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Contudo, ele parece ter deixado de se servir de mecanismos usuais de
inserção, consagração e legitimação junto à comunidade intelectual, como a
participação em polêmica, que era uma forma de afirmar o pertencimento a uma
certa agremiação, definindo a sua identidade, bem como a demarcação das
diferenças em relação às outras. Ademais, havia um público sequioso para
assistir à guerra verbal entre indivíduos e grupos rivais, o que explica, quiçá, o
fato ter sido raro o intelectual que não tenha se envolvido em alguma
escaramuça. Bomfim pode ser colocado entre as exceções.
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A oportunidade mais clara de envolvimento em uma polêmica aconteceu
quando Sílvio Romero fez uma crítica violenta ao livro A América Latina e ao
autor. Como é sabido, Romero escreveu, em 1906, vinte e cinco artigos na revista
Os Anais apontando os “defeitos” do livro recém publicado e desqualificando
intelectualmente o então jovem Bomfim. A obra A América Latina, na crítica
verborrágica e vilipendiosa de Romero, não passava de um amontoado de erros e
falsidades. Bomfim foi lacônico em sua resposta, limitando-se a afirmar, em
poucas linhas, que o seu estudo tinha uma sólida fundamentação científica, o que
faltava ao seu oponente. Além disso, o autor de História da literatura brasileira
seria um membro das classes conservadoras, ou melhor, um representante tardio
da elite que, no passado, defendera a escravidão.
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A ocasião poderia ser
importante para o jovem intelectual ganhar visibilidade ao confrontar-se com um
autor consagrado, famoso polemista, que era amado e odiado e tinha grande
projeção na República das Letras.
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Ademais, o fato de Romero ter gasto tanto
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MACHADO NETO, A. L. Estrutura social da república das letras: sociologia da vida intelectual
brasileira – 1870-1930. São Paulo: Grijalbo, EDUSP, 1973, p. 147.
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BOMFIM, Manoel. Uma carta: a propósito da crítica do Sr. Silvio Romero ao livro A América
Latina. Os Anais, Rio de Janeiro, ano II, nº 74, 1906, p. 169-170
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Exemplo de polêmica entre um jovem intelectual e outro já consagrado aconteceu em 1875,
entre Joaquim Nabuco e José de Alencar, nas páginas de O Globo. Em poucas palavras, o debate
pode ser visto como o confronto entre o adepto do cosmopolitismo (Nabuco) e do nacionalismo
(Alencar). Por outro lado, o ataque desferido contra o consagrado autor de “O Guarani” como uma
estratégia usada pelo jovem Nabuco (o “dândi” que acabara de chegar de uma temporada na
Europa, onde conhecera ícones da intelectualidade como Renan, Taine, Georges Sand, e que
afirmava estar envolvido em “uma espessa camada européia”) para ser visto, admirado e tornar-se
influente. Bomfim era o antípoda de Nabuco, não somente pela sua ênfase na brasilidade, em
oposição ao cosmopolitismo do outro, como pela sua abdicação de servir-se de meios de
consagração. Sobre a polêmica, ver COUTINHO, Afrânio. Apresentação. In: _______. A polêmica
Alencar-Nabuco. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro Ltda, 1965.