas realizadas para esta dissertação, as falas estão impregnadas do sonho da
cidade perfeita:
[...] hospitaleira, franca activa, concorrendo tudo isso para o seu
engrandecimento. O povo laborioso e inteligente. Enquanto os homens
trabalham nas roças, as mulheres dos aggregados (sic) fiam e tecem,
tôdos cuidam com carinho de sua obrigação. Aqui não conhece a
ociosidade.
44
Mas esta cidade venturosa não aconteceu, embora estes habitantes acreditassem
já viver nela. A ineficiência do Poder Público em manter uma cidade ordeira é
inconteste, apesar das leis em vigor. É necessário pontuar como um espaço marcado
pelas contradições, local de disputas, ainda que na imprensa e, possivelmente nas
programações de rádio,
45
tentou-se construir a imagem de uma cidade sem favelas, sem
pobreza, o paraíso na terra. Se é comum os discursos sobre o progresso em todo o Brasil
e em todo o Ocidente, vale ressaltar, todavia, as diversas práticas políticas absurdas que
não condizem com a realidade urbana. Podemos citar vários exemplos, entre eles a
construção de um teatro municipal com capacidade equiparada à de metrópoles como
São Paulo e Rio de Janeiro. Por outro lado, a grandeza de Uberlândia que se faz
presente nesses discursos se justifica quando pensamos nas estratégias dos coronéis em
43
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 560. Sobre essa época cf.: CARDOSO.
Heloisa Helena Pacheco. Conciliação, reforma e resistência: governos, empresários e trabalhadores em
Minas Gerais nos anos 50. 1998. 203 f. Tese (Doutorado em História) –Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1998; GOMES, Ângela de Castro; et. al. (Org.);. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC,
2002, 223 p.; TREVISAN, Maria José. 50 anos em 5...; a FIESP e o desenvolvimentismo. Petrópolis/RJ:
Vozes, 1986, 205 p; RODRIGUES, Marly. A década de 80: Brasil: quando a multidão voltou às praças.
São Paulo: Ática, 1994, 77 p.
44
CAPRI, Roberto. Município de Uberabinha – Minas. São Paulo: Editores Capri, Andrade & C., 1916,
p. 37. Conferir também: PEZZUTTI, Cônego Pedro. Município de Uberabinha: história, administração,
finanças e economia. Uberabinha: Officinas Livraria Kosmos, 1992.; ARANTES, Jerônimo. Cidade dos
sonhos meus: memória histórica de Uberlândia; SILVA, Antônio Pereira. As histórias de Uberlândia.
(v. 1, 2 e 3). Uberlândia: s/ed., 2002; CAPRI, ROBERTO. Op. cit.
45
DÂNGELO, Newton. Vozes da cidade: progresso, consumo e lazer ao som do radio, Uberlândia -
1939/1970. 2001. 319 f. Tese (Doutorado em História), Pontífica Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2001.
31
buscar o lucro rápido, por meio da especulação imobiliária.
46
Em sua maioria ruralistas,
atuantes também na política, valeram-se de mecanismos publicitários eficazes em
construírem uma representação da cidade que seria ideal para viver, urbanizada,
difundindo-a como modelo para todo o país.
Os discursos atingiam ressonância na medida em que obras suntuosas eram
realizadas; casas populares, afastadas da cidade, eram construídas, valorizando terras,
gerando capitais para novas construções, atraindo empresas de outras localidades por
meio da quase isenção de impostos, movimentando o mercado de construção civil,
empresas, aliás, atreladas à estas elites uberlandenses. Quem anda nas zonas centrais da
cidade pode até concluir que não existem favelas, que todos os bairros possuem sistema
de esgoto. Na verdade a pobreza está bem afastada e a herança de Uberlândia é o
elevado número de desemprego e de criminalidade adquiridos em decorrência de
políticas gananciosas e da falta de projetos sociais. Claro está que não é possível negar o
progresso econômico e urbano desta cidade. Basta dizer que entre as décadas de 1950 a
1980 a população urbana triplicou, os bairros se multiplicaram e de cidade pólo
comercial em 1965 se consolida o distrito industrial. Construções modernas, parques,
viadutos, avenidas radiais, rodovias estaduais e federais conferem ao lugar destaque
regional e nacional. Tudo isso, evidentemente, é decorrente de um forte plano local que
aliado ao apoio dos governos militares permitiu que a cidade usufruísse de projetos tais
como o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) e mais especificamente do
Polocentro, que reverteu à região do cerrado financiamentos substanciais para a
produção de grãos de soja, de café e de milho para exportação.
47
De forma dialética, todo progresso, especialmente no capitalismo, apresenta sua
face perversa. E não é por acaso que Uberlândia convive com graves problemas sociais,
46
Um trabalho que aborda como alguns latifundiários utilizaram políticas municipais para valorizarem
suas terras, obtendo lucros estratosféricos é o de SOARES, Beatriz R. Habitação e produção do espaço
em Uberlândia. 1988. 222 f. Dissertação (Mestrado em Geografia), Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1988.
47
Sobre esta temática conferir: GONÇALVES NETO, Wenceslau. Estado e agricultura no Brasil:
política agrícola e modernização econômica do Brasil. (1960-1980). São Paulo: Hucitec, 1997; PESSÔA.
Vera Lúcia Salazar. Ação do Estado e as transformações agrárias no cerrado das zonas de Paracatu
e Alto Paranaíba/MG. 1988. 239 f. Tese (Doutorado em Geografia)-Unesp, Rio Claro, 1988.;
MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular e desenvolvimentismo em Minas Gerais: caminhos
cruzados de um mesmo tempo (1950-1985). 1998. 291 f. Tese (Doutorado em História)-Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1998.
32
entre eles a marginalização racial daqueles que aqui aportaram em busca do sonho de
viver no eldorado e só depois descobrem que a magia funciona para poucos.
48
Tenta-se construir, pelos meios de comunicação, um imaginário de que o
aspecto deplorável da cidade se deve aos forasteiros, já que a população uberlandense
era ditosa, harmoniosa. A contradição fica evidente, pois, ao mesmo tempo em que
intentam difundir o nome da cidade às outras regiões do país para atraírem
investimentos, reclamam a vinda de pessoas em busca de trabalhos e, não encontrando,
se lançam na mendicância, na prostituição, no roubo, uma maneira de sobreviver,
aspecto, aliás, recorrente em várias cidades brasileiras.
O que está em evidência não é somente a inegável existência da pobreza, da falta
de atendimento médico, da ineficiência do Estado. Percebemos setores distintos da
sociedade reivindicando ações condizentes com a sua forma de estar na cidade, nos
mostrando o choque de interesses com as camadas mais favorecidas financeiramente, as
disputas de poder, como também, de não haver na cidade, como em muitas outras do
país, um discurso único capaz de arregimentar sua estrutura política. Nesse sentido, é
possível vislumbrar no cenário de Uberlândia, greves que pululavam até meados de
1950, especialmente no setor de transportes. O “quebra-quebra” que eclodiu em 1957,
tornou a cidade uma praça de guerra por, no mínimo, três dias. A resistência dos pobres
à ação educativa e esclarecedora das instituições filantrópicas, a existência do Partido
Comunista, cuja existência, por mais pejorativa que fosse, fez com que a cidade ficasse
rotulada como a “Moscou brasileira”.
49
48
Cf.: CALVO, Célia Rocha. Muitas memórias e histórias de uma cidade: experiências e lembranças
de víveres urbanos, Uberlândia 1938 – 1990. 2001. 291 f. Tese (Doutorado em História)-Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001; RODRIGUES, Jane de Fátima da Silva. Trabalho,
ordem e progresso: uma discussão sobre a trajetória da classe trabalhadora uberlandense; o setor de
serviços 1924-1964. 1989. 214 f. Tese (Doutorado em História)- Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989; MACHADO, Maria Clara Tomaz. A
disciplinarização da pobreza no espaço urbano burguês: assistência social institucionalizada,
Uberlândia, 1965-1980. 1990. 322 f. Dissertação (Mestrado em História)- Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990; ALEM, João Marcos. Caipira e
country: a nova ruralidade brasileira. 1996. 266 f. Tese (Doutorado em História)-Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996; OLIVEIRA, Julio César de. O
último trago, a última estrofe: vivências boêmias em Uberlândia nas décadas de 40, 50 e 60. 200. 181 f.
Dissertação (Mestrado em História)-Pontificia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000;
LOPES, Valéria Maria Queiroz Cavalcante. Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da
cidade de Uberlândia (1950-1980). 2002. 190 f. Dissertação (Mestrado em História)-Instituto de História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.
49
NUNES, Leandro José. Cidade e imagens: progresso, trabalho e quebra-quebras - Uberlândia -
1950/1960. 1993. 113 f. Dissertação (Mestrado em História)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993; SANTANA, Eliene Dias de Oliveira. Cultura
33
A perspectiva de análise advinda da documentação dos jornais locais apresenta
algumas armadilhas que serão preciso evitar. No trato com esta fonte, será importante
destacarmos que se trata de um espaço político de intensos conflitos, de reivindicações
para suprir seus interesses que, longe de serem neutras, ajudam a difundir idéias e
comportamentos. Não podemos compreendê-la como a voz da população, ao contrário,
nas suas brechas, quando denuncia os entraves ao progresso, deve-se investigar seus
anseios e ações materializadas cotidianamente e tentar identificar quais são os seus
interlocutores. Os artigos veiculados pelos jornais de Uberlândia realçam quais os
propósitos se escondem nas entrelinhas:
A nossa cidade está se tornando o paraíso dos mendigos.
Já não perambulam só pelas nossas avenidas; andam aos magotes.
E o peior (sic) de tudo isso, é que esses infelizes são, na sua maioria,
de fora.
Parece que alguém soprou ouvidos dessa gente que isso aqui é um
paraíso, para os deserdados da sorte. [...]. Não é possível que
tenhamos que aturar esses fatos, quando é notório que possuímos um
Dispensário, que na medida de suas forças, atende aos nosso pobres.
Já é tempo de acabarmos com esses espetáculos degradantes e com
essa exploração de falsos mendigos.
50
Partindo destas declarações fica fácil antever as ações higienizadoras impetradas
pela polícia sanitária. As relações sociais que compõem o cenário local são diversas e
contraditórias, ao mesmo tempo em que se luta para retirar do convívio comum, os
bêbados, as prostitutas, os doentes, contribui-se com esmolas. A partir do enredo destes
textos jornalísticos, compreende-se que as profissionais do sexo preenchem as
“carências” sexuais dos mesmos pais de família que reivindicam o afastamento da
vagabundagem. Portanto, questiona-se: Em que medida tais ações normatizadoras foram
eficazes para atingirem os seus intentos? Os governos, juntamente com os religiosos,
intelectuais, entre outros, conseguiram, a partir de explicações científicas, extirparem o
que consideravam ser um entrave ao progresso?
Não é somente a religião kardecista que se deve enfocar, instituição que
administrava o Sanatório Espírita de Uberlândia, mas perceber como o jogo de
interesses entre os diversos segmentos sociais possibilitou o funcionamento da
urbana e protesto social: o quebra-quebra de 1959 em Uberlândia-MG. 2005, 147 f. Dissertação
(Mestrado em História)-Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005.
50
A CIDADE está infestada de mendigos. Correio de Uberlândia. Uberlândia, 16 nov. 1940.
34
instituição em questão e, se possível, relacionar com outras casas assistencialistas que
apresentaram caráter semelhante com o hospício.
É possível verificar que, em inúmeras cidades, mesmo não existindo um asilo
específico para a loucura, comunidades assistencialistas preencheram a ausência de
psiquiatras e de hospícios. Foi assim com as construções dos vários hospitais chamados
de Santa Casa de Misericórdia, administradas pelos católicos
51
e de hospícios dirigidos
por espíritas.
52
Foram constantes as gerências de instituições na cidade de Uberlândia por parte
de grupos filantrópicos. As instituições de saúde que atendiam a cidade, até a primeira
metade do século XX, eram administradas por ordens religiosas, particulares ou
federais. A Santa Casa de Misericórdia era dirigida pela Sociedade São Vicente de
Paula, sendo este grupo pertencente ao catolicismo e, em seus discursos, este hospital se
evidencia como uma obra assistencial, não deixando, entretanto, de ser considerada a
primeira forma de tratamento médico alopático na cidade.
A Santa Casa, instituição que prestava atendimento médico às pessoas pobres e
indigentes, foi criada em 1918 pela Irmandade Misericórdia de Uberabinha, contando
com o apoio de duas irmãs belgas Celina e Helena que, como enfermeiras formadas,
assistiam aos médicos da cidade nos procedimentos clínicos e cirúrgicos. A sua
existência foi irregular até 1940, quando foi assumida pelos Vicentinos e com prédio
próprio se estabeleceu no bairro Martins. Por essa época foi construída uma nova sede
na Av. Vasconcelos Costa, com uma arquitetura nos moldes do Panóptico. Hoje, em seu
lugar, está instalado o hospital Santa Genoveva.
53
Além disso, é preciso ressaltar o Dispensário dos pobres de Uberlândia, cuja
história se estende de 1934 à 1970, gerido também pela Sociedade São Vicente de
Paula, cujos objetivos, além de retirar os mendigos da rua, eram de auxiliar
51
Cf. MACHADO, Roberto. Op. cit.;WADI, Yonissa Marmitt. Op. cit.
52
Cf. STOLL, Sandra Jacqueline. Entre dois mundos: o espiritismo da França e no Brasil. 1999. 255 f.
Tese (Doutorado em Antropologia), USP, São Paulo, 2002.
BOFF, Angélica Bersch. Espiritismo, alienismo e medicina: ciência ou fé? Os saberes publicados na
imprensa gaúcha da década de 1920. 2001. 262 f. Dissertação (Mestrado em História), UFRGS, 2001.
PETERS, Carlos Eduardo Marotta. Asilo espírita “Discípulos de Jesus” de Penápolis: a loucura no
cotidiano de uma instituição disciplinar (1935-1945). 2000. 149 f. Dissertação (Mestrado em História),
UNESP, Assis/SP: 2000.
53
Cf. RIBEIRO, Raphael Alberto; MACHADO, Maria Clara Tomaz. Almas enclausuradas: práticas de
intervenção médica, obsessão e loucura no cotidiano do Sanatório Espírita de Uberlândia/MG (1932-
1970). In: ISAIA, Artur César (Org.). Orixás e espíritos: o debate interdisciplinar na pesquisa
contemporânea. Uberlândia: Edufu, 2006.
35
materialmente a pobreza e exercer o controle sobre as doenças contagiosas. O seu alvo
principal eram os doentes portadores de Hanseníase, e, no Estado Novo, teve papel
atuante na aplicação da política de saúde que construiu leprosários e preventórios por
todo o país, isolando os doentes. Nesse sentido, este Dispensário promoveu a
disciplinarização do espaço urbano de Uberlândia, afastando a pobreza indigente para a
periferia, mantendo, dessa forma, a imagem de “cidade jardim”.
54
A título de exemplo,
na época de Vargas, quando se institucionaliza uma política de saúde pública no país, as
construções do leprosário (Bambuí) e do preventório (Araguari) de Minas Gerais foram
descartadas veementemente pelo poder público municipal das respectivas cidades,
alegando que as famílias dos doentes de outras regiões, ao se deslocarem para esta
cidade, comprometeriam não só o progresso visível como isso custaria caro aos cofres
públicos. O bairro Lagoinha, bastante afastado da cidade neste período, passou a abrigar
e esconder os leprosos da cidade.
55
Da mesma forma, os menores carentes juntamente com os mendigos e
imigrantes foram, à princípio, afastados da cidade e recolhidos em instituições como
demonstra o quadro abaixo:
TABELA 1
Instituições Assistenciais de Caridade Pública em Uberlândia (1900-1967)
Nome Ano Administração Atuação
Asilo Santo Antônio e São
Vicentino
1908 Sociedade Vicentina Idosos
Casa Criança 1940 Rotary Club Crianças
Casa da Divina Providência 1940 Sociedade Vicentina Crianças
Patronato Buriti 1947 Rotary Club Crianças
Patronato Rio das Pedras 1953 Sociedade Eunice
Weawer
Crianças
Fonte: MACHADO, Maria Clara Tomaz. A disciplinarização da pobreza no espaço urbano burguês:
assistência social institucionalizada (Uberlândia 1965 a 1980). 1990, 322 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1990.
54
Cf. MACHADO, Maria Clara Tomaz. A disciplinarização da pobreza no espaço urbano burguês:
assistência social institucionalizada (Uberlândia 1965 a 1980). Op. cit.
55
GOMIDE, Leila Scalia. Órfãos de pais vivos: a lepra e as instituições preventoriais no Brasil:
estigmas, preconceitos e segregação. 1991. 278 f. Dissertação (Mestrado em História)-Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
36
Estas instituições assistenciais promoviam não só a segregação dos excluídos
sociais como pretendiam sua moralização no ideário burguês. Um dos grandes projetos
alardeados pelo prefeito Tubal Vilela da Silva foi a transferência da zona do meretrício,
do centro da cidade, em 1954, para a área periférica da cidade, conhecida como Rua
Uberaba.
A criação da Instituição Cristã de Assistência Social de Uberlândia (ICASU), em
1965, administrada pelo empresariado uberlandense, tinha por objetivo retirar das ruas
mendigos, leprosos, migrantes e mais tarde os menores. Esta instituição consegue por
vinte e cinco anos manter a pobreza invisível, inaugurando em 1975 uma nova forma de
exploração do trabalho do menor carente pelo empresariado local sob a forma de
aprendizagem de um ofício. Obviamente a pobreza circundante não deixou de existir e
confrontar as imagens de progresso fabricadas, o que eclodiu no censo demográfico de
1980, quando o IBGE apontou uma distribuição desigual, em que 40/60% da população
uberlandense sobrevivia na miséria, sem emprego formal que lhes garantisse uma vida
digna.
É nesta perspectiva que trabalha a autora Maria Clara Tomaz Machado,
56
questionando o papel exercido por alguns grupos sociais no que diz respeito à
assistência social institucionalizada. Segmentos sociais que foram interpretados pela
memória hegemônica como abnegados, almas resignadas e defensores das camadas
mais pobres, que são compreendidos, paradoxalmente, por outra ótica, como sujeitos
mantenedores de uma realidade excludente. Neste viés, tais grupos não representaram
uma opção contrária à desigualdade social, não contestaram o regime de exclusão
social, ao contrário, perpetuaram o poder instituído, harmonizando-se com os interesses
dos governantes e empresários.
Tentemos construir alguns enredos que possibilitem pensar uma cidade marcada
pela confluência de pensamentos e práticas, questionando a memória que ficou
registrada. Na documentação analisada é preciso interpretar outras trajetórias a partir de
indícios, nos inspirando a recontar e a (re)construir tramas que foram recusadas e até
mesmo ignoradas pela versão oficial. Atentemos para a notícia:
56
MACHADO, Maria Clara Tomaz. A disciplinarização da pobreza no espaço urbano burguês:
assistência social institucionalizada (Uberlândia 1965 a 1980), 1990.
37
Naquela tarde tropical, de ante hontem (sic), quando os raios de sol se
esparziam sobre o casario moderno e punham em relevo luminoso a
fachada soberba do cine Theatro Uberlândia, de todos os recantos da
cidade dos curtiços e tugirios, dos ranchos e tapíras, que os há,
também, contrastando com o progresso de Uberlândia, legiões
intermináveis de crianças pobres amarellas e barrigudinhas pela
opillação; pés descalços, trapos sobre o corpo, ocorrem a Afonso
Pena, para receber as roupas que lhes ofertaram as Casas
Pernambucanas locais.
[...] Eu vi uma Uberlândia differente; eu vi um Brasil, alli, sem glória,
nem grandeza; eu vi, naquelas crianças pobres, miseráveis, uma negra
e dolorosa mancha da organização social de nossos dias!
Então senhores, isto é o progresso de que tanto nos envaidecemos?
Isto é a pátria, a muito amada Pátria Brasileira, que as páginas da
história elevam ao pináculo da gloria?
Será isto a civilização christan, toda ternura, solidariedade, amor?
Ou é o libello contra a nossa hipocrisia?
Ou é a prova, que deprime, que constrange e que revolta do egoísmo
humano?
57
Observemos atentamente que o discurso não é uníssono. O jornal representa
parte das elites uberlandenses, porém há textos produzidos neste mesmo veículo
midiático que contradizem os seus ideais de desenvolvimento pretendido, quais sejam, a
construção da imagem de cidade modelo, espaço este demarcado por ilustres habitantes
que sacrificam suas vidas pelo progresso. O trecho acima citado aponta para a
insatisfação de morar em Uberlândia, diante de níveis de desigualdades sociais
intoleráveis. Chama-nos a atenção na documentação, tanto quanto o tom de denúncia da
matéria e a desilusão acerca do progresso, o fato de podermos trabalhar com as brechas
deixadas na redação jornalística.
No que tange às questões sanitárias e de saúde pública, diversos artigos foram
publicados pela imprensa uberlandense com a intenção de exigir soluções para questões
relacionadas com hospitais, doenças transmissíveis, mendicância, leprosos, higiene
pública e ações de governantes. No artigo Deficiência de nosso Centro de Saúde, o
redator relata a necessidade de tomada de atitudes por parte dos políticos na tentativa de
melhorar o atendimento do hospital:
[...] Nossa cidade possue (sic) uma população superior a 50 mil
habitantes. Nosso organismo social é entrosado das mais diversas
pessoas que se oriundam das mais longínquas terras do Brasil. Nosso
contacto com estranhos se prolifera cada vez mais. A necessidade de
um bom aparelhado Centro de Saúde seria a primeira providência a
57
CRIANÇAS pobres. A Tribuna. Uberlândia, 23 nov. de 1938. n. 1761. p. 2.
38
ser tomada pelos poderes públicos. Possue, infelizmente, nossa cidade,
um obsoleto e rudimentar Centro de Saúde.
58
Conforme afirma Dr. José Olympio de Freitas Azevedo, fundador da Escola de
Medicina da Universidade Federal de Uberlândia:
[...] O centro médico da região naquela época era Uberaba, era até
humilhante para a classe médica de Uberlândia que as pessoas todas,
inclusive as de baixa renda, até indigente, fossem consultar em
Uberaba, pois não havia estrutura de assistência médica aqui. E a
cidade entendeu que essa seria a oportunidade de Uberlândia se tornar
um centro médico, e ter os benefícios, a assistência médica
diferenciada e melhor instrumentalizada.
59
O esboço de uma política de saúde e de assistência social em Uberlândia data de
1936 quando é instituída uma taxa assistencial para tal fim. De acordo com ata da
Câmara Municipal de 23/10/1936:
[...] Atendendo à necessidade da administração municipal de amparar
a causa da assistência social, sobretudo no que diz respeito a
mendicância e a saúde pública, e considerando, porém a deficiência
dos meios atuais constantes da proposta orçamentária para 1937,
considerando ainda que desde o exercício de 1934 a Prefeitura não
agravou os impostos, sem prejudicar as exigências constitucionais
propomos: a criação de uma taxa adicional de 10% (dez por cento) a
incidir sobre os impostos de lançamento, imposto predial, imposto
cedular sobre a renda de imóveis rurais, imposto territorial urbano,
que forem consignados na receita constante da proposta orçamentária
acima referida, com a previsão de 225.000$000, importando, portanto
em 22.500$000 a taxa adicional assim criada, cuja renda será
empregada em auxílios à mendicância e à saúde pública [...].
60
Essa taxa foi, na verdade, descontínua, dependia do jogo das forças políticas no
poder, dos interesses e articulações entre esse poder e as diretorias das instituições
assistenciais, voltando ao cenário político por diversas vezes sob a forma de projeto de
lei, decreto-lei e leis em 1944/48/51 e 54. Cabia, nesse caso, ao poder executivo, apenas
repassar subvenções do orçamento municipal às entidades assistenciais para que essas
prestassem socorro de ordem filantrópica, assistencial e médica aos desamparados da
sorte. Em 1959, a lei de nº 753/59, aprovada pelo legislativo, fixa o valor de 5% da
receita prevista no orçamento municipal para os gastos com tais subvenções, delineando
58
CENTRO de saúde. Correio de Uberlândia, Uberlândia, 21 jul. 1955, p.6.
59
CAETANO, C. G.; DIB, Miriam M. C. A UFU no imaginário social. Uberlândia: UFU, 1988, p.60.
60
CÂMARA MUNICIPAL UBERLÂNDIA. Ata da reunião ordinária da Câmara Municipal
realizada no dia 23 out. 1936. Uberlândia, 1936.
39
uma política social para o município. Este valor equivalia à taxa de arrecadação no
Terminal Rodoviário, demonstrando a despreocupação do poder público com a saúde. A
criação em 1930 de um Hospital Regional, sob responsabilidade do governo estadual,
foi resultado do programa de saúde de Vargas, transformado em 1940 no Posto
Regional de Saúde. A prefeitura, até então, nunca havia arcado com responsabilidades
concretas em relação à saúde e sua prevenção.
61
Somente em 1945 é que se tem a criação da Sociedade Médica de Uberlândia,
com sede própria em vistoso edifício de três andares, moderno para a época na sua
concepção arquitetônica e estética, consolidando o saber alopático na cidade e região.
Esta sociedade, além de regulamentar o exercício da profissão, proporciona o debate
entre a classe médica, as elites financeiras e poder público, passando, daí por diante, a
ser um canal propício a emissão de idéias capazes de influenciar as decisões políticas
substanciais para a cidade, especialmente no que tange à saúde pública e à assistência
social institucionalizada. Cabia a essa sociedade também a organização de eventos que
divulgassem os novos conhecimentos médicos, promovendo congressos, seminários e
eventos da área, assim como encontros festivos de congraçamento da classe médica.
62
Com relação aos hospitais particulares – São Francisco, Santo Agostinho, Santa
Catarina, Santa Marta, Santa Terezinha e o Santa Genoveva – foram fundados no
perímetro urbano, atendendo em particular às elites uberlandenses. O Santa Genoveva
surgiu com o fechamento da Santa Casa, em fins de 60, quando foi vendida para
particulares e a nova instituição continuou no mesmo local da antiga, na avenida
Vasconcelos Costa. Em 1970 foi fundado o Hospital de Clínicas da Universidade
Federal de Uberlândia – sob responsabilidade governo federal.
A lepra, talvez mais que a criminalidade, tornou-se um perigo à população sadia,
pois representava uma constante ameaça de infecção generalizada. O município se
empenhou para eliminar qualquer possibilidade de foco de epidemia. Neste ínterim:
[...] A portentosa Uberlândia, cidade que esnoba seus fôros (sic) de
civilização e grandeza, tem uma anomalia [...] Trata-se do elevado
61
Cf. MACHADO, Maria Clara Tomaz. 1990.
62
TEIXEIRA, Longino. Apontamentos para a história da medicina e da farmácia em Uberlândia –
1846 - 1968. Uberlândia: s/ed., 1968. Vale ressaltar que só em 1983 foi criada a Secretaria Municipal de
Saúde na gestão Zaire Rezende (1982-1988) um dos raros momentos de alternância do poder político à
esquerda com uma proposta de democracia participativa, ora nem por isso merece crítica. Cf.:
ALVARENGA, Maria. Movimento popular, democracia participativa e poder político local. História &
Perspectivas. Uberlândia, UFU, n. 4, 1991.
40
números de portadores de lepra que perambulam pelas nossas ruas [...]
Então Uberlândia é a meca da mendicância profissional [...] sendo
obrigada a responsabilizar-se por todos os pedintes dêste (e do outro)
planeta? [...] analisemos o aspecto humano e estético da questão e
concluiremos, que é inadmissível a presença dos leprosos espalhados
pelos quatro cantos da cidade, demonstrando um quadro triste de
abandono, de destruição e amedrontando as eternas hipocondríacas
não preparadas intelectualmente para a vista de tais chagas. Mas
retirar os leprosos daqui nas ruas é um paliativo, é um desencargo de
consciência, é embelezar o aspecto estético da cidade de luxo, a
vibrante metrópole do Triângulo. Retiremos, sim, com humanidade,
com respeito à criatura humana, os infelizes leprosos que mendigam
no centro da cidade. Mas a par da retirada, sejamos nós o bandeirante
da campanha para a criação de novos centros de abrigo, tratamento e
recuperação dos pobres irmão da praga de Lázaro. Aí então estaremos
agindo com espírito cristão, dando um pouco de nós mesmos em pról
dos irmão atingidos pela bíblica moléstia.
63
O campo de disputas é desigual, de modo que se cria todo um ideal de vida em
que, estes “doentes”, excluídos socialmente, internalizam uma condição de inferioridade
e, suas memórias são apagadas ou esquecidas pela sociedade. A loucura e a lepra não se
misturam nem mesmo com as outras camadas estigmatizadas da sociedade como os
ébrios, as prostitutas, os mendigos.
Para além da higienização das ruas, neste trecho jornalístico, a doença sempre
esteve rodeada de medos e tormentas. A sociedade constrói imagens e representações
em torno do doente e de suas anomalias. O doente é alguém que precisa ser isolado para
evitar o contágio às outras pessoas. Não é somente o medo de se contagiar, mas a tênue
divisória entre a vida e a morte, entre a realidade dos vivos e o mundo dos mortos.
64
Nesta premissa, vale ressaltar os discursos médicos também como
representações da doença. Se as suas teses, justificadas pelo conhecimento científico,
contribuem de maneira salutar nos comportamentos sociais, estipulando normas de
condutas, por outro lado, não conseguem impor integralmente à sociedade a sua
vontade, uma vez que a população não consegue usufruir deste conhecimento científico.
As pessoas leigas também (re)criam seus significados, inconscientemente reproduzem
práticas médicas e transgridem outras, apostando na tradição, nos costumes.
63
A Lepra. Correio de Uberlândia. Uberlândia, 19 e 20 jan. 1968. n. 10.573, p. 3.
64
Cf. FOUCAULT, Michel. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2002.
558p.
TRONCA, Ítalo. As máscaras do medo – Lepraids. Unicamp. Ed. da Unicamp, 2000. 160 p.
41
1.2 Projeto de exclusão social: a construção do sanatório espírita
Em jornais locais, A Tribuna, O Repórter e Correio de Uberlândia, a notícia da
construção de um hospício de amplas proporções foi destaque:
Veio ter hontem (sic) em nossa redação, uma commissão enviada pela
Sociedade Humanitária local, para dizer-nos que essa instituição de
caridade pretende exigir novo pennats, em virtude da defficiência que
a actual offerece. Positivamente, é uma medida de elevado alcance
moral e humanitário a que essa nobilitante sociedade pleteia. Parece-
nos, dadas as suas finalidades, não surgirão obstáculos à realização de
tão importante quão útil empreendimento.
65
A manutenção de uma instituição que abrigasse os loucos em Uberlândia partira
não de médicos, ou do poder público, mas de espíritas; o Sanatório Espírita de
Uberlândia teve a sua fundação em 1942. A campanha para a construção de um hospício
de amplas proporções físicas se deu bem antes, em 1936, pela comunidade espírita,
encabeçada por Alcindo Guanabara. A partir de 1932, em cômodos improvisados,
situados em uma casa no centro da cidade, o grupo espírita Fé, Esperança e Caridade
mantinha alguns loucos internados em suas acomodações, mas devido às suas
instalações modestas e, com o aumento da demanda, a instituição religiosa defendia a
edificação de outro asilo, mais espaçoso e afastado do centro da cidade.
A ausência de um hospício na cidade projetado para tal fim promoveu diversas
campanhas, empreendidas por setores da classe média, pois havia urgência em se
construir uma casa que pudesse resolver o problema da loucura. Antes de 1932,
momento em que é fundado o Penate Allan Kardec, não havia nenhuma instituição para
internar os loucos das ruas. O hospício de maior expressão na região era em Barbacena
e em Uberaba, a partir de 1933. Muitos se deslocavam até mesmo para Belo Horizonte e
para o estado de São Paulo, mas, mesmo assim, não era possível estas instituições
atenderem tantos casos, uma vez que não conseguiam resolver nem mesmo os seus
problemas locais, o que resultava em constantes transtornos para o poder público a
retirada dos loucos agressivos das vias públicas:
Um pobre homem foi, em dias da semana passada, atacado de forte
asscesso de loucura. Apezar (sic) da assistência que lhe dispensa
generosa família aqui resisdente, naturalmente algumas vezes escapa à
65
COOGITA-SE da construção de novo penats. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 2, 22 jul, 1936.
42
vigilância de seus protectores e sahe aos gritos pelas ruas, nos
desatinos de sua loucura, posto que inofensiva. Tratando de um
homem cuja família não dispõe dos necessários recursos, julgamos
que o Sr. Dr. Delegado de Polícia deveria intervir perante quem de
direito com o fim de facilitar os meios de ser aquelle enfermo
internado em um manicômio onde lhe pudesse ser dispensado o
conveniente tratamento para a rehabilitação de suas faculdades
mentaes (sic)..
66
A reivindicação para a criação de um manicômio se intensificou:
As inconveniências de transporte dos loucos desta parte de Minas para
Barbacena, forçam as providências sobre a creação (sic) de um asylo
de alienados nesta cidade, onde, sem dúvida, as condições hygiênicas
e climatéricas são as mais propícias. [...] Todos os visitantes que
aportam a esta cidade, alguns até médicos, com os quaes temos tido
occasião (sic) de externar esse alvitre, ouvindo-nos sobre as
difficuldades do transporte de um doente mental daqui para
Barbacena, tem a sinceridade de concordar com as nossa idéias.
Agora, porém, estas idéias devem tomar um sulco ainda mais
profundo de vez que vão ser doados à Santa Casa de Misericórdia e ao
Asylo São Vicente os alicerces que estão a propósito para o
estabelecimento a que nos referimos.
