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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP
INSTITUTO DE ARTES
José Eduardo Oliva Silveira Campos
A POESIA, A MÚSICA E A PERFORMANCE DA CANÇÃO: “ALMA MINHA
GENTIL” – UM ESTUDO DE CASO NA OBRA DE GLAUCO VELÁSQUEZ.
São Paulo 2006
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JOSÉ EDUARDO OLIVA SILVEIRA CAMPOS
A POESIA, A MÚSICA E A PERFORMANCE DA CANÇÃO “ALMA MINHA
GENTIL”: UM ESTUDO DE CASO NA OBRA DE GLAUCO VELÁSQUEZ.
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às
exigências para a obtenção do título de Mestre em
Música do Programa de Pós-graduação em Música do
Instituto de Artes da UNESP.
José Eduardo Oliva Silveira Campos
Profª. Drª. Martha Herr
Orientadora
Prof. Dr. André Rangel
Co-orientador
São Paulo – 2006
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José Eduardo Oliva Silveira Campos
A POESIA, A MÚSICA E A PERFORMANCE DA CANÇÃO “ALMA MINHA
GENTIL”: UM ESTUDO DE CASO NA OBRA DE GLAUCO VELÁSQUEZ.
Dissertação apresentada
como cumprimento parcial das exigências
para a obtenção do título de Mestre em
Música pelo Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista
São Paulo, 05 de junho de 2006.
Profª Drª Martha Herr
Deptº de Música do Instituto de Artes da UNESP
Prof. Dr.Giacomo Bartoloni
Deptº de Música do Instituto de Artes da UNESP
Prof. Dr. Ricardo Ballestero
Deptº de Música da Universidade de São Paulo - USP
Prof. Dr. Eduardo Monteiro
Deptº de Música da Universidade de São Paulo – USP
Profª Drª Sônia Albano
Deptº de Música do Instituto de Artes da UNESP
CDD – 784.932
784.3
780.981
C198a
Campos, José Eduardo Oliva Silveira.
A poesia, a música e a performance da canção “Alma Minha Gentil”: um estudo de
caso na obra de Glauco Velásquez / J. Eduardo Oliva. S. Campos. - São Paulo:
[s.n.], 2006.
140 f.: il. + 1 CD + Anexo.
Bibliografia.
Orientador: Profª.Drª. Martha Herr
Dissertação (Mestrado em música) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Artes.
1. Canto - Piano. 2. Voz e Piano – Acompanhamento. 3. Canção brasileira. 4.
Velásquez, Glauco, 1884-1914.
À memória dos meus pais, José e Maria.
AGRADECIMENTOS
A CAPES, pela concessão de bolsa de mestrado nos anos de 2005 a 2006 e às
minhas irmãs, Ana Maria Silveira Campos Grebler, Maria Tereza Silveira Campos e Maria de
Fátima Silveira Campos Soares, que em momentos e de formas diferentes me auxiliaram na
realização deste mestrado.
À amiga e orientadora, Profª Drª Martha Herr, pela brilhante inteligência com
que acolheu todo o desenvolvimento do meu projeto e, com igual talento, me honrou com sua
participação nos recitais realizados em São Paulo e Minas Gerais.
Ao pianista e co-orientador Prof. Dr. André Rangel, pela sabedoria de seus
ensinamentos musicais e pianísticos.
À Profª Drª Dorotea Kerr pelo apoio em diversos momentos dessa caminhada.
Aos queridos amigos, os cantores Marco Thadeu de Miranda Gomes e
Francisco Meira, cuja participação em minha vida vai muito além da brilhante atuação de suas
performances.
À brilhante cantora e amiga, Elisabete Mendonça, pela participação carinhosa
nos recitais.
Ao querido amigo e cantor, Eduardo Abumrad, pela brilhante participação neste
projeto.
Aos meus grandes amigos e cantores, Caio Ferraz e Francisco Campos, por
tantos momentos de grande aprendizado e felicidade na vida.
À família Salas, pelo afeto, pela generosidade e pelo terno reconhecimento do
valor desta iniciativa.
Ao amigo e colega, Maestro Roberto Farias pela sua participação ativa na
análise harmônica da partitura de “Alma Minha Gentil”.
À amiga e cantora, Melina Menasseh com quem compartilhei muitos momentos
da reflexão desta pesquisa.
Ao amigo Gesse Araújo, pela presteza na editoração de várias canções de
Glauco Velásquez e pela sua generosa participação na inserção neste trabalho dos exemplos
musicais e da partitura de “Alma Minha Gentil”.
À direção do Centro Musical Tom Jobim por todo apoio na realização do recital
de defesa desta dissertação e muito especialmente à amiga Aida Machado quem prontamente
acolheu o projeto desse evento.
Meu agradecimento especial a toda equipe de atendimento do setor de
manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que, por inúmeras vezes, atendeu às
minhas solicitações de pesquisas.
Ao meu amigo David Castelo que sempre prestigiou a realização deste projeto.
A todos os amigos que de algum modo estiveram presentes nesta caminhada.
Aos Professores, colegas e funcionários do Instituto de Artes da UNESP, pela
inestimável contribuição oferecida ao longo desses anos.
RESUMO
Esta pesquisa tem a finalidade de determinar um modo de pensar a preparação e
a performance de canções para voz e piano, conforme a metodologia proposta por Deborah
Stein e Robert Spillman em Poetry into Song: Performance and Analysis of Lieder.
A preparação da canção “Alma Minha Gentil” de Glauco Velásquez com dois
cantores diferentes teve como base o estudo da poesia, da música e dos aspectos relacionados
especificamente à performance. O compositor e sua contextualização histórica são estudados,
incluindo um catálogo de suas 32 canções para voz e piano. São estudados a forma e o
conteúdo do poema assim como os aspectos musicais, incluindo análise formal, a melodia, a
harmonia e o ritmo musical. São discutidos aspectos interpretativos para ambos os intérpretes,
incluindo nuances de dinâmica, timbre e estilos vocal e pianístico.
A performance da canção “Alma Minha Gentil” é apresentada, em formato de
CD, como resultado dos aspectos discutidos. Mesmo que aplicado especificamente a uma
canção, o método desenvolvido pode ser aplicado ao estudo de qualquer outra. Em anexo
encontram-se cópias manuscritas e digitalizadas da canção “Alma Minha Gentil” e o CD que
apresenta duas versões da canção em performance.
1. Canto 2. Acompanhamento 3. Glauco Velásquez 4. Performance da canção brasileira
ABSTRACT
This study seeks to determine a study method for reflections about the
preparation and performance of songs for voice and piano. Following the suggestions
proposed by Deborah Stein and Robert Spillman in Poetry into Song: Performance and
Analysis of Lieder. Through study of the poetry, the music and aspects related specifically to
performance, the preparation of the song “Alma Minha Gentil” by Glauco Velasquez with two
different singers was used as the basis of study. The composer and his historical context are
studied, including a catalogue of his 32 songs for voice and piano. The form and content of the
poem are studied at length. Musical aspects, including formal analysis, melody, harmony and
musical rhythm, are investigated. Interpretative aspects for both performers are discussed,
including dynamics and their nuances, vocal timbre, vocal and pianistic style. A performance
of the song “Alma Minha Gentil” is presented in CD format as a result of the aspects
discussed above. Although applied specifically to one song, the method developed can be
applied to the study of any other song. Attached are copies in manuscript and digital form of
“Alma Minha Gentil” and the CD which presents the two versions of the song in performance.
1. Singing 2. Accompaniment 3. Glauco Velásquez 4. Performance Brazilian song
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DO COMPOSITOR, SUA ÉPOCA E MÚSICA 18
1.1 Biografia de Glauco Velásquez 19
1.2 Contextualização histórico-cultural e estético-estilístico de época
da música Glauco Velásquez
27
1.2.1 Cenário musical europeu 28
1.2.2 Os protagonistas da belle époque do Instituto Nacional de
Música
30
1.3 O conjunto das canções para voz e piano de Glauco Velásquez 32
1.4 O contexto estético das canções no conjunto das obras de Glauco
Velásquez 34
Capítulo 2 – A poesia 38
2.1 Fundamentação teórica do estudo da poesia na performance da
canção 39
2.1.1 Temas e imagens poéticas na sua relação com a
performance da canção 41
2.1.2 Figuras de retórica e a performance de “Alma Minha
Gentil”
42
2.1.3 Representação poética 43
2.1.4 Progressão poética 43
2.1.5 Persona e Modos de endereçamento 44
2.2 O poeta e o poema 45
2.3 Forma Poética 47
2.3.1 Esquemas de rima 49
2.3.2 Métrica poética 51
2.4 Análise do poema “Alma Minha Gentil” 53
2.5 Síntese dos elementos contextuais e poéticos para a performance
de “Alma Minha Gentil”
65
CAPÍTULO 3 – A MÚSICA 68
3.1 Processo de análise dos elementos musicais para a performance da
canção “Alma Minha Gentil”
68
3.1.1 A forma e os elementos musicais de “Alma Minha
Gentil”
70
3.1.2 A harmonia e a tonalidade 90
3.1.3 A melodia e o ritmo 95
CAPÍTULO 4 – OS PERFORMERS EM “ALMA MINHA GENTIL 101
4.1 Os elementos interpretativos da canção 101
4.2 Timbres e Estilos: vocal e pianístico 103
4.3 A diferenciação das personas vocal e do acompanhamento 105
CAPÍTULO 5 A PREPARAÇÃO DA PERFORMANCE DE “ALMA MINHA GENTIL COM DOIS
CANTORES
113
5.1. O estudo da declamação 114
5.2. O estudo interpretativo do texto poético 115
5.3. O estudo da leitura poético musical da canção 119
CONCLUSÕES 128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 131
REFERÊNCIAS MUSICOGRÁFICAS 133
ANEXOS
Anexo A – Cópia do manuscrito de “Alma Minha Gentil” para voz, oboé
e orquestra de cordas
135
Anexo B – Cópia do manuscrito de “Alma Minha Gentil” para voz e piano 142
Anexo C – Edição de “Alma Minha Gentil” 145
Anexo D – Gravação digitalizada em CD de “Alma Minha Gentil”. 149
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende apresentar um estudo sobre a preparação da
performance da canção com vistas à interpretação de “Alma Minha Gentil”
1
(1913) de
Glauco Velásquez (1884-1914). Esta canção, originalmente, composta para voz, oboé e
orquestra de cordas, foi transcrita no mesmo ano para voz e piano. Parece-nos, através
de pesquisa pessoal realizada nos manuscritos do compositor constantes do acervo da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que “Alma Minha Gentil” possa ser a única
canção escrita para instrumento que tenha sido transcrita pessoalmente pelo compositor
para voz e piano. Por este motivo, nós a incluímos no conjunto de 31 manuscritos de
canções escritas originalmente para voz e piano. As demais, “Sete anos de pastor”
(1913) e “Quando sento il suo passo per la via” (1913) não foram incluídas nesse
conjunto, pois são transcrições feitas por Luciano Gallet (1893-1931) (CARNEIRO &
NEVES, 2002, p.79-80).
Ao longo de sua vida, Glauco Velásquez escreveu 123 obras, das quais
nós identificamos 31 canções para voz e piano, 15 para voz e outras formações
instrumentais que incluíam peças para coro a capella, coro com piano e uma única obra
coral com acompanhamento de órgão. As obras restantes foram escritas para piano solo,
violino e piano, violoncelo e piano, trio de cordas e piano, quarteto de cordas, órgão e o
esboço de uma ópera, Soeur Beatrice.
1
Cópia manuscrita para voz, oboé, orquestra de câmara, Anexo A deste trabalho; cópia manuscrita para
voz e piano, Anexo B; partitura editada digitalmente, Anexo C deste trabalho.
Escolhemos Velásquez como foco da pesquisa porque ele é um
compositor para quem a voz tem uma significativa presença tanto na quantidade quanto
em termos da sua presença constante ao longo de seus anos de criação e, ainda, pelo fato
de ser um compositor bastante desconhecido pelo público em geral. Neste sentido suas
canções merecem serem citadas junto às suas congêneres, compostas por Francisco
Braga, Henrique Oswald e Alberto Nepomuceno. Acrescente-se que em conceituadas
obras musicológicas estrangeiras, o nome de Velásquez encontra-se, também,
honrosamente arrolado como um compositor de canções. Velásquez, apesar de ter sido
considerado uma grande esperança na renovação e construção da música nacional, foi
praticamente esquecido após os anos que se seguiram à instalação do modernismo
brasileiro e sua obra considerada como europeizada (MARIZ, 2000, p.97).
Com respeito às razões pessoais que animaram a realização deste
trabalho, podemos dizer que os anos de atividade camerística, como pianista
acompanhador e co-repetidor, trouxeram questões e intuições que necessitavam de um
aprofundamento teórico: como pensar a preparação da performance da canção para voz
e acompanhamento ao piano? As respostas a essa questão fundamental apresentam-se
como justificativa básica de todo esse estudo, ao mesmo tempo em que pretendemos
realizá-lo dentro de um contexto bibliográfico ainda carente de literatura especializada.
Associada a estas considerações, esta dissertação justifica-se pela oportunidade de
restauração e preservação das canções de Velásquez que fazemos representar pela
análise interpretativa de “Alma Minha Gentil”.
A organização dos capítulos dessa dissertação obedece à ordem
preconizada por Deborah Stein e Robert Spillman em seu livro Poetry into Song (1996).
Identificamos-nos com o modelo dos autores, o qual se organiza em torno de três
aspectos estruturantes da canção, denominados por eles por linguagem da poesia, da
música e da linguagem dos performers
2
. Esta obra estuda separadamente as respectivas
linguagens poética, musical e dos perfomers aplicadas ao Lied alemão. Oferece os
meios para o conhecimento e aplicação dos procedimentos técnicos de cada etapa e
esclarece questões de natureza qualitativa da performance como um todo.
Reproduzimos a citação dos musicistas americanos nas suas considerações preliminares:
Três diferentes sujeitos são estudados nesse volume: poesia,
performance musical e análise musical. Embora o nosso objetivo seja
a combinação das três numa compreensão complexa da arte da
performance da canção alemã, nós começamos pela separação dos
temas e os examinamos cada um, separadamente, como um tópico a
parte. Essa abordagem exemplifica a maneira como acreditamos que
os intérpretes devem estudar a preparação da performance do Lied:
eles devem estudar primeiro a poesia, depois os problemas da
performance e, então, cada aspecto da estrutura musical
respectivamente. Ao final desse processo, a recombinação dos três
tópicos ocorrerá através de uma performance limpa, onde cantor e
pianista combinam seus respectivos entendimentos da poesia e da
música no ato mágico de expressão musical (STEIN & SPILLMAN, 1996,
p. xiii, tradução nossa)
3
.
O estudo dessas três linguagens é, ao final, combinado com o estudo de
três conjuntos de canções, distribuído pelas produções de Franz Schubert (1797-1828),
Robert Schumann (1810-1856) e Hugo Wolf (1860-1903) e relacionadas ao Lieder de
Clara Schumann (1819-1896), Johannes Brahms (1833-1897) e Gustav Mahler (1860-
1911). A primeira parte - a linguagem da poesia - é composta pelos capítulos de
contextualização dos temas, idéias e influências do romantismo alemão, seguidos pelo
estudo dos conteúdos e forma poética. O seu segundo capítulo trata dos elementos de
representação e progressão poética, o conceito de persona e modos de expressão. A
linguagem dos performers se compõe pelo estudo da textura (estilos vocais, de
2
Utilizaremos o termo performer para designar o executante fundamentando-se na obra Performance
musical e suas interfaces (2005), organizada por Sônia Ray.
3
(...) Three different subjects are studied in this volume: poetry, musical performance, and music
analysis. While our ultimate goal is to combine the three into a manifold understanding of German art
song performance, we begin by separating the subjects from one another and examining each as a
separate topic. This approach models how we believe performers need to study a Lied in performance
preparation: they must first study the poetry, then the performance problems, and then each aspect of
the musical structure in turn. By the end of the process, a recombination of the three topics will occurs
through polished performance, when singer and pianist convey their understanding of the poetry and the
music in the magical act of musical expression (STEIN & SPILLMAN, 1996, p. xiii, tradução nossa).
acompanhamento e modelos de texturas), da temporalidade (notações de nuances,
determinação de tempo e o estudo do tempo entre os intérpretes) e dos elementos
interpretativos (dinâmica, timbres vocal, de acompanhamento e do conjunto, acento
vocal) e mais uma vez, Stein e Spillman retomam os conceitos de persona vocal e do
acompanhamento nas respectivas dimensões interpretativas e de performance. Referente
à linguagem musical, os autores analisam em quatro capítulos, os aspectos diretamente
ligados às necessidades da performance da canção: a harmonia e a tonalidade; a melodia
e o motivo; o ritmo e a métrica; e a forma do Lied alemão. Todas as partes são
finalizadas com uma série de exercícios nos quais Stein e Spillman aplicam o material
teórico levantado pelas análises em uma série de Lieder.
Seguiremos a orientação de Stein e Spillman do estudo separado desses
três tópicos, porém aplicados em uma única canção, “Alma Minha Gentil”.
No primeiro capítulo desta dissertação tentaremos esclarecer, em quatro
partes, alguns aspectos básicos do contexto interpretativo de “Alma Minha Gentil”: a)
os fatos biográficos a respeito do compositor; b) os contextos histórico-cultural e
estético-estilístico da música de Glauco Velásquez, ao qual agregaremos a reflexão a
respeito do cenário musical europeu de época e dos protagonistas da belle époque do
Instituto Nacional de Música; c) apresentação das canções para voz e piano de Glauco
Velásquez, com uma proposta de uma nova ordenação das mesmas; d) e o seu contexto
estético no conjunto da obra do compositor.
O segundo capítulo é dedicado à poesia e apresentará uma
contextualização teórica do pensamento de Stein e Spillman, no qual pretendemos
justificar o estudo da poesia em termos da performance e fornecer os elementos básicos
que fundamentarão as análises dos capítulos seguintes. O segundo passo a ser dado será
examinar cada um dos elementos do modelo analítico apresentado em Poetry into Song:
a) temas e imagens na sua relação com a performance da canção; b) figuras de retórica;
e c) representação poética. Em seguida, trataremos os aspectos estilísticos do poeta e do
poema da canção “Alma Minha Gentil”. Antes de encerrarmos esse capítulo, pela
síntese dos aspectos poéticos relevantes à performance dessa canção, apresentaremos
uma análise do texto poético da canção “Alma Minha Gentil”.
O capítulo três é parte central deste estudo. Nele estudaremos as bases
das relações entre texto e música que devem ser conhecidas pelos intérpretes a fim de
amparar as decisões interpretativas do processo de preparação da performance.
Apresentaremos inicialmente os critérios de estudo aplicados no processo de análise dos
elementos musicais para a performance desta canção. Esta reflexão se fundamentará no
reconhecimento dos autores da necessidade dos intérpretes de identificar certos fatos
básicos de natureza formal, ligados à correspondente estrutura harmônica, tonal,
melódica e rítmica da canção “Alma Minha Gentil”.
O capítulo quatro tratará das questões interpretativas pertinentes aos
performers. Nele estudaremos alguns elementos interpretativos com o objetivo de
formatar e articular a concepção poético/musical na sua relação com a dinâmica, o
timbre e as notações de nuances. Estes elementos musicais serão estudados em
conformidade com as afirmações de Stein e Spillman que observam que algumas
texturas servem ao texto poético em termos do seu conteúdo expressivo e ajudam aos
intérpretes nas decisões sobre os elementos interpretativos da performance da canção
(STEIN & SPILLMAN, 1996. p. 59).
O quinto capítulo será dedicado à reflexão sobre as etapas anteriores,
diretamente aplicadas ao processo de preparação da performance de “Alma Minha
Gentil” com dois cantores de vozes diferentes.
Nossa conclusão deverá fornecer nossas considerações finais a respeito
da maneira como pensamos a preparação da performance desta canção.
Esta dissertação contém quatro anexos: a) a cópia do manuscrito de
“Alma Minha Gentil”, de Glauco Velásquez, para voz, oboé e orquestra de câmera, b) a
cópia do manuscrito para voz e piano, c) a cópia de sua edição e d) sua gravação em CD
com dois cantores.
CAPÍTULO 1
Contextualização do compositor, sua época e música.
O estudo da contextualização na preparação da performance musical da
canção tem como finalidade capacitar os performers e enriquecer o seu trabalho técnico-
interpretativo. Dois outros autores, igualmente presentes na bibliografia de Poetry into
Song, Shirlee Emmons e Stanley Sonntag preconizam a favor dessa consideração, com
as seguintes palavras:
(...) Para os artistas talentosos, a música significa mais que uma
agregação agradável e prazerosa de sons. Os artistas dotados realizam
muitos esforços para conhecer algo a respeito de um compositor, sua
própria posição na história, a relação de uma composição com o resto
de sua obra, as técnicas composicionais que ele emprega e as técnicas
de interpretação envolvidas (EMMONS & SONTAG, 1976, p. 171,
tradução nossa)
4
.
Sua importância, tanto nas obras de Stein e Spillman como na de Shirlee
Emmons e Stanley Sonntag, está fundamentada por uma exaustiva relação bibliográfica.
Essas obras reforçam a importância que os autores dão ao conhecimento histórico e
técnico-musical (STEIN & SPILLMAN, 1996, p. 337-355; EMMONS & SONNTAG, 1976, p. 175-
178).
Esta pesquisa considera o período de 1900 a 1914 por ser esse o espaço
de tempo delimitado pelo início e término da atividade composicional de Glauco
Velásquez. Esse momento histórico coincide com o apogeu da belle époque na cidade
4
To gifted artists, the music means more than an aggregation of enjoyable, pleasure-giving sounds.
Gifted artists make effort to know something about a composer, his proper position in history, the
relationship of one composition to the rest of his oeuvre, the compositional techniques he employed,
and the performance techniques involved.
do Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil. Nós nos restringiremos, então, ao
contexto histórico e cultural dessa época e cidade, pois ele pode nos oferecer subsídios,
mesmo que aproximadamente, do cenário musical que, direta ou indiretamente, possa
ter influído na composição de “Alma Minha Gentil”.
1.1 Biografia de Glauco Velásquez
Várias são as versões a cerca da origem de Glauco Velásquez e relatá-las
todas ultrapassaria o escopo desta monografia. Contudo seria relevante dissiparmos
muitas dúvidas e lendas que cercam seu nascimento por desvelarem a presença de
questões identificatórias que certamente o confrontaram em toda sua vida. Essas
questões, meritórias de atenção, poderiam nos aproximar da sua personalidade artística,
mas por outro lado, extrapolariam a natureza desta dissertação. Portanto, nós nos
limitaremos à apresentação de um relato bastante curioso, registrado por Sílvio Salema,
professor do então Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, no qual ele registra
uma confissão de João Alfredo Gomes outro eminente músico da época, professor e
amigo do compositor a respeito da história de Glauco Velásquez. Este artigo, escrito
muitos anos antes da edição da obra Glauco Velásquez escrita por Maria Cecília Ribas
Carneiro, sobrinha-neta do compositor, e José Maria Neves informa o que se segue:
(...) Em 1927, tive ocasião de falar a um dos maiores vultos de nossa
música, que era meu amigo, sobre Glauco Velásquez, a quem conheci
nos seus últimos anos de vida. Esse grande mestre que era professor
do Instituto, João Alfredo, onde eu também lecionava, disse-me:
Você quer saber muita coisa, mas, eu posso dizer a você que eu fui
seu professor e o amava como a um filho. Glauco sofria
angustiosamente por causa desse mistério e você também está
sentindo, mas, nem tudo se pode dizer. mais tarde vim, a saber,
alguma coisa que eu não direi porque é “segredo” (SALEMA, Silvio.
Jornal do Commercio, 21-07-1961).
Não podemos afirmar o que seria esse segredo, apresentaremos, apenas,
os fatos narrados por sua sobrinha-neta, pois até o momento nos parece ser o único
documento biográfico confiável que pode nos esclarecer sobre a identidade parental,
local de nascimento e condições de vida de Glauco Velásquez. Por outro lado, a obra de
Maria Cecília Ribas Carneiro e José Maria Neves introduz, definitivamente, na
genealogia do compositor, Adelina Alambary Luz como sua mãe.
Glauco Velásquez nasceu em Nápoles, em 23 de março de 1884. Ele era
filho ilegítimo do famoso barítono português Eduardo Medina Ribas com sua aluna
Adelina Alambary Luz. Foi registrado no consulado brasileiro daquela cidade italiana,
como sendo filho de um espanhol, José Velásquez e de Adélia Velásquez, brasileira; foi
declarado que ambos eram falecidos. A criança entregue a um casal de camponeses,
viveu sob a tutela de um pastor metodista.
