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ASPECTOS ÉTICOS DAS PESQUISAS
QUALITATIVAS EM SAÚDE
IARA COELHO ZITO GUERRIERO
Tese de Doutorado apresentada ao Departamento
de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo para a
obtenção do Grau de Doutor.
Área de concentração: Serviços de Saúde Pública
ORIENTADORA: PROFª. DRª. SUELI
GANDOLFI DALLARI
São Paulo
2006
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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a
reprodução total ou parcial desta tese, por processos fotocopiadores,
desde que citada a fonte.
Assinatura:
Data:
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A minha mãe, D. Irene Coelho
Ao meu pai, Sr. Zito
Meus grandes professores de ética.
AGRADECIMENTOS
Os meus sinceros agradecimentos à minha orientadora, Profa Dra Sueli
Gandolfi Dallari, que com seu conhecimento, experiência e dedicação me indicou os
caminhos para produzir esta tese e, pela sua imensa generosidade, ao respeitar e
valorizar minha proposta, mesmo quando esta ainda estava em gestação.
À Profa Dra Rosa Maria Stefanini Macedo, que foi minha orientadora no
mestrado, por sua participação na banca de qualificação, onde valorizou a relevância
do tema em estudo e me incentivou a prosseguir nele; bem como por sua participação
tão acolhedora na pré-banca.
À Profa Dra Regina Marsiglia, pela elaboração de um parecer tão cuidadoso
na pré-banca, com sugestões que muito enriqueceram este trabalho.
À Profa Dra Cláudia Bogus, pela revisão cuidadosa da tese durante a pré-
banca, e pela entrevista rica e instigante, na qual me ofereceu suas recomendações.
Ao Prof Dr Franklin Leopoldo, pela participação na pré-banca e na defesa.
À Profa Dra Wilza Villela, pelas sugestões valiosas no início da elaboração
deste trabalho.
Ao Prof Dr Fábio Zicker, pela confiança em meu trabalho e por apontar a
relevância de identificar as especificidades dos aspectos éticos das pesquisas
qualitativas em saúde. Seu incentivo foi importante para que eu me mantivesse nesse
caminho, no momento que esta proposta foi questionada.
A todos os membros da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa- CONEP,
pelas instigantes discussões que tanto nos convidam a pensar. Em especial, ao Prof
Dr William Saad Hossne pela paciência com que me orientou no início do meu
trabalho no sistema CONEP-CEP, por me contar a história viva da construção das
diretrizes brasileiras sobre ética em pesquisa, pelo carinho e atenção que sempre me
dispensou.
À Dra Corina Bontempo e a toda equipe da Secretaria Executiva da CONEP,
que desde o início do meu trabalho na montagem do CEP da Secretaria Municipal de
Saúde de São Paulo – CEP/SMS me orienta como “colocar um CEP para funcionar”.
Além de seu imenso conhecimento sobre ética em pesquisa, que sempre tem a
generosidade de compartilhar.
Aos membros do CEP/SMS, grupo ativo e comprometido com a análise dos
aspectos éticos das pesquisas, tanto os membros atuais, quanto os que se
desligaram, pelo cuidado na análise, por propiciar uma discussão rica, que aborda
diversos aspectos e ao final, enfrentar o grande desafio de tomar uma decisão.
À Dra Sílvia Kobayashi, pelo constante apoio e confiança em meu trabalho.
À Claudia Perrota, pela revisão cuidadosa deste texto.
Aos meus pais que possibilitaram, com muito esforço e dedicação meu acesso
à boa educação, e me ensinaram a importância do estudo e da ética.
À Zefa, por cuidar com tanto carinho da D. Irene, possibilitando que eu me
dedicasse a este trabalho.
Aos meus filhos: Jade, Júlia e Arthur, pela paciência de ter a mãe sempre
ocupada, e saber recebê-la nos momentos possíveis.
Ao meu marido, pelo incentivo ao meu trabalho e pelo apoio emocional, que
foi tão necessário neste percurso. A vocês quatro, por compreender que minha
ausência constante não se devia a falta de amor, mas ao desejo de contribuir para um
mundo mais justo, onde as pessoas, pesquisadores ou não, sejam respeitados.
RESUMO
GUERRIERO ICZ. Aspectos éticos das pesquisas qualitativas em saúde. São
Paulo; 2006. [Tese de Doutorado – Faculdade de Saúde Pública da USP]
Objetivo. Identificar aspectos éticos das pesquisas qualitativas em saúde, de acordo
com os pesquisadores que adotam estas abordagens. Identificar os aspectos da
Resolução 196/96 CNS que são aplicáveis, e os que não são aplicáveis às pesquisas
qualitativas em saúde. Métodos. A partir da busca no Medline, pelas palavras ética,
pesquisa, qualitativa, no período 1993 a 2005, foram localizadas 245 referências.
Estas foram classificadas em oito grandes temas das quais foram analisadas, neste
trabalho, as que discutiam ética em pesquisa qualitativa, método, epistemologia e
trabalho dos comitês de ética. Ao todo, foram analisados 42 artigos, tomando a
hermenêutica como referência. A partir da imersão no material, foram identificados
temas e categorias. Resultados. Nas pesquisas qualitativas em saúde, os aspectos
éticos e aspectos metodológicos freqüentemente estão relacionados. Assim, o
compromisso com a justiça social é um dos critérios de qualidade da pesquisa
qualitativa e um aspecto ético importante. O consentimento é fundamental, porém
deve respeitar as características da relação estabelecida entre pesquisador e
pesquisado, a cultura do grupo pesquisado e as características dos indivíduos, como
anos de escolaridade. É necessário identificar e respeitar a decisão do pesquisado:
seja pelo desejo do anonimato ou, ao contrário a co-autoria do trabalho. É usual
enviar aos pesquisados o material produzido e a análise antes de sua publicação, para
conferir se estes se sentem representados e se a divulgação destes resultados poderão
causar algum dano a indivíduos ou a comunidade pesquisada. A concepção de
pesquisa apresentada pelos pesquisadores qualitativos não é a mesma que a adotada
pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Para os pesquisadores
qualitativos, a pesquisa tem desenho emergente, as definições da pesquisa podem ser
tomadas conjuntamente com os pesquisados, a relação que se estabelece entre
pesquisador e pesquisado é próxima e de confiança e a pesquisa é realizada no
ambiente onde as coisas usualmente acontecem. A definição de pesquisa adotada
pela Resolução 196/96 implica em teste de hipótese e as decisões são tomadas
previamente pelo pesquisador, que pode apresentar todos os procedimentos
previamente. Usualmente é realizada em instituições de saúde ou clínicas de pesquisa
que devem ter infra-estrutura adequada, existe a previsão de teste em animais e uso
de placebo, bem como suspensão de medicamentos. Conclusões. A Resolução adota
uma definição de pesquisa diferente da adotada pelos pesquisadores qualitativos.
Além disso, estes pesquisadores têm concepções próprias sobre ética em pesquisa
que não estão contempladas na Resolução 196/96, tais como: como manejar a
subjetividade e a objetividade; como superar a visão do pesquisador; como se
relacionar com o pesquisado, durante e após o término do estudo; como lidar quando
o pesquisador toma ciência de atos ilícitos praticados pelos pesquisados; a
importância de avaliar o funcionamento de instituições, apresentando à sociedade e
possibilitando julgamento público. Assim, sugere-se a elaboração de diretrizes
específicas para análise dos aspectos éticos das pesquisas qualitativas em saúde.
Descritores: Ética. Ética em pesquisa. Pesquisa qualitativa. Pesquisa em serviço de
saúde. Bioética.
SUMMARY
GUERRIERO ICZ. Aspectos éticos nas pesquisas qualitativas em saúde [Ethical
aspects of qualitative health research]. São Paulo; 2006. [Tese de Doutorado –
Faculdade de Saúde Pública da USP]
(Doctorate Dissertation – School of Public Health at USP)
Objective. To identify ethical aspects found in qualitative health research, as per
researchers that adopt this kind of research approach. To identify aspects pertaining
to Resolução 196/96 CNS (Resolution 196/96 CNS) – including those that are
applicable to qualitative health research, and those that are not. Methods. Starting
from a Medline search, for key words namely ethics, research and qualitative,
comprehending the period between 1993 and 2005, 245 references were located.
These were classified under eight large thematic areas, and those which discussed
ethics in qualitative research, methods, epistemology and work within ethical
committees were selected to be analyzed in this doctorate dissertation. Altogether, 42
were the papers analyzed as per the Hermeneutic framework. From immersion in the
material, themes and categories were identified. Results. In qualitative health
research, both ethical and methodological aspects are frequently related. Therefore,
commitment with social justice is one of the criteria for assessing the quality of
qualitative research, besides being an important ethical feature. Consent is
fundamental, but it must respect characteristics of the relationship established
between researcher and the researched individual, as well as the latter’s community
culture, and individual characteristics such as years of study. It is necessary to
identify and respect the researched person’s decision: for anonymity or, on the
contrary, for co-authorship in the paper. It is common to see that the researched
individual receives a copy of the material produced, as well as the analysis prior to
their publication, so as a means of checking if they feel they are represented or if the
results could cause any damage to the individuals or community that has been
researched. The concept of research presented by qualitative researchers is not the
same adopted by Resolução 196/96 published by the Conselho Nacional de Saúde
(National Health Council). According to qualitative researchers, research is designed
as per emerging needs, definitions are taken in collaboration with the group being
researched, there is a close and trusting relationship established between researcher
and researched individual or group, and the research is carried out in the environment
in which things usually occur. The definition of research adopted by Resolução
196/96 implies in testing hypotheses, and decisions are previously taken by the
researcher entitled to present all procedures beforehand. It is usually carried out in
health institutions that must have the adequate infra-structure; tests are predicted to
be carried out on animals, and there is the use of placebo, as well as drugs
suspension. Conclusions. The Resolution (Resolução 196/96) adopts a different
definition of qualitative research than that adopted by qualitative researchers.
Besides, these researchers have their own ideas on the issue of ethics in research
not taken into account by Resolução 196/96, such as: how to deal with subjectivity
and objectivity; how to overcome the researcher’s own view; how to maintain a
relationship with the researched group during the study, and after it is finished; how
to deal with the knowledge (by the researcher) of illicit action taken by the
researched individual; the importance of assessing how institutions work, presenting
it to society so as to allow for public evaluation. It is therefore suggested that specific
guidelines be designed for the analyses of specific ethical aspect within qualitative
health research.
Descriptors: Ethics. Ethics in research. Qualitative research. Health service research.
Bioethics.
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
1.1 Ética e a subjetividade
2. O QUE É PESQUISA QUALITATIVA?
2.1 Ética e paradigmas
2.2. Crenças básicas de diferentes paradigmas
3. DIRETRIZES INTERNACIONAIS SOBRE ÉTICA NAS
PESQUISAS COM SERES HUMANOS QUE A
FUNDAMENTAM A RESOLUÇÃO 196/96 CNS
3.1 O Código de Nuremberg
3.2 A Declaração de Helsinki
3.3 Relatório Belmont
3.4 Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em
Seres Humanos elaboradas pelo Conselho Internacional das
Organizações de Ciências Médicas em colaboração com a
Organização Mundial da Saúde -CIOMS/WHO
3.5 Guia Internacional para análise ética de estudos epidemiológicos
elaborado pelo Conselho Internacional das Organizações de
Ciências Médicas em colaboração com a Organização Mundial da
Saúde -CIOMS/WHO
4. A RESOLUÇÃO 196/96 CNS SOBRE ÉTICA EM PESQUISA
COM SERES HUMANOS
4.1 Âmbito de aplicação das diretrizes
4.2 Definição de pesquisa
4.3 Princípios
4.3.1 Referente à informação e ao consentimento:
5. SITUAÇÕES EM QUE É DIFÍCIL APLICAR A RESOLUÇÃO
196/96 CNS
5.1 Pesquisa em seres humanos e pesquisa com seres humanos.
5.2 A relação entre pesquisador e pesquisado: quanto mais distante
melhor?
5.3 O TCLE: um objetivo em si ou o registro de um processo?
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5.4 Proteger os participantes ou o pesquisador e a instituição?
5.5 Anonimato dos participantes: dever do pesquisador, escolha do
participante, compromisso social do pesquisador
5.6 Outros aspectos: a ética intrínseca às ciências sociais e humanas
5.7 Preocupações éticas presentes nas ciências sociais e humanas
6. GIVEN THE VOICE TO THE SPECTRUM: O DOCUMENTO
CANADENSE
6.1 Processo de elaboração deste documento: ampla consulta aos
pesquisadores canadenses, da área de Ciências sociais e Humanas
6.2. Uma medida não se aplica a todos
6.3. Efeito deletério do TCPS
6.4. Qual a extensão da mudança necessária?
6.5. Áreas prioritárias a serem consideradas
6.5.1 Garantir a liberdade acadêmica
6.5.2 “Pesquisa”, “sujeito” e “dano”
6.6 Escopo e nível da revisão do REB
6.6.1 Considerações sobre pesquisa em ciências sociais e
humanas, em especial sobre a pesquisa de campo
6.6.2 Estabelecendo uma revisão do programa de pesquisa
6.6.3 Exceções da revio ética para padrões de prática profissionais
6.6.4 transferindo o ônus
6.6.5 Padronizar a delegação de autoridade para a pesquisa
6.7 Consentimento
6.7.1 Consentimento é um relacionamento, não um evento
6.7.2 A preferência pelo consentimento oral
6.7.3 Omissão, informação e dados
6.7.4 Coerção
6.7.5 Quando a confidencialidade alivia a falta de consentimento
6.8 Privacidade e Confidencialidade
6.8.1 Anonimato/confidencialidade é uma prerrogativa do participante
6.8.2 A divergência entre ética e lei
6.8.3 O problema da descobertas hediondas
6.9 Retenção de dados e análise de dados secundários
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83
83
6.10 Pesquisa internacional
6.11 Lacunas a superar
6.11.1 um inventário mais inclusivo de métodos
6.11.2 Pesquisa com nova mídia
6.11.3 A falta de representação de campos de estudo no SSHWC
6.12 Conclusão do Given the voice to the spectrum
6.13.Considerações sobre este relatório canadense – Given the voice
to the spectrum - e a Resolução 196/96 CNS
7. OBJETIVOS E MÉTODO
7.1.Objetivos:
7.2. Método
8. RESULTADOS I
8.1 O que foi incluído em cada tema
9. RESULTADOS II ASPECTOS ÉTICOS DAS PESQUISAS
QUALITATIVAS EM SAÚDE: O QUE PENSAM OS
AUTORES DOS TEXTOS EM ANÁLISE
9.1 A pesquisa qualitativa
9.1.1 Diferença entre pesquisa e assistência
9.1.2 Propósito da pesquisa qualitativa
9.1.3 Pesquisa qualitativa e paradigmas
9.1.4 Características, desdobramentos práticos e procedimentos
da pesquisa qualitativa
9.1.5. O processo da pesquisa
9.1.6 Efeito da pesquisa:
9.1.7 Dificuldades dos pesquisadores durante o trabalho de campo
9.2 Os princípios que pautam a Resolução 196/96
9.2.1 Autonomia
9.2.2 Justiça
9.2.3 Beneficência
9.2.4 Não maleficência
9.3 Aspectos éticos das pesquisas qualitativas
9.3.1 Diretrizes, comitês de ética e as pesquisas qualitativas: uma
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84
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179
revisão necessária
9.3.2 Aspectos éticos são intrínsecos aos aspectos metodológicos
9.3.3 Justificativa ética da pesquisa e relevância
9.3.4 Aspectos éticos associados ao relacionamento entre
pesquisador e pesquisado
9.3.5 Aspectos éticos nos diferentes momentos da pesquisa
9.3.6 Outros aspectos
9.3.7 Funcionamento do CEP
9.4 Sugestões de aspectos a serem abordados nas diretrizes e ao
trabalho dos comitês de ética em pesquisa
9.4.1 Relacionamento entre os pesquisadores e os comitês de ética
9.4.2 Como o pesquisador pretende atuar ao tomar conhecimento
de atos ilícitos praticados pelos pesquisados
9.4.3 A interação entre o principialismo e outras abordagens
9.4.4 A “ética como processo”
9.4.5 Pesquisas qualitativas via Internet
9.4.6 Pesquisas participativas na comunidade
9.4.7 Enquanto as diretrizes não são revistas: sugestões para os
pesquisadores que adotam abordagens qualitativas sobre
como se relacionar com os CEPs
10. CONCLUSÕES
11. REFERÊNCIAS
ANEXOS
ANEXO 1 - MEDLINE 1993- 2005 PESQUISA QUALITATIVA ETICA
ANEXO 2 - MEDLINE 1990- 2003.
ANEXO 3 - Síntese de cada artigo, apresentados na seqüência que foram lidos
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ASPECTOS ÉTICOS NAS PESQUISAS QUALITATIVAS
EM SAÚDE
Iara Coelho Zito Guerriero
Orientadora: Profa Dra Sueli Gandolfi Dallari
(...) toda indagação é sempre o resultado de um sujeito concreto e histórico
e, por fim, de um sujeito que se interroga a partir de um conjunto de saberes
prévios, sobre os quais não tem “atualmente” dúvidas.
Samaja
(...) a pertença do intérprete ao seu texto é como a pertença do ponto de vista
na perspectiva que se dá num quadro. (...) aquele que compreende não
escolhe arbitrariamente um ponto de vista, mas encontra seu lugar fixado de
antemão.
Gadamer
APRESENTAÇÃO
Com o intuito de situar o leitor, considero importante apresentar brevemente
meu percurso profissional.
Durante meus primeiros dez anos de formada, atuei como psicoterapeuta em
serviços de Saúde Pública, assistindo pessoas que procuravam auxílio para as mais
diversas questões emocionais e de relacionamento. Nessa ocasião, conclui o curso de
pós-graduação latu sensu em “Terapia de Casal e Família”
1
, em que, além de
aprimorar as possibilidades de assistência a famílias e casais, tive contato com
diversas análises epistemológicas de teorias usualmente discutidas pelos psicólogos.
Esse percurso foi decisivo para que eu me candidatasse à pós-graduação
strictu sensu no Núcleo de Família e Comunidade (Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo), também responsável pela organização e coordenação dessa
especialização. Em minha dissertação (GUERRIERO 2001), trabalhei a relação entre
1
De 1993 a 1995.
2
gênero e vulnerabilidade ao HIV. Entrevistei homens, individualmente, e promovi
oficinas de sexo seguro. Frente à complexidade do tema, concebi a vulnerabilidade
como uma teia em que diferentes aspectos interagem e, assim, analisei o material
coletado, de maneira a relacionar diferentes aspectos da vida dos participantes e
identificar quais características consideradas por eles como masculinas interferiam na
vulnerabilidade ao HIV, aumentando-a ou colaborando para sua diminuição.
Durante o mestrado, tendo interrompido minha atuação como
psicoterapeuta, tive a oportunidade de participar de disciplinas que me foram muito
significativas, em especial: metodologia de pesquisa qualitativa e epistemologia da
Psicanálise. Em ambas estudei textos que representam marcos importantes nesse
campo e, a partir de então, passei a me interessar cada vez mais pela seguinte
discussão: como se produz ciência.
Após terminar o mestrado, voltei então a atuar na Secretaria Municipal de
Saúde /SMS, agora não mais na assistência, mas na gestão e no planejamento de
ações. Trabalhei pela implantação do Comitê de Ética em Pesquisa CEP/SMS, o
que me fez estudar e participar de inúmeros eventos e discussões sobre ética em
pesquisa com seres humanos. Montado o comitê e tendo sido eleita sua
coordenadora, decidi me aprofundar no estudo dessas questões e me candidatei à
pós-graduação strictu sensu, doutorado, na Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo.
Um fato mais recente contribuiu decisivamente para a definição do tema desta
tese: no segundo semestre de 2003, fui nomeada membro titular da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, sendo a única psicóloga que integraria essa
nova gestão. Se, por um lado, essa nomeação me trouxe grande alegria, foi também
motivo de preocupação, pois me colocou a questão de como poderia exercer a
contento essa nova atribuição, esse compromisso específico, qual seja, o de ser um
membro da área de ciências humanas numa comissão multiprofissional.
A participação em grupos multiprofissionais exige muita maturidade, pois é
preciso respeitar diferentes visões, contemplar essa diversidade em toda sua riqueza,
mas também não se pode perder de vista que é preciso fortalecer questões específicas
das várias áreas de conhecimento. Assim, busco contribuir de maneira mais
3
consistente com a CONEP, trazendo, justamente, a discussão de como se faz ciência,
questão que tem não só me acompanhado, mas à própria Psicologia, desde seu início.
De fato, a Psicologia surgiu enquanto ciência independente no bojo de uma
crise: como alcançar a objetividade, vista como essencial à produção do
conhecimento científico moderno, se este é produzido por um indivíduo com sua
subjetividade? Como aplicar o método científico, pensado para o estudo das Ciências
da Natureza, ao estudo da subjetividade?
Diferentes psicólogos buscaram maneiras diversas de realizar suas pesquisas,
sendo que, desde o início, explicitaram-se duas linhas de pensamento opostas: uma
acredita que o desafio é como desenvolver uma Psicologia científica de acordo com
os critérios das Ciências Naturais, e outra entende que a Psicologia deve buscar sua
própria maneira de fazer ciência, uma vez que seu objeto de estudo não é apreensível
pelo método das Ciências Naturais. Essas diferenças na concepção do método mais
apropriado para essa área do saber, ou talvez o método possível, estão, ainda hoje, na
base das diversas Psicologias.
Entre os pesquisadores que consideram necessário construir maneiras específicas
para abordar a subjetividade ganha destaque o questionamento sobre a relação
entre pesquisador e pesquisado. De fato, ambos são sujeitos, e, nessa medida,
tornar o pesquisado objeto significa excluir sua subjetividade, o que no caso de
pesquisas em Psicologia implicaria em excluir o próprio objeto de estudo! Além
disso, ao mesmo tempo em que o pesquisador entra em contato com
características do pesquisado, também este conhece peculiaridades do
pesquisador. Ou seja, estamos diante de um interjogo de singularidades que
necessita ser considerado.
Nessa medida, não como negar que os métodos qualitativos são
necessários para abordar a subjetividade, as relações interpessoais, as atribuições de
significado, pois visam apreender os detalhes, as nuanças, inclusive aquilo que foi
excluído da consciência, aquilo que a pessoa não sabe sobre si mesma. Buscam
produzir um conhecimento que é transferível (GUBA e LINCOLN 1989), ou seja,
que pode ser útil num contexto semelhante, com pessoas que tenham características
semelhantes, mas que não visa à generalização. Os métodos quantitativos, ao
contrário, buscam as semelhanças, as regularidades que existem numa amostra
significativa de uma dada população, visando justamente às generalizações.
4
Cabe ressaltar, portanto, a complementaridade dessas duas formas de fazer
ciência, pois os resultados de ambas são essenciais para a produção de conhecimento
científico.
No caso deste trabalho, o que está em foco é a necessidade de cuidar dos
aspectos éticos das pesquisas desenvolvidas na Saúde Pública. Assim, sendo uma
psicóloga que atua nos serviços públicos de saúde quase 20 anos e, mais
recentemente, diante de minha atuação direta no sistema CONEP-CEP, defini como
meu objeto de estudo a discussão de aspectos éticos nas pesquisas qualitativas em
saúde.
5
2. INTRODUÇÃO
Os novos conhecimentos científicos e as novas tecnologias nos colocam
novas questões éticas. Por um lado, os incríveis progressos alcançados hoje pela
ciência possibilitam o que há uma geração era impensável: viagens a outros planetas,
cura de diversas doenças, aumento na esperança de vida, comunicação por meio de
computadores e muito mais. Ainda que tenhamos chegado até aqui, observamos que
na Saúde Pública, por exemplo, novas doenças surgiram e outras que estavam
controladas voltaram a preocupar. Apesar dos incríveis progressos na agronomia,
muitos ainda morrem de fome, e o meio ambiente está cada vez mais em
desequilíbrio. Existe até mesmo a possibilidade de que as modificações ambientais
acabem com a possibilidade de vida humana no planeta.
Enfim, mesmo que tenha nos proporcionado inúmeras melhorias, o avanço da
ciência trouxe também efeitos nocivos, e seus benefícios, quando alcançados, não
foram distribuídos de maneira eqüitativa, privilegiando aqueles que podem pagar por
eles.
É justamente neste momento em que a ciência atinge um patamar de grande
reconhecimento que essas contradições se tornam claras. Constatamos que o dinheiro
destinado às pesquisas em saúde pouco prioriza as necessidades da população
mundial e muito os interesses financeiros. Dados do Global Forum for Health
Research, uma fundação internacional que trabalha em parceria com a Organização
Mundial da Saúde - OMS, mostram que 90% do dinheiro gasto em pesquisas em
saúde atendem às necessidades de apenas 10% da população mundial (WHO, 2004;
Global Forum for Health Research, 2000 e 2002). Salientam-se aqui as chamadas
doenças negligenciadas, como a malária, que é um importante problema de saúde
pública em vários países em desenvolvimento, mas pouco recurso financeiro é
destinado a pesquisas para controlá-la ou tratá-la. Afinal, para que produzir
medicamentos para pessoas que não poderão pagar por eles? Infelizmente, a lógica
do lucro financeiro parece imperar nas pesquisas da área da saúde.
É com certa perplexidade que podemos nos perguntar: O que houve? Por que
no afã de conhecer para dominar a natureza acabamos utilizando esse poder para
6
dominar também outros seres humanos, fazendo prevalecer o interesse de alguns em
detrimento do interesse de outros, sendo estes, muitas vezes, a maioria? Qual a razão
de o progresso científico e tecnológico não vir acompanhado de maior bem estar para
a população mundial? Por que mais tecnologia na produção de alimentos não
eliminou a fome do planeta? Por que maior conhecimento não eliminou a
desigualdade social, pelo contrário, aumentou o número de excluídos?
Parece que a busca pelo progresso científico não tem incluído a preocupação
com as suas conseqüências, nem ideais de solidariedade e responsabilidade, seja no
momento de definir as prioridades das pesquisas, durante a realização destas, ou
mesmo depois, no momento de aplicação dos resultados. E, no entanto, os aspectos
éticos deveriam, justamente, ser contemplados como parte integrante da definição de
desenvolvimento e de progresso científico, com vistas a humanizá-los. MORIN
(2002b) expressa essa mesma preocupação:
Desarrollo humano significa entonces integración, la combinación, el
diálogo permanente entre los procesos tecno-económicos y las
afirmaciones del desarrollo humano, que contienen, en mismas, las
ideas éticas de solidaridad y de responsabilidad. Es decir que hay que
pensar de nuevo el desarrollo para humanizarlo. ¿Cómo integrar la
ética? No se puede hacer una inyección de ética como se hace una
inyección de vitaminas en un cuerpo enfermo. El problema de la ética
es que debe encontrarse en el centro mismo de este desarrollo.
Um exemplo bem atual dessa situação é a maneira como vêm sendo
conduzidas as pesquisas sobre novos medicamentos. Em geral, um coordenador
do estudo no âmbito internacional, que trabalha com uma equipe, a quem cabe cuidar
dos aspectos científicos. Os técnicos realizam as medições, tal como estão descritas
no protocolo de pesquisa, pois isso é fundamental para garantir a comparabilidade
dos dados. Outros profissionais cuidam dos assuntos relativos à regularização, como
avaliar se algum dispositivo das diretrizes de ética em pesquisa, sejam locais ou
internacionais, está sendo descumprido, para buscar então uma adequação, e ainda
assumem outras funções, que podem incluir: regularizar a importação de
7
medicamentos para estudo; armazená-los de maneira adequada; cuidar dos aspectos
legais e técnicos do envio de material biológico para o exterior.
Essa organização de trabalho exemplifica bem como cada profissional foi se
tornando um elo numa cadeia de produção científica, que se transforma, assim, em
uma verdadeira “linha de montagem”. Cada um realiza apenas sua tarefa,
isoladamente, em seus respectivos centros e de acordo com as regras estabelecidas,
sem participar da construção de um projeto comum. Dessa maneira, o profissional
perde a possibilidade de se inserir no conjunto das atividades de pesquisa, ao final do
qual será possível chegar a alguma conclusão.
Essa preocupação também é explicitada pela Organização Mundial da Saúde:
(...) many researchers and research institution in the developing world
feel disadvantaged when entering into research collaborations with
partners in the developed world. They have little say in determining
priorities, are often treated as mere “specimen collectors” and do not
share in the financial and intellectual benefits of the research (WHO
2004, p. 135)
2
.
Ao realizar apenas uma parte do trabalho, também a visão da situação se
torna restrita, o que pode levar à desintegração do sentido de responsabilidade
perante as outras pessoas e à sociedade. De fato, se os cientistas e técnicos o
participam da elaboração do projeto de pesquisa, se os mentores intelectuais, os
pesquisadores que desenham o estudo não são incluídos nas discussões éticas, que
fica sob a responsabilidade dos chamados burocratas, isso indica que a ética não foi
incorporada à concepção do projeto.
Se no século XVII, no início da ciência moderna, foi necessário lutar para a
autonomia do pensamento científico, desvinculando-o da religião e da política, hoje
2
Tradução livre: Muitos pesquisadores e instituições de pesquisa no mundo em desenvolvimento
sentem-se em desvantagem quando entram em pesquisas em colaboração com parceiros dos países
desenvolvidos. Eles têm pouca possibilidade de opinar sobre a determinação das prioridades, são
geralmente tratados como “coletores de espécimes” e não partilham os benefícios financeiros e
intelectuais da pesquisa (WHO 2004, p. 135)
8
são as novas possibilidades tecnológicas, levando-nos ao excesso de especializações,
que explicitam a necessidade de regulação ética de todo o trabalho em pesquisa.
Nessa mesma direção, argumenta MORIN (2002b):
(...) las especializaciones en todos los sectores económicos del trabajo
y del pensamiento también, encierran a los seres humanos en
actividades fragmentadas, aisladas y donde se pierde el sentido de la
realidad común en la cual nosotros estamos incluidos. De este modo
el sentido de la responsabilidad para los otros y para su comunidad,
también se desintegra. No olvidemos, además que los motores del
desarrollo en la ciencia, la técnica, la economía, el provecho están sin
ningún control ético. (….) en los principios de la ciencia moderna
occidental del siglo XVII hay una autonomía total de la ciencia frente
a la política, a la ética, a la religión, digamos a la condición de
desarrollo de la ciencia. Pero a mediados del siglo pasado, la ciencia
desarrolló un poder tan grande sobre la sociedad, y peligros tan
gigantes o de destrucción provenientes de la física nuclear o de la
manipulación que pone en evidencia la falta de regulación ética.
1.1 Ética e subjetividade
ainda um outro aspecto sobre o qual precisamos pensar - o da intersecção
entre ética e subjetividade. Observamos que tem aumentado bastante o número do
denominado estudo cego, em que o participante/voluntário não é informado do
remédio que está tomando, e, em especial, do estudo duplo cego, quando também o
médico/técnico não o sabe. O que fica excluída, então? Parece-me que, justamente, a
subjetividade.
De fato, esse é o propósito de estudos dessa natureza: afastar a interferência
indesejada da subjetividade do voluntário e do médico, que deve aplicar a pesquisa.
Restaria, portanto, apenas a realização de procedimentos técnicos e objetivos por
parte do segundo e o uso do remédio, sem questionamentos, por parte do primeiro.
De maneira semelhante, os organizadores de sondagens têm como
preocupação central a padronização e a rentabilidade da entrevista, sendo que, para
garanti-las, estabelecem uma definição muito gida dos papéis, tanto do
9
entrevistador quanto do entrevistado. Também aqui os entrevistadores são apenas
executores passivos das instruções do questionário, e deles não se espera, nem se
considera necessário, qualquer iniciativa ou esforço intelectual. O entrevistador não é
visto como um pesquisador - sua função se restringe a estabelecer um
relacionamento suficiente para que possa colocar as questões dos questionários e
obter respostas que não sejam distorcidas. Também ele recebe apenas instruções que
permitem, apenas, uma visão fragmentária. Nessa concepção de trabalho, como nos
alerta THIOLLENT (1981):
... os entrevistadores são intermediários, subalternos, intertrocáveis e
submetidos ao controle dos administradores que aplicam normas
burocráticas. Tal padronização, é considerada no referencial
positivista, como requisito de comparabilidade e de confiabilidade das
respostas e, logo, base necessária da quantificação. Ora, o que a
pesquisa ganha com isso tem contrapartida: a pobreza dos seus
resultados ou o fechamento do discurso, antes de -los aberto (p. 79-
80).
A ética da ciência é, nessas situações, entendida como o compromisso e a
competência na realização da tarefa (BELINO, 1997): elaboração de um desenho
apropriado do estudo para atingir o objetivo definido, emprego do todo adequado,
coleta e análise dos dados de maneira correta. Esses aspectos, porém, o de
responsabilidade dos mentores intelectuais do projeto. Dessa forma, os profissionais
que realizam procedimentos de pesquisa, nos exemplos citados os médicos/técnicos
ou os entrevistadores, não participam do trabalho intelectual de elaborá-la, definindo
seu objetivo e método; tão pouco participam da definição das maneiras pelas quais os
resultados dos estudos serão utilizados. Essa preocupação também foi expressa por
MORIN (sd): Estes que não dominam, praticamente, as conseqüências das suas
descobertas, também não controlam intelectualmente o sentido e a natureza da sua
pesquisa” (p.18).
De toda maneira, a meu ver, a dimensão ética na pesquisa não se restringe à
competência e seriedade do pesquisador, embora estes sejam atributos essenciais.
10
Inclui também outros aspectos, como a qualidade da relação entre quem aplica os
procedimentos e aquele que aceita participar do estudo.
THIOLLENT (1981) afirma que, mesmo quando são realizadas entrevistas
não diretivas, a relação entre o entrevistador e o entrevistado se mantém desigual.
Ambos são marcados por questões como situação socioeconômica, gênero, raça,
idade e religião. Esse conjunto de características leva a possibilidades diferentes de
discurso, o que coloca a necessidade de cuidado ao analisar os dados, considerando
que o conteúdo da entrevista pode estar mais relacionado ao momento de sua
realização, à relação que se estabeleceu entre pesquisador e pesquisado, do que às
vivências deste em seu contexto habitual. E também é preciso considerar que, ainda
que o diretiva, a situação de entrevista é também artificial: um diálogo que se
estabelece sobre uma questão já definida, com um pesquisador que não tem as
mesmas características da população estudada e que, na maior parte do tempo,
mantém-se calado.
Além desses aspectos, externos ao contexto da pesquisa, THIOLLENT (1981)
acrescenta outros que são próprios da situação da pesquisa. Para o autor: “... a
desigualdade é inerente a uma situação de comunicação sobre a qual o respondedor
não tem controle e permanece separado da interpretação e da utilização social da
informação transmitida” (p. 83).
Essa consideração nos aponta também um caminho para reverter essa
situação hierárquica, pois se o participante selecionado tivesse algum controle sobre
a pesquisa e fosse chamado a contribuir com a interpretação dos dados, isso poderia
levar a uma relação menos desigual entre pesquisado e pesquisador. Assim, o
referido autor sugere o retardamento da categorização, que pode ser obtido “... pela
não diretividade, pela atenção flutuante do investigador e a impregnação do analista
que interpreta o discurso dos entrevistados (THIOLLENT 1981, p. 96).
Cabe observar que essa proposta de modificar a relação entre pesquisador e
pesquisado implica em rever questões epistemológicas, como o lugar de ambos no
campo, a concepção sobre dados coletados versus dados co-construídos, a questão da
neutralidade do pesquisador e a maneira como serão analisados os dados.
Nos exemplos descritos, um relativo à pesquisa com medicamentos e outro à
pesquisa social, apenas no segundo caso existe a preocupação, expressa por
11
diferentes autores (embora neste momento tenha citado apenas um deles), de reverter
essa situação, tanto no que diz respeito à relação hierárquica estabelecida entre
pesquisador e pesquisado, quanto ao papel do pesquisador durante o estudo (que
passa de mero “perguntador” de questões fechadas, para um pesquisador que deve
adiar a categorização, manter a atenção flutuante e buscar a impregnação para
interpretar o discurso dos pesquisados). Em outras palavras, a mudança aqui
discutida implica no reconhecimento de que a subjetividade do pesquisador interfere
na coleta dos dados (ou ainda, na geração deles), bem como na sua análise.
Se nos voltarmos para os aspectos éticos, se tomarmos Levinas, a ética é o
respeito pelo outro em sua alteridade. Entretanto, se excluirmos (ou tentarmos
excluir) as subjetividades, como falar de ética? Se a relação entre subjetividades for
silenciada, os aspectos éticos certamente também o serão.
Nessa mesma direção, MORIN (2005) afirma que: “Todo olhar sobre a ética
deve levar em consideração que sua exigência é vivida subjetivamente” (p.21).
Assim, a exclusão da subjetividade do pesquisador contribui para que as
questões éticas se tornem extrínsecas ao processo da pesquisa, exigindo então um
controle externo que passa a ser realizado por comitês independentes.
É importante salientar que a ciência moderna fundamenta-se no pressuposto
de que é possível produzir conhecimento válido, rigoroso, se houver objetividade;
ou seja, se a dimensão subjetiva do pesquisador for excluída ou disciplinada
adequadamente. O método surge, justamente, como uma maneira de estabelecer
parâmetros para essa subjetividade, a fim de restringir sua influência na aplicação e
nos resultados dos mais diversos estudos. Nas palavras de FIGUEIREDO (1995):
O método deveria, portanto, operar uma cisão: de um lado, uma
subjetividade ascética e expurgada - a do conhecedor ideal de outro,
tudo aquilo que comprometesse a confiabilidade do sujeito
epistêmico, tudo que o tornasse variável, singular, desejante,
padecente, afetável, em outras palavras, tudo que o encarnasse e o
mundanizasse trazendo para ele as marcas de finitude; enfim, era
preciso neutralizar tudo que o pudesse colocar na condição de fonte de
suas próprias ilusões e enceguecimentos. Não é difícil perceber que
12
estamos falando da separação, a ser idealmente instituída pelo método,
entre a mente, na sua suposta liberdade, e o corpo, na prisão dos seus
determinismos naturais e condicionamentos sociais. Boa parte da
história do projeto epistemológico moderno em suas sucessivas
versões atesta o reiterado fracasso dessa cisão (p.17).
Entretanto, para re-introduzirmos a dimensão ética no trabalho cotidiano do
pesquisador, é necessário incluir sua subjetividade, uma vez que este é o fórum em
que decidimos o que é certo e o que é errado. Isso cria um paradoxo para a ciência
moderna: por um lado, é essencial excluir ou disciplinar a subjetividade; por outro, é
ela que torna possível a reflexão ética.
Diversos autores têm colocado em evidência a importância da subjetividade
na produção científica, incluindo-se aqueles que adotam abordagens qualitativas em
suas pesquisas. Vejamos primeiramente, então, o que significa o termo “pesquisa
qualitativa”.
13
2. O QUE É PESQUISA QUALITATIVA?
All truths are partial and incomplete. (…) We occupy a historical moment
marked by multivocality, contested meanings, paradigmatic controversies,
and new textual forms. This an age of emancipation; we have been freed from
the confines of a single regime of truth and from the habit of seeing the world
in one color.
Denzin e Lincoln
Ela [a ciência] difere, entretanto, da maioria dos outros ramos da atividade
humana no sentido de que não só os caminhos do pensamento científico são
determinados pelas pressuposições dos cientistas, como também suas metas
são a verificação e a revisão dos antigos pressupostos e a criação de novos.
Bateson
A pesquisa qualitativa tem uma história longa e importante nas disciplinas da
área de Ciências Sociais, e vem sendo cada vez mais utilizada no campo da Saúde
Pública, que é essencialmente interdisciplinar.
A pesquisa qualitativa é um campo de investigação em si (DENZIN e
LINCOLN 2000; NUNES 2005), e, dessa forma, traz uma família de termos
complexos e interconectados, conceitos e hipóteses, incluindo tradições associadas
ao fundamentalismo, positivismo, pós-fundamentalismo, pós-positivismo, pós-
estruturalismo, dialética, entre outros. Existe, pois, vasta literatura sobre os vários
métodos e abordagens que compõem o termo pesquisa qualitativa, tais como: estudo
de caso, entrevistas, observação participante, método visual, análise interpretativa,
entre outros.
Na América do Norte, a pesquisa qualitativa opera em um campo histórico
complexo, classificado por DENZIN e LINCOLN (2000) em sete momentos, que se
sobrepõem e, no momento atual, operam simultaneamente. São eles: tradicional
(1900-1950), modernismo ou idade dourada (1050-1970), blurred genders (1970-
1986), a crise da representação (1986-1990), o pós-moderno, o período experimental
e novas etnografias (1990-1995), investigação pós-experimental (1995-2000) e o
presente (2000-). O sétimo momento considera que as Ciências Sociais e as
humanidades devem se tornar campos para discussões críticas sobre democracia,
raça, gênero, classe, nações-estado, globalização, liberdade e comunidade. A
14
pesquisa qualitativa está fortemente conectada, portanto, com os desejos, as
necessidades, os objetivos e as promessas de uma sociedade democrática livre
(DENZIN e LINCOLN 2000).
DENZIN e LINCOLN (2000) descrevem diversas ondas de teorização
epistemológica que se sucedem através desses sete momentos. Apresento a seguir
uma breve síntese de cada um deles, tal como descritos pelos autores, para ilustrar
como a concepção de pesquisa qualitativa vem se modificando ao longo do tempo.
O período tradicional associa-se com o positivismo. o modernismo ou a
idade dourada e o blurred gendes estão conectados com os argumentos pós-
positivistas. Ao mesmo tempo, surge uma variedade de novas propostas
interpretativas, incluindo hermenêutica, estruturalismo, semiótica, fenomenologia,
estudos culturais e feminismo.
Na fase blurred gendes, as humanidades tornam-se recursos centrais para a
teoria crítica, interpretativa e para o projeto de pesquisa qualitativa amplamente
concebido. O pesquisador se torna um bricoluer, aprendendo como dialogar com
muitas disciplinas. Essa fase produziu a fase seguinte: a crise da representação,
quando os pesquisadores passam a se preocupar em como localizar a si e aos sujeitos
nos textos reflexivos. Uma espécie de diáspora metodológica aconteceu então, com
dois caminhos para o êxodo - humanistas migraram para as Ciências Sociais,
buscando uma nova teoria social, novos caminhos para estudar a cultura popular no
seu contexto local, etnográfico; e cientistas sociais voltaram-se para as humanidades,
buscando aprender como fazer leituras complexas e estruturais, e pós-estruturais, dos
textos sociais. Das humanidades, os cientistas sociais também aprenderam como
produzir textos que recusam leituras simplistas, lineares, sem controvérsias. A
separação entre texto e contexto torna-se menos visível. no momento pós-
moderno, os pesquisadores continuam buscando critérios fundamentais ou quase
fundamentais, critérios de avaliação alternativos, que possam ser evocativos, morais,
críticos e de acordo com a compreensão local.
A pesquisa qualitativa tem, portanto, significados diferentes em cada
momento histórico. Para defini-la, é preciso considerar, então, essa diversidade,
15
sendo a proposta elaborada por DENZIN e LINCOLN (2000) bastante pertinente e
útil a esse propósito
3
.
É preciso considerar, ainda, que a pesquisa qualitativa, como um conjunto de
atividades interpretativas, o privilegia uma técnica metodológica sobre outra. Não
há um paradigma que lhe seja específico, e muitas disciplinas e teorias adotam
abordagens qualitativas, do construtivismo aos estudos culturais, feminismo,
marxismo, entre outras (DENZIN e LINCOL, 2000). Esses usos e significados
múltiplos dos métodos de pesquisa qualitativos também tornam difícil aos
pesquisadores concordarem com uma definição única do campo, simplesmente
porque ele nunca é único.
Por isso, NELSON e col. (apud DENZIN e LINCOLN, 2000) adotam a
seguinte definição:
Qualitative research is an interdiciplinary , transdiciplinary (....) field.
It crosscuts the humanities and the social and physical sciences.
Qualitative research is many things at same time (.…) Its
practitioners are sensitive to the value of the multimethod approach.
They are commited to the naturalistic perspective and to the
interpretative understanding of human experience. At the same time,
the field is inherently political and shaped by multiple ethical and
political positions
4
(p.7).
Nessa medida, a pesquisa qualitativa pode ser pensada como um conjunto de
práticas que apresenta em sua história constantes tensões e contradições, incluindo
seus métodos e as maneiras como se chega aos seus achados e interpretações.
3
Também NUNES (2005) apresenta um histórico do desenvolvimento teórico da pesquisa qualitativa.
4
Tradução livre: A pesquisa qualitativa é um campo inter e transdisciplinar (...). Ela perpassa as
humanidades, as Ciências Sociais e as Ciências dicas. A pesquisa qualitativa é muita coisa ao
mesmo tempo. Os pesquisadores que realizam pesquisas qualitativas são sensíveis à utilização de
vários métodos (no mesmo estudo). Eles são preocupados com uma perspectiva naturalista e com uma
compreensão interpretativa da experiência humana. Ao mesmo tempo é um campo eminentemente
político e moldado por posições éticas e políticas diversas
.
16
MINAYO (1994) define as metodologias de pesquisa qualitativa como
aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como
inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas
tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas
significativas” (p.10).
Então, na ausência de consenso, a pesquisa qualitativa pode ser definida
inicialmente como uma atividade contextualizada que localiza o observador no
mundo. O campo da pesquisa consiste, pois, em um conjunto de práticas materiais e
interpretativas - tais como, notas de campo, entrevistas, conversas, fotografias,
gravações e recordações - que tornam esse mundo visível de uma maneira diferente,
ou ainda, segundo alguns autores, que podem e devem transformá-lo. Em função
dessa diversidade, é freqüente o uso de mais de uma prática interpretativa em cada
estudo. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa e
naturalística do mundo, o que significa que estuda as coisas em seu ambiente natural,
buscando produzir sentido ou interpretar os fenômenos em termos dos significados
atribuídos a eles por pessoas que fazem coisas juntas em lugares onde essas coisas
habitualmente são feitas. O campo da pesquisa é constituído através das práticas
interpretativas do pesquisador (DENZIN e LINCOLN, 2000)
Assim, nos textos produzidos a partir de uma pesquisa qualitativa, muitos
aspectos diferentes figuram simultaneamente: diferentes vozes, perspectivas e pontos
de vista. Esses textos se movem do pessoal para o histórico e cultural, são dialógicos
e presumem uma audiência ativa, com os leitores sendo convidados a explorar
diferentes visões do contexto, a mergulhar e emergir com novas realidades a
compreender. Para tanto, o pesquisador pode utilizar várias técnicas, visando
alcançar uma compreensão mais profunda do fenômeno em questão; ou seja, pode
contar a mesma história a partir de diferentes pontos de vista. Cada metáfora
utilizada pode ser trabalhada para criar simultaneidade e não uma seqüência linear.
Nessa perspectiva, a combinação de várias práticas metodológicas, materiais
empíricos, perspectivas e observadores num mesmo estudo é uma estratégia que
acrescenta rigor, complexidade, riqueza e profundidade à pesquisa (DENZIN E
LINCOLN, 2000).
17
Mas é importante destacar que, embora os pesquisadores que utilizam
métodos qualitativos possam combinar rias técnicas no mesmo estudo, não
consenso entre diferentes autores, como KUHN (2000) e LINCOLN e GUBA
(2000), sobre a possibilidade de combinar diferentes paradigmas numa mesma
pesquisa.
KUHN (2000) relata sua surpresa ao conviver um ano com cientistas sociais e
observar o número e a extensão dos desacordos no que diz respeito à natureza dos
métodos e dos problemas científicos. Isso levou o autor a questionar se os praticantes
das Ciências Naturais tinham respostas mais firmes ou mais permanentes para essas
questões que seus colegas das Ciências Sociais, embora astrônomos, físicos,
químicos e biólogos não costumem evocar as controvérsias sobre fundamentos que
são freqüentes entre psicólogos e sociólogos. Nessa reflexão, KUHN (2000) conclui
que, de fato, os pesquisadores das Ciências Naturais, embora não tivessem respostas
a essas questões, assim como seus colegas das Ciências Sociais, não as discutiam
freqüentemente. Foi a busca por descobrir a razão dessa diferença que levou o autor a
perceber o papel dos paradigmas nas pesquisas científicas: “...paradigmas (são) as
realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,
fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de
uma ciência”
5
(p. 13).
Assim, uma vez estabelecidos esses paradigmas, os cientistas de uma
determinada área podem neles se apoiar e prosseguir suas pesquisas, sem que seja
necessário processar uma discussão metodológica cotidiana. Em momentos de
calmaria, esses paradigmas são inquestionáveis, e os fatos que neles o se
encaixam, muitas vezes, não são sequer percebidos ou dignos de nota pelos
pesquisadores. Entretanto, à medida que esses eventos anômalos vão se avolumando
e se fazem presentes, vão surgindo paradigmas competidores. Uma revolução
científica é precedida, portanto, por um período pré-paradigmático, que tem como
característica a coexistência de vários paradigmas, sem que nenhum seja o
hegemônico. Quando um deles se estabelece como superior, os demais são
5
Embora este autor, nesta mesma obra, tenha definido paradigma de diversas maneiras, para os
propósitos desse trabalho, selecionei a definição acima.
18
abandonados e tem início, como dito, o período em que os pesquisadores o
necessitam discutir de maneira permanente e constante os métodos e os fundamentos
de suas pesquisas, pois a adoção, por vezes inconsciente, do paradigma vigente
responde a essas questões.
KUHN (2000) continua nesse raciocínio e afirma que, dessa maneira, fica
visível que a ciência caminha através de descontinuidade e de rupturas e não de
crescimento linear, com incorporação contínua de novos conhecimentos. O que
ocorre, segundo esse autor, é que no período pós-paradigma, ou depois que cada
revolução científica se processa, as rupturas são escamoteadas nos textos
subseqüentes. Com a incorporação dos novos paradigmas, os autores passam a
escrever como se eles sempre tivessem estado presentes, determinando as
interpretações dos dados, o que pode dar a impressão ao leitor de uma continuidade
que, de fato, não ocorreu. Nessa perspectiva, os paradigmas são incomensuráveis, ou
seja, não é possível para uma mesma pessoa “combiná-los”.
DENZIN e LINCOLN (2000), por sua vez, consideram que o paradigma é
uma construção humana que inclui quatro conceitos: hierarquia de valores
(axiology), epistemologia, ontologia e metodologia. A hierarquia de valores
“pergunta”: Como posso ser uma pessoa moral no mundo? A epistemologia
questiona: Como eu conheço o mundo? Qual a relação entre o pesquisador e o
conhecimento? Ou seja, toda epistemologia implica em uma posição ético-moral a
respeito do mundo e da pessoa do pesquisador, como conclui CHRISTIANS (2000).
a ontologia coloca questões sicas sobre a natureza da realidade e a natureza do
ser humano no mundo. E a metodologia enfoca o melhor caminho para obter
conhecimento sobre o mundo.
Sendo que, como nos alerta BATESON (1986), com base no desenho da
pesquisa, pode-se inferir a que espécie de resultado o pesquisador poderá chegar.
LINCOLN e GUBA (2000) consideram, entretanto, que existem situações em
que é possível combinar paradigmas, e exemplificam afirmando que os paradigmas
positivistas e pós-positivistas podem ser combinados entre si, embora nenhum deles
possa ser combinado com paradigmas interpretativos, construtivistas ou outros.
Penso que essa impossibilidade se deve à própria natureza dos paradigmas,
especialmente do positivista, que não admite ambigüidades nem contradições. Se
19
tomarmos o paradigma da complexidade, que pressupõe a convivência e a
articulação entre contradições, o diálogo poderia se tornar possível. De toda maneira,
considero fundamental que o pesquisador saiba em que paradigma se pauta e, se
considerar adequado, faça suas combinações. O que me parece indesejável é a falta
de reflexão sobre esses aspectos, pois isso pode levar não a uma combinação de
paradigmas, mas a uma confusão que pode colocar o pesquisador em situações muito
ambíguas no campo da pesquisa. Um exemplo claro é a necessidade de que o
pesquisador saiba seu lugar no campo da pesquisa, se busca neutralidade ou se sua
subjetividade está assumidamente presente, e de que maneira será manejada. Isso é
fundamental ao se definir a qualidade da relação que se estabelecerá entre
pesquisador e pesquisado.
Considerando os autores citados acima, e ponderando a centralidade dos
paradigmas tanto para o caminhar das ciências quanto para o trabalho que cada
pesquisador conduz, considero que a atenção aos paradigmas é importante também
para a análise ética dos projetos.
GUBA e LINCOLN (1994) afirmam que “questions of method are
secondary to questions of paradigm, which we define as the basic belief system or
worldview that guides the investigator, not only in choices of method but in
ontologically and epistemologicaly fundamental ways
6
(p.105).
A meu ver, a análise dos aspectos éticos das pesquisas com seres humanos
deveria começar, então, no âmbito dos paradigmas que orientam o pesquisador.
Os métodos empregados para generalizar, analisar e organizar os dados e
relacionar as evidências com as hipóteses são contextuais. São definidos por um
background determinado intersubjetivamente, por verdades” através das quais os
valores sociais e a ideologia se expressam na pesquisa e se inscrevem nas teorias,
hipóteses e modelos que definem os projetos de pesquisa. Assim, as pesquisas e a
produção de conhecimento não são produzidas num processo cognitivo individual,
mas são produções sociais. A objetividade seria, desta maneira, marcada pelas
relações sociais (LONGINO 1993, apud SCHWANDT 2000).
6
Tradução livre: Questões de método são secundárias às questões de paradigmas, que nós definimos
como o sistema básico de crenças ou visão de mundo que guia o investigador, não apenas na escolha
do método, mas nas questões ontológicas e epistemológicas.
20
Se, por um lado, a produção individual é marcada pelo contexto social,
também a percepção do exterior é marcada pelos pressupostos do pesquisador, como
argumenta BATESON (1986):
A experiência do exterior sofre sempre a interferência do órgão
sensorial específico e de caminhos neurais. Os objetos são assim
minha criação e minha experiência com eles é subjetiva e não
objetiva. (....) Os dois processos genéricos primeiro que estou
inconsciente do processo de formação das imagens que vejo
conscientemente e, segundo, que nesses processos inconscientes
utilizo uma ampla gama de pressuposições que se tornam construídas
na imagem acabada são, para mim, o início da epistemologia
empírica (p. 38).
A explicação se apóia na descrição, que depende da percepção. Essa
percepção está intimamente relacionada aos pressupostos de cada um. Ressalta-se
assim a relevância dos pressupostos científicos e a importância de explicitá-los.
Outro aspecto importante a esclarecer é a circularidade do que foi discutido
acima: tanto é difícil considerar uma produção individual, pois o pesquisador é
fortemente marcado pelo contexto e pelo momento em que vive e trabalha, quando o
caminho inverso também deve ser considerado, ou seja, o indivíduo não apenas
realiza o que o meio social “propõe”, mas também o recria a sua maneira. É como se
aprendesse do meio, mas devolvesse para este o que aprendeu, da sua maneira.
De fato, não me parece possível pensar em uma produção de conhecimento
individual, descontextualizada, que desconsidere as marcas que o pesquisador traz,
como raça, gênero, condição socioeconômica e momento histórico que vive.
Entretanto, também não é possível ignorar que o indivíduo não apenas incorpora
normas sociais, mas que, ao expressá-las, as recria com sua tonalidade pessoal. Aqui
lembro de uma discussão interessante que MORIN (s/d; 1996) faz sobre autonomia.
Ele considera que a autonomia é possível porque as pessoas são
sobredeterminadas: estão sujeitas, pelo menos, a determinações biológicas e sociais
21
que, por vezes, são contraditórias, o que coloca ao indivíduo a possibilidade de
exercício de sua autonomia.
Assim, o(a) pesquisador(a), que é marcado pelas questões de gênero, situação
socioeconômica, raça /etnia, é culturalmente situado, aborda o mundo a partir de um
conjunto de idéias, um enquadre (teoria, ontologia) que especifica um conjunto de
questões (epistemologia) a serem examinadas, então, através de caminhos específicos
(método). O pesquisador coleta ou gera material empírico relacionado à questão e
depois analisa e escreve sobre ele, sempre a partir de uma comunidade interpretativa
específica. Cada comunidade tem sua própria tradição histórica de pesquisa, que
constitui um ponto de vista específico.
A própria validação da pesquisa pode ser diferente entre os diversos
paradigmas, pois os caminhos pelos quais conhecemos estão relacionados tanto com
o que conhecemos, quanto com nosso relacionamento com o participante da
pesquisa. Partindo dessa idéia, LINCOLN (1995; apud LINCOLN e GUBA 2000)
buscou compreender como a ética se relaciona tanto com o aspecto interpessoal,
quanto epistemológico. E propôs um conjunto de critérios de qualidade a serem
observados nos textos produzidos pelos pesquisadores que adotam abordagens
qualitativas, incluindo tanto aspectos epistemológicos quanto éticos. Os sete critérios
são:
1. Apresentação do ponto de vista do pesquisador, seus julgamentos;
2. O fato de o pesquisador assumir os pesquisados e seus discursos como
juízes de qualidade;
3. Observação da voz que se expressa no texto ou em que medida ele
apresenta diferentes vozes;
4. Presença de subjetividade crítica ou auto-reflexividade;
5. Observação de reciprocidade, ou seja, em que medida o relacionamento na
pesquisa se torna recíproco e não hierárquico;
6. Observação de sacralidade, ou em que medida o conhecimento científico
contribui para o pleno desenvolvimento humano;
7. Observação da disposição do pesquisador em compartilhar privilégios que
têm acesso por sua situação profissional.
22
2.1 Ética e paradigmas
Inspirada na discussão que KUHN (2000) faz sobre paradigma, e na definição
apresentada por GUBA e LINCOLN (1989), utilizo neste trabalho o termo
paradigma para me referir às crenças que o pesquisador tem e compartilha com seus
pares, antes mesmo de elaborar um projeto de pesquisa, o que inclui sua concepção
sobre o mundo e sobre o ser humano, sobre a maneira de produzir conhecimento, de
validar cientificamente o produto de seu trabalho e sobre seu papel na aplicação
desse conhecimento.
Os pressupostos que norteiam o trabalho do pesquisador podem contribuir
para definir como será a relação entre ele e o participante, o que tem implicações
éticas. Aplicando essa idéia a uma situação concreta, se tomarmos um pesquisador
que opera numa abordagem construtivista, se ele não for honesto com o participante,
além de estar agindo de maneira eticamente inadequada, seu estudo o atingirá seu
objetivo. Como ressaltam GUBA e LINCOLN (1989):
From the perspective of the constructivist paradigm, deception is not
only unwarranted, but it is direct conflict with its own aims. (….) Thus
deception is not only counter to the ethical posture of a constructivist
evaluator, in that destroys dignity, respect, and agency, but it also is
counterproductive to the major goals of a fourth generation
evaluation. Deception is worse than useless to a nonconventional
evaluator; it is destructive of the effort´s ultimate intent (p.122)
7
.
Situação semelhante é relatada pelo antropólogo Oliveira (2004):
“O antropólogo se defronta com problemas ético-morais de base, na medida
em que tem que estabelecer uma relação dialógica com os sujeitos da pesquisa, e
portanto, procurar ouvi-los de fato, não só para que a interação transcorra de maneira
adequada, mas também para que compreenda bem o que esta estudando” (p.35).
7
Tradução livre: Da perspectiva do paradigma construtivista, enganar não é apenas indesejável, mas
está diretamente em conflito com nossos propósitos. (....) Desta maneira, enganar não é apenas contra
a postura do avaliador construtivista, porque destrói a dignidade, o respeito, a força, mas é também
contraproducente para os principais objetivos da avaliação de quarta geração. Enganar é pior para um
avaliador não convencional, pois destrói os esforços para atingir os objetivos propostos (p. 122).
23
Nessa perspectiva, parece muito importante identificar os pressupostos sobre
os quais o estudioso trabalha e as suas implicações éticas. Quando visa descobrir
algo da maneira mais asséptica e objetiva possível, ele pode considerar que o mais
adequado é não dar informações corretas sobre a pesquisa. Em estudos com novos
medicamentos, por exemplo, os participantes podem ser selecionados de acordo com
características determinadas por exames de sangue e dados clínicos, e receberão uma
droga cujo efeito será medido por novos exames e avaliações clínicas. Nesse caso, a
opinião do participante parece não ser necessária para atingir os objetivos da
pesquisa, pois se trata de medir reações do corpo a uma droga; ou seja, o objetivo da
pesquisa pode ser alcançado, ainda que o pesquisador não informe, nem respeite os
participantes.
Muitos são os exemplos desse desrespeito, entre eles os experimentos
realizados por médicos nazistas, que por vezes levavam o participante à morte.
Embora eticamente inadequados, alguns todos dessas pesquisas acabaram
produzindo conhecimento útil para a medicina. Fica clara, então, a possibilidade de
se utilizar método científico correto atuando-se de forma totalmente indiferente às
reflexões éticas.
Entretanto, um estudo construtivista, em que o estudioso visa construir com
os participantes um consenso a partir das muitas realidades que cada um traz, torna-
se inviável se não houver uma relação de confiança entre pesquisador e pesquisados -
se o voluntário não entendeu o que será a pesquisa, não estará em boas condições
para participar, o que altera o resultado do estudo em si. Nesse exemplo, a utilização
competente desse método científico pressupõe o respeito aos aspectos éticos.
2.2. Crenças básicas de diferentes paradigmas
LINCOLN e GUBA (2000) discutem as crenças básicas de paradigmas
alternativos. Para fazê-lo, apresentam didaticamente três tabelas: na primeira figuram
as características básicas dos diferentes paradigmas; na segunda são sintetizadas as
implicações práticas, no processo da pesquisa, de diferentes paradigmas; e na terceira
são apresentadas questões críticas. Como elas me parecem especialmente úteis no
presente estudo, apresento-as tal como elaboradas pelos autores e apenas traduzidas
por mim.
24
Tabela 6.1 Crenças básicas (metafísicas) de paradigmas alternativos de investigação (cf. LINCOLN e GUBA (2000); p.165)
Item Positivismo Pós-positivismo Teoria crítica e outras Construtivismo
Ontologia Realismo ingênuo-
realidade real”, mas
apreensível
Realismo crítico- realidade
“real” mas apenas
imperfeitamente e
probabilisticamente
apreensível
Realismo histórico
realidade virtual
moldada pelo valores
sociais, políticos,
culturais, econômicos,
étnicos e de gênero,
cristalizados ao longo do
tempo
Relativismos- realidades
construídas, locais e
específicas
Epistemologia Dualista/objetivista; busca
a verdade
Dualismo/objetivismo
modificado;
tradição/comunidade
crítica; achados
provavelmente verdadeiros
Transicional/subjetivista;
achados mediados por
valores
Transacional/subjetivista:
os achados criados
Metodologia Experimental/manipulativa;
verificação de hipóteses,
principalmente métodos
quantitativos
Experimental/manipulativa
modificada; multiplicidade
crírica; falsificação de
hipóteses, pode incluir
métodos qualitativos
Dialógica/dialética Hermenêutico/dialético
25
Tabela 6.4 Posições dos paradigmas em questões práticas (cf. LINCOLN e GUBA 2000; p. 170-1.)
Item Positivismo Pós-positivismo Teoria crítica e
outras
Construtivismo
Compreensão; reconstrução
Participatório
Natureza do
conhecimento
Verificação de
hipóteses estabelecidas
como fatos ou leis
Hipóteses não
falsificáveis que
provavelmente são
fatos ou leis
Insights
estruturais/históricos
Reconstruções individuais
construídas consensualmente
Primazia do
conhecimento prático,
subjetividade crítica,
conhecimento vivido
Acumulação de
conhecimento
Acréscimo- “tijolos” adicionados ao edifício do
conhecimento”; generalização e ligações de causa
e efeito
Revisão histórica,
generalização por
similaridade
Reconstruções mais
informadas e sofisticadas;
experiência indireta
Nas comunidades em
estudo, nas práticas
comunitárias
Critério de qualidade Medidas convencionais de rigor: validade interna
e externa, confiabilidade e objetividade
Historicamente
situadas; erosão da
ignorância e da
compreensão
equivocada;
estímulo para ação
Veracidade e autenticidade Congruência do
conhecimento
vivencial apresentado
proposicional e
prático, leva a ações
que transformam o
mundo a serviço do
desenvolvimento
humano.
Valores Excluídos - influencia negada Incluídos - influenciando
Ética Extrínseca – inclinação para a omissão Intrínseca:
inclinação moral
para a revelação
Intrínseca: inclinação processual para a revelação
Postura do investigador “cientista desinteressado” como informantes das
tomadas de decisões, propositores de políticas, e
agentes de mudança.
“intelectual
transformador”
como advogado e
ativista
“participante apaixonado”
“participante apaixonado”
como facilitador da
reconstrução multivocal
Voz primária
manifesta através da
consciência da reflexão
da própria ação, vozes
secundárias iluminam
teorias, narrativas,
movimento, música,
dança e outras
apresentações formais
Treinamento Técnico e quantitativo;
teorias permanentes
Técnico; qualitativo e
quantitativo; teorias
permanentes
Re-socialização; qualitativo e quantitativo; histórico;
altruísmo e fortalecimento como valores
co-pesquisadores o
iniciados no processo
de investigação pelo
facilitador/pesquisador
e aprendem através do
engajamento ativo no
processo,
facilitador/pesquisador
requer competência
emocional,
personalidade
democrática e
habilidades.
26
Tabela 6.5 Questões críticas (cf. LINCOLN e GUBA2000; p. 170-1.)
questão positivismo Pós-positivismo Teoria crítica e outras construtivismo participativo
Hierarquia de valores
axiology
Conhecimento proposicional sobre o
mundo é um fim em si, tem valor
intrínseco
Conhecimento proposicional e transacional
é instrumentalmente valioso como um meio
para emancipação social, que é um fim em
si mesmo, tem valor intrínseco
Conhecimento
prático sobre como
desenvolver com
um balanço de
autonomia,
cooperação e
hierarquia na
cultura, é um fim
em si, tem valor
intrínseco
Acomodação e
comensurabilidade
Comensurável para todas as formas de
positivismo
Incomensurável com o positivismo; alguma comensurabilidade
com abordagens construtivistas, criticas e participativas,
especialmente como as que misturam abordagens de fora do
ocidente
Ação Não é responsabilidade do pesquisador;
vista como advocacy ou subjetividade, e
portanto uma ameaça à validade e a
objetividade
Busca especialmente
o fortalecimento;
emancipação e
esperança,
transformação social,
o objetivo final é
alcançar a equidade e
justiça
Relacionada com a validade; investigação
freqüentemente incompleta sem ação da
parte dos participantes; construtivismo
obriga treinamento na ação política, se os
participantes não entendem os sistemas
políticos.
Controle Reside somente no pesquisador Freqüentemente
reside no intelectual
transformador”, em
novas construções,
controle retorna para
a comunidade
Dividido entre
investigador e
participantes
Dividido em vários
níveis
(....)
Consideração sobre a
validade
Construções do positivismo tradicional
sobre validade: rigor, validade interna e
externa, confiabilidade, objetividade
Estimulo para a ação,
transformação social,
equidade, justiça
social
Construções
ampliadas de
validade:
cristalização;
autenticidade (....)
critérios
relacionais e
éticos,
determinação de
validade centrado
Veja ações
27
na comunidade
Voz, reflexividade,
representações textuais
pós-modernas
Principalmente a voz do pesquisador;
reflexividade pode ser considerada um
problema para a objetividade;
representações textuais não
problemáticas
Mistura de vozes
entre pesquisadores e
participantes
(...)
Vozes misturadas,
com as vozes dos
participantes às
vezes dominando;
reflexividade séria
e problemática;
representação
textual (...)
Mistura de vozes,
representação
textual raramente é
discutida; mas
problemática;
reflexividade
repousa na
subjetividade
crítica e na
autoconsciência
(...)
Finalizo este capítulo observando que as abordagens qualitativas de pesquisa
podem ser adotadas por pesquisadores que têm diferentes formações (sociólogos,
psicólogos, antropólogos, enfermeiros, médicos, advogados, entre outros) e
trabalham em diferentes paradigmas, os quais, por sua vez, guardam diferenças
importantes entre si.
A partir dos autores aqui consultados, tendo em vista as pesquisas no campo
da saúde coletiva
8
, e na ausência de uma definição consensual sobre o que é pesquisa
qualitativa, ressalto algumas de suas principais características, as quais embasam as
reflexões presentes neste estudo:
Trata-se de uma atividade contextualizada, que localiza o observador
no mundo;
Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que
tornam o mundo visível e que podem, e devem, transformá-lo. Há,
pois, uma intensa preocupação com a mudança social, através do
fortalecimento de indivíduos e comunidades;
Aborda o mundo por uma série de representações, incluindo notas de
campo, entrevistas, conversas, fotografias, gravações e recordações.
8
Tomando por referência a definição proposta por PAIM e ALMEIDA FILHO (2000), que
definem a saúde coletiva como sendo:
... um campo científico (Ribeiro, 1991) onde se produzem saberes e conhecimentos acerca do objeto
saúde e onde operam distintas disciplinas que o contemplam sob vários ângulos, e como âmbito de
práticas (Paim 1992), onde se realizam ões em diferentes organizações e instituições por diversos
agentes (especializados ou não) dentro e fora do espaço convencional reconhecido como “setor saúde”
(p.59).
28
Cada uma dessas práticas torna o mundo visível de uma maneira
diferente. Por isso, é freqüente o uso de mais de uma prática
interpretativa em cada estudo;
Envolve uma abordagem interpretativa e naturalística do mundo; ou
seja, estuda as coisas em seu ambiente natural, buscando produzir
sentido ou interpretar os fenômenos em termos dos significados que as
pessoas atribuem a eles. A pesquisa qualitativa estuda pessoas fazendo
coisas juntas nos lugares onde essas coisas são feitas. O campo da
pesquisa é constituído através das práticas interpretativas do
pesquisador;
O pesquisador preocupa-se em definir seu lugar no campo da
pesquisa, e sua subjetividade é seu instrumento privilegiado de
trabalho.
Com essa apresentação das especificidades da pesquisa qualitativa, em sua
diversidade, podemos nos voltar então para a Resolução 196/96 CNS, apresentando e
discutindo apontamentos sobre os documentos internacionais que a fundamentam.
29
3. DIRETRIZES INTERNACIONAIS SOBRE ÉTICA NAS
PESQUISAS COM SERES HUMANOS QUE FUNDAMENTAM A
RESOLUÇÃO 196/96 CNS
A ética não se limita a descrever as normas vigentes, mas busca
fundamentar sua validez e/ou introduzir normas mais justas.
Gadamer
Em seu preâmbulo, a Resolução 196/96 CNS informa que, além de incorporar
os quatro referenciais básicos da bioética - autonomia, justiça, beneficência e não
maleficência – fundamenta-se em diversas leis e documentos sobre ética em pesquisa
com seres humanos. Dentre esses documentos, todos os que se referem à ética em
pesquisa com seres humanos são apresentados e discutidos aqui:
Código de Nuremberg (1947)
Declaração de Helsinki (1964, 1975, 1983 e 1989)
Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisa Biomédica
Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/WHO 1982 e 1993)
Diretrizes Internacionais para Revisão Ética dos Estudos
Epidemiológicos (CIOMS/WHO 1991)
Também apresento o Relatório Belmont, conhecido como a “declaração
principialista clássica”, pois propõe, pela primeira vez, três dos quatro princípios
incorporados na Resolução 196/96 CNS. Uma vez que na época da elaboração dessa
resolução, esse relatório já tinha repercussão internacional, inclusive no Brasil, pode-
se considerar que a tenha influenciado, embora não tenha sido citado como um texto
de referência pela Resolução 196/96 do CNS. Por essas razões, esse relatório
também será apresentado e discutido no presente estudo.
3.1 O Código de Nuremberg
Ao final da Segunda Guerra Mundial, quando se tornaram públicos os
experimentos que foram conduzidos por médicos nazistas, constatou-se que não
30
existiam documentos pactuados internacionalmente sobre ética em pesquisa com
seres humanos. Esses experimentos incluíam como sujeitos, principalmente, os
judeus e outros que não faziam parte da “raça ariana”, os quais eram, então,
destituídos de sua humanidade, permitindo seu uso para fins diversos, inclusive para
o bem do progresso científico. Como é amplamente conhecido, essas pessoas, que já
tinham sido destituídas de seus bens e de sua cidadania, não eram informadas, muito
menos consultadas sobre seu desejo de participar dos estudos. Não havia a
preocupação de evitar sofrimento ou dano, e muitos morreram em decorrência dessa
participação.
Essa situação evidenciou a possibilidade, dentro da ciência moderna, de
produzir conhecimento cientificamente válido sem qualquer respeito aos chamados
sujeitos das pesquisas. De fato, algumas destas pesquisas contribuíram muito para o
progresso da medicina, e se mantêm relevantes até hoje; porém, cabe lembrar aqui a
crítica feita por MORIN, de que, ao utilizar os métodos das Ciências Naturais para
estudar seres humanos, estes se tornam “objeto” de manipulação.
Frente a isso, dois médicos estadunidenses elaboraram o Código de
Nuremberg, que foi publicado em 1947, sendo composto por dez artigos. Entre
outros aspectos, esse código salientava que a participação em pesquisa deveria ser
voluntária e a pessoa, suficientemente informada para decidir se queria ou não dela
fazer parte. Também advertia que os resultados deveriam visar benefícios para a
sociedade e que sofrimentos e danos aos participantes teriam de ser evitados. Além
disso, o pesquisador deveria ser uma pessoa qualificada, com competência para
conduzir seu trabalho científico.
Anos mais tarde, em 1964, a Associação Médica Mundial publicou a primeira
versão de um outro documento: a Declaração de Helsinki.
3.2 A Declaração de Helsinki
Aqui, encontramos recomendações, como um guia de todo médico que
trabalha na pesquisa clínica. Eram então ressaltadas as diferenças entre as pesquisas
clínicas combinadas com o cuidado profissional e as pesquisas clínicas o-
terapêuticas. Este documento considerava que o progresso da medicina é baseado em
trabalhos que, muitas vezes, envolvem experimentação com seres humanos.
31
Em linhas gerais, a primeira Declaração de Helsinki reiterava os princípios
contidos no Código de Nuremberg. Incluía o preparo de um protocolo de
pesquisa, no qual todos os procedimentos que envolvem seres humanos deveriam
ser descritos, e o envio do mesmo para comitês independentes do pesquisador e do
patrocinador, aspectos que também estão presentes na Resolução 196/96 CNS,
que se fundamenta nas versões de 1964, 1975, 1983 e 1989. Nessas versões,
observamos um maior detalhamento sobre ética em pesquisa com seres humanos.
Mas, ainda assim, mesmo com o Código de Nuremberg e a Declaração de
Helsinki já vigorando, ocorreu um fato significativo nos EUA. Em 1974, o
presidente desse país instituiu a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres
Humanos Sujeitos de Pesquisas Biomédicas e Comportamentais. Essa foi uma
providência tomada frente à divulgação da existência de um experimento
financiado pelo governo estadunidense, que visava conhecer os efeitos da sífilis
não tratada em homens negros. Esse estudo incluiu mais de 400 pessoas, e estava
em andamento desde a década de 40, mantendo os participantes sem tratamento,
mesmo após este estar amplamente disponível. Desnecessário dizer que esse
estudo foi conduzido num local extremamente pobre do país. Diante da
indignação dos cidadãos estadunidenses, o presidente dos EUA foi a público pedir
desculpas para a comunidade negra e montou essa comissão para propor normas
sobre ética em pesquisa.
3.3 Relatório Belmont
9
Em 1978, foi publicado então o Relatório Belmont, elaborado pela Comissão
Nacional para a Proteção dos Seres Humanos Sujeitos de Pesquisas Biomédicas e
Comportamentais. O documento apresentava os princípios éticos e as diretrizes para
a proteção dos sujeitos humanos de pesquisas. Também conhecido como declaração
principialista clássica, partiu da idéia de que era difícil aplicar regras gerais aos casos
particulares e propôs princípios a serem observados em todas as situações.
The codes consist of rules, some general, others specifics, that guide
the investigators or the reviewers of research in their work. Such
rules often are inadequate to cover complex situations, at time they
come into conflict, and they are frequently difficult to interpret or
9
Embora esse relatório não seja citado no preâmbulo da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, ele é o primeiro
documento que apresenta e discute os princípios de respeito à pessoa, beneficência e justiça, que, conforme consta do 2º
parágrafo do preâmbulo desta resolução, estão incorporados à mesma. Por isso e pela influência que suas propostas tiveram
sobre as resoluções brasileiras, é aqui apresentado de maneira mais detalhada.
32
apply. Broader ethical principles will provide a basis on which
specific rules may be formulated, critized and interpreted
10
(p.3).
O objetivo desse documento era apresentar um enquadre analítico que
pudesse nortear a resolução de problemas éticos que surgem nas pesquisas com seres
humanos. Para isso, no item A, distinguia prática e pesquisa. O propósito da prática
médica ou comportamental é fazer o diagnóstico, o tratamento preventivo ou a
terapia para indivíduos particulares. Nessa medida, a prática usualmente envolve
intervenções para melhorar o bem-estar do paciente e não pode ser confundida, na
visão do relatório, com pesquisa. Esta, por sua vez, é definida da seguinte maneira:
....the term “research” designates an activity designed to test an hypothesis,
permit conclusions to be drawn, and thereby to develop or contribute to
generalizable knowledge (expressed, for example, in theories, principles, and
statements of relationships). Research is usually described in a formal
protocol that sets forth an objective and a set of procedures designed to reach
that objective
11
(The Belmont Report, p.3).
Prática e pesquisa o consideradas, portanto, atividades diferentes, embora
possam acontecer concomitantemente. Porém, caso exista algum elemento de
pesquisa, essa atividade deverá ser apresentada na forma de projeto, que será, então,
alvo de revisão ética.
Entretanto, a terceira nota de rodapé do documento ressalta que, uma vez que
os problemas relativos a pesquisas sociais podem ser substancialmente diferentes das
questões médicas e comportamentais, a comissão nada determina sobre eles, que
10
Tradução livre do original: Os códigos consistem de regras, algumas gerais, outras específicas, que
guiam os investigadores e os revisores das pesquisas em seu trabalho. Estas regras freqüentemente são
inadequadas às situações concretas, entram em conflito, e são freqüentemente difíceis de interpretar e
aplicar. Princípios éticos amplos proverão a base na qual regras específicas podem ser formuladas,
criticadas e interpretadas.
11
Tradução livre do original: o termo pesquisa designa uma atividade desenhada para testar uma
hipótese, permite chegar a uma conclusão e desenvolve ou contribui para o conhecimento
generalizável (expresso, por exemplo, em teorias, princípios e no estabelecimento de relações).
Pesquisa é usualmente descrita num protocolo formal que apresenta objetivos e os procedimentos para
atingir a estes objetivos.
33
devem ser, então, abordados em uma outra comissão, a ser constituída. Com isso,
fica estabelecido que esse relatório não se dirigia a pesquisas sociais.
No item B, observamos um destaque especial a três princípios éticos básicos:
respeito à pessoa, beneficência e justiça, sendo deixada em aberto a possibilidade de
que outros princípios pudessem ser também relevantes.
1. O respeito à pessoa incorpora dois aspecto éticos: que os indivíduos
devem ser tratados como agentes autônomos e que pessoas com
autonomia reduzida devem ser protegidas. A pessoa autônoma é aquela
capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e nortear suas ações
com base nessa decisão.
2. Beneficência: é uma obrigação, em dois sentidos - por um lado, não
deve produzir dano e, por outro, deve maximizar os possíveis benefícios
e minimizar os danos previsíveis.
3. Justiça: quem terá acesso aos benefícios da pesquisa e quem arca com
seus prejuízos? Outro aspecto é tratar igualmente aos iguais.
A aplicação desses princípios, discutida no item C do relatório, considera as
seguintes necessidades: consentimento informado, balanço entre riscos e benefícios e
a justiça na seleção dos sujeitos da pesquisa.
Embora a importância do consentimento informado seja inquestionável,
permanecem controvérsias sobre a natureza e a possibilidade do mesmo. De toda
maneira, considera-se que o consentimento informado deve incluir três aspectos:
informação, compreensão e voluntariedade.
A informação deve ser apresentada de maneira a possibilitar a decisão sobre a
participação ou não no estudo. Apesar da dificuldade de definir quais o as
informações que devem ser apresentadas e em que nível de detalhamento, este
relatório sugere os seguintes itens: apresentação dos possíveis riscos e benefícios,
dos propósitos e procedimentos do estudo, dos procedimentos alternativos (quando
envolve terapia); garantia de que a pessoa poderá solicitar mais esclarecimentos e
mesmo deixar o estudo, a qualquer momento. Pode incluir ainda a forma de seleção e
o contato com o pesquisador responsável
12
.
12
Como se verá adiante, as resoluções brasileiras incorporam esses itens como necessários ao Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.
34
As situações em que é necessário omitir algum tipo de informação ao
participante se apresentam como desafios, sendo somente justificadas: se a
apresentação incompleta das informações for realmente necessária para atingir os
objetivos da pesquisa, se não existirem riscos importantes para os participantes e se
existir um plano para lhes apresentar as informações completas no momento que isso
se tornar possível, bem como os resultados da pesquisa. O Relatório Belmont
adverte, ainda, sobre a importância de se ter cuidado nessa avaliação, atentando, em
cada situação específica, se é realmente necessária a omissão de informações ou se
não apresentá-las é apenas mais conveniente para o pesquisador.
O relatório levanta a possibilidade de aplicação de testes escritos ou orais
para confirmar se a pessoa havia compreendido ou não o termo de consentimento,
antes de decidir participar de uma pesquisa. E recomenda que, quando um indivíduo
não tem condições de decidir, como no caso de crianças pequenas, pacientes de
saúde mental ou pessoas em coma, a decisão deve ser tomada por alguém que possa
fazê-lo, considerando o interesse daquele que não tem condições de compreender a
situação.
Outro aspecto a ser avaliado é o balanço entre riscos e benefícios. Para isso, é
necessário ter informações precisas sobre o desenho do estudo. Como salientado pelo
relatório, a avaliação de riscos e benefícios está intimamente relacionada ao princípio
de respeito à pessoa. Apenas é eticamente aceitável a realização de estudos cujas
possibilidades de benefícios superem as de risco.
É discutida, ainda, uma outra questão conceitual que não havia ainda
aparecido em outros documentos sobre o tema. O termo benefício no contexto da
pesquisa é definido como algo de valor positivo relacionado com saúde e bem-estar.
Benefício, diferente do termo risco, não se refere a probabilidades e é
apropriadamente relacionado a dano. Risco pode ser discutido em relação à
probabilidade de benefício. Assim, segundo este relatório, a avaliação de riscos e
benefícios estaria relacionada à probabilidade de ocorrência e a magnitude dos
possíveis danos e benefícios previsíveis. Além da possibilidade de os danos serem de
diferentes ordens, estes podem afetar indivíduos, famílias, grupos ou a sociedade
como um todo.
35
O relatório refere, ainda, que a beneficência implica na proteção do voluntário
contra riscos de danos, mas também salienta a preocupação sobre a possibilidade
dele perder um benefício que poderia advir da participação em uma pesquisa.
o princípio de justiça se refere à preocupação sobre quem terá acesso aos
benefícios do estudo e quem arcará com seus riscos. Outro aspecto é tratar
igualmente aos iguais, embora isso coloque questões referentes à definição de quem
é igual a quem.
Sobre a seleção dos participantes, o relatório adverte que esta deve estar
relacionada diretamente ao problema a ser estudado, e não incluir pessoas meramente
por estarem disponíveis, em uma posição desfavorável ou serem facilmente
manipuláveis.
Além desses aspectos, o Relatório Belmont salienta que pesquisas financiadas
com dinheiro público deveriam cuidar para que seus benefícios não fossem
acessíveis apenas aos que poderiam pagar por eles e que apenas fossem incluídas no
estudo pessoas dos grupos que poderiam se beneficiar dos resultados da pesquisa.
Assim, um estudo se justifica se estiver adequado aos seguintes aspectos,
entre outros:
1. Jamais é justificável o tratamento brutal ou desumano de seres humanos.
2. Os riscos devem ser reduzidos ao mínimo necessário para alcançar os
objetivos do estudo. Deve-se ponderar se há realmente a necessidade de incluir
voluntários humanos para atingir seus objetivos. Embora os riscos não possam ser
totalmente eliminados, o pesquisador deve buscar opções para reduzi-los.
3. É necessário justificar a inclusão de pessoas especialmente vulneráveis.
O princípio da justiça é, de fato, relevante na seleção dos voluntários da
pesquisa, tanto individual quanto socialmente. No âmbito individual, o pesquisador
não pode incluir apenas pessoas que estão sob seu cuidado em pesquisas com
possibilidade de benefício direto aos voluntários, e incluir apenas pessoas
“indesejáveis” em pesquisas que implicam em risco maior. É preciso garantir que
riscos e benefícios de um estudo estejam eqüitativamente distribuídos entre seus
participantes.
Uma consideração interessante que o Relatório Belmont nos trouxe é que
36
“… even though public funds for research may often flow in the same
directions as public funds for health care, it seems unfair that population dependent
of public care constitute a pool of preferred research subjects if more advantaged
populations are likely to be recipients of the benefits”
13
(p.10).
Como vemos, o Relatório Belmont dirigia-se às pesquisas biomédicas, e,
portanto, restringia sua aplicação a estas. Mesmo assim, os princípios propostos
devem ser respeitados, pois alcançaram muita aceitação na comunidade científica,
tendo se tornado uma referência importante nas discussões sobre ética em pesquisa
com seres humanos.
3.4 Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres
Humanos elaboradas pelo Conselho Internacional das Organizações de
Ciências Médicas, em colaboração com a Organização Mundial da Saúde
-CIOMS/WHO
14
Este documento foi elaborado através de uma colaboração entre a
Organização Mundial da Saúde/WHO e o Conselho Internacional das Organizações
de Ciências Médicas /CIOMS e publicado pela primeira vez em 1982. Essa primeira
versão e sua revisão, de 1993, estão citadas no preâmbulo da Resolução 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde.
A versão de 1982 tinha como título Proposed International Guidelines for
Biomedical Research Involving Human Subjects, e como propósito indicar como os
princípios éticos fundamentais, apresentados pela declaração de Helsinki, poderiam
ser aplicados efetivamente, em especial nos países em desenvolvimento,
considerando a cultura, as condições socioeconômicas, as leis nacionais e a
organização executiva e administrativa.
13
Tradução livre do original: (...)mesmo que recursos públicos para pesquisa possam estar
freqüentemente alocados na mesma direção que os recursos públicos para o cuidado em saúde, não é
desejável que a população dependente do cuidado público se constitua num grupo preferível para
sujeito de pesquisa se populações em melhores condições provavelmente receberão os benefícios.
14
International Ethical Guidelines for Biomedical Research Involving Human Subjects, prepared by
the Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) in collaboration with the
World Health Organization (WHO).
37
Ao longo dos anos foi ficando clara a importância desse documento para que
os países estabelecessem sua maneira de organizar a revisão ética independente.
Porém, várias mudanças apontavam a necessidade de sua revisão, entre elas o
crescimento da epidemia de AIDS, que colocava a necessidade de estudos sobre
vacinas e novos medicamentos. Em alguns países, pessoas portadoras do HIV
lutavam para serem incluídas em pesquisas clínicas; em outras situações, as mulheres
questionavam sua exclusão. Além disso, o crescimento da geriatria colocava em
evidência a necessidade de abarcar idosos nesses estudos. E, ainda, cresceu a
pesquisa colaborativa, que compreendia países em desenvolvimento.
A versão de 1993 inclui entre seus objetivos:
...to indicate how the fundamental ethical principles that guide the
conduct of biomedical research involving human subjects, as set forth
in the World Medical Association´s Declaration of Helsinki could be
apllied effectively, particularly in developing countries, taking into
account culture, socioeconomic circumstances, national laws, and
executive and administrative arrangements
15
(p.8).
uma preocupação especial com o relacionamento entre o patrocinador do
estudo e o país onde os dados serão coletados. O documento afirma também a
importância de manter a confidencialidade dos dados levantados durante a pesquisa e
que, se ocorrerem danos decorrentes da participação no estudo, o pesquisador deve
garantir assistência aos voluntários e, em caso de dano irreversível, indenização
adequada. Propõe, ainda, que os comitês de ética em pesquisa, ao analisá-la, incluam
consultores familiarizados com a cultura local.
3.5 Guia Internacional para análise ética de estudos epidemiológicos
elaborado pelo Conselho Internacional das Organizações de Ciências
15
Tradução livre: indicar como aplicar os princípios éticos fundamentais que guiam a conduta nas
pesquisas biomédicas que envolvem seres humanos, tal como apresentados na Declaração de Helsinki,
particularmente nos países em desenvolvimento, considerando a cultura, a situação socioeconômica,
as leis e regulamentações, e os mecanismos de execução e administração.
38
Médicas em colaboração com a Organização Mundial da Saúde -
CIOMS/WHO
16
Este guia foi publicado em 1991, tendo como preocupação as pesquisas sobre
Aids e afirmando a importância do consentimento informado, tanto dos indivíduos,
quando das comunidades.
