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ANA CLÁUDIA RIBEIRO DE SOUZA
ESCOLA POLITÉCNICA
E SUAS MÚLTIPLAS RELAÇÕES COM
A CIDADE DE SÃO PAULO
1893-1933
Doutorado em História
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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II
ANA CLÁUDIA RIBEIRO DE SOUZA
ESCOLA POLITÉCNICA
E SUAS MÚLTIPLAS RELAÇÕES COM
A CIDADE DE SÃO PAULO
1893-1933
Tese apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em História, sob orientação da
Prof
a
Dr
a
Estefânia K. C. Fraga.
PUC-SP
SÃO PAULO
2006
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III
Comissão Julgadora
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
IV
Dedicatória
A
Flávio José,
meu amado esposo, e
Ana Débora e Ana Flávia,
minhas filhas queridas.
Dedico
V
Agradecimentos
A pesquisa que originou esta tese foi possível graças à contribuição
direta e indireta de inúmeras pessoas. Sou ciente de que nomear algumas é cair
na inevitável injustiça de esquecer outras tantas. Assim sendo, inicio agradecendo
e pedindo desculpas a todas essas aqui não citadas.
Meu muito obrigado:
À minha família pela compreensão, apoio e carinho em toda a minha longa
ausência nestes últimos quatro anos;
Ao Centro Federal de Educação Tecnológica do Amazonas e a Fundação
Pe. Sabóia que me possibilitaram desenvolver esse projeto;
À Professora Doutora Estefânia C. K. Fraga, orientadora dessa pesquisa,
pelo acompanhamento durante toda a sua elaboração;
Aos professores do Programa de Pós-graduação em História da PUC-SP,
pelas profícuas discussões nas disciplinas e eventos realizados;
Aos Professores Doutores Ailton Pinto Alves Filho e Raul Gonzalez Lima,
pelas pertinentes observações, correções e indicações dadas durante a realização
do exame de qualificação;
A todos os funcionários dos diversos arquivos e bibliotecas consultados, em
especial a Marlene de Fátima Ferreira bibliotecária na Biblioteca Central da Escola
Politécnica e, Maria Luíza de Souza, funcionária do Arquivo Permanente de
Escola Politécnica;
Aos monges da Cela São José e monjas do Mosteiro da Paz pela sempre
presente acolhida em Cristo;
Aos amigos de Comunhão e Libertação pela amizade guiada ao Destino,
presente em todos os dias;
À Capes pelo apoio financeiro concedido.
VI
Resumo
A partir da discussão sobre a formação profissional, os laboratórios, as
estradas de ferro e a atuação dos politécnicos, foram investigadas as relações
entre a Escola Politécnica e a cidade de São Paulo, no período de 1893 a 1933.
Serviu de base um vasto material documental estabelecendo correlações entre os
mesmos, destacando a Revista Politécnica como um dos elementos que
contribuíram para a formação da classe profissional do engenheiro.
Foi discutida a Escola Politécnica como espaço da racionalidade que se
estabelece em São Paulo nos primórdios da República, concatenada com um
macro projeto político do Partido Republicano Paulista, numa correlação entre
educação e política na discussão da implantação do modelo liberal em São Paulo
e nos desdobramentos legislativos daí oriundos.
No decorrer desse tempo, a Escola Politécnica de São Paulo afirmou-se
como um dos sujeitos históricos, construtores da concepção de engenharia no
Brasil. Engenharia aqui é entendida como a arte do fazer e transformar a natureza
a favor do bem-estar do homem.
VII
Abstract
Based on the discussion about professional education, the laboratories,
railroads and the polytechnicians’ action, this work investigated the relations
between the Polytechnic School and the city of São Paulo, in the period between
1893 and 1933. A vast amount of documents were used in this study and
correlations were established between them, highlighting Revista Politécnica
(Polytechnic Journal) as one of the elements that contributed to the formation of
the professional class of the engineer.
The work discusses the Polytechnic School as a space of the rationality that
was established in São Paulo at the beginning of the Republic, connected with a
macro political project of São Paulo’s Republican Party, in a correlation between
education and politics in the discussion about the implementation of the liberal
model in São Paulo and the legislative consequences that derived from it.
During this period, the Polytechnic School of São Paulo became one of the
historical subjects that constructed the conception of engineering in Brazil.
Engineering is understood here as the art of making and transforming nature in
favor of man’s welfare.
VIII
Sumário
Dedicatória .............................................................................................................IV
Agradecimentos ......................................................................................................V
Resumo..................................................................................................................VI
Abstract .................................................................................................................VII
Sumário................................................................................................................VIII
Introdução ............................................................................................................... 1
I Parte – Escola Politécnica: formação e reconhecimento profissional do
engenheiro ............................................................................................................ 46
1º Capítulo – Escola Politécnica: Formação do engenheiro .............................. 47
1. 1 – Educação e Política.............................................................................. 53
1. 2 – A tecnologia nas terras de Tibiriçá ....................................................... 61
1. 3 – Os professores e os alunos politécnicos.............................................. 76
1. 4 – A sala do saber .................................................................................... 83
2º Capítulo – O engenheiro e o reconhecimento profissional............................ 88
2.1 – A Revista Politécnica: instrumento de construção da identidade.......... 91
2.2 – O ensino da engenharia........................................................................ 97
2.3 – Profissão: Engenheiro......................................................................... 107
2.4 – A regulamentação da profissão........................................................... 124
II Parte – A Cidade e os Politécnicos .................................................................. 143
3º Capítulo – Uma cidade com gabinetes e laboratórios ................................. 144
3.1 – Do Burgo à Politécnica........................................................................ 147
3.2 – Os gabinetes e laboratórios: espaços para a construção do
conhecimento (1899-1926) .......................................................................... 161
3.3 – O Laboratório de Ensaio de Materiais: estrutura para o desenvolvimento
industrial. (1926-1934) ................................................................................. 188
4
o
Capítulo – Os Politécnicos e as Ferrovias ................................................... 204
4.1 – Os trilhos do progresso ....................................................................... 206
4.2 – O Ensino Politécnico e as Companhias Ferroviárias........................... 225
4.3 – Os Laboratórios da Escola Politécnica e as Companhias Ferroviárias252
Conclusão ........................................................................................................... 263
Bibliografia .......................................................................................................... 284
Anexos ................................................................................................................ 309
IX
Lista de abreviaturas
CEETEPS – Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
COPPE – Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia
DPH – Departamento do Patrimônio Histórico
Edusp – Editora da Universidade de São Paulo
EPUSP – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
FFLCH – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
GRM – Gabinete de Resistência dos Materiais
IEB – Instituto de Estudos Brasileiros
IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
LEM – Laboratório de Ensaio de Materiais
PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo
PRP – Partido Republicano Paulista
SMC – Secretaria Municipal de Cultura
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Unicamp – Universidade de Campinas
UNESP – Universidade Estadual de São Paulo
USP – Universidade de São Paulo
1
Introdução
... quem diz trem ou transporte diz todo
um rico complexo sócio-cultural.
Não apenas uma Engenharia Física,
mas essa Engenharia desdobrada em
Engenharia Humana e Engenharia Social.
Gilberto Freyre
1
1
Apud: TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, 1
o
vol., p. 275.
2
Em sua obra A cultura brasileira, F. de Azevedo aborda no item “A vida do
intelectual – As profissões liberais”, o bacharel, o médico e o engenheiro. A
escolha e o ordenamento que foi dado a essas três profissões liberais não é
ocasional, mas sim, no ver do autor, a ordem de importância de tais profissões no
desenvolvimento da história do Brasil, do período colonial até a República. No
entender desse autor, o bacharel tomou o primeiro lugar na escala profissional,
social e entre as profissões liberais pela evidência de que nenhuma outra
desempenhou um papel mais importante na vida intelectual e política do País.
A amplitude de conhecimentos exigidos à profissão do bacharel “... lhe
maior plasticidade intelectual e o leva a encarar as questões de vários pontos de
vista, facilitando a improvisação que deixou de ser um defeito, para ser uma
utilidade...”
2
e a ele cabiam todas as funções administrativas, da Comarca à
Corte. O médico segue de perto o bacharel pela influência que este exercia junto
às grandes famílias. O Brasil era um campo aberto para a medicina devido à
extensão de suas endemias e epidemias. O médico e mesmo o farmacêutico
2
AZEVEDO, F. de, A cultura Brasileira, p. 296.
3
tinham grande prestigio social e mesmo político, especialmente nos pequenos
centros urbanos.
Após discorrer sobre o bacharel e o médico, encontramos os engenheiros
no último lugar, o que é assim justificado:
O engenheiro, ao contrário, obrigado a um relativo isolamento, pelas suas
atividades dominantes (serviços de campo); trabalhando, não sobre material humano,
- interesses e sofrimentos -, mas sobre a madeira, a pedra, o ferro e o cimento; sem
estímulos, na profissão, para a vida intelectual, como para grandes realizações num
meio de economia agrícola de uma organização elementar de trabalho, e com esse
espírito prático e positivo que vem de um contato mais freqüente com as ciências
físicas e matemáticas, nunca adquiriu poder de influência e a projeção social que
abriram aos bacharéis e doutores o acesso a todas as posições, políticas e
acadêmicas, e aos mais altos postos na administração.
3
O autor propõe esse ordenamento refletindo sobre a história do Brasil até
os primórdios da República, haja vista a primeira edição da publicação dessa obra
datar de 1943, e havia a intenção expressa do autor de levá-la até a década de
sessenta, o que não aconteceu.
Afirmar que no Brasil o engenheiro “...nunca adquiriu poder de influência e a
projeção social...“ é corriqueiro na historiografia mais abrangente; entretanto, na
situação específica de São Paulo não condiz com uma conjuntura, na qual, no
pensamento político do Partido Republicano Paulista PRP –, a construção do
ideal de modernidade paulistana envolvia diretamente os engenheiros tormando-
os partícipes desse projeto. Vide que, o cargo de Prefeito da Capital um ex-aluno
da Escola Politécnica e membro do PRP, Francisco Prestes Maia
4
ocupou após a
3
Ibidem. Grifo nosso.
4
Francisco Prestes Maia formou-se engenheiro arquiteto e engenheiro civil na turma de 1917. Em
1918 abriu uma firma própria de negócios imobiliários e entrou para a Diretoria de Obras Públicas,
da Secretária de Viação e Obras Públicas de São Paulo. Com João Florence de Ulhôa Cintra,
durante a administração de Firmino de Moraes Pinto (16/01/1920-15/01/1926), realizou um estudo
sobre circulação de veículos no centro da cidade, sendo esse um esboço do seu Estudo de um
Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo. FICHER, S., Os arquitetos da Poli: Ensino e
Profissão em São Paulo, p. 154-166.
4
instauração do Estado Novo de 27 de abril de 1938 a 4 de junho de 1941, indicado
pelo interventor Adhemar Pereira de Barros.
Antes de Francisco Prestes Maia, outro politécnico assumiu a prefeitura,
Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello, que era membro do Partido Democrata,
esse sim vitorioso no movimento revolucionário de outubro de 1930. Indicado
inicialmente como diretor da Escola Politécnica, deixa-a em 6 de dezembro de
1930 para assumir a prefeitura, sendo durante sua gestão alvo de manifestações
dos alunos, contrários a sua participação num governo ao qual a Escola havia se
oposto. Trouxe para a gestão pública sua idéia de urbanista, segundo a qual São
Paulo não deveria se expandir indefinidamente.
5
Mas essas exceções talvez apenas confirmem a regra de sermos um País
de bacharéis; entretanto, se assim o somos, não o fomos, no decorrer do século
XX, com a aquiescência dos engenheiros.
Desde os primórdios de sua criação, a Escola Politécnica estabeleceu uma
interface com o mundo político que era interesse proeminente de seus docentes e
discentes, nas múltiplas relações que esses estabeleciam com a cidade. O que se
observa é que esse estereótipo de distanciamento entre a política e o engenheiro
foi fomentado nas análises sobre a história do Brasil, mais pelo ângulo da
sociologia do que pelo da engenharia, que identificava uma proximidade entre as
mesmas. A fala de um engenheiro sobre a energia elétrica, por exemplo, não é
apenas uma fala técnica, é uma fala política inserida em seu contexto histórico.
6
Ao longo de sua discussão sobre a formação da cultura brasileira, F. de
Azevedo pontua a importância e o predomínio do bacharelismo no desenrolar
5
FICHER, S., op. cit., p. 143-153.
6
Difusor no Brasil das idéias do Urbanismo, Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello discutia em
suas palestras a necessidade de ações de utilidade pública. Na série de conferências proferidas
entre 1929 e 1930, na sua fala evidencia-se a política em relação à questão técnica da energia
elétrica, pois essa era exatamente a época em que a concessão da energia elétrica vinha sendo
transferida da propriedade de diversos empresários brasileiros para grandes firmas americanas.
Anhaia Mello expunha necessidade de o Estado regulamentar este serviço de utilidade pública, e
criticava o monopólio que estava surgindo no interior do Estado com a unificação da rede de
pequenas usinas hidrelétricas, ou seja, os Estados Unidos da América, que em seu território
tinham uma legislação antitruste, estavam implantando-a em São Paulo. Em sua “fala técnica”, era
isso que ele denunciava. FICHER, S., op. cit., p. 146.
5
histórico do Brasil, seja em sua composição administrativa, como na conjuntura
social e política. Nesse contexto, ele é sintético ao afirmar que o predomínio do
bacharelismo cultivado no decorrer de todo o período Imperial, em decorrência
das duas faculdades de Direito existentes no País, em Recife e São Paulo,
ocorreu devido às elites políticas e culturais prenderem-se:
... a notável preponderância que teve o jurídico sobre o econômico, o cuidado
de dar à sociedade uma estrutura jurídica e política sobre a preocupação de enfrentar
e resolver os seus problemas técnicos.
7
Assim, há no Brasil senso comum da idéia de que o engenheiro é, e sempre
foi, elite constituída. No entanto, quando, se estuda essa elite, o engenheiro
encontra-se em último lugar, pois no País houve a preocupação com a construção
de sua estrutura jurídica e política lembremos as Capitânias Hereditárias e os
Governos Gerais, as comarcas e os juizados mas o poder público constituído não
se colocou na perspectiva de enfrentar e resolver os problemas técnicos do campo
e da cidade, como a construção de pontes e estradas ou os códigos de postura.
Quando a administração portuguesa e imperial as realizava, tais ações eram
desenvolvidas de maneira incipiente e sem maior aprofundamento teórico
metodológico dos problemas em questão.
F. de Azevedo continua seu texto escrevendo sobre o quase fracasso da
implantação da Escola de Minas de Ouro Preto. Estruturada pelo governo
português no período áureo da extração de minérios, na distante e isolada zona
das montanhas de Minas Gerais, longe dos principais centros urbanos
administrativos e culturais do País, então Salvador e Rio de Janeiro, essa Escola:
... o pode adquirir uma vitalidade bastante ativa para dar ao seu ensino,
preciso e experimental, maior poder de penetração e para influir eficazmente na
transformação da mentalidade e na renovação dos valores técnicos.
8
7
AZEVEDO, F. de, op. cit., p. 299.
8
Ibidem, p.300.
6
Pesquisando sobre a engenharia entre 1893 e 1933 em São Paulo,
observamos que esses engenheiros já seriam de antemão identificados como
parte constituinte da elite do País, pelo seu estudo superior, algo que neste
período é restrito a uma pequena parcela da população. Mesmo assim, foi
necessária a disputa, a luta pela construção desse espaço de elite, na estrutura
política brasileira num embate com seus pares constituídos, os bacharéis e os
médicos.
Escrevendo sobre o perfil psicoprofissional do engenheiro, A. G. Novaes
indicou como traços desses: engenho e arte, pensamento analítico, uma certa
dose de ousadia, visão sistêmica da realidade e necessidade de relacionamento
humano.
9
Mas, quem é o engenheiro? Ele é aquele que cria coisas concretas, e
por coisas concretas, imaginamos o Viaduto do Chá, a Ponte Grande, a linha
férrea entre Santos e Jundiaí, ou o edifício Martinelli. Contudo, a criação também
se no âmbito das coisas não materiais, como as linhas de influência no cálculo
de vigas contínuas, um método para reduzir custos na construção de uma casa,
um processo para fabricar celulose de forma mais eficiente e mais barata.
Para construir essas coisas concretas e aquelas não materiais os
engenheiros se valem dos estudos baseados na chamada linguagem da natureza,
a matemática, o que faz com que alguns acadêmicos de ciências humanas, ao
lerem as revistas de engenharia, designem a engenharia como hermética. E, ela o
é, pois codificada para aqueles que, pelos estudos de cinco anos na escola
superior, conseguem essa espefica produção concreta e não material, criando a
partir do domínio da tecnologia sua ação social, que está embutida naquele texto
hermético.
A engenharia é uma expressão da cultura e a cultura é uma expressão
genuinamente humana que se constrói ao longo do tempo, ou melhor, no tempo,
no exato instante em que o homem é ele mesmo. Observa-se que a cultura, sendo
algo pessoal no se fazer, é coletivo na sua observação e percepção, assim como
a engenharia que transcorre na ação, por exemplo, do Eng.
o
João Moreira Maciel,
9
NOVAES, A. G. Vale a pena ser engenheiro?, p. 8-9.
7
que
entrou em 1894 na Escola Politécnica, recebeu o título de engenheiro
geógrafo em 1896 e se formou com distinção como engenheiro arquiteto em
1899.
10
Mas a atuação dos engenheiros é social é perpassada pela atuação dos
mais de oitocentos profissionais que a Escola formou no período que abrange
essa pesquisa.
11
A engenharia, como a cultura, está em constante transformação,
não em mudança, mas em transformação, influenciada por todo o conjunto social
ao qual ela qual pertence. Então ela é dinâmica, não se faz isoladamente, como
diz E. P. Thompson:
Mas uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que
sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a
metrópole.
12
Ao procurarmos elementos culturais, podemos buscá-los em qualquer
tempo ou lugar onde haja o homem. Neste espectro tão amplo, nosso olhar se
volta para São Paulo, mais precisamente para as cadas após 1894. Cultura-
Cidade, um feliz binômio de ricas relações sociais. Ao contemplarmos esta cidade,
naquele tempo, uma pluralidade de questões poderia despertar logo nossa
atenção. Sua imprensa humorística que circulava nas proximidades do Largo S.
Francisco; seus sambistas de origem afro no italiano Bexiga; o lixo que se
acumulava no Pátio do Colégio; ou quem sabe os vendedores de ervas no Vale do
Anhangabaú. De tudo a qualquer coisa poderia provocar nosso interesse de
pesquisa. Mas, realizando esta pesquisa na tentativa de recuperar espaços e
práticas urbanas vividas em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX,
neste momento encontramos os profissionais da Escola Politécnica que se
consideravam os arautos do progresso e da modernidade.
Na segunda metade do século XIX, a denominação “engenheiros” ainda era
um tanto quanto abrangente por conter em si uma vasta gama de significados.
Isso se deve ao fato que, nesta época, ainda não estavam bem definidos os
10
FICHER, S., op. cit., p. 90-91.
11
Cálculo feito por nossos com passe nos dados de: “Relação dos diplomados desde a fundação
da Escola” In: Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, 89-102.
8
alcances internos e externos do significado do conceito “engenharia”. No Brasil.
partimos de um momento em que profissionais como engenheiros, arquitetos,
geógrafos ou agrimensores eram indistintamente denominados “engenheiros”,
aqueles que fazem, projetam e constroem pontes e estradas de ferro, pesquisam
o solo e a floresta. No desenrolar dessa pesquisa, identificaremos marcos para a
construção das delimitações dos espaços de atuação desses profissionais.
A Escola Politécnica de São Paulo foi criada pela lei n
o
191, de 24 de
agosto de 1893, estando previstos no seu primeiro regulamento os cursos de
engenharia, nas áreas de: civil, industrial e agrícola, e um curso anexo de artes
mecânicas. Logo no ano seguinte, seu segundo regulamento ampliou esse quadro
para engenharia, com as áreas de: civil, arquitetura, industrial e agrícola, e um
curso anexo de artes mecânicas, além de conferir os títulos de contador
agrimensor e maquinista para aqueles alunos que concluíssem apenas parte dos
cursos propostos.
13
Dentre essas qualificações, o engenheiro civil era o que
possuía algum reconhecimento social, com um universo amplo de atuação na área
de obras públicas, como saneamento ou na construção de dependências
administrativas, e em obras particulares, como a construção de residências ou
escritórios. Ao buscar identificar que dinâmica social se estabeleceu nesta
Instituição, pesquisaremos as múltiplas relações entre os seus membros e o
Estado de São Paulo, em notícias da imprensa e em relatos de memorialistas; e
principalmente como eles próprios se identificavam, por meio dos anuários e
relatórios oficiais que a Escola deveria realizar a cada ano, de artigos em revistas
ligadas à área da engenharia, e de documentos dos arquivos pessoais de alguns
engenheiros depositados no arquivo permanente da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo.
Ao se pesquisar a Escola Politécnica, a intenção não é a de ficarmos
circunscritos aos muros do Palacete do Marquês de Três Rios, na Av. Tiradentes,
mas de estabelecermos relações com a urbe, com o comércio, pelas inúmeras
12
THOMPSON, E. P., Costumes em comum. Estudo sobre a cultura popular tradicional, p. 17.
13
SANTOS, M. C. L. dos, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo: 1894-1984, p. 583-
627, passim. Sendo a Escola Politécnica de São Paulo fundamental para essa pesquisa,
dedicamos os capítulos 1 e 2 para uma abordagem mais ampla sobre a constituição mesma.
9
compras feitas para a estruturação da Escola, principalmente a montagem de seus
laboratórios, e a indústria que passava por vertiginosas mudanças (como nos
aponta J. Love em A Locomotiva) e necessitava do suporte de um Gabinete de
Materiais para realização de ensaios metalográficos. Ou a correlação entre as
quatro instituições intelectuais que foram criadas quase que concomitantemente
na cidade, a Escola Normal, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o
Museu do Ipiranga e a Escola Politécnica, indicando um modelo de cidade estava
aos poucos constituía São Paulo.
Entendemos que a Escola Politécnica não é uma instituição homogênea,
onde todos os seus professores e alunos defendem uma mesma e única idéia
sobre qualquer questão social. Este espaço escolar é de tensão e construção de
multiplicidades de experiências sociais, e não é possível fazer um retrato destes
sujeitos históricos que vão definindo os caminhos da engenharia em São Paulo.
Aqui temos um campo de disputa expresso nas relações sociais vividas por seus
interlocutores, como, por exemplo, as disputas pela definição de seus currículos,
ou de quem seria seu diretor ou de onde captar água para abastecer a cidade de
São Paulo.
Esta pesquisa, assim pensada, pode ser o prosseguimento do desafio
lançado em 1985, por M. C. L. dos Santos, ao dizer, em seu livro sobre os 90 anos
da Escola Politécnica, que:
O aprofundamento crítico seria fundamental, principalmente no que se refere
às relações estabelecidas entre a Escola Politécnica e a sociedade paulistana em
todos os seus aspectos: culturais, sociais, políticos, administrativos, econômicos,
industriais e tecnológicos; entretanto ficará para estudos posteriores.
14
Aqui se entende a ação dos engenheiros como aquela dada por meio da
tecnologia que pressupõe o desenvolvimento e a aplicação de métodos com
embasamento científico, não sendo sua ação voltada apenas à técnica. A
possibilidade de se aplicar uma determinada técnica, isto é, ter a capacidade de
14
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 8. Grifo nosso.
10
saber fazer instrumentos e coisas não existentes na natureza por exemplo,
construir uma residência, uma ponte ou um calçamento é o que por séculos foi
feito no âmbito que hoje designamos engenharia civil. Algumas pessoas, por sua
experiência prática, sabiam como construir casas, construir empreendimentos que
propiciavam melhores condições de vida a uma determinada população, sem que,
entretanto, conhecessem os pressupostos científicos de tais procedimentos.
A técnica envolve o-somente conhecimentos práticos, sem um arcabouço
teórico mais sólido que lhe suporte. a tecnologia é definida por M. Vargas
como:
... o estudo ou tratado das aplicações de métodos, teorias, experiências e
conclusões da ciência para o conhecimento de materiais e processos utilizados pelas
técnicas.
15
Na São Paulo onde se criou a Escola Politécnica, a ação profissional dos
engenheiros era desenvolvida na sua imensa maioria pelos mestres-de-obras,
construtores, muitos regulamentados na prefeitura, que davam conta do
crescimento urbano da cidade. Regulamentar a profissão de engenheiro era
garantir um espaço profissional que estava ocupado por outra categoria, por
isso tal processo seria litigioso.
No que diz respeito à criação dos cursos de engenharia no Brasil, a Escola
Politécnica de São Paulo
16
é a terceira Escola de engenharia. Antes dela, que é a
primeira no período republicano, estão as escolas do período imperial: a Escola
Politécnica do Rio de Janeiro
17
e a Escola de Minas de Ouro Preto
18
. Nos últimos
15
VARGAS, M. História da técnica e da tecnologia no Brasil, p. 272.
16
A história da Escola Politécnica de São Paulo será apresentada no capítulo 1. A referência a
essas três escolas de engenharia está disseminada em diversos livros e revistas sobre o tema.
Indicamos apenas alguns: SANTOS, M. C. L. dos, Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo: 1894-1984; NOVAES, A. G. Vale a pena ser engenheiro?; e MOTOYAMA, S. (Org.),
Prelúdio para uma história: Ciência e Tecnologia no Brasil.
17
Esta instituição tem suas origens no primeiro curso de engenharia criado no País, o da Real
Academia Militar, no Rio de Janeiro em 1810. Instituído para abrigar o diretor e boa parte dos
professores da Academia Real da Marinha Portuguesa, que faziam parte da corte de D. João VI,
visava formar engenheiros militares, além engenheiros geógrafos e topógrafos. Somente em 1833,
aceitou civis como discentes. Em 1842, a Academia Real Militar foi transformada em Escola mista,
militar e civil, com o nome de Escola Central, que, a partir de 1858, em uma nova estruturação
11
cinco anos do século XIX, o fundadas a Escola de Engenharia de Pernambuco,
a Escola de Engenharia Mackenzie, a Escola de Engenharia de Porto Alegre e a
Escola Politécnica da Bahia.
19
Na primeira metade do século XX, o fundadas a
Escola Livre de Engenharia, a Escola de Engenharia do Paraná, a Escola
Politécnica do Recife, o Instituto Eletrotécnico de Itajubá, a Escola de Engenharia
de Juiz de Fora, a Escola de Engenharia Militar, e a Escola de Engenharia do
Pará.
20
De alguma maneira, umas mais outras menos, essas instituições são
interlocutoras da Escola Politécnica nas mais diversas questões, sejam elas de
caráter tecnológico, como o uso dos recursos hídricos, ou no processo de
regulamentação da profissão de engenheiro. Por vezes, no decorrer desse texto
pode-se ter a falsa impressão de que a Escola Politécnica de São Paulo era uma
voz isolada nos processos aqui descritos; de antemão, alertamos que não é deste
modo.
A criação dessas instituições está inserida no processo de difusão da idéia
de modernidade, progresso e civilidade que ganha força em 1808 com a
transposição da Coroa Portuguesa para o nosso território, mas especificamente
para o Rio de Janeiro, implicando a mudança do papel que o Brasil representava
no contexto colonial português. Não foi apenas a família real que se transferiu
para o Brasil, mas também centenas de integrantes da corte, cuja presença
solicitava estruturas e serviços para o seu dia-a-dia, entre estes a difusão da
imprensa, implantação da casa da moeda, jardim botânico e instituições de cunho
ofereceu o ensino das matemáticas, ciências físicas e naturais e engenharias exclusivamente para
civis, de onde o termo, Engenharia Civil. Em 1874 ,temos a transformação da Escola Central em
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que hoje é a Escola de Engenharia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 34, 420-423.
Entretanto, para alguns a origem da Escola Politécnica do Rio de Janeiro remonta a 1792, com a
criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho no Rio de Janeiro, sendo esse o
início do ensino formal e contínuo da engenharia civil no Brasil. a publicação bilíngüe,
português/inglês, corroborando tal fato, por meio da pesquisa do Prof. Paulo Pardal. PARDAL, P.
Brasil, 1792: Início do Ensino da Engenharia Civil e da Escola de Engenharia da UFRJ.
18
Foi fundada em 1875, por ato do Visconde do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos, e
inaugurada no ano seguinte sob a direção de Claude H. Gorceix. Uma análise desta instituição
pode ser consultada em: CARVALHO, J. M. de. A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória.
19
Revista Politécnica, nº 211, ano 90, outubro/dezembro 1993, p. 85.
20
Ibidem.
12
científico. Nas décadas que se seguiram, essa “euforia de progresso” foi
vivenciada em algumas capitais brasileiras, resultando também em reformas de
infra-estrutura urbana, e na preocupação com a defesa do território.
O recorte cronológico dessa pesquisa, 1893-1933, encontra-se respaldado
em parâmetros bem delimitados. O ano de 1893 se refere a uma das duas datas
natalícias da Escola Politécnica, são elas: 24 de agosto de 1893 e 15 de fevereiro
de 1894. A primeira, tomada como marco inicial dessa pesquisa, é alusiva à
edição da Lei 191
21
, assinada pelo governador do Estado Bernardino de
Campos e pelo seu secretário do Interior, Cesário Motta Jr. determinou sua
criação. A segunda se refere ao início de suas atividades acadêmicas, com a
instalação da Escola em sessão solene nas dependências de seu primeiro prédio,
o Solar Marquês de Três Rios, com a presença de autoridades e do corpo
docente.
22
O período que compõe essa pesquisa tem nessa data, 15 de fevereiro,
as comemorações natalícias da Escola, por vezes com publicação dos discursos
realizados por professores, autoridades e convidados para esta solenidade que se
repetia anualmente. Por uma necessidade temporal, a pesquisa tem que acabar.
Utilizamos como data término o ano de 1933 por ser esse o último ano que a
Escola Politécnica funcionou como uma instituição independente na cidade. Pelo
Decreto n
o
6.283, de 25 de janeiro de 1934 ela é, juntamente com outras
instituições do Estado que ministravam o ensino superior, incorporada à
Universidade de São Paulo também criada por esse decreto.
23
Após essa fusão, a
Escola passou a utilizar como data natalícia o 24 de agosto de 1893.
O estudo da história de instituições ligadas ao ensino tecnológico possui
diversas abordagens. Como por exemplo, a do ensino nela ministrado, a própria
instituição em si, ou ainda o estudo de personalidades das mesmas, com ênfase
no seu campo de atuação. A primeira enfatiza a problemática educacional do
período, com educadores discutindo a trajetória do ensino, como na obra História
do Ensino Industrial no Brasil, publicada no início da década de sessenta, de C. S.
21
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 583.
22
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1900, p. 395.
23
Annuario da Universidade de São Paulo - 1934-1935, p. 39-54.
13
da Fonseca, onde o autor realiza um extenso levantamento documental sobre o
ensino técnico-profissional no Brasil, indo desde a época colonial aao final da
década de cinquenta, destacando o surgimento das faculdades de engenharia. O
autor tem como principal fonte documental a legislação pública, abordando, ao
tratar dos primeiros séculos da colonização, as Cartas-Régias do Governo
Português. No período imperial, o levantamento está centrado nos atos dos
governantes – Imperadores ou Regentes – e, após a proclamação da República, o
foco recai nas discussões ocorridas na Câmara dos Deputados Federais, Senado
e nos atos da Presidência da República, por meio da edição de leis e decretos-
leis. Esse trabalho é valioso por expor um levantamento extenso sobre a
legislação do ensino técnico-profissional no Brasil com ênfase nas discussões no
âmbito do poder político; no entanto, esta abordagem carece de uma análise que
considere a interconexão dos sujeitos sociais com as realidades locais.
Ainda na área da história da educação, encontramos o trabalho de L. R. de
S. Machado, Educação e Divisão Social do Trabalho, que procura realizar uma
análise social do ensino industrial brasileiro, identificando os modelos totalizantes
nele implicado. A autora apresenta uma síntese da evolução histórica do ensino
técnico-industrial, para daí revelar o contexto no qual estava inserida a educação e
sua articulação com a sociedade e com o trabalho. Em sua análise, o ensino
técnico estaria a serviço da ideologia dominante, como identificamos com a
afirmação:
...a escola técnica teria o papel de reproduzir uma certa forma de organização
da produção e as relações sociais que lhe são específicas e que lhe servem de
sustentação.
24
Nossa pesquisa sobre a cidade de São Paulo e a Escola Politécnica não
trilhará estes caminhos da história da educação.
Para discutirmos a Escola Politécnica entrelaçamos três conjuntos
bibliográficos. O primeiro encontra-se na Biblioteca Central da Escola Politécnica
24
MACHADO, L. R. S. Educação e divisão social do trabalho, p. 27.
14
da Universidade de São Paulo, acervo de obras raras que nos permite pesquisar a
construção da identidade e da experiência dos sujeitos históricos constitutivos da
instituição. Como ponto de partida, temos: as Atas da Congregação contendo sua
rotina administrativa; os Anuários da Escola Politécnica, publicação da diretoria da
Escola a partir de 1900, contendo dados sobre a parte administrativa, além das
alterações em sua estrutura acadêmica – currículos, professores, número de
alunos... e a publicação técnica se seu corpo docente;
25
os Relatórios Anuais
que anualmente o diretor deveria enviar a Secretaria de Estado a qual a Escola
estivesse ligado, como previa o regulamento, e a Revista Polytechnica e O
Politécnico, publicações de responsabilidade do Grêmio Politécnico
26
. Além
desses, encontram-se depositados publicações da própria instituição, como o
Manual de Resistências dos Materiais, a legislação estadual e federal
referente ao ensino de engenharia, os regulamentos da Escola, além de
documentos manuscritos sobre diversos temas.
O segundo bloco é formando por autores que escreveram sobre a Escola
Politécnica numa época próxima àquela por nós estudada, os memorialistas.
Como é o caso de Alexandre d’Alessandro que, em 1943, publicou: A Escola
Politécnica de São Paulo, Histórias de sua História, ou as publicações de
Alexandre Albuquerque.
Por fim, trabalhos desenvolvidos nos últimos 20 anos, grande parte em
razão das comemorações dos seus 90/110 anos. Para tal foram editadas algumas
obras de caráter ufanistas, que no geral identificam marcos cronológicos de sua
trajetória. São publicações como de 1993, Escola Politécnica 100 anos, e Perfil
da Politécnica: Atualidade e Vanguarda, de José Luís Aidar, e de 1994, Escola
Politécnica 100 anos de tecnologia Brasileira. Estas obras não pretendem
realizar análises de quaisquer natureza histórica, cultural ou social sobre a Escola
Politécnica, pois já partem do pressuposto de que:
25
Por motivo de irregularidades na publicação, os Anuários agrupam-se em três períodos: 1º
período de 1900 a 1912; período de 1932 a 1938; e período de 1946 a 1947. Anuários da
Escola, O Politécnico, p. 7.
26
O Grêmio Politécnico, associação dos alunos da instituição, surgiu de um manifesto de de
setembro de 1903 e foi instalado no dia 3 do mesmo mês e ano. Revista Politécnica, nº 14, p. 97.
15
... suas marcas ao longo do tempo impregnaram de sabedoria tecnológica e
de eficiência produtiva quase todos os setores industriais da nação.
27
Ou ainda que:
O ideário dos engenheiros e dos liberais do fim do século passado, presente
nas discussões que acompanharam a criação da politécnica de o Paulo, não
representava senão o pensamento de vanguarda da elite que procurava afinar-se ao
clima de mudanças que agitava as estruturas do imperialismo mundial.
28
Construindo, assim, um longo texto de exaltação à Instituição.
Essas pesquisas são preciosas como fonte de consulta por indicarem
documentos sobre a história da Escola Politécnica, mas, pelo próprio caráter,
carecem de uma articulação com um objeto de pesquisa mais verticalizado e que
respondam a alguns “comos” e “porquês”, da história social.
O livro de M. C. L. dos Santos, Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo: 1894-1984, é um dos mais completos levantamentos documentais feitos
sobre a Escola Politécnica, sendo referência básica às pesquisas posteriores.
Dividido em sete capítulos, apresenta: os antecedentes e a criação da Escola
Politécnica; a presença viva de Antonio Francisco de Paula Sousa; as instalações
do bairro da Luz à Cidade Universitária; os diversos cursos; os laboratórios, a
didática e a pesquisa; e, por fim, os alunos, as tradições e as lutas políticas. Mas,
aspectos relevantes dessa publicação vêm após esses capítulos quando a autora
apresenta um quadro intitulado “Cronologia Geral”, em que são examinadas
questões relativas à: história do ensino de engenharia no País; legislação sobre o
ensino de engenharia no Brasil e na Escola Politécnica englobando instâncias:
federal, estadual e interna da própria Universidade de São Paulo; legislação sobre
o exercício profissional do engenheiro; e industrialização e produção tecnológica
no País. Outro ponto relevante está em apresentar a transcrição de 14
documentos que, assim sendo, permitem ao pesquisador realizar sua própria
27
Escola Politécnica – 100 anos de tecnologia Brasileira, p. 10.
28
AIDAR, J. L. et al. Escola Politécnica, 100 anos, p. 09.
16
pesquisa. Nossa pesquisa tem nessa publicação uma fonte documental,
corroborando com o fato de que a:
... finalidade deste trabalho é a reconstrução de alguns marcos indicadores da
trajetória histórica dessa instituição, desde a criação até nossos dias.
29
Outro trabalho, produzido também em vista das comemorações e fruto de
uma exaustiva pesquisa documental, é a dissertação de M. Nagamini, A
contribuição da Escola Politécnica da USP na tecnologia e industrialização do
Brasil (1880/1980). Essa pesquisa busca dar conta de uma longa trajetória
enumerando as ações da Escola Politécnica que trouxeram contribuições, como
diz o título, à tecnologia e a industrialização do Brasil.
Ainda no prelúdio dessas comemorações, acreditamos ter se iniciado a
dissertação de J. F. Cerasoli, defendida em 1998, A Grande Cruzada: Os
engenheiros e as engenharias de poder na Primeira República, que tem como
tema central à relação entre a ciência, o poder decisório e a sociedade brasileira,
notadamente em São Paulo nas décadas próximas à passagem do século XIX ao
XX. E ainda, a importância da técnica e da ciência para o governo, os engenheiros
e a sociedade naquele momento, tudo isso tendo como fio condutor a instalação
da Escola Politécnica em São Paulo, que estaria enfrentando a sua Grande
Cruzada.
30
As questões por ela levantadas estão próximas do nosso objeto de
pesquisa, embora grande parte de sua pesquisa seja dedicada à busca de
desenvolver estudos comparativos entre a Escola Politécnica de São Paulo e as
demais instituições de ensino de engenharia do País, como a Escola Politécnica
do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto, no que diz respeito ao
contexto histórico da instalação, a escolha pelos currículos a serem adotados ou
que ênfase era dada aos estudos teóricos ou práticos nessas instituições. E essa
não será nossa problemática, que como dissemos, buscará pesquisar que
significado teve a Escola Politécnica de São Paulo nas suas múltiplas relações
29
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 7.
30
CERASOLI, J. F., A Grande Cruzada: Os engenheiros e as engenharias de poder na Primeira
República.
17
como o viver urbano paulistano no inicio do séc. XX, isto é, como, a partir da
Escola Politécnica de São Paulo se forja um modo técnico de se pensar a Cidade.
Consideramos profícuos dois momentos na pesquisa de J. F. Cerasoli. O
primeiro é quando ela entrelaça as discussões da Câmara Legislativa, de projetos
que visavam a criação de várias instituições de caráter técnico ou científico, mas
que tinham suas particularidades como a criação da Associação Protetora das
Ciências de São Paulo, projeto aprovado em 1891, a da Escola Superior de
Agricultura, denominado “Projeto do Senado”, e o Instituto Politécnico de o
Paulo, proposto por Paula Sousa, de caráter preparatório ao curso superior. Esses
debates culminaram na edição da Lei 191, em 24 de agosto de 1893, criando e
aprovando o regulamento que organizou a Escola Politécnica de São Paulo, fruto
de uma imbricada relação política conciliatória, como tão bem é exposto.
31
O segundo momento é um estudo feito sobre a Antônio Francisco de Paula
Sousa, eleito deputado estadual nas legislaturas de 1892, 1896 e 1900 e primeiro
diretor da Escola Politécnica. Aqui a autora, ao pesquisar o arquivo pessoal de
Paula Sousa na Biblioteca Mario de Andrade, traz à tona vários documentos da
época, mostrando a dissociação entre ele e as origens da Escola Politécnica. Essa
associação: Paula Sousa/Criador e Escola Politécnica/Criatura será como mostra
difundida após sua morte em 1917 e que encontraremos presente nas edições
comemorativas da Revista Politécnica publicadas a partir de então. Com muita
propriedade, dando voz às fontes subsidiárias dos fatos, ela desconstroi a versão
criador – Paula Sousa – , criatura – Escola Politécnica – historicamente construída
a posteriori em outra fase e com outras intenções também explicitadas.
32
Ter a preocupação do entendimento da Escola Politécnica na correlação
com as engenharias de poder extra São Paulo nos reporta a fazer aqui uma
analogia, com as preocupações de J. Goody acerca dos Estudos Comparativos e
os males do etnocentrismo, ao ressaltar que não compreendendo os outros, não
compreendemos a nós mesmos. E esse “outro” pode ser instituições européias ou
brasileiras. Em nossa pesquisa, que buscará fazer emergir as relações sociais
31
CERASOLI, J. F., op. cit., p. 31-52.
32
Ibidem, p. 198-220.
18
vividas no contexto da Escola Politécnica, problematizando-a com a vida
paulistana, quer na constituição do ser social dos engenheiros, como nas
questões hídricas ou nos problemas ferroviários, este “outro”, poderá estar muito
próximo da Escola Politécnica, e talvez até nela própria. Entender a Escola
Politécnica na correlação com as questões da engenharia de seu tempo é uma
contribuição de J. F. Cerasoli importante para nós.