Seu pai, Eduardo Medina Ribas, descendia de uma família de ilustres
músicos portugueses. Seus irmãos eram todos músicos, dentre eles, Nicolau Medina
Riba (1831-1900), foi um eminente violinista e professor de Leopoldo Miguez (1850-
1905). Eduardo Medina Ribas foi um brilhante barítono na cena musical carioca e um
dos responsáveis pela estréia de Noite do Castelo de Carlos Gomes (1836-1896), no
papel de Conde Orlando. Cantor muito considerado pelo público e pela crítica carioca
da época, Medina Ribas era também trompista e cultivava o gosto pelo desenho e pela
pintura. Morreu de ataque cardíaco em 1883, na cidade do Rio de Janeiro (CARNEIRO &
NEVES, 2002, p. 6 -10).
Adelina Alambary Luz, sua mãe, era descendente de uma importante família,
proprietária, por gerações, de terras na ilha de Paquetá. Tanto seu pai, Dr. José Carlos de
Alambary Luz (1833–1915) como seu avô, o Comendador Pedro José Cerqueira (1807-
1876), foram ambos personalidades públicas nos dois impérios (AZICOFF, 2005).
Glauco Velásquez estudou na Scuole Evangeliche Metodista de Nápoles,
teve o italiano como língua materna e o francês como segundo idioma. Recebeu
esmerada educação, distinguiu-se como bom aluno, conforme boletim escolar da época.
Participou do coro da escola e demonstrou interesse pelo desenho. Praticamente não se
sabe muito mais a respeito da sua infância na Itália (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 10).
Por volta de 1896, com a morte de seu tutor na Itália, os descendentes do
seu falecido pai o trouxeram de volta para o Brasil. Glauco Velásquez teria então
doze anos de idade. No Brasil, passou a viver com a família Medina Ribas, e tão logo
aprendeu o português, Velásquez foi aceito como aluno interno no Instituto Profissional
Masculino, em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Esse Instituto, dirigido pelo seu proprietário
e criador, Dr. Azevedo Pinheiros, oferecia ensino profissionalizante de boa qualidade
para crianças órfãs e tinha um de seus ex-alunos como professor de música, o
compositor carioca Francisco Braga (1868-1945). Esse encontro foi significativo na
vida de Velásquez. O maestro e compositor carioca, além de reconhecer-lhe o talento
musical e incentivá-lo a estudar música, estabeleceu com o futuro compositor brasileiro
laços recíprocos de amizade e admiração que perduraram bem além da sua vida. Foi a
Francisco Braga que, pouco antes da sua morte, Velásquez confiou a conclusão da sua
ópera em um ato, Soeur Beatrice, com texto do poeta simbolista francês Maurice
Maeterlinck (1862-1949). O maestro realizou o desejo do compositor e parece tê-la
encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Maria Cecília Ribas Carneiro nos relata que a reaproximação de Adelina
com Glauco Velásquez se deu paulatinamente. Após a matrícula do garoto no Instituto
Profissional Masculino em Vila Isabel, Adelina Alambary Luz foi se tornando cada vez
mais próxima dele, conquistando-lhe o coração como um ente querido. Levou-o para
viver em sua companhia na ilha de Paquetá e mesmo tendo sempre se declarado,
publicamente, como sua “mãe adotiva” (ibidem, p. 17), Adelina cuidou dele,
pessoalmente, até sua morte. Ainda por seu intermédio, Glauco Velásquez tornou-se
professor de música numa escola infantil da ilha. Através do exame de seus autógrafos
em partituras, verificamos que o compositor compôs uma parte de sua obra entre a ilha
e a cidade do Rio de Janeiro, entre 1900 a 1907, provavelmente o período em que ele
viveu na ilha de Paquetá.
A interferência de Francisco Braga, e a presença de Adelina Alambary Luz, parece ter
contribuído na escolha feita pelo garoto de estudar música no Instituto Nacional de
Música do Rio de Janeiro (ibidem, p. 12). Esta interferência, conforme relatado por
Eurico Nogueira França em seu artigo “Cinqüenta anos da morte de Glauco Velásquez”
(FRANÇA, 1964), juntamente com seus antecedentes musicais, são determinantes na
formação musical de Velásquez (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 8-9). Apesar da sua
provável iniciação musical napolitana, sua formação ocorreu de fato no ambiente
educacional, cultural e artístico do Instituto Nacional de Música, onde concluiu o curso
de composição, provavelmente, em 1905. Glauco Velásquez esteve sob orientação
direta de Francisco Braga e Frederico Nascimento, na proximidade dos olhares de
Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Henrique Oswald (1852-1931). Estudou
contraponto e composição com Braga e harmonia com Nascimento. O catálogo das
obras de Glauco Velásquez realizado em 1964 pela musicóloga Mercedes Reis Pequeno
registra, deste período, a existência de alguns cadernos de ponto de teoria, exercícios de
harmonia, atualmente pertencentes à coleção do acervo da biblioteca da Escola de
Música da UFRJ. Estes documentos poderiam nos informar sobre o caminho inicial do
compositor e nos ajudar na identificação das origens de sua formação estética (PEQUENO,
1964, p.36). Quanto à conclusão do curso, ela é citada na coluna de Eurico Nogueira
França, que se refere ao compositor como sendo o “mais belo talento do (nosso)
Instituto Nacional de Música” (FRANÇA, 1964). Esta citação delimita 1905 como sendo o
ano da conclusão do curso de composição de Glauco Velásquez no Instituto Nacional de
Música.
O ano de 1905 foi marcado por outros fatos igualmente importantes.
Glauco Velásquez reconhece o desabrochar de sua fase de amadurecimento estético e
musical. Esse reconhecimento está registrado no único documento conhecido de seu
próprio punho - sua célebre carta ao crítico carioca Rodrigues Barbosa
5
(CARNEIRO &
NEVES, 2002, p.51-53). Ele afirma a respeito da sua atividade composicional daquele ano
que compunha “romances para canto e piano, devido aos sentimentos que em mim
despertavam as palavras de uma poesia” e em seguida confessa ter abandonado
resolutamente “a forma comum do romance” (CARNEIRO & NEVES, 2002, p.51). Nesta
mesma carta, Glauco Velásquez desconsidera o valor artístico de todas as suas obras
compostas nos anos anteriores. Nela o compositor também escreve que no seu encontro,
de 1905, com Henrique Oswald, o compositor, pianista e professor enaltece o mérito
das suas canções “com palavras que não serão esquecidas nunca” por Velásquez
(ibidem, p. 52).
O período de 1906 a 1910 foi todo marcado por uma produção muito
intensa. Fez grandes amizades e relacionou-se com expressivos nomes da cena musical
carioca da época: Ernani Braga, Frederico Nascimento Filho, Stella Parodi, Cândida
Kendall, Otaviano Gonçalves, Luciano Gallet, Paulina d’Ambrosio, Thilde Aschoff e
Rubens Figueiredo. Todos foram divulgadores de sua música, mas deve-se a Luciano
5
Neves afirma que esta carta foi provavelmente escrita em 1912.
Gallet o maior mérito. Gallet foi o mentor e o realizador do concerto de 17.10.1914,
cuja finalidade era apresentar ao grande público a idéia de criação da Sociedade Glauco
Velásquez. A Sociedade tinha como objetivo divulgar e imprimir a obra do amigo
(ibidem, p. 111-115). Também por intermédio de Gallet, o compositor francês Darius
Milhaud (1892-1974), estando no Brasil em 1917, demonstra forte interesse pelas
composições de Velásquez. Milhaud as tocou em recitais públicos e proferiu
conferências sobre sua música. Rendeu-lhe homenagem com sua resolução de terminar
o quarto trio para cordas e piano, deixado inacabado por Velásquez (ibidem p. 36).
O desenrolar da história de Glauco Velásquez, até o seu surgimento no
cenário artístico do Rio de Janeiro, por volta de 1910 a 1911, pode ser contado apenas a
partir do estudo do conjunto de sua obra. Parece não existir cartas ou documentos que
relatem explicitamente os fatos ocorridos, apenas o inventário de cópias de manuscritos
de suas obras. Estas últimas quase todas datadas podem informar locais de composição
e as suas respectivas dedicatórias nos aproximam de pessoas com maior ou menor
notoriedade na vida cultural e artística carioca de época.
A primeira apresentação de suas obras ocorreu no ano de 1911, com
crítica muito positiva de Rodrigues Barbosa, no Jornal do Commercio. Ele disse de
Velásquez:
“esse moço tem a genialidade do criador. A sua obra é absolutamente
nova; ele não compõe de acordo com determinados moldes, por mais
perfeitos que eles sejam; o seu estilo, a sua forma nada tem de comum
com as escolas conhecidas; é profundamente original, novo, único,
por assim dizer, no seu modo de ser original (CARNEIRO & NEVES, p.
29).
O outro testemunho, mas desta vez proferido por um de seus críticos,
Oscar Guanabarino, por ocasião da morte do compositor relembra, no Jornal do
Commercio, a apresentação do seu primeiro trio:
(...) Foi em 1910 que nos chegaram aos ouvidos referências a um
moço que diziam dotados das mais sólidas qualidades de
compositor. Não nos deixamos impressionar, mas sentimo-nos
tomados por curiosidade. (...) Pois bem, no fim da audição do Trio
para violino, violoncelo e piano estávamos conquistados. A obra de
arte maravilhosa vencera a nossa resistência, subjugara uma
indiferença, cativara a nossa inteira admiração. (...) dir-se-ia que a
música de Glauco, como força estética, atestando as transformações
de uma evolução, se emancipa das influências ambientais da
humanidade. (...) Conhecido e admirado num pequeno círculo de
amigos que lhe aclamavam o talento, urgia que se exibisse ao grande
público com sua obra, então muito discutida. As composições de
Glauco Velásquez extasiaram os que lhe penetravam à finíssima
sensibilidade, deliciavam os que lhes compreendia a emotividade
íntima”. (ibidem, p. 107).
Sabemos dos três últimos anos de vida de Velásquez que ele obteve fama
meteórica no cenário musical carioca, foi considerado como uma esperança para a
música brasileira e produziu 26 obras, das quais quatro canções originalmente
compostas para voz e piano e “Alma Minha Gentil”
6
. uma mensagem dirigida ao
Congresso Nacional pela elite de compositores brasileiros datada de 1912. Nesse
documento, pleiteava-se um auxílio do governo brasileiro para Glauco Velásquez a fim
de criar-lhe a oportunidade para que pudesse apresentar sua obra. Esta carta foi
publicada no Jornal do Commercio de 4 de junho de 1913. Reproduziremos na íntegra o
seu texto, pois é um testemunho público, oficial e assinado por Alberto Nepomuceno,
Henrique Oswald, Francisco Braga, Cândida de Nova Kendal, Stela Parodi, Matilde
Aschoff, Paulina d’Ambrosio, Alfredo Gomes, Frederico Nascimento e muitos outros:
Srs. Membros do Congresso Nacional.
Não fôra extraordinário o fenômeno intelectual que a todos nos
impressiona e enche de admiração, e não viríamos por certo ante vós
solicitar uma providência legislativa, que aproveitará grandemente ao
nome brasileiro, porque permitirá (que) se torne conhecido no mundo
civilizado um compositor nacional que pela sua genialidade faz jus a
um brilhante renome.
Brasileiro, com idade de 28 anos de idade, ex-aluno do Instituto
Nacional de Música, que lhe foi a fonte de saber, o Sr. Glauco
Velásquez tem-se revelado um compositor de admirável fecundidade
e – o que é mais – de uma originalidade maravilhosa.
Em boa hora apresentada ao público por um dos mais abalizados
órgãos da imprensa carioca, o jovem brasileiro tem causado
verdadeiro assombro com as suas produções que se realçam na
6
Também foram compostas, nesse período, obras vocais com acompanhamento de quarteto de cordas,
orquestra de câmara e uma ópera inacabada (ibidem, p.79-81).
literatura musical pela transcendência da idéia, assim como pela
intensidade do sentimento.
Preso até agora no círculo do nosso mundo musical, as
composições do Sr. Glauco Velásquez não se ressentem, entretanto,
da estreiteza do meio, antes refletem a vida de um grande centro em
febril atividade ideológica. Por isso mesmo que não se encontra uma
relação íntima entre as condições normais do momento estético
nacional e as faculdades criadoras do jovem brasileiro, invadiu-nos a
convicção de que urge colocar o espírito do jovem compositor no
ambiente propício à sua eclosão para glória do nome brasileiro, para o
engrandecimento da arte nacional.
Animados nessa convicção, solidários nessa corrente de
sentimentos, vimos ante os representantes da nação trazer-lhes a
ciência desse fato extraordinário e solicitar-lhes um auxílio de vinte e
cinco contos de réis ao Sr. Glauco Velásquez para que ele possa ir à
Europa fazer ouvir as suas composições em grande número
valiosíssimas, e produzir outras com o sossego de espírito que
atualmente não tem e sem as preocupações materiais de subsistência.
Não se trata de um candidato a um estudo de aperfeiçoamento,
pois ao Sr. Glauco Velásquez são familiares os segredos da
composição: trata-se de um artista que merece os recursos que lhe
faltam para tornar conhecidas na Europa as suas obras
originalíssimas.
Solicitando ao Congresso Nacional aquele auxílio que será uma
semente de glória para a arte brasileira, julgamos ter cumprido um
dever que a consciência nos ditou, a nós que fomos (uns) seus mestres
e outros seus intérpretes, e somos todos grandes admiradores do
jovem compositor. (BETTENCOURT, Conferência no Clube Brasileiro de
Lisboa, 21-06-1935).
Glauco faleceu na noite de 21 de junho de 1914, rodeado pelos amigos e
na companhia de sua mãe Adelina Alambary Luz. Estavam presentes Nepomuceno,
Frederico Nascimento, Henrique Oswald, Francisco Braga, Paulina d’Ambrosio, Stella
Parodi, Nascimento Filho, Alfredo Gomes, Luciano Gallet e outros (CARNEIRO & NEVES,
2002, p.124-125).
Glauco Velásquez é o patrono da cadeira de número 37 da Academia
Brasileira de Música, atualmente ocupada pelo maestro Alceo Bocchino (1918-).
(Academia Brasileira de Música). Disponível em: http: //www.abmusica.org.br
1.2. Contextualização histórico-cultural e estético–estilístico de
época da música de Glauco Velásquez
O período que pretendemos contextualizar foi definido pelo historiador
americano, Jeffrey D. Needell como o apogeu de tendências específicas de longa
duração, quer como fenômeno inédito, assinalando uma fase única da história cultural
brasileira” (NEEDELL, 1987, p. 19). A belle époque carioca encontra suas origens na
segunda metade do século XIX, finalizando-se na segunda década do século XX.
(ibidem, p. 11).
Muitas foram as influências francesas no ideário brasileiro de civilização.
Do ponto de vista político e ideológico da cultura do país, nós relembramos apenas
alguns fatos que consideramos mais pertinentes: a presença do pensamento iluminista
francês como formador ideológico e filosófico de movimentos políticos, literários e
artísticos; a Missão Francesa de 1816 e seu o papel instaurador de padrões estéticos e
do gosto brasileiro pela literatura francesa; as iniciativas normativas do espírito
nacionalistas oriundas desde o Primeiro Império; o nascimento do romantismo
brasileiro associado às características nativas da cultura brasileira; sua presença na
formação científica e positivista nacional com sua correlata noção de ordem e progresso
como uma meta civilizadora que perdurará durante toda a República Velha (BENOIT,
2005, p. 47-48). Como também fundamentado por Needell em várias etapas do seu
estudo, a fantasia brasileira de civilização alastrou-se por todos os domínios da vida
social, cultural e artística da elite brasileira, associando-se a todas às demais influências
européias capazes de manifestá-la (NEEDELL, 1987). Mas de fato, expressaram apenas e
tão somente, um aparente apaziguamento entre as tendências conflitantes existentes na
identidade cultural brasileira e através de paradigmas civilizatórios, elas representaram
uma manutenção de valores do século XIX. Obviamente afetaram o meio cultural e
social de forma significativa, num momento de inigualável transformação. São
exemplos significativos dessa época importantes obras inspiradas no modelo urbanístico
parisiense de Hausmann que tentavam concretizar os anseios civilizatórios brasileiros,
como: A Avenida Central (1905) atual Avenida Rio Branco, Escola Nacional de Belas-
Artes (1908), Theatro Municipal (1909) e Biblioteca Nacional (1910) (ibidem, p. 49-
70). Como veremos, coincidem com todo o período de atividade composicional de
Glauco Velásquez.
1.2.1 Cenário musical europeu.
O percurso histórico-cultural das influências européias sobre a cultura
brasileira também se manifestou na música erudita, através da complexidade desse
período em que se observa a presença concomitante de aspectos de origem tanto
francesa quanto alemã
7
.
Carl Dahlhaus (19281989) nos apresenta uma visão interessante da relação da música
francesa com a música alemã nas últimas três décadas do século XIX. O cenário
musical francês, segundo ele, é a conseqüência estética da reação histórica à derrota
francesa para o Império alemão no conflito franco-prussiano de 1870-71. Parece muito
distante, mas como o próprio Dahlhaus afirmou: (...) “foi também um dos poucos cortes
profundos da história política os quais tiveram clara repercussão na história da música”
8
. Se, do lado alemão, Richard Wagner implementa seu antigo sonho de um teatro
nacional alemão subvencionado pelo governo, por outro, a derrota francesa leva Camille
Saint-Saëns (1845-1921) à proclamação da ars gallica, tema central da então recém
fundada Societé Nationale de Musique, como uma tentativa de enfrentar à frustração da
derrota.
7
Não nos referiremos à presença italiana igualmente importante na música erudita brasileira, pois ela de
distancia da canção, sendo muito significativa na performance operística.
8
(…) It was also one of the few profound breaks in political history which had clear repercussions on
the history of music.
A ars gallica tinha como objetivo defender os valores da cultura musical
francesa, prestigiar a produção de obras orquestrais e de música de câmara e assim fazer
frente à influência alemã. Entretanto, Dahlhaus reconhece uma posição ambígua e
complexa nessa reação. Se do ponto de vista musical, eminentes músicos franceses da
época continuavam a aceitar as conquistas musicais wagnerianas, do ponto de vista
filosófico eles repudiavam o ideário germânico.
Interessa-nos desta informação saber que iminentes músicos franceses,
direta ou indiretamente ligados aos protagonistas da música brasileira da belle époque,
tomaram parte nesse movimento através de suas respectivas participações naquela
sociedade musical. A Societé Nationale de Musique
9
fundada e presidida por Camille
Saint-Säens (1835-1921), teve como membros César Franck (1822-1890), Jules
Massenet (1842-1912), Gabriel Fauré (1845-1924), Henri Duparc (1848-1933), entre
outros. Outro aspecto importante é que as tendências assimilativas da linguagem
wagneriana foram, com certeza, reforçadas pelo contato direto de Francisco Braga com
seu professor Jules Massenet e mais expressivamente pelo seu contato direto com a
cultura alemã durante sua estadia em Dresden.
Nesta perspectiva de ambigüidade cultural, floresceu a melodie em Paris,
na segunda metade do século XIX, reconhecida como correspondente aos padrões
estéticos da criação alemã, o Lied. Mesmo que alguns compositores como Hippolyte
Monpou (1804-1841), Louis Niedermeyer (1802-1861) e Hector Berlioz (1803-1869)
tivessem composto várias canções e ciclos do gênero, o seu verdadeiro esplendor
ocorreu pelas mãos de Gabriel Fauré e Henri Duparc. Inspirados pela necessidade do
progresso musical francês, esses compositores reafirmaram o classicismo vienense e
9
Dahlhaus informa, entretanto, que existiam naquele momento inúmeras sociedades, porém
nenhuma com o conteúdo ideológico de renascimento dos valores culturais franceses. Inclusive a
música de Wagner já era prestigiada por nomes da envergadura de César Franck. Veremos mais abaixo
que Alberto Nepomuceno e Francisco Braga atuaram nessa sociedade de concertos (GROVE, vol.6,
p.721-753).
absorveram os avanços musicais conseguidos pela música de Richard Wagner
(DAHLHAUS, 1989, p. 263-293).
1.2.2 Os protagonistas da belle époque do Instituto Nacional de Música.
O cenário acadêmico do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro
era enriquecido pela presença de quatro grandes nomes da história da música do
período: Francisco Braga - professor de contraponto, Frederico Nascimento -
responsável pela cadeira de harmonia, Henrique Oswald - professor de piano, e Alberto
Nepomuceno (1864-1920) por duas vezes seu diretor, maestro, professor de
composição, órgão, personalidade musical e política nacional. Todos possuíam matriz
pedagógica e estética inicialmente brasileira, posteriormente enriquecida pelo contato
direto com nomes da mais alta relevância da música francesa, alemã e/ou do cenário
composicional do mundo da música do fin de siècle e da belle époque francesa.
Francisco Braga (1868-1945) foi aluno de Jules Massenet, influente
membro do grupo de César Franck. Viveu dez anos entre Dresden e Paris, e manteve
visitas regulares à Itália, Suíça e Áustria.
Henrique Oswald (1852-1931) nasceu no Rio de Janeiro, mas com a idade de 16 anos
mudou-se com a família para Itália. Era compositor, pianista e conceituado professor
deste instrumento no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Apesar da sua
formação italiana, Oswald manteve-se muito ligado à música francesa. (ibidem, p. 106).
Alberto Nepomuceno (1864-1920) poliglota, erudito, considerado o pai
da canção erudita brasileira, viveu sete anos na Europa, entre Roma, Berlim e Paris.
Manteve contato com personalidades do seu tempo como Johannes Brahms (1833-
1897), seu amigo Edvard Grieg (1843-1907), Richard Strauss (1864-1949) e Claude
Debussy (1862-1918) (ibidem, p. 121). Nepomuceno chegou a presidir a Sociedade de
Concertos Populares de Paris. Em termos da sua importância estética e formadora de
opinião no emaranhado cultural que tentamos esclarecer, é muito importante relembrar
os concertos da Exposição Nacional do Rio de Janeiro de 1908 no qual Nepomuceno
apresentou, pela primeira vez, ao público brasileiro, a música de Claude Debussy, Paul
Dukas (1865-1935) e Albert Roussel (1869-1937). Se, por um lado, podemos perceber
seu ativo interesse em dinamizar os padrões estéticos daquela instituição, por outro
deduzimos que sua iniciativa visava à comunicação de novas fontes de inspiração e
pesquisa de elementos musicais certamente inovadores. Não é do interesse imediato
desta reflexão determinar quantitativa ou qualitativamente a significação dessas ações
no contexto composicional erudito do Instituto Nacional de Música; contudo,
consideramos que devem ser mencionadas, pois foi naquele contexto que se inseriu a
trajetória composicional de Glauco Velásquez que o levará a compor “Alma Minha
Gentil” em 1913.
O Instituto Nacional de Música era o centro formador da opinião musical
erudita na capital federal da época e uma das importantes instituições da belle époque
carioca. Originou-se do antigo Conservatório fundado por Francisco Manuel da Silva
(1795-1865), desempenhando um papel prestigioso como mais uma instituição
transmissora dos valores de civilização preconizados pelas políticas governamentais do
Rio de Janeiro da belle époque.
1.3. O conjunto das canções para voz e piano de Glauco Velásquez
Trabalharemos com a catalogação feita pelo musicólogo mineiro José
Maria Neves, no livro Glauco Velásquez, que por sua vez organizou a obra do
compositor com base nas catalogações preexistentes: catálogo Glauco Velásquez,
catálogo Luciano Gallet e o catálogo Mercedes Reis Pequeno. Chamaremos sua relação
de catálogo José Maria Neves. Este reconhece a ordem cronológica de composição
apresentada no catálogo de Mercedes Reis Pequeno e posteriormente confirmada na
catalogação de Silvia Hasselaar (CARNEIRO & NEVES, 2002, p.21). Em seu catálogo,
José Maria Neves agrupa obras por seções separadas conforme suas respectivas
composições instrumentais. No que diz respeito às canções, nós observamos que as
mesmas são catalogadas a partir dos respectivos anos de composição, não sendo
considerada a ordem em que foram compostas nos seus respectivos anos (ibidem, p. 57-
82).
Nossa pesquisa até o momento não encontrou nenhum trabalho a respeito
do conjunto das obras vocais de Glauco Velásquez, a não ser algumas citações genéricas
sobre o assunto no livro a Canção Brasileira de Vasco Mariz que menciona as canções:
“Fada Negra”, “A casa do coração”, “Romance: Anália”, “As letras”, “Alma Minha
Gentil”, “Spes última dea”, “Mal secreto”, “Soledades” e “Fatalitá”. Mariz as considera
obra de um “compositor instintivamente revolucionário, avançadíssimo para a época”
(MARIZ, 1977, p.43).
