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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Mestrado em Tecnologia Educacional para a Saúde
A relação entre a formação e a prática
profissional dos Auxiliares de Consultório
Dentário: a visão dos profissionais da área
odontológica do Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Rio de Janeiro
Carmen Cristina Carvalho Falcon
Orientadora: Profª. Drª. Eliana Claudia de Otero Ribeiro
Rio de Janeiro
Março/2006
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ii
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Mestrado em Tecnologia Educacional para a Saúde
A relação entre a formação e a prática profissional
dos Auxiliares de Consultório Dentário: a visão dos
profissionais da área odontológica do Corpo de
Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
Carmen Cristina Carvalho Falcon
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia
Educacional nas Ciências da Saúde, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Mestre em Tecnologia
Educacional nas Ciências da Saúde.
Orientadora:
Profª. Drª. Eliana Claudia de Otero Ribeiro
Rio de Janeiro
Março/2006
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iii
A relação entre a formação e a prática profissional
dos Auxiliares de Consultório Dentário: a visão dos
profissionais da área odontológica do Corpo de
Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
Carmen Cristina Carvalho Falcon
Orientadora: Profª. D. Eliana Claudia de Otero Ribeiro
Dissertação de Mestrado submetida à Banca examinadora no Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários a obtenção do grau de mestre.
Aprovada por:
_____________________________________
Presidente, Prof
a
. Drª Eliana Claudia de Otero Ribeiro
_____________________________________
Prof. Dr. Carlos Otávio Fiúza Moreira
_____________________________________
Profª. Drª. Maria Inês Carsalade Martins
__________________________________________
Prof
a
. Drª Victoria Maria Brant Ribeiro – Suplente
__________________________________________
Prof
a
. Drª Tânia Celeste Nunes – Suplente
Rio de Janeiro
Março/2006
iv
Dedico este trabalho
Aos meus filhos, Ana Carolina e Fernando,
meus amores eternos.
v
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho é o fruto de um processo de reflexão profissional
iniciado há alguns anos. Este movimento trouxe mudanças profundas no meu
olhar sobre o trabalho e a educação em saúde. Assim, não poderia deixar de
agradecer sinceramente àquelas pessoas que verdadeiramente participaram do
caminho percorrido.
À minha orientadora e amiga Eliana Claudia, pelo incansável suporte
acadêmico e afetivo na elaboração deste trabalho.
Ao Rogério, pela cumplicidade, solidariedade e ajuda acadêmica durante
este período tão conturbado.
À minhas amigas e companheiras de trabalho, Sônia Pereira e Simone
Vincent, cabem agradecimentos sinceros de quem sabe que contou com muita
ajuda desde o início, sem a qual não teria chegado até aqui.
Ao Rosemiro, por ter me incentivado a começar este percurso.
Aos meus filhos, Ana Carolina e Fernando, pela compreensão nos
inúmeros e inevitáveis momentos de ausência e cansaço.
Aos meus amigos, por terem compreendido e suportado meus momentos
de reclusão na tentativa de cumprir mais esta etapa.
Aos professores, funcionários e colegas do NUTES/UFRJ, especialmente à
Prof
a
Victoria Brant, por terem participado de forma ativa neste percurso.
vi
RESUMO
A relação entre a formação e a prática profissional dos Auxiliares de Consultório
Dentário: a visão dos profissionais da área odontológica do Corpo de Bombeiros Militar
do Estado do Rio de Janeiro
Carmen Cristina Carvalho Falcon
Orientadora: Profª. Drª. Eliana Claudia de Otero Ribeiro
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida à Banca examinadora no Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de mestre.
A Odontologia do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
(CBMERJ) sofreu significativas transformações identitárias nos últimos 10 anos e caminha
para ocupar um novo espaço no campo de formação profissional. O planejamento e execução
de projetos educacionais voltados para os oficiais e praças da área odontológica, levou a uma
reflexão crítica a respeito dos modelos tradicionais de aprendizagem centrados no objeto e no
produto, e não no processo. A partir daí, surgiram os questionamentos a respeito da relação
entre a formação e a prática dos profissionais, relação essa que passa a se tornar objeto deste
estudo. A aproximação aos sujeitos envolvidos no cuidado odontológico da instituição buscou
analisar suas visões sobre o trabalho que realizam e sobre como concebem seu processo de
formação. Esta aproximação desenvolveu-se por meio de estudo qualitativo com a formação
de grupos focais. A amostra foi composta por 2 grupos distintos: sete dentistas e nove
auxiliares do CBMERJ. Os encontros foram gravados em áudio e posteriormente transcritos.
A análise dos dados obtidos com as transcrições foi feita sob a óptica da análise de conteúdo
preconizada por Bardin. Os resultados obtidos reforçam a proposição de caminhos que
busquem uma reflexão conjunta com os sujeitos da prática. A partir deste olhar, o estudo
propõe a implementação de uma política de Educação Permanente em Saúde no CBMERJ.
Palavras-chave: formação profissional; educação e trabalho em saúde; profissões
auxiliares; recursos humanos em saúde; ocupações em saúde; educação permanente.
Rio de Janeiro
Março/2006
vii
ABSTRACT
Rio de Janeiro Fire Department’s Odontology has undergone a meaningful identity
transformation in the past ten years, that leads to a new place in the professional training field. By
planning and accomplishing educational projects aimed at dentistry officers and sub-officers, a
critical reflexion on traditional learning methods came out, condemning its focus on objects and
products and not on processes. From that moment on, the relation between training and practice
came into question. This relation constitutes the central theme of this work. The author has
maintained with the corps’odontological agents, in order to analyse their vision about their own
work and their concepts about training. The research was carried out a qualitative study and focus
groups. The sample was constituted by two different groups: seven dentists and nine assistants. The
focus groups activities were recorded and transcripted. Data analysis used Bardin’s Content
Analysis. The results stress the value of proposals that are anchored in a joint reflexion between
researchers and practioners. The work recommends the constitution of a Permanent Education
Policy for the corp’s Health services.
Keywords: professional education; education and health; education and work in the area of
health; occupations in health; human resources in health; permanent education.
viii
LISTA DE ABREVIATURAS E/OU SIGLAS
ABO Associação Brasileira de Odontologia
ACD Auxiliar de Consultório Dentário
APCD Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas
BM Bombeiro Militar
CBMERJ Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
CD Cirurgião Dentista
CEB Câmara de Educação Básica
CEPO Centro de Estudos e Pesquisas Odontológicas
CES Câmara de Educação Superior
CFE Câmara Federal de Educação
CFO Conselho Federal de Odontologia
CIEP Centro Integrado de Educação Pública
CNE Conselho Nacional de Educação
CNSB Conferência Nacional de Saúde Bucal
OcM Odontocentro Militar
CRO Conselho Regional de Odontologia
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DGO Diretoria Geral de Odontologia
EAT Estágio de Atualização Técnico Profissional para ACDs
EC Educação Continuada
EP Educação Permanente
EPS Educação Permanente em Saúde
EPSJV Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
FSESP Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública
GM Gabinete do Ministro
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
ME Ministério da Educação
MEC Ministério da Educação e Cultura
MS Ministério da Saúde
NUTES Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Of. Oficial
OM Odontoclinica Militar
OMS Organização Mundial de Saúde
OPAS Organização Panamericana de Saúde
PSE Programa Saúde na Escola
QBMP Qualificação Bombeiro Militar Profissional
QOS Quadro de Oficiais de Saúde
SEMTEC Secretaria de Educação Média e Tecnológica
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SUS Sistema Único de Saúde
UAO Unidade de Atendimento Odontológico
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
ix
SUMÁRIO
Resumo 06
Abstract 07
Lista de Abreviaturas e/ou siglas 08
Introdução 10
Capítulo 1 - O mundo contemporâneo: implicações educacionais da nova organização e
gestão do trabalho em saúde
15
1.1 O trabalho e as organizações: breve histórico 17
1.2 O processo de trabalho em saúde 27
1.3 A relação gestão/educação/trabalho 37
Capítulo 2 - A educação profissional de nível técnico em saúde 45
2.1 A história da educação profissional no Brasil 46
2.2 A formação profissional em saúde 48
2.2.1 A formação do ACD 51
2.2.2 O percurso de regulamentação do exercício profissional 53
2.2.3 Os ACDs no contexto CBMERJ 60
Capítulo 3 - O trabalho e a formação do ACD: a visão dos profissionais da área
odontológica do CBMERJ
65
3.1 O processo de trabalho do ACD 73
3.1.1 O trabalho na Odontoclínica Militar 73
3.1.1.1 As relações de poder e o militarismo 75
3.1.1.2 A hierarquia militar como “organizadora” das práticas 80
3.1.2 Os sujeitos da prática no consultório 82
3.1.2.1 “Alguém”: a ausência de identidade 84
3.1.2.2 O trabalho a 4 mãos: o ideal de eficiência no processo de trabalho 86
3.2 A formação profissional do ACD 90
3.2.1 A construção da identidade profissional 91
3.2.1.1 O ACD “artesão”: parceiro do dentista 92
3.2.1.2 O ACD “profissional de saúde” 93
3.2.2 A preparação para o trabalho 94
3.2.2.1 A singularidade da formação para o trabalho 96
3.2.2.2 A busca da legitimidade profissional 100
Capítulo 4 – Perspectivas e Desafios 106
Referências Bibliográficas 112
INTRODUÇÃO
As transformações identitárias sofridas pela Odontologia do Corpo de Bombeiros
Militares do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) nos últimos 10 anos são significativas.
Inicialmente caracterizada como prestadora de serviço odontológico para a Corporação,
caminha para ocupar um novo espaço como campo de formação profissional. A partir deste
novo enfoque, a visão da própria Corporação quanto às questões de busca de qualidade no
atendimento odontológico tem priorizado a valorização de suas equipes por meio de
atualização, ressaltando-se a importância da qualidade do cuidado e a relevância social de
seus profissionais.
Minha primeira aproximação com a questão da formação dos Auxiliares de
Consultório Dentário (ACDs) no CBMERJ surgiu após quase 7 anos de atividades
profissionais na Corporação, época em que estas envolviam o atendimento aos pacientes e,
por conseguinte, o trabalho direto com os ACDs. Pude observar, então, a dificuldade que
alguns deles apresentavam para o exercício profissional, principalmente aqueles que haviam
ingressado no concurso público de 2000.
11
Em 2001, durante o CSA (Curso Superior de Aperfeiçoamento)
1
, houve a primeira
proposta de criação de um curso para ACDs que pudesse propiciar aos nossos praças um
melhor preparo profissional. Após o curso, iniciei meu trabalho na área de ensino da
Corporação, no Centro de Estudos da 1
a
Odontoclínica Militar (OM) no Quartel Central, onde
recebíamos ACDs estagiários, provenientes de diversos cursos particulares de formação.
Mais tarde, em 2003, com criação do Centro de Estudos e Pesquisas Odontológicas
(CEPO), unidade na qual atuo até o presente momento, encontrei o suporte necessário para
desenvolver as questões que me instigavam. O CEPO foi criado com a missão de promover
ensino e pesquisa científica na área odontológica da Corporação, com base numa visão que
atribuía à falta de conhecimentos técnico-científicos os problemas da prática.
Investidos da responsabilidade pelo planejamento e execução de projetos educacionais
voltados para nossos oficiais e praças da área odontológica, e direcionados à prática
profissional comprometida com a boa atenção à saúde em seu sentido mais abrangente,
iniciamos uma reflexão crítica a respeito dos modelos tradicionais de aprendizagem centrados
no objeto e no produto, e não no processo. A partir daí, surgiram os questionamentos a
respeito da relação entre a formação e a prática de nossos profissionais da área odontológica,
relação essa que passa a se tornar objeto deste estudo.
Com um olhar mais apurado, orientado por referenciais teóricos diferentes daqueles
que haviam prevalecido no CEPO até então, percebemos que os problemas que obstaculizam
o alcance da qualidade da prestação de serviços oferecida pelas diversas Unidades
Odontológicas Militares não se restringiam aos problemas referentes ao conhecimento
profissional. Na verdade, a busca da qualidade envolve a aproximação aos problemas,
entendendo-os como bem mais complexos por reunirem dimensões várias - afeitas aos
1
CSA: Curso Superior de Aperfeiçoamento. Curso regular, nível de especialização, na área de Gestão de
Organizações de Saúde, oferecido pelo CBMERJ aos seus oficiais que estão prestes a deixar as atividades
clínicas para iniciar sua atuação em atividades administrativas.
12
recursos humanos, à estrutura física, às articulações político-administrativas, aos processos de
decisão etc.
Assim, percebemos que as perspectivas dos processos de integração entre trabalho e
educação fazem com que seja incluída entre as competências dos gestores a análise das
alternativas que se apresentam para a formação e a educação permanente dos trabalhadores do
setor saúde, tendo em vista a formulação, a operação, o acompanhamento e a avaliação de
atividades ou projetos que visem subsidiar ou implementar políticas e estratégias para
alcançar a qualidade na prestação do cuidado.
A partir dessa nova forma de conceber a relação da formação profissional com a
qualidade do serviço, o CEPO toma como norteador o conceito de Educação Permanente
(EP), inserindo-a na Odontologia da Corporação como política de desenvolvimento de
recursos humanos que pressupõe educação no trabalho, pelo trabalho e para o trabalho e
considera que a gestão do conhecimento e a gestão do trabalho são processos indissociáveis.
A responsabilidade dos serviços de saúde no processo de transformação das práticas
profissionais e das estratégias de organização da atenção à saúde, levou ao desenvolvimento
pela Organização Panamericana da Saúde (OPAS) na década de 1990 de uma proposta
metodológica de educação permanente (EP), aí considerada como um recurso estratégico para
a gestão do trabalho e da educação na saúde. Ao assumir como objetivo a melhoria da
qualidade do serviço que se oferece, constituiu-se em instrumento pedagógico da
transformação do trabalho e desenvolvimento permanente dos trabalhadores em nível
individual e coletivo. Incorporada como política pública nos âmbitos da educação e gestão do
trabalho coletivo em saúde, a educação permanente tornou-se uma ferramenta estratégica para
a transformação das práticas de formação em serviço.
13
Como gestores olhando uma organização que sofre transformações no seu espaço
institucional, em busca da qualidade dos serviços oferecidos, buscamos compreender a
relação entre a formação e a prática de nossos profissionais.
Na Odontologia do CBMERJ, a dimensão educativa no ambiente de trabalho tem sido
gradativamente valorizada a partir de visíveis modificações na sua área de ensino. Nosso
objetivo é permitir uma reestruturação dos processos de desenvolvimento de seus recursos
humanos segundo uma diretriz de desenvolvimento para a qualidade do cuidado na atenção
odontológica.
Nosso estudo situa-se nesse contexto de reestruturação das atividades do CEPO.
Buscamos estudar a relação entre a formação e a prática dos auxiliares de consultório dentário
do CBMERJ sob a óptica dos profissionais da área odontológica da nossa instituição. Ao
assumirmos que nosso objeto de estudo inclui os sujeitos que nele atuam, e considerando a
historicidade inerente aos processos de formação e educação, decidimos por um estudo
qualitativo envolvendo a análise das concepções destes sujeitos sobre o trabalho que realizam
e sobre como concebem seu processo de formação.
No 1
o
Capítulo abordamos brevemente as implicações educacionais da nova
organização e gestão do trabalho em saúde destacando as três categorias teóricas que orientam
nosso estudo: as organizações, a formação profissional e o processo de trabalho em saúde.
No Capítulo 2, reconhecendo que a historicidade inerente aos processos de formação
dos profissionais de saúde manifesta-se, certamente, nas concepções e conflitos dos sujeitos
da prática, buscamos entender quais são as concepções de trabalho e de educação subjacentes
aos processos hegemônicos no campo da odontologia.
No 3
o
Capítulo analisamos os resultados do trabalho empírico realizado em grupos
focais, em uma amostra composta por 2 grupos distintos de CDs e ACDs do CBMERJ. Sob a
óptica da análise de conteúdo preconizada por Bardin (1977), agrupo-os em dois eixos
14
centrais, por categorias empíricas oriundas da análise das entrevistas coletivas, os quais
organizam a interlocução dos referenciais teórico-conceituais, desenvolvidos previamente.
No Capítulo 4, cotejamos os resultados com as perguntas orientadoras do nosso
estudo: (1) De que maneira a hierarquia militar influencia o núcleo de identidade profissional
do ACD na organização do trabalho para o cuidado odontológico no CBMERJ? (2) A
inserção profissional de ACDs e CDs no CBMERJ configura um trabalho em equipe regido
por complementaridade ou justaposição de tarefas? (3) A prática odontológica no CBMERJ
pode configurar-se como cenário relevante para a formação profissional do ACD?
Minhas conclusões são apresentadas neste capítulo como desafios e perspectivas,
entendendo que os resultados de meu estudo dirigem-se para a transformações das práticas do
CBMERJ.
.
CAPÍTULO 1
O
MUNDO CONTEMPORÂNEO: IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS DA NOVA
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DO TRABALHO EM SAÚDE
Essencialmente interdisciplinar e coletivo, o trabalho em saúde pressupõe o domínio
de saberes e técnicas específicos. Na sociedade contemporânea, as transformações no mundo
do trabalho são rápidas e nela o avanço tecnológico acelerado configura a sociedade virtual,
que alça a informação e a comunicação a posições de destaque. Nesse contexto, são contínuos
os desafios para aqueles que atuam na formação profissional em saúde e preocupam-se em
torná-la efetiva. As instituições envolvidas com o ensino devem passar por profundas e
permanentes modificações em suas práticas e culturas para que estejam aptas a enfrentar esses
desafios. As organizações voltadas para o trabalho em saúde, por sua vez, precisam reavaliar
suas práticas e culturas pois as intensas modificações ocorridas e a incorporação de
tecnologias agregam novas necessidades ao setor, que deve estar preparado para supri-las.
Assim, as instituições envolvidas em cada um dos dois lados da relação trabalho-educação
devem fazer esforços próprios de adaptação.
As organizações de saúde, ademais, precisam ser entendidas de forma peculiar, pois
os serviços de saúde se caracterizam pela geração de produtos não materiais. O trabalho em
saúde, integrando o amplo conjunto do que podemos chamar de prestação de serviços, é uma
16
produção imaterial que não pode ser armazenada ou transportada, mas tão somente
“consumida” no ato de sua realização (PEDUZZI, 1998).
Dessa forma, a gestão do trabalho nos serviços de saúde adquire conotações
peculiares em função do significado especial que tem o trabalho em seu processo de
produção. Lidar com ele tem implicações especiais, porque não se trata apenas de uma
mercadoria cujo valor se estipule de acordo com as regras de mercado, ou mesmo de um fator
de produção cuja utilização se estabeleça conforme regulamentos cristalizados em leis. A
produção de serviços de saúde é um processo onde se realizam múltiplos e variados
interesses, incluindo aqueles dos atores diretamente implicados (beneficiários e profissionais),
bem como de tantos outros, como os próprios gestores ou representantes de grupos políticos.
Para Nogueira (2002), debater questões como essas certamente contribuirá para
equacionamentos desejáveis para as polêmicas presentes atualmente no campo da formação e
gestão de recursos humanos de saúde no Brasil.
Neste sentido, não devemos desprezar a complexidade do atuar em saúde e a
necessária multidisciplinaridade deste agir, admitindo que o ‘cuidado de saúde’
1
deve ser
tomado de forma bastante ampliada, considerando o conjunto dos variados contextos sociais e
técnicos em que se realiza. A noção de “cuidado” que ultimamente vem sendo empregada
possui um sentido mais amplo e reforça as dimensões éticas da saúde. Merhy (2002) afirma
que no campo da saúde o objeto não é a cura, ou a promoção e proteção da saúde, mas a
produção do cuidado, por meio do qual se crê que se poderá atingir a cura e a saúde, que são
de fato os objetivos a que se quer chegar. Assim, o nó crítico a ser trabalhado pelo conjunto
de gestores e trabalhadores dos estabelecimentos de saúde consiste em pensar modelagens dos
processos de trabalho em saúde que consigam combinar a produção dos atos cuidadores com
1
Nogueira (2002, p.261), afirma que o “cuidado de saúde é ao mesmo tempo uma expressão antiga e nova.
Admite um uso corriqueiro, como sinônimo de atendimento à saúde. Mas é nova no uso que dela se vem
fazendo, em que se toma cuidado não como sinônimo de atendimento ou de serviço, em seu sentido utilitário,
mas como objeto de uma hermenêutica voltada para as relações entre a equipe de saúde e seu paciente”.
17
a conquista dos resultados de forma eficaz. Esse desafio, certamente, ganha o contorno
singular de cada instituição, mas está igualmente condicionado pela história das organizações
e da gestão do trabalho.
1.1 O trabalho e as organizações: breve histórico
Como afirma Manfredi (2002), o trabalho é, desde os tempos mais remotos da
história da civilização humana, uma atividade central voltada para a garantia de sobrevivência
das populações assim como para a organização e funcionamento das próprias sociedades.
Deste modo, tornou-se um eixo temático importante nas reflexões teóricas das ciências sociais
e humanas.
Nas sociedades primitivas, encontramos caracterizada o que podemos chamar de
primeira divisão social do trabalho, onde crianças e jovens se responsabilizavam por algumas
tarefas domésticas enquanto às mulheres cabiam não só atividades domésticas como também
o auxílio na produção agrícola. Já os homens envolviam-se com tarefas consideradas mais
nobres, como a colheita e a caça. Mais tarde, nas sociedades agrícolas, as tarefas das
mulheres, das crianças e dos jovens se mantêm, enquanto que as tarefas masculinas ficam
mais complexas com o desenvolvimento do trabalho em atividades artesanais com ferro,
madeira, pedra e outros materiais nobres.
Associada à idéia de uma repartição de funções sociais ligadas ao domínio da
produção, da distribuição e comércio de bens e do exercício das funções religiosas e políticas,
ocorre uma nova divisão social do trabalho em função do desenvolvimento do artesanato, do
aumento da produção agrícola e do crescimento das cidades, que tem como conseqüência a
necessidade de ampliação do comércio levando ao aparecimento de classes sociais
diferenciadas: artesãos, comerciantes, guerreiros, padres, etc. Com isso, surgem as chamadas
18
corporações de ofício, que serão a base das futuras categorias sócio-profissionais, e a
separação entre o trabalho manual e intelectual. É nesse momento, em decorrência dessas
mudanças no sistema econômico das sociedades, que surgem as primeiras noções de
profissões e de especializações profissionais.
Nestas sociedades conhecidas como pré-industriais e onde predominava uma
economia de subsistência, podemos considerar que os trabalhadores controlavam seu processo
de trabalho independentemente da escolaridade ou da disponibilidade financeira. Quando
acontece a mudança para uma produção voltada para a troca ocorrem importantes
transformações, tanto nas sociedades como nas formas de organização do trabalho. Essas
transformações do trabalho artesanal, assim como o aparecimento da grande indústria entre os
séculos XVIII e XIX, levam ao aparecimento do trabalhador de atividade assalariada, que é a
modalidade característica encontrada nas sociedades capitalistas contemporâneas. As
transformações técnico-produtivas e o crescimento das ocupações em diferentes setores
econômicos são influenciados pelo desenvolvimento propiciado pela ciência moderna e pelas
inovações tecnológicas. Atualmente, encontramos uma sociedade institucionalizada, repleta
de organizações, constituídas de pessoas e recursos não-humanos nas quais, apesar de sua
heterogeneidade, ocorrem todas as atividades de produção de bens e de prestação de serviços.
Uma segunda onda de inovações tecnológicas, conhecida como Segunda Revolução
Industrial, induziu ao aparecimento da administração científica na virada para o século XX
como resposta à evolução capitalista. Em um período marcado por uma intensa competição
internacional decorrente fundamentalmente de um processo de abertura comercial, ampliação
dos mercados e de significativos avanços no campo tecnológico foram estabelecidas as bases
daquilo que é conhecido como Teoria Clássica da Administração e também Administração
Científica. Foi a partir destas idéias que tantos princípios mecanicistas da organização ficaram
19
enraizados nos nossos pensamentos cotidianos
2
(ROVERE, 1994; MARTINS, 2002;
MORGAN, 1996). Nascida em um campo de prática e conhecimento autônomo nos Estados
Unidos, a ciência administrativa ficou focalizada no trabalho manual de tal maneira que
transformou o trabalhador em uma máquina ergonômica susceptível de adestramento e
otimização.