33
A Escola Politécnica de São Paulo também foi estudada por ter sido
reduto de nomes ligados à construção da modernidade paulistana no decorrer do
século XX. Personalidades como Telêmaco Van Langendonck, Ary Torres ou
Francisco Prestes Maia, e mesmo o engenheiro civil Antônio Francisco de Paula
Sousa. A obra do engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo foi
analisado por de M. C. W. de Carvalho em Ramos de Azevedo, em que se buscou
o entendimento da sua arquitetura (seu método e sua obra), numa compreensão
mais ampla dos métodos projetuais da segunda metade do século XIX, de como
suas formas de assimilação de valores, ideologias e método de trabalho
constituem o outro aspecto. Visou a um conhecimento mais rigoroso da obra deste
arquiteto que foi professor, vice-diretor e diretor da Escola Politécnica. Assim
sendo, engenheiros e arquitetos visitam o acervo documental dessa Instituição em
busca da constituição da trajetória de seus ofícios, preocupados com questões
internas do fazer dessas atividades e elaboram obras como as de N. G. Reis Filho,
Aspectos da história da engenharia civil em São Paulo e dele também Victor
Dubugras Precursor da arquitetura moderna na América Latina, ou a de J. da N.
S. Rosa, A indústria química no Estado de São Paulo.
Além dessa bibliografia e das principais fontes documentais temos
inúmeros periódicos correlacionados à história da engenharia no final do século
XIX e início do XX, mesmo que por vezes se ouça dizer que as publicações em
áreas específicas do conhecimento neste período sejam diminutas.
34
A difusão de
periódicos especializados em determinadas áreas do conhecimento tinham como
destinação um segmento social que não era dos mais numerosos em fins do
33
PALLARES-BURKE, M. L. G., As muitas faces da história, p. 41.
34
São publicações como: Revista de Engenharia, 1879,
19
século XIX e meados do século XX. Discutindo e enfocando as articulações entre
a cultura letrada e o viver urbano, nesse período, diz H. de F. Cruz:
O contato com esses materiais e a identificação de sua crescente articulação
com as experiências sociais que constituem a metrópole parecia propor que a
expansão/redefinição da cultura impressa, concretizada principalmente pela difusão
da imprensa periódica, constituía-se como dimensão importante daquela experiência
social.
35
A expressiva utilização de periódicos nessa pesquisa advém dessa
percepção de que a experiência social dos engenheiros encontra sua
expansão/redefinição nas ginas de suas publicações, nas quais evidenciam
seus interesses, suas necessidades e sua participação social. Mas há de se
destacar que na fala desses engenheiros não a unicidade de um grupo
profissional, mas a diversidade de vozes a debaterem os problemas urbanos, as
perspectivas de ensino, as correntes de trabalho científico e tantos outros
assuntos. O fato urbano tem uma dimensão fundamentalmente social, e se
colocam os engenheiros no diálogo com a sociedade.
Como foi anteriormente exposto, essa pesquisa fez uso de diversos
periódicos da área de engenharia
36
, e é necessário termos atenção na distinção
entre alguns deles, que numa leitura mais rápida poderia passar despercebida
como se constituindo num único periódico.
Ainda no Império, temos a publicação da Revista do Instituto Polytechnico
de São Paulo, datada de 1876, portanto 18 anos antes da fundação da Escola
Politécnica. Essa publicação estava sob a direção do Engº Elias F. Pacheco
Jordão, e em seu editorial expõe seu propósito:
Diffundir tanto quanto fôr possível os conhecimentos theoricos e práticos da
engenharia;
35
CRUZ, H. de F., São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915, p. 19.
36
Um pequeno histórico de onze revistas de engenharia, embora mais especificamente voltadas
para o urbanismo, se encontra em: LEME, M. C. da S., Urbanismo no Brasil (1895-1965), p. 569-
575.
20
Pôr ao alcance de todas as intelligencias as leis e os factos que mais possão
interessar a sociedade no seu movimento progressivo;
Dar noticias circumstanciadas de quaesquer melhoramentos ou descobertas
scientifficas que mais directamente puderem concorrer para o adiantamento econômico e
industrial do paiz.
37
Essa publicação é fruto da provável primeira associação de classe de
engenheiros do Brasil
38
, fundada em São Paulo em 14 de março de 1876, sob a
presidência do Dr. Nicolau Rodrigues dos Santos França Leite no intuito de por
meio de palestras e publicações, pudessem os engenheiros


em busca do desenvolvimento
do lugar. Em seu discurso inaugural, afirma ser indevida a denominação progresso
material para a engenharia conquanto benefícios para poucos, que a
engenharia busca a confraternização dos povos, que é a base da moral social.
Essa perspectiva, na qual o engenheiro ao definir a si mesmo uma ênfase na
“moral social” continuará ao longo das primeiras décadas do século XX, embora
posteriormente tenda a se rarefazer.
39
Esse grupo de engenheiros, não mais que duas dezenas, começa a
construir em São Paulo um discurso técnico da importância das ciências naturais
para o desenvolvimento social aliado a incipiente idéia de indústria, que era:

 !
       !
40
A atuação desse
grupo, na segunda metade do culo XIX, era tida como ícone do progresso que
se avizinhava; por intermédio deles poderia São Paulo deixar de ser o simples
burgo de estudantes do Largo S. Francisco, para fazer jus à modernidade
européia que começava a se espelhar no Triângulo. Tudo isso não era
37
“Revista do Instituto Polytechnico”, Revista do Instituto Polytechnico, nº 1, 8/12/1876, p. 2.
38
CERASOLI, J. F., op. cit., p. 237.
39
“Revista do Instituto Polytechnico”, Revista do Instituto Polytechnico, nº 1, 8/12/1876, p. 91-96.
40
Ibidem.
21
dissociado da associação de suas responsabilidades em função dos capitais que
possuíam, que deveriam ser usados em função do bem de todos.
Outro periódico relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa foi a
Revista Polytechnica
41
, publicação sob a responsabilidade do Grêmio Politécnico.
Sua primeira edição data de novembro de 1904. A revista, organizada por
regulamento próprio, contou inicialmente com os seguintes membros: presidente,
Hyppolito Gustavo Pujol Jr.; secretário, Ranulpho Matta Pinheiro Lima; redatores,
Alexandre Albuquerque, Gabriel Dias, J. Costa Marques, A. Naçarato e Adriano
Goulin.
42
Apresenta-se no formato de livro, com o número de páginas variando em
suas edições. Chama atenção sua organização por volumes, que englobava seis
edições e perfazia a assinatura anual. Em cada volume, a paginação é
uniformemente crescente e contém em média 500 páginas cada. O volume I
organiza as edições do nº 1 ao nº 6, de junho de 1905, além de conter uma edição
comemorativa ao XI aniversário da Escola. O volume II vai do nº 7,
agosto/setembro de 1905 até o nº 12, de agosto de 1906 e assim sucessivamente.
Por ser uma revista estudantil, seu quadro administrativo estava em
constante alteração, pois a cada ano alguns de seus integrantes faziam parte da
lista dos formandos. Não há, então, permanência, mas sim uma constante
alteração em sua comissão editorial. Assim sendo, encontramos aqui um espaço
privilegiado para se perceber as tensões sociais e a construção da identidade dos
sujeitos históricos participantes da instituição, que essa mobilidade de pessoal
impedia a constituição de um projeto particular de algum grupo específico, quer
estudantil, quer político. Portanto devido a essa constante troca da comissão de
41
Como será dito adiante, essa tese optou por manter na grafia de suas citações as normas
ortográficas anteriores à reforma de 1938, incluindo os nomes próprios. Entretanto, a
nomenclatura do periódico do Grêmio Politécnico, a Revista Polytechnica será uma exceção.
Começou a ser editada em 1904, e é até hoje, que sob a responsabilidade da própria Escola
Politécnica da Universidade de o Paulo. Aqui citaremos indistintamente artigos de 1904 ou de
2003 e grafaremos ao longo dessa pesquisa apenas Revista Politécnica, não dando assim margem
a uma errônea interpretação de se tratar de duas publicações distintas: Revista Polytechnica e
Revista Politécnica.
42
Revista Politécnica, 1. Neste parágrafo e nos próximos, utilizaremos a metodologia proposta
no “Roteiro de caracterização e análise: Imprensa Periódica”, das professoras H. Cruz e M. do R.
Peixoto.
22
redação ao longo do tempo, podemos perceber como a identidade “ser
politécnico” foi historicamente construída e retratada em suas páginas.
A Revista Politécnica, no período pesquisado, não apresentou em sua
estruturação uma organização, e seus conteúdos não estavam organizados em
colunas específicas. Também não há, em suas edições, um “editorial”, como era
comum nos periódicos, apenas é previsto que:
"#!
$$
”.
43
A denominação Revista de Engenharia é utilizada em um periódico mensal
publicado entre maio de 1879 e dezembro de 1884; entretanto, tal nomenclatura
reaparece novamente numa publicação entre junho de 1911 e maio de 1913, aqui
composto de dois volumes com doze números cada.
Neste novo periódico, que adotou uma nomenclatura anteriormente
existente, foi publicada nesse período no qual diversos projetos propõem
remodelações para a estrutura física do centro da cidade, numa celeuma que
levou a própria municipalidade a solicitar, devido a falta de entendimento entre os
diversos planos apresentados, uma outra proposta de melhoramentos ao
engenheiro francês J. A. Bouvard. A Revista de Engenharia centra grande parte
de seus artigos nessas discussões deste período.
44
A Revista de Engenharia propunha no seu sub-título a prerrogativa de ser
uma:
%!$&'((
45
Seus editoriais dizem que uma maior integração do grupo dos engenheiros é o
43
Revista Politécnica, Edição Comemorativa, contra-capa.
Por nesta revista ser possível perceber múltiplas relações entre a cidade e a Escola, abordá-la-
emos mais detalhadamente no desenvolvimento da pesquisa.
44
Os projetos apresentados à municipalidade foram os de: Alexandre Albuquerque, em novembro
de 1910, representando os interesses de empreendedores interessados na especulação
imobiliária; Freire-Guilhem, apresentado em janeiro de 1911 e, tendo como idealizadores Victor da
Silva Freire, diretor de obras do município, e Eugenio Guilhem, vice-diretor do mesmo órgão,
representando a perspectiva desse setor para os problemas da cidade; e o de Samuel das Neves,
também apresentado em janeiro de 1911 que fora patrocinado pelo Governo do Estado. Devido ao
clima de animosidade desencadeado pela apresentação dos três projetos anteriores, a Câmara
Municipal recorreu ao juízo de J. A. Bouvard solicitando seu parecer, que, em maio de 1911,
apresentou seu minucioso projeto. Uma discussão sobre esses projetos encontra-se em:
SEGAWA, H., Prelúdio da Metrópole, p. 53-106. No terceiro capítulo, serão abordados esses
projetos de melhoramentos.
23
principal objetivo dessa publicação, e que para isso dariam ênfase à divulgação de
obras de engenharia realizadas ou em andamento no Estado, o que é
sistematicamente feito no volume 1, entre junho de 1911 e maio de 1912, dirigido
pelos engenheiros Ranulpho da Matta Pinheiro Lima
46
e H. Souza Pinheiro, com
artigos sobre obras de saneamento, habitação popular, transporte urbano e outros
mais. No segundo volume, de junho de 1912 a maio de 1913, dirigido por C.
Valentini, a temática é bem mais diversificada, abordando as áreas de
eletricidade, eletrotécnica, química, viação, automobilismo e estradas de rodagem,
além das anteriormente abordadas questões de hidráulica sanitária, saneamento
das cidades, melhoramentos municipais e construções. O artigo que abre o
segundo volume é
( ! %
47
e aqui cabe questionar o que
mudou em São Paulo em tão poucos meses para que a revista alterasse tanto o
seu perfil. Podemos afirmar que não ocorreu nenhuma mudança significativa
pontualmente no decorrer do ano de 1912 na cidade de São Paulo. A mudança do
diretor por si pode levar a uma condução diferenciada para a revista, e o que
acontecia era que São Paulo vivenciava neste período uma multiplicidade de
transformações – sociais, políticas, urbanas... – e um periódico em si não é
suficiente para abarcar essa profusão de transformações, a partir das quais os
espaços profissionais para os engenheiros se multiplicam constantemente, e por
isso a preocupação com a instrução dessa categoria, e mais tarde com a sua
institucionalização torna-se questão a ser destacada num editorial.
O Boletim do Instituto de Engenharia é uma publicação do Instituto de
Engenharia de São Paulo fundado em 15 de fevereiro de 1917
48
, e possui uma
íntima ligação com a Escola Politécnica evidenciada na composição de seus
membros. Basta para isso observar a constituição do primeiro Conselho Diretor do
Instituto de Engenharia, em 1917, em que como presidente, está Francisco de
Paula Ramos de Azevedo, vice-diretor da Escola Politécnica, entre 1900 e 1917, e
45
Tal sub-título encontra-se em todos os seus números.
46
Engenheiro Civil formado na turma de 1906 e engenheiro do Serviço Sanitário de São Paulo.
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 95 e 116.
47
Revista de engenharia, vol. II, n
o
1, p. 1.
48
O Instituto de Engenharia será discutido no capítulo 2.
24
que nesse mesmo ano, após a morte de Antonio Francisco de Paula Sousa,
assume sua direção, ali permanecendo até sua morte em 1928. Como diretor-
tesoureiro, encontramos Rodolpho Baptista de São Thiago, diretor da Escola
Politécnica entre os anos de 1928-1930. Como redator-chefe do Boletim, está
Ranulpho da Matta Pinheiro Lima, o diretor do volume 1 da Revista de
Engenharia, e também ex-politécnico, como o vice-presidente João Pedro da
Veiga Miranda
49
. E ao se percorrer a lista dos sócios fundadores do Instituto de
Engenharia, um desavisado poderia pensar se tratar da lista de ex-alunos da
Escola Politécnica.
50
Além do Boletim do Instituto de Engenharia, publicação que mudando de
nomenclatura é editada até hoje, o Instituto de Engenharia editou também nos
anos de 1927 e 1928 o Boletim de Informações do Instituto de Engenharia, no qual
se encontraram artigos que denotam preocupação com calçamentos, solos,
concreto, combustíveis, estradas de ferro e energia de um modo geral, entre
outros. Talvez precursor dos catálogos de engenharia que hoje são editados, era
constituído em grande parte por “propaganda” dos produtos e serviços da área.
Em todos esses periódicos, observa-se nos artigos técnicos uma constante
referência a estudos internacionais, notadamente europeus e norte-americanos.
Ao propor uma determinada solução para um problema, inúmeras vezes eram
arvoradas o princípio de autoridade ao se citar que, em um especifico país
estrangeiro, acurado estudo identificou a validade desse procedimento. Pronto,
estava dado o aval para que o procedimento pudesse ser utilizado aqui entre nós.
Nos artigos do início do século, ao se abordar uma questão tecnológica,
eram feitas longas citações em outras línguas, francês principalmente, e as
mesmas não eram traduzidas, pressupondo assim que seus pares detinham tal
domínio. A composição do acervo da biblioteca da escola também era
expressivamente de origem francesa e alemã. Isso não constitui novidade já que a
tradição da área tecnológica do País ainda era incipiente, e muitas cadas ainda
49
Engenheiro Civil formado na turma de 1904. Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para
o ano de 1934, p. 93.
50
Boletim do Instituto de Engenharia, vol. 1 n
o
1, p. 112-117.
25
passariam até haver alguma tradição em publicações técnicas. No final da década
de 1920, as citações em outros idiomas começaram a vir acompanhadas de
traduções, feitas pelos próprios autores do texto. O artigo “A verdadeira finalidade
do urbanismo”,
51
de Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello, composto por frases
em italiano, francês, alemão e inglês, já apresentava tradução de algumas de suas
citações.
Muitos artigos técnicos trazem em seu bojo uma análise que mostra um
enfoque na percepção do homem como totalidade com o meio no qual ele vive. A
questão da energia, elétrica ou a gás, o problema da água, potável ou a de
esgotos; o tema dos transportes, sejam as estradas de ferro ou as estradas de
rodagens, buscam criar um meio ambiente, um espaço físico onde a pessoa na
sua totalidade possua um bem-estar. Essa era a preocupação não dos
engenheiros civis que trabalhavam nos “melhoramentos” da cidade, como o
trabalho de todos os engenheiros de um modo geral. Em 1916, o engenheiro civil
Gaspar Ricardo Júnior
52
escreve um artigo intitulado “Transportes”:
Dotado de qualidades physicas semelhantes, e de tendências espirituaes
subordinadas ás mesmas directrizes , a ponto de alguns philosophos, como Renovier,
admitirem a absoluta unidade do espírito humano, está entretanto o homem disperso pela
terra em variadissimas regiões...
53
Parte da documentação primária utilizada nessa pesquisa encontra-se
sobre a guarda do Setor de Arquivo Permanente e Histórico da Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo, localizado no prédio “Prof. José Otavio Monteiro de
Camargo”. Na porta de entrada está afixada a seguinte inscrição: “Escola
Politécnica/Setor de Arquivo Preservando a Memória/Reconstruindo a História”.
Esse se propõe a ser o lema desse setor, o depositário da documentação
institucional desta mais que centenária escola de engenharia. Por ocasião das
51
Boletim do Instituto de Engenharia, vol. 11, n
o
51, p. 106-112.
52
Diretor da Estrada de Ferro Sorocabana e professor da Escola Politécnica. Boletim do Instituto
de Engenharia, vol. 12, n
o
56, p. 1.
53
Boletim do Instituto de Engenharia, vol. 12, n
o
56, p. 1.
26
comemorações de seu centenário, ocorrido em 1993, foi desenvolvido o projeto
“Arquivos da Escola Politécnica”, financiado pelo Fundo de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo – FAPESP.
54
O projeto se estendeu de 1990 a 1993, visou à
organização de todo seu acervo documental, no qual podem ser encontrados os
mais variados tipos de documentos da Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, da ficha pessoal de cada aluno, funcionário ou professor que, em qualquer
época, tenham passado pela mesma, até o expediente ordinário da diretoria, dos
inspetores de ensino, das cátedras, possibilitando assim ao historiador a
reconstrução do dia-a-dia da instituição, aludida na inscrição encontrada em sua
porta principal. Parte da originalidade dessa pesquisa está no levantamento de
dados, até então não consultados, realizado no acervo desse arquivo.
No que concerne a documentação dos anos iniciais da instituição até sua
incorporação à Universidade de São Paulo e alvo prioritário dessa pesquisa, eles
foram agrupados no “Arquivo Permanente Fundo I, Escola Polytechnica de São
Paulo 1892-1934”.
55
Parte dessa pesquisa está subsidiada pelo acervo deste
Fundo composto por documentos dos mais diversos tipos: Congregação
56
,
54
O projeto “Arquivos da Escola Politécnica”, processo nº 90/2738-3, teve como proposta a
integração entre a administração da EPUSP e seu arquivo; a intervenção no depósito de
documentos, que se encontrava em situação precária; e a informatização desse setor. No
desenrolar do projeto, os arquivistas tiveram contato com a história da Escola, com os seus
documentos e livros ali depositados, gerando a organização do acervo definida em dois fundos:
“Fundo I Escola Polytechnica de São Paulo 1892-1934”, demarcado pelo período em que a
Escola Politécnica era uma instituição autônoma vinculada ao Governo do Estado. Aqui foram
depositados os documentos referentes às origens, sua ligação com o Governo do Estado, por
intermédio da Secretaria dos Negócios do Interior, e posteriormente pela Secretaria de Estado da
Educação e Saúde Pública, e também sua localização nos antigos prédios do bairro da Luz; e o
“Fundo II Escola Politécnica da Universidade de São Paulo”, caracterizado pela fusão ocorrida
com o decreto nº 6.283, de 25 de janeiro de 1934, da Escola Politécnica com a então recém-criada
Universidade de o Paulo. No término desse Projeto, ocorreu a criação do Arquivo Permanente e
Intermediário, com toda uma proposta de preservação, ocupação do espaço e padrão visual. Esse
setor abriga também o arquivo corrente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Arquivos da Escola Politécnica, processo FAPESP nº 90/2738-3, s/p.
55
Sobre o trabalho desenvolvido neste Fundo, o Relatório Final do projeto afirma que: “Na
intervenção que fizemos no antigo Depósito de documentos (Arquivo Morto), alcançamos
resultados bastante positivos, inclusive confeccionamos um Inventário para o Fundo I e re-
adaptamos o espaço das salas (Reforma)”. Relatório Final, Arquivos da Escola Politécnica,
processo FAPESP nº 90/2738-3, s/p.
56
“Congregação” é a designação dada até hoje ao órgão máximo deliberativo da Escola
Politécnica. Instituída desde seu primeiro regulamento, Decreto 191, de 24 de agosto de 1893,
no capítulo III, os artigos de n
os
13 a 31, normatiza suas funções. Ela era composta inicialmente
por todos os lentes catedráticos e substitutos, presidida pelo diretor; cabia-lhe a efetiva discussão
27
freqüência dos funcionários, documentação de reunião, comissão de concurso,
comissão de títulos acadêmicos, comissão de inspetores, diretoria, copiador de
expediente, correspondência recebida, requerimentos recebidos, prestação de
contas do diretor, cátedras, pastas dos professores e dos alunos, termos de
exame, registros dos gabinetes e laboratórios, revolução de 1932 e vários outros.
É de se reconhecer que, apesar de se constituir em numeroso volume de
documentos, catalogados e com trato arquivístico, o acervo apresenta-se ao
historiador, por diversas circunstâncias, com inúmeras lacunas sejam as advindas
da ação do tempo, no qual encontramos documentos devidamente arquivados,
mas que hoje são folhas em branco
57
; sejam pelos efeitos da conservação ao
longo do século, como descreveu o relatório da FAPESP
58
, quando do início dos
seus trabalhos. Se não principalmente, pelo menos lamentavelmente, as
lacunas deixadas pela apropriação indébita de documentos/parte de documentos,
provavelmente num momento em que esses ainda não faziam parte do Arquivo
Histórico.
59
Nessa pesquisa as notas de rodapé apresentarão essa documentação com
as seguintes nomenclaturas: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
EPUSP, seguida de Arquivo Permanente AP, ou Arquivo Intermediário AI,
identificação se Fundo I ou II FI FII, e o material consultado. Ao citar as “Caixas”
Cx –, não foi possível fazer nenhuma outra indicação, pois nas mesmas estão
dos mais diversos assuntos, acadêmicos/administrativos, referentes ao dia-a-dia da Escola.
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 591-593.
57
O copiador de expediente, L-33 02-01-1897 a 29-12-1897, é em grande parte composto por
folhas com alguns pontos azuis. EPUSP/APFI/L-33.
58
Após o diagnóstico para a elaboração do projeto Arquivos da Escola Politécnica”, iniciaram-se
os trabalhos em fevereiro de 1991. Desse período, são correntes nos relatórios afirmações como:
“... as camadas de poeira e detritos cobriam praticamente todo o acervo, e a sua movimentação
provocava nuvem [...] Ainda na sala do Arquivo havia uma divisória de madeira atacada por
cupins, que impedia o acesso a uma saleta, pois a única porta estava trancada e sem chave”.
Sobre um período um pouco anterior, é feita a seguinte nota: “... quando o Arquivo ainda se
encontrava nos subsolos dos prédios da Escola Politécnica, no bairro da Luz (na década de 60),
um problema com o recalque do esgoto do prédio vizinho causou uma inundação. Muitos
documentos foram perdidos ou tornaram-se imprestáveis, sendo eliminados”. Arquivos da Escola
Politécnica, processo FAPESP nº 90/2738-3, s/p.
59
Quando se consulta mais detalhadamente o acervo, percebe-se a falta de documentos
significativos, como fotos ou plantas, que foram destacados do seu local original no acervo,
situação essa igualmente encontrada no acervo da Biblioteca Central da EPUSP.
28
arquivados documentos de origem diversas sem nenhum outro tipo de
catalogação em seu interior.
Um material relevante foi o do grupo “Diretoria”, identificado como
Copiadores de Expedientes
60
, no qual estão arquivados os ofícios enviados pela
direção da Escola. O primeiro número é o L-33 que se inicia em 2 de janeiro de
1897 com uma carta na qual o diretor informa a compra de material para o
gabinete de física. Esse assunto, compra de material, ocupará boa parte da
preocupação da diretoria no decorrer de todo o período estudado. Ao se ler tal
material, dos mais diferentes anos, a impressão que transparece é a de que a
Escola estava em constante reforma/mudança. Essa freqüente mudança na
constituição de seu espaço físico se reflete na construção de novas instalações ou
reforma das existentes, como também na sua participação nos rumos e ações
da cidade, que, como se verá, era um dos eixos orientadores das suas mudanças
nos mais diversos momentos. Não que esta mudança tenha se dado de maneira
unilateral ou crescente, mas está imbricada dos mais diversos tipos de ações que
a Escola passou a exercer na Cidade após a sua criação.
É significativo como no “Copiador de Expediente”, em particular, mas
mesmo em todo o “Fundo I”, no geral, se encontram repetidas vezes
comunicações oficiais de agradecimentos à estima e à honra dos ilustres cidadãos
paulistanos, e os constantes pêsames pelas mortes em família. Isso denota a
sociabilização da instituição com a cidade estabelecida nessas relações sociais
que são formais, mas de caráter quase pessoal.
Na pesquisa dos documentos deste acervo centenário, é necessário ter
atenção redobrada, visto que os mesmos, no seu todo e/ou nas partes, se
constituem num documento histórico; assim sendo, não é unicamente o corpo do
60
Organizado pelo Gabinete do Diretor, contém a correspondência enviada pelo mesmo aos mais
diversos segmentos da sociedade. Catalogado de L-33 – 02-01-1897 a 29-12-1897 até L-137 08-
08-1934 a 31-10-1934. O L-34 esindisponível para consulta, devido ao seu péssimo estado de
conservação. Como se observa, essa documentação se inicia em 1897, quando a Escola
Politécnica se entrava no seu quarto ano de funcionamento. Não registro dos “Copiadores de
Expediente” anteriores.
29
texto que revela informações, mas a totalidade do documento. A documentação é
travestida de seu cerimonial oficial que, por vezes, mudou ao longo do período
compreendido por essa pesquisa. Expressões como
)*+
e
(
& ,
, deixam de serem usadas após os primeiros anos; ao se ler a
correspondência enviada pela Escola no ano de 1897, estava presente, nos
primeiros ofícios, isolado, e, portanto em destaque, como se fosse uma nota de
rodapé, a inscrição “Ordem e Progresso”. A presença do ideário positivista na
construção da Escola esteve evidenciada nos discursos proferidos pelo diretor,
professores e visitantes ilustres da Escola que identificavam o progresso ao
desenvolvimento tecnológico. Modernidade e Capitalismo são conceitos que
andavam juntos no alvorecer do século XX e o suporte material deles se
expressava na tecnologia, entendida como aplicação do conhecimento científico.
61
Em São Paulo, a criação da Escola Politécnica vem responder a essa demanda de
modernidade que segmentos sociais da cidade clamavam, subsidiados pelos
recursos do desenvolvimento da cafeicultura.
Entretanto, ao se pesquisar os documentos desse acervo, como os ofícios
do diretor, a correspondência recebida, o copiador de despesas, o historiador
pode ter uma certa “frustração”, pois pouquíssimos documentos nos remetem a
contextos como o da Primeira Grande Guerra, ou da Revolução de 1924, ou ainda
a outros conflitos vivenciados em São Paulo e adjacências. Nesses momentos,
para não afirmarmos que sempre, parece ser a escola um espaço isolado da
cidade e dos demais problemas do mundo que a cerca. Suas preocupações
continuam ser as mesmas de sempre, como a contratação de novos professores,
a elaboração da banca de exames, da banca para concursos, enviar pêsames aos
familiares, e não podemos esquecer, adquirir livros para a biblioteca, equipar os
61
Um dos ícones da modernidade em São Paulo é o automóvel. Em 1908, temos a criação do
Automóvel Club de São Paulo, e bem antes Francisco Matarazzo havia entrado em querelas
com o prefeito Antonio Prado sobre o péssimo estado de conservação das ruas paulistanas para o
tráfego de automóveis, mas acabou tendo sua licença para dirigir cassada. Esse meio de
transporte, ou de status social, tem uma imediata aceitação na vida paulistana, tanto que, em
1903, essa frota era de seis automóveis; em 1907, são 99; e em 1910, seu total já chega a 615.
Essa progressão não pára nos anos seguintes, e no governo de Wasghinton Luis, defensor desse
meio de transporte, há no Estado políticas públicas mais voltadas para o automóvel. Cf. COSTA, A.
M. da, SCHWARTCZ, L. M., 1890-1914, No tempo das certezas, p. 82.
30
seus laboratórios, solicitar da Secretaria, à qual estava subordinada, o pagamento
de suas inúmeras faturas. Essa é a vida da escola preservada no acervo que hoje
se encontra sobre sua guarda.
Após meses de pesquisa no Arquivo Permanente da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo o expressivo é que não é que não haja documentação
sobre o período pesquisado, 1893-1933, problema comum à pesquisa histórica.
Há, sim, documentação até significativa do aspecto quantitativo, mas a “seleção” e
a “triagem” que a “ação do tempo”, chuvas e incêndios propiciaram ao acervo
foram tão pormenorizadas que o que se tem densamente arquivados são os
tramites burocráticos, os agradecimentos e os protocolos oficiais muito bem
preservados. Mas correlações pelo poder, quer o administrativo quanto o político,
quase não encontramos seus vestígios, exceção às desavenças dos alunos com o
prof. Victor Dubugras
62
, sempre contestado pelos alunos em suas avaliações.
O acervo da Escola Politécnica transparece nestes 40 anos pesquisados
como um mar sem tempestades. Tem-se a impressão de que a Escola vivia num
limpo eterno em que guerras, revoltas, disputas, intrigas, conflitos e confrontos
não a atingiam de forma alguma. Na correspondência recebida, ou melhor, na que
foi arquivada e chegou até hoje, a Europa não enfrentou uma guerra entre 1914 e
1919, em São Paulo não ocorreu a Revolução Constitucionalista de 1924, salvo
que essa danificou um dos prédios da Escola, e a Revolução de 1932 provocou
um atraso no calendário. Esses anos não foram anos diferentes dos anteriores e
posteriores. Mesmo nas pastas de documentação do Grêmio Politécnico, os
alunos, aqueles que poderiam evidenciar as contradições da Escola Politécnica,
não têm nada a declarar. Sua correspondência principal é informar a saída e a
posse das sucessivas diretorias, e sua grande ação social era a realização de
62
EPUSP/APFI/Cx. 12 e 13, e inúmeros ofícios do Copiador de Expediente dão conta das eternas
queixas dos alunos. Entra turma, sai turma, os alunos se expressavam contra a conduta dodente
do Prof. Dubugras. Uma recente publicação trata da vida desse professor da Escola Politécnica,
sem, contudo, se reportar a essas suas desavenças. REIS FILHO, N. G. Victor Dubugras –
Precursor da arquitetura moderna na América Latina. S. Ficher afirma ser ele: “O mais criativo dos
arquitetos atuantes em São Paulo durante a 1
a
República [...] Entre seus alunos da Politécnica,
circulavam anedotas sobre seu comportamento temperamental com clientes e seu alto nível de
exigência quanto à qualidade de acabamento de suas construções...” FICHER, S., Os arquitetos
da Poli: Ensino e Profissão em São Paulo, p. 75.
31
jantares no Clube de Automóveis, e uma vez ou outra pedir verba para alguma
publicação, muito pouco há além disso.
63
Verifica-se também que, das instituições/firmas com quem a Escola
Politécnica supostamente deva ter mantido constante comunicação, pouco foi
arquivado. A primeira correspondência com o Mackenzie College é de 1915
64
; com
a Escola Politécnica do Rio de Janeiro há apenas uma correspondência
65
.
Passa ano e entra ano, e tudo é:
-   
. A honra de viver
numa redoma protegida de tudo e de todos? É claro que isso não corresponde à
realidade, por isso a pesquisa histórica tem de ser abrangente nas suas fontes, e
por vezes sintética em suas conclusões.
Comentamos anteriormente o conjunto de fontes que subsidiaram essa
pesquisa, e agora passamos a tecer algumas considerações que dizem respeito
ao uso das mesmas nas questões metodológicas. Esta pesquisa deverá ser
norteada pela prática social dos seus sujeitos neste primeiro momento, o corpo
docente, técnico e alunos da Escola Politécnica buscando conhecer a trajetória
desses sujeitos sociais, que não são entendidos como um grupo coletivo, mas que
estão entre aquelas pessoas que no seu fazer construíram o ensino técnico de
São Paulo. Trilharemos na busca da identidade dos sujeitos, sem partir conceitos
já estabelecidos nesta trajetória centenária da Escola Politécnica.
Um trabalho desenvolvido no deixar que as fontes se revelem, dando vozes
aos sujeitos de uma pluralidade social, portanto, entendendo os grupos por meio
de seus sujeitos particulares, foi o que M. C. P. Cunha desenvolveu em seu livro,
Ecos da Folia: Uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920. Aqui as
fontes foram veículos pelas quais os sujeitos sociais chegaram até nós. E os fatos,
as experiências e os discursos se cruzavam num universo urbano em movimento,
63
EPUSP/APFII/Cx. 1-19.
64
EPUSP/APFI/Cx. 49.
65
EPUSP/APFI/Cx. 49.
32
que, porém, não fora visto ou ouvido anteriormente, já que a história do carnaval já
tinha sido contada antes, ocultando a “gente sem costumes”.
Ao estabelecermos um diálogo com as fontes devemos ter atenção para
não perdermos a relação e os conflitos sociais inerentes aos sujeitos históricos,
que elas podem evidenciar. A fecundidade dessa articulação foi a de E. P.
Thompson em A formação da Classe Operária Inglesa, em que para discutir sua
tese que concebe a revolução industrial como uma alteração na natureza e na
identidade da exploração, não se ateve em explicações fragmentárias, a não
levavam em conta a complexidade da realidade social vivida pelos ingleses
daquela época, mas buscou explicar seu objeto de estudo por uma dinâmica de
inter-relações entre as mais diversas categorias sociais inglesas, e não pela
construção de uma explicação que fosse sua interpretação da realidade.
Ao adentrarmos na Escola Politécnica, devemos estar atentos para
perceber os diversos conflitos e campos de força presentes em seus ambientes,
buscando identificar a partir de que elementos se constituíram os espaços
necessários para o estabelecimento do ensino de engenharia em São Paulo, e,
para tal, perscrutarmos um aspecto que foi palco de embate dos engenheiros: as
ferrovias.
Aqui a fonte é subsidiária dos fatos e poderemos ver a dinâmica social
entendida como cultura, reconhecendo as dimensões da realidade relevantes para
a constituição da Escola Politécnica, sempre atentos a como foi forjado este
documento que temos em mãos. o queremos produzir explicações
fragmentadas que não contemplem a complexidade da instalação e do agir
político-social vivenciados pela instituição em sua inserção social. Assim
procedendo, reputamos as fontes como expressões da relação entre os sujeitos.
Este estudo sobre os primórdios da Escola Politécnica está em sintonia com
nossa preocupação presente de entendermos as relações entre tecnologia e vida
urbana. Como docente do Centro Federal de Educação Tecnológica do
Amazonas, estamos atentos à relação entre técnica e sociedade, e impressiona a
falta de reflexão sobre o tema na atualidade. Muitas vezes, não se quer observar
33
os conflitos oriundos da tecnologia, vive-se dramaticamente a crença no saber
instituído, mesmo que não se saiba de onde ele veio, quando ou por que, ou,
como lembra J. F. Cerasoli sem questionar sobre a quem interessa no País estas
instituições de ensino técnico; por vezes, é como se a técnica fosse um dado
divinamente posto a ser passivamente absorvido pela sociedade. Questionamos
esses procedimentos, e compartilhamos a afirmação de J. Goody, “... nem os
indivíduos nem as sociedades estão trancados em si mesmos”.
66
Entendemos que, por meio do estudo da Escola Politécnica, poderemos
mostrar um pouco da dinâmica social paulistana, que é em si relação de conflito, e
sua correlação na construção do discurso de ciência e tecnologia da época, o
significado de ser professor, lente ou aluno daquela instituição, nas relações
sociais por eles vividos, elucidando, assim, a correlação Cultura-Cidade.
Durante o período que abordaremos, a Escola Politécnica teve
praticamente apenas dois diretores: Antônio Francisco de Paula Sousa, desde sua
fundação até 1917, quando de seu falecimento, e Francisco de Paula Ramos de
Azevedo, de 1917 também até seu falecimento em 1928. Mas nosso caminho terá
presente a indicação de C. Lefort, para que: “... fizéssemos surgir várias figuras ali
onde distinguimos apenas uma”.
67
Estaremos, assim, indo em busca da
especificidade histórica nas experiências dos sujeitos inseridos em nossa
problemática.
O substrato do conceito experiência, como sugere H. G. Gadamer, vai de
Aristóteles a Hegel, passando por Esquilo e Bacon, a se constituir: “... em algo que
faz parte da experiência histórica do homem”.
68
Onde: “A verdadeira experiência é
aquela na qual o homem se torna consciente de sua finitude”.
69
E ainda: “A
verdadeira experiência é assim experiência da própria historicidade”.
70
66
GOODY, J., in: PALLARES-BURKE, M. L. G., op. cit., p. 54.
67
LEFORT, C., As formas da história – Ensaios de antropologia política, p. 295.
68
GADAMER, H. G., Verdade e Método Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p.
525.
69
Ibidem, p. 527.
70
Ibidem, p. 528.
34
Não devemos, como nos alerta H. G. Gadamer, descuidar da questão da
linguagem, pois ela é interpretativa das experiências de cada grupo; são
fenômenos que expressam as experiências vividas no social, bem como as
palavras o frutos da experiência social. Nós somos inúmeras possibilidades de
linguagens, e os engenheiros da Escola Politécnica traduzem suas preocupações
com a estrutura urbana da cidade na linguagem de seus ensaios, teoremas,
plantas e cálculos, que, por sua vez, são expressões de suas experiências sociais
cotidianas.
71
Pensar o tempo presente sem compartimentalizá-lo em definições prontas e
acabadas é um dos atuais desafios do meio acadêmico, pois as experiências
sociais vividas pelos sujeitos históricos em seu tempo não podem ser apreendidas
pela academia como um objeto geométrico de proporções rígidas, definidas e
acabadas. Essas experiências não estão postas de uma vez para sempre, como
que emolduradas no tempo estático. Não. Elas estão em constante diálogo com o
historiador que delas se aproxima, sabendo que o tempo é sempre o tempo
presente, e como nos diz J. G. Herder:
Propriamente, cada objeto mutável tem a medida de seu tempo em si mesmo;
subsiste incluso quando não existiria nenhum outro; os objetos do mundo não
possuem um a mesma medida de tempo... Assim, pois, no universo existem (se pode
dizer com propriedade e atrevimento) em um momento, muitos e inúmeros tempos.
72
O tempo presente está repleto de dimensões diversas que se dão a
conhecer num ir e vir contínuo por meio dos diversos tipos de linguagem, que se
configuram numa das fontes para que possamos dialogar com o passado. Esse
tempo passado continua sendo re-visitado pelos historiadores que nele estão
sempre re-descobrindo múltiplas formas, seja num olhar sobre novas fontes ou,
quiçá, num novo olhar sobre as fontes tantas vezes re-visitadas, agora
questionadas com novas interrogações.
71
Ibidem, p. 559-576.
72
J. G. Herder, Apud, KOSELLECK, R., Futuro pasado, para una semántica de los tiempos
históricos, p. 14. Neste trecho, bem como nos demais referentes a esse autor, a tradução do texto
em espanhol é de nossa responsabilidade.
35
Para os sujeitos sociais, o tempo não é linear, nem progressivo, pois este
assim pensado foi uma construção do Iluminismo, na base da estrutura do
capitalismo. O tempo tem a periodicidade particular aos sujeitos que atuam na
experiência do real.
Pode-se pensar, por exemplo, no processo da Revolução Industrial
inicialmente identificado como uma mudança tecnológica dos meios de produção;
mas é possível perceber bem mais que isso, já que uma expressiva transformação
social desencadeou-se oriunda da necessidade de novas articulações entre os
diversos grupos envolvidos não no processo produtivo, mas em toda a
conjuntura histórica do momento. Aqui a ciência ganha contornos de deusa e
transforma-se em sinônimo de progresso, identificado com a modernidade.
No Brasil, principalmente em São Paulo, vivencia-se essa transformação
social-tecnológica numa menor brevidade temporal do que em países como
Inglaterra. Por exemplo, P. Gay visualiza todo o século XIX como um tempo de
incertezas para os ingleses, incertezas advindas das rupturas pelas quais os
diversos grupos sociais estavam vivenciando, como as novas obrigações no
trabalho e na sociedade civil, criando assim um misto de esperanças e ansiedades
desconhecidas. Entre as camadas pobres multiplicavam-se as agitações pelos
temores dos novos tempos, enquanto entre os “bons burgueses”, uma classe em
expansão que viria a se constituir como classe média, esses mesmos novos
tempos eram esperados como expectativa de dias melhores.
73
Neste contexto, ganha ênfase o evolucionismo cultural proposto por E. B.
Tylor que afirmava ser a história da humanidade, a história de um
desenvolvimento ascendente, conectando a história social a um contínuo
progresso tecnológico oriundo da ciência.
74
O processo de industrialização é um fato eminentemente urbano, e, com
isso, em dimensões até então não experimentadas a cidade passou a ser reduto
da ciência e do progresso.
73
GAY, P., A educação dos sentidos – A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud, p. 12-45.
74
Ibidem, p. 25.