67
Caso a família possuísse alguém portador de transtornos mentais, era obrigada a
mantê-lo em casa, e em algumas circunstâncias, amarrado. Alguns desses enfermos se
tornavam indigentes pela recusa dos cuidados necessários. Se é evidente a política de
exclusão, de limpeza urbana impetradas em todo o território brasileiro, por outro lado a
escassez de médicos e a ausência de psiquiatras até 1960, em Uberlândia, dificultava
ainda mais a implantação de um hospital psiquiátrico. Se muitos trabalhos
historiográficos questionam a conduta médica e o poder adquirido pelos “homens de
branco” que os possibilitariam forjar espaços, criarem políticas de profilaxia, entre
outros, nesta cidade a atuação da classe médica foi bastante tímida, ao menos até a
década de 1950. No trabalho de Castro,
68
podemos evidenciar a ineficiência da medicina
em Uberlândia, abrindo com isso espaços para práticas alternativas de curas. É o caso de
Uberlândia, no século XIX e início do século XX, pois:
[...] As práticas culturais da medicina popular estão entranhadas de
misticismo e religiosidade. Elas são antes de qualquer coisa, práticas
sociais de grupos que experimentam no seu cotidiano as agruras da
66
LOUCO. A Notícia, Uberabinha, p. 2, 8 set. 1918. n. 14.
67
A Tribuna, Uberabinha, p. 2, 25 dez. 1921. n. 129.
68
CASTRO, Dorian Erich de. Op. cit.
43
vida, são a prova da luta do homem contra as suas próprias limitações,
em um mundo ilimitado.
69
A inauguração do Penate Allan Kardec, em 1932, representou o início do
tratamento psiquiátrico na cidade. A instituição foi erguida e mantida por meio de
doações da população, tais como, roupas, comida e possivelmente remédios, e recebia
pouco auxílio do poder público. Não há nenhum registro de como funcionava este
modesto recinto, não sabemos se havia médicos, quais os tipos de loucos que ali
residiam, mas podemos asseverar que o local não condizia com as estruturas
arquitetônicas de um sanatório, com capacidade máxima para abrigar aproximadamente
dez pessoas.
70
Diante das diversas obras assistenciais edificadas pelas instituições espíritas em
todo o país, uma merece um maior destaque: o trato com a loucura. Segundo a premissa
kardecista, o reconhecimento da loucura como obsessão faria com que muitos adeptos
da doutrina religiosa se empenhassem na edificação de sanatórios por todo o país. Foi
assim que, em meados de 1932, Fernando Moraes fundou o Penate Allan Kardec em
Uberlândia, podendo assim isolar as pessoas com transtornos mentais. Austríaco, residiu
em Ribeirão Preto, mudando posteriormente para Tupaciguara e depois para Uberlândia.
Este projeto da construção do Penate teria sido uma mensagem mediúnica direcionada a
Fernando, como parte de sua missão aqui na Terra. Sua relação com o espiritismo estava
presente em sua vida desde quando residia em Tupaciguara, época em que participava
de trabalhos de “desobsessão”
71
em sua fazenda. Tomou conta da administração do
Penate por alguns anos, juntamente com o Centro Espírita Fé Esperança e Caridade,
desativado em 1942 quando da inauguração do Sanatório Espírita de Uberlândia. Neste
momento, havia pouco mais de dez internos na instituição e que posteriormente foram
transferidos para o Sanatório Espírita.
72
No final da década de 1930 foi intensificada uma campanha para angariar fundos
em prol da construção do novo hospício, desta vez com uma arquitetura própria dos
asilos existentes em outros locais. Alcindo Guanabara, o personagem mais atuante,
69
MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura Popular e Desenvolvimento em Minas Gerais: caminhos
cruzados de um mesmo tempo (1950/1985). Op. cit, p. 235.
70
FREITAS, Nicelídea de. Depoimentos. Uberlândia, 17 jun. 2005.
71
Como será melhor definida no capítulo seguinte, a desobsessão, segundo a doutrina espírita, é a
eliminação da obsessão, ou seja, impedir a influência de um espírito sobre o outro.
72
VITUSSO, Isabel R. Terra Fértil Semente Lançada. A História do espiritismo em Uberlândia.
Uberlândia: Aliança Espírita Municipal, 2000.
44
trabalhando em várias instâncias, promoveu ampla divulgação do que viria a ser, para a
instituição espírita, o seu mais importante feito. O fato de ter sido chefiado por espíritas
– doutrina religiosa de pouquíssimos adeptos que, em muitas instâncias, foi perseguida
por membros católicos – não impediu as colaborações conseguidas e nem mesmo o seu
funcionamento. Tal obra marca a ascensão e aceitação local dos espíritas na cidade, pois
a instituição religiosa cobria uma lacuna que o Estado não conseguira cumprir. A idéia
de caridade e filantropia, tão cara à doutrina espírita, passa a ser propagada pela
imprensa local:
Como já é do conhecimento público a ‘Sociedade Humanitária” de
Uberlândia patrocina presentemente uma campanha Pró-construção de
um Asylo (sic) para Alienados. Construção essa que inegavelmente
preencherá uma grande lacuna não só para esta cidade como também
para as circunvizinhas, acolhendo dezenas de doentes que padecem o
peior dos males, A DEMÊNCIA. Urge pois, que todos os
uberlandenses, triangulinos e goyanos, unidos nem laço indissolúvel
de Amor ao próximo, auxiliem não só moral como, materialmente
essa philantropica obra de caridade, para que o mais breve possível
possamos contemplá-la coroada de pleno êxito.
73
Não houve, num primeiro momento, uma vinculação direta por parte da
imprensa de que o hospício era um projeto levantado pela religião espírita. A
responsabilidade da construção foi reservada à Sociedade Humanitária, associação sem
expressão, criada, talvez, para desfocar da população de que se tratava de um
empreendimento espírita. A estratégia de não associar a realização de obras assistenciais
à esta doutrina fora utilizada algumas vezes, quando convinha, assim ocorrido com a
criação do Dispensário dos Pobres, o Lar Alfredo Júlio e com o Educandário
Emmanuel.
Para além desta possibilidade de retaliação aos projetos idealizados por
militantes kardecistas, muitos destes seguidores religiosos foram pessoas influentes e
que podiam conseguir o apoio de setores importantes da cidade. Alcindo Guanabara
aproveitou seu prestígio social para promover uma ampla campanha de arrecadação de
verbas e conseguir parcerias com políticos e empresários. Interveio em sessões da
Câmara Municipal dispondo a importância da construção de um hospício para a cidade,
pedindo colaborações de toda feita, até mesmo de um arquiteto e de um engenheiro que
pudessem projetar a casa. Assim, em 1937:
73
ASYLO, para Alienados. Jornal de Uberlândia, p. 2, Uberlândia, 06 set. 1936.
45
Foi encaminhado à ordem do dia da próxima reunião. O sr. Secretário
leu o requerimento assinado por Alcindo Guanabara, acompanhado de
um ofício do sr. Prefeito enviando à Câmara, juntamente com os
pareceres emitidos pelos drs. Nelson César, engenheiro da Prefeitura e
Luiz Pimentel Arantes, diretor do Int. Posto de Higiene, solicitando o
peticionário licença para construir um prédio para o Asilo dos
Dementes. À vista dos pareceres, o Sr. Presidente pôs a matéria em
discussão, deliberando o plenário suspender a Sessão por alguns
minutos, afim de votar a respeito indicação, concebida nos termos
seguintes: [...], vereadores à Câmara Municipal de Uberlândia ouvidos
sobre a publicação firmada pelo Sr. Alcindo Guanabara solicitando
licença para a construção do prédio destinado a Asilo de Alienados,
apresenta à consideração do plenário a seguinte indicação. Atendendo
aos termos dos pareceres envolvidos a respeito pelo Sr. Nelson Cezar
Pereira da Silva, Engenheiro da Prefeitura e Sr. Luiz Pimentel
Arantes, Diretor do Sub-posto de Higiene do município, indicam a
necessidade de ser remitido o prédio, acompanhado da respectiva
planta, a Secretaria de Saúde Pública do Estado de Minas, por
intermédio do Sr. Prefeito Municipal..
74
Mas a não vinculação às entidades espíritas do Asilo de Dementes, como era
chamada a casa nesta época, foi um período bem curto. A boa receptividade do
sanatório, aliada à influência de militantes espíritas em setores privilegiados da
sociedade uberlandense, facilitou a edificação do asilo. Quando Alcindo Guanabara
apresentou, pela primeira vez, na Câmara Municipal, a idéia da construção de um
hospício na cidade, Henckmar Borges, espírita assumido, era vereador tantas vezes
homenageado.
Nomes como Odilon Ferreira, Gustavo José da Silva, José Gonzaga de Freitas,
João Dorneles dos Santos Júnior, Antonieta Borges, entre outros intelectuais e
profissionais liberais, assíduos participantes da imprensa local, foram importantes para a
legitimação desta doutrina na cidade. Além de atuarem regularmente nos jornais e no
rádio, abordando assuntos cristãos, discursando sobre o valor da caridade, do amor ao
próximo, explorando as teorias de Kardec, obtiveram reconhecimento pelas suas obras
assistenciais.
75
74
CÂMARA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA. Atas da Terceira Sessão Ordinária da Câmara
Municipal de Uberlândia, realizada em 7 de out. de 1937. Uberlândia, 1892.
75
Uma iniciativa de grande alcance dentro da área de assistência social vem se consolidando dia a dia em
Uberlândia. Trata-se da Organização União Fé, Esperança e Caridade que, com pouco tempo de trabalho
na Metrópole do Triângulo, já possui um saldo positivo [...] dependendo dos recursos financeiros, a
segunda que consistirá na edificação de um ambulatório médico e dentário para assistir a população
daquela região gratuitamente com receitas médicas, tratamento dentário e distribuição de medicamentos.
(FÉ e Esperança dará amparo à infância. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 3, 2 e 3 de julho de
1968).
46
Tal proposta para construção do asilo dos dementes foi muito bem recebida
pelos empresários e personagens influentes da imprensa local. Um comerciante com o
nome Waldemar de Freitas se prontificou a doar o terreno na Vila Oswaldo, lugar
afastado do centro urbano. Mas fora outro o lugar escolhido para a edificação da obra
asilar, na época local também afastado da parte central e doado por um personagem
ilustre da cidade, Fernando Vilela, pessoa que se tornaria prefeito anos depois. Além de
espírita, Vilela tinha três filhos portadores de transtornos mentais, sempre internados em
outros hospícios até a ativação do Sanatório Espírita de Uberlândia, onde permaneceram
até as suas mortes.
A construção do Sanatório Espírita em Uberlândia, legitimando as práticas do
tratamento psiquiátrico, está fortemente associado à própria ascensão da religião espírita
na cidade, uma vez que a sua participação não era somente na parte administrativa, mas
também, fundamentalmente, no tratamento aplicado. Sendo assim, é importante
discorrermos acerca dessa trajetória delineada por adeptos do espiritismo na busca de
espaços e reconhecimento perante a sociedade, condição esta marcada pela tensão com
os católicos. Tanto local, quanto nacionalmente, os kardecistas ocupavam cargos
importantes: era significante a presença de médicos, advogados, políticos, jornalistas
que confessavam professar a fé espírita. Alguns discursos veiculados nos jornais
mostram com entusiasmo o trabalho desenvolvido sem, contudo, associa-lo diretamente
ao espiritismo, mas, mesmo assim, não se poupa elogios aos abnegados espíritas:
Há tempos, um grupo de caridosos espíritas que dirigia o Centro Fé,
Esperança e Caridade, sentindo a falta que estava fazendo um
estabelecimento que recolhesse os perturbados mentais, resolveu levar
avante essa iniciativa.
Organizada a comissão que trataria do assunto, tendo à frente a figura
simpática e esforçada de um dos seus elementos mais entusiastas – o
sr. Alcindo Guanabara, foi adquirido em poucos dias, na Vila Martins,
a área necessária a esse importante e indispensável empreendimento.
E desse momento em diante não teve o sr. Alcino Guanabara e seus
denotados companheiros, um momento de tréguas.
E nosso povo que jamais desmentiu os seus grandes gestos de
caridade, deu o seu apoio à iniciativa e o Asilo Alan Kardec foi se
erguendo majestoso no novo e futuroso bairro da Vila Martins.
E lá está plantado com sobriedade e gosto aquele edifício nascido do
gesto dos nossos abnegados espíritas e do trabalho persistente, tenaz e
desassombrado de Alcino Guanabara.
Agora que já sabemos estar terminadas a construção do asilo,
gostaríamos de informar aos nossos leitores e àqueles que deram a sua
contribuição, a data em que pretendem inaugurar essa casa de
47
caridade, que marca mais um grande tento no progresso da nossa bela
cidade.
76
Considerando que a maioria da população era católica, a recepção das obras
realizadas pelos espíritas conseguia a proeza de não ficar só no papel, obtendo o apoio
de outras parcelas da comunidade, que não somente doavam vários benefícios às
entidades espíritas como também cobravam resultados. Alcindo Guanabara teve de ir,
em 1941, à redação de O Correio de Uberlândia, jornal onde há uma maior concentração
de artigos divulgando os fundamentos kardecistas, para explicar o motivo da demora da
ativação do sanatório, uma vez que a construção teria se iniciado em 1938:
Para que ninguém alegue ignorância de boa, ou má fé e como é para o
bem de todos e felicidades geral, levo ao conhecimento que não tem
nenhum fundamento quaesquer (sic) boatos de camouflage forjados
sobre a Obra, ou o que eu tenha dado por terminado “Azilo de
Dementes” continuo firme trabalhando internamente, já, tendo entrado
na 4ª etapa no desenrolar dos acontecimentos, aguardem para breve,
meu pronunciamento, para que os incomodados é que si ... ou inteirem
de toda verdade núa e crua. Dispensando todo e quaisquer elogios, no
cumprimento dos meus deveres sem artifícios, pois o que eu sou está
em mim, trabalho por ideal independente, sem temer os arreganhos
dos lobos, ou o disfarce das ordas reacionárias de Satam!!! incarnados
ou desincarnados, sem compatuar atendendo a bastardos ou
corrompidos interesses pessoais laterais e de quaisquer procedência,
Seilassie ou, não .... (Alcindo Guanabara – Diretor Tesoureiro, por
conta própria)
77
Nesta fala áspera de Alcindo, percebemos a tensão dos grupos sociais,
disputando a legitimação e o poder. Embora a construção do sanatório – como outras
obras assistencialistas – coadunava com os interesses das elites uberlandenses, a
convivência com outros grupos políticos ou religiosos não deixava de ser conflituosa.
Neste caso, a cobrança por prestação de contas é um definidor instigante para
pensarmos os embates pelo reconhecimento social. Percebemos a constante dialética
que seria a integração dos variados segmentos sociais na realização de seus projetos
com interesses afins e, ao mesmo tempo, as disputas que emergem da visão e interesses
que estas pessoas têm do mundo e da maneira como se fazem reconhecer como sujeitos.
Ainda, em outras declarações pelo mesmo jornal, as ameaças continuam:
76
PENATES Alan Kardec. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 2, 9 ago. 1941.
77
GUANABARA, Alcindo. Campanha pró Construção do Asilo de Dementes. Correio de Uberlândia.
Uberlândia, p. 2, 26 ago. 1941.
48
A Pedido
“Escândalos! Inédito”
Anonimatos!!
Carta Aberta: - a quem possa interessar
Recebi e tenho em mãos, em disfarce de carta anônima, dissimulada
em forma em estilo Tapajós ou U.R.S.S. em sentido inverso, com
carimbo sem selo, característico peculiar em todos os sentidos do
autor através da penumbra solerte sobre minhas vistas ou faculdade
com olhos de Lynce, que em breve farei Público, o seu conteúdo sem
nexo e conexo de mentalidade medíocre e mendazes, não sortirá os
efeitos desejados architetonicos (sic) com Sonhos de Fada a beira Mar
sem saber Em-Quem, no se sacerdócio ou apostolado sacro de
campanhas forjadas aos Quatros Ventos de calúnias recém-fracaçadas
e, Camnubio com as demais correntes de igual calibre e seus asseclas
invejáveis, em junção com os desincarnados das trevas, ou Psicose
mórbida, miasmas precoce de sentimentos rastejantes das más línguas,
caracteres de seu patrocínio direto: aguardo-a como uma jóia de valo
imenso reforçando mais a minha série bastarda documentação, já do
conhecimento das Altas Autoridades da Nação, na minha ultima
viagem ao Rio, que levei. Não se precipitem no abismo, condutores de
consciências, e aguarde o desfraldar no Frontispício da Obra a
Bandeira Branca de Paz Amor e Fraternidade, já com aposentos
rezervados e camas feitas formando um rosário para mizerias de corpo
presente, ou hipocrisia desmascarada com a sepultura aberta sob
medida ou ordens feitas, aguardando o desfecho hospitalar.
Colaborando com o Senso quem está ensaiando ou sofre das
faculdades mentais em Uberlândia? Conforme vem divulgando os
corneteiros, é quem trabalha Edificando ou os que envoltos criminosos
caluniam alardeando acobertados vociferando com força de mil
cavalos-á Loucura é de todos, mais precisamos assinalar os furiosos
perniciosos que por motivo de maior, para o bem de todos e felicidade
geral da Nação serão presos ou internados na Obra por obsequio
assigue o nome sem covardia para receber o prêmio que faz jus, e que
vangloria com ênfase patriótico, de morro ou mato.
Vendo a barba do vizinho arder põe-se de molho, por falar em
adivinhos ou falsos profetas, Uberlândia esta enfestado, especialmente
os adúlteros em forma do sexo frágil, mercadejando o corpo e alma
escamotiando como Judas a vil moeda, os valores dos engenuos sobre
pontes camouflada o entrincheirados acestando as armas vomitando
larvas e enxofre iluminados com os dois Fogos divulgados das
bocudas dos Lampeões facínoras, lepra ou cancro social denegrindo
consciências, pois o que queimam não é dos lampeões, mais o das
consciências envolta nas trevas do remorso criminoso onde as
maripousas sofre os efeitos da causa que é a fonte dos elementas
pútridos animalizados, Tribunal Moral para todos os malfeitores, nos
vaticínios do Apocalipse do profeta: - com Cristo nos lábios e
regateando a grosso e a retalho.
Por falar em velho Amigo, não são os que se intitulam préfessores
manhozos com duas faces, matemáticos falhos nos seus cálculos de
Defensores Fantoches, o que afirmam com os lábios desmentem com
os atos, mais sim os que eu reconciderar pelos seus méritos sinceros.
Às vezes me evade numa tristeza profunda, em vista de tanta covardia
Moral de Certos Irmãos Espiritual, achafurdando na lama, se
comprometendo a tantos lacheados na boa fé. Se forem de calças
creçam e apareçam, deixe cair as mascaras e conviduos amistosamente
49
e vir cara a cara aos ajustes, disputar a Verdade, a Luz da Rasão,
Justiça e Direito, pois a mentira dessimulada é um sopro, nas minhas
mãos. Jesus: - disse ao sexo frágil ninguém te condenem?!, então não
pecas mais criminoso, que também te perdoarei. Cuidado!... Muito
Cuidado!... Com o seu Batalhão, Generais das forças reacionárias, que
operam com novidade no Front!... Socega Leão!. Macaco que muito
mexe... põe a mão na Combuca!?
Assinado (João sem medo) anímico.
78
Na fala de Guanabara, o outro que não compactua com o intento espírita é o
sujeito demonizado, atrasado espiritualmente, seguidor de satanás, figura, aliás,
emblemática na doutrina kardecista. A doutrina que entendia a loucura, na maioria dos
casos pela influência de um espírito sobre outro, agora reelabora seus dogmas para
estabelecer que havia forças malignas impedindo a concretização do grande sonho dos
espíritas: a existência de uma instituição para o tratamento da loucura. Fica implícito no
desabafo de Alcindo Guanabara não só as críticas que sofre, mas também a hipocrisia
social dos adúlteros, a moral machista e a ameaça velada do espírita a que muitos de
seus “algozes” poderiam ter como futuro lar o lugar que tanto suscitou o debate.
A associação da carta que Alcindo recebera, supostamente com o símbolo da
URSS, é reflexo da oposição que os espíritas faziam com os comunistas, em
Uberlândia.
79
Os comunistas não representavam nenhuma ameaça aos espíritas, mas sim
ao pensamento conservador da época no qual muitos kardecistas estavam inseridos. Em
outro momento, novamente Guanabara relata os ataques que sofrera:
[...] Arrancado e rasgado no ex-Centro, o apedrejamento da Obra, a
Campanha insideciosa (sic) de calúnias me taxando até de louco aos
quatro ventos por falar a verdade, a boicotagem do Povo sobre meu
convite a Obra, e alguns médiuns e operários. Intrigando, abusando,
mentindo, submisso a duas ordens contravertidas, ameaça pessôais, e
terroristas na celebre cartas e artigos anônimos, que dizem serem os
patrocinadores diretos, tramando, tecendo um crochet ardilozo
criminoso de desagregação, greves surdas, discórdias, insultos
inveterados, serviam da Obra para fins bestiais, pixaram meu
automóvel, tramaram meu assassinato [...].
80
78
GUANABARA, Alcindo. A Pedido. Correio de Uberlândia, p. 2. Uberlândia, 20 dez.1941.
79
Vale destacar um fato que ocorrera na Câmara Municipal. Henckmar Borges era adversário político de
Roberto Margonari. Em sessões realizadas em 1937, Margonari, contestando o projeto da Câmara dos
Deputados do Distrito Federal que proibia a eleição de candidatos que estivessem filiados ao PCB,
converge de Henckmar pela sua posição favorável a tal projeto.
80
CAMPANHA pro-construção azilo dementes aviso de ordem interna. Correio de Uberlândia,
Uberlândia, p. 5, 28 jan. 1942.
50
As pressões e intimidações aos fiéis espíritas não impediram o funcionamento
do sanatório, o que nos leva a crer o poder que detinham os kardecistas neste período,
em Uberlândia, uma vez que o pensamento destes adeptos coadunava com o dos
políticos e dos empresários locais, mesmo que não participassem do mesmo credo
religioso. O conflito em questão pareceu girar, de maneira mais intensa, por disputas
religiosas, sem, contudo, ter forças para impedir a intenção dos espíritas, embora a
maioria da população fosse católica. Talvez por isso, facções políticas foram
arregimentadas para mobilizar forças que impedissem a inauguração do sanatório. A
cultura religiosa brasileira bem menos rígida do que em outros países e a escassez de
projetos sociais por parte do Estado propiciaram um largo campo de atuação de
entidades assistencialistas, como foi o caso do espiritismo.
O trabalho de Carlos Peters
81
é salutar para discutirmos as pressões que os
espíritas sofriam, dentro do país, em busca de sua legitimação. Em Penápolis, interior
do estado de São Paulo, o hospício foi fundado e mantido por espíritas. Desde a
inauguração do asilo espírita Discípulos de Jesus, em 1935, esta instituição enfrentou
inúmeros processos, tendo encerrado suas atividades, em 1945, em decorrência da
condenação de João Marchese, diretor da casa, por prática de curandeirismo. Para este
ator, tal instituição não foi capaz de costurar alianças políticas, como ocorrera em outras
localidades nacionais, além de não incorporar as práticas da medicina.
Em 1923, foi fundada, no Rio de Janeiro, a Liga Brasileira de Higiene Mental,
pelo psiquiatra Gustavo Riedel, intencionado em melhorar o tratamento aos portadores
de transtornos mentais, num tempo em que a psiquiatria no país começava a ascender.
Desde a regulamentação da Lei Federal de Assistência aos Doentes Mentais, Decreto de
1934, que garante a assistência e proteção do Estado aos loucos, a psiquiatria passa a
assumir uma posição de destaque, garantindo para si própria a exclusividade no
tratamento da loucura por todo o país. Havia um movimento intelectual preocupado
com a herança étnica brasileira e a influência perniciosa, segundo muitos teóricos, dos
descendentes africanos e indígenas, vistos como raças inferiores.
82
Conseqüentemente, a psiquiatria definiria o seu campo de atuação sob a
prevenção, ou seja, evitar a infecção psicótica advinda do cruzamento das raças negra e
81
PETERS, Carlos Eduardo Marotta. Op. cit.
82
COSTA, Jurandir Freire. História da Psiquiatria no Brasil. Um corte ideológico. Rio de Janeiro:
Xenon, 1989. 198 p.
51
mestiça com a branca. Deste ponto de vista, os intelectuais da época, sob esta cultura
racista, incorporaram as teorias eugenistas e higienistas,
83
promovendo intensas
perseguições ao curandeirismo, visando, entre outros fatores, afastarem elementos
que perpetuassem o atraso da nação. Segundo Jurandir Freire Costa:
[...] A eugenia foi, para eles, a maneira científica e psiquiátrica de
resolver a confusão moral, racial e social onde se encontrava o Brasil,
sem, no entanto, abdicar de seu status profissional. A dimensão
ideológica dos programas de higiene mental era escondida pela
fachada de eugenia e as aspirações culturais dos psiquiatras era, assim,
plenamente satisfeitas.
84
Com a justificativa da prevenção das doenças mentais, a psiquiatria no começo
do século XX, pautada na teoria organicista da época, principalmente a alemã, pretendia
difundir políticas educacionais e até mesmo repressivas visando a higiene psíquica
individual. Promoviam campanhas para evitar o cruzamento com pessoas propensas a
insanidade, ou seja, os imigrantes asiáticos e a herança africana. O Brasil estava doente
e a única possibilidade de cura seria o branqueamento da nação.
A importância da hereditariedade era então demonstrada na epilepsia
(Bleuer; Minkovska), na esquizofrenia (Elminger), na psicose
maníaco-depressiva (Hahn, Hoffman, Rudin), na parafrenia
(Kraepelin), na paralisia geral e na imbecilidade mental.
85
A influência destas teorias se espalhou por toda a América Latina, chegando até
cidades pequenas, como foi o caso de Uberlândia. Vejamos como alguns discursos estão
situados na imprensa local:
A raça latina, pela climatologia e pela superabundância de producções
(sic) tende a atrophiar-se.
Estudando a patologia da nossa raça, o systema orgânico e a própria
intelectualidade, nós vemos um estacionamento que está sendo
eclipsado pelas raças saxonicas.
[...] É uma multiplicidade de corpos lymphaticos e neurasthemicos e
de esqueletos atrophiados pelo uso do espartilho, da syphiles e muitas
83
Há uma infinidade de trabalhos que tratam da questão da eugenia, entre eles destaca-se:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. Op. cit.
BOARINI, Maria Lúcia (Org.). Higiene e raça como projetos. Higienismo e eugenismo no Brasil.
Maringá: Ed. da UEM, 2003. 216 p.
SILVEIRA, Éder. A cura da raça. Eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-grandense nas
primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: Ed. da UPF, 2005. 173 p.
84
COSTA, Jurandir Freire. História da Psiquiatria no Brasil. Um corte ideológico. Op cit.
85
COSTA, Jurandir Freire. 1989, p. 90.
52
outras causas definhantes, concorrendo poderosamente os casamentos
consaguineos reitertados.
São faltas que se podem reparar pela educação phisica e
estabelecimentos publicos, onde sejam obrigados a uma frequência
assidua.
O cruzamento das raças contribuirá muito para fortalecer uma raça
esgotada. E quando o organismo é deficiente, o intelecto quasi sempre
atrophia-se.
[...] Os criminalistas tem um campo vasto, porque 40% são maníacos
neurasthenicos, loucos, bêbados ou verdadeiramente idiotas.
Estas anomalias ajudadas pelo alcool da cerveja e dos vinhos, vão
depauperando com mais facilidade a raça latina.
E depois de delineados a vold’oiseau as causas principais desta
degenerescência qual os meios prophilácticos a empregar-se?
A hermeneutica nos tem dado a experiência de atacar esses bacilos
impertinentes e destruidores, isto é, para o equilíbrio estável e
sanitário da sociedade, bastaria que o governo trata-se da saúde
pública, não permitindo os abuzos que trazem como consequências
finaes o arrefecimento da vitalidade physico-moral.
86
Se atentarmos para as teses científicas no fim do século XIX, poderemos
facilmente reconhecer alguns segmentos da sociedade – profissionais da saúde, literatos,
advogados - defendendo a proibição dos cruzamentos de brancos com negros e índios.
Mesmo considerando que o preconceito racial permeia as várias camadas sociais,
perguntemos: A miscigenação deixou de ocorrer? Os médicos conseguiram ter tamanha
força capaz de proibirem o casamento entre brancos e negros?
Inúmeros são os artigos científicos preconceituosos que aparecem como
justificativa para a desigualdade social, a degenerescência física, a debilidade moral.
Não é somente o pensamento científico da época que molda as relações sociais.
Dialeticamente, a ciência influencia e também é influenciada pela cultura. D
acreditarem que os negros só serviriam para o trabalho braçal, e q ue sua presença
diante dos brancos poderia ser perniciosa, uma vez que eram vistos como sujeitos
geneticamente propensos à criminalidade. Mesmo com o fim do escravismo, a postura
de muitos brancos foi de manter o seu domínio sobre o negro, acreditando na sua
superioridade racial, preconceito incorporado nas teses médicas defendidas também por
inúmeros intelectuais da época em todo o país, como nos mostra a autora Lilia Moritz
Schwarcz.
87
86
O Progresso. Uberabinha, 20 out. 1907.
87
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. Op. cit.
53
Os adeptos do espiritismo também foram influenciados pelas teorias européias,
pois negavam a incorporação de valores da cultura afro-brasileira no kardecismo. Dessa
forma, não aceitavam ser confundidos com a umbanda ou o candomblé, religiões vistas
pela doutrina religiosa como práticas de espíritos inferiores. Os espíritas incorporam as
descobertas científicas com a doutrina kardecista, reivindicando o seu próprio
reconhecimento perante a intelectualidade, não só como religião, mas como ciência
racional.
88
Nas décadas de 1930 e 1940, encontramos no cenário nacional sérias disputas de
médicos com espíritas pelo discurso científico. Certos segmentos da psiquiatria
chegaram a afirmar os prejuízos psíquicos que as práticas espíritas podiam ocasionar,
como está presente na fala do psiquiatra Pacheco e Silva:
Em nenhum país do mundo, talvez, a influência nefasta do
espiritismo, se exerça com tamanha intensidade sobre a saúde mental
do povo como ocorre entre nós, o que se deve a um número de fatores
que começam a ser estudados e conhecidos pelos psicólogos,
psiquiatras e sociólogos que se têm entregue ao estudo do problema.
Nas grandes cidades, como nas pequenas vilas do interior do país,
proliferam, em todos os cantos, numerosos centros espíritas, atraindo
um número intenso de pobres criaturas, incultas e crédulas, que se
deixam facilmente arrastar pelas mais absurdas idéias, persuadidas de
que no espiritismo podem encontrar soluções felizes para remediar as
mais precárias situações financeiras, para restituir a saúde a doentes
incuráveis, e ainda para rever entes queridos já mortos.
89
Em seu discurso, o médico mostra que o espiritismo e todos que exerciam a arte
de curar representavam uma ameaça para a suposta hegemonia da psiquiatria. Nesta
disputa, a utilização de termos como incultos, superstição, rituais, estão presentes
quando intencionam desqualificar outras práticas, claramente percebidas nas falas de
médicos a respeito de práticas de curas não aceitas pela medicina convencional
90
e,
também, nas justificativas dos kardecistas, quando não querem ser confundidos com os
cultos afro-brasileiros. No caso acima, o médico não se deu conta de que muitos
SILVEIRA, Éder. A cura da raça – eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-grandense nas
primeiras décadas do século XX, 2005.
88
GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do
espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
89
PACHECO e SILVA, A. C. A Higiene mental e o espiritismo. Revista de medicina, São Paulo, n. 26,
set., 1942, p. 5.
90
Cf.: FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. A arte de curar: cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros
no século XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002; CHALHOUB, Sidney; et. al.
(Org.). Artes e ofícios de curar no Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003; SAMPAIO, Gabriela dos
Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro imperial. Campinas: Ed. da
Unicamp, 2002.
54
espíritas faziam parte da representação política e compunham os setores da imprensa e
da intelectualidade, como foi o caso do Sanatório Espírita de Uberaba, administrado por
um psiquiatra espírita, que utilizava o tratamento defendido pelo espiritismo.
Diferentemente do que ocorreu em Penápolis, em Uberlândia os espíritas
estiveram presentes na vida política - com a eleição de vereadores e até prefeitos -, e no
rádio e nos jornais, difundindo a sua doutrina religiosa. Alguns se destacavam no meio
empresarial, além de médicos, advogados, dentistas, professores, comerciantes, entre
outros. Mesmo sendo a minoria, os fiéis espíritas conseguiram atuar em setores
estratégicos da sociedade.
Acerca da temática do espiritismo enquanto ciência é importante abrir um
parêntese, ainda que tal questão será melhor discutida nos capítulos seguintes. Os
espíritas defendem o caráter científico da doutrina, incorporando as suas descobertas.
No entanto, em muitas localidades, os fiéis assumiram posturas contrárias às
convenções científicas, como ocorreu em Uberaba, em que o médico abdicou do
tratamento psiquiátrico convencional, não utilizando medicamentos alopáticos e o
eletrochoque. Discutiremos mais adiante a perspectiva dos kardecistas em relação à
loucura, a terapêutica utilizada e as suas diferentes causas, tanto no que se refere ao
tratamento considerado físico - com medicamentos alopáticos – e quanto ao tratamento
espiritual.