Henry Fayol defendia que a administração estava centrada no planejamento, na
organização, direção, coordenação e controle, exigindo o desenvolvimento de métodos e
técnicas específicos orientados para estas funções, ou seja, em que trabalha conceitualmente
as funções administrativas e o processo organizacional tendo como objetivo a eficácia
econômica e a excelência administrativa. Nessa mesma época, Frederick Taylor
3
irá buscar
nos princípios da engenharia mecânica o embasamento técnico científico para administrar o
trabalho em uma nova lógica cujos pontos centrais são: a divisão do trabalho, a separação
entre órgãos de staff e de linha, a centralização da autoridade, e a redução do arbítrio pelo
aumento do controle com ênfase na burocracia (MARTINS & DAL POZ, 1998; MARTINS,
2002). Como referências principais da teoria da administração, seus trabalhos desenham um
modelo que reflete o paradigma mecanicista dominante na época. No processo de introdução
das máquinas em substituição ao trabalho humano, o trabalhador perde o domínio sobre o
produto do seu trabalho passando a representar, cada vez mais, uma peça na engrenagem da
indústria. Morgan (1996) identifica essa imagem da organização como a metáfora da
2
Para maiores esclarecimentos consultar a principal obra do expoente da chamada Administração Científica:
Princípios de Administração Científica de Frederick Wislow Taylor (1854-1915) e a obra mais significativa do
fundador da Escola Clássica: Administração Industrial e Geral de Henri Fayol (1841-1925). São considerados
autores clássicos pois de alguma forma introduzem o rigor científico no estudo das empresas e sem dúvida
estabelecem um marco referencial na teoria das organizações. Tanto Taylor como Fayol eram engenheiros que
tiveram pela frente o desafio de compreender a lógica das organizações. Enquanto Taylor trabalhou em uma
perspectiva mais operacional, ou seja, estudou a organização de baixo para cima; Fayol preocupou-se mais com
a questão estrutural das organizações. Ambos têm uma linha de raciocínio semelhante, fazem observações
pontuais, são objetivos, diretos e lineares em sua abordagem, e procuram trabalhar com exemplos práticos, pois
têm claramente uma dimensão didática em suas explanações. (MORGAN, 1996)
3
A divisão entre o saber e o fazer, entre mãos e cérebro pode ser considerada a característica mais típica do
enfoque taylorista, sendo o marco da divisão técnica e social do trabalho tão discutida atualmente. (MORGAN,
1996)
20
máquina, onde o método científico influencia as organizações em termos de aumento da
produtividade, e assinala que esse modelo fez parte de uma tendência social mais ampla, que
envolveu a mecanização da vida de uma forma geral.
Orientada pelo predomínio da razão instrumental, o objetivo final na administração
de aumento da produtividade pela articulação de objetivos, estrutura e recursos, passa a ser
buscado por uma estratégia de qualificação de pessoal que se baseava em treinamentos com
conteúdos técnicos específicos e de aplicação direta no trabalho.
As escolas de Taylor e Fayol defendiam não só os processos de adestramento para a
realização de tarefas como também algumas concepções organizacionais que ainda perduram,
inclusive nos serviços de saúde. Dentre elas ressaltamos aquela de que o poder das
organizações tem por base a autoridade, responsabilidade e disciplina, sendo a autoridade o
“direito de mandar e o poder de se fazer obedecer” e a disciplina caracterizada pela
“obediência ao sistema de autoridade existente, sendo absolutamente necessária, pois
nenhuma organização pode prosperar sem ela”.
De acordo com Rovere (1994), os serviços de saúde são coerentes com essa lógica,
sendo considerados uma das estruturas sociais mais estratificadas e mais rígidas, no que se
refere à mobilidade horizontal e, sobretudo, vertical. Para o autor, as organizações de saúde
são uma mescla de fábrica, laboratório e supermercado, com uma vasta gama de serviços
segmentados e superpostos que se interligam para tornar a ação produtiva mais eficaz. Esta
definição presta-se perfeitamente ao consultório odontológico, uma organização de saúde de
pequeno porte onde acontecem várias atividades setorizadas e simultâneas que devem
interligar- se com o objetivo de prestação de um atendimento odontológico eficaz.
Ao observarmos estas definições presentes nas organizações de saúde, imediatamente
deparamo-nos com características reconhecidamente pertinentes às organizações militares. Na
verdade, as organizações mecanicistas muito apreenderam do militarismo, desde os tempos de
21
Frederico, o Grande, da Prússia, cuja visão de um exército “mecanizado” tornou-se
gradualmente uma realidade nas situações de fábrica e escritório. As organizações militares
apresentam-se extremamente burocratizadas, num padrão de cargos precisamente definidos e
organizados de maneira hierárquica por meio de linhas de comando ou de comunicação
também precisamente estabelecidas. Com isso, visam a uma operação tão precisa quanto
possível dentro de padrões de autoridade, respondendo ao perfil de responsabilidades nos
cargos e ao direito de dar ordens e exigir obediência (MORGAN, 1996; MINTZBERG,
2003).
Os anos de 1920 e 1930 caracterizaram-se por uma crise econômica nos EUA
também atribuída à revolução tecnológica na qual a incorporação das máquinas aumentava a
produtividade, economizava mão de obra bem como estimulava o consumo desenfreado. É
nesse mesmo período, no final da década de 1920, que as Escolas das Relações Humanas vão
destacar a importância dos grupos, que podem ser considerados redes de poder e influência.
Posteriormente, os neoclássicos
4
, representados por Peter Drucker, assumiram a liderança
conceitual. Para seus autores, a administração consiste em orientar, dirigir e controlar os
esforços de um grupo de indivíduos para um objetivo comum, sendo uma atividade
generalizada essencial a todo esforço humano coletivo, seja na empresa industrial, na empresa
de serviços, no exército, nos hospitais, etc. Este grupo representou, provavelmente, a maior
influência no pensamento hegemônico predominante na administração hospitalar da América
Latina (ROVERE, 1994).
4
A abordagem neoclássica, considerada a redenção da Teoria Clássica devidamente atualizada e redimensionada
aos problemas administrativos atuais, caracteriza-se por uma forte ênfase nos aspectos práticos da
Administração, pelo pragmatismo e pela busca de resultados concretos e palpáveis, muito embora não se tenha
descurado dos conceitos teóricos da Administração. (ROVERE, 1994)
22
Mais tarde, as Escolas da Teoria da Organização, orientadas pelo pensamento de
Max Weber
5
, confrontaram-se duramente com os neoclássicos, demonstrando que muitos dos
postulados destes e dos clássicos entravam em contradição. No que se refere à questão do
poder, sua teoria afirma que o importante não é mandar ou ter autoridade sobre os demais,
mas sim ter a influência necessária para que a conduta dos demais se ajuste aos objetivos
perseguidos. Isso gerou certa inquietação nos neoclássicos, rapidamente desfeita com a
chegada das Escolas que aplicaram a Teoria Geral de Sistemas nos anos de 1930,
representadas por autores como Katz & Johnson
6
.
Sem dúvida, a imediata sedução desta teoria para as Escolas de Saúde Pública era
irresistível, já que sua inegável origem biológica trazia muito mais sentido ao aprendizado de
alunos provenientes das carreiras de saúde. Na verdade, esta Escola retomou critérios de
autoridade que já haviam sido superados pela Escola da Teoria da Organização, surgindo
como uma escola epistemologicamente conservadora.
Neste cenário, concomitantemente ao revigoramento do processo de industrialização,
inicia-se um processo de reaquecimento dos mercados. No final dos anos de 1940, no pós-
guerra, ocorrem o reordenamento político internacional e conseqüente reestruturação
macroeconômica. Na década de 50 o modelo fordista
7
se consolida como uma versão mais
aprimorada do modelo taylorista, quando as organizações passam a considerar importante a
adesão dos trabalhadores aos objetivos institucionais para viabilizar sua permanência no
mercado.
5 Autor que contribuiu no estudo e desenvolvimento da teoria da burocracia, e também a uma concepção de
poder nas organizações que relacionava-o ao conceito de legitimação, geralmente associado ao fenômeno de
liderança (CHIAVENATO, 2000; ROVERE, 1994)
6 Surgiu da percepção dos cientistas, de que certos princípios e conclusões eram válidos e aplicáveis a diferentes
ramos da ciência. A partir disso, Ludwig Von Bertalanffy lançou em 1937 a Teoria Geral de Sistemas. Essa
teoria foi amplamente reconhecida na administração da década de 60. Foi difundida devido a necessidade de
síntese e integração das teorias anteriores. Sobre o assunto ver CHIAVENATO, 2000.
7 Conjunto das teorias sobre administração industrial, criadas pelo industrial e fabricante de automóveis norte-
americano Henry Ford (1863-1947), que se baseava na fabricação em massa de bens padronizados através do uso
de máquinas não flexíveis, exigindo de seus trabalhadores, semi-qualificados, o cumprimento rigoroso de
normas operatórias, prescrição das tarefas, disciplina e não comunicação durante o trabalho.
23
É nesta época, quando as organizações passam a ser vistas pela metáfora do
organismo
8
(MORGAN, 1996), que a teoria administrativa passa por uma verdadeira
revolução conceitual: o surgimento da abordagem humanística transfere a ênfase colocada na
tarefa e na teoria organizacional para as pessoas que trabalham ou participam nas
organizações, e o trabalho humano passa a ser visto como recurso valioso para o seu
desenvolvimento. Deste modo, vai buscar na Escola Behaviorista
9
o suporte teórico e
instrumental para cumprir seu objetivo de adequação do indivíduo à empresa dando aos
programas de capacitação um caráter de adestramento onde, aos conteúdos técnicos
específicos, são acrescidos conteúdos comportamentais e relacionais. É neste contexto que
tem origem a “psicologia organizacional”, que é a principal base teórica para as ações da área
de desenvolvimento de recursos humanos das empresas até os dias de hoje.
Nos anos 1970, devido às mudanças socioeconômicas mundiais, ocorre uma
profunda crise e uma marcada desconfiança com os postulados das Escolas Tradicionais da
Administração
10
, pois o fato de estarem baseadas exclusivamente na eficiência interna,
tornou-as incapazes de dar conta do fracasso e quebra das organizações de primeira linha.
Com isso, surge o movimento da denominada Administração Estratégica (AE), considerada
como uma verdadeira ruptura com o pensamento administrativo tradicional. As escolas da AE
encontram-se agrupadas em escolas “hard” e “soft”. As primeiras reestruturam as
organizações sob o princípio de gerar um pensamento de fora para dentro, o que significa, na
prática, a mudança do poder organizacional da área de produção para o mercado, a
supervalorização do mercado em detrimento dos fatores internos. As escolas “soft”, por sua
8 Teoria organizacional que se apóia na idéia de que “indivíduos e grupos, da mesma forma que organismos
biológicos, atuam mais eficazmente somente quando suas necessidades são satisfeitas” (Morgan, 1996:45)
9Teve sua origem a partir de um grupo dissidente da Escola de Relações Humanas que recusava a concepção de
que a satisfação do trabalhador gerava de forma única a eficiência do trabalho. O Behaviorismo defendia a
valorização do trabalhador em qualquer empreendimento baseado na cooperação, procurando um novo padrão de
teoria e pesquisa administrativa. Tendo sido bastante influenciado por estudos comportamentais em outros
campos da ciência, procurou adaptar tais estudos para a administração, fornecendo assim uma visão geral do que
motiva as pessoas a se comportarem de determinada forma. Suas propostas ajudaram no pensamento
administrativo, servindo de base para novas abordagens. Sobre o assunto ver: CHIAVENATO, 2000.
10 Teoria Clássica, Administração Científica, Teoria Neoclássica
24
vez, consideram os fatores internos como o principal diferencial deste mercado (MARTINS &
DAL POZ, 1998; MARTINS, 2002).
Os serviços públicos hospitalares de saúde no país aderiram à porção mais
conservadora do pensamento administrativo, que visava à produção de bens em empresas com
fins lucrativos em países com economia em crescimento. Com isso, consideravam-se fábricas
para produção de consultas e egressos, ignorando serem organizações produtoras de serviços
sem fins lucrativos. Isso contribuiu para os graves problemas que o setor saúde no Brasil vem
enfrentando nos últimos anos, expressos por uma crise de governabilidade do sistema e de
resolutividade e eficiência das organizações de saúde.
Concomitantemente ao início da queda do fordismo nos anos de 1970, e tendo como
pano de fundo a crise do sistema capitalista em suas taxas históricas de lucro e exploração
marcada pela crescente hegemonia do setor financeiro e também pelo crescimento tecnológico
acelerado, tem início a chamada Terceira Revolução Industrial. Expandindo-se ao longo dos
anos de 1980 é orientada por princípios que assumem diferentes formas de organização do
trabalho, não existindo mais um único modelo ideal como preconizado na tradição fordista.
A superação do modelo dualista taylorista-fordista de produção, característico do
mundo industrial do século XX, ancorado na divisão do trabalho e na especialização,
encontra-se no centro do processo de reestruturação: à exigência de produtividade
(característica do fordismo) somam-se a competitividade, a flexibilidade e a inovação. A
ênfase volta-se para a qualidade e diversificação de produtos, redução de estoques de
insumos, polivalência e escolarização dos trabalhadores assim como na redução do efetivo de
empregados permanentes, dando ênfase ao trabalho em equipe e à busca de otimização global
dos fatores de produção. Como conseqüência destas mudanças no mundo do trabalho,
decorrentes em grande parte da incorporação acelerada de novas tecnologias, verificamos o
aparecimento de medidas de enxugamento das estruturas de operação, redução de níveis
25
hierárquicos e terceirização, ocasionando o aparecimento de novas formas de organização do
processo produtivo e impondo novos parâmetros em todas as esferas do mundo do trabalho
(FRIGOTTO, 2003). Essas demandas são proclamadas, por vezes, como uma necessidade,
uma condição do progresso científico/tecnológico que determinaria a evolução global rumo a
uma sociedade do conhecimento.
As últimas décadas do século XX foram caracterizadas pelo avanço do capital e a
formação de um mercado único e global configurando um processo histórico de globalização
do mundo. Certamente, a coexistência de novas formas de organização e gestão do trabalho,
associadas aos modelos clássicos de organização da produção taylorista e fordista, são a
característica do atual processo de transição tecnológica onde o desenvolvimento propiciado
pela ciência moderna e pelas inovações têm gerado mudanças de ordem quantitativa e
qualitativa.
Senge (2002) trouxe um aporte de fundamental importância ao propor o
desenvolvimento organizacional centrado nos processos de aprendizagem, promovendo o que
se chamou “a quinta disciplina”, assinalando a ausência da educação no pensamento
administrativo e afirmando que nos ambientes atualmente turbulentos as organizações abertas
à aprendizagem lograrão vantagem sobre as demais. Faz-se necessário a construção de
organizações mais coerentes com as mais altas aspirações do ser humano que vão muito além
de comida, abrigo e posses pois, à medida que o mundo torna-se mais interligado e os
negócios mais complexos e dinâmicos, o trabalho precisa ligar-se em profundidade à
aprendizagem. Considera, assim, que a capacidade de aprender mais rápido que seus
concorrentes pode ser a única vantagem competitiva sustentável das organizações.
A análise de Morgan (1996) interpreta as organizações a partir de metáforas,
comparando-as a imagens, como uma forma de pensar e de ver que determina como
compreendemos nosso mundo organizacional. Para o autor, qualquer abordagem realista de
26
análise organizacional deve ser iniciada a partir da premissa de que uma organização pode, ao
mesmo tempo, ser múltipla, pois o universo das organizações tem se tornado cada vez mais
complexo. Lidar com essa complexidade é o grande desafio que permite encontrar novas
maneiras não só de organizar como também de equacionar e resolver problemas .
Atualmente, as organizações de saúde, de modo geral, tradicionalmente estruturadas
por um perfil mecanicista, vêm buscando experiências inovadoras no que se refere tanto ao
desenho de novos sistemas de gestão, como ao desenvolvimento de ferramentas gerenciais.
Com isso, apesar de todas as dificuldades para desenvolver processos de mudança nas
organizações, tais experiências têm possibilitado a democratização dos processos decisórios, o
acúmulo de conhecimentos sobre a problemática específica da gestão em saúde e uma maior
visibilidade dos projetos institucionais.
As organizações de saúde nas corporações militares, e mais especificamente no
Corpo de Bombeiros, seguem ainda um perfil mecanicista, trazendo para seu funcionamento
rotineiro características tanto dos teóricos clássicos da administração quanto da vertente dos
administradores científicos. Os enfoques mecanicistas da organização têm se comprovado
incrivelmente populares, em parte devido à sua eficiência no desempenho de certas tarefas,
mas também devido à habilidade que têm de reforçar e sustentar padrões particulares de poder
e controle (MORGAN, 1996). Contudo, as organizações estruturadas desta forma têm maior
dificuldade de se adaptar a situações de mudança por serem planejadas para atingirem
objetivos pré-determinados e não para realizarem inovações. No trabalho desenvolvido por
Henry Mintzberg
11
foi confirmada a ineficácia deste tipo de organização, por ele denominado
“máquina burocrática” e “forma departamentalizada”. Afirma que seus sistemas altamente
centralizados de controle tendem a torná-la lenta em circunstâncias de mudanças que pedem
diferentes tipos de ação e de respostas. Com isso, confere à flexibilidade e à capacidade de
11
Sobre assunto ver MINTZBERG (2003)
27
ação criativa maior importância que a simples eficiência. Ainda segundo o autor, o tipo de
organização denominado burocracia profissional seria uma estrutura mais adequada para
hospitais, universidades e outras organizações profissionais em que pessoas com habilidades e
capacidades-chave necessitam de grande quantidade de autonomia e liberdade de escolha para
serem eficazes no seu trabalho.
Ora, neste momento vemo-nos frente a uma dualidade instigante: organizações de
saúde necessitam maior autonomia enquanto organizações militares têm por princípio a
autoridade e hierarquia bem definidas. Contudo, devemos lembrar que, de acordo com
Morgan (1996), estas mesmas organizações do tipo máquina, concebidas para atingirem
objetivos específicos, podem ser simultaneamente vistas como outro tipo de metáfora, como
organismos, sistemas políticos, sistemas de informações, meio cultural, etc. A premissa de
que as organizações são complexas, ambíguas e paradoxais seria o primeiro passo para
realmente compreendermos as nossas organizações. Assim, seria absolutamente natural que,
considerando a organização de saúde no contexto bombeiro militar, esta possa apresentar
características diversas e múltiplas.
1.2 O processo de trabalho em saúde
Em nossa revisão sobre o processo de trabalho em saúde entendemos que a
abordagem marxista tem aí marcada influência. A abordagem marxista do processo de
trabalho trata da dinâmica entre as dimensões técnicas e sociais, propondo uma combinação
adequada entre as forças produtivas e as relações sociais de produção, em função da própria
complexidade da organização social. Nogueira (2002, p259) afirma que essa abordagem leva
a uma crítica do modelo taylorista da organização moderna do trabalho industrial, com seu
típico “divórcio entre funções intelectuais e manuais”. Fundamentadas em uma concepção de
28
trabalho técnico, reduzidas a condutas e procedimentos tomados no âmbito estrito da ação
operatória, as atividades de assistência à saúde são analisadas pelo enfoque taylorista apenas
na perspectiva da divisão técnica do trabalho.
Na verdade, observamos no processo de divisão do trabalho em saúde diferenças
técnicas e desigualdades sociais implícitas. As primeiras dizem respeito às diferenciações e
especializações dos saberes e das intervenções técnicas entre as variadas áreas profissionais,
ocorrendo caracteristicamente a conformação de um conjunto de trabalhos especializados e
organizados historicamente em torno de um saber predominantemente biomédico e biológico.
Surgem novas áreas profissionais de assistência à saúde, tomando para si recortes diversos de
apreensão e de intervenção no “corpo”. Tais recortes também implicam a construção de
saberes peculiares, os quais se constituem pela experiência prática cotidiana e por distintos
processos de apropriação e articulação de conhecimentos científicos e de saberes já
constituídos e dominantes (PEDUZZI, 1998). Caberia afirmar que não é de outra natureza o
surgimento da Odontologia.
As desigualdades sociais referem-se à existência de valores e normas sociais que
hierarquizam e disciplinam diferenças técnicas e legitimidades sociais segundo as diversas
áreas profissionais (PEDUZZI, 1998; NOGUEIRA,1983). A nosso ver, este princípio preside
a racionalização do trabalho em saúde, ideologicamente encoberto sob o rótulo de delegação
de funções, caracteristicamente representada até os anos de 1980 pela bipolarização entre
profissionais de nível superior (médicos) e de nível técnico (atendentes)
12
.
Ainda de acordo com Peduzzi (1998), a abordagem das práticas de saúde enquanto
processos de trabalho relacionados à esfera da ação humana, da realização concreta do
exercício cotidiano do trabalho, reflete uma dada divisão do trabalho social e distingue-as do
12
É importante ressaltar que em vários momentos estaremos nos referindo à divisão do trabalho em saúde e à
divisão do trabalho médico indistintamente, pois é fato que, conforme afirma Peduzzi (1998, p32), “a prática dos
médicos é a fundadora da técnica cientifica moderna na área da saúde e o núcleo original do qual outros
trabalhos derivam”.
29
processo de produção. Esta abordagem torna-se importante, sobretudo, ao considerarmos as
mudanças no mundo do trabalho e as peculiaridades do trabalho em saúde. O fundamento da
produtividade do setor ainda é a decomposição do processo de trabalho em tarefas isoladas
(em função da necessidade de uma ação individualizada, em que cada uma configura saberes
e ações que lhe são peculiares), associada à sua integração através de uma hierarquia de
profissionais. Neste sentido, esta depende substancialmente do conhecimento e destreza do
trabalhador.
Deste modo, em função da complexidade do objeto do trabalho, que requer
simultaneamente o aprofundamento vertical do conhecimento especializado e sua integração,
percebemos que o trabalho em saúde convive com a contradição de dois paradigmas: de um
lado o primado do saber, do conhecimento, que surge como um dos paradigmas do trabalho
nas sociedades pós-modernas e que, isolado, não é suficiente para o exercício das práticas de
saúde; e, de outro, a necessidade de um componente de habilidades específicas, expresso na
fragmentação de procedimentos, e que o aproxima do paradigma do trabalho manual. Os
processos formativos traduzem claramente essa dualidade, expressa pela aplicação do modelo
da racionalidade técnica/instrumental à concepção do trabalho. Para Schön (2000), este é o
modelo dominante de concepção da atuação profissional e da relação entre pesquisa,
conhecimento e prática profissional.
Entendemos que os modelos de prestação do cuidado, assim como os de formação
profissional em saúde, encontram-se baseados na concepção socialmente predominante sobre
o que seja o processo saúde-doença. A prática médica tem como objeto de intervenção a
doença, ou seja, todo seu trabalho está voltado para a identificação e eliminação, quando
possível, da doença. A essência da própria doença reside em sua causa e, portanto, removendo
a segunda, cessa a primeira. A interligação entre ambas é quase umbilical, onde uma não
existe sem a outra. Tudo o mais é secundário, inclusive o próprio paciente. A construção do
30
modelo médico de intervenção, segundo Camargo Jr (2003, p81), tem sua base nesta
montagem teórica onde a “identificação produzida entre doença e lesão permite reduzir ao
biológico todo o processos do adoecimento, excluindo componentes outros (“psicológicos”,
“sociais”) que possam estar envolvidos nesta determinação.”
Na verdade, compreender como ocorre a construção dos saberes médicos implica
considerar o que Camargo Jr. (2003) denominou ‘racionalidade biomédica’
13
que sustenta a
prática e a formação profissional em saúde. A partir de Flexner
14
, a educação médica passou a
ser entendida como um processo de iniciação a uma ciência: a medicina. Assim, o saber
médico encontra-se construído a partir da racionalidade científica, onde a prática médica
consiste na aplicação e no produto desta ciência. Na prática médica o cientificismo
desqualificou as ferramentas consideradas não científicas, em prol das ditas científicas. Desta
forma, houve uma inversão de prioridades na prática médica que, ao reduzir o homem à sua
doença e a doença ao seu substrato anátomo-fisiopatológico, passou a tratar a doença e não
mais o doente. O indivíduo passa a ser fragmentado e reduzido a um somatório de órgãos e
sistemas, tornando-se objeto das disciplinas científicas que o estudarão. O paciente é visto de
13
O termo reflete a vinculação entre a racionalidade médica e o conhecimento produzido por disciplinas
científicas do campo da biologia. Um maior aprofundamento sobre este tema pode ser obtido nos capítulos 6 e 7
do original do autor. (CAMARGO JR, 2003)
14
Tendo como objeto a avaliação do ensino médico nos Estados Unidos e Canadá, o Relatório Flexner,
publicado em 1910 pela Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, ultrapassou seus objetivos -
políticos, institucionais, sociais e geográficos - e aportou em todos os países da região latino-americana,
notadamente após a 2
a
Guerra. Sem sombra de dúvida, seus princípios e parâmetros - aparentemente voltados
para a formação do médico - inspiram as diretrizes que até hoje costuram as relações entre ensino e serviços de
saúde, orientam as políticas e a operação desses setores de produção social e, afinal, conformam, orientam ou
constrangem as próprias demandas sociais. Seus principais elementos estruturais são: mecanicismo (introduz a
analogia do corpo humano com a máquina, importante para o modo de produção dominante); biologismo
(reconhece exclusivamente a natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências); individualismo
(a medicina elege o indivíduo como seu objeto e aliena de sua vida os aspectos sociais); especialização
(aprofundamento do conhecimento específico e atenuação do conhecimento holístico, além da dimensão
econômica da necessidade de fragmentação do processo de produção); exclusão das práticas alternativas
(consideradas “ineficazes”); tecnificação do ato médico (o parâmetro de qualidade passou a ser o grau de
densidade tecnológica presente na prática, em detrimento da capacidade de promover ou restaurar a saúde);
ênfase na medicina curativa, pois este é o setor mais suscetível de incorporar tecnologias e também porque
prestigiar diagnóstico e terapêutica significa valorizar o processo fisiopatológico, em detrimento da causa);
gestão tecnocrática (de natureza racionalizadora). Com isso, Flexner passou a ser associado a um rígido modelo
de ensino médico, que privilegia a formação científica de alto nível, o estudo do corpo humano segundo órgãos e
sistemas (com o estímulo à especialização profissional), acreditando ser possível o entendimento do homem pelo
estudo das partes.” (MENDES, 1984; SANTANA & CHRISTÓFARO, 2002).