36
Esse mundo surgido com a dinâmica da indústria forja em seu seio novas
relações sociais, tanto quanto novas formas produtivas. No Brasil, encontramos
concatenada às mudanças da produção econômica uma nova ordem política, a
República. É fomentado pelo novo governo um ideário de progresso associado ao
desenvolvimento tecnológico, no qual um espaço privilegiado estaria reservado à
categoria emergente dos engenheiros, arautos da ciência.
Com os lucros advindos das lavouras cafeeiras do Vale do Paraíba, o
Paulo, pouco a pouco, e depois velozmente, adentrará na busca de sua
modernidade, da sua belle epoque. Na segunda metade do século XIX, as duas
principais cidades brasileiras eram Rio de Janeiro, capital administrativa do País, e
Manaus, capital dos trópicos, modernizada na velocidade dos trens expressos por
conta do látex. São Paulo, bem, São Paulo era um pequeno núcleo urbano que
começava a ter em suas fazendas cafeeiras seu grande destaque. A capital
contava com aproximadamente 240 mil habitantes, e era cortada pelos rios
Anhangabaú e Tamanduateí, e não pelos atuais rios Tietê e Pinheiros, com suas
ruas iluminadas por lampiões a gás, tendo como principal meio de transporte os
bondes puxados por burros.
Alicerçada no desenvolvimento das exportações do café, a cidade sofre um
rápido processo de urbanização, e com a expansão de seu perímetro urbano,
impõem-se problemas que necessitavam da arte da engenharia para serem
solucionados. A implantação da Escola Politécnica vem ao encontro a essa
conjuntura.
No Brasil do final do séc. XIX, a instalação de uma instituição de ensino
superior traz em si a marca da modernidade, e em São Paulo isto é marcado pela
criação da Escola Politécnica, terceira instituição de ensino técnico superior do
País, criada após a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, e a Escola de Minas de
Ouro Preto. Em São Paulo, existia apenas, enquanto ensino superior, a Academia
do Largo São Francisco
75
, instalada pelo Governo Imperial em 1827, para a
formação de bacharéis em Direito.
75
VAMPRÉ, S., Memórias para a academia de São Paulo.
37
Sabemos que o processo de urbanização é eixo de múltiplas culturas e
temporalidades e que cada conceito associado a uma palavra tem sua
historicidade, como nos diz R. Koselleck:
Cada conceito depende de uma palavra, porém cada palavra não é um
conceito social e político. Os conceitos sociais e políticos contêm uma concreta
pretensão de generalidades e são sempre polissêmicos, contêm ambas as coisas,
não são apenas simples palavras para a ciência e para a história.
...
Uma palavra contém várias possibilidades de significado, um conceito unifica
em si a totalidade do significado.
76
Assim: São Paulo urbano Escola Politécnica constituem-se no eixo de
nossa problemática de pesquisa, não em sua conceituação atual, mas no que a
hermenêutica destas palavras reportam àquele momento histórico anteriormente
descrito. Propomo-nos articular aqueles conceitos à experiência histórica do seu
tempo, descortinando assim os modos do pensar o urbano de São Paulo como o
uso racional da água ou as bitolas das estradas de ferro, nas salas de aula,
gabinetes e escritórios da Escola Politécnica, buscando trilhar o cotidiano daquele
tempo, compreender a mentalidade daquela época, suas experiências e seus
costumes, a constituição e o uso dos seus laboratórios, que hoje é ocultado pelo
próprio tempo que passou, mas também pelas temporalidades dos sujeitos, nós e
eles, e do re-significado dos conceitos no presente histórico.
A República traz consigo os símbolos da modernidade, deixando para o
Império os ícones da tradição. Essa bipolaridade será outro eixo de nossa
pesquisa, como argumenta A. Giddens:
... nas sociedades tradicionais o passado; é venerado e os símbolos são
valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um
meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade do passado,
76
KOSELLECK, R., op. cit., p. 116 -117.
38
presente e futuro, os quais, por sua vez, o estruturados por práticas sociais
recorrentes.
77
E afirma Hall:
A modernidade, em contraste, o é definida apenas como a experiência de
convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, mas é uma forma
altamente reflexiva de vida....
78
“Uma forma altamente reflexiva de vida”, cremos que os espaços da Escola
Politécnica, suas salas de aulas, seus gabinetes e laboratórios, eram adequados
para pensar, projetar e principalmente concretizar este novo espaço urbano
paulistano desejado pelos “bons burgueses”, que viam os novos tempos com
olhares de júbilo e esperança, para lembrarmos P. Gay. Neste espaço de ensino
da engenharia, seria possível rapidez em propor soluções adequadas aos
problemas locais, sem mais necessitar esperar a vinda e soluções dos
engenheiros de outros países, ou quiçá do Rio de Janeiro ou Minas Gerais. Deste
modo, nos próprios gabinetes instalados na Av. Tiradentes, a modernidade
paulistana poderia ser gestada.
Um exemplo disso é que em 1905, então com 11 anos de funcionamento, é
lançado o Manual de Resistências dos Materiais, pelo Grêmio Politécnico, com
informações sobre propriedades físicas, mecânicas e químicas dos materiais de
construção a serem usados nas futuras edificações e cálculos estruturais
realizados nos solos do Vale do Anhangabaú e nas margens do Rio Tamandatueí.
Ali estavam contempladas indicações experimentais acerca dos materiais de
construção usados no Brasil, numa abrangência que levou tal publicação a se
tornar referência na área, sendo posteriormente citado em periódicos de
engenharia.
79
Esse Manual
provocou uma das tantas celeumas entre a Escola Politécnica de
São Paulo
77
Apud, HALL, S., A identidade cultural na pós-modernidade, p. 14.
78
HALL, S., op. cit., p. 15.
79
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 415.
39
e a do Rio de Janeiro, que arvorava para si a primazia da edição de tal obra no
Brasil, além de apontar inúmeros erros no trabalho dos paulistanos.
80
Outro exemplo, também na área da construção civil, acontece em 1913
quando o Gabinete de Resistência dos Materiais participa do estudo experimental
completo e do ensaio dos materiais utilizados no primeiro edifício de concreto
armado de São Paulo, construído à Rua Direita, 7. Esse estudo foi completado
por uma prova de carga sobre um pavimento interior do edifício.
81
Podemos dizer que para muitas das questões do nosso tempo, o passado
não é compreensivo; de fato, não foi vivido para se tornar respostas às nossas
inquietações presentes, mas para responder às inquietações do seu próprio
tempo. Assim sendo, cada experiência tem a sua própria temporalidade, cada
época tem seu próprio ponto de gravidade, e este é o terreno fascinante no
trabalho do historiador: buscar perceber em cada época as linguagens
constitutivas daquele momento, o contexto no seu contexto, procurando entender
nos documentos históricos as mudanças acontecidas, na experiência de
determinados grupos sociais.
Estamos efetuando nossa reflexão naquele passado não tão passado,
quando mais de 100 anos nos separam de nosso sujeito histórico determinado, de
nosso objeto de pesquisa, mas que, na realidade não são “sujeito” e “objeto”: são
experiências vivenciadas por outros sujeitos, também históricos, como s. Assim
sendo, essa transitoriedade do tempo permite um horizonte móvel entre s
historiadores presentes, e o passado presente nas suas experiências históricas
por nós pesquisadas, como afirma H. G. Gadamer:
O passado próprio e estranho, ao qual se volta a consciência histórica, forma
parte do horizonte móvel a partir do qual vive a vida humana e que a determina como
sua origem e como sua tradição.
82
80
Revista Politécnica, vol. II, n
o
9, p. 129-167, passim.
81
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 213.
82
GADAMER, H. G., op. cit., p. 455.
40
A pesquisa que daqui surgirá se comporá numa fusão da linha do horizonte
do passado, onde nos escritórios, gabinetes e salas de aula da Escola Politécnica
se pensava a urbis paulistana, e o presente, na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, onde uma amazonense busca as evidências da temporalidade daquela
experiência histórica. E a Escola Politécnica não está sozinha nessa experiência,
pois, concomitante a sua criação, criaram-se também, para compor a
intelectualidade paulistana, instituições como a Escola Normal, fundada para
preparar as normalistas responsáveis pelo ensino primário das crianças
republicanas, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que, fundado
simultaneamente em várias capitais brasileiras, reunia os grupos locais de
intelectuais, além de organizar bibliotecas e museus, e o Museu Paulista,
destinado ao estudo da história natural da América do Sul e do Brasil, responsável
por colecionar e arquivar documentos relativos à independência política do Brasil.
Isso delineado encontramos aqui um terreno fértil de construção das experiências
sociais, de São Paulo.
A Escola não se torna viva, não passa a ter ação social ou ainda muita ou
pouca interferência política na cidade apenas devido a assinatura do citado
decreto de Bernardino de Campos, ou pelo empenho na edição da mesma do
Secretário de Viação e Obras Públicas, Cesário Motta Jr. A existência social da
Escola é feita pela e na administração rotineira de Paula Sousa, e de seus
sucessores, no diálogo estabelece com os diversos setores da cidade de São
Paulo, quer os blicos, como as secretarias e comissões, ou os privados, como
fornecedores e prestadores de serviços.
É oportuno destacar que a publicação de um decreto-lei não é suficiente
para, por si só, criar uma instituição, pois quantas instituições, obras, ou ações
emergenciais não ficaram apenas como palavras grafadas nas páginas
amareladas de um Diário Oficial. O que é imprescindível é a ação de sujeitos
históricos que, com as suas experiências e na sua vivência, constroem o social e
assim dão materialidade às letras dos legisladores.
41
Estruturada em duas partes, com um total de quatro capítulos (além de
introdução e conclusão), essa pesquisa investigou, discutindo a formação
profissional, os laboratórios e as estradas de ferro, as relações entre a Escola
Politécnica e a cidade de São Paulo, quando de sua criação jurídica com o
Decreto-lei n
o
191, de 24 de agosto de 1893, apor volta de 1933, pois no ano
seguinte o Governo do Estado cria a Universidade de São Paulo.
83
Na primeira parte, intitulada Escola Politécnica: formação e
reconhecimento profissional do Engenheiro –, temos o primeiro capítulo que visa
discutir a Escola Politécnica como espaço da racionalidade que se estabelece em
São Paulo. Buscamos mostrar ao leitor em linhas gerais os elementos iniciais que
constituíram a Escola Politécnica, sendo o primeiro deles a relação entre
educação e política aqui analisada na discussão da implantação do modelo liberal
em São Paulo e nos desdobramentos legislativos daí oriundos.
Esse é o espaço para escrever sobre alguns dos diretores do período,
Antonio Francisco de Paula Sousa, Francisco de Paula Ramos de Azevedo e
Rodolpho Baptista São Thiago. Sobre as linhas mestras dos diversos
regulamentos, que nortearam a composição do seu quadro docente, os exames
de ingresso dos alunos, a biblioteca e toda a estrutura interna da Escola
Politécnica. Com esse capítulo apresentamos ao leitor a Escola Politécnica que irá
estabelecer múltiplas relações a cidade, por meio dos seus laboratórios, e da
discussão sobre o sistema ferroviário.
83
Annuario da Universidade de São Paulo - 1934-1935, p. 15-18. Constituíram a Universidade de
São Paulo instituições de vel superior existentes no Estado, como: Faculdade de Direito,
Escola Politécnica, Faculdade de Medicina, Instituto de Educação, Faculdade de Medicina
Veterinária, Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Escola Superior de Agricultura, que então
se unem aos institutos criados pelo Decreto-Lei n
o
6.283, como a Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais e a Escola de Belas Artes, este conjunto
formando a Universidade de São Paulo. Dentre as instituições do Estado de São Paulo aglutinadas
para formar a USP, a Faculdade de Direito o estava ligada ao governo estadual, mas sim ao
governo federal. Um entendimento entre os dois governos gerou o decreto federal n
o
24.102, de 10
de abril de 1934, permitindo a transferência daquele estabelecimento federal para compor a USP.
Ibidem. Além dos já citados institutos que compuseram a USP, havia também instituições
complementares: Instituto Biológico, Instituto de Higiene, Instituto Butantã, Instituto Agronômico do
Estado, Instituto Astronômico e Geofísico, Instituto de Radium “Arnaldo Vieira de Carvalho”,
Assistência Geral a Psicopatas, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Museu Paulista e o Serviço
Florestal. Destes dez institutos complementares, dois estavam ligados à Escola Politécnica, o
Instituto Astronômico e Geofísico e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Ibidem, p. 13.
42
Ao se consultar as mais variadas fontes documentais para se desenvolver
essa pesquisa, como os ofícios enviados pelos diretores aos mais diversos
destinos, a correspondência recebida pela Escola, os Anuários e Revistas por eles
publicados, é possível se observar neles as questões prementes para a Instituição
ao passar de cada ano. Como Instituição de ensino que tem todo um corpus
jurídicos próprio, vai tecendo múltiplas relações com os diversos segmentos
sociais de São Paulo. E, nesse rol de documentos onde as experiências desses
sujeitos históricos se manifesta, os Regulamentos que a Escola teve ao longo do
tempo são o suporte legal para sua ação social, que, transparece para a
sociedade, todavia têm seus meandros próprios de posições intrínsecas.
No segundo capítulo intitulado O Engenheiro e o reconhecimento
profissional – destacamos a Revista Politécnica como um dos elementos que
contribuíram para a formação da classe profissional do engenheiro. Partimos da
idéia de que a consciência profissional da engenharia, que encontramos no Brasil
do alvorecer do século XXI, não era a mesma encontrada no raiar do século XX.
Ela se constituiu no decorrer desse tempo tendo a Escola Politécnica de São
Paulo como um dos sujeitos históricos, construtores da concepção de engenharia
no Brasil. Engenharia aqui entendida como a arte do fazer e transformar a
natureza a favor do bem-estar do homem. À época, poucos eram aqueles que
sabiam entender e atribuir valor a prática da engenharia. Éramos, se é que não
continuamos a ser, um País de bacharéis, onde a oratória se sobrepõe à práxis.
A mobilização para a formação de uma associação de classe tem como
embrião interno o Grêmio Politécnico formado em 1903, mas é na constituição do
Instituto de Engenharia, em 1917, que os engenheiros paulistas passam a ter a
possibilidade de se fazer ouvir junto às autoridades públicas. Esse Instituto de
Engenharia está intimamente ligado aos politécnicos, e corpo a uma campanha
pela regulamentação da profissão inicialmente com a promulgação de uma
legislação estadual, e já na década de trinta uma regulamentação federal.
Na segunda parte intitulada A Cidade e os Politécnicos temos dois
capítulos, em que abordaremos a atuação efetiva dos engenheiros formados na
43
Escola Politécnica em uma área de ampla repercussão à época: as estradas de
ferro que estavam plenamente implantadas na região, mas necessitavam de
pessoal técnico capaz de desenvolver soluções locais, visto que até então tudo
ser importado da Europa ou dos Estados Unidos.
No capítulo três, abordaremos marcos definidos na historiografia atual
como significativos para a história paulistana na medida em que esses tangenciam
a formação e a constituição da Escola Politécnica. Entre esses temos a mudança
do regime político do Brasil de Império para República possibilitando novas
articulações no Congresso Legislativo, com uma participação cada vez mais
efetiva do Partido Republicano Paulista (PRP), a entrada do cultivo da rubiácea
pelo Vale do Paraíba aumentando exponencialmente por décadas os números da
balança de exportação do Estado, além das significativas transformações urbanas
ocorridas naquele povoado, que, por séculos, estava delimitado pelo núcleo
jesuítico do tio do Colégio, compondo o triângulo desenhado pelas ruas Direita,
São Bento e Quinze de Novembro.
84
Quando se quer estabelecer um diálogo da Escola Politécnica com a cidade
de São Paulo, é premente verificar como a questão educacional foi abordada
numa resultante não desse Instituto, mas também da reformulação da Escola
Normal, do Museu Paulista e da fundação do Instituto Histórico e Geográfico do
84
Sobre o espaço urbano inicial da cidade de São Paulo, vasta é a documentação a ser
consultada. Citamos o livro São Paulo: Ensaios Entreveros, onde o autor partindo de uma
abordagem geográfica bem ampla dialoga com a história da cidade e com seus problemas atuais.
Por exemplo, no capítulo “Originalidade do Sítio da Cidade de São Paulo”, discute-se a região
central realçando os motivos da urbanização nas bacias de compartimentos de planalto, como é o
caso de São Paulo, Curitiba e cidades da Baixada Fluminense entre outras; evidencia-se a
importância das colinas de Além-Tietê e Além-Pinheiros, fundamentais no processo da expansão
urbana no século XX e conclui com uma síntese dos seus elementos topográficos. No capítulo
seguinte, “O Sítio Urbano Inicial da Aglomeração Paulistana”, discutem-se a aldeia jesuítica e seu
entorno o planalto de Piratininga na cartografia dos diversos séculos; No capítulo seguinte, pontua
os padrões das ruas e os processos de urbanização da cidade. Referenciamos esse autor por
crermos que a abordagem que ele faz da cidade no presente é próxima do substrato das
discussões dos politécnicos do início do século XX para a cidade, que é objeto dessa pesquisa, ou
seja, o espaço físico da urbe e as intervenções dos homens. AB’SÁBER, A. N., São Paulo: Ensaios
Entreveros. Sobre as ruas do “Triângulo”, afirma: O mais velho e original traçado, que até hoje a
cidade ostenta, é a estrutura de ruas herdadas do passado colonial, existente na colina histórica.
o ângulo interno de confluência entre o Anhangabaú e o Tamanduateí, em um sítio de colinas
de nível intermediário, enxutas e suspensas [...] E as primeiras ruas da história urbana colonial
foram nascendo, copiando o ângulo interno de confluência, adquirindo um flexível traçado
triangular, definitivamente implantado com o estabelecimento da Rua Direita”. Ibidem, p. 142.
44
Estado de São Paulo. Esse capítulo evidencia que “uma andorinha não faz
verão”, e tudo o que for dito a posteriori estará subsidiado neste contexto mais
amplo. Os politécnicos não estão sozinhos no seu diálogo com as elites paulistas
e na sua correlação com essa cidade. Juristas, médicos, literatos, cafeicultores
disputam o mesmo jogo de poder que os politécnicos. Neste capítulo, apresentam-
se ao leitor a cidade na qual a Escola Politécnica se estabeleceu e como as ações
dos seus gabinetes e laboratórios influenciaram nessa transformação.
Na impossibilidade de realizar uma pesquisa que mostre as correlações da
Escola Politécnica com todas as questões urbanas da cidade de São Paulo com a
qual ela entrou em diálogo, nessa pesquisa estabeleceremos as ligações com a
das ferrovias. Discutiremos Os Politécnicos e as ferrovias no quarto capítulo,
no qual veremos que a construção de estradas de ferro no Brasil inicia-se em
meados do século XIX e logo perpassa vários estados das regiões Sudeste e Sul,
mais significativamente a partir do Rio de Janeiro, que como sede do governo
federal, capitaneou grande parte da construção de nossa malha ferroviária. Entre
essas, a Estrada da Serra do Mar, atual Central do Brasil, com o nome de Estrada
de Ferro D. Pedro II sendo uma das mais antigas, juntamente com a da Graciosa,
ligando Antonina a Curitiba, construída pelo Eng. Antonio Rebouças. No Estado de
São Paulo a transposição da Serra do Mar, utilizando-se uma tecnologia que a
poucos anos fora desenvolvida para os Alpes na Europa, início em 1867 à
malha ferroviária com a ligação de Santos à Jundiaí.
A ligação da Escola Politécnica com o desenvolvimento do sistema
ferroviário paulista tem sua origem na trajetória pessoal de seu primeiro diretor,
Paula Sousa, em sua ligação profissional com essa problemática. A pedido de
Saldanha Marinho, implantara a Companhia Ituana, e passou a ser um dos
defensores do uso da bitola estreita no País. A participação dos politécnicos no
desenvolvimento do transporte ferroviário do Estado era quase natural naquele
momento em que os melhores formandos eram encaminhados para praticagem
45
nas principais companhias paulistas, e muitas vezes eram efetivados como
funcionários.
85
A ortografia e as regras gramaticais da língua portuguesa no Brasil
seguiram várias normatizações jurídicas ou, em alguns períodos, apenas
convenções históricas. As regras ortográficas que hoje seguimos são oriundas de
diversas reformas ortográficas ocorridas no País, principalmente ao longo do
século XX. Com isso os textos redigidos ao longo desse século apresentam
grafias diversas. Como nessa pesquisa ocorrerá o uso de várias citações desse
momento anterior a atual normatização ortográfica, que teve sua última grande
reforma na década de 70 e, no intuito de aproximar mais o leitor daquele momento
histórico aqui examinado, optamos por manter a grafia da época que consta na
impressão do texto. Assim sendo será utilizado o recurso de alterar o padrão da
fonte do editor de texto, quando o mesmo for originalmente anterior à reforma
ortográfica de 1938, mantendo assim a ortografia original do documento transcrito.
Textos posteriores a essa data tiveram sua ortografia atualizada.
86
Para orientar a grafia dos nomes próprios e topográficos é utilizado também
o critério da contemporaneidade da pessoa, como seu nome era grafado no
período em que ela vivia. Assim sendo, por exemplo, o primeiro diretor da Escola
Politécnica, Antonio Francisco de Paula terá seu Sousa grafado com S, pois era
assim que ele assinava nos seus despachos diários na Escola Politécnica.
85
Praticagem era a denominação dada à atuação profissional do engenheiro recém-formado,
quando indicado pela Escola a algum órgão público ou empresa privada. Cf. quarto capítulo.
86
Foi tomada a data de 1938 como marco divisor da questão ortográfica, devido À edição do
Decreto-lei n
o
292, de 23 de fevereiro de 1938, que implementou uma grande reforma nessa área.
Cf. ALMEIDA, N. M. Ortografia Oficial.
46
I Parte – Escola Politécnica: formação e reconhecimento
profissional do engenheiro
What is essential is that the young
civil engineer develop an appreciation
for the non-technical problems of society,
a sense of professional responsibility
and the capability to effectively
communicate and reason in
non-technical terms.
Charles L. Milles
1
1
Professor de engenharia civil do Massachusetts Institute of Technology. Revista Politécnica,
Edição Especial, 1973, s/p.
47
1º Capítulo – Escola Politécnica: Formação do engenheiro
Iniciando uma Escola Superior em São Paulo,
sois responsáveis, até certo ponto,
pelo seu progresso e desenvolvimento.
Cesário Motta Jr.
2
2
Secretário de Estado do Interior quando da instalação da Escola Politécnica. Revista Politécnica,
Edição Comemorativa, p. IV.
48
Para grupos políticos que buscavam a instalação da República no Brasil, a
criação de escolas de engenharia era fundamental, principalmente naquelas
regiões que, em fins do século XIX, espelhavam-se na Europa como paradigma da
modernidade. A engenharia chamava para si a vontade transformadora que
permeava esse período, como sendo aquela que conseguia alterar o curso dos
rios, cortar os montes e interligar os vales. E essa construção é possível por meio
de uma técnica respaldada na ciência, transformando-se assim em tecnologia e
revestida do paradigma da verdade e da neutralidade. A proposta desses arautos,
os engenheiros, deveria ser aceita pelos demais setores da sociedade, que
esses não entendem seus códigos e não sabem transformar as potencialidades da
natureza em bem-estar social. Ao formar engenheiros, estar-se-ia formando os
artífices do progresso que removeriam os obstáculos ao desenvolvimento daquela
determinada região. Os engenheiros não elaboram um discurso sobre um novo
bairro ou região, eles constroem essa nova localidade. Eles elaboram um
pensamento tecnológico sobre a realidade, paulistana, por exemplo, com análises
de solos, verificação das curvas de níveis da cidade, os índices pluviométricos,
chegando assim a um diagnóstico sobre que projetos são viáveis de serem
executados para que daí se constitua uma nova ordem social.
49
Dois conceitos utilizados no parágrafo acima são fundamentais nessa
pesquisa: técnica e tecnologia. Na maneira com a qual os engenheiros
distinguiram ao longo do tempo esses vocábulos está ligada a constituição da sua
formação profissional como foi implementada pela Escola Politécnica. Nos dias de
hoje, a técnica é tida como a capacidade do homem de fazer instrumentos e
coisas não existentes na natureza, para satisfazer necessidades suas que não são
fundamentalmente vitais.
3
Por isso, pode ser utilizada por qualquer indivíduo que
a domine, que a saiba executar, e executá-la com destreza. Já a tecnologia
pressupõe um conhecimento científico que subsidie uma determinada técnica;
portanto é necessária uma formação acadêmica que capacite o profissional ao
uso/conhecimento da tecnologia.
4
A formação profissional do engenheiro, nos modos em que foi desenvolvida
nos primórdios da Escola Politécnica, se fundamenta no conhecimento das
tecnologias, ou seja, no executar e fazer com a utilização de conhecimentos
científicos, e quando possível, na constituição de novas tecnologias. Isso é mais
evidente nos dias de hoje, do que nos anos em que não havia nenhuma
regulamentação sobre a atuação da profissão do engenheiro. Cento e quinze anos
atrás, não era clara para a sociedade brasileira essa distinção entre técnica e
tecnologia, assim como o se configurava como essencial a presença do
engenheiro, isto é, a aplicação do saber científico, em várias obras da construção
civil. Bastava, para tanto, alguém que dominasse aquela técnica, por exemplo um
mestre-de-obras, para que tal obra fosse executada.
Com a criação de vários institutos de nível superior formando cada vez mais
engenheiros no País, passa-se a ter uma disputa pela constituição do espaço da
atuação desse profissional, até então não definida na sociedade brasileira. Qual é
a área de atuação do engenheiro? Isto é, daquele que dominava os processos
3
VARGAS, M., Tecnologia e mundo simbólico. Revista Politécnica, nº 203, p. 65.
4
Ibidem. Várias discussões em torno de modelos de ensino de engenharia se desenvolvem ao
longo da história. Milton Vargas afirma que um momento de real importância para a história da
tecnologia brasileira é quando da inauguração do Instituto de Engenharia de Itajubá, as discussões
entre Teodomiro Santiago, que defendia os aspectos tecnológicos no ensino da engenharia, e
Paulo Frontin, defendendo os aspectos científicos. SANTOS, M. C. L. dos. Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo: 1894-1984, p. 436.
50
tecnológicos, o fazer com um saber científico, e a de outros profissionais, que
talvez tivessem o domínio de uma determinada técnica? Nesta primeira parte,
perscrutamos o espaço da construção dessa identidade profissional do engenheiro
no embate com outros segmentos da sociedade e mediado pela Escola
Politécnica.
Se durante todo o período colonial e imperial foram criadas no Brasil
apenas duas instituições de ensino de engenharia, a Real Academia Militar, no Rio
de Janeiro em 1810, e a Escola de Minas de Ouro Preto em 1875; nos primeiros
dez anos da República, instala-se o dobro: a Escola Politécnica de São Paulo,
1893; a Escola de Engenharia de Pernambuco, 1895; a Escola de Engenharia de
Porto Alegre, 1897; e a Escola Politécnica da Bahia, 1897.
5
Em cada uma dessas
cidades, a escola de engenharia é criada com o mesmo papel: ser a condutora do
moderno e instituir um discurso normatizador da ação de determinados grupos
sociais na cidade. Os engenheiros produzem “para si a identidade de grupo social
diretamente comprometido com o projeto de modernização nacional que se
encaminhava naquele período” em várias regiões do País.
6
Isso se verifica na
criação dessas quatro escolas de engenharia em cidades cujas elites passavam a
se comprometer com um projeto de modernidade associado ao desenvolvimento
tecnológico.
Pelos idos de 1894, várias eram as novas instituições governamentais que
se instalavam em São Paulo, e acirrada passava a ser a disputa pelas verbas do
governo estadual que não eram tão abundantes como se possa crer. Podemos
afirmar que elevado era o custo da criação de uma instituição de ensino superior
em fins do século XIX. Quando se fala em custo logo se pensa em recursos
financeiros, em valor monetário, sem dúvida isso é relevante, senão,
imprescindível, mas certamente não é o determinante para que uma escola de
ensino superior, de engenharia, por exemplo, saia do papel, transcenda a lei que a
5
As datas colocadas como marcos fundadores de cada uma dessas Escolas é por vezes alterada,
dependendo do marco identificador da fundação. No caso desse parágrafo, as datas de fundação
das instituições foram pesquisadas em: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 420-429.
6
KROPF, S. P., Sonho da Razão, alegoria da ordem: o discurso dos engenheiros sobre a cidade
do Rio de Janeiro no final do século XIX e inicio do século XX, p. 70.
51
cria e se transforme em uma realidade concreta/palpável para quem vivencia na
cidade. O custo, para além do valor monetário, implica a formação, em São Paulo,
de um grupo de profissionais que, portadores de uma determinada visão
explicativa da sociedade brasileira e de um projeto próprio no qual eles se
reconhecem como agentes diretos da modernização, constituam uma atuação
conjunta na Escola. Cesário Motta Jr., Secretário do Interior, no seu discurso
durante a inauguração da Escola Politécnica, afirmava:
... Não basta a verdade palpitante de um princípio, a demonstração de uma
necessidade, a importância de uma medida para que vejamos o principio adoptado, satisfeita
a necessidade, praticada a medida, mormente quando isso depende da collectividade social
ou daquelles que a representam.
7
A coletividade social era de uma minoria da população que se via como
beneficiária das obras que os engenheiros construiriam na cidade, beneficiários da
prestação deste serviço qualificado e escasso na cidade. Vejamos alguns pontos
referentes à materialização da lei n
o
191 que criou a Escola Politécnica,
possibilitando assim a formação do engenheiro nesse Estado.
8
No que concerne a edição de uma lei pelo Congresso Legislativo criando,
por exemplo, uma instituição de ensino, não se pode dar como certo o
funcionamento da mesma. De fato, a lei que criou e aprovou o primeiro
regulamento da Escola Politécnica traz em seu texto que a mesma é fruto da
fusão e da alteração de duas leis anteriormente editadas,
 
./0112134/.0516(
4
Uma escola não passa a ter função social porque uma lei é promulgada, ela
se faz constituir na ação de seus sujeitos históricos, nas ruas por onde caminham,
e na labuta do seu dia-a-dia. E um dia forma-se a primeira turma, depois a
segunda, e o que possibilita que se forme a centésima, ou mais nenhuma. É uma
7
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 629.
8
Ibidem, p. 583-627. Intitulado como Documento 8, aqui está publicado não somente o texto da
Lei nº 191, bem como a íntegra do primeiro regulamento da Escola Politécnica.
9
Ibidem, p. 583.
52
articulação de conjunturas, que num jogo de poder permitem o desenrolar da
instituição. A lei 191 constituição jurídica e dotação orçamentária a Escola
Politécnica de São Paulo, mas salas de aula, laboratórios, biblioteca tiveram que
ser constituídos por diversos sujeitos sociais, para que o “progresso”, arvorado
pelos doutos da época, se concretizasse.
Quando dos primeiros anos da Light em São Paulo seu responsável
afirmava não confiar nos resultados das análises de materiais obtidos nos
laboratórios da Escola Politécnica, na época com pouco mais de cinco anos de
existência e em organização de seus espaços físicos. Não é de se surpreender.
No entanto, como se verá, após algumas décadas diversas empresas paulistas
estariam usufruindo, confiabilidade, dessas análises.
10
A credibilidade, porque
a quem interesse essa credibilidade, se constrói no tempo histórico, e é isso que
Paula Sousa, mas não ele sozinho, fez. Do que não era nada, não existia, passou
a existir uma Escola que para os modernistas ou modernos prestou seus serviços.
Antes de se discutir a edição não de uma, mas de várias leis criando em
São Paulo uma instituição de ensino superior na área de engenharia, é preciso
circunscrevê-la num horizonte mais amplo, que é o da educação na proposição do
início da República no Brasil.
10
EPUSP/APFI, Cx. 54.
53
1. 1 – Educação e Política
Na primeira Constituição, republicana a organização da instrução pública
em sua amplitude tornou-se competência dos recém-criados Estados da
Federação, e o artigo n
o
35 estabelecia a responsabilidade, não exclusiva, do
Congresso Federal de criar instituições de ensino superior e secundário nos
Estados e promover a instrução secundária no Distrito Federal. A única exigência
para todos esses âmbitos era a de que o ensino fosse leigo, visto que nessa
Constituição ocorre a separação entre Estado e Igreja.
11
Nos primeiros anos da República, em São Paulo e em outras localidades do
País, várias ações são propostas para se criar uma estrutura de ensino público
capaz de atender as necessidades do recém-implantado modelo político, numa
sociedade com um grande número de analfabetos. Após um inicial período de
instabilidade política é eleito, em 1892, Bernardino de Campos como Presidente
do Estado, membro do Partido Republicano Paulista (PRP), que inicia uma série
de reformas no intuito de consolidar a República em São Paulo. A reforma da
Instrução Pública começa em seu governo, e prolonga-se com Cesário Motta Jr.,
que o substitui na Presidência em abril de 1893. Neste período, temos a
implantação de uma grande campanha de reformas na área cultural, como:
reforma da Escola Normal, criação do Ginásio da Capital, o Conselho Superior de
Educação, o Instituto Agronômico de Campinas, restauração do Liceu de Artes e
Ofícios, criação da Escola Agrícola e do Posto Zootécnico de Piracicaba, além do
Museu Paulista e da Escola Politécnica.
12
Uma questão que se fazia presente era
a de como implantar uma estrutura de ensino público capaz de consolidar a
construção de um Estado liberal-democrático com ações mais amplas que
levassem à disseminação da cultura.
13
Quando da implantação da República, no que diz respeito à organização
administrativa do Estado de São Paulo, o Decreto 25, de 26 de fevereiro de
11
FÁVERO O. (org.), A educação nas constituintes brasileiras: 1823-1988, p. 69-80.
12
Ver: EGAS, E., Galeria dos Presidentes de o Paulo. Período Republicano 1889-1920, p. 35-
43.
54
1892 fixa as atribuições das suas recém-criadas quatro Secretarias de Estado: do
Interior, da Justiça, da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, e da Fazenda.
14
Os serviços referentes a Instrução Pública, pelo Decreto 28, de primeiro de
março de 1892, ficaram sob a responsabilidade da Secretaria do Interior, por
intermédio da Terceira Seção que se encarregava dos serviços do ensino
primário, secundário, superior, especial e profissional, público e particular, motivo
pelo qual a Escola Politécnica ficaria subordinada a essa Secretaria e o seu diretor
deveria lhe enviar anualmente um relatório das atividades desenvolvidas na
escola.
15
Os debates sobre os futuros rumos da educação no Estado eram
intermediados por essa Secretaria, que pela Reforma de 1892 compartilhava as
responsabilidades da instrução pública com o Presidente do Estado, o Conselho
Superior, o Diretor Geral da Instrução Pública, os Inspetores de Distritos e as
Câmaras Municipais. As discussões no Congresso Legislativo que levam à criação
da Escola Politécnica transitam nessa estrutura administrativa.
16
Não ao acaso, a reforma do ensino público culminou com a re-inauguração
da Escola Normal de São Paulo, num imponente prédio construído para esse fim,
Esse primeiro prédio escolar do período republicano foi construído por
iniciativa do governo estadual. Com aspecto palaciano e monumental, originalmente
implantado em meio a vasta área verde, rodeado por obras escultóricas, buscava
refletir a postura e importância que o novo governo dispensava à Educação e à
formação dos “cidadãos”.
17
Nos anos em que a Escola Politécnica estava dando seus primeiros passos,
e a vitrine da educação paulistana do governo de Prudente de Morais era a Escola
Normal, dirigida à época pelo médico Caetano de Campos, defensor da educação
13
Sobre assunto pode ser consultado: REIS FILHO, C. dos, A Educação e a Ilusão Liberal.
14
Coleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo, 1892, tomo II, p. 78-79.
15
Ibidem, p. 80-85.
16
REIS FILHO, C. dos, A Educação e a Ilusão Liberal, p. 20-23. As relações entre o poder público
e a educação em São Paulo durante a República Velha foram alvo de pesquisas de diversos
autores, dentre os quais a extensa obra de P. Moacyr sobre a instrução no Brasil e a específica
sobre São Paulo: MOACYR, P., A Instrução Pública no Estado de São Paulo. Primeira década
republicana (1890-1910).
55
pública, gratuita, universal, obrigatória e laica, assim se preconizava sobre a
mesma:
A democratização do poder restituiu ao povo uma tal soma de autonomia, que
em todos os ramos da administração é hoje indispensável consultar e satisfazer suas
necessidades. que a revolução entregou ao povo a direção de si mesmo, nada é
mais urgente do que cultivar o espírito, dar-lhe o caráter para que saiba querer.
...
A instrução do povo é, portanto, sua maior necessidade. Para o governo,
educar o povo é um dever e um interesse: dever, porque a gerencia dos dinheiros
públicos acarreta a obrigação de formar escolas; interesse, porque só é independente
quem tem o espírito culto, e a educação cria, avigora e mantém a posse da
liberdade.
18
A reforma do ensino normal evidenciava a preocupação do governo com a
carência de professores, o que impedia a difusão do ensino em maior escala. Nos
discursos da época, era mostrada a estreita relação entre “bons mestres” com
“bom ensino”. As discussões não paravam por aí. A implantação ou não de um
ensino superior sublevado pelo Estado foi assunto polêmico durante as duas
primeiras legislaturas do governo, rendendo calorosos debates no Congresso
Legislativo.
Para São Paulo, é decisiva a atuação do PRP, que mesmo tendo chegado
ao governo do Estado sem um plano de ação governamental definido, já trazia, do
resultado de seus Congressos durante o Império, propostas para as bases da
Constituição do Estado, dentre essas, a de que cabia ao Poder Público garantir a
instrução primária gratuita a todos.
19
O ensino superior não era inicialmente uma bandeira do partido, e a
alocação de recursos para esse fim poderia comprometer “a instrução primária
gratuita a todos” postulado pelo PRP, na voz de Francisco Rangel Pestana,
17
DIÊGOLI, L. R., MAGALDI, C. R. C. de, “O Edifício”, in: “Caetano de Campos”: Fragmentos da
história da instrução pública no estado de São Paulo, p. 33.
18
REIS FILHO, C. dos, op. cit., p. 51.
19
Ibidem, p. 26-29.
56
redator do jornal A Província de São Paulo, a quem coube, pelo PRP, escrever
sobre o ensino. Nos debates da estruturação do modelo republicano no Brasil, a
questão educacional traz entre outras a influência francesa/positivista arredia à
criação das universidades, preferindo o modelo de Escolas Superiores
independentes, como se na fala de Rangel Pestana: “... condeno as
universidades onde quer que as coloquem, no centro ou nas Províncias, prefiro a
disseminação de escolas superiores”.
20
Se para alguns membros do Governo o binômio política/educação não era
relevante, o mesmo não pode ser afirmado para o PRP, que tinha claro o papel
político da educação. Em 1889, Arthur Breves assim escreve na seção livre do
jornal A Província de São Paulo:
Ainda que muita gente considere a instrução popular absolutamente separada
da política, parece-me que ela é o mais poderoso meio de melhorar o caráter nacional
de um povo pois está intimamente ligada à organização política.
21
E, em 11 de janeiro do ano seguinte, o editorial do jornal, agora com a
nomenclatura O Estado de S. Paulo, publica:
, $  7! %     ! #
8#9#
          
    %:  9 
 #    8   !    
!

//
As discussões que se desdobraram durante a primeira e a segunda
legislatura, quando se debateu a criação da Escola Politécnica, estão inseridas na
20
A Província de São Paulo, 9 de agosto de 1889, apud: REIS FILHO, C. dos, A Educação e a
Ilusão Liberal, p. 28-29.
21
Ibidem.
57
macro querela sobre o papel do Estado para com a educação, pois era preciso
definir se ele era ou não responsável pela instrução da população, e caso
afirmativo quais os âmbitos e limites dessa responsabilidade. Cabe ao Estado
intervir na educação primária, secundária, superior, profissional e normal? Tudo é
sua responsabilidade ou não? Essas questões levaram ao estudo da composição
do Projeto do Ensino Paulista proposto à época.
A efervescência do tema pode ser observada pelos inúmeros projetos sobre
o ensino superior apresentados no legislativo, nos anos de 1891 e 1892, alguns
dos quais transformados em leis. Nadai enumera alguns deles:
n. 13/1891, do Senado, que criava uma Escola Superior de Agricultura e outra
de Engenharia, futura lei nº. 26 de 11-5-1892;
n. 4/1891, do Senado, que autorizava o governo a fundar, na cidade de
Santos, uma Escola de Navegação e Comércio;
n. 14/1891, da Câmara dos Deputados, que criava a Academia de Medicina,
Cirurgia e Farmácia e se transformou na lei nº. 19 de 24-11-1891;
n. 18/1891, criando a Escola Politécnica de São Paulo, sustentada pela
Associação Protetora das Ciências de São Paulo;
n. 20/1891, que criava a Escola Agrícola Veterinária.
Além destes, havia o projeto n. 40/1891, que reformava a Instrução Popular
futura lei n. 88 de 8-9-1891, que criou a Escola Normal Superior.
[...]
n. 9/1892, que criava a Escola Superior de Matemática e Ciências Aplicadas
às Artes e Indústrias, também chamada de Instituto Politécnico de São Paulo,
futura lei n. 64 de 17-8, do mesmo ano;
n. 10/1892, que solicitava uma subvenção à Escola Agronômica de Piracicaba;
n. 25/1892, que criava o Instituto Paulista de Belas Artes.
23
22
“A nova propaganda”, O Estado de S. Paulo, 11 de janeiro de 1890. In: NADAI, E., Ideologia do
Progresso e Ensino Superior em São Paulo (1891-1934), p. 23.
