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IVANETE RODRIGUES DOS SANTOS
CONSELHOS DE EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA
SEMIPERIFERIA DO SISTEMA MUNDIAL NOS ANOS 1990:
BRASIL E PORTUGAL
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo – 2006
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IVANETE RODRIGUES DOS SANTOS
CONSELHOS DE EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA
SEMIPERIFERIA DO SISTEMA MUNDIAL NOS ANOS 1990:
BRASIL E PORTUGAL
Tese apresentada à Banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a
obtenção do título de Doutor em Ciências
Sociais, sob a orientação do Prof. Dr. Lúcio
Flávio Rodrigues de Almeida.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo – 2006
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BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (Orientador)
____________________________________
Prof. Dr. Jair Pinheiro
____________________________________
Prof. Dr. Manoel Francisco de Vasconcelos Motta
_____________________________________
Prof. Dr. Odair Sass
_____________________________________
Profª Drª Vera Chaia
Agradecimentos
Durante o processo de investigação que conduziu a este trabalho pude
contar com a colaboração de muitas pessoas, a quem agora desejo manifestar o meu
agradecimento.
Em primeiro lugar, ao professor Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, meu
Orientador Científico no Brasil, quero reafirmar meu apreço pela liberdade, diálogo e
disponibilidade que teve para sugerir caminhos e perspectivas teóricas e ajudar-me a
encontrar soluções nos momentos críticos, o que me permitiu crescer intelectualmente;
seu modo de ser e de pensar tem constituído para mim uma referência decisiva.
Ao professor Almerindo Janela Afonso, meu Orientador Científico em
Portugal, sou especialmente grata pelas sugestões teóricas altamente qualificadas, pelo
estímulo intelectual e pela forma carinhosa com que me recebeu na Universidade do
Minho; suas contribuições traduziram-se numa “mais-valia” preciosa.
Aos professores Jair Pinheiro (Unesp-Marília) e Vera Chaia (PUC-SP) pela
generosidade com que trataram meu trabalho durante o exame de qualificação e pelas
sugestões teóricas que foram fundamentais para seu desenvolvimento posterior.
Aos membros do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, pela sua
notável colaboração que me permitiu uma das mais ricas e interessantes experiências de
investigação. Sou particularmente grata às professoras Alaídes Alves Medieta e Eloysa
Maria Teixeira Alves, e a Valter Albano pelo tempo, reflexões e dados que puderam
disponibilizar.
Aos professores António Souza Fernandes, António Teodoro, João
Formosinho e Maria Teresa Ambrósio, pelas significativas contribuições dadas ao meu
estudo sobre o Conselho Nacional de Portugal.
Ao Departamento de Educação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade Federal de Mato Grosso/Campus Universitário de Rondonópolis,
instituição a que pertenço, por garantir as condições essenciais ao desenvolvimento da
pesquisa; agradeço em especial aos meus colegas de Departamento pela sensibilidade e
solidariedade com que assumiram meus encargos didáticos, possibilitando a minha
dedicação ao presente estudo.
Agradeço, também, aos professores Odair Sass, Wilse Arena da Costa e
Núbia Ferreira Ribeiro pela colaboração intelectual que me permitiu aprofundar as
discussões aqui desenvolvidas, com os quais foi estimulante e proveitoso discutir meus
pontos de vista.
Pude contar, ainda, com a contribuição dos colegas do Núcleo de Estudos de
Ideologias e Lutas Sociais (NEILS), nomeadamente, Eliel, Célia Motta, Angélica,
Renata, Jorge, Cássia, Célia Borges, Terezinha Ferrari, Ramon, Júlia, Joana, Sebastião,
Pardal, Waldir, Claudete, Cláudia, Marcelo, com os quais compartilhei momentos de
reflexão e debates acerca das lutas sociais e políticas na atual fase do capitalismo e aos
quais expresso meu agradecimento.
À CAPES, agradeço pela concessão da bolsa de estudos (PICDT),
financiamento indispensável à dedicação ao desenvolvimento deste estudo.
Aos familiares, amigos e colegas que nos últimos anos me perseguiram com
a pergunta “Então, e a tese?”, pelo seu interesse e estímulo a que finalmente posso
responder. Dulce, Luis Antônio, Lucinha, Ailton, Eliana, Astrogildo, Ivaneide,
Francisco, Eliane, Virgínia, Almir, Kida, Mariah, Camile, Alberto, Maria Emília,
Janaina, Kelly, Keyla, Welington, Mariah, Catarina, agradeço a todos e a cada um de
vocês.
Á Neide de Fátima Morato Motta, expressão de perseverança, solidariedade e amizade.
Assim eu vejo a vida
Cora Coralina
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO..........................................................................................................
10
I – Estado, Poder e Participação Política – Análise das Bases Conceptuais da
Organização Capitalista............................................................................................
19
II – Estado, Poder e Participação Política na Semiperiferia do Sistema
Mundial nos Anos 1990: Brasil e Portugal..............................................................
47
1 – Brasil: Estado Semiperiférico Dependente............................................................ 54
1.1 Movimentos Sociais e Participação Política nos anos 1980.................................. 74
1.2 Descentralização e Participação Política.............................................................. 81
1.3 Os Conselhos de Políticas: instrumentos de gestão participativa e
institucionalização da participação nos anos 1990......................................................
89
2 – Portugal: Estado e Sociedade na Semiperiferia do Sistema Mundial.................. 95
2.1 Portugal: um país de abril..................................................................................... 102
2.2 Participação política no Portugal dos anos 1990.................................................. 120
III – Conselhos de Educação e Participação Política em Portugal e no Brasil....
136
1. O Conselho Nacional de Educação de Portugal: um Órgão de Concertação de
Interesses Políticos......................................................................................................
136
2. Conselhos de Políticas de Educação no Brasil e em Mato Grosso: Braço da
Administração ou Espaço de Disputa de Hegemonia?................................................
158
2.1. O Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso: itinerário histórico............. 163
2.2. Governo Dante de Oliveira: novos rumos da ação estatal.................................... 168
2.2.1. Plano de Metas – Mato Grosso 1995/2006........................................................ 168
2.2.2. O Programa de Reforma e Ajuste Fiscal do Estado.......................................... 178
2.2.3. O Plano de Metas – Versão 1999/2002............................................................. 188
2.3. Política educacional e participação política no governo Dante de Oliveira......... 194
2.4. O novo perfil do Conselho e as forças sociais que são forma à dinâmica de
tomada de decisões......................................................................................................
205
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Brasil e Portugal Qualquer Semelhança não é
Mera Coincidência.....................................................................................................
231
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................
234
DOCUMENTOS
CONSULTADOS.........................................................................
256
R E S U M O
O trabalho ora apresentado tem como principal objetivo estudar a participação
política em países da semiperiferia do sistema mundial, a partir da análise da problemática da
participação nos Conselhos de Educação no Brasil e em Portugal, nos anos 1990,
designadamente nos processos de decisão quanto à produção das políticas educativas. Para
isto, situa-se a discussão sobre a participação nestes Conselhos e a capacidade destes de
influenciar o processo de produção de políticas públicas de educação em um contexto
socioeconômico, político e cultural caracterizado pela luta de classes, isto é, pelo conflito
entre práticas e interesses antagônicos de classe, que buscam a manutenção ou a conquista da
poder político. Aponta-se que a capacidade dos grupos representados de influenciar as
decisões dos Conselhos relativas à política educacional está condicionado à possibilidade de
direção destes grupos que deve se traduzir em um projeto político materializado em uma
forma de governo e de Estado, para os quais obtêm um arco de alianças, bem como depende
da relação das forças sociais presentes na dinâmica da tomada de decisões, isto é, do poder
efetivo de um grupo em relação ao poder de outros grupos; indica-se, também, que a
capacidade dos Conselhos de exercer o controle social e de influir na produção das políticas
de educação está condicionado à sua autonomia e à sua aptidão de se fazer socialmente
reconhecido como um espaço plural de representação dos interesses majoritários da
população. A ênfase dada ao caráter consultivo e normativo destes Conselhos, todavia,
limitou a capacidade dos diferentes grupos de interesses influírem nas políticas de educação e
o papel político a ser desempenhado pelos Conselhos tendo em vista a democratização do
poder e subsumiu a questão da participação ao jogo institucional, que é esvaziado dos
antagonismos de classe, convertida em um instrumento para aliviar e agilizar a ação
governamental, partilhar custos e decisões, reduzir atritos entre governo e sociedade. Portanto,
a possibilidade de eles se constituírem em espaços de contra-poder, de contra-hegemonia está
condicionada à capacidade de apresentarem-se como espaços de poder radicalmente
alternativo (uma vez que não se pode perder de vista a questão dos limites e do alcance das
lutas populares dentro dos aparelhos de Estado), como forma primordial de manifestação
orgânica dos interesses objetivos das classes dominadas.
A B S T R A C T
The presented work however has as main goal to study the political participation
in countries from semioutskirts of the world-wide system, from the problematic
participation´s analysis in the Councils of Education in Brazil and Portugal, in 90´s,
appointedly in the processes of decision about the educative politics production. For this, it is
situated the discussion about the participation on these councils and their capacity of
influencing the education production process of public politics in a socioeconomic, cultural
and political context characterized by the fight of classes, that is, for the conflict between
practices and antagonistic interests of classes, that look for the maintenance or the conquest of
the political power. It is pointed that the capacity of the represented groups to influence the
council decisions related to the educational politic, it is conditionated to these group´s
possibility of direction that must interpret itself in a political draft materialized in a
Government and State form, for which they get an arc of alliances, as well as depends on the
social power relation presented in the dynamic of taking decisions, that is, from an effective
power of a group according to the others group´s power; it is indicated, also, that the council´s
capacity to practice the social control and to influence on the production of the education
politics is conditionated to its autonomy and aptitude of being socially recognized as a plural
space of representation of the majority interests of the population. The emphasis given to the
advisory and normative character of these councils, however, limited the capacity of the
different groups of interests influence on the politics of education and the political role to be
played by the Councils aiming to the democratization of the power and submited the matter of
the participation to the institucional game, that is emptied from the antagonisms of classes,
converted into an instrument to alleviate and to put in practice the governmental action, to
share the expenditures and decisions, to reduce attritions between government and society.
Therefore, the possibility of they constitute in spaces of against-power, against hegemony is
conditioned to the capacity of presenting themselves as spaces of power radically alternative
(once that it cannot lose the point of view the limit matters and the achievement of the popular
fights inside the State machine), as primordial form of organic manifestation of the objective
interests of the dominated classes.
INTRODUÇÃO
O conceito de participação aparece geralmente associado ao de democracia,
sobretudo no quadro da Ciência Política e do Direito. Sendo a democracia e a participação
questões desde logo políticas, de regime, de organização do Estado, o debate teórico acerca
das mesmas é marcado por várias polêmicas e oposições entre as teorias sociopolíticas, dentre
as quais se destacam as oposições entre a teoria elitista da democracia, a teoria da democracia
participativa e a teoria marxista, nas quais os conceitos de democracia e participação
assumem significados distintos.
A teoria elitista da democracia assume a democracia como uma forma de
dominação. Esta dominação é exercida por um grupo de atores socializados, isto é, iniciados
em uma determinada cultura política que lhes é própria; é esse grupo que se assume como
garante do processo democrático liberal. Exclui-se, desta forma, a participação ativa das
classes populares já que, nesta concepção, “a democracia não é o poder do povo, mas o poder
das elites para o povo que se limita a escolher as elites” (Canotilho, 1981, p.93). Logo,
postula-se a impossibilidade da realização da democracia como governo do povo, pois “todos
os governos são governos das elites ou pelo menos de uma entre as várias elites em
competição” (Arblaster, 1988, p.84).
Dentre os autores que limitam o conceito clássico de democracia, com a
conseqüente subalternização da importância da participação destacam-se Joseph A.
Schumpeter e Robert Michels. Schumpeter (1984), adota um conceito de democracia se
restringe sobretudo à esfera econômica e coloca acento na negociação dos votos e na visão
dos eleitores como consumidores políticos. Deste modo, contrapõe-se à teoria clássica
(participação política dos cidadãos), reduzindo a democracia a uma espécie de método para a
seleção de líderes, a uma forma de competição política. “O método democrático é aquele
acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o
poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos das populações”. Isso restringe a
participação a grupos auto-escolhidos, cuja função é dirigir o processo político, enquanto “o
papel do povo é produzir um governo, ou melhor, um corpo intermediário que, por sua vez,
produzirá um governo ou um executivo nacional” (Schumpeter, 1984, p.336).
11
Este autor rejeita a existência do bem comum, com o qual os cidadãos
concordariam, assim como a existência de uma vontade do povo, contrapondo-lhe o sentido
reduzido de responsabilidade e a ausência de um desejo efetivo, de uma vontade clara por
parte das massas. A vontade “genuína” do povo é substituída pela vontade “manufaturada”
que passa a ser a vontade geral do povo, já que o povo não tem uma opinião definida e
racional.
Para Michels (1982), que estudou os partidos políticos, não se concebe a
democracia sem organização; quem fala em organização fala em tendência à oligarquia,
donde se conclui que a democracia apresenta uma tendência aristocrática e é,
tendencialmente, uma forma de oligarquia, pois uma classe dominante é sempre substituída
por uma outra classe dominante; e que a luta de classes resulta sempre na criação de novas
oligarquias. Conforme o autor,
A partir do momento em que atingem um certo grau de desenvolvimento de poder, as democracias
começam a se transformar pouco a pouco, adotando o espírito e muitas vezes também as formas da
aristocracia que elas tinham amargamente combatido no passado. Mas contra a traição se dirigem
incessantemente novos acusadores que, após uma era de combates gloriosos e de poder sem honra,
terminam por misturar-se à velha classe dominante, cedendo o lugar a oponentes novos que, por
sua vez, os atacam em nome da democracia. É esse jogo cruel que provavelmente nunca terá fim.
(Michels, 1982, p.243)
A democracia cava uma divisão entre uma minoria que dirige e uma maioria que é
dirigida, ou mesmo produz um contraste entre a incompetência das massas e a superioridade
intelectual dos líderes. Constituindo a contrapartida das massas, só as elites estariam
capacitadas para assumir a liderança do processo histórico, pois a maioria dos seres humanos,
caracterizados pela condição de eterna tutela, está predestinada por trágica necessidade a se
submeter à dominação de uma pequena minoria e deve se sentir satisfeita por servir de
pedestal para as oligarquias (Michels, 1982).
Por outro lado, na visão de Held (1987), a argumentação dos elitistas em relação à
democracia pode suportar, na melhor das hipóteses, apenas um envolvimento político
mínimo, aquele tipo de envolvimento suficiente para legitimar o direito das elites políticas em
12
condições de competir para governar, que exclui as classes dominadas do processo de decisão
política e habilita os grandes homens de negócios a participarem deste processo.
Já a teoria da democracia participativa assenta no poder do povo, tendo como
pressuposto o interesse e a participação deste como ator principal da construção da sociedade
democrática. Caracteriza-se pela natureza do sistema institucional, que mediatiza a inserção
das classes dominadas no processo histórico. Nesta acepção, a qualidade da democracia não é
medida pelos benefícios carreados para o padrão de vida das classes dominadas, mas pelas
condições criadas para o relacionamento entre as massas e as elites.
Rousseau (1999), considerado por muitos o teórico da participação por excelência,
privilegia a participação dos indivíduos e não dos grupos e concebe a participação como uma
forma de intervenção nos processos decisórios, como uma forma de proteger interesses
privados e de garantir um bom governo. A participação surge, assim, como o principal
instrumento capaz de garantir o justo equilíbrio entre os interesses privados e públicos, visto
que o processo de participação assegura que a igualdade política seja efetivada nas
assembléias em que as decisões são tomadas. “O principal resultado político é que a vontade
geral é, tautologicamente, sempre justa (ou seja, afeta a todos de modo igual), de forma que os
direitos e interesses individuais são protegidos, ao mesmo tempo que se cumpre o interesse
público. A lei emergiu do processo participatório, e é a lei, e não os homens, que governa as
ações individuais” (Pateman, 1992, p.37).
Portanto, a principal função da participação na teoria de Rousseau deve ser o
caráter educativo que ela exerce sobre as pessoas, dado que durante o processo participativo o
indivíduo aprende que tem que levar em consideração os interesses mais abrangentes do que
os próprios e imediatos interesses privados, bem como aprende que o interesse público e o
privado encontram-se interligados. Ao participar na tomada de decisões, o indivíduo é
ensinado a ser tanto um cidadão público quanto privado, de modo que acaba por não sentir
quase nenhum conflito entre as exigências das esferas pública e privada.
John Stuart Mill (1937), de forma semelhante, assinala uma função educativa da
participação. Na sua obra encontra-se a importante idéia da extensão da participação política
do nível nacional para os níveis locais e mesmo para o governo das organizações e dos locais
de trabalho. Mill argumenta que de nada servem o sufrágio universal e a participação no
governo nacional, se o indivíduo não tivesse sido preparado para essa participação em um
13
nível local, já que é neste nível que ele aprende a se autogovernar. Portanto, é no nível local
que se cumpre a verdadeira função educativa da participação, pois é por meio da participação
neste nível que o indivíduo aprende a democracia, é somente praticando o governo popular
em pequena escala que o povo terá alguma possibilidade de exercitá-lo em maior escala.
Como recorda Pateman (1992),
Do mesmo modo que a participação na administração do interesse coletivo pela política local
educa o indivíduo para a responsabilidade social, também a participação na administração do
interesse coletivo na organização industrial favorece e desenvolve as qualidades que o indivíduo
necessita para as atividades públicas. (Pateman, 1992, p.50)
Entretanto, esta definição de Mill difere da de Rousseau, sendo que, na primeira, a
igualdade política é condição para a participação efetiva, pois para ele o papel dos
representantes eleitos deveria ser o de debatedor, não de legislador propriamente dito,
cabendo a eles aceitar ou rejeitar a legislação preparada por uma comissão especial. Reforça
tal posição seu entendimento sobre a forma como deveria ser o sufrágio ideal. Segundo ele, é
“por meio da discussão política que o trabalhador manual, cuja ocupação é uma rotina e cujo
modo de vida não o leva a entrar em contato com nenhuma variedade de impressões,
circunstâncias ou idéias, aprende que as causas remotas e os acontecimentos que ocorrem em
lugares bem distantes podem ocasionar grandes efeitos até em seus interesses pessoais” (Mill,
1910, p.278).
Conforme análise de Pateman (1992), a teoria da democracia participativa é
construída em torno da afirmação central de que os indivíduos e suas instituições não podem
ser considerados isoladamente, dado que a participação precisa ocorrer em outras esferas de
modo a possibilitar o desenvolvimento das atitudes e qualidades psicológicas necessárias ao
próprio processo de participação.
Nesta perspectiva, postula-se que a luta de classes se desenvolve
simultaneamente em campos e instâncias interligados, mas distintos entre si: o campo em que
se dá o embate entre os agentes do processo econômico em sentido amplo, organizados em
sindicatos, associações profissionais, cooperativas, ligas e uniões de diferentes tipos e níveis;
14
o campo social, ocupado pelos movimentos sociais que emergem e se desenvolvem das mais
variadas formas; o campo político, propriamente dito, ocupado pelos partidos; e o campo da
luta ideológica, povoado pelas entidades nas quais e por meio das quais se manifesta o
movimento das idéias, valores e crenças, que têm por objeto, direta ou indiretamente, a vida
social.
Deste modo,
a “participação” refere-se à participação igual na tomada de decisões das políticas estatais e à
criação de mecanismos de controle nos locais de trabalho, em que a igualdade política é entendida
como igualdade de poder na determinação das conseqüências das decisões. (Pateman, 1992, p.61)
Para esta autora, esse tipo de participação possibilita o desenvolvimento de
atitudes de cooperação, integração e comprometimento com as decisões, bem como aumenta
o senso de eficácia política, pois a existência de uma sociedade participativa significa que o
homem comum estaria mais capacitado para intervir no desempenho dos representantes em
nível nacional, em melhores condições para tomar decisões de alcance nacional, e mais apto
para avaliar o impacto das decisões tomadas pelos representantes nacionais sobre sua própria
vida e sobre o meio que o cerca (Pateman, 1992).
Vários autores (Macpherson, 1978; Arblaster, 1988; Held, 1987) chamam a
atenção para as limitações postas à participação na perspectiva da democracia participativa,
entre as quais as desigualdades socioeconômicas e o papel desempenhado pelo Estado na
manutenção dessas desigualdades, além de destacarem o conteúdo liberal desta perspectiva,
uma vez que permanecem os princípios da igualdade jurídica de direitos e de defesa da
propriedade privada. Portanto, mais participação democrática supõe em uma mudança prévia
dessas desigualdades, assim como os direitos democráticos precisam ser estendidos do Estado
ao empreendimento econômico e a outras instituições centrais da sociedade.
Apesar de possibilitar a ampliação da participação para além da escolha do
governo, de admitir a transferência do domínio político para outros domínios sociais e de
contribuir para um maior equilíbrio, uma eventual melhoria setorial ou global do sistema, a
15
democracia participativa não implicou mudanças no caráter de classe do Estado, que
concentra em seu interior relações de forças entre as frações do bloco no poder e entre este e
as classes dominadas. A não participação, ou mesmo a alienação, não integram os
pressupostos desta teoria, bem como não fica claro o tipo de articulação existente entre os
modelos participativos adotados em níveis tão diferenciados como a empresa, as escolas, as
instituições regionais e locais, por um lado, e as instâncias centrais do poder político por
outro.
Para a teoria marxista, a república democrática é a via de acesso, a forma
específica para a ditadura do proletariado. Com efeito, o desenvolvimento da democracia “até
o fim” constitui uma das tarefas integrantes da luta pela revolução social, visto que “a
democracia é um Estado que reconhece a subordinação da minoria à maioria, isto é, uma
organização para exercer a violência sistemática de uma classe sobre outra, de uma parte da
população sobre outra” (Lenin, 1988, p.277). A democracia constitui a própria essência do
Estado socialista proletário, significa o exercício do poder político pelos produtores diretos
tanto pela via do Estado como pela via não-estatal (organizações de base), visando ao controle
efetivo da burocracia estatal.
Nesta perspectiva, a participação política no contexto do Estado burguês deixa de
ser encarada como uma espécie de catalisador do equilíbrio e da integração social e para
passar a ser agente de uma mudança política, no que é ainda mais desenvolvida pela posição
radical que implica a mudança do sistema através da luta política, de forma e alcançar uma
igualdade e uma liberdade de fato. Assim sendo, a participação política tem a ver tanto com a
questão do poder e da dominação quanto com a questão do consenso e da hegemonia, tanto
com a força quanto com o consentimento, configurando-se como um meio de se fazer
presente no conjunto da vida coletiva, de disputar seu governo e de postular a hegemonia, a
direção intelectual e moral da sociedade. Coloca-se inteiramente no campo do Estado e
assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas, em que as
ideologias se transformam em partido, entram em confrontação e lutam até que uma delas
prevaleça, imponha-se e irradie por toda a área social, criando assim, a hegemonia de um
grupo social sobre os demais grupos subordinados (Gramsci, 2000).
Encontra-se a participação, portanto, inserida na relação das forças políticas
estabelecida entre as classes dominantes e as classes dominadas no contexto do Estado, pois o
Estado é objeto e lugar da luta de classes, seus aparelhos são permanentemente atravessados
16
pelas lutas populares, ou seja, é uma condensação material de uma correlação de forças entre
classes e frações de classe, e no seu interior as classes dominadas buscam conquistar posições
e espaços políticos de modo a modificar a relação de forças interna aos aparelhos de Estado
através da intensificação das suas contradições internas. Esta modificação das relações de
poder no próprio terreno do Estado consiste em uma estratégia de luta que articule a
transformação da democracia representativa com o desenvolvimento de formas de democracia
direta na base e a proliferação de movimentos autogestores (Poulantzas, 2000).
É esta a perspectiva que informa o trabalho ora apresentado, cujo principal
objetivo é estudar a participação política em países da semiperiferia do sistema mundial, a
partir da análise da problemática da participação nos Conselhos de Educação no Brasil e em
Portugal, nos anos 1990, designadamente nos processos de decisão relacionados à produção
das políticas públicas educacionais. Para isto, partiu-se da seguinte indagação: Os conselhos
de políticas de educação constituem-se espaços em que projetos de política educacional são
confrontados em busca de hegemonia?
Quando a educação é apreendida no plano das determinações sociais e, portanto,
constituída e constituinte destas relações, apresenta-se historicamente como campo social de
disputa hegemônica. “Essa disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a
organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas
diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe”, pois a educação é uma prática
social, uma atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, no
embate dos grupos ou classes sociais (Frigotto, 2000, p.25). Portanto, a participação no
processo de produção de políticas públicas educacionais se realiza em um contexto
socioeconômico, político e cultural caracterizado pela luta de classes, ou seja, pelo conflito
entre práticas e interesses antagônicos de classe, que buscam a manutenção ou a conquista da
hegemonia.
Destaque-se, neste ponto, que, em função das especificidades econômicas,
históricas, sociais, políticas e ideológicas dos dois países focalizados, por um lado, e do fato
de se tratarem de instâncias de participação que se localizam em níveis diferentes do Estado,
por outro lado (diferentemente do Brasil que conta com a organização de conselhos de
educação nos níveis municipal, estadual e federal, Portugal possui apenas o Conselho
Nacional de Educação), não se propõe fazer uma análise comparativa entre os Conselhos de
Educação desses países, mas, sobretudo, focalizar as coincidências e paralelos no concernente
17
à participação no processo de tomada de decisão ao se produzirem as políticas públicas de
educação.
O caráter semiperiférico e dependente da economia do Brasil e de Portugal em
relação ao sistema mundial; o processo de transição política pelo qual passaram os dois países
e que alterou significativamente a correlação de forças entre as frações da classe dominante
no bloco no poder; a irrupção das idéias neoliberais e a conseqüente reforma do Estado
promovida pelos governos social-democratas destes países; e a composição dos conselhos de
educação constituíram os critérios para a escolha destes dois Conselhos.
O estudo de caso realizado compreendeu diversas fases, dentre as quais se devem
destacar e distinguir os trabalhos de campo que decorreram durante os anos de 2003 e 2004 e
outros estudos sobre o caso levados a cabo fora do contexto dos Conselhos, através da análise
de documentos diversos, entrevistas e contatos pessoais que nos permitiram recolher uma
grande massa de informações e de dados. Foram entrevistados diferentes atores envolvidos no
processo de produção das políticas educacionais – conselheiros, secretários executivos dos
Conselhos, presidentes dos Conselhos, secretário de educação e governador do Estado –, para
o que optou-se pela realização de entrevistas semi-estruturadas e gravadas. Procedeu-se a
análises documentais de alguma legislação e de outros documentos formais como pareceres
emitidos, atas de reuniões e documentos relativos à orgânica e funcionamento desses
Conselhos.
A partir da análise dos dados coletados procurou-se construir o desenho
institucional desses espaços de participação para compreender os limites e significados destes
canais institucionais de participação em torno dos quais vão sendo redefinidos os processos e
as dinâmicas concretas de produção das políticas, assim como o quadro da correlação de
forças entre os diversos sujeitos sociais que dão forma à dinâmica da tomada de decisões,
visando a recuperar aspectos importantes quanto à estruturação do campo de disputas e às
formas de apresentação e negociação dos conflitos.
O presente trabalho está divido em três capítulos. No primeiro capítulo, procede-
se à consideração teórica do Estado, do poder e da participação política nas formações sociais
capitalistas, discutindo questões conceituais relativas à correlação de forças entre as classes
fundamentais do capitalismo e seu reflexo no interior dos aparelhos do Estado, e a
participação decorrente do equilíbrio instável de compromissos realizado no e pelo Estado.
18
No sentido de transitar para o estudo da participação nos Conselhos de Educação,
o segundo capítulo começa por abordar as teorias que analisam o moderno sistema mundial
para explicitar a condição, do Brasil e Portugal, de Estados que integram a semiperiferia do
sistema mundial, para em seguida analisar o processo de redefinição da relação entre o Estado
e a economia e do papel do Estado em relação às políticas sociais, induzido pela irrupção da
idéias neoliberais e, por fim, discutir a natureza dos processos participativos nos anos 1990
nestes dois países.
Na ordem de construção da análise, o vértice do conjunto da problemática
encontra-se no terceiro capítulo, que trata da participação nos Conselhos de Educação no
Brasil e em Portugal, designadamente no processo de produção das políticas públicas de
educação. Neste quadro, a análise da participação parte do estudo do contexto político-social
em que se dá a criação dos dois Conselhos e aborda as principais alterações que foram
introduzidas em sua composição, funcionamento e atribuições. Em seguida, analisa-se a
participação a partir da correlação de forças existente entre a representações (governamental e
não-governamental), que compõem estes Conselhos, na disputa pelo poder de influenciar as
decisões políticas em relação à educação, com o objetivo de focalizar as coincidências e
paralelos, no que se refere à participação na produção de políticas públicas educacionais, entre
Brasil e Portugal, como dois países semiperiféricos do moderno sistema mundial e, portanto,
sujeitos às imposições e interesses dos países centrais e às conseqüentes exigências externas
quanto ao papel do Estado nas políticas sociais que o reduzem ao “estado mínimo”, bem
como analisam-se as limitações e as possibilidades de tal participação no que se refere a
mudanças sociais.
Neste estudo, procura-se articular as formulações da teoria do moderno sistema
mundial, cuja preocupação recai sobre o processo de acumulação – o que possibilita uma
análise numa perspectiva macro do desenvolvimento do capitalismo –, com as formulações de
teorias mais estruturalistas, preocupadas com as relações socais do modo de produção
capitalista, de modo a compor um todo congruente no interior do campo marxista, e assim
participar do debate acerca da construção do marxismo.
.
19
CAPÍTULO I
Estado, Poder e a Participação Política – Análise das Bases Conceptuais da
Organização Capitalista
A questão da participação política está intrinsecamente relacionada com a questão
do poder, ou seja, com as estratégias usadas tanto para a conquista deste quanto para sua
manutenção e ampliação deste por parte das classes dominadas. É uma relação intrínseca,
porque diz respeito à capacidade de as mesmas realizarem seus interesses de classe, uma vez
que a participação política está inscrita no conjunto das lutas que são travadas pelas classes
dominadas em busca da superação de sua condição de subalternidade, de classe despojada de
bens materiais e culturais, de classe explorada pela outra que detém a propriedade e a posse
dos meios de produção nas formações sociais capitalistas. Situa-se em uma arena
caracterizada por práticas que expressam o conflito entre interesses de classe e de frações de
classe, pela luta para a realização de interesses particulares em sociedades divididas em
classes que possuem interesses antagônicos.
Nessas formações sociais, os produtores diretos estão despojados de seu objeto e
meios de trabalho e deles estão separados não somente na relação de propriedade econômica,
como também na relação de posse. É precisamente esta estrutura precisa das relações de
produção capitalista que transforma a força de trabalho em mercadoria e o excesso de trabalho
em mais-valia, o que dá lugar a uma separação entre economia e política, visto que a
produção e a distribuição assumem uma forma completamente econômica, deixam de estar
envoltas em relações extra-econômicas, em um sistema em que a produção se dá geralmente
para a troca e na qual a alocação do trabalho social e a distribuição de recursos são realizadas
por meio do mecanismo econômico da troca de mercadorias, ou seja, a propriedade “recebe a
forma puramente econômica pelo abandono de todos os ornamentos e associações políticos e
sociais anteriores” (Marx, 1983, p. 618). Trata-se de um tipo de relação que amplia a
participação direta dos grupos proprietários nos mais diversos campos decisórios e induz a
maioria a escolhas bem restritas para a participação indireta em tais campos.
20
Sob o capitalismo, a apropriação de excedentes e a relação entre os produtores
diretos e os proprietários dos meios de produção não se apresentam sob a forma de dominação
política, já que a mais-valia é resultado de uma relação social particular entre o trabalho e o
capital, operando por meio de uma organização específica da produção, distribuição e trocas e
baseando-se em uma relação peculiar entre classes, mantida por uma configuração especial de
poder. Desse modo, a apropriação do excedente de trabalho ocorre na esfera econômica, por
meios econômicos, isto é, ela se obtém pela separação completa entre o produtor e as
condições de trabalho e pela apropriação privada dos meios de produção pela classe
dominante.
Vê-se, deste modo que,
A diferenciação da esfera econômica no capitalismo pode, portanto, ser assim resumida: as
funções sociais de produção e distribuição, extração e apropriação de excedentes, e a alocação do
trabalho social são, de certa forma, privatizadas e obtidas por meios não-autoritários e não
políticos. Em outras palavras, a alocação social de recursos e de trabalho não ocorre por comando
político, por determinação comunitária, por hereditariedade, costumes nem por obrigação
religiosa, mas pelos mecanismos de intercâmbio de mercadorias. Os poderes de apropriação da
mais-valia e de exploração não se baseiam diretamente nas relações de dependência jurídica ou
política, mas sim numa relação contratual entre produtores “livres” – juridicamente livres e livres
dos meios de produção – e um apropriador que tem a propriedade privada dos meios de produção.
(Wood, 2003, p. 35)
Esta separação que o capitalismo opera entre a esfera econômica e a esfera
política é que constitui o Estado como um poder separado da economia e revestido de uma
universalidade, pois aparentemente pode pertencer a todos, produtores e proprietários dos
meios de produção, sem usurpar o poder de exploração e de apropriação do excedente
mantido pela classe que detém a propriedade e a posse dos meios de produção. O capitalismo
tem a capacidade única de manter a propriedade privada e o poder de extração de excedentes
sem que o proprietário dos meios de produção necessite acionar diretamente o poder de
coação, especificidade da esfera política, sem que necessite exercer o poder político no
sentido convencional.
21
É o que explica detalhadamente Chauí (2003):
Com efeito, se nas sociedades de classes, em geral, e na capitalista, em particular, o poder político
se destaca da sociedade e, na qualidade de poder separado, reaparece como encarnação do
universal, esse reaparecimento possui uma gênese material cujo ocultamento é determinado no
próprio aparecer das relações sociais, facilitando a representação do Estado como universalidade
(imaginária). Ou seja, a fórmula trinitária – capital/lucro, terra/renda, trabalho/salário – faz com
que a sociedade capitalista apareça composta por três classes de proprietários, juridicamente postos
como iguais, e por cujos interesses vela o Estado, na qualidade de regulador de conflitos e
ordenador do espaço social, através do corpus legal e da prestação de serviços públicos. (Chauí,
2003, p. 164-
5)
Neste sentido, a esfera política constitui-se como um poder e uma estrutura de
dominação essenciais à acumulação do capital, uma vez que a propriedade privada dos meios
de produção, a relação contratual entre o produtor e o capitalista e o processo de troca de
mercadorias exigem a presença do Estado com todo seu aparato de coação e suas funções
policiais: “... o Estado tem sido essencial para o processo de expropriação que está na base do
capitalismo. Em todos esses sentidos, apesar de sua diferenciação, a esfera econômica se
apóia firmemente na política” (Wood, 2003, p.35). A separação entre o econômico e o
político encobre, sob o capitalismo, a presença constitutiva do político nas relações de
produção e, dessa maneira, em sua produção, mascarando o movimento do capital e a sujeição
do trabalho ao movimento de valorização do valor.
O modo de produção capitalista, ao operar a separação entre o econômico e o
político, revela a determinação econômica das relações sociais, assim como da dominação
política, pois, ao libertar a propriedade dos nexos das relações pessoais e políticas existentes
nas formas pré-capitalistas e ao revelar a dominação real como dominação econômica ,rompe
com os laços imediatos que uniam dominação/exploração econômica e dominação/opressão
política. Portanto, esse modo de produção, ao efetuar a separação entre a esfera econômica e a
política, revela a natureza da dominação.
Poulantzas (2000), ao analisar a questão do poder nas relações sociais no
capitalismo, afirma que é o primado das relações de produção sobre as forças produtivas que
22
dá à sua articulação a forma de processo de produção e de reprodução. Deste primado decorre
a presença das relações políticas e ideológicas no seio das relações de produção. As relações
de produção e as ligações que as compõem (propriedade econômica/posse) traduzem-se sob a
forma de poderes de uma classe, que são organicamente articulados às relações políticas e
ideológicas que os consagram e legitimam. Estas relações estão presentes, de maneira
específica a cada modo de produção, na formação das relações de produção e desempenham
um papel essencial em sua reprodução; desse modo, o processo de produção e de exploração
é, ao mesmo tempo, processo de reprodução das relações de dominação/subordinação política
e ideológica. Segundo o autor em foco, são ainda as relações de produção, em sua ligação
com as relações de domínio/subordinação política e ideológica, que definem os lugares
objetivos que ocupam as classes sociais em uma determinada formação social, lugares “que
são distinções no conjunto da divisão social do trabalho” (Poulantzas, 2000, p.25). Esse
resultado do primado das relações de produção sobre as forças produtivas implica igualmente
a colocação das classes sociais no próprio seio das relações de produção. “É a divisão social
do trabalho, tal como se apresenta nas relações políticas e ideológicas no seio do processo de
trabalho, que detém a primazia sobre a divisão técnica do trabalho” (Idem, p.26).
Por sua vez, esses lugares, que se traduzem por poderes, consistem, no seio das
relações de produção, em práticas e em lutas de classe, conforme observa Poulantzas:
As relações de produção e as ligações que as compõem (propriedade econômica/posse) traduzem-
se por poderes emanantes dos lugares em que essas ligações se delineiam. No caso, poderes de
classe que nos levam à relação fundamental da exploração: a propriedade econômica espelha
notoriamente a capacidade (o poder) de destinar os meios de produção a determinadas utilizações e
de assim, dispor dos produtos obtidos, da posse, da capacidade de ativar os meios de produção e de
comandar o processo de trabalho. Estes poderes situam-se na rede de relações entre exploradores e
explorados, nas oposições entre práticas de classes diferentes; em suma, na luta de classe, pois
esses poderes inscrevem-se num sistema de relações de classes. (Poulantzas, 2000, p.33).
As relações de poder entre as classes sociais estão presentes nas relações de
produção – que são consideradas como rede de poderes, uma vez que o poder liga-se ao lugar
objetivo que as classes sociais ocupam na divisão social do trabalho em uma determinada
formação social. Estas mesmas relações de produção, como poderes, estão ligadas
23
constitutivamente às relações políticas e ideológicas que as consagram e que estão presentes
nas relações econômicas.
As relações entre as classes se caracterizam, em todos os níveis, como relações de
poder. Estas relações de poder “têm como campo as relações sociais, são relações de classe e
as relações de classe são relações de poder, na medida em que o conceito de classe social
indica os efeitos da estrutura sobre as práticas, o de poder os efeitos da estrutura sobre as
relações entre práticas das classes em luta” (Poulantzas, 1977, p.99). Portanto, o conceito de
poder tem como lugar de constituição o campo das práticas de classe, caracterizando,
contudo, cada um dos níveis de luta de classes.
Em sua abordagem sobre o poder, Poulantzas (1977) o relaciona ao campo das
práticas de classe e das relações entre as mesmas, ou seja, ao campo da luta de classes, tendo
como referência esta luta em uma sociedade dividida em classes. Deste modo, o poder diz
respeito à capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses objetivos específicos,
isto é, está ligado aos interesses das classes em luta, visto que em tal sociedade os efeitos da
estrutura concentram-se nas práticas desses conjuntos particulares que são as classes sociais.
Assim,
O conceito de poder reporta-se ao tipo preciso de relações sociais que é caracterizado pelo
conflito, pela luta, de classe, isto é, a um campo no interior do qual, precisamente pela existência
de classes, a capacidade de uma delas realizar pela sua prática os seus interesses próprios encontra-
se em oposição com a capacidade – e os interesses – de outras classes. Isto determina uma relação
específica de dominação e subordinação das práticas de classe, que é precisamente caracterizada
como relação de poder. A relação de poder implica pois na possibilidade de demarcação de uma
linha nítida, a partir desta oposição, entre os lugares de dominação e de subordinação.
(Poulantzas,1977, p.101)
A capacidade de uma classe realizar seus interesses específicos objetivos, seus
interesses de classe, depende, pois, da relação exata das forças sociais presentes na luta de
classes, isto é, do grau de poder efetivo de uma classe em relação ao grau de poder das outras,
no quadro da determinação das práticas de classe, nos limites fixados pelas práticas das outras
classes. São estes interesses que indicam os limites – porém como extensão do campo –, em
24
um nível particular, da prática de uma classe em relação à das outras, portanto, a extensão das
classes nas relações de poder, pois os interesses de classe, como limites de extensão de uma
prática específica de classe, deslocam-se de acordo com os interesses das outras classes
presentes (Poulantzas, 1977, p.107). Os interesses objetivos de uma classe social aparecem,
ainda segundo Poulantzas, como o horizonte da sua ação como força social, isto porque os
interesses de classe estão situados no campo das práticas, no campo da luta de classes. “Trata-
se ainda aqui de relações, a rigor, de posições estratégicas de interesses de classe; é nesta
perspectiva que se situa a distinção estratégica entre interesses a longo e a curto prazo (...)
portanto, o poder de uma classe depende da capacidade do adversário, portanto do poder do
adversário” (p.108). “O campo do poder é estritamente relacional, [ou seja], não é uma
qualidade imanente a uma classe em si no sentido de uma reunião de agentes, depende e
provém de um sistema relacional de lugares materiais ocupados por tais ou quais agentes”
(Poulantzas, 2000, p.149). Esta concepção de poder é a referência utilizada no presente
trabalho para a análise da participação política da sociedade civil na formulação das políticas
públicas.
O poder de uma classe não está circunscrito apenas no nível da realização de seus
interesses econômicos; ele situa-se no nível das diversas práticas de classe, pois existem
interesses de classe relativos ao econômico, ao político e ao ideológico:
As relações de poder não se situam unicamente ao nível político, da mesma maneira que os
interesses de classe não se situam unicamente ao nível econômico. As relações entre estes diversos
poderes – o seu índice de eficácia etc. – referem-se à articulação das diversas práticas – interesses
– de classe que refletem, de um modo defasado, a articulação das diversas estruturas de uma
formação social, de um de seus estágios ou fases. As relações de poder constituem relações
complexas defasadas determinadas, em última instância, pelo poder econômico: os poderes
político ou ideológico não são simples expressão do poder econômico. (Poulantzas, 1977, p.109)
A distinção entre o poder econômico, o poder político e o poder ideológico, nas
formações sociais capitalistas – cuja característica é a autonomia específica dos níveis
estruturais, das práticas e dos respectivos interesses de classe –, está relacionada com a
capacidade de uma classe para realizar os seus interesses relativamente autônomos em cada
25
nível. A dominação econômica diz respeito ao poder das classes quanto à realização de seus
interesses econômicos, ou seja, à sua capacidade de manter-se como classe que detém a
propriedade dos meios de produção e que dirige o sistema produtivo de modo a reproduzi-la
como classe dominante. Este tipo de dominação tem como característica principal a
exploração e a subordinação econômica das outras classes aos interesses da classe
proprietária, manifestando-se como um efeito sobredeterminado das relações de produção,
que perpassa o poder político e o poder ideológico.
A dominação política está relacionada ao poder dessas classes dominantes de
realizar seus interesses políticos, e este poder concentra-se e materializa-se no Estado, ou seja,
o poder político “relaciona-se com a organização de poder de uma classe e a posição de classe
na conjuntura (entre outros fatores, organização em partidos), com as relações de classes
constituídas como forças sociais, logo como campo estratégico propriamente falando”
(Poulantzas, 2000, p.149).
A dominação ideológica, essencial à constituição das relações de propriedade e
de posse na divisão social do trabalho, relaciona-se com a capacidade das classes dominantes
de fazer com que seus interesses de classe pareçam a toda a sociedade como interesses
universais, condição necessária à sua reprodução. As relações de poder político assim como
de poder ideológico de classe podem ser apreendidas nas relações entre práticas políticas de
classe, na luta política de classe, concentram-se e materializam-se no Estado e em seus
aparelhos (repressivos e ideológicos).
Portanto, o poder de uma classe significa de início o seu lugar objetivo nas
relações econômicas, políticas e ideológicas, lugar que recobre as práticas das classes em luta,
isto é, as relações designadas de dominação/subordinação das classes estabelecidas na divisão
social do trabalho e que consistem desde então em relações de poder, cujo último elemento é
o da especificidade dos interesses de classe a serem realizados (Poulantzas, 2000, p.109).
A materialização destas relações de poder entre as classes sociais, lastreadas na
produção da mais-valia e na ligação aos poderes políticos e ideológicos, dá-se em instituições
e aparelhos específicos, em centros de poder, que são as empresas, fábricas – lugares de
extração da mais-valia e de exercício destes poderes – e o Estado, como centro, por
excelência, do exercício do poder político. Entretanto, Poulantzas afirma que estes “centros de
poder, as diversas instituições de caráter econômico, político, militar, cultural etc., – não são
26
simples instrumentos, órgãos apêndices do poder das classes sociais – elas possuem a sua
autonomia e especificidade estrutural que, enquanto tal, não pode ser imediatamente redutível
a uma análise em termo de poder”. Esta autonomia relativa que tais instituições possuem
frente às classes sociais decorre da sua relação com as estruturas, uma vez que elas
não constituem, em termos de poder, órgãos de poder, instrumentos de exercício de um poder de
classe que lhes preexista e que as crie para fins do seu cumprimento eficaz, mas sim centros de
poder (...). A organização hierárquica destes centros depende simultaneamente da articulação das
instâncias e da relação de forças na luta de classes. (Poulantzas, 2000, p.111-12)
Nas formações sociais capitalistas, o poder tem como fundamento: a) a exploração
da mais-valia; b) o lugar das classes nos diversos aparelhos e dispositivos de poder e não
apenas no Estado; c) o aparelho de Estado (Poulantzas, 2000, p.150). Os poderes de classe,
quando relacionados às classes sociais e às lutas de classes, não são redutíveis ao Estado, eles
ultrapassam sempre o Estado e seus aparelhos, pois são fundamentados na divisão social do
trabalho e na exploração, eles detêm a primazia sobre os aparelhos que o encarnam, ou seja, o
Estado; visto que são as lutas (econômicas, políticas, ideológicas), campos primeiros das
relações de poder, de exploração econômica e de domínio/subordinação político-ideológica,
que detêm o papel primordial e fundamental sobre o Estado. Entretanto, a ligação entre os
poderes de classe e o Estado não é de exterioridade, uma vez que o “Estado interfere com sua
ação e conseqüências em todas as relações de poder a fim de lhes consignar uma pertinência
de classe e inseri-las na trama dos poderes de classe” (Poulantzas, 2000, p.41).
Deste modo, o Estado capitalista interfere em todas as esferas da realidade social,
concentra em seus aparelhos várias formas de poder, infiltra-se nas tramas e setores do poder,
de todo poder de classe, dissolvendo o tecido social tradicionalmente privado. Ressalte-se
que,
Originando-se na atual forma de separação entre trabalho intelectual e trabalho manual a íntima
relação entre Estado e saber – diretamente instaurada pelo discurso do Estado e portanto
constituindo técnica política para ocupação pelo Estado dos campos de consumo coletivo em que
27
os poderes ideológico-simbólicos materializados nas produções prolongam diretamente as relações
estatais –, as ligações entre os poderes de classe e o Estado tornam-se cada vez mais estreitas.
(Poulantzas, 2000, p.35)
Essa ligação diz respeito ao papel constitutivo do Estado na produção e
reprodução das relações de produção e dos poderes de classe, em especial na luta de classes, e
no conjunto das ligações de poder em todos os níveis. A luta e o poder de classe são inerentes
às sociedades divididas em classes e o Estado, nestas sociedades, existe como o poder político
institucionalizado. De acordo com Poulantzas,
não há nessa ordem luta e poder de classe anterior ao Estado ou sem Estado, ‘Estado natural’ ou
‘Estado social’. O Estado baliza desde então o campo de lutas, aí incluídas as relações de
produção; organiza o mercado em relações de propriedade; institui o domínio político e instaura a
classe politicamente dominante; marca e codifica todas as formas de divisão social do trabalho,
todo o real no quadro referencial de uma sociedade dividida em classes. (Poulantzas, 2000, p.37)
Conforme Engels (1976), o Estado surge precisamente onde, quando e na medida
em que as contradições de classe objetivamente não podem ser conciliadas. Desse modo o
Estado é o produto e a manifestação do caráter inconciliável das contradições de classe, isto é,
a existência do Estado é a prova de que estas contradições são inconciliáveis.
Embora as relações de poder ultrapassem o Estado, visto que são as lutas de
classes que detêm a primazia sobre o Estado, os aparelhos de Estado delas não se afastam,
pois são os poderes de classe que lhes dão significação política; o fundamento da ossatura
material do Estado encontra-se nas relações de produção e na divisão social do trabalho. Mas
o Estado é um Estado porque concentra o poder fundamentado nas relações de classe e porque
“se propaga tendencialmente em todo poder, apoderando-se dos dispositivos do poder que,
entretanto, o suplanta constantemente” (Poulantzas, 2000, p.42). O Estado encontra-se
organicamente na geração dos poderes de classes, reflete as relações de classe e forças sociais,
em um papel decisivo nas relações de produção e na luta de classes, já que nele são
reproduzidos os lugares e posições das classes. Por conseguinte, o Estado tem um papel
28
orgânico na luta e na dominação políticas, posto que ele “é o lugar da organização estratégica
da classe dominante em sua relação com as outras classes dominadas, é um lugar e um centro
de exercício de poder, mas que não possui poder próprio” (Poulantzas, 2000, p. 150), pois as
instituições, consideradas sob o ponto de vista do poder, não podem ser relacionadas senão às
classes sociais que detêm o poder.
Assim, pode-se dizer que o Estado capitalista constitui as classes dominantes, em
particular a burguesia, como classe politicamente dominante, as organiza e representa o
interesse político do bloco no poder. Este é composto por várias frações das classes
burguesas
1
e por algumas classes dominantes provenientes de outros modos de produção. São
estas classes que possuem o poder de Estado, ou seja, o poder de fazer com que o Estado
corresponda a seus interesses específicos objetivos sobre as outras classes sociais. O Estado
capitalista, lugar central de exercício do poder político, concentra e materializa as relações
efetivas de poder político das classes dominantes, pois,
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo
tempo, nasceu no seio do conflito entre elas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa,
da classe economicamente dominante, classe que por intermédio dele, se converte também em
classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe
oprimida. Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os
escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição
dos servos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumento de que
se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. (Engels, 1976, p.227-8 )
Para Marx (2001), o poder político da classe dominante é o seu poder organizado
no e pelo Estado para a opressão das outras classes, uma vez que o Estado capitalista, por seu
caráter de classe, é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe
por outra, criador da ordem que legaliza e consolida esta opressão, moderando o conflito de
1
“A burguesia se apresenta sempre como que constitutivamente dividida em frações de classe: capital
monopolista e capital não monopolista, fracionamentos desdobrados se se considera as atuais coordenadas de
internacionalização do capital. Essas frações burguesas, em seu conjunto, se situam, se bem que em graus cada
vez mais desiguais no terreno da dominação política, fazendo parte do bloco no poder" (Poulantzas, 2000,
p.129).
29
classe. Nas formações sociais capitalistas a burguesia, como classe dominante, é obrigada, diz
o autor, a dar uma forma universal aos seus interesses comuns. Considera ele que
Através da emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquire uma
existência particular ao lado e fora da sociedade civil; mas este Estado não é mais do que a forma
de organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto no exterior como no interior, para
a garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses. (...) O Estado é a forma na qual os
indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a
sociedade civil de uma época, segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado
e adquirem através dele uma forma política. (Marx, 1989, p.97-8).
Lenin (1988), por sua vez, ao apontar o caráter de classe do Estado capitalista,
afirma que “as formas dos Estados burgueses são extraordinariamente variadas, mas a sua
essência é apenas uma, em última análise, todos os Estados são, de uma maneira ou de outra,
mas necessariamente uma ditadura da burguesia [...] as classes exploradoras precisam do
domínio político no interesse da manutenção da exploração, isto é, no interesse egoísta de
uma minoria insignificante contra uma imensa maioria do povo” (Lenin, 1988, p. 238 e 245).
De acordo com Poulantzas (2000), o Estado constitui a unidade política das
classes dominantes, organizando, sob a direção e hegemonia
2
de uma de suas classes ou
frações de classe, “a unidade conflitual da aliança de poder e do equilíbrio instável dos
compromissos entre seus componentes” (Poulantzas, 2000, p.129). Os interesses das classes
dominantes são traduzidos no e pelo Estado, na sua política, nas suas formas, nas suas
estruturas, através de uma relação de forças que faz dele uma expressão condensada da luta de
classes em desenvolvimento. O Estado no caso capitalista deve ser considerado uma
condensação material de uma relação de forças entre classes e frações de classe, ou seja, como
um campo e um processo estratégico e complexo, em que se entrecruzam núcleos e redes de
poder que ao mesmo tempo se articulam e apresentam contradições e decalagens uns em
relação aos outros. Nos aparelhos estatais se corporificam as relações de poder que encontram
aí seu ponto de cristalização institucional.
2
Existem diferenças entre o conceito de hegemonia formulado por Poulantzas e o conceito de hegemonia de
Gramsci, entretanto entende-se que ambos não são incompatíveis. O primeiro trata da hegemonia no interior do
bloco no poder, enquanto que o segundo se refere à capacidade de hegemonia das classes dominantes junto ao
conjunto da sociedade.
30
A função de organização das classes dominantes concerne ao conjunto dos
aparelhos (ideológicos e repressivos) do Estado, e é resultante das contradições no seio das
classes e frações dominantes, das relações de forças no interior do bloco no poder, que
incitam precisamente a organização deste bloco na perspectiva do Estado. Estas contradições
do bloco no poder refletem-se sobre os diversos ramos e aparelhos do Estado em forma de
contradições internas no próprio seio deste último, isto é, cada ramo ou aparelho do Estado
constitui muitas vezes a sede do poder, o representante privilegiado desta ou daquela fração
do bloco no poder, ou de uma aliança conflitual de algumas dessas frações contra as outras
(Poulantzas, 2000, p.135). O estabelecimento da política do Estado em favor do bloco no
poder, o funcionamento concreto de sua autonomia relativa e seu papel de organização são
resultantes das contradições de classe inseridas na própria estrutura do Estado, o que significa
que este é constituído-dividido pelas contradições de classe.
Entretanto, se “as contradições no seio do bloco no poder atravessam, segundo as
linhas de clivagem complexas e segundo os diversos ramos e aparelhos do Estado, a
burocracia e o pessoal do Estado” (Poulantzas, 2000, p.138); se as classes não pré-existem
anteriormente às lutas políticas, o Estado é, antes constituído pela forma invertida da
contradição econômica, a igualdade jurídica e o burocratismo. É nessa medida que ele
materializa as contradições políticas de classes, já que os interesses de sujeitos formalmente
livres e iguais só podem ser conciliados sob a condição de reproduzir incessantemente os
lugares de dominação e subordinação das relações sociais de produção e da divisão social do
trabalho. É no jogo dessas contradições na materialidade do Estado que este, sendo uma
condensação de uma relação contraditória, organiza a unidade do bloco político no poder.
Essa função de organização e unificação da classe dominante por parte do Estado
é possibilitada pela autonomia relativa que ele detém em relação às frações que compõem o
bloco no poder e aos seus respectivos interesses, de modo a assegurar a organização do
interesse geral da burguesia sob a hegemonia de uma de suas frações. A autonomia
constitutiva do Estado capitalista remete à materialidade desse Estado em sua separação
relativa das relações de produção e à especificidade das classes e da luta de classes sob o
capitalismo que essa separação implica. Segundo o autor em pauta,
31
Essa autonomia não é uma autonomia frente às frações do bloco no poder, ela não advém da
capacidade do Estado de se manter exterior a elas, mas a resultante do que se passa dentro do
Estado. Essa autonomia se manifesta concretamente pelas diversas medidas contraditórias que
cada uma dessas classes e frações, pela estratégia específica de sua presença no Estado e pelo jogo
de contradições que resulta disso, consegue introduzir na política estatal, mesmo que sob a forma
de medidas negativas: a saber, por meio de oposições e resistências à tomada ou execução efetiva
de medidas em favor de outras frações do bloco no poder. (Poulantzas, 2000, p.138, grifo do
autor).
O discurso produzido no seio do Estado atende às diretrizes e estratégias da fração
hegemônica do bloco no poder; trata-se de um discurso variável, flutuante, diversificado,
segundo as classes e frações de classe às quais se dirige e sobre as quais age. O Estado
“assume os meios de elaboração e formulação das táticas políticas, produz o saber e as
técnicas de saber, que imbricadas na ideologia, de muito a superam” (Poulantzas, 2000, p.31).
Às práticas materiais do Estado são colocados limites externos e internos a ele. Os
limites externos referem-se às contradições inerentes ao processo de reprodução e acumulação
do capital, enquanto os limites internos dizem respeito à estrutura e ossatura material do
Estado, que ao mesmo tempo fazem dele o lugar de organização do bloco no poder e lhe
permite uma autonomia relativa em relação a tal ou qual de suas frações (Poulantzas, 2000,
p.137). Esta autonomia dá-se concretamente como autonomia relativa deste ou daquele setor,
ramo ou aparelho do Estado em relação aos outros. O Estado, embora contenha na sua
ossatura material institucional a inscrição das contradições no interior da classe dominante,
possui uma unidade de aparelho, uma centralização do poder de Estado que, além da
contradição intra e interórgãos, assegura sua atuação, a longo prazo e em conjunto, em favor
da fração hegemônica.
Essa unidade-centralização está inscrita na ossatura hierárquica-burocratizada do Estado
capitalista, efeito da reprodução no seio do Estado da divisão social do trabalho (inclusive sob a
forma trabalho manual – trabalho intelectual) e de sua separação específica das relações de
produção. Ela resulta também de sua estrutura de condensação de uma relação de forças, logo do
lugar preponderante em seu seio da classe ou fração hegemônica sobre as outras classes e frações
do bloco no poder. (Poulantzas, 2000, p.139)
32
O Estado, ao refletir as relações de força existentes entre as classes e entre as
frações do bloco no poder em sua organização estratégica, passa a funcionar sob a hegemonia
de uma classe ou fração em seu próprio seio, uma vez que o bloco no poder só pode funcionar
a longo prazo sob a hegemonia e direção de um de seus componentes que o unifique diante do
inimigo de classe.
O que constitui uma classe ou fração de classe como hegemônica no bloco no
poder é o seu lugar privilegiado na constelação da relação de forças. Segundo Gramsci
(2000), uma classe social é hegemônica quando consegue persuadir as demais classes sociais
a aceitar seus valores morais, políticos e culturais, e para tanto são necessárias três tipos de
condições:
1) condições econômicas, pois a hegemonia exige uma reflexão sobre o modo de
transição, de passagem de um modo de produção a outro;
2) condições políticas, dado que uma classe domina de duas maneiras, ou seja, ela
é dirigente e dominante. Ela é dirigente em relação às classes aliadas e dominante, em relação
às classes antagônicas, portanto, a hegemonia política pode e deve existir antes de se chegar
ao governo e não se pode contar somente com o poder e a força material que ele dá, para
exercer a direção ou hegemonia política, pois a direção de que se trata é antes de tudo a
direção política, que é condição sine qua non para exercer uma dominação que não se limite
exclusivamente à força material dada pelo poder de Estado;
3) condições culturais, pois a hegemonia não se limita exclusivamente à direção
política, mas inscreve-se igualmente nos diferentes aparelhos ideológicos e culturais de
hegemonia Uma hegemonia não se unifica como aparelho a não ser por referência à classe
que se constitui em e através da mediação de múltiplos sub-sistemas: aparelho escolar,
aparelho cultural, organização da informação, etc. (Gramsci, 2000).
Neste sentido, é possível afirmar que a conquista da hegemonia é um processo
pelo qual uma classe social supera seus interesses econômico-corporativos e se eleva a uma
dimensão universal, é o momento em que uma determinada classe deixa de ser um fenômeno
exclusivamente econômico para alcançar a direção do conjunto da sociedade, que se exerce
no contexto da política de alianças, que se concretiza no campo da luta política.
33
De acordo com Gramsci (2000), o poder de uma classe não depende
exclusivamente do controle do Estado, mas antes da sua capacidade de dirigir intelectual e
moralmente o conjunto da sociedade para gerar o consenso em torno dela. Portanto, o
exercício do poder político nas sociedades complexas, a reprodução da dominação de classe,
não estaria restrita às funções coercitivas, ela envolveria o consentimento ativo e voluntário, a
adesão ou o apoio das outras classes subalternas:
O exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime parlamentar,
caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem
que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força
pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública –
jornais e associações – os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados.
Entre o consenso e a força, situa-se a corrupção-fraude (que é característica de certas situações de
difícil exercício da função hegemônica, apresentando o emprego da força excessivos perigos) isto
é, o enfraquecimento e a paralisação do antagonista ou dos antagonistas através da absorção de
seus dirigentes, seja veladamente, seja abertamente (em casos de perigo iminente), com o objetivo
de lançar a confusão e a desordem nas fileiras adversárias”. (Gramsci, 2000, p.95).
O exercício da hegemonia requer um conjunto de instituições, ideologias, práticas
e agentes, entre os quais os intelectuais, que o autor focalizado denomina aparelhos de
hegemonia. Segundo Gramsci (1979), uma classe social exerce a direção intelectual e moral
graças a seus intelectuais, já que sua capacidade de direção reside, fundamentalmente, na
força criadora de seus intelectuais, na medida em que abrem horizontes à ação, visto que são
precisamente estes intelectuais que alargam a influência da sua própria classe ao assimilar os
intelectuais tradicionais das outras classes, pois a maneira mais eficaz e mais rápida para
conquistar ideologicamente um grupo social consiste em assimilar os intelectuais que estão
organicamente ligados a esse grupo, porque a sua assimilação provoca habitualmente a dos
grupos sobre os quais eles exercem influência.
Vê-se, deste modo, que uma classe torna-se autônoma e homogênea se ela “cria ao
mesmo tempo que a si próprio, organicamente”, uma ou várias camadas de intelectuais
orgânicos que a conscientiza de seu lugar, da sua função e do seu projeto histórico na
sociedade, isto é, em Gramsci, o papel dos intelectuais é fundamental, visto que a conquista e
34
a manutenção da hegemonia é em grande parte uma questão de educação, pois “toda relação
de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”.
Assim, uma classe conquista “ideologicamente” outras classes sociais tanto mais
rápida e eficazmente quanto mais ela desenvolveu e alargou a sua própria camada de
intelectuais orgânicos. A função estatal de mediação política que permitiria superar as
divisões de classe, constituindo uma classe em hegemônica, é parte das atividades dos
intelectuais orgânicos.
Os intelectuais são os agentes do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da
hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do acordo “espontâneo” dado pelas grandes
massas da população à orientação imprimida à vida social pelo grupo fundamental dominante,
acordo este que nasce “historicamente” do prestígio que tem o grupo dominante (e da confiança
que ele inspira) dada a sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção do Estado
que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que recusam o seu “acordo” tanto ativo como
passivo; mas este aparelho é constituído pelo conjunto da sociedade na previsão dos momentos de
crise no comando e na direção, quando o acordo espontâneo não funciona. (Gramsci, 1979, p. 9)
A atração que a classe hegemônica exerce sobre as outras classes não somente não
depende de simples mecanismos coercitivos administrativos de opressão, como também não
se esgota em mecanismos de imposição ideológica ou de legitimação da violência simbólica
uma vez que a função hegemônica de classe ultrapassa o campo exclusivamente
superestrutural: as práticas ideológicas aparecem desde o aparelho de produção econômica,
desde a fábrica. “A correlação de forças parte da infra-estrutura e de suas contradições
materiais, do mesmo modo que o aparelho de hegemonia está associado a um duplo
funcionamento da sociedade civil” (Gluksman, 1990, p.124), ou seja, uma função econômica
e uma função político-cultural.