Em Uberlândia, desde o início de funcionamento do sanatório, para que não
incorresse de alguém processar a entidade por prática de medicina ilegal, fora chamado
um médico para trabalhar na casa, chamado Moysés de Freitas. Tal médico era
radiologista, mas fora chamado pelo seu irmão, José Gonzaga de Freitas, figura
respeitada no meio espírita, para realizar os diagnósticos. Segundo nos conta
Nicelídea
91
, filha deste atuante espírita, Moysés fez um curso de especialização rápido
em psiquiatria para conseguir atuar no sanatório a tempo da sua inauguração. Outros
médicos também colaboraram nesta casa, como Euclides de Freitas. A presença destes
médicos foi fundamental para o reconhecimento do sanatório frente a comunidade
médica, embora houvesse poucos médicos capazes de interferir nas resoluções políticas
da cidade.
91
FREITAS, Nicelídea. Depoimentos. Uberlândia, 2004.
55
Se entendemos que as teorias eugênicas alcançaram uma ressonância expressiva
no campo científico da época, influenciando práticas no campo biológico, social e
cultural, devemos considerar também que, em boa medida, elas não determinaram
totalmente o modo de condutas das pessoas. A intensa miscigenação no Brasil é uma
realidade, mesmo sob a intensa campanha contrária empenhada pelos intelectuais. A
sociedade se refaz o tempo todo, cria e recria seus significados, seus campos simbólicos,
sempre de maneira tensa e conflituosa. Como assevera Certeau,
92
as pessoas
(re)significam as suas experiências e as vivenciam de acordo com a expectativa e
frustrações que possuem do mundo. (Re)agem com o intuito de darem sentido às coisas
que lhes cercam, à cultura que lhes rodeia. São manifestações de aceitação e resistência
ao mesmo tempo, reproduzindo os costumes da comunidade e recriando outro por meio
de “táticas”, muitas delas inconscientes.
Uma sociedade resulta, enfim, da resposta que cada um dá à pergunta
sobre sua relação com uma verdade e sobre sua relação com os outros.
Uma sociedade sem sociedade é apenas um engodo. Uma sociedade
sem verdade é apenas uma tirania.
93
Todavia isto não é uma recusa do pesquisador à existência das relações de
poderes desiguais, nem mesmo de negar os dispositivos de disciplinarização, mas
apenas uma maneira de tentar fazer um exercício de entendimento, observando as
relações sociais de maneira complexa e contraditória como se apresentam no real,
apontando, principalmente, que ninguém está passivo às transformações sociais e que as
pessoas (re)significam, transformam, recriam a maneira de se situarem em um
determinado tempo e espaço, sempre marcado pelo choque de representações.
94
Partindo da perspectiva das representações sociais, buscando entender os vários
discursos históricos, é preciso considerar não apenas o que está evidente na
documentação, mas as possíveis ausências, os silêncios que também ajudaram a compor
as práticas assistencialistas da cidade e o modo de vida destes habitantes no começo do
século XX. Este esforço inicial é para compreendermos de que forma setores da
população se mobilizaram na implantação de inúmeras medidas que, em outras cidades,
foram executadas pelo poder público.
92
CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Op. cit.
93
Ibidem, p. 38.
94
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, 11 (5), 1991, p. 173-191.
56
É necessário afirmar que a psiquiatria não reinou absoluta no comportamento
das pessoas, nem tampouco conseguiu resolver o grande desafio que envolve a loucura.
Com um discurso poderoso, legitimado pelo conhecimento científico, a psiquiatria,
desde o século XIX, passa a enfrentar críticas. Foi assim desde o seu surgimento.
Alguns grupos, segmentos da intelectualidade, desenvolveram outros olhares sobre a
loucura. Diversos conflitos advindos da própria psiquiatria, frutos da sua ineficiência
em “curar” os loucos, somaram-se a outras indagações encetada por psicólogos,
antropólogos, sociólogos e psicanalistas. No campo teórico, há também uma disputa de
saberes.
95
95
Cf.: PORTER, Roy. História social da loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, 328 p.;
PESSOTTI, Isaias. A loucura e as épocas. São Paulo: Editora 34, 1994. 208 p.
57
1.3 A política da convivência e o processo de legitimação do Sanatório Espírita de
Uberlândia
O início das atividades do sanatório se deu em 1942. Representantes do poder
público, a maçonaria, médicos, a Associação Comercial e Industrial (ACIUB), reunidos,
celebraram a inauguração de uma instituição asilar bem vinda a interesses tão diversos.
Depois de intensas cobranças, a notícia do evento foi editada na primeira página do
jornal local mais importante:
Conforme já é do domínio publico, inaugurou-se no dia 29 do mês
de Abril próximo findo, o Asilo de Dementes Allan Kardec,
instituição essa, construída pelo espírito altamente dinâmico e
caritativo do povo desta grandiosa Uberlândia e, patrocinada pela
Associação Espírita.
As finalidades dessa benemérita instituição, pelo seu cunho
verdadeiramente altruístico e humanitário não podiam mesmo deixar
de merecer o apoio incondicional de todas as pessôas (sic) de bom
senso - dar um abrigo àqueles que atravessando por este orbe repleto
de amarguras, ficaram privados de expressarem a sua vontade - a
perca das faculdades mentais.
A cerimônia do ato inaugural foi presidida pelo trabalhador
incansável da doutrina Espírita, o Sr. José Gonzaga de Freitas.
Vários elementos de destaque de nossa sociedade emprestaram
com a sua presença, maior brilhantismo a festividade. Estiveram
presentes, o representante do Sr. Prefeito; o Sr. Luiz Arantes Diretor
do Centro de Saúde; o Sr. Dr. Manuel Teixeira de Souza, Venerável
da Loja Maçônica; os presidentes da Associação Comercial e dos
choferes; os membros da Diretoria do Centro Espírita desta cidade,
vários representantes de outras associações de classe, desta e de outras
cidades do Triângulo e um número bastante apreciável de pessôas que
com a sua presença levaram desde logo o seu apoio incondicional de
assistência aos obsedados.
Vários oradores se fizeram ouvir durante as solenidades, tendo
sido calorosamente aplaudidos, pela numerosa assistência a que
encheu territorialmente o recinto.
“Correio de Uberlândia” ao registrar semelhante fato, o faz com
aquela satisfação que lhe é muito peculiar e se coloca de antemão ao
lado dos dirigentes dessa nobre instituição, oferecendo-lhe o seu apoio
franco e incondicional.
E aos dinâmicos impulsionados de tão significativa empresa as
nossas sinceras congratulações.
96
Foram internadas no primeiro ano da instituição dezessete pessoas, segundo
consta nos prontuários do sanatório. Além do médico Moysés de Freitas, clínico geral e
96
SOB a mais viva satisfação, inaugurou-se domingo em nossa cidade, O ‘Asilo de Dementes’. Correio
de Uberlândia, p. 1, 1 abr. 1942.
58
radiologista, o sanatório dispunha de uma enfermeira, dona Marolina, voluntária,
contratada posteriormente. A casa tinha ainda outro enfermeiro, assalariado, chamado
Rosalvo, e, mais tarde, teria-se contratado outro enfermeiro, o Bitencourt. As
cozinheiras e outros ajudantes trabalhavam sem cobrarem nada, realizando as tarefas
com amor e dedicação pela religião que professavam. Todos os enfermeiros não tinham
formação acadêmica para a prática da profissão.
97
No começo da década de 1960, o
psiquiatra Lázaro Sallum assume as atividades no hospício. Ele foi aprovado em um
concurso estadual para atuar como psiquiatra na cidade e, Homero Santos, deputado
estadual na época, conseguiu que o médico fosse atuar no sanatório, não precisando,
com isso, que os espíritas arcassem com as despesas referentes ao seu salário. Esta
parceria do poder público com esta entidade religiosa possibilitou que a existência do
manicômio se perpetuasse, nos mostrando o jogo político estabelecido e a grande
aceitação e prestígio que militantes kardecistas desfrutavam. A entrada de Sallum se deu
definitivamente
[...] Quando o senhor Gladstone e Sr. João Dorneles Santos Junior,
não sei se você chegou a conhecer, que é um dos diretores do
Sanatório, eles vieram através do meu pai [...].
Então através que eles eram maçons e insistiram muito comigo, eu
ainda não sabia se ia ficar em Uberlândia ou não, certo. Então eu
aceitei dirigir lá, dar o nome como diretor clínico do Sanatório porque
eles estavam na iminência de fechar o Sanatório porque não tinha
psiquiatra. Então eu aceitei assinar como diretor clínico do Sanatório e
quando eu vi que não ia sair mesmo o curso do CAPS e que se eu
fosse pra Uberaba eu não ia ter grandes vantagens, certo?
Eu fiz concurso do Estado e fiz concurso pro INSS também. E,
felizmente eu fui aprovado nos dois e aí eu fixei em Uberlândia
definitivamente. Como médico perito, fazia perícia na parte
neurológica e psiquiátrica para trabalho e médico do posto de saúde.
Foi aí que entrou a diretoria do Sanatório, através do deputado
Homero Santos que foram lá e conversaram na época, era o
governador de Minas, era o Magalhães Pinto.
98
A maçonaria em Uberlândia atuou em várias instâncias, em momentos diversos,
dirigindo obras assistenciais. A obra mais importante desempenhada por esta
organização foi a administração, em convênio com o poder público, de vários hospitais,
denominados UAI’s (Unidade de Atendimento Integrado), criados a partir de 1994, e,
posteriormente em litígio com a prefeitura municipal. Novamente temos a atuação de
97
CASTRO. Marolina. Depoimentos. Uberlândia, jan. 2001.
98
SALLUM, Lázaro. Depoimentos. Uberlândia, 20 mai. 2005.
59
uma organização não governamental desenvolvendo projetos assistencialistas, cobrindo
lacunas deixadas pelo descaso do poder público.
99
Em última instância, poderíamos até considerar que a inauguração do
manicômio representava para a população local a solução dos problemas referentes ao
isolamento e tratamento dos loucos. As ruas não deixaram de ser habitadas pelos seus
personagens ilustres, que continuavam a se divertir, convivência garantida desde que
não perturbassem o espaço do mundo são. É comum ouvir entre os moradores da cidade
histórias envolvendo loucos e casos extravagantes vivenciados por eles.
Em um ano de funcionamento, o sanatório internou apenas 17 enfermos, em um
espaço projetado para abrigar, em média, uma centena de pessoas. O projeto
arquitetônico da casa, desenhado por João Jorge Cury, arquiteto famoso na cidade, foi
delineado acreditando-se no rápido crescimento urbano. Uberlândia, na década de 1940,
era essencialmente rural e tentava se espelhar, pelos poucos intelectuais, filhos das elites
ruralistas, às cidades metropolitanas como Rio de Janeiro e São Paulo. Para estes
moradores, com mentalidade provinciana, a inauguração do sanatório significava, além
da extirpação de comportamentos morais reprováveis a sua idéia de progresso, a
realização de uma obra que só os centros importantes do país desfrutavam neste
período. A responsabilidade da manutenção do hospício era defendida como uma
obrigação que a população deviria abraçar, uma conquista que precisava ser preservada.
Por este viés, ainda que se perceba um descaso do poder público na geração de
rendas para o sanatório, os militantes kardecistas conseguiam que pessoas ligadas a
outras religiões contribuíssem para a manutenção desta casa asilar. Não somente o
sanatório conseguia as doações como também tantos outros projetos assistenciais
promovidos por estes religiosos. Como podemos observar pela preferência, há um
reconhecimento dos feitos espíritas, definidor na legitimação de suas práticas:
Das instituições beneméritas com que conta o patrimônio social de
nossa terra, destaca-se pelas finalidades filantrópicas o Sanatório
Espírita, destinado ao tratamento de dementes.
Creado (sic) por um grupo de abnegados filantrópicos, em que o
sentimento de humanidade cristã a luz merediana da doutrina espírita
99
Vale assinalar que até 1970, quando criou-se o hospital das clínicas da UFU, a saúde municipal era
relegada à instituições assistenciais e só em 1983, na gestão de Zaire Rezende, foi criada a Secretaria
Municipal de Saúde que construiu quinze postos de saúde municipal, somando-se aos quatro já existentes,
subsidiados pelo Estado. Sobre este tema, cf.: BORGES, Jarbas Mateus. A política municipal de saúde e
a criação da Secretaria de Saúde (1986-2004). 2005. 72 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Monografia)-Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005.
60
se empunha aos seus elevados sentimentos para com o próximo
ergueram esse monumento de piedade que agasalha a todos sem
exceção, ricos e pobres igualados ali, quer pelo infortúnio, quer pela
assistência absolutamente gratuita conseguida a custa de insanos
sacrifícios entre as pessoas de coração bem formado e que em todas as
ocasiões estão aptas a compreender seus deveres para com o próximo,
facultando de sua abastança e da sua felicidade, um pouco que mitigue
a dolosa trajetória de seres humanos que o destino marcou neste
mundo de sofrimentos e lágrimas.
A atual direção mentora do Sanatório Espírita, vem realizando
esforços sobrehumanos para conseguir o suficiente para manter em
franca atividades a 30 dementes permanentes.
Com o crescente custo da vida, foi se tornando escasso o produto da
coleta e para que não sofra solução de continuidade o amparo que o
Sanatório oferece seus internos os diretoristas se empenham
presentemente em árdua campanha de obtenção de novos
contribuintes.
A organização hospitalar conta com a proficiente cooperação de dois
destinos médicos que no campo da psicopatia tudo fazem para
arrebatar das garras de tão impressionante enfermidade, aqueles que se
socorrem dos tributos caridosos do Sanatório que contando com a
magnamidade de muitos corações, pretende incluir no quadro de
socorrentes novos elementos que auxiliem os responsáveis pelo
mesmo a carregar o pezado fardo que tão abnegadamente carregam
em obediência, ao segregado dever de amar aos semelhantes como a
eles próprios. Cremos no sentimento altruístico da nossa gente sempre
solícita na sua faina de socorrer os desgraçados e daí o concluímos
muito simplesmente, que o apelo que vem sendo lançado entre os
habitantes desta terá, encontrará por certo a ressonância de vida.
O Sanatório Espírita, destinado a semear o bem, a caridade, não será
olvidado e com ele os seus 30 infelizes hospedes que um dia ao
voltarem a razão, bendirão as mãos caridosas que se estenderam para
ajuda-los a vencer a íngreme encosta na montanha das desditas deste
mundo.
100
São freqüentes as notas favoráveis às “benfeitorias” realizadas pelos fiéis
espíritas:
A nossa cidade conta, felizmente, com algumas instituições de
assistência social que prestam relevantes serviços. Além da Santa
Casa de Misericórdia, que é a de maior, há o Sanatório Espírita e
alguns asilos que se esforçam denodadamente para satisfazer as
finalidades para que foram fundados.
Mas é forçoso reconhecer que essa missão é difícil de levar a cabo.
Sem dúvida nenhuma que há almas generosas que fazem doações
maiores ou menores, conforme as posses de cada um, representando
sempre boa vontade, espírito caritativo, solidariedade humana. Mas
toda renda auferida é sempre insuficiente para as despesas que são
exorbitantes em face da carestia dos artigos indispensáveis para o seu
funcionamento. Só a alimentação dos asilados com os preços que
agora são exigidos no mercado local, absorve todos os proventos
conseguidos pelos institutos assistenciais. Mas temos ainda que
100
SOCORRAMOS o Sanatório Espírita de Uberlândia. Correio de Uberlândia, p. 2, 27 jul. 1946.
61
computar os artigos de utilidades, o mobiliário, a roupa de cama que é
de duração limitada, equipamento de cozinha, combustível para o
fogão, luz, força e sobretudo medicamentos que custam uma fortuna e
se consomem necessariamente em grande quantidade.
É verdade que os poderes públicos – municipais, estaduais, federais –
concedem subvenções às entidades de assistência. Essas subvenções,
porém, são diminutas relativamente ao vulto dos dispêndios normais.
Também observa-se que não são pagas com oportunidade,
dependendo ainda para o recebimento das despesas com procuradores,
que, como é óbvio, cobram as suas percentagens. Causa mesmo certa
admiração a eficiência com que os administradores da Santa Casa e
dos asilos dirigem esses estabelecimentos com as verbas escassas de
que dispõem, recebida tardiamente a maior parte delas.
101
Aqui, percebemos não só a presença de espíritas entre o poder público, mas o
processo de legitimação e institucionalização da assistência social pela própria
sociedade cujo cumprimento de atividades não filantrópicas de saúde estavam a cargo
de entidades religiosas que, em teoria, deveria ser dever do Estado. É nessas fissuras
abertas pela irresponsabilidade do poder público em relação aos problemas sociais que
surgem personagens que ficaram marcados no imaginário da cidade. Estamos falando de
José Gonzaga de Freitas, espírita de família proeminente de empresários, médicos e
profissionais liberais, que abraçando a causa espírita, tornou-se autor de ações
beneméritas em Uberlândia. Como partícipe do centro espírita Fé, Esperança e Caridade
arrecadava com toda a sociedade, comércio, indústria, famílias e quem mais
atravessasse seu caminho auxílio financeiro, remédio, comida, roupas, entre outras
coisas para o asilo. Onde chegasse com seu caderno, era certo o auxílio conseguido, por
isso, talvez, mesmo não tendo sido diretor geral, era o rosto que identificava a obra
social. E esta imagem certamente foi reafirmada por seus programas de rádio e de
televisão, em que atuou por mais de 30 anos. Vejamos o depoimento de sua filha:
E era sustentado porque o papai andava nas ruas pedindo, nas casas,
nunca foi sustentado pelo poder público, nunca ganhamos nada. Foi a
população uberlandense que sempre sustentou. Nunca faltou Maria
Clara a carne, a verdura, os ovos, nunca faltou, remédios.
102
A aceitação que muitos espíritas obtiveram perante a sociedade uberlandense
neste período da implementação do Sanatório Espírita pode ser vista pelo número de
doações. As feitorias dos seus adeptos alcançariam uma magnitude extraordinária,
assumindo uma estratégia eficiente de divulgação dos seus preceitos. Nas entrevistas
101
O PROBLEMA da assistência. O Repórter, Uberlândia, 15 mai. 1959.
102
FREITAS, Nicelídea. Depoimentos. Uberlândia, 17 jun. 2005
62
realizadas para este trabalho, foi unânime a resposta de que o sanatório não recebia
subvenções da prefeitura. Segundo Gladstone Rodrigues da Cunha, diretor do Sanatório
Espírita na década 60
[...] Com referência a manutenção financeira do nosso Sanatório
Espírita, se existia algum amparo oficial, ou por parte da prefeitura, ou
por parte do Estado, durante a minha gestão, eu não tive conhecimento
disso. Nunca perguntei, nunca indaguei. O que era do meu
conhecimento é que o nosso irmão, muito admirado por mim como
um grande trabalhador da seara espírita, José Gonzaga de Freitas, esse
irmão dava o seu tempo integral em busca de recursos muito, das
empresas, das máquinas de arroz, naquele tempo tínhamos dezenas,
centenas de máquinas de arroz em Uberlândia, ele vivia diariamente
batendo na porta de quem tinha condições de dar algum apoio
financeiro, angariando recursos para a manutenção dos irmãos que
viviam no Sanatório. E com isto, pelo menos durante os oito anos que
nós lá estivemos, graças a Deus nunca faltou nada para amparar
aqueles irmãos.
103
Na fala de Dona Marta, filha de uma ex-diretora, Florisbela, segunda esposa de
José Gonzaga de Freitas, sua mãe relatara a dificuldade de manter a instituição, uma vez
que não era subsidiada pelo poder público.
Não nós tínhamos SUS não. Não tínhamos SUS, não tínhamos nem
convênio com nada. A única, o único órgão que nos dá ajuda até hoje
é a CEMIG, ela nos dá oitenta por cento da luz. Só. É o único, a
CEMIG. A prefeitura nunca nos isentou, nem de IPTU, nem de água.
Nunca nos isentou. Lá nós pagamos, o IPTU de lá é muito, é muito
grande, que a área é muito grande. Eu quero dizer, era uma casa de
utilidade pública, né? Nós temos isenção federal, estadual, não paga
imposto é tudo isento, mas não tinha, desde essa época o seu José,
sempre o seu José que trabalhou nas ruas. Ganhava um não aqui, um
sim ali.
104
Apesar de serem escassas as doações do poder público, existia uma subvenção
da Prefeitura Municipal, não só para o sanatório, mas também para outras obras
assistenciais espíritas como o Dispensário dos Pobres, o Lar Alfredo Julio, o
Educandário Emmanuel, como podemos atestar na publicação do orçamento para aquele
ano:
103
CUNHA, Gladstone Rodrigues da. Depoimentos. Uberlândia, abr. 2002.
104
DEUS, Marta Maria Terra de. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2002.
63
TABELA 2
Subvenções, Contribuições e Auxílios - Despesas diversas
Ao Dispensário S. Vicente de Paulo Cr $ 36.000,00
Ao Asilo S. Vicente de Paulo Cr. 1.200,00
Ao Delegado de Polícia Cr. 3.600,00
A Sociedade Mineira de Proteção aos Lázaros
e Defesa com a Lepra
Cr $ 500,00
A Associação de Tuberculosos Proletários Cr $ 1.000,00
Ao Serv. Anti-Rabico de Uberaba Cr $ 500,00
Ao Sanat. Espírita de Uberlândia Cr $ 6.000,00
Fonte: CORREIO DE UBERLÂNDIA, 21 jan. 1943.
A partir de um intenso trabalho de pesquisa nos jornais, notamos que não há
nenhuma nota negando a importância do sanatório para a cidade, ao contrário, percebe-
se o enaltecimento das obras espíritas pelos meios de comunicação. Na Câmara
Municipal, o vereador João Pedro Gustin faz uma intervenção na assembléia para
engrandecer os feitos espíritas, dizendo que:
Reconhece que em nosso município o desempenho da igreja do
Espiritismo e do Protestantismo, tem dado o melhor atendimento aos
necessitados. Não nega o trabalho realizado pela Santa Casa, Lar
Alfredo Julio e igrejas evangélicas que dão escolas aos nossos filhos
[...] (Verador João Pedro Gustin).
105
O Sanatório utilizava-se também da imprensa, mais especificamente o jornal O
Correio de Uberlândia, para prestar contas das doações recebidas. São inúmeras as
publicações como esta:
105
CÂMARA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA. Ata da nona sessão da terceira reunião ordinária
realizada no dia 22 abr. 1968, Uberlândia, 1968.
64
TABELA 3
Contribuições Recebidas em Benefício do Sanatório Espírita de Uberlândia –
1959
Instituições Doação
Bernardi e Capistrano LTDA 10.000,00
Intermáquinas LTDA 10.000,00
Walter Rodrigues Neto 10.000,00
Autobrás LTDA 10.000,00
Renovadora de Pneus OK LTDA 10.000,00
Jayme Tannús e CIA LTDA 10.000,00
Joaquim Fonseca e Silva e CIA 5.000,00
Lindolfo Pinto e CIA LTDA 5.000,00
Irmãos Garcia e CIA LTDA 5.000,00
Tyresoles do Triângulo LTDA 5.000,00
Wilson Silveira 5.000,00
Aziz Badue 5.000,00
Teixeira Resende LTDA 5.000,00
Irmãos Freitas LTDA 5.000,00
Horman Engel-Armazem do Comércio 5.000,00
Teixeira LTDA 5.000,00
Salim Tannus 5.000,00
Osvaldo de Oliveira 5.000,00
Messias Pedreiro 5.000,00
Fabio Pereira de Andrade 5.000,00
Galeno de Andrade Santos 5.000,00
Oliveira Indústria e Comércio LTDA 5.000,00
Elias Simão 5.000,00
Cardoso Rodrigues e Cia LTDA 3.000,00
Mário Rezende Ribeiro 3.000,00
Móveis Ipiranga LTDA 1.000,00
Jorge Tannus 1.000,00
Imobiliária Tibery LTDA 2.000,00
Arnaldo Ribeiro Guimarães 2.000,00
Eduardo José Bernardes 2.000,00
Pedro Amâncio Dias 2.000,00
Manoel Serralha Filho e Cia 2.000,00
Irmãos Rodrigues e Cia LTDA 2.000,00
Irmãos Mendes 2.000,00
Auto Retificadora Progresso LTDA 2.000,00
Produtos Erlan LTDA 4.000,00
Hotel Zardo 2.000,00
Artur Rodrigues 2.000,00
Oscar Mendes de Lima 1.000,00
Romulo Vilela da Silva 2.000,00
Comercial Triângulo LTDA 2.000,00
J. Batista e Cia 2.000,00
65
Juvelina Ferreira Arantes 2.000,00
Jayme Tannús 2.000,00
Jorge Labeca 2.000,00
Auto Minas Goiaz LTDA 2.000,00
Ramiro Pedrosa 1.000,00
Ilegível 1.000,00
Fernandez e Horbilon 1.000,00
Luiz Fleury Curado 1.000,00
Total 196.000,00
Fonte: O CORREIO DE UBERLÂNDIA, 14 jun. 1959.
Nas falas dos militantes espíritas, todos reiteram as dificuldades enfrentadas na
manutenção material da instituição, mas afirmam que nunca faltou nada para os
internos. Havia comida farta, roupas, remédios, conseguidos por meio das doações,
porém, no depoimento de Lázaro Sallum, o maior motivo de sua saída, em 1982, foi por
não agüentar a falta de alimentos, a escassez de medicamentos. Em várias
oportunidades, chegava no sanatório, não havendo comida, ele doava um montante em
dinheiro para que se fizesse uma compra:
Bem, então larguei a escola de medicina e aí continuei só com o
consultório. E nessa época o Sanatório começou a passar por uma
situação tremenda, com dificuldades financeiras e de repente eu
acordei, pode parecer absurdo isto, acordei tirando dinheiro do bolso.
De chegar e não, não tem arroz, mandava comprar um saco de
arroz do meu bolso. Depois cheguei um ponto, eu falei não, chega, eu,
né.
Nós tínhamos, por exemplo, tínhamos pessoas, o Dr. Salim
também, outro que cê (sic) conheceu. O Dr. Salim também, por
exemplo, que sistematicamente, certo, sistematicamente, ele e o Dr.
Kasan dava dez salários mínimos pro Sanatório. Todo mês! Quer
dizer, acontece que pra manter cem doentes. Era um saco de arroz de
sessenta quilo dava pra três refeições. Era vinte quilo de arroz por dia.
Quer dizer, e foi chegando um ponto em que a situação foi ficando
precária, precária, não tinha como comprar medicamentos, não tinha
como comprar mantimentos e aí eu deixei o Sanatório. Não adianta
querer dar murro em ponta de faca. Aí eu saí, na época, eu consegui
convencer um garoto que tinha chegado aqui em Uberlândia, recém
formado, era psiquiatra, ficar lá no Sanatório no meu lugar, e ele
ficou, mas ele ficou me parece que uns quatro ou cinco meses, eles
mataram ele lá na escola.
106
Os benefícios conseguidos dependiam de acordos e conchavos. Lázaro nos
contou que, em um certo período, o chefe do Serviço Nacional de Doenças Mentais
106
SALLUM, Lázaro. Op. cit.
66
simpatizou com a maneira como os diagnósticos eram aplicados, passando a garantir,
todo o mês, o suprimento da medicação utilizada. Quando mudava o chefe interrompia-
se a remessa. Faziam acordo com determinado sargento do Exército para que fossem
doados alimentos e, quando este oficial mudava de cidade, o fornecimento era cortado.
Ainda,
O município dava quando o Renato de Freitas assumiu a prefeitura de
Uberlândia, o Renato de Freitas teve o descaramento de votar uma
verba de mil Cruzeiros pro Sanatório. Mil Cruzeiros naquela época
equivaleriam a cinco salários mínimos anual.
Não dava pra comprar o arroz. Mas eu tinha um aluno, da Faculdade
de Medicina, que era major do Exército aqui, quando o Exército aqui
não era batalhão, era regimento. Então era o major que dirigia. Eu
esqueci o nome dele.
Foi um dos primeiros que teve aqui. Eu conversando com ele, que a
situação, que eu levava, na hora de aula na Faculdade de Medicina, eu
ia pro Sanatório, enchia o carro de doente, levava pro Sanatório, dava
aula naquele doente, voltava com isto pro Sanatório, cê entende como
é que é? Porque eles não aceitavam levar estudante lá. A cabeça deles
era aberta que era uma maravilha.
Nossa Senhora! Chegava uma tonelada de peixe, eles mandavam
duzentos quilos pro Sanatório, cê entendeu como é que é? Chegava,
por exemplo, um caminhão de arroz, ele mandava dez sacos pro
Sanatório. Ele ajudou tremendamente. Mas aí tiraram o major, passou
pra batalhão e veio um coronel. O coronel, primeira coisa que ele fez
foi cortar essas ajudas que eles davam. O Sanatório passou a viver...
107
Havia inúmeras reclamações por parte dos militantes espíritas acerca do descaso
dos governantes municipais e estaduais em gerir recursos às obras assistenciais, uma
vez que esta era função daqueles. Porém, estas lacunas deixadas pelas administrações
públicas possibilitaram a ascensão do espiritismo. Para além disto, os espíritas não só se
fizeram e se fazem presentes em setores estratégicos da sociedade, tendo representantes
na política, no meio intelectual e na imprensa, como também conseguiram, em grande
medida, uma convivência harmônica com segmentos não espíritas, compondo os
quadros conservadores da época. Isto não equivale a dizer que todos os espíritas eram
reacionários, o que equivale também para os médicos e políticos. É preciso ficar clara a
grande distância existente entre a doutrina religiosa professada e as práticas sociais e
isto vale para todas as religiões. Sem entrar no mérito da essência que move as religiões,
nem tampouco classificar se são produtos de revelações divinas ou criações humanas,
podemos asseverar, contudo, que as pessoas reelaboram aquilo que sentem, que
107
Ibidem
67
vivenciam, incorporando valores pertencentes à sua cultura. Não há conteúdo puro, pois
alguém já o transformou e o readaptou de acordo com as suas próprias necessidades.
A investigação da trajetória do Sanatório Espírita de Uberlândia permite pensar
uma cidade em constante movimento, em sua cultura e nos modos de vida destas
pessoas que se organizam e criam seus próprios significados. Mais ainda, é necessário
enxergarmos a confluência das vertentes de pensamentos no Brasil, relacionando-os
com as representações do universo simbólico dos adeptos kardecistas, associados às
práticas do tratamento da loucura, a fim de aludir ao processo histórico, delineados por
grupos sociais, causadores de tantas injustiças e desmandos com os portadores de
transtornos mentais.
No arrolamento da documentação para esta pesquisa, percebíamos a maneira
como os interesses das elites empresariais e políticas foram se casando com o projeto
assistencialista dos espíritas, sendo freqüentes as homenagens de políticos rendidas aos
fiéis espíritas engajados em atividades caritativas. Estas alianças costuradas dependiam
do jogo político em questão, não necessariamente das perspectivas ideológicas
partidárias. Por outro lado, é forçoso aceitar que estes grupos viviam em harmonia e que
as contradições geradas por interesses às vezes díspares não conduzia ao conflito.
68
2. ESPIRITISMO: ATUAÇÃO POLÍTICA E
LEGITIMAÇÃO SOCIAL
69
2.1 O espiritismo no Brasil: trajetória e legitimação
A construção do Sanatório Espírita em Uberlândia, legitimando práticas do
tratamento psiquiátrico, está fortemente associada à própria ascensão da religião espírita
na cidade, entidade religiosa que controlava tanto o tratamento ministrado aos doentes
mentais como também a parte administrativa. Sendo assim, é importante discorrermos
acerca dessa trajetória delineada por adeptos do espiritismo em busca de
reconhecimento, condição esta marcada pela tensão existente entre católicos e espíritas.
Segundo o IBGE, o espiritismo no Brasil cresceu aproximadamente 40% nos
dois últimos censos, somando-se cerca de 20 milhões de espíritas, não contabilizando as
pessoas que, mesmo não se considerando adeptas, de uma maneira ou de outra, se
aproximaram das práticas espiritualistas, tanto no que se refere às curas espirituais -
muito difundidas por esta religião -, quanto pela busca por fenômenos paranormais.
Segundo revela a pesquisa, os seus adeptos se encontram em uma situação financeira
mais confortável comparativamente à outros fiéis, possuem uma renda 150% maior que
a média do país e uma taxa maior de escolaridade entre os praticantes de outras
religiões.
Como podemos observar no Quadro 4, o número de espíritas comparado às
religiões pentecostais é pequeno, por outro lado, o crescimento do número de adeptos
tem aumentado significativamente nestes últimos cinco anos. Como pode ser visto, até o
ano 2000, a porcentagem ficava em torno de 2% da população, aumentando, em 2006,
para 9%, segundo aponta a revista Época. É imprescindível buscarmos neste trabalho,
além de outras coisas, desvelar em que medida a cultura brasileira esteve mais propícia
a aceitar as concepções espíritas? Como compreender o destaque alcançado por esta
doutrina religiosa?
TABELA 4
Distribuição dos Números da População, segundo a
Religião no Brasil em 2000
Religião /
Doutrina
Total Homens Mulheres %
Católica
Apostólica
Romana
124.976.912 61.806.740 63.170.173 73,60
70
Evangélicas 26.166.930 11.497.751 14.669.179 15,41
Espírita 2.337.432 954.350 1.383.082 1,38
Espiritualista 39.840 8.550 31.290 0,02
Umbanda 432.001 210.019 221.981 0,25
Candomblé 139.328 68.126 71.202 0,08
Judaíca 101.062 48.978 52.084 0,06
Budismo 245.870 120.246 125.625 0,14
Outras
Religiões
Orientais
181.579 69.556 112.022 0,11
Islâmica 18.592 12.011 6.581 0,01
Hinduísta 2.979 1.757 1.222 0,00
Tradições
Esotéricas
67.288 30.498 36.790 0,04
Tradições
Indígenas
10.723 4.991 5.732 0,01
Outras
religiosidades
1.978.633 900.437 1.078.196 1,17
Sem religião 12.330.101 7.442.834 4.887.267 7,26
Não
determinada
382.489 185.436 197.053 0,23
Total Geral 169.799.170 83.576.015 86.223.155
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
TABELA 5
Distribuição dos Números da População,
segundo a Religião no Brasil em 1940 e 1950
Religião /
Doutrina
Total em 1940
% em 1940
Total em 1950
% em 1950
Católicos 39.177.880 95,2 48.558.854 93,7
Protestantes 1.074.857 2,6 1.741.430 3,4
Espíritas 463.400 1,1 824.553 1,6
Budistas 123.353 0,3 152.572 0,3
Israelitas 55.666 0,1 69.957 0,1
Ortodoxos 37.953 0,1 41.156 0,1
Maometanos 3.053 --- 3.454 ---
Outras
Religiões
110.849 0,3 140.379 0,3
Sem Religião 87.330 0,3 274.236 0,5
Total
.....................