Lembramos aqui que, no início da epidemia da Aids, esta foi chamada de
peste gay, o que contribuiu muito para aumentar o existente preconceito contra
homossexuais, embora logo no início tenha ficado claro que, se a transmissão ocorria
pelo esperma, não havia razão para que a doença se restringisse a esse grupo de
pessoas. De fato, a denominação peste gay, baseada em preconceitos, contrariava o
conhecimento disponível na época e teve efeitos nocivos, tanto para os
homossexuais, quando para outros segmentos da população, como por exemplo as
mulheres, que, por não se sentirem expostas ao risco de infecção pelo HIV, não
adotaram nenhuma medida de prevenção e acabaram, anos mais tarde, sendo um dos
grupos mas atingidos. Provavelmente, em função desse contexto, esse guia colocava
a necessidade do consentimento da comunidade para evitar que a imagem de alguns
grupos fosse denegrida. Ressaltava ainda que:
os benefícios possibilitados pelos resultados das pesquisas também deveriam ser
acessíveis à comunidade estudada;
os resultados deveriam ser comunicados,
a assistência aos participantes precisaria ser garantida,
a não-estigmatização da comunidade estudada e o respeito às diferenças culturais
deveriam estar garantidos.
O documento incluiu entre suas recomendações que o pesquisador deveria
garantir a capacitação do pessoal local, visando que, quando a pesquisa terminasse, o
próprio país tivesse pessoas com conhecimento suficiente para manter a intervenção
junto à população local e, eventualmente, conduzir pesquisas semelhantes no seu
país.
16
International Ethical Guidelines for Biomedical Research Involving Human Subjects , prepared by
the Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) in collaboration with the
World Health Organization (WHO).
39
A seguir, apresento e discuto a Resolução 196/96 CNS. Tornar-se-á evidente
a influência, informada no preâmbulo desta resolução, dos documentos
internacionais aqui apresentados.
40
4. A RESOLUÇÃO 196/96 CNS SOBRE ÉTICA EM PESQUISA
COM SERES HUMANOS
(....) hay tres direcciones de la ética: una ética para uno, para su honor para
admirarse uno mismo, una ética para la sociedad que se necesita sobre todo en
las sociedades democráticas donde hay un poder de control de los ciudadanos
y una ética para la humanidad que hoy en día ha tomado una significación
concreta puesto que allí esta en juego el destino de todos los humanos.
Morin
A primeira tentativa de estabelecer normas relativas aos aspectos éticos nas
pesquisas que envolvem seres humanos no Brasil data de 1988. Nesse ano, o
Conselho Nacional de Saúde - CNS - aprovou a Resolução 01/88, que apresentava as
Normas de Pesquisa em Saúde e abordava, principalmente, pesquisas médicas. Essa
resolução recebeu uma série de críticas, em especial por ter sido elaborada sem
prévia e ampla consulta à comunidade científica e à sociedade. Ressalto, entretanto, o
valor dessa iniciativa, pois foi o primeiro documento brasileiro voltado para a
proteção dos participantes das pesquisas.
Em 1992, um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina
identificou que poucos centros brasileiros de pesquisa médica efetivamente
obedeciam a essa resolução.
Frente a essa situação, em 1995, o CNS nomeou o Grupo Executivo de
Trabalho (GET), que tinha a missão de revisar a Resolução 01/88 e elaborar uma
nova proposta de normas para pesquisas com seres humanos. Esse grupo, composto
por profissionais de diferentes categorias e por usuários do Sistema Único de Saúde
(SUS), consultou vários documentos nacionais e internacionais e diferentes
seguimentos da sociedade brasileira (BRASIL 2002).
Em 1996, o CNS aprovou a Resolução 196/96, que trata de pesquisas que
envolvem seres humanos em qualquer área do conhecimento. Após essa resolução ter
sido aprovada, outras resoluções complementares foram publicadas:
240/97 define a participação de usuários nos Comitês de Ética em
Pesquisa - CEP;
41
251/97 sobre novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes
diagnósticos;
292/99 pesquisas coordenadas do exterior ou com participação
estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de material biológico
para o exterior;
303/00 – pesquisas sobre reprodução humana;
304/00 – pesquisas sobre populações indígenas;
340/04 – pesquisas sobre genética humana;
346/05 revoga a Res 292/99 e regulamenta a tramitação de projetos
multicêntricos no Sistema CONEP-CEPs;
347/05 regulamenta o armazenamento e a utilização de material
biológico humano no âmbito de projetos de pesquisa.
De fato, representa um avanço a aprovação dessas resoluções pelo CNS, e
parece importante ressaltar a natureza do colegiado de onde elas emanam: o controle
social.
É bastante positivo que um colegiado composto com o objetivo de representar
os mais diversos segmentos da sociedade seja o responsável por proceder à análise
dos aspectos éticos das pesquisas com seres humanos, uma vez que essa atribuição,
embora exija competência técnica, deve representar os interesses da sociedade e não
apenas dos pesquisadores e dos patrocinadores das pesquisas.
Salienta-se ainda que o escopo da Res 196/96 inclui as atribuições a
composição dos CEP e da CONEP, que também busca incluir pessoas com diferentes
formações, além de pelo menos um representante dos usuários do SUS. Esta
resolução, no item VIII.1, informa que
Composição: A CONEP terá composição multi e transdisciplinar, com
pessoas de ambos os sexos e deverá ser composta por 13 (treze)
membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 5 (cinco) deles
personalidades destacadas no campo da ética na pesquisa e na saúde e
8 (oito) personalidades com destacada atuação nos campos teológico,
jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos um seja da área da
gestão de saúde. Os membros serão selecionados a partir de listas
42
indicativas elaboradas pelas instituições que possuem CEP registrados
na CONEP, sendo que 7 (sete) serão escolhidos pelo Conselho
Nacional de Saúde e 6 (seis) serão definidos por sorteio. Poderá
contar também com consultores e membros ad hoc, assegurada a
representação dos usuários (Res 196/96, VIII.1).
Como já dito, diversos aspectos dos documentos internacionais sobre ética em
pesquisa, apresentados e discutidos no presente trabalho e referenciados no
preâmbulo da resolução 196/96, foram por ela incorporados. Quatro são
especialmente importantes para os objetivos deste estudo, sendo então aqui
discutidos: o âmbito de aplicação das diretrizes, a definição de pesquisa, os
princípios e o consentimento informado, por isso serão.
4.1 Âmbito de aplicação das diretrizes
Vimos que o Código de Nuremberg foi elaborado para colaborar no
julgamento dos crimes cometidos contra a humanidade pelos altos comandantes
nazistas, em especial os referentes aos experimentos com seres humanos.
a Declaração de Helsinki se propunha a ser um guia para todo médico que
conduz pesquisa biomédica envolvendo seres humanos.
O Relatório Belmont dirigia-se especificamente às pesquisas biomédicas e
comportamentais, excluindo as pesquisas sociais, pois considerava que estas podem
diferir substancialmente daquelas.
O documento elaborado pelo CIOMS (1991) regulava os estudos
epidemiológicos. E, finalmente, o guia publicado pelo mesmo organismo em 1993
tinha como objetivo auxiliar na definição de políticas nacionais sobre ética em
pesquisa biomédica, discutindo como aplicar os princípios éticos apresentados na
Declaração de Helsinki, em especial nos países em desenvolvimento.
Embora a Resolução 196/96 informe que se fundamenta nesses documentos
17
,
ela amplia sua abrangência:
Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo seres humanos,
cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será
17
A exceção do Relatório Belmont, que não é citado na Resolução 196/96 CNS.
43
considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes
da presente Resolução. Os procedimentos referidos incluem, entre
outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional,
educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica,
sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade
preventiva, diagnóstica ou terapêutica (Resolução 196/96, III.2).
Assim, a ampliação do âmbito da Resolução 196/96 CNS não encontra
fundamento no Código de Nuremberg, na Declaração de Helsinki (1989), nos
documentos do CIOMS (1991 e 1993), nem no Relatório Belmont. Houve um
deslizamento do âmbito de aplicação das pesquisas médicas e comportamentais para
todas as pesquisas, sem que isso tenha sido discutido e justificado. Isso preocupa,
pois significa que a Res 196/96 mantém uma única concepção de pesquisa, sem
atender à diversidade que marca essa atividade humana.
4.2 Definição de pesquisa
As definições de pesquisa que constam no Relatório Belmont e no documento
CIOMS de 1993 são bastante semelhantes, como podemos observar:
...the term “research” designates an activity designed to test an
hypothesis, permit conclusions to be drawn, and thereby to develop or
contribute to generalizable knowledge (expressed, for example, in
theories, principles, and statements of relationships. Research is
usually described in a formal protocol that sets forth an objective and
a set of procedures designed to reach that objective
18
(Relatório
Belmont, p.3).
18
Tradução livre:...o termo pesquisa designa uma atividade desenhada para testar uma hipótese,
permite chegar a uma conclusão e desenvolve ou contribui para o conhecimento generalizável
(expresso, por exemplo, em teorias, princípios e no estabelecimento de relações). Pesquisa é
usualmente descrita num protocolo formal que apresenta os objetivos e os procedimentos para atingir
estes objetivos
44
The term “research” refers to a class of activities designed to develop
or contribute to generalizable knowledge. Generalizable knowledge
consists of theories, principles or relationships, or the accumulation
of information on which they are based, that can be corroborated by
accepted scientific methods of observation and inference. In the
present context “research” includes both medical and behavioral
studies pertaining to human health. Usually “research” is modified
by the adjective “biomedical” to indicate that the reference is to
health-related research (CIOMS, 1993; p.11).19
Já a definição de pesquisa adotada pela Resolução 196/96 CNS, embora
guarde semelhanças com as acima apresentadas, baseia-se no International Ethical
Guidelines for Biomedical Research Involving Human Subjects (CIOMS, 1993).
Pesquisa - classe de atividade cujo objetivo é desenvolver ou
contribuir para o conhecimento generalizável. O conhecimento
generalizável consiste em teorias, relações ou princípios ou no
acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que possam
ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e
inferência (Resolução 196/96 CNS, II.1).
Mas, no item VI da resolução, lê-se: “O protocolo a ser submetido à revisão
ética somente poderá ser apreciado se estiver instruído com os seguintes
documentos.... descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas” (item
VI.2.a) o que está de acordo com o sugerido tanto pelo Relatório Belmont como
pelos documentos do CIOMS 1991e 1993 e, ainda, pela Declaração de Helsinki ,e
remete a uma determinada concepção de pesquisa, qual seja, aquela que prevê teste
19
Tradução livre: o termo “pesquisa” se refere à classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou
contribuir para o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias,
princípios ou relações ou no acúmulo de informações sobre as quais está baseado, que possam ser
corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência. No presente contexto,
pesquisa inclui tanto estudos médicos quanto comportamentais, pertinentes à saúde humana.
Usualmente pesquisa é modificada pelo adjetivo biomédica para indicar que sua referência é a
pesquisa relacionada à saúde.
45
de hipótese, visa produzir conhecimento generalizável, sendo os procedimentos
definidos pelo pesquisador antes do início do estudo.
De fato, em todos esses documentos é salientada a importância de a pesquisa
ser fundamentada em conhecimento científico prévio e de o pesquisador ter
competência para conduzir o estudo.
A Declaração de Helsinki informa que os propósitos da pesquisa biomédica
envolvendo seres humanos são: ...to improve diagnostic, therapeutic and
prophylactic procedures and the understanding of the aetiology and pathogenesis of
disease
20
” (Introduction)
Essa mesma declaração considera que:
1. Biomedical research involving human subjects must conform to
generally accepted scientific principles and should be based on
adequately performed laboratory and animal experimentation and a
thorough knowledge of the scientific literature.
2. The design and performace of each experimental procedure
involving human subjects should be clearly formulated in an
experimental protocol which should be transmitted for consideration,
(….) to a specially appointed committee independent…
21
(Basic
principles)
O Código de Nuremberg informa que: “The experiment should be so
designed and based on the results of animal experimentation and a knowledge of the
20 Tradução livre: melhorar os procedimentos de diagnóstico, terapêuticos e profiláticos e a compreensão da etiologia e da patogênese das doenças.
21
Tradução livre: 1.A pesquisa biomédica que envolve seres humanos deve estar de acordo com os
princípios científicos geralmente aceitos e basear-se tanto na experimentação, adequadamente
conduzida com animais ou em laboratório, como no conhecimento profundo da literatura científica. 2.
O planejamento e a execução de qualquer procedimento experimental... devem ser claramente
formulados em protocolo experimental (projeto de pesquisa) ...
46
natural history of the disease or other problem under study that the anticipated
results will justify the performance of the experiment
22
(p.1)
Nessa mesma direção, a Resolução 196/96 CNS III.3.b exige que a pesquisa
esteja fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratório, animais ou
em outros fatos científicos, compartilhando com a idéia sobre os resultados de
pesquisas apresentada nos relatórios citados.
Para sintetizar, a Resolução 196/96 CNS, compartilha com os documentos
internacionais que a fundamentam uma concepção de pesquisa experimental, que
prevê teste de hipótese e visa produzir conhecimento generalizável. Opera com uma
maneira de produzir conhecimento na qual os procedimentos são definidos pelo
pesquisador antes do início da pesquisa e podem ser descritos num projeto.
Assim, embora a Resolução 196/96 CNS tenha ampliado seu âmbito de
aplicação para as demais áreas do conhecimento, isso não levou a uma revisão na sua
concepção de pesquisa. Uma conseqüência possível é que os próprios membros do
sistema CONEP-CEP, tomando por base a Resolução 196/96 CNS, encontrem
dificuldades ao analisar as propostas de estudos, pois nem sempre os termos dessa
resolução são imediatamente aplicáveis àquelas que não visam teste de hipótese, nem
a produção de um conhecimento generalizável. Dificuldade semelhante pode ser
encontrada, também, pelos próprios pesquisadores.
4.3 Princípios
A Resolução 196/96 CNS incorpora os princípios de autonomia, que é um
componente do princípio de respeito à pessoa, tal como proposto pelo relatório
Belmont; o de beneficência e não maleficência (que no Relatório Belmont estavam
juntos) e o de justiça. E trabalha com eles de maneira muito semelhante a esse
relatório, bem como ao CIOMS 1991 e CIOMS 1993.
22
Tradução livre: o experimento deve ser baseado em resultados de experimentação com animais e no
conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo, cujos resultados justifiquem a
realização do estudo (p.1).
47
4.3.1 Referente à informação e ao consentimento
A Resolução 196/96 CNS incorpora a necessidade de informar os
participantes sobre os procedimentos da pesquisa, de maneira a possibilitar e garantir
o respeito à decisão de dela participar ou não. Essa preocupação também está
presente no Código de Nuremberg, na Declaração de Helsinki (1989), no Relatório
Belmont, no CIOMS (1991) e no CIOMS (1993).
Na mesma direção que o Relatório Belmont e a Declaração de Helsinki
(1989), a Resolução 196/96, IV, afirma a importância da apresentação dos possíveis
riscos e benefícios (Resolução 196/96 CNS, IV.1.b), dos propósitos e procedimentos
do estudo (Resolução 196/96 CNS, IV.1. a), dos procedimentos alternativos, quando
envolve terapia (Resolução 196/96 CNS, IV.1.c), e garante que a pessoa poderá
solicitar mais esclarecimentos e mesmo deixar o estudo a qualquer momento
(Resolução 196/96 CNS IV.1.f). Pode incluir ainda a forma de seleção e o contato
com o pesquisador responsável. Também o CIOMS (1993) ressalta que os propósitos
e procedimentos do estudo, bem como seus possíveis riscos e benefícios devem ser
apresentados ao participante.
23
O Código de Nuremberg igualmente afirma a importância do consentimento
voluntário, que deve incluir informações sobre a natureza, duração, e o propósito do
experimento, os métodos e os procedimentos do estudo, todos os inconvenientes e
perigos que podem ser esperados e todos os efeitos que pode ter sobre a saúde do
participante.
O CIOMS (1991) coloca a necessidade do consentimento informado, tanto
dos indivíduos, quando das comunidades, e acrescenta que se deve garantir a não-
estigmatização da comunidade estudada e o respeito às diferenças culturais. Com
relação à comunidade, a Resolução 196/96 CNS afirma a necessidade da anuência
antecipada dela, quando esta for culturalmente diferenciada, sem dispensar,
entretanto, os esforços para obter o consentimento individual (Resolução 196/96
CNS, IV.3.e), e afirma a importância da não utilização das informações em prejuízo
das pessoas e/ou comunidades (Resolução 196/96, III.3.i).
23
Nesta análise, considerei o texto do documento CIOMS (1993). É importante lembrar, entretanto,
que o mesmo foi elaborado com o propósito de auxiliar a aplicação da Declaração de Helsinki, em
especial nos países em desenvolvimento, o que nos permite inferir que CIOMS (1993) corrobora esta
declaração.
48
A garantia de assistência, em caso de dano decorrente da participação no
estudo, está prevista no CIOMS (1991), bem como na Resolução 196/96 CNS, que,
como o CIOMS (1993), avança no sentido de garantir, além da assistência
(Resolução 196/96, V.5), a indenização (Resolução 196/96 V.6).
Com vistas a facilitar a comparação sobre estes quatros aspectos - âmbito de
aplicação, definição de pesquisa, princípios e consentimento - elaborei um quadro-
síntese, apresentando como cada um deles é tratado em cada um dos documentos
aqui analisados.
Documento Âmbito de
aplicação
Definição de
pesquisa
princípios consentimento
Nuremberg
Elaborado para
colaborar no
julgamento dos
crimes cometidos
pelos nazistas, em
especial os
referentes aos
experimentos com
seres humanos
Não apresenta
definição de
pesquisa, mas se
refere aos
experimentos
Não se refere
explicitamente a
princípios.
Mas inclui a
preocupação de
que a participação
seja voluntária,
consentimento
deve ser
informado, os
resultados do
estudo sejam
relevantes para a
sociedade,
pesquisa seja
baseada em
experimentos
anteriores, não
deve expor os
participantes
riscos
desnecessários,
prevê balanço
entre riscos e
benefícios,
pesquisador
qualificado, e que
o sujeito pode
deixar de
participar da
pesquisa a
qualquer
momento.
O consentimento
voluntário é
essencial. O
sujeito
experimental deve
ter liberdade para
escolher, e tomar
sua decisão após
ser informado
sobre o
experimento.
Helsinki
Dirigido a todo
médico que
realiza pesquisa
biomédica
envolvendo seres
humanos
O propósito da
pesquisa
biomédica
envolvendo seres
humanos deve ser
melhorar os
Princípios básicos
incluem: projeto
elaborado
previamente, que
demonstre ter
mérito científico,
Todo potencial
sujeito de pesquisa
deve ser
adequadamente
informado sobre
os objetivos,
49
procedimentos
diagnósticos,
terapêuticos e
profiláticos e
compreender a
etiologia e
patogênese da
doença
pesquisador deve
ter qualificação
profissional,
balanço entre
risco e benefício,
interesse do
sujeito deve
prevalecer em
relação ao
interesse da
ciência e da
sociedade,
consentimento
informado,
participação
voluntária.
métodos,
benefícios
esperados e danos
potenciais. Deve
ser informado
ainda que cabe a
ele decidir se quer
ou não participar,
e sobre a
possibilidade de
deixar o estudo a
qualquer
momento. O
médico deve obter
o consentimento
livre e informado,
preferencialmente
por escrito. É
preciso ter um
cuidado especial
quando há relação
de dependência
entre o médico e o
sujeito. Nos casos
onde a pessoa não
é competente
legalmente para
dar seu
consentimento,
este dever ser
obtido por um
representante
legal.Mesmo
quando o
responsável legal
der sua
autorização para
inclusão de uma
criança num
estudo, deve
também respeitar
a vontade dela.
Belmont
Pesquisas
biomédicas e
comportamentais
o termo pesquisa
designa uma
atividade
desenhada para
testar uma
hipótese, permite
chegar a uma
conclusão e
desenvolve ou
contribui para o
conhecimento
generalizável
(expresso, por
exemplo, em
teorias, princípios
e no
Propõe que os
princípios de :
respeito à pessoa,
beneficência e
justiça devem ser
observados em
qualquer pesquisa
com seres
humanos. Deixa
em aberto a
possibilidade de
que outros
princípios sejam
também
relevantes.
O respeito pelas
pessoas requer que
o sujeito, na
medida de sua
capacidade, tenha
a possibilidade de
escolher se quer
ou não participar
de uma pesquisa. a
importância do
consentimento
informado é
inquestionável.
Existem
controvérsias
sobre a natureza e
50
estabelecimento
de relações).
Pesquisa é
usualmente
descrita num
protocolo formal
que apresenta os
objetivos e os
procedimentos
para atingir a estes
objetivos
a possibilidade
consentimento
informado. Mas
consenso que o
processo de
consentimento
pode ser analisado
de acordo com 3
elementos:
informação,
compreensão e
voluntariedade.
CIOMS 1991
Estudos
epidemiológicos
A pesquisa é
desenhada para
produzir
conhecimento
novo,
generalizável,
diferente de um
conhecimento
apenas sobre um
individuo
particular ou um
programa. Estudos
observacionais
tranversais,
coorte, caso
controle e estudos
randomizados
controlados
Respeito às
pessoas
(autonomia e
proteção das
pessoas),
beneficência, não
maleficência e
justiça. Nem
todos os
princípios têm o
mesmo peso,
analise de cada
projeto deve ser
contextualizada.
1.Consentimento
individual; que
pode não ser
solicitado quando
a pesquisa se
apenas em
prontuários. Nos
estudos de coorte,
usualmente se
solicita
consentimento
informado, mas
uma exceção são
os estudos
retrospectivos.
Entretanto, o
consentimento é
essencial se
houver riscos aos
pesquisados, como
nos - estudos
randomizados
controlados,
2. Concordância
da comunidade.
Quando não é
possível obter o
consentimento
individual, pode-
se solicitar o
consentimento de
um representante
da comunidade.
De toda maneira,
cada indivíduo
deve ser
respeitado em sua
decisão de
participar ou não
de uma pesquisa.
Representantes do
grupo podem
participar do
desenho do estudo
de da discussão de
seus aspectos
51
éticos. Quando
estudo estabelece
grupos artificiais
para o estudo,
formados por
pessoas que não se
consideram um
grupo, não é
possível obter
consentimento de
lideranças – pois
estas não estão
estabelecidas.
Nestes casos, o
consentimento
individual ganha
mais importância.
Existem ainda
situações nas
quais informar os
objetivos do
estudo, pode
alterar os
resultados; o que
torna questionável
a explicação
prévia sobre a
pesquisa.
CIOMS 1993
Elaborado para
auxiliar na
definição de
políticas nacionais
sobre ética em
pesquisa
biomédica,
discute como
aplicar Helsinki
nos países em
desenvolvimento
o termo
“pesquisa” se
refere a classe de
atividades cujo
objetivo é
desenvolver ou
contribuir para o
conhecimento
generalizável. O
conhecimento
generalizável
consiste em
teorias, princípios
ou relações ou no
acúmulo de
informações sobre
as quais está
baseado, que
possam ser
corroborados por
métodos
científicos aceitos
de observação e
inferência. No
presente contexto,
pesquisa inclui
tanto estudos
médicos quanto
comportamentais,
pertinentes à
As pesquisas com
seres humanos
devem respeitar 3
princípios:
respeito à pessoa,
justiça e
beneficência.
Consentimento
informado deve
ser obtido de
qualquer pessoa
que seja sujeito de
pesquisa, após ser
devidamente
informado, nos
casos em que as
pessoas não forem
capazes, deve ser
obtido
consentimento de
um representante
autorizado.
O consentimento
informado é, em
si, uma proteção
imperfeita, que
deve sempre ser
complementada
por uma revisão
ética independente
do protocolo de
pesquisa.
52
saúde humana.
Usualmente
pesquisa é
modificada pelo
adjetivo
biomédica para
indicar que sua
referencia é a
pesquisa
relacionada à
saúde.
Res 196/96
Todo
procedimento que
ainda não estiver
consagrado na
literatura
científica, serás
considerado como
pesquisa...estes
incluem, entre
outros, os de
natureza
instrumental,
ambiental,
nutricional,
educacional,
sociológica,
econômica, física,
psíquica ou
biológica, sejam
eles
farmacológicos,
clínicos ou
cirúrgicos e de
finalidade
preventiva,
diagnostica ou
terpêutica (Res
196/96, III.2)
Pesquisa - classe de
atividade cujo
objetivo é
desenvolver ou
contribuir para o
conhecimento
generalizável. O
conhecimento
generalizável
consiste em teorias,
relações ou
princípios ou no
acúmulo de
informações sobre
as quais estão
baseados, que
possam ser
corroborados por
métodos científicos
aceitos de
observação e
inferência
(Resolução 196/96
CNS, II.1).
Incorpora sob a
ótica do indivíduo
e das
coletividades, os
quatro referencias
básicos da
bioética:
autonomia, não
maleficência,
beneficência e
justiça.
O respeito devido
à dignidade
humana exige que
toda pesquisa se
processe após
consentimento
livre e esclarecido
dos sujeitos,
indivíduos ou
grupos, que por si
e/ou seus
representantes
legais manifestem
sua anuência à
participação na
pesquisa. O item
IV aborda os
aspectos que
devem ser
incluídos no
consentimento, em
linguagem
acessível, os
requisitos que
deve obedecer e os
casos em que haja
qualquer restrição
à liberdade ou ao
esclarecimento
necessário para o
adequado
consentimento.
Para encerrar este capítulo, sintetizo a seguir as diferenças entre a pesquisa
qualitativa, tal como foi discutida no capítulo 2 deste trabalho, e a definição de
pesquisa adotada pela Resolução 196/96 CNS.
53
Definição de pesquisa
Pesquisa qualitativa Resolução 196/96 CNS
Desenho emergente Teste de hipótese, procedimentos descritos
no projeto
Não há como testar em laboratório ou em
animais
Teste em laboratório ou em animais
Procedimentos realizados no ambiente
natural dos pesquisados
Procedimentos realizados em local
específico: clínicas de pesquisa, instituições
de saúde
Subjetividade do pesquisador é seu principal
instrumento de trabalho.
Não há preocupação com a superação da
visão do pesquisador, nem com a
imparcialidade.
Entre os propósitos da pesquisa inclui-se a
mudança social, fortalecimento de indivíduos e
comunidades, justiça social. Por isso há uma
forte preocupação em transformar conhecimento
em ações
Exige retorno de resultado e beneficio para
comunidade estudada
Decisões sobre a pesquisa, inclusive a questão a
ser investigada, podem ser negociadas com os
participantes.
Todas as decisões sobre a pesquisa são tomadas
pelo pesquisador, que, portanto, pode descrevê-
las previamente no projeto de pesquisa
Podemos observar, então, que a Resolução 196 CNS foi construída tendo em
vista uma determinada concepção de pesquisa, que se aproxima do paradigma
positivista, tal como descrito por LINCOLN e GUBA (2000) (apresentado na tabela
da gina 19 deste trabalho); e que guarda diferenças com características das
pesquisas qualitativas (apresentadas na página 22).
Isso é coerente com o preâmbulo da Resolução 196/96 CNS, no qual consta
uma relação numerosa dos textos que foram consultados para sua elaboração, em
especial os documentos apresentados e discutidos anteriormente neste capítulo
24
. De
fato, não foi possível identificar nenhum que discutisse paradigmas da ciência ou
pesquisas qualitativas em saúde, nem em Ciências Sociais e Humanas.
Assim, concluímos que a resolução aqui em foco amplia seu âmbito de
aplicação, que, como vimos, era mais restrita nos documentos internacionais (no
Código de Nuremberg e na Declaração de Helsinki, tratava-se da pesquisa médica;
no Relatório Belmont e CIOMS 1993, da pesquisa médica e comportamental, e no
CIOMS 1991, da pesquisa epidemiológica), para todas as demais áreas do
conhecimento, porém sem proceder a uma análise das diferenças epistemológicas e
metodológicas nelas existentes.
24
A exceção do Relatório Belmont.
54
Isso preocupa, em especial, os pesquisadores que buscam estudar um objeto
que não é apreensível, em sua complexidade, pelos métodos das Ciências Naturais. E
operam, então, baseados em pressupostos diferentes daqueles pautados na ciência
moderna, que é a referência para a Resolução 196/96 CNS.
No próximo capítulo, apresento alguns pontos que vêm sendo amplamente
discutidos e que dizem respeito à dificuldade ou mesmo impossibilidade de aplicação
da Resolução 196/96 CNS.
55
5. SITUAÇÕES EM QUE É DIFÍCIL APLICAR A RESOLUÇÃO
196/96 CNS
Como conciliar uma ética universal, inspirada pela representação da pessoa
livre, igual e autônoma intrínseca a esta ideologia individualista ocidental com
o acesso a essas outras formas de ser pessoa que constituem o cardápio
essencial da comparação antropológica?
Duarte
Este capítulo apresenta dificuldades relatadas por pesquisadores das Ciências
Sociais e Humanas, relativas à aplicação da Resolução 196/96 CNS às suas
pesquisas. Baseia-se numa publicação da Associação Brasileira de Antropologia -
ABA, organizada por VÍCTORA e col (2004), na qual vários autores, valendo-se de
exemplos práticos, questionam a aplicabilidade da Resolução 196/96 CNS às
pesquisas antropológicas. Essa discussão é enriquecida com a apresentação de
questionamentos semelhantes colocados por pesquisadores que investigam a
Psicanálise e por outros que conduzem pesquisas na área da Psicologia. Outros
cientistas sociais também foram incluídos, além das minhas próprias preocupações,
como psicóloga que atua ativamente no sistema CONEP- CEP. Vejamos os
problemas identificados.
5.1 Pesquisa em seres humanos e pesquisa com seres humanos.
Alguns autores (HEILBORN 2004; OLIVEIRA 2004) têm considerado
inadequada a aplicação da Resolução 196/96 CNS às pesquisas de qualquer área do
conhecimento. OLIVEIRA (2004), por analogia ao conceito de etnocentrismo,
considera que essa proposta é uma manifestação do biocentrismo, ou seja, aplicar a
lógica da pesquisa biomédica às demais. Nas palavras dele, “o Biocentrismo da
Resolução 196/96 (...) impõe visão local (biomédica) sobre a prática de pesquisa, ou
sobre a ética da prática das pesquisas, como se fosse universal”(p.33).
Uma diferença entre a pesquisa biomédica e a pesquisa em Ciências Sociais e
Humanas é que a primeira realiza pesquisa em seres humanos e a segunda com seres
humanos.
56
Nas primeiras, o objetivo e os procedimentos são definidos previamente pelo
pesquisador, que os realiza no denominado sujeito da pesquisa. Este, porém, poderia
com mais propriedade ser denominado “objeto” da pesquisa, uma vez que a ele não é
oferecida a possibilidade de participar de nenhuma definição relativa ao estudo.
Entretanto, na pesquisa com seres humanos, os participantes são de fato
sujeitos, pois são: “...concebidos e tratados como pessoas, isto é, entidades sócio
culturais, e não apenas como seres humanos, isto é, entidades biológicas...”
(CAROSO 2004, p.140-1).
Tendo essa concepção do participante, muitas pesquisas em Ciências Sociais
e Humanas definem junto ao mesmo o objeto do estudo e as estratégias. “Na
antropologia, que tem no trabalho de campo o principal símbolo de suas atividades
de pesquisa, o próprio objeto da pesquisa é negociado: tanto no plano da interação
com os atores, como no plano da construção ou da definição do problema pesquisado
pelo antropólogo” (OLIVEIRA 2004, p. 34).
Na mesma direção, a psicóloga SCHIMDT (2003) considera que
O interlocutor põe em cena sua necessidade de negociar,
explicitamente, os interesses comuns e divergentes do pesquisador e
do grupo de indivíduos que participam da pesquisa. Isto porque se
concebe a observação, a convivência em campo e as entrevistas como
situações de trabalho compartilhado que devem interessar, como
processo e como resultado, a ambos. O diálogo é o veículo da
construção de um conhecimento cuja autoria e propriedade é também
compartilhada (p.62).
Outra diferença importante é que as pesquisas em Ciências Sociais e
Humanas, geralmente, não interferem no corpo, mas o abordam através das
concepções dos participantes. Para isso, uma participação do pesquisador nas:
“...rotinas e processos de sociabilidade da comunidade como forma de observar
comportamentos e ganhar acesso aos significados que lhes são atribuídos”
(CAROSO 2004, p.143).
57
Aqui, um bom exemplo são as pesquisas sobre a epidemia do HIV/AIDS,
diante da qual organizações governamentais e não governamentais solicitaram a
produção de conhecimento sobre sexualidade. Desta maneira, um problema social se
transformou num problema de pesquisa. Embora o resultado do estudo etnográfico
não seja necessariamente aplicável de imediato, pela sua própria realização e pela
necessária relação de confiança que se estabelece entre pesquisador e pesquisado,
ambos se tornam cúmplices. O informante pode solicitar orientações ao pesquisador,
que geralmente as fornece, e assim se estabelece uma relação entre dois sujeitos,
parceiros. O pesquisador conhece o participante, mas este também conhece aspectos
do pesquisador. Trata-se, portanto, de pesquisa com seres humanos, na qual fica
claramente assumida a responsabilidade do pesquisador frente às necessidades
sociais.
5.2 A relação entre pesquisador e pesquisado: quanto mais distante
melhor?
Uma das características comuns a vários métodos qualitativos é que o
pesquisador é o próprio instrumento, e, em determinadas pesquisas, o fato de
conhecer bem o participante o coloca numa situação privilegiada para compreender,
de maneira mais profunda, a situação. Também para o participante, se o que estiver
em estudo implicar em questões íntimas, pode ser mais fácil responder para alguém
que já conhece, pelo menos em parte, sua história de vida.
FIGUEIREDO (1995), que é psicólogo e psicanalista, ao discutir pesquisa em
Psicologia clínica, coloca as especificidades da mesma. Nela, o resultado não é
procurado pelo pesquisador, mas é encontrado por este, uma vez que o espaço clínico
pode ser definido com o estabelecimento de um tempo e um local no qual o outro
venha a ser e se mostre em sua alteridade”. Existem descobertas que podem ser
feitas nessa clínica, exatamente por que tem essa característica e implica que o
terapeuta - pesquisador não tem o controle da situação.
O filósofo Emmanuel Levinas, em sua concepção de ética, ressalta o respeito
pelo outro em sua alteridade. De fato, essa relação entre pesquisado e pesquisador
pressupõe um profundo respeito pelo outro, porém, a aplicação das resoluções não se
de maneira direta. Estamos diante de uma situação singular: ao mesmo tempo em
58
que é difícil aplicar as resoluções a essas pesquisas, elas respeitam e assimilam os
aspectos éticos no seu próprio fazer.
5.3 O TCLE: um objetivo em si ou o registro de um processo?
Assim, se tomarmos à risca o texto da resolução 196/96 CNS e solicitarmos,
no caso exemplificado aqui, a elaboração de um TCLE, isso pode atrapalhar a
relação entre o pesquisador e o pesquisado, além de ser desnecessário, uma vez que
essa relação pode ser pautada no respeito ao outro, numa postura ética, como
propõe Levinas. Se não for assim, não há como fazer emergir o material a ser
analisado. É uma situação radicalmente diferente da pesquisa, que também é
adjetivada com a palavra clínica, de testes de novos medicamentos, na qual é
possível que o participante tome um remédio imaginando que está se tratando, mas,
na verdade, está fazendo uso de uma droga em estudo.
Na verdade, no caso da Psicologia clínica, se o sistema CEP - CONEP faz
solicitações como o TCLE, está forçando a separação entre ciência e ética, que está
nos primórdios da ciência moderna, mas que, nesse caso, foi superada. Ou seja,
está, inadvertidamente, dando um passo para trás.
Acaso não é importante conhecer aspectos psíquicos da pessoa que sofre,
buscando acolhê-la em suas necessidades? Não seria essa uma das funções dos
serviços de saúde? Para realizar esse trabalho, é importante pesquisar esses aspectos,
que, no entanto, não são apreensíveis pelo método empregado nas Ciências Naturais.
Frente à construção de todos específicos, são as resoluções sobre ética em
pesquisa que ficam defasadas, pois, para elaborar esses métodos, foi necessário rever
a maneira de fazer ciência, aproximando-a do que havia sido excluído no início das
ciências modernas: a subjetividade do pesquisador e do pesquisado. A inclusão da
subjetividade do pesquisador permite a reflexão sobre aspectos éticos, enquanto uma
atividade intrínseca à pesquisa.
Questões dessa natureza preocupam, pois parece essencial a proteção do
participante do estudo; porém, isso não pode significar que o sistema CONEP - CEP
faça uma triagem “paradigmática” dos protocolos de pesquisa. Como, então, manter
o rigor nas análises éticas dos protocolos de pesquisa qualitativa, que estão
embasados em pressupostos diferentes dos preconizados pela ciência moderna, no
59
sentido de proteger o participante, sem com isso inviabilizar pesquisas que também
têm potencial para produzir conhecimento relevante e respeitam seus participantes,
mas que, por operar em paradigmas diferentes, podem ter dificuldade de se
enquadrar nas exigências descritas nas resoluções?
Voltando a questões práticas, também na Antropologia dificuldades de
aplicação do TCLE por escrito, “...o consentimento informado é pouco produtivo
para o antropólogo, pois quando ele está no campo tem que negociar sua identidade e
sua inserção na comunidade, fazendo com que seus diálogos com os atores sejam,
por definição, consentidos” (OLIVEIRA 2004, p.34).
A antropóloga HELBORN (2004), buscando adequar sua pesquisa à
Resolução 196/96, optou por solicitar a assinatura do TCLE ao final da entrevista,
pois “esta modalidade se apresentou uma alternativa de respeito às normas culturais
de certos grupos, acatando o que a experiência antropológica sempre evidenciou: a
coleta de informações é uma interação social” (p. 62).
É interessante observar que, nessa situação, a obrigatoriedade da aplicação do
TCLE (Resolução 196/96 CNS, IV) contrapõe-se a outro item da mesma resolução,
que coloca a importância do respeito aos valores culturais, sociais, morais, bem como
dos bitos e costumes (Resolução 196/96 CNS, III.3.l). Esse conflito justifica, por
si, que, frente à justificativa embasada do pesquisador, o sistema CONEP- CEP o
exija aplicação do TCLE por escrito, ou pelo menos que isso possa ser feito a
posteriori, como sugere HEILBORN (2004). Ressalta-se que a Resolução 196/96
CNS, no item IV.3.c, coloca a possibilidade de não aplicação do TCLE por escrito,
como exceção, a ser acatada ou não pelo sistema CONEP-CEP.
Existem, ainda, situações em que a assinatura do TCLE identifica
desnecessariamente o participante. É o caso de pesquisas em que os dados são
coletados por meio de questionários ou de entrevistas. Será que, ao responder o
questionário ou participar da entrevista, o voluntário já não estaria manifestando
concretamente sua aceitação em participar da pesquisa? Nesses casos, se o
pesquisador elaborasse e assinasse uma carta nos moldes do TCLE proposto pela
Resolução 196/96 CNS, isso não garantiria conjuntamente o direito à informação e
ao anonimato dos participantes? Afinal, dessa maneira, é o pesquisador que registra
60
seu compromisso e assina; o participante não se identifica e ainda guarda a carta
assinada, garantindo o compromisso do pesquisador.
Assim, como nas demais áreas, também em Ciências Sociais e Humanas o
consentimento dos participantes é importante, porém, freqüentemente é de outra
natureza e envolve aspectos complexos.
5.4 Proteger os participantes ou o pesquisador e a instituição?
Parece-me fundamental que os CEP mantenham sua principal razão de ser,
qual seja, a proteção aos participantes das pesquisas, e não priorize a defesa dos
interesses das instituições e dos pesquisadores. Proteger a própria instituição pode ser
pensado em termos de entender como adequadas as pesquisas que se orientam pelos
pressupostos da ciência moderna e considerar inadequadas aquelas que buscam
trabalhar a partir dos novos paradigmas.
CHRISTIANS (2000) faz uma análise nessa mesma direção:
With IRBs
25
the legacy of Mill, Comte and Weber comes into its own.
Value-neutral science is accountable to ethics standards through
rational procedures controlled by value-neutral academic institutions
in the service of an impartial government. (...) IRBs ostensibly protect
the subjects who fall under the protocols they approve. However,
given the interlocking utilitarian functions as social science, the
academy, and the state that Mill identified and promote, IRBs in
reality protect their own institutions rather then subject populations in
society at large
26
(p. 141).
25
Institutional Review Boards.
26
Tradução livre: Com os IRBs
26
, o legado de Mill, Comte e Weber se expressa. Uma ciência
neutra de valores é responsável pelos padrões éticos através de procedimentos racionais controlados
por instituições acadêmicas neutras de valores a serviço de um governo imparcial. (...) IRBs
ostensivamente protegem os sujeitos que são incluídos nos protocolos por eles aprovados. Entretanto,
dadas as relações das funções utilitaristas das ciências sociais, da academia, e do estado que Mill
identifica e promove, IRBs na realidade protegem suas próprias instituições e não a população em
estudo e a sociedade como um todo.
61
Embora esse autor se volte para as Ciências Sociais, essas questões precisam
ser mantidas em pauta quando se discute pesquisas com seres humanos em qualquer
área do conhecimento.
Outra situação que se coloca é que se constitui em objeto de estudo das
Ciências Sociais o próprio funcionamento das instituições, sendo que os resultados
visam explicitar as complicações e contradições destas. Como agir frente a isso? Não
divulgar os resultados para o prejudicar os participantes do estudo? A rigor, o que
se coloca aqui é um questionamento sobre esse dever ético, já que o participante é,
nesse caso, a própria instituição. Por outro lado, não seria justamente este o dever
dessas pesquisas: informar a sociedade sobre o funcionamento de suas instituições?
Nesse sentido, seria eticamente inadequado se o pesquisador não divulgasse os
resultados do estudo. Novamente, DUARTE (2004) questiona a aplicabilidade da
Resolução 196/96 CNS em pesquisas dessa natureza, em especial as que estudam
instituições de saúde. Nas palavras dele; “....será que o olhar do antropólogo sobre a
biomedicina deve estar regulado pelos mesmos regulamentos que a biomedicina se
viu obrigada a impor sobre si mesma?” (p.129).
Penso que é importante incluir nesse questionamento o os antropólogos,
mas de maneira ampla os pesquisadores em Ciências Sociais e Humanas.
5.5 Anonimato dos participantes: dever do pesquisador, escolha do
participante, compromisso social do pesquisador
A garantia de manter o anonimato dos participantes é essencial quando os
estudos tratam, por exemplo, da violência, pois, nesses casos, a revelação dos nomes
dos participantes pode colocá-los em risco. O mesmo ocorre com aqueles que
envolvem questionamentos sobre aspectos políticos, realizados em países com
regimes autoritários. Nessas situações, não há dúvida da importância de manter o
anonimato dos participantes. Pelo contrário, questiona-se a necessidade de assinatura
de um TCLE que acaba se tornando, justamente, um documento em que a pessoa
assume alguma prática ilícita.
Cabe destacar que abordar um tema muito íntimo, como sexualidade, implica
em questões éticas distintas daquelas referentes à abordagem de temas públicos, tais
62
como esporte ou política. Por isso, é preciso cuidar de diferentes aspectos éticos,
entre eles (KNAUTH 2004):
1. Garantia de anonimato, que é essencial não só no momento de divulgação dos
resultados, mas também no processo de realização da pesquisa;
2. Informação sobre o contexto no qual o material foi acessado e analisado, ao
se publicar seus resultados;
3. Uso do conhecimento produzido: um determinado estudo pode, de fato, ser
útil para o grupo estudado?
4. Qualidade da relação entre pesquisador e informante, o que permite que a
identidade do pesquisador seja negociada no contexto.
Cabe salientar que, em Ciências Sociais e Humanas, a garantia de anonimato,
além de ser um aspecto ético a ser respeitado, influi na qualidade da informação a
que o pesquisador terá acesso. Se não for estabelecido um vínculo de confiança entre
pesquisador e pesquisado, se este não tiver certeza de que pode confiar naquele,
poderá falar o “socialmente aceito” e não o que realmente pensa e faz,
comprometendo o próprio resultado do estudo.
Entretanto, existem pesquisas nas quais é difícil manter o anonimato dos
participantes e nas quais se pode questionar a necessidade dessa garantia. Podemos
citar como exemplo um gestor de saúde que pretende fazer uma avaliação dos
serviços prestados na região onde atua e, além do objetivo de fornecer subsídios para
realizar uma gestão mais adequada às necessidades locais, vai trabalhar esses dados
em sua dissertação de mestrado. Entre seus procedimentos, incluem-se as realizações
de entrevistas com profissionais de saúde desses serviços. Algumas categorias
profissionais são “raras” nos serviços, assim, ainda que não cite o nome, informar
que o trecho relatado foi expresso por um psicólogo pode identificar de imediato o
participante. Em alguns momentos históricos, pode acontecer até mesmo de ter
apenas um psicólogo atuando numa região da cidade. Como agir nessa situação? Não
entrevistar esse profissional, excluindo aspectos importantes de seu estudo? Não
identificar quem disse o quê, o que pode retirar a fala do seu contexto? Ou
poderíamos ainda discutir: em que medida a fala de um profissional de saúde,
63
quando se refere a seu trabalho no serviço público, não é, em si, pública? Como
definir o tênue limite entre público e privado?
Também nesse aspecto, CHRISTIANS (2000) discute o seguinte:
Despite the signature status of privacy protection, watertight
confidentiality has proved to be impossible. Pseudonyms and disguise
locations are often recognized by insiders. (...) When government
agencies or educational institutions or health organizations are
studied, what private parts ought not to be exposed? (...) Encoding
privacy protection is meaningless when there is no consensus or
unanimity on what is public and private
27
(p. 139-40)
Nessa mesma direção, como se pode assegurar que o participante do estudo
não sofrerá dano e que seu anonimato será preservado, se o mesmo estiver ocupando
um cargo público? Por exemplo: como manter o anonimato do Ministro da Saúde?
PUNCH (1994) manifesta a mesma preocupação:
Many institutions and public figures are almost impossible to disguise,
and, if they cooperate in research, may have to accept a considerable
measure of exposure, particularly if the popular media pick up on
research. This makes it sometimes precarious to assert that no harm
or embarrassment will come to the researched
28
(p. 92-3).
Aqui se encontra novamente um dilema frente à escolha por manter o
anonimato do participante, pessoa ou instituição, e ao direito da sociedade em
conhecer a opinião dos gestores públicos ou o funcionamento das suas instituições.
27
Tradução livre: Apesar do compromisso de proteger a privacidade, garantir a confidencialidade tem
se mostrado impossível. Pseudônimos e as alterações do local (para evitar reconhecimento) são
freqüentemente reconhecidas pelos participantes. (....) Quando agências governamentais, instituições
educacionais e organizações de saúde são estudadas, quais são os aspectos privados que o podem
ser expostos? Obrigar a proteção da privacidade torna-se sem sentido quando não existe consenso
sobre o que é público e o que é privado.
28
Tradução livre: Muitas instituições e figuras públicas são quase impossíveis de se tornar não
identificáveis e, se eles cooperam na pesquisa, devem aceitar a possibilidade de exposição,
particularmente se a dia tiver acesso à pesquisa. Isso torna precária a garantia de que (a pesquisa)
não provocará nenhum dano ao participante.
64
Esse é um aspecto que merece mais discussão e aprofundamento, não apenas no
âmbito de um estudo, mas de uma reflexão que inclua diferentes atores sociais. Pois
as reflexões éticas são historicamente datadas e sua definição deve se dar por
consenso.
Lembro-me de um projeto do qual participei da análise durante reuniões no
sistema CONEP-CEP. Tratava-se de uma professora universitária que elaborou um
projeto para conhecer as condições de trabalho de sua categoria profissional, sendo
que, por sua especificidade, cada instituição contrata poucos profissionais. Assim,
para alcançar a amostra pretendida, a pesquisadora se propunha enviar um
questionário, acompanhado do TCLE, para cada profissional, endereçado a muitas
instituições diferentes. Solicitava, entretanto, que não fosse necessária a assinatura
dos responsáveis pelas instituições autorizando a realização da pesquisa, uma vez
que eram muitas, em diferentes locais, e que, como o estudo não era financiado, isso
inviabilizaria sua realização. Ocorreu-me que quem deveria assinar a autorização
seria o próprio conselho dessa categoria. Entretanto, no momento da análise ética,
processou-se uma discussão no sentido de que seria uma obrigação ética a
concordância de cada instituição e não do conselho.
O projeto saiu com essa resolução, o que, a meu ver, foi equivocado. Primeiro
porque provavelmente inviabilizou uma pesquisa relevante, que não tinha problemas
éticos. Um segundo aspecto é que, mesmo sendo solicitada a autorização das
instituições, pode-se suspeitar que aquelas que ofereciam piores condições de
trabalho não autorizariam a realização do estudo, o que poderia levar a um resultado
equivocado, pois só responderiam ao questionário profissionais de instituições com
boas condições de trabalho. Afinal, por que seria essencial que, para emitir sua
opinião, um profissional tivesse de ser autorizado pela instituição? Não seria um
direito da sociedade conhecer a condição de trabalho de um profissional que
responde por um setor importante de determinada instituição, o que está relacionado
à qualidade da assistência que a mesma presta?
Colocam-se ainda situações em que o pesquisado pode querer ser
identificado. Como agir então? Não seria mais acertado respeitar sua vontade?
65
5.6 Outros aspectos: a ética intrínseca às Ciências Sociais e Humanas
É necessário identificar os aspectos éticos envolvidos nas pesquisas em
Ciências Sociais e Humanas e propor caminhos para manejá-los, garantindo que
todos os atores sejam respeitados: pesquisado, pesquisador e comunidade.
O princípio é o mesmo, e vale para qualquer tipo de estudo: respeito a todos
os atores, em especial aos mais vulneráveis – os sujeitos da pesquisa.
O diferencial está, então, nos procedimentos próprios a cada tipo de pesquisa.
Disso decorre a necessidade de nela especificar o que está em jogo e como os
aspectos éticos devem ser cuidados.
Assim, parece-me importante na avaliação realizada por um comitê de ética
que cada pesquisa seja analisada em suas especificidades. As diferenças começam no
paradigma adotados no estudo, pois este determina a qualidade da relação que será
estabelecida entre o pesquisador e o pesquisado, e atua, inclusive, na decisão sobre o
que pesquisar, para que fazê-lo e no interesse de quem esses aspectos têm
implicações éticas e estão presentes em cada pesquisador antes mesmo que este
escreva seu projeto.
Ao preconizar a aplicação, a todas as pesquisas, de normas estabelecidas a
partir unicamente das pesquisas biomédicas, a Resolução 196/96 CNS acaba por
desconsiderar aspectos éticos relevantes nas outras áreas.
5.7 Preocupações éticas presentes nas Ciências Sociais e Humanas
O antropólogo CAROSO (2004) destaca que o campo da saúde coletiva
possibilita dar destaque às diferentes lógicas, de distintos campos de conhecimento,
quando se referem ao mesmo objeto de pesquisa.
HEILBORN (2004), também antropóloga que trabalha no campo da saúde
coletiva, considera que a convivência entre pesquisadores de áreas distintas obriga a
acomodação entre lógicas diversas, “o que constitui a ética em pesquisa com sujeitos
sociais” (p.62). Ainda segundo a autora, embora não tenham formalizado um curso
de ética na graduação, os antropólogos estabeleceram um horizonte ético que os
orienta: o respeito aos valores do grupo, a tentativa da mínima interferência e de não
tomar partido.
66
É preciso pensar, pois, em como essa ética se realiza nas situações concretas.
O respeito a que se refere a autora é de fato necessário para que o trabalho aconteça.
Nesse sentido, esse controle é interno à própria categoria, pois é necessário
considerar os aspectos éticos para analisar a validade do conhecimento produzido; ou
seja, esses aspectos são também aspectos metodológicos a serem observados. Desta
maneira, reflexões dessa natureza não são delegadas exclusivamente aos CEP.
Um outro dilema ético importante que desafia os pesquisadores em Ciências
Sociais e Humanas foi relatado por KNAUTH (2004): como lidar com o fato de ter
informações que a equipe de saúde o dispõe? Por um lado, o pesquisador tem o
dever de manter em sigilo as informações as quais tem acesso durante a pesquisa; por
outro, isso pode colocar em risco a vida da própria pessoa, como em um estudo
realizado por essa autora junto a mulheres com AIDS, quando soube que uma das
participantes pensava em cometer suicídio.
OLIVEIRA (2004) considera que são questões éticas importantes para os
antropólogos: a definição de sua identidade no campo e a divulgação dos resultados
do trabalho.
Enfim, é importante que os pesquisadores das Ciências Sociais e Humanas
apresentem as questões éticas próprias de seu trabalho e como estas vêm sendo
manejadas, a fim de que sejam estabelecidos critérios para proceder à análise dos
aspectos éticos de maneira a considerar as especificidades, senão pode-se incorrer no
erro de julgar situações diferentes com os mesmos critérios.
Essas questões o se restringem aos pesquisadores brasileiros. No Canadá, a
partir de uma comissão nacional sobre ética em pesquisa com seres humanos, foi
criada uma comissão para identificar as especificidades das pesquisas em Ciências
Sociais e Humanas. No próximo capítulo, este documento é apresentado e discutido à
luz da Resolução 196/96 CNS.
67
6. GIVEN THE VOICE TO THE SPECTRUM: O DOCUMENTO
CANADENSE
Não existe algoritmo neutro para a escolha de uma teoria. Nenhum
procedimento sistemático de decisão, mesmo quando aplicado
adequadamente, deve necessariamente conduzir cada membro de um grupo a
uma mesma decisão. Nesse sentido, pode-se dizer que quem toma a decisão
efetiva é antes a comunidade dos especialistas do que seus membros
individuais. Para compreender a especificidade do desenvolvimento da
ciência, não precisamos deslindar os detalhes biográficos e de personalidade
que levam cada indivíduo a uma escolha particular. (....) Entretanto
precisamos entender a maneira pela qual um conjunto determinado de valores
compartilhados entra em interação com as experiências particulares comuns a
uma comunidade de especialistas, de tal modo que a maior parte do grupo
acabe por considerar que um conjunto de argumentos é mais decisivo que
outro.
Kuhn
No Canadá, o Interagency Advisory Panel on Research Ethics (PRE)
constituiu o Social Sciences and Humanities Research Ethics Special Working
Committee (SSHWC), cuja missão foi apresentar recomendações ao PRE relativas às
prioridades, aos métodos e às estratégias para acessar coerentemente as questões
éticas prioritárias nas pesquisas envolvendo seres humanos, nas Ciências Sociais e
Humanas. Esse trabalho resultou em um documento que recebeu o instigante título
Given the voice to the spectrum, e que tem a intenção de contribuir para o
aprimoramento do Tri-Council Policy Statement: Ethical Conduct for Research
Involving Humans (TCPS), que são as diretrizes canadenses sobre ética em pesquisa
com seres humanos.
A proposta deste capítulo é apresentar, então, uma ntese desse documento e
depois compará-lo à Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
68
Ressalto que, no Canadá (TCPS), como no Brasil (Resolução 196/96 e
complementares), diretrizes únicas sobre ética em pesquisa com seres humanos são
aplicadas a qualquer tipo de estudo.
6.1 Processo de elaboração do documento: ampla consulta aos
pesquisadores canadenses da área de Ciências Sociais e Humanas
Os princípios do PRE para o aprimoramento do TCPS são: transparência,
envolvimento da comunidade e consulta. Em atenção a eles, foi realizada uma
consulta junto aos pesquisadores canadenses da área das Ciências Sociais e Humanas
sobre sua experiência durante os primeiros cinco anos de aplicação do TCPS.
Visando garantir a ampla participação desses pesquisadores, o SSHWC
adotou os seguintes procedimentos:
1. Analisar sugestões enviadas antes ou durante os trabalhos do
SSHWC;
2. Apresentar a proposta de trabalho do SSHWC em ambiente
acadêmico, durante o verão de 2002 e o início de 2003, encorajando o
envio de comentários;
3. Iniciar a consulta junto às universidades nas quais trabalham os
membros do SSHWC;
4. Mobilizar uma ampla consulta nacional via Internet. Foram adotadas
duas estratégias: o envio de e-mail solicitando contribuição a
sociedades profissionais e interdisciplinares, para os administradores
de universidades e para fórum de profissões ou de discussão ética;
além disso, havia um site no qual qualquer pessoa poderia enviar sua
contribuição.
A comissão recebeu 57 contribuições dos pesquisadores canadenses das
Ciências Sociais e Humanas, os quais apresentaram suas preocupações e sugestões.
Foram realizadas ainda algumas consultas pessoalmente, para complementar os
textos enviados.
É importante destacar que os pesquisadores em Ciências Sociais se
manifestaram mais do que os de Ciências Humanas. A comissão avalia que isso
ocorreu porque esta área apenas iniciou seus contatos com os comitês de ética em
69
pesquisa e, portanto, muitos pesquisadores o têm ainda essa experiência, embora
possam enfrentar problemas relativos à aplicação do TCPS em seus estudos.
6.2 Uma medida não se aplica a todos
O TCPS foi elaborado frente à preocupação de regular as pesquisas clínicas
biomédicas. Isso resultou em um documento com preocupações diferentes daquelas
geralmente encontradas nas áreas de Ciências Sociais e Humanas, tanto no que se
refere ao relacionamento entre pesquisador e pesquisado quanto ao interesse que
motiva a realização do estudo.
De maneira que o TCPS não dialoga com os pesquisadores dessas áreas,
abandonando os Research Ethics Boards - REBs, que, por falta de conhecimento,
podem estabelecer padrões que ameaçam a livre investigação, sem que isso resulte
em avanço na análise ética.
Quanto mais distante estiver do paradigma positivista/experimental e,
portanto, do TCPS, mais problemática se torna a aplicação das diretrizes propostas
nesse documento por parte de um determinado pesquisador. Isso é apontado pelo
SSHWC como resultando no efeito deletério que o TCPS vem tendo sobre as
pesquisas em Ciências Sociais e Humanas, que são mais colaborativas, indutivas e
baseadas nas tradicionais pesquisas de campo e de textos.
O documento intitulado Given the voice to the spectrum expressa, então, o
que seus autores consideram importante para o aprimoramento do TCPS: que sua
próxima versão reconheça e dialogue com diferentes concepções de pesquisa, reitere
a garantia de liberdade acadêmica e assegure a adequada proteção aos participantes.
É necessário, portanto, modificar a hegemonia da pesquisa biomédica/experimental
que norteia o TCPS; e que este passe a considerar seu tradicional mandato social e
cultural.
6.3 Efeito deletério do TCPS
Embora existam pesquisadores da área das Ciências Sociais e Humanas que
estão satisfeitos com o TCPS, especialmente os que adotam o mesmo paradigma
dessa diretriz, outros enviaram suas sugestões e contaram suas experiências,
demonstrando sua insatisfação.
70
As contribuições enviadas vieram, na sua maior parte, de estudiosos que
trabalham com pesquisa de campo e de textos e, em especial, dos que realizam
pesquisas mais críticas; ou seja, daqueles que estão mais distantes do paradigma
reconhecido pelo TCPS. A posição desses pesquisadores é clara: os primeiros cinco
anos de aplicação das diretrizes desse documento não lhes trouxeram
conseqüências negativas, como não os levaram a obter qualquer ganho em seus
estudos em termos de proteção ao sujeito participante.
Além disso, relatos de projetos que não aconteceram porque o REB exigiu
o consentimento por escrito, mesmo quando isso colocava em perigo os
participantes. Um outro REB relatou limites na confidencialidade, mas não indagou o
pesquisador sobre a pertinência de perguntar sobre aspectos delicados, ou que
poderiam colocar em risco o participante se essas informações fossem reveladas;
considerou, pois, que, tendo sido assinado o consentimento, caso o pesquisador, sob
pressão, revelasse as informações, estaria eticamente adequado. Trata-se, portanto,
de uma abordagem de ética em pesquisa que transfere a responsabilidade do
pesquisador para o pesquisado.
De fato, vários pesquisadores consideram que foram prejudicados pelas
exigências inadequadas dos REB, que identificam como relacionadas à falta de
conhecimento e/ou de respeito pelo projeto proposto, por este se pautar em outro
paradigma. Houve propostas elaboradas pelo REB que foram consideradas
impraticáveis ou mesmo eticamente inadequadas por esses pesquisadores.
As contribuições enviadas ao SSHWC sugerem que os cientistas sociais,
comprometidos em levantar informações sobre diversos aspectos da sociedade e
analisá-las de maneira crítica, têm sido julgados por critérios muito amplos e por
abordagens que nada tem a ver com ética, tal como estes pesquisadores a concebem,
mas com manejo de responsabilidades e outras formas de movimento ético”. Isso
infringe a liberdade acadêmica. Cabe aqui acrescentar a essa discussão que, além da
liberdade acadêmica, encontra-se em questão também o necessário respeito à
especificidade dos objetos e métodos das diversas ciências, que, não sendo da área
biomédica, costumam ser qualificadas pelo TCPS como “outras”.
71
6.4 Qual a extensão da mudança necessária?
um consenso entre os membros do SSHWC de que é necessário mudar o
TCPS. É necessário considerar as diferentes perspectivas sobre o que é pesquisa e as
diferentes abordagens que caracterizam a comunidade cientifica canadense da área
de Ciências Sociais e Humanas.
O documento elaborado pelo SSHWC considerou importante indicar a
extensão das mudanças necessárias e, para isso, colocou as seguintes opções:
Opção 1. Mais discussões, mais exemplos
Uma possibilidade é entender os problemas criados pela aplicação do TCPS
como falta de informação; ou seja, as dificuldades surgiriam porque as definições
desse documento não contemplam a diversidade da tradição de pesquisa e de
métodos em Ciências Sociais e Humanas. Uma possibilidade seria manter sua
estrutura, incluindo sessões suplementares específicas, definições e/ou exemplos de
como conceitos éticos estão presentes nos diferentes contextos de pesquisa nessas
áreas de conhecimento.
Entretanto, ainda que essa inclusão possa ser benéfica, ela não será suficiente,
pois não alterará um dos aspectos fundamentais que está presente no TCPS. Esse
documento não é apenas uma lista de tópicos, ele é organizado de acordo com uma
lógica específica sobre o que é pesquisa e como esta deve ser conduzida. Sem
modificá-la, não adianta incluir mais itens ao documento.
Opção 2. Criar novos capítulos sobre questões relativas à pesquisa em Ciências
Sociais e Humanas
É possível identificar aspectos éticos que devem ser respeitados em qualquer
pesquisa, tais como: respeito pela dignidade humana, consentimento,
confidencialidade, conflito de interesses; entretanto, a maneira como estes estão
presentes nas pesquisas das Ciências Sociais e Humanas, e na maioria das pesquisas
qualitativas, baseadas no campo, é suficientemente diferente para necessitar de um
tratamento específico. Por sua importância, essas especificidades merecem ser
tratadas em capítulos exclusivos, que poderiam oferecer uma referência, tanto para os
72
REB quanto para os pesquisadores, sobre princípios epistemológicos e éticos e sua
aplicação em diferentes contextos dessas áreas de conhecimento.
Entretanto, embora a proposta avance em relação à primeira, ela foi avaliada
pela comissão como insuficiente pela mesma razão da proposta anterior: seria
novamente um acréscimo de informação, ainda que devidamente fundamentada, que,
entretanto, não modificaria a lógica interna do documento em seu conjunto. Além
disso, são identificados problemas no processo de revisão ética que não poderiam ser
resolvidos com a inclusão destes capítulos.
Opção 3 : Mais informação e contexto apropriado de revisão
Esta opção acrescenta à anterior uma descrição de procedimentos e mudanças
de definição, baseadas nas especificidades das pesquisas em Ciências Sociais e
Humanas, que justificam um tratamento diferente pelos REBs na maneira como a
revisão é realizada.
Seria uma maneira de respeitar o desejo do TCPS de manter um único sistema
canadense de revisão ética das pesquisas, considerando, porém, as especificidades
das pesquisas em Ciências Sociais e Humanas, oferecendo-lhes uma abordagem
específica.
De fato, um avanço em relação às propostas anteriores, pois acrescenta a
preocupação de que a composição dos REBs pode não ser adequada para analisar
projetos nas áreas aqui em pauta.
Opção 4: Criar uma política especifica para ética em pesquisa em Ciências Sociais e
Humanas
Esta opção acrescenta à terceira uma descrição das diferenças entre pesquisas
clínicas e qualitativas, indutivas, de campo, e conclui que elas são tão expressivas
que são necessários dois sistemas de regulação ética distintos, que operem com base
em dois enquadres também distintos.
A premissa fundamental da ética na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas
é que, principalmente entre disciplinas e abordagens que enfatizam estratégias de
pesquisa colaborativa, indutiva e baseada na pesquisa de campo, uma decisão ética
adequada requer familiaridade com o campo da pesquisa e a população estudada.
73
A revisão ética precisa respeitar os aspectos epistemológicos significativos
para os pesquisadores dessas áreas e não analisar os aspectos éticos com base em
outra tradição, como a pesquisa biomédica.
Assim, cada estudo seria julgado de acordo com suas especificidades, tanto
no que se refere à área, quanto ao método escolhido, por pessoas que compreendem a
natureza desse tipo de pesquisa.
Frente às quatro opções identificadas a partir das contribuições recebidas, o
SSHWC avalia que as duas primeiras são inaceitáveis. E considera merecedoras de
futuras discussões a terceira opção - elaboração de um capítulo específico e uma
adequação no processo de análise -, e a quarta opção - duas políticas completamente
diferentes de revisão ética das pesquisas, uma para Ciências Sociais e Humanas e
outra para pesquisas biomédicas e experimentais.
6.5 Áreas prioritárias a serem consideradas
A partir das contribuições recebidas por escrito e das reuniões realizadas,
foram identificados oito pontos considerados prioritários na revisão do TCPS e da
estrutura canadense de revisão ética das pesquisas com seres humanos.
6.5.1 Garantir a liberdade acadêmica
O SSHWC sugere que seja garantida a liberdade acadêmica, sendo que os
REBs e o TCPS devem respeitar as diferentes maneiras de conduzir uma pesquisa.
Um exemplo pertinente sobre esses aspectos é um pesquisador que define seus
objetivos junto com a comunidade que vai trabalhar. Esta opção tem fundamentação
epistemológica e ética. Fiel a suas convicções, o projeto é enviado ao REB,
apresentando essa proposta e o o objetivo do estudo. Porém, contribuições
enviadas ao SSHWC comentam que existem REBs que não aceitam analisar um
protocolo como este por julgá-lo incompleto.Cria-se assim uma situação sem saída: o
pesquisador não considera adequado definir a questão do estudo sem contato prévio
com a comunidade que pretende estudar, e não pode fazer este contato antes de ter a
aprovação do REB; porém, este não analisa o projeto antes que essa questão esteja
definida!
74
O Given the voice to the spectrum sugere que sejam criados, então, dois REBs
em cada instituição: um voltado para a análise dos projetos biomédicos,
experimentais, fisiológicos em sujeitos humanos; e outro para analisar pesquisas não
experimentais, no campo das Ciências Sociais e Humanas. A composição desses
comitês incluiria pesquisadores das áreas específicas, garantindo membros que
possuam adequado conhecimento epistemológico e experiência.
Essa proposta se baseia no fato de a TCPS incluir uma análise rigorosa, que
inclui a responsabilidade pelo uso dos padrões profissionais, na análise ética dos
protocolos. Se essa análise inclui aspectos da consistência, validade científica do
projeto, que já são atribuições da revisão entre pares, justifica-se a necessidade de ter
pesquisadores com conhecimento epistemológico e experiência em cada tipo de
pesquisa analisado pelos REBs.
Outro aspecto importante das pesquisas em Ciências Sociais e Humanas é que
elas podem estudar temas controversos e abordar questões não populares. A
estrutura dos REB deve ser modificada no sentido de que a revisão ética não defenda
interesses eticamente questionáveis, como uma ideologia conservadora, ou
responsabilidade do pesquisador ou da instituição. A pergunta que se coloca é: Se um
estudo sobre uma dada instituição concluir que o funcionamento dela não é
adequado, isso impediria que fosse divulgado, visto que o TCPS adverte que o grupo
social em estudo não pode ser prejudicado? Ou, ao contrário, seria eticamente
desejável realizá-lo e divulgá-lo, no interesse da sociedade?
A proposta do SSHWC é de que o TCPS afirme a liberdade acadêmica,
exclua dos REBs as responsabilidades que não lhes cabem, como a avaliação dos
aspectos metodológicos ou o rigor da análise. Estabelece, pois, que não é ético o
REB infringir a liberdade acadêmica e indica que, quando necessário, este deve
recorrer aos mecanismos institucionais, como os comitês que avaliam o mérito
científico da pesquisa, se estes existirem na instituição.
6.5.2 “Pesquisa”, “sujeito” e “dano”
Apresentando de maneira simples, o TCPS lida com pesquisa e preocupa-se
com os sujeitos humanos que devem ser protegidos de danos.
75
O Given the voice to the spectrum passou a analisar, então, o domínio que o
TCPS clama à sua jurisdição e as estruturas articuladas para alcançá-la, e também os
significados destes três conceitos: pesquisa, sujeitos humanos e dano, para as
Ciências Sociais e Humanas, questionando em que medida essas definições refletem
adequadamente as diversas concepções de “pesquisa” e “sujeitos humanos” na ampla
diversidade das pesquisas que envolvem seres humanos.
Mais uma vez, observa-se que o TCPS refere-se aos conceitos de pesquisa,
sujeito e dano tendo em vista as pesquisas biomédicas, experimentais. Entretanto, as
Ciências Sociais e Humanas os definem de outras maneiras.
6.5.2.1 Uma concepção muito específica sobre o que é pesquisa
O SSHWC alerta que o TCPS considera pesquisa como uma categoria única,
que oferece risco, a menos que prove o contrário; que o consentimento por escrito é
necessário, a menos que o pesquisador prove que não é, etc. Essas exigências, porém,
assumem um determinado modelo de pesquisa que não é típico das Ciências Sociais.
O TCPS define pesquisa como uma investigação sistemática para
estabelecer fatos, princípios ou conhecimento generalizável”. Trata-se, pois, de uma
atividade facilmente identificável, que acontece entre pessoas pré-determinadas, em
locais pré-definidos, de acordo com procedimentos previstos.
Essa visão restrita termina excluindo outras tradições de pesquisa, em
especial as pesquisas de campo, que deixam de ser consideradas como tal. São
citadas duas situações:
a) Muitos pesquisadores em Ciências Sociais e Humanas não visam a
generalização, uma vez que consideram os fatos como construções sociais, que não
podem ser entendidos fora do seu contexto.
b) É freqüente que os limites da pesquisa não estejam claros. Por exemplo,
um pesquisador que permaneceu muitos anos estudando uma comunidade pode
estabelecer com ela, em alguns momentos, um outro tipo de relação, que não
estritamente a de investigador. Essa falta de limites claramente definidos pode levar
o REB a exigir um controle e uma intervenção que evitem riscos, algo na linha do
“melhor prevenir do que remediar”.
76
O SSHWC sugere que o TCPS reconheça, em sua definição, os diferentes
tipos de pesquisa. Poderia incluir, ainda, como a revisão ética pode ser adaptada de
maneira a respeitar a tradição de pesquisa em Ciências Sociais e Humanas, como a
pesquisa de campo.
6.5.2.2 Quando alguém é um “sujeito”?
O SSHWC considera que a mesma concepção restrita do que é pesquisa
permanece na definição de “sujeito” veiculada no TCPS, termo escolhido por não ser
ambíguo, segundo esse documento. Sujeito é compreendido, então, como o único que
está exposto a risco no contexto da pesquisa.
Entretanto, o SSHWC alerta que esse termo o é ambíguo quando estão
claras as distinções entre pesquisadores e sujeitos, como acontece nas pesquisas
biomédicas; entretanto esta não é a regra na área de Ciências Sociais e Humanas.
Em primeiro lugar, a consideração de que apenas o sujeito es exposto a
risco refere-se a estudos realizados em laboratório, e está longe de ser aplicável à
pesquisa de campo. Por exemplo, estudiosos que observam o comportamento de
gangs, ou fazem estudos etnográficos em locais remotos podem estar mais expostos a
riscos do que os participantes de suas pesquisas. Também aqueles que preferem ir
para a cadeia a quebrar a confidencialidade das informações acessadas durante um
estudo e causar dano aos voluntários, como, de maneira geral, quem tem corrido
perigo para proteger os participantes de suas pesquisas são injustiçados com a idéia
sobre risco defendida pelo TCPS.
Em segundo, quando o local da pesquisa não é um laboratório, mas é a vida
cotidiana, os múltiplos e diferentes papéis sociais adotados se inter-relacionam com o
papel de pesquisador, dificultando as distinções entre este e o pesquisado. E, ainda,
as pesquisas colaborativas e participantes incluem os membros da comunidade como
co-pesquisadores e também sujeitos. Já em pesquisas auto-reflexivas, autobiográficas
e auto-etnográficas, os pesquisadores se tornam o foco, de maneira que são,
concomitantemente, sujeitos de seu próprio trabalho.
Além disso, as pessoas podem se engajar em atividades para levantar
informações, sem se tornarem nem pesquisadores, nem sujeitos. É o caso daquelas
que se envolvem em consultas básicas, ou mesmo em atividades usuais na vida
77
acadêmica, que não envolvem riscos. São exemplos dessas situações: um lingüista
que identifica um sotaque diferente no seu dia-a-dia e pergunta de onde a pessoa é;
quando um profissional da área de um pesquisador o procura, após uma conferência,
para conversar sobre a apresentação que expôs resultados da pesquisa no qual foi
entrevistado; quando um e-mail é enviado para um fórum de profissionais,
perguntando quais seriam as fontes importantes para uma revisão de literatura
prevista; quando pesquisadores o convidados a expressar suas opiniões sobre o
TCPS; quando um professor solicita retorno sobre sua proposta de curso ou de um
manual.
Esses exemplos se referem a situações consideradas como pesquisa
envolvendo sujeitos humanos pelos REB e colocam a questão do que significa ser
um “sujeito humano”. De acordo com o TCPS, disso decorre uma interação que
desencadeia a revisão ética. Entretanto, pesquisadores têm questionado por que numa
sociedade democrática a interação entre o pesquisador e outra pessoa que não esta
agindo como “sujeito humano” deve estar sujeita à revisão ética.
O SSHWC lembra que, se o trabalho do REB é proteger os sujeitos de danos,
não é necessário analisar os projetos que não podem causá-los. Não é pelo fato de ter
fornecido livremente informações que um dia poderão ser analisadas em um estudo
que a pessoa se torna um “sujeito humano”. Nos exemplos citados, estamos diante
de interações acordadas, sendo que, na verdade, os informantes não são considerados
sujeitos humanos - eles precisam ser tratados com respeito, e a interação deve seguir
os padrões profissionais, mas nenhuma revisão ética é necessária nesse contexto.
Restaria ainda saber quem definiria quando o projeto não oferece risco, para
que possa ser considerado como uma exceção e não ser analisado pelo REB. O
SSHWC, porém, não se propõe a identificar quem faria essa avaliação, mas deixa
clara a necessidade de que exceções sejam feitas nas situações que não envolvem
risco.
Como encaminhamento, o SSHWC indica que o TCPS deve discutir o que
significa ser um “sujeito humano”, e sugere que este termo seja utilizado apenas
quando um desequilíbrio de poder entre pesquisador e pesquisado, que advém da
natureza desse relacionamento, de conflitos de interesse, clara incapacidade do
sujeito ou possibilidade de coerção. Na ausência desses indicadores, o SSHWC
78
sugere que o PRE isente as pesquisas de revisão pelo REB, considerando que as
realizadas em Ciências Sociais e Humanas se incluem nessa exceção.
6.5.2.3 Reconsiderando o “risco mínimo”
O pressuposto de que toda pesquisa envolve risco é questionável no campo
das Ciências Sociais e Humanas, pois estas elegem abordagens colaborativas que
buscam maximizar os benefícios conjuntos da pesquisa e estabelecer uma relação de
cooperação duradoura, baseada na confiança e no respeito mútuo.
As possibilidades de danos são as mesmas as quais as pessoas estão expostas
na experiência cotidiana.
O SSHWC sugere que o TCPS modifique o foco no dano mínimo e passe a
considerar que apenas quando o REB identificar um dano significativo poderá
solicitar alterações no desenho da pesquisa. Outra possibilidade é que os REBs
desenvolvam critérios para estabelecer se uma pesquisa tem riscos significativos;
caso tenha, esta deve ser analisada pelo REB, mas, do contrário, não necessidade
desse tipo de análise.
6.6 Escopo e nível da revisão do REB
6.6.1 Considerações sobre pesquisa em Ciências Sociais e Humanas, em especial
sobre a pesquisa de campo
O engajamento na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas pode ser
considerado um estilo de vida”, pois envolve tanto relações duradouras no contexto
formal estruturado, quanto no informal, no contexto da pesquisa ou em outros,
podendo se manter por anos ou até por décadas.
Como dito, pesquisas dessa natureza aspiram, pois, relações mais
colaborativas e igualitárias entre pesquisadores e participantes, construídas no
respeito e na confiança mútuos, sendo que, se um enquadre formal for imposto, isso
pode ser prejudicado. Nessa perspectiva, a decisão sobre responsabilidades e
cuidados éticos, lembrando que, nesses casos, o dano raramente é maior do que nas
relações cotidianas, requer familiaridade com as pessoas e com a comunidade, no
sentido de melhor compreender as complexidades envolvidas nesses contextos.
79
Também é preciso lembrar que, em Ciências Sociais e Humanas, existem
diversas perspectivas, métodos e locais de pesquisas, sendo difícil garantir que essa
diversidade seja representada no REB. Há, pois, a necessidade de adequar a análise
ética a essas diferenças, no sentido de considerá-las nas suas particularidades,
deixando de adotar uma definição única, que abarca, apenas, a pesquisa realizada de
acordo com a lógica biomédica.
Uma outra consideração refere-se ao fato de as práticas de pesquisa em
Ciências Sociais e Humanas serem ensinadas aos alunos pelos seus orientadores, que
usualmente os introduzem no local do estudo. Essa prática de ensino inclui, então, a
discussão dos aspectos éticos, bem como a maneira de lidar com estes, adotada pelas
áreas em questão.
Essa maneira de formar o pesquisador tem obtido êxitos, pois não se tem
notícias de tratamentos eticamente inadequados às pessoas que participam dos
estudos em questão. Como é de amplo conhecimento, essas inadequações foram
documentadas em pesquisas biomédicas.
6.6.2 Estabelecendo uma revisão do programa de pesquisa
O SSHWC sugere como uma possibilidade que, no caso de pesquisas de
campo colaborativas, o REB poderia analisar não um projeto específico, mas sim um
programa de pesquisa, que descreveria os parâmetros nos quais seria realizado, sendo
que poderia durar anos.
6.6.3 Exceções da revisão ética para padrões de prática profissionais
O TCPS poderia excluir da revisão ética pesquisas que coletam informações
através de relações sociais que qualquer pessoa pode estabelecer na vida cotidiana e
nas quais a confidencialidade está garantida em qualquer relato das observações
individuais.
6.6.4 Transferindo o ônus
Cabe ao REB explicitar que tipo de dano envolvido justifica a solicitação de
mudança no desenho do projeto, demonstrando, inclusive, porque essa solicitação
poderia levar a uma solução melhor do que a proposta pelo pesquisador.
80
6.6.5 Padronizar a delegação de autoridade para a pesquisa
O SSHWC sugere que, nas pesquisas realizadas por alunos sob orientação
direta, a responsabilidade por cuidar dos aspectos éticos seja delegada ao orientador.
Este orientador poderia passar por um curso, cujo programa tivesse sido aprovado
pelo REB. A proposta é que essas pesquisas não sejam enviadas para análise dos
REBs.
6.7 Consentimento
O SSHWC identifica a exigência de obter consentimento por escrito como um
dos principais pontos a ser modificado no TCPS. Essa exigência causa grandes
problemas para as pesquisas em Ciências Sociais e Humanas, constituindo-se num
bom exemplo de que aplicar padrões de uma área em outra prejudica a maneira de
realizar a pesquisa de campo. Isso pode comprometer a liberdade acadêmica.
6.7.1 Consentimento é um relacionamento, não um evento
Nas pesquisas em Ciências Sociais e Humanas, o consentimento é
considerado um processo complexo, variável de um tipo de pesquisa para outro.
Existem situações nas quais é impossível solicitar o consentimento, pois não é
possível antecipar o evento (como, por exemplo, a ocorrência de um desastre
natural). Também pode ocorrer de o pesquisado procurar o pesquisador. Por
exemplo, uma pessoa que procura o curador de um museu para lhe falar sobre a
importância de um objeto exposto para a história da sua família. Em outras situações,
pode o ser desejável obter o consentimento previamente porque os participantes
são também colaboradores que determinam conjuntamente as direções do projeto, e
iniciar o relacionamento com um termo de consentimento pode estabelecer uma
indesejável relação hierárquica, prejudicando ou impossibilitando a colaboração, a
parceria.
Em outras pesquisas, como na pesquisa participante, o investigador não sabe
quem pode ser o sujeito potencial antes de ficar algum tempo no meio e refinar sua
questão de pesquisa. Pela mesma razão, freqüentemente é difícil definir quando o
projeto começa. Em várias tradições de pesquisa, o consentimento o é obtido uma
81
vez, mas é algo que é re-afirmado através da manutenção do contato, da aceitação de
se incluir no próximo estágio.
6.7.2 A preferência pelo consentimento oral
Pesquisadores da área de Ciências Sociais e Humanas ressentem-se por terem
de obedecer a um enfoque legalista, que impõe o uso do consentimento escrito em
uma relação que se baseia na confiança mútua, quando basta a concordância oral.
O sentido do consentimento é que se estabeleça um diálogo que possibilite à
pessoa entender a proposta de pesquisa, e o que significa aceitar participar; isso, de
fato, não implica em colocar tudo no papel, uma vez que um termo de consentimento
por escrito é um meio, e não um fim em si.
Uma das contribuições enviadas ao SSHWC sugere que o TCPS deveria se
preocupar com o estabelecimento de uma relação de confiança, e não com o processo
de documentá-la. Muitas vezes, os participantes de estudos não entendem o termo de
consentimento, ainda quando estes foram aprovados por um REB. Um excesso de
informações técnicas acaba confundindo o participante, sem informá-lo de fato.
6.7.3 Omissão, informação e dados
Algumas pesquisas não podem revelar seu propósito previamente, pois isso as
inviabilizaria. O TCPS instrui que, nesses casos, após a coleta de dados, a pessoa
deve receber a informação completa e ter a possibilidade de concordar ou não com a
inclusão de suas informações no estudo. Caso não concorde, seus dados podem ser
retirados do estudo, desde que isso não comprometa a validade do trabalho e,
portanto, diminua o valor ético da participação dos outros sujeitos.
O SSHWC questiona, então: Em que medida esses procedimentos estão
pautados numa abordagem de pesquisa centrada no sujeito? E concluem que eles se
constituem numa mistura desordenada de uma necessidade originária da Psicologia
experimental (a justificativa de omitir informação), critério ético geralmente aceito
(atenção aos sentimentos dos participantes) e pesquisas clínicas (não retirar os dados,
se colocar em risco a validade do estudo). Trata-se de um outro exemplo no qual as
pesquisas clínicas e as pesquisas em Ciências Sociais e Humanas poderiam ser
82
discutidas separadamente, resultando em uma mensagem menos confusa, tanto para
pesquisadores quanto para os REBs.
6.7.4 Coerção
O SSHWC considera que, embora o TCPS estabeleça que os participantes do
estudo não devem ser coagidos a fazer parte dos estudos, os pesquisadores têm se
sentido coagidos pelos REBs! Pois estes usam seu poder para interferir na relação
entre pesquisadores e participantes sem o consentimento dos primeiros, de uma
maneira que não é desejável.
6.7.5 Quando a confidencialidade alivia a falta de consentimento
O SSHWC considera que é redundante a análise ética quando a pesquisa o
envolve dano. Além disso, os pesquisadores podem conversar com pessoas, tomar
notas do que conversam, guardar fotos e filmes que realizaram, pois, uma vez
garantida a confidencialidade, não porque impedir a realização da pesquisa
mesmo que seja impossível obter o consentimento desses participantes.
Ao concluir este tópico, o SSHWC considera que os critérios sobre como e
quando o consentimento pode ser negociado, a necessidade de assiná-lo e a definição
de quais informações devem ser fornecidas são procedimentos que podem ser
modificados se for reconhecido o impacto deles no relacionamento entre pesquisado
e pesquisador, em especial quando este utiliza abordagens colaborativas.
Pesquisadores e REB poderiam se preocupar com o consentimento no contexto de
danos possíveis.
6.8 Privacidade e Confidencialidade
O SSHWC conclui que a discussão do TCPS sobre privacidade e
confidencialidade requer uma revisão para refletir sobre as normas e os padrões
éticos das diversas abordagens adotadas pelos pesquisadores canadenses, e a
variedade de abordagens epistemológicas presentes.
O TCPS estabelece que a informação que é acessada no contexto
profissional e de pesquisa deve ser mantida confidencial”. Entretanto, essa afirmação
deve ser analisada em diferentes situações.
83
6.8.1 Anonimato/confidencialidade é uma prerrogativa do participante
O SSHWC considera importante manter o foco do TCPS no sujeito e, nesse
sentido, sugere que uma próxima versão deste documento poderia oferecer uma clara
orientação ao REB e aos pesquisadores envolvidos em pesquisas de campo sobre as
várias questões relativas à confidencialidade.
6.8.2 A divergência entre ética e lei
O dever de manter o anonimato dos participantes para evitar que estes sejam
expostos a danos pode ser contrário a uma determinação legal que obrigue o
pesquisador a revelar informações do estudo. Por essa razão, o SSHWC recomenda
que o PRE identifique mecanismos legais utilizados em outras jurisdições para
equacionar essas diferenças entre legislação e obrigação ética dos pesquisadores de
manter confidenciais as informações identificáveis dos participantes.
6.8.3 O problema das descobertas hediondas
O SSHWC questiona se o pesquisador deve manter a confidencialidade
quando descobre algo tão alarmante que a ética o obriga a quebrá-la. Um exemplo é
quando o pesquisador tem acesso à informação de que o participante esta se
preparando para fazer mal a alguém. O SSHWC sugere, então, que o TCPS deve
incorporar essa discussão, especialmente no que diz respeito às responsabilidades dos
pesquisadores e do REB.
6.9 Retenção de dados e análise de dados secundários
Em Ciências Sociais e Humanas nem sempre é possível delimitar o fim da
pesquisa. De fato, alguns pesquisadores podem adotar alguma comunidade para
estudá-la por toda vida. Assim, os dados são guardados pelo pesquisador que pode
voltar a trabalhar com eles em momentos diferentes. Não se trata, no entanto, de
análise de material secundário, como as pesquisas que utilizam dados de prontuários.
A guarda dos dados para futura utilização deve ser feita de maneira a
preservar o anonimato dos participantes, lembrando que algumas pesquisas têm
interesse histórico. De toda maneira, o SSHWC considera importante que os
participantes sejam informados sobre o arquivo do material e consultados sobre a
84
possibilidade de participar da decisão sobre guardar, destruir ou transferir a
propriedade dos dados. Essas questões devem ser negociadas entre pesquisador,
participantes e, se for o caso, com toda a comunidade envolvida.
6.10 Pesquisa internacional
Nem sempre é possível saber como se a regulação dos aspectos éticos das
pesquisas em outros países. Entretanto, existem situações em que solicitar que o
participante assine consentimento pode colocá-lo em risco, em especial em regimes
autoritários. Outra preocupação é que, ao ter de solicitar autorização de autoridades,
as Ciências Sociais e Humanas façam pesquisas construídas de acordo com os
interesses destas, perdendo sua necessária liberdade de trabalho.
6.11 Lacunas a superar
6.11.1 Um inventário mais inclusivo de métodos
O TCPS, que norteia o trabalho dos REBs, o representa adequadamente a
variedade de todos usados pelo amplo espectro dos pesquisadores de Ciências
Sociais e Humanas e toma como referência pesquisas experimentais ou outros
métodos mais estruturados, nos quais os procedimentos e as características dos
participantes são conhecidos previamente.
Métodos tradicionais em Ciências Sociais e Humanas, como a pesquisa-ação,
a etnografia, o trabalho de campo em lingüística e algumas análises de texto são de
difícil avaliação pelo TCPS. Frente a isso, os REBs podem solicitar mudança no
desenho do estudo, visando adequá-lo a outra concepção de ciência, o que fere a
liberdade acadêmica.
6.11.2 Pesquisa com nova mídia
O TCPS o faz nenhuma referência às pesquisas realizadas via Internet. É
importante considerar, no entanto, que, como esse campo se modifica muito
rapidamente, corre-se o risco de as normas definidas se tornarem obsoletas antes
mesmo de serem ratificadas e publicadas. Duas sugestões enviadas ao SSHWC
colocavam a necessidade de discutir como acessar o risco a que está exposta a pessoa
que participa da pesquisa pela Internet, e como os pesquisadores poderiam reparar os
85
danos que poderiam ocorrer. Questões dessa natureza também se colocam em
pesquisas com outras mídias novas.