“Mas que coisa significa isto senão que por «Estado» se deve entender, para lá
do aparato governativo, também o aparato privado de «hegemonia» ou sociedade civil”
(Gramsci, 2000, p. 401), dado que na superestrutura entram elementos que também são
35
comuns à noção de sociedade civil
3
, que passa a contar com dois níveis distintos: a
sociedade política – conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o
monopólio da violência (burocracia, forças armadas, etc.); e a sociedade civil –
compreendendo o conjunto de organizações públicas e privadas responsáveis pela
elaboração e/ou difusão de ideologias – portanto, o Estado é todo um conjunto de atividades
teóricas e práticas com as quais a classe dirigente justifica e mantém a sua dominação, mas
também consegue obter o consenso ativo dos governados, é hegemonia revestida de coerção
(Gramsci, 2000).
Ainda na visão de Gramsci (2000),
O Estado é certamente concebido como um organismo próprio de um grupo, destinado a criar as
condições favoráveis à expansão máxima do próprio grupo; mas este desenvolvimento e esta
expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um
desenvolvimento de todas as energias «nacionais», isto é, o grupo dominante é coordenado
concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como
uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses
do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados, equilíbrios em que os interesses do
grupo dominante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não até ao estreito interesse
econômico-corporativo. (Gramsci, 2000, p.41-2)
As classes dominantes elaboram, apresentam e difundem uma concepção de
mundo, de cultura, de economia, por meio da qual se apresenta a toda a sociedade como
representante do conjunto da população. É neste sentido que Gramsci afirma que o Estado
encontra seu fundamento ético na sociedade civil, uma vez que o Estado obtém o fundamento
de sua representação como universal e acima das classes sociais através da função hegemônica
que as classes dominantes exercem sobre a sociedade civil.
Para que as classes dominantes possam apresentar o Estado como um organismo
de todo o povo, é necessário que o Estado se encarregue de certos interesses dos grupos
3
Gramsci distingue a sociedade civil, instância na qual se organizam as lutas ideológicas, da estrutura
econômica, na qual se confrontam os interesses econômicos privados, dando um conteúdo essencialmente
cultural ao conceito de sociedade civil. Chama a atenção para a contradição entre o conteúdo do Estado
(organização de classe) e a sua representação através da eficácia específica do funcionamento interno da
sociedade civil sobre o Estado.
36
dominados, favorecendo no seio da estrutura econômica o crescimento das forças
produtivas, mesmo que para isso tenha que sacrificar alguns interesses econômicos das
classes dominantes de modo a garantir e preservar seus interesses a longo prazo e, ao mesmo
tempo, impeça a tomada de consciência, por parte das classes dominadas, do caráter de
classe do Estado, e espalhe entre estas a ilusão de que ele está de fora e é o árbitro da luta de
classes. Assim, explica este autor:
O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as
tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio
de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa,
mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial,
dado que a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar
de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da
atividade econômica. (Gramsci, 2000, p.48)
A não realização dessa função implica o afastamento das classes dominadas e a
conseqüente perda da hegemonia por parte das classes dominantes no seio da sociedade civil.
Conforme Gramsci (2000), em sua fase historicamente progressista, uma classe no
poder é hegemônica porque faz avançar o conjunto da sociedade: ela tem uma perspectiva
universalista e não arbitrária, dado que o momento arbitrário, o recurso às formas mais diretas
ou mais dissimuladas de autoritarismo, de coerção, marcam uma “crise de hegemonia larvar”.
Isto posto, o Estado, para além de suas funções repressivas nas sociedades de classes, exerce
um papel fundamental na sua função pedagógica, de produção e reprodução da direção
cultural da classe hegemônica. Ele tende a criar e a manter um certo tipo de civilização e de
cidadão e aspira a fazer desaparecer certos costumes e atitudes para difundir outros; serão o
direito, ao lado da escola e de outras instituições e atividades, os instrumentos pelos quais o
Estado torna ‘homogêneo’ o grupo dominante e tende a criar um conformismo social que seja
útil à linha de desenvolvimento do grupo dirigente.
Neste contexto, o Estado capitalista tem instituído formas de participação (e
decisão) política das classes dominantes e de seus aliados, assim como tem aberto
possibilidades para a participação política (eleger e ser eleito) para as classes dominadas,
37
integrando, em seu interior, as massas populares e conferindo-lhes uma cidadania que, por
obra de métodos indiretos de exclusão, há de ser uma cidadania de segunda classe. As classes
dominantes ao proclamarem a necessidade da participação política das classes dominadas no
processo político, o fazem no interesse da manutenção de sua condição de classe hegemônica,
dado que a base sócio-econômica capitalista assegura a concentração dos recursos do poder
em suas mãos. “Sobre essa base é que se ergue o marco institucional por meio do qual os
representantes do poder burguês assumem, na vontade expressa do povo, a direção do Estado”
(Martins, 1994, p.).
A alienação do poder político verificada na transferência do poder para os
“representantes do povo” constitui a idéia essencial da democracia moderna, que substitui a
democracia direta pela representativa. Esta alienação do poder resultou em uma “mudança do
foco da democracia que passou do exercício ativo do poder popular para o gozo privado das
salvaguardas e dos direitos constitucionais e processuais, e do poder coletivo das classes
subordinadas para a privacidade e o isolamento do cidadão individual” (Wood, 2003, p.196).
A existência de parlamentos democráticos com a participação de elementos das classes
dominadas é, pois, uma das características das sociedades capitalistas avançadas, pois a
participação passou a ser concebida como aquisição e extensão da cidadania ativa com a
inserção maciça dos indivíduos no processo político, mediante a ampliação do sufrágio
universal.
As classes dominadas entram na comunidade de cidadãos como um agregado de
indivíduos isolados, pois a democracia liberal moderna dissocia a identidade cívica e o
status sócio-econômico, permitindo a coexistência da igualdade política formal com a
desigualdade de classe. Deste modo,
O capitalismo com sua indiferença característica pelas identidades “extra-econômicas” da
multidão trabalhadora dissipou os atributos normativos e as diferenças “extra-econômicas” no
solvente do mercado de trabalho, em que os indivíduos se transformam em unidades
intercambiáveis de trabalho abstraídas de qualquer identidade social ou pessoal específica. (Wood,
2003, p.182)
38
O capitalismo, segundo Wood (2003), possibilitou conceber uma “democracia
formal”, que efetua uma separação entre a condição cívica e a posição de classe em duas
direções: “a posição sócio-econômica não determina o direito à cidadania, mas como o poder
do capitalista de apropriar-se do trabalho excedente dos trabalhadores não depende de
condição jurídica ou civil privilegiada, a igualdade civil não afeta diretamente nem modifica
significativamente a desigualdade de classe, deixando intocadas as relações econômicas entre
a ‘elite’ e a ‘multidão trabalhadora’ ” (Wood, 2003, p.184). Em outras palavras, o capitalismo
tornou possível uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem
efeito mínimo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e exploração.
Conforme Chauí (2003), sob o capitalismo o conceito de democracia se
transforma, passa de modo de existência social ao estatuto de regime político. Portanto, a
condição para que possa haver democracia no modo de produção capitalista é sua redução da
frma global das relações sociais a sistemas de governos. Esta concepção da democracia
resulta, segundo a autora, em uma politização da democracia, ou em sua instrumentalização e
a capacita a suportar as “franquias populares” (o voto e a voz) sem pôr em risco a separação
entre Estado e sociedade, nem a apropriação do Estado pelas classes dominantes. Isto porque
a forma representativa do poder permite definir a “comunidade como comunidade nacional
representada no e pelo Estado, e a política, pelo pluralismo de interesses e opiniões” (p.204).
É essa politização da democracia que permite, ainda, colocar a questão do poder apenas em
termos de legitimidade como consenso e em termos de legalidade, pois o consenso e a lei
fazem a ligação entre a sociedade e o Estado, sem exigir a democratização da sociedade.
A democracia burguesa ao incorporar elementos das classes dominadas contribui
para a disseminação da idéia de um Estado neutro, ou seja, de um Estado livre que se destina
a defender os interesses de todos indistintamente. Além disso, com a existência do sufrágio
universal, do pluripartidarismo e da possibilidade formal de alternância do poder exerce
forte influência ideológica sobre as classes dominadas, já que favorece a manifestação
juridicamente regulada dos mais variados interesses, através dos partidos políticos, dos
movimentos sociais, das associações, da mídia, entre outros. Com isso, encobre o verdadeiro
caráter de classe do Estado e reforça as concepções pluralistas, hegemônicas nos países
centrais do capitalismo.
Nas formações sociais capitalistas a democracia não pode ir além do exercício
ilusório da soberania popular, pois a natureza capitalista da sociedade impõe sempre limites
39
à democratização do poder político e da sociedade: “veremos restrições e mais restrições ao
democratismo [...] essas restrições excluem e eliminam os pobres da participação ativa na
democracia” (Lenin, 1988, p. 281).
Contudo, a república democrática e o sufrágio universal representaram um
avanço em relação aos regimes pré-capitalistas, pois deram a possibilidade ao proletariado
de atingir a união e coesão que ele tem, de constituir as fileiras que travam uma luta
sistemática contra o capital. Por isso,
A república democrática, o parlamento, o sufrágio universal, tudo isso constitui, do ponto de vista
do desenvolvimento mundial da sociedade, enorme progresso. A humanidade caminhava para o
capitalismo, e só o capitalismo, graças à cultura urbana, deu a possibilidade à classe oprimida dos
proletários de adquirir consciência de si mesma e de criar o movimento operário mundial, de
organizar milhões de operários de todo o mundo em partidos, os partidos socialistas, que dirigem
conscientemente a luta das massas. Sem parlamentarismo, sem eleições, este desenvolvimento da
classe operária teria sido impossível. (Lenin, 1977, p.188)
O equilíbrio de compromisso realizado no e pelo Estado define sempre uma
correlação de forças contraditórias que põe em jogo a própria base histórica do Estado, pois,
segundo Gramsci (2000), os efeitos de hegemonia são mais que contraditórios, isto é, quanto
mais uma classe é autenticamente hegemônica, mais ela deixa às classes adversárias a
possibilidade de se organizarem e se constituírem em força política autônoma, na medida em
que pode favorecer a formação de uma contra-hegemonia.
Ao discutir o conceito de correlação de forças, Gramsci (2000) recoloca a questão
da relação entre o momento econômico e o político, distinguindo três momentos em uma
correlação de forças: o momento econômico ligado à infra-estrutura; o momento político, que
permite avaliar o grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização atingido pelos
diferentes grupos sociais; e o momento político-militar ou estratégico.
Em sua análise da passagem do momento econômico ao momento político,
Gramsci (2000) relaciona-o com o grau de homogeneidade, de autoconsciência e de
organização das classes perante o Estado. Para isto subdivide o momento político em três
40
etapas: o primeiro e o mais elementar é o momento econômico-corporativo, é o momento em
que se sente a unidade homogênea do grupo profissional que se organiza sobre uma base
comum de interesses, mas não é ainda uma unidade do grupo social mais amplo; neste
momento, a consciência de classe, enquanto consciência política, ainda não existe. O segundo
momento marca a passagem à unidade de classe enquanto tal, pois é aquele em que se atinge a
consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas a luta
econômica se desenvolve ainda no campo meramente econômico: “já se põe neste a questão
do Estado, mas apenas no terreno da obtenção de uma igualdade político-jurídica com os
grupos dominantes, já que se reivindica o direito de participar da legislação e da
administração e mesmo de modificá-las, de reformá-las, mas nos quadros fundamentais
existentes” (Gramsci, 2000, p.41). O terceiro momento é aquele que ultrapassa a luta
corporativa e se eleva ao nível político, propriamente dito:
É aquele em que se adquire a consciência de que os próprios interesses corporativos, em seu
desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de um grupo meramente
econômico e podem e devem tornar-se os interesses dos outros grupos subordinados. Esta é a fase
mais estritamente política, que assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das
superestruturas complexas, é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam
em partido, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma única
combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social. (Gramsci,
2000, p.41)
Note-se que a cada etapa da relação das forças políticas corresponde um grau da
consciência política coletiva e, conseqüentemente, uma forma de se relacionar com o Estado.
A questão da participação encontra-se, portanto, inserida na correlação das forças políticas
estabelecidas entre as classes dominantes e as classes dominadas, no contexto do Estado, pois
se trata, sobretudo, da realização dos interesses específicos das classes em luta.
Para a teoria marxista, a república democrática é a via de acesso, a forma
específica para a ditadura do proletariado, pois, como afirma Lenin,
41
tal república não eliminando de modo algum o domínio do capital e, conseqüentemente a opressão
das massas e a luta de classes, conduz inevitavelmente a um tal alargamento, desenvolvimento,
patentização, agravamento desta luta que, uma vez que surge a possibilidade de satisfazer os
interesses fundamentais das massas oprimidas, esta possibilidade se realiza inevitável e
unicamente na ditadura do proletariado, na direção dessas massas pelo proletariado. (Lenin, 1988,
p.270)
Com efeito, o desenvolvimento da democracia “até o fim” constitui uma das
tarefas integrantes da luta pela revolução social, dado que “a democracia é um Estado que
reconhece a subordinação da minoria à maioria, isto é, uma organização para exercer a
violência sistemática de uma classe sobre outra, de uma parte da população sobre outra”
(Lenin, 1988, p.277).
Neste sentido, a participação política é “uma prática ético-política, que tem a ver
tanto com a questão do poder e da dominação quanto com a questão do consenso e da
hegemonia, tanto com a força quanto com o consentimento” (Nogueira, 2004, p.133), uma
vez que se coloca inteiramente no campo do Estado e assinala a passagem nítida da estrutura
para a esfera das superestruturas complexas, em que as ideologias se transformam em partido,
entram em confrontação e lutam até que uma delas prevaleça, imponha-se e irradie-se por
toda a área social, criando, assim, a hegemonia de um grupo social sobre os demais grupos
subordinados.
Contudo, para forjar o processo de construção de hegemonia das classes
dominadas é preciso observar a atual forma de acumulação capitalista, expressa na
internacionalização do processo produtivo, na globalização dos mercados e na imposição de
novos padrões de relações de produção, que tem redefinido o papel e as funções do Estado
capitalista de acordo com as exigências específicas da reprodução ampliada do capital.Neste
contexto, observa-se que,
Evidentemente, o Welfare State não foi implodido. Ao contrário, mesmo fragilizado pela crise do
capitalismo e, no bojo desta, pelo atual processo de internacionalização e pela ofensiva
‘neoliberal’, ele tem contribuído para atenuar os ‘custos sociais’ das políticas de reciclagem
efetuadas nos países da Europa norte-ocidental. É por isso, aliás, que alguns se referem, mais do
42
que a uma implosão, a um impasse do Welfare State: este não se torna inativo, mas também não
amplia a sua ação. (Almeida, 1991, p.79)
Isto porque
a nova onda de concentração e centralização dos capitais leva à constituição de relações de
propriedade que transcendem amplamente os limites dos Estado nacionais. Constitui-se cada vez
mais uma burguesia transnacionalizada, funcionária de um capital que opera literalmente em
escala mundial. Estas relações, na atual fase da internacionalização minam a capacidade de
implementação de políticas pelos Estados nacionais (principalmente nas formações sociais
dependentes). (Almeida, 1996, p. 74)
Para Sader (2001), a hegemonia neoliberal tem na desregulamentação um
elemento econômico, social e ideológico chave, pois, ao liberar o capital para circular com os
menores entraves possíveis, reinstala uma relação de forças entre o capital e o trabalho
visivelmente favorável ao capital, seja pela elevação do desemprego, seja pela proliferação
das formas de exploração selvagem do trabalho, seja pela elevação das taxas de exploração da
força de trabalho, como também pela fragmentação social que produz. A desregulamentação
altera também a relação entre o capital produtivo e o capital especulativo, a favor deste
último.
Entretanto, Boito Jr. (2002) observa que a política neoliberal tem encontrado uma
base de apoio não só junto às burguesias internas como também junto a importantes setores
das classes trabalhadoras, que aderiram à política neoliberal por motivos ideológicos, não
propriamente como uma classe aliada do bloco no poder, mas apenas como uma classe de
apoio desse mesmo bloco, o que tem permitido postular uma hegemonia ideológica do
neoliberalismo, uma hegemonia regressiva, passiva e instável, mas que foi muito importante
para que a frente neoliberal lograsse implantar e consolidar as reformas orientadas para o
mercado nos países da periferia e semiperiferia do sistema mundial.
É importante ressaltar que a problemática do poder é um tema central para os
autores neoliberais, cuja preocupação está relacionada aos alcances e aos limites desse poder.
43
O problema levantado pelos neoliberais em relação ao Estado refere-se ao conflito entre
concentração e distribuição do poder e aos mecanismos utilizados para a tomada de decisões.
O modelo neoliberal é partidário da distribuição do poder nas instituições sociais de alcance
reduzido, rechaçando a democratização ampliada da sociedade por temor de uma possível
"tirania da maioria" (para Hayek (1987), a vontade das maiorias não representa
necessariamente os valores da continuidade histórica de uma sociedade).
A teoria do Estado e da democracia dos neoliberais apóia-se exclusivamente no
mercado, pois coloca as relações econômicas como fundadoras da ordem política e frente à
divisão entre liberdade econômica e liberdade política, opta sempre pela primeira. Portanto, a
única intervenção do Estado que os neoliberais reconhecem é aquela que tem por objetivo
impedir exatamente a intervenção do Estado na economia ou retirar este das atividades que
não correspondam à sua natureza; pode-se verificar que,
Ao limitar a expansão governamental, o mercado impede a concentração do poder político em
poucas mãos, favorecendo-se a democracia de forma indireta mas muito eficaz. O mercado, sendo
um jogo de somas variáveis, estimula a proliferação de múltiplos centros de competitividade de
poder econômico; o Estado, esfera monolítica da coerção, é um jogo de soma zero e, portanto,
cronicamente propenso à concentração do poder político e à limitação da competição. (Boron,
1994, p.56-7)
A preocupação dos neoliberais passa pela questão de como lograr que nas
sociedades livres
4
a ação política não as transforme em sociedades reguladas, uma vez que a
capacidade de poder das instituições políticas se concretiza algumas vezes como uma
tendência à planificação econômica a partir do Estado, o que significa um ingerência negativa
sobre a liberdade individual. A democracia não teria, portanto, um "valor universal", seria a
forma de organização política somente onde as tradições lograrem o reconhecimento pleno
dos considerados direitos naturais. É, em essência, um meio, um instrumento para
salvaguardar a paz interna e a liberdade individual (Hayek, 1987).
4
Os neoliberais dividem as sociedades em sociedades livres e totalitárias, nas primeiras incluindo sociedades de
mercado e, nas segundas, as planificadas, sejam elas socialistas ou capitalistas (corporativistas ou keynesianas)
(Hayek, 1987).
44
Conforme Boron (1999), os mercados rejeitam – em sua prática, embora não em
sua retórica discursiva – as pretensões de igualdade e inclusividade próprios da ordem
democrática, pois não existe neles uma dinâmica inclusionista, nem um afã de potenciar a
participação de todos, pelo contrário, a competição, a segmentação e a seletividade sãos os
traços que os definem. Em relação à democracia, os mercados obedecem a uma lógica
descendente, pois são os grupos beneficiados por seu funcionamentos que têm capacidade de
construí-lo, controlá-lo e modificá-lo à sua imagem e semelhança, e o fazem de cima para
baixo, dado que nos mercados os atores cruciais são os que se concentram na cúpula.
"Os mercados votam todos os dias" e forçam os governos a adotarem medidas
impopulares indispensáveis ao seu funcionamento. "O mercado institui um segundo - e muito
privilegiado - mecanismo decisório: um sistema de voto qualificado, essencialmente
democrático, e completamente isolado das influências e demandas que pudessem proceder do
cidadão comum e corrente" (Boron, 1999, p.36). Na tomada de decisões, são levados em
consideração os interesses das grandes firmas transnacionais e de certos conglomerados
econômicos, os quais, "desde remotos centros de poder econômico e financeiro internacional,
elaboram uma estratégia de intervenção nos mercados da periferia". Os restantes, isto é, os
trabalhadores, a pequena burguesia, as camadas médias, frações do empresariado, ficam
excluídos, restringindo-se a sua participação ao processo eleitoral que se realiza a cada dois
anos, com pouca possibilidade de terem suas demandas atendidas. "Nestes santuários do
neoliberalismo que são os mercados, votam tão só os segmentos mais concentrados do
capital" (Idem, p.37).
O mercado e a democracia são duas faces inconciliáveis da mesma moeda, a
sociedade capitalista. Isto pode assim se explicar:
a democracia orienta-se tendencialmente para a integração de todos, conferindo aos membros da
sociedade o status de cidadão, o mercado opera sobre a base da competição e da sobrevivência dos
mais aptos, e não está em seus planos promover o acesso universal da população a todos os bens
que são trocados em seu âmbito. (...) A participação no consumo, diferente da participação na vida
democrática, longe de ser um direito, é, na realidade um privilégio que se adquire (...) no mercado.
Se na democracia a participação de um exige e potencia a participação dos demais, no mercado o
consumo de um significa o não consumo do outro. A lógica da democracia é um jogo de somas
45
positivas. A do mercado é a de soma zero: o lucro do capitalista é a insuficiência do salário ... (
Boron, 1999, p.23-4)
O projeto neoliberal distancia-se da democracia uma vez que o capitalismo
democrático exige formas de intervenção do Estado no sentido de garantir direitos básicos,
sociais e políticos à população, enquanto o Estado forte "neoliberal" ataca sistematicamente
os direitos democráticos seja através das leis de exceção, de medidas de emergência, de
decretos antigreves, da penalização dos sindicatos, da manipulação da informação, da
supremacia do executivo, seja por meio da subtração de decisões econômicas de grande porte
ao controle público. O neoliberalismo leva a uma política conservadora que assesta golpes
duríssimos em qualquer forma de ação coletiva, de organização social, de luta por direitos.
Sob o modelo neoliberal evaporam-se quase por completo a figura do cidadão e da
democracia, as perspectivas de uma cidadania participativa e autogovernada e de um
capitalismo democrático. Perdem força política os sindicatos, em visível processo de
esvaziamento, observável no fortalecimento de propostas como a do "sindicalismo de
resultados", que não questiona o modelo econômico e perdem força os partidos políticos
como formas clássicas de representação. Ainda mais,
É nesse marco que se reconceitua a noção de cidadania, mediante uma revalorização da ação do
indivíduo como proprietário que elege, opta, compete ter acesso a (comprar) um conjunto de
propriedades-mercadoria de diferentes tipos. O modelo do homem neoliberal é o cidadão
privatizado, responsável, dinâmico: o consumidor" (Gentili, 1998, p.20).
Para Almeida (1996), o que se verifica com as mudanças ocorridas nas esferas
política e econômica é um processo de "corrosão da cidadania", uma vez que o que está em
jogo é a ideologia do Estado soberano e a própria constituição ideológica da coletividade
nacional como uma comunidade singular de indivíduos livres e iguais, ou seja, a sua
capacidade de assegurar a integridade da comunidade nacional. Isto porque o ritmo acelerado
da transnacionalização das relações de propriedade tem contribuído para fragilizar a
capacidade dos Estados nacionais para implementarem políticas próprias.
46
Portanto, duas exigências são postas às classes dominadas para a construção de
sua hegemonia: “forçar pela prática do mais amplo jogo democrático e pela generalização e
universalização da democracia e, ao mesmo tempo, deslocar a legitimação da ordem burguesa
no próprio marco do ordenamento capitalista – sem o que a construção de sua hegemonia
torna-se visceralmente problemática” (Netto, 1990, p.125). A estratégia das classes
dominadas deve se basear numa “guerra de posições”, na conquista do máximo de espaços no
interior da sociedade civil, já que só com o consenso da maioria, ou seja, com a hegemonia é
possível empreender transformações sociais em profundidade. Isso requer um direcionamento
consciente das lutas de classes, implicando, necessariamente, a existência de um projeto
político capaz de gerar esse consenso em torno das classes em situação de subalternidade.
Efetivamente, a participação política supõe uma relação de poder entre as classes
dominantes e as classes dominadas, que se materializa por intermédio do Estado, e na qual
cada uma destas classes luta para dirigir intelectual e moralmente o conjunto da sociedade e
para a realização de seus interesses de classe. Com a socialização da política, com a gestação
de uma rede de organismos de massa cada vez mais difusa e plural, cria-se não apenas um
novo terreno para a luta pelo socialismo, como também se esboçam, no seio do próprio
capitalismo, certas formas estatais da futura democracia socialista.
CAPÍTULO II
Estado, Poder e Participação Política na Semiperiferia do Sistema Mundial
nos Anos 1990: Brasil e Portugal
Wallerstein (1990), em sua análise do sistema social moderno, descreve as origens
e o funcionamento do sistema mundial a partir da formulação do conceito de sistema-mundo,
que identificou como um sistema social: “O que caracteriza um sistema social [...] é o fato de
a vida no seu seio ser em grande medida autocontida, e de a dinâmica do seu desenvolvimento
ser em grande medida interna”, pois “os sistemas mundiais são relativamente grandes, isto é,
constituem em, linguagem familiar, verdadeiros «mundos». Mais precisamente, todavia, são
definidos pelo fato de a sua auto-inclusão como entidade econômico-material estar baseada
em uma divisão extensiva do trabalho e de conterem no seu seio uma multiplicidade de
culturas” (Wallerstein, p.337-338). Estes sistemas-mundo formam sistemas históricos, ou
seja, suas estruturas não são imóveis, existindo transições entre um sistema histórico e o que
lhe sucede. O conceito de sistema histórico refere-se a um complexo de relações sociais que
se assenta em uma divisão de trabalho, com estruturas de produção integradas, que permitem
a sua existência e reprodução e se caracterizam por “um conjunto de princípios e de
instituições organizativos e um período de vida definível”.
Conforme esse autor, o moderno sistema mundial apresenta-se como uma
economia-mundo capitalista que integra “um conjunto de processos de produção
geograficamente vasto”, estabelecendo uma única divisão de trabalho ao longo do globo, e é
politicamente organizado como um sistema interestatal composto de Estados-nação soberanos
(Wallerstein, 1990, p.35). Ao descrever uma economia-mundo capitalista Wallerstein enuncia
um conjunto de doze princípios e de teses:
1. A acumulação incessante do capital como principal força motora.
2. Uma divisão axial do trabalho que implica uma tensão entre o centro e a periferia, de tal modo
que se manifesta, recortando a divisão espacial, como uma forma de troca desigual.
3. A existência, inerente à estrutura, de uma zona semiperiférica.
48
4. A necessidade permanente de trabalho não remunerado, em concorrência com o trabalho
assalariado.
5. Em termos limites, a convergência da economia-mundo capitalista de um sistema interestatal,
constituído por Estados soberanos.
6. A origem da economia-mundo capitalista remonta bem para lá do século XIX, provavelmente
ao século XVI.
7. A idéia de que a economia-mundo capitalista iniciou-se em uma parte do globo (antes de tudo
na Europa) e que, em seguida, se estendeu ao mundo inteiro por um processo de «incorporações»
sucessivas.
8. A existência no sistema-mundo de Estados hegemônicos, mas cujos períodos de hegemonia
total e incontestada são, no entanto, relativamente breves.
9. A importância secundária dos Estados, dos grupos étnicos ou dos espaços domésticos: estes se
renovam perpetuamente por criação e renovação.
10. A importância fundamental do racismo e do sexismo, como princípios organizadores do
sistema.
11. A emergência de movimentos anti-sistêmicos, que, simultaneamente, fragilizam e reforçam o
sistema.
12. Um modelo constituído por ritmos cíclicos e tendências seculares, que encarna as contradições
inerentes ao sistema e permite compreender a crise sistêmica que atravessamos hoje. (Wallerstein,
1995, p. 303)
O sistema-mundo capitalista emerge como “um desenvolvimento surpreendente e
imprevisível”, “devido ao colapso simultâneo das três instituições que sustentavam o sistema
feudal: o poder senhorial, os Estados e a Igreja” (Wallerstein, 1995, p.14-5; 1997, p.105).
Suas características específicas são, por um lado, “a prioridade conferida à acumulação do
capital” e, por outro lado, um conjunto de instituições congruentes com tal funcionamento,
conjunto esse que tem sua origem na integração de processos de produção e conduz ao
estabelecimento de autênticas “cadeias de mercadorias que ligam atividades produtivas
geograficamente díspares” que vêm abrir, quase sempre, as fronteiras políticas; “unidades
familiares” como “unidades básicas de reprodução social” e “uma geocultura integrada que
legitima as estruturas e procura conter o mal-estar das classes exploradas”, (Wallerstein, 1995,
p.17).
Na economia-mundo capitalista, a gama de tarefas econômicas, não está
distribuída uniformemente por todo o sistema mundial, mas é, na sua maior parte, “função da
organização social do trabalho, que aumenta e legitima a capacidade de certos grupos dentro
49
do sistema explorarem o trabalho de outros, isto é, receberem uma parte maior do excedente”
(Wallerstein, 1990, p.339). Este sistema histórico, cuja única divisão de trabalho inclui
“produtos, processos e métodos de produção (...) de natureza e resultados econômicos
diferenciados”, contém sempre Estados centrais e áreas periféricas e, entre uns e outros, áreas
semiperiféricas conforme o conjunto de atividades produtivas neles predominante,
constituindo-se, desse modo, um sistema hierárquico, sob a hegemonia de um (ou vários)
Estado(s) central(is) que associa(m) o poder militar à liderança econômica para reforçar as
regras do comércio e as relações internacionais a seu favor, “disseminando a sua linguagem,
cultura e moeda como padrões globais”. Nesse processo, a distribuição das mais-valias
produzidas não se faz de modo eqüitativo, mas, pelo contrário, de modo bem
desproporcionado.
Wallerstein (1990) assinala, ainda, que, nos Estados de centro desenvolvem-se,
em regra, poderosos aparelhos de Estado ligados a uma forte identificação nacional, ou
integração, que mais não são do que um mecanismo que serve “para proteger as disparidades
surgidas no interior do sistema mundial e como máscara ideológica justificadora da
manutenção de tais disparidades” (p.339). Ns áreas periféricas, por sua vez, o Estado é muito
débil, por ser inexistente, no caso da situação colonial, ou por ter um escasso grau de
autonomia, como se verifica na situação neocolonial, sendo as áreas que mais perdem nesta
distribuição desigual da mais-valia, que se vai orientar de modo privilegiado para as zonas do
centro. Esta distinção visível entre centro e periferia se afirma segundo três critérios: a) a
acumulação do capital; b) a organização social da produção; e c) a organização política dos
Estados em formação (Wallerstein, 1995). Relativamente às áreas semiperiféricas, este autor
as apresenta como estando em uma posição intermédia entre o centro e a periferia, em um
conjunto de dimensões como a complexidade da atividade econômica, a força do aparelho de
Estado ou os fatores de integração nacional. A esta caracterização, ele acrescenta que,
Contudo, a semiperiferia não é um artifício de pontos de corte estatísticos, nem uma categoria
residual. A semiperiferia é um elemento estrutural necessário em uma economia-mundo. Estas
áreas têm um papel paralelo ao representado, mutatis mutandis, pelos grupos comerciantes
intermédios em um império. São pontos coletores vitais, com freqüência politicamente
impopulares. Estas áreas intermédias (como os grupos intermédios em um império) desviam
parcialmente as pressões políticas que os grupos localizados primariamente nas áreas periféricas
poderiam em outro caso dirigir contra os Estados do centro e os grupos que operam no interior e
50
através dos seus aparelhos de Estado. Por outro lado, os interesses localizados basicamente na
semiperiferia acham-se no exterior da arena política dos Estados do centro, e é-lhes difícil
prosseguir os seus fins através de coligações políticas que poderiam estar abertas para eles se
estivessem na mesma arena política. (Wallerstein, 1990, p.339)
Deste modo, Wallerstein sublinha o conteúdo político da semiperiferia, uma vez
que os países semiperiféricos, devido exatamente ao seu caráter intermédio, desempenham
uma função de intermediação entre centro e a periferia do sistema mundial, ou seja, “em
momentos de expansão da economia-mundo, os Estados [semiperiféricos] ligam-se, como
satélites, a uma determinada potência central e servem, até certo ponto de correias de
transmissão e de agentes políticos de um poder imperial” contribuindo para atenuar os
conflitos e as tensões entre o centro e a periferia (Wallerstein, 1994, p.7).
Por outro lado, em crítica ao conceito de semiperiferia formulado por Wallerstein,
Arrighi (1998) afirma que esse conceito nos remete a duas definições diferentes: uma
econômica, em que “a semiperiferia é localizada no espaço e cobre aquelas regiões onde a
soma dos ‘excedentes’ que entram e saem flutua em torno do ponto zero, [sugerindo] uma
situação intermediária na hierarquia da economia mundial, ligando um equilíbrio negativo
com o ‘núcleo orgânico’ e um equilíbrio positivo com outros países, menos avançados”; e
outra política, que “enfatiza a ação voluntária dos Estados para melhorar a posição relativa de
seus países, aceitando a competição, mas, ao mesmo tempo, buscando uma política de
equiparação” (Arrighi, 1998, p.144). Em tal perspectiva, o conceito de semiperiferia
permaneceria prisioneiro dessa ambigüidade, combinada ao fato de o termo ser usado para
indicar uma posição intermediária na hierarquia do sistema inter-Estados.
Argumenta Arrighi (1998) que Wallerstein, ao introduzir o conceito de
semiperiferia segue os teóricos da dependência
5
, pois supõe uma economia mundial
5
Martins, a este propósito, observa que “o enfoque da dependência assinalava que o desenvolvimento do
capitalismo havia estabelecido uma divisão internacional do trabalho hierarquizada constituída por classes e
grupos sociais que se articulavam em seu interior, mas que pertenciam, muitas vezes, a estruturas jurídico-
políticas distintas. Essa divisão do trabalho se expandia e implicava a circulação de capitais e de mercadorias em
seus limites. Os países dependentes eram sujeitos aos monopólios tecnológicos que articulavam essa circulação e
tendiam a ajustar seu aparato produtivo, comercial e financeiro a ela. As decisões estavam condicionadas pela
economia mundial capitalista e as classes dominantes dos países dependentes respondiam positivamente a esses
condicionamentos. As contradições entre as classes e os monopólios internacionais não eram suficientes para
levá-las à confrontação. Elas buscavam o compromisso e a negociação. O controle do Estado nacional era um
importante recurso para suavizar sua debilidade e buscar melhores condições de inserção mundial. A
nacionalidade significava um instrumento de gestão adequado ao maior nível de complexidade da economia
51
estruturada nas relações núcleo orgânico-periferia, as quais ligam as atividades econômicas
estruturadas em cadeia de mercadorias que atravessam fronteiras nacionais. “As atividades do
núcleo orgânico são aquelas que controlam uma grande parte do excedente total produzido
dentro da cadeia de mercadorias, enquanto que atividades periféricas são aquelas que
controlam pouco ou nada desse excedente” (Arrighi, 1998, p.140). De fato, a economia
mundial esteve sujeita a tendências polarizadoras generalizadas, mas a teoria da dependência
não consegue explicar a persistência de um grupo intermediário de Estados que, enquanto
grupo, não está nem alcançando o pequeno grupo de Estados que estabelecem os padrões de
riqueza na economia mundial, nem se juntando ao grande grupo de Estado que estabelecem
padrões de pobreza. Portanto, a economia mundial mostra padrões de estratificação e
desenvolvimento que não podem ser explicados em termos de modernização ou dependência.
Para identificar as três zonas da economia mundial, Arrighi aponta para a
necessidade de distinguir entre as várias combinações de atividades do núcleo orgânico e de
periferia, entretanto, alerta que não há qualquer maneira operacional de distinguir entre as
atividades típicas de periferia e as atividades típicas de núcleo orgânico e, portanto, classificar
os Estados de acordo com a combinação de atividades de núcleo orgânico e de periferia que
se encontra sob sua jurisdição. Isto porque as zonas de periferia, semiperiferia e núcleo
orgânico constituem posições estruturais separadas da economia mundial, mas não é possível
estabelecer fronteiras entre elas. Em função disto, o autor propõe a classificação dos Estados
em grupos que podem refletir diferentes combinações de atividades de núcleo orgânico e de
periferia.
Arrighi também observa que, por um lado, o estabelecimento da hegemonia dos
Estados Unidos, que anunciou um conjunto de inovações tecnológicas e organizacionais de
importância econômica mundial, operou uma mudança nas regras de competição entre os
Estados do núcleo orgânico, forçando-os a desempenhar papéis semiperiféricos na corrida
para alcançar o novo padrão de centralidade. Estes Estados mudaram de modo descontínuo de
um conjunto de atividades para outro, competindo com Estados tradicionalmente
semiperiféricos para capturar a tecnologia, organização, know-how e finanças da nova
mundial, mas não a autonomia de decisão. Os grupos internos eram também internacionais e o seu
desenvolvimento não implicava a reprodução dos padrões de existência dos países centrais. A reprodução da
dependência era também a de uma divisão internacional do trabalho hierarquizada. Ela significava a existência
de uma estrutura econômica, social, política e ideológica simultaneamente nacional, internacional e específica
dentro da economia mundial. E o subdesenvolvimento se estabelecia, não como não-desenvolvimento, mas como
o desenvolvimento de uma trajetória subordinada dentro da economia mundial” (Martins, 2002, p.228).
52
potência hegemônica. “Em qualquer dado momento, a semiperiferia sempre inclui alguns
países que foram mais ou menos temporariamente rebaixados do núcleo orgânico (ou
promovidos da periferia) por um dos muitos choques aleatórios ou sistemáticos através dos
quais a economia mundial opera” (Arrighi, 1998, p.181). A semiperiferia acaba funcionando
como um amortecedor entre o núcleo orgânico e a periferia, ao mesmo tempo em que as
pressões competitivas conduzem os Estados semiperiféricos para o perímetro da periferia ou
para dentro desta.
Por outro lado, em termos de industrialização, ocorreu um estreitamento
significativo da distância entre o grau de industrialização do núcleo orgânico e o da
semiperiferia e da periferia, pois as corporações transnacionais passaram a desenvolver suas
atividades em diferentes localidades nacionais e, com isso, Estados semiperiféricos – e, em
menor grau, Estados periféricos – começaram a erodir o monopólio dos Estados do núcleo
orgânico sobre as atividades industriais típicas deste núcleo. Todavia, essa “equiparação” com
os mais desenvolvidos não afetou significativamente os diferenciais no comando econômico
que separam as diferentes camadas da economia mundial, já que na verdade,
a distinção relevante se dá entre as atividades que envolvem tomadas de decisões estratégicas,
controle e administração, pesquisa e desenvolvimento, por uma lado, e atividade de pura execução,
por outro. A zona do núcleo orgânico tende a se tornar o locus das atividades “cerebrais” do
capital corporativo, e a zona periférica tende a se tornar o locus das atividades de “músculo e
nervos”, enquanto a zona semiperiférica tende a se caracterizar por uma combinação mais ou
menos igual de atividades “cerebrais” e de “músculo e nervos”. (Arrighi apud Arrighi, 1998,
p.187)
Para esta perspectiva, a principal razão da existência de uma estrutura de três
camadas da economia mundial é a sua divisão em uma multiplicidade de jurisdições de
Estado dotadas de capacidade desigual de impor/resistir à periferização. Da mesma forma, a
existência de países semiperiféricos reforça a legitimidade e estabilidade deste sistema
desigual e polarizador, uma vez que, devido a uma combinação mais ou menos igual de
atividades de núcleo orgânico e de atividades periféricas sobre a qual têm jurisdição, supõe-se
que os Estados semiperiféricos tenham o poder de resistir à periferização, embora não tenham
53
poder suficiente para superá-la completamente e passar a fazer parte do núcleo orgânico, pois
as atividades deste núcleo comandam recompensas agregadas que incorporam a maioria dos
benefícios globais da divisão mundial do trabalho, enquanto que as atividades de periferia
comandam recompensas agregadas que incorporam poucos daqueles benefícios. No moderno
sistema mundial não basta o desejo de se tornar centro: os casos de passagem de uma região
semiperiférica ou periférica ao centro são extremamente raros, dado que o ambiente
competitivo em que se desenvolve o capitalismo histórico restringe essas possibilidades.
Arrighi usa o termo semiperiferia para se referir exclusivamente a uma posição em
relação à divisão mundial do trabalho, enfatizando que a separação dos dois tipos de
comando, nas arenas econômica e política, é uma peculiaridade da economia capitalista
mundial. Isto porque
1. a dicotomia núcleo orgânico-periferia se destina a designar a distribuição desigual de
recompensa entre as diversas atividades que constituem a divisão do trabalho, com formato de um
arco único, que define e demarca a economia mundial;
2. nenhuma atividade específica (quer definida em termos da produção ou da técnica usada) é
inerentemente típica do núcleo orgânico ou típica da periferia;
3. as empresas capitalistas raramente se envolvem numa única atividade, mas reúnem diferentes
atividades dentro de seus domínios organizacionais e serão, portanto, caracterizadas por
combinações de atividades de núcleo orgânico e de periferia;
4. a luta competitiva entre as empresas capitalistas não ocorreu num vazio político, mas esteve
intimamente inter-relacionada com a formação dos Estados, isto é, de jurisdições territoriais
formalmente soberanas;
5. os Estados não são beneficiários passivos de combinação de atividades de núcleo orgânico e de
periferia. (...) a capacidade de realmente ser bem sucedido nesse esforço não se distribui de forma
igual entre todos os Estados. Ela varia de modo descontínuo, devido ao peso das atividades típicas
do núcleo orgânico que fazem parte da combinação que já se encontra sob uma jurisdição de
Estado. (Arrighi, 1998)
54
Portanto, conclui Arrighi, a troca desigual é apenas um dos muitos mecanismos
através dos quais a estrutura núcleo orgânico-periferia da economia mundial foi criada,
reproduzida e aprofundada, visto que as relações núcleo orgânico-periferia são determinadas
não por combinações específicas de atividades, mas pelo resultado do vendaval perene de
destruição criativa e não criativa engendrado pela disputa dos benefícios da divisão mundial
do trabalho.
O moderno sistema mundial ao dividir o mundo em três zonas, proporcionou uma
apropriação desigual dos benefícios da divisão mundial do trabalho, atribuindo aos Estados do
núcleo orgânico a maior parte da distribuição das riquezas produzidas. Aos Estados
periféricos e semiperiféricos restaram duas possibilidades: a dependência e seu
aprofundamento com a intensificação da superexploração e a marginalização da fronteira
tecnológica; e o desenvolvimento nacional e regional que rompe com a dependência e a
superexploração a se aproxima da fronteira tecnológica para aproveitar as externalidades da
difusão tecnológica.
De acordo com a classificação proposta por Arrighi, Brasil e Portugal integram o
grupo de Estados que se caracterizam pela combinação de atividades de núcleo orgânico e de
periferia, o que os configuram como Estados da semiperiferia do sistema mundial. É o tema
que se desenvolve a seguir.
1. Brasil: Estado semiperiférico dependente
Os países da América Latina vêm passando, desde a década de 1980, por
profundos processos de transição política que têm alterado substantivamente as relações entre
o poder político, a sociedade e o mercado, bem como a forma de inserção internacional das
economias nacionais. A crise econômica, resultado das contradições internas e externas dos
modelos de desenvolvimento econômico implementados nessa parte do continente, conduziu
a um processo de redefinição da relação entre o Estado e a economia e possibilitou a irrupção
das idéias neoliberais na maioria dos países do Cone Sul. “O neoliberalismo na América
55
Latina – como na Europa – é filho da crise fiscal do Estado. Seu surgimento está delimitado
pelo esgotamento do Estado de bem-estar social – onde ele chegou a se configurar – e,
principalmente, da industrialização substitutiva de importações, ao estilo da CEPAL” (Sader,
1995, p.35).
A idéia de estabilidade econômica e política como condição necessária para atrair
mais investimentos induziu as classes dominantes dos Estados semiperiféricos à busca de
regimes estáveis capazes de dispor do poder necessário para transformar as estruturas da
sociedade sem encontrar resistências às mudanças. Neste sentido, os governos ditatoriais
foram a alternativa política escolhida, uma vez que estes se definiam como sustentadores de
uma “ordem social” ante o perigo desintegrador das políticas decorrente dos diversos
conflitos sociais que explodiram na época como manifestação da crise do modelo de
desenvolvimento e dos problemas derivados de novas condições econômicas internacionais,
dado o tipo de relação existente entre as políticas dos países centrais e seus efeitos nos países
da semiperiferia e periferia do moderno sistema mundial.
Os governos autoritários, instaurados na América Latina nos anos 1960 e 1970
promoveram um ajuste econômico que tinha por objetivo reordenar a economia completando-
se, em plano médio, com uma reformulação política que evitasse as crises de governabilidade
nesses países, convertendo o “ajuste político” em uma conseqüência e uma condição
necessária do ajuste econômico. O objetivo do modelo econômico imposto por esses governos
era desregular a economia para flexibilizar as oportunidades dos proprietários do capital
interessados em gerar um processo de acumulação sem distribuição de renda. Toda a crítica
feita pelos países centrais, a partir da óptica neoliberal, em relação ao Estado e suas funções
econômicas serviu como fundamento para o discurso elaborado pelas classes dominantes nos
países latino-americanos quanto ao processo de abertura dos mercados à concorrência
internacional e ao desmantelamento das instituições de proteção social controladas pelo
Estado. No diagnóstico da crise, as classes dominantes apontavam que os limites à
acumulação do capital haviam sido colocados pelas leis protecionistas decorrentes da política
de substituição de importações, as quais faziam parte de uma estratégia negativa influenciada
pelas idéias do Estado de bem-estar e pelas políticas keynesianas.
Na América Latina, a intervenção do Estado na economia e as instituições de
bem-estar social possuem características próprias, resultantes de diferentes processos que têm
sua explicação na história de cada um dos países da região. Nesses países, as políticas sociais
56
quase sempre foram resultado das políticas dos regimes populistas, o que significa uma
maneira diferente de resolver os conflitos de classe, garantir a coesão social e a reprodução da
acumulação capitalista. Como observa Lechner (1986), os processos de modernização ficaram
incompletos, dado que os países latino-americanos sempre adotaram o caráter de mudanças
produzidas desde cima, às vezes com mobilização de massas, mas quase sempre sem
revoluções político-sociais.
Segundo Cardoso (1985), os Estados nacionais latino-americanos se diferenciam
substancialmente em relação à forma como se constituíram os Estados nacionais nos países do
centro. Surgem como a expressão de uma vontade que se apresenta como se fosse nacional
contra outros Estados, que são os Estados imperiais que dominam a região. Na América
Latina, o Estado apresenta-se como se fosse a cristalização de uma vontade geral que tem o
seu movimento básico orientado para o processo de independência. Ele nasce em contradições
históricas que o tornam expressão de uma relação duplamente contraditória, pois se trata de
um Estado que se afirma como politicamente soberano, mas embasado em uma economia que
é dependente, portanto em um contexto em que a aspiração de soberania está condicionada
pela existência de uma estrutura objetiva de relações de dependência.
Para Marini (1992; 1994) e Santos (1968; 1972; 1978-a; 1978-b), essa estrutura de
relações de dependência decorre das estratégias da acumulação do capitalismo central, uma
vez que o capital e as forças que, historicamente, a ele se articulam, têm por objetivo o
superlucro ou a mais-valia extraordinária. Os Estados dependentes, ao serem incorporados na
divisão internacional em uma especialização produtiva que os inferiorizava, eram objeto da
competição monopólica, sofriam diversas formas de expropriação de seus excedentes e do
valor que produziam e se ajustavam às necessidades de restruturação dos monopólios que
competiam no âmbito da economia mundial.
Santos sintetiza o conteúdo das relações de dependência ao assinalar que “la
dependência, como se ve, no es la relación de una economía nacional autóctona con una
economía externa que la somete, sino que es una relación básica que constituye y condiciona
las proprias estructuras internas de las regiones dominadas o dependentes” (Santos, 1978-a,
p.313).
Para o autor, a dependência se estabelece a partir do conceito de compromisso que
integra os três níveis de análise que a constituem: as estruturas internacionais do capital, as
57
relações econômicas internacionais e as estruturas internas dos países objeto da expansão do
capital internacional. Os países dependentes são influenciados por forças externas e internas, e
o compromisso ou a combinação de interesses vincula-se necessariamente a uma composição
de forças sociopolíticas nos Estados dependentes que aceitam a integração internacional
dentro das possibilidades oferecidas pela situação condicionante. As classes dominantes dos
Estados dependentes operam por um compromisso que as mantém em uma posição de
inferioridade no capitalismo mundial porque estão voltadas para as necessidades da economia
mundial; concentram o desenvolvimento da produtividade em segmentos direcionados para o
mercado internacional ou para as frações do mercado interno dirigidos ao consumo suntuário.
Un tercer aspecto que es esencial para la comprensión de la dependência es el que se refiere a la
articulación necesaria entre los intereses dominantes en los centros hegemónicos y los intereses
dominantes en las sociedades dependientes. La dominación “externa” es impracticable por
principio. Sólo es posible la dominación cuando encuentra respaldo en los sectores nacionales
que se benfician de ella. (...) Al mostrar la correpodencia necesaria entre los intereses de la
dominación y los intereses de los dominadores dominados (de ahí el carácter específico de las
clases dominantes de los países dependientes) mostramos que, a pesar de que existen conflictos
internos entre esos intereses dominantes, son intereses fundamentalmente comunes. (Santos, 1978-
b, p. 309)
A adoção de políticas de cunho liberal por parte dos governos latino-americanos
respondeu à necessidade de integração com os mercados externos, que foi concretizada em
uma relação de intercâmbio desigual. Deste modo, o Estado nas formações sociais do
capitalismo semiperiférico e periférico encontra-se estreitamente vinculado ao
desenvolvimento econômico, pois ele visa a fortalecer as estratégias dos grupos ou frações de
classe dominantes, sejam elas as oligarquias nativas e seus projetos de economia
agroexportadora ou os projetos de substituição de importações. A idéia do Estado nacional
como um corpo político representativo dos interesses de uma totalidade nacional, fundada por
sua vez na idéia liberal clássica da neutralidade, é substituída por uma visão instrumentalista
do poder político.
Constituem-se, portanto, características históricas dos Estados latino-americanos:
a criação da infra-estrutura necessária à realização dos projetos hegemônicos locais – pois os
58
recursos gerados pelo desenvolvimento econômico apoiado por esses Estados produziam uma
maior concentração de renda por parte de suas burguesias interiores; e um Estado de bem-
estar que não chegou a se consolidar como espaço de negociação permanente entre o grupos e
classes sociais, antes, favoreceu uma relação vertical de controle social, uma vez que as
políticas sociais eram apresentadas como uma concessão do Estado em benefício dos menos
favorecidos, enfraquecendo, deste modo, as instituições democráticas de mediação política.
No Brasil, as primeiras ações implementadas pelo governo, tendo em vista a
constituição de uma nova fração de classe hegemônica no bloco no poder, foram
desencadeadas pelo governo militar do pós-1964, que criou as condições necessárias às
mudanças do tratamento dado pelo Estado ao “sistema financeiro”. A política econômica da
ditadura militar contribuiu objetivamente para o fortalecimento da posição econômica do
capital bancário diante das demais frações de classe dominante.
Como observa Saes (2001), a ascensão do capital bancário à condição de fração
hegemônica no bloco no poder foi favorecida pela orientação persistentemente monetarista e
antiinflacionária dominante na política econômica estatal, que provocou a elevação da taxa de
juros; pelas medidas ministeriais destinadas à elevação da taxa de juros, como a instituição da
correção monetária para os títulos públicos e privados; pela implementação de uma política de
incentivo ao endividamento externo, a qual implicou uma inserção crescente, e em condições
mais vantajosas, do capital bancário internacional na economia brasileira; e pelo
favorecimento à centralização do capital bancário pela via da criação de estímulos explícitos
às fusões de bancos, que possibilitou o surgimento de grandes conglomerados de caráter
estritamente bancário.
Entretanto, o autor alerta que no Brasil o “fortalecimento da posição econômica
do capital bancário diante do capital industrial e a acelerada oligopolização do capital
bancário não implicaram a transformação desse capital ascendente em capital financeiro, na
acepção estrita da palavra” (Saes, 2001, p.56), o que se pode explicar pelo fato de que o
capital financeiro se liga organicamente à esfera da produção, passando a dirigir atividades
produtivas, ou seja, é o capital bancário que se transforma em capital industrial (Hilferding,
1985).
Por isso, o exercício da hegemonia pela burguesia bancária dá-se em contexto de
pouca visibilidade política dessa fração de classe dominante, isto porque a atividade bancária
59
é considerada pelas demais frações de classe dominante e pelas classes dominadas como uma
atividade improdutiva, circunstância que a impede de apresentar-se abertamente ao conjunto
das classes sociais como força política específica, como o agente principal da dominação
ideológica de classe, cabendo às “classes produtoras” (fundiária e industrial) a função de
organização da dominação ideológica sobre as classes dominadas. Esta situação confirma que
se encontram dissociadas as funções de hegemonia no seio do bloco do poder e de
organização da dominação ideológica de classe, uma vez que diferentes frações da classe
dominante desempenham tais funções. Neste contexto,
O capital bancário cede objetivamente o papel de principal agente privado da dominação
ideológica sobre as classes trabalhadoras ao capital industrial. Essa função endereça ao conjunto
das classes sociais, com êxito crescente, o seu discurso específico de "classe produtora":
identificação do "progresso" com a industrialização capitalista, identificação do "bem-estar social"
com o consumo individualizado de bens industrializados. (Saes, 2001, p.61)
Diversas medidas haviam sido implementadas pelo Estado brasileiro, entre 1930
e 1964, com os objetivos de limitar o desenvolvimento do movimento reivindicatório das
classes dominadas, impedir a unificação destas classes até mesmo no plano econômico-
corporativo, e bloquear a constituição de suas organizações político-partidárias. Dentre essas
medidas, destacam-se: a “oficialização” dos sindicatos, a proibição do sindicato por
empresa, o estabelecimento da unidade sindical, a criação do imposto sindical e a
organização da justiça do trabalho. De acordo com Saes (2001), essas medidas produziram
efeitos ideológicos e políticos duradouros entre os trabalhadores assalariados, implicando
uma “corporativização” das classes trabalhadoras, já que estas passaram a concentrar sua
ação coletiva no plano econômico-corporativo, com pouca participação no plano político-
partidário.
Tal corporativização, decorrente da ascendência política da burocracia estatal
sobre o movimento sindical, resultou no fracionamento interno das classes trabalhadoras
dificultando sua unificação mesmo no domínio da ação reivindicativa. As práticas
corporativas estatais, à medida que atraíam as classes trabalhadoras, serviam para encobrir a
verdadeira natureza e o papel do Estado nas formações sociais capitalistas como organizador e
60
unificador das classes dominantes e desorganizador das classes dominadas. Isto significa que
ao organizar e unificar o bloco no poder, ele desorganiza e divide através estas últimas do
consenso ideológico imprescindível à produção e reprodução social do capitalismo. O Estado
capitalista, ao viabilizar a individualização dos agentes da produção inseridos na estrutura
econômica capitalista, contribuiu para sua atomização e fragmentação, na medida em que
frustrou a organização dessas classes em coletivos “para si”, ou seja, em classes possuidoras
de consciência política de seu papel histórico, com vanguarda na condução do processo de
transformação radical da sociedade capitalista.
Esses mecanismos estatais de corporativização das classes trabalhadoras
subsistiram no governo ditatorial instaurado em 1964, que primou pelo exercício da
repressão como a forma de conter as ações reivindicatórias e o movimento político-
partidário dessas classes. Esse recurso a formas mais diretas de autoritarismo, de coerção
marcou uma crise de hegemonia “larvar”, crescia a incompatibilidade de certas frações da
classe dominante com a orientação política do Estado, o que resultou em uma crise política.
Esta situação possibilitou o crescimento do movimento operário, a partir de
meados da década de 1970, o qual, aproveitando as condições favoráveis, iniciou um ataque
frontal aos mecanismos estatais de corporativização das classes trabalhadoras. A partir de
então, o movimento sindical voltou a constituir-se como força política e encaminhou ações
que diziam respeito não apenas às questões salariais, mas à luta pela democratização do
Estado e pela liberdade de organização. Novos personagens entraram em cena
6
, os
movimentos populares e o movimento sindical, reivindicando direitos em uma dinâmica de
ruptura com o regime imposto pela ditadura militar e com as velhas formas de organização,
procurando recriar os espaços públicos a partir do seu cotidiano, e exigindo participação
direta nas decisões sobre assuntos de seu interesse. Esses movimentos contribuem
decisivamente para a criação de centrais sindicais como a Central Única dos Trabalhadores e
do Partido dos Trabalhadores, que se encarregaram de fazer a oposição “não permitida” ao
regime militar e às suas políticas.
Contudo, o processo de democratização do Estado brasileiro de 1988 abriu a via
para o estabelecimento de um total controle e de uma dominação completa da economia
6
Conforme Sader (1988), esses novos personagens constituem "uma coletividade onde se elabora uma
identidade e se organiza práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar
suas vontades, constituindo-se nessas lutas" (Sader, 1988, p.55).
61
brasileira pelo capital financeiro internacional. “O Estado brasileiro conduz, desde os anos
90, uma política destinada a liquidar o arranjo político instável, mas efetivamente vigente até
então, entre o capital monopolista nacional, o capital estrangeiro e os dirigentes de empresas
públicas” (Saes, 2001, p.104). Essa política se configura como ação de extermínio
econômico da burguesia interna e na ocupação de seu espaço econômico pela burguesia
financeira internacional, pois o Estado brasileiro não mais pauta sua política em um projeto
de desenvolvimento nacional, mas em um outro que abre grandes oportunidades de ganho ao
capital financeiro internacional.
O processo de desmonte do setor público, de desnacionalização e de
desindustrialização da economia brasileira teve início com o governo de Fernando Collor de
Melo, eleito em 1989, que desencadeou as primeiras medidas para reduzir o Estado e romper
com a política intervencionista típica do modelo de industrialização substitutiva de
importações e do desenvolvimentismo dos governos militares de 1964 a 1985. O Estado
brasileiro abriu sua economia ao capital financeiro internacional, e o mercado passou a ser o
grande agente mediador da nação.
Conforme observa Sallum Jr. (2000), o governo Collor contribuiu para danificar
o arcabouço institucional nacional-desenvolvimentista e para reorientar em um sentido
antiestatal e internacionalizante a sociedade brasileira, tanto no plano das regras e normas
articuladoras da relação entre o Estado e o mercado como no plano da difusão ideológica. A
estratégia de integração competitiva da economia nacional no sistema transnacional
produziu alterações institucionais que incorporaram, no plano do Estado, mudanças político-
ideológicas que já vinham ocorrendo no seio do empresariado e das camadas médias. Para o
empresariado a retomada do crescimento econômico e a redução das tensões sociais –
decorrentes da crise de hegemonia e da instabilidade econômica da década de 1980 – já não
poderiam depender da presença dominante do Estado no sistema produtivo, mas elas
dependeriam do grau de associação da burguesia local com o capital estrangeiro, o que
envolveria concessões liberalizantes em relação ao padrão de desenvolvimento anterior.
Assim, “o empresariado combate o intervencionismo estatal, clama por desregulamentação,
por uma melhor acolhida ao capital estrangeiro, por privatizações, etc. Em suma, passa a ter
uma orientação cada vez mais desestatizante e internacionalizante” (Sallum Jr., 2000, p.26).
Em resposta ao clamor do empresariado, o este governo implementou um
programa que envolveu ações que incluíam a superação das barreiras não-tarifárias às
62
compras do exterior; a redução progressiva das tarifas de importação, que passaram de
31,6% em 1989 para 30% em setembro de 1990, 23,3% em 1991, 19,2% em janeiro de
1992, 15% em outubro de 1992 e 13,2% em julho de 1993 (fonte: Sallum Jr., 2000); a
desregulamentação de atividades econômicas e de privatização de empresas, não protegidas
pela Constituição, para recuperar as finanças públicas e reduzir o papel do Estado na
impulsão da indústria nacional. “Com isso, desistia-se de construir no país uma estrutura
industrial completa e integrada, em que o Estado cumpria o papel de redoma protetora em
relação à competição externa e de alavanca do desenvolvimento industrial e da empresa
privada nacional” (Sallum Jr., 2000, p.28).
Entretanto, se, por um lado, as medidas implementadas pelo governo Collor
agradaram parte do empresariado brasileiro, por outro, desagradaram amplos setores da
sociedade brasileira ao colocar em xeque a segurança jurídica da propriedade privada
através do seqüestro dos haveres financeiros e do congelamento das contas de poupança; por
atacar verbalmente as organizações de representação empresarial tradicionais, articulando,
paralelamente a essa organização, grupos empresariais que dessem sustentação à sua política
governamental; por reduzir das despesas do Estado e desorganizar a administração pública
com dispensas arbitrárias e em massa de funcionários públicos; e por tentar fragilizar as
organizações de trabalhadores que se opunham ao seu governo, incentivando a criação de
organizações alternativas ligadas ao governo.
Na avaliação de Chossudovsky (1999),
O Plano Collor, iniciado em 1990, foi um estranho "coquetel", combinando uma política monetária
intervencionista com a privatização ao estilo FMI, a liberalização do comércio e uma taxa de
cambio flutuante. (...) A agenda oculta do Plano Collor consistia em cortar gastos públicos e
salários para liberar dinheiro necessário para o pagamento do serviço da dívida externa do Brasil.
(Chossudovsky, 1999, p.172).
Tudo isso resultou em um aprofundamento da crise política e econômica, dado
que o governo Collor, embora sintonizado com as tendências neoliberais, não conseguia
soldar um novo pacto que superasse a crise de hegemonia instaurada na década de 1980.
63
O conseqüente impeachment de Fernando Collor de Melo não implicou, todavia, a
derrocada da implementação do projeto neoliberal pelo Estado brasileiro. O projeto de
reforma do Estado brasileiro foi aprofundado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, cuja
eleição, em 1994, resultou de uma ampla frente política conservadora da qual participaram
segmentos das classes dominantes, a maioria da classe média e um contingente significativo
das classes populares. A coligação eleitoral entre os partidos PSDB, PFL e PTB articulou a
candidatura de FHC e deu acabamento final a um longo processo de construção de um novo
bloco hegemônico. Para Saes (2001),
Essa frente política apresentava duplo aspecto. De um lado, era orientada pelo objetivo principal
de derrotar eleitoralmente a esquerda. De outro lado, ra dirigida pela corrente política neoliberal;
tal corrente exercia hegemonia no seio da frente política conservadora, o que significa aglutinação
de todos os setores conservadores - burgueses, pequeno-burgueses ou populares da sociedade
brasileira, com vista a derrotar eleitoralmente a esquerda, fazia-se em torno do programa político
neoliberal. (Saes, 2001, p.85)
Com a proposta de suplantar a "Era Vargas", o Governo FHC pretendia remover
todos os entraves à instauração de um novo modelo econômico centrado no mercado e criar as
condições para a refundação neoliberal do Estado brasileiro. Neste sentido, atribuiu prioridade
às reformas constitucionais – vale dizer, em um contexto em que faltava implantar as
diretrizes da Constituição de 1988 e regulamentar parte importante de seu texto –, para alterar
leis infraconstitucionais que materializam institucionalmente o remanescente “varguismo”.