41.134.341
51.806.591
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940 e 1950.
71
A resposta à questão acima talvez esteja relacionada à idéia de um país que se
urbanizava, em busca da tão propalada modernização que se assentaria no ideal de
desenvolvimentismo de J.K., de uma industrialização cujo suporte estaria nas suas cinco
metas, tão discutidas. O fato é que o perfil da sociedade brasileira se transforma de
maneira irreversível desde 1960 e compreendendo a cultura como parte inerente dessa
mudança, o catolicismo tradicional, arcaico, não respondia mais com a mesma
intensidade às crises experimentadas no novo cenário social. Assim, é que, tomando de
empréstimo a conceituação de Camargo, as religiões internalizadas, entre elas a
pentecostal, a espírita e a carismática, oferecem respostas mais consistentes àqueles que
se vêem envolvidos neste processo. É nesse sentido que Pierucci e Prandi afirmam:
Quando a umbanda, o espiritismo, o pentecostalismo, o candomblé,
curam, suprindo o mal físico ou a loucura, aplainando a crise
existencial, repondo a certeza na ação, ainda que a ciência passa
constatar a mudança operada, podendo até comprovar ou não a
eficácia terapêutica, não pode interromper o sentido da experiência
religiosa da cura. [...] Estas modalidades religiosas são capazes, cada
qual a seu modo, se dar forma e impregnar de sentido um estilo de
vida relativamente adequado ao setor que se moderniza na sociedade
brasileira.
108
A estatística, mesmo que indique situações gerais, pode mascarar pontos
relevantes para a análise deste trabalho. Algumas bandeiras fundamentais do
espiritismo, como reencarnação, comunicações e curas espirituais estão disseminadas na
sociedade brasileira e também no mundo, em diversas linguagens e representações
artísticas, embora não seja tão expressiva. Na literatura, na produção cinematográfica,
em programas de televisão, entre outros, a discussão sobre reencarnação, comunicação
espiritual, curas mediúnicas e outros dogmas adotados pelo espiritismo são bem
recorrentes, despertando a curiosidade de inúmeros adeptos de outras religiões. Em
1994, apenas para citar um exemplo, a novela de Ivany Ribeiro, chamada A Viagem,
exibida pela Rede Globo, obteve considerável número de audiência, abordando, entre
outros temas, fenômenos paranormais e a vida após a morte. A mesma trilha percorreu o
folhetim Alma Gêmea, da Rede Globo, apresentada em 2005, que obteve o melhor
índice de audiência no horário das seis na última década. Em 2006 entrará no ar O
Profeta, versão de Ivany Ribeiro dos anos de 1970, da TV Tupi. No programa Linha
Direta, também da emissora Globo, os que tiveram maior repercussão estão
108
PIERUCCI, Antônio Flávio; PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil:
religião, sociedade e política. São Paulo: Hucitec, 1996. 296 p.
72
relacionados à mediunidade, entre eles a história sobre cartas psicografadas de treze
mortos do edifício Joelma, que pegou fogo em 1974. Além disso, filmes como Ghost,
Os Outros
109
, Sexto Sentido,
110
entre tantos outros também abordam as temáticas que
envolvem o espiritismo.
O mercado editorial referente às obras espíritas constitui-se em um tópico à
parte. Várias obras atingiram o status de best-sellers, muitos deles há dez anos não saem
da lista dos dez mais vendidos, como Zibia Gasparetto; Chico Xavier já vendeu mais de
25 milhões dos seus 400 títulos psicografados; Waldemar Falcão, autor de Encontro
com Médiuns Notáveis é um dos mais vendidos nas maiores livrarias; e a biografia As
Vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior, chegou à casa dos 300 mil exemplares
vendidos.
111
Tais recordes aguçam a curiosidade de qualquer pesquisador e a questão que
paira no ar é a de como explicar tal repercussão. Flávio Pierucci, sociólogo da USP,
explica o porquê da crescente adesão da classe média ao espiritismo:
O espiritismo é uma religião confortável. Ela suaviza o drama da
morte e dá respostas lógicas ao que acontece de bom ou ruim. Sem
falar que podemos levar créditos ou débitos para outras vidas. Por
isso, há três grandes razões para esta atração das classes médias:
1) A doutrina espírita se baseia num conjunto de idéias bem
sistematizadas e, portanto, possível de aceitação racional;
2) Ela é flexível e acolhe gente de todas as religiões;
3) A forma original da religião fundada por Kardec de lidar com a
questão da morte.
112
Identificado com algumas correntes de pensamento europeu, o espiritismo é
trazido para o Brasil por imigrantes europeus letrados. Apoiado na idéia da
reencarnação e da evolução, o espiritismo surgiu com Hippolyte Leon Denizard Rivail,
conhecido por Allan Kardec, pedagogo, nascido em 1804, fortemente influenciado pelas
idéias liberais, inspirado nas doutrinas de Rousseau. Na década de 1850, trava forte
contato com fenômenos paranormais, principalmente com as sessões de “mesas
girantes”, passando, a partir disso, a estudar tais ocorrências. Kardec, convicto da
existência de comunicação com espíritos lança, em 1857, a obra intitulada O Livro dos
109
OS OUTROS. Direção: Alejandro Amenábar. EUA: Miramax Films / Dimension Films, 2001. 1 filme
(114 min.), son., color.
110
O SEXTO Sentido. Direção: M. Night Shyamalan. EUA: Buena Vista International, 1999. 1 filme
(106 min.), son., color.
111
MENDONÇA, Martha. O novo espiritismo. Revista Época. São Paulo: Editora Globo, 3 jul. 2006.
112
Ibidem, p. 70.
73
Espíritos, em forma de perguntas e respostas, supostamente respondidas pelos espíritos.
As perguntas eram direcionadas aos médiuns, uma vez que Kardec se dizia não
possuidor de dons mediúnicos. Entre outras abordagens, o livro realça a existência do
mundo espiritual, a natureza e a pluralidade das vidas passadas e as leis morais.
Segundo defendem os seus seguidores, esta doutrina propõe uma comunhão da religião
com a ciência, em que trata as revelações divinas por meio da manifestação dos
espíritos, e que podem ser explicadas racionalmente, dentro dos parâmetros adotados
pela ciência.
113
Kardec viria a publicar outras obras, entre as mais importantes, O Evangelho
segundo o espiritismo, A gênese, O céu e o inferno, O livro dos médiuns, além de ser
responsável pela organização de um periódico denominado Revista Espírita, que tinha
como objetivo a divulgação da religião que se iniciava. Alan Kardec morre em 1869,
deixando vários seguidores, entre eles: Leon Denis, Pierre Leymarie, Cammile
Flamarion, Charles Richet, William Crookes, entre outros.
A partir daí, houve intensa divulgação dos preceitos espíritas por diversas partes
da Europa e, em 1869, após a morte de Allan Kardec, esta religião havia alcançado mais
de quinhentos adeptos na Europa. Segundo Laplantine e Aubrée,
114
a Europa possuía,
no final do século XIX, uma verdadeira cultura espírita, dada a curiosidade despertada
pela suposta possibilidade de comunicação espiritual, difundida por meio de inúmeras
obras literárias e por seus militantes espíritas. Havia na França 13 periódicos em
circulação; na Espanha era possível localizar 36 revistas. Na última década do século
XIX, contava-se, aproximadamente, 90 periódicos em toda a Europa, tamanho era o
movimento espírita que, em 1989, propiciou que a França sediasse o I Congresso
Internacional Espírita e Espiritualista.
115
113
Para um aprofundamento sobre o processo de aceitação do espiritismo no Brasil e sua construção
ideológica e religiosa no país e também na Europa, conferir entre outros: GIUMBELLI, Emerson. Op.
cit.; SILVA, Raquel Marta da. Chico Xavier: imaginário religioso e representações simbólicas no interior
das Gerais - Uberaba, 1959-2001. 2003. 269 f. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003; DAMÁZIO, Sylvia, F. Da elite ao povo: advento
e expansão do espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994; JURKEVICS, Vera
Irene. Crenças e vivências espíritas na cidade de Franca (1904-1980). 1998. 137 f. Dissertação
(Mestrado em História), Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Unesp, Franca, 1998.; STOLL,
Sandra Jacqueline. Entre dois mundos: o espiritismo da França e no Brasil. 1999. 255 f. Tese
(Doutorado em Antropologia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1999.
114
LAPLANTINE, Fraçois; AUBRÉE., Marion. La table, le livre et les espirits. Paris: J.C. Lattès, 1990.
apud: GIUMBELLI, Emerson. Op. cit.
115
GIUMBELLI, Emerson, Op. cit.
74
Num depoimento, Kardec ressalta:
Por toda parte a idéia espírita começa a ser difundida partindo das
classes mais esclarecidas ou de mediana cultura. Em nenhum lugar
ascende das classes mais incultas. Da classe média ela se estende às
mais altas e mais baixas da escala social. Em muitas cidades os grupos
de estudo são constituídos quase que exclusivamente por membros
dos tribunais, pela magistratura e o funcionalismo. A aristocracia
fornece também seu contingente de adeptos mas até o presente eles
têm se contentado em ser simpatizantes e, na França pelo menos,
pouco se reúnem. Grupos desse tipo são mais comuns na Espanha,
Rússia, Áustria e Polônia [...].
116
O autor Artur Isaia
117
faz um estudo dos discursos produzidos pelo espiritismo à
luz do século XIX, na Europa, momento em que emergem as teorias positivistas de
Auguste Comte e evolucionistas com Charles Darwin. Para este autor, tal doutrina
religiosa surge num período conturbado, momento de intensa miséria na França, quando
a classe operária vivia em péssimas condições, e culminava o risco de uma revolta,
culminando, talvez, uma revolução. A nova doutrina religiosa em questão serviria para
acalmar os ânimos dos trabalhadores, aspecto evidenciado tanto no que se refere às
práticas de assistência aos pobres e desvalidos, quanto à parte doutrinária, que prega um
sentimento de conformidade com a realidade social vivida que justificava o sofrimento
que muitos sujeitos enfrentavam naquele momento. Deveriam se resignar, pois
mereciam a situação de miserabilidade, expiavam erros de reencarnações passadas.
Assim, a legitimação do espiritismo se explicaria, em parte, dada a postura dos espíritas
de aceitação do status quo, e, por conseguinte, agirem em consonância com os
interesses da elite européia.
No Brasil, em meados dos anos 70 do século XIX, o espiritismo teria seguidores
identificados com o ideal republicano, com a bandeira abolicionista e com as teorias
positivistas e evolucionistas. Em 1875 e 1876 são traduzidas, para o Brasil, quatro das
cinco obras mais importantes de Kardec. Em 1884 é criada a Federação Espírita
Brasileira, instituição importante para promover um trabalho de propaganda da
religião.
118
116
KARDEC, Allan. Viagem espírita em 1862. São Paulo: O Clarim, s/d, p. 21-22.
117
ISAIA, Artur Cesar. Allan Kardec e João do Rio: os jogos do discurso. In: MACHADO, Maria Clara
Tomaz; PATRIOTA, Rosângela. Histórias & Historiografia. Uberlândia: Edufu, 2003.
118
GIUMBELLI, Emerson. Op. cit.
75
Reportando à cidade de Uberlândia, nas palavras de Vitusso,
119
o surto espírita
no Triângulo Mineiro teve como justificativa a atuação de importantes nomes para a
religião, indivíduos que, segundo a autora, mostraram-se como ícones da divulgação
doutrinária, multiplicado ainda mais pela popularidade de Chico Xavier, médium
espírita residente em Uberaba até 2002, ano de sua morte. Remontar a história da
legitimação do espiritismo em Uberlândia ajudará a compreender melhor as práticas
vivenciadas na cidade.
O espiritismo encontrou forte disseminação no Brasil e a recepção desta doutrina
foi bem diferente à de outros países europeus. Para Sylvia Damazio, a doutrina de
Kardec é apreciada, principalmente na França, pelo seu caráter científico,
diferentemente do Brasil que adquirira uma característica mais religiosa, facilmente
percebida nas práticas assistenciais e na ênfase pela caridade e moral propalada.
120
As
características culturais brasileiras, entre elas, em destaque o sincretismo religioso e as
condições sócio-econômicas aqui engendradas ao espiritismo, se envereda pela
perspectiva religiosa, explicando assim, sua aceitação e o respeito à sua doutrina. Isto
está fortemente evidenciado no respeito que a figura de Chico Xavier conquistou,
mesmo por parte de não espíritas.
121
Como o Islamismo na Indonésia, o Espiritismo é uma religião
importada, que se difunde no país confrontando-se com uma cultura
religiosa já consolidada, hegemônica e, portanto, conformadora do
ethos nacional. Sua difusão, como postulam certos autores, foi em
parte favorecida pelo fato das práticas mediúnicas já estarem
socialmente disseminadas, de longa data, no âmbito das religiões de
tradição afro. No entanto, em contraposição a estas o Espiritismo
define sua identidade, elegendo sinais diacríticos elementos do
universo católico. [...] O Espiritismo brasileiro assume um “matiz
perceptivelmente católico” na medida em que se incorpora à sua
prática um dos valores centrais da cultura religiosa ocidental: a noção
cristã de santidade.
122
No final do século XIX, três vertentes de pensamentos se evidenciam no Brasil:
uma visão cientificista, influenciada pelo positivismo e pelo darwinismo; outra liberal,
empenhada na instauração da República e o fim da escravidão; e, finalmente, a vertente
119
VITUSSO, Isabel R. Terra fértil semente lançada. A história do espiritismo em Uberlândia.
Uberlândia: Aliança Espírita Municipal, 2000.
120
DAMÁZIO, Sylvia, F. Da elite ao povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
121
STOLL, Sandra Jacqueline. Entre dois mundos: o espiritismo na França e no Brasil. São Paulo: USP,
1999.
122
Ibidem, p. 48.
76
conservadora, marcada pela religião católica. Os espíritas mantiveram relações com
estas três vertentes. Aproximaram-se dos maçons, defenderam os ideais republicanos e
abolicionistas, tanto quanto as teorias científicas e, mesmo se contrapondo ao
catolicismo, incorporaram práticas desta religião.
Para Fábio Luiz da Silva,
123
a sedimentação do espiritismo no Brasil aconteceu
em meio à imagem do paraíso, do fantástico, presentes nos discursos dos europeus. Na
obra psicografada por Chico Xavier, Brasil coração do mundo e pátria do evangelho,
124
bastante lida na década de 1940, está presente o ideário da responsabilidade que cabia
ao cristão em relação ao Brasil. A repercussão desta obra, supostamente escrita por
Humberto de Campos, mobilizará inúmeras atividades dos espíritas. Neste momento de
enorme receptividade da obra pelos kardecistas, a Federação Espírita, instituição
importante na legitimação do espiritismo, já se encontra forte, detentora de uma editora
com larga distribuição no Brasil, além de inúmeros jornais, reafirmando o valor
científico da doutrina lançada por Allan Kardec.
125
Em relação a importância de Chico Xavier para a ascensão do espiritismo no
Brasil, Bernardo Lewgoy
126
discute o imaginário que envolve a religião e os seus
adeptos, mostrando, na figura deste médium, a elaboração de símbolos e significados
em torno da mediunidade, da reencarnação, da vida após a morte e, fundamentalmente,
a forma como esta doutrina se organiza para se expandir. É relevante mencionar a
importância de Chico Xavier para a doutrina espírita na medida em que a sua extensa
produção literária, além da imagem de santidade que o circunda, influenciou na
construção de um ideário de conduta espírita, norteando, de maneira significativa, um
vasto campo de atuação dos espíritas.
127
Acrescido a isto, é importante destacar o caráter assistencial adotado pelo
espiritismo. Entendemos que este aspecto, acima das questões envolvendo a
123
SILVA, Fábio Luiz da. Espiritismo: história e poder (1938-1949). Londrina: Eduel, 2005.
124
XAVIER, F. C. Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho. Rio de Janeiro: FEB, 1977. Nesta
obra psicografada por Chico Xavier é evidente uma representação cronológica da história do Brasil que
pactua e explica as injustiças sociais, a ditadura Vargas, em que os desmandos políticos tem um caráter
conservador justificando e propagandeando o ideário burguês das elites brasileiras.
125
A Federação Espírita Brasileira (FEB) foi fundada em 1884 no Rio de Janeiro. Para melhor
aprofundamento da influência desta entidade na legitimação do espiritismo neste período cf.
GIUMBELLI, Emerson. Op. cit.
126
LEWGOY, Bernardo. Chico Xavier, o grande mediador – Chico Xavier e a cultura brasileira. Bauru:
Edusc, 2004.
127
Sobre a construção da idéia de santidade envolvendo Chico Xavier, cf. SILVA, Raquel Marta da;
MACHADO, Maria Clara Tomaz. O jeito católico de ser espírita nas terras brasilis. Revista História &
Perspectivas, Uberlândia: UFU, n. 31, jul./dez., 2004.
77
paranormalidade, os fenômenos espirituais, foi crucial para a sua legitimação no Brasil.
Assim, a caridade e a reencarnação estão intrinsecamente ligados, porém, se
destacarmos o respeito que seus adeptos adquiriram de outros setores privilegiados da
sociedade, concluímos que as práticas de assistência social empunhadas pelo espiritismo
foram fundamentais para que se construísse um ideal humanitário que, enquanto rótulo,
garantiu sua aceitação.
Partindo do pressuposto de que a religião deve ser compreendida à luz do
processo histórico, produto de um conjunto de práticas sociais, observa-se que não há
diferenças significativas na atuação dos espíritas em Uberlândia, se comparada às outras
regiões do país. Embora haja intensos conflitos internos na maneira de conduzir a
religião, basicamente as práticas kardecistas são as mesmas para todos os grupos
kardecistas, como por exemplo: a utilização do passe; a defesa pela prática da caridade;
a comunicação mediúnica; a crença na vida após a morte e a reencarnação. As análises
do processo de legitimação e a compreensão das representações do campo simbólico
dos adeptos nos darão elementos para avançarmos no entendimento da cultura
uberlandense e nacional, investigando em que medida tais práticas forjaram projetos
políticos/sociais e o resultado disso para a população de maneira geral.
O esforço dos espíritas em atuarem no tratamento da loucura foi um traço
marcante em várias localidades do país. A justificativa para tamanho empreendimento
está na fundamentação central da doutrina religiosa: a relação do mundo espiritual com
a reencarnação. Para esta religião, a loucura, na maioria dos casos, não é um aspecto
patológico como assevera a psiquiatria, mas são vistos como problemas psíquicos
causados pelas dívidas adquiridas supostamente de outras reencarnações. Segundo esta
teoria, a insanidade seria motivada por dois fatores, sendo o primeiro deles o sentimento
de culpa originado nos erros de outras reencarnações, sentimentos que emergem do
inconsciente; e o outro fator preponderante, como reitera o kardecismo, é a obsessão, ou
seja, a perturbação mental ocasionada pela influência direta de um espírito sobre outro.
Segundo Kardec:
[...] Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo moral e
mesmo sobre o mundo físico. Atuam sobre a matéria e sobre o
pensamento e constituem uma das potências da Natureza, causa
eficiente de uma multidão de fenômenos até então inexplicados ou
mal explicados e que não encontram explicação senão no Espiritismo.
As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons
78
espíritos nos atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e
nos ajudam a suportá-la com coragem e resignação. Os maus nos
impelem para o mal: é-lhes um gozo ver-nos sucumbir e assemelhar-
nos a eles.
128
A terapêutica que os adeptos do espiritismo dizem promover tem por base a
realização de preces, o passe, a água energizada, além das sessões de doutrinação do
“espírito obsessor”, instigando-o a perdoar seu inimigo de outras reencarnações,
evitando, dessa forma, a sua manifestação maléfica sobre o louco. Há vários níveis de
entendimento da obsessão para a religião kardecistas. Segundo defendem os seus
seguidores, considera-se a mais grave a subjugação, que é a completa dominação de
uma mente pela outra. Estudiosos do espiritismo apontam a subjugação como um
problema de difícil solução, em que a cura é praticamente impossível de ser obtida. Os
casos mais comuns, evidenciados inclusive nos prontuários do Sanatório Espírita de
Uberlândia, seriam em virtude do “louco” ser médium e não conseguir controlar a
comunicação espiritual. Vejamos nesta ficha, retirada dos prontuários do Sanatório
Espírita de Uberlândia, a mensagem psicografada por Eurípedes Barsanulpho:
Para a Irmã Aurora Araújo – 20 anos Rua Machado de Assis.
Obsedada por ser médium descontrolada, sim convém depois fazer a
sua educação mediúnica, tendo por base os evangelhos de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Convém internar-se para o tratamento. Paz em
Deus.
129
O campo de atuação espírita estava definido e era preciso cuidar da alma deste
povo tão sofrido. A militância desses religiosos esteve quase sempre ligada à cura de
doenças com as quais a medicina não obtinha êxitos, e o cuidado com a loucura passa a
ser a sua maior preocupação. Até a década de 1960, os kardecistas conseguiram fundar
várias casas por todo o país, com o intuito de atenderem portadores de transtornos
mentais. Em Uberlândia, a fachada do manicômio é rigorosamente idêntica ao de
Uberaba, o que nos faz crer numa rede que se constituía na região e desta com outras
cidades do país. Os exemplos encontrados na Enciclopédia Ilustrada das obras espíritas
permitem pensar em um novo paradigma arquitetônico asilar, tendo como referência os
parâmetros do Panóptico de Jeremy Benthan
130
. Todos eles ocupam uma área vasta, cuja
entrada principal se abre em um pórtico que triangula duas, abrigando de imediato o
128
KARDEC, Allan, O livro dos espíritos. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1996, p. 25.
129
PRONTUÁRIOS do Sanatório Espírita de Uberlândia, ficha 117, 1944.
130
Em relação aos edifícios prisionais e toda a sua estrutura pensada para dinamizar a vigilância e
disciplina, conferir: BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
79
setor administrativo, que do lugar onde se estabelece, tem pleno domínio do interior do
prédio, cuja estrutura lembra o corpo de um avião, distribuído por
alas/alojamentos/refeitórios/lavanderias, intercaladas por pátios internos que separam
homens e mulheres, e os enfermos mais perigosos dos mais pacíficos.
IMAGEM 1
Sanatório Espírita de Uberaba.
Disponível em: <http://www.uberaba.com.br/uberaba/uberaba.cgi?flagweb=mostrafoto&codigo=14>.
Acesso em: 05/04/2004.
Este modelo de construção não condiz com os modelos de hospícios do século
XIX e XX tradicionais, casas pensadas de modo a isolar completamente o louco da
sociedade. Os muros dos manicômios de Uberlândia e Uberaba são baixos e com grades
de ferro, possibilitando aos internos o contato com pessoas de fora, situação que não
ocorre em outros asilos.
80
IMAGEM 2
Sanatório Espírita de Uberlândia. In: ORLANDI, Vittorio. Enciclopédia Ilustrada das Obras Espíritas
v. 1. São Paulo: Editora Urânia, 1961
IMAGEM 3
Sanatório Ismael. In: ORLANDI, Vittorio. Enciclopédia Ilustrada das Obras Espíritas vol. 1. São
Paulo: Editora Urânia, 1961
81
Por sua vez, a instituição Sanatório Ismael (Amparo-SP) assemelha-se também
ao prédio construído em Uberlândia, mas mais ampla e situada, da mesma forma, em
uma esquina, com quartos voltados para as ruas. Estas instituições não passam a
funcionar por acaso. Havia todo um planejamento com representantes de diversas
regiões com objetivos de difusão da doutrina religiosa, deixando claro, mais uma vez, o
nível de organização que muitos adeptos tinham, confirmando que o processo e
legitimação do espiritismo tem relação direta com a influência de seus seguidores frente
a outros segmentos da sociedade. No artigo a seguir, o diretor do Sanatório de Ismael,
apresentava aos fiéis kardecistas a possibilidade de se construir um hospício, tendo
como referência a instituição paulista.
A nossa redação recebeu ontem, a visita do distinto médico patrício,
dr. Lauro de Sampaio Viana, diretor-presidente do “Sanatório Ismael”,
para dementes.
O Sanatório Ismael, foi fundado em 1935, por Henrique Castejon,
também fundador do Sanatório Espírita de Uberaba.
O dr. Lauro Sampaio Viana, após treis anos de estacionamento,
assumia sua presidência e é justamente a serviço dessa instituição
meritória, que se encontra entre nós, aproveitando essa visita para
conhecer ao nosso Sanatório local, obra que está sendo erguida graças
aos enfoques e tenacidade do snr. Alcindo.
O dr. Lauro de Sampaio Viana, teve oportunidade de nos mostrar
várias fotografias do seu Sanatório, pelas quais constatamos a obra
gigantesca que está sendo levado a efeito.
Iniciativa essencialmente humanitária, necessita ela encontrar o apoio
da nossa sociedade afim de que todos aqueles que se viram privados
da memória, possam encontrar um recanto adequado ao seu estado.
131
O Sanatório Espírita de Uberaba, fundado em 1933, teve, desde o início de suas
atividades, um psiquiatra espírita. Nesta instituição, ainda em atividade, a presença do
médico Inácio Ferreira,
132
que defendia a terapêutica espiritual, foi uma espécie de
referência para os diversos locais do país. Diversos outros sanatórios foram criados
espelhados nesta instituição, inclusive a de Uberlândia. Este médico não podia ser
processado por prática de medicina ilegal, uma vez que tinha o registro de médico.
Nenhum sanatório espírita pôde funcionar se não atendesse as exigências mínimas, tais
131
CORREIO de Uberlândia. Sanatório Ismael. n. 618, ano III, 03/01/1941.
132
Formado na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, no estado do Rio de Janeiro, este
psiquiatra editou importantes livros para a difusão da realização do tratamento da loucura. Cf.
FERREIRA, Inácio. Novos rumos à medicina. v. I . São Paulo: Edições FEESP, 1993, 212 p.; Idem.
Novos rumos à medicina. v. II . São Paulo: Edições FEESP, 1993, 210 p.; Idem. Psiquiatria em face da
reencarnação. São Paulo: Edições FEESP, 2001, 128 p.
82
como: a presença de médicos, enfermeiros, além, obviamente, das condições materiais
de sobrevivência dos internos (roupas, remédios, comida, entre outros). A figura do
psiquiatra Inácio Ferreira atuou no imaginário não apenas dos adeptos do espiritismo
como de toda a sociedade, legitimando as práticas espíritas de cura, como também
contribuiu para validar a cientificidade das teorias de Kardec. Nesta nota jornalística,
afirma-se que:
O Dr. Inácio Ferreira, um estudioso da grande ciência de Alan Kardec,
acaba de fazer publicar o magnífico livro de sua autoria
“ESPIRITISMO E MEDICINA”. É uma obra maravilhosa, só não
pela facilidade de linguagem, como também, ela é escrita por um
estudioso que alia aos seus conhecimentos, uma grande e sólida
cultura.
133
Antes de Inácio Ferreira, outro médico já defendia o tratamento psiquiátrico pelo
espiritismo. Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900), presidente da FEB em 1895 e um
dos articuladores do periódico O Reformador, escreveu um livro intitulado A loucura
sob um novo prisma, defendendo a matriz das doenças e da insânia advindos da
espiritualidade e de traumas vividos supostamente em outras reencarnações. Na
literatura espírita, este personagem foi figura central para a difusão da religião espírita,
sendo alguém recorrentemente evocado pelos fiéis kardecistas.
O fato de alguns kardecistas estarem ligados à intelectualidade, mesmo que não
seja um número significativo, reordenou a maneira de atuação dos crentes espíritas. O
discurso destes militantes encontrou ressonância em camadas diferenciadas, se não
como força hábil para a conversão religiosa, ao menos como garantia de serem
respeitados. Isto é essencial para compreendermos o campo de atuação dos espíritas.
Prestemos atenção nas falas publicadas destes intelectuais, na tentativa de legitimarem
suas práticas religiosas:
Não ha Idea nova que não soffra (sic) o ataque impiedoso dos homens.
Esse ataque se estende a tudo, ás innovações materiaes e ás
espirituaes, como se o progresso devesse abrir caminho atravez das
maiores difficuldades. [...]
Ora, o Espiritismo, veio agitar o mundo das idéas, e quando é a razão
que se põe em marcha, as luctas são extraordinárias.
As novas doutrinas espiritualistas estenderam sua acção a desciplinas
várias e, ao mesmo tempo, invadem os domínios da philosophia, da
133
LIVROS Novos. “Espiritismo e Medicina” – Inácio Ferreira, Livraria da Federação Espírita Brasileira.
Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 5, 18 mar. 1941.
83
sciencia e da religião. Eis, por conseqüência, os conservadores de pé
atraz. É o homem velho que se levanta espantado, atemorisado,
irritado.
Não são apenas “princípios” o que a doutrina espírita vem abalar; é o
commodismo, é o jogo dos interesse. Ha mais ainda: os privilégios se
sentem ameaçados.
O Espiritismo foi, pois, o espantalho que surgiu no século passado e
contra elle e contra sua these formou-se uma colligação geral. Todos
os corpos doutrinários, todas as instituições, até então conflagradas
pelas mais profundas divergências, se ardunaram como as cidades
gregas diante da alude persa.
Sciencia e religião, que viviam em divorcio, irmanaram-se para
combater o “inimigo”, como irmanadas ficaram as igrejas, até então
umas com as outras em perpetua guerra. É que o Espiritismo vinha
alterar os processos que a sciencia tinha estabelecido sobre a matéria e
a vida, e perturbar os meios que a religião firmara para a salvação das
almas. [...].
134
É comum a utilização de membros letrados para a divulgação do espiritismo,
facilmente constatado nas crônicas editadas nos jornais locais, nos quais os
“desbravadores e espíritos empreendedores” da difusão kardecista, expressão utilizada
por Vitusso, são intelectuais. Agora, um engenheiro escreve para atestar o caráter
racionalista-científico do espiritismo:
[...] O espiritismo, de acordo com as teorias kardecianas, demonstra
cientificamente a existência da alma humana e do perispírito. Este, é
inseparável do principio pensante. Há uma demonstração desta
verdade, pelo estudo feito das manifestações da alma, não só durante a
vida do homem, como depois de sua morte. [...].
135
O caráter de cientificidade defendido pelos espíritas mostra a busca pela
legitimação religiosa e o reconhecimento de suas práticas, aliás, característica
vivenciada em todo o Ocidente. Não queriam ser confundidos como supersticiosos,
fanáticos, e faziam sempre a alusão dos fenômenos espirituais como atividade que pode
ser comprovada até em laboratórios. Não admitiam ser comparados a feiticeiros,
charlatões ou macumbeiros. A umbanda e o candomblé eram, para eles, práticas
primitivas e degradantes, ainda mais quando afirmam que o espiritismo e
[...] Seus ditames, já foram amplamente divulgados por sábios e
psicólogos de renome mundialmente conhecidos e não se confundem
134
BARBOSA, Augusto. Espiritualismo. Jornal de Uberlândia. Uberlândia, p. 2, 24 jan. 1937.
135
MENDES, J. Franklin. A alma dentro da ciência espírita. O Repórter. Uberlândia, p. 3, 19 fev. 1952.
84
com o linguajar inferior desses que querem passar como espíritas, ou
profetas.
136
No campo simbólico dos adeptos desta doutrina religiosa existe uma hierarquia
de espíritos, em que os espíritos mais evoluídos ficariam responsáveis pela difusão do
espiritismo. Este imaginário explica, por parte dos fiéis, a veneração de importantes
personagens kardecistas como Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulfo, Chico
Xavier, entre outros, assemelhando com a concepção católica de santidade.
137
O fato de
Chico Xavier não ter tido escolaridade poderia representar, de certa forma, uma
contradição nos preceitos hierárquicos desta doutrina religiosa, respaldados no espírito
iluminista. Esta contradição é apenas aparente, pois para seus praticantes Chico Xavier
já teria vivido outras reencarnações nas quais conseguiu desempenhar avanço
intelectual. Algumas obras psicografadas asseveram que ele teria sido a reencarnação de
Allan Kardec.
Para esta doutrina espiritual, como para tantos outros segmentos religiosos, há
uma verdade universal, que é anterior à existência humana e que são reveladas
gradativamente. As descobertas científicas que tanto influenciaram o Iluminismo foram
conseqüências diretas da vontade divina, portanto, missões que os crédulos deveriam
seguir e lutar para abraçá-las, não cabendo questionamentos.
O que seria para o historiador um anacronismo, para os kardecistas é a sua
própria maneira de entender a vida. A relação destes fiéis com a temporalidade
transforma a idéia de realidade, cujos acontecimentos se repetem na medida em que
consideram a existência de vida em outros planetas, anterior à vida terrena. Os
acontecimentos vividos por nós teriam sido experimentados por outros espíritos que se
encontram, segundo defende a doutrina religiosa, em estágios evolutivos mais
avançados. Situações como a guerra, a corrupção, a desigualdade, a miséria, o
sofrimento, a ganância, os crimes de modo geral, teriam acontecido em tempos idos, em
outras moradas, em outros planetas. Diante disso, para os kardecistas, estes espíritos
evoluídos conheceriam as nossas dificuldades terrenas e saberiam dispor de mecanismos
para que buscássemos a felicidade, eliminando gradativamente tudo que gera o
sofrimento humano. Ao mesmo tempo entendem que a dor é essencial para a evolução
136
SILVA, Gustavo José da. Fúria de Deus? Correio de Uberlândia
137
Nesta abordagem destacam-se as obras de: SILVA, Raquel Marta. Op. cit.; LEWGOY, Bernardo. Op.
cit.; STOLL, Sandra Jacqueline. Religião, ciência ou auto-ajuda? Trajetos do espiritismo no Brasil.
Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2002, v. 45, n. 2. p. 361-402.
85
espiritual, pois limita as ações dos criminosos, uma vez que sentiriam as dores que
outrora impuseram aos outros. Esta concepção de que “o que se fez, aqui se paga”, se
justificaria pelo próprio axioma adotado pela ciência, e, ainda segundo seus preceitos,
de que para toda ação, há uma reação.
Entre outras obras, um livro em especial, editado na década de 1940 e por nós
comentado, chamado Brasil coração do mundo pátria do Evangelho,
138
psicografado
por Chico Xavier, norteou inúmeras cabeças do movimento espírita na maneira de
conduzir a sua militância do dia-a-dia. Desse ponto de vista, a história do Brasil, desde a
sua gênese, foi conseqüência dos desígnios divinos, incluindo nestes o sistema colonial,
a vinda dos negros e a exaltação do cruzamento racial. A escravidão dos negros não foi
apoiada pelos espíritas, mas foi justificada como resgate de erros de reencarnações
passadas.
A compreensão do sofrimento humano como advindas de “karmas” adquiridos
em reencarnações anteriores, de certa forma, propiciaria, sob o aspecto religioso, um
abrandamento das penas do espírito. Assim, o espírito que antes teria o sofrimento
eterno, passa agora a ter o alívio e oportunidade para se recuperar. Talvez, por isso, a
religião kardecista ganhara novos adeptos. O sofrimento humano passa a ser explicado
não como erros de Deus, mas como falhas do próprio indivíduo, que precisa ser
resgatado para que evolua espiritualmente.
138
XAVIER, Francisco Cândido. Op. cit.
86
2.2 Representações espíritas da loucura
O tratamento da loucura em Uberlândia e o processo de implantação dos
mecanismos de cura, uma vez fundamentados na concepção espírita, precisam ser
aprofundados, permitindo a compreensão da sua associação ao tratamento
psiquiátrico. A relevância de se estudar algumas práticas espíritas neste trabalho
justifica-se pela busca de compreensão do sentido de mundo para estas pessoas, o
que possibilitou a esses religiosos decisões significativas sobre a vida de inúmeros
portadores de transtornos mentais. Diante da realidade dada, que é a importância do
espiritismo no tratamento da loucura, alguns dos seus pressupostos doutrinários
precisam ser apontados para o entendimento das próprias práticas de seus militantes.
Ainda que houvesse uma tentativa de diferenciação em se olhar os transtornos
mentais pelo viés da espiritualidade, o que se percebe é uma estreita relação com o
poder público, a comunidade e os poucos médicos existentes na cidade. É muito
instigante pensar a maneira como o assistencialismo das religiões casou com os
interesses de governantes, empresários e a sociedade civil. O Sanatório Espírita de
Uberlândia “beneficiou” diversas camadas sociais, partindo do pressuposto de que o
internamento significava um alívio às famílias pela difícil convivência com seus
entes “problemáticos”, além de promover um alento quando se tinha a esperança de
cura. Talvez, por isso também, foi possível uma maioria católica tolerar que uma
instituição espírita se responsabilizasse por este tipo de tratamento.
O centro espírita Fé, Esperança e Caridade, responsável pela criação do
Sanatório Espírita de Uberlândia, foi fundado em 1913. É nesta casa espírita que se
concentraram pessoas influentes, alguma delas com poder para a realização de obras
tais como a construção de um hospício. Em 1921, é criado o primeiro jornal sobre o
espiritismo, denominado Esperança, veiculado pelo mesmo centro, fortalecendo o
movimento espírita da cidade. Neste jornal, além de debates sobre questões
filosóficas pertinentes à religião, havia informações sobre os trabalhos assistenciais
promovidos pelos kardecistas como, por exemplo: “[...] visitas fraternas, distribuição
de sopas, assistência às gestantes, atendimento médico, distribuição de remédios e
alimentos e assistência social: com passes, orientações e tratamentos espirituais”.
139
139
VITUSSO, Izabel. Op. cit., p. 93.
87
Em 1931, surge o segundo periódico mais antigo da cidade, chamado “A
Flama”, ainda em circulação. Neste mesmo ano tal jornal anunciaria o primeiro
encontro municipal espírita com a participação de 1500 espíritas. Em 1957 Clóvis
César lançaria a revista ilustrada “Elite Magazine”,
140
contribuindo com a difusão
doutrinária kardecista. No ano de 1960, é criada a AME (Aliança Espírita Municipal)
de suma importância para a unificação do movimento espírita, funcionando como um
órgão eficaz para a divulgação das realizações espíritas. A sua sede própria foi
construída apenas em 1994, na avenida Getúlio Vargas.
141
Diversas crônicas espíritas foram publicadas no jornal local de grande
circulação diária, o “Correio de Uberlândia”, evidenciando a sua forte atuação na
cidade. As publicações são freqüentes, abordando temas de conduta moral, além de
feitos patrocinados pelo espiritismo. São temas que reiteram as intenções da
manutenção de uma cidade ordeira, pacífica e trabalhadora:
Nosso planeta tem sido teatro de crimes e vícios os mais horripilantes,
por um simples motivo que perdura influenciando as mentes humanas,
do selvagem ao homem dito civilizado: a ignorância.
Essa noite sinistra, causa fundamental da maldade humana, é a fonte
produtora de todos os crimes e vícios que nos degradam, dessa falta de
educação nos nivela, muitas vezes aos brutos, contribuindo
poderosamente para a permanência da vaidade, do orgulho e do
egoísmo entre nós, como forças diretrizes da nossa vida.
Essa trindade maldita domina de tal modo os nossos pensamentos e
atos, que nos reduz à condição de escravos desta situação calamitosa,
em que nos encontramos nestes dias tormentosas da nossa vida. A
humanidade inteira sofre as conseqüências da ignorância de si mesma,
trabalhada como vive pelos dirigentes astutos e maus que, por culpa
dela mesma tomaram as rédeas da direção política econômica,
educacional e até religiosa de sempre ter havido homens inspirados no
bem que nos oferecem valiosas lições capazes de dar ao nosso mundo
uma visão mais consentânea com a dignidade; poucos entretanto, tem
querido aproveitar tais ensinamentos a seu próprio benefício de todos
[...].
Conheçamos e apreciamos para nosso bem, a maravilhosa coleção
psicografada pelo maior médium do mundo – Francisco Cândido
Xavier e seu companheiro Dr. Waldo Vieira. Quando a mente
humana, estiver iluminada por essa grande luz, os crimes e os vícios
desaparecerão da face da terra, porque nós todos saberemos que, além
da precaríssima justiça dos homens, paira sobre nós a justiça divina,
infinitamente perfeita.
142
140
A revista “Elite Magazine” foi importante informativo da cidade e região, lido pelas elites locais,
veiculava o ideário do progresso, a moralidade burguesa, colocando os leitores a par não só dos
conquistas locais mas, também, dos efeitos e notícias nacionais.
141
Ibidem
142
FERREIRA, José Odilon. Crimes e vícios. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 4, 29 fev. 1964.
88
Nesta outra nota, percebe-se a alusão à loucura por meio ou provocada pela
obsessão, com discursos inibidores dos vícios e da má conduta. Tem-se como
pressuposto outro a conversão religiosa. Estes escritos editados semanalmente
apresentam quase sempre a mesma característica, referindo-se aos preceitos evangélicos
interpretados pela religião:
Leitor amigo! Queixas de uma grande tristeza que se apoderou de tua
alma; que te sentes apreensivo, taciturno com uma situação que não
podes resolver; parece faltar-te alguma cousa que não podes procurar,
nem sabes o que é.
Tens fortuna! Por isso não te faltam recursos para cercares tua família,
de todo conforto que se pode gozar aqui na Terra.
Em casa, te sentes tão isolado somente com tua família pois, os
amigos de outrora, não te visitam mais, deixando-te entregue às tuas
próprias cogitações.
Na rua, ninguém te procura para dar uma prosa contigo.
Quando entras nos bares não encontra quem queira fazer-te
companhia.
Realmente, tens muita razão para te queixares da situação em que
vives e fazes bem em expandir as tuas mágoas comunicando-as a
outros, pois, assim fazendo é possível receberes algumas sugestões
que possam dar bom resultado em teu caso. Dentro do acanhado limite
das minhas concepções, vou indicar um caminho pelo qual poderás
livrar-te dessas tristezas.
Não deves te isolar, pois assim fazendo as tuas mágoas aumentarão
ainda mais.
É preferível que entres em contacto direto com a sociedade, afim de
ficares conhecendo bem de perto as suas mizérias [sic] e necessidades,
e onde verás outras pessoas que sofrem mais e que podes ampará-las
com os recursos que és possuidor.
Dirás que a humanidade está muito corrompida, perversa e má, que os
homens conspiram contra ti, porque se tornaram teus inimigos e desse
modo nada de útil poderão dar-te; que nesse ambiente irás corromper
tua alma e ficarás tão bom como eles.
Sim, tudo isso pode acontecer. Muitas vezes dá-se o fato de sermos
dominados por influências inferiores e invisíveis, que quase sempre
dominaram nesses lugares onde a força moral está em minoria, diante
das forças contrárias, que atuam para perverter a humanidade.
É bem possível que já estejas sofrendo a ação de alguma entidade
invisível e tua inimiga, atuando sobre ti. Esses modos esquisitos que
tens demonstrado e seguido de maus pensamentos, julgando
temerariamente que os homens estão contra ti; que são teus inimigos,
indicam bem claramente ser tudo isso, efeito de uma obcessão [sic]
bem caracterizada [...].
143
A Aliança Municipal Espírita, fundada em 1960, foi fundamental na organização
do movimento espírita na cidade. Essa é uma conclusão válida na medida em que
143
COLUNA Espírita. Considerações. Correio de Uberlândia. Uberlândia, p. 5, 22 nov. 1941.
89
conseguimos visualizar os inúmeros tentáculos lançados por esta associação e o seu
poder de atuação. Entendendo que houve uma aliança destes militantes com as forças
conservadoras da época, no sentido de coadunarem práticas e pensamentos, é
extremamente aceitável reconhecer que um imenso campo se abriu para o espiritismo,
justificando aí a sua legitimação. Observemos neste espaço reservado à AME no
Correio de Uberlândia, o jogo de doutrinação:
É pela benção do trabalho que podemos esquecer os pensamentos que
nos perturbam. Olvidar os assuntos amargos, servindo ao próximo, ao
enriquecimento de nós mesmos. Com o trabalho melhoramos nossa
casa e engrandecemos o trecho de terra onde a Providência Divina nos
sitiou. Ocupando a mente, o coração e os braços nas tarefas do bem,
exemplificamos a verdadeira fraternidade, adquirimos o tesouro da
simpatia, com o qual angariamos o respeito e a cooperação dos outros.
Quem não sabe ser útil não corresponde à bondade de céu, não atende
aos seus justos deveres para com a humanidade e nem retribuir a
dignidade da pátria amorosa que lhes serve de mãos. O trabalho é uma
instituição de Deus. (Página extraída do livro “Pai Nosso” ditado a
Francisco Xavier pelo Espírito de Meimei.)
144
A exaltação ao trabalho está presente nas crônicas dos jornais, não importando a
religião professada. O espiritismo defende a manutenção da ordem instituída e a sua
conformação, obtendo, com isso, um amistoso relacionamento com setores das elites,
inclusive a participação nos meios de comunicação, fato que se tornaria fundamental
na sua divulgação doutrinária. Os adeptos do espiritismo tiveram acesso à mídia
foram os mesmos que combateram o comunismo, defenderam as elites como homens
de bem. Outros espíritas que mantiveram uma postura mais radical não foram
reconhecidos, não possuíam regalias que outros desfrutavam. Neste trecho é clara a
deferência com o governo brasileiro Getúlio Vargas:
Coluna Espírita
Irmãos alerta- Cumpra seu dever
Coopere na Campanha Censitária pela grandeza do Brasil! Pátria do
Evangelho-Coração do Mundo.
BRASILEIROS!!
Unamos nossos esforços e apoio incondicionais ao Grande Espírito e
Eminente Chefe da Nação. Dr. Getúlio Vargas. Que Jesus vos ilumine
cada vez mais para a Gloria da Nação e felicidade geral de todos.
Pela emancipação e igualdade de direitos religiosos espirituais.
144
VIDA Espírita – a benção do trabalho. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 4, 11 dez. 1958.
90
Pela confraternização Universal Espiritual. Todos por uma e um por
todos – irradiados pela Luz da Verdade: Deus!!!
145
Talvez esteja nestes discursos explicação para complacência às práticas espíritas,
aliada à falta de ortodoxia religiosa da população brasileira. Não é raro encontrarmos,
por exemplo, pessoas que diz em professar o catolicismo, e utilizam de elementos
culturais africanos ou mesmo freqüentam o centro espírita para tomar passe. Uma outra
análise possível para se pensar a autonomia dos espíritas no tratamento da loucura, é a
situação de desconforto da família em ter em casa alguém que causa medo, transtornos,
vergonha, que necessita de cuidados - em casos do sujeito apresentar quadros de
extrema violência.
O espiritismo conseguia atuar nas diversas camadas sociais, expondo suas
reflexões religiosas nos jornais, mesmo que fosse para um pequeno grupo de leitores. O
apoio recebido das classes pobres tinha como base as práticas assistencialistas, tais
como doações de cestas básicas, sopa, remédios, sem contar as práticas de curas
realizadas por estas entidades.
É difícil estabelecer o número de assistidos na cidade de Uberlândia, mas se
considerarmos que são mais de oitenta e três grupos espíritas, quase todos eles
mantendo atividades assistenciais em outros bairros, a estimativa é de um elevado
número de atendidos todo ano. Mesmo tendo poucos adeptos em comparação aos
católicos e pentecostais, em Uberlândia as casas espíritas espalham-se por toda a cidade,
atingindo 48 bairros diferentes, dos pouco mais de sessenta existentes, sendo que em
muitos bairros, há mais de duas instituições, como podemos notar no quadro abaixo:
TABELA 6
Centros Espíritas de Uberlândia
Nº Bairros Qtde
1 Alvorada 1
2 Aparecida 2
3 Aurora 1
4 Brasil 4
5 Canaã 3
6 Cazeca 2
145
GUANABARA, Alcindo. Coluna Espírita. Irmãos alerta - Cumpra seu dever. Correio de Uberlândia,
Uberlândia, p. 5, 11 out. 1940.
91
7 Centro 2
8 Cidade Jardim 2
9 Copacabana 2
10 Daniel Fonseca 2
11 Erlan 1
12 Fundinho 1
13 Granada 1
14 Guarani 1
15 Jaraguá 1
16 Jardim Brasília 1
17 Jardim das Palmeiras 1
18 Jardim Ozanan 1
19 Jardim Patrícia 1
20 Lagoinha 1
21 Liberdade 1
22 Luizote de Freitas 3
23 Mansour 1
24 Maracanã 1
25 Maravilha 1
26 Marta Helena 4
27 Martins 7
28 Morada Nova 1
29 Morumbi 1
30 Nossa Senhora das Graças 1
31 Osvaldo 1
32 Pacaembu 1
33 Pampulha 1
34 Planalto 4
35 Residencial Gramado 1
36 Roosevelt 4
37 Santa Mônica 2
38 Santo Inácio 1
39 São Jorge 1
40 Saraiva 2
41 Segismundo Pereira 2
42 Tabajaras 1
43 Tancredo Neves 1
44 Tibery 2
45 Tocantins 1
46 Tubalina 4
47 Valleé 1
48 Virgilato Pereira 1
Total 83
grupos
Fonte: VITUSSO, Izabel R. Terra fértil, semente lançada: a
história do espiritismo em Uberlândia. Uberlândia: Gráfica
Brasil, 2000. p. 128-129.
92
Um traço interessante destas casas é que quase todas elas mantém trabalhos
assistenciais em bairros pobres, mesmo quando estão localizadas em setores de classe
média ou alta, como é o caso do bairro Martins, Brasil, Centro, Virgilato Pereira, Santa
Mônica, Fundinho, Cidade Jardim e Saraiva. Como a necessidade de alimentos é
pequena nestes bairros, pois a maioria dos moradores conseguem realizar suas refeições
regularmente, eles acabam transformando-se em doadores para uma parcela
significativa de pessoas de bairros periféricos, adjacentes a esses. Existe uma prática
antiga de arrecadação de alimentos vivenciada pelos seguidores da doutrina e que já é
tradição em todo o Brasil. A campanha, conhecida como “do quilo”, ocorrida
semanalmente, consiste na visitação de residências por parte dos caravaneiros com o
objetivo de arrecadação de alimentos, oferecendo logo em seguida, mensagens espíritas.
Eu tive a oportunidade de acompanhar, algumas vezes, este trabalho, e pude constatar
que houve um número considerável de alimentos arrecadados, doações realizadas por
pessoas que professam outros crédulos religiosos. Estes alimentos são separados,
posteriormente, em cestas básicas, ou utilizados nas sopas distribuídas em bairros
pobres. Foi possível verificar também a quantidade expressiva de pessoas que doam
alimentos, mesmo não simpatizantes do espiritismo. Este traço assistencialista
redimensionou o kardecismo no Brasil, diferenciando-o do praticado na França, com
poucos adeptos e voltados aos fenômenos espirituais.
IMAGEM 4
Distribuição de cestas básicas de Natal às famílias pobres. In: VITUSSO,
Isabel R. Terra Fértil Semente Lançada. A história do espiritismo em
Uberlândia. Uberlândia: Aliança Espírita Municipal, 2000, p. 115
93
IMAGEM 5
Dispensário dos Pobres. In: VITUSSO, Isabel R. Terra Fértil Semente
Lançada. A história do espiritismo em Uberlândia. Uberlândia: Aliança
Espírita Municipal, 2000, p. 89.
IMAGEM 6
Dispensário dos Pobres. In: VITUSSO, Isabel R. Terra Fértil Semente
Lançada. A história do espiritismo em Uberlândia. Uberlândia: Aliança
Espírita Municipal, 2000, p. 90
Sendo a caridade o preceito de maior importância para o espiritismo,
fundamentado na defesa de Allan Kardec de que, “Fora da caridade não há salvação”, é
94
mister tecermos a maneira como este dogma será a ponta de lança da legitimação do
espiritismo em Uberlândia e em todo o Brasil. A intenção da criação de uma instituição
que pudesse assistir aos portadores de transtornos mentais representava para a doutrina
um gesto altruísta elevado, porque não só amparava o físico, como também o espiritual,
esse o de maior relevância para esta religião.
A caridade possui uma forte conotação da prática da humildade, que é uma
maneira de quem a pratica ser aceito pelo outro que, muitas vezes, o despreza ou não
reconhece a ação. Mesmo que não haja esse sentimento de repulsa, a caridade funciona
para aquele que quer ser salvo, como um mecanismo de aproximação com Deus, daí
uma justificativa instigante da qual se deduz como os espíritas vão, aos poucos,
consolidando seu espaço na sociedade. Aliado a tudo isso a constante prática da
caridade representa a ascensão espiritual, objetivo máximo de um encarnado. É, nesta
premissa, que um dos diretores do Sanatório, aproximadamente no período de 1959 a
1967, destaca:
Então eu dizia sempre, depois que eu assumi a direção, dizia sempre
para os nossos irmãos que ali trabalhavam que eu considerava aquela
casa uma escada de Jacó, que se nós nos dedicássemos, nós déssemos
carinho aqueles nossos irmãos, nós poderíamos através dos anos
galgar algum degrau na escada de Jacó. Mas que se nós
desprezássemos aqueles irmãos, deixar eles passarem fome, sede, frio,
que nós estaríamos contraindo débitos que talvez nos custariam
séculos para ser resgatados. Então nós precisávamos trabalhar naquela
casa com muito amor, com muita dedicação para nós termos um
crédito na vida futura, que é a vida que nos deverá preocupar
realmente. É a vida verdadeira, é a vida eterna.
146
Trabalhar nesta empreitada significava também um resgate de débitos, dedicação
nos trabalhos da casa, abnegação em benefício dos loucos que rendia créditos na vida
eterna. O apelo à prática da caridade não era só aos militantes kardecistas, mas à
população da cidade, como podemos observar:
Acredito que só a caridade pode salvar o mundo, entretanto, não se
demore na posição de comentarista. Não nos diga que é pobre e
incapaz de contribuir na campanha renovadora da sublime virtude.
Senão vejamos.
Se você destinar a quantia correspondente a um refrigerante ou um
aperitivo em cada cinco doses, segundo os seus hábitos, aos serviços
146
CUNHA, Gladstone Rodrigues. Op. cit.
95
de qualquer hospital, no fim de um mês haverá mais decisiva
medicação para certo doente.
Se você renunciar ao cinema, uma vez em cada cinco, endereçando o
dinheiro respectivo a uma creche, ao término de duas ou três semanas,
a instituição contará com mais leite, em favor das crianças
necessitadas.
Se você reprimir um maço de cigarros, em cada cinco de seu uso
particular, dedicando o fruto desta renúncia a uma casa erguida para
os irmãos distanciados do conforto doméstico, em breve tempo, o
agasalho devido a eles será mais rico.
Se você economizar as peças do vestuário, guardando a importância
equivalente a uma delas em cada cinco, para socorro ao próximo
menos feliz, no fim de um ano, disporá você mesmo de recursos
suficientes para vestir alguém que a nudez ameaça.
Não espere a bondade dos outros.
É possível que você nos responda que o supérfluo é seu próprio suor,
que não nos cabe opinar em movimentos a sua custa.
Você, naturalmente, certo na afirmativa e não seremos nós quem lhes
contestará semelhante direito.
A vontade é sagrado tributo do espírito, dádiva de Deus a nós outros
que decidamos por nós quanto à direção do próprio destino.
Todavia, nosso lembrete é apenas uma sugestão aos companheiros que
acreditam na força da caridade, e só ganhará realmente algum valor, se
houver algum laço entre a caridade e você. (André Luiz – página
recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier).
147
Esta fala está carregada de significados que não representam apenas a tentativa
das pessoas de compadecerem com a miséria alheia. Há um forte discurso que incide na
moral e no comportamento ideal apregoado para a sociedade burguesa. O sentido de
realidade, para essas pessoas, é a conformação com a miséria, que associada ao
sofrimento, refletem a vontade transcendente, divina.
É bem verdade que o ser humano é mais complexo do que possa parecer.
Algumas pessoas, ainda que ajudassem a manter o regime de exclusão em que vivemos,
se sensibilizaram com a dor dos que as rodeiam. No trabalho de busca de fontes para
esta pesquisa, percebi que alguns militantes espíritas sacrificavam a sua própria vida
para ajudar aos outros. Uma cena que me emocionou muito foi ver, em uma espécie de
abrigo espírita, inúmeras crianças com deficiências físicas, muitas delas em estado
vegetativo, serem ajudadas em tempo integral por alguns espíritas.
148
Dessa forma,
tentei relacionar a minha própria emoção com o processo de legitimação espírita na
cidade e no país. A utilização da prática da caridade deslocou o espiritismo da condição
de marginalizados a pessoas altruístas. O médico Lázaro Sallum, que atuou dezoito anos
147
VIDA Espírita: caridade e você. Correio de Uberlândia. Uberlândia, p. 7, 5 set. 1959.
148
Núcleo Maria de Nazaré, dirigido por Shirlene Campos, situa-se no Bairro Cidade Jardim, Uberlândia.
96
no sanatório e não simpatizante de religião alguma, descreve o seus sentimentos à José
Gonzaga de Freitas, o maior responsável na manutenção deste manicômio destinados
aos loucos:
Não, olha, se você disser pra mim assim, qual a queixa que você tem,
eu digo absolutamente nenhuma. Seu Gladstone é uma criatura que... é
uma criatura que se eu pudesse dar nota como pessoa humana eu daria
dez pra ele. Seu João Dorneles dos Santos Júnior, era outro diretor, se
eu pudesse dar nota, não tem jeito de dar onze, eu dava dez, certo. O
Seu Gonzaga era uma pessoa boníssima, cê entendeu. Jamais criaram
o menor tipo de caso comigo, absolutamente nenhum tipo de caso
comigo.
149
Lázaro Sallum quase não aceitou conceder seu depoimento para esta pesquisa,
por imaginar que se tratava de uma tese de exaltação espírita. Segundo relato dele,
mesmo sendo bem cético, revela que as figuras de José Gonzaga de Freitas, Gladstone
Rodrigues da Cunha, João Dorneles, entre outros, lhes causaram boa impressão pela
dedicação pessoal ao projeto assistencial. A convivência era amistosa desde que um não
interferisse nos interesses e atuação do outro e isto só foi possível porque as práticas de
exclusão e asilamento se coadunavam.
Se os esforços de alguns militantes kardecistas à manutenção desta e de outras
instituições transformaram positivamente o seu relacionamento com outros segmentos
da sociedade, outro aspecto de maior relevância foi também crucial. Ainda que as
práticas espíritas se aproximassem dos interesses das elites governamentais, o não
acirramento de disputas com médicos e outros intelectuais contrários ao objetivo
espírita, foi fundamental para a boa convivência e o destaque que os personagens
kardecistas obtiveram no cenário uberlandense. Neste momento, a sociedade médica
estava razoavelmente sólida, forte para o porte da cidade, podendo intervir e mesmo
reivindicar a exclusividade para o tratamento da loucura. Tanto é assim que esta mesma
instituição médica mobilizou-se com sucesso na construção da Universidade Federa de
Uberlândia e do próprio Hospital de Clínicas. Por isso, é tácito acreditar que também
reconheceram o manicômio como importante para os interesses da população. Nas
memórias do médico Longino Teixeira sobre a trajetória da Sociedade Médica em
Uberlândia, esta sociedade reconhece o Sanatório Espírita enquanto hospital
psiquiátrico, ainda mais tendo como médicos responsáveis, os respeitados Moysés de
149
SALLUM, Lázaro. Op. cit.
97
Freitas e depois Lázaro Sallum, sendo que o primeiro participou da segunda diretoria
desta associação, em 1948.
150
Além disso, alguns pacientes eram atendidos
gratuitamente no hospital particular Santa Genoveva, quando apresentavam
diagnósticos de doenças físicas além dos transtornos mentais. Interessante observar a
convivência dos espíritas e médicos nesta instituição:
[...] quando eu assumi a direção do sanatório, nós fizemos um trato. O
paciente que eu não aceitar ser retirado do quarto pra tomar passe, ele
não vai ser retirado do quarto pra tomar passe. E eles pegaram e
exigiram de mim: “olha, nós não queremos que faça eletrochoque
aqui”.
151
Segundo Giumbelli
152
, o espiritismo enfrentou perseguições, principalmente de
médicos, no final do século XIX até a metade do XX, por praticarem curas sem o
registro de médico. A Federação Espírita Brasileira esteve algumas vezes no banco dos
réus, tendo que se justificar por diversas curas. Tamanha foi a pressão que os
kardecistas passaram ao limitarem o tratamento no sanatório à utilização de “passes” e
“água fluidificada”, ou seja, da parte religiosa, abstendo-se, ao menos publicamente, por
um determinado período, das cirurgias e da homeopatia. Em Uberlândia, diante do
arrolamento da documentação, esta convivência foi bem mais amigável do que no
restante do país; o próprio fato de José Gonzaga de Freitas ser irmão de Moysés de
Freitas e ter parentesco com outros médicos, como é o caso de Euclides Gonzaga de
Freitas e Fausto Gonzaga de Freitas, médicos que, inclusive, deram assistência ao
Sanatório Espírita de Uberlândia, em alguns momentos, nos dá um bom exemplo desta
convivência harmônica quando convinham aos interesses destes cidadãos.
Alguns médicos davam assistência no manicômio, como foi o caso de Fausto
Gonzaga de Freitas e Euclides Gonzaga de Freitas, todos familiares de Moysés de
Freitas. O próprio fato de Moysés ser irmão de José Gonzaga pode ter influenciado de
maneira significativa para o não acirramento das disputas pela arte de curar.
Nicelídia, uma das entrevistadas para esta pesquisa, filha de José Gonzaga, nos
contou da dificuldade de seu pai a princípio ser aceito na família por ser espírita. O seu
avô, empresário proeminente, chegou a deserdar o seu pai pela sua escolha, “voltando
150
TEIXEIRA, Longino. Apontamentos para a história da medicina e da farmácia em Uberlândia
1846-1968. Uberlândia: s/e., 1968. 163 p.
151
SALLUM, Lázaro. Op. cit.
152
GIUMBELLI, Emerson. Op. cit.
98
atrás” na decisão devido à intervenção dos irmãos que o estimavam bastante.
153
A
imagem negativa da realidade experimentada no cotidiano asilar foi muitas vezes
justificada pelos seus diretores. É o caso de Francalance:
A loucura é uma realidade muito difícil, representando para nós
obreiros do Ideal espírita, uma lição de vida, uma renovação de
valores. Quando comecei a trabalhar no Sanatório Espírita comecei a
ter uma maior compreensão do meu próximo me ensinando a me
reformar intimamente. As pessoas viviam como animais: se
machucavam, não tinham preocupações com a higiênica básica,
viviam defecadas. Acabávamos de dar banho no doente, ele evacuava
novamente na roupa, sujava o quarto. Batiam com a cabeça na parede,
se cortavam. Aí quando um fiscal chegava no sanatório entendia que
os doentes eram mal cuidados e já queriam nos multar.
154
Uma de nossas entrevistadas, Shirlene Campos, espírita e médium renomada na
cidade de Uberlândia, relata a sua compreensão sobre a loucura:
Em alguns casos, pessoas que chegam totalmente loucas, loucas
mesmo, através da vidência eu percebo as entidades que estão atuando
sobre ela. Então a gente relata não só as características fisionômicas
como o nome da pessoa e eles localizam, às vezes, até como parente,
isto no caso principalmente de droga, de bebida. É muito comum
ocorrer a influência de uma entidade, inimiga às vezes da família
querendo destruir a família inteira, então se tornam alcoólatras [...].
Então há muitas pessoas que chegam aqui totalmente loucas e que
depois vão recuperando aos poucos, por quê? Porque os espíritos
lesam os neurônios, os medicamentos lesam os neurônios, as pessoas
vão ficando apáticas, quanto mais calmante dão para o obsediado, o
louco, mais ele se torna vulnerável, porque não reage. Ele não tem
capacidade de reagir, então nesse processo, cada vez mais, vai se
tornando incurável, e então depois fica a seqüela, invariavelmente
ficam as seqüelas. Então no caso da loucura que nós chamamos de
possessão. A obsessão, uma pessoa pode ser vítima da possessão, da
inteligência intrusa, ela agir como uma pessoa normal e no entanto ela
está sendo manipulada por uma entidade perturbadora. E como que
ocorre isso? O comportamento dela; às vezes ciúmes doentios que
levam até ao assassinato; às psicoses; síndromes de pânicos; a
depressão nos seus mais variados graus; tudo isso é manifestação
espiritual de obsessão. Possessão é quando a pessoa já é manipulada
totalmente a sua vontade pelo daquele perseguidor. Em geral a
possessão ocorre quando o inimigo é de vidas passadas.
155
153
FREITAS, Nicelídia. Op. cit.
154
FRANCALANCE, Rubens. Op cit.
155
CAMPOS, Shirlene. Depoimentos. Uberlândia, 2003.
99
Se em determinados momentos percebemos a contradição entre os adeptos do
espiritismo, tal como no caso de Shirlene, que criticou abertamente o sanatório espírita,
por outro lado temos a convergência de práticas e crenças a partir da forma como essas
pessoas enxergam o mundo. O que dá sentido à vida a essas pessoas é a certeza de uma
vida após a morte e de um retorno à carne, por isso sendo importante as ações praticadas
no presente. O sacrifício empenhado é o que dá concretude ao mundo material, é a sua
própria razão de viver, de se relacionar com os outros. E o tratamento ou apoio à
loucura, entendida como obsessão, continua sendo um dos caminhos a ser trilhado.
As doutrinas espíritas propõem uma não intervenção nos movimentos políticos e
econômicos, organizando-se apenas em torno da transformação moral. Esta pretensa
imparcialidade acaba não ocorrendo. O posicionamento político dos fiéis, tanto para
apoiar ou fazer oposição a programas de governo, é recorrente. A sua mais recente luta
foi a participação ativa na discussão acerca do projeto de lei que legaliza o aborto.
Historicamente, as religiões sempre adotaram uma postura de não intervenção no
campo da política, apesar disso ter ficado só na intenção. O que se percebe, ao contrário
do que supõem os dogmas religiosos, é que na maior parte das vezes a religião atuou em
consonância com o poder instituído. A Igreja Católica, antes do século XIX, no Brasil,
mesmo sendo solidária com o sofrimento dos negros, não defendiam abertamente seu
fim. O espiritismo demonstrou a adesão aos intentos abolicionistas quando os
movimentos republicanos já eram fortes em todo mundo, não demonstrando assim,
qualquer inovação. É evidente que nenhum grupo religioso é homogêneo, mas os fiéis
que destoam da estimativa referida são considerados até desertores. Um exemplo claro
disso é a Teoria da Libertação, construída dentro do catolicismo, que objetiva atuar na
política e transformar a injusta realidade social.