31
forma descontextualizada, tendo ignoradas tanto sua especificidade biológica quanto suas
dimensões psicológicas, culturais e sociais (LEVY, 2005; RIBEIRO, 2003,
FEUERWERKER, 2002).
Quando trazemos tais reflexões para a Odontologia, identificamos na formação e nos
processos de trabalho hegemônicos um modelo dentista-centrado, uma clínica baseada na
técnica cirúrgica-mutiladora e em procedimentos reparadores do dente, seu principal foco de
atenção e de intervenção. O paciente/sujeito encontra-se excluído do processo de cuidado.
Deste modo, podemos considerar a prática odontológica como uma expressão regionalizada
da prática médica, pois além de sofrer influências de componentes políticos, ideológicos e
econômicos, tem sua atual configuração institucionalizada a partir das recomendações de
Flexner, mais tarde referendada no relatório sobre educação dental nos Estados Unidos e
Canadá, elaborado por Gies, em 1926. Este relatório seguiu os conceitos ideológicos do
Relatório Flexner para a Medicina, constituindo-se numa posição positivista, biologicista,
monopólica e mecanicista, e, segundo Hansen (2002), nega totalmente a prática empírica,
enfatizando a especialização e fazendo da Odontologia uma profissão individual e
corporativa, fechada entre quatro paredes e isolada do mundo.
No Brasil, a prática odontológica constituiu-se como uma prática liberal autônoma,
caracterizada por ser centrada na assistência ao indivíduo doente e realizada com
exclusividade por um sujeito individual, o cirurgião-dentista, no restrito ambiente clínico-
cirúrgico. A partir da década de 50, começaram a surgir algumas propostas contra-
hegemônicas de prática odontológica, como a Odontologia Sanitária/Social (Sistema
Incremental), a Odontologia simplificada/comunitária, a Odontologia integral e, mais
recentemente, a Saúde Bucal Coletiva
15
.
15
No Sistema incremental a população alvo era constituída por escolares de 6 a 14 anos matriculados nas
escolas públicas, e sua filosofia de trabalho centrava-se no entendimento de que as crianças já atendidas
deveriam ser mantidas sob cuidados nos anos subseqüentes, tratando-se as novas cáries que surgissem no
intervalo de tempo entre a alta e o novo exame bucal. Este modelo de programação implantado nos anos 1950
32
É interessante observar que as proposições da saúde bucal coletiva opõem-se à
hegemonia da prática liberal. Seus objetos de trabalho não são exatamente os mesmos, já que
o primeiro é a boca (o corpo biológico), enquanto o segundo deve direcionar-se para o social,
como o lugar de produção das doenças bucais. Sem negar a especificidade da Odontologia
como prática de saúde, entendemos que se faz necessário um novo direcionamento da
formação dos seus profissionais que devem, portanto, abrir-se para outros saberes.
Com um novo olhar do trabalho em saúde, percebemos que o profissional desta área
deve estar apto a perceber que os problemas da prática possuem várias outras dimensões,
afeitas aos recursos humanos, à estrutura física, às articulações político-administrativas, aos
processos de decisão etc. Podemos afirmar, inclusive, que alguns conhecimentos e conceitos
advindos da psicologia e também da antropologia podem ajudar o profissional de saúde a se
aproximar dos universos distintos de seus pacientes, vislumbrando, com isso, a existência de
outras lógicas e valores. Em contraposição à visão instrumental, este profissional precisa
entender que nem todos os problemas podem ser resolvidos por meio da aplicação de
conhecimentos técnico-científicos. Desta forma, ao ampliarmos a compreensão dos
determinantes dos processos saúde-doença, saindo de uma visão estritamente biológica para
uma outra, mais integrada a outras dimensões da vida do próprio paciente, podemos perceber
claramente a necessidade de profissionais de saúde estarem aptos a intervenções e
negociações que transcendem à simples prescrição e/ou normalização de condutas.
acabou se configurando como modelo assistencial em saúde bucal no Brasil durante décadas. Nos anos de 1970,
a Odontologia simplificada/comunitária apareceu fazendo críticas à Odontologia tradicional e se reivindicando
como alternativa, dentro de um outro paradigma (NARVAI, 1994). Apesar da Odontologia simplificada não ter
rompido com a prática tradicional, a delegação de funções aos auxiliares e o desenvolvimento da técnica de
“trabalho a quatro e seis mãos” – que permite a troca de instrumentos entre o cirurgião-dentista e o auxiliar
durante as técnicas operatórias, diminuindo esforços e colaborando para o aumento da produtividade profissional
– provocou uma profunda revisão dos tempos e movimentos do processo de trabalho odontológico (CORDÓN,
1998). Já o modelo de Odontologia integral, nos anos 80, deu ênfase à prevenção, criticando a Odontologia
simplificada e enfatizando a necessidade da desmonopolização de conhecimentos. Com a criação do Sistema
Único de Saúde, que instituiu os princípios da universalidade, eqüidade, integralidade, descentralização das
ações e controle social, tornou-se necessário um novo modelo de atenção em saúde bucal para dar resposta às
suas exigências: a Saúde Bucal Coletiva (HANSEN, 2002).
33
A nosso juízo, a reconceituação do processo saúde-doença aponta a necessidade de
integração das ações realizadas pelos vários profissionais do setor, sejam eles da mesma área
ou não, caracterizando a necessidade da prática coletiva do cuidado. Peduzzi (1998) observa
que as práticas de saúde do Brasil têm-se configurado em uma intensa institucionalização do
trabalho. Graças a este processo percebeu-se a ineficácia do trabalho individualizado e
fragmentado, uma vez que o objetivo passou a ser a atenção integral às necessidades de saúde
dos usuários dos serviços (PEDUZZI, 1998, p.1). A institucionalização do trabalho em saúde,
segundo MACHADO & cols (1992),
refere-se a um movimento no qual as formas de organização de práticas de
saúde mais ou menos espontâneas, informais ou alternativas, como também
as práticas liberais, na acepção estrita do termo, tendem senão ao
desaparecimento progressivo, pelo menos a uma subordinação crescente às
forças do mercado de trabalho institucional (MACHADO & cols, 1992, p.71
apud PEDUZZI, 1998).
A coletivização dos prestadores dos serviços, uma das características mais relevantes
do trabalho em saúde atualmente, assinala a superação da fase histórica de “organização
liberal das práticas de saúde” (NOGUEIRA, 1983), onde praticamente a totalidade da
assistência era assumida por profissionais autônomos. Esta situação aponta a problemática dos
recursos humanos como trabalhadores coletivos em saúde ou como equipes de saúde,
multiprofissionais ou não, já que “o trabalho em equipe e a integralidade
16
das ações de saúde
têm sido propostas da reforma sanitária brasileira incorporadas pelas políticas de saúde”
(PEDUZZI, 1998, p.2). Esta nova organização do trabalho indica uma perspectiva de
transformação que visa contribuir dentro da especificidade de cada área de saúde para a
própria melhoria da qualidade de vida da população em sua totalidade.
O trabalho em equipe subentende a necessidade de cooperação conceituada por
Nogueira (1989) como a “forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com
um mesmo plano, no mesmo processo de produção, ou em processos de produção diferentes,
16
O leitor poderá consultar Pinheiro (2001, p.115-120) onde a autora faz uma definição ampliada de
integralidade da atenção a partir das necessidades de saúde.
34
mas conexos.” Na produção de serviços de saúde, a cooperação é, a nosso ver, claramente
percebida e identificada. Houve uma divisão do trabalho
17
, mas entendemos que, ao mesmo
tempo, as necessidades de saúde funcionam como verdadeiro campo de confluência das
distintas áreas profissionais que nelas atuam. Apesar de suas especificidades, cresce a
necessidade da integração das diversas especialidades, quando o objeto do trabalho passa a ser
o doente e não mais a doença, situação em que os profissionais também passam a ser sujeitos
nas relações de trabalho, “recursos humanos” de fato .
A ‘problemática dos recursos humanos’ resulta habitualmente invisível para a
população em geral, inclusive para os usuários, apesar de serem eles que irão perceber o que
podemos denominar de ‘qualidade da atenção’ ou ‘qualidade do cuidado’ em saúde, que
quando não é satisfatória se transforma num importante problema social. Assim, observamos
que é crescente a busca de consenso entre gestores e trabalhadores do SUS, em todas as
esferas de governo, no que diz respeito ao fato de que a formação, o desempenho e a gestão
dos recursos humanos afetam profundamente a qualidade dos serviços prestados e o grau de
satisfação dos usuários.
O conceito de qualidade, muitas vezes considerado intangível, foi abordado por
Donabedian (apud ROVERE, 1994), que nele identificou dimensões técnicas e interpessoais,
entendendo que, em diferentes proporções, elas se vinculam com o nível de desenvolvimento
e motivação do pessoal de saúde. Sob essa óptica, sendo os serviços de saúde ‘serviços de
pessoas para pessoas’, devemos considerar a importância dos sujeitos envolvidos nos
processos de produção do cuidado como fator que influencia a qualidade da atenção. Este fato
ratifica a problemática de Recursos Humanos como eixo de desenvolvimento dos processos
produtivos. Assim, as instituições voltadas para o trabalho e para a formação em saúde devem
17
Na verdade, a necessidade de atuação especializada criou distintas áreas saber e de ações próprias que foram
valoradas técnica e socialmente de modo diverso, acarretando a perda de algumas características do modelo da
atividade liberal, dentre elas a homogeneidade da profissão. Esta dinâmica também reflete o desenvolvimento
técnico científico com a constante incorporação de novas tecnologias, que ao invés de diminuir a oferta de
trabalho, aumenta a necessidade de mão de obra cada vez mais especializada. (PEDUZZI, 1998)
35
voltar seu olhar para o ‘ser humano’, que não é uma máquina programável, mas indivíduo
complexo que tem emoções e perspectivas, e que representa a mola principal para o
desenvolvimento organizacional.
O enfoque da qualidade total é considerado funcional ao êxito econômico e ao
desenvolvimento dos mercados, mas representa ao mesmo tempo uma concepção valiosa ao
reivindicar o respeito pelo usuário (ROVERE, 1994). Esta noção torna-se muito mais
importante se a considerarmos nos serviços de saúde, nos quais o usuário entrega sua vida ou
sua integridade física e/ou mental a um serviço que supostamente possui uma qualidade em
muitos casos apenas intuída por ele, mas que está longe de poder avaliar.
O conceito de qualidade total, vinculado diretamente ao êxito da indústria japonesa e
aos estudos de Deming, tem alcançado os serviços de saúde como uma pragmática
combinação entre a aplicação de indicadores de qualidade e o desenvolvimento da psicologia
organizacional
18
. Conformando o coração de sua proposta, os Círculos de Controle de
Qualidade (CCQ) vinculam este campo de ação com a educação permanente, no sentido de
que as estratégias gerenciais centradas nos CCQ estabelecem formas concretas de participação
dos trabalhadores na avaliação, análise e redesenho do processo de trabalho, com base na sua
experiência e em uma reflexão sistemática sobre o mesmo.
Os círculos de qualidade são constituídos por um grupo pequeno de trabalhadores (5
a 10), que se reúnem para analisar um problema e desenhar novas formas de organização do
trabalho. Os grupos são flexíveis e podem dissolver-se e voltar a se constituir de outra forma,
em função do problema que se enfrentam
19
. A função destes grupos é justamente o
enfrentamento de um problema, explorar suas causas, desenhar uma forma consensual de
novos procedimentos, e experimentar de forma negociada com as chefias sua implantação
18
Para maior aprofundamento, o leitor poderá buscar informações em MORGAN (1996, p43-80), onde as
organizações são vistas através da “metáfora do organismo”
19
Rovere (1994) assinala que segundo Rico (1993) trata-se de um fenômeno que, oriundo do Japão, se estendeu
rapidamente aos EUA, Corea, Taiwan, Europa Ocidental e América Latina.
36
(ROVERE, 1994). Desta forma, pretende-se conseguir uma participação ativa nos processos
de mudança, a multiplicação da criatividade e inovação e um clima organizacional mais
estimulante, que permita alcançar o sentido maior do trabalho em saúde: a satisfação do
usuário.
A partir de uma cultura organizacional centrada na qualidade do produto, concebida
fundamentalmente sob a perspectiva das necessidades do usuário, no nosso caso, das
necessidades do cuidado de saúde, esta estratégia permite que os problemas da prática se
construam a partir de um sistemático questionamento do processo de trabalho. Neste sentido,
a iniciativa pode constituir-se em uma das principais estratégias para melhorar a qualidade dos
serviços de saúde
20
, enquanto ferramenta para a investigação e análise do trabalho,
instrumento de problematizaçao, mecanismo para elaborar conflitos, proposta de busca e
incorporação crítica de novas tecnologias e de novos procedimentos, ou seja, de novas formas
de produzir o cuidado.
A noção de que os recursos humanos representam a chave fundamental para
‘alavancar’ uma boa gestão de saúde vem se difundindo, acompanhada do sentimento de que
apenas pequena parte dos problemas hoje existentes neste campo é suscetível de resolução por
meio de iniciativas isoladas, que dependam somente das decisões dos gestores e dos esforços
ou da dedicação dos trabalhadores (NOGUEIRA, 2002). Por outro lado, o exercício da
reflexão conjunta na busca de soluções para as práticas, parece-nos o melhor caminho a ser
percorrido para alcançar nosso referencial de qualidade do cuidado de saúde.
20
Nota da autora: Sob estes aspectos abordados, nos parece óbvia a aplicabilidade dos pressupostos da Educação
Permanente e da Investigação Educativa na atividade dos círculos de qualidade, já que ambas nos oferecem um
instrumental teórico metodológico amplamente validado.
37
1.3 A relação gestão/educação/trabalho
O processo de formação profissional em saúde encontra-se estruturado pelo
paradigma instrumental, onde a atividade profissional é entendida como a resolução de
problemas instrumentais que podem ser resolvidos a partir do método e da técnica que
dispomos. (CONTRERAS, 2002) Com isso, segue um padrão que estabelece, em primeiro
lugar, a aquisição de bases sólidas de conhecimento teórico, para somente depois iniciar a
aplicação destes conhecimentos, fato bem caracterizado pela rígida separação entre disciplinas
do básico e da clínica na formação profissional. A perspectiva que orienta a formação exclui,
dessa forma, o contexto de realização da ação como relevante. Em outras palavras, o
conhecimento científico é entendido como suficiente para aplicação em qualquer contexto e é
por essa razão que, frequentemente, os profissionais recém formados sentem-se despreparados
para enfrentar o mundo real, complexo e incerto e tão diferente daquele apresentado no
contexto acadêmico. Esta lógica faz com que pensemos que todo e qualquer problema da
prática pode ser resolvido com atividades educacionais que proporcionem a obtenção de
maiores conhecimentos técnico-científicos, o que já se observa, segundo Schön (2000), não
ser suficiente nem completamente verdadeiro em nossa prática diária.
A nosso juízo, as mudanças nos requerimentos profissionais estão sendo processadas
com base na tendência crescente de especialização do trabalho, associada às necessidades
cambiantes de saúde da população que, influenciada pela incorporação de tecnologia e
constante inovação tecnológica, assim como pela cobrança de maior produtividade, indicam a
necessidade de um profissional de saúde mais polivalente, capaz de agir em diversos
contextos.
Neste novo cenário, entendemos que o perfil de formação do profissional de saúde
passa a requerer habilidades cognitivas (de caráter cada vez mais provisório), técnicas (de
38
caráter necessariamente provisório) e de relações humanas (afetivas). Valle (1997) situa a
discussão na perspectiva da incorporação de novos requisitos necessários ao trabalhador nessa
nova conjuntura, apontando para ampliação do conjunto de capacidades exigidas como sendo
de natureza “cognitiva” – capacidade de ler e interpretar a lógica funcional, capacidade de
abstração, dedução estatística e expressão oral, escrita e visual; e de natureza
“comportamental” – responsabilidade, capacidade de argumentação, de realizar trabalho em
equipe, de iniciativa e exercício da autonomia e habilidade para negociação. Peduzzi (1997,
2002), acrescenta que o “novo trabalhador” requer uma qualificação que contemple múltiplos
aspectos: habilidades cognitivas, de abstração e análise simbólica, comunicacionais, de inter-
relação com clientes e demais trabalhadores; iniciativa e criatividade; capacidade de trabalhar
cooperativamente em grupo e para a formação mútua no próprio local de trabalho,
competência para avaliar o produto do seu trabalho e tomar medidas para melhorar a sua
qualidade, e domínio de técnicas de planejamento e organização do trabalho.
As novas qualificações requeridas para profissional de saúde demonstram a
necessidade de resgate da base reflexiva da atuação profissional, com o claro objetivo de
entender a forma com que realmente se abordam as situações problemáticas da prática,
contrapondo-se ao modelo originado pela racionalidade biomédica que orientou a formação
em saúde desde Flexner. Como afirma Contreras (2002, p.105), o que o modelo da
racionalidade técnica revela é “sua incapacidade para resolver e tratar tudo o que é
imprevisível, tudo o que não pode ser interpretado como um processo de decisão e atuação
segundo um sistema de raciocínio infalível, a partir de um conjunto de premissas”. Como
reflexo deste quadro de orientação da formação profissional pela racionalidade técnica, temos
a crescente insatisfação da população em sua relação com os serviços e com os profissionais
de saúde, em virtude de muitos dos problemas e necessidades na área ainda estarem sem
respostas, apesar do enorme avanço científico e tecnológico. Estes são alguns aspectos que
39
tem, cada vez mais, revelado questionamentos dos pressupostos norteadores da prática em
saúde (ALMEIDA, 1999). Esses questionamentos tornam cada vez mais evidente a
necessidade de articulação ensino-serviço, ou seja, a articulação dos processos educacional e
de produção de serviços em saúde, no sentido de satisfazer as necessidades de saúde da
população. A pertinência e as contradições da articulação ensino-serviço na área de saúde são
temas presentes em todos os movimentos que marcam a evolução das políticas de saúde e de
educação.
A compreensão da organização do trabalho para a produção dos serviços de saúde
permite reavaliar os problemas existentes, viabilizando a definição de estratégias pautadas na
realidade concreta dos próprios serviços. Segundo Santana & Christófaro (2002), torna-se
indispensável o conhecimento das bases doutrinárias da articulação ensino-serviço, buscando
compreender o encontro/desencontro entre o que podemos chamar de “elementos do processo
educativo” (os sujeitos que aprendem; os objetos a serem apreendidos, inclusive os
conhecimentos resultantes da interação entre sujeitos e objetos; as instituições e seus atores
como facilitadoras e mediadoras desse processo) e os “elementos do processo produtivo” na
área de saúde (os sujeitos/trabalhadores de saúde; os objetos expressos pelas demandas
específicas e suas implicações coletivas e individuais; os instrumentos e meios do trabalho
enquanto utilização de tecnologias e saberes específicos).
Em 1991, Souza já abordava a necessidade de analisar e discutir uma alternativa
metodológica não hegemônica, no contexto de um projeto político de transformação dos
serviços de saúde, partindo do pressuposto de que “esse processo deva ser recortado a partir
da realidade das práticas concretas de saúde, da compreensão do próprio contexto,
considerando seus determinantes e limitantes e buscando a interação com as exigências do
trabalho”. Na alternativa metodológica proposta, busca-se transformar as práticas vigentes,
direcionando a compreensão entre a teoria e a prática como uma unidade dialética no processo
40
pedagógico, e trabalhando tanto as contradições entre o pensar e o fazer quanto a necessidade
de refletir criticamente os processos capacitantes, face às questões do trabalho nos serviços de
saúde. Consiste, portanto, na reflexão e crítica da realidade frente a dois pólos complexos,
saúde e educação.
Em geral, os problemas que demandam atitudes reflexivas dos profissionais são
aqueles para os quais não são válidas as soluções já acumuladas no seu repertório de casos. A
relação que se estabelece entre o profissional e a situação problema cria um verdadeiro
“diálogo reflexivo” com ela no qual o pensar e o fazer se entrelaçam levando a uma nova
apreciação do caso (CONTRERAS, 2002). O autor complementa que, ao contrário do modelo
da racionalidade técnica, no qual se entendia a ação profissional como externa a uma
realidade alheia, o profissional reflexivo entende que ele faz parte da situação, e é assim que
pode entendê-la como configurada pelas transações realizadas com a sua contribuição.
É justamente na perspectiva da reflexão na ação, na reflexão sobre o próprio serviço,
pelos atores que nele trabalham, que entendemos a possibilidade de mudanças no processo de
integração entre teoria e prática, trabalho e educação. As iniciativas que vinculam o pensar
sobre os processos educativos à reflexão sobre as questões do trabalho circunscrevem um
espaço próprio que a diferenciam de outras intervenções educativas, dando destaque à questão
de como concepções distintas do trabalho em saúde se correlacionam com a forma com que se
concebe a educação para este trabalho (RIBEIRO, 1996, 2004).
O interesse pela investigação das relações entre trabalho e educação tem crescido
bastante. Segundo Manfredi (2002), surge em virtude de serem muito complexas as relações
entre trabalho, emprego, escola e profissão, requerendo um esforço de reflexão mais
aprofundado. Tais relações resultam de uma complexa rede de determinações, mediações e
tensões entre as esferas econômica, social, política e cultural da sociedade. Na realidade,
ainda prevalece uma visão dissociativa das relações entre trabalho e escola. De um lado, se
41
supervaloriza a experiência adquirida no mundo do trabalho; de outro, aquela obtida na
escola, como cenário único da formação profissional. Ainda que cada um destes lados seja,
em si mesmo, bem apreciado, existe um “divórcio entre o que é ensinado na instituição
escolar e os desafios a serem enfrentados no mundo do trabalho” (MANFREDI, 2002, p31).
No campo da saúde, a educação dos trabalhadores dos serviços com o fim de
melhorar o seu desempenho é uma atividade muito freqüente e valorizada pois, de modo
geral, os responsáveis pela gestão e direção das instituições de saúde atribuem grande valor ao
conhecimento e a tecnologia como base para a excelência do cuidado prestado. Talvez por
isso seja freqüente observar excessos no uso de estratégias educacionais para enfrentar
situações ou problemas não educacionais, isto é, cujas respostas dependem da intervenção em
outros fatores determinantes ou causais.
A responsabilidade dos serviços de saúde no processo de transformação das práticas
profissionais e das estratégias de organização da atenção à saúde levou ao desenvolvimento
pela Organização Panamericana da Saúde (OPAS) da proposta metodológica de educação
permanente (EPS), aí considerada como um recurso estratégico para a gestão do trabalho e da
educação na saúde.
Faz-se necessária a distinção, identificada pela OPAS, entre os princípios da
Educação Permanente e da Educação Continuada (EC). Ambas conferem uma dimensão
temporal de continuidade ao processo de educação, correspondente às necessidades das
pessoas durante toda a vida. No entanto, as práticas usuais de educação continuada pretendem
contribuir para a reorganização dos serviços de saúde por meio de atualização do
conhecimento dos profissionais, sem preocupar-se em criar condições para que esse
conhecimento seja reelaborado frente às condições reais dos próprios serviços. Já a educação
permanente em saúde (EPS) tem como objetivo a transformação do próprio processo de
trabalho, orientado para a melhoria da qualidade. Partindo da reflexão sobre o que está
42
acontecendo e o que precisa ser transformado, a EPS não procura transformar todos os
problemas em problemas educacionais, mas buscar as lacunas de conhecimento e de
capacidades dos profissionais que são parte da estrutura explicativa dos problemas
identificados na vida cotidiana dos serviços. Se não compreendermos estas diferenças entre a
EC e a EPS, corremos o risco de assumir uma proposta teórico-metodológica vinculada à
educação permanente, mas que, na prática, apenas renova os processos relacionados à
educação continuada, e que subestima a dimensão da subjetividade e do conflito de interesses
nos cenários de organização do cuidado.