Isso significou a revisão decisiva de vários de seus contratos básicos e fundamentais em uma
direção liberal, que mudaria institucional e patrimonialmente a relação entre Estado e
mercado. Sallum Jr. (2000), em análise de tal situação, observa que
O Estado não cumpriria funções empresariais que seriam transferidas para a iniciativa privada;
suas finanças deveriam ser equilibradas e os estímulos diretos dados às empresas privadas seriam
parcimoniosos; não poderia mais sustentar privilégios para categorias de funcionários; em lugar
das funções empresariais, deveria desenvolver mais intensamente políticas sociais; e o país teria
que ampliar sua integração com o exterior, mas com prioridade para o aprofundamento e expansão
do Mercosul. (Sallum Jr., 2000, p.31)
64
Essa reconstrução do Estado implicaria o enfrentamento e a resolução de quatro
grandes problemas apresentados pelo Estado brasileiro: o tamanho do Estado, a necessidade
de redefinição do papel regulador do mesmo, a recuperação da governança e a
governabilidade. Para isso, o programa de reforma do Estado incluiria a delimitação d e sua
área de intervenção por intermédio dos programas de privatização, terceirização e
publicização; a redefinição de seu papel, via desregulamentação da economia e adoção dos
mecanismos de mercado nas políticas estatais; o aumento de sua governança, a ser obtido com
o ajuste fiscal, com a adoção do modelo de administração gerencial e com a distinção entre as
responsabilidades de formulação e de execução das políticas estatais; e o aumento da
governabilidade que abrangia os projetos de aperfeiçoamento dos mecanismos da democracia
representativa e do controle social (Brasil, 1995; Bresser Pereira, 1997).
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da
Administração e Reforma do Estado, sob a direção de Bresser Pereira, fundamentava-se em
uma concepção que atribui ao Estado a responsabilidade pela crise econômica mundial. Para
Bresser Pereira (1997), “esta grande crise teve como causa fundamental a crise do Estado -
uma crise fiscal do Estado, uma crise do modo de intervenção do Estado no econômico e no
social, e uma crise da forma burocrática de administrar o Estado” (Bresser Pereira, 1997, p.9).
O que se pretendia com a reforma do Estado, segundo seus formuladores, era a
construção de um novo modelo de Estado, o Estado social-liberal, com capacidade para
estimular e preparar as empresas e o país para a competição internacional, pois “O Estado
social-liberal (...) detém o poder (de legislar e punir, de tributar e realizar transferências a
fundo perdido de recursos) para assegurar a ordem interna - ou seja para garantir a
propriedade e os contratos - defender o país contra o inimigo externo, e promover o
desenvolvimento econômico e social”. (Bresser Pereira, 1997, p.22). Além disso, afirmavam
que a reforma do Estado significava a garantia da governabilidade, uma vez que tornava o
Estado menor, mais forte financeira, estrutural, estratégica e administrativamente, pois
delimitava claramente sua área de atuação e precisava a distinção entre o seu núcleo
estratégico onde as decisões são tomadas e suas unidades descentralizadas. Seria um Estado
que disporia de elites políticas aptas a tomar decisões políticas e econômicas e contaria com
uma “alta burocracia tecnicamente capaz e motivada” (Bresser Pereira, 1997, p.44).
65
Na avaliação de Silva (2001), o Estado social-liberal é uma nova versão,
recuperada e atualizada, do Estado mínimo, que redefine as estratégias e os instrumentos para
assegurar as condições para a reprodução das relações sociais capitalista: “Manteve-se o
discurso ideológico do ‘social’ para encobrir o agressivo processo de desmantelamento do
mínimo sistema de proteção social e ofuscar o avanço do setor privado em áreas
reconhecidamente de responsabilidade estatal” (Silva, 2001, p.100).
Moraes (1998a) observa que o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(1995) revelava uma ciosa preocupação de enfatizar a “neutralidade” do Estado em uma
sociedade capitalista, isto é, como coletor e realizador das demandas dos indivíduos através
dos canais inerentes à democracia representativa, mas que não deixava de atribuir ao Estado o
papel de “guardião” da propriedade privada dos meios de produção, de “coordenador” da
economia, pois, como enfatizava esse Plano, era necessário “reconstruir o Estado, de forma
que ele não apenas garanta a propriedade privada e os contratos, mas também exerça seu
papel complementar ao mercado de coordenação da economia e na busca da redução das
desigualdades sociais” ( Plano Diretor, 1995, p. 56).
Para Coutinho (2000), o sentido último da reforma do Estado brasileiro não
apontou para a transformação do Estado em um espaço público democraticamente controlado,
na instância decisiva da universalização dos direitos de cidadania, mas visava a submetê-lo
ainda mais profundamente à lógica do mercado.
Trata-se, na verdade, de uma ‘contra-reforma’, que tem por objetivos prioritários: por um lado a
‘modernização’, anular as poucas conquistas do povo brasileiro no terreno dos direitos sociais; e,
por outro, em nome da privatização, desmontar os instrumentos de que ainda dispúnhamos para
poder nos afirmar como nação soberana em face da nova fase do imperialismo, a da
‘mundialização’ do capital’. (Coutinho, 2000, p.123)
De acordo com Guimarães (2001), ao promover as reformas constitucionais, o
governo FHC alterou o padrão das relações entre o Estado e o mercado capitalista mundial, na
medida em que possibilitou o avanço substancial dos direitos do grande capital financeiro em
detrimento da soberania nacional. Dentre as ações implementadas, o autor destaca a
66
desnacionalização de setores produtivos e financeiros chave, a desregulamentação do controle
de fluxos de capitais e o atrelamento dos gastos públicos às metas negociadas com o FMI, o
que significou uma perda substantiva das deliberações sobre o destino da economia nacional
para o mercado financeiro. Alteraram-se, também, os padrões dos direitos e deveres entre os
cidadãos brasileiros – contrariamente à universalização dos direitos estabelecidos na
Constituição de 1988 –, através de um ataque generalizado à lógica dos direitos dos
trabalhadores, em que as políticas sociais passaram a ter como meta o padrão focal com o
objetivo de reduzir o Estado de bem-estar social; verificou-se um deslocamento patrimonial
do Estado para os grupos privados; e, por último, alteraram-se as relações do pacto federativo
ao se implementar uma relação que subordinou nitidamente o Congresso Nacional a uma
dinâmica em que o Executivo detinha a iniciativa legislativa.
O que significa isto senão a mercantilização sem limites da vida social à qual
corresponde uma ideologia que busca salientar os elementos de liberdade, de iniciativa
individual, de destino diferenciado de cada um, fundada em uma concepção do Estado como
agente ativo na constituição das individualidades, descaracterizando a sociedade de classes e o
Estado capitalista como Estado classista, que procura preservar as linhas mestras do
capitalismo e, simultaneamente, as linhas mestras da acumulação? Com efeito, como afirma
Ianni (1997),
O neoliberalismo articula prática e ideologicamente os interesses dos grupos, classes e blocos de
poder organizados em âmbito mundial; com ramificações, agências ou sucursais em âmbito
regional, nacional e até mesmo local, quanto necessário. As estruturas mundiais de poder, tais
como as corporações transnacionais e organizações multilaterais, com freqüência agem de modo
concertado e consensual. E contam habitualmente com a colaboração ativa dos governos dos
países dominantes no sistema capitalista mundial. (Ianni, 1997, p. 262-63).
De fato, o programa de reforma do Estado levado a cabo pelo governo Fernando
Henrique Cardoso evidenciava a predominância da corrente neoliberal na orientação de sua
política econômica e social, pois assumia as relações de poder e dependência internacionais
próprias da globalização financeira. A implementação de um extenso programa de
privatização, a ampla reforma da Constituição – que implicava a quebra de monopólios
67
estatais como o petróleo e as telecomunicações, a liquidação de direitos conquistados pelas
classes trabalhadoras e pelo funcionalismo público –, a abertura da economia brasileira ao
capital financeiro internacional demonstrava a tendência desse governo de retirar os eventuais
obstáculos à acumulação ampliada do capital e à consolidação do capital financeiro
internacional como fração de classe hegemônica no bloco no poder.
Conforme Sallum Jr. (2000), a estratégia de estabilização privilegiou a esfera
financeira vis-à-vis às atividades de produção e comercialização de bens e serviços, em que a
empresa privada nacional deixou de ter o foco privilegiado da política do Estado. O
predomínio neoliberal na formulação da política macroeconômica fragilizou a economia
nacional em relação ao sistema financeiro internacional, ampliando seu grau de dependência
dos países centrais, elevou sistematicamente o endividamento público e implicou baixas taxas
de crescimento e alto índice de desemprego.
O alinhamento à política e à ideologia neoliberal, por parte dos governos dos
Estados semiperiféricos e periféricos, tem gerado aquilo que Arrighi (1998) denominou ilusão
do desenvolvimento, uma vez que a capacidade dos Estados de apropriação dos benefícios da
divisão mundial do trabalho é desigual e depende da relação estabelecida entre o centro, a
semiperiferia e a periferia do sistema mundial. O autor lembra que
os Estados, individualmente, podem atravessar o golfo que separa a periferia da semiperiferia, mas
também nesse caso as oportunidades de avanço econômico, tal como se apresentam serialmente
para um Estado periférico de cada vez, não constituem oportunidades de avanço econômico para
todos Estados periféricos. O que cada Estado periférico pode realizar é negado desse modo aos
outros. (Arrighi, 1998, p.220).
O governo FHC, concebido para viabilizar no Brasil a coalizão do poder capaz de
dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI e viabilidade política às
reformas preconizadas pelo Banco Mundial, conduziu a reforma do Estado brasileiro em
sintonia com o capitalismo mundial financeirizado, apesar das resistências que havia dentro
do próprio governo e fora dele, mas no interior do novo bloco hegemônico e no conjunto das
forças políticas contrárias à refundação neoliberal do Estado. Contudo, foram essas
68
resistências, tanto dentro como fora do bloco no poder, que ditaram o ritmo de execução do
programa político neoliberal no Brasil, que foi mais lento do que o projetado pela equipe
idealizadora do projeto de reforma do Estado, pois cada setor social subalterno da frente
política conservadora tende a apoiar tão-somente a execução daqueles aspectos específicos do
programa neoliberal que correspondam aos seus interesses ou que possam interferir nos seus
interesses
7
. Além disso, o principal interessado no conjunto da política neoliberal é o capital
financeiro internacional.
Saes (2001) observa que essas resistências explicam a tendência do governo
federal a conduzir um processo de fortalecimento do poder executivo e do sistema
presidencialista em detrimento das prerrogativas políticas do Congresso Nacional. A edição,
constante e ininterrupta, de medidas provisórias por parte do Executivo tornou-se o
instrumento fundamental da política de Estado sob o governo FHC. “Por meio da edição de
medidas provisórias, o Governo Federal contorna a questão da competência dos ‘poderes’ e
logra até mesmo transformar certos temas da reforma constitucional em matérias a serem
exclusivamente tratadas – pela via da ‘regulamentação’ – pelo Executivo” (Saes, 2001, p.91).
Para Figueiredo, Limongi e Valente (2000), a relação entre o Executivo e o
Legislativo, durante o governo em pauta, se caracterizava por forte concentração de poder nas
mãos do Presidente da República e dos líderes partidários no Congresso Nacional. Essa
concentração decisória é parte de um padrão mais geral de interações Executivo-Legislativo,
que estendem os poderes legislativos do Executivo e alocam direitos e recursos parlamentares
em favor dos líderes partidários, ou seja, um modelo institucional que favorece a
7
“A grande burguesia industrial, congregada em organizações como a Fiesp e a CNI, vem fazendo campanha,
desde a Constituinte de 1988, a favor de um aspecto específico da desregulamentação: a liquidação dos direitos
sociais e trabalhistas conquistados, a partir de 1930, pelas massas brasileiras. O empresariado brasileiro assume,
além disso, uma posição oficial favorável ao programa de privatizações e lamenta inclusive que o ritmo de
execução de tal programa não seja mais acelerado. (...) Ocorre entretanto que a burguesia industrial (...) mostra-
se reticente – para dizer o mínimo – com relação à abertura total da economia brasileira ao capital internacional.
[A burguesia bancária também é favorável] à desregulamentação das relações de trabalho, ao programa de
privatizações [que sinaliza] para novas oportunidades de negócio e sua eventual ancoragem na esfera produtiva
e, conseqüentemente, a sua transformação em capital propriamente financeiro. (...) Segmentos das classes médias
e das classes trabalhadoras também são atraídos pelo projeto neoliberal de modernização da sociedade brasileira,
[pois] vêem na política neoliberal o caminho para a liquidação do Estado parasitário, cartorial e empreguista, que
absorve através do sistema tributário os precários recursos financeiros do povo e os coloca à disposição de uma
casta privilegiada destituídos de qualquer utilidade social. (...) A classe fundiária manifesta-se, geralmente, a
favor da maioria do programa neoliberal: privatizações, desregulamentação, abertura econômica. Ela se opõe,
entretanto, àquele aspecto do programa neoliberal que não convém aos seus interesses econômicos: a liquidação
dos subsídios estatais à produção agrícola, o fim do tratamento especial dado pelo Estado aos agricultores
endividados etc. ” (Saes, 2001, p. 88-90).
69
governabilidade, entendida, em sentido estrito, como a capacidade de fazer valer a agenda
legislativa do Executivo.
O sistema institucional em que se apoiava o governo garantia a dominância do
Executivo na produção legal e o sucesso na aprovação de sua agenda legislativa, isto porque
os partidos que faziam parte da base de sustentação do governo possibilitavam a este colocar
em funcionamento o aparato institucional de que dispunha para a implementação da reforma
do Estado. Isto resultou na aprovação de emendas constitucionais altamente impopulares que
implicavam a perda de direitos por parte dos grupos sociais subalternos. Como observam as
autoras, as regras constitucionais que regulam as relações Executivo-Legislativo, ao atribuir
extensos poderes ao Executivo, permitem o controle da agenda legislativa pelo Executivo na
medida em que não só determinam a pauta dos trabalhos legislativos como influem
diretamente sobre seus resultados. De fato,
O Executivo brasileiro tem o monopólio de iniciativa legal em áreas fundamentais da regulação
como as referentes a matérias tributária e orçamentária, além da administração do aparato do
Estado; detém o poder de solicitar urgência para seus projetos, determinando a sua prioridade e
prazo de apreciação; e dispõe ainda do mais poderoso de todos os instrumentos legislativos: a
prerrogativa de emitir atos com força imediata de lei, através da edição de medidas provisórias.
(Figueiredo, Limongi e Valente, 2000, p.52)
Respaldado pelos poderes constitucionais de iniciativa legislativa e por uma base
parlamentar majoritária (formada pelos partidos PSDB, PFL, PTB e PMDB), o governo FHC
fez uso constante de medidas provisórias para a implementação de sua política
governamental. Esse recurso excessivo a medidas provisórias foi a estratégia utilizada por ele
para viabilizar a aprovação de medidas que não contemplavam a agenda pública, e também
como instrumento para manter a coesão da base parlamentar aliada e superar resistências do
Legislativo.
O monopólio da iniciativa legislativa pelo Executivo tem como conseqüência uma
participação menos ativa do Congresso Nacional, pois restringe o poder dos parlamentares no
encaminhamento de projetos que contemplassem a agenda pública elaborada a partir das
demandas provenientes de amplos setores da sociedade brasileira e diminui a sua influência
70
direta e autônoma na formulação de políticas públicas, além de reduzir o espaço de debate
público, a visibilidade das decisões políticas, o acesso dos cidadãos a informações sobre
políticas públicas e à participação no processo de tomada de decisões. Verifica-se, portanto, a
diminuição da “capacidade do Congresso enquanto contrapeso institucional e mecanismo de
controle das ações do Estado, com efeito sobre a própria possibilidade de controle vertical por
parte dos cidadãos” (Figueiredo, Limongi e Valente, 2000, p.52). Enfim, o que se pode ver é
uma instrumentalização do Congresso Nacional em prol dos interesses específicos da fração
de classe hegemônica no bloco no poder: o capital financeiro internacional.
Diniz (2001) afirma que a consolidação de uma modalidade de presidencialismo
dotado de amplas prerrogativas que consagra um desequilíbrio nas relações entre o Executivo
e o Legislativo é decorrente da prática de implementação de reformas de Estado sob regimes
autoritários, que atribuem centralidade à burocracia governamental em face dos partidos e do
poder Legislativo. Segundo a autora,
A hegemonia do pensamento neoliberal reforçou a primazia do paradigma tecnocrático, segundo o
qual, independentemente do regime político em vigor, eficiência governamental seria a resultante
de um processo de concentração, centralização e fechamento do processo decisório, sendo a
eficácia de gestão reduzida à noção de insulamento burocrático. Desta forma, preservar a
racionalidade burocrática implicaria a meta de neutralizar a política e reforçar a autonomia
decisória das elites enclausuradas na cúpula burocrática. Portanto, o que se observou (...) [foi] o
fortalecimento desproporcional do executivo, pela concentração de poder decisório nesta instância,
cada vez mais controlada pela alta tecnocracia, enfraquecendo os suportes institucionais da
democracia. (Diniz, 2001, p.18).
A dominação do Executivo e autonomização da burocracia de Estado em relação
aos parlamentares reforçam a subordinação de suas cúpulas ao executivo presidencial e
governamental, uma vez que a burocracia de Estado torna-se o principal agente da elaboração
da política estatal. Trata-se de uma situação na qual
A política do Estado é elaborada sob o selo do segredo erigido como razão de Estado permanente,
por mecanismos ocultos, por um regime de procedimentos administrativos que escapam
71
praticamente a qualquer controle da opinião pública. O que representa uma considerável alteração
dos princípios elementares da democracia representativa. (...) O deslocamento incontrolável do
centro de gravidade para a burocracia de Estado implica infalivelmente, por sua própria lógica, e
para além de projetos governamentais, uma considerável restrição das liberdades políticas,
consideradas precisamente como controle público da atividade estatal. (Poulantzas, 2000, p.232)
A perspectiva política que predominou nas ações do governo FHC assenta-se em
uma concepção de democracia representativa que não se abre à incorporação, no espaço
público, das organizações sociais portadoras de interesses coletivos, pois o governo interpreta
a vitória nas urnas como delegação para decidir discricionariamente. No exercício do poder,
sua estratégia constituiu em se insular sistematicamente dos movimentos da sociedade
organizada, concentrando seus esforços nas arenas institucional e de influência. Dessa forma
de exercício de poder emerge, segundo Saes (2001), um autoritarismo civil ao qual
corresponde a construção de um presidencialismo invulgarmente forte, cuja incumbência é
neutralizar as reticências conservadoras de modo a tornar possível a concretização radical,
rápida e eficaz da plataforma neoliberal.
A concentração do poder real nos dispositivos circunscritos à cúpula
governamental e administrativa substitui uma certa distribuição do poder entre os diversos
espaços estatais (legislativo, executivo, judiciário), reforçando o centralismo político do
aparelho de Estado que conduz “à personalização do poder no chefe supremo do executivo,
digamos o presidencialismo personificado (..) que funciona como ponto focal de diversos
núcleos e redes administrativas do poder, como direcionamento destes para o todo do poder, e
conveniente ao papel político atual do dispositivo administrativo” (Poulantzas, 2000, p.234-
35). Essa concentração-centralização do poder constitui uma resposta ao crescimento das
contradições internas do Estado. Como observa Poulantzas,
As contradições entre o capital monopolista e as outras frações do capital, entre o bloco no poder
e as massas populares se expressam até no âmago do Estado, sua centralidade e seus cumes. Essas
contradições atravessam necessariamente o ponto focal que representa o chefe supremo do
executivo: não há um presidente mas vários num só. (Poulantzas, 2000, p.235; grifo do autor)
72
Além da concentração-centralização do poder por parte do Executivo, o projeto
neoliberal encontrou apoio junto a importantes setores das classes trabalhadoras, tanto dos
trabalhadores assalariados e dos profissionais liberais integrantes da alta classe média, quanto
dos trabalhadores de baixa renda, que, a despeito de essa política contrariar seus interesses
mais elementares, aderiram à política neoliberal: “Fizeram-no por motivos ideológicos e, por
isso devemos considerar que tais setores sociais não são propriamente uma classe aliada do
bloco no poder, mas apenas uma classe de apoio desse mesmo bloco” (Boito Jr., 2002, p.28).
Dois fatores podem ter contribuído para a falta de uma resistência por parte de tais
setores das classes trabalhadoras: o tipo de cidadania que se implantou no Brasil, uma
cidadania social restrita e hierarquizada
8
, aliada ao caráter clientelista do Estado brasileiro; e o
desempenho do Estado brasileiro no sentido de desorganizar e desarticular os movimentos
dessas classes, ao empreender uma luta ideológica contra os direitos sociais, apresentados
como entraves ao desenvolvimento econômico, promover a desregulamentação da economia e
a flexibilização da legislação do trabalho, jogar na informalidade um contingente significativo
de trabalhadores.
O Estado recompôs suas bases sociais na generalização da exclusão e do
desemprego majoritário dos trabalhadores e da classe média, conseguindo que muitos
trabalhadores preferissem ser explorados a ser excluídos, o que levou Fernando Henrique
Cardoso
9
a afirmar que o fenômeno a ser temido é a exclusão e não mais a exploração.
Entretanto, o que se verificou ao se implementarem as políticas neoliberais em Estados
semiperiféricos como o Brasil foi a combinação, sem precedentes na história, da exploração
com a exclusão, “a população oprimida que trabalha cada vez mais por menos, com a que está
sobrando e não tem trabalho, nem assistência, nem solidariedade, nem nada” (Casanova,
2001, p.59). A hegemonia neoliberal neste país é regressiva, ou seja, ela não se assenta sobre
8
Como observa Boito Jr. ,“a política social brasileira, desde que começou a existir como tal na década de 1930,
sempre marginalizou amplos setores da população trabalhadora. O populismo inaugurou em 1930 um processo
gradativo de implantação dos direitos trabalhistas e sociais, isto é, da dimensão social da cidadania no Brasil – a
cidadania na República Velha restringia-se a um pacote mínimo e precário de direitos civis e políticos. Porém a
política populista não chegou a implantar uma cidadania social ampla e igualitária. Fez mais. Nas cidades
vinculou os direitos sociais ao emprego regulamentado, excluindo, portanto, os desempregados e os
trabalhadores informais, e segmentando e hierarquizando esses direitos de acordo com o status profissional de
cada um. (...) Sob a ditadura militar e após a democratização, parte dos direitos sociais foram estendidos ao
campo mas, já então, crescia o desemprego, o subemprego e o mercado de trabalho informal – essas chagas
foram ampliadas pelo neoliberalismo” (Boito Jr. 2000, p.29).
9
Cardoso, Fernando Henrique. Las relaciones norte-sul en el contexro actual – una nueva dependencia? In: El
Socialismo del Futuro, (3):138, 1991.
73
a melhoria das condições de vida das classes trabalhadoras, ao contrário, ela provoca sua
deterioração.
A resistência e a luta contra o bloco no poder neoliberal foram feitas, no plano
político, no plano sindical e em novos movimentos sociais, pelas classes trabalhadoras que
estão fora do sistema de alianças e em oposição ao bloco no poder. Os grupos de resistência
às políticas neoliberais foram constituídos pelo operariado mais organizado e com maior
poder de pressão – metalúrgicos e petroleiros – e a baixa classe média sindicalmente
organizada – os bancários e o funcionalismo público; pela luta dos sindicatos organizados na
Central Única dos Trabalhadores (CUT), que lutaram pela melhoria no emprego e nos
salários, contra a privatização, contra a abertura comercial e financeira, contra o desemprego,
enfim contra a própria política neoliberal; e pelos movimentos sociais, os chamados
“movimentos de urgência”
10
, dentre os quais se destacou o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra
11
, que se manteve na ofensiva durante todo o governo neoliberal de FHC (Boito
Jr., 2002).
As políticas de ajuste neoliberal, ao reordenarem o processo de produção e de
circulação de mercadorias, bem como as forças produtivas, intensificaram o processo de
reprodução ampliada do capitalismo e redimensionaram as relações de dependência entre os
Estados do núcleo orgânico, da semiperiferia e da periferia do sistema mundial ao
desestruturarem as políticas de substituição de importações e criarem novas formas de
vinculação à economia mundial. A afirmação do neoliberalismo na América Latina torna
profundamente obsoletas as bases do compromisso que articula internamente o capital
estrangeiro e o capital nacional, pois “destrói amplamente as estruturas produtivas das
burguesias nacionais, desnacionalizando-as, e restringe a iniciativa do Estado nacional,
limitando sua capacidade de direção ao submetê-lo às regras cosmopolitas da circulação
internacional de capitais e mercadorias” (Martins, 2002, p.316-17).
10
Termo usado por René Mouriaux para designar aqueles movimentos que lutam por condições mínimas e
urgentes para assegurar a simples sobrevivência física de seus membros. São movimentos constituídos por
populações que tiveram suas vidas transtornadas pelo neoliberalismo, pois perderam a terra, o emprego, a renda
ou a moradia.
11
Sobre o papel do MST nas lutas sociais no Brasil conferir: Almeida, L. F. e Sanches, F. R. Um grão menos
amargo das ironias da história: O MST e as lutas sociais contra o neoliberalismo. In. Lutas Sociais. São Paulo,
NEILS/PUC-SP, (5), 1998; Buzetto, Marcelo. Nova Canudos e a luta do MST no Estado de São Paulo. In. Lutas
Sociais, (6), 1999; Machado, E. R. Mal-estar da democracia no Brasil e na Argentina nos anos 90: lutas sociais
na contramão do neoliberalismo. São Paulo, 2004. 229p. Tese (Doutorado em Ciências Socais) – Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciências Socais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
74
1.1 Movimentos sociais e participação política nos anos 1980
No Brasil, o problema da participação política das classes dominadas na produção
de políticas públicas esteve presente no processo de transição do regime autoritário ao
democrático, delineando-se como um fator importante para a democratização das relações
entre o Estado e a sociedade.
Nas décadas de 1970 e 1980, os movimentos sociais de resistência ao regime
autoritário, os quais questionavam a configuração centralizadora assumida pelo Estado, já
reivindicavam, de alguma forma, a participação no processo político. Essa luta contra a
ditadura reuniu importantes setores sociais como a Igreja Católica, os grupos de esquerda e os
sindicatos, que forneceram as novas matrizes que sustentariam a participação política
autônoma
12
frente ao Estado, a Teologia da Libertação, o marxismo renovado e o
sindicalismo, respectivamente (Sader, 1988).
Como assinalam Teixeira et al. (1998):
Em contraposição à cultura autoritária vigente, os movimentos sociais (ou novos movimentos
sociais) foram apontados somo sujeitos por excelência do processo de criação e de generalização
de uma cultura democrática, através de novas formas de práticas políticas e novos formatos de
sociabilidade, fundados em bases mais igualitárias. (Teixeira et al., 1998, p.20)
Essas novas formas de prática política e as questões apresentadas pelos
movimentos redefiniram o espaço da política, em que o fazer política não se restringiria ao
12
A busca de autonomia dos movimentos sociais frente ao Estado deve ser entendida com uma reação à tradição
de tutela, controle e subordinação ao Estado, aos partidos e aos políticos, como recusa de uma determinada
configuração da relação entre o Estado e a sociedade e de uma determinada concepção excludente e privatista de
política. Essa postura autonomista possibilitou às organizações populares e sindicais o rompimento dos vínculos
privados entre os atores sociais e o poder público, que sãos fundados em uma concepção oligárquica de política,
cuja característica principal é a indistinção entre o público e o privado, sendo que os interesses privados
assumem precedência sobre o interesse público. Sobre a concepção oligárquica de política ver: Sérgio Buarque
de Holanda. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1984; Vitor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e
voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo, Alfa Ômega, 1975; Tereza Sales. Raízes da
desigualdade social na cultura brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.25, 1994; José Murilo de
Carvalho. Os bestializados. São Paulo, Cia das Letras, 1991.
75
Estado e aos partidos, mas constituiria uma atividade de toda a sociedade, voltada para a
totalidade social. Além disso, os movimentos sociais contribuíram para a construção de um
novo padrão de cidadania no sentido do “direito a ter direitos” em referência à reivindicação
ao acesso ao sistema político, pelo direito de participar efetivamente da própria definição
desse sistema.
Conforme Doimo (1995), as experiências desses movimentos possibilitaram que
se ampliasse o conceito de participação política para além do sistema eleitoral, dando origem
a um novo tipo de participação, definida como “participação movimentalista”, e regida por
uma dinâmica distinta daquela que rege a “participação decisional”, que para ela, constitui o
modelo tradicional de participação política, consagrado pelos modelos liberais. Nesse tipo de
participação, “em vez da lógica racional-competitiva, pautada em critérios precisos e voltada
à eficácia decisória, os movimentos de ação-direta são regidos pela lógica consensual-
solidária, própria para gerar estados de mobilização e recursos de pressão” (Doimo, 1995,
p.59).
Contudo, muitas contradições se revelaram nas práticas políticas desses
movimentos em sua relação com o Estado. Como observou Doimo,
a) ora o Estado é contestado em razão das dificuldades de acesso ao sistema de decisões, ora é
legitimado porque dele se espera função provedora; b) ora a acumulação privada e o mercado são
contestados por seu perfil excludente, ora são requeridos para que irriguem o fundo público, do
qual dependem para o atendimento de suas carências. Ademais, por estar sujeita a agenciamento
de toda ordem, inclusive por instituições que se estruturam por valores morais ou mesmo
privatistas, ora pode integrar movimentos virtuosos, estabelecidos pelo diálogo com a cultura de
igualdade e dos direitos de cidadania, ora pode dar origem a organizações perversas que se
estabelecem na integração com o mundo da violência e da intolerância. (Doimo, 1995, p.62)
Esta oscilação, para Doimo, é decorrente do fato de esses movimentos
apresentarem uma dupla face, isto é,
76
a face expressivo-disruptiva, pela qual se manifestam valores morais ou apelos ético-políticos
tendentes a deslegitimar a autoridade pública e a estabelecer fronteiras intergrupos, e a face
integrativo-corporativa, pela qual se buscam conquistar maiores níveis de integração social pelo
acesso a bens e serviços, não sem disputas intergrupos e a interpelação direta aos oponentes.
(Doimo, 1995, p.69)
Segundo Gohn (2001,) somente a partir da década de 1980 é que se verifica nas
propostas associadas aos movimentos populares o tema da participação das classes populares
na elaboração de estratégias e na tomada de decisões. Nessas propostas, “a participação
popular foi definida como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e
as instituições que controlavam a vida em sociedade” (Gohn, 2001, p.50). Neste sentido, esta
questão era vista como associada à organização política dos trabalhadores e devia, segundo a
autora, atender a dois princípios importantes: “1) esclarecer e ordenar o que reivindicar e que
direitos conquistar; 2) estabelecer forma de arregimentação de forças políticas próprias que
sustentem as reivindicações e a conquista de direitos” (Idem, p.51).
Na opinião da autora, tal participação
continha, na prática, bases liberais, pois era vista como sinônimo de pressão popular encaminhada
diretamente aos órgãos públicos, particularmente às prefeituras. O poder de decisão, de responder
ou não àquelas demandas, era do mandatário local. Participar era interpretado de uma forma um
tanto mecanicista, pois se restringia a uma aspiração à criação de canais, de organizações e de
estruturas que viabilizassem a presença física de representantes da sociedade civil na estruturas
estatais. “Participar é ter gente lá”. (Gohn, 2001, p.52)
Desta forma, a principal prática política desenvolvida nos anos 1980 pelos
movimentos populares e movimentos pluriclassistas, pelas centrais sindicais, por partidos
políticos de esquerda e entidades profissionais e representativas, foi a mobilização e a pressão
direta para viabilizar o encaminhamento de suas demandas. A conquista de canais de
participação nos assuntos públicos, por parte das classes dominadas, colocou os sujeitos
demandatários em novas arenas de luta e no interior dos órgãos públicos para negociar com os
governos constituídos. Como afirma Gohn (2001), tratava-se de práticas de participação
77
política que privilegiavam o fortalecimento da chamada sociedade civil na condução da vida
política do país e que implicavam a sua incorporação ao planejamento administrativo. Este
planejamento era entendido como um processo de relação entre o Estado e a comunidade, já
que “a comunidade era vista em termos de forças populares que, por meio de mecanismos de
atuação política, poderiam realizar uma participação concreta no exercício do poder".
Portanto, "o eixo articulatório central da temática da participação ainda continuou a ser [...] o
da ocupação de espaços físicos para que se fizessem ouvir outras vozes além da dos que
estavam no poder, para que se democratizasse a sociedade incluindo a diferença” (Gohn,
2001, p.54-56).
Contudo, um dos entraves ao exercício dessas novas práticas políticas foi a
própria cultura política nacional, em que predominam relações de clientelismo, de
paternalismo, que institui uma concepção de cidadania baseada em uma “cultura da dádiva”,
na qual os direitos são concebidos como dádivas, favores concedidos pelos detentores do
poder político e econômico. Nessa “cidadania concedida”, os direitos encontram-se mediados
pela relação de mando e subserviência, transferida do domínio privado para as relações entre
o Estado e a sociedade (Sales, 1994).
Gohn (2001) lembra que
Estávamos em uma fase de transição em que as estruturas de participação foram sendo construídas
a partir de arcabouços institucionais existentes, velhos e carcomidos pelos longos anos de práticas
populistas, seguidas pelas tortuosas e penosas décadas da ditadura militar. Acrescente-se ainda que
as alianças político-partidárias dos que estavam no poder impunham limites e constrangimentos a
uma participação efetiva dos grupos e representantes da população nas estruturas colegiadas
arquitetadas. (Gohn, 2001, p.54)
Um outro entrave à participação das classes dominadas era o próprio
funcionamento do aparato estatal, que dificultava uma efetiva democratização do Estado e de
suas relações. O Estado capitalista é presidido por um conjunto de prescrições jurídicas e
burocráticas que oferecem obstáculos à partilha do poder e ao controle social sobre as ações
estatais por se tratar de um Estado de classe. De acordo com Poulantzas (2000),
78
O Estado encarna no conjunto de seus aparelhos, isto é, não apenas em seus aparelhos ideológicos
mas igualmente em seus aparelhos repressivos ou econômicos, o trabalho intelectual enquanto
afastado do trabalho manual [...] E é no Estado capitalista que a relação orgânica entre trabalho
intelectual e dominação política, entre saber e poder, se efetua de maneira mais acabada. [...] Essa
relação poder-saber se traduz por técnicas particulares de exercício do poder, por dispositivos
precisos, inscritos na trama do Estado, de distanciamento permanente das massas populares dos
centros de decisão: por uma série de rituais, de formas de discurso, de modos estruturais de
tematização, de formulação e tratamento dos problemas pelos aparelhos de Estado de maneira tal
(monopolização do saber) que as massas populares (nesse sentido trabalho manual) ficam de fato à
parte disso. (Poulantzas, 2000, p.58)
A conjuntura política no Brasil dos anos 1980, na qual se destacaram os
movimentos pela anistia, a campanha das “diretas-já”, os movimentos sociais que lutavam por
uma democracia que contemplasse não somente os aspectos da igualdade formal, mas
também maior igualdade social e econômica e a ascensão de partidos de oposição aos
governos estaduais e municipais, favoreceu o crescimento da expectativa de promover a
abertura do Estado àquelas classes sociais que foram historicamente excluídas dos direitos
sociais, com também a construção de outras dimensões para a categoria da participação.
Questões referentes à natureza do Estado e ao papel da administração de caráter
popular passaram a ter centralidade no debate sobre o poder público. As experiências
construídas principalmente pelos governos das frentes populares – que incluíam vários
partidos de oposição nas administrações estaduais e municipais, dos quais se destacava o
Partido dos Trabalhadores – tiveram como ponto de partida a criação de espaços de
participação e interação entre o Estado e a sociedade.
Gohn (2001) assinala que,
Inicialmente, o processo concentrou-se na questão dos conselhos, priorizando no debate a
dicotomia do caráter que deveriam ter: consultivo, para auscultar a população, ou
normativo/representativo, com poder de decisão. Firmaram-se as primeiras experiências de
conselhos de gestão da coisa pública numa ampla gama de tipos, que ia dos conselhos
79
comunitários aos conselhos de escola; da saúde às câmeras de gestão de setores variados, como
transportes, conselhos da condição feminina, do negro etc. ( Gohn, 2001, p.55)
Nesse período, duas formas de participação e representação se inseriram no debate
político acerca da participação:
De um lado, na forma de “conselhos comunitários” criados pelo poder público para negociar
demandas dos movimentos populares, face à crescente mobilização das populações,
principalmente as residentes nos bairros da periferia [...] a outra forma de Conselho tinha
características de Conselho Popular, criado a partir dos próprios movimentos, sem uma estrutura
formal e baseados em ações diretas e sem nenhum envolvimento institucional, a não ser contatos
com autoridades para pressionar sobre reivindicações com a proposta de constituir-se em força
política autônoma em relação aos partidos e ao Estado. (Gohn, 1998, p.7-8)
Em relação aos Conselhos Comunitários, várias análises apontam que a maioria
dessas experiências se constituíam em espaços de anteparo às demandas, na medida em que
estas eram intermediadas por administrações regionais e técnicos de secretarias, sem poder de
decisão. A participação das classes dominadas nesses Conselhos restringia-se a referendar
decisões já estabelecidas pelo poder público. Quanto aos Conselhos Populares
13
, criados pelos
próprios movimentos, traziam em si um posicionamento contrário à sua vinculação
institucional ao Estado, visto que foram constituídos como instrumento de pressão nas
negociações com o Estado, sendo este concebido como um aparelho de dominação. Tais
Conselhos tinham como perspectiva construir um espaço de duplo poder, no qual se
desenvolveriam novas experiências de democracia e autogestão.
Na avaliação de Azevedo e Abranches (2002), no entanto, a maioria dos
"programas participativos" implementados na década de 1980 referia-se a “uma modalidade
de participação constituída, quase que exclusivamente, por movimentos reivindicativos [...]
cujo objetivo é o de obter do Estado melhorias socioeconômicas” (Azevedo e Abranches,
2001, p.44). Trata-se de um tipo de participação no âmbito da microlocalidade (bairros,
13
Conselhos que se destacaram nesse período: os Conselhos Populares de Campinas-SP; o Conselho Popular do
Orçamento de Osasco-SP e o Conselho de Saúde da Zona Leste de São Paulo-SP. Destacaram-se também
experiências de gestão municipal como o Conselho de Pais de Lages-SC; o Conselho de Desenvolvimento
Municipal de Boa Esperança-ES; e o de Piracicaba-SP.
80
regiões) que não se articula a processos mais amplos de decisão e que não produz impactos
sobre a produção e a gestão de políticas públicas.
Esse tipo de interação entre Estado e sociedade foi denominado por Azevedo e
Prates (1991) “participação restrita ou instrumental”, caracterizada pelo
envolvimento da comunidade diretamente beneficiada em um projeto específico, ou em um
programa de âmbito local, através de fornecimento de mão-de-obra (voluntária ou sub-
remunerada), e em definições de microprioridades e alocações de certos recursos e equipamentos
de consumo coletivo, diretamente concernentes àquela iniciativa governamental específica.
(Azevedo e Prates, 1991, p.135)
Portanto, foi no contexto da crise do modelo de Estado centralizado ou
desenvolvimentista e de uma imensa demanda por parte das classes dominadas no sentido de
conquistar espaços de participação que ocorreram a luta e o debate político sobre a questão
das novas práticas de participação na esfera política. A temática da participação se
intensificaria no debate político brasileiro que antecedeu o processo Constituinte, em que
diferentes forças políticas procuravam disputar espaço oferecendo propostas para um novo
referencial de relações entre o Estado e a sociedade. A idéia básica presente nas
reivindicações de participação era a de desprivatizar o Estado, retirando da elite o acesso
exclusivo aos espaços de produção de políticas e ampliando a participação das classes
dominadas na definição da agenda política, de modo a garantir instrumentos que
possibilitassem um maior controle social sobre as ações do poder público.
Para os movimentos sociais, a democratização deveria implicar a criação de
espaços de debate, negociação e deliberação não monopolizados ou controlados pelo Estado,
mas que pudessem representar canais de expressão política dos diferentes interesses das
classes em luta, que traduzissem os antagônicos interesses existentes nos processos de
participação no estabelecimento das políticas públicas. Ou seja, que diferentes interesses
presentes na sociedade tivessem oportunidades iguais e mais efetivas de assumir um papel
ativo na gestão dos assuntos de interesse público.
81
1.2 Descentralização e participação política nos anos 1990
Em nosso país, o processo de descentralização política e fiscal, impulsionado a
partir da Constituição de 1988, representa uma parte de um contexto mais amplo, a luta pela
redemocratização do Estado, a partir do qual emergem formas de participação política, que
têm a esfera local como seu locus de exercício por excelência.
Almeida (1998) observa que não se trata de considerar a instância local uma
simples reprodução, em tamanho menor, da esfera nacional, mas em levar em conta que o
poder político requer instituições que possibilitem seu exercício, não somente em escala
nacional, mas também local. Entretanto, o local está cada vez mais perpassado pelo não local,
pois nosso cotidiano é afetado por decisões que são tomadas no âmbito local, no nacional e,
até, no transnacional.
Com a redemocratização, que ocorreu primeiro nos governos subnacionais, com a
eleição para governadores e prefeitos no início dos anos 1980, e somente em 1989 chegou ao
núcleo central do Estado, com a eleição direita para presidente da República, delineiaram-se
novas relações entre o Estado e a sociedade, cujo objetivo era romper com o paradigma
centralizado e tecnocrático
14
de gestão das políticas públicas. Essas novas relações tinham
como centro a descentralização das políticas sociais e a abertura de processos de participação
das camadas populares através da introdução de mecanismos que combinam a democracia
representativa com a democracia direta, seja no plano legislativo, instituindo a iniciativa de lei
popular, ou no plano do executivo, por meio do plebiscito, do referendo e da criação de
órgãos de gestão colegiados e paritários. A partir daí, desencadeou-se todo um processo de
descentralização do Estado com administrações municipais e estaduais formulando e
implementando políticas sociais, uma vez que a Carta Constitucional alterava as regras
centralizadoras implantadas pelo poder autoritário e distribuía as competências entre o poder
central e os poderes regionais e locais. A este respeito, ressalte-se que
14
O regime autoritário pós-64 controlou os níveis subnacionais de poder através de eleições indiretas para os
governos estaduais e pela centralização fiscal. Entretanto, não excluiu as elites regionais do pacto de dominação
e manteve em boa medida as atribuições administrativas das esferas subnacionais.
82
A Constituição de 1988, como se sabe, desempenhou importante papel na legitimação do princípio
de descentralização, tanto ao definir um novo tipo de arranjo federativo com significativa
transferência de decisões, funções e recursos do Executivo Federal para os estados e municípios,
quanto ao consagrar a fórmula estabelecida nos artigos 194 e 204, da “descentralização
participativa” para a gestão da nova área da seguridade social. (Nogueira, 1997, p. 8)
Segundo análise de Fuks (2001), duas visões focalizam o processo de
descentralização: uma que “associa a descentralização à pressão dos órgãos internacionais de
financiamento dos programas sociais, entre outras coisas, o uso racional dos recursos e a
diminuição da corrupção no gasto público”; e a segunda que “entende o processo de
descentralização como um ideal e como conquista da sociedade civil no sentido de
institucionalizar sua participação no controle do Estado e nas deliberações públicas” (Fuks,
2001, p.3-4).
Para o autor, a primeira perspectiva interpreta a descentralização como parte do
processo de reforma do Estado, que tem por objetivo a transferência dos custos das políticas
sociais para o nível local e, no limite, para a chamada sociedade civil, numa estratégia
orientada para a privatização de tais ações. Essa é a visão dos grupos e setores sociais
engajados no projeto da reforma do Estado e que argumentam a favor da eficiência
administrativa mediante a participação local.
Quanto à segunda perspectiva, trata-se de uma interpretação centrada na trajetória
da participação política em que os protagonistas são os movimentos sociais e os grupos
organizados da chamada sociedade civil que se orientam no sentido da realização de uma
sociedade democrática. Essa perspectiva atribui à “nova institucionalidade” expressa nos
conselhos a potencialidade de moldar a “nova tessitura da vida em democracia, oferecendo
alternativas de expressão às forças puras dos pretéritos movimentos sociais” (Fuks, 2001, p.4).
A descentralização, nesse caso, tem a virtude de expressar e promover a expansão da
participação política.
Fuks conclui que, apesar de opostas, essa duas visões a respeito dos fatores
responsáveis pelo processo de descentralização não são necessariamente excludentes, pois
“ambas são compatíveis com projetos de aperfeiçoamento da democracia, seja em termos de
instituir mecanismos que atuem no sentido de controlar as atividades dos setores
83
governamentais, seja no sentido de ampliar os espaços de participação política” (Fuks, 2001,
p.4).
A interpretação de Fuks, como se vê, peca por não considerar as lutas pela
bandeira da participação e os vários significados que a participação pode assumir enquanto
objeto de luta política. Na visão da direita, a defesa da participação das camadas populares
nos centros decisórios tem por objetivo o encobrimento do caráter de classe do Estado
capitalista, além da constituição de uma massa de manobra para a manutenção da hegemonia
burguesa sobre as demais classes. Na perspectiva da esquerda, a defesa da participação visa a
intensificar as contradições internas do Estado e modificar a relação de forças interna dos
aparelhos de Estado; trata-se, pois, de uma participação autônoma que postula a realização da
hegemonia das classes dominadas.
Souza (1998), por seu lado, ao analisar os efeitos da descentralização sobre o
federalismo e sobre a implementação de políticas públicas no Brasil, argumenta que “a razão
de ser do federalismo brasileiro sempre foi, e continua sendo, uma forma de acomodação das
demandas das elites com objetivos conflitantes, bem como um meio para amortecer as
enormes disparidades regionais” (Souza, 1998, p.574). A Constituição de 1988 mudou o
federalismo brasileiro, principalmente, no aspecto fiscal e político, dado que descentralizou
expressivamente a distribuição dos recursos tributários e do poder político. “A
descentralização foi a principal característica do sistema tributário adotado em 1988, não
apenas no que se refere ao aumento das transferências federais para as esferas subnacionais,
mas também em relação à capacidade de despesa” (Souza, 1998, p.576).
No concernente à descentralização do poder político, com a democratização “não
foi mais possível represar o poder dos governadores”, dado que “os governadores
transformaram-se em um dos principais atores no sentido de assegurar ao governo federal
capacidade para governar” (Souza, 1998, p. 585). Esse poder
15
se manifesta desde a influência
sobre as bancadas dos seus estados no Congresso Nacional até o poder de veto de medidas do
governo federal que não sejam previamente negociadas.
15
O poder de influência dos governadores foi denominado por Abrucio (1998) “federalismo estadualista”,
caracterizado pelo amplo raio de manobra dos governadores no quadro de seus estados e pela forte influência
que exercem sobre suas respectivas bancadas no Congresso Nacional. Cf. Abrucio, F. Os barões da federação.
São Paulo, Hucitec/Edusp, 1998. “Na ‘Nova República’ os governadores tornaram-se atores políticos de
especial relevância, o que terá imediatas conseqüências fiscais. Conseguem a federalização da dívida externa, o
que significa a transformação desta dívida de longo prazo para com o Tesouro Nacional e resistem às várias
tentativas de repactuação de seu estoque de dívidas feitas pelo governo federal, que busca, sem sucesso, dividir
com os estados os ônus do ajuste externo” (Kugelmas e Sola, 2000, p.68).
84
A descentralização política pode ser verificada também nas transferências de
responsabilidades do governo federal para a esfera subnacional, visto que os estados estão
substituindo o governo federal em várias funções, em muitas delas sem nenhum apoio
financeiro, devido à política de controle fiscal do governo federal. Pode-se observar que “tal
transferência, no entanto, não mudou significativamente as políticas públicas no plano
estadual e também está sujeita a distorções, as quais devem encontrar sua explicação mais no
fato de que a decisão de descentralizar foi tomada no Brasil sem um consenso social em torno
do que deveria ser alcançado”. Da mesma forma, verifica-se “que o aumento das receitas
estaduais ocorrido na última década teve, na maioria dos estados brasileiros, pouco efeito
sobre os estados propriamente ditos, devido, principalmente, ao tamanho da dívida passada e
à política de juros altos, controle da inflação e expansão da folha de pessoal” (Souza, 1998,
p.585).
Souza (1998) ressalta, ainda, que a correlação de forças introduzida a partir de
1988 implicou a existência de vários centros de poder competitivos e desiguais, pois nem
todos os estados desfrutam do mesmo grau de poder. Neste sentido, o federalismo brasileiro
configura-se como um mecanismo de negociação política, de divisão territorial do poder
capaz de acomodar os conflitos e as diferenças regionais, uma vez que vários centros de poder
passaram a ter acesso ao processo decisório nacional. A autora conclui que,
Apesar de a descentralização fortalecer as possibilidades de consolidação democrática e o
federalismo pela incorporação de vários centros de poder às cenas políticas e decisória, existem
fatores econômicos e políticos que influenciam seus resultados. Um deles é a limitação da
descentralização financeira em países onde as disparidades regionais e sociais são altas. Esse
aspecto mostra que a descentralização não ocorre em um vazio político e econômico, mas que seus
resultados são altamente influenciados pelo contexto preexistente. Por outro, lado, a
descentralização força o sistema político a encaminhar, mesmo que precariamente, soluções para
as clivagens regionais brasileiras. [...] o federalismo é mais uma ideologia, que se baseia em
valores e interesses, do que apenas um compromisso baseado em arranjos jurídicos e territoriais.
(Souza, 1998, p.586)
Kugelmas e Sola (2000), em discussão acerca da dinâmica do regime federativo
no Brasil dos anos 1990, enfatizam a simultaneidade de processos de recentralização e
85
descentralização nas práticas e instituições federativas. Com o governo Fernando Henrique
Cardoso verificou-se uma mudança expressiva na correlação de forças entre governo federal e
estados, pois a linha mestra deste governo era consolidar o processo de estabilização com
vista à integração competitiva do país na ordem econômica internacional globalizada, o que
implicaria o combate aos desequilíbrios ficais e a superação do modelo nacional-
desenvolvimentista. De acordo com esses autores, a busca de um novo padrão de relações
entre União e estados foi marcada por uma política de reenquadramento destes pelo poder
central, uma vez que “seria a capacidade regulatória no campo macroeconômico do governo
federal, reforçada pelo êxito do Plano Real, que daria os traços definidores da nova etapa.
Nestas, as finanças estaduais foram duramente afetadas de distintas maneiras” (Kugelmas e
Sola, 2000, p.71).
As condições postas pelo governo federal para a reestruturação e saneamento da
dívida dos estados com a União requeriam um conjunto de medidas, por parte dos governos
estaduais, que resultasse em um amplo programa de reformas que incluindo o compromisso
com metas de ajuste fiscal, o controle da folha salarial e a inclusão de empresas estatais no
programa nacional de privatização. Este quadro abriu uma fase de transição para um novo
pacto federativo, pois as mudanças no ordenamento institucional, naquele momento em
gestação, interferiam com as articulações financeiras presentes nas relações governamentais e
restringiam as possibilidades de os estados usarem a vinculação com as suas empresas e
bancos para fugirem aos limites dados pela órbita fiscal (Kugelmas e Sola, 2000).
Dir-se-ia que se trata de um novo pacto de recentralização configurado em um
“presidencialismo personificado” que reforça o centralismo político do aparelho de Estado em
nível federal. O que se observa, na relação entre União e estados e na relação entre estes, é a
ausência de mecanismos cooperativos mais eficazes, a qual tem acarretado um “federalismo
predatório” que se caracteriza pelo conflito em torno dos recursos a serem atribuídos a cada
esfera e pela guerra fiscal entre os estados, que pretendem atrair novos investimentos através
da isenção da cobrança de impostos.
No federalismo brasileiro,
o que está em causa é o quadro de clivagens regionais notoriamente marcado por notáveis
desigualdades, a fragmentação do sistema político, as dificuldades da representação e a questão da
86
indefinição – não apenas institucional ou administrativa – do escopo e alcance da atividade estatal
e da divisão de competências entre os três níveis de poder. [...] O regime federativo no país é um
dos elementos constituintes de um imbroglio político-institucional caracterizado por uma
multiplicidade de veto points. (Kugelmas e Sola, 2000, p. 67 e 79)
Em decorrência disso, o termo descentralização é utilizado indistintamente para
indicar graus e modalidades diversos de redução do escopo do governo federal como
decorrência de três fatores: “a) do deslocamento da capacidade de decidir e implementar
políticas para instâncias subnacionais; b) da transferência para outras esferas de governo da
implementação e administração de políticas definidas no plano federal; ou c) da passagem de
atribuições da área governamental para o setor privado” (Kugelmas e Sola, 2000, p.75).
De acordo com Nogueira (2004), o reformismo da década de 1990, cujo objetivo
era desconstituir o Estado com o propósito de encontrar outra maneira de posicioná-lo vis-à-
vis o mercado e a sociedade, incorporou algumas idéias do discurso democrático dentre elas a
descentralização e a participação. Naquelas cirscunstâncias,
Era preciso [...] adaptar o léxico democrático à cultura mercantil e à hegemonia neoliberal. Não se
poderia ter uma participação qualquer ou uma “autêntica” cidadania em um quadro determinado
pela centralidade do mercado. A livre concorrência necessitava de uma sociedade igualmente
competitiva, ao passo que a modalidade participativa de gestão requeria uma atitude mais
cooperativa ou menos antagônica dos movimentos sociais. Era preciso, em suma despolitizar o
processo de abertura do Estado para a sociedade. (Nogueira, 2004, p.55).
Assim, o discurso reformista promove uma ressignificação da democracia,
invertendo e modificando o sentido e o valor de alguns de seus conceitos estratégicos.
Segundo o autor, esse discurso aproximou a descentralização à idéia de democratização, a
ponto de confundir-se como ela. Ele verifica a propósito, que
a descentralização converteu-se, assim, em um imperativo democrático e em caminho mais
adequado para a resolução dos problemas sociais e a elevação da performance gerencial do setor
87
público, com a expectativa de que viesse a colocar nos eixos tanto o aumento unilateral do poder
das instâncias subnacionais (estados, municípios, províncias, regiões) quanto o enfraquecimento
das instâncias centrais ou uniões federativas. (Nogueira, 2004, p.56)
Ao descentralizar suas atribuições e atividades, o Estado poderia se concentrar na
redução de seus custos operacionais, reduzir seu tamanho e ganhar maior leveza e agilidade,
assim como incentivaria o envolvimento subnacional na implementação de certas políticas
públicas, “com o que se avançaria em termos de tomada de decisões, sustentabilidade e
controle social” (Nogueira, 2004, p.56). Esse conceito de descentralização envolve a
recuperação das idéias da participação, cidadania e sociedade civil associadas à constituição
de um relacionamento mais coordenado e cooperativo entre as esferas do governo e entre as
diferentes escalas da comunidade nacional, com seus respectivos cidadãos. O autor detalha
essa visão, fazendo observar que
O discurso da descentralização irá, na prática, aproximá-las da imagem de associações e
indivíduos mais cooperativos que conflituosos, ou seja, que colaboram, empreendem e realizam
[em que] a “sociedade civil – locus de cidadãos organizados – passaria a ser o ambiente propício
para a participação convertida em um movimento de maximização de interesses (rent-seeking)
e/ou de colaboração governamental. Participação e sociedade civil não mais serão vistas como
expressão e veículo de predisposição coletiva para organizar novas formas de Estado e de
comunidade política, de hegemonia e de distribuição do poder, mas sim como a tradução concreta
da consciência benemérita dos cidadãos, dos grupos organizados, das empresas e das
associações.[...] levará uma espécie de refilantropização particularmente na área de assistência
social [...] vestida com o manto da solidariedade. (Nogueira, 2004, p.57).
Ao analisar a dimensão política da descentralização participativa, Nogueira (1997)
observa, contudo, que descentralização e participação não são termos necessariamente
complementares:
nem toda descentralização leva automaticamente a maior participação. A descentralização pode ser
‘imposta’, estabelecida. A participação não, pois depende de fatores histórico-sociais e de graus de
88
amadurecimento político-ideológico e organizacional que muitas vezes só aparecem após um
longo período de tempo. [...] a participação não se descentraliza. Ela existe ou não no processo,
não cabendo ao órgão central concedê-la ou delegá-la. (Nogueira, 1997, p.8)
O processo de descentralização pode se constituir em um instrumento de poder
das comunidades organizadas na medida em que permite uma melhor canalização ou
vocalização das demandas sociais da população. Ele pode, também, ser um instrumento de
opressão das comunidades com baixo grau de consciência e organização, possibilitando até
mesmo sua manipulação por oligarquias e grupos de interesses, isto porque, pretendendo a
descentralização ser participativa, ela traz o mundo dos interesses, expressos em uma miríade
de entidades dos mais variados tipos para a esfera pública (Nogueira, 1997).
Portanto, segundo Nogueira (1997) são necessários algumas exigências e
requisitos para a descentralização participativa: 1) encontrar o equilíbrio entre a participação e
a representação, isto é, encontrar o equilíbrio entre a manifestação de direitos e interesses
particulares, que se afirmam pela participação, e a construção de ‘interesses gerais’, que se
formam pela via da luta política, da representação e do Estado; 2) conseguir um equilíbrio no
plano da federação; isto implica um amplo entendimento político nacional, que leve à
depuração dos vários interesses regionais e à remodelação das instituições que dão vida à
federação, removendo os traços da cultura clientelista e fisiológica, assim como o caráter
corporativo, e a perspectiva partenalista presentes no setor público; 3) descentralizar sem
perder a capacidade de articulação e coordenação, o que demanda um governo central que
governe e que impulsione a construção de um poder local efetivamente democrático,
capacitado para garantir a execução das políticas descentralizadas; 4) e mudar a maneira de
pensar a gestão das políticas públicas e de trabalhar no Estado, isto envolve uma nova cultura
gerencial capacitada a desenvolver a gestão cooperativa e a promover a cooperação e
colaboração institucional.
A descentralização do aparelho de Estado, em que se transfere responsabilidade
pelo desenvolvimento social e econômico de uma esfera de governo para outra e para a
chamada sociedade civil e cujo objetivo é estabelecer uma forma mais “viável de governança”
para o governo federal, possibilitou o aumento da participação das camadas populares apenas
em questões puramente locais, geralmente com recursos insuficientes e alto nível de
89
incapacidade para absorver e administrar esses recursos, que, em sua maioria, são controlados
e manipulados pelas elites locais, tal como a classe dominante faz em nível nacional.
Além disso, o processo de descentralização segue as pressões externas exercidas
por organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, etc.) que pretendem a eliminação dos
obstáculos ao livre jogo do mercado e a conseqüente diminuição do Estado frente às políticas
sociais. Neste contexto, “a participação popular em tomadas de decisão é uma armadilha
planejada pelo Banco Mundial e outros agentes do desenvolvimento capitalista neoliberal”
(Petras e Veltmeyer, 2001, p.109), pois em troca dessa participação, restrita ao processo
decisório em nível local, o poder de decisão no tocante às políticas macroeconômicas
permanece nas mãos do governo central.
1.3 Os Conselhos de Políticas: instrumentos de gestão participativa e de
institucionalização da participação nos anos 1990
Gohn (2001) observa que, na década de 1990, a participação passou a ser vista sob
o prisma de um novo paradigma, como baseada na universalização dos direitos sociais, na
ampliação do conceito de cidadania e em uma nova compreensão sobre o papel e o caráter do
Estado: como participação cidadã. Acrescenta a verificação de que,
Na participação cidadã, a categoria central deixa de ser a comunidade ou o povo e passa a ser a
sociedade. [...] Trata-se de práticas que rompem com uma tradição de distanciamento entre a
esfera em que as decisões são tomadas e os locais onde ocorre a participação da população. [...] A
participação passa a ser concebida como intervenção social periódica e planejada, ao longo de todo
o circuito de formulação e implementação de uma política, porque toda a ênfase passa a ser dada
nas políticas públicas. (Gohn, 2001, p.56).
90
Esse tipo de participação, cuja característica principal é a tendência à
institucionalização, pois encontra-se incluída no arcabouço jurídico institucional do Estado a
partir de estruturas de representação criadas por leis, implica a existência do confronto entre
diferentes posições político-ideológicas e projetos sociais, uma vez que envolve estruturas
mistas compostas por representantes do poder público estatal e por representantes eleitos
diretamente pela chamada sociedade civil. A participação cidadã contribui para a construção
de novos sujeitos políticos na medida em que direciona as ações coletivas no sentido do
empowerment de grupos e indivíduos por meio da capacitação política e organizacional, que
por sua vez facilita o acesso aos serviços públicos (Gohn, 2001).
Santos (2002) destaca dois fatores importantes que marcaram a participação nos
anos 1990:
1) a incorporação da participação na Constituição de 1988, estabelecendo o reconhecimento da
legitimidade das organizações sociais para a representação de interesses coletivos,
institucionalizando a participação nas políticas sociais;
2) a organização de entidades e movimentos sociais em nível nacional, articulando uma
diversidade de interesses e segmentos sociais. (Santos, 2002, p.130).
Na avaliação desse autor, ao consagrar a participação popular na gestão das
políticas públicas, a Constituição Federal de 1988 expressou não só conquistas no campo da
participação como nos planos dos direitos sociais e da incorporação de mecanismos que
apontam para um “novo padrão de política social, universalista e redistributivista” (Santos,
2002, p.130). Isto porque ao estabelecer “a participação da população, por meio de
organizações representativas na formulação das políticas e no controle social em todos os
níveis” (art. 204 da Constituição), colocou novas exigências à participação, visto que as
instituições da chamada sociedade civil adquiriram o papel de co-responsáveis pela
apresentação de propostas e formulação de alternativas, e de co-gestoras das políticas
públicas.
Para Azevedo e Prates (1991) trata-se de uma “participação ampliada” que
“refere-se à capacidade dos grupos de interesse de influenciar, direta ou indiretamente, as
91
macroprioridades, as diretrizes e a formulação, reestruturação ou implementação de
programas de políticas públicas” (Azevedo e Prates, 1991, p. 136). A participação ampliada
além de permitir aos grupos de interesse participar da formulação de diretrizes, da elaboração
de programas de políticas, também possibilitaria o exercício do controle social sobre a gestão
através de mecanismos de fiscalização e avaliação do poder público. Normalmente, esse
modelo é exercido em órgãos colegiados entre governo e sociedade, do tipo “Conselhos” ou
“Comitês”, nos quais os diversos interesses das camadas sociais estariam presentes. Segundo
esses autores, tal tipo de participação articula a dimensão reivindicatória, de cunho imediato,
com políticas de efeitos de médio e longo prazo.
Esses novos espaços de participação, regulados por normas pactuadas pelas partes
em conflito, primam pela busca de consensos ampliados em que o confronto entre os
interesses antagônicos ocorre em forma de “confronto propositivo” ou de “antagonismo
convergente”. Segundo Oliveira (1993) “essas novas relações sociais se caracterizam pela
passagem de uma relação conflitiva de anulação do outro para uma relação conflitiva de
reconhecimento mútuo. [...] não são relações de igualdade [...] trata-se de relações de
desigualdade”, é um jogo que redefine continuamente as relações entre o público e o privado
(Oliveira, 1993, p.6).
Entretanto, a capacidade das classes dominadas de participar nos processos
decisórios em relação às políticas públicas depende da relação exata das forças sociais
presentes na luta de classes, pois a participação em tomadas de decisão é objeto de disputa
entre as classes e, portanto, faz parte da correlação de forças entre estas mesmas classes no
interior do aparelho de Estado.
