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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
CÉLIA MARIA LANGE
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS
EM ESPAÇOS DE ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA
(O SENTIDO PEDAGÓGICO DO PROJETO ESPERANÇA/COOESPERANÇA)
Ijuí (RS)
2006
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CÉLIA MARIA LANGE
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS
EM ESPAÇOS DE ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA
(O SENTIDO PEDAGÓGICO DO PROJETO ESPERANÇA/COOESPERANÇA)
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação nas
Ciências da UNIJUÍ - Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre, na área de Educação nas
Ciências.
Orientador: Professor Doutor Walter Frantz
Co-Orientadora: Professora Doutora Helena Copetti Callai
Ijuí (RS)
2006
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AGRADECIMENTOS
Em especial, à minha filha Alessandra e a minha mãe Guiomar, agradeço o incentivo e
o apoio.
Aos amigos e amigas de todos os momentos, professor Arnildo, Luiz Afonso, Geni,
Isadora, José, Maria, Claudio, Luiz Otávio, Paulo, Frei Clair, Frei Wilson, Frei Aldir, Pastor
Luiz Artur, Irmã Margarida e Natanael, com quem compartilhei avanços e angústias; obrigada
pelo companheirismo e amizade.
Aos colegas da Escola Estadual de Ensino Médio Paulo Freire, especialmente a
professora Tânia Dal Forno, obrigada pela compreensão e carinho.
Às companheiras da ONG – Centro de Assessoria Vida e do Movimento dos Pequenos
Agricultores, pela convivência enriquecedora.
Aos componentes do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA - Santa Maria,
profunda gratidão e respeito, em especial a Irmã Lourdes Dill e ao Bispo D. Ivo Lorscheiter.
Aos funcionários dos arquivos e instituições de pesquisa, pelo apoio na coleta de
dados.
Aos professores e colegas do Mestrado em Educação nas Ciências da UNIJUI, em
especial, a Profª. Dra. Ruth Marilda Fricke, com quem iniciei os primeiros diálogos do projeto
de Mestrado. Às Professoras Drª. Ana Maria Colling e Drª. Anna Rosa Fontella Santiago pelo
desvendar de possibilidades, o devir... E, aos meus orientadores, grandes mestres, Profº Dr.
Walter Frantz e Profª. Drª. Helena Copetti Callai, pelo respeito a minha caminhada, dando-me
liberdade e auxiliando-me na construção do processo da pesquisa, minha admiração e
profundo respeito.
RESUMO
Este trabalho busca compreender a construção de conhecimentos, numa perspectiva
rizomática, nos espaços do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, uma proposta que
articula experiências de Economia Popular Solidária, no meio urbano e rural, na região de
Santa Maria, RS. A experiência nasceu inspirada e motivada a partir da leitura e dos estudos
do livro A pobreza, riqueza dos povos. A transformação pela solidariedade, de Albert
Tévoéjrè. O surgimento de experiências significativas da solidariedade, construindo novas
formas de aprendizagens num espaço de Economia Popular Solidária, em que pesem aspectos
culturais numa perspectiva socioeconômica, política e ideológica, supõe, em sua constituição,
outras abordagens, diferenciadas de uma educação arbórea, possibilitando no “devir” o
surgimento de outras formas de educação, que exploram e experimentam com criatividade o
fazer, pensar e sentir. Essas experiências, apesar de se construírem na base de um eixo
comum, a solidariedade, apresentam nuances de perspectivas rizomáticas, em que um saber-
poder, permite “linhas de fuga”, que desconstroem os troncos de centralidade, onde o saber
tem dimensões limitadas, absolutas... Permitindo que as pessoas criem seus próprios pontos
de vista e estimulem iniciativas comunitárias para a solução de problemas.
Palavras-Chave:
Construção do conhecimento. Economia Popular Solidária. Rizoma. Devir. Solidariedade.
Projeto Esperança/Cooesperança.
ABSTRACT
This work searches the understanding of knowledge, in a rhizomatic perspective, in
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA's spaces, a proposal that articulates experiences of
Solidary Popular Economy, in the urban and rural way, in Santa Maria's (RS) area, (tied up
the Diocese of that municipal district) that started from the studies of the book The poverty,
wealth of the people - The transformation for the solidarity, of Albert Tévoéjrè. The
appearance of significant experiences of the solidarity, building new forms of learning in a
space of Solidary Popular Economy, that consider cultural aspects in a socioeconomic
perspective, politics and ideological, supposes in its constitution, other accosting,
differentiated from an arboreal education, facilitating in the “devir” the appearance in another
education ways, that explores and tries with creativity to do, to think and to feel. Those
experiences, in spite of being in a base of a common axis, the solidarity, present nuances of
rhizomatic perspectives, in that a know-can allows “escape lines”, that destroy the central
logs, where the knowledge has limited, absolute dimensions... Allowing the people to create
their own point of view and community initiatives for the solution of problems.
Key Words:
Construction of the knowledge. Solidary popular economy. Rhizome. Solidarity. Projeto
Esperança (Project Hope)/Cooesperança.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 08
1 A PERSPECTIVA TEÓRICA CONSTRUÍDA ...............................................
16
1.1 Conhecimento/Construção do Conhecimento ............................................... 16
1.2 Solidariedade ................................................................................................ 21
1.3 Economia Popular Solidária .......................................................................... 24
1.4 Rizoma/Perspectiva Rizomática .................................................................... 28
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA REGIÃO DE SANTA MARIA........................
31
2.1 A História Política ........................................................................................ 35
2.2 Ferrovia e Desenvolvimento.......................................................................... 39
2.3 A Cooperativa dos Ferroviários, Espaço de Solidariedade ............................ 45
2.4 A Vila Belga ................................................................................................. 47
2.5 As Greves Ferroviárias ................................................................................. 50
3 A CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE ....................................................
52
3.1 Possibilidades de Solidariedade na Construção Cristã .................................... 52
3.2 “...é a máquina que provoca as primeiras solidariedades operárias” ............... 57
3.3 Experiências Alternativas de Solidariedade no Rio Grande do Sul ................ 60
3.4 Projeto ESPERANÇA / COOESPERANÇA – Uma Proposta de Economia
Popular Solidária ...............................................................................................
62
3.4.1 Finalidades e Setores do Banco Esperança .............................................. 63
3.4.2 Histórico das feiras do Cooperativismo Alternativo: Terminal de
comercialização direta –Santa Maria – RS – Brasil..............................................
71
4 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ....................................................
76
4.1 A Construção do Conhecimento Solidário nos Espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA .....................................................................
76
4.2 A Construção da Solidariedade nas Relações Dentro dos Espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA .....................................................................
78
4.2.1 A construção das relações dentro dos grupos específicos de trabalho ...... 80
4.2.2 A construção das relações entre a coordenação do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA e os integrantes dos grupos...........................
82
4.2.3 A construção das relações em relação à mulher, ao negro, ao homossexual,
7
à criança, ao idoso, ao indígena........................................................................ 84
4.2.4 A construção das relações do conhecimento em relação aos fornecedores,
compradores e aos visitantes das feiras ...............................................................
92
4.2.5 A construção do conhecimento através de cursos oficiais de ensino,
seminários, fóruns................................................................................................
93
4.2.6 As possibilidades da construção do conhecimento rizomático
(Deleuze/Guattari) num processo solidário..........................................................
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................
103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................
109
ANEXOS ...........................................................................................................
116
INTRODUÇÃO
Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos,
fazendo coisas pequenas, mudarão a face da terra.
PROVÉRBIO AFRICANO
Os processos de solidariedade, como construtores de relações nos micro-espaços,
sempre ocorreram no Rio Grande do Sul, desde os primórdios de sua constituição como
organização, especialmente na região de Santa Maria, RS, enfatizando um imaginário de
solidariedade, presente na memória coletiva e na historiografia de um povo. Desvendar a
construção do conhecimento nesse processo que deu origem a uma organização de Economia
Popular Solidária, o Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA – Diocese de Santa Maria, RS
(proposta que articula e congrega experiências de economia popular solidária, no meio urbano
e rural, desde 1987 – integrado à Cáritas
1
) e perceber possibilidades de construção do
conhecimento rizomático
2
neste contexto solidário, é o objetivo a que me propus nesta obra.
1
Cáritas (palavra que tem sua origem no latim e significa caridade). A missão da Cáritas Brasileira é de testemunhar e
anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo a vida, promovendo e animando a solidariedade libertadora, participando
da construção de uma nova sociedade, com as pessoas em situação de exclusão social, a caminho do Reino de Deus.
Conforme informação da Cáritas Brasileira Regional RS. Cáritas – Instituição que integra a Rede Caritas Internationalis,
rede da Igreja Católica de atuação social composta por 162 organizações presentes em 200 países e territórios, com sede em
Roma. No Brasil, a Cáritas foi criada pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 12 de novembro de
1956. Correio do Povo. Domingo 03 de julho de 2005. A vida na Igreja. p. 18.
2
Rizoma – “Este conceito, provavelmente o mais famoso de Deleuze e Guattari, nem sempre é bem compreendido. Por si
só, é um manifesto: uma nova imagem do pensamento destinada a combater o privilégio secular da árvore que desfigura o
ato de pensar e dele nos desvia. É flagrante que “muitas pessoas têm uma árvore plantada na cabeça”; “(MP, 24): quer se
trate de buscar raízes ou ancestrais, de situar a chave de uma existência na infância mais remota, ou ainda destinar o
pensamento ao culto da origem, do nascimento, do aparecer em geral...”; “Além disso, o modelo arborescente submete, pelo
menos idealmente, o pensamento a uma progressão de princípio a conseqüência, ora o conduzindo do geral ao particular, ora
buscando fundá-lo, ancorá-lo para sempre num solo de verdade...”; “O rizoma diz ao mesmo tempo: nada de ponto de origem
ou de princípio primordial comandando todo o pensamento; portanto, nada de avanço significativo que não se faça por
bifurcação, encontro imprevisível...”; “Não julgar previamente qual caminho é bom para o pensamento, recorrer à
experimentação, exigir a benevolência como princípio, considerar enfim o método uma muralha insuficiente contra o
preconceito, uma vez que ele conserva pelo menos sua forma (verdades primeiras)”; “... o rizoma é o método do antimétodo,
e seus “princípios” constitutivos são regras de prudência a respeito de todo vestígio ou de toda reintrodução da árvore e do
Uno no pensamento”. ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2004. p.
9
O estudo partiu da idéia do recorte de um determinado espaço, considerando, além dos
aspectos físicos, elementos de ordem cultural, política, econômica e ideológica, sendo que o
seu contexto não pode ser tomado isoladamente, mas como parte de um sistema global, que
permitiu o surgimento de experiências significativas de solidariedade, construindo novas
formas de aprendizagens.
A identidade própria da região está articulada a um sistema maior, construído através
da ação humana,
Dessa forma, estarão assegurados o império da compaixão nas relações interpessoais
e o estímulo à solidariedade social, a ser exercida entre indivíduos, entre o indivíduo
e a sociedade e vice-versa, e entre a sociedade e o Estado, reduzindo as fraturas
sociais, impondo uma nova ética, e, destarte, assentando bases sólidas para uma
nova sociedade, uma nova economia,... . O ponto de partida para pensar alternativas
seria, então, a prática da vida e a existência de todos.
3
A delimitação espacial e temporal que fiz permitiu a análise das revelações do
imaginário social e histórico do local de abrangência do estudo, que é percebido como um
espaço de solidariedade, envolvendo várias facetas das relações entre os construtores da
organização, dentro da contemporaneidade, embasadas numa seqüência histórica bíblica e de
organizações operárias (desde o surgimento das máquinas na Revolução Industrial da Europa
- Inglaterra).
Essa abrangência histórica é manifestada desde as primeiras alternativas de
solidariedade no Estado do Rio Grande do Sul, com as “Reduções Indígenas dos Sete Povos
das Missões”, os Quilombos, os Círculos Operários, a Frente Agrária Gaúcha, as
Comunidades Eclesiais de Base
4
, o sindicalismo ferroviário, a Cooperativa Ferroviária e
organizações cooperativas como a fundação da primeira cooperativa de crédito rural do Brasil
97, 98 e 99.
3
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record,
2001. p. 148.
4
CEBs – ver o livro de Faustino Luiz Couto Teixeira – A gênese das CEBs no Brasil. Elementos explicativos. São Paulo:
Paulinas, 1988. “Demonstra que as CEBs nascem de um movimento de renovação sócio-cultural e eclesial. No seu
nascedouro, estariam várias iniciativas como: a experiência de catequese popular em Barra do Piraí (RJ); a experiência de
pastoral de Nízia Floresta (PEB); o movimento de Educação Rural de Natal (RN); o movimento da Ação Católica Brasileira;
o Movimento de Ação de Base (MEB); o movimento por um Mundo Melhor (MMM); os Planos de Pastoral da CNBB.
Como inspiração e sustentação teológica e pastoral, está o grande evento do Concílio Vaticano II, amparado nos movimentos
bíblico e litúrgico, propulsor da renovação da teologia, da eclesiologia e da doutrina social da Igreja.” Revista trimestral do
Instituto Missioneiro de Teologia. No. 23, Sto Ângelo.2001. “Os Bispos latino-americanos reunidos em Puebla (1979), dirão
que as CEBs ‘converteram-se em centros de evangelização e em motores de libertação e desenvolvimento”. (no.96). E os
Bispos do Brasil, no documento 25, lembram que “no constante esforço de atuar, refletir e celebrar, as CEBs são uma
alternativa de educação para os que buscam uma sociedade nova, onde o individualismo, a competição e o lucro cedem lugar
à justiça e a fraternidade.” <http://www.cebsuai.org.br/histcebs02.htm>
10
e da América Latina, por um missionário jesuíta suíço
5
, padre Theodor Amstad.
Para entender o processo, investiguei desde a fundação de Santa Maria, RS,
destacando a Vila Belga, a organização dos Ferroviários (especialmente o sindicato dos
Ferroviários e a Cooperativa dos Ferroviários), aspectos fundantes que marcaram o
município, onde criou-se um nicho propício a experiências que resultaram na constituição do
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
A temática desenvolvida originou-se da importância da atual organização do processo
de Economia Popular Solidária, considerado como “empreendimentos econômicos
solidários”
6
, que vêm instigando o imaginário coletivo pela abrangência de possibilidades,
suscitadas na constituição de um projeto que emergiu a partir do estudo do livro A pobreza,
riqueza dos povos: a transformação pela solidariedade de Albert Tévoédjrè
7
, que sugere o
reinventar da economia, inovando-se situações e revendo posicionamentos a respeito de
econômico, social, cultural, ecológico e, como conseqüência, reinventado a construção de
conhecimentos nos espaços solidários.
A investigação inicial, buscando delimitar o tema, conduziu-me a um entrelaçamento
de idéias a respeito do assunto a ser estudado, mais especificadamente estabelecendo elos
entre construção do conhecimento, solidariedade, Economia Popular Solidária e Rizoma.
Conduziu-me a buscar um melhor entendimento da construção do conhecimento no mar de
informações que se entrecruzam, vindas de todas as partes, de todas as formas. No contexto
em que estão estabelecidos os processos organizativos do Projeto, percebi que os envolvidos
participam de cursos, seminários, eventos como o Fórum Social Mundial, ações coordenadas
pelo SEBRAE, trocam receitas, explanam seus trabalhos em vários lugares; estudam no
curso da Educação de Jovens e Adultos (EJA); aprendem com e entre os grupos, na
coordenação em grupos, com compradores, fornecedores, trabalhadores em formação.
Para a finalidade deste estudo, considerei a designação dos trabalhadores integrantes
do processo de Economia Popular Solidária como seres que “no curso da história, os homens
5
Ver o livro - Dom Ivo Lorscheiter, o Bispo da Esperança: sobre o passado o presente e o futuro da Igreja/organizado por
Sergio Augusto Belmonte e Eugênia Mariano da Rocha Barichello. Santa Maria: Pallotti, 2004. p. 123.
6
Sindicalismo e economia solidária. Reflexões sobre o projeto da CUT. Publicação da CUT Nacional Grupo de Trabalho
Economia Solidária. Dezembro/1999. p. 31.
7
TÉVOÉDJRÈ, Albert. A pobreza, riqueza dos povos. A transformação pela solidariedade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
11
jamais cessaram de se construir, isto é, de deslocar continuamente sua subjetividade, de se
construir numa série infinita e múltipla de subjetividades diferentes, que jamais terão fim e
que não nos colocam jamais diante de alguma coisa que seria o homem”
8
, mas num “devir-
criança” em que “no devir acontece uma antropogênese que se diferencia da configuração da
forma Homem. Devir é sempre experimentar e explorar a alteridade do ser Homem
9
, deixado
à margem “num período histórico marcado, na escala mundial, por uma estarrecedora lógica
da exclusão”
10
, engessado por um modelo econômico excludente e sem perspectivas de
inserção social, econômica, política... Em sua maioria, constituindo as “bordas” (mulheres,
negros, idosos, crianças, índios, homossexuais...).
Na constatação dessa realidade surgem os questionamentos: como acontece a
construção do conhecimento nesses espaços? Essa construção rompe com uma educação
sedimentada num paradigma arbóreo que “representa uma concepção mecânica do
conhecimento e da realidade, reproduzindo a fragmentação cartesiana do saber,”
11
em relação
ao aspecto do poder e da importância, e nos aspectos das prioridades na circulação? Como
acontece essa construção do conhecimento em espaços em que o fundamental é a
solidariedade? Afinal, como entender essa solidariedade? Será necessário um contexto de
solidariedade para o existir e para o surgir de uma Economia Popular Solidária,
estabelecendo-se uma cultura de solidariedade? E, por último, qual o fundamento teórico que
permitiria uma melhor compreensão desse processo?
Inicio então a pesquisa, principalmente na busca de uma teoria que permita o
desvelamento dessa realidade. Em especial, entre os teóricos pós-estruturalistas: Jacques
Derrida, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari. Nestes últimos percebi que ali
estava o devir – o Rizoma. O trabalho havia encontrado a sua primeira linha de fuga. Linha
que permitia o entendimento em outras linhas: na Economia Popular Solidária, no Contexto
de Santa Maria, nos Ferroviários (no sindicato dos Ferroviários, na Cooperativa dos
Ferroviários), na Vila Belga (conjunto habitacional para abrigar os funcionários da Viação
Férrea do Rio Grande do Sul – Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brèsil), no
Padre Theodor Amstad (fundador da primeira cooperativa da América Latina), na
8
REVEL, Judith. Foulcault, Conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005, p. 85.
9
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Rio de janeiro: Ed.34, 1997. p. 11.
10
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 18.
11
GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 89.
12
solidariedade cristã, na solidariedade ensejada a partir das primeiras máquinas (Revolução
Industrial – Inglaterra/Europa) e no Projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA – Santa
Maria – RS.
Em conseqüência desta análise inicial foi possível estabelecer as hipóteses que
norteiam o presente estudo:
1 O estado do Rio Grande do Sul, devido a sua história de solidariedade,
especialmente em Santa Maria, com a implantação da Rede dos Ferroviários, da Vila Belga,
do sindicato dos Ferroviários, da Cooperativa dos Ferroviários e com a vinda de D. Ivo
Lorscheiter como Bispo Diocesano, construiu uma cultura de solidariedade (novas
possibilidades na construção dos conhecimentos), que permitiu o surgimento de experiências
econômico-solidárias, como do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
2 O processo de construção de conhecimentos (com a aprendizagem concebida
como um movimento político-histórico-cultural-ideológico) como contextualização/práxis da
solidariedade nos espaços de Economia Popular Solidária, permite novas construções de
conhecimentos, na invenção da constituição do “humano”.
3 A construção de conhecimentos nos espaços solidários apresenta-se como
Rizoma-perspectiva rizomática (Rizoma – Deleuze/Guattari), em que a construção é
transdisciplinar, integrando áreas do conhecimento, não tendo relação com a unicidade
(sujeito ou objeto), constituída por uma centralidade econômica; apresentando
multiplicidades, não existindo pontos ou posições estáticas, mas possibilidades, ocupando
todas as dimensões ou linhas, permitindo várias conexões entre os vários conhecimentos,
construindo novas formas de aprendizagens em que se salientam os diversos aspectos sociais,
econômicos, culturais, ideológicos (a sobrevivência); em que todos os pontos (compra, venda,
custos, relações, políticas públicas...) se interligam num processo em que o conhecimento
resulta numa rede de articulações.
Através da pesquisa em fontes documentais e historiográficas, em espaços como
Biblioteca da UNIJUÍ – Ijuí, RS, Biblioteca dos Capuchinhos – Bairro Partenon – Porto
Alegre, RS, Biblioteca da Diocese de Santa Maria – Santa Maria, RS, Biblioteca do Instituto
Missioneiro de Teologia – Santo Ângelo, RS, Sindicato dos Ferroviários de Santa Maria, RS,
13
Biblioteca da USFM – Santa Maria, RS, Prefeitura Municipal de Santa Maria, RS, Mitra
Diocesana de Santa Maria, RS, Banco da Esperança – Santa Maria, RS, Anais do Fórum
Social Mundial – 2003 e 2005 - Porto Alegre, RS, Diocese de Cruz Alta – Cáritas – Cruz
Alta, RS, bem como da pesquisa com base em relatos orais, busquei desvendar os aspectos
fundantes do surgimento, da constituição e da solidificação do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, que permite a organização de um povo na busca de
alternativas à economia vigente, através de alternativas de trabalho e geração de renda em
condições adversas do capitalismo excludente.
Para efetuar concretamente minha reflexão no plano empírico da problemática da
construção de conhecimentos nos espaços de economia solidária, inicialmente selecionei
quatro pessoas representativas (integrantes do processo de economia solidária em Santa
Maria, RS), que relataram a história do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA,
especialmente em relação a aspectos culturais e à construção do conhecimento. A partir deste
material pesquisado, estabeleci algumas reflexões e elaborei perguntas para quatro grupos
representativos urbanos e rurais. Em seguida, defini categorias de perguntas que foram
comparadas ao que foi explicitado nas entrevistas. Logo após, esse material foi confrontado
com documentos para análise. Por último, comparei a construção do conhecimento sob a ótica
do embasamento teórico, estabelecendo relações, destacando dados sobre aquisição, produção
e socialização do conhecimento, com a pesquisa, para então explicitar minhas conclusões.
O registro dos resultados da pesquisa e a análise realizada estão descritos nesta
dissertação, em quatro capítulos. No primeiro, busco explicitar aspectos referentes a
conhecimento, solidariedade, Economia Popular Solidária e Rizoma/perspectiva rizomática,
como embasamento teórico da pesquisa. Os teóricos que fundamentam essa parte do trabalho
são, especialmente, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault, Tomaz Tadeu da Silva,
Silviano Santiago, Hugo Assmann, Pedro Demo, Ana Maria Colling, Paul Singer, Leonardo
Boff, Lia Tiriba, Jean Duvinaud, Walter Frantz, Léo Zeno Konzen, Hélcion Ribeiro, Jung Mo
Sung, Albert Tévoédjré, Luis Razeto e Sílvio Gallo.
No segundo capítulo, procuro contextualizar o espaço onde se insere o Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA: Santa Maria, RS, sua dimensão sócio-político-econômica,
buscando resgatar um marco definidor do surgimento de alternativas concretas de democracia,
14
do desenvolvimento humano, solidário e sustentável para aquela região, permitindo o
surgimento de novas “humanidades”. A instalação da Rede Ferroviária e, principalmente, a
implantação da Vila Belga (sua forma organizativa) e da Cooperativa dos Ferroviários. Esse
ponto da pesquisa é embasado em João Belém, José Newton Cardoso Marchiori e Valter
Antonio Noal Filho, Caio Júnior Prado, Alice Cardoso e Frinéia Zamin, Atila do Amaral, José
Roberto de Souza Dias, Marta Lompa, Caryl Eduardo Jovanovich Lopes, Andrey Rosenthal
Schlee, além de documentos da Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul e do
seu Centro de História Oral.
No terceiro capítulo, evidencio a construção da solidariedade, através de um resgate
das possibilidades de solidariedade na construção cristã, nos primeiros registros de
solidariedades operárias, com o surgimento das máquinas na Revolução Industrial na Europa;
um resgate Bíblico da solidariedade, com as experiências alternativas de solidariedade no Rio
Grande do Sul, como a criação da primeira cooperativa da América do Sul pelo Padre
Theodor Amstad
12
, as Reduções Indígenas dos Sete Povos das Missões, os Quilombos, os
Círculos Operários, a Frente Agrária Gaúcha e as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
Também neste capítulo apresento uma profunda pesquisa sobre o Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, sendo que busco resgatar historicamente aspectos ligados
à Igreja Católica, desde a vinda do Bispo D. Ivo Lorscheiter para Santa Maria e a conseqüente
criação da Feira da Primavera e dos Projetos Alternativos Comunitários (PACs, ligados a
Cáritas, que apóia iniciativas comunitárias, especialmente como alternativas de sobrevivência,
numa perspectiva solidária) até o surgimento do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA e
sua organização em todas as suas instâncias.
No quarto capítulo, sistematizo as práticas de construção do conhecimento nos
espaços de pesquisa e no referencial teórico, estabelecendo relações entre o conhecimento
construído numa perspectiva da solidariedade nos espaços analisados e a teoria rizomática,
buscando o desvelamento da construção social do conhecimento e buscando verificar se o
mesmo permite, em suas formas diversas, o envolvimento de saberes, desarticulando a
hegemonia início/fim, motivando meios, ensejando possibilidades, desvelando mosaicos de
realidades diversificadas, que suscitam um conjunto importante de questões teóricas e
políticas (transformando a partir das bordas o estabelecido, enquanto trabalho/produção) para
12
Sobre a fundação dessa cooperativa sugerimos a leitura da obra de Arthur Blasio Rambo. O associativismo Teuto-
Brasileiro e os primórdios do cooperativismo no Brasil. Perspectiva Econômica no. 62-63. Cooperativismo No. 24-25.
15
compreender seu significado para a educação.
Nas considerações finais, são apresentados os resultados da pesquisa, em que surgem
os desvelamentos do processo de busca teórico-metodológica, explicitando conclusões acerca
da construção do conhecimento nos espaços do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA
sob uma perspectiva rizomática.
Como complemento necessário à pesquisa, a opto pela integração de alguns anexos
que permitem uma melhor compreensão da organização do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA, como forma documental do trabalho. Inicialmente o logotipo que
identifica o Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA; entrevistas que embasam esse
trabalho e um organograma. Em seguida um relatório sobre a 1
ª
Feira da Economia Solidária
do MERCOSUL, juntamente com a realização da 12
ª
FEICOOP - Feira Estadual do
Cooperativismo, da 4
ª
Feira Nacional de Economia Solidária e da 5
ª
Mostra da
Biodiversidade, apresentando a ampliação de um Projeto que se expande em suas
possibilidades de novas construções solidárias de economia, além de fotografias que
identificam aspectos do referido Projeto.
Vol.23. Jul./Dez. 1988.
1 A PERSPECTIVA TEÓRICA CONSTRUÍDA
A dimensão que utilizo no trabalho para entender a construção do conhecimento nos
espaços da economia popular solidária numa perspectiva rizomática, pressupõe a
compreensão do processo de conhecimento, da construção do conhecimento, da solidariedade,
da Economia Popular Solidária e de Rizoma- perspectiva rizomática. Nesse sentido, as
proposições listadas conduzem à teorização, pois as conceituações embasam a abrangência
dos estudos.
1.1 Conhecimento/Construção do Conhecimento
O conhecimento é aqui abordado como processo de construções num espaço cultural,
13
em que a aprendizagem é algo que escapa ao controle, como explicita Deleuze:
Aprender vem a ser tão-somente o intermediário entre não-saber e saber, a passagem
viva de um ao outro. Pode-se dizer que aprender, afinal de contas, é uma tarefa
infinita, mas esta não deixa de ser rejeitada para o lado das circunstâncias e da
aquisição, posta para fora da essência supostamente simples do saber como
inatismo, elemento a priori ou mesmo Idéia reguladora. E, finalmente, a
aprendizagem está, antes de mais nada, do lado do rato no labirinto, ao passo que o
filósofo fora da caverna considera somente o resultado – o saber – para dele extrair
os princípios transcendentais.
14
Ou seja, a vida é “devir” do conhecer em todos aspectos, sociológicos, econômicos,
políticos, ideológicos, portanto, o importante é a “desterritorialização” constante de modelos,
caminhos preestabelecidos e soluções como integração de saberes.
13
Cultura: Na teorização introduzida pelos Estudos Culturais, sobretudo naquela inspirada pelo pós-estruralismo, a cultura é
teorizada como campo de luta entre os diferentes grupos sociais em torno da significação. A educação e o currículo são
vistos como campos de conflito em torno de duas dimensões centrais da cultura o conhecimento e a identidade. SILVA,
Tomaz Tadeu da. Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p.32
14
DELEUZE, Gilles. Diferença e reptição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. p. 270.
17
Sob a compreensão dessas teorizações, como construção de conhecimentos, tento
situar historicamente a construção do conhecimento que embasa a sociedade em que vivemos,
para melhor situar o complexo processo de aprendizagem, nesta pesquisa, no que se refere à
solidariedade e à perspectiva rizomática, que se contrapõe ao modelo da árvore, da raiz, no
sistema de pensamento.
Desde seus primórdios, a sociedade capitalista, que enfatiza os grandes inventos da
humanidade, como o mercado, a democracia e o emprego
15
, numa perspectiva de produção
fordista
16
, a partir do ciclo de crescimento das economias no após Segunda Guerra Mundial, até o
final dos anos sessenta, construiu em sua organização a pedagogia orgânica do
taylorismo/fordismo, que apresentou princípios para atender a uma divisão social e técnica do
trabalho, marcada pela clara definição de fronteiras entre as ações intelectuais e instrumentais.
Essa dicotomia entre teoria e prática, nos processos educativos, em decorrência de relações de
classe bem definidas, que determinam as funções a serem executadas por dirigentes e
trabalhadores do mundo da produção, enfatiza a educação como processo “pelo qual a sociedade
forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses.”
17
Nesse caso, propõe a
aquisição de conhecimentos fragmentados, descontextualizados, organizados em seqüência rígida
e com respostas padronizadas. O tempo de aprendizagem é delimitado, parcelado, permitindo
práticas de controle sistematizado. Esse contexto tem interesse em atender às demandas do
mundo do trabalho e da vida social, que tem como parâmetros “certezas” estabelecidas ao longo
do tempo e consideradas “aceitáveis pela humanidade”.
Este paradigma permite a organização embricas que concentram um vasto grupo de
trabalhadores, dentro de um contexto organizado em compartimentos e de forma verticalizada,
onde o planejamento apresenta uma organização separada da produção, dentro do processo
taylorista de produção em série e em grande escala, com vistas a atender o mercado cada vez
mais competitivo. Nesse espaço-tempo social-histórico-cultural-econômico, os trabalhadores
devem ser qualificados para atender às demandas de uma sociedade cujo modo dominante de
15
Empresa social e globalização. Administração autogestionária: uma possibilidade de trabalho permanente. ANTEAG. São
Paulo. 1998. Prefácio de Paul Singer. Texto de Cândido Grzbonski (Diretor Executivo do IBASE) e Paulo Faveret Filho
(técnico do BNDES) sob a coordenação de Celso Alves da Cruz (Diretor da FINEP). p. XIV
16
Fordismo. Característica com a qual se descreve, a partir do modelo da fábrica de automóveis Ford, estabelecida nas
primeiras décadas do século XX, a produção em massa e o processo capitalista de trabalho baseado na linha de montagem. O
fordismo teria sido substituído, na atual fase do capitalismo, pelo pós-fordismo, caracterizado por uma produção voltada para
um consumo diversificado e por um processo de trabalho flexível e descentralizado. SILVA, Tomaz Tadeu da. Teoria
cultural e educação – Um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica. p. 60
17
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos.11.ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 29.
18
produção, a partir de uma rigorosa divisão entre as tarefas intelectuais (dirigentes) e as
operacionais (empregados subalternos), caracteriza-se por tecnologia de base rígida,
relativamente estável. O trabalho nessa dimensão exige apenas algumas trocas de
componentes, através de máquinas eletromecânicas e movimentos preestabelecidos (basta
memorizar movimentos repetitivos), onde dificilmente se constroem alternativas
diferenciadas de atuação, como muito bem retrata o filme “Tempos Modernos”, de Charles
Chaplin.
Hoje, o novo padrão de acumulação capitalista
18
, apoiado basicamente na
microeletrônica, transforma radicalmente a realidade, imprimindo vertiginosas mudanças ao
processo produtivo, a partir da crescente incorporação da ciência e da tecnologia em busca da
competitividade, dentro de uma globalização da economia e de uma reorganização econômica
cuja característica principal é a flexibilidade, onde “potencializa-se a acumulação pelo grau de
inovação, pela possibilidade de fragmentação das cadeias produtivas globais e pela enorme
autonomia da tecnologia.”
19
Estabelecem-se novas relações entre trabalho, ciência e cultura,
apresentando “um mundo de poder, produção e mercadoria,”
20
a partir das quais constitui-se
um novo paradigma tecnológico, baseado na microletrônica e nas telecomunicações. Os
trabalhadores, nesse contexto, apossam-se dos conhecimentos que, no mundo da produção
deslocam-se velozmente dentro da globalização. Castells, a esse respeito, coloca que:
No último quarto deste século que termina, uma revolução tecnológica, centrada em
torno da informação, tem transformado nosso modo de pensar, de produzir, de
consumir, de comercializar, de negociar, de comunicar, de viver, de morrer, de fazer
a guerra e de fazer amor.
21
Com esta realidade, surge a necessidade de um “novo trabalhador”, com
conhecimentos científico-tecnológicos e sócio-históricos, que domine além da língua materna,
línguas estrangeiras, a linguagem informática e as novas formas trazidas pela semiótica; que
18
“O capitalismo caracteriza-se pela concentração da propriedade dos meios sociais de produção em poucas mãos. Essa
concentração dá-se em conseqüência da lógica dos mercados competitivos, pela qual os ganhadores apoderam-se de parcelas
crescentes do mercado e do capital total e os perdedores são expulsos do mercado e privados do capital que detinham. Em
última análise, a livre competição leva a sua própria supera;cão, ao ser substituída por modalidades monopólicas ou
oligopólicas de competição” KRUPPA, Sonia M. Portella. Economia solidária e educação de jovens e adultos. Sonia M.
Portella Kruppa, organização.- Brasília; Inep, 2005. p. 13-14
19
DUPPAS, Gilberto, 1943 – Ética e poder na sociedade da informação. De como a autonomia das novas tecnologias
obriga a rever o mito do progresso / Gilberto Duppas. – São Paulo: Editora UNESP, 2001. (2
ª
ed. Revista e ampliada) . p. 28
20
Idem p. 17
21
CASTELLS, Manuel. La era de la información. Economía, Sociedade Y Cultura. Vol.3. Fin de Milenio. Alianza
Editorial, S.ª Madrid, 1998. p. 25 (tradução da autora da dissertação).
19
possua autonomia intelectual, acompanhe a dinamicidade do mundo, comunique-se e resolva
os problemas utilizando-se desses recursos. Esse processo exige que novas “marcas” sejam
inseridas nos “corpos” preparando-os para as novas situações desafiadoras de um novo tempo.
A construção do conhecimento hoje, portanto, exige que se compreenda o
desenvolvimento social e individual; a subjetividade das relações sociais e produtivas,
desenvolvendo o raciocínio lógico e a capacidade de usar conhecimentos científicos,
tecnológicos e sócio-históricos que permitam compreender e intervir na vida social e
produtiva de forma crítica e criativa, construindo um devir em que pese autonomia intelectual
e ética, a consciência de uma construção contínua durante todo o processo vivencial,
construindo o “sujeito”, de tal forma que se possa ter o entendimento de como “os seres
humanos tornaram-se sujeitos”.
22
Neste contexto, a sociedade capitalista organizou ideologicamente suas instâncias,
com a intenção de “construir sujeitos” adaptáveis a seus interesses desconsiderando suas
possibilidades cognitivas, organizacionais, sociais, políticas e afetivas:
A empresa capitalista - Independente de variações nos estilos de organização e nas
tecnologias, o tipo ideal (Weber) de empresa, tipo que, de forma crescente, tem a
pretensão de ser universal para as empresas capitalistas e para toda a forma de
organização econômica, indica que as relações sociais que regem a produção de bens e
serviços - relações de propriedade, apropriação, intercâmbio, competição ou cooperação
– estão despersonalizadas, objetivadas, chegando ao ponto de que todos os recursos,
incluindo-se aí as pessoas, são postulados como substituíveis e ocupando posições como
objetos ou agentes de uma estrutura cuja lógica pauta os comportamentos bem-
sucedidos (agora vinculados ao conceito estratégico de “empregabilidade”.
23
No plano econômico, os “corpos” foram condicionados, prevalecendo a lógica do
mercado, em que todos têm a intenção e o desejo de competir com todos. O individualismo
estigmatizou-se, sobrepondo-se a toda e qualquer possibilidade de solidariedade. “Competir
significa agir para impor perdas aos ‘outros’ e para evitar que os ‘outros’ façam isso
conosco.”
24
Nesta perspectiva, ao analisar o contexto mundial, quando vivenciamos uma
sociedade do conhecimento em dimensões planetárias, em que “a sociedade do conhecimento
22
DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault. Uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da
hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p.231.
23
CORAGGIO, José Luis. Economia do trabalho. In: CATTANI, Antonio David (org). A outra economia.
Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 89.
24
KRUPPA, Sonia M. Portella (org). Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos. Brasilia: Inep, 2005. p. 15.
20
é uma sociedade aprendente que, como a vida, se flexibiliza, se adapta, instaura redes de
relações e cria;”
25
em que a sociedade inteira está ingressando num estado de aprendizagem,
enfatizada, aqui, como aprendizagem científica, destacando-se o fato da mesma transformar-
se “numa imensa rede de ecologias cognitivas”
26
, sem dúvida, está explanada uma situação de
adequação ao predomínio da lógica do mercado, pela qual mundialmente aconteceram e
acontecem fatos que marcam as relações socioeconômico-culturais-político-ideológicas,
numa dimensão que não pode ser ignorada. Para Kurz,
Pela primeira vez na história da modernidade, uma nova tecnologia é capaz de
economizar mais trabalho, em termos absolutos, do que o necessário para a expansão
dos mercados de novos produtos. Na terceira revolução industrial, a capacidade de
racionalização é maior do que a capacidade de expansão. A eficácia de uma fase
expansiva, criadora de empregos, deixou de existir. O desemprego tecnológico da
antiga história da industrialização faz seu retorno triunfal, só que agora não se limita a
um ramo da produção, mas se espalha por todas as indústrias, por todo o planeta.
27
Assim, a construção de conhecimentos manifesta-se numa abordagem em que “o
conhecimento é um bem, uma riqueza simbólica de caráter social. É um bem que se exprime,
também, como poder”
28
perpassando todas as possibilidades, nas relações do “poder-saber”
que mesmo permeado de um “pensamento único”, através da domesticação de corpos, que se
afirma como construtora das relações, enfatizando determinadas vias de conhecimento,
permite a constituição de determinadas situações em que se desenvolvem possibilidades de
organizações construtoras do econômico, do social, do cultural e do afetivo. Para Foucault,
Seria talvez preciso também renunciar a toda uma tradição que deixa imaginar que
só pode haver saber onde as relações de poder estão suspensas e que o saber só pode
desenvolver-se fora de suas injunções, suas exigências e seus interesses. Seria talvez
preciso renunciar a crer que o poder enlouquece e que em compensação a renúncia
ao poder é uma das condições para que se possa tornar-se sábio. Temos antes que
admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o porque o serve
ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente implicados; que
não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem
saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Essas
relações de “poder-saber” não devem então ser analisadas a partir de um sujeito do
conhecimento que seria ou não livre em relação ao sistema do poder; mas é preciso
considerar ao contrário que o sujeito que conhece, os objetos a conhecer e as
modalidades de conhecimentos são outros tantos efeitos dessas implicações
fundamentais do poder-saber e de suas transformações históricas.
29
25
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 12
26
Idem, p.19.
27
KURZ. Robert. O torpor do capitalismo: chega ao fim o mito da expansão ilimitada do mercado. In: Folha de São Paulo.
11 fev.1996. [Mais] p.5-14.
28
CARBONARI, Paulo César; COSTA, José André da; CONTI, Irio Luiz (Orgs). ÁGORA. Sobre os Processos
Organizativos Sociais. Sistematização de Curso e Seminário. Passo fundo, RS: IFIBE, 2005. p. 21.
29
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 27.
21
Portanto, na configuração de um processo, esses conhecimentos como construções
exprimem uma reflexão sobre a práxis, levando à compreensão de que:
A práxis é o ato que realiza a unidade entre subjetividade e objetividade de forma
consciente e crítica; a práxis é a consciência da realidade. A subjetividade, porém,
não precede a ação, ela se funde e se confunde na ação.
30
Por isso, é permissível buscar a construção de uma solidariedade em espaços que
enfatizem possibilidades de outras alternativas de convivência entre os seres humanos, pois os
mesmos
Não são ‘naturalmente’ tão solidários quanto parecem supor nossos sonhos de uma
sociedade justa e fraternal. Por isso não convém colocar num segundo plano, ou no
rol dos pressupostos tácitos, o complicado problema da educação - melhor dito: da
conversão! -, individual e coletiva, imprescindível para que existam predisposições
para uma solidariedade efetiva, já que esta não conta com “instintos naturais”
adequados
31
.
É preciso, portanto, um constante processo de “compromisso com os pobres na esperança
de se superar a miséria e de livrar a vida humana de tudo o que ameaça a própria razão de ser do
humano,”
32
num explícito sentido de solidariedade, construindo novas relações de
aprendizagens, através da prática política, que possibilita desafios de superação de situações em
que:
O conhecimento é tomado como ‘lente’ teórica que filtra a realidade, considera os
fenômenos mais ou menos reais, enquadra expectativas de realidade de acordo com
a inserção sócio-histórica. Não se vê tudo, nem o que se quer, mas o que se pode e
somos levados a ver dentro da respectiva sociedade.
33
A educação, então, como campo de saberes, que sabe discernir efeitos de poder e,
sobretudo, estabelecer novos parâmetros de discussões, análises, reflexões/ações, constitui-se
como aprendizagem teórico-prática nas instâncias de solidariedade.
1.2 Solidariedade
A solidariedade numa perspectiva de consolidação de uma nova ética, em que os
“humanos” se descobrem nos outros e para os outros, numa sociedade socialmente justa,
economicamente viável, ambientalmente sadia, organizadamente cooperativa e politicamente
30
CARBONARI, Paulo César; COSTA, José André da; CONTI, Irio Luiz (Orgs). ÁGORA. Sobre os Processos
Organizativos Sociais. Sistematização de Curso e Seminário. Passo Fundo, RS: IFIBE, 2005. p. 118.
31
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 20.
32
A caridade: um estudo bíblico-teológico / Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (org.) – São
Paulo: Paulinas, 2002. p. 259.
33
DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2002. p. 37
22
democrática, necessita de um processo que venha “desconstruir”
34
a contracultura de
“homogeneização”
35
, buscando desmitificar uma solidariedade em que o “humano” nasce
solidário, pois é imprescindível
Reconhecer que os seres humanos não são naturalmente proclives à solidariedade,
que os comportamentos solidários requerem difíceis conversões (sobretudo em
sociedades amplas, complexas e urbanas) e que, portanto, não há como criar ou
impor (por quem?) sociedades justas e fraternas, enquanto não se criarem bases
políticas de sustentação para estabelecer metas solidárias consensuais.
36
Aliás, a “humanização” do “ser humano,” constitui-se, desde os primórdios da era
cristã, naquilo que se pode compreender como a “busca da solidariedade”. Nos países
desenvolvidos, em que houveram organizações e movimentos operários, frente as novas
circunstâncias sócio-politico-econômicas, a solidariedade deixa de ser uma prática, pois
“quando os operários conseguem um nível de renda e de direitos, a solidariedade também
perde aquele que era seu principal fundamento: a consciência de classe explorada, a
experiência da injustiça da qual todos devem sair juntos”.
37
Situações teórico-práticas que construíram conhecimentos e que permitiram as mais
variadas nuances de conhecimentos transformadores de realidades, hoje estão sendo
superadas por novas condições, pois numa sociedade global e interdependente (em que
qualquer acontecimento num ponto do sistema econômico e social afeta o conjunto),
estabelecem-se novos parâmetros mais abrangentes em relação à solidariedade, em especial a
conservação planetária. Cito, por exemplo, os EUA que se negaram a assinar o Protocolo de
Kioto, pelo qual países se comprometeram a diminuir a emissão de gases poluentes, cientes de
que o Planeta Terra está ameaçado e de que em certos casos a situação é irreversível. Digo
isso, pois
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a
humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez
34
Operação que consiste em denunciar num determinado texto (o da filosofia ocidental) aquilo que é valorizado e em nome
de quê e, ao mesmo tempo, em desrecalcar o que foi estruturalmente dissimulado nesse texto. A leitura desconstrutora da
metafísica ocidental se apresenta como a discussão dos pressupostos, dos conceitos dessa filosofia, e portanto a denúncia de
seu alicerce logo-fono-etnocêntrico. Apontar o centramento é mostrar aquilo que é ‘revelado” (relevé) no texto da filosofia;
apontar o que foi recalcado e valorizá-lo é a fase do renversement. A leitura desconstrutora propõe-se como leitura
descentrada e, por isso mesmo, não se reduz apenas ao movimento de renversement, pois se estaria apenas deslocando o
centro por inversão, quando a proposição radical é a de anulação do centro como lugar fixo e imóvel. Glossário de Derrida;
trabalho realizado pelo Departamento de Letras da PUC/RJ, supervisão geral de Silviano Santiago. Rio de Janeiro, F. Alves,
1976. p. 17
35
Homogeneização, enquanto “a geocultura dominante deseja a homogeneização da cultura de cima, a partir dos sonhos e de
imagens globais [...]” GOROSTIAGA, Xabier (1995). “Ciudadanos del planeta y del siglo XXI”. Envío, no. 157, março, 46.
36
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 192.
37
SEQUEIROS, Leandro. Educar para a solidariedade: projeto didático para uma nova cultura de relação entre os povos.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 56
23
mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e
grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que no meio de uma
magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e
uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para
gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos
direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para
chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa
responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com
as futuras gerações.
38
Vivemos numa situação planetária em que assistimos a um constante choque entre
Norte e Sul, como constatado nos meios de comunicação em relação à xenofobia aos
imigrantes na Europa (em especial, na França, com uma medida entrando em vigor em 14 de
novembro de 2005, expulsando os imigrantes legais e ilegais envolvidos em atos de violência
urbana no país)
39
, sem que outras possibilidades de solidariedade a um povo sofrido vindo de
países pobres, sejam organizadas, frente a uma realidade em que “com cerca de 450 milhões
de habitantes e cerca de 31% do PIB mundial a União Européia tornou-se o mercado
econômico mais importante do mundo”.
40
O fato demonstra, claramente, que a Europa “nunca
foi parceira de outras culturas, nem mesmo em suas religiões, ou seja, aquelas definidas por
ela. Parece-me que os efeitos do colonialismo são nítidos, ainda que camuflados em
linguagem evangélica”.
41
O Planeta Terra convive com constantes situações de risco sem que a solidariedade
esteja presente num processo de transformação. Antes, apenas em articulações da
solidariedade assistencialista – “de cima”, “aquela pregada pelo centro ou pela elite”
42
, sendo
necessária a consideração a respeito do fato de que “a solidariedade internacional é muito
importante, mas precisa aprimorar as identidades históricas e culturais dos oprimidos, além de
se alinhar ao desafio emancipatório”.
43
Ao ser vivenciada no contexto local, sem deixar de
estar inserida no global, a solidariedade deve buscar alternativas de vivências comprometidas
com a dignidade da vida, em que pese o entrelaçamento de conhecimentos que permita a
superação do senso comum estereotipado na sobrevivência paliativa. Deve buscar, portanto, o
38
Preâmbulo da Carta da Terra. Documento-Projeto: Toda a Cidade com Leonardo Boff – Rota Solidária: Porto Alegre,
Santa Maria, Alegrete, Uruguaiana, Rosário do Sul, São Gabriel. Primavera/2005. Escola Cidadã – Gestando Cidadanias
Coletivas. www.escolacidada.com.br
39
Jornal Correio do Povo. Segunda-feira, 14 de novembro de 2005. p. 10.
40
Cláusula Democrática e de Direitos Humanos. Mercosul e União Européia. Uma ferramenta para proteger, promover e
respeitar os direitos humanos no contexto das relações comerciais e de investimentos. Publicação da Plataforma Brasileira
de Direitos Humanos Econômicos Sociais e Culturais (DhESC Brasil), capítulo da Plataforma Interamericana de Direitos
Humanos, Democracia e Desenvolvimento (PIDHDD). 2005. p. 33.
41
DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2002. p. 155.
42
Idem p. 152.
43
Idem p.151.
24
comprometimento com uma solidariedade em que os envolvidos superem contradições nas
aprendizagens, percebendo os dispositivos contidos nos instrumentos de promoção e defesa
dos interesses desde suas origens, construindo um processo de organizações socioeconômico-
político-ideológicas, culturalmente constituídas e passíveis de transformações a partir de
novos discursos construtores de novas possibilidades, para além de uma “humanização”
homogeneizadora.
1.3 Economia Popular Solidária
Na globalidade econômica, em que os países têm seu desenvolvimento condicionado
aos ajustes estruturais orientados pelas instituições financeiras unilaterais e pelo mercado de
capitais, a concentração de renda tende a aumentar consideravelmente, propiciando o
surgimento da exclusão social, concentrada na cidade, entrelaçando relações econômicas,
sociais, culturais, políticas, em que:
[a] existência de limites para o exercício da cidadania por parte de amplos setores da
população brasileira se manifesta através de dificuldade de acesso ao mercado
formal de trabalho, à universidade, à alfabetização, a serviços de saúde e a produtos
culturais mais valorizados socialmente etc.
