24
palavras, nossa memória só é feita de fotografias” (DUBOIS, 1994: 314).
Acrescente-se a tal assertiva a predominância do caráter plástico-visual nas
lembranças infantis, como ressalta Freud:
O recordar, nos adultos, sabidamente utiliza diversos materiais psíquicos.
Alguns recordam em imagens visuais; suas lembranças têm caráter visual.
Outros mal conseguem reproduzir na lembrança os mais vagos contornos
visuais do que foi vivenciado; de acordo com a sugestão de Charcot, tais
pessoas são chamadas auditifs e moteurs, contrastando com os visuels.
Nos sonhos, essas diferenças desaparecem: todos sonhamos
predominantemente em imagens visuais. Mas esse desenvolvimento se
inverte igualmente no caso das lembranças infantis: estas são
plasticamente visuais, mesmo nas pessoas cujo recordar posterior carece
de elementos visuais O recordar visual, conseqüentemente, preserva o
tipo de recordar infantil. No meu caso, primeiras lembranças da infância
são as únicas que têm caráter visual: são cenas elaboradas de modo
francamente plástico, comparáveis apenas às representações no palco.
Nessas cenas infantis, sejam elas de fato verdadeiras ou falsas, a pessoa
costuma ver a si mesma como criança, com seus contornos e suas roupas
infantis. Essa circunstância deve causar estranheza: em suas lembranças
de vivências posteriores, os adultos
visuels
já não visualizam a si mesmos.
Ademais, supor que, em suas vivências, a atenção da criança estaria
voltada para ela própria, e não exclusivamente para as impressões do
exterior, contradiz tudo o que sabemos (FREUD, 1987: 56).
Além do respaldo que as reflexões de Dubois e Freud oferecem à concepção da
memória como operação fotográfica no sentido que vimos propondo, cumpre
assinalar que, ao considerar a lembrança visual como tipo infantil de recordação, o
Mestre vienense inferir que a textualização da memória, incluindo aquelas do menino
Braga, tem como matriz e motor as cenas plásticas e visuais fixadas na infância.
Ainda quando, discorrendo acerca das dificuldades na abordagem da fotografia,
Barthes refere-se à voz da ciência como a “voz importuna” que determina tanto o
modo de visão perspectivista quanto uma concepção de passado que opera sob a
égide da referencialidade e da autentificação e afeta o spectrum, o spectator, o