Poulantzas (1983), ao refletir sobre as relações movimentos sociais-Estado,
afirma:
Toda luta de classes, todo movimento social (sindical, ecologista, regionalista, feminista,
estudantil etc.), na medida em que é político, ou melhor, em seus aspectos políticos, está
forçosamente localizado neste terreno estratégico que é o Estado. Uma política proletária não pode
se situar fora do Estado, do mesmo modo que uma política situada no terreno do Estado não é por
isso mesmo forçosamente burguesa. Se há, de fato, limites à ampliação do Estado, à politicização
do social, é precisamente na medida em que as lutas de classe e os movimentos sociais extravasam
92
sempre o Estado inclusive concebido no sentido lato (aparatos ideológicos incluídos), na medida
em que nem tudo é político, ou seja, em que a política não é a única dimensão da existência social.
(Poulantzas, 1983, p. 73-4)
Desse modo, os movimentos sociais se legitimaram como participantes do
processo de produção e gestão de políticas públicas, mas são organizações populares que
apresentam demandas a partir do lugar de subordinação, além de fiscalizarem o Estado
segundo os critérios estabelecidos pelo próprio Estado. Contudo, é importante ressaltar que
se deveu às ações dos movimentos sociais a introdução de emendas na Constituição que
possibilitassem a incorporação de uma democracia participativa e direta, visto que a
democracia representativa estava sendo criticada por ser limitada em termos de ampliação da
participação popular. Neste sentido, os Conselhos de política constituíram-se canais
institucionais de participação das classes dominadas e abertura de novas possibilidades nas
relações entre o Estado e as camadas sociais.
A temática dos Conselhos se inscreve no debate das políticas de descentralização,
no qual a busca do fortalecimento da autonomia dos municípios aparece articulada à abertura
de canais que incorporam diferentes segmentos sociais e à ampliação dos interesses
representados no âmbito da cidade.
No plano do executivo, constata-se a proliferação de conselhos de políticas
públicas, sejam setoriais, como educação, saúde, emprego etc., sejam por segmentos como o
dos direitos da criança e do adolescente, da mulher, do negro, do idoso, instituindo a
participação direta de entidades da chamada sociedade civil de forma institucionalizada.
Os Conselhos de política, na avaliação de Gohn (1998), constituem uma nova
forma de gestão na co-gestão: “o processo é criado pelo Estado e desenvolve-se segundo uma
dimensão planejada em seu âmbito, mas observa-se uma partilha real de poder porque a
soberania popular passa a ser o critério norteador e fundamento básico para a aplicação dos
recursos e programas públicos” (Gohn, 1998, p.13-14).
Azevedo e Abranches (2002) também atribuem importante papel aos Conselhos
de política na construção do exercício da democracia participativa, uma vez que “o conselho
caracteriza-se como um espaço político-administrativo no qual poderão emergir as
93
representações dos diferentes interesses envolvidos, além de significar uma possibilidade de
ascensão e de poder das classes populares excluídas” (Azevedo e Abranches, 2002, p.48). É
um dos canais de participação legalmente constituído para o exercício da gestão democrática,
que permite a participação com a possibilidade interventiva, com inserção da comunidade nas
instâncias de decisão (Azevedo e Abranches, 2001:6).
Segundo Teixeira (2000), é importante compreender os Conselhos como
estruturas de uma nova institucionalidade, resultantes de um processo de lutas políticas que
ocorreu a partir dos anos 1980 em relação às grandes áreas de políticas públicas e que envolve
a partilha de espaços de deliberação entre representações estatais e entidades da chamada
sociedade civil. Conforme o autor, essa nova institucionalidade não se reduz a formalidades,
pois são regras e procedimentos que traduzem determinados conteúdos, resultados de um
processo de interlocução e negociação entre diferentes atores, que incorpora novos agentes ao
processo político e amplia a representação na arena da definição de políticas com a
participação de usuários e prestadores de serviços. De acordo com o mesmo autor,
Trata-se, pois, de uma nova institucionalidade que não decorre meramente da lei ou da discussão
do parlamento, mas do debate público nos espaços sociais de interlocução de diferentes atores, até
a constituição de um conjunto de proposições que serve de balizamento para as esferas de decisão
formal. [...] Constrói, assim, uma forma de processamento das demandas balizada no interesse
público e constituída não apenas pelas representações sociais que fazem parte do Conselho, mas
pelo processo de discussão pública, de explicitação de interesses, de negociação. (Teixeira, 2000,
p.103-4)
Em síntese, na interpretação desses autores, os Conselhos significam a
possibilidade de construção de uma política apta a conferir visibilidade aos grupos ocupantes
do lugar de subordinação, que são excluídos do exercício decisório e do usufruto dos bens
socialmente produzidos, na medida em que constituem novos espaços institucionais de
participação com poder deliberativo e como estratégia política para ampliar as oportunidades
de acesso ao poder. São espaços de partilha dos diferentes interesses dos segmentos da
sociedade, dado que refletem a entrada em cena de novos atores sociais: movimentos sociais,
associações, entidades profissionais, etc. Os Conselhos se apresentam como espaços
94
privilegiados para o exercício político por visarem ainstituir novas relações entre o Estado e
as camadas sociais e recuperar o caráter público do Estado, ao introduzirem uma nova cultura,
uma nova racionalidade que leve o sentido de público para além das regras e procedimentos
formais, rompendo com a tradição patrimonialista e clientelista da política brasileira.
Na análise de Nogueira (2004), a gestão participativa está pondo em outro
patamar o tema da participação e da democracia, aproximando-o da questão da reforma do
Estado e da ampliação da idéia de espaço público. Para ele, “trata-se de um processo que
aumenta ainda mais a visibilidade do dilema democrático entre participação e representação,
ampliando a discussão a respeito da democracia participativa e da chamada deliberação
democrática” (p.120). O autor acrescenta ainda:
Se, antes, a democracia participativa reduzia-se quase sempre à defesa da democracia direta (vista
como antagônica à democracia representativa), hoje ela vem quase sempre associada à idéia de
“democracia deliberativa”, que, enfatizando o valor dos procedimentos cívicos e dialógicos
capazes de gerar consensos “racionais” para a tomada de decisões, volta a postular a superação do
antagonismo entre representação e participação, numa espécie de retorno não-intencional,
certamente orientado por outras preocupações, a algumas inflexões do eurocomunismo italiano dos
anos 1970 [...] agora temperadas com a racionalidade comunicativa de Jürgen Habermas. A
tendência atual não mais pensa a participação como o reverso da representação ou como veículo
privilegiado de pressão popular, mas sim como expressão de práticas sociais democráticas
interessadas em superar os gargalos da burocracia e em alcançar soluções positivas para os
diferentes problemas comunitários. (Nogueira, 2004, p.120-21)
Para o mesmo autor, o problema da participação no campo da gestão pública
corresponde antes de tudo às exigências da modernidade radicalizada e da globalização
capitalista, pois a idéia de participação como uma bandeira da política democrática, um
elemento dedicado a valorizar e a transformar a vida coletiva, acabou por adquirir uma
conotação adicional, a de recurso gerencial. Além disso “a participação tende a converter-se
em um instrumento para solidarizar governantes a governados, para aliviar e agilizar a ação
governamental, para compartilhar custos e decisões, para reduzir atritos entre governo e
sociedade. Participar passa a significar também uma forma de interferir, colaborar,
95
administrar” (Nogueira, 2004, p.141). Desse ponto de vista, a gestão participativa é uma
resposta à crise do Estado e à necessidade de reformar o mesmo.
Entende-se que o debate sobre a gestão participativa das políticas públicas exige
uma reflexão sobre os Conselhos de políticas como locus do fazer política, como espaços
contraditórios de disputa de posições políticas e ideológicas, em que essas posições são
confrontadas em busca de hegemonia, uma vez que o Estado capitalista por seu caráter de
classe não possibilita a partilha de poder entre as classes, priorizando sempre os interesses
específicos da fração hegemônica do bloco no poder.
2. Portugal: Estado e Sociedade na Semiperiferia do Sistema Mundial
A condição semiperiférica de Portugal começou a se definir logo na transição do
século XVI para o XVII, consolidando-se nos séculos XVII e XVIII. A inserção desse país no
sistema mundial seria determinante na permanência e possível aprofundamento da sua
condição de semiperiferia em todo o século XIX, XX e até a atualidade. Mas o que levou
Portugal de país que liderou a expansão territorial da Europa – aspecto essencial e decisivo na
afirmação da economia mundo capitalista – à condição de um Estado e uma sociedade na
semiperiferia do sistema mundial? Várias são as explicações para tal acontecimento
16
.
Inicialmente, necessário se faz esclarecer as condições que conduziram Portugal ao papel de
liderança no expansionismo europeu, e para isto se recorre às hipóteses formuladas por
Wallerstein (1990):
16
A esse respeito conferir os trabalhos de Romero Magalhães (1993); Francisco Bethencourt (1994); Oliveira
Martins (1988); Antero Quintal (1996); Godinho (1971); Fortuna (1996), entre outros que procuram explicitar as
causas da decadência de Portugal.
96
1) a situação geográfica de Portugal, localizado no Atlântico, mesmo junto a África, e próximo,
igualmente, das correntes oceânicas fundamentais para navegar com a tecnologia do tempo;
2)uma inserção favorável na economia comercial da época, com experiência no comércio
longínquo e disponibilidade de capital, uma economia relativamente monetarizada e uma
população mais urbanizada do que outras regiões;
3) um aparelho de Estado com força, resultante de um clima de estabilidade gerado por um reino
unido e sem guerras internas, favorável à iniciativa de empresários e encorajador para que a
nobreza encontrasse outros escapes para a sua energia que não guerras internas ou intra-européias.
(Wallerstein, 1990, p.57-58)
O fato de o negócio das descobertas ser de interesse para vários grupos, ou seja,
“para o Estado, a nobreza, a burguesia comercial (nacional e estrangeira) e, inclusivamente,
para o semiproletariado das cidades” fez com que Portugal fosse o único dos países europeus
a maximizar vontade e possibilidade (Wallerstein, 1990, p.58).
No que diz respeito à condição de Portugal de Estado e sociedade semiperiférica
do sistema mundial, este autor esclarece que algumas áreas da Europa puderam açambarcar os
benefícios decorrentes da grande expansão territorial e demográfica do comércio e da
indústria, especializando-se nas atividades essenciais para colherem esses benefícios, pois
gastavam menos tempo, força de trabalho, terra e outros recursos naturais para prover as
necessidades básicas de sua população. Essa ligeira vantagem tornou-se numa disparidade de
desenvolvimento, disparidade esta que se intensificou entre os países da Europa devido a dois
fatores, o tipo de trabalho utilizado e a questão da posse da terra, que tiveram conseqüências
na determinação do papel que cada país iria desempenhar no sistema-mundo. Segundo
Wallerstein, a semiperiferia afastava-se da indústria, um setor crescente confinado ao centro,
em direção a uma relativa auto-suficiência agrícola.
Apesar de seu papel de liderança na expansão da economia européia, Portugal não
ocupou um estatuto central na economia-mundo capitalista, porque no momento em que a
economia-mundo européia se reorientava, ele se tornou parte integrante da Espanha, o que
trouxe vantagens para a burguesia portuguesa, no sentido de expandir seus mercados a partir
do império espanhol. Mas essas vantagens foram diminuindo à medida que a Espanha se
97
mostrava incapaz de defender os espaços de comércio portugueses da invasão dos holandeses
(Wallerstein, 1994).
Por sua vez, a progressiva ligação com a Inglaterra, decorrente do processo de
restauração da independência portuguesa ocorrido em 1640, embora permitindo o exercício da
sua soberania política, conduziu a uma periferização de Portugal, até este se tornar uma
correia de transmissão entre os países centrais, particularmente a Inglaterra, e as suas colônias
ou espaços comerciais. Portugal tentou libertar-se desse papel intermediário na economia-
mundo capitalista ao adotar o mercantilismo, mas abandonou essa estratégia logo no final do
século XVII. Deste modo, Portugal foi um país central em relação às suas colônias e um país
periférico em relação aos centros de acumulação capitalista, isto é, desempenhou o já
mencionado papel de “correia de transmissão”, um dos papéis típicos dos Estados
semiperiféricos (Wallerstein, 1994).
Godinho (1970), em sua análise sobre o movimento de periferização da Península
Ibérica, observa que, mesmo tendo contribuído para o tecer do mercado mundial e para abrir a
biografia moderna do capital, o resultado dessa expansão foi uma estrutura que travou o
desenvolvimento posterior e até favoreceu a recusa dessa modernidade por parte dos povos
peninsulares, que por razões estruturais não participaram da Revolução Industrial da máquina
e da hulha, nem depois, da eletricidade e do petróleo.
Para o autor em foco,a condição subalterna e periférica de Portugal decorre de três
impossibilidades do século XX português: a industrialização falhada; a irrealizada sociedade
burguesa e uma cultura sem eficácia social. Relativamente à primeira impossibilidade
Godinho (1971) aponta três mecanismos de travagem do desenvolvimento industrial no
Portugal do século XIX: o primeiro refere-se a lentidão das transformações agrárias e das
inovações agrícolas, só tardiamente realizadas, e que permitiu a permanência de regimes de
propriedade e, sobretudo, a sua concentração, de regimes de exploração e de desequilíbrios
tributários, que “limitaram a marcha para o aburguesamento dos campos e obstaram a um
autêntico acesso do campesinato a povo” (Godinho, 1971, p.121). O segundo mecanismo
respeita ao fato de a independência do Brasil não ter impedido que continuassem a existir
estreitos laços com a economia portuguesa, em torno de um comércio rico, da possibilidade
de emigração e das respectivas remessas financeiras, que rendem mais que a contribuição
predial e quase o triplo do que rende a contribuição industrial, associados a idênticos
movimentos, embora em menor escala, com as outras possessões coloniais de África e do que
98
restava do império do Oriente. Esses pontos de apoio “favoreceram a entrada em ação das
travagens ao desenvolvimento industrial pela euforia da prosperidade mercantil e vão adiando
a resolução dos problemas de produção nacional” (Idem, p.122). O terceiro mecanismo
reporta-se ao contexto internacional da economia portuguesa, inteiramente subordinada à
economia britânica.
A conservação da estrutura subjacente ao Antigo Regime e as excessivamente
lentas transformações do regime da terra, apesar da afirmação e posterior desenvolvimento do
liberalismo português, implicaram a segunda impossibilidade do século XX português – a
irrealizada sociedade burguesa. A estrutura tradicional persistiu sob a capa de modificações
jurídicas de superfície em que “a ordem clerical-nobiliárquico-mercantilista substitui a
oligarquia fundiário-bancária, [...] também mercantilista” e estava pouco interessada em
modernizar a economia da nação “em a vivificar em todos os setores pela introdução das
técnicas que poupam trabalho e produzem em massa” (Godinho, 1971, p.130-131). Nesse
contexto, a burguesia, como grupo social, era relativamente restrita e não só manteve como
acentuou uma mentalidade rentista, traço característico dos grupos dominantes em Portugal; o
operariado tinha expressão muito diminuta, e o campesinato era disperso e dependente.
No que respeita à terceira impossibilidade – uma cultura sem eficácia social –,
esta decorre da incapacidade de influir da elite portuguesa, que tem “generosas idéias, lúcida
visão das realidades”, mas “não dispõe dos meios de agir, e portanto só fraquissímamente
influi na evolução da sociedade a que pertence e de que está quase segregada” (Godinho,
1971, p.137). Ou seja, a burguesia tem valores intelectuais esclarecidos, mas não consegue
impor um rumo novo ao país, ficando esmagada entre a oligarquia e a plebe.
De acordo com Poulantzas (1976), a condição de Portugal, de país dependente e
dominado, deve ser compreendida em função do novo contexto mundial em que se situa, ou
seja, a nova fase do imperialismo e seus efeitos sobre os países europeus. Essa dependência
em relação às metrópoles imperialistas adquire um duplo sentido:
de um lado, a fonte de acumulação primitiva de capital, que no caso de Portugal e Espanha,
depende da exploração de suas colônias, [...]distingue-os do tipo de dependência de outros países
dominados; de outro lado, devido a múltiplas razões, o fracasso de uma acumulação endógena e,
99
em tempo hábil, de capital, situa-os precisamente – sobretudo na fase atual do imperialismo – do
lado dos países dependentes das metrópoles do imperialismo. (Poulantzas, 1976, p.11-12)
A principal característica das relações entre as metrópoles do imperialismo e
países dominados e dependentes é a exportação de capitais, a qual atende à necessidade de
valorização, em escala mundial, do capital monopolista imperialista, que tira partido de toda
vantagem relativa na exploração direta do trabalho. “Trata-se de um aspecto característico da
baixa tendencial da taxa de lucro e das novas condições do estabelecimento da taxa de lucro
médio no contexto mundial atual: contrabalançar esta tendência, principalmente pela
exploração intensiva do trabalho em escala mundial” (Poulantzas, 1976, p.13).
Entretanto, esclarece Poulantzas, nas fases iniciais do imperialismo a exportação
de capitais dos países imperialistas para os países dependentes estava ligada ao controle das
matérias-primas e à extensão dos mercados. Articulada a isso, a linha principal de demarcação
entre as metrópoles e os países dominados dependentes, delineava, no essencial, a divisão
entre indústria e agricultura. Nesses períodos, o modo de produção capitalista, sob a forma
monopolista, não conseguia dominar as relações de produção no interior mesmo dos países
dependentes, o que possibilitava a persistência de outros modos e formas de produção nos
quais a produção agrícola e a extração das matérias-primas eram preponderantes. As
conseqüências desta forma de organização dos países dependentes podem ser observadas
tanto do lado das classes dominadas, quanto das classes dominantes. Em relação às classes
dominadas viam-se:
a) fraqueza numérica e o peso social e político relativamente restrito da classe operária frente ao
peso considerável de um campesinato ainda submetido a relações de produção pré-capitalista; b) a
estruturação extremamente particular da pequena burguesia. No seio desta podia-se constatar, de
um lado, a importância da pequena burguesia tradicional manufatureira, artesanal (pequena
produção) e comercial; do outro, o peso da pequena burguesia (agentes dos aparelhos de Estado),
devido ao inchamento parasitário da burguesia de Estado, característico desta situação de
dependência. Do lado das classes dominantes, isto se manifestava por uma configuração precisa do
bloco no poder nestes países, muitas vezes designada pelo termo “oligarquia”: grandes
proprietários da terra, cujo peso era importante, aliados a uma grande burguesia tipicamente
compradora, com fraca base econômica própria no país, que funciona sobretudo como
intermediário comercial e financeiro para a penetração do capital imperialista estrangeiro, e
rigorosamente submetida e este. (Poulantzas, 1976, p. 12-13; grifo do autor)
100
A atual fase de organização da cadeia imperialista e da dependência modifica
consideravelmente a estrutura econômico-social interna dos países que se encontram
submetidos a esse processo, em que as relações capitalistas de produção são reproduzidas no
próprio seio dos países dependentes – onde, de um modo crescente, a força de trabalho é
subjugada – e inclui, ao mesmo tempo, a socialização capitalista dos processos de trabalho e a
internacionalização acentuada do capital em escala mundial, deformando, reorganizando e
mesmo dissolvendo as relações pré-capitalistas. Os investimentos do capital estrangeiro nos
países dependentes são direcionados ao setor do capital industrial-produtivo e desta forma, a
dependência passa exatamente por uma industrialização destes países, sob a égide do capital
estrangeiro.
O investimento direto estrangeiro em Portugal era predominantemente europeu,
ou seja, 42,2% do total eram investimentos feitos pelos países da Comunidade Econômica
Européia, seguidos pelos Estados Unidos (23,8%). Além disso, a maior parte dos
investimentos nas colônias da chamada África Portuguesa era feita por investidores europeus
e norte-americanos, pois o Estado português não tinha possibilidade de explorar por si mesmo
suas colônias e faltavam capitais nativos de vulto para todas as potencialidades coloniais.
Em tal situação,
Portugal parecia se ajustar mais a um meio-termo entre o colonialismo tout court e o
“colonialismo interno” que surgia nos países que se libertavam de suas antigas metrópoles, mas
reproduziam internamente relações de exploração entre grupos sociais culturais, econômicos e
regionais. Como não havia mais um “exclusivo metropolitano” (ou monopólio colonial), o qual
havia sido a característica tendencial do segundo Império português, também se esvaíam as bases
econômicas e conceituais do sistema. (Secco, 2004, p.92)
A dominação e a dependência ao capital imperialista estrangeiro a que se
submetem países como Portugal seguem um via nova que atravessa o próprio processo do
capital industrial-produtivo e os processos de trabalho que a ele se articulam em escala
internacional, característica de um processo de industrialização dependente que se desenvolve
101
nos países dependentes e dominados a partir de formas de indústria com tecnologia inferior;
de produtividade do trabalho mantida num nível fraco, comandada pela integração dos
processos de trabalho destes países a uma socialização das forças produtivas, cuja tendência é
a bipolarização qualificação/desqualificação do trabalho que transfere o aspecto da
desqualificação para os países dominados e reserva a reprodução do trabalho altamente
qualificado para os países dominantes; e o elevado grau de expatriação dos lucros obtidos pela
produção da mais-valia, produzidos por parte da força de trabalho destes países.
À exploração das massas populares acrescenta-se a superexploração dos
trabalhadores imigrados para as metrópoles imperialistas, em uma imigração possibilitada
pela industrialização deformada promovida pelo capital estrangeiro nos países dominados e
dependentes e pelas deslocações e descentralizações internas provocadas por esta reprodução
induzida das relações capitalistas dominantes (Poulantzas, 1976).
Segundo Poulantzas,
esta nova forma de exploração e de dependência da cadeia imperialista determina novos recortes
entre os próprios países dominados e dependentes. Se, para alguns deles, a forma dominante de
exploração pelo capital estrangeiro permanece ainda, a exportação do capital, ligada ao controle
das matérias-primas, à exportação das mercadorias e a uma divisão indústria/agricultura, a forma
dominante de exploração, neste caso, segue uma nova via, paralelamente às formas antigas que
persistem em retração. (Poulantzas, 1976, p.15)
O capitalismo português tem como característica principal a extrema concentração
e centralização do capital nos setores do capital industrial produtivo, centralização esta
proporcionada pelos investimentos estrangeiros que se concentraram nas atividades
desenvolvidas pelas indústrias química, metalúrgico-mecânica, eletrônica e de transformação.
O regime ditatorial português teve papel importante no desenrolar e no ritmo
específico do processo de dependência ao estabelecer uma política de desenvolvimento
industrial sob a forma do capital monopolista, conforme aos novos modos de exploração da
atual fase do imperialismo. Essa política submeteu este país a uma nova dependência da
cadeia imperialista, uma vez que o desenvolvimento econômico de Portugal processou-se pela
102
via de uma industrialização dependente, com intensa exploração da força de trabalho tanto por
parte das próprias classes dominantes do país quanto pelas classes dominantes das metrópoles
imperialistas.
Portugal entra na era do imperialismo na condição de país “atrasado”, mas
associado aos interesses mais modernos da economia e da política mundiais. Funcionando até
como ponte para exploração do continente africano, especialmente, pelos países dominantes,
está, entretanto, marcado por uma dependência característica em relação aos centros do
imperialismo. Sua condição de Estado e sociedade da semiperiferia do sistema mundial
decorre da apropriação desigual dos benefícios da divisão mundial do trabalho, uma vez que
as metrópoles imperialistas desfrutam da transferência do excedente econômico da periferia e
semiperiferia, apropriando-se da maior parte da riqueza produzida, o que contribui para
aprofundar as relações de dependência e dominação entre países dominantes e países
dominados, bem como a superexploração da força de trabalho.
2.1 Portugal: um país de abril
O Movimento dos Capitães, fundado em 9 de setembro de 1973, deu início a um
processo que culminaria com a tomada do poder pelo Movimento das Forças Armadas (MFA)
em 25 abril de 1974. De estritamente corporativo transformou-se este em um movimento que
reivindicava o derrube do regime fascista dirigido por Marcelo Caetano. Esta ação política
dos militares organizados colocava em xeque a capacidade do governo em resolver a questão
da guerra que Portugal travava em África e a legitimidade do próprio regime em vigor.
No dia 05 de março de 1974 foi lançado o manifesto O Movimento, as Forças
Armadas e a Nação, no qual estavam traçadas as diretrizes e objetivos do movimento:
... entendemos necessário, como condição primeira do problema africano, da crise das Forças
Armadas e da crise geral do País, que o poder político detenha o máximo de legitimidade; que as
103
suas instituições sejam efetivamente representativas das aspirações e interesses do Povo. Por
outras palavras: sem democratização do País não é possível pensar em qualquer outra solução
válida para os gravíssimos problemas que se abatem sobre nós.
Trata-se, portanto, antes de mais nada e acima de tudo, da obtenção a curto prazo de uma
solução para o problema das instituições no quadro de uma democracia política. (O
Movimento, as Forças Armadas e a Nação apud Teodoro, 2001, p.314) (Grifado no original)
Em que pese o apoio recebido de amplos setores da forças sociais e políticas,este
movimento revolucionário caracterizou-se fundamentalmente como um golpe de Estado
militar que conduziria o país à “terceira vaga de democratização do mundo moderno”.
Conforme analisa Reis (1992),
Tratou-se de um movimento estritamente militar, que agiu de um modo completamente autônomo
em relação às forças políticas e partidárias existentes, sem quaisquer compromissos prévios com
qualquer delas e com um programa próprio, que previa logo a devolução do poder a instituições
civis (...) Os contatos com as forças oposicionistas, nomeadamente o Partido Socialista e o Partido
Comunista, foram assim reduzidos ao mínimo indispensável, sem compromissos programáticos ou
envolvimentos conspirativos, para além dos que resultavam da participação no movimento de
alguns militantes desses partidos na qualidade de militares. E se é certo que a luta travada pelos
grupos oposicionistas ao longo dos anos, bem como, mais recentemente, a tentativa de
liberalização conduzida pela «ala liberal» do regime, contribuíram para a sensibilização de
apreciável número de oficiais à questão política que subjazia às guerras coloniais, não é menos
certo que o movimento militar soube sempre preservar a sua independência programática e
organizativa, assumindo-se como o autor exclusivo da operação em curso de derrube do regime.
(Reis, 1992, p.15)
Mesmo se tratando de um movimento autônomo, o projeto político do Programa
do Movimento das Forças Armadas contemplava as principais reivindicações das forças
sociais e políticas que se opunham ao Estado Novo: eliminação imediata das características
fascistas do aparelho de Estado; eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte que
reimplantaria a democracia parlamentar; pluralismo político e autonomia das organizações
sindicais; uma política econômica antimonopolista que visaria a mais justa distribuição da
104
riqueza; extinção da Direção Geral de Segurança, da Legião Portuguesa e da Mocidade
Portuguesa; anistia para os presos políticos; liberdade de expressão, de reunião e de
associação; e a consagração do “direito dos povos à autodeterminação”, relativamente à
questão colonial.
Os princípios do programa do Movimento das Forças Armadas apontaram para a
necessidade de construir um Estado democrático de direito; tratava-se de destruir os
mecanismos de uma ditadura fascista para substituí-la por uma democracia de tipo ocidental,
burguesa, parlamentarista e pluripartidária. “A ruptura democrática se materializou
concretamente através de modificações institucionais importantes e de mudanças
significativas dos dirigentes dos diversos aparelhos estatais: destituições e depurações”.
Entretanto, estas medidas não implicaram uma “transformação democrática do tipo aliança
antimonopolista como a ruptura democrática foi feita sob a direção da burguesia”,
permanecendo nos limites de uma continuidade do Estado (Poulantzas, 1976, p.77).
A ruptura com o regime fascista efetivada pela ação política militar de 25 de abril
de 1974 transformou o perfil da crise social e política que se vivia no país desde os finais dos
anos sessenta. “Essa transformação consistiu na criação, ou melhor, na explosão
17
do
movimento social popular que se seguiu imediatamente ao golpe de Estado. Foi sem dúvida o
movimento mais amplo e profundo da história européia do pós-guerra” (Santos, 1990, p.27).
Este movimento social popular, composto pelo operariado urbano, pela pequena burguesia
assalariada nas grandes e médias cidades e pelo operariado rural, que atingiu as mais diversas
áreas da vida social – educação, reforma agrária, administração local, habitação urbana,
gestão das empresas, movimento sindical, cultura –, constituiu uma das características mais
específicas da revolução portuguesa, pois as transformações mais significativas nas áreas
social e econômica tiveram sua origem nesses movimentos sociais, que a partir da periferia
impuseram ao centro a tomada de decisões que conduzissem à construção de uma nova
sociedade e de um novo Estado português.
17
A onda de protestos e ações ilegais surgidos numa sociedade civil cujas demandas estavam represadas incluiu
a invasão de casas em Lisboa; ocupação de terras e fábricas, assembléias de moradores, professores, estudantes;
caça aos colaboradores do regime anterior; greves. Para por fim a essas movimentações espontâneas a Comissão
de Coordenação do MFA propôs uma aliança informal com os partidos de esquerda: os comunistas e os
socialistas. O Partido Comunista Português e o Partido Socialista serão as forças principais da consolidação do
processo revolucionário. A respeito do papel do PCP e do PS conferir Lincoln Secco, A Revolução dos Cravos,
São Paulo, 2004.
105
A revolução de 25 de abril de 1974 impulsionou a expansão e renovação das
instituições da chamada sociedade civil, surgindo, em todo o país, associações e organizações
representativas da população tanto em nível institucional como voluntário. A partir de então, a
realidade portuguesa passou a ser constituída por um sistema de representação democrática
parlamentar, imprensa livre, sindicatos, partidos políticos, associações profissionais, comitês
de inquilinos, associação de moradores e de pais, comitês de escola, grupos de pressão de
todo gênero. “Poder-se-á dizer que existiu uma tentativa de dissolver a distinção entre Estado
e sociedade civil utilizando critérios não corporativistas (em vez de um Estado a dominar e
submeter a sociedade civil como ocorrera no regime salazarista, a sociedade civil começou a
dominar e moldar o Estado), e assim, ainda de forma embrionária, pretendeu-se a autogestão e
a expansão da sociedade civil em detrimento do Estado” (Stoer, 1986, p.62).
Uma outra característica marcante da revolução portuguesa foi a paralisia
generalizada no seio das estruturas do aparelho de Estado em resultado de uma acesa luta pelo
seu controle político, bem simbolizada nos conflitos entre as forças sociais e políticas
hegemonizadas pelo Partido Socialista, de um lado e pelo Partido Comunista, do outro, e nas
fraturas profundas que se verificaram na direção política do MFA.
Não houve dualidade de poderes, houve aquilo que se chamou “Estado dual”, em
que, de um lado, as estruturas, as práticas e as ideologias administrativas tradicionais foram
mantidas quase intactas apesar de suspenso o seu funcionamento normal e, do outro lado,
novas estruturas impunham ao Estado um papel novo e mais decisivo no processo de
acumulação e na direção global da economia. A emergência desta estrutura dual se fez sentir
desde os primeiros momentos da revolução, pela contradição entre as competências atribuídas
à Junta de Salvação Nacional e as prerrogativas da Comissão Coordenadora do Programa do
MFA, entre o comando hierárquico da Forças Armadas e o comando revolucionário dos
militares que conduziram a ação, estendendo-se a todos os setores do Estado. Diante da
incapacidade da administração pública tradicional, ou seja, do núcleo da burocracia estadual
em dar respostas às novas solicitações e aos novos problemas sociais, foram-se criando, nos
aparelhos de Estado, instituições paralelas, menos burocráticas, com a tarefa de articular a
adaptação do Estado às novas condições e de dar respostas institucionais e administrativas às
exigências da sociedade civil em movimento (Santos, 1990).
Como observa Teodoro (2001),
106
os centros de poder multiplicaram-se – Presidência da República, Junta de Salvação Nacional,
Governo Provisório, Conselho de Estado, estruturas do MFA (Comissão Coordenadora, Plenário
ou Assembléia) – e entraram em aberto conflito, originando uma quase paralisia do aparelho de
Estado, na generalidade mantido intacto relativamente ao herdado do Estado Novo, salvo nas
estruturas ligadas ao aparelho repressivo, de censura e da organização corporativa. (Teodoro,
2001, p.323)
O golpe de Estado que alterou as estruturas políticas e econômicas e que visava a
criar um ambiente institucional realmente novo em Portugal não resultou na destruição do
aparelho de Estado capitalista; este apenas sofreu uma paralisia geral, pois o movimento que
tinha por objetivo destruir o Estado fascista só destruiu as suas características mais
explicitamente fascistas, ou seja, a polícia política, os tribunais políticos, as prisões políticas,
o sistema de partido único e as milícias paramilitares fascistas, enfim seu aparelho repressivo.
O que se verificou foi que os aparelhos repressivos de Estado ou deixaram de existir ou
passaram para as organizações militares representativas da revolução.
Para obter o reconhecimento internacional da revolução portuguesa a Comissão
Coordenadora do Programa do Movimento das Forças Armadas procedeu à indicação do
general António Spínola para Presidente da Junta de Salvação Nacional. Porém conforme
relato a seguir
Ele foi chamado por nós porque precisávamos dele para prestigiar a revolução e levar o mundo
ocidental a reconhecer o mais rapidamente possível o novo governo [...] No entanto, como Spínola
tinha uma ambição de poder muito grande, nós fomos travando esta ânsia, até que em 28 de
setembro de 1974 ele renunciou à Presidência” (Depoimento de Otelo Saraiva de Carvalho a
Rampinelli, 2002, p. 107).
Com a renúncia de Spínola e a institucionalização do Conselho da Revolução
como órgão de soberania constitucional, a contradição principal do processo político
português deslocara-se da via de resolução do problema colonial para o plano do modelo de
107
sociedade e de Estado a construir. Iniciou-se uma estratégia de desenvolvimento na qual o
papel do Estado como regulador da atividade econômica foi alterado significativamente
quando setores básicos da econômica foram nacionalizados pelo Movimento das Forças
Armadas: nacionalização total dos bancos e das seguradoras; nacionalização maciça da
indústria e das empresas dos grupos monopolistas, autogestão de fábricas e empresas
comerciais abandonadas pelos proprietários, criação de cooperativas nos setores comercial,
industrial e agrícola. “Era a concretização do que a Assembléia de Movimento das Forças
Armadas de 7 de Abril designou de ‘opção socialista da revolução portuguesa iniciada em 25
de Abril de 1974’ ” (Teodoro, 2001, p.329).
O que se configurava no plano programático e no discurso político dos partidos
representados nos Governos Provisórios (Partido Socialista – PS, Partido Popular
Democrático – PPD, Partido Comunista Português – PCP, e Movimento Democrático
Português – MDP) era a defesa de uma via política que permitisse a transição para uma
sociedade socialista, opção que seria institucionalizada pela Constituição de 1976. No
Comunicado do Conselho da Revolução de 11 de abril de 1975 era explicitado o sentido dessa
opção:
É necessário que os trabalhadores sintam que a economia já não lhes é estranha, ou seja, que a
construção socialista da economia é tarefa deles e para eles. Isso implica a afirmação clara do
princípio do controle organizado da produção pelos trabalhadores, para objetivos de produção e
eficiência coordenados pelos órgãos centrais de planejamento, segundo esquema a definir com
brevidade. (Comunicado do Conselho da Revolução, apud Teodoro, 2001, p.330).
Com estas ações políticas suspendeu-se a ligação entre os grandes grupos
financeiros e a elite política do Estado. Todavia, estas medidas não constituíram uma ameaça
para a sociedade capitalista ou para a natureza classista do poder de Estado, porque apesar de
Portugal evidenciar para o mundo que o caráter de sua revolução poderia ser socialista, o
Estado português continuou a ser funcional para o capital oligopolista nacional e
internacional.
108
Em síntese, a existência de um forte movimento social popular que propiciou
significativas transformações nas áreas social, política e econômica do país – movimento que
ganhou uma dinâmica e uma capacidade de participação ímpar na história portuguesa,
apoiando ativamente o Movimento das Forças Armadas nas questões da descolonização e da
democratização política, mas exigindo o aprofundamento nos planos social e econômico da
revolução – e a paralisia administrativa do Estado, configurada na existência de uma estrutura
dual, constituíram as principais característica do período revolucionário. A revolução
portuguesa, deste modo, tornou evidente que mesmo durante um período de crise de
hegemonia e de lutas sociais intensas o Estado capitalista manteve-se intacto através de uma
paralisia administrativa generalizada.
Em 25 de abril de 1975, houve a realização das eleições para a Assembléia
Constituinte garantida pela assinatura da Plataforma de Acordo Constitucional, primeiro
Pacto entre o Movimento das Forças Armadas/Partidos. O evento consagrou a participação
popular no ato eleitoral, atingindo 91,2% do número de eleitores recenseados, e dele emergiu
como grande vitorioso o Partido Socialista (PS) com 37,87% dos votos, o que significou uma
bancada de 115 deputados, seguido do Partido Popular Democrático (PPD) com 26,38 % dos
votos – 80 deputados; em terceiro lugar o Partido Comunista Português (PCP) com 12,53 %
dos votos – 30 deputados; em quarto, o Centro Democrático Social (CDS) com 7,65% dos
votos – 16 deputados; em quinto, o Movimento Democrático Português (MDP) obteve 4,12%
dos votos, o que lhe rendeu 5 deputados; e por último, a União Democrática Popular (UDP)
com 0,79% elegeu um deputado. Ao mesmo tempo, o pleito“acelerou o confronto entre duas
legitimidades, abrindo um novo ciclo na revolução portuguesa, marcado por uma complexa
teia de relações entre os militares do Movimento das Forças Armadas, os partidos políticos e
as organizações sociais”, que teve como resultado “ a quebra da unidade do MFA, o
enfraquecimento e a partidarização do movimento social popular e a completa vitória do (...)
«modelo democrático eleitoral» e a conseqüente derrota do «modelo coletivista da
legitimidade revolucionária»” (Teodoro, 2001, p. 332). Esse confronto intensificou-se com a
publicação do Boletim do MFA de 6 de maio de 1975, em que a ala mais radical do
movimento insistia na necessidade de um aprofundamento do processo revolucionário a partir
de novas e qualificadas formas de participação popular:
109
Se a maciça votação popular significou, além do mais, uma inequívoca vontade de participação do
povo português no edificar do país novo; em termos de processos revolucionários, há que criar
estruturas de participação direta das massas populares na gestão político-adminstrativa e
econômica a todos os níveis. O que implica o desenvolvimento de poderes populares ao nível local
e regional, de bairro, de fábrica, no campo e nas cidades. A democracia socialista tem de encontrar
fórmulas efetivamente novas, democráticas e pluralistas de participação direta – fórmulas que não
sejam a mera transformação dos esquemas das democracias burguesas. Porque a democracia
socialista não é a votação formal mais nacionalizações, mas sim poder popular determinado pela
ação das massas populares e da classe trabalhadora, organizada e articulada democrática e
revolucionariamente ao nível dos diversos aparelhos de Estado. (Editorial de Movimento, Boletim
das Forças Armadas apud Teodoro, 2001, p. 333)
Em 19 de junho de 1975, o Conselho da Revolução aprovou o Plano de Ação
Política no qual ratificou a opção pela construção de uma sociedade socialista, entretanto
esclarecia que a implantação do socialismo deveria se dar pela via pluralista, “o que implica o
reconhecimento da existência de vários partidos políticos e correntes de opinião, mesmo que
não defendam necessariamente opções socialistas” (Neves apud Teodoro, 2001, p.334),
recusando uma via de implantação violenta e ditatorial.
A questão da participação popular foi abordada no Documento-Guia da Aliança
Povo-MFA
18
, que estabeleceu os órgãos de poder popular com o objetivo de “fomentar a
participação revolucionária das massas no sentido de criarem e desenvolverem agrupamentos
unitários, numa perspectiva de implantação de verdadeiros órgãos de poder popular”. Além
disso, este documento traçou as diretrizes quanto aos tipos de órgão popular a serem criados,
sua composição, competências, formas de eleição, desde a base até ao “órgão superior de
participação popular”, a Assembléia Popular Nacional (Teodoro, 2001).
O Documento-Guia Aliança Povo-MFA estabelecia três linhas fundamentais que
estruturavam a Aliança: a do MFA, a Popular e a Governamental, bem como previa o
saneamento e a progressiva substituição do aparelho de Estado, “descentralizando os seus
poderes (administrativos e econômicos), permitindo a iniciativa local sob o controle,
fiscalização e progressiva tomada do poder pelos organismos populares”. Constituíam órgãos
18
Este documento foi elaborado por iniciativa do Comando Operacional do Continente (COPCON), juntamente
com três ramos das Forças Armadas: a 5ª Divisão, a Comissão de Dinamização e Esclarecimento da Armada
(CDEA) e a Comissão Dinamizadora Central (CODICE) e aprovado pela Assembléia do MFA de 8 de julho de
1975.
110
de poder popular previstos neste documento: 1) comissões de moradores, comissões de
trabalhadores e outras organizações de base popular formarão Assembléias Populares locais,
de Freguesia ou por área a definir; 2) Assembléias Municipais e a Assembléia Popular
Nacional; 3) o Conselho da Revolução, como o órgão máximo da soberania nacional. Em
relação à participação do MFA, esta começava nas Assembléias Municipais e Distritais, nas
Regionais, e na Nacional pela AMFA. Cabia às Assembléias Populares, apoiadas pelo MFA e
órgãos do aparelho de Estado, exercer o controle da gestão pública da qual participavam
(Neves apud Teodoro, 2001, p.335).
A aprovação deste documento pela Assembléia do MFA tornava evidente a opção
política por um modelo de democracia popular fundado na legitimidade revolucionária da
Aliança Povo-MFA, em contraponto a um outro modelo de democracia representativa
burguesa que seria construído a partir dos trabalhos da Assembléia Constituinte, o que
implicaria o abandono do pacto MFA/Partidos e, sobretudo, do compromisso assumido em 25
de abril de 1974, no Programa do MFA, de proceder à entrega do poder a instituições
democráticas livremente eleitas pelo povo português. O resultado desta decisão foi “a ruptura,
sem retorno, no movimento das Forças Armadas, mudando decisivamente o curso da
revolução portuguesa” (Teodoro, 2001, p.336).
A eleições para a Assembléia Constituinte além de acentuaram as divisões e
diferenças de perspectivas entre dois partidos políticos – o PS e o PCP –, apontaram que sem
uma aliança do proletariado com setores médios da sociedade portuguesa a revolução sofreria
uma viragem à direita. O PS, reforçado pela legitimidade dos mais de dois milhões de votos
obtidos para a Assembléia Constituinte, passou a liderar a luta contra as concepções
vanguardistas da revolução defendidas por importantes setores do MFA, pelo PCP, por
pequenos partidos de esquerda e pela extrema esquerda; neste sentido,
Escudado numa importante teia de apoios internacionais e aproveitando o conflito no jornal
República, o PS, acompanhado de perto no plano político pelo PPD (e CDS), vai contestar
abertamente o Primeiro Ministro, Vasco Gonçalves, e abandonar o Governo através da demissão
dos seus ministros em 12 de julho de 1975. (Teodoro, 2001, p.338)
111
O MFA, refletindo essa disputa na chamada sociedade civil também se cindiu,
permitindo uma recomposição político-militar de setores representativos dos empresários, do
capital internacional e das camadas médias. Esta recomposição ganhou força com a
emergência da corrente socialista moderada do MFA. Ocorreu, então, que,
Apresentando-se como defensores de um projeto político de esquerda, onde a construção de uma
sociedade socialista – isto é, uma sociedade sem classes, onde tenha sido posto fim à exploração
do homem pelo homem – se realize aos ritmos adequados à realidade social portuguesa, os
militares subscritores do Documento dos Nove contrapunham à teoria leninista da vanguarda
revolucionária um modelo de socialismo inseparável da democracia política e do pluralismo
político, assente na formação de um grande bloco social de apoio, englobando proletariado urbano
e rural, pequena burguesia e largos estratos de média burguesia (incluindo técnicos e intelectuais
progressistas). (Teodoro, 2001, p.339).
O Documento dos Nove, resposta ao documento governista da Aliança Povo-
MFA, propugnava uma via pluralista e de lenta construção do socialismo e identificava a
questão do poder como sendo uma questão-chave da crise do país, localizando-a no interior
do MFA. Deste modo, sem atacar a questão do poder no interior do MFA não era possível
atacar a fundo o problema da organização do Estado, dado que as divergências surgidas no
seio do MFA eram o reflexo de projetos políticos ideológicos distintos. Além disso, era
preciso encontrar uma solução adequada para o problema da dispersão dos centros de poder
de modo que a direção política tivesse um mínimo de unidade de comando.
Esse documento contou com o apoio significativo de setores das Forças Armadas,
principalmente do Exército e da Força Aérea, o que conduziu a uma alteração na correlação
de forças no interior do MFA, com conseqüências na composição dos seus órgãos,
Assembléia do MFA e Conselho da Revolução. Esta alteração da correlação implicou a
retirada de apoio dos órgãos político-militares ao Primeiro Ministro Vasco Gonçalves e a
queda do V Governo Provisório. Na análise de Secco,
Se Gonçalves perdia a hegemonia no seio das Forças Armadas, também não contava com
nenhuma simpatia do empresariado. A situação econômica e financeira de Portugal se agravava e
112
corroia ainda mais as bases de apoio do governo, por mais que se acreditasse que suas reformas de
estrutura pudessem demonstrar bons resultados a médio e longo prazos. (Secco, 2004, p.147)
A constituição do VI Governo Provisório integrou novamente o PS, O PPD e o
PCP, que passaram a ter uma participação proporcional aos seus resultados eleitorais, mas
ainda estava pendente a questão do poder no interior do MFA.Um passo decisivo para
resolver esta questão foi dado em meio aos acontecimentos do Verão quente de 1975
19
, um
problema que era decorrente da incapacidade de se construir um novo bloco no poder,
suficientemente hegemônico para imprimir uma direção política que transformasse
legitimidade processual em hegemonia social. Através do pronunciamento militar de 25 de
novembro de 1975, então,
procurou-se pôr termo à paralisia do Estado, reconstruir a autoridade e reativar o exercício do
poder do Estado sem curar do preciso bloco social que haveria de hegemonizar essa autoridade e
dar orientação política a esse poder. Para isso bastava desmoralizar os movimentos sociais
populares, neutralizar as forças políticas mais radicais, disciplinar as forças armadas, reativar o
aparelho repressivo e concluir o processo de definição constitucional do novo regime. Tudo isso
foi feito. A legalidade democrática deixou de ser confrontada com a legalidade revolucionária,
ficando apenas por resolver em nome de quem, de que bloco social ela seria exercida. (Santos,
1990, p.36)
Tornou-se evidente, neste pronunciamento, a mudança de rumo dos objetivos
políticos de construção de um Estado socialista, pois a correlação de forças militar já não era
favorável ao comunismo. A ênfase foi dada à construção de um Estado democrático, segundo
o modelo europeu ocidental que, em última análise, representava a restauração da ordem
capitalista com todo seu aparato estatal. “O 25 de novembro preparou a eliminação da
componente militar da revolução, a partir daí a democracia política começou a ser implantada
gradualmente” (Secco, 2004, p.153).
19
Como ficaram conhecidos os acontecimentos de “confrontação social e política envolvendo organizações
clandestinas e ações terroristas de extrema-direita, associações de interesses econômicos e sociais, sindicatos e
comissões de trabalhadores, partidos políticos legais, representados ou não no Governo, embaixadas e serviços
de informação estrangeiros, organizações clandestinas de soldados e marinheiros, a Igreja Católica, retornados
das ex-colônias, movimentos separatistas nos Açores e na Madeira, e até o próprio VI Governo que suspendeu
funções por considerar não existirem condições para o exercício do poder.” (Teodoro, 2001, p.340-41)
113
Com o segundo pacto MFA-Partidos, assinado em 26 de fevereiro de 1976,
firmou-se um compromisso complexo entre as diferentes facções militares e entre elas e os
partidos políticos, cujo objetivo era reafirmar a autonomia da Assembléia Constituinte e um
sistema pluralista e formalmente democrático. “A ambigüidade dessa solução política iria
reproduzir, embora noutros moldes, a discrepância, iniciada durante a crise revolucionária,
entre o enquadramento jurídico-institucional e a prática social” (Santos, 1993, p.30). Passou-
se a uma fase de normalização política e social e institucionalização de um novo regime
constitucional que teve como centro da formação dessa nova ordem a Constituição da
República, promulgada em 2 de abril de 1976.
Esta Constituição veio estabelecer o perfil de um moderno Estado democrático,
substancialmente distinto da forma política anterior à crise revolucionária, consagrando a
forma política organizada do socialismo ao definir, em seu Artigo 1º, o Estado português
como “uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade geral
popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes” e, no Artigo 80º,
que a “organização econômico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento
das relações de produção socialista, mediante a apropriação coletiva dos meios de produção e
solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes
trabalhadoras” (Constituição da República Portuguesa, 1976).
Relativamente à participação popular, o texto constitucional de 1976 consagrou a
participação e o direito a ela nos mais diversos órgãos e instâncias do aparelho de Estado. Na
verdade, a participação constitui uma das principais idéias da Constituição de 1976, estando
expressa em 32 dos seus 312 artigos. “Ela abrange praticamente todos os domínios da vida
nacional, desde os partidos políticos, associações, sindicatos, segurança social, saúde, até à
educação, cultura e ciência, justiça, administração pública, etc.” (Lima, 1988, p. 37). O tema
da participação foi também enfatizado na revisão constitucional de 1982: tratava-se de uma
participação organizada, ativa, democrática, crescente, política, direta, popular, conforme
expressava o texto, com destaque para a participação na gestão democrática do ensino,
garantindo a participação de professores, associação de pais e alunos na gestão democrática
das escolas e na definição da política de ensino.
Acerca da relevância de tal participação, pode-se afirmar que
114
Os traços mais característicos do regime democrático instaurado em Portugal após o 25 de Abril,
residem na expressiva amplitude com que são estimuladas as formas de participação popular na
vida política e nas profundas transformações econômicas, sociais e culturais, operadas pela
Revolução de Abril que constituem os alicerces basilares e inseparável em que se assenta a
democracia constitucional portuguesa. (CGTP-IN apud Antunes, 1998, p.92)
O período pós-25 de abril de 1974 significou uma viragem importante no que diz
respeito aos princípios político-constitucionais que regeram e regem a participação, uma vez
que a participação ativa dos cidadãos, nos diversos ramos e níveis dos aparelhos de Estado
não se constituía, até então, paradigma na tradição constitucional portuguesa. A Constituição
de 1976 trouxe a institucionalização dos princípios essenciais de um “Estado de direito
democrático”, dos direitos, liberdades e garantias das pessoas, dos cidadãos e dos
trabalhadores; assegurou a coexistência de três setores de propriedade de meios de produção e
de atividade econômica (público, cooperativo e privado); estabeleceu o sistema de governo
semipresidencial, a autonomia do poder local e o governo próprio das regiões autônomas das
dos Açores e da Madeira; os direitos dos cidadãos perante a administração e a subordinação
das Forças Armadas ao poder político constituído; e prescreveu a irreversibilidade das
nacionalizações e da reforma agrária. Na opinião de Santos (1990), “a Constituição da
República [1976] representava a transição para o futuro numa sociedade que, ao nível das
práticas sociais, transitava para o passado, de que aliás em muitos aspectos, nunca tinha
saído” (Santos, 1990, p.143).
A mudança na correlação de forças políticas e sociais, decorrente das eleições
realizadas logo após ser promulgada a Constituição de 1976, implicou uma mudança em
direção oposta aos objetivos previstos por esta em relação ao caminho português para o
socialismo. Verificou-se na ação política concreta um Estado constitucional preocupado com
a construção de uma democracia capitalista moderna, quando sua Constituição previa uma
sociedade sem classes. Esta alteração significava que
O centro de impulsão da dinâmica social mudara de posição: de uma força criadora emanando do
interior e constituída pelo projeto de transformação radical da sociedade e do Estado herdados do
passado, pouco a pouco, a força deslocou-se para o exterior, tornando-se a adaptação aos
115
imperativos estabelecidos pelas sociedades mais desenvolvidas a nova força criadora (Petrella,
1990, p.15).
Tal mudança de rumo ficou evidenciada no I Governo constitucional, chefiado por
Mário Soares (PS), que atribuiu como tarefas prioritárias de seu governo: 1) a consolidação da
democracia política, através do reforço da autoridade do Estado e das novas instituições e da
regulamentação dos direitos, liberdades e garantias constitucionais; e 2) o combate à crise
econômico-financeira, mediante uma política de austeridade controlada, que não impedisse
uma dinâmica minimamente expansionista, e uma política social que privilegiava a
concertação com os parceiros e a reintegração dos refugiados das ex-colônias (Reis, 1992,
p.64). Isso significava uma modernização ancorada prioritariamente na Europa, no
restabelecimento da acumulação do capital e na construção de uma social-democracia de tipo
europeu.
Buscava-se, portanto, um novo rumo estratégico que pudesse orientar a
renegociação da posição de Portugal no sistema mundial. Com esse objetivo, o I Governo
Constitucional centra sua estratégia de desenvolvimento na integração européia, sobretudo na
adesão à Comunidade Econômica Européia (CEE), embora Portugal não tivesse qualquer
condição de autonomia nem mesmo uma especificidade regional no quadro do espaço
econômico e das regras de funcionamento da CEE, sendo um país subdesenvolvido no plano
econômico em relação à grande maioria dos países europeus ocidentais.
A iniciativa política de pedir essa adesão de Portugal à Comunidade Econômica
Européia pertenceu ao Partido Socialista (PS) e contou com o apoio do Partido Social
Democrata/Partido Popular Democrático (PSD/PPD), e do Centro Democrático Social (CDS).
Opôs-se frontalmente a ela o Partido Comunista Português (PCP)
20
.
20
Para o PS, “esta intenção inseria-se, não só na busca de uma identidade nacional, que a descolonização tornara
urgente, mas também na necessidade de apresentar ao País um projeto verdadeiramente nacional, que
simultaneamente permitisse situar Portugal no espaço político, geográfico, econômico e social a que, por direito
próprio, pertencia. Só um projeto dessa natureza e dessa dimensão poderia – e estamos certos que assim sucederá
– galvanizar o País e justificar os esforços e mesmo os sacrifícios que será indispensável ao povo português o
nível de vida a que tem direito e a Portugal o lugar que merece na cena internacional” (Azevedo, apud Teodoro,
1994, p.84). Já o PSD/PPD declarava: “... apoiamos a política do Governo de requerer imediatamente a adesão
116
A decisão de solicitar a adesão à Comunidade Econômica Européia tinha uma
natureza estritamente política, pois o que se pretendia era situar o país no espaço político,
geográfico, econômico e social do contexto europeu e, certamente, na cena internacional.
Optou-se por uma via de desenvolvimento exógeno a partir da rápida inserção de Portugal na
economia européia e mundial, procurando explorar as vantagens comparativas de sua
economia. O motor da inovação dos portugueses se transferiu para fora de Portugal,
prioritariamente para a Europa, o que significou a assunção de uma lógica e de um discurso
sobre a modernização da sociedade a realizar a partir de imposições de natureza externa.
“Ainda assim, em termos de modelo, por que escolher os países socialistas se os da Europa
Ocidental eram ainda melhores? O que os portugueses queriam ‘reencontrar’ era a Europa
Ocidental, liberal, capitalista e, de preferência, social-democrata” (Secco, 2004, p.194).
O processo de adesão à CEE conferiu autonomia ao Estado face às organizações
da chamada sociedade civil nas negociações. Santos (1993), ao analisar este processo, aponta
três dimensões da autonomia do Estado: uma dimensão política, uma econômica e uma
de Portugal à Comunidade Econômica Européia. Fazemo-lo também com a consciência de que este é o caminho
certo para a consolidação da democracia portuguesa, para a participação de Portugal, na continuação de sua
missão histórica, no trabalho de união dos povos da Europa e
dos povos dos países democráticos, de que este é o
caminho da recuperação econômica, da obtenção da igualdade de condições, designadamente para os nossos
trabalhadores emigrados, e de uma prosperidade que seja encarada, não como fonte de riqueza, mas como meio
de desenvolvimento da pessoa” (Idem, p.85). O CDS, por sua vez, expressava que “do ponto de vista de
Portugal, nós consideramos que é na Europa – na Europa democrática – que o nosso país pode e deve encontrar o
quadro institucional, geográfico e cultural, em que há de enraizar-se e desenvolver-se o nosso destino histórico.
Do ponto de vista da Europa nós consideramos que é indispensável alargá-la a todos os países democráticos que
nela se situam e reforçar a sua importância, a sua projeção e a sua influência, a fim que seja ouvida e pese na
evolução do mundo a voz da sua civilização milenária, democrática e humanista” (Idem, p.85-86). O PCP,
contrariamente, afirmava que “o Governo e as forças que o apoiam confessam agora aquilo que o PCP sempre
afirmou e que eles sempre contestaram: que a integração no Mercado Comum não era tanto uma decisão ditada
por razões econômicas como uma grande operação política visando a destruição das conquistas de Abril. O que o
Governo pretende não é o desenvolvimento econômico nacional, mas alterações estruturais que restaurem
monopólios e latifúndios e que reconduzam Portugal ao capitalismo monopolista de Estado. Trata-se também
não só de uma política que poderá trazer gravíssimos prejuízos à economia nacional, provocar a ruína e a
falência de milhares de pequenas e médias empresas, submeter o País ao imperialismo estrangeiro, como de uma
política que visa uma revisão de fato ilegal da Constituição antes da sua revisão formal” (Programa do VI
Governo Constitucional. Apresentação e debate apud Teodoro, 1994, p.86).
117
simbólica. A dimensão política diz respeito à autonomia do Estado na condução do processo
de negociação com a Comissão Européia, autonomia que foi justificada em nome do interesse
nacional; esta autonomia residiu, ainda, na harmonização institucional e legislativa do Estado.
A dimensão econômica é decorrente da gestão e controle total, por parte do Estado, dos
avultados fundos estruturais injetados pela CEE na economia portuguesa, que permitiu a ele
conduzir o programa de transição para adaptações estruturais e a harmonização institucional.
Estas duas dimensões da autonomia do Estado é que dão suporte à sua dimensão simbólica,
através da qual o Estado regula, sobretudo com discursos e atos simbólicos, a dialética da
distância e da proximidade, da diferença e da identidade entre Portugal e a Europa, criando
um “universo imaginário” que transforma Portugal “num país europeu igual aos outros, sendo
o seu menor grau de desenvolvimento considerado simples característica transitória que cabe
ao Estado gerir e atenuar gradual e irreversivelmente na qualidade de guardião dos interesses
nacionais” (Santos, 1993, p.51).
As pressões políticas e ideológicas e a nova correlação de forças políticas com o
governo a transitar de uma coligação de centro socialista para uma coligação conservadora,
primeiro, e uma coligação central, depois, seguida, a partir de 1987, de uma maioria absoluta
de centro-direita, iriam conduzir a uma revisão mais profunda da Constituição.
O X Governo Constitucional (1985-1987), constituído pelo PS/PSD, cujo
primeiro-ministro era Cavaco Silva, estabeleceu como prioridade política a integração e
aproximação da sociedade portuguesa aos padrões e modelos socioeconômico, político e
cultural dos países centrais da Europa. Neste sentido, articulou-se politicamente para proceder
à reforma da Constituição, visando, sobretudo, evitar que “a lei fundamental, continuasse a
funcionar como uma espécie de bloqueio à adoção e concretização de medidas econômicas
modernizadoras” (Afonso, 1999, p.l77). Isso implicaria também uma transformação na
natureza das políticas que seriam implementadas pelo Estado português.
A estratégia política adotada pelo Estado tinha por objetivo desenvolver uma
regulação estável entre as relações de produção e as relações de troca, extremamente
heterogêneas e entre mercados de trabalho, profundamente segmentados e descontínuos, a
partir de iniciativas que envolvessem a participação ativa das organizações sociais e das
forças sociais.
118
Essa heterogeneidade característica da sociedade portuguesa está relacionado a
dois fatores: 1) à forte heterogeneidade do capital, ou seja, a existência de uma burguesia
formada por um pequeno grupo de empresários modernos e inovadores, ligados ao capital
transnacional, e por uma grande parcela de pequenos empresários que investem em setores
menos competitivos, dependentes do Estado, com uma mentalidade rentista e não
empresarial; e 2) à heterogeneidade e segmentação interna dos trabalhadores, que consiste em
um setor de operariado urbano, que trabalha nas indústrias dos grandes centros, com um certo
grau de sindicalização e um universo simbólico do proletariado e uma grande maioria
semiproletária, que trabalha em pequenas empresas afastadas dos grandes centros urbanos e
na zona rural, explorando pequenas propriedades agrícolas, com um universo simbólico
pequeno-burguês ou camponês, e que possui um rendimento proveniente de várias fontes
(Santos, 1993).
Em contexto tão heterogêneo, o Estado desempenhou um papel fundamental na
normalização contratual. Neste sentido, atuou em busca da construção de um pacto social,
entre capital e trabalho, a partir do diálogo com as diferentes organizações e atores sociais
com vista à criação da concertação social enquanto espaço de negociação coletiva. Em relação
às organizações sociais do capital, o Estado agiu em duas frentes na regulação social de suas
exigências: por um lado, buscou legitimar e até mesmo ampliar as exigências que têm
viabilidade política e que são aceitas pelos empresários e pela burocracia do Estado; por outro
lado, procurou contornar, banalizar e até neutralizar as reivindicações politicamente inviáveis
e retrógradas. Quanto ao trabalho, a estratégia do Estado foi, sobretudo, a de promover o
isolamento da confederação sindical comunista – Confederação Geral dos Trabalhadores
Portugueses (CGTP) – recusando-se a dialogar com ela, desqualificando-a quanto aos seus
discursos e práticas, incentivando os trabalhadores a se desfiliarem dela e encorajando a
criação de uma outra confederação “com um novo estilo assente no diálogo, na negociação e
na concertação” (Santos, 1993, p.35). O Estado utilizou-se de dois pesos e de duas medidas,
viciando o confronto social dos interesses sociais ao mesmo tempo em que impedia o
crescimento orgânico destes. Com efeito, agiu no sentido de soldar a hegemonia da burguesia
industrial-financeira no bloco no poder.
Com o objetivo de viabilizar o pacto social foi criado, em 1984, o Conselho
Permanente de Concertação Social (CPCS), como complemento à política de austeridade
antiinflacionária num momento de profunda crise econômica, com funções consultivas nas
119
áreas econômica, financeira e monetária; ele envolvia representantes do Governo, dos
sindicatos e do capital (industrial, comercial e agrário). Entretanto, a criação do CPCS por um
governo de centro-esquerda (coligação PS-PSD) não facilitou de todo a cooperação sindical
nem a sua integração nesta política, atraindo para si posicionamentos contrários por parte das
organizações sindicais, além do fato de sua criação ter ocorrido em condições de alta
mobilização de uma luta política de classe com uma acentuada divisão sindical. Para Stoleroff
(1990), a transferência da luta de classes para os canais dentro do Estado não significou a
subordinação pacífica do trabalho ao capital, pelo contrário, os conflitos se acentuaram com a
co-participação das duas confederações sindicais (União Geral dos Trabalhadores – UGT – e
Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – CGTP) no CPCS, assim como
contribuíram para uma maior unidade da classe, o que parece confirmar a inexistência de um
verdadeiro pacto social, apesar dos avanços na concertação e no diálogo social.
O Estado português contribuiu para a emergência de um novo regime de
acumulação ao criar e consolidar um novo setor de capital monopolista em substituição ao
setor monopolista destruído pela Revolução de 25 de Abril. Apoiando-se em um discurso
antiestatal justificou a iniciativa privada, deu prosseguimento à privatização da economia e
reforçou a chamada sociedade civil.