44
Consideremos indicadores que mostram uma situação em que a “poupança do país, que
atinge cerca de 20% do PIB, não é canalizada para financiar iniciativas de desenvolvimento, e
sim para financiar ganhos financeiros,”
45
o mesmo acontecendo com os recursos referentes à
força de trabalho, que deveriam ser melhor aproveitados, pois como podemos constatar em nossa
realidade a mesma apresenta-se numa perspectiva:
Em que temos 180 milhões de habitantes, dos quais 115 constituem a população em
idade de trabalho (PIA), e destes 80 milhões constituem a população
economicamente ativa (PEA). Se tirarmos os 20% de desempregados, chegamos a
65 milhões de pessoas que são as que efetivamente carregam a economia nas costas.
Temos assim cerca de 15 milhões de desempregados (critério DIEESE), e outros
milhões que poderiam estar participando, pois estão em idade de trabalho mas não
encontram oportunidades minimamente atraentes. Se acrescentarmos que, além do
estoque estrutural de desemprego acumulado, chegam anualmente mais de 1,5
milhões de novas pessoas, e que milhões de pessoas estão desempregadas em
atividades pouco produtivas, como guardas noturnos, empregadas domésticas etc.,
torna-se óbvio que a subutilização da nossa força de trabalho constitui um dos
44
SILVA, Helena Oliveira da; SILVA, Jailson de Souza e. Análise da violência contra a criança e o adolescente segundo o
ciclo de vida no Brasil. São Paulo: Global; Brasília: Unicef, 2005. p. 37.
45
Texto de Ladislau Dowbor. 23 nov. 2004. Disponível em < http://dowbor.org>
25
principais problemas enfrentados pelo país.
46
Indicadores esses, que mostram uma situação de vulnerabilidade social advinda de um
modelo neoliberal que, a partir de 1990, criou milhares de desempregados (mesmo
escolarizados). Por outro lado, mesmo com a inserção social, econômica e política, pessoas e
grupos procuram organizar-se a partir de movimentos ou outras bases sociais, enquanto
gestores de seus espaços local/global, criando novas possibilidades, buscando o domínio do
conhecimento, num constante processo de recriação e reinterpretação de informações,
conceitos e significados, na abrangência textual e contextual de sua cultura, divergindo da
competitividade, criando novas solidariedades e identidades.
Devemos considerar que nem todos aqueles que estão numa condição de limites
caracterizam-se como “excluído social”, pois, assim, estaríamos caindo no erro de uma
homogeneização de condições ao ignorarmos as
práticas e as estratégias populares no processo de constituição de seu habitar, de
suas manifestações culturais e maneiras de viver da melhor forma possível sua
cotidianidade e sua condição de integrantes da pólis.
47
Assim, homens/mulheres, jovens, idosos, negros, homossexuais, buscam estratégias
coletivas de sobrevivência, através de novas formas de trabalho e de produção, tempos e
espaços, construindo práticas solidárias que desconstroem certezas na tentativa de superação
de limites. Construindo e constituindo práticas como a Economia Popular Solidária, entendida
no aspecto em que seres humanos constroem diferentes formas de organização na tentativa de
criar suas próprias fontes de trabalho, numa perspectiva solidária que articula interesses
coletivos, reorganizando o trabalho como categoria econômica, num processo histórico-
cultural, determinando caminhos que:
Nesse cenário colocam-se aos indivíduos, às instituições e às sociedades, não só
dificuldades, mas também desafios e novas oportunidades de intervenção. A
intervenção nesse cenário exige novos atores, novos mecanismos de articulação,
novas alianças. É nesse cenário e frente a essas exigências que se recoloca a
questão do cooperativismo como uma prática social com objetivo econômico,
porém, também de dimensão política e cultural, com sentido de poder de
intervenção social, baseado no princípio do compromisso com a comunidade. A
opção pela cooperação, no cenário da sociedade contemporânea, se afirma, cada vez
mais, como uma característica da sociedade do conhecimento. A sociedade do
conhecimento não consiste apenas no domínio tecnológico, mas na elevação da
inteligência individual e coletiva no uso dessa tecnologia em favor da vida.
48
46
Idem.
47
SILVA, Helena Oliveira da: silva, Jailson de Souza e. Análise da violência contra a criança e o adolescente segundo o
ciclo de vida no Vrasil. São Paulo: Global; Brasília; Unicef, 2005. P. 38.
48
FRANTZ, Walter. Reflexões e apontamentos sobre o cooperativismo. Cadernos Unijuí. Série Cooperativismo, 08. Ijuí:
26
Frente a essa situação surgem iniciativas populares de geração de trabalho e renda,
baseadas na livre associação de trabalhadores e nos princípios de autogestão e cooperação.
Possibilidades que vão se constituindo novas opções, considerando as ambigüidades e
contradições apresentadas frente a novas realidades em que se leva em conta um novo
solidarismo econômico, embasado na solidariedade e viabilidade, enquanto propulsor de
situações que enfatizem debates e reflexões. Tratamos da compreensão teórico-prática da
chamada Economia Popular Solidária, especificada por Paul Singer:
Economia solidária é hoje um conceito amplamente utilizado dos dois lados do
Atlântico, com acepções variadas, mas que giram todas ao redor da idéia da
solidariedade, em contraste com o individualismo competitivo que caracteriza o
comportamento econômico padrão nas sociedades capitalistas. O conceito se refere
a organização de produtores, consumidores, poupadores, etc., que se distinguem por
duas especificidades: (A) estimulam a solidariedade entre os membros mediante a
prática da autogestão e (b) praticam a solidariedade para com a população
trabalhadora em geral, com ênfase na ajuda aos mais desfavorecidos.
Autogestão significa que a mais completa igualdade de direitos de todos os
membros deve reinar nas organizações da economia solidária. Se a organização for
produtiva (uma cooperativa ou associação de produção agrícola, extrativa ou
industrial, por exemplo ), a propriedade do capital deve estar repartida entre todos os
sócios por igual, que em conseqüência terão os mesmos direitos de participar nas
decisões e na escolha dos responsáveis pelos diversos setores administrativos da
mesma. Outra modalidade de organização solidária é a cooperativa (ou outra forma
de associação), que reúne pequenos produtores autônomos (agricultores, taxistas,
recicladores de lixo, etc.) que fazem suas compras e/ou vendas em comum. A ela
também se aplicam as regras da autogestão. O mesmo vale para clubes de troca,
clubes de poupança, cooperativas de consumo, de crédito, habitacionais e assim por
diante.
49
A Economia Popular Solidária se manifesta de forma diferenciada da empresa
capitalista, porque no seu contexto existe um processo de mudança de paradigma, em que o
integrante de uma organização passa a ter uma postura de cooperador; membro de um
coletivo, encarregado responsável juntamente com um grupo das tomadas de decisões, onde
cada um é responsável por si e pelos demais, aumentando, assim, os conhecimentos no que se
refere ao social, ao econômico, ao afetivo e ao ideológico. Sendo assim, os atores desse
processo passam para uma perspectiva de transformação do mundo e de si mesmos, em que o
trabalho passa a ser caraterizado como ser, saber, criar e fazer, permitindo um situação na
qual:
convivem diversas formas de propriedade e de gestão, mas todas elas são vinculadas
à não exploração do trabalho humano, à garantia de acesso por todos aos bens
públicos que pertencem ao domínio coletivo, e as relações harmônicas com o meio
Unijuí, 2005. p. 89.
49
Apud CATTANI, Antonio Davi (org). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 116.
27
ambiente.
50
Portanto, o contexto da Economia Popular Solidária permite a avaliação democrática
das atividades humanas, deixando aos atores envolvidos o questionamento de suas ações e do
meio onde vivem, tomando decisões em nível local e questionando o global dentro da
coletividade. Assim,
Os empreendimentos econômicos solidários compreendem as diversas modalidades
de organizações econômicas, originadas da livre associação dos trabalhadores, com
base em princípios de auto-gestão, cooperação, eficiência e viabilidade.
Aglutinando indivíduos excluídos do mercado de trabalho, ou movidos pela força de
suas convicções à procura de alternativas coletivas de sobrevivência, os
empreendimentos econômicos solidários desenvolvem atividades nos setores da
produção ou da prestação de serviços, da comercialização e do crédito.
Apresentam-se sob forma de grupos de produção, associações, cooperativas e
empresas de autogestão e combinam suas atividades econômicas com ações de
cunho educativo e cultural, valorizando o sentido da comunidade de trabalho e o
compromisso com a coletividade social em que se inserem.
51
Em sua organização, os empreendimentos econômicos solidários apresentam
características fundamentais como: autogestão, democracia, participação, igualitarismo,
cooperação, auto-sustentação, desenvolvimento humano, responsabilidade social
52
,
permitindo tendências e potencialidades, mesmo admitindo-se fragilidades dentro dos espaços
desfavoráveis de correlações de forças. Ao ser exercida por pessoas em situações-limite, a
Economia Popular Solidária pode até mesmo constituir-se como:
Um novo modelo de sociedade, não apenas de desenvolvimento, mas de cultura,
filosofia, e que aponte para o fortalecimento da contra-hegemonia, isto é, de que o
capitalismo não só significa o “fim da História” mas que a crise atual aponta para
possibilidades da sua superação.
53
Uma situação que mostra possibilidades, alternativas, permitindo um avanço maior em
relação a mudanças econômicas, especialmente para os que não estão “contabilizados” no
processo de globalização econômica. E esta abrangência, no fazer e pensar novas relações,
contrapõe-se à lógica do mercado, buscando desafios para resgate, fortalecimento e
comprometimento da cooperação como prática social em que estejam imbuídas situações
concretas de Economia Popular Solidária, em especial, uma construção de conhecimentos que
contenha, em seu bojo, situações de perspectivas rizomáticas.
50
KRUPPA, Sonia M. Portella (org). Economia solidária e educação de jovens e adultos. Brasília: Inep, 2005. p. 34.
51
GAIGER, Luiz Inácio. Empreendimentos econômicos solidários. In: CATTANI, Antonio Davi (org). A outra economia.
Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 135.
52
Sindicalismo e Economia Solidária. Reflexões sobre o projeto da CUT. Publicação da CUT Nacional Grupo de Trabalho
Economia Solidária. Dezembro/1999. p.31
53
BERTUCCI, Ademar de Andrade; SILVA, Roberto Marinho Alves da (Org). Vinte anos de economia popular solidária:
trajetória da Cáritas Brasileira dos PACs à EPS. Brasília: Cáritas Brasileira, 2003. p. 69
28
1.4 Rizoma/ Perspectiva Rizomática
A construção do conhecimento numa perspectiva rizomática, se dá:
Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer
com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a
traços de mesma natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes,
inclusive estados de não signos. O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem
ao múltiplo. Ele não é o Uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria
diretamente três, quatro ou cinco etc. Ele não é um múltiplo que deriva do Uno, nem
ao qual o Uno se acrescentaria (n+1). Ele não é feito de unidades, mas de
dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas
sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda.
54
Assim, desarticula-se a hegemonia início/fim, motivando meios, possibilidades,
mosaicos de realidades diversificadas que suscitam um conjunto importante de questões
teóricas e políticas (transformando a partir das bordas o estabelecido, como trabalho
/produção). Essa perspectiva apresenta-se como interação em relação aos conhecimentos,
permitindo a construção de uma forma transdisciplinar, integrando áreas, não tendo relação
com a unicidade (sujeito ou objeto) constituída por uma centralidade, evocando uma
genealogia: as multiplicidades; não existindo pontos ou posições estáticas, mas possibilidades
ocupando todas as dimensões ou linhas, permitindo várias conexões entre os vários
conhecimentos, construindo novas formas de aprendizagens em que se salientem os diversos
aspectos sociais, econômicos, culturais (a sobrevivência); em que todos os pontos (compra,
venda, custos, relações, políticas públicas) se interligam num processo em que o
conhecimento seja uma rede de articulações, sem objeções, pois
Na vida não são as histórias, nem os princípios ou as conseqüências. Sempre se
pode substituir uma palavra por outra. Se esta não lhe agrada, não lhe convém,
pegue outra, coloque outra no lugar. Se cada um fizer esse esforço, todo mundo
poderá se compreender, e não haverá mais razão de colocar questões ou fazer
objeções.
55
Esta questão do conhecimento apresenta-se desconstruindo os troncos da centralidade,
onde o saber tem dimensões limitadas, absolutas, em que os conhecimentos se estabelecem
com valores universais, em que o masculino e patriarcal são os fundamentos (patrão,
empregados, moeda dominante, exploração da mulher e da criança, exclusão do negro, do
índio), que permitam devires, onde “os devires são geografia, são orientações, direções,
54
DELEUZE, Gilles, 1925 – 1995. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia / Gilles Deleuze, Félix Guattari ; tradução de
Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. – Rio de Janeiro : Ed. 34, 1995. p. 32
55
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Diálogos / Gilles Deleuze, Claire Parnet ; tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. – São Paulo.
29
entradas e saídas,”
56
que surgem como uma nova prática social que contenha em seu bojo
pessoas pesquisadoras, que sejam críticas, perguntadoras persuasivas, em que os múltiplos
movimentos – das minorias étnicas, sociais, sexuais, nacionais, relativizem um poder
centralizante, permitindo novos diálogos de identidades e significações, criando novas
humanidades, num princípio de ruptura em que:
Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma
segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. É impossível
exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal do qual a maior parte
pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir. Todo rizoma compreende
linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado,
organizado, significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de
desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez
que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte
do rizoma. Estas linhas não param de se remeter uma às outras.
57
A construção do conhecimento, portanto, como agenciamento de saberes, permite um
acesso ilimitado ao conhecimento historicamente e culturalmente construído (nunca em
gotas), enfatizando todo tipo de “devires”, definindo que vozes sejam possíveis de serem
ouvidas, num diálogo entre forças plurais, onde o saber-poder constitua-se como “uma
multiplicidade de relações de força”
58
.
Os conhecimentos, nesta perspectiva, deixam de ser “conteúdos trabalhados”, como
agenciamentos conservadores da cultura, repassados como “verdades” neutras,
inquestionáveis, sacralizadas, para ensejarem uma “dança” de saberes, contendo em seu bojo
o “princípio de conexão e heterogeneidade em que “qualquer ponto de um rizoma pode ser
conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um
ponto, uma ordem.”
59
Os conhecimentos estabelecem possibilidades onde não há linearidade
de discurso; trabalhando entre as coisas, em que o rizoma são raízes em nós, tecendo malha,
em que cada nó é um cidadão. Esses conhecimentos estabelecem relações com outros
conhecimentos, permitindo as mais variadas interpretações, sem deixar de ter sentidos, com
ramificações que permitem interligações, conectando diferenças e pontos comuns, permitindo
rupturas e abertura, de modo que os integrantes de um processo de Economia Popular
Solidária podem adquirir conhecimentos num processo de desterritorialização. Segundo
Editora Escuta, 1998. p. 11.
56
Idem. p. 10
57
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 18.
58
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder/Michel Foucault; organização e tradução de Roberto Machado. – Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1979. p. XIV.
59
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia / Gilles Deleuze, Félix Guattari; Tradução de
Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 15
30
Deleuze,
As pessoas pensam sempre em um futuro majoritário (quando eu for grande, quando
tiver poder...). Quando o problema é o de um devir-minoritário: não fingir, não fazer
como ou imitar a criança, o louco, a mulher, o animal, o gago ou o estrangeiro, mas
tornar-se tudo isso, para inventar novas forças ou novas armas.
60
A construção do conhecimento rizomático tem, também, em sua constituição, os
princípios de cartografia (possui entradas múltiplas; pode ser acessado através dos mais
variados pontos, podendo remeter a quaisquer outros pontos, num processo de devir) e
decalcomania (“o rizoma degenera, faz florescer, desmancha, prolifera”)
61
, pois esses
conhecimentos nas instâncias em que se apresentam enfatizam que “um rizoma não pode ser
justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer idéia de eixo
genético ou de estrutura profunda.”
62
Apresenta-se, pois, como prática social viabilizadora da
construção coletiva na diversidade, processo de liberação da criatividade, do poder-saber,
numa abrangência de várias possibilidades de conhecimentos.
60
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Diálogos/Gilles Deleuze. Deleuze, Claire Parnet; tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. –
São Paulo. Editora Escuta, 1998. p. 13.
61
GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 95.
62
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 21.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA REGIÃO DE SANTA MARIA
Os acontecimentos históricos que ocorrem em uma região definem a construção de
processos econômico-político-sócio-ideológicos que dela emergem. Os fatos, ao desvelarem
determinadas situações, marcam, através de possíveis avanços ou retrocessos, determinados
momentos, podendo construir novas situações que atingem o conjunto dos habitantes de uma
região. Esses momentos marcantes podem estar presentes nos micro ou macro espaços, pois
uma região é uma parte integrante do complexo global e podem ser abrangidos vários critérios
na especificação de uma região, podendo- se estabelecer padrões de acontecimentos:
[...] tanto de uma região no sistema internacional, como de uma região dentro do
estado nacional ou dentro de uma das unidades de um sistema político federativo.
Pode-se falar, igualmente, de uma região cujas fronteiras não coincidam com
fronteiras políticas juridicamente definidas.
63
No entanto, nenhuma região está isenta das correlações de forças ideológicas,
políticas, econômicas e sociais que se inserem num determinado contexto, advindas de outras
instâncias e, também, das elaboradas no complexo de relacionamentos. A resposta que uma
sociedade inserida em determinada região dá a suas necessidades, ações e interesses frente ao
momento histórico vivenciado é que apontam encaminhamentos para as evoluções sociais,
políticas, econômicas e ideológicas, propondo transformações, regressões ou estagnações na
busca da sobrevivência, pois o lugar
É espaço socialmente construído, que além de ser condição necessária para o
desenvolvimento das forças produtivas, interfere nas relações sociais. Não é mero
“palco” onde se sucedem os fatos.
64
A região de Santa Maria, desde sua fundação, trouxe a marca de sua religiosidade
cristã, se não estigmatizada nos aspectos constitutivos culturais dos integrantes da Comissão
63
SILVA, Vera Alice Cardoso. Regionalismo: o enfoque metodológico e a concepção histórica. In: SILVA, Marcos A. da
(coord). República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. p. 43.
64
Contexto e Educação. Universidade de Ijuí. No. 3. Julho / set.1986. Texto: CALLAI, Helena Copetti. Espaço de poder
ou o poder do espaço? p. 26
32
Demarcadora das Terras, encarregada de marcar a linha divisória entre os domínios de
Espanha e Portugal no Sul da América, se concretizava na simbologia, pelo que podemos
observar que:
[...] dentro de poucos dias estava concluída a ingente obra da transformação da mata
virgem em um risonho povoado, vendo-se, aqui enfileirados, ranchos de moradia
[...], a Capela, onde colocado o altar portátil que trazia a expedição, o Reverendo
Euzebio de Magalhães Rangel e Silva começou a prática dos serviços divinos.
65
Essa influência, desde os primórdios da fundação do município de Santa Maria,
permitiu que aspectos referentes a uma religiosidade e, conseqüentemente, à solidariedade
embasada nos aspectos cristãos da Igreja Católica, estivessem sempre presentes na
historicidade dessa região. Religiosidade essa que se expressa desde a origem Jesuítica-
Eclesial:
A primeira área geográfica da Diocese de Santa Maria e bem assim a atual, guardam
direta relação com as Reduções Missioneiras Jesuíticas implantadas no extremo
meridional do Brasil.
A Redução de São Cosme e São Damião, mais conhecida identificada como
Redução de São Cosme fundada pelo Pe. Adriano Formoso, em 24/01/1634, esteve
localizada em espaço territorial atualmente ocupado pelo Município de Santa Maria
(RS), na região denominada, pelos tapes, de Ibitimiri.
As campanhas destruidoras lançadas contra as Reduções Jesuíticas, sejam as
desenvolvidas pelas Bandeiras sejam aqueles decorrentes das disputas entre Portugal
e Espanha, fizeram com que as sedes das Reduções ocupassem locais diversos,
perdurando estas transferências até a fixação, das mais desenvolvidas, em toda a
vasta região que constitui os Sete Povos das Missões.
66
Também contribuiu para isso a vinda de colonizadores europeus. Eles construíram
aspectos solidários que influenciaram fortemente a região, onde “a cooperação e solidariedade
são vividas entre estes produtores porque conferem benefícios ao grupo e os possibilita enfrentar
a concorrência com o grande capital”
67
, permitindo a união dos esforços de garantir a
sobrevivência dos pequenos agricultores e, depois, dos ferroviários, com a vinda da Rede
Ferroviária para a região, construindo alternativas como a organização e o desenvolvimento do
cooperativismo.
Um estudo mais aprofundado do surgimento da cidade de Santa Maria, em especial as
suas raízes que apresentam características de solidariedade, momentos de inserção da Igreja
Católica, do Cooperativismo e do Sindicalismo no processo, são fundamentais para
entendermos uma cultura de solidariedade, um dos aspectos que embasam nosso trabalho.
65
BELÉM, João. História do Município de Santa Maria 1797-1933. 3. ed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2000. p. 32.
66
SANTOS, Zosymo Lopes dos. Três jubileus católicos em Santa Maria, RS – 1985 : registros cronológicos-nominais.
Santa Maria: Instituto de Preservação da Memória Cultural de Santa Maria e Região, 1985. p. 15
33
Antes, porém, é necessário incluir alguns dados acerca do município de Santa Maria.
Santa Maria está localizada na Região Central do Rio Grande do Sul e é, atualmente,
pertencente ao COREDE-Centro (Conselho Regional de Desenvolvimento). Segundo os
dados fornecidos pela Prefeitura Municipal
68
, a área do município é de 1.823,1 km²; a altitude
mínima é de 41 m acima do nível do mar; a altitude média é de 113 m acima do nível do mar.
Quanto ao clima, este é subtropical úmido, permitindo uma temperatura média de 19,2 ºC e
uma precipitação pluviométrica média de 1.700 mm. Suas coordenadas geopolíticas são as
seguintes: latitude do distrito sede do município: -29,68417; longitude do distrito sede do
município: -53,80694; limites geográficos: Norte: Itaara, Júlio de Castilhos e São Martinho da
Serra; Sul: São Gabriel e São Sepé; Leste: Silveira Martins, Restinga Seca e Formigueiro;
Oeste: São Pedro do Sul e Dilermando de Aguiar.
Localização de Santa Maria no Rio Grande do Sul e esquema rodoviário
Fonte: Prefeitura Municipal de Santa Maria
A população do município
69
é de 243.396 habitantes, distribuída entre 230.468
67
ASSMANN, Hugo. Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 143.
68
Disponíveis em: <http://www.santaria.rs.org.br>.
69
Fonte: IBGE -Censo 2000 - Contagem Populacional
34
habitantes da área urbana e 12.928 da área rural , dos quais 127.496 são mulheres e 115.900
são homens. Já a população eleitoral
70
de 163.044 eleitores se distribui de forma diferenciada
em relação à população do município, ou seja, a maioria dos eleitores é composta por homens
(86.324). As eleitoras somam 76.720 mulheres.
Segundo a Prefeitura Municipal, o PIB (Produto Interno Bruto) do município é de R$
1.003.540.000,00 por ano, o que permite uma renda per capita de R$ 4.199,99 por ano, sendo
que o setor terciário, ou seja, o comércio e a prestação de serviços, absorve 80% da população
ativa do município, seguido pelo setor primário e pelo setor secundário, respectivamente.
Este último, engloba indústrias de pequeno e médio porte, no seguinte esquema:
Padaria 120
Serralharia 67
Fábrica de móveis 46
Construção Civil 42
Beneficiamento de Grãos 35
Abatedouro de Bovinos 32
Fabrica de Telhas e Tijolos 31
Tabela 2: Principais indústrias do município de Santa Maria.
Fonte: Prefeitura Municipal de Santa Maria
Mapa da cidade de Santa Maria com indicação dos principais pontos turísticos
Fonte: Prefeitura Municipal de Santa Maria
No que respeita à hidrografia, Santa Maria é considerado um município divisor de
águas, porque contribui para duas importantes bacias gaúchas: a bacia do rio Jacuí, a
partir da vertente, rio Vacacaí-Mirim, com nascedouro em Itaara, formando a barragem do
70
Fonte: Prefeitura Municipal de Santa Maria. Disponível em: <http://www.santaria.rs.org.br>.
35
DNOS, que abastece a cidade; e rio Vacacaí-Grande, que nascendo em Rosário do Sul escoa
para a Bacia do Rio Uruguai. É preciso referenciar que este rio tem como caudatário o Ibicuí-
Mirim, com nascedouro em São Martinho da Serra, formando duas barragens para Santa
Maria (Saturnino de Brito e Val de Serra).
Também é referência obrigatória dizer que Santa Maria constitui grande pólo
estudantil, destacadamente no ensino superior, com a localização da cinqüentenária
Universidade Federal, secundada por outras instituições privadas.
Vista panorâmica do centro da cidade de Santa Maria
Fonte: Página Eletrônica da Prefeitura Municipal de Santa Maria
2.1 A História Política
A fundação de Santa Maria, em um amplo sentido, decorreu de uma discórdia
(presente na raiz histórica – colonização/ocupação) dentre muitas reinantes entre portugueses
e espanhóis, irrompida definitivamente em 1797. Institui-se a partir do acampamento da 2ª
Subdivisão Demarcadora de Limites, pertencente à Coroa Portuguesa que, juntamente com
idêntica comissão espanhola, estava em campo para providenciar a demarcação dos territórios
luso e castelhano, em decorrência do Tratado Preliminar de Restituições Recíprocas,
assinado entre aqueles reinos em 1º de outubro de 1717, concluído em 1777, e que teve
começo com as respectivas comissões demarcadoras nomeadas e em campo, em 1784. A
36
finalidade prática dessas comissões foi a demarcação dos limites entre os domínios da Espanha e
o Sul do Brasil, “restituindo, amigavelmente, uma nação à outra, tudo aquilo que por força das
armas, indevidamente, houvesse sido arrebatado em guerras passadas”
71
O fato de a 2ª Subdivisão de Demarcação de Limites da Coroa Portuguesa
estabelecer-se aos pés da serra geral, no que hoje se encontra o centro da cidade, deveu-se à
abrupta finalização das atividades demarcatórias de portugueses e espanhóis, por conta da
retirada destes para seus domínios, quando já se encontravam na região hoje pertencente a
Santo Ângelo. As mútuas queixas e acusações de má-fé encaminharam a missão bilateral a
um fim tragicômico na opinião de Belém
72
, sendo vários os documentos oficiais que o
Arquivo Histórico Nacional guarda em seus livros, das cartas e ofícios daquela época –
referendando, por assim dizer, a sempre reinante animosidade entre os dois países.
Assim ocorrendo – e por precaução – os portugueses foram orientados a retroceder
para seus domínios guarnecidos, ou seja, o local por onde executaram seus últimos trabalhos:
um acampamento montado a 15 ou 16 de abril de 1787, próximo aos arroios Santa Maria e
dos Ferreiros que originavam o rio Arenal ou Bacacahy-Mirim, pois,
Conforme determinação do Governador Sebastião Xavier da Câmara, a Partida da 2ª
Subdivisão ao mando do coronel Francisco João Roscio, a qual se achava em Santo
Ângelo, retrocedeu até o Arroio dos Ferreiros, fazendo aí ponto central para escolher,
dentro de um raio de duas a três léguas, sítio apropriado para seu acampamento.
E o local escolhido, então, foi a colina onde, hoje, assenta-se a cidade de Santa Maria.
Em novembro de 1797, chegou a expedição ao ponto referido, surgindo, como por
encanto, do seio da floresta virgem, a povoação de Santa Maria, sem Boca do Monte,
apêndice que só mais tarde lhe foi adicionado.
Surgiu, como por encanto, porque devendo nesse sítio permanecer por muito tempo a 2ª
Subdivisão a fim de concluir os trabalhos de gabinete relativos à Demarcação procedida,
imediatamente ordens foram dadas para a derrubada da floresta no cimo do outeiro,
levantando-se em seguida o quartel para a tropa, o escritório para a comissão técnica, os
ranchos para os oficiais, e a indispensável Capela em obediência à vontade soberana
decorrente do espírito religioso da época.
73
Foi a partir daquelas pessoas que constituíram o acampamento da 2ª Subdivisão
Demarcadora, em torno de 100, segundo Belém
74
, é que gradativamente o lugar se expandiu
até a extinção desta “partida” militar em 1801, quando, então, Santa Maria deixou de ser
acampamento para se tornar uma povoação. Juntamente com a desconstituição da 2ª
71
BELÉM, João. História do Município de Santa Maria 1797-1933. 3. ed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2000. p. 21.
72
Idem p.30-31
73
Idem p. 31-32
37
Subdivisão Demarcadora, foi extinta a Capela, pelo que os moradores remanescentes
constituíram os oratórios em determinadas localidades, onde os ofícios religiosos e,
principalmente, os batizados e casamentos eram realizados. A situação perdurou até 1810,
quando a população passa a reivindicar das autoridades eclesiásticas a provisão de uma capela
curada – até porque o “governo” espiritual estava sediado em Cachoeira (atual município de
Cachoeira do Sul).
Então, a 27 de julho de 1812, por provisão assinada pelo senhor Agostinho José
Mendes dos Reis, visitador-geral das igrejas, capelas e oratórios do sul do bispado do Rio de
Janeiro, é instituído o Curato da Capela de Santa Maria da Boca do Monte, emancipada da
Freguesia de Cachoeira do Sul. Assim, a povoação tem atendidas as suas necessidades
espirituais, sem esquecer que a Capela instituída já nasce com patrimônio próprio pela doação
de terras numa extensão de mais de meia légua de sesmaria. Por este ato de natureza
eclesiástica o acampamento de Santa Maria passa à condição de povoação, provido de sua
capela, ao que a historiografia caracteriza como a própria fundação da povoação, que só mais
tarde, em 1837, passa à condição de Freguesia, pela Lei provincial nº 6, de 17 de novembro.
Passados vinte anos, em 16 de dezembro de 1857 a Freguesia de Santa Maria da Boca
do Monte é elevada à categoria de vila (Lei Provincial nº 400), sendo que em 17 de maio do
ano seguinte é instalado o município, com uma população de 2.905 habitantes, de um total de
285.444 habitantes em toda a província do Rio Grande do Sul, conforme relata Belém
75
.
O início da povoação foi descrito da seguinte forma:
Pequenos comerciantes para aqui vieram, estabelecendo-se com vendas, para
fornecimento de fumo, aguardente e outras mercadorias; cultivadores das
vizinhanças aí construíram palhoças, para se abrigarem nos dias em que viessem
assistir missas. A guarda foi retirada, os comissários passaram para outros lugares,
mas a aldeia subsistiu com o nome de Acampamento de Santa Maria. Entretanto ela
aumentou pouco a pouco, os habitantes obtiveram permissão para construir uma
capela dependente da paróquia de Cachoeira e, no momento, pleiteiam torná-la sede
de paróquia autônoma. Esta aldeia, geralmente chamada Capela de Santa Maria,
situa-se em posição bucólica, a meio quarto de légua da Serra. É construída sobre
colina muito irregular. De um lado, avista-se alegre planície, cheia de pastagens e
bosquetes e do outro lado a vista é limitada por montanhas cobertas de espessas e
sombrias florestas. A aldeia compõem-se atualmente de 30 casas, que formam um
74
Idem p. 32.
75
Idem. p. 105
38
par de ruas [atuais ruas do Acampamento e Dr. Bozano], onde existem várias lojas,
muito bem montadas. A capela, muito pequena, fica numa praça, ainda em projeto.
Nos arredores de Santa Maria existem muitos estancieiros, os quais além da criação
de gado, dedicam-se à agricultura. Os produtos da lavoura são consumidos aqui
mesmo. Todavia são exportadas pequenas quantidades para a Capela de Alegrete,
onde os proprietários, tendo quase os mesmos hábitos dos gaúchos, ainda não se
dedicam à agricultura.
76
O desenvolvimento econômico não era ainda um traço marcante na recém instalada
Vila, porque o Rio Grande do Sul ainda convalescia das enormes perdas patrimoniais e
produtivas decorrentes da Revolução Farroupilha, com interrupção dos serviços de campo e
inatividade da lavoura por 10 anos (1835-1845), e, portanto, quando se instituía a Vila haviam
decorrido apenas 13 anos da assinatura da paz entre farroupilhas e imperiais, de modo que:
A sede da povoação, que tinha 160 casas de moradia, em 1835, poderia ter
duplicado; entretanto, não acrescera mais que 60, tendo apenas 220 quando a
freguesia foi elevada à categoria de vila.
O comércio, porém, era um milagre germânico.
Os alemães que dele se apoderaram no momento crítico que atravessou a povoação,
agora, desafogados, donos da terra, comercialmente falando, ampliaram seus
estabelecimentos [...]
77
A característica que se vislumbra é a da manutenção dos elementos produtivos
clássicos do Rio Grande do Sul, quais sejam, a pecuária em distinta posição seguida da
atividade agrícola (lavoura) num patamar menos significativo, acompanhado por um
incipiente e florescente comércio local detido pelo povo germânico, sendo que as famílias de
imigrantes que se instalaram em Santa Maria influenciaram a cultura e economia local.
Interessante frisar que a inserção de alemães na Vila de Santa Maria dá-se por dois
fatos: primeiro, a recente imigração de alemães para o sul do Brasil, estabelecendo-se, entre
outros, no Vale do Rio dos Sinos e do Taquari, que face a algumas dificuldades acabaram
dispersando-se por outras regiões. O outro fato indica que em 1828 esteve acantonado em
Santa Maria o 28º Batalhão de Alemães, tropas que se instituíram pelo Império, as quais
foram dissolvidas em 1831. Alguns de seus integrantes retornaram à Alemanha, porém, vários
permaneceram em solo brasileiro. E dentre estes, alguns resolveram estabelecer-se em Santa
Maria, dando origem a alguns empreendimentos distanciados da atividade pecuária e agrícola,
como comércio, prestação de serviços e construção civil. E as atividades mantiveram-se,
76
MARCHIORI, José Newton Cardoso e NOAL FILHO, Valter Antonio. Santa Maria: Relatos e Impressões de Viagem.
Seleção, Introdução e Comentários. Santa Maria. Ed. da UFSM, 1997. p. 26.
77
BELEM, João. História do Município de Santa Maria 1797-1933.3 .ed. Santa Maria: Ed. Da UFSM,2000. P. 106.
39
apesar do conflito farroupilha, porque, no dizer de Belém
78
, os germânicos estavam isentos
junto às facções em combate, e essa neutralidade permitiu-lhes manter seus negócios durante
o período do conflito regional.
Em 1876, a Vila é elevada à categoria de cidade. A elevação à categoria de cidade
deu-se, segundo Belém, pelo volume de recursos arrecadados na Vila, a título de impostos. O
regime republicano se instala no Brasil, a seguir, sem modificar fortemente o natural
andamento de Santa Maria, porque, naquela época, o desenvolvimento econômico e sócio-
cultural experimentado era de tal modo efetivo que a alteração política substancial não deixou
marcas profundas no município. Aliás, Belém
79
assevera que a Câmara Municipal aderiu à
República já em 26 de dezembro de 1889, período em que a renda tributária anual do
município já atingia mais de 15 contos de réis. O que o historiador cita com mais ênfase para
o início do período republicano é justamente a remodelação dos serviços públicos que o novo
regime propunha, sob a direção das juntas governativas, até a nomeação do primeiro
Intendente Municipal, em 1º de setembro de 1892, a partir de quando muitos projetos de
melhorias da sede do município passaram a ser desenvolvidos na área de abastecimento e
saneamento, além da educação pública, iluminação elétrica, entre tantas outras que passavam
a constituir necessidades crescentes de uma cidade que avolumava sua importância no cenário
gaúcho, mercê da implementação de um vigoroso sistema ferroviário estadual, cujo
“quilômetro zero” estava, justamente, em Santa Maria, como elemento estratégico não só ao
sistema de transporte em geral, mas, principalmente, para o deslocamento de tropas militares.
2.2 Ferrovia e Desenvolvimento
Santa Maria concentra importantes setores públicos e privados do Rio Grande do Sul,
dentre os quais – e o mais notável até bem pouco tempo atrás – está o ferroviário. Conforme
Prado,
O transporte ferroviário começou a ser implantado no Brasil a partir de 1850,
período em que o Império procura consolidar-se enquanto nação unificada e
desvinculada de Portugal, e em que o quadro típico do período colonial começa a
alterar-se. A abolição do tráfico negreiro, em 1850, teve por efeito imediato a
liberação de capitais antes investidos nessa atividade. A segunda metade do século
XIX caracteriza-se, portanto, por grandes transformações, verificando-se um
78
BELÉM, João. História do Município de Santa Maria 1717-1933. 3. ed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2000. p. 110-111.
79
Idem p. 167 – 172.
40
período de progresso e novos investimentos, que ficam evidentes em alguns índices
observados no decênio posterior a 1850: são fundadas 62 empresas industriais, 14
bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 companhias
de seguros, 4 companhias de colonização, 8 companhias de mineração, 3
companhias de transporte urbano, 2 de gás e o que nos interessa mais
especificamente, 8 estradas de ferro.
80
O sistema ferroviário no Brasil e no Rio Grande do Sul, em especial, não teve o caráter
desbravador e pioneiro como notadamente se verificou nos Estados Unidos, exceção feita à
ferrovia Madeira-Mamoré:
A primeira estrada de ferro do Brasil, empreendida pelo industrial nascido no Rio
Grande do Sul, Irineu Evangelista de Souza – o Barão de Mauá, foi inaugurada no
Rio de Janeiro, em 1854. Um ano depois o Império organizava a empresa Estrada de
Ferro Dom Pedro II; em 1858 a rede ferroviária já contava com seus primeiros 48
quilômetros.
Não tardou para que as ferrovias começassem a penetrar nas demais províncias. As
estradas de ferro, além de contribuir para o desenvolvimento do mercado interno,
estimularam o processo de urbanização, tornando-se fator fundamental para o
surgimento e florescimento de algumas cidades, assim como para a decadência de
outras (que não foram “agraciadas” com a passagem do trem). [...] No rastro das
ferrovias vinha uma série de melhoramentos urbanos como iluminação, telégrafos,
escolas, jornais, revistas, atividades políticas e culturais, novas sociabilidades... As
ferrovias tornaram-se nessa fase sinônimo de progresso e modernidade.
81
Uma vez que havia um sistema de transporte precário por terra e água, a ferrovia
permitiu, no Brasil Império, a interligação de pontos importantes dentro de uma província,
pois facilitou enormemente o transporte de alimentos, mercadorias, pessoas e também o
transporte militar. Em 1835, o Regente Padre Feijó sancionou o Decreto nº 101, que
autorizava o governo “a conceder a uma ou mais companhias que fizessem uma estrada de
ferro da capital do Rio de Janeiro para as Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia carta de
privilégios exclusiva pelo espaço de quarenta anos, para o uso de carros para o transporte de
gêneros e passageiros.”
82
Foi em 1872 que J. Ewbank da Câmara apresentou ao Império um plano ferroviário
prevendo a construção de quatro linhas que atravessariam o Rio Grande do Sul, interligando-o
de norte a sul e de leste a oeste, tendo como artéria principal uma linha que “partindo de Porto
Alegre, avançaria rumo a Taquari, Rio Pardo, Cachoeira, São Gabriel e Alegrete, atingindo os
80
PRADO, Caio Júnior. História Econômica do Brasil. Ed. Brasiliense. 12
ª
Edição. p. 192.
81
CARDOSO, Alice; ZAMIN, Frinéia. Seminário Território, Patrimônio e memória. Anais do Seminário Território,
Patrimônio e Memória, Santa Maria, 2001. / Seminário Território, Patrimônio e Memória ; Siomara Ribeiro Müller, Caryl
Eduardo Jovanovich Lopes organizadores. – [ Porto Alegre ] ; Santa Maria ; UFSM, 2002. P. 76-77.
82
AMARAL, Attila do. A Evolução Ferroviária do Rio Grande do Sul, Fundação de Economia e Estatística, Porto Alegre.
1974. p. 4.
41
nossos limites internacionais em Uruguaiana e Quaraí.”
83
No sentido norte- sul, a linha
partiria de Rio Grande, pelo litoral, atravessando Bagé e conectando-se em São Gabriel com
aquela artéria principal. Segundo o mesmo Amaral (1974), sairiam dois ramos estratégicos
para Jaguarão e Santana do Livramento (terminais ferroviários uruguaios) e um outro ramo
em direção à região carbonífera. Também projetava-se um ramo partindo de São Gabriel em
direção ao rio Jacuí, passando por Cruz Alta até a confluência do rio Ijuí com o rio Uruguai.
Para o norte, projetava-se uma linha que percorrendo o Vale do Taquari, avançasse pelos
campos de Vacaria até atingir a província de Santa Catarina.
84
Este plano habilmente traçado obteve respaldo por parte do governo, seja ele local ou
Imperial. Como exemplo, está o relatório de 1873, do Ministro da Guerra em 1878, Marques
do Herval, sustentando que os grupamentos militares de fronteira eram vulneráveis aos
ataques inimigos e que faltava a eles meios para permitir a chegada de reforços materiais e
humanos, tendo em vista que o sistema de transporte da época era a carreta. Com efeito,
estradas de ferro teriam assim dupla importância: a garantia de estratégias militares, e, em
tempos de paz, a circulação de bens, serviços e pessoas. Igualmente o Visconde de Pelotas,
então chefe do governo gaúcho, após a Proclamação da República, assentia com argumentos
de “construção de linhas férreas estratégicas”.
85
Assim, a era ferroviária em Santa Maria
inaugura-se em 13 de outubro de 1885, quando inicia o funcionamento do trecho Cachoeira-
Santa Maria. Em 1909/10 é que o município interliga-se com Porto Alegre.
86
Marchiori e Noal Filho (1997) transcrevem a antevisão do engenheiro Joaquim
Saldanha Marinho Filho, da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, em 1884, sobre a
importância da ferrovia como instrumento de alavancagem do desenvolvimento do município,
com as seguintes palavras:
Desde que se possa compenetrar o Governo de que, com a abertura ao tráfego da
estrada de Porto Alegre a Uruguaiana até a cidade de Santa Maria (o que espera-se
terá lugar em maio do corrente ano) ficará sendo esta cidade o centro de consumo
dos produtos coloniais dessa região (Missões), terá a solução do problema que
resolverá a dúvida a respeito de sua colonização, porque forçosamente será levado a
considerar que a distância não influirá tão grandemente no preço dos produtos,
atentas as outras colônias que prosperam, estando, aliás, afastados mais de 20 léguas
83
DIAS, José Roberto de Souza. Caminhos de Ferro do Rio Grande do Sul: uma contribuição ao estudo da formação
histórica do sistema de transportes ferroviários no Brasil meridional. São Paulo: Rios, 1986, p. 32-33.
84
Idem
85
CÂMARA, J. Ewbank. Caminhos de Ferro Estratégicos do Rio Grande do Sul, p. 39, apud José Roberto de Souza Dias,
Caminhos de Ferro do Rio Grande do Sul. p. 44.
86
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.-Porto Alegre : Sedac/CHO, 2002. p. 28.
42
dos centros de consumo, o que aliás se explica pelas boas estradas, facilitando e
diminuindo as distâncias entre os centros de produção e consumo
87
.
A implantação da ferrovia em Santa Maria ocorreu através da Compagnie Auxiliaire
de Chemins de Fer au Brèsil que tomou a cidade como sede de sua administração geral da
rede arrendada
88
e “para ponto inicial para a contagem de quilometragem das diversas linhas
de que se compõem a rede”
89
. Mas esta escolha não foi pacífica, especialmente como “pólo
ferroviário” do Rio Grande do Sul:
[...] Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, empresa belga arrendatária
das estradas de ferro federais desde 15 de março de 1898 e com escritórios em Santa
Maria, em 1905 aumentou sua participação no sistema ferroviário gaúcho, mercê de
hábil manobra. Há tempos, o governo federal desejava a unificação ferroviária e
promoveu concorrência pública, quando se apresentaram, prontamente, a
Compagnie Génerále des Chemins de Fer Secondaire e sua subsidiária, a
Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, sendo as únicas a atenderem o
chamamento. Quer dizer, os belgas queriam assegurar, de todas as maneiras, o
controle total da rede ferroviária. O que aconteceu em 19 de junho de 1905, após a
“oportuna” desistência da Compagnie Génerále des Chemins de Fer Secondaire,
quando foi assinado um contrato concedendo os direitos sobre a ferrovia por 53
anos. Imediatamente a Auxiliaire manifestou seu interesse em centralizar os serviços
em Santa Maria, onde já funcionavam seus escritórios e oficinas e estavam
localizados os alojamentos para funcionários
90
.
87
MARCHIORI, José Newton Cardoso e NOAL FILHO, Valter Antonio. Santa Maria: Relatos e Impressões de Viagens.
Seleção, Introdução e Comentários. Santa Maria. Editora UFSM,1997. p. 68.
88
As linhas eram arrendadas pelo poder público através do sistema de garantias de juros, instituído em 1852, pelo governo
federal como atração para os investidores. Assegurava-se uma garantia de 5% de juros sobre o capital empregado, durante o
período de 90 anos. Tal atrativo não foi suficiente para que grupos internacionais e/ou nacionais manifestassem interesse.
Então, em 1855 D. Pedro II modificou os termos do contrato, garantindo 5% de juros durante a construção e 7% após o
término da obra. . Rio Grande do Sul. Secretaria de estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.-Porto Alegre: Sedac/CHO,2002. p. 36.
89
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antonio. Santa Maria: Relatos e Impressões de Viagens.
Seleção, Introdução e Comentários. Santa Maria. Editora UFSM, 1997. p. 116.
90
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.-Porto Alegre:Sedac/CHO,2002. p. 36-37-38.
43
Vista frontal do pátio e prédio da Estação Ferroviária de Santa Maria
Fonte: Página Eletrônica da Prefeitura Municipal de Santa Maria
Mas a atitude belga, apesar dos reclamos de outras “praças” gaúchas, contemplava o
projeto original de Ewbank, que previa o principal entroncamento das linhas ferroviárias em
pleno interior do Rio Grande do Sul (embora o projeto original previsse São Gabriel e
Alegrete como tais centros irradiadores das ferrovias).
Com a unificação das companhias na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, imaginou-
se que o escoamento dos produtos se daria de forma mais eficiente, todavia, a empresa não
tinha como atender um tráfego cada vez mais intenso, “pois a Auxiliaire comprometera-se a
realizar obras e, não captando o suficiente para alavancá-las, não titubeou em reduzir os
trabalhos de conservação”
91
, o que gerou reclamações.
Concomitantemente, as empresas norte-americanas começavam a ter participação nos
serviços públicos, de modo que, em 1904, uma comissão americana chefiada por Charles
Pepper, após pesquisa do mercado latino-americano, concluiu que a construção ou
encampação de ferrovias seria a melhor forma de ampliar sua influência. Então,
Aproveitando-se do mau momento vivido pela Auxiliaire e seguindo à risca a
91
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.-Porto Alegre:Sedac/CHO, 2002. p. 39.
44
orientação de Pepper, o grande empreendedor americano Percival Farquhar, através
de uma de suas empresas, a Brazil Railway Company, comprou, em 1910, 70% das
ações da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer ao Brésil. [...] Desanimados, os
acionistas da Auxiliaire não titubearam em vender a maior parte das ações em seu
poder. Mas o sindicato Farquhar, como era conhecido, foi gravemente atingido pela
I Guerra Mundial. [...] Terminava a era Farquhar no Rio Grande do Sul.
92
Dias
93
explica que a falência das empresas de Farquhar decorreu do contexto histórico
de então: as alterações da economia mundial, após a guerra, tornaram a procura por
concessões atividades menos promissoras. Por outro lado, os grupos econômicos nacionais
passavam a exigir um barateamento dos transportes, forçando um processo de estatização
desses e outros serviços fundamentais. Mas também:
Trabalhadores e patrões reagiram fortemente contra o péssimo serviço prestado pela
ferrovia, através de sucessivas greves e pressões sobre os governos estadual e
federal. Em 1919, o sistema ferroviário voltava ao controle da Auxiliaire, ainda que
por pouco tempo. Nem o competente Gustave Vauthier, reconduzido ao comando da
ferrovia, conseguiu melhores resultados. Em junho de 1920, seguindo a tendência
internacional, o presidente do Estado, Borges de Medeiros, encampou, em nome do
Rio Grande do Sul, os caminhos de ferro até então administrados por estrangeiros
94
.
Deste modo, a encampação da Viação Férrea do Rio Grande do Sul pelo Estado
permaneceu até setembro de 1957, quando passou a integrar a rede ferroviária federal,
transformando-se em Rede Ferroviária Federal S.A., a RFFSA
95
.
92
Idem.
93
DIAS, José Roberto de Souza. Caminhos de Ferro do Rio Grande do Sul: uma contribuição ao estudo da formação
histórica do sistema de transportes ferroviários no Brasil meridional. São Paulo: Editora Rios, 1986. P. 186.
94
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã : Vila Belga /
Sedac/CHO. – Porto Alegre: Sedac/CHO,2002. P. 40
95
Idem.
45
Vista das linhas férreas próximas à Estação Ferroviária de Santa Maria
Fonte: Página Eletrônica da Prefeitura Municipal de Santa Maria
E a ferrovia legou a Santa Maria dois fortes elementos demonstrativos de um
incipiente solidarismo: a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea e a Vila
Belga.
2.3 A Cooperativa dos Ferroviários, Espaço de Solidariedade
Fundada em outubro de 1913, a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação
Férrea foi uma iniciativa de Manoel Ribas “mas que teve, fundamentalmente, a participação
da organização da classe ferroviária da época”
96
com o claro objetivo de, seguindo as
plataformas reivindicatórias do início do século XX, minimizar as péssimas condições de vida
e trabalho do operariado em geral, e dos ferroviários em especial.
De qualquer maneira, influenciada pelo forte sindicalismo ferroviário, a cooperativa
foi pioneira em várias iniciativas de cunho social, sendo considerada, em seu
apogeu, a maior cooperativa de consumo da América do Sul
97
.
96
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória Cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.- Porto alegre: Sedac/CHO, 2002. p. 130.