23
NADAI, E., op. cit., p. 31. A essência desses projetos é discutida pela autora ao abordar a
natureza do ensino que deveria compor o Projeto de Educação Paulista, quando muito era
defendido que “O ensino utilitário, pragmático, de cunho meramente profissional, deveria conviver
paralelamente com a teoria cientifica”. A proposição de um ensino com cursos nos mais variados
âmbitos das ciências naturais, da agricultura à medicina, sofria a resistência da implantação dos
58
Focalizando apenas a educação superior ao pesquisar os anais do
Congresso Legislativo nesse período, Nadai identifica três vertentes nessa
discussão, que irão se entremear: primeiro os que sustentavam a competência
e o dever do governo em organizar o ensino superior paulista concomitante ao
ensino primário, na clara perspectiva de que aí se encontrava o caminho para o
progresso. Essa vertente não era majoritária no Congresso, mas tinha o apoio do
Executivo, o que fez com que, em poucos anos, o Estado efetivasse aqui a criação
do ensino superior. Entre seus defensores está, Miranda Azevedo, um dos líderes
do PRP, que antecipa em suas falas o desenrolar da história da Escola Politécnica
ao defender o modelo alemão de junção entre ensino e pesquisa, estando na
preparação para o ensino profissional a responsabilidade pelo ensino da ciência,
pois a escola profissional e o laboratório de pesquisa deveriam ser instituições
inseparáveis. Afirma que:
;    $  
     #     !
#<=>
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(99!
(
/5
A segunda vertente é a corrente mais ativa no Congresso Legislativo: a dos
defensores de um Estado neutro, adeptos do liberalismo clássico que viam na
difusão do ensino primário o principal espaço de intervenção do Estado. Os
cursos superiores sublevados pelo Estado. Uma tentativa conciliatória foi o projeto 92/1892, de
Paula Sousa criando um curso preparatório em três longos anos. Essa ênfase nos cursos práticos
deixa transparecer as críticas ao bacharelismo, esse sim tido por alguns como responsável pelo
não desenvolvimento do País. Ao evidenciar em sua pesquisa as proposições aparentemente
opostas dos congressistas Paula Sousa e Alfredo Pujol, E. Nadai afirma que ambos:
“representavam duas faces de um mesmo modelo. Ambos ansiavam pela modernização e
acreditavam que a indústria oferecia o caminho mais rápido para se atingir o progresso. A variação
ocorreu em função do emprego de táticas diferentes”. Ibidem, p. 37-46.
24
AZEVEDO, M., Annaes da mara dos deputados, 13ª sessão ordinária, de 13/08/1891, p. 133.
In: NADAI, E., op. cit., p. 32.
59
índices dos alfabetizados em São Paulo eram significativamente maiores do que a
dos demais Estados da Federação. Mesmo assim, era muito elevado o número de
analfabetos, o que para os legisladores se constituía em justificativa suficiente
para a defesa do ensino primário público e gratuito para todos.
25
Dentre os advogados dessa posição, encontramos Antônio Mercado,
Alfredo Pujol e Gabriel Prestes, arautos defensores do dever do Estado de
proporcionar ensino primário. Para esses, o ensino superior deveria ser levado
adiante pela iniciativa de particulares, visto ser esse um ensino para uma minoria
de privilegiados para com os quais o Estado não deveria ter responsabilidades e,
portanto custos.
26
Se esta era a posição mais defendia pelos parlamentares, não o
era pelo executivo, exercido pelo PRP, que tudo faria para implantar o ensino
superior na capital, como afirma Nadai:
Gabriel Prestes, um dos mais expressivos educadores do início da República,
percebia que, em ultima instância, eram os interesses políticos de caráter pessoal que
definiriam as metas do ensino. Quando o projeto de criação do Instituto Politécnico
ainda se encontrava nos primeiros debates, o deputado Prestes, que a ele se opunha
vivamente, afirmava em tom de denúncia: “Este projeto que nós agora discutimos será
aprovado e posto em execução”. Isso, na verdade, significava e a pesquisa
confirmou – que os projetos aprovados em educação foram aqueles que se
originavam diretamente no executivo ou recebiam sua aprovação explicita ou
implicitamente. Projetos que tiveram origem em estudos realizados por professores
dificilmente se concretizaram.
27
Uma terceira vertente postulava que, mesmo reconhecendo a neutralidade
do Estado no que dizia respeito à liberdade de ensino, por necessidades
25
A discussão sobre o alto índice de analfabetos no Estado seguirá ainda por várias décadas. No
Annuário do Ensino do Estado de São Paulo, de 1908-1909, O. Thompson defende a criação de
um já discuto imposto para o ensino, para que os
?1//4? @A
”,
afirmando que:
>:  $ !  !     !  !
sorteio &#sorteado.
THOMPSON, O.
O Custo do Ensino em S. Paulo, p. 315 e 327.
26
NADAI, E., op. cit., p. 33. A autora apresenta em seu texto, nas páginas seguintes, as argüições
feitas por esses legisladores na forte defesa para que o Estado empregasse seus recursos no
ensino primário.
27
NADAI, E., op. cit., p. 34. Grifo nosso.
60
conjunturais sua intervenção nessa área se fazia imprescindível. Tal postura foi
defendida pelos senadores Paulo Egídio de Oliveira Camargo e Cândido
Rodrigues, pelo deputado Galeão Carvalhal e pelo Secretário de Interior do
primeiro governo de Bernardino de Campos, Cesário Motta Jr.
28
O apoio de Cesário Motta Jr. foi decisivo para que o Estado tomasse para si
a responsabilidade do ensino superior e, como tal, após dois anos de discussões,
concomitante à transformação de projetos em leis (que mesmo assim não
entravam em operacionalização), a Escola Politécnica saísse do papel para o
palacete do Barão de Três Rios.
Educação e Política formam um binômio repleto de desdobramentos. Em
São Paulo seria criada uma vasta rede de instituições, na capital e no interior, que
possibilitariam sua difusão a vários setores da sociedade. A instrução pública, com
a atuação de Caetano de Campos, teve nesse período o seu quinhão particular,
sendo considerada a reforma da Escola Normal como modelo nacional. Cabia a
Escola Politécnica a responsabilidade de dar corpo ao industrialismo paulista que
já corria a passos largos.
A Escola Politécnica foi implantada em São Paulo sob os auspícios de
membros do governo do Estado, para quem a concretização do ideal republicano
de progresso passava pela implantação de uma instituição de ensino superior na
área das engenharias, então denominada “mãe do progresso”. Eram os
engenheiros que até tinham tido uma participação mais na área militar, que
“construiriam” no sentido da materialidade as novas formas de produção do País.
No Rio de Janeiro, desde 1870, isso estava mais presente com a atuação dos
engenheiros nas obras das estradas de ferro que serviam para o escoamento da
produção de café do Vale do Paraíba, lançando as bases da Estrada de Ferro
Central do Brasil.
28
NADAI, E., op. cit., p. 36. Um estudo mais detalhado sobre os debates entre os congressistas
que culminou com a criação da Escola Politécnica será abordado no próximo item.
61
1. 2 – A tecnologia nas terras de Tibiriçá
Exposta a macro questão educacional nos primórdios da República em São
Paulo, pode-se voltar agora a discutir o contexto dos debates que levaram a
assinatura, por Bernardino de Campos, Presidente do Estado e Cesário Motta Jr.,
Secretário do Interior, da Lei nº 191, de 24 de agosto de 1893.
29
Como foi dito antes, no corpo da Lei 191 é mencionado que a criação da
Escola Politécnica é fruto de duas leis anteriormente promulgadas, a de 26, de
11 de maio de 1892, que visava a formação de engenheiros práticos, construtores
e condutores de máquinas, mestres de oficinas e diretores de indústrias e a de
64 de 17 de agosto do mesmo ano, que criou uma Escola Superior de
Matemáticas e Ciências Aplicadas às Artes e Indústrias. Essas, porém, foram
precedidas por discussões sobre vários outros projetos de lei apresentados no
Congresso Legislativo.
30
Cesário Motta Jr. assim justificou tal junção:
[...]. A creação simultânea de dous estabelecimentos de ensino com intuitos quase
idênticos parecia-nos superabundância, que cumpria evitar, conciliando não obstante a
economia de despesas com a necessidade de desenvolver o ensino superior entre nós.
31
Como sua criação adveio da fusão dessas duas leis, a regulamentação que
se seguiu trazia elementos desses dois institutos anteriormente propostos. A
presença conjunta da formação de técnicos de nível médio e superior é um deles.
O primeiro regulamento, editado conjuntamente com a lei nº 191, previu a criação
dos seguintes cursos: engenharia civil e industrial, cinco anos de duração;
29
Nesse item, utilizaremos as propostas feitas por J. F. Cerasoli em sua dissertação acerca dos
debates que levaram À criação da Escola Politécnica. CERASOLI, J. F., A Grande Cruzada: Os
engenheiros e as Engenharias de Poder na Primeira República.
30
Afirma Cerasoli que: “... era necessária, pelo menos até 1918, a aprovação das duas casas
[Câmara e Senado] para que um projeto fosse transformado em lei, ou seja, deveria ser aprovado
por mais da metade do Congresso Legislativo do Estado”. Ibidem, p. 52.
31
Relatório apresentado ao senhor doutor Presidente do Estado de o Paulo pelo Dr. Cesário
Motta Jr., Secretário de Estado dos Negócios do Interior em 28 de março de 1894, p. 79-80. In:
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 35.
62
engenharia agrícola, três anos de duração; e, na denominação do período, um
curso anexo de artes mecânicas, com três anos de duração.
32
No período percorrido nessa pesquisa, de sua criação em 1893 até sua
inserção na Universidade de São Paulo em 1934, a Escola Politécnica teve oito
regulamentos, e nos seus primeiros oito anos de funcionamento foram editados
quatro, contendo significativas mudanças regimentais e curriculares, entre eles.
O primeiro regulamento, de 24 de agosto de 1893, seria substituído no ano
seguinte. Isto se explica pelo fato de essa primeira visão jurídica querer compor
em si as prerrogativas da lei n
o
26, que autorizava o governo a fundar uma Escola
Superior de Agricultura e outra de Engenharia, e a de n
o
64 que criava o Instituto
Polytechnico; assim sendo, deveria responder as exigências de ambas as leis.
Esse regulamento era composto de XIV capítulos, e de 333 artigos que, de modo
minucioso e detalhista, buscavam abranger toda a organização da instituição.
Dispõem sobre os cursos, criando os de Engenharia Civil, Industrial, Agrônomo e
Mecânico e o de Agrimensor; sua estrutura curricular, quais eram e que matérias
seriam ministradas ano a ano; a Congregação da escola, que até sua integração à
estrutura da Universidade de São Paulo representaria o centro diretivo da escola;
sobre os lentes e auxiliares de ensino, como seriam seus concursos de admissão,
jornada de trabalho, atividades diárias, vencimentos, licenças e até
comportamento social; a formação da biblioteca, sempre citada nos relatórios; e
questões administrativas bem com sobre os demais funcionários e sobre todo o
funcionamento administrativo da secretaria.
33
Por esse regulamento, o cargo de diretor seria ocupado mediante indicação
do Governador do Estado, e a lista de atribuições sobre sua responsabilidade é
extensa, a começar por ser ele o presidente da Congregação a quem cabia:
convocar a Congregação dos lentes, fazer por onde essas reuniões ocorressem;
dirigir as sessões da Congregação; nomear comissões; organizar o orçamento
anual; dirigir a instituição nos ditames da lei; coordenar todos os trabalhos
32
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1900, p. V.
33
Esse regulamento, comentado nos parágrafos seguintes, es integralmente transcrito em:
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 583-627 passim.
63
administrativos e didáticos podendo suspender funcionários por até quinze dias,
com privação dos vencimentos; nomear e demitir o porteiro, conservadores,
contínuos, bedéis e guardas, e serventes; conceder aos empregados, dentro de
um ano, até quinze dias de licença, sem prejuízo do respectivo ordenado; e
designar os lentes catedráticos e substitutos ou professores que devem dirigir os
exercícios práticos e inspecionar os mesmos. Essa extensa lista visa mostrar a
importância dada à pessoa que ocupasse esse cargo de modo tal que a escola
seria, sem dúvida, orientada por ele. o vice-diretor seria escolhido entre os
lentes catedráticos.
O primeiro diretor da Escola Politécnica foi Antonio Francisco de Paula
Sousa, tendo sido nomeado para tal em 14 de novembro de 1893 e permanecido
no cargo até sua morte, em 13 de abril de 1917. Em sua atuação de quase vinte e
quatro anos à frente da instituição, imprimiu-lhe características oriundas de sua
formação pessoal, como será evidenciado no próximo item.
34
Os regulamentos normatizavam também as questões dos discentes, seus
títulos e obrigações, para os quais foram estabelecidas rígidas condições de
matrícula. Eram também aceitos alunos ouvintes que não estavam submetidos
aos rígidos controles de freqüência dos matriculados, e ao seu sistema de
composição de notas, que ocorria por meio de coeficientes previstos nesse
primeiro regulamento. Para o aluno concludente dos cursos de engenharia que
obtivesse as melhores notas e recebesse da Congregação o Título de Louvor,
estava previsto o oferecimento de um prêmio de viagem de estudos ao exterior:
aos demais melhores colocados de cada turma, a Escola indicava o prêmio de
praticagem em repartições técnicas do Estado, da Prefeitura e nas companhias
ferroviárias.
35
34
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 425 e 437.
35
Desde a fundação da Escola, todos os regulamentos, do período dessa pesquisa, instituíram o
prêmio de “Viagem à Europa” aos alunos aprovados com distinção em todos os anos do respectivo
curso, e classificados em primeiro lugar pela Congregação. Receberam este prêmio: Engenheiros
Civis: 1905
Gabriel Antonio da Silva Dias; 1907
Adriano Goulin; 1908
Remigio de Cerqueira
Leite; 1909
Francisco Teixeira da Silva Telles; 1911
Pedro de Siqueira Campos; 1916
Oscar
Machado de Almeida; 1917
Leopoldo Augusto da Silveira Franca; 1923
Ary Frederico Torres;
1926
Luiz Cintra do Prado; 1928
João Luiz Meiller; e, em 1931, Telemaco H. de M. Van
64
Muito do disposto nesse regulamento perpassará as próximas décadas da
instituição, mas nenhum foi tão duradouro como o nome que ele cunhou. Dentre
tantas nomenclaturas dadas anteriormente aos possíveis institutos de ensino
superior que poderiam abrigar os cursos de engenharia, esse primeiro regimento o
nomeia de
$ %
designação mantida até os dias atuais pela
instituição. Essa denominação é mais uma das influências dos pensadores
positivistas que viam no ensino das técnicas a possibilidade do progresso
nacional. No Rio de Janeiro, talvez porque a origem do curso de engenharia desta
instituição esteja ligada à Real Academia Militar, e quando de sua inserção a
Universidade do Rio de Janeiro, a denominação “Politécnica” gradativamente se
perde com o passar das décadas. Mas em São Paulo, mesmo após se inserir a
Universidade de São Paulo, a denominação Escola Politécnica conservou a
tradição de seu uso por aqueles que lá ingressam e lá trabalham.
36
Além do regulamento supra mencionado de 1893, o dos anos de: 1894,
1897, 1901, 1911, 1918, 1925 e 1931. As principais mudanças nesses oitos
regulamentos dizem respeito aos novos cursos criados e aos extintos, o que era
acompanhado pela titulação conferida pela Escola, e as reformulações nos
currículos, que acompanhavam as exigências das mudanças tecnológicas da
cidade; a regulamentação dos laboratórios e das novas instalações; alteração nas
normas para a contratação de professores e funcionários; e forma de gerir o
orçamento.
37
Langendonck. Engenheiros Arquitetos: 1899
João Moreira Maciel; 1905
Alexandre
Albuquerque; e, em 1909, Alberto Monteiro de Carvalho e Silva. Engenheiros Eletricistas: 1917
Octavio Ferraz Sampaio e, em 1926, Manoel de Queiroz Telles.
Além desse, para os discentes havia: o Prêmio Cesário Motta conferido ao aluno classificado em
primeiro lugar e aprovado com distinção no Curso Preliminar; prêmio Wanderley, conferido ao
melhor aluno de física; o prêmio San Thiago, conferido ao aluno que alcançasse nota distinta na
cadeira de Geometria Analítica; e o prêmio Luiz Barreto, concedido ao aluno mais distinto do curso
de Agronomia. Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 50-51.
36
A permanência do nome “Politécnica” é tão forte que ainda hoje todos os departamentos da
EPUSP se iniciam por P, segundo determinação do sistema de processamento de dados Proteus.
37
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 427-445. Além dos Decretos Estatuais que alteravam o
regulamento da Escola Politécnica, o seu Regimento Interno também era modificado por esses.
Uma abordagem sucinta dos onze primeiros regulamentos da Escola Politécnica, 1893 a 1965,
pode ser lida em: Ibidem, p. 113-133.
65
Em 20 de novembro de 1894, por meio do Decreto Estadual 270-A,
entrou em vigor o segundo regulamento da Escola que fundamentalmente lhe deu
uma nova estrutura curricular com a criação dos Cursos Fundamentais,
compostos pelo Preliminar, um ano, e Geral, dois anos, que no regulamento
anterior não existia. Não como não correlacionar a criação desse Curso
Fundamental, tão pouco tempo após a criação da Escola Politécnica, com o
projeto 9 apresentado pelo então deputado Paula Sousa propondo a criação do
'%
, que se transformou na lei 64, de 17 de agosto de 1892,
uma das que foi extinta para a criação da Escola Politécnica. O projeto propunha a
criação em São Paulo de um curso preparatório ao ensino superior. Sobre essa
proposta assim se refere J. F. Cerasoli:
Destacara em relação a este sua intenção primeira de estabelecimento de
uma “escola preparatória”, para oportunamente ser criada uma escola superior, a
partir dessa iniciativa.
38
O que ocorreu no processo histórico foi o inverso. A escola superior passou
a funcionar primeiro que o curso preparatório. Posta essa situação, o diretor, com
toda a autoridade que o regulamento lhe conferia, propõe quase imediatamente a
criação do curso preparatório, cuja finalidade era minimizar as carências
acadêmicas dos postulantes aos cursos de engenharia advindos de um ensino
secundário que não dava suporte suficiente à continuação dos estudos em
instituições de caráter técnico-científicos. Apesar das constantes reformulações no
regulamento, é significativo o fato de que essa estrutura dos Cursos Fundamentais
permaneceu até 1931, sendo alvo por vezes de pesadas criticas, visto que muitos
alunos não conseguiam concluí-los.
39
38
CERASOLI, J. F., op. cit., p. 51.
39
Neste Curso Fundamental a disciplina Matemática foi durante toda a sua existência ministrada
pelo prof. Carlos G. de Souza Shalders. Cf. CASTARDO, C. F., A Matemática na Polytechnica de
São Paulo: uma análise do Curso Preliminar (1894-1931). A falta de preparo dos alunos dos cursos
secundários para o prosseguimento no curso superior é um problema persistente na educação
brasileira. A partir de 1931, com a Reforma Educacional de Francisco Campos, o ensino
secundário no Brasil é dividido em dois ciclos: o Ensino Fundamental, lecionado nas escolas
estaduais, e o Ensino Complementar, subdivido em três partes: preparatório para medicina,
preparatório para o direito e o preparatório para engenharia. Em São Paulo, a normatização do
66
Este segundo regulamento implantou a seguinte organização e divisão nos
cursos: Cursos Fundamentais e Cursos Especiais. Os Cursos Fundamentais
eram: Curso Preliminar, um ano de duração, cuja matrícula estava condicionada a
aprovação nos exames preparatórios; e Curso Geral, dois anos de duração,
dependente do Curso Preliminar.
40
A insistência na permanência destes cursos se
justificava pela grande variação de nível escolar entres os candidatos aos cursos
da Escola Politécnica, e em alguns anos foi elevado o número de candidatos que
não obtiveram média no exame de admissão.
41
Como era comum à época o abandono do curso no seu decorrer, esse
regulamento criou títulos específicos auferidos ao rmino de cada etapa de
estudo dos Cursos Fundamentais; deste modo antes da conclusão nos Cursos
Especiais, o aluno possuiria alguma habilitação, proporcionando-lhe um
estímulo para a conclusão, quiçá, daqueles anos iniciais. Ao concluir o ano do
Curso Preliminar o aluno recebia o título de contador; o término do Curso
Preliminar mais a quarta cadeira do primeiro ano geral física experimental e
meteorologia –, e a segunda cadeira do segundo ano geral topografia, elemento
de geodésia e astronomia –, com o curso de “desenho topográfico e elementos de
arquitetura”, davam ao aluno o título de agrimensor; por fim, a conclusão dos
Cursos Fundamentais lhe conferiria o título de Engenheiro Geógrafo.
42
Com isso,
um mesmo aluno poderia ter seu nome incluído em várias listas de formandos.
Somente após cursar esses três anos, o aluno ingressaria nos Cursos
Especiais compostos por duas divisões. Na primeira divisão, estavam os cursos
Ensino Complementar é realizada pelo decreto n
o
6.283, de 25 de janeiro de 1934 com a criação
do Colégio Universitário cuja finalidade era completar a educação secundária dos candidatos aos
Institutos Universitários e também fornecer orientação vocacional. A terceira secção do Colégio
Universitário, que seria o preparatório para a área de engenharia, funcionou nas dependências da
Escola Politécnica. Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 5-9. A
numeração dessas páginas pertence a um encarte em folhas azuis no final do anuário.
EPUSP/APFII/Cx. 1.
40
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1900, p. 19. Como esse Curso
Preliminar fazia as vezes do Curso Preparatório proposto anteriormente por Paula Sousa, o mesmo
era administrado com muita atenção na Escola Politécnica. Anos depois, quando os cursos de
Farmácia e Odontologia propuseram a criação de um curso preparatório ao ensino superior em
São Paulo, a diretoria da Politécnica se recusou a participar, exatamente alegando a existência do
Curso Preliminar. EPUSP/APFI/L-72, p. 26.
41
Termo de exame preparatório de admissão de vestibular. EPUSP/APFI/L-5 a L-14.
67
de engenheiros civis, arquitetos e industriais, todos com três anos de duração e
dependentes da realização dos Cursos Fundamentais, além do curso de
engenheiros agrônomos com quatro anos de duração e dependente do Curso
Preliminar. A segunda divisão era formada pelos cursos de mecânicos e
condutores de trabalho, com dois anos de duração e dependente do Curso
Preliminar; curso de agrimensores, com duração de um ano e dependente do
curso preliminar; o curso de maquinistas para os que cursassem as aulas e
oficinas do curso de mecânicos; e, como já foi mencionado, o curso de contadores
para os concludentes do Curso Preliminar.
43
Nos quarenta anos que compõem o período dessa pesquisa, com oito
regulamentos, e em meio a tantas alterações, o curso de engenheiro civil é aquele
que perpassou com vida por todas elas. O curso de engenheiro arquiteto é criado
logo no segundo regulamento, 1894, e manteve-se constante no período dessa
pesquisa. O curso de engenheiro industrial foi suprimido no sétimo regulamento,
1925, e o de engenheiro agrônomo, que em toda sua existência graduou apenas
vinte e três alunos, não mais aparece entre os cursos propostos pelo quinto
regulamento, 1911. A partir dessa data, os cursos de agricultura ficaram
exclusivamente sob a responsabilidade da Escola Agrícola Prática de Piracicaba,
que, em 1931, teve seu nome alterado para Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz, por ter sido esse o doador da fazenda São João da Montanha, onde a
escola foi instalada. O curso de engenharia química se faz necessário na São
Paulo que se industrializa velozmente nos anos vinte. Das Indústrias Matarazzo à
Cervejaria Antarctica, vários setores exigem esse profissional, para o trabalho com
vidros, gelo e tecidos, e o mesmo é criado em 1925 tendo suas origens no curso
de Químicos e Químicos Industriais existentes. Além desse curso que pertencia
ao regimento da própria Escola Politécnica, ela abrigou em suas dependências um
outro curso, o de Química, subvencionado pelo Governo Federal.
44
42
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 118.
43
Ibidem, p. 119-121.
44
No capitulo IV de seu livro, M. C. L. dos Santos aborda os cursos de formação de engenheiros,
sobre os cursos extintos e os cursos básicos. São apresentados o histórico da evolução do curso,
68
Ao se observar as reformas educacionais efetuadas pelo governo federal,
pode-se perceber a repercussão das mesmas nas mudanças acarretadas nos
regulamentos da Escola Politécnica. O quarto regulamento de 1901, instituído pelo
Decreto Estadual n
o
924-A, de 29 de julho de 1901 traz as mudanças requeridas
pelo Código de Ensino Epitácio Pessoa, do Decreto Federal n
o
3.890 de primeiro
de janeiro de 1901 que propunha, por exemplo, a revalidação dos diplomas
estrangeiros. O quinto regulamento estabelecido pelo Decreto Estadual n
o
1.992,
de 27 de outubro de 1911, é uma consequência direta da reforma do Ministro
Rivadávia Corrêa, durante o governo do Marechal Hermes da Fonseca, instituído
pelo Decreto Federal n
o
8. 659 de 5 de abril de 1911, que levou ao Decreto
Estadual n
o
2.166 de 24 de novembro de 1911, que modificava o disposto no
artigo 83 do regulamento da Escola Politécnica. Essa significativa alteração dizia
respeito aos exames de admissão e à matricula no curso preliminar do qual foram
dispensados os candidatos portadores de certificados ou diplomas de aprovação
nos cursos dos ginásios e escolas normais secundarias do Estado, o que
provocou uma súbita elevação no número de inscritos no Curso Preliminar.
Enquanto no ano de 1911 a Escola contava com um total de 222 alunos
matriculados
45
, em 1912 esse número subiu para 339, sendo 237 no Curso
Preliminar. A imensa facilidade que a Reforma Rivadávia Corrêa criou para o
ingresso na Escola Politécnica não tardou a provocar críticas do próprio
Presidente do Estado, Francisco de Paula Rodrigues Alves, que, durante a
instalação dos trabalhos do Congresso Estadual, em 14 de julho de 1913, assim
se pronunciou:
... um total de 237 alumnos para o referido curso, apenas 70 se inscreveram para os
exames de fim de anno e só 40 obtiveram a sua promoção. Esse resultado demonstra
evidentemente a necessidade de tornar mais rigorosa as exigências para a admissão no curso
preliminar, convindo a restringir desde logo a franqueza, talvez excessiva, da citada lei n
seus currículos, as alterações legislativas, sua incidência social, tabela com o número de
formandos ano a ano, e notas explicativas. SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 135-302.
45
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1911, p. 283.
69
1296, na parte em que faculta a matricula, independente de novas provas, a candidatos
vindos de outros estabelecimentos que não sejam os gynmasios officiais do Estado.
46
Mas a inovação mais importante para a vida da Escola foi a mudança da
época do início do ano escolar, que, desde o segundo regulamento era de de
setembro de um ano a 31 de maio do ano seguinte, conforme o calendário
europeu. Com esse regulamento, o ano letivo voltou a ser de 15 de fevereiro a 14
de novembro, como já havia sido previsto no primeiro regulamento.
A Reforma Carlos Maximiliano, do Governo Wenceslau Braz, com o Decreto
Federal n
o
11.530 de 18 de março de 1915, instituiu o exame de vestibular para o
ingresso no curso superior e autorizou a criação de uma universidade federal, se
fez sentir no regulamento do Decreto Estadual n
o
2.931, de 12 de junho de 1918,
que criou o curso de Químicos, a não ser confundido com o curso de Engenheiros
Químicos, criado apenas em 1925. Neste momento, o curso de Engenheiro
Mecânico e Eletricista transformou-se exclusivamente em Engenheiro Eletricista, e
foi extinto o título de contador, que a secção de Contabilidade passou do Curso
Preliminar para o último ano dos cursos especiais.
47
Com a Reforma Rocha Vaz no governo Arthur Bernardes pelo Decreto
Federal n
o
16.782-A de 30 de janeiro de 1925, ocorreu a possibilidade de
equiparação aos padrões federais das faculdades estaduais e particulares,
equiparação essa que a Escola Politécnica possuía desde 1900. Em 31 de
dezembro de 1925, a Lei Estadual n
o
2.128 estabeleceu o sétimo regulamento
transformando o curso de Químicos em Engenharia Química, e a indústria paulista
muito vinha solicitando tal profissional, inclusive com chamadas nos jornais.
Esse regulamento precede a revisão Constitucional de 1926, não sendo, portanto,
afetado por ela que ocorreu durante um período de estado de sítio e trouxe
46
Mensagem de Francisco de Paula Rodrigues Alves – presidente do Estado de São Paulo,
apresentada na Sessão Solene de Instalação do Congresso em 14/07/1913. Anais da Câmara dos
Deputados de São Paulo, 1913, p. 49. In: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 123.
47
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935, p. 3-40.
70
alterações na relação Estado-Educação, com uma maior intervenção do Governo
Federal nas instituições de ensino dos Estados.
48
A chegada de Getúlio Vargas ao poder, pela Revolução de 1930 é assunto
de exaustivas pesquisas, bem como todo o período do seu governo, sobre o qual
nos diz M. B. M. da Rocha:
Atribuir à Revolução de 1930, de uma nova dimensão trazida à representação
popular, que esteve na raiz da mobilização daquele acontecimento histórico, e que
não se restringiu apenas ao seu aspecto jurídico-eleitoral, mas estendeu-se também à
renovação do campo educacional, muitos autores assinalaram com propriedade a
permanência de um vetor tradicional, próprio da estruturação sócio-política da Velha
República, no processo histórico que se seguiu à Revolução.
49
Com a reforma de 1930, criou-se o Ministério da Educação e Saúde
Pública, sendo seu primeiro ministro Francisco Luis da Silva Campos, que efetuou
a Reforma Francisco Campos, com o Decreto Federal n
o
19.851 de 11 de abril de
1931. Embasado nesta reforma, é editado o oitavo regulamento, Decreto estadual
n
o
5.064, de 13 de junho de 1931, que alterou estruturas que advinham desde a
fundação da Escola. Sobre as reformas trazidas por esse regulamento, bem
sintetiza M. C. L. dos Santos:
Assim, foi extinto o curso fundamental (preliminar/um ano e geral/dois anos), o
que implicou, inclusive, a redução geral da duração dos cursos, que passaram de seis
para cinco anos, uma vez que as disciplinas básicas ficaram distribuídas entre os dois
primeiros anos dos vários cursos.
...
Esses regulamento alterou o regime dos concursos para a admissão de novos
professores, extinguiu a figura dos professores substitutos e criou a dos adjuntos. Em
consequência destas modificações, foi extinta a antiga distribuição das cadeiras em
secções.
48
CURY, C. R. J. A Educação na Revisão Constitucional de 1926. In: FÁVERO, O. (org.), A
educação nas constituintes brasileiras: 1823-1988, p. 81-107.
49
ROCHA, M. B. M. da. Tradição e Modernidade na Educação: o Processo Constituinte de 1933-
34. In: FÁVERO, O. (org.), op. cit., p. 119.
71
Esse regulamento realizou importante ampliação em aspectos referentes à
representação da Congregação, cuja composição deixou de ser restrita só aos
professores catedráticos e substitutos efetivos, para reunir, também, um representante
dos diretores e chefes de laboratórios e do diretor do Observatório Astronômico e um
representante dos professores de aula contratados (art. 21
o
§ 1
o
e § 2
o
).
50
A partir daqui, com a distribuição das cadeiras e aulas em cinco anos,
desapareceu a antiga subdivisão “Curso Geral”, composto pelo primeiro ano
preliminar e mais dois gerais, e “Cursos Especiais”, nos quais se estudava cada
habilitação específica. Agora sendo uma Escola não mais recente, era necessário
se preocupar com outros problemas, como, por exemplo, a aposentadoria dos
professores, determinando para tal trinta e cinco anos de exercício da cátedra, e
também para aqueles que completassem a idade de sessenta e cinco anos.
51
Gradativamente, cada alteração nos regulamentos foi dando uma diversa
feição à Escola Politécnica. Do primeiro regulamento, a partir do qual se tinha que
atender as exigências de instituições que foram criadas no papel, mas não
existiram, atoda a alteração na constituição da Congregação, os regulamentos
trazem de significativo os cursos que a Escola ministrou, como indica a tabela
abaixo:
52
Regulamento Título Concedido Duração
1 N
o
191 – 24/08/1893
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Industrial
Eng.
o
Agrícola
Artes Mecânicas
Agrimensor
5 anos
5 anos
5 anos
2 anos
(a)
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Arquiteto
5 anos
5 anos
50
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 125.
51
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, 1931, p. 13-14. In: Regulamentos da
Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935.
52
Organizamos esta tabela tendo como modelo: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 114-115, mas
como referência de dados: Regulamento de 1893: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 583-627.
Demais regulamentos: Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935.
72
2 N
o
270-A – 20/11/1894
Eng.
o
Industrial
Eng.
o
Agrícola
Eng.
o
Geógrafo
Artes Mecânicas
Maquinista
Agrimensor
Contador
5 anos
5 anos
(b)
(c)
3 N
o
485 – 30/9/1897
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Industrial
Eng.
o
Agrícola
Eng.
o
Arquiteto
Mecânico
Condutores de trabalho
Agrimensor
Contador
Maquinista
5 anos
5 anos
5 anos
5 anos
4 N
o
924-A – 29/7/1901
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Industrial
Eng.
o
Agrícola
Eng.
o
Arquiteto
Mecânico
Condutor de Trabalho
Agrimensor
Contador
Maquinista
5 anos
5 anos
5 anos
5 anos
5 N
o
1.992 – 27/11/1911
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Industrial
Eng.
o
Mecânico e eletricista
Eng.
o
Arquiteto
Agrimensor
Contador
5 anos
5 anos
5 anos
5 anos
(d)
6 N
o
2. 931 – 12/6/1918
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Industrial
Eng.
o
Eletricista
Eng.
o
Arquiteto
Químico
5 anos
5 anos
5 anos
5 anos
(e)
73
Agrimensor
7 N
o
2.128 – 31/12/1925
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Eletricista
Eng.
o
Arquiteto
Eng.
o
Químico
Agrimensor
5 anos
5 anos
5 anos
5 anos
8 N
o
5.064 – 13/6/1931
Eng.
o
Civil
Eng.
o
Arquiteto
Eng.
o
Eletricista
Eng.
o
Químico
Agrimensor
a) O título de agrimensor seria concedido ao aluno que tivesse aprovação
em todas as matérias dos dois anos do curso de engenharia civil.
53
b) Na vigência desse regulamento, dezoito alunos que terminaram o Curso
Geral (três anos) receberam esse título. Isso é, desistiram de seguir os
cursos especiais.
c) A aprovação no curso preliminar (um ano) dava direito ao título de
Contador.
d) O regulamento de 1911 extinguiu o curso de Agrimensor, mas permitiu,
e os demais regulamentos também, que o título fosse expedido aos
alunos que o desejassem possuir após aprovação no segundo ano do
curso geral, e, depois, mediante algumas disciplinas cursadas.
e) Aqui não se tratava ainda de um curso de nível superior.
É preciso afirmar que não existia uma única e definitiva alteração na
regulamentação da Escola Politécnica. Após a edição de cada regulamento acima
53
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 619.
74
apresentado, eram editados vários decretos efetuando alterações em partes
desses regulamentos.
54
A Escola Politécnica esteve ligada grande parte do período dessa pesquisa
à Secretaria de Negócios do Interior. Dois períodos constituem-se em exceção:
1901-1905, quanto esteve ligada à secretaria denominada “Secretaria do Interior e
Justiça”
55
, e após 1931, quando, pelas reformas do governo de Getúlio Vargas, é
criada a “Secretaria da Educação e Saúde Pública”
56
. Independente de qual, a
essa instância superior se dirigia grande parte de sua correspondência. Entre
essas, mês a mês lhes eram enviadas: as folhas de freqüência e de pagamento de
todos os seus funcionários; solicitações de licença médica, jurídica ou particular;
pedidos de compras para todos os tipos de material administrativo, para a
montagem e funcionamento dos gabinetes e laboratórios; previsão do orçamento
anual; além dos concursos e contratações de professores. Como a sua dotação
orçamentária era advinda dessa Secretaria, a ela deveria ser solicitado o
pagamento de todas as suas contas, como as da Companhia Telefônica de São
Paulo ou dos jornais Correio Paulistano e o Estado de S. Paulo, além daquelas
que diziam respeito aos diversos fornecedores dos laboratórios, da biblioteca, e
das suas constantes reformas e construções.
57
Para se ter uma idéia dessa
relação até para se gastar 29$000 com a colocação de vidros nas janelas e portas
da Escola, era feita solicitação à Secretaria de Negócios do Interior.
58
Mesmo ainda não existindo a Lei de Responsabilidade Fiscal a Escola
Politécnica tinha que se manter dentro de um específico orçamento, o qual, ao
longo do tempo, Paula Sousa e o corpo docente da Escola sempre afirmaram ser
54
O Decreto n
o
5.064, de 13 de junho de 1931, sofreu alteração pelo Decreto n
o
5.474 de 14 de
abril de 1932, e pelo n
o
5.515, de 16 de maio de 1932. Annuario da Escola Polytechnica de São
Paulo para o ano de 1932, p. III-X.
55
EPUSP/APFI/Cx. 43.
56
EPUSP/APFI/Cx. 44.
57
EPUSP/APFI/Copiadores de expediente.
58
EPUSP/APFI/L-35, p. 187.
75
insuficiente para a manutenção da mesma.
59
A criação, em 1912, da Faculdade de
Medicina
60
serviria de contraponto à Escola Politécnica para suas reivindicações
econômicas junto ao Governo do Estado, pois afirmava-se que a dotação
orçamentária daquela Instituição era sempre maior do que a sua, o que
correspondia aos números apresentados nos relatórios dos governadores.
61
As desavenças entre a Escola Politécnica e a Faculdade de Medicina
remontam à instalação dessa que ocorreu em 2 de abril de 1913 no anfiteatro de
química da Escola Politécnica. A instalação dessa faculdade gerou imediata
indignação em alguns alunos politécnicos que supunham ser a determinação do
governo um ato indevido, entenda-se, uma prova de desatenção para com os
politécnicos. Após a aula inaugural dada por Celestino Bourroul, versando sobre
parasitologia, estudantes do preliminar e do primeiro e segundo ano gerais
provocaram tumulto na Escola,
  #    

.
62
Contrastando com o ofício enviado por
Paula Sousa ao Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, colocando à disposição o
anfiteatro do novo edifício dando assim:
    
 $
0?
Bom, o
diretor não citou em seu oficio os discentes, que, com pequenos atos dessa
natureza, mostraram que os politécnicos passavam a existir no âmbito social de
São Paulo, e que eles queriam se firmar como grupo detentor de prerrogativas
diante do governo.
59
Paula Sousa solicita dotação orçamentária para a inauguração do curso de engenheiros
industriais. EPUSP/APFI/ L-33, p. 162. Em 4 de março de 1899, Paula Sousa se justificou ante o
Secretário do Interior Dr. Jose Pereira Queiroz pelos altos custos para a implantação de novas
disciplinas que passam a ser ministradas, e de laboratórios da Escola: geometria descritiva,
química analítica, mecânica aplicada as máquinas e mineralogia e geologia. EPUSP/APFI/ L-35, p.
107.
60
A primeira lei a criar uma instituição de ensino na área médica em São Paulo foi a de n
o
19, de
24 de novembro de 1891, portanto anterior à criação da Escola Politécnica, mas essa lei não entra
em execução. Cerca de vinte anos depois a lei n
o
1.357, de 19 de dezembro de 1912, criou a
Escola de Medicina e Cirurgia de São Paulo, que efetivamente passou a funcionar. Annuario da
Universidade de São Paulo - 1934-1935, p. 467-470.
61
EPUSP/APFI/L-132, p. 62-63.
62
QUEIROZ, P. de, De 1907 a 1913. Revista Politécnica, julho-dezembro de 1953, p. 17.
76
1. 3 – Os professores e os alunos politécnicos
Por ocasião de sua criação, o quadro docente da Escola Politécnica foi
formado a partir de engenheiros oriundos das duas escolas de engenharia
existentes no País, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de
Ouro Preto, e de docentes de escolas de engenharia da Europa. Após a formação
de suas primeiras turmas, passou a se observar o ingresso de seus ex-alunos nos
quadros da instituição.
64
Conforme informação do primeiro Anuário da Escola
compunham seu quadro docente de quando de sua inauguração:
... D.
rs
Luiz de Anhaia Mello, Manoel Ferreira Garcia Redondo, Francisco de
Paula Ramos de Azevedo, João Pereira Ferraz, Francisco Ferreira Ramos e Carlos G. de
Souza Shalders, tendo como director o Dr. Antonio Francisco de Paula Sousa.
65
Como foi observado ao se falar sobre dos regulamentos, a figura do diretor,
pelas inúmeras atribuições a ele imputadas, era para a instituição, em seus
primórdios, uma personalidade de destaque. Cabe então conhecer um pouco
sobre Antonio Francisco de Paula Sousa que se não foi o “fundador” da Escola, na
acepção daquele que propicia sua existência, o é no sentido daquele que
operacionalizou e conduziu para as salas de aulas da Politécnica profissionais que
acreditariam na sua proposta de ensino prático, e encaminhou o diálogo com o
Governo Estadual em busca de verbas para a efetiva existência da mesma.
66
Antonio Francisco de Paula Sousa nasceu na fazenda do avô materno em
Itu, no dia 6 de dezembro de 1843. Sua família pertencia à elite cafeeira paulista, e
era de tradição republicana. Seu avô paterno, Francisco de Paula Sousa e Mello
63
EPUSP/APFI/L-71, p. 95.
64
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 357.
65
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1900, p. III.
66
O codinome “fundador” aparece vinculado ao nome de Paula Sousa na obra memorialista de
Alexandre D’Alessandro A Escola Politécnica de São Paulo: histórias de sua história, p. 21-23, e
em grande parte das pesquisas recentes, como a de C. F. Castardo, A Matemática na Polytechnica
de São Paulo: uma análise do Curso Preliminar (1894-1931). Segundo J. F. Cerasoli, essa foi uma
construção que se deu nas publicações após sua morte, em 1917. Cf. na nota posterior.