6.11.3 A falta de representação de campos de estudo no SSHWC
O SSHWC sugere que, caso seja prorrogado seu mandato, o PRE inclua
pesquisadores da área de música, artistas visuais e performáticos.
Em síntese, as recomendações do SSHWC são:
1. Incorporação da discussão sobre as maneiras como os princípios éticos
podem ser aplicados aos diferentes métodos;
2. Discussão dos aspectos éticos nas pesquisas por Internet;
3. Inclusão de músicos e artistas, caso o PRE decida renovar o mandato do
SSHWC.
6.12 Conclusão do Given the voice to the spectrum
Em geral, as críticas ao TCPS estão relacionadas à falta de voz aos diversos
tipos de estudos. Ouvi-los significa identificar as diferenças entre a pesquisa clínica
biomédica, cujo modelo norteia o TCPS, e aquelas realizadas no âmbito das Ciências
Sociais e Humanas, propondo uma maneira de proceder à análise dos aspectos éticos
que também respeite as especificidades das últimas.
O relatório elaborado pelo SSHWC expõe algumas dessas diferenças
detalhadamente. Sugere, ainda, caminhos para que o TCPS possa ser mais adequado,
tanto aos pesquisadores como aos participantes de estudos em Ciências Sociais e
Humanas, oferecendo uma nova abordagem de revisão ética que possa melhor
proteger os últimos e preservar esse campo de conhecimento para que não se torne
excessivamente burocratizado. Isso poderia liberar o tempo dos REBs para analisar
em detalhes os projetos com possibilidade de danos, pois estes sim requerem uma
análise cuidadosa.
86
6.13.Considerações sobre o relatório canadense Given the voice to the
spectrum - e a Resolução 196/96 CNS
1. Análise ética inclui adequação do método: portanto, os projetos devem ser
analisados por um especialista.
O TCPS e a Resolução 196/96 CNS consideram que os REBs canadenses e o
sistema CONEP-CEP brasileiro devem analisar a consistência cientifica do projeto.
Entretanto, para que essa análise seja conduzida adequadamente, é necessária a
participação de um especialista da área. Senão, corre-se o risco de que uma pesquisa
seja analisada tendo por base uma lógica que não lhe é própria.
2. Linguagem diferente, sentido diferente: sujeito, participante, informante,
co-autor: implicações éticas. O Given the voice apresenta a preocupação com a
linguagem utilizada no TCPS. Essa mesma preocupação se aplica à Resolução
196/96 CNS. Para aprofundar essa questão, recorro à psicóloga Maria Lúcia
Sandoval Schimdt.
SCHMIDT (2003) discute a utilização de três termos diferentes para se referir
ao “outro”, aquele cujas informações são analisadas na pesquisa. Alerta que cada um
desses termos está associado a uma maneira de conceber os lugares ocupados tanto
pelo pesquisador, quanto pelo pesquisado, durante o trabalho de campo.
O uso do termo “informante” está relacionado a uma prática de pesquisa que
colhe informações, e apresenta como resultado a interpretação do autor sobre elas. A
propriedade desses dados é do pesquisador.
A palavra “colaborador” atenua a preponderância do interesse do
pesquisador, pois reflete que o interesse nesse conhecimento é de ambos.
A designação “interlocutor está relacionada a uma atuação que valoriza a
negociação dos interesses do pesquisador e do “interlocutor”. Os procedimentos da
pesquisa, como a observação e a entrevista, são considerados situações de trabalho
conjunto que “... devem interessar como processo e como resultado, a ambos. O
diálogo é o veículo da construção de um conhecimento cuja autoria e propriedade é
também compartilhada. Os modos de redação e de publicidade dos resultados são
objeto destas negociações ...” (SCHIMDT 2003; p. 62).
87
A autora defende a importância de que os pesquisadores apresentem
claramente seus compromissos políticos e éticos, e considera que esse “outro”,
incluído em seus estudos, seja tratado como co-autor.
Apresento essas considerações para destacar que tanto o TCPS quanto a
Resolução 196/96 CNS utilizam o termo “sujeito” para designar o “outro” incluído
nas pesquisas sem explicitar, no entanto, que esse termo implica em uma
determinada postura epistemológica: o “outro” é aquele sobre o qual os
procedimentos do estudo são realizados. A meu ver, o termo “sujeito” exclui a
dimensão subjetiva. O outro é o local” onde se realizam procedimentos. Esse é um
ponto que mereceria ser discutido, caso um trabalho semelhante ao canadense fosse
realizado frente à Resolução 196/96 CNS.
Salienta-se assim que a escolha dos termos reflete a definição de uma postura
epistemológica, não sendo de forma alguma neutra, ou aplicável a qualquer maneira
de pesquisar. Essas diferentes concepções sobre esse “outro” são determinantes da
maneira como será estabelecida a relação entre pesquisador e pesquisado. Se o
pressuposto do pesquisador é que o “outro” deve ser considerado em sua alteridade,
que o próprio objetivo do estudo será construído conjuntamente, que sentido tem se
referir à obtenção de um TCLE? Se o objetivo e os procedimentos serão construídos
conjuntamente, se o se estabelecer este diálogo, não objetivo definido, nem
procedimentos, não há pesquisa! Uma das implicações desta maneira de se relacionar
com o pesquisado refere-se à exigência do TCLE por escrito. Cabe discutir, portanto,
se a exigência do TCLE por escrito faria sentido nessa situação descrita ou se deveria
ser uma exigência apenas em pesquisas nas quais os objetivos e procedimentos são
definidos previamente pelo pesquisador.
3. Relacionado ao que foi discutido no item acima, ressaltam-se as diferentes
concepções sobre pesquisa. A Resolução 196/96 CNS detalha as informações que o
protocolo deve conter, e inclui a necessidade de que o projeto de pesquisa apresente
objetivo definido e procedimentos. Novamente, está dialogando com uma maneira de
fazer ciência e não com todas. Pois, à semelhança da constatação do SSHWC, um
pesquisador que pretende definir seu objetivo junto à comunidade, como pode
preparar seu projeto? Dirige-se antes à comunidade e, depois de anos de trabalho,
após definir seu objetivo, prepara o projeto e envia ao CEP? Ou, ao contrário,
88
entrada no CEP, explicitando sua proposta, e como será definido seu objetivo,
correndo o risco de que este se recuse a analisá-lo? Cria-se, então, a seguinte
situação: o pesquisador não define o objetivo antes, porque o fa junto à
comunidade, entretanto, sem aprovação do CEP, não pode iniciar seu trabalho de
campo! Ou seja, diferentes concepções de pesquisa levam a diferentes possibilidades
de exigência para dar entrada no CEP. Tanto a Resolução 196/96 CNS, quanto o
TCPS estabelecem exigências baseadas numa concepção de pesquisa clínica
biomédica.
4. Ainda analisando a situação acima descrita, agora com relação ao
conteúdo do TCLE, podemos perguntar o seguinte: depois de definido o objetivo
conjuntamente com a comunidade, de o CEP ter aprovado o projeto, como o
pesquisador procederá em relação à necessidade de aplicação do TCLE, colocada
pela Resolução 196/96 CNS? Como apresentá-lo para pessoas com quem o
pesquisador vem trabalhando conjuntamente tempos, e pior, apropriando-se de
idéias que foram concebidas por todos? A rigor, poderá alguém estar mais informado
sobre uma idéia do que aquele que colaborou na sua construção? Destaca-se aqui que
essa grande incongruência criada nessa situação está diretamente relacionada ao fato
de que um pesquisador que atua dessa maneira já incorpora aspectos éticos como
procedimentos metodológicos. Por outro lado, em uma pesquisa desenhada
inteiramente pelo pesquisador e aplicada por este aos sujeitos, o TCLE é
fundamental. Afinal, em algum momento esse sujeito terá de ser informado! O
equívoco, portanto, não está na exigência do TCLE, está na falta de delimitação
adequada da abrangência da Resolução 196/96 CNS. Ela não é aplicável a todas as
pesquisas, porque, como já ressaltado, foi elaborada tendo em vista as pesquisas
biomédicas, experimentais, positivistas, que pressupõem a exclusão ou a disciplina
da subjetividade tanto do pesquisador, quanto do sujeito. Concordando com o
SSHWC, parece-me mais apropriado, portanto, que essa resolução se restrinja a
pesquisas dessa natureza.
5. Outro aspecto importante abordado pelo SSHWC sobre a aplicação de
termo de consentimento escrito diz respeito ao risco que o participante corre ao
assiná-lo. Pode-se citar como exemplo as situações em que o estudo é realizado com
pessoas que praticaram atos ilegais: uso de drogas ilícitas, aborto provocado etc.
89
Podemos perguntar, então: Assinar o TCLE protege a quem? Ao participante que
declara por escrito ter cometido algo ilegal ou ao pesquisador que, dessa maneira,
trabalha adequadamente frente às diretrizes sobre ética em pesquisa? Qual a
sensibilidade do sistema CONEP- CEP para decidir sobre exceções dessa natureza?
Que critérios poderiam usar? Como esses critérios poderiam ser definidos?
6. O SSHWC questiona a necessidade de análise ética dos protocolos de
pesquisas que não envolvam riscos, em especial as realizadas na área de Ciências
Sociais e Humanas. Argumenta que, nessas pesquisas, a relação entre pesquisador e
pesquisado não se pauta num desequilíbrio de poder. Considero que essa afirmação
merece uma reflexão mais profunda, pois será mesmo possível que não exista esse
desequilíbrio? Cabe contextualizar que as relações entre pesquisador e pesquisado
são atravessadas por gênero, raça, condição socioeconômica, como qualquer outra
relação social. A desigualdade na relação entre entrevistador e entrevistado é
bastante discutida por THIOLLENT (1981). Assim, mesmo que o pesquisador tenha
a intenção de tornar essa relação menos hierárquica, não me parece que seja
desnecessária a análise prévia do projeto por um comitê de ética independente. O que
é necessário é discutir quais serão os parâmetros utilizados nessa análise.
7. Uma possibilidade que parece ser muito consistente é estar atento aos
padrões éticos presentes na maneira como se estabelece a relação entre pesquisador e
pesquisado, aos próprios objetivos do estudo e a maneira como se pretende construir
conhecimento científico. Não estariam nas questões epistemológicas as informações
necessárias para decidir quando os termos da Resolução 196/96 CNS são ou o
aplicáveis? É preciso estar atento para identificar quando os princípios da Resolução
196 CNS estão sendo respeitados pelo próprio desenho do estudo, não sendo
necessário torná-los externos à pesquisa através de um TCLE escrito.
Na discussão apresentada nestes capítulos, fica explícita a necessidade de
questionar a pertinência da aplicação da resolução 196/96 CNS às pesquisas que se
pautam em tradições diferentes das que caracterizam as pesquisas biomédicas, que,
por sua vez, pautam-se num paradigma positivista, prevendo então a exclusão da
subjetividade, tanto do pesquisador quanto do pesquisado.
90
Como expresso no Given the voice to the spectrum, os pesquisadores das
Ciências Sociais e Humanas freqüentemente adotam abordagens qualitativas.
Analiso, a seguir, o que os pesquisadores da área da saúde que adotam
abordagens qualitativas vêm publicando sobre ética em pesquisa.
91
7. OBJETIVOS E MÉTODO
7.1.Objetivos:
1. Apresentar o que os pesquisadores que utilizam abordagens qualitativas na
área da saúde consideram ética em pesquisa.
2. Identificar os aspectos da Resolução 196/96 CNS que são aplicáveis a essas
pesquisas e os que não o são.
7.2. Método
Para atingir os objetivos deste estudo, além dos textos de referência
consultados, foram analisados artigos que discutem ética em pesquisa qualitativa. A
proposta foi conhecer o que os pesquisadores que adotam abordagens qualitativas e
trabalham no campo da saúde vêm publicando sobre aspectos éticos nas pesquisas da
área. Como o Medline é referência na área da saúde como base de dados, foi eleito
para localizar esses artigos, sendo realizada uma busca das seguintes palavras:
“ética”, “pesquisa” e “qualitativa”, no período de 1993 a 2005.
Para proceder à análise do material em estudo, foi elaborada uma breve
síntese de cada artigo, que está apresentada no Anexo 3, para em seguida
estabelecer-se um diálogo entre estes artigos. O referencial teórico adotado para essa
análise aproxima-se da hermenêutica, tal como descrita por GADAMER (2002).
A proposta é ter em mente a:
(...) regra hermenêutica, segundo a qual devemos compreender o todo
a partir do singular e o singular a partir do todo (....) estamos às voltas
com uma relação circular prévia. A antecipação de sentido, que
comporta o todo, ganha uma compreensão explícita através do fato de
as partes, determinadas pelo todo, determinarem por seu lado esse
mesmo todo (GADAMER 2002; p.72-3).
Para compreender um texto, o leitor precisa elaborar um projeto que se baseia
no primeiro sentido que dele apreende (GADAMER 2002), o que é possível porque
traz alguma expectativa em relação a esse texto. Essa compreensão se processa
92
através da elaboração desse projeto, que é revisto e modificado à medida que o leitor
prossegue na leitura. Trata-se, portanto, de uma interação entre a expectativa do
leitor, sua primeira apreensão de sentido do texto e o texto em si, num processo
contínuo, que ganha vida própria.
Desta maneira, fica explícita a participação ativa do leitor no processo de
compreensão do texto. E a importância de informar a partir de que ponto de vista
(percurso profissional, história de vida, etc) ele se aproxima do texto.
Essa foi minha intenção ao iniciar este trabalho com uma apresentação
sucinta de meu percurso profissional - o lugar a partir do qual um autor analisa um
texto não é aleatório, nem tão pouco é por ele escolhido, mas, antes, é definido por
sua história.
Nas palavras de GADAMER (2002): a pertença do intérprete ao seu texto é
como a pertença do ponto de vista na perspectiva que se num quadro (...) aquele
que compreende não escolhe arbitrariamente um ponto de vista, mas encontra seu
lugar fixado de antemão” (p. 432).
Seguindo ainda GADAMER (2002), é importante que o leitor tome
consciência do lugar a partir do qual se aproxima do texto, pois apenas desta maneira
poderá identificar o que traz para esse processo de compreensão e o que é fornecido
pelo texto. Além disso, é a partir desse ponto de vista que faz a apreciação do que lê.
Assim, o autor afirma que:
Quem quiser compreender um texto está ( ...) disposto a deixar que ele
diga alguma coisa. Por isso, uma consciência formada
hermeneuticamente deve ser de antemão receptiva à alteridade do
texto. Essa receptividade não pressupõe, no entanto “neutralidade”
quanto à coisa, nem um anulamento de si próprio, incluindo a
apropriação seletiva das próprias opiniões e preconceitos. que se
ter uma consciência dos próprios pressupostos a fim de que o texto se
apresente a si mesmo em sua alteridade, de modo a possibilitar o
exercício de sua verdade objetiva contra a opinião própria (p. 76).
93
Assim, a partir do meu percurso profissional, apresento no capítulo
“Resultados I” como selecionei os artigos analisados neste trabalho. Em seguida, no
capítulo “Resultados II e discussão”, apresento minha análise do material em estudo,
de acordo com os temas e categorias que estabeleci, a partir de minha imersão nos
textos.
94
8. RESULTADOS I
A fim de contextualizar o material a ser analisado neste trabalho, estabeleci
oito categorias para classificar as 245 referências encontradas. Para tanto, tomei por
base a leitura dos títulos e, sempre que estavam disponíveis, também dos resumos.
Ainda que tenha sido um procedimento difícil, minha intenção é explicitar a
diversidade desse vasto material.
Quadro 1: Distribuição das 245 referências bibliográficas levantadas a partir do Medline, no
período 1993- 2005, através de busca às palavras: pesquisa e qualitativa e ética.
TEMA TOTAL PERCENTUAL
PRÁTICA PROFISSIONAL
78 31,8 %
OPINIÃO DOS PACIENTES
56 22,9 %
ETICA EM PESQUISA QUALITATIVA
35 14,3%
EPISTEMOLOGIA 19 7,8 %
MÉTODO 12 4,9 %
RELAÇÃO PROFISSIONAL PACIENTE
7 2,9 %
TRABALHO DAS COMISSÕES DE ÉTICA
EM PESQUISA
5 2,0 %
OUTROS
33 13,5%
TOTAL
245 100 %
O que foi incluído em cada categoria
No tema prática profissional”, apenas os profissionais de saúde são os
informantes. São discutidos a visão frente ao paciente, a formação profissional, os
dilemas éticos no exercício da profissão, entre outros aspectos.
No tema “opinião dos pacientes”, incluem-se todos os artigos nos quais os
informantes são os pacientes.
No tema relação profissional e paciente”, o objeto dos estudos é sempre a
relação e incluem-se os que ouvem os profissionais e os pacientes, ou apenas um
destes atores.
95
“Ética em pesquisa qualitativa” aborda especificamente a discussão dos
aspectos éticos presentes em pesquisas qualitativas.
No tema “epistemologia”, estão incluídos os artigos que tratam de aspectos da
produção de conhecimento em si, o lugar do pesquisador na pesquisa, a possibilidade
de generalizar os resultados da pesquisa qualitativa, entre outros aspectos.
Em método”, incluem-se artigos que discutem técnicas em pesquisas
qualitativas, tais como história de vida, observação participante, entrevistas, entre
outras.
Na categoria trabalho das comissões de ética em pesquisa”, estão
computados os artigos que discutem o trabalho desses comitês.
Como foram selecionados os artigos para análise
Frente aos objetivos estabelecidos neste trabalho, foram selecionados para
análise os artigos incluídos nos temas: “ética em pesquisa qualitativa”,
“epistemologia”, trabalho das comissões” e método”, o que somou um total de 71
artigos.
Desse total, foram excluídos 19 artigos, que se incluíam nas categorias
método e epistemologia, mas não traziam nem o termo “ética”, nem “ética em
pesquisa” entre suas palavras-chave. Mantive apenas alguns textos que não
apresentavam essas palavras-chave, com o intuito de preservar diferentes técnicas
utilizadas nas abordagens qualitativas, como a pesquisa na comunidade (STEIN e
MANKOWSKI 2004), a gravação de sessões de psicoterapia e posterior análise
(RAINGRUBER 2003), a utilização de diários de saúde (KELEHER e VERRINDER
2003) ou ainda o que me pareceu ser uma maneira diferente de ver os aspectos éticos
das pesquisas com grupos mais vulneráveis (DEGRUCHY e LEWIN 2001).
Todos os esforços foram realizados para localizar esses 52 artigos, que foram
selecionados para leitura na íntegra. A maioria foi facilmente localizada nas
publicações em que figurava. Apenas um deles foi solicitado diretamente ao autor,
que prontamente o enviou por e-mail, e dois foram localizados no site do periódico
NCEHR. Entretanto, 16 não foram localizados nem no Portal de periódicos CAPES,
nem através de solicitação à biblioteca da Faculdade de Saúde Pública/USP e,
96
portanto, foram excluídos. Restaram, então, 36 artigos para análise, cujas referências
encontram-se no Anexo 1.
Além destes, inclui 4 artigos que foram localizados em uma busca realizada
em 2003, também no MEDLINE (ética pesquisa qualitativa); mais 1 que localizei no
periódico Qualitative Health Research; outros 2, encontrados através da busca no
periódico Social Science and Medicine, e 1 último na Behavioral and Cognitive
Psycotherapy. As referências dos artigos que não foram localizados através do
Medline (1993- 2005, ética pesquisa qualitativa palavras) encontram-se no Anexo
2.
No total, foram então selecionados e localizados para leitura, na íntegra, 44
artigos. Após essa primeira leitura, dois foram excluídos porque não discutiam
pesquisa qualitativa em saúde - um (BIER e col, 1996) discutia pesquisa qualitativa,
pela Internet, em educação; outro (CHAITIN 2003) abordava pesquisa qualitativa em
situação de conflitos armados. Desta maneira, foram analisados 42 artigos.
Após a leitura dos primeiros 6, escolhidos aleatoriamente, senti a necessidade
de elaborar um modelo para sintetizar cada um deles, como pode ser observado no
Anexo 3.
Após leitura e síntese dos primeiros 24 artigos (que correspondem aos
primeiros 24 resumos apresentados no Anexo 3), escolhidos aleatoriamente,
começaram a emergir temas e categorias. A estratégia adotada, então, foi suspender a
leitura e síntese de cada artigo e iniciar o estabelecimento de um diálogo entre eles.
Identifiquei temas comuns e, dentro destes, as categorias que se apresentavam. Um
exemplo é o tema consentimento informado e, dentro dele, os diversos aspectos
abordados pelos diferentes autores. Durante o processo de inclusão do material
nestes temas e categorias, algumas vezes foi necessário voltar a ler o artigo na
íntegra, ou em parte, pois o resumo nem sempre foi suficiente para a classificação.
Ao final desse processo, li novamente todos os resumos para identificar se havia
aspectos que, embora fizessem parte dos temas e categorias, não tinham sido
incluídos, ou se existiam aspectos que justificariam o estabelecimento de novos
temas ou categorias. Quando necessário, foram feitas inclusões e criadas novas
categorias.
97
Uma primeira constatação é que, embora tenha havido a preocupação de criar
temas e categorias que, por um lado, comportassem o material e, por outro, fossem
mutuamente excludentes, foi inevitável a repetição do mesmo conteúdo em
diferentes temas e categorias, o que indica, a meu ver, que alguns aspectos são
intrínsecos, são parte essencial, tanto das questões éticas, quanto da própria
concepção de pesquisa qualitativa. Nessa medida, não seria adequado excluí-los de
nenhum dos temas. Um exemplo é que uma das características da pesquisa
qualitativa é a mudança social, que também é uma categoria importante de ser
mantida na apresentação do princípio da beneficência. Assim, a escolha por manter a
repetição de conteúdo em diferentes temas possibilita, em si, a constatação de que
nas pesquisas qualitativas, aspectos éticos e metodológicos estão ligados de maneira
intrínseca.
Após esta primeira classificação, retomei a leitura e síntese dos demais
artigos, que compõem o material em análise.
O processo de análise deste material foi marcado por idas e vindas aos
resumos e aos próprios artigos, sendo que os temas e as categorias foram
modificados diversas vezes.
O resultado apresentado a seguir teve como foco apresentar os aspectos éticos
das pesquisas qualitativas em saúde, a partir da visão dos pesquisadores que as
conduzem, tomando como amostra o conjunto de artigos selecionados.
98
9. RESULTADOS II E DISCUSSÃO ASPECTOS ÉTICOS DAS
PESQUISAS QUALITATIVAS EM SAÚDE: O QUE PENSAM OS
AUTORES DOS TEXTOS EM ANÁLISE
In a complex and fluid environment such as research, where the only certainty is
uncertainty, paradigmatic values rather than standards may become the glue for
ethics reviews.
Nelson e McPherson
Ethics are thus co-constructed within the interaction and cannot be thought
of as external to the research context.
Forbat e Henderson
O saber ético, tal como descrito por Aristóteles, não é evidentemente um saber
objetivo. Aquele que sabe não está diante de fatos que basta constatar, mas é
atingido diretamente por aquilo que ele conhece.
Gadamer
Neste capítulo estabeleço um diálogo entre os 42 artigos em análise neste
trabalho.
Existem vários aspectos éticos considerados por pesquisadores que adotam
abordagens qualitativas nas suas pesquisas em saúde. Alguns dialogam com o
principialismo para discutir como aplicá-los (LATVALA e col. 1998; BOSCHMA e
col. 2003; MOYLE 2002; USHER e HOLMES 1997; DICICCO-BLOOM 2000;
DAWSON e KASS 2005; JONES e col. 1995), e outros para questionar sua
aplicabilidade (BRUGGE e COLE 2003; CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002;
CLEMENTS e col. 1999; KYLMA e col. 1999; HOLLOWAY e WHEELER 1995;
ROBLEY 1995). também aqueles que colocam aspectos éticos que emergem de
suas práticas, de acordo com seu aporte teórico e metodológico (FORBAT e
HENDERSON 2003; STEIN e MANKOVISKI 2004; HÄGGMAN-LAITILA 1999;
BATCHELOR e BRIGGS 1994; JAMES e PLATZER 1999; PLATZER e JAMES
1997; SIXSMITH e col. 2003; HOFMAN 2004; SHAVER 2005; WARR 2004;
JOHNSON e CLARKE 2003; MURRAY 2003; PAAVILAINEN e col. 1998;
99
RICHARDS e SCHWARTZ 2002; HIGHET 2003; KELEHER e VERRINDER
2003; RAINGRUBER 2003; EVANS 1997; JEVNE e OBERLE 1993). E ainda, por
vezes, o pesquisador inicia levantando as dificuldades de aplicação do principialismo
a sua pesquisa e finaliza propondo uma outra abordagem (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002; NELSON e MCPHERSON 2004; HOEYER e col. 2005).
Podemos dizer, então, que a questão dos aspectos éticos, presente nestes
textos, é bastante complexa e diversificada. Sendo assim, trabalhei em um círculo
hermenêutico, iniciando pela leitura de cada artigo, buscando compreender a lógica
dos autores, identificando quais eram as questões éticas que elegiam para discussão e
como eram abordadas em suas pesquisas. Em seguida, percorri um processo de idas e
vindas aos resumos que elaborei e aos próprios artigos, buscando estabelecer um
diálogo entre os diferentes autores.
A partir de minha imersão nesse material, as regularidades foram surgindo;
havia questões que eram abordadas sistematicamente, embora os aspectos levantados
sobre elas nem sempre fossem os mesmos, e, ainda quando eram semelhantes, os
autores manifestavam opiniões muito diferentes sobre os temas. O processo de
construção destes e das categorias também seguiu esse movimento de idas e vindas,
o que me deu a sensação de que eles eram sempre provisórios, pois poderiam ser
modificados pelo meu retorno ao artigo ou pela construção de novos temas e
categorias que dessem conta, de maneira mais adequada, de preservar a riqueza e a
diversidade presentes no material em análise.
De alguma maneira, continuo com a sensação de que esse material permitiria
diversas outras análises. Era preciso, entretanto, optar por um recorte, entre os vários
possíveis.
Para a construção dos temas e categorias, mantive em mente meus objetivos:
identificar quais são os aspectos éticos apresentados por autores que adotam
abordagens qualitativas e quais deles se diferenciam das concepções apresentadas na
Resolução 196/96 CNS, para que, ao final, fosse possível concluir pela possibilidade
ou não de sua aplicação às pesquisas qualitativas em saúde.
Outro aspecto a explicitar é que o houve a preocupação com o número de
vezes que cada tema foi citado nos artigos, embora isso seja facilmente identificável
pelo leitor, pois as referências estão apresentadas entre parênteses. Entretanto, tive
100
também a intenção de apresentar argumentos que me pareceram importantes para a
discussão aqui proposta, ainda que tenham sido citados apenas uma única vez.
Lembro então THIOLLENT (1981), ao afirmar que “...a estratégia de ‘retardamento
da categorização’ ...não admite a criticável hipótese segundo a qual a importância de
um tema ou item no corpus depende apenas de sua freqüência (p.87)”.
Um exemplo é a discussão relativa à possibilidade de reprodução de um
estudo. Embora seja encontrada em apenas dois artigos, coloca-se como uma
especificidade da pesquisa qualitativa que a diferencia da outras tradições de
pesquisa.
Por outro lado, cabe o registro de alguns temas que foram discutidos em
vários artigos, entre eles: características da abordagem teórica e metodológica eleita
pelo autor do artigo, amostra, análise dos dados, divulgação dos resultados, a
consideração de que a pesquisa qualitativa é contextual e processual, a transparência
na apresentação do processo da pesquisa, aspectos éticos como intrínsecos às
questões metodológicas, consentimento, relevância do trabalho para os pesquisados,
importância de evitar prejuízos aos pesquisados e aos pesquisadores, relacionamento
entre pesquisador e pesquisado e necessidade de preparo do pesquisador para
manejar a relação com os pesquisados, durante e após o término do estudo.
Aponto ainda que um mesmo aspecto pode ser apresentado em mais de uma
categoria para, entretanto, ser relacionado a questões diferentes. Por mais que me
esforçasse, percebi a impossibilidade de excluir essas repetições, pois concluí que
não se tratava de um círculo vicioso, mas sim de um movimento espiral, pois, cada
vez que eu retornava a uma questão, abordava-a de uma maneira diferente.
Assim, optei por manter essa diversidade, apresentando as contradições, os
diferentes pontos de vista e estabelecendo um diálogo entre eles. Ao fazer essa
escolha, tenho em mente também a proposta de MORIN (2005) de trabalhar pelo
“bem pensar”, que compreende as diferenças como parte do complexo, mantendo-as
em diálogo em vez de excluir as divergências e buscar um pensamento linear. Se a
busca pelas certezas tivesse sido minha opção, seguramente este trabalho seria mais
linear e mais sintético, porém mais distante das discussões que vêm ocorrendo sobre
os aspectos éticos nas pesquisas qualitativas em saúde.
101
Ressalto ainda que, embora existam divergências, também preocupações
compartilhadas entre os vários autores, o que permite identificar um caminho para a
análise dos aspectos éticos que respeite as especificidades desta imensa diversidade
que está embutida nos termos “pesquisa qualitativa”.
Essa é outra questão que abordo nesta análise - o que os pesquisadores
consideram como características da pesquisa qualitativa, tendo em vista que esta
pode ser adotada pelas mais variadas categorias profissionais (como antropólogos,
sociólogos, psicólogos, enfermeiros, médicos entre outros), que assumem aportes
teóricos distintos (fenomenologia, construtivismo, entre outras), pautados em
paradigmas diversos, e que podem utilizar diferentes técnicas (como entrevista,
observação, história oral, entre outras). Os próprios teóricos que discutem pesquisa
qualitativa apontam a ausência de uma definição única e, como vimos, chegam a
afirmar que se trata de um campo de pesquisa em si.
Por essa razão, e por outra de igual importância, que é a relação intrínseca dos
aspectos éticos e metodológicos, pareceu-me fundamental iniciar explicitando as
características da pesquisa qualitativa apontadas pelos autores do material em
análise, evitando comparações com outras tradições de pesquisa.
Em seguida, apresento os temas e as categorias que emergiram, tendo em
vista os princípios de autonomia, justiça, beneficência e não maleficência, que regem
a Resolução 196/96. Saliento que esses princípios foram discutidos no capítulo 3, no
item 3.3; e retomados no capítulo 4, item 4.3.
Num terceiro momento, apresento quais são os aspectos éticos discutidos em
relação às pesquisas qualitativas em saúde que não considerei possível incluir na
lógica do principialismo, tais como: aspectos éticos intrínsecos aos aspectos
metodológicos, aspectos associados ao relacionamento entre pesquisador e
pesquisados e aspectos éticos relacionados aos diferentes momentos da pesquisa;
bem como as sugestões apresentadas aos comitês de ética.
O resultado é este capítulo que não tem como objetivo traçar uma diretriz,
mas que, justamente por sua complexidade, pode se constituir num subsídio
importante para a discussão dos aspectos éticos nas pesquisas qualitativas em saúde.
102
9.1 A pesquisa qualitativa
9.1.1 Diferença entre pesquisa e assistência
O que diferencia assistência e pesquisa é a intenção do profissional. Na
pesquisa, o objetivo é produzir conhecimentos que podem ser benéficos às pessoas
em geral, sendo que estes podem trazer ou não benefícios diretos para os
participantes da pesquisa. Na assistência, a intenção é beneficiar o indivíduo, ainda
que possa emergir um conhecimento desta prática (WILKIE 1997). Essa diferença é
descrita de maneira semelhante no Relatório Belmont.
9.1.2 Propósito da pesquisa qualitativa
O propósito da pesquisa qualitativa é aumentar o conhecimento de uma
questão através da interação e do diálogo (NELSON e MCPHERSON 2004).
Pretende-se substituir, assim, a autoridade do pesquisador em relação ao participante
por uma relação de diálogo multivocal (múltiplas vozes) e justo (HOFMAN 2004).
Nessa mesma direção, como vimos, o documento canadense (SSHWC 2004)
considera que as tradições de pesquisa em Ciências Sociais e Humanas enfatizam as
abordagens colaborativas, que visam partilhar os benefícios dos estudos e estabelecer
uma relação duradoura com o pesquisado, baseada na confiança e no respeito
mútuos.
As múltiplas vozes dos participantes devem ser descritas, contextualizadas e
relacionadas umas com as outras por uma terceira parte – o pesquisador (HOEYER e
col. 2005; HOFMAN 2004; PLATZER e JAMES 1997; JAMES e PLATZER 1999)
a quem cabe, ainda, ampliá-las, possibilitando que sejam ouvidas por pessoas que
exercem maior poder na sociedade (STEIN e MANKOWSKI 2004; HOFMAN
2004). Nesse sentido, trata-se de uma mediação interpretativa entre dois mundos
(PLATZER e JAMES 1997).
O foco central da maioria dos estudos feministas, por exemplo, é a busca pela
compreensão das necessidades dos outros (JEVNE e OBERLE 1993).
Com freqüência, a pesquisa qualitativa inclui entre seus propósitos a mudança
social, que pode se dar através da crítica e da revelação das narrativas subliminares
ao sistema de opressão (STEIN e MANKOWSKI 2004), do fortalecimento dos
103
indivíduos (JAMES e PLATZER 1999; HOFMAN 2004) e das comunidades (STEIN
e MANKOWSKI 2004; HOFMAN 2004).
As idéias que são desenvolvidas pelos pesquisadores surgem, portanto, dos
dados (HOLLOWAY e WHEELER 1995). A própria teoria é construída a partir
destes (NELSON e MCPHERSON 2004; KYLMÄ e col. 1999).
9.1.3 Pesquisa qualitativa e paradigmas
As abordagens qualitativas podem ser adotadas por pesquisadores que, em
seu esforço para descrever a realidade, pautam-se em diferentes paradigmas, os quais
incluem premissas epistemológicas, ontológicas e metodológicas (NELSON e
MCPHERSON 2004). Pode-se acrescentar, ainda, que os paradigmas incluem uma
hierarquia de valores (DENZIN e LINCOLN 2000).
Existem muitos rótulos para designar os grandes paradigmas, o que pode
levar a certa confusão. AVRAMIDIS e SMITH (1999) (apud NELSON e
MCPHERSON 2004) têm sistematizado esses rótulos, correlacionando-os às
abordagens qualitativas e quantitativas. Assim, para esses autores, o paradigma
positivista incluiria também o pós-positivismo experimental, o quase-experimental, o
correlacional e as abordagens quantitativas; o paradigma interpretativo incluiria o
construtivismo, a pesquisa naturalística, a fenomenologia, a hermenêutica, o
interacionismo simbólico, a etnografia e as abordagens qualitativas; o paradigma
crítico/advocacy incluiria a teoria crítica, o neo-marxismo, o feminismo, as
abordagens freireanas, a ação participativa e transformativa.
Embora existam diferenças importantes entre esses paradigmas, NELSON e
MCPHERSON (2004) consideram que não existe pureza para identificá-los, uma vez
que podem guardar alguns pontos semelhantes entre si. no caso da distinção entre
abordagens qualitativas e quantitativas, mais clareza, que pode ser adotada, então,
no contexto destes diferentes paradigmas. Assim, ainda que a classificação proposta
por AVRAMIDIS e SMITH (1999) seja útil, e mesmo que possa haver aspectos
comuns a diferentes paradigmas sendo mais fácil identificar as diferenças entre
abordagens qualitativas e quantitativas - concordo com NELSON e MCPHERSON
(2004) que é importante ter em mente que as abordagens qualitativas e quantitativas
104
podem ser utilizadas em diferentes paradigmas, não sendo específicas de nenhum
deles.
Essas considerações seguem a mesma direção do que foi discutido no capítulo
2 deste trabalho, no qual, apoiada em LINCOLN e GUBA (2000)
29
, apresento os
paradigmas agrupados em positivistas e interpretativos, uma vez que, embora sejam
diferentes, cada um destes grandes grupos guarda semelhanças entre si, e esse
agrupamento facilita a discussão.
9.1.3.1 Paradigmas positivistas e paradigmas interpretativos
Em uma perspectiva positivista, o investigador assume que uma realidade
única está aguardando para ser descoberta, sendo passível de ser desmembrada em
unidades pequenas, abordáveis em estudos independentes. O pesquisador se mantém
objetivamente separado daquilo que observa, busca a generalização das leis naturais,
a causalidade linear e uma investigação livre de valores, visando obter previsão e
controle sobre os eventos. Variações de desenhos experimentais e surveys compõem
as metodologias mais adotadas (NELSON e MCPHERSON 2004).
o paradigma interpretativo considera a existência de múltiplas verdades
dependentes dos contextos social, político e histórico, sendo que o significado
emerge desses contextos. O observador não se separa daquilo que observa, e os
eventos são moldados com reciprocidade, de maneira que as causas e os efeitos são
indistinguíveis. As questões de pesquisas envolvem investigações empíricas
sistemáticas, a partir de inúmeras abordagens e de perspectivas teóricas diferentes.
No paradigma interpretativo, os resultados buscam apresentar o ponto de vista dos
participantes, e o pesquisador se posiciona como um aprendiz. Não a preocupação
de excluir as ambigüidades, a complexidade e a relatividade da experiência
(NELSON e MCPHERSON 2004).
As abordagens qualitativas podem ser empregadas num paradigma positivista.
Quando isso ocorre, o mais pico é o pesquisador utilizar um roteiro de entrevista
determinado a priori, sendo essa técnica geralmente aplicada num local combinado,
fora do ambiente cotidiano do participante. NELSON e MCPHERSON (2004)
consideram que essa situação guarda semelhanças com o estudo de um peixe no
29
Estes autores também são citados nas referências de NELSON e MCPHERSON (2004).
105
formol embora seja possível determinar as suas especificidades anatômicas, não é
possível compreender a maneira como ele interage com seu ambiente, com outras
espécies, nem seus mecanismos de defesa. Assim, informações únicas e detalhadas
podem ser obtidas num estudo pautado no paradigma positivista; entretanto, elas
permanecem descontextualizadas.
Entretanto, entre os pesquisadores qualitativos tem alcançado ampla aceitação
a necessidade de examinar criticamente a tradição positivista à luz da compreensão
das iniqüidades que esse modelo produz e reforça (HOFMAN 2004).
9.1.3.2 Diversidade de paradigmas, de métodos e análise dos aspectos éticos
A diversidade de paradigmas coloca um debate central para a revisão ética
dos projetos de pesquisa.
Nessa medida, se necessária uma revisão diferente para cada paradigma
adotado. Este define, inclusive, a informação que o pesquisador terá disponível ao
enviar seu projeto de pesquisa para revisão ética. Assim, num paradigma no qual o
pesquisador define todos os procedimentos do estudo previamente, é possível enviar
ao comitê de ética um protocolo que os apresente; por outro lado, num paradigma em
que o participante é considerado o especialista em sua própria vida, e o desenho do
estudo vai se fazendo conjuntamente a ele, o pesquisador o pode, porque não sabe
previamente, apresentar ao Comitê de Ética em Pesquisa - CEP um projeto que
apresente todos os procedimentos a serem desenvolvidos. Se as normas de
funcionamento do comitê de ética não considerarem e respeitarem essa diferença,
nenhum projeto que opera fora do paradigma positivista será considerado com mérito
científico (NELSON e MCPHERSON 2004).
Como foi possível observar, encontramos discussão semelhante no
documento canadense (SSHWC 2004).
Como vimos no capítulo 2, GUBA e LINCOLN (1989) e LINCOLN e
GUBA (2000) também se preocupam em esclarecer paradigmas, e explicitam as
decorrências práticas de alguns dos principais deles. Cabe lembrar ainda a tabela
apresentada nesse capítulo, no qual os aspectos éticos são apresentados como
extrínsecos às pesquisas que operam num paradigma positivista e como intrínsecos
àquelas que adotam paradigmas interpretativos. Nessa mesma direção, também
106
KYLMÄ e col. (1999), que trabalham com aporte teórico na fenomenologia,
afirmam que a internalização do sistema de valores éticos é um dever do
pesquisador.
Nessa medida, é imperativo que qualquer revisão ética comece com uma
compreensão clara dos paradigmas da pesquisa e suas estratégias de inquérito e
metodologias específicas. A chave para a revisão ética emerge dessas perspectivas,
que são, por sua vez, o fundamento para todas as abordagens de pesquisa (NELSON
e MCPHERSON 2004).
Parece, pois, muito importante identificar o paradigma em que o pesquisador
trabalha e as implicações éticas que isso tem - quando o paradigma não considera a
relação entre conhecimento produzido e quem o produziu, quando o pesquisador visa
descobrir algo de maneira o mais asséptica possível, pode considerar que o mais
adequado é o fornecer informações corretas sobre o estudo ao pesquisado.
Colocam-se, assim, situações completamente diferentes para análise dos aspectos
éticos.
Compartilho também com a preocupação de NELSON e MCPHERSON
(2004), sobre a necessidade de esclarecer confusões relativas aos paradigmas e
métodos
30
que o pesquisador adota, pois, na falta dessa identificação clara,
estabelecem-se conflitos que poderiam ser evitados. Um deles é o discernimento
quanto ao lugar que o pesquisador ocupa no campo.
9.1.3.3 Paradigma e lugar do pesquisador
A falta de clareza do lugar do pesquisador pode levar ao que vem sendo
denominado conflito de papéis. Um exemplo é o conflito de papéis vivido por
determinados pesquisadores–enfermeiros e que foi abordado em quatro artigos
(HOLLOWAY e WHEELER 1995; ROBLEY 1995; JOHNSON e CLARKE 2003;
KYLMA e col. 1999). Em três deles (HOLLOWAY e WHEELER 1995; ROBLEY
1995; JOHNSON e CLARKE 2003), a análise desta situação parece confundir
paradigmas: embora os autores se identifiquem como trabalhando num paradigma
30
Como vimos no capítulo 2, autores como DENZIN e LINCOLN (2000) consideram que um
paradigma inclui quatro conceitos: hierarquia de valores (axiology), epistemologia, ontologia e
metodologia. Optei por me referir aos termos paradigmas e métodos, sem mencionar a relação entre
ambos, para salientar que uma falta de clareza sobre esta relação pode resultar em confusão.
107
interpretativo, suas questões expressam preocupações relativas ao paradigma
positivista (KYLMA e col. 1999).
De fato, observa-se com freqüência que o paradigma positivista pode ser
“teimoso” e permanecer influenciando o pesquisador, mesmo quando este se
identifica com outro paradigma (NELSON e MCPHERSON 2004). Isso ocorre em
especial no que se refere à neutralidade do pesquisador no campo da pesquisa.
É realmente necessário ter cuidado nesse aspecto, pois a clareza sobre o lugar
que ocupa no campo determina a consistência da pesquisa, pois informa, inclusive, as
respostas práticas que o pesquisador dará às questões colocadas pelos participantes, o
que tem repercussão metodológica e ética. É, portanto, essencial observar se o
pesquisador se coloca dentro ou fora do campo, se assume ou não sua interferência, o
papel da subjetividade na pesquisa –– tudo isso permitirá discriminar o que é do
pesquisador, o que foi construído durante o estudo e o que veio do participante.
Entretanto, ao discutir conflito de papéis e a necessidade de “obter dados
imparciais”, autores como JONHSON e CLARKE (2003) nos remetem à seguinte
questão: Em que paradigmas os pesquisadores estão operando? Pois a afirmação da
necessidade de “obter dados imparciais” supõe a isenção do pesquisador, a não
interferência, a observação neutra.
A preocupação de adequar-se à tradição positivista pode levar o pesquisador a
ignorar a existência do efeito de sua pessoa na pesquisa, sendo freqüente que não
busque auxílio para lidar com isso, talvez por ter internalizado a idéia de que esse
aspecto não é científico e, portanto, não pode ser conhecido (BACHELOR e
BRIGGS 1994).
Entretanto, mesmo na tradição positivista é preciso discutir a natureza
relacional do trabalho, pois não basta que o pesquisador tenha treinamento em
diferentes técnicas de coleta de dados; é necessário que saiba lidar com aspectos
éticos e com as questões emocionais que surgem durante o trabalho.
Por outro lado, HÄGGMAN-LAITILA (1999), adotando um paradigma
interpretativo, no qual assumidamente interpreta a realidade, salienta a importância
de o pesquisador perceber a si mesmo, para assim identificar suas semelhanças e
diferenças em relação ao outro. A autora se preocupa em como superar a visão do
pesquisador, durante a coleta e análise dos dados. De fato, sem estabelecer essa
108
discussão, fica difícil abordar as questões relativas ao conflito de papéis com a
devida profundidade.
Afinal, como o profissional não deixa de ser um técnico graduado ao se tornar
pesquisador, devesaber se localizar na pesquisa para responder às demandas dos
pesquisados e estar atento aos efeitos da participação deles, identificando a
necessidade de fornecer informações ou de fazer encaminhamentos. Considero que o
pesquisador não pode se esquivar dessa responsabilidade (BACHELOR e BRIGGS
1994), pois não seria ético recusar resposta aos pedidos de ajuda ou aconselhamento,
buscando manter neutralidade e objetividade (PLATZER e JAMES 1997).
Assim, ao valorizar a subjetividade do pesquisador como instrumento de
trabalho, os paradigmas interpretativos possibilitam que os aspectos éticos sejam
intrínsecos
31
à pesquisa, pois a subjetividade permite o julgamento entre o que é
certo e o que é errado; e não extrínsecos a ela, como nas investigações pautadas nos
paradigmas positivistas, que têm como proposta a exclusão da subjetividade.
9.1.4 Características, desdobramentos práticos e procedimentos da pesquisa
qualitativa
Apresento aqui as características das pesquisas qualitativas, tal como descritas
pelos autores dos artigos em análise.
9.1.4.1 Não prevê teste de hipótese
A pesquisa qualitativa não prevê teste de hipótese (HOEYER e col. 2005;
PLATZER e JAMES 1997; STEVENSON e BEECH 1998; HOLLOWAY e
WHEELER 1995; JEVNE e OBERLE 1993; NELSON e MCPHERSON 2004).
9.1.4.2 Pesquisa qualitativa e mudança social
Os resultados das pesquisas qualitativas devem levar a uma melhora nas
condições de vida dos pesquisados (WARR 2004; STEIN e MANKOWSKI 2004;
CLEMENTS e col. 1999; HOFMAN 2004; ROBLEY 1995; EVANS 1997;
PAAVILAINEN e col. 1998; SHAVER 2005; HOEYER e col. 2005; JEVNE e
OBERLE 1993; SSHWC 2004).
31
Conforme foi discutido no Capítulo 2.
109
A pesquisa social, na qual é possível adotar abordagens qualitativas, é
inerentemente politizada (CLEMENTS e col. 1999). O potencial da pesquisa
qualitativa está em sua habilidade de fortalecer grupos que o tradicionalmente
marginalizados na sociedade e para os quais falta poder econômico, social e político.
Os pesquisadores que adotam abordagens qualitativas e trabalham em comunidades
descrevem freqüentemente sua missão como sendo a de utilizar a abordagem
qualitativa para ajudar essas pessoas a descobrirem, criarem, darem voz a suas
histórias e ampliá-las para que os que exercem mais poder as escutem (STEIN e
MANKOWSKI 2004).
Com freqüência, o pesquisador qualitativo busca gerar mudanças sociais pela
revelação e crítica do sistema de opressão. Essas análises podem também ampliar a
consciência entre os membros dos grupos dominantes, motivando-os a dividir poder
ou modificar-se de alguma maneira. Entretanto, é preciso cuidar para que, ao
contrário de trabalhar pela mudança social, as pesquisas não acabem por legitimar e
perpetuar os valores expressos das classes dominantes (STEIN e MANKOWSKI
2004; HOEYER e col. 2005).
Essa preocupação também está presente em THIOLLENT (1981), que
acredita na possibilidade de um “...modelo de investigação que seja associado a uma
política orientada em direção à emancipação e, nem por isso, menos ‘científico” do
que o modelo convencional ligado ao poder vigente (p.131)”.
Tem sido discutido entre os antropólogos que, diante dos conflitos de
interesse, se os informantes com maior possibilidade de exercício de poder tiverem o
direito de decidir que tipo de pesquisa se conduzido, as Ciências Sociais
apresentarão apenas o que convêm às elites. As pesquisas que estudam o
funcionamento dos serviços de saúde são exemplos disso. Se os dirigentes das
instituições em foco concluírem que estas não funcionam bem e tiverem a
possibilidade de vetar a divulgação desse resultado, restarão, apenas, as pesquisas
que concluem pelo bom funcionamento dos serviços, o que preserva algumas pessoas
que estão no poder, em detrimento do interesse da comunidade (HOEYER e col.
2005).
São duas as estratégias próprias da pesquisa qualitativa para promover a
mudança social: auxiliar os desfavorecidos a ganhar poder para, assim, obter acesso
110
aos recursos e desmanchar as condições opressivas perpetuadas pelos que estão no
poder. A habilidade das abordagens qualitativas para facilitar a mudança social está
presente em todos os momentos do estudo (STEIN e MANKOWSKI 2004).
Entre os objetivos desse tipo de pesquisa pode-se incluir a identificação das
especificidades dos integrantes do grupo, demonstrando que o mesmo não é
homogêneo. Quando divulgado, esse conhecimento pode contribuir para diminuir
o estigma do grupo em estudo, como na situação dos profissionais do sexo
(SHAVER 2005).
É também uma obrigação moral estudar e divulgar a situação do atendimento
à saúde, em especial de grupos minoritários, como homossexuais. Retornar os
resultados que indicam uma prática profissional inadequada e ineficiente aos
profissionais que prestam assistência é uma questão ética central (JAMES e
PLATZER 1999).
A negociação entre pesquisador e comunidade onde se pretende realizar o
estudo pode resultar em mudança no planejamento e levar, inclusive, à própria
redefinição dos objetivos da pesquisa, que dessa maneira podem se tornar mais
concretos, imediatos e úteis. É importante que o pesquisador não apenas identifique o
problema e se retire em seguida, como também é fundamental a alocação de verba no
orçamento do estudo para atender às necessidades imediatas da comunidade em foco.
Além disso, ao desenhar a pesquisa visando esse atendimento, é possível aumentar a
relevância e a qualidade do trabalho científico (MILLER e RAINOW 1997).
Fortalecimento dos pesquisados
Os pesquisadores que adotam abordagens qualitativas almejam muitas vezes
o fortalecimento dos participantes (JAMES e PLATZER 1999; HOFMAN 2004) e
das comunidades em questão (STEIN e MANKOWSKI 2004; HOFMAN 2004).
De fato, alguns pesquisados se tornaram lideranças para futuros estudos e da
política de desenvolvimento no âmbito local (KELEHER e VERRINDER 2003).
Entretanto, é preciso cuidado, pois a participação na pesquisa pode tornar a
pessoa marginalizada mais vulnerável. Essa situação é discutida por JAMES e
PLATZER (1999), que identificam que os estudos com grupos vulneráveis, em
especial os homossexuais, pode ter os seguintes efeitos negativos: 1. aumentar a
111
consideração de que a homossexualidade é uma doença; 2. aprofundar o estigma
ligado a sua cultura; 3. perpetuar o status do homossexual enquanto um “fora da lei”;
4. convidar ao voyerismo; 5.expor mecanismos de proteção deste grupo; 6. identificar
os participantes (como resultados do que eles disseram); 7. apresentar de maneira
equivocada as opiniões dos participantes do estudo; 8. ignorar o macro contexto
(contexto político, social histórico).
Uma das maneiras de evitar esses efeitos negativos é a adoção pelo
pesquisador de atitudes reflexivas e de não-julgamento, pois estas são mais
favoráveis ao fortalecimento dos participantes (JAMES e PLATZER 1999).
Assim, observamos que é bastante presente entre os autores dos artigos em
análise que um dos objetivos da pesquisa qualitativa é a mudança social, realizada
para e pelos participantes, com a colaboração do pesquisador. Acrescenta-se ainda
que a emancipação da comunidade estudada pode ser considerada como um critério
de validade de estudos dessa natureza (LINCOLN e GUBA 2000).
9.1.4.3 A produção de conhecimento é contextualizada
Na pesquisa qualitativa é importante preservar o contexto (FORBAT e
HENDERSON 2003; STEIN e MANKOWSKI 2004; BATCHELOR e BRIGGS
1994; HOEYER e col. 2005; CLEMENTS e col. 1999; JAMES e PLATZER 1999;
HOFMAN 2004; SHAVER 2005; WARR 2004; JOHNSON e CLARKE 2003;
STEVENSON e BEECH 1998; KYLMÄ e col. 1999; JONES e col. 1995; GAULD
e MCMILLAN 1999; HIGHET 2003; HOLLOWAY e WHEELER 1995; ROBLEY
1995; RAINGRUBER 2003; JEVNE e OBERLE 1993; NELSON e MCPHERSON
2004).
O pesquisador adentra no ambiente da pesquisa e interage com os
participantes, sendo que o significado e a importância de seu estudo emergem dessa
interação (NELSON e MCPHERSON 2004). É possível compreender, assim, a
experiência de outra pessoa no seu contexto social, através do relacionamento
estabelecido durante a pesquisa (HOLLOWAY e WHEELER 1995; HÄGGMAN-
LAITILA 1999).
112
Pesquisadores feministas, por exemplo, consideram que existem múltiplas
realidades e que o ambiente em que a pesquisa é conduzida é crítico para os achados
(JEVNE e OBERLE 1993).
Em Ciências Sociais, a utilização de métodos qualitativos visa produzir um
conhecimento que é dependente do contexto, ou seja, relaciona-se com a natureza
contextualizada das crenças, valores e práticas humanas (WARR 2004).
Através de uma abordagem solidária, é possível conduzir pesquisas junto a
grupos desfavorecidos, ainda que tenham uma condição de vida muito diferente do
pesquisador. Os encontros entre o pesquisador e os participantes são situados e
corporificados, o que gera uma metodologia potencialmente poderosa para alcançar
insights sobre a experiência de vida das pessoas. É importante preservar o contexto e
o significado, pois estes podem ser perdidos ao se transformarem em dados de
pesquisa; um exemplo é a transcrição das gravações que não registram entonações de
voz, gestos, postura corporal etc (WARR 2004).
É importante que o pesquisador vivencie o campo, pois isso permite conhecer
aspectos que o são acessíveis através dos relatos dos participantes (sensação de
frio, medo da escuridão; maneira desrespeitosa como foram tratados pela polícia, etc)
e compreender de maneira contextualizada o conteúdo do material em análise
(WARR 2004).
Quanto mais os pesquisadores conhecem o contexto da pesquisa, mais
confiança podem ter nas técnicas de amostragem que elegeram e na validade do dado
obtido (SHAVER 2005). Essa imersão na comunidade também permite avaliar, no
decorrer do estudo, como a pesquisa está sendo percebida pela comunidade
(SIXSMITH 2003).
9.1.4.4 Desenho emergente
A pesquisa qualitativa tem caráter processual (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002; JAMES e PLATZER 1999; NELSON e MCPHERSON
2004), seu desenho é emergente (USHER e HOLMES 1997; STEVENSON e
BEECH 1998; ROBLEY 1995); ou seja, vai se delineando à medida que o estudo vai
sendo realizado. A emergência gradual do tópico da pesquisa em seus próprios
termos é uma estratégia teórica e metodológica (KYLMÄ e col. 1999). Desta
113
maneira, não é possível prever todos os procedimentos antes do início do trabalho
(USHER e HOLMES 1997; HÄGGMAN-LAITILA 1999; HOEYER e col. 2005;
JAMES e PLATZER 1999; RAINGRUBER 2003; STEVENSON e BEECH 1998;
KYLMÄ e col. 1999; GAULD e MCMILLAN 1999; ROBLEY 1995; NELSON e
MCPHERSON 2004).
A melhor descrição de pesquisa que utiliza um paradigma interpretativo é o
processo de idas e vindas entre as questões emergentes, o desenvolvimento do
desenho e da coleta de dados; tudo acontece simultaneamente e nada está
predeterminado (NELSON e MCPHERSON 2004). A natureza da pesquisa
qualitativa é sua flexibilidade, o uso de idéias inesperadas que surgem durante a
coleta de dados, os quais são focados nos sentidos e nas interpretações dos
participantes (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Na pesquisa fenomenológica, por exemplo, é comum que o exato foco da pesquisa
não seja limitado pela especificação prévia das variáveis a serem examinadas. A
direção se desenvolve ao longo do processo da coleta de dados (RAINGRUBER
2003). Aqui, o pesquisador busca a resposta para as perguntas que emergem dos
dados e, sendo assim, quem determina o que deve ser estudado são os
participantes (HÄGGMAN-LAITILA 1999).
De maneira semelhante, nos estudos que adotam a grounded theory, o
propósito da pesquisa guia o processo de coleta de dados. Os participantes podem
definir o problema a sua maneira e contar sua história sem serem direcionados pelo
pesquisador. Esses estudos têm natureza flexível, e a coleta e análise dos dados
ocorrem simultaneamente, o que possibilita que os objetivos do pesquisador mudem
de acordo com as informações recebidas (KYLMÄ e col. 1999).
De fato, o material que a pesquisa qualitativa elucida, como a observação
participante e as entrevistas abertas, é, por natureza, imprevisível (GAULD e
MCMILLAN 1999). Mais uma vez, um exemplo é a pesquisa fenomenológica, na
qual freqüentemente as entrevistas subseqüentes exploram as questões que
emergiram na primeira entrevista, tornando o conteúdo a ser investigado imprevisível
(USHER e HOLMES 1997). E há também as pesquisas que abordam temas sensíveis,
em que o sujeito pode ir emergindo gradualmente ao longo da entrevista
(PAAVILAINEN e col. 1998).
114
Em síntese, é da natureza da pesquisa qualitativa que surjam temas
inesperados durante a análise do material; portanto, no momento do consentimento e
da coleta de dados, o potencial uso destes pode não estar claro nem mesmo para o
próprio pesquisador (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
9.1.4.5 Tema em estudo e processo da pesquisa
No material aqui em análise estão presentes artigos que discutem pesquisas
com temas sensíveis, os quais podem ser definidos como aqueles que colocam
questões éticas e morais, bem como preocupações e problemas para o desenho da
pesquisa (JOHNSON e CLARKE 2003) que ameacem o participante e/ou o
pesquisador (KYLMÄ e col. 1999; PLATZER e JAMES 1997), ou ainda que têm
implicações não para os participantes, mas a possibilidade de repercutir
socialmente (JOHNSON e CLARKE 2003). Entretanto, é freqüente que a
sensibilidade do tema esteja mais associada com a relação entre o tópico e o
contexto, do que a cada um deles isoladamente (KYLMÄ e col. 1999).
Entre os tópicos delicados podemos incluir: HIV/AIDS (JOHNSON e
CLARKE 2003; KYLMÄ e col. 1999), dor crônica em idosos, morte (JOHNSON e
CLARKE 2003), sofrimento e luto (JONES e col. 1995), doença terminal
(JOHNSON e CLARKE 2003; JONES e col. 1995), doentes mentais (JOHNSON e
CLARKE 2003; STEIN e MANKOWSKI 2004; LATVALA e col. 1998; USHER e
HOLMES 1997; MOYLE 2002), deficientes mentais (CLEMENTS 1999), gays e
lésbicas (PLATZER e JAMES 1997; JAMES e PLATZER 1999; DEGRUNCHY e
LEWIN 2001; PERRY e col. 2004), usuários de drogas (HOFMAN 2004),
profissionais do sexo (SHAVER 2005; WARR 2004), famílias que abusam de
crianças (PAAVILAINEN e col. 1998), sobreviventes do Holocausto (STEIN e
MANKOWSKI 2004) e adolescentes que têm um dos pais que abusam de álcool
(MURRAY 2003).
9.1.4.6 Pesquisador é um aprendiz
Na pesquisa qualitativa, o pesquisador está engajado na questão em foco
como um aprendiz e não como um especialista que predetermina o enquadre do
115
estudo, a seleção e definição das variáveis e o processo de amostragem (NELSON e
MCPHERSON 2004).
9.1.4.7 A subjetividade do pesquisador é o instrumento privilegiado da pesquisa
O tradicional distanciamento total do pesquisador do objeto de seu estudo, a
objetividade, não é possível nem desejável na pesquisa qualitativa (PERRY e col.
2004; WARR 2004; PLATZER e JAMES 1997; STEIN e MANKWISKI 2004;
JEVNE e OBERLE 1993). A pessoa do pesquisador é o instrumento para estabelecer
relações humanas (PLATZER e JAMES, 1997), sendo que o processo de pesquisar o
envolve de maneira direta (STEIN e MANKOWSKI 2004). Como sujeito
socialmente engajado, mais do que um observador neutro, ele também é um
participante do estudo (WARR 2004) e se coloca ao lado dos outros participantes
para ajudá-los a descobrir suas vozes e a serem ouvidos pelas pessoas que exercem
mais poder (STEIN e MANKWISKI 2004).
A completa objetividade é considerada como problemática devido ao
relacionamento próximo entre pesquisador e participante que ocorre na pesquisa
qualitativa. O primeiro deve ser capaz de se colocar no lugar de seus informantes,
pois isso ajuda a estabelecer um rapport, que é importante nesse tipo de abordagem
(HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Além disso, nas pesquisas sobre temas sensíveis não cabe a valorização da
neutralidade, pois o fato de ser insider aumenta a possibilidade de o participante falar
abertamente de si (PLATZER e JAMES 1997; PERRY e col. 2004).
As implicações metodológicas de uma postura mais objetiva são
freqüentemente discutidas na literatura, sendo amplamente aceito que os
pesquisadores não podem descartar sua própria subjetividade enquanto pesquisam. É
impossível se engajar na vida dos outros a partir de uma posição de objetividade e
neutralidade (WARR 2004). Por isso, é um aspecto ético importante que a pessoa do
pesquisador entre em cena (JAMES e PLATZER 1999; PERRY e col. 2004), como
também se constitui num aspecto metodológico significativo, pois são coletados
dados melhores sobre a experiência pessoal dos participantes quando com eles é
estabelecido um relacionamento aberto e recíproco (PLATZER e JAMES 1997;
PERRY e col. 2004). Ao contrário, a completa objetividade ou distanciamento pode
116
levar a uma coleta de dados mais pobre (BATCHELOR e BRIGGS 1994; PERRY e
col. 2004).
Assim, com suas crenças e valores, a pessoa do pesquisador influi em seu
trabalho, o sendo possível que se coloque em suspensão para alcançar a chamada
objetividade. Por isso, é fundamental que se apresente, bem como esclareça o lugar
que ocupa na pesquisa e como lidou com os dilemas éticos que surgiram durante a
mesma (JAMES e PLATZER 1999).
Em síntese, nas pesquisas qualitativas fundamentadas em paradigmas
interpretativos a neutralidade não é considerada como necessária; ao contrário, a
subjetividade é vista como um instrumento privilegiado do pesquisador. A
preocupação é que este exerça a reflexividade (LINCOLN e GUBA, 2004; STEIN e
MANKOWSKI 2004; HOFMAN 2004; RICHARDS e SCHWARTZ 2002), estando
atento a seus sentimentos e tendo clareza do que ele traz para o campo, para que
possa analisar adequadamente o material que emerge.
O pesquisador precisa identificar e descrever seu próprio ponto de vista em
cada fase do processo da pesquisa (HÄGGMAN-LAITILA 1999).
A pesquisa qualitativa está fundamentalmente relacionada à interpretação, por
isso é crucial reconhecer o papel do pesquisador na geração e análise dos dados, e
manejar adequadamente seu distanciamento e seu envolvimento com os pesquisados
(PERRY e col. 2004).
Balanço entre subjetividade e objetividade
O pesquisador deve refletir sobre como o balanço entre subjetividade e
objetividade foi manejado no estudo (KYLMÄ e col. 1999; HOLLOWAY e
WHEELER 1995). Isso envolve auto-avaliar-se enquanto instrumento de coleta e
análise dos dados (KYLMÄ e col. 1999).
As diferenças entre o pesquisador e o participante precisam ser claramente
examinadas (ROBLEY 1995), pois, quando o primeiro interpreta os relatos, é
necessário que busque entender a perspectiva do participante (WARR 2004). Por
isso, citar diretamente os relatos deste é uma necessidade absoluta (HÄGGMAN-
LAITILA 1999; JAMES e PLATZER 1999).
117
Outros autores (PERRY e col. 2004) discutem como trabalhar com o
envolvimento e distanciamento na relação entre pesquisador e pesquisado e, para
isso, valorizam o trabalho da equipe ao discutir o processo de geração e análise dos
dados. Para eles, a vantagem disso está em não considerar a objetividade possível,
nem se referir a um balanço entre objetividade e subjetividade, mas a uma mistura
entre envolvimento e distanciamento, em todas as etapas da pesquisa, que podem ser
beneficiadas por uma compreensão a partir do ponto de vista de um insider, discutida
com níveis de distanciamento. Para isso, a equipe da pesquisa deve dar suporte ao
pesquisador que vai a campo, propiciando a reflexividade.
A pesquisa fenomenológica: a interpretação e a necessária identificação e
explicitação do ponto de vista do pesquisador
Na pesquisa fenomenológica, o pesquisador assume que só pode compreender
e interpretar as experiências das outras pessoas a partir do seu ponto de vista. A
compreensão requer interpretação. Estudar a experiência humana não se relaciona à
produção de novo conhecimento, mas à interpretação dessa experiência, que foi
compreendida pela pessoa de uma dada maneira (HÄGGMAN-LAITILA 1999).
Nesse sentido, adotar um ponto de vista significa que o objetivo da pesquisa é
abordado a partir de uma disciplina particular e de um pesquisador específico, que
determina os conceitos preliminares utilizados, o que se sabe sobre o objeto de
estudo e como a observação é definida. Identificar e compreender o próprio ponto de
vista cria a possibilidade de uma nova compreensão, um novo ponto de vista
(HÄGGMAN-LAITILA 1999) e de discriminar o pensar do outro (STEIN e
MANKOWSKI 2004; HÄGGMAN-LAITILA 1999). O pesquisador deve conhecer e
trabalhar os preconceitos e equívocos referentes ao grupo em estudo ou sobre o
fenômeno que deseja estudar (MURRAY 2003).
Nessa mesma direção, THIOLLENT (1981) ressalta a importância de que o
pesquisador explicite os pressupostos da questão em estudo. Como exemplo, cita a
necessidade de discutir a relação entre a noção sociológica de marginalidade, e as das
teorias pseudocientíficas ou as representações de determinadas classes sociais.
118
Impossibilidade de repetir o estudo
Como a realização de um estudo qualitativo está sempre ligada à pessoa do
pesquisador, alguns consideram que ele não pode ser abordado da mesma maneira
por outro estudioso (HÄGGMAN-LAITILA 1999).
Assim, em vez de ser reprodutível, as pesquisas qualitativas devem ser
passíveis de auditoria, de maneira que qualquer pesquisador possa compreender e
seguir claramente o caminho de tomada de decisões e da coleta e análise dos dados
(GAULD e MCMILLAN 1999).
9.1.4.8 Transparência dos procedimentos da pesquisa
O pesquisador deve apresentar claramente seu processo de trabalho, para que
o leitor compreenda como chegou à determinada conclusão, a partir do material em
análise (FORBAT e HENDERSON 2003; STEIN e MANKOWSKI 2004;
HÄGGMAN-LAITILA 1999; JAMES e PLATZER 1999; HOLLOWAY e
WHEELER 1995; HAGGMAN-LAITILA 1999), e para explicitar como o respeito
aos direitos e responsabilidades pode ser identificado no desenho, na realização e na
divulgação dos resultados da pesquisa (JAMES e PLATZER 1999).
O foco no processo pode ajudar a explicitar as complexas escolhas de
metodologia, os papéis inerentes e as conexões entre pesquisa qualitativa e mudança
social (STEIN e MANKOWSKI 2004).
É uma obrigação moral do pesquisador apresentar o caminho que seguiu para
chegar às interpretações; para isso, deve refletir sobre si mesmo e sobre seu próprio
desenvolvimento moral (JAMES e PLATZER 1999).
Não é aceitável que os pesquisadores realizem seus projetos em instituições
que não respeitam os direitos humanos, sem fazer nenhuma denúncia sobre isso, e,
ao apresentar os resultados, não informem as condições da instituição (CLEMENTS
e col.1999).
9.1.4.9 Critérios de qualidade da pesquisa qualitativa
A qualidade dos dados
A qualidade dos dados coletados na pesquisa está intimamente relacionada à
qualidade do relacionamento estabelecido entre o pesquisador e o pesquisado
119
(CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; BATCHELOR e BRIGGS 1994; SIXSMITH
e col. 2003; SHAVER 2005; MURRAY 2003; HIGHET 2003; PERRY e col. 2004).
Depende, ainda, da qualidade da discussão entre as duas partes e de sua compreensão
sobre o tema. Por isso, é importante que a coleta e a análise dos dados sejam feitas
pelo mesmo pesquisador (HÄGGMAN-LAITILA 1999).
O pesquisador deve estabelecer uma relação de confiança, manter um equilíbrio
entre objetividade e escuta empática e adotar uma postura de não julgamento, que
é essencial para a coleta de dados significativos (USHER e HOLMES 1997).
Melhores dados sobre a experiência pessoal são coletados quando o
pesquisador estabelece um relacionamento aberto e recíproco com os participantes
(PLATZER e JAMES 1997; PERRY e col. 2004). Ao contrário, o fechamento do
pesquisador possivelmente contribui para o fechamento do participante, o que resulta
em dados mais pobres, menos detalhados, que podem resvalar para o “politicamente
correto”, ou seja, para o que o participante considera o padrão aceitável, falando
aquilo que imagina que o pesquisador espera ouvir (BATCHELOR e BRIGGS
1994).
Acrescenta-se ainda que a qualidade dos dados coletados reflete diretamente
os caminhos pelos quais o pesquisador manejou a difícil relação entre insiders e
outsiders, em especial durante o recrutamento dos participantes (SIXSMITH e col.
2003).
Tendo em vista que a qualidade da relação entre pesquisador e pesquisado é
determinante para a qualidade dos dados obtidos, observa-se que, ao trabalhar nesse
sentido, aprimoraram-se também os cuidados éticos (SHAVER 2005).
Outro aspecto a considerar é a dificuldade de garantir a validade dos dados se
o pesquisador não está familiarizado com a linguagem e a cultura da comunidade
estudada. Não é apenas uma questão de contratar um intérprete ou pessoas para fazer
transcrições, ou ainda a preocupação não se restringe a não ofender os participantes.
O ponto central é que a cultura informa o contexto para interpretar os dados
(MILLER e RAINOW 1997).
120
Qualidade da pesquisa qualitativa
As abordagens qualitativas requerem padrões rigorosos, mas que não são os
padrões usuais da ciência (GAULD e MCMILLAN 1999; JEVNE e OBERLE 1993).
Um estudo qualitativo bem desenhado será confiável, de valor comparativo e
passível de auditoria (GAULD e MCMILLAN 1999). Assim, não se deve julgá-lo de
acordo com os parâmetros da pesquisa quantitativa, mas por um conjunto alternativo
de padrões.
Dois trabalhos, um elaborado por BECK e outro por POPAY e col., ambos
citados por GAULD e MCMILLAN (1999), propõem os seguintes critérios de
qualidade, alguns anteriormente citados: 1. os resultados da pesquisa qualitativa
devem ser confiáveis. A questão chave é se o desenho vai permitir informações ricas,
capazes de descrever de maneira confiável, acurada e em profundidade o fenômeno
em estudo, e se o desenho é responsivo às mudanças nas circunstâncias dos
participantes e às questões que surgem no mundo real dos contextos sociais. Os
pesquisadores podem empregar uma combinação de métodos qualitativos, como
entrevistas, grupos focais, observação, para assegurar a credibilidade dos resultados,
e podem, sempre que apropriado, confirmar os resultados da pesquisa com os
participantes. 2. Em vez de buscar a generalização, o pesquisador qualitativo e seus
revisores podem questionar se os resultados combinam com outros resultados de
pesquisa. Pode-se buscar a comparação e o contraste e, no máximo, estabelecer um
corpo de conhecimento sobre um caso específico que pode ser comparado
futuramente com outro estudo de caso. 3. Em vez de ser reprodutível, as pesquisas
qualitativas devem ser passíveis de auditoria, de maneira que qualquer pesquisador
possa compreender e seguir claramente o caminho de tomada de decisão e a coleta de
dados que foi realizada. Os revisores devem garantir que a pesquisa seja
documentada claramente como um processo: o racional e as decisões tomadas devem
estar registrados; os dados, organizados de maneira coerente e transparente; o uso de
informações de diferentes fontes, claramente justificado e explicado; as abordagens
utilizadas devem ser reconhecidas e aceitas.
Acrescenta-se que a adoção de uma abordagem reflexiva, na qual o papel do
self e da subjetividade no processo da pesquisa é colocado sob escrutínio crítico e
121
explícito, tem sido considerada como critério de qualidade da pesquisa qualitativa
(PERRY e col. 2004).
A boa pesquisa é aquela que coloca novas questões e descobre relações não
explícitas. O pressuposto é de que existem múltiplas vozes que devem ser descritas
por uma terceira parte, para contextualizá-las e relacioná-las umas com as outras
(HOEYER e col. 2005).
Desenvolver estratégias para validar os dados coletados é o primeiro desafio
em pesquisas com pessoas “escondidas” (SHAVER 2005). São pessoas de difícil
acesso, que freqüentemente se esquivam de contatos com desconhecidos e, por
realizar práticas ilícitas (uso de drogas, furtos), ou recriminadas (homossexuais),
mesmo quando aceitam fornecer informações para pesquisa (quando a participação é
paga, por exemplo), podem prestar informações que não correspondem ao que
vivenciam e pensam. Assim, nesses casos, é um desafio para o pesquisador
identificar quando os dados são válidos ou não.
NELSON e MCPHERSON (2004) salientam que “a precisão e o rigor da
pesquisa determinam a riqueza do texto e das observações num contexto fluido”
(p.16).
Cabe lembrar os critérios de validade propostos por LINCOLN (apud
LINCOLN e GUBA 2000, p. 182), que tinha a intenção de reunir aspectos éticos e
epistemológicos. A autora identificou sete critérios de validade ou autenticidade:
posição ou ponto de vista, julgamentos; discurso específico da comunidade e locais
de pesquisa como juízes de validade; voz, ou em que medida um texto é multivocal;
subjetividade crítica (ou o que vem sendo denominado reflexividade); reciprocidade,
ou em que medida o relacionamento na pesquisa se torna recíproco e não
hierárquico; sacralidade, ou a profunda preocupação sobre como a ciência pode (e
deve) contribuir para o florescimento humano; e o compartilhamento dos privilégios
que aumentam pela posição do pesquisador na universidade.
Creio que esses critérios de validade ou autenticidade expressam bem o fato
de a ética ser intrínseca a esses paradigmas de pesquisa, o que, simultaneamente
aumenta o rigor desta.
122
9.1.4.10 Diversidade de técnicas no mesmo estudo
Baseado na tradição etnográfica, o pesquisador pode analisar os dados obtidos
através de diferentes maneiras, como: entrevistas, conversas informais e diário de
campo, pois isso proporciona um enquadre contextual mais amplo, que colabora na
compreensão e análise dos dados (HIGHET 2003; GAULD e MCMILLAN 1999).
É importante um acompanhamento contínuo dos dados coletados, com outras
técnicas, como as notas de campo e as transcrições (HOLLOWAY e WHEELER
1995).
9.1.4.11 Participante tem papel ativo na tomada de decisões
O lugar do participante na pesquisa
A pesquisa qualitativa não torna o participante um objeto (JEVNE e
OBERLE 1993; PERRY e col. 2004; NELSON e MCPHERSON 2004). Pelo
contrário, ele é o especialista em sua própria experiência (SIXSMITH e col. 2003;
HIGHET 2003) e pode ser considerado um conselheiro do pesquisador durante a
coleta e análise dos dados (ROBLEY 1995).
A pesquisa é amplamente compreendida como um processo colaborativo e
interativo; por isso, as pessoas que relatam suas experiências são denominadas
participantes, o que expressa seu papel ativo em todo o processo (HOFMAN 2004;
WARR 2004; NELSON e MCPHERSON 2004). É, portanto, desejável que os
participantes se tornem parceiros do pesquisador (HOLLOWAY e WHEELER
1995).
Assim, o termo empregado para designar o pesquisado está relacionado ao
lugar atribuído a ele pelo pesquisador, aspecto discutido por SCHMIDT (2003),
como vimos no capítulo 6 deste trabalho, bem como pelo documento canadense
(SSHWC 2004).
Quem toma as decisões sobre a pesquisa
As decisões sobre a pesquisa freqüentemente são tomadas conjuntamente pelo
pesquisador e o pesquisado (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; CLEMENTS e
col. 1999; SIXSMITH e col. 2003; HOFMAN 2004; RICHARDS e SCHWARTZ
2002), que negociam seus aspectos éticos (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002;
123
RICHARDS e SCHWARTZ 2002). Mesmo a decisão sobre se a pessoa tem
condições de consentir e de participar no estudo pode ser tomada conjuntamente
(USHER e HOLMES 1997).
9.1.5 O processo da pesquisa
9.1.5.1 Seleção dos participantes
A definição dos participantes do estudo é uma questão bastante discutida nos
artigos analisados. Segundo vários autores, a amostra deve incluir pessoas da
comunidade, que tenham os mais diversos pontos de vista (STEVENS 1993;
SIXSMITH e col. 2003), e o recrutamento o deve ser aleatório, mas deve buscar
representar diferentes segmentos dentro da população em estudo (PLATZER e
JAMES 1997). A amostra deve ser representativa da população estudada (PLATZER
e JAMES 1997); e precisa ser grande o suficiente para alcançar a saturação,
momento no qual o conteúdo começa a se repetir (STEVENS 1993; SIXSMITH e
col. 2003).
Em pesquisas sociais, obter uma amostra não significa, simplesmente,
recrutar pessoas. Trata-se de uma complexa ação social para ganhar acesso à
comunidade em si. Estabelece-se um processo no qual ora os pesquisadores de fora
(outsiders) ocupam as mesmas posições sociais dos de dentro (insiders), ora ocorre o
inverso. Nessa medida, ao mesmo tempo em que cuida das relações sociais, o
pesquisador lida também com suas impressões pessoais (SIXSMITH e col. 2003).
É importante o manejo da relação entre os insiders e os outsiders, o que tem
implicações éticas e metodológicas, pois o fato de os pesquisadores serem insiders
pode facilitar que as pessoas aceitem participar da pesquisa (PLATZER e JAMES
1997). Numa pesquisa com homossexuais, por exemplo, se o pesquisador informasse
aos possíveis participantes sua orientação homossexual, isso possivelmente
incentivaria a participação e facilitaria o estabelecimento de uma relação de
confiança (PLATZER e JAMES 1997; PERRY e col. 2004).
Quanto mais os pesquisadores conhecem o contexto da pesquisa e das pessoas
nele inseridas, ou seja, quanto mais esimerso no campo, mais confiança pode ter
nas técnicas de amostragem que elegeu e na validade do dado obtido (SHAVER
2005), e estará em melhor condição para identificar os grupos marginalizados,
acessá-los e incluí-los no estudo (SIXSMITH e col. 2003).
124
A familiaridade com a comunidade em estudo, particularmente se esta for
culturalmente diferenciada, como aborígines em comunidades remotas, é
fundamental. Para uma adequada seleção dos informantes, é preciso ter um cuidado
especial com o sistema de parentesco, indicadores demográficos padronizados, e
ainda acesso a fatores como a opção religiosa e o uso de substâncias (MILLER e
RAINOW 1997).
É também considerado um aspecto ético e metodológico a seleção de
participantes que precisam ser ouvidos: mulheres, minorias, crianças, analfabetos e
os de menor status pessoal ou profissional. A responsabilidade social chama a
atenção para a diversidade (ROBLEY 1995). Como vimos no item “qualidade da
pesquisa qualitativa”, um dos critérios de validade ou de autenticidade é a
polivocalidade; ou seja, a inclusão de pessoas com os mais diversos pontos de vista
na composição da amostra (LINCOLN, apud LINCOLN e GUBA 2000).
A técnica da “bola de neve” é muito usada em pesquisas que abordam
questões sensíveis e nas quais o grupo de estudo é considerado escondido, desviante
ou raro (PLATZER e JAMES 1997). Constitui-se, às vezes, na única possibilidade
para recrutar pessoas vulneráveis, pois a segurança é intrinsecamente construída na
montagem da amostra (SIXSMITH 2003).
Em alguns estudos, por exemplo com homossexuais, não é possível definir
estatisticamente uma amostra, pois gays e lésbicas nem sempre se identificam, o que
não permite conhecer o tamanho desse grupo. Quando a amostragem probabilística
convencional não é possível, este método alternativo o bola de neve” - pode
resultar em amostras representativas da população, sendo então considerado
científico porque é explícito e replicável. E pode ser considerado válido quando não
teste de hipótese, mas a proposta é explorar amplamente e analisar (PLATZER e
JAMES 1997).
Porém, apesar de suas qualidades, esse método pode levar a amostras
viciadas. Para evitar que isso aconteça, deve partir de fontes diferentes (PLATZER e
JAMES 1997; KYLMÄ e col. 1999), e pode ser complementado com outras
estratégias para acessar a comunidade, como anúncios e questionários (SIXSMITH
2003).
125
As duas principais dificuldades para compor a amostra, segundo SHAVER
(2005), são: pessoas que se recusam a participar ou oferecem respostas não
confiáveis para proteger sua privacidade; ou pessoas que dizem o que acreditam ser o
esperado pelo pesquisador. Assim, desenvolver estratégias para validar os dados
coletados é o primeiro desafio em pesquisas com pessoas “escondidas”, como os
profissionais do sexo, por exemplo. Um caminho para superar essas dificuldades
pode ser o estabelecimento de uma parceria com uma organização da comunidade.
Isso permite que os pesquisadores ofereçam aos participantes a possibilidade de
escolher quem seria seu entrevistador: um estudante ou um profissional do sexo; um
homem ou uma mulher (SHAVER 2005).
Discussões prévias com informantes chaves podem também colaborar para
assegurar que as decisões tomadas sobre o recrutamento sejam éticas e justas para os
potenciais participantes (HIGHET 2003).
O recrutamento tem implicações éticas importantes, uma vez que, em estudos
sobre temas delicados, como abuso de crianças, pode não ser fácil identificar os
participantes, e os que aceitam são os que assumem sua situação e estão preparados
para falar. Assim, estabelecidos os critérios de inclusão, o pesquisador deve segui-los
e aceitar todos que quiserem fazer parte do estudo. A voluntariedade nessas situações
é especialmente importante; o fato de o pesquisador mostrar que sabe, por
exemplo, que abuso de criança numa família pode ter graves conseqüências, caso
esse tema seja compartilhado precipitadamente, ou seja, antes que a própria família
esteja preparada para falar sobre essa situação (KYLMÄ e col. 1999).
O que pode motivar a pessoa a participar de uma pesquisa
A crença de que sua contribuição poderá ajudar outras pessoas
(BATCHELOR e BRIGGS 1994; STEIN e MANKOWSKI 2004; WILKIE 1997), a
possibilidade de colaborar com a humanidade (LATVALA e col. 1998; STEIN e
MANKOWSKI 2004), colaborar com a produção de conhecimento (WILKIE 1997),
ou ainda para receber os cuidados de uma determinada equipe (WILKIE 1997) são
apontados como fatores importantes que influenciam a decisão de participar de uma
pesquisa.
126
É interessante observar que as pessoas que realmente decidem fazer parte do
estudo se tornam, freqüentemente, colaboradores do investigador (LATVALA e
col.1998).
Mas existem diferenças na maneira como os pesquisadores e os participantes
entendem essa inclusão. Quando são pessoas pobres, e a participação for
remunerada, aceitá-la pode demonstrar responsabilidade com as crianças e com a
casa (HOFMAN 2004). Outras podem decidir participar para não desapontar a
equipe que lhes presta assistência (WILKIE 1997; RICHARDS e SCHWARTZ
2002). os pacientes raramente se recusam a participar, pois consideram que
dependem da boa vontade dos profissionais que lhes prestam assistência e que, nesse
momento, estão propondo uma pesquisa (HOLLOWAY e WHEELER 1995). Por
essa razão, HOLLOWAY e WHEELER (1995) sugerem que os profissionais de
saúde não devem estudar pessoas diretamente sob seus cuidados.
Nessa mesma direção, caberia ponderar se a realização da pesquisa exige que
o participante esteja internado, pois se isso for apenas uma facilidade para o
pesquisador, seria importante rever essa estratégia, uma vez que durante a internação
a pessoa está mais fragilizada do que quando está em seu ambiente e no seu ritmo de
vida usual.
9.1.5.2 A relação entre pesquisador e pesquisado
O pesquisador que adota abordagens qualitativas tem freqüentemente como
postura escutar as histórias de maneira aberta e acolhedora (MURRAY 2003), sem
fazer julgamentos (KYLMÄ e col. 1999).
O conteúdo, o processo, o método usado e os aspectos éticos não podem ser
separados uns dos outros e nem da relação estabelecida entre pesquisador e
pesquisado (KYLMÄ e col. 1999).
Cabe ressaltar que essa relação é multidimensional e determinante dos
caminhos da pesquisa (HOFMAN 2004). Um dos aspectos que pode afetá-la e,
portanto, precisa ser considerado é o pagamento para que a pessoa participe do
estudo, que pode ser visto como um tratamento cruel por alguns, já que pode
significar aceitar contar sua história de vida em troca de dinheiro (HOFMAN 2004).
127
Existe a concepção de que a relação entre o pesquisador e o participante é
uma relação entre estranhos, o que justificaria uma ética individualista. Porém, isso
não ocorre na pesquisa participante, baseada na comunidade (BRUGGE e COLE
2003).
Relacionamento próximo
Como foi mencionado, é essencial estabelecer um relacionamento próximo
entre pesquisador e pesquisado (MOYLE 2002; KYLMÄ e col. 1999; CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002, USHER e HOLMES 1997; HÄGGMAN-LAITILA 1999;
HOLLOWAY e WHEELER 1995; KELEHER e VERRINDER 2003; JAMES e
PLATZER 1999; BRUGGE e COLE 2003), baseado na confiança (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002; USHER e HOLMES 1997; SIXSMITH e col. 2003;
HOFMAN 2004; JOHNSON e CLARKE 2003; MURRAY 2003; KYLMÄ e col.
1999; PAAVILAINEN e col. 1998; HIGHET 2003; HOLLOWAY e WHEELER
1995; ROBLEY 1995; RAINGRUBER 2003; PERRY e col. 2004), e que pode ser
duradouro (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002).
Diante dessas características, é um aspecto ético importante que a pessoa do
pesquisador entre em cena (JAMES e PLATZER 1999; MURRAY 2003), como
também é crucial estabelecer uma relação de empatia e confiança entre pesquisador e
pesquisado (SIXSMITH e col. 2003), sendo que, tradicionalmente, o primeiro tem a
preocupação de respeitar o segundo (HOEYER e col. 2005).
A confiança e o rapport começam a se estabelecer entre o pesquisado e o
pesquisador no momento em que este explica todos os objetivos do trabalho, e o
papel dos participantes no processo (SIXSMITH 2003).
Como em qualquer relacionamento próximo, pode-se colocar uma série de
questões sobre a natureza dessa relação: a maneira como ela é estabelecida e
manejada, a natureza da diferença de poder entre as partes, a maneira como afeta os
participantes do estudo emocionalmente e se os resultados são desejados ou
indesejados (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002).
Esse tipo de relacionamento colabora, ainda, para que o pesquisador tenha
clareza do seu papel, e pode possibilitar tanto que este se torne um recurso de saúde
128
para os participantes, quanto a produção de dados ricos para o pesquisador
(KELEHER e VERRINDER 2003).
São coletados melhores dados sobre a experiência pessoal e os sentimentos
quando o pesquisador estabelece um relacionamento aberto e recíproco com os
participantes. Isso inclui a possibilidade de também se manifestar como pessoa e de
se envolver com eles a ponto de oferecer suporte se a participação na pesquisa causar
estresse emocional (PLATZER e JAMES 1997), o que salienta a necessidade de
formação do pesquisador para lidar com esses aspectos.
É importante que o pesquisador tenha clareza do lugar que ocupa na relação
com o participante, para que possa estabelecer uma relação de confiança com ele.
Como vimos no item “Critérios de qualidade da pesquisa qualitativa - A qualidade
dos dados”, o fechamento do pesquisador possivelmente contribui para o fechamento
do participante, o que resulta em dados mais pobres, menos detalhados, que podem
resvalar para o “politicamente correto” (BATCHELOR e BRIGGS 1994).
Assim, as questões feitas pelos participantes devem ser respondidas
diretamente, pois isso indica que o pesquisador também está disposto a compartilhar
aspectos de sua vida (MURRAY 2003).