46
Um amplo relato histórico, diga-se de passagem, um dos raros resgates históricos de
atividades específicas da área, descreve que a Cooperativa de Consumo dos Empregados da
Viação Férrea foi elemento fundamental para a sobrevivência da classe ferroviária, porque,
além das suas atividades precípuas em termos de consumo (comércio varejista), possuía um
hospital próprio (a Casa de Saúde) para atendimento dos cooperados e dependentes, e
instituiu, em uma época em que não se conhecia o sistema previdenciário, a Caixa de Pecúlios
para a garantia do futuro do ferroviário: instituição de pecúlios pagáveis em dinheiro nos
casos de invalidez ou falecimento dos sócios
98
.
Além disso, destacou-se também na área da educação, mantendo escolas em Santa
Maria e instalando, ao longo de ferrovia, as chamadas “escolas turmeiras”
99
que eram
financiadas através de convênio entre a Cooperativa e a Viação Férrea, através de uma rubrica
orçamentária denominada “verba de economia de fretes”, proveniente da devolução de 75%
dos fretes pagos pela cooperativa à Viação Férrea, referentes ao transporte de suas
mercadorias. Além dessas escolas turmeiras, a Cooperativa instituiu duas escolas
fundamentais à classe ferroviária: a Escola Rui Barbosa, para o ensino de primeira a quarta
série, e a Escola Profissional Ferroviária, preparando filhos de ferroviários para ingressarem
na Viação Férrea. Também instituiu a Escola de Artes e Ofícios, em 1922, que se transformou
posteriormente em Escola Industrial Hugo Taylor, com o objetivo de proporcionar ensino
qualificado aos homens, e, para as mulheres, instituiu a Escola Santa Terezinha, fundada em
1927, como a versão feminina da Escola de Artes e Ofícios, que mais tarde transformou-se na
Escola Estadual Manoel Ribas.
Na área produtiva industrial, instituiu um parque próprio, composto por farmácias,
padarias, fábrica de sabão, torrefação e moagem de café, fábrica de massas e bolachas,
alfaiataria e açougues com abatedouro próprio.
Destaca-se a Casa de Saúde, instituída pela Cooperativa e colocada à disposição dos
97
Idem p. 130.
98
Com o que surgiu o “Fundo de Beneficência, que mais tarde se transformaria em montepio, precursor da futura
previdência social . Rio Grande do Sul. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.- Porto Alegre: Sedac/CHO, 2002. p. 134 e 137.
99
Escolas dispostas à margem dos trilhos, dispostos a cada 12 quilômetros, cuja origem advém da percepção do Irmão
Marista Estanislau José, frente às necessidades de ordem educacional e social da classe ferroviária. Esse irmão chefiou,
durante 35 anos, o Departamento de Ensino e Educação da Cooperativa (1932 a 1967). Rio Grande do Sul. Secretaria de
Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória Cidadã: Vila Belga/Sedac/CHO.- Porto Alegre:Sedac/CHO, 2002. p.
47
ferroviários em 1931, tendo como nascedouro ações desenvolvidas pela Caixa de Socorro e
pela farmácia da Compagnie Auxiliaire:
Uma das primeiras referências à necessidade de construção de um hospital
ferroviário, surge no relatório correspondente ao ano de 1922. Nele, os responsáveis
pela cooperativa reafirmam a urgência em edificar a Casa de Saúde e, ao mesmo
tempo, mostram-se conscientes de que os meios disponíveis não permitem fazê-lo
com a qualidade ambicionada
100
[...].
Depois de superados todos os obstáculos, em 1931 os ferroviários passaram a dispor
dos serviços do seu tão almejado hospital
101
[...].
A decadência do transporte ferroviário e os conhecidos problemas enfrentados pelo
país nas áreas de saúde e previdência, tornaram-se obstáculos ao funcionamento da Casa de
Saúde, que se manteve fechada por algum tempo. Em maio de 2001, um convênio entre a
Prefeitura de Santa Maria e o Governo do Estado permitiu que, reativado, o hospital passasse
a atender à população por um período de oito anos.
Apesar da pujança de muitas décadas, vários fatores contribuíram para a decadência da
Cooperativa: o processo inflacionário, a ausência de capital de giro, a retirada de isenções
fiscais, notadamente o ICMS, o surgimento de modernos supermercados, empregando novas
tecnologias, podendo-se incluir, ainda, a opção governamental pelo “rodoviarismo”
determinando a decadência do próprio sistema ferroviário em todo o país.
2.4 A Vila Belga
A Vila Belga é descrita por Lompa
102
como um peculiar conjunto habitacional
construído no início do século, para a moradia dos funcionários da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul. Esse conjunto fez parte das preocupações da Compagnie Auxiliaire dos
Chemins de Fer au Brèsil, quando assumiu o controle da rede ferroviária gaúcha e verificou
que onde moravam os ferroviários não tinham o menor conforto, sendo que
138.
100
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.-Porto Alegre:Sedac/CHO,2002. p. 154.
101
Idem p. 155.
102
LOMPA, Marta. Territótio, Patrimônio e Memória. In: Anais do Seminário Território, Patrimônio e Memória, Santa
Maria, Setembro, 2001; Siomara Ribeiro Müller, Caryl Eduardo Javonich Lopes (org). Porto Alegre: ICOMOS; Santa Maria:
UFSM, 2002. p. 151 a 155.
48
Gustave Vauthier era um socialista e partiu dele a idéia de construir a VILA
BELGA, arrojado empreendimento para a época, que visava alojar, o mais
condignamente possível, os funcionários dos segundo e terceiro escalões da empresa
arrendatária da via férrea que tinha sede em Santa Maria.
103
O local escolhido para a construção da Vila Belga era uma chácara de propriedade de um
filho de imigrantes alemães, Ernesto Beck, constituída no perímetro formado pelas ruas André
Marques, Manuel Ribas, Ernesto Beck e sua trasnversal, Dr. Vauthier. O início da construção
data de 1901,
104
mas sobre sua conclusão existem divergências, sendo para alguns 1903 e para
outros não antes de 1905.
105
Todavia, ainda que pese essa interrogação é certo que:
Seguindo à risca os ensinamentos do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857),
que pregava a convivência fraterna entre as classes, em 1903(...) a Compagnie
Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil inaugurou o conjunto habitacional
ferroviário Vila Belga, para o atendimento de parte de seu corpo de funcionários. A
relação entre a Classe patronal e operária estava bem caracterizada nestas estruturas,
pois mantinham o operário próximo ao local de trabalho, facilitando seu controle
em vários sentidos. Em primeiro lugar, a indispensável moradia unifamiliar,
representante da unidade produtiva por excelência; a família, garantindo a produção
e a ordem. A construção de escolas era outro elemento fundamental, pois transmitia
a forma de pensar da classe dominante, ou seja, respeito à hierarquia e à disciplina.
As horas vagas deveriam ser preenchidas de forma saudável, evitando as
“tentações”, responsáveis pelo comprometimento da ordem e do progresso.
Portanto, o esporte, a religião e atrações inócuas como o cinema eram estimulados
pelos empregadores.
106
A importância da Vila Belga neste contexto compreende não só a sua função e
objetivos, inicialmente projetados pelos dirigentes-empregadores da Companhia Belga,
arrendatária da via férrea gaúcha, mas, principalmente, como destaca Lopes
107
, é um
“monumento” que se insere na chamada “mancha ferroviária” de Santa Maria, que engloba
prédios e terrenos que constituem o entorno da via férrea na cidade, qual seja, a estação
ferroviária, as construções de apoio e oficinas, o largo da estação e a escola Manoel Ribas.
Em seu aspecto geral, a Vila Belga era composta por oitenta e quatro casas, tendo
como objetivo abrigar os engenheiros da Viação Férrea. Eram casas para alojar os
103
Idem, p. 150.
104
Idem.
105
LOPES, Caryl. JOVANOVICH, Eduardo. Território, Patrimônio e Memória. In: Anais do Seminário Território,
Patrimônio e Memória, Santa Maria, Setembro, 2001; Siomara Ribeiro Müller, Caryl Eduardo Javonich Lopes (org). Porto
Alegre: ICOMOS; Santa Maria: UFSM,2002. p. 140.
106
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.- Porto Alegre: Sedac/CHO,2002. p. 71-72.
107
LOPES, Caryl. JOVANOVICH, Eduardo. Território, Patrimônio e Memória. In: Anais do Seminário Território,
Patrimônio e Memória, Santa Maria, Setembro, 2001; Siomara Ribeiro Müller, Caryl Eduardo Javonich Lopes (org). Porto
Alegre: ICOMOS; Santa Maria: UFSM,2002. p. 141.
49
trabalhadores e havia muitos interessados em nelas habitar, sendo então organizado um
processo seletivo para atender à demanda. Conforme o depoimento de Paulo Renato Silva da
Conceição (operador de máquinas especiais aposentado):
Essas casas, no início foram concluídas para abrigar os técnicos que vieram da
Europa, da Bélgica, pois não havia, em Santa Maria, moradias condizentes com o
padrão europeu. Os trabalhadores que construíram a ferrovia em Santa Maria, Porto
Alegre, Uruguaiana, vieram morar aqui.
108
Hoje, a Vila Belga é considerada patrimônio histórico de Santa Maria, pelo projeto de
Lei 5141, sancionado e promulgado pelo prefeito Jose Haidar Farret, em novembro de 1995.
Em 1988, o mesmo prefeito já havia considerado a Vila Belga patrimônio do município – Lei
Municipal 2983/88:
[...] ficando o Executivo autorizado a realizar o tombamento dos bens. Para
justificar o ato discricionário, argumentou-se que os prédios a serem preservados
eram representativos da mancha ferroviária de Santa Maria – juntamente com a Casa
de Saúde, o Colégio Manoel Ribas, a Estação Férrea e a Escola de Artes e Ofícios.
109
Vista da Vila Belga – Rua Dr. Vauthier
Fonte: Página Eletrônica da Prefeitura Municipal de Santa Maria
A Vila Belga, que foi construída para alojar os funcionários da Compagnie Auxiliaire,
também foi importante para uma categoria profissional (os ferroviários), pois que no decorrer
108
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila
Belga/Sedac/CHO.- Porto Alegre: Sedac/CHO,2002. p. 72-73.
109
SCHLEE, Andrey Rosenthal. Seminário Território, Patrimônio e memória. In: Anais do Seminário Território, Patrimônio
e Memória, Santa Maria, Setembro, 2001; Siomara Ribeiro Müller, Caryl Eduardo Jovanovich Lopes, organizadores.- [ Porto
50
dos anos ministrou ensinamentos de união, justiça, direitos políticos e de liberdade, valores
esses que estão diretamente ligados a um processo de criação de projetos de solidariedade
como é o caso do Projeto Esperança/COOESPERANÇA.
2.5 As Greves Ferroviárias
No final do século XIX, os trabalhadores do mundo embasam-se nas teorias
anarquistas, socialistas e/ou comunistas em que:
Teóricos e revolucionários, como Marx e Engels (Manifesto Comunista, 1848), debatem
acalorados a respeito da formação de uma consciência de classe por parte dos
trabalhadores (a Primeira Internacional Socialista – Londres, 1864 e a Segunda
Internacional Socialista – Paris, 1889) e o surgimento de entidades representativas
(Confederação Geral dos Trabalhadores – França, 1895) agregaram teoria à prática
operária.
110
Esses trabalhadores passam a vivenciar seguidos confrontos com a classe patronal,
exigindo “melhorias salariais, melhores condições de vida e de trabalho, bem como novas visões
de sociedade,”
111
não sendo diferente no Brasil, em especial, dentre os ferroviários em Santa
Maria, que mais fortemente demonstraram suas lutas, em 16 de outubro de 1917. Os ferroviários
que estavam em greve haviam exigido do inspetor geral da Viação Férrea, W.N.Cartwright,
aumento salarial, instituição da jornada de oito horas diárias de trabalho e semana inglesa.
112
Além do:
[...] pedido de fim dos atrasos salariais; do retorno dos escritórios da Companhia
para Santa Maria, bem como dos operários que foram deslocados, juntamente com
seus escritórios, para Rio Grande e Gravataí e, também, a demissão do inspetor geral
da Viação Férrea, Sr. Cartwright.
113
Os mesmos, em julho daquele ano, saudavam o povo com uma revolução pacífica,
enfatizando que a mesma era:
Um direito constitucional de todos os países onde há liberdade e lei. Não viemos
perturbar a ordem, mas pedi-la. Não viemos prejudicar o nosso querido Rio Grande
do Sul, mas sim libertá-lo da garra do estrangeiro que não respeita um povo, seu
comércio, sua indústria, suas leis e nem seu Governo.
114
Alegre ] : ICOMOS; Santa Maria: UFSM, 2002. p. 95-96.
110
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila Belga
/Sedac/CHO. Porto Alegre : Sedac/CHO, 2002. p.169.
111
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã : Vila Belga. Porto
Alegre: Sedac/CHO, 2002. p. 169.
112
Semana inglesa refere-se ao repouso de um dia por semana (domingo), além do meio-dia do sábado.
113
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila Belga. Porto
Alegre : Sedac/CHO. 2002. p. 172.
114
Revista FdP. Março/Abril 2002. Texto de Michele Silveira. p.14.
51
Em 20 de outubro de 1917, os grevistas (juntamente com seus familiares, mulheres,
jovens e crianças) que participavam de um comício em que exigiam a presença de Cartwright,
viram espavoridos que “uma patrulha do Exército descarrega suas armas contra o povo – mortos
e feridos.”
115
Um tumulto que resultou na morte de uma criança, um jovem e uma senhora.
Esse e outros episódios como “As greves, as passeatas, o movimento operário, as
cargas e descargas”
116
marcaram a cidade de Santa Maria nacionalmente como “Cidade
Ferroviária”, sendo também, na época, uma cidade referência para as lutas dos ferroviários.
115
Idem p. 15.
116
Idem p. 13.
3 A CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE
3.1 Possibilidades de Solidariedade na Construção Cristã
O homem, considerado como “ser natural”, “humano”, como integrante de uma
“humanidade” sempre teve alardeada como inerentes a si a cooperação, a solidariedade;
princípios fundamentais baseados em noções humanistas de que “o ser humano tem certas
características essenciais, as quais devem servir de base para a construção da sociedade”
117
.
No entanto, quando competências inerentes à humanidade são analisadas sob uma ótica
sociológica, ou seja, do “socialmente construído”, que enfatiza o fato de que o “sujeito não
passa de uma invenção cultural, social e histórica, não possuindo nenhuma propriedade
essencial ou originária”
118
, que “não existe sujeito a não ser como o simples e puro resultado
de um processo de produção cultural e social”
119
, como construtor de seus espaços e de suas
relações, percebemos que os “humanos” tornam-se sociais através da cultura da sociedade e
que neste contexto o “poder e saber são mutuamente dependentes.”
120
Esse saber, como
educação, é produtor de várias possibilidades de conhecimentos; constrói-se dentro de
espaços de outros conhecimentos, estabelecendo parâmetros para a construção do “humano”,
como ser de relações. Relações essas que, numa visão de Tomaz Tadeu da Silva, permitem:
[...] uma socialidade que é reforçada pelas formas e respostas relacionais que certos
modos de falar sobre o eu recebem em trocas contínuas entre as pessoas de vários
tipos, nas quais os indivíduos negociam conjuntamente teorias particulares sobre si
mesmos e sobre outros, negociações que assumem, elas próprias, certas formas
estoriadas culturalmente disponíveis.
Esses estudos sobre o eu, que o tomam como sendo construído em narrativas
interacionais de acordo com os recursos culturais disponíveis, certamente
apreendem algo de importante. Se a subjetivação é analisada em termos das relações
117
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade; uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
1999. p. 113.
118
Idem, p.120.
119
Idem p.120.
120
Idem.p. 120.
53
dos humanos consigo mesmos, os vocabulários discursivamente estabelecidos
exercem um papel importante na composição e recomposição dessas relações. Mas
as análises conduzidas sob os pressupostos do “construcionismo social” são
problemáticas por causa da visão de linguagem que elas sustentam. A linguagem,
nessas análises, é vista como “fala”, como constituída de significados
situacionalmente negociados entre indivíduos. Como “fala”, sua análise segue o
modelo banal da comunicação, ou da falta de comunicação, na qual as partes
envolvidas, os indivíduos humanos, utilizam vários recursos lingüísticos – palavras,
explicações, estórias, atribuições – para construir mensagens que transmitem
intenções ou para mutuamente afetar, persuadir, agir. Essas análises
inescapavelmente colocam o agente humano como o núcleo dessas atividades de
produção de sentido, ao ativamente negociar sua trajetória através das teorias
disponíveis a fim de viver uma vida significativa. Portanto, o ser humano é
entendido como aquele agente que se constrói a si próprio como um eu ao dar à sua
vida a coerência de uma narrativa. Evidentemente, o eu, simplesmente em virtude de
ser capaz de se narrar a “si próprio”, em uma variedade de formas, é implicitamente
reinvocado como um exterior inerentemente unificado relativamente a essas
comunicações.
121
Portanto, se nas construções do “humano” perpassarem possibilidades de
conhecimentos e sedimentarem-se relações culturais de solidariedade, pela via da educação
(palavras, explicações, estórias, atribuições – para construir mensagens que transmitem
intenções, ou para mutuamente afetar, persuadir, agir.)
122
, como as construídas durante mais
de dois mil anos, através do fenômeno cristão, especialmente com a Bíblia, livro que enfatiza
as marcas de solidariedade através de “provérbios e parábolas, orações e ensinamentos, em
fatos e desejos...”
123
, vamos poder constatar que um povo pode, como “identidades”,
expressar suas marcas, construídas na organização pessoal e grupal, num processo de
“invenção social, cultural e histórica.”
124
Nessa perspectiva, a experiência Bíblica do Êxodo nos mostra esse “saber-poder
construído”
125
com referência à solidariedade, pois conta a história prática de solidariedade,
nos relatos de vivências humanas das parteiras, da mãe e da irmã de Moisés, da filha do
Faraó, do sogro de Moisés e de Aarão.
126
Destacam-se, também, no meio do povo de Israel,
formas de organização para garantir a solidariedade, como a organização tribal, a lei do
levirato, a figura do goel, o ano sabático e o ano jubilar, e a limitação da escravidão para os
121
SILVA, Tomaz Tadeu da. Nunca fomos humanos – nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 155-156.
122
Idem, p. 156.
123
KONZEN, Léo Zeno.Ensaios de solidariedade na Bíblia. Missioneira. [Revista], n. 23, abr. 2001. Santo Ângelo: Instituto
Missioneiro de Teologia. p. 43.
124
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade; uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
1999. p. 120.
125
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
126
KONZEN, Léo Zeno. Missioneira [Revista]. N. 23, abr. 2001. Santo Ângelo: Instituto Missioneiro de Teologia.p. 44.
54
irmãos.
127
Especialmente Jesus de Nazaré, conforme relato bíblico, vivencia em todos os
momentos de sua trajetória a solidariedade, conforme Léo Zeno Konzen:
Jesus mostra-se solidário com o povo que, animado por João Batista, sonha com
uma sociedade que seja outra: participa do movimento e recebe o batismo de João.
Associa-se, assim, a um movimento popular que oferece uma alternativa ao sistema
do templo e articula a esperança de uma próxima intervenção transformadora de
Deus na realidade do povo. Quando Jesus define seu programa de vida, a
solidariedade se evidencia: a libertação dos oprimidos e presos, a cura da cegueira, a
reconstrução da esperança dos pobres
é seu projeto de engajamento.
128
Essa solidariedade cristã, essa inerência, numa visão humanista-evangélica, é
apresentada por Erasmo de Rotterdam
129
, embasando a vivência da solidariedade entre os
povos, considerada “natural”, permitindo uma construção de valores que permeiam situações
que os homens automaticamente atuem conforme o estabelecido, construindo um currículo
que através de um processo social e histórico foi se consolidando, uma metanarrativa
centralizadora. E esse currículo é enfatizado num processo em que “a caridade constrói o
127
Idem. p. 49-52. Organização tribal: “O povo de Israel surge nas montanhas de Canaã como uma organização social e
política alternativa às cidades-estados dos cananeus. Nas cidades-estados, o rei com sua corte e seu exército, estabelecidos
nas cidades fortificadas, exercem dominação e exploração sobre os camponeses dentro dos limites do pequeno império que
mantêm. Os israelitas, ao contrário, optam por não terem rei nem corte e exército permanente. Preferem uma organização
essencialmente comunitária. A base é a bet-‘ av , ou, no plural, as bet-ábot. Bet-‘abot [...] são famílias, em sentido amplo. A
propriedade da terra, o trabalho e os frutos do mesmo são partilhados solidariamente. Várias bet-‘abot formam uma
mishpahah (pl. mishpahot), em português clã, uma espécie de associação de famílias unidas por laços de parentesco e
geralmente formando uma comunidade sociológica (vila, povoado). O clã tem a responsabilidade de controlar e garantir o
bem estar de todas as famílias. É, portanto, uma instância de solidariedade. Diversos clãs formam uma tribo que tem funções
de equilíbrio entre os clãs e trata de organizar serviços que eles não têm condições de atender isoldamante. Lei do levirato –
é a chamada lei do cunhado. “Segundo essa lei, quando um homem casado morre sem ter deixado filhos, o irmão dele deve
casar-se com a viúva para dar descendência ao falecido. O primeiro filho que nascer será oficialmente filho do falecido.”
p.50. A figura do Goel - É o resgate por parte de um parente próximo de resgatar as terras que foram vendidas para pagar
dívidas, ou pessoas que se tornaram escravas pelo mesmo motivo. Caso a pessoa incumbida do resgate (goel) não puder fazê-
lo, outra pessoa (a seguinte) de uma lista deverá fazê-lo. Ano sabático e ano jubilar – Celebrado a cada 7 anos. “A terra deve
ser deixada em repouso, e o que ela produzir espontaneamente deve estar disponível para homens livres e escravos, animais
domésticos e selvagens. As dívidas devem ser perdoadas. Dessa forma, restabelece-se o equilíbrio da natureza e da
sociedade.” p. 51 Limitação da escravidão dos irmãos - “o israelita deve lembrar-se de que foi estrangeiro e escravo no Egito,
por outro, é-lhe permitido ter escravos estrangeiros. Em relação aos co-irmãos israelitas, proíbe-se em geral a sua escravidão.
Em algumas situações, prescreve-se um tempo limitado e condições menos duras para a mesma.”.
128
Idem p 44.
129
Conforme Erasmo de Rotterdam, em sua proposta de reforma religiosa (reforma humanista e evangélica), que propõe uma
vida embasada no evangelho, em philosophia Christi (filosofia de Cristo). Esta proposta expressa o “cristianismo como
herdeiro de toda a tradição filosófica pagã, que culmina em uma filosofia, uma ética e uma forma de vida claramente
formuladas por Cristo nos Evangelhos, e não em uma teologia dogmática e especulativa. Ser cristão é, assim, esforçar-se em
imitar Cristo na vida cotidiana e nas relações entre os homens: é uma ética cujos princípios básicos são a caridade e o amor
ao próximo... Como o humanismo, a philosophia Christi também pressupõe uma concepção otimista de Deus, do homem e da
relação entre ambos. Deus é bondoso; sua benevolência se mostra em Cristo e na graça que concede. Tal graça pode ser
propiciada pelas boas obras: é a prática evangélica, que todos podem realizar por livre vontade, pois o homem é dotado de
uma bondade natural. E isso se aplica não apenas aos fiéis, mas também a todos os verdadeiramente filantropos. Os
cumpridores do preceito evangélico “amai-vos uns aos outros devem ser considerados cristãos de espírito, ainda que não
tenham formalmente recebido o batismo.” Coleção Os pensadores. História da filosofia. Ed. Nov Cultural Ltda. 1999. p. 166
55
humano,”
130
em que:
As ações de Jesus e do seu discipulado são expressões vivas da verdadeira prática da
caridade, capaz de (re)construir a imagem de Deus no ser humano desfigurado pelo
império do anti-reino. Retoma-se assim o projeto da Criação (cf.Gn 1,27),
interrompido tantas e tantas vezes pelo pecado, ao longo da história.
131
O mesmo autor enfatiza, logo adiante, no texto relato “de milagres dos Atos dos
Apóstolos”, mais especificamente em “At 3,1-8”, a história de um aleijado que pede esmolas
à porta do Templo, no momento em que Pedro e João vão ao mesmo fazer suas orações e que
no lugar de dar esmolas Pedro ordena a ele que, em nome de Jesus Cristo, levante-se e ande.
Esse relato entendido como construção de humanização, nos mostra que:
A prática da caridade humaniza de ambas as partes: quem a recebe e quem a pratica. É
um modo de agir tão completo e profundo que faz a pessoa beneficiada soerguer-se,
caminhar por si mesma, retomar o caminho da sua vida, buscar o próprio destino. Trata-
se, portanto, de uma ação que não é apenas paliativa, mas que tem o objetivo de
restaurar o ser humano como um todo. Por outro lado, a caridade beneficia também
quem a pratica, pois proporciona a autêntica experiência de amor, que faz entrar em
comunhão com Deus, na sua dimensão amorosa.
132
O relato permite ainda o entendimento de que os homens são a imagem de “Deus” e
que essa concepção é concretizada na “alma humana”, como geradora de possibilidades de
solidariedade. No entanto, ao analisarmos essas pessoas humanas em situações que permitem
a reflexão sobre “como a pessoa humana se fabrica no interior de certos aparatos
(pedagógicos, terapêuticos) de subjetivação”
133
e, se poderia acrescentar, aparato religioso,
mesmo contestado enquanto construção do “humano”, (numa visão pós-estruturalista),
134
não
poderemos deixar de considerá-las como situações que organizam a atuação de solidariedade
(criadora de novas possibilidades), face a uma realidade que sugere constantes análises e
a 169.
130
A caridade: um estudo bíblico-teológico. Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (org).- São Paulo:
Paulinas, 2002. p. 97
131
Idem. p. 97
132
Idem, p. 99
133
SILVA, Tomaz Tadeu da (org). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 37.
134
O pós – estruturalismo pode ser caracterizado como um modo de pensamento, um estilo de filosofar e uma forma de
escrita, embora o termo não deva ser utilizado para dar qualquer idéia de homogeneidade, singularidade ou unidade. O termo
“pós-estruturalismo” é, ele próprio, questionável. Mark Poster (1989, p. 6) observa que o termo “pós-estruturalismo” tem
sua origem nos Estados Unidos e que a expressão “teoria pós-estruturalista” nomeia uma prática tipicamente estadunidense,
uma prática baseada na assimilação do trabalho de uma gama bastante diversificada de teóricos. De forma mais geral,
podemos dizer que o termo é um rótulo utilizado na comunidade acadêmica de língua inglesa para descrever uma resposta
distintivamente filosófica ao estruturalismo que caracterizava os trabalhos de Claude Lévi-Strauss (antropologia), Louis
Althusser (marxismo), Jacques Lacan (psicanálise) e Roland Barthes (literatura). Jacques Derrida, o pós-estruturalista (o
crítico mais agudo e de maior peso do estruturalismo), interpreta o “pós” da expressão “pós-estruralismo” como nomeando
algo que “vem depois e que tenta ampliar o estruturalismo, colocando-o na direção certa.” In: Peters, Michael. Pós-
estruralismo e filosofia da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 28.
56
questionamentos:
Não pode ser senão escandalosa para os cristãos e pessoas de boa vontade que vêem
quase quatro bilhões de irmãos que jazem assaltados “`beira do caminho da vida”, por
uma bem planejada relação econômica internacional, que desde o século XVI vem
crescentemente usufruindo a riqueza comum e a vida de milhares de homens e
mulheres. Impõem-se pois, por dever ético, a toda reflexão antropológica cristã, novas
perguntas: - São os pobres, desde sua carne, a imagem de Deus? – Que imagem são eles
desde sua in-humanidade? – A in-humanidade dos pobres não compromete toda a
família humana? – Qual é o sentido da conquista da modernidade que gerou tal
desumanização? – Têm os homens todos um compromisso pessoal e coletivo na re-
construção da face humana des-figurada? – Podem os povos ricos estabelecer e
desenvolver isoladamente um processo humano que exclua tão grandes maiorias?- Têm
os cristãos alguma imprescindível mensagem e/ou missão frente aos pobres do mundo
diariamente concretizados nas favelas e ruas, nos campos e nas cidades, na quase
totalidade dos povos do Sul e nos novos pobres do Norte? – Mas, quem é o pobre
vitimado por esta pobreza institucionalizada na contemporânea história dos homens?
Têm os pobres algum contributo a dar na humanização da família adamítica? – Se as
pessoas são a glória de Deus, também os pobres o serão? – Qual o papel estimulador do
Cristo Jesus, enquanto Verbo eterno e homem de Nazaré elevado à direita de Deus?
Como contribuir para criar laços de solidariedade na construção do homem, filho e
imagem de Deus?
135
Estas considerações se fazem necessárias, quando analisamos a situação de culturas
marginalizadas, de povos dominados, discriminações (mulher, negro, homossexuais, etc),
frente a um outro modo de construção do humano, em que pesem as considerações a respeito
do protótipo estabelecido como homem, branco, heterossexual, que cerceiam nuances de
linhas de fuga
136
, impingindo arquétipos
137
, em que os pobres, os “diferentes”, as “bordas”,
não têm espaços. Essa situação vivenciada numa realidade em que a pobreza significa a
morte, pois tira as possibilidades de vida (alimento, saúde, educação, desemprego),
transforma-se quando imbuída de construções voltadas à solidariedade, mesmo em
contraponto a uma reflexão pós-estruralista (rizomática) sobre a questão abordada.
Considerando as várias “faces e bordas” de uma moeda, que ao ser partida ao meio
tem outras faces e outras bordas e, assim sucessivamente, as circunstâncias em que se situa a
“humanidade”, num devir constante de subjetivações, permitem que a solidariedade tenha
validado suas “construções” nas possibilidades de construção de novas abordagens de
relações. E essa solidariedade posiciona-se enquanto atuações que desconstroem a
135
RIBEIRO, Hélcion. A condição humana e a solidariedade cristã. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 196.
136
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 17.
137
Arquétipo: padrões de comportamento que existem no inconsciente coletivo, desde a mais remota ancestralidade. Figuras
e símbolos que representam valores universais, presentes nas várias culturas, cfe. BOFF, Leonardo. A águia e a galinha:
uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 186.
57
possibilidade estigmatizada nos seres através da chamada modernidade (modelo ocidental de
sociedade e de desenvolvimento econômico), em que:
A lógica do atual modelo de desenvolvimento econômico é a de que a plenitude do
homem e de suas diferentes dimensões humanas devem ser reduzidas ao campo
econômico. Nesse sentido, a totalidade humana foi substituída pela representação de
um “homem econômico”, que se move pelo princípio do prazer e do desprazer.
Sendo cada vez menor a diferença entre o destino econômico e o homem mesmo.
138
Uma lógica que esquece o entendimento do respeito aos direitos humanos; não leva
em conta a dignidade da vida como nos coloca Boff:
As grandes maiorias, nas sociedades da ordem capitalista, ficam marginalizados e
até excluídos da participação social que lhes garantiria o respeito de sua dignidade.
Elas são estruturalmente violadas em sua dignidade pela forma mesma como a
sociedade classista se organiza, privilegiando o capital sobre o trabalho, a cidade
sobre o campo, o saber formal sobre os saber popular.
139
Tratamos de atuações permitindo uma solidariedade que busca incluir as “bordas
(negros, homossexuais, mulheres, crianças, idosos, etc) num processo de uma economia em
que a participação de todos seja o fundamento de uma cooperação solidária.
3.2 “É a máquina que provoca as primeiras solidariedades operárias”
140
No séc. XVI, a solidariedade operária origina-se com a Revolução Industrial, na
Europa, e, em primeiro lugar na Inglaterra. Surge face a um contexto em que a máquina é
contestada, pois evoca uma situação de desemprego e conseqüentemente a miséria. Então,
É contra a máquina e contra a tecnologia nascente que se define a solidariedade
operária; uma longa história de que se citam sempre os mesmos exemplos – o barco
a vapor de Denis Papin, destruído pelos marinheiros de Fulda, o tear de Jacquard,
partido pelos operários de Lião – e que parece ser inseparável do nascimento do
trabalho moderno.
141
Em meio ao crescente descontentamento dos operários, que destroem máquinas num
138
TIRIBA, Lia. Economia popular e cultura do trabalho: pedagogia(s) da produção associada. Ijuí: UNIJUÍ, 2001. p. 50.
139
Coleção Teologia e Libertação. Ed. Vozes. São Paulo. 1991.Série V. Desafios da vida na sociedade. Direitos Humanos,
Direitos dos Pobres. Texto: BOFF, Leonardo. O Deus defensor dos Direitos do Pobre. O clamor do pobre e o Deus da
Vida. p. 93
140
DUVINAUD, Jean. A solidariedade. Laços de sangue. Laços de razão. Lisboa: Instituto Piaget. 1986. p. 98.
141
Idem. p. 98
58
movimento contestatório à situação vigente, o
Ano de 1779 vê produzir-se um acontecimento de alcance considerável, talvez
mesmo mais importante do que o será a tomada da Bastilha. No condado de
Lancaster, uma multidão de vários milhares de tecelões arrasta consigo os mineiros
revoltados da empresa do duque de Bridgewater numa marcha violenta contra as
fábricas. Violência que é reprimida com violência. Mas tinha nascido a
solidariedade. Por muito efêmera que tenha sido, essa coalizão de tecelões e
mineiros ingleses não é somente um acontecimento histórico: é um facto social.
142
O interesse da defesa e da sobrevivência constrói, através de relações, uma
solidariedade em contraponto ao medo da miséria. A Revolução Industrial, através dos
operários ingleses do séc. XVIII, permite, então, que o trabalhador, como objeto passivo de
produção, torne-se, através da união, construtor de uma história desconhecida.
O cooperativismo nasce nesta época, no início da Revolução Industrial. Os
trabalhadores das manufaturas eram qualificados e possuíam associações de suas categorias.
E, com a introdução das máquinas, com o barateamento dos produtos industrializados, surge o
desemprego. Mesmo com a grande influência das associações na preservação do trabalho de
seus associados, a situação industrial consolidou-se, permitindo um movimento dinâmico nas
relações, concretizadas na aprendizagem de um desemprego, onde predomina a máquina,
permitindo “aparecer, desaparecer e reaparecer novas formas de sociabilidade, relações até aí
desconhecidas, valores diversificados, imagens inéditas do homem.”
143
Com Robert Owen (um dos pais do socialismo), surge a ênfase de que a indústria em
si é benéfica, ao permitir o barateamento dos bens de consumo, mas que o resultado obtido
com o trabalho dos trabalhadores deveria ser repartido de forma igualitária. Sugere ele que ao
redor das fábricas sejam construídas aldeias cooperativas, em que os meios de produção
seriam possuídos e geridos coletivamente. O mesmo criou uma dessas aldeias nos Estados
Unidos e outras na Inglaterra.
Em 1844, em Rochdale, foi fundado um centro têxtil, por um grupo de trabalhadores
industriais. Era uma cooperativa de consumo denominada “A Sociedade dos Pioneiros
142
Idem. p. 99
143
DUVINAUD, Jean. A solidariedade. Laços de sangue. Laços de razão. Lisboa: Instituto Piaget. 1986. p. 100
59
Eqüitativos”.
144
Todos militantes operários owenistas ou cartistas (movimento político pelo qual
os trabalhadores pleiteavam o reconhecimento de alguns direitos trabalhistas e políticas
essenciais, como é o caso do direito à jornada máxima de oito horas e ao sufrágio universal).
145
Paul Singer, em sua análise sobre a economia solidária, refere-se a esta fundamental
organização de solidariedade descrevendo-a da seguinte forma:
Outro antecedente importante da economia solidária hodierna é a cooperativa de
consumo, Em 1844, algumas dezenas de operários constituíram uma cooperativa sob
o nome de Pioneiros Equitativos de Rochdale. Começou como cooperativa de
consumo e de aplicação de poupança e teve grande êxito social e comercial. Em
poucos anos expandiu-se por toda região, absorvendo outras cooperativas, que se
tornaram suas filiais. Em 1864, ela tinha 4.747 membros e seu capital valia 62 mil
libras. Com o dinheiro depositado na Cooperativa de Rochdale, foram criadas
diversas cooperativas de produção, entre as quais um moinho de trigo e várias
fábricas têxteis.
146
Em sua construção do conhecimento organizativo, essa cooperativa tinha como
princípios:
1
º-
- a Sociedade seria governada democraticamente, cada sócio dispondo de um
voto; 2
º -
a Sociedade seria aberta a quem dela quisesse participar, desde que
integrasse uma quota de capital mínima e igual para todos; 3
º
- qualquer dinheiro a
mais investido na cooperativa seria remunerado por uma taxa de juros, mas não
daria ao seu possuidor qualquer direito adicional de decisão; 4
º -
tudo o que sobrasse
da receita, deduzidas todas as despesas, inclusive juros, seria distribuído entre os
sócios em proporção às compras que fizessem da cooperativa; 5
º
- todas as vendas
seriam à vista; 6
º
- os produtos vendidos seriam sempre puros e de boa qualidade; 7
º
- a Sociedade deveria promover a educação dos sócios nos princípios do
cooperativismo; 8
º
- a Sociedade seria neutra política e religiosamente.
147
Essa entidade conseguiu milhares de sócios e fundou diversas cooperativas de
produção: fiação e tecelagem, fábrica de sapatos e tamancos, uma cooperativa de habitação e
uma sociedade de beneficência (saúde).
148
A idéia da cooperativa de Rochdale, então, se
espalhou por vários países, sendo o princípio de todas as cooperativas no mundo. Na mesma
época, o cooperativismo surgiu na França, também ligado às lutas operárias. Na Alemanha, são
criadas as cooperativas de crédito rurais e urbanas, aplicando os mesmos princípios de Rochdale.
Em 1895, surge a Aliança Cooperativa Internacional, que congrega as entidades cooperativas em
nível mundial, enfatizando a solidariedade a partir da luta dos trabalhadores.
149
144
HOLYOAKE, George Jaco. Os 28 tecelões de Rochdale. 8. ed. Porto Alegre: WS Editor, 2001.
145
Idem. p. 23
146
SINGER, Paul. Economia Solidária. In: CATTANI, Antonio David (org). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003,
p. 119.
147
Sindicalismo e economia solidária. Reflexões sobre o projeto da CUT. Publicação da CUT Nacional Grupo de Trabalho
Economia Solidária. Dezembro/1999. p. 24-25
148
Idem. p. 25
149
Idem. p. 25
60
3.3 Experiências Alternativas de Solidariedade do Mundo ao Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, as experiências alternativas de solidariedade, nas áreas social e
econômica, sempre estiveram presentes ao longo da história, principalmente as relacionadas
ao contexto da Igreja Católica, conforme documento da Cáritas
150
:
a) As “Reduções Indígenas dos Sete Povos das Missões” (1626-1750), que se
constituíram numa organização econômica, política, cultural e religiosa verdadeiramente
solidária. Com o massacre sofrido pelo exército de Espanha e Portugal, foram
literalmente dizimadas. Hoje restam apenas ruínas.
b) A partir do séc. XVIII, surgiram também vários Quilombos espalhados pelo nosso
Estado. Atualmente foram confirmadas mais de 50 comunidades remanescentes de
Quilombos no RS.
151
c) O associativismo e o cooperativismo que surge com Pe. Theodor Amstad, SJ e seus
companheiros (1890-1912), em Linha Imperial espalhando-se por todo o estado do Rio
Grande do Sul.
d) Na área urbana, setores da igreja organizaram os Círculos Operários – a partir da
década de 1920 – que visavam à formação católica associada à assistência às famílias
operárias.
152
e) Outro marco foi à criação da Frente Agrária Gaúcha (FAG) por Dom Vicente
Scherer, em 1961, que tinha como objetivo fortalecer o sindicalismo rural com
inspiração cristã.
f) Mas foi importante também todo o movimento da Ação Católica que levou tantos
líderes cristãos a assumirem seu compromisso social. Daí saiu grande parte das
lideranças animadoras das CEBs,
153
pastorais sociais e movimentos sociais populares.
Significativamente, ressaltamos a importância de Theodor Amstad,
154
missionário que
chegou na cidade de Nova Petrópolis (Linha Imperial), no séc. XIX. Trabalhando na região,
percebeu a realidade das pequenas propriedades familiares, inferiores a 100 hectares, que na
época tinham como estrutura organizativa o cultivo de:
Variada policultura (milho, trigo, feijão, arroz, mandioca, abóbora, cana-de-açúcar,
centeio, aveia, etc.). A par da lavoura, havia a criação de aves, e animais domésticos e
para o trabalho, como galinhas, suínos, gado vacum e cavalar, que forneciam ovos,
carne, leite, queijo, nata e manteiga para a mesa geralmente farta, além da energia para a
preparação da terra, transporte e lazer. Essa agricultura familiar caracterizava-se pela
150
CÁRITAS BRASILEIRA REGIONAL DO RIO GRANDE DO SUL. Caderno de formanção no. 1. Construindo uma
Economia Popular Solidária no Rio Grande do sul. Projetos Altenativos Comunitários.2002 p. 10.
151
Mesmo constatando que, possivelmente, poderiam existir mais pessoas engajadas aos Quilombos, caso as pessoas se
identificassem mais com sua raça do que com a sua cor e seu estilo de vida. A cor do medo: homicídios e relações raciais no Brasil/
Dijaci David de Oliveira (et all). Organizadores – Brasília: Editora da UnB; Goiânia: Editora da UFG, 1998, 172p.:il-(Série
violência em manchete). p. 131-133.
152
Sobre o tema, ver: História da Classe Operária no Brasil. Idade Difícil: 1920-45. Ação Católica Operária, 3
º
caderno. 3
ed. 1984.
153
CEBs – ver “A gênese das CEBs no Brasil. Elementos explicativos” de Faustino Luiz Couto Teixeira.
154
Em 1902, o padre suíço Theodor Amstad, junto com lideranças rurais funda, em Linha Imperial, Nova Petrópolis, RS, a
primeira Caixa Rural Cooperativa do Brasil e da América Latina, fazendo do Rio Grande do Sul um dos precursores do
cooperativismo brasileiro.Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Comissão Especial do Cooperativismo.
Cooperação Total. (Relatório Final). Porto Alegre. 10/09/2002. Organizador: Deputado Giovani Cherini. Sobre o assunto ver
a obra de Arthur B. Rambo – O Associativismo teuto-brasileiro, onde o autor aponta para as muitas finalidades que levaram
os alemães a se associarem e para o surgimento de inúmeras sociedades, na área colonial alemã do Rio Grande do Sul, após
1850. O Padre Theodor Amstad é figura central da obra, pelo seu posicionamento e ascendência junto aos colonos na criação
de uma Associação Rio-grandense de Agricultores, fundada em 1899, bem como da criação de Caixas de Crédito Rural,
sendo que a primeira foi fundada, em Nova Petrópolis, em 1902, e, ainda hoje se encontra em funcionamento com a
denominação de Cooperativa de Crédito Rural.
61
utilização intensiva dos recursos naturais, fertilidade natural do solo e mão-de-obra
direta, em que a produção se destinava basicamente para a alimentação da família e o
excedente era comercializado.
155
O missionário, observou, ainda, que apesar do contexto parecer favorável, no aspecto
de vivência apresentava dificuldades aos imigrantes alemães, no sentido de organização, pois
os mesmos estavam isolados. A importância desse fato se verifica na entrevista de D.Ivo
Lorscheiter que nos diz:
Aliás é bom saber, é interessante saber, que o nome por exemplo, Cooperativismo,
esse é um conceito que teve início aqui no RS. Foi um padre Jesuíta, suíço, da
Europa, que veio para cá, missionário, aí pelos nossos interiores. Ele fez uma
proposta ao nosso pessoal simples. Vocês, se concordam comigo, eu quero propor a
vocês de irmos construindo uma nova forma. Eu queria propor assim, um tipo
associativismo.
156
Sendo assim, incentivou a organização e criação da primeira Cooperativa de Crédito
Rural do Brasil e da América Latina. Essa cooperativa foi um dos marcos do associativismo e
do cooperativismo, sendo que sua forma de organização e seus ideais foram se espalhando,
por todo o Rio Grande do Sul, pois propôs a Associação Rio-grandense de Agricultores:
Pretendia-se com ela pôr em andamento um verdadeiro modelo global de
desenvolvimento, não só para os colonizadores alemães, mas também para os
italianos e lusos. Abstraindo das querelas de natureza doutrinária e disciplinar,
propôs a colaboração entre protestantes e católicos para, unidos, pensarem e
realizarem um grande e um rico projeto de promoção humana. No seio dessa
Associação foram concebidos e postos a funcionar as primeiras cooperativas de
produção, de consumo e de crédito. Nela o ideal da colaboração inter-étnica e
intercultural foi sinceramente tentada. Nela, pela primeira vez no país, praticou-se
um autêntico espírito ecumênico.
157
Em Santa Maria, cidade considerada “o coração do Rio Grande do Sul”, poucos anos
depois do início da organização da primeira cooperativa, em 1913, Manoel Ribas, um
ferroviário, organizou e fundou juntamente com seus colegas a “Cooperativa de Consumo de
Empregados da Viação Férrea”- a COOPFER- na Vila Belga , gerenciada pelos próprios
ferroviários.
158
Essa cooperativa permitia que os empregados tivessem desde alimentação a preços
155
BRUM, Argemiro J. Agricultura brasileira: formação, desenvolvimento e perspectivas. Ijuí: Unijuí, 2004. p. 25-26.
156
Entrevista com D. José Ivo Lorscheiter, em Santa Maria. 2005.
157
RAMBO, Arthur Blasio. O Associativismo Teuto-Brasileiro e os Primórdios do Cooperativismo no Brasil. Perspectiva
Econômica. Vol. 23. No. 62-63. Cooperativismo 24-25. Jul./Dez. 1988. p. 10.
158
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Cultura. Centro de História Oral. Memória Cidadã: Vila Belga. Porto
Alegre: Sedac/CHO,2002a. p. 130.
62
acessíveis, moradia, farmácia, escola e hospital. Esse contexto está muito bem explicitado no
depoimento de Telmo Doutto de Menezes (engenheiro aposentado): “A cooperativa de
consumo dos Empregados da Viação Férrea foi criada especificamente para atender a
ferrovia. Ela foi um grande passo em direção ao socialismo, pois distribuía o lucro”.
159
Esse
processo cooperativado, organizado pelo operariado, vinha dar melhores condições de vida
aos trabalhadores do complexo Ferroviário, que abrigava uma cooperativa poderosíssima, “a
mais potente da América Latina”,
160
minimizando as péssimas condições de sobrevivência e
incentivando a solidariedade. A construção de organizações diferenciadas nessa realidade,
onde se buscava a participação coletiva, contribuiu para que nessa realidade surgissem, mais
tarde, as iniciativas solidárias como os Projetos Alternativos Comunitários (PACs).
161
3.4 Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA: uma proposta de economia popular
solidária
Em 21 de abril de 1974
162
, assume na Diocese o Bispo Dom Ivo Lorscheiter que traz
integrada consigo uma palavra: “esperança” uma das três “virtudes teologais”: Fé, Esperança
e Amor
163
, que foi aprendida concretamente pelo mesmo no Rio de Janeiro. Lá, como
secretário da CNBB ( Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ), observou o trabalho de D.
Helder Câmara, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, que na época organizava a Feira da
Providência:
Uma feira enorme, corajosa, onde Dom Hélder reunia, produtos e artigos para a
venda vindo dos Estados do Brasil e de países que tinham representação diplomática
aqui, em prol das pessoas mais pobres. Com essa feira ele fundou o Banco da
Providência onde esses recursos eram aplicados e postos à disposição dos mais
159
Idem p. 129.
160
RIO GRANDE SO SUL. Secretaria da Cultura. Centro de História Oral. Memória Cidadã: Vila Belga. Porto
Alegre: Sedac/CHO, 2002a. p.135.
161
Os Projetos Alternativos Comunitários (PACs) são organizações populares no sentido de integrar a “mística
da solidariedade cristã com as dimensões: econômica política e cultural. Sua história está interligada à busca de
sobrevivência “a partir de atividades produtivas e de consumo na perspectiva de organização de grupos que,
solidariamente, perseguem sua autonomia e dignidade e lutam contra a dependência criada pelo assistencialismo
“Os PACs nascem de diferentes maneiras, sempre de acordo com a realidade de cada lugar, tendo em vista o
fortalecimento das organizações e grupos comunitários. Eles existem para fortalecer as iniciativas comunitárias,
voltadas para o campo de produção, comercialização de produtos agrícolas, criação de pequenos animais,
captação de água e formação sócio-política e cultural das comunidades”. Citado na sistematização da Cáritas
Regional Ceará: dos PACs à EPS. 2001. Vinte anos de economia popular solidária: trajetória da Cáritas
Brasileira dos PACs à EPS/ Ademar de Andrade Bertucci, Roberto Marinho Alves da Silva (Org.) – Brasília:
Cáritas Brasileira, 2003.
162
Conforme documento escrito para este trabalho por Irmã Lourdes – Coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança.
Santa Maria.
163
Bíblia Sagrada. Coríntios 13.13.
63
carentes.
164
Ao chegar em Santa Maria, constatando a pobreza e dificuldade da região, lembra de
certa forma Razeto, comentando o contexto da pobreza no Chile há dez ou vinte anos atrás “O
que afeta os pobres? De que necessitam? Quais são suas carências”
165
, e organiza juntamente
com o povo a Feira da Primavera, em 11 de setembro de 1976. Esta Feira congrega
atualmente 26 municípios e as 40 Paróquias da Diocese.
166
A partir dos recursos arrecadados por essa Feira da Primavera, além de recursos
advindos de outras fontes, é organizado em 20 de novembro de 1977 o Banco da Esperança,
que subsidia os projetos urbanos, suburbanos e rurais, no sentido de gerar recursos para o
povo pobre de Santa Maria, sendo seu objetivo articular a Comunidade Diocesana em torno
dos Programas Comunitários de Economia Solidária.