Durante nosso trabalho observamos que ocorrem diferenças na ordem de
classificação, portanto sugerimos abaixo uma outra classificação organizada conforme o
dia, o mês e o ano de composição de cada canção que correspondem em ordem
crescente às indicações de opus grafadas nos manuscritos.
Quanto ao idioma dos poemas são 18 canções em português, 7 canções
em francês e 7 em italiano. A seleção de poetas é bem variada e inclui obras de autores
de várias épocas e nacionalidades: os portugueses Luís de Camões (1525? 1580),
renascentista (TORRALVO & MINCHILLO, 2001) e Antero de Quental (1842-1891),
romântico; os brasileiros Raimundo Corrêa (1860-1911), Olavo Bilac (1865-1918) e
Luiz Guimarães Júnior (1845-1898), parnasianos; Gonçalves Dias (1823-1864), João
Cardoso de Meneses e Sousa, o Barão de Paranapiacaba (1827-1915), Luiz Nicolau
Fagundes Varella (1841-1875) e o mineiro Eloy Ottoni (1764-1851), românticos.
Disponível em http://www.academiamineiradeletras.org.br/patronos.htm
Os poetas franceses estão representados por Alphonse Marie Luis de
Lamartine (1790-1869), Antoine-Vincent Arnault (1766-1834) românticos e pelo
parnasiano Sully Prudhomme (1836-1907) e, ainda, por um autor não informado da
canção “Chanson d’amour”. Temos também o espanhol Eusébio Blasco (1844-1903),
embora seu poema “Soledades esteja traduzido
10
para o português na canção do
compositor. Dois poetas italianos são igualmente musicados por Glauco Velásquez:
Lorenzo Stecchetti
11
, pseudônimo de Olindo Guerrini (1845-1916) e Ada Negri (1870-
1945). Não conseguimos identificar o poeta di Milli da canção “Un desiderio”.
Glauco Velásquez deixou uma canção inacabada: “Serenata” com texto
de Lorenzo Stechetti (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 81).
10
Tradução não informada na cópia do manuscrito da canção, tampouco encontramos referências a seu
respeito.
11
Consta uma canção inacabada de Glauco Velásquez com poema L. Stechetti. (ibidem, p. 81).
Conjunto de 32 canções para voz e piano de Glauco Velásquez
12
Título Data Poeta
1 A casa do coração [opus 07] 23.04.1904 Antero de Quental
2 Não sabes? [sem opus] 12.12.1904 Não informado
3 Vita [sem opus] 21.05.1905 S. B. Lan
4 Romance: Anália [sem opus] 02.06.1905 Eloy Ottoni
5 Borboleta [opus 10] 08.06.1905 Adelina Alambary Luz
6 Ouvir estrelas [opus 13] 19.06.1905 Olavo Bilac
7 Segredo [sem opus] 05.07.1905 Autor não informado
8 Le Livre de la vie [opus 16] 16.07.1905 Alphonse de Lamartine
9 La feuille [sem opus] 20.08.1905 Antoine V. Arnault
10 Soledades [opus 21] 17.09.1905 Eusébio Blasco
11 À Berenice [ sem opus] [1905?] Barão de Paranapiacaba
12 Ici bas [opus 46] 16.02.1906 Sully Prudhomme
13 Chanson d'amour [opus 24] 19.02.1906 Autor não informado
14 J'ai voulu [opus 26] 08.06.1906 Mauricio Tubert
15 Seus olhos [opus 20] 07.07.1906 Gonçalves Dias
16 As letras [opus 31] 29.11.1906 L. Fagundes Varella
17 Mi se spezza la testa-Romanza [opus 33] 28.12.1906 Lorenzo Stecchetti
18 A bella [opus 32]
[1907?] Luiz Guimarães
19
20
21
Spes ultima Dea [opus 43]
Mal secreto [opus 45]
Nell'aria della sera umida e molle [opus 55]
30.10.1907
28.12.1907
29.08.1908
Lorenzo Stecchetti
Raimundo Corrêa
Lorenzo Stecchetti
22 Un organetto suona per la via [opus 56] 07.09.1908 Lorenzo Stecchetti
23 L'amour naissant [sem opus] 11.05.1910 Autor não informado
24 Mors, amor [opus 73] 12.05.1910 Antero de Quental
25 A fada negra [opus 77] 13.07.1910 Antero de Quental
26 Amor Vivo [opus 79] 28.07.1910 Antero de Quental
27
28
Na capela [opus 80]
À Virgem Santíssima [opus 81]
03.08.1910
15.08.1910
Antero de Quental
Antero de Quental
29 Storia breve [sem opus] 13.01.1912 Ada Negri
30 Un desiderio [sem opus] 12.03.1912 Di Milli
31 Fatalitá [opus 96] 26.07.1912 Ada Negri
32 Alma minha gentil [opus 107] 19.01.1913 Luís Vaz de Camões
1.4. O contexto estético das canções no conjunto da obra de Glauco
Velásquez.
Num primeiro exame, pode-se observar que no período composicional de
dez anos (1903–1913), com uma produção total de 123 obras, Glauco Velásquez
demonstrou inquietação pela voz solo, coral ou em outras combinações: são 48 obras
12
As canções foram ordenadas por nós conforme as datas inscritas nos manuscritos.
vocais se considerarmos mais o projeto de uma ópera. O piano também tem papel de
destaque mesmo quando em composições em que aparece junto a outros instrumentos.
Sobressaem também: o violoncelo, o violino, o órgão e o harmônio.
Sob o ponto de vista das formações instrumentais preferidas, o gênero de
música de câmara é o escolhido por Glauco Velásquez. A sua incidência é superior à
música solo, porém não nenhuma obra orquestral, apenas pequenos conjuntos
instrumentais, todos eles acompanhando a voz. Em nossa observação das formas
musicais usadas por Glauco Velásquez, constatamos a presença de um grande número
de obras designadas por formas e/ou gênero musicais clássicos, românticos e títulos de
obras que nos remetem às formas de designadas como “peças características”
(SCHOENBERG, 199, p.119-120).
Fizemos um levantamento aproximativo das mesmas, a partir da
catalogação de José Maria Neves, e observamos formas originalmente clássicas que
foram igualmente utilizadas por compositores românticos, impressionistas e em obras
de tendência ao retorno clássico, muito características na música do final do século XIX
e das primeiras décadas do século XX. Por exemplo: 1 divertimento, 4 serenatas, 4
minuetos, 1 prelúdio e divertimento, 11 gêneros antigos de dança (giga, sarabandas,
gavotas etc.), 2 suítes, 1 improviso, 4 prelúdios, 2 sonata, 6 trios, 1 quarteto, 2 fantasias,
etc.
Encontram-se duas obras que indubitavelmente não poderiam deixar de
nos remeter a César Franck, conclusão comprovada pelas declarações de Glauco
Velásquez ao crítico Rodrigues Barbosa e analisada por José Maria Neves. Trata-se do
“Prelúdio, Coral e Final” de 1912 e uma outra obra não datada composta por três peças
intituladas: “Preludio, Intermezzo, Chorale” ambas para órgão (CARNEIRO & NEVES,
2002, p. 77 e 81).
Retornando às “peças características”, optamos especificá-las
separadamente, pois entre outras qualidades sugerem um cunho descritivo e ou
programático. Arnold Schöenberg fala a esse respeito e parece descrever, a nosso ver,
títulos de muitas obras velasqueanas como “Marcia titanica”, “Frammento del sogno
d’amore”, “Brutto Sogno”, “Melancolia”. Muitos títulos de obras evocam estados
psíquicos, devaneios, emoções, etc., como “Misterio”, “Sogno”, “Delírio” (uma sonata
cujos movimentos receberam nomes tais como “tristeza”, “conforto”). Schöenberg
afirma a este respeito: “a música descritiva (...), sob pressão de contrastes fortes e
repentinos, desenvolve suas formas em harmonia com estas emoções, eventos e ações
que ela deseja ilustrar” (SCHOENBERG, 1996, p. 121).
No segundo parágrafo de sua carta a Rodrigues Barbosa, Glauco
Velásquez nos fala a respeito da maneira como concebe sua atividade composicional e a
consideramos bastante próxima da afirmação acima citada de Arnold Schöenberg: “(...)
sirvo-me da música para expandir os meus sentimentos, as impressões, o ideal que eu
sonho, mas cuja forma lógica para dizê-los está subordinada ao meu modo de ser”
(CARNEIRO & NEVES, 2002, p.51-53).
Glauco Velásquez diz servir-se da música como um meio de expressão de
seus sentimentos, de suas impressões e de um ideal sonhado por ele, cuja forma musical
a eles se subordinaria. Ele nos parece apresentar apenas a natureza expressiva da sua
atividade composicional, curiosamente testadas pelos títulos das obras. Entretanto, a
questão formal em Velásquez percorre toda a extensão da sua atividade criadora e
mesmo atestando, por escrito, seu desejo de abandonar os “moldes clássicos, ele
sempre se apresenta retornando a eles.
Em virtude das características do nosso trabalho, não temos o compromisso de levar a
cabo essa discussão. Nosso dever é concluir algo em relação às nossas questões
interpretativas. Nossa delimitação interpretativa e de performance nos impõem a
necessidade de nos focarmos na maneira como a estrutura musical interna da obra se
realiza e se acomoda aos limites de sua respectiva organização formal. Essa dimensão
estética está clara nas palavras acima apresentadas na carta de Velásquez e mais uma
vez, podemos reencontrá-las em Schöenberg: “em um sentido estético, o termo forma
significa que a peça é ‘organizada’ (aspas do autor), isto é, que ela está constituída de
elementos que funcionam tal como um organismo vivo” (SCHOENBERG, 1996, p. 27).
Do ponto de vista estético da sua linguagem musical, Velásquez reconhece a
necessidade do profundo conhecimento dos elementos musicais, dando ênfase ao estudo
da harmonia, do contraponto, da fuga e do conhecimento da construção estética da linha
da melodia (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 53). José Maria Neves não considera esta
afirmação do compositor muito explicativa do ponto de vista dos seus procedimentos
criativos (ibidem, p. 28-29). Entretanto, a conclusão do musicólogo em torno do estudo
da partitura em si como reveladora da realidade estética e dos processos técnicos
utilizados pelo autor é coincidente com a nossa declaração a respeito da importância do
conhecimento detalhado dos elementos que estruturam as suas obras, muito
especificamente aqui em suas canções.
CAPÍTULO 2
A POESIA
2.1 Fundamentação teórica do estudo da poesia na performance da
canção.
Fundamenta-se a necessidade do estudo analítico do texto poético como
ponto de partida para todas as demais vinculações com as respectivas linguagens da
música, dos intérpretes e do conjunto na realização da canção “Alma Minha Gentil”.
Este pressuposto teórico reside no fato de que a compreensão do significado do
texto além de embasar todas as demais etapas da performance desta canção forneceria
importantes subsídios técnicos e interpretativos do ponto de vista da dicção, da
declamação e da possível maneira como o compositor ouviu os elementos musicais do
texto poético (STEIN & SPILLMAN, 1996, p. xvi).
Compartilhamos, com o método de Stein e Spillman, a divisão desta
análise nas vertentes do conteúdo poético e da sua forma. Na primeira consideramos
pertinente trabalhar a representação poética (temas e imagens), suas figuras de retórica
(metáforas, símbolos e demais figuras possivelmente presentes), persona e modos de
endereçamento do poema e os aspectos da progressão poética presentes em “Alma
Minha Gentil”. Na forma poética, a segunda vertente, nós delimitaremos esta análise
apenas ao conhecimento dos aspectos do comprimento e terminação de linhas, à
articulação dos versos pela pontuação, às divisões formal e métrica da poesia (escansão)
e ao esquema de rimas (finais e internas).
A estrutura interna desta análise, intercalada por breve informação a
respeito do poeta e do poema “Alma Minha Gentil”, se organizará da seguinte forma:
Conteúdo poético:
Significado do texto;
Análise interpretativa do significado em cada estrofe;
Análise da representação e progressão poética;
Persona e modos de endereçamento;
Forma poética:
Divisão poética (comprimento e terminações de linha; articulação dos
versos);
Esquema de rima;
Métrica poética (escansão).
Pensamos que o estudo dos aspectos formais e de conteúdo do texto
poético de uma canção nem sempre são convenientemente dimensionados frente à
importância do estudo inicial da preparação da performance da canção. Muito
freqüentemente, o intérprete se limita ao conhecimento superficial e imediato do
significado e da dicção das palavras do texto poético, cuja pronuncia oferece alguma
dificuldade. Este fato nos leva sugerir que o texto poético, em termos do seu
significado, da sua sonoridade e do ritmo de suas palavras seja tratado isoladamente, a
despeito da característica musical da nossa atividade. Neste sentido, lido e declamado a
fim de que, tanto o cantor como o pianista, possam fazer contato direto com a estrutura
poética musicada pelo compositor. Nossa experiência nos leva a confirmar a
importância desse trabalho no processo de preparação da performance da canção. O
estudo de alguns recursos de conteúdo e forma da poesia é fundamental para a
compreensão dos aspectos musicais nos seus desdobramentos interpretativos e na sua
recíproca sujeição às exigências do texto poético. No trabalho básico da performance da
canção, o texto poético se estabelece como um centro gravitacional em torno do qual
todo os demais elementos (musicais e dos performers) giram e mantém trocas
recíprocas, determinadas pelos significados do poema, bem como dos seus aspectos
formais, rítmicos e métricos. Assim, isolaremos neste capítulo alguns elementos básicos
da linguagem poética, cujo conhecimento não pode ser negligenciado pelos intérpretes.
Stein e Spillman afirmam que o estudo da poesia não é optativo; muito
pelo contrário, ele é a maior parte do trabalho inicial de todo o aprendizado e realização
da performance da canção. Ambos encorajam os intérpretes e aqueles que se sentem
despreparados ou mesmo incapazes de realizar tal tarefa, a realizá-la com persistência.
Fazem críticas aos programas de ensino que não apresentam em seus currículos o estudo
da linguagem como uma arte e tentam motivar o cantor e o pianista a incorporar esse
estudo na sua prática. Segundo eles, a compreensão dessa necessidade se tornaria
gradualmente mais presente e seria assimilada a rotina de trabalho de ambos os músicos
(ibidem, p.20).
O barítono francês Pierre Bernac, na sua obra The Interpretation of
French Song (1970), sublinha que o texto poético deve ser tratado com o mesmo
cuidado, respeito e acuidade com que normalmente se aborda o texto musical. Bernac
considera que o respeito se manifesta inicialmente pela consideração cuidadosa da
articulação e da pronúncia do texto, obviamente precedida pela sua análise e síntese. Ele
também considera que a poesia deve ser completamente inteligível, inclusive como um
gesto de respeito ao público e de honestidade com o poeta (ibidem, p. 3). Veremos que
tanto Stein e Spillman, como também Bernac relevam a sonoridade e o ritmo das
palavras como parte integral da própria música. Ele acrescenta que muitas vezes a
sonoridade, a acentuação e o ritmo das palavras podem inspirar a música bem mais que
o significado das emoções que ela expressa. Continua o famoso barítono, “cada som
deve ter o seu valor, não apenas em afinação e ritmo, mas também na cor e na ênfase
verbal” (ibidem, p. 3, tradução nossa)
13
.
2.1.1 Temas e imagens poéticas na sua relação com a performance da
canção.
O primeiro aspecto, imediato ao nosso interesse, se refere ao
conhecimento das idéias, imagens e dos procedimentos poéticos que podem definir a
poesia de um determinado período, mesmo sabendo que os poetas e suas escolas são,
muitas vezes, maiores que as caracterizações estilísticas. Contudo, elas são úteis no
momento analítico da delimitação dos aspectos básicos de um determinado estilo
poético, pois podem guiar a análise de seus respectivos temas, imagens e correlatos
elementos poéticos de representação, progressão, determinação da persona e
caracterização dos modos de comunicação do significado poético do texto.
O modelo analítico de Stein e Spillman é concebido e está aplicado na
poesia romântica alemã, mas pode também servir ao estudo de textos poéticos de outros
períodos e nacionalidades. Eles sugerem uma pequena série de temas em torno dos
quais se formam as imagens mais freqüentes daquele período. Desde o início, parece
lhes importar a determinação da questão fundamental do período poético ao qual se
pretende referenciar. Os autores levantam duas características do período romântico: 1)
o desejo insaciável de ir além daquilo que se conhece e 2) abraçam os aspectos ou
fenômenos contraditórios como uma entidade singular. Assim diante de situações
semelhantes, eles consideram que os intérpretes devem sempre estar muito atentos e
procurar conhecer os recursos estilísticos usados pelo poeta (STEIN E SPILLMAN, 1996,
p.5). Será realizado a mesma análise no poema soneto de Camões.
13
(...) each sound must have its value, not only in pitch and rhythm, but also in colour and verbal stress.
“Alma Minha Gentil”, soneto do poeta renascentista português, Luís Vaz
de Camões, contém alguns destes temas e como escolha poética, a consideramos
pertinente com a postura estética de Glauco Velásquez. Assim, Stein e Spillman
classificam cinco temas como: a) evocação da natureza; b) atração pelo mistério; c)
individualismo exacerbado; d) salvação espiritual; e) temática e escolha de poetas
renascentistas. Destes temas e influências temáticas existe, inicialmente, a própria
escolha de Glauco Velásquez por um poeta renascentista português
14
.
2.1.2 Figuras de retórica e a performance da canção “Alma Minha
Gentil”.
Stein e Spillman examinam o papel das figuras de retórica mais comuns
na poesia clássica alemã. Os autores afirmam que se o conhecimento aprofundado
desses termos não estiver bem sedimentado, os mesmos “perdem sua capacidade de
iluminar as nuances do significado poético” (ibidem, p. 21, tradução nossa)
15
.
Outro importante aspecto desse estudo é possibilitar o conhecimento
acurado da maneira como os grandes poetas usam as figuras de retóricas
16
. A dinâmica
poética se estabelece na expressão da significação do texto poético através da
combinação e da escolha de palavras que serão realçadas pelas figuras de retóricas
usadas pelo poeta. Uma vez determinada esta dinâmica, aparecem os fundamentos
14
Além de “Alma Minha Gentil”, Glauco Velásquez musicou, de Camões, “Sete Anos de Pastor”, mas
para voz
e conjunto de câmara.
15
(...) they lose their capacity to illuminate the nuances of poetic meaning.
16
Stein e Spillman examinam como Goethe, Eichendorff e Heine usam a linguagem para tratar as figuras
de
retórica como imagem, símbolos, metáforas e exemplificam examinando como cada um deles trataram
as
“imagens da natureza” (Eichendorff), a “ironia” (Heine) e a descrição das “emoções” caracterizada por
Goethe
nos protagonistas de suas poesias (ibidem, p. 21).
básicos do processo de análise dos três aspectos interpretativos da performance da
canção.
2.1.3 Representação poética.
Stein e Spillman realçam algumas figuras de retórica em função da sua
presença na poesia romântica alemã. Eles isolam as imagens, os símbolos, as
personificações e outras figuras a fim de explicar o seu papel no trabalho de preparação
da performance da canção. Trata-se de um recurso útil na delimitação dos modos como
o poeta realça uma idéia, como ele incrementa o imaginário poético e intensifica-o,
podendo dotá-los de características específicas, tal como ocorre com qualquer outra
figura de retórica. É exatamente esta possibilidade expressiva das figuras de retórica que
deverá ser explorada a fim de orientar os intérpretes na construção do cenário e do
imaginário poéticos, além de consubstanciar suas decisões interpretativas.
2.1.4 Progressão poética.
A progressão poética, segundo os autores, envolve traços dos
pensamentos, sentimentos, emoções do poeta que podem permear todo o poema e
evocam, em um determinado momento ou numa seqüência temporal, vários modos de
atividade ou de movimento de natureza física, emocional ou psicológica (ibidem, p.26).
Em “Alma Minha Gentil” a progressão é um recurso muito presente.
Stein e Spillman não poupam esforços em encorajar os intérpretes a rastreá-la e afirmam
que ela pode ser mais bem estudada quando relacionada com os demais aspectos do
conteúdo do poema. Os autores a identificam como um meio de conhecimento da
expressão musical do elo existente na canção entre o texto musical e poético. Sua
determinação se faz a partir da análise de todos os elementos internos da poesia e ela
deve ser traçada ao longo de todo o poema (ibidem, p.27-28).
2.1.5 Persona e Modos de endereçamento.
Outros elementos de significativa importância musical e interpretativa do
conteúdo poético são considerados pelos autores em Poetry into Song. São os conceitos
de persona e dos modos de endereçamento. A persona é quem fala no poema e os
modos de endereçamento nos remete à pessoa para quem o poeta se dirige e de que
modo. Uma vez compreendidos, eles servem ao entendimento dos procedimentos
musicais e interpretativos na medida em que elas são consideradas nas tomadas das
decisões interpretativas dos performers: estilo vocal, determinação de nuances entre as
linhas vocais e do acompanhamento, e presentes em recursos corporais utilizados pelo
cantor, como gesto, atitude corporal e facial.
A persona pode ser uma ou mais pessoas, inclusive um narrador. Sua
expressão pode ser variada e está condicionada ao tipo do poema. Stein e Spillman
exemplificam sua ocorrência através da duplicação da voz da melodia ou pela
ocorrência ou não de partes como interlúdios, postlúdios e de outras formas da presença
do texto pianístico no conjunto da canção. Esse recurso de retórica é encontrado com
freqüência em “Alma Minha Gentil” como também nas outras canções de Glauco
Velásquez.
O termo “modo de endereçamento” é por si explicativo, contudo de determinação
mais sutil. Referindo-se a quem se destina a mensagem, ele pode ser um solilóquio ou a
narrativa de uma ou mais personas, determinando a presença ou ausência de um
interlocutor; sugere uma resposta à fala da(s) persona(s) e pode assumir papel
expressivo na projeção do significado poético. Os autores citam os temas com sentido
duplo que podem ter, muitas vezes, aspectos de ambigüidade distribuídos entre as vozes
do canto e do acompanhamento pianístico, por exemplo: um mundo real e outro
fantasioso, situações conscientes e subconscientes da narrativa e muitos outros. Deverão
de algum modo estar representados pelas decisões musicais do compositor: harmonia e
tonalidade, tratamento melódico e textural do contexto musical.
Somos levados a reconhecer o uso freqüente desses recursos retóricos em
“Alma Minha Gentil” e concluímos nossas considerações a esse respeito, apresentando
as considerações de Stein e Spillman:
(...) a determinação da persona e dos modos de endereçamento apresentam acima de
tudo um desafio para os performers, os quais são impelidas a conceder amplo
domínio as interpretações tanto da poesia como dos seus papeis no conjunto
musical. (ibidem, p.32 - 33, tradução nossa)
17
.
2.2 O poeta e o poema.
O contexto de vida de Luís Vaz de Camões (1525? - 1580?) coincide com
o esplendor português na Europa mercantilista. Muitas informações sobre sua vida são
incertas. Suas datas de nascimento e morte, assim como importantes detalhes a respeito
de suas relações afetivas e amorosas podem ser contadas de várias formas. Entretando
fica-lhe um conjunto expressivo de obras e dele Os Lusíadas (1572), grande poema
épico onde está enaltecido o passado português e com o qual se criou a primeira grande
obra literária da língua portuguesa.
17
The determination of personas and modes of address thus presents a great challenge for performers,
who are
urged to give free reign to interpretation of both the poetry and their roles within the musical settings.
Camões investiga o ser humano e o amor através da sua poesia lírica que
estão representados e valorizados na sua lírica por uma variedade de temas e formas.
Alguns deles
podem ser brevemente esquematizados em termos da sua aproximação como o soneto
“Alma Minha Gentil”. Recortamos apenas os temas concernentes à instabilidade dos
sentimentos e da realidade, ao ideal de perfeição física e moral, ao sentido do amor
platônico
18
, ao desconserto do mundo frente ao sentido ilusório de tudo que diz respeito
à vida terrena e à perda da amada (TORRALVO & CORTEZ, 2001, p. 20-31).
Com relação ao uso que Glauco Velásquez faz do texto, nós podemos
dizer que Stein e Spillman sublinham semelhante atitude nos poetas românticos e pós-
românticos de poder recorrer ao ideário renascentista, como fonte inspiradora de
imagens particularmente mais coloridas (STEIN & SPILLMAN, 1996, p.13)
19
. Nós
encontramos um belo exemplo, entre outros, em Hugo Wolf (1860-1903) no ciclo Drei
Lieder nach Gedichten von Michelangelo com poemas de Michelangelo Buonarotti
(1475-1564).
Do ponto de vista formal, encontra-se em Camões a assimilação do dolce
stil nuovo trazido da renascença italiana por Miranda (1527). Trata-se da valorização
da rítmica poética, através da extensão do verso decassílabo e a introdução formal dos
sonetos, sextinas, canção, etc. na lírica da língua portuguesa.