Nesse contexto, a participação popular constituiu-se em um instrumento de
construção e de aperfeiçoamento da democracia, a qual foi contemplada na revisão
constitucional de 1989. Conforme o Artigo 2º da Constituição a “República Portuguesa tem
por objetivo o aprofundamento da democracia participativa”, e no Artigo 112 vê-se que “a
participação direta e ativa dos cidadãos na vida política constitui condição e instrumento
fundamental de consolidação do sistema democrático. Dos 298 artigos, 34 fazem referência à
questão da participação. Para Lima (1998), a concepção de democracia presente no texto
constitucional ultrapassa os limites da democracia política e da democracia representativa,
pois os cidadãos são entendidos como sujeitos ativos com capacidade para intervirem nas
diversas esferas políticas e sociais. Trata-se, portanto, de uma “democracia como participação,
ou democracia participativa”, na medida em que se refere à participação organizada do povo
na resolução dos problemas nacionais e à participação ativa e direta dos cidadãos na vida
política.
Para que se concretize esse tipo de participação, depende-se do processo de
organização e localização do poder político, no sentido de descentralizar e regionalizar o
120
poder, o que é necessário para a consecução da democracia participativa em um Estado
centralizador. Relativamente à descentralização e regionalização do poder, o texto
constitucional tem consistido em obstáculo à sua concretização, uma vez que os partidos
aprovaram e, em seguida, bloquearam, por tempo indeterminado, o preceito da criação das
regiões. Isso aconteceu “pela simples razão de que os partidos políticos que se legalizaram
depois de 25 de Abril copiaram instintivamente a estrutura centrista do Estado português. E
assim todos eles são governados por estruturas centristas. Se se descentraliza a vida política,
eles próprios terão de se descentralizar – o que é coisa que seu espírito não compreende e daí
a resistência” (Zenha apud Lima, 1998, p. 292). Devido a essa desconexão no plano
normativo, evidenciada, sobretudo, no plano da ação, “a consagração da participação sai algo
desmentida, ou pelo menos bloqueada” (Lima, 1998, p.292).
2.2 Participação política no Portugal dos anos 1990
A segunda metade dos anos 1980 e a primeira metade dos anos 1990 foram
marcadas pelas reformas estruturais do governo social-democrata de Cavaco Silva. A
implementação de políticas de cunho neoliberal pelos governos do Partido Social-Democrata
(1985-1995) implicou uma redefinição do papel do Estado, no sentido de operar uma relativa
desregulamentação e privatização dos serviços e setores públicos, propiciando um crescente
descomprometimento do Estado em relação às políticas sociais, em que a oferta de bens de
consumo coletivos como a saúde, a educação e a seguridade social foi gradativamente
transferida para empresas privadas, o que resultou no desmantelamento do semi-Estado-
providência português que até então vigorava. “O Estado deverá reduzir gradualmente as suas
responsabilidades nas áreas que não está vocacionado, tornando-se simultaneamente mais
forte e mais eficaz nos domínios que lhe são específicos. (...) pretende-se menos Estado e
melhor Estado...” (Discurso de apresentação do Programa de Governo do Primeiro-Ministro
Cavaco Silva apud Afonso, 1998, p.179).
121
Portugal, conforme verificou Santos (1990; 1993) não é, ou ainda não é, um
Estado-providência
21
em sentido técnico nem pelo nível de bem-estar que produz, nem pelos
processos políticos que a ele conduzem; é um semi-Estado-providência e, em algumas das
suas dimensões mais deficientes ou degradadas, pode mesmo considerar-se um lumpem-
estado-providência.
O déficit de atuação do Estado na área das políticas sociais é atribuído a dois
fatores: ao processo tardio de instrumentalização das políticas sociais próprias de um Estado
providência decorrente da especificidade do desenvolvimento português e; aos graves
desequilíbrios na balança de pagamentos ocorridos em 1976-1977 e em 1980-1982, que
conduziram Portugal a implementar políticas de ajustamento de acordo com o modelo de
estabilização estabelecido pelo FMI, o que significou uma diminuição do conteúdo do papel
social do Estado em relação aos bens de consumo coletivos, medidas estas semelhantes às
adotadas pelos Estados centrais em conseqüência da crise do Estado-providência. Isto fez com
que o Estado português se caracterizasse como um semi-Estado-providência (Teodoro, 2001).
Essa forma política do Estado português foi ainda decorrente da natureza política
e conjuntural – a Revolução de 25 de Abril de 1974 – e da natureza social e estrutural – o
caráter semiperiférico – da sociedade portuguesa. As condições políticas do período
revolucionário permitiram que o Estado desvinculasse os gastos com políticas sociais das
exigências da acumulação, ou seja, dos recursos financeiros oriundos da atividade econômica.
Essa desvinculação resultou na crise financeira do Estado,
Uma crise particularmente grave em função do caráter semiperiférico e dependente da nossa
economia, da recessão da economia mundial e do bloqueamento do capital privado, sobretudo dos
setores mais modernos da burguesia industrial financeira, bem traduzido com as nacionalizações
depois de 11 de Março de 1975. (Santos, 1990, p.216)
21
“O Estado-providência é a forma política dominante nos países centrais na fase de ‘capitalismo organizado’,
constituindo, por isso, parte integrante do modo de regulação fordista. Baseia-se em quatro elementos
fundamentais: um pacto entre o capital e o trabalho sob a égide do Estado, com o objetivo fundamental de
compatibilizar capitalismo e democracia; uma relação constante, mesmo que tensa, entre a acumulação e a
legitimação; um elevado nível de despesas em investimentos e consumos sociais; e uma estrutura administrativa
consciente de que os direitos sociais são direitos dos cidadãos e não produtos de benevolência estatal” (Santos,
1993, p.43).
122
A ausência de um pacto social que desse sustentação ao envolvimento político,
financeiro e administrativo do Estado em relação às políticas sociais, conforme previa a
Constituição de 1976 – como forma política para a transição para um Estado e uma sociedade
socialista – inviabilizou a concretização de um Estado-providência português. O pacto
existente era um pacto estritamente político entre o MFA e os partidos políticos, não
envolvendo nem comprometendo as forças sociais na criação das condições para a
implementação e execução do programa constitucional.
Para caracterizar tal pacto,
Globalmente pode-se dizer que a partir de 1976 as políticas de regulação social do Estado visaram
criar as condições políticas, sociais econômicas de um pacto social que tornasse possível uma
forma política do tipo Estado Providência, mas sujeita a limitações estruturais da posição
semiperiférica da sociedade e da economia. Para isso, o Estado assumiu-se inequivocamente como
um Estado capitalista, ou seja, um Estado cujas políticas distributivas estão sujeitas às exigências
da acumulação capitalista privada e visam assegurar a reprodução alargada desta. Se no período de
crise revolucionária, tais políticas tinham sido radicalmente desvinculadas da acumulação, era
agora necessário proceder à sua radical revinculação. (Santos, 1990, p.219-220)
O Estado português aproximou-se do Estado-providência no que diz respeito a
variedade de serviços, forma de financiamento e fornecimento dos bens de consumo
coletivos, mas distanciou-se dele quanto à extensão e qualidade dos serviços. Um outro
elemento que configura o Estado português como um semi-Estado-providência é o fato de a
seguridade social não ser internamente concebida como um direito social, o que tem
contribuído para reforçar o caráter patrimonialista, clientelista e discricionário do Estado. “Os
cidadãos são atendidos conforme consigam ou não mover em seu proveito influências,
conhecimentos e favores recíprocos. De certo modo são duplamente clientes do Estado: do
Estado que fornece os serviços e dos funcionários do Estado que os prestam” (Santos, 1993,
p.44).
A degradação da qualidade da providência estatal e o défice de apoio social do
Estado, associados à degradação salarial, verificada no final dos anos 1970 e meados de 1980,
não conduziram a graves rupturas sociais ou políticas. Conforme sublinha Santos, isto se
123
deveu ao fato “desse défice providencial do Estado ser compensado, pelo menos em parte,
pela providência socialmente produzida”, coexistindo em Portugal “um Estado-providência
fraco com uma sociedade-providência forte”(Santos, 1993, p.46).
A compensação das deficiências do Estado no campo social pela sociedade-
providência evitou uma crise de legitimidade do próprio Estado. O Estado tem criado e
apoiado financeiramente instituições sem fins lucrativos que forneçam serviços sob sua
supervisão, funcionando como instituições semipúblicas através das quais ele se reproduz a si
próprio em instituições não estatais. O autor em foco assim explica o processo:
O Estado foi usando a sua capacidade reguladora e produtiva para criar espaços de atividade
econômica e social privada. Aliás, estas atuações dirigiram-se igualmente ao fortalecimento de
agentes sociais privados orientados para outros fins que não a obtenção de lucros mas igualmente
envolvidos na produção de bens e serviços (...). E porque através destas medidas o Estado cria,
pela sua atuação, espaços de sociedade civil, chamo a estas criações de sociedade civil secundária
para significar que, através delas, se inverte a concepção liberal das relações Estado/sociedade
civil. (Santos, 1990, p.222)
No domínio do campo social, o Estado português configurou-se como um semi-
Estado-providência caracterizado pela expansão de alguns direitos sociais, por um lado, e
pela flexibilização desses mesmos direitos que são associados à concepção de Estado-
providência, por outro. Isto significa que não foram satisfeitas as necessidades básicas de um
pacto de cidadania avançada e que, por isso, são potencialmente numerosas as situações de
violação de direitos e, portanto, de litígio.
Em que pese as ações do governo social-democrata de Cavaco Silva no sentido de
implementar políticas econômicas e sociais neoliberais cujo objetivo era promover “a
modernização e desenvolvimento do País” e “assegurar o êxito da integração na Comunidade
Econômica Européia”, o que se verificou em relação às políticas sociais foi uma forma de
regulação caracterizada por Afonso (1998; 2000) como neoliberalismo mitigado, uma vez
que, simultaneamente ao processo de privatização das empresas públicas, à abertura e
internacionalização da economia e à promoção do mercado e da iniciativa privada em
124
diversas áreas, ocorreu um relativo incremento das políticas sociais que significou um reforço,
frágil e conjuntural, na garantia de alguns direitos sociais e culturais por parte do Estado.
Segundo Afonso (1998),
Se é um fato que as alterações e regressões nos direitos sociais, tentadas (e, em parte, conseguidas)
pelos governos do neoliberalismo conservador ao longo da década de oitenta, não foram tão
radicais com se esperava – em virtude, nomeadamente, de formas mais ou menos organizadas de
resistência dos cidadãos verificadas nos países mais avançadas –, em Portugal essas terão sido
também, de algum modo, condicionadas pelo fato de muitos desses direitos terem sido garantidos
muito posteriormente e, sobretudo, de continuarem a serem percepcionados em muitos setores, não
como resultado de um momento histórico particularmente caracterizado por uma forte expansão
econômica, mas como conquistas só possíveis, entre nós, como decorrência de uma mudança
profunda da sociedade e do Estado (a revolução de 25 de abril de 1974), que aconteceu numa
conjuntura econômica particularmente adversa mas carregada de profundo significado histórico,
cultural e político, porque portadora de promessas emancipatórias. (Afonso, 1998, p.189-190)
O frágil Estado-providência existente em Portugal parece ter resistido às
mudanças neoliberais iniciadas pelo governo de Cavaco Silva, embora tenha ocorrido uma
redefinição do papel do Estado no sentido de operar uma relativa desregulamentação e
privatização dos setores públicos, assim como algum descomprometimento em relação ao
campo das políticas sociais. Como destaca Afonso (1999), ocorreu em Portugal “um
movimento contraditório caracterizado, até certo ponto, quer pela relativa expansão, em
poucos casos, quer pela flexibilização, em muitos outros, dos direitos geralmente associados à
concepção de Estado-providência” (Afonso, 1999, p.190).
Foi também durante o governo social-democrata de Cavaco Silva que se procedeu
a uma terceira revisão do texto constitucional em 1992, no sentido de adequar a Constituição
aos termos do Tratado da União Européia. A adesão de Portugal à Comunidade Européia em
1986 e a entrada em vigor, em 1993, do Tratado da União Européia representaram uma
alteração significativa da envolvente externa do sistema político português, colocando-o em
íntima conexão com o quadro institucional global de uma organização internacional e
supranacional.
125
Os processos de revisão constitucional que diversos Estados-membros da CEE
desenvolveram com esse intuito apresentaram a peculiaridade de sublinharem a força
expansiva do ordenamento jurídico comunitário e a sua capacidade impositiva face às
Constituições nacionais, que tiveram de se adaptar ao Tratado, expressando desta forma que
os governos que negociaram este último não se sentiram limitados pelos imperativos da
vontade soberana dos respectivos povos, antes optaram pela adaptação de suas leis
fundamentais aos ditames da nova fase de evolução das comunidades. As dificuldades
subseqüentemente determinadas pelos parlamentares nacionais sublinham que, na maioria dos
casos, estes foram marginalizados do próprio processo de negociação.
Com a integração européia verificou-se, por um lado, um reforço significativo do
peso da tecnoburocracia administrativa nacional, acentuado pela racionalidade administrativa
comunitária, que contribuiu para intensificar internamente a importância das instituições
administrativas nacionais no processo de produção legislativa, quer em termos de impulso
legislativo quer na pré-determinação do conteúdo dos próprios atos legislativos. Por outro
lado, o Tribunal Constitucional perdeu poder e relevância face aos poderes do Tribunal de
Justiça das Comunidades Européias, assim como pôs em relevo a função manifestamente
marginal que desempenham o Presidente da República e a Assembléia da República no
processo de decisão comunitária (Vitorino, 1995).
A entrada na União Européia colocou, ainda, um termo em qualquer
possibilidade de autonomia monetária, financeira, econômica, cultural e política, pois a
transnacionalização do capitalismo provoca mudanças nas mais diversas esferas da vida
humana e incide fortemente sobre as relações entre as classes sociais, além de implicar novas
interdependências e interpenetrações entre os mercados monetários e financeiros nacionais e a
sua integração ou subordinação em mercados mundializados. “Em lugar da antiga auto-
suficiência e do antigo isolamento local e nacional, uma universal interdependência das
nações. E isso tanto na produção material quanto na intelectual” (Marx, 2001, p.49).
As formas de internacionalização associadas à fase atual do imperialismo
produziram importantes efeitos na forma e nas funções econômica, política e ideológica do
Estado. Primeiramente, ao transformar as formas de separação entre o Estado e a economia,
redefiniram os seus espaços sociais respectivos e a sua articulação estrutural, pois com o
imperialismo as diversas condições políticas e ideológicas da produção vieram a pertencer
diretamente à valorização e à reprodução ampliada do capital, e isto se reflete em uma
126
politização característica dos domínios extra-econômicos e no corrente envolvimento do
Estado no promover a valorização e a reprodução ampliada do capitalismo. As funções
políticas e ideológicas do Estado adquiriram, elas próprias, um significado econômico direto
para as relações de produção.
Essas novas formas de internacionalização transformaram também a correlação de
forças de classes, pois os Estados nacionais não apenas assumiram a responsabilidade pelos
seus próprios capitais com base nacional como tamm serviram aos interesses de outros
capitais, aos quais estão filiados de um modo ou de outro, provocando a desarticulação e a
heterogeneização do bloco no poder. Isto “afeta profundamente a política e as formas
institucionais desses Estados pela sua inclusão em um sistema de interconexões, que não se
limita de forma alguma a um jogo de pressões “exteriores” e “mútuas” entre Estados e
capitais justapostos” (Poulantzas, 1978, p.78).
O Tratado da União Européia propiciou uma crescente comunitarização de novas
esferas políticas, que se estenderam para além do mercado comum, e uma progressiva
atenuação das características interestatais da Comunidade em benefício da dimensão
supranacional nos procedimentos decisórios, quer pelo aumento contínuo da maioria
qualificada nas decisões do Conselho Europeu, quer pela introdução da co-decisão legislativa
entre o Conselho e o Parlamento Europeu (Moreira, 1997).
Assistia-se ao processo de descentralização, de recriação do Estado-nação, de
partilha de competências e poderes, de subcontratação da regulação como resposta aos
desafios colocados pela gestão da heterogeneidade interna em nível nacional, ou seja, uma
reconstrução do poder do Estado em um nível mais alto através de uma soberania
sistematicamente partilhada (Castells, 2003). A diluição de fronteiras e a circulação global de
fluxos de capital e de informação permitiram e solicitaram a constituição de megapoderes ou
monopólios de poder de que as empresas transnacionais e as suas associações ou as
organizações transnacionais de Estados são as mais claras evidências.
Conforme Santos (1998), a dissolução das instituições que previamente regulavam
a economia-mundo ou o sistema interestatal propiciou a emergência de novas fontes de poder,
cujas expressões mais virulentas têm assumido a forma de um fascismo financeiro, que é
127
É talvez a forma mais virulenta de sociabilidade fascista (...). É o fascismo que comanda os
mercados financeiros de valores e de moedas, a especulação financeira, um conjunto hoje
designado por economia de cassino. Esta forma de fascismo societal é a mais pluralista, na medida
em que os movimentos financeiros são o produto de decisões de investidores individuais ou
institucionais espalhados por todo o mundo e, aliás, sem nada em comum senão o desejo de
rentabilizar os seus valores. Por ser o mais pluralista é também o fascismo mais virulento porque o
seu tempo-espaço é o mais refratário a qualquer intervenção democrática. (...) Este espaço-tempo
virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta,
confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de
suficientemente poderoso, para abalar, em segundos, a economia ou a estabilidade política de
qualquer país. (Santos, 1998, p.37-8)
Para Hirst e Thompson (2001), o que se verificou foi a descentralização do Estado
nação em função de uma soberania compartilhada, ou seja, o Estado assumiu um novo papel
passando a funcionar como componente de uma forma de governo internacional, cujas
funções eram as de conferir legitimidade aos mecanismos de administração supra e
subnacional e de assegurar a sua responsabilidade nesses mecanismos.
Castells (2003) observa que a internacionalização das políticas do Estado
implicou um “processo irreversível de partilha de soberania na gestão das principais questões
de ordem econômica, ambiental e de segurança e o entrincheiramento dos Estados-nação,
como componentes desse complexo emaranhado de instituições políticas”, em que o governo
global é considerado como a “convergência negociada de interesses e políticas dos governos
nacionais” (Castells, 2003, p.324-325).
Novas relações de poder e de representação política são estabelecidas para além
da esfera dos Estados-nação, que são submetidos a uma concorrência de várias e indefinidas
fontes de poder que se constituem como “redes de poderes de capital, produção,
comunicação, crime, instituições internacionais, aparelhos militares supranacionais e
movimentos de opinião pública”, nas quais os Estados-nação serão cada vez mais “nós de
uma rede mais abrangente de poder” (Castells, 2003, p.371). Significa isto uma perda de
poder e de soberania por parte dos Estados-nação, pois na medida em que integram uma rede
de poderes e contrapoderes estão em si mesmos desprovidos de poder e dependentes de um
mais amplo sistema de exercício de autoridade e influência que são oriundas de múltiplas
fontes.
128
O autor prossegue observando que
As novas relações de poder, além da esfera do Estado-nação destituído de poder, devem ser
entendidas como a capacidade de controlar redes instrumentais globais com base em entidades
específicas, ou então, sob a perspectiva das redes globais, de subjugar identidades para a realização
de objetivos instrumentais transnacionais. O controle exercido pelo Estado-nação, de uma maneira
ou de outra, torna-se apenas um meio entre outros de assegurar o poder, isto é, a capacidade de
impor um determinado anseio/interesse/valor, independentemente de consenso. (Castells, 2003,
p.372)
Entretanto, não se pode perder de vista que nessa “rede de poder” é o Estado-
nação que tem legitimidade para realizar a coesão povo-nacão, pois se apresenta como o
representante dos “interesses gerais”, como encarnação da vontade popular, do povo-nação
institucionalmente fixado na qualidade de conjunto de sujeitos jurídico-políticos, de cidadãos,
indivíduos, cuja unidade o Estado capitalista representa, ocultando sistematicamente no nível
das instituições políticas o seu caráter político de classe (Poulantzas, 1977).
Além disso, todos os acontecimentos relevantes da política internacional na
história recente tiveram o Estado como agente central. Os principais protagonistas da
globalização são os Estados (imperiais), pois criam as condições iniciais para o movimento do
capital e a elaboração de incentivos e políticas que proporcionam sua contínua expansão. De
suas ações depende a reconstrução econômica das principais economias dominadas por
grandes empresas, seja fornecendo uma cobertura político-militar para a sua expansão, seja
intervindo para preservar e aprofundar sua presença a partir do financiamento de agências
internacionais de crédito para abrir novos mercados e áreas de investimento, como também na
abertura da economia mundial através da criação de instituições econômicas internacionais,
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (Petras, 1999).
Ao analisar a dinâmica mais recente do capitalismo, Poulantzas (1978) observa
que a atual internacionalização do capital não suprime e não abala os Estados nacionais nem
no sentido de uma integração pacífica dos diversos capitais por cima dos Estados, nem no
sentido de sua extinção sob o poder de um super-Estado. O Estado nacional não declinará em
proveito de um mundo sem fronteiras e sem Estados, organizado por empresas
129
multinacionais, dado que a internacionalização não induz automaticamente a uma
supranacionalização paralela dos Estados e a um mundo sem fronteiras. Cada processo de
internacionalização se realiza sob a dominância do capital de um país determinado, na medida
em que os Estados nacionais continuam a desempenhar um papel central na reprodução
ampliada das suas burguesias.
A constituição de organizações supranacionais como a União Européia é o
resultado da combinação de dois interesses: o das grandes empresas européias – que se
esforçam para superar as vantagens competitivas dos capitais norte-americanos e japoneses –
e o interesse das elites do Estado europeu, que procuram restaurar parte da soberania nacional
perdida face ao crescente processo de globalização das relações sociais e da interdependência
internacional. A União Européia representa uma das formas institucionais mais avançadas
neste domínio, abrangendo um vasto âmbito de intervenção e assumindo progressivamente
um papel ativo no que respeita às áreas de políticas econômicas e de políticas sociais. A
europeização das políticas tradicionalmente nacionais acentua de forma expressiva a
totalidade das instituições da Comunidade Européia e os sistemas políticos nacionais. “Tende,
por isso, a relevar o papel decisivo do novo contexto comunitário, em particular as suas
dimensões políticas, institucionais e organizacionais, na definição das políticas públicas”
(Antunes, 2004, p.123).
Na verdade, pode-se observar que
A formação da União Européia (...) não foi um processo de construção do Estado federal europeu
do futuro, mas sim a formulação de um cartel político, o cartel de Bruxelas, pelo qual os Estados-
nação europeus ainda podem obter, coletivamente, algum grau de soberania dissociada da nova
desordem global, distribuindo pelos seus membros benefícios gerados segundo normas negociadas
ininterruptamente. È por isso que, mais do que anunciar a era da supranacionalidade e da
governação global, estamos a testemunhar o aparecimento do SuperEstado nação, ou seja, de um
Estado que expressa, dentro de uma geometria variável, os interesses dos seus membros. (Castells,
2003, p.323)
Já para Cox (1996), estes novos espaços econômicos e políticos constituem-se
como arenas de confronto e desenvolvimento de diferentes modos emergentes de regulação,
130
relacionados com o Estado hiperliberal ou o capitalismo de Estado, e revela-se como uma das
formas mais significativas da ação de tendências globalizantes na reestruturação do mundo.
A integração de Portugal à Comunidade Européia implicou uma rearticulação do
papel do Estado português, cuja agenda política passou a ser definida em função das pressões
e dinâmicas globais, que favorecem o processo de acumulação do capital e limitam o papel do
Estado na provisão do bem-estar social. Assim, acarretou a transferência e distribuição de
responsabilidades e competências do Estado, no que respeita às políticas de bem-estar social,
quer para setores do mercado, quer para instituições do designado terceiro setor.
Isto quer dizer que
A reconstituição do papel do Estado na provisão do bem-estar social parece passar, por um lado,
pela instabilização e rarefação de fronteiras entre o domínio público, estatal e não-estatal, e o
domínio privado, associável ao mercado e/ou ao terceiro setor, e por outro lado, pela retenção da
(quase) exclusividade de algumas dimensões da governação (...) e a retirada (quase) completa de
outros domínios. (Antunes, 2004, p.235)
Em decorrência da “miniaturização ou municipalização do Estado” ocorre um
processo de transformação da soberania e do modo de regulação social “que se exerce em
rede num campo político muito mais vasto e conflitual onde os bens públicos, até agora
produzidos pelo Estado – legitimidade, bem-estar econômico e social, segurança e identidade
cultural –, são objetos de disputa e negociação permanentes que o Estado coordena com
variável nível de subordinação”. Esse contexto dá margem ao surgimento de “várias forma de
fascismo societal” que amplificam e consolidam regulações despóticas “transformando o
Estado em componente do seu espaço privado” (Santos, 1998, p.60).
Conforme observação de Santos (1998),
a despolitização do Estado e a desestatização da regulação social decorrente da erosão do contrato
social (...), mostram que sob a mesma designação de Estado está a emergir uma nova forma de
organização política mais vasta que o Estado, de que o Estado é o articulador e que integra um
131
conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que se combinam e interpenetram elementos
estatais e não estatais, nacionais e globais. (...) Neste novo marco, o Estado é uma relação política
parcelar e fraturada aberta à competição entre agentes de subcontratação política, com concepções
alternativas de bem comum e de bens públicos. (...) o Estado assume como sua apenas a tarefa de
coordenação entre os interesses e nestes contam-se tanto interesses nacionais, como interesses
globais ou transnacionais. (Santos, 1998, p.59-61)
Foi em meio ao processo de descentralização e recriação do Estado-nação,
combinado com a implementação de políticas da nova direita que o Partido Socialista (PS)
venceu as eleições legislativas de 1995, conseguindo uma quase
22
maioria absoluta, a qual
escolheu para Primeiro Ministro António Guterrez.
O Programa do XIII Governo Constitucional previa um conjunto de reformas
institucionais com o objetivo de aumentar a eficiência, a eficácia e a qualidade do serviço
público estatal. Conforme esse programa, caberia ao Estado ser “um catalisador do
empenhamento dos agentes sociais no desenvolvimento de uma sociedade solidária”,
embasando suas ações em “uma visão moderna do desenvolvimento” que tem como suportes
fundamentais a economia e uma nova relação entre o Estado e a sociedade, de modo a criar as
condições que favorecessem “a efetiva partilha do poder, pela descentralização e pela
concertação estratégica entre o Estado e a sociedade civil”, reforçando a cidadania face à
administração pública (Programa do XIII Governo Constitucional, 1995).
Uma das características do segundo mandato do governo socialista de António
Guterrez foi a ênfase dada à cooperação entre os setores público estatal, público não-estatal e
privado. Nessa relação o Estado desempenharia um papel de incentivador e de agente co-
responsável pela produção e implementação das políticas sociais. Tratava-se, de acordo com
o programa de governo, de
22
O Partido Socialista (PS) recebeu 43,76% do votos, elegendo 112 deputados; foi seguido da coligação Partido
Popular Democrático/Partido Social Democrata (PPD/PSD) com 34,12% do votos, que elegeu 88; em terceiro
lugar o Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS/PP), com 9,05% dos votos, com 15 deputados e, em
quarto, o Partido Comunista Português/Partido Ecologista “Os Verdes” (PCP/PEV) com 8,57% e um total de 15
deputados, sendo13 do PCP e 2 do PEV (Disponível em: www.parlamento.pt/deputados/resultadosseleitoriais)
.
132
um modelo em que a cooperação entre o Governo, as autarquias, as Instituições Particulares de
Solidariedade Social, as Misericórdias e Mutualidades, bem como um vasto tecido associativo que
emana da sociedade civil, contribui para a realização de mais justiça social, para o combate à
exclusão, para o desenvolvimento de serviços fundamentais às populações e para o apoio às
famílias. (Programa do XIV Governo Constitucional, 1998)
Outro elemento caracterizador desse governo foi o apelo constante à concertação
e ao diálogo como condicionante para a construção das bases de um novo Estado de bem-
estar social e para uma nova geração de políticas sociais, de modo a privilegiar um papel
essencialmente regulador do Estado, na medida que se acentuavam o movimento de
descentralização e desconcentração dos serviços públicos, que deveriam ser entregues à
gestão ou operação da sociedade.
Tratou-se, portanto, de uma redefinição das funções do Estado face aos desafios
postos pela integração européia e à desregulamentação da economia e a relativa privatização
dos serviços e bens coletivos empreendida pelos governos anteriores (governos do PSD). Isso
implicava também um novo contrato entre o Estado e o mercado a partir do “aprofundamento
do papel regulador do Estado em contraposição ao seu papel tradicional de intervenção na
economia, que passa pela criação de agências reguladoras independentes (das empresas e do
próprio Governo) com poderes efetivos para salvaguardar os direitos dos consumidores e
assegurar condições de sã concorrência”, daí a necessidade de “um saber regulador que possa
fazer infletir os benefícios do funcionamento do mercado para o domínio da produção e
distribuição de bens públicos ou fornecidos em serviço público” (Programa do XIV Governo
Constitucional, 1998, p.47-48).
Essa ênfase conferida ao Estado regulador significou um afastamento do Estado
providência, cuja característica principal é a intervenção nas áreas econômica e social. Esse
novo Estado de bem-estar-social aproxima-se daquilo que foi designado por Giddens (1998)
como uma Terceira Via. Para este autor (2001),
A reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio orientador básico da política da
terceira via – um processo de aprofundamento e ampliação da democracia. O governo pode agir
em parceria com instituições da sociedade civil para fomentar a renovação e o desenvolvimento da
133
comunidade. A base econômica de tal parceria é o que chamarei de a nova economia mista. Essa
economia só pode ser eficaz se as instituições de welfare existentes forem inteiramente
modernizadas. A política da terceira via é uma política de uma única nação. A nação cosmopolita
ajuda a promover a inclusão social e também tem um papel-chave no fomento de sistemas
transnacionais de governo. (Giddens, 2001, p. 79).
Lima (2002) considera que é nesse quadro que se opera uma recontextualização e
uma reconceptualização de termos como autonomia, descentralização, participação, agora
despojados de sentido político.
A autonomia (mitigada) é um instrumento fundamental de construção de um espírito e de uma
cultura de organização-empresa; a descentralização é congruente com a “ordem espontânea” do
mercado, respeitadora da liberdade individual e garante de eficiência econômica; a participação é
essencialmente uma técnica de gestão, um fator de coesão e de consenso.Mesmo a organização
pública sem fins lucrativos (educação, saúde, segurança social, etc.) é vista como uma espécie de
mercado, vocacionada para a prestação de “serviços” aos “interessados” ou “utentes” tendo em
vista objetivos consensualmente estabelecidos, alcançados através de tecnologias certas e estáveis
e comandadas por perspectivas neogestionárias. (Lima, 2002, p. 20)
No caso educacional, o que se verificou foi uma combinação da defesa da livre
economia, de tradição liberal, com a defesa da autoridade do Estado, ou seja, decisões não-
intervencionistas e descentralizadoras passam a coexistir com outras altamente centralizadoras
e intervencionistas, o que exige, ao mesmo tempo, um Estado limitado, mas forte no seu
poder de intervenção. Isso configuraria a existência de quase-mercados
23
na educação, pois o
que está em pauta são novas formas e combinações de financiamento, fornecimento e
regulação da educação, diferentes das formas tradicionais exclusivamente assumidas pelo
Estado. Mas a criação de quase-mercados em educação pode mesmo incluir um papel maior
e/ou modificado para o Estado (e não necessária ou automaticamente um papel menor),
observa Dale (1994).
23
Na definição de Le Grand (1991), quase-mercadoso mercados porque substituem o monopólio dos
fornecedores do Estado por uma divesidade de fornecedores independentes e competitivos; são quase porque
diferem dos mercados convencionais em aspectos importantes.
134
Lima & Afonso (2002), por sua vez, observam que as décadas de oitenta e
noventa constituem um período de grandes mudanças políticas, econômicas e culturais, cujas
conseqüências foram bem visíveis no nível das políticas públicas e designadamente na
educação. Segundo estes autores existe igualmente uma subordinação das reformas da
educação pública em Portugal a uma racionalidade econômica e empresarial, em que as
políticas públicas de diversos Estados-nação, incluindo Portugal, apesar de serem
apresentadas como criações nacionais, se caracterizam por “uma relativa sincronia das
reformas, uma forte similitude entre alguns eixos estruturantes e estratégias adotadas, e até
mesmo uma consonância argumentativa quanto aos imperativos das mudanças na educação”
(Lima & Afonso, 2002, p.7).
Correia et alii (1993), ao se referirem às mudanças na política educativa
verificadas em Portugal no início da década de 1980, apontam como um dos vetores
marcantes dessas mudanças uma dependência cada vez maior das orientações da política
educativa de agentes “exteriores” ao espaço educativo, subordinando o campo educativo ao
mundo do trabalho, o que resultou em uma subalternização da agenda democrática e na
afirmação hegemônica dos imperativos da “modernização”.
No contexto do discurso educativo português a democratização e a modernização
emergem como as duas faces da mesma moeda, pressupondo a fácil articulação e desejável
harmonização entre elas. Contudo, Lima & Afonso (2002) alertam que “o casamento” entre a
democratização e a modernização tem se traduzido numa convivência pouco pacífica e,
sobretudo, que envolve estatutos e papéis muito diferentes e desiguais para os dois
“parceiros”.
Lima (1992; 1994) considera que o início da década de noventa representa um
momento de mudanças significativas em relação à administração educacional em Portugal,
pois “a democratização da educação, a todos os níveis, parece ser remetida para segunda
linha, como se constituísse já uma aquisição plena e um objetivo alcançado, a que haveria
agora de se lhe juntar o objetivo da racionalização e da optimização” (Lima, 1992, p.4). O
autor denuncia o caráter de “vulgata gestionária” em relação à “empresariação da educação” e
à emergência das perspectivas neo-taylorianas no atual discurso da modernização e também
os ataques à democracia e à participação que a generalização do que denomina de “paradigma
da educação” contábil vem representando. A este propósito, afirma:
135
Na educação, os discursos gerenciais têm vindo a ocupar a posição outrora assumida pelas teorias
educacionais e pelo pensamento pedagógico, construindo narrativas de tipo gestionário que
legitimam uma nova ordem racional baseada no mercado, nos setores privado e produtivo, na
competitividade econômica e na gestão centrada no cliente. (...) Nesse quadro de referência
dificilmente resta lugar para a democracia e para o exercício da cidadania. (Lima, 1997, p. 51-52;
53)
Desta tensão entre a agenda democratizadora e as pressões para a conformidade
com a soberania do mercado resultou, no campo das políticas educativas, o que Afonso
(1997) designou de “neoliberalismo educacional mitigado”, uma vez que se pretendeu a
combinação singular de vários fatores que, segundo o autor, podem-se resumir nos seguintes
termos:
... muitos elementos e marcas tendencialmente neoliberais ou não passaram dos discursos
enquadradores à promulgação das políticas ou, dada a especificidade da realidade portuguesa e do
sistema educativo, assumiram configurações extremamente ambíguas e contraditórias ou, ainda,
quando foram implementados, não produziram os efeitos verificados noutros contextos. (Afonso,
1997, p.122).
CAPÍTULO III
Conselhos de Educação e Participação Política em Portugal e no Brasil
1. O Conselho Nacional de Educação de Portugal: um Órgão de
Concertação de Interesses Políticos
É no contexto de um “neoliberalismo educacional mitigado” e de ênfase à
concertação e ao diálogo que foi criado o Conselho Nacional de Educação de Portugal
(CNE/PT), sob proposta do então Ministro da Educação Eng° Roberto Carneiro. A criação
desse teve como principal objetivo a existência de um órgão que fosse largamente
representativo e que possibilitasse uma discussão ampla sobre a educação portuguesa. Partiu-
se da premissa que a educação deve ser uma responsabilidade e uma prioridade nacionais,
devendo implicar toda a comunidade. Com esse propósito, o Decreto-Lei n° 125/82, de 2 de
abril, deu ênfase à criação de um “órgão virado especificamente para a grande problemática
da educação onde se possa efetuar a convergência de esforços de todos os que, de alguma
forma, estão ligados a tal problemática e que tomam parte, com maior ou menor incidência
nos destinos da educação em Portugal”. Portanto, trata-se de “um órgão que tenha por
missão, entre outras, a de preservar o superior interesse público na concepção e na
implementação das reformas educativas que garantam a liberdade de aprender e ensinar”.
De acordo com Barbosa Melo
24
(2003), o Conselho
é chamado a pensar a educação em Portugal como instrumento por excelência da construção de
uma sociedade aberta (no sentido de Bergson e Popper), isto é, de uma sociedade dinâmica, capaz
de mudar e de continuamente se auto-organizar, onde a liberdade seja virtude e as idéias circulem
24
O Prof. Doutor António Barbosa Melo foi o segundo presidente do Conselho Nacional de Educação de
Portugal, cujo mandato decorreria de julho de 1991 a novembro do mesmo ano.
137
sem constrangimentos políticos – uma sociedade, em suma, antitética da sociedade administrada,
característica dos regimes totalitários, onde a liberdade é suspeita e por isso abafada, e onde uma
ortodoxia político-ideológica invade tudo e a todos oprime – na ciência, na cultura, na religião, na
economia, no desporto, nas diversões...
Por outro lado, um dos objetivos do CNE – idéia basilar da sua criação – prende-se com a
necessidade de a sociedade civil se assumir efetivamente em Portugal como o principal co-
responsável pela educação de Portugal. (Melo, 2003, p. 54)
No quadro daquele Decreto-Lei, o Conselho Nacional de Educação de Portugal
foi definido como o órgão superior de consulta do Ministério da Educação com competência
para emitir pareceres, propostas e recomendações, bem como proceder a estudos que lhe
sejam solicitados pelo Ministro, nomeadamente em relação às seguintes matérias (Art.2°):
a) Sistema educativo;
b) Orientação escolar;
c) Planos de estudo;
d) Critérios de freqüência e avaliação de conhecimentos;
e) Criação, organização e reestruturação de estabelecimentos de ensino superior;
f) Programas de ensino;
g) Descentralização de serviços e regionalização do sistema educativo;
h) Critérios gerais de rede escolar;
i) Meios de garantir a liberdade de aprender e ensinar;
j) Formação e promoção técnico-profissional;
l) Planos plurianuais de investimento;
m) Aplicação de pena de demissão a pessoal dirigente do Ministério.
Portanto, o CNE/PT foi pensado como um órgão de orientação e consulta, aberto
às concepções, correntes de opinião e sensibilidades mais significativas na sociedade em
matéria de educação. Sua composição abrangia representações ou personalidades designadas
pelo Governo, por Universidades do Estado, Universidades particulares, Institutos
Universitários Politécnicos, Comissão de Educação da Assembléia da República, Secretariado
Nacional das Associações de Pais, Confederações ou Associações Sindicais de Professores,
Associações de Estudantes. Os 18 membros do Conselho Nacional de Educação eram
138
escolhidos pelo Ministério da Educação para mandato de três anos renováveis por períodos de
igual duração (à exceção dos membros indicados pelo governo).
A estrutura orgânica do Conselho era constituída pela presidência, provida por
despacho conjunto do Ministério da Educação e das Universidades dentre os servidores do
Estado de reconhecido mérito e competência; pelo plenário, que se reuniria mensalmente em
sessões ordinárias, e, conforme determinação do Ministro em sessões extraordinárias, por
iniciativa do presidente ou a requerimento de, pelo menos um terço de seus membros, para
deliberar sobre as matérias de sua competência; e por uma comissão permanente a quem
competiria praticar atos internos indispensáveis à dinamização das atividades do órgão. Além
do funcionamento em plenário o CNE/PT também desenvolveria suas atividades em
comissões restritas, organizadas a título permanente ou eventual, constituídas pelos membros
da comissão permanente e pelos membros do Conselho.
A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n° 46/86, de 14 de outubro – LBSE)
redefiniu o Conselho Nacional de Educação de Portugal como um órgão com funções
consultivas, de participação das várias forças sociais, culturais e econômicas na procura de
consensos alargados relativamente à política educativa. A aprovação da LBSE, conforme
Lima (1998, p. 293), “granjeou um significativo consenso entre partidos políticos e entre
setores educativos”, uma vez que a questão da participação (participação educativa e
participação na gestão) foi objeto de inúmeras referências nos projetos apresentados pelos
partidos políticos, o que significou uma valorização dos conteúdos democráticos e
participativos dessa lei. Segundo o autor,
No capítulo dos princípios orientadores da administração/gestão do sistema educativo encontramos
grande unanimidade em relação à participação e à descentralização, embora esta seja objeto de
diferentes definições: maior autonomia (PCP), descentralização no plano executivo (PS),
descentralização da decisão e regionalização (MDP/CDE), atribuição de competências próprias e
regiões escolares com autonomia (PRP), direções regionais predominantemente desconcentradas
(PSD), em boa parte a solução consagrada na LBSE (funções de integração, coordenação e
acompanhamento da atividade educativa). (Lima, 1998, p.294)
139
Dentre as formas de participação referidas e valorizadas na LBSE n° 46/86, Lima
(1998) destaca três áreas. A primeira delas correspondia à idéia de democratização do ensino:
refere-se à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso, à gratuidade no ensino básico, a
medidas de discriminação positiva e de educação compensatória, etc. A segunda área,
designada por educação para a participação e a democracia, visava ao desenvolvimento do
espírito democrático e pluralista, a formação do caráter e da cidadania, formação cívica e
moral, participação na comunidade, participação no desenvolvimento da sociedade,
desenvolvimento de atitudes, serviços cívicos e outros, etc. A terceira área identificava-se por
participação e democracia no nível da administração e da gestão: no sistema de ensino e nas
escolas, em atividades educativas, na definição da rede escolar, na criação de escolas, na
colaboração com outras instituições, na definição da política educativa, etc. Nesta terceira
área o autor destaca ainda dois grupos de disposições: o primeiro referia-se à participação em
estruturas e processos educativos, designadamente na direção das escolas, e o segundo reúnia
referências à descentralização e desconcentração, à regionalização e ainda a outras formas de
participação, integrando este grupo a participação (consultiva) no Conselho Nacional de
Educação de Portugal.
A LBSE n° 46/86 foi a primeira lei na área da educação de iniciativa da
Assembléia da República, pois, em sua maioria, a proposição de leis é uma iniciativa do
governo. Isso foi possível porque o governo Cavaco Silva não tinha maioria absoluta, mas
apenas uma maioria relativa na Assembléia da República. A maioria absoluta era constituída
pelos partidos de oposição (PCP, MDP/CDE – Comissão Democrática Eleitoral, PS, PRD –
Partido Renovador Democrático) liderada pelo Partido Socialista, que avançou com uma
proposta de lei mais democrática e mais participativa que tinha por objetivo controlar a
intervenção do governo na educação.
É a partir desse contexto, de maioria de fato na Assembléia que foi aprovada a
constituição do Conselho Nacional de Educação de Portugal com representação de várias
forças sociais, uma vez que o Conselho se constituiria em um espaço em que seria produzido
o debate entre os parceiros sociais e se daria uma primeira mediação a fim de obter consensos
de primeiro grau relativamente às questões educacionais.
Posteriormente, e na seqüência da Lei de Bases, a Assembléia da República
aprovou a Lei n° 31/87, de 9 de julho, que alterou o Decreto-Lei n° 125/82 (vale lembrar que
140
o Conselho não chegara a entrar em funcionamento no quadro deste diploma legal) e
reconfigurou o CNE/PT, conferindo-lhe maior autonomia e independência em relação ao
Ministério da Educação e alargando a sua composição, de forma a proporcionar a participação
das várias forças sociais, culturais e econômicas em todas as questões relacionadas à
educação. Conforme se pode ver pelo exposto, a alteração que houve entre aquilo que era o
CNE/PT, segundo o DL 125/82 e o que veio a ser criado em 1987 é que, no primeiro fato, o
Consleho era um órgão do Ministério da Educação, em dependência do mesmo, dado que
cabia a este a escolha do presidente e dos parceiros sociais que iriam pertencer ao CNE/PT. A
partir da Lei n° 31/87, contudo, o Conselho deixou de ser um órgão dependente daquele
Ministério da Educação e passou a ser um órgão de Estado em dependência da Assembléia da
República, portanto, um órgão autônomo, cujo presidente passa a ser nomeado pelos
deputados da Assembléia da República, e seus demais integrantes (63 membros) escolhidos
diretamente por entidades representativas de vários setores sociais.
Presidentes do Conselho observam que
Houve primeiro a criação de um Conselho que não era este, e depois foi reconvertido pela lei neste
atual, dentro de um conceito diferente de autonomia e grande representatividade – já não apenas
como mais íntimo de consulta ministerial. (...) Ao contrário do anterior, baseado numa intenção de
competência especializada, o atual Conselho Nacional de Educação foi criado como órgão de
ampla representatividade, que inclui representação de instância políticas, sociais, econômicas e
culturais, bem como dos parceiros educativos: pais, professores e alunos. Sem faltar uma
representação de pessoas especificamente qualificadas, que são cooptadas para reforçarem a
especialização do Conselho. (Primeiro presidente do CNE/PT)
Por outro lado, um dos objetivos do CNE – idéia basilar da sua criação – prende-se com a
necessidade de a sociedade civil se assumir efetivamente em Portugal como principal co-
responsável pela educação dos cidadãos. A educação não é assunto só da família, não é assunto só
do Estado, não é assunto exclusivo de ninguém em particular. É, ao contrário, tarefa e
responsabilidade de todos nós. (Segundo presidente do CNE/PT)
Tais observações evidenciam a existência anterior de uma concepção dominante
em Portugal que reservava ao Estado o papel de principal formulador de políticas de educação
e em que as instituições como a família, as organizações sociais e as igrejas pouco ou nada
141
contavam no sistema educativo português. O CNE/PT questionou, precisamente, o papel do
poder público na educação tentando abrir caminho na consciência pública para a idéia da
subsidiariedade do papel do Estado neste domínio, segundo a qual as políticas educacionais
são da responsabilidade dos parceiros sociais em geral e não uma prerrogativa do Estado,
visto caber a este tão só o dever de promover a justa repartição dos recursos públicos
periodicamente afetos à educação a tarefa de fiscalizar o cumprimento das leis por parte dos
agentes educativos. Neste sentido, o Conselho foi pensado como órgão de orientação e
consulta, aberto às concepções, correntes de opinião e sensibilidades em matéria de educação
mais significativas da sociedade.
De acordo com a Lei n° 31/87 “o Conselho era um órgão superior, com funções
consultivas, e devia, sem prejuízo das competências próprias dos órgãos de soberania,
proporcionar a participação das várias forças sociais, culturais e econômicas, na procura de
consensos alargados, relativamente à política educativa” (art. 1°). Mas logo em seguida, no 3°
item do mesmo artigo, a Lei acrescenta que “é um órgão independente, funciona junto ao
Ministério da Educação, e goza de autonomia administrativa e financeira”. Essa definição do
Conselho congregava elementos fundamentais sobre a sua concepção, isto é, no essencial ele
era afirmado como um órgão superior; independente; com funções consultivas; destinado a
proporcionar uma larga participação; e que não competia com os órgãos de soberania. Desde
logo, o CNE/PT se definia como um órgão com funções determinadas em cuja essência se
encontravam dois momentos: proporcionar a participação e exercitar o papel consultivo.
A afirmação do Conselho como um órgão superior ganhava uma importância
especial pelo fato de ele ser um órgão de caráter consultivo e estar vocacionado para exercer
suas funções (não só, mas também) “em resposta a solicitações que lhe sejam remetidas por
outras entidades” (art. 2°). Assim, as entidades com legitimidade para consultar o Conselho e
para obterem dele uma resposta devida, seriam entidades superiores, nomeadamente o
Governo e a Assembléia da República, e não todas e quaisquer, precisamente por ser ele um
órgão superior. Por esta caracterização há que se considerar a qualidade e a excelência das
suas opiniões, dos seus pareceres, das suas recomendações.
Quanto a ser afirmado como órgão de consulta, especifique-se que,
142
o CNE/PT procura que os documentos por si emitidos traduzam denominadores comuns, ou seja,
que reflitam e integrem, de modo coerente e diferenciado, as perspectivas, argumentos e
sensibilidades dos múltiplos parceiros educativos. Compreende-se assim que, a nível interno, a
aprovação de tais documentos seja precedida de reflexões e debates, em sede das Comissões
Especializadas e do próprio Plenário. (Conselho Nacional de Educação, 2003, p. 13)
Mas o CNE/PT era concebido ainda como um órgão independente, visto possuir
independência de funcionamento e de formulação de suas opiniões, dos seus pareceres, das
suas recomendações. Esta independência do órgão tem um resultado, que ao mesmo tempo é
uma condição, que é a independência dos seus membros. A Lei n° 31/87 marcava muito bem
essa independência, uma vez que “os membros do Conselho são disciplinarmente
irresponsáveis pelos votos e opiniões que, no âmbito das competências deste órgão, emitirem
no exercício das suas funções” (art. 8°). Por outro lado, os membros do CNE/PT eram
inamovíveis e não podiam cessar funções antes do termo do mandato, o que significava que as
entidades que designaram aqueles que vieram a ser investidos como membros do Conselho
não podiam pretender a sua substituição durante o mandato.
Marçal Grilo
25
(2003) verifica que
o Conselho sempre manteve esta dualidade de emitir pareceres e ter uma agenda própria, de ser
um órgão eminentemente independente, com uma grande autonomia e com capacidade para
dialogar com todos os restantes parceiros do processo educativo ou do processo da máquina
administrativa do Estado, e também da sociedade civil. (Marçal Grilo, 2003, p.62)
Foi com esse enquadramento jurídico que o CNE/PT, então, constituiu-se
efetivamente, realizando a sua primeira sessão plenária a 14 de setembro de 1988. Sua
composição passou a contemplar a representação e personalidades designadas por grupos
parlamentares, governo, Assembléias Regionais das Regiões Autônomas, Regiões
Administrativas – Comissões de Coordenação Regional, Associação Nacional dos Municípios
Portugueses, Universidade do Estado, estabelecimentos públicos de ensino superior
25
O Prof. Doutor Eduardo Carrega Marçal Grilo foi o terceiro presidente do Conselho Nacional de Educação de
Portugal, cujo mandato decorreria de fevereiro de 1992 a outubro de 1995.
143
politécnico, estabelecimentos públicos de ensino não superior, organizações sindicais,
organizações patronais, associações de pais, associações sindicais de professores, associações
de estudantes do ensino superior, associação de estudantes do ensino secundário, associação
de trabalhadores estudantes, associações científicas, associações pedagógicas, fundações e
associações culturais, associações do ensino particular e cooperativo (ensino superior),
associações do ensino particular e cooperativo (ensino não superior), conselho nacional da
juventude, organizações confessionais, e ainda, elementos cooptados pelo Conselho dentre
personalidades de reconhecido mérito pedagógico e científico, escolhido por maioria de seus
membros em efetividade de funções, para mandato de três anos.
O Conselho funcionava em plenário, em comissão coordenadora e em comissões
especializadas. Em plenário, tinham assento todos os membros do Conselho que se reuniam
trimestralmente em sessão ordinária para discutir e deliberar sobre os pareceres e
recomendações e em sessões extraordinárias. A comissão coordenadora era composta pelo
presidente, pelos coordenadores das comissões especializadas permanentes e pelo secretário-
geral e dotada de competência para praticar atos internos necessários à dinamização das
atividades do Conselho. As comissões especializadas que podem ser constituídas a título
permanente ou eventual para elaborar relatórios, informações, projetos de parecer e
recomendação. Nos termos do Regimento atual do Conselho, aprovado em 5 de março de
1997, as comissões especializadas permanentes são as seguintes: Comissão de Educação Pré-
Escolar, Comissão de Ensino Secundário e Formação Qualificante, Comissão de Ensino
Superior e Investigação Científica, Comissão de Educação e Formação ao Longo da Vida e
Comissão de Acompanhamento e Análise Global da Educação.
O CNE/PT dispunha ainda de uma assessoria técnica e administrativa, que
funcionava sob a coordenação do secretário-geral. Compete à assessoria o apoio às atividades
do Conselho, designadamente as de natureza técnico-pedagógica, de informação e
documentação, bem como as de secretariado, contabilidade, expediente e arquivo. Integra-se
na assessoria um centro de documentação, destinado a assegurar aos conselheiros e ao público
em geral uma informação atualizada sobre a política educativa nacional e internacional.
Dispunha também de um conjunto assinalável de monografias e publicações, tanto nacionais
como estrangeiras.
Além de acompanhar a aplicação e o desenvolvimento disposto na Lei n° 46/86 e
emitir parecer sobre a proposta de plano de desenvolvimento do sistema educativo, compete
144
ao Conselho, por iniciativa própria ou em resposta a solicitações que lhe sejam apresentadas
pela Assembléia da República e/ou pelo Governo, emitir opiniões, pareceres e recomendações
sobre todas as questões educativas, nomeadamente (Lei n° 46/86, art. 2°):
a) Democratização do sistema educativo;
b) Estrutura do sistema educativo;
c) Sucesso escolar e educativo;
d) Obrigatoriedade escolar;
e) Combate ao analfabetismo;
f) Educação básica de adultos e divulgação educativa;
g) Educação recorrente;
h) Ensino à distância;
i) Planos de estudo;
j) Currículos e programas de ensino;
k) Critérios de freqüência, avaliação e certificação de conhecimentos;
l) Orientação escolar e profissional;
m) Sistema de gestão dos estabelecimentos de ensino;
n) Criação, organização e reestruturação de estabelecimentos de ensino superior;
o) Acesso ao ensino superior;
p) Carreira docente;
q) Descentralização de serviços e regionalização do sistema educativo;
r) Critérios gerais de rede escolar;
s) Liberdade de aprende e ensinar;
t)Ensino particular e cooperativo;
u) Formação profissional;
w) Planos plurianuais de investimento;
v) Orçamento anual para a educação;
y) Avaliação do sistema educativo.
Portanto, a principal atividade do Conselho consiste na elaboração de pareceres e
recomendações, cabendo ainda ao mesmo Conselho publicar os relatórios, pareceres ou
quaisquer outros trabalhos emitidos ou realizados no âmbito de suas atribuições. Embora
esses documentos não revistam caráter vinculativo, mas tão só consultivo, constituem, em
todo caso, neste plano, verdadeiras referências no domínio da política educativa. A
publicitação dos pareceres do Conselho confere a ele o poder de demonstrar o posicionamento
145
das várias forças sociais nele representadas em relação à política educacional do Governo e da
Assembléia da República. Como lembram os conselheiros,
A palavra final sobre os pareceres cabe à Assembléia da República. Quando são políticas
governamentais em última análise cabe ao governo. Os pareceres não precisam ser homologados.
(Representação da Associação Nacional de Municípios Portugueses)
O parecer não é vinculativo, mas é publicado. O Governo pode não acatar, mas fica a perceber
publicamente que ele não acatou. Há, portanto, uma tentativa de pressão social e política sobre o
Governo. (Representação cooptada pelo CNE/PT)
O fato de existir um Conselho Nacional de Educação, o fato deste Conselho emitir Pareceres
devidamente informados, baseados na discussão e na obtenção de acordos, deveria conduzir a que
as estruturas governamentais fossem mais flexíveis à aceitação desses Pareceres. Todos nas
estruturas de negociação e decisão política, nomeadamente a Assembléia da República, o Governo,
ganhariam democraticamente em integrar trabalho feito pelo Conselho, e otimizar os resultados
que aqui se alcançam. Assim, se iria construindo o tal modelo desejável de governação com
regulação social. (Ambrósio, 2003, p. 72)
O CNE/PT desenvolve, também, outras ações como a elaboração de pareceres e
recomendações por iniciativa própria, realização de estudos, relatórios e a discussão de temas
de maior pertinência e atualidade, bem como publica trabalhos realizados como forma de dar
conhecimento a todos os que não têm a possibilidade de participar das reuniões.
Na avaliação de Miguéns
26
(2003),
Os modelos e formas de intervenção bem como o papel e objetivos de órgãos de natureza
consultiva com as características do CNE têm evoluído, significativamente, nas modernas
sociedades democráticas e contratualizadas, na procura de um aperfeiçoamento e reforço da
participação da sociedade e dos cidadãos nos processos de tomada de decisão de política
educativa. Por outro lado, o reconhecimento da intervenção de novos parceiros educativos e a
concepção do processo educativo numa perspectiva de educação ao longo da vida, reforçam o
26
O Dr. Manuel I. Miguéns é o atual Secretário-Geral do Conselho Nacional de Educação Portugal.
146
papel do diálogo social nas áreas da educação/formação, com vista à promoção de acordos de
concertação educativa que permitam decisões políticas mais adequadas. (Miguéns, 2003, p.10)
Embora se registrem algumas alterações pontuais da legislação relativa ao
CNE/PT, como aconteceu, por exemplo, em 1988 com o Decreto-Lei n° 89/88
27
e o Decreto-
Lei n° 423/88
28
, em 1991 com o Decreto-Lei n° 244/91
29
, e em 1996 com o Decreto-Lei n°
241/96
30
, é a Lei n° 31/87 que traça a matriz fundadora do Conselho e orienta a sua atividade
nos anos subseqüentes.
Por ter sido uma lei de iniciativa da Assembléia da República, não houve uma
intervenção propriamente dita da sociedade na constituição do Conselho Nacional de
Educação de Portugal. Do ponto de vista legal, a criação do CNE/PT decorreu da Lei de
Bases do Sistema Educativo e, do ponto de vista conceitual, da hegemonia de um pensamento
que defendia a importância de as políticas de educação não andarem ao sabor das maiorias
conjunturais e representarem opções estratégicas da sociedade portuguesa. Desse modo, a
constituição do Conselho resultou de um compromisso político com a criação de um lugar
institucional em que, de alguma forma, estivessem presentes os vários atores que, direta ou
indiretamente, influem nas políticas educacionais, e que fosse uma espécie de fórum
permanente das questões educativas. Segundo os entrevistados:
Não teve grande envolvimento, diria que teve envolvimento mínimo. Houve envolvimento, eu
penso que, praticamente, o envolvimento foi não só das forças políticas, penso que também das
organizações sindicais, sobretudo, para se sentirem lá representadas, mas foi uma intervenção no
âmbito do político. Diria que a iniciativa da sociedade civil foi, sobretudo, de uma certa
conjuntura. Acontece que também nessa conjuntura que estamos a falar, tivemos na Assembléia da
República alguns deputados especialmente qualificados nas questões educativas, que depois não
27
O Decreto-Lei n° 89/88, de 10 de maio, introduziu modificações ao regime da Comissão Permanente do
Conselho.
28
O Decreto-Lei n° 423/88, de 14 de novembro, visou a dotar o Conselho das estruturas materiais e humanas
necessárias ao seu funcionamento.
29
O Decreto-Lei n° 244/91, de 6 de julho, visou a alargar a representatividade, bem como adequar o estatuto
remuneratório do cargo de presidente e dos demais membros da Comissão Permanente.
30
O Decreto-Lei n° 241/96, de 17 de dezembro, introduziu algumas alterações no funcionamento do CNE/PT e
alargou seu espectro de representatividade, incluindo as representações das organizações não governamentais de
mulheres, do Conselho Nacional de Profissionais Liberais e das instituições particulares de solidariedade social.
147
aconteceu mais. Eu recordo que pelo menos dois deputados, Eurico Lemes Pires, do PS, e Bartolo
Paiva Campos, do PSD, eram ambos professores universitários, um era da Universidade do Porto e
outro era da Universidade do Minho. Eu me lembro desses dois casos como duas pessoas que eram
qualificadas, que estavam na comissão de reforma e que deixaram suas marcas. Uma marca que
era uma marca mais participativa dentro do espírito desse grupo. E daí que o CNE surge também,
no meu ponto de vista, por influência de algumas personalidades que naquele tempo estavam lá
como deputados na Assembléia da República. Propriamente, o que é que aconteceu ao resto da
sociedade civil foi que eles procuraram fazer-se representar lá. Houve realmente um certo interesse
em estarem lá representados. Isso nota-se nas instituições privadas, nos sindicatos, as associações
de estudantes, todos eles, de fato, procuraram estar lá representados, embora, não tivesse havido
uma iniciativa, houve, não direi tanto da sociedade, mas por associação de órgãos representativos,
algumas tentativas de estar lá, de alguma maneira poder, por essa via, influenciar as políticas
educativas. (Representação da Associação Nacional dos Municípios Portugueses)
O que está subjacente à criação do Conselho Nacional de Educação é a continuidade da lógica de
um período em que a educação esteve no centro dos debates políticos. Onde a hegemonia desse
pensamento era de a educação ser um espaço importante de compromissos para poder tornar uma
questão estratégica na sociedade portuguesa, e, nesse sentido, ter um impacto muito maior ao nível
do orçamento, ao nível das prioridades políticas, ao nível, no fundo, das grandes prioridades. Essa
é a década que Portugal entrava na Comunidade Européia, em 1986. Estamos em um período de
grande crescimento econômico, é um período para os professores de grandes melhorias salariais,
de grandes lutas, é um período em que se procura grandes mudanças na educação, que decorre da
Lei de Bases, com o processo da reforma educativa em todos os planos, currículos, no estatuto da
carreira dos professores, nas próprias escolas. É, portanto, um período de grande mobilização
também. E o Conselho surge neste contexto de busca de compromisso, de criar um fórum
permanente de debates destas questões. (Representação da FENPROF)
Alguns mostraram interesse. A confederação dos pais sempre demonstrou interesse no CNE e
sempre teve uma participação ativa. Também a representação do ensino particular, eles tamm
tinham uma participação muito ativa. (Representação cooptada pelo CNE/PT)
Em relação aos critérios usados para definir quais entidades estariam
representadas no Conselho é possível apontar que se tratavam, sobretudo, de critérios
políticos uma vez que o que se pretendia era auscultar a sociedade, através da representação
de entidades relevantes, relativamente à política educativa. Neste sentido, podiam-se
identificar seis leques integrando o CNE/PT. Um primeiro leque político era constituído pelos
148
representantes dos partidos políticos, visto que, em última análise, as decisões educativas
eram tomadas pela Assembléia da República, e, portanto, havia interesse em que eles
pudessem partilhar de um órgão consultivo e obtivessem informações para poder influenciar
na definição das políticas de educação. O segundo leque era representado pela administração
educativa, pois compete ao Ministério da Educação a proposição e a implementação de
políticas educacionais. O terceiro leque incluía os sindicatos dos professores e dos estudantes,
porque normalmente o sindicato dos professores não se limitava a exercer uma intervenção
puramente sindical, mas, muitas vezes, uma intervenção nas próprias políticas educativas,
possibilitada pela sua capacidade de pressão e mobilização. O quarto leque compreendia
personalidades independentes, escolhidas por serem consideradas pessoas de um certo
impacto e uma certa qualificação. O quinto leque abrangia a representação das associações
científicas, as representações das Regiões Autônomas (Açores e Madeira) que tinham uma
representação mais política do que de especialista. Finalmente, o sexto leque era formado pela
representação da Igreja Católica, das instituições de ensino privado e do Conselho de Reitores
das Universidades Portuguesas.
O depoimento a seguir confirma o predomínio do caráter político na escolha de
tais entidades
Os critérios não eram só científicos, nem eram os mais importantes, embora o Conselho
procurasse nos seminários que realizava envolver os especialistas, eram, sobretudo, critérios
políticos, e direi, ideológicos. (Representação da Associação Nacional do Municípios Portugueses)
Na consideração do pluralismo de interesses, pretendeu-se envolver a
representação de entidades que tinham grande poder de influência na sociedade portuguesa de
modo a possibilitar a construção de consensos alargados na produção das políticas educativas.