O Banco da Esperança é uma entidade filantrópica, de assistência social, sem fins
lucrativos, vinculado à Mitra Diocesana de Santa Maria. Realiza atividades sociais,
educacionais, culturais e assistenciais, visando uma sociedade mais justa e solidária. Esta
entidade está organizada em diversas carteiras ou setores, conforme as necessidades mais
urgentes, para assistir nas emergências, promover e articular a organização libertadora,
através da partilha e educação para a solidariedade.
167
3.4.1 Finalidades e setores do Banco da Esperança:
O Banco da Esperança é uma entidade que concentra de forma organizada e
pedagógica todas as atividades sociais da Diocese de Santa Maria- RS, tendo como
embasamento nove finalidades e organizada em onze setores, que possibilitam uma grande
atuação no local de abrangência. As mesmas, conforme o Folheto de 25 anos da Feira da
Primavera, são:
164
Dom Ivo Lorscheiter, o Bispo da Esperança: sobre o passado o presente e o futuro da Igreja / organizado por Sergio
Augusto Belmonte e Eugênica Mariano da Rocha Barichello. Santa Maria : Pallotti, 2004. p. 122
165
TIRIBA, Lia. Economia popular e cultura do trabalho: pedagogia(s) da produção associada. Ijuí: UNIJUÍ, 2001. p. 98, a
partir de: RAZETO, Luis. Sobre la inserción de la economía popular de solaridad en un proyecto de transformación social.
In: [Vários autores]. Estrategias de vida en el sector popular. Lima: Fovida/Desco, 1987. p. 207 –221.
166
BELMONTE, Sergio Augusto; BARICHELLO, Eugênia Mariano da Rocha (orgs). Dom Ivo Lorscheiter, o Bispo da
Esperança: sobre o passado o presente e o futuro da Igreja. Santa Maria: Pallotti, 2004. p. 122.
64
a) Finalidades:
1. Articular e organizar cursos de formação profissional, visando a promoção
integral das pessoas através da Ação Social e outros.
2. Implementar ações e programas de solidariedade, através do Projeto Criança
Esperança, Projeto Esperança e outros.
3. Promover a saúde comunitária na prevenção e inserção social, através de
unidades sanitárias, comunidades terapêuticas, grupos de mútua ajuda e casa de
triagem.
4. Realizar a educação do espírito comunitário, associativo e transformador,
especialmente das comunidades de baixa renda, do meio urbano e rural.
5. Incentivar, assessorar e financiar pequenos empreendimentos industriais e
agropecuários visando ao autodesenvolvimento das comunidades empobrecidas.
6. Recolher e repassar pedagogicamente objetos materiais como: roupas, móveis,
alimentos e remédios.
7. Atender, encaminhar e orientar as pessoas de baixa renda em suas necessidades
de ordem jurídica.
8. Oferecer orientação e apoio no que se refere ao ajustamento conjugal,
crescimento do amor, educação dos filhos, planejamento natural das famílias, ao
aspecto moral, religioso e jurídico.
9. Promover anualmente a Feira da Primavera com a participação das Prefeituras
Municipais e Paróquias da Diocese de Santa Maria.
168
b) Setores:
a. Carteira de ajuda e emergência: atende às emergências sociais, bem como
eventuais catástrofes naturais, tentando amenizar os sofrimentos, através de gestos
solidários.
b. Carteira da Criança: proporciona proteção integral às crianças das creches,
conforme dispõe o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), provenientes de
famílias de baixa renda e cujas mães trabalham fora do lar para ajudar no sustento
da família.
c. Carteira da saúde: oportuniza às pessoas mais carentes o acesso a fisioterapia,
massoterapia, ultrassonografia, eletrocardiograma e medicamentos.
d. Carteira do mensageiro da Caridade: conscientiza as comunidades a assumir a
solidariedade humana e a caridade cristã de forma organizada. Recolhe os móveis,
utensílios e roupas doados pela comunidade e os repassa aos pobres em forma de
feirinha, através das Paróquias.
e. Carteira da Assistência Jurídica: atende, encaminha e orienta as pessoas de
baixa renda em suas necessidades de ordem jurídica.
f. Carteira de Aperfeiçoamento Profissional: organiza e promove cursos que
visam profissionalizar pessoas de baixa renda, através da Ação Social Paroquial
e/ou Municipal, oportunizando sua formação integral.
g. Carteira do Projeto Criança Esperança: melhora a qualidade de vida das
crianças e adolescentes e suas respectivas famílias, em situação de exclusão social,
através da ação qualificada e orientada para a prática de educação emancipadora e
libertadora.
h. Carteira do PACTO (Pastoral de Auxílio Comunitário ao Toxicômano): orienta
e acompanha as famílias no processo de prevenção, recuperação e ressocialização do
dependente químico, através dos grupos de mútua ajuda de Amor-Exigente e do
tratamento na Comunidade Terapêutica do Senhor Jesus e Casa de Triagem.
i. Carteira do Projeto Esperança: promove a transformação social, política,
167
Entrevista com a Irmã Lourdes Dill – Coordenadora do Projeto ESPEANÇA/COOESPERANÇA. 2004.
168
Folheto dos 25 anos da Feira da primavera – Jubileu – Ano de 2000. Mitra Diocesana – Banco da Esperança – Santa
Maria –RS; Ir. Lourdes Dill, entrevista (coordenadora do Projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA), 2004.
65
econômica, cultural e ambiental, pelo auto-desenvolvimento associativo comunitário
de Projetos de Geração de Renda, na proposta econômica solidária, de inclusão
social, cidadania e da “transformação pela solidariedade”.
j. Carteira do COAF (Centro de Orientação e Apoio a Família): oferece
orientação e apoio no que se refere ao ajustamento conjugal, crescimento do amor,
educação dos filhos, planejamento natural das famílias, ao aspecto social, moral e
jurídico.
k. Carteira da Pastoral Carcerária: oportuniza aos detentos momentos de reflexão,
partilha e convivência, para sua recuperação moral, psicológica e espiritual,
envolvendo também a sua família (atualmente está sob a coordenação da Equipe
Diocesana de Pastoral).
l. Carteira das Trabalhadoras Domésticas: organiza, promove, conscientiza,
assessora e qualifica essa categoria profissional, despertando-a cada vez mais para a
importância de seu trabalho junto às famílias (atualmente está desativada).
m. Feira da Primavera: desperta a consciência de solidariedade da comunidade
diocesana para o problema dos menos favorecidos das paróquias e municípios,
cultivando a integração e participação de todas as comunidades num esforço
comum, visando arrecadar fundos para a manutenção dos Projetos do Banco da
Esperança.
169
Na década de 80, “a economia brasileira foi marcada por graves desequilíbrios
externos e internos”; foi um período em que “A chamada década perdida caracterizou-se pela
queda nos investimentos e no crescimento do PIB, pelo aumento do déficit público, pelo
crescimento das dívidas externa e interna e pela ascensão inflacionária”
170
; “Houve na época
dois momentos distintos que marcaram o político e o econômico do país:
O primeiro momento, da promulgação do III PND, estabelece uma tentativa do novo
governo militar (Figueiredo) de atualizar e adequar o Projeto Brasil-Potência à nova
situação da economia, que apresentava claros sinais de fraqueza no final do período
anterior e início deste novo período. O segundo momento, de transição de um
regime autoritário para um regime democrático, é conseqüência da desintegração
progressiva do sistema de poder implantado no país desde 1964 (regime militar) e
da emergência política da sociedade civil, que passou a ocupar mais espaços no
cenário político nacional.
171
Este contexto nacional também foi marcado pela recessão econômica acompanhada de
inflação descontrolada, o que repercutiu diretamente no mercado de trabalho, diminuindo o
crescimento dos empregos formais, aumentando o número de trabalhadores sem contrato de
trabalho e de trabalhadores por conta própria. Permitiu que fossem emergindo possibilidades
de democratização do país, em seu novo jeito de ser, instalando em seu movimento
alternativas no econômico e no social, permitindo a multiplicação de experiências
169
“Folheto” dos 25 anos da Feira da Primavera. Ano de 2000. Mitra Diocesana – Banco da Esperança. Santa Maria, RS e
entrevista com a Irmã Lourdes Dill, Coordenadora do Projeto Esperança-Cooesperança.
170
SAUSEN, Jorge Oneide. Adaptação estratégica organizacional o caso da Kepler Weber S.A [tese de
doutorado]. Ijuí: Unijuí, 2003. p. 116-117.
171
Idem. p. 117.
66
comunitárias. Principalmente em alguns grupos de organizações comunitárias e nas CEB’s
172
renova-se a solidariedade que estivera instalada nas Reduções Indígenas, nos Quilombos, no
Cooperativismo. Surge, então, a discussão sobre a comercialização direta. Surgem
movimentos populares, que unem comunidades do interior a grupos dos bairros da cidade, no
sentido de organização de cooperativas e demais associações. Nas periferias urbanas, diversas
comunidades organizam grupos de artesanato, fornos, saúde e creches comunitárias,
destacando-se a participação ativa das mulheres nessas organizações.
Em 1980, D. Ivo Lorscheiter, um grupo da Diocese de Santa Maria, dos movimentos
sociais, das pastorais sociais, da EMATER e pessoas da Universidade Federal de Santa Maria
(coordenados pelo professor José Fernandes)
173
estudam um livro: “A pobreza, riqueza dos
Povos: a transformação pela solidariedade” de Albert Tévoédjré,
174
que analisa a situação
vivenciada pela civilização industrial, a partir de uma acumulação selvagem e propõe a
reversão da situação da pobreza a partir de um pacto de solidariedade.
Solidariedade que se apresenta como possibilidades de “solidariedade-amor de todos
para com todos”, que conforme Leonardo Boff é “amor-solidariedade que constitui a grande
comunidade cósmica, terrenal e humana. É ele que dá origem também ao princípio da
reciprocidade-complementaridade. Um ajuda reciprocamente o outro a existir e a se
desenvolver. Todos se complementam e crescem juntos: as espécies, os ecossistemas e o
inteiro universo.”
175
Na época, em nível de Brasil, a Cáritas Brasileira desenvolvia os Projetos Alternativos
Comunitários (PACs), que apoiavam pequenas iniciativas comunitárias, especialmente como
alternativas de sobrevivência, numa perspectiva solidária.
Em maio de 1984, no Seminário do Cone Sul – Cáritas Regional do RS, Dom Ivo
172
CEBs, conforme TEIXEIRA, Faustino Luiz Couto. A gênese das CEBs no Brasil. Elementos explicativos. São Paulo:
Paulinas, 1988.
173
Entrevista com D. Ivo Lorscheiter. Diocese de Santa Maria. 2005.
174
TÉVOÉDJRÈ, Albert. A pobreza, riqueza dos povos. A transformação pela solidariedade. Petrópolis: Vozes, 2002.
175
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 133. Especificado
no mesmo livro (p. 187-188), sobre Niels Bohr (1885-1962): fisico dinamarquês que projetou o modelo do átomo,
semelhante ao sistema solar. Um dos formuladores da física quântica que vê toda a realidade constituida de feixes (quantum,
quanta em latim) de energia organizados em campos sempre relacionados com outros em forma de rede. Formulou o
principio da complementaridade, pelo qual os contrários devem ser vistos com expressão da mesma realidade complexa, para
temos um quadro completo da verdade e da realidade.
67
Lorscheitter destacou: “Os Projetos Alternativos são um excelente meio de se viver a lógica
do cristianismo: partilha, participação, comunidade, educação consciente e crítica, utopia,
desprendimento, utopia, libertação”.
176
Este assunto foi estudado através de seminários e jornada na região Centro/RS, dando
origem aos primeiros PACs (Projetos Alternativos Comunitários), juntamente com a Cáritas
da Regional/RS, que no seu III Congresso Estadual, em outubro de 1984, passa a apoiar
oficialmente os Projetos Alternativos Comunitários (PACs). Iniciando, assim, as primeiras
experiências de grupos comunitários e associações, em que a solidariedade sempre foi o
fundamento das atuações.
Em 1985, acontece o 1
º
Encontro Estadual de PACs (quando aconteceu a articulação
das alternativas sob a coordenação do Secretariado Regional da Cáritas) e o início das buscas
de recursos, para dar vazão à construção de um Banco de Fundos, concretizada com o
primeiro convênio de um Fundo de Mini-Projetos com a MISEREOR e KATHOLISCHE
ZENTRALSTELLE FÜR ENTWCKLUNGSHILFE E.V. ,da Alemanha.
177
, no ano de 1988.
Os projetos, então, organizam-se e buscam oportunizar a vivência comunitária e
possibilitar a “reinvenção da economia”
178
e têm como prática o seguinte:
– espírito comunitário e solidário;
– organização e planejamento participativo;
– gestão democrática - autogestão;
articulação com grupos e movimentos populares e outras organizações;
– transparência administrativa;
– proposta ecológica de respeito à vida e à natureza;
– metodologia que estimula um processo de reeducação permanente.
Os projetos também se baseiam na primazia do trabalho sobre o capital.
179
Esse processo que envolve o estudo do livro A pobreza, riqueza dos povos: a
transformação pela solidariedade e a criação dos primeiros Projetos Alternativos
Comunitários (PACs) no RS, faz surgir o movimento e hoje Projeto Esperança, em 15 de
agosto de 1987, como proposta, na Diocese de Santa Maria, que articula e congrega
176
Construindo uma Economia Popular Solidária no Rio Grande do Sul, Cáritas Brasileira do Rio Grande do Sul. Caderno de
Formação n 1. p. 11.
177
Idem. p. 11.
178
TÉVOÉDJRÈ, Albert. A pobreza, riqueza dos povos. A transformação pela solidariedade. Petrópolis: Vozes, 2002.
179
Construindo uma Economia Popular Solidária no Rio Grande do Sul. Cáritas Brasileira do Rio Grande do Sul. Caderno
68
experiências de Economia Popular Solidária (EPS) no meio urbano e rural. Esta entidade tem
como objetivo o auto-desenvolvimento associativo/comunitário de Projetos de Geração de
Renda na proposta econômico- solidária de inclusão social, cidadania e “transformação pela
solidariedade”. O Projeto Esperança surge com um embasamento teórico, como relata D. Ivo
Lorscheiter em sua entrevista:
[...] de reinventar a organização econômica. De construir um trabalho de
solidariedade. Solidariedade que vamos olhar a parte, assim muito concreta do
associativismo, cooperativismo.
180
O Projeto Esperança nasce numa época em que o Brasil recentemente havia se
submetido ao Fundo Monetário Internacional (FMI), para cobrir empréstimos que financiaram
o crescimento acelerado na década de 70, fase caracterizada como “milagre econômico
brasileiro” (1968-1974),
181
em que houve um fantástico desempenho econômico do país dos
anos 1970 até o final de 1973, sendo que a economia brasileira, em apenas seis anos, dobrou
de tamanho, como pode ser atestado pelos indicadores:
As exportações passam de US$ 2,7 bilhões em 1970 para US$ 6,2 bilhões em 1973,
enquanto as importações sobem de US$ 2,8 bilhões para US$ 7,0 bilhões, no mesmo
período. As reservas internacionais aumentam de US$ 656 milhões em 1969 para
US$ 6,417 milhões em 1973. Em contrapartida, a dívida externa salta de US$ 3,4
bilhões em 1967 para US$ 5,3 bilhões em 1970 e US$ 12,6 bilhões em 1973.
182
Nasce, também, num momento histórico de democracia política, a Constituição da
Nova República (1985-1990). O poder militar havia se sustentado por 21 anos no país, com
base em uma economia considerada positiva. No momento em que essa economia se esfacela,
a legitimidade política também deixa de existir, dando início a um processo de organização
civil, que juntamente com o movimento sindical organiza a maior mobilização histórica do
país, com a campanha das “diretas já”, que tinha por finalidade conseguir a aprovação, pelo
Congresso Nacional, da Emenda Constitucional que instituía eleições diretas para a escolha
do presidente da República.
Embalado pela democracia e num contexto de fortes transformações ocorridas no
mercado de trabalho, o Projeto Esperança, na Diocese de Santa Maria, vem dar sustentação a
de Formação no.1. p. 12
180
Entrevista com D. José Ivo Lorscheiter em 2005. Diocese de Santa Maria – RS.
181
BRUM, Argemiro Jacob. O desenvolvimento Econômico Brasileiro. Petrópolis: Vozes. 1991. p. 165-196.
182
BRUM, Argemiro Jacob. O desenvolvimento Econômico Brasileiro. Petrópolis: Vozes.1991. p. 169.
69
um projeto de Economia Popular Solidária. Considerando que a Economia Popular Solidária,
segundo Paul Singer, é em sua síntese uma economia “autogestionária”, que “significa
igualdade e democracia; igualdade econômica relativa e democracia de decisão absoluta”
183
,
podemos dizer que o Projeto Esperança em sua organização e articulação congrega essas
qualificações básicas.
O Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA trabalha na construção regional da
economia popular solidária, juntamente com a Cáritas do Rio Grande do Sul e com diversas
organizações e entidades da Região Centro/RS. É um projeto sendo que
É um dos setores do Banco da Esperança da Diocese de Santa Maria, que desde
1987 vem construindo o associativismo, o trabalho, a solidariedade, a cidadania, um
novo modelo de cooperativismo, a economia popular solidária, a inclusão social,
através de alternativas concretas de radicalização da democracia, do
desenvolvimento humano, solidário e sustentável e na “reinvenção da economia”,
onde o trabalho está acima do capital.
184
É um programa que na Diocese de Santa Maria trabalha com a Economia Popular
Solidária no campo e na cidade. Economia Popular Solidária, termo utilizado a partir dos
anos 90 (nos anos 80, eram denominados de projetos comunitários)
185
, permite o
fortalecimento das diferentes formas de articulações, levando em conta o contexto onde está
inserido, oportunizando aos excluídos uma inserção no trabalho construído coletivamente:
[...] o que poderá recolocar a competição sistêmica, ou seja, a competição entre um
modo de produção movido pela concorrência inter-capitalista e outro movido pela
cooperação entre unidades produtivas de diferentes espécies, contratualmente
ligadas por laços de solidariedade.
186
No contexto do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, esses laços de
solidariedade embasam todo um trabalho que hoje “é uma referência na região, no estado, no
Brasil, e de certa forma também, em nível de Mercosul.”
187
O Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA (em que o projeto ESPERANÇA é um
183
Kraychete, Gabriel; LARA, Francisco; COSTA, Beatriz (orgs). Economia dos setores populares: entre a realidade e a
utopia. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Capina; Salvador: CESE/UCSAL, 2000. p. 149.
184
Diocese de Santa Maria. Projeto Esperança/Cooesperança. Uma experiência que deu certo. Livreto integrante do livro A
pobreza, riqueza dos povos. A transformação pela solidariedade de Albert Tévoédjrè.
185
Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia/Gabriel Kraychete, Francisco Lara, Beatriz Costa (
organizadores). – Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: Capina; Salvador: CESE: UCSAL, 2000. p.
186
SINGER, Paul. Economia Solidária: geração de renda e alternativa ao liberalismo. Proposta n. 72, mar./maio.,1997. p. 13.
70
programa de economia solidária e a COOESPERANÇA é uma Cooperativa que responde pela
parte legal) em sua organização abrange o projeto “como um todo,”
188
funcionando como um
trabalho integrado entre os grupos que são a base. O Projeto ESPERANÇA, um programa de
economia solidária e a COOESPERANÇA como articulação de trabalho, em conjunto,
articulam-se à vida dos trabalhadores urbanos e rurais. Promovem, incentivam, desencadeiam
e constroem o desenvolvimento urbano e rural, através de experiências organizadas em
associações, cooperativas e empreendimentos solidários, mostrando possibilidades e
alternativas no mundo globalizado. É a possibilidade de trabalho alternativo, num espaço da
economia solidária.
No Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA as alternativas estão fundamentadas na
cooperação, autogestão, na produção coletiva, na comercialização direta, na justa distribuição
de renda, na agroecologia, na agricultura familiar e na solidariedade, sendo uma entidade que
atua tendo a missão, conforme o folheto explicativo da Rede da Economia Popular Solidária
de:
Promover, incentivar, desencadear e construir o Desenvolvimento Urbano, Rural
e Regional Sustentável, com base nos princípios da Mística Cristã, Solidariedade,
Cooperativismo Alternativo, Autogestão, Organização, Luta pela distribuição Justa
da Terra e dos Frutos da Terra, Economia Popular Solidária, Defesa do Meio
Ambiente, Agroecologia, Fomento de Alternativas à Cultura do Fumo, colocando a
VIDA em primeiro lugar, com igual participação entre homens e mulheres, com
comprometimento, confiança e espírito ecumênico, mediante Processos Educativos,
Participativos e Transformadores, com o fortalecimento da Agricultura Familiar,
Agroindústria Familiar, Comercialização Direta, o Consumo Justo, Ético e
Solidário, no trabalho de Parcerias e Políticas Públicas, com incentivo à melhoria da
Qualidade de Vida, Geração de Trabalho e Renda, na Construção de uma
Sociedade:
– socialmente justa,
– economicamente viável,
– ambientalmente sadia,
– organizadamente cooperativada,
– politicamente democrática,
– animando e fortalecendo a cultura da solidariedade, a valorização do trabalho
acima do capital, formando “novos sujeitos para o pleno exercício da cidadania
e na certeza de que ‘um outro mundo é possível’,
– do local para o global fortalecendo as redes de economia solidária.
189
Essa missão se dá num processo de formação permanente de luta, resistência e
187
Entrevista com Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
188
Idem.
Folheto: Rede da Economia Popular Solidária. Diocese de Santa Maria. Projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA. “Uma
outra economia é possível”.
71
organização, embasando um projeto que é um laboratório de alternativas, de práticas
organizativas, ecológicas e transformadoras, fomentadas através de processos participativos e
construtores da dignidade e da inclusão social.
3.4.2 Histórico das feiras do cooperativismo alternativo: terminal de comercialização
direta – Santa Maria – RS – Brasil
No processo de Economia Popular Solidária do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, as feiras (espaços de comercialização direta e de trocas de
experiências), apresentam situações de desenvolvimento e crescimento que devem ser
analisadas pela importância dos fatores apresentados nesta pesquisa. Inicio apresentando o
seguinte histórico:
Na análise do histórico das feiras do cooperativismo alternativo – terminal de
comercialização direta – Santa Maria – RS – Brasil, pude observar que nos primeiros anos a
feira obteve êxito desde seu início, mas passou a ser ampliada em números de
empreendimentos, participação de municípios e de pessoas no evento, a partir do ano de 2000.
Essa amplitude no processo deve-se, conforme entrevista com a Irmã Lourdes Dill, às
políticas públicas implantadas através dos governos municipal, estadual e federal:
Se quer exatamente com a Economia Popular Solidária uma política pública de
sustentabilidade. Nós não queremos uma economia solidária de esmola. E, nós
temos dito também, por aí, que a Economia Popular Solidária, ela não disputa as
grandes fortunas, mas ela também, não se contenta com migalhas. E é por isso,
então, que nós agora, estamos num cenário muito bonito, mesmo a nível federal,
onde o próprio governo Lula, soube valorizar uma iniciativa do povo e foi criado
72
dentro do Ministério do Trabalho a Secretaria Nacional de Economia Solidária.
190
Além disso, é possível constatar o avanço na construção do processo de Economia
Popular Solidária, em nível de Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de Santa
Maria, no Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, por se embasar nos aspectos
apresentados a seguir, em relação às OEPs (Organizações Econômicas Populares):
Como iniciativas organizadas e solidárias, transitando entre a economia popular e a
economia de solidariedade, apresentam algumas características e aspectos comuns:
a) São iniciativas que desenvolvem os setores populares tanto no campo como nas
cidades, alcançando uma maior extensão nos cinturões de pobreza dos grandes
centros urbanos;
b) Não são iniciativas meramente individuais, mas associativas, nas quais se
organizam as pessoas e/ou famílias em pequenos grupos ou comunidades; seus
integrantes não se apresentam como multidões anônimas, mas são facilmente
identificáveis;
c) São iniciativas organizadas em que seus integrantes propõem, de forma
explícita ou informalmente, um programa de atividades com objetivos precisos,
dando lugar a uma estrutura e procedimentos para a tomada de decisões;
d) São iniciativas para enfrentar um conjunto de carências e de necessidades
concretas como geração de trabalho e salários, alimentação, moradia, saúde etc.;
além das fisiológicas, busca-se satisfazer às necessidades individuais de
convivência, de desenvolvimento da cultura, de educação, de autonomia e
integração crítica na sociedade;
e) São iniciativas que buscam enfrentar os problemas por meio de uma ação direta,
mediante o esforço coletivo e a utilização de recursos próprios;
f) São organizações que, embora tenham de experimentar variadas formas de
dependência com respeito aos sujeitos externos, pretendem que a dinâmica interna
das relações entre seus integrantes se dê de maneira participativa, democrática,
autogestionária e autônoma;
g) São iniciativas que não se limitam a uma só atividade, mas que tendem a ser
integrais, combinando atividades econômicas, sociais, educativas e culturais;
h) São iniciativas que pretendem ser diferentes e alternativas com respeito ao
sistema vigente, propondo-se ser, ainda que em pequena escala, uma mudança
social, na perspectiva de uma sociedade melhor e mais justa;
i) São experiências que, surgindo dos setores populares para fazer frente a suas
necessidades, geralmente são apoiadas por instituições religiosas ou organizações
não governamentais, através de atividades de capacitação, assessoria e doação de
recursos materiais, tendo como objetivo o desenvolvimento social, cultural, político,
econômico e humano integral dos setores populares.
191
Sempre tendo como base os vinte anos de construção coletiva do fazer econômico
baseado na solidariedade, produção e distribuição de bens, além do consumo alternativo ao
190
Entrevista com a Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. 2004/2005.
191
RAZETO, Luis et alii. Las organizaciones económicas populares: 1973-1990. – Programa de Economía del Trabajo- PET.
Santiago de Chile, 1990. p. 111-114.
73
capital, enfatizando valores que estão à margem de uma ordem econômica globalizada, o
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA tem em sua constituição uma organização
chamada de “Teia Esperança” pelo que se comercializam produtos de forma direta, além de
possibilitar a troca de experiências e produtos dos grupos entre si e com os/as
consumidores/as. Nos pontos comercializam-se produtos coloniais, hortigranjeiros
ecológicos, caseiros, artesanais, panificação, confecção, serigrafia, material reciclado,
produtos da agroindústria familiar, carne e prestação de serviços. A Central “Teia Esperança”
tem como Ponto de Articulação o Terminal de Comercialização Direta, com troca de
experiências e de produtos, todos os sábados, no Feirão Colonial Semanal. É uma forma
eficaz de fortalecer os grupos, consolidar a articulação e construir políticas públicas
articuladas em Rede Solidária.
A Rede dos Empreendimentos Solidários, associados ao Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA, foi criada no dia 14 de janeiro de 2003, com o objetivo principal de
articular os empreendimentos solidários a ele associados, para um maior escoamento da
produção, qualidade dos pontos de comercialização direta em 12 municípios da Região
Centro e para articulação dos empreendimentos entre si. São mais de 40 espaços fixos de
comercialização direta dos diversos grupos nos municípios da Região Centro-RS.
Os pontos da “Teia Esperança” são administrados de forma colegiada pelos próprios
empreendimentos solidários organizados e associados ao Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA e da própria “Teia Esperança”. São os seguintes:
1 PROJETO ESPERANÇA/COOESPERANÇA
Rua Silva Jardim, 1704
97.010-490 – Santa Maria –RS
Fone/Fax: 55 3219-4599
2 TERMINAL DE COMERCIALIZAÇÃO DIRETA
FEIRÃO COLONIAL
Atividades: Comercialização de Produtos Coloniais e Artesanais
Rua Heitor Campos, s/nº.
97.060 – 290 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3222 6152
3 CEPS - CENTRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Atividade: Comercialização de Produtos Coloniais
Rua Serafim Valandro,1016 – Centro
97.015-631 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3225 4476
4 ARMAZÉM DA COLÔNIA
Atividade: Comercialização de Produtos Coloniais
74
Av. Rio Branco, 639 (esquina Rua Silva Jardim)
97.010-639 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3221 1713
5 PRODUÇÃO E ARTE ESPERANÇA
Atividade: Artesanato
Rua Roque Callage,10 – Centro – Santa Maria – RS
Fone: 55 3218 1265
6 CANTINHO DO ARTESANATO
Atividade: Artesanato
Rua do Acampamento,590
97.050.002 – Santa Maria – RS
Fone: 55 9996 9850/ 55 3219 2865
7 AGPC - Associação Giacomini de Produtos Coloniais
Rua Armim Schwarrz,341 Loja 32
Centro Comercial – Cohab Tancredo Neves
97.032-020 – Santa Maria – RS
Fone/Fax 55 3217 5959
8 MÃOS DE TERRA
Atividade: Produtos Coloniais
Rua Duque de Caxias, 1833
97.015 – 120 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3225 2450 8402 5459
E.mail: mãosdeterra @ brturbo.com.br
9 AMME (Associação de Malhas Medianeira)
Atividade: confecção
Rua Júlio Réchia, 21 – Bairro Medianeira
97.060-410 – Santa Maria – RS
Fone/fax: 55 3223 0805
10 A ARTE DA INCLUSÃO
Atividade: Artesanato em material reciclado
Rua Serafim Valandro,1016
97.015-631 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3225 4476
11 GESMA (Grupo Ecumênico da Santa Marta)
Atividade: Panificação
Rua Malmann Filho, Pôr do Sol Nova Santa Marta
97.035-030 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3213 2237
12 ASMAR (Associação dos Selecionadores de Material Reciclado)
Atividade: Seleção de material reciclável
Rua Israel Seligmam, 460 – Bairro Na. Sra. de Lurdes
97.060.000 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3218 1295
13 ARSELE (Associação dos Selecionadores de Material Reciclável)
Atividade: Reciclagem
Av. Borges de Medeiros, 511 Km (fundos)
97.010-081 – Santa Maria – RS
Fone: 8402 7033.
14 COMUNIDADE AGROECOLÓGICA CHICO MENDES
Assentamento Carlos Marighella – MST
Atividade: Produtos da Reforma Agrária
Estrada 16 de Fevereiro, 140 – CX. 69 – Distrito Industrial
97.001-970 – Santa Maria – RS
Fone: 55 3025 6439.
192
192
Entrevista com a Irmã Lourdes Dill – Coordenadora do Projeto Esperança/COOESPERANÇA. ( relação entregue pela
mesma ).
75
Essa organização da “Teia Esperança” se constitui numa cooperação entre os
empreendimentos solidários, formando uma rede que representa um diferencial importante na
viabilização econômica e social, enfatizando espaços de comercialização, de formação
humana, de auto-estima e de capacitação profissional.
4 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
4.1 A Construção do Conhecimento Solidário nos Espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA
Na economia solidária (neste caso os espaços do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA), onde novas possibilidades de educação estão sendo construídas, pois
nenhuma forma de construção de conhecimentos é “natural”, é necessário que se analise como os
conhecimentos de solidariedade permeiam e interagem nos “arranjos” contínuos de
aprendizagem.
Principalmente, num contexto onde se “constrói” o “humano”, como uma submissão
da subjetividade, em que pesem relações de organização da economia, em que o discurso
193
enfatiza parâmetros de um poder-relação que leva a um mal-estar da civilização, destituindo
seres sem levar em consideração que:
Há um descuido e um descaso imenso pela sorte dos desempregados e aposentados,
sobretudo dos milhões e milhões de excluídos do processo de produção, tidos como
descartáveis e zeros econômicos. Esses nem sequer ingressam no exército de reserva
do capital. Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um salário mínimo
e de alguma seguridade social.
194
No entanto, esse cuidado, quando analisado em relação à construção do conhecimento
nos espaços do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, nos permite ver encaminhamentos
bem-sucedidos, conforme as palavras de Irmã Lurdes:
Nós temos em nossa missão, desse trabalho como um todo, essa importância de
193
“Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a
nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que
estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou
de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.” FOUCAULT, Michel. A
Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1996. p. 43-44.
194
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 18.
77
promover, incentivar, desencadear e construir toda essa questão de desenvolvimento
urbano e rural, através dessas experiências organizadas em associações,
cooperativas em empreendimentos solidários, que compõem hoje, essa grande força
da organização dos trabalhadores, especialmente no mundo globalizado e no mundo,
onde as pessoas hoje, vivem quase que no desespero de ter trabalho para sua
sobrevivência. Então, hoje, o projeto Esperança/ COOESPERANÇA é um caminho
que mostra as possibilidades e a certeza das alternativas. E nós, na realidade com
esse trabalho todo, nós estamos construindo um novo processo e diria um novo
marco histórico que mostra que é possível encontrar um outro caminho, que não seja
necessariamente o caminho do emprego, da dependência de um patrão e da
dependência de um salário tradicional. ”
195
Portanto, construir conhecimentos nesses espaços supõe outra forma de abordagens,
mesmo que na mesma abordagem da “domesticação de corpos”, mas em sua constituição
diferenciada da construção do conhecimento neoliberal, em que o mercado globalizado exige
novas competências, com menor custo e maior produtividade. Essa exigência enfatiza que
apenas os que estão num nível determinado de inserção econômica, política, social, cultural
possam atingi-la, esquecendo que:
A pobreza no mundo é uma provocação à humanidade toda. Este desafio é uma
agressão permanente que os povos desenvolvidos não conseguem compreender ou
por estarem geográfica e psicologicamente longe demais, ou porque voltam as
costas (egoisticamente) deixando talvez que seus governantes e/ou instituições
tomem alguma iniciativa, desde que não se vejam envolvidos imediatamente os
indivíduos. Os pobres (isto é: João, Maria, Ana, José) - além de sentirem a in-
humana pobreza – jamais se acostumarão a viver na miséria, mesmo que
aparentemente se conformem com ela e nela. Eles são, em certo sentido, um
protesto lanhado na carne da humanidade, contra ela própria. Em outro sentido, eles
se sentem – e são – impotentes e dependentes. Vivem uma quase mórbida
experiência de culpabilidade, aterrorizados e coagidos.
Frente ao pobre, manifesta-se uma misteriosa contradição humana: o egoísmo
coletivo dos povos ricos centrados numa riqueza auferida sobre o sangue fraterno.
A superação da pobreza envolve um novo modo de vida de todos, um novo modelo
sócio-econômico, onde a solidariedade não se baseia só em promovê-los a nível de
desenvolvimento do Primeiro Mundo, pois que a dicotomia subjacente haveria de
persistir. Os valores culturais, o modus vivendi dos povos são diversos por fatores
raciais, políticos, geográficos, históricos, religiosos, etc. E esses valores determinam
os rumos de evolução ascendente de um povo.”
196
Os valores voltados para a solidariedade podem ser encaminhados numa perspectiva
de economia solidária, que busca um espírito de transformação num sentido da dimensão
social, econômica, ecológica e ambiental, política e cultural. Neste sentido, o Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, como espaço de relações voltadas para uma economia
solidária, procura vivenciar valores efetivados na prática do contexto específico de um projeto
195
Entrevista com a Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. 2004/2005.
196
RIBEIRO, Hélcion. A condição humana e a solidariedade cristã. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 54-55.
78
alternativo, pois combina atividades econômicas e sociais, educativas, solidárias, políticas e
pastoral-religiosa, buscando a participação democrática e auto- gestionária nas decisões.
Neste espaço, tentarei analisar a construção do conhecimento que busca a vivência da
solidariedade.
4.2 A Construção da Solidariedade nas Relações Dentro dos Espaços do Projeto
ESPERANÇA /COOESPERANÇA
Proponho iniciar buscando o entendimento da construção de solidariedade em relação
ao “todo” do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA; em relação ao grupo em si: AGP,
UNIMEL; em relação à coordenação geral do projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA; em
relação à participação da mulher, do homossexual, da criança, do idoso, do negro; em relação
aos fornecedores, compradores e visitantes da Feira. Esses grupos foram escolhidos para
serem analisados, pois apresentam de forma geral o contexto da organização do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
A forma coletiva exige o conhecimento da participação e da cooperação, pois
dificilmente o individual (num processo solidário) conseguirá sobreviver em meio ao mundo
organizado de forma neoliberal, em que predomina a competição, pois este o liquidará, como
elemento fundante de um processo adverso. Este aspecto em análise no Projeto
ESPERANÇA/ COOESPERANÇA pode ser considerado básico, já na organização dos
trabalhadores em grupos, pois conforme depoimento de Irmã Lourdes Dill, até para conhecer
o processo são organizadas reuniões:
Nós temos uma vez por mês uma chamada de grupos novos. Onde se pára uma
tarde as atividades e um grupo aqui da coordenação geral dos projetos e também,
dos grupos dos empreendimentos... a gente tira uma tarde e explica nossa
experiência para quem quer ouvir. Nós temos reunido 100 pessoas ou até 120, ou
até mais. E, pessoas da sociedade que querem conhecer a experiência. É,
normalmente dessas reuniões que tem saído grupos novos. Por iniciativa deles, não
nossa. Porque assim, a organização do grupo não é papel nosso, é papel de quem
quer se organizar. De forma espontânea. Nós proporcionamos o Kit de material,
pastas com folhetos, com todo material e um pouco da história. E, a partir dessa
reunião de grupos novos, então as pessoas que querem se associar, querem se
entrosar, eles escolhem suas lideranças e começam a fazer o processo
organizativo.
197
197
Entrevista com Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. 2004-2005.
79
Estes encontros básicos de estudos, de aprofundamento de temas permitem o
conhecimento de um processo de Economia Popular Solidária, em sua teoria / práxis, pois é a
partir desse momento que se estabelecem novas relações, em que se dialoga, se discute no
sentido de permitir articulações de novos grupos que desejam se inserir no contexto do
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
Percebi essa solidariedade na amplitude do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, também nos depoimentos de integrantes dos grupos,
como neste de Renan Giacomini, de 24 anos: “Bom, a gente é assim, são grupos unidos,
participam muito de reuniões. Tem reuniões mensais.”
198
Em outros depoimentos, esta
relação de solidariedade fica muito explícita:
Tu é preparado, quando você entra também para o projeto para fazer parte da
cooperativa, tem reuniões exaustivas, de tempo em tempo, nós temos assembléias,
né, nós temos reuniões.
199
Trabalho na COOESPERANÇA há seis anos. A gente conversa, faz reuniões, uma
vez por mês, o grupo antes das feiras, sempre tem reuniões com as coordenações.
200
Aí a gente estudou e se associamos a COOESPERANÇA.
201
A gente... nós temos reuniões, quase uma vez por mês, junto ao projeto, com a irmã
e os outros grupos, onde é discutido vários assuntos.
202
Depois que nós, entramos ... se associamos no Projeto ESPERANÇA, nosso grupo
melhorou em muito a relação, assim, a nós.
203
E, nós trabalhamos com os excluídos. Eu trabalho junto com os catadores, né.
Catadores, material reciclável. Então é um trabalho muito assim, muito voltado pra
questão assim, geração trabalho e renda. E acho que dentro do projeto nós estamos
trabalhando muito encima disso e é muito trabalho. Então nós trabalhamos, eu faço
as oficinas e a gente vai descobrindo talentos, vai formando o grupo e tem todo o
apoio quando eles vem pro projeto Esperança pra formar os grupos pra entrar na
cooperativa, pra começar a comercializar.
204
Esta construção do “solidário” necessita de um processo de formação com todos os
198
Renan Giacomini. 24 anos. Integrante do Grupo AGPC – Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
199
Carlos Alberto da Cunha Flores – Kalu. 52 anos. Formado em Filosofia. Trabalha como Artesão. Trabalha com oficinas
junto aos grupos do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA (companheiro há 26 anos do João).
200
Horizontina Teixeira Stabile – Grupo Liberdade. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
201
Adiles da Silva. Coordenadora do Grupo de Mel – UNIMEL. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
202
Lenita Rodrigues dos Santos – 51 anos. Grupo Liberdade. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
203
Rogério Giacomini. Grupo AGPC. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
204
Carlos Alberto da Cunha Flores, o “Kalu”. Trabalha na formação dos grupos do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
80
grupos (enquanto espaço ampliado), o que acontece sistematicamente nos espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, como concluí pelas falas dos entrevistados.
Esta formação básica tem um papel fundamental, pois os integrantes do processo em sua
vivência diária (o contexto neoliberal) são impregnados de experiências de aprendizagem que
possibilitam uma construção de relações num nível de individualismo, egoísmo, somente
contraposto no meio da vivência familiar, em situações de amorosidade de um para com o
outro. Ainda, quando há a possibilidade, o sujeito “constrói aquilo que chamamos de
cidadania, numa perspectiva ético-comunitária.”
205
e, mesmo assim, muitas vezes permeada
pela solidão existencial dentro do meio sócio-cultural e histórico. Portanto, a relação que se
organiza através da força da união, em que os integrantes de grupos passam a construir suas
interações no espaço-tempo de projetos de Economia Popular Solidária, como no caso do
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, possibilita vários desafios de reinvenção de
solidariedade.
4.2.1 A construção das relações dentro dos grupos específicos de trabalho
É interessante observar na prática como acontecem essas relações de solidariedade
que se manifestam de forma mais pungente. De acordo com as colocações de Paul Singer:
A economia solidária é produzida tanto por convicção intelectual como por afeto
pelo próximo, com o qual se coopera A hipótese aqui é que todos têm inclinação
tanto por competir como por cooperar. Qual dessas inclinações acabará por
predominar vai depender muito da prática mais freqüente, que é induzida pelo
arranjo social em que o sujeito nasce, cresce e vive.
206
Diante disso, é curioso constatar como esta forma de vivência está construída, a partir
de vários “olhares” sobre a experiência que se estabelece dentro dos espaços grupais, em
constantes nuances de aprendizagens como:
A gente trabalha muito unido, principalmente o grupo nosso, assim, e bastante
unido. São famílias humildes assim, a gente trabalha para o sustento. Já o nosso
grupo faz reuniões mensais ou cada dois meses. Já no grupo todo tem sido feitas
reuniões mensais. A gente trabalha muito unido no caso, principalmente o grupo
nosso, assim, é bastante unido.
207
205
A caridade: um estudo bíblico-teológico/Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (org.).- São Paulo:
Paulinas, 2002. p. 99.
206
Economia solidária e educação de jovens e adultos – Sonia M. Portella Kruppa, organização.- Brasília: Inep, 2005. p. 16.
207
Renan Giacomini. Integrante do Grupo AGPC. 24 anos. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
81
Nós somos componentes, seis pessoas do grupo, tanto da parte da alimentação,
como da parte de artesanato. Eu sou da parte da alimentação. Fazer rapaduras,
bolos, cueca virada, bolachas. Dentro dessa barraca, nós somos em quatro. Eu a
minha mãe, e duas colegas, que elas vão se apresentar logo. A gente se identifica
bem, combina o horário, uma precisa sair de manhã, fica a outra pra... tem que ir em
casa fabricar, né...Fazer produtos novos todo dia. Como aqui é uma semana... Mais
é razoável, a gente se entende bem, né.
208
Meu nome é Ema, participo do grupo Raio de Sol, faz mais ou menos um ano que
eu estou participando com as minhas amigas aqui, colegas. Nós trabalhamos em
conjunto. Eu, a tia Iraci, a tia Santa e a Vera. A tia Santa é nossa companheira. A
tia Iraci é uma pessoa muito boa, maravilhosa, ela coopera com nós em tudo.
Participa dos salgadinhos, coxinhas, rissoles, croquete, nega-maluca, negrinhos... e a
gente troca os horários, assim, cada caso, a gente fica, né. Daí a gente combina tudo
certinho pra gente estar em harmonia.
209
E aqui no Projeto ESPERANÇA eu aprendi muita coisa que... da gente trabalhar
com as pessoas, conversar com as pessoas. São muito legal as pessoas para trabalhar
com a gente. Pra tratar a gente. Eu mesmo faço força de ter muita relação com as
pessoas. Eu não faço cursos. Participo às vezes das reuniões.
210
Tem muitas coisas para serem trabalhadas, né. Eu acho que nós temos de nos unir.
Tem umas coisas assim... Tem uns objetivos, que acho que precisam ser melhor
trabalhados, que é o objetivo da solidariedade, do companheirismo, de consumir.
211
Ao analisar as falas acima, com relação à solidariedade nos espaços dos grupos
estabelecidos dentro do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, observo que as mesmas
estão embasadas naquilo que entendo por conhecimento filosófico, que apresenta “o ser
humano em sua essência”, em que perpassam conhecimentos de solidariedade, através de uma
herança cultural, religiosa, familiar, pois
No cotidiano, porém, milhares de homens e mulheres se fazem promotores da
pequena concórdia, forjada na rotina dos lares, das fábricas, das ruas. Estes
pequenos heróis deixaram suas marcas apenas nos ambientes imediatos. São gestos,
todavia, que os fazem construtores da humanidade toda.
212
Portanto, em suas reuniões, encontros, os integrantes dos projetos, em sua maioria,
estão vivendo uma solidariedade bastante rudimentar em contribuição a um aprofundamento
e ampliação dos valores e atitudes das pessoas “humanas”, em busca de uma solidariedade
pessoal, social, cultural, onde se concretizam conhecimentos no sentido do que se está
buscando construir com a prática da economia solidária.
208
Iraci. Integrante do Grupo Raio de sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
209
Ema. 55 anos. Integrante do Grupo Raio de sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
210
Maria Santos da Silva. 78 anos. Grupo Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
211
Carlos Alberto da Cunha Flores, o “Kalu”, 52 anos. Trabalha na formação do Projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA.
212
RIBEIRO, Hélcion. A condição humana e a solidariedade cristã. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 13.
82
4.2.2 A construção das relações entre a coordenação do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA e os integrantes dos grupos
Estabeleci esta análise, enfatizando a relação com a coordenação, para que pudesse
compreender se a solidariedade está centrada num processo de “dominação” a partir de
conhecimentos preestabelecidos, concentrados em pequeno grupo de pessoas, que se
sobrepõem às demais, ou se nesta teoria-prática as atuações se disseminam entre espaços de
“possibilidades”, na construção da solidariedade. Sendo assim:
A irmã Lourdes que é a coordenadora e uma das mentoras do Projeto, e eu acho que
ela consegue coordenar de uma forma excelente o Projeto.
213
Eu participo da coordenação da praça. Então maravilhosamente com as pessoas que
participam comigo na coordenação... Só que as pessoas que fazem parte dessa
coordenação são completamente diferentes. Têm idéias bem diferentes da minha, e
não ...assim, você combina uma coisa, e as pessoas fazem outra. Você... Teu nome
está na coordenadoria e elas tiram sem falar com você. Então fazem as coisas,
completamente diferente. E isso eu acho que não é solidariedade, isso não é
companheirismo. Bem, quando a gente está junto numa coisa, a gente tem que
conversar, a gente tem que decidir as coisas juntos. E isso não acontece. [...] Então
isso é uma das coisas que ainda tá faltando crescer no Projeto. As pessoas crescerem
um pouquinho mais, não serem individualistas, serem mais companheiras, mais
solidárias com as outras, amigas.
214
A coordenação dos projetos ela é construída com as pessoas que fazem parte dos
grupos, a gente não tem nada pronto. Quando chegamos aqui a gente aprende que
nós precisamos ser solidários.[...] Então como eu falava a organização, né ela tem
uma coordenação colegiada que é representada por cada grupo, né, por cada setores
e daí, a gente se reúne trimestralmente e conversa sobre o todo do Projeto. É dali
que a gente começa a tirar nossas regras. Todo mundo tira junto, as regras, né. E o
que que seria “bom”, pra o desenvolvimento, pra continuidade dos trabalhos. É um
trabalho assim, que ele é muito gostoso, mas também tu tem que ter muita
persistência, né. É um trabalho assim que é devagarinho., que é a longo prazo.
Porque pra começar trabalhar com pessoas ... cada um pensa diferente e aí tu não
pode passar por cima disso. Tu tem que respeitar as pessoas dentro de suas
limitações e automaticamente tu tem que fazer, né. Tu tem que doar um pouquinho
pra gente poder construir, pra trabalhar em grupo. Pra gente saber o que que é o
cooperativismo.
215
A coordenação, as feiras funciona como uma coordenação, né. A gente conversa,
faz reuniões, uma vez por mês, o grupo antes das feiras, sempre tem reuniões com as
coordenações. Temos estatuto, tudo. A gente procura cumpri o que manda o
213
Carlos Alberto da Cunha Flores, o “Kalu”, 52 anos. Trabalha na formação do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA.
214
Lenita Rodrigues dos Santos. 51 anos. Grupo Liberdade. Integrante da Coordenação do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
215
Cláudia Medianeira Rodrigues Machado. Estudante de Pedagogia na UNIFRA. Integrante da Coordenação do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Da Cooperativa Afro-Brasileira. Coordenadora do Grupo de Reciclagem Pet-Vida, da
loja Arte e Inclusão e da Cooperativa Solidária da Criança (COOPSOL).
83
estatuto. Tem colegas que não cumpre. Mas isso aí, vai indo. Vai aprendendo, vai
crescendo. É uma caminhada, né?
216
Então, assim, administração, que tem como coordenadora geral a Irmã Lourdes Dill,
ela se coloca assim, na igualdade conosco. Por ela ser a coordenadora ela tem a
referência, mas também, todos tem voz dentro do Projeto. Todos tem voz desde que
tu participe. Desde que tu entenda, que tu participe...que tu construa junto. Todo
mundo ... Então a Irmã Lourdes, a gente vê ela mais como uma companheira
mesmo. Uma colega porque ela está ali, porque ela incentiva, e ela dá todo o apoio,
pra nós. Esta administração (do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA) ela é
bem transparente... nesta questão assim, a gente faz as assembléias anualmente.
217
Exatamente, esse aspecto da colegialidade, importante frisar isso, que nós vivemos
no mundo do poder, a disputa pelo poder, na política, mesmo na Igreja, nós não
podemos negar isso. Na sociedade, nas empresas. Então o nosso trabalho ele tem
uma coisa muito diferenciada e que também faz parte da construção do
conhecimento que é o poder partilhado, onde cada pessoa que faz parte de alguma
experiência, algum grupo mesmo de alguma feira, ela partilha e faz parte desse
cenário da partilha das decisões do poder. Nós temos uma coordenação colegiada,
que ela tem vários níveis e cada participante do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA que é parte de um grupo participa desse
processo. [...] Ser parte de construção de um projeto que não está pronto, não está
acabado e não tem um grupo que domina ele como no caso da empresa. Não. Para
nós o trabalho da colegialidade é muito importante, onde todas as pessoas tem a
participação efetiva. Poder exatamente partilhar e decidir, onde cada pessoa, cada
sujeito que faz parte dessa história partilha desse poder construído. E a gente até,
não é uma palavra que a gente usa muito. A gente usa muito a palavra
colegialidade. Na coordenação, na articulação, na participação.