“Alma Minha Gentil” é um decassílabo heróico, pois apresenta
acentuação na 6
ª
e 10
ª
sílabas dos seus versos (BECHARA, 2001, p.635). Trata-se do
soneto 48 no qual Camões se refere à figura de uma legendária mulher, possivelmente
sua amante, Dinamene, morta num naufrágio no rio Mekon, Indonésia, em companhia
18
A idéia platônica associada à concepção de Paraíso, de onde se emana a perfeição divina, está presente
no
soneto “Alma Minha Gentil”. Este é um importante tema e ressurgirá em todos os capítulos desta
dissertação.
19
Os poetas musicados por Glauco Velásquez são na sua maior românticos, parnasianos e simbolistas.
do poeta. Supõe-se que Dinamene seja um nome poético encontrado por Camões para
identificar e cantar em vários sonetos as qualidades morais de uma mulher doce,
paciente e submissa da qual emanam sentimentos de profunda pureza e suavidade. Sua
figura tem representado suas qualidades morais em muitos outros sonetos do poeta
português. Nele está manifesto de maneira delicada e comovente, o desejo do poeta de
se juntar no céu à amada morta e sua disposição de ver sua própria vida abreviada em
troca da possibilidade do reencontro (TORRALVO & MINCHILLO, 2001, p. 16-31).
2.3 Forma Poética
Não é a forma pela forma que nos interessa e sim o que ela representa
como desafio ao compositor na equalização de dois meios, música e poesia,
aparentemente díspares, mas que necessitam serem trabalhados em conjunto. Parece-nos
que essa síntese, inicialmente feita pelo compositor, deva também ser entendida a partir
de meios específicos de análise formal do poema. Stein e Spillman justificam essa
análise e incentivam os intérpretes a incorporar seus procedimentos na sua prática de
estudo e preparação da canção, pois dele pode-se também depreender conhecimento
acurado a respeito da respiração, da determinação e da articulação do fraseado, da
relação entre métrica poética e musical da canção, enfim de demais aspectos
organizacionais do texto musical e dos performers.
O pressuposto teórico do estudo formal da poesia na preparação da
canção levanta algumas questões de como compreender a transposição do estudo da
forma poética para a forma musical e da significação do texto poético.
A articulação poética depende diretamente da pontuação do texto
20
, a observação da sua
variabilidade é encorajada pelos autores no sentido de que as linhas se organizam
conforme a maneira como elas terminam (STEIN & SPILLMAN, 1996, p. 33). Assim temos
três modos de terminação da linha:
1. terminação natural - refere-se à terminação natural e conclusiva na
própria linha do verso;
2. cavalgamento - também considerada uma terminação falsa, ocorre
quando duas ou mais palavras de uma linha completam o significado na
linha anterior. Este tipo de terminação exige decisões imediatas por parte
dos intérpretes com relação à marcação da respiração das frases vocais e
do acompanhamento e, ainda, na junção entre ambas. Assim determinam
a articulação das frases, das nuances e do tempo;
3. cesura - é considerada por Stein e Spillman como a “mais dramática
forma de articulação” dentro do poema. Ela representa um desafio para o
compositor e intérpretes que devem equilibrar a construção da frase
musical em relação ao texto poético e demandam este conhecimento dos
intérpretes a fim de determinar coerentemente a marcação da respiração,
sua realização em um tempo adequado às necessidades do texto poético,
musical e as características das questões técnicas, tanto para o cantor,
como para o pianista e o conjunto.
A seqüência das linhas deve ser examinada a partir das linhas de rima e
dos padrões rítmicos dos finais das linhas. Os autores afirmam que normalmente quando
encontramos linhas de rima simultaneamente com finais de rimas, estas são fortemente
conectadas (ibidem, p.34). Eles destacam também a existência de dois finais de linha
20
São eles a vírgula, o ponto e o ponto e vírgula e travessão. Cada uma delas deve ser analisada dentro
do contexto poético-musical. Bem como do ponto de vista técnico-interpretativo (ibidem, p. 33).
básicos: a) a linha que finaliza com uma sílaba tônica, o que é denominado por final
forte; b) a linha que termina com uma sílaba átona, final fraco.
A relação entre as características dos finais de linha, bem como sua
alternância no poema deve ser examinada em conjunto com as frases musicais. Os
intérpretes devem conhecer essa relação e observar o maior número de detalhes desses
fatos poéticos.
2.3.1 Esquemas de rima
O esquema de rima é a maneira como as rimas se relacionam no poema.
A rima ocorre geralmente no final das linhas do poema, mas podem também se
manifestar internamente nas mesmas linhas. Elas são identificadas por pequenas letras
que numa ordem seqüencial e crescente indicam sua repetição ou a inclusão de uma
nova rima. Podem ser duetos: aa, bb, cc, dd, etc.; tercetos: aba, bab, cdc, dcd, etc.;
quartetos: abba, abab, aaba, bbab, etc.
Segundo Stein e Spillman, o esquema de rima interfere na fluência do
poema, solicitando dos intérpretes decisões a respeito do andamento. Os autores
explicam que enquanto o esquema de alternância de rima, abab, tende a um tempo
moderado, um par de linhas com a mesma rima, abba, tende a acelerar o tempo na
estrofe (ibidem, p.34).
A rima interna cria um outro critério de conexão. Ela não se atém apenas às terminações
das palavras, mas pela presença de sons de vogais e formas internas de rimas comuns a
ambas (assonância) ou pela conexão através da repetição inicial do som da consoante.
Ambas conectam as palavras pelo som e demandam atenção especial por parte dos
intérpretes (ibidem, p.36).
2.3.2 Métrica poética
A métrica poética é o padrão de acentuação silábica na poesia e o número
de sua ocorrência é determinado por certas regras e tradições. Uma simples unidade é
denominada por e os tipos de métrica assim como na métrica musical, são dividido
em duplo (binário) e triplo (ternário). As linhas da poesia são formadas por
agrupamentos de palavras padrões que organizam a ênfase poética em desenhos únicos
(ibidem, p. 38).
Nossa análise a respeito das considerações teóricas de Stein e Spillman
nos levou a sintetizá-la da seguinte forma:
1. a escolha de ritmo e métrica poética influencia o tempo da
declamação do texto poético. As sílabas tônicas tendem a serem
acentuadas e, portanto mais lentas;
2. as sílabas átonas sem acentuação, são realizadas mais rapidamente. A
determinação da métrica poética se faz a partir da escansão da poesia.
Trata-se de um procedimento analítico que verifica aonde a acentuação
acontece, por conseguinte, a escansão identifica as sílabas átonas. A
escansão não é um procedimento unívoco e desta forma admite mais de
uma análise. A sua realização é, contudo, importante especialmente para
o cantor, pois pode lhe mostrar como as palavras são pronunciadas e
faladas na linha e a partir desse ponto, decidir qual padrão métrico deve
ser usado. Outro aspecto merecedor de atenção é o fato de a escansão
poder auxiliar o cantor na sua decisão sobre as nuances do significado
poético do texto (ibidem, p. 40).
A escansão tem papel fundamental no refinamento de todos os elementos
interpretativos da linha vocal. Ela é um recurso de análise poética que auxilia no
trabalho da dicção, além de ser capaz de sugerir elementos para decisões concernentes
ao tempo e à expressão da dinâmica do significado do poema.
Após a determinação da métrica, chega-se ao conhecimento dos pés de
cada linha. Estes deverão informar a respeito da relação entre cada uma delas no poema.
Este procedimento se justifica pelo padrão do comprimento dos pares de linhas se
refletir no significado poético do texto, bem como nas decisões interpretativas a serem
tomadas. Por exemplo, Stein e Spillman consideram que os intérpretes devem sempre
ter em mente que a escolha do ritmo e da métrica influencia no andamento no qual o
texto deve ser declamado e obviamente na maneira como ele é musicado pelo
compositor (ibidem, p. 39). Desta forma, justifica-se a necessidade da aprendizagem
desse recurso analítico-poético logo no início do estudo da poesia da canção.
Não podemos nos esquecer que a métrica poética se determina por regras
e, como tal, pode ser deliberadamente alterada pelo compositor. Assim, ela deve ser
tratada sem rigidez, pois também representa um poderoso recurso expressivo chamado
“substituição”. Stein e Spillman afirmam que “essas substituições são tão importantes
quanto a própria métrica” (ibidem, p.39)
21
.
21
(...) these substitutions are as important as the actual meters themselves.
2.4 Análise do poema “Alma Minha Gentil”
Número de linha Esquema de rima
1 Alma minha gentil, que te partiste a
2 tão cedo desta vida descontente, b
3 repousa lá no Céu eternamente, b
4 e viva eu cá na terra sempre triste. a
5 Se lá no assento etéreo, onde subiste, a
6 memória desta vida se consente, b
7 não te esqueças daquele amor ardente b
8 que já nos olhos meus tão puro viste. c
9 E se vires que pode merecer-te c
10 alguma cousa a dor que me ficou d
11 da mágoa, sem remédio, de perder-te, c
12 roga a Deus, que teus anos encurtou, d
13 que tão cedo de cá me leve a ver-te, c
14 quão cedo de meus olhos te levou. d
Representação poética: Temas e Imagens.
1
ª
quadra:
Alma Minha Gentil” - significado renascentista para alma nobre,
formosa. Caracteriza a maneira como o poeta sente a pessoa amada. A expressão é uma
restrição ou especialização do significado, pois realça o sentido positivo da pessoa por
ela denominada (BECHARA, 2001, p. 401).
que te partiste tão cedo desta vida descontente” uma idéia de
abandono, prematuro, da realidade triste na Terra. A imagem expressa a distância da
separação dos amantes pela representação do poeta abandonado em um local triste ou
em meio à tristeza.
“repousa no céu eternamente, e viva eu na terra sempre triste”- a
imagem da tranqüilidade eterna se contrastando com a tristeza da vida terrena. Ambas
as imagens, viver tristemente na Terra e repouso eterno, apresentam uma dicotomia
espacial: alto () e baixo (); Céu e Terra. Esta imagem ocorre no final da quadra e
deverá ser analisada sua representação musical.
2
ª
quadra:
Se no assento etéreo onde subiste memória desta vida se consente”, -
o tema se refere à possibilidade de se lembrar na vida celestial dos fatos vividos na vida
terrena. A imagem é a lembrança possível da vida terrena.
“não te esqueças daquele amor ardente que nos olhos meus tão puro
viste”- o poeta suplica à amada para que ela nunca se esqueça do amor ardente que um
dia viu nos seus olhos.
1
º
terceto:
“Se vires que pode merecer-te alguma cousa a dor que me ficou da
mágoa, sem remédio, de perder-te”, - o tema é a visão da dor pela perda da pessoa
amada e a imagem é o poeta abandonado, imerso na dor e na sua incerteza de ainda ser
merecedor do amor da amada morta.
2
º
terceto:
roga a Deus, que teus anos encurtou, que tão cedo me leve a ver-te, quão
cedo de meus olhos te levou”. - tema é o pedido para que Deus conceda ao poeta a
possibilidade de se encontrar com a pessoa amada. A imagem é a do poeta suplicante
para que Deus lhe encurte a vida e ele possa o mais breve possível se encontrar com ela.
Subentende-se deste verso que o eu-poético se complementará apenas no eu-amado e
assim a morte passa a ser rogada como uma solução para a sua dor.
Figuras de retórica
Encontramos poucas figuras de retórica no texto do poema, no entanto
todas cumprem a função expressiva no contexto dos versos. São elas:
1. “Alma Minha Gentil” - figura de retórica com ordem invertida a fim
de realçar a subjetividade do seu significado. Podemos apontar a
caracterização do sentido de pureza, de delicadeza e da essência da
pessoa amada através do deslocamento da palavra através da
alteração métrica. Do ponto de vista musical e dos performers deve
ser igualmente notada. Os intérpretes devem conhecer a
expressividade dessa alteração. Deste conhecimento se depreende
importantes elementos de estudo na seqüência da análise das
linguagens poética, musical e dos performers desta canção. Além de
sugerir como o compositor utiliza os elementos musicais com os
quais tenta reproduzir o modo como ouve e concebe esta figura.
22
2. “Assento etéreo” - é uma figura de retórica que se pode classificar
na categoria de “símbolo” nas figuras de construção. Substitui a palavra céu (ibidem,
p.28), representando e reforçando a determinação da localização celestial (espacial) da
pessoa amada. Com mais esta figura no contexto retórico deste poema, o poeta
desenvolve as idéias poéticas implícitas no confronto imediato entre céu/terra,
vida/morte e de maneira subliminar, estão presentes as idéias poéticas implícitas na
relação passado/presente.
3. “Amor ardente”- figura que atribui grande expressividade em termos
da intensidade afetiva da expressão do amor vivido pelo poeta. Serve-
se da relação imaginária fogo paixão, amor brasa, etc. Esta
metáfora (amor = fogo; chama) é empregada na 7
ª
linha, exatamente
naquela onde o clímax do poema se manifesta. Consideramos esta
figura como o segundo elemento de retórica mais pungente no texto
poético, depois de “Alma Minha Gentil”. Conclui-se, então, a
importância do seu conhecimento analítico na preparação da
performance desta canção.
4. “Mágoa sem remédio” - esta metáfora associada pela justaposição de
dor/remédio, doença/cura, etc., se caracteriza por um quadro
psicológico depressivo no qual o poeta vive a dor da perda da amada.
22
Trata-se de um efeito gramaticalmente conhecido pelo nome de anástrofe (figura de retórica de
construção),
cuja finalidade é realçar a expressividade da imagem da mensagem poética. Este recurso é ainda
empregado
em: viva_eu (4
ª
linha) e olhos meus (8
ª
linha) (ibidem, p. 582).
É um outro momento de confissão de sentimentos próprios e que
sinaliza o desalento expresso na conclusão deste soneto.
Persona e modos de endereçamento.
Quem fala neste soneto é o próprio poeta. Ele se dirige à pessoa amada de
forma direta, clara e nos faz imaginar a presença da amada distante. Todo o texto lhe é
dirigido e no último terceto também está sugerida a presença Divina.
O modo de endereçamento é uma confissão direta que cria
imaginariamente a presença da amada na cena poética, mesmo ela estando morta e
distante no céu. Inicia-se pela descrição do poeta que evoca a partida da amada nobre e
formosa (1
ª
quadra). Segue-se sua confissão de um amor encandecente (2
ª
quadra). Nos
dois tercetos, o discurso nostálgico e triste é pontuado pelo pedido da persona para que
ela rogue a Deus pela sua morte.
Progressão Poética
O soneto “Alma Minha Gentil” apresenta muito claramente o aspecto
físico delimitado pelo céu e pela terra. Por meio dessa delimitação, o poeta concebe os
aspectos qualitativos de natureza física, emocional e psicológica dos elementos
constituintes do cenário poético. A terra está representada como o local de infelicidade e
sofrimento presente e futuro. A felicidade nela vivida é, apenas, reconhecida no passado
das experiências amorosas dos amantes e na imagem presente e eterna do Céu, como
local tranqüilo e desejado para o reencontro. O aspecto temporal está determinado pela
interferência no presente de fatos ocorridos no passado, fazendo apenas referência ao
futuro na última estrofe: tão cedo de me leve a ver-te”. Os aspectos emocional e
psicológico estão expressos pelo poeta através da confissão constante da sua tristeza e
dor. Contudo, eles são permeados por um único momento de expressão de um
sentimento positivo e muito intenso: “não te esqueças daquele amor ardente”. Esta é
uma confissão delicada e pungente, porém manifestada a partir de um estado de
profunda depressão e desejo de morte, como solução para a dor da perda pela separação.
A ação se desloca entre céu e terra, porém com uma rica dinâmica em cada estrofe.
1
ª
quadra O primeiro e terceiro versos nos remetem à altura
celestial como um local tranqüilo e repousante, sem,
contudo, ter este movimento ascendente
interrompido pela referência ao aspecto descontente
da vida terrena (segundo verso). Entretanto, o
último verso da primeira quadra nos lança numa
queda vertiginosa, manifestada pela qualidade de
vida do poeta: “e viva eu na terra sempre triste”.
Pode-se sintetizar esse movimento a partir das
seguintes imagens: “Alma Minha Gentil” céu”
“repouso eterno” x vida terrena sempre triste.
2
ª
quadra A ação dirige-se para o espaço celestial e tenta fazer
chegar até a confissão do poeta de um sentimento
ardente. Nesse momento o poeta se aproxima da
figura da amada através da descrição do amor
ardente estampado nos seus olhos.
1
º
e 2
º
tercetos – a ação permanece de algum modo suspensa e
entregue à amada. O soneto se finaliza pelo desejo
de ascensão ao céu através da morte: “que tão cedo
de me leve a ver-te, quão cedo de meus olhos te
levou”.
O ambiente de tristeza e dor que perpassa por todo o soneto, está envolto
por uma terna, mas apaixonante descrição da delicadeza e da falta sentida pelo poeta.
Forma poética
23
1 Alma /minha gen/til, que te par/tiste
2 tão/ cedo desta /vida descon/tente,
3 re/pousa lá no /Céu eterna/mente,
4 e /viva eu cá na /terra sempre /triste.
5 Se / no assento e/reo, onde su/biste,
6 Me/ria desta /vida se con/sente,
7 não te es/queças da/quele amor ar/dente
8 que / nos olhos /meus tão puro /viste.
9 E se /vires que /pode mere/cer-te
10 alguma /cousa a /dor que me fi/cou
11 da /goa, sem re/dio, de per/der-te,
12 roga a /Deus, que teus /anos encur/tou,
13 que tão /cedo de /cá me leve a /ver-te,
14 quão /cedo de meus /olhos te le/vou.
O soneto é composto por catorze versos decassílabos, distribuídos entre
duas quadras e dois tercetos.
Todas as linhas do poema são compridas e do mesmo tamanho possuindo
quatro pés cada. Conforme Stein e Spillman, confirma-se a presença de linhas ricas em
elementos e significação poética. A articulação delas é feita apenas por vírgulas e
pontos. As vírgulas de final de linha se encontram entre os seguintes versos: 2
º
e 3
º
; 3
º
e
4
º
; 5
º
e 6
º
; 11
º
e 12
º
; 12
º
e 13
º
; 13
º
e 14
º
. As vírgulas internas estão presentes no 5
º
, 11
º
e
12
º
versos. Os pontos de final de linha acontecem nos finais do 4
º
, 8
º
e 14
º
versos.
Todas as quadras e tercetos de “Alma Minha Gentil” recebem acentuação
forte nos 6
º
e 10
º
pés. Estas terminações deverão ser comparadas com os finais das
23
Apresentamos a escansão proposta por Macambira. As barras marcam os pés poéticos e se localizam
antes das sílabas tônicas , em negrito, das respectivas linhas de verso de “Alma Minha Gentil”
(MACAMBIRA, 1983. p. 66)
frases musicais e então analisadas. Stein e Spillman afirmam que dessa comparação os
intérpretes encontrarão os fundamentos para suas respectivas decisões interpretativas.
Esquemas de rima
As rimas dos finais de linha se distribuem em duas quadras nas quais se
repetem as rimas abba e dois tercetos que têm alternadas as rimas cdc e dcd.
As rimas internas representadas pela presença de assonância e aliteração são bem mais
complexas. Nota-se maior ocorrência de assonância através de um trabalho sutil com as
vogais. As aliterações podem ser representadas pelo uso freqüente de determinadas
consoantes.
1
ª
quadra:
1
º
verso -Alma minha gentil, que te partiste”,
Assonância: a-4, i-3 e e-3.
Aliteração – utilização principal do fonema t.
Obs.: a vogal [i] é mais intensa, pois aparece em todas as sílabas tônicas
do verso.
2
º
verso - “tão cedo desta vida descontente”,
Assonância: a-3, e-5, i-1 e o-2.
Aliteração: ocorrência freqüente dos fonemas d e t, inclusive
na terminação forte do verso.
Obs.: a vogal [a], apesar de três ocorrências, não é tão sonora quanto as
demais. A vogal que nos parece mais expressiva e coincidente com a sílaba tônica do
final forte do verso é a vogal [Ɛ].
3
º
verso - “repousa lá no Céu eternamente”,
Assonância: a-3, e- 6, o- 2 e u- 2.
Aliteração: nenhuma ocorrência.
Obs.: A vogal e é a mais expressiva. Ocorre em: céu - eternamente e
devemos salientar a relação sonora existente entre as consoantes [p] em re-p-ousa ,
precedendo o ditongo ou, a consoante [t] de eternamen-t-e, ambas pontuadas pelo [s]
de c-éu e pela suavidade sonora da consoante [t] na sílaba átona de e-ter-namente.
4
º
verso - “e viva eu cá na terra sempre triste”.
Assonância: a- 4, e- 6 e i-2.
Aliteração: não encontrada.
Obs.: as vogais [i] e [Ɛ] se sobressaem em todo o verso.
5
º
verso - “Se lá no assento etéreo, onde subiste”,
Assonância: a- 1, e- 6, i-1, o-4 e u-1.
Aliteração: não encontrada, porém a consoante [s] produz
sonoridade especial na declamação deste verso.
Obs.: a vogal [i] exerce uma pontuação expressiva na repetição freqüente
da vogal [Ɛ] neste verso que contém três elisões.
6
º
verso - “memória desta vida se consente”,
Assonância: a- 3, e- 5, i- 2, o- 2.
Aliteração: não encontrada.
Obs.: a vogal [Ɛ] é mais freqüente, porém a maior ênfase se encontra em
vida, entre os sons abertos e fechados da vogal [o].
7
º
verso - “não te esqueças daquele amor ardente”
Assonância: a- 5, e- 7, o- 1
Aliteração: não encontrada.
Obs.: a vogal [a] é a mais expressiva entre todas deste verso. Ela é
empregada no momento de grande expressividade do texto poético: amor ardente.
Entretanto, a pronunciação da vogal e deve ser observada, pois ela acompanha o
desenvolvimento do sentido poético do verso e dirige-se para a terminação forte da
linha.
8
º
verso - “que já nos olhos meus tão puro viste”.
Assonância: a-1; e-3; i-1; o- 4; u- 1
Aliteração: não encontrada, porém são expressivas as
consoantes
j(á), m(eus), p(uro) e v(iste)
Obs.: a vogal [Ɛ] se contrabalança com a vogal [i] nos momentos de
acentuação (6
ª
e 10
ª
sílabas), característico do verso decassílabo heróico.
9
º
verso - “e se vires que posso merecer-te”
Assonância: e-8; i-1; o- 2
Aliteração: não encontrada.
Obs.: a consoante p(osso) se sobressai sobre v(ires), pois localiza-se no 6
º
acentuado, característica do verso “heróico”. As respectivas consoantes (mere)c(er-)
(t)e, também devem ser igualmente observadas pelo cantor.
10
º
verso - “alguma a cousa a dor que me ficou”
Aassonância: a-5, e- 2, i- 1 e o-1.
Aliteração: ocorre nos ditongos em cousa e ficou.
Obs.: as vogais [a] e[o] devem ser observadas. Ambas são expressivas
sonoramente na linha. Devemos dar mais ênfase à vogal [o] no ditongo em cousa e em
elisão com as vogais [a]: cous-a_a (dor).
11
º
verso - “da mágoa, sem remédio, de perder-te”,
Assonância: a-2, e-7, i- 1 e o-2.
Aliteração: produzida pelo (m)ágoa , re(mé)dio e per(der-te).
Obs.: a vogal [Ɛ] se sobressai, apesar da acentuação nos ditongos em
mágoa e em remédio.
12
º
verso - “roga a Deus, que teus anos encurtou”,
Assonância: a-2, e-6, o-2 e u-4.
Aliteração: nos ditongos em Deus e teus.
Obs.: a vogal [u] cria timbres ao longo do verso e sua ocorrência se torna
expressiva, pois foi muito pouco usado ao longo do poema.
13
º
verso - “que tão cedo de cá me leve a ver-te",
Assonância: as vogais [a] e [Ɛ] se interligam, sendo que a
segunda
é mais expressiva, visto sua ocorrência na terminação forte
do verso.
Aliteração: não há nenhuma ocorrência.
14
º
verso - “quão cedo de meus olhos te levou”.
Assonância: o aspecto mais significativo neste verso é sua
rima interna com o verso anterior pelo paralelismo
(BECHARA, 2001, p. 644) entre: “que tão cedo de me
leve a ver-te, quão cedo de meus olhos te levou”.
Aliteração: abundante na relação apresentada a cima e ainda
contundente se considerada no contexto do significado
poético e conclusivo.
Métrica poética
A acentuação inicial de cada linha parece ser mais complexa nas duas
primeiras quadras do soneto, pois pode ocorre de dois modos. O primeiro pode ser
considerado pela seqüência natural das sílabas tônicas: (Al)ma na 1
a
linha, tão na 2
ª
linha, não na 7
ª
linha, que tão na 13
ª
linha e quão na 14
ª
linha.