Vários representantes no Congresso Nacional são, atualmente, membros de
distintos segmentos religiosos, defendendo políticas de seus interesses. Refletir o que
aconteceu em Uberlândia, a realização de obras assistencialistas que serviram para
eleger esse ou aquele vereador, nos dá um forte elemento para compreendermos a
atuação destes fiéis religiosos. Só para ilustrar, recentemente tivemos, em Uberlândia, a
eleição de João Bittar, espírita que administra entidades assistenciais (creches, asilos,
entre outros), amparados financeiramente pelo poder público daquele que, depois de ter
sido eleito vereador, repetiu a sua popularidade assumindo a Câmara Estadual. Mesmo
100
não atuando diretamente na política, muitos dos fiéis acabam corroborando com as
práticas assistenciais que mantêm as injustiças sociais.
Tal situação não ocorre apenas na cultura judaico-cristã, mas é percebida em
diversas outras religiões orientais. Quando este panorama se transforma, como é o caso
dos conflitos no Oriente Médio e as lutas travadas por mulçumanos e a cultura
imperialista, tida como cristã, percebemos o despreparo das religiões na medida em que
não intervêm para transformar a política que promove a miséria e a exploração do
homem. Ou seja, não seguem o preceito máximo de seus próprios dogmas ou doutrinas.
Não é meu interesse contrapor qualquer um que opte por esta ou aquela religião,
ao contrário, as considero como parte da riqueza dos povos, importantes para se
compreender qualquer cultura, uma vez que a ciência não consegue dar respostas aos
diversos anseios humanos. Por isso, historicamente, nunca tivemos uma sociedade
sequer que não possuísse religião. O rito ao sobrenatural é algo presente em qualquer
cultura. O que precisa ficar registrado, e isso não é nenhuma novidade, é o conformismo
que impera nas religiões, em uma complicada relação com o tempo. O futuro é ascensão
de todos, é onde se encontra a felicidade. O presente significa sofrimento, o sentimento
de culpa remanescente dos erros do passado. Por este viés, há uma entidade maior que
todos, um ser perfeito criador do mundo e de seres imperfeitos que pune os que
cometerem erros.
Pode parecer, nesta defesa, que os caminhos a serem tomados são o
derramamento de sangue, o combate da tirania pela tirania. Não há uma resposta pronta,
haja vista que a história é contraditória e ninguém possui a dimensão do seu devir, ainda
que projete o tempo todo o futuro. Alguns religiosos, mesmo que fossem exceções,
promoveram profundas transformações na maneira de entender o outro que o cerca. O
nosso grande problema está em pensar a questão da alteridade. Na índia, um homem
franzino conseguiu, a partir da desobediência civil, aliada à não violência,
156
propor
uma diferente visão do homem em busca da sua liberdade, e de não aceitar a
exploração. O próprio Jesus de Nazaré, personagem central do cristianismo, foi um
contestador, na medida em que defendeu que as misérias humanas são frutos das
relações de interesse que as pessoas estabelecem entre si. Não há uma resposta única de
como mudar o mundo, um lugar onde não mais exista fome, miséria, explorados, enfim,
156
Evidentemente estou me referindo à violência física, já que podemos considerar a desobediência civil
como um ato de violência às forças conservadoras.
101
qualquer prática que rebaixe a condição de humano. Todavia, sabemos qual caminho
não seguir: o da conformidade desta cultura opressora e excludente.
Quando se trata da loucura ou de outras deficiências, é necessário considerar as
pessoas jogadas à própria sorte, em uma condição inferior aos desempregados e
miseráveis, que não podem sequer conviver com a sociedade a que pertencem. É latente
uma quase obrigação das pessoas de excluir do convívio social aquelas que não são
consideradas normais. Sabemos que é difícil julgar alguém que dedica parte de sua vida
tentando aliviar os sofrimentos dos outros. Mas temos a convicção também de que esse
assistencialismo não promove transformações profundas, e dessa crítica não podemos
abrir mão.
102
3. O COTIDIANO NO SANATÓRIO ESPÍRITA DE
UBERLÂNDIA
103
3.1 Concretos do esquecimento: a casa da dor
A arquitetura planejada, as paredes frias parecem querer contar sobre um tempo
sombrio, testemunhas de um passado que nos trazem um certo sado-masoquismo
lembrá-la, mas que também não devem ser caladas para que tantas injustiças e
desmandos voltem a acontecer. Pode até parecer ilusão, mas a humanização ocorrida
nos manicômios foi fruto de intensas reivindicações e denúncias empenhadas por
segmentos da sociedade, dentre eles os médicos. Há muito ainda por se fazer para
construirmos um novo tempo, no qual relações de solidariedade e alteridade estejam
presentes.
Tentemos, inicialmente, mapear as relações construídas dentro do Sanatório
Espírita de Uberlândia, enxergar o tratamento ali aplicado, como viviam estes
segregados sociais, os conflitos internos, entre outros. Precisamos compreender o
cotidiano da instituição, desvelar sentidos apagados pela memória e que agora precisam
emergir, sair do esquecimento. E isto se torna ainda mais difícil quando deparamo-nos
com a escassez da documentação produzida pelos internos. Logo, só resta remontar a
sua história a partir dos dirigentes, dos responsáveis pelo aprisionamento daqueles.
Peço, então, permissão para entrar na vida dessas pessoas que ali estiveram internadas.
Qual o sentido da loucura para as pessoas que ali viviam. Sabemos que são
variados, mas parece existir um fio condutor que leva o indivíduo à insanidade. Para os
espíritas, seria a obsessão, mas antes, para a sociedade, estaria na própria conduta do
indivíduo, que se aproximava dos preceitos defendidos pelos médicos, ou seja, a fuga
dos padrões “normais” de comportamento. O objetivo de ambos é fazer com que o
louco abandone o estado de alienação, que é a cura, mudando de conduta. A idéia de
reabilitação é um elemento forte para começarmos a nossa análise.
Erving Goffman demonstrou num belo trabalho a estrutura de instituições
asilares e as relações sociais ali construídas. A instituição funciona por meio das
práticas internalizadas pelas tecnologias de poder, pelos dispositivos de controle que
compõem os regimes de funcionamento das instituições totais. Estes mecanismos
disciplinares determinam, na maioria dos casos, para os que ali estão em regime de
internato, um sentimento de fragilidade e impotência diante das normas institucionais.
Uma recusa destas regras significaria uma imediata repressão. A questão, para o autor,
104
nem é considerar possíveis recusas, fato, aliás, sempre perceptível em diversas prisões,
seja por fugas, rebeliões, acerto de contas e até mesmo pelo controle e comando do
crime de dentro da instituição. É relevante ressaltar as técnicas de dominação e
disciplinarização – repressão, prêmios, delações, mutilações do eu, a arquitetura da casa,
entre outros – como eficientes mecanismos de isolamento do restante da sociedade.
Os internos são rebaixados, humilhados, não possuem autonomia nem mesmo
para as atividades mais elementares como tomar banho, fazer as necessidades
fisiológicas. Todos estes aspectos compõem a relação de força existente na instituição,
estratégias de poder bem definidas na qual o indivíduo não só assume uma posição de
submissão, mas tem a noção de que todas às suas ações estão sob o olhar dos
responsáveis em manter a ordem, fazendo-o renunciar as suas próprias vontades. É
notória a relação de culpa do interno diante de qualquer atitude sua realizada, mesmo
em situações mais banais. A isso associa-se a sua mutilação, a castração da sua
personalidade. Isolado do mundo externo, é invadido e compelido a exteriorizar sua
culpa diante dos companheiros, expondo as suas fraquezas aos dirigentes.
[...] Numa instituição total, no entanto, os menores segmentos da
atividade de uma pessoa podem estar sujeitos a regulamentos e
julgamentos da equipe diretora; a vida do internado é constantemente
penetrada pela interação de sanção vinda de cima, sobretudo durante o
período inicial de estada, antes de o internado aceitar os regulamentos
sem pensar no assunto. Cada especificação tira do indivíduo uma
oportunidade para equilibrar suas necessidades e seus objetivos de
maneira pessoalmente eficiente, e coloca suas ações à mercê de
sanções. Violenta-se a autonomia do ato.
157
Ainda que consideremos a existência da loucura enquanto patologia e a sua
possível cura, como alcançá-la se o indivíduo é permanentemente humilhado,
fragilizado, e se fazendo crer, de acordo com o regime do internato, que é incapaz de
exercer mesmo as tarefas mais simples do cotidiano? Estas contradições não puderam
ser mascaradas por muito tempo e novos caminhos começaram a surgir, na busca de
melhores condições aos portadores de transtornos mentais.
O que é estar internado? Dividir um espaço com tantas pessoas das mais diversas
índoles e sofrimento possíveis? Ser submetido a uma grande quantidade de remédios, de
choques elétricos, estar, enfim, rebaixado de sua condição humana e se sentir feliz
quando sentirem compaixão do seu estado? Historiar o espaço manicomial é também
157
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 42.
105
remontar um tempo de lágrimas e muito sofrimento, momentos que se parecem com
quem foi torturado: é a negação de uma memória que parece a todo instante querer vir à
tona. Poucos se dispõem a relatar o que viveu, como é o caso de Autregésilo Carrano
Bueno,
158
que conseguiu transformar os ressentimentos em luta pela humanização dos
hospícios.
É preciso contar outras histórias que foram abafadas, desprezadas, que estão
impregnadas nas paredes, nos corredores, nos quartos, nas celas. Muitas delas foram
contadas e denunciadas pelo movimento de antipsiquiatria desde a década de 1960. No
Brasil, na década de 1940, Nise da Silveira daria ênfase à arte como terapia,
estimulando a criatividade entre os internos de hospitais psiquiátricos. Na historiografia,
os trabalhos sobre loucura tomaram ímpeto, influenciados pela publicação História da
loucura na Idade Clássica, de Michel Foucault. Ainda hoje tal temática parece nortear
muitos pesquisadores, insatisfeitos com as práticas de tratamento aplicados.
A grande dificuldade de se estudar a loucura é a falta de documentação, e aí há
vários aspectos a se abordar. Primeiramente, existe um entrave por parte da medicina
em disponibilizar o acervo dos hospícios, entre eles, fotografias, prontuários,
prescrições médicas, entre outros. Outra dificuldade encontrada quando se consegue
pesquisar as fichas médicas é a ausência de documentação referente ao louco. Muitos
dos escritos produzidos pelos internos se perderam. Recentemente, a autora Yonissa
Wadi
159
produziu um trabalho a partir de cartas escritas por uma interna. A pessoa
escolhida por Wadi, internada depois de ter matado sua filha de quase dois anos de
idade, relata as suas experiências vividas no hospício São Pedro em Porto Alegre/RS.
As entrevistas e os depoimentos seriam um recurso eficiente para adentrar nos
enredos da memória destes excluídos socialmente, mas o grande entrave é que muitos se
recusam a falar, justamente por isso lhes trazer lembranças tristes e humilhantes.
Atualmente, os pacientes psiquiátricos estão mais acessíveis para expor o que pensam,
relatar o tratamento que lhes aplicam, fato que se deve à humanização nos hospícios,
decorrente da Lei Paulo Delgado.
160
Neste trabalho busca-se um constante diálogo com a documentação do Sanatório
Espírita de Uberlândia e a bibliografia sobre a loucura. O que não está presente nos
158
BUENO, Autregésilo Carrano. O Canto dos malditos. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
159
WADI, Yonissa Marmitt. Louca pela vida: historia de Pierina. 2002. 342 f. Tese (Dourado em
História), Pontificia Universidade Catolica de São Paulo, São Paulo, 2003.
160
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei nº 10.216. Brasília: 06/04/2001.
106
prontuários, e nos relatos sobre o cotidiano manicomial, tento preencher a partir de
elementos comuns em diversas obras. Depoimentos significativos, que escancaram os
abusos e descasos ocorridos em diversos hospitais psiquiátricos por todo o Brasil,
ajudam a recompor um cenário que ficou esquecido.
Austregésilo Carrano, em seu livro O canto dos malditos,
161
editado pela
primeira vez em 1990 pela editora Rocco, relata a sua experiência vivida quando esteve
internado no Hospital Psiquiátrico Espírita Bom Retiro. Aos 17 anos seu pai o internou
por ser usuário de maconha. Carrano conta que o psiquiatra Alô Ticolaut Guimarães, já
falecido, era o diretor da instituição e o responsável pela aplicação dos seus 21
eletrochoques sofridos, com voltagens que variavam entre 180 e 460 volts, fazendo-o
defecar em si mesmo. Numa entrevista à ISTO É, em 20 de Junho de 2001, relata as
seqüelas deixadas em seu corpo - a perda de dez dentes, devido aos fortes
medicamentos, e uma fissura na base craniana, conseqüência da eletroconvulsoterapia -
e conclui:
[...] Visito hospício toda hora e estou cansado de ver pavilhões com
pátios de 20 metros quadrados cheio de gente defecada. Isto me
revolta. Gasta-se R$ 450 milhões por ano, terceira maior despesa do
SUS, para estas pessoas viverem como mendigos.
162
Este autor é de fundamental importância para esta temática, pois é um olhar de
quem já esteve preso e passando por situações deploráveis. A importância ainda é maior
justamente pelo fato de que Carrano esteve internado em uma instituição espírita em
Curitiba, chamada Bom Retiro, similar à proposta neste trabalho. Em seu relato ele
desabafa: “Era uma visão triste: aquelas pessoas reduzidas àquilo. Eram pessoas sim,
seres humanos, mas pareciam feras torturadas, agoniadas, com alguma coisa mordendo
seus corpos e rasgando-lhes também a alma”.
163
No filme Um estranho no Ninho, Jack Nicolsohn interpreta a difícil situação de
um interno num hospital psiquiátrico, sofrendo inúmeras torturas. Tal película
desmascara a eficácia do tratamento defendido pelos médicos, além do que, muitas
práticas empregadas estariam associadas não à cura do paciente, mas a um corretivo,
161
BUENO, Austregésilo Carrano. Op. cit.
162
ESTAÇÃO para o inferno. Isto é. São Paulo, 20 jun. 2001. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe>. Acesso em: 20 mai. 2004.
163
BUENO, Autregésilo Carrano. Op. cit. p. 54.
107
castigo, estabelecendo uma forte relação de poder com estes internos.
164
Ainda como
exemplo, podemos citar o Alienista, de Machado de Assis, que numa sátira contundente
à sociedade da Bella Époque do Rio de Janeiro, descreve a institucionalização da
loucura em Itaguaí, cujo fim aponta para o reconhecimento da loucura do próprio
médico, haja vista que, para ele, todos os cidadãos são loucos e ele o único normal. O
jogo de ironia torna-se fecundo quando, no final da trama, tal alienista remonta a teoria
de que somente ele, sendo normal, era anormal e, por isso, deveria estar internado.
165
Numa descrição da parte física do Sanatório Espírita de Uberlândia, percebemos que
sua estrutura não destoa das características de outros espalhados pelo Brasil. Os quartos,
como podem ser visto na planta arquitetônica, não são espaçosos, cabendo apenas uma
cama. Este sanatório tinha a capacidade de abrigar em média 110 pacientes, incluindo as
celas onde ficavam os mais agressivos. O corpo arquitetônico do sanatório lembra o
formato de um avião, os corredores onde ficavam os quartos eram divididos em duas
alas: a feminina e a masculina Em cada um delas observa-se um pátio interno, onde os
internos tomavam sol, separados por gêneros. Logo na entrada, no corpo deste avião
imaginário, ficava o consultório médico e, mais adiante, o salão de refeições,
complementado pela cozinha. Contígua a essa havia lugar para a dispensa, a lavanderia
e, por fim, o quintal, com uma horta cuidada por pacientes, voluntários e enfermeiros.
Bem ao fundo do terreno ficava o que chamavam de “isolado”, local destinado aos
internos agressivos. Neste lugar eles ficavam trancafiados e não tinham permissão para
sair.
164
Cf.: GAROTA Interrompida. Direção: James Mangold. EUA: Columbia Pictures Corporation, 1999. 1
filme (127min.), son., color.
TEMPO de Despertar. Direção: Penny Marshall. EUA: Columbia Pictures, 1990. 1 filme (121 min.), son.,
color.
UM ESTRANHO no Ninho. Direção: Milos Forman. EUA: United Artists, 1995. 1 filme (129 min.), son.
Color.
O MELHOR da Juventude. Direção: Marco Túllio Giordana. Itália: Miramax Films. 2 filmes (366 min.),
son., Color.
LOUCURAS do Rei George. Direção: Nicholas Hytner. Inglaterra: Samuel Goldwyn Company, 1994. 1
filme (110 min), son., color.
BICHO de Sete Cabeças. Direção: Laís Bodanzky. Brasil: Riofilme, 2000. 1 filme (80 min.), son., color.
165
ASSIS, Machado. O Alienista. 22ªed. São Paulo: Ática, 1992. Conferir também outras obras literárias
cujo enredo tem como tema a loucura. ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias, Rio de Janeiro, José
Olympo, 1972; LISPECTOR, Clarice. Imitação da Vida. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1973; TELLES,
Lígia Fagundes. A Noite Escura e Mais Eu. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995; PENA, Cornélio.
Dois Romances de Nico Horta, Rio de Janeiro, José Olympio, 1939.
108
109
110
Trancados à própria sorte, filhos do degredo, sentindo o frio da incompreensão,
da indiferença, de não poderem se reconhecer como humano; sentiam fome, quando
entendiam que o sofrimento não teria trégua, no momento em que queriam se saciar da
transformação; sentiam-se sujos, querendo se lavar, como se todo o ressentimento e
humilhação pudesse sair com o banho. Como ter vontade de viver, quando eram mortos
pouco a pouco.
Na fala de Gladstone, diretor da instituição em meados de 1959 a 1967, fica
evidente a situação destes desolados:
É, nós tivemos alguns enfermos muito perigosos dominados por
espíritos, parece que muito agressivos. Nós precisávamos cuidar com
eles com muito cuidado e eles não aceitavam qualquer assistência.
Tínhamos que dar comida num prato de papelão, por baixo de uma
grade, deixar eles comer com a mão, porque se nós déssemos um
garfo ou uma colher seria perigoso eles até atingir a gente, ou então
quebrar tudo, e coisa e tal. E assim acontecia com colchões, com
cobertores, tudo eles destruíam. Então esses irmão para nós darmos
uma assistência sobre higiene, sobre cortar cabelo, nós precisávamos
às vezes de ajuntar alguns irmãos com cobertores para entrar neles
assim, com muito cuidado e amarrá-los para que eles deixassem pra
que a gente conseguisse dar um banho neles e cortar mal e mal seus
cabelos, porque eram realmente perigosos. Depois de um certos anos,
a medicação que os médicos, que o doutor Lázaro aplicava e coisa e
tal, começou a influenciar no sistema nervoso e eles tornaram-se mais
pacatos. Parece que a medicação inibia a atuação agressiva dos
espíritos. Eles tornavam-se menos perigosos, mas no início nos davam
muito trabalho e muita pena, porque lamentavelmente era como se
fosse um animal agressivo.
166
Imaginemos como era o dia-a-dia destes habitantes, morando em um cubículo,
tendo que fazer suas necessidades fisiológicas em qualquer lugar, em um quarto com
três metros por dois de comprimento. Marta, filha da última diretora da instituição
destaca:
Muito triste, muito triste. Faziam tudo na cela, tudo na cela. Eles
tiravam, tinha três enfermeiros, dois homens e tinha..., a maioria era
mulher, que a maioria que internava eram mulheres. Então tiravam
elas da cela, dava um banho, lavava a cela, tinha que tirar ela da cela
pra lavar a cela com a mangueira.
(Lavavam as celas) [...] todo dia, porque eles cagavam, eles fazem
cocô e passavam na parede todinha, eles passavam nas parede.
167
166
CUNHA, Gladstone Rodrigues da. Depoimentos. Uberlândia, 2 abr. 2002.
167
DEUS, Marta Maria Terra de. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2002.
111
Rubens Francalance
168
, que assumiu a direção após Gladstone, confirmou a
dificuldade de assistir aos mais violentos, pois quase sempre estavam sujos de fezes,
rasgavam o próprio colchão e se machucavam. Tanto Gladstone quanto Rubens
afirmaram que ficavam admirados pelo fato dos mais agressivos não sentirem frio e
nem dor, possuidores, segundo reiteram, de uma força descomunal, tendo assim que
ficar isolados para que não machucassem os outros internos.
Realmente fica vazio o discurso que se nega a reconhecer que há pessoas com
distúrbios psíquicos e precisam de uma atenção especial. Porém, sabe-se também a
dificuldade em considerar onde, como e quando começam os delírios da razão, em se
descrever o conceito de anormalidade, além de se avaliar os mecanismos de cura
inventados e os próprios padrões que se quer impor enquanto a própria realidade. O que
não dá para aceitar é a negligência do poder público, a falta de projetos para se estudar
toda a problemática envolvendo a loucura, preferindo isolar pessoas que representam
ameaça à ordem pública.
Na manicômio havia três enfermeiros, sendo uma mulher, chamada Marolina
169
e dois homens, Bitencourt e Rosalvo, ambos já falecidos, além de uma cozinheira, uma
lavadeira, um barbeiro (esses dois últimos eram voluntários). As tarefas de Marolina,
conhecida por dona Nega, eram as mesmas concernentes à atividade de qualquer
enfermeiro, tarefa desempenhada sem formação acadêmica. Diariamente ela tinha que
dar os medicamentos – que eram comprados ou doados –, aplicar injeções, dar banho
nos internos e, além disso tudo, auxiliar na cozinha e na lavanderia, porque as pessoas
que ali trabalhavam não conseguiam realizar todas as tarefas por serem, em quase todos
os casos, voluntários. Os três enfermeiros moravam em casas separadas construídas no
fundo do sanatório, em frente à avenida Belo Horizonte.
168
FRANCALANCE, Rubens. Depoimentos. Uberlândia, 25 jul. 2002.
169
CASTRO, Marolina. Depoimentos. Uberlândia, 19 dez. 2000. Enfermeira entrevistada por Rodrigo
Moraes Dias, trabalhadora no sanatório, com 96 anos de idade. Ela não se lembra o ano em que iniciou as
atividades nesta casa. As dificuldades financeiras da instituição a fizeram trabalhar como enfermeira na
ala feminina sem qualquer formação acadêmica. No início ela trabalhava como voluntária e
posteriormente começou a receber um salário pago pela instituição. No momento da realização da
entrevista, ela tinha mais de 90 anos e não se lembrava ao certo o período em que trabalhou no hospício.
A sua permanência no sanatório, segundo relatam outros entrevistados, durou décadas.
112
IMAGEM 7
Trabalhadores do Sanatório Espírita de Uberlândia. Nas duas extremidades os
dois enfermeiros; trajando terno está Gonzaga de Freitas; a mulher de menor
estatura é Marolina Castro. No centro não conseguimos encontrar qualquer
identificação.
Após a sua inauguração, em dois anos de funcionamento, a instituição utilizou
sua capacidade máxima. Em 1947, cinco anos após sua fundação, a situação era caótica,
havendo projetos para a sua ampliação. Após a tentativa de internamento de uma
paciente neste mesmo ano, foi relatado: “Não é possível no momento, não há vagas.
170
A preocupação maior se instaura: não conseguiram atender a demanda. E de fato isso
viria a acontecer e, nem mesmo o fato da construção do hospital psiquiátrico da
Universidade Federal de Uberlândia, na década de 1970, conseguiria retirar os
portadores de transtornos mentais por completo das ruas. Esta paciente que viera do
estado de Goiás, da cidade de Ipameri, quase duzentos quilômetros de Uberlândia,
acabou conseguindo vaga em outra oportunidade. O sanatório local não realizou apenas
os interesses de Uberlândia, mas das cidades vizinhas, ainda que não houvesse tantas
vagas. Esta realidade mostrou ainda mais a importância de tal instituição para a
comunidade, méritos que desfrutaram os militantes espíritas, exaltados enquanto
pessoas altruístas, abdicando em prol de uma causa tão nobre. Estes e outros relatos
deixados nos prontuários nos mostram a extensão dos trabalhos prestados:
170
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 151, catalogação 217, 1947.
113
Comunicado: Atesto que Garcino Simão é pobre e está sofrendo das
faculdades mentais, devendo, por sim, em estabelecimento adequado,
para tratar-se convenientemente. Pontalina, 20 de Julho de 1947.
(Prefeitura Municipal de Pontalina e Delegacia de Polícia de
Pontalina).
171
De todos os prontuários pesquisados entre 1942 e 1959, 875 fichas no total, apenas
96 internos nasceram na própria cidade e 130 moravam aqui. É bem verdade que muitas
fichas estão em branco, daí não podendo ter uma noção do todo. Mas de qualquer forma
esta estimativa ilustra bem a importância do manicômio para a região, abordado no
gráfico abaixo.
TABELA 7
Procedência da Internação
Uberlândia 15%
Outras cidades 33%
Sem informação 52%
Fonte: Prontuários de Enfermos. Sanatório Espírita de Uberlândia.
No sanatório espírita existia um salão destinado às sessões mediúnicas, com
leituras de obras espíritas, preces e trabalhos de desobsessão (terapia, segundo os
espíritas, que visa romper a influência do espírito sobre o louco, causa da loucura). Os
médiuns da casa, segundo Dona Marolina,
172
nunca mantinham contato com os doentes
internados; entravam no sanatório, iam direto para o salão e, depois de terminado o
culto, saiam do hospício. As informações obtidas sobre o estado espiritual dos pacientes
eram descritas pelos espíritos em psicografias.
171
Idem. Prontuário n. 239, catalogação 240, 1948.
172
CASTRO, Marolina. Op. cit.
114
IMAGEM 8
Extraído do prontuário médico do
Sanatório Espírita de Uberlândia, ficha
639, ano 1955.
IMAGEM 9
Extraído do prontuário médico do
Sanatório Espírita de Uberlândia, ficha
363, ano 1951.
115
Segundo relata Nicelídia,
173
filha de José Gonzaga de Freitas, mais tarde
confirmado por Sônia
174
, filha do enfermeiro Bitencourt, os médiuns nunca tinham
contato com os internos, sendo as sessões realizadas em cômodos isolados. Peguemos
alguns exemplos destas prescrições feitas pelos espíritas que, segundo consta nos
folhetos anexados à ficha do paciente, o diagnóstico era dado pelo espírito de Eurípedes
Barsanulpho:
Mensagem psicografia: Para a Irmã Fulana de Tal – 20 anos Rua
Machado de Assis. Obsedada por ser médium descontrolada. (Pedido
de alta) Sim convem depois fazer a sua educação mediunica, tendo por
base os evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Convem internar-se
para o tratamento. Paz em Deus. Euripedes Barsanulpho.
175
Mensagem psicografada: Esta irmã é uma médium que se encontra
obsediada de quando em vez, vítima de espíritos maus, por ser pouco
vigilante. Convem permanecer internada.
176
Mensagem psicografada: Sim, um caso de obsessão por espíritos
alcoolatras - Sim, espíritos que ainda conservam o vício da
embriaguês na erraticidade. Paz em Deus. Eurípedes Barsanulpho.
177
A primeira psicografia citada mostra que houve mais de uma internação. Além
deste tipo de tratamento com ervas, “passes”, orações, havia uma preocupação com o
que os internos faziam. Trabalhavam durante o dia no próprio local, no plantio de
verduras, hortaliças e batatas e a colheita era revertida para o consumo interno.
178
Os
internos, aqueles mais sóbrios, ajudavam em diversas outras atividades, atuando onde
havia carência de funcionários: lavagem de roupa, limpeza do ambiente. Havia até um
interno que saía recolhendo mantimentos para a instituição, função também
desempenhada por José Gonzaga. Abandonados pela família, continuavam morando no
hospício por não terem para onde ir.
179
O caso desse interno é sui generis, pois era conhecido na cidade, conversava
com os vizinhos, com os filhos do administrador e com os funcionários do frigorífico
onde buscava carne em latões, carregando-os no ombro pela cidade. Este interno era:
173
FREITAS, Nicelídea de.Op. cit.
174
SILVA, Sônia Martins Costa e. Depoimentos. 2 set. 2005.
175
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 117, catalogação 95, 1944.
176
Idem. Prontuário n. 150, catalogação 126, 1945
177
Idem. Prontuário n. 145, catalogação 864, sem data.
178
CASTRO, Marolina. Op. cit.
179
FREITAS, Nicelídea de. Op. cit.
116
A figura mais importante do sanatório. Era o seu Joaquim. Ele foi pra
lá desde o tempo do penates, ninguém sabe de onde veio, pra onde
ninguém sabe. E ele trabalhava muito, ele andava descalço, ele ia na
charqueada. Ele era interno, doido. O povo tudo [sic] de Uberlândia
conhecia o Joaquim,
ninguém tinha medo dele. Ele saía do sanatório
com a lata de querosene no ombro, ia na charqueada, papai punha as
carnes toda, por dia, e ele voltava. Se alguém de carro passava perto
do Joaquim e falava: “Joaquim, eu vou te levar no sanatório”; “Eu
ando mais depressa”. Ele chegava, às vezes, o papai quieto, ou às
vezes deitado, ele chegava pelo fundo: “Zé, Zé, levanta Zé. Ele era
uma figura da cidade.
180
A falta de mão-de-obra voluntária no manicômio fazia com que o trabalho dos
outros internos fosse indispensável à manutenção da casa. A laborterapia aplicada aos
“loucos” era muito utilizada pelos dirigentes espíritas, constituindo-se também em um
eficiente suprimento da falta de mão-de-obra na instituição. Como podemos constatar na
fala de Marta:
Uns pacientes ajudavam dar banhos nos outros. Os melhorados davam
banhos nos outros paciente. Eles são muito unidos na dor, pela dor
eles são muito unidos. Lá, quando morre alguém, a gente manda tirar
imediatamente sabe, porque eles sofrem muito. Quando a gente sai
com algum deles pra fazer consulta médica, os outros ficam lá
desorientados perguntando se ele vai voltar. Eles são muito unidos
mesmo, eles têm muito amor uns nos outros.
181
Paralelamente ao tratamento compreendido pelos dirigentes do manicômio como
espiritual, existia o tratamento médico que, em princípio, era ministrado pelo clínico
geral Dr. Moysés de Freitas. Esse atuou na instituição por um longo tempo, até a
chegada de um psiquiatra na cidade de Uberlândia. O seu diagnóstico era sempre o
mesmo, revelando a falta de critérios para se estabelecer a internação. Mostra também a
falta de diagnóstico, parecendo que o médico se preocupava muito mais com os casos
de pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas, o que até certo ponto é
compreensível em instituições com aglomerado de pessoas. Além disso, a figura do
médico serviu como pretexto para legitimar a existência do sanatório, como instituição
curativa. Vejamos como eram feitas as receitas:
180
Ibidem.
181
DEUS, Marta Maria Terra de. Op. cit.
117
Atestado do médico Moisés de Freitas: Atesto que o Snr. Saleriano
natural de Pontalina, Est. De Goiaz, com 33 anos solteiro, não sofre de
molestia [...], mas é um psicotico, nescessitando [sic] ser internado no
Sanatório. Uberlândia, 4 de Fevereiro de 1944.
182
Assim também pode ser observado em outro diagnóstico feito bastante tempo depois.
Parecer do médico Moysés de Freitas: Atesto que o Sr. Joaquim
Caetano Silva, com 23 anos de idade, solteiro, é um psicótico e não
sofre de moléstia infecto-contagiosa. Uberlândia, 08 de Dezembro
de1946.
183
Atesto que Raimunda Carneiro, com 18 anos de idade,é uma psicótica
e não sofre de moléstia infecto-contagiosa. Uberlândia, 29 de
dezembro 1959. Moisés de Freitas.
184
Após a década de 1960, a cidade passa a ter seus primeiros psiquiatras, indo
trabalhar no Sanatório Espírita de Uberlândia: Nivaldo Gonçalves, Lázaro Sallum,
Osvaldo Nascimento, tendo os dois últimos servido à instituição por um longo período.
No ano de 1982, após ter ficado dezoito anos trabalhando no sanatório, Lázaro se
demite sendo substituído pelo Osvaldo Nascimento. O trabalho de todos os médicos que
atendiam eram pagos pelo centro espírita Fé, Esperança e Caridade, entidade
responsável pela manutenção do hospício.
O psiquiatra Lázaro Sallum que saíra de Uberlândia para estudar medicina no
Rio de Janeiro, volta à cidade, monta seu consultório e logo em seguida é aprovado em
um concurso do Estado, sendo transferido para atuar no sanatório. No começo ele
trabalhava:
Como médico perito, fazia perícia na parte neurológica e psiquiátrica
para trabalho e médico do posto de saúde. Foi aí que entrou a diretoria
do Sanatório, através do deputado Homero Santos que, foram lá e
conversaram na época, era o governador de minas, era o [...]
Magalhães Pinto e eles conseguiram que o Magalhães Pinto
determinasse que invés de eu prestar serviço no Posto de Saúde, que
eu prestasse serviço no Sanatório, que era em frente o Posto de Saúde.
[...] então eu comecei a trabalhar como médico do Sanatório e fui
como médico do Sanatório até 1982. Trabalhei lá até 1982.
185
182
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 102, catalogação 85, 1944.
183
Idem. Prontuário n. 13, catalogação 200, 1947
184
Idem, Prontuário (sem informação), catalogação 819, 1959.
185
SALLUM, Lázaro. Depoimentos. Uberlândia, 20 mai. 2005.
118
Segundo os depoimentos colhidos, nenhum médico que trabalhou na instituição
era espírita. Não era espírita nem mesmo Moysés de Freitas, irmão de José Gonzaga de
Freitas, o maior responsável por angariar fundos para a instituição, segundo nos conta
Nicelídia.