O pluralismo, de fato, constitui a forma de existência e de funcionamento da
democracia representativa em face da administração-burocracia do Estado, cuja característica
fundamental é a liceidade do dissenso. Portanto, “apenas onde o dissenso é livre para se
manifestar o consenso é real, e que apenas onde o consenso é real o sistema pode proclamar-
se com justeza democrático” (Bobbio, 2002, p.75).
149
Entretanto, alerta um conselheiro:
A composição, enfim, no número de membros, as maiorias não são determinantes no Conselho,
porque o Conselho é um órgão que não tem poder executivo, portanto, não é preciso estar a contar
votos. Pode haver dois representantes do movimento sindical, pode ser seis ou cinqüenta e tal, mas
a sua posição vale mais do que serem dois membros do Conselho. Ou seja, um órgão que não é
executivo, que não é, propriamente representativo, sua composição é representativa, mas não é
proporcional, portanto, seu peso não vem da proporcionalidade, vem da influência, que é variada,
dessas organizações na sociedade portuguesa. Ou seja, não é porque a Igreja Católica lá tem um ou
dois representantes que sua representação influi mais ou menos, é pelo peso específico que ela tem
na sociedade portuguesa. Quem fala em nome da Igreja tem influência pelo que sua organização
representa e não pelo número de votos que traz. No fundo o Conselho é um local de debates
políticos com mais ou menos influência na produção de diretrizes. As suas deliberações não vão
ser lei, mas trata-se de um jogo de forças que influem ou não influem na deliberação final e até de
certos poderes dos ministros ou da Assembléia da República. É um centro de debate político, onde
os debates são mais ou menos relevantes para os resultados finais. (Representação da FENPROF)
Deste modo, o poder de influenciar as deliberações do Conselho e as próprias
políticas de educação depende do poder de intervenção que as entidades representadas no
Conselho possuem na sociedade portuguesa. Tal é o caso do movimento sindical dos
professores, se comparado a outras entidades representadas no CNE/PT, o qual possui um
grande poder de mobilização, uma vez que representa aproximadamente 60 mil professores, e
da Igreja Católica que tem um peso significativo e o poder de influenciar superior às outras
congregações religiosas sendo uma instituição muito importante no contexto português, por
isso a contabilidade aritmética não é o principal, o fundamental é a qualidade de quem emite
os pareceres.
Em relação à representatividade e legitimidade dos membros do Conselho foi
possível constatar uma fragilidade do vínculo entre alguns conselheiros e suas entidades, o
que dificulta a tradução dos interesses e sensibilidades destas em relação às políticas
educativas. Mesmo em relação à representatividade governamental é possível afirmar que não
há uma vinculação orgânica entre os representantes governamentais e o governo, dado que
eles nunca atuam em bloco em defesa dos interesses do governo e tendem a defender suas
150
próprias concepções. A propósito dessa questão, assim se expressam alguns representantes de
entidades:
Os ministros escolhem não em função do governo, não são dirigentes do Ministério, são
personalidades de diversos campos, que eles por alguma razão consideram como pessoas
capacitadas e importantes, ou que consideram politicamente relevantes. Em geral são
personalidades que não partilham da opinião do governo, até porque o CNE tem sido um local de
busca de consensos políticos alargados e os próprios parceiros procuram construir a busca daquilo
que aproxima os vários projetos, não numa lógica de rupturas, mas numa lógica de concertação. O
Conselho tem muitas personalidades que não têm disciplina de voto. Vêm das universidades, das
associações e, portanto, funcionam muita da sua cabeça. Obviamente, têm as suas ligações, mas
não têm a disciplina do voto no sentido partidário ou sindical, funcionam muito em função das
suas concepções. Mas o que é importante ao poder político está nas entrelinhas, nomeadamente
quem votou isso, quem não votou aquilo, portanto funciona mais pela qualidade dos votantes.
(Representação da FENPROF)
Eu penso que quando nessa lógica de que estão juntos muitos representantes de interesses, de um
modo geral acredita-se que seus representantes sejam representantes dos interesses das entidades.
No caso do sindicato dos professores, no caso da confederação de pais, das confederações
sindicais e patronais eles têm representantes no Conselho e isso dá a impressão que os
representantes estão legitimados, pois representam seus interesses. Eu acho que haver uma grande
representatividade, de ser um órgão de concertação de interesses, interesses do ensino privado e do
ensino público, dos sindicatos e outras instituições, de alguma forma trazem também uma certa
direção neocorporativa já que corporações de interesses estão lá representadas. (Representação
cooptada pelo CNE/PT)
Talvez a minha única intervenção importante, em 1994, foi quando se fez um seminário sobre
“Educação, Autarquias e Poder Local”, portanto, o papel das entidades locais na educação.
Propriamente, eu até não pude perceber se estive lá por ser autarquia ou por ser professor
universitário interessado nesses problemas. Julgo que foi mais na segunda perspectiva, porque em
muitos casos, em algumas entidades, não quero dizer todas, depois da gente ser designado o elo de
ligação entre a Associação dos Municípios e o representante era quase inexistente, menos eram
pedidas informações e a gente até mesmo esquecia depois de dá-las. Aliás, mesmo a Associação
dos Municípios Portugueses, falo do meu caso, quando discutia questões educativas nunca ocorreu
sequer de me perguntar ou de me solicitar alguma opinião, porque eu, além de ser membro do
Conselho, era presidente a Assembléia Municipal, e eu estava de certo modo na representação
para as questões educativas da Associação. Mas eles, nos seus congressos, a Associação tem
congresso de dois em dois anos, de todos os documentos preparados, em todo debate, eu passava
completamente ao lado, nem me era perguntado, nunca me foi solicitado nenhuma aprovação. O
151
que eu entendi que de certo modo, embora a Associação dos Municípios Portugueses tivesse,
inicialmente, reivindicado uma representação no CNE, nunca soube potencializar essa
representação. E eu não sei, eu não sabia exatamente, a minha suspeita é que grande parte das
pessoas que estavam lá em representação acabavam mais por agir como pessoas do que como
representantes demandadas por instituições. Julgo, aliás, que o problema da democraticidade
desses órgãos acaba, muitas vezes, diluindo essa representação. Aliás, não penso que seja só o caso
desse Conselho, tem muitos outros campos nos sistemas democráticos que, muitas vezes,
praticamente não havia ligação dos representantes com suas bases. Eu penso que neste caso teria
algumas dificuldades, sobretudo, porque se trata de um órgão distante e, muitas vezes, quem está
nos conselhos, nesses órgãos, são representantes de representantes, portanto, sua ligação é muito
indireta com as bases. Embora, por exemplo, as duas federações sindicais [FENPROF e FNE], a
FENPROF que é uma federação majoritária, aí estava o secretário geral, direi que ele pelo menos
transmita a sensibilidade da federação. No caso da FENPROF, estava um representante da direção.
Quando passou a ser outro membro, que não era da direção, a minha impressão é que ele passou a
representar mais suas opiniões do que propriamente as opiniões da federação. Agora, eu julgo que
aconteceria com todos esses representantes, embora não tivessem provavelmente muitas atenções
locais, eles traziam pelo menos aquilo que seria a sensibilidade da associação ou da organização.
Era evidente que ao assumir, eles assumiam tendo em conta a perspectiva da associação que
representavam. Portanto, não havia diálogo totalmente direto das questões em relação às bases,
mas havia de alguma maneira a expressão daquilo que seria a sensibilidade da associação em
relação à educação, como aliás eu, quando tive que me expressar, transmitia um pouco da minha
sensibilidade dos municípios, porque os conhecia por outras vias, não propriamente por essa via da
representação, como estou ligado aqui ao município sabia quais eram as questões educativas e os
problemas que o município abordava. (Representação da Associação Nacional dos Municípios
Portugueses)
A ênfase dada à independência dos conselheiros em relação às entidades que os
designam reforça a concepção de representação fiduciária, na qual o representante tem o
“poder de agir com certa liberdade em nome e por conta dos representados, na medida em
que, gozando da confiança deles, pode interpretar com discernimento próprio os seus
interesses” (Bobbio, 2002, p.58). Trata-se, pois de uma representação sem vínculo de
mandato, característico da democracia representativa burguesa, em que cada representante
deve representar os interesses gerais e não os interesses específicos de grupos ou frações de
classe, pois, como observa Bobbio (2002),
152
O que caracteriza uma democracia representativa é, com respeito ao “quem”, que o representante
seja um fiduciário e não um delegado; e é, com respeito ao “que coisa”, que o fiduciário represente
os interesses gerais e não os interesses particulares. (E exatamente porque são representados os
interesses gerais e não os interesses particulares dos eleitores, nela vigora o princípio da proibição
de mandato imperativo). (Bobbio, 2002, p.59)
Para Tatagiba (2002), esse distanciamento dos conselhos em relação às entidades
sociais e aos órgãos da administração pública responsáveis pela execução das políticas traz
como conseqüência perversa a baixa visibilidade social dos conselhos. Isto porque as
deficiências na comunicação dos conselheiros com suas bases se traduzem-se na conformação
de públicos fracos no processo deliberativo no interior dos conselhos, assim como diminui a
força dos conselhos enquanto públicos que disputam em uma esfera pública mais ampla, o
que pode conduzi-los ao isolamento e à debilidade.
Portanto, a legitimidade dos membros do conselho decorre de sua estreita
vinculação à sociedade através das entidades representadas e do processo de interlocução que
estas desenvolvem com a população em geral.
Se, por um lado, o que se verifica é essa ausência de uma via de mão dupla entre o
Conselho e a entidade, por outro lado, existe por parte do governo a preocupação em ter à
frente do Conselho pessoa que não o hostilize, ou seja, um presidente que controle a agenda
do Conselho conforme os seus interesses e necessidades.
Essa agenda do Conselho é definida em função de múltiplas influências: primeiro,
e fundamentalmente, os projetos vindos do Governo ou da Assembléia da República, portanto
a primeira fonte de iniciativa é sempre do poder político e o Conselho tem de emitir pareceres
sobre eles; a segunda fonte é o próprio Conselho, pois os conselheiros têm a possibilidade de
solicitar assuntos, mas isso depende do núcleo dirigente (presidente e secretário-geral), e de o
Conselho se assumir, dominantemente, ou como órgão de emissão de pareceres ou como
órgão interventor. O grau de intervenção do Conselho sempre esteve associado à força da
presidência em estabelecer uma agenda política para o Conselho criada pelos próprios
conselheiros.
153
Nota-se que durante o período de governo do Partido Social Democrata (Governo
de Cavaco Silva – 1985-1995), o Conselho Nacional de Educação de Portugal teve grande
impacto nas políticas educativas, influenciando fortemente as reformas do Ensino Secundário
e as políticas de Educação Pré-Escolar e Educação Especial. Atribui-se essa capacidade de
influência do Conselho à postura assumida pela sua presidência, principalmente na gestão do
Professor Doutor Eduardo Carrega Marçal Grilo, que imprimiu à agenda do Conselho um
caráter mais interventivo. Segundo relatos de conselheiros
Isso depende muito dos momentos históricos, como foi aquele com o professor Marçal Grilo, em
que muito da agenda foi criada pelo próprio Conselho que colocou na agenda pública e política
temas que interessem à literacia. Mas há momentos em que está mais apagado, funciona nas
agendas que nomeadamente os ministros colocam através de suas iniciativas legislativas.
Basicamente há dois tipos de iniciativas: a dominante, penso, continua a ter; e outra que depende
do grau de intervenção de quem está à frente do Conselho quer atribuir, suscitar ou não uma
agenda autônoma, que permita que o Conselho seja interveniente. ( Representação do FENPROF)
Existe por parte do governo o interesse em discutir certas coisas e para não se discutir outras.
Como órgão de concertação de idéias e interesses acaba sendo órgão de consulta do governo.
Nesse sentido, ele para ser autônomo tem que ter uma agenda de sua iniciativa. (Representação
cooptada pelo CNE/PT)
Em certos aspectos o Conselho Nacional de Educação funcionou, um bocado, como um contra-
poder em relação ao Governo até 1995, porque a corrente majoritária do Conselho não ia,
necessariamente, na linha de algumas políticas que tinham sido nacionalmente implementadas.
(Representação da Associação Nacional dos Municípios Portugueses)
Além de influir sobre a agenda, os governos procuram o Conselho em busca de
legitimação de suas posições; tentam, enfim, obter pareceres favoráveis a sua política
educativa, conforme se pode verificar nos seguintes depoimentos:
Há tentativa por parte do governo de instrumentalizar o Conselho, mas comigo não deu. Houve
momentos em que chegamos à beira da ruptura. (Ex-presidente do CNE/PT)
154
Em alguns casos o uso do CNE foi uma situação ambígua. A lei determinava que o Conselho
deveria ser ouvido previamente. Então na proposta do projeto de lei foi ouvido o Conselho, e isso
para o público poderia significar que o CNE era de educação global, e em vários casos ele foi
ouvido, mas era contra a proposta. (Representação da Associação Nacional dos Municípios
Portugueses)
Todos os governos tentam instrumentalizar o Conselho, ou seja, todos os governos tentam obter
pareceres favoráveis. Por ser um órgão que não tem poder executivo e que possui ampla
representação cabe saber ler as posições favoráveis e as desfavoráveis.
Durante o governo socialista de António Guterrez (1995-2002) o CNE/PT perdeu
um pouco sua visibilidade social; de certo modo mudou sua intensidade e sua capacidade de
influir sobre as políticas educativas. Isto porque este governo tinha uma equipe formada por
indivíduos provenientes das escolas superiores e das universidades que tentaram políticas
inovadoras na educação e que deram menor relevância à participação do Conselho na
formulação das políticas de educação. Para compensar essa pouca intervenção no destino das
políticas educacionais o CNE/PT deu início à realização de uma série de seminários,
conferências e colóquios com o objetivo de promover o esclarecimento e o debate público,
introduzindo o contato com investigadores e a difusão dos avanços do conhecimento
científico na área de educação.
Tendo em vista os fatos até aqui apresentados, vê-se que o Conselho Nacional de
Educação de Portugal, concebido como um fórum de participação democrática, como espaço
de reflexão e debate esclarecido, como órgão promotor de concertação entre os diversos
parceiros e interesses da sociedade civil e os detentores da legitimidade para decidir e pôr em
prática as medidas de política educativa, teve o seu alcance participativo marcadamente
contido nos limites de sua função meramente consultiva.
É o que ressalta o ponto de vista do atual presidente
31
do CNE/PT:
Não podemos de fato esquecer nunca que a Assembléia da República e o Governo é que são os
órgãos de soberania, legitimados pelo povo, pelo voto dos cidadãos. Entidades como o CNE,
31
O Prof. Doutor Manuel Lopes Porto é o atual presidente do Conselho Nacional de Educação, eleito a 20 de
junho de 2002.
155
apenas com funções consultivas, acabam por ter conseqüentemente o atrativo especial de só
poderem valer pelo mérito daquilo que elaboram. (Porto, 2003, p. 49)
Um de seus ex-presidentes ressalta a mesma função para o Conselho
A função consultiva preserva-o de tentações que poderiam prejudicar esta capacidade e esta
vocação de reflexão e sabedoria. Não tem competências executivas, de responsabilização pela
ação, e não deve ter essa tentação, exatamente para preservar a sua essencial função, a qual é
utilíssima para todos os decisores: políticos, sociais, educativos, enfim para toda a sociedade.
(Primeiro Presidente do Conselho Nacional de Educação)
Análise de Ambrósio
32
(2003) enfatiza a relevância por ela atribuída ao exercício
da função consultiva:
A consulta, a mediação política, o diálogo social, na minha opinião, são hoje indispensáveis numa
democracia avançada, participativa, dialógica e reflexiva, sobretudo quando a sociedade em que
vivemos está submetida à pressão da incerteza, do risco da insegurança, da diversidade cultural e
de gritantes assimetrias sociais. (Ambrósio, 2003, p. 38)
Pinto
33
(1990), por sua vez, considera que
A qualificação de uma função como consultiva tem, sobretudo, caráter formal. Na prática, o
alcance efetivo do exercício desta função pode ser muito diversificado. Desde um papel de grande
prestígio e influência, até um papel de resultado nulo e até negativo. É por isso que, dada a larga
representação do Conselho, com o que isso implica diversidade de interesses, e dada a freqüente
32
A Prof. Doutora Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio foi a quarta presidente do Conselho Nacional
de Educação, com um primeiro mandato de maio de 1996 a junho de 2000 e um segundo mandato, de junho de
2000 a julho de 2002.
33
O Prof. Doutor Mário de Campos Pinto foi o primeiro presidente do Conselho Nacional de Educação de
Portugal, cujo mandato decorreria de abril de 1988 a abril de 1991.
156
conflitualidade (partidária, ideológica e doutrinal) que se manifesta na área das políticas
educativas, a própria lei dá ao papel consultivo do Conselho um sentido mais preciso, quando diz
que ele “deve (...) proporcionar a participação (...) na procura de consensos alargados
relativamente à política educativa”. (Pinto, 1990, p.48)
E, condicionado à importância desse papel, acrescenta:
a função consultiva do Conselho ou passa por um esforço de consensualidade, ou não será
concebível como contributo específico e valioso, diferente de uma pura acentuação ou
formalização de debates ou confrontações, nada ou pouco acrescentando ao processo normal e útil
do confronto de opiniões em sociedades livres e pluralistas. (Pinto, 1990, p. )
De acordo com Bobbio (2002), o processo de democratização consiste na
expansão do poder ascendente, até agora ocupado exclusivamente pela sociedade política,
para a sociedade civil nas várias articulações, da escola à fábrica, uma vez que elas indicam
emblematicamente os lugares em que se desenvolve a maior parte da vida dos membros de
uma sociedade moderna.
Neste sentido, a ênfase conferida ao caráter consultivo do Conselho não implica a
expansão do poder, ao contrário, limita a capacidade de os diferentes grupos de interesses
influírem nas políticas de educação e o papel político a ser desempenhado pelos conselhos
tendo em vista a democratização do poder e o controle social e político das políticas públicas.
De fato, verifica-se o que observa Martins (1994):
Os setores dominantes que optam pela alternativa democrática preferem conceder direitos políticos
às massas populares, não porque pretendem se submeter a um poder exercido pela maioria da
população, mas porque percebem que, do seu ponto de vista, vale a pena fazer a operação
democratizadora. Tudo se resume a um cálculo de custos e benefícios. Desde que os principais
custos sejam pagos pelos demais setores da população, inclusive outros setores da própria elite, as
parcelas das classes dominantes que têm condições de aproveitar as vantagens da democracia não
157
hesitam em proclamar a necessidade da participação do povo no processo político nacional e as
virtudes dos regimes, ditos democráticos, que criam essa aparência. (Martins, 1994, p.61)
Conforme se pôde verificar, o CNE/PT é um órgão que em si mesmo contém uma
larga representação, com o fim de, por esse meio, permitir a participação de forças sociais
diversas. É, pois, no seu próprio seio que organicamente se exprime a participação,
participação esta que é qualificada, independente e busca consensos. Entretanto, essa busca de
consensos implica, segundo Gramsci (2000), a capacidade de um grupo exercer sua
hegemonia sobre os demais grupos, isto é, a capacidade de direção intelectual e moral,
política e cultural de um grupo ou classe sobre as outras classes, grupos sociais ou frações de
classe social. Portanto, a caracterização do CNE/PT como um órgão de participação gerador
de consensos alargados subsume a problemática da participação e da democratização do poder
a um discurso aparentemente apolítico e consensual, consubstanciado por uma racionalidade
gestionária, em que a participação é entendida como co-responsabilidade social.
De acordo com Lima (2002),
Este tipo de participação-coesão, funcional e fictício, é claramente entendido como uma técnica de
gestão para a promoção da eficácia e da qualidade. A participação “alargada” dos “interessados”
assenta numa estratégia de delegação política para reduzir os conflitos institucionais, uma
estratégia neoconservadora, (...) e não numa descentralização/devolução de poderes... ( Lima,
2002, p. 29-30).
Nessa perspectiva, Nogueira (2004), no esforça de rever o conceito de
paricipação, considera que
Participar não é apenas fazer valer o peso de certos valores e interesses no processo decisório, até
porque, em sociedades complexas, tal perspectiva tem um alcance inevitavelmente limitado (...)
Participar é também fazer-se presente ao debate público democrático, no qual os pontos de vista se
explicitam e se formatam os consensos fundamentais, no qual se constituem as opiniões, armam-se
158
as lutas pela hegemonia e delineia-se, em maior ou menor dose, uma idéia de ordem pública e de
comunidade política. (Nogueira, 2004, p. )
Gentili (1998) chama a atenção para o fato de essa concertação de interesses em
relação às políticas educacionais se configurarem como uma falsificação do consenso,
tornando-o uma ferramenta de manipulação, uma vez que o “pacto” constitui o espaço para
legitimar decisões, em que “os ‘atores sociais são chamados para ‘consensuar’, ainda que
nem a todos caiba o papel de protagonista, na dramatização do pacto”. Neste pacto, as
decisões do governo nunca são enunciadas como tais, mas são encobertas por supostos
“acordos gerais”, “coincidências comuns” e por meio de toda uma série de estratagemas
discursivos destinados a diluir as oposições e criar a falsa imagem de comunidade homogênea
de interesses. Portanto, a primeira tarefa – intelectual e prática – do campo democrático é
problematizar o conceito e a prática dessa democracia consensual e hegemônica.
2. Conselhos de Política de Educação no Brasil e em Mato Grosso: Braço da
Administração ou Espaço de Disputa de Hegemonia?
O atual Conselho Nacional de Educação, criado pela Lei nº 9.131 de 24 de
novembro de 1995, é resultado de um processo de lutas, entre os movimentos sociais e
sindicais e os representantes da elite brasileira, no interior do qual se confrontaram vários
projetos no movimento nacional de defesa da escola pública, ocorrido durante a tramitação da
Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96 no Congresso Nacional. Como observa Cury (2000), a
aprovação desse Conselho “foi a resposta do governo eleito em 1994 a uma série de
empenhos e lutas da sociedade civil em prol de uma lei de educação que fosse democrática e
em cujo bojo se desse uma redefinição do então existente Conselho Federal de Educação”
(Cury, 2000, p.52).
159
A primeira tentativa de criação de um Conselho na estrutura da administração
pública, na área da educação, aconteceu na Bahia, em 1842, com funções similares às dos
boards ingleses. Em 1846, a Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados propôs
a criação do Conselho Geral de Instrução Pública, o qual foi retomado, em 1870, pelo
Ministro do Império Paulino Cícero com a denominação Conselho Superior de Instrução
Pública, projeto reapresentado em 1877 pelo Ministro José Bento da Cunha Figueiredo.
Em 1882, Rui Barbosa, relator da Comissão de Instrução Pública, apresentou a
mesma proposta do Ministro Leôncio de Carvalho para a criação do Conselho Superior de
Instrução Nacional, que posteriormente se efetivaria como Conselho Superior de Ensino,
criado pela Reforma Rivadávia através do Decreto nº 8.659, de 5 de abril de 1911, com a
função de estabelecer “as ligações necessárias e imprescindíveis, no regime de transição que
vai da oficialização completa do ensino, ora vigente, à sua total independência futura, entre a
União e os estabelecimentos de ensino” e de “resolver com plena autonomia, todas as
questões de interesse para os sistemas de ensino” (art. 5º). O Conselho era constituído pelos
diretores das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, de Direito de São Paulo e
de Pernambuco, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, do Colégio D. Pedro II e por um
docente de cada um dos estabelecimentos citados, sendo os representantes dos professores
eleitos por suas respectivas organizações (cf.art. 12º).
A Lei nº 4.632, de 06 de janeiro de 1923 (Reforma Rocha Vaz), autorizou o
executivo a “remodelar o Conselho Superior de Ensino e o Conselho Universitário, com
atribuições amplas para o desenvolvimento e para o aperfeiçoamento da instrução pública no
Brasil” (art. 3º). Mediante o Decreto nº 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, o Conselho
Superior de Ensino foi suprimido e criado o Conselho Nacional de Ensino, “ao qual competirá
discutir, propor e emitir opinião sobre as questões que forem submetidas à sua consideração
sobre ensino público, pelo Governo, pelo Presidente do Conselho ou por qualquer de seus
membros” (art. 12º), passando a ser composto por diretores e representantes de docentes
(eleitos por seus pares) do Ensino Secundário e Superior, do Ensino Artístico e do Ensino
Primário e Profissional.
Em 1931, o governo provisório de Getúlio Vargas criou pelo Decreto nº 19.850,
de 11 de abril, o Conselho Nacional de Educação como “órgão consultivo do Ministro de
Educação e Saúde Pública, nos assuntos relativos ao ensino” (art. 1º) de modo a “colaborar
com o ministro nos altos propósitos de elevar o nível da cultura brasileira e de fundamentar,
160
no valor intelectual do indivíduo e na educação profissional apurada, a grandeza da Nação”
(art. 2º). Suas atribuições tinham caráter consultivo e não normativo/deliberativo, com a
competência de colaborar com o Ministro na orientação e direção superior do ensino;
promover e estimular iniciativas em benefício da cultura nacional; sugerir providências
tendentes a ampliar os recursos financeiros; estudar e emitir parecer sobre assuntos de ordem
administrativa e didática; facilitar a extensão universitária; firmar as diretrizes gerais do
ensino primário, secundário, técnico e superior, atendendo, acima de tudo, os interesses da
civilização e da cultura do país. Compunha tal Conselho um representante de cada
universidade federal; um dos sistemas isolados de ensino de Direito, Medicina e Engenharia;
um do ensino superior estadual e um do ensino superior particular; um de cada esfera do
ensino secundário (federal, estadual e particular); três personalidades de “alto saber e
reconhecida capacidade em assuntos de educação e ensino” e o diretor do Departamento
Nacional de Ensino, todos nomeados livremente pelo Presidente da República. Esse Conselho
foi recriado, por força de mandamento constitucional, pela Lei nº 176/36.
Em 1961, a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, transformou o Conselho
Nacional de Educação em Conselho Federal de Educação (CFE), instituiu os Sistemas de
Ensino dos Estados e do Distrito Federal (cf.art. 11º) e criou seus respectivos Conselhos de
Educação (cf.art. 10º). O Conselho Federal de Educação, que teve sua origem ligada à
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foi instalado em 12 de fevereiro de
1962, pelo Ministro da Educação Antônio de Oliveira Brito, no Governo do Presidente João
Goulart e do Primeiro Ministro Tancredo Neves, vigorando até 1994.
Concebidos no contexto do processo de redemocratização da gestão pública como
órgãos colegiados superiores, com posição de “Estado Maior” do Ministro de Estado e dos
Secretários de Educação do Estado, os Conselhos adquiriram maior expressão e tinham como
função, para além da transitoriedade dos governos e de suas orientações político-ideológicas,
a definição e a garantia de continuidade das políticas educacionais. Neste sentido, suas
atribuições abrangiam desde as questões que diziam respeito à formulação da política
educacional e à normatização do sistema federal de ensino – tais como decidir sobre o
funcionamento e reconhecimento dos estabelecimentos de ensino público e privado,
estabelecer as disciplinas e a duração do currículo dos cursos de ensino superior, médio e
primário, sugerir medidas para a organização e funcionamento dos sistemas de ensino federal
e estadual, adotar e propor modificações e medidas que visassem à expansão e ao
161
aperfeiçoamento do ensino, emitir pareceres sobre assuntos e questões de natureza pedagógica
e educativa – até a aprovação de Estatutos e Regimentos, autorização e reconhecimento de
cursos (cf.art. 9º). Seus conselheiros seriam nomeados pelo Presidente da República, “dentre
pessoas de notável saber e experiência, em matéria de educação” (cf.art. 8º). Com efeito, o
CFE conseguiu reunir um grupo de conselheiros que constituíam o pensamento educacional
da época e eram nacionalmente respeitados por sua produção intelectual.
Na década de 1960, o Conselho Federal de Educação participou efetivamente do
planejamento das políticas educacionais, tanto ao definir prioridades e diretrizes da ação do
Ministério da Educação e Cultura, na estruturação dos sistemas de ensino e na elaboração da
legislação e normalização do ensino, quanto ao alocar recursos para a educação.
Entretanto, nas décadas de 1970 e 1980, com os governos autoritários, verificou-
se maior presença do setor privado nos Conselhos de Educação, comprometendo sua
criatividade e sua capacidade de crítica pelo excesso da burocratização e regulamentação. O
CFE ocupou-se apenas com as demandas da expansão do ensino superior, perdendo a
dimensão das funções relativas à formulação das políticas e diretrizes do sistema nacional de
educação – uma vez que outros setores governamentais assumiram a função de planejamento
das políticas educacionais –, além de se distanciar das aspirações dos educadores no
concernente a elaboração de um projeto nacional de educação. A partir daí, o Conselho
Federal de Educação passou a receber várias críticas face à prevalência dada às funções
“cartoriais” em detrimento de outras, especialmente as relativas a normas gerais e políticas de
educação. Tal fato resultou na sua extinção em 1994, pelo governo Itamar Franco através da
Medida Provisória 661, de 18 de outubro, sendo criado em seu lugar o Conselho Nacional de
Educação.
Do ponto de vista de Bordignon (2002),
o que levou o CFE a ser “cartório”, mote de expedição, foi um processo gradativo de acomodação
de conflitos de poder entre os diferentes atores do cenário da educação nacional, em que a ética do
poder, no exercício do “múnus” da função pública, que existe em função dos interesses da
coletividade, esteve subordinada aos interesses e idiossincrasias desses atores. Assim, os
caminhos e “descaminhos” da trajetória do CFE foram tecidos por múltiplas cumplicidades, feitas
de jogos de interesse e de poder: do governo, que nomeava os conselheiros segundo seus interesses
162
políticos e corporativos; dos dirigentes do MEC, que disputavam com o CFE o poder na
formulação e implementação de políticas, uma vez que estas constituíam a base do poder de sua
ação; dos dirigentes das instituições educacionais, especialmente do setor privado, a quem o
cartório facilitava a negociação/tramitação de seus interesses; e finalmente, da maior parte dos
conselheiros, uns por omissão, outros por resistência aos movimentos internos para superação do
processo de deterioração em que se encontrava, talvez fascinados pela “corte” dos interesses da
clientela. (Bordignon, 2002, p.13)
Em sintonia com a Constituição de 1988, a Câmara dos Deputados apresentou o
projeto da nova LDB, o qual apontava para a constituição de um novo órgão colegiado que
funcionasse como fórum nacional para atuar na formulação das políticas e na definição do
projeto nacional de educação. A esse foi apresentado um projeto substitutivo, elaborado por
Darcy Ribeiro, que se referia ao Conselho Nacional de Educação apenas de modo genérico.
Todavia, antes mesmo da aprovação da nova LDB, o governo de Fernando Henrique Cardoso
promulgou a Lei nº 9.131/95, criando o Conselho Nacional de Educação com “atribuições
normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do
Desporto, de modo a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação
nacional” (art. 7º). Dentre as competências estabelecidas por essa lei destacam-se as de
subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação; manifestar-se
em questões que abranjam mais de um nível ou modalidade de ensino; assessorar o Ministério da
Educação e do Desporto e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de ensino; emitir
parecer sobre assuntos da área educacional; manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos
Estados e do Distrito Federal; analisar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da
legislação educacional; elaborar o seu regimento. (Lei n° 9.131
/95, art. 7º).
Sua composição passou a contemplar a indicação, em listas tríplices, de pelo
menos a metade de seus conselheiros por entidades nacionais de educação, cabendo ao
Presidente da República indicar os demais.
Considerando-se, pois, os antecedentes históricos da criação dos conselhos de
políticas de educação no Brasil, é possível verificar que a constituição desses Conselhos
163
ocorreu mais por iniciativa do poder Executivo do que do poder Legislativo. Assim, tanto o
Conselho Nacional de Educação, das décadas de 1930 a 1960, quanto o Conselho Federal de
Educação, dos anos 1960 a 1994, tiveram seus membros nomeados pelo executivo e suas
deliberações subordinadas à homologação dos Ministros de Educação.
2.1 O Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso: itinerário histórico
O Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso – CEE/MT foi criado em
1963, pela Lei nº 1.815, de 7 de fevereiro, no governo de Fernando Correa da Costa (1963-
66), em cumprimento ao que estabelecia a Lei nº 4.024/61. Órgão com funções deliberativas
sobre questões relacionadas aos diversos graus e ramos de ensino, tinha como competências
(cf.art. 5º) decidir sobre o funcionamento das escolas de ensino primário e médio, estaduais,
municipais e particulares; opinar sobre o funcionamento de escola de nível superior; decidir
sobre o reconhecimento de estabelecimento de ensino médio; fixar disciplinas obrigatórias
para o ensino primário e completar o número de disciplinas obrigatórias para cada um dos
cargos de ensino médio; sugerir medidas para a organização e funcionamento do sistema
estadual de ensino; adotar ou propor medidas que visassem à expansão e ao aperfeiçoamento
do ensino; emitir pareceres sobre assuntos e questões de natureza pedagógica e educativa;
analisar estatísticas referentes ao ensino; propor critérios para a aplicação dos recursos
destinados à educação; elaborar seu regimento; e promover sindicâncias.
Constituído, inicialmente, por 27 membros designados pelo governador do
Estado, escolhidos mediante proposta elaborada pelo Secretário de Educação, auscultado o
Departamento de Educação, dentre “pessoas de notório saber e experiência em matéria de
educação” para o exercício de mandato de três anos (cf.art. 2º), o CEE/MT contemplava a
representação de diretores e de professores de estabelecimentos públicos e particulares de
ensinos primário, normal e secundário; de professores do ensino municipal; dos professores
de Educação Física dos ensinos primário e médio; de diretores e professores de
164
estabelecimentos de ensinos comercial, industrial e agrícola; de diretores e professores de
fundações de ensino; e do Serviço Social (cf.art. 3º).
Entretanto, a Lei nº 1.922, de 5 de novembro de 1963, modificou a composição
do Conselho, ao estabelecer o número de onze membros e um novo arranjo representativo que
passava a contar com a representação de diretores de estabelecimentos estaduais e de
professores do ensino particular e municipal, do ensino médio particular, do ensino público
estadual, do ensino profissionalizante e do ensino superior (cf.art. 3º), distribuídos entre as
Câmaras de Ensino Primário e Ensino Médio, de Ensino Superior e de Planejamento,
Legislação e Normas, cada uma com três, oito e sete, membros respectivamente.
O regime político instaurado em 1964 implantou a hegemonia absoluta do Poder
Executivo sobre o Poder Legislativo, que resultou na extinção de todos os partidos políticos
existentes, na criação de dois novos partidos a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que funcionariam sob condições totalmente
novas, controladas pelo executivo, e na reestruturação do poder político. Nesse contexto, foi
nomeado para o governo do Estado de Mato Grosso Pedro Pedrossian (1967-70), que, por
meio do Decreto nº 759 de 11 de dezembro de 1968, aprovou o primeiro Regimento Interno
do Conselho Estadual de Educação. De acordo com esse regimento, a estrutura orgânica do
CEE/MT teria a seguinte composição: Plenário, integrado pelos membros titulares do
Conselho, que se reunia mensalmente para deliberar a respeito de pareceres, indicações ou
propostas apresentadas; Câmaras ou Comissões – órgão de execução das decisões do plenário
–, constituídas por membros designados pelo presidente do Conselho e às quais competia
apreciar os processos que lhe foram distribuídos pelo plenário, responder consultas, tomar
iniciativa de medidas e sugestões a serem propostas ao plenário e promover a instrução de
processos e diligências (cf.art. 11º); e Secretaria Geral – órgão auxiliar da presidência do
conselho –, dirigida por um secretário escolhido pelo presidente, dentre os servidores do
quadro de pessoal e cujas atribuições incluíam superintender os serviços da Secretaria Geral,
instruir processos e encaminhá-los às câmaras e comissões, organizar a ordem do dia para as
sessões plenárias e promover estudos técnicos em geral (cf. art. 25).
Em 1973, o governo de José Manoel Fontanillas Fragelli (1971-74), segundo
governador nomeado pela ditadura militar, promulgou a Lei nº 3.407, de 22 de outubro, que
dispôs sobre o sistema estadual de educação e seus componentes estruturais e funcionais. Esta
lei apresentava o Conselho Estadual de Educação como órgão colegiado de decisão superior
165
com função de, juntamente com o Secretário de Educação, formular a política do sistema
estadual de educação, considerando as diretrizes da política federal de educação e as diretrizes
estaduais de desenvolvimento (cf.art. 5º).
Pelo Decreto nº 2.045, de 1º de junho de 1974, foi instituída uma nova
composição do CEE/MT, que passou a ser integrado por doze membros titulares e quatro
suplentes nomeados pelo governador do Estado, mediante escolha em listas tríplices,
elaboradas pelo Conselho e homologadas pelo Secretário de Educação e Cultura, “dentre
pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação, que representam as regiões
geo-educacionais do Estado, os diversos níveis de ensino e os magistérios oficial e particular”
(art. 1º), com mandato de seis, quatro e dois anos para cada grupo de quatro conselheiros,
respectivamente, renovado de dois em dois anos em de seus membros. Este decreto
estabelecia, ainda, que o Conselho seria dividido em Câmaras de Ensino de 1º Grau, de
Ensino de 2º Grau, de Ensino Supletivo e de Ensino de 3º Grau, cada uma composta por seis
conselheiros que elegiam suas respectivas presidências e vice-presidência, uma vez que até a
publicação deste decreto cabia ao presidente do Conselho o exercício da presidência das
mesmas. Contudo, é no governo de José Garcia Neto (1975 a 1978) que foi aprovado o
segundo Regimento Interno do CEE/MT, pelo Decreto nº 312 de 11 de novembro de 1975,
adequando a organização e o funcionamento do Conselho ao que estabelecia o Decreto
2.045/74.
Posteriormente, o governador Frederico Carlos Soares Campos (1978-82)
publicou o Decreto nº 655, de 21 de outubro de 1980, que instituiu uma nova composição
para o CEE/MT, o qual passou a ser constituído por doze membros titulares e doze suplentes,
com mandato de seis anos, também renovado de dois em dois anos em de seus membros, da
mesma forma escolhidos “dentre pessoas de notório saber e experiência em matéria de
educação, que representem as regiões geo-educacionais do Estado, os diversos níveis de
ensino e os magistérios oficial e particular” (art.1º), por meio de listas tríplices elaboradas
pelo Conselho Estadual de Educação e homologadas pelo Secretário de Educação.
Em 1982, com o restabelecimento de eleições para governadores, foi eleito para o
governo de Mato Grosso Júlio José de Campos (1983-86) – do Partido da Frente Liberal
(PFL) –, que, através do Decreto nº 154, de 4 de agosto de 1983, regulamentaria o art. 1º da
Lei 3.407/73, definindo o Conselho Estadual de Educação como órgão de deliberação coletiva
do Sistema Estadual de Educação, cujo objetivo era a orientação da política educacional. O
166
Decreto nº 155, também de 4 de agosto de 1983, aprovou o terceiro regimento do CEE/MT,
estabelecendo como suas competências (art. 4º) formular, junto com o Secretário de Educação
e Cultura, a política do Sistema Estadual de Educação; estabelecer diretrizes gerais para a
prestação de serviços de educação escolar; propor a política estadual para a formação e
aperfeiçoamento do pessoal docente do sistema estadual; autorizar o funcionamento e
reconhecer os cursos dos estabelecimentos do sistema estadual de educação; fixar o currículo
mínimo e a duração mínima dos cursos dos ensinos de 1º, 2º e 3º graus; emitir pareceres sobre
assuntos e questões de natureza pedagógica; propor critérios para a aplicação dos recursos
destinados à educação, entre outras relativas à normatização do sistema estadual de educação.
Em relação à estrutura orgânica, o Conselho estava constituído pelo Plenário,
órgão deliberativo com competência de decidir sobre matéria de caráter geral da educação;
pelas Câmaras de Ensino de 1º e 2º Graus, de Ensino Supletivo e de Ensino de 3º Grau,
órgãos executivos que deliberavam sobre assuntos pertinentes á competência das Câmaras –
tais como apreciar e emitir pareceres em processos distribuídos pelo plenário, responder às
consultas encaminhadas pelo presidente do Conselho e elaborar normas e instruções sobre a
aplicação da legislação do ensino (cf.art. 26) –; pelas Comissões de planejamento, legislação e
normas e de Ensino Especial, às quais competia a elaboração de atos e pareceres sobre
assuntos específicos às suas áreas, que seriam submetidos à apreciação do plenário; pela
Secretaria Geral, constituída pelos núcleos de assistência especial, de execução orçamentária e
financeira, de comunicação administrativa, de pessoal e serviços gerais – é um órgão auxiliar
de apoio administrativo, diretamente subordinado ao presidente do Conselho, com função de
assessoramento ao presidente, às câmaras e comissões –; e pela Assessoria Técnica, órgão
auxiliar de apoio técnico à presidência, às câmaras e comissões.
Com a Lei nº 5.604, de 22 de maio de 1990, promulgada pelo governo de Carlos
Gomes Bezerra (1987-90) – do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) –, foi
instituída a gestão democrática no Sistema Estadual de Educação e estabelecidas como seus
princípios fundamentais a autonomia dos estabelecimentos de ensino, a eleição direta dos
diretores de escola, a constituição do conselho deliberativo escolar como órgão máximo de
deliberação escolar, composto por representantes de todos os segmentos da comunidade
escolar, e a participação de representantes de todos os segmentos das escolas nos processos e
nas instâncias decisórias do sistema estadual de educação (cf.art.2º). Esta lei não fazia
167
referência ao Conselho Estadual de Educação, embora mencione a participação da
comunidade escolar nas instâncias decisórias.
Conforme o Decreto nº 3.110, de 23 de janeiro de 1991, o CEE/MT passou a ter
nova composição, sendo integrado por dezoito membros titulares e seis suplentes, com
mandato de seis anos, nomeados pelo governador do Estado, a partir de listas tríplices
elaboradas pelo Conselho e homologadas pelo Secretário de Educação, “dentre pessoas de
notório saber e experiência em matéria de educação, que representem as regiões geo-
educacionais do Estado, os diversos níveis de ensino e os magistérios oficial e particular” (art.
1º). Observa-se que foram mantidos os mesmos critérios estabelecidos por decretos anteriores
para a escolha dos conselheiros, sem se considerar o que estabelece a lei sobre a gestão
democrática que contempla a participação de todos os segmentos da comunidade escolar,
nomeadamente pais, alunos e professores nas instâncias decisórias do sistema educativo.
A seguir, no governo de Jayme Veríssimo de Campos (1991-94) – do PFL – foi
sancionada a Lei Complementar nº 14, de 16 de janeiro de 1992, que dispõe sobre a estrutura
e funcionamento da administração pública estadual. De acordo com esta lei, a organização dos
órgãos da administração direta compreenderia os níveis de decisão colegiada, de direção
superior, de gerência superior, de assessoramento superior, de administração sistêmica, de
execução programática, de administração regionalizada, de administração descentralizada e de
administração desconcentrada (cf.art. 6º). Tal lei não fez menção ao CEE/MT como órgão
colegiado da estrutura organizacional do Estado, mas pelo Decreto nº 2.033, de 14 de outubro
de 1992, este Conselho foi definido como órgão colegiado da Secretaria de Educação,
vinculado ao Gabinete do Secretário, com funções normativas, deliberativas e consultivas,
cuja estrutura organizacional compreendia órgãos de decisão colegiada (plenário), de decisão
superior (presidência), de assessoramento superior (assessoria), de administração sistêmica
(divisão de administração) e de execução programática (divisão técnica). O Decreto nº 2.423,
de 23 de dezembro de 1992, deu nova redação ao art. 6º do Decreto nº 2.033/92, pela qual os
conselheiros tinham direito a recebimento de jeton (e não de gratificação) de presença às
sessões plenárias, de Câmara e Comissões. Este decreto dispôs sobre a estrutura
organizacional do CEE/MT, ficando em vigência até a promulgação da Lei Complementar nº
49/98.
Nesta primeira fase do Conselho, observava-se uma constante interferência dos
governos no CEE/MT de modo a adequá-lo aos interesses do grupo político que dirigia o
168
Estado, principalmente no que diz respeito à sua composição e aos critérios de escolha dos
conselheiros. Estes critérios eram cada vez mais centralizados e genéricos, o que possibilitou,
por um lado, uma instrumentalização do Conselho por parte do governo, no sentido de
transformá-lo em um órgão de referendo de suas políticas educacionais, e, por outro lado, uma
tendência à elitização da participação, visto que a representação social no Conselho se
mostrava limitada às “pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação” e
dependente da vontade governamental. Além disso, existia uma real subordinação do
Conselho à Secretaria de Educação, dado que as decisões tomadas por ele dependiam da
homologação do Secretário, como também seu orçamento era vinculado ao sistema
orçamentário da mencionada Secretaria, à qual tocava o ordenamento de seus recursos e
despesas. Nesse período, o Conselho desempenhou uma função meramente burocrática, pois a
maioria de suas resoluções tratou da fixação de normas relativas ao funcionamento do sistema
estadual de educação, apesar de a legislação atribuir a ele o papel de formulador de políticas
educacionais.
2.2 Governo Dante de Oliveira: novos rumos da ação estatal
2.2.1 Plano de Metas – Mato Grosso 1995/2006
As políticas públicas desenvolvidas no período de 1995 a 2002 tiveram origem
no Plano de Metas elaborado em 1994 pela coligação Frente Cidadania e Desenvolvimento,
que reunia dez partidos políticos: PDT, PMDB, PSDB, PC do B, PT, PV, PSC, PMN, PSB e
PPS através da qual foi eleito Dante de Oliveira para o governo do Estado de Mato Grosso.
O “Plano de Metas – Mato Grosso 1995/2006” foi resultado de um amplo debate
com os segmentos organizados da sociedade mato-grossense, envolvendo partidos políticos,
organizações de trabalhadores, empresários e movimentos populares, chamados a contribuir
na elaboração das diretrizes e estratégias de um projeto de desenvolvimento para o estado.
Neste sentido, foram organizadas coordenações regionalizadas no interior e realizados
169
seminários, encontros, audiências em catorze regiões-pólo de Mato Grosso. A elaboração do
Plano de Metas constituiu-se em uma forma de aprofundamento do processo democrático,
pela qual a sociedade era chamada a manifestar-se, através dos seus segmentos
representativos, sobre o estabelecimento das políticas públicas consideradas prioritárias para o
desenvolvimento do estado
Os objetivos do Plano de Metas eram os seguintes:
1. construir um projeto de desenvolvimento de Mato Grosso, com base na concepção de
desenvolvimento sustentável, que incorpora padrões contemporâneos de eqüidade social e
conservação do meio ambiente, promovendo persistente redução das desigualdades regionais;
2. contribuir para a formação e fortalecimento de uma consciência política contra o imediatismo, o
que pressupõe a adoção de uma visão de longo prazo, que assegure o tempo necessário para a
maturação das políticas e ações governamentais e a consolidação de profundas transformações
econômicas, sociais, ambientais e institucionais. (Plano de Metas, 1994, p.13)
Para Dante de Oliveira
34
esse plano constituir-se-ia no eixo norteador, no guia da
sua ação política como governador do Estado:
A primeira coisa que eu fiz foi começar a construir um sonho que eu tinha. Durante os meus
mandatos de deputado estadual e deputado federal eu sempre criticava os governantes que não
tinham plano de governo nenhum, era só projeto de poder pelo poder, ou não conseguiam
vislumbrar um horizonte maior. Eu que sempre tive uma formação política de esquerda, em que a
questão do planejamento estratégico sempre foi uma coisa muito presente, não concebo o Estado
sem planejamento estratégico, sem uma visão de longo prazo, com metas de curto, médio e longo
prazos, e que a sociedade, independente dos governos, que são passageiros, o cobre, pois a
sociedade continua e os desafios da sociedade são alguns quase que permanentes. (...) Aliás, uma
peça [planejamento estratégico] que considero extremamente importante, foi meu guia, foi minha
bússola nos dois governos.
34
Entrevista realizada no dia 19 de dezembro de 2003 no escritório político de Dante de Oliveira.
170
Entendido como um instrumento de gestão, o Plano de Metas fundamentou-se em
três princípios básicos que orientariam as grandes decisões em relação às políticas públicas
estaduais: democratização e descentralização; sustentabilidade e qualidade de vida; e
equidade social e regional. De acordo com esse Plano, o primeiro desses princípios,
democratizar e descentralizar a gestão consistia em “reconhecer a capacidade do cidadão de
decidir sobre seu próprio destino”, o que implicaria um modelo de administração baseado em
critérios públicos de legalidade, na transparência dos atos gestionários, na universalização do
acesso e aquisição de bens e serviços e na participação da sociedade na formulação, execução
e avaliação das políticas públicas. “Participação e descentralização são diretrizes e estratégias
que devem ser adotadas em todos os níveis, tanto internamente a cada instância, como entre
diferentes esferas de governo, e entre este e a sociedade” (Plano de Metas, 1994, p.10).
Assim, foi proposta do Plano de Metas a regionalização do processo de planejamento, com
vistas à descentralização das ações do Estado e à efetiva organização e fortalecimento das
regiões e definição de seus planos diretores.
Já o princípio da sustentabilidade e da qualidade de vida, também conforme o
Plano, assentava-se na idéia do desenvolvimento sustentável que se insere em uma
perspectiva de longo prazo e em uma preocupação com o futuro. “Sustentabilidade é aqui
entendida nas dimensões econômica, social, ambiental, política, institucional e cultural, sem
que haja dissociação entre elas” (Plano de Metas,1994, p.43). Desse modo, um projeto de
desenvolvimento para o estado deveria abranger e incorporar, além da variável econômica,
eixos básicos como cidadania, meio ambiente e qualidade de vida, e ter como objetivo o
combate à miséria, a superação das desigualdades sociais, e a garantia da identidade dos
sujeitos sociais, de suas características regionais e da diversidade cultural.
Em relação ao princípio da equidade social e regional, este “requer a eliminação
dos constrangimentos políticos, econômicos, sociais culturais e institucionais resultantes do
acesso inadequado e insuficiente ao mercado de trabalho, aos bens e serviços públicos
básicos, à justiça e à segurança pública” (Plano de Metas, 1994, p.11). Para se garantir a
eqüidade faz-se necessário formular políticas públicas estruturantes e sociais que promovam a
elevação dos padrões de educação, dos níveis de emprego e renda, da qualidade de vida e da
participação política da população, assim como a eliminação das ações de caráter
assistencialista e clientelista por parte do setor público, promovendo e apoiando instrumentos
que favoreçam a cidadania.
171
O Plano de Metas contemplou três diretrizes para o desenvolvimento do estado de
Mato Grosso: modernização e fortalecimento do Estado; descentralização da ação do poder
público, através da cooperação entre Estado, municípios e sociedade; desenvolvimento
científico e tecnológico, pela cooperação entre Estado, municípios e iniciativa privada. Assim,
foram estabelecidos como prioridades estratégicas do governo “políticas estruturantes” como
energia, educação, emprego e renda, telecomunicações e transportes, que constituiriam o
marco de orientação de todas as outras políticas adotadas pela ação governamental; e o ajuste
do aparelho estatal com o objetivo de fortalecer o papel do Estado na sua capacidade de
planejamento e financiamento das políticas públicas e estimular o gerenciamento e a execução
dessas políticas pelos municípios e pela chamada sociedade civil. Com isto,
o Estado será estruturado para desempenhar o papel de competente gerenciador de políticas e
recursos públicos, estimulando a execução pelos municípios e pela sociedade. É preciso construir
um governo moderno, livre das práticas do clientelismo, do paternalismo e da corrupção, em que
os mecanismos de decisão sejam transparentes, participativos e democráticos. (Plano de Metas,
1994, p.14).
Para a consecução destes pontos, constituíram-se prioridades estratégicas visando
à reorganização do Estado:
um projeto de desenvolvimento organizacional que reavalie cada conjunto de atividades que
compõem o serviço e que descentralize estruturas e funções do governo, induzindo o esforço dos
municípios e da sociedade na promoção de seu próprio desenvolvimento às necessidades básicas
da população. (...) A proposta de regionalização político-administrativa visa não apenas a
descentralização das ações do Estado, mas a organização e o fortalecimento das regiões, com a
definição de seus próprios planos diretores e sua organização regional;
uma ampla política de formação e desenvolvimento de recursos humanos, com regras de incentivo
à qualidade e produtividade, penalização da ineficiência e do absenteísmo e sistemática de
remuneração e promoção;
um amplo esforço para a utilização mais intensa das novas tecnologias da informática e
informação, tanto para tornar ágeis e qualificar os serviços como para democratizar o processo
172
decisório. Nesse esforço é imperativo o aprimoramento dos mecanismos de geração e controle de
receitas e despesas do governo, a fim de eliminar focos de corrupção, combater a sonegação e
aumentar a eficácia do gasto público;
a estruturação de um sistema financeiro estadual que dê suporte aos investimentos necessários do
Estado, de acordo com as suas características e as prioridades de atendimentos e fortalecimento
dos micros e pequenos produtores e empresários. O sistema, portanto, deve servir de instrumento
para que o Estado possa apoiar os seus próprios projetos e as iniciativas da sociedade. (...) deve ser
capaz de captar poupanças e assumir linhas de financiamento de fontes específicas, fundos,
programas e outros mecanismos disponíveis para estimular o setor produtivo e promover o
desenvolvimento social. (Plano de Metas, 1994, p. 14-5)
O Plano de Metas foi estruturado em três partes:
Parte I – Plano Estratégico, de longo prazo, para o período de 1995 a 2006,
envolvendo um diagnóstico com as potencialidades e carências do estado e os princípios,
diretrizes e políticas globais que orientariam o planejamento e as ações do governo;
Parte II – Programa de Governo, de médio prazo, voltado ao período de 1995 a
1998, contendo a síntese dos problemas e propostas básicas para a ação do governo, com
abrangência sobre as metas qualitativas e quantitativas;
Parte III – Ação Emergencial, de curto prazo, focalizando o ano de 1995,
correspondia às ações emergenciais relacionadas ao restabelecimento de serviços públicos
essenciais, à manutenção de vias de acesso a regiões produtoras e ao equilíbrio das finanças
públicas.
A partir da identificação das potencialidades e carências
35
do Estado, foi
elaborada a segunda parte do Plano de Metas, correspondente ao Programa de Governo –
período 1995/1998 –, que procurou contemplar os principais problemas e soluções, foram
agrupadas em cinco macropolíticas:
1. Políticas Instrumentais, que envolviam as funções de planejamento,
administração, recursos humanos, finanças públicas e informática;
35
Carências identificadas: transportes, energia, educação, aparelho institucional, saúde e saneamento, emprego e
renda, habitação, justiça e segurança pública.
173
2. Políticas Estruturantes, que abrangiam as áreas de educação, energia e
transporte, consideradas requisitos indispensáveis para a alavancagem de qualquer projeto de
desenvolvimento econômico e social;
3. Políticas de Uso dos Recursos Naturais, consideradas as bases econômicas
sobre as quais se deve sustentar o desenvolvimento do estado, incluindo organização agrária,
agricultura, mineração e turismo;
4. Políticas de Agregação de Valor à Produção, cujo objetivo era ampliar a cadeia
produtiva transformando matérias-primas em produtos elaborados disponíveis para o mercado
consumidor e compreendiam os setores da indústria, comércio e serviços;
5. Políticas de Valorização da Vida, relativas às funções que dizem respeito mais
diretamente à melhoria das condições de vida da população: saúde, saneamento básico,
habitação, cultura, justiça e segurança pública, desporto e lazer, povos indígenas e promoção
social (Programa de Governo, 1994).
Além dessas cinco macropolíticas, integravam o Programa de Governo a política
de meio ambiente, emprego e renda, e os problemas e prioridades das quinze regiões
36
geopolíticas do estado de Mato Grosso, definidas no Plano de Metas a partir de suas
características políticas, geográficas, econômicas, sociais e culturais.
Na área da educação, considerada prioridade estratégica para o desenvolvimento
do estado, Mato Grosso encontrava-se, em 1993, conforme dados da Secretaria de Estado de
Educação, com uma taxa de escolarização em torno de 70%, enquanto que a média nacional
era de 86%, apenas 15,7% das crianças de quatro a seis anos eram atendidas pela pré-escola, e
somente 10% dos jovens de 15 a 19 anos estavam matriculados no ensino médio; a repetência
e a evasão somavam 39,9% na 1ª série do ensino fundamental, 43,8% na 5ª série e 30,6% no
ensino médio; os gastos em educação foram reduzidos em relação ao total de despesas do
Estado: em 1991 foram investidos 18,9%, em 1992 14,7%, e em 1993 17,1%. De acordo com
o Balanço Geral do Estado o investimento em educação foi de 46,4 milhões de dólares em
1990 em contraste com 24,1 milhões de dólares em 1993.
36
Regiões geopolíticas do Estado de Mato Grosso definidas no Plano de Metas: Baixada Cuiabana, Sul I, Sul II,
Médio Araguaia I, Médio Araguaia II, Baixo Araguaia , Sudoeste I, Sudoeste II, Médio Norte I, Médio Norte II,
Nortão I, Nortão II, Nortão III, Vale do Arinos, Noroeste.
174
Diante desse quadro, o Plano de Metas estabeleceu como objetivos da política
educacional:
1. desenvolver e implantar um projeto de gestão democrática da educação, que garantisse a
autonomia financeira e administrativa das escolas, a autonomia pedagógica das escolas, e o
fortalecimento da gestão escolar, através da escolha da direção pela comunidade, criação e
funcionamento de Conselhos Escolares Comunitários e capacitação gerencial;
2. ampliar o atendimento do ensino pré-escolar, fundamental e médio;
3. promover a qualificação e valorização dos profissionais da educação;
4. instituir o programa de avaliação institucional;
5. revisar, pelo processo cooperativo, as competências e responsabilidades das instâncias públicas
sobre educação, através de planos específicos para cada município ou conjunto de municípios, de
modo a garantir formas de gerenciamento e financiamento, que permitam racionalidade e eqüidade
na aplicação dos recursos constitucionais da educação e a eficácia da escola pública, independente
de sua vinculação administrativa;
6. garantir a aplicação dos recursos constitucionais da educação, através da recuperação gradativa
da capacidade de investimento e financiamento do setor público;
7. assegurar a todas as unidades de ensino padrões básicos de provisão de ambiente físico, recursos
e instrumentos de tecnologia de informação;
8. estimular a qualificação da sociedade para demandar ensino de qualidade, através de sistema de
informações que faça transparecer os resultados obtidos pela escola e pelo sistema;
9. implantar centros de formação tecnológica, visando a formação profissional a nível do ensino
médio, em regiões pólos do estado, de acordo com as potencialidades do mercado regional;
10. fortalecer a instituição de ensino público superior, visando o atendimento das necessidades do
estado na formação e capacitação de recursos humanos para a educação básica e na realização e
suporte à pesquisa científica e tecnológica voltada para o seu desenvolvimento;
11. fortalecer os órgãos municipais de educação para o gerenciamento do ensino básico no
município, através de processos de parceria que assegurem o financiamento do sistema
educacional pela União, Estado e Municípios, visando a racionalidade na aplicação de recursos e
eficácia nos resultados. (Programa de Governo, 1994, p.21-3)
175
Trata-se, portanto, de um plano que priorizou nas suas ações o ajuste fiscal e a
descentralização do aparelho de Estado tanto de uma esfera de governo para outra (do Estado
para os municípios) quanto para a sociedade, cujo conteúdo implicaria a privatização, isto é, a
transferência de empresas estatais para a propriedade privada; a transferência da exploração e
da administração pública de um serviço público para a administração privada; a terceirização
dos serviços de apoio à administração pública; e a participação da população na gestão
pública e o controle, pelo cidadão, das autoridades, instituições e organizações
governamentais.
Essa proposta ocorreu em um contexto de mundialização do capital cuja regra é a
desregulamentação como meio de eliminar os obstáculos ao livre jogo do mercado, em que o
Estado tenta retirar de si as responsabilidades e transferir para a sociedade tarefas que eram
suas no que se refere às políticas públicas e, principalmente, às políticas sociais. Esse é o
Estado máximo para o capital e mínimo para as políticas sociais, mas não se trata de um
Estado mínimo tomado genericamente; é o Estado de classe, sob a hegemonia das elites do
capital financeiro.
De acordo com Chesnais (2001), o regime de acumulação predominantemente
financeiro designa um modo peculiar de funcionamento do capitalismo, marcado por dois
fenômenos: 1) a reaparição maciça, junto ao salário e ao lucro e, ao mesmo tempo, fazendo
pagar acréscimo de imposto, das receitas resultantes da propriedade de títulos e dívidas e de
ações; e 2) o papel representado pelos mercados financeiros na determinação das principais
grandezas macroeconômicas (consumo, investimento, emprego) (Chesnais, 2001, p.16). Este
regime de acumulação, que se caracteriza por um sistema de apropriação de riquezas fundadas
nos mercados de títulos, apenas se torna viável se contar com uma base internacional, que é
possibilitada pela abertura de espaços financeiros nos países designados de mercados
emergentes e pela integração destes à mundialização financeira dirigida pelo FMI. Deste
modo,
as formas mais concentradas do capital – capital predominantemente industrial ou capital de
investimento financeiro puro – beneficiam-se, de um campo de operações e de um espaço de
dominação que se estende sobre grande parte do planeta, pois quem comanda o conjunto da
acumulação são as instituições constitutivas de um capital financeiro possuindo fortes
características rentáveis que determinam, por intermédio de operações que se efetuam nos
176
mercados financeiros, tanto a repartição da receita quanto do ritmo do investimento ou o nível e as
formas do emprego assalariado. (Chesnais, 2001, p.8)
A mundialização do capital pode ser caracterizada, em um primeiro momento,
como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu
desde 1914. Em um segundo momento, ela diz respeito às políticas de liberalização, de
privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e
democráticas, ações que foram implementadas, no início da década de 1980, sob o impulso
dos governos Thatcher e Reagan. A mundialização do capital (principalmente do capital
financeiro) reforçou a fundo as políticas de liberalização e de desregulamentação, sobretudo
na medida em que veio acompanhada da difusão de novas tecnologias de produção, de
informação e de comunicação (aquelas que contribuíram para a crise do sistema de produção
fordista). Fez com que explodissem as três formas institucionais que, durante os últimos
cinqüenta anos, permitiram a regulação social pelos Estados: o trabalho assalariado, enquanto
forma predominante de inserção social e de acesso à renda; um sistema monetário
internacional fundado sobre taxas fixas de câmbio; a existência de instituições nacionais
suficientemente fortes para impor uma disciplina ao capital privado (Chesnais, 1996).
Portanto, são as finanças que comandam hoje o nível e o ritmo da acumulação
stricto sensu, ou seja, o processo de reprodução ampliada do capital, simbolizada na expansão
das corporações transnacionais, em suas duas dimensões: a da criação de novas capacidades
de produção e a da extensão das relações de produção capitalistas.
As formas da internacionalização associada à corrente fase do imperialismo
produziram importantes efeitos na forma e nas funções econômica, política e ideológica do
Estado. Primeiramente, ao transformar as formas de separação do Estado e da economia,
redefiniram os seus espaços sociais respectivos e a sua articulação estrutural, pois com o
imperialismo as diversas condições políticas e ideológicas da produção vieram a pertencer
diretamente à valorização e à reprodução ampliada do capital, e isto se reflete em uma
politização característica dos domínios extra-econômicos e no corrente envolvimento do
Estado na promoção da valorização e da reprodução ampliada do capitalismo. As funções
políticas e ideológicas do Estado adquiriram, elas próprias, um significado econômico direto
para as relações de produção, o que dificultou o desempenho de suas funções de manutenção
177
da coesão social, uma vez que não consegue conciliá-las com as respostas aos imperativos
econômicos.