A segunda possibilidade de escansão, das primeiras linhas das quadras e
tercetos, está proposta por José Rebouças Macambira em Estrutura Musical do Verso e
da Prosa e se alinharia diferentemente
24
:
24
Não podemos nos esquecer que a expressão Alma Minha Gentil é um uso retórico que se serve da
alteração do
lugar das palavras na frase. Assim a acentuação que normalmente poderia se sentida na primeira sílaba
de Al-ma se desloca para Mi-nha (Macambira, 1983.p.66.).
1 Alma /minha gen/til, que te par/tiste
2 tão/ cedo desta /vida descon/tente,
3 re/pousa lá no /Céu eterna/mente,
4 e /viva eu cá na /terra sempre /triste.
5 Se /no assento e/reo, onde su/biste,
6 Me/ria desta /vida se con/sente,
7 não te es/queças da/quele amor ar/dente
8 que / nos olhos /meus tão puro /viste.
9 E se /vires que /pode mere/cer-te
10 alguma /cousa a /dor que me fi/cou
11 da /goa, sem re/dio, de per/der-te,
12 roga a /Deus, que teus /anos encur/tou,
13 que tão /cedo de / me leve a /ver-te,
14 quão /cedo de meus /olhos te le/vou.
A acentuação final ocorre obviamente na terminação forte de cada linha,
havendo apenas a exceção justificada por Macambira no final da décima linha, onde a
acentuação forte parece deslocada para a primeira sílaba da décima-primeira linha.
2.5 Síntese dos elementos poéticos fundamentais à performance de “Alma
Minha Gentil”.
Nesta seção, nós nos focamos nos aspectos básicos da análise poética dos
temas e imagens encontradas em “Alma Minha Gentil”. Todas representativas do desejo
de reencontro com a pessoa amada num cenário celestial, bem afastada da dura
realidade terrena de sua vida, mas de onde talvez ainda pudesse ser visto o amor ardente
estampado nos seus olhos.
O discurso de Camões, neste poema, apresenta figuras de retóricas muito
próximas dos temas e das imagens ligadas à idéia da morte como resolução das dores
amorosas e terrenas. O espaço celestial corresponde ao local de salvação de todos os
males. São exaltadas as características de delicadeza e pureza da amada que, por si só, já
imprimem um caráter muito peculiar às decisões técnico-interpretativa das linhas vocal
e do acompanhamento.
Toda esta confissão está declamada em 14 versos decassílabos,
“heróicos”, distribuídos por duas quadras e dois tercetos. As linhas dos versos possuem
o mesmo tamanho e simplicidade na sua pontuação.
Se por um lado o aspecto formal de “Alma Minha Gentil” se apresenta de
forma concisa, notamos, por outro, um rico trabalho em termos do uso de elementos
sonoros e de imagem na maneira como a assonância e a aliteração se apresentam no
texto desse soneto. Elas podem não se configurar com maior evidência como se
esperaria do uso de rimas internas, porém é expressivamente sonoro o manejo interno
das vogais, consoantes e nas respectivas combinações entre as sílabas.
Podemos sintetizar a análise anterior da progressão poética de “Alma
Minha Gentil” pelo seguinte esquema: nas linhas 1 a 3 a persona se dirige ao céu,
desenhando um movimento de retorno à terra na linha 4. A linha 5 remete a fala da
persona novamente ao céu e demarca a altura pela possibilidade de ser visto e lembrado
na terra. Nos dois últimos tercetos toda a ação se desenvolve na altura, permanecendo
na terra apenas a dor e o desejo da persona de se unir à amada o mais rapidamente
possível. O modo de endereçamento é direto, narrativo e demanda da performance a
recriação de uma atmosfera delicada, mas de profunda tristeza e dor na qual se expressa
uma comovente declaração amorosa pela perda da pessoa amada. Sua existência no
contexto poético é fantasmagórica e deve ser também recriada pela performance desta
canção.
Decorre do estudo da métrica poética de “Alma Minha Gentil” o
conhecimento de questões relativas aos seus aspectos técnico-interpretativos tais como:
marcação de respiração, realização adequada da dicção no contexto poético-musical e
de vários outros aspectos ligados à compreensão do texto musical, que, associados à
perspetiva imaginária do seu texto poético, demandarão aos intérpretes decisões
interpretativas.
Capítulo 3
A MÚSICA
3.1 Processo de análise dos elementos musicais para performance de
“Alma Minha Gentil”
Utilizaremos neste capítulo a fundamentação teórica da análise estilística
de Jan LaRue, expostas no seu livro Guidelines for Style Analysis (1992), pois Stein e
Spillman se servem da teoria de Heinrich Schenker
25
(1868-1935), que não se adequa à
linguagem harmônica e tonal de “Alma Minha Gentil”. A teoria schenkeriana parece
muito útil à análise da música dos períodos barroco, clássico e romântico, porém se
distancia dos avanços decorrentes da linguagem wagneriana, posterior à criação de
Tristão e Isolda, com os quais o padrão estético-musical da canção de Velásquez,
indubitavelmente, se identifica.
Associaremos à visão macro, média e de pequena ou microestrutura do modelo analítico
de LaRue, a divisão formal em períodos e frases das análises contidas na obra Do tempo
musical (2001) de Eduardo Seincman
26
. Seincman desenvolve uma abordagem analítica
25
Heinrich Schenker (1868-1935) concertista, acompanhador, professor de piano, jornalista, editor e
teórico musical desenvolveu método próprio de análise musical. A maioria de suas publicações
teóricas ocorreu no período de 1904 a 1935, exatamente no período de desenvolvimento e
consolidação do gênero de música que ele menos admirava. As mais significantes explorações teórico-
musicais de Schenker ocorrem durante a elaboração dos procedimentos atonais, dodecafônicos e
neoclássicos os quais destruíam, segundo o teórico austríaco, o princípio primário da arte musical: o
sistema diatônico. Schenker, para quem Brahms foi “o último mestre da arte tonal alemã”, não
desconsiderava o cromatismo, mas apenas o classificava como um elemento musical secundário
(DUNSBY & WHITTHALL, 1988, p. 107).
26
O Noturno opus 15, no. 3 de Frédéric Chopin (1810-1849), analisado por Seincman, apresenta
algumas características as quais também podem ser observadas em “Alma Minha Gentil” de Glauco
Velásquez e muito especialmente na transposição pretendida nesta dissertação de unir a realidade
poética à obra, para dela obter modos de pensar a preparação da performance desta canção. Seincman
nos mostra como Chopin representou formalmente os conflitos e ambigüidades da linguagem musical
desse noturno (SEINCMAN, 2001, p. 149). Por outro lado, sua análise nos proporciona um modelo
estrutural que se adequa às semelhanças entre as características formais das obras.
na qual os elementos musicais, organizados por esquemas de frases, estão em
ressonância imediata com o sentido do texto literário e que se adequa perfeitamente à
relação poesia/música do texto poético desse soneto de Camões.
Uma vez estabelecida a noção da forma musical como uma moldura
27
na
qual se encerra os conteúdos poético e musical, devemos considerar nosso modo de
focar a análise dos elementos musicais para a preparação da performance da canção
“Alma Minha Gentil”.
A macroestrutura constitui-se na obra como um todo, através de
estruturas mais amplas, sendo dividida por seções, períodos, frases e motivos. Nela nós
devemos observar todos os aspectos, que também deverão ser relacionados à harmonia,
à melodia e ao ritmo no seu conjunto. São considerados seus aspectos a fim de relatar
todas as características oriundas dos elementos constitutivos da linguagem musical de
“Alma Minha Gentil”. Parafraseando LaRue perguntaremos onde estão os grandes
clímaxes sonoros da canção? Quais são e como se organizam os motivos, frases e
períodos? Quais as relações tonais existentes? Como essas se relacionam entre si e na
representação musical do contexto poético? Como se distribuem a seleção de
compassos, tempos e ritmos na canção?
A estrutura média deve concentrar esforços na identificação de como as
frases e períodos organizam os elementos musicais, da mesma forma que são
organizados por eles nas demais dimensões estruturais.
A análise da pequena ou microestrutura parte da observação dos
elementos musicais nos limites das frases, semi-frases e motivos da obra analisada, para
estudar seus componentes estruturais em detalhes ainda mais específicos (LaRue, 1992,
27
Edward T. Cone em Musical Form and Musical Performance, capítulo I, questiona a demarcação do
início e do final da obra musical, bem como de sua performance, através da reflexão comparativa entre
a pintura delimitada pela sua moldura e o acontecimento musical a partir do seu texto. Avalia essa
comparação no contexto espacial e temporal do evento da performance. Utilizaremos, neste capítulo,
apenas a imagem da obra na sua organização formal e estrutural interna.
p. 8-9). A avaliação desse procedimento analítico, segundo LaRue, entende que o
processo de observação deve procurar pelos elementos e atividades particulares que
caracterizam o movimento e o corpo da obra (ibidem, p. 21).
3.1.1. A forma e os elementos musicais de “Alma Minha Gentil”.
Macroestrutura
Glauco Velásquez parece optar por uma “forma aberta de grupos de
partes ou seções” (SEINCMAN, 2001) na qual não recorrências às partes anteriores. Sua
característica discursiva se assemelha ao fluxo direto da narração do soneto, na qual se
delimita o espaço para o estabelecimento da continuidade e coerência musical
imaginada pelo compositor do sentido do texto poético.
Encontramos em “Alma Minha Gentil” três seções distribuídas em duas
partes. As duas primeiras seções correspondem à 1
a
parte, pois têm a mesma linguagem
harmônica e contrapontística, enquanto que a segunda, correspondendo à 3
ª
seção da
canção, apresenta trabalho semelhante de vozes, cuja linguagem harmônica é
preponderante sobre o trabalho contrapontístico das vozes. Cada uma das seções se
compõe por dois períodos com duas frases, cada uma correspondendo à seqüência de
seis pares de antecedentes e conseqüentes que se desenvolve na extensão vocal de si-2 a
lá-4. Esquematizando:
Parte I
Período 1: frase 1 – 1
º
antecedente (comps. 1 -3) 3
frase 2 – 1
º
conseqüente (comps. 3
28
-6) 3
comps. 6 1
ª
Seção = 1
ª
quadra
Período 2: frase 3 2
º
antecedente (comps. 6- 9) 3 6 + 5 = 11
compassos
frase 4 - 2
º
conseqüente (comps. 9-11) 2
comps. 5
Período 3: frase 5 – 3
º
antecedente (comps.12-14) 3
frase 6 – 3
º
conseqüente (comps.15-17) 3
comps. 6 2
ª
Seção = 2
ª
quadra
Período 4: frase 7 4
º
antecedente (comps. 17-19) 2 6 + 5 = 11
compassos
frase 8 – 4
º
conseqüente (comps. 20-22) 3
comps. 5
28
Os números em negrito correspondem aos compassos nos quais ocorrem simultaneamente ligações de
frases e/ou de linhas de versos.
Parte II
Período 5: frase 9 – 5
º
antecedente (comps.23-25) 3
frase 10- 5
º
conseqüente (comps.26-27) 2 3
ª
seção =
comps. 5 1
º
e 2
º
tercetos
Período 6: frase 11- 6
º
antecedente (comps. 28-31) 4 5 + 7 = 12
compassos
frase12- 6
º
conseqüente (comps. 31-34) 3
comps. 7
Este esquema se apresenta da seguinte forma na partitura de “Alma Minha Gentil”:
Agrupamos as três seções em duas partes em função da mudança no
tratamento das vozes de seus respectivos acordes. Notam-se semelhanças entre os
motivos e os contracantos das 1
a
e 2
a
seções que se diferem da estruturação harmônica e
contrapontística presente nos encadeamentos da 3
ª
seção.
A 1
a
e 2
ª
seções se separam entre a primeira e segunda quadra do soneto.
uma cesura de pausa de mínima, no compasso 12 da parte do acompanhamento, que
sustenta uma cesura correspondente na linha vocal, no valor de uma semínima do
compasso alterado metricamente para binário. Esta divisão métrica será imediatamente
substituída para a divisão ternária do compasso seguinte (compasso 13). A 3
ª
seção se
estende ao longo dos dois tercetos do soneto, pois se evidencia ausência de
movimentação das respectivas vozes dos seus acordes como ocorre ao longo das 1
ª
e 2
ª
seções. Nota-se, na 3
ª
seção, um encadeamento de acordes que sustentação
expressiva à declamação da linha vocal, porém sem apresentar o trabalho melódico
evidenciado nas seções anteriores. Outro aspecto curiosamente expressivo é a súbita e
única intervenção de um acorde em M em posição de 8
ª
“espaçada” (HINDEMITH,
1998, p.2). Este acorde nos surpreende pela sua sonoridade até então inaudita. Seu
efeito expressivo reforça a progressão poética existente entre “terra” (acorde grave de
sol sustenido menor, compasso11) e nos remete à altura do assento eterno celestial: “se
no assento etéreo (onde subiste)”; acompanhado em uníssono pela linha de soprano
do acompanhamento (compasso 13).
Na análise do início e final da canção relevamos a presença de um
sustenido, como sensível do 5
º
grau do 1
º
acorde da canção: Sol M com 7
ª
M.
Esta nota está presente no final da canção, sendo igualmente entoada pelo
cantor e inserida ao acorde final do acompanhamento.
Nota-se, nas duas primeiras seções de “Alma Minha Gentil”, o
tratamento harmônico e contrapontístico que desenvolve um contracanto entre a voz e a
mão direita do acompanhamento (compassos 2-5; 8-11; 12-21). Esse trabalho melódico
reproduz na versão para voz e piano o contracanto existente na partitura para voz, oboé
e orquestra de câmara. A linha do soprano do acompanhamento corresponde ao solo do
oboé nos 2
o
. ao 6
o.
compassos. O oboé se configura como uma persona coadjuvante da
cena poética construída pela linha vocal (ANEXO A, p 127).
Ouve-se no piano, ao final da 1
ª
seção, um soturno acorde de sol
sustenido menor com apojatura em retardo de 3 tempos sobre o seu 5
º
grau. Trata-se de
um acabamento de expressivo efeito sonoro. Esta finalização marca a palavra “triste” da
linha vocal, ainda mais realçada pelos encadeamentos de notas estranhas ao acorde
(ibidem, p. 40-49).
A presença desses elementos harmônicos e contrapontísticos se repete
nos compassos 13 e 16. São incrementados por um novo tratamento das vozes e da
estrutura rítmica do acompanhamento que atingirá o ápice da canção no 19
º
compasso.
Os 3 últimos compassos da 2
ª
seção da canção (20
º
e 22
º
compassos) não têm abreviada
a intensidade textural. Pode-se notar seu desenrolar numa atmosfera timbrada pelas
nuances dolce e em pp, com um breve e suave crescendo sobre a palavra “olhos”, no
contexto do verso: “que já nos olhos meus tão puro viste”.
O início de sua 3
ª
seção manterá a marcha harmônica de um coral que
apoiará a linha vocal através do tratamento especificamente harmônico do
acompanhamento. O compositor a concebe em um número reduzido de compassos
terá 12 compassos contra os 22 compassos da primeira parte-nos quais se desenvolvem
duas grandes linhas melódicas na parte vocal ao longo de dois períodos, estes formados
por duas frases de tamanho irregular (5-7) e totalmente diferentes das frases anteriores.
Devemos salientar a estrutura métrica alargada do compasso 26, “dor que me ficou da
mágoa sem remédio de perde-te”, no qual a linha vocal realiza sinuosa melodia em
saltos acentuados nas sílabas “má-goa, sem”, apoiada desde o compasso anterior por
acordes de seis e cinco notas com indicação f e molto expressivo. Assim encontramos,
em toda a 3
ª
sessão, uma constante variação métrica entre os compassos.
Estrutura média
A análise da estrutura média nos remete à organização dos períodos,
alinhando-os aos versos do soneto. Observamos seis períodos, compostos cada um por
duas frases musicais, cujos números de compassos se totalizam e se distribuem em
grupos de 6+5; 6+5; e 5+7 compassos. Cada um dos quatro primeiros períodos da
canção musica dois versos das duas quadras, enquanto que os dois últimos períodos, 5
º
e
6
º
, encampam, respectivamente, os três versos dos dois tercetos de “Alma Minha
Gentil”.
O 1
º
período se liga ao 2
º
período por um prolongamento harmônico ao
piano e uma pausa de colcheia na linha vocal (compasso 6). O início do 3
º
período
ocorre após a maior cesura da canção (compasso 12). Sua ligação com o 4
º
período se dá
por encadeamento ao piano, mas apresenta uma cesura de pausa de semínima na linha
vocal. Ouve-se nele o clímax da obra (compasso 17). O 5
º
período se inicia após uma
cesura de pausa de semínima em ambas as partes. É um período no qual os três versos
do primeiro terceto estão comprimidos em cinco compassos (compasso 23 a 27). Ele se
finaliza por cesura na linha vocal, mas seu acompanhamento prepara e se encadeia ao 6
º
e último período. Neste, o caráter agitado do período anterior, lugar a um
apaziguamento introduzido pela cesura em duas pausas de semínimas na linha vocal
com mudança do compasso de 5/4 para 3/4. A alternância métrica nos compassos 32 a
33, de ternária para quaternária, reforça o tratamento dado às linhas dos versos do 2
º
terceto. Seus valores rítmicos igualmente alterados, por inversão, estenderão o seu 1
º
verso (compassos 28-31) que se contrasta com o retorno da “compressão” do 2
º
verso
(compassos 31 a 32). Após brevíssima cesura em pausa de semicolcheia dentro de uma
quiáltera, inicia-se o 3
º
verso desse terceto, alongado por dois compassos quaternários
(compassos 33 a 34).
Pequena estrutura ou micro estrutura
Consideraremos aqui a estrutura das frases na sua organização em
“antecedentes” e “conseqüentes”. LaRue nos orienta a levantar as seguintes perguntas:
O compositor se serve de contrastes na dinâmica a fim de definir e
individualizar as sub-frases assim como as frases? Quais os tipos
predominantes de movimento melódico: graus conjuntos, saltos, e
pulos? A linha rítmica é gerada pelo tratamento motívico ou por um
perfil de maior dimensão As semi-frases se relacionam estaticamente
ou criam um senso de progressão nas frases? (LARUE, 1992, p. 9,
tradução nossa)
29
.
A seguir o autor pondera a respeito do caráter e objetivos da análise da
pequena ou microestrutura:
(...) o objetivo principal da análise detalhada, assim como de toda
análise estilística, não é tanto admirar o caráter de um detalhe
singular, mas descobrir sua contribuição com as funções e estruturas
maiores (ibidem, p.9)
30
.
Desta forma, a nossa tarefa neste momento passa a ser a
consubstanciação de uma compreensão mais detalhada e enriquecida da obra como um
todo a partir dos elementos da pequena ou microestrutura. Nossa canção é composta por
seis pares de antecedentes e conseqüentes (pares de períodos) que correspondem a 12
frases. Elas se compõem por um número de 3 compassos, exceto para a 4
ª
, 7
ª
e 10
ª
frases
com dois compassos cada e a 11
ª
frase com quatro compassos. Todas as nuances, as
29
Does the composer use dynamic contrasts to define and individualize the sub phrase as well as the
phrase? Which types of melodic movement predominate-steps, skips, or leaps? Does the rhythm
generate flow by motivic treatment or larger contouring/ Do the subphrases balance statically or create
a sense of progression within the phrase?
30
...the main goal of detailed analysis, as of all style analysis, is not so much to admire the character of
any single detail as to discover its contribution to higher structures and functions.
dinâmicas e os andamentos estão, ao longo da canção, subordinados à indicação inicial:
Poco lento.
Frase 1 – 1º antecedente
A 1
ª
frase se estrutura sobre a linha cromática do baixo, sol - sol
sustenido - - si bemol, no acompanhamento, dos quatro primeiros compassos da
canção. A linha vocal se inicia em ritmo sincopado seguido por quiáltera, com indicação
de con sentimento crescendo p e se desenvolve sobre o acompanhamento em dolce
– crescendo – p Ao final do 1
º
compasso ocorre um contraste brusco na palavra “gentil”,
cuja sílaba tônica é acentuada por um súbito p em ambas as partes. A 2
ª
semi-frase tem
na voz o crescendo sobre as palavras “que te partiste”, cuja sílaba tônica de par-tis-te
está sinalizada, tanto na linha vocal como pianística, por acentuação de portato
31
.
A linha rítmica parece ser gerada pela inflexão rítmica do verso. Este fato
se evidencia pela maneira correta como o compositor resolve a acentuação de “Al-ma
mi-nha”. A tonicidade da 1
a
sílaba da palavra “alma” nos parece expressivamente
preservada pelo apoio harmônico, ao acompanhamento, que faz soar a apogiatura,
31
O portato é indicado por uma pequena linha horizontal sobre a nota ou pela notação do termo. Sua
realização solicita dos intérpretes a execução da nota ou do trecho salientado com duração intermediária
entre o staccato e o legato. Disponível em: http://www.concertinaconnection.com
sustenido - ré, pela síncope na linha vocal, iniciada por pausa de colcheia na qual a voz
entoa dó sustenido, na parte fraca do ritmo, porém em portato.
A linha melódica apresenta movimento descendente na 1
ª
semi-frase,
ligando-se ao movimento ascendente na 2
a
semi-frase. Sua extensão é do sustenido-4 a
ré-3. Desta forma são compostas em movimento ondulatório, por graus conjuntos
iniciais, saltos, pulos e antecipação seguida por apogiatura, entre o final do 3
o
tempo do
compasso 2 até o 2
º
tempo do compasso 3.
Frase 2 – 1º conseqüente
A 2
ª
frase apresenta, no acompanhamento, o acorde de Si M em posição
espaçada, cuja linha de soprano está ornamentada por uma apogiatura seguida por
retardo da 5
a
do acorde. Essa apogiatura é alcançada por um salto de 7
ª
M que ultrapassa
por um intervalo de 10
a
a nota da linha vocal.
A dinâmica indicada constrói um contraste no momento da entoação da
palavra “descontente”, quando se nota as indicações con prestezza, na linha vocal,
regida pela indicação de allargando em decrescendo para ambas as linhas. Sua
organização interna se estrutura a partir do crescendo até mf.
O movimento por graus conjuntos, cromatismo e saltos rege as duas
semi-frases.
Frase 3 – 2º antecedente
A 3
ª
frase inicia-se com o acorde de sustenido M. Nela está
musicalmente representada a imagem poética do verso “repousa lá no céu eternamente”.
A progressão poética em direção ao céu, na sua temporalidade eterna, parece se
manifestar pelo salto de 7
ª
M, na parte vocal, mi- sustenido-4, e pela quiáltera
precedida pelo ritmo pontuado que prolonga ainda mais a palavra “eternamente”.
A dinâmica toda em pp e dolcissimo precede, na linha vocal, um
crescendo em direção a “Céu”. A frase se encadeia, tanto no seu início quanto na sua
finalização, por progressão harmônica
32
nos compassos 6-7 e 9-10, no
acompanhamento.
Frase 4 - 2º conseqüente
32
O termo não implica apenas em um acorde ser seguido por outro, mas pelo fato de que essa sucessão é
controlada e ordenada (PISTON, 1987, p.22. tradução nossa). The term implies not just that one chord
is followed by another, but that the sucession is controlled and orderly.
O compositor concebe o início da 4
ª
frase através de um cavalgamento da
linha melódica de parte do acompanhamento que nasce no compasso anterior. O seu
último acorde de sol sustenido menor com retardo prolongado da sua 5
ª
sobre a tônica,
parece reproduzir a sonoridade e significado sombria da palavra “triste”. Toda essa
passagem, bem como toda a relação poesia e música da canção
33
, deve ser bem
elaborada pelos intérpretes. A conexão entre os dois últimos versos da 1
ª
quadra do
soneto apresenta uma variedade de imagens poéticas, temas, idéias, progressões
poéticas, traços psicológicos e modo de endereçamento que justificam, neste momento,
seu detalhamento.
Como imagem poética temos dois ambientes opostos delimitados pelo
espaço celestial e terreno, representados por Velásquez na orientação da melodia e no
movimento sinuoso e descendente do acompanhamento. O poeta narra, no primeiro
ambiente, a idéia de repouso que irá se contrapor ao espaço terreno onde desenrola a sua
vida. A progressão reside no deslocamento espacial céu e terra vividos com tristeza. O
modo de expressão triste e consternado da sua revelação deverá ser igualmente
considerado pelos intérpretes no momento da decisão interpretativa da maneira da
33
Fazemos essa observação em função da compreensão da estrutura poesia/música dessa passagem que
representa uma cesura poética importante na construção do significado poético do poema.
condução de ambas as partes, em termos de suas breves cesuras e indicações de nuances
delicadas e expressivas, e de alargamento do tempo no final dessa frase.