186
Antes da inauguração, José Gonzaga teria chamado o irmão para atuar no
sanatório, mas sendo ele clínico geral, precisaria se especializar em psiquiatria. A nossa
entrevistada conta também que seu avô, Luizote de Freitas, homem influente na cidade,
teria deserdado o filho, seu pai, por professar a doutrina kardecista. Ela relata ainda, que
mesmo com esta desavença na família, seu pai tinha um bom relacionamento com seus
irmãos, dois deles médicos. Segundo Nicelídea, era:
Uma convivência maravilhosa. Os médicos respeitava o papai e o
papai respeitava os médicos. Nunca houve atrito. Quando foi o tio
Moysés era maravilhoso, quando resolveram acabar com os choques,
foi de acordo com os médicos, foi a nova psiquiatria, foram de acordo.
Depois foi o seu Sallum, depois foi o seu Osvaldo que foi uma
convivência maravilhosa, nunca houve nada. Eles davam os remédios,
eles tomavam os remédios, até hoje toma.
187
O olhar atento à planta arquitetônica da instituição em questão evidencia o
óbvio: os modelos de concretos pensados de maneira a comportar os inúmeros presos
com a melhor eficiência possível. As tecnologias do saber capazes de afugentar, impor
suas normas de controle e disciplinarização podem ser identificadas na estrutura desta
importante fonte histórica. Outro fator a destacar são as sensações que tal documentação
pode despertar naqueles que vivenciaram o dia-a-dia manicomial. O retorno de um
tempo que se foi, ver o planejamento de uma estrutura que serviu para o
aprisionamento, a imaginação do arquiteto se transformando em quartos, paredes,
compondo a realidade daqueles que ali estiveram. Pensar que os traços materializados
no papel representam uma história triste, de sofrimentos que o inconsciente luta para
apagar, fingir que não existiu, mas que pode ser o motivo de reavivar, despertar, uma
lembrança esquecida. Estar enclausurado é vencer um desafio todos os dia, criar um
sentido para viver, satisfazer um desejo frívolo e, ao mesmo tempo, encantar-se pela
oportunidade que não foi dada. Gostaríamos de contar outra história e quem sabe ver
um sorriso como um sinal de mudança.
186
FREITAS. Nicelídea. Op. cit.
187
Ibidem.
119
3.2 Da caridade ao aprisionamento: a destituição do manicômio
Como funcionava o Sanatório Espírita de Uberlândia, no que se refere ao
tratamento dispensado concretamente aos doentes, contraposto ao ideal defendido por
médicos e espíritas? A grande crítica que diversos espíritas estabelecem em relação ao
tratamento dispensado aos psicóticos é justamente o seu teor materialista, a falta de
sensibilidade dos homens da ciência em conduzir diversos casos quando, na verdade,
precisariam atuar espiritualmente. Outros tantos médicos assumem que tais práticas
religiosas não passam de superstições, não têm nenhum caráter científico, sendo pois
sem relevância objetiva.
Ao analisarmos a quantidade de hospícios que as entidades espíritas fundam em
todo o país, perceberemos o quanto este tema é caro para estes militantes religiosos. Ao
intervirem, em muitas das oportunidades, para além da busca de espaço, aceitação e
hegemonia na sociedade, buscaram também contrapor suas práticas ao discurso médico.
Ao mesmo tempo, procurando harmonizar fé e razão, assumiram a defesa da ciência
médica. Esta mediação permitiu que alguns cientistas se tornassem simpatizantes da
nova religião e, consciente ou inconscientemente contribuíram para a legitimação do
espiritismo.
A partir dos depoimentos dos dirigentes espíritas e médicos foi possível
interpretar a autonomia que os espíritas tinham em ditar o que queriam. Esta relação era
harmônica na medida em que, principalmente o médico, não rompia um contrato
estabelecido. Isto fica claro no depoimento de Lázaro Sallum:
[...] Eu ia falar isso. [...] quando eu assumi a direção do sanatório, nós
fizemos um trato. O paciente que eu não aceitar ser retirado do quarto
pra tomar passe, ele não vai ser retirado do quarto pra tomar passe. E
eles pegaram e exigiram de mim: “olha, nós não queremos que faça
eletrochoque aqui”. Cê entendeu?
Foi uma combinação. Então eu não fazia eletrochoque, eles não
davam passe, certo? A hora que eu parasse com meu tratamento, aí
120
eles podiam dar passe o quanto que quisessem. Mas enquanto eu tava
tratando, eu não aceitava dar passe.
188
Na época em que atuou esse médico, dois foram os dirigentes do manicômio:
Gladstone Rodrigues da Cunha e, posteriormente, Rubens Francalance. Na fala de
Gladstone, ele ratifica a lembrança do médico acima citado:
[...] o Dr. Lázaro Sallum não intervinha, não opinava sobre o
tratamento espiritual dentro daquela casa. Mas a direção da casa, tanto
o nosso irmão José Gonzaga, como eu e os demais companheiros
também não dávamos opinião sobre os tratamentos que ele
determinava de acordo com os seus conhecimentos. Então nós
vivemos um período de muita paz.
189
O médico Oswaldo Nascimento,
190
psiquiatra na instituição por
aproximadamente vinte anos, nos relata o excelente relacionamento que tinha com os
espíritas da casa. Para ele, não havia interferência do médico em relação ao tratamento
dado aos espíritas e o contrário também não acontecia. Toda a administração do
Sanatório ficava a cargo dos espíritas:
O tratamento espírita, no caso do sanatório aqui, o estatuto rezava que
cerca de 80% seria na esfera espiritual e 20% na esfera médica. Eu
fazia os 20% do tratamento na esfera médica. A esfera espiritual eu
nunca entrei porque eu não sou espírita e não faço tratamento
espírita.
191
Ainda neste viés, novamente na informação de Marta, percebe-se o pacto
estabelecido entre os trabalhadores da casa asilar, apontando para a realização das
indicações dos dirigentes espíritas:
[...] o Dr. Oswaldo, minha mãe conversava com ele, ele nunca deu
carga pesada pros pacientes, porque minha mãe não admitia e ele
aceitava a opinião da mamãe e minha mãe era, mamãe não aceitava,
porque não adianta, não resolve o problema da obsessão a carga.
Coloca é o paciente completamente mais alienado ainda, fica bobo,
188
SALLUM, Lázaro. Op. cit.
189
CUNHA, Gladstone Rodrigues. Depoimentos. Uberlândia, abril de 2002.
190
NASCIMENTO, Oswaldo José. Depoimentos. Uberlândia, 08/10/2002.
191
Ibidem.
121
parado, só dormindo. Não tem como você trabalhar com o paciente
dormindo.
192
Quando assumiu a direção do sanatório, no final da década de 1960, Rubens
Francalance
193
não permitiu mais o eletrochoque, obrigando qualquer médico a cumprir
a medida, sob a pena de ser demitido. Os prontuários analisados até 1959 revelam que a
prática do eletrochoque acontecia de maneira intensa, apontando para uma forte
contradição da concepção espírita que, segundo defendem, os maiores problemas
concernentes à loucura advém do campo espiritual. Das fichas catalogadas, observa-se o
uso freqüente de eletrochoques:
Quando eu comecei no Sanatório vi certa vez uma doente receber
eletrochoque, desmaiando em seguida. Logo que acordou a primeira
coisa que fez foi sair correndo, para fugir daquele lugar. Com o tempo
constatei que o eletrochoque não trazia melhoras e foi assim que não
aceitamos mais esse tipo de tratamento. Certa vez um médico que
tinha acabado de ser admitido queria aplicar o eletrochoque e não
deixamos, e ele pegou e foi embora.
194
O uso da convulsoterapia foi freqüente e constante em quase todo o período
pesquisado. Em 1942, encontramos nos prontuários eventos em relação à terapêutica
que estimulava a convulsão, realizada por cardiazol, sendo substituída pela prática do
eletrochoque a partir de 1951. Destaquemos o caso de uma paciente, internada num
período de quarenta e um dias, no ano de 1951, recebendo doze aplicações de
eletrochoques, em uma média de dois eletrochoques por semana. Este não é um caso
isolado, muito pelo contrário, é a média de quase todos os internos, pelo menos na
década de 50. Raro eram os casos que não se usava tal expediente, apenas quando as
pessoas que ficavam por uma semana – período curto que lhes possibilitava escapar
desta terapia. Mesmo que teoricamente houvesse a distinção do tratamento do médico
com o do espírita, era perceptível a consonâncias destes poderes.
A convulsoterapia pelo cardiazol foi difundida no mundo em 1936, pelo médico
Von Medina, começando a ser usada no Brasil no mesmo ano. Dois anos após, os
médicos Cerletti e Bini passaram a utilizar o choque elétrico como meio mais rápido
192
DEUS, Marta Maria Terra de. Op. cit.
193
FRANCALANCE, Rubens. Depoimentos. Uberlândia, 25 jul. 2002.
194
Ibidem.
122
para se atingir a convulsão, substituindo a injeção cardiazólica. Tal terapêutica inicia-se
no Brasil a partir de 1942, no Juquery, oferecendo custo praticamente nulo. Em 1943,
no Brasil, este tipo de tratamento chega a alcançar, aproximadamente, 4000
aplicações.
195
No sanatório de Uberlândia, seguindo os registros deixados nos prontuários, a
aplicação da convulsoterapia pelo cardiazol foi utilizada desde 1943, um ano após a sua
inauguração. O uso do eletrochoque data de 1951, quase dez anos após a sua criação,
apontando que o médico Moysés de Freitas não estava muito bem inteirado das
transformações no campo da psiquiatria, uma vez q ue os tratamentos dados
estavam obsoletos para a época. Isto pode ser verificado na utilização da
convulsoterapia quando o eletrochoque era a técnica revolucionária para o momento; os
exames físicos realizados acontecem no período da grande insatisfação das teorias
eugênicas. Segue abaixo alguns exemplos do tratamento ministrado:
Uso de Convulsoterapia pelo cardiazol: 1º choque em 24/02/1943; 2°
choque em 02/03/1943; 3º choque em 05/03/1943; 4º choque em
09/03/1943; 5º choque em 13/03/1943; 6º choque em 17/03/1943; 7º
choque em 22/03/1943.
196
Cardiazol: tomou mais de vinte, choques; Eletrochoques: mais de
vinte aplicações.
197
Uso de: Gynocalcimi; Convulsoterapia pelo Cardiazol: 1º choque em
19/01/1943 - 2º choque em 24/01/1943 - 3º choque em 31/01/1943; A
doente tornou-se logo após o 1º choque calma e as alucinações
terminaram-se após o 2º choque.
198
Partindo desta premissa, há duas situações para analisar: a primeira é uma
suposta divergência entre os espíritas e o médico, um querendo intervir no campo de
atuação do outro. A segunda, e mais provável, é de que havia uma convivência
harmoniosa, sinal disto foi a permanência destes dirigentes e médicos por um longo
195
PEREIRA, Lygia Maria de França. Os Primeiros sessenta anos da terapêutica psiquiátrica no estado de
São Paulo. In: ANTUNES, Eleonora Haddad; e outros (org.). Psiquiatria, Loucura e Arte.o Paulo:
Edusp, 2002.
196
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 50, catalogação 58, 1953.
197
Idem. Prontuário n. (sem registro), catalogação 354, 1951.
198
Idem. Prontuário n. 48, catalogação 19, 1943
123
tempo no sanatório. Pelo relato dos entrevistados fica evidente que os espíritas não só
conviviam amigavelmente com os médicos, como também acreditavam nas terapias
médicas existentes. Quando a relação se tornava conflitante, o médico imediatamente
saía, mas é preciso ressaltar que tal acontecimento foi quase inexistente. Esta
contradição fica mais clara quando tomamos como exemplo o Sanatório Espírita de
Uberaba, onde o psiquiatra lá residente, espírita, recusava a aplicação, em sua
totalidade, do que a medicina convencional defendia. Em Uberlândia, sob o
consentimento dos médicos, a diretoria tinha autoridade para discutir o modo do
tratamento:
Mas só que eles não podiam com ela não porque ela era muito brava,
sabe? [risadas] Eles respeitavam muito [sic] ela porque ela era muito
brava. Inclusive teve uma equipe lá de enfermeiros padrões, fez uma
tentativa, uma equipe de enfermeiros, porque a saúde queria assim:
pra cada corredor, uma equipe de enfermeiros e um médico, um
psiquiatra. Quer dizer, seu José, nós não tínhamos, seu José não tinha
onde tirar esse dinheiro pra pagar, né, os médicos e os enfermeiros que
são caros e é o direito deles né, de receber, mas nós, ele não tinha
verba pra isso, pra pagar os enfermeiros padrões, os enfermeiros
técnicos que ficavam lá e nem mais de um psiquiatra. Aí a
Universidade na época emprestou uma equipe de enfermeiros pra lá
sob a direção do Dr. Oswaldo. Quando eles chegaram, minha mãe já
avisou pra equipe, não quero que dope os paciente, não quero que
meus pacientes seja impregnado. Um dia ela veio aqui, voltou, chegou
lá, tinha um paciente impregnado. Aí ela mandou eles tudo voltar
embora pra medicina. Ela não aceitou.
199
Esta referência fecha a hipótese de que os espíritas poderiam ser reféns da
vontade médica. Fica evidente que a maior autoridade no manicômio eram os espíritas.
Em nenhuma outra instituição psiquiátrica conhecida o médico abriu mão de seus
procedimentos terápicos para atender a um conselho advindo de leigos. Desse ponto de
vista, os militantes espíritas também têm responsabilidade sobre o que acontecia no
Sanatório Espírita de Uberlândia.
Entrevistamos para a pesquisa uma importante militante espírita, Shirlene
Campos
200
, e seu marido, o médico José de Oliveira Campos, que contaram alguns
casos de autoritarismo e maus tratos direcionados aos internos por parte dos dirigentes
199
DEUS, Marta Maria Terra de. Op. cit.
200
CAMPOS, Shirlene. Depoimentos. Uberlândia, 2003.
124
da instituição. Quando Shirlene chegou em Uberlândia, em 1977, conheceu José
Gonzaga em meados de 1980, e se dispôs a colaborar com a administração do asilo,
sendo previamente descartada. Segundo nos revela, estava inconformada com as
péssimas condições de higiene do local, seja na alimentação, nas roupas e nos quartos e
pediu para auxiliar na mudança destes quadros desoladores. Uma cena que a marcou
muito foi quando presenciou uma das internas feliz, ouvindo seu rádio a pilha, e
surpreendendo-se com a reação da dirigente da instituição que se aproximou e quebrou
este rádio, justificando que ouvir rádio aproximava os espíritos maus, obsessores.
A sensação destes dois depoentes em relação ao Sanatório Espírita de
Uberlândia não é das melhores. O médico Campos
201
relata que este manicômio se
parecia com uma casa medieval, considerando-o atrasado em todos os sentidos. Por este
viés, Campos parece não conhecer muito a realidade dos hospícios, onde
lamentavelmente estes enclausurados vivem em condições lastimáveis, sofrendo
agressões físicas, métodos sedativos fortes, quando não esquecidos por completo,
ignorados nestas prisões que, diferentes de outras prisões, não sabem quando serão
libertados.
Sônia,
202
que passou parte de sua infância e adolescência na instituição, revela
algo estarrecedor, que deixa ainda mais evidente o descaso com os internos. Houve um
dia em que chegou à instituição para ser internada uma mulher muito agressiva, sendo
conduzida de imediato às celas destinadas às pessoas violentas. Após quinze dias, o seu
pai surpreendeu-se com um ruído vindo das celas que, em um primeiro momento,
parecia um gato. Quando se aproximou, deparou-se com a “enferma” amamentando
uma criança, ainda com o cordão umbilical. A mulher que, há quinze dias chegara para
a internação, fez todo o trabalho de parto sozinha, o que nos mostra a quantidade de
gente que era despejada nesta prisão, sem se realizar exames, ver as suas condições até
mesmo físicas. Segundo nos revelaram Sônia e Celina, a mulher gestante era muito
gorda e não foi possível perceber a gravidez. Por que os espíritos, por intermédio da
mediunidade, não comunicaram que havia uma mulher prestes a ganhar um bebê? Onde
estava o médico que, em quinze dias, não realizou nenhum exame que pudesse
constatar que a mulher estava grávida?
201
CAMPOS, José de Oliveira. Depoimentos. Uberlândia, 2003.
202
SILVA, Sônia Martins Costa e. Depoimentos. 2 nov. 2005.
125
É doloroso relatar tantos casos de sofrimento, seres humanos viverem em um
repleto estado de penúria, isolados não só do mundo lá fora, mas também de qualquer
pessoa. Esta infeliz gestante, após a sua gravidez, não perdeu somente a liberdade, mas
também o seu filho, conduzido à adoção. Qualquer um que já teve a oportunidade de
visitar os manicômios, nas áreas destinadas aos portadores de transtornos mentais
agressivos, certamente deparou-se com quadros indescritíveis no seu aspecto mais
tenebroso. Tudo parece uma obra de ficção.
Em verdade, os conflitos que poderiam ter ocorrido nesta época não foram entre
os médicos da instituição e os espíritas. A partir dos relatos dados, após a inauguração
do hospital da Universidade Federal de Uberlândia e a subseqüente implementação da
sua ala de psiquiatria, descentralizou-se o tratamento da loucura, e depois da década de
1970, alguns setores da sociedade começaram a exercer forte pressão para melhorar as
condições de tratamento exercidas pelo manicômio administrado pelos espíritas. O
Centro Regional de Saúde da cidade, situado há cem metros do Sanatório Espírita de
Uberlândia, passou a fiscalizar o asilo e exigir mais médicos, enfermeiros com curso
superior, psicólogos, visando estabelecer um tratamento mais humano.
Rubens lembra-se da dificuldade da instituição em pagar os poucos funcionários
que a casa tinha, pois essa sobrevivia de doações, não recebendo praticamente nada de
governos municipais, estaduais ou federais. Ainda, segundo suas palavras, recorda os
momentos de visitas dos fiscais do Centro Regional de Saúde, e tendo que se explicar
pelo fato dos internos estarem defecados, sangrando, além da imundice em que se
encontravam suas roupas e quartos. No depoimento de Marta também fica evidente que
o maior transtorno que a instituição teve foi a Vigilância Sanitária, impondo medidas,
ameaçando até o seu fechamento:
Eles fizeram na época, inclusive a minha mãe, a minha mãe falou
assim: é muito fácil, porque minha mãe enfrentava esse pessoal, a
diretora, eu não vou mencionar o nome dela, mas ela na época lá,
diretora da “regional”, ela quis, minha mãe falou assim: bom, é muito
fácil, eu vou lá entregar, vou colocar eles todinho pro cê lá, aí cê toma
conta. Aí ela parou de atentar, porque minha mãe ameaçou de levar os
paciente e colocar tudo lá na porta da “regional”.
203
203
DEUS, Marta Maria Terra de. Op. cit.
126
De acordo com as falas dos dois médicos da instituição, o Sanatório Espírita de
Uberlândia tinha uma estrutura ainda melhor que a da ala de psiquiatria da Universidade
Federal de Uberlândia, diferentemente do que encontraram os funcionários da
Vigilância Sanitária. Multas eram aplicadas no intento de humanizar o tratamento e as
condições de higiene, mas alegavam os espíritas que havia a falta de recursos, uma vez
que tal casa era sustentada por doações da população.
Os medicamento comprava pra seis meses. O seu Osvaldo fazia, né, o
pedido e comprava. Isto do bolso do comércio da cidade, da
população uberlandense, da sociedade uberlandense. Então, aí eles
queriam que tivessem esses médicos, mais médicos, mais psicólogos,
todos esses enfermeiros, todos eles queriam lá, mas eles mesmo, o
Estado nunca colaborou com uma agulha. O município também não.
Então eles nunca colaboraram. Nunca falaram: não, nós vamos sentar,
mas vamos sentar, vamos ver o que nós podemos fazer.
204
Lázaro Sallum reitera:
Então, novamente eu digo pra você, guarda bem isto, não foi nenhum
tipo de atrito que me fez deixar o sanatório. O que me fez deixar o
sanatório foi questão, é porque o sanatório não tinha mais condições
de se manter [...].
Contribuíam e muito. Aquele sanatório, se você chegasse na época em
que eu estava no sanatório, se você chegasse no sanatório você ficava
impressionada. Era um clima ali! Roupa de cama era trocada todo dia,
certo? A comida era boa. Lá tinha todo dia o arroz, o feijão, a carne, o
legume, certo? Tinha uma horta no fundo do sanatório que os próprios
doentes plantavam, que eu e ela [dona Nega], eu e o Bitencourt que
olhava aquilo lá, cê entendeu? Era maravilhoso. Então, a gente, olha, o
sanatório era olha não como uma fonte de renda, nem tampouco pra se
ganhar prestígio, porque realmente se eu for pensar em dinheiro, o
sanatório não me deu o que me é justo, o que é nada. Aquilo foi uma
coisa que eu decidi. A hora que eu sai do sanatório eu comecei a
ganhar dinheiro.
205
A situação financeira da instituição dependia do momento e das articulações
empreendidas: o Dr. Lázaro realizava exames mais baratos por conhecer os donos de
laboratórios da cidade; o asilo recebia comida do exército quando algum militar
importante se afinizava com o ideal espírita; recebiam subvenções do Estado,
dependendo do grupo político que se instalava no poder.
204
Ibidem.
205
SALLUM, Lázaro. Op. cit.
127
E nessa época o Sanatório começou a passar por uma situação
tremenda com dificuldades financeiras e de repente eu acordei, pode
parecer absurdo isto, acordei tirando dinheiro do bolso. [...] De chegar
e não, não tem arroz, mandava comprar um saco de arroz do meu
bolso. Depois cheguei um ponto, eu falei não, chega, eu, né?
206
Após a década de 1980, o sanatório teria passado por situações financeiras ainda
mais graves, tendo que fechar no final desta década. Neste período, a Lei Paulo Delgado
já começava a despontar, estabelecendo uma série de medidas, entre elas o aumento no
número de funcionários - psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas -, além de proibir a
internação do paciente, exceto quando se tratava de pessoas violentas. A instituição
fecha em 1989, entregando os internos aos familiares. Muitos deles, não tendo para
onde ir, acabam indo para o hospital de psiquiatria da Universidade Federal de
Uberlândia. Outros ficam morando no sanatório mesmo. Até hoje encontra-se quatro
pessoas que lá residem; pessoas que não somente a família abandonou, mas a sociedade
e que o centro espírita Fé, Esperança e Caridade decidiu manter até sua morte.
206
Ibidem.
128
3.3 Intervenções médicas e tratamento espírita: sentidos para uma história
Na parte destinada ao histórico da doença contido nos prontuários encontramos
diversas informações que permitem pensar os significados da loucura construídos pela
população, nesta época. Estes campos foram preenchidos pelos familiares ou pelos
responsáveis pela internação do paciente. As informações referentes aos antecedentes
dos enfermos tinham como pressuposto básico verificar a causa da doença: como este
indivíduo comportava-se no seu dia-a-dia; se era alguém desregrado moralmente; se
possuía antecedentes da doença na família; qual o tipo de alimentação seguia, enfim seu
comportamento e conduta. Esta técnica de esquadrinhar a vida dos loucos foi muito
conhecida por anaminésis, sendo muito utilizada pela medicina até a década de
cinqüenta do século XX.
Antes de adentrarmos às especificidades que justificavam o encarceramento
voltemos à ficha médica, que continha detalhes interessantes:
207
em primeiro lugar
quase sempre havia uma foto, que se deduz tirada na instituição Ladeando a imagem, os
dados pessoais que permitem visualizar idade, origem, raça, estado civil, religião,
filiação, data de entrada e saída, prognóstico, entre outros. No verso, um exame físico
contundente, arremedo de Lombroso, descrevendo o personagem. No exame mental, o
médico, à primeira vista, deduz a partir de perguntas ao paciente, algumas delas óbvias,
o grau de comportamento. O histórico da doença é a parte mais rica por enunciar o que
aqueles que conviviam com o louco ajuizavam dele e o que deveria ser a anormalidade.
O tipo de doença era sempre uma sentença de enclausuramento, sucinta, uma ou duas
palavras; o diagnóstico muitas vezes confundia com o tratamento – aí se percebe as
medicações e os eletrochoques como medidas correntes. Como parte integrante desta
ficha existia o termo de responsabilidade assinado por quem procedeu a internação e a
psicografia, quase sempre de Eurípedes Barsanulpho; esta descrição pode ser apreciada
à seguir, nas fichas 38 e 32.
207
Todas as fichas foram transcritas dos livros do sanatório, para preservar esta documentação como
memória. A intenção é transformar este material num inventário da loucura em Uberlândia.
129
Tabela 8
Ficha de enfermos do Sanatório Espírita de Uberlândia - 1942 a 1959
Dados pessoais Exame físico Exame mental
Nome: Leontina Rodrigues
Gonçalves
Ano: 1943
Ficha: 32
Catalogação: 18
Estado civil: Casada
Idade: 22 anos
Cor: Morena
Naturalidade: Uberlândia - MG
Filiação: Avelino Rodrigues Gomes
e Levinda Cerelina Gonçalves
Religião: Sem informação
Procedência: Uberlândia - MG
Entrada: 17 / 08 / 1942 - Saída: 15 /
01 / 1943
Prognóstico: Bom
Motivo da saída: Curada
Ouvido: De tamanho regular e bem
implantados são os pavilhões auriculares.
Audibilidade normal.
Nariz: regular e bem conformado.
Boa orientação de espaço, logar e tempo.
Durante os primeiros tempos, subia á janela e se
a gente lhe perguntava a razão disso, respondia
que precisava velar pelos filhos de Deus.
Conversa muito procurando imitar os
portugueses. Nunca agrediu e é obediente.
Conhece os seus. Afetividade comprometida.
Histórico da doença Diagnóstico e tratamento
A doença teve seu inicio 30 dias após um parto a termo e normal. Durante estes
30 dias os de sua familia nada observaram de anormal com relação a seu juizo
(sic). Daí em deante começou a se irritar por pouca coisa, tornando-se inimiga de
sua cunhada com a qual mantinha estreitas relações de amizade. Enfim, dentro
de 10 dias chegou a odiar o proprio pai, a agredir os que lhe cercavam, falando
cousas sem nexo, em parentes já falecidos, sendo por isso internada quando
inteirava justamente 40 dias de puerpério. Nasceu a termo, teve infancia sadia e
seus antecedentes são bons.
Psicose autotoxica
Uso de:
Sulfato de estricnina
Arsenal
Glicerofosfato de sódio
Potássio e magrenio
(Glicerofosfato) Ferro animiacal
Vith de Kola
Anemiz (1 injeção semanal intramuscular - 2
caixas)
Leite de Magori Filips
Profimou B Oleoso (2 injeções semanais)
130
Tabela 9
Ficha de enfermos do Sanatório Espírita de Uberlândia - 1942 a 1959
Dados pessoais
( Reinternado )
Exame físico Exame mental
Nome: Sr. Carlos Finoti
Ano: 1947
Ficha: 38
Catalogação: 202
Estado civil: Solteiro
Idade: 22 anos
Cor: Branca
Naturalidade: Espírito Santo do
Pinha – SP
Filiação: César Finoti e Tereza
Finoti
Religião: Sem informação
Procedência: Sem informação
Entrada: 17 / 09 / 1942 -
Saída: 09 / 04 / 1943
Entrada: 26 / 10 / 1947 -
Saída: 19 / 08 / 1948
Prognóstico: Mau
Motivo da saída: Melhorado /
Curado
Estado Psiquico: perfeita orientação de
espaço, lugar e tempo. Contituição:
mediolineo, robusto, paniculo adiposo bem
desenvolvido e distribuído. Pele: mucosas
accessíveis à vista, coradas. folículos
pilosos normalmente desenvolvidos e
distribuidos. Ganglios Linfáticos:
impalpáveis. Nariz: médio e bem
proporcionado. Ouvido: Pavilhões
auriculares relativamente pequenos porém
bem inflamados. Garganta: dentes em
regular estado de conservação; boca
regular; dificuldade na dicção. Abdomen:
normal. Aparelho Circulatório: pulso cheio
e freqüente 90 p.p.m. e coração normal.
Aparelho Genito Urinário: normal
A princípio, procurava bater nos velhos e fracos
companheiros, mas nunca agredia os fortes. Passeia
pelo pátio mesmo que o sol esteja quente. É
desinquieto. Assenta-se para prontamente se levar.
Não se dirige a pessoa alguma, mas se a gente o
chama ou o procura, atende pronta e benevolamente.
Histórico da doença Diagnóstico e tratamento
Pais vivos e sadios. Tem um irmão que sofreu um acesso epiletiforme
aos seis meses que se refletiu em ritmo variável até os dois anos de
idade. Este seu irmão conta hoje com quarenta anos, é mudo e é portador
de uma psicose. O paciente também sofreu acesso desta mesma natureza
durante uns oito meses na primeira infância mas saiu-se, pelo menos
aparentemente, muito bem. Nunca conseguiu mamar. Levou sua vida
mais ou menos normalmente até que há dois anos sofreu uma gripe que o
enfraqueceu muito. Daí em diante começaram a notar que o seu todo
distraído se acentuou, tornou-se esquecido e abobado (sic). Certa vez
tendo levado um paletó a um freguês, por engano, não pode mais se
lembrar a quem o havia entregue. E assim continuou até que seis dias,
sem motivo algum, assombrou a porta do quarto de seu pai afim de o
agredir. Um seu irmão querendo impedir também foi atacado pelo
paciente e, como continuasse nessa animosidade contra seu pai,
resolveram interná-lo. Dormia mal nestes últimos dias mas sempre se
alimentou bem.
Parecer do médico Moysés de Freitas:
Atesto que o Sr. Carlos Finoti, solteiro, brasileiro,
com 27 anos de idade, é um psicótico e não sofre
de moléstia infecto-contagiosa.
Uberlândia, 26 de Outubro de1947.
Mensagem psicografada:
Aconselhamos seja e problema deste irmão
resolvida por um entendimento fraterno.
Paz em Deus.
Eurípedes Barsanulfo
131
Os dados colhidos no sanatório de Uberlândia são dos mais inusitados possíveis,
remontando a causa da loucura das mais diversas maneiras. Sobre uma enferma, com o
diagnóstico de “personalidade psicopática” (PMD), segue a referência:
Ha mais ou menos 16 anos a paciente teve um acesso [sic] depois de
ter ingerido manga verde e doce de leite, do qual nada sabe contar.
Daí em deante até hoje, continua a sofrer tais acessos, típicos da
epilepsia: com grito de fera incial, contrações clonicas e tonicas,
mordedura da língua e baba sanguinolenta e a princípio, precedidos de
aura.
208
No caso desta interna, os outros campos da ficha dela estão sem informações,
diferentemente das outras deste mesmo ano. A impressão que se tem é que foi recolhida
na rua, pois nem o nome dela sabiam. Certamente foi recolhida para a instituição pelas
pessoas que transitavam na rua e se incomodavam com a sua presença. Na ficha consta
que tal mulher teria tido várias crises epilépticas. São inúmeros os casos de epilepsia,
como se sabe, considerados passíveis de internação.
Outro indivíduo, casado, natural de Morrinhos, com “[...] perfeita orientação de
espaço, logar [sic] e tempo, [...].
209
foi considerado um fanático religioso. A
religiosidade para este interno tinha várias vertentes e, ao que parece, não concordava
com os ditames rígidos das religiões oficiais: queria pregar como vocação na terra. O
sentido de realidade para esta pessoa o fazia crer que era um missionário e que foi
vítima de perseguições, todas elas advindas de poderes sobrenaturais. O
enclausuramento deste discurso messiânico escancara a intolerância com o discurso que
se denominou irracional, daí os espíritas e o próprio Allan Kardec defenderem que a
doutrina espírita é explicada cientificamente. Vejamos o prontuário:
O paciente informa que por ser muito devoto, crente em Deus, é
sempre vítima de perseguições segundo ele, espirituais [...]. Quando
aqui chegou envergava uma batina verde e nos conta que, no
município de Goiatuba, onde mora, fazia casamentos e batizava tudo e
a torto e a direito: até as galinhas chocar não escapavam a seu
batismo. Trouxe evangelhos, livros de reza e chegou a ter muito
adeptos. Não corta os cabelos e nem se deixa barbear. Sua principal
mania é a religião que, segundo ele, é uma mescla de catolicismo,
protestantismo e espiritismo.
210
208
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 23, catalogação 8, 1942.
209
Idem. Prontuário n. 21, catalogação 12, 1942.
210
Ibidem.
132
Múltiplos são os sentidos atribuídos à loucura. A magia, o encantado, o
desconhecido, o realismo, o fantástico, a sexualidade, entrelaçam-se com o patológico.
Muitos preconceitos são construídos pela população leiga e circundam o discurso
médico sobre a loucura, justificado, talvez, pela incompetência dos psiquiatras em lidar
com tal situação. Nesta perspectiva, a sexualidade vigiada, os desregramentos sexuais, a
prostituição são causas também da degenerescência mental, da loucura.
Há 10 dias, na casa de sua mãe, vendo o padrasto ralhar com seu filho,
começou a chorar e assim ficou o dia todo. Nos dias seguintes passou
a falar desordenadamente, a cantar e a dizer pornografias. Adquiriu
ainda o hábito de morder e o de rasgar toda a sua roupa. Não gosta do
marido, a quem tinha muita estima, tendo agora excitação sexual
deante de outros homens. Sempre teve muita saúde. Surtos
catameniais mais ou menos regulares, alguns abundantes, outros
escaços. Antigamente vinham os mesmos com perturbações nervosas
e cefalea. Teve 1 filho sadio, aborto. Pai falecido de quebradura [sic],
com mais de 40 anos. Mãe viva, sadia, tendo cerca de 35 anos. Oito
irmãos vivos, com saúde. Não se sabe de algum caso de moléstia
nervosa ou mental na família.