As estratégias propostas pela EPS sugerem uma abordagem das práticas que se
preocupa não só com o produto, mas com o próprio processo da produção do cuidado. Ela
propõe a ruptura com a racionalidade instrumental da prática médica, ao inserir nos serviços
uma visão da necessidade de reflexão sobre o próprio trabalho como forma de resolver seus
problemas. Ao trazer de volta a subjetividade ao contexto das práticas de saúde, ela propõe
uma nova forma de olhar os problemas dos serviços, não transformando todos eles em
problemas educacionais. Com esse novo olhar, o objeto de intervenção passa a ser coletivo e
surge a necessidade de uma atuação conjunta de todos os sujeitos envolvidos na prestação dos
serviços de saúde. Na verdade, sob a óptica da EPS as necessidades educacionais surgirão a
partir da reflexão dos sujeitos sobre suas práticas, de forma conjunta e não como uma solução
definida hierarquicamente de cima para baixo.
Incorporada como política pública nos âmbitos da educação e gestão do trabalho
coletivo em saúde, a educação permanente é uma ferramenta estratégica para a transformação
das práticas de formação em serviço. Assume como objetivo a melhoria da qualidade do
serviço que se oferece, constituindo-se em instrumento pedagógico da transformação do
trabalho e do desenvolvimento permanente dos trabalhadores em nível individual e coletivo.
43
Em 2004, por meio da Portaria N
o
198/GM/MS, o Ministério da Saúde instituiu a
Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de
Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor, por entender a
importância da integração entre o ensino da saúde, o exercício das ações e serviços, a
condução de gestão e de gerência e a efetivação do controle da sociedade sobre o sistema de
saúde como dispositivo de qualificação das práticas de saúde e da educação de seus
profissionais. Nela, a Educação Permanente pode ser definida como:
A aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se
incorporam ao quotidiano das organizações e ao trabalho. Propõe-se
que os processos de capacitação dos trabalhadores da saúde tomem
como referência as necessidades de saúde das pessoas e das
populações, da gestão setorial e do controle social em saúde, tenham
como objetivos a transformação das práticas profissionais e da
própria organização do trabalho e sejam estruturados a partir da
problematizaçao do processo de trabalho (MS /GM, 2004).
Como conseqüência, entendemos que, apesar dos conflitos inerentes à
implementação de novas diretrizes, a empresa (trabalho) e a escola (formação) devem se
integrar para enriquecer o desenvolvimento profissional do trabalhador. Ao lidar com os
problemas do trabalho, a Educação Permanente em saúde pode e deve ser considerada
atribuição dos gestores, tendo como princípio a premissa de que este processo deve ser
construído a partir dos problemas existentes nos serviços, pelos sujeitos que nele atuam, com
o objetivo de recuperar o sujeito em seu processo de trabalho, na perspectiva da gestão do
trabalho coletivo ou “gestão para melhoria dos serviços” (CERVEIRA, 2001).
A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde é uma proposta de ação
estratégica que visa contribuir para transformar e qualificar: a atenção à saúde, a organização
das ações e dos serviços, os processos formativos, as práticas de saúde e as práticas
pedagógicas. A implantação desta Política implica em trabalho articulado entre o sistema de
saúde (em suas várias esferas de gestão) e as instituições de ensino (MS/GM, 2004).
44
Ao considerar o trabalho para além de sua dimensão instrumental e técnica, a EPS se
vê operando no contexto dos modelos organizacionais e das formas de relação dos serviços
com a sociedade. Rovere (1994) trabalha com a hipótese de que: “se concebemos a EPS como
ferramenta, deve estar inserida numa proposta de transformação que uma força social concreta
leva adiante, com um adequado cálculo de suas possibilidades e do campo de forças na qual
essa intervenção se insere”. Entendemos, portanto, como afirmou Ribeiro (2003), que torna-se
necessário que haja coerência entre o projeto institucional e a proposta educativa em suas
dimensões política, técnica e metodológica. Com isso, a EPS não é uma tarefa exclusiva de
educadores, mas responsabilidade das instâncias e unidades técnico-políticas de gestão dos
serviços de saúde.
É com base neste referencial teórico que o CEPO propôs que a melhoria do trabalho
desenvolvido na área odontológica do CBMERJ envolvesse a construção dos problemas junto
com as próprias equipes, em reflexão sobre seu trabalho, com o objetivo de melhorá-lo de
forma contínua.
A partir dessa nova forma de conceber a relação da formação profissional com a
qualidade do serviço, e considerando que a gestão do conhecimento e a gestão do trabalho são
processos indissociáveis, o CEPO tomou como norteador o conceito de EPS, inserindo-o na
Odontologia da Corporação como política de desenvolvimento de recursos humanos que
pressupõe “educação no trabalho, pelo trabalho e para o trabalho” (ROVERE, 1993, 1994).
Deste modo, o CEPO pretende tornar-se efetivamente um agente institucional na construção
da melhoria da qualidade e do desenvolvimento da Odontologia da Corporação.
C
APÍTULO 2
A
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO EM SAÚDE
1
Os debates e discussões sobre a formação de pessoal de nível médio para atuar na área
de saúde foram freqüentemente marcados, nas últimas décadas, por uma perspectiva
imediatista, fragmentária e utilitarista. Para Lima (1996), a busca de qualidade de assistência,
a compreensão dos problemas de saúde pública, o compromisso e a responsabilidade do
trabalhador, a capacidade de adaptação e criatividade no posto de trabalho, estão na pauta de
discussões e passam pelo resgate do caráter “dinâmico, histórico e transformador do trabalho
socialmente produzido” (LIMA, 1996, p.31).
Este fato ganha destaque em países como o nosso, onde se estabelece um verdadeiro
hiato entre os avanços tecnológicos voltados para aplicação em saúde e a realidade social e
sanitária de grande parcela da população que sobrevive em condições sub-humanas.
Entendemos que formar pessoal de auxiliar para atuar em saúde é algo que se
configura especialmente desafiador, se pensadas as especificidades e peculiaridades inerentes
a esta prática. As novas propostas de formação do pessoal auxiliar em saúde apresentam-se
1
Cabe ressaltar que ao nos referirmos aos “profissionais de nível técnico em saúde” o estamos fazendo de forma
ampla, considerando o conjunto de trabalhadores que exercem atividades técnico científicas no setor saúde, não
restringindo essa noção à escolaridade, como é feito freqüentemente, considerando técnico aquele que detém o
nível médio. Assim, incluímos neste grupo de trabalhadores, os ACDs que detém, na verdade, o ensino
fundamental.
46
em uma articulação entre os campos da educação e da saúde, o que implica enfrentar os
obstáculos que historicamente impediram a implementação conjunta de propostas entre esses
setores.
Para compreender os desafios dessas mudanças, buscamos entender quais são as
concepções de trabalho e de educação subjacentes aos processos hegemônicos no campo da
odontologia.
2.1 A história da Educação Profissional no Brasil
Em 1909, a educação profissional surge no Brasil como política pública. O Estado
assume a responsabilidade da formação para o trabalho com a criação das Escolas de Artes e
Ofícios, precursoras das escolas técnicas federais e estaduais. A finalidade educacional destas
escolas encontrava-se orientada para a formação, em termos técnicos e ideológicos, da força
de trabalho industrial e manufatureira (MANFREDI, 2002). Segundo Kuenzer (1999), essas
escolas assumem a formação profissional na “perspectiva mobilizadora da formação do
caráter pelo trabalho” (KUENZER, 1999, p.122). Entendemos, assim, que a montagem e
organização do ensino profissional constituem um processo de qualificação e disciplinamento
dos trabalhadores.
Essa política educacional constituiu-se historicamente no Brasil sob a lógica da
divisão social do trabalho que separa o saber e o fazer, legitimando a separação entre o
trabalho manual e o intelectual. Enquanto aos trabalhadores é oferecida formação para o fazer,
de caráter instrumental, dentro das idéias tayloristas/fordistas, às elites é oferecida uma
formação acadêmica e intelectualizada (PEZZATO, 2001; MANFREDI, 2002).
Em 1942, com a reforma Gustavo Capanema, surge uma primeira adaptação entre as
propostas de formação dualista de intelectuais e trabalhadores: a Lei Orgânica do Ensino
47
Industrial transforma as Escolas de Artes e Ofícios em Escolas Técnicas Federais. Com isso, a
dualidade de caminhos para a formação do indivíduo é reiterada na separação entre a escola
(nível médio e superior) e os cursos profissionalizantes públicos (CEFETS) e privados
(SENAI e SENAC).
As concepções e práticas dualistas cristalizaram-se ao longo das décadas situando, de
um lado, a educação escolar acadêmico-generalista e, de outro, a educação profissional.
Mesmo após a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), Lei 4.024/61, em fins de 1961, a dualidade estrutural ainda persistiria. Embora se
garantisse maior flexibilidade na passagem entre o ensino profissionalizante e o secundário,
não alterava a essência do princípio educativo tradicional, que é “a existência de dois projetos
pedagógicos distintos” (KUENZER, 1997, p.15), cujos objetivos são formar trabalhadores
instrumentais e trabalhadores intelectuais, atendendo à lógica da divisão técnica e social do
trabalho.
Com o golpe militar de 1964, a perspectiva educacional tecnicista tornou-se
dominante, levando o sistema de ensino a adequar-se a esta nova realidade regida pelos
pressupostos da Teoria do Capital Humano
2
(PEZZATO, 2001; MANFREDI, 1998).
Predominou, nesse período, a idéia de que, através de políticas educacionais impostas de
forma tecnocrática, seria possível promover o desenvolvimento econômico. A história dos
sistemas de formação profissional no Brasil enquadra-se dentro desta lógica, onde a
qualificação é entendida como preparação de mão de obra especializada (ou semi-
especializada), para fazer frente às demandas técnico-organizativas do mercado de trabalho
formal. Ou seja, com a implementação de uma série de políticas educacionais voltadas para a
criação de sistemas de formação profissional estreitamente vinculados às demandas e
necessidades dos setores mais organizados do capital, a educação passa a ser entendida como
2
Com relação à concepção da teoria do Capital Humano, consultar Pezzato (2001), Capítulo 2.
48
uma técnica que potencializa a produtividade pela melhor capacitação do trabalhador. Na
Odontologia, essa situação ficou caracterizada pela afirmação da necessidade de aumento da
produtividade dos serviços odontológicos com a utilização de mão de obra barata, para
diminuir custos. Assim, mantinha-se a dicotomia entre o pensar e o fazer.
No âmbito escolar, os governos militares protagonizaram um projeto de reforma do
ensino fundamental e médio com a promulgação da Lei 5692/71 que instituiu a
“profissionalização universal e compulsória para o ensino secundário” (MANFREDI, 2002,
p.105). Devido a resistências observadas na sociedade, esta lei sofreu várias modificações até
chegar, em 1982, à Lei 7044/82 que, na verdade, retoma a antiga dualidade presente na
distinção entre ensino de formação geral e de caráter profissionalizante.
Atualmente, as exigências do sistema educacional para os cursos técnicos (educação
profissional) encontram-se descritas na nova LDB (Lei 9634/96), a qual traz uma nova
configuração para a Educação Profissional, criando critérios e traçando diretrizes específicas
para cada modalidade e, também, nível proposto: o básico, o técnico e o tecnológico. Nela, a
“formação técnica é complemento da educação geral” e tem por objetivo a articulação entre a
educação e o mundo do trabalho. (BRASIL, 1996)
2.2 A formação profissional em saúde
No início dos anos 1970, a saúde no Brasil foi marcada por um modelo médico-
assistencial privatista, que privilegiava a prática privada em detrimento da saúde pública,
levando a uma dicotomia nos modelos de ação entre esta e a atenção médica. Nesta época, já
se discutia o movimento contra hegemônico da Reforma Sanitária brasileira, que, no final dos
anos 1970 e início dos 1980, obtém importantes conquistas no campo político-social, para o
avanço de sua proposta.
49
A década de 1980 foi marcada tanto pelo enfrentamento de dois projetos político-
sanitários: o contra hegemônico da Reforma Sanitária e o hegemônico neoliberal
conservador
3
, como por um crescimento acelerado do setor saúde, principalmente da rede
hospitalar privada conveniada ao INAMPS. Alguns estudos revelaram que a lógica do setor
privado estava na utilização de atendentes com baixos salários e com descaso na sua
qualificação (PEZZATO, 2001).
Segundo Almeida (1996), nas décadas de 1970 e 1980, uma prática bastante comum
para incorporação de pessoal auxiliar na maioria dos serviços de saúde do Brasil, que perdura
até os dias de hoje, era a do “treinamento em serviço”. O conceito de treinamento traduz uma
prática adequada à realização de atividades meramente mecânicas, que entendemos vir ao
encontro de propostas pedagógicas que pressupunham que tais práticas dependiam de um
automatismo e não da manifestação da inteligência e, por conseguinte, reduziam o sujeito-
trabalhador ao desempenho de suas tarefas. As instituições de saúde começam a organizar
cursos de formação na modalidade de ensino supletivo (modalidade qualificação profissional)
e, com isso, consolidam-se como “locus de qualificação”. Contudo, em virtude de
dificuldades burocráticas no processo de autorização dos órgãos competentes para a execução
de processos educacionais fora da escola, o setor saúde estruturou uma instituição específica
para tal, tomando como base a legislação para 1
o
e 2
o
graus: o Centro Formador, futura Escola
Técnica de Saúde (PEZZATO, 2001).
Nos anos 1980, o movimento contra hegemônico da Reforma Sanitária considerou
estratégica a consolidação da qualificação dos trabalhadores de saúde, especialmente aqueles
de nível médio (1
o
grau completo e habilitação profissional de 2
o
grau) e elementar (somente
o 1
o
grau). Nesta época, surgem algumas propostas em instituições públicas para
formação/qualificação do pessoal auxiliar em saúde entre as quais destacam-se: O Projeto
3
Proposta conservadora do modelo médico assistencial privatista.
50
Larga Escala do Ministério da Saúde e a criação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV) da FIOCRUZ. Ambos possuem propostas para formação do pessoal
auxiliar para a saúde, contemplando suas especificidades. Enquanto o primeiro realiza
formação em serviço do pessoal auxiliar, principalmente auxiliares de enfermagem sem
qualificação específica, empregados em serviços de saúde, a segunda oferece cursos também
para a comunidade, com características do antigo 2
o
grau profissionalizante, ou seja, articulam
a formação geral e específica (PEZZATO, 2001). Por outro lado, vale ressaltar que a busca da
melhoria da atenção à saúde pautada na qualificação dos trabalhadores é o ponto que possuem
em comum, alicerçado em propostas pedagógicas problematizadoras.
Em 1986, concomitantemente à VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizou-
se a I Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB), durante a qual esteve presente o tema
da formação e incorporação do pessoal auxiliar, apontado como necessidade para a
Odontologia brasileira, “para viabilizar a extensão da cobertura e a aumento da
produtividade” (BRASIL, 1986).
Logo depois, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), na Constituição
Federal de 1988, torna-se atribuição da saúde a ordenação da formação de recursos humanos
para a saúde, impulsionando programas de formação de pessoal auxiliar em diversos Estados
(NARVAI, 1997). A ampliação da oferta de postos de trabalho no setor certamente foi um dos
fatores que estimulou a criação de cursos particulares.
Os autores apontam uma resistência da classe odontológica em empregar pessoal
auxiliar “formalmente treinado”, uma vez que valorizavam mais a experiência profissional do
que a educação formal. Essa resistência por parte de alguns grupos de dentistas quanto à
formação do ACD, tomou forma desde que essa discussão ganhou algum espaço com o
Parecer 460/75 do CFE. Este Parecer, enquanto proposta oficial, segue a tendência tecnicista
da educação, afirmando a necessidade de aumento da produtividade com a utilização de mão
51
de obra barata para diminuir custos. Neste documento encontramos, mais uma vez, a lógica do
capital como condicionante do processo educativo, quando cita que esse tipo de profissional
deveria satisfazer as demandas desse mercado (PEZZATO, 2001; LIMA, 1996).
2.2.1 A formação do ACD
Os processos de formação do Auxiliar de Consultório Dentário (ACD) no Brasil,
assim como todos os processos educativos, vinculam-se ao período histórico em que se
situam. Boa parte das mudanças na formação do nível técnico e auxiliar em Odontologia
implicam modificações na forma de ver o trabalho e a educação e, portanto, mobilizam
concepções que têm raízes históricas profundas.
A prática odontológica hegemônica atualmente no país apresenta características que
expressam as profundas transformações experimentadas pela sociedade brasileira ao longo de
todo o século XX, com acentuado crescimento econômico, industrialização e urbanização.
Tais mudanças vêm repercutindo intensamente na prática odontológica, que vem se tornando
complexa e com expressiva sofisticação tecnológica. Ao longo dos séculos, o processo de
trabalho foi se tornando mais e mais complexo até atingir o estágio atual, caracterizado pela
acentuada divisão técnica, produto histórico do desenvolvimento técnico-científico.
De modo geral, a formação profissional de nível técnico foi marcada por uma divisão
social entre o pensar e o fazer, principalmente pela forte influência das concepções do campo
da economia e da sociologia na relação Educação e Trabalho. Enquanto aqueles que iriam
desempenhar funções intelectuais aprendiam o saber sobre o trabalho na escola, os demais,
que iriam desempenhar o trabalho na prática, aprendiam sobre suas tarefas com o auxílio de
treinamentos ou capacitações. (KUENZER, 1992; PEZZATO, 2001).
52
Com a formação profissional do nível médio na Odontologia não foi diferente pois,
desde a década de 1950, ocorrem processos isolados de “treinamento” de auxiliares de
consultório dentário no Brasil, exatamente com este perfil. O primeiro curso de preparação de
ACD, no Brasil, aconteceu nos programas de saúde pública da Fundação de Serviços
Especiais de Saúde Pública (FSESP), em 1955, na Faculdade de Odontologia da Universidade
do Brasil, no Rio de Janeiro. Segundo Pezzato (2001), esta instituição foi pioneira no Brasil
com a utilização de auxiliares nos trabalhos preventivos e a formação em serviço desse
pessoal.
A formação dos ACDs, que aconteceu durante as décadas de 1970 e 1990 teve como
principal característica, de maneira geral, a formação em serviço, seguindo a proposta do
Projeto Larga Escala. Os cursos, em sua grande maioria, aconteceram em Centros
Formadores/Escolas Técnicas de Saúde do SUS, Colégios Técnicos de Universidades;
Sistema S (SESI, SENAC, SESC, SENAI); ABO; CRO; APCD e poucos em escolas
particulares, indicando um maior interesse e aceitação do setor público para com a formação
desses profissionais. Em nossa busca não encontramos trabalhos publicados sobre a formação
dos ACDs que fizessem referência a EPSJV.
Esses processos de formação tiveram, também, uma movimentação para regulamentar
essas profissões no mundo do trabalho, tanto no campo de educação como no da saúde, as
quais esbarram na racionalidade instrumental ainda dominante na Odontologia. (PEZZATO,
2001). Nos trabalhos pesquisados, os autores que defendem a inserção do pessoal auxiliar
expressam como elementos fundamentais para a racionalização do trabalho odontológico o
aumento da produtividade, a diminuição dos custos dos serviços odontológicos e a divisão
técnica do trabalho.
53
Ao longo dos anos, houve modificações nos conteúdos e práticas educativas, mas a
despeito dos avanços na regulação no setor, ocorre ainda uma persistente indefinição dos
setores da saúde e da educação quanto à responsabilidade pela formação destes profissionais.
2.2.2 O percurso de regulamentação do exercício profissional
Até meados do século XIX a Odontologia ainda não estava organizada como uma
profissão, nem havia escolas para formação de profissionais nesse campo de trabalho e, apesar
de existirem algumas leis de regulação para determinados serviços odontológicos como, por
exemplo, para a extração dentária (em geral, permitida ao “barbeiro”), o trabalho não era
regulamentado e qualquer pessoa poderia efetuar essas atividades.
O marco histórico da profissão odontológica encontra-se relacionado à criação da
primeira Escola de Odontologia, em 1840, na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos
(“Baltimore College of Dental Surgery”) caracterizando sua prática como atividade científica
e de nível universitário.
No Brasil, a institucionalização da formação e a organização das atividades
profissionais na área da saúde só tiveram início após a chegada da Família Real, em janeiro de
1808. Após a instalação do Reino no Brasil, a primeira “Carta de Dentista” foi expedida para
um português em 1811, autorizando-o expressamente a “tirar dentes”, não mencionando
cirurgias, próteses, curativos ou medicações. Em 1856 foi instituído, na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, exame para dentistas habilitarem-se ao exercício da profissão. A
primeira escola de Odontologia foi criada em 1884, junto às Faculdades de Medicina do Rio
de Janeiro e da Bahia
4
.
4
Em 25 de outubro (o dia do cirurgião-dentista, atualmente) de 1884 foram criados, através do Decreto Imperial 9311,
cursos de Odontologia nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Ao término do curso, os alunos recebiam o
título de "Cirurgião-Dentista".
54
Assim, já existia ao final do século XIX um reconhecimento profissional da
Odontologia permitindo, inclusive, a criação de categorias auxiliares no interior da profissão,
pelo menos em alguns lugares do mundo (CARVALHO, 1999; NARVAI, 1994).
O primeiro curso promovido com o objetivo de treinamento de pessoal para “executar
a limpeza dos dentes, como uma ‘subespecialidade’ odontológica” (CARVALHO,1999) foi
realizado em 1910/1911 pela Faculdade de Odontologia de Ohio visando a formação da
higienista bucal, mas não houve continuidade da iniciativa. Em 1913, outro curso para
higienistas dentais, fundado por Alfred O. Fones, teve início, desta vez sem interrupções.
O surgimento dessa categoria profissional trouxe à tona dois sentimentos simultâneos
e contraditórios nos dentistas da época: o primeiro, marcado pelo argumento de que tal
“subespecialidade” traria impulso qualitativo na prática odontológica, contrapunha-se àquele
de medo de que uma “subespecialista” pudesse engajar-se na prática ilegal da Odontologia.
Foi exatamente a partir das contradições trazidas pelo início da utilização de pessoal auxiliar
treinado para o serviço de Odontologia, que firmou-se a necessidade de existência de leis para
controlar e limitar o exercício dessa nova “subespecialidade”, estabelecendo regras para que
tal trabalho preservasse o lugar do dentista, agora diretamente responsável pela supervisão.
Por volta de 1950, com o apoio da Organização Mundial de Saúde, uma proposta da
Nova Zelândia de uso de enfermeiras dentais com funções odontológicas ampliadas
(anestesia, preparo cavitário, extrações) espalhou-se por vários países da África e Ásia,
chegando até a América Latina. Nas décadas seguintes, houve uma rápida expansão da
utilização de pessoal auxiliar em todo o continente americano, com características e propostas
de trabalho variando de acordo com os países ou regiões, moduladas segundo o grau de
resistência oferecida por parte dos dentistas.
Nas décadas de 1960 e 1970, em algumas escolas de Odontologia da América Latina,
também se discutia a necessidade de avaliar os rumos da formação e da prática odontológica
55
com a formação de odontólogos clínicos gerais mais adequados à realidade social. Além
disso, a transformação da prática deveria buscar a racionalização do trabalho por meio da
simplificação de tecnologias, uso de novos materiais e incorporação de pessoal auxiliar com
ampla delegação de funções. A partir da década de 1970, a idéia de utilização do pessoal
auxiliar nos serviços de saúde foi prontamente aplicada em programas odontológicos de
diversos países (CARVALHO, 1999; PEZZATO, 2001).
Nos dias atuais, sob o ponto de vista das necessidades da população, não cabe a menor
dúvida sobre a importância da incorporação de recursos humanos de nível elementar e médio
ao cotidiano da prática odontológica. As bem sucedidas experiências desenvolvidas
originariamente nos Estados Unidos e na Nova Zelândia, com a Higienista Dental e a
Enfermeira Dentária Escolar, respectivamente, reiteram a idéia de que não utilizar pessoal
auxiliar para desenvolver ações odontológicas seria uma situação inimaginável do ponto de
vista social, particularmente se considerarmos o grave quadro de desigualdade neste campo
(NARVAI, 1994).
O Brasil já vem, há vários anos, formando e utilizando outros tipos de recursos
humanos em Odontologia que não exclusivamente o profissional de nível universitário. A
introdução de profissionais auxiliares com funções clínicas está associada com a
implementação de programas de fluoretação pela Fundação de Serviços de Saúde Pública
(Fundação SESP) a partir dos anos 1950. Desde a década de 1960, existem experiências de
formação e treinamento para o auxiliar de consultório, sendo que o primeiro curso de
formação criado especificamente para ACD ocorreu na década de 1970 (PEZZATO, 2001).
