Download PDF
ads:
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
(Desenho 1 a. Desenho de criança: carta para as fadas – tamanho menor)
ads:
2
(Desenho 1 b – Desenho de criança: tamanho menor)
3
(Foto 1 – Crianças desenhando cartas para as fadas)
4
Universidade de São Paulo
Escola de Comunicações e Artes
Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
PARA UMA EDUCAÇÃO DA SENSIBILIDADE:
a experiência da Casa Redonda Centro de Estudos
São Paulo
2005
5
Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
PARA UMA EDUCAÇÃO DA SENSIBILIDADE:
a experiência da Casa Redonda Centro de Estudos
Dissertação apresentada à Escola
de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção do título de Mestre em
Artes
Área de Concentração: Artes
Plásticas
Orientadora: Profª. Drª. Regina
Stela Barcelos Machado.
São Paulo
2005
6
FICHA CATALOGRÁFICA
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Cruz, Maria Cristina Meirelles Toledo
C957p Para uma educação da sensibilidade : a experiência
da Casa Redonda Centro de Estudos / Maria Cristina
Meirelles Toledo Cruz. - - São Paulo : M. C. M. T. Cruz,
2005.
--- p.
Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicações e
Artes/USP, 2005.
Orientador: Machado, Regina Stela Barcelos.
Bibliografia
1. Arte-educação 2. Educação infantil 3. Casa Redonda
Centro de Estudos, SP I. Machado, Regina Stela Barcelos
II. Título.
CDD 21.ed. – 700.7
7
Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
PARA UMA EDUCAÇÃO DA SENSIBILIDADE:
a experiência da Casa Redonda Centro de Estudos
Dissertação apresentada à Escola
de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção do título de Mestre em
Artes
Área de Concentração: Artes
Plásticas
Aprovada em: _________________________________________________
Banca Examinadora:
Prof. Dr._______________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________
Assinatura:____________________________________________________
Prof. Dr._______________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________
Assinatura:____________________________________________________
Prof. Dr._______________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________
Assinatura:____________________________________________________
São Paulo
2005
8
Cruz, Maria Cristina Meirelles Toledo. Para uma Educação da Sensibilidade: a
experiência da Casa Redonda Centro de Estudos. Dissertação de Mestrado, ECA /
USP, São Paulo, 2005.
RESUMO
O objeto de estudo desta dissertação é a prática educativa da Casa Redonda
Centro de Estudos, um projeto de educação infantil que teve início no começo dos
anos 1980, numa chácara em Carapicuíba /SP, e que continua existindo até hoje.
A proposta, idealizada pela pedagoga Maria Amélia Pereira, focaliza o
desenvolvimento da sensibilidade da criança e sua forma de se expressar através da
linguagem do brincar. Os pilares do trabalho da Casa Redonda são: a Cultura da
Infância, como um modo próprio de ser no mundo, onde a multiplicidade e riqueza
do universo das brincadeiras ancoram o processo de desenvolvimento, e a Cultura
Brasileira, através de seus mitos, lendas, cantos, música, dança, como uma forma
de enraizamento da criança no seu lugar de origem, levando em conta o corpo,
como veículo sensível e integrador.
Esta dissertação estuda a experiência da Casa Redonda Centro de
Estudos, apresentando seu contexto pedagógico, suas referências teóricas e a
importância da natureza e do espaço físico no processo de educação. Inclui o relato
do trabalho desenvolvido pela equipe da Casa Redonda; depoimentos de ex-alunos
que vivenciaram esta experiência; cursos de formação de educadores nesta
abordagem e o efeito multiplicador em outros projetos sociais.
9
Cruz, Maria Cristina Meirelles Toledo. For an Education in Sensitivity: the
experience of Casa Redonda Centro de Estudos. Masters Thesis – Post-Graduate
Program in Arts, ECA / USP, São Paulo, 2005.
ABSTRACT
The research subject for this thesis is the educational practices of Casa
Redonda Centro de Estudos, a child education project that began in the early
1980s, in a cottage in Carapicuíba /SP, where it remains to the present day.
The approach, created by teacher Maria Amélia Pereira, focuses on
development of the sensibility of the child and on their form of expression through the
language of play. The foundations of this work are the Culture of Childhood, as a
particular way of seeing the world, where the multiplicity and richness of the universe
of games anchor the process of development, and Brazilian Culture, through its
myths, legends, songs, music and dance, as a form of rooting the child in their place
of origin, taking into account the body, as a sensitive and integrating vehicle.
This thesis examines the experience of the Casa Redonda Centro de
Estudos, presenting the pedagogical context of the period, its theoretical references,
and the importance of the natural and physical space in the process of education. It
includes a description of the work carried out by the Casa Redonda staff, statements
by former students who went through this experience, a description of training
courses for educators in this approach, and the multiplier effect of this work on other
social projects.
10
Dedicatória
À criança nova,
à criança mágica,
à criança eterna
que habita dentro
do coração de cada um de nós...
11
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª. Drª. Regina Machado, que abriu esta porta do
conhecimento, acolheu meu processo, fez com que eu reaprendesse a escrever e
me apoiou para que eu fosse autora da minha própria história.
À Maria Amélia, conhecida por Peo, minha mestra, que mudou a minha visão
de mundo e de criança, como mãe e educadora, minha eterna gratidão.
À equipe da Casa Redonda: Cristiane, Lucilene, Ana, Rose, dona Eunice,
Adriana, Zezinho, Gilmar, Milton, Paulo, Adriano e a outros tantos amigos e
parceiros, que fazem com que o trabalho da Casa Redonda aconteça na sua
inteireza e que partilharam e contribuíram com outros olhares para esta dissertação.
Também à Angela, moçambicana que redescobriu o Brasil e suas crianças.
Ao meu amado Marião, pelas sintonias e sincronicidades, como parceiro de
corpo e alma também como meu mecenas.
Aos meus filhos, Matias e Rodrigo, que compreenderam o tempo de mãe,
estudante, professora, e que tanto me ensinam a cada dia.
À comadre Sonia, parceira neste desafio de conciliar os vários papéis e pela
troca de figurinhas.
Às amigas Lisanne, Mia, Soninha, Ana e Edna, que me ajudaram a não
perder o foco.
Aos professores da USP: Laura Villares de Freitas, Marcos Ferreira dos
Santos, Marina Célia Dias, Teresa Rego, Kátia Rubio, Maria Cecília Sanchez
Teixeira, Maria do Rosário Silveira Porto, Helenir Suano, Hercilia Tavares de
Miranda e Ana M.A. Carvalho, pelas reflexões, estímulo e referências bibliográficas.
Aos colegas do mestrado, em especial: Kátia Salvanny, Sirlene Gianotti e
Renata Meirelles.
À Banca examinadora, pelas contribuições recebidas para a continuidade e
desenvolvimento desta dissertação.
À Berenice, revisora da qualificação e amiga, por sua leitura pontual e cortes
precisos.
12
Ao Pedro Aguerre, pelas sugestões, discussões e incentivos.
À Lúcia, revisora da versão final e da própria vida, como mãe da Casa
Redonda.
Ao Daniel van Vliet Lima, pelas transcrições das entrevistas com os ex-
alunos.
À Andréa, Lîla e Gustavo, pela ajuda com as fotos e a apresentação.
Ao Amon e à Romana, pelo encantamento por Agostinho da Silva.
À Ana Angélica Albano, pela busca de integração entre psicologia, educação
e artes, através de uma educação estética.
À Lucília Bechara e Ana Lúcia Lopes, educadoras deste país.
À eterna criança Lydia Hortélio, aos barangandões arco-íris de Adelsin e Vivi,
ao brincante Antônio Nóbrega e ao arquiteto e professor Sylvio Sawaya, por todas
contribuições para a minha vida.
Aos ex-alunos da Casa Redonda, pelas suas memórias iluminadoras, e aos
atuais, pela experiência vivificadora de cada dia. Agradeço pelo uso de seus
desenhos, falas e fotos para trazer o brilho colorido da Casa Redonda e em especial
à ex-aluna Gabriela Mendes pelo seu texto sobre ser criança.
Ao Prof. Paulo Machado e suas orientações pontuais, que ajudaram na minha
própria integração psicofísica, na comunhão do pensamento científico com o
sensível, ainda inspirado pelo Prof. Pethö Sandór.
À Irene e ao grupo de estudo pela compreensão das conjunções astrológicas
do meu processo de autoconhecimento.
Ao meu grupo de estudo, pelas luzes recebidas.
À Cris, minha acupunturista e massagista, pelos encontros tão terapêuticos.
Aos meus pais, que me desafiaram a procurar meu próprio caminho.
Às minhas irmãs e cunhados, que contribuíram direta ou indiretamente nas
discussões sobre o meu projeto, em especial ao Mark pelas aulas em inglês e
tradução do resumo.
À Simone, minha fiel ajudante, pelo apoio e pelos ‘mimos’.
13
Ao pessoal do Teatro e Escola Brincante, como parcerios neste espaço tão
colorido e encantado no meio de São Paulo.
Ao pessoal da OCA, que me propiciou tantas alegrias com a simplicidade e o
prazer de viver.
Aos pais da Casa Redonda pelos apoios e incentivos.
Aos educadores, que aprendem a cada dia com nossas crianças e que nunca
deixam de sonhar com um mundo melhor.
Ao povo brasileiro, negros, índios, japoneses, holandeses, italianos, árabes,
etc., por esta mistura fina, tão encantadora aos olhos e ao coração.
À Natureza, com sua beleza infinita e sabedoria própria.
Ao mundo, por ser um grão de areia neste universo...
14
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
18
1.1. Minha Iniciação 18
1.2. Sobre a Casa Redonda: a árvore 22
1.3. “Traços da minha vida”, por Maria Amélia Pereira: a seiva 27
2. METODOLOGIA DE PESQUISA
34
3. CONTEXTUALIZAÇÃO:
44
3.1. Da Casa Redonda: o solo, o chão, a terra 44
3.2. Referências teóricas: raízes 49
3.2.1. Anísio Teixeira, educador 49
3.2.2. Agostinho da Silva, filósofo 51
3.2.3. Paulo Freire, educador 54
3.2.4. Pethö Sándor, médico e terapeuta 56
3.3 . Fertilizantes: 59
3.3.1.Contribuições da Psicologia Junguiana 59
3.3.2. Contribuições para a educação do século XXI 64
4. SOBRE A EDUCAÇÃO DA SENSIBILIDADE: o tronco visto por
dentro
67
4.1. A essência do trabalho 72
4.2. Cultura infantil 77
4.3. Cultura brasileira 83
4.4. Espaço físico da Casa Redonda 87
4. 5. Uma visão sobre o corpo 92
5. O TRABALHO DA CASA REDONDA: o tronco visto por fora
97
5.1. Rotina do trabalho 97
15
5.2. Festas coletivas 101
5.2.1. Festa de São João 101
5.2.2. Festa da estrela 110
5.2.3. O aniversário 114
5.3. Trabalho corporal: toques sutis 116
5.4. Linguagens expressivas 118
5.4.1. O brincar 118
5.4.2. Música da cultura infantil 123
5.4.3. Histórias 126
5.4.4. Artes plásticas 132
5.4.4.1. Brincando com os elementos 141
5.4.5. Jogos e brincadeiras 147
5.4.5.1. Brincadeira de casinha 150
5.4.6. Cores, flores, cheiros e sabores na fala das crianças 153
6. CASA REDONDA COMO CENTRO DE ESTUDOS: ramificações
156
6.1. Formação de educadores: Educação da Sensibilidade 159
6.2. Formação de educadores brincantes: Teatro Brincante 164
6.3. Projeto Social: OCA – Associação da Aldeia de Carapicuíba 165
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: sementes
167
7.1. Relato dos ex-alunos 167
7.2. A Dissertação como semente 171
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9. BIBLIOGRAFIA
178
183
10. ANEXOS
190
A. Referências Bibliográficas de Anísio Teixeira 190
B. Referências Bibliográficas de Agostinho da Silva 190
16
C. Referências Bibliográficas de Paulo Freire 192
D. Referências Bibliográficas de Pethö Sándor 192
E. Acervo de Vídeos da Casa Redonda 193
F. Roteiro das entrevistas com os ex-alunos
G. Lista de Ilustrações: acervo da Casa Redonda Centro de Estudos
193
194
17
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo
que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Como um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta da casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Fernando Pessoa
18
1. INTRODUÇÃO
1.1. Minha Iniciação
O objetivo desta dissertação é buscar os fundamentos de uma experiência de
educação com crianças de 2 anos e meio até 7 anos, que ocorre na Casa Redonda
Centro de Estudos, percebendo como este conhecimento se articula com a prática,
utilizando a proposta da Educação da Sensibilidade, na concepção de Maria Amélia
Pereira, idealizadora desse projeto.
Durante o curso de especialização em Arte Educação, promovido pela
ECA/USP, em 1991, coordenado pela Profª. Drª. Regina Machado, assisti a uma
palestra de Maria Amélia Pereira que abriu um horizonte e permitiu-me visualizar
outras possibilidades de compreensão do ser humano, o que veio de encontro ao
que já buscava.
Fui tocada por uma imagem de um menino, que participava de um projeto no
Parque da Cidade da Bahia, coordenado por Maria Amélia e Lydia Hortélio. Em um
determinado dia, depois de um passeio pelo parque em que as crianças recolheram
e classificaram os elementos da natureza encontrados pelo chão, foi proposta uma
atividade que era fazer um desenho com este material. O desenho desse menino
(Foto 2) destacou-se dos demais pela sua forma circular, simétrica e mais complexa.
Sua paciente e concentrada atitude foi contagiando as demais crianças que, já ao
final da atividade, aproximaram-se e integraram-se, como parte daquele desenho,
brincando de roda ao seu redor. A beleza e harmonia do desenho tocaram a todos
que participavam daquele momento e, depois de cantarem juntos, este mesmo
menino entrou no centro do seu desenho, desmanchando aquela forma com a
mesma tranqüilidade com que a construiu. O desenho havia se cumprido por dentro.
Sua função havia terminado ali no chão.
Esse processo está registrado no livro “História de uma manhã...”.(Hortélio:
1987). Esse menino apontou a capacidade da criança de buscar recursos para se
organizar internamente, através de uma expressão externa, assim como a atitude de
viver integralmente uma experiência com uma força auto-reguladora individual e
coletiva, uma vez que o desenho expresso contagiou as demais crianças.
19
(Foto 2. “História de uma manhã...”)
Esse primeiro encontro foi desencadeador para eu querer conhecer mais
sobre o trabalho da Casa Redonda, desenvolvido por Maria Amélia Pereira. Fiz um
tempo de estágio e depois passei a assumir as oficinas de Artes, com as crianças
maiores do grupo, de 5 a 7 anos. Desde então, pertenço à equipe da Casa
Redonda, participando das reuniões, discutindo e refletindo sobre a prática. Depois
de dez anos de trabalho neste projeto, senti necessidade de aprofundar meu
conhecimento, buscar novas informações, dialogar com autores, de refletir com
educadores e compartilhar o projeto realizado pela Casa Redonda.
Quando se toma consciência de uma nova possibilidade, tudo se desestrutura
e novas atitudes tomam lugar, na tentativa de ir atrás do que se passa a acreditar,
como sendo a forma que mais responde aos seus anseios e inquietações, um
reconhecimento de algo que já está dentro de si e que se concretiza, mostrando que
é possível.
Assim, ingressei no Mestrado em 2003, cursei as matérias na Faculdade de
Educação (FEUSP), na Psicologia (IPUSP) e na Escola de Comunicações e Artes
(ECA / USP), tentando costurar essa trama no diálogo com as várias disciplinas,
20
para integrar este conhecimento, com intuito de ampliar a leitura da minha
experiência e de ter uma compreensão mais aprofundada do meu objeto de estudo.
Nesse momento, veio à tona minha formação inicial em Psicologia/USP, de
83 a 87, a qual tinha uma ênfase maior no pensamento freudiano. Depois que me
formei, atuei por dois anos na área de psiquiatria, trabalhando com pacientes
psiquiátricos em centros de atendimento, na área de arte-terapia. Após esta
experiência, optei por mudar de área. Estimulada pelo meu trabalho anterior com
alfabetização de adultos, durante o período da faculdade, escolhi ser educadora e
trabalhar na área de educação com crianças, o que faço até hoje. Este trabalho tem
alimentado meu olhar sobre o processo da eterna descoberta da vida, com liberdade
e frescor.
Durante o Mestrado, reencontrei-me com a Psicologia, só que desta vez, por
meio do pensamento junguiano. Nessa abordagem, compreendi a terminologia da
Psicologia Profunda, em que Jung propõe um diálogo entre as visões do Ocidente e
Oriente, com o propósito de buscar a integração do ser humano, no processo de
individuação.
Fiz exercícios com o procedimento do alvo, estratégia criada pela professora
Regina Machado, a qual me orientou na busca deste caleidoscópio do saber,
fazendo-me tomar consciência das minhas indagações, articulando-as quanto às
questões centrais, periféricas e aos rearranjos a cada novo olhar, sem perder o foco
deste trabalho. Busquei aquilo que esta professora chama de fundamentos teóricos
poéticos deste objeto de estudo, enquanto uma aprendizagem significativa de vida,
no exercício de tornar-me protagonista da minha própria história.
Passei a perguntar sobre o que havia me tocado nessa experiência, que me
mobilizou para querer estudar mais profundamente e compartilhá-la com outras
pessoas: quais são os saberes essenciais deste projeto? O que diferencia esta
experiência de outras? Que autores fundamentam este trabalho? Que conceitos
estão por trás desta prática direta com as crianças? Como são compreendidas a
cultura infantil e a cultura brasileira dentro desta proposta? Como o espaço físico e a
Natureza interferem no trabalho? Como este trabalho integra a Psicologia, Educação
e Artes? Como o brincar é a linguagem da criança no seu processo de construção
de conhecimento? Qual a importância do corpo no desenvolvimento infantil? O que
fica no imaginário das crianças que passaram por esta experiência escolar?
21
Estas questões me inquietaram e me instigaram na busca da essência do
trabalho desenvolvido pela Casa Redonda. Nessa busca, trilhei um caminho que
registro neste texto, seguindo uma determinada ordenação:
Como passo inicial, apresento a experiência da Casa Redonda. A partir da
autobiografia de Maria Amélia Pereira, contextualizo o momento histórico em que se
deu o início desse trabalho. Introduzo as reflexões teóricas de autores que
embasaram esse projeto, assim como outros que deram sua contribuição para uma
reflexão sobre a experiência vivida na Casa Redonda, levantando pontos que
mostram como os conceitos acontecem na prática, tornando esta experiência
singular. Relato as entrevistas com os ex-alunos, resgatando os episódios que
fizeram parte da história deste trabalho, como ressonâncias desta vivência no olhar
de cada um. Aponto outros desdobramentos a partir do trabalho da Casa Redonda
como um Centro de Estudos: cursos de formação de educadores na proposta de
uma Educação da Sensibilidade, o Curso de Formação de Educadores Brincantes,
oferecido pelo Teatro Escola Brincante e a OCA – Associação da Aldeia de
Carapicuíba, como um projeto social dentro desta perspectiva.
Apresento esse trabalho segundo o meu ponto de vista, relatando uma
experiência vivida, significativa e pessoal, muitas vezes difícil de ser expressa em
palavras. Alguns acontecimentos que fazem parte da dimensão misteriosa da vida
ainda estão para serem decifrados. Acredito que a minha iniciação com esta
pesquisa, na busca da compreensão do trabalho desenvolvido pela Casa Redonda,
possa contribuir para um público maior de educadores, inspirando novas histórias.
Como uma metáfora que melhor constelasse a forma deste trabalho, sugeri a
referência de uma árvore, o que explicito mais adiante, na qual defino as raízes, a
seiva, o tronco do trabalho visto por dentro e por fora, suas ramificações, flores e
frutos e novas sementes que possam ser plantadas.
E aqui estou plantando uma nova semente...
22
1.2. Sobre a Casa Redonda: a árvore
Abre a roda tindolelê,
Abre a roda, tindolalá,
Abre a roda tindolelê,
tindolelê, tindolalá.
Cantiga de brinquedo recolhida por
Lydia Hortélio, em Salvador / BA
CD Abre a Roda Tindolelê
A Casa Redonda Centro de Estudos (Foto 3 e 4) fica localizada em
Carapicuíba, distante 22 km do centro de São Paulo. Aproximadamente trinta
crianças, entre meninos e meninas, de classes sociais diversificadas, com idades
variadas entre 2 anos e meio e 7 anos, freqüentam este espaço de natureza,
contando com a presença de quatro adultos. O horário de funcionamento é das 9:00
às 12:00 horas, o que permite à criança acordar no seu ritmo matinal, tomar o café-
da-manhã com seus pais e aproveitar os benefícios da luz solar da manhã para
brincar com seus amigos.
Uma vez por semana, à tarde, num período de duas horas, as crianças
maiores de 4 anos, retornam à Casa Redonda para uma Oficina de Artes, onde
realizam projetos que demandam maior elaboração e exigem um cuidado mais
preciso na utilização de instrumentos e determinados materiais. Como uma transição
gradativa da Casa Redonda para a Escola Fundamental, alguns ex-alunos
continuam a freqüentar a Oficina.
Está situada numa área de 3.500 m
2
privilegiada pela Natureza, com seus
aclives e declives tão importantes para essa fase do desenvolvimento corporal das
crianças. As crianças permanecem a maior parte do tempo ao ar livre, nesse grande
jardim, respirando ar puro, ao som de pássaros, observando cores e formas da
Natureza, sejam movimento do ar, das águas, do sol e das sombras. Alternam esses
movimentos expansivos, utilizando a área externa, com um movimento mais
introspectivo, propiciados por atividades desenvolvidas nos espaços interiores da
Casa Redonda. O clima e as estações do ano definem as brincadeiras e as
atividades. No verão, surgem com mais freqüência as brincadeiras com areia e
água. No inverno, ocorrem brincadeiras que utilizam espaços mais recolhidos, como
23
a casinha, o cozinhar o alimento e o brincar com fogo. As crianças estabelecem uma
relação com as estações do ano, compartilhando seus ritmos e ciclos, através de
suas brincadeiras.
O espaço físico que dá nome ao centro de estudos é uma casa redonda
(desenho 5), de dois andares, projetada pelo arquiteto Sylvio Sawaya, professor
titular da FAU-USP, que pesquisa sobre os aspectos do sagrado na arquitetura. O
fato de ser uma construção de forma circular interfere na relação espacial das
crianças, criando possibilidades e desafios novos em suas percepções e utilizações
do espaço.
Maria Amélia Pereira é a idealizadora desse projeto. Ao final do seu curso de
Magistério, partiu para o desenvolvimento de um trabalho com crianças em Salvador
e teve a oportunidade de ter contato direto com educadores e pensadores que a
ajudaram a fundamentar seu trabalho, como: Anísio Teixeira, Agostinho da Silva e
Paulo Freire.
Tendo cursado o magistério em Salvador, foi influenciada pelas idéias do
Prof. Anísio Teixeira, que enfocava a formação de professores como peça
fundamental para garantir a qualidade na educação pública, o que resultou na
criação da Escola Parque, implantada pela prefeitura de Salvador.
A presença de uma experiência de escola pública viva e atuante na periferia
de Salvador marcou seu trajeto, confirmando a possibilidade de transformação social
através da educação.
Teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o Prof. Agostinho da Silva,
filósofo português, com quem partilhou suas reflexões sobre Educação, quando este
residiu em Salvador, como professor da Universidade da Bahia. A partir de suas
conversas com o professor, afirmou seu modo de olhar a criança como um ser
singular, um aprendiz nato, aberto à descoberta.
Ainda em Salvador, teve contato com as idéias de Paulo Freire, participando
de grupos de alfabetização, onde descobriu o papel político-pedagógico da
educação.
Já em São Paulo, foi uma das sócias-fundadoras da Escola Experimental
Vera Cruz, que teve uma atuação marcante nos anos 60/70, com idéias inovadoras,
trazendo uma reflexão sobre o papel do educador como agente crítico e reflexivo de
24
sua prática educativa. A partir da década de 70, até o início dos anos 80, sente a
necessidade de olhar a escola do lado de fora e distancia-se da função de
orientadora. Passa a residir em Brasília e, em seguida, em Salvador, onde participa
de experiências educacionais públicas, fora do sistema formal de educação.
Em São Paulo, de volta ao Vera Cruz, desenvolve uma pesquisa de
brincadeiras de rua no município de Carapicuíba, resgatando o brincar como uma
linguagem de conhecimento pertinente à cultura da criança.
Partindo de uma preocupação com a escola pública brasileira, propõe uma
reflexão e uma ação, no sentido de comprometer a escola particular a assumir uma
relação de troca de experiências com a escola pública. Inicia um trabalho de
formação de educadores da rede pública através de cursos dentro da Escola Vera
Cruz.
Afasta-se da estrutura educacional chamada “escola”, onde os espaços da
natureza vão sendo encolhidos e substituídos por salas de aula cada vez mais
numerosas, em detrimento de uma área externa mais condizente com as
necessidades psicofísicas das crianças.
Em sua chácara, cria um espaço onde as crianças pudessem se encontrar
para brincarem juntas, favorecendo o convívio entre diferentes faixas etárias e
situações econômicas. Assim, surgiu a Casa Redonda Centro de Estudos, registrada
como um ateliê de Arte, como um lugar de convivência entre adultos e crianças,
possibilitando ao educador o estar com as crianças, sem a pressão de um programa
curricular imposto de fora para dentro. Tal imposição quebra a fluência dos
relacionamentos, criando uma rotina cristalizada que impermeabiliza as interações e
impede a experiência viva de manifestações da criança.
Maria Amélia acredita que aprender é uma característica básica do ser
humano e que esse conhecimento se estrutura no seu devido tempo, cabendo ao
educador compartilhar as experiências e descobertas junto à criança, respeitando o
seu currículo interno.
No segundo ano das atividades, junta-se a esta experiência a professora e
antropóloga moçambicana Angela Nunes, encaminhada de Portugal ao Brasil pelo
Prof. Agostinho da Silva para partilhar da experiência da Casa Redonda. Durante
25
doze anos, Maria Amélia e Angela conduzem as atividades, dando início aos
registros através de fotografias e filmes sobre o desenrolar da experiência.
Registrar a prática educativa passou a constituir, na Casa Redonda Centro de
Estudos, uma tarefa instrumental do educador como objeto para sua relexão. O
registro das imagens, também utilizado em reuniões com os pais dos alunos da
escola, deu origem à criação de um acervo documental significativo sobre educação
infantil, que está à disposição de outros educadores.
A partir da experiência da Casa Redonda, Angela Nunes procurou ampliar o
universo infantil, investigando uma antropologia da criança. Seu interesse pelos
estudos etnológicos voltados para as crianças passou a se concentrar nas
sociedades indígenas, especificadamente na vivência do cotidiano das crianças
A’uwe-Xavante e na sua atividade lúdica.
Maria Amélia continuou sua busca de conhecimento fazendo o curso de
Cinesiologia, oferecido pelo Instituto Sedes Sapientae. Nesse curso, entrou em
contato com o Prof. Pethö Sándor, o criador da calatonia no Brasil. O aprendizado
das técnicas de integração psicofísica ampliou os fundamentos de uma
compreensão do corpo como um instrumento sutil de ação e reação, referendando a
importância de que, na educação infantil, o corpo ocupa um lugar especial. No
trabalho da Casa Redonda, os toques sutis tornaram-se uma atividade diária
integrada pelas crianças ao seu repertório de brincadeiras.
Na Casa Redonda, o brincar é um ato de construção de conhecimento, que
se expressa pelas várias linguagens, como: brincadeiras, músicas, histórias, artes e
jogos.
Uma Educação da Sensibilidade é como vem se nomeando o trabalho que
acontece na Casa Redonda. Segundo Maria Amélia, “brincar é um grande exercício
da sensibilidade.” Nesta proposta, o foco está na criança e na sua forma de se
expressar através do ‘Brincar’, como sendo sua linguagem. Os pilares deste trabalho
estão na compreensão da Cultura da Infância como sendo a multiplicidade e riqueza
dos brinquedos de criança e da Cultura Brasileira, onde esta criança está enraizada,
levando em conta o corpo, como veículo sensível e integrador.
26
(Foto 3. A Casa Redonda – vista por fora)
(Foto 4. Casa Redonda: tanque de areia)
27
Segue uma biografia de Maria Amélia Pereira, escrita por ela mesma, no
sentido de trazer as experiências vividas, dentro do seu contexto histórico, social e
cultural, na construção do seu percurso como educadora e como iniciadora da Casa
Redonda Centro de Estudos, procurando abarcar algumas dimensões da sua
existência.
“De onde vem aquela menina tão longe, tão longe...”
“... À procura de uma agulha que eu aqui perdi...”
“Menina volta pra casa, vai dizer ao seu pai,
seu pai que uma agulha que se perde não se acha mais”.
“Eu já fui, já voltei, já disse ao meu pai, meu pai,
que uma agulha que se perde não se acha mais”.
“Será esta, será esta, será esta, não,
será esta a agulhinha do meu coração.”
Cantiga de brinquedo recolhida por
Lydia Hortélio, Serrinha /BA
1.3. “Traços da minha vida”, por Maria Amélia Pereira: a seiva
(...) a árvore que guarda em seu interior o fogo úmido da seiva que brota para
fora nas chispas da fricção ou dos raios celestes. Para o homem ancestral o
fogo não é ateado à madeira. Não vem de fora. A chama ou a chispa é que
liberta o fogo contido na madeira. (Ferreira Santos, 2004:106)
Nasci em Salvador, Bahia, uma família de 7 filhos. Meus pais são descendentes de
portugueses que chegaram ao Brasil no século XIX e se estabeleceram em Salvador.
Uma formação cristã, uma abertura para uma consciência social e cultural comprometida com
nossas raízes, estimulando sempre o conhecimento e a valorização do nosso país, foi o legado que
recebi ao longo dos anos que convivi com minha família.
Formei-me no magistério em Salvador, onde me iniciei como professora. Tive o privilégio,
neste curso, de conhecer uma das experiências educacionais mais importantes que se havia feito no
Brasil, até então, na área pública: a Escola Parque de Salvador, criada pelo Prof. Anísio Teixeira.
Decidi, tocada por suas idéias, ingressar na área de educação, buscando um caminho que
pudesse afirmar no ser humano sua capacidade de aprendiz nato, disposto a aprender tudo aquilo
que tivesse um significado real para o processo de construção de si mesmo, se integrando de
maneira criativa no social.
28
Aos 17 anos, abri, em Salvador, o primeiro espaço de atendimento de crianças, agrupando-as
num convívio diário para “Brincarem” num espaço da natureza onde acreditava ser o habitat
apropriado para as crianças de 2 a 7 anos de idade.
Entre os 12 e 17 anos, com um grupo de estudantes, participava de atividades com crianças
de uma favela próxima ao bairro onde morava em Salvador.
Desde então, nasce dentro de mim, a convicção de que o convívio com a natureza se
constitui um direito básico da criança. É nela que o Brincar acontece de uma forma plena, como uma
linguagem universal de conhecimento, própria desta idade.
Nesse período da minha vida, tive o privilégio de conhecer o Prof. Agostinho da Silva, mestre
e amigo, com o qual troquei ao longo do tempo uma profunda reflexão sobre o ser brasileiro e sobre a
essência do ser criança, aspectos que até hoje norteiam minha prática e reflexão em educação.
Nesse mesmo período, tive contato com o método de alfabetização do Prof. Paulo Freire.
Participei de alguns grupos de alfabetização de adulto em Salvador e Brasília. Estas atividades me
conduziram a buscar contato com parceiros que estivessem refletindo sobre um novo caminho para a
educação brasileira. Decidi fazer o curso de Pedagogia na Universidade Nacional de Brasília, que
nessa época apontava uma abertura no sistema universitário, abrindo para o aluno a perspectiva de
uma formação diferenciada dos demais cursos de educação que aconteciam no Brasil. Infelizmente,
não consegui cumprir este sonho.
Segui para São Paulo em 1963 para conhecer as experiências novas que estavam
acontecendo dentro das escolas públicas e particulares. Participei de um curso de formação de
professores para conhecer o método Montessori-Lubienska. Após os primeiros meses do curso, fui
convidada pela orientadora do mesmo para participar, como estagiária, da Escola Experimental
Vera Cruz, que estava surgindo em São Paulo.
Iniciei-me como estagiária, e, ao longo de 16 anos, fui percorrendo passo a passo as etapas
de professora à sócia-fundadora da Escola Experimental Vera Cruz, que, nessa época, vivia um
período extremamente interessante, por ser depositária de toda uma visão de educação que marcou
época no Brasil da década dos anos 60 .
O professor, nesse período, era considerado um profissional que participava criativamente do
processo de produção do conhecimento pedagógico. Isto me possibilitou viver a experiência de
construir, junto com os demais professores, uma reflexão contínua fundamentada na prática
educacional diária, seja através do contato direto com os alunos na sala de aula, seja do contato com
professores e com os pais.
Uma pesquisa em ação acontecia na nossa práxis, desenvolvendo aspectos do maior
interesse do ponto de vista de adequação do currículo ao interesse e à estrutura de pensamento das
crianças, nossos alunos. Foi um período de muito crescimento para nós professores e
conseqüentemente para a Escola.
29
Nesta mesma época, entrei na Pontifícia Universidade Católica para cursar Pedagogia. Esta
experiência universitária paralela, ao trabalho que desenvolvia diretamente com as crianças dentro da
Escola Experimental, me mostrou, de logo, o descompasso existente entre o sistema teórico presente
no curso de pedagogia e a realidade prática da educação brasileira dentro do sistema de ensino das
escolas.
Na década de 70, surge a lei de ensino que surpreende as escolas primárias, propondo
abruptamente a reunião de dois blocos que se encontravam até então, distantes, em suas
metodologias: a escola primária e o ginásio.
Este processo de mudança tinha seus aspectos positivos, enquanto integração dos 8 anos de
escolaridade, entretanto, o modo acelerado como foi colocado em prática, desviou a reflexão que
vinha sendo feita, dentro das escolas experimentais. Isto contribuiu para a superposição de uma
estrutura sobre a outra, carecendo da integração real que se fazia necessária e a qual até hoje o
sistema educacional tem dificuldade de reconhecer e corrigir.
Em 1975, sinto na pele o impacto criado pela reforma de ensino, que foi se manifestando
através do enrijecimento e burocratização gradativos do sistema de educação. O discurso pedagógico
passa a se distanciar, em sua maioria, dos aspectos qualitativos da educação. As escolas particulares
vão se transformando em pequenas empresas, passam a se mover dentro de um sistema
competitivo, regidas pelas leis de mercado, diminuindo significativamente o espaço da reflexão dos
professores, que a partir daí passam a ser mero executores dos conteúdos programáticos. As escolas
particulares entram definitivamente no cenário da educação do país, substituindo o total
desfacelamento de nossas escolas públicas na década de 70.
Decepcionada com o que assistia, impotente pela força que se alastrava, forçando
crescimentos quantitativos e não qualitativos, afastei-me da escola para olhá-la do lado de fora.
Este olhar do outro lado levou-me a residir em Brasília.
Durante este período, participei como voluntária na Comunidade Terapêutica do Hospital
Sarah Kubitschek, e desenvolvi atividades com crianças deficientes físicos. Procurei, neste espaço,
desenvolver atividades lúdicas com as crianças, substituindo por brinquedos e brincadeiras os
tratamentos e treinamentos físicos dolorosos que eram feitos neste período no Hospital.
Olhando a escola do lado de fora, a morada em Brasília me permitiu ter um tempo disponível
para fazer uma reflexão sobre o professor e sua prática, que resultou numa publicação da Editora
Vozes, a pedido de um dominicano que sensibilizado pelo trabalho, propôs sua publicação à editora:
“O Professor, uma pessoa guardada e aguardada”.
Neste mesmo período, pensando nos exercícios sobre motricidade que eram oferecidos às
crianças, organizei um material sob forma de prancha, buscando nos desenhos das cestarias dos
nossos índios, a preocupação de colocar as crianças em contato com um material cuja qualidade
estética significasse o contato com um grafismo que tivesse a ver com nossa cultura. Alguns
exemplares desta coleção foram publicados pela Editora Ática em 1978.
30
Iniciei-me também em Brasília na pesquisa do repertório gestual das brincadeiras
espontâneas das crianças que se encontravam fora das escolas, o que me possibilitou a
compreensão da existência de uma Cultura Infantil, ou seja, uma maneira própria da criança estar no
mundo. Na leitura das brincadeiras das crianças fui encontrando uma gramática que me apontava o
processo de conhecimento presente de uma forma espontânea na natureza humana.
A partir do contato com as crianças que brincavam nas ruas das cidades satélites de Brasília,
descobri com clareza o que significava meu incômodo dentro da instituição escolar. Uma linguagem
estruturalista, um cientificismo que a própria ciência estava colocando em questão, penetrou dentro
das reflexões pedagógicas nas escolas e assumiu o papel principal, permanecendo até hoje como
rolo compressor no entendimento do processo de aprendizagem. A espontaneidade, a curiosidade, a
alegria, a sagacidade, o entusiasmo e desenvoltura das crianças com as quais me encontrava fora do
espaço da escola, me falavam de uma aventura humana que estava sendo desprestigiada e
consumida por valores estritamente cognitivistas.
Após a permanência de dois anos em Brasília, mudei-me para Salvador e lá tive a felicidade
de poder, junto com Lydia Hortélio e outros educadores, criar um espaço público educacional dentro
de um parque, onde retomamos reflexões sobre a experiência do Prof. Anísio Teixeira e nos
dispusemos a redescobrir junto com as crianças e seus movimentos o caminho de uma educação
criativa e libertadora.