211
Há um discurso moralizante como moderador da normalidade, funcionando
como dispositivos de controle do corpo, da vontade, dos instintos. Ainda que tais
questões sejam colocadas como científicas, muitas destas teorias, defendidas desde o
século XIX, correspondem a um entrecruzamento com a cultura judaico-cristão. Neste
ínterim, a paixão deveria ser negada, abafada e para este indivíduo permanecesse
saudável era necessário educar as suas vontades. “O alienado mental seria aquele que
perdeu a medida na regulação afetiva, intensificando o poder de seus afetos
desmesuradamente, tornando-se um sujeito apaixonado, passional [...]”.
212
No
imaginário popular expresso na imprensa está a convicção do que é ser bom cidadão e
estas condutas são importantes para o equilíbrio moral e físico:
[...] Amor seria a cristalização ou a sublimação da paixão. A paixão é
inconseqüente. É uma espécie de exaltação dos sentidos, um capricho
do desejo, um frenesi, e caracteriza-se por um certo medo, ora de
perder o ser amado, ora de não estar agindo com acêrto [sic]. [...] É
ardente e fulgaz. Enquanto a paixão morre de saciedade o amor
211
Idem. Prontuário n. 48, catalogação 19, 1943.
212
BIRMAN, Joel. A psiquiatria como discurso da moralidade. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 110.
133
continua seu crescimento próprio através das estações da vida, sempre
novo, sempre diferente [...].
213
O ideal de corpos dóceis também está impregnado nos prontuários:
Sadia, trabalhadora, cumpridora de seus deveres até 3 anos atraz. Sua
molestia teve inicio por uma paixão absurda por um moço rico e
branco. Dorme mal e como peior. Agitação psico-motora. Alucinações
auditivas e visuais. Tem tido hemorragias durante as menstruações.
214
No caso desta mulher de quarenta anos, a evidência da loucura é o fato de uma
negra se apaixonar por um homem rico e branco. Depois de internada sete meses nesta
instituição, é transferida para o Instituto Raul Soares, em Belo Horizonte, fato aliás
comum o que possibilita inferir do insucesso dos tratamentos à falta de credibilidade
que as famílias ou os responsáveis tinham em relação às instituições manicomiais
existentes, levando os pacientes à internação em outras instituições. Numa busca
incessante pela cura ou alívio das tensões que a doença causa no social, o interno
crônico é entregue à família e tido por curado e, num círculo vicioso, acaba internado
em outro hospício e assim subseqüentemente.
Os diagnósticos em relação à doença mental, quando se tratava de internação
feminina, esteve por muito tempo relacionado também à menstruação. A mulher teria
grandes chances de se tornar histérica nos primeiros e últimos dias de menstruação.
215
O
discurso médico critica as tradições e crenças populares, defende métodos modernos
científicos no trato com as doenças, mas incorpora muitas das práticas e tradições do
povo. Consideremos o discurso vigente sobre a menstruação:
Pai deixou de ser etilista há 3 anos. Mãe sadia teve 16 gestações a
termo. Atualmente são 13 e todos sadios. Até aos 20 anos foi
perfeitamente sadia. Sua mãe explica sua doença como produzida por
um banho da paciente no período de menstruação. Saindo do banho já
não obedeceu mais a sua patrôa necessitando que sua mãe a fosse
buscar. Isto num sábado.
216
213
Maria Tereza. O Cruzeiro, p.120, 10 dez. 1960.
214
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 134, catalogação 124, 1945.
215
ENGEL, Magali. Psiquiatria e feminilidade. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
216
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 20, catalogação 31, 1943.
134
Quem trouxe a doente nos contou que a doença teve seu início aos 11
anos de idade coincidindo com a primeira menstruação.
217
Se a menstruação é o regulador para se atestar a normalidade, há que se
considerar ainda a construção cultural intrínseca a cada sexo. No caso da mulher, ser
boa mãe, dona de casa, laboriosa, enfim, um conjunto de obrigações diárias das quais
ela não pode se afastar. Estar ocupada na lide doméstica é esquecer a sua própria
fraqueza e sua inferioridade e não correr o risco de cair em tentação.
Ser mãe pode significar a imunização do contágio da loucura, mas o período que
antecede a gravidez é extremamente perigoso para se chegar à histeria, “[...] momento
extremamente propício ao aparecimento ou à manifestação de tais distúrbios”.
218
Após o
parto, contraditoriamente ao período de gravidez, a maternidade deveria fazer bem e
funcionar como uma proteção à insânia: “Mãe viva e sadia. Teve 9 gestações a termo
das quais o paciente é o quarto. Pai vivo e sadio, e foi etilista durante um certo tempo.
Em sua família não há epileticos e nem tarados [...]”.
219
A “perda de sua grandeza moral”, anunciada na imprensa local, mostra a
preocupação da sociedade em tentar manter uma cultura não só da produtividade, mas
da moralidade, lugar social no qual a mulher tem o papel de educar os filhos,
identificada com a imagem da Virgem Maria, meiga e cumpridora dos afazeres
domésticos. Na perspectiva psiquiátrica, como afirma Vera Lúcia Puga de Souza, a
sexualidade feminina sempre foi vista como perigosa, ou até mesmo suja: a contradição
de gerar o filho, a causa da sua redenção, e a recusa do prazer para não cair em tentação,
ou no discurso médico, tornar-se enferma. Neste imaginário, a mulher, quando não
satisfaz o ideal da Maria de Nazareth, representa:
[...] o estranhamento masculino que durante séculos povoou as mentes
humanas. O imaginário das mentalidades já havia criado as vaginas
dentadas, as cavernas perigosas do sexo feminino que poderiam
castrar. A umidade, o sangue impuro derramado mês a mês, a
capacidade de gerar dentro do próprio corpo um outro ser humano fez
das mulheres alvo de desejo, mas também de repulsa. O sangue
menstrual impuro e diferente do que corre nas veias foi propagado
como elemento constitutivo das poções mágicas, de uso freqüente
217
Idem. Prontuário n. 34, catalogação 47, 1943.
218
ENGEL, Magali. Op. cit., p. 336.
219
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 15, catalogação 22, 1943.
135
pelas feiticeiras. Daí a associação com a impureza, o desvio, a
anormalidade, a loucura, a demência e a violência.
220
Portanto, os caminhos que levam à insanidade estavam fortemente ligados às
regras de comportamento da época. Dessa forma, a loucura impressiona menos pelo
sofrimento e mais pelo sentimento de vergonha que a sociedade aspira àquele que não
foi forte o suficiente para se livrar da loucura. O embaraço maior é dos familiares, que
vêem seus entes queridos trancafiados, tidos como exemplo aqueles que não souberam
usufruir do seu livre-arbítrio, e foram fracos o suficiente para caírem na erraticidade.
[...] Acontece que a mulher vem perdendo, dia a dia, toda a sua
grandeza moral, e se ela não se concentrar verdadeiramente no seu
papel, ela não será capaz de produzir filhos aptos e suster a queda
deste mundo do século XX.
A missão da mulher aqui na terra é uma missão maternal. Não é tão
importante que ela tenha ou não tenha filhos, o essencial é que ela
exerça em seu seio uma ação maternal [...].
221
[...] é fácil deduzir, portanto, que os papéis sexuais são definidos pela
sociedade e imposto através de várias pressões. E quem se conforma
com os ideais de masculinidade e feminilidade, em lugar de fugir a
eles, vive com maior facilidade, evitando o risco do ridículo e da
marginalização [...].
222
O discurso espírita e a prevenção da loucura defendida pelos médicos estarão
muito próximos, possibilitando entender a consonância das práticas de um e de outro.
Toda esta comunhão entrelaça-se pela perspectiva moral, fundamento primordial para
ambos.
Mãe teve 4 gestações a termo. Infancia sadia. Casou-se e sua mulher
teve 3 filhos. Passado venereo e boemio. Vivia nos pagodes [sic] a
tocar sanfona e a beber bebidas espirituosas. O inicio de sua doença
data mais ou menos de 3 anos quando começou a dizer que seu irmão
o ameaçava montado em uma mula preta. Depois foi peiorando até se
tornar esquecido sem cuidados higienicos, alucinações, etc.
223
A quantidade de mulheres na instituição é maior que a dos homens. Contudo,
como se observa na ficha médica acima, os padrões de gênero definiam a transgressão
como motivados pela insanidade. Boemia, alcoolismo, doenças sexuais e negação do
220
SOUZA, Vera Lúcia Puga de. Útero e loucura: medicina e moralidade anos 1942-1959 – Uberlândia.
In: CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco; MACHADO, Maria Clara Tomaz. História: narrativas plurais,
múltiplas linguagens. Uberlândia: Edufu, 2005, p. 267.
221
O REPÓRTER. Uberlândia, p. 6, 6 dez. 1961.
222
SEXO e Sociedade. Vida a Dois, n. 8, Ed.Três, vol. 1, 1977. S/p.
223
Idem. Prontuário n. 12, catalogação 27, 1943.
136
mundo formal do trabalho, eram, com certeza, desta perspectiva, causas da
degenerescência mental, especialmente de homens. As mulheres somam 56% do total
de internos, mas, mesmo assim, é relevante destacar que tanto os homens como as
mulheres têm papéis definidos, tidos como padrões e que a sua indisciplina pode
significar certamente a segregação. Isto é muito comum nos casos de alcoolismo, quase
a sua totalidade protagonizados por homens.
GRÁFICO 1
44%
56%
Homens
Mulheres
Contextualizar os discursos morais que circulam pela imprensa local permite
perceber os dispositivos de normalização arraigados na sociedade:
Houve tempo, em que era absolutamente impossível, qualquer família
transitar na cidade, tal a licenciosidade com que elas perambulavam
pelas nossas ruas centrais. Muitas dessas creaturas ainda encontravam
rapazes, sem a menor sombra de pudor, que as abraçavam em plena
via pública.
Segundo fomos informados ontem, parece que essas infelizes vão ser
admitidas nas casas de jogos do centro da cidade. A ser verdadeira
essa informação, dias tortuosos estarão reservados às nossas famílias.
E antes que se consume esse atentado à nossa sociedade, fazemos um
veemente apelo ao nosso digno delegado, Dr. Zaluar de Campos
Henriques, para que não consinta tal cousa, pedindo ordens
severíssimas que muito virão beneficiar a sociedade local.
224
224
AS FAMÍLAS estão impossibilitadas de transitarem altas horas da noite pelas ruas da cidade. O
Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 2, 6 mar. 1941.
137
Se às mulheres cabia ser mãe zelosa, cuidar dos filhos e afazeres domésticos, aos
homens era imputado o papel de provedor do lar, portanto, trabalhador, honesto, sem
vício, especialmente o do alcoolismo. Várias são as fichas que apontam a preguiça, o
vício e a irresponsabilidade como aspectos caracterizadores da loucura. Vejamos:
Pai deixou de ser etilista há 3 anos. Mãe sadia teve 16 gestações a
termo. Atualmente são 13 e todos sadios. Até aos 20 anos foi
perfeitamente sadia. Sua mãe explica sua doença como produzida por
um banho da paciente no período de menstruação. Saindo do banho já
não obedeceu mais a sua patrôa necessitando que sua mãe a fosse
buscar. Isto num sabado; Terça-feira à noite começou a gritar dizendo
que havia perdido alguma coisa e assim ficou gritando durante 10 dias
sem se alimentar e sem dormir. Nestes 10 dias ficou amarrada e
depois [...] se acalmou passando a se alimentar e a dormir
normalmente, mas ficou incapaz de fazer quâlquer cousa. Se se
perguntar uma cousa responde com outra. Pela manhã,
invariavelmente sai a passeio pela cidade voltando somente à noite
para dormir. Conhece os seus. Depois do banho acima referido, os
surto catameniais que eram mensais e sem dor, passaram a ser
espassados ora de 5 em 5 mêses ora mesmo anualmente e sempre com
um só dia de duração.
225
Esta mulher de 34 anos, negra, internada na instituição por 10 meses, foi
diagnosticada como neuro-sifilítica. No seu exame físico foram observados os
antecedentes familiares, além de terem registrado a característica física da interna. Estes
dados são preciosos para enxergarmos como os funcionários e médicos deram
relevância ao passado dos internos, mostrando ainda o pensamento da época em torno
da loucura. Na visão de médicos e espíritas, estes “infelizes” se encontravam em tal
situação por culpa deles mesmos, o problema maior era o moral. Até o final da década
de 1950, estes dados foram relevantes aos observadores da instituição:
Nascido a termo e teve infância sadia. Casado aos 23 anos sua mulher
teve 2 gestações a termo. Sua moléstia data mais ou menos de meses,
quando começou a ficar esquecido e sem noção de responsabilidade.
Deixava o serviço em que estava trabalhando sem razão alguma
ficando pouco depois impossibilitado de trabalhar.
226
Quem nos contou sua historia afirma que conhece a paciente ha uns 22
anos, e nos informa que tanto ela como seu marido já eram loucos.
225
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário n. 20, catalogação 31, 1943.
226
Idem. Prontuário n. 22, catalogação 07, 1942.
138
Depois que seu marido faleceu passou a morar na casa da informante.
Daí em deante ela aprezenta acessos de loucura todos os anos, com a
inauguração do Sanatorio Espirita de Uberaba, ela foi internada
anualmente até 1941 e, mudando-se para Uberlandia, foi internada
aqui pela primeira vez. Estes acessos de loucura duram de 2 a 4
mêses, caracterizando-se por: não dormir, não se alimentar, rasgar
suas vestes e fazer tiras das roupas de cama, arrancar plantas, agredir
qualquer pessôa e se a deixar vai para a rua e caminhará toda a vida
[sic]. Fala muito e sempre nos que morreram, canta, dansa, dá
gargalhadas e nunca a viram chorar. Estes acessos de loucura além de
serem anuais, de durarem de 3 a 4 mêses, apresentam ainda a
particularidade interessante de se iniciarem sempre no mês de Abril.
227
Deixar de fazer as obrigações diárias pode representar uma porta aberta para os
distúrbios psíquicos. No primeiro caso, sexo masculino, casado, moreno, com 27 anos
de idade, morreu quando ainda estava internado, questionam se houve contaminação da
sua mulher e dos filhos, nada sendo constatado. Num primeiro momento, pode parecer,
na perspectiva dos administradores da instituição, que o surto dos pacientes se dera por
terem abandonado suas obrigação diárias, o que, aliás, acabava sendo o diferencial para
reconhecer a loucura. Além disso, se fizermos uma análise da fala dos responsáveis pelo
manicômio, percebemos que os espíritas atestam parcela da culpa aos próprios internos.
Isto é facilmente verificado nos prontuários, atestando: “Obsessão, médium invigilante.
Internar-se para o tratamento”.
228
Ainda, em outros momentos, é evidente a
transferência da culpa da doença também ao interno: “Antes de retirar-se deve
freqüentar duas aulas às sextas feiras. Esclarecido sobre os Evangelhos, pois é médium
e deve cultivar com amor as lições Evangélicas”.
229
Na segunda citação acima (nota 66) trata-se de uma mulher de 66 anos de idade,
nada constando quanto ao tempo de internação, credenciada como preta. Pelo seu
comportamento, no início, provavelmente ficava isolada dos outros internos, como
consta a orientação dada no seu exame mental:
No momento do exame, perfeita orientação de espaço, tempo e logar
[sic]. Á principio vivia numa alternância de agitação e calma. No
primeiro caso, dansava, cantava, rasgava roupa, agredia, gritava e era
levada á força ao banho. Dormia mal e se alimentava com
227
Idem. Prontuário n. 115, catalogação 97, 1944.
228
Idem. Prontuário n. 252, catalogação 152,
229
Idem. Prontuário sem informação, catalogação 268, 1949.
139
dificuldades. Quando entrava em período de calma, taciturna,
obedecia normalmente ás ordens e aos pedidos, procedendo quasi
como uma pessôa normal.
230
O sentimento de culpa em relação à doença é verificado no imaginário das
famílias, quando essas envergonham-se de ter em seu lar alguma pessoa portadora de
transtornos mentais. Na idéia de muitos familiares, muitas vezes não se enxerga os
transtornos psíquicos enquanto doença, mas muito mais como astúcias às regras e
normas sociais. Sem querer fazer qualquer exaltação à loucura, aqueles que rompem
com as convenções sociais revelam a hipocrisia que circunda, ainda que suas falas e
ações sejam repletas de contradições, incomodam as outras pessoas tidas por normais,
racionais.
Sabemos, portanto, que no imaginário da população, a falta de “princípios
morais” era forte indício à insanidade. Além disso, somava-se a preocupação à
degenerescência da raça, evidentemente que se referem à defesa da raça branca. Como
será possível verificar a seguir, mesmo sendo menor o número de internação de negros e
“mestiços”, há uma preocupação, nestes casos, com o modo de vida que levavam os
negros. Tal preocupação encontra-se expressa desde o início do século na imprensa
local. Vejamos:
Fui um fervoroso adepto da liberdade dos pretos, folguei
immensamente com a extinção dessa mancha negra que aviltava o
meu amado Brasil, achei e acho ainda boa, justa, santa, a lei de 13 de
maio de 1888.
Entretanto sempre pensei que essa lei devia ter dado aos pretos uma
liberdade com restrições; devia libertando-os, impor-lhes a
obrigatoriedade do trabalho.
As sras
morenas (chamal-as de pretas é uma grave offensa!) então são
intolerantes!
Querem andar muito bem vestidas, melhor ainda do que as patroas,
serem tratadas com muitas attenções, não gostam de serviços
grosseiros...
Ah! Se eu fosse autoridade tiraria as
cócegas a essas morenas
enthusiamadas... (grifos do autor).
231
230
Idem. Prontuário n. 115, catalogação 97, 1944.
231
PASCHINO. Estas pretas! O Progresso, p. 1, Uberabinha, 4 out. 1914.
140
Ainda sob os dados referentes à etnia, se considerarmos as conotações como
mulato, moreno, pardo, que não se encaixam em nenhuma das duas primeiras e, se
associarmos esta análise às fotografias, percebemos que muitas vezes todos esses
morenos, pardos ou mulatos são na verdade negros. Muitos dos que são qualificados
como brancos, visivelmente se assemelham à etnia negra. Assim, mesmo que alguns
internos provenham de famílias “endinheiradas”, a maioria deles pertenciam às classes
sociais desfavorecidas economicamente. É importante relatar isto pelo fato de que à
época se considerava os negros inferiores e mais propensos à propagação de doenças
degenerativas, segundo as leis eugênicas. É possível contestar a força da teoria
eugênica, já em meados da década de 1950 e 1960, mas o preconceito racial, proibindo
a convivência dos negros com os brancos, nos mostra o forte ranço que imperava na
sociedade uberlandense.
TABELA 10
Etnia Porcentagens
Brancos 60%
Negros 15%
Morenos 19%
Pardos 3%
Sem informações 3%
Fonte: Prontuários do Sanatório Espírita de Uberlândia
referente aos anos de 1942 a 1959.
As abordagens historiográficas da eugenia e da higienização do espaço urbano
têm sido bastante discutidas. Por isso, retomaremos aqui algumas questões pela
importância que têm na constituição do tratamento psiquiátrico em Uberlândia. Sem
dúvida, os códigos de posturas, elaborados no século XIX, e adotados em grande parte
do Brasil, demonstram a coerência de tais abordagens. Segundo Roberto Machado,
232
a
sociedade médica desempenhará trabalho relevante na constituição de um saber cujo
propósito era elaborar projetos que pudessem evitar a disseminação de doenças; daí o
empenho dos órgãos públicos e a criação da Polícia Sanitária que, atuando como órgão
fiscalizador, impediria a propagação de doenças e controlaria à conduta de seus
cidadãos.
No começo do século XX, muitos outros estudiosos compreenderam a
232
MACHADO, Roberto. Op. cit.
141
degenerescência orgânica segundo idéias eurocêntricas e apontavam para a
problemática do cruzamento racial; nesse sentido, as características físicas seriam
analisadas como indícios de inferioridade moral e intelectual. Nas fichas médicas do
Sanatório Espírita de Uberlândia, evidenciamos a importância dada à constituição física
dos indivíduos: nariz: pequeno e simétrico; ouvido: pavilhões auriculares pequenos e
bem implantados; audição: normal; garganta: boca regular com dentes em bom estado
de conservação.
233
É constante a expectativa em torno das características físicas:
Facies: Cabelo encarapinhado, olhar ansioso, e o conjunto lembra o
facies do alcoólatra; Constituição: Longilinea; Paniculo adiposo
escasso; Edemas maleolares que ascendem sobre toda a perna; Nariz:
Achatado, peculiar à raça; Garganta: Boca regular com dentes em máu
estado de conservação.
234
As teorias eugênicas relacionam-se, em muito, com a etnia negra quando
evidenciam que muitas características físicas reprováveis estão em negros e índios. A
construção da suposta superioridade branca condicionaria, certamente, outras raças
como mais propícias a se contaminarem por não terem robustez.
235
Devemos considerar que as análises do tipo totalizante não nos são interessantes,
partindo da premissa que as estatísticas camuflam as diferenças, homogeneizando uma
cultura complexas que precisa ser compreendida no plural. As fichas médicas contendo
dados dos internos revelam informações gerais, do tipo: o nome de doenças, etnias, o
número de curas, a faixa etária destes internos, diagnósticos, medicação, entre outros.
Neste sentido, tais estimativas nos podem ser úteis, se problematizadas.
Vejamos alguns casos:
TABELA 11
Tipos de doenças Porcentagens
Alcoolismo 4 %
Psicoses 7 %
Neuroses 3 %
P.M.D. (Personalidade Maníaco Depressiva) 4 %
233
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontuário sem informação, catalogação 3, 1942.
234
Idem. Prontuário 15, catalogação 22, 1943.
235
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit.
142
Epilepsia 3 %
Oligofrenia 4 %
Esquizofrenia 20 %
Sem informações 55 %
Fonte: Prontuários do Sanatório Espírita de Uberlândia referente aos anos de 1942 a
1959.
Os dados acima remetem a um fato instigante. Encontramos um número bastante
elevado de fichas sem prognósticos, o que possibilita pensar que grande parte dos
internos foram negligenciados. Precisamos considerar, é verdade, que em casos de
fichas sem informação da doença, encontra-se, em outros campos, informações
atestando uma suposta anomalia. Um outro fato interessante a acrescentar nesta
discussão é que até 1944 existe uma completa ausência de diagnóstico, seja por parte do
médico, seja por psicografia. Pelo quadro acima é perceptível a generalização das
doenças e o uso em série para diagnóstico. Muitas vezes iguala-se as diferenças, os
sofrimentos, histórias de vidas tão distantes entre si.
Neste caso, quais critérios eram levados em conta para a aplicação do
tratamento, ou pior, existia tratamento, ou a instituição era um lugar apenas para
“guardar doidos”? Não é a intenção estabelecer uma exaltação ao tratamento médico,
mas mostrar a falta de critérios, pensando um pouco o tratamento dado ao Autregésilo
Carrano,
236
que em uma semana de internação lhe foram aplicadas várias sessões de
eletrochoques numa instituição espírita, sem ao menos ter sido examinado e medicado
pelo psiquiatra da instituição Bom Retiro, em Curitiba.
Entremos no campo de curas divulgadas pela instituição. O número coletado de
internos curados mostra índices invejáveis para qualquer instituição, o que representa no
gráfico 3 a seguir, um total de 57% dos internos.
TABELA 12
Motivo de Saída Porcentagens
Curas 57 %
Melhorados 9 %
Retiradas 9 %
Fugas 1 %
Falecimento 3 %
Transferência 5 %
Sem informações 15 %
Outros 1 %
236
CARRANO, Autregésilo. Op. cit.
143
Fonte: Prontuários do Sanatório Espírita de Uberlândia
referente aos anos de 1942 a 1959.
Para melhor pensar esta questão, escolhemos dois casos que, talvez, permitam
entender o procedimento utilizado, em alguns casos, para decidir se houve cura. Este
paciente foi considerado curado pelo parecer médico, contradizendo o que relata a
psicografia. Mensagem psicografada: “É uma caso de obsessão, mas dificilmente de ser
curado. Em caso de internamento deve ser para descanso. Entregamos esse caso a
Deus”. (Murtinho, 30/7/53).
237
De uma forma ou de outra, o médico que deu alta a esse paciente tirou a
autoridade do espírito que psicografou. Mais um vez percebemos a contradição dentro
da doutrina de que a verdade não é tão bem materializada como se pressupõem.
Um outro caso importante para a análise é referente a um interno (catalogação
67, no ano de 1947) que fugiu e mesmo assim foi tido como curado. A partir destes dois
casos percebe-se uma certa discrepância na maneira de avaliação do enfermo, pensando-
se como é complicado o processo de discernimento para saber se alguém é portador de
distúrbios mentais e também se tal indivíduo já está curado ou não.
Vale a pena observar o gráfico abaixo que faz supor que mais de 50% dos
pacientes foram curados. Entretanto, como existiam diversas instituições asilares
congêneres na região, é de se supor, até pela admissão de muitos pacientes no Sanatório
local, que muitos ficaram presos nas teias institucionais, vagando de Uberaba para
Araxá, desta cidade para Uberlândia e assim, sucessivamente. Outras vezes, não é
possível qualificar o termo “melhorado”, ou mesmo compreender os motivos das
retiradas ou transferências. O certo é que a disciplina e o controle deveriam funcionar
bem, pois apenas 1% dos internos conseguiram fugir.
Da perspectiva do espiritismo é perceptível no quadro de curas apontadas que
muitas delas não poderiam acontecer de maneira tão eficaz como tem sido enfatizado
nos prontuários, por se tratar justamente, para a doutrina, de casos difíceis de serem
curados, uma vez que as técnicas utilizadas irão depender da atuação do obsessor e
obsediado. Segundo consta na literatura espírita, a desobsessão é praticada no intuito de
doutrinar o espírito obsessor, fazendo-o perdoar o seu algoz e tais processos são
demorados para a concepção espírita. Uma das possibilidades de análise que cabe
237
SANATÓRIO ESPÍRITA DE UBERLÂNDIA. Prontrio n. (sem informação), catalogação 535,
1953.
144
realçar talvez seja de que a cura fosse estabelecida quando o paciente estivesse dopado,
sem reação. Nestes casos foram relegados o longo processo que requeria a cura
espiritual. Não devemos esquecer que neste período não havia psiquiatra. Se
consideramos que a ação do médico especialista já é problemática, mais difícil ainda é a
atuação de quem não o é, tal como um radiologista e clínico geral que atendia esta
instituição.
Uma outra descoberta possível é a de pacientes crianças e de adolescentes, em
um número reduzido, mas que aponta que esta doença não é privilégio apenas dos
adultos. O que assusta frente à forma como os pacientes eram tratados é pensar como
isso poderia ser mais sério e violento em se tratando da infância, cujas marcas poderiam
ser carregadas pela vida toda. Vejamos o gráfico a seguir:
TABELA 13
Idade Porcentagens
Até 12 anos 1 %
De 13 a 19 anos 16 %
De 20 a 29 anos 33 %
De 30 a 39 anos 25 %
De 40 a 49 anos 15 %
Acima de 50 anos 8 %
Sem informações 2 %
Fonte: Prontuários do Sanatório Espírita de Uberlândia
referente aos anos de 1942 a 1959.
Cada uma das possibilidades aqui destacadas são passíveis de investigações
mais aprofundadas. O que fica evidente neste primeiro trabalho é um mosaico de
situações ricas e complexas, cujas experiências vividas apenas começaram a ser
delineadas. Se é correto afirmar que havia um projeto para retirar dos espaços públicos
sujeitos portadores de transtornos mentais e, em boa medida, um intenso processo de
higienização que se verificou no século XX, é preciso considerar, todavia, quantas
pessoas habitaram as ruas como mendigos, despejados pela família, porque não podiam
se juntar aos que já estavam amontoados no sanatório da cidade. A grande internação
145
ocorrida também no Brasil, principalmente no século XX, não conseguiu tirar da rua a
insanidade. A psiquiatria não conseguiu essa cura, nem tampouco os órgãos públicos,
em conluio com a sociedade, foram capazes de abrigar os seus “dementes” em
hospícios.
O processo de psiquiatrialização da sociedade é mais complexo do que se possa
imaginar. Oportunamente, diversos trabalhos apontaram as injustiças ocorridas nas
instituições totais, além de terem feito emergir debates calorosos sobre a humanização
nos regimes de internato, o que permitiu um profundo questionamento das terapêuticas
psiquiátricas, tanto quanto a sua eficácia. No entanto, no estudo destas pertinentes
obras, percebemos algumas lacunas que serão cruciais para se buscar uma possível
transformação.
Discutida por diversos autores (alguns são aqui mencionados), sobretudo pelo
viés da constituição da psiquiatria e seus mecanismos para isolar o doente e elaborar
caminhos para a cura, a institucionalização da loucura – é evidente – definiu os rumos
do tratamento de forma perversa; e, nessa definição, o saber médico venceu: elaborou
um “projeto de cura” para alienados.
Contudo, a forma de realizar tais projetos científicos, muitas vezes, contradiz a
forma concebida teoricamente; logo, o tratamento da loucura não é questão dada e
superada pela psiquiatria; outros propuseram tratamentos alternativos, mas que não se
traduziu em avanços no modo de lidar com o problema. Nessa ótica, a pertinência deste
estudo reside na reflexão que propomos sobre a prática médica – o poder conquistado
pelos homens da medicina – e a não-aceitação passiva de outros segmentos da
sociedade, o que nos mostra a indeterminação da História, que esta é contraditória e que
são necessárias formas mais humanizadas de se tratar de pessoas com transtornos
mentais.
Nesse contexto, destaca-se a lei 10.216, autoria de Paulo Delgado, que modifica
o modelo assistencial em saúde mental (várias propostas têm sido experimentadas, tais
como hospital-dia, terapias ocupacionais, arte-terapia etc.) – mas isso após conflitos e
lutas, bem traduzidos nas palavras do juiz da 5ª Vara Cível de Curitiba ao julgar
improcedente pedido da Federação Espírita do Paraná e do psiquiatra Alexandre Sech
para proibir Austregésilo Carrano (autor do livro que inspirou o filme brasileiro Bicho
de sete cabeças) de falar sobre supostos abusos sofridos no hospital psiquiátrico Bom
146
Retiro. Disse o juiz: “Que fale, que chore, que esperneie, que gesticule, que ponha para
fora a sua revolta para aprimorar o sistema psiquiátrico brasileiro”.
238
238
PARANÁ. Tribunal de Alçada do Paraná. Ação Indenizatória. Autos nº 839/01 - Ação ordinária. Ação
Indenizatória na 5ª Vara Cível do Fórum de Curitiba/PR, 15, out, 2003. Juiz de Direito: Dr Sigurd
Roberto Bengtsson. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/en/red/2003/10/266271.shtml>.
Acesso em: 10 out. 2005. Cf.:RIBEIRO, Raphael Alberto; MACHADO, Maria Clara Tomaz. Op. cit
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A institucionalização da loucura, discutida por diversos autores levantados aqui
neste trabalho, no que se refere à constituição do saber psiquiátrico e os mecanismos
criados por esta ciência em isolar o doente e elaborar caminhos para a cura,
evidentemente definiu os rumos de seu tratamento de forma perversa. Por este olhar o
saber médico saiu “vencedor” na elaboração de um “projeto de cura” aos alienados. No
entanto, a realização de tais projetos científicos se dão, muitas vezes, de maneiras
contraditórias às concebidas teoricamente. O tratamento da loucura não é algo que está
resolvido, superado, pela psiquiatria, e mais, outros grupos já propuseram formas de
tratamentos alternativos, o que não implica necessariamente em melhorias na maneira
de cuidar do problema.
No trajeto desta pesquisa percebemos as inúmeras possibilidades que poderiam
ter sido trilhadas, não sendo possível pelo período consideravelmente pequeno,
podendo, inclusive, serem aproveitadas em outras oportunidades.
Um outro desafio encontrado na pesquisa é a diversidade de fontes encontradas
nos prontuários do Sanatório Espírita de Uberlândia. Só em uma parte destas fichas
catalogadas, no histórico da doença, podem-se suscitar discussões de gênero, de etnia,
de processos criminais, entre outros, mas que para serem realizados neste trabalho de
maneira mais aprofundada, nos faltariam fôlego. As psicografias contidas nestes
prontuários nos permitiria adentrarmos mais detidamente nos estudos sobre
religiosidade.
A pertinência deste estudo não é somente refletir acerca das práticas médicas,
mas fundamentalmente a participação do poder público e da população e todo um
imaginário que intenta excluir os sujeitos que não se ajustam às condutas estabelecidas
como ideais. Este trabalho se situa em um período de intensos avanços no campo do
tratamento aos portadores de transtornos mentais, ainda que o descaso com a saúde
alcança índices agravantes, principalmente no Brasil, o que nos certifica de que há um
longo caminho a se seguir.
148
Várias propostas como o hospital dia, terapias ocupacionais, arte-terapia, entre
tantos, têm sido experimentados, muito deles nos mostrando a insatisfação de grupos
sociais em relação ao tratamento que os portadores de transtornos mentais recebem.
Certamente estamos longe de chegar a um modelo de práticas terapêuticas, mais
humanas, mas que ao menos consigamos ensejar discussões que nos permitam refletir
sobre a nossa própria condição, ou, o que estamos fazendo pra construir uma sociedade
menos injusta, onde haja mais solidariedade entre os povos e mais consideração
principalmente a quem mais necessite de ajuda.
A discussão deste trabalho primou também pela busca incessante da cidadania,
insistindo na questão da alteridade, na busca da tolerância com o diferente. Esperamos
não mais presenciar casas repletas de seres humanos vivendo em condições bastante
precárias, maltratados e desolados. Está é uma exigência que não pode mais ser
postergada, assim como toda e qualquer luta que denuncie as injustiças e o sofrimento
humano.
149
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filme (129 min.), son. Color.
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