A linha vocal se inicia pelo movimento em graus conjuntos descendente
do 3
º
para o 1
º
grau de Si M, sobre o movimento cadencial descendente da linha do
acompanhamento, que se finaliza em sol sustenido menor.
Frase 5 - 3º antecedente
A 5
ª
frase está precedida por uma cesura em ambas as partes, porém
grafada, apenas, com um tempo a menos na linha vocal, devido o levário. Seu início nos
reenvia à imagem celestial sobre um acorde em posição expandida de M. A sua
seqüência ao acompanhamento retoma, num trabalho imitativo, as figuras com desenho
harmônico, contrapontíscos e polirítmicas anteriormente analisadas.
Frase 6 - 3º conseqüente
A ligação entre a 5
a
e a 6
a
frase apresenta a repetição do mesmo trabalho
imitativo anterior, porém a linha melódica permanece na região média, sustentando a
imagem celestial associada à memória incertamente consentida da vida do poeta.
As indicações de crescendo, con expressione e animando preparam a
chegada ao clímax da canção na próxima frase.
A linha vocal se desenvolve em movimento cromático, iniciado por notas enarmônicas
(ré bemol – dó sustenido), cuja extensão cerrada em torno do dó sustenido, se estabelece
entre lá sustenido-3 e ré bequadro-4.
Frase 7 – 4º antecedente
A 7
a
frase é o momento mais contundente e de maior intensidade sonora
em ambas as partes da “Alma Minha Gentil”. Ela se desenvolve por bordaduras
acentuadas com indicação de aceleração do tempo, numa atmosfera de muita
expressividade con passione. Esta passagem musica o verso “não te esqueças daquele
amor ardente”. Nota-se, ao acompanhamento, sinuosa linha melódica nas vozes de
soprano e contralto. Em ambas, se desenvolve em torno da nota sustenido, pedais
sincopados ou em quiálteras, sobre as notas lá e ré em quiálteras, respectivamente. Todo
o trecho apresenta animando con passione e portato, para as bordaduras e demais notas
estranhas ao acorde, que caminham para sua finalização num salto de dó-4 a lá-4 na
parte vocal.
A dinâmica solicitada é o fff com allarg., durante todo o 19
º
compasso,
com trêmulo duplo em acordes de fá e sol superpostos
34
.
A parte vocal termina com uma queda da nota lá-4, nota mais aguda de toda a canção,
sobre a nota ré-4.
Frase 8 – 4º conseqüente
34
Analisaremos esta superposição no item de harmonia.
Inicia-se pela curta cesura em pausa de colcheia na linha vocal, cujo
movimento sinuoso e descendente chega até o mi-3. O compositor oferece duas
possibilidades de execução para a linha vocal: um salto ascendente para o sustenido-
4 e outra descendente por grau conjunto ambos em súbito pp. Em seguida solicita da
linha vocal um crescendo para “olhos meus tão puro viste” que finaliza com uma
escapada, entre mi e si, transformado este último em apogiatura superior sobre a nota lá.
Frase 9 – 5º antecedente
Precedida por uma cesura com pausa de semínima em ambas as partes, a
9
ª
frase se origina por encadeamento de pequenos acordes de pouca intensidade sonora,
mas que sustenta uma linha melódica de intensa expressividade vocal na canção. Os
versos desse terceto estão cerradamente interligados. uma cesura, em colcheia, entre
o primeiro e segundo versos (compasso 24).
A sua dinâmica é variada: p, crescendo em ambas as vozes, con
expressione na linha vocal e crescendo ao piano. Estas indicações se encadeiam ao piu
mosso que cresce até o f, acentuado da nota sol-4 na parte vocal, que musica a palavra
“dor”. O movimento melódico é ascendente, sinuoso e apresenta saltos. Suas breves
cesuras em pausa de colcheia determinam a inflexão vocal e seu local de respiração.
Nota-se uma compressão do número de compassos que musicam o
primeiro terceto do soneto. Encontra-se no 3
º
tempo do 25
º
compasso o segundo ponto
culminante da canção. A progressão inicio à marcha de acordes de 6 e 5 notas, em
posição espaçada, com indicação de dinâmica f .
Frase 10 - 5º conseqüente
A 10
ª
frase é composta por dois compassos, dos quais o primeiro engloba
praticamente toda a última linha do primeiro terceto: “da mágoa sem remédio de perder-
te”. Nota-se neste compasso (26) a alteração métrica para 5/4, nele se observa a elisão
entre os dois últimos versos do 1
º
terceto (1
º
tempo do 26
º
compasso) e o encadeamento
de acordes em posição espaçada que sustenta e ampara a descida sinuosa e acentuada da
linha vocal.
Está indicada a dinâmica f, para toda a frase em molto expressivo e saltos
sobre as notas acentuadas em da má (goa), sem e em de per-der (te).
Frase 11 – 6º antecedente
A 11
ª
frase se inicia em p, dolce expressivo que se segue por mp e
crescendo até sua conclusão. Esta sucessão de dinâmicas estabelece um contraste com a
frase anterior, ainda mais realçada pelo encadeamento de acordes invertidos com
valores alargados, sob o texto: “roga a Deus”. Inicia-se o derradeiro pedido do poeta à
sua amada.
A linha melódica parte do fá-4, desce uma 8
ª
e por salto atinge o bemol-4, para em
seguida prosseguir por intervalos descendentes em graus conjuntos até o ré-3.
Sua estrutura rítmica modifica-se em função do significado de seu
respectivo texto. A 1
ª
semi-frase (compassos 28 2
º
tempo do compasso 29), em clima
de oração, serve-se de valores maiores, enquanto que a 2
ª
frase expressa a brevidade da
vida através de uma seqüência de valores mais curtos.
Frase 12 – 6º conseqüente
A 12
ª
frase corresponde ao final do soneto. O verso “quão cedo de me
leve a ver-te” está musicado de forma cerrada, comprimida. Inicia-se no tempo fraco do
compasso anterior e, desde o primeiro tempo do 32
º
compasso, desenvolve-se guiada
pelas indicações movendo, na linha vocal, e movendo com expressione e crescendo,
molto expressivo ao acompanhamento. Parece-nos sugerir a maneira como o compositor
representa a ansiedade do poeta em rever a amada. Por sua vez, sua seqüência pela 2
ª
semi-frase, expressará a brevidade do tempo contida na palavra recorrente “cedo”, mas
esta, dessa vez, inscrita no contexto temporal da morte prematura de um amor, entoada
pelo dó sustenido-4, sendo também a última nota da canção.
3.1.2. A harmonia e a tonalidade
A análise dos elementos estruturais e de embelezamento da presente
análise se fundamenta na distinção apregoada por Stein e Spillman de que existe uma
hierarquia entre notas, melodias, harmonias e tonalidade na partitura. Basicamente, os
autores consideram que os elementos estruturais são aqueles que permitem a sensação
de estabilidade e segurança e ainda, são ouvidos como significantes autônomos no
contexto da obra. Os autores não desconsideram aqueles contextos musicais nos quais
esses elementos não são facilmente reconhecidos. Nesses casos sugerem que os
intérpretes sejam capazes de se guiar pelas normas métricas e de fraseado que regem a
sintaxe musical. Sabemos que os elementos estruturais ocorrem, normalmente, nos
tempos fortes dos compassos. Do mesmo modo que certas normas estruturais melódicas
e de fraseado podem ser sustentadas por harmonias localizadas em posição rítmica e
metricamente fortes da melodia. Contudo, é interessante relembrar que essas regras
também podem ser e são alteradas pelos compositores (STEIN & SPILLMAN, 1996, p.
106-107).
Os elementos de embelezamento se apresentam, classicamente, nos
tempos fracos dos compassos. Por outro lado, devemos considerar as suspensões e
apogiaturas que, nas palavras dos autores, “criam algumas das mais belas e expressivas
dissonâncias na música tonal” (ibidem, p. 107, tradução nossa)
35
. Nós encontramos 12
acordes “estruturais”. Eles se localizam no primeiro tempo dos seguintes compassos: 1
º
,
4
º
, 5
º
, 7
º
, 8
º
, 11
º
, 13
º
, 16
º
,
17
º
, 18
º
, 19
º
, 20
º
e 22
º
compassos.
Como acordes de embelezamento temos: terceiro tempo do 5
º
compasso;
terceiro tempo do 13
º
; e os acordes do 14
º
e 15
º
compassos.
Os elementos harmônicos de progressão e de prolongamento
são
igualmente importantes, pois segundo Stein e Spillman, elas expressam a progressão
poética. O prolongamento se efetiva quando um elemento estrutural se mantém presente
ao longo de uma frase ou período, apesar de notas ou harmonias ornamentais. A
progressão ocorre quando a atividade musical muda de um acorde para outro (ibidem, p.
109). Desta forma, temos a progressão expressando mudança e movimento, enquanto
que o prolongamento traduz exatamente seu contrário, ou seja, a imobilidade ou a
suspensão da atividade no contexto poético.
35
They create the some the most beautiful and expressive dissonances in tonal music.
Observa-se, do 1
º
ao 9
º
compasso, que a cada novo acorde, o
prolongamento parece se renovar. Essa seqüência parece pertinente à significação dos
três primeiros versos que descrevem, em quase sua totalidade, uma cena eterna, de
ausência e morte. Mesmo a falsa cadência, na passagem do 5
º
para o 6
º
compasso, onde
está musicada a palavra “descontente”, não interrompe o fluxo da sensação de
prolongamento.
Segue-se uma progressão a partir do terceiro tempo do 9
º
compasso até o
11
º
, exatamente quando o poeta se refere à ação pela vida triste na terra.
Após a grande cesura entre as duas quadras, notamos o retorno do
prolongamento que se inicia no 13
º
compasso até o segundo tempo, por enarmonia, do
15
º
compasso.
O retorno da progressão se evidencia a partir do segundo tempo do 15
º
compasso e se estende até o primeiro tempo do 22
º
compasso. Os versos
correspondentes se referem à memória celestial da vida descontente na Terra e ao
clamor do poeta de que a amada não se esqueça do amor ardente já visto no seu olhar.
A progressão cromática descendente dos compassos 1416 é substituída
pelas síncopes e quiálteras do acompanhamento as quais ordenam a cadência, cujo
clímax da canção se encontra no 19
o.
compasso. Nesse compasso a nota 4 é entoada
em fff pela voz e sustentada ao piano por poderoso trêmulo de tonalidades superpostas.
Os dois próximos elementos que passaremos examinar dizem respeito a
tonização e modulação; ambas devendo ser vistas dentro da ambigüidade tonal de
“Alma Minha Gentil”. Stein e Spillman afirmam que a mudança tonal através da
tonalização e da modulação representa o “mais dramático elemento do desenho tonal da
macroestrutura capaz de expressar o conteúdo poético”
36
(ibidem, p. 112). Tanto a
36
Tonal shift is the most dramatic element of large-scale tonal design to convey poetic progression in
Lieder.
tonalização quanto a modulação são dois elementos harmônicos que requerem, para
ambas, o referencial tonal indicada por uma armadura específica ou estabelecida
internamente ao longo do desenvolvimento das frases e períodos da obra (ibidem, p.
112).
Do ponto de vista da performance, a tonização envolve uma mudança na
orientação da progressão poética que, segundo os autores, deve levar os intérpretes a se
deslocar para uma diferente posição dramática e musical
37
. Este conhecimento ajuda na
compreensão do modo como o desenho tonal expressa as mudanças poéticas e
psicológicas e podem conduzir o cantor e o pianista à percepção de como podem ser
diferentemente sentidas por eles: “na garganta e nos dedos”
38
(ibidem, 112, tradução
nossa). Certamente os autores se referem à dimensão psíquica, física e teórico-musical
dos intérpretes do conhecimento da performance da canção. Segundo eles, os
performers mais sensíveis sabem traduzir, instintivamente, através da progressão tonal,
a variedade de possibilidades de interpretação de uma canção e determinar
procedimentos técnicos necessários à sua interpretação, como rubato, toque pianístico,
variedades de timbres, decisões de tempo, estilo vocal e tantos outros elementos da
técnica vocal e pianística. Entretanto, a questão fundamental desta dissertação nos leva
diretamente a considerar alguns fundamentos que devem desenvolver todas essas
habilidades, independentemente de categorizações tais como talento, sensibilidade,
aptidão, etc. Todas fundamentais, mas passíveis de desenvolvimento.
Stein e Spillman relembram a ocorrência do emprego de recursos de
invocação harmônica e tonal considerados por eles da seguinte maneira:
Construindo sobre a base harmônica e tonal denominada prática tonal,
os compositores do século XIX expandiram e desenvolveram,
constantemente, a linguagem tonal em vários sentidos, incluindo o
37
Consideramos fundamental esta afirmação de Stein e Spillman, principalmente, quando nos
deparamos com o ambíguo panorama harmônico e tonal de “Alma Minha Gentil”, cuja análise, até
aqui realizada, já nos permite inquirir mais detidamente.
38
(...) feel differently, in the throat or the fingers...
incremento de cromatismo, progressões harmônicas e desenhos tonais
mais complexos e maior exploração de relações inerentes dentro do
sistema tonal (STEIN & SPILLMAN, 1996, p.125, tradução nossa)
39
.
Ainda, segundo os autores, essas inovações apesar de ocorrerem em
todos os gêneros musicais foram particularmente importantes para os compositores de
ópera e do Lied que se serviram desses recursos com a finalidade de “criar descrições
mais elaboradas e vivas do texto e do drama”
40
(ibidem, p.125). As inovações mais
importantes apresentadas por eles, são: relações cromáticas de terças, tonalidade
direcional e tonalidade implícita (ibidem, 126). Descartamos a tonalidade direcional,
pois “Alma Minha Gentil” não possui armadura de clave e tampouco sua apresentação
ao longo da canção.
Se examinarmos esse aspecto do ponto de vista da análise da
macroestrutura de, “Alma Minha Gentil”, constatamos:
A canção está escrita sem armadura o que nos leva a considerar apenas a
relação entre o 1
º
e último acorde da canção: Sol M com 7
ª
Maior e mi m com 6
ª
. Todas
as tonalidades internas se encadeiam a partir de recursos que alteram as relações tonais
tradicionais, mas muito comuns na música européia do final do século XIX.
A canção apresenta, no seu conjunto, grande variedade tonal e
harmônica, cujos encadeamentos obrigam os intérpretes a considerarem as tonalidades,
praticamente, no limite da estruturação das frases e períodos. Num maior contexto
formal, o centro tonal se apresenta de tal forma alterado que mesmo o seu conhecimento
não contribuiria no estabelecimento global do sentido auditivo da execução da canção.
As exigências interpretativas e de performance desta dissertação, nos
afasta, assim, da necessidade de nos adentrarmos nos detalhes mais específicos da
análise harmônica. Interessa-nos a determinação dos fatos harmônicos e musicais
capazes de suprir às necessidades imediatas da leitura e da realização da performance de
“Alma Minha Gentil”.
39
Building upon the harmonic and tonal foundation called common practice tonality, nineteenth
century composers constantly expanded and developed the tonal language in a variety of ways,
including increased chromaticism, more complex harmonic progressions and tonal designs, and greater
exploitation of the ambiguous relationships inherent within the tonal system.
40
(...) to create more elaborate and vivid text and drama depictions.
3.1.3. Melodia e o ritmo
Em termos gerais, a melodia diz respeito ao perfil de um agrupamento de
sons que se sucedem desde que seus intervalos não sejam grandes demais e nem que
estejam separados por longos períodos em silêncio (KIEFER, 1987, p. 49). Do ponto de
LaRue, esse agrupamento se organiza num determinado perfil que apresentará novos
elementos de análise à medida que o estudamos nas três estruturas analíticas.
A análise da sua macroestrutura decorre de duas funções: “perfil” e
“densidade” (LaRue, 1992, p.71-73). Ambas podem oferecer informações a respeito das
características do significado poesia/música, acompanhadas pelo incremento ou não da
densidade da ação melódica (ibidem, p.79).
O perfil determina a extensão, a tessitura, os pontos altos e baixos da
melodia, a impressão melódica (cantabile, instrumental, etc.), o movimento da linha
melódica no contexto geral da obra (modal, contrapontístico, cromático, etc.).
O perfil se apresenta da seguinte maneira nas seções de “Alma Minha
Gentil”:
Extensão da linha vocal: si 2 – lá 4
Tessitura:
1
ª
seção (compassos 1-11) fá sustenido-4 – si-2.
Esta seção apresenta a nota mais grave da canção (si-2), porém sua nota
inicial (dó sustenido-4) é a nota mais aguda dentre as notas iniciais das três seções. A
extensão da linha vocal desta seção, assim como nas demais, nos parece reproduzir
alguns aspectos do conteúdo poético de suas respectivas quadras: o do sustenido 4
inicial que musica a sílaba Al-ma” (compasso 1); o ponto mais agudo está delimitado
pelo sustenido 4 em “no Céu e-ter-na-men-te”; e o local donde é proferida a
confissão do poeta está representado pela nota mais grave de toda a canção, o si 2,
quando se escuta “e viva eu na Terra”; a última nota da 1
a
. seção é o sol sustenido 3
para a palavra “tris-te”. Assim, podemos notar que nesta seção se esboça, praticamente,
toda a extensão da canção, bem como da linha vocal.
2
ª
seção: (compassos12 – 22) lá-4 – mi-3
Na 2
ª
seção se encontra o clímax da canção, na nota lá-4. A seção se
inicia pela nota sol-3 e seu ponto “baixo”, mi-3, é o ponto menos grave dentre as demais
seções. Sua finalização se mantém em região mediana. Concluímos que o deslocamento
ascendente desta seção corresponde à “progressão poética” da 2
ª
quadra, cuja ação se
desloca e se desenvolve no espaço celestial. Seu modo de endereçamento contido no
pedido que deve ser ouvido pela amada, está representado pela nota mais aguda de toda
a canção. A pureza do olhar do poeta é sonoramente delimitada, através do lá-3 do final
desta seção.
3
ª
seção: (compassos 23- 34) sol-4 – dó-3
A seção se inicia na região mediana (mi-3), subindo ao seu ponto “alto”,
sol-4. Seu ponto “baixo”, sustenido-3, preparará a conclusão da canção na nota
sustenido-4. A 3
a
seção apresenta poucos momentos nos registros mais graves da sua
tessitura. Sua rica e variada movimentação melódica se confirma como intermediária,
dentre as tessituras da 1
ª
e 2
a
seção.
A impressão melódica é constantemente ondulante, mas apresenta no 26
º
compasso, seu único momento de contorno “serrado”. Está determinada, na sua
macroestrutura, pelas seguintes indicações: cantabile, poco lento, dolce e con
sentimento. Solicitam-se, para a maioria das progressões cadenciais molto expressivo,
con expressione, molto expressivo; estando a cadência final determinada por allargando
poco a poco. O clímax da canção se constrói por animando, con passione e allargando.
O movimento da linha melódica se desenvolve por alterações de modo - Maior e menor
-, e acentuado colorido cromático.
A estrutura média deve abranger os períodos, no contexto da tipologia
temática da composição de suas linhas, podendo ser confrontada com sua estrutura
rítmica. Suas subcategorias analíticas também podem ser sugeridas pelas: recorrência
(repetição ou simples forma de continuação); desenvolvimento (inclui todas as formas
de desenvolvimento derivadas de material musical precedente, tais como variação,
mutação ou trabalho imitativo por aumentação, diminuição, inversão e movimento
retrógrado); resposta (efeito antecedente - conseqüente); e contrastes (mudança
completa que esta geralmente na articulação em direção à cadência ou a uma pausa de
cesura).
Encontramos na estrutura média de “Alma Minha Gentil” o que se segue
abaixo. A tipologia temática nos parece diretamente ligada a eloqüência discursiva do
soneto “Alma Minha Gentil”, pois a movimentação da linha melódica e sua estruturação
rítmica, sobre o acompanhamento, se integram ao encadeamento métrico e ao elementos
do conteúdo poético do soneto. Neste sentido, nota-se que a colocação música/texto
obedece à composição nota contra sílaba das palavras dos versos do poema, cujo
tratamento métrico nos sugere a maneira como o compositor ouve as linhas dos versos
do poema e sua correspondência musical.
Os 1
º
e 2
º
períodos se integram pelo desenvolvimento do material
temático dos seus pares de antecedentes conseqüentes. As respostas implícitas na
seqüência destes pares são ilustradas e comentadas pelas elisões existentes entre os
compassos.
Os 3
º
e 4
º
períodos com sua movimentação suspendida nos levam
identificar os procedimentos de recorrência, pois seu desenvolvimento se processa numa
contínua e ondulante recorrência à nota sustenido que nos parece selar toda a
abstração do significado poético/musical ouvido pelo compositor, neste soneto.
Paralelamente, os períodos apresentam contrastes com os períodos anteriores através da
sua harmonização, deslocamento ascendente da linha melódica e o grito que deve ser
ouvido pela execução vocal e pianística do 19
º
compasso.
Os 5
º
e 6
º
períodos fazem ouvir uma variada série de encadeamentos de
contrastes, desde seu início no 23
º
compasso. Precedido por cesura em ambas as partes,
o 5
º
antecedente se liga ao 5
º
conseqüente, sustentado pela harmonização pesada do
início da marcha cadencial do 25
º
compasso. A ligação entre estes períodos apresenta,
mais uma vez, o contraste, tanto em termos da seqüência de acordes invertidos dos 27
º
e
28
º
compassos, quanto pela mudança brusca em termos do plano sonoro entre ambos.
Entretando, a partir do 6
º
conseqüente, podemos notar a recorrência ao contorno
ondulatório em volta da nota dó sustenido, com a qual se encerra “Alma Minha Gentil”.
A densidade, vista por LaRue, como os graus da atividade melódica
(ibidem. p.73) é mais tangível na análise da microestrutura, pois sua categorização é
melhor determinada em função da organização dos períodos, frases e sub-frases
(ibidem, p.75).
A microestrutura de uma melodia, através de seus intervalos e padrões
motívicos, se assemelha às palavras e frases (ibidem, p.83). Devem sugerir os seus
afetos e as suas funções no seu respectivo contexto funcional. LaRue sugere que sejam
examinados três tipos de grupos de ação (graus conjuntos, pulos e saltos) e cinco tipos
de contornos (ascendente, descendente, plano, serrado e ondulado) (ibidem, p.85).
A composição de todos antecedentes e conseqüentes da canção apresenta
todos os tipos de grupos de ação e de contornos. Eles se encadeiam de modo variado,
interligados aos demais elementos musicais que desempenham expressiva função na
representação do significado do texto poético.
CAPÍTULO 4
OS PERFORMERS EM “ALMA MINHA GENTIL”
O objetivo deste capítulo é refletir sobre como a análise de alguns
elementos interpretativa pode ajudar a formatar e articular a concepção poético/musical
estudada nos capítulos anteriores. Nele são tratados, apenas, os elementos
interpretativos pertinentes ao estudo e à performance de “Alma Minha Gentil”:
dinâmica e nuances, timbre e estilos e a diferenciação das personas vocal e do
acompanhamento. Este último aspecto está relacionado com a compreensão do texto
poético e na maneira como o compositor ouve e traduz a poesia em música.
Desde afirmamos que trataremos de questões de ordem subjetiva, pois
os presentes tópicos dizem respeito à tradução que os intérpretes devem fazer das
indicações grafadas pelo compositor, a fim de estabelecer sua decisão interpretativa e
elaborar a performance dessa canção.
4.1. Os elementos interpretativos da canção
Dinâmica e nuances
A escolha da dinâmica está determinada por muitas variáveis que
dependem de uma série de texturas e se remetem às habilidades técnicas dos intérpretes;
não em termos da execução, mas principalmente, na habilidade de ambos de se
guiarem diligentemente por tudo aquilo que foi grafado na partitura pelo compositor.
1
º
período:
1
º.
compasso: dolce (piano) / con crescendo (voz); notar sucessão de
crescendos entre voz e piano. Acontece na voz nos 1
o
e 2
º
tempos e ao piano inicia-se no
2
º
tempo. Ambos finalizam abruptamente em p, no 2
º
compasso;
5
º
a 6
º
compassos: allargando, decrescendo, sob indicação de con
prestezza. Essa seqüência de indicações une o mf inicial ao pp do início do 6
º
compasso;
2
º
período:
10
º
e 11
º
compassos: molto expressivo, allargando e p.
3
º
período:
12
º
compasso: p, crescendo. Tanto dinâmica, nuances e linha melódica de
ambas as partes se encontram em uníssono.
15
º
a 16
º
compassos: con expressione em crescendo.
4
º
período:
17
º
ao 19
º
compassos: animando, con passione, fff e allargando.