Na verdade, entendemos que as pressões da população para conseguir acesso aos serviços
odontológicos fez com que o Estado, em diferentes níveis de governo, ampliasse a oferta de
serviços odontológicos públicos. Este fato, combinado ao enorme contingente de
trabalhadores odontológicos que já vinham exercendo funções auxiliares em consultórios e
56
clínicas privadas, criou condições favoráveis à aprovação, em 1975, do Parecer 460/75, do
Conselho Federal de Educação (CFE), autorizando e estabelecendo as exigências para
formação de dois tipos de pessoal auxiliar odontológico: o atendente de consultório dentário
(ACD) e o técnico em higiene dental (THD) (MEC, 1975).
Apesar de o CFE ter autorizado a formação de ACD e THD em 1975, apenas nove
anos depois, em 1984, o CFO aprovou a histórica Decisão 26/84, disciplinando o exercício
dessas profissões no Brasil, posteriormente complementada pelas Resoluções 155/84, 157/87,
e 153/93 do Conselho Federal de Odontologia. (CFO, 1984; CFO, 1987; CFO, 1993)
A partir de 1984, desencadeou-se um amplo processo de regularização da situação
profissional de um grande contingente de trabalhadores no exercício dessas funções em todo o
país. Infelizmente, embora há quase 30 anos estejam normatizados os cursos de formação e há
mais de vinte o exercício profissional, ainda encontramos no mundo do trabalho grande
parcela de ACDs sem qualificação específica, sendo treinados em serviço pelo próprio CD, da
maneira que melhor lhe convier. Com a criação do SUS foram impulsionados em diversos
Estados da Federação programas de formação de pessoal auxiliar odontológico, pelas próprias
Secretarias de Saúde. Cursos particulares de ACD e THD foram também aprovados pelos
respectivos Conselhos Estaduais de Educação, em vários Estados.
O Conselho Federal de Odontologia
5
(CFO), órgão responsável pela regulação da
classe odontológica no Brasil, por muito tempo não demonstrou valorização da qualificação
deste pessoal. A nosso juízo, este quadro poderia indicar que, possivelmente, para este
Conselho, as atribuições do ACD não interferissem nos resultados dos serviços de saúde
prestados à população, seja no setor público ou privado. Fato é que, apesar de todo o
movimento de regularização da profissão, até junho de 2000, a exigência do diploma para se
inscrever nos Conselhos não existia, bastando uma carta do cirurgião dentista comprovando a
5
Conselho Federal de Odontologia é o órgão máximo da regulação profissional em Odontologia no Brasil
57
experiência de um ano na função. A partir de então, coexistiram as duas formas de ingresso
nos Conselhos e, somente a partir de 2003, com uma nova regulamentação, este certificado de
conclusão do curso passou a ser indispensável (CFO, 1993; CFO, 2003).
A partir da Lei N
o
9394/96 de Diretrizes e Bases Curriculares (LDB) e devido à
necessidade de acompanhar as mudanças mundiais no campo de produção e desenvolvimento
do conhecimento nas diversas áreas do saber, foram criadas diretrizes curriculares tanto para
formação profissional de nível técnico na área da saúde quanto para os cursos de graduação
(MEC, 1999; MEC, 2000; MEC, 2002). Tais diretrizes possuem princípios, objetivos e metas
a serem seguidas no intuito de adaptar o ensino à realidade do profissional e às demandas da
sociedade na qual estará inserido.
A formação dos profissionais ACDs da área odontológica do CBMERJ, sujeitos deste
estudo, está regida pela legislação pertinente, isto é, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) para a formação profissional de nível técnico na área da saúde, que afirma:
O processo de trabalho requer articular as intervenções e atividades
realizadas pelo profissional com as ações dos demais agentes da equipe, destacando
o caráter multiprofissional da prática; redimensionar a autonomia profissional, ou
seja, o alcance da liberdade de decisão e conduta de cada agente, autonomia esta
que se encontra fortemente tensionada pela necessidade de recomposição dos
inúmeros trabalhos parcelares e de comunicação entre os agentes especializados;
articular conhecimentos oriundos de várias disciplinas ou ciências, destacando o
caráter interdisciplinar da prática; maior qualificação profissional, tanto na
dimensão técnica especializada, quanto na dimensão ético-política, comunicacional
e de inter-relações pessoais (MEC, 1999, p8).
Podemos entender que a redação das DCN busca a formação e qualificação de um
indivíduo com perfil crítico que tenha autonomia para refletir seu processo de trabalho,
compor e integrar uma equipe de saúde em que haja troca de conhecimentos e saberes nas
ações, compartilhando a responsabilidade pelo cuidado. A busca de um profissional reflexivo,
58
crítico, e também com habilidades técnicas para trabalhar em uma equipe de saúde e prestar
serviços com qualidade, traz de volta a idéia de inclusão, de trabalho em equipe, do coletivo,
em detrimento da ênfase no desempenho individual.
Em uma abordagem estritamente técnica, podemos afirmar que o CD e o ACD
compõem a equipe de saúde bucal que presta serviços de saúde à população, na qual os ACDs
desenvolvem atividades e tarefas consideradas de menor complexidade e necessitam de
supervisão direta ou indireta do CD. Algumas dessas tarefas, segundo Pezzato & Cocco
(2004), exigem habilidade e domínio de técnicas que demandam capacidade de observação,
juízo e decisão, envolvendo questões de responsabilidades com o ser humano e com a
população e, sobretudo, ética profissional.
Frente a esta necessidade de executar atividades que requerem abstração e capacidade
analítica que suporte linguagens diversificadas, em um contexto de rápidas transformações
tecnológicas, o profissional de hoje “precisa poder aprender a aprender” (PERRENOUD,
1999) de maneira coletiva, com uma visão ampla e não fragmentada dos processos
organizacionais.
Quanto aos níveis de escolaridade, enquanto o CD é uma categoria profissional com
formação de nível superior, a escolaridade mínima exigida, hoje, para o ACD é o ensino
médio completo.. Ele auxilia nas tarefas de tratamento odontológico em consultórios,
recebendo os pacientes, orientando-os e preparando-os para atendimento odontológico
propriamente dito. Executa tarefas que envolvem: manipulação de materiais de uso específico
(necessários para o desenvolvimento das atividades de apoio ao atendimento); manutenção da
limpeza dos equipamentos; organização de dados de pacientes; colaboração em atividades
didático-científicas e em campanhas comunitárias.
59
As atividades privativas do ACD encontram-se descritas na Consolidação das normas
para procedimentos nos Conselhos de Odontologia
6
. Apesar disso, não existe uma legislação
para a profissão de ACD, apenas projetos de lei que vêm tramitando no Congresso Nacional
desde 1989. Embora há mais de 25 anos estejam normatizados os cursos de formação e há
mais de 16 esteja regulamentado o exercício profissional, essa profissão ainda não foi
reconhecida no mundo do trabalho. Traduz essa situação o fato de o ACD não constar na
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) (PEZZATO & COCCO, 2004).
Cotidianamente chegamos a quantificar e qualificar a importância de se ter um
auxiliar ao lado do CD, com atributos definidos e ajustados aos padrões atuais de
requerimentos profissionais que, a nosso juízo, indicam a necessidade de um profissional de
saúde mais polivalente, capaz de agir em variados contextos.
Diante de diretrizes exigentes, da crescente valorização da saúde bucal da população e
da própria concorrência entre os profissionais da área odontológica, podemos afirmar que o
auxiliar preparado, com conhecimentos específicos e pertinentes às situações diversas vividas
diariamente no local de trabalho, traz muitos benefícios ao atendimento voltado ao cuidado
em saúde bucal.
Retomando os referenciais teóricos estudados no capítulo anterior, entendemos que o
trabalho em saúde pressupõe, primeiramente, a necessidade de diálogo, pois é uma relação
entre sujeitos. Além disso, necessita também do trabalho em equipe e de conhecimentos
técnicos específicos. Assim, se o trabalho de um dos profissionais que compõem a equipe de
saúde bucal não for bem executado, pode comprometer o processo de trabalho desta equipe e
ainda colocar em risco os serviços de prestação do cuidado de saúde à população, que é o
6
Resolução CFO nº185 de 26 de abril de 1993. O Conselho Federal de Odontologia (CFO) considerou as
diretrizes do Parecer 460/75 do CFE e regulamentou, por meio da decisão 26/84, o exercício profissional do
ACD. Após a 1
a
Conferência Nacional Saúde Bucal (CNSB), com o objetivo de atender ao último item do seu
relatório final, O CFO alterou os capítulos IV e V da Decisão 26/84, aprovada pela Resolução 155/84, e
deliberou a Resolução 157/87, ampliando as funções do ACD em relação à prevenção e controle da carie dental e
aos cuidados com o equipamento odontológico. (PEZZATO & COCCO, 2004)
60
objeto principal desta relação de trabalho. Deste modo, entendemos que estas profissões (CD
e ACD) requerem, concomitantemente, um enfoque específico para cada uma delas e uma
abordagem em equipe, que responderá positivamente aos anseios dos pacientes e dos próprios
profissionais envolvidos.
2.2.3 Os ACDs no contexto CBMERJ
No Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ), como nos
demais serviços, encontramos uma grande parcela de Auxiliares de Consultório Dentário
(ACDs) sem qualificação específica, despreparada tecnicamente para desempenhar
corretamente suas práticas, quer seja porque foram desviadas de suas funções originais, quer
seja por não terem experiência profissional adequada. Considerando que o bom desempenho
do Auxiliar de Consultório Dentário (ACD) é de fundamental importância na rotina diária do
cirurgião dentista, sua qualificação reflete diretamente na qualidade do atendimento
odontológico que é oferecido aos nossos militares e seus dependentes.
Apesar de existirem dentistas militares, inicialmente não havia previsão de Praças
ACDs no efetivo do CBMERJ. Os primeiros cabos que atuaram como ACDs ingressaram na
corporação como auxiliares de enfermagem e foram transferidos para unidades de
atendimento odontológico. Assim, eles eram treinados em serviço pelos próprios dentistas,
reproduzindo a prática corrente, como descrito anteriormente neste capítulo. Eventualmente,
alguns soldados que se interessavam em aprender a profissão, passavam pelo mesmo
processo. Por muitos anos, esta era a realidade do pessoal auxiliar de odontologia no
CBMERJ.
Em 1992, houve o 1
o
concurso público para praças ACDs, momento em que a
documentação exigida era o registro profissional no CRO. Nesta época, como explicitado
61
anteriormente, a legislação vigente permitia que, de posse de uma declaração emitida por um
dentista que atestasse a prática profissional de 1 ano, qualquer pessoa podia obter o referido
registro como ACD. Posteriormente, houve outros concursos para ingresso na Corporação. Os
últimos concursos foram os polêmicos Concursos de 2000 e de 2002, quando ainda vigorava a
permissão de registro profissional por meio de declaração emitida por um dentista.
Estes profissionais de saúde que atuam nas organizações de saúde bombeiro-militares
não diferem, em seus aspectos mais essenciais, daqueles que pertencem ao mundo do trabalho
na sociedade civil. Apresentam as mesmas necessidades, anseios e questionamentos a respeito
do melhor caminho para constituir uma equipe integrada, consciente e capaz de contribuir
para a instituição em que trabalham. As peculiaridades que temos como membros de
organização de saúde Bombeiro-Militar não nos isentam do compromisso de sermos eficazes
e fornecermos um serviço de qualidade como prestadores de serviço de saúde, qualidade
compreendida mais uma vez em seus aspectos técnicos e sociais. Nossa estreita relação com a
sociedade civil amplia essa responsabilidade, com o movimento de saída de nossos muros e
nosso comprometimento com a prestação de serviços à população civil.
Em seus quase 100 anos de história, mais marcadamente nos últimos 10 anos, a
Odontologia do CBMERJ vem sofrendo grandes transformações identitárias. Inicialmente
caracterizada como prestadora de serviço odontológico para a Corporação e, mais
recentemente, envolvida em projetos sociais do Governo Estadual
7
, a instituição agora
caminha para ocupar um novo espaço como campo de formação profissional. A partir deste
novo enfoque, a visão da própria Corporação quanto às questões de busca de qualidade no
atendimento odontológico tem priorizado a valorização de suas equipes por meio de
atualização, ressaltando-se a importância da qualidade do cuidado e a relevância social de
seus profissionais.
7
Os mais conhecidos são o Programa Saúde na Escola (PSE) e o Projeto Cidadão. Maiores informações no site:
www.defesacivil.rj.gov.br
62
Ao longo deste período, conquistamos respeito e admiração no meio odontológico
militar e civil, pois buscamos sempre associar o crescimento quantitativo do efetivo com o
compromisso de melhoria da qualidade do serviço odontológico oferecido. Este
desenvolvimento ocorreu simultaneamente, de acordo com a diretriz de que a manutenção de
uma estrutura de saúde eficiente e eficaz à disposição dos nossos bombeiros e seus
dependentes assegura uma melhor condição de desenvolver bem suas atividades laborativas a
todo o efetivo militar.
Com base numa visão que atribuía à falta de conhecimentos técnico-científicos os
problemas da prática, sem considerar outras dimensões afeitas a esta busca da qualidade na
prática profissional, surgiu a idéia de criação do Centro de Estudos e Pesquisas Odontológicas
(CEPO) com a missão de promover ensino e pesquisa científica na área odontológica da
Corporação (FALCON et al, 2004). Dentre suas realizações incluímos a organização de
“Ciclos de Palestras de Aperfeiçoamento de Curta Duração” e a criação do Estágio de
Atualização Técnico Profissional para Auxiliares de Consultório Dentário (EAT/ACD), em
parceria com o Programa Saúde na Escola (PSE).
O EAT/ACD, elaborado e implantado pelo CEPO em 2003, é um curso regular do
CBMERJ que tem por objetivos promover a atualização de conhecimentos teóricos e práticos
necessários ao bom desempenho das atividades do ACD e estabelecer rotina de atualização
profissional a todos os Praças que desempenham função de ACD dentro e fora da Corporação
Bombeiro Militar. A proposta de criação do curso surgiu exatamente da nossa observação a
respeito da precária qualificação de nossos praças, provavelmente relacionada aos
requerimentos para o ingresso na Corporação que deixaram muito a desejar. Neste sentido, em
2003, Pereira ressaltou a importância da capacitação dos profissionais que atuam na área de
saúde, como fator de desenvolvimento das Organizações de Saúde Bombeiro-Militar.
63
Esse tipo de ação, associada à atualização profissional por meio de Congressos,
jornadas e outros eventos técnico científicos, possui grande legitimidade no campo da saúde.
Apesar de reconhecidos como espaços necessários para atualização de conhecimentos dos
profissionais, ao longo do tempo, percebemos que seu impacto na transformação das práticas
foi bastante reduzido. Isto nos levou ao questionamento da lógica presente até então, segundo
a qual os problemas da prática surgiriam da falta de conhecimentos, ou seja, que ação é a
aplicação de conhecimentos. Esta visão se apóia nos princípios apontados por Contreras
(2002) que regulam o processo de formação profissional em saúde, vistos anteriormente neste
trabalho.
Foi justamente a partir de um olhar mais apurado que pudemos observar que os
obstáculos à qualidade da prestação de serviços oferecida pelas diversas Unidades
Odontológicas Militares não se restringiam aos problemas referentes ao conhecimento
profissional. Para que os problemas estivessem resolvidos não bastaria oferecer cursos aos
nossos profissionais: na verdade, passamos a entender que a busca da qualidade envolve a
aproximação aos problemas, entendendo-os como bem mais complexos por reunirem
dimensões várias - afeitas aos recursos humanos, à estrutura física, às articulações político-
administrativas, aos processos de decisão etc. A perspectiva é de que a melhoria do trabalho
envolva a construção dos problemas junto com as próprias equipes, em reflexão sobre este
trabalho, com o objetivo de melhorá-lo de forma contínua.
Parece-nos bastante pertinente a afirmação de Ribeiro (2004) de que nas instituições
realmente comprometidas com a qualidade do cuidado em saúde, o que é considerado
problema é o distanciamento da prática daquilo que é definido como qualidade. A partir desta
premissa, com o claro objetivo de buscar solucionar os problemas e alcançar qualidade na
prestação dos serviços e na produção do cuidado, iniciamos nossas reflexões a respeito de
64
como se daria o ajuste entre as práticas de trabalho em saúde exercidas nas instituições
bombeiro-militares e a formação dos profissionais da área odontológica que nelas atuam.
Nosso trabalho de investigação, cujo percurso e resultados apresentamos a seguir,
situa-se nessa trajetória de reflexão.
CAPÍTULO 3
O
TRABALHO E A FORMAÇÃO DO ACD: A VISÃO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA
ODONTOLÓGICA DO
CBMERJ
Em nossa trajetória de investigação sobre a formação do ACD no CBMERJ buscamos
aproximar-nos dos sujeitos envolvidos no cuidado odontológico da instituição para analisar
suas visões sobre o trabalho que realizam e sobre como concebem seu processo de formação.
Uma primeira aproximação ao nosso objeto de estudo - o trabalho e a formação do
ACD no CBMERJ- foi realizada em 2005 por meio de estudo qualitativo em uma amostra de
84 profissionais ACDs e CDs do CBMERJ, em que um questionário estruturado foi
submetido à análise de conteúdo
1
(FALCON, 2005).
As concepções dos sujeitos entrevistados sobre sua profissão, seu trabalho, e a relação
deste com a formação variaram em um espectro amplo em que um dos extremos traduziu o
modelo hegemônico de educação técnica e o outro já apontava uma articulação entre
educação e trabalho. A diversidade das concepções dos profissionais mostrou a complexidade
de processos educativos que busquem mudanças na relação entre trabalho e escola,
destacando a importância da reflexão mais aprofundada nesse campo.
1
Resultados preliminares deste estudo foram apresentados no III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e
Humanas em Saúde
, realizado no período de 09 e 13 de julho de 2005, na Universidade Federal de Santa
Catarina, sob a forma de pôster.
66
Estes resultados obtidos trouxeram questões instigantes que apontaram a pertinência
de um aprofundamento do trabalho de campo, orientados pelas seguintes questões chave que
destaco como norteadoras do presente estudo:
1. A inserção profissional de ACDs e CDs no CBMERJ configura um trabalho
em equipe regido por complementaridade ou justaposição de tarefas?
2. De que maneira a hierarquia militar influencia o núcleo de identidade
profissional do ACD na organização do trabalho para o cuidado odontológico no CBMERJ?
3. A prática odontológica no CBMERJ pode configurar-se como cenário
relevante para a formação profissional do ACD?
A resposta a esses questionamentos se faz necessária na medida em que
compreendemos, não só a importância da busca de soluções eficientes e eficazes para o
desenvolvimento de diretrizes para o alcance da qualidade na atenção odontológica, como
também a relevância da participação dos sujeitos neste processo. O estudo aqui delineado
pretende contribuir para essa construção.
Ao assumirmos que nosso objeto de estudo inclui os sujeitos que nele atuam, e
considerando a historicidade inerente aos processos de formação e educação aqui levantados,
é importante explicitar o conceito de representações sociais empregado.
As representações sociais são definidas, no campo das ciências sociais, como
categorias de pensamento, ações e sentimentos que expressam a realidade em que vivem as
pessoas, possibilitando explicações que a justificam ou questionam (GOMES, 2002;
MINAYO, 2004). Para os autores, elas constituem material essencial à prática da pesquisa no
campo das ciências sociais, pois entendem que expressam a forma de conceber a realidade de
cada grupo social segundo seus interesses específicos. Segundo Peduzzi (1998), as
representações, enquanto expressão do simbólico, do imaginário, impregnadas da
67
singularidade e da “socialidade” dos sujeitos, nos permitem uma aproximação dos
significados atribuídos, pelos sujeitos, às práticas sociais e as suas relações nessas práticas. A
autora tece várias considerações sobre suas diversas abordagens (sociológica, filosófica e
psicossocial) e, como ela, entendemos que a partir destes referenciais nos é permitido
entender as representações como mediações entre as práticas sociais (contexto geral) e o
sujeito (seus projetos pessoais).
Na verdade, a nosso juízo, a análise de conteúdo consiste em um conjunto de técnicas
de análise das comunicações a partir do recorte do texto em unidades comparáveis de
categorização. Em nossa investigação, dentre as diversas técnicas para este modelo de análise,
optamos pela utilização da técnica de análise temática, considerada por Minayo (2004, p.204)
uma das formas que melhor se adequa “à investigação qualitativa do material sobre Saúde”.
Para tal aprofundamento, decidimos partir para uma segunda etapa de estudo,
complementar, orientada pelos resultados preliminares obtidos e desenvolvida por meio de
um outro instrumental apropriado para a sua abordagem: a formação de grupos de discussão
com interação entre os participantes (grupos focais)
2
. Segundo Kitzinger (2005), a partir da
observação de que as discussões em grupo podem gerar comentários mais críticos do que as
entrevistas, o método provou ser uma técnica efetiva para exploração das atitudes e das
necessidades da equipe. Para nós, o próprio fato de discutirem em grupo situações específicas
do seu dia a dia leva à construção coletiva de opiniões a partir da interlocução entre os
entrevistados. Entendemos que é esta possibilidade que nos permite licitar essas opiniões
como construção do grupo. Na seleção de nossa amostra, optamos por diversificá-la a fim de
maximizar a exploração de diferentes perspectivas em um ambiente de grupo. Contudo,
cientes de que a hierarquia entre os membros de um grupo pode afetar os dados,
2
Para Minayo (2004, p. 129) o grupo focal consiste numa técnica de inegável importância para se tratar das
questões da saúde sob o ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos
diferenciados grupos de profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população.
68
principalmente ao lidarmos com uma organização militar, decidimos pela seleção de dois
grupos distintos, segundo os critérios a seguir:
O primeiro grupo, composto por nove
3
Praças pertencentes ao Quadro de Saúde, na
Qualificação Bombeiro Militar Profissional (QBMP) 06, da ativa do Corpo de Bombeiros
Militar do Estado do Rio de Janeiro, de ambos os sexos, com faixa etária aproximada de 18 a
55 anos, que exercem atualmente a função de ACD atuando nas unidades odontológicas
internas da Corporação (Odontoclínicas, Odontocentros e UAO) do âmbito da Diretoria Geral
de Odontologia (DGO). Buscamos, ainda, garantir a diversidade da amostra selecionando, tão
aleatoriamente quanto possível, um ACD de cada Odontoclínica e/ou Odontocentro, e um
ACD que atua em UAO. Destes, cinco que já haviam concluído o EAT/ACD
4
e quatro que
não o haviam concluído. Uma outra variável considerada foi o tempo de serviço na
Corporação e para isso selecionamos quatro com ingresso anterior ao concurso de 2000 e
cinco que ingressaram nos concursos públicos de 2000 ou 2002
5
.
O segundo grupo foi composto por Oficiais dentistas do Quadro de Oficiais da Saúde
da ativa do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, de ambos os sexos, com
faixa etária aproximada de 25 a 45 anos, no exercício da função no âmbito da DGO. Com o
objetivo de garantir a participação daqueles que efetivamente atuam diretamente com os
ACDs durante o seu exercício profissional, selecionamos Tenentes ou Capitães, 01 de cada
3
O número de participantes foi decidido em função da quantidade de Odontoclínicas, Odontocentros e UAO
atualmente existentes na área metropolitana do CBMERJ. Os dois primeiros tipos são Unidades internas de
atendimento odontológico de grande porte, que possuem atendimento em diversas especialidades odontológicas,
enquanto as últimas são Unidades de pequeno porte voltadas ao atendimento clínico básico.
4
O EAT/ACD (Estágio de Atualização Técnico Profissional para Auxiliares de Consultório Dentário) é um
curso regular do CBMERJ que tem por objetivos promover a atualização de conhecimentos teóricos e práticos
necessários ao bom desempenho das atividades do ACD e estabelecer rotina de atualização profissional a todos
os Praças que desempenham função de ACD dentro e fora da Corporação Bombeiro Militar.
5
As datas referem-se aos anos em que foram realizados os dois últimos concursos públicos para ingresso de
ACDs e CDs no CBMERJ.
69
Odontoclínica e/ou Odontocentro, obrigatoriamente exercendo a função de dentista junto à
cadeira
6
.
Na construção de um roteiro estruturado para os grupos focais buscamos explorar os
resultados obtidos pelos questionários no levantamento anterior, de forma que nos permitisse
elucidar as questões que consideramos pertinentes ao nosso estudo: o trabalho e a formação
do ACD.
Os encontros duraram em média 1h 30 min e foram gravados em áudio e
posteriormente transcritos. Toda a discussão dos grupos foi conduzida por entrevistador
experiente, contando com um observador que auxiliou na operacionalização das gravações.