218
Percebo aqui, nas relações entre os integrantes dos grupos, que surgem contradições
que fazem parte de um novo jeito de construção de relações, principalmente em relação ao
viés da coordenação. Nessa forma diferenciada de convivência, em que as relações de poder
(que ainda estão muito fixadas na dualidade patrão/empregado) extravasam o entendimento
de alguns integrantes de grupos, levando-os a uma resistência, muitas vezes, “simplória”, sem
a percepção de um contexto mais amplo, que está sendo abordado, no sentido da construção
de uma nova sociedade, enquanto outros integrantes de grupos já avançaram no processo.
Ao analisar as mesmas relações no espaço interiorano, dos pequenos agricultores
(mesmo que tentando aqui não descaracterizar o meio rural do urbano, pois estas
“diferenças”, “identidades” não podem ser entendidas como dualidade), percebo que nas
cidades grandes, conforme Leonardo Boff:
216
Horizontina Teixeira Stabile. 53 anos. Grupo Liberdade. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
217
Cláudia Medianeira Rodrigues Machado. Estudante de Pedagogia da UNIFRA. Integrante da coordenação do Projeto
ESPERANÇA/ COOESPERANÇA.
218
Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Santa Maria – RS.
84
Há um descuido e um abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela
hegemonia do neoliberalismo com o individualismo e a exaltação da propriedade
privada que comporta. Menospreza-se a tradição da solidariedade. Faz-se pouco
dos ideais de liberdade e de dignidade para todos os seres humanos. [...] Há um
descuido e um abandono crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos
habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente.
Predomina a sociedade do espetáculo, do simulacro e do entretenimento.
219
Portanto, em alguns grupos da cidade, a situação de convivência com a coordenação
está mais caracterizada por “pessoas que coordenam”, enquanto nos grupos de pequenos
agricultores essa situação é construída de uma forma culturalmente vivenciada, na confiança,
reciprocidade e civilidade, aprendidas na família, entre amigos, na comunidade.
4.2.3 A construção das relações em relação à mulher, ao negro, ao homossexual, à
criança, ao idoso
O valor da vida não pode ser avaliado e a vida é critério de avaliação de valores; não
existe o pior /melhor, o bom/mau, menor/maior, par/ímpar. Uma sociedade que não leva em
conta suas “bordas”, priorizando o homem, branco, heterossexual, em detrimento de um
processo validado de “desconstrução,”
220
no qual o construir passa pelos “sujeitos” que
foram recalcados, em especial a mulher (que desde a primeira tentativa de “contemplar o
direito à diferença (...), em 1791 com a apresentação da Declaração dos Direitos da Mulher e
da Cidadã, de autoria de Olympe de Gourges, que se contrapunha ao universalismo abstrato
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão)”
221
, deixados de “fora” como uma
gama de seres marcados pela diferença, está sustentando uma situação de exclusão tanto de
“relações e de práticas religiosas, materiais, culturais, políticas e simbólicas, quanto dos
219
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra/ Leonardo Boff.- Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. p.
18.
220
Operação que consiste em denunciar num determinado texto ( o da filosofia ocidental ) aquilo que é valorizado e em
nome de quê e, ao mesmo tempo, em desrecalcar o que foi estruturalmente dissimulado nesse texto. A leitura desconstrutora
da metafísica ocidental se apresenta como a discussão dos pressupostos, dos conceitos dessa filosofia, e portanto a denúncia
de seu alicerce logo-fono-etnocêntrico. Apontar o centramento é mostrar aquilo que é “relevado (relevé) no texto da
filosofia; apontar o que foi recalcado e valorizá-lo é a fase do renversement. A leitura desconstrutora propõe-se como leitura
descentrada e, por isso mesmo, não se reduz apenas ao movimento de renversement, pois se estaria apenas deslocando o
centro por inversão, quando a proposição radical é a de anulação do centro como lugar fixo e imóvel. Glossário de Derrida;
trabalho realizado pelo Departamento de Letras da PUC/RJ, supervisão geral de Silviano Santiago. Rio de Janeiro, F. Alves,
1976. p.17.
221
50 anos depois: relações raciais e grupos socialmente segregados [organizado por Dijaci David de Oliveira et al.].
Brasilia: Movimento Nacional de Direitos Humanos, 1999. p. 117.
85
atores sociais”
222
As diferenças como as relações de gênero, no que concerne ao feminino e ao masculino,
considerados como espaços próprios de realidade, nas reinvenções de suas existências, pressupõe
relações de seres entre si, permitindo dizer que:
Eu compreendo o ser em outro, além de sua particularidade de ente; a pessoa com a
qual estou em relação chamo-a de ser, mas, ao chamá-la ser, eu a invoco. Não
penso somente que ela é, dirigi-lhe a palavra. Ela é meu associado no seio da
relação que só devia torná-la presente. Eu lhe falei, isto é, negligenciei o ser
universal que ela encarna, para me ater ao ser particular que ela é.
223
No aprofundamento dessas questões, em especial nas relações de gênero, muitos
organismos internacionais estão buscando alternativas, como podemos observar:
As últimas conferências reconhecem que as políticas em matéria de
desenvolvimento sustentável, que não contenham a participação do homem e da
mulher, não conseguirão resultados satisfatórios. Assim também ocorreu no último
Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em janeiro de 2003, quando todos
os conferencistas que ministraram foram enfáticos neste sentido.
Estes grandes encontros apontam para as políticas necessárias para uma nova ordem
do meio ambiente que exigem um método global, multidisciplinar e intersetorial.
Isto tudo passa pela inclusão da mulher no mundo público, sua participação mais
efetiva na geração de conhecimentos e educação ambiental, na adoção de decisões e
a gestão em todos os níveis.
A heterogeneidade de enfoques e a plasticidade do conceito de meio ambiente exige
uma discussão teórico-prática profunda. Diante da questão ambiental não se pode
perder de vista as desigualdades sociais nem as desigualdades vivenciadas pelas
mulheres.
Inserir a perspectiva de gênero no debate sobre o meio ambiente e localizá-lo no
interior de um debate mais amplo dos direitos humanos e da cidadania é uma
contribuição que as mulheres estão dando para o desenvolvimento sustentável.
Relações solidárias entre os sexos e relações mais harmônicas com a natureza
devem ser consideradas vitais na construção da sustentabilidade.
224
Este processo de solidariedade como primordial entre todos os elementos que
embasam uma sociedade de vivência fraterna está centrado numa idéia de tolerância, num
conhecimento que exige curiosidade, simpatia, amor, compaixão; numa perspectiva de
aceitação e compreensão da pluralidade de ser. Nesta linha de pensamento, tento averiguar a
construção das relações destas “bordas” (mulher, negro, homossexual, índio, criança, idoso),
dentro do contexto do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, através das falas:
222
Idem p. 118.
86
Meu nome é Vera, também participo do grupo Raio de Sol, já vai pra dois anos.
Participo desse grupo e o Projeto Esperança apareceu na minha vida num momento
bem difícil, financeiro. Especialmente financeiro. E, de lá para cá eu, assim, eu me
fiz mais forte, participando, junto com as colegas. [...]. Eu estou crescendo bastante,
assim como ser humano e, financeiramente, também, me ajuda bastante. [...].
Porque eu sou uma pessoa tímida, então não pensei que eu ia conseguir. Às vezes
eu fico olhando para trás e fico pensando, como é que eu estou aqui do jeito que eu
era tímida, e ainda sou, mas...quer dizer que até nesse sentido, está me ajudando.
225
Aqui é legal. A gente aprende... encontra várias pessoas, muitas... de credos, raças,
cor....tudo misturado. [...] Aqui tem homossexuais, tem... em nosso grupo. Até é
um casal, bem social, né. Trabalham aqui, não tem aquela um é menor que o outro.
Não existe isso, essas coisas de diminuir, por causa da cor, por causa da raça, por
causa dos credos...
226
Estou no Projeto há quatro anos e meio.[...] é uma coisa muito boa, que me ajudou a
crescer como mulher, como pessoa, porque eu sempre me dediquei a casa, aos
filhos, mas agora essa oportunidade que eu tive, junto ao projeto pra mim foi
maravilhoso.
227
Bom, a gente vê, o que eu vejo o grande aumento da participação da mulher, né, nos
grupos. Ela tá em minha, olha acho que hoje na nossa... todos os grupos, acho que
mais grupos de mulheres, do que dos homens. Jovens, também, está aumentando,
são poucos ainda, mais está aumentando. Crianças, mais ou menos...É isso aí.
Bom, a gente vê muita participação de mulheres, como bastante expressiva, assim, ó
, um exemplo tipo coordenações assim, parte das mulheres. Coordenação da feira
da praça, são mulheres. Outras coordenações, são mulheres. São muito grande a
participação da mulher, no Projeto.
228
É como um compromisso social do “aqui e agora”, na batalha do dia-a-dia, da
igualdade entre todos os indivíduos. Por exemplo, nós temos assim, homossexuais...
Nós temos de tudo dentro do Projeto. E essas pessoas nunca foram assim, motivo
pra haver assim, preconceito entre as pessoas. Tem índios, nós temos indígenas, nós
temos negros, tem presos. [...] Dentro da COOESPERANÇA nós não temos essa
discussão ( a questão do homossexualismo ). Esse tipo de discussão claramente.
Nós não tivemos essa discussão. Mas acho que assim, não há, nós não temos assim,
problema de discriminação dentro do projeto. Nós não somos tratados diferentes.
Todo “mundo” sabe. Mas como dentro da COOESPERANÇA... como tem toda essa
mistura, toda essa salada, muito misturada, com muitas misturas, com muitas
diferenças, então acho que esses respeitos...mas eu acho que essas questões, ela
pode até surgir em nossas assembléias, nas nossas coisas... quando surge a gente
discute de forma naturalmente, no dia-a-dia a gente conversa sobre isso. Ontem nós
estávamos conversando aqui na praça, aqui na feira, entre nossos colegas...[...].
Nesses dias eu fui fazer uma oficina junto com os catadores surgiu a questão da
homossexualidade. Que estavam discutindo na aula. Estavam discriminando uma
pessoa, uma pessoa muito importante, uma pessoa... e estavam comentando... Uma
das crianças... e eu peguei uma adolescente de 12 anos e eu resolvi , fazer a oficina
toda, discutindo o preconceito da homossexualidade. [...] E eu comecei a questionar
quanto era importante ele ser ou não ser. Essa discussão... Com certeza. Ontem nós
começamos a discutir exatamente por isso. Porque veio um cliente aqui, que era um
travesti e nós ficamos conversando sobre os travestis. Conversamos sobre várias
223
LÉVINAS, E. Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes,1997. p. 28.
224
COLLING, Ana Maria. Gênero e Meio Ambiente. Texto Impresso. Ijuí, 2003.
225
Vera. 44 anos. Grupo Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
226
Horizontina Teixeira Stabile. 53 anos. Grupo Liberdade. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
227
Lenita Rodrigues dos Santos. 51 anos. Grupo Liberdade. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
228
Renan Giacomini. Grupo AGPC. 24 anos. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
87
coisas, foi muito interessante. Entre os colegas, assim... [...] A gente conversa com
os companheiros que estão próximos Constrói um novo conhecimento.
229
O lado muito bonito do Projeto Esperança, né é a questão da mulher, dos negros,
homossexuais... São muitas vezes marginalizados esse pessoal. Aqui, não. A
mulher tem a sua chance. O negro tem a sua chance., né. Todo mundo tem a sua
chance de poder fazer o seu trabalho.
230
Em relação à sexualidade, nos aspectos de descentramento de si (do masculino), de
seus espaços hegemônicos construídos pela história e pela cultura em relação ao gênero,
remeto-me ao direito às diferenças, como compreensão de distinções do diverso, do desigual,
do desconhecido, do exótico. A diferença como compreensão do particular e universal. Nos
espaços do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, as diferenças se afirmam, mas não se
confirmam as perspectivas de mudança. O processo de socialização é gerador de
preconceitos, da mesma forma em relação a situação do negro, que vivencia uma ideologia
de “ocultação velada”, não escancarando a situação, através de proposições de alternativas à
complexidade e multiplicidade de violência, frente a questões de raça e, por sua vez, também
de gênero.
Verifico, também, que na construção da solidariedade alguns integrantes dos grupos
expõem que os homossexuais e negros são “iguais” aos “outros”, descaracterizando-os como
integrantes das “bordas”, destituindo a compreensão de que não é na homogeneidade que se
estabelece uma construção de novas relações solidárias e, sim, nas diferenças, para a
compreensão de que “em um momento histórico e cultural particular, nos tornamos o que
somos.”
231
A seguinte fala comprova essa afirmação:
Nós filhas do Amor Divino, viemos a serviço, como fez a nossa fundadora,
Francisca Leschner, que ela fundou a Congregação, realmente para socorrer a
mulher. A mulher marginalizada. E aqui também a mulher é marginalizada. Tanto
assim, que quando uma mulher daqui busca emprego na cidade, quando ela se
identifica na Nova Santa Marta, já é um sinal de exclusão, por ser de lá, não dão
serviço pra ela. Mais um motivo pra ela sobreviver do lixo.. [...] Desde criança, o
jovem, os adultos, dentro dos grupos, na comunidade é o jeito assim, de se lidar com
as pessoas. A grande maioria das pessoas que está nesses grupos são mulheres. [...]
Dá para dizer 98% das pessoas são mulheres. De todas as raças, negras, brancas,
indígenas... Mais idosas, meia-idade, jovens...né. Mas, um dado assim, muito
interessante, numa pesquisa que a gente fez, num cadastro, então se perguntou
assim:- qual é sua raça? As pessoas não querem ser da raça negra. As vezes
229
Carlos Alberto da Cunha Flores, o “Kalu”, 52 amos. Trabalha na formação do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA.
230
Rogério Giacomini. Grupo AGPC. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
231
SILVA, Tomaz Tadeu da. Nunca fomos humanos, nos rastros do sujeito/organização e tradução de Tomaz Tadeu da Silva
--- Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 144.
88
pessoas assim, de cabelo bem característico, uma cor bem acentuadamente negra.
Diz assim, não, eu sou branca. Ou não quer muito dizer. Uma característica forte.
A pessoa não quer ser da raça negra. Nem da indígena. Assim, quer ser branca,
mesmo não sendo. Então, esse dado precisa ser trabalhado, porque raça é raça.
Cultura é cultura.. [...] E... sabe por que os homens estão mais afastados? Porque
em princípio os grupos são mais organizados em função de mulheres. Nós vamos
tentar ampliar para que possam vir mais homens para poder participar. E os homens
mais facilmente eles têm seus biscates aí, tem seu empreguinho, geralmente na
construção civil, trabalho pesado. E as mulheres, então para não ficarem em casa,
elas também vêm para os grupos. Muitas mulheres falaram assim,; ‘Oh, desde que
eu estou no grupo eu cresci na auto-estima, na valorização de mim mesma, na
amizade que faço com as pessoas. Antes, eu estava em casa, sozinha, em depressão.
Agora, não. Agora eu vivo em companhia das outras. Agora eu tenho amizades.’
Ih, eu me envolvo com essas coisas, eu cresço com isso. As mulheres que
participam são mulheres felizes, que crescem, pessoas que são... que se valorizam.
E são valorizadas naquilo que fazem. E é importante a gente perceber como
crescem. Crescem na costura, no conhecimento, no relacionamento, na
felicidade.
232
[...]... acho que os homossexuais, cada um faz o que quer da sua vida, a gente não
tem que discriminar ninguém, né, preto, branco, velho, novo, né...Eu acho que tendo
o lado deles, é deles, né... Eu não discrimino ninguém. A gente conversa, a gente
trata eles, outras pessoas, qualquer pessoas, que estão conversando com a gente.
Normal, né...
233
O racismo, em relação ao negro/negra, em nosso país, está marcado pela idéia da
ideologia racial da harmonia e tolerância racial, em que as vítimas do preconceito têm pouca
ou mínima percepção dessa discriminação, tendo como conseqüência a auto-rejeição ou a
rejeição ao seu semelhante, num processo estereotipado em relação ao branco,
desterritorializado de suas raízes, como raça. O negro/negra em sua situação de oprimido
desagrega-se individualmente desmobilizando-se coletivamente, deixando de se
“descontruir”, enquanto categoria “branqueada”, para buscar espaços onde se organize e
enfatize perspectivas de tolerância, construindo novas histórias de “multiculturalismo”.
234
No entanto, no Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, buscam-se alternativas a
essa realidade:
232
Irmã Zoeli. Integrante da Congregação das “Filhas do Amor Divino.” Coordenadora dos grupos da Comunidade de Nova
Santa Marta.
233
Vera. 44 anos. Integrante do Grupo Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
234
Multiculturalismo – Movimento que, fundamentalmente, argumenta em favor de um currículo que seja culturalmente
inclusivo, incorporando as tradições culturais dos diferentes grupos culturais e sociais. Pode ser visto como o resultado de
uma reivindicação de grupos subordinados – como as mulheres, as pessoas negras e as homossexuais, por exemplo – para
que os conhecimentos integrantes de suas tradições culturais sejam incluídos nos currículos escolares e universitários. Mais
criticamente, entretanto, também pode ser visto como uma estratégia dos grupos dominantes, em países metropolitanos da
antiga ordem colonial, para conter e controlar as demandas dos grupos de imigrantes das antigas colônias. SILVA, Tomaz
Tadeu da. Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico / Tomaz Tadeu da Silva. --- Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
p. 81
89
Como é o caso da Cooperativa Afro. A Cooperativa Afro ela funciona como uma
prestadora de serviços, mas também o nosso objetivo principal é a questão do
resgate, a gente sempre está estudando, buscando mais a questão aí, do povo negro.
É muito forte ainda, o racismo e agente precisa quebrar isso, né. Como que a gente
vai quebrar? É se articulando, né...É se articulando, é estudando, a gente vê, a gente
saber o porquê. Porque tudo teve uma história, teve um porque disso. Então, nós
enquanto cooperativa, a gente investe muito nesta questão da nossa formação. E a
nossa cooperativa, ainda tem muito que andar, mas a gente assim, dentro de nós, a
gente faz atividades, a gente se encontra. Somos 20 negros. Temos muito orgulho
de sermos o que somos. E estamos aí na luta pra construir sabe... que não é fácil.
Mas a gente buscar, conversa com um, conversa com outro. Por exemplo o espaço
do Fórum Social Mundial, foi um espaço muito importante, porque daí a gente pode
trocar, conversar ... Tá sabendo o histórico do negro. Está sabendo tudo que a gente
possa...nos possibilite, né a nossa formação e a nossa construção. E tentando
explicar para o negro que ele tem que se aceitar. Isso que a gente faz dentro de
nossa cooperativa é a questão do negro se afirmar e se aceitar, porque tem muitos
negros que infelizmente não aceitam, né? [...] E dentro da Cooperativa
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, existia negros assim, e a gente aos poucos a
gente conseguiu, mas isto tudo também, através do que o projeto proporcionou pra
nós, que a gente tá indo para o seminário, está participando, a viagem que a gente
fez para Brasília....[...] Lá a gente trocou experiências. Por exemplo a gente já fez
contatos com uma que também faz, uma costureira, que faz roupas afro e que agora
a gente já está mantendo contado. Porque aí é que se dá o conhecimento também,
né? E lá as pessoas já estão vendo a questão do resgate das roupas afro, da questão
da comida. E então todo este histórico também. Então já articulamos. Já estamos
trazendo pessoas pra tá falando sobre a nossa história do negro, porque é uma
história ainda que é escondida. A gente sabe o básico, mas tem muita coisa debaixo
do tapete, aí, né... que a gente tem que começar tá levantando. Então a nossa
cooperativa tem muito esse ... essa “pegada”, né? A questão da gente trazê o
próprio negro. A gente se preocupa com todos os negros, mas principalmente
aquele negro que ainda tá lá na favela. Aquele negro que está na esquina ali. Esse
que a gente está tentando trazer. Porque o que está hoje na faculdade, assim, como
as vezes uma de minhas amigas, diz assim pra mim: mas, Claudia, tu tá na
faculdade. Tu é negra como que tu vai... Mas, eu digo assim. Eu sou uma exceção,
que hoje, de repente tive a oportunidade de estar participando num projeto, como o
Projeto Esperança e eu consegui mudar de visão. Porque hoje eu sou bem diferente
daquela que entrei há quatro.. cinco anos atrás. E articular a cooperativa foi um
meio de nós está nos auto-afirmando mais enquanto mulheres negras, e a gente
mostrando que a mulher negra tem força e a gente pode chegar aonde está chegando.
Acho que a mulher negra pode estar dentro de uma faculdade sim, embora sabendo
que a mulher negra, né, é a minoria, o negro dentro de uma faculdade, é a minoria.
Eu vejo isto pelo meu caso. Na minha sala de aula tem eu e mais uma. Então isso é
um fator que pesa muito né? [...] Eu, assim, , parece que eu comecei comecei...
parece não, afirmo que aconteceu na minha vida uma “desconstrução ” de uma
visão que eu tinha.
235
Por exemplo, uma coisa que acho interessante, a COOESPERANÇA... ela apóia um
grupo de danças, que trabalha com crianças de periferia, balé...que faz um trabalho
muito bom, né. E tem aquelas oficinas que são muito interessantes, nos bairros, com
crianças... que é uma creche, uns lugares bem interessantes.
236
Tem o grupo das crianças. Grupo que também, se treinam a flauta. Porque essa
parte artístico-cultural é muito importante para as pessoas e para as crianças,
sobretudo porque as crianças aqui, são muito inibidas. Muito tímidas. Elas não
235
Cláudia Medianeira Rodrigues Machado.Estudante de Pedagogia da UNIFRA. Faz parte da Coordenação do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Coordenadora da Cooperativa Afro-Brasileira. Coordenadora da Cooperativa Solidária
da Criança (COOPSOL). Coordenadora da Arte e Inclusão
236
Carlos Alberto da Cunha Flores – Kalu. Trabalha na formação do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
90
soltam. O corpo, o gesto, a mão. Então,a flauta, a dança, o teatro, a música ajuda as
crianças, também, desinibir, crescer, desenvolver potencialidades.
237
A COOPSOL , a cooperativa solidária da criança, que é a cooperativa da qual eu
coordeno hoje, a gente assim, atende 70 crianças que são distribuídas por núcleos.
Temos o núcleo que ... o núcleo central, que é o núcleo do Feirão, que todas
crianças também se reúnem aos sábados, enquanto que os pais estão lá vendendo,
estão lá no Feirão, né, ali. As crianças estão fazendo assim, oficinas de flauta,
oficinas de cooperativismo, que daí fazem comigo, lá, estamos trabalhando dinâmica
de grupos, dinâmica de relacionamentos, porque que a gente vive em grupos hoje,
porque que existe o cooperativismo, hoje....Então nós temo lá. Enquanto os pais
estão lá vendendo as crianças estão lá numa sala comigo. Geralmente a gente tem
cinqüenta minutos de formação comigo, depois eles passam ao de flauta. Daí nós
temos outro núcleo, que é o núcleo do Km2 que eu trabalho com filhos de catadores,
que a maioria das crianças são negras, também, lá a gente trabalha a formação todos
os sábados de tarde e lá eles trabalham a dança afro também. ...a gente já está
mostrando desde pequena que elas tem que ter o orgulho de ser o que são. Porque
não é porque elas nasceram ali, que a gente sabe como é que é a vida de catadores,
que elas assim, tem que se condicionar Elas podem ser sujeitos e transformar as
histórias delas. Aí, a gente trabalha também... tem outro núcleo. É lá na Nova Santa
Marta, que é uma zona bem carente da cidade. Que lá a gente trabalha com teatro,
também, né, porque hoje o teatro ele é muito importante, que é a questão que vai dar
formação na vida. Isso é um atrativo pra gente trabalhar eles como sujeitos, pra
gente trabalhar a formação deles. É a questão do relacionamento e a questão deles
viverem em grupo Ela tem oficinas de flauta, oficinas de tudo. Oficinas de Origami,
que é uma técnica de relaxamento, que elas podem estar fazendo com papel, questão
da reciclagem, melhor qualidade de vida ...
238
Pela análise dos aspectos referentes às “bordas” de nossa sociedade, que são
determinadas por um alicerce dominante (homem/branco/heterossexual), dentro dos espaços
do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, percebi que os excluídos do mercado também
são os excluídos culturalmente. Um outro aspecto relevante nesta análise, em relação ao
contexto do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, é a amplitude da inserção das
mulheres na abrangência da economia solidária. Posso afirmar que:
... a economia solidária é muito próxima do trabalho comunitário, território das
mulheres, e, portanto, seria vivida de forma negativa pelos homens. (Isto é diferente
no caso das empresas falidas que passam a ser geridas por seus trabalhadores).
239
Constato , também, que neste contexto a predominância das mulheres constrói um
237
Irmã Zoeli. Integrante da Congregação das Filhas do Amor Divino. Comunidade de Nova Santa Marta. Esse depoimento
da Irmã Zoeli refere-se especificamente ao conjunto dos grupos da Comunidade de Nova Santa Marta, que faz parte da rede
do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Esse depoimento foi dado na inauguração do Grupo de Crianças “Broto da
Esperança” Fevereiro de 2005.
238
Cláudia Medianeira Rodrigues Machado. Estudante de Pedagogia. Integrante do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA...
239
NOBRE, Miriam. Mulheres na economia solidária. In: CATTANI, Antonio David (org). A outra economia. Porto Alegre:
Veraz, 2003. p. 207.
91
espaço de relações de afetividade, “cuidado,”
240
em relação aos grupos, por uma herança
cultural, em que as mesmas sempre se caracterizaram como dona de casa, mãe de família.
Outro aspecto a ser abordado é o entendimento que se faz das “bordas”. Nesta
situação em que as mulheres têm o predomínio dos espaços de relações, por serem a maioria,
e de certa forma pertencerem a uma escala considerada superior na hierarquia no que se refere
as “bordas” e, por conseqüência, terem uma maior acesso ao domínio do conhecimento,
deixam de ser excluídas, no contexto do Projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA,
“desenraizando” o fato de pertencerem às “bordas”, ficando essas para os negros,
homossexuais, crianças, idosos. No entanto, excetuam-se aí, alguns integrantes de grupos que
possuem cursos superiores em educação.
Por outro lado, verifico o esforço no sentido de atribuição de poder às demais bordas,
como o trabalho realizado com a Cooperativa Afro, em que o grupo busca suas raízes, sua
cultura, e, ao mesmo tempo que se constrói como grupo cooperativado, resgata outros, num
constante avanço solidário das relações entre os integrantes da raça negra. A COOPSOL,
como cooperativa de crianças, busca resgatá-las em várias situações (cultural, social,
econômica), mesmo que voltada para um objetivo único de ensiná-las à convivência solidária.
E, quanto ao idoso e ao homossexual, não foi observada a existência de um trabalho efetivo
voltado à construção da solidariedade, a não ser numa inserção localizada, nos pequenos
grupos, onde os mesmos estão inseridos.
4.2.4 A construção das relações de conhecimentos em relação aos fornecedores,
compradores e aos visitantes das feiras
Uma organização de Economia Popular Solidária como o Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA, supõe aspectos de envolvimento econômico como o que acontece nas
chamadas feiras que são pontos de comercialização direta, onde estão envolvidos
fornecedores, compradores, visitantes, possibilitando relações de conhecimentos, dentro de
um processo que propõe alternativas diferenciadas de sobrevivência. Pois é justamente aí que
240
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
92
a construção de um conhecimento perpassa as relações voltadas à solidariedade, por todas
as possibilidades de interações, porque:
Nenhuma diferença pode justificar a falta de solidariedade e de fraternidade entre as
pessoas: nem a raça, nem a cor, nem o sexo, nem a religião ou a economia, a
proveniência social. Mesmo o mais anônimo e des-humanizado, o mais iníquo ou
estranho ser humano, é irmão da humanidade. [...] No encontro com o outro, ele se
constrói; faz-se verdadeiro porque integrado em comunidade.
241
Num contexto de falas, o universo de relações com fornecedores, compradores,
visitantes das feiras, permite a expansão de conhecimentos que perpassam todos os momentos
do processo, nos espaços do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA:
Os pontos fixos de comercialização direta. Nós temos hoje mais de 40 pontos, entre
feiras, entre pontos fixos, tipo assim, o armazém da colônia, o centro de economia
popular solidária, o terminal de comercialização direta, a Produção e Arte Esperança
e, assim, todos os outros pontos, onde os grupos viabilizam a comercialização direta
de seus produtos. E, esses pontos, ele são “puxados “e coordenados, não apenas por
um grupo. Só para ter uma idéia, no armazém da colônia, hoje, são 36 grupos que
participam, expondo e comercializando seu produto. No Feirão Colonial, no
Terminal de Comercialização Direta, são mais de 80 grupos que a cada sábado se
reúnem, debatem, tem as reuniões, tem toda a discussão e que comercializam seus
produtos. E, assim, nos outros pontos, também. Então eles não são pontos isolados,
eles são pontos que congregam e que fortalecem essa articulação, como um todo.
[...] Tanto assim, que nós estamos preparando um material assim expressivo para o
Fórum Social Mundial, aonde a gente possa de fato partilhar essa experiência com
muitos outros países que já têm redes, têm formas de organização.
242
E depois, que eu entrei para o projeto, por causa dos cursos a gente aprendeu mais,
com os próprios clientes que vem comprar a mercadoria da gente. Dá uma dica, dá
uma receita, a própria colega ajuda, dá uma receita, assim a gente vai se ajudando.
243
Aqui nas nossas feiras, uma coisa importante também, que a gente consegue é
quando as pessoas vêm, os nossos fregueses... as pessoas vêm nos visitar vêm
comprar a gente troca idéias... às vezes uma explica, ah, eu sei fazer isso... ou
gostaria de saber como é que faz um crochê, principalmente, ou mesmo na parte do
artesanato em boneca que é o meu caso.
244
E, a relação entre o cliente e nós é muito boa. Porque o cliente sempre está nos
apoiando. [...] Porque o cliente sempre está nos apoiando ou pedindo uma mudança.
Então, a gente sempre está se atualizando. Fazendo receitas novas pra poder, né...
satisfazer o cliente.
245
Hoje, tem já um trabalho de rede, ... Mas, o trabalho de rede entre os trinta
municípios, aonde eu tenho ponto fixo, lá em Caçapava, vai os produtos em São
Pedro do Sul, de Faxinal do Soturno, de Polesine, de Coronel Bicaco aqui de Santa
241
RIBEIRO, Hélcion. A condição humana e a solidariedade cristã. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 122.
242
Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
243
Iraci. Grupo Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
244
Lenita Rodrigues dos Santos. 51 anos. Grupo Liberdade. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
245
Rogério Giacomini. Grupo AGPC. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
93
Maria...Então, vai produtos pra lá e vem meus produtos pra cá. A gente faz um
trabalho com os grupos, pra ver, né, que tipo de produtos, esses grupos têm. Porque
nós optamos, nosso grupo UNIMEL, de ter só qualidade.
246
A análise da construção das relações de conhecimentos em relação aos fornecedores,
compradores e aos visitantes das feiras permite a compreensão de que existe uma constante
socialização de informações, a partir da prática cotidiana. O cultivo constante de novas
relações humanas, permite um “novo” olhar nas relações de gênero, nas possibilidades de
convivência e no cuidado com a natureza, além dos conhecimentos sobre outra forma de auto
– sustentação. Essa constante interação permite questionamentos a respeito do que está
estabelecido, conhecido e posto como ideal, além de um constante avanço nos aspectos
referentes ao ideológico, econômico e social (trocas de receitas, aprendizagens de formas de
elaborar certos produtos, qualidade, organização solidária, incentivo aos produtos ecológicos,
etc).
4.2.5 A construção do conhecimento através de cursos oficiais de ensino, seminários,
fóruns...
A construção do conhecimento mais sistematizado dentro dos espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA acontece numa continuidade de situações. Em todos os
tempos os integrantes dos grupos estão participando de cursos, seminários, fóruns, como pude
perceber pelas falas. No entanto, nem todos os integrantes participam de todas essas
possibilidades de aprendizagem. Mas, os que participam têm a responsabilidade de trazer
para o espaço de seu grupo os conhecimentos adquiridos naquelas instâncias:
Quanto a construção de seu conhecimento, num nível em que a pessoa está, fica
parada, vamos supor assim, nesse sentido então, se motiva, as pessoas... mesmo os
catadores. Nós temos várias pessoas no meio dos catadores que são analfabetas, ou
semi-analfabetas. Então a motivação é que eles busquem a possibilidade por
exemplo, de fazer um EJA. Tem uns quantos que já pediram pra formar turmas nas
suas comunidades. Nós estamos buscando junto aqui com as Universidades e
outros... Pra ver a possibilidade da gente conseguir formar turmas da EJA tanto
primeiro grau, quanto segundo. E, também, as outras pessoas, que por exemplo, já
tem o primeiro grau completo, o segundo grau completo, a motivação para de fato,
buscar outras perspectivas. Tem uma quantas pessoas que estão cursando hoje, o
curso superior. Tem outras pessoas que estão se preparando com o cursinho... Essa
é uma meta que nós temos e a gente também fazer parceria com outras organizações
que de repente podem formar cursos, qualificar mais esse lado que é uma deficiência
que se tem hoje, nos cooperativados. Mas, de certa forma, assim dá pra dizer que a
246
Adiles da Silva. Integrante da Coordenação do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Coordenadora da UNIMEL.
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
94
motivação para a qualificação ela é uma coisa permanente. Assim, um pouco dentro
dos eixos que se falava, queria falar uma coisa assim, que é importante, que nós que
somos adultos e viemos de uma educação mais tradicional, mais dominadora, podia
dizer, assim, no sentido assim, que hoje, todo esse trabalho do cooperativismo, da
economia solidária, da autogestão, também de formar novos sujeitos para o
exercício da cidadania ela propõe um novo viés na parte da educação. Na parte da
formação. Então nós estamos investindo e está no processo de organização uma
chamada COOPSOL, uma cooperativa das crianças. Nós já temos um grande grupo
de crianças que estão motivadas, pra fazer parte de uma cooperativa que tem como
finalidade desencadear, todo o processo também, de formação do cooperativismo
mirim, mas também de experiências, tanto de artesanato, como de oficinas, também,
a parte de informática, onde a criança, especialmente filhos e filhas ligadas a questão
dos grupos, possam ter suas oportunidades...
247
Sobre os cursos, quando, antes vinha mais seguido pra nós, acho que vinha pelo
governo, né. [...] Como em Pelotas, a gente foi fazer curso em Pelotas.
248
Comecei no ano passado um estudo através do NEJA, mas aí por problemas
financeiros, eu estava iniciando no Projeto Esperança, às vezes eu não tinha nem
para a passagem de ônibus, aí desisti. Mas, eu ainda estou com essa idéia de
voltar.[...]Acho muito importante voltar a estudar. Acho que ainda sempre é tempo
de crescer, enfim... Não digo fazer uma faculdade, no caso não sei se vou ter pique
para isso, mas pelo menos terminar o segundo grau. Aliás, o primeiro que nem
terminei e possivelmente o segundo grau.
249
Que eu preciso mudar... Eu tenho muita dificuldade de falar em público, né. E estou
fazendo um curso no meu município. A gente tem uma assessoria, tem uns cursos
de assessoria com o SEBRAE. Então eu estou fazendo um curso Liderar, que eu
iniciei esta semana e está sendo muito bom. E pretendo ir no Fórum Social Mundial
também, pra aprender coisas, que eu preciso, né aprender muita coisa sobre esse
assunto. A COOESPERANÇA nos muito incentiva a fazer todos os cursos possíveis
que a gente pode. Tanto que tá saindo um pela COOESPERANÇA. [...] Cada curso
que a gente faz a gente está aumentando a nossa bagagem. Está aprendendo. Uma
coisa ou outra a gente sempre aprende.
250
Tem pessoas que assessoram. Tem pessoas que vem assessoram os cursos, dão
palestras, faz estudo, mas o conhecimento é compartilhado.Mesmo que alguém
venha fazer um grupo de estudos, um texto, uma palestra, ou... até pode expor um
pouquinho, mas depois cada pessoa fala. Como é que viu, como é que entende,
como é que sente. [...] E, também, eles saem, têm reuniões por exemplo da rede da
solidariedade, reuniões do CONSEA – Conselho de Segurança Alimentar – do
CONSAB e outras reuniões, que tem na cidade... ele participa, com representações.
E a pessoa que vai participar, vem e estuda com quem ficou. Então esse vai e vem
sempre acontece a nossa aprendizagem. E também, as pessoas aqui desse bairro,
com muito carinho é convidada a participar de encontros grandes ...Eles participam
a convite para ter oportunidade de crescimento.... Mas sempre há grupos indo.
Sempre grupos que vão e quando vão transmitem o conhecimento.
251
Até bem pertinho de uma feira do cooperativismo, um mês antes, e ela levou...
mandou o estatuto para nós estudar, nosso grupo, pra se associar com a Esperança.
247
Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
248
Iraci. Grupo. Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
249
Vera. 44 anos. Integrante do Grupo Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
250
Rogério Giacomini. Grupo AGPC. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
251
Irmã Zoeli. Integrante da Congregação das Filhas do Amor Divino. Coordenadora dos grupos da Comunidade de Nova
Santa Rita.
95
Pra nós ser aliado. Aí a gente estudou e se associamos a COOESPERANÇA.
Dali, naquele momento, começamos fazer feira, começamos deixar no Terminal que
é um ponto direto, começamos já vim aqui pra Serafim Valandro, que já existia esse
ponto de economia solidária. E começamos a fazer feira na Saldanha Marinho. E
começou a ter conhecimento e conhecimento e conhecimento... do nosso mel, né? Já
em seguida, já a Colméia em Porto Alegre já vieram na COOESPERANÇA, já
contatou em nós, veio nos visitar, porque lá é só produto ecológico. Nosso mel
foi pra Colméia. Já fomos pra Expointer em noventa e nove, através da Colméia,
através do Projeto Esperança. E, foi tendo aquele conhecimento e junto com o mel,
nós já fomos fazendo a figada, né, nossos doces. E fomos caminhando junto.
252
...tentando qualificar o resto dos produtos. Devagarinho, explicando, fazendo
formação... pra ver se as pessoas entendem que nós temos que ter um produto
diferenciado dum mercado convencional. Se é igual do mercado, eles vão ali no
BIG, no Nacional e compram, né? Então nós temos que ter um produto
diferenciado.
253
A construção de conhecimentos sistematizados nos espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA permite todas as possibilidades em relação a sua
aquisição. Eles se constroem em várias oportunidades, conforme o enfatizado nas falas, e são
ligados ao interesse dos integrantes dos grupos, pois estes sempre os buscam em relação à
prática exercida nas instâncias de seu projeto e em relação ao maior, que é o Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
Os conhecimentos referem-se ao econômico, social e político. Mesmo com uma
grande ênfase aos conhecimentos que enfatizam a cooperação, a solidariedade e as novas
formas de construção de uma “nova economia”, os integrantes dos grupos estão inseridos
numa sociedade de mercado capitalista, sendo assim, buscam aperfeiçoar-se na qualidade de
seus produtos e em formas de atuarem no mercado, que exige a competição. Portanto é de
ter-se em conta que:
A realização dos objetivos dos associados requer organização que administre as
articulações e as ações necessárias para que o conjunto funcione com eficiência.
Por isso, toda cooperativa, além de ser uma associação, é, também, uma empresa a
serviço de seus membros. É uma empresa peculiar, de propriedade dos associados,
na qual devem atuar com participação e direitos específicos. Essa empresa tem a
finalidade de viabilizar e promover os objetivos que os associados, em conjunto, se
propuseram pelo estatuto.
Os aspectos econômicos, administrativos e técnicos são tão importantes no
cooperativismo como em qualquer outra organização. Isto é tão verdade que “a
maioria dos fracassos nas organizações cooperativas não se devem, provavelmente,
à falta de espírito cooperativo, mas à falta de visão empresarial, de conhecimento do
mercado e de visão técnico-administrativa”, porque “quando a cooperativa fracassa,
252
Adiles da Silva. Integrante da Coordenação do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
253
Adiles da Silva. Integrante da Coordenação do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
96
igualmente, sua pretendida projeção social e humana”. (Schneider,1994,p.7 ) e, com
elas, seus propósitos sociais e humanos.
254
A análise dos aspectos abordados anteriormente permite perceber que nos espaços da
Economia Popular Solidária, mais especificamente nos espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, a ênfase na construção do solidário abre perspectivas para
que os envolvidos no processo tenham abertura para buscar conhecimentos referentes a
alternativas que possibilitem “desenraizar” o que está constituído. Nesta perspectiva, é
possível que os mesmos conheçam o que hoje serve de estrutura a uma economia que faz
parte de um “simulacro”
255
mundial.
Ao se pensar uma economia organizada que não se constitua nos moldes do grande
capital, como no caso específico do Projeto ESPERANÇA/ COOESPERANÇA, a busca
incessante de conhecimentos, de embasamento teórico-prático, necessita ser fortalecida
através de movimentos sociais, ONG’s, políticas públicas, Igreja, universidades.., pois só
assim estrutura-se um novo “construir” do econômico, em que as massas “sobrantes”, as
“bordas” encontrem possibilidades de sobrevivência e dignidade na construção da
solidariedade.
4.2.6 As possibilidades da construção do conhecimento rizomático (Deleuze/Guattari)
num processo solidário
Ao abordar a construção do conhecimento solidário num processo rizomático estou
tentando “escrever como um cão que faz seu buraco, um rato que faz sua toca. E, para isso,
encontrar seus próprios pontos de subdesenvolvimento, seu próprio patoá, seu próprio terceiro
mundo, seu próprio deserto.”
256
Ao tratar, anteriormente, a construção do conhecimento
como processo de construção da solidariedade, busquei fazer uma “escavação”, com
254
SCHMIDT, Derli; PERIUS, Vergílio. Cooperativismo e cooperativa. In: CATTANI, Antonio David (org). A outra
economia. Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 66-67.
255
Simulacro: Na análise de Jean Baudrillard, com a proliferação de imagens que caracteriza o cenário cultural
contemporâneo, os signos não remetem mais a referentes “reais”, mas simplesmente a outros signos – representações de
representações ou simulacros: vivemos no reino da hiper-realidade. O conceito de “simulacro” é analisado também por Gilles
Deleuze, em seu questionamento das distinções platônicas entre, de um lado, cópia e original e, de outro, cópia e simulacro
(no sentido de cópia má, imprópria ou ilegítima). No contexto da crítica do conceito de “representação”, compreendida,
aqui, como reprodução “fiel” da realidade ou de formas ideais, Deleuze, na tentativa de desfazer as distinções platônicas,
concede um status positivo ao “simulacro”, afirmando que não existem senão simulacros. Cfe.: SILVA, Tomaz Tadeu da.
Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 100.
97
“olhares” de um caráter dinâmico e transformador, aberto às possibilidades e devires.
Inicialmente, partindo do pressuposto de que o Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA nasceu dentro de um contexto construído por uma metanarrativa de dois
mil anos (a cristandade), desde seus primeiros passos (Comunidades de base, vinda de D. Ivo
Lorscheiter para Santa Maria, Criação da Feira da Primavera, PAC’s, etc), portanto, por trás
estava o Uno, o estabelecido, faz-se necessário o questionamento em relação ao “construído”,
como possibilidade de haver “múltiplas” entradas (a construção social do conhecimento
rizomático). A construção social, nessa perspectiva, busca em suas formas diversas o
envolvimento de desejos e saberes, desarticulado a hegemonia início/fim, motivando meios,
possibilidades, mosaicos de realidades diversificadas, que suscitam um conjunto importante
de questões teórico- políticas (transformando a partir das bordas o estabelecido, como
processo econômico, social, cultural).
Neste sentido, ao analisar, a organização contextual do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, verifico que, como organograma de relações (em anexo),
o mesmo está colocado de uma forma vertical em suas relações de “poder”, portanto,
enfatizando conexões estabelecidas, com suas ramificações muito bem delineadas, numa
imagem de árvore, “a árvore é a imagem do mundo...”, levando-nos ao entendimento de que:
Deve-se perguntar se a realidade espiritual e refletida não compensa este estado de
coisas, manifestando, por sua vez, a exigência de uma unidade secreta ainda mais
compreensiva, ou de uma totalidade mais extensiva.
257
No entanto, ao entrar na “toca”, escavando “possibilidades”, aparecem situações em
que todos os pontos de aprendizagem se ligam, interagem sem predomínio e sem ponto fixo.
Em relação às relações entre os grupos, entre a coordenação, entre as “bordas” (e destas com
os demais), com os compradores, fornecedores, visitantes das feiras, vão acontecendo como
acontece com as conexões cerebrais
258
, construindo uma imagem rizoma, lembrando a
256
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p. 28-29.
257
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 14.
258
“O pensamento não é arborescente e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada. O que se chama
equivocadamente de “dendritos” não assegura uma conexão dos neurônios num tecido contínuo. A descontinuidade das
células, o papel dos axônios, o funcionamento das sinapses, a existência de microfendas sinápticas, o salto de cada
mensagem por cima destas fendas fazem do cérebro uma multiplicidade que, no seu plano de consistência ou em sua
articulação, banha todo um sistema, probalístico incerto, uncertain nervous system. Muitas pessoas têm uma árvore plantada
na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva do que uma árvore”. DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e
98
comparação de que: “as tocas o são, com todas suas funções de hábitat, de provisão, de
deslocamento, de evasão e de ruptura.”
259
Esta construção do conhecimento acontece no momento em que um comprador
pergunta como é feito um determinado crochê, uma boneca, pão, cuca, embutidos; em que são
dadas sugestões, conforme as falas antes apresentadas (análise do processo da construção do
conhecimento em relação à solidariedade). Também quando participam de cursos, seminários,
de fóruns, como o Fórum Social Mundial, da construção de políticas públicas, entrevistas,
convivem com pessoas de todos os “tipos” e “formas”, num
Espaço a partir do qual traçamos nossas estratégias, estabelecemos nossa militância,
produzindo um presente e um futuro aquém ou para além de qualquer política
educacional Uma educação menor é um ato de singularização e militância.
260
Acontece num espaço que permite que o negro, o homossexual, o índio, a criança, o
idoso, fale a sua “fala” e que os meninos de rua participem do processo e que artesãos vendam
suas mercadorias, além da atuação de catadores de papel, artesãos, professores de
universidades, presidiários, envolvidos num processo de construção rizomática (mesmo que
em sua abrangência seja considerado solidário), pois aparentemente, se o “olhar” for uno,
dentro do Uno, a consideração será no sentido de um “caos”
261
, mas na realidade a situação
“permanece sendo imagem do mundo, caosmo-radícula, em vez de cosmo-raíz.”
262
Esta construção de conhecimentos se insinua nas brechas de uma educação maior,
onde os esquemas condicionantes, apropriados pela pedagogia das competências, sempre do
ponto de vista do capital, investem em um discurso-prática alienante, exercendo sua função de
controle, como máquina do Estado, insistindo numa aprendizagem, onde o fundamental é a
“construção de corpos”. Esta educação, que tem por prioridade o controle, no entanto, pode
ser desterritorializada à medida que se construam outras possibilidades, em que o
esquizofrenia.Rio de Janeiro: Ed. 34,1995. p. 25.
259
Idem p. 15.
260
GALLO, Silvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte:Autêntica, 2002. p. 78.
261
Caos: A teoria do caos desenvolve-se formalmente a partir das investigações do metereologista Edward Lorenz, nos anos
60, sobre a previsão do tempo. Ela tem exercido uma certa atração na teoria social e cultural por supostamente confirmar, no
mundo físico, os postulados pós-estruturalistas sobre a indeterminação, a incerteza e a instabilidade do mundo social e
cultural. Na teoria curricular, o estudioso estadunidense William Doll Jr. Tem se destacado por sua tentativa de integrar a
teoria do caos à sua teoria pós-moderna do currículo. Em geral, a teoria do caos confunde-se com a teoria da complexidade.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 24
262
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 14.
99
Aprender está para o rato no labirinto, está para o cão que escava seu buraco; está
para alguém que procura, mesmo que não saiba o que e para alguém que encontra,
mesmo que seja algo que não tenha sido procurado. E, neste aspecto, a
aprendizagem coloca-se para além de qualquer controle.
263
Os conhecimentos, ainda que estereotipados, “formais”, em que pesem as
considerações de serem construídos em espaços sistematizados
264
, permitem a “conexão e
heterogeneidade”
265
(qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e
deve sê-lo), quando buscados pelos integrantes dos grupos, pois os mesmos servem como
“tocas”, para o embasamento de uma teoria-prática dentro do contexto do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Nesta via, salientamos o Ensino Regular, o SEBRAE e,
de uma forma mais aberta, a EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Esta busca constante do conhecimento como “construção”, de uma forma
rizomática, faz-me questionar quando analiso as falas citadas anteriormente, se
cada integrante do processo de solidariedade do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA não é em seu “devir-vespa,”
266
uma espécie de
professor-militante”
267
:
Hoje, não há mais profeta capaz de falar do deserto e de contar o que sabe de um
povo porvir, por construir. Só há militantes, ou seja, pessoas capazes de viver até o
limite a miséria do mundo, de identificar, as novas formas de exploração e
sofrimento, e de organizar, a partir dessas formas, processos de libertação,
precisamente porque têm participação ativa em tudo isso. A figura do profeta, seja
ela a dos grandes profetas do tipo Marx ou Lênin, está ultrapassada por completo.
Hoje, resta-nos apenas essa construção ontológica e constituinte “direta” , que cada
um de nós deve vivenciar até o limite [...]. Creio, portanto, que na época do pós-
moderno e na medida que o trabalho material e o trabalho imaterial já não se opõem,
a figura do profeta- ou seja, a do intelectual – está ultrapassada porque chegou a seu
total acabamento; e é nesse momento que a militância se torna fundamental.