77
atuou no processo de emancipação política brasileira como deputado das cortes
de Lisboa, em 1821, foi senador e ministro do Império. Seu pai, Antonio de Paula
Sousa era médico formado pela Universidade de Louvain, com ativa participação
política, tendo sido Deputado Provincial, Deputado Geral e Ministro da Agricultura.
Em sua infância, estudou no Colégio Galvão em São Paulo e na escola
Calogeras em Petrópolis. Aos 15 anos, Paula Sousa partiu para Dresden na
futura Alemanha indo estudar nos colégios de Krause e Wagner. Após breve
retorno ao Brasil, voltou à Europa em 1861 matriculando-se na Polytechnikum de
Zurique; entretanto, devido a divergências com sua diretoria, transferiu-se para
outra escola localizada na cidade de Karlsruhe, onde em 1867 recebeu o diploma
de engenheiro.
67
formado, retornou a São Paulo onde o governador Saldanha Marinho
encarregou-o de organizar e dirigir a Repartição de Obras Públicas da Província,
cargo que exerceu até a queda do Partido Liberal. Data dessa época a publicação
de seu livro A República Federativa do Brasil. Em Itu, onde trabalhava nas
ferrovias, começou a difundir os ideais republicanos, sendo um dos fundadores do
Clube Republicano, e seu secretário. Foi um dos signatários da Convenção de
Itu.
68
67
A. F. de Paula Sousa faleceu com 74 anos, em 13 de abril de 1917. Quando de sua morte (que
foi notícia nos vários periódicos da cidade), exercia as funções de diretor da Escola Politécnica e
lente catedrático de Resistência dos Materiais. Inúmeros são os textos em que se encontram notas
biográficas sobre Paula Sousa; achamos, entretanto, que originalmente muitos deles se baseiam
na reportagem publicada em 1914, cf. Escola Polytechnica, O Estado de S. Paulo, p. 4, por
ocasião das homenagens que recebeu da Escola quando da instalação de seu busto. Essa
reportagem continha uma extensa bibliografia de Paula Sousa e serviu de modelo para as que
foram publicadas em vários periódicos em 14 de abril de 1917, por ocasião de seu falecimento.
Posteriormente, tal fato se seguiu, como na ocasião do centenário do seu nascimento. Cf.: Antonio
Francisco de Paula Sousa, Engenharia, vol. 2, n
o
16, p. 131-134 e D’ALESSANDRO, A. A Escola
Politécnica de São Paulo: histórias de sua história, vol. 2, p. 142-178.
Dentre outras obras, pode ser consultada também: CERASOLI, J. F., A Republica federativa do
Brasil: trajetória de um engenheiro, op. cit., p. 198-220. Aqui a autora mostra, por meio de pesquisa
no arquivo Paula Sousa, na sessão de obras raras da Biblioteca Municipal Mario de Andrade, a
articulação do pensamento político e profissional de A. F. de Paula Sousa. Identifica elementos
para desfazer o que ela considera um equívoco perpetuado até hoje sobre a instalação da Escola
Politécnica: a afirmação de ter sido Paula Sousa originalmente seu idealizador. SANTOS, M. C. L.
dos, op. cit., p. 49-64, em que o texto correlaciona a vida de A. F. de Paula Sousa como uma
presença viva na história da Escola Politécnica.
68
Dr. A. F. de Paula Souza, O Estado de São Paulo, p. 3, 14 de abril de 1917.
78
Desiludido com a situação política local, seguiu para os EUA onde trabalhou
como carregador de algodão em St. Louis, e depois como desenhista na empresa
Rockford-Rhode-Island & St. Louis. Daí parte para a Alemanha onde trabalhou nas
obras da ferrovia Nort-Ost-Bahn.
69
De volta ao Brasil, trabalhou a1889 na área de ferrovias, na Companhia
Ituana, o que determinou uma proximidade da Escola com essa área como
veremos no quarto capítulo dessa pesquisa. Com a República passou a atuar
mais efetivamente na política como membro do Partido Republicano Paulista.
Eleito Deputado Estadual, atuou na Presidência da Câmara, com uma breve
passagem na esfera federal, no governo do Marechal Floriano Peixoto, exercendo
os cargos de Ministro dos Negócios das Relações Exteriores, e em seguida
Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. No governo de
Bernardino de Campos, Paula Sousa esteve à frente da direção do recém-criado
Ginásio do Estado e, em novembro de 1893, foi nomeado como primeiro diretor da
Escola Politécnica. Mesmo estando no cargo de diretor, foi eleito Deputado
Estadual em 1895 e 1898, e atuou como Secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio, Viação e Obras Públicas.
70
Por intermédio de Paula Sousa, vieram lecionar na Escola Politécnica
vários professores europeus
71
, como: Maximiliano Hehl, engenheiro arquiteto pela
Escola Politécnica de Hannover, responsável pelo curso de Composição Geral e
Estética das Artes, e Desenho e História da Arquitetura; Alexandre Brodowki,
originário da Polônia, formado em engenharia na Escola Politécnica de Zurique,
trabalhou na Companhia Mogiana e foi lente das cadeiras de Estradas, Pontes e
Viadutos e Trafego de Estradas de Ferro
72
; e Roberto Hottinger, formado em
Medicina Veterinária pela Universidade de Zurique, inicialmente professor do
curso de agrônomos com os cursos de Zootécnica Geral e Especial, e Veterinária
e Higiene de Animais Domésticos. Com a extinção desse curso, passou a lecionar
69
Ibidem.
70
Ibidem.
71
M. C. L. dos Santos apresenta em sua pesquisa uma relação com mais de sessenta nomes de
professores estrangeiros que trabalharam na EPUSP. SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 359-360.
72
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1900, p. 383.
79
Bioquímica, Físico-Química e Eletroquímica, para o curso de Química. Importante
pesquisador:
Ao lado de Adolfo Lutz e Vital Brasil, entre outros, foi sócio fundador da extinta
Sociedade Científica São Paulo, um importante núcleo de ciência que reunia
estudiosos de diferentes formações. Formou na Politécnica uma escola de
pesquisadores que se espalharam por São Paulo. [...] Preocupava-se particularmente
com o estudo de processos gerais para combater moléstias próprias do nosso meio.
Entre suas descobertas a mais conhecida entre nós é a do [...] processo Salus para
esterilização.
73
As primeiras décadas do ensino na Escola Politécnica foram fortemente
marcadas pelos saberes desse primeiro grupo de docentes da instituição, vários
com formação européia e humanística. O curso de Resistência dos Materiais, que
tinha o próprio Paula Sousa como responsável, o de História da Arquitetura com
Maximiliano Hehl, ou o de Álgebra Elementar e Superior de Carlos Shalders foram
louvados por décadas nos escritos de seus ex-alunos. O personalismo dos
primeiros grupos de mestres da Escola Politécnica foi marcante e profundo,
evidenciando-se em dizeres como:
Tendo até aquí tocado no nome do Dr. Shalders (Carlos Gomes de Souza Shalders)
incidentemente, por este ou por aquele motivo; mas ele merece muito mais, merece um livro
inteiro, que por volumoso que fôsse, não bastaria para contar todas as altas qualidades
morais de que ele é portador [...]
No Dr. Shalders, o que predominou foi o método: da observância dessa virtude, tem
decorrido todo o bom desempenho, que ele tem dado a tudo quanto se dedica. Mas é o
método ajudado por uma alma bem formada e por um carater sem jaça. Na sua sinceridade,
desejava ele transmitir aos seus alunos os preceitos da moral sã, que o tornava feliz, quer
por meio de conselhos judiciosos, que por meio de exemplos reconfortantes.
74
73
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 431.
74
D’ALESSANDRO, A. A Escola Politécnica de São Paulo: histórias de sua história, vol. I, p. 172-
173. No volume dois, encontramos alusão aos seguintes professores: Francisco de Paula Ramos
de Azevedo, Francisco E. da Fonseca Telles, Oscar Machado de Almeida, Mario Whately, Vitor da
Silva Freire, João Pereira Ferraz, Francisco Ferreira Ramos, Roberto Mange, Ataliba Vale, Gaspar
Ricardo Jr., Jaime de Castro Barbosa, Felix Hegg, Clodomiro Pereira da Silva e Roberto Hottinger.
80
A educação ministrada nesse período tinha uma perspectiva de englobar
todos os aspectos da pessoa, quando a formação do profissional estava vinculada
à formação de seu caráter. Isso não era uma particularidade da Escola
Politécnica, mas sim da época em que o individualismo ainda não era o
determinante social.
Não para precisar um período especifico, mas o que se observa na
documentação da diretoria da Escola é que, mesmo havendo uma razoável
estabilidade em seu quadro docente, três problemas provocavam constantes
ausências dos professores nas salas de aula, levando-os a solicitar licenças:
tratamento de saúde do próprio professor ou de seus familiares próximos, funções
públicas a assumir interesses pessoais. Ao longo das quatro décadas que essa
pesquisa percorreu, esses motivos causam constantes substituições de
professores na Escola, vezes por alguns dias, vezes por meses contínuos.
75
No que diz respeito à licença para tratamento de saúde, só se pode verificar
que o aceite era dado pelo próprio diretor, justificando-se sempre na


do solicitante.
76
Ainda não estamos no período dos atestados e juntas
médicas.
O afastamento para assumir funções legislativas atingiu principalmente o
diretor Paula Sousa que, como deputado em várias legislaturas, afastou-se com
freqüência da diretoria da Escola, bem como das disciplinas que ministrava.
77
Mas
não somente o diretor era convocado para funções públicas. Nos anos iniciais, foi
75
EPUSP/APFI/Copiadores de expediente.
76
O Dr. Luiz de Anhaia Mello pede licença para tratar da saúde de sua senhora, EPUSP/APFI/L-
33, p. 44. Para cuidar da saúde, no ano de 1899 afastaram-se os professores: Ataliba Valle, Jose
Antonio Fonseca Rodrigues, Paula Sousa, que é substituído na cadeira de metalografia por Victor
Silva Freire, Dr. Urbano de Vasconcellos e, para substituí-lo, é chamado o Dr. Rodolpho de S.
Thiago, o professor de desenho Jorge Krichbaum ficando em seu lugar Ernesto Heincke, mestre de
oficinas, o Dr. Francisco Ferreira Ramos, substituído pelo Dr. Constantino Rondelli. EPUSP/APFI/
L-35, p. 158, 159, 224, 240, 348, 368, 377, 385, 387, 388, 389 e 397.
77
Em julho de 1899, Paula Sousa passou a diretoria para Ramos de Azevedo por ter tomado
posse nos trabalhos do Congresso, e seu vice-diretor, Luiz de Anhaia Mello, tinha pedido, dias
antes, sua saída da Escola, EPUSP/APFI/ L-35, p. 287, 304, 305, 307 e 308. Em abril de 1900,
Paula Sousa passou o cargo de diretor para Ramos de Azevedo por ter que tomar parte dos
trabalhos do Congresso do Estado, EPUSP/APFI/ L-38, p. 171.
81
comum o afastamento do pessoal administrativo e docente por serem convocados
para jurados pelo poder judiciário, como a do preparador das cadeiras de Física,
João Frederico Washington de Aguiar, convocado para o júri.
78
Após algum tempo,
o diretor entrou com um pedido junto ao poder judiciário que, devido aos inúmeros
inconvenientes que tal prática trazia para o andamento das atividades escolares,
não mais fossem convocados os funcionários da casa. De fato, após esse oficio,
demorou-se muito até se verificar um novo pedido.
79
A Comissão de Inspeção era responsável pelas querelas dos docentes, e
discentes da escola. A ela deveriam ser encaminhados os programas dos cursos
no início do ano, o planejamento escolar, e as atividades realizadas no fim do ano,
bem como qualquer alteração nesse programas, comunicação do mestre das
oficinas, sugestões para as reformas dos regulamentos tinham nessa comissão o
seu ponto de elaboração e apreciação.
80
Num país continental como o Brasil, que contava no início do século com
apenas três instituições que formavam engenheiros, o que se observa nas
primeiras décadas do século XX é a difusão desses profissionais por diversas
partes do território nacional. A Escola Politécnica estende seu quadro de
formandos para diversos Estados da União. Essa dispersão dos politécnicos por
outras regiões acontece desde seu momento inicial quando os alunos de outros
Estados passaram a cursar engenharia nessa Escola. Em 1912, observamos a
seguinte composição na naturalidade dos alunos 339 alunos matriculados, entre
325 regulares e 14 ouvintes, 259 do Estado de São Paulo, 68 de outros Estados e
12 estrangeiros.
81
Seja dentre os não paulistas, mas também entre os paulistas,
vários formandos exerceriam sua atividade profissional em outros Estados da
Federação.
78
EPUSP/APFI/L-33, p. 317.
79
Ibidem.
80
EPUSP/APFI/Comissão de Inspetores.
81
Inclusos no item Estado de São Paulo, estão três alunos de Franca, única cidade do interior com
registro. Dentre os alunos de outros Estados, a preponderância é a dos demais Estados da região
Sudeste, tendo um outro dos demais Estados. Os italianos o os de maior número entre os
estrangeiros, tendo também alunos da Noruega e Portugal. Essas informações foram compostas
por nós a partir dos dados de: Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1912,
p. 50-60.
82
Se quando de sua estada na Escola poucos alunos eram registrados como
sendo de cidades do interior do Estado, após sua formatura, a ão profissional
dos politécnicos para se difundia. Uma das razões disso era a prestação de
serviço nas diversas companhias das estradas de ferro, um dos principais postos
de trabalho dos recém-formados, como a Companhia Paulista, Sorocabana ou
Mogiana, que, como foi dito, instituíram o prêmio de praticagem para os
melhores alunos. Assim muitos politécnicos passaram a atuar em Santos,
Campinas, Jundiaí, Assis, Jaú ou Ribeirão Preto. Excetuando-se as companhias
ferroviárias, a atuação dos engenheiros depois de formados, quer onde
estivessem, tinha duas grandes áreas de atuação: a Secretaria de Viação e Obras
Públicas da cidade e a abertura de escritórios para execução de obras o que
aconteceu em cidades como: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba, Recife
ou Jaboticabal.
82
De maneira pontual, podemos identificar a própria Escola Politécnica como
um outro espaço de atuação para alguns de seus recém-formandos. Gerar
quadros para si mesma claro que não é a função da instituição, mas é o que por
vezes ocorre com as mais diversas instituições acadêmicas. E a Politécnica era
bem exigente com relação aos seus ex-alunos que, para ingressarem em seu
quadro docente ou técnico-administrativo, deveriam estar entre os melhores.
Afirmamos isso pelo paralelo que pode ser feito entre os mencionados
recebedores das diversas premiações que a Escola possuía e passados alguns
meses, esses mesmos nomes, que passam a figurar na sua folha de pagamento.
82
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 103-129.
83
1. 4 – A sala do saber
Na estrutura inicial da Escola Politécnica estava presente a criação de
uma biblioteca para atender as exigências de aprendizagem e consulta dos seus
professores e alunos. O primeiro regulamento no seu capítulo VII discorre do
artigo n
o
226 ao n
o
245 sobre seu funcionamento e estrutura, e afirma:
Haverá na Escola Polytechnica uma biblioteca destinada especialmente ao uso dos
lentes e alumnos, mas que será franqueada a todas as pessoas decentes que alli se
apresentarem.
83
Apesar das sucessivas mudanças nos seus regulamentos o item “Biblioteca” foi
um dos que menos alteração sofreu, sendo um setor que ao longo do tempo, ora
mais ora menos, sempre recebeu uma atenção, leia-se verba e espaço físico,
diferenciada.
A Biblioteca da Escola Politécnica mereceu, desde sua fundação, atenção
especial por parte da direção da mesma. Nos relatórios anuais, gradualmente
eram listadas as aquisições que constantemente ocorriam. Inicialmente, a grande
maioria do acervo era importada, principalmente da Europa, com ênfase para as
publicações da Suíça, França, Bélgica, Itália e, após a primeira década de
funcionamento, dos Estados Unidos.
84
Coleções de química, civil e matemática
iam compondo o acervo cujos principais leitores eram os alunos. Uma parte inicial
do acervo foi composta por relatórios de repartições públicas nacionais e
internacionais e de instituições congêneres à Escola Politécnica, como a revista do
Instituto de Engenharia do Brasil, o anuário da Escola Politécnica francesa e a
Revista de Obras Públicas e Minas, de Portugal, ambas do século XIX.
83
Regulamento de 1893, art. n
o
226. In: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 615.
84
As compras para a biblioteca estão presentes durante as quatro décadas da história da Escola
Politécnica aqui pesquisada. Cf. EPUSP/APFI/L-33, p. 50, 91, 96, 336, 361-368; EPUSP/APFI/L-
35, 113, 154, 176, 318, 334, 339, 356; EPUSP/APFI/ L-118, p. 148. EPUSP/APFI/ L-119, p. 110.
Em 1929, encontramos em EPUSP/APFI/ L-121, p. 145, o envio para o bibliotecário de uma oferta
financeira feita pelo Banco Nacional da Cidade de Nova Iorque de dez mil francos a favor de Louis
Blanchard de Paris, para que a Escola adquirisse livros.
84
Nos relatórios anuais da diretoria, era sempre informado o progressivo
aumento no acervo da instituição, que se dava por meio contínuo de compras
executadas em livrarias nacionais e estrangeiras. Em 1897, o diretor encaminhou
solicitação de dez mil Francos ao Secretário do Interior para serem gastos com
livros. Esse valor era oriundo do orçamento do ano anterior, quando não foi
utilizado, devido ao cancelamento de um pedido.
85
Com essa verba foi feita a
assinatura de várias revistas, a maioria
#$
86
.
o registro, nos primeiros anos de funcionamento da Escola, de uma
outra variação de aquisição: a compra da biblioteca de falecidos. Como foi o caso
em fevereiro de 1897 quando ocorreu a compra da Sra. Laura de Souza Mursa, da
biblioteca de seu falecido marido, General Joaquim de Souza Mursa, no Rio de
Janeiro. Para tanto, mandou-se fazer uma avaliação do custo do acervo antes de
efetuar a compra.
87
Além das compras regulares executadas pela administração da Escola, as
doações foram uma outra forma constante de ampliação do acervo que desde os
primeiros anos contou com a participação de pessoas físicas e jurídicas residentes
em São Paulo, em outras localidades do País, e mesmo do exterior
88
. Dentre
esses, encontravam-se: O cônsul geral do Brasil em Genebra que enviou o livro
“Locomotivas Suíças”, o Sr. Manoel Torquato Tapajoz que doou suas obras,
“Estudo de Higiene” e “O Saneamento”, o Sr. Augusto Duprat ofereceu 39 volumes
do “Relatório da Diretoria de Agricultura” de Portugal, e um volume sobre as
bibliotecas inglesas; o prof. João Pereira Ferraz encaminhou a Carta Geral da
Iluminação da Costa do Brasil; o Dr. Theodoro Sampaio doou a Carta do
Recôncavo da Bahia, e como esses tantos outros.
89
Um aspecto a ser percebido nessas doações são aquelas oriundas de
instituições oficiais secretarias, repartições ou comissões que encaminhavam
85
EPUSP/APFI/L-33, p. 336.
86
Regulamento de 1893, art. n
o
227. In: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit, p. 615.
87
EPUSP/APFI/L-33, p. 43.
88
EPUSP/APFI/L-33, p. 39, 87, 129, 186, 225; EPUSP/APFI/L-36, p. 6, 12, 21; EPUSP/APFI/L-40,
p. 8; EPUSP/APFI/L-112, p.113; EPUSP/APFI/L-119, p. 110; EPUSP/APFI/L-121, p. 69.
89
EPUSP/APFI/L-33, p. 75 e 93. EPUSP/APFI/L-35, p. 181, 290 e 380.
85
suas publicações para a Escola, como: Boletim da Comissão Geográfica e
Geológica de São Paulo, Relatório da Repartição de Estatística e Arquivo, Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Relatório do Instituto Agronômico de
Campinas
90
, Relatório da Repartição de Estatística, Relatório de 1898 do
Conselho Escolar, programas da Faculdade de Direito do Recife, Recenseamento
do Estado de Alagoas, Guia do Criador de Carneiros e a Cultura dos Campos,
Relatório de 1896, apresentado pela Comissão do Plano Geral do Saneamento da
Capital Federal ao prefeito do Rio de Janeiro, Dr. José Cezário de Faria Alvim.
91
Várias dessas publicações eram de interesse direto da escola, outros nem tanto,
mas ajudavam na constituição desse acervo que seria cada vez mais utilizado
pela população em geral como informa os relatórios da década de 10.
92
A biblioteca recebia um novo contingente de doações quando do
falecimento de seus professores, visto que as viúvas para encaminhavam o
acervo dos finados.
93
Com o passar das cadas alguns indícios, não apenas no que diz
respeito à doação de livros à biblioteca, desse movimento de retorno do trabalho
de ex-professores a instituição. Um deles é a doação feita por Ramos de Azevedo,
em títulos de capitalização no valor correspondente a todos os vencimentos que
recebera da Escola Politécnica.
94
Pode-se observar o crescimento do acervo e das consultas à Biblioteca da
Escola Politécnica por meio desse quadro demonstrativo:
90
EPUSP/APFI/L-33, p. 69, 74, 19, 101.
91
EPUSP/APFI/L-35, p. 63, 142, 156, 157, 189 e 398.
92
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1910, p. 198.
93
Em 1929 a Escola agradece a viúva do prof. de física Adolpho Wanderley, a oferta à biblioteca
de 175 volumes. EPUSP/APFI/L-121, p. 4.
94
Em 11 de agosto de 1930, o diretor Rodolpho San Thiago agradecia ao Dr. Arnaldo D. Villares o
deposito no Banco do Comércio e Indústria de o Paulo de cinco cautelas do Tesouro do Estado
ficando assim completo o donativo feito por Ramos de Azevedo. EPUSP/APFI/L-124, p. 113.
86
Ano consultas Volumes
1901
95
3.911 4.002
1909
96
7.090 7.432
1912
97
5.358 9.200
1933
98
8.976 10.166
Aqui, ressalta-se haver um crescente aumento no número de obras do
acervo da fundação até por volta de 1912, quando tende a diminuir o número de
novas obras adquiridas pela Escola. Quanto ao número de consultas, ainda um
crescimento que pode ser explicado pelo aumento do número de alunos.
99
O relatório da Repartição de Estatística e Arquivo apresentava para a
cidade de São Paulo no ano de 1899 as seguintes bibliotecas:
100
Denominação Consultas Acervo
Biblioteca Pública 6.969 11.000
Escola Normal 1.178 7.770
Escola Politécnica 229 2.890
Faculdade de Direito 282 23.461
95
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1902, p. 234-235.
96
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1911, p. 293.
97
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1912, p. 65.
98
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 555.
99
A justificativa da impossibilidade de se fazer um quadro mais preciso, como foi exposto na
Introdução, está na irregularidade da publicação dos Anuários agrupados em três períodos: 1
0
período de 1900 a 1912; 2
0
período de 1932 a 1938; e o 3
0
período de 1946 a 1947. Anuários da
Escola, O Politécnico, p. 7.
100
SÃO PAULO (Estado), Relatório da Repartição de Estatística e Archivo do anno de 1899, p.
574.
87
A Biblioteca Pública tinha uma média de consulta bem acima das demais. O
inesperado fica por conta da relação entre o número de consultas da Escola
Politécnica, então com cinco anos de instalação na cidade, e da Faculdade de
Direito, estabelecida setenta e dois anos, com um acervo bem superior. O
número de consultas entre as mesmas é equivalente.
Não como não observar uma acentuada divergência na parte numérica
entre o relatório da Repartição de Estatística e Arquivo que apresenta para o ano
de 1899 o número de 229 consultas ao acervo da Escola Politécnica, e o dado
apresentado dois anos depois no anuário da Escola sobre as consultas, 3.911.
Sem dúvida, há algum equivoco em algum dos dados.
88
2º Capítulo – O engenheiro e o reconhecimento profissional
Os cientistas estudam o que existe,
os engenheiros criam o que nunca antes existira.
Theodore Von Karman
1
1
Apud: Krick, 1979, p. 33.
89
Neste ponto da pesquisa, é preciso fazer uma distinção entre engenheiros e
politécnicos. Era tido como engenheiro todo aquele que concluía um curso de
engenharia em escola superior que conferisse tal titulação. O reconhecimento por
parte do governo federal dessas escolas vinha com uma equiparação à Escola
Politécnica do Rio de Janeiro. Ao longo dessa pesquisa, encontramos várias
escolas que se apresentavam como sendo de ensino superior, mas que o
chegaram a receber esse reconhecimento oficial, e ministravam a engenharia nos
chamados Cursos Livres. Os egressos das escolas oficiais não reconheciam como
válido, e juridicamente não era, o título adquirido nesses Cursos Livres.
2
Dentre aqueles que são engenheiros encontramos os politécnicos, mas na
São Paulo do alvorecer do século XX essa designação não corresponde a um
único grupo. É preciso estabelecer uma primeira diferenciação entre o inicial grupo
de professores que estruturou a Escola, como Paula Sousa, João Pereira Ferraz,
2
A lata CO8874 do Arquivo Público do Estado contém documentação de matrícula e avaliações
referentes ao curso de engenharia da Universidade de São Paulo criada em 1911, sob a direção
90
Francisco Ferreira Ramos e Carlos de Souza Shalders, e outros, que não eram
politécnicos paulistas, mas, sim, formariam aqueles que no futuro receberiam essa
denominação. Esses professores foram formados na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro ou na Escola de Minas de Ouro Preto e também receberam formação no
exterior. atuavam na administração pública antes de 1893, e estavam ligados a
diversos setores da sociedade com suas ações profissionais. Inicialmente, não se
pode afirmar que as ações que esse grupo desenvolve são as do politécnico
paulista, visto sua formação e atuação profissional na Cidade serem anteriores a
criação da Escola Politécnica. Esse primeiro momento que discutiremos é
marcado pela atuação desses formadores dos politécnicos, que dão as primeiras
linhas mestras de orientações para o desenvolvimento da Escola, o que não é
fácil, nem um mar de rosas como às vezes se apregoa, esquecendo-se a disputa
por verbas e por espaços travadas no âmbito das Secretarias de Estado.
O politécnico paulista é aquele que surge com a formatura da primeira
turma da Escola, em 1899. Com as formaturas subseqüentes, temos um grupo
profissional, que lutará por espaços na sociedade civil na tentativa de demarcar
sua área de atuação, até então não demarcada estava juridicamente. Uma
particular característica do politécnico é exatamente a de ele preferir ser
identificado como “Politécnico” do que como engenheiro. As suas publicações,
como a Revista Politécnica vão demonstrando esse fato.
Um aspecto específico dos cursos de engenharia é a sua necessidade de
laboratórios, gabinetes como eram chamados à época os espaços para as aulas
práticas. Como Paula Sousa adota como modelo para a Escola Politécnica o das
Escolas Politécnicas da Alemanha e Suíça, a pedra de toque estava na
praticidade dos cursos, e esses teriam uma incidência sobre as mudanças da
cidade. Nos primeiros seis anos, 1894-1899, a estruturação dos cursos se
constitui, pouco a pouco, contratam-se professores para preencher as vagas que
surgem a cada ano. Neste momento, poucas turmas, poucos alunos, e todos
os docentes executavam alguma outra atividade, a começar do diretor que exercia
de Arthur Ferreira Gomes. Entre os anos de 1914-16, o registro de pedido de matrícula de
Antonio Grassi. Em 1917, Antonio de Pádua Sales Jr. cursava o 4
o
ano de engenharia.
91
mandatos legislativos. O espaço físico inicialmente adquirido pelo Governo do
Estado para abrigar o funcionamento da Escola logo se mostra insuficiente para
abarcar toda a estrutura do funcionamento de todos os cursos, em todos os anos,
e se início as obras do prédio que seria denominado Paula Sousa, e
posteriormente a construção dos edifícios alcunhados como Ramos de Azevedo e
Rodolpho San Thiago (também ex-diretores da Escola Politécnica). Tantas
dependências eram sempre justificadas pela necessidade de espaços para os
laboratórios de cada curso em particular.
2.1 – A Revista Politécnica: instrumento de construção da identidade
A Revista Politécnica, já analisada na introdução dessa pesquisa como
fonte documental, compõe nesse momento de estruturação da Escola a porta de
entrada para conhecermos o engenheiro que a Escola Politécnica estava
formando. Ela não se apresenta como porta-voz da instituição, mas sim de seu
corpo discente, enquanto órgão oficial do Grêmio Politécnico. Essa agremiação
dos estudantes se estrutura após a participação de alguns alunos da Escola
Politécnica no Congresso Estudantil de Montevidéu, em 1902, levando ao
surgimento em primeiro de setembro de 1903, no auditório da Matemática, a
criação desse órgão de representação discente, cuja diretoria era eleita
anualmente.
3
O Grêmio Politécnico em sua estruturação inicial propõe como um de seus
objetivos o de estimular seus associados a desenvolverem as aplicações práticas
das matérias que constituíam os diversos cursos por eles realizados. Tal
perspectiva era a ressonância do eco da proposta metodológica do diretor, Paula
Sousa, para a finalidade da Instituição como um todo, e por isso mesmo, o Grêmio
3
Inicialmente editada na tipografia do Diário Oficial, após o 18 passou a ser impressa em
diversas casas editoriais da Cidade. Tal fato, que poderia significar uma maior desvinculação por
parte do Grêmio da estrutura hierárquica da instituição, deveu-se na realidade às novas regras
para impressão no Diário Oficial que não contemplava mais as publicações da revista em questão.
92
Politécnico, por vezes, encontrava junto à direção, o apoio necessário para o
desdobramento de suas iniciativas.
4
No ano seguinte a sua fundação, esse grupo de alunos se dedicou ao
exame dos materiais de construção empregados nas obras de construção civil que
estavam em escala cada vez mais ascendente na cidade de o Paulo. Para tal
um grande número de experimentos foi efetuado no sentido de serem verificadas
as condições técnicas, físico-químicas, dos mesmos. O passo seguinte passou a
ser a busca de apoio para a publicação de um manual com o resultado de todas
as experiências realizadas, que se concretizou com a edição do Manual de
Resistências dos Materiais, em 1905.
As ações empreendidas pelo Grêmio levaram-no a pleitear, concomitante
ao manual, a publicação de uma revista, e o próprio diretor intercedeu junto ao
Secretário do Interior e da Justiça para que esse aprovasse financeiramente tal
empreendimento, enviando-lhe um ofício em 11 de outubro de 1904, afirmando:
Como consequencia natural dos seus trabalhos surgio a necessidade da fundação de
a necessidade da fundação dea necessidade da fundação de
a necessidade da fundação de
uma revista
uma revistauma revista
uma revista onde pudessem ser reunidos os resultados obtidos, que prestardo poderoso
auxilio a todos os estudantes e mesmo profissionais.
5
Tal solicitação é prontamente atendida e, em novembro de 1904, é editado nas
oficinas do Diário Oficial do Estado o primeiro número da Revista Politécnica.
Observar o índice de assuntos das matérias publicadas nesse periódico
desde sua primeira edição ao número 112, em dezembro de 1933, é encontrar
um espelho de para onde se voltavam os interesses da instituição na variação
desse tempo. Quando de sua fundação, entre os seus cursos estava o de
engenheiro agrônomo (extinto no regulamento de 1911) e, se poucos foram os
seus formandos, apenas vinte e três entre 1901 e 1910
6
, poucos foram também os
Essa medida, antes de se concretizar, foi precedida de interrupções entre várias de suas edições.
Revista Politécnica, nº 12, p. 354 e nº 14, p. 107.
4
EPUSP/APFI/L-47, p. 206 e 207.
5
Ibidem. Grifo nosso.
6
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 236.
93
artigos dessa área na Revista, apenas seis.
7
artigos referentes à arquitetura,
estabilidade, construções e assunto tangentes à abordagem do saneamento
urbano, com uma ênfase na utilização dos recursos hídricos do Estado, são
constantes na Revista ao longo desse período e indicativos desse diálogo
persistente da Escola com a cidade, como se abordará no capítulo quatro. Outros
temas correntes nas páginas da Revista eram a eletricidade, as máquinas e os
transportes na área das estradas de ferro que perpassam seus vários números. O
diálogo com o setor de transporte ferroviário, consolidado no Estado, foi muito
intenso na Escola desde sua fundação, como veremos no quinto capítulo dessa
pesquisa.
8
Certamente os assuntos abordados pela Revista Politécnica estão em
consonância com os momentos sociais da cidade. A ênfase nos assuntos da
engenharia civil está em acordo com aquele que é o curso carro-chefe da escola,
a engenharia civil, que possibilita a atuação em inúmeras áreas, do saneamento
urbano ao transporte ferroviário. A inicial estruturação do Gabinete de Resistência
dos Materiais coloca a Escola como porta-voz das pesquisas e do
desenvolvimento de ações na área das construções que vivenciam um crescente
aumento em São Paulo. Formar engenheiros para acompanhar esse carrossel
urbano é o foco da Escola Politécnica.
Nesse momento tudo indica o crescimento da cidade, e isso se reflete no
interior da Escola Politécnica. Uma estatística publicada em 1911 na Revista de
7
A extinção do curso de agronomia, que sempre teve um baixo número de alunos, é concomitante
à criação e ao desenvolvimento da Escola Agrícola Prática de Piracicaba, em 1901, futura Escola
Superior Luiz de Queiroz, que interagia com o meio agrícola paulista, por localização, melhor do
que uma recém-criada escola de engenharia na capital.
8
Além desses assuntos, outros como geometria-desenho, geografia, mecânica, metalografia e
geodésia têm publicações esparsas ao longo de todo esse período. Outras começam a figurar em
suas páginas somente a partir de uma determinada data: concreto, em 1909; termodinâmica, em
1913; mineralogia, em 1915; fundações, em 1930; e, no enfoque de transportes e comunicações, a
aviação, que com poucos artigos entre 1906 e 1909, passa a ser presença constante no final da
década de vinte. também aquelas que deixam de se fazer presentes após anos de publicação,
como Pontes e Estradas que, após o artigo de “Notas de aula do Curso de Estradas”, em 1923,
teve apenas uma publicação em 1933 sobre a Ponte Pênsil sobre o Paranapanema em
Xavantes”; Processos de Medidas, com vários artigos publicados até 1919, teve apenas uma após
essa data, em 1933, sobre
B    
. Na edição de n
o
56,
a Revista
Politécnica publicou um “Índice por assuntos da matéria publicada pela Revista Politécnica: 1904-
1956”, que nos auxiliou nos vários levantamentos dos assuntos publicados pela revista.
94
Engenharia mostra, numa comparação com o Rio de Janeiro, então Capital
Federal, que há poucos anos passara por uma reestruturação urbana com a
reforma de Pereira Passos, o aumento no mero de construções em São Paulo,
como indica o gráfico a baixo.
9
Aumento Anual de Construções
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
1906 1907 1908 1909 1910
São Paulo
Rio de Janeiro
Em apenas quatro anos, de 1906 a 1910, o número de novas construções
passou de 1.091 para 3.231. Assim, responder a questão do tipo: como construir a
ponte do aterro do gasômetro? qual a resistência do cimento armado? o que e
como fazer a retificação do Rio Tietê? Essas diversas inquietações, que tantas
vezes aparecem nas páginas dos periódicos da época numa cobrança de posição
da administração pública, eram para a Escola Politécnica objeto de investigação
tecnológica. Deste modo, a Escola visava responder a essas indagações da
vivência do paulistano, e o volume de matérias publicadas nas revistas de
9
Revista de Engenharia, vol. 1, n
o
2, p. 25. Todo esse aumento nos números da construção civil
levou o editorial de 10 de janeiro de 1912 da Revista de Engenharia a discutir a crise da mão-de-
obra na cidade. Apontando a inflação nos preços dos materiais (o que diminuía o lucro dos
empreiteiros), a falta de trabalhadores aptos à atividade da construção civil, e é claro o grande
95
engenharia nos permite observar quando uma temática passa a ser mais relevante
para a cidade e, conseqüentemente o seu inverso, um tema passa a não mais
figurar em suas páginas.
Num primeiro olhar sobre os artigos publicados ao longo desses primeiros
anos, poderíamos ser levados a pensar que, no período em estudo, a Revista
Politécnica dedicava-se aleatoriamente a variados assuntos, da arquitetura à arte
em São Paulo, da Geodésia a Impressões da Europa.
10
Mas, com um olhar um
pouco mais atento, podemos perceber a preocupação com a transformação
urbana pela qual a cidade estava passando, perpassando os seus mais diversos
artigos, sempre de autoria de engenheiros ou alunos de engenharia. Os artigos de
cálculos teóricos, por exemplo, visavam propor soluções para problemas urbanos
identificados nas áreas da construção civil e/ou da energia.
11
Nesses artigos,
temos a visão de cidade desse grupo, uma cidade que precisava do seu
conhecimento e atuação tecnológica para poder se desenvolver, tendo condições
de atender as novas engrenagens do progresso que advinha à cidade.
Ao longo de sua publicação, como forma de dar mais visibilidade à atuação
profissional do politécnico, as ilustrações ganharam espaços cada vez mais
significativos na Revista. Afirmamos isso mesmo que no 3 onde os redatores
informam que as ilustrações ali presentes possuem apenas a finalidade de ornar a
revista graças a sua beleza, sem que, de fato, estejam relacionadas às matérias
editadas naquele número, e de fato nem sempre o que é inserido corresponde de
fato ao que se está publicando.
12
A partir de então, quase todos os números são
ilustrados por desenhos técnicos como teoremas, mapas, croquis arquitetônicos
aumento no número de habitações, principalmente na área operária da cidade. A crise de mão de
obra. Revista de Engenharia, vol.1, n
o
8, p. 217-218.
10
Revista Politécnica, nº 2, p. 75-77, nº 3, p. 155-159, nº 5, p. 282-288 e nº 15, p. 182-187.
11
Apenas para exemplificar o que foi lido, visto isso ser uma percepção do todo da revista,
citamos: “Estabilidade de uma chaminé” Revista Politécnica, 7, p. 20-26, e A eletricidade e a
hulha branca em São Paulo”, Revista Politécnica, nº 9, p.107-111.
12
Ibidem, nº 3.
96
ou fotos de edificações em construção ou acabadas que se encontram em
função de reforço e/ou complementaridade das matérias as quais se referem.
13
A Revista Politécnica era distribuída gratuitamente aos sócios do Grêmio
Politécnico, aos lentes e professores da Escola. Havia também uma sistemática,
porém restrita, campanha de assinaturas, de 12 números por 15$000 Réis. Na
difusão de um ideal profissional, sustentamos aqui que esse era o seu principal
foco, a distribuição da revista era uma das formas de propagar essa idéia. Era
preciso estabelecer vínculos entre os ex-politécnicos que os permitissem lutar pela
estruturação jurídica de sua profissão.
Não de forma explícita nenhuma alusão comercial na forma de
propaganda em qualquer um de seus números. Mesmo enfrentando problemas
para a publicação regular, devido às dificuldades com o Diário Oficial, não lança
mão deste recurso para uma maior captação financeira. A exceção é a
propaganda, que por sinal perpassa de alguma forma todas as edições, referente
ao Manual de Resistência dos Materiais, uma publicação do próprio Grêmio.
A publicação, dedicada ao engenheiro e ao estudante de engenharia,
constituiu-se principalmente num espaço de divulgação para os trabalhos dos
lentes da instituição. Aparentemente, apenas a preocupação com a divulgação
da Revista interna ao grupo dos engenheiros, interna porque particular seria o seu
público-alvo, e como diz o juízo emitido no final do primeiro volume:
O orgam de Grêmio Polytechnico não é ainda e não pretende ser uma revista
technica, no sentido elevado da palavra, mesmo assim elle não dispensa a coadjuvação dos
profissionais, - que nas paginas da Revista encontrarão affectuosso acolhimento para os
seus trabalhos...
13
Com o passar das edições, as imagens se tornaram essenciais em algumas matérias técnicas
para que seu conteúdo pudesse ser melhor explicitado. Em
-! C  

, por meio das fotos, visualiza-se a distinção entre trem de passageiro, trem de
mercadorias e trem de material de guerra, bem como os diversos tipos de ligação entre os diversos
carros. Ibidem, nº 23, p. 261-265.
97
Auxiliem-nos aquelles que o podem fazer e a REVISTA POLYTECHINICA não
desapparecerá, como tantas outras publicações que não conseguem medrar em terras como
as nossas, em que ainda pouco se lê e pouco apreço merecem aquelles que escrevem...
14
Mas nas notas por agradecimento recebido havia sempre os cumprimentos dos
setores comerciais e industriais, além de autoridades políticas da cidade pelo
recebimento de tal publicação, o que faz da Revista um vetor do pensamento
politécnico na cidade de São Paulo, atingindo um público bem diversificado,
futuros interlocutores da causa do reconhecimento da profissão.
2.2 – O ensino da engenharia
No decorrer dos anos, assim como previsto em seu regulamento, passou o
Grêmio Politécnico a convidar diversas personalidades para conferir palestras
sobre os temas de interesse do alunado de engenharia, e logo em seu primeiro
número a Revista Politécnica publica um artigo intitulado “O ensino profissional na
democracia moderna”, resultado de uma conferência realizada pelo Dr. Leopoldo
de Freitas, em 12 de março de 1904.
15
Esta conferência inaugural é elucidativa de alguns paradigmas referentes
ao ensino profissional presente nas Escolas de Engenharia no início do século
XX.
16
Entre eles, a correlação entre ensino profissional e democracia, sim
14
Idem, nº 6, p. 383.
15
Revista Politécnica, 1, p. 60-66. Leopoldo de Freitas, autor do artigo era Jornalista. Revista
Politécnica, 14, p. 100.