Essas novas formas de internacionalização transformaram também a correlação de
forças de classes, pois os Estados nacionais não apenas assumiram a responsabilidade pelos
seus próprios capitais com base nacional como também serviram aos interesses de outros
capitais, aos quais estão filiados de um modo ou de outro, provocando a desarticulação e a
heterogeneização do bloco no poder. Este novo quadro “afeta profundamente a política e as
formas institucionais desses Estados pela sua inclusão em um sistema de interconexões, que
não se limita de forma alguma a um jogo de pressões ‘exteriores’ e ‘mútuas’ entre Estados e
capitais justapostos” (Poulantzas, 1978, p.78).
Politicamente, isto significa que o bloco no poder já não é composto puramente
pelas frações da classe dominante em nível nacional, a aliança entre o capital financeiro e os
grandes poderes políticos é hoje mais intensa e indispensável para a reprodução ampliada do
capital, e os Estados nacionais precisam cuidar não apenas de suas burguesias nacionais, mas
também dos interesses do capital imperialista dominante (norte-americano), bem como dos
interesses dos demais capitais imperialistas, uma vez que estes estão articulados no processo
de internacionalização. Os interesses do capital imperialista são representados no bloco no
poder por certas frações da burguesia interna, que lhes dão acesso ao aparelho de Estado.
Na avaliação de Almeida (1998), a relação entre a transnacionalização dos
processos produtivos e os Estados nacionais é tensa e contraditória, uma vez que este processo
de transnacionalização fragiliza, de modo diferenciado, os diversos Estados nacionais, no que
se refere à sua capacidade de implementar políticas próprias e a determinadas capacidades
estruturais relativas à reprodução das condições políticas de dominação de classe. O autor
explica que
A nova onda de concentração e centralização dos capitais leva à constituição de relações de
propriedade que transcendem amplamente os limites dos Estados nacionais. Constitui-se cada vez
mais uma burguesia transnacionalizada, funcionária de um capital que opera, literalmente em escala
mundial. Estas relações, na atual fase da internacionalização, minam a capacidade de
implementação de políticas pelos Estados nacionais (principalmente nas formações sociais
dependentes). (Almeida, 1996, p.74)
178
A idéia de um Estado mínimo é uma conseqüência da utilização da lógica do livre
mercado, pois na perspectiva de autores como Frideman (1977) e Hayek (1987) o poder do
Estado, que amplia sua esfera de ação, transforma-se em coerção que obstaculiza a liberdade.
Essa concepção vê o Estado como portador de uma atuação não só independente da vontade
dos capitalistas, como também contrária ao interesse público, geral e específico. A burocracia
do Estado é sua própria base de poder, assistida por intelectuais e habitada por tecnocratas que
desejam estender seu poder ampliando a dimensão do setor público para os objetivos
específicos de tal poder e não para as necessidades públicas (Carnoy, 1988). Portanto, o
Estado deve permanecer apenas garantidor, isto é, Estado “abstencionista”, sendo que é o
mercado que deve determinar o espaço legítimo do Estado, cujas funções devem se restringir
a prover uma estrutura para o mercado e prover serviços que este não pode oferecer.
Em consonância com os pressupostos do Estado mínimo, o Plano de Metas – Mato
Grosso 1995/2006 propõe que as estruturas sejam descentralizadas e redesenhadas, com o
objetivo de se desenvolver uma administração pública gerencial orientada pelos valores de
eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos, que seja permeável à maior
participação dos agentes privados e/ou organizações da chamada sociedade civil. Esse
processo de redefinição do papel do Estado pode ser verificado no programa de reforma e
ajuste fiscal do Estado de Mato Grosso, que será analisado a seguir.
2.2.2 O Programa de Reforma e Ajuste Fiscal do Estado
Em 1995, quando Dante de Oliveira assumiu o governo do Estado, o quadro fiscal
de Mato Grosso tinha os seguintes indicadores: para uma receita corrente líquida de 100%, o
Estado tinha 141% de despesas; desse total 91% eram salários de pessoal de todos os poderes
e 50% de custeio, não incluído o pagamento anual da dívida pública que correspondia a 17%
dessa receita. Tal situação implicava, na prática, salários arrasados e inadimplência com os
fornecedores. Conforme avaliação do Ministério da Fazenda, Mato Grosso ocupava a terceira
179
posição no ranking de Estados em pior situação fiscal, ficando atrás somente de Alagoas e
Rondônia, primeiro e segundo lugares respectivamente.
Para Albano
37
(2001) esse desequilíbrio fiscal é resultado de uma prática política
dos governos de se beneficiarem da inflação e da indexação da economia:
Durante décadas o governo esteve sempre entre os maiores beneficiários da inflação. A totalidade
dos impostos era indexada e, por isso, as perdas reais da arrecadação eram reduzidas, ao passo que
boa parte das despesas eram executadas em termos nominais, sobretudo as de custeio,
investimentos, assim como parte dos gastos com pessoal e encargos. Era, portanto, um valioso
instrumento para superar déficits e até eventuais incompetências administrativas. Você podia
atrasar os salários do funcionalismo durante 40 dias, por exemplo. Daí, pagavam-se os salários
sem qualquer acréscimo ou correção e com o rendimento de Overnight ou outra forma de
aplicação financeira poderia se quitar outra dívida. (Albano, 2001, p.43)
A política de estabilização econômica implementada pelo governo federal por
meio do Plano Real e a extinção do indexador inflacionário, em 1994, tiveram forte impacto
sobre as economias estaduais, e as administrações públicas que não adotaram as medidas para
se adequar a essa política econômica favoreceram o aprofundamento da crise fiscal-financeira
do Estado. Em Mato Grosso, o desequilíbrio fiscal ganhou a dimensão de uma crise
institucional, uma vez que, ao invés de adotar as medidas para ajustar o Estado ao novo plano
econômico, a administração que se encerrou em 1994 concedeu – e deixou para o seu
sucessor pagar – um reajuste linear que aumentou em aproximadamente um terço as despesas
com pagamentos de salários do funcionalismo público estadual; deixou também os salários
referentes aos meses de novembro, dezembro e o décimo terceiro salário. Isso equivalia a 3,2
folhas salariais de acordo com os valores pagos em outubro, mês em que foi concedido o
benefício. Aumentou, também, o orçamento dos poderes Legislativo e Judiciário.
A sociedade mato-grossense, que tinha grande expectativa em relação ao governo
Dante de Oliveira, mobilizou-se organizando movimentos de intensa repercussão que exigiam
soluções imediatas para os problemas. Neste contexto,
37
Valter Albano foi Secretário de Estado de Educação em 1995 e Secretário de Estado de Fazenda durante o
tempo restante dos dois mandatos do governador Dante de Oliveira, ou seja, de 1996 a 2001.
180
a partir do momento em que o funcionalismo público viu frustrada a sua expectativa de que a nova
administração regularizasse a situação salarial, pagando os atrasados e garantindo o pagamento
mensal, a reação natural foi a de mobilização, deflagrada através de greves e outras formas de
manifestação política contrária ao governo. (Albano, 2001, p.45)
Além disso, a administração estadual enfrentava problemas com o Poder
Legislativo e com os pedidos de intervenção federal por parte do Judiciário.
A crise agravou-se em função do endividamento do Estado com a União, seu
maior credor, que passou a cobrar sistematicamente as parcelas vencidas da dívida,
bloqueando e sacando valores diretamente das contas do Estado, o que inviabilizava os
pagamentos de salários e de fornecedores e os repasses constitucionais. Os demais credores,
entre os quais os poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público, também adotaram o
bloqueio de contas a seu favor como forma de garantir o repasse do duodécimo.
Como observa Albano,
Nesse cenário de dificuldades, passou a existir uma posição contrária ao Governo, da parte de
todos, e da qual evidentemente souberam tirar proveitos os partidos e políticos adversários. Os
demais poderes constituídos estavam contra o Governo; funcionalismo público contra o Governo;
aquela parcela da sociedade que prestava serviços ou vendia bens ao Estado também estava contra
o Governo. Tudo isso causou um grande constrangimento, uma sensação de que a sociedade estava
dizendo: entramos em uma fria. (Albano, 2001, p.46)
Somavam-se a essa crise os problemas das empresas públicas estatais como a
Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (CODEMAT), a Companhia de Saneamento
de Mato Grosso (SANEMAT), a Companhia de Armazenagem e Silos de Mato Grosso
(CASEMAT), as Centrais Elétricas Mato-grossenses (CEMAT), a Companhia de Habitação
de Mato Grosso (COHAB) e o Banco do Estado de Mato Grosso (BEMAT), todas elas com
déficits tanto financeiros quanto na prestação de serviços à população.
181
Depois de uma profunda avaliação feita no final de 1995 e início de 1996, o
governo Dante de Oliveira decidiu que para o equacionamento da crise e a viabilização do
programa de desenvolvimento do Estado seria necessário organizar os gastos e melhorar o
desempenho da receita pública, capacitar o funcionalismo e equipar os órgãos visando à
melhoria da qualidade dos serviços prestados à população, o que implicaria a redefinição do
papel do Estado. Ainda, conforme Albano,
Naquele momento, já não se podia discutir políticas de desenvolvimento sem se considerar os
grandes desafios que estavam sendo colocados pelas transformações econômicas mundiais, o
fenômeno denominado globalização. (...) Decidimos, então, que as estratégias para o
desenvolvimento seriam a construção de um Estado necessário e eficiente; a redução dos
desequilíbrios regionais e sociais; e a modernização produtiva para uma inserção competitiva em
um mercado que já se delineava a partir do cenário macroeconômico internacional. A estratégia de
construção de um Estado necessário e eficiente implicava no saneamento das finanças públicas, na
melhoria do planejamento e eficácia na implementação de políticas governamentais, elevação dos
padrões de gestão e qualidade dos serviços públicos. (Albano, 2001, p.27, grifo nosso).
Neste sentido, em 1996, o governo estadual aderiu ao Programa Nacional de
Apoio à Administração Fiscal dos Estados Brasileiros (PNAFE), do Ministério da Fazenda,
financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e elaborou o Programa de
Reforma e Ajuste Fiscal do Estado
38
, observadas as diretrizes apontadas no Plano de Metas
em relação à organização do Estado. O objetivo geral da proposta desse programa de reforma
era “promover o pleno equilíbrio fiscal e financeiro do Estado, tornando-o mais eficaz no
fornecimento dos serviços públicos essenciais e na função estratégica de estimulador e
orientador do desenvolvimento econômico” (Programa de Reforma do Estado de Mato
Grosso, 1996, p.19). Foram estabelecidas como seus objetivos específicos: privatização,
extinção e municipalização de órgãos do Estado; revisão da previdência estadual;
reestruturação do serviço público estadual; redução do quadro de servidores; e retomada da
capacidade de investimento do Tesouro do Estado.
38
Mato Grosso foi um dos primeiros Estados a integrar o PNAFE, para o qual foram aprovados R$ 20,8 milhões
para serem aplicados em quatro anos. O programa de reforma do Estado foi coordenado pela equipe econômica
do governo, composta por Edison Garcia – Secretário de Planejamento; Maurício Magalhães – Secretário de
Administração; Valter Albano – Secretário da Fazenda; e Guilherme Muller –Secretário Extraordinário de
Modernização do Estado.
182
O projeto de reforma e ajuste fiscal do Estado de Mato Grosso foi discutido com
os segmentos organizados da sociedade, envolvendo a federação das indústrias, as centrais
sindicais de trabalhadores, clubes de serviços, setores de serviço e do comércio, pois o
objetivo do governo era conseguir o apoio da sociedade mato-grossense para a reforma do
Estado e desse modo viabilizar sua aprovação pela Assembléia Legislativa. Os setores
contrários à reforma, em sua maioria trabalhadores das empresas públicas em via de
privatização ou extinção, desenvolveram ações junto aos deputados estaduais para que eles
votassem contra a mesma, tendo em vista os enormes prejuízos que ela causaria à economia
do Estado e aos trabalhadores.
A partir da implementação do modelo de administração gerencial buscou-se a
recuperação financeira e econômica do Estado de Mato Grosso, para a qual foi desenvolvido o
programa de reforma do Estado, realizado em duas etapas. A primeira destas compreendeu a
extinção de órgãos, a privatização de empresas, a diminuição de custos da administração
direta e descentralização, a redução do quadro de servidores e a elevação da arrecadação; a
segunda etapa envolveu ações relacionadas à proposta de empréstimo junto ao Banco Mundial
para financiar os projetos do programa de reforma do Estado, tais como a modernização da
gestão fazendária, através da implantação do Sistema Integrado de Administração Financeira
(SIAF) e do Sistema Integrado de Administração Tributária (SIAT); plano de desligamento
incentivado; plano de licença especial sem remuneração, com gratificação extraordinária;
modernização das secretarias de planejamento e administração; reestruturação da
administração pública indireta; implantação do sistema de administração de recursos
humanos; revisão do sistema previdenciário, e revisão do setor agrícola.
O governo Dante de Oliveira, em parceria com o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), efetuou a privatização da CEMAT e a
extinção do BEMAT, da CODEMAT, da COHAB e da CASEMAT, transformou em
autarquia a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (EMPAER) e
municipalizou a SANEMAT. O resultado dessas ações foi a demissão de aproximadamente
7.200 funcionários públicos, que de acordo com a Secretaria de Planejamento significou um
economia mensal da ordem de 8 milhões de reais.
Em relação à política fiscal, foi elaborado o Plano Estratégico da Secretaria da
Fazenda com os seguintes objetivos: elevar a receita pública; modernizar a gestão fazendária,
fortalecer a consciência tributária; valorizar os recursos humanos fazendários. Para atingir
183
essas metas criou-se o Programa de Modernização da Gestão Fazendária, executado através
de projetos setoriais nas áreas da receita e modernização e educação tributária, cujo objetivo
era combater a sonegação fiscal, fortalecer as atividades econômicas e atrair novos
investimentos privados para o Estado. A política tributária do governo Dante de Oliveira
consistiu na desoneração do setor produtivo, entendido como âncora da geração de empregos
e renda e na transferência do imposto para o setor de consumo, medidas que acarretaram uma
elevação na alíquota
39
do ICMS sobre energia elétrica e telefonia de 25% para 30%.
Portanto, vê-se que as prioridades do primeiro mandato de Dante de Oliveira
foram a reforma do Estado e a sustentabilidade fiscal, consideradas elementos fundamentais
para garantir a governabilidade. Conforme declaração do próprio Dante de Oliveira,
No primeiro mandato, o grande desafio era um só: arrumar o Estado, consertar o Estado, resgatar a
credibilidade do Estado. O governo de Mato Grosso era uma instituição desmoralizada, não tinha
crédito, não pagava ninguém, não pagava funcionário em dia, não pagava 13º (...) o primeiro
mandato foi um mandato de ajuste interno, que nós adjetivamos arrumar a casa internamente,
colocar salário em dia, ajuste fiscal, privatizar empresas, extinguir empresas, criar o novo Estado,
as bases do novo Estado, moderno, para Mato Grosso.
Com base nas ações desenvolvidas neste sentido, pode-se afirmar que “criar as
bases do novo Estado” significou a adesão, sem restrições, ao programa de ajuste e
estabilização proposto pelo Consenso de Washington (1989), que tem por objetivo promover
o desmonte do Estado de bem-estar social e sinaliza na direção de um Estado mínimo. O
marco deste “consenso” inclui dez tipos específicos de reformas que foram, quase sempre,
implementados com intensidade pelos governos latino-americanos a partir da década de 1990:
disciplina fiscal; redefinição das prioridades do gasto público; reforma tributária; liberalização
do setor financeiro; manutenção de taxas de câmbio competitivas; liberalização comercial;
atração de capital estrangeiro; privatização de empresas estatais; desregulamentação da
economia; e mercado aberto e tratados de livre comércio. O projeto neoliberal centra-se na
inteira despolitização das relações sociais contrapondo-se a qualquer regulação política do
39
Em 2000, o governo Dante de Oliveira modificou a tributação de energia elétrica criando alíquotas
diferenciadas por faixas de consumo, de modo a beneficiar a população de baixa renda e os pequenos produtores
rurais. Também adotou medidas que reduziram o ICMS da cesta básica de 12% para 7%.
184
mercado por parte do Estado. O “Estado neoliberal” é decididamente pró-business, ou seja,
apóia as demandas do mundo dos negócios (Torres, 1995, p.116).
Observações semelhantes a esse respeito também são feitas por Moraes (1998):
Os principais traços das reformas neoliberais são praticamente os mesmos em todos os cantos do
planeta: redefinição (e limitação) das funções do Estado e de suas despesas; redução do número de
funcionários das entidades públicas e para públicos, o que, por exemplo, impõe a revisão do sistema
previdenciário, bem como de toda a legislação social; desregulamentação e privatizações, pelas
quais se alega submeter serviços públicos à vigilância saneadora da concorrência. O catecismo é
repetido, mude a geografia ou a ocasião (...) a reforma do Estado deveria transferir ao setor privado
as atividades produtivas em que este indevidamente se metera. (Moraes, 1998, p 121)
Em função disso, as políticas governamentais implementadas na América Latina e
demais países periféricos seguem as recomendações de instituições multilaterais
internacionais reguladoras dos Estados nacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial. Esses organismos financeiros desempenham funções político-estratégicas
fundamentais nos processos de ajuste e reestruturação neoliberal aplicados aos países da
periferia capitalista. Além disso, cumprem uma função eminentemente disciplinadora dentro
da economia capitalista internacional e, ainda, uma função ideológica de apoiar a pregação
neoliberal de modo a converter ao capitalismo e ao neoliberalismo todos os Estados nacionais.
“O Banco Mundial reflete a perspectiva neoliberal, constitui uma instituição central na
despolitização e positivização das políticas, exercendo um papel central no processo de
globalização do capitalismo” (Torres, 1995, p.123).
Na correlação de forças internacionais, os países da periferia capitalista pagam a
conta da crise do capital. Se considerarmos a especificidade brasileira, em que o Estado de
bem-estar social sequer chegou a se efetivar, veremos que a efetividade dos direitos sociais é
residual e, portanto, não há “gorduras” nos gastos sociais de um país com os indicadores
sociais que temos (Netto, 1996).
Concomitante à reforma do Estado, o governo Dante de Oliveira conseguiu, em
1997, renegociar a dívida pública com a União. A renegociação da dívida resultou em um
185
comprometimento de 15% da receita corrente líquida, enquanto outros Estados renegociaram
em 13%, 11% e até 9%, pois para a Secretaria do Tesouro Nacional os Estados mais
endividados deveriam comprometer um percentual maior para o pagamento da dívida. Vários
contratos ficaram fora do percentual acima apontado, visto ultrapassarem o limite
estabelecido pela legislação brasileira, os quais foram refinanciados elevando para 22% o
comprometimento da receita do Estado.
Vale ressaltar que a condição imposta pelo governo federal para a renegociação
desta dívida foi a reforma e o ajuste fiscal do Estado de modo que este entrasse em sintonia
com a política econômica desenvolvida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. O
depoimento de Dante de Oliveira é esclarecedor a esse respeito:
Tentamos negociar com o governo federal, e o governo federal naquele programa de privatização
sempre cobrando por que não se privatizava a CEMAT. Fomos ao BNDES, eu, Valter Albano e
Maurício Magalhães e mais algumas pessoas. O Luís Carlos Mendonça de Barros, que era o
presidente do BNDES, colocou a proposta na mesa dizendo: privatiza isso que eu adianto, já, um
dinheiro para vocês, ajudo vocês prepararem a CEMAT para ser vendida. Pedi para ele sair da sala
e fiquei com a equipe discutindo e falei: Temos que fazer isso mesmo, nós não temos dinheiro para
investimento na CEMAT, o nosso maior projeto é energético, não temos dinheiro nem para pagar a
folha do pessoal da CEMAT, então é um desastre. Que programa energético é esse que nós vamos
fazer para o Estado? Não tem dinheiro para investimento, do jeito que está a União também não
vai investir, melhor fazer a privatização (...) aí fechei o acordo naquele dia. Começamos a preparar
a privatização da CEMAT e a avançar no programa de reforma do Estado, fizemos um profundo
ajuste fiscal.
Ao final do seu primeiro mandato o governo em pauta havia implementado o
programa de reforma e ajuste fiscal do Estado, o qual, entretanto, não resultou no equilíbrio
fiscal, que só seria alcançado no ano de 2000, mas forneceu indicadores que sinalizavam para
um reaquecimento da economia do Estado, devido ao programa de privatização de empresas
estatais e pelo aumento de impostos sobre o setor de consumo. Segundo dados do IBGE, o
Produto Interno Bruto do Estado cresceu 22,6% no ano de 1999, em relação a 1995, ao passo
que, no mesmo período, o PIB brasileiro apresentou uma variação de 11,4%; entre 1997 e
186
1999, foram gerados mais de 100 mil empregos formais em Mato Grosso, uma variação de
9,6% no período, e houve uma taxa de desemprego de 7,4 %.
Porém, a crise fiscal dos Estados, aprofundada pela dívida pública, é apenas uma
faceta da crise do capital,que, segundo Fiori (1998), teve como causas, principalmente:
1. a ruptura das moedas nacionais com o dólar, com o fim do acordo de Bretton Woods, o que
ocasionou, na economia européia, um processo de estagflação, obrigando o ajuste nos planos macro
e microeconômicos, que foram responsáveis pelo aumento do desemprego e da carga social do
gasto público;
2. a elevação das taxas de juros mundiais, fazendo crescer, geometricamente, a dívida pública, o
que fez com que governos se submetessem à senhoriagem da dívida e à chantagem dos seus
credores privados e novos emissores endógenos da moeda;
3. a globalização financeira, que, pelo processo de desregulamentação, acabou colocando os
Bancos Centrais na condição de reféns dos mercados e agentes privados e desterritorializados.
Desde então, os Bancos Centrais temem estimular a demanda, pois podem provocar inflação, e
temem a inflação, porque aprisionados ao mercado global de ações, que se alimenta da ideologia
do livre mercado. Atualmente, nenhuma nação pode expandir sua maneira interna por longos
períodos sem que sua moeda sofra ataques nos mercados financeiros, que fazem enorme pressão
para que se elevem as taxas de juros e restrinja o crescimento. (Fiori, 1998, p.87)
Portanto, a minimização do Estado atendeu às exigências do receituário
neoliberal, como condição indispensável para que a economia brasileira se tornasse atraente
aos olhos dos investidores
40
estrangeiros. Neste sentido, “é cada vez com maior relevo que se
manifesta uma das tendências do imperialismo: criação de um ‘Estado-rentista’; de um
‘Estado-usurário’, cuja burguesia vive, cada vez mais, da exportação de seus capitais e do
‘corte de cupões de títulos’ ” (Lenin, 1987, p.123-24). O resultado desta estratégia é a redução
do papel do Estado à função exclusiva de guardião dos equilíbrios macroeconômicos, à
concepção de “Estado gendarme noturno”.
40
“Os padrões de financiamento adotados pelo governo brasileiro o foram através do pagamento de altas taxas
de juros, do volume alcançado e dos prazos de operações de liquidez, que só contribuem para a acumulação dos
bancos e de segmentos sociais que se beneficiam com as operações efetuadas com títulos públicos (...) Além
disso, a taxa real de juros elevada tem impacto sobre a dívida pública, o que significa uma grande transferência
de capital para os investidores”. (Peroni, 2003, p.49)
187
Além disso, Petras & Veltemeyer (2001) observam que
O Brasil representava, para o capital estrangeiro, um mercado emergente com enorme reserva de
recurso naturais e humanos e um ativo líquido altamente produtivo e oportunidades lucrativas.
Aproveitando essas oportunidades, o capital estrangeiro entrou rapidamente e em grande
quantidade sob as condições criadas pelo Plano Real e uma série de reformas financeiras e outras
reformas, um extenso plano de privatização e, por coincidência ou planejada, uma crise financeira
que foi manipulada, ou arranjada, por Wall Street. (Petras & Veltemeyer, 2001, p.43-4)
De acordo com Sales (1991), a privatização e a liberalização de certos serviços
públicos considerados essenciais e a sua transferência para instituições competitivas na área
da economia privada guindaram-se a palavra-chave do movimento, de radical neoclássico,
que visa a transcender os limites do Estado assistencialista em favor das relações de mercado.
A privatização, ou a posse privada do capital e outras fórmulas mais o menos próximas, como
a desnacionalização, a desestatização, a liberalização ou a desregulação, remetem-nos para a
tentativa de reformulação da forma e alcance da intervenção do Estado em relação à
sociedade civil, entendida esta simplistamente como domínio do privado. Mais, a própria
definição de Estado tende aqui a ser reconceptualizada no sentido de perpetuar uma
representação superficial do seu papel, ou do domínio público em geral, sem referência a
outros sistemas de poder e dominação de índole sociocultural ou econômica.
As políticas que visam a uma menor intervenção do Estado em favor de um maior
protagonismo do mercado, entre elas a privatização, têm-se imposto discursivamente pelas
virtudes supostas de contribuir decisivamente para o controle e equilíbrio das contas públicas;
para a reposição da verdade entre os setores produtivos público e privado, ao eliminar a
subsidiação a empresas estatais; e para o aumento da eficiência, da modernização, do
investimento produtivo, da competitividade e da flexibilização das organizações empresarias;
para a redução do poder dos sindicatos, nomeadamente pela desregulação do trabalho; e para
a criação de uma nova ordem fundada na orientação mercantil, que tem tentado consolidar-se
no plano teórico especificamente através da estratégia ou teoria da public choice, variante da
teoria de mercado neoclássica, em que se defende a aplicação do econômico à ciência política
e cujos pressupostos se balizam, resumidamente, no conceito de indivíduo como ator racional,
188
egocentrado, que persegue a maximização dos seus interesses privados quer na vida
econômica quer na vida política.
Trata-se, portanto, da predominância da lógica do capital em praticamente todas
as esferas da vida social, que por sua vez implica a crescente administração das atividades e
idéias de indivíduos e coletividades, e segundo a qual todos tendem a comportar-se
racionalmente com relação aos fins, realizando na prática a metáfora do homo economicus
(Estevão, 1998; Self, 1993; Ianni, 1998; Ianni, 1995).
Em síntese,
Esta re-hegemonização do mercado, refletida no grande leitmotif em que a privatização se
constituiu nos dias de hoje, tende, pois, a reduzir a intervenção política do Estado, a
desmonopolizá-lo, num movimento de absorção do político pelo econômico em que conceitos
como os de regulação econômica e social tendem, assim, a perder o sentido tal como as idéias de
política econômica e social, e em que a privatização da produção parece impor-se como uma
solução aos problemas da reprodução da própria sociedade. Este fenômeno (de re-hegemonização
do mercado) favorece objetivamente então a prevalência da privacy, o surgimento da
“refeudalização” da sociedade, em que o papel do Estado tem consequentemente de ser
reequacionado no sentido de compreender não tanto a sua contração mas a sua deslocação ou
desfocagem. (Estevão, 1998, p.46; gripo no original)
2.2.3 O Plano de Metas – Versão 1999/2002
No contexto de redefinição do papel do Estado, foi elaborado, em 1998, o Plano
de Metas – Versão 1999/2002, pela Frente Cidadania e Desenvolvimento composta pelos
partidos: Partido Social Democrata Brasileiro – PSDB, Partido da Mobilização Nacional –
PMN, Partido Socialista Brasileiro – PSB, e Partido Verde – PV, através da qual Dante de
Oliveira seria eleito para seu segundo mandato como governador do Estado de Mato Grosso.
Esse plano foi estruturado em duas partes:
189
Parte I – Visão Estratégica – envolvia os princípios, diretrizes e políticas globais
que orientariam o planejamento e as ações do governo estadual;
Parte II – Programa de Governo – continha a avaliação das realizações do período
de 1995/1998 e as propostas básicas para a ação do governo no período de 1999/2002, com
especificação das metas.
No Plano de Metas – Versão 1999/2002 foram estabelecidos como princípios
estratégicos a convergência com a política nacional para a realização de objetivos comuns de
desenvolvimento econômico e social; a parceria através da articulação de ações entre os
diferentes níveis do governo estadual e o setor privado para a promoção de investimentos e a
mobilização de recursos financeiros que possibilitasse elevar os patamares de
desenvolvimento do estado; a eficácia na utilização dos recursos públicos; e a seletividade no
sentido de eleger prioridades em relação às questões essenciais do processo de
desenvolvimento do estado (p.19-20).
O objetivo principal da Visão Estratégica era a sustentabilidade do
desenvolvimento regional em suas dimensões econômica, social, ambiental, política,
institucional e cultural. Assim, as ações do governo seriam orientadas tendo em vista a
realização de cinco objetivos específicos: promover o desenvolvimento para a cidadania;
transformar Mato Grosso em importante pólo agroindustrial; assegurar a conservação da
biodiversidade do estado; promover a integração regional e internacional; e assegurar o
equilíbrio fiscal.
De acordo com a Visão Estratégica a política governamental contemplaria quatro
macroquestões que compreenderiam os eixos estruturadores do processo de desenvolvimento:
I – A questão econômica – que privilegiaria eixos estruturadores que visavam
assegurar a agroindustrialização e competitividade à economia do estado como a implantação,
consolidação e modernização da infra-estrutura, a educação e capacitação profissional e o
desenvolvimento científico e tecnológico.
II – A questão social – que teria como seus principais eixos estruturadores a
saúde, a criação de novas oportunidades de trabalho e renda e o combate à pobreza.
190
III – A questão político-institucional – cuja ênfase recairia sobre a reforma
político-institucional com o objetivo de possibilitar a modernização da estrutura
administrativa do governo e viabilizar o Estado necessário. Para isso, a gestão pública deveria
fundamentar-se em uma nova prática de administração pública, isto é,na abordagem gerencial,
que concebe o Estado como formulador de políticas públicas estratégicas na área social,
científica, tecnológica e de infra-estrutura. O modelo de gestão pública para o período de
1999-2002 teria como eixos estruturadores a reorganização do Estado; a valorização do
servidor; a reforma dos serviços sociais básicos de responsabilidade pública como educação,
saúde, saneamento, etc.; a construção de melhores oportunidades de trabalho, renda e
qualificação e combate à pobreza; e o fortalecimento da infra-estrutura econômica.
IV – A questão ambiental – em cujo contexto, o processo de crescimento
econômico deveria ser associado a ações de proteção dos recursos naturais, o que requeria a
descentralização da gestão ambiental de modo a envolver o poder público municipal e a
sociedade organizada, bem como a implementação de programas de educação ambiental
(Visão Estratégica e Programa de Governo, 1998).
A opção, expressa no Plano de Metas, pela sustentação do crescimento econômico
como condição necessária para o desenvolvimento econômico e social do estado implicaria,
por um lado, a necessidade de recuperar a capacidade de financiamento dos investimentos,
uma vez que para sustentar o crescimento da economia mato-grossense à taxa de 7% ao ano
seria necessário investir o equivalente a 21% do PIB estadual; desse total o setor público
(União, Estado e Municípios) deveria participar com 20%, restando à iniciativa privada e
outras instituições nacionais e internacionais a integralização desse percentual; por outro lado,
exigiria do governo a continuidade da redução do déficit público através da contenção dos
gastos correntes.
Segundo o documento, não só
Uma taxa de crescimento adequada para viabilizar o desenvolvimento de Mato Grosso, estimada
em 7% ao ano, será possível à medida que o Estado recupere a sua capacidade de poupança e
investimentos, mas também à medida que as empresas privadas tenham oportunidades rentáveis
para investimentos, desde que orientadas para setores com relação produto-capital mais alta.
(Visão Estratégica e Programa de Governo, 1998, p.37)
191
Para viabilizar sua política de desenvolvimento sustentado o governo ora
focalizado, entre outras ações, criou, em 2000, o Fundo Estadual de Transporte e Habitação
41
(FETHAB), que arrecadou no primeiro ano de funcionamento cerca de 33 milhões de reais,
no segundo ano 95 milhões e no terceiro ano 111 milhões, conforme dados da Secretaria de
Estado de Fazenda.
O Programa de Governo contemplou as propostas básicas para a ação do governo
no período de 1999/2002, que foram definidas a partir de uma avaliação das realizações no
período de 1995/1998 e da nova ordem econômica mundial. Três princípios básicos –
democratização e descentralização, sustentabilidade e qualidade de vida, equidade social e
regional – fundamentaram as propostas e ações apresentadas nesse programa, as quais foram
subdivididas em vinte e três políticas contidas nos cinco objetivos que sintetizam o projeto de
desenvolvimento do Estado.
Em relação ao primeiro objetivo, o de “promover o desenvolvimento para a
cidadania”, foram apresentadas as seguintes políticas: de emprego e renda; educação; saúde;
saneamento; habitação; cultura; justiça e cidadania; segurança pública; desporto e lazer;
promoção social e dos povos indígenas. Para o alcance do segundo objetivo, “transformar
Mato Grosso em importante pólo agroindustrial”, foram contempladas as políticas de energia;
transporte; desenvolvimento agropecuário e florestal; desenvolvimento industrial e comercial;
desenvolvimento científico e tecnológico. Quanto ao terceiro objetivo, o de “assegurar a
conservação da biodiversidade”, foram propostas políticas de meio ambiente;
desenvolvimento mineral e desenvolvimento do turismo. “Promover a integração regional e
internacional”, quarto objetivo, abrangeria políticas de promoção e integração econômica e
cultural. Para “assegurar o equilíbrio fiscal”, quinto objetivo, seriam contempladas as políticas
de administração fiscal; administração geral, patrimonial, de recursos humanos e de
planejamento.
41
Esse Fundo foi criado para financiar o planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de obras e
serviços de transporte e de habitação em todo o território mato-grossense. Sua receita é proveniente do Imposto
sobre operações relativas à circulação de mercadorias, sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação (ICMS) previsto na legislação estadual para as operações internas com soja e
gado em pé; e da retenção e recolhimento do ICMS devido ao Estado de Mato Grosso nas operações com álcool
anidro, álcool hidratado, gasolina e óleo diesel.
192
Em função dos objetivos estabelecidos no Plano de Metas – Versão 1999/2002,
em que a educação ocupava lugar central na promoção do desenvolvimento econômico e
social do Estado de Mato Grosso, a proposta de política educacional desse plano se
fundamentou em quatro eixos:
1) reorganização do sistema educacional, através da formulação das leis que instituem o sistema
estadual de ensino e da gestão compartilhada da educação entre o Estado e os municípios;
2) fortalecimento da escola, através do programa de gestão democrática; da implantação do projeto
político-pedagógico; da informatização das escolas e do atendimento da demanda educacional e da
descentralização da merenda;
3) valorização e capacitação dos profissionais da educação, através da formulação da nova lei
orgânica dos profissionais da educação; da capacitação e formação de professores leigos; da formação em nível
de 3º Grau e do Ciclo Básico de Aprendizagem – CBA, além da profissionalização de funcionários ;
4) avaliação dos aspectos pedagógicos e de gestão do sistema educacional. (Visão Estratégia e
Programa de Governo, 1998)
Quanto a política de Educação Básica para o período de 1999/2002, o governo
Dante de Oliveira estabeleceu como metas:
1. garantir a profissionalização de todos os servidores da educação que tenham escolaridade, para
enquadramento na Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica (LOPEB);
2. garantir a gestão democrática e a autonomia da escola, nas ações de planejamento, execução e
avaliação de seus projetos, consolidando e fortalecendo a descentralização administrativa e
pedagógica;
3. assegurar a organização e funcionamento dos Conselhos Escolares Comunitários e Conselhos
Municipais de Educação, inclusive com a capacitação de seus membros;
4. consolidar e fortalecer a co-responsabilidade entre Estado, município e comunidades escolares,
na gestão única e ensino básico;
193
5. prover as unidades escolares de padrões básicos de ambiente físico, tecnológico e instrumental
pedagógico;
6. fortalecer e ampliar os programas e projetos de profissionalização dos trabalhadores da
educação, valendo-se, principalmente, da modalidade de educação a distância;
7. ampliar a oferta de vagas no ensino médio em 50%;
8. reduzir para 10% as taxas de evasão e repetência no ensino fundamental. (Visão Estratégica e
Programa de Governo, 1998, p.46-7)
A política de Educação Superior, por sua vez, daria ênfase ao papel da
Universidade Estadual de Mato Grosso na formulação e execução das políticas públicas
relativos à educação e ao meio ambiente. Neste âmbito, foram estabelecidas as seguintes
metas:
ampliar as ações de formação de docentes da rede pública de ensino básico; atuar na capacitação
profissional da força de trabalho, prioritariamente dos servidores públicos; intensificar o programa
de avaliação institucional, visando à melhoria da qualidade de ensino, com a efetiva participação
da sociedade; e implantar política diferenciada para o acesso de alunos à universidade. (Visão
Estratégica e Programa de Governo, 1998, p. 48)
Ao atribuir centralidade à educação no processo de desenvolvimento econômico e
social do estado de Mato Grosso, o governo Dante de Oliveira fundamentava sua proposta de
política educacional em uma concepção neo-economicista da educação. Para esta perspectiva,
“a educação serve para o desempenho no mercado e sua expansão potencializa o crescimento
econômico. Nesse sentido, ela se define como a atividade de transmissão do estoque de
conhecimentos e saberes que qualificam para a ação individual competitiva na esfera
econômica, basicamente no mercado de trabalho” (Gentili, 1998, p.104).
Este enfoque tem orientado a atividade educacional a partir da categoria da
sociedade do conhecimento, que preconiza conceitos como a formação para a
competitividade; qualificação e formação flexível, abstrata e polivalente; e qualidade total.
194
Ele desloca o eixo do planejamento em educação da quantidade para a qualidade, enfatizando
a criação e aplicação de mecanismos de controle da qualidade do sistema escolar, inspirados
nas práticas produtivo-empresariais, de modo que garantam uma dinâmica de eficiência
seletiva (Gentili, 1994; Gentili, 1998-a).
Conforme Suárez (2000), o que se pretende é “modernizar a educação” e “ajustá-
la às demandas colocadas pela sociedade” capitalista ou pelas exigências de qualificação-
disciplinamento ditadas pelo mercado de trabalho, surgidas da reconversão econômica e
social que certos grupos de poder têm empreendido no mundo capitalista contemporâneo. O
autor explica que
toda esta transmutação está direcionada para consolidar uma mudança de sentido que envolve a
função do aparato escolar com respeito à formação e reprodução de sujeitos sociais. Trata-se de
conduzir os esforços formativos da escola em direção à constituição de consumidores-mais-
perfeitos, redefinindo sua antiga intencionalidade e tendência de formar cidadãos. (Suárez, 2000,
p.262; grifo no original)
2.3 Política educacional e participação política no governo Dante de
Oliveira
Com o objetivo de colocar o sistema educacional do Estado em outro patamar de
“eficiência, qualidade e eqüidade”, o governo Dante de Oliveira estabeleceu como eixos
fundamentais de sua proposta de política educacional a reorganização do sistema educacional,
o fortalecimento da escola, a valorização e a profissionalização do magistério, e a avaliação
do sistema educacional, ou seja, aqueles quatro eixos já referidos na proposta de política
educacional da Visão Estratégica e Programa de Governo (1998).
O primeiro destes eixos, a reorganização do sistema educacional, na perspectiva
do que dispõe o art. 244 da Constituição do Estado de Mato Grosso, efetivar-se-ia a partir da
195
gestão compartilhada entre o Estado e os Municípios, visando à universalização do ensino
básico e a promover a descentralização administrativa, racionalizar o uso das estruturas
educacionais e garantir a aplicação dos recursos constitucionais da educação.
Já o fortalecimento da escola implicaria a implantação da gestão democrática da
qualidade da educação que envolveria a transferência automática e sistemática de recursos
financeiros para as escolas, a existência e funcionamento de conselhos ou colegiados
escolares que garantissem a participação de pais, alunos, professores e funcionários na gestão
das unidades escolares; a escolha da direção da escola por critério de conhecimento e
liderança, com participação da comunidade, e a elaboração do plano de desenvolvimento da
escola. Nesta concepção,
a escola passa a ser o centro do processo educacional. Ela passa a ser a responsável por sua
eficiência e pela qualidade do ensino que ministra. A Secretaria deixa de ser a operadora da rede,
preocupada com definição de normas e padrões e com o dia-a-dia da escola. Sua nova função é a
de apoio, principalmente àquelas escolas que enfrentam dificuldades na construção de sua
autonomia e de sua eficácia. (Educação no Estado de Mato Grosso – realidade e propostas, 1995,
p.22)
Com essas medidas objetiva-se promover a participação e maior democratização
do processo de decisão.
A valorização e a profissionalização do magistério, por sua vez, consistiriam em
garantir aos docentes as condições funcionais (carreira, espaço para participação, tempo),
financeiras (remuneração), técnicas (capacitação e treinamento) e materiais (material didático
e de apoio) para o exercício de suas funções na escola. Esse objetivo se concretizaria por meio
de um programa de qualificação a ser desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação do
qual a participariam a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e a Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT) na formação e capacitação de recursos humanos das redes
de ensino; de um projeto de carreira e remuneração que implicaria o comprometimento de
parcela dos recursos da educação destinada a salários e encargos e a reestruturação da
carreira; e da maior participação na gestão da escola tanto no conselho/colegiado escolar
quanto na elaboração do projeto político-pedagógico da unidade escolar.
196
Finalmente, a avaliação do sistema educacional abrangeria a aprendizagem dos
alunos, o desempenho do professor e a eficácia da escola e do sistema. Os resultados da
avaliação serviriam de base para a formulação ou reformulação das políticas, planos,
programas, projetos ou atividades pedagógicas, técnicas e gerenciais que envolvessem o
sistema e as escolas (Educação no Estado de Mato Grosso – realidade e propostas, 1995).
Visando á reforma do sistema educacional, fora apresentada, em 1996, uma
proposta de emenda constitucional a todo o capítulo da educação da Constituição Estadual de
Mato Grosso. Essa proposta, sintetizada no projeto de Sistema Único e Descentralizado de
Educação Básica
42
(SUDEB), tinha como objetivos:
a integração dos poderes constituídos, a integração política, normativa e executiva dos serviços
públicos de educação básica, a fusão dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos,
a unificação das redes escolares sem distinção de unidades federais, estaduais e municipais
localizadas no território do estado, de modo a evitar os paralelismos, as discriminações no
atendimento aos alunos e no trato aos profissionais da educação, a duplicidade de meios para fins
idênticos e atividades concorrenciais, buscando a universalização da educação básica de qualidade
para todos os habitantes do estado.(Sistema Único Descentralizado de Educação Básica, 1996,
p.66)
Conforme a proposta de emenda, caberia ao Estado a organização do Sistema
Único Descentralizado da Educação Básica, com a gradual incorporação dos sistemas
municipais, com base nos seguintes imperativos:
I– Vinculação e automatização dos repasses dos recursos previstos na Constituição ao Fundo de
Desenvolvimento Educacional do Estado de Mato Grosso (FUNDEMAT);
II– criação do Conselho de Gestão Educacional, presidido pelo Secretário de Estado de Educação e
composto paritariamente pelo governo do Estado e por representação da sociedade;
42
O projeto do Sistema Único Descentralizado de Educação Básica – SUDEB – foi elaborado pelo Instituto
Paulo Freire sob encomenda da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.
197
III– fixação de um padrão de gestão democrática e de qualidade para as unidades escolares, que
amplie a autonomia pedagógica, financeira, administrativa e de gestão de pessoal;
IV– profissionalização dos trabalhadores da educação, garantindo plano de carreira unificado para
o magistério e servidores técnico-administrativos, com fixação de piso salarial profissional,
jornada de trabalho de no máximo 40 horas, destinando-se 20% a 50% da mesma ao trabalho
pedagógico extra-classe, ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,
assegurando-se o regime jurídico único e padrão comum de remuneração para as instituições
mantidas pelo Estado e Municípios;
V– definição da política estadual de qualificação dos trabalhadores da educação, que garanta a
titulação docente universalizada em nível de 3º grau e a capacitação, permanente de professores e
técnico-administrativos;
VI– definição da política de modernização pedagógica e gerencial das unidades escolares;
VII– instituição do programa estadual de avaliação do ensino. (Proposta de Emenda Constitucional
– SEDUC, 1996)
A Constituição Estadual de Mato Grosso estabelece que cabe à Assembléia
Legislativa “qualquer iniciativa, revisão, fiscalização e atualização das leis, regulamentos ou
normas necessárias ao desenvolvimento da educação escolar pública e privada” (art. 240),
competência que é retirada do texto pela emenda constitucional. Outro ponto polêmico diz
respeito à aplicação dos recursos constitucionais da educação, dado que a Constituição
Estadual determina que o Estado e os Municípios deverão aplicar “nunca menos de trinta e
cinco por cento da receita resultante de impostos” (art. 245), enquanto que, segundo a emenda
constitucional a aplicação dos recursos seria reduzida de 35% para 28%, em relação ao
Estado, e de 35% para 25% nos Municípios.
Relativamente à gestão, o sistema único e descentralizado se apoiaria em quatro
grandes princípios: na gestão democrática, comunicação direta com as escolas, autonomia da
escola e avaliação sistêmica permanente. Além disso, a gestão do SUDEB se processaria nos
níveis deliberativo e executivo. O nível deliberativo compreenderia a formulação de políticas
e a legislação e normatização do sistema, que ficariam a cargo do Conselho Estadual de
Gestão Educacional, com a participação de representantes do governo estadual, dos governos
municipais e de segmentos organizados da sociedade civil no âmbito do Estado. A estrutura
198
para o gerenciamento do sistema neste nível deliberativo, seria constituída pelo Conselho
Estadual de Gestão Educacional composto pelas câmaras de educação fundamental, ensino
superior, políticas socioeducacionais e uma secretaria executiva, além dos Conselhos
Municipais de Educação. O nível executivo de gestão se encarregaria da operacionalização
das políticas, cujos responsáveis seriam a Fundação Educacional e as secretarias municipais
de educação.
A implantação do SUDEB implicaria uma redefinição na composição, estrutura e
funcionamento do Conselho Estadual de Educação, que seria transformado no já reerido
Conselho Estadual de Gestão Educacional (CEGE), com funções normativa, consultiva e
fiscalizadora da política educacional e de seu financiamento.Para isso, foram propostas as
seguintes medidas:
1– atualização legal da estrutura, atribuições e funcionamento do atual Conselho Estadual de
Educação;
2– recuperação e ampliação da delegação de competências;
3– recuperação da infra-estrutura e dotação de meios para o funcionamento regular do Conselho;
4 – fortalecimento da assessoria técnica do Conselho;
5 – ao CEGE, além das atribuições normativas, deverão estar afetas, como seu próprio nome
indica, a aprovação das diretrizes que deverão nortear as políticas, os planos, programas e projetos
da Secretaria de Estado da Educação. (Sistema Único Descentralizado de Educação Básica, 1996,
p.85)
A participação da chamada sociedade civil no processo de tomada de decisões
quanto às políticas públicas de educação seria contemplada na composição do SUDEB, que
envolveria a representação de pais, de alunos, de professores, da administração da escola, do
órgão municipal de educação, do conselho deliberativo escolar, da Fundação Educacional, do
Conselho Municipal de Educação, da Secretaria de Estado de Educação e do Conselho
Estadual de Gestão Educacional. “Nesse conjunto de pessoas, órgãos ou instâncias,
encontramos os elementos constitutivos do sistema, as instâncias ou pessoalidades que lhe dão
199
vida e identidade. Esse conjunto forma o corpo do sistema, e as relações existentes entre eles
a dinamicidade que permite o crescimento do mesmo” (Sistema Único Descentralizado de
Educação Básica, 1996, p.67).
Essa definição dos papéis dos diversos atores evidencia claramente a transferência
da responsabilidade do poder público para a chamada sociedade civil, desobrigando-o da
execução das políticas de educação em nome da autonomia da escola e da indução da
organização dos setores populares. Deste modo, a Secretaria de Estado de Educação, passaria
a assumir funções de coordenação do processo de formulação de diretrizes e políticas
educacionais, e de articulação das alianças e parcerias com as demais instâncias de governo e
com entidades e agências da chamada sociedade civil. Na proposta de emenda constitucional,
a educação seria “mantida, expandida e qualificada” com a ação cooperada do Estado, dos
Municípios e da sociedade, deixando de constituir-se dever do Estado. Com isso, abre-se a
possibilidade para a terceirização e privatização dos serviços de educação, o que, segundo
Warde (1998) tem por objetivo: “a)adequar as políticas educacionais ao movimento de
esvaziamento da política de bem-estar social; b)estabelecer prioridades, cortar custos,
racionalizar o sistema, enfim, embebedar o campo educativo da lógica do campo econômico;
c) subjugar os estudos, diagnósticos e projetos educacionais a essa mesma lógica”. (Warde,
1998, p.11)
Além disso, Ferreiro (1993) destaca o fato de que
O Estado delega ao setor privado a maior parte de suas obrigações e retém somente aquelas de tipo
assistencial para os setores cujo poder aquisitivo não lhes permite pagar por um serviço necessário.
A noção de direito à saúde, moradia e educação perde assim seu sentido global. Em lugar de os
cidadãos reclamarem um direito, estabelece-se, como se fosse “normal”, que eles “comprem”
serviços. Aqueles que não podem comprá-los devem conformar-se com uma ação assistencial do
Estado, que se limita a dar o mínimo necessário (e, frequentemente, bem abaixo do mínimo
requerido para manter os níveis de subsistência e funcionamento degradado dessa parcela da
população. (Ferreiro, 1993, p.59)
200
O viés descentralizador que marcou as políticas públicas de educação do governo
Dante de Oliveira atendia às pressões dos organismos internacionais de financiamento dos
programas sociais que interpretam a descentralização como parte do processo de reforma do
Estado, visando a transferir os custos das políticas sociais para o nível local e, no limite para a
chamada sociedade civil, estratégia esta orientada para a privatização destes setores; o Banco
Mundial, neste contexto, propõe a descentralização, a primazia do ensino básico, a avaliação
das instituições educacionais e a capacitação em serviço.
De acordo com esses organismos,
a postulação de uma maior eficácia e eficiência da gestão descentralizada de políticas públicas, as
reformas descentralizadoras seriam benéficas não somente aos diferentes públicos-alvos das
diversas modalidades de intervenção estatal mas também ao conjunto da sociedade que, em última
análise, arca com os custos inerentes à sustentação tributária das políticas do Estado. (Zauli, 1999,
p.45)
Coraggio (1998) observa que a política educativa do Banco mundial tem como
marco metodológico a teoria econômica neoclássica, concebe a escola como empresa, os
fatores do processo educativo como insumo e eficiência e as taxas de retorno como critérios
principais de decisão. Portanto, a descentralização aparentemente acontece para que os
estabelecimentos tenham melhores condições de atender às necessidades locais e sejam mais
eficientes na operacionalização de recursos; porém, na realidade, ela reduz a capacidade de
inserção de determinados setores (sindicatos, associações de estudantes, etc.) na formulação
desta política.
A autonomia da escola, o financiamento da educação, a avaliação dos sistemas
educativos são parte do projeto de descentralização defendido pelos organizamos
internacionais e representam o controle de qualidade e o processo de terceirização dos
principais projetos de política educacional. “O projeto de autonomia da escola é uma das
estratégias para que se reduza a ação estatal, através da descentralização do processo de
tomada de decisões e da gestão, movimentando-se em direção à ponta do sistema para a
instituição responsável diretamente pela prestação de serviços” (Farah, 1994, p.220).
201
Essa proposta provocou intensa movimentação por parte dos trabalhadores da
educação pública de Mato Grosso, visto que o governo propunha a substituição do Sistema
Único de Ensino
43
pelo Sistema Único Descentralizado de Educação Básica, o que do ponto
de vista do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (SINTEP),
significava um retrocesso em relação às conquistas obtidas na Constituição Estadual,
considerada uma das mais avançadas no que diz respeito às questões educacionais. O SINTEP
elaborou documentos de crítica e de questionamentos à proposta do governo, que foram
divulgados junto às universidades públicas, ao Conselho Estadual de Educação, à União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), à Delegacia do MEC, aos
sindicatos de Professores da UNEMAT e da UFMT, à Associação Mato-grossense de
Estudantes (AME), aos Partidos Políticos, às Secretarias de Estado de Educação, Fazenda,
Planejamento, Administração, Modernização do Estado e Casa Civil, e às lideranças das
bancadas na Assembléia Legislativa. Concomitante a essas ações, o SINTEP promoveu o
debate acerca do SUDEB nas escolas públicas de Mato Grosso, assim como pressionou o
governo para a convocação do Colegiado Estadual de Educação
44
que só ocorreu em junho de
1996.
As principais críticas formuladas ao projeto do SUDEB foram sintetizadas no
Boletim Informativo do SINTEP:
O SINTEP não aceita a formulação do “Sistema Único Descentralizado de Educação Básica” nos
termos propostos pela versão preliminar do Instituto Paulo Freire. A descentralização radical da
proposta é a atomização das escolas, como se o sistema pudesse ser concebido como a simples
soma de unidades escolares absolutamente autônomas.
Há um razoável grau de afastamento da acumulação histórico-social que conformou o sistema
público em Mato Grosso. Ademais, há problemas conceituais graves sobre o fenômeno
educacional, ao retomar o vínculo direto entre educação e desenvolvimento, educação e
competitividade, com certa tendência de superdimensionar a responsabilidade da escola na
superação de problemas estruturais da sociedade.
43
Conforme o art. 244 da Constituição Estadual “Os sistemas estadual e municipais de ensino passam a integrar
o Sistema Único de Ensino. Ao Estado caberá organizar e financiar o sistema de ensino e prestar assistência
técnica e financeira aos municípios para a gradual integração em um Sistema Único de Ensino, na forma da lei”.
44
O Colegiado Estadual de Educação foi constituído em maio de 1995, sendo composto por representantes da
SEDUC, do SINTEP e da Assembléia Legislativa.
202
Se, por um lado, a proposta reconhece a necessidade de mais investimento em educação básica,
por outro, limita suas formulações à alteração gerencial fundada no controle de resultados
estatísticos, no repasse de recursos diretamente a cada unidade escolar segundo o número de seus
alunos freqüentes, responsabilizando-a integralmente pelos seus custos, impondo às comunidades
a constituição de personalidades jurídicas de direito privado para gerenciar recursos públicos e
operar fontes diversas para recursos adicionais.
Não respondendo à superação de enormes desigualdades culturais, econômicas e éticas que
permeiam as sociedades locais de ocupação recente, problema que não é menor em Mato Grosso.
Antes, propõe a excelência como conduta que não alcança universalidade, mais próxima da
concepção de Poder Público como prestador de serviços do que promotor de direitos.
Não apresenta uma instância integradora do sistema, responsável pela expansão e pelas políticas
corretivas de rumos no sentido de favorecer a equidade e a garantia do direito à educação pública e
gratuita de qualidade.
Não veda a destinação de recursos a estabelecimentos privados ao tempo em que acusa,
equivocadamente, aos “usuários – pais e alunos –, aos prestadores de serviços, professores,
especialistas e servidores técnico-administrativos”, de não se sentirem “responsáveis e, por isso,
não participam ou fazem parcial e indolentemente”, isentando de críticas as práticas comuns dos
Poderes Públicos em Mato Grosso no trato da administração e do respeito às mínimas condições
de trabalho, remuneração, investimento e democratização da gestão. (Educação em Alerta –
Boletim Informativo SINTEP, 1996, p.2)
A defesa do Sistema Único tal como determina a Constituição Estadual, o envio
da proposta
45
de Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica de Mato Grosso para a
Assembléia Legislativa, a criação da Fundação Educacional do Sistema Único e a Lei de
Gestão Democrática constituíram a pauta de reivindicações que referendou a greve de agosto
de 1996. A mobilização dos trabalhadores da educação (onze dias em greve e de intensas
negociações, trinta e duas horas de ocupação da Secretaria de Estado de Educação) resultou
na assinatura, pelo governo Dante de Oliveira, em 29 de agosto de 1996, do documento
“Escola Pública: Compromisso por Mato Grosso”, que tinha em vista a construção de uma
proposta em conjunto com os trabalhadores da educação, o ato implicou a retirada do projeto
do SUDEB da discussão e da proposta de emenda à Constituição Estadual elaborada pela
SEDUC.
45
Essa proposta fora elaborada em 1995 por uma comissão paritária composta por representantes do governo e
dos trabalhadores da educação.
203
Esse Compromisso consubstanciava as seguintes ações:
1 – Reorganização do Sistema:
– automatização dos recursos constitucionais de modo a garantir absoluta segurança e
transparência no trato dos ativos financeiros da Educação;
– reestruturação do Fundo Estadual de Educação transformando-o em Fundo Estadual de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica;
– reestruturação do Conselho Estadual de Educação transformando-o em Conselho Estadual de
Gestão Educacional;
– aprofundamento do debate em torno da viabilidade da implantação da Fundação Educacional de
Mato Grosso.
2 – Fortalecimento da Escola:
– elaboração da Lei da Gestão Democrática;
– elaboração de decreto que regulamente funcionamento dos Conselhos Deliberativos Escolares,
possibilitando que estes possuam personalidade jurídica;
– aprofundamento dos mecanismos e critérios para o repasse direto dos recursos às unidades
escolares;
– esforço conjunto pelo aperfeiçoamento e aprovação do Projeto de Lei 67/96 que aumenta os
recursos destinados ao repasse para as escolas.
3 – Profissionalização de Professores e Funcionários da Educação:
– manutenção do programa de qualificação docente consorciado com as universidades públicas e
implementação do programa de profissionalização dos funcionários da educação;
– garantia do envio da Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica ao Legislativo,
mantendo a matriz conceitual e operacional oriunda da Comissão Paritária;
204
– instituição dos mecanismos para fixação do piso salarial de professores e funcionários da
educação, em lei própria.
4 – Avaliação:
– criação de um modelo de avaliação sistêmica e processual. (Sistema Único de Educação Pública
Básica para Mato Grosso – a formulação do SINTEP, 1996, p.25-7, grifo no original)
A elaboração dos anteprojetos de lei sobre a reorganização do Sistema Estadual de
Ensino foi precedida pela realização de seminários, debates, promovidos pelo SINTEP e pela
I Conferência Estadual de Educação, realizada em novembro de 1996, neles foram abordados
os eixos norteadores. As resoluções da I Conferência Estadual de Educação apontaram para a
implantação do Sistema Único de Educação Básica conforme determina a Constituição
Estadual de Mato Grosso, estabelecendo um sistema único sob a responsabilidade do Estado e
Municípios. Contudo, a SEDUC, desconsiderando a deliberação da sociedade mato-grossense,
insistiu no encaminhamento da gestão compartilhada
46
e da gestão única sem a
regulamentação legal do sistema único de educação básica.
Somente em 1998, após muita mobilização e pressão dos trabalhadores da
educação, o governo Dante de Oliveira encaminhou à Assembléia Legislativa os projetos de
lei do sistema estadual de ensino
47
, da carreira dos profissionais da educação básica e da
gestão democrática. Esses projetos foram apreciados e, posteriormente, aprovados na sessão
de 16 de setembro, na forma de Emenda Constitucional Nº 12, Lei Complementar Nº 49/98 –
que institui o Sistema Estadual de Ensino, Lei Nº 7.040/98 – que estabelece a Gestão
Democrática do Ensino Público Estadual e Lei Complementar Nº 50/98 – que dispõe sobre a
Carreira dos Profissionais da Educação Básica.
Na avaliação do SINTEP, esses documentos
46
No período de 1995 a 1997, o governo Dante de Oliveira, a partir de sua política de descentralização
administrativa, firmou convênios de gestão compartilhada com 96 municípios.
47
Essa lei define que a instituição do sistema único de educação básica se efetivará quando 15% dos municípios
tiverem adotado o regime de gestão única da educação básica, os quais devem formalizar sua adesão mediante a
apresentação de plano municipal de educação qüinqüenal contendo programas conjuntos envolvendo o Estado e
o Município a ser apresentado ao Conselho Estadual de Educação.
205
São leis que ampliam os direitos da categoria e da sociedade mato-grossense. (...) Foram 4 anos de
uma teimosa luta, de muita mobilização e de resistência. Caminhamos, ocupamos gabinetes,
corredores e as ruas com a nossa coragem, com firme determinação daqueles que sabem o que
quer. Somos responsáveis e construímos nosso direito na luta, arrancamos a lei na marra.
(Educação em Alerta – Boletim Informativo SINTEP, 1998, p. 1)
De acordo com a LC nº 49/98, a gestão democrática da educação norteará todas as
ações de planejamento, elaboração, organização, execução e avaliação das políticas
educacionais, constituindo organismos integrantes da gestão do sistema estadual de educação
o Conselho Estadual de Educação, o Fórum Estadual de Educação
48
e os Conselhos
Deliberativos das Comunidades Escolares
49
.
2.4 O novo perfil do Conselho Estadual de Educação e as forças sociais que
dão forma à dinâmica de tomada de decisões
A LC nº 49/98 configurou um novo perfil para o Conselho Estadual de Educação
definindo-o como órgão colegiado de caráter normativo, consultivo e deliberativo e como
órgão fiscalizador das políticas públicas e de assessoramento superior da Secretaria de Estado
de Educação, com as seguintes competências (art.33):
48
Em relação ao Fórum Estadual de Educação, a LC Nº 49/98 estabelece que ele deve ser promovido e
convocado pela Secretaria de Estado de Educação, pelo Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública, pela
Comissão de Educação da Assembléia Legislativa, pelo Conselho Estadual de Educação e pela Associação
Mato-grossense dos Estudantes e integrado por representantes indicados pelos diversos segmentos educacionais
da sociedade mato-grossense (UNDIME, SINTEP, AME, CEE, SEDUC, Universidades, etc.). O Fórum tem por
objetivo promover, trienalmente, as Conferências Estaduais de Educação e propor as diretrizes para a formulação
da política pública estadual de educação.
49
Conforme a Lei nº 7040/98 a autonomia político-pedagógica e administrativa da escola pública se efetivaria
através da organização e funcionamento dos Conselhos Deliberativos da Comunidade Escolar, da escolha do
diretor de escola e da transferência automática e sistemática de recursos às unidades escolares.
206
I – participar da elaboração da política educacional do Estado;
II – acompanhar e avaliar a execução da política educacional do Estado;
III – participar da elaboração das políticas públicas da Educação Básica e Superior, conjuntamente
com órgãos públicos e particulares que atuam nessas áreas ou que possuem ações específicas nas
áreas de educação infantil, educação indígena, educação especial, educação de jovens e adultos,
formação profissional básica, técnica e tecnológica;
IV – avaliar e fiscalizar a execução das políticas públicas nas áreas mencionadas no inciso
anterior;
V – normatizar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da legislação educacional no
âmbito do Estado;
VI – fiscalizar o cumprimento da legislação educacional no Estado;
VII – emitir parecer sobre assuntos e questões de natureza educacional que lhe forem submetidos
pelos Poderes Executivo e Legislativo e outras instituições;
VIII – emitir parecer sobre assunto da área educacional, por iniciativa de seus conselheiros ou
quando solicitado pelo Secretário de Estado de Educação;
IX – exercer as demais atribuições que a legislação federal confere aos Conselhos Estaduais de
Educação e bem assim, no que couber, no âmbito estadual, as que são consignadas no Conselho
Nacional de Educação em relação ao Sistema Federal de Ensino;
X – elaborar e alterar seu regimento a ser aprovado pelo Governador do Estado
.