Retornei para São Paulo, voltando à Escola Vera Cruz, para então criar um curso de
formação de educadores. Desenvolvi uma pesquisa sobre os cursos de magistério, já em decadência
em 1982, procurando formular uma proposta que redimensionasse o currículo em cima de questões
novas que surgiam face ao reconhecimento de uma educação que devia estar centrada sobre a
cultura infantil e sobre a cultura brasileira. Era preciso fazer nascer dentro das escolas uma reflexão
sobre a cultura brasileira, afirmando nossos mitos, nossas danças, nossos cantos, nossas artes e
artesanias como repertório sobre o qual as crianças se afirmariam como pertencentes a um chão, a
uma História. Esse projeto não foi para frente por ser considerado pela escola e pelo Conselho
Estadual de Educação avançado para o momento.
Negada a possibilidade desta experiência, retornei para a pesquisa das brincadeiras de rua,
continuando a que iniciei em Brasília e Salvador. Consegui abrir um espaço na Escola Vera Cruz
para desenvolver uma atividade na periferia, criando uma oficina de brinquedos e brincadeiras na Vila
Ariston, uma comunidade na periferia do município de Carapicuíba. Nessa região, pude documentar
com fotografia todo o processo das brincadeiras de bola de gude, pião e pipa, detalhando
minuciosamente esta última, que se transformou num trabalho que foi apresentado num Encontro
Internacional em Buenos Aires, em 1988. Procurei mostrar através deste trabalho a presença de todo
um processo de conhecimento e habilidades desenvolvido pelos meninos, que se dirigem
espontaneamente para as pipas durante a época dos ventos. O forte laço presente nas brincadeiras
infantis, em sintonia com as estações do ano, me confirmavam, dia a dia, a relação intensa entre a
criança e a natureza.
31
Viajando por alguns estados brasileiros pude descobrir a presença dessas brincadeiras e
brinquedos em quase todas as regiões, observando pequenas diferenças, especialmente nas
construções das pipas, muitas delas determinadas pelas condições do vento de cada cidade.
Sendo as pipas um brinquedo presente em quase todas as regiões do nosso planeta,
existindo e resistindo há aproximadamente três mil anos, elas definem para nós a importância das
brincadeiras tradicionais, como princípios vinculados diretamente ao processo de desenvolvimento
das crianças. Elas fazem parte do acervo de uma cultura infantil que precisa ser conhecida e
estudada pelo adulto-professor para melhor desempenho de sua função como educador.
Durante essa pesquisa, pude receber uma orientação preciosa do Prof. Pethö Sándor, mais
um amigo e mestre que encontrei para me auxiliar nas respostas às questões que partiam de dentro
de mim a cada encontro com uma criança brincando. A relação psicossomática, presente na atuação
das crianças enquanto brincam, abriu a porta para minha indagação sobre o ato de brincar como um
processo espontâneo de auto-regulação do desenvolvimento da criança, referendando a “sabedoria
do corpo”, em busca dos gestos que lhe conduzem a uma maturação físio-psíquica.
Juntamente com Lydia Hortélio, amiga e parceira de contínuas reflexões sobre as
brincadeiras das crianças, desde o final da década de 70, fomos nos encontrando pela vida e
afirmando a cada dia, através do contato direto com as crianças, a existência indiscutível de uma
cultura infantil que precisa ser divulgada e refletida dentro dos processos institucionais de educação
de crianças.
Durante período de 85 a 90, fui convidada por uma Organização Internacional sobre o Direito
da Criança Brincar, IPA, International Playing Association, a fazer parte do seu Conselho, devido aos
trabalhos apresentados nas Conferências, às quais fui convidada em Washington, Tóquio, Austrália e
Argentina com trabalhos voltados sempre, para os seguintes temas: “Uma leitura do espontâneo nas
brincadeiras de rua”; “A brincadeira de Pipa, uma dança entre o céu e a Terra”; “A casa, o corpo, o
eu”; “ O chão do brincar”; etc. Nesta mesma época, fui convidada para ser membro do Conselho
Editorial do International Play Journal, sediado em Londres. Durante estas duas décadas, participei
de treinamentos de professores de Creche, a convite das Secretarias de Educação dos Estados de
São Paulo, Rondônia, Salvador, Belo Horizonte e outras cidades do interior de São Paulo.
Fui tocada profundamente pelas experiências fora do espaço escolar institucional,
acreditando que para a educação de crianças na primeira infância, o espaço físico, a presença da
natureza é um critério básico para o processo harmonioso de desenvolvimento do ser humano, assim
resolvi apostar na criação de um espaço que viesse propiciar o acontecer de uma experiência que
ao longo destes anos vinha se afirmando dentro de mim, através do contato com as crianças.
Foi a partir de toda esta trajetória que nasceu o Centro de Estudos Casa Redonda.
Neste espaço, encontro-me aproximadamente há 25 anos, convivendo diariamente com
crianças entre 2 anos e meio e 7 anos, além de adultos, sejam professores, ou pais, afirmando com
eles e neles que qualquer processo de educação deverá estar imbuído de um compromisso com o
viver a vida, sacralizando-a a cada instante numa reverência a nós próprios e ao outro.
32
Todo nosso trabalho na Casa Redonda está voltado para a descoberta da linguagem do
espontâneo através do universo das brincadeiras das crianças. Nossa atitude é de escuta ao que elas
têm a nos ensinar, são elas portadoras de uma origem, de um início que pode nos apontar com mais
verdade a essência de liberdade, da alegria e da humanidade que habita dentro de nós. Passam pela
Casa Redonda crianças de várias classes sociais, de diferentes nacionalidades, mostrando a riqueza
de sua interatividade nas brincadeiras, isentas de preconceitos, prontas a se ajudarem mutuamente,
criando laços afetivos que permanecem como substrato fértil na continuidade de suas vidas.
Criamos uma documentação sobre a nossa experiência, que se constitui, hoje, num acervo
de mais de 2.500 slides e fotografias, além de cenas filmadas e vídeos utilizados em cursos para
formação de educadores. Este acervo, creio ser uma preciosidade, pelo fato de apontar para uma
reflexão que atualmente se encontra distante de nossos cursos de Pedagogia, onde a criança pode
ser vista em sua inteireza como um ser que possui dentro de si recursos que estão sendo pouco
atendidos nos currículos das creches e dos serviços à escolaridade entre 2 e 7 anos de idade.
É um material que existe como um documento do habitat da criança, da sua linguagem, de
uma cultura infantil, pouco conhecida por nossas bibliografias psicológicas e pedagógicas.
Nesse mesmo período desenvolvi uma série de treinamentos para professores de creches
com o objetivo de iniciá-los numa nova leitura sobre a criança compreendendo o Brincar como uma
linguagem de conhecimento. Criamos no Teatro Escola Brincante, um curso para formação de
educadores nos moldes do projeto de magistério que havia formulado nos anos 80, quando ainda
trabalhava na Escola Vera Cruz. Juntamente com outros profissionais que buscam no encontro com a
atividade lúdica, o fio da meada para uma educação que afirme no homem o seu caráter
eminentemente criador, o curso vem acontecendo há quase 10 anos com um público de professores
de creches que atendem crianças da periferia, assim como professores da educação infantil
interessados em ampliar seu conhecimento sobre a cultura Infantil.
A partir de 1996 iniciei com um grupo de educadores um trabalho com as crianças da Aldeia
de Carapicuíba.
Esta atividade conta hoje com a presença de crianças de 3 a 18 anos, reunidas no que
chamamos de uma Escola Cultural, em que através das danças, cantos, histórias, mitos, artes, jogos
e brincadeiras, vamos construindo uma maneira delas terem acesso à cultura brasileira, no que tem
de melhor, acreditando que uma vez inserido no corpo dessas crianças esse repertório criativo, elas
poderão descobrir a si próprias como seres vivos, com uma identidade que lhes permita se integrar
na comunidade e ocupar o seu lugar.
Concluo aqui este traçado, na verdade um recorte, que pela linearidade da escrita nem
sempre passa o que durante este anos foi sendo o meu percurso, com seus momentos de intensas
descobertas. Somente uma linguagem poética poderia dizer da alegria que é o convívio do adulto,
que se coloca diante da criança, antes de tudo, para deixá-la expressar na sua espontaneidade a
natureza humana que está ali dentro querendo dar o SIM à vida.
33
Na verdade, o que venho fazendo, nestes últimos anos, é me colocar à escuta, ouvir o
humano na criança e sair por aí contando as histórias que ouço e que vejo, belas em sua
simplicidade e em sua verdade.
Deixei-me ser alfabetizada pelas crianças e gostaria de poder levar aos professores a língua
que aprendi ao conviver com elas. O Brincar, como a linguagem de conhecimento que afirma a
liberdade, a imaginação, a curiosidade, o Sim à vida, é tão necessário ao homem neste momento em
que como humanidade temos que assumir o sagrado que é nossas vidas.
(Foto 5. Criança girando)
34
Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto sem pensar em que sinto.
Procuro encostar as palavras à idéia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que pintaram os meus sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro.
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e nada mais.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Fernando Pessoa
35
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
“É possível aprender, conhecer enquanto transformamos e
transformar enquanto conhecemos.”
R. Barbier
O que motivou essa pesquisa foi uma necessidade pessoal de
aprofundamento teórico, de integração das áreas de conhecimento, como
Psicologia, Educação e Artes numa reflexão sobre a minha experiência prática com
as crianças, já desenvolvida há alguns anos, dentro da Casa Redonda. Há um
processo de tomada de consciência que se dá por meio do desenvolvimento de uma
visão crítica, procurando o olhar pelo lado de fora em busca do conhecimento de
dentro.
A pesquisa sobre o trabalho desenvolvido no Centro de Estudos da Casa
Redonda implica minha interação como pesquisadora com a equipe que participa da
situação investigada. Estamos todos envolvidos em uma cooperação mútua, com
relação ao acompanhamento, reflexão e avaliação dos processos de cada criança e
do grupo. A reflexão dá-se através de uma abordagem em espiral, em movimento
permanente de ampliação, cada vez mais aprofundada sobre a criança, na relação
consigo própria e com o mundo.
Sabia de antemão que a linha de pesquisa seria qualitativa, e eu, como
pesquisadora, o meu principal instrumento. Minha preocupação seria com o
processo e com os ‘significados’ dados ao projeto, abordando o tema, as
contribuições teóricas, sua contextualização, a história de vida da coordenadora do
projeto e a compreensão das pessoas envolvidas nesta reflexão sobre o trabalho da
Casa Redonda.
A questão era: para que direção caminhar? Para a apresentação do projeto
inicial, tive acesso à metodologia da pesquisação, proposta por René Barbier. Suas
referências foram importantes para a ‘escuta sensível’ nas entrevistas e no processo
dialético de conhecimento e transformação durante a pesquisa.
Barbier contribuiu com a compreensão sobre o ser humano como: “uma
totalidade dinâmica, biológica, psicológica, social, cultural, cósmica, indissociável”
(2002), ou seja, como uma complexidade de referências e de noções entrecruzadas
36
para compreender o seu universo e o do outro, através das atitudes,
comportamentos, idéias, valores, símbolos e mitos da existencialidade de cada um.
Quanto à minha contribuição ao trabalho da Casa Redonda, participo como
atuante nas oficinas de Arte, estabelecendo um relacionamento entre conhecimento
e ação. No trabalho da pesquisa, a observação dá-se no ambiente natural da escola,
como fonte direta de dados, e nas reuniões de equipe, que apresentam fatos
descritivos e processos vividos pelas crianças e pessoas envolvidas. Assim, a
investigação não é apenas permeada pelo significado dado pelo meu olhar,
influenciado pela minha história pessoal e bagagem cultural, mas também pela
minha atuação prática com as crianças.
Quanto às exigências teóricas da pesquisa, é preciso definir as estratégias da
busca de conhecimento, sua concepção, organização e áreas de aplicação. Está
localizada na área das ciências humanas, e trata-se de uma pesquisa qualitativa,
focalizando o processo e o significado deste trabalho e sua dinâmica interna.
É difícil definir a metodologia de pesquisa mais adequada para tratar este
objeto de estudo, porque ele trata da sensibilidade, que não é mensurável. Tendo
em vista a caracterização do tipo de pesquisa, pode-se dizer que é “um estudo de
caso”, não apenas de modo descritivo, mas aberto e flexível, cruzando as
informações num diálogo entre a prática e a teoria. Incluo a subjetividade na
construção desse conhecimento, estudando a particularidade e a complexidade de
dimensões de um caso singular. Destaco “as diferenças sutis, a seqüência de
acontecimentos em seu contexto e a globalidade das situações.” (Stake,1999: 11).
Coloco-me como investigadora deste caso na função de educadora com o propósito
de “informar, ilustrar, contribuir (...), socializar e liberar” (op cit: 83).
Como pesquisadora, coloco-me na posição de uma observadora participante,
pois tenho uma função de educadora neste projeto. Gostaria de partilhar com outros
educadores esta experiência tão significativa, através da qual pude articular minha
formação como psicóloga e educadora, integrando as manifestações artísticas com
o trabalho corporal, tendo a visão do ser humano, em todos os seus aspectos: físico,
emocional, mental e espiritual.
Está muito presente neste meu olhar de pesquisadora o que diz Barbier
(2002): “o pesquisador descobre todos os reflexos míticos e poéticos, assim como o
37
sentido do sagrado freqüentemente dissimulado nas atividades mais banais e
cotidianas.”
O papel da teoria nesta pesquisa está associado às exigências pessoais de
fundamentar a prática, sendo um cotejo equilibrado entre o saber formal e o informal.
Primeiramente, é preciso contextualizar o momento histórico-social em que
este trabalho acontece, como um diagnóstico da situação, “da vida social, política,
afetiva, imaginária e espiritual da época.” (Barbier, 2002).
Quanto às estratégias da pesquisa, está a busca de informações sobre o
quadro referencial do trabalho desenvolvido na Casa Redonda há vinte e cinco anos,
alimentando-me de autores que contribuíram teoricamente, como raízes deste
projeto.
A forma de obter estas informações foi por meio de entrevistas com a
iniciadora deste projeto, Maria Amélia Pereira, registrando sua história de vida,
pessoas e leituras básicas e fundamentais no seu processo, obtendo assim maior
aprofundamento das informações.
Reflito sobre a autobiografia de Maria Amélia Pereira, percebendo que “o
profissional não está separado da pessoa, assim como a identidade está atada a
uma identidade profissional.” (Moraes, 2002: 87). O conceito de autobiografia,
enquanto um constructo metodológico, está relacionado ao conceito de experiência,
como eixo para uma aprendizagem ativa, num processo de rememoração,
ordenação e narrativa, de forma reflexiva desta experiência, sendo transformador e
gerador de conhecimento.
Retomo a história da Casa Redonda em conjunto com o projeto pessoal de
Maria Amélia Pereira, em diálogo com a minha experiência pessoal e direta neste
mesmo contexto, fazendo uma leitura atual.
No contato com os autores indicados por Maria Amélia Pereira, como sendo
as contribuições teóricas, as raízes, busquei as afinidades com outros autores, que
referendassem o trabalho. Pesquisei um referencial teórico mais amplo, por meio de
uma pesquisa bibliográfica, para estabelecer diálogos, orientar a pesquisa sobre a
Casa Redonda, definir conceitos e ajudar a formular interpretações de modo mais
abrangente sobre este trabalho.
38
Propus entrevistas, através da escuta sensível, com as educadoras da Casa
Redonda, com o intuito de buscar o saber informal, o imaginário de cada uma, suas
impressões, percepções, sensações e intuições, para registrar a prática, que poderia
me apontar facetas, olhares, perspectivas e representações que trariam a vivência
do processo, da construção deste saber.
Sabemos da impossibilidade de uma neutralidade no campo da pesquisa. Há
interações significativas entre o observador e o campo observado. Acredito que esta
pesquisa sobre a prática e os fundamentos do trabalho da Casa Redonda poderá
contribuir para outros educadores, no sentido de propiciar uma reflexão sobre uma
experiência de educação centrada na dimensão do sensível, podendo vir a ser um
referencial para que busquem re-significar sua visão educacional, gerando respostas
e ações criativas.
Propus entrevistas semi-estruturadas, individuais, com seis ex-alunos e tinha
como critério que estivessem cursando, atualmente, o nível superior. Foram
entrevistas qualitativas, a partir de um roteiro básico, flexível, permitindo as
necessárias adaptações, nas quais pudessem narrar certos episódios, que
respondessem algumas questões surgidas ao longo da investigação desta pesquisa,
cujo objetivo era a construção da história da Casa Redonda, desde o seu início até o
momento presente.
Entrevistei também pessoas que influenciaram o trabalho da Casa Redonda e
fazem parte do seu quadro de referências sobre determinados temas que serão
abordados, como: Lydia Hortélio - Cultura Infantil, Antônio Nóbrega - Cultura
Brasileira, e Sylvio Sawaya, o arquiteto da Casa Redonda, que estuda os aspectos
sagrados que se manifestam na Arquitetura. Foram entrevistas abertas, flexíveis,
com liberdade de percurso, com o objetivo de trazer esses conceitos de forma viva.
Como procedimento da pesquisa, utilizei documentos produzidos pela Casa
Redonda, sejam fotografias, destacadas ao longo desta dissertação e vídeos, que
trazem elementos mais concretos e visuais sobre o projeto realizado, assim como
registros da observação factual e desenhos, como expressões do imaginário dos
sujeitos em questão. O objetivo é tornar este conhecimento, científico, apesar de ser
permeado pela subjetividade expressa nas falas das crianças, nas brincadeiras, nos
contos e canções da cultura infantil. Desse modo, penso que este material possa ser
um referencial para outros educadores.
39
Propus uma forma de comunicação, compreensível para leigos e não leigos
sobre o tema, explicitando a multiplicidade de aspectos envolvidos, com uma
intenção estética, para sensibilizar o leitor a entrar em contato com sua dimensão
interna, fazendo sua leitura, desenvolvendo novas idéias, novos significados e novas
compreensões.
Utilizei a metáfora da árvore (Desenho 2 e 3) como imagem para a
estruturação e encadeamento dos conteúdos que são apresentados nessa pesquisa,
especificando as raízes, a seiva, o tronco do trabalho e suas ramificações. A árvore
também é uma imagem representativa do centro que se expande.
Existem vários simbolismos em relação à árvore nas culturas humanas, onde
a árvore é reverenciada, com “cultos em bosques sagrados, árvores dedicados aos
deuses, entes sobrenaturais vivendo dentro das árvores, rituais para as
homenagens e súplicas a esses deuses que presidem a vida da semente,
fecundação, germinação, conservação, reprodução.” (Cascudo, 2000: 27).
Em muitas mitologias tradicionais encontramos a árvore da vida que, ora
emerge da terra na direção do céu e ora desce do céu na direção da terra, apenas
tocando-a com sua copa. Estamos acostumados a imaginá-la sempre iniciando seu
crescimento das raízes para cima, esquecendo que, para seu desenvolvimento, é
necessário uma copa frondosa. As pessoas também podem ser encaradas como a
árvore que emerge da terra.
“Céu em cima
Céu em baixo
Estrelas em cima
Estrelas em baixo
Tudo o que está em cima
Também está em baixo
Percebe-o
E rejubila-se.”
Texto Alquímico, citado em “A prática da Psicoterapia”, de Jung (1988).
40
Segundo Mircea Eliade, “a árvore da vida não foi escolhida unicamente para
simbolizar o Cosmos, mas também para exprimir a Vida, a juventude, a imortalidade,
a sapiência.” (2001: 124).
Na mitologia norueguesa, existe a Yggdrasil, árvore cósmica, considerada o
centro do universo e origem do tempo, do espaço e da vida. Seus ramos, tronco e
raízes ligam o céu a terra e aos mundos subterrâneos dos deuses, gigantes e
mortos.
Um simbolismo presente na cultura judaica é a árvore das Sefirot ou das
vidas, que seria uma árvore divina, com a raiz no céu e a copa na terra, invertida em
relação à árvore humana, como um caminho de emanação da luz infinita, passando
pelos caminhos da sabedoria.
Na cultura católica também existe o símbolo da árvore do paraíso, como
sendo a árvore do conhecimento.
Para o educador suíço Pestalozzi (1746-1827), o homem é como a árvore.
“Uma educação perfeita é simbolizada por uma árvore plantada perto de águas
fertilizantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e
suas propriedades, é colocada no solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de
partes orgânicas, cujo plano existia na semente e na raiz.” (apud Gadotti, 2004: 98).
O poema védico que trata dos “divertimentos” e “ensinamentos” do Senhor
Krishna, chama-se Upanishad, que significa, em sânscrito, pôr-se aos pés da árvore
para ouvir as palavras do Mestre. (Sanchez Teixeira, 2000:67).
O trabalho da Casa Redonda está pautado no poder propulsor da Natureza,
como sendo o habitat natural das crianças, como uma afirmação de vida e de
crescimento, “como uma árvore que estende seus galhos no vasto ambiente, mas
que, proporcionalmente, aprofunda suas raízes, pois do contrário, não encontrará
muitas condições de manter-se nutrida.” (Lima, 2004).
Nas culturas que ainda estão vinculadas à natureza, percebe-se uma
comunhão e reverência à natureza, à criança, ao humano, onde tudo faz parte de
um todo maior, como uma unidade, com a compreensão da natureza interna e
externa de maneira integrada.
41
No espaço de natureza da Casa Redonda, existe uma ‘árvore-mãe’ (foto 6),
como é chamada pelas crianças, muito presente na experiência diária das crianças,
que vivem seus desafios, brincando nos seus galhos cada vez mais altos, ou apenas
se refrescando embaixo de sua sombra nos dias ensolarados, ouvindo histórias e
recebendo massagem.
A busca de palavras e imagens poéticas dentro da formulação do
conhecimento é uma característica do meu modo de aprender, trazendo a linguagem
do sensível através de metáforas que falam diretamente ao coração.
Introduzo este amálgama de idéias com o intuito de direcionar o olhar, o ouvir,
o sentir em diálogo com a experiência de vida de cada leitor, para que o trabalho da
Casa Redonda possa ser mais bem apreendido.
(Foto 6. Crianças embaixo da árvore)
42
(Desenho 2. Desenho de criança: Árvore-mãe)
43
(Desenho 3 – Metáfora da árvore-mãe-terra)
44
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
2.1. Contextualização da Casa Redonda: o solo, o chão, a terra
“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”.
Guimarães Rosa
Para contextualizar o trabalho desenvolvido na Casa Redonda, que teve início
na década de 80, teríamos que fazer um percurso pela história da construção do
pensamento pedagógico, com uma reflexão sobre a prática da educação. Percebe-
se que diferentes teorias pedagógicas influenciam a educação até os dias de hoje.
Para esta dissertação, focalizamos o momento em que a criança aparece
como central no pensamento pedagógico brasileiro. É quando a criança passa a ser
considerada a própria fonte da educação, a partir da idéia de que todos os seres
humanos têm natural potencialidade para aprender de forma significativa.
Na história da Educação Brasileira, recebemos a influência das idéias do
educador norte-americano John Dewey, quando, em 1932, Anísio Teixeira introduziu
o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova.
Dewey propôs a democratização do ensino, devido às necessidades trazidas
pela industrialização, em contraposição à formação dos filhos das elites, propondo
uma nova ordem social. Afirmava que o ensino deveria dar-se pela ação, pela
atividade pessoal do aluno, reconstruindo a experiência da vida concreta, ativa,
produtiva, de cada um, centrada no aluno. “A educação era essencialmente
processo e não produto.” (apud Gadotti, 2004: 144). O aluno seria o autor de sua
própria experiência, através dos princípios de iniciativa, originalidade e cooperação.
Neste período, surgiram métodos de ensino através de projetos, centros de
interesse e trabalho por equipes. Começava-se a pensar nas necessidades infantis,
por exemplo: o ambiente físico da escola passa a conter a idéia de um mobiliário
adequado ao tamanho da criança.
A pedagogia passa a basear-se no estudo da criança, compreendendo a
infância como um conjunto de possibilidades criativas, onde todo ser humano tem
necessidade vital de saber, pesquisar e trabalhar. Para as crianças, essas
necessidades se manifestam nas brincadeiras, com seus desafios. O professor
45
deveria ser um colaborador e o aluno seria avaliado pelos trabalhos individuais ao
longo do ano.
No contexto mundial, o período dos anos 60 a 80 foi marcado por criações de
escolas democráticas. Segundo Helena Singer, as escolas democráticas, são
compreendidas com um caráter de resistência aos mecanismos de poder, propondo
uma educação para a autonomia, para uma sociedade mais igualitária. Seria uma
“vida em comunidade sem ativar o dispositivo de moralização que opera mediante a
identificação com a norma e a submissão.” (1997: 164-5).
No final dos anos 60, as escolas democráticas propuseram movimentos
internacionais, expondo seus questionamentos, mas depois retornaram ao
isolamento.
Singer fala sobre o papel das escolas democráticas, opondo-se ao modelo
básico da escola, propondo uma transformação social e “questionando a primazia do
saber, que advoga a técnica e a disciplina como elemento básico da educação.”
(1997:169).
“Essa posição de resistência refere-se (...) a uma atitude diante da atualidade definida pela
escolha voluntária por um modo de pensar e agir que se apresenta como uma tarefa de
crítica transcendental e busca indefinida da liberdade (...) no campo da educação porque
recusa o estatuto de verdade da pedagogia que, em nome da supremacia do conhecimento,
desenvolve técnicas de aprendizado que visam o treinamento de corpos mais dóceis e
eficientes.” (Singer, 1997: 170-1).
A questão básica dessas escolas está relacionada à busca de compreensão
das novas formas de subjetividade.
“No Brasil, durante a década de 60, ocorre o aumento do número de universidades e a
ampliação da escolaridade mínima obrigatória, de quatro para oito anos. O ensino secundário
era dividido em dois ciclos: ginasial e clássico (ou científico). Já em 1961, a educação visava
atender ao desenvolvimento econômico e social. Nesta época, surgem, no Estado de São
Paulo, os Ginásios Estaduais Vocacionais, com uma proposta integradora de trabalho manual
e intelectual, e os Pluricurriculares Experimentais, que aproximam a cultura geral e formação
específica, significando uma tentativa de transformação dos cursos ginasiais.” (Sanchez,
1997: 219).
Segundo Lucília Bechara Sanchez, na época professora de matemática do
Ginásio Estadual Vocacional Osvaldo Aranha, essas experiências tinham por
objetivo a formação integral do aluno e o exercício da cidadania, através de
46
vivências, da valorização de atitudes e do desenvolvimento de conceitos e
habilidades, olhando também para os aspectos subjetivos da aprendizagem e o
interesse do aluno.
Esse é o cenário onde se insere a Escola Vera Cruz, “num momento de
influência da revolução cultural e das transformações sociais da década de 60:
liberdade de expressão e de costumes e priorização do indivíduo para a sociedade.”
(Sanchez, 1997: 219).
A Escola Vera Cruz nasce em 1963, como escola particular, sendo uma
associação sem fins lucrativos, formada por um grupo de mães e educadores, com
um ideal de transformação da sociedade através da educação. Atualmente, está
com 42 anos de existência.
Durante os anos 60, tivemos um período de efervescência cultural, política e
social que promovia experiências alternativas de transformação, buscando novas
teorias pedagógicas. As décadas de 60 e 70, foram marcadas pela ditadura militar,
que reprimiu a sociedade civil, tentando eliminar qualquer forma de oposição.
Maria Amélia Pereira chega a São Paulo nesse período e cursa Pedagogia na
PUC-SP, foco de muitas manifestações políticas. Participa do trabalho desenvolvido
pela Escola Experimental Vera Cruz. O caráter experimental dá a esta escola a
possibilidade de criação e inovação. O papel do professor tem um peso histórico, no
sentido do exercício de uma atuante reflexão sobre sua práxis dentro do projeto da
escola experimental.
As propostas da Escola Experimental Vera Cruz tornaram-se contribuições
importantes para se repensar a Educação: as relações interpessoais, a dinâmica de
sala de aula, o surgimento das equipes técnicas de coordenação e os especialistas:
psicólogos, pedagogos e administradores.
Sanchez afirma que, nas décadas de 60 e 70, havia uma crítica à escola
reprodutora “e as investigações se voltaram para a sala de aula e para o processo
de ensino e aprendizagem, particularmente para as questões didáticas. A partir de
80, as atenções voltaram-se para as organizações escolares, que começam a ter
uma dimensão própria.” (1997:10-1).
Ainda nos anos 60, foram importantes as contribuições das écoles nouvelles,
em Sèvres, na França, propondo uma metodologia ativa no currículo convencional.
47
Deram origem aos ginásios vocacionais, às escolas ativas, às escolas experimentais
e aos colégios de aplicação das universidades, entre outros. Em 1961, são
oficializadas as escolas experimentais, nas quais o Vera Cruz se enquadrou.
Os fundamentos metodológicos desta escola eram de Maria Montessori
1
e
Lubienska, importantes pensadores na década de 60 quanto à democratização do
saber, que propiciava o respeito à individualidade, o desenvolvimento dos sentidos,
o ritmo, a consciência do corpo e do espírito.
Na Escola Vera Cruz, os professores tinham uma forma reflexiva e crítica de
participação nas decisões pedagógicas, preocupados com o processo de
aprendizagem e com os aspectos afetivos do aluno. Uma forte característica era a
qualidade do material pedagógico e a metodologia do trabalho pessoal
complementando as aulas coletivas.
Desde 1970, o Vera Cruz se posiciona de forma crítica à escola tradicional,
tendo como pressuposto que o aluno é um ser ativo na construção de sua
aprendizagem, num processo contínuo de transformação.
Neste mesmo período, as escolas públicas, que até então ocupavam um
espaço importante na Educação deste país, eram democráticas, propondo uma
educação política, desalienadora, formadora e informadora, voltada para a sua
“função transformadora.” (Lopes, 1997: 22). Após o golpe militar de 1964, elas vão
gradativamente sendo excluídas desta função. É justo neste momento que as
escolas particulares, geridas como escolas privadas com ou sem fins lucrativos,
começam a surgir e passam a atender a elite e a classe média, que buscavam
qualidade de ensino.
A educação pública, na busca da universalização do ensino, passa a atender
as camadas mais desfavorecidas deste país, com toda a problemática envolvida:
falta de recursos, estruturas precárias, baixos salários, problemas de formação de
educadores, uma grande demanda de crianças e adolescentes, que sofrem outras
tantas carências, como alimentares, de saúde, etc..
1
Maria Montessori (1870-1952) propôs materiais didáticos concretos para estimular a atividade dos
sentidos. Promovia a “auto-educação da criança, colocando meios adequados de trabalho à sua
disposição” (apud Gadotti, 2004:151). Para ela, a professora era a guardiã da chama da vida interior
das crianças.
48
Na década de 70, predominou o desencanto com a escola, surgindo
iniciativas não escolares. Na década de 80, aumenta o número de organizações
não-governamentais, “buscando soluções microestruturais, valorizando o vivido, os
pequenos projetos e categorias pedagógicas como alegria, decisão, escolha,
vínculo, escuta, os pequenos gestos que fazem da educação um ato singular.”
(Gadotti, 2004: 204).
No início da década de 90, surge a discussão da educação como cultura, com
os temas diversidade cultural, diferenças étnicas e de gênero. O pensamento
pedagógico brasileiro é muito rico e está em movimento, em busca da reconstrução
do sistema educacional, contribuindo para a interpenetração das classes sociais e a
formação de uma sociedade humana mais justa para um novo Brasil.
Depois desse breve passeio pela educação no Brasil no século passado,
apresento, na seqüência, os autores que fazem parte da reflexão teórica na
construção da prática pedagógica da Casa Redonda Centro de Estudos, no início
dos anos 80, inserida neste contexto sóciopolítico, cultural e ideológico.
Esta proposta de trabalho leva em conta a compreensão dos métodos de
ensino e processos de aprendizagem que vigoravam nessa época, buscando abrir
um espaço que viesse a se constituir num Centro de Estudos e Pesquisa sobre a
Cultura Infantil. Neste Centro, as crianças, na faixa etária correspondente à
Educação Infantil, conviveriam num espaço de natureza, experienciando-se como
‘Ser Brincante’, através de uma relação interativa e significativa consigo próprio, com
o outro e com o seu entorno.
49
3.2. REFERÊNCIAS TEÓRICAS: raízes
Os autores citados a seguir: Anísio Teixeira, Agostinho da Silva, Paulo Freire
e Sandór Pethö, foram referências na construção da prática pedagógica da Casa
Redonda, já que, através de seus textos, propostas ou convívio, trouxeram reflexões
importantes para olhar a criança, na sua inteireza.
3.2.1. Anísio Teixeira, educador
“A única finalidade da vida é mais vida. Se me perguntarem o que é essa vida, eu lhes direi
que é mais liberdade e mais felicidade. São vagos os termos. Mas, nem por isso eles deixam
de ter sentido para cada um de nós. À medida que formos mais livres, que abrangermos em
nosso coração e em nossa inteligência mais coisas, que ganharmos critérios mais finos de
compreensão, nessa medida nos sentiremos maiores e mais felizes. A finalidade da
educação se confunde com a finalidade da vida.” (Anísio Teixeira,1934)
“Anísio Teixeira nasceu em 12/07/1900, em Caitité, na Bahia.(...) Formado
pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, exerceu, ao longo da vida, atividades
acadêmicas, políticas e culturais, com projeção nacional e internacional. Iniciou a
vida pública ainda muito jovem (1924), ocupando diversos cargos importantes.
De 1924 a 1929, foi Inspetor Geral do Ensino Público na Bahia, além de
professor de filosofia e história da educação, na Escola Normal de Salvador.
De 1930 a 1935, exerceu o cargo de Diretor Geral do Departamento de
Educação do Distrito Federal. Em 1934, assumiu o cargo de Professor do Instituto
de Educação do Distrito Federal até 1961.
Perseguido pelo Estado Novo, em 1935, ficou afastado de cargos públicos, de
1936 a 1946, período em que exerceu atividades de tradutor, comerciante,
minerador, industrial e exportador.
Voltando à vida pública, em 1946, permaneceu até 1964, quando seus
direitos foram cassados pelo regime militar. Nesse período, exerceu inúmeras
funções: Conselheiro de educação Superior da Unesco, Secretário da Educação e
da Saúde da Bahia (1946 a 1950), Secretário Geral da Campanha Nacional de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes (1951 a 1967), Diretor do
50
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep (1952), Membro do Conselho
federal de Educação (1962), Reitor da Universidade de Brasília (1963).
Foi um homem da prática e seus discursos eram de cunho mais político-
ideológico do que teórico (Geribello, 1977). Era considerado um reformador. Sua
formação foi muito influenciada pelos jesuítas (formação humanista clássica) e pelo
espírito naturalista e científico do pai – que se destacava por suas idéias liberais e
agnósticas, levando-o, durante parte de sua juventude, ao debate entre a fé e a
razão. (...) Sua fé religiosa transformou-se em fé republicana e democrática por
influência da filosofia pragmática de John Dewey, que introduz o conceito de
experiência significativa e reflexiva, dentro de um processo de aquisição de
conhecimento. Anísio Teixeira foi seu discípulo e principal divulgador no Brasil.”
(Sanchez Teixeira, 2000: 70-1). Morreu no Rio de Janeiro, em 1971.
A contribuição de Anísio Teixeira para o trabalho da Casa Redonda está no
fato de apresentar uma nova filosofia da educação:
“valorizando o tipo de experiência de cada um como sendo a filosofia de cada um. (...) A
escola deve dar ouvidos a todos e a todos servir, com flexibilidade da inteligência de sua
organização e dos servidores, (...) transformando-se a si mesmos e transformando a
escola.(...) O educador, ao lado da técnica e informação, deve possuir uma clara filosofia da
vida humana e uma visão delicada e aguda da natureza do homem.” (Teixeira, apud in
Gadotti, 2004: 245).
Maria Amélia Pereira estagiou no projeto da Escola Parque de Salvador e ali
se deu seu primeiro encantamento, vendo na prática a possibilidade de se criar no
Brasil um sistema público de qualidade. O projeto arquitetônico da Escola Parque,
implantada dentro de uma comunidade periférica de Salvador, atendendo à
população de baixa renda, destacava-se pela sua qualidade estética, confirmando o
lugar da escola nova como um marco-educacional, gerenciador de transformações.
Segundo Maria Amélia, a presença de todas as linguagens expressivas da
arte - música, dança, literatura -, como elementos tão importantes quanto as demais
áreas do conhecimento, postulava um modo diferenciado de fazer educação,
apostando no processo criativo como chave para o desenvolvimento harmonioso do
ser humano.
51
Na Escola Parque, Maria Amélia vivenciou essa experiência de ênfase na
qualidade profissional do educador e o investimento em sua formação. Sua
aprendizagem foi significativa, trazendo estes aspectos para a Casa Redonda,
através da valorização da participação direta dos educadores na elaboração do
projeto.
3.2.2.Agostinho da Silva, filósofo
“Liberdade é ser aquilo que se é e ser contagioso.”
Agostinho da Silva
George Agostinho Baptista da Silva (1906-1994), professor universitário,
escritor e filósofo, nasceu no Porto. Licenciou-se em Filologia Clássica, na
Universidade do Porto. Quando era professor no Liceu de Aveiro, e por ter recusado
assinar uma declaração imposta pelo estado Novo aos professores, na qual se
comprometia a nunca seguir a ideologia comunista, exilou-se no Brasil, não por ser
comunista, mas por considerar a imposição um atentado à sua liberdade de
pensamento. Viveu no Brasil muitos anos, onde fundou e pôs em atividade centros
de divulgação cultural e departamentos universitários, nomeadamente na
Universidade de Brasília, regressando a Portugal quando o regime anterior não o
poderia mais molestar. Foi consultor do Instituto de Cultura da Língua Portuguesa,
um dos principais colaboradores da Revista Seara Nova e um dos maiores
pensadores portugueses. (Mendanha, 1995).