A confiança entre pesquisador e pesquisado pode não ser recíproca
Entretanto, ainda que o desejo de a pessoa participar da pesquisa, aceitá-la e a
profundidade e validade do material que o pesquisador obtém sejam, em grande
medida, baseados na cooperação construída entre os pesquisadores e os participantes
(KYLMÄ e col. 1999), a confiança entre ambos pode não ser recíproca. Por
exemplo, enquanto as usuárias de drogas confiam nos pesquisadores, em especial
quando os associam aos profissionais que trocam seringas
32
, o pesquisador pode ter
dificuldade de retribuir essa confiabilidade, pois os participantes são pessoas cujo
comportamento é influenciado pelo uso dessas substâncias (HOFMAN 2004).
32
É interessante observar que a posição desta autora, ao valorizar que os pesquisados tratem os
pesquisadores da maneira que tratam os profissionais que trocam seringas, é diferente da adotada por
SHAVER (2005), que considera importante diferenciar o papel de pesquisador do exercido dos
profissionais que trabalham com troca de seringas, pois considera que os pesquisadores, desta
maneira, poderiam falar mais abertamente de suas questões.
129
Poder do pesquisador sobre o participante
Estudiosos que utilizam abordagens qualitativas têm forte preocupação com a
relação de poder que usualmente se estabelece entre eles e o participante, e
freqüentemente consideram que é preciso estabelecer uma relação menos hierárquica
(JAMES e PLATZER 1999; PLATZER e JAMES 1997; HOFMAN 2004; WARR
2004; KYLMÄ e col. 1999; HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Essa diferença de poder pode ter sua origem na diversidade social, incluindo
raça, educação, classe social, gênero; ou na visível iniqüidade das trocas entre
pesquisador e pesquisado, incluindo aspectos emocionais. De fato, alguns
entrevistados podem considerar que o interesse do pesquisador sobre suas vidas se
deve ao desejo de estabelecer uma relação de amizade e de manter contato, o que
geralmente não ocorre (HOFMAN 2004). Assim, é preciso que este explicite o que o
participante pode e não pode esperar desse relacionamento (HOFMAN 2004).
Várias possibilidades são colocadas para evitar que esta relação de poder se
instale ou, para diminuir a diferença hierárquica. A possibilidade de diminuir a
diferença de poder e trabalhar pelo fortalecimento do participante passa pela
discussão de como os participantes são representados (representação), como os
pesquisadores se localizam nos objetivos de seu trabalho científico e na relação com
o participante (reflexividade), bem como sobre qual será a contribuição do estudo
para a comunidade em foco (reciprocidade). Na ausência desse contexto de
informação, pesquisadores e participantes ficam inevitavelmente envolvidos numa
relação impessoal e, portanto, hierárquica (HOFMAN 2004).
Num estudo realizado por KELEHER e VERRINDER (2003) em
comunidades rurais, pode-se considerar que houve reciprocidade, pois embora os
participantes não tenham sido pagos, estes se sentiram recompensados pela relação
que alimentaram com a equipe de pesquisa e a utilizaram como recurso de saúde.
Entretanto, nem sempre os projetos de pesquisa possibilitam a reciprocidade,
que, somada à representação são especialmente problemáticas nas situações em que
existe a distribuição desigual dos benefícios do estudo entre o pesquisador e os
participantes. É importante, portanto, redistribuí-los, atendendo às demandas da
comunidade, em especial através da inclusão dos participantes nas ações de
fortalecimento desta (HOFMAN 2004).
130
Uma prática que pode contribuir para tornar essa relação menos hierarquizada
é oferecer ao participante a possibilidade de ler e comentar as transcrições e análises
antes da publicação dos resultados, podendo decidir se deseja retirar trechos ou
mesmo todos os seus dados (DICICCO-BLOOM 2000; KYLMÄ e col. 1999).
Também é aconselhável conduzir pesquisas com participantes que não sejam clientes
do pesquisador, usar consentimento informado e estabelecer uma relação recíproca
com eles (KYLMÄ e col. 1999).
Também THIOLLENT (1981), como vimos no capítulo 1, apontava que um
dos aspectos que contribui para a relação desigual entre pesquisador e pesquisado é
que este não tem a possibilidade de interferir na análise dos resultados. Portanto,
trabalhar de maneira que ele analise seus dados antes da publicação colabora para
uma relação menos hierárquica.
Além disso, tratar os participantes como especialistas em suas próprias vidas
pode equilibrar a relação de poder na pesquisa, criando uma atmosfera mais segura e
relaxante e encorajando a produção de dados mais ricos, que representam mais
precisamente os aspectos da vida dos participantes (HIGHET 2003).
Acrescenta-se ainda que o balanço de poder é provavelmente mais
equilibrado quando o paciente está em seu próprio meio e não em um hospital, por
exemplo (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
a.Quando os pesquisados são outros profissionais a relação é menos hierárquica
Quando o pesquisador entrevista ou observa seus pares, existe um
relacionamento mais recíproco, o que facilita que os participantes se tornem
parceiros em igualdade na pesquisa, o que é, o objetivo da maioria dos estudos
qualitativos (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Entretanto, JAMES e PLATZER (1999) alertam que, mesmo estabelecendo
um relacionamento próximo com o pesquisado, que inclui a pessoa do pesquisador,
com seus aspectos de identidade pessoal, de papel profissional e de pesquisador, é
importante ter claro que as experiências de ambos não são as mesmas e que se
mantém uma relação de poder, sendo necessário, portanto, que o pesquisador esteja
atento para manejá-la adequadamente.
131
b. Quando o profissional de saúde é também o pesquisador
Quando o pesquisador é também profissional de saúde, essa diferença de
poder é aumentada em dois caminhos: primeiro porque os participantes podem se
sentir pressionados a aceitar por senso de dever junto a esse pesquisador ou porque
dependem da boa vontade dele, que lhes presta assistência. Segundo, embora a
entrevista em pesquisa qualitativa possa ser considerada terapêutica, isso também
pode levar à exploração e ao dano. Se esse procedimento se confunde com um
encontro terapêutico, o pesquisador pode, indevidamente, colocar questões delicadas,
e os participantes podem informar mais do que anteciparam no momento do
consentimento. Esses problemas se colocam mais incisivamente quando a mesma
pessoa ocupa os dois papéis, especialmente se o profissional está envolvido
diretamente no cuidado do participante (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
Exploração do participante
Em pesquisa qualitativa, o estabelecimento de uma relação de confiança é
necessário para obter os dados; a questão é identificar se, diante disso, a pessoa se
sente coagida a participar ou se acaba sendo explorada. É fundamental, então, que o
pesquisador esteja atento para evitar essa exploração (PLATZER e JAMES 1997;
HOFMAN 2004; JONHSON e CLARKE 2003; USHER e HOLMES 1997), pelo
estabelecimento de relações recíprocas com os participantes e pela abertura, pelo
colocar-se como pessoa (PLATZER e JAMES 1997).
Parceria entre pesquisador e comunidade
É uma boa opção que o pesquisador faça contato com organizações que
poderiam colaborar para lhe contar sobre o estudo e discutir o planejamento do
processo, inclusive da perspectiva ética e metodológica (WARR 2004; KYLMÄ e
col. 1999).
Estabelecer uma parceria entre a universidade e a comunidade pode levar à
superação dos dois maiores obstáculos em conduzir pesquisa com grupos
“escondidos” (como os profissionais do sexo): erros da amostra e preocupações com
a privacidade, o que aumenta a credibilidade dos dados (SHAVER 2005).
132
9.1.5.3 Saída do campo da pesquisa
O término da pesquisa coloca outros problemas: a natureza íntima e contínua
do relacionamento entre o pesquisador e o participante gera confiança e amizade;
portanto, é difícil para ambos retirar-se dessa relação. Um pesquisador sensível não
deixa, ao término da pesquisa, o participante ansioso ou preocupado (HOLLOWAY
e WHEELER 1995). Assim, ao sair do campo, o pesquisador deve se despedir e
assegurar-se de que todos têm como entrar em contato com ele caso tenham questões
ou queiram ter acesso aos resultados (SHAVER 2005; MURRAY 2003).
O pesquisador deve ser sensível ao terminar o relacionamento com o
participante, sendo fundamental que solicite a este que descreva como foi participar
da pesquisa (KYLMÄ e col. 1999), dando-lhe a oportunidade de falar sobre sua
experiência, por exemplo, de preencher um questionário (JONES e col. 1995).
Os pesquisadores têm a responsabilidade de, ao encerrar o trabalho, despedir-
se dos participantes de maneira a maximizar a possibilidade de que estes aceitem
participar de futuros estudos. A saída de campo é bem sucedida quando o
pesquisador realiza seu propósito de pesquisa e atende as demandas que surgem da
interação com os participantes, como as necessidades deles e dos que tornaram
possível encontrá-los (BATCHELOR e BRIGGS 1994). Salienta-se, entretanto, que
se houver conflito de interesse entre as partes, nem sempre será possível satisfazer a
todos.
É importante esclarecer se o pesquisador manterá a relação com o pesquisado
após o término do trabalho e qual será a natureza dessa relação (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002; HOFMAN 2004). Manter esse relacionamento após o término
da pesquisa pode ser necessário e eticamente correto (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002). ainda que se considerar que, uma vez que a pesquisa
qualitativa implica em estabelecer uma relação de confiança, na qual se pode
compartilhar pensamentos e sentimentos íntimos, ou dolorosos, isso pode levar à
dependência, que deve ser manejada para evitar traumas. Um exemplo são as
pesquisas conduzidas com pessoas com dificuldade de aprendizagem, que
geralmente têm uma rede social limitada, de maneira que incluem nela qualquer
pessoa com quem tenham contato; por isso, o desligamento deve ser gradual, de
maneira a aumentar a capacidade de a pessoa se desvincular do pesquisador. Muitas
133
vezes esse relacionamento pode se manter por anos depois do rmino da pesquisa, e
então finalizar naturalmente.
CUTCLIFFE e RAMCHARAN (2002) argumentam ainda que o envio das
transcrições para conferência dos participantes e a realização de encontros para
devolutiva dos resultados também se constituem em maneiras de o pesquisador ir se
desligando aos poucos.
Outros autores (RICHARDS e SCHWARTZ 2002; MOYLE 2002),
entretanto, advertem que a manutenção desse relacionamento deve ser evitada.
MOYLE (2002) considera que, quando o pesquisador ou o participante ultrapassam o
relacionamento estabelecido na pesquisa, em especial quando o segundo busca
manter contato com o primeiro após o rmino do trabalho, isso coloca um conflito
de papéis que deve ser superado com a ajuda de um mentor, pois o pesquisador deve
se manter no seu papel. RICHARDS e SCHWARTZ (2002), ainda que concordem
com esta afirmação, não explicitam por que consideram que contatos freqüentes com
os pesquisados podem ser considerados abusivos.
JONES e col. (1995) argumentam que, embora possa ser difícil para o
entrevistador deixar o pesquisado após a entrevista, em especial quando este relata
dificuldades, é importante observar que os relatos podem ter ocorrido exatamente
porque se tratava de uma relação de curta duração. Esses autores sugerem que uma
solução seria agendar uma segunda entrevista para ajudar o entrevistado a manejar
suas emoções.
9.1.5.4 Análise dos dados
Coleta e análise são simultâneas
A coleta e a análise dos dados acontecem simultaneamente (HOLLOWAY e
WHEELER 1995; KYLMÄ e col. 1999). As pesquisas que adotam a grounded
theory são exemplos disso (KYLMÄ e col. 1999).
À medida que o dado é coletado, o pesquisador, tendo o respondente como
conselheiro, analisa-o em busca de sentido. A descrição da maneira mais autêntica
possibilita reconhecer o valor do material coletado. Confiança e negociação
construídas ao longo do tempo demandam franqueza, explicações claras sobre os
propósitos da pesquisa e a apresentação autêntica do próprio pesquisador. Tudo isso
134
é um processo contínuo e repousa na moral do pesquisador e no seu conhecimento
sobre si mesmo (ROBLEY 1995).
O que cabe analisar
O material em análise pode ser composto por notas de campo, reflexões
pessoais, transcrições, entre outros, envolve organizar o que foi visto, escutado e
lido, muitas vezes para identificar padrões. Uma maneira de trabalhar é atribuir uma
categoria a cada sentença, linha ou parágrafo, sendo que novas análises devem ser
feitas para conferir a pertinência do dado numa dada categoria, frente ao conjunto
deles. Através de um refinamento contínuo, as categorias relacionadas são
combinadas para estabelecer os temas gerais (MURRAY 2003).
Na análise, o pesquisador deve compreender as respostas no contexto da
entrevista e considerar não apenas o que foi verbalizado, mas também a comunicação
não verbal do entrevistado (KYLMÄ e col. 1999).
A compreensão da perspectiva do pesquisado e a superação da visão do
pesquisador
Num referencial fenomenológico, compreender é sempre interpretar. A
interpretação apresentada na divulgação dos resultados é, invariavelmente, a do
pesquisador. É necessário, portanto, ter cuidado nesse trabalho, pois, como foi
ressaltado em capítulos anteriores, é preciso que o pesquisador conheça bem seus
pontos de vista, para poder discriminar o do outro (STEIN e MANKOWSKI 2004;
HÄGGMAN-LAITILA 1999). A intenção é entender a perspectiva do participante
(WARR 2004).
Durante a coleta e análise dos dados é necessário superar a visão do
pesquisador, que, embora esteja presente, deve ser identificada para possibilitar
acesso à subjetividade do outro, em sua alteridade (STEIN e MANKOWSKI 2004;
HÄGGMAN-LAITILA 1999).
A objetividade completa não é possível, inclusive por causa da relação
próxima entre pesquisador e participante. Entretanto, seria um perigo se o
pesquisador se tornasse nativo, pois a total imersão poderia levar a uma perda da
crítica necessária para a análise (KYLMÄ e col. 1999). O balanço entre objetividade
135
e subjetividade foi anteriormente discutido no item deste capítulo que tem,
justamente, esse título.
Dada à imersão do pesquisador, os achados não falam por si, mas precisam
ser interpretados. É necessário que, através da criação de temas, categorias e
interpretação dos dados, o pesquisador identifique os traços essenciais a partir de um
fluxo enorme de diferentes relatos (PERRY e col. 2004). O seu necessário
envolvimento pode, em especial neste estágio, distorcer a compreensão do que foi
dito.
PERRY e col. (2004) relatam o cuidado que adotaram durante a análise das
transcrições das entrevistas que realizaram num estudo junto a gays, lésbicas e
bissexuais, no qual a entrevistadora era homossexual. Preocupados em estabelecer
um balanço adequado entre envolvimento e distanciamento, adotaram um processo
de verificação, ou seja, uma segunda análise de trechos do material foi realizada por
um pesquisador heterossexual. Por suas características, este outro pesquisador não
desenvolveu o mesmo nível de envolvimento com os participantes. Com isso, parte
das interpretações que realizou foi muito diferente daquelas feitas pela primeira
entrevistadora, sendo necessário, então, fazer um balanço entre elas, visando uma
análise mais precisa dos dados.
A análise dos dados qualitativos é influenciada pela abordagem teórica, pelo
compromisso epistemológico, pelas características do pesquisador e suas pré-
concepções. Nessa perspectiva, a natureza interpretativa da pesquisa qualitativa
significa que os resultados publicados são apenas uma versão da verdade, e a
validade deles deve ser julgada em relação ao cuidado com o qual foram analisados.
Embora toda pesquisa seja, em alguma medida, socialmente construída, é nos
estudos qualitativos que os participantes são mais levados a sentir que suas opiniões
foram mal representadas ou descontextualizadas. As narrativas pessoais são parte da
identidade pessoal, e quando se perde o controle sobre como elas são analisadas,
também se pode perder o controle sobre a própria identidade. Ao construir
identidades para os participantes, o sério risco de violar o respeito à autonomia
deles e também de levar a um estereótipo negativo. Essas questões são
particularmente relevantes para pesquisas em serviços de saúde. Primeiro, porque
esses projetos são desenhados para responder questões específicas sobre a visão e o
136
comportamento dos participantes e, como tal, são fortemente dirigidas por teorias
preconcebidas. Segundo, porque as estratégias de amostragem são determinadas por
essas teorias, e as características dos participantes consideradas significantes, como
gênero e condição socioeconômica, são previamente definidas. Terceiro, porque a
dinâmica da entrevista qualitativa e a natureza do dado coletado são afetadas pela
experiência do pesquisador (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
A possibilidade de má interpretação
A interpretação pode acontecer por erros do pesquisador ou por reportar
falsos procedimentos (KYLMÄ e col. 1999).
Algumas medidas podem ser tomadas para evitá-la. Uma é a validação pelo
participante, que é o processo no qual o pesquisador devolve sua análise a ele, antes
de publicar os resultados do trabalho. Entretanto, RICHARDS E SCHWARTZ
(2002) apontam que essa prática tem limitações, pois implica em contatos contínuos
com o participante, o que pode ser impraticável ou considerado como um dano. Uma
outra preocupação para os autores é que o dado obtido pela validação do respondente
também estaria sujeito ao mesmo processo de interpretação que o dado primário.
Ainda assim, a possibilidade de o pesquisado opinar parece ser um avanço no sentido
de permitir adequações, ainda que o texto final seja produzido pelo pesquisador.
O risco de interpretação é maior quando o pesquisador trabalha sozinho;
assim, é importante que o novato em pesquisa trabalhe sob supervisão e que o
pesquisador tenha um parceiro que questione a análise, para que se estabeleça um
diálogo. Outra possibilidade é que o pesquisador que também é profissional de saúde
esteja consciente e explicite seus possíveis bias. Na prática, isso significa ter em
mente a escolha teórica e considerar de que maneira suas características pessoais e
profissionais podem influir na interpretação dos dados (RICHARDS e SCHWARTZ
2002).
9.1.5.5 Divulgação dos resultados
A publicação dos resultados é um dever do pesquisador frente aos
participantes, à sociedade e à ciência. O princípio ético da justiça é desrespeitado
137
quando resultados importantes o são divulgados e implementados (KYLMÄ e col.
1999).
Divulgação dos resultados para os pesquisados
É importante informar os resultados do estudo aos participantes, para os quais
podem ser produzidas sínteses de relatórios (JONES e col. 1995). Outra possibilidade
é que os pesquisadores agendem reuniões nos locais onde a pesquisa foi realizada
para apresentar os resultados preliminares, o que deve ser feito pouco tempo após a
coleta de dados, momento em que a população está interessada em conhecê-los, pois
ainda se recordam das informações que prestaram (KELEHER e VERRINDER
2003). Também é desejável que os pesquisadores preparem relatórios sintéticos,
ainda que preliminares, e entreguem imediatamente após o término do estudo para a
comunidade e para os serviços de saúde. Alguns autores chegam a considerar que
isso não deve ocorrer apenas seis meses após o término da pesquisa (MILLER e
RAINOW 1997)
A publicação dos resultados não deve estigmatizar os participantes (JAMES e
PLATZER 1999; JONES e col.1995; RICHARDS e SCHWARTZ 2002), nem criar
falsas expectativas sobre uma situação que o pesquisador não controla (JONES e
col.1995; RICHARDS e SCHWARTZ 2002; WILKIE 1997). Um exemplo é uma
pesquisa conduzida por um aluno de graduação, que investiga a opinião dos
cuidadores sobre serviços comunitários destinados a pessoas com Alzheimer. A mera
realização da pesquisa levanta a expectativa de que haverá uma melhora nesses
serviços. Entretanto, o pesquisador, neste exemplo, o tem nenhuma possibilidade
de atender a essa expectativa, e deve informar isso aos participantes (WILKIE 1997).
Quando a divulgação dos resultados para os pesquisados não é possível pelas
características do grupo estudado
Nem sempre é possível garantir o retorno dos resultados para os participantes,
pelas próprias características do grupo estudado, como no caso de pesquisas
realizadas junto a usuárias de droga injetáveis que se mantêm pouco visíveis, uma
vez que estão envolvidas em práticas ilegais (HOFMAN 2004). Assim, quando o
estudo é conduzido com populações “escondidas”, o pesquisador não tem como
138
garantir-lhes benefício direto, nem acesso aos resultados. No exemplo aqui citado,
trata-se de uma população móvel e que responde melhor ao contato pessoal do que se
a informação for transmitida por material escrito (HOFMAN 2004).
Anonimato dos participantes
Dados qualitativos, pela sua natureza, são repletos de vestígios da identidade
do participante; então, é necessário ter cuidado para assegurar o anonimato na
publicação dos resultados (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
O risco da identificação traz consigo o risco de sanções e de estigma. Existem
dois caminhos para minimizar essa situação: um é solicitar que os participantes
confiram os resultados, decidindo se eles concordam com seu conteúdo e com sua
publicação. Outra possibilidade é utilizar pseudônimos e mascarar respostas
individuais, apresentando trechos que misturam relatos de mais de um pesquisado
(DICICCO-BLOOM 2000). E, ainda, informações que não são fundamentais para o
estudo podem ser modificadas nas publicações para assegurar o anonimato dos
participantes (KYLMÄ e col. 1999).
Em pesquisa qualitativa, as citações de trechos dos relatos dos participantes
são essenciais, pois visam dar credibilidade às analises feitas pelo pesquisador. Este
aprende com sua experiência e apresenta os frutos dessa aprendizagem de maneira a
convidar a audiência a compartilhá-los, a julgar a legitimidade dos resultados e a
possibilidade de que os mesmos sejam transferíveis para um contexto semelhante.
Deve fornecer, então, informações suficientes que permitam a compreensão e a
avaliação do texto, pois, se por um lado seria indesejável a identificação do
pesquisado a quem se garantiu anonimato, por outro seria inadequado que o
pesquisador simplificasse demais os achados para proteger os participantes. O que o
pesquisador aprende com a descrição densa pode ser vital para a vida e o significado
da pesquisa. A resposta para esse dilema, como já assinalado, pode ser enviar o
material ao respondente e solicitar verificação e permissão para publicação (KYLMÄ
e col. 1999; ROBLEY 1995).
Ressalta-se, entretanto, que existem situações em que o participante não quer
que seu anonimato seja preservado (EYSENBACH e TILL 2001; RICHARDS e
139
SCHWARTZ 2002), pois pode haver interesse em manter sua autoria e o significado
de sua narrativa (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
Direito ao anonimato dos participantes e o interesse da sociedade
O pesquisador tem responsabilidades sobre cada participante individualmente
e pela sociedade como um todo (HOEYER e col. 2005). As pesquisas sociais
incluem entre seus objetivos a apresentação do funcionamento das instituições,
permitindo avaliação pública.
Entretanto, por razões práticas, para manter acesso ao campo de pesquisa,
JONES e col. (1995) recomendam que o pesquisador tenha especial cuidado ao
publicar resultados que possam criticar os participantes, se estes forem outros
profissionais de saúde, pois isso pode dificultar a colaboração em futuras pesquisas.
Evidentemente, se essa recomendação for seguida, não será possível conduzir, por
exemplo, avaliações confiáveis de serviços de saúde.
Nessa situação, parece necessário considerar que pessoas em situações
diferentes devem ser tratadas de maneira a que isso seja considerado. Uma regra
única para situações diferentes poderia levar a injustiças. Parece razoável ponderar
que pessoas com mais poder podem ser tratadas de maneira diferente das que tem
menos poder. É a situação de pesquisas que envolvem profissionais de saúde e
usuários dos serviços públicos de saúde. Os primeiros estão numa posição que lhes
confere maior possibilidade de exercício de poder e, especialmente se atuam em um
serviço público, devem ter seu trabalho avaliado (HOEYER e col. 2005).
Assim, ainda que os profissionais, após ter acesso ao material coletado e à
análise dos dados, tenham sua opinião considerada, não podem ter o poder de veto
sobre a publicação dos resultados, pois isso impediria a avaliação do serviço pela
sociedade. O pesquisador tem o dever ético de fazer um balanço entre o respeito aos
profissionais de saúde e a elaboração de um relatório de pesquisa honesto,
apresentando resultados que atendam aos interesses da sociedade, que inclui pessoas
com pior condição de exercício de poder, inclusive minorias e grupos
marginalizados. É preciso cuidado para que as pesquisas não representem apenas os
interesses dos mais poderosos (HOEYER e col. 2005).
140
Pesquisa realizada com pessoas que mantém relacionamento íntimo entre si
Quando a pesquisa é realizada com pessoas que mantém relacionamento
íntimo entre si, é preciso muito cuidado para que uma não identifique a outra no
momento da publicação dos resultados. De fato, como o relato de um está
diretamente relacionado à sua vivência com o outro, se identificar algo que
experimentou, poderá identificar que o autor da frase é alguém com quem mantém
relacionamento íntimo, o que pode ter conseqüências sérias. Estamos nos referindo
aqui a pesquisas conduzidas, por exemplo, com casais ou famílias, nas quais é
analisado o material coletado em entrevistas individuais (FORBAT e HENDERSON
2003).
Impacto na comunidade
A apresentação dos resultados da pesquisa para a comunidade estudada
possibilita ao pesquisador avaliar o impacto que teve naquela comunidade
(SIXSMITH 2003).
Apresentação dos resultados voltada para o fortalecimento da comunidade
Não basta que os resultados sejam publicados, é preciso também divulgá-los
para a comunidade, ensinar, criar cenários alternativos, pois tudo isso contribui para
a mudança social (STEIN e MANKOWSKI 2004). Uma possibilidade é instituir
grupos de discussão para compartilhar os resultados da pesquisa; assim, o estudo
deixa de ser sobre a comunidade e passa a ser para a comunidade (HOFMAN 2004).
Processo de obter consentimento deve constar da publicação dos resultados
Os pesquisadores devem informar nas publicações como foi obtido o
consentimento junto aos participantes, bem como os cuidados que foram tomados
para assegurar que compreendessem e tivessem uma efetiva possibilidade de escolha
(CLEMENTS e col. 1999).
141
Possibilidade de o participante conferir os resultados e vetar o uso de seus dados
na publicação dos resultados
O material coletado e a análise devem ser enviados para conferência dos
participantes (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; DICICCO-BLOOM 2000;
CLEMENTS e col. 1999; PLATZER E JAMES 1997; HOLLOWAY e WHEELER
1995; ROBLEY 1995; KELEHER e VERRINDER 2003), para que estes informem
se se sentem representados nas anotações e nas análises, se seu anonimato foi
suficientemente protegido (PLATZER e JAMES 1997; ROBLEY 1995) ou, ao
contrário, se o participante foi identificado de maneira adequada (EYSENBACH e
TILL 2001). Também precisam observar se os resultados podem prejudicar de
alguma maneira a comunidade em estudo (EYSENBACH e TILL 2001;
CLEMENTS e col. 1999; JAMES e PLATZER 1999). Desta maneira, o resultado é
negociado entre o pesquisador e o pesquisado (ROBLEY 1995) e este deve ser o
primeiro a ler os rascunhos e ter o poder de decidir sobre sua publicação
(CLEMENTS e col. 1999; DICICCO-BLOOM 2000).
O participante é o dono dos dados e tem o direito de moldar seu uso e ditar os
propósitos que levarão seu nome e informações (ROBLEY 1995). O fato de
consentir em participar da pesquisa não implica, necessariamente, que esteja
autorizando a publicação dos resultados (MILLER e RAINOW 1997).
Entretanto, uma vez que os dados são construídos em relações sociais
complexas, que podem incluir muitas pessoas, outros autores (HOEYER e col. 2005)
questionam: além do pesquisador, quem teria o direito sobre os dados? Ressaltam
que isso deve ser informado a todos desde o início da pesquisa e consideram que o
pesquisador em Ciências Sociais tem responsabilidades com o indivíduo e com a
sociedade como um todo. Nessa medida, deve haver um balanço entre direitos
individuais e o direito da sociedade ter o conhecimento e a possibilidade de, por
exemplo, criticar as pessoas que ocupam cargos. Um outro aspecto é que o retorno
dos resultados de prática profissional inadequada é essencial para que o profissional
em questão a reveja e possa melhorar seu trabalho (JAMES e PLATZER 1999).
Assim, coloca-se em discussão se os participantes m o direito, ou não, de vetar a
publicação dos resultados da pesquisa.
142
Considerando essas diferentes opiniões, que estão presentes no material em
análise, parece-me razoável considerar que os grupos menos favorecidos, caso se
sintam prejudicados, podem retirar seus dados, em especial se estes estão
relacionados a questões pessoais; entretanto, os mais favorecidos, em especial os
profissionais de saúde que exercem função pública, devem possibilitar à sociedade a
avaliação de seu trabalho.
Efeito da publicação dos resultados na população estudada
São necessários estudos sobre os efeitos da divulgação dos resultados de
pesquisa sobre os grupos vulneráveis (JAMES e PLATZER 1999).
9.1.6 Efeito da pesquisa
9.1.6.1 No pesquisado
As entrevistas, em especial sobre temas sensíveis, podem afetar
profundamente os participantes, que não apenas revelam experiências e pensamentos
ao pesquisador, mas às vezes tomam consciência, pela primeira vez, de sentimentos
próprios que desconheciam. Nesses casos, a entrevista pode mudar a vida do
informante, embora o objetivo inicial seja, apenas, a coleta de dados (HOLLOWAY
e WHEELER 1995).
Por outro lado, a participação em entrevistas pode ser benéfica (CUTCLIFFE
e RAMCHARAN 2002; KYLMÄ e col. 1999; PAAVILAINEN e col. 1998;
WILKIE 1997; JONES e col. 1995; MOYLE 2002; HOLLOWAY e WHEELER
1995), inclusive para pessoas traumatizadas (STEIN e MANKOWISKI 2004). Os
possíveis benefícios descritos são: possibilitar que, ao tomar conhecimento de seus
sentimentos escondidos, os participantes mudem sua vida (KYLMÄ e col. 1999;
HOLLOWAY e WHEELER 1995; MURRAY 2003); que recebam auxílio do
pesquisador para re-significar questões emocionais (PAAVILAINEN e col. 1998);
que possam, pela primeira vez, expressar determinados sentimentos (WILKIE 1997),
sendo ouvidos atentamente e sem interrupção (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002;
JONES e col. 1995; MOYLE 2002). Tudo isso pode incentivar que a pessoa tome
consciência de dificuldades que lhe eram desconhecidas (JONES e col. 1995), sendo
143
estimulada à auto-reflexão, à catarse e a falar sobre si mesma (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002).
9.1.6.2 No pesquisador
Embora o cuidado com o pesquisado seja uma preocupação constante, menos
atenção tem sido dada às implicações para os pesquisadores, em especial os que se
colocam como instrumento de pesquisa e podem estabelecer relacionamentos muito
próximos e intensos com os pesquisados (WARR 2004).
O pesquisador pode ter emoções intensas, em especial nas pesquisas sobre
temas sensíveis (WARR 2004; HOLLOWAY e WHEELER 1995), as quais pode ter
dificuldade de manejar. Sentimentos de isolamento podem ser comuns para a maioria
(JOHNSON e CLARKE 2003; MOYLE 2002), mas talvez sejam mais significativos
para os que trabalham com temas sensíveis. Existem evidências de que coletar dados
sobre questões mais sensíveis pode levar a sentimentos de impotência e falta de
esperança; além de insônia e pesadelos (JOHNSON e CLARKE 2003).
Pesquisadores que conduzem estudos com pessoas deprimidas podem ter sentimentos
depressivos e hostis (MOYLE 2002).
A subjetividade e a colaboração tornam o pesquisador vulnerável ele
permanece emocionalmente imerso na experiência vivida por outros e tem a vivência
de ser um entrevistador que também é entrevistado, observado, pelos pesquisados.
Essa situação requer que esteja atento a si mesmo e busque algum suporte, sempre
que considerar necessário (ROBLEY 1995).
A relação entre o pesquisador e os participantes da pesquisa envolve um tipo
de participação que vai além das tarefas práticas de coletar/gerar, registrar e analisar
os dados. Envolver-se com os detalhes pessoais da vida de outra pessoa coloca o
pesquisador num relacionamento ambíguo com o pesquisado.
Embora o pesquisador possa ter um contato breve com a pessoa, passa a
conhecer episódios da história íntima desta. Uma vez que tem a tarefa de analisar os
dados, faz uma imersão neles e ouve, escreve e pensa sobre eles muito tempo depois.
Memoriza passagens especialmente ressonantes, sendo que trechos das experiências
relatadas passam a ser muito bem conhecidos, podendo ter grande impacto no
pesquisador e passando a ser vozes internas difíceis de esquecer. Assim, é importante
144
que a equipe de pesquisa, inclusive os responsáveis por fazer transcrições de fitas
tenham a possibilidade de trabalhar o impacto emocional que o contato, direto ou
indireto, com o participante teve sobre cada um (WARR 2004).
O pesquisador deve usar o comitê de ética em pesquisa como guia e suporte,
pois a educação pessoal em ética e a consulta a especialistas são recomendadas
quando o pesquisador acredita estar sofrendo. A ética está na trama da pesquisa
qualitativa e deve ser considerada seriamente ao logo de todo processo (ROBLEY
1995).
9.1.6.3 Efeitos da participação da pesquisa no pesquisado e no pesquisador
Participar de entrevistas pode fazer emergir conteúdos que precisam ser
processados; por isso, o pesquisador deve providenciar um terapeuta para
encaminhar os participantes, informando isso a eles (MURRAY 2003). Pode, ainda,
fazer emergir emoções fortes no próprio pesquisador, que também deverá ter acesso
a suporte acadêmico e terapêutico (JAMES e PLATZER 1999).
Com uma boa compreensão dos limites da relação entre o pesquisador e o
pesquisado e dos aspectos éticos que podem surgir, vivenciar as entrevistas nas
pesquisas qualitativas pode ser benéfico para o participante e valioso para o
pesquisador (MURRAY 2003).
9.1.7 Dificuldades dos pesquisadores durante o trabalho de campo
JONHSON e CLARKE (2003) conduziram uma pesquisa com o objetivo de
identificar as dificuldades que os pesquisadores que adotam abordagens qualitativas
vivenciam durante seu trabalho de campo. Em seus resultados identificaram as
seguintes questões: inexperiência e falta de treinamento, confidencialidade, conflito
de papéis, impacto das entrevistas nos participantes e sentimentos de isolamento.
Utilizo então essas categorias para apresentar o que outros autores discutem sobre
esses aspectos, uma vez que, a meu ver, todos eles têm implicações éticas.
9.1.7.1 Falta de treinamento
Usualmente, a formação do pesquisador enfatiza os procedimentos de acesso,
recrutamento dos participantes e análise dos dados. Entretanto, pouca atenção é dada
145
ao desenvolvimento de habilidades para, por exemplo, entrevistar pessoas em
profundidade, particularmente em suas residências. Este é um alerta importante, pois
o pesquisador precisa ter conhecimento e experiência, em especial quando o tema em
estudo é sensível (JONHSON e CLARKE 2003; MOYLE 2002; PLATZER e
JAMES 1997).
A relação estabelecida entre o pesquisador e o pesquisado é um aspecto ético
que vem sendo negligenciado (BATCHELOR e BRIGGS 1994).
Geralmente, os pesquisadores o recebem treinamento nem supervisão para
manejar seu relacionamento com o pesquisado, além de lhes faltar clareza sobre o
lugar que ocupam no campo de pesquisa. Isso tem implicações éticas importantes,
incluindo a dificuldade do pesquisador em lidar com o conteúdo emocional trazido
pelo participante e mesmo com o que emerge de si mesmo durante a coleta de dados,
o que geralmente resulta na coleta de dados pobres (BATCHELOR e BRIGGS 1994;
PLATZER e JAMES 1997; JAMES e PLATZER 1999; JONHSON e CLARKE
2003).
A estrutura hierárquica das equipes de pesquisa dificulta um diálogo aberto
sobre essa questão (BACHELOR e BRIGGS 1994). Entretanto, a equipe tem um
papel central no acolhimento das emoções que emergem dos pesquisadores durante o
estudo e deve constituir-se em espaço para trabalhar o balanço entre envolvimento e
distanciamento. Neste sentido, cabe-lhe oferecer suporte aos pesquisadores, que não
devem trabalhar isolados. Isso é fundamental para a integridade do estudo, bem
como para sustentar os pesquisadores durante todo o trabalho (PERRY e col. 2004).
É fundamental que durante o processo de formação do pesquisador, bem
como durante a realização de cada pesquisa, este esteja atento ao impacto emocional
que seu trabalho pode ter tanto no participante quanto em si mesmo. As pessoas que
se dispõem a falar sobre suas experiências pessoais, algumas vezes dolorosas,
acabam, por vezes, demandando suporte, informação e aconselhamento do
pesquisador, que precisa, então estar preparado para manejar essas demandas, ainda
que seja para encaminhar o participante para um serviço especializado
(BATCHELOR e BRIGGS 1994; GAULD e MCMILLAN 1999).
146
O pesquisador não deve ser voyerista na pesquisa e na análise do sofrimento
dos outros (JONES e col. 1995), o que ressalta a necessidade de estar preparo para
assumir o trabalho.
O pesquisador deve ter preparo para lidar com a possibilidade de observar os
participantes cometendo atos ilícitos (GAULD e MCMILLAN 1999). É importante
que planeje como será sua atuação nessas situações, caso estas aconteçam.
Acrescenta-se ainda que o risco de representação pode ser minimizado,
assegurando que o pesquisador seja adequadamente treinado e supervisionado, e pelo
encorajamento da reflexividade sobre a influência das características pessoais e
profissionais (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
A compreensão do fenômeno em estudo repousa em grande parte na relação
que é estabelecida entre pesquisador e pesquisado, o que salienta a sensibilidade e a
habilidade de comunicação ao coletar os dados (KYLMÄ e col. 1999).
9.1.7.2 Confidencialidade
Os pesquisadores podem ser pressionados a quebrar a confidencialidade das
informações às quais tiveram acesso durante a realização de suas pesquisas. Isso é
relatado, em especial, naquelas realizadas em serviços de saúde, nas quais essa
solicitação é feita pela equipe que presta assistência ao pesquisado. Quando isso
acontece, gera um conflito para o pesquisador, pois, frente aos participantes, garantiu
a preservação da confidencialidade, mas, por outro lado, depende da equipe
assistencial para ter acesso a eles (JONHSON e CLARKE 2003).
9.1.7.3 Conflito de papéis
JONHSON e CLARKE (2003) apontam que os pesquisadores têm dificuldade
de manejar seus diversos papéis: pesquisador versus profissionais de saúde, amigo
versus coletor de dados. Os pesquisadores relatam temor de influenciar o curso da
pesquisa e de não ser capaz de reciprocidade.
É amplamente aceito que o pesquisador deve ter clareza de seu papel junto ao
pesquisado e informá-lo disso, evitando assim conflito de papéis (MOYLE 2002;
USHER e HOLMES 1997; SHAVER 2005; JOHNSON e CLARKE 2003;
MURRAY 2003; KYLMÄ e col. 1999; HOLLOWAY e WHEELER 1995;
147
ROBLEY 1995). O pesquisador não é terapeuta (MOYLE 2002; USHER e
HOLMES 1997; MURRAY 2003; PAAVILAINEN e col. 1998), nem educador
(MURRAY 2003; HOLLOWAY e WHEELER 1995), nem conselheiro (JAMES e
PLATZER 1999; HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Entretanto, o papel do pesquisador pode se confundir com o do terapeuta,
pois toda pesquisa qualitativa implica em relacionamento próximo entre pesquisador
e participante (USHER e HOLMES 1997).
O fato de o pesquisador identificar e atender a necessidade do participante
não significa que sairá do seu papel; no entanto, a partir dessa percepção, poderá
encaminhá-lo para um serviço especializado (BATCHELOR e BRIGGS 1994). De
toda maneira, o profissional de saúde tem, reconhecidamente, a possibilidade de
identificar se o pesquisado necessita de cuidado especializado. O potencial de
sofrimento pode ser minimizado se o pesquisador, em especial quando também for
profissional da saúde, explicitar os limites do seu papel, e garantir que informação
apropriada e suporte estão disponíveis (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
Um aspecto interessante apresentado por PERRY e col. (2004) refere-se a um
conflito interno ao próprio pesquisador. Esses autores consideram que, como as
entrevistas, por exemplo, são por definição relacionamentos interdependentes que
envolvem a interação entre pesquisado e pesquisador, uma vez que a pessoa deste
último entra em cena, é possível que viva um conflito entre seu papel de participante
e de pesquisador. Nessa situação, ao contrário do que vínhamos discutindo, o conflito
de papéis se coloca porque o pesquisador tem clareza de seu lugar na pesquisa.
Embora o conflito de papéis possa ser relacionado ao fato de os pesquisadores
qualitativos estabelecerem um relacionamento muito próximo com o pesquisado
(USHER e HOLMES 1997), outros autores (KELEHER e VERRINDER 2003),
entretanto, consideram que a relação próxima leva à clareza sobre o lugar do
pesquisador no campo.
De toda maneira, ainda que a proximidade entre participante e pesquisador
por vezes gere a necessidade de que este faça uma distinção entre uma orientação
profissional e um conselho de amigo, é justamente esse contato pessoal que facilita
as discussões sobre outras áreas de interesse dos participantes além das questões
148
abordadas na pesquisa (KELEHER e VERRINDER 2003), o que aumenta a
possibilidade de reciprocidade.
Alguns autores (HOLLOWAY e WHEELER 1995; ROBLEY 1995;
JOHNSON e CLARKE 2003) têm apresentado sua preocupação com o conflito de
papéis vivido especificamente pelos enfermeiros, pois consideram que estes
profissionais, pelo fato de terem sido formados para cuidar, apresentariam mais
dificuldade de manter seu papel de pesquisador.
Não fica claro, entretanto, porque isso seria mais difícil para enfermeiros do
que para os demais profissionais. Acaso psicólogos, médicos, nutricionistas,
fisioterapeutas, entre outros, também não foram formados para cuidar? Em especial
quando a preocupação é não confundir o papel de pesquisador com o de
psicoterapeuta, não seria mais sensato considerar que mais difícil seria para o
psicólogo, que recebe essa formação desde a graduação?
Entretanto não é essa a posição que defendo aqui. Assim, remeto o leitor ao
item Paradigma e lugar do pesquisador”, deste trabalho, em que discuto essa
questão em termos da clareza que o pesquisador deve ter sobre seu lugar na pesquisa.
Essa preocupação também está presente em JONES e col. (1995), ao
considerar que os achados médicos ruins também devem ser discutidos na relação
benefício e não-maleficência, sendo importante enfatizar a necessidade de
estabelecer regras claras para pesquisadores que não são médicos sobre o que fazer
quando os participantes revelam informações sensíveis ou alarmantes sobre si
mesmos ou solicitam confirmação. Seguramente, essa é uma preocupação
justificável, entretanto não parece cabível excluir os médicos, pois penso que
qualquer pesquisador deve ter clareza sobre seu lugar no campo e sobre o tipo de
relação que pretende estabelecer com o participante do estudo, pois isso informa o
que será respondido pelo pesquisador e o que, mesmo sendo por ele identificado, será
encaminhado para a equipe assistencial.
É interessante observar que, quando o conflito de papéis é discutido pelos
enfermeiros, a preocupação é o misturar o papel de pesquisador ao papel
assistencial. No caso de JONES e col. (1995), que são dicos, encontramos a
suposição de que médicos-pesquisadores, por serem médicos, saberiam manejar com
mais propriedade situações que envolvem benefício e não-maleficência do que outros
149
profissionais, que precisariam, então, ser treinados para isso. Esses autores parecem
não se colocar a questão de conflito de papéis. Penso, no entanto, que nem as
enfermeiras têm mais dificuldades do que os demais profissionais, nem os médicos
estariam isentos dessas preocupações. A questão central é que o pesquisador tenha
claro qual o lugar que ocupa no campo da pesquisa, como foi discutido neste
trabalho, no item “Paradigma e lugar do pesquisador”.
De toda maneira, existem situações em que abrir a informação para um
profissional de saúde responsável pela assistência ao pesquisado é importante, pois
haveria precedência da beneficência sobre a autonomia. Por exemplo, quando o
pesquisador identifica a necessidade de investigação clínica (JONES e col. 1995).
Vale lembrar, como foi discutido no item mencionado acima, que o
pesquisador não pode se esquivar de sua responsabilidade de atender às necessidades
dos participantes durante a pesquisa, ou em decorrência da participação nesta
(BACHELOR e BRIGGS 1994), pois não seria ético recusar responder a pedidos de
ajuda ou aconselhamento, buscando manter neutralidade e objetividade (PLATZER e
JAMES 1997).
9.1.7.4 Reciprocidade
Os pesquisadores se sentem desconfortáveis quando não têm o que oferecer
aos participantes do estudo. Alguns pesquisadores consideram que pode ser benéfico
ao pesquisado falar sobre suas experiências. De toda maneira, existe a preocupação
de oferecer algo à pessoa que se dispõe a fornecer informações para o trabalho
(JONHSON e CLARKE 2003).
9.1.7.5 Isolamento do pesquisador
Alguns pesquisadores se sentem isolados e sem suporte quando estão no
trabalho de campo, além de relatarem a necessidade de supervisão e de separar
trabalho e vida doméstica.
JONHSON e CLARKE (2003), nos resultados de seu estudo com
pesquisadores, constataram que estes vêem as reuniões das equipes de pesquisa como
oportunidades para discutirem o processo de realização do trabalho de campo e o
150
seu efeito neles próprios. Alguns consideram que estas questões são dificuldades
pessoais, não relacionadas ao processo de pesquisar.
Entretanto, especialmente quando envolve grupos mais vulneráveis, a
pesquisa tem o potencial de trazer à tona lembranças dolorosas, que podem causar
dano tanto para o participante quanto para o pesquisador, se não houver suporte ou
supervisão (JAMES e PLATZER 1999).
A supervisão é, de fato, essencial, pois, ao mesmo tempo em que permite
corrigir os rumos da condução do trabalho, oferece ao pesquisador a possibilidade de
expressar suas emoções, numa situação em que estas possam ser acolhidas e que
receba suporte para lidar com elas.
Mas, talvez, JONHSON e CLARKE (2003) pensem que o pesquisador está
fora do campo e que deva se manter neutro, para não interferir nos dados levantados;
por isso sente-se solitário.
A questão que se coloca é: É possível que um pesquisador entre num campo
sem nele interferir? Certamente, qualquer pessoa nova em uma comunidade altera
seu funcionamento; o importante é saber se o pesquisador está atento a isso e como
vai manejar sua interferência no campo da pesquisa ou ainda junto a cada
participante. De fato, falar de assuntos pessoais com um amigo antigo é diferente de
expressá-los para um pesquisador de fora da comunidade e que possui nível
socioeconômico diferente.
Além disso, acredito que, quando o pesquisador pensa seu trabalho inserindo-
se no contexto em que será realizado, isso colabora para diminuir sua sensação de
isolamento, pois se encontra, então, em relação com os indivíduos e com a
comunidade, está vendo e sendo visto, esconhecendo e sendo conhecido. Não
como pairar sobre aquele grupo de pessoas, com uma super-visão do todo. O
pesquisador está inserido e compreende o que a partir de seu ponto de vista, que é
marcado pela sua condição de gênero, raça/etnia, situação socioeconômica, formação
profissional, instituição onde trabalha, referencial teórico e escolhas metodológicas
que fez.
Nessa medida, podemos dizer que os pesquisadores necessitam de duas
ordens diferentes de ajuda: supervisão, para manejar o impacto emocional de estar
imerso no campo da pesquisa, evitando que sua participação lhe cause dano ou que
151
sua inabilidade em lidar com seus próprios sentimentos o leve a não ser capaz de
lidar com as questões emocionais dos participantes; e, desta maneira, lhe permita
fazer um adequado balanço entre subjetividade e objetividade, o que está diretamente
relacionado à qualidade dos dados coletados.
Ainda em relação à qualidade dos dados, frente à possibilidade de sofrimento,
o pesquisador pode adotar uma postura distante e neutra para se proteger, o que
resulta, entretanto, em dados mais pobres. Nesse sentido, a capacidade de estabelecer
e manejar adequadamente o relacionamento com o pesquisado tem implicações
éticas e metodológicas importantes.
9.1.7.6 A necessidade de treinamento e supervisão
Quando o pesquisador estabelece um contato face-a-face com o respondente,
e o processo de entrevista ou de observação é iniciado, surge um novo conjunto de
dilemas éticos, pois ambos vivem, então, uma experiência de vulnerabilidade
(ROBLEY 1995).
O pesquisador pode se tornar vulnerável pela proximidade com o pesquisado,
e pela imersão nas histórias deste, necessitando de suporte para não lhe causar dano.
Deve ter, nessa medida, a possibilidade de discutir o material coletado e suas análise
com seus supervisores (KYLMÄ e col. 1999).
Desta maneira, é essencial que os pesquisadores recebam supervisão
(JOHNSON e CLARKE 2003), que para alguns autores (BATCHELOR e BRIGGS
1994; JAMES e PLATZER 1999) deve ser nos moldes da supervisão usual para
terapeutas.
Nessa mesma direção, é uma questão ética e metodológica a garantia de
supervisão acadêmica para os pesquisadores, e de acesso à assistência terapêutica
também para eles e não só para os pesquisados (JAMES e PLATZER 1999).
Outra possibilidade é que as reuniões de equipe permitam a discussão de
situações difíceis que podem surgir no campo de estudo (SHAVER 2005), pois os
pesquisadores podem, então, se apoiar mutuamente (SIXSMITH e col. 2003),
reduzindo, desta maneira, sua ansiedade (PAAVILAINEN e col. 1998).
HOFMAN (2004) relata o dilema ético que experimentou ao ter acesso a
informações sobre atos ilícitos que os participantes de sua pesquisa cometeram
152
contra outras pessoas. Além disso, em contraste com o que pensavam alguns desses
participantes, HOFMAN não tinha a intenção de se tornar amiga deles, nem de
manter contato após o término do estudo. Essas questões fizeram com que percebesse
que ela estava preparada para lidar com as questões éticas que se colocavam ao longo
do trabalho.
A própria condução da pesquisa requer que o pesquisador tenha habilidade
para fazer uma rie de coisas ao mesmo tempo, o que requer preparo profissional.
Quando opta por realizar entrevistas, por exemplo, precisa: incentivar a pessoa a
falar, dirigir cuidadosamente a conversa, escutar atentamente, processar as
informações, estar atento as suas impressões, como a linguagem corporal e outros
fatores situacionais. Necessita, ainda, pensar em sua segurança física, agendar as
entrevistas com um intervalo de tempo apropriado entre elas e ter a possibilidade de
falar sobre sua experiência (WARR 2004).
O pesquisador deve ter também habilidades suficientes para saber quando
parar a aplicação do questionário. Isso salienta a necessidade do rigor no treinamento
e na supervisão da equipe de pesquisa, bem como o rigor no desenho do estudo
(WILKIE 1997).
No geral, os pesquisadores o são treinados para prestar atenção ao
relacionamento que estabelecem com os participantes, ou ao possível impacto
emocional do trabalho sobre si mesmos. Pelo contrário, muitos o encorajados a
negar ambas as questões, por o serem consideradas como científicas
(BATCHELOR e BRIGGS 1994).
Entretanto, o pesquisador deve estar preparado para manejar aspectos
emocionais que podem emergir durante a pesquisa, tanto dos participantes
(BATCHELOR e BRIGGS 1994) quanto deles próprios (PERRY e col. 2004).
Os pesquisadores relatam freqüentemente que o se sentem preparados para
lidar com as preocupações e questões que surgem nas pesquisas delicadas
(JOHNSON e CLARKE 2003).
A questão do treinamento e supervisão é particularmente importante na
pesquisa qualitativa, na qual o pesquisador é o instrumento da pesquisa e trabalha
freqüentemente isolado (RICHARDS e SCHWARTZ 2002; HOLLOWAY e
WHEELER 1995).
153
É importante que o pesquisador tenha conhecimento do seu código de ética
profissional, pois isso auxilia no manejo da relação com o pesquisado (KYLMÄ e
col. 1999).
Por sua vez, os comitês de ética e as agências de fomento poderiam adotar
como rotina verificar se o projeto prevê treinamento e suporte adequados para apoiar
o trabalho do pesquisador (BATCHELOR e BRIGGS 1994).
9.2 Os princípios que pautam a Resolução 196/96
Na mesma direção que a Resolução 196/96, no material em análise está
presente a preocupação de respeitar os princípios de autonomia, beneficência e
justiça e não maleficência. Apresento a seguir a maneira como esses princípios vêm
sendo discutidos por pesquisadores que adotam abordagens qualitativas.
9.2.1 Autonomia
A autonomia é um princípio que deve ser respeitado, porém nem sempre é
fácil avaliar se a pessoa está com possibilidade de exercê-la. Quando não existe
clareza sobre essa condição, coloca-se em questão a legitimidade do consentimento e
instala-se um dilema ético sobre a adequação de inclusão em uma pesquisa, em
especial quando se trata de uma pessoa com doença mental (LATVALA 1998;
USHER e HOLMES 1997).
A autonomia, entretanto, não é um princípio que ocupa um nível hierárquico
sobre os demais. Na observação participante, por exemplo, à custa da autonomia
individual, a ênfase metodológica amplifica as preocupações éticas relativas às
implicações políticas, que incluem debates sobre o relativismo, a representação, os
métodos participativos e a relação do pesquisador com seus participantes (HOEYER
e col 2005). Assim, na Antropologia uma relutância em aceitar códigos de ética
em pesquisa, pois há o temor de que sirvam para impedir a conscientização política e
o ativismo (HOEYER e col. 2005).
9.2.1.1 Paternalismo deve ser evitado
Embora seja dever do pesquisador evitar dano aos participantes, é preciso ter
cuidado para não cair no paternalismo (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002;
154
USHER e HOLMES 1997; KYLMÃ e col. 1999; ROBLEY 1995); ou seja, no intuito
de proteger a autonomia das pessoas, os pesquisadores ou os comitês de ética podem
acabar cerceando a possibilidade de decisão delas. Esse parece ter sido o caso da
proposta de JONES e col (1995), de possibilitar que os clínicos gerais vetassem
nomes numa relação de pessoas que poderiam ser convidadas a participar de uma
pesquisa, utilizando critérios médicos e pessoais, impedindo, desta maneira, que cada
pessoa recebesse informações sobre a pesquisa e decidisse se queria ou não fazer
parte dela.
O excesso de zelo, no caso o paternalismo, pode ferir os princípios de
autonomia e justiça (KYLMÃ e col. 1999), levando assim a conseqüências
indesejáveis, em especial quando existe a possibilidade de benefício direto ao
participante (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002).
9.2.1.2 O consentimento
O consentimento é uma preocupação constante para os pesquisadores que
utilizam abordagens qualitativas (DICICCO-BLOOM 2000; USHER e HOLMES
1997; DAWSON e KASS 2005; CLEMENTS e col. 1999; HOEYER e col. 2005;
HOFFMAN 2004; CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; MOYLE 2002;
LATVALA e col. 1998; RICHARDS e SCHWARTZ 2002) e pode ser considerado
um passo para aumentar a consciência do participante e auxiliar na construção de um
relacionamento mais justo entre este e o pesquisador (HOFMAN 2004).
Entretanto, o consentimento não é considerado um fim em si, mas uma forma
de respeito ao outro; assim, a maneira como seobtido depende de cada situação
específica (HOEYER e col. 2005). E ainda que possa ser considerado essencial para
pesquisas que podem identificar os participantes (EYSENBACH e TILL 2001;
DICICCO-BLOOM 2000; RICHARDS e SCHWARTZ 2002), e nos exercícios de
treino em pesquisa (EVANS 1997), poucos antropólogos o utilizam por escrito, pois
valorizam a reciprocidade e o rapport (HOEYER e col. 2005).
No lugar do consentimento informado, a confidencialidade e a garantia de
anonimato têm se constituído em maneiras de proteger os participantes. A relutância
de aceitar como norma o consentimento informado relaciona-se com o fato de que o
antropólogo, por exemplo, estabelece muitos contatos no campo, que tem intensidade
155
e importância diferentes; nessa medida, o consentimento de todos é praticamente
impossível (HOEYER e col. 2005).
O consentimento pode, ainda, ser dispensado quando o CEP considerar que
não é possível obtê-lo e quando sente que os benefícios da pesquisa superam os seus
riscos (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
O que é
O consentimento informado é uma concordância explícita do sujeito da
pesquisa, oferecido sem ameaça ou indução e baseado na informação que qualquer
pessoa razoável pode querer receber antes de consentir em participar do estudo
(HOLLOWAY e WHEELER 1995), sendo baseado no princípio de autonomia e da
negociação de confiança entre pesquisador e participantes (KYLMÄ e col. 1999).
A importância de respeitar o tempo que a pessoa necessita durante o processo
de obtenção do consentimento
Embora a informação sobre a natureza da pesquisa seja importante, não basta
que ela chegue ao participante; o pesquisador deve garantir que seja compreendida.
Por isso, é importante considerar o conteúdo e o timing da informação, bem como a
maneira como é transmitida. A linguagem deve ser acessível (KYLMÄ e col.1999).
Os participantes devem ter tempo para decidir e colocar suas questões
(RICHARDS e SCHWARTZ 2002). Timing é importante na pesquisa qualitativa
(HOLLOWAY e WHEELER 1995), constituindo-se também em um aspecto ético
importante. Por exemplo, uma pessoa-participante de estudo que acaba de descobrir
que tem HIV está vivendo um momento de intensa experiência emocional, está numa
fase de transição, e pode se abrir mais do que gostaria (KYLMÄ e col. 1999).
Essa mesma preocupação também está presente no Relatório Belmont, que
considera que a maneira e o contexto no qual o pesquisado é informado é tão
importante quanto as informações em si.
Processual
O consentimento é processual (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002,
USHER e HOLMES 1997; DICICCO-BLOOM 2000; DAWSON e KASS 2005;
156
CLEMENTS e col. 1999; JAMES e PLATZER 1999; HOFMAN 2004; KYLMÄ e
col. 1999; RICHARDS e SCHWARTZ 2002; HOLLOWAY e WHEELER 1995;
ROBLEY 1995); ou seja, não se dá num momento único do estudo.
Em pesquisa qualitativa, o pesquisador precisa estar atento aos efeitos da
participação no estudo e solicitar continuamente a permissão do participante
(KYLMÄ e col. 1999). O processo de consentimento informado deve ser ajustado à
medida que o estudo é desenvolvido, em cada contato entre pesquisador e pesquisado
(ROBLEY 1995; MOYLE 2002).
O participante deve ser continuamente informado de que a participação no
estudo é voluntária e que pode deixá-lo em qualquer momento (HOLLOWAY e
WHEELER 1995).
Entretanto, quando para apresentar novamente o consentimento, o
pesquisador tiver de procurar os pesquisados, além das situações não previstas no
projeto, isso pode colocar dificuldades, ainda que sejam freqüentes as amostra
pequenas nas pesquisas qualitativas. Um novo contato com os participantes pode
envolver custos e, devido à necessidade de movimentação geográfica destes e dos
pesquisadores, pode ser impraticável. Assim, contatos freqüentes com os
participantes podem provocar danos desnecessários. Apesar dessas dificuldades e
dada a natureza imprevisível das pesquisas qualitativas, mais uma vez advoga-se que
o consentimento seja tratado como um processo (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
Pesquisa qualitativa tem desenho emergente
Não é adequado obter um consentimento único para uma pesquisa qualitativa,
pois esta tem um desenho emergente, que vai se delineando processualmente, à
medida que o estudo vai sendo realizado (USHER e HOLMES 1997; JAMES e
PLATZER 1999; CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; NELSON e MCPHERSON
2004).
Uma vez que não é possível prever os procedimentos a priori, o pesquisador
deve explicitar no consentimento o tipo de conhecimento que pretende produzir e,
caso exista, seu compromisso com os grupos menos favorecidos (HOEYER e col.
2005).
157
Embora o consentimento informado seja instrutivo, ele não impede que falte a
informação sobre o que o pesquisador realmente quer. Também deve constar a
natureza imprevisível da emergência dos dados, uma vez que o conteúdo de todas as
questões do pesquisador não é conhecido previamente, pois emerge do diálogo
(ROBLEY 1995).
Dado o caráter processual dos estudos qualitativos, é difícil, ou mesmo
impossível fazer um balanço de seus riscos e benefícios (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002) para informá-los no consentimento. A impossibilidade de
prever o impacto para o pesquisado de sua participação no estudo traz a
impossibilidade de prestar essa informação no momento de obtenção do
consentimento (JONHSON e CLARKE 2003). Entretanto, quanto menos previsível o
impacto no participante, mais cuidado é necessário para evitar dano (NELSON e
MCPHERSON 2004).
Uma vez que a coleta e a análise acontecem simultaneamente, coloca-se uma
dificuldade para o consentimento - ele pode ser aplicado a um estágio da pesquisa,
mas pode não ser adequado para o próximo, pois o pesquisador pode mudar seu
objetivo com base nas informações recebidas (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Coleta de dados prolongada
Alguns autores consideram que o consentimento obtido num único momento
é questionável diante do fato de a coleta de dados ser realizada ao longo de vários
dias, e sugerem que o consentimento seja processual (DAWSON e KASS 2005;
CLEMENTS e col. 1999; DICICCO-BLOOM 2000).
Avaliação contínua do participante e do pesquisador
Assim, é importante que o consentimento seja re-negociado constantemente,
constituindo-se num processo de tomada de decisão contínuo, no qual as questões
que vão surgindo são discutidas abertamente. O pesquisado vai se mantendo
informado, e vai decidindo junto com o pesquisador, como uma equipe, o que é
possível pela profundidade do relacionamento estabelecido na pesquisa qualitativa
(USHER e HOLMES 1997). Isso permite discutir na comunidade se a manutenção
do projeto é eticamente aceitável (SIXSMITH e col. 2003).
158
Informações que devem constar do consentimento
O pesquisador deve ter cuidado ao elaborar o consentimento, que precisa
viabilizar a compreensão do estudo por um leigo, sem, porém, simplificar demais, a
ponto de sua natureza não ficar clara. Também não pode omitir informações que
poderiam alterar a decisão de participar do estudo. É importante, pois, que o
pesquisado tenha a dimensão dessa participação, inclusive em termos de tempo,
inconvenientes, riscos e desconfortos (JONES e col. 1995). As pessoas devem
receber informações claras sobre a pesquisa, em linguagem que possam
compreender, e então ter a possibilidade de decidir se querem participar (WILKIE
1997). O participante precisa saber exatamente com o que está concordando
(KYLMÄ e col. 1999).
O consentimento pode ser dividido em dois componentes: informação (que
inclui a informação e a compreensão) e consentimento (que inclui a voluntariedade e
a competência) (KYLMÄ e col. 1999).
A partir de síntese da literatura, KYLMÄ e col. (1999) consideram que as
informações que devem compor o consentimento são:
Propósitos do estudo;
Duração do estudo;
Procedimentos do estudo;
Apresentação do pesquisador;
Papel do participante;
Papel do pesquisador;
Explicação sobre por que os participantes foram selecionados;
Descrição de possíveis desconfortos;
Descrição de possíveis benefícios;
Apresentação de procedimentos alternativos (nas pesquisas com intervenção);
Descrição dos caminhos para manter o anonimato, a confidencialidade e a
privacidade dos participantes;
Disponibilidade de responder as questões colocadas pelos participantes;
Informação sobre com quem entrar em contato em caso de novas perguntas
ou dano relativo à participação na pesquisa;
159
Explicação da liberdade do participante retirar seu consentimento e
descontinuar sua participação no estudo;
Explicação sobre o que o pesquisador pretende fazer com os achados
(KYLMÄ E COL 1999).
Deve constar, ainda, o tipo de questão que será colocado (RICHARDS e
SCHWARTZ 2002), e os deveres do pesquisador frente aos pesquisados (HOFMAN
2004).
Outro aspecto relevante é que a pessoa deve ser informada previamente
quando se tratar de um treino de pesquisa para estudantes, que nem sempre produzirá
conhecimento científico (EVANS 1997).
O que deve ser informado sobre a propriedade e divulgação dos dados
Uma vez que existem opiniões diversas sobre quem tem o direito de decidir
sobre a publicação dos resultados, conforme discutido em “Divulgação dos
resultados”, neste capítulo, é essencial que esse aspecto esteja explicitamente
apresentado no momento do consentimento.
É preciso esclarecer, antes do início da pesquisa, de quem é a propriedade dos
dados coletados (DICICCO-BLOOM 2000) - se dos participantes, que poderão
inclusive vetar em parte ou na totalidade a publicação de seus dados (CLEMENTS e
col. 1999; PLATZER e JAMES 1997; HOLLOWAY e WHEELER 1995; ROBLEY
1995; KELEHER e VERRINDER 2003); ou se, uma vez que estes o construídos
em relações sociais complexas, que podem incluir muitas pessoas, pertencem ao
pesquisador e somente este poderá decidir sobre seu destino (HOEYER e col. 2005).
Esses esclarecimentos prévios, incluindo a possibilidade de autorizar o acesso
ao material coletado para alguns anos depois, são especialmente importantes no
processo da história oral, na qual o anonimato e a confidencialidade não estão
garantidos. Nesse caso, permitem então que o entrevistado decida o que quer e o que
não quer falar, evitando que se sinta exposto de maneira indevida (BOSCHMA e col.
2003).
Deve ficar clara a extensão em que o relato dos participantes será citado na
publicação dos resultados, informando se haverá citação de trechos dos relatos
160
individuais ou se estes serão citados conjuntamente com outros relatos, para
dificultar a identificação (DICICCO-BLOOM 2000; RICHARDS e SCHWARTZ
2002).
O pesquisado deve ter, ainda, a oportunidade de ler e alterar o que achar
necessário nas transcrições e/ou gravações e autorizar ou não o arquivo e a
publicação delas. Além disso, pode autorizar que o acesso ao material ocorra
alguns anos depois da coleta. Revisar as transcrições é um aspecto ético essencial no
processo da história oral, que não preo anonimato do participante (BOSCHMA
2003).
Impossibilidade de avaliar riscos
A impossibilidade de detalhar os procedimentos do estudo e, portanto, de
avaliar se existem riscos para os participantes torna obrigatório que o pesquisador
informe o tipo de conhecimento que pretende produzir (HOEYER e col. 2005).Além
disso, a dificuldade de prever o impacto da participação na pesquisa pode dificultar a
obtenção do consentimento (JOHNSON e CLARKE 2003).
Obrigações do pesquisador
O pesquisador deve informar no consentimento seus deveres para com o
pesquisado, incluindo tanto os objetivos quanto as possíveis falhas desse
procedimento (como, por exemplo, a possibilidade de quebra de anonimato). Isso
pode contribuir para a tomada de consciência de ambos para o pesquisado, que
passa a conhecer seus direitos, e para o pesquisador, que se mantém atento à
delicadeza de conduzir pesquisa com grupos vulneráveis. Isso poderá contribuir para
construir um relacionamento mais justo entre o pesquisador e o pesquisado
(HOFMAN 2004).
Cabe esclarecer a natureza da relação que o pesquisador pretende estabelecer
com os participantes, explicitando seu interesse na coleta de dados, informando se é
ou não sua proposta estabelecer uma relação de amizade com eles (HOFMAN 2004).
O pesquisador precisa informar também os cuidados que adota para proteger
o anonimato dos participantes (MILLER e RAINOW 1997).
161
Limites da confidencialidade
Cabe ao pesquisador informar, no momento do consentimento, os limites da
confidencialidade, que podeser rompida frente a uma ordem judicial (HOFMAN
2004). Essa preocupação também é discutida no documento canadense (SSHWC
2004).
De toda maneira, é importante avaliar aque ponto a confidencialidade deve
ser mantida. Se num determinado estudo um entrevistado afirma sua intenção de
cometer suicídio, o pesquisador deve manter em segredo ou deve comunicar alguém
sobre isso? A quem comunicaria: família, serviço de saúde? (BATCHELOR e
BRIGGS 1994). Preocupação semelhante é expressa por KNAUTH (2004),
conforme discutido no capítulo 5 deste trabalho.
Na técnica da história oral, o anonimato e a confidencialidade não estão
garantidos; ao contrário, a intenção é tornar público quem falou o quê, para permitir
estudos históricos e para dar credibilidade aos dados coletados (BOSCHMA e col.
2003).
Em pesquisas realizadas via Internet, é preciso atenção, pois os recursos
tecnológicos permitem, a partir de uma citação, identificar o e-mail do seu autor. Isso
resulta numa dificuldade importante para preservar o anonimato do participante
(EYSENBACH e TILL 2001).
Legitimidade do consentimento
a. Quando há relação hierárquica entre pesquisador e participante
É questionada a validade de obter um consentimento quando existe uma
relação hierárquica entre pesquisador e participante, prévia ao início da pesquisa
(DICICCO-BLOOM 2000).
b. Indução
O pesquisador deve fazer todos os esforços para que a pessoa tenha de fato a
possibilidade de decidir livremente se participa ou não de um estudo. Não deve haver
indução de nenhuma maneira, seja financeira (DAWSON e KASS 2005;
CLEMENTS e col. 1999; HOFMAN 2004), nem como uma resposta adaptativa ao
meio (CLEMENTS e col. 1999). Esses esforços devem estar registrados nas
162
publicações dos resultados (CLEMENTS e col. 1999; JAMES e PLATZER 1999).
Entretanto, em lugares onde o assistência médica, o mero fato de ter acesso a
ela, através da participação na pesquisa, pode constituir-se numa indução em si
(DAWSON e KASS 2005).
c. Consentir como resposta adaptativa ao meio
Em pesquisas com pessoas portadoras de deficiência mental, além da
necessidade de verificar se a proposta foi compreendida devidamente, é preciso ter
sensibilidade para identificar se a escolha por participar es sendo uma resposta
adaptativa ao meio, especialmente quando a pessoa percebe o status superior do
pesquisador e já vivenciou situações em que expressar sua opinião teve
conseqüências negativas (CLEMENTS e col. 1999).
Cuidado semelhante deve ser dispensado com pacientes internos em hospital
psiquiátrico, em especial com os que sentem que perderam a possibilidade de
autodeterminação (LATVALA e col. 1998).
Pessoas que têm situação financeira precária, como as mulheres pobres,
podem aceitar participar da pesquisa (quando a participação for paga
33
) a fim de
obter recursos financeiros para comprar alimentos para os filhos (HOFMAN 2004).
d. Capacidade para consentir
Especialmente quando a pesquisa envolve indivíduos com doença mental,
inclusive com depressão maior, questiona-se se eles têm condições de decidir pela
participação (MOYLE 2002, LATVALA e col. 1998). Diferentes autores têm
posições contraditórias sobre a inclusão de pessoas no momento que estão com
alucinações. LATVALA e col. (1998) consideraram que, nesse momento, não seria
eticamente aceitável incluí-las, por considerá-las sem condições de decidir
autonomamente. Entretanto, MOYLE (2002) incluiu pessoas nessa condição em seu
estudo, tomando o cuidado de interromper a entrevista quando percebia que o
participante estava sofrendo – nessa situação, solicitava a presença de um membro da
equipe responsável pela assistência aos entrevistados, para lhe prestar os devidos
cuidados.
33
No Brasil, a Res 196/96 CNS veta o pagamento aos participantes de pesquisa. Esta prática,
entretanto, é habitual em outros países.
163
Respeito à cultura local
É fundamental respeitar a cultura local (DAWSON e KASS 2005) e os
valores dos pesquisados (JAMES e PLATZER 1999), bem como seus contextos
sociais, históricos e políticos (KYLMÄ e col. 1999).
Assim, é necessário que o pesquisador observe atentamente se as informações
foram de fato compreendidas pelos participantes (DAWSON e KASS 2005,
HOFMAN 2004), e a quem cabe o consentimento pela inclusão no estudo, se ao
próprio participante, à família ou ao líder comunitário (DAWSON e KASS 2005).
Apesar das diferenças culturais entre pesquisado e pesquisador, o
consentimento usualmente reflete apenas o ethos cultural do último, que por sua vez
é o que está confirmado nas diretrizes sobre ética em pesquisa (HOFMAN 2004). É
importante que o pesquisador processe um consentimento que possibilite informar o
que é a pesquisa e qual será a participação da pessoa; e, ainda, que faça todo esforço
possível para que ela, de fato, esteja em uma situação em que possa tomar uma
decisão.
Adequação do consentimento por escrito
É questionável a obtenção do consentimento por escrito quando os
participantes têm baixa escolaridade ou não são alfabetizados (DAWSON e KASS
2005). Além disso, caso prefiram não escrever, o consentimento pode ser gravado em
fita cassete (KYLMÄ e col. 1999).
Outro aspecto a considerar, como discute o documento canadense (SSHWC
2004), é que a obtenção do termo de consentimento por escrito pode minar a relação
de confiança entre pesquisador e pesquisado.
Quando o consentimento não será obtido
É importante salientar que as pesquisas que não pretendem obter
consentimento informado devem demonstrar que não é possível obter os dados de
outra maneira (ROBLEY 1995).
Em pesquisas realizadas com colegas, também profissionais de saúde, o
consentimento por escrito freqüentemente é desnecessário, pois a desigualdade de
164
poder seria menor do que entre esses pesquisadores e seus pacientes (HOLLOWAY
e WHEELER 1995).
EVANS (1997) considera que o consentimento deve ser solicitado nas
pesquisas fúteis, que têm a função de exercícios de treino, geralmente conduzidos
por estudantes.
a.Estudos observacionais
No caso das pesquisas observacionais, nem sempre é possível obter o consentimento
individual por escrito (USHER e HOLMES 1997; SHAVER 2005; JONES e col.
1995).
A relutância em considerar como norma o consentimento em estudos
observacionais está relacionada ao fato de que o pesquisador estabelece muitas
relações no campo, com intensidade e importância diferentes. Assim, é praticamente
impossível que todos consintam igualmente (HOEYER e col. 2005; USHER e
HOLMES 1997). É importante considerar ainda que o é prático obter
consentimento de todos os envolvidos quando a observação se realiza em lugares
públicos (JONES e col. 1995).
Embora seja difícil obter consentimento para as observações de campo,
SHAVER (2005) questiona a legitimidade de aboli-lo e cita como exemplo um
profissional do sexo que aceitou participar de uma entrevista, mas não da observação
de seu trabalho na rua, enquanto aguardava seus clientes. Nesse estudo, a estratégia
adotada para obter esse consentimento foi solicitar que os profissionais do sexo
informassem a delimitação do seu território e a rede de relacionamentos na qual
trabalhavam, permitindo a identificação de ambos e, ao mesmo tempo, legitimando
que os pesquisadores fizessem suas anotações de campo e verificassem a exatidão de
suas próprias observações. Desta maneira, o respeito ao consentimento livre e
informado foi obtido em dois níveis: um relativo às observações no campo da
pesquisa, e outro, às entrevistas individuais; e a privacidade e a confidencialidade
foram mantidas (SHAVER 2005).
HOEYER e col. (2005) ressaltam, entretanto, que, em contraste com a
tradição médica, observação participante não explicitada tem sido considerada como
um método aceitável para assegurar acesso ao contexto de pesquisa. Como já dito, no
165
lugar do consentimento informado, a garantia de confidencialidade e de anonimato
têm sido maneiras de proteger os participantes.
b.Estudos observacionais encobertos
Existem estudos em que não é possível contar toda a verdade ao participante.
Segundo WILKIE (1997), esse é o caso de algumas pesquisas em Psicologia, pois
pode ser impossível estudar alguns processos psicológicos sem omitir informações,
uma vez que o pesquisado poderia modificar seu comportamento ao saber o que está
sendo estudado. Entretanto, essa omissão não é aceitável se houver risco maior que o
mínimo para o participante (WILKIE 1997).
Em muitos estudos observacionais, os participantes não sabem da presença do
pesquisador e de suas intenções. Isso minimiza a possibilidade de que os resultados
sejam influenciados porque a pessoa sabe que está sendo observada. Muitas vezes o
pesquisador negocia a realização da pesquisa apenas com os mais poderosos da
comunidade (JONES e col. 1995).
De toda forma, quando a omissão de informação for necessária, o pesquisador
deve demonstrar ao comitê de ética que não outro método possível, que avanços
significativos podem advir da pesquisa em pauta e que nada do que está sendo
omitido, caso fosse divulgado, poderia levar uma pessoa razoável a deixar de
participar (WILKIE 1997). O comitê deve determinar, então, com o investigador se e
como esses sujeitos poderão ser informados sobre a omissão, após o término da
pesquisa (WILKIE 1997).
HOLLOWAY e WHEELER (1995) consideram que a observação encoberta é
eticamente questionável, pois os participantes podem ser explorados e enganados. O
efeito do observador, ou seja, a mudança que pode haver com essa presença nos
observados pode, entretanto, estar superestimado, pois os participantes
freqüentemente a esquecem.
De toda maneira, os pesquisadores no campo da saúde geralmente informam
seus propósitos (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
166
Termo de responsabilidade do pesquisador
Alguns participantes podem solicitar ao pesquisador que assine um termo
comprometendo-se a utilizar o material apenas para pesquisa. PAAVILAINEN e col.
(1998) relatam essa situação numa pesquisa realizada junto a famílias em que havia
abuso de crianças. Os autores consideram que a assinatura desse termo foi
possível porque os participantes estavam em acompanhamento terapêutico e suas
questões estavam sendo trabalhadas.
Especificidades do consentimento nas pesquisas em serviços de saúde
Algumas questões específicas do consentimento se colocam nas pesquisas
qualitativas em serviços de saúde. Primeiro, para minimizar a possibilidade de
coerção e exploração, a experiência profissional do pesquisador deve ser claramente
informada ao participante, especialmente se primeiro é ou não profissional de saúde;
um segundo aspecto, é que os participantes devem ser informados de que o
pesquisador não tem a intenção de que a participação na pesquisa tenha efeito
terapêutico ou seja um coadjuvante no tratamento médico. Em terceiro lugar, os
participantes devem ter assegurado que sua decisão de participar ou o da pesquisa
não prejudicará sua assistência à saúde (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
Assim, é importante ter cuidado, pois pode haver coerção, quando a pessoa
aceita participar por respeito ao profissional de saúde que a atende ou porque, se não
aceitar, teme ser discriminada quando necessitar de cuidados futuros. JONES e col.
(1995) consideram que não é adequado que o profissional da assistência envie carta
apoiando o estudo. Esses autores sugerem ainda que o pesquisador deve garantir ao
pesquisado que o profissional responsável pela sua assistência não será informado
sobre sua decisão de participar ou não no estudo.
9.2.2 Justiça
9.2.2.1 As necessidades de grupos vulneráveis não são consideradas prioridades
de pesquisa
Nem sempre as necessidades das pessoas vulneráveis são priorizadas
(CLEMENTS e col 1999; HOFMAN 2004; WARR 2004; STEIN e MANKOWSKI
2004) nas pesquisas, haja vista a necessidade de formação de fundos para financiá-
167
las, como os organizados pelos familiares de portadores de síndromes (CLEMENTS
e col. 1999).
9.2.2.2 Conivência dos pesquisadores
Alguns pesquisadores adotam uma atitude conivente ao realizar estudos em
instituições onde os direitos humanoso são respeitados; porém, a pesquisa social é
inerentemente politizada e deve ter impacto na vida cotidiana do grupo em estudo
(CLEMENTS e col. 1999).
Conivência dos CEP
Mas também pesquisadores que podem ter dificuldade para obter
aprovação de um comitê de ética em pesquisa. Foi o caso de DEGRUNCHY e
LEWIN (2001) ao proporem um estudo sobre o tratamento dispensado a pessoas
homossexuais por profissionais de saúde, militares na África do Sul, durante a época
do Apartheid. O comitê questionou a validade do projeto, considerando-o político e
não científico, e manifestou a preocupação de que a pesquisa pudesse levar a ações
contra esses profissionais de saúde. Os autores avaliaram que a atuação do comitê
apresentou dois problemas - um explícito, qual seja, a intenção de impedir que
profissionais de saúde tivessem seu trabalho avaliado e colocado para discussão
pública, e outro implícito, o preconceito contra homossexuais.
9.2.2.3 Advocacy e justiça social
Existe um objetivo de advocacy, que relaciona a pesquisa qualitativa e a
justiça social. Freqüentemente, o pesquisador qualitativo busca fomentar uma
mudança social, através da crítica e da revelação das narrativas subliminares ao
sistema de opressão (STEIN e MANKOWSKI 2004).
9.2.2.4 Conflito de interesse entre os membros da equipe de pesquisa, o
patrocinador, o pesquisado e a sociedade
Autores como BATCHELOR e BRIGGS (1994) discutem a possibilidade de
conflito de interesse entre o coordenador da pesquisa, o pesquisador e os
participantes, o que coloca uma série de dilemas éticos.
168
O coordenador negocia com os patrocinadores e agências de fomento, precisa
adequar orçamento e prazos, além de garantir a qualidade do trabalho: amostra
adequada, coleta de dados, análise do material e publicação; deve estar atento, ainda,
aos aspectos éticos em todo o processo da pesquisa.
o pesquisador tem necessidade de treinamento e supervisão, a fim de que
possa receber algum preparo para lidar com o impacto emocional que pode advir do
contato com o participante e de sua imersão no campo; além disso, a discussão de
aspectos éticos é fundamental e deve ocorrer antes de iniciar os procedimentos do
estudo.
As necessidades do participante incluem ser tratado com respeito, ter
preservado seu anonimato e a confidencialidade de seus dados. A participação na
pesquisa pode levar a lembranças dolorosas ou à exposição de situações estressantes.
Assim, é razoável que o participante solicite apoio e orientação ao abrir-se para o
pesquisador. Este, por sua vez, deve ser sensível a essas demandas, mas não precisa,
nem deve, perder seu foco no trabalho da pesquisa, podendo atendê-las através de
encaminhamento para serviços especializados.
Existe, assim, grande diferença entre as necessidades, as responsabilidades e
o poder dos três principais atores da pesquisa, sendo que o participante parece ser o
que detém menos poder. Isso, porém, pode ser equilibrado se houver discussão antes
e durante a realização do trabalho, que deve contar com um pesquisador preparado,
pois, do contrário, as dificuldades ficam exacerbadas, e o resultado pode ser pouco
proveitoso para a pesquisa e para todos os atores envolvidos (BATCHELOR e
BRIGGS 1994).
Conflito entre interesse individual e coletivo
Existem situações em que pode haver conflito de interesse entre indivíduo e
sociedade, como no caso de pesquisas que não envolvem risco ao participante, pois
propõem análise de material coletado. Nessas situações, pode ser mais adequada a
garantia institucional de preservar o anonimato do que o consentimento individual
(HOEYER e col. 2005).
169
9.2.3 Beneficência
O efeito da pesquisa deve ser acompanhado caso a caso, pois o que pode ser
considerado benéfico para uma pessoa pode ser considerado danoso para outra.
Como já foi dito, uma vez que o pesquisador e o pesquisado estão inclusos no
campo da pesquisa, cabe considerar o balanço entre riscos e benefícios para ambos,
compreender os limites dessa relação e os aspectos éticos que podem surgir.
Vivenciar as entrevistas nas pesquisas qualitativas pode ser benéfico para o
participante e valioso para o pesquisador (MURRAY 2003).
9.2.3.1 Futilidade da pesquisa
A futilidade da pesquisa, ou seja, sua inabilidade de mudar algo na vida dos
pesquisados deve ser evitada (WARR 2004; STEIN e MANKOWSKI 2004;
CLEMENTS e col. 1999; HOFMAN 2004). Nessa medida, é fundamental que o
pesquisador faça todos os esforços para que seu estudo, em especial o que é
conduzido com grupos desfavorecidos, possibilite uma melhora na vida dos
pesquisados e de sua comunidade.
Entre pesquisadores que utilizam abordagens qualitativas existe, de fato, uma
forte preocupação de transformar o conhecimento em ações (STEIN e
MANKOWSKI 2004).
O pesquisador qualitativo busca fomentar uma mudança social, através da
crítica e da revelação das narrativas subliminares ao sistema de opressão (STEIN e
MANKOWSKI 2004).
9.2.3.2 Benefícios para a comunidade
Benefícios não relacionados à pesquisa, mas promovidos pelo pesquisador
A realização da pesquisa pode prever que, em retribuição à participação nela,
os pesquisadores contemplem a comunidade em estudo com ões tais como montar
uma biblioteca ou organizar um curso de culinária. Isso colabora para aumentar a
credibilidade da equipe de pesquisa, na medida em que esta passa a ser vista não
como aquela que recolhe informações, mas também contribui para a comunidade
(SIXSMITH 2003).
170
Numa pesquisa realizada com aborígines australianos, os pesquisadores
incluíram a distribuição de kits para jardinagem aos que responderam ao survey, após
negociações com a própria comunidade (MILLER e RAINOW 1997).
Benefícios intrínsecos a realização da pesquisa
Os resultados das pesquisas, ao apontar as heterogeneidades dentro de um
dado grupo vulnerável, podem contribuir para diminuir o estigma deste (SHAVER
2005).
A própria realização da pesquisa pode promover a formação de redes,
colocando diferentes atores em contato uns com os outros (SIXSMITH 2003).
9.2.3.3 Parceria entre universidade e comunidade
Existem benefícios recíprocos no estabelecimento de parcerias entre a
universidade e a comunidade, tais como: incorporação de diferentes perspectivas,
aumento da sinergia de idéias e de recursos, melhora na qualidade do dado,
possibilidade de construir capacidades, incentivo da troca recíproca de habilidades e
conhecimentos e, ainda, aumento da responsabilidade pública (SHAVER 2005;
WARR 2004).
Em suma, essa parceria pode colaborar também para a superação de grandes
obstáculos na condução de estudos com populações vulneráveis, inclusive com
profissionais do sexo, como: erros da amostra e preocupações com a privacidade.
Com esse procedimento, é possível aumentar a credibilidade dos dados (SHAVER
2005).
9.2.3.4 Benefícios para os indivíduos
A participação nas entrevistas tem grande potencial de ser benéfica para os
entrevistados (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; STEIN e MANKOWSKI 2004;
MURRAY 2003; HOLLOWAY e WHEELER 1995). Conforme foi referido por
esses autores, a literatura sugere que as entrevistas o re-traumatizam os
participantes; ao contrario, o fato de serem ouvidos de maneira cuidadosa pode ter
efeito terapêutico, ainda que o seja este o objetivo. De toda maneira, é importante
que o pesquisador esteja atento à possibilidade de que o participante possa
171
experimentar algum sofrimento durante a entrevista, uma vez que existem maneiras
de manejar esse tipo de situação, caso se apresente.
Os benefícios relatados pelos entrevistados são (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002):
O desejo de beneficiar outros com sua experiência (também em
STEIN e MANKOWSKI 2004);
O desejo de que, como resultado do que aprenderam com a
experiência, outros possam evitar sofrimentos;
Sentir-se lembrado;
Perceber o progresso que fizeram;
Vivenciar um sentido de completude;
Desejo de que algo bom possa advir da situação difícil que
vivenciaram, como a perda.
Assim, o pesquisador ganha conhecimento, enquanto os informantes
encontram ouvidos atentos para seus sentimentos e pensamentos. Isso significa que
existe reciprocidade (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
O efeito terapêutico das entrevistas pode ser associado à possibilidade de
lembrar fatos vivenciados, podendo falar sobre eles, numa relação de confiança e
acolhimento. Ao compartilhar suas experiências, os pesquisados podem encará-las de
uma forma diferente (MURRAY 2003; WARR 2004). Também pode ser benéfico
por oferecer a oportunidade de o participante contar histórias que não foram jamais
contadas, de rever sua vida ou seu trabalho, para a catarse, o autoconhecimento, o
fortalecimento, entre outros (KYLMÄ e col. 1999).
E, ainda, a participação na pesquisa pode ser terapêutica para o pesquisado
que considera que teve então, pela primeira vez, a possibilidade de expressar seus
sentimentos. Porém, isso ressalta a importância do cuidado necessário ao término da
pesquisa (WILKIE 1997).
Assim, uma vez que existe a possibilidade de benefício direto ao participante,
tão importante quanto protegê-lo, é evitar o paternalismo, como já foi apontado
(neste capítulo há um item especifico “Paternalismo deve ser evitado”).
172
Salienta-se ainda que pesquisados que sentem que perderam a capacidade de
autodeterminação, como aqueles que estão internados em enfermarias psiquiátricas,
ao perceberem que têm condições de escolher se aceitam ou não participar de uma
pesquisa, podem se sentir com poder de decisão (LATVALA e col. 1998).
Numa pesquisa em que KELEHER e VERRINDER (2003) utilizaram o
diário de saúde como instrumento de coleta de dados, este se tornou, além disso, um
intermediário para uma relação de suporte entre os pesquisadores da universidade e
os participantes. Estes foram capazes, então, de refletir sobre sua saúde e a de seus
familiares, o que parece ter melhorado sua capacidade de observação sobre o que
estavam vivenciando.
9.2.4 Não maleficência
O pesquisador deve cuidar para que nem os participantes (LATVALA e col.
1998; BOSCHMA e col. 2003; CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; EYSENBACH
e TILL 2001; USHER e HOLMES 1997; DICICCO-BLOOM 2000; JAMES e
PLATZER 1999; PLATZER e JAMES 1997; SHAVER 2005; WARR 2004;
RICHARDS e SCHWARTZ 2002; GAULD e MCMILLAN 1999; HOLLOWAY e
WHEELER 1995; NELSON e MCPHERSON 2004), nem os pesquisadores
(JOHNSON e CLARKE 2003; PAAVILAINEN e col. 1998; WILKIE 1997; PERRY
e col. 2004) sejam prejudicados durante os procedimentos do estudo (MOYLE 2002;
BATCHELOR e BRIGGS 1994; JAMES e PLATZER 1999; WARR 2004;
JOHNSON e CLARKE 2003; KYLMÄ e col. 1999), bem como na divulgação dos
resultados (PLATZER e JAMES 1997).