Precisamos de pessoas como aqueles sindicalistas norte-americanos do começo do
século, que pegavam um trem para o Oeste e que, a cada estação atravessada,
paravam para fundar uma célula, uma célula de luta. Durante toda a viagem, eles
263
GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 80.
264
Nota da autora: Nem sempre nos espaços de conhecimentos sistematizados os conhecimentos são obrigatoriamente
estereotipados.
265
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs- capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 15.
266
“Devir-vespa”: Toda a pessoa que entra em contato com os processos de economia solidária, se desterritorializa formando
uma imagem, um “decalque de vespa” (como a orquídea), enquanto o processo de economia solidária se reterritorializa nesta
imagem de homem. Ao afastar-se, enquanto (um comprador, por exemplo), torna-se ele mesmo uma peça de reprodução de
um processo de reterritorializando da economia solidária, enquanto elemento fundamental no processo de avanço de
constituição econômica. “A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se
reterriotorializa, formando uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se reterritorializa sobre esta imagem. A vespa
se desterritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela
reterritorializa a orquídea, transportando o pólen”. DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 18.
267
GALLO, Sílvio. Deleuse & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 71.
100
conseguiam trocar suas lutas, seus desejos, suas utopias. Mas também, precisamos
ser como São Francisco de Assis, ou seja, realmente pobres: pobres, porque é
somente nesse nível de solidão que podemos alcançar o paradigma da exploração
hoje, que podemos captar-lhe a chave. Trata-se de um paradigma “biopolítico”, que
atinge tanto o trabalho quanto a vida ou as relações entre as pessoas. Um grande
recipiente cheio de fatos cognitivos e organizacionais, sociais, políticos e
afetivos...
268
Constato, também, que a construção do conhecimento apresentada em uma situação de
prática solidária, em suas nuances de aprendizagem, enfatiza a multiplicidade, num contexto
de economia popular solidária em que o múltiplo “não tem mais nenhuma relação com o uno
como sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem-mundo.”
269
Nesse espaço os conhecimentos se conectam em “linhas de fuga”, em que acontece a:
[...] desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às
outras. O plano de consistência (grade) é o fora de todas as multiplicidades. A linha
de fuga marca, ao mesmo tempo: a realidade de um número de dimensões finitas
que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade de toda dimensão
suplementar, sem que a multiplicidade se transforme segundo esta linha; a
possibilidade e a necessidade de achatar todas estas multiplicidades sobre um
mesmo plano de consistência ou de exterioridade, sejam quais forem suas
dimensões.
270
Por outro lado, constando a solidariedade como poder “significante” nesses espaços,
percebo que como o contexto está permeado de outras possibilidades, dominando o
neoliberalismo, sempre existe a possibilidade de se encontrar “aspectos que reestratificam o
conjunto”, mesmo “numa linha de fuga”
271
Percebo, inclusive nas falas, essas possibilidades,
como na seguinte:
Toda a parte da divisão, cada um fabrica o que está nas suas condições, em casa,
vem aqui e vende, a gente paga a porcentagem que tem de pagar para a cooperativa
e cada um leva o seu, né. Não. A gente não faz em grupo, assim, aquela quantia
xis, porque já houve quem fez assim, e não deu certo. Sabe? Sempre dá um
problema. Então cada um assim, o que a gente tem em casa fabrica, vem e
vende.
272
Também nos cursos de formação em que a prioridade não seja a construção da
solidariedade, como nos de qualidade, como instrumento econômico de capacitação de um
produto, ou noutros como os do SEBRAE, o processo de “desterritorialização e
268
NEGRI, Antonio. Exílio. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 23-24.
269
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia/Gilles Deleuze, Félix Guattari;
270
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia/Gilles Deleuze, Félix Guattari; tradução de
Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa.- Rio de Janeiro: Ed. 34,1995 ( Coleção TRANS ). p. 17.
271
Idem. p. 17
272
Iraci. Grupo Raio de Sol. Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
101
reterritorialização”
273
estão interligados por fios invisíveis de subjetividade.
Em outra significação, compreendo que o Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA,
em suas dimensões organizativas de grupos, como grupos estratificados, permite uma
continuidade, tanto quanto uma descontinuidade, pois os grupos podem nascer, crescer,
desaparecer, continuar, sem que o processo que permeia o contexto termine, pois o mesmo
volta a se reconstruir, como num formigueiro, mostrando que:
Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma
segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. É impossível
exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal do qual a maior parte
pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir. Todo rizoma compreende
linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado,
organizado, significado, atribuído, etc., mas compreende também linhas de
desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez
que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte
do rizoma. Estas linhas não param de se remeter uma às outras. É por isto que não
se pode contar com um dualismo ou uma dicotomia, nem mesmo sob a forma
rudimentar do bom e do mau. Faz-se uma ruptura, traça-se uma linha de fuga, mas
corre-se sempre o risco de reencontrar nela organizações que reestratificam o
conjunto, formações que dão novamente o poder a um significante, atribuições que
reconstituem um sujeito - tudo o que se quiser, desde as ressurgências edipianas até
as concreções fascista. Os grupos e os indivíduos contêm microfascismos sempre à
espera de cristalizacão. Sim, a grama é também rizoma. O bom e o mau são
somente o produto de uma seleção ativa e temporária a ser recomeçada.
274
É portanto, um processo constante dentro do contexto do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, pois grupos vão e vêm, pessoas novas adequam-se aos
mesmos, antigas se reconstroem; grupos e pessoas numa forma de mapa:
O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói. Ele
contribui para a conexão dos campos, para o desbloqueio dos corpos sem órgãos,
para sua abertura máxima sobre um plano de consistência. Ele faz parte do rizoma.
O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível,
suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido,
adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um
grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como
obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação. Uma das
características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas
entradas; a toca, neste sentido, é um rizoma animal, e comporta às vezes uma nítida
distinção entre linha de fuga como corredor de deslocamento e os estratos de reserva
ou de habitação (cf. por exemplo, a lontra).
275
273
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34,1995. p. 18.
274
Idem, p. 18.
275
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia/Gilles Deleuze, Félix Guattari; tradução de
Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa.- Rio de Janeiro: Ed.34, 1995. ( Coleção TRANS ). p. 22.
102
Avalio, assim, que a construção do conhecimento nos espaços do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA não se apresenta como uma totalidade, mesmo que em seu
sentido amplo a solidariedade apareça como elemento fundante (enquanto encaminhamento
de uma nova construção econômica, social, política, cultural). A aprendizagem dos
integrantes dos grupos não tem a pretensão de integrar saberes. Importa antes, conhecer,
saber, sempre no meio, sem início, nem fim... “intermezzo”.
276
Finalmente, é possível
constatar que o processo de construção de conhecimentos expande-se em todos os sentidos,
todas as linhas, desterritorializando as estruturas fundantes de um processo de educação
arbórea.
276
DELEUZE, Gilles, 1925-1995. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia.Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 37.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na intrincada teia da constituição do conhecimento nos espaços da Economia
Solidária, no caso do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA – Santa Maria, emerge uma
construção de solidariedade, em que pesem aspectos culturais que embasam esse processo,
numa perspectiva sócio-econômico-político-ideológica. Esta construção do conhecimento
desvela aspectos que permitem o surgimento de novas possibilidades, especialmente no
entrelaçamento de conhecimentos que enfatizam um processo rizomático.
Esta análise delineou de forma geral as hipóteses estabelecidas para os estudos da
pesquisa a que me propus neste trabalho, que foram especificamente:
a) o Estado do Rio Grande do Sul, devido a sua história de solidariedade,
especialmente em Santa Maria, com a implantação da Rede dos Ferroviários, Vila Belga e
Cooperativa dos Ferroviários, e com a vinda de D. Ivo Lorscheiter como Bispo Diocesano,
construiu uma cultura de solidariedade (novas possibilidades na construção dos
conhecimentos), que permitiu o surgimento de experiências econômico-solidárias, como o
Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
b) o processo de construção do conhecimento ( com a aprendizagem concebida como
um movimento político-histórico-cultural-ideológico) como contextualização/práxis da
solidariedade nos espaços de Economia Popular Solidária, permite novas construções de
conhecimentos, na invenção da constituição do humano.
c) a construção do conhecimento nos espaços solidários apresenta aspectos
rizomáticos (rizoma – Deleuze/Guattari), em que a construção é transdisciplinar, integrando
104
áreas do conhecimento, não tendo relação com a unicidade (sujeito ou objeto), constituída por
uma centralidade econômica, apresentando multiplicidades, não existindo pontos ou posições
estáticas, mas possibilidades, ocupando todas as dimensões ou linhas, permitindo várias
conexões entre os vários conhecimentos, construindo novas formas de aprendizagem em que
se salientem os diversos aspectos sociais, econômicos, culturais, ideológicos (a
sobrevivência); em que todos os pontos (compra, venda custos, relações, políticas
públicas...) se interliguem num processo em que o conhecimento resulta numa rede de
articulações.
Refletindo sobre essas idéias, que foram os aspectos constitutivos desta pesquisa,
procuro destacar algumas das constatações feitas ao longo da realização dos estudos, em que
deve ser considerada a abrangência de fatores envolvidos, como a historicidade da
solidariedade cristã, desde as possibilidades de conhecimentos construídas, sedimentando
relações culturais de solidariedade, como as construídas em mais de dois mil anos com o
fenômeno cristão, especialmente através da Bíblia. No Rio Grande do Sul, com as Reduções
Indígenas dos Sete Povos das Missões, os Círculos Operários, a Frente Agrária Gaúcha e as
CEBs surgidas nas vertentes da Igreja Católica.
No recorte espacial Santa Maria, Rio Grande do Sul, esta influência da Igreja Católica,
com a vinda de D. Ivo Lorscheiter para a cidade como Bispo Diocesano, e a sua iniciativa de
fundação da Feira da Primavera, através da qual foram arrecadados recursos para a fundação
do Banco da Esperança, onde até hoje se concentram as atividades sociais da Diocese de
Santa Maria, foi percebida pela pesquisa como fundamental para o trabalho de incentivo à
solidariedade nos espaços de abrangência daquela Diocese e, em especial, para a construção
de conhecimentos que ajudaram na constituição de experiências solidárias como a do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
Foi imprescindível o trabalho realizado pelo Bispo D. Ivo Lorscheiter,
especificamente os estudos iniciados sobre o cooperativismo, na construção de uma
Economia Popular Solidária (com a criação dos Projetos Alternativos Comunitários – PACs
no Rio Grande do Sul )
277
, numa realidade em que se falava muito “em caridade a nível de
277
Ver: 20 anos de Econômica Popular Solidária: trajetória da Cáritas Brasileira dos PACs à EPS. Ademar de Andrade
Bertucci, Roberto Marinho Alves da Silva (Org.) – Brasília : Cáritas Brasileira, 2003.
105
Igreja.”
278
Num contexto nacional de recessão econômica com elevado índice inflacionário,
em que o mercado de trabalho foi diretamente atingido, diminuindo o crescimento dos
empregos formais, aumentando o número de trabalhadores sem contrato de trabalho e de
trabalhadores informais, foi imprescindível no surgimento de um projeto de Economia
Popular Solidária na região de Santa Maria. – RS.
Esse contexto permitiu que fossem emergindo possibilidades de democratização do
país, em seu novo jeito de ser, instalando em seu movimento alternativas no econômico e no
social, surgindo a multiplicação de experiências comunitárias, em especial a discussão de
comercialização direta. A situação, portanto, mostrou-se propícia aos estudos feitos por
D.Ivo Lorscheiter, juntamente com integrantes de pastorais sociais, dos movimentos, da
Universidade Federal de Santa Maria, da EMATER, da equipe da Diocese de Santa Maria, de
um livro que coloca em questão a construção da cultura da solidariedade: “A pobreza, riqueza
dos povos. A transformação pela solidariedade” de Albert Tévoédjrè. Com o surgimento dos
Projetos alternativos Comunitários (PACs), também estabeleceram-se ligações valiosas que
embasaram o surgimento do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA, sendo, portanto,
constatado, nesta pesquisa, que esta experiência de Economia Popular Solidária é constituída
em seus fundamentos pela construção de conhecimentos de solidariedade embasados em um
discurso cristão, tendo avançado, no entanto, numa perspectiva de solidariedade planetária em
que vários aspectos estão sendo desenvolvidos, como a preservação do meio ambiente,
desenvolvimento sustentável, agroecologia, alternativas à cultura do fumo e reciclagem do
lixo.
O contexto analisado, a Rede Ferroviária, mais precisamente a Vila Belga e a
Cooperativa dos Ferroviários, além das greves do Sindicato dos Ferroviários, permitiu
constatar a influência que essas entidades tiveram no município de Santa Maria, enquanto
cooperativa que:
[...] tem muito fortemente a tradição da história que são os ferroviários. Aqui em
Santa Maria respirava todo esse trabalho dos ferroviários, que fez história no Rio
Grande do Sul, no Brasil e na América Latina. E, nesse sentido Santa Maria é um
terreno muito fértil, que sempre construiu nesse sentido.
279
Apesar de todo esse complexo, especialmente a Cooperativa dos Ferroviários, estar
278
Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. 2005
279
Irmã Lourdes Dill. Coordenadora do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. 2005.
106
sedimentado numa perspectiva de cooperativa organizada de forma diferenciada da Economia
Popular Solidária, apresenta-se como conhecimento significativo para o surgimento de
experiências como O Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA. Saliento, também, a
construção da luta dos trabalhadores ferroviários que construíram culturas
280
em defesa de
seus direitos, como personagens de greves e reivindicações, pelo que a cidade de Santa Maria
torna-se, marcadamente, no final do século XIX, referência aos grevistas, que com sua
postura, no decorrer das décadas, “desembocou na Criação da Cooperativa de Consumo dos
Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, que já foi a maior organização do
gênero na América Latina,”
281
em 1913.
Na educação, também houve influência dessas instâncias, pois no início do século,
especialmente naquele contexto, a mesma não se constituía como uma prioridade. Sendo
assim, a Cooperativa dos Ferroviários responsabilizou-se por organizar um ensino de boa
qualidade para os filhos dos ferroviários. As aprendizagens envolvidas por um processo de
produção de sentidos em que estão articuladas relações sociais, com uma dinâmica discursiva
que articulava os fatores envolvendo as escolas “turmeiras,”
282
planejadas e sob a
responsabilidade do Irmão Estanislau, eram também construtoras de um discurso cristão,
além de outras escolas subsidiadas pela cooperativa, que formava profissionais capacitados
para a época sob a responsabilidade das Irmãs Franciscanas e dos Irmãos Maristas. Esse
discurso, dentro de um contexto cooperativo, sem dúvida, permitiu nuances de solidariedade,
como movimento político-histórico-cultural-ideológico, numa contextualização/práxis da
solidariedade, que influenciou no surgimento do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
Construir conhecimentos nesses espaços supõe outras formas de abordagens, em sua
constituição, diferenciadas da construção do conhecimento neoliberal, em que o mercado
globalizado exige novas competências, com menor custo e maior produtividade e o lucro e o
individualismo execram a articulação, a participação e a coordenação popular.
Na pesquisa ficou explícita uma aprendizagem baseada na solidariedade que vem das
famílias ou da Igreja, em especial da Igreja Católica, pois os grupos que se constituem como
280
Cultura: [...] Na teorização introduzida pelos Estudos Culturais, sobretudo naquela inspirada pelo pós-estruturalismo, a
cultura é teorizada como campo de luta entre os diferentes grupos sociais em torno da significação. SILVA, Tomaz Tadeu da.
Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 32
281
Jornal A razão. Santa Maria, 08.09/10/1994. 60 anos. Ferrovia – Boca do Monte no tempo do trem.
282
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de História Oral. Memória cidadã: Vila Belga. Porto
107
grupos familiares solidarizam-se em todas as instâncias do processo (econômico, social,
político, organizativo), enquanto que os grupos não familiares se organizam basicamente sob
a constituição dos grupos de forma solidária, como forma de organização social, mas
individualmente, no que se refere ao econômico, elaborando e vendendo suas mercadorias
individualmente, no espaço organizativo do grupo. Percebi, assim, a necessidade de maior
aprofundamento do trabalho de formação nesses espaços, a respeito de uma solidariedade
que tem como fundamento básico a Economia Popular Solidária, pois “Na empresa solidária,
todos que nela trabalham são seus donos por igual, ou seja, têm os mesmos direitos de decisão
sobre o seu destino”.
283
A pesquisa apontou também para possibilidades de construções de conhecimentos de
forma rizomática, desconstruindo o “fim das certezas”,
284
onde dominam troncos de
centralidade, onde o saber tem dimensões limitadas, absolutas, permitindo um vir-a-ser, em
que “ à medida que alguém se torna, o que ele se torna muda tanto quanto ele próprio.”
285
Esse aspecto é constatado em várias instâncias, como no fato de alguns grupos se
constituírem como organismos, em que cada um/uma aprende em suas relações com o que
faz, vende, aprende, interfere, dança, rompe... São conhecimentos que constroem uma relação
com o trabalho num âmbito em que tentam romper com o estabelecido, homogêneo,
permitindo que as bordas sejam mais que bordas, sejam um devir, pois nestes espaços todos
os pontos de aprendizagem se ligam, interagem, sem predomínio e sem ponto fixo,
desconstruindo o Uno de um discurso Cristão.
As discussões e análises aqui apresentadas configuraram e procuraram esclarecer
alguns pontos que têm sustentado minhas incursões teórico-metodológicas na investigação
dos processos de construção do conhecimento nos espaços de Economia Popular Solidária
com referência à solidariedade e rizoma – perspectiva rizomática. Mas, várias indagações
persistem, novas questões se colocam e muitas são ainda as possibilidades de desdobramentos
concernentes à problematização como:
a) Em que aspectos específicos a Cooperativa dos Ferroviários embasou os
Alegre: Sedac/CHO, 2002. p. 138.
283
SINGER, Paul. A Economia Solidária como ato pedagógico. In: KRUPPA, Sonia M. Portella (org). Economia solidária e
educação de jovens e adultos. Brasília: Inep, 2005. p. 14.
284
PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. Tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo, Ed. UNESP, 1996.
285
DELEUZE, Gilles. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998. p. 10
108
conhecimentos solidários do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
b) Em que aspectos específicos houve influência das greves, passeatas, reivindicações
dos ferroviários e, do fato de Santa Maria ser uma cidade referência para a luta dos
ferroviários, na construção da organização e da solidariedade que embasaram o surgimento
do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
c) Um melhor entendimento sobre a construção rizomática nos espaços de Economia
Popular Solidária, mais especificamente, no Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
d) Uma avaliação aprofundada sobre a atuação da educação escolar no processo de
aprendizagens no Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
O enfrentamento dessas questões parece-me crucial para uma melhor compreensão
da constituição do conhecimento nos espaços estudados na pesquisa. Além da sugestão da
elaboração de projetos de formação histórico-cultural-político-ideológica, ligados à
solidariedade, mais intensivos e abrangentes, nos grupos integrantes do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA, pois constatei pela pesquisa que os coordenadores têm
mais possibilidades de aprendizagens no que concerne à teoria-prática relacionada à
Economia Popular Solidária do que os demais integrantes dos grupos.
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ANEXOS
116
I- ORGANIZAÇÃO DO PROJETO DA “ TEIA ESPERANÇA”
117
II -DATAS HISTÓRICAS DO COOPERATIVISMO E DA ECONOMIA
SOLIDÁRIA DO BRASIL E DO RS QUE FORAM FUNDAMENTAIS PARA
O PROJETO ESPERANÇA/COOESPERANÇA- SANTA MARIA – RS -
CÁRITAS
- 1900 - Início do Cooperativismo no Rio Grande do Sul e América Latina.
- 1902 - Fundação da 1
ª
Cooperativa de Crédito do RS e América Latina. (Nova Petrópolis –
Padre Theodor Amstad).
- 12/11/56 - Fundação da CÁRITAS BRASILEIRA.
- 1961 - Fundação da CÁRITAS REGIONAL –RS.
- 29/03/69 - Fundação da AÇÃO SOCIAL DIOCESANA DE SANTA MARIA.
- 20/12/77 - Fundação do BANCO DA ESPERANÇA.
- 1980 - Início do debate sobre os PACs (Projetos Alternativos Comunitários) no RS a partir
do livro “A POBREZA, RIQUEZA DOS POVOS, a transformação pela solidariedade de
Albert Tévoédjrè e da Economia Solidária Sustentável.
- 1984/85 - Início dos primeiros PACs (Projetos Alternativos Comunitários) no RS e na
Diocese de Santa Maria – RS. Início da caminhada da Economia Solidária e Desenvolvimento
Sustentável e o estudo do Projeto ESPERANÇA.
- 15/08/87 - a Criação do Projeto ESPERANÇA da Diocese de Santa Maria – RS.
- 1988 - Assinatura do 1
º
Convênio com a MISEREOR E KATHOLISCHE
ZENTRALSTELLE FÜR ENTWICKLUNGSHILFE e.v. – Alemanha.
- 03/03/88 - Criação do Projeto Criança Esperança.
- 05/06/89 - Inauguração do 1
º
Prédio Terminal de Comercialização Direta e início da
comercialização direta – Santa Maria – RS – Feirão Mensal.
- 29/09/1989 - Fundação da COOESPERANÇA (Cooperativa Mista dos Pequenos
Produtores Rurais e Urbanos vinculados ao Projeto Esperança).
- 01.03.91 - Fundação da Comunidade Mãe da Esperança que coordena o Banco da
Esperança (Irmãs Filhas do Amor Divino – SAEMA).
118
- 20/12/91 - Criação da PACTO – Pastoral de Auxílio ao Toxicômano.
- 1991 - Início dos Seminários Regionais de Alternativas à Cultura do Fumo na região
Centro – RS – Interdiocesano – Centro – RS.
- 01/04/92 - Início do Feirão Colonial Semanal (comercialização direta).
- 01/07/94 - Início da Feira do Cooperativismo Alternativo Regional – Santa Maria - RS.
- 11/07/94 - Fazenda Terapêutica do Senhor Jesus.
- 1996 - Início dos Feirões Especiais – Praça Saldanha Marinho – Santa Maria – RS.
- 03/12/97 - Inauguração do Centro de Economia Popular Solidária – Santa Maria – RS.
- 04/07/98 - A Feira do Cooperativismo Alternativo passou a ter cunho Estadual.
- 1999 -Início e Participação do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA nos Programas
do Governo do Estado – RS, a caminho de Políticas Públicas, da Agroindústria familiar,
Economia Solidária, QUALIFICAR –RS, Programa SABOR GAÚCHO, ESPOINTER, entre
outros.
- 19/03/99 - Criação da Casa de Triagem.
- 10/08/99 - Criação do Selo SABOR DA TERRA do Projeto ESPERANÇA/
COOESPERANÇA.
- 2001 - Criação do Selo SABOR GAÚCHO do Programa da Agroindústria Familiar – RS.
- 22/12/01 - Inauguração da ampliação do 2
º
Prédio do Terminal de Comercialização Direta
apoiado pelo Governo do Estado do RS – DEPSOL/SEDAI, MISEREOR- ALEMANHA,
Prefeitura Municipal de Santa Maria e CÁRITAS Regional-RS.
- 26/12/0l - Integração do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA na proposta do SELO
SABOR GAÚCHO da SAA/DACC- RS.
- 2001 – Início dos Feirões Mensais Temáticos na Praça Saldanha Marinho – Centro – Santa
Maria – RS.
- 06/07/02 – 1
ª
Feira Nacional de Economia Solidária – Santa Maria – RS.
- 14/01/03 – Criação da “TEIA ESPERANÇA” - A Rede de Empreendimentos, Pontos de
Comercialização Direta do Projeto ESPERANÇA/COOESPERANÇA.
- 05/04/03 - Início da implantação da “TEIA ESPERANÇA”– PROJETO
119
ESPERANÇA/COOESPERANÇA
- 2003 – Criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária-SENAES-MTE- Governo
Federal – Brasília e em todo o Brasil.
- 2003 – Criação do FNES ( Fórum Nacional de Economia Solidária ).
- 2003 – Fortalecimento dos FÓRUNS NACIONAL, ESTADUAL E MUNICIPAL DE
ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA.
- 17/03/03 - Criação da REDE DE SOLIDARIEDADE ( Comitê Santa-Mariense de
Combate à Fome e Miséria ). Programa “Fome Zero”.
- 2003 - Criação do CONSEA ESTADUAL – RS.
- 2003 - Criação do CONSEA – RS de Santa Maria.
- 2004 - Criação do CONSAD (Consórcio de Desenvolvimento Local e Regional
Sustentável).
- 12 e 13/06/04 - 1
º
ENCONTRO ESTADUAL DOS EMPREENDIMENTOS DE
ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA – RS.
- 16/06/04 - Inauguração do ARMAZÉM DA COLÔNIA– Santa Maria-RS.
- 13 a 15/08/04 –1
º
Encontro Nacional dos Empreendimentos de Economia Popular
Solidária – Brasília - DF.
- 01/08/04 – Início do Programa da CONAB – Santa Maria.
- 14/10/04 – Inauguração da Loja “PRODUÇÃO E ARTE ESPERANÇA “do Projeto
ESPERANÇA/COOESPERANÇA” e da “TEIA ESPERANÇA”.
- 2004 - Início do Projeto “A ARTE DA INCLUSÃO”.
- 2004 – Início do CORAL DOS CATADORES.
- 2004 – Início das Oficinas dos Catadores.
- 2004 – Início do Bloco do Coral dos Catadores.
- 2005 – Criação do Projeto “O PAPEL DO PAPEL”.
- 2005 - Criação da Central dos Catadores.
- 2005 - Início da Coleta Seletiva em Santa Maria – RS.
120
- 09e 10/07/05 – 1
ª
FEIRA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA DO MERCOSUL.
1
ª
FEIRA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DO MERCOSUL
12
ª
FEICOOP – Feira Estadual do Cooperativismo
4
ª
. Feira Nacional de Economia Solidária
5
ª
Mostra da Biodiversidade
Seminário Internacional da Economia Solidária e da Agricultura Familiar
Data: 09 e 10 de Julho de 2005
Local: Terminal de Comercialização Direta – Santa Maria – RS – Brasil
Rua Heitor Campos s/no.
Dados Gerais: (complementar)
Dados referentes à Feira do MERCOSUL
. 66 mil pessoas passaram pela feira ( avaliação da Brigada Militar )
. 11,4 mil m2 de área coberta para a feira
. 10 mil copos d’água distribuídos pela CORSAN
. 8 mil pessoas participando dos debates, oficinas e espaços culturais
. 3,450 produtos em comercialização direta e exportação
. 30 comissões organizadoras
. 1.000 pessoas envolvidas na organização
. 100 empreendimentos participantes nos debates e oficinas
. 512 empreendimentos expositores
. 612 empreendimentos Solidários participantes em geral
. 500 variedades de sementes crioulas e agroecológicas
. 225 entidades representadas e apoiadoras.
. 221 Municípios Brasileiros representados
. 65 entidades envolvidas na organização do ATO PELA PAZ
121
. 50 apresentações culturais
. 47 caravanas do Brasil e do Mercosul
. 40 veículos de comunicação divulgaram o evento
. 20 universidades do Brasil e de outros Países
. 34 Cáritas Representadas do Brasil e do Mercosul
. 3 Cáritas Internacional (Uruguai, Paraguai e México)
. 31 Dioceses Brasileiras
. 26 veículos transmitiram a abertura da 12
ª
FEICOOP ao vivo e com entrevistas (12 rádios).
. 23 estados Brasileiros representados
. 20 oficinas temáticas
. 5 Oficinas Permanentes
. 17 países representados
. 2 seminários: 1 seminário de Economia Solidária e o Mercosul e, 1 Seminário de Reforma
Agrária e Agroecologia
. Volume comercializado: R$ 498.000,00 (quatrocentos e noventa e oito mil reais). Sendo 5%
para os Custos fixos da Feira, e o restante para os Empreendimentos Solidários.
. Estados: São Paulo, Santa Catarina, Ceará, Amapá, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito
Santo, Pernambuco, Paraíba, Rondônia, Alagoas, Acre, Paraná, Maranhão, Rio Grande do
Sul, Bahia, Brasília, Amazônia, Pará, Piauí e Mato Grosso do Sul.
. Países; Uruguai, Argentina, Paraguai, Venezuela, Nicarágua, México, França, Chile, Peru,
Espanha, Bélgica, Estados Unidos, Equador, Bolívia, Colômbia, Alemanha e o Brasil.
122
III- ORGANOGRAMA DO PROJETO ESPERANÇA/COOESPERANÇA
123
V – ENTREVISTAS
CLÁUDIA MEDIANEIRA RODRIGUES MACHADO
– Estudante de Pedagogia na UNIFRA, Integrante da
Coordenação do Projeto Esperança/COOESPERANÇA, da Cooperativa Afro-Brasileira, coordenadora do Grupo
de Reciclagem Pet-Vida, da loja Arte e Inclusão Solidária da Criança/COOPSOL.
A coordenação dos projetos ela á construída com as pessoas que fazem parte dos grupos, a gente não tem nada
pronto. Quando chegamos aqui a gente aprende que nós precisamos ser solidários... Então como eu falava a
organização, né ela tem uma coordenação colegiada que é representada por cada grupo, né, por cada setores e
daí, a gente se reúne trimestralmente e conversa sobre o todo do Projeto. É dali que a gente começa a tirar nossas
regras. Todo mundo tira junto, as regras, né. E o que que seria “bom”, pra o desenvolvimento, pra continuidade
dos trabalhos. É um trabalho assim, que ele é muito gostoso, mas também tu tem que ter muita persistência, né.
É um trabalho que é devagarinho, que é a longo prazo. Porque pra começar trabalhar com pessoas... cada uma
pensa diferente e aí tu não pode passar por cima disso. Tu tem que respeitar as pessoas dentro de suas limitações
e automaticamente tu tem que fazer, né. Tu tem que doar um pouquinho pra gente poder construir, pra trabalhar
em grupo. Pra gente saber o que que é o cooperativismo. Então, assim, administração, que tem como
coordenadora geral a Irmã Lourdes Dill, ela se coloca assim, na igualdade conosco. Por ela ser a coordenadora
ela tem a referência, mas também, todos tem voz dentro do Projeto. Todos tem voz desde que tu participe. Desde
que tu entenda, que tu participe... que tu construa junto. Todo mundo... Então a Irmã Lourdes, a gente vê ela
mais como uma companheira mesmo. Uma colega porque ela está ali, porque ela dá todo o apoio, pra nós. Esta
administração (do Projeto Esperança/COOESPERANÇA) ela é bem transparente... nesta questão assim, a gente
faz as assembléias anualmente. Como é o caso da Cooperativa Afro. A Cooperativa Afro ela funciona como uma
prestadora de serviços, mas também o nosso objetivo principal é a questão do resgate, a gente sempre está
estudando, buscando mais a questão aí, do povo negro. A gente sabe que o povo negro é sofrido e geralmente a
gente e... É ingenuidade nossa dizer que não existe racismo, porque a gente sabe que existe. E ele ainda é muito
gritante. É muito forte ainda, o racismo e a gente precisa quebrar isso, né. Como que a gente vai quebrar? É se
articulando, né... É se articulando, é estudando, a gente vê, a gente saber o porquê. Porque tudo tudo teve uma
história, teve um porquê disso. Então, nós enquanto cooperativa, a gente investe muito nessa questão da nossa
formação. E a nossa cooperativa, ainda tem muito que andar, mas a gente assim, dentro de nós, a gente faz
atividades, a gente se encontra. Não é fácil, a gente está sempre buscando, também, mas a gente sabe que ainda a
gente tem que investir muito na nossa formação, porque ainda estamos totalmente despreparados... Acho que o
primeiro passo nós demos, que foi construir o nosso... né? Botou a cara aí. Nós temos muito orgulho de sermos
negros, a gente sempre fala. Somos 20 negros. Temos muito orgulho de sermos o que somos. E estamos aí na
luta pra construir sabe... que não é fácil. Mas a gente busca, conversa com um, conversa com outro. Por exemplo
o espaço do Fórum Social Mundial, foi um espaço muito importante, porque daí a gente pode trocar, conversar...
Tá sabendo o histórico do negro. Está sabendo tudo que possa... nos possibilite, né a nossa formação e a nossa
construção. E tentando explicar para o negro que ele tem que se aceitar. Isso que a gente faz dentro de nossa
cooperativa é a questão do negro se afirmar e se aceitar, porque tem muitos negros que infelizmente não aceitam,
né? ... E dentro da Cooperativa Esperança/COOESPERANÇA, existia negros assim, e a gente aos poucos a
gente conseguiu, mas isto tudo também, através do que o projeto proporcionou pra nós, que a gente ta indo para
124
indo para o seminário, está participando, a viagem que a gente fez para Brasília... Lá a gente trocou experiências.
Por exemplo a gente já fez contatos com uma que também faz, uma costureira, que faz roupas afro e que agora a
gente já está mantendo contato. Porque ai é que se dá o conhecimento também, né? E lá as pessoas já estão
vendo a questão do resgate das roupas afro, da questão da comida. E então todo esse histórico também. Então já
articulamos. Já estamos trazendo pessoas prá tá falando sobre a nossa história do negro, porque é uma história
ainda que é escondida. A gente sabe o básico, mas tem muita coisa debaixo do tapete, aí, né... que a gente tem
que começar tá levantando. Então nossa cooperativa tem muito esse... essa “pegada” né? A questão da gente
trazê o próprio negro. A gente se preocupa com todos os negros, mas principalmente aquele negro que ainda está
na favela. Aquele negro que está na esquina ali. Esse que a gente está tentando trazer. Porque o que está na
faculdade, assim, como as vezes uma de minhas amigas, diz pra mim: mas, Cláudia, tu tá na faculdade. Tu é
negra como que tu vai... Mas eu digo assim. Eu sou uma exceção de hoje, de repente tive a oportunidade de estar
participando num projeto, como o Projeto Esperança e eu consegui mudar de visão. Porque hoje eu sou bem
diferente daquela que entrei há quatro ... cinco anos atrás. Eu já mudei a minha visão. E acho que tem muito pra
mudar ainda. Mas, acontece assim, que eu estou indo, mas eu sei as barreiras que é... Quando a nossa
cooperativa começou a surgir, também a maioria mulheres, né. A gente começou a reparar com estas questões aí.
Mas aonde que estão as mulheres negras, o que que elas estão fazendo? Não. A gente tem que começar por um
caminho. E articular a cooperativa foi um meio de nós está nos auto-afirmando mais enquanto mulheres negras,
e a gente mostrando que a mulher negra tem força e a gente pode chegar aonde está chegando. Acho que a
mulher negra pode estar dentro de uma faculdade sim, embora sabendo que a mulher negra, né, é a minoria, o
negro dentro de uma faculdade, é a minoria. Eu vejo isto pelo meu caso. Na minha sala de aula tem eu e mais
uma. Então isso é um fator que pesa muito, né? ... Eu assim, parece que eu comecei comecei... parece não,
afirmo que aconteceu na minha vida uma “desconstrução” de uma visão que eu tinha. Parece que algumas coisas
começaram a se destapar e eu comecei entender que realmente eu era a Cláudia, e que eu podia, que eu posso...
que eu não sou melhor, mas também não sou inferior a ninguém... A COOPSOL, a cooperativa solidária da
criança, que é a cooperativa da qual eu coordeno hoje, a gente assim, atende 70 crianças que são distribuídas por
núcleos. Temos o núcleo que... o núcleo central, que é o núcleo do Feirão, que todas crianças também se reúnem
aos sábados, enquanto que os pais estão lá vendendo, estão lá no Feirão, né, ali. As crianças estão fazendo assim,
oficinas de flauta, oficinas de cooperativismo, que daí fazem comigo, lá, estamos trabalhando dinâmica de
grupos, dinâmica de relacionamentos, porque que a gente vive em grupos hoje, porque que existe o
cooperativismo, hoje... Então nós temo lá. Enquanto os pais estão lá vendendo as crianças estão lá numa sala
comigo. Geralmente a gente tem cinqüenta minutos de formação comigo, depois eles passam ao de flauta. Daí
nós temos outro núcleo, que é o núcleo do Km2 que eu trabalho com filhos de catadores, que a maioria das
crianças são negras, também, lá a gente trabalha a formação todos os sábados de tarde e lá eles trabalham a
dança afro também. Então a gente trabalha... são as crianças assim, também... a gente já está mostrando desde
pequena que elas tem que ter o orgulho de ser o que são. Porque não é porque elas nasceram ali, que a gente
sabe como é que é a vida de catadores, que elas assim, tem que se condicionar... Não. Que elas tem que viver
assim, para o resto da vida. Não. Elas podem se sujeitos e transformar as histórias delas. Aí, a gente trabalha
também... tem outro núcleo. É lá na Nova Santa Marta, que é uma zona bem carente da cidade. Que lá a gente
trabalha com teatro, também, né, porque hoje o teatro ele é muito importante, que é questão que vai dar
formação na vida. Tudo isso, a flauta, a dança, o teatro tudo isso, são meios que é pra gente chegar... Isso é um
125
atrativo pra gente trabalhar eles como sujeitos, pra gente trabalhar a formação deles. Porque o Projeto
(Esperança/COOESPERANÇA) também, né, quer incentivar neles o cooperativismo mirim, neles. Então isso
que é o nosso “gancho” dentro do projeto. Eu acho que a gente tem que trabalhar a base. O Projeto se preocupa
também com as nossas crianças. Se preocupa com a base, para elas não estarem sofrendo o que a gente sofre
hoje... Porque nós adultos a gente tem... a gente é muito resistente pra trabalhar em grupo. A gente tem... A
gente às vezes tem que... mas não é fácil ceder. A gente tem que fazer uma avaliação, nós enquanto pessoas,
porque é muitas idéias, a gente pensa diferente e a gente tem que respeitar isso, né. Cada um tem um
pensamento... então a gente tem que criar estratégias pra gente viver melhor. E um dos objetivos da COOPSOL
é isso. É a questão do relacionamento e a questão deles viverem em grupo. E deles já começarem ser pessoas aí
para desafios. A COOPSOL, vem com esse propósito também, pra começar incentivar a criança no desafio, que
hoje eles não recebem nada pronto, que eles tem que correr atrás, eles tem que buscar... Ela tem oficinas de
flauta, oficinas de tudo. Oficinas de Origami, que é uma técnica de relaxamento, que elas podem estar fazendo
com papel, questão da reciclagem, melhor qualidade de vida.
DOM JOSÉ IVO LORSCHEITER
- Bispo da Diocese de Santa Maria
Talvez... eu poderia ou deveria iniciar com aquilo que eu considero o impulso inicial de todo esse movimento foi
um livro escrito por um sociólogo africano Albert voédjrè. Que está trabalhando agora muitos anos em
Genebra na Europa. Está nas Organizações Mundiais dos trabalhos. Então, ele como um grande cientista, como
sociólogo transcreveu esse livro ao qual deu esse título provocador. O título é assim – “A pobreza, riqueza dos
povos”. Essa verdadeira pobreza, bem entendida, deve e pode se converter em verdadeira riqueza dos povos.
Então ele ali analisa do ponto de vista de um africano, ele pensa também muito no Brasil, no caso, ele então
analisa como essas coisas devem agora se compaginar. Então nós aqui em Santa Maria, estudamos esse livro
com o pessoal da Universidade Federal de Santa Maria, professor José Fernandes que continua até hoje como
grande professor, aqui. E ele continua também nos assessorando. Então nós olhamos como é que deve então, se
entender a verdadeira pobreza, que não é miséria, mas é realmente um motivo de a gente a partir da riqueza
construir novos horizontes. Então, esse livro, é pena que já se esgotou. Nós já fizemos uma Segunda edição, pela
Editora Vozes de Petrópolis, onde então nós colocamos uma nova edição, e tudo isso, e espero que assim se
divulgue essas idéias. É claro que não é assim um livro, assim pequeno, mas esse Tévoédjrè ele nos coloca
diante de vários desafios. Por exemplo. Ele nos diz como ele quer pensar, que quer reinventar, por exemplo, a
economia. Reinventar a organização econômica. Ele quer portanto, nos levar por exemplo ao Sindicalismo
verdadeiro, ao Cooperativismo sadio, ao espírito assim, que venha da solidariedade. Então, aí surge, todas essas
grandes questões. E aqui em Santa Maria nós estamos em uma região que é relativamente pobre em recursos.
Aqui é uma região que não é rica. O Rio Grande do Sul é o que é, mas essa região aqui é realmente uma região
de muitas carências. Então, nós estamos aí, dando um sentido de força a essas idéias. Nós queremos, por
exemplo, aí construir um trabalho de solidariedade. Solidariedade que vamos olhar a parte assim muito concreta
do associativismo, cooperativismo. Depois nós fizemos aqui, anualmente no mês de julho, um grande evento,
onde reunimos grupos de todas as cidades de todas as cidades do Rio Grande do Sul, também países vizinhos aí,
nossos, que dão um grande movimento aqui na cidade, onde eles trocam idéias sobre esta solidariedade. E nós
126
também, estamos conseguindo avançar, então cada ano nós estamos fazendo esse grande trabalho. Então nós
queríamos com o tempo chegar a esta idéia. Santa Maria, essa nossa região em si, bastante carente, ela deve ser
um centro de construção da solidariedade, pelo associativismo e pelo cooperativismo. Isso não é coisa simples.
Mas nós estamos anualmente fazendo esse trabalho. Então, isso, fazemos sempre, no mês de julho. Esses
tempos, ainda, estive em Porto Alegre, convidado pelo nosso grupo de Cooperativismo no Rio Grande do Sul,
onde então, os líderes desse movimento, havia professores da UNIJUÍ. Eles então, querem que a gente indique
experiências. Eles anotaram e eles pediram até para que esse ano de 2005 a reunião do mês de julho, que eles
possam se fazer presentes. E que também, nós demos ocasião para eles para expor aí alguma doutrina, alguma
teoria... Também, para as universidades de Porto Alegre, e as experiências de Ijuí, etc... Então nós já avisamos,
sim, vocês vão marcar presença. E, nós vamos construindo esse... Eu fiz um livro agora. Como eu deixei os
grandes trabalhos na CNBB, então eu fiz um livro, onde eu procurei interpretar assim as experiências do nosso
trabalho, aí dou uma dimensão nacional, através desse trabalho de construção de solidariedade. Nesse livro há
uma explanação, uma reflexão sobre o que ali se quis construir pelo Brasil. Aliás é bom saber, que é interessante
saber que o nome por exemplo, Cooperativismo, esse é um conceito que teve início aqui no Rio Grande do Sul.
Foi um padre Jesuíta, suíço, da Europa, que veio para cá, missionário, aí pelos nossos interiores. Ele fez uma
proposta ao nosso pessoal simples. Vocês, se concordam comigo, eu quero propor a vocês de irmos construindo
uma nova forma. Eu queria propor assim, um tipo associativismo. Para vocês não ficarem isolados. Ninguém
pode viver isoladamente. Então vocês são usar isso. Essa parte na Europa já aparecia. Então ele fundou a
primeira Cooperativa de Crédito Rural no Rio Grande do Sul e no Brasil foi a primeira e na América Latina.
Então ele, assim, para nós é uma figura emblemática. Então nós queremos sempre mais jogar a visão dele, um
homem profético. Ele trabalhou nesses interiores, onde eu me criei também. Em São José do Hortêncio. E lá ele
fez reuniões, expôs as suas idéias. E ele teve aí um grande êxito. Ele fundou, aliás um revista que ainda continua
hoje. Onde ele expõe, realmente, assim as idéias. Então sobre tudo isso nós fomos construindo essas idéias.
Então nós hoje, então aqui, ela aqui custou e ela então organizou esse projeto concreto. A Esperança. Assim a
idéia é a solidariedade, o associativismo. E que isso, então claro, exige um grande trabalho dela. Mas aos poucos
nós vamos chegando lá.
IRMÃ LOURDES DILL
– Coordenadora do Projeto Esperança/COOESPERANÇA de Santa Maria.
Uma saudação muito especial a professora Célia uma alegria tê-la em nosso meio. E, nela eu quero estender
também, ao nosso grande amigo, professor Walter Frantz. Ele é um amigo que sabe de nossa história, da nossa
luta. É alguém, junto com os professores da UNIJUÌ, que acreditam no processo da economia popular solidária.
Para nós é muito importante nós termos forças vivas de tamanha envergadura, sabedoria e também construção
como são essas pessoas, além de outras que a gente conhece na UNIJUÍ. Aliás, falar da UNIJUÍ é uma
Universidade que historicamente trabalhou muito a história do cooperativismo, economia solidária e, também,
agora a agricultura familiar... esses eixos todos. Então para nós é importante a gente contribuir na formação,
também, nas monografias e nesses trabalhos que pessoas compõem a UNIJUÍ, vem construindo historicamente.
É um momento bem importante. O professor Walter, mesmo, ele veio em muitos momentos nas feiras, aqui nos
encontros, já deu assessoria em cursos para nós e seguidamente ele se motiva e traz um grupo de alunos aqui
127
para conhecer a feira, os feirões, esse trabalho todo do projeto Esperança/Cooesperança. Eu queria assim, um
pouco, iniciar por Santa Maria, que de fato chama atenção que Santa Maria é uma cidade que fica na região
centro do Rio Grande do Sul. Uma cidade que tem como força norteadora a educação, a questão do exército, tem
a questão da base aérea e tem muito fortemente a tradição da história que são os ferroviários. E aí que eu quero
me reportar um pouco falando no cooperativismo. Aqui, Santa Maria sediou por muitos anos a maior
cooperativa da América Latina. De um tamanho muito grande onde praticamente Santa Maria respirava todo
esse trabalho dos ferroviários que foi um grande projeto e também toda essa questão do cooperativismo, que fez
história no Rio Grande do Sul, no Brasil e em toda a América Latina. E, nesse sentido Santa Maria é um terreno
muito fértil, que sempre construiu nessa perspectiva. E. até porque nós tivemos, também, outras cooperativas
importantes no cenário brasileiro, que foram construindo essa perspectiva de fazer com que o povo de Santa
Maria sempre foi muito sensível a essas iniciativas de cooperação e de solidariedade. Isso, então nos reporta para
uma história muito recente, embora hoje toda essa questão dos ferroviários, essa cooperativa praticamente
fechou e mesmo, todos esses projetos dos ferroviários, eles acabaram diria assim, num estado de falência. Toda a
conjuntura mundial, a globalização, o neoliberalismo, todas essas coisas, que na história foram também somando
e foram economicamente se destruindo, diria assim. E, o que eu quero frisar Santa Maria é então, para nós o
coração do Rrio Grande do Sul, e é também o coração do cooperativismo. Para nós é importante reafirmar isso.
Depois, então vindo para de fato, o cerne desta entrevista que é um pouco a nossa experiência, enquanto Projeto
Esperança/COOESPERANÇA. O fato, são 20 anos de história, e nós aqui em Santa Maria, nós iniciamos um
trabalho muito promissor à partir da motivação também, do nosso Bispo Dom Ivo Lorscheiter, eu foi um dos
grandes precursores, do cooperativismo, do projeto popular solidário e muito especialmente do projeto
Esperança/Cooesperança. Ele foi um dos grandes incentivadores da iniciativa desta idéia, cuja motivação se
pautou em cima do livro “A pobreza, riqueza os povos”. Este livro, ele fundamenta o início de nossa
experiência, e ele coloca toda essa perspectiva da construção da cultura da solidariedade. Ele propõe um
caminho alternativo e propõe também, nesse contexto todo, a reinvenção da economia. Na década de 70 se
falava pouco nesses termos, que hoje nós chamamos de economia popular solidária. E, foi então, o nosso Bispo
Dom Ivo, e uma equipe também muito grande da Universidade Federal de Santa Maria, das pastorais sociais, dos
movimentos, da Emater e nós aqui, então, da Equipe da Diocese, nós estudamos então, esse livro. E, esse livro,
então ele foi, e fez parte desse grande cenário da onde de fato, depois se pautou a construção de um projeto,
chamado então o Projeto Esperança e posteriormente a criação da Cooesperança. Dizer assim, que esse projeto
hoje, ele é referência na região, ele é referência no estado, no Brasil, e de certa forma também, a nível de
Mercosul. Nossa experiência, hoje ela está bem espalhada no sentido assim, de que é uma experiência que
chama atenção, que deu certo, que fortalece toda a vida e organização dos trabalhadores, tanto a nível urbano
como rural. Nós temos em nossa missão, desse trabalho como um todo, essa importância de promover,
incentivar, desencadear e construir toda essa questão de desenvolvimento urbano e rural, através dessas
experiências organizadas em associações, cooperativas em empreendimentos solidários, que compõe hoje, essa
grande força da organização dos trabalhadores, especialmente no mundo globalizado e no mundo, onde as
pessoas hoje vivem quase que no desespero de ter trabalho para a sua sobrevivência. Então hoje, o projeto
Esperança/Cooesperança é um caminho que ele mostra as possibilidades e a certeza das alternativas. E nós, na
realidade com esse trabalho todo, nós estamos construindo um novo processo e diria um novo marco histórico
que mostra que é possível encontrar um outro caminho, que não seja necessariamente o caminho do emprego, da
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dependência de um patrão e da dependência de um salário tradicional. Ele propõe exatamente a possibilidade de
um trabalho alternativo. E é nesse sentido, então que nós fortalecemos esse trabalho, através da força da
organização, junto com a mística da Igreja, com também, a questão da tecnologia das universidades, com a
participação popular e com as políticas públicas. Esses são os eixos que se trabalham, no sentido, que não é o
trabalho só da Igreja, é um trabalho, onde se fortalecem as diferentes formas de articulações. E, é por isso, então,
que nós trabalhamos muito as questões dos processos educativos e participativos. E, por aí, então acho
importante o teu trabalho, aí, Célia que se constrói um novo viés do conhecimento. Porque o conhecimento ele
não se dá, e não se constrói apenas numa sala de aula, numa faculdade, numa universidade, também é
importante, é fundamental, agora, todo esse processo do conhecimento, ele se constrói no dia-a-dia, na prática,
na vida das pessoas. E, daí, acho que tem uma coisa assim, muito nova, e muito promissora que se dá, a cada dia
a cada momento, no processo desse trabalho com o grupo. E é um trabalho assim, muito aberto, muito
promissor, muito inovador, onde cada dia nós temos coisas novas. Isso, nós entendemos que é o processo da
construção do conhecimento. Que de fato, as pessoas se descobrem nos outros, que tem grandes possibilidades.
Isso se dá, então por esses processos educativos, participativos e transformadores, numa perspectiva de ser de
fato um trabalho inovador. Nós, então, apostamos também, que esse projeto Esperança/Cooesperança, ele está
no cenário, de uma proposta, que propõe sim, uma nova sociedade. Uma sociedade, socialmente justa,
economicamente viável, ambientalmente sadia, organizadamente cooperativa e politicamente democrática. Nós
não abrimos mão que esses eixos, eles são parte dessa história. E esses eixos se fortalecem exatamente na cultura
da solidariedade onde se quer uma sociedade que seja igual para todos, homens, mulheres, jovens, crianças,
raças, cores, religiões... não interessa... Que nós enquanto seres humanos tenhamos oportunidades iguais.
Também, na questão econômica, na questão ambiental, na questão social, na questão política, na questão da
liberdade, também de ação... Então, nós entendemos, que esse é todo um processo que vem se construindo,
através da formação das pessoas como sujeitos, do pleno exercício da cidadania. E nesse sentido então, nós
acreditamos e acho que nós que vivemos esse momento histórico, e temos a grande oportunidade de vivenciar
momentos como é quinta edição do Fórum Social Mundial, onde nós apostamos que um outro mundo é possível,
uma outra economia é possível, uma outra sociedade é possível, e porque não dizer um outro cooperativismo é
possível. Acho que tanto a UNIJUÍ, a cidade de Ijuí, como Santa Maria, nós vivemos o cenário o
cooperativismo, mas no macro cooperativismo, e que muitas vezes esse macro cooperativismo, não foram as
experiências, que deram tão certo, porque exatamente, pela amplitude, que muitas vezes se trabalhava na
cooperativa de grandes cooperativas. E elas muitas vezes acabavam centrando força no capital, e não centravam
força na questão da pessoa, enquanto sujeito. E... poderia dizer, assim que talvez essa cooperativa ferroviária, ela
num momento histórico, também teve que trabalhar o macro cooperativismo. O que nem sempre fez com que ela
pudesse dar uma atenção muito especial ao associado. E a mesma aconteceu aqui em Santa Maria com a
COOPERLAR, que foi uma cooperativa, que tinha mais de 30.000 sócios, e trabalhou a questão do consumo,
consumo, né enquanto consumo, mas ela não deu atenção para o associado e quando estava na mira da falência
ela lembrou de convocar os associados, daí os associados não apareceram mais. Daí ela de fato faliu. O que diria
numa experiência como a do Projeto Esperança/Cooesperança, qual a diferença. Exatamente que o cerne dessa
experiência é a pessoa humana. É o ser humano e é o associado, enquanto sujeito. Nós não colocamos
centralidade no capital. Capital é um meio, dinheiro é um meio, e os bens terrenos são meios. Agora quem
constrói todo esse processo é o ser. A pessoa enquanto ser, enquanto sujeito. E é isso que com certeza chama
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atenção pra muitos lugares do mundo hoje, que uma experiência como essa. Ela trabalha diversas dimensões,
dentro desse contexto já um pouco à partir do livro. Nós trabalhamos exatamente essas dimensões, o eixo, como
se quiser chamar, que é essa dimensão política, a dimensão econômica, a dimensão ecológica e ambiental, a
dimensão política, a dimensão democrática, participativa e autogestionária, depois toda a questão da
eclesialidade, da mística, e do ecumenismo, a questão cultural e a questão também, de gênero, homens,
mulheres, jovens, crianças, idosos. Qualquer iniciativa, elas são consideradas todas como sujeito. E, também,
toda essa dimensão transformadora, que propõe um caminho que se constrói na transformação pela
solidariedade. Então, nós usamos muito a palavra solidariedade e a cultura da solidariedade. E nós como Igreja,
nós viemos de uma instância, onde em décadas atrás se falava muito sobre a palavra caridade. Nós dentro do
Projeto Esperança/Cooesperança não usamos praticamente a palavra caridade, porque hoje ela é uma palavra
desgastada. Não talvez pelo ser humano, mas pelo contexto maior como todo. Dentro da própria Igreja, dentro
da própria questão política, porque essa palavra ela foi se desgastando um pouco pela vida que as pessoas
levavam numa dimensão paternalista. E acho, tanto a Igreja, como a dimensão política a sociedade pecou nisso,
porque exatamente a palavra caridade é uma virtude teologal e ela foi perdendo um pouco o seu sentido. E nós
hoje, trabalhamos muito mais a questão da palavra da solidariedade e cultura da solidariedade, onde de fato as
pessoas, elas assumem uma postura de serem sujeitos. E nem sempre na palavra caridade isso era tão expressivo
pelo esvaziamento dessa palavra. Nesse sentido, então, dizer que junto com essas dimensões todas nós temos a
grande ousadia de construir um projeto de desenvolvimento sustentável. Se quer exatamente com a economia
popular solidária uma política pública de sustentabilidade. Nós não queremos uma economia solidária de
esmola. E nós temos dito também por aí, que a economia popular solidária, ela não disputa as grandes fortunas,
mas ela também, não se contenta com migalhas. E é por isso, então, que nós agora, estamos num cenário muito
bonito, mesmo a nível federal, onde o próprio governo Lula, ela soube valorizar uma iniciativa do povo e foi
criado dentro do Ministério do trabalho a Secretaria Nacional de Economia Solidária, onde nosso grande amigo
professor Paul Singer é o secretário nacional. E, ele tem dado junto com a sua equipe imensas respostas. E uma
primeira resposta é tentar e está em fase de construção uma política pública nacional. E, nós como projeto
Esperança/Cooesperança, e também a própria UNIJUÍ é também, participativa de um grande grupo de entidades
no Rio Grande do Sul e no Brasil que estamos participando também, do mapeamento da economia popular
solidária. Nós vamos saber ao menos até o fim de 2005, quantos empreendimentos de economia popular
solidária o Brasil hoje congrega e tem. De diferentes iniciativas, do campo, da cidade, das organizações. Então é
importante isso, porque nós de fato estamos desenhando essa grande possibilidade de no Brasil de ter uma
política pública para a economia popular solidária. Porque nós temos um acúmulo assim, enorme hoje no Rio
Grande do Sul, que foi aliás o estado pioneiro do Brasil, que começou desenhar um pouco essa proposta. E, nós
podemos dizer assim, que essa proposta ela começou muito à partir da Igreja. E à partir da Cáritas aqui do Rio
Grande do Sul. Pautada nessa idéia, nesse livro. E essa iniciativa, enquanto governo, enquanto sensível também
a essa proposta, ele soube valorizar essa construção que já tem no Rio Grande do Sul e o Brasil hoje, nessas
experiências feitas. Por isso então, a proposição desse mapeamento da economia solidária. E, com certeza, nós
vamos ter resultados muito positivos, porque assim, as pessoas hoje estão sensíveis a todo mundo querer
participar desse cadastramento, desse mapeamento. Isso nos dá a possibilidade de nós termos no Brasil, um
banco de dados, onde a gente pode dizer, olha, o Brasil hoje, trabalha nesse viés, com tantos empreendimentos
de economia popular solidária. Tanto assim, que em agosto nós tivemos em Brasília reunidos com 1.830
130
empreendimentos solidários do Brasil, dos 27 estados e reunindo mais ou menos 2.300 pessoas dos
empreendimentos. E, foi um grande encontro. Só nós aqui de Santa Maria, nós fomos com 45 pessoas. Pessoas
dos empreendimentos, que talvez nunca sonharam de ter a oportunidade de conhecer Brasília, e tiveram essa
oportunidade de conhecer Brasília, e tiveram essa oportunidade. Então, nós fomos do Rio Grande do Sul, com
três ônibus. Santa Maria – um ônibus e, nós encontramos assim, as mais diferentes experiências do Brasil. Foi
um grande encontro e foi exatamente parte desse processo da construção da política pública na economia
solidária para o Brasil. E nesse cenário então dizer que a nossa experiência de fato ela tem algumas
características diferentes um pouco diferente de outras Dioceses, de outras regiões, porque nós tentamos
construir essas experiências dentro de um processo. Nós começamos como a Cáritas também iniciou com a
perspectiva dos projetos alternativos comunitários (PACs), que depois, em nossa Diocese se transformou no
Projeto Esperança, que é um programa que na Diocese de Santa Maria trabalha com a economia popular
solidária no campo e na cidade. Que foi um pouco pautada nesse livro “Pobreza, riqueza dos povos” e, partir
desse programa se criou, que na realidade ela começou esse projeto assim, mais na oficialidade, em 1987. E,
1989, foi criada então, a Cooesperança, que é a cooperativa mista dos pequenos produtores rurais e urbanos,
vinculados ao Projeto Esperança. Como é que se dá então, essa forma de organização se tem um programa. A
diocese dialoga, discute com as diversas organizações, depois então a Cooesperança, que é uma central... cada
um dos grupos tanto a nível urbano, quanto rural, que se organiza, são pequenos grupos de cinco, a dez, quinze,
vinte famílias forma uma associação. Cria seu estatuto, cria seu nome, cria sua organização, sua coordenação, e
também suas atividades. Quem escolhe são os grupos. Depois, por sua vez cada uma dessas associações, se
associa, no caso, ao Projeto Esperança/Cooesperança; o trabalho é de forma integrada. Então, a Cooesperança é
uma central, que junto ao Projeto Esperança, se articula esse trabalho como um todo. Depois, então, é dentro
dessa dimensão, que hoje abrange 30 municípios e beneficia diretamente mais de 3.700 famílias. E,
indiretamente mais de 16.000 pessoas. Então é uma amplitude muito grande de espaço que se construiu, e que se
fortalece. E o que eu queria dizer assim, a importância que hoje os trabalhos diferentes eixos, os setores, nós
podemos chamar assim, que o Projeto Esperança é um projeto como um todo, a Cooesperança é uma cooperativa
e dentro dela, então existe, a chamada Teia Esperança. A Teia Esperança foi criada em janeiro de 2003. Ano
retrasado, foi criada a teia Esperança. Qual é o papel da Teia Esperança? É uma rede que a nível de região se
articula na parte da comercialização direta. Os pontos fixos de comercialização direta. Nós temos hoje, mais de
40 pontos, entre feiras, entre pontos fixos, tipo assim, o armazém da colônia, o centro de economia popular
solidária, o terminal de comercialização direta, a Produção e Arte Esperança e assim todos os outros pontos onde
os grupos viabilizam a comercialização direta de seus produtos. E esses pontos eles são puxados e coordenados,
não apenas por um grupo. Só para ter uma idéia, no armazém da colônia, hoje, são 36 grupos que participam,
expondo e comercializando seu produto. No feirão colonial, no terminal de comercialização, são mais de 80
grupos que a cada sábado se reúnem, debatem, tem as reuniões, tem toda a discussão e que comercializam os
seus produtos. E, assim, nos outros pontos também. Então, eles não são pontos isolados, eles são pontos que
congregam e que fortalecem essa articulação, como um todo. E, porque Teia Esperança? Porque nós entendemos
que a teia é exatamente uma coisa muito promissora e que fortalece por um lado a articulação e por outro lado
ela faz uma espécie de teia, onde toda a região ela respira uma rede de cooperação. E é uma idéia, assim, que
chamou muita atenção, tanto assim, que nós estamos preparando um material assim, expressivo pra o Fórum
Social mundial, aonde a gente possa de fato partilhar essa experiência com muitos outros países que também
131
tem redes, tem formas de organização. Então esse é um dos eixos importantíssimos que se trabalha hoje, que é a
comercialização direta. Os outros setores que compõe esse trabalho do Projeto Esperança/Cooesperança, da Teia
Esperança são as diferentes áreas por exemplo de produção. A produção a nível de agricultura familiar
ecológica, a questão da agroindústria familiar, a questão do artesanato, nós temos muita gente que trabalha com
artesanato e quem é artesão, e artesã, não quer fazer outra atividade, sente uma paixão para isso. Depois temos
grupos que trabalham com panificação, outros que trabalham com a questão também, da agricultura ecológica,
como falei, como alternativa da cultura do fumo e aí eu poderia fazer um capítulo muito especial também, dizer
que o fumo hoje para nós é uma cultura de morte e o estado do Rio Grande do Sul, é um dos estados que mais
produz fumo no Brasil e alguns lugares se orgulham em ter 80%, 90%, de sua produção exportada para outros
países, se sempre digo, que nós exportamos uma cultura de morte, apenas isso, né. Então, hoje, todo o debate no
cenário sobre a questão da convenção Quadro. Recentemente nós participamos de uma audiência pública em
Brasília e outra aqui em Santa Cruz do Sul que debateu exatamente a possibilidade das alternativas sobre a
cultura do fumo. E, nós que somos parte desse cenário, até tivemos essa premiação em Brasília no dia 31 de
maio de 2004, no sentido de nós termos uma experiência desenhada que propõe alternativas a cultura do fumo.
E, hoje falar num Brasil que discute a segurança alimentar, nutricional sustentável, e um governo que propõe o
programa Fome Zero, nós temos que debater, sim, alternativas a cultura do fumo. O fumo ele dá lucros para
alguns, que são as fumageiras e o pequeno produtor ele está muito desamparado ele e na realidade não é o que
acumula os lucros do fumo. Quem acumula os lucros do fumo são as grandes fumageiras. E por isso então, que
nós queremos propor e motivar cada vez mais o produtor a trabalhar cada vez mais, as alternativas da cultura do
fumo. O outro setor que se trabalha o setor da confecção, a questão da serigrafia, o trabalho assim, muito bonito,
também trabalhado pelos trabalhadores urbanos. Outro eixo eu faz parte da questão ambiental, que são os
catadores. A gente tem um carinho como os demais projetos, muito especial, porque é uma classe assim, bastante
sofrida e uma classe bastante desamparada pela sociedade. O catador para nós é um profeta da ecologia. Ele é
alguém que cuida do meio ambiente, cuida da vida, e ele cuida dessa grande preciosidade, que é preservar de
fato, o meio ambiente. Nós temos uma frase que a gente usa bastante com os catadores que a gente diz assim: -
aquilo que foi destruído o foi para sempre. Mas, o que está em perigo ainda pode ser salvo. O catador é aquele
que dia e noite zela pelo meio ambiente. Ele cuida das valetas, ele cuida das ruas, ele cuida do ambiente para não
jogar lixo em qualquer lugar. E ele transforma o lixo em material nobre de sobrevivência. Nós temos em Santa
Maria, hoje, muito mais de 1000 catadores. E desses mil catadores nós temos organizados 13 associações. E
dessas treze associações, então está agora, num grande estudo junto da Prefeitura Municipal de Santa Maria a
criação de uma central de catadores, onde de fato a proposta é de que esses catadores se unam mais e que criem
a possibilidade deles, além de separar o material, coletar e fazer a prensagem, vender, eles podem começar a
fábricar, vender direto e poder tirar uma renda maior para suas famílias. Então, está muito bonito a motivação.
Em 2005 vai ser o ano do grande avanço dessa iniciativa. Em Santa Maria tem um cenário importante da vida
dos catadores, porque o Antonio Gringo que é um grande artista de nossa caminhada ele fez um CD só com
músicas de catadores. Muito bonito. Nós tivemos em 2004 a primeira vez na história eu um grupo, um bloco de
catadores se apresentou no carnaval. Tirou o 2º lugar. Foi uma experiência muito importante, no carnaval da
cidadania da cidade. E um outro aspecto também, que diria que é importante, na vida desses catadores é que eles
criaram também, o coral dos catadores. Um coral com mais ou menos 30 cantores e cantoras e eles agora, então,
no 5º Fórum Social Mundial, eles vão se apresentar na agenda do 5º Fórum Social Mundial. Isso para eles é
132
muito importante. Nós estamos apoiando e a prefeitura também está apoiando o ônibus, a ida deles, e com
certeza, isto transpõe os catadores numa etapa assim, posterior muito importante. Então, assim para entender,
como são diversos os eixos e diversas as iniciativas. Certamente quando Dom Ivo, que foi um dos maiores
motivadores, que a gente reconhece, todo o trabalho que ele fez na nossa Diocese e continua fazendo, foi um dos
grandes motivadores. Talvez, quando se iniciou esse projeto, ninguém tinha idéia da dimensão que ele tomaria.
Porque exatamente quando se lê um processo ele evolui de forma espontânea. Quando se fala na construção do
conhecimento, eu diria assim, o Projeto Esperança/Cooesperança é uma coisa que vem construindo
conhecimento e a gente não tem idéia como será daqui a vinte anos. Se então poucos anos avançou de forma tão
significativa e agora com políticas públicas, que nós já estamos acessando, também recursos públicos, com
certeza nós daqui a vinte anos nós vamos estar talvez num avanço que a gente não tem idéia ainda. Trabalhamos
muito também, toda essa perspectiva do planejamento estratégico, assim, das metas, a ousadia, sempre digo,
assim, quem não tem ousadia não serve para ficar num trabalho desses. Então, nós temos que ousar. E essa
ousadia com certeza faz com que mais gente se una nesse processo. Outra coisa que é muito importante num
trabalho todo, nós temos muito apoio da imprensa, das entidades, de todo mundo, mas nunca nós vamos na
imprensa dizer olha se um projeto se organiza, se organiza porque não sei o quê... A gente jamais fez isso e
nunca vai fazer. As pessoas que vem procurar o Projeto Esperança/Cooesperança vêm procurar pelo testemunho,
pela experiência que conheceram. Ou em feiras, ou encontros, em assembléias, ou da própria imprensa que
divulga bem os nossos trabalhos, tanto a televisão, o jornal e rádios. Esse é um espaço muito grande que nós
temos. Então as pessoas vêm procurar essas experiências pela divulgação, que o próprio testemunho faz, através
dessa imprensa. Essa é uma coisa muito interessante. E nesse sentido não há possibilidade de atender
diariamente pessoas que vem nos procurar informações. Nós temos uma vez por mês uma chamada de grupos
novos. Onde se pára uma tarde as atividades e um grupo aqui da coordenação geral dos projetos e também dos
grupos dos empreendimentos, a gente tira uma tarde e explica nossa experiência para quem quer ouvir. Nós
temos reunidos 100 pessoas ou até 120, ou até mais. E, pessoas da sociedade que querem conhecer a
experiência. E, normalmente dessas reuniões que tem saído grupos novos. Por iniciativa deles, não nossa.
Porque assim a organização do grupo não á papel nosso, é papel de quem quer se organizar. De forma
espontânea. Nós proporcionamos o Kit de material, pastinhas com folhetos, com todo material e um pouco da
história. E à partir dessa reunião de grupos novos então as pessoas que querem se associar, querem se entrosar
eles começam a se organizar. Daí assim, à partir dessa primeira reunião, eles escolhem suas lideranças e
começam a fazer o processo organizativo. É uma etapa muito bonita. Porque eles se reúnem para estudar, pra
aprofundar os temas e pra tomar conhecimento de fato deste trabalho. Depois, nós temos também, cursos, temos
reuniões, assembléias, cada ano nós temos uma grande assembléia, quero te convidar Célia, para nossa
assembléia anual, no dia 02 de março, nossa 21ª assembléia anual pra conhecer um pouco a caminhada que é
todo um processo. É muito bonito, um trabalho que... e é uma assembléia aberta. Que também, todo mundo já
está se organizando. Preparando essa assembléia, como uma coisa inovadora, importante. Está se fazendo uma
mini-assembléia com cada setor. E cada setor vai preparar um assunto mais enxuto para levar na grande
assembléia. Porque daí não se perde na assembléia tempo pra se debater coisas miúdas. Não que não sejam
importantes, mas daí leva para a assembléia as coisas mais importantes. E as coisas básicas de cada grupo, então
o pessoal discute na base. Que é mais importante. Porque daí até tem mais acesso e mais participação. E assim,
antes da assembléia também, no final de cada ano, cada grupo faz uma assembléia onde se avalia o todo. E dessa
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ficha de avaliação, então, depois é construído um documento que cada grupo depois tem acesso e na assembléia
é estudado isso. É um momento muito importante, onde de fato cada pessoa que faz parte de um grupo ela
ajudou a construir essa assembléia. Isso é a produção do conhecimento. Também, à partir um pouco da avaliação
do processo avaliativo. E aí, então se transpõe um pouco toda a caminhada para outra etapa. Então diria assim,
que hoje estamos contribuindo significativamente nas políticas públicas que hoje nós queremos não só a nível de
Brasil, mas a nível de mundo para a economia popular solidária. E nós entendemos que no próximo milênio a
economia popular solidária vai ser o grande eixo da mudança econômica do mundo. E nós hoje, pela constatação
que nós temos desse mundo globalizado, de toda essa crise econômica que no mundo inteiro hoje está presente e
por isso, então proposição do Fórum Social Mundial já na 5 edição é pra pensar num outro mundo possível. Se
um grupo se reúne em Davos, lá na Suíça pra pensar os grandes projetos econômicos do mundo para a minoria,
nós no Fórum Social Mundial queremos debater um outro mundo possível para toda a humanidade. Então isso é
muito importante, e nesse cenário faz parte também todas as formas... Experiências diferenciadas de organização
popular. E o projeto Esperança é uma delas. Um pouco aprofundando essa questão do ser sujeito enquanto ser
humano, enquanto, também, participante desse processo dessa, diria assim, dessa educação participativa, eu
quero me reportar assim, que no nosso trabalho assim no projeto Esperança/Cooesperança, Cáritas, mesmo
enquanto Igreja, talvez não a Igreja, que é uma Igreja mais progressista, nós entendemos que a importância de
formar sujeitos. Quando falamos em sujeitos nós não falamos no cerne do domínio do poder, nós falamos nas
bordas, falamos exatamente na questão da inclusão, da grande periferia, que hoje é a maioria. Então falar num
Fórum Social Mundial, falar num fórum em Davos, lá na Suíça é exatamente, sentir esse contraponto, que nós
também procuramos fazer, de fazer com quem hoje está nas bordas, está na periferia, tá na exclusão, que ele
possa tomar o se espaço que é um direito da humanidade de ter acesso aos bens matérias, aos bens da natureza,
frutos da natureza e ter dignidade com qualidade e quantidade de vida. Então, quando nós falamos em sujeito
nós entendemos isso, e construímos também esse processo. Onde a pessoa ela é o ser participante, não recebe as
coisas prontas, mas ele é processo, não interessa qual é a situação histórica que ele está, enquanto ser também,
na eclesialidade. Então, qualquer raça, cor ou religião ou mesmo política, hoje cada pessoa tem a sua opção. A
sua opção também, na forma de vida que ela quer levar, em diferentes dimensões é um direito da pessoa
escolher. Essa liberdade Deus colocou em nós a grande virtude da liberdade. Escolha e opção. E nós que
administramos isso, enquanto seres humanos. E nós temos esse grande papel então, de podermos construir
também, nesse processo educativo de formar sujeitos e de pessoas que possam ser incluídas. E ninguém inclui
ninguém, já o Paulo Freire dizia isso, cada um é parte desse processo que se ajuda a incluir. E cada um então
constrói a sua participação na medida que acredita que é possível ser incluído.
Exatamente, esse aspecto da colegialidade, importando frisar isso, que nós vivemos no mundo do poder, a
disputa pelo poder, na política, mesmo na Igreja, nós não podemos negar isso. Na sociedade, nas empresas...
Então o nosso trabalho ele tem uma coisa muito diferenciada e que também faz parte da construção do
conhecimento é o poder partilhado, onde cada pessoa que faz parte de alguma experiência, algum grupo, mesmo
de alguma feira, ela partilha e faz parte desse cenário da partilha das decisões do poder. Nós temos uma
coordenação colegiada, que ela tem vários níveis e cada participante do Projeto Esperança/Cooesperança que é
parte de um grupo participa desse processo. Então, de fato é uma colegialidade que faz com que esse trabalho
avance. E cada um se sente parte, se sente sujeito pra ajudar de fato a incluir na centralidade desse trabalho. No
sentido assim, de construir a pertença é ser parte de uma proposta. Ser parte da construção de uma projeto que
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não está pronto, não está acabado e não tem um grupo que domina ele como no caso da empresa. Não. Para nós
o trabalho da colegialidade é muito importante, onde todas as pessoas tem a participação efetiva. Poder
exatamente partilhar e decidir onde cada pessoa, cada sujeito que faz parte dessa história partilha desse poder
construído. E a gente até, não é uma palavra que a gente não usa muito. A gente usa muito a palavra
colegialidade. Na coordenação, na articulação e na participação. Onde de fato cada pessoa é um elemento, uma
pessoa importante no todo, para construir o conhecimento. E essa co-responsabilidade é uma coisa muito bonita
que se constrói nessa perspectiva. E o que a gente percebe também, assim, muito especialmente, na feira, dos
consumidores essa adesão, que ele têm, essa iniciativa e essa fraternidade que eles ajudam a construir nesses
espaços. Na praça, por exemplo, nós temos muitas pessoas idosas que na semana da praça eles convivem ali com
os grupos. Convivem, se sentem parte, se sentem...né... Os próprios bem excluídos; tem uns quantos meninos
de rua que moram na praça, dizer assim, não tem praticamente de outro lugar para ficar, eles ficam na praça.
Eles ficam muito amigos dos grupos, vão lá pedir um pastel, vão pedir um cafezinho, vão pedir um chimarrão...
Quanto construção de seu conhecimento, num nível em que a pessoa está fica parada, vamos supor assim, nesse
sentido então, se motiva, as pessoas vamos supor assim, mesmo os catadores. Nós temos várias pessoas, no meio
dos catadores que são analfabetas ou semi-analfabetas. Então a motivação é que eles busquem a possibilidade,
por exemplo de fazer um EJA. Tem uns quantos já pediram pra formar turmas nas suas comunidades. Nós
estamos buscando junto aqui com as universidades e outros... Pra ver a possibilidade da gente conseguir formar
turmas do EJA, tanto primeiro grau quanto segundo. E, também, as outras pessoas, que por exemplo, que já tem
o primeiro grau completo, o segundo completo, a motivação para de fato, buscar outras perspectivas. Tem umas
quantas pessoas que estão cursando hoje, o curso superior. Tem outras pessoas que estão se preparando com o
cursinho, mas pensar assim na construção do conhecimento como um todo. Essa é uma meta que nós temos e a
gente também fazer parcerias com outras organizações que de repente podem formar cursos qualificar mais esse
lado que é uma deficiência que se tem hoje, nos cooperativos. Mas, de certa forma, assim dá para dizer que a
motivação para a qualificação ela é uma coisa permanente. Assim, um pouco dentro dos eixos que se falava
queria falar numa coisa assim que é importante, que nós que somos adultos e viemos de uma educação mais
tradicional, mas dominadora, podia dizer, assim né, no sentido assim, que hoje, todo esse trabalho do
cooperativismo, da economia solidária, da autogestão, também, de formar novos sujeitos para o exercício da
cidadania ele propõe um outro viés na parte da educação. Na parte da formação. Então nós estamos investindo e
está no processo de organização uma chamada COOPSOL, uma cooperativa das crianças. Nós temos já uma
grande grupo de crianças que estão motivadas, pra fazer de uma cooperativa que tem como finalidade
desencadear, todo o processo também, de formação do cooperativismo mirim, mas também de experiências,
tanto de artesanato como de oficinas, também, a parte de informática, onde a criança, especialmente, filhos e
filhas ligadas a questão dos grupos, possam ter suas oportunidades, que talvez em casa não teriam ou na escola
nem sempre tem a oportunidade de fazer um curso de informática, por exemplo. Então assim, a motivação está
muito grande, está em fase organizativa essa idéia e a proposta é que se construam núcleos nas diferentes regiões
da cidade. Tipo assim, na Nova Santa Marta nós temos reunião. O pessoal está bastante motivado. E vai ser feito
já inscrição, agora dos que querem de fato participar. Aí, então tem dois momentos, um momento de diálogo
com os pais e um outro momento, diretamente com as crianças. E você pode perceber na reunião de avaliação, lá
na Nova Santa Marta, também, de igual nível dos adultos, debateram a avaliação de 2004 e sonhando com 2005.
E um dos sonhos de 2005 é que lá se instale a perspectiva de um espaço para informática. Esse é o sonho das
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crianças de Nova Santa Marta. Em casa ninguém tem computador. E a curto prazo não terá. Isso é óbvio, né.
Pela situação financeira que as famílias se encontram. Então o sonho deles é ter grupo, ter sua oficina, ter sua
música, seus instrumentos e ter seus espaços. Isso é uma coisa que contagia bastante e, nós então, olhando o
futuro do cooperativismo, nós temos certeza que muitas pessoas que ao crescer... na juventude, na adolescência,
depois na vida adulta, vão ter uma cabeça diferenciada, né, caso de quem veio vindo de uma outra educação. E a
gente sente, hoje isso na criança, que ela participa efetivamente do trabalho dos grupos ele tem já uma cabeça
muito diferente. Então, isso é o registro que eu queria deixar. E a importância que ele tem. Uma outra questão
que eu queria colocar assim, a importância que hoje pra nós é essa chamada feira do cooperativismo. Agora em
2005, nós vamos ter a 12ª edição da feira estadual do cooperativismo. Vamos ter a 4ª edição da Feira Nacional
da Economia Popular Solidária. E vamos ter a 1ª Mostra Latinoamericana de Economia Popular Solidária com
os países do Mercosul. Um pouco contrapondo a perspectiva da ALCA, onde nós com vários países, que na
realidade, já vem já anos participando conosco, mas agora de forma mais organizada, mais reforçada, nós
queremos exatamente construir essa experiência a nível de MERCOSUL, onde as pessoas que são ligadas a
Economia Solidária, nesses países possam ajudar a construir uma experiência piloto pra trabalhar também, a
comercialização direta nestes países do MERCOSUL. Uma vez que 2005, no cenário brasileiro e mundial se
coloca todo esse debate, toda essa questão da ALCA. (Área do livre comércio das América). E, nesse sentido,
então dizer o quanto é importante, esse aspecto dessa feira. Ela é uma feira muito mais de idéias, construção de
novas articulações e também, claro, a comercialização de produtos da economia popular solidária. Nós na feira
de 2004, nós tivemos a presença de 112 municípios, 320 empreendimentos, 7 estados e 6 países que estiveram
presentes e mais de 36 mil pessoas passaram pela feira. No sentido assim, que viram a importância desse espaço.
E vieram pessoas de norte a sul do Brasil. Experiências importantes que vieram socializar e vieram participar
desse processo tão importante. Então a feira ela está tomando um cunho muito articulador a nível internacional,
no sentido assim, que um grande espaço onde se constroem idéias. Nossa meta pro futuro é nós termos em Santa
Maria a semana do cooperativismo, a semana da economia popular solidária, assim, como em outros momentos,
já fizemos o acampamento da economia popular solidária, no ano de 2000, né. E assim, tentar avançar nesse
espaço também educativo e processual pra fortalecer esse trabalho. E também, durante a feira acontece agora em
2005, dias 09 e 10 de julho. Vai acontecer a 5ª Mostra da Biodiversidade. Nós falar em biodiversidade e falar em
agroecologia naquilo que é possível fortalecer e salvar dentro da natureza. Nós sabemos que os venenos, os
agrotóxicos, os transgênicos são tudo questões polêmicas. Prá o grande domínio do capital isso são metas cada
vez mais atingidas. Agora quem trabalha a agricultura familiar e quem trabalha a área da ecologia aposta de fato
na agricultura familiar. E onde nós queremos fazer o verdadeiro resgate da semente e prá nós a semente é um
patrimônio da humanidade. E a semente, nós entendemos que o pequeno produtor, ele tem que produzir a
semente na sua propriedade. E produzir sementes que ele de fato possa depois multiplicar nas suas lavouras e
tentar não trabalhar com a transgenia, não trabalhar com veneno e não trabalhar com aquilo que de fato auto-
destrói a própria natureza. Então nós defendemos com força muito grande a questão da agroecologia. Onde de
fato o pessoal produza um alimento limpo, produz um alimento de qualidade para que o consumidor, também do
meio urbano possa ter saúde e o pequeno agricultor na sua propriedade, também possa ter saúde e qualidade de
vida.Então, são coisas assim, muito importantes que nós cultivamos, e que nós acreditamos que é possível. E por
isso então, todo esse desafio também, em ter uma política pública, pra a agricultura familiar, pra agroecologia,
pra todos esses eixos que se trabalha dentro da questão ambiental. Por isso, antes, quando eu falava do
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tabagismo, nós também, exatamente trabalhamos na contraposição, na contramão do tabagismo. Propondo
alternativas a cultura do fumo. E pra concluir, eu queria dizer assim, a importância desse momento também, em
que se constrói conhecimentos, né. Esse teu trabalho tão importante e a gente quer cada vez mais socializar, viu
Célia e toda equipe também, que faz parte do teu estudo, da tua preparação da tua tese, né, e dizer que nós que
acreditamos na economia solidária nós apostamos, de fato, num outro mundo possível. E percebemos que uma
outra economia acontece. E tem uma frase, um provérbio africano que diz assim, que pra nós tem sentido muito
especial, que “muita gente pequena em muitos lugares pequenos...” afirmar a importância que nesse processo
todo eles não são coisas grandes que acontecem mas são as coisas pequenas multiplicadas que fazem a
verdadeira transformação pela solidariedade. E nesse sentido concluir dizendo que esse provérbio africano que
diz assim: “muita gente pequena em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas mudarão a face da terra”.
Uma frase que ajuda muito, viu. Nós trabalhamos muita na feira em julho. E essa cartilha tu leva também. Uma
nova edição da cartilha da Cáritas, muito boa...
E falando um pouco do aspecto econômico que hoje a economia popular solidária, ela articula, a nível nacional,
a nível estadual e nós podíamos falar assim, a nível de Projeto Esperança, Cooesperança, Teia Esperança, com
certeza são números muito expressivos, hoje, que gira em torno desses grupos, na feira, tudo, né... E nós
poderíamos dizer assim, que hoje são aspectos e são números que começam incomodar e isso é muito
importante, pra nós, ao menos que começa a mexer na economia local, na regional, então, é uma coisa muito
importante, que hoje, esses empreendimentos eles não tem essas atividades como um bico, não eles têm essas
atividades como atividades principais na sua vida de trabalho. E hoje de fato, a economia popular solidária ela
gira recursos muito significativos, na sua organização, mas também, na sua produção e comercialização direta. E
que poderá girar mais daqui pra frente na medida em que de fato, a economia popular solidária, a agricultura
familiar vão se tornado políticas públicas viável para que o trabalhador, a trabalhadora do campo e da cidade,
possa ter de fato, ali, a sua atividade, o seu sustento principal. E por isso nós falamos muito e isso, constrói essa
certeza do desenvolvimento sustentável, onde de fato, nós queremos que na economia solidária, aconteça uma
outra economia. E uma outra economia nós afirmamos, no Fórum Social mundial, também, que ela é possível. A
partilha, a solidariedade, os bens da terra, e da natureza, na medida que eles são partilhados com todos os que
produzem essas riquezas, elas de fato, elas vão se multiplicando na mão dos trabalhadores e trabalhadoras. E ao
passo que a economia neoliberal e globalizada ela concentra na mão de poucos. Assim como acontece hoje, com
a terra, assim, como acontece com o monopólio das sementes, e assim, como acontece com o acúmulo das
grandes riquezas. E é por isso, então, que na economia solidária, nós cultivamos muito certas virtudes, ou
atitudes poderíamos chamar, que são a partilha, a solidariedade e esta visão, e essa prática de que cada um tem o
direito e acesso aos bens produzidos pela humanidade.
RENAN GIACOMINI
– Grupo AGPC
Bom, tenho 24 anos, participo de um grupo AGPC, que é Giacomini produtos coloniais, onde reúne dez famílias
produzindo produtos coloniais de diversos tipos. Cada família produz algum tipo de produto. Queijos,
embutidos, cucas, pães e a gente no caso participa do Projeto Esperança/Cooesperança, que onde a gente
comercializa os produtos. Realmente Santa Maria, ou até fora do estado, mesmo capital em certas oportunidades.
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Bom a gente á assim, são grupos unidos, participam muito de reuniões. Tem reuniões, mensais. Já o nosso grupo
faz reuniões mensais ou cada dois meses. Já o grupo todo tem sido feitas reuniões mensais. A gente trabalha
muito unido no caso, principalmente o grupo nosso, assim, é bastante unido. São famílias humildes assim, a
gente trabalha para o sustento. Bom. A gente, na nossa no caso a parte do lucro, é, tudo assim dividido, cada
pessoa do grupo, no caso, quem produz, né, tanto é aquilo, a gente se reúne pra vender, pra comprar para ter
aquela união. A gente compra produtos mais baratos, tem aquela união. A gente também, participa muito de
cursos para se especializarem, em cada área. Palestras, tudo que vai nos dar ajuda a gente participa. Todo o
grupo aprende como um todo. É tudo passado para cada integrante do grupo. Bom a gente vê, o que eu vejo o
grande aumento da participação da mulher, né, nos grupos. Ela tá em minha, olha acho que hoje na nossa todos
os grupos, acho que mais grupos de mulheres, do que homens. Jovens, também, está aumentando, são poucos
ainda, mais está aumentando. Crianças, mais ou menos é isso aí. Bom a gente vê muita participação de mulheres,
como bastante expressiva, assim, ó, um exemplo tipo coordenações assim, parte das mulheres. Coordenação da
feira da praça, são mulheres. Outras coordenações, são mulheres, são muito grande a participação da mulher, no
projeto.
IRACI; EMA; MARIA SANTA DA SILVA; VERA; MARIA SANTOS DA SILVA
– Grupo Raio de Sol
Nós somos componente, seis pessoas do grupo, tanto da parte da alimentação, como da parte de artesanato. Eu
sou da parte da alimentação. Fazer rapaduras, bolos, cueca virada, bolachas. Dentro dessa barraca, nós somos em
quatro. Eu a minha mãe, e duas colegas, que elas vão se apresentar logo. A gente se identifica bem, combina o
horário, uma precisa sair de manhã, fica a outra pra, tem que ir em casa fabricar, né... Fazer produtos novo todo
o dia. Como aqui é uma semana. Mais razoável, a gente se entende bem, né. E as vendas está sendo razoável.
Meu nome é Ema, participo do grupo Raio de Sol, faz mais ou menos um ano que eu estou participando com as
minhas amigas aqui, colegas. Nós trabalhamos em conjunto. Eu, a tia Iraci, a tia Santa a Vera. A tia Santa é
nossa companheira. A tia Iraci, é uma pessoa muito boa, maravilhosa, ela coopera com nós em tudo. Participa
dos salgadinhos, coxinhas, risolis, croquete, nega-maluca, negrinhos e a gente troca os horários, assim, cada
caso, a gente fica, né. Daí a gente combina tudo certinho pra gente estar em harmonia. Eu tenho 55 anos. No
momento, era só o que eu tenha a falar. Tudo está ótimo. Agora vou passar para a tia Santa.
Eu sou Maria Santa da Silva, aqui tou representando o grupo Raio de Sol Com muito prazer, tenho uma grata
haver de participar, porque gosto muito, e mesmo, eu trabalho mesmo, que a minha filha trabalha, a Iraci. E
ajudo ela, é doce, é cuca, conservas, tudo eu gosto de trabalhar, e estou bem contente em ajudar ela. E a minha
idade é 78 anos de idade. E tenho adoração prá trabalhar. O dia que eu não venho trabalhar, eu fico doente em
casa. O meu maior prazer é trabalhar com a minha filha. Com as minhas colegas, a Ema, a Vera. São muito
legais pra nós. Nós temos tudo uns irmãos unidos.
Meu nome é Vera, também participo do grupo Raio de Sol, já vai pra dois anos. Participo desse grupo e o
projeto Esperança apareceu na minha vida num momento bem difícil, financeiro. Especialmente financeiro. E,
de lá para cá eu, assim, eu me fiz mais forte, participando, junto com as colegas. Especialmente a Iraci que foi a
pessoa, que mais, assim me deu força na hora que eu precisava, né que foi assim, no início mesmo. E eu acho
muito bom. Eu estou crescendo bastante, assim como ser humano e financeiramente, também, me ajuda bastante.
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Claro, que assim, não é o que eu necessito, mais diante das oportunidades que apareceram até agora, essa do
projeto Esperança, tratando da parte financeira, assim, me ajudou muito. E é uma coisa, assim que eu nunca
esperava. Sabe assim. Porque eu sou uma pessoa muito tímida então não pensei que eu ia conseguir. As vezes eu
fico olhando para trás e fico pensando, como é que eu estou do jeito que eu era tímida, e ainda sou, mas... quer
dizer que até nesse sentido, está me ajudando. E, daí, vou continuar, né. Idade 44 anos.
Sou Iraci, trabalho com os produtos de doces, salgados, compotas, pouco já sabia, porque o pai tinha padaria e a
mãe, né. A gente cresceu ali, fazendo as coisas. Ajudando, né. E tem um pouco de conhecimento. E depois, que
eu entrei para o projeto, por causa dos cursos que a gente aprendeu mais, com os clientes que vem comprar a
mercadoria da gente. Dá uma dica, dá uma receita, a própria colega ajuda, dá uma receita, assim a gente vai se
ajudando. Toda a parte da divisão, cada um fabrica o que está nas suas condições, em casa, vem aqui vende, a
gente paga a porcentagem que tem de pagar para a cooperativa e cada um leva o seu, né. Não a gente não faz e,
grupo, assim, aquela quantia xis, porque já houve quem fez assim, e não deu certo. Sabe. Sempre dá um
problema. Então cada um assim, o que a gente tem em casa fabrica, vem vende. E cada um leva o seu. Claro, o
caixa é o mesmo. A Ema traz as coisas dela, anota tem num caderno, a Vera traz as dela anota num caderno. A
gente vende tudo junto. O dinheiro vai para um caixa só. No final do dia, ele conta as mercadorias dela que
sobrou, e pega a parte dela e deixa a parte da porcentagem. O nosso controle é assim, né. Mas de fazer tudo
junto, não. E outra que nem daria, porque uma mora na Vila Oliveira, eu moro lá na parte Pinheiro, ela mora em
Camobi. Então, se torna mais difícil. E os gastos é maior né, porque ia depender de dois ônibus cada uma. Se
morasse junto, até que daria para tentar. Mas, não tem condições. Sobre os cursos quando, antes vinha mais
seguido para nós, acho que vinha pelo governo né. Mas, agora, está meio calmo, pelo menos eu não ouvi mais
comentários, né. Mas, a gente está por aqui mesmo. Não tem saído para fazer cursos. E, isso aí.
Eu, a Vera, comecei no ano passado um estudo através do EJA, mas aí por problemas financeiros, eu estava
iniciando no projeto Esperança, às vezes eu não tinha nem para a passagem de ônibus, aí desisti. Mas eu ainda
estou com essa idéia. De voltar. De repente até esse ano ainda né. Eu penso em voltar a estudar, mas assim, eu
tenho vontade. Eu parei de estudar cedo e daí eu me arrependi. Na época que eu parei eu era menina e por
motivos outros eu perdi o incentivo de estudar e agora, tenho vontade, de voltar a estudar. Acho muito
importante voltar a estudar. Acho que ainda sempre é tempo de crescer, enfim... Não digo, fazer uma faculdade,
no caso não sei se vou ter pique para isso, mas pelo menos terminar o segundo grau. Aliás, o primeiro que nem
terminei e possivelmente o segundo grau.
Eu, Maria Santos da Silva, posso falar, que eu pouco sei ler, escrever, mais por causa assim de não ter tempo,
porque naquele tempo, nem pensava que... achava que não ia fazer tanta falta. Nós trabalhava muito, tivemos
padaria, era eu o meu esposo e as minhas crianças pequenas. Então dificultou muito para mim continuar a
estudar. E faz falta né, continuar a estudar. Então, eu tô aqui, porque gosto mesmo de trabalhar, mais tenho
assim, de não ter estudado mais. E aqui no Projeto Esperança eu aprendi muita coisa que da gente trabalhar com
pessoas, conversar com as pessoas, tratar com as pessoas. São muito legal as pessoas para trabalhar com a gente.
Prá tratar a gente. Eu mesmo faço força de ter muita relação com as pessoas. Eu não faço cursos. Participo às
vezes das reuniões. Porque às vezes a filha vem fazer reuniões e eu fico trabalhando em casa. Mas, agora com
essa eu vou sempre participar. Porque faz falta para a gente. Eu já tenho a minha idade que eu tenho, né. E, a
senhora vê...
Eu, Vera, acho que os homossexuais, cada um faz o que quer da sua vida, a gente não tem que discriminar
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ninguém, né, preto, branco, velho, novo, né... Eu acho que tendo o lado deles, é deles, né... Eu não discrimino
ninguém. A gente conversa, a gente trata eles outras pessoas, qualquer pessoas, que estão conversando com a
gente. Normal né... Que chegam fregueses, colegas, tudo é igual. Não tem diferença. A gente aprende muito. As
pessoas cada..., a gente não sabe totalmente as coisas, cada pessoa que te ensina uma coisa, você diz: - aprendi
mais uma, né. Eu aprendi meus salgadinhos, quando entrei no Supermercado Real que agora á Bricke... Fui para
Porto Alegre, lá estagiei 21 dias. Lá nós tivemos cursinhos, daí fizemos um monte de coisas, a gente trabalhava
na parte da lancheria. Aprendi bastante, né. Com a minha idade, a gente não pega mais emprego, então vim
trabalhar nesse grupo.
CARLOS ALBERTO DA CUNHA FLORES – KALU
– Trabalhando na formação do Projeto
Esperança/Cooesperança.
Eu sou o Kalu, tenho 52 anos, sou formado em filosofia, e sou artesão, como profissional. Eu entrei na
Cooesperança, para trabalhar na geração de trabalho e renda, quando a Cooesperança entrou no Fome Zero. A
partir da posse do Lula, se criou o Fome Zero e eu venho como uma contrapartida, um trabalho da secretaria de
cultura, junto com a Cooesperança pra trabalhar oficinas, para gerar rendas. Sabe? E nós, assim, o objetivo desse
de geração nas famílias no Fome Zero, depois, a gente ampliou, também pra trabalhar, assim, com... nós
trabalhamos com surdos, trabalhamos no Hospital Psiquiátrico, também, com a arte terapia, não só como
inclusão, trabalhamos, agora a gente tem o objetivo também, de trabalhar com outras necessidades. E, nós
trabalhamos com os excluídos. Eu trabalho junto com os catadores, né. Catadores, material reciclável. Então é
um trabalho muito assim, muito voltado pra questão assim, geração trabalho e renda. E acho que dentro do
projeto nós estamos trabalhando muito encima disso e é muito trabalho. Então nós trabalhamos, eu faço as
oficinas e a gente vai descobrindo talentos, vai formando o grupo e tem todo o apoio quando eles vem pro
projeto Esperança pra formar os grupos pra entrar na cooperativa, pra começar a comercializar. Então, meu
trabalho ele parte disso, né. Então trabalha nas bases, inclui, e nos espaços começa a trabalhar nas lojas das teias
da Esperança, na feira e participa de todos os eventos. E uma coisa que eu acho interessante e eu até faço parte e
é uma das da que me interessa, na Cooesperança, nesse tempo que eu estou trabalhando na Cooesperança é a
transversalidade da Cooesperança. Porque é muito difícil trabalhar, principalmente, quando se trabalha com as
pessoas excluídas, quando as pessoas de baixa renda, as mais diversas formações e, né... Então, nós temos assim,
pessoas tanto do campo, quanto da cidade. Então assim dentro da Cooesperança. Tu participa, então todas as
feiras, são avaliadas né. Então, o tempo todo se avaliado. Tu é preparado, quando você entra também para o
projeto para fazer parte da cooperativa, tem reuniões exaustivas, de tempo em tempo nós temos assembléias, né,
nós temos reuniões. Uma vez por mês, no mínimo a gente se reúne. Depois, tem os grupos que trabalham assim,
que trabalham junto com as universidades, tem psicólogos, tem assistentes sociais, tem vários profissionais, que
trabalham também auxiliando. Mas o que eu acho interessante, é que às vezes dificuldades até de se expressar, e
isso gera... Agora mesmo na feira eu fui bastante solicitado pra ajudar a elaborar um projeto de avaliação do ano
todo. Então nós fizemos umas avaliações do ano pra entregar do ano. Encerrando o ano. De todo o ano. Todas as
atividades. E analisando os pontos de melhora e de tudo. E uma coisa interessante é que dentro do projeto assim,
quando a Irmã Lourdes fala, que ela é coordenadora, que ela fala assim, que ela é apenas uma só, e a gente tem
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uma grande admiração por ela, pela forma que ela trabalha. De forma democrática, dando voz para todos os
grupos, pra todas as pessoas, então é bastante interessante. Quando ela fala que ela é apenas uma, é real isso
porque os grupos todos participam. Todos tem que elaborar. Todos tem que apresentar suas propostas. Eu acho
que o projeto tem que melhorar em vários aspectos. Eu acho que nós precisamos trabalhar assim, para dar mais
visibilidade para o projeto. Esse ano fui apresentar o projeto na Argentina, num encontro de economia popular
solidária. O primeiro encontro na Argentina. E eram países do MERCOSUL, que estavam lá. Tinha quatro
países, né. Eram trezentos e poucos empreendedores da economia popular solidária. Pessoas que estão também
tentando, porque lá é muito difícil. E nós vimos lá que éramos o grande exemplo. Nós fomos fazer uma palestra
e nós ficamos duas horas e meia e as pessoas passaram depois, a tarde toda nos procurando, querendo saber
mais, pedindo apoio, pedindo assessoria. Então quando a gente começa a viajar, quando vai no Uruguai, agora a
gente vai ao Paraguai quando a gente entra em contato com outros lugares, a gente vê quanto é importante o
projeto Cooesperança. Hoje nós estamos assim, estão pedindo pra nós até de outros estados. Agora, mesmo, esta
semana, recebi um convite para ir para Porto Velho. Então para começar a trabalhar lá. Então assim, eu acho que
o projeto é muito interessante, tem muitas coisas para serem trabalhadas, né. Eu acho que nós temos de nos unir.