A Lei Complementar nº 77, de 13 de dezembro de 2000, alterou dispositivos da
LC nº 49/98, entre estes os artigos 32, 33, 42 e 43 que se referem ao Conselho Estadual de
Educação. Conforme essa lei, o Conselho Estadual de Educação passa a ser definido como
órgão colegiado de caráter normativo, consultivo, deliberativo e de assessoramento superior
da Secretaria de Estado da Educação, excluindo de suas funções a de fiscalização das políticas
públicas e incluindo como suas atribuições, além das constantes na LC nº 49/98 autorizar e
reconhecer cursos e credenciar estabelecimentos de ensino, fixar normas para a fiscalização
dos estabelecimentos de ensino público e privado, autorizar e reconhecer cursos de
instituições de ensino pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino e credenciar
207
estabelecimentos para oferta de Educação Básica e Profissional na modalidade de Educação a
Distância (art. 33).
A estrutura orgânica do Conselho Estadual de Educação passa a ser constituída
pelo Colegiado e pelos órgãos de administração. Fazem parte do Colegiado: o plenário, órgão
deliberativo, composto por todos os membros do Conselho, que se reúne quinzenalmente, em
sessão ordinária e, extraordinariamente, por convocação do presidente, sempre que houver
matéria urgente a ser examinada; a presidência, órgão de direção superior do Conselho, que é
eleita, em votação secreta, pelos membros do Conselho; as Câmaras de Educação Superior e
Educação Básica, órgãos executivos do Conselho, cada uma integrada por onze conselheiros,
que se reúnem para estudos e deliberações específicas às suas áreas de competência; e as
Comissões, permanentes e especiais, criadas para tratar de assuntos específicos por
determinação do plenário ou Câmara. Os Órgãos de Administração são responsáveis pelo
funcionamento operacional do Conselho e subdividem-se em: direção executiva;
coordenadoria educacional; coordenadoria técnica; coordenadoria administrativa e financeira.
Ao instituir a participação dos segmentos organizados da chamada sociedade civil
na elaboração e execução das políticas públicas educativas, a LC nº49/98 conferiu ao
Conselho Estadual de Educação um perfil mais democrático e participativo, na medida em
que assegura a representação paritária entre governo e sociedade, nomeadamente dos
profissionais da educação, da associação de pais, da associação de estudantes, do Conselho da
Criança e do Adolescente, dos secretários municipais de educação, das centrais sindicais de
trabalhadores, do ensino privado, das federações empresarias, do Conselho de Educação
Indígena, das instituições de educação especial e da Secretaria de Estado de Educação. Seus
vinte e dois conselheiros e respectivos suplentes são escolhidos por suas entidades, através de
processo coordenado pela Secretaria de Estado de Educação, que indicam, em listas tríplices,
os nomes a serem encaminhados ao governador do Estado para nomeação, a fim de
cumprirem mandado de dois ou quatro anos; não há necessidade de vinculação do indicado ao
segmento que irá representar. Os conselheiros são distribuídos entre as Câmaras de Educação
Básica e de Educação Superior conforme demonstram as tabelas 1 e 2 a seguir.
208
Tabela 1 – Conselheiros da Câmara de Educação Básica
Nº de representantes Câmara de Educação Básica Mandato (em
anos)
1 Sindicato dos Trabalhadores da Educação Básica 4
1 Sindicato das Escolas Particulares de Mato Grosso 4
1 União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME)
4
1 Conselho Estadual da Educação Indígena 4
1 Conselho Estadual de Defesa da Criança e do
Adolescente (CDCA)
4
1 Instituições de Educação Especial 4
1 Associação de Pais 2
1 Associação de Alunos da Educação Básica 2
1 Centrais Sindicais dos Trabalhadores (CUT/MT) 2
1 Federações Empresariais (FAMATO,FIEMT e
FECOMÉRCIO)
2
Tabela 2 – Conselheiros da Câmara de Educação Superior
Nº de representantes Câmara de Educação Básica Mandato
1 Universidades Públicas 4
1 Universidade Privadas 4
1 Instituições Públicas Isoladas de Ensino Superior 4
1 Instituições Privadas Isoladas de Ensino Superior 4
1 Sindicato dos Trabalhadores da Educação Superior 4
1 Comunidade Científica e Cultural 4
1 Associação de Alunos Universitários 2
1 Federações Empresariais (FAMATO,FIEMT e
FECOMÉRCIO)
2
1 Centrais Sindicais dos Trabalhadores (CUT/MT) 2
1 Conselhos de Classe (OAB, CORECON, CREA, CRM,
CRF, COREN, CRO)
2
Participaram da definição dos critérios de escolha das entidades o próprio CEE, a
Secretaria de Estado de Educação, a Comissão de Educação da Assembléia Legislativa e o
SINTEP. Nesse processo, deu-se ênfase à participação das entidades ligadas à educação como
forma de garantir legitimidade democrática aos processos de tomada de decisões na produção
das políticas públicas de educação. Como relata um conselheiro
209
O eixo da reorganização do sistema passava por uma modificação dentro do Conselho, para que o
Conselho tivesse representantes que têm interesse direto, seja como usuário, como governo
executor, ou como profissional da educação. (Representação do Governo)
OFFE (1984) ao examinarar os problemas da legitimidade e da legitimação, no
contexto da crise do Welfare State, considera que a ampliação do intervencionismo do Estado
fez aumentar o número de setores sociais sujeitos a decisões políticas, decisões estas que
assim foram retiradas da lógica natural do mercado, o que, conseqüentemente, requer novas
justificações e coloca o problema da legitimidade não propriamente no fato de a ação da
tomada de decisões ser ilegítima segundo critérios de uma qualquer teoria normativa política,
mas “no fato do Estado se esquivar a qualquer julgamento de avaliação segundo normas
prático-políticas” (Offe, 1984, p. 280).
Desse modo, a participação no processo de formação da vontade política e as
intervenções reguladoras e os benefícios dispensados por esse mesmo Estado, constituiriam
sua base essencial de legitimação. Entretanto, esta forma de Estado denota uma incapacidade
de se justificar, uma vez que se apresenta por si mesma contraditória nos seus pressupostos
fundamentais, por encerrar a defesa de uma ideologia liberal de intervenção do Estado na
acumulação do capital e, ao mesmo tempo, a defesa da democracia. Sua política encerra
contradições, quer entre uma produção e custos socializados e uma apropriação dos benefícios
que continua privada, quer entre a formação do capital social por parte do Estado e os gastos
públicos e, ainda, por uma certa incompatibilidade entre a lógica da acumulação e a lógica da
apropriação. A ação do Estado encontra-se sob tensão: de um lado é impelido a buscar
legitimidade junto às massas e de outro não pode subestimar sua função de acumulação de
capital, o que produz, nas decisões dos próprios gestores, uma margem de autonomia relativa
(Estevão, 1998; Offe, 1984).
Conforme Poulantzas (1978), a sustentação das bases de legitimação desta forma
de Estado pode não passar de uma ficção, tendo a ver, sobretudo, com pressupostos ou
prejuízos racionalistas, ou então, com uma orientação mais sistemática que reduz as crises e
os conflitos político-sociais a conflitos de idéias e de valores, lançando assim como que uma
cortina de fumaça sobre a verdadeira natureza da intervenção do Estado.
210
Quanto à representatividade e legitimidade das representações, faz-se necessário
que o processo de escolha dos representantes seja mais democrático no sentido de contemplar
um maior envolvimento e participação do conjunto da sociedade e mesmo dos integrantes das
entidades com representação junto ao Conselho. Além disso, o mandato não vinculativo libera
a representação de prestar contas das suas deliberações à sua entidade. De acordo com alguns
conselheiros, grupos importantes e representativos da chamada sociedade civil foram
excluídos desse processo, o que faz com que a sociedade não se sinta representada no
Conselho:
O que acontece é que a representação é bem ampla, mas a sociedade não se sente, ela não se
conhece no Conselho. Esse é um problema, a gente sentiu isso dentro do Conselho em um
seminário. E algumas entidades que estão lá, para mim talvez não devessem estar, as universidades
privadas, por exemplo. Tudo bem, é uma instituição da educação, mas o Conselho não tem poder
sobre essas universidades. Estão lá, representam a si próprias no Conselho. O que a gente tem é
que a sociedade parece que ainda não se reconhece dentro do Conselho. O Conselho ainda não
conseguiu ter essa visibilidade social, mesmo a escola muitas vezes não procura o Conselho. Para
tirar dúvidas ela procura a SEDUC, a assessoria lá no município, quando o caminho dela teria que
ser o Conselho para resolver uma dúvida sobre legislação de forma ágil, a escola não descobriu
ainda esse caminho. Eu acredito que embora o Conselho tenha sido estruturado, e hoje ele é um
dos poucos do Brasil que tem essa formação, ele não conseguiu ter esse caráter. (Representação do
SINTEP)
A grande parte, com algumas exceções como a CUT e o SINTEP, não representa a totalidade de
pensamentos, nós representamos grupos. Na minha compreensão isso é pouco, ele precisa ser mais
democrático nessa abertura, ter um tempo de maior participação, de escolha, enfim, passar por um
processo mais seletivo, mais forte de aproximação com o conjunto da sociedade. Senão nós
ficamos segmentados em grupos. Nossa própria entidade de classe não via com tanta
representatividade a nossa representação. Eu participava do Conselho para que nossa entidade
ganhasse representatividade, ganhasse, cada vez mais, força de representar todo o grupo, uma
representação orgânica e não um tipo de participação pessoal. (Representação do Sindicato dos
Docentes do Ensino Superior)
Percebemos que ao fazer a indicação dos representantes, na maioria dos casos estão lá para
defender os próprios interesses, achando assim que eu estou lá para defender o meu interesse
umbilical, que eu não me envolvo com temas mais gerais. Hoje o Conselho é órgão de Estado e
não de governo, embora tenha uma herança do Conselho anterior e prática de toda ordem lá, mas o
211
Conselho deve procurar evidenciar a representatividade da sociedade, até porque você não precisa
estar na direção da entidade para ser indicado. (Representação da CUT)
A CUT tem representação lá dentro do Conselho, o Conselho Indígena e o Conselho da Criança
têm. O Conselho tem que se aproximar dos segmentos que não estão representados para conhecer
seus projetos e discutir como podemos aproveitá-lo dentro do Conselho. (Representação da
Associação de Pais)
Exatamente a leitura do que era importante em termos da expressividade da sociedade, você vê
que ele levantou. O Conselho ele avança muito, eu vejo nas histórias de outros conselhos e,
dificilmente, você encontra uma composição que tende a levar o interesse social. Você tem ali a
representação dos povos indígenas, das crianças e dos adolescentes, do Sistema “S”, das
organizações estudantis, eu creio que o nosso Conselho hoje, ele é modelo da diversidade da
representatividade, mas ele só vai ser democrático se aqueles grupos que estiverem ali, tiverem a
chance de ser ouvidos por formuladores de políticas públicas. (Representação do CDCA)
Acho que o Conselho está bem representado na questão da sociedade. Aqui a pessoas dizem que as
representações que mais se manifestam, no sentido de trazer problemas a serem discutidos, são as
da CUT e do SINTEP. (Representação da Associação de Alunos da Educação Básica)
É possível que haja algum grupo representativo que não esteja representado no Conselho, mas é
preciso que ele se articule dentro de seu próprio segmento. A gente até tinha sugerido que quando
fosse fazer a nova seleção dos conselheiros, a nova eleição, que nós então fizéssemos algumas
audiências públicas para determinados segmentos, esclarecendo o que é o Conselho, qual a função
do Conselho e como escolher os conselheiros, porque há uma possibilidade que os conselheiros,
necessariamente, não precisam ser associados àquela instituição, ele pode ser uma pessoa que
conhece sobre educação, que seja de outro segmento, mas que aquele segmento que tem
representação no Conselho convida para representá-lo. (Representação do Governo)
Alguns conseguem fazer essa representatividade mais efetiva e outros não conseguem, talvez pela
dificuldade de se deslocarem, se reunirem. Eu entendo que nenhum segmento vai conseguir
exercer cem por cento [...] Nós entendemos que a participação efetiva numa entidade como o
Conselho, ela deve ser uma representação que traga realmente todos os anseios da sociedade civil
organizada. Então eu penso que é um pouco utópico. Porém, no momento que ela tem pessoas que
representam esses segmentos, o mínimo que as pessoas possam encaminhar de discussão já pode
caracterizar a participação democrática, mas dificilmente nós vamos conseguir levar isso para um
número maior de pessoas por causa das dificuldades citadas. Temos a Central Única dos
Trabalhadores e o SINTEP. O SINTEP está ligado à Central Única dos Trabalhadores, então eu
não sei se a Central Única deveria estar aqui, eu tenho minhas dúvidas, ela representa os
funcionários da educação, mas os funcionários da educação já eso representados no SINTEP, me
212
parece que há uma ambigüidade nessa representação, mas eu nunca coloquei em discussão no
Conselho. (Representação da UNDIME)
Ainda que representativa, a composição do Conselho é restrita a setores
específicos da sociedade, o que pode resvalar para o corporativismo e o particularismo. A
legitimidade da representação, por sua vez, decorre da estreita vinculação desta com a
sociedade através das entidades representadas e do processo de interlocução que ela
desenvolve com a população; quanto mais forte a relação conselheiro-entidade, maior a
possibilidade de que diferentes interesses possam de fato ser representados nos conselhos.
Ingrao (1980) em sua abordagem da questão da democracia representativa, faz a
seguinte observação: “É preciso ver bem quantos decidem na ágora ateniense, sobre o que
decidem, e quantos enfim não conseguiam nem mesmo levantar a cabeça”. Portanto, continua
ele, “o avanço de processo desse tipo (...) não só não resolve o problema da transformação da
democracia política em democracia social, mas geralmente leva a uma nova crise as
instituições representativas”, visto que a democracia direta, ou como prefere o autor
“democracia de base”, é vista
como um aspecto, uma componente condicionante da democracia representativa, como
instrumento de uma recomposição do corpo social, de uma reestruturação orgânica sem as quais a
unificação política central ou é obrigada a recorrer ao despotismo ou então se torna uma fatigante
(e no final corruptora) mediação de poder entre necessidades que permanecem corporativas.
(Ingrao, 1980, p. 145-47)
No que diz respeito à relação conselheiro-entidade, observa-se que existe tanto
por parte da representação sindical como da representação do Conselho Escolar Indígena uma
vinculação orgânica às suas entidades, evidenciada nos depoimentos de seus representantes no
Conselho:
213
A gente ali representa os interesses do sindicato dos trabalhadores da educação. Trazemos para os
nossos fóruns a discussão da questão da política educacional, como também realizamos um
trabalho de crítica acerca das competências do Conselho, que é levada para as reuniões do
Conselho, então, procuramos um ir e vir dialético. Nossa preocupação é que as decisões do
Conselho não sejam tomadas unilateralmente, como conselheiro, mas sim como Conselho,
respaldado pelos segmentos representados. Se já temos a autorização da categoria, porque já
analisamos e deliberamos anteriormente, não precisamos consultar, mas nós não nos posicionamos
quando não temos isso, nós não deliberamos nada sem uma autorização do sindicato.
(Representação da CUT)
Nós fazemos o planejamento, em que cada uma de nossas representações participa da discussão e
da programação. Em nossas reuniões cada representante do sindicato num desses organismos
apresenta as questões polêmicas para serem debatidas. Tudo é discutido. Quando é uma reunião da
diretoria que trata de assuntos que atingem a categoria como um todo, nós levamos para as
instâncias da categoria, para o conselho de representação e para a assembléia. (Representação do
SINTEP)
A entidade sindical recebia o meu comunicado, mas ela não deliberava, recebia e comunicava para
o grupo a realização das atividades. Nós discutíamos aquelas questões polêmicas e solicitávamos o
encaminhamento de algumas questões. Eu conversava com esse grupo, eram quarenta e três
professores, a gente dialogava por telefone ou internet, conversávamos com os dirigentes da
própria universidade sobre os assuntos polêmicos, com isso nossa participação foi se tornando
cada vez mais importante. (Representação do Sindicato dos Professores do Ensino Superior)
Eu tenho acesso às comunidades indígenas, o que me ajuda e facilita porque eu estou na Secretaria
de Educação do Estado. Como a Secretaria de Educação é responsável, é competência dela dar
atendimento às escolas indígenas, então, lidamos com 39 povos, isso me ajuda a ter acesso às
comunidades indígenas. Eu já estive no Xingu, eu já aprovei o projeto dele de reconhecimento de
escola, eu estive no Bororo, de todos os outros povos. Então, a gente tem esse acesso por conta
dessa história. Outra coisa foi por conta da minha própria militância por eu ser uma pessoa muito
conhecida no Estado e também pelos índios, eles já me conhecem e eu já estou envolvida em
vários projetos que nós estamos lutando para implementar, que é o projeto de formação dos
agentes de saúde. Então, eu não lido só com a categoria professor indígena, mas eu lido com todo
poder da comunidade, da categoria, que de certa forma tem a ver com a educação. É o caso
também da saúde, eu elaborei um projeto para eles agora, que é um projeto de formação de técnica
de enfermagem, com formação escolar de ensino médio, e que no final vão receber uma formação
de técnico em enfermagem. Nós estamos trabalhando com política, não só com política de
educação, mas a política de formação. Provavelmente, virão outras demandas que indiretamente
tem a ver com a educação. Hoje, nós estamos lidando com o ensino superior, eu também lido com
essa demanda e virão as universidades, porque eu hoje não lido só com o estado de Mato Grosso,
hoje eu lido com 200 e poucas escolas do país, por eu estar no CNE, por eu estar dentro de uma
214
comissão nacional de professores indígenas, que é uma instância de colegiado criado pelo MEC
que tem a função parecida com o conselho indígena. Eu estou representando a região centro-oeste.
Então, hoje eu lido, por exemplo, com todos os povos do Brasil. (Representação do CEI)
A reorganização do Conselho Estadual de Educação, a partir de 1999, e a
conseqüente abertura à participação implicaram a presença de forças sociais com diferentes
projetos políticos no Conselho, entre as quais se sobressaíram, as representações do
movimento sindical, a representação do governo e a do ensino privado que disputavam o
poder de influenciar as decisões do Conselho e a própria política educacional.
Esta disputa é explicada por Frigotto (2000), ao observar que, quando a educação
é apreendida no plano das determinações sociais e, portanto, constituída e constituinte destas
relações, apresenta-se historicamente como campo social de disputa hegemônica. “Essa
disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos
conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos
interesses de classe”, pois a educação é uma prática social, uma atividade humana e histórica
que se define no conjunto das relações sociais, no embate dos grupos ou classes sociais
(Frigotto, 2000, p. 25).
Mészáros (1981) também observa a importância da educação neste conexto:
Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade
produtiva não poderia ser realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é também
responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores dentro da qual os indivíduos
definem seus próprios objetivos e fins específicos. As relações sociais capitalistas não se
perpetuam automaticamente. (Mészáros, 1981, p.260)
Na perspectiva do primeiro grupo envolvido na disputa pelo poder de influenciar
nas decisões do Conselho e na políticas da educação, constituído pela representação do
movimento sindical, a educação é vista como uma trajetória de luta por direitos em que se
retomam reivindicações de eqüidade e justiça na oferta educacional. Neste quadro, as políticas
públicas são entendidas como expressões de atendimento ou de negação de direitos, uma vez
215
que se tem como medida o atendimento ou a exclusão de amplos segmentos da sociedade ao
acesso à educação. Isto porque, por este foco,
a educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de potencialidades e a apropriação de “saber
social” (conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que são produzidos pelas
classes, em uma situação histórica dada de relações para dar conta de seus interesses e
necessidades). Trata-se de buscar, na educação conhecimentos e habilidades que permitam uma
melhor compreensão da realidade e envolvam a capacidade de fazer valer os próprios interesses
econômicos, políticos e culturais. (Gryzybowski, 1986, p.41-2)
No ponto de vista do segundo grupo, formado pelos representantes
governamentais, a educação é considerada imprescindível ao desenvolvimento econômico e
social do estado, e isso implica a subordinação da função social da educação à lógica da
produção e do mercado, ou seja, à defesa da colonização da educação pelas perspectivas e
pelos interesses empresariais e gerenciais. Desse modo,a educação e a formação humana
terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas do processo de acumulação de
capital sob as diferentes formas históricas de sociabilidade que assumir. Ou seja, reguladas e
subordinadas pela esfera privada, e à sua reprodução” (Frigotto, 2000, p. 30).
Para a perspectiva do terceiro grupo, composto pela representação do ensino
privado, a educação é apenas uma mercadoria a mais, como um bem que se compra, se vende
e se consome no contexto de um mercado educacional, o que implica a busca sistemática da
expansão de um campo específico do social ao campo das relações mercantis próprias do
capitalismo. Neste sentido, a educação, reconhecida como propriedade de consumidores para
competir nos mercados flexíveis de trabalho, remete ao exercício de um direito específico, o
direito de propriedade, que por sua vez intensifica e legitima os privilégios e os mecanismos
de diferenciação social que reproduzem as relações sociais e as posições dos indivíduos nas
relações de produção nas sociedades capitalistas.
Brito (1999) ressalta que
216
A iniciativa privada não investiu nem investe maciçamente na educação das camadas populares.
Os empresários educacionais investem prioritariamente onde pode ser garantido o retorno do seu
investimento, e as escolas comunitárias e confessionais disputam com as instituições recursos
públicos sob a forma de subsídios diretos, isenções fiscais ou créditos educativos. (Brito, 1999,
p.134)
Ao caracterizar os grupos de interesse e a capacidade de influência desses grupos
no Conselho, os conselheiros relatam:
Aquilo é um espaço de disputa de poder, muito forte e, em alguns momentos, o movimento
sindical fica isolado. Porque os grupos são muito fáceis de serem visualizados lá dentro, porque o
Conselho é uma representação plural, seria muito estranho se não houve disputa de poder lá
dentro. A Câmara de Educação Básica, por exemplo, é um universo muito grande porque estão ali
juntas todas as escolas particulares, as municipais, as estaduais, as federais, em algumas situações
a gente vê que as particulares tendem a ficar do lado do governo por causa dos próprios interesses.
Existe tentativa do governo de controlar o Conselho, mas até agora não conseguiu muito não, mas
tentativa tem. Os movimentos sociais tentam influenciar as decisões do Conselho fundamentados
sempre na defesa do interesse social, sempre desse lado. Então isso assusta a SEDUC porque tem,
ali dentro, laços de convivência de anos, tem pessoas dentro do Conselho que convive há mais de
vinte anos, muito antes de eu entrar no movimento sindical, e a gente disputa mesmo nesta
questão. Se a escola é um direito, a educação é um direito, esse direito tem que ser preservado a
qualquer custo, eu não posso por interesse próprio querer minimizar o fato. (Representação do
SINTEP)
No Conselho ocorre confronto de interesses, por exemplo, o setor privado tem outros caminhos
para articular, apesar da maioria ser defensora da educação pública, aqueles do setor privado faz o
papel mesmo de defender os interesses do seu umbigo. É aí que tem gente que não deveria estar lá,
por exemplo, as instituições privadas de ensino superior, eles não estão no sistema estadual e nós
somos um conselho do sistema estadual. Mas ele não abre mão disso, eles entram em todas as
comissões, têm interesse em estar no Conselho, interesse em participar de tudo que ocorre no
Conselho, assumir a frente, em ter uma força política lá dentro. (Representação da CUT)
A participação da CUT e do SINTEP, da comunidade indígena, do próprio Conselho da Criança e
do Adolescente eram fundamentais para o Conselho, para a gente conseguir democratizar as
relações internas do Conselho e buscar, cada vez mais, a responsabilidade do Estado com a
Educação. A participação dos movimentos é interessante porque dá transparência ao processo, nós
tivemos vários casos lá que apareciam no jornal porque a decisão era muito forte, extremamente
217
vinculada à realidade dos movimentos, das organizações, essa é uma situação; outra situação é que
qualquer atividade de um de nós conselheiros, as organizações tomavam conhecimento disso,
então uns apoiavam, outros não apoiavam, brigavam. A relação entre os representantes do governo
e dos sindicatos era conflitante. Um conselheiro falou uma frase significativa: “existe dois tipos de
conselheiros: um de capa preta e o sem capa preta”. Então normalmente o que ele chamava de
capa preta era o grupo ligado ao governo, porque esse grupo tinha uma relação maior com o
governo. (Representação do Sindicato dos Docentes do Ensino Superior)
No Conselho existe a ala do governo, a ala dos trabalhadores e existe a ala daquilo que rolar
acordo com o pessoal. Se tiver um projeto do governo e o governo quer aprová-lo, mas o grupo
ligado aos movimentos sociais e sindicais quer reprová-lo, quem tem interesse particular fica
quieto, “eles dizem nessa discussão eu não entro”, porque o interesse deles não é do governo nem
do outro grupo. (Representação da Associação de Pais)
Na verdade o governo são os governos, se a gente deixar ele tratora, ele tratora a filosofia da
educação, porque os representantes estão ali para defender o interesse do governo, que se
cristalizam em interesses corporativos e o interesse da sociedade vem a contratempo.
(Representação do CDCA)
Existe confronto de idéias lá dentro. De todo o Conselho a [representação] da SEDUC é muito
forte. Ela defende os interesses da Secretaria e tem a UNIC e a Universidade Cândido Rondon que
fazem conchavo com o governo. Mas a gente tem conversado com o pessoal representante da
CUT, do SINTEP, dos alunos da universidade, parao deixar virar uma panela, deliberando as
coisas que têm que ser, discutindo. Tudo tem que ser apresentado e apreciado, não é chegar e
impor e a gente dizer amém. A gente tem sim algumas divergências no Conselho. (Representação
da Associação dos Alunos da Educação Básica)
Nós temos lá representantes de empresários, de escolas particulares e demais outros segmentos.
Eles sempre tentam partir para uma questão específica. Eu vejo que vai muito pelo
encaminhamento da presidência, porque ela tem que ter um norteamento das discussões das
propostas e daquilo que é importante para todos. Eu acho que o discernimento do presidente é
muito importante, de saber qual é o momento oportuno de inserir questões específicas e questões
coletivas. A gente se posiciona, discute, eu mesmo fico brava dentro do Conselho. Eu acho que é
uma questão que depende do engajamento do militante, da representação com sua base.
(Representação do CEI)
A gente tem vários conselheiros que não deixam que seus interesses corporativos interfiram nas
relações, mas têm algumas que não conseguem a acabam misturando e defendendo os interesses de
suas instituições. O Conselho, no seu coletivo, acaba se posicionando quando percebe essa
interferência, mas tem pessoas aqui que tentam ganhar no grito. (Representação da UNDIME)
218
A gente sempre coloca a questão do interesse comum, nós estamos lá pelo bem da coletividade,
mas é claro que o todo, os seres humanos, é composto de sua história de vida, que tem uma
história de vida ligada a um determinado segmento. Seja ele qualquer que seja o representante do
Conselho, vai haver momentos em que ele, inicialmente, comece a defender a intenção do seu
próprio segmento, e eu acho que nesse momento, apesar de ser suspeito para falar, eu acredito que
a gente tenha crescido muito nesse sentido. Eu defendo a idéia do meu segmento, mas há
determinado momento que eu sei distinguir aquilo que é corporativismo, poderemos dizer assim,
daquilo que é bem social, na qual o Conselho se sobrepõe. Então, se um determinado segmento
tem na sua representatividade alguém que conheça determinado assunto, que tem argumentação,
que seja convincente, é bem possível que ele consiga alterar alguma coisa, não no nível de “forçar
a barra”, mas no nível do convencimento, e os outros acabam aderindo àquela idéia.
(Representação do Governo)
Destacava-se, por um lado, no contexto do CEE/MT, a capacidade de influência
exercido pela representação do movimento sindical, dado pela existência de um projeto
político em defesa da escola pública de qualidade para as classes dominadas, pelo seu alto
poder de mobilização junto às bases e à sociedade em geral, pela sua política de alianças
50
e
pelo grau de consciência política da sua representação, militantes experientes e engajados não
só nas lutas relacionadas às questões educacionais como também nas demais lutas políticas
das classes dominadas.
A intervenção dos movimentos sociais na esfera política inaugurou novas práticas
políticas, pois,
além de provocarem e/ou reivindicarem mudanças nos padrões das relações sociais,
potencializando a instituição de novos padrões de comportamento social (...) estes movimentos
construíram um novo padrão de cidadania, no sentido do “direito a ter direito”, numa referência à
reivindicação ao acesso ao sistema político pelo direito de participar efetivamente da própria
definição desse sistema” (Teixeira, 1999, p.21).
50
O SINTEP e a CUT se articulavam com diversas entidades sindicais tanto para o encaminhamento das
questões relacionadas aos interesses da categoria como para o encaminhamento das lutas específicas da
educação. Seu arco de alianças compreendia a associão de pais, a associação de alunos, o Conselho dos
Direitos da Criança e do Adolescente, os partidos políticos e os movimentos sociais, com destaque para o
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
219
Nesse contexto, as relações Estado/sociedade civil são redefinidas, uma vez que
esses movimentos pressionam por novos projetos de políticas sociais e se afirmam como
interlocutores na definição dessas políticas.
Por outro lado, localizava-se a capacidade de influência da representação
governamental, que na maioria das vezes contava com o apoio da representação do ensino
privado
51
. Vale ressaltar que alguns representantes de entidades da sociedade civil ocupavam
cargos
52
na Secretaria de Estado de Educação e nos órgãos de assessoria do governo, o que ao
ver desta pesquisadora potencializava o poder de atuação de seus representantes, ou seja,
havia um desequilíbrio na correlação de forças dentro do Conselho que pendia para os
interesses do grupo que estava na direção do Estado.
Portanto, a disputa pelo poder político dentro do CEE/MT e, conseqüentemente,
pela direção das políticas de educação ocorria entre estes dois grupos com interesses
divergentes, uma vez que cada representação fundamentava suas intervenções e deliberações
em concepções de educação que servem a projetos políticos diferentes.
Convém destacar que a presença de grupos com interesses divergentes no seio dos
aparelhos do Estado faz parte do jogo variável de compromissos provisórios entre o bloco no
poder e determinadas classes dominadas, já que a existência da hegemonia supõe
indubitavelmente que se tenha em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os
quais a hegemonia se irá exercer. A capacidade de influenciar as decisões do Conselho e a
política educacional está relacionada à capacidade de direção de um grupo, traduzida em um
projeto político que se materializa em uma forma de governo e de Estado, para os quais obtém
um arco de alianças, bem como depende da relação das forças sociais presentes na dinâmica
da tomada de decisões, isto é, do grau de poder efetivo de um grupo em relação ao grau de
poder de outros grupos, que diz respeito à organização política, ao grau de consciência dos
51
No Brasil, o Estado intermedeia os interesses das classes dominantes, associando-se a eles e criando condições
para a reprodução da força de trabalho dentro de regras de submissão. Deste modo, a base e o fundamento do
Estado brasileiro não permite nem comporta a distinção entre o público e o privado, pois a modernização
conservadora associou, de modo reiterado, patrimonialismo e poder, resultando na apropriação do público pelo
privado (Martins, 1994; Brito, 1999). Cury (1999) observa que a legislação brasileira, ao consagrar como
princípio da educação o pluralismo, admitindo a coexistência de instituições públicas e privadas, reconheceu a
liberdade de ensino. “Este reconhecimento implicava, além da bipartição lucrativo X não-lucrativo, a tripartição
no interior desse último em subsegmentos como os confessionais, comunitários e filantrópicos que desponta a
noção. É destes segmentos que desponta a noção de público não-estatal” (Cury, 1999, p.124).
52
Faziam parte do quadro de funcionários do governo o representante do Conselho Indígena, o representante da
Educação Especial e o representante da Comunidade Científica e Cultural.
220
grupos, à qualificação de seus representantes e ao acesso às informações necessárias para as
deliberações.
Em que pese o tipo de relação existente entre o governo e os movimentos
organizados da sociedade civil, relação que se pautava pelo respeito e pelo diálogo com os
movimentos sociais, populares e sindicais, o que se observa é a constante tentativa do governo
de direcionar as decisões do CEE/MT, seja pela defesa explícita de suas propostas de política
educacional, seja pelo uso de artifícios que muitas vezes resultavam na instrumentalização do
Conselho. Como informa um conselheiro, “tem muita política que passa direto da SEDUC
para a escola, não vai para o Conselho, o que vai mesmo são aquelas políticas menores”
(Representação da Associação de Pais).
Essa manobra era assim justificada:
O Conselho tem uma prática cartorial, então como a SEDUC vai se sentir ameaçada? Não se sente
nunca. Enquanto o Conselho for assim, tudo bem, pode representar quem quiser lá dentro. Quando
ele começar a tratar da discussão de política educacional aí ele vai conquistar autonomia, aí ele vai
conquistar de fato ar de Estado. Só que para fazer isso ele vai ter que enfrentar as histórias
existentes, no primeiro momento haverá certo confronto, um desconforto, a nossa cultura ainda
não aceita que o Conselho seja igual à SEDUC. O Conselho, na verdade, tem que estar em uma
situação de subalternidade, essa é a única forma de ter controle sobre ele. Eu não estou falando de
uma gestão, desse governo, eu estou falando que é cultura, e o Conselho só vai começar a ter essa
discussão sobre política educacional, formular e avaliar a política educacional, quando ele deixar
de ser cartorial, pois enquanto eu estou olhando o que está dentro de um processo, eu não tenho
tempo para discutir a política educacional. (Representação do Governo)
Tal postura por parte do governo tem como conseqüência o esvaziamento do
papel político do Conselho como formulador de políticas de educação, ao mesmo tempo em
que dificulta o confronto e o debate de diferentes projetos de política educacional. A esse
respeito, Tatagiba (2004) alerta:
221
Quando isso acontece, em vez de atuar no sentido da reinvenção institucional, os conselhos
gestores podem constituir-se como institucionalidade paralela, com pouco ou nenhum efeito
democratizante sobre as instituições estatais. (...) não conseguem se legitimar como instâncias de
participação, que acabam sendo renegados à função de legitimadores das decisões dos órgãos
executivos. Como resultado, aborta-se a potencialidade de esses arranjos propiciarem a
transformação auto-reflexiva do aparato institucional por meio da democratização dos processos
de decisão no interior do Estado. (Tatagiba, 2004, p.366)
Ao avaliar a participação do CEE/MT na produção de políticas públicas de
educação os conselheiros afirmaram:
Deveria participar porque quando chega para o Conselho analisar... A Escola Ciclada, por
exemplo, foi assim, saiu o livro, teve o seminário nas escolas para depois ir para o Conselho; a
Educação profissional quando chegou para eu analisar, eu devolvi porque eu não ia analisar dessa
forma. O Conselho é o órgão de assessoramento superior da SEDUC para a formulação da política,
mas o Conselho acaba ficando como bombeiro. O papel político do Conselho deveria ser
exatamente esse de assessoria superior, formulador da política, propositor de políticas públicas,
mas ainda não conseguimos chegar a esse nível por conta da demanda, a demanda para regularizar
o funcionamento de todas as escolas. Então o burocrático do Conselho ainda é muito grande para
que o Conselho possa estar brigando por esse papel de formulador de políticas públicas e,
principalmente, de políticas educacionais. (Representação do SINTEP)
Ele é reconhecido, legalmente ele seria o órgão superior de assessoramento da política
educacional. Do jeito que ele está hoje estaria credenciado porque a representação que tem são
representações que envolvem muitos setores e não só o que está lá. Mas ele tem dificuldade, ele
tem herança de um Conselho de governo, tem dificuldade com os próprios setores do governo que
estão lá dentro participando. Em minha avaliação é como se sentisse um pouco o Conselho
anterior. (Representação da CUT)
Quem formula a política pública da educação é a Assembléia Legislativa, o Conselho apenas
organiza regimento, regulamenta, normaliza todo esse processo de educação e discute, mas
diferenciando o público do privado em educação. Eno nesse sentido, a afinidade que se criava
era muito intensa na construção da política educacional, voltada para o interesse da sociedade.
Nem sempre era o que preferíamos, nem sempre era o que queríamos, sempre havia conflitos com
os sindicatos, com os dirigentes das instituições particulares, enfim, às vezes, com a própria
Secretaria de Educação. (Representação do Sindicato dos Docentes do Ensino Superior)
222
Ele de certa forma tem essa competência porque quando as políticas de educação são tratadas na
Secretaria de Educação, sua regulamentação vai se dar no Conselho. Esse é um momento
importante que o Conselho participa, pois ele tem o poder de regulamentar essas políticas de
acordo com o que está posto na lei. (Representação do CEEI)
Durante o governo Dante a participação do Conselho na formulação da política educacional foi
muito forte, inclusive o sindicato que representa os professores, a CUT, eles eram formuladores
das normas. A LC n° 49/98 foi formulada em parceria com a sociedade. Foi implantada a educação
indígena no nosso Estado e hoje ela é modelo para o Brasil. (Representação do CDCA)
A partir de 1999 começamos a participar de reuniões, de comissões junto com a Secretaria de
Educação na formulação das políticas. Além do Fórum Estadual de Educação, ele também
participa das deliberações, da construção da política junto com a SEDUC, o Conselho está
ativamente nas discussões, até porque ele é um órgão de assessoramento superior da educação.
Mas nós tivemos muitas dificuldades de participação na implementação da política por conta das
pessoas que estavam à frente da superintendência porque eram pessoas que, muitas vezes, não
falavam a mesma língua de quem estava coordenando, do gestor maior da política. Por isso, a
gente tinha dificuldade para participar na implementação da política educacional. Não que a gente
não participe, até participamos, mas encontramos dificuldades, barreiras para dar os
encaminhamentos porque as pessoas não estão abertas para isso. Tudo isso é um processo histórico
da constituição das relações, embora o Conselho esteja integrado ao sistema, ele é um órgão do
sistema. (Representação da UNDIME)
Pela legislação, o Conselho é órgão de Estado de assessoramento da educação, cuja competência é
a elaboração da política de educação do Estado, acompanhar e avaliar a gestão da política
educacional. É tudo da política, só que a prática dele é conservadora. Então, essa questão da
participação dos segmentos ela pode ser ilusória, pois o fato de ter um segmento ali representado
não significa que a democracia esteja instalada ali, não significa que haja autonomia, não significa
que o Conselho exerça de fato a sua autonomia enquanto órgão de Estado. O Conselho precisa
abrir mão do papel controlador, tem de abrir mão de ficar analisando processo por processo, para
poder discutir política. Quando são encaminhados projetos de política educacional como foi o caso
da Educação de Jovens e Adultos aí é muito interessante, aí se discute política. (Representação do
Governo)
Esses depoimentos evidenciam que a participação do Conselho Estadual de
Educação/MT na produção da política educacional limita-se às suas funções normativas e
consultivas, pois suas atividades estão voltadas para gerir ações do governo em relação à sua
política de educação. Existe uma real vinculação institucional dos conselhos ao aparelho de
Estado, a qual se efetiva pela exigência legal da homologação das decisões do Conselho pelo
chefe do Executivo, que faz com que sua autonomia seja restrita no tocante à elaboração e ao
223
controle das políticas públicas. Decorre daí um tipo de participação designada por Pateman
(1992) como “participação parcial”, que implica a influência de, ao menos, duas partes na
tomada de decisões, mas “onde o poder final de decidir pertence a uma das partes”.
A enorme capacidade de controle dos governos sobre os Conselhos coloca muitas
dúvidas acerca das reais condições de estes virem a exercer sua função deliberativa, que
costumam depender da importância que o projeto político do governo confere ao princípio da
participação. Tal procedimento subestima a importância da função deliberativa uma vez que é
esta prerrogativa que torna os Conselhos arranjos institucionais que realizam – ao menos de
modo mais pleno do que as instituições convencionais da democracia representativa burguesa
– os ideais da participação, ou seja, que oferece alternativas de expressão às forças sociais que
dão dinâmica ao processo de tomada de decisão.
O enfrentamento a essa prática requer o fortalecimento das formas de
representação dos segmentos organizados da sociedade, o que implica a existência de um
projeto político estratégico que sirva como referencial para as deliberações das entidades que
têm assento no Conselho. Se se trata de um jogo de forças, no momento em que esse espaço
político se paralisa, ele é ocupado pelos setores conservadores, acabando por reforçar as
políticas de exclusão social e por aumentar a desigualdade. Neste sentido, pode-se supor que a
obrigatoriedade legal da paridade como princípio de equivalência entre Estado e sociedade
nos conselhos, embora absolutamente fundamental, não é, contudo, suficiente para garantir a
equivalência real, dado que esta envolve a contínua disputa pela hegemonia no seu interior.
Por sua vez, a resistência e até mesmo uma recusa, por parte do governo, em
partilhar com os segmentos representativos o poder de decisão da sociedade relativamente ao
controle, à fiscalização e ao processo de produção das políticas públicas, decorre do caráter de
classe do Estado, o que impossibilita a partilha igualitária do poder, pois todas as partes em
conflito objetivam que seus interesses sejam satisfeitos em caráter prioritário. Por se tratar de
um Estado de classe, a política do Estado sempre priorizou os interesses da fração
hegemônica no seio do bloco no poder, mantendo com as outras classes e frações de classes
um equilíbrio provisório de compromissos.
Os significados atribuídos pelos conselheiros à participação no CEE/MT têm por
fundamento a concepção que estes possuem acerca do Estado e do papel político do próprio
Conselho, conforme se pode verificar em seus depoimentos.
224
Ocupar um espaço extremamente importante não só do SINTEP, mas da CUT também,
exatamente num Conselho que é, de acordo com a lei (embora com alguns problemas) aquele que
vai estar lá na formulação das políticas, a importância de ocupar esse espaço de interferir, de
propor políticas que venham ao encontro das necessidades da sociedade. (Representação do
SINTEP)
A participação política ela é, ao mesmo tempo, individual e coletiva de engajamento, de militância
em relação aos grandes temas da sociedade, em relação às políticas, mas também àqueles mais
específicos. (Representação da CUT)
A participação no Conselho é fundamental para consolidar o espaço político para a UNEMAT,
desde o reconhecimento do curso até o próprio credenciamento da universidade era importante a
gente não deixar somente na mão da instituição privada, na mão da UNIC, dos dirigentes mais
ligados ao capital. Isso é importante para a gente conhecer como se dava esse processo, como é
que a legislação é aplicada, como é que a legislação é organizada, enfim foi importante para o
crescimento da universidade. (Representação do Sindicato dos Docentes do Ensino Superior)
Participar ativamente é quando eu vou tomar uma decisão, fazer um projeto político para a escola.
A participação é quando você chama a comunidade para decidir sobre as necessidades da escola.
(Representação da Associação de Pais)
A gestão participativa é você ser consultado, é propositivo em suas demandas, é quando essas
proposições são aceitas e são implementadas em forma de política. (Representação do CEI)
Eu acho que nós só vamos avançar quando houver uma tomada de consciência pública, primeiro
para fortalecer e segundo para que essa tomada de consciência venha nortear, dar o rumo para as
políticas públicas, para os recursos públicos. Nós só seremos uma sociedade justa quando a
população também se apropriar das decisões políticas, porque através das decisões políticas você
chega em uma melhor decisão para a educação, para a economia. Então, não adianta pegar os
Conselhos e fazer dos Conselhos membros decorativos de decisões, tem que respeitar as decisões,
as deliberações que são emanadas do Conselho. O Conselho Estadual de Educação é um conselho
formulador de políticas porque é um conselho de Estado e não de governo, com representante dos
segmentos da sociedade. Lá dentro qual é nossa finalidade? Nós estamos ali para defender os
interesses da sociedade na formulação das políticas públicas, para assessorar e orientar a
formulação destas políticas, também e até avaliá-las. (Representação do CDCA)
Eu penso que é importante uma participação efetiva e na verdade com todas as possibilidades de
socialização. A UNDIME é uma organização nacional, mas cada Estado tem sua representação e
seu estatuto próprio, mas sempre procurando, afirmando uma participação democrática,
transparente. (Representação da UNDIME)
225
Na questão da educação, populista o governo não era. A gente queria trabalhar com a sociedade
organizada, nós procuramos trabalhar com vários segmentos da sociedade discutindo, levando para
a sociedade determinadas questões. Por isso que em várias comissões da Secretaria a gente tinha
participação da categoria através do sindicato, desde a comissão para distribuição de aulas, de
avaliação de professores, de concurso, de elevação de classe, porque está tratando da vida do
professor. (Representação do Governo)
Por conceberem o Estado como representante do interesse coletivo e não como
um Estado de classe, e o Conselho como um local em que deveria ocorrer a produção das
políticas de educação – o que o configura como um espaço de disputa de interesses, já que a
educação é um “campo de disputa hegemônica” –, os conselheiros consideram que participar
consiste em “ocupar” esse espaço político com vista a “interferir”, influir nas decisões do
Estado no que diz respeito à educação.
Entretanto, a ocupação de tal espaço não ultrapassa as limitações das instituições
da democracia representativa burguesa, isto porque as classes dominantes controlam os
pontos estratégicos do Estado – elas detêm a realidade do poder. As classes dominadas
ocupam (ou podem ocupar) posições subalternas, enquanto pessoal dos vários aparelhos de
Estado ou como representantes populares nas assembléias eleitas, mas se tratam geralmente
de posições que detêm um poder limitado, uma vez que as massas populares não conseguem
ter posições de poder autônomo dentro do Estado capitalista e existem enquanto dispositivos
de resistências como elementos de corrosão ou de acentuação das contradições internas do
Estado.
Poulantzas (2000) alerta que “seria falso concluir que a presença das classes
populares no Estado significariam que elas aí detenham poder, ou que possam a longo prazo
deter, sem transformação radical desse Estado” (Poulantzas, 2000, p.143), visto que tão logo a
relação de forças se altere em um determinado aparelho de Estado em favor das massas
populares, as classes dominantes deslocam o centro do poder real de um aparelho para outro.
Desse modo, enquanto o Estado funciona como organizador das classes dominantes,
corresponde-lhe papel inverso em relação às classes dominadas, ou seja, os aparelhos de
Estado agem no sentido de desorganizar e dividir as classes dominadas, seja pela repressão,
seja através do consenso ideológico, imprescindível à manutenção da dominação burguesa,
impondo limites estruturais à sua participação como classe.
226
Além disso, o funcionamento regular das instituições democráticas tem
igualmente contribuído para a legitimação da ordem burguesa, pois a realização da
democracia representativa, na ordem capitalista, constitui e difunde a ideologia do Estado
neutro e do Estado representante da totalidade da população, tendo colaborado para privar as
classes dominadas de conceber um outro tipo de Estado e de sociedade. “A ideologia da
democracia burguesa é muito mais poderosa do que aquela de um reformismo social e forma a
sintaxe permanente do consenso infundido pelo Estado capitalista” (Anderson, 2002, p.42).
De acordo com Martins (1994), na perspectiva das classes dominadas, a vigência
da democracia na sociedade capitalista pode assumir significados bem distintos entre si. Isto
significa que se elas aceitam o pacto neoliberal, configura-se o caso de uma saída passiva,
atrasada, heterogênea, que corresponde a uma operação de baixos custos e altos benefícios
para as elites democratizadoras; se, ao contrário, elas conseguem introduzir no novo regime
uma série de estruturas e mecanismos institucionais que não só asseguram como permitem o
desenvolvimento dinâmico de sua capacidade efetiva de participação política, tem-se o caso
de uma saída ativa, avançada e relativamente autônoma, que diminui os benefícios e
maximiza os custos para as elites, embora sem ultrapassar o horizonte burguês.
Lenin (1988) lembra que a república democrática é o melhor invólucro político de
que o capitalismo pode se revestir, pois,
na sociedade capitalista, nas condições do seu desenvolvimento mais favorável, temos um
democratismo, mais ou menos completo na república democrática. Mas este democratismo está
sempre comprimido nos limites estreitos da exploração capitalista, por isso, permanece sempre, em
essência, um democratismo para a minoria, apenas para as classes possuidoras, apenas para os
ricos. (...) Se se observar de mais perto o mecanismo da democracia capitalista, veremos por todo o
lado, tanto nos “pequenos” (pretensamente pequenos) pormenores do direito eleitoral (...) como na
técnica das instituições representativas, como nos obstáculos efetivos ao direito de reunião (...),
como na organização puramente capitalista da imprensa diária, etc., etc., – veremos restrições e
mais restrições ao democratismo. (...) no conjunto, essas restrições excluem, eliminam os pobres
da política, da participação ativa na democracia. (Lênin, 1988, p. 281)
227
Portanto, é preciso ultrapassar os limites das formas políticas burguesas e
instaurar uma forma política que assegure a efetiva representação e realização dos interesses
objetivos específicos das classes dominadas. Isto supõe a tomada do poder de Estado e a
respectiva transformação dos seus aparelhos pelas massas populares e por suas organizações
políticas, isto é, o alcance da dominação política e a transformação do Estado em
“proletariado organizado como classe dominante”. Como o Estado e seus aparelhos são
permanentemente atravessados pelas lutas populares, tomar ou conquistar o poder de Estado
deve significar a intensificação das contradições internas desse Estado, de modo a modificar a
relação de forças interna dos seus aparelhos, que são, em si, o campo estratégico de lutas
políticas, pois o Estado é o centro de exercício do poder político. A modificação das relações
de poder no próprio terreno do Estado consiste em uma estratégia de luta que articule a
transformação da democracia representativa com o desenvolvimento de formas de democracia
direta na base e a proliferação de movimentos autogestores, pois, como ressalta Poulantzas
(2000),
Esse longo processo de tomada do poder numa via democrática para o socialismo constitui-se no
essencial, em desenvolver, fortalecer, coordenar e dirigir os centros de resistência difusos de que
as massas sempre dispõem no seio das redes estatais, nelas criando e desenvolvendo outros, de tal
maneira que esses centros tornem-se, no campo estratégico que é o Estado, os efetivos centros do
poder real. (...) As lutas populares devem sempre se manifestar também pelo desenvolvimento de
movimentos e na proliferação de dispositivos de democracia direta na base e de centros
autogestores. (Poulantzas, 2000, p.263-265)
Nesse sentido, a participação política tem a ver tanto com a questão do poder e da
dominação quanto com a do consenso e da hegemonia, tanto com a força quanto com o
consentimento, configurar-se como um meio de se fazer presente no conjunto da vida
coletiva, de disputar seu governo e de postular a hegemonia, a direção intelectual e moral da
sociedade. A realização da hegemonia popular dependerá da capacidade política e ideológica
que as classes dominadas vierem a demonstrar na luta social e política, uma vez que o poder
político está, em grande medida, em disputa entre as classes sociais fundamentais nas
formações sociais capitalistas, em que o Estado é objeto e lugar da luta de classes, ou seja, é
228
uma condensação material de uma correlação de forças entre classes e frações de classe, e no
seu interior as classes dominadas buscam conquistar posições e espaços políticos.
Quando indagados sobre a capacidade do Conselho no sentido de exercer o
controle social sobre as políticas de educação ,os conselheiros responderam como se segue:
As decisões do Conselho deveriam ser autônomas, não passar mais pelo Executivo, pela
homologação do secretário de educação, o presidente deveria publicar todas as decisões, todos os
pareceres, mas não é assim, nós vimos o conselho como órgão de assessoria da Secretaria de
Educação, isso é complicado. (Representação do Sindicato dos Docentes do Ensino Superior)
Ele poderia, enquanto conselho social, ter mais autonomia para definir, para ser protagonista das
políticas educacionais. O Conselho exerce muito pouco o controle social sobre as políticas de
educação, a gente acompanha, mas quem fiscaliza é a assessoria pedagógica. (Representação da
CUT)
Eu penso que o Conselho é a única forma que a sociedade tem de ter voz dentro da formulação da
política, se ele for autônomo e forte, se ele disser ao governo, ao Secretário de Estado e a quem
interessar, qual a educação que interessa à população. Para mim ele é o órgão máximo de
deliberação política, ele teria que ser ouvido. Antes de iniciar a reformular a política deveria levar
a discussão da reformulação para dentro do Conselho e não começar a mexer para depois ir ver se
o Conselho vai apagar o fogo, se vai fazer o papel de bombeiro. Então, se ele tem respeitabilidade
eu creio que isso é um avanço, se o Conselho fica refém do governo é porque ele não avançou o
suficiente para ser autônomo, é porque o Conselho tem muito que lutar e tem que pegar uma via de
mão alternativa para não ter essa coisa invisível que está lá dentro, uma coisa quase não revelada,
enquanto não se tornar público e se consolidar na base da sociedade ele não vai ter poder.
(Representação do CDCA)
Eu vejo o Conselho como uma instituição de controle. Eu acho que é seu papel divulgar para a
sociedade o seu papel e fazer com que a sociedade, de uma maneira geral, se sinta representada,
fazer com que a sociedade entenda que ele é o controle social, que é representado pela própria
sociedade. Eu acho que ele tem um papel importante porque a partir do momento em que ele
divulga a sua ação, a sua competência, responsabilidade, a sociedade tem uma compreensão maior
dos seus direitos. (Representação do CEEI)
O Conselho tem uma importância ímpar na vida da educação no Estado de Mato Grosso, porque a
política educacional deveria passar pelo Conselho, pois é lá que tem a representação da sociedade
organizada, é lá que vamos debater, reclamar e aprovar aquilo que é melhor para a comunidade.
229
Ele tem que ser fortalecido para que possa ser o braço direito na conquista da qualidade do ensino.
(Representação da Associação de Pais)
Como representante legal que a lei estabelece, eu o caracterizaria como o representante da falta da
lei, quer dizer, ainda com suas possíveis dificuldades, tem o papel de buscar os direitos, porque ele
está constituído e as representações que estão aqui se posicionam em relação às políticas
educacionais propostas, buscam garantir a implementação das políticas educacionais e trazer, o
máximo que puder, os anseios da sociedade para o âmbito do Conselho. Então eu o considero,
ainda que com algumas dificuldades, um órgão de direito legalmente constituído. (Representação
da UNDIME)
Acho que ele possui o poder da indignação dos representantes da sociedade civil. Agora, o
Conselho ele tem que saber a lei e procurar executar o seu papel. O Conselho será mais poderoso,
no sentido de ter poder, de ter autonomia, se ele conseguir mudar um pouco a visão que a
sociedade civil tem dele. Porque a sociedade tem uma visão que o Conselho é conservador, que o
Conselho é rigoroso, que o Conselho dificulta o funcionamento da escola, que o Conselho é
cartorial. Enquanto a visão que a sociedade tem do Conselho for essa, o Conselho vai ter muito
pouco poder. Eu acho que o nível de atividade do Conselho está muito mais nessa interface, nessa
ligação que ele tem feito com a sociedade civil, discutindo o que é política educacional, enquanto
órgão de Estado e não de governo. (Representação do Governo)
De acordo com esses relatos, a capacidade do conselho de exercer o controle
social e de influir na produção das políticas públicas de educação está condicionado à sua
autonomia e à sua aptidão se fazer socialmente reconhecido como um espaço plural de
representação dos interesses majoritários da população. O que se observa, na realidade, é que
o Conselho Estadual de Educação/MT possui uma estrutura própria independente da
Secretaria de Estado da Educação, é legalmente definido como órgão de Estado, conta com
ampla representação social, entretanto, não organiza nem coordena o processo de escolha dos
representantes, não se constitui em unidade orçamentária e tem pouca capacidade de
influenciar a tomada de decisões em relação às políticas públicas de educação e de exercer o
controle social sobre o poder público. Esta insuficiência de poder resulta em uma real
subordinação e dependência em relação à SEDUC, que administra sua composição, seu
orçamento e suas deliberações o que o configura como um braço da administração.
Desse modo, a capacidade e a participação do/no Conselho são restritos ao jogo
institucional, que é esvaziado dos antagonismos de classe, convertida em um instrumento para
230
solidarizar governantes e governados, aliviar e agilizar a ação governamental, partilhar custos
e decisões, reduzir atritos entre governo e sociedade, num contexto em que a participação
deixa de ser pensada como um recurso para a recriação do social, a fundação de novos
Estados ou a instituição de outras formas de democracia, ou seja para ações que se pautem na
intervenção política das classes dominadas no sentido de intensificar as contradições do
Estado e modificar as relações de força internas dos aparelhos de Estado. Isto porque
a participação que se dedica a compartilhar decisões governamentais, a garantir direitos, a
interferir na elaboração orçamentária ou a fornecer sustentabilidade para certas diretrizes
concentra-se muito mais na obtenção de vantagens e de resultados do que na modificação de
correlações de forças ou de padrões estruturais. (Nogueira, 2004, p.142)
Como órgãos do aparelho de Estado, os Conselhos são efetivamente atravessados
pelas lutas políticas que estão inscritas na trama do Estado, eles refletem os conflitos das
sociedades de classes, os diferentes interesses das classes em luta, as disputas de poder
econômico, social e político. A possibilidade de eles se constituírem em espaços de contra-
poder, de contra-hegemonia está condicionada à sua capacidade de apresentarem-se como
espaços de poder radicalmente alternativo (uma vez que não se pode perder de vista a questão
dos limites e do alcance das lutas populares dentro dos aparelhos de Estado), como forma
primordial de manifestação orgânica dos interesses objetivos das classes dominadas, nos quais
estas ocupem todos os postos, controlem todas as funções, deixem de ser governadas para
viver elas mesmas a vida política e econômica na sua totalidade. Isso requer que se supere a
crença na possibilidade de realização de uma democracia de caráter popular em plena ordem
capitalista, através da revelação das limitações, falhas, estreiteza e formalismo da democracia
burguesa, e que se postule que a via do processo político em direção ao socialismo implica em
rupturas políticas que conduzam à extinção do Estado e da sociedade de classes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Brasil e Portugal Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência
Por se tratarem de países que integram o grupo de Estados que se caracterizam
pela combinação de atividades econômicas de núcleo orgânico e de periferia, Brasil e
Portugal apresentam semelhanças em vários aspectos. Relativamente à estrutura econômico-
social interna destes países, na atual fase de organização da cadeia imperialista, pôde-se
verificar que ela se encontra submetida à dominação e à dependência do capital imperialista
estrangeiro, dado que a maior parte dos investimentos diretos realizados nos mesmos provém
dos Estados do núcleo-orgânico do sistema mundial, faz com que sejam reproduzidos no seio
destes países dependentes os processos de trabalho e de internacionalização acentuada do
capital verificadas em escala mundial.
Em função desta dependência, Estados semiperiféricos como Brasil e Portugal
tiveram que se adequar à lógica dos processos de globalização, promovendo, para isto,
reformas de caráter adaptativo, cuja essência consistia em priorizar a articulação entre os
centros e da periferia do sistema econômico mundial, de modo a sintonizá-los com as regras
do jogo que se vão estabelecendo pela transnacionalização do capital. Estas reformas, levadas
a cabo no marco dos chamados programas de ajuste neoliberal, produziram um deslocamento
da atividade econômica para a esfera financeira. Formou-se um sistema liberal aberto de
gestão da economia, que o Estado procurou manter com medidas adotadas na esfera das
relações monetário-financeiras em benefício do setor econômico externo, sobretudo, do
capital financeiro internacional. O alinhamento à política e à ideologia neoliberal, por parte
dos governos social-democrata destes países, não só fragilizou suas economias nacionais em
relação ao sistema financeiro internacional, como também redimensiou e ampliou as relações
de dependência entre estes e os países centrais.
Tanto no Brasil como em Portugal a irrupção das idéias neoliberais é resultado da
crise fiscal do Estado e do esgotamento do Estado de bem-estar social – no Brasil este tipo de
Estado não chegou a se consolidar, e em Portugal se caracterizou como um semi-Estado-
providência –, e elas se associou a idéia de estabilidade econômica e política como condição
necessária para atrair novos investimentos. Neste sentido, os governos brasileiro e português
pretenderam remover os entraves à instauração de um modelo econômico centrado no
mercado, com o objetivo de promover a “modernização” e o “desenvolvimento” destes países,
232
para isto implementaram políticas de ajuste de acordo com o modelo de estabilização
estabelecido pelo FMI, o que significou uma diminuição do conteúdo do papel social do
Estado em relação aos bens de consumo coletivos.
No caso específico de Portugal, sua adesão à União Européia o colocou em íntima
conexão com o quadro institucional global de uma organização internacional e supranacional,
que implicou uma rearticulação do papel do Estado português, cuja agenda política passou a
ser definida em função das pressões e dinâmicas globais. Portanto, as reformas empreendidas
nos dois países visavam a atender às exigências da reprodução ampliado do capital, expressa
na internacionalização do processo produtivo, na globalização dos mercados e na imposição
de novos padrões de relações de produção.
No bojo dessas reformas, as políticas públicas educacionais no Brasil e em
Portugal foram subordinadas a uma racionalidade econômica e empresarial, uma vez que para
atender aos imperativos da “modernização” era necessário modernizar a educação e ajustá-la
às demandas colocadas pelo mundo do trabalho. O que se verificou, nestes países, foi uma
dependência cada vez maior em relação aos organismos internacionais de financiamento, que
a partir de seus programas de descentralização visaram à transferência ou partilha de
responsabilidades do Estado, no que toca ao bem-estar social, para o nível local e para a
sociedade civil.
No que se refere a Portugal, acrescentam-se as relações de interdependência,
interação e de conflito entre os sistema e intervenções políticos nacionais e comunitários,
decorrentes da constituição da União Européia. De fato, a institucionalização da educação
como área de cooperação e ação comunitárias e a intervenção política comunitária no domínio
da educação têm conduzido a um processo de europeização das políticas educativas públicas
nacionais, no qual prevalecem as bases políticas e ideológicas da Comunidade/União
Européia que dão ênfase à coesão social e à qualificação dos recursos humanos.
Quanto ao processo de transição democrática pelo qual passaram estes dois países,
em ambos os casos trataram-se de transições políticas realizadas sob a direção da burguesia,
que afirmaram os princípios do Estado de direito e da democracia representativa burguesa, o
que dificultou a efetiva democratização do Estado e de suas relações, uma vez que o Estado
capitalista, por sua natureza de classe, oferece obstáculos à partilha do poder e ao controle
social sobre as ações estatais.
233
Deste modo, a participação das classes dominadas no processo de produção de
políticas públicas, designadamente nos Conselhos de Educação no Brasil e em Portugal, foi
subsumida ao jogo institucional que limita a capacidade de os diferentes grupos de interesses
representados influenciarem o processo. No Brasil, embora tenha ocorrido maior
descentralização dos centros decisórios no que diz respeito à elaboração das políticas
educacionais – criação dos sistemas de ensino municipal, estadual e federal e dos Conselhos
de educação municipal, estadual e nacional – a participação nos Conselhos não resultou na
democratização do poder de decisão quanto às políticas educativas: o que se verificou foi o
esvaziamento do papel político, uma vez que sua intervenção se restringe às suas funções
consultivas e normativas e suas decisões dependem da homologação do Executivo. O
Conselho de Educação de Portugal, por sua vez, apesar de contemplar a representação de
várias forças sociais e ser autônomo e independente em relação ao Ministério da Educação,
também constitui um órgão limitado em suas funções. Seu alcance participativo está contido
nos limites de sua função consultiva, embora ele tenha a capacidade de influenciar o
Parlamento, instância em que são tomadas todas as decisões em relação às políticas
educacionais, uma vez que o Conselho é concebido como um órgão promotor de concertação
entre os diversos interesses e parceiros sociais.
Em função destas limitações os Conselhos de políticas no Brasil e em Portugal
são descaracterizados como locus do fazer política, como espaços contraditórios de disputa de
posições políticas e ideológicas em que essas posições sejam confrontadas na busca de
hegemonia, o que dificulta sua constituição como espaços de contra-poder e de contra-
hegemonia como forma primordial de manifestação orgânica dos interesses objetivos das
classes dominadas. A necessidade desta constituição, nos dois países, pode ser expressa nas
palavras de Rosa Luxemburg (1991):
Só o proletariado pela sua própria ação pode transformar o verbo em carne. (...) As massas
proletárias devem aprender, de máquinas mortas que o capitalista instala no processo de produção,
a tornar-se dirigentes autônomas desse processo, livres, que pensam. Devem adquirir o senso das
responsabilidades, próprio de membros atuantes da coletividade, única proprietária da totalidade
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