16
Em seu artigo sobre os duzentos anos de ensino da engenharia no Brasil, P. C. da S. Telles
apresenta a seguinte cronologia para a fundação das escolas de engenharia no período
republicano: 1895
Escola de Engenharia de Pernambuco, atual Escola de Engenharia da
Universidade Federal de Pernambuco; 1896
Escola de Engenharia Mackenzie e Escola de
Engenharia de Porto Alegre, atual Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul; 1897
Escola Politécnica da Bahia, atualmente inserida na Universidade Federal da Bahia;
1911
Escola Livre de Engenharia, atual Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas
Gerais; 1912
Escola de Engenharia do Paraná, e Escola Politécnica do Recife; 1913
Instituto
98
democracia, e não República, como poderíamos ser levados a pensar visto a
recente mudança de regime político ocorrida, à época, poucos anos no País. A
democracia era tida como o espelho da nação desenvolvida, da nação que
buscava o progresso. Assim, vincula-se o progresso técnico-científico à
democracia, um precisa do outro para se consolidar e se perpetuar na história, daí
se pontua ser fundamental a importância da fundação da Escola Politécnica em
São Paulo no momento em que o Estado lança as bases do seu desenvolvimento
democrático.
17
Como modelos de democracia, são repetidamente propostos: Estados
Unidos da América, Alemanha e Suíça. Exatamente nesses países, o ensino
profissional tecnológico alcançou, mesmo que por caminhos diferentes um do
outro, um maior grau de interação com a sociedade, na qual:
Patrões e operários fabris procuram estar ao corrente das applicações scientificas,
porque sabem que o trabalho baseado nos progressos da sciencia é mais productivo.
18
Eletrotécnico de Itajubá; 1914
Escola de Engenharia de Juiz de Fora; 1928
Escola de
Engenharia Militar, atual Instituto Militar de Engenharia; e em 1931
Escola de Engenharia do
Pará. Quanto ao ensino, o autor identifica o modelo francês sendo aplicado na Escola de Minas de
Ouro Preto, o suíço na Escola Politécnica de São Paulo, o alemão no Instituto Eletrotécnico de
Itajubá e o norte-americano na Escola de Engenharia Mackenzie. Cf. TELLES, P. C. da S.,
Duzentos anos de ensino da Engenharia no Brasil, Revista Politécnica, 211, p. 85.
17
A democracia tem suas origens em Atenas, na Grécia Antiga, onde a deusa da ciência, das
letras e da guerra era Pallas-Atenas, segundo o mito essa deusa deu à Atenas esse modelo de
governo. E será essa própria deusa grega o ícone que desde sua fundação foi adotado pela Escola
Politécnica com o seu codinome romano, Minerva. O uso do símbolo da deusa da mitologia
romana Minerva, hoje usado como um logotipo da EPUSP, foi associado ao seu nome
provavelmente pelo diretor, Paula Sousa, que teria trazido a idéia da Politécnica de Zurique, onde
estudou entre 1861 e 1863; na fachada noroeste do prédio principal, encontrava-se o desenho
dessa deusa. Essa deusa é símbolo da estratégia lúcida, é a senhora das técnicas, da
racionalidade instrumental, a criadora de saídas com engenhosidade, é a deusa guerreira, da
sabedoria, das atividades práticas, mas também do trabalho artesanal de fiação, do espírito criativo
e da vida especulativa. Com tudo isso, pode-se afirmar que ela reúne em si os aspectos
fundamentais à formação do politécnico, racionalidade e criatividade. MUSATTI, M. Minerva:
símbolo da Politécnica, p. 7-18. O busto de Minerva criado pelo artista Caetano Franccarolli, na
perspectiva do seu perfil direito, passou a ser adotado oficialmente como constituinte oficial da
comunicação visual da Escola Politécnica por ocasião das comemorações do centenário da
instituição em 1993, por meio da portaria Dir-070/93, assinada pelo diretor Francisco Romeu Landi.
Esta imagem estaria locada no canto superior esquerdo, voltada para o cabeçalho em todos os
impresso da instituição. EPUSP/AIFII/Cx. 28, Diretoria/Portarias – 91 a 95.
18
Revista Politécnica, nº 1, p. 61.
99
Os fatores que distinguem o ensino profissional nestes países são o intenso
uso de laboratórios e a concepção de uma ascensão social por meio do ensino
superior. A educação assim entendida formaria um homem laborioso e
independente. O ensino profissional era visto então como fator indispensável na
formação da sociedade industrial.
Veremos, a seguir, como estes elementos, pontuados logo no primeiro
número da Revista Politécnica, se constituirão inicialmente na formação da
identidade social dos alunos da Escola Politécnica, e depois fundamentarão a
própria noção de engenharia no Estado.
O ensino profissional desenvolvido na Escola Politécnica seguia a
tendência de origem suíça, onde se estabelece uma relação entre o conhecimento
teórico e as atividades práticas em gabinetes e laboratórios, ocorrendo assim uma
concretização das noções ensinadas em sala de aula e o desenvolvimento da
observação e da análise necessárias à atividade do engenheiro.
Deste modo, a estrutura da Escola foi pensada desde seus primórdios com
essa interação entre salas de aula e gabinetes/laboratórios, com um destaque
para o desenho. O engenheirando J. Brant de Carvalho, em sua conferência por
ocasião das comemorações do XI aniversário da Escola, utiliza as palavras do
Prof. Thurston, alemão que foi professor de Paula Sousa, para explicitar o que é a
engenharia e o engenheiro:
... ao lado do ensino das mathematicas puras e applicadas, da physica e das
denmais sciencias que constituem o cabedal technico e scientifico do engenheiro, o estudo e a
pratica da arte do desenho, das artes mecânicas e industriaes; a applicação das
mathematicas e das sciencias ao projecto de machinas e á avaliação de seu coefficiente
provável de rendimento, ao exame do trabalho produzido pelas diversas machinas e
apparelhos industriaes... taes são os fins e o campo próprio das escolas profissionaes de
engenheiros.
19
19
Revista Politécnica, Edição Commemorativa, p. IX.
100
E tendo em vista esse emaranhado de questões técnicas, organizou-se nos
seus primórdios, a Escola Politécnica.
Tendo como modelo a Escola Politécnica de Zurique, onde havia um
edifício para os laboratórios separados do edifício central, constroem-se nas
laterais do Palacete do Marquês de Três Rios os edifícios dos laboratórios de
máquinas térmicas, hidráulica e eletricidade. Com isso, vemos que a organização
de ensino adotado buscou desde seus primórdios aproximar-se do que Paula
Sousa, na época, considerava ser o melhor e mais eficaz modelo para o ensino de
engenharia.
A necessidade das aulas em laboratórios passava pelo conceito de ter a
Escola Politécnica uma orientação prática e útil, e com essas características
deveria ser o ensino ministrado nessa casa. Porque, sem os laboratórios e
gabinetes, os fatos o poderiam ser observados, estudados, compreendidos e
classificados, e assim re-propostos para a cidade na forma de um conhecimento
aplicativo.
Logo nas primeiras páginas do número intitulado
$!&
um artigo do engenheiro civil João Pereira Ferrás expondo as necessidades e
solicitando a construção e equipamentos para o laboratório de hidráulica, a
então não existente na instituição, o que, segundo o engenheiro, consistia numa
falta grave para a formação moderna dos então atuais engenheiros. Com todo o
problema das águas a rondar perpetuamente São Paulo, o estudo na área
hidráulica fazia-se indispensável, pois represas precisavam ser projetadas. A
Várzea do Carmo sempre inundada pelas cheias do Rio Tamanduateí exigia
saneamento. Por isso, a proposição da praticidade das salas de aula Escola
passava indispensavelmente pelos estudos de hidráulica.
20
Outro exemplo dessa ênfase prática e útil são os cursos teóricos de
Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções, que eram
20
Ibidem, p. XII-XIII.
101
acompanhados respectivamente, ano a ano, pelos cursos práticos de Organização
de Projetos e Experimentação de Materiais.
21
As aulas práticas permitem que os engenheirandos cheguem a questionar
os porquês; assim sua formação não estaria restrita a necessidade do saber fazer,
mas sim estaria a par das razões do porque se faz de um jeito e não de outro.
22
A Revista Politécnica, ao referir-se à instituição a que estava ligada,
constrói um discurso em tom ufanista e enaltecedor. Frases de tipo: tal curso da
Escola Politécnica se acha talvez colocado em primeira linha entre os cursos do
Brasil, tal professor da Escola Politécnica é o maior expoente do assunto na
América Latina, tal laboratório encontra-se entre o mais bem equipado do Brasil,
são colocações recorrentes ao longo desses primeiros números. Ela chama para
si adjetivos enaltecedores seja do ponto de vista dos recursos humanos ou dos
técnicos. Por isso, era imperioso fazer os laboratórios, gabinetes e salas de aula
de acordo com os processos então em prática nos melhores centros de ensino
dos outros países, como o laboratório de química que estava:

!
23
Parecia existir uma necessidade inaudita desde os primórdios de sua
existência em ser e estar entre as melhores do Brasil, da América Latina e do
Mundo. No que diz respeito ao Brasil, é bom lembrarmos que o único parâmetro
possível era a Escola Politécnica do Rio de Janeiro
24
, visto que a Escola de Minas
de Ouro Preto já havia sido desativada.
Ufanismo similar encontramos apenas nas notas de divulgação do Manual
de Resistência dos Materiais, elaborado pelo Grêmio Politécnico durante o ano de
1904. Ele estava dividido em oito partes: cimento, cal, concreto, pedras naturais,
tijolos, telhas, madeiras e metais. Em cada número da revista, eram transcritas as
21
Ibidem, p. XIV-XVII.
22
Ibidem, p. XXXV.
23
Ibidem, p. XXII.
24
A Escola Politécnica do Rio de Janeiro recebe essa denominação em 1873, por meio da Lei
Imperial 2.261, mas sua origem remonta a 1810 com a criação da Real Academia Militar,
responsável pela formação de engenheiros geógrafos e topógrafos. Em 1858, a Escola Militar
102
matérias elogiosas publicadas nos diversos jornais de São Paulo, Rio de Janeiro
ou outros, ou quando não, louvores escritos por eles mesmos, para eles mesmos
editarem.
Se, para a sua publicação os politécnicos tinham louros a decantar, não
era essa a posição de alguns engenheiros do Rio de Janeiro, como o Eng. Carlos
Euler, do Clube de Engenharia e funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil
que, em notas publicadas nos jornais daquele Estado, afirmava estarem errados
vários dos cálculos apresentados pelos paulistas, principalmente acerca da
adoção de padrões para as experiências relacionadas ao manual. Os politécnicos,
entretanto, sempre defenderam o seu trabalho.
25
A questão por nós discutida não é a de problematizar se eles eram/estavam
ou não entre os melhores como diziam, mas perceber que era assim que eles se
identificavam, era assim que eles se reconheciam e queriam ser reconhecidos na
construção de sua própria identidade social, de sua experiência histórica de
pertencer e construir uma escola de engenharia em São Paulo, como lemos a
seguir:
... uma curva ascendente, inspirada na harmonia e na ordem, na actividade e no
trabalho, delineada modestamente, mas sem inflexões nem descontinuidades.
...
... Escola de Engenharia significa, para os que a conhecem em seu intimo, a escola
da verdade, do methodo, do bom critério, e neste ponto eu vos direi immodestamente que o
passou a se denominar Escola Central, destinada ao ensino das matemáticas, ciências físicas e
naturais e engenharia civil. SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 420-422.
25
Na Revista Politécnica, encontramos essa defesa por parte de Grêmio: Não sabemos o que
mais extranhar em tudo quanto acabamos de longamente examinar, si a simplicidade com que o
Eng. Carlos Euler affirma ao Club de engenharia o que, em relação ao Manual vimos de revelar
inteiramente falso, ou si a facilidade com que esta illusrada corporação, que todos nos habituamos
a acatar, funda uma parte do seu parecer, na opinião confusa e capciosa daquelle engenheiro... E,
como única explicação, preferimos, para que não se torne antipathica a nossa attitude nesta
refutação, levar tudo isso á conta de engano ou descuido, ainda que tal pareça pouco provável,
deante do apuro com que parece ter sido redigido e revisto o parecer, em questão, que nos chega
ás mãos nitidamente impresso á machina, em papel rubricado a cada pagina, conferido a cada
passo sob o autographo de mais de um membro da Directoria do Club”. Revista Politécnica, 9,
p. 165. O Prof. Willy M. Fischer, chefe do Gabinete de Resistência dos Materiais, fundamentou sua
resposta no princípio de autoridade ao afirmar que a contra-prova dos testes foi feita em Viena,
Berlim, Zurique, e nos Estados Unidos. Ibidem, p. 175.
103
instituto paulista se tem collocado sempre em posição elevada no departamento de
instrucção superior do nosso paiz
26
Uma das preocupações dos politécnicos é com o embelezamento da
cidade, para que ela deixasse de ter um aspecto provinciano de construções não
planejadas. Para alterar essa situação, eles estariam prontos a contribuir, pois:
Aqui existe uma plêiade distincta de architectos a cujo esforço e trabalho
incessantes a velha cidade fradesca e acaçapada de prédios antigos, escuros com seus largos
beiraes projectantes, janellas baixas e portas pesadas, despidos de toda elegância e baldos de
todo o conforto, deve a sua transformação architectonica de que os paulistas
justificadamente se orgulham.
27
Uma das dificuldades apontadas para essa transformação é a existência de
leis tolerantes com construções improvisadas e de valor artístico duvidoso, e isso
concomitante à ausência de uma censura artística por parte das autoridades
competentes no que diz respeito às novas edificações, pois somente com a
conivência do poder público seria possível uma mudança na urbanização
paulistana.
28
Em um artigo sobre a residência de Flávio Uchoa, obra do arquiteto Victor
Dubugras, professor da Escola, há a seguinte observação:
Situada no bairro da Consolação, em terreno de leve aclive, donde se descortina
larga perspectiva, destaca-se em silhueta graciosa
silhueta graciosasilhueta graciosa
silhueta graciosa, dando uma nota de arte
uma nota de arteuma nota de arte
uma nota de arte naquelles sítios
se aspecto ainda algum tanto rústico pela falta de habitações próximas.
29
Para transformar a “velha cidade fradesca” em uma nova com “silhueta
graciosa, com uma nota de arte”, é corroboravam os cursos da Escola Politécnica.
26
Revista Politécnica, nº 13, p. 291.
27
Ibidem, nº 2, p. 75.
28
Ibidem, p. 75-77.
29
Ibidem, p. 76. Grifo nosso.
104
A imagem que a Escola Politécnica constrói de si é a de que eles
representam o futuro e o progresso do Brasil
30
, tido como um país jovem no
sentido de fraco e inexperiente diante das nações tidas como civilizadas, ou seja,
a Europa, com destaque para a Alemanha e Suíça, e na América, os Estados
Unidos. Para a construção deste novo Brasil, encontramos, unidos na Escola, os
ideais de arte, ciência e indústria que conduziriam à criação:

!9
31
Esta relação entre arte, ciência e indústria se diluiria ao longo do século
XX, permanecendo apenas o binômio ciência-indústria. Neste momento, a arte era
o espelho do bom, belo e verdadeiro, sendo:
... a Arte a expressão mais nítida do sentimento essência immutavel da alma,
fogo sagrado da vida, na phrase do prof. Archinti vem de muito emprestando á vida
brazileira o colorido quente que eleva o coração e dignifica o espírito...
32
Nos primeiros números da Revista Politécnica, n
os
3 e 4, publicadas no ano
de 1905, encontramos duas matérias dedicadas a exposições artísticas realizadas
em São Paulo, evidenciando essa aproximação entre arte, ciência e indústria,
presente na percepção de engenharia quando do surgimento da instituição.
Somente e apenas em 1947, no nº 150, teremos um novo artigo sobre o tema.
33
A ciência configurava-se no trabalho dos operários intelectuais na busca da
verdade, realizando isso no campo da observação e da experiência. A indústria
era um conceito ainda em construção no próprio meio acadêmico paulistano.
Indústria era algo que não se sabia bem o que significava, mas era o que dava à
Alemanha, Suíça e Estados Unidos o diferencial de “civilizados”, portanto um
modelo à ser seguido. Cabia a engenharia construir a civilização moderna na
30
Na edição comemorativa do XI aniversário da Escola Politécnica, destaca-se o nome de Cesário
Motta Jr. como fundador e grande organizador da Instituição, ressaltada como o primeiro instituto
estadual de ensino superior de São Paulo. p. XII.
31
Revista Politécnica, nº 2, p.115.
32
Ibidem, p. 116.
33
Os artigos a que nos referimos são os seguintes: “Uma exposição de arte”, Revista Politécnica,
3, p. 155-159; “A arte em São Paulo”, Revista Politécnica, nº 4, p. 233-241 e “Uma arte
desconhecida”, Revista Politécnica, nº 150, p. 293-297.
105
propagação dos princípios e dos ideais científicos que construiriam assim o Brasil
moderno, sem medo ou desânimo.
Por isso, encontramos sempre aquele citado tom ufanista e nacionalista,
de grandeza moral e unidade da Pátria, nas linhas e entrelinhas de todo o texto da
nascente Revista Politécnica, que se concebia como porta-voz do grupo que traria
a civilização para São Paulo.
Mesmo desejosos de serem os paladinos do progresso em São Paulo, eles
tinham consciência das dificuldades inerentes à atuação profissional do
engenheiro, como afirma o então engenheirando Hypollito Pujol Jr. em seu
discurso em homenagem ao XI aniversário da Escola Politécnica:
Em nosso paiz, a vida apresenta-se ao engenheiro plena dos mais terríveis
obstáculos para a realização dos seus ideaes.
Nós ainda não somos um povo industrial
Nós ainda não somos um povo industrialNós ainda não somos um povo industrial
Nós ainda não somos um povo industrial; os capitalistas se retraem; dahi, resulta
essa estagnação em todos os ramos de nossa actividade, fazendo mergulhar no ostracismo
personalidades cuja competência é merecedora do mais profícuo aproveitamento.
Embora ainda não estejamos na verdadeira arena da engenharia, é esse um ponto
negro que quase nos abate, quase nos desanima...
34
Observamos que aqui a questão ainda não é a de um País industrial. Trata-
se de propiciar as possibilidades para que esse povo construa sua identidade
industrial, numa identificação com o modelo econômico capitalista proposto pelo
mundo civilizado que servia de parâmetro à elite local, mas até então inexistente
no Brasil. É essa a experiência que os sujeitos sociais politécnicos vivem ou
querem viver no País.
Com o passar do tempo, a Revista ganha uma feição cada vez mais
tecnológica, aqui entendida como a aplicação de conhecimentos teóricos para a
resolução de questões práticas.
34
Revista Politécnica, nº 2, p. 176. Grifo nosso.
106
Os artigos publicados ficavam cada vez mais próximos dos assuntos
debatidos nas salas de aulas da instituição, e o que aí se debatia eram as
possíveis repostas para questões ligadas ao como construir o progresso em São
Paulo? E o que é o progresso? Ele é a aplicação social do saber cnico, é levar
às ruas e edifícios as propostas gestadas nas salas de aula da Escola Politécnica.
concomitantemente o caminho inverso: a cidade que propõe para a instituição
problemas a serem solucionados.
Esse processo é uma via de o dupla, mas quem resolve/soluciona é a
engenharia, como lemos num artigo intitulado “Transporte de uma caldeira”:
Appareceu para ser transportada pela estrada de ferro 7 uma caldeira
typo, Lancastre, cujas dimensões eram taes, que não permittiam a sua passagem pelos
túneis, quando acondicionada em uma gôndola.
Deante desta difficuldade o transporte tornou-se um problema e ao Dr. J. Maria
Borges, lente substituto da cadeira de machinas da Escola polytechnica de S. Paulo coube
resolvel-o.
35
Ao lente da Escola Politécnica cabe resolver problemas. A engenharia não
se concebe como promotora de problemas, como muitas vezes a ciência faz, mas
visa solucionar os existentes. Os institutos de pesquisa buscam soluções para
os problemas e não problemas para si próprios. Uma caldeira passa pelos túneis
da Estrada de Ferro Sorocabana, desde que se projete uma solução. Resolvido
esse problema, outros surgirão, para também serem solucionados, com os
parâmetros até então conhecidos pela engenharia, e que esses profissionais
poderiam aplicar.
Na Revista Politécnica, havia espaço para artigos que apresentavam
biografias de docentes ou discentes que faleceram, comentários sobre ações do
governo, resenhas sobre exposições de artes, transcrição das conferências
promovidas pelo Grêmio Politécnico, relatórios dos professores sobre questões
sociais e didáticas, evidenciando que não de cálculo vivia os engenheiros. Na
107
sua formação, pelo menos naquela época, deveria haver espaços para outras
abordagens que compunham sua formação mais integral, que muitas pesquisas
ao discorrerem sobre o ensino de engenharia, negam ou querem deixar de lado,
como se apenas números e cálculos fizessem parte da formação do politécnico.
2.3 – Profissão: Engenheiro
O engenheiro o possuía no início do século XX o prestígio de outras
profissões liberais como médico ou advogado, que desde o período Colonial
ocupavam os principais cargos públicos da estrutura administrativa do País. Diz a
tradição familiar das elites brasileiras do período colonial e imperial que o filho
primogênito estava destinado a ser bacharel; o segundo deveria ser padre; o
terceiro médico; os demais, fazendeiros. Assim sendo, engenharia não fazia parte
dos planos de nossa elite, e isso não naqueles tempos mais remotos. Olavo
Setubal ao ser questionado por seu pai, Paulo Setubal, que profissão ele desejava
seguir, esse lhe respondeu que gostaria de ser “engenheiro”, ao que seu pai lhe
respondeu: “Não faça isso, é profissão de segunda. Você tem de ser advogado. O
Brasil é a terra dos advogados”.
36
Seu filho não deveria cursar a faculdade de
engenharia, pois este País não valorizava essa profissão, que ele fizesse a
Faculdade de Direito, essa sim uma nobre profissão. Esse fato ocorreu em janeiro
de 1937 quando a Escola Politécnica contava com quarenta e quatro anos de
existência, a industrialização do País tinha saído da estaca zero e o número de
escolas de engenharia já chegava quase a uma dezena.
37
35
Idem, nº 4, p. 243.
36
CARTA, M. Esperançoso Dr. Olavo. Carta Capital, nº 246, p. 36.
37
Olavo Egydio Setubal é presidente do Conselho Administrativo do Banco Itaú. Nasceu em 16 de
abril de 1923, em São Paulo. Estudou na primeira turma do Colégio Universitário nos anos de 1939
e 1940, e em 1941 ingressou na Escola Politécnica, concluindo o curso de Engenharia Mecânica e
Eletricista em 1945. Trabalhou na Escola Politécnica entre 1949 e 1952 como assistente da
cadeira nº 21, Máquinas Elétricas I e II. EPUSP/APFI/ Cx. 56 e EPUSP/APFII/Prontuário de
funcionário/Cx. 152.
108
Esse tipo de visão vigente no País em meados do século XX tem seu
paralelo no Brasil do século XIX quanto o Barão de Mangaratiba, fazendeiro de
café da Província do Rio de Janeiro, pai de Francisco Pereira Passos, também se
mostrou relutante em relação à profissão de engenheiro que o filho havia
escolhido, pois achava que “filho de um Barão do Império tinha que estudar
Direito, para vir a ser Ministro, Senador, ou quem sabe Presidente do Conselho”.
Engenheiro era, no entendimento da época, uma profissão sem valor, destinada
aos pouco inteligentes e de condição social inferior. Fato é que a engenharia, bem
como a arquitetura o eram consideradas como uma profissão e se confundiam,
inclusive, com uma atividade popular.
38
Na primeira metade do culo XX a engenharia teria uma trajetória em
busca ainda do reconhecimento jurídico da profissão no Brasil, que se realizara
inicialmente com a lei estadual 2.022, de 27 de dezembro de 1924
39
, primeira
regulamentação estadual da profissão, e o Decreto-lei Federal nº 23.569, de 11 de
dezembro de 1933 que regulamenta o exercício das profissões de engenheiro, de
arquiteto e agrimensor, no âmbito nacional.
40
A pujança desse caminho histórico pelo reconhecimento da profissão de
engenheiro pode ser percebida no discurso do prof. Francisco Ferreira Ramos, por
ocasião da formatura da turma de 1920:
Todas as profissões menos a nossa têm sua defesa official na lei. Não se pode
clinicar sem possuir carta medica; não é permitido abrir pharmacia a que não for
pharmaceutico por lei; não pode advogar ou ser juiz quem não exhibir diploma de bacharel
ou doutor em direito.
Entretanto, senhores, todos podem exercer a profissão de engenheiro sem ter
prestado para isso as provas legaes.
41
38
TELLES, P. C. da S., História da Engenharia no Brasil, 1
o
vol., p. 583.
39
Colleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo, 1924, p. 63-65.
40
RIOS, A. M. de Los, Consolidação das Leis e Atos Oficiais de exercício da engenharia,
arquitetura e agrimensura, p. 79-101.
41
Revista Politécnica, nº 62, p. 206.
109
A justificativa que o orador para a necessidade da regulamentação da
profissão de engenheiro é o de que seu exercício ilegal pode provocar mortes ou
graves acidentes. Os parâmetros de comparação usados pelos engenheiros são
os habituais, ou sejam, os curandeiros, isto é, aqueles que exercem a medicina
sem estarem habilitados, o manipulador de rmulas que pode,
"

e o rábula que com sua atuação pode provocar graves erros
judiciários. Diferente não o é na prática ilegal da engenharia, quando um falso
engenheiro pode construir pontes e vias férreas que matem, pode edificar prédios
que desabem e dimensionar estruturas elétricas que causem incêndio, tudo isso
incorrendo em graves acidentes à sociedade.
A consciência de uma classe profissional é algo que se constitui ao longo
do seu processo histórico, e muitas vezes é no embate com o outro, com o
diferente, que uma determinada classe estruturada a sua autoconsciência. Para os
politécnicos, não foi diferente. Os outros, eram os bacharéis do Largo S.
Francisco, e o campo de disputa da atuação foi composto pela esfera política no
Estado de São Paulo. Em parte, nesse empate se constituiu a construção da
identidade do politécnico. Portanto, é necessário conhecermos um pouco sobre o
bacharel.
A cidade de São Paulo teve sua história no século XIX marcada pela
instalação da Faculdade de Direito, no largo São Francisco. Seus bacharéis
formaram, ao longo dos anos, a elite administrativa da Cidade, e é essa
inteligência jurídica que trilhou os caminhos da história da cidade.
42
A biblioteca da Academia era uma das vias pelas quais as idéias de fora
deveriam penetrar e disseminar-se pela cidade.
43
O bacharelismo não era uma característica apenas de São Paulo. As
academias do Largo São Francisco, de Recife e Rio de Janeiro constituiram-se, no
42
Sobre a figura do bacharel em ciências jurídicas e sociais no que diz respeito a sua influência na
São Paulo do século XIX, podem ser lidos: MORARCHA, C. op. cit., p. 19-31; VAMPRÉ, S.
Memórias para a academia de São Paulo.
43
MORSE, R. De comunidade a metrópole: biografia de São Paulo, p. 65.
110
Brasil imperial e republicano, como os construtores das elites política e intelectual
do País. Dessas academias, saía quase a totalidade das diversas áreas
profissionais, do educador ao jornalista, passando pelos cargos públicos e das
repartições particulares. Dos cursos jurídicos do País, advinha a hegemonia para
pensar e discutir as questões da democracia e do liberalismo que se colocavam
como preponderantes na política nacional. As concepções do jusnaturalismo,
presentes em sua formação, ajudariam na separação entre democracia e
liberalismo que aconteceria no século XX.
Outra influência do bacharelismo na política brasileira é apontada por
Fernando de Azevedo:
A esse predomínio do bacharelismo cultivado por todo o Império nas duas
faculdades de direito, e de influência crescente nas elites políticas e culturais,
prendem-se a notável preponderância que teve o jurídico sobre o econômico, o
cuidado de dar a sociedade uma estrutura jurídica e política sobre a preocupação de
enfrentar e resolver os seus problemas técnicos.
44
Esse juízo, escrito em 1943, era discutido desde os primeiros anos do
século XX pelos politécnicos que arvoravam para si a competência política
justamente por terem na sua formação essa capacidade de “resolver os seus
problemas técnicos”, tão aquém das habilidades profissionais dos bacharéis.
Em outro trecho, a supremacia dos cursos de Direito é assim descrita por
Fernando de Azevedo:
Certamente, as classes, agrupando e separando as profissões, influíram
poderosamente, por todo o Império e na República, sobre a escolha das profissões
liberais que passaram a ter uma supremacia evidente, como ocupações nobres, sobre
todas as de caráter técnico, manual e mecânico. Em nossa elite, porém, quase
inteiramente constituída de advogados, médicos e engenheiros, foram aqueles
bacharéis e doutores, que adquiriram, na hierarquia interprofissional, maior autoridade
e prestígio.
45
44
AZEVEDO, F. A cultura brasileira, p. 299.
45
Ibidem, p. 295. A predominância maciça de bacharéis na administração pública no Brasil teve
origem na estrutura portuguesa, remontando a uma decisão das Cortes de Coimbra em 1385 que
111
Na Revista Politécnica, a rivalidade entre bacharéis e politécnicos aparece
pela primeira vez na alocução do representante do Grêmio, Pinheiro Lima, nas
comemorações por ocasião do XII aniversário da instituição. Após as saudações
iniciais, há a preocupação em levantar a bandeira pela difusão do ensino superior
no País. Por existir no País, naquela época, um contingente acentuado de
analfabetos, o ensino superior era visto por muitos como um luxo ao qual o País,
isto é, os cofres públicos, não deveria estar disposto a pagar. Por isso, ao
defendê-lo, utilizavam-se colocações veementes da difusão desse ensino para
todos, sim para todos, ao dizer:
... nenhum objectivo nos parece hoje mais nobre, mais justo do que aquelle que visa
a iniciação de todos os homens
a iniciação de todos os homensa iniciação de todos os homens
a iniciação de todos os homens nos phenomenos natuares e sociais...
Não sejamos egoístas, mascarados em sociólogos; a instrucçao superior não póde ser
limitada a um pequeno numero de privilegiados pela fortuna ou pelo nascimento, sem o mais
grave attentado ao espírito liberal do nosso tempo.
...
Impulsionemos, sem receio, a Medicina, o Direito, a Engenharia; ellas contribuirão
incessantemente para encaminhar com segurança os homens em suas relações sociaes, moraes
e políticas.
46
Aqui a instrução é vista como fórmula de aperfeiçoamento social, moral e
político do País em busca de uma linha de progresso ditada pela Alemanha, Suíça
e Estados Unidos.
A engenharia não deveria ser vista como um emaranhado de regras banais
de construção, à mercê de mestre de obras:
Ella não é apenas um cadinho, onde se undem a experiência e a pratica dos séculos,
para se obter um producto material, capaz de modelar o corpo que nos dará conforto, capaz
determinou que todos os cargos mais altos da burocracia estatal fossem ocupados por homens de
formação jurídica. CARVALHO, J. M. de, A construção da ordem, p. 93-117.
46
Revista Politécnica, nº 11, p. 292-293.
112
de estender a nossos pés o tablado em que se desenrola a scena humana, capaz de desbravar
o mundo ignoto para tornar mais intensa, mais fecunda a nossa lucta pela existência.
47
Feitas essas primeiras colocações, Pinheiro Lima entra no cerne de sua
discussão, que é a de apontar a Escola de Engenharia como a mais apta para
preparar os homens à esfera pública. E mais do que isso, define a engenharia na
construção dessa dialética da compreensão do fenômeno e a repetibilidade da
experiência:
Subordinada á sciencia, que única entre todas, possue o glorioso titulo de exacta,
presa directamente á Logica e á Philosophia, nas suas mais elevadas conclusões e
concepções, a Engenharia, analysando profundamente o meio e os factores que nelle entram,
investigando sem cessar sobre as causas e os effeitos dos phenomenos, é positivamente a
mais útil escola de educação política.
48
É muito interessante a construção do argumento de Pereira Lima, que
primeiro, subordina a engenharia às ciências exatas, ligada à lógica e a filosofia e,
depois, a qualifica como a mais útil escola de educação, não profissional ou
instrumental, mas de educação política, isto é, preparar homens para os cargos
estratégicos da administração pública que seriam então ocupados pelos
engenheiros, e não por bacharéis, que pela sua formação não estão aptos a
resolver os problemas urbanos, mas, sim, a ficar discutindo sobre os mesmos.
Depois de conceituar a engenharia e classificá-la como “a mais útil escola
de educação política”, justifica não a engenharia, mas todo seu discurso
educacional como um discurso moralizador, que, pela instrução, transforma os
homens em bons cidadãos úteis à família e à Pátria, e portanto aptos a política:
Para servir a vida pública, honesta e digna, ellla habilita perfeitamente aquelles
que se iniciam em seus mystérios, ensinando-lhes o amor á verdade, á ordem, á proporção,
47
Ibidem, p. 293.
48
Ibidem, p. 293.
113
pelos exemplos purissimos e convincentes encerrados nas leis immutaveis da sciencia
abstracta.
49
Dentre as reflexões que essas poucas linhas escritas em 1906 propõem,
vejamos algumas. Vida pública honesta e digna a busca de uma moralidade
da esfera pública passando pelas qualidades de honestidade e dignidade
habilitadas pela participação nos bancos de instrução do ensino superior. E neste
momento, o pobre e o analfabeto ficam explicitamente excluídos de serem
honestos e dignos e mais ainda excluídos da participação da vida pública.
Então, Pereira Lima, concluindo o seu raciocínio, arvora para a engenharia
a franca entrada na vida pública, num confronto com os bacharéis do Largo S.
Francisco:
Porque, então, esse afastamento da communhão política nacional, porque esse
retraimento em todos os negócios públicos, levado ao extremo de considerar a política
pratica prerogativa dos cultores do Direito?
50
Nos anos que se seguiram esse embate tornou-se cada vez mais acirrado.
Paulatinamente vislumbra-se a maior participação dos engenheiros na vida pública
paulistana, inicialmente na área de obras públicas e transportes e depois num
espectro mais amplo, mas certamente não naquela aqui pleiteada por Pereira
Lima.
51
O ingresso dos ex-alunos da Politécnica na esfera pública é um assunto
recorrente na oratória de paraninfos e representantes de turma, por ocasião das
solenidades de formatura. O Prof. Alexandre Albuquerque, ex-politécnico e
paraninfo, adverte os formandos de 1933, ou seja a primeira turma a se formar
49
Revista Politécnica, nº 11, p. 293-294.
50
Ibidem, p. 294.
51
Sobre a participação dos engenheiros na vida pública, ver: Cerasoli, J. F., A Grande Cruzada: os
engenheiros e as engenharias de poder na primeira Republica, p. 180-197. Em novembro de 1993,
a Escola Politécnica promoveu no Instituto de Engenharia a “Semana dos Prefeitos Politécnicos”,
Com a participação de Olavo Setubal, Paulo Maluf e Mário Covas entre outros.
114
após os acontecimentos da Revolução de 1932
52
, sobre os perigos advindos do
mal político, para ele o responsável pelo levante anterior:
... funcionários pouco escrupulosos, que mal zelam os dinheiros da nação, e que
não se pejam de fomentar panamás, desde que em suas águas possam fazer pescas
milagrosas. São elementos que desmoralisam épocas e atrazam a marcha do paiz; - são o
caruncho destruidor de caracteres, desmoralizador de raças.
53
A Escola julgava-se fundamental para o progresso paulistano, e formar
cidadãos com uma consciência do fazer na prática política seria a contribuição dos
politécnicos. O engenheiro é aquele que tinha caráter moral, por conseguinte não
desvirtuaria o bem público, e como diz textualmente o engenheirando Guilherme
Winter, nos festejos do XIII aniversário da instituição, em 1907:
Creando esta Escola, Cesário Motta oppusera uma barreira á energia gerada pela
deficiência do nosso ensino technico superior, antagônica ao nosso progresso.
54
Mas, a idéia de vincular o progresso e o desenvolvimento de São Paulo à
existência da Escola Politécnica é algo presente desde sua inauguração, quando
em seu discurso Cesário Motta Jr.
55
afirma:
52
A participação da Escola Politécnica na Revolução Constitucionalista de 1932 é bastante
acentuada por ter sido ela a responsável pelo armamento utilizado pelos revolucionários. Uma
parte da logística da revolução foi pensada pelos politécnicos. Na formatura de 1933, tais
acontecimentos são enfaticamente lembrados no discurso do paraninfo, Prof. Alexandre
Albuquerque. Sua argumentação é a de que São Paulo venceu a Revolução, mesmo que não
tenha alcançado os objetivos propostos. Após exaltar a honestidade e o patriotismo dos alunos na
vida pública e privada, lembrou que:
):D
"E
"    /?   #       " <= ( 
F
    ! "        

Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 80.
53
Ibidem, p. 79.
54
Revista Politécnica, nº 14, p. 109.
55
Secretário do Interior do Governador Bernardino de Campos, que, como membro do Executivo,
buscou junto ao Legislativo a aprovação da lei que criou a Escola Politécnica.
115
Como eu, conheceis a enorme responsabilidade que pesa sobre vós. Iniciando uma
Escola Superior em S. Paulo, sois responsáveis, até certo ponto, pelo seu progresso e
desenvolvimento...
56
Entretanto, esses politécnicos que, desde 1899, eram formados por uma
Instituição de ensino superior reconhecida pelo Governo Federal, esses
profissionais que pouco ou não tão pouco participavam da administração pública
da cidade, não tinham essa sua específica atividade profissional regulamentada.
A trajetória para o reconhecimento oficial da profissão de engenheiro
começa na construção da valorização do diploma expedido pela Escola
Politécnica, algo a ser continuamente defendido no seu âmbito institucional. Esse
um ponto em que a Congregação da Escola não aceita transgressões. Ao longo
dos anos, ela estará sempre unida para levar a cabo este reconhecimento iniciado
por aquele grupo de professores constitutivo das origens da Escola. Para esse
grupo de engenheiros, era preciso sedimentar a importância de se ser
engenheiro diplomado pela Escola Politécnica de São Paulo. em 1899 a
Congregação encaminha uma carta ao deputado do Congresso Federal, Dr.
Antonio Manoel Bueno de Andrada em agradecimento por ter ele apresentado o
projeto de lei, que foi aprovado na Câmara nas três discussões em que foi
apresentado, pelo qual, são válidos em todo o País os diplomas fornecidos por
este instituto. Afirmam que feito isso:
... reconheceu os esforços do Governo do Estado de S. Paulo e a dedicação do corpo
docente da Escola em ministrar do melhor modo possível a instrução que lhe está confiada,
para o bem e engrandecimento da nossa pátria.
57
Após o reconhecimento de seu diploma Câmara dos Deputados em
setembro de 1899, a Escola Politécnica ainda teve que esperar todo o ano de
1900, para comemorar sua equiparação a Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
56
Revista Politécnica, nº 22, p. 181.
57
EPUSP/APFI/L-35, p. 366.
116
Em 25 de agosto, o Senador Virgilio Damásio Moraes Barros A. Azevedo,
presidente da Comissão de Instrução Pública, propondo algumas alterações no
projeto da Câmara, deu parecer favorável à equiparação dos diplomas expedidos
pela Escola Politécnica de São Paulo a sua congênere Federal, e em 8 de
dezembro o Presidente Campos Salles assina o Decreto Federal 727,
reconhecendo como de caráter oficial os diplomas conferidos pela Escola.
58
Toda a querela de títulos e regulamentação da profissão de engenheiro tem
como pano de fundo, como foi dito, a não valorização dessa atividade
profissional. Em 1903, queixa-se que no Brasil temos uma sociedade em que as
indústrias se acham apenas esboçadas, sendo assim todos se julgam aptos para
o exercício das ações devidas ao engenheiro, visto que bem poucos são os que
sabem avaliar o valor real dos conhecimentos tecnológicos. Prova disso é que
tendo a Escola habilitado trinta e oito pessoas para o exercício das profissões de
agrimensor e mecânico, segundo era do conhecimento do diretor nenhum, isso
mesmo, nenhum destes formandos estavam desenvolvendo atividades
correlacionadas a essa sua formação. Estavam todos, ou desempenhando, ou
exercendo outro tipo de atividade profissional. Evidentemente não estamos
falando aqui do engenheiro diplomado, mas de um serviço cnico anterior, que,
mesmo sendo útil, não era necessário no entendimento da sociedade.
59
Mesmo com o reconhecimento oficial, a cidade de São Paulo passou a ter
uma instituição que confere diplomas a um determinado grupo profissional, os
engenheiros, arquitetos e agrimensores. Com o decorrer dos anos para se
apresentar profissionalmente como agrimensor, arquiteto ou engenheiro passaria
a ser necessário, e cada vez mais o era, a comprovação por meio de titulação
dessa qualificação mencionada. Caberia à própria Escola Politécnica, a quem
compete a formação destes profissionais, a incumbência de dirimir a querela sobre
aqueles cidadãos, em parte advindos do exterior, que alegando terem
qualidades/instrução compatíveis com os títulos conferidos pela mesma, vinham
58
A transcrição do parecer do Senador Virgilio Damásio Moraes Barros A. Azevedo e o Decreto
Federal nº 727 podem ser consultados em: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 641-645.
59
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1903, p. 124.
117
requerê-lo no intuito de exercer as atividades legais inerentes ao diploma
solicitado.
Aqui se encontra a gênese da questão da regulamentação da profissão de
engenheiro em São Paulo, a perpassar as relações entre Escola Politécnica e a
Cidade ao longo de várias décadas. Veremos o desenrolar em São Paulo dessa
situação que era nacional, e que se fazia mais presente exatamente nas cidades
onde existia uma instituição que formava engenheiros, como Rio de Janeiro,
Recife, Porto Alegre ou Salvador.
A porta de entrada dessa controvérsia foi a própria legislação, ao acenar ou
não para a necessidade do diploma como exigência para o exercício da profissão.