Agostinho da Silva, o “velho mestre menino”, foi sempre norteado pela idéia-
força da nação portuguesa, propondo um Centro de Estudos Afro-Orientais, com os
países de língua comum: Brasil, Portugal, Macau, Timor, Angola e Moçambique.
Participou na Direção Geral de Ensino Superior, passou por Santa Catarina,
Rio de Janeiro e, por fim, Brasília, para ajudar na Universidade, fundada por
Juscelino Kubitschek, juntamente com Darcy Ribeiro e Ciro dos Anjos.
Na Universidade de Brasília, colocava- se como a “presença de Portugal”, e
afirmava a necessidade de rever o papel da Filosofia e defendia a presença de um
Instituto de Teologia, de todas as religiões. Propunha uma universidade flexível, com
52
um currículo adaptado aos desejos e possibilidades de cada um, com forte
integração entre as áreas, para que os alunos pudessem ver por outros ângulos.
Fundou o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, plantando
simbolicamente quatro pinheiros do Pinhal de Leiria, marcando a presença real de
Portugal, para que sobre esse mundo geográfico fizesse um outro mundo espiritual.
Teve o apoio de Anísio Teixeira com dinheiro e pessoas à disposição.
Para ele, era importante ensinar a língua para que se aprenda o que há de
fundamental na psicologia de um povo através da língua que ele fala, abrindo a
compreensão de um Brasil construído sob a influência indígena, africana e ibérica
(Portugal e Espanha).
Agostinho da Silva foi uma referência cultural na Bahia e em várias partes do
Brasil, em meados do século passado, com sua sabedoria e carisma. Em vários
momentos de sua obra, a imagem da Criança está presente como o Menino
Imperador do Mundo, que é coroado na Festa do Espírito Santo. Esta festa, ainda
hoje, acontece em Portugal e no Brasil, afirmando a criança como mensageiro do
renascimento espiritual do homem, “restaurando a criança em nós, para em nós
coroarmos Imperador.” (1989(b): 196).
Sobre o papel do educador, ele dizia:
“(...) O mestre deve-lhes [aos discípulos] dar o hábito e o amor do pensamento, desenvolver o
que neles há de verdadeiramente humano, deve acostumá-los a chegarem sempre ao fim de
seus raciocínios, a não cansarem e desistirem; deve levá-los a que tenham as idéias como
guias de vida; todo o homem que pensa e se obedece é caminhoneiro da estrada da verdade,
venha donde vier, venha por onde vier” (op cit: 42-3).
Para ele, “o mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza,
apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o
canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em
posição; tornar alguém melhor – eis todo o seu programa; para si mesmo, a dádiva
contínua, a humildade e o amor do próximo.”
Ele dizia que o professor deveria se especializar no imprevisível, com uma
curiosidade universal, com elasticidade, espírito jovial e aberto, amor à vida,
entusiasmo, alegria, paciência, cooperação e tolerância. Este deve cultuar a razão,
serenidade, beleza harmoniosa e a medida atitude.
53
Para ele, a escola é parte indispensável do mundo e deveria se ensinar a
estudar, satisfazendo os gostos de cada um, com suas diversidades e variedades e
com uma atitude crítica em relação aos problemas da vida.
Para a Casa Redonda, as idéias do Prof. Agostinho da Silva foram e
continuam sendo ‘alimento vivo’ nascido das conversas entre o professor e Maria
Amélia. Segundo ela, nesses momentos preciosos de contato pessoal, o professor
Agostinho tinha o poder de trazer à consciência aquilo de mais verdadeiro e
autêntico que estava inconsciente. Era através desse processo que ele definia o
significado da palavra educação e a função de educador. Ficou presente para Maria
Amélia uma lição de vida relacionada à unidade que ele vivia entre o pensamento e
a prática.
Segundo Maria Amélia, a coerência essencial do Prof. Agostinho incomodava
os padrões estabelecidos, a falsa regra, a conveniência, a normalidade, a hipocrisia
institucionalizada. Seus princípios não eram temas literários ou plataforma política,
apenas postulavam sua existência.
Nas palavras de Maria Amélia, ele dizia que “o difícil da vida é saber fazer
perguntas. Dar respostas, todos dão, até porque nossas escolas são formadores de
respostas. O racional só serve para chegar à fronteira do irracional.”
Para Maria Amélia, o Prof. Agostinho da Silva confirmou a possibilidade de
reunir conhecimento e subjetividade, força e suavidade através do viver a
experiência humana, que é a liberdade de ser si próprio.
Ele dizia que era preciso compreender que a vida é mais abrangente do que a
matemática. É preciso inverter o olhar da educação, fazendo o professor espelhar-se
no ser criança e redescobrir em si próprio a possibilidade de ser, usando as
qualidades distintivamente humanas que são: a imaginação em vez do saber; o jogo,
em vez do trabalho e a totalidade, em vez da separação.
Ele dizia: “não force nunca, seja paciente. Não force a arte, nem a vida, nem o
amor, nem a morte. Deixe que nos suceda como um futuro maduro que se abre e
lança no solo as sementes fecundas. Que não haja em si, no anseio de viver,
nenhum gesto que lhe perturbe a vida”.
Outro aspecto importante para a Casa Redonda foi a formulação de
Agostinho da Silva sobre a Festa do Divino. Nesta festa, um menino é coroado
imperador representando uma sociedade do futuro, onde a plena liberdade do
54
pensamento, sensibilizada pela fantasia e imaginação da criança, anuncia a profecia
do reino do Espírito Santo, um reino sem fome e sem violência social.
A fé, inspiração e lucidez de Agostinho da Silva traduziam-se em uma busca
incessante da vida, o que fazia, defendendo, não só para as crianças, o direito de se
viver em plenitude e liberdade.
Estes aspectos apontados estão sempre presentes nas reflexões da Casa
Redonda, no acontecer de uma educação que privilegia a cultura da infância
inserida no chão brasileiro.
3.2.3. Paulo Freire, educador
“O destino do homem deve ser o de criar e transformar o mundo, sendo sujeito da sua ação.”
Paulo Freire
“Paulo Freire nasceu em Recife, Pernambuco, em 1921. (...) Formou-se em
Direito, na Universidade de Recife, sem, no entanto, seguir carreira. Dedicou-se
sempre à educação, exercendo atividades acadêmicas, culturais e políticas que o
projetaram nacional e internacionalmente.
Iniciou sua carreira como professor de português do Colégio Oswaldo Cruz e
foi diretor do Setor de Educação e Cultura do Sesi (Serviço Social da Indústria),
Departamento Regional de Pernambuco, no qual teve os primeiros contatos com a
educação de adultos trabalhadores. Na década de 50, foi diretor da Divisão de
Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura
Municipal do Recife e, depois, trabalhou no Departamento de Educação, apoiando o
Movimento de Cultura Popular (MCP).
Suas primeiras experiências com alfabetização de adultos, que resultaram no
conhecido “Método Paulo Freire”, aconteceram em Angicos (RN), em 1963,
enquanto organizava e dirigia uma campanha de alfabetização.
No governo João Goulart, foi coordenador do Programa Nacional de
Alfabetização, extinto pelo governo militar em 1964. Seu engajamento político,
naquele momento, foi motivo para um exílio de quinze anos, que acabou por fazê-lo
conhecido internacionalmente, tanto no Chile como na Suíça.
55
Embora tenha se doutorado em Filosofia e História da Educação em 1959, na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, foi após o seu
retorno do exílio, em 1980, que passou a exercer atividades propriamente
acadêmicas na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas e
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi Secretário Municipal de
Educação de São Paulo (1989-1991).
Sua prática educativa tornou-se uma práxis revolucionária, com uma atuação
político-pedagógica. Foi, segundo suas próprias palavras, um homem da prática,
avesso a todo e qualquer academicismo, falando mais ao imaginário que à razão,
(...) com um discurso pedagógico dotado de grande carga afetiva.
Despertou nas pessoas a esperança e o desejo de busca, de mudança, de
transformação, significativamente.” (Sanchez Teixeira, 2000: 52-4). Faleceu em
1997.
Paulo Freire dizia que a “história é possibilidade e o problema que se coloca
ao educador e a todos os homens é saber o que fazer com ela” (apud Gadotti, 2004:
234) . “E é neste fazer e re-fazer, que se re-fazem.” (apud Gadotti, 2004: 255).
Para o trabalho da Casa Redonda sua contribuição está, principalmente, no
cunho social e político da educação, compreendendo a “concepção dialética em que
educador e educando aprendem juntos, numa relação dinâmica na qual a prática,
orientada pela teoria, reorienta essa teoria, num processo de aperfeiçoamento.”
(apud Gadotti, 2004: 253).
Paulo Freire fala sobre as várias “leituras” do mundo particular, onde ele
relata: “fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras,
com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o
meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.” (Freire, 2003: 15). Para ele, a alfabetização
é o instrumento para se dar a palavra ao educando.
Na Casa Redonda, a proposta é dar voz própria à criança enquanto sujeito,
prestando atenção à maneira como a criança vê o mundo, suas descobertas e
conquistas, compreendendo sua lógica, como independente da lógica adulta.
56
3.2.4.- Pethö Sándor, médico e terapeuta
“O que ensino são como sementes que vão caindo dentro de vocês. Elas se desenvolverão
de diferentes formas, dependendo do campo interno de cada um ...”
Pethö Sándor
Nascido em Gyertyanos (Hungria), em 28/4/1916 e falecido em Caldas (MG),
em 28/1/1992, foi psicoterapeuta, incentivando a prática de abordagem corporal com
enfoque nas contribuições do pensamento Junguiano, junto a seus alunos, durante
os anos que lecionou nas áreas de Psicologia Profunda, Psicologia Analítica,
Cinesiologia e Psicomotricidade, na Faculdade de Psicologia da PUC e no Sedes
Sapientae.
A Calatonia, uma técnica de relaxamento idealizada por Pethö durante a 2ª
Guerra Mundial, num Hospital da Cruz Vermelha em que trabalhava, indica tônus
descontraído, solto, mas esta soltura não se refere somente ao ponto de vista
estático e muscular. Cala deriva do grego “khalaó”, que indica “relaxação”, mas
conforme sua referência também quer dizer “alimentação, afastar-se do estado de
ira, fúria, violência, abrir uma porta, desatar as amarras de um odre, deixar ir,
perdoar os pais, retirar todos os véus dos olhos, etc.” (Sándor, 1974: 92).
Para Sandór, o “relaxamento é um método de recondiconamento
psicofisiológico, (...) um meio condicionador que permite que cada um vislumbre
aquilo que está destinado a ser e ajuda a que se prepare para cumprir sua
incumbência individual como unidade dentro de uma unidade maior.” (op cit: 4-10).
Quanto à técnica da Calatonia, seu procedimento ocorre de forma sistêmica,
quase ritualística, sendo importante a atitude adequada do terapeuta, ao propor ao
paciente o recebimento dos toques. Assim, adequa-se o paciente ao “campo de
força” da terapia, preparando-se para o “ritual” e recebimento da “cura”. (Machado,
1994: 125-6).
Para Sandór, os toques sutis se utilizam “do alto potencial da sensibilidade
cutânea, proporcionando uma vivência multissensorial, uma síntese de várias
particularidades perceptivas e apercepivas, sintonizadas e sincronizadas numa
configuração singular em cada indivíduo.” (1974).
57
A atitude do terapeuta é de pedir ao paciente para liberar os empecilhos
internos e externos. O paciente deve ser acolhido, evitando exacerbações afetivas,
procurando observar a própria postura do terapeuta, quando da aplicação dos
toques, de forma sutil. Pethö Sandór sugeria como referência a noção de um
“Terceiro Ponto”, dentro da realização da técnica, que atuaria através do terapeuta
(e não do seu ego), conforme a orientação da consciência.
No espaço “consagrado” da terapia entre o terapeuta, o paciente e o “Terceiro
Ponto”, cria-se um “campo de forças” que permitirá a evocação dos conteúdos
inconscientes, cuja integração ao consciente redundará na cura psíquica e possui
uma evidente “religiosidade”, constituindo-se num espaço separado, com interdições
e prescrições conforme as regras do terapeuta ou às regras da escola terapêutica
(sistema ritual) que o distingue do espaço homogêneo e racional do mundo profano
e orientam as intenções de cura. (Machado, 1994: 129 e 137).
Para o trabalho da Casa Redonda, as contribuições do Prof. Sandór foram no
sentido do processo terapêutico de autoconhecimento, vivido por Maria Amélia
Pereira, em conjunto com as reflexões sobre conteúdos da Psicologia Junguiana,
que influenciaram sua prática pedagógica.
As técnicas de relaxamento e integração fisiopsíquica e o repertório de toques
aprendidos com o Prof. Sandór foram utilizados com as crianças, com resultados
significativos na elaboração de seus sentimentos e sensações. O trabalho corporal,
a partir desta compreensão do corpo enquanto veículo sensível, passou a fazer
parte das brincadeiras das crianças, onde elas passaram a criar novas
possibilidades de toques entre si, com penas, painas, pedras, flores, gotinhas de
água, espalhadas com pincel.
A experiência dos toques e a adesão instantânea das crianças a este tipo de
abordagem corporal afirmaram, para os educadores da Casa Redonda, uma
abertura para a compreensão de uma nova consciência corporal.
Na visão de Maria Amélia, após alguns anos de utilização do trabalho corporal
(foto 7 e 8) na Casa Redonda, é importante que todo educador vivencie ele próprio
um processo de trabalho corporal, abrindo-se a uma percepção mais sensível de si
mesmo, o que poderá levá-lo a ter um olhar mais observador e compreensivo sobre
cada criança.
58
(Foto 7. Toque com pedra)
(Foto 8 - Toque nos dedos dos pés )
59
3.3 . Fertilizantes
3.3.1. Contribuições da Psicologia Junguiana
Ser susceptível às forças mais elevadas é a grande genialidade.
(Adams Henry, apud Hillman, 1995: 62).
Jung trouxe contribuições importantes para a compreensão do indivíduo
naquilo que lhe é mais particular e ao mesmo tempo inserido num contexto mais
amplo, integrado à cultura, incluindo a noção de inconsciente pessoal e coletivo.
Seu método de amplificação, fazendo paralelos com a mitologia, alquimia e
religião, contribuiu para a compreensão da complexidade da psique humana,
afirmando que os indivíduos em suas camadas internas guardam a experiência
acumulada da raça humana.
No processo de individuação, conteúdos do self, “que é arquétipo da
totalidade e o centro regulador da psique, com poder transpessoal que transcende o
ego” (Sharp, 1991: 142), emergem no mundo da consciência e as imagens internas
dialogam com as experiências externas, particulares de cada um, com o propósito
de realizar o que existe de único em cada pessoa.
Sabemos hoje que o desenvolvimento da criança vai se dando
gradativamente de um estado de consciência menos diferenciado para um mais
diferenciado. Segundo a abordagem junguiana, inicialmente as crianças vivem num
estado de ‘participação mística’, e, à medida que crescem, vão desenvolvendo a
consciência de si próprias e do seu ambiente.
Esta abordagem veio contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre o
significado que os contos de fada possam ter. Estes se constituem num recurso de
construção de uma ‘ponte’ entre o consciente e o inconsciente coletivo. Através dos
contos, elas são transportadas para outro tempo e espaço, primordiais, provocando
um outro estado de consciência, propondo uma experiência que segue em direção a
um processo integrador.
O substrato arquetípico presente nos contos de fada atua como amplificador
capaz de promover a renovação da experiência pessoal. “Arquétipos são padrões
inatos de apreensão, assim como a ave constrói instintivamente seu ninho, o ser
humano apreende arquetipicamente uma situação.” (Freitas, 1987).
60
Os contos funcionam como nossos mestres, que têm algo a dizer para nossa
alma, a nos ensinar durante toda a vida, buscando a nossa essência.
Jung discorre sobre as relações consciente e inconsciente entre curador e
paciente, que podemos utilizar para fazer um correlato na relação constelada entre
educador e educando. Existe uma relação consciente na atuação direta do educador
com cada aluno e vice-versa, mas o aluno também se relaciona com o educando
interno do educador, este, por sua vez, se relaciona com a imagem que o educando
tem de educador, e as imagens internas de ambos, tanto do educador quanto do
educando, se relacionam inconscientemente.
O desenho abaixo exemplifica as possibilidades de comunicação e relação
entre educador e educando, tanto consciente como inconscientemente:
Educador consciência educando
Imagem de educando inconsciente Imagem de educador
(Diagrama apresentado no Curso “Corpo de Criança”, ministrado pelo Prof. Paulo Machado, e
referenciado em Saiani, 2000: 114)
No processo educativo, em geral, estes aspectos não são levados em conta,
muito pelo contrário, são reprimidos. Todos os alunos são tratados da mesma forma,
ou colocados na mesma fôrma.
A postura do educador, seja autoritária ou acolhedora, entre outras, pode ser
decisiva tanto no sentido de estimular a continuidade da aprendizagem, como ser
um fator de desmotivação e humilhação, muitas vezes, chegando até a provocar o
abandono dos estudos por parte dos alunos.
Estes fatores são importantes numa prática pedagógica que promove a
constituição de singularidades, ao longo de todo um processo na formação da
personalidade destes indivíduos.
Neste sentido, é importante realizar uma formação de educadores em que
esteja presente sua experiência como sujeito e o reconhecimento e exercício de sua
flexibilidade perceptiva e imaginativa, cuja expressão essencial, segundo Regina
Machado, dá-se na ação de brincar.
61
Outro aspecto muito importante da Psicologia Junguiana para a Casa
Redonda é a conceituação dos tipos psicológicos, ou a tipologia de cada indivíduo.
“Jung classificava os tipos em oito grupos diferentes: duas atitudes da personalidade –
introversão e extroversão – e quatro funções – pensamento, sensação, intuição e sentimento,
que podem operar, cada uma delas, de modo introvertido ou extrovertido.” “(...) Saber se uma
pessoa é predominantemente introvertida ou extrovertida torna-se visível só na associação
dessa disposição com uma das quatro funções, cada uma com sua área especial de
competência: o pensamento
refere-se ao processo de conhecimento intelectual, a sensação é
a percepção através dos órgãos físicos dos sentidos, o sentimento
é a função de valoração
ou julgamento subjetivos e a intuição
refere-se à percepção através do inconsciente.” (Sharp,
1991).
Ou, dito de outra maneira: “Para se perceber e reconhecer o mundo externo e
interno, a consciência dispõe de quatro funções de orientação: a sensação
constela
que alguma coisa existe; o pensamento estabelece sua natureza; o sentimento
decide se a coisa agrada ou não; e a intuição indica a origem e a destinação desse
algo.” (Lima, 2004: 110).
Segundo esta linha de pensamento, a escola deveria levar em conta todas as
formas do ser humano de se relacionar com o mundo externo e interno, dentro das
suas práticas pedagógicas, em vez de apenas privilegiar o pensamento cognitivo. É
importante o desenvolvimento não-unilateral do ser e a visão da criança em sua
totalidade, considerando os dois aspectos: objetivo e subjetivo, extrovertido e
introvertido.
Na ótica da Psicologia Junguiana, ainda outro aspecto importante é a
compreensão do símbolo como “a melhor expressão possível para algo
desconhecido.” (Sharp, 1991). Isso torna amplificada a compreensão dos
significados, presentes nas várias linguagens expressivas do ser humano.
A criança, através de desenhos, fantasias e sonhos, traz à tona símbolos do
inconsciente pessoal e coletivo, que apresentam aspectos da cultura a serem
abordados construtivamente e não redutivamente. É por isso que, no trabalho da
Casa Redonda, considera-se importante ouvir as crianças, reconhecer os símbolos
manifestados e tentar fazer possíveis traduções dos mesmos, dentro do contexto
específico de cada criança.
62
O conceito de individuação de Jung é outro aspecto importante que deveria
ser incorporado à prática educativa, no que se refere principalmente ao papel do
educador como um ‘iniciador’, envolvido com a sua própria individuação, um
“processo de diferenciação psicológica que tem como finalidade o desenvolvimento
da personalidade individual.” (Sharp, 1991). Desta forma, o educador mais
consciente de si e do coletivo, estaria mais apto para estabelecer uma relação
madura na sua ação educativa.
Ainda sobre a relação entre educador e aluno, Gusdorf (1912), reafirma a
relação cotidiana e bipolar de pessoa a pessoa, entre mestres e discípulos, através
do diálogo. Para ele, o mestre tem a idéia de uma verdade como procura,
despertando os seus alunos para a consciência da verdade particular de cada um,
tendo consciência da consciência, e é o operador de uma experiência iniciática.
(apud Gadotti, 2004: 168-9).
Jung discorre em suas reflexões sobre a questão do sagrado, aspecto que
deve fazer parte da vida cotidiana, como busca de um sentido para a existência. Tal
visão é compartilhada pela Casa Redonda, estando presente de maneira integrada
na sua experiência.
Laura V. de Freitas cita o mito grego dos Dióscuros:
“para amplificar o duplo aspecto de nossa existência: somos em parte humanos e em parte
divinos. Cada um de nós comporta um aspecto humano: nossas limitações, a necessidade de
dar conta do cotidiano, de satisfazer os impulsos básicos; e também um aspecto divino: a
necessidade de transcendência, de conexão com algo maior, que muito ultrapassa os limites
de nossa consciência e dimensão material, e que nos faz criar formas de reflexão e religião.”
(Freitas, 1987).
Nesta ótica, a questão religiosa também é compreendida em dois sentidos:
religare (ligar novamente) e relegere (fazer uma releitura). O indivíduo busca a
memória de uma unidade perdida, sendo a religião a possibilidade de resgatar o
significado e a conexão com a totalidade.
Para Agostinho da Silva, “a alma é a capacidade que o homem tem de
lembrar a perfeita unidade do mundo, antes de as coisas existirem e é o desejo de
atingir a meta onde a perfeita unidade será novamente possível.”
63
Para Jung, “é sempre muito problemático exprimir em termos intelectuais
sentimentos sutis que são, no entanto, muito importantes para a vida e o bem-estar
do indivíduo.” (Jung: 2001: 65).
As reflexões vivenciadas pela Casa Redonda sobre alguns conceitos da
Psicologia Junguiana trouxeram princípios importantes a serem incorporados na sua
prática pedagógica. São eles:
- A formação de um educador atento ao seu processo de individuação, para
que possa vir a desempenhar, de uma forma consciente e crítica, seu papel no
mundo.
- A compreensão e o respeito por um modo próprio de ser criança, a “cultura
infantil” e a especificidade com que ela se manifesta em cada uma delas em
particular.
- A leitura do universo simbólico nas manifestações das crianças, buscando
amplificá-las mediante conexões com referências ao inconsciente coletivo.
Os símbolos que surgem de um modo espontâneo nos desenhos, sejam eles
na caixa de areia ou no papel, nas pinturas, nas falas das crianças, nos relatos de
seus sonhos e suas histórias ou nos personagens que vão assumindo em suas
fantasias são materiais de atenção, observação e reflexão norteadores de uma
compreensão, por parte dos educadores, do percurso das crianças, através das
diferentes linguagens expressivas a que estão expostas.
Os desenhos, brincadeiras e histórias da tradição oral, entre outras coisas,
propiciam a vivência de conteúdos arquetípicos, de contato com símbolos da
experiência acumulada sobre a História humana, produto do inconsciente pessoal e
coletivo. Este trabalho será relatado mais à frente, no capítulo sobre o trabalho da
Casa Redonda, visto por fora.
As contribuições da Psicologia Junguiana auxiliam o desenvolvimento de um
olhar sobre a criança, que confirma a pessoa ali presente, em busca da unidade na
sua relação com o outro e com o mundo que a rodeia, trazendo aspectos
conscientes e inconscientes. Assim, para o trabalho da Casa Redonda, estes
conceitos deveriam estar presentes na formação dos educadores.
64
O referencial junguiano foi propulsor de uma reflexão constante sobre a
relação educador X aluno, permeada por esses aspectos que, uma vez
interiorizados, constituíram-se na construção de um processo de autoconhecimento
na minha própria trajetória como aprendiz.
3.4.2. Contribuições para a educação do século XXI
“Pensar é a alma a conversar consigo própria, depois com outras almas,
que conversam consigo próprias e com as outras”.
Platão
Na Pedagogia atual tem sido elaborada uma visão de homem enquanto
sujeito do mundo, levando em conta a complexidade e a transdisciplinaridade como
forma de comunicação, elaboração e conhecimento do mundo, na confluência de
diversas áreas do conhecimento, em que todo conhecimento é autoconhecimento.
Desta forma, a Escola precisa se rever enquanto local de convivência, de
interação e trabalho, no sentido de lidar com o contraditório, os antagonismos, os
conflitos, as diferenças, na sua auto-organização, buscando uma razão aberta na
articulação das polaridades como uma totalidade, uma unidade complexa, na
construção do homem integral, levando em conta sua subjetividade e singularidade.
A Escola é formada por um grupo social instituído, que carrega uma série de
normas e padronizações impostas por uma Política Educacional que tenta massificar
e uniformizar estes processos no plano nacional, a partir de parâmetros curriculares.
Na prática, cada escola consegue manter sua individualidade, com algumas
características pessoais, de acordo com a direção, com a cultura local, com os
educadores e demanda dos alunos, que propicia uma configuração dinâmica
diferente.
O grupo se define por um sistema de valores interiorizados dentro do conjunto
daqueles membros, com características dinâmicas próprias, com um projeto e um
imaginário comum, tendo um modo de pensar, sentir e agir próprio. O grupo é
continente e facilitador, para acolher o confronto consigo próprio, mantendo suas
singularidades e incluindo as diferenças.
65
Dentro desta linha, a escola deveria ter uma certa autonomia, no sentido de
dar acesso ao conhecimento do patrimônio histórico acumulado pela humanidade, à
cultura universal, em diálogo com o patrimônio humano com o qual está lidando, à
cultura local e suas peculiaridades. Ou seja, deveria lidar com o homem como ser da
natureza e da cultura, de forma recursiva.
A educação deve estar voltada para o futuro, com uma formação social,
baseada na cooperação, levando em conta a diversidade cultural, aliada à vida e
“que desenvolva e crie o ‘impulso do coração’.“ (Suchodolski, apud Gadotti, 2004:
304).
As reflexões de Edgar Morin sobre a educação para a complexidade propõem
novas categorias dos paradigmas holonômicos:
“que pretendem restaurar a totalidade do sujeito individual, valorizando a iniciativa, a
criatividade, o micro, a singularidade, a complementaridade, a convergência. Para ele, os
paradigmas clássicos sustentam o sonho milenarista de uma sociedade plana, sem arestas,
onde nada perturbaria, um consenso sem fricções. (...) Para esses novos paradigmas, a
história é essencialmente possibilidades.” (apud Gadotti, 2004: 275).
Pensando em termos de possibilidades na educação, temos o desafio
tecnológico como uma das questões preeminentes, sobre as novas formas de
comunicação de massa, que permeiam as relações humanas (TV, rádio,
computador) que, além da informação, “podem bitolar, banalizar a cultura e servir de
anestesia espiritual.” (Gadotti, 2004: 272). Neste sentido, a escola deverá ensinar a
pensar criticamente, tornando consciente estes aspectos.
Outra questão é a ecologia, pois, de acordo com Frijot Capra, o homem é
dependente do meio. Sua atividade será modelada por influências ambientais e é
importante que corpo, mente e ambiente constituam um sistema equilibrado.
A física moderna também tem trazido novas contribuições para a
compreensão da natureza da realidade, como sendo um campo de possibilidades,
em busca de uma nova consciência do ser, estabelecendo uma ponte entre a
ciência e a religião.
O que se percebe é que não existem receitas e o futuro é uma indagação. É
importante manter o senso crítico para que se converta numa prática reflexiva, numa
educação permanente, onde o homem se educa a vida inteira, aberto para o novo,
66
de forma alegre, autônoma, criativa e inventiva, afirmando-se como indivíduo, para
aperfeiçoar sua evolução, “abrindo-se à essência e à plenitude da própria
existência.” (McLuhan, apud Gadotti, 2004: 296).
O trabalho da Casa Redonda, desde o início, já tinha como foco a relação do
Homem com a Natureza e a transdiciplinaridade. A preocupação com a preservação
da espécie humana traz uma nova consciência de ‘pertencimento’ e interligação
global. A forma de conhecimento articulado propicia uma construção em rede e uma
visão da totalidade. Esses são princípios da Casa Redonda, que está aberta às
novas contribuições de outras áreas do conhecimento para ajudar a refletir sobre a
criança.
Na perspectiva da Casa Redonda, a criança é vista na confluência dos seus
aspectos pessoais com os da espécie humana e com os da história familiar, aponta-
nos para o novo e imprevisível. A criança é o vir a ser!
(Foto 9. O abraço)
67
4. SOBRE A EDUCAÇÃO DA SENSIBILIDADE: o tronco visto por dentro
“Há muitos e muitos anos atrás, quando o céu era pertinho da terra, as mães colhiam estrelas
para as crianças brincarem e brincando elas construíam seu lugar entre o céu e a terra.”
Texto Maori
É preciso definir o meu modo de relação com o objeto desta pesquisa, pois
meu olhar é também de dentro, de alguém que faz parte deste trabalho. Por um
lado, este fato é importante, pois a compreensão é pelo vivido, pela experiência
significativa como educadora que observa, atua diretamente com as crianças,
participa e contribui para as reflexões sobre a prática, em conjunto com a equipe
A minha questão é tentar compreender os conceitos, fundamentos, enfoques
e confluências, no sentido de encontrar a essência deste trabalho, integrando minha
experiência, como pesquisadora e como pessoa. Neste percurso na busca do
conhecimento e do saber, compartilho com outros educadores esta aprendizagem
de vida.
Para isso, é preciso contextualizar este trabalho no tempo e espaço.
A essência do trabalho da Casa Redonda talvez já estivesse presente em
Maria Amélia Pereira, que desde criança brincou muito, numa escola à beira-mar e
desde adolescente iniciou atividades com crianças no quintal de sua casa, além de
atuar voluntariamente em projetos sociais.
Sua chegada a São Paulo foi numa época marcante, nos anos 60, período de
grande efervescência cultural e política, com muitas idéias, sonhos e intuições.
Encontrou parceiros e autores, com projetos de uma educação democrática, que
alimentaram suas inquietações para, aos poucos, dar forma ao seu projeto de vida.
Após vários anos de experiências dentro e fora do sistema escolar, nasceu a
Casa Redonda, nos anos 80, que, agora com mais de 21 anos, conquista sua
maioridade, com muitas descobertas e reafirmações da crença no ser humano e na
criança.
Como metáfora para falar sobre este trabalho, uso o símbolo da árvore,
identificando suas raízes, seu caule, seiva, ramificações e sementes. A árvore é uma
imagem de ligação entre o céu e a terra, onde o que está acima também está
68
embaixo e é preciso ter uma boa base para poder alcançar pontos mais altos. Ao
mesmo tempo, remete a uma imagem representativa do centro que se expande, na
qual, havia cultos e danças ao redor da árvore da vida.
Na Casa Redonda existe uma árvore-mãe, a qual é incorporada ao trabalho.
É um local onde são vencidos desafios e serve também como lugar de aconchego
para ouvir histórias ou receber massagens.
O contato com a Natureza, como sendo o habitat natural da criança, é muito
importante para esta proposta de trabalho, no sentido de a criança estar inserida,
sentir-se parte da natureza, perceber seus climas, ritmos, estações, elementos, sua
diversidade de manifestações, cores, cheiros e sabores.
Relato este trabalho da Casa Redonda dentro de uma compreensão da
dimensão humana que é a experiência sensível, a qual se manifesta através do
brincar e das linguagens expressivas, na busca de dar sentido à vida.
Esta visão está amalgamada em uma pessoa, Maria Amélia Pereira, como a
seiva que faz a ligação entre as raízes, que seriam o referencial teórico que contribui
para o corpo desse trabalho e suas ramificações como potencialidades.
Nas raízes existem alguns autores que apontaram caminhos em suas
reflexões sobre a Educação, como Anísio Teixeira, Agostinho da Silva e Paulo
Freire. Outro autor, Pethö Sandór, apresenta um olhar diferente para a compreensão
da criança, introduzindo a compreensão do sutil no ser humano, através do trabalho
corporal. Neste trabalho, o foco é o corpo da criança, como veículo do ser humano,
dentro de uma visão integrativa, levando em conta as questões psicossomáticas
numa proposta de educação do sensível.
A educação sensível tem como embasamento a compreensão do corpo e o
brincar como a linguagem da criança. É uma educação que permite trazer a fluência
do que a criança possui de dentro para fora, possibilitando a manifestação e o
reconhecimento do impulso de vida.
Para Fayga Ostrower:
“a sensibilidade é uma porta de entrada das sensações. (...) Uma grande parte da
sensibilidade, a maior parte talvez, incluindo as sensações internas, permanece vinculada ao
inconsciente. (...) Uma outra parte porém, também participando do sensório chega ao nosso
consciente. Ela chega de modo articulado, isto é, chega em formas organizadas.” (1996: 12).
69
O trabalho da Casa Redonda propõe integrar pensamento e coração,
consciente e inconsciente e os educadores se preparam para acolher a dimensão
interna de cada criança, como ouvintes desta manifestação, aprendendo com cada
uma delas o que traz de novo.
A criança é respeitada na sua relação com um tempo uno, no ‘aqui e agora’ e
na sua vivência de unidade com a totalidade.
Nesta proposta, o enfoque está na importância do corpo como um receptáculo
sensitivo, tanto das percepções físicas como das sutis, uma forma de expressão do
inconsciente. Através do corpo, a criança estabelece uma relação de vínculo e afeto,
aprendendo a sentir o que faz sentido, na relação consigo próprio, com os pais,
educadores, amigos, com o mundo e a vida.
Segundo Paulo Machado
2
:
“O ser humano deve ser visto como energia que se expressa vivamente na criança. É
importante aprender a ver o educando em sua expressão viva que se manifesta no olhar,
postura, movimentação, ritmo, harmonia, criatividade e leveza, que indica as transformações
que estão acontecendo.”
A educação da sensibilidade busca a “afirmação simultânea da natureza e da
graça, da imanência e da transcendência, do homem e de Deus.” (Ferreira Santos,
2004: 13), na busca da ligação com a dimensão divina.
Sobre o papel do professor, é importante que ele tenha consciência do poder
que tem nas mãos e do uso que possa fazer disso. É necessário que ele passe por
um processo de autoconhecimento, em que reveja sua história pessoal, reavalie
suas experiências, perceba suas limitações e virtudes para poder atuar com as
crianças, levando em conta a dimensão interna de cada uma delas.
A educação também deve ser compreendida como a vivência de um processo
de autoconhecimento e é através das experiências significativas nas diversas
linguagens expressivas e artísticas que irá se elaborar e construir sua identidade
pessoal, grupal e cultural.
Estas linguagens são compreendidas como a possibilidade de afirmação de
sua potencialidade criadora que, segundo Regina Machado, abre a possibilidade de
2
Informação Verbal, no Curso Corpo de Criança, 2004.
3
70
entrar em contato com seus recursos internos e externos no processo de
aprendizagem.
Educar, etimologicamente, quer dizer ‘trazer de dentro para fora’. “Na
sociedade indígena, educar é arrancar de dentro para fora, fazer brotar os sonhos e,
às vezes, rir do mistério da vida.” (Munduruku, 2005: 31).
O educador tem que estar a serviço do bem comum, com imaginação, com
criatividade, humildade e sensibilidade, para poder acolher e canalizar o potencial de
cada criança e conservar em si a criança, para que, enquanto adulto, não sinta
saudade de si próprio.
Ele também precisa ter o “espírito aberto a todas as correntes” (Silva, 1988),
com uma curiosidade universal, flexibilidade, jovialidade, entusiasmo e alegria para
ajudar o aluno a aprender, inserido dentro de um contexto, não separado do mundo.
A Escola deve retomar o seu significado de “tempo livre” (em grego) para
aprender, querendo, cultivando a fantasia e não a memória, com plena liberdade de
todo o seu ser, respeitando o seu ‘elan’ vital, para que a escola possa ser um
espaço de vida.
O educador romano Marco Fábio Quintilliano (por volta de 35 - até por volta
de 96) acreditava que “o estudo devia dar-se num espaço de alegria (schola) e o
ensino da leitura e da escrita era oferecido pelo ludi-magister (mestre do brinquedo).”
(apud Gadotti, 2004: 43).
Para Rousseau (1712-1778), a palavra educação significa alimento e viver é o
ofício a ser ensinado. Educação, etimologicamente, significa nutrir, pelo latim
‘educare’ e, num outro significado mais tardiamente, “conduzir para fora”, por
‘educere’.
As crianças que freqüentam a Casa Redonda têm a idade de 2 anos e meio
até 7 anos completos. Este período está marcado pelo desenvolvimento do seu
corpo, de seus órgãos e das estruturas psíquicas da personalidade. “A substância
que irá preencher essas estruturas será fornecida pela hereditariedade, tanto
genética, quanto cultural, pelas condições ambientais da família e pelas condições
sociais gerais, dominantes na época e no local de nascimento.” (Ruperti, 1991: 49).
71
Estas condições influenciarão o crescimento biológico, seus instintos básicos
e os reflexos psicológicos. Neste período máximo de crescimento e aprendizagem, a
criança alcançará parte significativa do seu potencial de crescimento físico e as
habilidades para ser independente. Nesta fase apreende os valores e crenças
básicas, que definirão sua característica particular para com a vida.
“A infância é um campo de batalha entre a intencionalidade do plano
biológico, que impulsiona a criança a partir do seu interior e nossas intenções
ansiosas, que pressionam externamente.” (Pearce, 1989: 11).
Para Comênio (1592-1670), “a educação dos homens deve começar na
primavera da vida, pois a meninice é o equivalente da primavera, a juventude do
verão, a idade adulta do outono e a velhice do inverno.” (apud Gadotti,2004: 81).
Na Educação da Sensibilidade, é importante cuidar do desabrochar da
primavera da vida das crianças.