É importante analisar o balanço entre benefício e risco, embora este seja
difícil de ser medido na pesquisa qualitativa (WILKIE 1997).
9.2.4.1 Cuidados em relação ao pesquisado
Riscos a serem equacionados
Ao pesquisador cabe salvaguardar o bem-estar dos participantes (HIGHET
2003). Para isso, deve, entre outros aspectos, analisar sua relação com eles, a fim de
evitar, inclusive, a possibilidade de explorá-los (HOFMAN 2004; RICHARDS e
SCHWARTZ 2002).
173
Em pesquisas sociais, os principais riscos são: invasão de privacidade, quebra
de confidencialidade e constrangimento (PLATZER e JAMES 1997).
Alguns autores se preocupam em identificar os riscos que podem surgir nas
pesquisas qualitativas; entre estes, são descritos: ansiedade e sofrimento,
representação
34
, identificação dos participantes (por si mesmo ou por outros) e
inconveniência e custos. Para evitá-los, as autoras sugerem: embasamento científico;
organização de seguimento terapêutico, quando necessário; consideração de que
obter consentimento é um processo; garantia de confidencialidade e participação de
uma instância reflexiva durante a análise (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
De fato, é importante estar atento à possibilidade de dano emocional ou de
distúrbios psicológicos (USHER e HOLMES 1997; BATCHELOR e BRIGGS
1994), o que pode ocorrer como resultado da participação na pesquisa e precisa ser
investigado (WILKIE 1997).
No entanto, usualmente, as diretrizes sobre ética em pesquisa se preocupam
com a possibilidade de danos físicos, e não consideram o risco emocional (USHER e
HOLMES 1997; NELSON e MCPHERSON 2004).
Os tópicos sensíveis, delicados, de natureza social ou psicológica e que
podem ser invasivos, freqüentemente, não são reconhecidos como necessitando de
cuidados por parte do pesquisador. Esses tópicos sensíveis podem estar presentes:
a. quando a pesquisa entra na esfera privada ou investiga profundamente
alguma experiência pessoal;
b. quando o estudo é relativo a desvios ou a controle social;
c. quando visa informar pessoas poderosas a coagir ou dominar;
d. quando lida com coisas sagradas aos investigados (LEE e RENZETTI
1990, apud NELSON e MCPHERSON 2004)
As diretrizes específicas para pesquisa em Ciências Sociais e Humanas que
existiam no Canadá, mas foram revogadas, advertiam sobre a necessidade de cuidado
adicional com estudos em que o risco é difícil de ser acessado previamente. De
acordo com o texto dessa diretriz:
34
Discutida no item “5.4.4. A possibilidade de má interpretação”.
174
Nós percebemos que o dano psicológico pode ter várias formas: perda
de dignidade e auto-estima, constrangimento social, provocar culpa ou
remorso ou sentimento de ser explorado ou degrado. Não é fácil
acessar estes potencias danos, porém nós recomendamos o máximo
deve ser feito quanto mais incalculável o risco, mais precauções
devem ser tomadas pelo pesquisador e pelo CEP (SSHRC, 1997, 12-3;
apud NELSON e MCPHERSON 2004).
É importante considerar ainda que o risco do dia-a-dia pode ser de difícil
manejo para uma pessoa numa situação de fragilidade (NELSON e MCPHERSON
2004).
As pesquisas com grupos vulneráveis podem ter os seguintes efeitos que,
segundo JAMES e PLATZER (1999), merecem atenção:
1. aumentar a patologização dos participantes (por exemplo, a
homossexualidade como doença);
2. aprofundar o estigma ligado a sua cultura;
3. perpetuar seu status de “fora da lei”;
4. convidar ao voyerismo;
5.expor mecanismos de proteção;
6. identificar os participantes (como resultados do que eles disseram);
7. desrespeito;
8. ignorar o macro contexto (contexto político, social histórico).
Durante as pesquisas surgem dilemas éticos como estes, que, embora
usualmente não sejam discutidos, precisam ser colocados em pauta, para evitar
prejuízos aos pesquisados ou à sua comunidade (JAMES e PLATZER 1999).
Cuidados a adotar
É importante que a preocupação de evitar danos se coloque também durante a
definição dos critérios de inclusão. Em algumas situações muito delicadas, como
pesquisas sobre famílias que abusam de crianças, ou quando o objeto de estudo é a
psicoterapia, o pesquisador pode avaliar a possibilidade de incluir preferencialmente
175
pessoas que estão em psicoterapia (PAAVILAINEN e col. 1998; RAINGRUBER
2003).
A maneira como o pesquisador coloca suas questões e conversa com o
participante é muito significativa. Sua postura deve ser acolhedora, de não
julgamento (PAAVILAINEN e col. 1998; MURRAY 2003), embora isso possa o
ser fácil diante de situações delicadas, como a citada acima. A maior preocupação
ética, nesses casos, é evitar que o pesquisado se sinta culpado (PAAVILAINEN e
col. 1998).
a. Entrevistas
É importante que o pesquisador observe se o participante está se sentindo
desconfortável durante a entrevista, especialmente se a mesma questiona sua maneira
de se apresentar (JOHNSON e CLARKE 2003).
De fato, nesses momentos as pessoas podem ser convidadas a fazer uma
reflexão sobre suas experiências, o que requer uma concentração profunda e intensa
(WARR 2004). É importante que o pesquisador esteja atento aos efeitos da
entrevista, sendo que alguns autores sugerem limitar o tempo da mesma, que pode
ser considerado estressante, e, se for necessário, encaminhar o participante para um
profissional da equipe assistencial (USHER e HOLMES 1997; JAMES e PLATZER
1999; MURRAY 2003).
Por outro lado, justamente porque os participantes podem experimentar
emoções intensas durante e após as entrevistas, elas não devem ser nem
excessivamente longas, nem excessivamente curtas (KYLMÄ e col. 1999).
Outro cuidado necessário é que, em pesquisas longitudinais, em que são
realizadas várias entrevistas, o pesquisador deve garantir um tempo entre elas para
que o participante se recupere. É uma questão ética importante que o participante
saiba que pode regular o processo da entrevista e que não deve responder às questões
que considerar muito pessoais ou estressantes (KYLMÄ e col. 1999).
Os pesquisadores precisam estar cientes das emoções complexas e
contraditórias que podem emergir durante a entrevista, que evoca memórias,
sentimentos e situações que os pesquisados colocaram de lado. Tudo isso pode a
desencadear uma crise de choro. Quando necessário, o pesquisador deve ajudar,
176
então, a atribuir um novo significado a essas emoções, ainda que o esteja no papel
de terapeuta. Porém, para prestar esse tipo de auxílio, deve ter formação para isso
(PAAVILAINEN e col. 1998; KYLMÄ e col. 1999).
Assim, retomando alguns aspectos discutidos, cabe ressaltar que uma vez
que a participação em entrevistas pode fazer emergir conteúdos que precisam ser
processados e porque o pesquisado pode confundir entrevista de pesquisa e terapia, o
pesquisador deve providenciar um terapeuta para onde encaminhá-lo, informando-o
disso (MURRAY 2003; RICHARDS e SCHWARTZ 2002; KYLMÄ e col. 1999;
USHER e HOLMES 1997; JAMES e PLATZER 1999). Não é ético recusar
responder a pedidos de ajuda ou aconselhamento, buscando manter neutralidade e
objetividade (PLATZER e JAMES 1997).
Quando a realização de entrevistas é a técnica eleita pelo pesquisador, um
outro aspecto a considerar é se elas serão individuais ou em duplas.
KYL e col. (1999) consideram que, em entrevistas conjuntas, os
participantes têm menos controle sobre o que é dito e, portanto, menos oportunidade
de exercer o consentimento informado. Entretanto, HIGHET (2003) relata que
ofereceu em seu estudo a possibilidade de que os adolescentes decidissem se
preferiam ser entrevistados individualmente ou com um acompanhante escolhido por
eles. A maioria optou pela dupla. Esta autora considera que, quando os participantes
estão mais confortáveis e familiarizados um com o outro, e têm alguma possibilidade
de controle sobre a entrevista, isso se configura num contexto mais natural e facilita
um balanço melhor no relacionamento entre eles e o entrevistador, facilitando o
processo de confiança e de contato e contribuindo, assim, para gerar dados com
melhor qualidade (HIGHET 2003).
A possibilidade de que o pesquisado tenha algum controle sobre o processo
da entrevista pode colaborar para uma relação menos desigual entre ele e o
pesquisador (THIOLLENT 1981).
Entrevistas em profundidade colocam questões éticas opostas aos
questionários fechados. A possibilidade de ser ouvido pelo pesquisador habilidoso
pode ser terapêutico e possibilitar ao participante se conscientizar de situações
estressantes ou traumáticas, de dificuldades da vida que vinha ignorando.
177
Reconhecer esses aspectos não se constitui num dano em si, mas coloca a questão do
que fazer ao final da entrevista (JONES e col. 1995).
Isso ressalta a importância de fazer um follow up para verificar os efeitos
imediatos da participação na pesquisa, em especial porque, como foi ressaltado, o
que parece ser vivido como um benefício para um participante pode ser considerado
um custo para outro (JOHNSON e CLARKE 2003).
Enfim, é importante destacar que o pesquisador deve ter habilidade para
conduzir entrevistas (PLATZER e JAMES 1997), para manejar respostas emocionais
durante esse procedimento, tanto do participante (BATCHELOR e BRIGGS 1994),
quanto as suas; e que a possibilidade de encaminhar para assistência deve ser prevista
(MURRAY 2003; RICHARDS e SCHWARTZ 2002; KYLMÄ e col. 1999; USHER
e HOLMES 1997).
Um maneira humana, moral e responsável de conduzir a pesquisa, em
especial uma entrevista em profundidade, incluem: proteger a confiança do
respondente, estar aberto aos dados, perceber certo grau de dependência que existe
em alguns respondentes, antecipar a necessidade de intervenção terapêutica em
algumas situações e permitir constantemente a comunicação flexível e a discussão de
problemas emergentes (ROBLEY 1995).
b. Grupo focal
Outra situação é a dos grupos focais, em que os participantes podem
encontrar a si mesmos discutindo suas preocupações, suas atitudes e sentimentos em
público. Enquanto alguns podem considerar essa experiência como positiva, outros
podem considerá-la perturbadora. O participante pode ser sentir desconfortável por
falar num grupo sobre sua privacidade e de seu mundo pessoal. Pode, ainda, se sentir
culpado ao falar de seu relacionamento com familiares ou cuidadores (WILKIE
1997).
c. Observação
É possível definir também regras para salvaguardar os participantes de uma
pesquisa específica, como foi feito, por exemplo, junto a profissionais do sexo,
178
quando foi estabelecida uma diretriz para desenvolver e manter uma abordagem de
redução de dano, centrada no participante (SHAVER 2005).
9.2.4.2 Cuidados com o pesquisador
É um aspecto ético cuidar dos efeitos nocivos que a condução das entrevistas
e observações pode ter no pesquisador (JOHNSON e CLARKE 2003; KYLMÄ e
col. 1999; PAAVILAINEN e col. 1998; WILKIE 1997; PERRY e col. 2004;
MOYLE 2002; BATCHELOR e BRIGGS 1994; JAMES e PLATZER 1999; WARR
2004; JOHNSON e CLARKE 2003; KYLMÄ e col. 1999), pois as discussões
íntimas e confidenciais sobre situações difíceis podem ser fonte de ansiedade
(PAAVILAINEN e col. 1998).
Realizar entrevistas sobre tópicos delicados pode gerar no pesquisador
sentimento de impotência e falta de esperança, além de insônia e pesadelos. O
sentimento de isolamento pode, ainda, intensificar esses sentimentos. Os
pesquisadores freqüentemente não se sentem preparados para lidar com as
preocupações e questões que surgem nas pesquisas delicadas.
Uma pesquisa conduzida por JONHSON e CLARKE (2003) junto aos
pesquisadores identificou as seguintes preocupações: inexperiência e falta de
treinamento, necessidade de confidencialidade, conflito de papéis, impacto das
entrevistas nos participantes e sentimentos de isolamento.
A meu ver, todos têm implicações éticas e foram discutidos com maior
profundidade no item “Dificuldades dos pesquisadores durante o trabalho de campo”,
deste capítulo.
Outro aspecto se relaciona à segurança física do pesquisador. SHAVER
(2005), num trabalho de campo que visava estudar profissionais do sexo, foi
abordada de maneira desrespeitosa pela polícia. Com essa mesma preocupação, o
documento canadense (SSHWC 2004) discute que, em pesquisas conduzidas nos
locais habituais dos pesquisados, quem pode estar em maior risco é o próprio
pesquisador. A situação de pesquisar gangs exemplifica bem essa situação.
179
9.2.4.3 Cuidados com os pesquisados e com o próprio pesquisador
Quando pessoas mais vulneráveis são encorajadas a falar abertamente, é
comum tocarem em experiências emocionais ou dolorosas de suas vidas ou
revelarem pensamentos que nunca foram revelados, que podem ser relativos a sua
perda de autocontrole e de integridade. Essa interação altamente pessoal cria
vulnerabilidade quando conhecedor e conhecido trocam papéis, trocam confiança e
reconstroem identidades. Reconhecer essa vulnerabilidade é importante, pois o
respondente pode exercer seu desejo de se abrir livremente, e alguns revelam uma
grande quantidade de informação que um ouvido atento encoraja (ROBLEY 1995).
Com essas características, as entrevistas de pesquisa podem ser exaustivas tanto para
os pesquisados quanto para os pesquisadores (KYLMÄ e col. 1999).
Alguns autores destacam ainda como aspectos éticos a serem observados para
proteger tanto os participantes quanto os pesquisadores de danos: 1. susceptibilidade
ao dano: o pesquisador deve verificar o quanto o pesquisado é vulnerável e quais são
os aspectos que o tornam mais vulnerável, com vistas a evitar causar algum dano; 2.
política de representação: a maneira como o pesquisador interpreta os achados deve
ser claramente descrita e 3. uso do self : uma vez que o pesquisador entra no campo
da pesquisa com sua identidade pessoal e com seus valores, é importante explicitar
como maneja os dilemas éticos que surgem nesse processo (JAMES e PLATZER
1999).
9.3 Aspectos éticos das pesquisas qualitativas
Apresento e discuto a seguir aspectos éticos que preocupam os pesquisadores
que adotam abordagens qualitativas, os quais, entretanto, não foram discutidos em
termos dos princípios de autonomia, beneficência, justiça e não maleficência, pois
isso não me pareceu possível. E ainda, por tratar-se de propostas que articulam vários
aspectos, aproximando-se de uma diretriz, estão apresentadas na íntegra para
preservar sua lógica interna.
180
9.3.1 Diretrizes, comitês de ética e as pesquisas qualitativas: uma revisão
necessária
As diretrizes publicamente reconhecidas para a “experimentação com seres
humanos” auxiliam pouco na análise dos aspectos éticos das pesquisas qualitativas.
O código de Nuremberg, a Declaração de Helsinque e a prática de consulta aos
comitês de ética em pesquisa, desenvolvidas a partir de um paradigma positivista,
com atenção no cálculo entre risco e benefício, procedimentos de experimentação
científicos e consentimento voluntário, são importantes, mas de âmbito inadequado
quando aplicados à pesquisa qualitativa (ROBLEY 1995).
Como foi ressaltado diversas vezes neste estudo, as diretrizes sobre ética
em pesquisa foram elaboradas tendo em mente pesquisas quantitativas e de grande
escala, pautadas na ciência positivista. Elas se dirigem a um modelo em que os
pesquisadores são considerados observadores neutros (SHAVER 2005; HOFMAN
2004), que vêem a realidade como passível de ser quantificada por meio de medidas
objetivas e utilizam a linguagem do experimento. Isso envolve a crença sobre a
natureza do mundo e sobre como a mudança numa variável desse mundo afetará
outras. Espera-se, pois, que os pesquisadores apresentem ao comitê uma hipótese
com uma proposta de teste científico.
Enfim, como vimos, os comitês de ética e de apoio financeiro parecem ter
adotado definições fixas sobre o que é ciência, validade e confiança (STEVENSON e
BEECH 1998). Essa é uma das razões que levam às dificuldades para analisar
estudos qualitativos (GAULD e MCMILLAN 1999).
As discussões sobre ética em pesquisa qualitativa em pequena escala não
foram consideradas no momento de elaboração dessas diretrizes, nem o fato de que,
entre pesquisadores qualitativos, tem alcançado ampla aceitação o quanto é
necessário examinar criticamente a tradição positivista (HOFMAN 2004).
Esses pesquisadores que adotam abordagens qualitativas assumem outras
definições, o que acaba levando a incompreensões entre eles e os comitês de ética
(STEVENSON e BEECH 1998).
Ainda que a pesquisa qualitativa seja amplamente compreendida como um
processo colaborativo e interativo, e as pessoas que relatam suas experiências sejam
chamadas participantes da pesquisa, expressando seu papel ativo, os pesquisadores
181
são orientados pelos comitês de ética a protegê-los de danos. A necessidade dessa
proteção esassociada, em grande parte, a estudos nos quais as populações em foco
têm pouco poder e controle sobre o processo. Entretanto, na prática, o poder de
influenciar ou controlar a pesquisa varia muito de acordo com o projeto. Pode
significar a participação numa única entrevista, num grupo focal, a inclusão como
informante chave, co-pesquisador ou membro do comidiretor, que toma todas as
decisões relativas à pesquisa (WARR 2004).
Cabe considerar, então, que a proteção contra dano ganha feições muito
diferentes quando é o pesquisador quem toma todas as decisões e quando elas são
compartilhadas com o pesquisado.
também que se ressaltar que, como os comitês de ética e, em geral, as
diretrizes sobre ética, freqüentemente, pensem a partir de um paradigma positivista,
no qual a natureza da pesquisa é conhecida desde o início pelo pesquisador, tendem a
desconsiderar que, em muitas abordagens qualitativas, as questões (JAMES e
PLATZER 1999; NELSON e MCPHERSON 2004) e os caminhos do trabalho não
estão definidos desde o início (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002; STEVENSON
e BEECH 1998; KYLMÄ e col. 1999; JAMES e PLATZER 1999; NELSON e
MCPHERSON 2004).
Outra conseqüência dessa situação é que, quando existe um jogo de poder,
como dos comitês sobre os pesquisadores, não se questionam as “gramáticas”
(paradigmas). Na prática, os pesquisadores qualitativos estão sujeitos à autoridade
dos comitês, cujas atitudes eles buscam mudar (STEVENSON e BEECH 1998).
Cabe acrescentar ainda um outro aspecto. Geralmente, os pesquisadores e os
membros dos comitês de ética são de classe dia, educados e não guardam
características semelhantes à população em estudo (como, por exemplo, usuários de
drogas). A motivação em conduzir a pesquisa é aumentar seu capital social,
publicando os resultados do estudo. Apesar dessas diferenças, as diretrizes sobre
ética em pesquisa refletem apenas o ethos cultural dos pesquisadores e dos membros
dos comitês de ética em pesquisa (HOFMAN 2004). Isso pode estar relacionado à
aprovação de estudos com pessoas portadoras de deficiência que não seguem as
melhores práticas, o que sugere que os padrões não estão adequados (CLEMENTS e
col, 1999).
182
Assim, uma vez que o trabalho dos comitês de ética é pautado pelas diretrizes
estabelecidas para análise dos aspectos éticos, e que estas não estão considerando a
diversidade de paradigmas e de concepções de pesquisa, nem as especificidades das
abordagens qualitativas (ROBLEY 1995), coloca-se a necessidade de re-avaliar as
diretrizes sobre ética em pesquisa (HOFMAN 2004; JEVNE e OBERLE 1993;
NELSON e MCPHERSON 2004), e de estabelecer diretrizes específicas para as
pesquisas qualitativas (RICHARDS e SCHWARTZ 2002; GAULD e MCMILLAN
1999; HOLLOWAY e WHEELER 1995), que devem ser elaboradas com a
participação de pesquisadores que adotam esse tipo de abordagem (RICHARDS e
SCHWARTZ 2002).
Alguns autores identificam, ainda, aspectos éticos específicos às pesquisas
realizadas em comunidades (BRUGGE e KOLE 2003); outros (RICHARDS e
SCHWARTZ 2002) sugerem diretrizes com especificidade ainda maior, pois
consideram importante contemplar pesquisas qualitativas em serviços de saúde.
Justificam essa proposta afirmando que, diferente dos cientistas sociais, muitos
pesquisadores em serviços de saúde não têm conhecimento sobre os aspectos
políticos e filosóficos das pesquisas, o que coloca a necessidade de normas que os
auxilie na análise dos aspectos éticos. De fato, é importante discutir a prática e o
lugar da pesquisa qualitativa em saúde, e o papel dos comitês de ética (GAULD e
MCMILLAN 1999).
Um outro aspecto a ser abordado nas diretrizes sobre ética em pesquisa é o
papel do comitê, em especial na análise de pesquisas sociais mais sensíveis. Estas
poderiam ser entregues aos membros, colaborando assim para uma maior
consistência nas tomadas de decisão (DEGRUCHY e LEWIN 2001).
9.3.2 Aspectos éticos são intrínsecos aos aspectos metodológicos
Os aspectos éticos nas pesquisas qualitativas são intrínsecos às questões
metodológicas (HÄGGMAN-LAITILA 1999; BATCHELOR e BRIGGS 1994;
MURRAY 2003; KYLMÄ e col. 1999; ROBLEY 1995; PERRY e col. 2004) e
devem ser considerados em todos os momentos da pesquisa, desde seu desenho,
durante a entrada no campo, a inclusão dos pesquisados no estudo, a coleta de dados
183
e a divulgação dos resultados (JAMES e PLATZER 1999; HOFMAN 2004;
KYLMÄ e col. 1999).
Os pressupostos que norteiam o trabalho têm implicações éticas importantes.
Assim, tanto o pesquisador deve estar atento a eles, quanto as pessoas que
procederão à análise dos aspectos éticos dos projetos (CUTCLIFFE e
RAMCHARAN 2002).
Na pesquisa qualitativa, as questões éticas surgem no contexto de um foco
mutável, de natureza imprevisível e em que relação de confiança entre o
pesquisador e o participante. Como muitos dilemas são resolvidos no âmbito privado
pelos apelos da consciência do pesquisador, sensibilidade e prudência são necessárias
sobre como a ética influencia a totalidade do trabalho científico (ROBLEY 1995).
Como a distância entre o pesquisador qualitativo e o sujeito é pequena, há um
imperativo maior para a ética. A garantia de respeitar os direitos, a dignidade, a
liberdade e a independência dos pesquisados cria uma situação em que o
conhecimento do pesquisador, freqüentemente especializado, é um entre os vários
conhecimentos possíveis. A maneira como o pesquisador se comporta, como convida
as pessoas para participar de seu estudo e se considera o respondente como um
participante ativo no processo da pesquisa, enfim, a postura que adota cria uma
responsabilidade ética nova e mais difícil de ser empreendida. Não pode haver
omissão, injúria ou falta de atenção com o respondente, como tem sido documentado
em outras tradições de pesquisa (ROBLEY 1995).
Essa afirmação é compatível com o que foi discutido no capítulo 2 - nas
pesquisas que se pautam nos paradigmas interpretativos, a ética é intrínseca ao
desenho da pesquisa; aspecto que também foi discutido neste capítulo no item
“Paradigmas, todos e aspectos éticos”. Ou seja, se o pesquisador que adota
paradigmas interpretativos desrespeitar alguns aspectos éticos, isso também se
configura num problema metodológico.
9.3.2.1 Aspectos a serem abordados nas diretrizes sobre ética em pesquisas
qualitativas
A ética na pesquisa qualitativa ressalta a importância do respeito à dignidade,
autonomia e aos direitos dos pesquisados e dos pesquisadores (ROBLEY 1995).
184
Mérito científico
É um requisito ético que toda pesquisa tenha mérito científico; portanto, deve
ser desenhada e conduzida por pesquisadores com nível adequado de conhecimento e
experiência ou supervisão (WILKIE 1997; RICHARDS e SCHWARTZ 2002;
GAULD e MCMILLAN 1999; MILLER e RAINOW 1997).
O mérito científico é considerado essencial também no Código de
Nuremberg, Declaração de Helsinki (1989), CIOMS (1991 e 1993), relatório
Belmont, Given the voice e na própria Resolução 196/96 CNS, colocando-se, então,
como consensual. Entretanto, não há concordância sobre os critérios para julgá-lo.
Os comitês de ética, que trabalham de acordo com paradigmas positivistas,
não compreendem o desenho de pesquisas qualitativas e o consideram sem mérito
(NELSON e MCPHERSON 2004).
O desenho do estudo e as escolhas metodológicas são elementos centrais para
avaliar os aspectos éticos da pesquisa. Desse ponto de vista, é importante avaliar se a
metodologia proposta permitirá alcançar o conhecimento almejado (KYLMÄ e col.
1999).
É um aspecto ético que as pesquisas qualitativas tenham mérito científico.
Entretanto, esse mérito deve ser avaliado de acordo com o paradigma e o método
adotado pelo pesquisador. As pesquisas qualitativas têm critérios de validade
específicos (GAULD e MCMILLAN 1999), apresentados neste capítulo, no item
2.9.2.: “Qualidade da pesquisa qualitativa.
Para os cientistas sociais, a revisão dos projetos de pesquisa perde seu rigor
acadêmico quando é conduzida por outras pessoas que o os especialistas de uma
determinada disciplina acadêmica (NELSON e MCPHERSON 2004).
Assim, embora a análise do rito científico e da experiência do pesquisador
seja essencial ao bom andamento do trabalho, constituindo-se num aspecto ético
relevante, alguns autores (CLEMENTS e col. 1999 e EVANS 1997) consideram que
o mérito científico pode ser analisado por um comitê científico e o pelo comitê de
ética.
CLEMENTS e col. (1999), ao defender a inclusão de pessoas mais
vulneráveis nos comitês de ética, consideram adequado separar a análise dos
aspectos científicos dos aspectos éticos.
185
Por outro lado, existe também a preocupação de que, para garantir a prática
ética na pesquisa qualitativa em serviço de saúde, pesquisadores, agências de
fomento e revisores devem ter uma completa compreensão da base científica e
metodológica desse tipo de estudo (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
De toda maneira, é eticamente inaceitável a realização de pesquisas que
envolvam pessoas e que sejam consideradas sem rito científico por um comitê
científico (EVANS 1997).
Assim, não dúvidas de que o mérito científico é um aspecto ético
relevante; porém, discussão sobre os critérios para defini-lo e sobre quem tem
melhor condição para julgá-lo.
Importância da qualificação e experiência do pesquisador
O pesquisador deve ter conhecimento e experiência para conduzir a pesquisa.
É fundamental que tenha clareza sobre os paradigmas que adota, pois isso tem várias
decorrências práticas, entre elas o lugar que o pesquisado ocupará no campo da
pesquisa, e a consistência do processo da pesquisa. O pesquisador deve garantir a
integridade da pesquisa, a adequação metodológica e o alcance dos objetivos
propostos. Além disso, com uma definição clara de seu lugar no campo da pesquisa,
o pesquisador tem melhores condições para estabelecer uma relação próxima e de
confiança com o pesquisado. É muito importante que o pesquisador tenha habilidade
e sensibilidade para manejar adequadamente os sentimentos que emergem na
pesquisa, tanto os seus, quanto dos pesquisados. Enfim, o pesquisador deve cuidar da
integridade da pesquisa, do pesquisado e de si mesmo.
Já o estudioso novato deve ser supervisionado por um pesquisador mais
experiente. Os integrantes da equipe de pesquisa, incluindo os responsáveis pelas
transcrições das fitas, devem ter a possibilidade de falar sobre as emoções que
surgem durante o trabalho e de se apoiar mutuamente. Mesmo um pesquisador
experiente deve ter pelo menos um colega para falar de seus sentimentos e
dificuldades. Assim, as discussões nas reuniões de equipe não devem incluir, apenas,
das questões acadêmicas, oferecendo, também, suporte a todos. Além disso, sempre
que for necessário, deve haver a possibilidade de o pesquisador procurar atendimento
psicoterápico, que por sua vez deve estar previsto no orçamento do estudo.
186
É uma questão ética a garantia de supervisão acadêmica e de assistência
terapêutica para os pesquisadores (JAMES e PLATZER 1999).
Minimizar os riscos nas pesquisas qualitativas significa que o pesquisador
deve estar bem qualificado e ser habilidoso para conduzir o projeto proposto
(GAULD e MCMILLAN 1999). Esse aspecto foi discutido neste capítulo, no item
“Necessidade de treinamento do pesquisador”, pois se configura numa questão ao
mesmo tempo ética e metodológica.
9.3.3 Justificativa ética da pesquisa e relevância
A primeira questão ética a ser considerada é a justificativa ética do problema
da pesquisa. Esta deve estar apoiada na literatura científica, ser necessária, relevante,
trazer uma contribuição (PAAVILAINEN e col. 1998; RICHARDS e SCHWARTZ
2002; GAULD e MCMILLAN 1999; RICHARDS e SCHWARTZ 2002; GAULD e
MCMILLAN 1999). O valor do conhecimento para a ciência está conectado ao valor
social do estudo, porque a ciência é parte da sociedade (KYLMÄ e col. 1999).
É um aspecto ético central considerar no interesse de quem o estudo é
conduzido (HOFMAN 2004). Assim, é dever do pesquisador analisar suas
motivações, conscientes e inconscientes, quando conduz pesquisas com grupos
vulneráveis (KYLMÄ e col. 1999).
As pesquisas devem priorizar as necessidades das pessoas vulneráveis
(CLEMENTS e col. 1999) e de grupos minoritários (JAMES e PLATZER 1999).
Entretanto, é importante identificar, por exemplo, o porquê dessa escolha, para evitar
que esses grupos sejam escolhidos para estudos que envolvam maior risco,
preservando-se, assim, pessoas menos vulneráveis e que, possivelmente, não
aceitariam participar (CLEMENTS e col. 1999).
O grande objetivo seria complementar a pesquisa “sobre” com a pesquisa
“para” a comunidade. Uma maneira de fazer essa passagem é instituir grupos de
discussão para compartilhar os resultados e os novos conhecimentos produzidos com
o estudo (HOFMAN 2004).
Quando o objeto de estudo é o cuidado, ou a falta deste, constitui-se, per si,
numa questão ética (JAMES e PLATZER 1999). É uma obrigação moral estudar e
divulgar a situação do atendimento à saúde, em especial em relação aos grupos
187
minoritários, como gays e lésbicas. Retornar os resultados que indicam uma prática
profissional ruim aos profissionais que prestam assistência é uma questão ética
central (JAMES e PLATZER 1999).
Ou, ainda, estudos sobre a dinâmica de relacionamento das famílias que
abusam de crianças, ou sobre adolescentes com pais que abusam de álcool, desde que
estas tenham em vista produzir um conhecimento útil para o cuidado a estas famílias
e indivíduos.
Entretanto, existem pesquisas que visam explicitar as relações de opressão,
para que estas possam ser modificadas. Nesses casos, os pesquisadores podem
encontrar resultados desfavoráveis aos participantes, o que ressalta a importância de
obter o consentimento também ao longo da pesquisa e dar o direito de defesa.
Quando realizado em serviço de saúde, ao oferecer a possibilidade de que o
pesquisado apresente sua maneira de pensar, o estudo pode contribuir para que este o
perceba como uma maneira de melhorar seu trabalho. A concordância total, porém,
dificilmente será obtida, pois existem diferentes interesses em jogo.
Ainda no exemplo de pesquisa em serviço de saúde, o pesquisador tem o
dever ético de fazer um balanço entre o respeito à equipe médica e a elaboração de
um relatório honesto, apresentando resultados que refletem uma preocupação com os
interesses de outros atores da sociedade, provavelmente mais marginalizados. Afinal,
é preciso cuidado para que não restem apenas as pesquisas em Ciências Sociais que
atendam aos interesses dos mais poderosos (HOEYER e col. 2005). Preocupação
semelhante também é discutida por THIOLLENT (1981).
9.3.4 Aspectos éticos associados ao relacionamento entre o pesquisador e o
pesquisado
Ainda que alguns aspectos, como consentimento informado, dignidade e
privacidade dos sujeitos, participação voluntária e proteção contra danos sejam os
mesmos do que para outros tipos de pesquisa (HOLLOWAY e WHEELER 1995), a
abordagem qualitativa coloca problemas éticos específicos em função do
relacionamento próximo que os pesquisadores estabelecem com os participantes
(HIGHET 2003).
188
Existem questões éticas importantes relativas ao relacionamento entre
pesquisador e pesquisado (MURRAY 2003; BOSCHMA e col. 2003; WARR 2004)
que vêm sendo negligenciados nas diretrizes sobre ética em pesquisa (BATCHELOR
e BRIGGS 1994; HOFMAN 2004). Em especial, no manejo dessa relação no
momento do término do estudo (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002).
As responsabilidades associadas ao relacionamento entre pesquisador e
pesquisado devem se estender durante todo o período do estudo. Essa re-
contextualização é importante para estabelecer a adequada proteção para pessoas
vulneráveis (CLEMENTS e col. 1999).
Uma vez que, para realizar uma pesquisa qualitativa, é necessário estabelecer
uma relação de confiança com os participantes, o fato de a pessoa do pesquisador
entrar em jogo é uma questão ética (JAMES e PLATZER 1999).
É um aspecto ético que o pesquisador estabeleça uma relação de confiança
com o participante, pois isso contribui, por exemplo, para o efeito terapêutico da
participação na entrevista de pesquisa (MURRAY 2003).
9.3.4.1 Anonimato, privacidade e confidencialidade
Em grande parte das pesquisas o anonimato do pesquisado, a privacidade
durante a coleta de dados e a confidencialidade das informações é essencial ao bom
andamento do trabalho, inclusive em relação à qualidade dos dados. Assim, quando a
pesquisa é realizada em serviços de saúde, é importante que o pesquisador explicite,
antes de iniciá-la, se a equipe assistencial terá acesso aos dados coletados, a quais
deles (MOYLE 2002; WILKIE 1997; JONES E COL 1995) e se serão usados para
assistência ou estritamente para a pesquisa (MOYLE 2002; JONES E COL 1995).
Isso ressalta a importância de arquivar os dados em local seguro (WILKIE 1997;
JONES e col. 1995; RICHARDS e SCHWARTZ 2002). Nesse sentido, vídeos, notas
e transcrições, que são instrumentos importantes na pesquisa qualitativa, o devem
ser guardados junto com a relação que permite associar o material aos nomes dos
participantes (HOLLOWAY e WHEELER 1995; MILLER e RAINOW 1997).
O responsável pela transcrição das fitas também deve ser informado sobre a
necessidade ética de manter a confidencialidade das informações (WARR 2004).
189
O anonimato, a completa confidencialidade e a privacidade precisam ser
garantidos a todos os participantes (PAAVILAINEN e col. 1998). Porém, nem
sempre isso é possível, particularmente na pesquisa qualitativa por sua natureza de
reportar os resultados detalhadamente (ROBLEY 1995). A descrição densa é uma
das características desse tipo de pesquisa, e significa que tudo é apresentado
minuciosamente, o que pode explicitar a identidade do informante (HOLLOWAY e
WHEELER 1995).
Na verdade, na pesquisa qualitativa pode ser quase impossível esconder a
identidade do contexto onde a pesquisa foi realizada, por isso mesmo os participantes
podem reconhecer a si e aos seus colegas (HOFMAN 2004). Outro aspecto que
dificulta a proteção da identidade dos pesquisados é que o pesquisador que adota
abordagens qualitativas freqüentemente trabalha com amostras pequenas (JONES e
col. 1995).
De toda maneira, em qualquer pesquisa, quando o citados trechos das falas
dos participantes, o anonimato pode ser preservado, mas a confidencialidade está
sendo quebrada (JONES e col. 1995).
Em muitas pesquisas em serviços de saúde, podem-se utilizar pseudônimos
ou iniciais para preservar o anonimato e, sempre que possível, outros detalhes que
podem identificar os participantes devem ser alterados (RICHARDS e SCHWARTZ
2002).
Um aspecto a ser considerado é que, embora a proteção das fontes dos dados
da pesquisa seja importante, e inclua o anonimato e a confidencialidade, a proteção
excessiva pode impossibilitar que o leitor compreenda o contexto da pesquisa,
impedindo assim a avaliação sobre a condição de aplicação dos resultados a outro
contexto. Entretanto, enquanto outsiders podem não reconhecer os indivíduos e o
contexto, os insiders provavelmente reconhecerão, sendo importante que eles vejam
o relatório de resultados antes de sua publicação (JONES e col. 1995).
Cabe lembrar que, embora para os profissionais de saúde a confidencialidade
possa ser rompida em algumas situações, para os pesquisadores a extensão do dever
de confidencialidade é menos clara, o que pode gerar conflito entre profissionais e
pesquisadores, em especial quando o estudo é realizado em serviços de saúde
(RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
190
9.3.5 Aspectos éticos nos diferentes momentos da pesquisa
9.3.5.1 Definição dos participantes, recrutamento e coleta de dados
A amostra deve ser representativa e ter extensão suficiente para permitir
saturação dos dados. HAGGMAN-LAITILA (1999), que trabalha com aporte teórico
da fenomenologia, considera que os seguintes aspectos são cruciais para assegurar a
autenticidade e manter os princípios éticos durante a coleta de dados:
1. O pesquisador deve elaborar previamente os temas e as questões chave
das entrevistas. Esse planejamento permite que perceba seu próprio ponto
de vista e suporte aos participantes para que estes possam se
manifestar a sua própria maneira.
2. As entrevistas devem ser como discussões. É preciso que o entrevistado
tenha tempo para manifestar suas opiniões. É essencial que a entrevista
aconteça nos termos do participante.
3. O pesquisador pode confirmar sua própria interpretação sobre o que o
participante disse perguntando a ele. Os participantes podem fazer
correções e/ou adicionar informações.
4. O pesquisador deve diferenciar um diálogo de um monólogo. Questões
retóricas ou direcionadas devem ser evitadas.
5. O pesquisador deve manter um diário ou um video-tape das entrevistas
para permitir análises mais profundas e a identificação de sentido de seu
próprio ponto de vista ao coletar os dados. (HAGGMAN-LAITILA
1999).
Frente à consideração de que deve haver um balanço entre risco e benefício, e
que o segundo deve ser maior que o primeiro, a abordagem da “ética como processo”
(CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002) considera que os pesquisadores qualitativos
devem estar atentos aos seguintes aspectos éticos, referentes à realização de
entrevistas:
1. Evitar que os participantes informem mais do que desejam;
2. Recorrer à conferência pelos entrevistados, conferir a representatividade,
buscando estabelecer a credibilidade dos achados;
191
3. Estabelecer continuamente o consentimento, renovando-o
periodicamente;
4. Garantir que os participantes não se sintam pressionados a continuar no
estudo, especialmente quando forem muito vulneráveis;
5. Desenvolver uma abordagem teórica para aumentar a autonomia dos
participantes;
6. Identificar quando a pesquisa se torna invasiva, e evitar que ela assim
permaneça;
7. Garantir manejo sensível e respeitoso do relacionamento com pessoas
solitárias e vulneráveis;
8. Buscar o consentimento individual, sempre que for apropriado e mesmo
quando consentimento do grupo tenha sido obtido.
Ao trabalhar para melhorar a qualidade dos dados, podem-se aprimorar
também os cuidados éticos. É possível ao pesquisador construir diretrizes específicas
de redução de danos aos participantes, para um projeto específico. Ao conduzir uma
pesquisa junto a profissionais do sexo, SHAVER (2005) propõe o que denomina
“Abordagem centrada no participante”, construída a partir do respeito à dignidade
humana, bem como às populações vulneráveis, incluindo que os pesquisadores
devem:
1. Andar em duplas, para evitar que os pesquisados busquem estabelecer
uma relação mais próxima, que extrapole o relacionamento no âmbito da
pesquisa;
2. Distribuir cartões com informação e contatos profissionais;
3. Portar uma relação de recursos para troca de seringas, problemas de saúde
em geral, testagem para HIV/AIDS e serviços de saúde, pois isso pode ser
especialmente útil aos profissionais do sexo que trabalham na rua
35
.
35
Entretanto, esta pesquisadorao permitia que sua equipe distribuísse nem camisinhas nem
seringas, para que os pesquisadores não fossem confundidos com os profissionais que faziam troca de
seringas. A preocupação é evitar colocar em risco o papel de pesquisador,que é diferentes dos
profissionais de saúde que trabalham com profissionais do sexo; pois consideravam que no papel de
pesquisador poderiam fazer perguntas pessoais.
192
4. Andar na rua entre os trabalhadores do sexo, cumprimentando-os, mesmo
quando o contato não é possível, o que é freqüente quando estão
acertando um encontro.
5. Ter consciência do espaço, da maneira como se posicionam fisicamente
frente ao pesquisado, pois é importante que este não se sinta “cercado”;
assim, a equipe de pesquisa nunca os deixaria sem saída, nunca os
abordaria pelos dois lados
36
.
6. Realizar as reuniões da equipe de pesquisa com regularidade; o trabalho
de campo nesse contexto é moldado fisicamente e emocionalmente, fato
que geralmente não é lembrado pelos assistentes de pesquisa, nem pelas
diretrizes de ética. As reuniões permitem desabafo e a discussão de
situações difíceis que podem surgir para todos.
7. Desencorajar passeios guiados. Quando parentes tiveram temores da
participação dos seus familiares na pesquisa, o pesquisador principal pode
se responsabilizar diretamente por levá-los para conhecer o lugar.
9.3.5.2 Análise dos dados
A análise dos dados tem implicações éticas importantes. Para compreender os
dados qualitativos, o pesquisador fica imerso nos mesmos, envolve-se com o
contexto e o mundo dos participantes. Assim, superar sua própria visão é uma
preocupação constante para o pesquisador (KYLMÄ e col. 1999), sendo necessário
para isso que conheça bem seus pontos de vista, para poder discriminar os do
pesquisado (STEIN e MANKOWSKI 2004). Ressalta-se aqui novamente a
confluência entre os aspectos éticos e metodológicos.
HAGGMAN-LAITILA (1999) sistematiza algumas sugestões para assegurar
a autenticidade e manter os padrões éticos na análise dos dados. Para esse autor, o
pesquisador deve:
36
Ao deixá-los livre para ir, a equipe buscava se diferenciar da polícia; ao mesmo tempo em que
procurava deixar claro que a participação na pesquisa era uma escolha dos profissionais do sexo.
193
1. Buscar a resposta para as perguntas que emergem dos dados. Essas
perguntas de pesquisa estão sempre relacionadas a respostas contidas no
texto;
2. Escrever as questões que formulou ao ler o texto. A visão do pesquisador
é revelada pela maneira como ele coloca as questões;
3. Identificar as diferenças entre sua visão e a dos participantes, bem como
as áreas de concordância;
4. Re-examinar as experiências através da obtenção de material aprofundado
e usar diferentes caminhos de análise livres da visão adotada inicialmente
pelo pesquisador, possibilitando, assim, um movimento a partir desse
ponto de vista inicial até uma compreensão nova e mais profunda.
5. Quando emerge uma nova compreensão, apresentar o resultado do estudo
de uma maneira que permita ao leitor ter certeza de que os dados, a visão
trazida pelos participantes e pelo pesquisador permite tal conclusão. As
citações diretas das entrevistas são uma necessidade absoluta.
9.3.5.3 Divulgação dos resultados
A maneira como os resultados são apresentados inclui dilemas éticos, pois o
que o pesquisador conhece é sua própria analise da situação. Um cuidado necessário
é que a divulgação não reforce os estereótipos negativos; para isso, os resultados
podem ser discutidos previamente com alguns representantes do grupo pesquisado
(JAMES e PLATZER 1999). Essa conferência prévia do material é uma questão
ética e metodológica.
Quando a entrevista de pesquisa não é anônima, a autoria deve ser partilhada
entre o pesquisador e o entrevistado (BOSCHMA 2003).
Muitas diretrizes sobre ética em pesquisa em comunidades aborígines
afirmam que o material e os dados do estudo continuam pertencendo à comunidade.
Assim, o fato de consentir em dele participar não implica que o pesquisador tenha
automaticamente o direito de publicar os resultados (MILLER e RAINOW 1997).
194
9.3.6 Outros aspectos
9.3.6.1 Quem são os grupos especialmente vulneráveis
Geralmente são considerados grupos vulneráveis as crianças, os idosos e os
doentes mentais. Entretanto, o desequilíbrio de poder entre o pesquisador e os gays e
lésbicas, por exemplo, é também muito grande, em parte porque estes são
considerados fora do padrão, usualmente são marginalizados e porque seus direitos
civis não são respeitados como o são os dos heterossexuais. Assim, os riscos são
muito maiores para aqueles participantes, o que justifica que sejam considerados
entre os pesquisados especialmente vulneráveis (JAMES e PLATZER 1999).
Nessa mesma direção, HOFMAN (2004) considera que as diretrizes sobre
ética em pesquisa deveriam incluir entre as pessoas consideradas como vulneráveis
os usuários de drogas.
9.3.6.2 Aspectos éticos da realização de gravação durante o estudo
É freqüente nas pesquisas qualitativas que os relatos sejam gravados, tanto
em fitas cassete, quanto em vídeo. O objetivo da gravação é apresentar o material
mais evocativo de maneira factual e interessante. A descrição densa é essencial
(ROBLEY 1995) e a experiência é mais bem descrita não apenas por palavras, mas
também pelas respostas corporificadas, práticas, percepções sensoriais, entonações
que são preservados no tom de voz das entrevistas registradas em fitas e vídeos
(RAINGRUBER 2003).
Assim, a gravação pode ser um instrumento útil na pesquisa qualitativa, sendo
uma das vantagens a possibilidade de o pesquisador se concentrar na entrevista
(WILKIE 1997; PAAVILAINEN e col. 1998).
Entretanto, esse recurso é também uma fonte potencial de problemas éticos. A
primeira questão é que os participantes devem ter a possibilidade de decidir o que
querem ou não que seja gravado. Pessoas que falam, por exemplo, sobre violência na
família podem contar situações em que infringiram a lei (PAAVILAINEN e col.
1998).
Assim, os participantes devem ter a possibilidade de recusar a gravação; e
quando a aceitam, os pesquisadores devem considerar a possibilidade de solicitar o
195
consentimento novamente após o término da entrevista. Isso permite ao participante
decidir após saber o que foi gravado (WILKIE 1997; RAINGRUBER 2003).
O pesquisador deve se assegurar também de que o participante está à vontade
com o uso do equipamento e que entendeu o que será feito com a gravação (WILKIE
1997). As transcrições podem ser usadas de maneira anônima (pois mesmo em vídeo
é possível bloquear eletronicamente o rosto das pessoas, de maneira que não possam
ser identificadas) e é importante que fique explícito se serão usadas apenas para a
pesquisa em questão (PAAVILAINEN e col. 1998). Sempre que for pertinente, os
pesquisadores podem solicitar duas autorizações diferentes: uma para usar as
gravações para pesquisa e outra para usá-las para fins educacionais (RAINGRUBER
2003).
É importante explicitar ainda quem terá acesso às gravações e às transcrições
e se as fitas serão destruídas depois de transcritas (PAAVILAINEN e col. 1998); ou
se existe a intenção de guardá-las por um tempo. Segundo HOLLOWAY e
WHEELER (1995), as gravações podem ser apagadas um ano após o término do
estudo
37
.
Alguns autores (LATVALA e col. 1998) apresentam a sugestão de que os
vídeos só sejam vistos pelos que aparecem nas gravações.
9.3.6.3 Uso do material para pesquisas futuras
O material coletado para uma pesquisa pode ser utilizado para futuras
pesquisas (RICHARDS e SCHWARTZ 2002).
9.3.7 Funcionamento do CEP
9.3.7.1 O CEP deve analisar como os valores pessoais estão agindo na análise
dos projetos
É importante que os comitês de ética analisem de que maneira as ideologias
institucionais e os valores estão atuando nas suas decisões, inclusive seus valores
pessoais. Questões de raça e gênero, que parecem naturais, atuam de maneira não
explícita na análise dos projetos, pois são, na verdade, construções sociais. As
instituições de saúde e de pesquisa não têm abordado questões como racismo ou
37
A resolução 196/96 CNS coloca a obrigatoriedade de guardar o material da pesquisa por cinco anos
após o término do estudo.
196
sexismo na prestação de serviço, mas têm perpetuado o mito da “objetividade
científica” e da “neutralidade” política, o que acaba servindo para manter o sistema
político. Embora um comitê de ética possa justificar a não aprovação de um projeto
por problema metodológico, a razão de fundo pode ser oposição, por exemplo, ao
homossexualismo ou, ainda, o desejo de evitar que práticas profissionais venham à
luz e sejam avaliadas (DEGRUCHY e LEWIN 2001).
As razões ideológicas não devem impedir a aprovação de projetos que não
trazem problemas éticos, senão corre-se o risco de exercer uma “ética que exclui”, o
que seguramente não é de interesse público (DEGRUCHY e LEWIN 2001).
9.3.7.2 Quem deve participar da análise dos aspectos éticos das pesquisas
O CEP deve incluir membros que entendem de pesquisa qualitativa
Os comitês não se aproximam da pesquisa qualitativa para entendê-la,
inclusive porque não a aprovam para realização. Mas também porque esse tipo de
estudo tem uma característica emergente, que vai se definindo no processo, o que
demanda muita dedicação e tempo de estudo para sua compreensão (STEVENSON e
BEECH 1998).
Assim, os comitês devem incluir membros que entendam de pesquisa
qualitativa e, se apesar disso persistirem questões complexas sobre a adequação do
desenho do estudo, este deve ser enviado para outros especialistas em abordagens
qualitativas (HOFMAN 2004; RICHARDS e SCHWARTZ 2002; GAULD e
MCMILLAN 1999).
Os comitês de ética podem discutir as questões éticas das pesquisas
qualitativas com os pesquisadores de uma maneira aberta e construtiva, visando
possibilitar a realização da pesquisa e o impedi-la (DEGRUCHY e LEWIN 2001;
GAULD e MCMILLAN 1999).
A inclusão de pessoas mais vulneráveis na análise dos projetos
As pessoas mais vulneráveis, como as portadoras de deficiência mental
(CLEMENTS e col. 1999) e os grupos minoritários, como gays e lésbicas
(DEGRUCHY e LEWIN 2001), devem participar da análise ética dos projetos de
pesquisa.
197
A inclusão de pessoas que conheçam a cultura local
É importante a participação de pessoas que conheçam a cultura local, ou
mesmo pessoas da comunidade onde o estudo será realizado, para deliberar, por
exemplo, quem seo responsável por assinar o consentimento e se este deverá ser
obtido por escrito (DAWSON e KASS 2005).
Essa é uma preocupação expressa também no documento CIOMS 1993.
9.3.7.3 Sugestões de temas a serem discutidos nos treinamentos dos membros
dos CEPs
A equipe de pesquisa que conduz pesquisa qualitativa deve passar por
treinamentos sobre os aspectos éticos (HOFMAN 2004), que pode incluir como
divulgar os resultados de maneira compreensível para um público leigo (HOFMAN
2004).
Como os pesquisadores relatam freqüentemente que não se sentem
preparados para lidar com as questões que surgem nas pesquisas delicadas, este
tópico deveria ser incluído em cursos sobre ética em pesquisa (JOHNSON e
CLARKE 2003). Além disso, é fundamental que os membros dos comitês recebam
informações e discutam questões relativas aos direitos humanos em saúde
(HOFMAN 2004).
9.3.7.4 O que deve ser enviado ao CEP
As pesquisas realizadas com pacientes devem sempre ser enviadas para
análise dos comitês de ética em pesquisa (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Aquelas que utilizam informações privadas devem ser aprovadas pelos comitês de
ética, obter termo de consentimento e garantir o anonimato dos participantes;
entretanto, nas pesquisas na Internet pode ser difícil diferenciar entre o que é público
e o que é privado (EYSENBACH e TILL 2001).
9.4 Sugestões de aspectos a serem abordados nas diretrizes e ao trabalho
dos comitês de ética em pesquisa
Como vimos, diversos autores manifestam a preocupação de respeitar os
princípios de autonomia, justiça, beneficência e o maleficência. No item anterior
198
discutimos a maneira como os autores vêm conduzindo as pesquisas qualitativas, as
dificuldades que enfrentam, bem como as soluções encontradas no que se refere aos
aspectos éticos, relacionando-as aos referidos princípios.
Saliento que, como indiquei no primeiro parágrafo deste capítulo, alguns
autores dialogam com o principialismo, outros não. A elaboração dessa análise se
baseia na maneira como, ao ler os textos, considerei que os diversos aspectos
poderiam ser considerados como relacionados aos princípios de autonomia, justiça,
beneficência e o maleficência, independentemente de o autor do artigo ter, ou não,
se referido a eles. Caso o leitor busque essa precisão, no Anexo 3 uma síntese de
cada artigo, com a lógica própria de cada autor.
Para encerrar este capítulo, apresento as sugestões que os autores dos artigos
em análise apresentam às diretrizes sobre ética em pesquisa com seres humanos e ao
trabalho dos comitês de ética em pesquisa, que não se enquadram nos princípios,
uma vez que os que se enquadravam foram abordados no item anterior.
De fato, salta aos olhos a diversidade de pesquisas que podem se incluídas
nos termos pesquisa qualitativa”. Alguns autores fazem propostas específicas para
cada situação, tendo em vista suas particularidades. Creio que as sugestões aqui
apresentadas são valiosas para subsidiar a reflexão sobre como modificar as
diretrizes e adequar o trabalho dos comitês, no sentido de aprimorar a análise dos
aspectos éticos das pesquisas qualitativas em saúde, bem como de orientar os
pesquisadores.
9.4.1 Relacionamento entre os pesquisadores e os comitês de ética
Da mesma maneira que o consentimento deve ocorrer num processo contínuo
entre o pesquisador e o participante ou a comunidade em estudo, também a relação
entre o pesquisador e os comitês de ética deve ter essa característica. Para isso, estes
poderiam manter um canal aberto de comunicação, on line, possibilitando um
diálogo constante com os pesquisadores, permitindo que estes apresentem os dilemas
éticos que surgem no trabalho de campo e possam receber sugestões. A idéia é que o
pesquisador amadureça sua habilidade de lidar com as questões éticas (HOFFMAN
2004).
199
9.4.2 Como o pesquisador pretende atuar ao tomar conhecimento de atos ilícitos
praticados pelos pesquisados
Além da análise do mérito científico do projeto, é importante que os comitês
de ética avaliem se o pesquisador tem preparo adequado e suporte para manejar
adequadamente sua relação com os participantes da pesquisa (BATCHELOR e
BRIGGS 1994; GAULD e MCMILLAN 1999).
Os pesquisadores devem apresentar ao CEP um protocolo de como lidarão
com as reações emocionais dos participantes e com fatos observados durante a
pesquisa, como as pessoas que cometem atos ilícitos. Podem, ainda, solicitar o
consentimento prévio do participante de que seu comportamento poderá ser relatado
às autoridades. Entretanto, isso pode distorcer o desenho do estudo (muda o
resultado) e prejudicar o recrutamento dos participantes. Uma abordagem alternativa
seria analisar se o pesquisador tem qualificação e experiência prévia que demonstre
que ele foi capaz de manejar situações difíceis e sensíveis, quando elas se
apresentaram. Quando não existe essa experiência comprovada, é essencial que haja
supervisão de um pesquisador experiente (GAULD e MCMILLAN 1999).
9.4.3 A interação entre o principialismo e outras abordagens
Uma proposta interessante é a de articular as discussões sobre respeito aos
direitos humanos com a ética do cuidado e com o principialismo.
KYL e col. (1999) apresentam essa proposta e a detalham da seguinte
maneira, ressaltando que os direitos humanos que devem ser protegidos na pesquisa
são: apresentação do estudo, decisão pessoal, privacidade, anonimato,
confidencialidade, tratamento justo, e proteção contra desconforto e dano. Os
princípios básicos são: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. E os
cinco componentes éticos do cuidado são: compaixão, competência, confiança,
consciência e compromisso. Essa articulação acrescenta dimensões novas, profundas
e ricas ao principialismo, em especial pela introdução dos aspectos do cuidado na
pesquisa.
Num caminho semelhante, DEGRUNCHY e LEWIN (2001), preocupados
em evitar que projetos de pesquisa que não tenham problemas éticos sejam
200
reprovados por razões ideológicas, apresentam algumas sugestões para que os
comitês de ética evitem a discriminação:
1. A composição do comitê de ética deve representar a sociedade, e incluir
algumas pessoas de grupos minoritários, tais como gays e lésbicas;
2. Estabelecer diretrizes claras sobre o papel do comitê, especialmente para
análise de pesquisas sociais mais sensíveis; essas diretrizes devem ser entregues aos
membros para colaborar numa maior consistência nas tomadas de decisão;
3. Os membros dos comitês devem receber treinamento sobre direitos
humanos em saúde;
4. Os comitês devem incluir membros que entendam de pesquisa qualitativa;
questões complexas sobre a adequação do desenho do estudo podem ser enviadas
para especialistas das áreas;
5. Questões éticas das pesquisas sociais podem ser discutidas com os
pesquisadores de uma maneira aberta e construtiva, para facilitar a pesquisa e não
impedi-la.
9.4.4 A “ética como processo”
Uma vez que as questões éticas nas pesquisas qualitativas o bastante
complexas, é importante considerar as diferentes concepções filosóficas e suas
preocupações práticas. Portanto, essas preocupações precisam ser consideradas tanto
pelos pesquisadores quanto pelos que vão julgar os projetos de pesquisa. A
abordagem da “ética como processo” (CUTCLIFFE e RAMCHARAN 2002) propõe
que os comitês de ética estejam atentos aos seguintes aspectos ao tomar suas
decisões:
1. Considerar que estabelecer uma relação de confiança e obter o
consentimento não são eventos singulares. A confiança precisa ser
estabelecida com os participantes e mantida durante toda a pesquisa.
2. Conferir se o consentimento foi obtido e se foi restabelecido durante o
andamento da pesquisa.
3. Assegurar que os participantes sabem do seu direito de sair da
pesquisa a qualquer momento.
201
4. Monitorar se a pesquisa essendo conduzida com boa intenção, de
maneira que os participantes sejam respeitados em sua dignidade se
mantenha intacta.
5. Conferir se o término da pesquisa e a saída do campo estão sendo
manejados de maneira sensível.
6. Garantir que os participantes tenham a possibilidade de conferir como
estão sendo representados nas notas de campo ou nas transcrições.
7. Monitorar os participantes do estudo, verificando se estão sofrendo
algum dano e prover uma rede de suporte, se houver necessidade.
9.4.5 Pesquisas qualitativas via Internet
As novas tecnologias trazem novos recursos para a realização de pesquisa,
mas também colocam novos dilemas éticos. Com o crescimento e a popularização da
informática, os pesquisadores passam a dispor de um recurso muito promissor, que
oferece uma série de possibilidades. Entretanto, observa-se uma lacuna entre as
pesquisas via Internet e as diretrizes sobre ética em pesquisa.
Assim, EYSENBACH e TILL (2001), ao discutir os aspectos éticos nas
pesquisas pela Internet, consideram como aspectos a serem observados pelos
pesquisadores e pelos comitês de ética em pesquisa:
1. Avaliar o quanto o estudo é invasivo: analisar, por exemplo, se o
pesquisador se insere de maneira passiva nas mensagens da Internet,
ou se um envolvimento ativo na comunidade, através da
participação nas comunicações.
2. Identificar a privacidade: discutir, de preferência com membros da
comunidade, o nível de privacidade, identificando a condição do
grupo de discussão, se é um grupo fechado, se há necessidade de
inscrição, quantos membros participam, bem como buscar identificar
e respeitar as normas dos grupos.
3. Vulnerabilidade: discutir a vulnerabilidade da comunidade; por
exemplo, uma lista de e-mails para vítimas de abuso sexual ou de
pacientes com AIDS se constitui em uma comunidade altamente
vulnerável.
202
4. Dano potencial: como resultado das considerações acima, discutir se a
inclusão do pesquisador ou a publicação dos resultados coloca risco
potencial aos participantes ou à comunidade como um todo.
5. Consentimento informado: discutir se o consentimento é necessário, e
como obtê-lo, ou pode ser abolido.
6. Confidencialidade: um critério para identificar quando o
consentimento é necessário é avaliar se é possível proteger o
anonimato dos pesquisados, pois, se isso não for possível, então o
consentimento é essencial.
7. Direito de propriedade intelectual: em alguns casos, o participante
deseja publicidade e não anonimato; nesse tipo de situação, o uso da
informação sem a identificação do autor não é apropriado.
9.4.6 Pesquisas participativas na comunidade
Por outro lado, existem especificidades também nas pesquisas participativas
realizadas nas comunidades, que colocam a necessidade de refletir sobre como
buscar a eqüidade entre os participantes, respeitar a necessidade que eles têm de
defender a comunidade, lidar com dados imprecisos, atender as expectativas da
comunidade e beneficiá-la (BRUGGE e COLE 2003).
Os comitês de ética e as agências de fomento devem verificar se o projeto
prevê treinamento e suporte adequados para apoiar o trabalho do pesquisador, uma
vez que isso é um aspecto importante para o cuidado ao pesquisado, ao pesquisador e
está intimamente relacionado à qualidade dos dados e, portanto, da pesquisa
(BATCHELOR e BRIGGS 1994).
O relacionamento entre pesquisador e pesquisado é um aspecto
freqüentemente não abordado nas diretrizes sobre ética em pesquisa com seres
humanos. Porém, como discutimos tanto no capítulo 2 quanto neste capítulo, nas
pesquisas qualitativas, esse relacionamento é próximo e baseado na confiança, o que
é fundamental para a qualidade dos dados e da própria pesquisa. O manejo de uma
relação com essas características coloca questões éticas diferentes daquelas próprias
das pesquisas que pressupõem um pesquisador neutro, objetivo, que busca distância e
não envolvimento com o pesquisado.
203
Assim, novas diretrizes sobre ética em pesquisas qualitativas deveriam
explicitar a natureza do relacionamento entre pesquisador e pesquisado, e os
cuidados que dela decorrem. Conforme discutido neste trabalho, são aspectos
fundamentais a serem abordados nas novas diretrizes: a necessidade de que o
pesquisador reflita sobre seus próprios valores e sentimentos relativos ao tema em
estudo e aos pesquisados; a reciprocidade, ou seja, qual será a retribuição que o
pesquisador oferecerá ao pesquisado; e a representatividade, que se refere à maneira
como o pesquisador apresenta os pesquisados na divulgação de seus resultados.
Uma série de aspectos foi abordada aqui, ponderando a proteção do
anonimato e da confidencialidade. Em determinados estudos, em especial naqueles
que envolvem atos ilícitos ou recriminados socialmente, a manutenção do anonimato
é fundamental, pois, se a identidade do pesquisado fosse revelada, este poderia sofrer
sanções. Por outro lado, existem situações em que o pesquisado quer ter sua
participação nomeada, o que coloca a necessidade de negociação prévia de aspectos
como: o que ele deseja numa dada situação, se a preservação do anonimato, os
créditos por sua participação ou mesmo a co-autoria.
Há, praticamente, consenso sobre a importância do consentimento para
participação na pesquisa. Entretanto, vários questionamentos sobre a pertinência
de obtê-lo por escrito, seja por questões relativas à segurança do pesquisado, a sua
baixa escolaridade ou, ainda, por uma questão de respeito à cultura do grupo em
estudo.
Em estudos observacionais, nos quais o pesquisador estabelece
relacionamentos de intensidades diferentes com um número grande de pessoas,
solicitar consentimento por escrito pode inviabilizar o estudo. Alguns autores
defendem, ainda, a necessidade de estudos observacionais encobertos, nos quais
informar os participantes poderia alterar os resultados.
Cabe ressaltar mais uma vez que os códigos de ética, geralmente preocupados
com danos físicos, o deficientes quando a possibilidade de dano emocional
(USHER e HOLMES 1997; NELSON e MCPHERSON 2004)
204
9.4.7 Enquanto as diretrizes não são revistas: sugestões para os pesquisadores
que adotam abordagens qualitativas sobre como se relacionar com os CEPs
Responder ao comitê de acordo com a lógica positivista encerra o diálogo.
Entretanto, se o pesquisador responde ao comitê solicitando que esclareça o que está
solicitando no parecer, isso abre a possibilidade de dialogar e, portanto, de
transformar a relação (STEVENSON E BEECH 1998).
Os pesquisadores qualitativos experimentam problemas específicos. É
necessária uma apresentação clara do método e dos procedimentos para o comitê de
ética, que, por sua vez, pode chamar o pesquisador para explicar e defender sua
proposta de estudo (HOLLOWAY e WHEELER 1995).
Freqüentemente, os pesquisadores qualitativos utilizam terminologia
incompreensível para quem não trabalha com essa abordagem. Assim, para facilitar a
compreensão dos comitês de ética, alguns autores sugerem que evitem jargões e
amplas justificativas teóricas, como por exemplo, sobre o “método fenomenológico”,
e descrevam o que pretendem fazer concretamente (GAULD e MCMILLAN 1999).
Porém, a meu ver, embora essa seja uma sugestão prática, ela o atende às
especificidades das pesquisas qualitativas. Basta lembrar que a transparência dos
procedimentos é um critério para avaliar a qualidade delas e se constitui numa
especificidade de pesquisadores que trabalham pautados em novos paradigmas, em
que os consensos não estão tão bem estabelecidos e, portanto, se faz necessário
justificar cada passo trilhado.
Além disso, as abordagens qualitativas, conduzidas num paradigma
interpretativo, são mutáveis por natureza, são variáveis, como o são todas as
idiossincrasias humanas (NELSON e MCPHERSON 2004).
205
10. CONCLUSÕES
O mais difícil em tempos conturbados não é cumprir o dever, mas identificá-lo.
Rivarol
É capital lembrar que tudo que não se regenera, degenera.
Morin
Ao iniciar meu contato com as diretrizes brasileiras sobre ética em pesquisa
com seres humanos, em especial a discutida neste estudo, a Resolução 196/96 CNS,
e com o sistema CONEP-CEP, vivi uma sensação de certo estranhamento. Havia
uma total dissonância entre essas resoluções e minha prática de pesquisa, conforme
havia aprendido no curso de Metodologia Qualitativa e no de Epistemologia da
Psicanálise, durante o mestrado. Intrigaram-me exigências como: toda pesquisa
realizada em seres humanos deve ser antes testada em animais. E no caso de terapia
familiar, como seria isso? Não fazia sentido. Outra exigência: toda pesquisa deve ser
realizada após consentimento informado. Por quê? É possível fazer pesquisa sem
informar e ter o consentimento do participante? Não dúvida que este deva ser
sempre respeitado em sua integridade e dignidade. Algum pesquisador consegue que
uma pessoa fale de aspectos íntimos de sua vida, como sexualidade ou relações
familiares, se não estabelecer com ela uma relação de confiança e respeito?
Estando imersa nas discussões sobre o paradigma da complexidade, em que o
saber deve se transformar em prática, também me surpreendeu a exigência de que os
resultados devem se transformar em benefício para a população estudada. Afinal, se
isso não estiver entre os objetivos do pesquisador, para que conduzir o estudo?
Entretanto, fui compreendendo a pertinência e importância dessas
advertências, em especial ao ler os projetos sobre testes de novos medicamentos,
com os quais entrei em contato por minha atuação no sistema CONEP-CEP. Tudo
começava a fazer sentido, era pertinente, encaixava-se. E logo comecei a perceber as
razões que levavam a Resolução 196/96 dialogar tão bem com pesquisas dessa
natureza e, ao mesmo tempo, permanecer tão distante das pesquisas qualitativas.
Seguramente, não se tratava apenas de uma questão temática.
206
Nas aulas que ministrava nos cursos de capacitação dos comitês de ética em
pesquisa em vários estados brasileiros, apresentava com tranqüilidade os parâmetros
da Resolução 196/96 e o funcionamento do CEP. Sentia-me confortável, também, ao
discutir a elaboração de pareceres, em especial os de pesquisas clínicas biomédicas.
Entretanto, quando me questionavam algo sobre as pesquisas qualitativas, ainda que
eu buscasse aplicar as resoluções, algo soava estranho. Pensava, então: mas as
resoluções devem ser aplicadas em todas as pesquisas, de qualquer área do
conhecimento; sendo assim, é preciso cumpri-las em qualquer projeto.
Para elaborar o presente trabalho, voltei então a ler, entre outros, textos de
Edgar Morin e Boaventura de Souza Santos, os quais o são usualmente citados nas
discussões sobre o tema. Em Ciência com consciência”, sem fazer referência a
documentos como Declaração de Helsinki e CIOMS, MORIN (2002) discute ética
em pesquisa. O mesmo ocorre em “Um discurso sobre as ciências” SANTOS (2004)
e em outros livros desse autor. Aos poucos fui percebendo que nada havia de
equivocado em discutir ética na ciência sem citar essas diretrizes, e mais, que a
abordagem poderia ser completamente diferente.
Embora houvesse no ar um temor de corporativismo nessa consideração de
que as pesquisas deveriam ser tratadas de maneiras diferentes, ainda assim, intuía
que isso era, de fato, necessário, sem, entretanto ser capaz de uma explicação
adequada. Deparei-me, então, com a dificuldade de recortar qual era exatamente meu
objeto de estudo.
A delicadeza para recortar o presente objeto de estudo
Hoje tenho clareza de que realmente é difícil recortar este objeto de estudo.
Alguns autores, como na publicação da Associação Brasileira de Antropologia
ABA (VICTORA e col. 2004), identificam as dificuldades de aplicação da Resolução
196/96 às pesquisas em Ciências Sociais. Outros, como o documento canadense
(SSHWC 2004), apontam para a mesma questão, tanto no âmbito das Ciências
Sociais como Humanas. Diferente destes, como já relatado, iniciei este trabalho
enfocando os aspectos éticos em pesquisas qualitativas em saúde.
A escolha dos textos de referência, livros e documentos sobre ética em
pesquisa e do material em análise, localizado através de busca no MEDLINE,
questionava meu recorte, bem como os outros recortes propostos, os quais, uns frente
207
aos outros, também se questionavam. Um dos artigos aqui analisados (NELSON e
MCPHERSON 2004) discute exatamente essa questão e foi muito útil para esclarecer
o problema. Ao encerrar este texto, parece-me claro que este repousa nos paradigmas
adotados pelos pesquisadores, mais do que na sua formação ou, ainda, na adoção de
abordagens qualitativas.
Os profissionais cujos objetos de estudo não são apreensíveis pelos métodos
das Ciências Naturais vêm, desde o início de sua formação, discutindo questões
epistemológicas e metodológicas, ganhando, desta maneira, familiaridade com essa
discussão e também buscando construir métodos adequados para abordar seus
objetos. É por necessidade e não meramente por vontade que psicólogos,
antropólogos, enfermeiros, entre outros, debatem essas questões. É por isso também
que ficam evidentes as dificuldades que as pesquisas conduzidas por esses
profissionais têm encontrado junto ao sistema CONEP-CEP.
Ressalto, no entanto, que a diferença central entre as pesquisas não fica bem
estabelecida se tomarmos apenas a formação do pesquisador, ou sua área de atuação.
Embora a definição de paradigmas se numa comunidade científica, um
pesquisador pode optar por trabalhar numa equipe formada por estudiosos de outras
áreas, cujos paradigmas são definidos por outra comunidade científica, que não a
composta por seus colegas, com a mesma formação profissional.
Trata-se de uma situação freqüente, por exemplo, entre os pesquisadores que
trabalham em Saúde Coletiva. A rigor, esse termo foi cunhado justamente para
explicitar uma mudança de paradigmas em relação à nominação Saúde Pública”,
como vem sendo discutido por vários teóricos, entre eles PAIM e ALMEIDA FILHO
(2000), que definem a Saúde Coletiva como sendo:
... um campo científico (Ribeiro, 1991) onde se produzem saberes e
conhecimentos acerca do objeto saúde e onde operam distintas
disciplinas que o contemplam sob vários ângulos, e como âmbito de
práticas (Paim 1992), onde se realizam ações em diferentes
organizações e instituições por diversos agentes (especializados ou
não) dentro e fora do espaço convencional reconhecido como “setor
saúde” (p.59).
208
Em outro texto, ALMEIDA FILHO e PAIM (1999) discutem o objeto da
Saúde Coletiva e afirmam que:
No âmbito da produção de conhecimento, o passo mais importante
será certamente reconfigurar o objeto saúde....não se trata de um
objeto obediente às determinações da predição, aquela das
antecipações limitadas e limitantes, rigorosas e precisas. Efetivamente,
o objeto saúde é muito mais tolerante a formas aproximadas de
antecipação do seu processo, ressaltando a natureza não-linear da sua
determinação e a imprecisão (ou borrosidade) dos seus limites. Faz
parte de uma nova família de objetos científicos, construídos como
objeto totalizado e complexo (p.77).
Ao recuperar essa discussão, tive clareza de que recortar objetos não é uma
dificuldade minha, haja vista que os autores citados são extremamente experientes
e também se deparam com problemas dessa natureza. E também de que profissionais
com diferentes formações, ao trabalhar no campo da Saúde Coletiva, têm os
referenciais aprendidos durante sua graduação questionados, pelo menos em dois
níveis - um de ordem epistemológica, a própria natureza do objeto saúde; e outro,
não menos relevante, que é essa nova sinergia que surge ao trabalhar com
profissionais que têm formações básicas tão diferentes.
Assim, discutir paradigmas da ciência não parece ser tarefa fácil para nenhum
campo, e também não o é para a Saúde Coletiva.
Entretanto, ainda que essas questões tenham me mobilizado durante a
elaboração deste trabalho e uma vez que o foi encontrado nada semelhante no
material em análise, volto à discussão dos artigos em questão, mas não sem antes
afirmar a necessidade de estudos que investiguem os aspectos éticos das pesquisas
que se pautam no paradigma da Saúde Coletiva, na direção da discussão colocada
por BARATA (2005). A autora questiona a pertinência de aplicar a Resolução
196/96 a algumas pesquisas epidemiológicas, pois, como discutido aqui, o
paradigma adotado pelo pesquisador é central para a análise dos aspectos éticos de
um projeto de pesquisa.
De toda maneira, como nos informa o material em análise, os pesquisadores
da área da saúde podem adotar diferentes paradigmas e metodologias, qualquer que
209
seja sua formação. Um antropólogo pode adotar uma abordagem qualitativa, bem
como um psicólogo ou um dico. E quanto mais distante do paradigma positivista
for o paradigma em questão, mais difícil ou inadequada será a aplicação da
Resolução 196/96, independente da formação original do pesquisador. Desta
maneira, restringir as dificuldades de aplicação da Resolução 196/96 às pesquisas em
Ciências Sociais e Humanas não dá conta da complexidade da situação aqui exposta.
Por outro lado, a adoção de um método não implica, necessariamente, em
adotar um determinado paradigma. É possível adotar abordagens qualitativas em um
paradigma positivista, como foi descrito por NELSON e MCPHERSON (2004).
Muito embora isso não seja freqüente, coloca-se como uma possibilidade. Assim,
pensar que as dificuldades de aplicação da Resolução 196/96 se limitam às pesquisas
qualitativas também não identifica bem o problema.
Desta maneira, detecto que a questão que está em discussão é de tal
delicadeza, e tão pouco explícita que é difícil recortá-la. Ao longo deste estudo, esses
limites iam e vinham. No campo da saúde, são poucos os autores que se preocupam
em explicitar os paradigmas que pautam seus trabalhos; os que o fazem, mantêm,
geralmente, uma proximidade com a Filosofia. Isso contribuiu para que eu
mantivesse essa questão em mente durante todo período de elaboração deste texto.
Parece-me que a questão central é identificar o paradigma no qual o
pesquisador opera para que se possa proceder a uma avaliação ética que de fato
respeite as especificidades das diferentes tradições de pesquisa. É o paradigma que
informa a natureza do objeto a ser conhecido, o lugar do pesquisador no campo, a
natureza do conhecimento que almeja produzir, o método a ser utilizado e os critérios
de validade pelo qual será avaliado esse conhecimento.
Assim, o título deste trabalho seria mais bem colocado se passasse a ser
“Ética nas pesquisas qualitativas em saúde que não adotam paradigma positivista”.
Optei, entretanto, por manter o título original, primeiro para explicitar o processo que
percorri até chegar a essa clareza; segundo, porque constato que essa confusão o é
minha, mas está presente na área da saúde, haja vista os artigos que se deparavam
com questões que pareciam ser de difícil solução, mas cujas dificuldades, como o
conflito de papéis, foram construídas sobre confusões paradigmáticaspor exemplo,
quando o pesquisador não tem clareza sobre seu lugar no campo da pesquisa. Por
210
fim, como terceira razão, temi que esse título assustasse meus possíveis leitores... A
palavra paradigma costuma ser recebida por alguns como sinal de que o trabalho é
excessivamente teórico e distante da prática, idéia com a qual não compartilho, pois
os pressupostos do pesquisador definem suas possibilidades de ação antes, durante e
após o término da pesquisa.
Foi a partir de minha formação, que incluiu a reflexão epistemológica, e ao
buscar esclarecer a sensação de estranhamento que senti diante da Resolução 196/96,
estando eu mesma imersa em outro paradigma, que, ao eleger a pesquisa qualitativa
em saúde, chego hoje à convicção de que os parâmetros dessa resolução não são
aplicáveis a todas as pesquisas, como é proposto no seu item III.2, e que isso o se
deve à formação do pesquisador, nem à metodologia eleita, mas que o fator
determinante é o paradigma que o pesquisador adota. Pelo fato de essa resolução
tomar como única forma de fazer pesquisas científicas a que se baseia nos
paradigmas positivistas, ela não pode ser aplicada às demais pesquisas.
Concluo, com NELSON e MCPHERSON (2004) e com GUBA e LINCOLN
(1994), que a análise dos aspectos éticos deve considerar e respeitar o paradigma no
qual o pesquisador trabalha, não podendo ser desvinculada deste.
A Resolução 196/96 e as pesquisas qualitativas não positivistas
As abordagens qualitativas são as eleitas por pesquisadores que investigam
objetos o apreensíveis pelos métodos de investigação tradicionais das Ciências
Naturais, que se pautam nos paradigmas positivistas. Assim, são estes que
freqüentemente encontram as maiores dificuldades no seu relacionamento com o
sistema CONEP-CEP. Não por discordar dos aspectos éticos preconizados na
Resolução 196/96, mas porque esse sistema não identifica as especificidades dessas
pesquisas e faz solicitações que não são adequadas ao seu processo.
Apresento a seguir uma síntese dos aspectos semelhantes entre a Resolução
196/96 e as características da pesquisa qualitativa, realizada a partir dos artigos aqui
em análise.
Síntese das principais semelhanças entre as características da pesquisa qualitativa
(tal como sintetizadas a partir da análise do material) e a Resolução 196/96 CNS
211
Pesquisa qualitativa Resolução 196/96 CNS
Mérito Científico é essencial Mérito Científico é essencial
Consentimento do participante é
essencial
Consentimento do participante é
essencial
Relevância Relevância
Benefício para população em estudo Benefício para população em estudo
Publicação dos resultados Publicação dos resultados
Saliento, entretanto, que embora exista concordância sobre esses aspectos,
eles podem significar questões diferentes e, em especial, resultar em práticas
diferentes.
Ainda que haja consenso de que o mérito científico é fundamental, os
critérios para julgá-lo são diferentes entre as diferentes tradições de pesquisa, e
devem ser respeitados.Vale lembrar que, neste trabalho, são apresentados no capítulo
2 os critérios de qualidade da pesquisa qualitativa, elencados por LINCOLN (1995;
apud LINCOLN e GUBA 2000), e no capítulo 9, os critérios sintetizados a partir da
análise do material.
O mesmo se em relação ao consenso sobre o consentimento informado.
Embora ele seja essencial, está intimamente relacionado à qualidade da relação que o
pesquisador pretende estabelecer junto ao participante do estudo. Assim, ele deve ser
considerado enquanto princípio, mas o enquanto procedimento, como descrito na
Resolução 196/96. Na pesquisa qualitativa o consentimento é processual, o que é
coerente com o seu desenho, que emerge do processo da pesquisa. E não deve
necessariamente ser por escrito, por respeito às questões culturais, ou a condições do
pesquisado, como analfabetismo, e ainda para protegê-lo, como nas pesquisas com
pessoas que exercem práticas ilegais.
Ainda quanto às pesquisas qualitativas, no que diz respeito à relevância, deve
haver um compromisso com a comunidade em estudo e o apenas uma importância
cientifica, mesmo que estas possam estar relacionadas. Da mesma maneira, o retorno
de resultados e de benefícios para a população estudada é essencial.
212
O material e a análise devem ser enviados para conferência dos participantes,
que então informam se se sentiram ou não representados nas anotações e nas
análises, se seu anonimato foi suficientemente protegido ou, ao contrário, se o
participante foi identificado de maneira adequada, e se os resultados do estudo
podem prejudicar de alguma maneira a comunidade em foco. Desta maneira, os
participantes podem tomar parte da construção dos resultados.
Entre os propósitos da pesquisa inclui-se a mudança social, fortalecimento de
indivíduos e comunidades, justiça social. uma forte preocupação em transformar
conhecimento em ações. Assim, não basta que os resultados sejam apenas publicados
em revistas científicas, é importante que eles tenham uma influência positiva na
comunidade estudada. Para vários pesquisadores que adotam abordagens
qualitativas, isso é considerado como um critério de validade do trabalho.
Como vimos, os aspectos éticos são intrínsecos às pesquisas qualitativas não
positivistas. A subjetividade do pesquisador é um instrumento importante, e sua
exclusão leva à exclusão da possibilidade de reflexão ética. É, pois, da constatação
dos efeitos ruins da pesquisa conduzida nessa exclusão que se coloca a necessidade
de um sistema de revisão dos aspectos éticos.
A criação de comitês de revisão ética foi uma saída para garantir a análise dos
aspectos éticos das pesquisas, sem que se quebre o pressuposto do paradigma
positivista que afirma a necessidade de exclusão, da não interferência da
subjetividade do pesquisador no processo da pesquisa. Entretanto, ao incluir a
subjetividade do pesquisador enquanto instrumento privilegiado da pesquisa, inclui-
se a possibilidade de reflexão sobre aspectos éticos durante todo o processo da
pesquisa.
Ressalto que me ative neste trabalho às pesquisas qualitativas em sde, em especial
às indexadas no MEDLINE. Seguramente, mereceria um estudo espefico a utilização de
abordagens qualitativas em outros contextos, como por exemplo, nas pesquisas de mercado,
pois estas me parecem ser realizadas com propósitos diferentes das pesquisas em saúde. De
maneira semelhante, cabe manter em mente a discussão que THIOLLENT (1981) faz a
respeito das desigualdades entre pesquisado e pesquisador, e mesmo sobre a relação entre a
produção de conhecimento e a configuração de poder de uma dada sociedade. O que
apresento aqui não é uma visão ingênua, no sentido de não perceber que abordagens
213
qualitativas de pesquisa também podem ser utilizadas com outras intenções, que não a
mudança e a justiça social. Mas saliento que na área da saúde, em especial no material
analisado neste trabalho, essa preocupão com o retorno social é observada em diferentes
autores.
Enfim, é importante explicitar que a Resolução 196/96 CNS dialoga com uma
determinada concepção de ciência. Entretanto, existem outras, muitas outras maneiras de
pensar a produção científica.
Apresento a seguir umantese das principais diferenças entre a definão de
pesquisa adotada pela Resolução 196/96 CNS e as características da pesquisa qualitativa,
composta a partir do material analisado.
Síntese das diferenças entre as pesquisas qualitativas e a Resolução 196/96
Pesquisa qualitativa Resolução 196/96 CNS
Desenho emergente; processual Teste de hipótese
Nem sempre é possível descrever todos
os procedimentos previamente
Procedimentos devem ser descritos no
projeto
Não há como testar em laboratório ou em
animais
Teste em laboratório ou em animais
Procedimentos realizados no ambiente
natural dos pesquisados
Detalhar as instalações dos serviços,
centros, comunidades e instituições nas
quais processar-se-ão as várias etapas da
pesquisa
Demonstrativo da existência da infra-
estrutura necessária ao desenvolvimento
da pesquisa da pesquisa
Decisões sobre a pesquisa, inclusive a
questão a ser investigada, podem ser
negociadas com os participantes,
portanto nem sempre é possível
descrevê-las previamente
Todas as decisões sobre a pesquisa são
tomadas pelo pesquisador, que, portanto,
pode descrevê-las previamente no projeto
Subjetividade do pesquisador é seu
principal instrumento de trabalho.
Aspectos éticos importantes são como
superar a visão do pesquisador, a
imparcialidade, o respeito à cultura local.
Não há preocupação com a superação da
visão do pesquisador, nem com a
imparcialidade. A intenção de respeitar a
cultura local, por vezes, entra em
contradição com a exigência de
consentimento individual, por escrito.
Aqui ficam claras as diferenças. A Resolução 196/96 dialoga com uma pesquisa que
visa testar hipóteses, na qual todas as decisões relativas ao desenho do estudo o tomadas pelo
pesquisador previamente, que, portanto, pode apresentá-las num projeto elaborado antes do
214
início do trabalho. Os procedimentos de coleta e análise dos dados não são simultâneos, mas
ocorrem em momentos diferentes. De fato, os estudos para testar a segurança e a eficácia de
novos medicamentos enquadram-se muito bem nessa descrição - prevêem teste de hipótese,
todos os procedimentos são descritos previamente pelo pesquisador, a instituição deve ter
infra-estrutura adequada, pois, se não tiver, por exemplo, a possibilidade de realizar o
monitoramento necessário a cada situação, o que geralmente inclui a realização de exames,
aumenta o risco de dano ao sujeito da pesquisa. Os procedimentos geralmente são realizados
em instituições, pois inclui a realizão de exames, coleta de material biológico etc. De
maneira que o que está em jogo é o efeito do medicamento no corpo da pessoa, não havendo a
preocupação com o contexto habitual de cada pesquisado, sua condição de moradia, a
qualidade da água que ingere, sua condição de trabalho, etc.
Por sua vez, as pesquisas qualitativas, tal como apresentadas nos artigos em análise,
apresentam um desenho emergente, ou seja, que vai se fazendo no decorrer do trabalho. Não
há teste de hipótese, e a busca é por compreender atribuições de significados, processos,
detalhes, como diria GADAMER (2003): compreender como aconteceu de ser assim. Por
essa razão, nem sempre é possível descrever os procedimentos do estudo, apresentando-os
num projeto previamente elaborado, não por má fé, nem por desorganização, mas
simplesmente porque o pesquisador pode optar por tomar as decies relativas à pesquisa
conjuntamente aos pesquisados.
Uma outra característica é que, pela especificidade do objeto em estudo, como
atribuições de significado, relacionamentos pessoais, entre outros, não há como realizar testes
em laboratórios ou animais. Além disso, a pesquisa qualitativa, em especial a que é conduzida
num paradigma interpretativo, visa construir um conhecimento contextualizado, ou seja,
compreender como as coisas acontecem no seu ambiente usual. É um conhecimento que inclui
a interação com o contexto. Assim, não é habitual retirar a pessoa de seu contexto. Por
exemplo, se o objetivo for estudar o relacionamento familiar de um paciente acamado, que
esteja na sua residência, a opção será por realizar os procedimentos do estudo no domilio
dessa família. Já se forem realizadas com pessoas cujo ambiente usual são os serviços de
sde, como, por exemplo, estudar a situão dos doentes durante a internação, ou o trabalho
dos profissionais de sde, entre outros, essas pesquisas são conduzidas no contexto dessas
instituições, independente de estas terem ou o infra-estrutura adequada. A avaliação de
servos, por exemplo, pode ser muito enriquecida com o emprego de abordagens qualitativas,
215
cujos resultados podem apontar um funcionamento inadequado da instituição. Ou seja, o fato
de esta não ter infra-estrutura adequada não é limitante para a realização da pesquisa; pelo
contrário, pode inclusive ser o resultado alcançado por uma avaliação de servo.
O pressuposto que embasa a necessidade do conhecimento contextualizado é o de que
não é possível dividir a realidade em partes, estudar cada uma delas e depois somar esse
conhecimento para compreender o todo. Os diferentes aspectos interagem, e o resultado dessa
interação pode ser diferente do que a soma dos estudos realizados de maneira individual.
Tomemos como exemplo uma pesquisa realizada com famílias. A opção por
entrevistar cada membro individualmente não alcança o mesmo conhecimento do que se a
entrevista for realizada com todos os membros da família conjuntamente. Nem sempre o que
uma pessoa relata individualmente, ela diz diante da família e, nem sempre o que é discutido
em cada relato individual expressa a dinâmica de relacionamento que é vivenciada quando
todos estão interagindo. Ou seja, a soma das partes é ao mesmo tempo maior e menor do que o
todo. A soma dos relatos individuais pode conter mais informações do que os relatos
produzidos com a presença da família inteira. Por exemplo, quando numa entrevista individual
o marido relata infidelidade conjugal, assunto que não refere na presença da esposa. Assim, ao
realizar entrevistas individuais, o pesquisador conhece mais aspectos do que se realizar
entrevistas conjuntas. Por outro lado, ainda neste exemplo, o pesquisador pode perceber
aspectos do relacionamento familiar ao observar a família em interação, estes aspectos podem
não ter sido relatados por nenhum membro da família, durante os encontros individuais. Neste
sentido, a soma das partes seria menor do que o todo, neste exemplo, o relacionamento
familiar.Tomando o paradigma da complexidade por referência, podemos afirmar que o todo é
mais e é menos do que a soma das partes.