Na Escola Politécnica, os regulamentos de 1893
60
, 1901, 1911 e 1918
61
foram
omissos quanto a validar a titulação dos portadores de diploma do exterior ou
profissionais que se apresentassem como capazes para realizar em São Paulo as
atividades de agrimensor, contador, geógrafo, ou dos diversos ramos da
engenharia. O regulamento de 1897 incluiu num dos últimos itens, sobre as
“Disposições Gerais e Disposições Transitórias”, um artigo indicando a
possibilidade para profissionais que não cursaram uma instituição de ensino
superior, ou se o fizeram em alguma que não possuía reconhecimento legal no
País, a possibilidade de requerer a titulação:
Artigo 270. Será permitido a quem o requerer fazer os exames das matérias de
qualquer curso para acquisição de titulo ou diploma, sendo para isso nomeada pela
congregação uma commisão especial, e preenchendo o candidato as condições
regulamentares.
62
60
Esse regulamento foi editado concomitante à Lei 191, de 24 de agosto de 1893, que criou a
Escola Politécnica, estando o texto integralmente transcrito em: SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p.
583-627.
61
No que diz respeito aos regulamentos da Instituição, foi utilizada a publicação de 1935,
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935, em que estão compilados os
Regulamentos dos anos de 1897, 1901, 1911, 1918, 1926, 1931 e o de 1935. Esta publicação
reúne em fac-simile as publicações de cada um destes regulamentos; por isso, ao iniciar-se um
novo regulamento, inicia-se também uma nova numeração de página.
62
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935, p. 50.
118
A primeira solicitação de que temos registro é apresentada pelo Sr. Lars
Swenson para exames de agrimensor.
63
Tendo recebido o título pela Escola
Técnica Elementar de Malmo, na Suécia, buscava, e de fato lhe foi concedido,
equiparar seu diploma aos agrimensores que cursaram os três primeiros anos na
Escola Politécnica. Tal solicitação levantou algumas questões até então
inexistentes, impelindo o diretor Paula Sousa a inquirir o Dr. Jo Pereira de
Queiroz, Secretário do Interior, se os peticionários deveriam ou não pagar a taxa
ao qual estavam submetidos os alunos da instituição, bem como os custos pela
expedição dos certificados. O secretário determinou que, quando o título fosse
concedido, seria aberto um livro para a inscrição dos nomes daqueles que
tivessem seu diploma validado pela Escola Politécnica, e as taxas escolares
deveriam ser pagas integralmente.
64
Em 2 de junho de 1899, a Congregação deu parecer favorável a equiparar
os títulos apresentados por Luciano José de Almeida, que realizou os cursos de
Bacharel em Ciências pela Universidade de Boston e pela Escola de Agricultura
de Massachussets, com o de engenheiro agrônomo expedido pela Escola. É
curioso notar que, quando essa convalidação ocorreu, ainda não tinha se formado
um único aluno como engenheiro agrônomo na Escola, o que ocorreria em
1901.
65
Com o passar dos anos, ficou evidente que uma estrutura acadêmica como
é a de uma escola não poderia ser o espaço mais indicado para a difusão da
engenharia como força política e econômica estadual, e também que a busca pelo
reconhecimento profissional necessitava de outros interlocutores. A escola tinha
todos os seus problemas formativos, acadêmicos e institucionais para se
preocupar e desenvolver. Carga horária, contratação de professores, problemas
disciplinares com os alunos, além dos problemas com notas, tudo isso ocupava o
dia-a-dia da Escola Politécnica. Era então necessário construir um outro espaço
onde os engenheiros, formados na Escola Politécnica, pudessem exercer sua
63
EPUSP/APFI/L-35, p. 105.
64
EPUSP/APFI/L-35, p. 110.
65
EPUSP/APFI/L-35, p. 258. SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 236.
119
prática profissional de uma maneira mais consistente, tendo como real finalidade a
estruturação dessa profissão, dos seus interesses profissionais e não do meio
acadêmico-formativo.
Para responder a essa exigência buscou-se estruturar uma associação de
classe que atuasse diante dos poderes públicos e a iniciativa privada em favor dos
interesses dos engenheiros paulistanos. Em 1876, é constituído, por carta do
governo da Província, o Instituto Politécnico de São Paulo, provavelmente a
primeira associação de classe dos engenheiros no Brasil. Tinha por objetivo
difundir os conhecimentos teóricos e práticos dos diferentes ramos da engenharia
e das ciências e das artes, bem como ser um espaço de confraternização dessa
classe.
Em 13 de outubro de 1916 nas dependências da Escola Politécnica, no
anfiteatro de química, sob a coordenação de Paula Sousa é escolhida a diretoria
provisória do Instituto de Engenharia, órgão de classe criado para defender os
interesses dos engenheiros. Sim, escolhida. Não se pode falar neste momento em
eleição, que essa associação de classe tem sua origem no desejo de um único
grupo, os politécnicos paulistas, não há, pelo menos neste primeiro momento,
grupos antagônicos em seu interior.
A Assembléia Geral de instalação do Instituto de Engenharia aconteceu em
15 de fevereiro de 1917, portanto em meados da primeira guerra mundial. Houve
pouca repercussão na rotina da Escola, que festividades ocorreriam neste dia
em decorrência das comemorações dos 23 anos de sua instalação. Não é sem
motivo a escolha dessa data, o Instituto de Engenharia surge como o braço
político da Escola Politécnica, para realizar aquilo que não lhe era possível visto
suas limitações acadêmicas e, além disso, por ser ela uma instituição estadual dá
qual não poderiam, seus membros, fazer parte de certas comissões
governamentais por estarem inseridos na estrutura jurídica do Estado. A
constituição da representação de uma Comissão de Classe daria aos engenheiros
um voto interno e outro externo na estrutura governamental, mas seriam sempre
os mesmos e estariam representando os mesmos interesses.
120
Para ser membro desse instituto a obrigatoriedade primeira era a de possuir
o diploma profissional, isto é ser um engenheiro formado numa Escola
reconhecida pelo Governo Federal. Mas nesse momento, 1917, ainda não estava
regulamentada juridicamente a profissão de engenheiro, isto é, mesmo aqueles
que não passavam por essa formação acadêmica poderiam, e estavam atuando
como profissionais, principalmente na área da construção civil, nos diversos
segmentos produtivos da cidade. Permitia-se assim, neste momento, a
visualização de dois grupos distintos: os que são engenheiros porque concluíram
um curso reconhecido pelo Governo, e os que exercem na cidade as atribuições
dos engenheiros. A regulamentação da profissão do engenheiro seria uma das
primeiras e principais bandeiras de luta do Instituto de Engenharia nos anos
seguintes.
De 1917 a 1920, Francisco de Paula Ramos de Azevedo, com o
falecimento de Paula Sousa assumiu a diretoria da Escola e esse logo inscreveu o
Instituto de Engenharia na Liga Nacionalista de São Paulo. Nos seus primeiros
meses de funcionamento, recebeu o pedido do prefeito de São Paulo de formar
uma comissão para organizar as bases de um novo Código de Obras, antigo
problema da capital, discutido nos muros da Politécnica. Coube ao Instituto a
elaboração desse Código. Mas quem formaria o Instituto neste momento senão
em sua quase totalidade o corpo docente e os egressos da Escola Politécnica.
Isso que dizer que era a própria Escola Politécnica que elaborou o Código de
Obras da Cidade. Sabe-se que era premente a edição desse código, mas era
necessária a criação dessa nova associação de classe para operacionalizá-la,
visto não poder caber a uma instituição de ensino tal atribuição.
66
A correlação entre Escola Politécnica e Instituto de Engenharia pode ser
identificada também pelos engenheiros que assumiram sua presidência.
Observando o quadro a seguir, visualizam-se os presidentes do Instituto de
66
A tradição dessa história de lutas. Evolução, p. 5.
121
Engenharia no período dessa pesquisa, bem como a relação dos mesmos com a
Escola Politécnica:
67
Nome Mandato no IE Vínculo com a EP
1 Antonio Francisco de Paula Sousa 1917 Docente/Diretor
2 Francisco de Paula Ramos de Azevedo 1917-1920 Docente/Diretor
3 Francisco Paes Leme de Monlevade 1921-1922 ---
4 Alexandre Albuquerque 1923-1924 Eng. Civil/1905/Docente
5 Francisco Salles Vicente de Azevedo 1925-1926 Eng. Civil/1914/Docente
6 Alberto de Oliveira Coutinho 1927-1928 Eng. Civil/1901
7 Luiz de Anhaia Mello 1929-1930 Eng. Arquiteto/1913/Docente
8 Francisco E. da Fonseca Telles
68
1931-1932 Eng. Civil/1909/Doc./Diretor
9 Roberto Simonsen 1933-1934 Eng. Civil/1909/Docente
A presença dos politécnicos foi majoritária não somente entre os
presidentes, vide que nesta lista de nove presidentes apenas um não teve vínculo
direto com a Escola Politécnica, Francisco Paes Leme de Monlevade, que era
engenheiro da Companhia Paulista de Estrada de Ferro.
69
Também entre os
sócios fundadores, e estudantes, categoria criada na primeira reforma do estatuto
em 17 de dezembro de 1921, temos a preponderância dos politécnicos.
67
Montamos este quadro com dados de: A tradição dessa história de lutas. Evolução, p. 5-7;
Chronicas e Informações, Boletim do Instituto de Engenharia, vol. V, p. 258-261; e
EPUSP/APFI/Pasta dos docentes.
68
Para saber mais: “IE lamenta a perda de seu ex-presidente”, Revista Engenharia, n
o
66, p. 4.
69
É exceção, nesta lista de nove nomes, Francisco Paes Leme de Monlevade, que trabalhou na
Companhia Paulista de Estrada de Ferro, por mais de meio século. Seu nome está relacionado à
eletrificação das linhas da Companhia na década de vinte. CORRÊA, J. M. S. A engenharia e a
unidade nacional. Boletim do Instituto de Engenharia, n
o
150, p. 537-551. Todo o n
o
150 do Boletim
do Instituto de Engenharia é dedicado à passagem do 20
o
aniversário da eletrificação da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, destacando as homenagens ao trabalho de Francisco
Paes Leme Monlevade.
122
Uma das principais atribuições do Instituto de Engenharia era a de emitir
pareceres sobre serviços e obras de interesse, em geral ligados ao poder público.
Dentre estes encontravam-se a crise dos transportes, o congestionamento dos
portos de Santos e São Sebastião e a sempre presente questão do abastecimento
da Capital. Fazia-se necessária a criação desse órgão de representação de classe
que pudesse exercer esse papel de emissor de pareceres técnicos juntos ao
Estado.
Concomitante à instalação do Instituto de Engenharia, encontra-se a
imediata publicação do Boletim do Instituto de Engenharia, pois a necessidade de
demarcar espaços e áreas de influência na cidade era premente neste momento.
Os engenheiros queriam e precisavam se fazer ouvir numa cidade com
crescimento acelerado há meioculo. A utilização da imprensa como forma de
difusão de suas idéias foi imediata, vide ser esse artifício usado décadas
pela Escola Politécnica com a edição de seu Anuário e da Revista Politécnica.
Uma das principais bandeiras de luta do Instituto foi a da regulamentação
da profissão de engenheiro, arquiteto e agrimensor no Estado de São Paulo. Em
outubro de 1921, Alcântara Machado apresentou na Câmara dos Deputados um
projeto com essa temática, que seria a base para a lei n
o
2.022, de 27 de
dezembro de 1924, promulgada pelo presidente Carlos de Campos.
Assim como a Escola Politécnica, o Instituto de Engenharia participou da
Revolução Constitucionalista de 1932. Em 23 de abril de 1931, reunidos em
Assembléia Geral Extraordinária, dirigem ao chefe do Governo Provisório um
manifesto pedindo a convocação da Constituinte no Estado. Não sendo atendida
tal solicitação, membros do Instituto de Engenharia em ação conjunta com outras
associações de classe da cidade, como a Ordem dos Advogados e a Sociedade
de Medicina, dirigiram às demais associações um apelo no sentido da rápida
institucionalização do país, o que não ocorreu chegando a Revolução. Dos
quadros dos engenheiros do Instituto, saíram os indicados para as delegacias
técnicas municipais, órgão auxiliar da Revolução, sob a coordenação da Comissão
123
Inspetora das Delegacias cnicas, sediada na sede do próprio Instituto de
Engenharia.
70
No dia 14 de julho, foi assinado pelo Governador do Estado o Decreto n
o
5.580, definindo a atuação dos engenheiros nas frentes de luta, nas cidades e nos
serviços de retaguarda. Em 2 de outubro, com a deposição do governo do Estado,
teve fim a Revolução Constitucionalista de 1932, na qual morreram treze
engenheiros ligados ao Instituto.
71
Retomando a discussão sobre cnica e tecnologia observa-se que nos
regulamentos do Instituto de Engenharia esse se identificava com as
preocupações de caráter eminentemente tecnológico. Questões dessa ordem
norteavam sua ação, tecnologia aqui entendida como a práxis da profissão do
engenheiro. É somente na década de 80 que o conceito de ciência passa a vigorar
no estatuto devido à atuação do Prof. Paulo Ferraz de Mesquita, e da atuação
cientifica fazer parte de suas linhas diretivas, por quanto a pesquisa não estava
entre as ações iniciais do Instituto de Engenharia.
72
A necessidade da regulamentação era, sem dúvida nenhuma, uma
exigência na busca de se mudar um quadro de desvalorização da profissão que se
cristalizou ao longo do século XIX e adentrou no século XX, dando suporte a
juízos como esse de J. F. Cerasoli na conclusão de sua tese:
Parece-me, assim, dissipadas ou relativizadas as certezas em relação à
suposição da prevalência dos engenheiros e dos seus técnicos na condução dessas
obras públicas. o vida de que o que prevalece, nessa rede plural de
intercâmbios, é o saber ou os saberes e práticas dos especialistas, e não os
profissionais formados institucionalmente com o auxílio de escolas como a Politécnica.
Na verdade, essa ação acaba adquirindo outros sentidos em intervenções indiretas,
na difusão dos saberes técnicos sobre a cidade e, nesse processo complexo de inter-
relações e influências, constituem com outros grupos os saberes dos especialistas.
73
70
Uma história de lutas e tradição, Evolução, Ed. Especial-setembro/86, p. 9-17, 1986.
71
Ibidem.
72
Ciência também é objetivo do IE, Evolução, outubro/83, p. 7, 1983.
124
2.4 – A regulamentação da profissão
A regulamentação da profissão de engenheiro em São Paulo foi um
processo paulatino com seus primórdios na própria instalação da Escola
Politécnica. São os profissionais oriundos dessa casa que passam a buscar o
reconhecimento jurídico de sua ação profissional. No desenrolar, por exemplo, das
obras de construção civil na capital, era mais predominante a atuação dos
mestres-de-obras do que a dos engenheiros.
74
De um modo simplista, podemos afirmar que em São Paulo foi a partir da lei
2.022, de 1924, e no Brasil pela lei 23.569 de 1933, que os engenheiros
obtiveram seu reconhecimento jurídico. Entretanto, houve evidentemente um
caminho anterior a essas legislações que minimamente garantiu o exercício dessa
atividade profissional que, durante o período colonial e imperial, era efetuada
livremente por qualquer um. Na época colonial tinha-se a concepção de que:
Qualquer indivíduo, sem título científico, podia dedicar-se a construções de
edifícios e pontes, a medições de terras, a quaisquer trabalhos de arquitetura ou
agrimensura. Exercer a engenharia era exercer um ofício comum de artífice, como o
dos marceneiros e alfaiates.
75
O fato de os fazeres dos engenheiros, arquitetos e agrimensores poderem
ser desenvolvidos por qualquer individuo a partir do desenvolvimento de sua
experiência pessoal, aliada à repulsa que no Brasil colonial se disseminou em
relação ao trabalho de artífices, levou a uma generalização da atuação profissional
do engenheiro que, só no decorrer do século XX foi regulamentada.
Anteriormente ao desenvolvimento das estradas de ferro, as atribuições
ligadas à engenharia eram basicamente as construções de casas, pontes ou
73
CERASOLI, J. F., Modernização no Plural: obras públicas, tensões sociais e cidadania em São
Paulo na passagem do século XIX para o XX, p. 303.
74
Em sua tese, J. F. Cerasoli afirma que entre 1865 e 1903 a administração municipal firmou mais
de mil contratos com empreiteiros para obras na cidade, inclusive a listagem destas obras, que
não são executas ou supervisionadas por engenheiros. CERASOLI, J. F., op. cit., p. 240.
75
LOS RIOS FILHO, A. M. de, Consolidação das Leis e Atos Oficiais de exercício da engenharia,
arquitetura e agrimensura, p. 6.
125
estradas. Secularmente essas atividades eram desenvolvidas por qualquer pessoa
simples do povo; portanto, o engenheiro não representava uma figura essencial
para a sociedade, pois não desempenhava uma função excepcional, fazendo o
que qualquer homem trabalhador poderia fazer. Diferentemente das atribuições do
médico e dos bacharéis que por terem conhecimentos/fazer aquilo que os demais
não sabiam eram chamados de “doutores”.
76
No período imperial, começam a surgir as primeiras leis sobre o exercício
profissional. No Rio de Janeiro, em 1861, o decreto 2.748 estabeleceu que a
Secretária de Agricultura, Comércio e Obras Públicas deveria ser aparelhada com
um Corpo de Engenheiros Civis. No ano seguinte, o decreto 2.922 estabeleceu
a exigência de que para fazer parte deste Corpo era necessário o diploma de
engenheiro civil.
77
Essa legislação era significativa, e foi reafirmada pelo decreto
4.696 de 1871, por começar a estabelecer, pelo menos para o serviço público,
a necessidade da habilitação de engenheiro; entretanto esse foi um processo lento
visto na década de quarenta do século XX ainda existirem, nas repartições
públicas de São Paulo, funcionários o habilitados exercendo a profissão de
engenheiro.
Uma das primeiras campanhas com a finalidade de se obter uma
regulamentação jurídica foi desenvolvida pelo Instituto Politécnico Brasileiro no
período de 1884 a 1886, por iniciativa do Eng. Luiz Schreiner visando obter junto
ao governo imperial a regulamentação das profissões de engenheiro e arquiteto.
Nesse momento, foi formada uma comissão presidida pelo Conde D’Eu, tendo
entre seus membros Paulo de Frontin, Carlos Sampaio, Luiz Rafael Vieira Souto,
Manoel Pereira Reis, Getúlio da Neves, Barão de Te e Pedro Betim, dentre
76
Sobre o desprestígio dos engenheiros, P. C. da S. Telles conta a seguinte história, frisando ser
“... exatamente verídica: Para os trabalhos preliminares de locação de uma estrada estava uma
turma de topografia andando no mato quando foi abordada por um caipira, que perguntou o que
eles estavam fazendo com toda aquela parafernália de teodolitos, níveis, balisas, miras, etc., ao
que explicaram que estavam escolhendo o melhor caminho para uma nova estrada. O caipira
respondeu então que eles costumavam fazer diferente; simplesmente soltavam um burro, e o bicho
ia instintivamente escolhendo o melhor caminho. Depois era abrir a picada seguindo o itinerário
do burro. ‘E quando vocês não têm nenhum burro?’ perguntou o chefe da turma ‘Nesse caso a
gente chama um engenheiro!’. Para eles o engenheiro era o sucedâneo do burro!” TELLES, P. C.
da S. História da Engenharia no Brasil, 2
o
vol. p. 708.
77
Ibidem.
126
outros, e o Instituto aprovou em 6 de outubro de 1886 uma minuta de
representação a ser enviada ao Ministro da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas. Após uma exposição de motivos propunha:
... que somente possam exercer no Brasil os cargos de arquiteto e engenheiro
os indivíduos, nacionais ou estrangeiros, que se mostrarem legalmente habilitados,
segundo disposições semelhantes as que existem para o exercício da advocacia e da
medicina.
78
Talvez pela conturbada situação política do fim do Império, tal minuta não
chegou a ser apreciada pelo Congresso, permanecendo essa questão por
algumas décadas no esquecimento.
Entretanto, neste período temos a regulamentação da profissão de
agrimensor pelo decreto federal nº 9.827, de 1887, que reconheceu a necessidade
do título de agrimensor e deu garantias ao exercício dessa profissão. A imperiosa
presença da atuação do agrimensor passou a ser exigida nas demarcações e
divisões de terras que estivessem em litígio judicial. Se tal procedimento não fosse
efetuado pelo profissional habilitado em agrimensura o processo seria nulo. Diante
de tal fato podemos afirmar que a necessidade da ação do profissional levou a sua
regulamentação.
79
Na Escola Politécnica, o marco para a solicitação da regulamentação da
profissão remonta à solenidade da colação de grau dos engenheirando de 1904-
1905, que contavam como orador da turma o formando Alexandre Albuquerque.
Em seu discurso, inflamou os engenheirando a entrarem na grande cruzada pelo
progresso do País e endereça um apelo às classes dirigentes do País para que
regulamentem a profissão de engenheiros. Afirma ser essa regulamentação um
ato em defesa das populações mais pobres contra os aventureiros de toda a
espécie a explorarem sua ignorância. Lembra que nos países mais “adiantados”
tal legislação existe, e como não poderia deixar de ser menciona a
regulamentada profissão de médico e advogado. Evoca a missão do engenheiro
78
Ibidem, p. 9.
127
como construtor do progresso e solicita tal regulamentação para que esses
possam disputar entre si as lutas da profissão e não com os aventureiros ousados
que exploram o povo.
80
Passados mais de 15 anos desse apelo realizado no salão nobre da Escola
Politécnica, encontramos o Instituto de Engenharia estabelecendo como uma de
suas metas prioritárias o reconhecimento legal da profissão de engenheiro.
Entretanto, o reconhecimento jurídico da profissão do engenheiro era tido por
alguns como contrário ao artigo n
o
72 da Constituição de 1891 que garantia a
todos o livre exercício de qualquer profissão. A antiga regulamentação que havia
para profissionais da medicina ou do direito não feria esse artigo constitucional,
nem mesmo a regulamentada profissão de agrimensor, muito pelo contrário,
pois se pressupunha a necessidade do estudo para se demarcar terras já no
período imperial. O que dizer então do encaminhamento jurídico de um processo
de assassinato ou da realização de uma cirurgia.
Algo aqui precisa ser ponderado: as ações da engenharia eram por vezes
tidas como de domínio público. A construção de uma casa, de uma ponte ou a
abertura de estradas eram realizadas pela própria população desde os tempos
mais remotos. Para que então serem necessários o estudo e a habilitação para
realizar tais ações? Havia um direito constitucional que garantia àqueles que se
julgassem competentes o livre exercício das atividades da engenharia.
81
No Brasil, a primeira atividade que passou a envolver mais efetivamente os
engenheiros foi a construção de estradas de ferro a partir da segunda metade do
século XIX. Pois planejar o traçado do percurso duma estrada de ferro entre
Campinas e Limeira, calcular as bitolas, dimensionar os dormentes e lastros,
calcular as velocidades limites nas curvas ou construir as locomotivas não era algo
de domínio público e necessitava de profissionais habilitados para tais
79
Ibidem, p.10.
80
Revista Politécnica, nº 5, p. 373-375.
81
A Constituição de 1891 deixou aos Estados a atribuição de legislar a respeito do ensino, e de
controlar as profissões técnicas dentro de suas jurisdições; todavia, muitos Estados nada fizeram
para regular e ordenar o desempenho de profissionais formados por instituições de ensino superior
criadas por esses próprios Estados. E conseqüentemente por não ser sua atribuição, não existia
nenhuma legislação federal sobre o assunto.
128
empreendimentos, como veremos no quarto capítulo. Na primeira metade do
século XX, a difusão e a utilização do concreto armado e da eletricidade como
fonte de energia trouxeram a tona a exigência da habilitação do engenheiro, pois a
execução dessas atividades passavam a demandar planejamento tecnológico, e
não mais apenas conhecimento técnico no decorrer de sua execução.
A construção das ferrovias também trouxe para o Brasil um grande número
de engenheiros estrangeiros, e com eles a discussão sobre a validade do diploma
dos mesmos em território nacional. Além dos estrangeiros que de fato cursaram
algum curso superior no país de origem, havia também a situação de brasileiros
que realizavam o curso de engenharia por correspondência, por vezes com estes
mesmos países. Todos esses casos passavam a exigir uma legislação sobre o
assunto.
A atuação do Instituto de Engenharia leva, em 1921, à Assembléia
Legislativa de São Paulo um projeto de lei visando regulamentar a profissão de
engenheiro, juntamente com a do arquiteto e agrimensor. Em defesa desse,
projeto, o Eng. Francisco Monlevade, então presidente do Instituto de Engenharia,
encaminhou a Assembléia uma “Exposição de Motivos” em favor da
regulamentação. Aos que afirmavam que tal regulamentação feria o artigo n
o
72
da Constituição de 1891, respondia que o garantido pela Constituição era a
liberdade de escolha de qualquer profissão. No entanto o exercício desta profissão
não poderia deixar de ficar sujeito às leis restritivas que os poderes públicos
tinham necessidade de criar para salvaguardar a vida, a saúde e a propriedade
dos cidadãos, pontuando os riscos que a atuação incorreta do profissional de
engenharia poderia acarretar para a sociedade em geral. Portanto, a
regulamentação da engenharia era de interesse do profissional da área, mais
ainda do cidadão em particular, que, sem leis protetoras dos seus interesses,
poderia vê-los lesados quando entregues à inabilidade e incompetência de
indivíduos pouco escrupulosos.
82
82
TELLES, P. C. da S., História da Engenharia no Brasil, 2
o
vol., p. 694. A discussão sobre a
Exposição de Motivos do Eng. Francisco Monlevade teve repercussão no Rio de Janeiro, sendo
129
A busca por essa regulamentação não ocorreu isoladamente em São Paulo.
Em outros Estados da Federação, durante a década de 20, houve um amplo
noticiário e vários movimentos nesse sentido. No Rio de Janeiro, em julho de
1921, um grupo de alunos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro dirigiu uma
representação ao Prof. Paulo de Frontin, então diretor da escola, mas também
senador da República, pedindo que fosse “... legalmente estabelecida a
necessária responsabilidade de um diploma, mas múltiplas e variadas aplicações
da técnica da Engenharia”. Essa representação chama, na capital da República, a
atenção para dois outros graves problemas enfrentados pelos engenheiros:
primeiramente que nem mesmo nos cargos públicos e comissões técnicas do
governo o engenheiro diplomado tinha preferência sobre os engenheiros-práticos,
construtores licenciados ou mestres-de-obras como eram chamados os
profissionais não diplomados, todos eles tendo como aprendizado à experiência,
com grau de instrução e de competência muito variado. A outra questão era a das
empresas estrangeira que atuavam no Brasil e que, segundo os alunos, davam
absoluta preferência a indivíduos com títulos de universidades estrangeiras,
conferidos até por correspondência, isso sem o mínimo escrúpulo diante daqueles
que passaram cinco anos se preparando arduamente para exercerem esse posto
de trabalho.
83
Esses dois problemas apontados pelos alunos do Rio de Janeiro
também eram evidenciados em São Paulo.
Hoje, como na época, entendemos como estranha a situação de que em
São Paulo a profissão de encanador já estava há muito tempo regulamentada pela
Repartição de Águas e Esgotos, o que levou o deputado Eng. L. A. Pereira de
Queiroz, em 1924, quando se discutia na Assembléia Legislativa a
regulamentação da profissão do engenheiro, a chamar a atenção para essa
situação no mínimo paradoxal de que:
Para se construir um edifício no Estado de o Paulo é exigido que os
encanamentos sejam feitos por pessoas diplomadas nesse mister, mas, para a
totalidade da obra nada se exige de idoneidade do seu executor, que poderá ser até
assunto em editorial da Revista Brasileira de Engenharia. A regulamentação da profissão do
engenheiro. Revista Brasileira de Engenharia, ano II, tomo II, nº 5, p. 213-215.
83
Ibidem, p. 695.
130
um indivíduo que a Repartição de Água não consinta que seja ‘doutor’ em
encanamentos.
84
A questão de estar habilitado na atividade profissional torna-se relevante
com o passar dos anos, pois dentre outras exigências, os órgãos públicos passam
a requerê-la, quando da licitação para a realização de alguma obra.
85
Um ponto de
inflexão nesta situação é a edição da lei 2.022, de 27 de dezembro de 1924
86
,
que regulamenta o exercício da profissão de engenheiro, arquiteto e agrimensor,
no Estado de São Paulo. Pelo que se pode investigar no decorrer dessa pesquisa
essa é a primeira legislação desta natureza no Brasil.
Essa lei regulamentava o exercício da profissão de engenheiro, arquiteto e
agrimensor que, em qualquer de seus ramos, poderia ser exercida por pessoas
diplomadas pelas escolas de engenharia oficiais da União ou do Estado de São
Paulo, e pelos diplomados por escolas estrangeiras que aqui revalidassem seus
diplomas. Além disso, garantia, aos que exerciam cargo efetivo em repartições
públicas federais, estaduais ou municipais, bem como os que contavam com
pelo menos cinco anos de exercício dessas profissões no Estado, o direito de
exercê-la legalmente. O registro para o exercício legal das profissões de
engenheiro, arquiteto e agrimensor, sejam de que origem fossem, ficou a cargo da
Secretaria da Agricultura, sendo esse feito sem custos. A Secretaria publicaria
semestralmente no Diário Oficial a relação nominal dos profissionais habilitados.
Ficou estabelecida também a multa tanto para o exercício ilegal da profissão como
para quem acobertasse tal prática.
87
Com essa lei, passou-se a exigir que companhias ou sociedades que
prestassem serviços ligados a essas habilitações deveriam ter profissionais
habilitados, em sua direção e na execução dos serviços. Por fim, decorrido um
84
Ibidem, p. 697.
85
O Código Civil Brasileiro de 1915, quando tratou dos direitos, deveres e responsabilidades de
quem realizava uma obra, refere-se somente ao mestre de obras, ao arquiteto e ao empreiteiro;
assim, neste período, para a legislação brasileira não existia ainda a figura do engenheiro como
responsável por uma obra. Ibidem.
86
Colleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo, 1924, p. 63-65.
87
Ibidem.
131
ano da publicação dessa lei, o Estado e os Municípios não poderiam empreender
nenhum serviço dessas profissões que não estivesse sob responsabilidade de
pessoa legalmente habilitada. Foi, entretanto, aberta a exceção para aqueles
municípios que não contavam com os profissionais habilitados.
88
Se hoje identificamos falhas nessa legislação, e principalmente julga-la de
extrema benevolência para com aqueles que não eram habilitados, essa foi de
fato a primeira legislação no País a impor alguma regulamentação à profissão de
engenheiro. Mesmo assim, na época não faltaram criticas à legislação paulista,
como as dos congêneres cariocas, para quem:
... nele não se faziam grandes exigências, procurando-se, mesmo estender-se
um manto acobertador das maiores irregularidades. Pretendeu-se dar o título de
engenheiro e de arquiteto a torto e a direito.
89
Isso porque:
Na mesma não se exigia, como depois se fez na lei fluminense, a
percentagem de cinquenta por cento de profissionais brasileiros nas sociedades que
se dedicassem a trabalhos relativos as profissões regulamentadas. Não previa
também, a organização das tabelas de honorários profissionais. Mas, em
compensação autorizava a qualquer pessoa exercer as profissões antes citadas,
independentes de qualquer título, nas localidades onde não houvesse profissionais
legalmente registrados.
90
A edição da lei 2.022 gerou questões de discórdias entre as secretarias
envolvidas na regulamentação da atividade profissional, por força da dupla
interpretação, sobre a diferença entre “título de licença” e “diploma de habilitação”.
As secretárias envolvidas eram: a Secretaria do Interior qual estava ligada a
Escola Politécnica), instituição do Estado que expedia o diploma de habilitação
nesta área e era encarregada também de dirimir sobre as solicitações efetuadas
para convalidação de diplomas e qualificação profissional no Estado de São
88
Ibidem, p. 65.
89
LOS RIOS FILHO, A. M. de, op. cit., p. 12.
90
Ibidem. Grifo nosso.
132
Paulo, daqueles cujo título não fora emitido por uma instituição de ensino superior
oficial do País; e a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que
além de ser a responsável pelo registro do título de engenheiro, arquiteto e,
agrimensor daqueles que desejassem atuar profissionalmente em São Paulo,
expedia também o título de licença aos que, quando da edição da lei, contavam
com cinco anos do exercício da profissão no território do Estado.
91
Em carta de 6 de setembro de 1926, o Vice-Diretor da Escola Politécnica,
João Pereira Ferraz, prestou explicações ao Secretário do Interior sobre o porquê
ter negado o título de engenheiro arquiteto ao Sr. Abílio Silveira, sendo que esse
recebeu o título de licença para exercer a função de arquiteto pelo Secretário de
Agricultura, Comércio e Obras Públicas. O Dr. João Pereira Ferraz expôs que
havia uma profunda diferença entre “licença” para continuar o exercício de uma
profissão, e o “diploma” ou “título” conferido por uma escola superior. O
entendimento da Escola Politécnica é que a lei não quis equiparar os “práticos”,
àqueles que, sem diploma, exerciam uma profissão em função de sua “capacidade
provada”, aos “diplomados”, concludentes de uma Escola Superior. A lei, por
tolerância, criou apenas um período de transição em que os portadores da
“licença” poderiam continuar a exercer suas atividades profissionais sem, contudo,
possuir os mesmos direitos daqueles que passaram pelos bancos da faculdade.
92
Quando da publicação dessa lei, estava em vigor, na Escola Politécnica, o
Regulamento de 1918, que nenhuma menção fazia à convalidação de diplomas do
exterior ou ao exame de qualificação profissional. No Regulamento de 1926, na
tentativa de se adequar à lei de 1924, encontra-se o seguinte:
Artigo 147 – Para o exercicio da profissão de Engenheiro, de accordo com a
legislação em vigor, deverão os graduados por faculdades extrangeira se submeter ás provas
de habilitação prescriptas no Regimento Interno da Escola.
93
91
Colleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo, 1924, p. 64.
92
EPUSP/APFI/L-112, p. 131.
93
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935, p. 30.
133
Nos anos seguintes, não faltaram as petições, encaminhadas pela
Secretaria do Interior, ao diretor da Escola Politécnica, de cidadãos em busca da
validação do diploma/qualificação profissional, para assim poderem desenvolver
suas atividades profissionais na cidade. O que estava compreendido pelo disposto
nos artigos n
os
2º e 5º, da lei nº 2.022 respectivamente:
Nenhum engenheiro, agrimensor ou architecto poderá exercer a profissão sem o
registro do respectivo titulo na Secretaria da Agricultura.
94
....
Decorrido um anno da promulgação desta lei, nem o Estado nem os municípios
poderão emprehender serviços ou obras publicas referentes á engenharia, architectura ou
agrimensura, sem que as plantas, especificações e orçamentos sejam feitos e as obras ou
serviços dirigidos por profissionaes habilitados legalmente.
95
Somente entre os meses de julho e setembro de 1926, 16 pessoas
solicitaram os títulos de engenheiro, arquiteto, construtor ou agrimensor sem,
entretanto, terem realizado qualquer curso superior, alegando por quanto a prática
na profissão por mais de cinco anos.
96
À exceção de um, Sr. Jose Dies, todos os
demais pedidos foram negados, pelos mais diversos motivos: falta de
comprovação do exercício da profissão, ter feito o curso em uma instituição não
oficial, como a Escola Livre de Engenharia do Rio de Janeiro, ou o fato de que a
um hábil desenhista não caiba o título de arquiteto e nem a um exímio construtor o
de engenheiro. Na sua maioria, o motivo alegado foi o de que:
, 
 !         #
!
97
A cópia dos pareceres da comissão constituída pela Escola
Politécnica para analisar cada uma das solicitações sobre a validação do
94
Colleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo, 1924, p. 64.
95
Ibidem, p. 65.
96
Foram solicitantes nesse período os senhores: Manoel Rubessi de Faria, João Paulo Correa,
Jesse dos Santos David, Jose Cevenini, Domingos Malefronte, Jose Francisco Aranha, Antonio
Ferreri, Jose Gerbi, Antonio Ferreira Marques, João Antonio de Faria, Sylvio Frediani, Carlos
Martins Honck, Luiz Pedalini, Armando Mariosa, João Ferreira Teixeira e Jose Dies.
EPUSP/APFI/L-112, p. 61-91. Aceite do Sr. Jose Dies como engenheiro, p. 92.
134
diploma/qualificação profissional era também encaminhada ao Secretário de
Agricultura, Comércio e Obras Públicas no intuito de evitar futuras solicitações de
explicações.
Não que esteja disposto, mas num entendimento da alínea “a”, do artigo
da Lei 2.022, alguns propuseram a equivalência do diploma da Escola
Politécnica com o da Escola Superior de Mecânica e Eletricidade. No entanto para
Ramos de Azevedo isso não procedia, pois argumentava que a mesma era de
nível intermediário com a finalidade de preencher
   

98
assim sendo o título conferido pela mesma não pode
ser o de engenheiro. Atuando nesses espaços políticos, a Escola se propunha
como fornecedora de profissionais qualificados para desenvolver “concretamente”
a cidade seja nas suas exigências do comércio, da indústria ou dos cidadãos
comuns. Todos tinham algo a construir, e as atribuições estatais dos engenheiros
repercutiam na vida de todos os cidadãos. Assim sendo, o que perpassa a esfera
da engenharia, suas atribuições, honorários, espaços profissionais, tinha que ter o
aval da Congregação da Escola Politécnica, e aqui se tem uma de suas fortes
múltiplas relações com a cidade. Mas ela cobra seu preço por esse serviço, e um
deles é essa exclusividade nas ações que lhe são próprias.
Como estava designado na Constituição de 1891 que cabia aos Estados a
regulamentação das profissões liberais, após a promulgação da lei em São Paulo,
outros Estados também estabelecem algum tipo de normatização para as
profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor. Em 1925, Pernambuco e Rio de
Janeiro passam a ter sua lei regulamentadora, e daí em diante outros Estados
caminham nessa direção. Sendo, entretanto, toda essa legislação de caráter
estadual, aconteceu, como era de se esperar, divergências e contrariedades entre
as legislações de cada Estado da Federação. Quem fosse reconhecido como
engenheiro em São Paulo poderia não sê-lo no Rio Grande do Sul, e assim
respectivamente.
99
97
EPUSP/APFI/L-112, p. 64.
98
EPUSP/APFI/L-112, p. 100-102.
99
LOS RIOS FILHO, A. M. de, op. cit., p. 12-15.
135
Deste modo, até aqui deve-se admitir que a situação do profissional da
engenharia encontrava-se indefinida no País dos bacharéis. Com a igualdade de
tratamento que várias legislações facultaram àqueles que cursaram ou não um
curso superior, mesmo por parte do Estado, poder-se-ia começar um processo
que levasse à redução do interesse dos jovens por tais institutos, que a
realização de tais estudos poderia nada significar durante sua atuação trabalhista.
Um empreiteiro muitas vezes levava vantagem diante do engenheiro qualificado
pelo próprio custo inferior que ele apresentava no mercado. O espaço profissional
estava impregnado de “gamelas”
100
, nacionais ou estrangeiros, e essa situação
perdurava por vários séculos nesse País.
Caminhando para o início dos anos 30, um novo horizonte se constituía no
próprio exercício da ação profissional do engenheiro. Além das estradas de ferro,
da difusão do uso do concreto armado nas obras da engenharia civil, das novas
fontes de energia como a eletricidade, todo um processo de industrialização se
avizinhava de São Paulo e de outras regiões do País. Para a execução de
determinadas atividades, não era mais suficiente o domínio de uma técnica. A
ação tecnológica do engenheiro se fazia imprescindível nas Divisões de Obras das
diversas Secretárias. Os conhecimentos desse profissional, como os métodos de
cálculo relativos à resistência e à estabilidade de uma obra, o emprego de
processos e equipamentos nas indústrias, a refrigeração e aquecimento das
indústrias Matarazzo, o sistema de transporte com o automóvel se multiplicando
nas cidades, coexistindo como os bondes elétricos e os veículos de tração animal,
tudo isso e muito mais levavam a uma crescente necessidade de se regulamentar
essa profissão que não podia mais ser exercida por aqueles que dispusessem
apenas do conhecimento empírico das atividades ligadas à engenharia. Os títulos
de habilitação tornavam-se necessários para aqueles que efetuavam tais serviços
e mais ainda sua regulamentação para aqueles que pleiteavam cargos de chefia.
O contexto histórico que levou à edição do Decreto Federal n
o
23.569 que
regulamenta no nível nacional as profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor
estava ligado à chegada a Presidência da República de Getúlio Vargas, e foi
100
Nome dado aos profissionais não qualificados que exerciam as funções de engenheiro.
136
encadeada mais fortemente pelas associações de classe do Rio de Janeiro, bem
como pela Escola Politécnica de lá.
101
Isso não é de causar espanto visto as o
boas relações políticas entre o governo de São Paulo e o governo federal. Desde
a disputa pela presidência durante a campanha eleitoral de 1929, que culminou
com o golpe de Estado dado por Getúlio Vargas em oposição aos interesses dos
paulistas que apoiavam Washington Luis, a a Revolução Constitucionalista
paulista de 1932, as relações entre Governo Federal e São Paulo estavam de fato
abaladas.
Esse contexto fez com que a Escola Politécnica e o Instituto de Engenharia
de São Paulo ficassem um pouco à margem das discussões que culminaram com
a regulamentação nacional da profissão de engenheiro, não que, de todo, não
tivessem tomado parte.
102
O Sindicato Nacional dos Engenheiros se destacou no processo da
regulamentação profissional por propor, no começo de 1932, ao Ministro do
Trabalho, Salgado Filho, o anteprojeto regulamentando o exercício profissional da
engenharia. Esse anteprojeto foi publicado no Diário Oficial da União em 14 de
abril daquele ano, tendo seu texto ampliado para abarcar os arquitetos e
agrimensores. Foi dado um prazo para os interessados apresentarem sugestões a
esse anteprojeto, e essas vieram dos Clubes de Engenharia do Rio de Janeiro e
de Pernambuco, do Instituto de Engenharia de São Paulo, da Sociedade Mineira
de Engenheiros, da Associação dos Engenheiros Civis da Bahia, do Instituto
Central de Arquitetos e do Instituto Mineiro de Arquitetos.