(Foto 10. Flor feita com casca de semente)
72
4.1. A essência do trabalho
“O brincar é um modo de habitar o mundo.”
Luiz Carlos Garrocho
O trabalho acontece com aproximadamente trinta crianças, divididas
proporcionalmente entre meninos e meninas, e distribuídas entre as diferentes faixas
etárias. O atendimento é feito por quatro educadores que estão à disposição para
acolher e atender às demandas e necessidades de cada criança. O fato de
trabalharmos com diferentes faixas etárias possibilita o exercício maternal e paternal,
em que os mais velhos ajudam os menores, num exercício de solidariedade entre
eles, sendo referência, exemplo e modelo para aprenderem a lidar com as
diferenças.
Faz parte do projeto da Casa Redonda o atendimento a diferentes classes
sociais, tendo crianças pagantes e não-pagantes, favorecendo a relação
independente de classes sociais, apontando o exercício da socialização, com a
riqueza e qualidade da troca e ajuda mútua entre os pares, desenvolvendo
potencialidades diferentes e trocando universos diferentes.
O papel do educador está em saber ouvir as crianças, acolhê-las no seu
processo individual e dentro do grupo, respeitando suas potencialidades, seu
desenvolvimento, processo individual e subjetividade. É preciso responder ao que o
outro necessita, sem fazer pelo outro, esperando o seu tempo, sendo sensível e
valorizando cada criança como um ser singular.
Cada educador também tem o seu processo de desenvolvimento e
crescimento profissional e pessoal. Cada um tem mais facilidade e habilidade para
atuar com as crianças, nas diferentes linguagens, sendo via as histórias, música,
trabalho corporal, jogos, artes ou na organização. Faz parte do trabalho em equipe
que todos partilhem do trabalho de todos, trocando entre si.
Nesta compreensão, o trabalho da equipe de apoio: porteiro, jardineiro e
cozinheira, é compreendido como educativo e todos, juntamente com os
educadores, são responsáveis pelas crianças, tendo que trabalhar em harmonia e
estando a serviço das crianças.
73
O adulto precisa reaprender com as crianças, que nascem com uma nova
consciência e têm que ser acolhidas no seu movimento de querer aprender, para
que a aprendizagem ocorra inserida no seu tempo e espaço.
O processo de conhecimento é compreendido como um ato pessoal,
propiciando desafios internos constantemente, cada vez mais elaborados. A relação
entre professor e aluno é um processo de aprendizagem mútuo, como pessoas que
dialogam entre si, com as questões internas das crianças e as próprias indagações
do professor, nesta convivência diária, de aprender a aprender e aprender a viver.
É importante estar sempre observando e registrando, e, a partir da
observação, refletir sobre tudo o que as crianças nos apontam, no sentido de ver a
criança real brincando, dentro de um contexto, na sua história de vida, percebendo a
continuidade de cada dia, seu processo, observando para saber o que aquilo está
significando para ela.
Cada ser ou criança tem sua liberdade de pensamento e criação. Por isso, é
importante o respeito e o cuidado com as intervenções, respeitando a atmosfera que
se cria quando estão entregues a uma brincadeira ou concentradas no que fazem.
Cria-se um campo de força, em que a criança está inteira, numa ligação entre ela e o
seu fazer. Por isso, é preciso pensar antes de falar, ter cuidado com o tom de voz,
assim como com as palavras que se usa, para ser compreensivo, verdadeiro e
direto, posicionando-se na mesma altura deles, para que se possa falar no mesmo
plano, sem uma relação autoritária, de poder na relação educador–aluno.
O educador tem um distanciamento emocional diferente dos pais que
possibilita intervir e acolher com energia amorosa, mas sabendo dar limites se
necessários, de forma firme, acolhedora e afetiva.
O educador deve ser um brincante, que trabalhe com prazer, já tenha
passado por um processo de autoconhecimento e esteja bem consigo mesmo, pois
o emocional transpassa pelas falas e as crianças captam. É preciso separar o que é
seu e o que é do outro, para poder estar aberto às necessidades do outro. Para o
trabalho da Casa Redonda é importante que o educador tenha passado por um
processo próprio de abertura dos canais expressivos e possua um repertório de
histórias, músicas e brincadeiras que lhe permita estar inteiro, ao brincar com as
crianças.
74
O educador deve estar aberto e sensível para usar diferentes recursos,
durante sua atuação, seja contar uma história, propor um desafio, uma brincadeira,
uma música, uma massagem, conforme a necessidade do grupo ou de uma criança
específica.
É importante o educador estar em contato com a sua criança interna, em
diálogo com a que está à sua frente, sem respostas prontas, sendo flexível,
resgatando sua própria infância e respeitando o brincar como processo de
conhecimento.
O trabalho em equipe torna-se uma tarefa de harmonização grupal,
compatilhando as experiências de cada um. Na maioria das vezes são as crianças
que buscam os adultos para brincar e, com cada um deles, ela se relaciona de forma
diferente. A Casa Redonda não desenvolve um papel específico para cada
educador. Há um processo contínuo de amadurecimento pessoal e grupal que vai
sendo construído através da prática diária e da ampliação constante do repertório da
cultura infantil.
A proposta é permitir que a criança desenvolva sua autonomia no intuito de
perceber os seus desejos e o que a impulsiona para fazer determinada atividade. É
o exercício de uma decisão interna, que a leva a desenvolver o que está precisando,
movida por um corpo que sabe o que quer. Os materiais estão todos à disposição,
pensados cuidadosamente no sentido do que é adequado para esta faixa etária,
possibilitando o contato com uma diversidade de materiais, que incentive sua
curiosidade e criatividade.
Segundo Maria Amélia, “quanto mais a criança trabalhar com as diversas
linguagens, mais ela terá recursos para conhecer, representar e integrar dentro de si
a realidade.” (1994: 21).
A aprendizagem passa a ser significativa; como algo que faz sentido, que faz
a conexão com aspectos vividos interiormente com o externo. É através da
expressão do interno que cada um toma consciência de si e do outro. A partir de
uma elaboração interna destas vivências, da criação coletiva das regras, a criança
vai desenvolvendo recursos de uma ética pessoal, nascida na convivência da vida
vivida com os outros.
75
A vivência corporal é importante pelo fato de a criança desenvolver no corpo e
através do corpo a habilidade de perceber o seu limite e o do outro, nas suas
próprias experiências e não por ameaças externas de possíveis perigos.
A relação com o outro passa pela relação com o seu entorno, o contato com o
espaço físico, o meio ambiente e a Natureza, no sentido de respeito, valorização e
cuidado, desenvolvendo a percepção de se sentir fazendo parte de um todo maior. A
ecologia é em si mesma a percepção da Natureza exterior, incluindo a percepção da
Natureza interna do homem, construindo a noção de ‘pertencimento’ à humanidade,
à própria cultura e ao seu local de habitação.
A possibilidade de internalizar muitas vivências, ouvir muitas histórias, cantar
muito, faz com que as crianças aprendam outros alfabetos estéticos, corporais e
motores, e quando chega o momento do aprendizado da linguagem escrita, elas
escrevem, não como um processo mecânico, mas pleno de vivências a serem
relatadas, de maneira prazerosa, com um alargamento da leitura do mundo. (Freire,
2003).
A linguagem desta faixa etária é o Brincar, compreendido como um ato de
conhecimento que nasce no corpo, reunindo o que está dentro e fora, comunicando
a experiência singular do SER.
A criança é vista em sua singularidade, definida como a “constituição
subjetiva única de cada indivíduo.” (Bezerra, 2001:126).
Para Maria Amélia, “é o Brincar, como linguagem universal das crianças, que
em sua essência, sinaliza o embrião da linguagem humana em seu caráter de
Liberdade e Vontade”. O brincar envolve descobertas e experimentações das
múltiplas possibilidades do corpo em movimento como um processo de
conhecimento, que amplie a percepção espacial do indivíduo, o desenvolvimento de
sua autonomia, do seu imaginário, a construção da sua relação com o outro e com o
mundo, confirmando o exercício da vontade e liberdade no processo criador.
A Casa Redonda propõe uma Educação da Sensibilidade. Maria Amélia diz:
“A dimensão sensível é uma característica humana que se traduz na capacidade de
perceber, sentir, contatar as coisas, buscando o equilíbrio entre a cabeça e o
coração, reunindo os dois hemisférios, o lado direito e esquerdo, o racional e o
76
sensível, desenvolvendo um equipamento harmonioso que se disponibilize à
qualquer aprendizagem que se faça necessária ao indivíduo”.
Neste sentido, ela afirma que o “brincar é um grande canal para o exercício
da sensibilidade. Através do exercício da dimensão sensível criamos a possibilidade
de a criança manifestar seus sentimentos, sua subjetividade, integrando suas
vivências afetivas tão importantes neste período da infância, produzindo o
enraizamento positivo na construção de sua estrutura psíquica.”
(Desenho 4. Desenho de criança: Sol no mar)
77
4.2. Cultura infantil
“Verdadeiramente revolucionário é
o efeito do sinal secreto do vindouro,
o qual fala pelo gesto infantil”
Walter Benjamin
Apresento, neste momento, o pensamento e a ação de Lydia Hortélio. Nasceu
em Serrinha, no sertão da Bahia. Formou-se em Música com estudos de Piano,
Educação Musical e Etnomusicologia, no Brasil, Alemanha, Portugal e Suíça. Foi na
Europa que redescobriu o Brasil. Passou a dedicar-se ao Ensino e à Pesquisa da
Cultura Infantil e Música da Cultura Brasileira, participando de vários projetos de
Educação. Em Salvador, fundou a Casa das 5 Pedrinhas, um lugar de brinquedo.
Em 2003, lançou o CD Abre a roda tindolelê e em 2004, Ó Bela Alice.
Lydia e Maria Amélia desenvolveram juntas um projeto na periferia de
Salvador (BA), em 1980, e a partir dessa experiência permaneceram parceiras nas
reflexões sobre Cultura Infantil. Sua influência no Centro de Estudos da Casa
Redonda se faz presente desde o seu início através do comprometimento em que
ambas se colocam em relação à Educação Brasileira, pautada sobre a presença de
uma cultura própria da infância.
Lydia Hortélio, entende a:
Cultura Infantil como a experiência, as descobertas, o fazer das crianças entre elas
mesmas, buscando a si e ao outro em interação com o mundo, ou seja, toda a multiplicidade
e riqueza dos brinquedos de criança - teremos que buscar a compreensão da música da
cultura infantil dentro deste mesmo contexto, como parte que é de um mesmo corpo de
conhecimento, de um mesmo conhecimento com o corpo, nele incluídas, naturalmente, a
sensibilidade, a inteligência e a vontade como dimensões da vida na complementaridade e
inteireza.” (In “Brincando de roda” [fita e encarte], uma publicação da Secretaria da Educação
da Bahia, Instituto Anísio Teixeira, Salvador, 1977).
A partir de suas observações, do convívio com crianças, da diversidade do
fazer das crianças entre elas mesmas, Lydia reconhece uma cultura com raízes
muito antigas, que vem de uma memória da humanidade, de coisas atemporais e de
outras criadas hoje: o mesmo brinquedo aparece em diferentes povos e em outros
tempos, transmigra de geração em geração para além das fronteiras e das idades.
Na Cultura das Crianças existem coisas que passam de geração para geração e
outras que acontecem uma única vez, como ‘lampejos da alma’.
78
Lydia Hortélio, em sua reflexão como parecerista sobre os Parâmetros
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998), aponta:
“(...) a importância de uma compreensão mais profunda do que é ser criança, em seu
movimento próprio – o brinquedo / o brincar, onde ela se mostra em sua graça e poder, em
sua inteireza e espontaneidade.
O Ser humano deve ser compreendido como um Ser espiritual, o que quer dizer: o
Homem em sua inteireza, com todas as suas dimensões e abrangência, mesmo que apenas
possamos intuir ou vislumbrar algumas de suas múltiplas faces, seu mistério e seu poder,
suas promessa.
A Inteligência Nova é sensível, corporal e ecológica. É inteira e interligada. A criança
é inteira e sincrética.
A Criança é um Ser brincante. Brincar é o movimento mais natural e espontâneo,
sua língua. Ela se move através de qualidades infinitas de movimento: os Brinquedos de
Criança.
A Natureza é a Casa da Criança. Ela precisa de ‘lugar para brincar’ e a Natureza é
para a criança o lugar que melhor corresponde à sua própria natureza.
Existe uma Cultura Infantil – entendida como a experiência, as descobertas, um
corpo de conhecimento construído pelas Crianças entre elas mesmas, cujas variadíssimas
formas de expressão representam dimensões de seu Ser e configuram as necessidades de
crescimento do Ser Humano ainda novo.
A Identidade Cultural da Criança se constrói através do exercício da Cultura Infantil. É
brincando que a criança se reconhece e se inicia nos mistérios do mundo e no aprendizado
das experiências da humanidade.
A criança inaugura a compreensão de Cidadania na Infância, através da conquista do
Direito de Brincar, exercitando-se com seus pares no encantamento, na alegria e na disciplina
das regras que eles mesmos se impõem em seus Brinquedos, cuja observação severa
aponta sua prontidão para uma formação ética.
Há uma ‘Globalização’ da Cultura Infantil. Os meninos do mundo brincam mais ou
menos das mesmas coisas, têm movimentos similares, sutilmente diferenciados segundo o
clima, o meio e a maneira de ser de cada cultura, evidenciando porém características comuns
fundamentais.
O exercício de ser criança é pois o direito mais significativo da criança, aquele que
lhe permite Ser em plenitude e liberdade. Tendo conhecido o que isto significa, a criança
guardará para sempre a lição maior, a experiência mais inteira de Vida, como tesouro e meta
de toda sua busca como ser humano”.
Para Lydia, a Música da Cultura Infantil é:
“o melhor espelho e a expressão mais sensível de Brasil. Praticando esta música
estaremos restabelecendo o laço afetivo com a língua – a língua mãe, e com a língua mãe
musical, a canção popular, através dos Brinquedos Cantados, tão carregados que são de
encanto e dos mistérios da infância da raça e dos arquetípicos de nossa cultura”.
79
Para os professores: “um conhecimento diferenciado da Música da Cultura
Infantil é necessário, para uma consciência do que ela significa para o desenvolvimento da
criança.
Segundo Lydia: “a Arte na Educação Infantil terá que servir, em primeiro lugar, à
expressão / comunicação e ao exercício da sensibilidade, ou seja, da Beleza feita com as
próprias mãos, com o próprio corpo, buscando uma consciência de Educação em que
Natureza, Ciência e as Artes se complementam.
A linguagem oral, com seu vasto imaginário, vem antes da Literatura, linguagem
escrita em todas as culturas do mundo. Nossa meta no cultivo da Língua deveria ser, desde
o começo, a força da palavra, sua Beleza, o poético, a oportunidade de configuração dos
conteúdos internos, a interlocução inteligente e verdadeira.
Toda a experiência com as Ciências deveria convergir para uma Educação Ambiental
ou uma Educação do Homem Total, do Homem no Universo. Estes deveriam ser os
pressupostos para um conhecimento do mundo, de si e do outro, e que está em relação
direta com a Cidadania.
Todo nosso esforço deveria ser: Levar a Brincar, favorecendo à Criança seu
movimento próprio, para que leve mais além sua busca e seu Sonho”.
Ainda nas palavras de Lydia:
“Só se sabe brincar, brincando. Com uma linguagem discursiva não dá para dizer o
que é o brincar. É preciso sentir com o seu corpo para então poder fazer uma reflexão. O
pensar, o sentir e o querer estão juntos. Só compreende perfeitamente aquele que
compreende com o corpo’, citando Mira Alfass, musicita e artista francesa. É preciso
reconstruir esta inteireza e recuperar a vida na Natureza: a verdadeira casa da criança.
A transformação virá pela educação. É preciso iniciarmos nossas crianças na Cultura
Brasileira, a cultura do povo brasileiro, em suas múltiplas dimensões. Ela carrega em seus
fundamentos, os arquétipos, invenções, os gestos, os sentimentos específicos de cada uma
de suas vertentes formadoras e as transposições nascidas de uma miscigenação espontânea
e infinita. É importante afirmar a cultura infantil da criança brasileira porque ela traz em seu
nascedouro, o manancial extraordinário de uma cultura mestiça, o projeto próprio de
desenvolvimento da raça a ser transcendido pela força da Alma do Brasil.
Cada brinquedo de criança é um gesto de evolução da espécie e contém o impulso
de um desenvolvimento infinito.
A Cultura Infantil é a pedra angular da Cultura de um povo e sua prática significa a
construção da sua identidade cultural e da consciência de cidadania.”
Mário de Andrade diz que, se estudássemos os brinquedos nacionais,
poderíamos discutir inclusive as características de cada raça através dos brinquedos
com os quais aquele povo brinca.
80
Florestan Fernandes (2004), em sua pesquisa em São Paulo, na década de
40, diz que os folguedos são a base social, o motivo de agrupamentos de indivíduos,
que posteriormente passa para a cultura infantil. Estes traços transmitem-se de
geração a geração, indefinidamente, e são partes da cultura tradicional, fazendo o
elo entre o presente e o passado.
“A noção de ‘folclore’ infantil é inclusiva, nela devendo entender-se tanto os
folguedos tradicionais das crianças, quanto as formas de agregação social que eles
pressupõem.” (Fernandes, 2004: 16).
Para ele, é nesse grupo que começa o contato da criança com o meio social,
de maneira mais livre e íntima, integrando ambos os sexos, com o desejo comum de
brincar, caracterizado pela natureza lúdica, exercitando sua livre escolha, com
liberdade e interesse que desperta o brinquedo em bando, conduzindo às primeiras
amizades, dando a noção de posição social, que afeta a personalidade e caráter da
criança. É uma “verdadeira aprendizagem, em que o mestre da criança é a própria
criança.” (op cit: 18).
A função dos grupos infantis é ajustar a criança ao meio, através da sua
própria cultura, diminuindo as possibilidades de conflito, adquirindo solidariedade,
cooperação, auto-estima e disciplina, exercendo a tolerância dos maiores com os
menores, de crianças de diferentes classes sociais, de diferentes etnias, etc,
experimentando um sentimento que ultrapassa a consciência coletiva. A criança é
assim preparada para a vida social do adulto, assimilando a cultura, humanizando-se
e nacionalizando-se. Seria um grupo de iniciação, pois os elementos culturais
adquiridos correspondem aos usos e costumes das pessoas adultas.
A educação das crianças e sua socialização dar-se-iam através da aquisição
deste sistema de elementos culturais. Dentro do grupo infantil, as crianças aprendem
a obediência espontânea às regras estabelecidas, externas ou elaboradas pelas
próprias crianças, com passagens da cultura adulta para a cultura infantil, com suas
modificações. Como exemplo, temos as brincadeiras de casinha, de fazer
comidinha. Elas trazem motivos da vida adulta, representam papéis sociais, de modo
genérico, dentro do folguedo da cultura do grupo, colocando-a, de modo simbólico,
em contato com atitudes, comportamentos, valores e instituições que caracterizam o
indivíduo como pertencendo a certa comunidade, contribuindo para preservar,
perpetuar e atualizar modelos de sentir, pensar ou de agir tradicionais deste
patrimônio cultural.
81
A cultura infantil apresenta-se nas diversas manifestações do conhecimento
do ‘saber popular’, nas formas de seleção, nas rodas infantis, nos jogos, parlendas,
pegas, trava-línguas, brincar de chateação, jogos de salão, contos, provérbios, ditos
e respostas, cantigas de ninar.
Florestan Fernandes faz uma distinção entre folclore infantil e cultura infantil.
Para ele:
“Cultura infantil abrange alguns elementos ou complexos culturais de natureza não-folclórica,
como o futebol ou a natação; quanto às atividades lúdicas das ‘trocinhas’ de meninos; e
certos trabalhos caseiros (confecção de roupinhas para as bonecas, preparação de doces
simples, ...), quanto às ‘trocinhas’ de meninas. A expressão ‘cultura infantil’ [...] traduz melhor
o caráter da subcultura (...). Ela é mais inclusiva que ‘folclore infantil’ e traz consigo a
conotação específica, concernente ao segmento da cultura total partilhado, de modo
exclusivo, pelas crianças (...).” (2004: 214).
Para a Casa Redonda, é fundamental que o educador possa fazer uma
coletânea destes materiais para identificar a cultura de sua comunidade, como fonte
de aprendizagem, assim como para a formação de educadores, é importante o
reencontro de suas próprias vivências enquanto crianças. Nesta proposta, a visão da
cultura infantil (foto 11 e 12) particulariza o que é a criança inserida na cultura
brasileira.
82
(Foto 11. Crianças brincando de carro com os caixotes )
(Foto 12. Casinha na escada com panos)
83
4.3. Cultura brasileira
“É dentro da unidade de nossa diversidade que habita o coração do povo que somos”
Antônio Nóbrega
Apresento agora Antônio Nóbrega, multiartista pernambucano, fundador do
Teatro Escola Brincante, em São Paulo. Nóbrega encontra-se com Maria Amélia na
década de 80 e deste contato nasce uma amizade e, a partir daí, reflexões que
reafirmam para o Centro de Estudos da Casa Redonda a importância da Cultura
Brasileira como alicerce sensível ao desenvolvimento da criança do nosso país.
O trabalho da Casa Redonda considera o reconhecimento da cultura
brasileira, a história do lugar em que vivemos, como um dos seus pilares. É
importante afirmar a nossa língua-mãe na construção da identidade cultural e da
cidadania, entendendo que ela contém os saberes do pensar, do agir e do sentir,
articulando esses elementos e expressando a maneira do ser brasileiro, de forma
orgânica. Esta compreensão integra e entrelaça as áreas de conhecimento: arte,
cultura e educação.
Nas palavras de Antônio Nóbrega, em entrevista para esta dissertação:
“Os brasileiros compartilham de uma determinada cultura, com características
específicas e singularidades, com tudo aquilo que dá corpo e substância a uma cultura
particular. A cultura brasileira é visivelmente uma cultura de muitos encontros. Foi nesse país
onde se encontraram três continentes: o europeu, o asiático e o africano, que estão na base,
na pedra fundadora mesma da nossa nacionalidade, portanto uma cultura de encontros”.
A cultura é assim compreendida como “uma rede de significações que o
homem vai tecendo e para acessá-la (...), não nos serve uma razão analítica ou
discursiva.” (Ferreira Marcos, 2004: 15).
Ainda citando Nóbrega:
“A cultura brasileira é indissoluvelmente ligada à sua raiz popular, sendo que os
negros, índios, europeus é que sintetizaram o seu alicerce. Tudo o que veio depois, foi para
amplificar, para fortalecer esse tronco inicial, esse tronco de árvore por essas três
contribuições”.
Quanto à diferença entre o conceito de cultura popular e o de folclore,
Nóbrega afirma que:
84
”O de cultura popular é muito mais abrangente. O conceito de folclore nos oferece
uma visão estática da cultura. O de cultura popular é, ao contrário, dinâmico, interage na
sociedade, é vivo e está evoluindo, continuamente, faz parte do dia-a-dia de uma
comunidade, de uma vila, de uma cidade, etc.
A globalização é o novo nome que se dá ao imperialismo tanto de cunho político
como cultural. Verdadeira globalização cultural teríamos se pudéssemos, nas nossas rádios e
televisões escutar música de toda a América Latina, de toda a Europa, da África, da Ásia, etc.
Mas não as escutamos, e sim “aquela música” imposta pelo poderio da indústria cultural. A
cultura popular deveria ter um enorme papel na educação. A nossa, que guarda seus mitos,
arquétipos e símbolos, corre o risco de se perder, porque a força da indústria cultural
massificadora é grande. O nosso povo tem sempre dado provas de resistência e de vigor
cultural.
O trabalho com a cultura brasileira na educação é de muita riqueza, por estar
vinculado a diversas tradições. Os ritmos presentes nas formas e gêneros dos folguedos
populares, a melodia das cantigas, o universo gestual, tudo isso é de uma exuberância ímpar
e deve ser colocado também a serviço do arte-educador.
A nossa cultura é de uma grande heterogeneidade mas com o espírito da unidade.
Dentro dessa diversidade, o Brasil é um país que fala basicamente uma só língua, que se
desenha um temperamento próprio e que parece querer constituir uma nação-cultura”.
Para Regina Machado
3
:
“No Brasil, nós temos, como professores de arte, uma responsabilidade fundamental frente a
nós mesmos e aos nossos alunos, que no meu entender diz respeito à reconstituição da alma
brasileira, por meio do despertar da memória das nossas raízes culturais, e essa memória
está viva em algum lugar dentro de nós e está ainda intacta em muitas manifestações
artísticas e produções da cultura popular, entre outras. (...) com o intuito de buscar
ressonâncias significativas, não para a gente se enclausurar na saudade de um tempo que já
passou, mas para buscar algo que ressoa porque está vivo, como um ‘pertencimento’
encoberto dentro de nós. Desse lugar, conquistado e ‘ressignificado’, é então possível abrir
nossa curiosidade e nossa visão crítica para perceber outras almas culturais (...).”
Para Renato Ortiz, existe uma “pluralidade de identidades, construídas por
diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos”. Para ele, a definição
de cultura brasileira passa pelas relações de poder e “a identidade nacional está
profundamente ligada a uma reinterpretação do popular pelos grupos sociais e à
própria construção do Estado brasileiro.” (1985: 8).
85
6
O escritor Ariano Suassuna fala sobre a raiz popular da cultura brasileira.
Propôs, na década de 70, o movimento Armorial, como expressão do nosso povo,
como uma forma de resistência à massificação, no sentido de fortalecer a nossa,
incorporando de outras, o que nos enriquece, sem ser uma cópia das idéias
estrangeiras. A cultura popular, de forma viva, deve ser uma referência para o Brasil
real, em contraposição ao Brasil Oficial. Uma das funções da educação deveria ser
desenvolver um discernimento crítico.
Milton Santos, estudioso da geografia humana, fala sobre o Brasil enquanto
noção de território, como abrigo de todos os homens, como sendo a construção da
base material sobre a qual a sociedade produz sua própria história. Para ele, este
território está sendo moldado por quem manda, ou seja, ocorre um globaritarismo e
não uma globalização, numa sociedade de consumo que acaba nos transformando
em objeto, com uma mudança brutal de valores. Esta noção de território é
importante para a economia, para a sociedade e para a cultura.
Vários autores, como o antropólogo Darcy Ribeiro e o sociólogo Gilberto
Freyre, entre outros, também buscam uma interpretação da cultura brasileira,
formada por esta miscigenação tão rica no imaginário do povo brasileiro, a ser
valorizada na prática educativa, revitalizando na essência as nossas raízes na
construção da nossa identidade cultural nacional.
Os intelectuais, definidos como mediadores simbólicos da construção da
identidade nacional, são os “que descolam as manifestações culturais de sua esfera
particular e as articulam a uma totalidade que as transcende” (Ortiz, 1985: 141)
Temos um país com um patrimônio histórico, um patrimônio humano, o seu
povo e muitas manifestações culturais, que são nosso ‘patrimônio imaterial’. A
tradição oral está presente na cultura popular com sua sabedoria. Transmite seus
princípios pela via da observação direta, imitação e da oralidade, nas comunidades
que estão integradas com a Natureza. A aprendizagem é interdisciplinar, integrada.
Articula todas as áreas expressivas: o canto, a dança, o fazer, o brincar. As pessoas
participam das festas da tradição por uma necessidade interna, de repetição das
3
Informação Verbal: Mesa Redonda sobre Cultura Popular Brasileira, promovida pelo Artesanato Solidário,
Livraria da Vila, 2004.
86
mesmas, que estão impregnadas na sua memória, revisitada pelo presente, na sua
vivência, no seu corpo, sentindo-se pertencente a um grupo, buscando uma
‘ressignificação’ para a vida.
Para Ferreira Gullar, “a cultura popular é a forma de tomada de consciência
da realidade brasileira” (apud Ortiz, 1985:72-73).
O papel do educador é levar em conta o indivíduo na educação, como um
mediador simbólico desta pluriculturalidade. É na sua prática, que vai tomando
consciência corporal, cultural e social, do que ressoa em si próprio e na memória
coletiva, construindo uma identidade cultural do ser humano brasileiro.
Para a construção do conhecimento é importante, “primeiro o aprendizado do
que somos, do nosso local de origem, depois o conhecimento dos outros,
respeitando o diverso” (Santos, Inaicyra,1996: 203).
Na prática da Casa Redonda, esta afirmação do Brasil em nós manifesta-se,
principalmente, na celebração das festas coletivas, redescobrindo nossas raízes,
ressignificando e recriando as festas do Natal e de São João (foto 13) a cada ano.
Nossas lendas e mitos, canções, músicas, danças chegam às crianças da Casa
Redonda, como a construção de um repertório corporal, visual e auditivo,
incorporando e criando um substrato sensível às nossas manifestações culturais.
(Foto 13. Cultura Brasileira: Festa de São João)
87
4.4. Espaço físico da Casa Redonda
O espaço físico da Casa Redonda é resultante de um projeto (planta em
anexo), idealizado pelo arquiteto e Prof. titular da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo (FAU/USP) Sylvio Sawaya, que inclui os aspectos do sagrado na
arquitetura.
A própria construção física da Casa Redonda na forma circular, com dois
níveis, com um quadrado no centro e uma clarabóia central, propicia outra relação
das crianças com o espaço. A percepção da entrada da luz solar através da
clarabóia, o ponto de encontro entre céu e terra torna-se para as crianças um
convívio diário com uma organização espacial diferente.
(Desenho 5. A Casa Redonda desenhada por uma criança)
Temos, como referências, as ocas na cultura indígena, também com este
formato circular. Na aldeia indígena Abelhinha (Ruri’õ, 2000), a exigência do MEC
(Ministério da Educação e Cultura) é que a escola fosse quadrada, pois deveria
seguir um determinado padrão de construção, o que causou grandes discussões
dentro da tribo para ser aceita. Em outras culturas, também, encontramos esta
88
referência circular de construção em vários templos, com o sentido do sagrado, da
unidade, da mandala como sendo o eixo do mundo.
Segundo Sylvio Sawaya, em entrevista realizada para essa dissertação:
“A Casa Redonda absorve a experiência acumulada e se abre para o Novo. O local
está vocacionado para o futuro, ele contém o passado e é o presente. É um lugar de
sabedoria que agregou a Cultura Infantil, com um acúmulo de experiência, uma fábrica de
conhecimento, um local de significação acumulativa. A experiência didática e seus aspectos
essenciais podem acontecer naquele espaço. O eixo condutor abre para outros, a partir da
sua essência, como elemento central e objeto de trabalho: a Casa Redonda, pode ser vista
como uma realidade ecológica.
Sobre o projeto da Casa Redonda, existiu um período de reconhecimento da área, de
movimentação de terra, de ter uma pedra fundamental para o arquiteto realizar o símbolo, o
mito. Inicialmente era para ser quadrada e depois se transformou num octógono, que está
relacionado ao infinito. Tempos depois, o conhecimento sobre diferentes compreensões
sobre as formas, foram se tornando conscientes, mas, desde sua fundação, o sagrado já
estava contido, mas ele foi conquistado no decurso, através de uma vivência e de uma vida
explicitadora, do caráter do lugar.
O octógono também se relaciona com os templários, no período de grandes
transformações do século XIII. Relaciona-se também com o calendário lunar, com ‘I Ching’ e
os oitos hexagramas. A Casa Redonda é semelhante a um tólos, que é pré-helênico, anterior
à civilização grega, que era dedicada à Mãe-Natureza, com a entrada de sol e chuva.
Existe uma relação geométrica presente na Casa Redonda, onde o círculo está
relacionado com o espírito e o divino; o octógono como elemento de transição entre matéria e
espírito e o quadrado é a matéria. O símbolo foi se formando, a partir de uma opção de Maria
Amélia, que ao longo do tempo foi tomando significado e sentido, como referência concreta.
O sagrado está relacionado ao Jardim do Paraíso, e a Casa Redonda e o seu entorno
formam um olho visto de cima, sendo a sua íris. Já a pedra no centro seria o ônfalos, umbigo
da terra, o centro gerador, que forma uma mandala. A geomancia ou feng shui traz o
reconhecimento, ele explicita o que o projeto já contém. Ele une passado, presente e futuro e
por isso é atemporal e nega o tempo, como confluência de vida, disponibilizando para a
criança, na sua maneira de ser, trazendo o universo infantil, na prática da criança eterna.
Nega o espaço, por ser um axis mundi (Mircea Eliade), através de um poste de luz,
que liga céu, terra e inferno, com um valor cerimonial, na formação de uma coluna de luz da
clarabóia.
A vivência das crianças através do uso, apropriação e interpretação deste espaço
traz o imaginário como forma de conhecimento, ampliando a consciência com outras
89
referências, com a noção do sagrado. O trabalho com o imaginário, com os mitos, no espaço
mítico, propicia uma outra logística, num pensamento racional integrado com a sensibilidade.
A sensibilidade é uma prontidão de vida, que é um exercício da intuição e do
pensamento. Está relacionada com emoção, sentimento e sensação. Primeiro vive a
sensação, sente a emoção de dentro para fora, num estado de prontidão, compreende o
espaço interno, como uma alquimia, que preenche o microcosmo, que provoca o sentimento,
como uma elaboração, que decanta.
O processo pessoal de Maria Amélia transformou o espaço, através de uma devoção,
que recupera a vida na sua totalidade, com a intuição e uma ação virtuosa. A escola é um
lugar de aprendizagem no tempo do ócio. Contemplar é se colocar no templo: corpo, casa,
igreja, onde agrega todos. Contemplar é deixar acontecer emoções profundas, sem o sentido
utilitário, que reconhece o que é Ser. No entanto, contemplação também agrega o operativo.
Os aspectos sagrados só são compreendidos pela participação, estabelecendo uma
relação de sentido, pois só na vivência do espaço a compreensão se faz”.
(Desenho 6. Projeto Arquitetônio: Sylvio Sawaya – croqui de implantação)
90
(Desenho 7. Projeto Arquitetônio: Sylvio Sawaya – planta cobertura)
(Desenho 8. Projeto Arquitetônio: Sylvio Sawaya – foto interna da cobertura)
91
(Desenho 9. Projeto Arquitetônio: Sylvio Sawaya – croqui planta térreo)
Outro aspecto relacionado ao espaço físico é a Natureza como lugar sagrado,
fonte de aprendizagem no exercício da contemplação, de uma educação estética, de
cores, formas, espécies diferentes, texturas, na observação dos ciclos e das
estações do ano. Toda a infinidade de possibilidades que a Natureza nos dá
aparece nos trabalhos expressivos e nas experiências, criando tintas, agregando
sementes ou quebrando pedras para ver o seu interior.
A relação da criança com o espaço da Natureza, seu habitat natural, propicia
outros movimentos, utilizando todos os verbos: correr, pular, saltar, rolar, trepar,
escorregar, subir, descer, viver, respirar, sentir ... desafios físicos que o corpo
precisa para promover novas sinapses necessárias ao seu desenvolvimento
neuromotor. O trabalho com os elementos da Natureza: água, terra, fogo e ar,
através das experiências e das brincadeiras, mudam conforme as estações do ano.
É uma forma de aprender a lidar com os elementos que também estão dentro de
cada um.
92
É na vivência, cuidado e respeito ao meio ambiente, que as crianças vão
construindo e internalizando uma ecologia viva, percebendo-se como integradas à
Natureza, ao todo maior, preocupadas com a preservação da natureza e da espécie
humana.
4.5. Uma visão sobre o corpo
(Foto 14. Criança segurando o desenho do contorno do seu corpo)
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Fernando Pessoa
93
A compreensão da relação entre corpo humano e educação, no trabalho
desenvolvido na Casa Redonda, está embasada na formação dada pelo Prof. Pethö
Sandór, no Curso de Cinesiologia do Sedes Sapientiae e nas reflexões sobre a
Psicologia Junguiana.
O Prof. Paulo Machado, psiquiatra e terapeuta junguiano, especializado em
abordagem corporal, teve sua formação com o Prof. Pethö Sándor e atualmente
leciona cursos sobre a integração psicofísica, na Casa Redonda Centro de Estudos,
a educadores e psicólogos, deste projeto e de outros, contribuindo com o
conhecimento científico para as áreas de Educação e Psicologia. Nesta visão, o
corpo físico é tratado como um veículo de conhecimento do mundo, do outro e de si
próprio.
Para Stanley Keleman, “o corpo usa o cérebro para fazer imagens de si
mesmo e do mundo. Essas experiências organizadas nos colocam em relação com
o nosso corpo e o dos outros.” (2001: 105).
Percebe-se que a humanidade se distanciou da Natureza e de uma visão
mais integrada, buscando a especialidade, o que provocou a cisão da relação entre
corpo e mente. Neste sentido, atualmente, existe um movimento de busca desta
unidade, de uma visão holística deste homem, para reintegrá-lo à Natureza e a si
próprio.
Retoma-se, hoje, a visão de grupos culturais cujas tradições são regidas por
mitos, nos quais o indivíduo é indissociável do seu mundo cósmico e social. Nessas
sociedades, o corpo não está cindido em relação ao ser, este ser humano está
intimamente integrado ao cosmos, à natureza, assim como à comunidade. As
representações do corpo são representações da pessoa como um todo. A imagem
corporal integra-se à imagem dos elementos da natureza e do cosmos. Assim,
compreende-se “o homem inteiro como carne, corpo, alma, espírito. São diversos
modos de ser e estar no mundo.” (Ajzemberg, 1998: 19).
Recupera-se a visão holística do ser humano, enquanto um microcosmo,
refletindo aspectos do macrocosmo.
José Gil faz a seguinte referência a Leonardo da Vinci (1452-1519),
escrevendo: “o homem é chamado pelos antigos um mundo menor, designação
94
justa, pois que é composto de terra, de água, de ar e de fogo, como o corpo terrestre
e parece-se, portanto com ele. O homem e o mundo são semelhantes.” (1997: 131).