O trabalho com os grupos propriamente ditos teve início de forma tradicional com a
apresentação do entrevistador e do observador, agradecimento pela participação de todos,
apresentação sumária dos objetivos do estudo, apresentação da dinâmica das entrevistas e
observação sobre o caráter voluntário da participação.
Em um primeiro momento, lançamos as seguintes questões sobre o trabalho do ACD:
O que é o trabalho do ACD aqui no bombeiro? O que ele faz? O que você entende que deve
fazer um ACD?
Após o esgotamento do tema e a partir de um encaminhamento próprio do grupo,
entramos na segunda parte da nossa discussão, que abrangeu questões sobre a formação do
ACD. Para isso, as seguintes questões foram lançadas para debate: Onde e como aprendem
este trabalho que foi discutido aqui? Qual é o papel da formação (curso) no exercício
profissional? Se vocês fossem responsáveis por elaborar um curso para formar ACDs, como
seria esse curso?
6
A expressão “junto à cadeira” é utilizada corriqueiramente pelos profissionais da área odontológica do
CBMERJ para fazer referência ao profissional que exerce suas atividades atendendo pacientes, no sentido de
distingui-lo daquele que exerce apenas funções administrativas ou burocráticas
70
As entrevistas transcorreram em clima cordial, às vezes de “confraternização”: os
grupos, compostos por profissionais da mesma categoria funcional, representaram para alguns
a oportunidade do reencontro com os colegas.
Os temas foram debatidos com a participação de praticamente todos. Não se observou
a “exclusão”, voluntária ou imposta, de nenhum dos integrantes no grupo dos ACDs,
enquanto que no grupo dos CDs um dos participantes ficou impossibilitado de comparecer.
Tal fato não trouxe prejuízo para nossa amostra, considerando que a sua diversidade foi
garantida pela presença dos demais. No entanto, em alguns momentos houve uma tendência,
observada nos dois grupos, de um ou outro participante monopolizar a discussão.
Os entrevistados não demonstraram nenhum desconforto com a presença da
pesquisadora, aspecto que preocupava especialmente em relação ao grupo dos ACDs,
composto de Praças hierarquicamente subordinados a mim. A tendência foi de conduzirem o
debate entre si e, eventualmente, dirigiam-se ao entrevistador.
As entrevistas encerraram-se com o comentário, pelos participantes, sobre a reflexão
que tiveram a oportunidade de fazer e, também uniformemente, propuseram novos encontros
semelhantes.
Em ambos os grupos, alguns integrantes demonstraram o desejo de participar de um
grupo de discussão misto, que fosse composto por ACDs e CDs. Contudo, no grupo de ACDs,
outros componentes entenderam que ainda não seria possível participar de um grupo com esta
conformação. Alegaram preocupação com a questão da hierarquia e de possíveis sanções
disciplinares em função de um ou outro tema discutido. Ao mesmo tempo, dirigiram-se a nós,
pesquisadora e observador, afirmando que nem todos os profissionais conseguiriam ter, como
nós, atitude imparcial ao ouvir possíveis críticas.
71
A nosso juízo, a atitude espontânea dos integrantes em levantar a questão da
imparcialidade demonstrou confiança em expor pontos de vista durante a discussão. Este fato
deixou-nos mais seguros e tranqüilas com relação à veracidade das reflexões ali expostas.
Cabe pontuar que minha inserção no grupo sujeito da pesquisa é total e, neste caso, o
envolvimento com o grupo de entrevistados, em lugar de ser tomado como uma falha, foi
pensado como uma condição de aprofundamento de uma relação intersubjetiva. Assumimos,
aqui, a citação de Minayo (2004:124) na qual afirma que “esta relação estreita do pesquisador
com os sujeitos contempla o afetivo, o existencial, o contexto do dia a dia, as experiências e a
linguagem do senso comum”. Consideramos, assim, tal condição como contribuição ao êxito
de nossa pesquisa.
Uma faceta bastante relevante da pesquisa qualitativa é que freqüentemente, uma
visão parcial e reducionista dos profissionais sobre a “perspectiva” dos sujeitos, implica em
assumir que as narrações ou histórias são “verdadeiras” pelo simples fato de terem sido
expressas por eles. Essa crença decorre de uma insuficiente compreensão da abordagem
qualitativa, desprezando-se o fato de que tais narrativas podem não refletir o que as pessoas
realmente pensam ou fazem habitualmente, e sim de respostas esperadas, socialmente dadas
(BOSI & MERCADO, 2004).
É sob este aspecto que destacamos a importância da nossa inserção no grupo, o que, a
nosso juízo, enriqueceu o processo de leitura e análise das falas dos entrevistados.
Entendemos que foi exatamente o fato de conhecermos o contexto e os integrantes do grupo
que nos permitiu analisar as narrativas e histórias colhidas, não nos permitindo cair em um
viés reducionista sobre as falas dos sujeitos.
O primeiro passo para a análise do material coletado foi a transcrição das fitas onde
cada fala foi identificada por código alfa numérico: utilizamos as siglas ACD para os Praças e
72
CD para os Oficiais, tendo o número de ordem de entrada de fala na transcrição variado de 1 a
9 no primeiro grupo e de 1 a 7 no segundo.
A análise dos dados obtidos com as transcrições foi feita sob a óptica da análise de
conteúdo preconizada por Bardin (1977), entendendo que, por detrás do discurso, esconde-se
um sentido que convém desvendar: “a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de
análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens”
(BARDIN, 1977, p.42).
A aplicação da técnica de análise de conteúdo, conforme descrita por GOMES (2002,
p.74) possui duas funções básicas: uma diz respeito à “verificação de hipóteses ou questões” e
a outra diz respeito à “descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos”. Na prática,
entendemos que ambas se complementam.
Após a etapa inicial de “leitura flutuante”
7
dos dados brutos, selecionamos unidades
temáticas que emergiram do próprio discurso. Segundo Bardin (1977, p105), “fazer uma
análise temática, consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação
e cuja presença ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo
analítico escolhido.” Isto é, qualitativamente, a presença de determinados temas denota os
valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso.
O tema é exatamente a unidade de significação que, segundo Bardin (1977), se liberta
naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à
leitura. Assim, na exploração dos dois eixos estruturantes do nosso estudo, o trabalho e a
formação do ACD, fizemos sucessivas categorizações dos temas em “núcleos de sentido” que
7
Termo utilizado por Bardin (1977, p.96) para descrever a fase que consiste em “estabelecer contato com os
documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações”.
73
convergiram para a construção de categorias empíricas aqui apresentadas. São esses eixos
que, nesse capítulo, organizam a interlocução dos referenciais teórico-conceituais,
desenvolvidos previamente, com as categorias empíricas oriundas da análise das entrevistas
coletivas com profissionais ACD e CD.
3.1 O processo de trabalho do ACD
Esse eixo relaciona-se ao primeiro objetivo do estudo: a compreensão acerca da visão
dos profissionais da área odontológica do CBMERJ sobre seu trabalho, de como nele se
inserem e dos referenciais que sustentam suas práticas.
Aqui, a análise das representações dos atores, entendidas nesse trabalho como
“categoria geral” segundo o referencial de Gomes (2002), desdobra-se em duas categorias
empíricas “específicas” (Gomes, 2002) que se entrelaçam na construção dos significados do
trabalho como ACDs na organização militar, mais especificamente no CBMERJ: o trabalho
na Odontoclínica Militar, isto é, o ambiente que circunscreve o campo de ação e define a
organização e a prática do próprio trabalho e da profissão; os sujeitos da prática no
consultório, cuja representação parece articular as relações no trabalho nesse ambiente.
3.1.1 O trabalho na Odontoclínica Militar
As Odontoclínicas Militares (OM) constituem um campo de atuação profissional
bastante singular. Esta singularidade é expressa nas falas dos ACDs em diversos momentos
distintos, o que requer, portanto, uma análise direcionada ao contexto no qual se inserem estes
profissionais, sujeitos de nossa pesquisa.
74
Em primeiro lugar, consideramos relevante observar os aspectos relacionais entre os
sujeitos. Desde as relações de trabalho entre os profissionais voltados para o atendimento até
aquelas entre esses profissionais e os pacientes, todas, invariavelmente, estão sujeitas aos
princípios de hierarquia e disciplina
8
que regem a vida militar.
No âmbito dos estudos qualitativos, especialmente daqueles que tratam dos serviços
de saúde, concordamos com Bosi & Mercado (2004), quando citam a fundamental
importância dos aspectos relacionais. Dentre esses, ainda, consideram que se sobressaem
aqueles vinculados às relações de poder, o que importa considerar “relações de dominação-
subordinação presentes no cotidiano dos serviços” (BOSI & MERCADO, 2004, p.61).
A análise segundo a óptica dos aspectos relacionais torna-se bastante relevante ao
estudarmos a atuação dos ACDs nas organizações militares, onde as questões de hierarquia e
subordinação são práticas prescritas e legitimadas institucionalmente, e encontram uma
normatividade dada pela própria cultura organizacional, estabelecendo o que é de sua
competência e o que não é.
Deste modo, partindo do pressuposto de que as ações voltadas para a prestação do
cuidado odontológico sofrem influência da cultura militar, aqui traduzida nas relações de
poder e na hierarquia, abordaremos esta dimensão sob estes dois aspectos.
A relevância desta postura apóia-se na observação de que a prática do cuidado
odontológico, neste caso, encontra-se voltada para um público interno que também é militar.
As relações entre profissionais (CDs e ACDs) e pacientes são constantemente permeadas
pelas relações militares. Contudo, exclusivamente nas falas dos ACDs, verificamos alusão a
esse segundo aspecto, onde pontuam sua exposição a esta situação.
8
Os princípios gerais de hierarquia e disciplina que regem a organização bombeiro militar encontram-se
descritos no Regulamento Disciplinar do CBMERJ (RDCBMERJ). A hierarquia é a ordenação da autoridade em
níveis diferentes dentro da estrutura das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, por postos e graduações
conforme preceitua o Estatuto dos Bombeiros-Militares (Lei estadual 0880, 20/07/1985). A disciplina é a
rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo
perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo bombeiro-
militar.
75
“De repente é o modo de falar com o paciente. Às vezes você está mais
estressado com o andamento ali da clínica mesmo, você fala um pouco mais
alto, ele rapidinho sobe para falar com o Coronel. Aí ele vai lá e te
prende.” (ACD4)
3.1.1.1 As relações de poder e o militarismo
As normas de funcionamento interno das diversas OM possuem peculiaridades,
diretamente relacionadas ao seu Comando
9
, onde cada Unidade possui sua própria forma de
organização do processo de trabalho na prestação do cuidado odontológico. A distribuição dos
ACDs nas diversas Unidades de atendimento (OM, UAO, etc), assim como sua atuação
dentro da referida Unidade (por dentista, por consultório ou por especialidade), ocorre em
função de necessidades, muitas vezes, de cunho militar.
“Igual eu não queria sair da DGO para ir para a 1
a
Odontoclinica. Eu
chorava igual criança. Eu cheguei para a Ten Cel X e disse: pelo amor de
Deus não me tira daqui porque eu não vou querer ir para lá. [...]. Lá é
sinistro.” (ACD4)
“Tem clinicas que usam mais o auxiliar a 4 mãos, têm outras clinicas que
não usam.” (ACD2)
“ [...] No [Quartel] Central só tem ACD fixo o pessoal das especialidades:
endo [dontia], perio[dontia], orto[dontia], pessoal da [odonto]pediatria. Na
Clínica, é o ACD que tá ali. Já em Guadalupe não. Cada dentista tem o seu
ACD. Eles tiram férias junto, cada um num consultório”. (CD3)
9
As Odontoclínicas são consideradas OBM (Organização de Bombeiro Militar) e o RDCBMERJ (Regulamento
Disciplinar do CBMERJ) define que os Diretores são denominados Comandantes. Assim, cada OM possui um
Comandante/Diretor que é investido de autonomia para gerir o funcionamento interno de sua Unidade de acordo
com as suas necessidades. O RDCBMERJ encontra-se disponível em www.defesacivil.rj.gov.br.
76
As diferentes formas de organização do ambiente de trabalho apresentam uma faceta
em comum: o trabalho do ACD militar vai muito além do que seria pertinente à sua categoria
profissional. Dentre as diversas funções ditas de ‘cunho militar’, existe nas OM a figura do
“cabo-de-dia” ou do “sargento-de-dia”. O exercício desta função é deliberado por escala
10
,
quando o militar fica responsável, no dia em questão, pela resolução de todo e qualquer
problema operacional-administrativo na unidade militar em que está trabalhando. Nesta
situação, o ACD cumpre as funções específicas do contexto militar, impostas pela sua
condição de Praça, além daquelas específicas da sua profissão de ACD.
“Numa hora dessas falta o praça da chefia que pode chegar e falar, ‘olha
só, você resolve aqui porque esse cara não quer trabalhar’, entendeu?”
(CD3)
“Tem cabo de dia e sargento de dia. Cabo de dia é quem faz tudo. [...]”
(ACD3)
“Lá é o ‘jumento do dia’. Eu sou o ‘jumento do dia’!” (ACD2)
“[...] qual é a função do auxiliar de consultório no bombeiro? [...] Chegar
cedo, dar número, recolher as carteirinhas, [...] ver se o compressor ta
ligado, ver se tem algum vazamento, ver se tem papel higiênico, [...]. Olha
quanta função o auxiliar de consultório tem além de ser responsável pela
saúde bucal! Além de ser ACD!” (ACD9)
Em suas falas torna-se implícito que esta situação somente é aceita pela ‘condição
militar’, que pressupõe o cumprimento de ordens e regras impostas pelos superiores
hierárquicos. Tanto ACDs quanto CDs demonstram compreender que a combinação das duas
10
Tabela que determina horários de trabalho ou serviço dos militares, que são listados segundo a ‘antiguidade’,
isto é, a posição na relação hierárquica. Ser ‘mais antigo’significa ter precedência na ordem cronológica de
exercício de um determinado posto ou patente.
77
funções é, no mínimo, incompatível com o exercício profissional que envolve a prática do
cuidado.
“Para mim é o caos. Porque eu trabalho com cirurgia periodontal. É sangue
da parede ao chão [...]” (ACD2)
“Aí você tem que largar tudo para resolver as coisas.” (ACD3)
Ambos os grupos apontam, em suas falas, alternativas aplicáveis ao meio militar na
solução do que eles consideraram um grande problema.
“O ACD só limpa aquela parte do equipamento, mas para limpar chão,
[...] Acho que agente tem soldado para isso. [...] é uma coisa que é
totalmente fora das normas de biossegurança, é higiene. Ela pega na
lixeira, daqui a pouco pega na pia, lava instrumental, entendeu? É uma
coisa que deveria ser separado.” (CD3)
“Eu acho que há pessoas de posto acima, sargentos, [...] eles podiam
resolver isso para gente. A gente não tem necessidade de resolver os
problemas da clinica, além de resolver os problemas do consultório.”
(ACD2)
Como vimos no primeiro capítulo, Morgan (1996) e, mais tarde, Mintzberg (2003), em
seus estudos sobre as organizações, já apontavam esta situação como característica das
organizações militares, as quais visam um nível de operações tão precisas quanto possível
dentro de padrões de autoridade, respondendo ao perfil de responsabilidades nos cargos e ao
direito de dar ordens e exigir obediência.
As relações de poder, como forma de imposição de tarefas e atitudes,
permeiam o dia-a-dia do trabalho no meio militar e emergem das falas dos entrevistados de
forma bastante clara.
“X, você é a bola da vez, aqui tu num tá nada, nem ACD nem THD. Se tu não
for, vai ser transferida. Ai ela: então eu vou.” (CD5)
78
“A semana passada eu não pude comer na minha OBM. Porque ela [a CD]
resolveu ficar um tempo com um parente dela na cadeira, e começou a
atender o pessoal às 9 horas da manhã. [...] E ela não, chega lá em cima,
estala os dedos, ‘cabo, frita um ovo aí pra mim, eu hoje quero comer ovo’.
Ela vai e come o ovo dela, e eu não como.” (ACD6)
“[...] quer fazer corpo mole? Tá bom, então eu vou te dar mais três
expedientes por semana, que aí você vai parar de fazer corpo mole. [...]”
(CD3)
“[...] Em Guadalupe é assim: [...] o ACD vai adequar o horário dele ao
horário do oficial.” (CD3)
Neste contexto, a denúncia da reprodução de relações autoritárias, prescritivas e de
exclusão do saber do “outro” aparece na voz dos ACDs. É na entrevista com estes
profissionais que as relações no trabalho em sua conotação hierarquizada e os jogos de
interesse se manifestam mais explicitamente. O relacionamento entre CDs e ACDs é descrito
sem meias palavras, e expressam as tensões que, muito mais que qualquer sentimento de
equipe, predominam nessas relações.
“porque tem dentista que você vai perguntar e ele: pra que você quer
saber?” (ACD4)
“Teve uma vez no CIEP, que eu falei, poxa, olha só, vamos conversar um
instantinho. Deixa a sua estrela aí do lado, minha gaivotinha aqui, vamos
conversar.” (ACD6)
Até aqui, analisamos falas que se referem aos aspectos da relação entre ACDs e CDs
na prestação do cuidado odontológico, a qual nos parece ser a responsável pela delimitação do
seu lugar como profissional de saúde.
79
Emergem, daí, duas possibilidades de relação profissional nas OM: em uma delas, o
sujeito é um militar, uma Praça que cumpre ordens emitidas por seus superiores hierárquicos.
Sua tarefa advém de uma ordem de comando. Na outra, este sujeito é um ACD: sua atuação
profissional é com o outro, com o dentista. Entendemos que é somente nesta dimensão
mediada pela relação interpessoal, que ocorre a ruptura entre o ACD profissional e a Praça
cumpridora de ordens.
“Tem militarismo? Tem. Como até acredito na eficiência do militarismo, só
que lá as pessoas vão mais pela afinidade.” (ACD6)
“Mas ele [o CD] aceita você falar. Ele aceita porque não é o militarismo, é
o companheirismo ali dentro do consultório.” (ACD3)
Poderíamos utilizar o termo militarização
11
como sinônimo de aquisição de
características militares na organização do trabalho, e, de certa forma, afirmar que o ACD não
se militariza, ele é militarizado, justamente pela relação hierárquica imposta ao meio militar.
No CBMERJ, tanto a hierarquia quanto a própria militarização em si são normas aceitas,
introjetadas na sua cultura organizacional.
Nesta dimensão, contudo, pudemos observar que este código pré-estabelecido de
conduta pode ser rompido pela troca, pela relação interpessoal entre os sujeitos. No momento
em que introduzem questões subjetivas, entendemos que os ACDs assumem esta postura de
transformação das relações de trabalho pela afetividade.
“Ah, eu trabalhei sem militarismo e desenvolve muito melhor.” (ACD3)
“Tem que haver o respeito, respeito pela pessoa, você desenvolve o seu
trabalho e sai bem melhor.” (ACD9)
11
Definição do Dicionário Houaiss: Militarização: sf ato ou efeito de militarizar(-se)
Militarizar-se: vtd fazer adquirir ou adquirir feição e caráter militar; organizar(-se) militarmente. Ex.: a
diretoria militarizou as normas da empresa.
80
“Então tem gente que você já vai trabalhar com um sorriso daqui aqui.”
(ACD8)
Um aspecto relevante ao nosso estudo é o fato das possibilidades de trocas relacionais
ocorrerem entre ACDs, quando emerge na fala dos participantes a questão das relações de
poder influenciando diretamente o trabalho coletivo. Vale ressaltar que diante do silêncio dos
entrevistados sobre o trabalho em equipe, lhes foi feita uma pergunta objetiva sobre como
descreviam o trabalho ‘junto’ com o outro. Assim, a noção de equipe que inclui outros ACDs
não surgiu espontaneamente nas falas.
“Tem sargento que pega o estatuto e diz assim, não é minha função pegar
vassoura, [...]” (ACD4)
“[...] Então ele [sargento] vai chegar 8h, tudo bem... [...] Agora, eu ainda
tenho que resolver os problemas, [...]” (ACD2)
“Os auxiliares, entre eles, tem sempre algum que se sente prejudicado em
relação ao outro, mas a gente tenta contornar essa situação e eles têm que
resolver entre eles.” (CD5)
“Eles [auxiliares] se desentendem com muita facilidade. Mas eu acho que
esse comando é muito importante. Depende do comando.” (CD1)
3.1.1.2 A hierarquia militar como “organizadora” das práticas
Em nossa análise pudemos perceber que a relação interpessoal entre os ACDs durante
o processo de trabalho encontra-se permeada por polarizações oriundas de uma certa disputa
entre eles, em função de algumas regalias supostamente válidas apenas para alguns, em
detrimento dos demais. Foi observado que, muitas vezes, as relações de poder abordadas
anteriormente influem na organização do trabalho de forma negativa.
81
No seu discurso, um fato que nos chamou a atenção é que nas situações de conflito,
gerada pelas tensões presentes nas relações de poder, os sujeitos da prática deixam emergir
duas maneiras de encontrar soluções.
Em um primeiro momento, tomam a hierarquia como verdadeira “organizadora” dos
processos de trabalho, fator determinante da manutenção da imparcialidade e da igualdade de
direitos e deveres entre os sujeitos. Quando isto acontece, quase que imediatamente, os ACDs
reclamam para si os direitos e prerrogativas do RDCBMERJ (Art 6
o
, § 2
o
) onde “a disciplina e
o respeito à hierarquia devem ser mantidos permanentemente”. Entendemos a pertinência da
transcrição do diálogo abaixo para caracterizarmos de forma mais clara, para o leitor, a
questão da hierarquia como organizadora dos processos de trabalho no meio militar. Tal
diálogo surgiu do questionamento a respeito de como se dá o trabalho em equipe, entre
ACDs:
- “Há um pouco de rixa”. (ACD5)
- “Rixa? Quando você entra nova na unidade.” (ACD4)
- “Eu acho que não.” (ACD2)
- “Onde eu estou e de onde eu vim existe. Sempre tem uns que fazem menos,
outros que fazem mais.” (ACD5)
- “Mas... porque baba alguma estrela. [...] Isso cria o que a dra falou. Um
monte de praça, todo mundo é igual, esquece a antiguidade, todo mundo é
cabo. Aí como a X. falou, ela é mais antiga, porque vai escalar ela se de
repente na antiguidade você é mais moderna? Já existe o que? Ou é uma
‘babação’, ou o cara não gosta dela.”
(ACD9)
- “[...] então, aquela outra pessoa [que tem outro emprego] sempre fica
mais privilegiada do que você. Eu, que sou dona de casa e sou bombeira ....”
(ACD3)
- “Tem que ter direitos iguais para todos. Se a Y saiu mais cedo, semana
que vem não pode ser ela de novo. [...] Um exemplo, se ela hoje foi
beneficiada, amanhã ...” (ACD9)
- “Se fosse militar daria certo, mas não é militar. Se corresse a escala do
jeito que tinha de correr, ninguém ia se sentir prejudicado.” (ACD2)
82
O ‘ser militar’ tem aqui o significado do exercício da hierarquia como regra
previamente aceita pelos profissionais, enquanto militares, na designação de funções e na
manutenção do equilíbrio das tensões internas dos serviços. Em outros momentos, contudo,
aspectos subjetivos como a amizade e o companheirismo aparecem como mediadores deste
trabalho em equipe, caracterizando seu fortalecimento a partir da afetividade.
“A gente também procura ser amigo dos colegas até pra gente trabalhar em
equipe.” (ACD1)
Devemos ressaltar que, embora analisadas separadamente, tanto as relações de poder
quanto a hierarquia irão permear, também, as relações de trabalho no interior consultório. Na
verdade, é exatamente neste contexto de conflitos de poder que se desenvolve a prática do
cuidado odontológico no CBMERJ.
3.1.2 Os sujeitos da prática no consultório
Podemos sugerir, a princípio, que estes profissionais demonstram a visão do próprio
trabalho como um somatório de tarefas das quais é retirada a sua própria substância, isto é, o
para que e do que fazem parte. Esta concepção de trabalho em que a ação é reduzida à tarefa,
retira a dimensão do sujeito e dos saberes, e exclui o lugar deste trabalhador para a saúde,
ajustando-se muito bem aos referenciais ‘tayloristas’ onde não existem sujeitos e sim tarefas a
serem cumpridas.
12
Em um primeiro momento, o detalhamento de tarefas é utilizado para a
12
Na perspectiva da divisão técnica, as atividades de assistência à saúde são analisadas pelo enfoque taylorista
com seu típico “divórcio entre funções intelectuais e manuais”. O modelo taylorista da organização moderna do
trabalho industrial está fundamentado em uma concepção de trabalho técnico, reduzido a condutas e
procedimentos tomados no âmbito estrito da ação operatória. (NOGUEIRA, 2002). A dinâmica social das
práticas de saúde cria subdivisões sistemáticas dos trabalhos, assim como parcelamento das tarefas interiores a
83
descrição do seu trabalho, levando-nos a crer em uma situação, para nós utópica, na qual o
trabalho existe de forma fragmentada, isolada, a partir da exclusão do próprio sujeito.