5
º
período:
23
º
ao 25
º
compassos: p, crescendo, con expressione, piu mosso,
crescendo e f.
6
º
período:
31
º
ao 34
º
compassos: movendo con expressione, crescendo, allargando
poco a poco, p e pp. Toda a estrutura seqüencial de tempo, dinâmica e nuances sugerem
a finalização da canção pelo desaparecimento natural do som em ambas as partes.
4.2. Timbres e Estilos: vocal e pianístico
Estas duas questões interpretativas são as que mais se aproximam do
contexto abstrato e subjetivo da interpretação musical. Stein e Spillman se referem ao
timbre como um aspecto sonoro que recebe poucas instruções específicas por parte dos
compositores. Indicações tais como expressivo e dolce implicam em decisões
interpretativas pessoais diretamente ligadas à qualidade sonora, a uma maior liberdade
rítmica e à possibilidade de uma maior ênfase e intensidade timbrística vocal, pianística
e do conjunto (STEIN & SPILLMAN, 1996, p. 84)
41
.
Sua contrapartida, os respectivos estilos vocal, pianístico e do conjunto
nos parece mais compreensível, pois representam alguns aspectos composicionais da
textura da obra. Segundo os autores, tanto o estudo dos timbres quanto o conhecimento
e determinação dos estilos “ajudam o intérprete a expressar as nuances da poesia”
(ibidem, p.59)
42
.
O estilo vocal e pianístico enquanto parte da textura de uma obra musical
deve ser, portanto, examinado em termos da densidade horizontal e vertical da partitura.
Stein e Spillman enumeram alguns estilos de linhas vocais:
1) uma nota contra uma sílaba várias notas por sílaba - notamos a
predominância em toda a canção do padrão de sílaba contra nota,
exceto nos casos de elisão.
2) várias sílabas entoadas na repetição de uma mesma nota que se
contrastam com o movimento ascendente e descendente da linha
vocal. Este tratamento ocorre em vários lugares da canção.
41
Os autores observam que os intérpretes podem obter grandes insights através do estudo de partituras
de canções acompanhadas por orquestra. Nelas o variado timbre instrumental pode lhes proporcionar
idéias interpretativas de grande valor expressivo (ibidem, 84).
42
(...) the textural concerns help the performer to convey the nuances of the poesy.
3) pequenos intervalos grandes intervalos: constata-se que toda a
linha vocal da canção segue o padrão de movimento ondulado por
graus conjuntos, mas permeados por uma menor ocorrência de
intervalos de 4
ª
, 5
ª
, 6
ª
e 7
ª
, mesmo no 3
º
período quando, na sua
maior extensão, a linha melódica gira em torno da relação
enarmônica entre bemol-3 e sustenido-3. Esses intervalos
sugerem seu emprego com função expressiva de significação e/ou
representação do sentido poético do seu respectivo verso.
4) estilo legato estilo parlato: nota-se, então, preponderância do
estilo legato característico das linhas em graus conjuntos. Contudo,
das sete ocorrências de uma mesma nota repetida para mais de uma
sílaba, sugerimos muita atenção ao caráter parlato em “não-tees-
que-ças- da-que-lea-mor- ar-dente (18
º
compasso).
5) Indicações de articulação (staccato, portato ou acentos) uma ou
mais notas em legato (ibidem, p. 59-60) - as indicações de portato
são mais abundantes ao acompanhamento. Na linha vocal
aparecem nos seguintes lugares:
1
º
compasso – dó sostenido-3 na palavra Al-ma;
3
º
compasso – dó bequadro-3 na palavra par-tis-te.
Não nenhuma ocorrência de staccato, nota-se apenas o encadeamento
de notas fortemente acentuadas no 25
º
compasso.
Dentre as possibilidades estilísticas apresentadas por Stein e Spillman,
observamos na canção a presença constante de texturas contrapontísticas de várias
linhas. Os momentos de maior densidade textural se encontram nos compassos 8-10,
15-19 e 25-27. A menor densidade textural, com simples acordes, pode ser naturalmente
ouvida do 23
º
ao segundo tempo do 25
º
compasso. Logo após, o encadeamento
prossegue por acordes de cinco a seis notas com dinâmica f que criam um forte
contraste com os compassos anteriores.
Os agrupamentos variados de sinais de articulação que indicam
agrupamento ou separação de notas (ibidem, p. 62)
43
, tal como indicados pelos autores,
aparecem na relação entre linha vocal e do acompanhamento de toda a canção. A
canção se constitui pelo acompanhamento em contracanto que constrói grandes linhas,
tal como se pode notar nos quatro períodos iniciais e no período final, entre o 30
º
ao 34
º
compasso.
4.3. A diferenciação das personas vocal e do acompanhamento
Aqui será reconsiderado o estudo das personas vocal e do
acompanhamento, pois os intérpretes também devem analisá-la na perspectiva da sua
correspondência texto/música, que, por sua vez, implicará em novas decisões
interpretativas. Stein e Spillman ampliam esse sentido da análise da persona, pois
consideram que:
(...) a linha vocal projeta uma persona que está se comunicando com
alguém ou algo, e o acompanhamento do piano incorpora uma ou
mais vozes, ou personas, projetando-as para fora também (ibidem, p.
93, tradução nossa)
44
.
Deriva dessa análise o conhecimento da persona em termos de sua
identidade, seus traços psicológicos e atitudes que deverão ser concomitantemente
questionadas com as correspondentes características dos intérpretes e traduzidas pela
43
1) simple chords; 2) simple chords broken into repeated rhythmic figures; 3) contrapuntal textures
with various lines moving along with or against each other; 4) a consistent texture throughout or shifts
in texture; 5) various markings of articulation that indicate the grouping or separation of notes, and
their relative lengths.
44
(...) the vocal line projects a persona who is communicating to someone or something, and the piano
accompaniment embodies one or more voices or personas that project outward as well.
interpretação do conjunto. Os autores são enfáticos em dizer que a identificação e a
percepção psicológica da persona têm grandes conseqüências para o cantor, pois dela
decorre a realização de nuances que podem traduzir o conteúdo sensível e emocional
contido no texto poético.
Sua realização é um desafio para a performance, pois se determina pelo
grau de clareza com o qual se apresenta a persona, bem como pelo grau de evidência ou
ambigüidade de suas características psicológicas e de caráter. Assim o trabalho do
cantor se intensificado quando a persona poética não é tão óbvia ou seus traços
psicológicos “são complexos e repletos de dicotomias ou ironias ambíguas” (ibidem, p.
94)
45
.
O modo de endereçamento uma vez determinado “pode afetar
significativamente a projeção do cantor”
46
(ibidem, 94) que deverá saber para quem ele
canta. Os autores se referem à comunicação existente no ato da performance entre o
texto poético/musical e sua recepção por um ouvinte específico, que entendemos como
aquela pessoa capaz de captar a qualidade e o conteúdo expressivo de uma performance
da canção.
O desafio apregoado pelos autores é a construção de um personagem que
deverá ter interpretado o universo interior de seus traços psicológicos e emocionais na
dimensão simbólica de todo o contexto físico da ação poética. No momento do estudo
da canção, esse conhecimento deve fornecer subsídios ao trabalho de análise musical e
interpretativo com a finalidade de juntos guiar os intérpretes durante a realização da
performance.
Stein e Spillman propõem algumas questões básicas no sentido de
orientar os intérpretes no traçado do caráter da persona e do correlato modo de
45
(...) are complex and full of ambiguous dichotomies or ironies.
46
(...) can affect the singer’s projection significantly.
endereçamento que devem se evidenciar nas respectivas caracterizações da performance
vocal:
- o poeta é o protagonista de um solilóquio, cuja pungência chega
a criar a presença de um fantasma e a extrapolar o universo
alienado e de súplica daqueles que sofrem o luto da separação
do ente amado;
- o estado psicológico geral é depressivo, pois se expressa pelo
sentimento de desejo de morte, separação, desespero, abandono
pelo distanciamento, constrição e humildade religiosa,
insegurança afetiva e pelo sentimento contrastante de uma
paixão ardente.
Vimos que as respectivas alturas e extensão das linhas vocais estão
interligadas à expressão do significado poético de cada verso. No seu conjunto,
desenvolvem-se através de nuances delicadas entre p ao ppp final da canção, permeadas
por apenas alguns momentos de maior intensidade sonora em mf (compasso 5), fff
(compasso 19) e com última aparição em f, acentuado (compasso 25).
A determinação da persona e do modo de endereçamento do
acompanhamento é, nas palavras de Stein e Spillman, muito mais desafiante do que a da
linha vocal. Os autores sublinham três diferentes tipos de persona do acompanhamento
o que pode resultar numa variedade ainda maior de seus respectivos modos de
endereçamento. Assim temos:
- o acompanhamento compartilha a persona e o modo de
endereçamento da linha vocal e embeleza a projeção do cantor;
- além de compartilhar a persona vocal e o seu modo de
endereçamento, o acompanhamento acrescenta novos elementos a
esta persona. Nesse caso, através do diálogo entre voz e piano,
podem-se representar “dois diferentes lados da consciência do
poeta” ou “dois diferentes aspectos do conflito do poeta”;
- o acompanhamento expressa diferentes personas, compartilhando-
as com a persona vocal ou adicionando novas vozes (ibidem, p.96).
Em “Alma Minha Gentil” o acompanhamento participa ativamente do
discurso poético através da série de contracantos, principalmente concebidos nas três
seções da canção, assumindo papeis representativos de novos contextos poéticos, tal
como se observa nos compassos 2-6, 8-11; 14-19; e no melancólico canto final que se
estende do 30
º
à cadência final do último compasso. Sua participação em uníssono com
a linha vocal se evidencia em “partiste” (2
º
e 3
º
compasso) quando parece cantar a
nostalgia da partida da amada. A finalização da palavra “descontente” apresenta uma
apogiatura em uníssono, cuja instabilidade tonal pode nos sugerir o sentimento de
estranheza da vida terrena. Um novo registro surge na descrição do distanciamento do
poeta com o assento eterno” (13
º
compasso). O amor ardente do poeta é sublinhado
pelas personas vocal e pianística (19
º
compasso), por meio da intensidade sonora
analisada e precedida pelas indicações de animando con passione.
Os autores fazem observação importante no sentido de esclarecer a
correta determinação da persona do acompanhamento:
(...) é importante esclarecer que a projeção de uma persona do
acompanhamento não pode ser confundida com alguns efeitos
especiais de textura, ritmo e outros elementos que expressam temas
poéticos especiais que são ouvidos, mas não necessariamente
“articulados” (ibidem, p. 96, tradução nossa.)
47
.
47
(...)it is important to clarify that the projection of an accompanimental persona is not to be confused
with those special accompanimental effects of texture, rhythm, and other elements that convey specific
poetic issues that are heard but not necessarily “spoken”.
Esses efeitos musicais na verdade manifestam apenas os elementos
poéticos do texto não representando especificamente “vozes” ou personas que falam.
Entretanto, Stein e Spillman continuam considerando que algumas vezes os efeitos
musicais dos elementos do ambiente poético adquirem tal independência que eles
passam a ser considerados personas. Nesse caso, o poeta se torna o destinatário. Ele
passa a ser um ouvinte que recebe a mensagem de uma outra pessoa que pode estar
presente como um fantasma ou em sonho, em pensamento ou qualquer outra forma na
qual sua fala não esteja presente no texto poético (ibidem, p. 97).
Analisando estes quatro modos de expressão, fica evidente a presença do
primeiro recurso, cuja característica maior é o embelezamento da fala do poeta. O piano
acompanha, pontual e expressivamente, os momentos de maior significância expressiva
dos versos. Entretanto, o compositor recria a dimensão fantasmagórica da presença da
amada no seu ambiente celestial, tão bem caracterizado no soneto. Este fato poderia nos
levar à aproximação de outras modalidades de caracterização da persona e dos modos
de endereçamento, mas como afirmado pelos autores, esses recursos expressivos são
apenas ouvidos e não falados com a mesma eloqüência da fala da persona. Desta forma,
é importante a reflexão sobre as decisões interpretativas da persona do
acompanhamento, nos seguintes momentos:
- compassos de 1 a 6: a linha vocal do vocativo
48
“Alma minha
gentil”, seguida pela a intervenção expressiva em portato do
contracanto da linha superior do acompanhamento. O trabalho
melódico se inicia com a mesma célula rítmica do motivo da linha
vocal, sugerindo uma nova “voz”, mas após a reprodução da
48
Bechara afirma que o vocativo cumpre a função apelativa de 2
ª
pessoa, pondo-a em evidência. Esse
chamamento se caracteriza como uma unidade à parte, “que pelo desligamento da estrutura argumental
da oração, constitui, por si só, a rigor, uma frase exclamativa à parte ou um fragmento de oração”
(BECHARA, 2001, p. 460-461).
mesma síncope de “alma”, ele prossegue em uníssono com a voz
do poeta. O uníssono reforça a decisão pela participação da
persona do acompanhamento como um embelezamento que tende
de algum modo nos aproximar ou manter presente a figura da
amada morta.
A seqüência de notas em portato se interrompe ao primeiro tempo do 4
º
compasso. A estrutura rítmica e harmônica no acompanhamento relembra, mais uma
vez, o vocativo inicial. Sua linha superior ultrapassa em uma 10
ª
a linha vocal, realiza
movimento descendente em contratempos cromáticos e ascende ao sustenido 3 em
mf. Observa-se, de fato, que nada de novo é introduzido, apenas uma pontuação para as
três palavras “cedo”, “vida” (mf) e “descontente”. O modo de endereçamento do
descontentamento final se faz representar pelo encadeamento harmônico sob
“descontente”.
- compassos 7 11: as palavras “repousa”, “céu”, “eternamente” e
“triste” recebem novo embelezamento da persona do
acompanhamento. A descrição de repouso da amada está
sustentada pelo deslocamento da estrutura rítmica da linha de
baixo do acompanhamento do 1
º
compasso da canção para a linha
de soprano do acompanhamento desse compasso. A nuance
indicada é pp, o resultado sonoro da tonalidade de sustenido M
soa com função de repouso na tônica.
O espaço celestial tornando-se a dominante da tônica precedente prepara
a intervenção da persona do acompanhamento que descende do agudo sustenido-4,
numa linha melódica rica em contraponto e momentos de poliritmia. Seu caráter
suspensivo enriquece a estrutura rítmica e alargada em torno do sustenido-4 da linha
vocal, por figura pontuada e quiáltera de três colcheias, igualmente estendida pela
semínima.
A persona do acompanhamento finaliza sua linha melódica descendente,
através da grave 5
a
justa no 1
º
tempo do 11
º
compasso sobre “triste”, cuja 5
ª
do acorde
apresenta retardo de três tempos.
- compassos 12 22: a persona do acompanhamento se inicia em
uníssono para “se no assento etéreo” e ouve-se M. A linha
melódica descendente retorna, mas o elemento novo de
embelezamento da persona do acompanhamento se ouve, con
passione, em direção ao poderoso trêmulo do acompanhamento. O
pedal em síncope na linha de tenor do acompanhamento seguido
pelo pedal em quiálteras da sua linha de contralto embeleza e
energiza a fala do poeta pela sua fantasmagórica amada.
Inicialmente o pedal soa na nota lá-3 sincopada, mas a solicitação
de animando, em quiálteras, na tônica de M nos sugere uma
crescente pulsação orgânica que caminha em direção à ar-den-te .
- compassos 23-34: o modo de endereçamento da persona do
acompanhamento pode-se distinguir em quatro momentos de
texturas bem distintas. O primeiro, dos compassos 23 ao 25
, sem
movimentação de vozes, apenas colore a incerteza reinante no
coração do poeta. A sua expressão de humildade frente a
impossibilidade da amada ainda se lembrar do seu amor por ela é
atropelada pela segunda mudança textural. Esta marca com acordes
muito mais espaçados, os sentimentos de “dor” e “mágoa, sem
remédio”. Na terceira mudança, compassos 27-28, o
acompanhamento apresenta uma diminuição na sua intensidade
sonora. Seu clima é de oração e de confissão direta diante da
presença de uma pessoa. A última mudança textural nos sugere um
grave murmúrio inicial que vai aos poucos se dissipando, por
longo allargando, até o desaparecimento total de sua fala. Esta
quarta mudança é a última fala da persona do acompanhamento.
CAPÍTULO 5
A PREPARAÇÃO DA PERFORMANCE DE ALMA MINHA GENTIL” COM
DOIS CANTORES.
“Alma Minha Gentil” foi incluída em quatro recitais, cujos programas
apresentaram ciclo completo das 32 canções de Glauco Velásquez. Participaram vários
cantores, mas apenas dois deles foram responsáveis pela execução desta canção.
O trabalho de preparação e realização da performance de “Alma Minha
Gentil” com os dois cantores ocorreu separadamente; não havendo nenhuma troca de
impressão ou discussão de qualquer natureza entre eles. Comunicamos, apenas, o
objetivo da pesquisa, a identidade de ambos e a natureza anônima do relato nesta
dissertação
49
.
Nossa tarefa inicial com cada um deles foi a apresentação da vida de
Glauco Velásquez, sua formação musical, o conjunto de sua obra vocal e os diferentes
poetas musicados pelo compositor. O desconhecimento da linguagem musical e do
estilo do compositor, ambos associados à indisponibilidade de registros fonográficos ou
de qualquer outra natureza, nos levou às premissas básicas da fundamentação teórica e
metodológica de Stein e Spillman aplicadas a esta pesquisa. Evidenciaram-se a
necessidade do estudo aprofundado de “Alma Minha Gentil” e o papel do duo como
recriador do universo poético/musical da canção, onde o cantor se destaca como o
49
Por esse motivo, não categorizaremos de nenhum modo cada um deles. Todas as nossas observações
são registradas aqui de modo a preservar-lhes suas respectivas identidades profissionais.
interlocutor entre o compositor e o seu ouvinte. Sua atuação mediadora entre os dois
extremos da performance me remetia ao trabalho detalhado dos aspectos interpretativos
do poema da canção ao qual se vinculam suas respectivas dimensões musical e
interpretativa.
O pianista-pesquisador dividiu a preparação do texto em estudo dos
elementos básicos da declamação, e o estudo de interpretação do texto poético.
5.1. Estudo da declamação.
Cada cantor fez repetidas leituras em tempo lento, sem declamação,
apenas realçando a sonoridade das vogais, consoantes e nas suas diferentes combinações
dentro das sílabas. O objetivo era aperfeiçoar a dicção, treinar a audição da sonoridade
das palavras e progressivamente nos sensibilizar com o ritmo e a métrica das linhas dos
versos. À medida que essas leituras aconteciam, além de antecipar a interpretação do
texto, cada cantor apresentou uma resposta diferente a essa etapa do trabalho
preparatório da canção. Ambos os cantores desempenharam essa etapa com
desenvoltura à altura de suas respectivas experiências profissionais e artísticas.
A necessidade da escansão da poesia foi exigência naturalmente
reconhecida pelos cantores. Copiamos o soneto, dando um espaço maior entre as linhas
para possibilitar alguma anotação necessária e grafamos as sílabas átonas e tônicas de
cada linha. Na tentativa de treinarmos a articulação das palavras com sua acentuação
correta, surgiu uma nova possibilidade de se realizar esse estudo. Declamaríamos o
soneto, ainda lentamente, mas dando sonoridade mais forte às sílabas tônicas e
reservando as sonoridades mais suaves para as sílabas átonas. Manteríamos a atenção à
correta articulação das sílabas, mas nos ateríamos ao reconhecimento auditivo da
composição sonora resultante da combinação das sílabas tônicas de cada linha. Por
exemplo:
- - mi - - til, - - tis -
- ce - - - vi - - - te -, etc.
Ao final de algumas dessas repetições, nossos ouvidos registravam a
seqüência sonora e rítmica das frases que se compunham pela combinação das silabas
tônicas. Passamos a perceber, então, que quando retornávamos à leitura, com
sonoridade normal em todas as sílabas do poema, a nossa declamação era mais fluente,
clara e mais segura.
Como músico, o desejo solicitava a partitura. Mas como pesquisador
daquele momento, solicitava que persistíssemos naquela linha. Tudo poderia nos
parecer muito distante da nossa realidade musical, mas prevalecia a idéia de que no
universo da canção, o centro gravitacional é a poesia. A música e a interpretação giram
ao seu redor.
5.2. Estudo interpretativo do texto poético.
As repetidas leituras da fase anterior começavam por si a levantar
informações a respeito do conteúdo poético.
Nessa etapa foi considerado importante apresentar aos cantores algumas
perguntas sobre o texto, capazes de nos guiar por algumas informações básicas, contudo
fundamentais, ao conhecimento musical e interpretativo da canção. As respostas às
essas perguntas tiveram um papel significativo na análise dos conteúdos poéticos
(temas, imagens, representação poética, progressão poética, etc.) do capítulo sobre a
poesia, desta dissertação. Correspondem não apenas à nossa visão do contexto poético,
mas muito expressivamente à visão de cada um dos cantores.
O que você conhece a respeito do poeta e do poema?
Como se constitui o soneto?
O que diz o soneto?
Qual é para você o significado de cada estrofe separadamente?
Como o sentido geral se constrói a partir do conjunto das suas quadras e dos
seus tercetos?
50
Onde se encontra o clímax do soneto?
Em quais linhas se encontram os clímaxes de cada estrofe?
Como é a pontuação das linhas dos versos?
Qual é o andamento que você considera mais adequado para sua declamação?
51
Quais são as rimas de final de linha?
ocorrências de rimas internas ou você percebe outros recursos poéticos no
interior de cada linha?
52
Estas questões suscitaram imediatamente o nosso interesse pela sua
correspondência com a linguagem musical e interpretativa do poema, como
apresentada nos capítulos anteriores. Contudo, reforçava-se nosso interesse pelo
aperfeiçoamento da declamação das linhas dos versos que, a partir daquele momento,
receberiam um trabalho enriquecido pelo significado do poema.
Foi-lhes apresentadas as seguintes questões de interpretação de texto:
Como você descreve a cena poética?
Onde ela se passa?
Seus cinco sentidos poderiam dar alguma contribuição à construção da cena
poética? Como?
Quem fala no poema?
50
Foi-lhes solicitado o aprofundamento desse estudo em cada quadra e terceto, bem como no sentido
geral do poema. O objetivo era adquirir um conjunto cada vez maior de impressões, imagens e de
quaisquer outras informações que pudessem ser utilizadas nas etapas posteriores, principalmente na
interpretação e na realização da performance. se determinava aos cantores que grande parte da
estrutura da concentração, durante a performance, aprofundaria suas raízes nessas informações, pois
elas nos guiariam também em termos do que deveríamos pensar.
51
Não se trata de especificar, por exemplo, metronomicamente o tempo, mas apenas estabelece-lo, para
si mesmo, o andamento para a sua declamação, obviamente em conformidade com a correta dicção das
palavras e de suas respectivas correspondências com a pontuação determinada pelo poeta.
52
Relembrei-lhes o papel da “aliteração” e da “assonância” na composição da sonoridade dos versos.
Tive aqui importante contribuição dos cantores em termos da determinação do número de vogais ou
consoantes na sua relação com a sua altura na linha melódica.
E para quem fala?
A pessoa endereçada está presente no cenário poético?
Como e onde você a percebe?
Onde está a persona?
Ele se movimenta? Caso contrário descreva a situação física.
Qual é a relação entre o narrador e a pessoa destinatária da mensagem poética?
qualquer outro deslocamento físico, temporal ou de qualquer outra natureza
no cenário poético? Quais são? Como são?
Por qual motivo o poeta fala?
A pessoa para quem o poeta fala permanece a mesma ao longo da canção?
Havendo mudanças, quais são?
Qual é a condição física e mental da persona ao final da canção?
Como você imagina a cena poética antes do início da canção?
Que acontece após o término do texto da canção?
Que acontece após o término da música da canção?
Como você percebe a cena final?
Surgiu, então, um fato novo: reconhecemos que o papel da representação
verbal e posteriormente musical se associaria à sua contrapartida não–verbal, desde o
momento da preparação da performance e, muito especialmente, no momento da
realização da sua performance. O olhar, a face, os gestos e o corpo tinham papel
singular na comunicação da mensagem poético-musical. O cantor deveria construir uma
cena poética, não dramática, na qual o pianista contracenaria no mesmo microcosmo.
Sua personalidade evidentemente influiria muito na construção e na interpretação do seu
papel como ator de uma identidade determinada pelo texto poético. Isto não implicaria
na tentativa de eliminação de traços psicológicos próprios dos intérpretes, muito pelo
contrário, os cantores deveriam se reconhecer nelas e interpretá-las em conformidade
com sua maneira de entender a análise feita de toda a situação poética. Assim, as nossas
questões nos delimitavam o antes, o agora e o depois da performance da canção.
uma breve descrição desses três momentos nas seguintes palavras de
Shirlee Emmons e Stanley Sonntag:
No recital da canção, quando você entra ou sai de cena ou quando
recebe aplausos, você é você mesmo(a), mas, enquanto está cantando,
seja quem for, a canção exige de você o que ela quiser que você seja
(EMMONS & SONNTAG, 1979, p.116, tradução nossa)
53
.