A doença não era somente um desequilíbrio entre os quatro elementos do
corpo, mas também entre alma imortal e o corpo.
O frio, o quente, o seco e o úmido são tanto as qualidades da água, do fogo, da terra e do ar
quanto dos quatro humores que participam de maneira essencial do funcionamento
fisiológico: o sangue, elemento quente, que vem do coração; o fleuma, o elemento frio,
secretado pelo cérebro; a bílis amarela, elemento seco que vem do fígado; e a bílis negra,
originada no baço, formavam os quatro humores que, por muito tempo, serviram de diretrizes
à medicina ocidental.” (Sant’anna, 2001:8).
Gonçalves (1994) afirma que:
“Merleau-Ponty busca a compreensão do homem de forma integral. O homem para ele é
ambigüidade. Nele estão presentes os dois mundos – o mundo do corpo e o mundo do
espírito – numa tensão dialética, sendo, ao mesmo tempo, interioridade e exterioridade,
sujeito e objeto, corpo e espírito, natureza e cultura, num movimento que é a própria vida e o
tecido da história.”
O Curso Corpo de Criança, com o Prof. Paulo Machado, visa à integração
fisiopsíquica, e são abordados noções de anatomia e psicologia que ajudam o
educador a fazer as relações entre suas observações e o conhecimento do corpo.
Este tipo de conhecimento também pode auxiliar o educador a perceber as
qualidades psíquicas de cada educando relacionadas com os elementos: água,
terra, fogo e ar, propondo atividades que possam favorecer o contato com estes,
através das brincadeiras, ativando a consciência dos mesmos para cada criança.
Sobre o trabalho corporal, é importante perceber que “tanto a pele quanto o
sistema nervoso originam-se da mais externa das três camadas embrionárias, a
ectoderme.” (Montagu, 1988: 22). A ectoderme também se diferencia em cabelos,
dentes e nos órgãos dos sentidos, que transmitem ao cérebro as informações sobre
o meio ambiente e sobre o sistema nervoso interior, como as alterações fisiológicas
vividas.
Quanto à questão da estimulação tátil, percebe-se que esta tem efeitos
profundos sobre o organismo, a nível fisiológico e bioquímico, segundo Montagu
(1988).
95
Para Paul Schilder:
“Existe, igualmente, um desejo de adquirir conhecimento através do tato. Há uma curiosidade
relativa à superfície do corpo, sua pele, e sua compleição” (1994:188). “(...) Não devemos
esquecer que a imagem postural do corpo, apesar de ser basicamente uma experiência dos
sentidos, provoca atitudes de tipo emocional, e que tais atitudes não podem ser separadas da
experiência sensorial.” (1994: 196).
Novamente, José Gil comenta:
“Esta característica do espaço limiar – de prolongar e ‘traduzir’ o interior no exterior, e
reciprocamente – encontra-se em todas as suas modalidades sensoriais: no espaço auditivo,
tátil, visual, olfativo, gustativo e, de uma forma geral, no espaço da pele enquanto espaço de
sobreposição da tatilidade e da visão. (...) Tal como a visão, a pele opera o cruzamento desta
e do tato, e estende-se por toda a superfície do corpo. Mas contrariamente à visão que se
pode tornar háptica, tátil, a pele integra o olhar cegando-o: a pele não vê, mas transforma a
sua tatilidade cega em abertura e transporte do espaço interno do corpo para o exterior. A
pele toca como se visse, à distância – mas sem ver (1997:156-57). O espaço de limiar ‘fecha’
e ‘abre’ ao mesmo tempo o espaço interior: fecha-o com a luz do exterior, salvaguardando o
fundo obscuro, por detrás do rosto, assim se conserva a singularidade do sujeito (...).” (1997:
158).
Na concepção chinesa, o coração é a “sede da consciência emocional, que é
despertada, através da reação emotiva dos cinco sentidos, para as impressões do
mundo exterior.” (Jung, 2001: 93).
Na formação do educador da Casa Redonda, a compreensão do corpo como
uma totalidade que traz em si a ancestralidade de uma espécie, a hereditariedade
além de sua dinâmica singular e pessoal, é uma aprendizagem a ser assimilada e
incorporada.
É importante na educação do século XXI a visão do corpo como veículo,
como instrumento de expressão de um ser, de sua subjetividade, de sua vida, que
traz dentro de si o respeito ao corpo como um espaço sagrado que contém o
mistério da vida e por isso precisa ser acolhido e cuidado.
96
(Foto 15. Criança deitada na árvore-mãe)
97
5. O TRABALHO DA CASA REDONDA: o tronco visto por fora
5.1. Rotina do trabalho
Há uma cuidadosa preparação no ambiente em que as crianças passam sua
manhã brincando. Desde o físico externo, o jardim, que ocupa uma área de 3.500
m
2
, ao mais simples objeto com o qual a criança entrará em contato, há uma
presença de sentido, nada é colocado gratuitamente. O olhar sensível dos
professores sobre o próprio momento da expressão da criança, na sua interação
lúdica com o ambiente, vai pontuando a ampliação dos objetos colocados à sua
disposição, para que tenham autonomia na escolha do que precisam para se
expressar, cabendo a elas a iniciativa e a descoberta de seus projetos. O professor
participa quando solicitado e tem como objetivo incentivá-la a buscar os recursos
que tem interna e externamente para alcançar suas metas.
A expressão das crianças pode dar-se entre as várias linguagens
expressivas, através de materiais diversos, tais como: terra, madeira, areia, água,
tinta, giz, lápis e outros elementos que, uma vez experimentados, vão ampliando seu
repertório sensível e são traduzidos na execução de construções, das mais simples
às mais complexas.
Máscaras, fantasias, tecidos, caixotes e instrumentos musicais juntam-se ao
ouvir histórias e músicas, contendo possibilidades expressivas para que o corpo se
manifeste em sua espontaneidade, criando personagens, enredos e cenários
próprios da cultura infantil.
Os materiais têm um caráter, por não possuírem uma definição clara, no
sentido de permitir uma expressão livre, ampliando as possibilidades de criação das
crianças. O correr do dia está diretamente ligado ao estado de como a criança chega
naquela manhã, à atmosfera e ao clima do dia, que alteram a própria organização
dos materiais disponíveis no espaço.
A organização do espaço implica, portanto, a preparação diária do ambiente
físico, tanto o espaço externo como o interno, de acordo com as estações do ano e
segundo as observações cotidianas dos professores, a partir da dinâmica presente
no grupo e nas crianças, individualmente.
98
Ao chegar à Casa Redonda, a criança se direciona para a atividade que
deseja, seja para construir uma casa com caixotes, para brincar no tanque de areia,
jogar bola ou conversar com um professor, contando fatos que tenham significado
para ela. Algumas crianças já vêm de casa com vontades determinadas, outros, ao
se associarem a um amigo ou a um grupo já em atividade, passam a interagir e
iniciam sua manhã num ritmo que é unicamente interrompido por uma intervenção
externa: a hora do lanche.
O lanche torna-se um espaço do coletivo. Ele é fornecido pela Casa Redonda,
buscando uma alimentação nutritiva baseada em frutas e verduras da época. A
distribuição do lanche é feita pelas próprias crianças, que ritualizam este momento.
O espaço físico do lanche pode ser alternado entre restaurante, barraca de limonada
ou de chá, nos espaços construídos pelas próprias crianças com caixotes de
madeira.
Muitas vezes, buscam lenha, picão ou carvão para fazer a fogueira e
preparar, com o auxílio dos professores, o lanche: sopas, macarronadas, ovo
mexido, banana ou batata assada, queijo de coalho, pizza, etc. Este tipo de lanche é
servido próximo à fogueira e as crianças arrumam as mesas, enfeitando-as com
panos e flores. Um forno de barro, construído pela ceramista Shoko Suzuki, serve
para queimar os trabalhos de barro ou fazer algum alimento.
As aventuras de caminhar pelo mato, ver bichos no sítio do vizinho,
acontecem, dependendo da vontade do grupo. Ora vão todos, ora alguns
permanecem, pelo fato de estarem entretidos com algo que estão brincando. Há
uma contínua interação entre a idéia de um professor e a vontade das próprias
crianças. Os que gostam de aventura e de fazer caminhada, normalmente, saem
logo que chegam e depois voltam na hora do lanche, para, em seguida, brincarem.
O espaço do lanche define para elas um tempo antes e depois. Em geral,
após o lanche há uma mudança no ritmo das brincadeiras, que se alternam entre as
mais expansivas às mais recolhidas, brincadeiras grupais e de duplas ou individuais.
Ao término da manhã, as crianças finalizam o que estão fazendo quando já está
próxima a hora da chegada dos pais. Em geral, todos ajudam a arrumar o espaço
das brincadeiras. Dependendo do tipo de brincadeira, há dias que esta arrumação
se torna mais difícil. Surge a ação do professor como elemento que intervém,
99
buscando descobrir formas que auxiliem as crianças a cumprir o compromisso de
deixar em ordem o lugar que elas mesmas voltarão a usar.
O respeito ao espaço, aos objetos e ao trabalho cooperativo de todos que
participam juntos nas atividades daquela manhã é estimulado, diariamente, através
da própria rotina.
Para a criação do exercício da espontaneidade há um substrato de
organização que permeia todo o processo da Casa Redonda, em que adultos e
crianças atuam, cada um dentro de sua singularidade, num compromisso mútuo de
fazer o dia acontecer de forma harmônica.
Há o tempo sem tempo da criança e um tempo marcado pela chegada, o
lanche e a saída, como um ritmo grupal em meio à liberdade das crianças no uso do
tempo intercalado a estes três momentos.
Cada dia é um dia específico, os ritmos e a característica das atividades são
permeados pela escolha das crianças em relação à organização e sua distribuição
ocorre nos diversos espaços da escola.
Para Maria Amélia, “a especificidade da Casa Redonda é de ser um
organismo vivo, cuja ação educativa é permeada pelo exercício constante de uma
prática reflexiva, onde o contemplar ocupa o lugar da palavra teoria, que se cria a
partir da observação da ação, sintetizando o ‘fazer e em fazendo, fazer-se’, tanto
para o adulto como para a criança”.
O trabalho se dá em equipe, e todos estão atentos, buscando a cada dia um
entrosamento harmonioso, como pessoas sensíveis e acolhedoras. Ocorre muito
respeito ao que o outro está fazendo. Cada um sabe o lugar que ocupa. Há uma
afinação grupal. Trabalha-se de forma integrada e livre e todas as questões surgidas
são refletidas em conjunto, semanalmente, nas reuniões de equipe.
Uma vez por ano é realizado um acampamento (foto 16) com crianças entre 2
e meio e 7 anos. É uma experiência importante de convivência entre as crianças.
Preparar a mochila, montar as barracas, vivenciar a experiência da noite, onde todos
os medos e fantasmas aparecem. A coragem de caminhar no escuro, utilizando suas
lanternas, num espaço que eles convivem durante o dia, as escolhas dos
companheiros de barraca, a arrumação do canto para dormir, vestir-se sozinha, tudo
isso contribui para uma experiência de amadurecimento e estreitamento das
100
relações de amizade. Para o professor, é mais um momento de observação das
atitudes de cada criança frente a novos desafios, medos, autonomia e sono.
Em alguns momentos, conforme o interesse do grupo, são propostos
passeios para o Museu da Geologia, Museu da Cultura Brasileira ou alguma
exposição de Artes. Alguns programas são indicados para que os pais levem seus
filhos.
No Dia dos pais e das mães, os mesmos são convidados para passarem uma
manhã com seus filhos, brincando. Neste dia, as crianças servem o lanche, fazem
atividades em conjunto, propõem brincadeiras, jogos ou massagens. Ao final,
oferecem algum presente feito por elas, como: colares, camisetas pintadas, porta-
retrato, tabuleiro de jogos, entre outras coisas.
(Foto 16. Noite de acampamento)
101
5.2. Festas Coletivas:
As Festas de São João e do Natal marcam as celebrações coletivas, ambas
coincidindo com a finalização do semestre aqui no Brasil. Estas festas completam
um ciclo, definem um período que marca o início de duas estações que caracterizam
nosso clima: o inverno e o verão, ambos precedendo o período das férias.
A proposta com as crianças é que elas possam dar um novo sentido a estas
festas a partir do seu fazer enraizado e de suas vivências, propiciando a integração
com a Natureza como uma continuidade de si próprias, restaurando o respeito,
valores, harmonia, percebendo os ciclos, as estações do ano e os seus ritmos. Esta
experiência visa à percepção de si como parte de um todo maior, na construção de
uma consciência cultural, ecológica e cósmica.
A festa é ritualizada na Casa Redonda por meio dos componentes do ciclo
das festas populares brasileiras, trazendo a conexão com suas raízes. As crianças
participam da organização dos festejos de uma forma individual e coletiva, de acordo
com suas possibilidades.
O significado de cada uma destas festas é estendido também para os pais
através de textos informativos a respeito do simbolismo dessas celebrações.
A reunião de todos: pais, professores, crianças e comunidade, compartilhando
juntos a preparação e o acontecer dessas festas tem como objetivo propiciar a cada
um sentir-se pertencente a um grupo maior, realizando a festa como uma vivência
autêntica do coletivo.
5.2.1. Festa de São João
“Conta a lenda que São João adormece durante a noite da sua noite da sua festa porque se
estivesse acordado, vendo o clarão das fogueiras acesas em sua honra, não resistiria ao
desejo de descer do céu e o mundo arderia em fogo.
Há o São João das águas de Jordão. O São João Xangô é o que os índios aprenderam a
gostar brincando de pular fogueiras em noites de Saci e dias de Coraci.
Há o São João que acorda o povo de madrugada para um batismo e alegria.
Há o São João dos carneirinhos e o Batista.
Todos, na verdade, um só. Santo, sagrado e pagão, solto no mundo com a sua bandeira de
dançarino, a serviço do Homem e de Deus.”
Antonio Carlos Madureira e Francisco Assis, texto do disco Bandeira de São João.
102
(Foto 17. Festa de São João: Mastro)
O São João é a festa da colheita, uma festa noturna e exterior, que coincide
com o nosso solstício do inverno, é o dia mais curto e a noite mais longa do ano. Ela
acontece com fogueira, comidas, fogos, danças, músicas, adereços, enfeites
coloridos. A participação é coletiva, envolve todas as idades na preparação para a
comemoração e a celebração da festa.
Para ‘ressignificar’ esta festa, é importante saber sobre sua origem, que vem
desde os tempos primordiais, quando os homens, já sedentários e agrários,
começaram a fazer seus ritos em volta das fogueiras, para comemorar suas
colheitas, vivendo nesta relação de integração com a Natureza, com a terra, com o
tempo cíclico e as estações.
103
“Toda a Europa conheceu essa tradição de acender fogueiras nos lugares altos e mesmo nas
planícies, as danças ao redor do fogo, os saltos sobre as chamas, todas as alegrias do
convívio e dos anúncios de meses abundantes. (...) Os cultos agrários foram, na Europa e
com informação universal, divulgados no domínio do folclore e da etnografia, (...) que
recenseou centenas de cerimônias das fogueiras votivas e festas propiciatórias em junho-
julho, com ervas que podem ser colhidas nessa noite e possuem qualidades sobrenaturais,
mágicas e terapêuticas. Na Península Ibérica, o culto a São João é um dos mais antigos e
populares; Portugal possui no espírito de sua população todas as superstições, adivinhações,
crendices e agouros amalgamados na noite de 23 de junho, convergência de vários cultos
desaparecidos e de práticas inumeráveis, confundidos e mantidos sobre a égide de um santo
católico. Para o Brasil, a devoção foi trazida pelos portugueses e divulgada com a satisfação
de um hábito agradável.” (Cascudo, 2000: 298).
Aqui no Brasil, comemora-se, no dia 24 de Junho, a festa de São João, um
santo católico. É festejado com farta alimentação, músicas, danças, bebidas, com
adivinhações para casamentos e prognósticos de futuro. O santo, segundo a
tradição, dorme durante o dia que lhe é dedicado tão ruidosamente pelo povo,
através dos séculos e países. Dizem que se ele tivesse acordado, vendo o clarão
das fogueiras acesas em sua honra, não resistiria ao desejo de descer do céu, para
acompanhar a oblação, e o mundo acabaria em fogo.
Coincide esta data com o solstício de verão, no Hemisfério Norte e de inverno
para o Hemisfério Sul, quando as populações do campo festejavam a proximidade
das colheitas e faziam os sacrifícios para afastar os demônios da esterilidade, as
pestes dos cereais, as estiagens, etc.
Para contextualizar a Festa de São João, buscamos sua origem na nossa
memória ancestral, no nosso passado histórico, resgatando o simbolismo desta festa
trazida pelos portugueses, com sua origem céltica. Atualmente, a Festa de São João
é reconhecida e incorporada na cultura brasileira, ocorrendo numa diversidade muito
grande de manifestações pelo Brasil em diferentes regiões.
Até hoje, nas comunidades que ainda tem esta ligação com os ciclos agrários
e a comunhão com as estações do ano, a Festa de São João é muito comemorada,
ao redor das fogueiras. Comem-se os produtos da terra, como milho, amendoim,
batata-doce, gengibre, etc. Já nos grandes centros como, por exemplo, em São
Paulo, estas festas se ocorrem mais em escolas e Igrejas, com um caráter cristão
que foi atribuído a esta festa, anteriormente pagã. Nos grandes centros perdeu-se a
conexão com suas raízes e o vínculo com a Natureza.
104
Na Casa Redonda, o sentido de celebrar esta festa para as crianças é
oferecer a oportunidade de conhecer, incorporar e recriar a própria cultura, através
da ação participativa e consciente. A aquisição do repertório da nossa cultura é a
fonte de alimento da nossa tradição, buscando referências para ampliar o que já
existe ou já se sabe, na compreensão e vivência de se sentir pertencente à nossa
cultura, pontuando valores, integrando conhecimento, na busca da harmonia e
equilíbrio do homem com a Natureza.
A Festa de São João busca o encontro com a nossa identidade cultural, com
um sentimento de nação e povo. Na vivência desta festa da nossa cultura, surgem
elementos do imaginário brasileiro, no repertório das músicas, danças e adereços,
que, são enriquecidos através de livros, vídeos e histórias, contribuindo para fazer a
festa com conhecimento das diferentes manifestações artísticas presentes dentro
dela.
Em várias localidades do Brasil há o hasteamento do mastro de São João.
Seu significado é a possibilidade de atingir o céu, e na medida que é enfeitado,
segue junto a intenção da Terra de produzir melhores e mais abundantes frutos.
Estes mastros são reminiscências de cultos agrários, homenagem às forças vivas da
fecundação das sementes e a Bandeira do Santo no alto informa que ‘Ele’ está
presente na festa com frutos, flores e fitas, protegendo a comunhão dos homens
com a vegetação. O pau de sebo também propicia esta ligação do céu com a terra,
com suas dificuldades para alcançar uma prenda no alto.
A dança da quadrilha, tão popular na nossa cultura, simboliza o casamento
entre o homem e a mulher, o casamento entre o céu e a terra, pedindo
prosperidade, passando por vários desafios agrários, como a cobra, a chuva,
passando pelo túnel da vida e terminando numa grande festa em que todos dançam.
Na Casa Redonda a preparação desta festa começa no início do ano, pois
sendo uma festa da colheita, as crianças plantam milho em março para colher em
junho, no momento da Festa. É a vivência e a percepção da Natureza e seus ciclos
pelas crianças, possibilitando uma outra compreensão do tempo e dos ritmos de
forma concreta.
Para as crianças que estão saindo da escola naquele ano, há um ritual de
passagem. Eles são os “festeiros”, que nas festas populares se responsabilizam pela
105
mesma, e acendem a fogueira. A preparação envolve o exercício da convivência
grupal, no qual todos estão envolvidos, dos menores aos maiores, cada um dando
suas contribuições, conforme suas possibilidades, ocupando seu lugar e sua função.
A festa é renovada anualmente pelo grupo, chapéus, personagens que
surgem, músicas escolhidas, adereços, brincadeiras e enfeites do repertório da
cultura brasileira.
Aproximadamente, com um mês de antecedência, inicia-se a produção para a
festa, relembrando a festa do ano anterior através do vídeo da Festa da Casa
Redonda e de imagens que mostram como são estes festejos em outros lugares do
Brasil. Existem livros com fotos que as crianças têm acesso, ampliando e
alimentando o repertório na construção dos adereços e personagens.
As crianças participam ativamente da confecção dos enfeites para a festa. Os
bambus compridos são enfeitados com bandeirinhas e tiras de papel crepom. No dia
da festa, eles são colocados no formato de um arco para a entrada no local da festa
e passagem do cortejo. O cordão de bandeiras, feito pelas crianças, é esticado por
todos os espaços da Casa Redonda. Papéis de seda são recortados para forrar as
bandejas nas barracas de comida.
Além do desenvolvimento da sensibilidade na busca da beleza e da harmonia,
a habilidade manual é trabalhada intensamente e com significado para a produção
da festa.
Enfeites novos vão surgindo a cada ano: flores de papel e canudos; flores de
tecidos; estrutura de jornal e papel de seda; tiras de papel crepom enroladas
pendentes e balançando ao vento.
Os chapéus variam conforme o ano: de cartolina com tiras de papel crepom,
de palha com retalhos e enfeites, brilhos e espelhos para “espantar mau olhado”,
como dizem algumas crendices e superstições populares (Cascudo, 2000). Esses
chapéus são inspirados no acervo fotográfico das festas populares.
As crianças mais velhas que participam da última experiência da festa porque
vão, no ano seguinte, para uma outra escola, constroem suas tochas para acender a
fogueira: um pedaço de pau, todo enfeitado, pintado, cheio de brilhos, com um
pedaço de pano amarrado na ponta.
106
As luminárias (foto 19) variam de ano para ano e são de vários tipos. Há
luminárias de velas portáteis e de solo feitas com cartolina vazada e desenhos, com
pinturas em papel transparente ou papel celofane, para sair a luz, e ainda as
luminárias fixas, para lâmpadas de soquete presas no fio, que iluminam a noite
escura. Todas feitas pelas mãos das crianças.
Os personagens vão surgindo: bois, burrinhas, e outros propostos pelas
crianças, conforme o que estão vivenciando e que passam a incorporar a festa.
O boi “está inserido no contexto cultural do Brasil e sua figura se apresenta
em folguedos folclóricos, canções, literatura de cordel e tantas outras manifestações,
com diferentes nomes: Boi-bumbá, Bumba-meu-boi, Boi-de-Reis, Reisado, Boi-de-
mamão, Boi-calemba, Surubim e outros.” (Cascudo, 2000).
O boi, presente nas festas do Bumba-meu-boi, nas diferentes variantes por
todo o Brasil, também aparece nesta festa. Todo ano ele é reconstruído, o pano de
sua saia é tingido pelas crianças e depois enfeitado com papel laminado, brilhos,
sininhos, etc. O próprio boi se renova, seu corpo é pintado e a cada ano enfeitado,
como que trocando de pele pelos enfeites das crianças. O mesmo acontece com a
burrinha, outro personagem da Brincadeira do Boi, das festas populares, que simula
um homem cavalgando.
Alguns personagens são construídos pelas crianças com rolinhos de jornal,
formando a estrutura, para depois ser empapelada, como a figura do Jaraguá, “que
é uma armação em forma de boi coberta de tecido colorido” (Cascudo, 2000: 208),
da Ema, outro personagem do Bumba-meu-boi ou ainda o Pigmeu ou Cabeção,
“bonecos com cabeças enormes, totalmente desproporcionais ao corpo de quem as
enverga.” (op cit: 87). Estes personagens são introduzidos pelas crianças através de
histórias, imagens em livros, vídeos, etc.
Os convites para a festa são produzidos pelas crianças para pais e
convidados. Os painéis de enfeites da festa são com desenhos e colagens sobre
papel Kraft, para cobrir estantes, prateleiras, tonéis de lixo, etc. Estes painéis são
como histórias contadas pelas crianças sobre a festa através dos desenhos. Até os
saquinhos de pipoca e amendoim são coloridos para o dia da festa.
Para o cortejo, um andor, que é uma caixa com a figura do São João menino,
é feito pelas crianças. É contada a sua história, na qual ele desce em um arco-íris,
107
carregado por quatro anjos. As crianças definem seus papéis para saber quais as
quatro crianças que descem com o andor no cortejo.
As músicas são tocadas durante este período de preparação e as crianças
vão ensaiando para tocarem instrumentos de percussão e tambores durante o
cortejo e a festa. Ainda no cortejo, uma criança traz uma bandeira feita por eles.
Quanto à participação dos pais, um dia antes da festa, eles são convidados
para ajudarem na preparação. É um momento de integrá-los, através do fazer
manual. Os pais constroem os mastros da entrada da festa (foto 17) e as luminárias,
que exigem uma maior habilidade no recorte de papel. Durante esta preparação,
canta-se muito, para que no dia da festa todos participem.
No dia da festa, as crianças chegam no começo da tarde e preparam toda a
decoração. Enfeitam os caminhos, as mesas para as comidas, colocam as
luminárias, enfeitando os lixos, preparam o pau de sebo, o pau de fitas, enfeitam a
fogueira, etc. É pendurada uma estrela iluminada e o mastro dos santos que se
fazem presentes para proteger a festa e agradecer os pedidos realizados. Ao cair da
noite, os pais chegam, inicia-se o cortejo com a descida das crianças, sob os arcos
enfeitados, ao som dos tambores, como uma banda, com o andor do São João
menino, o boi, alguns personagens, a bandeira e as crianças com a lanterninha, feita
por eles, para iluminar o caminho.
Na vivência deste ritual das festas da colheita, fazemos uma roda ao redor da
fogueira (foto 18), em que são lidos alguns versos, desejos e pedidos das próprias
crianças. Os mais velhos, com suas tochas, acendem a fogueira. São colocadas
ervas na fogueira, numa alusão às crendices do fogo para “afugentar os demônios
da fome, do frio e da miséria.” (Cascudo, 2000: 298). A fogueira representava a
fixação do Sol, a conservação da luz, afugentando os perigos que o Solstício
anunciava.
A festa continua como uma grande brincadeira que junta pais e crianças: a
dança do candeeiro, uma roda de escolha na forma de coco-de-roda, e depois com
o boi, animado pelos pais que tocam matraca, pedaços de pau enfeitados pelas
crianças, que revezam-se entre o boi e a burrinha. Surgem os palhaços Mateus e
Bastião, que usam máscaras ou são pintados de carvão e utilizam uma bexiga para
108
fazer barulho, o homem-folhagem (folharal), personagem coberto por folhas, ou o
Pigmeu, etc.
Tudo decorre de forma bem espontânea. A dança das fitas, a brincadeira de
subir no pau de sebo e uma quadrilha improvisada entre pais e filhos vão
acontecendo. Para finalizar, ocorre uma roda de fogo em que as crianças maiores,
girando um bambu com bombril amarrado na ponta, espalham centelhas de fogo na
noite escura.
Os comes e bebes ficam disponíveis nas mesas, arrumadas pelas crianças,
que ficam ali, servindo os pais.
Como os balões estão proibidos, soltamos um balão-galinha, feito com uma
folha de jornal cheio de ar. As crianças acendem as quatro pontas e o balão sobe
um pouco, enquanto elas cantam.
Algumas músicas são renovadas de um ano para outro, conforme introdução
pela equipe de professores, sendo de fácil marcação para as crianças
acompanharem com o tambor e instrumentos de percussão.
Um texto sobre o São João é colocado no painel e entregue aos pais, com
uma pesquisa de diversos autores, no sentido de contextualizar esta festa, visando a
manter nossa cultura viva, para que esta seja significativa em sua contínua
recriação.
Segundo Maria Amélia, “é reconhecendo estes vestígios e redescobrindo os
significados mais profundos das nossas festas que, junto com as crianças,
acendemos a fogueira, partilhamos os frutos da Terra, resgatamos a comunhão
fraterna entre o Homem e a Natureza”.
109
(Foto 18. Festa de São João: Fogueira)
(Foto 19. Festa de São João: Criança segurando algumas luminárias)
110
5.2.2. Festa da estrela
“Um menino nasceu: o mundo volta a recomeçar.”
Guimarães Rosa
(foto 20. Festa da Estrela: Presépio)
O Natal, chamado pelas crianças de Festa da Estrela, é uma festa diurna,
com a luz do sol do meio dia, e coincide com o nosso solstício de verão, em que o
dia é o mais longo e a noite a mais curta. É a festa de louvação à criança,
celebração do menino, como símbolo do Novo. Há preparação, com enfeites,
encenações, adereços e músicas. O ritual de passagem também se dá com os mais
velhos que dão o tom da festa e iniciam a celebração, passando para os pais, o
acender das velas.
A Festa da Estrela surgiu dentro da proposta do trabalho desenvolvido na
Casa Redonda, a partir da idéia de uma criança que, quando soube da passagem do
Cometa Harley pelo Brasil, em ano de 1986, propôs fazer uma chuva de estrelas. A
proposta foi tão aceita pelo grupo que acabou se tornando um ritual que se repete
todos os anos até hoje.
111
Segundo Luís da Câmara Cascudo (2000):
“Há um respeito misterioso em relação às estrelas. O costume de venerá-las desapareceu,
mas alguns vestígios ainda existem, visíveis e diários. As superstições gerais astrolátricas
foram trazidas pelos colonizadores portugueses, alguns de origem oriental, divulgadas na
península durante a dominação árabe e mantidas nas colônias sob os lumes vivos das
constelações tropicais.”
A chuva de estrela consiste em uma chuva de papéis coloridos picados,
sobras do material utilizado na preparação da festa e que, no momento que os pais
entram dentro do espaço interno da Casa Redonda as crianças, do andar de cima,
jogam sobre suas cabeças.
A preparação da Festa da Estrela inicia-se com um mês de antecedência.
São apresentadas imagens de Presépios, presentes nos festejos natalinos de nossa
cultura. Abstraindo o caráter religioso e doutrinário desse festejo, foca-se o elemento
da “louvação do menino”, fortalecendo os aspectos simbólicos da criança que
representa o ‘vir a ser’, o futuro, a possibilidade de paz e fraternidade entre os
homens.
O sentido desta festa para as crianças se dá através da experiência de
recriação do presépio e da preparação da mesma a cada ano. Durante este período,
as crianças desenvolvem trabalhos com barro, palitos de madeira, velas, casinhas,
luminárias, para a montagem do presépio e escolhem o que querem oferecer para
esta construção coletiva.
É uma Festa mais interiorizada, acontece dentro de casa, que coincide com o
sol do meio dia, quando a luz solar entra pela clarabóia da Casa Redonda, fazendo
uma coluna de luz, cuja projeção é de um círculo no chão, representando a
presença da luz - uma comunicação entre céu e terra.
O clima da Festa é de luminosidade, característica essencial da Estrela. Para
alguns povos, as estrelas são entendidas como as janelas do mundo. São as
aberturas na abóboda celeste para a respiração de diferentes esferas do Céu. Entre
os Mayas, elas são muitas vezes representadas como os olhos que emanam os
raios de luz dos Deuses. Estreitamente ligadas ao céu, onde se encontram, evocam
sempre os mistérios da luz e da noite.
A preparação do presépio requer uma reorganização do espaço da Casa
Redonda, oque acontece em um clima de surpresa: os pais só podem vê-lo no dia
112
da Festa. As crianças o recriam a cada ano, introduzindo novos elementos, de
acordo com a constelação daquele grupo. Na montagem do presépio, surgem
elementos significativos próprios de cada um, como lagos, cachoeiras, sítios,
caminhos com pedras, conchas, cidades, animais, fadas, etc. O céu é feito por eles,
com o desafio de pendurar as estrelas no alto, enfeitado com os planetas, asteróides
e tudo mais que pode ter no céu: flores, árvores, nuvens, anjos, sol, lua, vento, etc.
Depois do presépio pronto (foto 20), enfeitam-no com flores de girassóis, por
eles plantadas na Primavera. Cada criança acende a sua vela no presépio. As que
vão sair passam um bastão com uma vela para que os pais, ao entrarem, possam
acender as velas de uma guirlanda central. Ao finalizar, a guirlanda é erguida até o
andar de cima, onde as crianças se encontram escondidas. Os pais sentam-se no
quadrado interno e as crianças começam a jogar a chuva de estrelas. Após este
momento, há o encontro entre pais e filhos. São coisas indescritíveis, que passam
pelo olhar, pelo abraço, pela emoção, pelas lágrimas e pela música. É a experiência
vivida, sentida e incorporada.
Depois desta primeira parte, as crianças montam um presépio vivo (foto 21 e
22). Cada ano, ele se configura em um espaço diferente da escola: na árvore-mãe,
no gramado, no redondo formado pelas árvores, na casinha de pau a pique, etc.,
lugares que fazem sentido para aquele grupo. Os personagens também são
escolhidos por eles, podendo ter várias “Marias”, anjos, Reis Magos, pastores e
pastoras, guardiões, palhaços ou animais diversos, como dinossauro, besouro,
dragão, sapo, carneirinho, respeitando o que é significativo para cada criança.
As músicas tambérm são escolhidas pelas crianças, a partir do repertório
apresentado pelos educadores. Atualmente, trabalhamos o repertório de cantigas,
introduzido por Lydia Hortélio, já citada anteriormente, que em sua pesquisa na
região de Grota Funda, zona rural de Serrinha, Bahia, recolheu inclusive o “Baile do
Deus menino”. Segundo Lydia Hortélio, a festa em Serrinha se dá diante da lapinha,
o presépio, e dura a noite toda, até o amanhecer. Marchas/jornadas cantadas,
dançadas e representadas por um terno de pastores e pastoras contam a história do
Natal, a peregrinação para Belém e a “santa festejação”. Tudo para a louvação ao
Menino, festejado com loas, versos e personagens que fazem parte do imaginário do
povo brasileiro, na proposta de reafirmar a cultura brasileira, de fazer um
contraponto à comercialização e ao consumismo das festas natalinas.
113
Na Casa Redonda, os pais ensaiam o repertório das músicas escolhidas para
aquele ano e ajudam na decoração e comidas no dia da festa, que encerra o ano
com uma grande celebração coletiva entre pais, familiares, crianças e professores.
(Foto 21. Festa da Estrela: Presépio vivo 1)
(Foto 22. Festa da Estrela: Preséio vivo 2)
114
5.2.3. O aniversário
Outro momento de celebração é o aniversário de cada criança, festejado com
muita simplicidade. Os elementos são os essenciais: a vela e o bolo, decorado pelas
próprias crianças que buscam enfeitá-lo e escolhem o lugar onde o aniversariante irá
recebê-lo, personalizando-o do acordo com o seu modo de ser. O aniversariante, se
quiser, é enfeitado pelos colegas, e fica no centro da roda. O canto de parabéns é
outro: “Hoje é dia de festa, cantam as nossas almas, para o(a) menino(a)...., uma
salva de palmas”. A criança, após apagar as velas, dá os pulinhos relativos aos seus
anos e distribui para os amigos próximos as flores e velas do bolo. Neste dia, tem o
privilégio de escolher sua brincadeira favorita e todos brincam com ela.
No trabalho da Casa Redonda, a passagem dos 6 para 7 anos é vista como
um ciclo de iniciação, o ciclo dos 7 anos, e precisa ser ritualizada para que as
crianças a compreendam como sendo um marco em suas vidas.
O aniversário de 7 anos cumpre um ritual específico pelo significado do
término de um ciclo e início de outro, movido pela própria saída da criança do
convívio diário com a Casa Redonda. O bolo possui um tesouro escondido,
representado por um “cristal”, que marca o fim e início de um tempo (foto 23). As
crianças aguardam ansiosamente o seu dia de completar os 7 anos. O cristal é o
presente, quem sabe, o lugar onde ficam guardadas todas suas experiências vividas
até então, trazendo ‘sorte’ para o tempo futuro. É o anunciador de uma mudança, de
uma nova fase em sua vida.
Para Maria Amélia, “ritualizar os fatos, os momentos importantes da vida que
marcam passagens significativas na história humana, é tarefa da educação que
busca a inserção consciente do indivíduo, seja individual, seja coletivamente, no seu
tempo. Celebrar o tempo e espaço do ser é um ato de dar sentido, de sagrar a vida,
de exercer a sensibilidade, reequilibrando a dessacralização presente nas
sociedades, ditas modernas”.
115
(Foto 23. O aniversário de 7 anos)
116
5.3. Trabalho corporal: toques sutis
(Foto 24. Massagem com folha)
O corpo, na Casa Redonda, é visto como o instrumento em que a vida se
manifesta e, como tal, é respeitosamente acolhido e cuidado. Compreende-se o
corpo como o veículo primordial da expressividade das crianças e, portanto, a
formação de educadores deveria incluir a observação mais apurada e uma leitura
gestual através do repertório das brincadeiras infantis.
Desenvolve-se um trabalho de “toques sutis”, cujo objetivo é estimular a
percepção corporal, integrando as dimensões física e psíquica. Brincadeiras com o
corpo, que possibilitam diferentes contatos entre as crianças e experiências com
117
sensações corporais diversas, como: pedras, paina, pincel, sementes, flores, etc.,
ajudam a criança a construir sua imagem corporal, a perceber seus limites e
descobrir a diversidade de sensações, visualizando imagens e cores, expressando
seus sentimentos e aguçando sua sensibilidade.
Os “toques sutis” são feitos nas crianças individualmente quando elas
requisitam do professor ou quando este utiliza esta abordagem como recurso para
auxiliar crianças que apontam alguma dificuldade, que pode ser aliviada através do
trabalho corporal. Além disso, ocorre muita troca de massagem entre as próprias
crianças (foto 24 e 25).
A abordagem corporal é sugerida na relação entre os professores e mães que
se interessam em desenvolver os “toques” como recursos auxiliares no processo de
educação das crianças.