Tem umas coisas assim... tem uns objetivos, que acho que precisam ser melhor trabalhados, que é o objetivo da
solidariedade, do companheirismo, de consumir. Eu mesmo tenho feito uma campanha dentro da Cooesperança,
das pessoas procurarem primeiro os produtos da própria Cooesperança. De nós nos apoiarmos e comprarmos os
produtos uns dos outros. Não vai sair daqui para comprar um suco, ou comprar um pão no outro lugar se tem
aqui. Ou biscoito, macarrão, uma pizza. Tudo tem aqui. Então acho que tudo que for possível, a gente tem que
apoiar, né. Nós não vamos ficar só trabalhando, só sendo colegas de trabalho. Nós temos que ter esse trabalho.
Tem essa preocupação, tem a preocupação de acolher, sempre grupos novos. Só que a velocidade é muito
grande, né. O número de pessoas que precisam entrar no projeto é muito grande. Nós estamos precisando formar
um grupo de apoio. Eu acho que separado ainda. Um grupo pra receber e pra observar e trabalhar na infra-
estrutura. Porque nós trabalhamos na infra-estrutura e trabalhamos também na feira. Então nós precisamos
assim, ter um grupo assim, que divulgue, que trabalhe só na divulgação do nosso projeto, que ajude a elaborar
projetos em outros lugares. Mas é um projeto em constante construção e isso acho interessante que ele se
constrói, no dia-a-dia, mês a mês a gente vê assim, o crescimento, a gente vê as parcerias, cada vez mais de
universidades, do governo federal, do governo estadual. Então é bem interessante essa construção. Bom, uma
coisa que eu acho interessante no projeto assim, é que tem vários pensamentos, várias pessoas com vários credos
religiosos. Mesmo que ele tenha sido construído à partir da Cáritas né... Foi à partir de uma ONG da Cáritas
alemã, depois a Cáritas do Rio Grande do sul é que começou a elaborar. O Dom Ivo foi assim, o grande mentor
desse grande projeto, ele transcende essa questão da religiosidade. Sabe ultrapassa. Não que ele transcende, não,
mas ele ultrapassa e não tem fronteiras... Não é exigido, assim, de nós que participemos de qualquer credo
religioso e que tenhamos assim, de... E aqui dentro do projeto tem pessoas de todas as religiões, de todos os
cultos, que não são considerados religiosos, tem pessoas espíritas, kardecisitas, tem tudo aqui... umbandistas...
não é necessário que tu participe que tu tenha esse compromisso com a Igreja. O que essa Igreja representa que
eu vejo, assim por exemplo, a irmã Lourdes que é a coordenadora e uma das mentoras do projeto, e eu acho que
ela consegue coordenar de uma forma excelente, o projeto, a irmã Lourdes é uma pessoa que tem toda a
religiosidade dela e acho que ela leva prum lado a religiosidade, enquanto solidariedade, ela transformou isso. E
como um compromisso social do aqui e agora, na batalha do dia-a-dia, da igualdade entre todos os indivíduos.
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Por exemplo, nós temos assim, homossexuais... nós temos de tudo dentro do projeto. E essas pessoas nunca
foram assim, motivo pra haver assim, preconceito entre s pessoas. Tem índios, nós temos indígenas, nós temos
negros... tem presos. Do presídio, tem vários do presídio que trabalham aqui conosco. Nós fizemos oficina
dentro do presídio pra inclusão. Nó já temos vários desses com esse trabalho aqui conosco. Nós temos oficinas
permanente dentro do presídio, que é do projeto Cooesperança. É eu estudei Nietzche e eu sempre fui bastante
revolucionário na época, e na época, assim por exemplo o estudo de Nietzche não tinha na universidade de
filosofia, aqui na federal de Santa Maria. Na época ainda era uma filosofia muito Aristotélica, ainda eram os
santos da Igreja que se estudavam. E nossos professores, na grande maioria eram padres. Depois, ficavam
iniciando...E eu levei no último ano de filosofia, como a gente não tinha estudado no período, no moderno,
porquê ele é moderno. contemporâneo, no contemporâneo, resolvi escolher o Nietzche pra fazer o meu trabalho
de pesquisa. Então eu li bastante Nietzche. Eu sempre fui assim, também, uma pessoa bastante voltada pra
teorias nihilistas e sempre gostei assim, do anarquismo, da desconstrução. E acho que o projeto Cooesperança
tem uma pouco disso, né. Quando ele dá assim, o grande poder para o próprio homem, de ele ser autônomo,
dono de si. Que ele construa o seu próprio caminho. Suas próprias teias, nos grupos, nas relações. Ele destrói,
assim, com todo os compromissos que tem assim, com o poder. E hoje, por exemplo assim... e nós vamos
mudando. Né. Hoje na Cooesperança de tanto ela desconstruir, hoje ela está construindo. Por exemplo, no
governo federal, no governo Lula, o Lula quando candidato a presidente, ele veio a Santa Maria, ele conheceu o
projeto Cooesperança. Ele visitou, ele esteve por aí tudo. Conheceu suas... Hoje construiu uma secretaria
nacional de economia popular solidária, baseada no Projeto Cooesperança. Hoje, a Cooesperança vai lá discutir
em Brasília. Mas os membros da Cooesperança. Não é a irmã que vai lá. Somos nós que vamos participar dos
encontros. Nós estamos toda hora lá. E é um sociólogo que trabalha lá que é o Paul Singer, que é o secretário,
que trabalha lá. Então eu acho, que assim, a Cooesperança já está assim, cada vez colhendo mais frutos
entendeu? Hoje, internacionais, um respeito internacional. E eu acho exatamente isso, por ela construir uma
outra forma de organização, uma outra forma não vinculada ao poder. Mas, descentralizando cada vez mais,
assim. E participando. E todo mundo tendo voz e todo mundo tendo opinião. Um poder em todas as linhas. E
acho que é um caminho muito difícil. Esse da participação popular. Da participação de todos.
E acho que não há necessidade. Dentro da Cooesperança nós não temos essa discussão (a questão do
homossexualismo). Esse tipo de discussão claramente. Nós não temos assim, problema de discriminação dentro
do projeto. Nós não somos tratados diferentes. Todo mundo sabe. Mas como dento da Cooesperança como tem
toda essa mistura, toda essa salada, muito misturada, com muitas misturas, com muitas diferenças, então acho
que esses respeitos... mas eu acho que essas questões, ela pode até surgir em nossas assembléias, nas nossas
coisas, quando surge a gente discute de forma naturalmente, no dia-a-dia a gente conversa sobre isso. Ontem nós
estávamos conversando aqui na praça, aqui na feira, entre nossos colegas. É que assim, são tantas coisas para se
discutir do projeto, e são tantos assuntos... Então sempre a gente está em formação de grupo, de qualificação,
trabalhando... e o trabalho é bastante escravo. Esse trabalho para ter uma autonomia, uma independência, pra ter
uma economia que tu mesmo produz, tu mesmo trabalha. Então é bastante trabalhoso. Então essas questões
talvez nunca foram levantadas. E talvez pra gente sentir que não há motivo para lutar ali dentro para que as
coisas mudem. O tempo que a gente discute no dia-a-dia as relações nossas. Isso tem, isso tem. O tempo todo.
Nós temos psicólogos que vem, que fazem reuniões conosco. Nós com certeza discutimos com os colegas. Eu
não me considero um militante, assim, sabe. Nunca vi necessidade de ser. Eu sou militante das causas de direitos
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humanos. Eu sou diretor de uma ONG de direitos humanos. E lá a gente trabalha com essas questões como todas
as outras. Então eu trabalho, eu trabalho tanto assim, com portadores de necessidades especiais, eu trabalho
muito com a causa prisional, trabalho bastante com as causa prisional. Porque a sociedade... Eu acho assim, eu
vejo mais e... em Santa Maria tem vários grupos homossexuais trabalhando. Tem pessoas que trabalham. E com
o presídio ninguém quer. Ninguém se promove com o presídio. Tem muito preconceito com os presos. Tem
muito preconceito com os presos. E quando se trabalha com presídio, você trabalha com HIV, você trabalha com
a questão de Gênero de mulheres oprimidas lá dentro. Assim, vários problemas dentro do presídio. De várias
discriminações, de várias... Então acho, que quando você trabalha a questão prisional, você trabalha com tudo
isso. Certo? Você trabalha com todas essas questões. Você trabalha com um universo. Não precisa trabalhar com
um segmento. Eu nunca trabalhei, sabe, com isso, né. Eu acho assim, que depende do berço que tu vem, das tuas
trajetórias. Acho que você não precisa brigar com tua família... Eu nunca precisei brigar com minha família.
Sabe? Eu nunca tive. Eu sempre fui muito aceito na minha família. Então fui brigar com a sociedade, por
melhores condições. Eu sempre fui militante de esquerda, eu sempre trabalhei construindo um partido, sabe?
Também, a gente participou de tudo. Hoje, mesmo eu dei uma palestra para o movimento negro, fui falar lá
sobre preconceito. Então eu falo sobre todo o universo, os preconceitos. Eu trabalho muito com a questão do
preconceito. Nesses dias fui fazer uma oficina junto com os catadores surgiu a questão da homossexualidade.
Que estavam discutindo na aula. Estavam discriminando uma pessoa, uma pessoa importante, uma pessoa... e
estavam comentando... uma das crianças...e eu peguei uma das adolescentes de 12 anos e eu resolvi, fazer a
oficina toda, discutindo o preconceito da homossexualidade. Eu trabalho dentro de minhas oficinas, discutindo
várias questões. Sabe? Eu discuto saúde mental, quando estou trabalhando com o pessoal de saúde mental, e eu
trabalho... Então eu sempre tou. Eu trabalho muito com as questões... Eu trabalho muito com o aqui, agora. Com
as coisas que acontecem. Eu não preparo. Hoje, lá naquela oficina vou trabalhar com isso. E, quando eu chego
numa oficina e vi que estavam falando de uma pessoa como se ela fosse homossexual e com preconceito, né?
Estavam discutindo sobre uma autoridade, desconfiados da sexualidade dele... Eu comecei a questionar quanto
era importante ele ser ou não ser. Essa discussão... Com certeza. Ontem começamos a discutir exatamente por
isso. Por que veio um cliente aqui, que era um travesti e nós ficamos conversando sobre os travestis.
Conversamos sobre várias coisas, foi muito interessante. Entre os colegas, assim. Claro, que a gente não
transformou numa assembléia geral. A gente conversa com os companheiros que estão próximos. Constrói um
novo conhecimento. Veja nós fomos agora para a Argentina. Nós fomos em tre da Cooesperança. Nós passamos
cinco dias. Nós viajamos, nós passamos cinco dias na Argentina. Foi maravilhoso, porque a gente teve uma
convivência, de conhecimentos, sabe? E ali a gente discute todas as questões. Nós viajamos muito pela
Cooesperança. Esse ano eu já viajei, eu viajei pouco até. Viajei quatro vezes. E agora vou para o Fórum Social
Mundial, também. Por exemplo, agora tem Fórum Social, passa uma lista para ver todos que querem ir para o
Fórum Social. Daí, as pessoas que querem, se inscrevem, são criados meios também. Os que não podem... pagar
as despesas... rachar, dividir, apoiar... E quando a gente vê que alguém está assim, meio isolado, agente busca
resgatar as pessoas. Pra elas começarem a falar em público, participar... nós temos místicas, né, que são as
místicas que são chamadas sempre nos nossos encontros, pra abertura, para todo mundo se apresentar... todo
mundo falar... Cada reunião dura de duas a três horas. Há, também, bastante discussão por parte da
Cooesperança. Inclusive, nós estamos agora assim, abrindo um espaço que é um lugar para reciclagem, para as
associações. São dez associações de recicladores que trabalham com a Cooesperança. Aí, eu que estou
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cuidando... Essa parte da educação eu me preocupo muito. E, eu to vendo em construir uma creche junto pras
mães, não carregarem mais nos carrinhos os filhos, no meio, quando está catando. E transformar ali, um EJA
para os que não tem para alfabetizar e trabalhar com isso. Estamos trabalhando. E no projeto, no Catando
Cidadania, onde as pessoas vivem bastante a margem, né. Que são os catadores, ali tem muito analfabetismo,
tem muito problema de alcoolismo. Hoje, nós vamos também, iniciar uma campanha de vídeo, de combate ao
tabaco, também. E uma coisa interessante, é que nós estamos sempre trocando. Todos os sábados quando a gente
tem a feira, sempre tem assim, informações, a gente será sempre passando os contatos, os cursos, as coisas que
estão aconteceu, que são interessantes pra nós. Tanto pra vida, quanto... Por exemplo, uma coisa que trabalha
com crianças da periferia, balé... que faz um trabalho muito bom, né. E tem aquelas oficinas que são muito
interessantes, nos bairros, com crianças, que é uma creche, uns lugares bem interessantes.
HORIZONTINA TEIXEIRA STABILE
– Grupo Liberdade
“Nunca faça de sua vida um rascunho, porque de repente não dá tempo de passar a limpo”.
Trabalho na Cooesperança a seis anos. Tenho cinqüenta e dois anos. Vou fazer 53 agora em janeiro dia 25.
Agora esse mês estou me formando no ensino médio. Aqui é legal. A gente aprende... encontra várias pessoas,
muitas... de credos, raças, cor... tudo misturado. É bom porque é uma integração. E a Cooesperança nós temos
como coordenadora a Irmã Lourdes Dill. Nós temos vários pontos. Temos as feiras, como essa que temos aqui
na Praça Saldanho Marinho, centro de Santa Maria. Temos o Terminal na Heitor Campos. A loja de artesanato,
dos artesões e a loja, o armazém dos que fazem alimentação, né, o armazém, comercializam todo o produto
colonial. E, nós aqui convivemos como uma grande família. Somos um grupo – nosso grupo é Liberdade. Somos
seis componentes. Se dá bem, uma ajuda a outra. A gente cresce juntos. Nós temos várias experiência como uma
viagem a Brasília para formações. Agora estamos viajando para o Fórum Social Mundial. E, uma aprende com a
outra. A gente encontra alguma pedra no caminho, mas isso aí, gente dá um jeitinho. E tira de letra. A
coordenação, as feiras funciona com uma coordenação, né. A gente conversa faz reuniões, uma vez no mês, o
grupo antes das feiras, sempre tem reuniões com as coordenações. Temos estatuto, tudo. A gente procura
cumprir o que manda o estatuto. Tem colegas que não cumpre. Mas isso aí, vai indo. Vai aprendendo, vai
crescendo. É uma caminhada, né. A renda ajuda né, nas despesas da família. Sei que é ótimo tudo, né. Aqui tem
homossexuais, tem... em nosso grupo. Até é um casal, bem social, né. Trabalham, aqui, não tem aquela um é
menor que o outro. Não existe isso, essas coisas de diminuir, por causa da cor, por causa da raça, por causa os
credos... É o todo. Então é muito bom, a gente só cresce.
LENITA RODRIGUES DOS SANTOS
– Grupo Liberdade
Sou casada tenho três filhos. Faço artesanato. Estou no projeto a quatro anos em meio. Como já falei da outra
vez, antes eu casei com 18 anos, então eu nunca trabalhei fora. E, agora para mim é uma oportunidade. Não
dependo dessa renda aqui para minha sobrevivência, mas é uma coisa boa, que me ajudou a crescer muito como
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mulher, como pessoa, porque eu sempre me dediquei a casa e aos filhos... Não que isso, não fosse... coisa mais
maravilhosa a gente poder cuidar dos filhos, mas agora essa oportunidade que eu tive, junto ao projeto pra mim
foi maravilhoso. E no projeto a gente aprende muito. A gente... nós temos reuniões, quase uma vez por mês,
junto ao projeto, com a irmã e os outros grupos, onde é discutido vários assuntos. Onde a gente pode dar opinião
da gente. Também a gente pode conversar. Só que algumas coisas que são decididas em reuniões, que é uma das
coisas que eu acho errado que lá na reunião a gente... é tudo decidido, fica o nome das pessoas. A gente... Aí
quando acaba saindo da reunião, as pessoas, às vezes, mudam e não fazem o que é pregado na nossa cooperativa
que é solidariedade, companheirismo fora das reuniões. Lá na reunião é uma coisa e fora da reunião, no dia-a-
dia, nas nossas feiras é completamente diferente, Eu participo da coordenação da praça. Então maravilhosamente
com as pessoas que participam comigo na coordenação. Agora por último, quando abrimos a nossa loja de
artesanato, também vieram falar comigo para mim participar da coordenação, nós ajudá ali na loja. Só que as
pessoas que fazem parte dessa coordenação são completamente diferentes. Tem idéias bem diferentes da minha,
e não... assim, você combina uma coisa, e as pessoas fazem outra. Você... Teu nome está na coordenadoria e elas
tiram sem falar com você. Então fazem as coisas, completamente diferente. E isso eu acho que não é
solidariedade isso não é companheirismo. Bem, quando a gente está junto numa coisa, a gente tem que
conversar, a gente tem que decidir as coisas juntos. E isso não acontece. Acontece, muitas vezes, fala na frente
da Irmã Lourdes, pelas costas, as gurias fazem bem o contrário. E quando às vezes tu vai perguntar o por quê,
daí elas sempre colocam que foi decidido pela irmã. Então isso é uma das coisas que ainda ta faltando crescer no
projeto. As pessoas crescerem um pouquinho mais, não serem individualistas, serem mais companheiras, mais
solidárias com as outras amigas... E, fim... mais ou menos... Acho que também, deveria ter mais cursos de
qualificação com as pessoas, embora tem pessoas que não adianta fazerem cursos. Não adiante ir lá e depois na
prática elas fazem completamente diferente. Eu não tenho estudo, não tenho faculdade, mas acho que minha mãe
me ensinou, que é uma coisa muito boa, que você tem de ser educada com as pessoas, educada com os colegas.
Isso acho que eu consigo ser. Não sou melhor que ninguém, mas eu gosto das coisas certas e como devem ser.
Gosto de ser solidária com os amigos, com as pessoas aqui da nossa cooperativa. Tudo o que depender de mim
eu estou sempre pronta a ajudar. Aqui nas nossas feiras, uma coisa importante também, que a gente consegue é
quando as pessoas vêm, os nossos fregueses... as pessoas vêm nos visitar, vêm comprar a gente troca idéias... às
vezes explica, ah, eu seu fazer isso... ou, gostaria de saber como é que faz um crochê, principalmente, ou mesmo
na parte do artesanato em boneca que é o meu caso. Aí muitas senhoras de idade vem aqui e gostam de lembrar.
Ah, essas bruxinhas de pano a gente fazia. Era diferente. A gente troca idéias. É muito importante, muito bom
isso. Eu gosto de estar no projeto e se Deus quiser, quero continuar por muito tempo. E, acho que era isso mais
ou menos agradecemos a oportunidade que vocês estão nos dando. Nós agradecemos a oportunidade que a Célia
Lange deu pra nós, pra gente falar um pouco do projeto. Eu sei que de repente, o que eu falei aqui, não foram
coisas que poderiam talvez, vá acrescentar em alguma coisa, mas o importante assim, que a gente está aqui,
porque a gente gosta, porque a gente quer, porque é uma oportunidade de nós crescermos. A oportunidade da
gente ter a convivência com outras pessoas, de conhecer, de ver como as pessoas agem, como as pessoas são,
principalmente, os colegas. Nós do nosso grupo, graças a Deus nós já estamos a quatro anos juntas, e é um
grupo bem unido, não vou dizer que é o melhor daqui da coordenação, daqui do cooperativismo, mas a gente
não tem problemas. A gente precisa uma da outra a gente está sempre unida. Então é um grupo muito unido. Um
grupo que está sempre disposto a ajudar os outros, está sempre disposto a cooperar com a irmã. Então, talvez
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isso, deixe as colegas, com um pé atrás com nós. Mas, a questão de trabalhar não é por querer aparecer, não é
por querer ser melhor que ninguém. E sim, é porque a irmã prega, solidariedade, companheirismo... E é isso que
nós tentamos fazer no nosso grupo junto com as colegas. Que somos entre seis aqui. Agora uma está afastada
por problemas de doença, mas são cinco que trabalham juntas. E, a gente sempre quando uma convoca outra está
sempre disposta a ajudar. E isso não é coisa que acontece em todos os grupos. Não estou criticando... Quem sou
eu para criticar os outros, mas é pelo que é pregado, na cooperativa, acho que era isso que teria que acontecer
com todos aqui. Mas, infelizmente não é. Então agradecemos a oportunidade, muito obrigado, quando quiserem,
vir conversar com nós, visitar aqui Santa Maria e visitar nossos pontos de teia, nossas lojas, nossas feiras,
estaremos sempre às ordens pra recebê-los. Muito Obrigado.
ROGÉRIO GIACOMINI
– Grupo AGPC – No terminal de Comercialização Direta da Cooesperança
Eu sou o Rogério Giacomini, faço parte do grupo AGPC, que é de São João do Polese, um município há 40
quilômetros de Santa Maria. Este grupo surgiu há uns sete anos. Surgiu para participar do Projeto Esperança. E a
gente está há oito anos neste trabalho. Bom. Como surgiu nosso grupo? Na verdade somos seis irmãos. Eu e uma
irmã trabalhávamos em Santa Maria no comércio, mais outros dois irmãos trabalhavam na lavoura e outra
também, que entrou no grupo agora há pouco, em Santa Catarina. Aí surgiu a idéia da gente trabalhar com
produtos coloniais. Começamos bem pequeninhos. Começamos produzindo pouquinho. Aí a aceitação foi muito
boa do produto. Do nosso produto, que a gente preza muito a qualidade. Então, hoje a gente ampliou bastante o
nosso... Como os nossos produtos começaram a ser muito bem aceitos, a gente teve que expandir, aumentar o
espaço físico. A gente começou com panificação e um pouco de embutidos. Hoje, a gente construiu um pavilhão
pra embutidos dentro da legalização. Isso sobre... Pra poder atender a demanda, porque hoje em dia, sem a
legalização, você não consegue entrar no mercado. E os produtos de origem animal é muito complicado. Tá
Depois que nós, entramos se associamos no Projeto Esperança, nosso grupo melhorou em muito a relação,
assim, a nós. Aos colegas, porque a gente faz muito curso. Faz curso de aperfeiçoamento. Tem muito troca de
experiências entre os grupos. Né. Os cursos de qualificação. E a relação entre o cliente e nós é muito boa.
Porque o cliente sempre está nos apoiando. E a relação entre o cliente e nós é muito boa, né. Porque o cliente
sempre está nos apoiando ou pedindo uma mudança. Então, a gente sempre está se atualizando. Fazendo receitas
novas pra poder, né... satisfazer o cliente. O nosso grupo faz reuniões mensais pra fechamento de mês, ver o que
precisa mudar, né. São coisas que tem que ter. Tem que fazer isso, prá ver como que está andando. O que
precisa melhorar, o que precisa mudar, né. Às vezes um produto começa a não rodar. A gente vê porque não está
rodando. Tem que fazer outra coisa, vamos mudar. São coisas que a gente faz sempre no nosso grupo. O
fechamento prá ver se está realmente dando uma margem ou não. Um lucro que a gente precisa. Nós
sobrevivemos disso, né. A gente teve a possibilidade de viajar. Participamos do 1º Encontro de Economia
Solidária em Brasília. Né. Foi muito, muito bom. Porque a economia solidária, realmente no país, o pessoal não
sabe, mas ela tem uma grande, né... Tem muitas e muitas famílias que sobrevivem disso. E na verdade ela não
está sendo aceita, mas através do nosso governo agora, a gente está tendo, né a oportunidade de ampliar estas
questões se legalizar. Né. Porque hoje em dia se sai uma nota fiscal, você está sujeito a perder o teu produto, né.
Não que a gente é contra isso, mas do pequeno é complicado. Complicado tu sair aí e perder o teu produto. Já
tem um custo grande e você pode perder. Hoje, eu estou tentando... Que eu preciso mudar. Eu tenho muita
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dificuldade de falar em público, né. E estou fazendo curso no meu município a gente tem uma assessoria, tem
uns cursos de assessoria com o SEBRAE. Então eu estou fazendo um curso Liderar, que eu iniciei esta semana e
está sendo muito bom. E pretendo ir no Fórum Social Mundial também, pra aprender coisas, que eu preciso, né
aprender muita coisa sobre esse assunto. A Cooesperança nos muito incentiva a fazer todos os cursos possíveis
que a gente pode. Tanto é que tá saindo uma pela Cooesperança. Neste sentido de liderar que eu não pude
participar. Não pude justamente pela feira da praça, mas tem muitos colegas meus que estão fazendo e vai ter
outra oportunidade, que de repente eu também vou fazer esse curso. Né. Esse mesmo, não interessa se eu já
estou fazendo um pelo SEBRAE, mas eu vou fazer. Cada curso que a gente faz a gente está aumentando a nossa
bagagem. Está aprendendo, uma coisa ou outra, a gente sempre aprende. Né. O lado muito bonito do Projeto
Esperança, né é a questão da mulher, dos negros, homossexuais. São muitas vezes marginalizados esse pessoal e
aqui não. Aqui, não. A mulher tem a sua chance. O negro tem a sua chance. Né. Todo mundo tem a sua chance
de poder fazer o seu trabalho em casa e vir aqui comercializar. Isso aí é uma coisa que é muito bem trabalhado
no projeto. Quanto a isso é um lado que eu acho muito bonito.
IRMÃ ZOELI
– Congregação das Filhas do Amor Divino – Comunidade de Nova Santa Marta – Inauguração
do Grupo de Crianças “Broto da Esperança”.
Estamos aqui nessa realidade já dois anos. E o nosso trabalho é junto com as pessoas desse bairro, que um povo
de famílias numerosas. Muitas famílias, onde a mãe, são pai e mãe. E, famílias numerosas, de quatro, cinco... e
às vezes, até dez filhos. E a grande maioria, dessas famílias sobrevive do lixo. Lixo que cata na cidade. Cesta de
lixo, ou no lixão que fica próximo daqui, há três quilômetros. Esse lixo, juntam reciclam e vendem por um preço
muito barato. Muitas famílias, numerosas como já disse, precisa sobreviver, com cinqüenta, oitenta, cem, cento e
vinte reais ao mês. Muita mãe chora de verdade, porque não tem pão para dar para o filho. Não tem um colchão
para botar o filho dormir. Não tem a passagem para levar a criança ao médico. Ao posto. Não tem recursos
necessários para viver dignamente. Então nessa realidade, nós filhas do Amor Divino, viemos a serviço, como
fez a nossa fundadora, Francisca Leschner, que ela fundou a Congregação, realmente para socorrer a mulher. A
mulher marginalizada. E aqui também a mulher é marginalizada. Tanto assim, que quando uma mulher daqui
busca emprego na cidade, quando ela se identifica na Nova Santa Marta, já é um sinal de exclusão, por ser de lá,
não dão serviço prá ela. Mais um motivo pra ela sobreviver o lixo. Algumas mulheres dessa realidade, fazem
faxina nas casas dos outros. Então o trabalho das Filhas do Amor Divino é não sei se coordenar, mas de
assessorar grupos que nós chamamos trabalho e geração de renda. São grupos que se organizam, uma chama a
outra pessoa. Se organizam com estudos, com reuniões, com reflexões e vão se capacitando para o trabalho.
Trabalho cooperativado. Onde uma ajuda a outra. Tem geralmente uma pessoa, mais uma outra pessoa que
orienta, que assessora. Mas o princípio é uma mulher, uma pessoa ajuda a outra. Dá aquilo que tem. Tem aqui,
em princípio dez grupos, de trabalho e geração de renda que é a horta comunitária, de adultos, e também de
crianças que brincam trabalhando; trabalham brincando. Na horta, faz seu canteirinho, cultiva sua verdura. Leva
para casa. As vezes até vende a verdura e compra aquilo que ela precisa. Então o grupo da horta comunitária. O
grupo da multimistura como chamamos que fazem esse produto. Multimistura em três tipos: para crianças
desnutridas, para pessoas adulta subnutrida e hormonal. Para pessoas que já entram na menopausa poder se
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beneficiar com esse produto. Tem o grupo fitoterápico, que trabalha com chás, planta, cultiva a planta e depois
colhe a folha, faz a farinha, vende o chá. Toma o chá, distribui o chá para as pessoas, que precisam de saúde
qualificada O grupo do artesanato. Artesanato em jornal. Cestinhas, bandejas e coisas lindas em jornal. O grupo,
“Limpou, brilhou”, que é do sabão caseiro. E esse grupo, por força da necessidade fez uma grande invenção.
Inventou o sabão a base de jornal. Pela falta da farinha, pela falta do trigo, falta do ingrediente necessário para o
sabão, o grupo inventou usar o jornal. E é um sabão muito especial. Nunca registrou porque custa dinheiro. Mas,
o grupo faz um sabão muito especial. Tem mais o grupo do tricô, que faz joguinho de criança, ensina fazer o
enxoval do bebê e também, já está ampliando para outros tipos de artesanato. Ah... vassourinhas para limpar a
casa, tapetes e outros, né. E um grupo, assim, muito animado, muito forte. O grupo do crochê, se chama
“Primavera”, o grupo que começou com sacolinhas, tiracolas, pra mulheres jovens, crianças e agora também
está ampliando faz mantilha, trilho de mesa, faz o bico da toalha e está ampliando seus conhecimentos. E sempre
como eu já dizia no começo, cada pessoa ajuda a outra. Quem sabe fazer um “bico”, ensina a outra que não sabe.
E assim, vai “passando” o conhecimento, Tem o grupo do “Edredom”. Um grupo que faz edredom, com
qualidade. Mas faz o Edredom de primeira qualidade. Eles fazem em conjunto, vendem e sempre todos os
grupos tem os mesmo princípios, se vendem algum material feito por ele vendem e repartem o dinheiro entre si.
O grupo mesmo que administra. Tem mais um grupo da reciclagem da roupa usada. O grupo dos “Detalhes”
como chama. O grupo da reciclagem das roupas usadas. Muita gente doa roupa para gente dessa bairro. Então,
em vez de simplesmente dar, então o grupo arruma, bota botão, faz a costura que está aberta. Lava, passa,
organiza, depois o grupo vende bem baratinho. Preço simbólico. Dez centavos, vinte centavos, trinta centavos a
peça, e reparte o dinheiro entre si. Tem ainda o grupo da costura. Esse grupo se chama o grupo “Veste Bem”.
Tem uma pessoa que vem lá de Camobi, lá do outro lado da cidade. Vem assessorar esse grupo. Uma mulher
também, né. Então esse grupo aprende, desde alinhavar, desde fazer uma costura retinha, desde fazer o molde,
costurar uma peça para elas mesmas, para suas famílias e também, se costura uma peça a mais vende e o grupo
reparte o dinheiro entre si. Então, esse trabalho assim desses grupos de geração de renda. E os grupos todos,
então são ligados a rede de solidariedade. Como um grande grada-chuva que ampara, juntos e possibilita para
cada pessoa um espaço. De crescimento, de formação, de participação, também, na sociedade. E as pessoas
dizem assim, a partir desse trabalho, desses grupos, nós aprendemos como funciona o comércio. Só que esse que
é um jeito diferente. Esse jeito de comercializar é um jeito sem patrão. Onde todos são iguais, tem seu espaço,
seu direito, seu caminho, e seu jeito de ser. Um trabalho muito bonito. E muitas pessoas dentro da rede de
solidariedade, assim estão muito voltadas para esses grupos aqui, com vontade de ajudar. Tem o grupo das
crianças. Grupo que também se treinam a flauta. Porque essa parte artístico-cultural é muito importante para as
pessoas e para as crianças, sobretudo, porque as crianças aqui, são muito inibidas. Muito tímidas. Elas não
soltam. O corpo, o gesto, a mão. Então, a flauta, a dança, o teatro, a música ajuda as crianças, também, desinibir,
crescer, desenvolver potencialidades. E, na parte mais religiosa, na sua comunidade, que se chama comunidade
Maria de Nazaré. Nessa comunidade vêm as pessoas dessa redondeza, para ter como dia assim, um ponto de
celebração perto de sua casa. Pra poder participar. Mas, nos grupos, ele não assim, como vou dizer, tem uma
religião. Todas as religiões podem ser. Não se leva em conta a religiosidade para participar do grupo. Basta ser
gente. Ser gente e querer participar. Como é então que as pessoas aprendem e crescem? Tem pessoas que
assessoram. Tem pessoas que vêm assessoram os cursos, dão palestras, faz estudo, mas o conhecimento é
compartilhado. Mesmo que alguém venha fazer um grupo de estudos, um texto, uma palestra, ou... até pode
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expor um pouquinho, mas depois cada pessoa fala. Como é que viu, como é que entende, como é que sente.
Como que se relaciona. Então, cada pessoa também, no espaço de formação tem oportunidade de falar. E nós
entendemos aqui que a pessoa que fala que pode expressar aquilo que entende aquilo que sente, aquilo que vê,
aquilo que ouve, ela cresce duas vezes. Cresce porque está compartilhando e cresce porque vê que outro está
recebendo seu conhecimento, sua partilha. Então é como uma circularidade. Né. Aquilo que eu sei eu transmito,
aquilo que o outro sabe, transmite para mim. E a gente vai crescendo junto. A circularidade é muito importante.
Ainda as oportunidades de aprendizagem de conhecimento. Então começa no próprio grupo. Que tem uma
cartilha, editada pela Cáritas, elaborada pela Cáritas, com seis encontros. Ali é o começo. Ao organizar o grupo
eles começam estudando essa cartilha, compartilhando os conteúdos dali. Dessa cartilha. E depois, então, um
grupo ou outro, têm assembléias de todo o grupo junto. E também, eles saem têm reuniões, por exemplo da rede
da solidariedade, reuniões do CONSEA – Conselho de Segurança Alimentar – do CONSAB e outras reuniões,
que tem na cidade, ele participa, com representações. E a pessoa que vai participar, vem e estuda com quem
ficou. Então esse vai e vem sempre acontece nessa aprendizagem. E também, as pessoas aqui desse bairro, com
muito carinho é convidada a participar de encontros grandes, por exemplo o Antônio da Horta Comunitária foi
para Brasília, né, junto com um grupo muito grande participar de uma encontro nacional do cooperativismo da
rede da solidariedade. Já foi para Porto Alegre, Santa Catarina e outros encontros grandes, né. Eles participaram
a convite para ter oportunidade de crescimento. Ao Fórum Social Mundial, daqui acho que não vai ninguém,
mas pessoal da rede que vai. Mas sempre há grupos indo. Sempre grupos que vão, e quando vão transmitem o
conhecimento. E como disse, essa palavra, esse jeito, a circularidade funciona, e é uma grande força. Desde
criança, o jovem, os adultos dentro dos grupos, na comunidade é o jeito assim, de se lidar com as pessoas. A
grande maioria das pessoas, que está nesses grupos são mulheres. Quase 100%. Dá pra dizer, 98% das pessoas
são mulheres. De todas as raças, negras, brancas, indígenas. Mais idosas, meia-idade, jovens... né. Mas, um dado
assim, muito interessante, numa pesquisa que a gente fez, num cadastro, então se perguntou assim: - qual é a sua
raça? As pessoas não querem ser da raça negra. As vezes pessoas assim, de cabelo bem característico, uma cor
bem acentuadamente negra. Diz assim, não eu sou branca. Ou não quer muito dizer. Uma característica forte. A
pessoa não quer ser da raça negra. Nem da indígena. Assim, quer ser branca, mesmo não sendo. Então, esse
dado precisa ser trabalhado, porque raça é raça. Cultura é cultura, né. Mas, as pessoas ao se integrarem nesses
grupos, digamos assim, é tudo igual. Mas, as pessoas não querem ser negras. E... sabe porquê os homens estão
mais afastados? Porque primeiro os grupos são mais organizados em função de mulheres. Nós vamos tentar
ampliar para que possam vir mais homens para poder participar. E os homens mais facilmente eles têm seus
biscates aí, tem seu empreguinho, geralmente na construção civil, trabalho pesado, né. E as mulheres, então para
não ficarem em casa, elas também vêm para os grupos. Muitas mulheres falaram assim... Oh, desde que eu estou
no grupo eu cresci na auto-estima, na valorização de mim mesma, na amizade que faço com as pessoas. Antes,
eu estava em casa sozinha em depressão. Agora, não. Agora eu vivo em companhia das outras. Agora tenha
amizades. Ih, eu me envolvo com essas coisas, eu cresço com isso. As mulheres que participam são mulheres
felizes, crescem, pessoas que são... que se valorizam. E são valorizadas, naquilo que fazem. E é importante a
gente perceber como crescem. Crescem na costura, no conhecimento, no relacionamento e na felicidade.
ADILES DA SILVA
– Grupo Mel – Unimel – Coordenadora
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Meu nome é Adiles, faço parte do Grupo de Mel, fica localizado em Caçapava do Sul, né. Nós temos desde 98
no Projeto Esperança/Cooesperança. O nosso grupo é formado de 10 famílias, né todos rurais. Sete apicultores e
três fruticultores. E a nossa caminhada começou na construção da Casa do Mel. Que foi uma dificuldade pra nós
conseguir a ter membros que quisessem se engajar nesse trabalho solidário de cooperativa. Porque o grupo
Unimel não é registrado como uma cooperativa, ela é uma limitada, mas ela funciona como uma cooperativa.
Como um grupo de participação de lucros, com divisão tudo detalhado, né. Tanto do prejuízo como do lucro,
tudo tem divisão, né. E a gente fez, fomos conseguimos um empréstimo, né, pelo FIAPERS, para construir a
Casa do Mel. Mas, naquele momento não tinha um conhecimento do comércio lá fora. E nosso trabalho sempre
foi voltado a tirar a picaretagem do mel, que vai lá no apicultor e compra e paga uma miséria, trapaça e a pessoa
que trabalha ela sempre fica mal. Aí a gente tirou o empréstimo, conseguiu, fizemos a Casa do Mel.
Conseguimos a inspeção federal e se deparamos com o comércio. Continuou vindo os picaretas pagando pouco e
comprando nosso mel. Não tinha como comercializar direto ao consumidor. Aí um amigo nosso lá de Caçapava,
disse assim: - vocês vão lá visitar a Cooesperança. Faz uma visita, fale com a Irmã Lourdes, de repente é o
caminho. Aí veio dois aqui em Santa Maria. Falamos com a irmã. Até bem pertinho de uma feira de
cooperativismo, um mês antes, e ela levou... mandou o estatuto para nós estudar, nosso grupo, pra associar com
a Esperança. Pra nós ser aliado. Aí a gente estudou e se associamos a Cooesperança. Dali, naquele momento,
começamos fazer feira, começamos deixar no terminal que é um ponto direto, começamos já vim aqui pra
Serafim Valandro, que já existia esse ponto do... – economia solidária. E começamos a fazer feira na Saldanha
Marinho. E começou a ter conhecimento e conhecimento e conhecimento do nosso mel, né. Já em seguida, já a
Colméia em Porto Alegre já vieram na Cooesperança, já contou com nós, veio nos visitar, porque lá é só produto
ecológico. Nosso mel já foi pra Colméia. Já fomos pra Expointer em noventa e nove, através da Colméia, através
do Projeto Esperança. E foi tendo aquele conhecimento e junto com o mel, nós já fomos fazendo a figada, né,
nossos doces. E fomos caminhando junto. Aí, vimos, naquela época, que o governo Olívio, das agroindústrias,
estava financiando as agroindústrias, nós também entramos no Sabor Gaúcho. O mel entrou primeiro, aí a gente
fez uma agroindústria dos doces, da figada, também ela tem Sabor Gaúcho, né. E, hoje, nós temos, podemos
dizer, que aquela grande quantidade de mel se nós tivéssemos, a gente vendia, mas infelizmente a gente depende
da natureza, este ano foi fracassado. Mas a figada deu bastante, nós vendemos tudo. Não temos praticamente
mais nada da figada. Sempre participamos da parte de formação da Cooesperança. Viaja pra onde for, pras
feiras... e sempre levamos... vestimos a camiseta. E a gente leva aonde quer que seja, em todo o país o nome da
Cooesperança. Ao nosso modo já tem gravado junto com o Sabor Gaúcho o logotipo da Cooesperança. E a
gente, todos nós, temos muito orgulho, né, de ter esse trabalho junto ao Projeto Esperança/Cooesperança. Hoje,
tem já um trabalho de rede, não sei se a irmã já te falou, né. Mas, o trabalho de rede entre os trinta municípios,
aonde eu tenho ponto fixo, lá em Caçapava, vai os produtos em São Pedro do Sul, de Faxinal do Soturno, de
Polesine, de Coronel Bicaco, aqui em Santa Maria... Então, vai produtos pra lá e vem meus produtos pra cá. A
gente faz um trabalho com os grupos, pra ver, né, que tipo de produtos, esses grupos têm. Porque nós optamos,
nosso grupo Unimel, de ter só qualidade. Qualidade, preço e ter produtos de primeira linha que garanta ao
consumidor, que é um produto bom, sem conservantes, sem nada de aditivo químico. Então, nós temos esse
trabalho, já dentro da Cooesperança, junto com esses restos dos outros grupos que trabalham com nós, esse
ideal. Tem que ser produto de qualidade, produtos que eles mesmo faz, que nosso objetivo é tirar o atravessador.
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Então não tem porque tá comprando de alguém, que já comprou de alguém que não sabe nem como é que faz,
né. Tem o nosso trabalho na Unimel. E esse aí. Hoje, nós tamos junto aqui no Centro de Economia Solidária, o
grupo Unimel e o grupo do Giacomini, trabalhando com o restante dos grupos, mas já com esse objetivo...
tentando qualificar o resto dos produtos. Devagarinho, explicando, fazendo formação... pra ver se as pessoas
entendem que nós temos que ter um produto diferenciado dum mercado convencional. Se é igual do mercado,
eles vão ali no BIG, no Nacional e compram, né. Então nós temos que ter um produto diferenciado. Para em
seguida, nós já vamos trabalhar com hortigranjeiros, mas já, só o hortigranjeiro ecológico. Já temos grupos que
trabalham só com o ecológico, que é o engenheiro que a Cooesperança contratou, que vai nos fizer se realmente
é ecológico. E a gente já tem uns três, quatro grupos que é ecológico. Nós já vamos em seguida, lá pra
novembro, trabalhar com hortigranjeiros. Porque nossos clientes estão ficando cada vez mais exigentes eles
querem produto de qualidade, né. Eles não querem mais comprar “porcaria” e querem como tem uma tradição o
Projeto Esperança, que é o grupo que faz, né. E diferenciado de uma grande escala. Aquele produto que a pessoa
faz é diferenciado de uma fábrica, que faz em grande escala. Já ali é feito com amor, com carinho, passo a passo,
produto por produto. Vai lá colhe a fruta, descasca, cozinha, põe no vidro, tudo é aquela própria pessoa que faz,
as próprias pessoas que fazem, com muito amor e carinho. Nós tivemos curso dos doces, nós tivemos eu e meu
marido. Tivemos uma semana através, do Projeto Esperança e da Cooesperança, do governo do Estado do
governo Olívio. Nós tivemos uma semana na Fazenda Souza, fazendo curso junto com aquela escola,
agroindústria da EMATER, lá tem em Caxias. Nós aprendemos lá. Pra fazê os... Nós já sabia, mas prá
aperfeiçoar e tudo. E os custos dos produtos... A gente passa conhecimento pro resto dos grupos, né. Daí,
aquelas outras pessoas, também vão aprende e vão fazer. Todos aprendem da mesma forma, todos ganham da
mesma forma e todos tem direito a perguntar. Aí, também, não é só nós... só um que vai... alguns do grupo,
também vai fazer, vão fazer outros cursos de formação e dentro também, lá dentro da Unimel, também vai
gente, por exemplo foi já da Cooesperança a dar um curso de cooperativismo, de autogestão, á também foi...
Formação, faz tudo aquela... junto todo o grupo e faz aquele curso. Porque todo mundo saí, pra vim aqui, não
tem como, né. Teve aqueles cursos pelo FAT, né, e tinham pessoas aqui dentro da Cooesperança que iam fazer.
Cada grupo ia fazer. Agora mesmo, nós temos a parte da fruticultura, que é lá de Caçapava, associação, da
fruticultura, tá fazendo um trabalho, junto com o SEBRAE. Essa parte, também, que ela entra a autogestão e
cooperativismo, né. No grupo todo mundo sabe tudo, o que deve, o que tem que pagar. E o que... todo mundo
sabe. Todos sabem. A gente comprou máquinas, está aumentando os prédios e tá... todos sabem. Até porque nós
somos cotistas. Todo mundo tem que saber, tantas cotas é tua, né. Tu tem que saber que tu tem que pagar. Tudo
é dividido. Todos discutem se é preciso, se não é preciso. Todos participam. E todos constroem. Nem se sabe se
tem estudo ou não. E... Isso aí, não altera nada. Tem que saber... tem que saber, que as pessoas tem que expor
suas idéias. As pessoas têm que expor as suas idéias, independe de aprendizado, de estudo, né... porque quantas
pessoas não tem estudo e têm idéias boas. Tem tudo escrito. Tem ata, com ata, com pauta de reunião. Tudo
direitinho. Até aquela vez, que a UNIJUÍ, fez um trabalho, né? Se lembra? O rapaz e o ANTEAG, do governo
passado, eles iam ir lá em casa, mas acabou... acabou terminando o governo e não foram. Mas... é uma rede, uma
troca de experiências com a Cooesperança/Projeto Esperança. Também, contribui, né. E nós também, temos...
sempre nas nossas reuniões, a gente fala pros outros, que não participam tanto aqui em Santa Maria, né, o quanto
a Cooesperança tá influenciando dentro do nosso trabalho, né. E quanto nós influenciamos, quanto nós somos
importantes, também... dentro da Cooesperança. É isso aí. Na parte mesmo, da apicultura agora, a gente tem a
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marcenaria e um doa nossos, colegas lá, já se propôs a ensinar o pessoal da apicultura, porque a irmã está
ligando, prum pessoal de Quevedo, ir lá aprender com ele, todo o trabalho, como lidar com abelha. Tem um
curso, lá, que estão dando. Um curso da EMATER, onde ele está também ajudando o pessoal a ensinar passo a
passo, pra não seguir errado. Começar tudo certinho. Minha filha, mesmo participa na área de vendas. Na área
agora da colheita, mesmo de janeiro a março, também ela participa... como faz o produto, e mais na... As outras
crianças também. É que tem poucas. Né. Mas as outras participam na parte da apicultura. Elas participam na
parte da apicultura. As meninas do José Teixeira participam na parte da apicultura. Famílias. Nós éramos dez,
hoje nós estamos em oito. Por causa que tinha um engenheiro que era... trabalhava com nós, ele saiu. Também,
nada contra, mas só nos causou transtorno, dentro do grupo, né. Por causa que ele tinha uma idéia, só de
capitalismo, né. Só capitalismo. Só capitalismo. Vende, Lucro. Qual é o lucro? Qual é a venda? Qual é o lucro?
Não tinha esse espírito de solidário, com o outro. Ele não tinha. Então, automaticamente, ele, não foi nós, que
mandamos embora. Ele sentiu que não era ali o lugar dele. E o outro, o outro rapaz, era um rapaz solteiro, que
também saiu, foi ter outra vida e aí... só por isso. Não teve problema nenhum. Aliás, dá prá viver. Dá prá ter uma
vida, não tão assim, como se diz, de rico, mas dá prá ter uma vida digna pelo menos pros filhos, para aquela
pessoa, né. Dá prá viver. Cada vez a gente. A gente às vezes, não... como é que eu vou te dizer... o lucro tu
sempre está evoluindo. Nosso grupo está sempre evoluindo. Não tem dinheiro no Banco, mas tem máquinas,
agora mesmo a gente foi à Caxias, ontem, no SEBRAE, pra ver máquinas. Está sempre tentando a evoluir. Mais
máquinas e mais máquinas. Pra fazer mais rápido, fazer mais uma escala, diminuir o custo, né. Vivem tranqüilos.
Dentro dos limites. Todos têm casa, carro... Já tinham, e agora todos têm seu carrinho. E, até esse rapaz do mel,
ele tinha só uma camionetinha. Hoje, tá com outra camioneta, mas ele investiu muito na máquina pesada. Porque
é marcenaria. Nas caixas de abelha. Ele faz licitação, já tá entrando na Prefeitura de Caçapava, na Prefeitura de
Sepé. Prá caixa de abelha, né. Então ele... o nosso objetivo sempre foi esse... não dever prá governo. Da empresa
não se deve nada. A empresa é limpa. Prá ninguém se deve, né. Mas, no caso... Tudo em dia, funcionário...
Tudo, tudo que tiver que ser... Nós não temos funcionário. Nós temos diaristas, na época de safra. E tudo em dia.
Não se deve um pila pra ninguém. Pode ter financiamento, né, como nós temos. Da Cáritas, nós temos, da
FIAPER, mas no dia tá lá o dinheiro, tá lá pago. Certinho (se estivesse trabalhando sozinha). Seria muito pior.
Porque aí, você não tem a visão de mercado. Sozinha, assim, separado, tu não tem... isolado, tu não tem... morre.
Morre tudo. Das feiras, também, que tu tem o conhecimento, porque vem gente de toda a parte. Aí tu vai te
enganchando, e vai te achando. Exatamente. Aprendizagem. Às vezes, tu nem tem tanto. Tu vem numa feira, que
te dá prejuízo, entendeu? Mas o que tu aprende... o que levou, e o retorno que vem depois, te traz o lucro. Pra
nós muitas vezes, nós viajamos com feira, te dá prejuízo, tu conta o teu dia de trabalho. Tudo te dá prejuízo.
Muitas vezes. Mas, aquilo que vem depois, do retorno... Não eu vi teu produto lá... eu vim aqui. E o que
aprendeu é que vem depois. Vai dar o retorno, depois. De lucro, é né. Porque, daí as coisas vem depois,
automaticamente elas vem vindo, né. Porque tu aprendeu a construir. Exatamente.
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