Concluo, então, que as diferentes pesquisas podem trabalhar em lógicas muito
diversas; tratá-las da mesma maneira, portanto, não seria adequado.
Pesquisas qualitativas não positivistas e os princípios da Resolução 196/96
Os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e justiça são apliveis às
pesquisas qualitativas em saúde. Os artigos em análise não questionavam, por exemplo, a
necessidade de informar a pessoa sobre a realização da pesquisa para que então ela possa decidir
se aceita ou não participar. Alguns questionamentos sobre isso surgiam apenas nas pesquisas que
adotavam observão encoberta, aquelas nas quais informar previamente os participantes poderia
216
alterar os resultados do estudo. Um exemplo são os estudos que investigam se os procedimentos
de esterilização de material cirúrgico estão sendo realizados adequadamente pelo profissional de
saúde. Informar previamente pode levar a mudança de comportamento, alterando o resultado, o
que poderia levar a conclusões equivocadas, incluindo que profissionais estariam realizando seu
trabalho a contento, quando na verdade poderiam necessitar de treinamento. Mesmo nessas
situações a grande preocupação é sobre como, quando e de que maneira a pessoa poderia ser
informada de que foi observada no contexto de uma pesquisa. De toda maneira, o respeito ao
pesquisado e à sua liberdade de escolha é uma preocupação compartilhada também pelos
pesquisadores que adotam abordagens qualitativas.
O princípio de justiça está presente em vários momentos, sendo que se inicia na
definição de um tema de pesquisa relevante para a comunidade em estudo. Como vimos, o
próprio objetivo do trabalho pode ser definido junto aos pesquisados. Um exemplo é quando um
pesquisador chama reuniões com as diretoras de diferentes escolas para identificar quais são os
principais problemas que os professores enfrentam para trabalhar a dificuldade das crianças em
compreender um texto, tendo como objetivo investigar o problema vivenciado por esses
profissionais, tal como relatado por eles. Ou seja, a busca é construir o objetivo do estudo de
acordo com as necessidades da própria comunidade.
A inclusão dos pesquisados no estudo também respeita o princípio de justiça ao incluir
aqueles que pensam das maneiras mais diversas entre si, em especial os que têm menor
possibilidade de exercício de poder, baixa renda e poucos anos de estudo, que sofrem
discriminação (por ser homossexual, por exemplo), que cometem atos ilícitos (como o uso de
drogas); enfim, entre os propósitos da pesquisa qualitativa inclui-se dar vozes aos grupos
marginalizados da sociedade, buscando ampliá-las para que sejam ouvidas pelos que têm maior
possibilidade de exercício de poder na sociedade. Aqui há uma inter-relação entre aspectos éticos
e metodológicos, pois a representatividade da amostra também se relaciona à confiabilidade dos
resultados da pesquisa.
A rigor, para vários autores dos artigos em estudo a mudança social e o fortalecimento
de indivíduos e grupos menos favorecidos constituem-se em objetivos das pesquisas qualitativas
em saúde. Assim, tanto o princípio de autonomia, quanto o de justiça são nelas contemplados.
Outro aspecto discutido diz respeito à necessidade de reciprocidade entre pesquisador e
pesquisado. Ou seja, uma vez que este colabora fornecendo informações, existe a preocupação
de que o estudo também possa ser benéfico a ele. A participação na pesquisa pode ter também
217
um efeito terapêutico. Esses são, pois, benefícios intrínsecos. Mas há também os extrínsecos -
quando o pesquisador pratica ações para favorecer a comunidade, que, porém, não tem nenhuma
relação com a pesquisa, como, por exemplo, montar uma biblioteca. De toda maneira, a
preocupação de que a pesquisa resulte em benefício para a comunidade estudada está fortemente
presente.
Quanto ao princípio de o maleficência, existe a preocupação de evitar que o estudo
cause danos aos pesquisados, em especial danos emocionais, que geralmente não são
considerados nas diretrizes sobre ética em pesquisa. Cuidados como estabelecer claramente os
propósitos do pesquisador, o tipo de relacionamento que ele está propondo, o que será feito com
as informações prestadas pelo pesquisado, como será preservado o anonimato deste ou, ao
contrário, como será identificado no momento da publicação dos resultados, são aspectos
bastante discutidos. Existe uma ênfase na necessidade de que o pesquisador tenha conhecimento
e habilidade para manejar a relação que estabelece com os pesquisados.
Nesse aspecto, observamos outra diferença importante, e que merece destaque, em
relação à Resolução 196/96. A preocupação de evitar dano aos pesquisados é ampliada nas
pesquisas qualitativas de maneira a incluir, também, o cuidado com o pesquisador.
Assim, destaca-se a importância de que o pesquisador tenha, além da supervisão
acadêmica, a possibilidade de falar sobre os sentimentos que surgem durante a pesquisa. A idéia
é que apenas um pesquisador que sabe manejar seus sentimentos terá condições de lidar com os
sentimentos dos pesquisados. Existe ainda a proposta de, além de garantir a possibilidade de
encaminhar o pesquisado para psicoterapia, também o pesquisador tenha acesso a essa
assistência.
Um outro aspecto a discutir sobre a não maleficência diz respeito ao conflito que pode se
colocar entre o interesse do pesquisado e o interesse social. Um exemplo é quando um estudo
tem como pesquisados os profissionais de saúde. Se o interesse destes prevalecer, não poderiam
ser publicados resultados que concluam que eles estão realizando uma prática profissional de
pouca qualidade, ou ainda que a organização de um serviço de saúde não está adequada. Cabe
ponderar, entretanto, se aqui é adequado preservar o interesse dos pesquisados ou o interesse
social de avaliar os serviços de saúde. Entre os objetivos da pesquisa social inclui-se, justamente,
identificar e discutir mecanismos de dominão, o que, embora possa ter interesse social, pode
contrariar os interesses dos que estão exercendo esse poder.
218
Concluo, portanto, que os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e
justiça, que fundamentam a Resolução 196/96 CNS, são aplicáveis às pesquisas qualitativas em
saúde. Entretanto, os procedimentos decorrentes desses princípios, tal como descritos na referida
resolução, nem sempre o são.
Isso está intimamente relacionado ao fato de que, como já discutido, essa diretriz dialoga
com pesquisas pautadas no paradigma positivista. Por outro lado, no momento de aplicação
dessa resolução a um projeto de pesquisa, geralmente, os comitês de ética não identificam que o
que está em jogo é a aplicação de uma resolução pautada num determinado paradigma sobre um
projeto que pode estar pautado em outro. E, como nos avisava KUHN (2000), diferentes
paradigmas são incomensuráveis, pois pressupõem diferentes critérios de validade. Mesmo
autores (NELSON e MCPHERSON 2004; LINCOLN e GUBA 2000) que consideram a
possibilidade de que alguns paradigmas sejam comensuráveis entre si, como os chamados
paradigmas interpretativos, não consideram possível o diálogo entre paradigmas positivistas e
interpretativos, que é o que está em discussão aqui. Além disso, freqüentemente os membros dos
comitês de ética em pesquisa não identificam os diferentes paradigmas que informam as
pesquisas. É como se, ao dialogar com pesquisas positivistas, a Resolução 196/96 CNS
considerasse que esta é a única maneira de conduzir pesquisas científicas válidas.
É nesse momento que a aplicação da Resolução 196, sem a identificação das
especificidades dos diferentes paradigmas, leva a solicitações inadequadas, como a de detalhar
previamente os procedimentos, que, na tradição da pesquisa qualitativa, podem ser definidos ao
longo do processo. A sensibilidade dos CEP para essas questões é de fundamental importância,
inclusive porque o texto da Resolução 196/96 CNS não identifica seu aporte no paradigma
positivista; e mais, no item III.2 afirma que deve ser aplicada a todas as pesquisas, de qualquer
área do conhecimento, que envolvam seres humanos. Essa advertência passa ao leitor a falsa
impressão de que existe apenas uma maneira de fazer pesquisa científica, para a qual essa
resolução é aplicável.
Baseada em publicações brasileiras que estão referenciadas neste trabalho, nos artigos
analisados, nos textos teóricos que foram discutidos e no documento canadense, considero que,
de fato, uma resolução única para pesquisas que operam em paradigmas diferentes não é
adequada. E considero que, à semelhança do que vem se processando no Canadá e também no
Brasil, em algumas associações profissionais, como a Associação Brasileira de Antropologia-
219
ABA, é fundamental que sejam discutidas diretrizes específicas para pesquisas que se orientam
por paradigmas diferentes do positivista.
Concluo que seria de bom tom que as autoridades responsáveis pela elaboração das
diretrizes sobre ética em pesquisa com seres humanos, no caso a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa/ CONEP, levasse em consideração essas ponderações e discutissem possibilidades de
revisões. A título de exemplo, visualizo algumas providências cabíveis:
1. Inclusão imediata de pesquisadores que adotam diferentes paradigmas e
utilizem diferentes metodologias, como membros pareceristas no
sistema CONEP-CEP;
2. Organização de cursos dirigidos aos membros do sistema CONEP-CEP
que discutam diferentes paradigmas de pesquisa, explicitando que
existem diferentes tradições de pesquisas com potencial, quando bem
conduzidas, de produzir conhecimento científico válido e, portanto, têm
mérito científico;
3. Produção de resolução específica para análise dos aspectos éticos das
pesquisas qualitativas que operam fora do paradigma positivista.
Concluo este trabalho considerando que atingi os objetivos propostos, quais
sejam: identificar os aspectos da Resolução 196/96 que são aplicáveis e os que não
são aplicáveis às pesquisas qualitativas em saúde, e identificar o que os
pesquisadores que adotam abordagens qualitativas nessa área vêm discutindo sobre
ética em pesquisa com seres humanos.
Se este trabalho contribuir para que essa discussão cresça no país, de maneira
a aprimorar a análise dos aspectos éticos das pesquisas qualitativas pelo sistema
CONEP –CEP, oriente os pesquisadores na elaboração de seus projetos que adotam
abordagens qualitativas, bem como auxilie a elaboração de diretrizes específicas para
análise dos aspectos éticos das pesquisas qualitativas em saúde, terá cumprido seu
objetivo mais amplo, que é de colaborar com o respeito às pessoas que participam
das pesquisas, bem como aos próprios pesquisadores e às diferentes maneiras de
conceber a produção de conhecimento científico.
220
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222
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90. Victora C; Oliven RG; Maciel ME; Oro AP (orgs). Antropologia e ética o
debate atual no Brasil. Niterói: UdUFF, 2004. 207 p.
230
91. Warr DJ.Stories in the flesh and voices in the head: reflections on the context
and impact of research with disadvantaged populations. Qual Health Res
2004;14(4):578-87.
92. Wilkie P. Ethical issues in qualitative research in palliative care. Palliat Med
1997;11 (4):321-4.
93. World Health Organization. World report on knowledge for better health:
strengthening health systems. Geneve; 2004. disponível em:
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94. World Medical Association Declaration of Helsinki. Recommendation
guiding physicians in biomedical research involving human subjects. Adopted
by the 18
th
World Medical Assembly Helsinki, Finland, June 1964, and
amended by the 29
th
World Medical Assembly, Tokyo, Japan, October 1975;
35
th
World Medical Assembly, Venice, Italy, October 1983 and 41
st
World
Medical Assembly, Hong Kong, September 1989. In: Council for International
Organizations of Medical Sciences (CIOMS) in collaboration with the World
Health Organization (WHO). International Ethical Guidelines for Biomedical
Research Involving Human Subjects. Geneva; 1993. p. 47- 50.
A -
1
ANEXO 1
MEDLINE 1993- 2005 PESQUISA QUALITATIVA ETICA (PALAVRAS)
Foram localizadas 245 referências
Foram selecionadas 36
Shaver FM
Sex work research: methodological and ethical challenges.
J Interpers Violence;20(3):296-319, 2005 Mar.
Hofman NG
Toward critical research ethics: transforming ethical conduct in qualitative health
care research.
Health Care Women Int;25(7):647-62, 2004 Aug.
Nelson CH; McPherson DH
The task for ethics review: should research ethics boards address an approach or a
paradigm?
NCEHR Commun;12(2):11-22, 2004.
Warr DJ
Stories in the flesh and voices in the head: reflections on the context and impact of
research with disadvantaged populations.
Qual Health Res;14(4):578-87, 2004 Apr.
Stein CH; Mankowski ES
Asking, witnessing, interpreting, knowing: conducting qualitative research in
community psychology
Am J Community Psychol;33(1-2):21-35, 2004 Mar.
Perry C; Thurston M; Green K
Involvement and detachment in researching sexuality: reflections on the process of
semistructured interviewing.
Qual Health Res;14(1):135-48, 2004 Jan.
Forbat L; Henderson J
Stuck in the middle with you[quot ]: the ethics and process of qualitative research
with two people in an intimate relationship.
Qual Health Res;13(10):1453-62, 2003 Dec.
Brugge D; Cole A
A case study of community-based participatory research ethics: the Healthy Public
Housing Initiative.
Sci Eng Ethics;9(4):485-501, 2003 Oct.
Raingruber B
Video-cued narrative reflection: a research approach for articulating tacit, relational,
and embodied understandings.
A -
2
Qual Health Res;13(8):1155-69, 2003 Oct.
Chaitin J (EXCLUIDO APÓS LEITURA DO ARTIGO NA ÍNTEGRA)
I wish he hadn't told me that: methodological and ethical issues in social trauma and
conflict research.
Qual Health Res;13(8):1145-54, 2003 Oct.
Sixsmith J; Boneham M; Goldring JE
Accessing the community: gaining insider perspectives from the outside
Qual Health Res;13(4):578-89, 2003 Apr
Keleher HM; Verrinder GK
Health diaries in a rural Australian study.
Qual Health Res;13(3):435-43, 2003 Mar.
Murray BL
Qualitative research interviews: therapeutic benefits for the participants
J Psychiatr Ment Health Nurs;10(2):233-6, 2003 Apr
Highet G
Cannabis and smoking research: interviewing young people in self-selected
friendship pairs.
Health Educ Res;18(1):108-18, 2003 Feb.
Boschma G; Yonge O; Mychajlunow
Consent in oral history interviews: unique challenges.
Qual Health Res;13(1):129-35, 2003 Jan
Cutcliffe JR; Ramcharan P
Leveling the playing field? Exploring the merits of the ethics-as-process approach for
judging qualitative research proposals.
Qual Health Res;12(7):1000-10, 2002 Sep.
Moyle W
Unstructured interviews: challenges when participants have a major depressive
illness.
J Adv Nurs;39(3):266-73, 2002 Aug
Eysenbach G; Till JE
Ethical issues in qualitative research on internet communities
BMJ;323(7321):1103-5, 2001 Nov 10.
De Gruchy J; Lewin S
Ethics that exclude: the role of ethics committees in lesbian and gay health research
in South Africa.
Am J Public Health;91(6):865-8, 2001 Jun.
Buchanan EA
A -
3
Ethics, qualitative research, and ethnography in virtual space.
J Infor Ethics;9(2):82-7, 2000
Kylmä J; Vehviläinen-Julkunen K; Lähdevirta J
Ethical considerations in a grounded theory study on the dynamics of hope in HIV-
positive adults and their significant others.
Nurs Ethics;6(3):224-39, 1999 May.
James T; Platzer H
Ethical considerations in qualitative research with vulnerable groups: exploring
lesbians' and gay men's experiences of health care--a personal perspective
Nurs Ethics;6(1):73-81, 1999 Jan.
Häggman-Laitila A
The authenticity and ethics of phenomenological research: how to overcome the
researcher's own views.
Nurs Ethics;6(1):12-22, 1999 Jan.
Paavilainen E; Astedt-Kurki P; Paunonen M
Ethical problems in research on families who are abusing children.
Nurs Ethics;5(3):200-5, 1998 May
Latvala E; Janhonen S; Moring J
Ethical dilemmas in a psychiatric nursing study.
Nurs Ethics;5(1):27-35, 1998 Jan.
Wilkie P
Ethical issues in qualitative research in palliative care.
Palliat Med;11(4):321-4, 1997 Jul.
Miller P; Rainow S.
Commentary: Don´t forget the plumber: research in remote Aboriginal communities
Comment On: Aust N Z J Public Health. 1997 Feb; 21(1): 89-95.
Platzer H; James T
Methodological issues conducting sensitive research on lesbian and gay men's
experience of nursing care.
J Adv Nurs;25(3):626-33, 1997 Mar.
Evans JG
Ethical problems of futile research.
J Med Ethics;23(1):5-6, 1997 Feb.
Usher K; Holmes C
Ethical aspects of phenomenological research with mentally ill people.
Nurs Ethics;4(1):49-56, 1997 Jan
A -
4
Bier MC; Sherblom SA; Gallo MA (EXCLUIDO APÓS LEITURA DO ARTIGO
NA ÍNTEGRA)
Ethical issues in a study of Internet use: uncertainty, responsibility, and the spirit of
research relationships
Ethics Behav;6(2):141-51, 1996.
Jones R; Murphy E; Crosland A
Primary care research ethics.
Br J Gen Pract;45(400):623-6, 1995 Nov.
Holloway I; Wheeler S
Ethical issues in qualitative nursing research.
Nurs Ethics;2(3):223-32, 1995 Sep
Robley LR
The ethics of qualitative nursing research.
J Prof Nurs;11(1):45-8, 1995 Jan-Feb
Batchelor JA; Briggs CM
Subject, project or self? Thoughts on ethical dilemmas for social and medical
researchers.
Soc Sci Med;39(7):949-54, 1994 Oct.
Jevne R; Oberle K
Enriching health care and health care research: a feminist perspective.
Humane Med;9(3):201-6, 1993 Jul.
A -
5
ANEXO 2
Medline 1990- 2003. (4)
DiCicco-Bloom B.
Ethical considerations for qualitativa health research.
Journal of Dental education; 64 (8): 616- 8, 2000.
Stevenson C; Beech I.
Plying the power game for qualitative researchers: the possibility of a pos-modern
approach.
Journal Advanced Nursing; 27: 790- 7, 1998.
Richards HM; Schwartz LJ.
Ethics of qualitative research: are there special issues for health services research?
Family Practice, 19 (2): 135- 9, 2002.
Gauld R; McMilan J.
Ethics committee and qualitative health research in New Zealand
N Z Med J, 112 (1089): 195- 7, 1999.
Busca na Social Science and Medicine (2)
Hoeyer K; Dahlager L; Lynöe N.
The mutually challenging traditions of social scientists and medical researchers.
Sco Scie Med 61 (2005) 1741- 9.
Dawson L; Kass NE.
Views of US researchers about informed consent in international collaborative
research.
Sco Sci Med; 61 (2005). 1211- 22.
Busca no site da Behavioral and Cognitive Psycotherapy (1)
Clements J; Rapley M; Cummins RA.
On, to, for, with – vulnerable people and the practices of the research communities.
Behavioral and Cognitive Psycotherapy, 1999, 27, 103- 15.
Busca no site Qualitative Health Research (1)
Johnson B; Clarke JM.
Colleting Sensitive data: the impact on researchers
Qualitative Health Research; 13 (3): 421 – 34. March 2003.
A -
6
Referências do Medline 93- 05 que não foram localizadas (16)
7. Forrest K; van Teijlingen E.
The quality of qualitative research in family planning and reproductive health care.
J Fam Plann Reprod Health Care; 30 (4): 257- 9, 2004 Oct.
34. Fine PG
The ethics of end-of-life research.
J Pain Palliat Care Pharmacother;18(1):71-8, 2004.
55. Westhead H; Meyer J
An ethics committee reflects; and research in the place where you work--some responses.
Comment On:Bull Med Ethics. 2003 Feb;(185):13-20
Bull Med Ethics;(188):20-2; author reply 22, 2003 May.
56. West E; Butler J.
An applied and qualitative LREC reflects on its practice.
Comment In: Bull Med Ethics. 2003 May; (188): 20- 2; author replay.
115. Banister E
Considerations for research ethics boards in evaluating qualitative studies: lessons from an
ethnographic study with adolescent females.
Ann R Coll Physicians Surg Can;35(8 Suppl.):567-70, 2002 Dec.
116. Oberle KM
Ethics in qualitative health research
Ann R Coll Physicians Surg Can;35(8 Suppl.):563-6, 2002 Dec.
162. Coughlin SS
Implementing breast and cervical cancer prevention programs among the Houma Indians of
southern Louisiana: cultural and ethical considerations.
J Health Care Poor Underserved;9(1):30-41, 1998 Feb.
177. Schick IC; Moore S.
Ethics committees identify four key factors for success.
HEC: Forum; 10 (1): 75- 85, 1998 Mar.
197. Tulsky JA; Stocking CB.
Obstacles and opportunities in the design of ethics consultation evaluation.
Comment In: J Clin Ethics. 1997 Summer; 8 (2):193-8.
208. What's new in research ethics.
Bull Med Ethics;No. 122:13-8, 1996 Oct.
218. Hayes GP.
Ethics committees: group process concerns and the need for research.
Camb Q Health Ethics; 4 (1):83- 91, 1995.
222. Paddison J
Ethical issues in qualitative studies
Mod Midwife;5(5):23-5, 1995 May.
228. de Raeve L
Ethical issues in palliative care research.
Palliat Med;8(4):298-305, 1994 Oct.
241. Vehviläinen-Julkunen K
Ethical considerations in qualitative nursing research.
A -
7
Vard Nord Utveckl Forsk;13(2):23-5, 1993.
243. Hind M
Ethical dilemmas in qualitative research: how do we respect autonomy?
NATNEWS;2(10 Suppl):S1-5, 1993 Jan.
244. Grigsby RK; Roof HL
Federal policy for the protection of human subjects: applications to research on social work
practice.
Res Soc Work Pract;3(4):448-61, 1993 Oct.
A -
8
ANEXO 3
Síntese de cada artigo, apresentados na seqüência que foram lidos.
Artigo 1
59. Forbat L; Henderson J
Stuck in the middle with you: the ethics and process of qualitative research with two people
in an intimate relationship.
Qual Health Res;13(10):1453-62, 2003 Dec.
As autoras discutem os dilemas éticos que encontram ao realizar pesquisas com
pessoas que mantém relações íntimas entre si, em especial casais ou famílias. Forbat
conduziu um estudo sobre o relacionamento entre o cuidador e a pessoa que recebe os
cuidados; e Henderson investigou as experiências e significados do cuidado para os
participantes, em relacionamentos onde uma pessoa tinha diagnóstico de distúrbio bipolar.
As autoras discutem seus dilemas éticos encontrados durante a realização destes estudos.
Os dilemas éticos descritos são: conflito de interesse, desigualdade, tomar partido,
intrusão, inclusão, influencia e divulgação dos resultados. Descrevo a seguir, muito
resumidamente, o significado de cada um destes aspectos, tal como descritos pelas autoras.
Conflito de interesse: as pessoas podem decidir participar da pesquisa, motivadas por
interesses diferentes, que podem ser diferentes inclusive do interesse do pesquisador.
Desigualdade: O pesquisador pode observar uma desigualdade, por exemplo que se
atém mais ao cuidador do que á pessoa que recebe os cuidados. Por outro lado, o pesquisador
pode valorizar mais a pessoa que recebe os cuidados, visando incluir pessoas que
tradicionalmente não são valorizadas socialmente. É um aspecto ético (e metodológico!)
importante que o pesquisador valorize a opinião de cada um dos participantes.
Tomar partido: uma conseqüência de valorizar a opinião de todos os participantes é
que o pesquisador não deve tomar partido.
Intrusão: o pesquisador deve garantir o sigilo do que cada participante fala, não pode
“vazar” informações de um participante para o outro. (nestes estudos realizados por estas
autoras, as entrevistas são realizadas individualmente)
Inclusão: o pesquisador pode convidar o casal, e apenas um dos conjugues aceitar.
Influencia: ao realizar a primeira entrevista com um participante, em que medida o
pesquisador estará influenciado pelos temas trazidos, para realizar a primeira entrevista com
o outro da relação? Em que medida o pesquisador pode perguntar diretamente sobre uma
questão específica, trazida pelo outro da relação?
Divulgação dos resultados: é preciso muito cuidado para que um não identifique o
outro com quem mantém relação íntima. Pois se identificar algo que falou, poderá identificar
imediatamente o que o outro, com quem mantém relação íntima, falou.
As pesquisadoras propõem que antes de iniciar uma pesquisa com pessoas que
mantém relacionamento íntimo entre si, o pesquisador deve responder as seguintes questões:
Qual a discussão prioritária sobre confidencialidade com os participantes? Como será
mantida a confidencialidade durante a pesquisa? (ética deve ser co-construida na interação e
não deve ser externa ao contexto da pesquisa). Como se pretende manejar as dificuldades
potenciais durante a entrevista, como questões de um participante sobre o outro? Como será
o manejo das transcrições e o processo de retorno das mesmas?
E concluem que estas questões são o ponto inicial no planejamento da pesquisa e da
transparência na abordagem de possíveis participantes, ressaltando que a transparência
perante a comunidade científica, sobre os procedimentos dos pesquisadores, pode facilitar o
diálogo sobre a ética. Elas consideram que ética é parte do desenho da pesquisa e dos
métodos, e que não existem soluções fáceis nem rapidamente estabelecidas para os dilemas
éticos.
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Artigo 2
Latvala E; Janhonen S; Moring J
Ethical dilemmas in a psychiatric nursing study.
Nurs Ethics;5(1):27-35, 1998 Jan.
Pressupõe-se que para que uma pessoa seja incluída numa pesquisa, como
participante, ela decida, com autonomia, se quer participar ou não. Colocam-se as seguintes
questões: como se pode definir se um paciente psiquiátrico interno num hospital tem
autonomia, se estiver submetido a um tratamento forçado; e como definir autonomia de
paciente psiquiátrico internado em hospital?
Autonomia pessoal significa que a pessoa tem o direito de determinar suas ações
com base num plano que ele/ela traçou para si mesmo.
Os direitos humanos, como valores éticos positivos, estão incorporados na cultura
ocidental.
Objetivo do artigo: Este artigo discute dilemas das pesquisas com seres humanos
numa situação em que os participantes são pessoas com doenças mentais, internas num
hospital psiquiátrico. Utilizou-se a grounded theory para analisar 16 entrevistas, realizadas
com enfermeiros, estudantes de enfermagem e pacientes; além de vídeo tapes sobre situações
da enfermagem.
Cita exemplos do estudo: Psychiatric nursing in a hospital environment described
by nurses, nursing students and patients and observed in videotaped nursing situations, de
autoria de Latvala E, 1996.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Coloca-se um dilema ético quando a pesquisa é realizada com pacientes
psiquiátricos, cuja possibilidade de compreensão e portanto de consentir em participar está
questionada. Como o pesquisador pode ter certeza que o paciente entendeu o sentido do
consentimento informado?
É ético incluir uma pessoa que sente que perdeu sua capacidade de
autodeterminação, por ter uma doença mental e estar internada num hospital psiquiátrico?
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Os direitos do participante de pesquisa incluem: respeito a privacidade, respeito pela
auto-determinação, e consentimento informado. Privacidade significa a proteção da
integridade pessoal e a proteção dos segredos familiares e pessoais que se tornam conhecidos
pelo pesquisador durante a pesquisa. O participante da pesquisa consente em participar da
pesquisa com base nas informações que recebeu. As pessoas participam voluntariamente,
compreendem os objetivos da pesquisa e tem a opção de deixar de participar a qualquer
momento, sem ser penalizada.
O Comitê de revisão ética da universidade e o research Board do hospital , orientou
que as fitas de vídeo poderiam ser vistas por quem aparecesse nelas, incluindo o
pesquisador, os pacientes, as pessoas significantes para ele/a, e as enfermeiras da equipe
assistencial.
Questões éticas a serem consideradas, de acordo com Davis e Aroska:
1. perda de dignidade ou de autonomia, 2. invasão de privacidade, 3. tempo e/ou
energia necessária para participar da pesquisa, 4. desconforto físico ou mental, ou dor, 5.
risco de dano físico ou mental. Deve ser feito um balanço entre riscos e benefícios.
Observações
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Não consenso sobre a definição do termo privacidade, que pode ser encontrado
relacionado a informação, autonomia, identidade e acesso físico.
Os pesquisadores devem se posicionar frente a estas questões éticas de acordo com
seus valores, com seus conhecimentos sobre as diretrizes éticas nacionais e internacionais e
valendo-se de suas habilidades profissionais.
Documentos sobre ética em pesquisa citados: the 1973 International Council of
Nurses’ Code for nurses; ethical concepts applied to nursing. The international Council of
Nurses resolution on nursing research 1995; Finnish Medical Association´s Physician`s
ethics 1992. declaração de Helsinque, versão de 1964.
Artigo 3
Autor: Boschma G; Yonge O; Mychajlunow
Título: Consent in oral history interviews: unique challenges.
Referência: Qual Health Res;13(1):129-35, 2003 Jan
Objetivo do artigo: discutir, em profundidade, os procedimentos de consentimento
em projetos que utilizam a técnica de história oral, nos quais a conduta do pesquisador é
relevante, não para os pesquisadores de história, mas para o amplo circulo de
pesquisadores qualitativos.
Cita exemplos do estudo: que tinha por objetivo registrar a experiência de
enfermeiros que atuam em saúde mental, identificando que forneceu as informações e
disponibilizando as fitas gravadas e/ou as transcrições para possibilitar outras pesquisas
históricas. Não está citada a referência deste estudo.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
processo de consentimento, que reflete a responsabilidade do pesquisador nas entrevistas em
profundidade gravadas. Na técnica da história oral, o anonimato e a confidencialidade não
estão garantidos, ao contrário, a intenção é tornar público quem falou o que, para permitir
estudo históricos e para dar credibilidade aos dados coletados.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
A relação entre o pesquisador e o entrevistado tem várias dimensões éticas. É
importante que o pesquisador previna dano ao entrevistado, respeite os direitos do
entrevistado e mantenha a integridade do entrevistado e do processo da entrevista.
Como a entrevista não é anônima, a autoria é partilhada entre o pesquisador e o
entrevistado.
Informar todo o processo da pesquisa, enfatizando que não será preservado o
anonimato, nem a confidencialidade das informações permite que o entrevistado decida o
que quer e o que não quer falar, evitando que se sinta exposto de maneira indevida.
Consentimento referente a participar da entrevista, ler e alterar o que achar
necessário nas transcrições e autorizar o arquivo e a publicização das transcrições e/ou
gravações. Os autores ressaltam que o participante pode fazer cortes nas transcrições ou
gravações, e pode autorizar o acesso a este material para alguns anos depois. Revisar as
transcrições é um aspecto ético essencial no processo da história oral.
Observações: os autores apresentam definição de privacidade, anonimato e
confidencialidade.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: Ethical guideline defeloped
by the Oral Histoty Association.
Artigo 4
Autor Brugge D; Cole A
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Título: A case study of community-based participatory research ethics: the Healthy Public
Housing Initiative.
Referência Sci Eng Ethics;9(4):485-501, 2003 Oct.
Objetivo do artigo: apresentar os resultados de um estudo cujo objetivo era gerar
idéias e temas relacionados à ética em pesquisa participativa baseada na comunidade, na qual
os 12 entrevistados estavam envolvidos. Havia o objetivo de identificar se existem questões
éticas especificas a este tipo de pesquisa, que fossem diferentes dos aspectos éticos
individualistas, considerados nas pesquisas tradicionais.
Cita exemplos do estudo: este artigo apresenta os resultados do estudo em questão.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: é o
objetivo do artigo.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Existem aspectos éticos específicos das pesquisas dos projetos que são engajados em
pesquisas participativas baseadas na comunidade, tais como: buscar a equidade entre os
participantes, a necessidade que o participante da comunidade tem de defender a
comunidade, lidar com dados imprecisos, atender as expectativas da comunidade e beneficiar
a comunidade.
Observações: Existe a concepção de que a relação entre o pesquisador e o
participante da pesquisa é uma relação entre estranhos, o que justifica uma ética
individualista. Porém, este não é o caso da pesquisa participante, baseada na comunidade.
Havia no roteiro de entrevista uma pergunta relativa ao que seria uma boa ciência.
Os pesquisadores relacionam a boa ciência com os métodos de pesquisa, enquanto os demais
entrevistados associam como aquela que auxilia a comunidade a resolver seus problemas.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Relatório Belmont;
Researching minority ethnic communities: a note on ethics.
Artigo 5
Autor: Cutcliffe JR; Ramcharan P
Título: Leveling the playing field? Exploring the merits of the ethics-as-process approach
for judging qualitative research proposals.
Referência: Qual Health Res;12(7):1000-10, 2002 Sep.
Objetivo do artigo: baseado na literatura, salienta questões e reitera técnicas específicas que
possam ser usadas para abordar questões éticas relativas as pesquisas qualitativas, que
podem ser agrupadas na abordagem ética como um processo”. Os autores apresentam três
exemplos práticos: os resultados de participar de entrevistas, o manejo sensível
relacionamento entre pesquisador e pesquisado, no término do estudo e o processo do
consentimento informado.
Cita exemplos do estudo: este artigo apresenta os resultados do estudo realizado.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos : Os comitês de
ética em pesquisa prejudicam as pesquisas qualitativas pois, por um lado, tem mais
experiência na análise dos projetos da área biomédica e das pesquisas quantitativas, e porque
analisa os projetos antes do seu início. Dado ao caráter processual dos estudos qualitativos,
nos quais os procedimentos não são conhecidos na íntegra a priori, é difícil fazer um balanço
do risco e do benefício.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas
Na maioria das pesquisas qualitativas estabelece-se um relacionamento entre o pesquisador e
o pesquisado. Como em qualquer relação dual, pode-se colocar uma série de questões sobre
a natureza desta relação: a maneira como a mesma é estabelecida e manejada, a natureza da
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diferença de poder entre as partes, a maneira como esta relação afeta os participantes do
estudo no nível emocional, psicológico e pessoal e se os resultados são desejados ou
indesejados.
Frente a consideração de que deve haver um balanço entre riscos e benefícios, e que o
segundo deve ser maior que o primeiro, a abordagem da ética como processo”, considera
que os pesquisadores qualitativos devem estar atentos aos seguintes aspectos éticos,
referentes a realização de entrevistas:
1. evitar que os participantes informem mais do que desejam;
2. recorrer a conferencia pelos membros, conferir a representatividade, buscando estabelecer
a credibilidade dos achados;
3. estabelecer continuamente o consentimento, renovando-o periodicamente;
4. garantir que os participantes não se sintam pressionados a continuar no estudo,
especialmente quando os participantes forem muito vulneráveis;
5. desenvolver uma abordagem teórica para aumentar a autonomia dos participantes;
6. identificar quando a pesquisa se torna invasiva, e evitar que ela continue desta maneira;
7. garantir manejo sensível e respeitoso do relacionamento com pessoas solitárias e
vulneráveis;
8. buscar o consentimento individual, mesmo quando consentimento do grupo tenha sido
obtido, sempre que for apropriado.
As questões éticas na pesquisas qualitativas são questões mais complexas. È importante
considerar diferentes concepções filosóficas e preocupações práticas. Portanto, essas
preocupações precisam ser consideradas tanto pelos pesquisadores quanto pelos que vão
julgar os projetos de pesquisa. A abordagem da “ética como processo” propõe que os
comitês de ética considerem os seguintes aspectos ao tomar suas decisões:
2. garantir que questões como estabelecer uma relação de confiança e obter o
consentimento não sejam consideradas como um evento singular. A confiança
precisa ser estabelecida com os participantes e mantida durante toda a pesquisa.
3. Conferir se o consentimento foi obtido e se foi restabelecido durante o andamento da
pesquisa.
4. assegurar que os participantes sabem do seu direito de sair da pesquisa a qualquer
momento.
5. monitorar se a pesquisa esta sendo conduzida com boa intenção, de maneira que os
participantes sejam respeitados e sua dignidade se mantenha intacta.
6. Conferir se o termino da pesquisa e a saída do campo estão sendo manejadas de
maneira sensível.
7. Garantir que os participantes estão tendo a possibilidade de conferir como estão
sendo representados nas notas de campo ou nas transcrições.
8. Monitorar os participantes do estudo, verificando se estão sofrendo algum dano e
prover uma rede de suporte, se houver necessidade.
Os autores citam três situações práticas. A primeira é relativa a participação nas entrevistas,
que consideram que tem grande potencial de ser benéficas para os entrevistados. Os autores
discutem se a participação em entrevistas de pesquisa pode causar danos, o que levaria a uma
situação na qual os beneficio poderia ser para a comunidade, e o risco potencial para o
indivíduo. Porém, a literatura sugere que as entrevistas não re-traumatizam os participantes
e, pelo contrario, o fato de ser ouvido de maneira cuidadosa pode ter efeito terapêutico. De
toda maneira, é importante que o pesquisador esteja atento a possibilidade de que o
participante possa experimentar algum sofrimento durante a entrevista, uma vez que existem
maneiras de manejar estas situações, caso elas se apresentem. Um dos autores apresenta os
benefícios que pessoas que foram entrevistas em pesquisas qualitativas apontam, por ter sido
entrevistadas:
O desejo de beneficiar outros com sua experiência.
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O desejo de que, como resultado do que aprenderam com a experiência,
outros possam evitar sofrimentos.
Sentir-se lembrado.
Perceber o progresso que fizeram.
Vivenciar um sentido de completude.
Desejo de que algo bom possa advir da perda.
Assim, uma vez que existe a possibilidade de benefício direto ao participante, tão importante
quanto proteger os participantes do estudo, é evitar o paternalismo. Outra situação refere-se
ao manejo sensível do relacionamento no final da pesquisa.
Os autores discutem a que a relação não precisa terminar quando o estudo é concluído, esta
pode ser mantida por muito tempo depois. Nessa abordagem, os aspectos éticos devem ser
negociados ao longo de toda pesquisa.
A terceira questão refere-se ao processo de consentimento, que nesta abordagem é visto
como processual, não podendo ser entendido como realizado num único encontro.
A abordagem da ética como processo” encara a obtenção do consentimento como
processual, coerente com o desenho emergente das pesquisas qualitativas.
Observações: -----
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere
Department of Health (1991). Local research Ethics Committe. London: department of
Health HMSO.
Department of Health (1994). Local Research Ethics Committee: a framework for ethical
review. London: Department of Health HMSO.
Royal College of Nursing (1998) Research ethics: guidance for nurses involved in research
or any investigative project involving human subjects. London: RCN Publishing.
Royal College of Physicians (1996) Guidelines on the practice of ethics committee in
medical research involving human subjects. Londo: The Royal College of Physicians.
Artigo 6
Autor: Moyle W
Título;Unstructured interviews: challenges when participants have a major depressive
illness.
Referência: J Adv Nurs;39(3):266-73, 2002 Aug
Objetivo do artigo: discutir os desafios de conduzir entrevistas não-estruturadas
quando os participantes têm depressão maior.
Cita exemplos do estudo: o cita referencia.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos e quais
são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas
Consentimento informado deve apresentar a pesquisa, e obter ao consentimento da
pessoa para participar do estudo. Nesse estudo, o consentimento foi apresentado oralmente e
por escrito. O termo escrito foi re-apresentado ao participante no início de cada entrevista.
Privacidade: a entrevista foi realizada num local reservado, porém por ser num
hospital, havia interrupções quando o interfone tocava ou quando um profissional entrava.
A relação entre o pesquisador e o participante é próxima, mas é importante
diferenciá-la da relação que se estabelece entre paciente e terapeuta.
Observações
A pesquisadora realizou entrevistas com pacientes com depressão maior, alguns com
alucinações. Interrompeu a entrevista apenas quando considerou que o entrevistado estava
sofrendo. Nesses casos, ao interromper a entrevista, chamou um profissional da equipe
assistencial para dar continência ao participante.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
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Artigo 7
Autor: Eysenbach G; Till JE
Título: Ethical issues in qualitative research on internet communities
Referência: BMJ;323(7321):1103-5, 2001 Nov 10.
Objetivo do artigo: Os autores consideram que Internet dispõe de uma série de
informações úteis para pesquisa em saúde. Entretanto existem aspectos éticos a serem
considerados, em especial a privacidade e a necessidade do consentimento.
Cita exemplos do estudo: o cita.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: Os
autores colocam a dificuldade de diferenciar entre o que é público e o que é privado, na
Internet. Pois uma pesquisa que utiliza informações privadas deve ser aprovada pelos
comitês de ética, obter termo de consentimento e garantir o anonimato dos participantes.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Aspectos a serem observados pelos pesquisadores e pelos Comitês de ética:
INTRUSIVENESS discutir em que nível a pesquisa é intrusiva/ invasiva (análise
passiva das mensagens da Internet, versus envolvimento ativo na comunidade, através da
participação nas comunicações).
Privacidade identificada - discutir, de preferência com membros da comunidade, o
nível de privacidade da comunidade. (trata-se de um grupo fechado, que requer inscrição,
quantos membros participam? Quais são as normas dos grupos?)
Vulnerabilidade- discutir a vulnerabilidade da comunidade: por exemplo, uma lista
de e-mails para vítimas de abuso sexual ou de pacientes com aids constitui uma comunidade
altamente vulnerável.
Dano potencial- como resultado das considerações acima, discutir se a inclusão do
pesquisador ou a publicação dos resultados coloca risco potencial aos participantes ou a
comunidade como um todo.
Consentimento informado discutir se o consentimento é necessário ou pode ser
abolido, e se necessário, como obtê-lo.
Confidencialidade como proteger o anonimato dos participantes? Se não for
possível garanti-lo, então o consentimento é essencial.
Direito de propriedade intelectual em alguns casos, o participante deseja
publicidade e não anonimato, nessa situação o uso da informação sem a identificação do
autor, não é apropriado.
Observações: Os autores afirmam que os recursos tecnológicos permitem através de
uma citação, identificar o e-mail de que é o responsável pela frase. Isso resulta numa
dificuldade importante para preservar o anonimato do participante.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
King AS. Researching Internet communities: proposed ethical guidelines for the
reporting of results. The information Society 1996; 12 (2): 119 – 28.
Till JE. Research Ethics : Internet based research. Part 1: On-line survey research,
http://members.tripod.com/~ca916/index-3.html (updated 18 Nov 1997, accessed 20 jan
2001)
World Medical Association. Declaration of Helsinki: ethical principles for medical
research involving human subjects, www. wma.net/e/policy/17c_e.html (updated 7 Oct
2000, accessed 20 Jan 2001).
Frankel MS, Siang S. Ethical and legal issues of human subjects research on the
Internet report of na AAAS workshop. Washington, DC: American Association for the
Advancement of Science, 1999.
American Sociological Association. American Sociological Association code of
ethics, www.asanet.org/member/ecoderev.html (updated 1 Aug 1999, accessed 12 jan 2001).
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Royal College of Physicians Committee on ethics issues in medicine. Research
based on archived information and samples. Recommendations from the royal college of
Physicians Committee on Ethical issues in Medicine. JRCollPhysicians Ln 1999; 33: 264-6.
Artigo 8
Autor: Stein CH; Mankowski ES
Título: Asking, witnessing, interpreting, knowing: conducting qualitative research in
community psychology
Referência: Am J Community Psychol;33(1-2):21-35, 2004 Mar.
Objetivo do artigo:Apresentar um referencial para descrever o processo de conduzir
pesquisa qualitativa baseada na comunidade. As atividades de pesquisa qualitativa são
apresentadas como uma série interelacionada de atos denominados: perguntar, testemunhar,
interpretar e conhecer. Cada ato é descrito em termos da pratica corrente de pesquisa
qualitativa e são exemplificado com duas pesquisas conduzidas pelos autores, um com
família que tem um membro esquizofrênico e outra com homens com comportamento
violento. A afirmação de que a pesquisa qualitativa serve para apresentar e ampliar as vozes
dos participantes é analisada criticamente.Os autores examinam as conexões entre a pesquisa
qualitativa e a mudança social e descrevem o uso da pesquisa qualitativa não apenas para
fortalecer os grupos marginalizados, mas também para criticar e transformar os grupos mais
poderosos.
Cita exemplos do estudo: Sim. Um estudo com famílias que tem um membro
esquizofrênico e outro com homens com comportamento violento.
Pesquisa qualitativa: Abordagens qualitativas de pesquisa refletem uma filosofia da
ciência e um conjunto de métodos que incluem muitos dos valores da ação e da pesquisa na
comunidade. As abordagens qualitativas permitem uma melhor compreensão da diversidade
individual e das nuances do contexto social. Pelo detalhamento das descrições das pessoas e
dos contextos, métodos qualitativos podem melhorar o estudo do comportamento alicerçado
no mundo social mais amplo. Os achados das pesquisas qualitativas tem sido úteis para
derrubar compreensões equivocadas sobre grupos marginalizados, que estavam embasada
em estudos feitos com amostras hegemônicas ( MAINSTREAM SAMPLES).Para vários
pesquisadores de comunidades , o potencial da pesquisa qualitativa está em sua habilidade de
fortalecer grupos de pessoas que são tradicionalmente marginalizados na sociedade. Os
pesquisadores de comunidades freqüentemente descrevem sua missão como sendo a de
utilizar a abordagem qualitativa para ajudar pessoas, a quem falta poder econômico, social e
político , a descobrir, criar ou dar voz a suas histórias. È importante descrever o processo de
conduzir pesquisas qualitativas, para ampliar o diálogo com a comunidade científica. O foco
no processo pode ajudar a explicitar as complexas escolhas de metodologia e os papéis
inerentes na pesquisa qualitativa e a compreender as conexões entre pesquisa qualitativa e
mudança social. Se a pesquisa qualitativa é para informar e moldar nossa disciplina, é
preciso tanto publicar os resultados das pesquisas quanto descrever a jornada. As autoras
apresentam o caminho metodológico que seguiram para realizar uma pesquisa na
comunidade. As autoras partem da idéia de que a pesquisa qualitativa serve para revelar e
amplificar as vozes dos participantes. Porém, consideram que isso não basta para transformar
estas vozes . Pois, em primeiro lugar, as autoras afirmam que as vozes dos participantes são a
substância dos resultados das pesquisas qualitativas e a base para advogar em prol do social.
O objetivo da advocacy é ligar o método qualitativo com a busca da justiça social. A
expectativa é que a pesquisa qualitativa possa descobrir e ampliar as vozes dos
desfavorecidos, mas não transforma substancialmente ou critica estas vozes. Outro aspecto é
usualmente aceito que a pesquisa qualitativa deve ser feita com populações
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marginalizadas, pois desta maneira os pesquisadores buscam compreender e legitimar os
pontos de vista dos participantes para uma grande audiência, ou fortalecer os que foram
silenciados ou excluídos da sociedade. Porém, pesquisar grupos favorecidos pode facilitar a
mudança social, pois pode iluminar e desmantelar sistemas de opressão e produzir narrativas
sobre a cultura dominante. A cultura dominante representa valores e crenças considerados
válidos e que tem forte influencia nos comportamentos social.Desta perspectiva, ao
pesquisador qualitativo busca fomentar a mudança social pela revelação e crítica que estão
por baixo do sistema de opressão. Essas análises podem também ampliar a consciência entre
os membros dos grupos dominantes , motivando-os a dividir poder ou modificar-se de
alguma maneira. É preciso cuidado, entretanto, para que as pesquisas, ao contrário de
trabalhar pela mudança social, apenas legitimem e perpetuem os valores expressos nas
classes dominantes. São duas as estratégias da pesquisa qualitativa para promover a mudança
social: auxiliar os desfavorecidos a ganhar poder e acesso aos recursos ou auxiliar a
desmanchar a s condições opressivas perpetuadas pelos que estão no poder. A habilidade das
abordagens qualitativas para facilitar a mudança social está presente em todos os momentos
da pesquisa e não apenas no momento de perguntar, As fases descritas pelas autoras são:
perguntar, testemunhar, interpretar e conhecer.
Testemunhar é o ato de presenciar por si mesmo, é uma conseqüência de escolher
um método qualitativo, pois implica na presença direta do pesquisador no processo da
pesquisa. Testemunhar pode ser transformador tanto para o pesquisador quanto para o
participante.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: não
aborda explicitamente, mas discute a importância da pesquisa trazer resultados benéficos
para a população estudada. Afirmam que existe um objetivo de advocacy, que relaciona a
pesquisa qualitativa e a justiça social. Da perspectiva desses autores, o pesquisador
qualitativo busca fomentar uma mudança social, através da crítica e da revelação das
narrativas subliminares ao sistema de opressão.
Stein e Mankowski (2004) salientam ainda, o cuidado que é necessário ter ao
interpretar os resultados, é preciso que o pesquisador conheça bem seus pontos de vista, para
poder discriminar o do outro. Os autores consideram que não basta que os resultados sejam
publicados, é preciso também ensinar, criar cenários alternativos, ou divulgar os resultados
para a comunidade, porque as escolhas feitas sobre a forma de divulgação dos resultados
contribuem para a mudança social. Existe uma forte preocupação de transformar o
conhecimento em ações.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: não propõe
explicitamente.
Observações: Os autores discutem porque as pessoas decidem participar de
pesquisas. Argumentam que participar de pesquisa pode ter efeito terapêutico. Duas razões
são identificadas: ajudar as pessoas e ajudar a ciência. Os autores consideram que estes
motivos são compartilhados pelos participantes e pelos pesquisadores.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 9
Autor: Usher K; Holmes C
Título: Ethical aspects of phenomenological research with mentally ill people.
Referência: Nurs Ethics;4(1):49-56, 1997 Jan
Objetivo do artigo: Esse artigo apresenta e discute alguns aspectos éticos das
pesquisas qualitativas. A discussão converge para um caso específico de pesquisa
fenomenológica, que envolve a invasão do mundo pessoal dos participantes, e preocupa-se
com algumas questões ética que emergem quando os participantes são pacientes
psiquiátricos.
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Cita exemplos do estudo:
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: o
consentimento é um aspecto ético que deve ser observado em todas as pesquisas, entretanto,
questiona-se se os pacientes psiquiátricos tem a capacidade de decidir racionalmente se
querem participar de uma pesquisa.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: 1. princípio do
respeito a pessoa, autonomia. 2. princípio da beneficência, ou seja a pesquisa deve trazer
benefícios e não deve causar dano. 3; princípio da justiça, em especial numa seleção justa
dos participantes. Os autores citam também Punch, que se preocupa com questões tais como
dano, consentimento, não falar toda verdade, privacidade e confidencialidade dos dados. Os
autores preocupam-se em evitar o paternalismo. A questão do consentimento é
especialmente delicada nas pesquisas qualitativas, que por seu desenho emergente , não tem
a possibilidade de prever com exatidão todos os procedimentos. Por isso, os autores propõem
que o consentimento seja um processo, continuamente retomado. Os autores citam Punch,
para colocar a questão da impossibilidade de obter o consentimento informado em algumas
pesquisas observacionais.
Observações:Os autores citam um estudo que mostra que os pacientes psiquiátricos
hospitalizados não são mais vulneráveis que os pacientes psiquiátricos não hospitalizados. E
consideram que partir do pressuposto de que esses pacientes são vulneráveis e não tem
condições de tomar a decisão de participar ou não de uma pesquisa, pode levar a considerar
que esse grupo como vulnerável, prejudicando a autonomia do grupo. A questão central que
se coloca é como determinar se um paciente tem ou não competência para decidir se quer, ou
não, participar de uma pesquisa. Os autores consideram que os estudo qualitativos expõem
os participantes a “ both intrusive and invasive of sensitive experience”. Consideram que os
pesquisadores qualitativos invadem o espaço e a psique dos participantes. E que às vezes o
papel do pesquisador se confunde com o do terapeuta. Os autores consideram necessário ter
cuidado, pois toda pesquisa qualitativa implica em relacionamento próximo entre
pesquisador e participante, o que pode levar a confusão de papéis. É preciso estar atento aos
efeitos nos participantes, de ser entrevistado. Sugerem que se pode limitar a duração da
entrevista, ficar atento se é necessário encaminhar para assistência entre outros cuidados. Os
autores consideram que os códigos de ética, geralmente preocupados com danos físicos, são
deficientes quando a possibilidade de dano se refere ao emocional.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Australian Health Ethics Committe. Ethical aspects of qualitative methods in health
research – na information paper for institutional ethics committees. Woden, Canberra:
National Health and Medical Research Council, 1995.
Beauchamp and childress. Principles of Biomedical ethics
Artigo 10
Autor: Häggman-Laitila A
Título: The authenticity and ethics of phenomenological research: how to overcome the
researcher's own views.
Referência: Nurs Ethics;6(1):12-22, 1999 Jan.
Objetivo do artigo: descrever aspectos práticos e teóricos que são cruciais para
superar a visão do pesquisador na coleta e análise dos dados. O propósito é explicitar os
padrões éticos e a autenticidade relativa à visão do pesquisador na pesquisa fenomenológica.
Cita exemplos do estudo: Haggman-Laitila A, Asted-Kurki P.Experiential health
knowledge from the perspectives of finnish adults. West J Res 1995; 17:616- 32.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: os
aspectos éticos estão discutidos de maneira intrínseca aos aspectos metodológicos. Perceber
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a si mesmo para poder receber o que o outro traz, identificando semelhanças e diferenças
entre o pesquisador e o participante. O pesquisador deve conduzir a entrevista de maneira a
deixar que o outro se expresse em seu tempo e do seu jeito, evitando dirigir a fala do outro.
O pesquisador busca a resposta para as questões que emergem do material em estudo – quem
determina o que deve ser estudado são os participantes. Apresentar claramente seu processo
de trabalho, para que o leitor compreenda como o autor chegou a determinada conclusão, a
partir do material em análise.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Os seguintes aspectos são cruciais para assegurar a autenticidade e manter os
princípios éticos, durante a coleta de dados:
6. o pesquisador deve elaborar previamente os temas e as questões chave
das entrevistas. Planejar as questões previamente permite ao pesquisador
perceber seu próprio ponto de vista e ajuda a dar suporte aos participantes
para que estes possam se manifestar a sua própria maneira.
7. As entrevistas devem ser como discussões. É preciso que o entrevistado
tenha tempo para manifestar suas opiniões. É essencial que a entrevista
aconteça nos termos do participante.
8. O pesquisador pode confirmar sua própria interpretação sobre o que o
participante disse, perguntando a ele/a. Os participantes podem fazer
correções e/ou adicionar informações.
9. O pesquisador deve diferenciar entre um diálogo e um monólogo.
Questões retóricas ou direcionadas devem ser evitadas.
10. O pesquisador deve manter um diário ou um vídeo tape da entrevistas
para permitir analises mais profundas e a identificação de sentido de seu
próprio ponto de vista ao coletar os dados.
Os seguintes aspectos são essenciais para assegurar a autenticidade e manter os
padrões éticos na análise dos dados:
6. O pesquisador deve buscar a resposta para as perguntas que emergem dos dados.
Essas perguntas de pesquisa estão sempre relacionadas a respostas contidas no
texto.
7. O pesquisador deve escrever as questões que formulou ao ler o texto. A visão do
pesquisador é revelada pela maneira como ele/a coloca as questões.
8. O pesquisador deve identificar as diferenças entre sua visão e a dos
participantes, bem como as áreas de concordância.
9. Re-examinar as experiências através da obtenção de material aprofundado e usar
diferentes caminhos de análise livres da visão adotada inicialmente pelo
pesquisador e possibilitar um movimento a partir desta visão até uma
compreensão nova e mais profunda.
10. Quando emerge uma nova compreensão, o resultado do estudo deve ser
apresentado de uma maneira que permita ao leitor ter certeza de que os dados, a
visão trazida pelos participantes e pelo pesquisador, permitem tal conclusão.
Citações diretas das entrevistas são uma necessidade absoluta.
Observações:
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 11
Autor: DiCicco-Bloom B.
Título: Ethical considerations for qualitativa health research.
Referência: Journal of Dental Education; 64 (8): 616- 8, 2000.
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Objetivo do artigo: discutir constrangimentos que podem surgir ao citar falas das
pessoas ou descrever seu comportamento, e salientar a necessidade de aumentar a vigilância
que é necessária para proteger os sujeitos, participantes das pesquisas sob essas condições.
Cita exemplos do estudo: cita exemplo de um estudo que teve acesso como
parecerista da revista.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: falta do
consentimento ou consentimento obtido de maneira questionável, pois havia relação
hierárquica entre pesquisador e participantes; confidencialidade e falta de aprovação por
comitê de ética.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: ainda que
pesquisas educacionais, em ambiente educacional não necessitem de aprovação por comitê
de ética, pelas leis federais dos EUA, a autora considera essencial o consentimento quando o
participante pode ser identificado. A autora considera que com o aumento do uso dos
métodos qualitativos, os pesquisadores devem se preocupar com a maneira como divulgam
seus resultados. O consentimento obtido num único momento é questionável quando os
dados serão coletados ao longo de vários dias. A autora sugere que o consentimento deve ser
processual, sendo renovado periodicamente, lembrando ao participante que ele pode sair do
estudo a qualquer momento. Além disso, se os participantes tiverem acesso às transcrições
ou a análise que o pesquisador esta fazendo, ele/a poderia escolher retirar seus dados do
estudo, até que o artigo seja enviado para publicação. Além disso, oferecer a possibilidade de
revisar o material diminui a diferença de poder entre pesquisador e pesquisado, dando a
possibilidade ao segundo de se manifestar quanto análise do material. A autora salienta que
este não é uma possibilidade para estudos como o que está em questão. A autora sugere
ainda a possibilidade de fazer citações que misturem as falas de mais de um participante,
para preservar o anonimato. Segundo ela, isso deve constar do termo de consentimento.
Termina salientando a responsabilidade do pesquisador em evitar danos aos participantes do
estudo.
Observações:------
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Code Federal Regulation: Title 45- Public Welfare , part 46)
Artigo 12
Autor: Batchelor JA; Briggs CM
Título: Subject, project or self? Thoughts on ethical dilemmas for social and medical
researchers.
Referência: Soc Sci Med;39(7):949-54, 1994 Oct.
Objetivo do artigo:Discutir aspectos éticos que vem sendo negligenciados,
referentes à relação que é estabelecida entre pesquisador e pesquisados. As autoras partem
do pressuposto de que os pesquisadores não têm habilidades para lidar com essa relação, pois
não são treinados para isso, nem recebem supervisão para esse aspecto do trabalho. Essa
dificuldade resulta em dificuldade na resolução de dilemas éticos que surgem no contexto da
pesquisa e na coleta de dados pobres.
Cita exemplos do estudo: o cita as referencias.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: Conflito
de interesses (responsável pela pesquisa, pesquisador e participante); quando é necessário e
apropriado quebrar a confidencialidade; anonimato. O que fazer quando a coleta de dados
provoca sofrimento no participante?
Os autores discutem a possibilidade de conflito de interesse, que coloca uma série
de dilemas éticos durante a pesquisa.Pode haver conflito de interesse entre o coordenador da
pesquisa, o pesquisador e os participantes. O coordenador negocia com os patrocinadores e
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agencias de fomento, tem que adequar orçamento e prazos, além e garantir a qualidade do
trabalho: amostra, coleta de dados, análise do material e publicação; deve estar atento ainda
aos aspectos éticos em todo o processo da pesquisa. O pesquisador tem necessidade de
treinamento e supervisão. Discutir os aspectos éticos é fundamental, além de receber algum
preparo para lidar com o impacto emocional que pode advir do contato com o participante e
de sua imersão no campo. Estes aspectos devem ser trabalhados antes de iniciar os
procedimentos da pesquisa. As necessidades do participante incluem ser tratado com
respeito, ter preservado seu anonimato e a confidencialidade de seus dados. A participação
na pesquisa pode levar a lembranças dolorosas ou a falar de situações estressantes. Assim, ao
abrir-se para o pesquisador, é razoável que o participante solicite este apoio e orientação.
Por sua vez, o pesquisador deve ser sensível a estas demandas, mas não precisa, nem deve
perder seu foco no trabalho da pesquisa, podendo atendê-las através de encaminhamento
para serviços especializados. Existe grande diferença entre as necessidades, as
responsabilidades e o poder dos 3 principais atores da pesquisa. O participante é o que detém
menos poder na pesquisa. Isso pode ser equilibrado se houver discussão antes e durante a
realização da pesquisa. O pesquisador deve estar preparado para realizar seu trabalho, pois
do contrário as dificuldades ficam exacerbadas e o resultado é ruim para os participantes,
para a pesquisa e para os próprios pesquisadores.
A preocupação de adequar-se à tradição positivista, leva a ignorar a existência do
efeito da relação entre pesquisador e pesquisado, para ambos. Ao fazer isso, o pesquisador
ou o coordenador da pesquisa ficam impossibilitados de compreender os aspectos humanos
do seu trabalho. É amplamente aceito entre os pesquisadores qualitativos que o impacto do
elemento interacional (relação entre pesquisador e pesquisado). Entretanto, é freqüente que
os pesquisadores não busquem auxílio ou conhecimento para lidar com isso, talvez por ter
internalizado que esta relação não é científica e portanto não pode ser conhecida/estudada. A
estrutura hierárquica das equipes de pesquisa dificulta um diálogo aberto sobre esta questão.
Bachelor e Briggs, 1994 sugerem que mesmo na tradição positivista é necessário
discutir a natureza interacional do trabalho, pois não basta que o pesquisador tenha
treinamento em diferentes técnicas de coleta de dados, é necessário que saiba lidar com
aspectos éticos e com as questões emocionais que surgem durante a pesquisa. Essa autoras
exemplificam o quanto tempo e esforço é necessário para atuar com casais e famílias e o
quanto pesquisadores sociais que estudam casais e famílias não recebem treinamento
nenhum.
A interação entre o pesquisador e o pesquisado é central nas pesquisas médicas e
sociais, portanto os dilemas éticos que podem surgir desta relação devem ser discutidos. A
interação é a essência desta pesquisa (contato pessoal, para conduzir entrevistas) , é uma
parte integral e valiosa do processo. É inevitável que surjam questões sobre esta interação.
Os pesquisadores não são treinados para prestar atenção ao relacionamento que estabelecem
com os participantes, ou ao possível impacto emocional do trabalho sobre eles, embora o
material sensível tenha a possibilidade de ter impacto tanto nos participantes quanto nos
pesquisadores. Pelo contrário, muitos pesquisadores são encorajados a negá-los. Batchelor e
Briggs (1994) consideram que não é cabível, para os pesquisadores sociais que, em nome de
manter a objetividade, o pesquisador deixe de cumprir sua responsabilidade de atender as
necessidades dos participante, que podem surgir durante ou em decorrência da participação
na pesquisa. A falta de habilidade de lidar com o relacionamento entre pesquisador e
pesquisado, bem como com as emoções que emergem desta relação, levam o pesquisador a
adotar uma postura distanciada e neutra, para evitar sofrimento, mas que tem como
conseqüência a perda de dados importantes. Pode levar a uma entrevista improdutiva, que
deixará o participante sem disponibilidade para participar de outras pesquisas. Outro
resultado freqüente é o empobrecimento dos dados coletados.Ressalta-se que identificar e
atender a necessidade do participante, não significa que o pesquisador sairá do seu papel,
mas que ao perceber esta necessidade e lidar com ela, pode encaminhar o participante para
um serviço especializado. As autoras apontam para a importância de que os pesquisadores
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tenham supervisão, nos moldes da supervisão usual entre terapeutas. Batchelor e Briggs
(1994) sugerem que os comitês de ética e as agencias de fomento poderiam verificar se o
projeto prevê treinamento e suporte adequados para apoiar o trabalho do pesquisador.
A impossibilidade de antecipar, reconhecer e lidar com o impacto no pesquisador
pode prejudicar seu trabalho. Pode levar o pesquisador a evitar assuntos que podem lhe
causar dor o que pode levar a perda de dados valiosos., e a desconforto também no
participante. A conclusão das autoras é clara no sentido de afirmar que, frente a essas
indefinições, os dados coletados são pobres em relação a uma coleta mais qualificada. O
pesquisador deve ter treinamento na coleta de dados e suporte para trabalhar seus aspectos
emocionais. A falta de preparo do pesquisador resulta em sofrimento para o sujeito, para o
pesquisador e para a pesquisa. O fechamento do pesquisador possivelmente contribui para o
fechamento do participante, o que resulta em dados mais pobres, menos detalhados.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: A interação entre
o pesquisador e o pesquisado é central nas pesquisas médicas e sociais, portanto os dilemas
éticos que podem surgir desta relação devem ser discutidos. O pesquisador deve ter
treinamento e suporte adequados para trabalhar, os comitês de ética e as agencias de fomento
poderiam verificar se estes aspectos estão contemplados no projeto. Até que ponto a
confidencialidade deve ser mantida? Se numa pesquisa um entrevistado afirma ao
pesquisador sua intenção de cometer suicídio, o pesquisador deve manter em segredo ou
deve comunicar alguém sobre isso? A quem comunicaria: família, serviço de saúde?
Observações: As necessidades do pesquisador social são treinamento e suporte para
conduzir seu trabalho. Questões, como quando é necessário quebrar a confidencialidade, têm
que ser discutidas. É preciso trabalhar também o impacto emocional que a pesquisa pode ter
tanto no participante quanto no pesquisador. As pessoas que se dispõe a falar sobre suas
experiências pessoais, algumas vezes dolorosas, acabam, por vezes demandando do
pesquisador suporte, informação e aconselhamento; que este não es preparado para dar,
nem para manejar, ainda que seja para encaminhar o participante para um serviço
especializado.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 13
Autor: Hoeyer K; Dahlager L; Lynöe N.
Título: The mutually challenging traditions of social scientists and medical researchers.
Referência: Soc Scie Med 61 (2005) 1741- 9.
Objetivo do artigo:Freqüentemente surgem questões éticas quando antropólogos e
cientistas sociais conduzem pesquisas em serviços de saúde, tendo médicos e profissionais
de saúde como informantes. Isso está relacionado a existência de duas tradições de ética em
pesquisa: a médica e a antropológica Para facilitar a compreensão mútua, os autores
descrevem duas abordagens de ética em pesquisa, a antropológica e a médica. A última
enfoca a proteção do indivíduo, através da preservação da autonomia, que se expressa
principalmente pelo consentimento informado, enquanto os antropólogos dedicam - se mais
as implicações políticas. Após apresentar exemplos de situações concretas, os autores
propõem quatro questões que freqüentemente provocam conflitos entre cientistas sociais e
equipes médicas, e que merecem discussões mais aprofundadas: 1. a diferença na maneira
como os antropólogos percebem os pacientes e a equipe médica; 2. a ambigüidade do papel
da equipe médica na pesquisa antropológica; 3. impedimentos do consentimento informado
em pesquisas qualitativas e 4. direitos de propriedade das informações. A proposta é que
fomentar este diálogo pode incrementar o debate em ambas tradições.
Cita exemplos do estudo:
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Sachs L. Att Leva méd risk. Fem kvinnor, gentester och kusnskappens. Frukter
(Living with risks. Five women, genetics testand the fruits of kwnoledge). Smedjebacken,
Sweden: Gedins.
Eliasson R; Nygren P. (1981) Psykiatrisk Verksamhet....
Eliasson R; Nygren P. (1983)
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: Ética
em pesquisa médica e ética em pesquisa em ciências sociais tem algumas semelhanças, mas
várias diferenças. Especificidades dos aspectos éticos da pesquisa médica: beneficência, não
produzir dano, consentimento informado, jamais sacrificar um indivíduo em nome de um
bem maior. A partir da década de 60 uma grande valorização da autonomia individual.
Várias regras, documentos, têm colocado que a pessoa não tem o direito de saber sobre a
pesquisa, mas também de aceitar ou recusar que sejam impostos riscos a seu corpo. O
consentimento informado passa a ter uma importância central na pesquisa médica.A ênfase
na proteção significa um desenvolvimento importante. Com base na intenção de
beneficência, coloca-se como essencial o balanço entre os diferentes interesses dos diversos
atores envolvidos: pacientes atuais e futuros, pesquisadores, sujeitos da pesquisa. Depois do
Estudo Tuskegee, ganha importância a não maleficência, modificando a compreensão entre
vários pesquisadores clínicos sobre o que é ética médica: no momento tem sido
freqüentemente reduzida a não provocar dano. Dessa maneira, isso é às vezes considerado
um obstáculo para a pesquisa e freqüentemente se transforma em regras entediantes e, às
vezes questionáveis, sobre o consentimento informado e os procedimentos de aprovação.
Muitos pesquisadores médicos, entretanto, são conscientes em assegurar os direitos dos
participantes da pesquisa. O consentimento é parte dessas aspirações e tem sido usado
mesmo em situações nas quais o direito inicial de acessar riscos impostos a seu corpo não
estão necessariamente colocados. As ciências sociais têm uma história mais curta que a
medicina e uma tradição de ética em pesquisa menos estabelecida (na minha opinião, menos
documentada). Estruturada como as ciências naturais, para muitos cientistas sociais o
conhecimento é um objetivo em si. E no caso da antropologia inglesa, as primeiras pesquisas
tiveram como estimulo a urgência em coletar e preservar informações sobre culturas que
podem ser extintas rapidamente. Preocupações mais profundas com beneficência têm se
colocado nas ultimas décadas. Porém, não tem resultado em códigos ou regras. uma
relutância em aceitar códigos de ética em antropologia, pois há o temor de que sirvam para
impedir a conscientização política e o ativismo. Pels (1993) argumenta que “ética, com seu
conceito, impossível/inatingível, de imparcialidade, apenas mascara a política” . Diferente
das pesquisas médicas, que expunham pessoas a riscos físicos, as pesquisas em ciências
sociais colaboravam para o exercício de poder sobre os desfavorecidos. Por isso mesmo, as
implicações políticas são parte do treinamento dos jovens antropólogos.Então, as custas da
autonomia individual, a ênfase metodológica na observação participante amplifica as
preocupações éticas relativas às implicações políticas.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: para os
antropólogos o foco são as implicações políticas que incluem debates sobre relativismo,
representação, métodos participativos, e a relação entre o antropólogo e seus informantes. A
qualidade da relação entre o antropólogo e seu informante é muito diferente da relação entre
o médico e o sujeito da pesquisa. Poucos antropólogos utilizam consentimento informado,
pois dão mais atenção a reciprocidade e ao rapport. Em contraste com a tradição médica,
observação participante não explicitadas tem sido consideradas como um método aceitável
para assegurar acesso a contexto de pesquisa. No lugar do consentimento informado, a
confidencialidade e a garantia de anonimato tem sido a maneira de proteger os participantes.
A relutância de aceitar como norma o consentimento informado relaciona-se com o fato de
que o antropólogo estabelece muitos contatos no campo, que tem intensidade e importância
diferentes, que o consentimento de todos é praticamente impossível. O trabalho do
pesquisador em ciências sociais depende muito do estabelecimento de um bom contato, e
portanto tradicionalmente o pesquisador tem a preocupação de não desrespeitar seus
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informantes. É preciso cuidado para que não reste apenas as pesquisas em ciências sociais
que atendam aos interesses dos mais poderosos.
Os autores apresentam uma abordagem que integra aspectos éticos da pesquisa
médica e antropológica. São 4 questões. 1. a noção de que pacientes e equipe profissional
podem ser tratados de forma diferente; porque os pacientes são vistos como o pólo mais
fraco da relação, enquanto os médicos têm alto status social, isso implica em direitos
diferentes. Considera-se ainda que, como funcionários públicos, os médicos tem obrigação
de ter sua prática avaliada. Não é razoável que pessoas com mais poder proíbam pesquisas
que podem concluir com uma avaliação negativa do trabalho do profissional ou da
instituição. Pois há o dever de fazer esta avaliação e torná-la pública. (funcionários e
instituições públicas). 2. a ambigüidade do status do tipo de pesquisa e a incerteza sobre os
direitos correspondentes dos participantes, os pesquisadores podem encontrar resultados
desfavoráveis aos participantes, é importante obter o consentimento também ao longo da
pesquisa e dar o direito do participante se defender, o que pode contribuir para que percebam
a pesquisa como uma maneira de melhorar seu trabalho. A concordância total dificilmente
será obtida, pois existem diferentes interesses em jogo. O cientista social tem o dever ético
de fazer um balanço entre o respeito à equipe médica e a elaboração de um relatório de
pesquisa honesto, apresentando resultados que interessam aos outros, provavelmente mais
marginalizados, atores. Pode ser útil estabelecer uma relação estritamente profissional com a
equipe médica e informar claramente que o pesquisador representa os interesses dos
usuários. 3. a complexidade de explicar pesquisa qualitativa exploratória e suas implicações
para os participantes. Pode ser particularmente difícil explicar um estudo etnográfico antes
de sua realização, pelo seu caráter exploratório. Diferente da pesquisa médica, esta não prevê
teste de hipótese, não protocolo e a apresentação dos procedimentos do estudo é
impossível. A boa pesquisa é aquela que coloca novas questões e descobre relações não
explicitas. O pressuposto é que existem múltiplas vozes que devem ser descritas por uma
terceira parte o efeito de ter as próprias idéias e a dos outros descritas, objetivadas e
relativizadas, é difícil de prever a, portanto, difícil de preparar para. Por isso, Bosk (2001)
tem argumentado que o consentimento informado é impossível em pesquisas etnográficas, e
que portanto estas deveriam ser abandonadas. Entretanto, são freqüentes os estudos duplos
cegos, nos quais não se pode prever conseqüências, pois isso depende do braço que o
participante for incluído, e com base nisso não se pode argumentar pelo fim dos estudos
etnográficos. Enquanto os estudos antropológicos colocam fim a ilusão de total consenso e
harmonia, respeito ético ao indivíduo na tradição médica, isso alerta os antropólogos a
incluir no seu diálogo com seus informantes o tipo de conhecimento que pretende produzir.
E a impossibilidade de detalhar os procedimentos do seu estudo. Entretanto é preciso não
cair numa repetição do consentimento informado, pois esse diálogo não se destina
meramente a que o participante seja informado e aceite um pacote pronto. 4. quem detém os
direitos da informação produzida. Enquanto na tradição médica o participante pode sair da
pesquisa a qualquer momento, questiona-se se os médicos, ou lado mais poderoso na relação,
tem o direito de definir o que será ou não publicado. Dado que nas pesquisas antropológicas
os dados são construídos em relações sociais complexas, que inclui muitas pessoas, quem
além do pesquisador principal, tem o direito de dispor das informações? O direito de
propriedade deve ser discutido com os participantes no início do estudo. O que está presente
nessas questões é a preocupação com o balanço entre o direito individual e as implicações
políticas de garantir a possibilidade de criticar as pessoas que estão no poder. As duas
tradições, médica e antropológica, preocupam-se com as noções de responsabilidade e de
obrigação. O pesquisador tem responsabilidades sobre cada participantes individualmente e
pela sociedade como um todo. Os autores discutem situações onde pode haver conflito de
interesse entre indivíduo e sociedade. E sugere que, no caso pesquisas que não envolvam
risco ao participante, como com material coletado, pode ser mais adequado a garantia
institucional de preservar o anonimato do que o consentimento individual. Outra discussão é
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o direito de patentear material genético e que deve ser discutida tendo em visita os aspectos
éticos.
Se considerarmos que o consentimento informado é uma forma de respeito ao outro
e não um fim em si mesmo, pode-se concordar que 1. as pesquisas em ciências sociais , que
envolvem relacionamento com os participantes, não estão livres de obter consentimento; 2. e
que muitas vezes esse objetivo pode ser alcançado de outras maneiras. Isso pode facilitar
uma compreensão menos ritualizada do consentimento que é freqüente nas pesquisas
médicas.
Os autores sugerem que:
1. a equipe médica deve ser tratada com o mesmo respeito que os pacientes,
entretanto devem perceber que devem possibilitar o julgamento de suas
práticas, desde que sejam informados sobre como e quando eles estão
sendo estudados.
2. Os profissionais devem saber que estão sendo sujeitos de pesquisa, e não
parceiros.
3. A complexidade de estudos exploratórios pode ser discutida no início da
pesquisa, e é desejável discutir continuamente o tipo de conhecimento
que se almeja produzir.
4. Enquanto os sujeitos da pesquisa têm a oportunidade de comentar a
análise dos dados, que eles contribuíram para produzir, é preciso ficar
claro que o pesquisador tem os direitos sobre os dados produzidos e pela
decisão final sobre as publicações.
Observações: Durkheim (1957) argumenta que uma profissão é constituída em parte
pelo desenvolvimento de uma tradição ética, portanto o debate ético se assenta no centro da
identidade profissional. Assim, é importante evitar avaliar uma tradição de acordo com os
padrões de outra.existem semelhanças históricas entre as tradições de ética em pesquisa
médica e antropológica: desde o início do século 20 assume-se a importância de
beneficência, algumas tomadas de consciência sobre ética em pesquisa durante a II guerra e
uma intensificação das preocupações éticas na década de 60. Entretanto, as duas tradições
têm também notáveis diferenças, na percepção dos problemas éticos. Os antropólogos têm
como preocupação chave as implicações políticas, enquanto a medicina tem focado no
respeito ao indivíduo e no uso do consentimento informado.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Código de Nuremberg (influenciou ética em pesquisa no mundo todo)
Declaração de Helsinque 2002.
Relatório Belmont
The American Antropological Association (last revised June 1998)
British Association (ASA)Econmics and Social research council – UK
www.york.ac.uk/res/ref
Artigo 14
Autor: Dawson L; Kass NE.
Título: Views of US researchers about informed consent in international collaborative
research.
Referência: Sco Sci Med; 61 (2005). 1211- 22.
Objetivo do artigo: apresentar os resultados de um estudo no qual foi investigada a
experiência e atitudes de pesquisadores estadunidenses referentes ao consentimento
informado, nas pesquisas realizadas nos países em desenvolvimento.
Cita exemplos do estudo: artigo apresenta os resultados de um estudo.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres
humanos:consentimento informado.
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Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: é importante estar
atento a alguns aspectos do consentimento: as informações foram de fato compreendidas
pelo participante? É adequado o uso de consentimento por escrito, especialmente quando os
participantes têm baixo nível de escolaridade ou são analfabetos? Quem deve consentir: a
pessoas , a família, o líder comunitário? Deve-se respeitar a cultura local. O consentimento,
em estudos prolongados, deve ser processual. Os resultados chamam atenção para a questão
da indução para participar de pesquisas. Entretanto, ponderam os autores, em alguns lugares
do mundo, onde não há oferta de assistência médica, o mero fato de terá acesso, através da
participação na pesquisa, já uma forma de indução.
Observações: pesquisadores clínicos fazem criticas ao consentimento, e ao trabalho
dos comitês de ética, muito parecidas com os pesquisadores qualitativos. Resultados
mostram que a maioria dos participantes não entende o que é placebo nem o sentido da
palavra randomizado. Os comitês de ética não consideram a cultura onde a pesquisa será
conduzida, o que leva os autores a sugerir a participação de pessoas que conheçam a cultura
local, ou mesmo pessoas daquela comunidade, para deliberar, por exemplo, quem será o
responsável por assinar o consentimento; e se este deverá ser obtido por escrito.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:não refere.
Artigo 15
Autor: Clements J; Rapley M; Cummins RA.
Título: On, to, for, with – vulnerable people and the practices of the research communities.
Referência: Behavioral and Cognitive Psycotherapy, 1999, 27, 103- 15.
Objetivo do artigo: o ponto central desse artigo é que os aspectos éticos dos
protocolos de pesquisas que envolvem pessoas vulneráveis devem receber uma atenção mais
compreensiva no processo de revisão. Esse artigo vai:1. rever brevemente o background
histórico e atual do contexto social; 2. analisar alguns conceitos relevantes para melhorar as
práticas; 3. propor sugestões para melhorar a qualidade da tomada de decisão sobre a
aceitabilidade ética da pesquisa envolvendo pessoas vulneráveis.
Cita exemplos do estudo: cita alguns exemplos, cita as referencias.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Pesquisadores têm feito pesquisa em instituições onde os direitos humanos são violados,
porém não fazem nenhuma denúncia sobre isso. Os autores preocupam-se com o
consentimento, pagamento e justificativa da intervenção. Por vezes estudos com pessoas
portadoras de deficiência não seguem as melhores práticas, e mesmo assim, são aprovados
pelo comitês de ética, o sugere que os padrões éticos não estão adequados a pesquisas com
este grupo.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: Consentimento
informado deve permitir ao participante compreender o sentido da pesquisa e as implicações
para si de aceitar ou não participar. Por isso deve ser elaborado em linguagem acessível.
Entretanto, mesmo quando a pessoa tem a possibilidade de compreender o consentimento,
pode aceitar participar por outras razões. Quando a pessoa percebe o status superior do
entrevistador, ou o fato de expressar suas opiniões teve conseqüências negativas, a pessoa
pode aceitar participar do estudo como uma resposta adaptativa ao meio. O pesquisador deve
estar atento a essa possibilidade e informar os esforços que fez nesse sentido, nas suas
publicações. Alguns autores m se manifestado a favor do estabelecimento de relações de
cooperação entre o pesquisador e o pesquisado. Ao mesmo tempo em que isso reforça as
questões de respeito e consentimento, também sugere a importância de decidir como as
pessoas são incluídas na pesquisa, os custos e benefícios desse envolvimento e a noção de
que as responsabilidades do relacionamento devem se estender durante o período do estudo.
Essa re-contextualização para o que constitui um padrão de aceitabilidade. Trata-se de uma
contribuição importante para estabelecer a adequada proteção para pessoas vulneráveis.
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Pessoas vulneráveis devem participar das decisões das pesquisas. Os autores defendem a
participação de pessoas vulneráveis nas revisões dos projetos e sugerem uma revisão em
paralelo ou em separado dos aspecto técnicos e éticos. Nas publicações, os pesquisadores
devem informar explicitamente como foi o processo de obtenção do consentimento dos
participantes. Os autores defendem que obter o consentimento é um processo e não uma ação
única. Outro aspecto defendido é que os participantes devem ser os primeiros a ter acesso
aos rascunhos dos relatórios e devem ter poder de decidir sobre sua publicação. Enquanto um
estudo pode ser tecnicamente bom e tem o potencial de produzir resultados úteis, podem
apresentar os participantes de maneiras muito ruim. Isso deve ser avaliado, pois implica no
respeito as pessoas. Por exemplo, um estudo que utiliza brinquedos para ajudar na interação
de adultos com Alzheimer, pode estigmatizar as pessoas, apresentando-as como dementes.
Uma remuneração excessiva pode induzir a participação. Quanto ao princípio de justiça, os
autores consideram que nem sempre as pesquisas são realizadas de acordo as necessidades
das pessoas vulneráveis e citam que grupos de familiares de pessoas com síndromes,
organizam fundos para custear as pesquisas de seu interesse. Outro aspecto a ser analisado é
por que essas pessoas em particular foram escolhidas para estas pesquisas. Os autores
sugerem que se devem aprofundar as discussões sobre os critérios éticos a serem observados.
Observações: As pessoas vulneráveis freqüentemente estão em risco frente a
comunidade científica. Esses riscos podem ter conseqüências tanto dos atos quanto das
omissões. Emerson and Pretty (1987) afirmam que a pesquisa social é inerentemente
politizada e as implicações dessa realidade devem ter expressões concretas na prática
cotidiana.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Australian Psychological Society (1997) Guidelines for the provision of
psychological services for and the conduct of psychological research with aboriginal and
Torres strait Islander people of Austrália. Melbourne: APS.
The Belmont Report
Bristish Psychological Society (1995). Code of Conduct. Ethical principles and
guidelines. Leicester: The British Psychological Society.
Royal college Of Physicians (1990). Guidelines on the practice of ethics committees
inmedical research involving human subjects. London: Author.
Artigo 16
Autor: 131. de Gruchy J; Lewin S
Título: Ethics that exclude: the role of ethics committees in lesbian and gay health research
in South Africa.
Referência: Am J Public Health;91(6):865-8, 2001 Jun.
Objetivo do artigo: descrever os esforços realizados para obter aprovação de um
comitê de ética de uma grande instituição de pesquisa médica, numa pesquisa sobre o
tratamento de pessoas homossexuais por profissionais de saúde militares na África do Sul,
durante a época do Apartheid. O comitê questionou a validade cientifica do projeto,
considerando-o político e o científico. Havia a preocupação de que a pesquisa pudesse
levar a ações contra os profissionais de saúde.
Cita exemplos do estudo: Van Zyl M; de grunchy J; Lapinsky S; Lewin S; reid, G.
The a Version Project: human rights abuses of gays and lesbians in the South African
Defence Force by health workers during the apartheid era. Cape Town, South Africa.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: Os
comitês de ética devem analisar de que maneira as ideologias institucionais e os valores
estão atuam nas suas decisões, inclusive seus valores pessoais.Importante estar atento a
questões de raça e gênero que parecem naturais, mas que são construções sociais e que
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atuam de maneira não explicita na análise dos projetos. Embora a justificativa apareça como
problema metodológico, a razão de fundo pode ser oposição ao homosexualismo ou o desejo
de evitar que práticas profissionais venham à luz e sejam avaliadas. As instituições de saúde
e de pesquisa não têm abordado questões como racismo ou sexismo na prestação de serviço,
mas tem perpetuado o mito da objetividade científica” e da “neutralidade” política, o que
acaba servindo para manter o sistema .Benson encontrou em seus estudos que as proposta de
pesquisa que não tem problemas éticos nem envolvem questões mais delicadas, praticamente
todos são aprovados pelos comitês de ética. Entretanto, apenas 40- 50% das propostas que
não tem problemas éticos, mas que envolvem questões mais delicadas, são aprovados. A não
aprovação desses projetos em geral vem justificada por problemas metodológicos, enquanto
os projeto que não envolvem temas mais delicados não recebem este tipo de crítica.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: Não proteger os
profissionais de saúde da possibilidade de ter seu trabalho avaliado. Razões ideológicas não
devem impedir a aprovação de projetos que não tem problemas éticos, senão podemos
exercer uma “ética que exclui” , o que seguramente não é de interesse público.
Sugestões para os comitês de ética evitarem a discriminação: 1. a composição do
comitê de ética deve representar a sociedade, e incluir algumas pessoas de grupos
minoritários, tais como gays e lésbicas. 2. estabelecer diretrizes claras sobre o papel do
comitê, especialmente para análise de pesquisas sociais mais sensíveis/delicadas, essas
diretrizes devem ser entregues aos membros para colaborar numa maior consistência nas
tomadas de decisão. 3. os membros dos comitês devem receber treinamento sobre direitos
humanos em saúde. 4. os comitês devem incluir membros que entendam de pesquisa
qualitativa e questões complexas sobre a adequação do desenho do estudo podem ser
enviadas para especialistas das áreas. 5. questões éticas das pesquisas sociais podem ser
discutidas com os pesquisadores de uma maneira aberta e construtiva, com vistas a facilitar a
pesquisa e não impedi-la.
Observações:
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Declaração de Helsinque – 1964.
Artigo 17
Autor: 148. James T; Platzer H
Título: Ethical considerations in qualitative research with vulnerable groups: exploring
lesbians' and gay men's experiences of health care--a personal perspective
Referência: Nurs Ethics;6 (1):73-81, 1999 Jan.
Objetivo do artigo:discutir aspectos éticos que surgem na pesquisa qualitativa com
lésbicas e homens gays sobre sua experiência com cuidados de enfermagem.
Cita exemplos do estudo: entrevistas e grupo focal foram realizados com homens
gays e lésbicas sobre cuidados de enfermagem, não cita referência deste estudo.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: o
causar dano a uma população que já é vulnerável. As autoras indicam como aspectos éticos a
serem observados para proteger tanto os participantes quanto os pesquisadores de danos: 1.
susceptibilidade ao dano; 2. a política de representação e 3. o uso do self.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: é uma questão
ética a garantia de supervisão acadêmica e assistência terapêutica para os pesquisadores, e
para encaminhar os participantes que necessitarem. As autoras consideram que é preciso
desenvolver uma ética do cuidado. A maneira como os resultados são apresentados inclui
dilemas éticos, pois o que o pesquisador conhece é sua própria analise da situação. É uma
obrigação moral do pesquisador apresentar o caminho que seguiu para chegar as
interpretações que chegou, para isso o pesquisador deve refletir sobre si mesmo, e sobre seu
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próprio desenvolvimento moral. É uma obrigação moral estudar e divulgar a situação do
atendimento a saúde de gays e lésbicas. Retornar os resultados que indicam uma prática
profissional ruim, aos profissionais que prestam assistência é uma questão ética central.
Outra questão é como apresentar os resultados sem cair nos estereótipos negativos. A
sugestão das autoras é discutir com representantes do grupo a quem pertence essas
informações. O objeto de estudo destes autores é o cuidado , ou a falta deste, o que é em si
uma questão ética. Para realizar pesquisa qualitativa é necessário estabelecer uma relação de
confiança com os participantes, por isso o fato da pessoa do pesquisador entrar em jogo é
uma questão ética. È preciso cuidado entretanto, pois ainda que se misture identidade
pessoal, o papel de enfermeira e o de pesquisadora, é preciso ter claro que isso não diminui a
diferença de poder entre pesquisador e pesquisado e que as experiências não são as mesmas.