Uma criança que foi “tocada” por este tipo de toque desperta em si uma
sensibilidade peculiar que permite o desenvolvimento da consciência corporal e
adquire uma outra maneira de se relacionar com o outro, através do exercício da
ternura, do afeto e da solidariedade.
(Foto 25. Massagem em grupo)
118
5.4. Linguagens expressivas
“Antes de aprender o idioma
Antes do significado das palavras e
Antes das leis gramaticais, a
linguagem criada, com sons,
formas, cores e gestos, permite a
comunicação total, direta,
profunda e exata.”
Júlia Saló e Santiago Barbuy
5.4.1. O brincar
“O homem só é inteiro quando brinca e é somente quando brinca
que ele existe na completa acepção da palavra homem.”
Schiller
Segundo Maria Amélia, “brincar é um ato voluntário, movido por uma decisão
interna, cuja essência está no exercício da liberdade e a finalidade esgota-se em si
mesma. Cumpre-se no próprio ato, não havendo objetivos no brincar, ele se explica
por si só. Brincar se constela no elo que une o que está dentro e o que está fora,
criando um tempo e espaço próprios, onde conexões se estabelecem entre o real e
irreal”.
Através do brincar, cria-se uma ordem harmoniosa em que a unidade entre o
homem e a natureza se restabelece. Observando-se a relação entre muitas
brincadeiras e sua correspondência com as estações do ano e com os quatro
elementos: água, terra, fogo e ar, nota-se que as mesmas propiciam o contato com
os aspectos mais sensíveis do ser humano.
Teoria, no seu sentido etimológico, quer dizer ‘ato de olhar’, de ‘contemplar’.
O trabalho desenvolvido pela Casa Redonda compreende a observação e a
contemplação das brincadeiras infantis como uma forma de desenvolver uma
reflexão sobre o desenvolvimento do ser humano através da criança (foto 27 e 28).
Escola vem do grego e quer dizer lazer, tempo livre. Atualmente, nos centros
urbanos, ocupa o lugar de transmissor de conhecimentos. A escola deveria ampliar
sua função de ‘ponto de encontro’ e ‘espaço de convívio’ entre crianças, para que a
119
dimensão subjetiva esteja presente, equilibrando as questões cognitivas com as
afetivas. O brincar e as artes, com suas diversas linguagens, deveriam ser levados
mais em conta.
Até a década de 60, nas grandes cidades, esta integração ocorria nas
brincadeiras de rua, as famílias tinham maior número de filhos, o que permitia a
convivência entre crianças de diferentes idades, ocorrendo um processo de
aprendizagem informal, relevante para o processo de educação.
Hoje, as escolas estão sob uma organização rígida quanto às faixas etárias e
horário livre: o recreio. Os espaços são fechados, segmentados, para evitar conflitos
ou pelo número excessivo de crianças, em relação ao espaço disponível para
brincar. As crianças são privadas de interagirem entre as diferentes idades, havendo
o isolamento e, conjuntamente, um empobrecimento do nível de relações afetivas
que poderiam ser cultuadas.
No encontro com crianças de diferentes idades assiste-se ao cuidado de um
com o outro. A solidariedade, a cooperação, o ensinar, o ajudar e o cuidar surgem
de modo natural. Tanto para os pequenos quanto para os maiores, é importante ter
alguém que promova os desafios.
Nos relacionamentos entre crianças surgem conflitos. Entretanto, é um fato a
capacidade que elas têm de criar suas próprias soluções. Às vezes, faz-se
necessária a intervenção de um adulto, apenas como uma presença, para dar uma
segurança, seja para ajudar alguma criança a se perceber, seja para perceber a
vontade dos outros. É um momento de intervenção que leva a criança a tomar
consciência de si própria e dos outros.
Para Maria Amélia, “brincar é o gesto que reúne o Homem recordando a sua
Humanidade”. Por meio das brincadeiras, as crianças perfazem, de um modo
espontâneo, o processo de desenvolvimento da espécie humana. A função do adulto
é a de ampliação do repertório que a criança traz em si, espelhando para ela o seu
próprio conhecimento.
O lúdico está presente na espontaneidade do ato de brincar da criança (foto
26) e não precisa ser transformado em brinquedos pedagógicos, com fins
utilitaristas, didáticos ou como recurso para a aprendizagem. Ao brincar, a criança
120
desenvolve aspectos da matemática, das ciências e de outras áreas de
conhecimento, de maneira integrada.
(Foto 26. Crianças brincando com escorregador de bolinha de gude)
Atualmente, a indústria de brinquedos tem se utilizado das crianças como
objeto de consumo. O imaginário das crianças é manipulado através da mídia, que
as leva a conviverem com um mundo adulto infantilizado, criando uma ruptura com a
essência do brincar.
Os brinquedos industrializados, na sua maioria, são descartáveis, propiciando
uma concepção das relações também descartáveis. Muitos promovem o comodismo,
pois já vêm prontos, não exigindo nenhuma criação por parte da criança, outros não
fazem parte da nossa cultura e ficam desvinculados de sentido.
Walter Benjamin (1892-1940), da Escola de Frankfurt, ressaltou o valor dos
jogos que se dirigem à pura intuição da fantasia e os brinquedos da humanidade,
resgatando a história e cultura dos povos, até chegarmos aos modelos
industrializados e ‘psicologizados’ dos brinquedos atuais.
121
Para Roland Barthes, os brinquedos correntes são essencialmente um
microcosmo adulto e a criança é apenas proprietária, usuária e não criadora. Ela não
inventa o mundo e sim o utiliza. Para ele, ocorre um aburguesamento do brinquedo,
reconhecido pelas formas, todas funcionais e pela substância, de uma química, não
de uma natureza, extinguindo o prazer, a doçura, a humanidade do toque.
Na Casa Redonda os brinquedos oferecidos às crianças são pensados na sua
qualidade tátil. A maioria deles é de madeira, material ideal pela firmeza e
temperatura, pois preserva o calor natural de seu contato, propiciando uma outra
sensibilidade ao serem manipulados, como uma continuidade de contato com a
árvore, a mesa, o chão.
Muitos brinquedos são construídos pelas próprias crianças, sendo ampliados
de significados, tanto pelo simples fato da utilização de suas próprias mãos, quanto
pelo valor afetivo que lhes é dado.
Em um texto reflexivo para uma reunião de pais da Casa Redonda, Maria
Amélia escreve:
“No brincar, o indivíduo, o espaço e possíveis objetos das brincadeiras saem da esfera
exclusivamente utilitária. Os efeitos externos são atenuados e os objetos revelam uma
realidade mais profunda. O mundo interno das crianças, sua subjetividade, emprega
parâmetros de uma realidade percebida por elas que não coincide necessariamente com as
leis que regem o mundo adulto. Para a criança, a hora é sempre AGORA, o lugar é o AQUI e
a ação é o EU. Enquanto a criança brinca, o trabalho mais profundo acontece por debaixo do
que está aparente. Ela só conhece um mundo e este é exatamente o mundo REAL no qual e
com qual ela brinca. A criança não brinca de viver. BRINCAR É VIVER! O BRINCAR UNE.
Esta é a ligação de grandeza e beleza da UNIDADE que a criança nos traz” (2004).
122
(Foto 27. Menino com arco e flecha)
(Foto 28. Menino no pneu)
123
5.4.2. Música da cultura infantil
A Linda Rosa Juvenil, juvenil, juvenil
Vivia alegre no seu lar, no seu lar, no seu lar,
Mas uma feiticeira má, muito má, muito má,
Adormeceu a rosa assim, bem assim, bem assim,
E o tempo passou a correr, a correr, a correr
E o mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor
Um dia, veio um belo rei, belo rei, belo rei,
Que despertou a Rosa assim, bem assim, bem assim
E os dois puseram-se a dançar, a dançar, a dançar,
Digamos ao rei muito bem, muito bem, muito bem!
Domínio Público
Segundo Lydia Hortélio:
“Os brinquedos com música fazem parte da vida da criança desde muito cedo. Aos acalantos
e brincos da mais tenra idade, de iniciativa materna, seguem-se as parlendas e cantilenas,
onde os primeiros gestos da melódica infantil se insinuam a par com o elemento rítmico da
palavra. E, aos poucos, vão chegando os brinquedos cantados, cuja ação dinâmica, com
suas variadas qualidades de movimento, talha uma música de caráter e perfil diferenciados.
Finalmente surgem as rodas de verso, verdadeiros ritos de passagem, em que o conteúdo
poético, a atmosfera própria e a movimentação, mesmo guardando dimensões da infância,
apontam, cada vez mais, a expressividade da nova etapa a ser vivida.” (In “Brincando de
roda” [fita e encarte], uma publicação da Secretaria da Educação da Bahia, Instituto Anísio
Teixeira, Salvador, 1977).
Nesta faixa etária, de 2 anos e meio a 7 anos, a linguagem da criança é o
brincar, que passa pelo corpo, e a música é experimentada pela incorporação do
ritmo e da pulsação no próprio corpo. É preciso viver a música com o corpo todo.
Os instrumentos musicais são colocados à disposição das crianças, que têm
a possibilidade de experimentar a música. Desta forma, e através da prática de um
repertório variado que se contrapõe às músicas que aparecem na mídia, elas vão se
tornando capazes de discernir e perceber a diferença e a qualidade e desenvolvem
a criatividade musical.
É importante para o professor a pesquisa de repertório, das lembranças de
sua infância, a recolha junto aos mais velhos, ou em viagens, para aprender e
124
repassar aquilo que o sensibilize. Pode-se gravar o material recolhido em fita ou em
vídeo, e, se possível, passar para partitura, para quem domina a linguagem musical,
disponibilizando, assim, as informações para outros educadores.
O brincar é a cultura da infância e o primeiro instrumento é o corpo. Por isso,
é importante a experimentação e não o ensino de técnicas. Ao descobrir outras
formas de tocar os instrumentos, através da brincadeira, dos jogos, da percussão
corporal, do tocar em conjunto, vai se criando um diálogo musical.
O tambor e os instrumentos de percussão em geral são importantes para
essa idade, pois trabalham com o ritmo, a pulsação, e funcionam como extensão dos
braços (foto 29).
Outro fator importante é o cantar, respeitando o limite da voz da criança, para
cantar entoado, percebendo o caráter da música, com um repertório bastante amplo
e variado.
Escolas mais voltadas para uma linha cognitiva, estão preocupadas com a
escrita, assim como com a escrita musical. As crianças na Casa Redonda são
estimuladas a perceberem a linguagem musical através do sentido musical e
espontaneamente fazem a representação do som. Uma idéia da Casa Redonda é
fazer livros para as crianças aprenderem a ler a partir das rodas, cantigas e
brinquedos.
A música, a história e as brincadeiras acontecem juntas. Há momentos em
que todos brincam e cantam juntos, independente da idade. Existem brincadeiras
que os pequenos gostam mais, outras são dos maiores, com maiores desafios
corporais, mas todos brincam juntos as mesmas brincadeiras e as escolhem
espontaneamente.
Algumas crianças trazem de casa brincadeiras e músicas aprendidas fora da
escola. Próximo às festas do Natal e São João, ocorrem oficinas para os pais
aprenderem o repertório das crianças e participarem mais das festas, cantando junto
com elas. Nas reuniões de pais são propostas brincadeiras para que possam
compreender corporalmente a linguagem e a alegria das crianças quando brincam.
É proposto um encontro com as babás, no sentido de resgatar e valorizar seu
repertório de brinquedos, para que brinquem mais com as crianças. Em muitas
125
famílias, atualmente, são as babás que ficam a maior parte do tempo com as
crianças.
Para a formação de educadores, é preciso levá-los a brincar, para desta
forma sentirem o corpo, compreenderem e respeitarem as necessidades das
crianças. Os educadores precisam experimentar primeiro, para refletirem depois. A
prática da música deveria ser valorizada. É no exercício do canto que se afinam,
percebem a entoação e as diferentes vozes.
Pode-se ouvir todo tipo de música; clássica, erudita, etc. mas é importante
valorizar a música da cultura infantil, pois é a língua materna musical de nossa
origem, nossa raíz, tão importante para a formação da identidade cultural.
“A orquestra da vida tem muitos instrumentos. E cada um tem que aprender a tocar o seu
instrumento, para que seus tons e sons possam contribuir na grande sinfonia; só assim ela soará
cheia e perfeita e só assim pode chegar a si mesmo aquele que toca” (Heyer, 1963: 41).
(Foto 29. Meninos com tambor)
126
5.4.3. Histórias
“As histórias vêm do céu.
Alexia, 6 anos
As histórias abrem um outro canal de comunicação e despertam o imaginário
das crianças. “A tradição dos contadores orais é uma manifestação cultural de
tempos imemoriais”, como diz Regina Machado, e “cria um universo imagético para
o qual seus ouvintes são transportados”.
Nesta proposta, as histórias são vividas e por isso internalizadas, trazendo
todas as possibilidades de lidar com os elementos internos de cada um: bruxas,
fadas, rainhas, empregadas, mães, madrastas, bailarinas ou heróis, cavaleiros,
magos, palhaços, gigantes, anões, dragões, dinossauros, cachorros, etc. São todos
personagens que estão dentro da gente e, ao entrarmos em contato com eles,
trazemos os elementos para tomarmos consciência de quem somos (foto30).
Como já foi dito anteriomente no capítulo sobre as contribuições da Psicologia
Junguiana, este conteúdo é uma referência importante no trabalho da Casa
Redonda e norteia a concepção e a prática de ouvir, contar e vivenciar histórias.
“Os contos de fada são representações de acontecimentos psíquicos(...) encenam os dramas
da alma com materiais pertencentes em comum a todos os homens(...) têm origem nas camadas
profundas do inconsciente, comuns à psique de todos os humanos. Pertencem ao mundo arquetípico.
Por isto, seus temas reaparecem de maneiras tão evidente e pura nos contos de países os mais
distantes, em épocas as mais diferentes, com um mínimo de variações.” (Silveira, 1990: 119).
A compreensão do mito é como uma metáfora poética que retoma o princípio
da vida por imagens, como num filme ou sonho. O mito é a história de uma origem
ou um princípio. Percebe-se a necessidade humana de explicação mítica como
referência de identidade pelo modelo arquetípico dos elementos da Natureza,
principalmente para povos que não perderam esta conexão.
A vivência dos povos primitivos era de observação do céu. Estes procuravam
uma explicação mítica da origem da vida. A terra era o espelho do que acontecia no
céu. A explicação dada pelo mito sobre os ciclos de dia / noite, estações do ano,
ciclos da lua, era como uma experiência primordial de adaptação destes ritmos e sua
medição, na busca da unidade das polaridades.
127
É nas histórias dos mitos de criação que nos percebemos dentro da história
da Humanidade, dentro do Universo, estando unos com a totalidade. É através das
imagens que se constrói uma ponte entre o consciente e o inconsciente. A
comunicação entre contador e ouvinte é de inconsciente para inconsciente, seja
através das histórias, dos mitos, dos símbolos. Esta vivência auxilia a tomada de
consciência de si próprio integrado ao todo.
“A Mitologia funciona como um instrumento para nos ajudar a experienciar o
transcendente.” (Keleman, 2001: 106).
O potencial de criação deste repertório é infinito. Lidar com conceitos,
preconceitos, cristaliza e condiciona o pensamento das crianças numa visão adulta
de valores e conceitos preestabelecidos. É a transcendência que a criança busca,
poder ser além do que se é, se conectar com outros mundos, ir e voltar no tempo e
no espaço, ser tudo e o todo ao mesmo tempo em que se é um.
Durante as brincadeiras na Casa Redonda (foto 31), a criança cria seus
monstros e seus escudos para se defender, espadas e lanças para atacar, com
medo e coragem, repetidamente, inventando novos desafios e interiorizando suas
conquistas, neste processo de incorporação do conhecimento, por sua ação e
reapresentação do mundo.
Segundo Maria Amélia, “nestes gestos de enfrentamento, de exploração da
força física e da coragem, os meninos vão se exercitando passo a passo na eterna e
irreversível jornada humana rumo à aventura da consciência”.
A partir da pesquisa dos contos tradicionais e da cultura brasileira, o
repertório de histórias da Casa Redonda foi se tornando muito vasto. As crianças
pedem “histórias de boca”. Elas são contadas, vividas e vivenciadas significativa e
corporalmente, nos diferentes espaços da Casa Redonda, de acordo com o enredo
e a sua ambientação como cenário.
As crianças lidam com os personagens à sua maneira. Os papéis de
madrasta e de bruxas malvadas em geral são encenados pelas educadoras, sob
orientação das crianças que têm, às vezes, dificuldade de fazer estes tipos de
papéis. Ao longo do tempo e das experiências, elas se aproximam desses
personagens, assumindo-os no exercício de confronto com figuras vistas como mais
autoritárias (madrastas) ou mais acolhedoras (mães).
128
(Foto 30. Príncipe e princesa)
(Foto 31. Cavaleiros com capacetes, escudos e espadas)
129
Segundo Laura V. Freitas, as histórias permeiam diferentes culturas e trazem
símbolos do mundo infantil que refletem as estruturas básicas da psique humana
(1987).
Existem histórias que agregam as crianças menores, como, por exemplo, as
histórias que são portadoras de um símbolo que diz respeito às questões ligadas ao
nascimento. Outras, que trazem aventuras e desafios, com provas que devem ser
vencidas, atraem os mais velhos, embora haja uma flexibilidade entre estas
escolhas.
O contar histórias é imprevisível, porque constela uma conexão entre
educador e aluno, do mistério para mistério, onde o educador também vai se
revelando. Existe uma troca muito intensa, um autoconhecimento profundo, que se
dá entre o contador e as crianças (foto 32).
(Foto 32. “História de boca”)
“É preciso ouvir [as histórias] com o coração. Se as palavras conseguirem
adormecer dentro do coração, quando acordarem, sairão histórias novas, contadas a
partir do sonho do contador.” (Munduruku, 2005: 23)
Para a Casa Redonda é importante que o educador tenha uma pesquisa
individual de repertório, não só de histórias, mas também de cantigas e brincadeiras,
pois tudo acontece de maneira integrada, ao mesmo tempo.
130
Existem fases em que as crianças querem a mesma história. Há a repetição
até se esgotar um tema e outras fases em que pedem uma história nova a cada dia,
o que exige uma pesquisa maior. É importante deixar esgotar o tema na vivência da
história, mesmo que seja apenas para uma criança, num processo individual, de algo
que precisa ser vivido naquele momento. O educador precisa ouvir a sua intuição,
estando atento à necessidade de acolhimento de cada criança, em cada momento.
Através das histórias, remete-se à vivência de um rito de iniciação pois
experiencia-se o medo, a morte e a vida. A imaginação da criança é do tamanho do
que ela pode alcançar e agüentar, diferentemente da TV, que traz imagens prontas,
fortes e que muitas vezes as crianças têm dificuldade de digerir. Freqüentemente,
elas precisam pôr para fora as informações que captam pelos diferentes meios e as
histórias podem fornecer os recursos para o seu processo de elaboração interna.
“Na minha cabeça tem uma televisão, que quando eu tenho pesadelo eu mudo o
canal,piscando os olhos. Rodrigo, 5 anos
.
Trabalhando na Casa Redonda, o educador aprende que não existe uma
receita, é preciso que tenha abertura para aprender com as crianças e deixar as
coisas acontecerem. Deve ter cuidado com o que fala e faz, pois é referência e
modelo para as crianças.
O que conduz as crianças é o fio da história, sem ter a preocupação de uma
apresentação para os pais ou para outros. Nessa faixa etária, o que ocorre é a
brincadeira, onde se misturam as diferentes idades, num enredo comum.
Nesta proposta de trabalho, elas inventam histórias, que são colagens de
várias outras que já ouviram, em que pegam a estrutura essencial dos contos.
Acontecem histórias que uma criança conta e a outra continua, sem perder o seu
rumo. Percebe-se o desenvolvimento da linguagem oral e do vocabulário, que se
amplia a partir das histórias inseridas dentro de um contexto e que faz sentido para
as crianças.
Por meio das histórias trabalham-se valores, incorporados e incluídos nas
suas brincadeiras, assimilando-os como referenciais próprios. Cada um absorve à
sua maneira os valores presentes nas histórias.
131
As histórias trazidas de casa, contadas pelos avós ou pessoas da família são
um ótimo acervo, assim como as dos próprios educadores, de algo que aconteceu
de verdade na sua vida, recente ou de quando crianças.
Refletindo sobre a experiência com as histórias da Casa Redonda, percebo
que o contar histórias é muito importante para a educação, pois trabalha com o
imaginário como uma experiência vivida que pode ser transformada de forma
criativa.
Para a professora e contadora de histórias, Regina Machado
7
, “as narrativas
de tradição oral, tornam-se como parte de uma abordagem particular, um veículo de
aprendizagem significativa e na direção de uma possível pedagogia do imaginário,
no exercício de tornar-se protagonista de sua própria história”.
Como disse Maria Amélia num texto preparatório para uma reunião de pais:
“Através das brincadeiras, a criança tem a capacidade de resolver suas dificuldades, seja no
plano físico, seja no campo emocional, utilizando recursos que transcendem qualquer
planejamento ou programação que o mais sábio educador pudesse idealizar para cumprir um
desenvolvimento satisfatório a cada criança. O que assistimos em nosso dia a dia, nos
confirma a determinação da natureza humana de ir conquistando, passo a passo, o seu
autodesenvolvimento, desde que lhe seja permitida a experimentação, no seu tempo e no seu
espaço devidos, sem atropelos e antecipações racionalistas, fazendo uso de sua capacidade
de imaginação como agente determinante do processo criador da espécie humana.” (2004).
(Foto 33. Crianças vendo livro)
132
“Arte é a caligrafia da Alma.”
Tao Sigulda
5.4.4. Artes plásticas
O Suporte para o jogo de sinos, de Tschuang-Tse
King, o mestre de trabalhos em madeira, esculpiu um suporte para um jogo de sinos. Quando
este suporte estava acabado, a obra pareceu a todos que a viram como que criada por
espíritos. Perguntou o Príncipe de Lou ao mestre: “Que segredo é este em tua arte?” - “Vosso
servo”, respondeu King, “é um simples artesão, qual o segredo que ele poderia possuir? E no
entanto há alguma coisa. Quando comecei a fazer o suporte para o jogo de sinos, procurei
evitar qualquer diminuição de minha força vital. Eu me reuni para conduzir meu espírito a uma
calma absoluta. Após três dias, eu tinha esquecido toda a fama que poderia obter. Após sete
dias, tinha esquecido meus membros e minha figura. Também o pensamento em Vossa
corte, para a qual eu deveria trabalhar, tinha sumido. Aí minha arte se reuniu, não mais
perturbada pelo exterior. Foi então que fui para a floresta. Olhei as árvores. Quando vi uma
que tinha a forma certa apareceu-me o suporte para o jogo de sinos e comecei a trabalhar.
Se eu não tivesse encontrado essa árvore teria que deixar o trabalho. Minha espécie nascida
do céu, e a da árvore, também nascida do céu, se uniram nisto. O que aqui foi atribuído a
espíritos tem seu único fundamento naquilo que contei.
A Arte é uma manifestação que articula os processos internos e externos,
fazendo as interfaces com a Cultura, a Psicologia e a Educação.
Durante o Curso de Especialização em Arte-Educação que fiz na Escola de
Comunicações e Artes (ECA / USP) em 1991, formulamos conjuntamente a seguinte
visão sobre a Arte:
“Arte é uma fonte de conhecimento, uma linguagem expressiva e comunicativa, que
desenvolve sensibilidade e criatividade, articulando o fazer, o representar e o exprimir, dentro
de uma atividade criadora, de ver, perceber e comunicar-se, acordando as imagens internas,
apontando o que pode ser transformado em si e no mundo, na vida pessoal, social e
produtiva. Desta forma, as Artes Plásticas buscam desenvolver a sensibilidade e criatividade,
dando novas formas a si e ao mundo, através da oportunidade de experimentar diversos
materiais, de se familiarizar com a linguagem visual, de desenvolver sua expressão pessoal e
social, criando desenhos, pinturas e objetos tridimensionais. Os objetivos fundamentais
buscam trabalhar a artisticidade dos educandos, entendida como a articulação da
imaginação, pensamento lógico, intuição e emoção de forma organizada, no exercício do
fazer.”
É uma educação do olhar, da apreciação estética da Natureza através da
educação sensível, como a alfabetização estética da linguagem visual. Para o
educador é importante resgatar este olhar, como se estivesse vendo pela primeira
vez : “é preciso ver toda a vida como quando se era criança.” (Matisse, 1953).
133
Segundo Fayga Ostrower, é na integração de potencialidades individuais com
possibilidades culturais que a criatividade se torna a própria sensibilidade.
“O criativo do homem se daria ao nível do sensível.” (Ostrower,1996: 17). “ (...) A criatividade
como potência se refaz sempre. A produtividade do homem, em vez de se esgotar, liberando-
se, se amplia.” (op cit: 27). “Nas crianças, o criar – que está em todo o seu viver e agir – é
uma tomada de contato com o mundo, em que a criança muda principalmente a si mesma.”
(opcit: 130).
É a conexão do olho, da mão e do espírito, que estabelece um diálogo.
Primeiramente, “o olho segue a mão, que depois é guiada por este.” (Iavelberg,
1990). É nesta conexão que a criança vai construindo o conhecimento sobre si
própria e sobre o universo circundante. É na ação, movida pelos fatores afetivos,
que a criança busca seu percurso, seu caminho, sua marca pessoal (foto 34),
aflorando seu imaginário, exprimindo seu pensamento individual em diálogo com o
mundo externo. “Desenhar concretiza material e visivelmente a experiência de
existir.” (Derdyk,1989).
“Minha mão é inteiramente a ferramenta de uma vontade distante”
Paul Klee
(Foto 34. Criança desenhando)
134
Ana Angélica define desenho como: “o traço no papel ou em qualquer
superfície, mas também a maneira como a criança concebe o seu espaço de jogo
com os materiais que dispõe.” (Moreira, 1991). (Foto 35) Confirmo a importância de
saber ouvir e falar à criança, para melhor conhecê-la. O desenho fala, chega mesmo
a ser sua escrita. Nas Artes, pensamento e sentimento estão juntos, manifestando a
subjetividade da vida.
(Foto 35. Organização do espaço na brincadeira de casinha)
Quando você permite a uma criança a possibilidade do desenho, surgem
imagens do inconsciente, pois a criança ainda tem um canal aberto com o
inconsciente e a partir das configurações o inconsciente toma forma e a realidade vai
ficando mais consciente.
Nise da Silveira, diz que “o imaginário não seria redutível a termos racionais”.
(...) O imaginário está mais perto do inconsciente que da ordem racional” . (...) “As
imagens (...) tornam o ‘invisível visível’, ou quase“ (1990).
Existe uma busca para tentar criar uma unidade do mundo. Penso que nessa
busca a Arte desempenha um papel fundamental. Sendo assim, “a obra é um ser
unitário que une os dois mundos nos quais vivem a matéria e o espírito, não se
135
encontrando a linha divisória do alto ou baixo, interior e exterior, matéria e espírito.”
(Deleuze, 1988).
Os símbolos que aparecem nos desenhos, “como círculos e espirais estão
presentes em configurações do universo: no desenho das galáxias, no movimento
do Sol, no movimento da rotação da Terra, nas digitais, nos redemoinhos, nos
furacões, nas conchas, nos caracóis, nas células.” (Derdik, 1989).
As mandalas, desenhos circulares de formas geométricas concêntricas,
aparecem nos desenhos, no barro, na caixa de areia (foto 36 e 37), como uma forma
de ordenação interna da criança, em um momento de concentração e centração.
São ordenações harmônicas que remetem para a noção da totalidade da
personalidade e, em relação à personalidade, são imagens integrativas.
Para Carl Gustav Jung, a mandala é o centro, é a expressão de todos os
caminhos; o caminho para o centro, para a individuação. Em entrevistas e encontros
com Jung, ele afirma que:
“A mandala aparece espontaneamente como arquétipo compensatório, trazendo ordem,
mostrando a possibilidade de ordem. Assinala um centro que não coincide com o ego mas
com a totalidade que chamo o Eu. (...). Não sou todo em meu ego, dado que o meu ego é
apenas um fragmento da minha personalidade. O centro da mandala não é o ego, é a
personalidade total, o centro de toda a personalidade.” (apud McGuire, 1982: 293).
(Foto 36. Forma circular: caixa de areia)
136
(Foto 37. Forma circular: tanque de areia)
Nos desenhos das crianças, observamos que das formas circulares (desenho
1), surgem as radiais, os sóis, o coração (desenho 11), a estrela, o arco-íris,
símbolos que buscam a configuração e representação do real e do imaginário,
colocando-nos frente a muitos mistérios.
O trabalho da Casa Redonda propõe à criança estar inteira no que faz e que
experimente, pelos vários canais e linguagens de expressão, os recursos para
concretizar seus projetos pessoais, trazendo informações às suas demandas,
propiciando desafios, descobrindo possibilidades, construindo novos conhecimentos,
conquistando autonomia, confiança, iniciativa e coragem. Para Maria Amélia, é “na
liberdade do ato de brincar que se cumpre o humano na criança”.
Todo conhecimento é integrado, e na ação tudo acontece ao mesmo tempo.
Enquanto trabalham com as mãos, conversam, cantam, ouvem histórias, até o
momento que aquela atividade faz sentido para si. Cada um tem o seu tempo, não
existe um momento de iniciar e terminar determinado pelo adulto, a criança pode
simplesmente abandonar o que estava fazendo e sair para outra atividade mais
atrativa de forma imprevisível. A criança sabe o que é melhor para ela e o que
precisa fazer para conseguir dar forma aos seus pensamentos.
137
As linguagens são as mais variadas: barro, madeira, tinta, papel, colagens,
velas coloridas, papel crepom, tudo está à disposição para dar forma ao seu
pensamento. De forma lúdica, cada um realiza o que quer: um faz uma casinha para
passarinho; outro, um carrinho de rolemã; um forninho de barro; um desenho; outro
escorrega na grama com um papelão, etc. Tudo acontece simultaneamente, em
harmonia, dividindo e partilhando o espaço e os materiais. Às vezes, ocorre uma
‘sintonia’, no sentido de que uma criança, estando inteira no que está fazendo,
provoca no outro a vontade de fazer igual, e várias crianças passam a fazer juntas a
mesma coisa.
(Foto 38. Forma circular: trabalho de argila)
Todo o espaço é pensado no sentido de favorecer o contato com materiais
diversos, qualidades e texturas diferentes, que possam despertar o interesse e às
vezes gerar coisas inusitadas. Os materiais são organizados e dispostos de maneira
a facilitar o acesso, para que todos tenham autonomia, iniciativa e independência e
no final, participem, juntos, da arrumação do espaço.
A proposta do trabalho é favorecer a aquisição das diferentes linguagens,
desenvolver um processo criativo e não fazer um adestramento técnico. O objetivo
não é o de ensinar técnicas e reproduções de obras de arte. É importante que o
educador passe por um processo criativo para que esteja mais aberto, disponível e
sensível à compreensão do processo individual de cada aluno. “O professor dá os
recursos, mas não o discurso” (Albano, 2004).
138
(Foto 39. Menino martelando)
O clima e as estações do ano interferem nas atividades, por exemplo: pingar
vela nos potes com água é uma atividade que acontece mais freqüentemente em
dias frios. Em dias quentes e ensolarados, as crianças preferem brincar com
encanamentos na caixa de areia, fazendo aclives e declives. Tem a época de pular
corda, amarelinha, elástico, etc. Tem brincadeiras que se repetem por vários dias e
outras que não fascinam num momento, mas podem voltar em outra fase com muita
força. Tudo isto aparece de acordo com a necessidade das próprias crianças.
Na cultura popular, é notório que existem as épocas de brincadeiras de pipa,
de piões, futebol, etc., também regidas pelas estações do ano.
Além dos momentos de produção individual, existem momentos de produção
coletiva, em que todos participam, dando a sua contribuição para uma festa que é de
todos, como é o caso das Festas de São João e da Estrela, que coincidem com o
fechamento de um ciclo, de um semestre. Cada um, dentro de suas possibilidades,
faz os enfeites e adereços. É a busca da beleza estética, para enfeitar o espaço,
celebrar a reunião e a constelação daquele grupo.
As produções artísticas são ricas em material simbólico e trazem muitos
aspectos culturais. A obra de arte é compreendida como:
139
“arte em obra, onde não é nunca um objeto concluso. Está sempre em processo, em
percurso, em constituição, pois muito além de seu presumível autor, necessita do outro
contemplativo em plena fruição estética, ampliando seu potencial polissêmico, ressignificando
a própria obra, sendo em última instância, seu co-autor.” (Ferreira Santos, 2004: 108).
O belo, o justo e o bem são conceitos de Platão. “No discurso platônico, o
amor é um conceito moral e epistemológico e não pode ser entendido em separado
da noção de beleza, dado que ela que se torna o motor das boas ações e
sentimentos e meio caminho para a sabedoria”, segundo Silva. (apud Soares, 2001).
Para o trabalho da Casa Redonda a beleza é importante e está presente nos
mínimos detalhes, no seu cotidiano, no cuidado com a Natureza, na organização e
qualidade dos materiais, na preparação das festas coletivas, como elementos
significativos para uma apreciação estética e para a harmonia.
“A apreciação envolve tanto os elementos da cultura como os da Natureza.”
(Albano, 2004).
Neste contexto, a vivência das crianças faz brotar um novo campo de
experimentação sensorial, sentimental e intelectual, de forma significativa, que
aguça a sensibilidade, podendo despertar transformações subjetivas, ampliando sua
visão de mundo e se reinventando a cada dia.
(Foto 40. Construção com madeira e argila)
140
(Foto 41. Construção com argila)
(Foto 42. Construção com bolas de isopor)
141
5.4.4.1. Brincando com os elementos
A Casa Redonda está a serviço da criança e do que ela precisa para se
expressar e dar forma aos seus conteúdos internos, em diálogo com o externo, a
Natureza, fonte de conhecimento e aprendizagem, com a harmonia das formas, sua
organização, sua beleza estética e sensorial, com os elementos do fogo, água, terra
e ar, e o que cada um deles propicia, em termos de atuação, e o que mobiliza em si
o seu contato.
Este projeto propõe atividades para se lidar com os quatro elementos. Cada
elemento está relacionado a uma determinada qualidade psíquica. A cultura
indígena considera os elementos “como nossos irmãos primeiros.” (Munduruku,
2005: 37).
(Foto 43. Fogo: forninho de barro)
O fogo é o elemento transformador, partícipe da criação, também é o símbolo
do aconchego e do acolhimento. É a presença da Héstia, a deusa que não tem
imagem, mas está relacionada ao fogo, à lareira, como centro aglutinador. Pode ser
ainda a imagem do útero materno ou, por outro lado, a imagem do fogo destruidor.
142
As crianças gostam de ver o que acontece com os objetos queimados.
Ocorrem muitas atividades com fogo: utilização de pirógrafo e cola quente, pingar
vela na água (foto 44), fabricação de velas, sabonetes, ovos de Páscoa, forninhos
de barro (foto 43), “balão-galinha” (balão de jornal), tintura de tecidos, assim como a
brincadeira de armazenar fumaça em potes, para ver sua transformação.
A fogueira reúne as crianças ao seu redor (foto 45). Propicia a descoberta da
sua utilidade, com o cuidado necessário, inclusive para a preparação de alimentos
como: macarronada, sopa, chá, banana assada, queijo de coalho, churrasquinho,
panqueca, etc. que serão servidos de lanche.
Esta é uma atividade que ocorre principalmente no inverno, quando folhas
são queimadas, gerando o calor que aglutina as crianças à sua volta. É como se
revivessem a experiência primordial do domínio do fogo conquistado pelos homens
da caverna, dos índios, como uma forma de assimilar a importância deste elemento
para a nossa cultura e o conhecimento acumulado pela Humanidade.
.
(Foto 44. Fogo: atividade com velas)
143
(Foto 45. Fogo: crianças dentro dos caixotes ao redor da fogueira)
144
A água é um elemento de limpeza, purificador e regenerador, que dissolve
determinadas tensões, acalma, relaxa e está relacionada às questões emocionais e
afetivas. Sendo um diluidor, transformador na sua maleabilidade e sua junção com
outros elementos como terra e areia, era uma série de outras possibilidades. A água
também pode aparecer como tempestuosa.
Entre as várias atividades que este elemento envolve, podemos citar: água
colorida (foto 46) a partir do papel crepom; giz socado diluído na água; bolhas de
sabão; produção de tintas com pigmentos naturais e ainda a diluição ou
engrossamento de tintas.
(Foto 46. Água: Criança fazendo água colorida)
145
A terra é o elemento que simboliza a solidez. A brincadeira com argila ou
barro propicia uma produção mais individual, ligada à forma, à manifestação que, se
levada ao fogo, cria maior resistência. Na caixa de areia, muitas histórias surgem a
partir da organização e estruturação dos materiais disponíveis.
À terra é possível agregar objetos como sementes, pedras coloridas e palitos.
O uso do espremedor de carne ou forminhas permite deixar estampas e marcas. As
casinhas de barro são produções muito freqüentes, caracterizadas pela feitura de
sua base, paredes, divisórias e mobiliário. Os tabuleiros para jogos, as formas
circulares, jardins com flores aparecem bastante.
Num dos espaços da escola, as crianças construíram uma casa de pau a
pique, desde a amarração dos bambus até a lama (foto 47) para revestir a casa,
além de um forno para queimar o barro e uma churrasqueira para fazer o lanche.
Brincar na areia é uma atividade muito procurada, principalmente pelos
pequenos em período de adaptação. É uma atividade que agrega, nas caixas de
areia grandes, um número maior de crianças, que fazem comidinhas ou
encanamentos, misturas com água, castelos, montanhas, buracos e túneis. Nas
pequenas caixas de areia ocorrem muitas histórias com bichos, panelinhas,
bonecos, conchas e casinhas, sempre permeadas por confabulações e narrativas de
histórias, independente de ter ou não ouvintes.