“Eu não conseguia ter uma ACD que soubesse auxiliar prótese, vazar um
gesso, manipular um alginato, um elastômero.” (CD3)
“[o ACD] Cuida da limpeza, desde o instrumental até parte da limpeza de
chão mesmo, ele auxilia com relação/durante o tratamento do dentista ao
paciente, levando material, trocando bandejas.” (CD2)
“[...] então tudo isso é função nossa, receber o paciente, preparar a
bandeja, preparar a mesa. Quando o dentista chegar, tá tudo limpo.”
(ACD9)
Por outro lado, é interessante perceber que, para os ACDs, em alguns momentos, essa
visão fragmentada do trabalho como tarefa é substituída por uma outra, mais abrangente, onde
os sujeitos reconhecem sua importância como profissionais de saúde que participam do
processo de cuidado odontológico. Esse olhar expresso na fala dos entrevistados marca o
reconhecimento de uma postura mais participativa no processo de trabalho em saúde, isto é,
uma relação de complementaridade entre profissionais de saúde, sejam eles ACDs ou CDs.
“Eu acho que o ACD é muito importante na área da saúde, falando da
saúde bucal. [...] Ser ACD ou se trabalhar na área de saúde como ela disse,
é muito importante, e é verdade. O ACD faz parte disso.” (ACD9)
“Pô, a gente tem a capacidade de dar aula, tem a capacidade de dar
palestras, tem a capacidade de ensinar o paciente antes de sentar na
cadeira a uma higiene, [...] o tempo vai ser menor na cadeira do dentista.”
(ACD5)
cada área de atuação, desdobrando núcleos com recortes cada vez mais manuais que vão sendo delegados
sucessivamente. (PEDUZZI, 1998)
84
Para os CDs, o reconhecimento dos ACDs como profissionais de saúde surge de forma
bastante discreta, quando indagados sobre a melhor forma de se aproximar o ACD aluno da
prática durante sua formação:
“[...] a gente obteve a prática no período de faculdade. Eu acho que todo
curso para preparar o profissional de saúde tinha que ser assim.” (CD3)
A ambigüidade de posicionamentos expressa dois elementos bastante relevantes para a
nossa pesquisa: a tarefa e a complementaridade na ação. Nas suas falas, estes parecem
mediados pela relação que os sujeitos (ACDs) mantêm com o outro, no caso, o Oficial
Dentista. Observamos que a possibilidade de sua inclusão como sujeito no trabalho, seu lugar
profissional, fica subordinada à sua relação com o dentista. A forma como o dentista “vê” o
seu trabalho é o que permite estabelecer sua própria identidade profissional em uma relação
que varia em um espectro de subordinação à parceria.
Os elementos abordados a seguir, emergem justamente da visão dos entrevistados
sobre sua prática: a polaridade entre “alguém” e “trabalho a quatro mãos” na organização do
processo de trabalho nesse cenário.
3.1.2.1 “Alguém” : a ausência de identidade
“Ela chamou 3 [vezes] “alguém”. Eu sabia que tava me chamando mas meu
nome é X, eu não vou. Aí gritou tão forte: ALGUÉM!!!!! Eu vou, porque
pensei, tá sinistro... Que foi, quer que eu auxilie? Mas, meu nome é X, não é
alguém.‘Mas eu quero alguém aqui!’ ” (ACD4)
A palavra “alguém” resume, no discurso dos entrevistados, a maneira como são vistos
pelos CDs no ambiente que circunscreve seu trabalho. Considerados meros “carregadores de
85
bandeja” ou “peças” importantes para agilizar o trabalho do dentista, eles parecem não ter
identidade própria.
“Acho que é uma peça... Se for um bom ACD, bem preparado, bem treinado,
é uma peça fundamental ao trabalho.” (CD3)
“Lá eles [ACDs] são bem curingas, né! Tem que ficar fazendo tudo. Dois
[ACDs] ficam na secretaria, tem um [ACD] que fica na esterilização e
auxiliando a gente, mas ninguém fixo, eu acho que devia ter um [ACD]
para esterilização.” (CD1)
Entendemos que esta concepção vem ao encontro daquela que norteia a própria
inserção do pessoal auxiliar no trabalho odontológico ao longo dos anos. Historicamente os
ACDs estão à margem do processo de organização da classe odontológica. A própria relação
CD/ACD é pouco significativa, se comparada com outras áreas que também possuem pessoal
auxiliar como, por exemplo, a enfermagem. Para Narvai (1994), apesar de existirem avanços
no sentido de alterar este quadro, a monopolização do processo de trabalho, característica da
prática odontológica, continua sendo um dos principais desafios a serem enfrentados.
Como vimos em capítulos anteriores, o princípio das desigualdades sociais preside o
processo de racionalização do trabalho em saúde, encoberto sob o rótulo de delegação de
funções e caracteristicamente representada até os anos de 1980 pela bipolarização entre
profissionais de nível superior e técnico (PEDUZZI, 1998; NOGUEIRA, 1983).
A possibilidade de rompimento com esta realidade emerge na fala dos sujeitos com o
termo ‘consciência profissional’. Na sua concepção, este elemento não possui embasamento
em questões subjetivas como a amizade e o companheirismo. Para os ACDs, ao contrário, esta
encontra-se explicitada de forma objetiva segundo a disposição do equipamento odontológico
no ambiente do consultório dentário.
86
“Eu vejo pela consciência profissional. Se eu vejo o equipamento colado na
parede é porque o cara não tem consciência que ele precisa de uma outra
mão ali.” (ACD2)
Partindo-se do princípio de que o ACD precisa de espaço físico no lado oposto de
onde o dentista trabalha, isto é, no lado esquerdo do paciente, para atuar como auxiliar “a
quatro-mãos”
13
, o simples fato de se posicionar a cadeira odontológica com seu lado esquerdo
encostado na parede pressupõe que o dentista assume para si mesmo que não precisa de um
auxiliar.
Curiosamente, aqui, a impossibilidade de se trabalhar “a quatro-mãos”, como
preconiza a ergonomia, fica resumida à existência ou não de outro mocho
14
para que o
auxiliar trabalhe ao lado do dentista. Enquanto os ACDs alegam que a disposição do
equipamento, com a disponibilização do espaço para inserção do mocho depende do CD, estes
últimos se queixam da falta de iniciativa dos ACDs em utilizar um segundo mocho para
auxiliá-los.
“O meu [CD] afastou todas as cadeiras da parede para poder encaixar o
outro mocho ao lado dele. Ele fez isso na reforma.” (ACD3)
“Você não vê nunca um outro mocho do lado do equipo para alguém te
ajudar.” (CD3)
3.1.2.2 O “trabalho a 4 mãos”: o ideal de eficiência no processo de trabalho.
“O ACD, também eu acho que ele deveria estar preparado para a
odontologia a quatro mãos, né? Ficar ali do lado do dentista, né? Todos têm
que estar preparados.” (ACD5)
13
Trabalhar “a quatro-mãos” significa o trabalho de um ACD e um CD onde o ACD trabalha sentado em um
segundo mocho, posicionado de frente para o dentista, auxiliando-o diretamente durante todo o processo de
atendimento odontológico.
14
Mocho é o nome dado ao assento utilizado pelo CD e/ou o ACD durante o atendimento odontológico.
87
A noção de equipe, etimologicamente, está associada à realização de uma tarefa ou de
um trabalho compartilhado entre vários indivíduos, que têm nesta tarefa ou trabalho um
objetivo comum a alcançar. No discurso dos entrevistados este trabalho em equipe se resume
no termo “trabalho a quatro-mãos”, o qual se constitui o ideal de eficiência no processo de
prestação do cuidado odontológico.
“[...] O bom ACD trabalha a 4 mãos.” (CD6)
“Na minha clínica teve umas movimentações e foi mais ACD pra lá. Agora
dá para você fazer dentista e auxiliar a quatro mãos!! [...]” (ACD4)
A nosso juízo, a utilização deste termo sugere uma noção de equipe onde o somatório
de ações justapostas é que reforça a complementaridade, pois entendemos que o termo carrega
em si a marca do contexto predominante do trabalho em saúde “fundamentado na concepção
de trabalho técnico, reduzido a procedimentos e condutas tomados no âmbito estrito da ação
operatória” (PEDUZZI, 1998, p.4). Para os sujeitos, a importância do seu trabalho encontra-se
vinculada à questão da complementaridade que, por sua vez, está relacionada com agilidade,
otimização do tempo e melhoria da qualidade do atendimento odontológico.
“[...] a dentista com quem eu trabalho, ela chega, senta e tá tudo lá! Ela
nem tem que abrir a bandeja. Eu pego e corto já. É só calçar a luva, a touca,
a máscara e atender o paciente. [...] a broca que ela pega, [...] eu já sei o
que ela quer, se é resina ou se é amálgama, entendeu?” (ACD4)
“[...] se eles [ACD e CD] conseguirem trabalhar numa linha legal, assim, se
entender bem, o trabalho rende muito mais do que você pegar cada dia um
ACD diferente, que não sabe aquele tipo de trabalho que você faz, que não
sabe como você trabalha.” (CD1)
88
Como já comentado na análise da dimensão anterior, em nossa pesquisa, o trabalho em
equipe não é espontaneamente abordado. Quando trazido à discussão ficou subentendido que,
para estes sujeitos, a equipe do cuidado odontológico é formada por um ACD e um CD, onde
a justaposição das tarefas imprime melhoria à qualidade do trabalho.
“Eu acho importante [o ACD] para agilizar o trabalho do dentista, né. Um
bom ACD é um trabalho que flui melhor.”. (CD1)
Ao serem indagados sobre sua visão a respeito da maneira como flui o trabalho em equipe,
tanto ACDs quanto CDs tecem observações neste sentido. Contudo, mesmo quando os primeiros
descrevem sua interação com outros colegas ACDs na divisão de tarefas entre consultório e
esterilização, o foco é a otimização do trabalho do CD.
“[...] se eu estiver na esterilização, cada ACD fica com seu respectivo
dentista e eu, como to sem fazer nada [quando não tem o que fazer], se elas
me pedirem um material, elas ficam lá, eu falo para elas ficarem sentadas,
e eu pego o material e entrego para elas. [...] de repente, enquanto eu
estiver pegando o material que ela estava fazendo, a Dra deixa de se
esticar para pegar um sugador.” (ACD6)
Enquanto isso, os CDs referem-se ao auxílio ao próprio dentista, pelos ACDs ou por eles
mesmos, como sinônimo de atuação em equipe.
“[...] Lá se a gente fica sem auxiliar sai um do computador da secretaria,
bota a luva e vai auxiliar.” (CD5).
“Eu acho que depende de cada dentista, por exemplo, eu não tenho o
menor problema quando eu tô de bobeira, a Y. tá atendendo e a X. foi
pegar um material, eu mesma ajudo a Y.” (CD2)
Em seus estudos, Peduzzi (1998) observou a distinção entre duas noções de equipe:
“agrupamento de agentes”, caracterizada pela fragmentação, e “integração de trabalhos”,
89
caracterizada pela possibilidade de recomposição. Pautada nesta distinção, a autora construiu
uma tipologia referida às duas modalidades de trabalho em equipe: equipe agrupamento
(justaposição de ações) e equipe integração (articulação das ações e interação dos agentes).
Vale ressaltar que, em ambas, as diferenças técnicas dos trabalhos especializados e a
desigualdade de valor atribuída a estes diferentes trabalhos encontram-se presentes. Assim, a
recomposição e a integração tornam-se algo diverso da somatória técnica, requerendo a
articulação das ações, a interação dos agentes e a superação do isolamento dos saberes e suas
disciplinas.
As situações aqui expostas nos levam a crer que, para esses profissionais, a noção de
equipe agrupamento é a que mais se ajusta às suas próprias concepções de melhoria do
trabalho pela ação conjunta dos atores.
Um outro termo relevante que emergiu das falas foi o “grito”. Este aparece,
invariavelmente, como sinônimo de um ambiente de trabalho conturbado, no qual impera a
desorganização e onde o trabalho não flui da maneira considerada ideal. O “grito” surge em
contraposição ao trabalho “a quatro-mãos”.
“[...] um auxiliar e um dentista, [...] você trabalha a quatro-mãos mesmo.
Mas quando há três dentistas para um auxiliar.... [...] aí um dentista ta
precisando de 1 material, o outro ta gritando... Calma, peraí! Sabe como é?
Aí um grita, o outro grita e você fica maluco.” (ACD4)
“Ah, Eu passei 6 anos no grito. [...]quando eu trabalhava no [Quartel]
Central eu tinha 4 dentistas para atender e ela [CD] tava fazendo
amálgama. E ela não aceita que você dê o ‘potinho’ do amálgama. Você tem
que auxiliar a 4 mãos. [...]. Eu achei aquilo bárbaro! Por um momento. Por
outro já tinha um dentista do outro lado que já estava gritando.” (ACD2)
A polaridade entre o “alguém” e o “trabalho a quatro mãos” encontra-se mediada
pela relação mantida com o CD, historicamente detentor do saber. À luz das abordagens
90
efetuadas no primeiro capítulo, entendemos, também, que esta lógica pode ser explicada pelo
modelo de formação profissional biomédico que faz parte do modelo da racionalidade
técnica/instrumental da concepção do trabalho. Este é o modelo dominante de concepção da
atuação profissional e da relação entre pesquisa, conhecimento e prática profissional, onde
observamos no processo de divisão do trabalho em saúde diferenças técnicas e desigualdades
sociais implícitas, descritas anteriormente.
A partir da reflexão a respeito da relevância do saber no trabalho em saúde e da
dualidade traduzida pelos processos formativos (primado do saber X necessidade de
habilidades específicas), levamos à discussão das dimensões pertinentes ao segundo eixo de
nossa pesquisa.
3.2 A formação profissional do ACD
Nesse eixo, a formação profissional abordada sob a perspectiva de apreender o papel e
a relevância que os profissionais da área odontológica do CBMERJ atribuem à educação para
a construção de suas práticas na singularidade do trabalho no contexto do CBMERJ.
Aqui vimos emergir as questões relacionadas aos saberes, à formação e à sua relação
com a prática profissional dos sujeitos. Na verdade, entendemos que há um código que se
refere a padrões de conduta, saberes e práticas que conforma sua legitimidade profissional na
prática diária.
Com esse olhar, partimos para a análise das representações dos sujeitos do estudo, que
deu origem a duas categorias empíricas, em aproximação aos valores que orientam para eles a
construção da competência profissional: a construção da identidade profissional e a
preparação para o trabalho no CBMERJ.
91
3.2.1 A construção da identidade profissional
A identidade profissional dos ACDs encontra-se vinculada ao reconhecimento do
domínio de capacidades que lhes permitam auxiliar de forma eficiente e eficaz, ficando aí
implícita a necessidade de uma formação profissional.
“A gente tá sempre aprendendo, mas eu acho que o que deveria ter em vez
desse tipo de curso, é tipo um biossegurança, [...]. A maioria dos auxiliares
acha que ser ACD no bombeiro é lavar bandeja e só. Colocar a bandejinha
lá...” (ACD5)
“Eu acho que a formação regularizada, formação mesmo, eu acho
importantíssima. Você sente na diferença de um ACD que você vê que é
daqueles das antigas que aprendeu tudo na prática, ou até uma ACD mesmo
que não é antiga no bombeiro mas já trabalha há muito tempo, porque
trabalha no consultório do Dr fulano, do Dr beltrano, e depois caiu no
bombeiro e você vê a diferença de uma que saiu do curso” (CD3)
Ainda nesta dimensão, em um outro enfoque, identificamos a idéia de formação
profissional em sentido ampliado pela inclusão de uma dimensão social: são profissionais de
saúde. Neste caso, não mais se definem pelo objeto mas sim pela própria relação de trabalho,
a partir de uma visão em que se identificam como profissionais úteis à sociedade.
“é ser um profissional da saúde. [...] É tão importante a parte da saúde
bucal como o corpo humano todo. [...] Então é tudo envolvendo a saúde, e
eu acho que sem a saúde bucal a gente também não vai ter saúde porque os
dentes são muito importantes tanto para a mastigação, que cada elemento
tem suas funções, como também pra digestão” (ACD1)
Estas duas abordagens nos levaram a entender o trabalho do ACD sob dois aspectos: o
primeiro, seria um ACD “artesão”, cuja função precípua e definidora de sua profissão é
92
auxiliar mecanicamente o CD; o segundo aspecto, seria o ACD “profissional de saúde”, que
ao invés de simplesmente auxiliar, participa ativamente do processo de cuidado odontológico.
3.2.1.1 O ACD “artesão”: parceiro do dentista
O termo artesão, aqui utilizado para definir este tipo de profissional, é entendido no
seu sentido estrito de “indivíduo que pratica um ofício ou uma arte que dependem de
trabalhos manuais”
15
. Ao trazermos à tona o que Peduzzi (1998) cita como “divisão
manufatureira do trabalho”, originada a partir do artesanato, pela “decomposição de um ofício
em suas diferentes operações particulares, isolando-as e individualizando-as para tornar, cada
uma delas, função exclusiva de um trabalhador parcial” (PEDUZZI, 1998, p.29), entendemos
que o ACD, ao auxiliar o dentista durante o ato operatório, possui características de um
artífice.
Esta abordagem nos parece explicar a visão que os sujeitos mantém do seu próprio
trabalho, no qual, mais do que parceria com os CDs, sua relação se assenta na utilização das
próprias mãos como acessórios que otimizarão o trabalho do CD. Suas falas revelam uma
concepção de que o trabalho transcorre, em uma descrição figurada, como se existisse apenas
uma cabeça e quatro mãos.
“A coisa tomou um andamento que o cara ta tirando aqui, você já tá
aspirando, como se você estivesse dentro da cabeça dele, pensando junto
com ele....” (ACD6)
“[...] a gente tem ACDs maravilhosos: pensou, tá na mão; pensou tá na
mão. Elas ficam ali sugando o tempo todo.” (CD6)
Mais uma vez, a questão da divisão do trabalho emerge aqui como fator preponderante
das representações dos sujeitos a respeito de suas próprias práticas, onde o pensar encontra-se
15
Definição do dicionário Houaiss.
93
separado do fazer. Para Nogueira (2002), esta concepção encontra-se fundamentada em uma
perspectiva taylorista de análise das atividades de assistência à saúde, cuja visão inclui um
trabalho técnico, reduzido a condutas e procedimentos tomados no âmbito estrito da ação
operatória.
3.2.1.2 O ACD “profissional de saúde”
“Como o médico precisa do enfermeiro, o dentista precisa do auxiliar”.
(ACD4)
Neste enfoque, o ACD reconhece o seu lugar como profissional de saúde, que
participa da equipe de cuidado. Ele se descreve não mais como uma peça, um simples auxiliar
do CD, mas sim como um profissional que possui conhecimentos de cunho científico e que
participa junto com o CD do ato de cuidar do paciente.
“o profissional que fica na esterilização é muito importante porque a
contaminação começa na esterilização.” (ACD1)
“eu acho interessante o ACD saber verificar uma pressão porque, o
cirurgião ele vai extrair um dente, o cliente é hipertenso, aí...” (ACD1)
“O correto seria ter balão, adrenalina, para aplicar no paciente. O ideal
seria ter o consultório, até chegar os primeiros socorros para você reanimar
o paciente e manter ele.” (ACD9)
Em nenhum momento pudemos identificar nas falas dos CDs alusão a uma visão mais
ampla da condição do ACD na equipe do cuidado. Mesmo assim, entendemos que a ruptura
entre estes dois pólos só poderá se dar, mais uma vez, mediada por este ator e significa uma
mudança na noção de equipe de trabalho até aqui assumida.
94
No momento em que se colocam como pares dos CDs, os ACDs assumem uma outra
postura sobre o trabalho que mais se assemelha à definição de ‘equipe integração’ defendida
por Peduzzi (1998, p.14). No plano objetivo, coloca-se o desafio de conjugar saberes e
intervenções de onde resultam novas construções, com o objetivo de permitir uma articulação
das ações com a interação dos agentes e a superação do isolamento dos saberes e suas
disciplinas.
No discurso de nossos entrevistados, eles reclamam para si a necessidade de aquisição
de conhecimentos para que possam transpor a barreira que os separa da condição de
integrantes de uma equipe de cuidado odontológico em igualdade de condições com o CD.
Entendemos que, para eles, esta mudança torna-se possível pelo crescimento intelectual, isto
é, pela formação, que constitui a preparação para o trabalho.
3.2.2 A preparação para o trabalho
“Se você tá ali dentro, é porque você tá formado, você tem conhecimento.”
(ACD9)
Indagados sobre o papel da formação na vida dos ACDs no bombeiro, os CDs são
categóricos em afirmar sua importância, identificando-a como “preparação para o trabalho”
(CD1).
No discurso de ambos os atores entrevistados, a preparação para o trabalho possui
uma visão dissociativa entre teoria e prática. Para estes, a formação (escola) é entendida como
a teoria, havendo uma relação de antecedência entre teoria e prática, que traduz sua noção de
como se dá o processo de ensino-aprendizagem na formação profissional de modo geral.
“Se não pegar o bê-á-bá [...] Eu fiquei um ano em São Gonçalo, na UAO, lá
de São Gonçalo, antes de fazer esse curso do CEPO, fui paro o Quartel
95
Central desesperada! Eu precisava fazer esse curso! Aprendi muito mais do
que a prática, na teoria lá. Lendo apostila.” (ACD4)
“Tem que ter aquela base do teórico para ele saber o que ele tá usando.”
(CD3)
Esta visão vem ao encontro do modo como se dá o processo de formação profissional
em saúde, estruturado pelo paradigma instrumental, onde a atividade profissional é entendida
como a resolução de problemas instrumentais que podem ser resolvidos a partir do método e
da técnica que dispomos. (CONTRERAS, 2002)
“Até com a teoria você vai saber porque é que aquilo aconteceu, tem alguma
coisa errada ali. Ou botou água demais, ou botou pó demais, enfim [...]”
(ACD2)
Seguindo um padrão que estabelece, em primeiro lugar, a aquisição de bases sólidas
de conhecimento teórico, para somente depois iniciar a aplicação destes conhecimentos, esta
lógica faz com que pensemos que todo e qualquer problema da prática pode ser resolvido com
atividades educacionais que proporcionem a obtenção de maiores conhecimentos técnico-
científicos, o que já se observa, segundo Schön (2000), não ser suficiente nem completamente
verdadeiro em nossa prática diária. Alguns entrevistados, de fato, valorizam os conhecimentos
construídos na ação, validados pela experiência.
“Mas até na prática mesmo. Você com a sua prática você vê que errou em
alguma coisa”. (ACD6)
“O pouco que eu trabalhei com ela , eu aprendi foi com ela a trabalhar a 4
mãos. Ela te explica direitinho.” (ACD3)
96
Deste processo de análise emergem duas construções de significados relevantes para o
nosso estudo: a singularidade da formação e a legitimidade profissional no contexto do
CBMERJ
3.2.2.1 A singularidade da formação para o trabalho
“Eu aprendi coisas que eu nunca tinha visto sobre resina, amálgama,
biossegurança, quer dizer, então eu vi a odontologia de outra forma, além de
já ser ACD há muito tempo. Então acho que a teoria é tudo de bom. Vale a
pena você estudar um pouco mais que você vai ver aquilo, aquele teu dia a
dia de outra forma.” (ACD2)
“eu acho que eles adquirem uma noção maior dessa coisa de saúde,
de biossegurança”. (CD1)
No discurso dos atores entrevistados, a hierarquia de saberes funciona como um
divisor de águas entre a formação e a prática. Nesse processo emergem duas construções de
significado que expressam o caráter radical dessa separação: a preparação formal e a
prática na odontoclínica.
Quando indagados a respeito do papel da preparação formal do ACD na prática diária,
as respostas traduzem a atribuição de um significado relevante para a formação.
“Eu acho que a teoria ajuda, melhora, e a prática... é 60% [a teoria] para
mim”. (ACD2)
“Senão faz no automático, sem saber porque tá fazendo, né?” (CD5)
“O cara que foi aprendendo ali no dia-a-dia, olhando a gente fazer, ele
adquire muito vício e ele não tem o fundamento daquela coisa.” (CD1)
97
Encontramos em suas respostas uma valorização tanto da prática quanto da teoria. Há,
porém, uma relação de antecedência temporal da teoria com a prática. Assim, ficou claro que
a antecedência não significa precedência.
“[A teoria] atualmente é [dada] antes porque até então não tinha, né. Na
verdade tá tudo invertido. Já começa que às vezes nem tem o teórico, né?