As pesquisas com grupos vulneráveis podem ter os seguintes efeitos, por isso é
necessário ter atenção a eles:
1. aumentar a patologização dos participantes (homossexualidade como
doença); 2. aprofundar o estigma ligado a sua cultura; 3. perpetuar seu
status de “fora da lei”; 4. convidar ao voyerismo; 5.expor mecanismos de
proteção; 6. identificar os participantes (como resultados do que eles
disseram); 7. desrespeito; 8. ignorar o macro contexto (contexto político,
social histórico).
Durante as pesquisas surgem dilemas éticos como estes, que entretanto, não são
descritos nas publicações. Estes constituem uma grande preocupação para estes
autores.
Observações: Os comitês de ética e, em geral as diretrizes sobre ética em pesquisa,
geralmente pensam a pesquisa a partir de um paradigma positivista, no qual a natureza da
pesquisa é conhecida desde o início. Entretanto, em muitas pesquisas qualitativas, as
questões que o pesquisador pode colocar e os caminhos da pesquisa, podem não estar
definidos desde o início. O tradicional método de obter consentimento informado não
considera a característica desenvolvimental/processual da pesquisa qualitativa e a
necessidade de um consentimento processual. É preciso estar atento aos possíveis riscos aos
participantes durante toda pesquisa, esses riscos podem surgir pelo desconhecimento do
pesquisador, ou por falta de compreensão de uma cultura particular ou da linguagem, ou de
sua inabilidade de refletir sobre os valores e crenças dos participantes. Pesquisador deve ter
claro que seu papel não é o do conselheiro. Pesquisar grupos vulneráveis tem o potencial de
trazer a tona lembranças dolorosas, que podem causar dano tanto para o participante quanto
para o pesquisador, se não houver suporte ou supervisão. Pesquisas realizadas com gays e
lésbicas não são prioridades, portanto não verbas para elas, o que leva a não ter condição
de pagar supervisão, não só acadêmica, mas também terapêutica. As questões morais ,
políticas e éticas estão inter-relacionadas. Não verba para estas pesquisas, o que deixa
sem discussão a situação de gays e lésbicas que estão sem acesso a serviços de saúde.
Pesquisas que percebem que a participação pode tornar a pessoa marginalizada mais
vulnerável e valorizam a necessidade de atitudes reflexivas e de não-julgamento o mais
favoráveis ao fortalecimento dos participantes. É uma responsabilidade do pesquisador
explicitar quais os passos que deu para identificar como os direitos e responsabilidades
podem ser identificados no desenho e na realização da pesquisa, e na divulgação dos
resultados. Existem poucos estudos sobre os efeitos da divulgação dos resultados de pesquisa
sobre os grupos vulneráveis. È claro que a pessoa do pesquisador, com suas crenças, influi
na pesquisa e que não é possível para o pesquisador se colocar em suspensão para alcançar a
chamada objetividade. È possível, entretanto, apresentar quem o pesquisador é e como lidou
com os dilemas éticos que surgiram durante a pesquisa.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 18
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Autor: 191. Platzer H; James T
Título: Methodological issues conducting sensitive research on lesbian and gay men's
experience of nursing care.
Referência: J Adv Nurs;25(3):626-33, 1997 Mar.
Objetivo do artigo: Discutir a metodologia de um projeto de pesquisa qualitativa,
que envolveu entrevistas com homens gays e lésbicas sobre cuidados de enfermagem. A
definição deste objetivo de estudo foi realizada pelos pesquisadores que são o que se pode
chamar em estudo etnográficos de ‘ insiders”. Os autores discutem as vantagens e as
dificuldades na condução do estudo, associadas esta condição de pesquisadores insiders”.
Este artigo discute como aproveitar esta condição de insiders em termos metodológico e
apresentar as posições éticas que foram tomando ao longo da pesquisa.
Cita exemplos do estudo: do estudo em questão.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: em
pesquisas sociais os principais riscos são invasão de privacidade, quebra de
confidencialidade e constrangimento.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: pesquisador é
responsável por evitar danos aos participantes tanto durante os procedimentos do estudo,
quanto na divulgação dos resultados. Outra questão ética importante a ser observada refere-
se a possibilidade de exploração dos participantes., que pode minimizada pelo
estabelecimento de relações recíprocas com os participantes, e pela abertura do pesquisador
(coloca-se como pessoa). Cabe ao pesquisador garantir a confidencialidade dos participantes
durante toda pesquisa. Para isso estes autores sugerem que o material seja analisado pelos
participantes antes de sua publicação, e estes têm o direito de alterá-lo, para proteger sua
confidencialidade, Esse procedimento confere um lugar de maior poder ao participante e
torna a relação entre participante e pesquisador menos hierárquica. Outro aspecto ético é
quando pessoas contatam os pesquisadores diretamente, sem que exista autorização do
hospital onde foram atendidos. Embora os pesquisadores tem realizado todos os tramites,
obtido autorização institucional, e aprovação do comitê e ética para iniciar seu estudo, estas
situações podem acontecer e, sendo que a pessoa justifica que não quer que o hospital saiba,
pois teme represarias, configura-se um dilema ético para os pesquisadores. Por um lado o
dever de não causar danos aos participantes, por outro a questão metodológica que afirma a
importância de estabelecer uma amostra diversificada, contemplando diferentes segmentos
do grupo em estudo e por fim, a exigência de obter consentimento institucional. Pode-se
ainda considerar que não é ético recusar responder a pedidos de ajuda ou aconselhamento,
buscando manter neutralidade e objetividade.Esse é um ponto que exige debates mais
aprofundados.
Observações: Lee (1993) considera pesquisa delicada (sensitive research) como
aquela que coloca uma ameaça aos envolvidos, sejam eles os pesquisados ou os
pesquisadores. Esta ameaça pode acontecer em qualquer momento da pesquisa, inclusive na
divulgação dos resultados, e é uma questão contextual.A ameaça pode ser referir a
intromissão em questões privadas, emocionais; podem surgir ainda quando grupos menos
fortalecidos ou mais oprimidos são estudados e há controle social sobre atividades que são
estigmatizantes. Todas essas ameaças são aplicáveis a esta pesquisa realizadas com gays e
lésbicas sobre cuidados de enfermagem, pois esta implica que os participantes assumam,
frente à equipe de pesquisa, sua homossexualidade e , ao falar do cuidado de enfermagem,
podem sofrer sanções, tanto individuais como coletivas, se as informações caírem em mãos
erradas. Este projeto surge da preocupação de que os enfermeiros podem estar prejudicando
esse grupo ou, que desconhecem suas necessidades específicas. Os pesquisadores buscam
conhecer experiências ruins, para trazê-las a públicos, mas também experiências positivas
que podem servir de exemplo para uma boa conduta da enfermagem.; pode ter o efeito,
ainda, de tornar os resultados deste estudo mais palatáveis para os enfermeiros, que viram
inúmeros estudos que discutiam seus defeitos. Uma questão importante é como definir a
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amostra. O desenho “bola de neve” é muito usado em pesquisas que abordam questões
delicadas e nos quais o grupo de estudo é considerado escondido, desviante ou raro. É
reconhecido que não é possível, nesses casos, definir estatisticamente uma amostra.Gays e
lésbicas nem sempre se identificam assim, o que não permite conhecer o tamanho deste
grupo. O “bola de neve” é o método de escolha, desde que se busque a partir de várias
fontes. O recrutamento não deve ser aleatório, mas deve buscar representar diferentes
segmentos dentro da população homossexual. Quando a amostragem probabilística
convencional não é possível, este método alternativo pode resultar em amostras
representativas da população e pode ser considerado científico porque é explícito e
replicável.(Martin & Dean 1993, p 97). Bernack & Waldorf, 1981, consideram que a bola de
neve é valida quando não há teste de hipótese, mas explorar amplamente e analisar. Sugerem
ainda que além de partir de diferentes fontes, é importante que o pesquisador esteja atento
durante a pesquisa, que a amostra inclui diferentes respondentes, em termos qualitativos. É
importante incluir na amostra as mais diversas maneiras de pensar. Assim, limitou-se o
número de enfermeiros homossexuais, pois o objetivo é estudar a opinião de homossexuais
(em geral) frente ao cuidado de enfermagem. Embora os autores tenham obtido uma amostra
diversificada, ainda restou que fosse suficientemente grande, para permitir redundância de
informação ou saturação teórica. (Stevens, 1993). Outro aspecto é quanto representativo do
grupo homossexual são os participantes do estudo. Os que aceitam participar, usualmente
são os que falam abertamente de sua orientação sexual e tem menos medo de represarias. Os
participantes, por viver situações opressivas, tem várias razões para desconfiar de
pesquisadores. O fato de estes pesquisadores serem homossexuais e terem uma inserção
profissional que lhes confere poder para influenciar em decisões, foi favorável a decisão de
participar da pesquisa.è importante considerar o efeito que tem na entrevista, dos fatos dos
pesquisadores serem insiders. As pesquisas qualitativas tem sido criticadas como não tendo
rigor científico ou não serem objetivas. Mas nas pesquisas delicadas, não cabe essa
valorização da neutralidade, pois o fato de ser insider aumenta a possibilidade do
participante de falar abertamente de si. Coleta-se melhores dados sobre a experiência pessoal
e os sentimentos quando o pesquisador estabelece um relacionamento aberto e recíproco com
os participantes. Isso inclui a possibilidade também se manifestar como pessoa e de se
envolver com os participantes a ponto de oferecer suporte se a participação na pesquisa
causar stress emocional.Além disso, o pesquisador precisa ter habilidade ao perguntar. Este
estudo tanto é fenomenológico, pois a busca interpretativa de sentido; quanto etnográfico,
onde não se trata de objetividade, nem de subjetividade pois trata-se de uma mediação
interpretativa entre dois mundos, mediada por uma terceira parte que é o pesquisador. Cabe
ressaltar, entretanto, que nesse estudo essa terceira parte na verdade é insider. A pesquisa
participante coloca que o fato dos pesquisadores serem insiders facilita que os participantes
aceitem participar e que se abram. Essa condição é facilitadora também quando o trabalho
inclui o objetivo de fortalecer os participantes. Os autores terminam afirmando que a pessoa
do pesquisador é o instrumento para estabelecer relações humanas. Documentos sobre ética
em pesquisa a que se refere: Não refere.
Artigo 19
Autor: 104. Sixsmith J; Boneham M; Goldring JE
Título: Accessing the community: gaining insider perspectives from the outside
Referência: Qual Health Res;13(4):578-89, 2003 Apr
Objetivo do artigo: descrever as dificuldades e os possíveis caminhos para negociar
o acesso a comunidade com o propósito de realizar pesquisa. Discutir como gerar uma
amostra de participantes da comunidade para entrevistar e participar de grupo focal. Além
das estratégias de recrutamento, examinar questões práticas e identificar estratégias para
manter a credibilidade e a confiança.
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Cita exemplos do estudo: discute a realização deste estudo, numa comunidade
socialmente desfavorecida, cujo objetivo era examinar os significado da experiência vivida
de família e de vida comunitária, e a e como estes atuam na maneira como cada pessoa
experiência e maneja sua saúde.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: Discutir ao longo
de desenvolvimento do projeto, se a manutenção do projeto na comunidade é eticamente
aceitável. Os membros da equipe de pesquisa têm a responsabilidade de se ajudarem
mutuamente quando surge um problema.
Observações: Obter uma amostra não é uma questão simplesmente de recrutar
pessoas, mas um complexo processo social de ganhar acesso à comunidade em si.
Estabelece-se um processo no qual ora os pesquisadores, de fora, ocupam as mesmas
posições sociais dos de dentro, ora o inverso ocorre. O que permite o acesso à comunidade,
através de um processo complexo de manejar as relações sociais e as impressões pessoais. A
noção de capital social apresentada por Putnam (1995) é features of social organization
such as networks, normas and trust, that facilitate coordenation and cooperation for mutual
benefit” (p66). È crucial estabelecer uma relação de empatia e confiança entre pesquisador e
pesquisado. Ao longo do desenvolvimento do projeto, uma discussão contínua sobre os
caminhos que a presença da pesquisa na comunidade era tanto eticamente aceitável quanto
ideologicamente apropriada. Cada participante é considerado um especialista em suas
próprias experiências. Para assegurar que o participante se sinta valorizado, é importante
explicar todos os objetivos da pesquisa, e o papel dos participantes nesse processo. É por este
caminho que a confiança e o rapport podem começar a se estabelecer. A amostra inclui
pessoas da comunidade, que tenham os mais diversos pontos de vista e visa alcançar a
saturação, momento no qual o conteúdo começa a se repetir. A técnica da bola de neve” as
vezes é a única possível para recrutar pessoas vulneráveis ou inacessíveis pois a segurança
(security features) é intrinsecamente construída na abordagem/montagem da amostra. Apesar
das qualidades, a técnica da “bola de neve’ pode levar a amostras viciadas, para evitar que
isso aconteça, os autores adotaram também outras estratégias para acessar a comunidade:
anúncios e questionários.Para garantir que a pesquisa inclua na amostra pessoas
marginalizadas, é importante que os pesquisadores estejam envolvidos na vida comunitária.
Para isso os pesquisadores os pesquisadores buscaram ficar o mais perto possível da vida
cotidiana da comunidade. Esta imersão na comunidade, além de permitir a identificação de
pessoas a serem incluídas na amostra, também permite avaliar como a pesquisa está sendo
percebida. A realização da pesquisa em si prevê que os pesquisadores promovam a formação
de redes, colocando diferentes atores em contato uns com os outros, além de retribuir a
comunidade com ações tais como montar uma biblioteca ou organizar um curso de culinária.
Isso aumenta a credibilidade da equipe de pesquisa, na medida em que passam a ser vistas
não como aqueles que vem levantar informações, mas também contribuem para a
comunidade. Estão previstos encontros para apresentar os resultados e nesses momentos, os
pesquisadores conhecem o impacto que a pesquisa teve na comunidade. È necessário manter
continuamente uma negociação sobre os acesso dos pesquisadores a comunidade, e isso
depende basicamente da qualidade da relação entre pesquisados e pesquisadores. È
necessário manter a confiança da comunidade. A qualidade dos dados coletados reflete
diretamente os caminhos nos quais o pesquisador manejou a difícil relação entre insiders e
outsiders, em especial durante o recrutamento dos participantes.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 20
Autor: Hofman NG
Título: Toward critical research ethics: transforming ethical conduct in qualitative health
care research.
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Referência: Health Care Women Int;25(7):647-62, 2004 Aug.
Objetivo do artigo: Este artigo tem dois objetivos: 1. abordar as obrigações
profissionais no contexto de potencial conflito de interesse que os pesquisadores, inclusive
os etnógrafos, encontram em seu trabalho com sujeitos humanos. 2. um objetivo mais amplo
é propor recomendações para as diretrizes nacionais e para os IRBs, ampliar os programas
de treinamento solicitados para pesquisadores e SUBCONTRACTORS , e incluir a
discussão do relacionamento entre pesquisador e participante do estudo nos seminários sobre
ética em pesquisa para todos os trabalhos individuais com seres humanos.
Cita exemplos do estudo: estudo realizado pela autora com mulheres, usuárias de
drogas, que ganham a vida de maneira ilícita. Women injection drug users (WIDU)
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: o
relacionamento entre pesquisador e participante da pesquisa geralmente não é abordado nas
diretrizes sobre ética em pesquisa. A autora identifica que trabalho relevante sobre este
aspecto tem-se voltado para as pesquisas qualitativas em pequena escala, conduzidas por um
único pesquisador. Esses estudos têm destacado como um aspecto ético importante a
diferença de poder entre pesquisador e pesquisado. Esta pode ter sua origem na diversidade
social, incluindo raça, educação, classe social; ou na visível iniqüidade das trocas entre
profissional e pesquisador, incluindo aspectos emocionais (esta autora discute que enquanto
o participante se refere a satisfação de ter “ uma amiga”! para falar de si; a pesquisadora não
tem a intenção de se tornar amiga da participante, nem de se manter em contato com ela,
após o término da pesquisa). Por ex, um participante pode se considerar num tratamento
cruel por contar sua história de vida em troca de dinheiro.
Um estudo qualitativo em larga escala, como o WIDU, pode colaborar nesta
discussão sobre aspectos éticos nas pesquisas qualitativas em grande escala..
Embora alguns autores considerem que não é possível eliminar esta desigualdade de
poder na relação entre pesquisador e pesquisados, outros autores consideram que é possível
diminuir esta desigualdade se o pesquisador considerar seriamente a reciprocidade,
entendida como a contribuição que o pesquisador faz a comunidade estudada. A noção de
reciprocidade pode ser ampliada para incluir pesquisa ação participativa ou possibilitando
aos participantes se envolverem no desenho, implementação e transformação de sua
comunidade. A possibilidade de diminuir a diferença de poder e trabalhar pelo
fortalecimento do participante, passa pela discussão de como os participantes são
representados e como os pesquisadores se localizam nos objetivos de sua pesquisa. (p650).
Além, da reciprocidade e da representação, existe ainda a distribuição desigual dos
benefícios da pesquisa. Outro caminho para diminuir esta desigualdade é enfatizar a
reflexividade do pesquisador, o que pode ser feito situando o pesquisador na experiência e no
significado da relação com o participante. Na ausência deste contexto de informação ,
pesquisadores e participantes ficam inevitavelmente envolvidos numa relação impessoal e
portanto hierárquica. Desmanchar esta relação hierárquica passa pela ênfase na
reflexividade, reciprocidade e no empoderamento do participante. É parte central do projeto
pós moderno da antropologia substituir a autoridade do pesquisador em relação ao
participante, por uma relação de diálogo multivocal (múltiplas vozes) e justo . Autora
questiona legitimidade de pagar para o participante do estudo, em especial nesta situação na
qual as pessoas vivem com grandes dificuldades financeiras e são usuárias de drogas. Isso
influencia na relação entre pesquisador e pesquisado. É preciso considerar que esta relação é
multidimensional, e determinante dos caminhos da pesquisa.
Consentimento informado (e questionável).Existem diferenças na maneira como
pesquisadores e participantes entendem a participação na pesquisa. Neste estudo, as
participantes vêm para o estudo , usuárias de drogas, pobres e com baixa escolaridade.
Aceitar participar demonstra responsabilidade com as crianças e com a casa (as participantes
são pagas para participar). Os pesquisadores e os membros dos comitês de ética, por outro
lado, geralmente são de classe média, educados e não são viciados em drogas. Sua motivação
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em conduzir a pesquisa é aumentar seu capital social, publicando os resultados do estudo.
Apesar destas diferenças, o consentimento reflete apenas o ethos cultural dos pesquisadores,
que por sua vez estão confirmadas nas diretrizes sobre ética em pesquisa. A autora alerta que
o pesquisador não pode garantir a confidencialidade das informações, quando essas são
requisitadas pela justiça.O pesquisador não garante beneficio para os participantes, ou que
eles terão acesso aos resultados da pesquisa. Para quem o estudo é conduzido? A autora
destaca que se a informação é obtida num vínculo de confiança, o fato da investigara
construir este vinculo possibilita a exploração. Outro aspecto é que passar as informações
para terceiros pode levar o participante a se sentir traído.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: O pesquisador
deve comunicar aos participantes suas obrigações com eles. Comunicar os objetivos e as
falhas do processo do consentimento informado constitui-se num passo para assegurar a
tomada de consciência, sobre a delicadeza de realizar pesquisa com usuários de drogas,
pobres e com pouca escolaridade, que icontribuir para construir um relacionamento mais
justo entre pesquisador e os participantes. Informar os limites da confidencialidade e de que
nem será estabelecida uma relação de amizade entre pesquisador e participante, são aspectos
importantes. É importante informar que por ordem judicial o pesquisador pode ser obrigado
a quebrar a confidencialidade das informações. Finalmente, o pesquisador deve analisar sua
relação com os participantes, para evitar explorá-los. Esses aspectos não o abordados nas
diretrizes sobre ética em pesquisa. As diretrizes e os treinamentos devem incluir: 1. uma
discussão sobre o relacionamento entre pesquisador e pesquisado;deixando claro o que o
participante pode e não pode esperar deste relacionamento; 2. a exigência de que
pesquisadores e tercerizados envolvidos em pesquisas qualitativas recebam treinamento nos
aspectos éticos e, 3. um sistema contínuo de revisão e retorno para todos as pessoas
desenvolvidas nas pesquisas qualitativas. Cada uma destas propostas pode promover o
fortalecimento dos participantes do estudo. Outro aspecto é que os treinamentos deveriam
incluir como divulgar resultados de maneira acessível, compreensível para um público leigo.
O consentimento deve ser entendido à luz do processo da pesquisa. O próprio pesquisador
deve estar atento a estas questões: consentimento, relação entre pesquisador e pesquisado etc
durante todo processo da pesquisa. Os aspectos éticos devem ser considerados em todos os
momentos da pesquisa, desde seu desenho, durante sua realização. A autora compara os
aspectos éticos com os objetivos desta pesquisa, e conclui que as mulheres incluídas no
estudo, mas que este é sobre elas e não para elas. O grande objetivo seria complementar a
pesquisa sobre com a pesquisa para. Uma maneira de fazer esta passagem é instituir grupos
de discussão para compartilhar os resultados da pesquisa e novos conhecimentos.
A autora sugere aos órgãos governamentais e aos IRBs a inclusão de pontos a serem
trabalhados nos treinamento sobre ética em pesquisa, e que passem a considerar pessoas
addicion físicas e psicológicas como uma categoria específica entre as populações
vulneráveis.
Observações: Embora existam essas considerações sobre ética em pesquisa
qualitativa em pequena escala, as diretrizes, que foram elaboradas tendo em mente pesquisas
quantitativas e de grande escala, não foram modificadas. Elas se dirigem a um modelo em
que os pesquisadores são considerados observadores neutros e objetivos. Enquanto entre
pesquisadores qualitativos tem alcançado ampla aceitação de que é necessário examinar
criticamente a tradição positivista à luz da compreensão das iniqüidades que este modelo
produz e reforça.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 21
Autor: 2. Shaver FM
Título: Sex work research: methodological and ethical challenges.
Referência: J Interpers Violence;20(3):296-319, 2005 Mar.
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0886-2605
Objetivo do artigo: os desafios enfrentados ao realizar pesquisa com populações
vulneráveis, como os profissionais do sexo, são significativos. Para resolvê-los, foram
necessárias o desenvolvimento de várias estratégias, incluindo como entrar na rede local e
como melhorar a representatividade da amostra, a adoção de diretrizes de redução de danos
centradas nos participantes (especificas para este estudo, com ponto aplicáveis a outras
pesquisas – talvez essa seja uma grande idéia) para proteger os profissionais do sexo,
enquanto reafirmam o papel do pesquisador, e construindo um desenho de estudo para fazer
comparações estratégicas que minam a noção equivocada de que os profissionais do sexo
constituem uma população homogênea.
Cita exemplos do estudo: cita 3 estudos que a autora participou da realização, todos
envolvendo profissionais do sexo. Estão citadas as referencias.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: ao
trabalhar para melhor a qualidade dos dados, os autores aprimoraram também os cuidados
éticos.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: pesquisador deve
manter seu papel no campo, uma das propostas é evitar ouvir histórias pessoais, fora do
contexto da pesquisa, para evitar que isso aconteça, uma das orientações é andar em duplas.
Shaver (2005) criou uma diretriz para desenvolver e manter uma abordagem de redução de
dano centrada no participante, que inclui: 1. andar em duplas; 2. distribuir cartões com
informação e contatos profissionais; 3. portar um kit com band aid, alfinetes e fósforos e uma
relação de recursos para troca de seringas, problemas de saúde em geral, testagem para
HIV/AIDS e pronto atendimento. Não carregar condons para distribuir, kit de seringas. A
preocupação é evitar colocar em risco o papel de pesquisador, que permite fazer perguntas
pessoais, 4. andar na rua entre os trabalhadores do sexo, cumprimentando-os, mesmo quando
o contato não é possível, o que é freqüente quando estão acertando um encontro. 5. ter
consciência do espaço que a equipe de pesquisa ao abordar a pessoa, nunca deixá-los sem
saída, nunca abordá-los pelos dois lados. Deixá-los livre para ir, para demonstrar que a
equipe não é a polícia. E que a escolha para participar da pesquisa, é deles. 6. realizar as
reuniões de equipe com regularidade, o trabalho de campo nesse contexto é moldado
fisicamente e emocionalmente, fato que geralmente não é lembrado pelos assistentes de
pesquisa, nem pelas diretrizes de ética em pesquisa. As reuniões permitem desabafo e a
discussão de situações difíceis que podem surgir. 7. Desencorajar passeios guiados. Quando
parentes tiveram temores da participação dos seus familiares na pesquisa, o pesquisador
principal se responsabilizou diretamente por levá-los para conhecer o lugar.
Obter o consentimento informado para as entrevistas individuais não é um problema,
o difícil é obter consentimento para as observações de campo. A autora cita um exemplo de
um profissional do sexo quer aceitou participar da entrevista , mas não da observação. A
estratégia descrita para obter esse consentimento foi solicitar que os profissionais do sexo
informassem a delimitação do seu território e a rede de relacionamentos nas quais eles
trabalham. Isso permitiu a eles identificar esse território e esta rede. E legitimou que a equipe
de pesquisa fizesse suas anotações de campo e verificasse a exatidão de suas próprias
observações. Quanto mais os pesquisadores conhecem o contexto da pesquisa e das pessoas
inseridas nele, mais confiança podem ter nas técnicas de amostragem que elegeram e na
validade do dado obtido. O pesquisador, ao sair do campo, deve se despedir e assegurar-se
que todos têm como entrar em contato se tiver questões e se quiserem ter acesso aos
resultados. Em outro estudo, junto aos profissionais do sexo que não trabalham na rua, os
pesquisadores, preocupados com aspecto como: verdade, privacidade e confidencialidade;
ofereceram a possibilidade de que os participantes escolhessem quem seria seu entrevistador:
um estudante ou um profissional do sexo; um homem ou uma mulher. A autora salienta a
importância da parceria estabelecida entre a academia e a universidade, que trouxe muitos
benefícios. Embora ao estabelecer esta parceria, o processo de pesquisa tenha se tornado
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mais longo, em especial no período de treinamento e também porque a academia e a
comunidade têm objetivos e opiniões sobre a pesquisa que são diferentes. Os benefícios
desta parceria referem-se a que incorpora diferentes perspectivas, aumenta a sinergia de
idéias e de recursos, melhora a qualidade do dado, oferece a possibilidade de construir
capacidades, encoraja a troca recíproca de habilidades, conhecimentos entre a academia e a
comunidade e aumenta a responsabilidade pública. Em suma, essa parceria permite superar
os dois maiores obstáculos em conduzir pesquisa com profissionais do sexo: erros da
amostra e preocupações com a privacidade. Ao fazer isso, aumentam a credibilidade dos
dados.
Observações: discute 2 dificuldades principais para compor a amostra: pessoas que
se recusam a participar ou oferecem respostas não confiáveis para proteger sua privacidade;
ou pessoas que dizem o que acreditam ser o esperado pelo pesquisador. Desenvolver
estratégias para validar os dados coletados é o primeiro desafio, em pesquisas com pessoas
“escondidas”.
A autora salienta que ao adotar estratégia para superar dificuldades metodológicas de
realizar pesquisas junto a profissionais do sexo, estas soluções também foram de encontro
aos princípios éticos da pesquisa. A abordagem centrada no participante , construída a partir
do respeito a dignidade humana, bem como no respeito as populações vulneráveis. O
respeito ao consentimento livre e informado foi obtido em dois níveis: um relativo ao campo
da pesquisa ou as entrevistas individuais, e a privacidade e a confidencialidade foram
facilmente mantidas. A pesquisa mostrou ainda que existe uma heterogeneidade entre os
profissionais do sexo, o que contribui para diminuir a estigmatização.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: Call off your tired ethics
(2003) Retrieved january 12, 2003, from www.freedomusa.org/coyotela
Artigo 22
Autor: 41. Warr DJ
Título: Stories in the flesh and voices in the head: reflections on the context and impact of
research with disadvantaged populations.
Referência: Qual Health Res;14(4):578-87, 2004 Apr.
Objetivo do artigo: a autora discute sua experiência em realizar pesquisas
qualitativas com grupos desfavorecidos, cuja experiência de vida é muito diferente da
vivência da autora. Entretanto é possível abordá-las obtendo uma compressão solidária,
através da pesquisa. Esses encontros são situados e corporificados o que gera uma
metodologia potencialmente poderosa para alcançar insights sobre a experiência de vida das
pessoas. Ela sugere estratégias para preservar o contexto e o significado que podem ser
perdidos ao transformar-se em dados de pesquisa, exemplifica com a transcrição das
gravações que não registram entonações de voz, gestos, postura corporal etc. esse poder da
metodologia qualitativa pode significar uma experiência emocional intensa para o
pesquisador, a autora sugere estratégias para manejá-las.
Cita exemplos do estudo: estudo conduzido pela autora, que tem parceria entre a
universidade e a comunidade (organização de profissionais do sexo).
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: a
pesquisa é amplamente compreendida como um processo colaborativo e interativo, as
pessoas que relatam suas experiências são chamadas de participantes da pesquisa, o que
expressa seu papel ativo no processo da pesquisa. Os pesquisados são orientados pelos
comitês de ética a proteger os participantes de danos. Isso porque as populações pesquisadas
têm pouco poder e controle sobre o processo da pesquisa, na prática, o poder de influenciar
ou controlar o projeto de pesquisa varia muito de acordo com o projeto. Pode significar a
participação numa única entrevista, num grupo focal, ser integrado na pesquisa como
informante chave, co-pesquisador ou membro do comitê que diretor da pesquisa. Entretanto,
como sujeitos socialmente engajados, mais do que um observador neutro, o pesquisador
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também é um participante da pesquisa. A relação interpessoal entre o pesquisador social e os
participantes da pesquisa envolve um tipo de participação que vai além das tarefas práticas
de conduzir as entrevistas, transcrever e analisar os dados. Envolver-se com os detalhes
pessoais da vida de outra pessoa coloca o pesquisador num relacionamento ambíguo com o
sujeito participante da pesquisa. Embora tenha um contato breve com a pessoa, o
pesquisador entra em contato com história intima da vida delas entretanto, como tem a tarefa
de analisar os dados, faz uma imersão neles e ouve, escreve e pensa sobre eles muito tempo
depois. Memoriza passagens especialmente ressonantes e trechos das experiências relatadas
passam a ser conhecidos pelo pesquisador, como a palma da sua mão. A autora preocupa-se
com a futilidade da pesquisa, e sua inabilidade de mudar alguma coisa na vida dos
entrevistados. Outra preocupação e relativa a interpretação que o pesquisador faz frente ao
relato, e o necessário cuidado para buscar entender a perspectiva do participante.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: como o
pesquisador também é um participante e sua pessoa é seu instrumento de pesquisa, é
importante evitar danos tanto para os sujeitos quanto para o próprio pesquisador. O
responsável pela transcrição das fitas também deve ser informado sobre a necessidade ética
de manter a confidencialidade das informações e também deve ter a possibilidade de se abrir.
As história ao vivo” podem ter grande impacto sobre os pesquisadores e passam a ser
vozes internas, que são difíceis de esquecer. É importante aproveitar o poder metodológico
das histórias ao vivo, enquanto minimiza o efeito emocional no pesquisador. Encontrar um
balanço entre manter as história em segredo e manejar seu impacto pode colaborar para
gerar uma pesquisa qualitativa poderosa. A autora coloca a importância de que o
pesquisador se esforce para que a pesquisa conduzida com grupos desfavorecidos faça uma
diferença positiva na vida destas pessoas.
Observações: A autora defende, com propriedade, que é importante preservar o
contexto e o significado; como fazer isso e preservar anonimato e confidencialidade dos
informantes? A produção de conhecimento em ciências sociais visa produzir um
conhecimento que é dependente do contexto, que está relacionado com a natureza
contextualizada das crenças, valores e práticas humanas. A autores descreve que o fato de
entrar no campo lhe trouxe uma série de experiências que permitiram entender melhor as
experiências relatadas pelos entrevistados, pois foram muito diferentes do que ela pode
apreender do conteúdo das entrevistas. (frio, escuridão, polícia etc)
Pesquisadores que elegem metodologias qualitativas consideram que o próprio
pesquisador é o instrumento da pesquisa. As implicações metodológicas são freqüentemente
discutidas na literatura, onde é amplamente aceito que os pesquisadores não podem descartar
sua própria subjetividade enquanto pesquisam. É impossível se engajar na vida dos outros a
partir de uma posição que assume a objetividade e a neutralidade. Menos atenção, entretanto,
tem sido dada a implicações para estes pesquisadores que estabelecem este nível de
relacionamento interpessoal com os participantes da pesquisa, que pode ser muito intensa.
A autora refere que tem ouvido os participante relatarem que o fato de relatar sua
experiência, os fez pensar sobre ela de maneira diferente. As pessoas são convidadas a fazer
uma reflexão sobre suas experiências, o que requer uma concentração profunda e intensa por
parte dos entrevistados. Por outro lado, o pesquisador tem que fazer uma série de coisas ao
mesmo tempo: incentivar a pessoa a falar, delicadamente dirigir a conversa, escutar
atentamente, processar as informações, estar atento as suas impressões, como a linguagem
corporal e outros fatores situacionais. Isso pode ser exaustivo, e é importante que o
pesquisador esteja preparado para as demandas de entrevistar.O pesquisador deve pensar em
sua segurança física, agendar as entrevistas com um intervalo de tempo apropriado entre
elas, e ter a possibilidade de falar sobre sua experiência. Neste estudo, foi a organização da
comunidade que foi parceira da universidade quem indicou um consultor para que a
pesquisadora pudesse se abrir.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
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Artigo 23
Autor: Johnson B; Clarke JM.
Título: Colleting Sensitive data: the impact on researchers
Referência: Qualitative Health Research; 13 (3): 421 – 34. March 2003.
Objetivo do artigo: apresentar os resultados de um estudo exploratório que teve por
objetivo identificar questões que se colocam aos pesquisadores enquanto estes estão
realizando o trabalho de campo.
Cita exemplos do estudo: o se aplica.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
aspectos recorrentes em publicações: implicações das entrevistas em profundidade, tanto
para o pesquisado, quanto para o pesquisador; o estabelecimento de uma relação de
confiança é necessário para a realização de entrevistas em profundidade - a questão se ao
estabelecer esta relação, o participante se sente coagido a participar ou se acaba havendo
uma exploração do participante; conflito de papéis, por isso os autores sugerem que o
pesquisador se mantenha atento se o participante esse sentindo desconfortável durante a
entrevista, especialmente se a entrevista questiona os seus (mecanismos de defesa) sua
maneira de se apresentar. Os pesquisadores relatam freqüentemente que não se sentem
preparados para lidar com as preocupações e questões que surgem nas pesquisas delicadas.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Observações: Os autores consideram que quaisquer tópicos de pesquisa,
dependendo do contexto, podem ser delicados. Dialogam com algumas definições do que é
um tópico delicado de pesquisa. Vale ressaltar: os que podem ameaçar ou causar danos aos
pesquisados e aos pesquisadores (Gibson, 1996); são aqueles que tem um potencial de
despertar respostas emocionais; são relativos a uma experiência pessoal intensa e
provavelmente serão abordados com algum grau de apreensão. (Cowles, 1988). Entre os
tópicos delicados inclui-se HIV/AIDS, doentes mentais, dor crônica em idosos, doença
terminal, morte. Os autores consideram estes temas como delicados, pois colocam questões
éticas e morais, bem como preocupações e problemas para o desenho da pesquisa. Os
resultados estão apresentados, um número de questões e preocupações foram identificados e
categorizados da seguinte maneira: inexperiência e falta de treinamento, confidencialidade,
conflito de papéis, impacto das entrevistas nos participantes e sentimentos de isolamento. A
meu ver, todos têm implicações éticas.
Quanto a falta de treinamento, os pesquisadores consideram que a ênfase é colocada
nos procedimentos de acesso/recrutamento dos participantes e na análise dos dados, e que
foram a campo com pouco ou nenhum preparo para entrevistar pessoas em profundidade,
particularmente em suas residências.Questões encontradas nesse tema: ansiedade de contato,
lidar com a ansiedade, trabalhar num território desconhecido.
Quanto a confidencialidade: medo dos participantes serem identificados e pressão
por elaborar um relatório a equipe assistencial.
Conflito de papéis: pesquisador versus profissionais de saúde, amigo versus coletor
de dados, influenciar o curso da pesquisa e não ser capaz de reciprocidade. Reciprocidade:
muito tem sido escrito sobre o relacionamento entre pesquisador e pesquisado. Buscando
estabelecer uma relação empática para sua coleta de dados, o pesquisador de campo se
esforça por estabelecer laços de proximidade enquanto mantém uma certa distancia social e
intelectual. Alcançar e manter este balanço pode ser muito difícil para o pesquisador.
Os autores colocam as seguintes questões: as preocupações sobre o papel vem
apenas da natureza delicada do tema da pesquisa, ou essas preocupações vem do
conhecimento e da experiência dos pesquisadores? (novamente, a meu ver não é ou , mas
vem dos dois). ainda a questão de como o participante percebe o papel do entrevistador.
Se o pesquisador sabe que o pesquisador é um enfermeiro, para quem deu o consentimento
em participar do estudo: para o pesquisador ou para o enfermeiro? Os autores consideram
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que outros profissionais também vivem conflitos de papel, mas que os enfermeiros
provavelmente estas dificuldades são maiores para os enfermeiros. Será que é, em algum
nível, inevitável para os enfermeiros, pela sua formação, viver conflito de papéis? Se sim,
como ajudá-los a desenvolver estratégias para lidar com esse conflito? A meu ver, discutindo
o lugar do pesquisador no campo e frente ao entrevistado; e a possibilidade ou não de
produzir conhecimento objetivo.
Os autores colocam a importância de fazer um follow up para verificar os efeitos
imediatos da participação na pesquisa, para o participante. Inclusive porque o que parece ser
vivido como um benefício para um participante, pode ser considerado um custo para o outro.
A impossibilidade de prever o impacto, para o entrevistado, da participação na entrevista,
coloca dificuldade para obtenção do consentimento.
Isolamento do pesquisador: Num nível mais pessoal, alguns participantes se sentem
isolados e sem suporte quando estão no trabalho de campo. As questões colocadas aqui são:
isolamento e falta de suporte, necessidade de separar trabalho e casa, e a necessidade de
supervisão. Pesquisadores afirmam que as reuniões das equipes de pesquisa discutem o
processo da pesquisa e não estas questões. Alguns consideraram que estas questões são
dificuldades pessoais, não relacionadas ao trabalho de campo.
Existem evidencias que realizar entrevistas sobre tópicos delicados pode gerar no
pesquisador sentimentos de impotência e falta de esperança., além de insônia e pesadelos. O
sentimento de isolamento intensifica esses sentimentos no pesquisador. Por que os
pesquisadores sentem esta falta de suporte e esse isolamento? Uma possibilidade é que o
diretor da pesquisa ou o supervisor acadêmico não tenham consciência que o trabalho de
campo suscita essas questões para os pesquisadores; ou que eles mesmos não se sintam
habilitados para lidar com elas.
Entre suas conclusões, os autores sugerem enfaticamente a necessidade dos
pesquisadores de campo desenvolverem habilidades, terem treinamento, especialmente sobre
como ter acesso, habilidades para entrevistar, e seu papel na relação com os participantes.
Incluir no desenho da pesquisa supervisão para os pesquisadores de campo, em especial em
estudos qualitativos.Pois destas maneiras os pesquisadores estarão mais bem preparados para
lidar com as questões que surgem no campo.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 24
Autor: Stevenson C; Beech I.
Título: Plying the power game for qualitative researchers: the possibility of a pos-modern
approach.
Referência: Journal Advanced Nursing; 27: 790- 7, 1998.
Objetivo do artigo: apresentar uma narrativa que auxilie os autores a considerar os
diferentes sentidos atribuídos a pesquisa pelos pesquisadores qualitativos (aqueles que com
uma compreensão não positivista através da interpretação) e os comitês de ética. Foi
elaborado a partir dos resultados das experiências de oposição dos autores. Este artigo não
propõe soluções fáceis, pois reconhece a complexidade que surge quando concepções
diferentes se encontram.
Cita exemplos do estudo: acho que não.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Observações: Os comitês de ética e de apoio financeiro adotaram definições fixas
sobre o que é ciência, validade, confiança entre outras definições. Os pesquisadores
qualitativos, por sua vez, adotaram outras definições. Os autores ilustram as tensões entre
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essas concepções, discutindo: ciência, validade e uma análise de como o poder esta implícito
na “ gramática” do comitê.
A gramática da ciência:Os comitês de ética desenvolveram uma gramática associada
com a ciência positivista. Existe a crença de que a realidade fora pode ser quantificada a
través de medidas objetivas. A linguagem consiste na linguagem do experimento. Isso
envolve a crença sobre a natureza do mundo e sobre como a mudança numa variável deste
mundo afetará outras. A gramática dos comitês de ética depende da composição e do
contexto no qual trabalha. Por exemplo, eles freqüentemente recrutam médicos. A gramática
da medicina a pessoa como um ser bio-psico-social espiritual. Similarmente, os
enfermeiros do comitê foram socializados a adotar modelo de enfermagem baseado no
paradigma positivista e ver as pessoas como seres bio-psico-social-espiritual num contexto
que podem ser manipulados pelos enfermeiros para manter o equilíbrio conhecido como
saúde. Parse 1987 chama isso de paradigma totalitário. O paradigma totalitário tem uma
gramática que foi desenvolvida num contexto de pesquisa que acessa os efeitos da mudança
de variáveis numa realidade externa. Como resultado desta socialização pelo positivismo,
existe uma expectativa no comitê que a pesquisa relativa à saúde detectará e relatará alguma
realidade. Espera-se que os pesquisadores apresentem ao comitê uma hipótese com uma
proposta de teste científico. Entretanto, os pesquisadores qualitativos freqüentemente iniciam
com um objetivo geral e organizam a exploração deste objetivo. A possibilidade de
incompreensões se coloca. O comitê tem uma maneira fixa de compreender o que é pesquisa,
que para eles significa descobrir a natureza de alguma realidade objetiva e ser capaz de
mostrar que é isso que acontece. Para os pesquisadores qualitativos, entretanto, sua pesquisa
significa o estudo daquilo que eles escolheram estudar.
Validade: A questão da validade é onipresente da corrente gramática da pesquisa. O
pesquisado, o questionário etc mediu o que eles tentavam medir? Isso está relacionado com a
idéia de que existe uma realidade objetiva que pode ser medida. Para alguns pesquisadores
qualitativos, coloca-se a questão se a realidade objetiva existe e pode ser precisamente
mensurada. Neste ponto a gramática dos comitês e dos pesquisadores qualitativos divergem.
Cada um quer que a pesquisa aconteça a sua maneira.Os autores consideram que o
relacionamento entre o comitê e os pesquisadores não é igual em termos de relação de poder.
O comitê dita o caminho correto e não apenas o recomenda. Dito de outra maneira, a cultura
do qualitativo, da pesquisa não positivista não informa o pensamento/gramática dos comitês.
Isso tem duas implicações importantes: primeiro que a gramática do comitê, quando
detectada pelo aplicante estrutura a proposta. O resultado pode trazer desconforto ao
pesquisador que se obrigado a apresentar sua proposta de uma maneira que não lhe é
familiar, que não é a sua maneira. Ou , ao contrário, o aplicante não percebe a gramática do
comitê e faz sua proposta de maneira honesta, a sua maneira, que entretanto, não se
considerada como uma proposta aceitável pelo comitê. É difícil para os membros do comitê
e para os pesquisadores saber como lidar com esta situação. Não existe uma
concepção/gramática compartilhada que possa entrar em jogo. Os comitês não se aproximam
da pesquisa qualitativa para entendê-la, inclusive porque não a aprovam para realização. Mas
também porque as pesquisas qualitativas têm uma característica emergente, que vai se
definindo no processo, o que demanda muita dedicação e tempo de estudo para compreender.
Ao reconhecer a dificuldade de ser compreendido pelos comitês, o pesquisador qualitativo
pode adotar diferentes estratégias. Alguns podem apresentar seu projeto de uma maneira
“positivista”. Alguns autores recomendam que os pesquisadores qualitativos joguem o jogo
de acordo com as regras dos comitês. Munhall (1994) considera sua abordagem uma maneira
pratica de obter aprovação do comitê. Isso coloca dois problemas, primeiro se o pesquisador
muda sua linguagem, em que medida está realmente tendo seu projeto aprovado? E segundo,
mudar a gramática/ a gica do projeto afeta a identidade do pesquisador. A autoconsciência
e a identidade construída são importantes na habilidade de contar histórias sobre aspectos da
vida, que são importantes para os próprios pesquisadores. No caso de buscar a provação do
comitê, a história contada pode ser incongruente com a história vivida pelos pesquisadores
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qualitativos. Frente a esta oposição, foi discutido que na pratica clínica existe a possibilidade
de co-criar significado. Entretanto isso envolve a necessidade do pesquisador refletir sobre
a natureza da realidade. Entretanto, quando existe um jogo de poder, como dos comitês sobre
os pesquisadores não se questiona as gramáticas/paradigmas. Obter um conhecimento
objetivo é uma demanda absoluta a ser obedecida. Os pesquisadores qualitativos estão
sujeitos a autoridade dos comitês, cujas atitudes eles buscam mudar. Não existe poder
absoluto. Se tomarmos conscientes as condições que permitem uma dada arqueologia do
saber, nós poderemos mais facilmente rejeitar uma consideração como necessária, sem
deixar de considerá-la possível. Quanto mais os saberes são apresentados em discursos,
caminhos para falar sobre a experiência vivida, mais discursos alternativos podem surgir. O
discurso da ciência como o melhor (natural) caminho para entender o mundo permite o
exercício de poder para alocar recursos para os pesquisadores. Mas a pesquisa que não é
natural (porque opera em outro paradigma) , como a pesquisa qualitativa que utiliza
discursos, pode oferecer discursos alternativos, ou vários discursos alternativos. Pode
produzir textos ricos, que mexem com as emoções e ao fazer isso, o difíceis de serem
negados. Essas ambivalências e tensões entre narrativas têm sido descritas como pós-
modernismo de resistência. Os autores consideram isso como um precursor necessário e
favorável ao desenvolvimento de uma gramática compartilhada.
As concepções do comitê e dos pesquisadores se opõem.
A fonte de autoridade do comitê não é objetiva, nem é a verdade absoluta, é, antes,
uma história é formalizada e ritualizada numa sociedade em particular. A regra que ciência =
verdade está disponível a grande parte da sociedade. Os autores propõem como caminho a
seguir a elaboração de uma terceira estória, que relacione a dos comitês e a dos
pesquisadores qualitativos. Para uma estória compartilhada, ou uma nova gramática, surgir,
será necessário encontrar outras maneira de interagir. Podem ser as questões que os
pesquisadores qualitativos utilizam para abrir e não para fechar um diálogo. Responder ao
comitê de acordo com a lógica positivista fecha o diálogo. Entretanto, se o pesquisador
responde ao comitê solicitando que esclareça o que esta dizendo, isso abre um diálogo e
pode transformar a relação.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 25
Autor: 109. Murray BL.
Título: Qualitative research interviews: therapeutic benefits for the participants
Referência: J Psychiatr Ment Health Nurs;10(2):233-6, 2003 Apr
Objetivo do artigo: discutir o efeito terapêutico de participar das entrevistas em
pesquisas qualitativas realizadas com grupos vulneráveis, a respeito de um tema delicado
(alcoolismo de um dos pais), e indicar questões éticas importantes relativas ao
relacionamento entre o pesquisador e o pesquisado.
Cita exemplos do estudo: Murray 1998.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
É importante não confundir o papel de pesquisador com o de terapeuta, os limites
precisam estar claros.O pesquisador deve escutar as estórias de maneira aberta e acolhedora.
Pesquisador deve responder as questões colocadas pelos participantes de maneira
direta.
O pesquisador deve conhecer e trabalhar os preconceitos e equívocos referentes ao
grupo em estudo ou sobre o fenômeno que deseja estudar.
Participar de entrevistas pode fazer emergir conteúdos que precisam ser
processados, por isso o pesquisador deve providenciar um terapeuta para onde encaminhar os
participantes da pesquisa, e informar isso aos participantes.
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Observações: O pesquisador escuta o que o participante traz, sem dirigir sua fala. A
proposta é que o pesquisador não atue como terapeuta, nem como educador. O pesquisador
escuta as estórias dos participantes sem julgá-las, sem buscar culpados (sem responsabilizar)
e por um caminho que não ameace.
Notas de campo, reflexões pessoais e transcrições dos entrevistados constituem o
material em análise. A analise envolve organizar o que foi visto, escutado e lido muitas vezes
para identificar padrões. Foram conduzidas análises comparativas constantes. Cada
sentença, linha ou parágrafo recebeu um code name e uma categoria. Novas análises foram
feitas para conferir a pertinência do dado numa dada categoria, frente ao conjunto dos dados.
Através de um refinamento contínuo, as categorias relacionadas foram combinadas para
estabelecer quatro temas gerais. O quarto tema, the awakening” , descreve a percepção dos
adolescentes sobre sua responsabilidade e sua compreensão sobre seu passado. O
pesquisador se deu conta que a maior parte do material incluído neste tema veio da terceira
entrevista. A autora cita exemplos de como a percepção do adolescente sobre si mesmo e
sobre a situação mudou da primeira para a terceira entrevista. E conclui que estabelecer e
manter uma relação de confiança entre o participante e o pesquisador, pode ter um efeito
terapêutico para o participante, mesmo que o pesquisador ofereça poucos feed-backs. A
redistribuição de poder também é importante para desenvolver confiança e credibilidade. Os
participantes freqüentemente perguntavam para a pesquisadora o que ela estava fazendo ou
sobre os filhos dela. Estas questões foram respondidas diretamente, sem entrar em muitos
detalhes, o que indicava aos participantes que a pesquisadora também estava disposta a
compartilhar aspectos da vida dela com eles. Contando estórias, os participantes deram o
primeiro passo para atribuir um sentido sobre o que aconteceu com eles. Os participantes
tiveram a oportunidade de compartilhar segredos da infância e ao lembrá-los e compartilhá-
los eles foram capazes de ver sua infância de uma perspectiva diferente.
Estabelecer uma relação de confiança com o participante, contribui para o efeito
terapêutico, e também para a riqueza dos dados. É importante não confundir o papel de
pesquisador com o de terapeuta. Participar de entrevistas pode fazer emergir conteúdos que
precisam ser processados, por isso o pesquisador deve providenciar um terapeuta para onde
encaminhar os participantes da pesquisa, e informar isso aos participantes.
A pesquisa sobre questões delicadas pode precipitar emoções intensas dos
participantes., que necessitam de oportunidade de retorno e discussão de seus sentimentos, e
de um contato para que possam solicitar ajuda adicional, se necessitarem, após as entrevistas.
O processo de conduzir pesquisa qualitativa pode ser complexo, intenso e pessoal.
Uma boa compreensão dos limites da relação pesquisador-pesquisado e dos aspectos
éticos que podem surgir , vivenciar as entrevistas nas pesquisas qualitativas pode ser
benéfica para o participante e valiosa para o pesquisador.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
Artigo 26
Autor: 145. Kylmä J; Vehviläinen-Julkunen K; Lähdevirta J
Título: Ethical considerations in a grounded theory study on the dynamics of hope in HIV-
positive adults and their significant others.
Referência: Nurs Ethics;6(3):224-39, 1999 May.
Objetivo do artigo: o propósito deste artigo é descrever e refletir sobre os desafios
éticos num estudo que utiliza a grounded theory sobre a dinâmica da esperança a dialética
entre esperança e desespero- em adultos HIV positivos e seus outros significantes. Questões
metodológicas serão combinadas com esses desafios éticos porque eles não podem ser
separados ao conduzir a pesquisa. O objetivo deste artigo não é apresentar os resultados
deste estudo, mas formular padrões éticos para este processo de pesquisa.
Cita exemplos do estudo: sim, conforme objetivo do artigo.
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Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Justificativa ética do problema da pesquisa: esta é a primeira questão ética a ser
considerada ao conduzir uma pesquisa. Deve estar apoiada na literatura científica, e ser
necessária, relevante e trazer uma contribuição. “Gerar conhecimento científico na
enfermagem esta diretamente relacionado a melhorar o cuidado aos clientes”. O valor deste
conhecimento para a ciência enfermagem está conectado ao valor social do estudo porque a
ciência é parte da sociedade. Os pesquisadores precisam ter conhecimento, adquirido em
estudos profissionais que focam aspectos éticos do relacionamento profissional-cliente, para
manejar esta relação nas pesquisas.
Grounded theory como uma escolha metodológica: O desenho do estudo e as
escolhas metodológicas são elementos centrais para avaliar os aspectos éticos da pesquisa. A
questão do que estudar está conectada a questão de como estudar. De um ponto de vista ético
é importante avaliar a metodologia proposta: será possível alcançar o conhecimento
almejado através desta metodologia?
Pesquisa delicadas/sensitive como uma questão ética: Para Lee, a pesquisa delicada
é aquela que coloca ameaças ao participante e ao pesquisador. É um dever ético do
pesquisador analisar sua motivação consciente e inconsciente quando conduz pesquisas com
grupos vulneráveis. Embora seja dever do pesquisador evitar dano aos participantes, é
preciso ter cuidado para não cair no paternalismo, o que pode ferir a autonomia e a justiça.
A sensibilidade/delicadeza do tema esta freqüentemente mais relacionada a relação
entre o tópico e o contexto, do que ao contexto social em si.
O relacionamento entre os participantes e os pesquisadores durante a coleta de
dados – implicações éticas: A internalização do sistema de valores éticos é uma necessidade
para o pesquisador. O desejo de a pessoa participar da pesquisa, sua aceitação da pesquisa, e
a profundidade e validade do material que o pesquisador obtém são em grande medida
baseados na confiança e na cooperação construída entre os pesquisadores e os participantes.
Nesse estudo, a pesquisadora coletará dados das pessoas com HIV, seus cuidadores e dos
profissionais, pois isso permitirá revelar “a verdade” mais profundamente do que entrevistar
apenas um grupo.
Ganhando acesso: A pesquisadora fez contato com organizações que poderiam
colaborar, para lhes contar sobre o estudo e discutir o planejamento do processo, inclusive da
perspectiva ética e metodológica..Isso é importante porque estes gatekeeper tem a
possibilidade de ajudar o pesquisador a conduzir a pesquisa de uma maneira adequada.
Entretanto, para evitar erros na amostragem, a pesquisadora buscou recrutar pessoas a partir
de diferentes fontes. Para constituir uma amostra diversificada é importante recrutar em
vários pontos de partida diferentes. Nesta pesquisa a preocupação era incluir homens e
mulheres, heterossexuais, bissexuais e homossexuais, de diferentes áreas geográficas. A
amostragem por bola de neve é especialmente aplicável quando o foco do estudo são
questões delicadas e relativas a aspectos pessoais. O pesquisador não conhece a identidade
dos futuros participantes, como nas demais pesquisas.
As entrevistas: a condução das entrevistas é determinada pela perspectiva filosófica
inerente ao paradigma da pesquisa. A compreensão do fenômeno em estudo repousa em
grande parte na relação que é estabelecida entre o pesquisador e pesquisado, o que salienta a
sensibilidade e a habilidade de comunicação ao entrevistar. Na grounded theory, o propósito
da pesquisa guia o processo da entrevista. Os participantes podem definir o problema a sua
maneira e contar sua história sem ser direcionados pelo pesquisador. Nesse estudo, a
principal questão ao entrevistar foi: o vem a cabeça quando os participantes escutam as
palavras esperança e desespero? O que estas palavras significam para pessoas que vivem
com HIV e para seus outros significantes? E o que está conectado com a dinâmica da
esperança? O conteúdo de outras questões é desconhecido, pois surge na relação entre o
pesquisador e o pesquisado. O processo de entrevistar e de analisar dados ocorre
simultaneamente na grounded theory, o que coloca problemas sobre como informar
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previamente no TCLE, pois no inicio da entrevista os participantes não sabem todas as
possíveis questões (nem os pesquisadores!). A emergência gradual do tópico da pesquisa em
seus próprios termos é uma estratégia teórica e metodológica. A emergência de questões
específicas durante a entrevista pode colaborar para a eticidade da pesquisa, pois nesta
situação os participantes podem regular a entrevista de uma maneira adequada para eles. Esta
questão de timing é especialmente importante nesta pesquisa, pois no momento de revelar
que a pessoa tem HIV é um momento de transição. Coloca-se a questão de se seria
eticamente aceitável incluir pessoas neste momento de intensa experiência emocional, mas
se estas pessoas aceitarem, os pesquisadores devem ser cuidadosos para não sobre- carregá-
las. Nestes momentos geralmente as pessoas se abrem mais do que gostariam. As entrevistas
foram realizadas individualmente, e não a pessoa com HIV junto com seu outro
significativo, pois a pesquisadora considerou que entrevistas conjuntas, os participantes
teriam menos controle sobre o que é dito. O pesquisador deve ser sensível e não fazer
julgamentos. Por isso o uso do termo outro significativo: que pode ser um homem, uma
mulher, um parente, um amigo. O conceito de família é utilizado de maneira ampla.
Estas entrevistas podem ser exaustivas tanto para os participantes quanto para os
pesquisadores. Os participantes podem experimentar emoções intensas durante e após as
entrevistas. Por isso é preciso cuidado para que as entrevistas não sejam excessivamente
longas, nem excessivamente curtas. Em pesquisas longitudinais, onde serão realizadas várias
entrevistas, o pesquisador deve garantir um tempo entre elas para que o participante se
recupere. É uma questão ética importante que o participante possa regular o processo da
entrevista, e que ele saiba disso. Ele ou ela não deve responder questões que acham muito
pessoais ou estressantes. Pode haver dificuldade na compreensão do papel de
pesquisadora,que não é o mesmo do enfermeiro cuidador. Se houver conflito entre o papel
do enfermeiro e o do pesquisador, os imperativos da enfermagem devem ter precedência. Os
pesquisadores têm influencia sobre os participantes do estudo, seja porque determinam o
tema das entrevistas, seja porque ao participar da pesquisa, a pessoa toma consciência de
sentimentos que tem e não sabia. Isso pode detonar uma crise, por isso o pesquisador deve
ter a possibilidade de prestar os primeiros cuidados e, depois conversar com o participante
sobre seu desejo de entrar em contato com outras fontes de suporte.
O pesquisador deve ser sensível/delicado ao terminar o relacionamento com o
participante. É importante que o pesquisador solicite ao pesquisado que descreva como foi
participar das entrevistas.
uma diferença de poder entre pesquisador e participantes. Essa diferença de
poder pode ser minimizada conduzindo pesquisas com participantes que não sejam clientes
do pesquisador, revisão do material pelo pesquisado, usando consentimento informado e
estabelecendo uma relação recíproca.
Consentimento informado: é baseado no princípio de autonomia e da negociação de
confiança entre pesquisador e participantes. O consentimento pode ser dividido em dois
componentes: informação (informação e compreensão) e consentimento (voluntariedade e
competência). As informações que devem compor o consentimento são (síntese da literatura,
elaborada pela autora):
1. introdução das atividades da pesquisa
2. Os propósitos do estudo
3. Duração do estudo
4. Procedimentos do estudo
5. Apresentação do pesquisador
6. Papel do participante
7. Papel do pesquisador
8. Explicação sobre por que os participantes foram selecionados
9. Descrição de possíveis desconfortos
10. Descrição de possíveis benefícios
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11. Apresentação de procedimentos alternativos (nas pesquisas com
intervenção)
12. Descrição dos caminhos para manter o anonimato, a confidencialidade, e a
privacidade dos participantes
13. Disponibilidade de responder as questões colocadas pelos participantes
14. Informação sobre quem contactar em caso de novas perguntas ou dano
relativo a participação na pesquisa
15. Explicação da liberdade do participante retirar seu consentimento e
descontinuar sua participação no estudo
16. Explicação sobre o que o pesquisador pretende fazer com os achados
Não basta que o participante seja informado, o pesquisador deve garantir que ele
entendeu. É importante considerar o conteúdo e o timing da informação, bem como a
maneira como a informação é transmitida. A linguagem deve ser acessível,.
O consentimento é um processo comunicacional entre participante e pesquisador.
Pesquisas que trabalham com grounded theory tem natureza flexível e porque a coleta e a
análise dos dados ocorrem simultaneamente. Os objetivos do pesquisador podem mudar de
acordo com as informações recebidas. Não se pode garantir que o consentimento obtido num
estágio da pesquisa será válido para outro. A autora cita Munhall que propõe o processo de
consentimento na pesquisa qualitativa, pois este reflete a natureza da pesquisa.
A participação em entrevistas de pesquisa pode trazer benefícios: ao oferecer a
oportunidade de contar histórias que não foram jamais contadas, isso pode ser terapêutico
para o participante: uma oportunidade para rever sua vida ou seu trabalho, catarsi, auto
conhecimento, fortalecimento, entre outros. P. 235. Além disso, as informações levantadas
neste estudo poderão ser úteis para o trabalho da enfermagem, junto a pessoas HIV+ e seus
outros significantes. Estes são os benefícios identificados pela pesquisadora. A possibilidade
de dano se refere a que ao contar sua história a pessoa possa lembrar de situações difíceis e
sofrer.
O processo de consentimento começa quando a pessoa o folheto divulgando a
pesquisa e convidando as pessoas a participar de 1 a 3 entrevistas, se a pessoa aceita
participar, informações detalhadas são fornecidas antes do início da entrevista. O processo de
consentimento significa que o pesquisador solicitará permissão a cada encontro e avalia os
possíveis danos e benefícios do estudo. A autora considera que em pesquisa qualitativa , o
pesquisador precisa estar atento aos efeitos da participação no estudo e solicitar
continuamente a permissão do participante. Neste estudo foi utilizado o consentimento por
escrito, quando o participante não quis escrever, o consentimento foi gravado em audiotaped.
Os participantes receberam uma cópia do termo de consentimento.
A análise dos dados é uma parte importante da avaliação ética da pesquisa. Para
compreender os dados qualitativos, o pesquisador fica imerso nos dados, envolve-se com o
contexto e o mundo dos participantes, e sua experiência com HIV, esperança e
desespero.Isso envolve uma certa subjetividade e o pesquisador precisa voltar aos dados para
aplicar a grounded theory.
A objetividade completa não é possível por causa da relação próxima entre
pesquisador e participante. Robson e Thorne alertam os pesquisadores sobre o perigo de se
tornar nativo, pois a total imersão poderia levar a uma perda da critica necessária para a
análise.
Na análise, o pesquisador deve contextualizar as respostas no contexto da entrevista
e considerar não apenas o que foi verbalizado, mas também a comunicação não verbal do
entrevistado.
Lee e outros autores preocupam-se com o efeito no pesquisador, que pode se tornar
vulnerável, pela proximidade com o pesquisado, e a imersão nas estórias dos participantes. O
pesquisador precisa de suporte para não causar dano aos participantes devido a suas próprias
dificuldades no processo da pesquisa.Os pesquisadores devem ter a possibilidade de discutir
as entrevistas e suas análise com seus supervisores.
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Publicando o estudo
Publicar os resultados é um dever do pesquisador frente aos participantes, a
sociedade e a ciência. O princípio ético da justiça é desrespeitado quando resultados
importantes não são divulgados e implementados. Entretanto, o pesquisador deve evitar dano
aos participantes. Em pesquisa qualitativa freqüentemente os pesquisadores citam trechos
das falas dos participantes, para dar credibilidade a suas analises. Os pesquisadores devem
ter o cuidado para oferecer informação suficiente, mas não em demasia. É um perigo que o
pesquisador simplifique demais os achados para proteger os participantes. Entretanto, o risco
da identificação traz consigo o risco de sanções e de estigma. Existem dois caminhos para
minimizar os riscos dos participantes: um é solicitar que os participantes confiram os
resultados, decidindo se eles concordam com os resultados e concordem com sua publicação.
Outra possibilidade é utilizar pseudônimos e mascarar respostas individuais. Informações
que não são importantes para o estudo podem ser modificadas nas publicações para assegurar
os direitos humanos dos participantes.
Pesquisadores e participantes tem influencia no estudo e nos resultados. Erros podem
acontecer, mas devem ser discutidos pelo pesquisador na publicação dos resultados. É o
caso, por exemplo, de discutir confiabilidade e integridade ética. Abertura, honestidade,
exatidão no relatar, e explicitar o padrão de tomada de decisão durante o estudo são
caminhos pelos quais a veracidade é avaliada. Os pesquisadores podem também avaliar
como o balanço entre subjetividade e objetividade foi manejado no processo da pesquisa.
Isso envolve a avaliação do pesquisador enquanto instrumento de coleta e análise dos dados.
interpretação pode acontecer por erros do pesquisador ou por reportar falsos
procedimentos. Novos achados e o que não foi estudado podem ser explicados. A base das
questões éticas nas pesquisas em enfermagem é a relação que se estabelece entre pesquisador
e pesquisado. Entretanto, é claro que o conteúdo, o processo, o método usado e os aspectos
éticos não podem ser separados da relação estabelecida entre pesquisador e pesquisado, nem
uns dos outros. O pesquisador deve ter um plano razoável para conduzir sua pesquisa. E
deve estar atento aos possíveis problemas que surjam durante o processo e a questões
relativas aos participantes e a si mesmo. Os participantes devem ser abordados respeitando
seu contexto social, histórico e político.
Observações: os códigos no melhor colocam diretrizes básicas para ética em
pesquisa; no pior eles podem simplificar demais as questões muito complexas que podem
surgir nas pesquisas qualitativas. Os IRBs ou os CEPs estão acostumados a fazer a avaliação
dos aspectos éticos dos projetos antes do seu início, ou as vezes, durante seu processo. Os
direitos humanos que devem ser protegidos na pesquisa são: apresentação do estudo, decisão
pessoal, privacidade, anonimato, confidencialidade, tratamento justo, e proteção contra
desconforto e dano. Os princípios básicos são: autonomia, beneficência, não-maleficência e
justiça. Eby sugere que os 5 componentes éticos do cuidado por Roach: compaixão,
competência, confiança, consciência e preocupação – podem governar, dirigir a pesquisa em
enfermagem. Esses componentes não são contraditórios com os princípios éticos
mencionados antes, pelo contrário, eles acrescentam dimensões novas, profundas e ricas a
eles pela introdução dos aspectos do cuidado na pesquisa. Questões éticas estão combinadas
com as questões metodológicas durante todas as fases do estudo.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:não refere.
Artigo 27
Autor: 174. Paavilainen E; Astedt-Kurki P; Paunonen M
Título: Ethical problems in research on families who are abusing children.
Referência: Nurs Ethics;5(3):200-5, 1998 May
Objetivo do artigo: Discutir as questões éticas envolvidas na pesquisa com famílias
que abusam de crianças, especialmente a partir do ponto de vista das famílias participantes.
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Dada a sensibilidade/delicadeza do tema é extremamente difícil pesquisá-lo, ao mesmo
tempo em que coloca uma grande ameaça potencial para os que estão ou estiveram
envolvidos no estudo. Existem também considerações que vão de encontro às questões éticas
no processo da pesquisa. O anonimato e a completa confidencialidade precisam ser
garantidas a todos os participantes da pesquisa.
Cita exemplos do estudo: Conduzido com famílias que abusam de crianças, na
Finlândia.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
questões éticas se colocam na entrada no campo, amostragem, coleta de dados e divulgação
dos resultados.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: A amostragem
tem implicações éticas importantes, uma vez que não é fácil identificar participantes e os que
aceitam são os que encararam sua situação e estão preparados para falar. Assim,
estabelecidos os critérios de amostragem, o pesquisador deve segui-los e aceitar todos que
quiserem participar. A voluntariedade aqui é especialmente importante, mostrar o fato do
pesquisador mostrar que sabe que abuso de criança naquela família e classificá-la como
tal pode ter conseqüências ruins, caso seja precipitado, antes que a própria família esteja
preparada para falar.
A maneira como as famílias são abordadas e tratadas durante a coleta de dados
também tem implicações éticas importantes. È importante construir uma relação de
confiança entre o pesquisador e a família.O papel do profissional de saúde ou do trabalhador
social também é importante. É preciso estabelecer uma cooperação entre estas 3 partes.
Todos os membros da família devem poder confiar nos seus cuidadores, independente de sua
participação, ou não, na pesquisa.
O consentimento é importante durante o recrutamento, a família deve se sentir
confiante e ter desejo em participar. A família precisa saber exatamente com o que está
concordando.
Confiança e confidencialidade são aspectos importantes. Em temas
sensíveis/delicados, o sujeito da pesquisa pode ir emergindo gradualmente ao longo da
entrevista, embora essa abordagem coloque questões relativas ao consentimento. Algumas
famílias solicitam ao pesquisador que assine um termo se comprometendo que o material
será usado apenas para pesquisa, segundo esta autora, foi possível assinar este termo, quando
solicitado, porque as famílias estavam em acompanhamento terapêutico e as questões
familiares estavam sendo trabalhadas.
Os pesquisadores precisam estar cientes das emoções complexas e contraditórias que
podem emergir durante a entrevista., pois o pesquisador evoca memórias, sentimentos e
situações que as famílias podem ter colocado de lado. Eles freqüentemente choram ao falar
das dificuldades da família.Quando necessário, o pesquisador deve ajudar a re-significar as
emoções embora não possa estar no papel de terapeuta e possa apenas aconselhar sobre onde
a família pode obter ajuda. Discussões íntimas e confidenciais sobre situações difíceis na
família são fonte de ansiedade para o pesquisador. Neste estudo, os pesquisadores
discutiram com as famílias os caminhos para obter ajuda; e a maioria estava em cuidados
profissionais. Os pesquisadores colaboravam entre si, discutindo aspectos difíceis e
reduzindo, desta maneira, sua ansiedade.
Também é muito significativa a maneira como o pesquisador coloca suas questões e
conversa com a família. Sua postura deve ser de não julgamento, embora possa não ser fácil
diante do abuso de crianças. Como evitar a culpabilização / responsabilização é a maior
consideração ética.
A gravação das entrevistas é uma outra fonte potencial de problemas éticos. A
primeira questão é que os participantes devem ter a possibilidade de decidir o que querem ou
não que seja gravado. Pessoas que falam sobre violência na família podem contar situações
onde infringiram a lei. Nesta pesquisa, os pesquisadores informaram sobre a importância de
gravar para depois analisar os dados, e também porque permitia aos pesquisadores se
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concentrar na entrevista. Os pesquisadores garantiram que apenas eles teriam acesso as fitas
que, depois de transcritas seriam destruídas. As transcrições seriam usadas de maneira
anônima e apenas para esta pesquisa.
Na divulgação dos dados, é especialmente importante garantir o anonimato dos
participantes. É necessário elaborar um relato próximo e acurado/preciso, sem entretanto
revelar detalhes desnecessários.
A justificativa ética para a realização de pesquisas sobre famílias com abuso de
crianças é o objetivo de aumentar o bem estar da família e da criança.
Observações: Na Finlândia, qualquer pesquisa sobre temas sensíveis/delicados,
deve obter aprovação do Ministério das questões sociais e da saúde. Quanto à amostragem, é
difícil identificar os participantes e os que aceitam são os que percebem o problema e estão
preparados para falar, o que produz um viés na amostra.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:não refere.
28. Autor: 183. Wilkie P
Título: Ethical issues in qualitative research in palliative care.
Referência: Palliat Med;11(4):321-4, 1997 Jul.
Objetivo do artigo: não especificado.
Cita exemplos do estudo: o.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: Os princípios da
Declaração de Helsinque devem ser aplicados também nas pesquisas qualitativas. A autora
destaca a importância de analisar o balanço entre risco e benefício e considera difícil medir
riscos na pesquisa qualitativa, embora considere que os mesmos são reais. E sugere que os
riscos de stress emocional ou de distúrbios psicológicos como resultado de participação em
pesquisa qualitativa não é compreendido e precisa ser investigado.Os pacientes devem
receber informações claras sobre a pesquisa, em linguagem que possam compreender , e
então ter a possibilidade de decidir se querem participar. A autora considera que existem
pesquisas nas quais não é possível contar toda verdade sobre a pesquisa ao participante, e
considera que se incluem nesta situação pesquisas em psicologia. Considera que pode ser
impossível estudar alguns processos psicológicos sem omitir informações dos participantes.
Cita o British Psychological Society, que recomenda que antes de iniciar esses estudos, o
pesquisador tem especial responsabilidade em: determinar procedimentos alternativos para
evitar a omissão de informação ou quando a omissão não é possível; garantir que os
participantes recebem informação suficiente nos estágios iniciais. Para a British Sociological
Association omitir informações do sujeito da pesquisa não é aceitável se houver risco maior
que o mínimo. Quando a omissão de informação for necessária, o pesquisador deve
demonstrar ao CEP que não outro todo possível, que avanços significativos podem
advir desta pesquisa e que nada do que está sendo omitido, caso fosse divulgado poderia
levar uma pessoa razoável a deixar de participar da pesquisa. O CEP pode determinar com o
investigador se e como esses sujeitos poderão ser informados sobre a omissão, após o
término da pesquisa. Isso pode evitar problemas, como o sujeito modificar seu
comportamento porque ele sabe o que está sendo estudado. A autora lembra, entretanto, que
isso viola o princípio do consentimento informado e pode invadir a privacidade dos que
estão sendo estudados.
Os pacientes podem ter várias razões para decidir participar. Podem quere ajudar ou
“doar”. Além disso, podem colaborar com a produção de conhecimento que pode beneficiar
futuros pacientes. A família pode incentivar o paciente a participar, por exemplo em caso de
doenças genéticas, cujo conhecimento produzido poderia ser útil a outros membros da
família. Entretanto, a família pode ser contrária à inclusão da pessoa no estudo. Algumas
pessoas podem decidir participar para não desapontar a equipe que lhe presta assistência.
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Alguns se preocupam em participar, para receber os cuidados de uma determinada equipe. A
autora preocupa-se com o efeito que pode ter, no participante o fato de responder a um
questionário. E considera que o pesquisador deve ter habilidades o suficiente para saber
quando parar a aplicação do questionário. Isso salienta a necessidade do rigor no treinamento
e na supervisão da equipe de pesquisa bem como o rigor no desenho da pesquisa.
O pesquisador deve proteger a confidencialidade do sujeito e das informações. É
preciso que fique claro para o participante se a equipe assistencial terá, ou não, acesso aos
dados da pesquisa e a quais dados especificamente. O arquivamento dos dados também deve
ser seguro.
A gravação pode ser um instrumento útil na pesquisa qualitativa, sendo uma das
vantagens a possibilidade do pesquisador se concentrar na entrevista. O pesquisador deve se
assegurar que o participante está a vontade com o uso do vídeo e que e entendeu o que será
feito com a gravação. Os participantes devem ter a possibilidade de recusar a gravação. Os
pesquisadores devem considerar a possibilidade de solicitar o consentimento do participante
novamente após o término da entrevista. Isso permite ao participante decidir após saber o
que foi gravado, o que a autora considera um benefício. Os participantes também devem ser
informados quando as fitas serão destruídas.
Pesquisas sociais geralmente tocam em assuntos pessoais que mexem com os
sentimentos dos participantes. E nos grupos focais os participantes podem encontrar a si
mesmos discutindo suas preocupações, suas atitudes e sentimentos em público. Enquanto
alguns participantes podem considerar esta experiência como positiva, outro podem
considerá-la perturbadora. Entretanto a participação na pesquisa pode ser terapêutica para o
paciente que considera que esta foi a primeira vez que lhe deram a possibilidade de expressar
seus sentimentos. Porém, o que acontece quando o estudo termina? Os pesquisadores
precisam considerar estas questões. A autora considera que o participante pode ser sentir
desconfortável por falar de sua privacidade e dês eu mundo pessoal. Podem se sentir
culpados ao falar de seu relacionamento com familiares, ou cuidadores.
Algumas pesquisas podem levantar falsas esperanças. Um exemplo é uma pesquisa
conduzida por um aluno de graduação, que investiga a opinião dos cuidadores sobre serviços
comunitários destinados a pessoas com Alzheimer. A mera realização da pesquisa levanta a
expectativa de que haverá uma melhora nestes serviços. O pesquisador, neste exemplo, não
tem nenhuma possibilidade de atender a estas expectativas.
Pesquisas qualitativas geralmente envolvem trabalhar com sentimentos. Alguns
pacientes não se concentram em certos temas. O pesquisador precisa se assegurar de que está
fazendo as perguntas certas. Os questionários precisam ser claros e questionário validados
mais apropriados também precisam ser usados.
A autora considera que as questões éticas que se colocam nas pesquisas qualitativas
não são fundamentalmente diferentes das questões que surgem em quaisquer outras
pesquisas que envolvem pacientes. As pesquisas em cuidados paliativos devem ter um
desenho científico e sensível de maneira tanto a proteger os pacientes, quanto a possibilitar
sua participação.
Observações: O que diferencia assistência e pesquisa é a intenção do profissional:
na pesquisa, o objetivo é produzir conhecimento que podem ser benéficos para os pacientes
em geral, o participante pode ou não ter benefício direto; na assistência o principal é
beneficiar o paciente individual, ainda que possa emergir um conhecimento desta prática.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Declaração de Helsinque
Guidelines on the practice of ethics committees in medical research involving human
subjects, 3rd edn. London: Royal college of Physicians, 1996.
British Sociological Association. Statement of Ethical Practice. Annual general
Meeting, British Sociological Association, 1993.
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49
Artigo 29
Autor: 212. Jones R; Murphy E; Crosland A
Título: Primary care research ethics.
Referência: Br J Gen Pract;45(400):623-6, 1995 Nov.
Objetivo do artigo: Identificar problemas éticos que surgem no recrutamento e
envolvimento de pessoas que estão buscando cuidados médicos e no relacionamento entre
pacientes e os profissionais de saúde que prestam assistência e o pesquisador, que pode ser
ele mesmo um profissional de saúde da assistência.Bem como discutir problemas que se
colocam em estudos epidemiológicos e quantitativos; dificuldades que podem surgir nas
pesquisas qualitativas, onde pesquisadores não médicos estabelecem relacionamento
próximo com os sujeitos da pesquisa e nos quais existem implicações legais.
Cita exemplos do estudo:
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Recrutamento: pacientes fornecem informações para cuidados clínicos e não para
pesquisa, por isso, se os profissionais de saúde disponibilizem estes dados para pesquisa,
estarão quebrando a confidencialidade médica e ameaçando a autonomia do paciente, o que
pode ter implicações legais. Os profissionais podem solicitar consentimento individual, antes
de fornecer os dados do paciente para o pesquisador, mas isso acrescenta um custo a
pesquisa, que pode ser alto em pesquisas de grande escala. Decisões sobre o que é ou não
apropriado estão relacionadas a natureza da informação divulgada, o método de pesquisa
proposto e a escala do estudo em si, e a necessidade do envolvimento dos profissionais e dos
pesquisadores. Para este autor, conseguindo ou não a permissão prévia do paciente, o
profissional da assistência deve ter a possibilidade de vetar as listas dos potenciais
participantes antes que os mesmos sejam contactados!!! Para garantir que os que não são
elegíveis, seja por razões médicas ou pessoais, não serão abordados! Entretanto, o autor
poderá que esta pré-seleção feita pelo profissional pode colocar erros na amostra.
Estudos epidemiológicos colocam questões éticas referentes as informações que são
coletadas. Um exemplo é quando são aplicados questionários para conhecer a prevalência de
certos sintomas na população geral, o que fazer quando são identificadas pessoas que tem
estes sintomas? Quais são as obrigações éticas da equipe de pesquisa frente aos pacientes e
aos profissionais de saúde?Alguns consideram que estas informações deve ser relatadas e
que as medidas apropriadas devem ser tomadas, como agendar um consulta para a pessoa.
Isso, entretanto, quebra o compromisso de confidencialidade que o pesquisador assumiu
diante do pesquisado; estabelece-se um conflito entre autonomia e beneficência. Alguns
médicos, entretanto, consideram que o paciente tem o direito de escolher se querem ou não
agendar uma consulta. A situação fica ainda mais complicada em estudo longitudinais, que
visam determinar a história natural da doença, nos quais intervir pode modificar o resultado
do estudo. O autor considera essencial que estas questões sejam discutidas e resolvidas
previamente pelos pesquisadores, profissionais e pacientes; antes do início da pesquisa.
Aplicação de questionários estruturados pode ser considerada por alguns
participantes como uma experiência enervante e anônima, especialmente quando se refere a
questões emocionais. Buscando confiabilidade os entrevistadores geralmente são orientados
a adotar uma postura de neutralidade, o que pode despersonalizar o encontro e levar o
participante a se sentir explorado.
Entrevistas em profundidade colocam questões éticas opostas aos questionários
fechados. Frente a possibilidade de o participante ser ouvido pelo pesquisador habilidoso
pode ser terapêutico e possibilitar ao participante se conscientizar de situações estressantes
ou traumáticas de dificuldades da vida que vinha ignorando. Reconhecer estes aspectos não
se constitui em si num dano, mas coloca a questão do que fazer ao final da entrevista.
Embora seja difícil para o entrevistador deixar a pessoa após a entrevista, o participante
havia consentido com uma relação de curta duração. Uma solução, proposta pelo autor, é
agendar uma segunda entrevista para ajudar o entrevistado a manejar suas emoções. Ternura
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e abertura do participante pode refletir a segurança estabelecida pelo relacionamento
pesquisador -participante. Os sujeitos podem se expor a riscos ao se abrir para o
entrevistador, sabendo que não haverá seguimento após a entrevista pode não permitir esta
abertura.
Os entrevistados podem ainda falar sobre aspectos de sua doença, que são
desconhecidas do profissional assistente. Isso coloca dilemas similares aos dos estudos
epidemiológicos. É preciso que fique claro ao participante se o pesquisador tem
conhecimentos médicos; e como o entrevistador utilizará as informações e se passará a
informação para os profissionais da assistência. O entrevistado pode considerar que o
entrevistador tomará as providencias necessária.
Observação participante: em muitos estudos observacionais, os participantes não
sabem da presença do pesquisador e de suas intenções. Isso minimiza a possibilidade de que
os resultados sejam influenciados porque a pessoa sabe que esta sendo observada. Muitas
vezes o pesquisador negocia a realização da pesquisa apenas com os mais poderosos da
comunidade. É importante considerar que não é prático obter consentimento de todos os
envolvidos quando a observação se realiza em lugares públicos.
Em pesquisa qualitativa pode ser quase impossível esconder a identidade do contexto
onde a pesquisa foi realizada, por isso mesmo os participantes podem se reconhecer e aos
seus colegas. Quando são citados trechos das falas dos participantes, o anonimato pode ser
preservado, mas a confidencialidade esta sendo quebrada.
Achados médicos ruins devem também ser discutidos na relação benefício e não-
maleficência, é importante enfatizar a necessidade de estabelecer regras claras para
pesquisadores não-médicos sobre o que fazer quando os participantes revelam informações
sensíveis ou alarmantes sobre si mesmos ou solicitam confirmação. Na prática isso é difícil,
pois o pesquisador, em entrevistas longas costuma desenvolver forte empatia com o
entrevistador.
Existem situações onde abrir a informação, por exemplo quando o pesquisador
identifica a necessidade de investigação clínica, nesta situação haveria precedência da
beneficência sobre a autonomia.O que fazer quando em pesquisa sobre abuso infantil
pesquisador toma conhecimento de atividades que eram conhecidas, criando um dilema ético
entre assegurar a confidencialidade e suas responsabilidades legais.
Outra área difícil é quando o tem da pesquisa é o sofrimento, no luto ou na doença
terminal, por exemplo. É possível que o pesquisador seja voyerista na pesquisa e na análise
do sofrimento dos outros. A proteção das fontes dos dados da pesquisa é importante , e inclui
o anonimato e a confidencialidade. Entretanto, a proteção excessiva, pode impossibilitar ao
leitor compreender o contexto da pesquisa para saber se estes resultados são aplicáveis a seu
contexto. Enquanto outsiders podem não reconhecer os indivíduos e o contexto, os insiders
provavelmente reconhecerão, sendo importante que eles vejam o relatório de resultados antes
de sua publicação.
O autor salienta a importância de informar os resultados do estudo aos participantes
e apresenta resultados de um estudo mostrando que a grande maioria de participantes tem
interesse em conhecer os resultados. Sugere que podem ser produzidas sínteses de relatórios
para os participantes.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Informar porque a pessoa esta sendo convidada para participar do estudo.
Participante deve poder decidir livremente se quer ou não ser incluído no estudo. O
autor considera que pode haver coersão, quando a pessoa aceita participar por respeito ao
profissional de saúde que o atende ou porque, se não aceitar, teme ser discriminado quando
necessitar de cuidados futuros. O autor considera que não é adequado que o profissional da
assistência envie carta apoiando o estudo e que, seja garantido ao paciente que o profissional
da assistência não será informado sobre a decisão do paciente participar ou não do estudo.
O pesquisador deve usar com cuidado as palavras anonimato e confidencialidade.
Deve ser responsável pelo arquivamento seguro do material da pesquisa.
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O pesquisador deve ter cuidado ao elaborar o consentimento, que deve ser elaborado
de maneira a possibilitar a compreensão da pesquisa por um leigo, sem porem simplificar
demais , a aponto de que não fique clara a natureza da pesquisa. (nem omitir informações
que poderiam alterar a decisão de participar do estudo). É importante que fique claro ao
participante em que implica sua participação na pesquisa, inclusive em termos de tempo
necessário, inconvenientes, riscos e desconfortos.
É preciso permanente cuidado com a confidencialidade da relação médico-paciente e
ameaças a autonomia do participante.
Estabelecer antes do inicio do estudo como será conduzida a situação em que ,
durante um estudo epidemiológico, o pesquisador identifica sintomas indicativos de que a
pessoa necessita de assistência médica.
Ao final da aplicação de questionário estruturado, é importante que o participante
tenha a possibilidade de se abrir, e que exista a possibilidade de estabelecer uma relação
mais recíproca entre pesquisador e participante. Isso possibilita ao participante comunicar a
riqueza e complexidade de sua experiência, o pesquisador pode considera a possibilidade de
incluir no questionário uma questão aberta, ainda que esta não seja a prioridade da análise.
É preciso que fique claro ao participante se o pesquisador tem conhecimentos
médicos; e como o entrevistador utilizará as informações e se passará as informações para os
profissionais da assistência. O entrevistado pode considerar que o entrevistador tomará as
providencias necessária.
A maneira como os resultados serão publicados deve ser planejada pelo pesquisador
e comunicada ao participante antes do início da pesquisa.
Participantes vejam o relatório de resultados antes de sua publicação.
O autor salienta a importância de informar os resultados do estudo aos participantes.
Conseqüências para os participantes devem ser consideradas. A publicação dos
resultados não deve estigmatizar os participantes, nem criar falsas expectativas sobre uma
situação que o pesquisador não controla. O autor se preocupa ainda que o pesquisador tenha
especial cuidado ao publicar resultados que possam criticar os participantes, se forem outros
profissionais de saúde, pois isso pode dificultar a colaboração em futuras pesquisas.
Observações: esse artigo discute alguns problemas éticos encontrados nas pesquisas em
cuidados primários, alguns dos quais são específicos às pesquisa conduzida na comunidade e
na prática cotidiana e freqüentemente refletem dilemas que se aplicam de maneira geral às
pesquisas médicas. Os autores consideram que estas questões têm implicação para a análise
dos aspectos éticos, para assegurar uma composição adequada dos comitês de ética, e
também para o desenho da pesquisa em si. Nenhum destes dilemas deve desencorajar
pesquisadores que buscam produzir conhecimento útil a uma melhor prática clínica, mas
estes devem ser considerados pelo pesquisador quando estabelece sua questão de pesquisa,
escolhe o método do estudo e apresenta os resultados. O pesquisador em assistência básica
tem um campo rico de pesquisa disponível para si.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
30. Autor: Richards HM; Schwartz LJ.
Título: Ethics of qualitative research: are there special issues for health services research?
Referência: Family Practice, 19 (2): 135- 9, 2002.
Objetivo do artigo:considerar as questões éticas que se apresentam durante o
planejamento e a realização de pesquisas em saúde e em cuidados a saúde, e propor uma
abordagem na qual os pesquisadores de serviços de saúde podem considerar estas questões.
Cita exemplos do estudo: o especifica nenhum.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
As autoras identificam 4 riscos para os participantes das pesquisas: ansiedade e
sofrimento; exploração; não representatividade das idéias dos participantes e a possibilidade
A -
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de identificação dos participantes nas publicações dos resultados, por si mesmos ou por
outros.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Para evitar estes riscos as autoras sugerem: embasamento científico, organizar
seguimento terapêutico, quando necessário, considerar a obtenção do consentimento como
um processo, garantir a confidencialidade e ter uma instância reflexiva durante a análise.
É um requisito ético que todo pesquisador tenha consistência científica. A pesquisa
deve ser desenhada e conduzida por pesquisadores com nível adequado de conhecimento e
supervisão. Esta deve ainda ser relevante, seus resultados devem possibilitar benefícios.