(Foto 47. Terra: crianças brincando na lama)
146
O ar é vivido como um respiro, uma experiência de vôo, relacionado com o
sair do chão, olhar para o céu, reconectar-se consigo na imensidão do céu, do
Cosmos e na atualização do espírito. É dar asas à imaginação, nem que seja
apenas na observação do vento e na contemplação da Natureza, estando integrado
a ela. É o canto que transmite mensagens pelo ar. É o sopro da vida.
O ar é vivido através dos barangandões, pipas, peixinhos voadores, dragões,
bumerangues, aviões de papel (foto 48). Ocorrem mais nos tempos dos ventos, no
Outono, no movimento de uma paina e das folhas que caem das árvores. Nas
atividades corporais, que as crianças recebem e trocam entre si, o sopro é muito
presente, assim como as descobertas de suas variações, como o sopro quente ou
frio, ao longo da coluna, entre os dedos, na testa e ao redor do umbigo.
(Foto 48. Ar: crianças brincam com ‘birutas’ ao vento)
147
Todos os elementos fazem parte da Natureza e estão disponíveis fora e
dentro da criança. Ela tem o direito de brincar e através da brincadeira vai
internalizando conceitos, construindo seu conhecimento, para se expressar através
das várias linguagens. Para isso, utilizam-se da riqueza e qualidade dos materiais
que estimulam os sentidos, principalmente o tato e, desta forma, propiciam a
experimentação corporal através do contato direto com os elementos internos e
externos ao nosso corpo, possibilitando o seu uso e domínio na construção de si
mesmo.
O papel do professor, dentro desta abordagem, é compreendido nesta frase
de Buber
:
“O mundo age sobre a criança como natureza e como sociedade. Os elementos a educam –
o ar, a luz, a vida na planta e no animal; e as circunstâncias sociais a educam também. O
verdadeiro educador representa um e outro; mas sua presença, diante da criança, deve ser
como a de um dos elementos” (apud Gadotti: 2005: 164).
É através das experiências significativas, tanto sensoriais como estéticas, no
contato direto pelo corpo, pela brincadeira, de forma lúdica, que a criança constrói e
transforma sua experiência subjetiva na formação do ser sensível e criativo.
5.4.5.Jogos e brincadeiras
Mais que tudo quero ter
Pé bem firme em leve dança
Com todo o saber de adulto
Todo o brincar de criança.
Agostinho da Silva
O repertório de jogos e brincadeiras é muito amplo e não é definido em
termos da faixa etária, embora haja brincadeiras dos maiores em que os pequenos
querem participar e vice-versa. As crianças mais velhas continuam com as
brincadeiras, com um desafio corporal crescente, onde fantasia e imaginário se
desenvolvem.
148
(Foto 49. Meninos brincam com carrinhos em pista feita com garrafas)
Os jogos, muitas vezes, partem da iniciativa deles, como futebol, queimada,
pique bandeira, etc. O educador, geralmente, fica de juiz, para ajudar na definição
das regras e intervem em situações de conflito que eles não conseguem resolver.
Eventualmente, o adulto participa como jogador ou ensina uma brincadeira nova
para um grupo interessado.
Percebe-se como as crianças vão aprendendo a lidar com as regras de cada
jogo e como as vão internalizando. Depois de jogarem durante um tempo uma
149
mesma brincadeira, as crianças passam a inventar novas regras, criam novos
desafios dentro do mesmo jogo, reinventam-no, mantendo sua estrutura.
Existem brincadeiras mais tradicionais que são brincadas o ano todo, como
pular corda, amarelinha, elástico, etc. O que muda são os graus de dificuldade. No
caso da amarelinha, surgem novos desenhos no chão, que algum professor introduz
ou que é inventado pelas crianças. Outras brincadeiras duram uma determinada
fase, como pião (feito com tampinhas e palitos pelas próprias crianças) ou currupios
com botões, ocorrendo uma sintonia entre as crianças. Algumas brincadeiras
ocorrem conforme as estações do ano. Tem a época das pipas, de aviões de papel
e barangandões, com os ventos. Tem a brincadeira de areia e água no calor, tem as
fogueiras de inverno. Tem brincadeiras mais calmas que acontecem mais na hora da
saída, como passa anel. Outras mais agitadas de pega-pega, esconde-esconde ou
bola, que brincam ao longo do período.
Não existe a hora da brincadeira, ela acontece o tempo todo, da hora que
chegam até a hora de ir embora, por iniciativa de uma criança, de um grupo ou por
uma sugestão de um educador.
As brincadeiras têm regras, que ajudam as crianças a se ordenarem e a
estabelecer o vínculo afetivo tanto entre as crianças, entre adulto e criança ou entre
educador e aluno.
A proposta da Casa Redonda é introduzir um repertório de brinquedos
tradicionais que passaram de geração em geração, assim como inspirar para que as
crianças continuem brincando, criando seus próprios brinquedos, com maiores
desafios, no contato com a Natureza, na descoberta de seus gestos sensíveis, como
um exercício de vida.
150
5.4.5.1. A Brincadeira de casinha
“Quem te ensinou isto, menina?”
“Eu que me ensinou.”
Ayumy, 5 anos.
A brincadeira de casinha é uma necessidade da espécie humana, que nasce
imatura e que precisa de abrigo e aconchego para completar o seu processo de
desenvolvimento. O fato de ter crianças de diferentes faixas etárias propicia a
vivência da relação de exercício maternal e paternal, criando seus próprios
territórios, como um exercício de rememoração do processo da espécie humana.
A brincadeira de casinha ocorre nos diversos espaços da escola, com a
utilização de caixotes na criação de diferentes ambientes de várias configurações. A
construção física envolve a autonomia, a organização do próprio espaço, a
construção do eu da criança como sua casa interna, sua identidade e personalidade.
A primeira casinha feita pelos pequenos é a casa-berço, que é um caixote
coberto com panos. A criança de dois anos e meio tem a necessidade de ficar
sozinha, de estar quieta. Aos poucos, esta casinha vai se ampliando para casas
mais grupais com mais caixotes, cobertos por panos e, depois, por madeirite, sendo
construídos um ou mais andares. As configurações se modificam. Inicialmente, é só
o quarto, depois, cria-se o espaço da comida e outros para acolher a entrada de
novos amigos. As crianças que são rejeitadas num grupo criam suas próprias casas
ao lado, tornam-se vizinhos e, desta forma, vão estabelecendo seus vínculos
afetivos. Os maiores, quando já não querem mais brincar de casinha, abandonam-as
e deixam para os pequenos ocuparem. A casinha amplia o seu sentido e se
transforma em barco, ônibus, carro, nave espacial, laboratório, barraca de limonada,
hospital, casa de massagem, etc.
Acontece, freqüentemente, o exercício da relação pai / mãe / filho. Com a
mãe, pode surgir a figura da madrasta, numa atitude mais autoritária, ou a mãe que
nutre, acolhedora, que faz massagem. Já a figura do pai é normalmente mais
ausente: trabalhando, viajando ou até mesmo morto. Esses papéis são exercitados
nestas brincadeiras de casinha, através da experiência vivida, nas relações afetivas
estabelecidas e expressam aspectos a serem elaborados.
151
O adulto está presente como um observador, disponível para qualquer
solicitação da criança ou para ajudar na solução de algum problema. É importante
evitar intervenções precipitadas para que as crianças tenham tempo e possam achar
suas próprias soluções com autonomia.
No caso de uma criança mais autoritária, o adulto intervém no sentido de
fazer com que ela tome consciência de si, para que se perceba e perceba o outro.
Muitas vezes, as próprias crianças dão os limites, por exemplo, excluindo-a da
brincadeira, para que ela se reveja e consiga brincar junto.
Nessas brincadeiras, ocorre a prática da linguagem oral, pelas conversas, que
ampliam o repertório de palavras, conferindo a este exercício de papéis sociais,
disputa de poder, de tomar decisões, de ser mãe, filha, bebê, empregada, avó, etc.,
um profundo significado. É uma aprendizagem viva, elaborada na construção do eu.
(Foto 50. Menino e bichinhos dentro da casinha de boneca)
152
(Foto 51. Casinha de meninas)
(Foto 52. Casinha de quatro andares
feita com caixotes)
153
5.4.6. Cores, flores, cheiros e sabores na fala das crianças
“Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e com o tempo deixam de sê-lo? Será
a poesia um estado de infância relacionado com a necessidade de jogo, a ausência de
conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos do viver, estado de
pureza da mente em suma?”
Carlos Drummond da Andrade
Ao longo destes anos, colhemos frases ditas espontaneamente pelas
crianças, nas mais diversas situações, ao receber uma massagem, ao ouvir uma
história, numa brincadeira, ao ter um momento de colo e um ouvido atento, para que
pudessem expressar seus sentimentos. Muitas vezes, o adulto que está perto faz
alguma pergunta para ajudar a dar forma aos seus pensamentos.
A coletânea também inclui relatos trazidos pelos pais sobre comentários feitos
pelos seus filhos fora do ambiente escolar.
Percebemos, através de suas falas, como se dá “sua capacidade de viver
poeticamente o conhecimento do mundo” (C. D. de Andrade, apud Moreira, 1991:
73), suas fantasias, sua visão da realidade, a construção da noção de tempo e
espaço, suas relações afetivas, a relação com a natureza e suas explicações
existenciais.
“- Quem fez a árvore?
- Foi Deus.
- Não foi Deus. Deus fez a semente. A árvore está dentro da semente.”
“- Como meu olho tão pequeno consegue ver aquela árvore tão grande?”
“- Quando aconteceu?
- No dia que morreu prá trás”.
- “Não gosto do que sou. Gostaria de ser um gato para ter um dono.
- Que dono?
- “Meu pai.”
“Tudo que é grande tem mais força do que tudo que é pequeno?
Eu tenho força! Tudo tem força! A árvore também tem força!
Olha o tamanho da árvore mas a semente também tem força.”
“Eu acho que Deus ainda não acabou de fazer o mundo...
Porque o mundo não tem fim. Deus deve sempre estar fazendo mais coisas...”
“Sabe que a gente pode falar sem fala? Eu estou falando e você não está ouvindo. Sabe por
quê? Porque eu falei só com o pensamento.”
154
“Sem pressa eu consigo fazer as coisas mais bonitas. Sabe por quê? Porque a minha mão
ouve o meu pensamento. O pensamento só não, o coração também. Sem o coração nada dá
certo.”
- “Eu estou ajudando a mim mesmo!
- Sempre a gente está ajudando a gente mesmo.
- Só quando tem dois a gente está ajudando o outro.”
- “Sabe que eu vou ser maior do que meu pai? ...
- Você sabe que todo mundo pensa que Deus é maior que tudo? Mas não é não! A vida é
maior que Deus. A vida é tudo. Tudo é vida. Eu acho que a vida é que é Deus!”
“Desisti de chamar minha mãe de mãe porque meu pai chama ela de mãe.”
“Quem tem a idéia não é mais importante do que quem faz? A idéia é que vem primeiro. Sem
a idéia ninguém pode fazer nada.”
“Quero fazer um avião que vá mais longe que a vida. Mais longe que a vida acho que é o
espaço.”
“Quando eu quero abraçar o meu pai e ele está viajando e não abraço, tem uma coisa que vai
até lá e abraça ele.”
“- Mamãe, por que você faz exercício?
- Porque é bom para minha saúde.
- Andar é bom exercício?
- É!
- Andar de bicicleta também é?
- É ótimo.
- Segurar a parede é bom exercício, mãe?
- Eu não estou segurando a parede, estou alongando o músculo da perna...
- Eu sei um exercício que é melhor que todos esses...
- Qual é filho?
- Gostar, mãe!
- Gostar como?
- Gostar da vida, mamãe...”
“Os pobres têm mais chance de voar do que os ricos, porque eles acreditam em Deus. Os
ricos só pensam em dinheiro, dinheiro, dinheiro.”
“Uma bomba pode chegar até o céu e explodir Deus?”
Na época dos festejos de São João (foto 53) as crianças fazem seus
pedidos, com seus desejos para a Natureza, o mundo e a vida, que são lidos
pelos pais em volta da fogueira e depois jogados na mesma, para que assim
se espalhem pelos ares. Seguem alguns destes pedidos feitos pelas crianças
da Casa Redonda nessa ocasião:
* Trazer para a terra muita alegria para as pessoas.
* Que ninguém passe fome e passe sede.
* Que não tenha poluição na terra.
* Que as plantas cresçam felizes para que o homem cuide delas.
* Que venha muita chuva para os rios encherem.
* Que os pobres não sintam fome.
* Que os animais não passem fome nem sede.
* Que não tenha guerra no mundo.
155
* Que o homem não precise sentir saudades das coisas boas.
* Que todos aprendam a ler e escrever.
* Que tenha natureza para curar as pessoas.
(Foto 53. Festa de São João: Estrela)
156
“O que é ser criança”
Ser criança é ser algo especial, brincalhão, ter bom coração.
Tem crianças que não são alegres mas a maioria é. Uma criança alegre
fica feliz com a felicidade do outro, brinca muito, adora ficar com os
amigos, admira e gosta de ajudar. Gosta muito de se divertir, trata bem o
amigo e não fica falando mal pelas costas. Tem bom humor e gosta da vida.
Mas nem toda hora a gente fica feliz. Às vezes alguém magoou a gente
sem a gente merecer ou fizemos alguma coisa que não devia e que deixou
alguém triste. Essas coisas magoam o nosso coração. Sempre qualquer
injustiça comigo ou com os outros me deixa muito chateada.
Também tem crianças tristes que são muito ciumentas, não conseguem
ficar felizes com a felicidade dos amigos. Às vezes os pais não dão bom
exemplo: ficam falando mal das pessoas, mimam demais, batem, brigam na
frente dos filhos, são estúpidos e não dão atenção para eles.
Os adultos sabem muito mais coisas do que eu, mas a criança em certos
pontos é mais inteligente. Os adultos brigam muito por dinheiro, resolvem
fazer guerra, resolvem roubar, resolvem fazer fábricas que poluem tudo,
bebem e se drogam.
A criança é mais inteligente que os adultos porque brinca com os amigos
e quando todo mundo está feliz é que a brincadeira fica mais legal.
Ser criança é ter amigos, é amar os pais, é ser generoso, é ser feliz,
é brincar, é vontade de não fazer lição de casa, é estudar, é respeitar o
outro, é ter uma mãe que ajuda, é ter um pai que ajuda a mãe, é ter vontade
de fazer o que gosta.
Eu sei o que é ser criança, é ser tudo isso junto e é ser o que você é.”
(Texto escrito em 2005 por Gabriela Mendes Janólio,
ex-aluna da Casa Redonda, atualmente com 11 anos)
6. CASA REDONDA COMO CENTRO DE ESTUDOS: ramificações
“A Humanidade deve à criança o melhor de si mesmo.”
Declaração dos Direitos da Criança, do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef)
A Casa Redonda, como um Centro de Estudos, tem como objetivo oferecer
cursos de formação para educadores e demais interessados, sobre temas de
reflexão que surgem a apartir do seu próprio trabalho.
157
Existem grupos de estudos de formação continuada para educadores, tais
como Integração Fisiopsíquica, ministrado pelo Prof. Paulo Machado e em módulos
curtos, como o Curso Corpo de Criança, desenvolvido também pelo mesmo
professor, em conjunto com a equipe da Casa Redonda.
Além disso, periodicamente, há oficinas com professores convidados, como
por exemplo: Oficina do Peixe e O Baile do menino Deus, com Lydia Hortélio;
Encontros para brincar e Engenhocas, com Adelsin Murta; de Brincadeiras com as
Mãos, com Alexandra (BH); Percussão Corporal, com Fernando Barba
(Barbatuques); Caixeiras do Divino da Família Fanti-Ashanti (MA); Brincadeiras e
trabalhos manuais com fogo, com Celine Lorthiois; Brincadeiras da Amazônia, com
Renata Meirelles, entre outros
Com o objetivo de partilhar sua experiência com outros educadores, a equipe
da Casa Redonda tem oferecido encontros: Brincadeiras da Cultura Infantil, com
Lucilene Silva; Eu quero histórias de boca, com Cristiane Velasco, Preparação para
o Presépio, com Maria Amélia.
Para as mães, já foram propostos encontros sobre o trabalho corporal dos
toques sutis, para que possam utilizá-los no relacionamento com seus filhos.
Com as babás dos alunos foram feitos encontros eventuais, com intuito de
resgatar seu repertório de brincadeiras e proporcionar um espaço de conversas e
trocas mútuas, para orientá-las no convívio diário com as crianças.
Muitas vezes, são convidadas pessoas das mais diversas áreas que
apresentam seu trabalho sobre temas como: Átomo e Arquétipo, com o astrofísico
Amâncio Friaça; Uma brincadeira com os Poliedros Platônicos e seu significado,
com o arquiteto Roberto Pompéia; Meio Ambiente e Energias Renováveis, com o
físico Gilberto Janólio; O Espírito Santo e a Tradição Templária no Brasil, com o
psicólogo Caribé (BA); Física Quântica, com a física Nadja Magalhães; Conto e
Loucura na Sociedade Dogons, com a fisioterapeuta Denise Dias Barros, entre
outros.
Ainda acontecem encontros para narração de histórias. Já estiveram na Casa
Redonda: Regina Machado; Stela Barbieri; o Grupo Rendado de Mulheres;
Francisco Papaterra Limongi e Cristiane Velasco.
158
Na área musical, Antõnio Madureira (violão), Elisa Goritsk (flauta) e Antõnio
Nóbrega (multiartista) também se apresentaram.
O Centro de Estudos possui um acervo de mais de 2500 fotos, desenhos das
crianças e vídeos (títulos em anexo) sobre o trabalho desenvolvido na Casa
Redonda. O material foi recolhido a partir da prática e reflexão, no convívio diário
com as crianças. O Centro possui ainda uma biblioteca com vários títulos sobre a
educação e suas afinidades.
Do Centro de Estudos surgiram ramificações: cursos de formação de
educadores para uma Educação da Sensibilidade; Curso de Formação de
Educadores Brincantes, proposto pelo Teatro e Escola Brincante e um projeto social,
chamado OCA – Associação da Aldeia de Carapicuíba. Segue agora um relato de
cada um deles.
(Desenho 10. Desenho de criança: Sol)
6.1. Formação de educadores: Educação da Sensibilidade
“O mais importante e bonito do mundo é
isto: que as pessoas não são sempre iguais,
não foram terminadas, mas que elas estão
sempre mudando, afinam e desafinam.
Verdade maior é o que a vida me ensinou.”
Guimarães Rosa
159
Minha proposta de um curso de formação de educadores, para uma educação
da sensibilidade, é que este possa realmente ser transformador de uma prática, já
que a maioria dos profissionais teve uma formação mais tradicional e reproduzem
uma mesma atuação na relação com os seus educandos.
É preciso transformar os professores em educadores. ”Professores são donos
do conhecimento. Educadores são mediadores. Professores são profissionais do
ensino. Educadores fazem do ensino um estímulo para o seu crescimento pessoal.
Professores usam a palavra como instrumento. Educadores usam o silêncio.
Professores batem as mãos na mesa. Educadores batem o pé no chão. Professores
são muitos. Educadores são Um.” (Munduruku, 2005:13-14).
A idéia é de um curso de vivências significativas e corporais, em que o
conhecimento passe pelo corpo, para que a compreensão possa ser efetiva,
incorporada e não apenas teórica, no plano mental. Na prática, o objetivo é trabalhar
a sensibilidade através dos materiais e das próprias propostas, buscando um novo
olhar sobre a criança, compreendendo-a enquanto singularidade.
Para esta formação, a idéia é a de construir um percurso, que passaria pelo
resgate da história de vida de cada um, sua origem, no sentido de recontar sua
própria história, de maneira sensível, reflexiva e criativa, focando sua escolaridade,
percebendo-se enquanto singularidade, para rever aspectos de sua formação (como
foi o seu aprendizado artístico, o que o levou na escolha da profissão como
educador e qual a sua forma de atuação), o que possibilitaria ao educador
reencontrar a sua razão de ser.
O método sobre história de vida tem sido utilizado como um instrumento de
conhecimento e, principalmente, de autoconhecimento, na busca de uma nova
consciência das relações entre as dimensões psicológicas e sociais, encontrando
um sentido para a sua experiência existencial.
Sobre este olhar é importante compreender como os educadores vêem seus
alunos. Alguns acreditam que as crianças são frutos do ambiente em que moram, ou
dos aspectos hereditários trazidos da família. Neste sentido, faz-se importante o
embasamento de textos que ampliem esta concepção e percebam a criança como
uma construção histórico-social, com aspectos universais, culturais e individuais, que
160
recebem influência do seu contexto social na sua formação, inserida num tempo
histórico.
Quanto ao tema das dificuldades de aprendizagem, para a maioria dos
educadores, a justificativa do problema está mais ligada às questões externas que
internas à instituição, ou ainda, à intersecção das mesmas. Aparece um certo
imobilismo por parte dos educadores quanto às suas possibilidades de atuação
frente aos aspectos burocráticos, de hierarquia, dentro da instituição, à situação
financeira, à escassez de recursos, criando alguns fantasmas, etc.
Faz parte desta proposta desenhar o espaço físico da creche, com o objetivo
de ampliar as possibilidades de intervenção local, nos usos dos espaços internos e
externos. Se considerarmos também leituras sobre arquitetura escolar, percebe-se
que não existe uma política de pensamento sobre a cultura escolar e suas
necessidades reais. Crianças de 0 a 7 anos ficam numa instituição durante o período
integral, sem espaço externo ou em espaços reduzidos, cimentados ou
subutilizados, quando o movimento e exploração corporal são imprecindíveis ao
desenvolvimento neurológico infantil.
Os fundamentos da cultura infantil e da cultura brasileira são pressupostos
básicos. A valorização das descobertas e experiências das brincadeiras infantis,
inseridas no nosso contexto cultural, busca o significado e simbolismo presentes nas
festas populares, com a riqueza do repertório de músicas, danças, adereços, com
suas cores e todo seu imaginário.
A idéia é fazer um contraponto e mostrar um repertório diferente do que a
mídia e a programação de massa oferecem, contra uma infantilização, uma
sexualidade precoce, sem conteúdos, sem referências, apelativas ao consumo, com
modelos importados que nada tem a ver com a nossa história, raízes e cultura. A
questão não é de negar outras culturas e sim, desenvolver um senso crítico do que
nos chega e pôr qualidade na informação, no que é significativo para as crianças,
resgatando a ancestralidade brasileira, em vez de um bombardeio de informações
desconectadas e desprovidas de sentido.
Neste curso, são contadas histórias que apresentam aspectos, às vezes
inconscientes, mas que podem vir à consciência, trazendo elementos de reflexão
para a vida. Há aspectos universais que servem como ensinamento, tanto para as
161
crianças como para os adultos, na construção de sua identidade, através dos mitos e
de figuras arquetípicas, que podem ajudar o homem a olhar para dentro de si,
sintonizar-se com sentimentos mais internos, compreender sua própria história.
Quanto ao trabalho corporal, é proposta uma vivência de sensibilização
através do trabalho de toques sutis, provocando sensações, percepções e emoções,
no contato com diferentes objetos: pena, pedras, algodão, pétalas de flores, plantas,
gotas de água de cheiro, pincel, etc. A meta é acordar para os sentidos do tato e do
contato, muitas vezes já adormecidos.
É importante fazer um percurso de construção de sua própria identidade em
paralelo ao processo das crianças desta faixa etária, buscando a expressão plástica,
através do auto-retrato, do seu contorno e sua máscara, descolando-se, para ter um
afastamento e se perceber como eu, na relação consigo próprio, com o outro, com o
grupo e o mundo.
Com atividades que trabalham os elementos: água, terra, fogo e ar, a
proposta é lidar com estes aspectos da Natureza, tanto externa quanto interna dos
sujeitos, despertando a consciência da qualidade psíquica através do contato com
os elementos, da apreciação estética da Natureza, na percepção do ser humano
enquanto um microcosmo que reflete as questões do Macrocosmo, cada um
expressando o seu próprio ser.
A visão da área de Artes é a expressão de uma idéia, uma emoção, através
de imagens e símbolos, como uma forma de reconectar-se consigo, através da
educação da sensibilidade e não com modelos e técnicas de ensino.
Esta formação de educadores considera o ser humano de forma holística, a
criança dentro de uma compreensão integrativa fisiopsíquica, que, através do
brincar, esteja inteira na construção do seu conhecimento e de seu desenvolvimento
físico, mental, emocional, e social.
Alguns pressupostos básicos estão ligados à possibilidade do uso da
liberdade, autonomia, vontade e escolha dentro do processo criativo. Esta proposta
tem como postura a valorização do saber dos educadores, da sua experiência
acumulada de forma sensível e acolhedora, e é ampliada com uma reflexão feita a
partir de imagens sobre o trabalho desenvolvido pela Casa Redonda Centro de
162
Estudos, que apresenta uma proposta diferenciada de atendimento às crianças
nesta faixa etária, objetivando provocar inquietações para repensar a sua prática.
O questionamento sobre a forma de trabalhar com modelos e desenhos
esteriotipados é importante, no sentido de valorizar a expressão do próprio desenho
infantil, pensando o papel do educador e suas possibilidades de intervenção,
desafiando a criança no seu processo criativo individual a buscar sua marca pessoal
e não a reprodutividade.
A idéia é que os educadores passem pelas vivências práticas, com intuito de
valorizar sua própria expressão, de desenvolver um percurso de criação pessoal,
resgatando as suas imagens internas e externas, juntamente com a reflexão sobre a
sua prática, no processo de “fazer arte” e “pensar arte”. A forma como foram
ensinados fica enraizada em sua prática como educador, através do conceito do
certo / errado, bonito / feio, do desenho realista, do uso dos modelos, que impede o
conhecimento artístico, a expressão e imaginação criadora e a experimentação do
que os próprios materiais propiciam na construção deste saber em Artes.
O pressuposto é que, ao passarem por esta experiência de forma prática e
significativa, possam rever a sua ação, reconstruindo o seu próprio saber, sua
autonomia, criatividade e seu projeto profissional, podendo efetivamente fomentar
uma renovação na sua prática de ensino, através de uma transformação, de um
novo olhar sobre as artes e sobre a compreensão da criança.
O ponto não é de aprender artes e sim apreender artes, como uma forma de
conhecimento, no sentido de não ser um ensino de técnicas, mas de construção de
um saber através do fazer, da manifestação das mãos, juntamente com uma
reflexão, ou seja, uma prática reflexiva.
Visitas a Museus são inseridas na proposta, como uma oportunidade de
contato e reconhecimento do patrimônio histórico acumulado, de observação do
processo criador dos artistas em diálogo com aspectos internos de cada um, como
alimento para o seu fazer e a sua própria produção.
O ponto de mutação do processo de educação, das escolas e dos
educadores deve ser revisto de forma a colocar a criança no centro de toda e
qualquer atividade.
163
Os educadores precisam olhar mais a criança, buscando resgatar o brincar e
o prazer que isto proporciona, como forma de conhecimento de si e do mundo. É
preciso que estes passem pela experiência, de forma significativa, para que a prática
seja transformadora. É preciso investir em uma formação, que leve em conta as
diferentes habilidades e as diversas formas expressivas, em que o educador esteja
inteiro, vivo e flexível, para ver a criança de forma integral sabendo intervir de acordo
com cada situação, através de uma música, uma brincadeira, uma história, de
acordo com o interesse de uma criança ou de um grupo.
Os espaços físicos precisam ser reavaliados para que possam favorecer o
contato com a Natureza, com os elementos: água, terra, fogo e ar, onde a criança
tenha espaço para exercitar todos os movimentos que necessitam para o seu
desenvolvimento físico. Os ambientes devem ser favoráveis à autonomia da criança,
permitindo a escolha do que ela quer brincar, tendo momentos de integração com as
diferentes faixas etárias tão rica para o desenvolvimento social e afetivo.
A partir de um novo olhar, na visualização concreta de uma proposta
diferenciada do trabalho desenvolvido no Centro de Estudos da Casa Redonda,
mudei minhas referências. São trinta crianças de diferentes idades e classes sociais,
num espaço privilegiado pela Natureza. A criatividade das crianças se manifesta nas
diferentes possibilidades expressivas de conteúdos internos e externos, dentro de
relações afetivas e sociais, de valores, no convívio entre elas e com os adultos, cada
um buscando sua plenitude, única e singular.
A partir desta experiência vivida, refiz meu percurso criativo como educadora
e propus um curso de formação de educadores, que foi desenvolvido nas Oficinas
de Artes Plásticas dentro do Programa Especial de Formação Inicial em Serviço -
Nível Médio para Auxiliares de Desenvolvimento Infantil (ADI-Magistério), promovido
pela Fundação Vanzolini (2003); no Curso Leitura de Mundo: Letramento e
Alfabetização: os espaços e tempos da linguagem e do brincar, na área de Artes
Visuais (2004) e no Curso A hora e a vez da equipe de apoio à ação educativa: a
educação infantil construída de mão em mão (2005), sendo os dois últimos
promovidos pela Fundação de Apoio à Faculdade de Educação da USP (Fafe) e os
três em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SME), da Prefeitura de
São Paulo.
164
Em todos, a proposta foi de uma formação de educadores que levasse em
conta a educação da sensibilidade, para que fosse transformadora em sua prática
com seus alunos e no meio escolar, de forma ativa e construtiva.
6.2. Formação de educadores brincantes: Teatro Brincante
O Teatro Escola Brincante foi criado em 1992 por Antônio Nóbrega,
multiartista e brincante, juntamente com sua esposa Rosane Almeida. Tinham como
objetivo apresentar ao público o resultado de suas pesquisas sobre música, dança e
a maneira de representar e cantar do povo brasileiro. Com o passar dos anos, o
espaço foi ampliando suas possibilidades de ação. A partir de 1996, tornou-se
efetivamente escola e passou a oferecer cursos de formação de educadores
brincantes. Atualmente, é o Instituto Brincante que promove os mesmos.
O formato deste curso foi inicialmente idealizado por Maria Amélia Pereira
para a Escola Vera Cruz, como projeto de formação de Magistério. No entanto, não
havia sido viabilizado até então.
O Curso de Formação de Educadores Brincantes foi proposto como formação
inicial para capacitar educadores, e posteriormente, adolescentes, a desenvolver
atividades culturais em creches, pré-escolas e outras instituições congêneres, como
agentes formadores de uma nova consciência de cidadania e educação, pensando
em uma Educação da Sensibilidade, tendo a cultura infantil e a cultura brasileira
como pressupostos básicos.
Brincantes são personagens que participam dos Folguedos Brasileiros, como
dançarinos, tocadores, cantadores ou confeccionadores de suas indumentárias, que
manifestam o significado de nossas festas através das várias linguagens e diferentes
formas de expressão. Aprendendo, incorporando e assimilando este repertório,
individualmente ou em grupos, educadores e adolescentes identificam-se com estas
manifestações culturais e instrumentam-se para uma atuação mais criativa, como
divulgadores, mediadores, produtores e transformadores da própria cultura,
percebem-se como cidadãos, valorizando suas raízes, sua história e toda a riqueza
do imaginário da cultura brasileira.
165
6.3. Projeto Social: Oca - Associação da Aldeia de Carapicuíba.
Da minha terra vejo quanto da terra se pode ver o universo,
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.
Alberto Caieiro
Maria Amélia Pereira mora próximo à Aldeia de Carapicuíba. Com seu olhar
de educadora, sempre se incomodou pelo descaso com o patrimônio histórico da
Aldeia, um dos doze aldeamentos jesuíticos, de 1580, muito pouco preservado e mal
cuidado por nossas autoridades. Outro fator de atenção era o patrimônio humano,
pessoas migrantes de várias partes do Brasil, com poder aquisitivo de um a três
salários mínimos, muitos trabalhadores que moram em condições bem precárias
numa cidade-dormitório, distante apenas 20 Km do centro de São Paulo.
Durante alguns anos, Maria Amélia fez o registro das brincadeiras observadas
na região e documentou todo o processo do fazer destas crianças, através de fotos
e textos, observou o ciclo em que aconteciam estas brincadeiras, conforme as
estações do ano, em um lugar onde as crianças ainda estão ligadas à natureza e
seus diferentes climas. Foram registradas as brincadeiras de pipa, de pião, bola de
gude, construção de brinquedos com materiais diversos, etc.
Em 1996, foi criada a OCA – Associação da Aldeia de Carapicuíba, por Maria
Amélia Pereira, juntamente comigo (na época, educadora de Artes, voluntária) e com
um grupo de profissionais, educadores e outros colaboradores, em busca de uma
formação brasileira de crianças e jovens, a partir da compreensão do “Ser Cidadão”,
não como discurso e sim como um gesto que incorpora a alma brasileira.
A OCA desenvolve atividades com as crianças da Aldeia de Carapicuíba por
meio de um repertório gestual, plástico, musical e literário da cultura brasileira.
Atualmente, atende aproximadamente cem crianças e adolescentes. No ciclo de
festas e eventos chega a atender até mil crianças de outras entidades e instituições
que visitam a Aldeia.
Tem por objetivo trilhar um caminho com crianças e jovens que possam vir a
“crer-ser” como pessoas, através da expressão de sua identidade cultural, criando
oportunidade do exercício de uma cidadania atuante e criativa dentro de sua
comunidade.
166
O projeto da OCA – Escola Cultural tem como objetivo o desenvolvimento de:
- Um espaço de exercício de uma ética viva, confirmando o mestiço que
somos na construção do Ser Brasileiro;
- Um lugar para se “ouvir o Brasil” e conhecê-lo através de suas danças, seus
cantos, sua história, suas lendas, sua artes e artesanias, seus brinquedos e
brincadeiras, confirmando sua diversidade cultural na educação de crianças e
jovens.
Esta Escola Cultural tem quatro programas de ação:
I. Oficina da criança: Atividades de dança, música, artes plásticas, reforço
escolar, jogos e brincadeiras para crianças de 5 a 18 anos.
II. Centro de referência da cultura brasileira: Documentação e divulgação da
cultura brasileira, com uma biblioteca e videoteca; mostras de vídeos no Cine Aldeia,
para a comunidade.
III. Centro de formação de educadores brincantes (parceria com o Teatro
Brincante e com a Casa Redonda): Formação profissional para a faixa de 16 a 24
anos.
IV. Centro da cultura infantil: Acervo de músicas e brincadeiras da cultura
infantil; oficina de construção de brinquedos e encontros para brincar.
Desde 2000, a Oca é oficializada como uma associação sem fins lucrativos.
Mantém-se através das parcerias com a Escola Vera Cruz, o Instituto C&A, o
Ministério da Cultura (Programa Cultura Viva - Ponto de Cultura) e pessoas físicas
doadoras da região. O local ocupado é um galpão, no entorno da Aldeia, cedido em
comodato por vinte anos pela Prefeitura de Carapicuíba, a ser reformado como sede
própria, projetada pelo Prof. Sylvio Sawaya e equipe.
Atuo como Diretora Executiva desta entidade, juntamente com Maria Amélia
Pereira e outros educadores voluntários, na direção e coordenação dos projetos,
com a proposta de uma Educação da Sensibilidade dentro de um projeto social que
visa à valorização de cada um como indivíduo único, singular, que traz a sua história
e tem a possibilidade de atuar critica e criativamente dentro da sua própria
comunidade.
167
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: sementes
“Reb Sussia, um homem de grande bondade no coração, achava-se prestes a morrer.
Seus discípulos à sua volta estavam ajoelhados pois o mestre parecia muito agitado.
Tratava-se de uma ansiedade muito mais do que qualquer desconforto físico, e isto
mobilizava os discípulos, que lhe perguntaram a razão de tanta agitação.
Reb Sussia diz: “Estou com medo do tribunal celeste”.
Os discípulos ficaram perplexos: “Como pode uma pessoa do porte humano de Reb Sussia
temer a auditoria celeste?"
O Reb Sussia prosseguiu: “Não tenho medo de que me cobrem porque não fui neste mundo
o profeta Moisés, que tanto realizou pela humanidade. Não tenho medo, pois posso sempre
responder que não fui Moisés porque não sou Moisés.
Também não tenho medo de que me cobrem não ter sido como o filósofo e codificador
Maimôned, que tanto fez por nossa tradição. Pois posso sempre responder que não fui
Maimôned porque não sou Maimôned.
No entanto, temo muito a pergunta: Reb Sussia, por que não foste Reb Sussia?
7.1. Relato dos ex-alunos
Como aprofundamento das reflexões sobre o trabalho da Casa Redonda,
propus entrevistas com ex-alunos (roteiro em anexo), no sentido de resgatar o que
ficou na memória dos que participaram do início deste trabalho, sobre momentos
que foram significativos e de como avaliam o fato de terem passado por esta
experiência no seu processo de formação pessoal e escolar.
As entrevistas foram realizadas no próprio espaço da Casa Redonda para
fomentar suas lembranças. Foram entrevistados seis ex-alunos, para uma análise
qualitativa, com um roteiro semi-aberto de perguntas (em anexo), de forma flexível,
permitindo fazer as adaptações necessárias, para se expressarem livremente,
incluindo o desenho, como possibilidade de representação de suas sensações da
época. As entrevistas foram gravadas e transcritas, mas apenas destacarei alguns
apontamentos de seus relatos.
O que muito me admirou nas entrevistas com os ex-alunos da Casa Redonda
foi a qualidade das lembranças deste período da vida, dos 2 anos e meio até os 7
anos. Estas estão associadas aos cheiros, às emoções vividas, ao contato com a
natureza, aos toques, ao trabalho corporal, ao gosto da gota de orvalho, à alegria e
168
aos vínculos afetivos. São lembranças bastante sensoriais, registros do vivido que
ficaram marcados nas suas memórias.