Mas o ideal é uma base teórica e depois ...” (CD7)
“Eu acho que é o correto, né. Na apostila mostra: é tantas porções, na
prática às vezes não uso isso, por isso que eu não concordo só com a
prática. [...] Acho que tem que estar acompanhado da teoria. Na teoria ela
explica como é o procedimento correto. Na prática às vezes você faz mais no
olho.” (ACD1)
A preparação para a prática apresenta-se repleta de singularidades quando
entendemos o contexto onde ela vai acontecer: o CBMERJ.
A delimitação das especialidades, verdadeiros campos de ação, define práticas
segundo normas e regras próprias e singulares a cada uma delas. Os profissionais apontam a
apropriação dessas normas como condição para o trabalho. Nessa óptica, o discurso dos
entrevistados revela uma polaridade na qualificação para o trabalho em especialidades e o
trabalho na clínica: o profissional pode e deve trabalhar em ambos, desde que domine as
regras com as quais cada um opera.
“É como [...] falar para o periodontista: olha, faz a bandagem, cola o
bracket aqui nesse dente. É como pegar um cardiologista e falar: vai lá e vê a
pele, [...] A gente tem que estar sempre atualizado.” (ACD9)
“Quer dizer, o ACD tem que ser clínico como a gente é clínico antes de ser
especialista.” (CD1)
98
“[...] não ficar se prendendo muito, só na Endo [dontia] ou só na Cirurgia.
Uma hora vai precisar e por exemplo, eu fico só na Endo[dontia] aí um dia a
menina da Cirurgia não vem. E aí? Eu tenho que estar preparado para
substituir na Cirurgia.” (ACD5)
“ [...] Por isso eu acho que ele estar na especialidade mas tem a obrigação
de saber a clínica. [...] Ele não entrou ali como ACD da orto, não fez
concurso como ACD da perio. Ele é obrigado a saber tudo. Ele pode se
aperfeiçoar na perio, se aperfeiçoar na prótese,[...] mas ,fora isso, não: ele é
ACD!” (CD5)
O ambiente da prática aparece como sinônimo do cenário no qual se dá parte da
construção da competência profissional, que não pode ser desenvolvida apenas no ambiente
restrito de uma sala de aula tradicional, como em um curso formal.
“A gente fez o curso certinho, a medida, mas lá na hora você tem que correr,
tem que fazer rápido. [...] Dentro do curso você tem que mostrar a parte
correta e falar para as pessoas a parte incorreta que pode acontecer na
realidade. Você tem ali o que você tem a função de fazer do ACD e que
mostrar a realidade lá fora.” (ACD5)
“Viver sob pressão, dá para dar uma ‘palinha’ para ele.” (ACD6)
“Ele aprende ali, trabalhando” (CD1)
É justamente neste ponto que se expressa, de forma mais intensa, a singularidade do
trabalho no CBMERJ, para o qual, segundo os entrevistados, a preparação formal não é
considerada suficiente. As falas transcorrem carregadas de expressões que denunciam a
diferença entre o que é trabalhar como ACD em um consultório particular e o que é ser ACD
no CBMERJ.
“Meu curso ideal seria responsável, encaminharia o aluno para um estágio
onde esse profissional supervisionaria ele, lá na cadeira com o dentista para
99
auxiliar a 4 mãos. E colocaria esse ACD com 3 dentistas para ele ver como é
que é quando ele for para o bombeiro.” (ACD6)
“ [...] no bombeiro não tem esse negócio de ficar sugando. É outro tipo de
ACD. [...] Não é isso aqui. Eles botam lá o kit e sentam lá na frente e ficam
lá de papo furado.” (CD6)
“Mas não existe trabalho a quatro mãos no ACD do bombeiro.” (CD3)
Vários termos como ‘treinar’, ‘moldar’, ‘transformar’, ‘adaptar’, ‘pegar vícios’,
emergem naturalmente das falas dos sujeitos, com o sentido de definir ações que visem à
efetiva preparação do ACD para o trabalho, durante a prática diária.
“O ACD é treinado ali, se é amálgama, se não é, toda uma rotina”. (ACD2)
“No teu consultório é uma coisa, tipo assim, você moldar aquele ACD de
acordo com o teu jeito de trabalhar.” (CD1)
“Então você transforma o outro num cara bom também. Porque a gente
consegue, se a gente quiser a gente consegue.” (CD3)
“O ACD tem que se adaptar para aquilo que ela usa, gente. [...]” (ACD6)
“Você tem que pegar os vícios do dentista, cada dentista tem o seu vício. [...]
eu gosto dele [ionômero] mais fluido.” (ACD4)
Esta questão da preparação para o trabalho no próprio ambiente de trabalho nos parece
implícita nas falas dos sujeitos.
“Você vai aprender a 4 mãos, o dentista e você.” (ACD4)
Nesta situação, a força que os colegas mais antigos no exercício do trabalho exercem
na formação destes profissionais é expressa de forma clara em seu discurso. A ‘antiguidade’
na profissão legitima esses ACDs no campo das práticas. Em alguns casos, os profissionais
100
mais experientes são vistos como verdadeiros professores da prática, mentores, que ensinam
enquanto fazem e são modelos para o exercício profissional.
“ [...] Todo mundo conhece a X., ela já passou em todos os consultórios,
porque é e que ela vai fazer esse curso? Aliás, ela é que tem que dar o curso
pra gente que tamos entrando agora”. (ACD3)
A concepção subjacente às falas desses sujeitos, contrária àquela manifesta na
abordagem reducionista e tecnicista do trabalho, denota a inclusão do contexto, dos sujeitos e
das relações institucionais na conformação das práticas. Trabalhar no CBMERJ é uma
experiência diferente de fazê-lo em um outro cenário qualquer. Supõe, assim, uma
contraposição à redução do fazer ao conhecimento que lhe é subjacente, em uma alusão a uma
relação diversa entre teoria e prática. A expertise construída nos diferentes cenários do
CBMERJ é que confere legitimidade aos ‘professores da prática’.
3.2.2.2 A busca da legitimidade profissional
No discurso dos entrevistados, questões como a credibilidade e a visibilidade são
reivindicadas em nome do reconhecimento profissional, isto é, de um lugar junto a seus pares
no contexto das práticas de saúde no CBMERJ.
Os questionamentos pertinentes ao reconhecimento profissional são perpassados por
questões político-administrativas como o ‘Concurso de 2000/2002’
16
, identificado como porta
de entrada de profissionais que não foram adequadamente capacitados para o exercício
profissional em saúde, em função de regras vigentes até então, que permitiam que para
16
O ingresso no Corpo de Bombeiros é efetuado por meio de concurso público. Os últimos concursos para
ingresso de ACDs na Corporação ocorreram nos anos de 2000 e 2002, nos quais não foi exigido, para inscrição e
posterior ingresso, um certificado de conclusão de curso de formação para ACDs, e sim a apresentação do
registro profissional como ACD no Conselho Regional de Odontologia (CRO).
101
obtenção do registro profissional junto ao CRO “bastava uma carta do cirurgião dentista
comprovando a experiência de um ano na função”(PEZZATO & COCCO, 2004, p216).
“ [...] quando teve esse concurso 2000 e 2002, que entraram ACDs
[...]Você tinha um CRO registrado de ACD bastando uma declaração com
a assinatura de um dentista dizendo que treinou aquele ACD.” (CD3)
A ausência de requerimento adequado de formação profissional para ingresso na
Corporação parece ter desencadeado nos profissionais ‘mais antigos’ um sentimento de
desvalorização perante seus superiores hierárquicos e seus próprios pares. Deste modo, eles
afirmam freqüentemente que não são valorizados, isto é, acham que não são vistos de forma
adequada pelos seus colegas de trabalho, principalmente, pelo CD. Esta situação aparece
como uma experiência muito dolorosa para os profissionais.
“Por isso que eu digo que o auxiliar de consultório no corpo de bombeiros
não tem valor, não é reconhecido. [...]O auxiliar de consultório, você tá ali
dentro, tá aquartelado, você sabe a sua função, a sua importância, só que
infelizmente nesses dois últimos concursos que teve, 2000 e 2002, muita
gente entrou e nunca viu uma bandeja. [...] não sabem esterilização, não
sabem montar um carpule. Por isso nós temos essa visão como vocês todas
estão reclamando. E dificilmente vai ter valor. Para dar valor aí vai ter que
partir de cima, de um coronel, um oficial que vai dar valor à gente.” (ACD9)
“No dia em que passar a ser que nem o auxiliar de enfermagem, uma
profissão decente, como tá tentando ser, né? A gente vai melhorar, isso vai
avançar, mas até hoje a gente ainda é uma secretária disfarçada.” (ACD2)
Entendemos que o discurso de nossos entrevistados aponta os concursos de 2000 e
2002 como um acontecimento marcante em suas vidas profissionais no CBMERJ. A falta de
reconhecimento profissional dos ACDs que ingressaram na Corporação com registro no CRO
obtido por meio de declaração é relevante. Esta ausência de legitimidade junto a seus pares
102
denota um posicionamento que implica em assumir que, para esses sujeitos, a certificação
para o exercício profissional não é obtida apenas com o registro profissional. Ao contrário,
esta é socialmente dada pelo desempenho adequado de suas funções no cenário de práticas, o
qual subentende o domínio dos saberes relativos ao exercício profissional.
Ao apontarem sua desvalorização como resultado da inserção de profissionais menos
capacitados na Corporação, os ACDs se vêm obrigados a lutar por sua legitimidade, a cada
dia, no cotidiano do trabalho. Relevante é o fato de que este é um movimento de ‘mão dupla’:
tanto ACDs que ingressaram na corporação antes do concurso de 2000 como aqueles que
ingressaram nos concursos de 2000 e2002 buscam incessantemente o reconhecimento
profissional de seus pares.
“Mas o que acontece? Eu fui para uma unidade onde só tinha 2002. Nada
contra o povo, tenho amicíssimas 2002, e as pessoas me viam como um
monstro, ah, lá vem o monstro branco!” (ACD2)
Retomando a questão da credibilidade profissional, consideramos que esta encontra-se
intimamente ligada ao domínio dos saberes, tornando bastante elucidativa a análise do modelo
de formação profissional predominante na saúde, efetuada anteriormente neste trabalho. Essa
visão pressupõe que a posse de conhecimentos científicos é a base para a credibilidade no
exercício da profissão. Aqui, a polarização entre saber e não saber é freqüentemente
introduzida nas falas dos sujeitos.
“Alguns não fizeram curso, outros fizeram curso. Então os que não fizeram
tem coisas que até tem boa vontade de aprende,r mas não têm a
oportunidade. Não tem oportunidade de aprender a lidar com aqueles
instrumentos.” (ACD3)
Para alguns ACDs entrevistados, esse saber equivale à conclusão do curso,
identificado com o componente teórico da formação. Entretanto, tal como propõe Hernández
103
(2002), há também o reconhecimento de que a competência profissional vem de uma certa
legitimidade que não é conferida exclusivamente por um certificado. Para o autor, é o
conjunto de saberes que um profissional mobiliza, validado no desempenho que ele demonstra
em situações de trabalho, que lhe outorga legitimidade.
O reconhecimento e a valorização profissional possuem, assim, estreita relação com a
questão da formação, quando se traz para a discussão a certificação profissional como
“política de reconhecimento, hierarquização e identidade” (HERNÁNDEZ, 2002, p.36,
tradução nossa).
A visibilidade, como condição de ser efetivamente percebido como profissional no
contexto do CBMERJ, encontra respaldo na questão da valorização do próprio trabalho pelo
outro, em função da formação profissional.
“Depois que você passa a fazer o curso, você vê o reconhecimento de todos
os outros profissionais, tanto colegas, praças, como oficiais. Dizem: não,
agora ela é ACD, ela agora tem capacidade de ficar com 3 dentistas.”
(ACD4)
“Quer dizer, a menina agora fica sozinha na clinica com 3 dentistas. Quer
dizer, a X também não sabia nada. O curso é muito... acho assim, o curso, se
o troço tivesse sido feito assim direitinho, o concurso da maneira que tinha
que ser feito, ...” (CD1)
Na discussão dos entrevistados sobre a busca da legitimidade pela construção da
credibilidade profissional pelos ACDs que, ao ingressarem na Corporação, não possuíam
formação adequada para o exercício da profissão, encontramos o termo ‘curso do CEPO’
como referência ao EAT/ACD (Estágio de Aperfeiçoamento Técnico-profissional para
Auxiliares de Consultório Dentário).
104
“Eu aprendi muito com o curso do CEPO. Antes eu era ACD e não era. Eu
não sabia mexer com os equipamentos. Eu entrei no concurso e sabia que ia
para a parte administrativa. Foi depois do curso que eu entrei no CEPO.”
(ACD4)
Relacionada ao curso, surgiu uma discussão entre os entrevistados a respeito da
‘antiguidade’ como fator determinante na necessidade de fazer o curso. Consideramos
relevante o fato de que as falas incorporam uma visão na qual antiguidade no exercício da
profissão por si é suficiente para licitar esta mesma prática, retomando os conceitos
desenvolvidos por Hernández (2002) abordados anteriormente.
“Por exemplo, estamos aqui eu, X e Y. Somos os mais antigos, a gente já
rodou tudo. Tudo que você possa imaginar. [...] O curso foi interessante pra
ela? Que tá começando, é! Pra mim, eu achei, assim, chato. Porque? Porque
aquilo ali é meu dia a dia. A cada dia você está aprendendo, a cada dia.”
(ACD7)
“Aí quando ela veio para clínica ela caiu pro curso porque ela era a mais
moderna. O critério lá em Guadalupe para mandar para o curso é a
‘modernidade’. Ela voltou do curso, ela já era boa antes de ir, ela voltou do
curso, ela trabalha a 4 mãos.” (CD 3)
Em suas falas, entendemos que o fato de se ter experiência profissional não invalida o
aprendizado no curso. Na verdade, o que eles questionam é o tipo de aprendizado que está
sendo oferecido. Sugerem uma atualização profissional constante, identificada como
importante frente ao exercício profissional adequado na área de saúde.
“A gente tem que estudar. As técnicas mudam. Prática é como se fosse um
robozinho. Ali todo dia você aprende, mas a teoria, vai acompanhar.”
(ACD1)
105
“É que a princípio eles mandaram o pessoal que precisava muito, né, mas
agora vai chegar a um ponto que vai ter só uma reciclagem mesmo.” (CD3)
Finalmente, os profissionais apontam a reflexão conjunta como possibilidade para a
compreensão das práticas, dos valores que a orientam e dos aspectos relativos à construção da
“competência profissional” nessa área. É relevante que nos dois encontros realizados os atores
tenham sugerido a criação de oportunidades para o diálogo em grupos de discussão, em
moldes semelhantes ao da entrevista da qual participaram.
“É importante para saber o que está acontecendo nas unidades, o que pode
melhorar, o que pode ser feito, porque para a gente melhorar, eu acho, nós
melhorarmos uma situação, nós temos que ouvir quem está no local, que
vive a situação.[...] Então vocês estão ouvindo o que cada um falou, o
modo de trabalhar, como se sente, [...] Então cada um tem uma função,
cada um tem seu jeito de trabalhar no consultório. Daí, tudo que tá
gravado aí dá para analisar tudo e dá para melhorar, dá para ver onde é
que tem que ajustar.” (ACD9)
“Por exemplo, uma coisa que eu sempre tive vontade de fazer e nunca [se]
faz é assim, no final de 1 mês fazer um fechamento junto, dentista, ACD, e
discutir os pontos positivos, negativos [...] Isso dentro de uma Corporação
acho que é super válido.” (CD1)
C
APÍTULO 4
D
ESAFIOS E PERSPECTIVAS
Neste capítulo, pretendemos desenvolver um diálogo entre os resultados analisados no
capítulo anterior e as questões que motivaram nosso estudo, com o claro objetivo de tecer
perspectivas para o nosso trabalho no CBMERJ.
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que a força com que a hierarquia militar
aparece em nosso estudo, influenciando o núcleo de identidade profissional do ACD na
organização do trabalho para o cuidado odontológico no CBMERJ, impõe a retomada de
nossa própria história na busca da qualidade da prestação do cuidado.
Aproximadamente em 1999, surgiram as primeiras tentativas de melhoria de qualidade
do atendimento odontológico do CBMERJ por meio de discussões entre os CD de cada
especialidade, viabilizadas pela organização de reuniões para que pudessem expor suas
dificuldades e propor sugestões. Contudo, em nenhum momento foi observada a hipótese de
convocação dos ACDs para um processo semelhante de avaliação das suas práticas. Ainda
que o fato tivesse nos chamado a atenção, podemos entendê-lo agora sob novos ângulos,
contextualizando e dando um outro valor à exclusão explícita destes profissionais das
iniciativas de avaliação conjunta.
107
A análise deste fato pode ser feita sob duas ópticas: a divisão técnica e social do
trabalho e a divisão hierárquica militar. Na verdade, entendemos que ambas se entrelaçam
quando o assunto é o reconhecimento do ACD no processo de trabalho ao considerarmos que,
no serviço de saúde militar, a figura do CD é duplamente ‘superior’ à figura dos ACDs.
Enquanto na organização militar, o CD é o Oficial Dentista ao qual o Praça ACD encontra-se
hierarquicamente subordinado, sob a lógica instrumental dominante no ambiente de trabalho
em saúde, o CD é o profissional de nível superior que detém o saber e por isso sobrepõe-se ao
ACD.
Esta situação tem por base a baixa capacidade do teor formal das leis que regem a
profissionalização de fazer prevalecer a exigência de um saber qualificado para o ACD,
permanecendo as características da formação profissional marcadas pelo monopólio do saber
odontológico centrado no CD. Neste cenário, ocorre uma valorização do indivíduo em
detrimento da equipe, implicando em um processo de trabalho hierarquizado e fragmentado
nos serviços de saúde.
Contraditoriamente, observamos que a conformação da identidade profissional dos
ACDs encontra íntima relação com o trabalho coletivo. Pudemos verificar que eles
‘nasceram’ em um serviço público, de um projeto cujo objetivo era a diminuição de cáries dos
escolares. Sua origem no Brasil está relacionada com os ACDs da FSESP, nas décadas de
1940/1950. Nesta época, compunham uma equipe onde desenvolviam atividades de cunho
basicamente preventivo, além de auxiliar o CD no atendimento junto à cadeira. Contudo,
depois de meio século, o serviço público continua predominantemente com uma estrutura
física que denota uma outra concepção de prática: consultórios tradicionais onde temos
apenas 1 cadeira operatória e 1 mocho, reservados ao trabalho do CD. O CBMERJ, enquanto
serviço público, acompanha essa mesma lógica, agravada pelas relações de poder que
permeiam a prática do cuidado odontológico no meio militar.
108
Observamos no CBMERJ que, de fato, a inserção profissional dos ACDs e CDs
configura um trabalho em equipe regido, basicamente, pela justaposição de ações na execução
de tarefas, traduzida pelo termo “trabalho a quatro mãos”. A noção de conformação de
equipes, cuja complementaridade se apóia na valorização da articulação das ações e interação
dos agentes - idéia que transparece no discurso dos entrevistados - não se mostra presente
nesse contexto. Da mesma forma, a inserção do ACD no processo de trabalho obedece a uma
polarização entre um mero ajudante, sem identidade profissional, e um auxiliar qualificado
para o trabalho a quatro mãos. Em ambos, encontramos um ACD que não está
desempenhando todas as suas funções, apesar de ser profissional de saúde com qualificação
para fazê-lo plenamente.
Este fato é uma contraposição ao ideal de trabalho apresentado pelos entrevistados em
nosso estudo: a conformação de uma equipe para a prática do cuidado, na qual, mesmo sendo
o CD o ‘supervisor’ ou o ‘coordenador’ da equipe, o ACD teria reconhecida sua
responsabilidade no trabalho.
As proposições de formação centradas em trabalho em equipe, supondo a
democratização dos saberes odontológicos como base da reestruturação das práticas dos
serviços prestados aos nossos militares aparecem, à luz dos resultados de nosso estudo, como
um desejo tão desprovido de realidade quanto a suposta neutralidade da racionalidade
instrumental que questionávamos.
Nesse sentido, o desenho de estratégias de enfrentamento das resistências à integração
do trabalho da equipe dentro da organização militar, que levem em consideração a própria
cultura organizacional baseada na centralização das decisões e na verticalização de programas
e projetos, é essencial para a ruptura de um saber odontológico que é monopólio de poucos.
109
Para se realizarem mudanças, é necessária uma política institucional orientada por
uma filosofia de trabalho que não dependa apenas de mudanças na estrutura física, e sim da
transformação do próprio processo de trabalho e da formação dos profissionais envolvidos.
A lógica de difusão de informações do nível do comando central para o local das
unidades militares com o objetivo de que as ações planejadas, as normas operacionais e
rotinas sejam adequadamente implementadas nos serviços é a mesma que ainda preside o
desenvolvimento de projetos educativos dirigidos aos nossos profissionais. Esse
reconhecimento permite-nos indagar sobre a capacidade de transformação dos projetos
institucionais em curso e sobre os desafios do CEPO.
A compreensão de que as informações só são incorporadas pelos sujeitos ao tornarem-
se relevantes e significativas em seu mundo de representações, dá ao processo educativo uma
dimensão de mão dupla. Para desenhar práticas educativas é preciso ir também conhecendo o
outro, ir encontrando a racionalidade que orienta seu pensamento e sua ação. Isso significa
que as informações geradas nos serviços são resultantes das modalidades de relação que os
trabalhadores estabelecem com os usuários, que os trabalhadores estabelecem entre si e com
os gestores. São essas informações que, com maior ou menor grau de aproximação, vão
orientar a programação em saúde e o desenho de práticas educativas dirigidas aos
profissionais e à população (RIBEIRO, 1996).
Para que isto possa se tornar realidade, entendemos que os ambientes de trabalho
necessitam transformar-se em ambientes de aprendizagem, em um processo permanente, de
natureza participativa, na qual a aprendizagem se produz ao redor de um eixo central
constituído pelo trabalho habitual dos serviços. Frente a esta necessidade de executar
atividades de abstração, com capacidade analítica que suporte linguagens diversificadas, o
profissional de hoje, “precisa poder aprender a aprender” (PERRENOUD, 2001) de maneira
coletiva, com uma visão ampla e não fragmentada dos processos organizacionais.
110
O importante não é apenas oferecer uma formação para o ACD que assegure a
certificação, mas também um saber qualificado que o identifique como profissional integrante
da equipe de saúde, responsável pelo seu papel no processo de trabalho em saúde bucal,
articulando, assim, os campos da educação, saúde e trabalho.
Neste sentido, a prática odontológica no CBMERJ pode configurar-se como cenário
relevante para a formação profissional do ACD, ao fazer do ambiente de trabalho no qual ele
irá interagir um objeto de reflexão e de transformação. As contradições e conflitos que
observamos emergir ao longo do nosso estudo reforçam a proposição de caminhos que
busquem uma reflexão conjunta com os sujeitos da prática.
É a partir desse olhar que propomos a implementação de uma política de EPS que, ao
tomar como objeto de transformação e de investigação o processo de trabalho, não procure
transformar todos os problemas em problemas educacionais, mas busque as lacunas de
conhecimento e as atitudes que são parte da estrutura explicativa dos problemas identificados
na vida cotidiana dos serviços. Esta capacidade de decisão a nível local é também uma
conquista da comunicação e do grau de conhecimento que temos da realidade. A cada
momento a realidade local é questionada, discutida, estudada, com o intuito de compreender o
processo de trabalho em saúde, propondo mudanças e melhorando-o. É esse pressuposto,
exatamente o mesmo que orienta a EPS, que acreditamos deva nortear a disposição das
instâncias de desenvolvimento de recursos humanos dos serviços de saúde da área
odontológica do CBMERJ.
Por fim, é nossa opinião que, o planejamento em saúde deva partir do conhecimento
das características do novo modelo de nossa sociedade, assim como de um conceito de
integralidade na atenção a saúde da população. Para tanto, deve integrar saberes, recursos,
práticas, problemas e políticas. Da mesma forma que Rovere (1993), consideramos o
111
planejamento como um “processo de reflexão orientado e dirigido para a ação”, uma
ferramenta para facilitar e sistematizar o conhecimento do setor saúde e, como tal, um
instrumento para guiar a ação e permitir realizar os projetos desejados na área.
Deste modo, ao lado da coerência a ser buscada entre os projetos político-
institucionais e a proposta educativa, a articulação das áreas de planejamento, informação,
educação e comunicação pode representar uma das estratégias de recomposição das relações
entre a população, os profissionais de saúde e os gestores no âmbito do CBMERJ.
112
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administração. 3. Auxiliares de odontologia - educação. 4. Auxiliares de
odontologia – organização e administração. 5. Prática profissional.
6. Bombeiros. 7. Educação permanente em odontologia. 8. Tecnologia
Educacional nas Ciências da Saúde - Tese. I. Ribeiro, Eliana Claudia de
Otero. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, NUTES. III. Título.
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