A questão do treinamento e supervisão é particularmente importante na pesquisa
qualitativa, na qual o pesquisador é o instrumento da pesquisa., e trabalha freqüentemente
isolado. Para assegurar que os padrões foram alcançados, pode ser necessário que o comitê
de ética inclua pesquisadores qualitativos experientes, quando analisam projetos de pesquisa
qualitativos.
Pesquisa em saúde e cuidados em saúde pode criar expectativas nos participantes de
que haverá ajuda , especialmente quando sabem que o pesquisador é um profissional de
saúde. Além disso, profissionais de saúde são considerados em melhor condição para
reconhecer que o participante tem necessidade de cuidado especializado. O potencial de
sofrimento pode ser minimizado se o pesquisador/profissional for claro sobre os limites do
seu papel, e assegurando que informação apropriada e suporte estão disponíveis.
O consentimento é uma exigência em todas as pesquisas em que o sujeito pode ser
identificado, exceto quando o CEP considerar que não é possível obter este consentimento e
quando sente que os benefícios da pesquisa superam os riscos. O mínimo para um estudo
com entrevistas é que o pesquisador obtenha um consentimento por escrito, depois que o
participante foi informado, verbalmente e por escrito, sobre os seguintes aspectos; propósito
e da intenção da pesquisa, o tipo de questão que será colocado, o uso que será dado a esses
resultados, o método que será utilizado para preservar o anonimato, e a extensão em que o
relato dos participantes será citado na publicação dos resultados. Os participantes devem ter
tempo TIMING para tomar sua decisão e colocar suas questões. É da natureza da pesquisa
qualitativa que surjam temas inesperados durante a análise do material, portanto, no
momento da entrevista o potencial uso dos dados pode não estar claro para a equipe de
pesquisa. Além disso, os pesquisadores podem usar as entrevistas para futuras pesquisas. As
autoras sugerem a adoção do consentimento enquanto processo, e não como um evento
único. O estatuto de princípios éticos da associação britânica de sociologia considera
desejável o envolvimento dos participantes nas decisões tomadas em todos os estágios do
processo da pesquisa e sugere que o consentimento não seja visto como único para toda
pesquisa, mas como um processo, renegociado ao longo do tempo. dificuldades para
adotar o consentimento como processo, apesar de ser freqüente nas pesquisas qualitativas as
amostra pequenas. Re-contactar os participantes pode envolver custos e devido a
movimentação geográfica dos participantes e dos pesquisadores, pode ser impraticável. Mais
importante, contatos freqüentes com os participantes podem provocar danos desnecessários.
Apesar destas dificuldades e dada a natureza imprevisível das pesquisas qualitativas, as
autoras advogam que o consentimento seja tratado como um processo. Algumas questões
específicas do consentimento se colocam nas pesquisas qualitativas em serviços de saúde.
Primeiro, para minimizar a possibilidade de coerção e exploração, a experiência profissional
do pesquisador deve ser claramente informada ao participante, especialmente se o
pesquisador é ou não profissional de saúde; segundo os participantes devem ser informados
que o pesquisador não tema intenção de que a participação na pesquisa tenha efeito
terapêutico ou seja um coadjuvante no tratamento médico. Terceiro, os participantes devem
ter assegurado que sua decisão de participar ou não da pesquisa, não prejudicará sua
assistência à saúde.
Muitas medidas podem ser tomadas para evitar a má representação. A validação pelo
participante se refere ao processo no qual o pesquisador devolve ao participante sua análise,
A -
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antes de publicar os resultados. Entretanto, esta prática tem limitações, pois implica em
contatos contínuos com o participante o que pode ser impraticável ou considerado como um
dano. A objeção mais fundamental é que o dado obtido pela validação do respondente está
sujeito ao mesmo processo de interpretação que o dado primário. O risco de má interpretação
é maior quando o pesquisador trabalha sozinho, assim é importante que o novato em
pesquisa trabalhe sob supervisão e que o pesquisador tenha um parceiro que questione a
análise, para que se estabeleça um diálogo. Outra possibilidade é que o pesquisador esteja
consciente e explicite seus possíveis bias. Na prática isso significa que o pesquisador tenha
em mente sua escolha teórica e que o pesquisador que também é profissional de saúde
considerem de que maneira suas características pessoais e profissionais podem influir na
interpretação dos dados.
Existem situações em que o participante não quer que seu anonimato seja
preservado, para manter sua autoria e o significado de sua narrativa. Em muitas pesquisas em
serviços de saúde, podem-se utilizar pseudônimos ou iniciais para preservar o anonimato e,
sempre que possível outros detalhes que podem identificar os participantes, devem ser
alterados. Deve-se ter cuidado no arquivo das fitas e transcrições. Para os profissionais de
saúde a confidencialidade pode ser rompida em algumas situações, para os pesquisadores, a
extensão do dever de confidencialidade é menos claro, o que pode gerar conflito entre
profissionais e pesquisadores.
Conclusão:
Embora os princípios éticos que guiam a pesquisa qualitativa e a quantitativa sejam
essencialmente os mesmos, as autoras salientam algumas questões éticas específicas que se
colocam nas pesquisas qualitativas em serviços de saúde : 1. O pesquisador deve considerar
o consentimento como um processo, e saber que uma entrevista de pesquisa pode parecer um
encontro terapêutico; 2.. Por causa da possível confusão entre entrevista e terapia, o
pesquisador deve assegurar que informação e suporte estejam disponíveis para os
participantes, se necessário; 3. dados qualitativos pela sua natureza são repletos de vestígios
da identidade do participante, então é necessário ter cuidado é necessário para assegurar o
anonimato dos participantes na publicação dos resultados; o risco de representação pode
ser minimizado assegurando que o pesquisador seja adequadamente treinado e
supervisionado, e pelo encorajamento da reflexividade sobre a influencia das características
pessoais e profissionais . Adicionalmente, para garantir a prática ética na pesquisa qualitativa
em serviço de saúde, pesquisadores, agências de fomento e revisores CEP devem ter uma
completa compreensão da base científica e metodológica da pesquisa qualitativa.
As autoras consideram que é necessária uma diretriz ética para as pesquisas
qualitativas. Diferente dos cientistas sociais muitos pesquisadores em serviços de saúde não
tem treinamento nos aspectos políticos e filosóficos das pesquisas, então necessitam de mais
guias nas questões éticas. Além disso, é crescente a evidencia de que os pesquisadores e os
comitês de ética têm dificuldade em julgar a fundamentação ética dos projetos qualitativos
de pesquisa em serviços de saúde.
Observações:As autoras consideram importante estabelecer diretrizes éticas para as
pesquisas qualitativas em serviços de saúde, em especial porque os comitês de ética tem
dificuldade de analisar as questões éticas que surgem na pesquisa qualitativa.
Riscos para os participantes: ansiedade e sofrimento, exploração, má representação,
identificação dos participantes (por si mesmo ou por outros) e inconveniência e custos.
Ansiedade e sofrimento: As questões de pesquisa podem levar a ansiedade e
sofrimento, porém isso é imprevisível, pois depende da biografia do participante.
Exploração: a importância da relação de poder e o potencial de exploração pelo
pesquisador.Alguns autores tem considerado que o desequilíbrio de poder entre pesquisador
e pesquisado é inevitável. Para as autoras, quando o pesquisador é também profissional de
saúde, essa diferença de poder é aumentada em dois caminhos: primeiro porque os
participantes podem se sentir pressionados a aceitar por senso de dever junto ao profissional
de saúde ou porque dependem da boa vontade do profissional que lhe presta assistência.
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Segundo, embora a entrevista em pesquisa qualitativa possa ser considerada terapêutica, isso
também pode possibilitar a exploração e o dano. Se a entrevista se confunde com um
encontro terapêutico, o pesquisador pode, indevidamente, colocar questões delicadas e os
participantes podem informar mais do que eles anteciparam no momento do consentimento.
Esses problemas se colocam mais facilmente quando a mesma pessoa ocupa os dois papéis,
especialmente se o profissional está envolvido diretamente no cuidado do participante.
representação: A análise dos dados qualitativos é influenciada pela abordagem
teórica, compromisso epistemológico, características do pesquisador e pré-concepções do
pesquisador. A natureza interpretativa da pesquisa qualitativa significa que os resultados
publicados são apenas uma versão da verdade, e a validade dos resultados deve ser julgada
em relação ao cuidado com o qual esses dados foram analisados. Embora toda pesquisa seja,
em alguma medida, socialmente construída, é nos estudos qualitativos que os participantes
são mais levados a sentir que suas opiniões foram mal representadas ou descontextualizadas.
As narrativas pessoais são parte da identidade pessoal , e quando os participantes perdem o
controle sobre como suas narrativas são analisadas e generalizadas, eles também podem
perder o controle sobre a própria identidade. Ao construir identidades para os participantes,
há o sério risco de violar o respeito a autonomia dos participantes e pode também levar a um
estereótipo negativo. Essas questões são particularmente relevantes para pesquisas em
serviços de saúde. Primeiro porque estes projetos são desenhados para responder questões
específica sobre a visão dos participantes e comportamento e como tal são fortemente
dirigidas por teorias preconcebidas. Segundo , porque as estratégias de amostragem são
definidas por estas teorias. E as características dos participantes consideradas significantes,
como gênero e condição sócio econômica, são construídas no desenho do estudo. Terceiro,
porque existem evidencias de que a dinâmica da entrevista qualitativa e a natureza do dado
coletado é afetada pelo background do pesquisador.
Inconveniência e custo: estes são geralmente subestimados.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Declaração de Helsinque
Manual for research ethics committees. London: King´s college, 2001.
Artigo 31
Autor: Gauld R; McMilan J.
Título: Ethics committee and qualitative health research in New Zealand
Referência: N Z Med J, 112 (1089): 195- 7, 1999.
Objetivo do artigo: Colocar em debate algumas questões básicas sobre a revisão de
pesquisas qualitativas em saúde pelo CEP. Os autores desejam que este artigo coloque
questões a serem discutidas pelos pesquisadores qualitativos e quantitativos, e proponham
avanços para uma revisão ética apropriada das pesquisas qualitativas.
Cita exemplos do estudo: o cita.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Pesquisas éticas são pesquisas com mérito científico. São bem desenhadas, de
maneira a produzir resultados legítimos. E devem ser relevantes. O quanto de atenção que o
comitê dará ao mérito científico depende do nível de risco e de inconvenientes da pesquisa.
Por exemplo, um comitê pode não se ater aos aspectos metodológicos de um estudo
benéfico, conduzido por um estudante; e se ater num estudo multicêntrico randomizado, para
testar um novo medicamento. Os CEP têm o direito de discutir o mérito científico de
qualquer projeto, entretanto é preciso estar atento ao que se considera como uma boa
pesquisa. Os autores citam situações em que o CEP julgou que o método qualitativo não era
o mais adequado e questionou por que não utilizar uma abordagem quantitativa. Outra
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situação citada é que o desenho não permitiria alcançar resultados confiáveis. È freqüente
que os pesquisadores que adotam abordagens qualitativas sejam questionados sobre a
confiabilidade da amostra e como seus resultados seriam generalizáveis. A revisão ética deve
ser sensível às especificidades das pesquisas qualitativas.
Minimizar os riscos nas pesquisas qualitativas significa que o pesquisador deve estar
bem qualificado e ser habilidoso para conduzir o projeto de pesquisa proposto.
Observações: O padrão de pesquisa que o CEP espera receber é o das pesquisas
quantitativas. Desta maneira, as pesquisas qualitativas não são consideradas “boas”
pesquisas pelos padrões dos CEPs, inviabilizando a realização das pesquisas qualitativas.
A literatura sobre métodos de pesquisa qualitativa tem documentado bem as
diferenças entre as metodologias qualitativas e quantitativas. 1. um bom desenho
experimental para pesquisa biomédica requer que os resultados sejam estatisticamente
válidos. Um das criticas a pesquisa qualitativa é que ela falha ao não estabelecer uma
amostra suficientemente grande e uma análise estatística para produzir resultados válidos. 2.
relacionado a primeira, esta a importância de constituir uma amostra confiável que seja
representativa da população mais ampla para que os resultados sejam generalizáveis. 3.
pesquisa biomédica requer um desenho que seja reprodutível. As pesquisas qualitativas não
devem ser julgadas pelos padrões da pesquisa quantitativa, mas por um conjunto alternativo
de padrões. Os autores citam Popay e col, ao afirmar que em 1. os resultados da pesquisa
qualitativa devem ser confiáveis. A questão chave é se o desenho vai permitir informações
ricas capaz de descrever de maneira confiável, acurada e em profundidade o fenômeno em
estudo, e se o desenho é responsivo as mudanças nas circunstâncias dos participantes e as
questões que surgem no mundo real dos contextos sociais. Existem evidencias de que os
pesquisadores empregam uma combinação de métodos qualitativos, como entrevistas, grupos
focais, observação, para assegurar a credibilidade dos resultados. E que o pesquisador pode,
sempre que apropriado, confirmar os resultados da pesquisa com os participantes. 2. Ao
invés de buscar a generalização, o pesquisador qualitativo e seus revisores podem questionar
se os resultados combinam na descrição de outros resultados de pesquisa. Pode-se buscar a
comparação e o contraste e, no máximo, estabelecer um corpo de conhecimento caso
específico que poderá ser comparado futuramente com outro estudo de caso. 3. Ao invés de
ser reprodutível, as pesquisa qualitativas devem ser auditáveis de maneira que qualquer
pesquisador possa compreender e seguir claramente o caminho de tomada de decisão da
pesquisa e a coleta de dados que foi realizada. Para os revisores, eles devem garantir que os
pesquisadores documentarão claramente a pesquisa como um processo: que o racional e as
decisões tomadas ao longo da pesquisa estejam registradas, que os dados da pesquisa estarão
organizados de maneira coerente e transparente, que o uso de dados de diferentes fontes
estão claramente justificados e explicados, e que a pesquisa é conduzida usando abordagens
e equipamentos reconhecidos e aceitos.
Embora seja adequado que os CEP solicitem avaliação dos riscos possíveis e as
medidas para proteger o participante, na pesquisa biomédica, isso pode ser difícil nas
pesquisas qualitativas. 1. o material que a pesquisa qualitativa elucida, como a observação
participante e as entrevista abertas, é por natureza imprevisível. A lista de coisas que podem
dar errado freqüentemente é muito longa. Solicitar informações detalhadas de cada
possibilidade e como os efeitos colaterais inesperados podem ser manejados, é excessivo e
não é razoável. 2. os efeitos colaterais possíveis nas pesquisas qualitativas são de tipo
diferente dos ensaios clínicos. Não se referem a reações fisiológicas sérias, mas a reações
que um pesquisador bem preparado será capaz de manejar quando surgirem. Essas
dificuldades podem incluir um entrevistado que se emociona ao falar de temas delicados ou
o participante que é observado cometendo atos ilícitos. A possibilidade de que estas
situações se coloquem, o que não é incomum nas pesquisas qualitativas, ressalta a
importância do treinamento e da supervisão do pesquisador. Os autores sugerem que os
pesquisadores apresentem aos CEP um protocolo de como lidaram com estas situações, ou o
consentimento prévio do participante de que seu comportamento poderá ser relatado a
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autoridades Isso pode distorcer o desenho do estudo (muda o resultado) e prejudica o
recrutamento dos participantes.Uma abordagem alternativa que os autores sugerem pode ser
se concentrar no treinamento, experiência prévia e qualificação do pesquisador, em resumo,
se sua marca nos registros demonstra que ele foi capaz de manejar situações difíceis e
sensíveis, se elas se apresentaram. Quando estas marcas gravadas não existem, os autores
consideram essencial que o pesquisador seja supervisionado por um pesquisador experiente.
Os autores observam que é freqüente que os pesquisadores qualitativos utilizem
terminologia incompreensível a quem não trabalha com pesquisa qualitativa, e sugerem que
os pesquisadores qualitativos tentem descrever em termos práticos de maneira simples,
exatamente o que estão se propondo a fazer, e não oferecer um embasamento teórico para
justificar sua opção metodológica. Um estudo qualitativo bem desenhado será confiável, de
valor comparativo e auditável. Os riscos associados à pesquisa qualitativa são diferentes,
tanto em tipo quanto na maneira de manejá-los. Os traços distintos das pesquisas qualitativas
colocam requerimentos especiais para os CEP. Os autores sugerem critérios para permitir
uma análise justa e adequada pelos CEP: 1. O CEP deve ter membros que entendam de
pesquisa qualitativa; 2. se o CEP não conseguir pesquisador qualitativo como membro, deve
recorrer a pareceristas externos; 3. O CEP pode agendar reunião com o pesquisador
qualitativo, durante a análise dos protocolos. Diretrizes para analise de pesquisas qualitativas
podem ser desenvolvidas para os CEP.4. a experiência do pesquisador qualitativo deve ser
uma preocupação central do CEP, que deve insistir na supervisão dos pesquisadores
inexperientes. 6. Pesquisadores qualitativos devem evitar jargões e amplas justificativas do
“método fenomenológico” ; o CEP terá mais facilidade para avaliar se o pesquisador
descrever o que pretende fazer.
As diretrizes podem ser desenvolvidas em colaboração com a comunidade de
pesquisadores qualitativos em saúde.
È importante discutir a pratica e o lugar da pesquisa qualitativa em saúde e o papel
do CEP.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
Declaração de Helsinque
Ministry of Health. The nacional standart for ethics committeee. Wellington:
Ministry of Health, 1996.
32. Autor: 111. Highet G
Título: Cannabis and smoking research: interviewing young people in self-selected
friendship pairs.
Referência: Health Educ Res;18(1):108-18, 2003 Feb.
Objetivo do artigo: discutir o uso de entrevistas aos pares como o principal método
de gerar dados num estudo exploratório do contexto social dos jovens que usam cannabis e
fumam.
Cita exemplos do estudo: este estudo apresenta os resultados deste estudo.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Pode haver relação hierárquica entre uma pessoa e o amigo escolhido para participar
da entrevista, na qual o poder de um sobre o outro pode impedir a exercício da escolha livre
e o falar livremente. Isso coloca um dilema ético ao pesquisador, a quem cabe salvaguardar o
bem estar de cada participante.
Ao tratar os jovens como participantes ativos do processo da pesquisa, as entrevistas
aos pares também vão de encontro a muitos desafios éticos das pesquisas com jovens.
Discussões prévias com informantes chave podem também colaborar para assegurar
que as decisões tomadas sobre o recrutamento relativas a formação das duplas ou dos grupos
a serem entrevistados são éticas e justas para os potenciais participantes.
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Observações: O autor explicita sua concepção de que os jovens são atores sociais; e
que devem ser tratados como especialista em sua própria vida. Isso pode equilibrar a relação
de poder na pesquisa, criando uma atmosfera mais segura e relaxante e encorajando a
produção de dados mais ricos e que propiciam mais conhecimentos (insights), dados que
representam mais acuradamente aspectos da vida dos jovens.
Os participantes podiam escolher se participariam da entrevista sozinhos, com um
amigo ou em grupo. A maioria escolheu em dupla.
Baseado na tradição etnográfica, o pesquisador utilizou para análise os dados das
entrevistas, discussões com trabalhadores jovens, conversas informais com jovens e diário de
campo.Isso proporciona um enquadre contextual mais amplo, que colabora na compreensão
e análise dos dados.
Consentimento foi obtido dos jovens de uma maneira continua e a pesquisadora
conduziu encontros prévios para explicar a pesquisa e distribuir informações por escrito.
Quando os participantes estão mais confortáveis e familiarizados um com o outro, e
tem alguma possibilidade de controle sobre a entrevista, oferecem um contexto mais natural
e facilita um balanço melhor no relacionamento entre entrevistador e participantes. A autora
considera que isso facilita o processo de confiança e de contato (rapport) e ajuda a gerar
dados com melhor qualidade.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
33. Autor: 214. Holloway I; Wheeler S
Título: Ethical issues in qualitative nursing research.
Referência: Nurs Ethics;2(3):223-32, 1995 Sep
Objetivo do artigo: Discutir aspectos éticos na condução de pesquisas qualitativas.
Algumas questões, como consentimento informado, a dignidade e privacidade dos sujeitos
da pesquisa, participação voluntária e a proteção contra danos, são os mesmos para outros
tipos de pesquisa e tem suas bases em princípios éticos e morais. A pesquisa qualitativa,
entretanto, coloca problemas éticos específicos por causa do relacionamento próximo que os
pesquisadores estabelecem com os participantes.
Cita exemplos do estudo:
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: é
necessário questionar a utilidade da pesquisa e as obrigações frente aos participantes.
O consentimento informado é uma concordância explícita do sujeito da pesquisa, oferecido
sem ameaça ou indução e baseado na informação que qualquer pessoa razoável pode querer
receber antes de consentir em participar.
todos qualitativos têm problemas inerentes com o consentimento informado.
Quando a pesquisa começa, os pesquisadores não têm objetivos específicos para a pesquisa,
ainda que tenham objetivos gerais ou um foco para a pesquisa. A natureza da pesquisa
qualitativa é sua flexibilidade, o uso de idéias inesperadas que surgem durante a coleta de
dados e as provas que são acessíveis durante as entrevistas. A pesquisa qualitativa foca nos
sentidos e interpretações dos participantes. o PESQUSIADOR DESENVOLVE IDÉIAS
QUE SURGEM NOS DADOS, e não testam hipóteses previamente construídas. Como o
pesquisador não tem a possibilidade de informar ao participante o caminho da pesquisa, o
consentimento o é uma única permissão, mas um processo contínuo de participação
informada. O participante deve ser continuamente informado de que a participação no estudo
é voluntária e que pode deixar de participar em qualquer momento da pesquisa.
Citando Sim, as autoras afirmam que o maior dilema para os pesquisadores é que
eles vivem um conflito entre o respeito aos direitos humanos e o desejo de aumentar o
conhecimento profissional.
A pesquisa qualitativa pode ser mais intrusiva que a pesquisa quantitativa, portanto o
pesquisador deve ter sensibilidade e habilidade de comunicação. Usualmente é prometido o
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anonimato, entretanto o pesquisador qualitativo trabalha com amostras pequenas, o que
dificulta a proteção da identidade do participante. A descrição densa é uma das
características desse tipo de pesquisa, significa que tudo é descrito detalhadamente o que
pode explicitar a identidade do informante. Então os pesquisadores alteram detalhes para
evitar que os participantes sejam reconhecidos.
Confidencialidade significa que apenas o pesquisador tem a possibilidade de
relaciona as gravações, as anotações e as transcrições com o nome dos participantes.
Vídeos, notas e transcrições, que são instrumentos importantes na pesquisa qualitativa, não
devem ser guardados junto com a relação que permite identificar o material e os nomes. Se
superiores, supervisores e digitadoras tiverem contato com os dados, os nomes devem ser
omitidos e a identidade protegida.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Respeito a autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Respeito a
autonomia se refere a garantia de que a pessoa deve decidir livremente, sem ser coagida.
(Coersão). No balanço entre riscos e benefícios deve sempre prevalecer a possibilidade de
benefício para o individuo e para a sociedade.
Os participantes devem ser informados que podem escolher não participar do estudo,
ou deixar de participar a qualquer momento. Referenciando Couchman e Dawson, as autoras
consideram que os direitos do indivíduo são: não sofrer dano, consentimento informado, a
participação deve ser voluntária, os participantes devem ter asseguradas sua
confidencialidade e anonimato, e serem tratados com dignidade e respeito.
Os pesquisadores devem fazer um balanço entre riscos e benefícios.
Citando Robison e Thorne, as autoras descrevem os dilemas éticos específicos das
pesquisas qualitativas sobre cuidados a saúde, e identifica 4 questões principais:
consentimento informado, influencia, imersão e intervenção.
Consentimento informado: é reconhecidamente problemático nas pesquisas
qualitativas, pois a coleta e a análise dos dados acontece simultaneamente. E, enquanto o
consentimento pode ser aplicado a um estagio da pesquisa, ele não pode ser considerado para
o próximo quando o pesquisador pode mudar seu objetivo com base nas informações
recebidas.
Influencia: refere-se a modificar algo, durante o processo de estudo. Os
pesquisadores afetam, interferem na pesquisa e nos resultados. Pesquisadores qualitativos
também reconhecem claramente que existem bias/erros e buscam explicitá-los em seus
relatórios. O pesquisador deve apresentar seu processo de pensamento, que o levou aos
resultados. Os achados são explicados no contexto social e interacional do processo da
pesquisa.
Imersão: a pesquisa qualitativa requer que o pesquisador fique imerso nos dados.
Essa imersão permite que o pesquisador se familiarize com o contexto, o processo e o mundo
dos participantes. Este envolvimento pode ser em alguma medida subjetivo. Como a coleta
de dados e a análise acontecem simultaneamente, uma medida de objetividade, voltar aos
dados, é necessária. É preciso que o profissional de saúde que conduz pesquisa qualitativa
faça um balanço entre objetividade e subjetividade, que são inerentes a imersão. È
defensável que os pesquisadores explicitem como manejaram a tensão entre subjetividade e
objetividade.
Intervenção: é talvez o maior dilema em pesquisa qualitativa. Essa questão é relativa
ao papel clínico do profissional de saúde. Muitas pesquisas não têm resultado imediato, e os
pesquisadores não podem intervir, mas o conflito entre o papel profissional e o do
pesquisador ainda existe. Um dos autores deste artigo viveu um dilema quando conduziu
uma pesquisa junto a profissionais de saúde e trabalhadores sociais, sobre sua percepção
sobre abuso de crianças. O problema ético nesse estudo é relativo ao interesse particular do
pesquisador e sua experiência com o trabalho de proteção à criança. É impossível quebrar
esse background inteiramente. Ao contrário, o objetivo era expressar isso como parte da
pesquisa e tornar essa experiência explícita no relatório. A imersão do pesquisador nos
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dados naturalmente causa tensão entre a experiência vivida dos informantes da pesquisa (que
podem ser interpretadas subjetivamente) e a emergência de novas idéias sobre a que podem
ser expressas objetivamente. Para resolver essas diferentes perspectivas, o pesquisador deve
descrever como as manejou durante o processo da pesquisa. A intervenção é uma questão
controversa nesse estudo. O pesquisador tinha tanto a prática previa, quanto o manejo dos
papéis. Alguns que temas que emergiram dos dados, que tinham implicações imediatas na
proteção a criança, ainda que, eticamente, não fosse apropriado nas estruturas práticas antes
completar o estudo e ter os resultados criticados por outros . As implicações destas questões
requerem o envolvimento contínuo dos colegas e do supervisor . É importante um
acompanhamento contínuo dos dados coletados, com outros monitorando as notas de campo
e as transcrições.
É um dilema para o pesquisador decidir o que pode ou não se tornar público, na
dúvida deve prevalecer o desejo do paciente. A pesquisa considera que as gravações podem
ser apagadas um ano após o término do Estudo. Prestar assistência em caso de dano
decorrente do estudo.
Pacientes são vulneráveis, entretanto crianças, pessoas com dificuldade de
aprendizagem, e os que têm doença terminal ou mental necessitam de proteção adicional. Os
pesquisadores são obrigados a solicitar autorização para eles e para seus pais ou guardiões
legais. Pesquisas podem ser conduzidas com estes grupos depois de consideração
cuidadosa e por profissionais de saúde experientes. Estas autoras consideram que pesquisas
realizadas com pacientes devem sempre ser enviadas para análise do Cep. Entretanto, em
pesquisas realizadas com colegas, o consentimento por escrito freqüentemente é
desnecessário.
Enfermeiros e parteiros devem construir uma abordagem ética complexa para
pesquisas, que é ainda mais importante quando a pesquisa envolve pacientes.
Observações:Toda pesquisa envolve algum risco.
O status do profissional de saúde pode contribuir para que o participante não
responda de maneira honesta e aberta. Os pacientes estão numa posição particularmente
vulnerável, pois estão doentes e mantém uma relação onde o profissional de saúde exerce
maior poder.
Timing é importante na pesquisa qualitativa.
Durante a entrevista, os informantes freqüentemente estão em posição de
desigualdade. Colegas ou outros profissionais de saúde tem mais possibilidade de escolha, de
aceitar ou não participar, porque estão em uma situação de poder igual ou similar ao
pesquisador. Quando o pesquisador entrevista ou observa seus pares, existe um
relacionamento mais recíproco, o que facilita que os participantes se tornem parceiros em
igualdade na pesquisa, o que é, o objetivo da maioria dos estudos qualitativos. Entretanto, ao
pesquisar os pares, o pesquisador pode um enquadre baseado na idéia de que ambos
partilham percepções, o que não permite ao participante que desenvolva suas próprias idéias.
Existe um conflito de papéis na pesquisa qualitativa. Enfermeiras e parteiras tem
duplo papel e responsabilidade e podem viver conflito de identidade. Se os participantes
estão ameaçados pela pesquisa, ou se sentem ameaçados, o pesquisador deve sair do seu
papel de pesquisador
No papel de profissionais, eles reconhecem as pessoas como pacientes, em seu papel
de pesquisador eles vêem as pessoas como informantes e como um participante da pesquisa.
Os diferentes elementos da identidade profissional nem sempre são conciliáveis. Os
pacientes também nem sempre compreendem esta dualidade e dicotomia no papel do
trabalhador da saúde. Eles esperam cuidado e ajuda da pessoa que percebem como
enfermeiros ou parteiros e que informam ser pesquisadores.
O pesquisador deve manter seu papel e não assumir o de conselheiro ou educador.
Entretanto o pesquisador não pode se desligar completamente do informante especialmente
num relacionamento próximo, durante uma pesquisa qualitativa. Ele responde pelo
sofrimento e deve, especialmente em situações de emergência, chamar um colega que
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assuma o papel de cuidador naquele contexto. As obrigações éticas permanecem primeiro
lugar.
A pesquisa em enfermagem trabalha com pessoas que tem pouco poder na situação,
provavelmente o balanço de poder é mais equilibrado quando o paciente está em seu próprio
meio e não no hospital. Os pacientes raramente se recusam a participar, pois consideram que
dependem da boa vontade dos cuidadores. Por causa da diferença de poder, Archbold sugere
que os profissionais de saúde não devem pesquisar pessoas diretamente sob seus cuidados.
As vezes isso o é possível, se o problema da pesquisa foi gerado no próprio contexto
profissional. Enfermeiros nem sempre têm acesso a outros contextos.
Empatia e objetividade são importante na pesquisa qualitativa. Entretanto, isso
parece contraditório. Os pesquisadores não devem fazer julgamentos e precisam eliminar os
valores pessoais e bias que podem influenciar a pesquisa. Entretanto, os profissionais de
saúde freqüentemente tem empatia e sentimentos por seus pacientes. O pesquisador,
entretanto, não pode permitir atitudes preconcebidas ou um envolvimento demasiado para
influenciar os dados. Na pesquisa qualitativa, a completa objetividade é problemática devido
a o relacionamento próximo entre pesquisador e participante. Os pesquisadores devem ser
capazes de se colocar no lugar dos informantes, isso ajuda a estabelecer um rapport, que é
importante neste tipo de abordagem. O pesquisador pode ter emoções intensas. Pesquisa
qualitativa sobre temas sensíveis/delicados, gera mais esse problema, do que a pesquisa com
survey. As entrevistas, em especial, podem afetar profundamente os participantes, que não
apenas revelam experiências e pensamentos ao pesquisador, mas as vezes tomam
consciência, pela primeira vez, de sentimentos escondidos.Nesses casos, a entrevista pode
mudar a vida do informante, embora o objetivo inicial do pesquisador seja a coleta de dados,
que pode ou não levar a mudanças futuras no contexto.
Sobre o término da pesquisa, surgem outros problemas: a natureza íntima e contínua
do relacionamento entre o pesquisador e o participante gera confiança e amizade, portanto é
difícil para ambos, pesquisador e participante, retirar-se dessa relação. Um pesquisador
sensível não deixa (ao término da pesquisa) o participante ansioso ou preocupado.
A entrevista de pesquisa pode ser terapêutica, ainda que não seja este seu objetivo.
O pesquisador ganha conhecimento, enquanto os informantes encontram ouvidos atentos
para seus sentimentos e pensamentos. Isso significa que existe reciprocidade. As autoras cita
Walkers que relata que em seu estudo sobre dor, os participantes consideraram benéfica a
possibilidade de ser ouvido.
Questões éticas também surgem na observação, a observação encoberta é eticamente
questionável. Alguns autores consideram que neste tipo de pesquisa, os participantes podem
ser explorados e enganados. Os pesquisadores no campo dos cuidados a saúde geralmente
informam seus propostos. Entretanto isso pode comprometer os resultados, pelo efeito do
observador: a mudança que pode haver nos observados pela presença do observador. Patton
considera que este efeito é super estimado, pois os participantes freqüentemente esquecem a
presença do observador. Entretanto, a não informação de certos fatos, minimiza o efeito do
pesquisador.
Os CEPs devem analisar todos os projetos que envolvem pacientes e seus familiares.
As autoras citam Ramos para afirmar que os padrões de ética em pesquisa não podem ser
aplicados sempre às abordagens qualitativas. Pode ser difícil identificar um único conjunto
de regras para todas as pesquisas pela sua diversidade, ainda que os princípios sejam
similares para os diferentes tipos e para a maioria dos contextos e situações.
Os profissionais de saúde freqüentemente realizam pesquisas biomédicas ou surveys
quantitativos com um grande número de informantes e com amostra randomizadas e não
percebem que os pesquisadores qualitativos experimentam problemas diferentes. É
necessária uma apresentação clara do método e dos procedimentos para o comitê de ética
que pode chamar o pesquisador para explicar e defender sua pesquisa.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
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Beauchamp , Childress
Declaração de Helsinque
34. Autor: 225. Robley LR
Título: The ethics of qualitative nursing research.
Referência: J Prof Nurs;11(1):45-8, 1995 Jan-Feb
Objetivo do artigo: busca examinar algumas questões éticas menos óbvias, ainda
que muito importantes, na pesquisa qualitativa desenvolvida pelos enfermeiros e construir
um conjunto de valores que possam levar a um processo significativo e a resultados de
pesquisa que tenham compromisso social.relevância
Cita exemplos do estudo:
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Balanço risco e beneficio não é claro, pois os benefícios para os participantes de
algumas pesquisas freqüentemente são intangíveis e não identificáveis ou em alguns casos
são passíveis de expressão. As pessoas podem quer participar, apesar das objeções dos seus
cuidadores paternalistas. A autora cita Raudonis para sugerir que o processo de
consentimento informado pode ser ajustado a medida em que o estudo é desenvolvido (a
cada entrevista, ou a cada observação).
A autora considera uma questão específica dos pesquisadores enfermeiros : para
quem o participante está dando consentimento, para ao pesquisador ou para o enfermeiro? E
considera que o papel do pesquisador precisa ser enfatizado e definido. É preciso ter
intuição, educação ética, e contínua atenção para a natureza tênue do consentimento no
processo da entrevista e da observação. Muito relacionado com o consentimento informado,
está a promessa de anonimato, confidencialidade e privacidade dos participantes da pesquisa.
Esta proteção é difícil, particularmente na pesquisa qualitativa por sua natureza de reportar
os resultados detalhadamente e a facilidade de reconhecimento especialmente de um ponto
de vista único, pela comunidade.
Aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Uma base ética para a seleção dos participantes pode também estar atenta a inclusão
de pessoas que precisam ser ouvidas: mulheres, minorias, crianças, analfabetos e os de
menor status pessoal ou profissional. A responsabilidade social chama a atenção para a
diversidade. A medida que a enfermeira pesquisadora antecipa sua capacidade de
compreensão da linguagem, das condições e da diferença entre si mesma e o participante
precisa ser claramente examinada.
Precaução contra a identificação que possa trazer riscos inaceitáveis aos
respondentes está relacionada em parte pelo respeito a necessidade da retirada de material
revelador durante a entrevista , e em parte pelo processo de conferencia do membro e de
resultados negociados.
Pesquisas que não pretender obter consentimento informado devem demonstrar que
não é possível obter os dados de outra maneira.
Quando o pesquisador estabelece um contato face-a-face com os respondentes e o
processo de entrevista/observação é iniciado, um novo conjunto de dilemas éticos surge. Está
em risco o relacionamento construído entre o pesquisador e o respondente. Existe uma
experiência de vulnerabilidade para ambos que surge quando um é conhecido pelo outro.
Pacientes vulneráveis são encorajados a falar abertamente, freqüentemente tocam em
experiências emocionais ou dolorosas de suas vidas ou revelam pensamentos que nunca
foram revelados, que podem ser relativos a sua perda de auto-controle e de integridade.
Lincoln (1987) considera que este interação altamente pessoal cria vulnerabilidade quando
conhecedor e conhecido trocam papéis, trocam confiança e reconstroem identidades.
Reconhecer esta vulnerabilidade é importante, o respondente pode exercer seu desejo
livremente de se abrir, alguns revelam uma grande quantidade de informação que um ouvido
atento encoraja. Conduzir uma entrevista em profundidade, proteger a confiança do
respondente, estar aberto aos dados, perceber um certo grau de dependência que existe em
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alguns respondentes, antecipar a necessidade de intervenção terapêutica em algumas
situações e permitir constantemente a comunicação flexível e a discussão de problemas
emergentes - todos chama atenção para uma maneira humana, moral e responsável de
conduzir a pesquisa.
A autora concorda com outros autores sobre um dilema ético específico da pesquisa
em enfermagem, que é o conflito de papéis. Este ocorre quando a ética de proteger a pessoa
como paciente fica contraditória com o papel do pesquisador. Se a pessoa necessita de
aconselhamento, poderá ser encaminhada. È claro na enfermagem que a prioridade ética é da
pessoa, e não da pesquisa.
Observações: O espírito, o processo e a forma da pesquisa qualitativa são trançados
juntos com os delicados fios da ética. Uma ruptura nesse tecido pode levar ao
enfraquecimento ou mesmo a destruição da roupa. Citando Parahoo (1991), a autora afirma
que os meios e as conseqüências da pesquisa são muito guiados pela ética em pesquisa.
Embora as considerações e questões éticas tenham impacto na pesquisa quantitativa, elas
fazem o mesmo, de uma maneira única e mais frágil na pesquisa qualitativa Na pesquisa
qualitativa, as questões éticas surgem no contexto de um foco mutável do estudo, a natureza
imprevisível da pesquisa e a relação de confiança entre o pesquisador e o participante. Como
muitos dilemas são resolvidos no âmbito privado pelos apelos da consciência do
pesquisador, sensibilidade e prudência são necessárias sobre como a ética influencia a
totalidade da pesquisa. A linha da ética em pesquisa qualitativa será examinada nesse artigo
como sendo a ligação entre a estrutura filosófica do paradigma e o processo de obter
consentimento informado, a imersão do pesquisador na entrevista e nas atividades de
observação, a fase de análise dos dados e a fase de relatório e publicação.Diferente da
pesquisa quantitativa, a distancia entre o pesquisador qualitativo e o sujeito é pequena, o que
cria criando um imperativo maior para a ética. O processo de engajamento, descoberta e
compreensão do fenômeno estudado repousa numa interação humana dinâmica. As
regulamentações correntes e os padrões de proteção dos humanos nas pesquisas são, como
considera Lincoln (1990) totalmente inadequados para a pesquisa qualitativa. A garantia de
respeitar os direitos, a dignidade, a liberdade e a independência dos nossos respondentes cria
uma situação onde o conhecimento do pesquisador, freqüentemente especializado, é um
entre os vários conhecimentos possíveis. Como o pesquisador se comporta, como o
respondente é convidado, e como o respondente é visto como um participante ativo no
processo da pesquisa, cria uma responsabilidade ética nova e mais difícil para o
pesquisador. Não pode haver decepção, injúria, ou falta de atenção com o respondente como
tem sido documentado na pesquisa quantitativa.Envolvidos nesta preocupação ética para o
pesquisador-repondente a questão ética é: em que medida as pessoas são usadas como meio
para conhecimento aprofundado? Para o código de ética da enfermagem o ser humano deve
ser considerado um fim em si mesmo.Embora esse problema seja endêmico para todas as
pesquisas envolvendo seres humanos, é particularmente evidente e preciso quando existe um
relacionamento próximo e de confiança entre as pessoas. Empatizar e estar atento ao
processo, é uma responsabilidade contínua, sempre presente para o pesquisador. empatia
As diretrizes publicamente reconhecidas para a “experimentação com seres
humanos” auxiliam pouco. O código de Nuremberg, a Declaração de Helsinque, e a prática
de consulta aos IRBs desenvolvidas a partir de um paradigma positivista com atenção no
cálculo entre risco e benefício, procedimentos de experimentação científicos e consentimento
voluntário. Esses são importantes, mas de âmbito, alcance SCOPE inadequado quando
aplicados a pesquisa qualitativa. Embora o consentimento informado seja instrutivo, ela não
impede que falte a informação do que o pesquisador realmente quer, nem informa a
natureza imprevisível da emergência dos dados. O conteúdo de todas as questões do
pesquisador não é conhecido previamente, pois emergem do diálogo. A inclusão de pessoas
vulneráveis em pesquisas sobre cuidados a saúde como as internas em instituições de saúde
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exigem a sensibilidade do pesquisador qualitativos sobre os riscos possíveis aos
participantes, durante toda a pesquisa.
A natureza política de muitas pesquisas qualitativas pode provocar diferentes
reações.
A medida em que o dado é coletado, o pesquisador, tendo o respondente como
conselheiro, analisa o dado em busca de sentido , busca pela realidade na transcrição e
desperta para o desenho emergente da pesquisa. A descrição da maneira mais autentica
possibilita reconhecer o valor do respondente. Confiança e negociação construídas ao longo
do tempo demanda franqueza, explicações claras e justas dos propósitos da pesquisa e
apresentação autentica do próprio pesquisador” ( Lincoln e guba, 1987, 30) Tudo isso é um
processo contínuo e repousa na moral do pesquisador e no seu conhecimento sobre si
mesmo.
Relatar e gravar os dados é freqüentemente usado nos estudos de caso. O objetivo é
apresentar o material mais evocativo de maneira factual e interessante. A descrição densa é
essencial. gravação
Dena Davis (1991) discute descrição densa: “nós aprendemos com nossa experiência
e nós precisamos apresentar os frutos dessa aprendizagem de maneira completa que convide
a audiência a compartilhar essa experiência conosco, e também a julgar a legitimidade dos
nossos resultados”. Embora essa seja uma descrição de casos ricos de ética, nós precisamos
apenas acrescentar e transferibilidade” após legitimidade” para aplicá-la ao relato da
pesquisa qualitativa. Dena considera que ao escrever ou narrar uma descrição densa
corremos o risco de revelar a identidade dos envolvidos. Uma descrição mais rica pode ferir
a confidencialidade, o anonimato e a privacidade. O que nós aprendemos com a descrição
densa, entretanto, pode ser vital para a vida e o significado da nossa pesquisa. A resposta
para esse dilema pode ser enviar ao respondente e solicitar permissão, verificação e
justificativa. Também as agencias financiadoras podem influenciar nos dados que serão
apresentados. Lincoln e Guba apelam para o princípio da dignidade humana quando colocam
que o participante é o dono dos dados e tem o direito de moldar seu uso e ditar os propósitos
que levarão seus nomes e informações. RESULTADOA ética que segue seu caminho na
pesquisa qualitativa ganha sua força no respeito a dignidade, autonomia, e direitos dos
respondentes. È preciso cuidado para perceber que estes princípios são aplicáveis também ao
pesquisador. Subjetividade e colaboração tornam o pesquisador vulnerável. Emocionalmente
imerso na experiência vivida por outros, continuamente sensível a potencial natureza
injuriosa da linguagem, e experimentando a passagem como um entrevistador-observador ,
tudo requer uma força própria que pode ser ampliada pelo cuidado próprio. O pesquisador
deve usar o CEP como guia e suporte ao longo do processo. Pode abrir-se para explorar
suas respostas pessoais e o risco/benefício. Educação pessoal em ética e consulta a
especialistas é recomendado quando a enfermeira –pesquisadora acredita estar sofrendo.
Ética esna trama da pesquisa qualitativa e deve ser considerada seriamente ao logo do
processo.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: Não refere.
35. Autor: 108. Keleher HM; Verrinder GK
Título: Health diaries in a rural Australian study
Referência: Qual Health Res;13(3):435-43, 2003 Mar.
Objetivo do artigo: apresentar uma reflexão sobre o uso do diário de saúde, como
uma ferramenta de pesquisa, em área rural. Este artigo analisa os resultados de uma questão
aberta do diário.
Cita exemplos do estudo: cita referência.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
relacionamento próximo entre pesquisador e participantes, que leva o pesquisador a ter
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clareza do seu papel, e possibilitou por um lado que se tornasse recurso de saúde para os
participantes, e a produção de dados ricos para o pesquisador.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Observações: O diário era mais que uma ferramenta de coleta de dados, pois se
tornou um intermediário para uma relação de suporte entre os participantes e os
pesquisadores da universidade. Além disso, os participantes se tornam capazes através do
preenchimento do diário, a refletir sobre sua saúde e a dos membros de sua família, o que
parece melhorar sua capacidade de observação sobre o que estão vivenciando.
Os pesquisadores agendaram reuniões nos locais onde a pesquisa foi realizada,
poucas semanas após o preenchimento dos diários, para apresentar os resultados preliminares
para os participantes.
O modo como os participantes interagiram com os pesquisadores foi imprevisto.
Pesquisadores não induziram nem pagaram os participantes, mas estes se sentiram
recompensados pela relação que alimentaram com a equipe de pesquisa e utilizando esta
equipe com recurso de saúde.Questões éticas emergiram desta relação e os membros da
equipe de pesquisa tiveram que fazer uma distinção entre dar conselhos de ‘amigos” ou
“profissionais”. papel Isso não teria acontecido, se a equipe tivesse ficado mais distante,
solicitando ao staff administrativo de telefonasse para lembrá-los e recolhesse os diários.
Entretanto, a equipe de pesquisa desejava manter um contato pessoal com os participantes
para responder questões técnicas que foram previstas ou sobre o registro dos dados. Esse
contato pessoal facilitou discussões sobre outras áreas de interesse dos participantes. Os
autores recomendam que outras equipes de pesquisas façam a previsão de que uma relação
próxima pode se estabelecer entre a equipe e os participantes. Esta relação contribuiu para a
produção de dados ricos, e foi na reflexão, um dos ganhos. Os participantes se tornaram
lideranças para futuros estúdios, e da política de desenvolvimento no âmbito local.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
36.Autor: 71. Raingruber B
Título: Video-cued narrative reflection: a research approach for articulating tacit, relational,
and embodied understandings.
Referência: Qual Health Res;13(8):1155-69, 2003 Oct.
Objetivo do artigo: descrever a efetividade da VIDEO-CUED NARRATIVE
REFLECTION como uma abordagem de pesquisa para acessar compreensões relacionais,
baseadas na prática e vividas. Esta abordagem permite acesso, momento a momento, a
experiência tácita.
Cita exemplos do estudo: apresenta o resultado deste estudo.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: refere-
se ao consentimento.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: pesquisador
divulgou a pesquisa, os terapeutas –enfermeiros que aceitaram receberam pelo correio
formulário de consentimento e o roteiro da entrevista. Os terapeutas selecionaram clientes,
cuja participação eles consideraram apropriada a esta pesquisa, e partilharam o
consentimento com eles. Esse processo resultou em que os terapeutas convidaram clientes
deprimidos, que estavam em seguimento de 6 meses a 7 anos. Houve também a inclusão de
clientes com diagnóstico de borderline e esquizofrenia. Todos os participantes tinham
condições de consentir. Quando o par terapeuta e cliente consentiam , iniciava-se a gravação
da sessão. No consentimento, havia a informação que a pesquisa não ajudaria nem
atrapalharia a terapia, e que terapeutas e clientes poderiam escolher se queriam ter seus
rostos bloqueados eletronicamente, de maneira que não fosse possível reconhecê-los. Todos
os participantes escolheram ter seu rosto bloqueado eletronicamente. Os pesquisadores
solicitaram duas autorizações diferentes: uma se poderiam usar as gravações para pesquisa e
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outra se poderiam usar a gravação para fins educacionais. Para as duas, o vídeo poderia
ser usado com o consentimento do terapeuta e do cliente. Havia ainda o compromisso do
pesquisador de que, caso ao assistir o vídeo junto com o pesquisador o terapeuta ou o cliente
preferissem, o vídeo seria destruído. Os participantes deram uma permissão assinada para
gravar em fita de áudio seus comentários enquanto assistiam ao vídeo com o pesquisador.
Observações: Participantes foram orientados a procurar seu terapeuta, caso tivessem
alguma preocupação ao ver o vídeo. Ao passaro vídeo, seja para o terapeuta, seja para o
cliente, o pesquisador o assistia atentamente, e mostrava-se interessado pelos comentários
que os participantes faziam. Fazia isso para estabelecer um contexto de diálogo. Citando van
Manen (1990) a relação entre pesquisador e participantes é importante para conseguir
narrativas consistentes. O pesquisador deve estimular a curiosidade colaborativa e o
envolvimento vivido no processo da pesquisa. Ao discutir a importância da confiança entre
pesquisador e pesquisado, o autor cita Latvala e col (2000) para afirmar que é vital
desenvolver um clima de segurança para que os clientes se disponham a discutir questões
pessoais relevantes para a pesquisa. Permitir que terapeuta e cliente identificassem os
momentos significativos, através desta abordagem, permitiu comentários mais ricos do que
os obtidos nas entrevistas realizadas imediatamente após o final da sessão. Os participantes
determinaram o tempo da entrevista, na qual houve a exibição do vídeo, não havia limite de
tempo para seus comentários.
Como é comum na pesquisa fenomenológica, o exato foco da pesquisa não foi
limitado pela especificação do número preciso de variáveis a ser examinadas antes do tempo.
(definidas previamente). A direção da pesquisa se desenvolve ao longo do processo das
próprias entrevistas.
A experiência é melhor descrita pelas respostas corporificadas, práticas, percepções
sensoriais, e a receptividade ao conhecimento incorporado, do corpo, é preservado no tom de
voz das entrevistas e por esta abordagem de vídeo.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:não refere.
37. Autor: 192. Evans JG
Título: Ethical problems of futile research.
Referência: J Med Ethics;23(1):5-6, 1997 Feb.
Objetivo do artigo: não está explicitamente descrito.
Cita exemplos do estudo: o cita referencia, mas exemplos.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Geralmente é visto como não ético expor pessoas ou animais a pesquisas, que podem ter
efeitos nocivos, quando é previsível que não produzirão resultados com valor. Os CEP nem
sempre tem pessoas qualificadas para julgar o mérito científico das pesquisas, nem isso é
necessário para pesquisas que tenham sido aprovadas na revisão de pares, como os conselhos
de pesquisa. Muitos projetos de pesquisa deste tipo, foram vistos apenas pelo supervisor do
aluno ou pelo responsável pelo curso, e a qualidade das pesquisas destes (supervisor e líder)
freqüentemente não estão disponíveis ao CEP. Os problemas comuns em mestrados e cursos
equivalentes é que os pesquisadores não têm tempo suficiente para estudar amostras grandes
o suficiente para produzir resultados confiáveis estatisticamente. Não é defensável que
estudos pequenos e não conclusivos sejam depois incorporados numa meta análise; a menos
que isso esteja planejado num processo coordenado, que envolve protocolos padrões. É
aceitável que estudantes treinem a realização de pesquisas, mas os pacientes devem ser
informados que se trata de um treino de pesquisa, que nem sempre produzirá resultados
aplicáveis. CONSENTIMENTO Muitas pessoas aceitam participar de pesquisas para
contribuir com a sociedade. O autor sugere que os alunos possam ser treinados em pesquisa,
sem ter que conduzir pesquisas fúteis. Propõe duas possibilidades: um curso de metodologia
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de pesquisa e avaliação que não envolva pessoas; ou a realização de situações simuladas,
com role-play.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: Consentimento
informado das pesquisas fúteis serão mais válidos se os CEP solicitarem que as pesquisas
sejam categorizadas, por revisão científica, em cientificamente úteis e exercícios de treino. O
consentimento deve ser obtido na segunda. Uma vez que o CEP não é constituído de maneira
a assegurar a capacidade de julgar mérito científico, pode ser necessário instituir um comitê
científico, para decidir em qual destas categorias cada projeto se inclui. Isso pode ser
insuficiente para proteger o público. Os pacientes convidados a participar de uma pesquisa,
de treinamento, podem se sentir obrigados a participar. Como na maior parte das pesquisas,
uma questão relevante é o balanço entre inconveniente ou perigo aos quais os indivíduos
estão expostos, e o valor da pesquisa para outros. Pesquisas com entrevistas ou questionários
geralmente são consideradas pelos CEP como de risco mínimo. Isso menospreza o potencial
impacto das entrevistas e questionários. Preocupa o autor alguns exemplos recentes, como
um homem, de meia idade que ficou deprimido ao responder a um questionário, por correio,
sobre rede de amizades, pois se deu conta que perdeu todos os seus amigos, e que não
adquiriu novos. Reflexões que ele preferiria não ter tido. É eticamente inaceitável a
realização de pesquisas, que envolvam pessoas, e que sejam consideradas fúteis por um
comitê científico.
Observações: no campo dos cuidados a saúde , pesquisa fútil pode ser definida
como aquela que não produz resultados úteis. A maior fonte de pesquisas fúteis é a
necessidade de alguns profissionais de saúde desenvolver pesquisa como parte de seu
desenvolvimento profissional. MD e doutorados em geral oferecem aos alunos supervisão
adequada. Porém, outros cursos não oferecem o mesmo. Os comitês de ética em pesquisa
têm recebido muitos projetos, em especial o que vem de fora da área médica, que não
produzirão resultados úteis, não serão publicados e não teve sua validade científica
adequadamente avaliada. Parte destes projetos são pesquisas qualitativas. A questão da
amostragem em pesquisas qualitativas é mais delicada, não é fácil de compreender ou
explicar. As vezes se escuta que porque a pesquisa qualitativa não é baseada em conceitos
probabilísticos, o tamanho da amostra não precisa ser considerada em seu desenho. A
relevância do tamanho e da procedência da amostra para pesquisas qualitativas repousa não
tanto na epistemologia dos métodos da pesquisa, mas na utilidade dos resultados. Quando
alguém lê os resultados afirmam o benefício de um aconselhamento específico antes do luto,
junto a familiares de 6 pacientes terminais, alguém certamente se interessará por questões
epistemológicas tais como o pesquisador evitou erros na entrevista. Alguém pode se
interessar igualmente , entretanto, pela extensão em que os resultados de 6 famílias podem
ser extrapolados para famílias dos pacientes que alguém está atendendo. É nesse estágio que
a preocupação sobre a procedência incerta da amostra do pesquisador e inacessibilidade
da variância inter-individual.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:não refere.
38. Autor: 245. Jevne R; Oberle K
Título: Enriching health care and health care research: a feminist perspective.
Referência: Humane Med;9(3):201-6, 1993 Jul.
Objetivo do artigo: Explorar a aplicação do pensamento feminista e da ética
feminista à pesquisa médica e de cuidados a saúde. As autoras descrevem como a dominação
corrente dos métodos convencionais de pesquisa e a resistência a abordagens feministas têm
contribuído para um sistema que não responde às necessidades individuais.
Cita exemplos do estudo:
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Observações: as autoras citam Sherwin para definir feminismo: um movimento
multifacetado e diverso, com muitas dimensões distintas e relacionadas que tornam quase
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impossíveis sintetizá-lo. As autoras sugerem que “feminismo é, acima de tudo, relativo a
desejar e trabalhar pela mudança para uma sociedade melhor”. Relevante Refere-se a aceitar
novos caminhos para avançar na compreensão das complexidades do corpo humano e da
mente, e sobre oferecer respostas às necessidades dos outros. De acordo com a filosofia
feminista, a sociedade ocidental ignorou a experiência das mulheres e sistematicamente
desvaloriza os valores comumente associados com as mulheres: sensibilidade e conexão com
outros, uma ênfase na importância dos fatores situacionais e o foco nos sentimentos pessoais.
Feministas de ambos os sexos insistem que nós precisamos reavaliar os padrões sociais,
científicos e éticos. Eles advogam uma mudança para um mundo mais humano, no qual os
que exercem menos poder (inclusive as mulheres) sejam incluídos, e que seja reconhecida e
valorizada a experiência daqueles que não tem meios para influenciar sua vida. A voz
feminista manifesta-se contra a opressão e sofrimento em qualquer esfera, e fala contra a
desvalorização sistemática de qualquer grupo, independente do sexo. Além disso, feminismo
é sobre valores como a nutrição e o cuidado. Características importantes do feminismo são a
atenção a experiência e ao significado, e a teoria ética feminista chama para uma moral
sensível e uma re-avaliação do que significa “ser” e “conhecer”. O que o pensamento
feminista tem a ver com a pesquisa médica? As feministas consideram que ao aplicar os
métodos tradicionais desenvolvidos para as ciências naturais para estudar seres humanos,
pesquisadores tem tornado as pessoas que estudam, “objetos”. A experiência humana, que
tem grande impacto na saúde humana, tem sido eliminada sistematicamente pelas
abordagens empíricas. O resultado é uma explosão de tecnologia, em detrimento da
sensibilidade humana. Os paradigmas científicos refletem o contexto histórico e social no
qual foram concebidos. O que é valorizado como “científico” deriva dos valores sociais
tradicionais, e na nossa cultura a preferência pelo que é considerado masculino, resultou
numa ciência baseada nos valores masculinos como individualismo, conquista, controle e
desligamento. A boa ciência nessa tradição é Objetiva, separa o observador do observado,
neutra, inclui apenas a mensuração dos dados empiricamente observáveis, e reducionista,
observa parte do todo, isolada do todo. O enquadre teórico, a pedra fundamental do
processo da pesquisa, é o controle da investigação pelo controle das variáveis a serem
estudadas. As variáveis do estudo são definidas em relações causais, hipóteses e verificadas
ou falseadas pelo estudo. Outras variáveis no contexto são supérfluas e controladas pelo
desenho. O relacionamento pesquisador-sujeito é hierárquico e o pesquisador, sempre no
controle, é o expert. “(as autoras citam Duffy). Esta abordagem de pesquisa considera
variáveis sociais e culturais do ambiente, como de confusão e portanto a busca é por
controlá-las, pois estas interferem na objetividade inerente ao método científico.
Ao contrario, pesquisadores feministas buscam incorporar a experiência pessoal em
seus estudos. Acreditam que existem múltiplas realidades e que o ambiente onde a pesquisa é
conduzida é crítico para os achados. O significado da experiência pessoal torna-se uma
informação essencial. Então, com os métodos feministas, as necessidades e os pontos de
vista individuais dos estudados tornam-se parte da pesquisa. Na verdade, a busca por insight
e compreensão das necessidades dos outros é o foco central da maioria dos estudos
feministas. Para ilustra as diferenças entre a pesquisa tradicional e a feminista, pode-se
considerar o uso de medicamento para paralisia. Uma pesquisa clínica uma droga pode ser
comparada com outra num desenho experimental. A efetividade da droga em prevenir
movimento muscular e a ocorrência de efeito adverso podem ser variáveis dependentes.
Embora este tipo de pesquisa seja importante, pode não abordar a questão Como é isso de
ser um prisioneiro em seu próprio corpo, incapaz mesmo de piscar os olhos?” “ Como é isso
de sentir dor e não ser capaz de mudar de posição?” O que ajuda você a se sentir melhor
quando está paralisado?” Qual é seu maior problema?”. Questões como está dificilmente
serão abordáveis num estudo clínico. As autoras citam novamente Sherwin ao afirmar que os
estudos clínicos freqüentemente não incluem mulheres, o que impede que se conheça efeitos
específicos no corpo feminino.
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Geralmente , pesquisadores feministas advogam métodos qualitativos, que são mais
apropriados para explorar e compreender a experiência individual. As abordagens
qualitativas requerem padrões rigorosos, mas que não são os padrões usuais da ciência, e os
tradicionalistas tem uma visão cética sobre eles. As pesquisas não tradicionais
freqüentemente são ignoradas ou não são levadas a sério no contexto do cuidado a saúde.
As abordagens tradicionais não responderam muitas questões essenciais para um
tratamento efetivo e uma necessidade urgente de entender os sintomas a partir da
perspectiva de quem os sofre. O manejo da dor crônica é exemplo da necessidade de
entender mais do que de fisiologia. A aids requer conhecimento sobre o impacto da doença
não na pessoa, mas também nos que lhe são próximos. Claramente é preciso reconhecer
que “psicologia, estudos comportamentais e sociologia se incluem nas ciências básicas para
a pesquisa em saúde”. (as autoras referem Hamilton). Práticas de tratamento, que são uma
aplicação das pesquisas, refletem a filosofia e orientação da ciência que a sustenta. Se a
ciência é objetiva e técnica e se, em princípio, isso retira o valor da experiência humana, o
cuidado baseado nessa ciência também será objetivo, técnico e desumanizado. Pesquisa que
é concebida desta maneira estreita levará a um a pratica de tratamento uniforme.
À medida que a tecnologia avança, e tratamentos que antes eram inimagináveis se
tornam possíveis, a pesquisa médica precisa incluir o efeito humano dessa tecnologia. Ainda
que sejam incorporados parcialmente os conceitos feministas no planejamento das pesquisas
médicas, esta poderia aprofundar nossa compreensão de muitas questões relativas aos
cuidados em saúde. A prática médica precisa refletir a verdade de que a doença é um
fenômeno pessoal e interpessoal. A investigação científica geralmente ignora tanto os
efeitos positivos quanto negativos do relacionamento médico-paciente. Infelizmente, para
muitos profissionais, a objetividade, defendida pela ciência tradicional, é compreendida
como a supressão dos sentimentos relativos ao cuidado, sentimentos são subjetivos e
portanto não o importantes nem necessários. Entretanto, as autoras consideram que um
bom plano de tratamento demanda uma compreensão de fatores pessoais e sociais que estão
presentes numa dada situação. “Como os provedores de cuidados em saúde, para os quais a
objetividade e a neutralidade são valores importantes, podem verdadeiramente prover um
cuidado ético?” Como o mundo esta sendo cada vez mais governado pela tecnologia, não
podemos aceitar ficar imerso numa estrutura que privilegia a objetividade sobre o cuidado,
pois isso encoraja a dominação e a opressão. É tempo de rever os valores que dirigem a
pesquisa médica. È tempo não apenas de aceitar paradigmas alternativos, mas de ativamente
buscá-los.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: não refere.
39. Autor: 134. Buchanan EA
Título: Ethics, qualitative research, and ethnography in virtual space.
Referência: J Infor Ethics;9(2):82-7, 2000
Objetivo do artigo:discutir ética nas pesquisas qualitativas pela internet, apontando
que esta coloca novos desafios .
Cita exemplos do estudo: o.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
honestidade do participante e do pesquisador. Pela Internet, o participante pode se abrir mais
do que pessoalmente. Um estudo etnográfico envolve diversos aspectos éticos: aceitação,
representação, construção ou representação da realidade; objetividade e subjetividade; voz e
autoria da estória; confiança e respeito mútuo entre pesquisador e participante; poder e
privilégio: o pesquisador deve considerar um privilégio ter acesso à comunidade.É preciso
examinar a aplicação destas questões às pesquisas virtuais precisa ser examinada.
Um aspecto importante é a honestidade do participante e a do pesquisador. Em que
medida ambos fornecem dados verdadeiros sobre si mesmo e sobre suas intenções a
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confiança recíproca é importante para o sucesso da pesquisa. As questões éticas de
confiança, voz e a auto-representação ganham destaque nas pesquisas virtuais. Existe a
possibilidade de representação e de falsidade dos dados, mas existe maior proteção do
anonimato. Na pesquisa qualitativa tradicional, a concordância do observador, peer
debriefing e outras formas de triangulação compõem a validade e a confiabilidade. Estas
também são importantes na pesquisa virtual, mas não mais difíceis de alcançar. O
pesquisador precisa adotar um alto padrão ético ao representar os eventos, justamente porque
são virtuais. O pesquisador deve falar a verdade, tal como a compreendeu através das vozes
dos participantes. O sentimento de anonimato pode encorajar o participante a falar mais , o
que coloca uma responsabilidade ética maior no pesquisador, que pode “ouvir” coisas que
não ouviria numa entrevista ou num grupo focal. Ao estuda grupos sobre pornografia
infantil, o pesquisador deve respeitar a privacidade e a confidencialidade dos participantes,
apesar das questões legais; a ética da pesquisa dita que o pesquisador represente a realidade,
sem julgá-la. As pesquisas no espaço virtual colocam desafios éticos diferentes.
É importante a discussão dos aspectos éticos e legais colocados pelas novas
tecnologias e a sociedade informatizada atual. Aprender a respeitar os princípios éticos
formais, bem como as diretrizes éticas menos codificadas da voz, representação, confiança
entre outros aspectos, se torna cada vez mais importante à medida que são conduzidas
pesquisas virtuais. As necessidades éticas devem ser manejadas com flexibilidade em cada
estudo etnográfico. A medida que a etnografia é adotada nas pesquisas virtuais, reconhecer
aspectos éticos das comunidades na Internet, como as pessoas se apresentam e interagem on
line, e suas construções e compreensões da realidade e os caminhos como são apresentados,
é fundamental.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: O respeito à
pessoa, respeito ao anonimato e a privacidade, respeito à voz, representação, precisão,
confiança nos parceiros da comunidade, e o que é permitido numa dada comunidade virtual
aos outsiders. As mesmas garantias, talvez até mais, que nos estudos tradicionais, devem ser
oferecidas aos participantes na pesquisa no espaço virtual.
Observações:
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: Relatório Belmont.
40. Autor: 51. Perry C; Thurston M; Green K
Título: Involvement and detachment in researching sexuality: reflections on the process of
semistructured interviewing.
Referência: Qual Health Res;14(1):135-48, 2004 Jan.
Objetivo do artigo: discutir o processo das entrevistas semi-estruturadas na
pesquisa qualitativa e a analise deste material, considerando o envolvimento e
distanciamento do pesquisador. Considerando que o total distanciamento do pesquisador não
é possível nem desejável.
Cita exemplos do estudo: que conduziram sobre sexualidade de gays, lésbicas e
bissexuais.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: os
pesquisadores discutiram a pessoa do pesquisador no processo da pesquisa: antes, durante e
após a pesquisa. O foco desta discussão é no envolvimento e distanciamento do pesquisador
durante a coleta e a análise dos dados.A proposta era utilizar as reuniões de equipe para
discutir 3 dimensões do processo: a identificação das emoções geradas pelo envolvimento na
pesquisa, a consideração do impacto das emoções na integridade da pesquisa e o
questionamento dos motivos que levam a fazer ou não fazer coisas. Esse processo explicita
as questões que emergem e como manejá-las, para que a integridade do processo da pesquisa
seja preservada. Pela natureza potencialmente ameaçadora, pois possibilita reações
emocionais tanto no pesquisador quanto no pesquisado, a proposta foi estreitar o
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relacionamento entre os pesquisadores para criar um ambiente construtivo e de suporte.
Permitindo um movimento adequado entre envolvimento e distanciamento.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: O pesquisador
precisa distinguir seu “self” durante a entrevista. Neste estudo o desafio foi decidir se a
pesquisadora que teria contato com os participantes se declararia lésbica ou não. Esta é uma
questão ética (pois permite ao participante prever como será tratado e que informações
poderão ser dadas para capacitá-los a dar seu consentimento informado) e metodológica
(pois tem ramificações para a veracidade e a riqueza dos dados gerados na entrevista).
Desenvolver confiança e rapport com os participantes é uma questão prioritária. Pesquisador
deve ter suporte para lidar com os aspectos emocionais e manter um balanço entre
envolvimento e distanciamento. Não é apropriado que o pesquisador faça o papel de
conselheiro. Apesar disso, de uma perspectiva ética, é importante que os entrevistado possam
interromper a entrevista a qualquer momento e que seja oferecido suporte por outro
profissional. Isso protege ao pesquisado e também ao pesquisador que não tem que lidar
com as questões emocionais do entrevistado, que emergem durante a entrevista. É saber a
condição de insider do pesquisador que leva o pesquisado a falar de suas questões
emocionais e isso, por sua vez, aumenta o envolvimento do pesquisador, caso o
distanciamento não esteja ativamente balanceado. A familiaridade, o envolvimento pode ter
o efeito dificultar a compreensão.O pesquisador pode não valorizar alguns aspectos por estar
imune a eles. O envolvimento pode distorcer a compreensão do que foi dito, especialmente
na análise dos dados. É importante o trabalho de análise identificar os temas e as categorias,
e discuti-las a luz da literatura relevante. Os autores salientam a importância de um trabalho
sistemático, que neste estudo incluiu a análise pela mesma pesquisadora que conduziu as
entrevistas e era insiders, que foi confrontada com a análise de amostras do material,
realizada pelo pesquisador homem, e heterossexual.As diferenças foram discutidas, o que
aprimorou a análise.Assim como na geração dos dados, durante a análise é essencial um
balanço entre envolvimento e distanciamento. O conteúdo trabalhado nas entrevistas pode
evocar lembras dolorosas para o pesquisador, em especial se este for insider.
Aceitar que o pesquisador tem um papel central no processo pode parecer inimigo da
adequada análise dos dados. Entretanto, enquadrando a análise em termos de envolvimento e
distanciamento apresenta o relato da pesquisa qualitativa através de um relato reflexivo do
potencial impacto dos valores e da identidade do pesquisador na análise. A adoção de uma
abordagem reflexiva, na qual o papel do self e da subjetividade no processo da pesquisa é
colocado sob escrutínio crítico e explícito, tem sido considerado como critério de qualidade
da pesquisa qualitativa.
Observações: Weber discute a diferença do objeto de estudo da sociologia e das
ciências naturais, que necessitou do desenvolvimento de métodos não positivistas que
permita descobrir as perspectivas das pessoas através da busca pela compreensão empática.
Empatia A pesquisa qualitativa está fundamentalmente relacionada a interpretação, por isso é
crucial reconhecer o papel do pesquisador na geração e análise dos dados. O envolvimento
do pesquisador é inevitável e pode colaborar para desenvolver uma fotografia mais
congruente com a realidade complexa do mundo social, como a sexualidade. Como algo
profundamente constitutivo da estrutura de personalidade, a identidade sexual pode provocar
reações emocionais intensas. Uma dimensão importante é como o grupo de pesquisa lidou,
uma vez que a pessoa do pesquisador entra em cena durante a pesquisa, é inevitável que
surja uma tensão entre seu papel de participante e seu papel de pesquisador. As entrevistas
são por definição relacionamentos interdependentes que envolvem a interação entre
pesquisador e pesquisado. A natureza e a qualidade da comunicação é influenciada pela
natureza e qualidade do relacionamento estabelecido durante a entrevista. Isso tem
implicações para a riqueza dos dados gerados, além do que o pesquisado tende a responder
de acordo com sua percepção do pesquisador. O distanciamento total do objeto do estudo, a
objetividade, não é possível nem desejável.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
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British Sociological Association (1996). Guidance notes: Statements of ethical
practice. Durham, UK: Author.
41. Autor: 12. Nelson CH; McPherson DH
Título: The task for ethics review: should research ethics boards address an approach or a
paradigm?
Referência: NCEHR Commun;12(2):11-22, 2004.
Objetivo do artigo: Discutir como os paradigmas das diretrizes do TCPS e seus
procedimentos têm impacto numa proposta de pesquisa submetida para revisão ética por um
pesquisador de Ciências sociais e humanas. Primeiro as autoras explicam os grandes
paradigmas de pesquisa e as escolhas metodológicas associadas relativas ao processo da
pesquisa, bem como a natureza das diretrizes e dos procedimentos do TCPS. Segundo, as
autoras explicitam as diferenças entre um “método” e um paradigma”. Terceiro, as autoras
discutem o impacto do paradigma nas questões de independência acadêmica na pesquisa,
analise de risco e benefício e consentimento informado no enquadre do processo de revisão
ética. Finalmente demonstram que estes diferentes paradigmas não duplicam achados e que
seus resultados podem ser complementares enriquecendo a compreensão.
Esse artigo visa discutir a aplicabilidade dos “cannons” do positivismo para
conduzir revisões éticas no paradigma interpretativo, como o construcionismo, o feminismo,
pesquisa–ação PARTICIPATORY-ACTION RESEARCH (PAR), pragmatismo e teoria
crítica.
Cita exemplos do estudo:
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos: Sem
uma compreensão clara das diferenças entre o paradigma positivista e o interpretativo, não
processo de revisão ética adequado. Para cada paradigma, deve haver uma revisão ética
distinta. O pluralismo paradigmático anima um debate significante sobre os procedimentos
de revisão ética. Os paradigmas são centrais na definição de que informações o pesquisador
dispõe para apresentar para revisão ética. As diferenças epistemológicas que prevalecem nas
abordagens qualitativas e quantitativas precisam ser bem compreendidas e respeitadas
mesmo para discutir diretrizes de revisão ética e procedimentos. Bem como a receptividade
de um REB para a importância central da metodologia (em termos de natureza, escopo, e
significado da informação) que eles recebem numa revisão ética influencia a análise,
interpretação e as condições para aprovação.
Mesmo o TCPS tendo feito um esforço para incluir a diversidade de paradigmas
alternativos, e suas metodologias relacionadas, os mecanismos, através da linguagem,
principio de prova da excepcionalidade e a preferência pela uniformidade do processo supera
qualquer tentativa de balanço na revisão ética.
O processo de revisão ética do TCPS é intervencionista e reflete a forte influencia da
perspectiva positivista.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas:
Observações: É imperativo que qualquer revisão ética comece com uma
compreensão clara dos paradigmas da pesquisa e suas estratégias de inquérito e
metodologias específicas. A chave para a revisão ética emerge das perspectivas do
paradigma que são a fundação para todas as abordagens de pesquisa. Paradigmas incluem
premissas epistemológicas, ontológicas e metodológicas, em seu esforço para descrever a
realidade. As diferenças entre os paradigmas são imutáveis e intratáveis. Tem sido dito que
não pureza na definição dos paradigmas, no lugar disso a distinção é entre pesquisa
qualitativa e quantitativa. Dentro destas abordagens permanece a dificuldade de harmonizar
as posições conflitantes entre o paradigma positivista e o paradigma interpretativo/
critico/advocacy. Para aumentar esta confusão, existem muitos rótulos atribuídos aos grandes
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paradigmas. Para estreitar esta discussão, os autores enfocaram no paradigma positivista e no
interpretativo como exemplos implícitos dentro das abordagens quantitativas e qualitativas
para a pesquisa em ciências sociais.
A melhor descrição de pesquisa que utiliza um paradigma interpretativo é o
processo de idas e vindas entre as questões emergentes da pesquisa o desenvolvimento do
desenho e da coleta de dados, tudo ocorrendo num processo transformativo. Tudo acontece
simultaneamente e nada está predeterminado. Na pesquisa qualitativa, o pesquisador está
engajado na questão como um aprendiz, não como um especialista nas pesquisas
quantitativas que predeterminam o enquadre do estudo, a seleção e definição das variáveis e
o processo de amostragem.
Os componentes básicos do processo de revisão ética consentimento informado,
confidencialidade e privacidade, qualidade da pesquisa e análise de riscos e benefícios- são
todas construções sociais criados fora do processo da pesquisa que, por sua vez, tem normas
e valores. A pesquisa é uma atividade cultural, e como tal, um bom encaixe entre os
valores e normas predominantes numa comunidade científica e as preocupações éticas de sua
época. O TCPS, por exemplo, refere-se a sujeito e não a participante da pesquisa, a protocolo
e não a processo de pesquisa. Em conseqüência disso, o TCPS e os procedimentos dos REBs
são mais cabíveis aos paradigmas positivistas e constitui-se em desafios para os
pesquisadores que trabalham num paradigma interpretacionista.
Um estudo positivista pode adotar técnicas qualitativas, a autora cita como exemplo
a realização de entrevistas de acordo com um roteiro estruturado, realizada no local de
trabalho do pesquisador. E compara com estudar um peixe no formol. Ambos estudos podem
produzir conhecimentos importantes, entretanto, este permanece descontextualizado. Não
será possível, a partir deste estudo, conhecer como o peixe busca alimento, como disputa
território, como se reproduz. Pois estes aspectos serão apreensíveis se o pesquisador for
no habitat do peixe. Ai seria um conhecimento contextualizado.
O pesquisador entra no ambiente da pesquisa e interage com os participantes,
desenvolve um estudo de caso num paradigma interpretativo (qualitativo). O significado e a
importância emergem da interação. A teoria é apoiada nos dados. (Nelson e McPherson,
2004).
O pesquisador qualitativo que trabalha num paradigma interpretacionista não torna o
outro um objeto, mas estabelece uma relação com o participante. Também não se removem
as ambigüidades, a complexidade e a relatividade da experiência. (Nelson e McPherson,
2004).
A natureza intrínseca do paradigma da pesquisa interpretacionista impede
padronização. A precisão e o rigor da pesquisa determinam a riqueza do texto e observações
num contexto fluido. A abordagem qualitativa tem alguns contrastes com a quantitativa,
como: as definições a priori, técnicas padronizadas, dados numéricos, análises estatísticas e
replicação universal.
Existe uma ordem de prioridades na revisão ética: qualidade da pesquisa, balanço
entre risco e benefício, e se o processo de consentimento informado esta apropriado.
Uma pesquisa que não tenha mérito científico, não é eticamente adequada. Então, o
critério mérito científico é central. Muitos todos de pesquisa em SS e H são processuais,
as definições são tomadas no processo. O REB , que trabalha de acordo com paradigmas
positivistas não compreende este desenho e o considera sem mérito. Se o critério deriva
apenas da perspectiva positivista, qualquer submissão num paradigma interpretativo é
insuficiente. O pesquisador é considerado como tendo falhado ao o descrever todos os
procedimentos da pesquisa. Este tipo de interpretação é mais prevalente quando os
paradigmas não são um traço central nos projetos sob consideração de um REB.
Ao buscar amenizar as fortes objeções da comunidade de pesquisadores de ciências
sociais e humanas sobre incluir na revisão ética o mérito científico, esse compromisso
resultou numa ligação artificial entre investigações acadêmicas, riscos e benefícios e
consentimento informado. Isto torna ainda mais difícil relacionar coerentemente paradigmas
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e revisão ética. Para os cientistas sociais a revisão perde seu rigor acadêmico quando é
conduzida por outras pessoas que não os especialistas de uma determinada disciplina
acadêmica.
As divergências entre os pesquisadores biomédicos e os das ciências sociais e
humanas tem uma procedência histórica na comunidade de pesquisa experimental positivista
onde os critérios éticos são considerados procedimentos e não princípios. No empirismo, o
julgamento sobre a qualidade da pesquisa é na verdade um julgamento sobre a metodologia;
estudos válidos são os que têm procedimentos corretos. Nesta concepção, a pesquisa não é
ética se não tiver mérito científico, a boa ciência é baseada em procedimentos conclusivos.
Entretanto, para muitos métodos aceitos e emergentes, os procedimentos não estão definidos
a priori. O pesquisador em ciências sociais estuda política social, questões de injustiça social
e opressão com uma abordagem qualitativa utilizando um paradigma interpretativo não tem
hipótese definida, não tem enquadre teórico predeterminado, não tem técnica de amostragem
e nenhuma instrução a dar ao comitê de ética como evidencia de que a pesquisa está
acontecendo (ou de como a pesqusia será conduzida). Se os critérios, na revisão ética,
derivam apenas do positivismo, qualquer submissão baseada no paradigma interpretacionista
será suficiente.
As decisões sobre risco e benefício dos REB não podem ser separadas dos
paradigmas.
TCPS utiliza critérios clínicos para considerar um estudo como invasivo. Tópicos
sensíveis, delicados, de natureza social ou psicológica o menos reconhecidos pelo TCPS.
Esses tópicos sensíveis podem incluir: a. quando a pesquisa entra na esfera privada ou
investigar profundamente alguma experiência pessoal; b. quando o estudo é relativo a
desvios ou a controle social; c. quando visa informar pessoas poderosas a coagir ou dominar;
d. quando lida com coisas sagradas aos investigados. (Lee e Renzetti, 1990,p512)
TCPS difere substancialmente da diretriz do SSHRC, que advertia a importância de
ter cuidado adicional com pesquisas que o risco é difícil de ser acessado antes do início da
pesquisa. “Nós percebemos que o dano psicológico pode ter várias formas: perda de
dignidade e auto-estima, constrangimento social, provocar culpa ou remorso ou sentimento
de ser explorado ou degrado. Não é fácil acessar estes potencias danos, porém nós
recomendamos o máximo deve ser feito quanto mais incalculável o risco, mais precauções
devem ser tomadas pelo pesquisador e pelo CEP”.(SSHRC, 1997, 12-3.) Ao contrário, o
TCPS não considera que o risco do dia-a-dia pode ser de difícil manejo para uma pessoa
numa situação de fragilidade.
Num paradigma interpretativo, o risco é considerado uma decisão pessoal e
idiossincrática. Cada pessoa está em melhor posição de decidir se aceita o risco versus o
beneficio, e não o comitê de ética. Quando a pesquisa é conduzida num paradigma
interpretacionista, a função de controle social, como o balanço entre riscos e benefícios não
é necessário. O positivismo enfatiza a pesquisa exógena, que é a pesquisa na qual todos os
aspectos, da definição do problema a instrumentalização, a coleta e análise dos dados e o
uso dos achados são determinados pelo pesquisador, com a exclusão da pesquisa endógena,
que é aquela na qual os participantes tem igual direito de determinação. É enfatizada a
pesquisa etic, que é a pesquisa conduzida de uma perspectiva externa (outsider), com a
exclusão da pesquisa emic, que é a conduzida numa perspectiva insider (subjetiva). As
decisões sobre risco e benefício adquirem outro significado na revisão do paradigma
interpretativo.No paradigma interpretativo, a avaliação de risco é parte da interação social
cotidiana do pesquisador e dos participantes.
Se algum reconhecimento de que existem paradigmas alternativos de pesquisa,
este se encontra na possibilidade de exceção. Nesta política, o pesquisador tem que provar
porque sua proposta não se encaixa no desenho padrão, característico do paradigma
positivista.
Se a resposta da pesquisa é definida exclusivamente pelo pesquisador, que não está
envolvido com a experiência de ser pesquisado, e é imposto sem consulta ao conhecimento
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prático do sujeito, nós teremos achados que não refletem diretamente nem a experiência do
pesquisador nem dos sujeitos. Os sujeitos da pesquisa são objetos trabalhados pelo
pesquisador. A questão do consentimento ganha outro significado.
Na pesquisa qualitativa, o propósito da pesquisa é aumentar o conhecimento de uma
questão através da interação e do diálogo. Neste desenho de pesquisa, o consentimento
informado não é o começo. Na pesquisa qualitativa, o consentimento é parte do processo
metodológico. O consentimento vagarosamente emerge da pesquisa, o pesquisador e os
“sujeitos” são todos insiders ao processo da pesquisa. A interação é moldada conjuntamente ,
e o pesquisador e os participantes se influenciam mutuamente. O consentimento informado é
um processo ao longo da pesquisa. É a validação dos dados da pesquisa, pelo participante.
O que é preciso, em termos dos princípios éticos fundamentais é uma modificação do papel
dos comitês de uma orientação para proteger o participante para o papel de preservar a
autonomia, o respeito pelas pessoas e a auto-determinação.
Não é apropriado dividir esta discussão entre pesquisa biomédica e pesquisa em
ciências humanas e sociais. Elas podem ser complementares e, alem disso, tiveram forte
influencia do positivismo. É mais apropriado centrar esta discussão nos paradigmas de
pesquisa e em suas metodologias. Resolver esta tensão sobre diferenças pode começar pelo
reconhecimento de que os paradigmas são diferentes, mas são parte de um mesmo todo.
Como visões de mundo incomensuráveis, os achados destas pesquisas não são duplicados,
mas são complementares para uma compreensão mais ampla. É urgente desenvolver um
processo de revisão ética para estes paradigmas e suas metodologias.
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere:
TCPS
42. Autor: Miller P; Rainow S.
Título: Commentary: Don´t forget the plumber: research in remote Aboriginal communities
Referência: Comment On: Aust N Z J Public Health. 1997 Feb; 21(1): 89-95.
Objetivo do artigo: MILLER e RAINOW (1997) descrevem sua maneira de
trabalhar em comunidades de aborígines australianos, e advertem que esta abordagem não é
necessariamente aplicável às outras comunidades aborígines australianas.
Cita exemplos do estudo: sim.
Tema abordado sobre aspectos éticos em pesquisas com seres humanos:
Consideram que é difícil estabelecer diretrizes únicas para pesquisadores que não estão
familiarizados com estas comunidades, pois estas comunidades estão mudando seus
costumes muito rapidamente, assim uma mesma comunidade muda rapidamente, mas
também entre diferentes comunidades a velocidade e o caminho das mudanças podem ser
diferentes. Entretanto, os autores consideram que refletir sobre alguns princípios pode ser
útil.
Quais são os aspectos éticos a serem observados nas pesquisas: Assim, os
aspectos éticos a serem considerados são:
1. o questionamento sobre se a pesquisa tem a possibilidade de resultar em avanços
para a saúde dos aborígines. Os aborígines e os serviços de saúde podem identificar questões
de pesquisa e então contratar institutos de pesquisa para conduzir estes estudos. Também é
legítimo que os pesquisadores identifiquem questões de pesquisa, embora muitos grupos
aborígines apenas aprovem pesquisas que tem relevância imediata. Os autores citam como
exemplo uma pesquisa que foi proposta por um instituto de pesquisas urbano, sobre moradia.
Nesta situação, a negociação com o grupo aborígine convidado a fornecer informações,
resultou em mudança no planejamento da pesquisa, os objetivos foram redefinidos. E se
tornaram mais concretos, imediatos e úteis. Além disso, os pesquisadores incluíram a
distribuição de kits para jardinagem aos que responderem ao survey. Estas medidas práticas
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visam atender às necessidades identificadas. Os autores consideram que este processo pode
aumentar a relevância e a qualidade da pesquisa.
2. Atender às necessidades imediatas. É importante que o pesquisador não apenas
identifique o problema e embora. É importante que aloquem verba no orçamento da
pesquisa para atender necessidades imediatas da comunidade pesquisada. Estes autores
denominam de abordagem dos surveys éticos”. O método de acessar as necessidades não
pode se tornar uma desculpa para evitar os problemas reais.
3. Métodos. As pesquisas ruins não podem ajudar ninguém, ainda que tenham
aprovação ética. As pesquisas qualitativas em áreas remotas colocam desafios
metodológicos. È difícil garantir a validade dos dados se o pesquisador não está
familiarizado com a linguagem e a cultura. Não é apenas uma questão de contratar um
intérprete ou pessoas para fazer transcrições, ou ainda a preocupação não se restringe apenas
a não ofender as pessoas. O ponto central é que a cultura informa o contexto para interpretar
os dados. A possibilidade de generalização precisa ser considerada ao selecionar os campos
de pesquisa, bem como os informantes. Os campos de pesquisa devem ser representativos da
diversidade lingüística, cultural, geográfica e demográfica. A seleção dos informantes
precisa ter um cuidado especial com o sistema de parentesco, indicadores demográficos
padrão, bem como fatores como o cristianismo e o uso de substâncias.
4. Questões culturais. O pesquisador carrega consigo sua cultura. Assim, é
importante ter em mente que os conceitos ocidentais de eficiência e a ética protestante do
trabalho, não são valores universais.
5. Conceito de tempo. Os pesquisados podem não exercer atividades remuneradas,
mas estar envolvidos com atividades como cuidar de familiares ou outras ocupações, como
dançar. A agenda deles pode estar cheia com compromissos desta natureza e cabe ao
pesquisador respeitar o tempo que os pesquisados se dispõem a oferecer para a pesquisa,
respeitando as prioridades estabelecidas pelos informantes.
6. confiabilidade e anonimato. Como estas comunidades costumam ser pequenas,
onde todos se conhecem, preservar a privacidade, a confidencialidade e o anonimato coloca
questões práticas. Os questionários devem ser identificados apenas por números, e a relação
que permite associar o mero ao informante deve ser guardada longe dos questionários. Se
as entrevistas o transcritas em computadores, o nome também deve ser substituído por
números. O pesquisador precisa informar os informantes dos cuidados que adota para
proteger o anonimato dos participantes.
7. Apresentação dos resultados para a comunidade. É razoável que a comunidade
deseje conhecer os resultados da pesquisa imediatamente. Os autores sugerem que os
pesquisadores preparem relatórios sintéticos, ainda que preliminares e entreguem
imediatamente após o término da pesquisa na comunidade e para os serviços de saúde. Não
é ético que o pesquisador envie um relatório acadêmico, seis meses após o término da
pesquisa, momento em que busca aprovação para publicação.
8. sobre a propriedade dos dados. Muitas diretrizes sobre ética em pesquisa em
comunidades aborígines afirmam que o material da pesquisa e os dados continuam
pertencendo à comunidade. Muitas organizações aborígines não consideram que o
pesquisador tem automaticamente o direito de publicar os resultados.
Observações:
Documentos sobre ética em pesquisa a que se refere: Report of National
workshop on ethics of research in Aboriginal health. In: Guidelines on Ethical Matters in
Aboriginal and Torres Strait Islander Research. Canberra: National Health and Medical
Research Council, 1991.
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