O que apareceu em todas as entrevistas é que as relações afetivas foram
muito significativas, tanto entre os amigos, quanto com as pessoas que lá
trabalhavam na época. Guardam a imagem da Casa Redonda como um lugar de
acolhimento, como algo muito especial. A sensação de que cada um era tratado
como único, que pudesse desenvolver sua potencialidade, também foi muito
referenciada. Todos se sentem gratos pelo respeito que tiveram e por poderem ser o
que eram.
Alguns acontecimentos ficaram gravados nas lembranças destes ex-alunos.
Uma ex-aluna se lembrava de que uma vez quebrou um copo e tinha como
preocupação pensar numa forma de reparar o seu ato. Ela relata que alguns valores
construídos e interiorizados nessa época, dentro de contextos vividos, como esse
que lhe viera à memória, foram assimilados e estão presentes nas suas relações até
hoje.
A aprendizagem de trabalho em equipe, de estar atento ao outro, de respeitar
as diferenças, de conseguir se colocar, foi atribuída à experiência durante essa fase
da infância e ainda repercutem nas relações de estudo e trabalho.
As festas coletivas como a de São João e da Estrela, assim como os bolos de
aniversário, foram vivências marcantes, que ficaram registradas em suas
lembranças, como momentos de celebrações e de encontro entre pais e filhos.
Através dos relatos, os ex-alunos colocaram que a vivência da Casa Redonda
foi importante para eles, enquanto crianças, assim como para suas famílias, pois
todos absorveram os valores que permeavam o trabalho. Particularmente, as
reuniões individuais e coletivas, as observações e reflexões surgidas no
acompanhamento diário de seus filhos durante o período que freqüentaram a Casa
Redonda, também serviram como uma formação para os pais.
Todos os entrevistados que estão cursando o nível universitário refletem
sobre suas escolhas profissionais como algo que talvez já apontasse como área de
interesse desde criança.
169
Uma das ex-alunas, cursando veterinária, relata que desde pequena já se
afeiçoava a bichos e que ganhou um cachorrinho da escola aos 7 anos. Foi seu
bicho de estimação por anos.
Outro ex-aluno, que faz arquitetura, comenta que desde cedo se encantava
pelo espaço físico da Casa Redonda, lembrava-se das tramelas das janelas e da
porta mais alta que o chão nos banheiros. Ele ainda conta uma situação, que
aconteceu quando ele tinha aproximadamente 5 anos, onde estava fazendo uma
casa de barro sem janela para sua família e uma amiga comentou que faltava janela,
que todos iam morrer sem ar. Ele resolveu fazer um furo com um palito e assim
solucionou a questão.
Outra entrevistada dá aulas de inglês e é ingressante na Faculdade de
Psicologia. Ela diz que foi influenciada pela Maria Amélia e pela própria mãe, para
ser professora, atualmente. As lembranças deste período são da sensação do toque
da mão da Maria Amélia segurando a sua, como uma forma de aconchego e
segurança.
Outro ex-aluno diz que desde pequeno tinha um espírito bastante
humanitário, e conta o quanto foi importante ter tido contato com crianças de
diferentes classes sociais. Atualmente faz trabalho voluntário, estuda Antropologia e
História Antiga. Embora more fora do Brasil tem uma relação afetiva muito grande
com este país e com as lembranças da Casa Redonda e sua infância.
Uma outra ex-aluna diz que sempre leva consigo um estojo com lápis e papel
para que outras crianças possam desenhar a qualquer hora, pois isto lhe foi
possibilitado, desde a sua infância na Casa Redonda, onde havia um canto
disponível para isto. Atualmente, faz Artes Plásticas, continuando a desenvolver sua
linguagem expressiva. Faz cursos de formação sobre dança e música da cultura
brasileira, pois teve a oportunidade de viver e valorizar aspectos da nossa cultura
através das vivências das festas coletivas, marcadas na sua vida até hoje.
Pequenos hábitos, como colocar uma mesa para o lanche, com toalhas, flores
e enfeites, tornaram-se um ritual que foi incorporado na escola e é praticado até
hoje.
Uma ex-aluna, que perdeu sua mãe muito nova, tem a lembrança dela
trazendo o seu bolo de aniversário para a Casa Redonda, cena que ficou marcada,
170
trazendo um sentimento da Casa Redonda como um lugar de acolhimento e de
vínculos afetivos.
Os desenhos que alguns fizeram, tinham a ver com a Casa Redonda vista de
fora e de dentro, outro de uma dança de roda (desenho 11) e, ainda outro, de uma
lembrança de criança numa explosão de cores, olhando a janela da Casa Redonda.
Trago esses relatos como apontamentos de lembranças significativas dos ex-
alunos que passaram pela Casa Redonda na sua primeira infância, dando um
colorido a esta história, como as sementes que ainda estão germinando.
(Desenho 11. Ciranda, desenho de um ex-aluno)
171
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Fernando Pessoa
7.2. A Dissertação como semente
Uma pergunta que surgiu durante o processo de pesquisa foi sobre a
abordagem metodológica. Qual seria a maneira mais adequada para abordar o meu
objeto de estudo, a Casa Redonda Centro de Estudos? Retomo, então, meu percuso
para este fechamento.
Um fator importante era fazer parte deste projeto, estar inserida no trabalho,
como educadora. A minha postura era de, apesar de estar pessoalmente
172
comprometida, poder mostrar sua singularidade, sem querer universalizá-lo nem ser
panfletária,
A relação com a coordenadora do projeto Maria Amélia Pereira é de mestre-
aprendiz. Comecei minha iniciação com a busca do meu próprio caminho, no sentido
de resgatar o embasamento teórico, a compreensão do momento histórico, a
construção de um saber, a partir do meu olhar e o meu recorte, em diálogo com
outros autores que pudessem iluminar uma reflexão sobre a prática e a possibilidade
de organizar este saber, para que outros educadores a ela tivessem acesso, que
pudesse ajudá-los a refletir sobre sua prática.
Decidi incluir na dissertação a autobiografia escrita pela autora do projeto da
Casa Redonda, como uma forma de expressão em que a vida é uma história e traz o
contexto histórico-social e cultural que a envolve.
A pesquisa estava voltada especialmente às necessidades básicas de
responder as minhas questões, levando em conta minhas aspirações e
potencialidades de conhecer e agir, para um crescimento pessoal e profissional,
integrando os conhecimentos da Psicologia, da Arte e da Educação, para que
pudesse partilhar este processo com outros educadores.
A proposta foi de fazer um “estudo de caso” sobre o trabalho da Casa
Redonda. Este procedimento busca o relato de uma situação mais objetiva, apoiado
em dados descritivos. Meu interesse estaria em descrever o conhecimento formal e
as impressões, sensações, intuições para a compreensão deste projeto como único
e singular, buscando a construção deste conhecimento através do meu olhar, em
conjunto ao das demais pessoas que participam deste trabalho.
Foi através da sensação, da experiência vivida e de uma percepção já
carregada de sentido, que brotou este trabalho. “O visível é o que se apreende com
os olhos, o sensível é o que se apreende pelos sentidos” (Merleau-Ponty, 1971). A
experiência sensível é um processo vital e para analisar esta percepção, foi preciso
transportá-la para a consciência e redigí-la.
Fui tomando consciência de que não existe uma única metodologia, uma
única maneira de tentar enquadrar o que se quer analisar, buscando uma
objetivação do que não é objetivável e que existe uma atitude, em que toda
compreensão é uma relação vital do pesquisador com o fenômeno de estudo.
173
Tive contato com o conceito de fundamentação teórico-poético formulado por
Regina Machado, no seu livro “Acordais” (2004), o que me ajudou a definir a
metáfora da árvore, como um eixo para essa dissertação, no sentido de definir o que
era cada parte desta árvore, buscando as raízes, o tronco, a seiva e as ramificações,
compreendendo os elos e os encadeamentos deste simbolismo.
“... escrever é o fio que nos conduzirá para fora do labirinto” (T. S. Elliot).
A fala está mais relacionada às emoções, no plano horizontal. A possibilidade
de escrever mergulha no plano vertical, buscando um aprofundamento e
compreensão sobre o vivido.
Propus, juntamente ao texto escrito, a possibilidade de trazer imagens, fotos e
desenhos, para que provocassem sensações e outras formas de percepção do
trabalho da Casa Redonda, para que ele fosse compreendido internamente, de
forma mais viva. Incluí algumas epígrafes de poemas, que falam diretamente à alma,
ou ainda frases das crianças, brincadeiras e cantigas que pudessem nos transportar
a esta atmosfera do brincar, trazendo a existência concreta das crianças, aqui e
agora.
Reafirmo a importância de alguns temas levantados como fundamentos deste
trabalho, que são: a Cultura da Infância, como sendo a multiplicidade e riqueza dos
brinquedos de criança e a Cultura Brasileira, onde esta criança está enraizada,
conhecendo a si para depois conhecer os outros, respeitando as diversidades.
Acredito nas contribuições do trabalho da Casa Redonda para a educação
nos seguintes aspectos: a importância da compreensão do corpo como o veículo
sensível; a Natureza como sendo o habitat natural da criança; o respeito ao brincar
como a linguagem da criança; a valorização das linguagens expressivas; a
compreensão do ser humano integrado, com aspectos conscientes e inconscientes,
que traz a história da humanidade, familiar e pessoal e que nos aponta para o futuro.
Descobri neste meu processo que o importante é se deixar educar pela
experiência e pela situação vivida, enriquecida pela reflexão e conscientização, na
busca do conhecimento na construção do saber. É neste caminho que encontramos
pessoas que se afinam ou desafinam nesta grande orquestra humana.
O método, em grego, quer dizer meta-odos, caminho para a meta, para o fim
(Ferreira, 2002:154). Por isso, relato minha busca para compreender a experiência
174
do trabalho da Casa Redonda e a dissertação como um meio para alcançá-lo, mas
não um fim.
Pode parecer utopia, no sentido de que ‘ainda não possui lugar, mas deixo o
registro do possível neste tempo e espaço.
E sobre e ensinamento de Gandhi: “a experiência me ensinou que é um erro
crer como necessariamente falso o que não compreendemos” (Gandhi, 1971:63,
apud Ferreira, 2002:168). Por isso, permita-se ler, sem pré-julgamentos, para entrar
em contato com a essência do trabalho.
Estou em busca de uma consciência do coração, e Kaká Werá Jecupé, índio
da Tribo Tapuia, conta que há uma “profecia [guarani] segundo a qual quando o
espaço abraçar o círculo do novo tempo, Tupã renascerá no coração do estrangeiro
e os ensinamentos sagrados deverão ser divulgados”. Jecupé diz que essas
palavras formosas “oferecem mais do que a narrativa do Universo de maneira
poética; (...) elas servem também pelo menos para o homem buscar não somente a
consciência do cérebro, mas também a consciência do coração.” (2001:14-5).
A imagem da espiral ascendente, que me acompanhou no período do
mestrado, simboliza minha experiência de vida, significativa e reflexiva, integrando
presente, passado e futuro, deste meu processo de crescimento pessoal,
profissional e espiritual.
Assim, para o fechamento desta dissertação, como etapa final do Mestrado,
lanço aqui uma semente ao vento, com minha visão sobre o trabalho desenvolvido
na Casa Redonda, lembrando com Fernando Pessoa, que “a Criança Eterna
acompanha-me sempre. A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.”
O ponto de partida é local. Que o ponto de chegada seja universal.
175
(Desenho 12. Desenho de criança: Coração)
176
Escrever uma tese é um processo de iniciação, de ter que desembainhar a espada
contra dragões e fantasmas... Tem uma fase mais heróica, com o uso de caneta e
papel, de busca de informações e conhecimento para encontrar a sabedoria.
No caminho existem momentos místicos, de entrar na caverna e digerir
o que faz sentido, com as sensações, com o corpo visceral.
Ao final, procura-se um momento mais dramático
ou melhor, sintético, com a possibilidade
de equilibrar as polaridades
os dois hemisférios,
o dia e a noite,
o corpo e a mente,
num processo de construção
de conhecimento integrado do meu ser
bio-psico-histórico-social-cultural-cósmico,
buscando a universalidade e a essência do ser humano
no meu próprio processo de individuação, integrando passado, presente e futuro.
Cristina Cruz
177
(Desenho 13. Desenho de criança: Espiral)
178
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBIER, René. A Pesquisa-Ação. Brasília: Plano Editora, 2002.
BENJAMIN, Walter. Criança, Brinquedo e Educação. São Paulo: Summus
Editorial, 1984.
BEZERRA JR, B. , PLASTINO, C.A. (org.). Corpo, afeto e linguagem. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
CASCUDO, Luís da Câmara (1898-1986). Dicionário do Folclore Brasileiro.
ed., São Paulo: Global, 2000.
DERDYK, Edith . Formas de pensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1989.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na Cidade de São Paulo.
3ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 2004.
FERREIRA SANTOS, Marcos. Crepusculário: conferências sobre
mitohermenêutica e educação em Euskadi. São Paulo: Zouk, 2004.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 2003.
GADOTTI, Moacir. História da Idéias Pedagógicas. Editora Ática: São Paulo,
2004.
GIL, José. Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio D’Água, 1997.
GONÇALVES, Maria Augusta S. Sentir, pensar, agir. Corporeidade e educação.
São Paulo:1994. Papirus, 1994.
HORTÉLIO, Lydia. História de uma manhã. São Paulo: Massao Ohno, 1987.
JECUPÉ, Kaká Werá. Tupã Tenondé: a criação do Universo, da Terra e do
Homem segundo a tradição oral Guarani. São Paulo: Peirópolis, 2001.
JUNG, Carl Gustav. A prática da Psicoterapia. São Paulo: Editora Vozes, 1988.
JUNG, C.G., WILHELM, R. O segredo da flor de ouro. Petrópolis/RJ: Vozes,
2001.
179
KELEMAN, Stanley. Mito e corpo: conversas com Joseph Campbell. São Paulo:
Summus, 2001.
MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar
histórias. São Paulo: DCL, 2004.
MARTINS, Cláudia S., DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense,
1988.
McGUIRE, William, HULL, R.F.C.. C.G. Jung: entrevistas e encontros, São
Paulo: Cultrix, 1982.
MENDANHA, Victor. Conversas com Agostinho da Silva. Lisboa: Editora
Pergaminho, 1995.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1971.
MONTAGU, Ashley. Tocar, o significado humano da pele. São Paulo:
Summus,1988.
MOREIRA, Ana Angélica A. O espaço do desenho: educação do educador. São
Paulo: Edições Loyola, 1991.
MUNDURUKU, Daniel. Sobre piolhos e outros afagos. Conversas ao pé da
fogueira sobre o ato de educar(se). São Paulo: Palavra de Índio, 2005.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional, São Paulo: Brasiliense,
1985.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro:
Petrópolis, 1996.
PEARCE, J.C. A criança mágica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
PESSOA, Fernando. Obra Poética, vol. único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar
S.A., 1992.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.
RUPERTI, Alexander. Ciclos de Evolução. São Paulo: Editora Pensamento,
1991.
180
RURI’Õ, Lucas. A história da aldeia Abelhinha. São Paulo: Master Book, 2000.
SAIANI, CLÁUDIO – Jung e a Educação: uma análise da relação
professor/aluno. São Paulo: Escrituras Editora, 2000. (Série ensaios
transversais)
SANCHEZ TEIXEIRA, M. Cecília. Discurso Pedagógico, mito e ideologia: o
imaginário de Paulo Freire e de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro:
Quartet, 2000.
SÁNDOR, Pethö et alli. Técnicas de relaxamento. São Paulo: Vetor, 1974.
SANT’ANNA, Denise. É possível realizar uma história do corpo? In: C.
L.Soares (org.). Corpo e História, Campinas: Autores Associados,
2001.
SCHILDER, Paul. A imagem do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
SCHILLER, J. C. F. Cartas sobre la educacion estetica del hombre. Buenos
Aires: Aguilar, 1981.
SHARP, Daryl. Léxico junguiano, dicionário de termos e conceitos. São Paulo:
Cultrix, 1991.
SILVA, g. Agostinho. Considerações e outros textos. Lisboa: Assírio & Alvim,
1988.
_____. Dispersos (org. Paulo Alexandre Esteves Borges). Lisboa, Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 2ªed., 1989 a.
SILVEIRA, Nise da. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro: Numen, 1990.
SINGER, Helena. República de Crianças: uma investigação sobre experiências
escolares de resistência. São Paulo: Hucitec, 1997.
SOARES, C.L. (org.). Corpo e história. Campinas: Autores Associados, 2001.
STAKE, Robert E. Investigación com estúdio de casos. Madrid: Ediciones
Morata, 1999.
181
Teses e Dissertações
FREITAS, Laura Villares. A psicoterapia como um rito de iniciação: estudo
sobre o campo simbólico através de sonhos relatados no self
Terapêutico. São Paulo, Dissertação de Mestrado, IP/USP, 1987.
LIMA, Tânia Pessoa de. Alquimia dos contos de fadas: educação para a
completude. São Paulo, Dissertação de Mestrado, FEUSP, 2004.
LOPES, Ana Lúcia. Ampliando o olhar: um estudo sobre a construção da
identidade da criança negra-mestiça frente a experiência escolar. São
Paulo, Dissertação de Mestrado, FFLCH / USP, 1997.
MACHADO FILHO, Paulo Toledo – Gestos de cura e seu simbolismo. São
Paulo, Dissertação de Mestrado, FFLCH/USP, 1994.
MORAES, Sumaya Mattar. Aprender a ouvir o som das águas – o projeto
poético-pedagógico do professor de Arte. São Paulo, Dissertação de
Mestrado, FEUSP, 2002.
SANCHEZ, Lucília Bechara. Cultura, poder e legitimação na organização
escolar: um estudo de caso. São Paulo, Dissertação de Doutorado,
FEUSP, 1997.
SANTOS, Inaicyra Falcão. Da tradição africana brasileira a uma proposta
pluricultural de dança-arte-educação. Tese de Doutorado, FEUSP,
1996.
Revistas e Publicações:
AJZENBERG, Elza (coord.). Arte e ciência – Arte e corpo. São Paulo:
publicação ECA/USP, 1998.
_____. Concepções Clássicas do Corpo: Basar-Sarx, São Paulo: publicação
ECA/USP,1998
ALBANO, A. A., Apostila: Projeto Leitura do Mundo. FAFE/ Prefeitura de São
Paulo, Maio de 2004.
ANDRADE, Carlos D. A Educação do ser poético. Revista Arte e Educação, nº
15, outubro, 1974.
182
BRINCANDO DE RODA [fita e encarte], uma publicação da Secretaria da
Educação da Bahia, Instituto Anísio Teixeira, Salvador, 1977).
HEYER, G.R. A mulher. Stuttgart: Ed. Hans Huber, 1963 (tradução: Sandór
Pethö).
IAVELBERG, Rosa. O ensino de arte na pré-escola: o desenho como
construção, in Idéia, n.7, FDE, 1990.
MASSAMBANI, O. (org.). Meio ambiente e desenvolvimento. São Paulo: Fórum
USP, 1992.
MATISSE, Henri. Idéias coletadas por Régine Pernoud, Lê Courrier de
l’U.N.E.S.C.O., vol. VI, nº 10, outubro de 1953.
PEREIRA, Maria A.. Educação da sensibilidade. Brasília: Universidade de
Brasília, 1994.
SANDÓR, Pethö. Introdução. Em Boletim de Psicologia, órgão da Sociedade de
Psicologia de São Paulo, nº 57 e 58, 4-10.
Textos do Arquivo da Casa Redonda
PEREIRA, Maria Amélia – Texto Preparatório para Reunião de Pais, São Paulo,
2004.
HORTÉLIO, Lydia – Análise e Sugestões - Referencial Curricular Nacional
para a educação Infantil, Salvador, 1998.
183
9. BIBLIOGRAFIA
ALEXANDER, Gerda. Eutonia. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
ARNHEIM, Rudolf. Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Ed. Martins Fontes,
1989.
AUROBINDO, Sri. O valor da arte na educação. Salvador: Ed. LTD, 1989.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da
matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
BADESCU, Horia e NICOLESCU, Basarab. Stéphane Lupasco: o homem e a
obra. São Paulo: Triom, 2001.
BAILEY, Alice. Educação na Nova Era. Niterói: Associação Cultural Avatar,
1991.
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação: conflitos / acertos. São Paulo: Max
Limonad, 1984.
_____. Arte-Educação: leituras no subsolo. São Paulo: Cortês, 1991.
_____. Teoria e prática da educação artística. São Paulo: Cultrix, 1985.
_____. A imagem no ensino da arte no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1986.
_____. (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez,
2001.
BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 2003.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BERTHERAT, Thereze. O corpo tem suas razões: antiginástica e consciência
de si. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BLAKE, William. Songs of Innocence, Songs of Experience. Londres: Bosch,
1977.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Pesquisa participante. São Paulo:
Brasiliense, 7ª ed. 1988, 1ª ed, 1981.
184
BRONOWSKI, J. As origens do conhecimento e da imaginação. Brasília:
Universidade de Brasília, 1985.
BÜHLER,Charlotte. Desenvolvimento da criança do 1º ao 6º ano de vida. São
Paulo: Epu, 1979.
BYINGTON, Carlos A. B. Pedagogia simbólica: a construção amorosa do
conhecimento do ser. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1991.
_____. Isto és tu – Redimensionando a metáfora religiosa. São Paulo: Landy,
2002.
CARVALHO, Ana M. A. (et. al.) (org.). Brincadeira e cultura: viajando pelo Brasil
que brinca, vols. 1 e 2. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
CAPRA, Frijof. O Tao da Física: um paralelo entre a física moderna e o
misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 1989.
CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 1989.
CRITELLI, Dulce Maria. Analítica do sentido: uma aproximação e interpretação
do real de orientação fenomenológica. São Paulo: Educ: Brasiliense,
1996.
DAVIS, Flora. A comunicação não verbal. São Paulo: Summus, 1979.
DELMANTO, Suzana. Toques sutis. São Paulo: Summus, 1997.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
_____. Vida e educação. 8ª ed., São Paulo: Melhoramentos, 1973.
DIAS, Marina C. M. e NICOLAU, Marieta L. M. (orgs.). Oficinas de sonho e
realidade na formação do educador da infância. Campinas, São Paulo:
Papirus, 2003.
DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1988.
_____. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes,
1997
ECO, Umberto. Como fazer uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1977.
185
ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
_____. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 2002.
_____. Imagens e símbolos.São Paulo: Martins Fontes, 1991.
FARAH, Rosa M. Integração psico-física. São Paulo: Robe Editorial e Ed. C.L.,
1995.
FELDENKRAIS, Moshe. Consciência pelo movimento. São Paulo: Summus,
1977.
FREIRE, João B. Educação do corpo inteiro: teoria e prática da Educação
Física. São Paulo: Scipione, 1992.
FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo: relatos de uma professora.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
FRANZ, M. L. V. C. G. Jung – a individuação nos contos de fadas. São Paulo:
Paulinas, 1984.
FUSARI, Maria F. R., FERRAZ, Maria Heloísa C. T. Arte na educação escolar.
São Paulo: Cortez, 1993.
_____. Metodologia no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1993.
GARDNER, Howard. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
GUSDORF, Georges. Professores para quê?. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
HILLMAN, James. Encarando os Deuses. São Paulo: Cultrix, 1997.
_____. Cem anos de psicoterapia – e o mundo está cada vez pior. São Paulo:
Summus, 1995.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 1980
JECUPÉ, Kaká Werá. A terra dos mil povos: história indígena brasileira contada
por um índio. São Paulo: Peirópolis, 1998.
JENSEN, A. D. E. Mito y culto entre pueblos primitivos. México: Fondo de
Cultura Econômica. 1936.
186
JUNG, C.G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1981.
_____. Psicologia y educacion. Buenos Aires: Paidós, 1978.
_____. Tipos Psicológicos. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. (4ª ed., 1ª ed. 1967)
_____. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
_____. A vida simbólica. Petrópolis: Vozes, 2000.
KELLOGG, Rhoda. Analisis de la expression plástica del preescolar. Madri:
Cincel, 1979.
KISHIMOTO, Tizuko (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São
Paulo: Cortez, 1996.
LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em
discussão. São Paulo: Summus, 1992.
LABAN, Rudolf . Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.
LEBOYER, Frederck. Shantala. Paris: Seuil, 1974
LOWENFELD, Vitor. O desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo:
Mestre Jou, 1977.
LÜDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU, 1986.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.
MAKARENKO, Anton. Poemas pedagógicos. Moscou: Progresso, 1959.
MATURANA, Humberto R. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana, São Paulo: Palas Athena, 2001.
MEREDIEU, F. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 1979.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. 3ª ed., São Paulo:
Perspectiva, 1992.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros curriculares: Educação Infantil.
Brasília: MEC, 2002.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez/Unesco, 1999.
187
_____. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
NASR, S. H. O homem e a natureza. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
NEWMAN, Erick. A criança. São Paulo: Cultrix, 1980.
_____. História da origem da consciência. São Paulo: Cultrix, 1968.
NICOLESCU, Bassarab. Ciência, sentido & evolução: a cosmologia de Jacob
Boehme. São Paulo: Attar, 1995.
NUNES, Angela. A sociedade das crianças A’uw~e: por uma antropologia da
criança. (Temas de investigação; 8) ISBN 972-8353-88-X, Instituto de
Inovação Educacional, Ministério da Educação, 1999.
OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983.
PEARCE, J.C. O fim da evolução. São Paulo: Cultrix, 1992.
PIAGET, Jean. A tomada de consciência. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1977.
_____. Fazer e compreender. São Paulo: Melhoramentos/Universidade de São
Paulo, 1978.
_____. O raciocínio da criança. Rio de Janeiro: Record, 1967.
_____. Formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e
representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
RANDON, Michel. O pensamento transdisciplinar e o real. São Paulo: Triom,
2000.
READ, Herbert . Educação por el arte. Buenos Aires: Paidós, 1964.
REVERBEL, Olga. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Scipione,
1989.
Ribeiro, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
RUBINSTEIN, S. L. Princípios de psicologia general. México: Grijalbo, 1967.
SALÓ, Júlia. Terra, água, ar, fogo: para uma oficina-escola inicial. São Paulo:
ECE, 1977.
188
SANTOS, Milton. O Brasil: Território e Sociedade no início do Século 21. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
SEVERINO, Antonio J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez,
2002.
SILVA, G. Agostinho. Educação em Portugal. Lisboa: Ulmeiro, 1989(a).
_____. Reflexões. Lisboa: Guimarães, 1968.
_____. Sanderson e a Escola de Orendle. Lisboa: Editorial, 1941.
_____. Parábola da Mulher de Loth, seguida de Policlés e de um Apólogo de
Pródico de Céos, composto e impresso nas Grandes Oficinas gráficas
“Minerva” de Gaspar Pinto de Souza, Suc., Ld. –Lisboa: V.N. de
Famalição, 1944.
SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
SOUZANELLE, Arnick de. O simbolismo do corpo humano. São Paulo:
Pensamento, 1989.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez, 1985.
VERDET, Jean-Pierre. O céu, mistério, magia e mito. Rio de Janeiro: Objetiva,
2000.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
_____. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
_____. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandria,
1995.
WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
_____. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar Cultural, 1985.
189
Teses e Dissertações
MACHADO, Regina. Arte-educação e o conto de tradição oral: elementos para
uma pedagogia do imaginário. São Paulo, Tese de doutorado,
ECA/USP, 1989.
SAWAYA, Sylvio B. A sacralização de espaço e a arquitetura: o templo
messiânico de Guarapiranga. São Paulo, Livre Docência, FAU/USP,
2000.
SOUZA, Nilza Alves de. Daqui se vê o mundo: Imagens, Caminhos e
Reflexões. Campinas/SP, Dissertação de Mestrado, Faculdade de
Educação / Unicamp, 2002.
Revistas e Publicações:
Ajudar. Despertar. Educar – Caderno especial de Ananda, ano 24, nº 6 –
nov./dez. de 1995, publicada pela casa Sri Aurobindo, em co-edição
com a impressora Rocha Ltda.
FREITAS, Laura V. O arquétipo do mestre-aprendiz. Considerações sobre a
Vivência. Junguiana. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia
Analítica, 1990 (ap.72 - 99).
JUNG & CORPO. Revista do Curso de Psicoterapia de Orientação Junguiana
coligada a técnicas corporais, ano V, nº 5 – 2005.
Pro-Posições / Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Educação
– Campinas, S.P., v.1, nº 1, mar. (1990-), v.15, nº1 (43), jan./abr. 2004.
Revista Quadrimestral da faculdade de Educação/ Unicamp.
190
10. ANEXOS
A. Referências Bibliográficas de Anísio Teixeira
a. Do autor
TEIXEIRA, Anísio. Educação progressiva (uma introdução à philosophia da
educação). São Paulo: Nacional, 1933.
_____. Educação e a crise brasileira. São Paulo: Nacional, 1956.
_____. Educação não é privilégio. 2ª ed., São Paulo: Nacional, 1968.
_____. Educação e o mundo moderno. São Paulo: Nacional, 1969.
_____. A pedagogia de Dewey (estudo introdutório por Anísio Teixeira). Dewey,
John. Vida e educação. 8ª ed., São Paulo: Melhoramentos, 1973.
_____. Pequena introdução à filosofia da educação: a escola progressiva ou a
transformação da escola. 7ª ed., São Paulo: Nacional, 1975.
b. Sobre o autor:
GERIBELLO, Vanda Pompeu. Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua
obra. São Paulo: Atlas, 1977.
SANCHEZ TEIXEIRA, Maria Cecília. Discurso pedagógico, mito e ideologia: o
imaginário de Paulo Freire e de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro:
Quartet, 2000.
SCHAEFFER, Maria Lúcia Garcia Pallares. Anísio Teixeira: formação e
primeiras realizações. Série Estudos e Documentos, vol. 28. São
Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1988.
VIANNA FILHO, Luís. Anísio Teixeira: a polêmica da educação. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1990.
B. Referências Bibliográficas de Agostinho da Silva
a. Do autor
A religião grega (1930).
191
O Cristianismo (1942).
Doutrina Cristã (1943).
Conversação com Diotina (1944).
Considerações (1944).
Parábola da Mulher de Loth, seguida de Policlés e de um Apólogo de Pródico
de Céos (1944).
Sete cartas a um jovem filósofo (1945).
Superação do protestantismo (1954).
Reflexão à margem da Literatura Portuguesa (1957).
As aproximações (1960).
Ecúmena (1964).
Espiral (1964)
O tempo e o modo (1965).
Aqui falta saber, engenho e arte (1965).
Goa - Cadernos Teológicos (1971).
Teodicéia portuguesa Contemporânea (1974).
Considerações e outros textos (1988).
Dispersos (1989).
Uns poemas de Agostinho (1989).
Vida conversável (1994).
Ir à Ìndia sem abandonar Portugal (1994).
Reflexões, aforismos e paradoxos (1999).
Textos e Ensaios Filosóficos II (1999).
b. Sobre o autor:
MENDANHA, Victor. Conversas com Agostinho da Silva. Lisboa: Editora
Pergaminho, 1995.
192
MOTA, Helena M. B. & Carvalho, Margarida L. S.. Uma introdução ao
pensamento pedagógico do Professor Agostinho da Silva. Lisboa:
Hugin Editores, 1996.
RODRIGUES, Rodrigo Leal (org.). Agostinho – promoção e organização
Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes. São Paulo: Green
Forest do Brasil, 2000.
C. Referências Bibliográficas de Paulo Freire
a. Do autor
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 2ª ed., Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1971.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 4ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977.
_____. Educação e mudança. 13ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
_____. Educação. O sonho possível. BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.) O
educador: vida e morte. 5ª ed., Rio de Janeiro: Graal, 1984.
_____. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido.
3ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
_____. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 1995.
b. Sobre o autor
GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez /
Instituto Paulo Freire, Brasília, Unesco,1996.
SANCHEZ TEIXEIRA, Maria Cecília – Discurso pedagógico, mito e ideologia: o
imaginário de Paulo Freire e de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro:
Quartet, 2000.
D. Referências Bibliográficas de Pethö Sándor
a. Do autor
SÁNDOR, Pethö e outros. Técnicas de relaxamento. São Paulo: Vetor, 1974.
193
b. Sobre o autor
DELMANTO, Suzana. Toques sutis. São Paulo: Summus, 1997.
MACHADO F., Paulo Toledo. Gestos de cura e seu simbolismo, dissertação de
Mestrado, FFLCH/ USP, Departamento de Ciências Sociais,
Antropologia Social, 1994.
E. Acervo de Vídeos da CASA REDONDA:
BRINCANDO COM OS ELEMENTOS
FESTA DA ESTRELA (NATAL)
SÃO JOÃO
A CASA, O CORPO, O EU
EU QUE ME ENSINOU
HISTÓRIAS DE TODO DIA
TOQUE DE CRIANÇA
GIRASSÓIS (AINDA NÃO COMERCIALIZADO)
EU QUERO HISTÓRIAS DE BOCA (AINDA NÃO COMERCIALIZADO)
F. Roteiro das entrevistas com os ex-alunos:
1. Feche os olhos e tente lembrar o seu tempo de infância. Que imagens,
cheiros, cenas você recorda?
2. V. gostaria de desenhar, cantar, fazer algum movimento que te lembrasse
este tempo?
3. O que v. acha que aprendeu neste período da sua vida (2 a 7 anos)? Tem
alguma palavra-síntese que exprima o que v. viveu neste período?
4. O que v. acha que v. aprendeu na Casa Redonda?
5. Esta experiência teve alguma importância na sua vida como adulto,
pessoalmente, profissionalmente?
6. Como v. acha que v. seria se não tivesse feito a Casa Redonda?
7. V. ainda tem amigos que foram desta época?
8. V. já voltou ao espaço da Casa Redonda? Se sim, quais foram suas
sensações, lembranças e imagens no local?
9. Se v. tivesse filhos, tem idéia de que tipo de escola o colocaria? Por quê?
10. V. tem alguma pergunta que gostaria de fazer para a Peo?
194
G. Lista de Imagens:
ACERVO DA CASA REDONDA CENTRO DE ESTUDOS
LISTA DE FOTOGRAFIAS e DESENHOS
Desenho 1. Desenho de criança: carta para as fadas Capa
Desenho 1a. Desenho de criança: tamanho menor 1
Desenho 1 b. Desenho de criança: tamanho ainda menor 2
Foto 1. Crianças desenhando cartas para as fadas 3
Foto 2. História de uma manhã... 19
Foto 3. A Casa Redonda – vista por fora 26
Foto 4. Casa Redonda: tanque de areia 26
Foto 5. Criança girando 33
Foto 6. Criança embaixo da árvore 41
Desenho 2. Desenho de criança: árvore-mãe 42
Desenho 3. Metáfora da árvore-mãe-terra 43
Foto 7. Toque com pedra 58
Foto 8. Toque nos dedos dos pés 58
Foto 9. O abraço 68
Foto 10. Flor feita com casca de semente 71
Desenho 4. Desenho de criança: Sol no mar 76
Foto 11. Crianças brincando de carro com caixotes 82
Foto 12. Casinha na escada com panos 82
Foto 13. Cultura Brasileira: Festa de São João 86
Desenho 5. Casa Redonda desenhada por uma criança 87
Desenho 6. Projeto arquitetônico: Sylvio Sawaya – croqui de implantação 89
Desenho 7. Projeto arquitetônico: Sylvio Sawaya – planta cobertura 90
Desenho 8. Projeto arquitetônico: Sylvio Sawaya - Foto interna da cobertura 90
Desenho 9. Projeto arquitetônico: Sylvio Sawaya – croqui planta térreo 91
Foto 14. Criança com o contorno do seu corpo 92
195
Foto 15. Criança deitada na árvore-mãe 96
Foto 16. Noite de acampamento 100
Foto 17. Festa de São João: Mastro 102
Foto 18. Festa de São João: Fogueira 109
Foto 19. Festa de São João: criança segurando algumas luminárias 109
Foto 20. Festa da Estrela: Presépio 110
Foto 21. Festa da Estrela: Presépio vivo 1 113
Foto 22. Festa da Estrela: Presépio vivo 2 113
Foto 23. O aniversário de 7 anos 115
Foto 24. Massagem com folha 116
Foto 25. Massagem em grupo 117
Foto 26. Crianças brincando com escorregador de bolinha de gude 120
Foto 27. Menino com arco e flecha 122
Foto 28. Menino no pneu 122
Foto 29. Meninos com tambor 125
Foto 30. Príncipe e princesa 128
Foto 31. Cavaleiros 128
Foto 32. ‘História de boca’ 129
Foto 33. Crianças vendo livro 131
Foto 34. Criança desenhando 133
Foto 35. Organização do espaço na brincadeira de casinha 134
Foto 36. Forma circular: caixa de areia 135
Foto 37. Forma circular: tanque de areia 136
Foto 38. Forma circular: trabalho de argila 137
Foto 39. Menino martelando 138
Foto 40. Construção com madeira e argila 139
196
Foto 41. Construção com argila 140
Foto 42. Construção com bolas de isopor 140
Foto 43. Fogo: forninho de barro 141
Foto 44. Fogo: atividade com velas 142
Foto 45. Fogo: crianças dentro dos caixotes ao redor da fogueira 143
Foto 46. Água: criança fazendo água colorida 144
Foto 47. Terra: crianças brincando na lama 145
Foto 48. Ar: crianças com ‘birutas’ ao vento 146
Foto 49. Meninos brincam com carrinhos em pista feita com garrafas 148
Foto 50. Menino e bichinhos dentro da casinha de bonecas 151
Foto 51. Casinha de meninas com caixotes e panos 152
Foto 52. Casinha de quatro andares feita com caixotes 152
Foto 53. Festa de São João: estrela 155
Desenho 10. Desenho de criança: Sol 158
Desenho 11. Ciranda, desenho de um ex-aluno 170
Desenho 12. Desenho de criança: Coração 175
Desenho 13. Desenho de criança: Espiral 177
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo