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figura, figural, tipo, antítipo, tipologia, exemplo. Ela não é um modo de expressão
retórico-poética, mas de interpretação religiosa de textos sagrados.
A rigor, não se pode falar simplesmente de a alegoria, porque há duas: uma
alegoria construtiva ou retórica, uma alegoria interpretativa ou hermenêutica.
Embora complementares, elas são simetricamente inversas: como expressão,
alegoria dos poetas é uma maneira de falar; como interpretação, alegoria dos
teólogos é um modo de entender. Alguns estudos revelam que a alegoria expressiva
é intencionalmente tecida na estrutura da própria obra de ficção - como é o caso de
Dante -, analisado por C.S. Singleton (1965, p.34)
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, ou, como diz R. Hollander(1969,
p.26)
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, ela é “criativa”, ao passo que a de interpretação é “crítica”. O verbo grego
állegorein, por exemplo, significa tanto “falar alegoricamente” quanto “interpretar
alegoricamente”. É o que ocorre no romance de José Saramago, Ensaio sobre a
cegueira, onde a metáfora da cegueira sugere essa duplicidade alegórica. A
cegueira escapa ao diagnóstico médico porque está além do mal físico. É coletiva e
condicionada socialmente:
Se o caso fosse de agnosia
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, o paciente estaria vendo agora o que sempre tinha visto, isto é,
não teria ocorrido nele qualquer diminuição da acuidade visual, simplesmente o cérebro ter-se-
ia tornado incapaz de reconhecer uma cadeira onde estivesse uma cadeira, quer dizer,
continuaria a reagir correctamente aos estímulos encaminhados pelo nervo óptico, mas para
usar uns termos comuns, ao alcance de gente pouco informada, teria perdido a capacidade de
saber que sabia e, mais ainda, de dizê-lo. Quanto á amaurose
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, aí, nenhuma dúvida. Para que
efectivamente o caso fosse esse, o paciente teria de ver tudo negro, ressalvando-se, já se
sabe, o uso de tal verbo, ver, quando de trevas absolutas se tratava. /.../ Uma amaurose
branca, além de ser etimologicamente uma contradição, seria também uma impossibilidade
neurológica... (EC, pp.29-30)
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6
SINGLETON, C.S. Dante Studies,1: Commedia. Elements of Structure. Cambridge. Mass., 1965.
7
HOLLANDER, R. Allegory in Dnate’s Commedia. Princeton, 1969.
8
Agnosia[ Do gr. Agnosía] S.f. 1. Filos.Ignorância, especialmente a universal, definida pela sentença socrática
“Só sei que nada sei”. 2. Patol. Perda do poder de reconhecimento perceptivo sensorial.
9
Amaurose [Do gr. Amáurosis.’escurecimento’, ‘escuridão’.] S.f. Patol.Cegueira, em especial a que ocorre sem
lesão aparente do olho, mas por doença do nervo óptico, da retina. Novo Dicionário Aurélio da Língua
portuguesa.Rio de Janeiro, Nova fronteira, 1986.
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Para dinamizar as referências ao romance de José Saramago, usaremos, de agora em diante a sigla EC à obra
em análise.