Nesse posicionamento inicial com os futuros intérpretes de “Alma Minha
Gentil” estava implícita a questão primordial desta dissertação, pois refletíamos tanto
sobre o modo de pensar a preparação da performance, como também nos
questionávamos sobre sua realização. Estávamos, portanto, diante de um cenário
poético que nos solicitava a comunicação das peculiaridades de uma determinada
situação humana retratada pela canção, que exigia do cantor a construção de um
personagem.
Emmons e Sonntag detalham os aspectos técnicos de recursos corporais
do cantor que incluem o estudo do papel do olhar e da face, o questionamento dos
gestos e da movimentação corporal. Afirmam que estes últimos “devem ser usados
muito discretamente” (ibidem, p.116)
54
. É preciso relembrar que o estudo desses
recursos associado aos aspectos poético-musicais observados pela análise interpretativa
da partitura da canção é o meio de aproximar os intérpretes das intenções do poeta e do
compositor, assim como o de transmiti-los aos seus ouvintes. Os autores também
relembram que os intérpretes, muito especialmente o cantor, preencham o papel da fala
do poeta, enquanto que a música é a sua comunicação do significado da vida das
palavras. Portanto, a atividade corporal e os gestos são os veículos de comunicação
subliminar das palavras, mesmo que devendo ser usados com muita discrição e
adequação à atividade interpretativa, própria à performance da canção.
Os olhos e a face têm participação mais intensa na expressão do conteúdo
poético-musical. Emmons e Sonntag relatam inúmeras situações nos Lieder em que
53
In a song recital, when entering and departing the stage, and while accepting applause you are
yourself, but while you are singing you are whoever the song calls upon you to be.
54
(...) which should be used very discreetly...
ambos revelam a posição física daquilo que o poeta/cantor está descrevendo, traduzem
corporalmente sentimentos, afetos, pensamentos ligados à significação poética e
estabelecem, na performance, a ligação entre a obra musical e o ouvinte (ibidem, p 118
– 119).
5.3. Estudo da leitura poético-musical da canção.
Postas essas considerações analítico-interpretativas da preparação para a
execução da performance de “Alma Minha Gentil”, avançamos em direção à
compreensão do texto poético. Levantaram-se o significado geral e por estrofe do
soneto. O intuito era aproximar cada cantor da sua própria concepção do significado
poético do poema. Paralelamente a essa leitura, realizou-se a escansão das linhas dos
versos, marcando todas as suas sílabas tônicas e desde já, nos atendo à pontuação
indicada pelo poeta
55
.
Uma vez delimitados esses aspectos, partimos para a leitura do poema,
dando ênfase à pronuncia das vogais e consoantes na sílabas dos versos. Solicitamos a
sua realização em andamento lento, com dicção perfeita e total atenção à combinação
sonora das sílabas ao longo de cada estrofe. Gradativamente, tentamos leituras mais
fluentes com andamento mais rápido a fim de conhecermos um modo mais satisfatório
de declamarmos o seu texto com expressividade.
O próximo passo foi trabalhar a declamação do soneto. Objetivamos
nesse momento a concepção de cada cantor da realização declamatória do texto da
canção, que obviamente seria alterada pela presença dos elementos musicais e
interpretativos grafados pelo compositor na partitura da canção. Seria exatamente essa
55
Vimos em vários outros sonetos de Camões que a pontuação das estrofes pode ser rica e variada.
Assim, eu tentei sensibilizá-los para a importância desse conhecimento em todas as etapas da
performance da canção.
diferença ou semelhança que nos levaria a uma reflexão mais acurada em torno da
música e da interpretação da canção.
Consideramos a seguir, a leitura rítmica em andamento lento sem
indicações de alterações de tempo, dinâmicas e expressão, bem como o texto poético e
linha vocal. O objetivo era o conhecimento e a condução perfeita da estrutura rítmica ao
longo da variação métrica dos compassos, cuja acentuação se modifica à medida que os
compassos se alteram. Uma vez estudada a estrutura do ritmo, acrescentamos as
indicações de andamento, dinâmicas e expressividade e buscamos conhecer a maneira
como elas estruturam toda a concepção poético/musical da canção. Nesta direção,
buscando sua interiorizarão, comentando e tentando combinações entre as métricas do
texto poético, e a estrutura rítmica da linha vocal, e sua relação com as respectivas
indicações de dinâmica e expressão. Por exemplo, vimos como o compositor estabelece
a métrica da canção para os dois últimos tercetos, na qual por mudanças sucessivas de
compassos, inclusive o compasso ampliado de 5/4 (26
º
compasso), ele condensa em
cinco compassos apenas todo o 1
º
terceto do poema, restabelecendo musicalmente, mas
com fidelidade, a pontuação determinada pelo poeta nesse terceto. Em sentido contrário,
o compositor musica todo o 2
º
terceto com o número ampliado de 7 compassos,
inicialmente ternário e finalmente quaternário .
Na próxima etapa, demos início à leitura rítmica com texto e com as
indicações de tempo poco lento, dinâmica e de expressão. Foi muito interessante notar,
nesse momento, a estrutura rítmica da canção sendo entendida e sentida de maneira
muito especial, pois estávamos diante de uma estrutura em torno da qual girariam todos
os demais elementos musicais, declamatórios e poéticos. Continuamos a confrontar,
então, todos os aspectos estudados da forma e conteúdo poético. Determinamos os
locais mais adequados para a respiração das linhas da voz e do acompanhamento e
enquanto aperfeiçoávamos a dicção, começava-se a surgir uma concepção da condução
do andamento Poco lento indicado pelo compositor.
Talvez essa tenha sido a etapa mais trabalhada com ambos os cantores,
pois solicitava -se deles atenção acurada, tanto da declamação do texto como do
detalhamento dos aspectos rítmicos e interpretativos da linha vocal. Vimos que a dicção
fluente e expressiva desse contexto assim determinado exigia cuidado especial. O que
aparentemente nos parecia algo intuitivamente conhecido pela nossa prática profissional
e artística, passava a nos solicitar maior conhecimento e atenção pelas exigências
grafadas do compositor da canção. Este fato conduziu à rotina deste trabalho, visando a
naturalidade da declamação, e a inclusão constante de todos os aspectos analíticos
levantados anteriormente na análise preliminar do poema. A imagem que lhes passava
era de uma “bola de neve”, cujo movimento uma vez iniciado traria cada vez mais
elementos das etapas anteriores. Essa era a característica do trabalho. Deveríamos
dominá-la, a fim de prosseguirmos no nosso intento de agrupar os três aspectos
interpretativos da canção com o intuito de realizarmos a sua performance. Naquela
altura, tínhamos todo o texto do poema adequado à estrutura rítmica e expressiva
determinada pela partitura de “Alma Minha Gentil”.
A leitura musical da canção solicitou esclarecimentos com relação à sua
forma, linguagem harmônica e tonal. A proposta inicial era dividir esse trabalho em
quatro partes: 1) explicação formal, harmônica e tonal da canção; 2) realização da
leitura de notas isoladamente; 3) realização da leitura de notas com ritmo sem texto; 4) e
leitura de notas com ritmo e texto. Ocorreram algumas alterações no curso desse
planejamento, muito em função do grau de experiência e destreza musical para leitura a
primeira vista de cada cantor, que abreviaram ou ampliaram algumas etapas.
Apresentamos-lhes as considerações a respeito da forma de “Alma Minha
Gentil”. A canção em três seções estava distribuída em duas partes, correspondentes às
quadras e aos tercetos do soneto, organizadas por uma linguagem harmônica ambígua e
relações tonais incrementadas por vários recursos inovadores da música de concerto do
final do século XIX. Do ponto de vista prático, imediato da leitura, os cantores
necessitavam do sentido tonal do desenvolvimento da linha vocal e do sentido
harmônico introduzido pela parte do acompanhamento, cuja independência aumentava
ainda mais o sentimento de ambigüidade constante do solfejo de “Alma Minha Gentil”.
A partir da análise harmônica desta dissertação, apresentamos
inicialmente as tonalidades conforme elas se sucediam ao longo da partitura explicando-
lhes os procedimentos empregados pelo compositor na linguagem harmônica e tonal da
canção. O intuito era tornar audível a coerência tonal de uma partitura, cuja primeira
impressão poderia nos levar a percebê-la distante de referências tonais.
Outro aspecto facilitador nessa etapa da leitura de “Alma Minha Gentil” -
característico da música do final do século XIX e início do século XX - era relembrar-
lhes que a ambigüidade tonal, através da expansão das relações internas dos
encadeamentos harmônicos, tinha uma função expressiva diretamente ligada à maneira
como o compositor ouvia e entendia o significado do texto poético
56
; além de ser,
obviamente, um estilo composicional muito próximo da escola francesa do fin de siècle.
A fim de ilustrar esse procedimento, sugeri aos cantores a observação da ausência de
armadura de clave que nesta canção não significava a tonalidade de Dó M
57
. Havia uma
seqüência de tonalidades que se sucedia praticamente por compassos e que se
56
Recorríamos, mais uma vez à interpretação da forma e do conteúdo poético com o intuito de
produzirmos o sentido de como o colorido de suas tonalidades, através do ritmo cambiante de suas
harmonias, poderia ilustrá-los.
57
Um exemplo de ausência de armadura de clave é as canções de Claude Debussy.
incrementava à medida que se aproximava dos finais das seções e de seus respectivos
períodos internos.
Realizamos a leitura sem o ritmo, apenas as notas da linha vocal
sustentadas pelos acordes estruturais do acompanhamento. Esse modelo de leitura da
linha melódica foi aplicado, inicialmente em pequenos trechos e progressivamente em
trechos maiores, em toda a canção. Uma vez assimilado pelos cantores, introduzimos as
seqüências completas dos acordes que sustentavam a melodia. O objetivo era a
memorização pelos cantores do sentido tonal de cada momento das frases e a exata
afinação de suas respectivas notas. Devo observar, também, que em alguns momentos
os cantores se serviram também do recurso da leitura da melodia por entonação de
determinados intervalos entre as suas notas. Contudo, sabíamos que a segurança exigida
para performance desta canção se obteria através da compreensão do sentido harmônico
e tonal do conjunto. Nessa etapa inicial da leitura da linha melódica, abrimos mão não
apenas do texto, mas de todos os outros elementos musicais e poéticos. Após o seu
aprendizado, nós a exercitamos, ainda sem ritmo, apenas em staccato, mas sempre
sustentadas pelas respectivas harmonias.
Uma vez seguros do aprendizado e da entoação correta das notas,
realizamos a leitura da linha vocal com o seu ritmo, sempre em andamento lento, sem o
texto e suas respectivas indicações de alteração de tempo e com o acompanhamento de
seus respectivos acordes estruturais. Nosso objetivo nesse momento era o de obter a
execução afinada da melodia com o seu ritmo preciso.
A junção do texto com a música recebeu um tratamento igualmente
especial. Ao contrário do procedimento habitual de se cantar a linha melódica com o
texto e o acompanhamento completo, ativemo-nos por alguns momentos ao estudo
detalhado das partes da melodia com suas respectivas indicações de dinâmica e tempo.
O objetivo era o conhecimento dessa estrutura cujo acompanhamento era acrescido,
pouco a pouco, à medida que sentíamo-nos seguros quanto à realização correta da
dicção do texto, entoação das notas, ritmo perfeito, e solicitações de dinâmica e
nuances. Foram consideradas todas as indicações grafadas em cada linha do poema e
iniciamos o seu estudo uma a uma.
Apresentamos aos cantores o esquema abaixo com a superposição dos
versos com a dinâmica assinalada para as linhas da voz e do acompanhamento
58
. Pode-
se observar nesse momento que as indicações surgiam com certa lógica interna e que
nos aproximávamos de uma outra realidade sonora da declamação dos versos do poema,
que naquele momento passava a ser cantada. Sabíamos que a nossa leitura inicial do
poema estava sendo confrontada com algo que certamente poderia se aproximar ao
modo como o compositor ouvia a música do poema e, assim, grafava sua própria
concepção. Contudo, também sabíamos que jamais poderíamos ter certeza se a nossa
interpretação correspondia à criação imaginada por ele. Tentávamos apenas sermos
fiéis às solicitações da partitura, cuja interpretação traria as nossas impressões pessoais:
Indicação de tempo da canção: Poco lento, con sentimento
1
ª
seção (1
ª
quadra)
1
º
antecedente Alma minha gen til, que te partiste
voz: crescendo p (súbito) crescendo
piano: dolce crescendo p (súbito) expressivo
1
º
conseqüente
1
º
antecedente
tão cedo desta vida descontente,
voz: crescendo mf allargando, con prestezza
piano: crescendo mf allargando, decrescendo
58
Acrescentei o esquema da parte do acompanhamento, pois será tratado logo a seguir. Separei algumas
palavras no intuito de representar graficamente a realização da sua declamação com a dinâmica
solicitada pelo compositor.
1
ª
seção (1
ª
quadra)
2
º
antecedente repousa lá no Céu eternamente, eternamente,
voz:
Piano:
pp - .crescendo
dolcissimo
2
º
conseqüente
1
º
antecedente
e viva eu cá na terra sempre triste.
voz:
piano:
molto expressivo allargando p
2
ª
seção (2
ª
quadra)
3º antecedente
Se lá no assento etéreo onde subiste,
voz:
Piano:
p crescendo
3
º
conseqüente
1
º
antecedente
memória desta vida se consente,
voz:
piano:
crescendo con espressione
animando
2
ª
seção (2
ª
quadra)
4º antecedente
não te esqueças daquele amor ardente
voz:
Piano:
(animando) con
passione
fff allargando
4
º
conseqüente
1
º
antecedente
que já nos olhos meus , tão puto viste.
voz:
piano:
dolce crescendo
pp allargando
3
ª
seção (1
ª
e 2º tercetos)
5º antecedente E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me
ficou
voz:
Piano:
p crescendo Piu mosso f e molto expressivo
5º conseqüente
1
º
antecedente
da mágoa, sem remédio, de perder-te,
voz:
piano:
(molto expresivo) decrescendo
6º antecedente Roga a Deus que teus anos encurtou
voz:
Piano:
p
crescendo
dolce mp, crescendo
6
º
conseqüente
1
º
antecedente
que tão cedo de cá me leve a ver-te
Quão cedo dos meus olhos te
levou
voz:
piano:
allargando poco a poco p decrescendo ppp
Apresentamos a estrutura do acompanhamento a partir do estudo
comparado do esquema acima e da execução em separado da linha vocal e seus
respectivos contracantos ao acompanhamento. Acreditamos que esse conhecimento
além de aumentar a segurança da performance do cantor, deve proporcionar-lhe o
entendimento daquilo que o compositor pretende expressar. Nesse sentido, solicitamos
o trabalho constante também deste momento da preparação da leitura da canção.
Iniciamos pela comparação das superposições de dinâmica e nuances entre a voz e o
acompanhamento. À medida que realizávamos esse estudo, não começávamos a
assimilar a sua correspondência com a nossa leitura do conteúdo e da forma do texto
poético, bem como buscávamos entender o sentido estético do tratamento harmônico e
contrapontístico, dado pelo compositor para aquele trecho. Observamos que,
contrariamente ao tratamento independente reservado às melodias da linha vocal e do
acompanhamento, a estrutura de dinâmica, indicações de nuances e de tempo, entre
ambas, são correspondentes, apesar de pequenas alterações que parecem ser um
incremento da expressividade na execução desses trechos.
Finalmente, encerramos a etapa da leitura de “Alma Minha Gentil” pela apresentação do
acompanhamento no seu todo. Fizemos nossa primeira leitura e prosseguimos na
sedimentação do conhecimento até aqui levantado. Ao longo de todas as oportunidades
de trabalho desta obra nunca deixamos de recorrer ao estudo das etapas iniciais da sua
leitura, principalmente do contato direto com o texto do soneto. “Alma Minha Gentil”
apresenta dificuldades e sutilezas expressivas que solicitam trabalho constante e exige
do seu cantor grande acuidade auditiva musical.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa demonstra que o estudo detalhado de todas as partes componentes ao
universo musical e poético de uma canção é um modo satisfatório de responder à
questão inicial de como pensar a preparação e a realização da performance de “Alma
Minha Gentil”.
A contextualização histórica do compositor forneceu subsídios para a
compreensão estético-musical da interpretação desta canção. A postura estética do
compositor em declarar que sua obra era a expansão de seus próprios sentimentos,
impressões e do ideal de um sonho, confirmou a necessidade dos intérpretes de analisar
o poema em profundidade e a subordinar o universo poético às demais questões
musicais e interpretativas. Desta forma, encontrar em si mesmos a maneira mais pessoal
de reproduzir e transmitir com fidedignidade a partitura aos ouvintes.
O estudo musical desta canção nos ajudou a entender a linguagem
musical do compositor, reproduzindo a evolução composicional do mesmo, sendo que
esta seja uma de suas últimas obras.
Ficou clara a validação da fundamentação do modelo analítico de Stein e
Spillman, que se apóia na observação constante e profunda de todos os elementos
constituintes das linguagens poética, musical e dos performers. Dessa constatação,
devemos reconhecer que o trabalho interpretativo da preparação da performance da
canção gira em torno do questionamento constante das razões pelas quais se estruturam
todos os elementos envolvidos na concepção da canção.
Os elementos interpretativos não se apresentaram de outra maneira. Apesar de sua
ligação intrínseca com os aspectos musicais estudados, eles nos parecem também
diretamente ligados à morfologia e ao significado poético. Muitos são os exemplos de
um mesmo poema musicado por vários compositores. Todos esses exemplos
comprovam que uma maneira particular de reproduzir musicalmente uma
determinada concepção poética e o intérprete tem a obrigação de se aproximar das
intenções de cada compositor. O intérprete deve abordar os aspectos interpretativos da
performance da canção através do exercício constante da aproximação do seu texto, na
sua dimensão formal e de significação poética, com todos os detalhes da sua notação
musical redimensionados pelos demais elementos musicais. Assim ocorre a realização
de uma performance consciente e espontânea na qual o universo composicional é
traduzido pela personalidade artística dos intérpretes aos seus ouvintes.
Ao longo do desenvolvimento deste estudo, ficou evidente a
diferenciação entre interpretação e dramatização. Percebemos que o contexto poético-
musical da performance da canção determinava, implicitamente, sua realização dentro
de uma cena poética muito peculiar e diferenciada dos aspectos exteriores de um drama
musical. A cena poética da canção está totalmente voltada para o seu universo interior,
mediado pela ação de seus intérpretes na relação com a audiência. O acompanhamento
pianístico deve também comunicar a maneira como o compositor ouviu o contexto
poético aos ouvintes, transmitindo-lhes, interpretativamente, os seus diversos matizes
musicais e poéticos.
Aqui percebemos a natureza multidisciplinar da estrutura da canção.
Vimos quão amplo é o universo de conhecimento exigido aos intérpretes pela sua
performance e de que maneira poderíamos sugerir seu estudo e sua realização. Neste
sentido, ficou claro que todas as etapas estudadas se interligam e não se excluem, pelo
contrário, são recorrentes.
Concluímos que o detalhamento realizado de cada um dos três aspectos interpretativos
de “Alma Minha Gentil” não criam um meio de abordar o estudo desta como de
qualquer outra canção para voz e piano, bem como oferece a todos os demais
interessados, por esse gênero musical, os instrumentos que se demonstram úteis ao
enriquecimento do conhecimento dessa elaborada estrutura poético-musical que é a
canção de câmara.
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Canto e piano.
___________________ “Alma Minha Gentil”, opus 107. Obra em manuscrito, 1913.
Canto, oboé e orquestra de câmera.
ANEXO A
Cópia do manuscrito de “Alma Minha Gentil”, para voz, oboé e orquestra de câmara, de
Glauco Velásquez.
ANEXO B
Cópia do manuscrito de “Alma Minha Gentil” para voz e piano, de Glauco Velásquez.
ANEXO C
Cópia da partitura editada de “Alma Minha Gentil” para voz e piano, de Glauco Velásquez.
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SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. Tradução: Eduardo
Seincman. 3. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
SEINCMAN, Eduardo. Do Tempo Musical. São Paulo: Via Lettera, 2001.
STEIN, Deborah & Robert Spillman. Poetry into Song. Oxford University Press. New
York, 1996.
The New Grove Dictionary of Music and Musicians. New York: Oxford University
Press, 1980.
TORRALVO FRAGATA, Izeti e Carlos Cortez Minchillo. Sonetos de Camões. 2.ed.,
São Paulo: Ateliê Editora, 2001.
REFERÊNCIA MUSICOGRÁFICA
VELÁSQUEZ, Glauco. “A casa do coração”, opus 7. Obra em manuscrito, 1904. Canto
e piano.
___________________ “Não sabes?”, sem opus. Obra em manuscrito, 1904. Canto e
piano.
___________________ “Vita”, sem opus. Obra em manuscrito, 1905. Canto e piano.
___________________Romance: Anália”, sem opus. Obra em manuscrito, 1905.
Canto e piano.
___________________ “Borboleta”, opus 10. Obra em manuscrito, 1905. Canto e
piano.
___________________Ouvir estrelas”, opus 13. Obra em manuscrito, 1905. Canto e
piano.
___________________Segredo”, sem opus. Obra em manuscrito, 1905. Canto e
piano.
___________________ “Le livre de la vie”, opus 16. Obra em manuscrito, 1905. Canto
e piano.
___________________ “La feuille”, sem opus. Obra em manuscrito, 1905. Canto e
piano.
___________________ “Soledades”, opus 21. Obra em manuscrito, 1905. Canto e
piano.
___________________ “À Berenice”, sem opus. Obra em manuscrito, 1905?. Canto e
piano.
___________________ “Ici bas”, opus 46. Obra em manuscrito, 1906. Canto e piano.
___________________ “Chanson d’amour”, opus 24. Obra em manuscrito, 1906.
Canto e piano.
___________________ “J’ai voulu”, opus 26. Obra em manuscrito, 1906. Canto e
piano.
___________________ “Seus olhos”, opus 20. Obra em manuscrito, 1906. Canto e
piano.
___________________ “As Letras”, opus 31. Obra em manuscrito, 1906. Canto e
piano.
___________________ “Mi se spezza la testa”, opus 33.Obra em manuscrito, 1906.
Canto e piano.
___________________ “A bella”, opus 32. Obra em manuscrito, 1907?. Canto e piano.
___________________ “Spes ultima Dea”, opus 43. Obra em manuscrito, 1907. Canto
e piano.
___________________ “Mal secreto”, opus 45. Obra em manuscrito, 1907. Canto e
piano.
___________________ “Nell’aria della sera umida e molle”, opus 55. Obra em
manuscrito, 1908. Canto e piano.
___________________ “Un organetto suona per la via”, opus 56. Obra em manuscrito,
1908. Canto e piano.
___________________ “L’amour naissant”, sem opus. Obra em manuscrito, 1910.
Canto e piano.
___________________ “Mors amor”, opus 73. Obra em manuscrito, 1910. Canto e
piano.
___________________ “A fada negra”, opus 77. Obra em manuscrito, 1910. Canto e
piano.
___________________ “Amor vivo”, opus 79. Obra em manuscrito, 1910. Canto e
piano.
___________________ “Na capela”, opus 80. Obra em manuscrito, 1910. Canto e
piano.
___________________ “À Virgem Santíssima”, opus 81. Obra em manuscrito, 1910.
Canto e piano.
___________________ “Storia Breve”, sem opus. Obra em manuscrito, 1912. Canto e
piano.
___________________ “Un desiderio”, sem opus. Obra em manuscrito, 1912. Canto e
piano.
___________________ “Fatalitá”, opus 88. Obra em manuscrito, 1912. Canto e piano.
___________________ “Alma Minha Gentil”, opus 107. Obra em manuscrito, 1913.
Canto e piano.
___________________ “Alma Minha Gentil”, opus 107. Obra em manuscrito, 1913.
Canto, oboé e orquestra de câmera.
ANEXO A
Cópia do manuscrito de “Alma Minha Gentil”, para voz, oboé e orquestra de câmara, de
Glauco Velásquez.
ANEXO B
Cópia do manuscrito de “Alma Minha Gentil” para voz e piano, de Glauco Velásquez.
ANEXO C
Cópia da partitura editada de “Alma Minha Gentil” para voz e piano, de Glauco Velásquez.
ANEXO D
Gravação digitalizada em CD da canção “Alma Minha Gentil” para voz e piano, de Glauco
Velásquez com dois cantores.
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