103
Após o período determinado para o recebimento das sugestões, o
Sindicado Nacional dos Engenheiros compôs uma comissão encarregada de
101
Nestes primeiros anos do governo de Getúlio Vargas, não eram somente os engenheiros e
arquitetos que buscavam uma regulamentação de sua profissão. Os farmacêuticos obtiveram o
reconhecimento profissional com o Decreto nº 19.606, de 19 de janeiro de 1931. Os advogados
conseguiram a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo esse um órgão de seleção,
defesa e disciplina da classe, pelo decreto n
o
20.784, de 14 de dezembro de 1931. Pelo decreto nº
23.196, foi regulamentado o exercício da profissão agronômica. Ibidem, p. 17-18.
102
Exemplo desse fato é a total ausência, em relação a essa discussão, durante o ano de 1933 no
copiador de expediente da diretoria da Escola Politécnica no que se refere a um estudo sobre o
anteprojeto encaminhado, pelo Governo Federal, sobre as discussões sobre a regulamentação.
103
LOS RIOS FILHO, A. M. de, op. cit., p. 19-20.
137
reestruturar o anteprojeto e apresentá-lo ao Ministério do Trabalho, que por sua
vez organizou uma nova comissão para elaborar o texto final que, em 11 de
dezembro de 1933, foi editado como o decreto nº 23. 569.
104
Esse regulamento estava dividido em seis capítulos que tratavam
respectivamente dos profissionais da engenharia, arquitetura e agrimensura; do
registro e da carteira profissional; da fiscalização; das especificações profissionais;
das penalidades; e das disposições gerais. Foi uma legislação que buscou garantir
o espaço de trabalho aos diplomados por escolas nacionais reconhecidas, ou por
portadores de diplomas de escolas estrangeiras que tinham revalidado seus títulos
em instituições nacionais. Uma questão delicada era a de respeitar as situações
particulares do exercício da profissão que historicamente haviam se constituído
pela falta da mesma. Garantir, por exemplo, o direito dos indivíduos não
diplomados, licenciados pelos Governos Estaduais até aquela data para o
exercício legal de sua atuação.
105
O artº 5 definia que poderiam ser submetidos ao julgamento das
autoridades competentes, e teriam valor jurídico os estudos, plantas, projetos,
laudos e quaisquer outros trabalhos de engenharia, arquitetura e agrimensura,
cujos autores fossem os profissionais habilitados de acordo com esse decreto, o
que ampliou, em muito a atuação desses profissionais, pois somente eles
poderiam executar, a partir de então, essas obras. Nos artigos seguintes, previa-
se a obrigatoriedade da assinatura desses profissionais também nos trabalhos
gráficos, especificações, orçamentos, pareceres, laudos e atos jurídicos ou
administrativos, bem como, o que é obrigatório ahoje, a fixação de uma placa,
em lugar bem visível ao público, contendo o nome ou a firma profissional
legalmente responsável pela mesma.
106
104
Na bibliografia consultada, várias divergências sobre a composição da comissão que
elaborou a versão definitiva do decreto. Entretanto, é aceito que dela participaram representantes
de várias associações como: Clube de Engenharia, Sindicato Central dos Engenheiros, Instituto de
Engenharia de São Paulo, Instituto Central de Arquitetos, Associação Brasileira de Concreto,
Associação dos Engenheiros Civis da Bahia e Sociedade Mineira de Engenheiros.
105
LOS RIOS FILHO, A. M. de, op. cit., p. 79-80.
106
Ibidem, p. 80-81.
138
Um aspecto relevante nessa regulamentação foi a inclusão do capítulo
sobre as especializações profissionais em que ficou delimitada a órbita de
desempenho a que cada título, diploma ou carta dava direito. Esse foi, de fato, o
divisor de águas desse decreto, pois não se podia continuar com a confusão de
que todos podiam indiscriminadamente realizar qualquer ação ou prática da
engenharia.
107
No capítulo III sobre a fiscalização, encontramos a criação do Conselho
Federal de Engenharia e Arquitetura (CONFEA), com sede no Rio de Janeiro, e os
Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura (CREA
s
), posteriormente
regulamentados pelo CONFEA. Esses órgãos tinham como atribuição a
fiscalização do exercício profissional, ficando as penalidades pelas infrações ao
seu encargo. Os membros desses conselhos seriam indicados pelo Governo, por
escolas federais de engenharia e por associações de classe.
108
Se como foi evidenciado anteriormente por parte de alguns setores da
classe dos engenheiros uma campanha em prol do reconhecimento legal da
profissão, é preciso também notar o silêncio em periódicos como a Revista do
Club de Engenharia, e a Revista Brasileira de Engenharia, que, no decorrer dos
anos de 1932 e 1933, isto é, nos antecedentes à promulgação da lei de
regulamentação, nenhum artigo dedicaram a tal assunto. Na Revista Brasileira de
Engenharia, observa-se nesses anos uma intensa campanha pela união da classe
dos engenheiros, com chamadas do tipo:
107
Em seu livro sobre a consolidação das leis e atos oficiais para o exercício da engenharia, o Prof.
A. M. de Los Rios Filho assume para si a inclusão dessas especificações, ao afirmar que:
“Paladino acérrimo da especialização pelas razões obvias [...], envidamos todos os esforços para
que a discriminação respectiva figurasse no corpo da lei; como a sua parte mais importante,
essencial. Tínhamos bem presentes os erros e facilidades dos códigos de obras municipais que
converteram sub-repticiamente os antigos mestres, mestre de obras, empreiteiros e construtores
em arquitetos, arquitetos-construtores e engenheiros licenciados! Continuar a praticar esse erro em
relação aos diplomados era manter a balburdia. Não valia a pena regulamentar uma coisa que, na
realidade, não ficava organizada”. LOS RIOS FILHO, A. M. de, op. cit., p. 21.
108
LOS RIOS FILHO, A. M. de, op. cit., p. 83-86. O primeiro presidente do CONFEA foi o próprio
Prof. Adolpho Morales de los Rios Filho, que ocupou esse cargo por mais de vinte e cinco anos.
Em 1940, o CONFEA instituiu a Semana Oficial do Engenheiro”, a ser comemorada em todo o
país na semana do dia 4 de setembro, aniversário da Carta de Lei de D. João VI que criou, em
1810, a Academia Real Militar, considerada um dos núcleos fundadores da engenharia nacional.
TELLES, P. C. da S., História da Engenharia no Brasil, 2
o
vol., p. 700-701.
139
Trabalhe pelo progresso do Brasil: A Sociedade Brasileira de Engenheiros
espera a vossa colaboração.
Vossos ideais serão satisfeitos. Confie na Sociedade Brasileira de
Engenheiros.
Convencei os vossos colegas da utilidade da Sociedade Brasileira de
Engenheiros.
Reuni-vos, se quiserdes ser fortes: A Sociedade Brasileira de Engenheiros
deve ser o vosso ponto de reunião.
109
Essa campanha deixa clara a ausência de unidade nessa classe, muitas
vezes apregoada como unida, e o silêncio de alguns periódicos mostra que nem
todos os setores organizados da profissão eram unisonicos na busca dessa
regulamentação.
É somente em maio de 1934 que a Revista Brasileira de Engenharia publica
o primeiro artigo sobre a regulamentação: a resolução 2 do Conselho Federal
de Engenharia e Arquitetura, na qual foram criadas as oito sessões referentes aos
Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura. Essas oitos sessões tinham
sede em: Pará, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Distrito Federal, São Paulo,
Paraná e Porto Alegre, pois cada uma dessas cidades, já havia uma escola
superior de engenharia, mostrando a disseminação da profissão por meio da
instrução, e a correlação dessa com a regulamentação da mesma.
110
109
Alocuções dessa natureza perpassam todos os números da Revista Brasileira de Engenharia do
ano de 1932 e 1933. Em especial: Revista Brasileira de Engenharia, Anno XIII janeiro de 1933
tomo XXV – 1, p. 4, 14 e 15. Se nestes anos não foram publicadas matérias sobre o assunto no
Brasil, vale ressaltar, no número do ano XIII, de abril de 1933, tomo XXV, nº 4 p. 104, a transcrição
do texto que regulamenta a profissão de engenheiro, arquiteto e agrimensor na Venezuela. Na
matéria não é citada a data de tal regulamentação, mas pode se supor ser contemporânea. E no
ano XIII, agosto de 1933, tomo XXVI, 2, a transcrição do código de ética do engenheiro da
Guatemala.
110
O Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura foi criado pela lei 23.569, e foi-lhe dada
competência de criar as regiões para a localização dos Conselhos Regionais de Engenharia e
Arquitetura, sendo essas criadas pela Relolução n
0
2, de 2 de abril de 1934: 1
a
Região
compreendendo os Estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí e o então território do Acre, com
sede em Belém; 2
a
Região – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, sede em Recife;
3
a
Região Bahia, Sergipe e Alagoas, com sede em Salvador; 4
a
Região Minas Gerais e Goiás,
com sede em Belo Horizonte; 5
a
Região Rio de Janeiro, Espírito Santo e Distrito Federal, com
sede no Distrito Federal; 6
a
Região São Paulo e Mato Grosso, com sede em São Paulo; 7
a
140
Certamente a edição da lei em fins de 1933 não resolveu nem de longe
toda a problemática da profissão de engenheiros e arquitetos, foi apenas mais
uma etapa delas. Em maio de 1934, é editado o primeiro número da Revista de
Arquitetura, cujo editorial declara: “... apesar de saber que não existem ‘práticos’
em medicina, direito etc., admitimos que eles existam na nossa profissão...”.
111
Os
engenheiros e arquitetos ainda deveriam conviver por longos anos com os seus
pares práticos.
Como foi visto, a temática do reconhecimento da profissão de engenheiro é
um assunto ao mesmo tempo antigo, antes de formar qualquer agrônomo a escola
já havia validado o diploma de Luciano José de Almeida
112
, mas não encerrado no
tempo com o reconhecimento legal da profissão por meio de duas legislações: a
Lei Estadual n
o
2.022, de 27 de dezembro de 1924 e o Decreto Federal n
o
23.569
de 11 de dezembro de 1933, que regulamentaram o exercício das profissões de
engenheiro, de arquiteto e de agrimensor. Tudo isso com o apoio do Instituto de
Engenharia, que entendia ser fundamental manter seu espaço de atuação
profissional resguardado.
Entretanto em 1993, portanto sessenta anos após a edição da lei federal,
um jornal dos profissionais da área tecnologia noticia o lançamento de uma
campanha que visava identificar e punir pessoas físicas e jurídicas que atuassem
ilegalmente no âmbito das profissões tecnológicas.
113
A meta principal era atingir
os construtores clandestinos que construíam até conjuntos habitacionais inteiros.
Isso demonstra que a busca dos engenheiros para garantir para si seus espaços
profissionais. Para o engenheiro civil, os trabalhos topográficos e geodésicos; o
estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de edifícios, com todas as suas
obras complementares; ou o estudo, projeto, direção e fiscalização das estradas
de rodagem e de ferro; das obras de captação e abastecimento de água ou de
Região Paraná, com sede em Curitiba; e 8
a
Região Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com
sede em Porto Alegre. LOS RIOS FILHO, A. M. de, Consolidação das Leis e Atos Oficiais de
exercício da engenharia, arquitetura e agrimensura, p. 108-109.
111
Revista de Arquitetura, ano 1, nº 1, p. 3.
112
EPUSP/APFI/Cx. 12.
113
Campanha do CREA-SP combaterá falsos profissionais. São Paulo CREA São Paulo, ano V, n
o
36, p. 7.
141
drenagem e irrigação. Para o engenheiro industrial, o estudo, projeto, direção,
execução e exploração de instalações industriais, fábricas e oficinas, bem como o
estudo e projeto de organização e direção das obras de caráter tecnológico dos
edifícios industriais, e assim sucessivamente atribuições que passam a ser
específicas dos arquitetos e dos engenheiros mecânicos e elétricos, ou dos de
minas e os químicos. Muitas dessas atribuições passam a ser paulatinamente ao
longo do século XX como o espaço demarcado para a atuação dos engenheiros
diplomados, ainda que no empate com outros profissionais.
E o espaço político desde sempre arvorado foi ao longo do tempo apenas
excepcionalmente ocupado por engenheiros, que no campo da administração
pública ocuparam sempre mais os próprios espaços técnicos criados
especialmente para o exercício de sua profissão.
Se no início da década de vinte o Prof. Francisco Ferreira Ramos bradava
pelo reconhecimento legal da profissão, se anterior a isso Pereira Lima já arvorava
a vocação do engenheiro para a administração, no final da década de noventa o
Prof. Pedro Carlos da Silva Telles afirmou que tanto a engenharia como os
engenheiros nunca tiveram grandes influências na nossa sociedade, isso desde os
primeiros tempos coloniais, até os dias de hoje. Poucas vezes os engenheiros
estiveram presentes, ou estiveram presentes como fator decisivo, nos grandes
centros de decisões estratégicas, inclusive nos casos de decisões de natureza
técnica, e mesmo quando estiveram presentes, às vezes outras razões, políticas,
eleitoreiras ou demagógicas prevaleceram sobre o parecer técnico dos
engenheiros.
114
114
TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, 1
o
vol. p. 583. No capítulo XIII, o último
desse livro, o autor se propõe fazer uma reflexão sobre “A engenharia e os engenheiros na
sociedade brasileira”, em que, corroborando com J. M. de Carvalho, na obra A construção da
142
ordem, parte da premissa do papel secundário do engenheiro na história nacional. No segundo
volume, também no último capítulo “A engenharia e a sociedade brasileira”, o autor faz uma ampla
abordagem da participação social do engenheiro, dizendo inclusive que a própria categoria é
desunida quanto aos seus interesses. TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, 2
o
vol.
p. 705-726.
143
II Parte – A Cidade e os Politécnicos
Olhai para o futuro e não para o presente.
O presente é nada comparado com o futuro
que podeis conseguir, se o tentardes.
J. J. Aubertin
1
1
J. J. Aubertin, Superintendente da Estrada de Ferro, em 1862, em carta dirigida aos senhores
habitantes da Província de São Paulo. Apud: DEBES, C., A caminho do oeste, p. 49.
144
3º Capítulo – Uma cidade com gabinetes e laboratórios
Acompanhando a presente, é-nos grato
enviar a V. S. 4 amostras de productos
de nossa Fabricação,
que muito estimaremos sejam
submettidas a analyses do
conceituado Laboratório
que V.S. tão proficientemente dirige.
2
2
EPUSP/APFI/Cx. 21.
145
Houve um tempo em que suas ruas eram marcadas pelo sossego,
pelo tráfego lento dos bondes,
pelas conversas nos bancos das praças,
passeios nas ruas e matinês de cinema.
3
Quando ocorreu em São Paulo esse tempo referido como “marcado pelo
sossego”? A percepção do tempo é algo que se encontra em profunda
movimentação no ser pessoal e no ser social. Movimentação essa que o passado
não pode aprender de si, pois, no amanhã o tempo trará outra percepção do
momento presente. Em algumas pessoas, o passado parece reter o que houve de
bom nos lugares em elas viveram, certamente isso não é uma regra, mas aqueles
que se dispõem a falar, ou a escrever sobre o seu passado, recontam em sua
maioria as imagens prazerosas e significativas de suas vidas. Diz W. Benjamin:
A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado se deixa
fixar, como imagem, que relampeja irreversivelmente, no momento em que é
reconhecido.
4
3
SÃO PAULO (cidade) SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA. Paulicéias Perdidas, p. 12.
4
BENJAMIN, W., Magia e Técnica, Arte e Política, p. 224.
146
Ao que parece, o homem quer reconhecer somente o que lhe apraz. Sendo
assim, no presente se diz porque de fato para quem diz isso corresponde à
verdade que, no passado, aquela cidade, praça ou rua foi “marcada pelo
sossego”. Recorrentemente, esse é o tom dos memorialistas que no presente de
um tempo futuro, para dizer distante, escrevem sobre o tempo passado. E a
cidade de São Paulo teve, ao longo de sua história, a edição de várias obras
memorialistas, várias dessas já reeditadas.
À diferença desses, os cronistas de época, os jornais diários e demais
publicações que escrevem sobre o presente no presente, e, no caso dos
periódicos, diariamente. A produção desse material acontece no mesmo tempo
em que esse fato aconteceu. Para esses, a São Paulo da virada do século XIX
para o século XX é comumente descrita como um tempo de balburdias, das
velozes estradas de ferro, a suspeita sobre a energia elétrica, de calçamentos
diferenciados, enfim de transformações do passado que seria, este sim, mais
sossegado.
No momento em que os politécnicos começam a se fazer presentes, ocorre
em o Paulo esse tempo que para os memorialistas é um lugar “sossegado”, e
para os cronistas da época uma “balburdia”. Aqui não se pretende parametrizar as
alterações urbanas, que isso requer estabelecer uma mensuração,
determinando para tanto diversos parâmetros e, em seguida, realizar uma
comparação entre os mesmos. Nesta pesquisa, quer-se identificar a inserção
social de um específico grupo social, os engenheiros da Escola Politécnica, nesta
cidade.
Eles passam a compor um corpo técnico que está em constante diálogo
com os administradores da cidade, e as ações desenvolvidas por uns são
abarcadas pelo outro grupo, numa simbiose por vezes difícil de identificar causa e
causador. Dentre as ações que levam ao diálogo intenso entre esses grupos,
estão a disputa e a definição pela utilização dos recursos hídricos do Estado, pois
o seu uso, no decorrer do tempo, assume inúmeras facetas, beneficia ou
147
desagrada, isto é, gera capital ou não, para determinados grupos pelo
norteamento dado ao assunto.
Os recursos hídricos da região são facilmente identificados com os seus
rios, mas, para além desses, a própria chuva, as enchentes, os poços, os
córregos, lagoas e lagos fazem parte da vida da população. Assim sendo, a água
tem toda uma função social, que transpassa sua utilização como mero recurso
hídrico a ser disputado entre engenheiros e administradores. Ao longo do tempo, a
água foi identificada com diversas demandas diferenciadas, como saneamento,
esgoto, energia, indústria ou irrigação para a agricultura, mas também, como
ressaltou D. B. Sant’Anna, como aquelas que se dividem entre cristãs e pagãs, as
que acolhem as assombrações e os frutos da ilegalidade, as quais nos seus regos
e chafarizes possibilitam encontros e brigas. A água então perpassa a cidade não
nos rios que a cortam, mas também pela visibilidade dessa no dia-a-dia dos
citadinos, funções por vezes negligenciadas por engenheiros e administradores,
num comportamento quase sempre demagógico e pontual, destituído de qualquer
preocupação com obras integradas numa correta hierarquia de prioridades. Esses
propõem, e o que chega a ser desastroso, às vezes executam obras duvidosas na
sua eficácia urbana.
5
3.1 – Do Burgo à Politécnica
Por séculos, o espaço urbano da cidade de São Paulo foi condensado nas
colinas, nos patamares das colinas onde os jesuítas ergueram suas fortificações.
no alto tinham um espaço seguro para habitar naquele momento, fugiam das
planícies submersíveis, propícias às enchentes provocadas por três dos seus rios,
Tietê, Pinheiros e Tamanduateí e por tantos outros córregos. No decorrer do
5
Em sua tese de livre-docência, Denise B. Sant’Anna realizou uma profícua pesquisa sobre uma
farta cultura material ligada ao uso da água em São Paulo dos primórdios do século XIX até
meados do século XX. Pontuou o uso da água nas ações do cotidiano paulista, bem como algumas
propostas dos poderes públicos. A tese é dividida em duas partes, a primeira sobre a visibilidade
148
século XIX, iniciou-se um processo de urbanização em um tempo histórico
relativamente rápido, quando as planícies foram incorporadas aos espaços
urbanos anteriormente produzidos. Esse processo não tardou a se tornar caótico
ao sabor de retificações feitas sem qualquer previsão de impactos, envolvendo a
especulação das terras que, por três culos, foram inabitadas, quiçá, pelo
conhecimento empírico de que tal espaço era inadequado para o desenvolvimento
de uma cidade. Os rios sempre correm, não é fácil detê-los com simples ou
complexas barragens, e a água da chuva escoa para algum lugar. Assim, na
trajetória histórica de São Paulo torna-se cada vez mais intenso esse ltiplo
diálogo com a água, a partir da expansão urbana da planície.
um consenso entre os historiadores em considerar o ano de 1870 como
um marco para a cidade. O “espetáculo do crescimento”, que o presidente Luis
Inácio Lula da Silva arvorou para o Brasil do seu governo, pode ser um conceito
discutível para os dias de hoje. Podemos dizer que esse fenômeno foi registrado
na Vila de Piratininga com essa denominação, pelo historiador O. N. Mattos, em
um texto alusivo ao IV Centenário da cidade. Até então tida como o burgo dos
estudantes do Largo São Francisco, a partir de 1870:
... a capital paulista como que rompeu as barreiras que cingiam à colina
histórica, pôs-se se expandir de maneira sempre crescente e imprevisível, viu alterar-
se seu ritmo de vida, passou a conhecer funções novas, modernizou-se, num caminho
rápido e seguro, para o espetacular crescimento registrado no século atual.
6
Esse espetáculo acontece nos mais diversos aspectos sociais e
econômicos impulsionados pela elevação da receita orçamentária do Estado, com
as plantações de café que se deslocavam do Vale do Paraíba para as regiões
oeste e noroeste do Estado, propiciando um desenvolvimento urbano, com as
luzes da modernidade, que já se consolidara com mais ênfase em Paris ou no Rio
de Janeiro. As plantações do café, a instalação da malha ferroviária, criada e
da água e a segunda, em que se percorre o caminho do visível ao invisível, aqui destacando o
papel da ciência na questão.
6
MATTOS, O. N., de. A cidade de São Paulo no século XIX, p. 104.
149
desenvolvida de mãos dadas como o mesmo, a partir de 1867 com a inauguração
da São Paulo Railway Company, e a adoção do trabalho assalariado,
predominantemente estrangeiro, são apontadas por estudiosos do período como
responsáveis pelo despertar da cidade. A mudança no número de
estabelecimentos industriais e comerciais, no de sobrados, e na publicação de
periódicos mostra a efervescência do período, cuja administração do governador
da província João Theodoro Xavier de Mattos foi voltada para a urbanização da
capital.
Muito do que no início do século XX seria tido como obsoleto, lerdo e
desprovido de beleza, era para seus pares, de 1870, motivo de orgulho e regozijo.
Como por exemplo, os bondes, transporte público que a Capital passou a usufruir
e transformou-se no meio de mobilidade, moradia-trabalho-lazer da população da
época, muito significaram, para a época, a instalação da iluminação a gás
inaugurada em 1872, dando mais segurança às estreitas ruas do Triângulo.
7
Na administração de João Theodoro Xavier de Mattos, observa-se que a
preocupação com as ruas, jardins e saneamento é acompanhada com a atenção
dada à polícia, instrução pública, hospitais e segurança, isso porque a construção
desta nova cidade não poderia ocorrer apenas no âmbito material, subsidiado
pelas plantações de café. Faz-se necessária a reforma das instituições sociais que
darão suporte para a formação do novo cidadão, como diz C. Monarcha:
O administrador público empreende a reforma das instituições destinadas a
salvaguardar a ordem moral e procede à revisão das instituições destinadas a saúde
física e mental dos enfermos e com a regeneração de condutas. Mobiliza energias e
realiza ações voltadas para: cadeia pública, hospício dos alienados, leprosários e
instrução pública, inaugurando a Escola Normal, tornando a educação obrigatória, e
fundando o Instituto de Educandos e Artífices, inspirado nas organizações militares.
Promove, assim, a especialização de cada função concebida autárquica e solidária,
objetivando reforçar as fronteiras internas da cidade.
8
7
Um estudo sobre a iluminação a gás em São Paulo pode ser consultado em: RANGEL, R. N. A.,
Paulicéia iluminada: o gás canalizado na cidade de São Paulo, 1870-1911.
8
MONARCHA, C., Escola Normal da Praça-O lado noturno das luzes, p. 69.
150
O que é uma reforma urbana? Não discutiremos aqui tão vasta questão
integrada aos estudos de arquitetura, geografia, antropologia e também da história
social, apenas situar que de João Theodoro Xavier de Mattos a Francisco Prestes
Maia, aqueles que a fizeram tiveram como intuito primário o social, o estético, o
segregacionista, e não a pessoa, todas as pessoas que na cidade habitam.
9
A
administração pública, ao operacionalizar uma obra na cidade, tinha por vezes o
olhar voltado para as exigências da elite dominante, buscando atender seus
interesses, e não o que a população necessitava para ter uma qualidade de vida
razoável.
C. Monarcha comenta que as mudanças na cidade ocorridas após 1870:
... impõem um ritmo inexorável ditado pela cadência da máquina a vapor, que
penetra o interior da cidade e da moradia, procurando sobrepor-se ao tempo da
natureza e da Igreja.
10
Aponta para uma reforma urbana em que a natureza deveria ser alterada,
drenada ou aterrada sem o mínimo respeito a sua configuração topográfica.
Quanto a esses interesses, não houve escola de engenharia que avisasse que
não se constrói uma cidade sobre a várzea, que os rios correm para algum lugar,
ou que todo ano chove. O interesse da administração pública, isto é, a questão
política de cada momento, se sobrepunha às abordagens técnicas preconizadas
para a reforma urbana da cidade.
O aumento populacional começa sua ascensão. Os imigrantes estrangeiros,
cujo destino inicial é o interior do Estado, passam a fazer um caminho de retorno à
Capital; imigrantes dos outros Estados para também acorrem, e, na reforma
urbana que se impõe na administração do Estado, a vida pública se sobrepõe aos
interesses dessa crescente população.
9
Sobre essa temática: GADELHA, N. d’A. F., o Paulo, modernidade e centralidades espaciais:
intervenção pública e intervenção urbana; HUGHES, P. J. A., Periferia: um estudo sobre
segregação socioespacial na cidade São Paulo; CALDEIRA, T. P. do R., Cidade de muros: crime,
segregação e cidadania em São Paulo; e SILVA, M. N., da. Nem para todos é a cidade:
segregação urbana e racial em São Paulo.
10
MONARCHA, C., op. cit., p. 73.
151
No outro extremo do País, em setembro de 1865, Manaus recebe a
expedição científica chefiada pelo suíço Louis Agassiz com sua esposa, Elizabeth
Agassiz, como relatora. Registrou assim sua impressão sobre a cidade:
Que poderei dizer da cidade de Manaus? É uma pequena reunião de casas, a
metade das quais parece prestes a cair em ruínas, e não se pode deixar de sorrir ao
ver os castelos oscilantes decorados com o nome de edifícios públicos: Tesouraria,
Câmara legislativa, Correios, Alfândega, Presidência. Entretanto a situação da cidade,
na junção do rio Negro, do Amazonas e do Solimões, foi uma das mais felizes na
escolha. Insignificante hoje, Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de
comércio e navegação.
11
Vários dos cronistas, biógrafos, viajantes e escritores que se reportaram a
São Paulo, onde em 1894 se instalou uma Escola Politécnica, não o fazem com o
otimismo acima descrito com o qual Elizabeth Agassiz se refere a Manaus.
Vista como ilhada geograficamente, no alto de uma colina, cercada de rios
e vales, distante do litoral, que para ser alcançada necessitava de se transpor a
Serra do Mar, sendo há séculos um pequeno vilarejo, apesar das reformas no
governo de João Theodoro Xavier de Mattos, não se descortinavam para São
Paulo promessas de um grande futuro. A cidade vivia assolada pela precariedade
no abastecimento de água, e as inundações no Rio Tamanduateí e da Várzea do
Carmo eram constantes. Ao se observar a fisionomia urbana que surge dos bicos
de pena do século XIX, vielas estreitas, becos lamacentos, descontinuidade no
calcamento, casebres desprovidos de harmonia, parcos sobrados, o tom cinzento
que se fazia notar nas fotos de M. A. de Azevedo, impõe-se o questionamento a
respeito da participação do poder público na estruturação deste aparente caos.
12
Todavia, se assim ela é retratada por alguns, em documentos oficiais pode-
se ler outra perspectiva do ano de 1894. O Relatório da Secretária do Interior
assim a descreve:
11
Agassiz, L., E. Agassiz, Viagem ao Brasil, p. 247-248. Esta previsão logo tornar-se-ia verdadeira
com o advento do período áureo da borracha.
12
LAGO, P. C. do, Militão Augusto de Azevedo, São Paulo nos anos de 1860.
152
A importancia que a cidade de S. Paulo tem alcançado, por ser a Capital de um
dos maiores e mais ricos Estados da União, já pela sua prosperidade e extraordinario
desenvolvimento material e intellectual...
13
Enquanto estava em curso o espetáculo do crescimento paulistano, ocorreu
a mudança do regime imperial para o republicano que provocou instabilidade
política em algumas regiões do País, seja central, como no Rio de Janeiro, sede
da nova República, onde adeptos do império tentaram seu retorno, ou no interior,
como no caso de Canudos, em que seguidores de Antônio Conselheiro não
aceitavam o novo regime. Mas em São Paulo, que em 1875 havia sediado a
Convenção de Itu, de onde lideres paulistas propunham a alteração da forma de
governo do País para República, a chegada da mesma não foi sinal de
perturbação, foi percebida como mais uma variável no contexto do processo
acentuado de mudanças que era vivenciado desde 1870. A implantação da
República viria apenas tornar mais contundentes as modificações em decurso
no Estado.
14
A partir de 1870, tendo então como marco a administração de João
Theodoro Xavier de Mattos, São Paulo começa a deixar sua condição de patinho
feio dentre as capitais das províncias do Império, e passa a alterar com velocidade
sua fisionomia. O responsável por isso é a rubiácea denominada café, elevada a
produto de exportação, trazendo para o Estado e sua Capital somas cada vez
maiores de recursos financeiros. Essa expansão material não é de imediato
acompanhada por um desenvolvimento intelectual e político, e na esfera dos
13
SÃO PAULO (Estado), Relatório da Repartição de Estatística e Archivos do anno de 1894, p.
176.
14
Destoando do crescimento paulista, o cenário político-econômico nacional não era de todo
promissor. Em 1898, Prudente de Morais deixa a presidência da República e também um país
falido financeiramente com a primeira crise internacional do café e o Mil-réis numa acentuada
desvalorização. Seu sucessor, Campo Sales, adota como meio para enfrentar a crise o antigo e
usual artifício de pedir empréstimo em Londres com os Rothschild, banqueiros oficiais do Brasil.
Durante sua administração, obteve-se algum sucesso na questão da valorização da moeda local,
mas à custa de ... uma coletividade cada vez mais indigente”, o que fez com que no final de seu
governo, entregando o cargo em 1902 para Rodrigues Alves recebeu congratulações por parte dos
ingleses, mas sem aprovação do comércio e indústria local que enfrentavam mais uma crise. Cf.
COSTA, A. M. da, SCHWARTCZ, L. M., 1890-1914, No tempo das certezas, p. 65.
153
diversos poderes públicos vai-se construindo uma nova cara para a cidade. Não
podemos dizer que esse processo de transformação urbana paulista ocorreu
apenas no decorrer dos anos seguintes. Num certo sentido, perdura até os dias de
hoje.
A agilidade da transformação pela qual passava a cidade é observada nos
diversos setores da administração pública. Arthur Motta, diretor da Repartição de
Águas e Esgotos, em 1909 no seu quarto relatório, afirma que o ano transcorreu
dentro da normalidade, mas que não lhe era:
... permitido acompanhar o gráo notável de desenvolvimento da cidade. Houve
sensível augmento de construcções de prédios, sem que as obras por conta de capital
correspondessem á expansão urbana da cidade.
15
No entanto, como por si é translúcido, mesmo que não faça parte de
vários textos, não de melhorias, benfeitorias e grandes inaugurações vivia a
capital paulista no entardecer do século XIX. Assim como sugiram as zonas
nobres, Higienópolis e Campos Elíseos, os bairros operários também surgiram,
por vezes em regiões insalubres, como o Brás e o Bexiga.
16
Na São Paulo que se
modernizava, havia falta de moradia, os aluguéis alcançavam números
assombrosos, o transporte coletivo não atendia a todos em número e em extensão
de linhas, as epidemias grassavam ciclicamente sobre todos, faltavam trabalho,
áreas de lazer, alimentos para muitos, e a população sofria com as repetidas
enchentes, motivo de várias e continuas charges nos jornais, em vários pontos da
cidade. Assim descritas, as questões acima pareciam compor uma crônica do
alvorecer do século XXI, mas aqui reportavam-se de modo fidedigno ao
entardecer do século XIX quando foi criada pelo governo do Estado a Escola
Politécnica. De forma alguma, ela resolveria por completo todas essas
problemáticas; entretanto, essas questões ligadas à reforma urbana estavam na
raiz da criação desse instituto de tecnologia, e por isso se fariam presentes em
15
SÃO PAULO (Estado), Relatório da Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo, de 1909, p. 3.
16
AB’SÁBER, A. N., São Paulo: Ensaios Entreveros, p. 137-154.
154
sua sala de aula, e seriam discutidas em seus periódicos, como foi documentado
na primeira parte dessa pesquisa.
O surgimento da Escola Politécnica situa-se na São Paulo da República
Velha que herdou do período imperial a estrutura agrária que tinha como suporte
os cafezais, fator provocador de um contínuo aumento na balança comercial, que
não propiciou, mas sim tornou necessária a transformação em todo o Estado.
Uma delas, já em andamento, era a da origem da mão-de-obra, que, antes
predominantemente escrava, agora contava com uma participação cada vez mais
crescente de imigrantes das mais distintas nacionalidades que aqui chegavam e,
por vezes, não se dirigiam às plantações, vindo a permanecer na cidade.
Outra mudança foi o surgimento dos novos centros de poder político em
São Paulo e Minas Gerais, descentralizando o foco do Rio de Janeiro. A
construção dessa nova articulação geopolítica se fez possível pela adoção, na
Constituição de 1891, do regime federalista que deu maior autonomia aos
Estados, somando-se as conquistas adquiridas pelos mesmos na esfera
econômica. Nesse quadro, São Paulo foi particularmente privilegiada, como afirma
B. Fausto:
Com o advento da República, a hegemonia da burguesia do café se estende
do vel estadual ao nível nacional, através de um breve processo de lutas, onde os
opositores se concentram sobretudo no estrato militar [...] a Constituição estabeleceu
a ampla autonomia estadual, com a possibilidade de os Estados contraírem
empréstimos externos e contarem com força militar próprias. Na distribuição de
rendas, atribuiu os impostos de exportação aos Estados-membros, garantindo, assim,
a recita das unidades maiores e em especial de São Paulo.
17
O crescimento industrial do País, por exemplo, começou a despontar como
marco necessário à sua modernização, muitas vezes ligada à exploração de uma
matéria-prima básica. A borracha promoveu surto de desenvolvimento em
algumas cidades do Norte, e o café, ao se desenvolver nas regiões Sudeste e Sul
17
FAUSTO, B., Expansão do café e política cafeeira, in: História Geral da Civilização Brasileira, p.
200.
155
do País, gerou uma nova elite nacional com o papel de articuladora dessa nova
mentalidade modernista a ser desenvolvida na República, quando entre outras
coisas se buscaram, na ampliação do ensino superior, as bases de constituição de
uma maior cultura letrada, possibilitando o crescimento do Estado Liberal.
O café entrou em São Paulo pelo Vale do Paraíba, contínuo às plantações
do Rio de Janeiro, onde as primeiras mudas chegaram em 1727, vindas da
Guiana Francesa. A migração para o território paulista permitiu a constituição de
uma elite cafeeira que muita influência teria sobre a política paulista dos culos
XIX e XX. Na terra roxa de São Paulo, o café se desenvolveu prioritariamente por
três fatores: o capital acumulado pela venda, sobretudo no comércio exportador; a
criação de uma rede de estradas de ferro em conexão com uma rede de
navegação internacional, através do porto de Santos, propiciando assim o início
da industrialização no Estado.
18
A economia agro-exportadora cafeeira do culo XIX foi muito importante
para o desenvolvimento do setor industrial em São Paulo no decorrer do século
XX. Isto pôde ser observado no suporte dado à área de serviços de infra-estrutura,
como ferrovias e portos; na citada acumulação de capitais, levando à
constituição de uma nova elite no Brasil; e no desenvolvimento do mercado
interno, com o aumento de trabalhadores assalariados devido à imigração, que
concomitantemente subsidiavam a mão-de-obra nas lavouras. Essa conjuntura
levou W. Dean a afirmar que aqui aconteceu uma extraordinária anomalia que a
elite rural, constituída pelos fazendeiros e coronéis, tornou-se posteriormente elite
urbana, desencadeadora dos processos de industrialização.
19
A identificação de São Paulo como uma cidade em crescimento e a
transformação no período inicial da Escola Politécnica, aquela a quem essa
deverá alterar de alguma maneira, foram descritas por muitos memorialistas com
ufanismo desmedido, utilizando-se com frequência de chavões como, “somos a
cidade que mais cresce no mundo” ou “São Paulo nunca pára”. No entanto, C. J.
F. dos Santos, que reconstrói pelas falas de Alcântara Machado, a “batida
18
TOBIAS, J. e TORRES, J. C. O., História das idéias no Brasil, p. 169.
156
arquitetônica”, e em Monteiro Lobato o “carnaval arquitetônico”, evidencia uma
visão não tão otimista do progresso na Paulicéia, como muitos querem acreditar
como única. O autor faz surgir, em sua “colcha de retalhos”, uma São Paulo que
não era somente aquela vista pelo italiano, para quem a cidade estava dividida
tão-somente em três áreas: “os bairros elegantes, os populares e o centro, que
abrigava toda a vida comercial”
20
. Não. Em São Paulo também havia becos, vielas
e arrabaldes que não eram vistos no discurso de progresso para a cidade que se
quer fazer nesse momento e em outros tantos. Por isso, para ele:
... palavras como civilização, progresso, prosperidade, modernização,
europeização confundem-se com especialização dos espaços e exclusão, o que
aponta não a visão sobre a cidade como em relação aos seus sujeitos sociais. A
própria prática dos grupos à frente da administração pública paulistana, no período foi
assinalada por esta intenção.
21
Para C. J. F. dos Santos, São Paulo não era somente aquela descrita por
cronistas e viajantes estrangeiros para quem o imaginário do espelho europeu
fortemente influenciava o seu olhar sobre a cidade e ela se ainda não era, teria
que ter a beleza de Paris ou Roma. Afirma que a própria fotografia, como a de
Guilherme Gaensly, orientava-se na perspectiva de europeizar São Paulo:
... talvez por descuido ou proposital omissão, no sentido de ocultar o
indesejável, as representações textuais e fotográficas da cidade raramente tinham
como tema central os espaços ocupados, nas proximidades ou mesmo no próprio
perímetro central, por agentes sociais que estavam fora dos padrões urbanísticos e
socioculturais desejados.
22
Como foi dito, a esfera dos diversos poderes constrói nessa conjuntura um
novo rosto para a cidade, e a educação é um desses setores que se remodelaram
com o capital do café.
19
DEAN, W., A industrialização de São Paulo (1880-1945).
20
SANTOS, C. J. F. dos, Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza 1890-1915, p. 70-71.
21
Ibidem, p. 73. Grifo nosso.
22
Ibidem, p. 72.
157
O espelho desta nova sociedade industrial passa a ser a cidade, e é nela
que encontramos a burguesia desfrutando das benesses da nova tecnologia,
como iluminação elétrica, bonde e cinema. Em algumas delas, como Rio de
Janeiro, São Paulo e Manaus, este período será marcado por um grande
crescimento populacional provocando uma nova rearticulação urbana de seus
sujeitos sociais. Mas, a idéia de cidade, como nos diz D. R. Fenelon:
... nunca deve surgir apenas como um conceito urbanístico ou político, mas
sempre encarada como o lugar da pluralidade e da diferença, e por isto representa e
constitui muito mais que o simples espaço de manipulação do poder.
23
Portanto, uma cidade em obras, como São Paulo, sugere ligações
complexas entre suas formas físicas e as relações de forças e conflitos que a
atravessam. É nisto que se baseia a pesquisa de J. F. Cerasoli Modernização no
Plural: obras públicas, tensões sociais e cidadania em São Paulo na passagem do
século XIX para o XX, que, nas transformações urbanas da São Paulo desse
período, pesquisa os embates políticos então existentes, onde a experiência
urbana e os citadinos estavam mediados pela atuação da Municipalidade, quer
nas obras públicas, como nos códigos de postura. Essa abordagem é singular por
apresentar os termos de negociações cotidianas sobre os espaços da cidade,
evidenciando a mobilização da população:
Obras como grandes edifícios públicos (as secretarias de governo, Escola
Normal ou o Teatro Municipal, por exemplo) e intervenções urbanísticas ou viárias
(reformas no Anhangabaú, alargamento da rua 15 de Novembro e do Largo do
Rosário, depois praça Antonio Prado, entre outras), não sintetizam as ações dos
poderes públicos no período, e nesse sentido tomá-las como representativa das
principais iniciativas dos governos leva, no mínimo, a percepções parciais do processo
e uma excessiva valorização da atenção dada a área central. A despeito de
constituírem ões de vulto e de considerável repercussão para os contemporâneos,
ao manifestarem satisfação ou crítica em relação aos investimentos feitos, tais obras
não revelam a abrangência e a dinâmica implicadas na gestão da cidade, tampouco
permitem uma aproximação em relação às tensões geradas nessas transformações.
23
FENELON, D. R. (org.), Cidades, p. 7.
158
Há, sem dúvida, evidências de uma ação ou um conjunto de ões de grande
visibilidade no centro, como os dados sintetizados deixam perceber, mas não hesito
em afirmar que as obras de maior impacto naquele momento foram as que, mesmo de
modo limitado, integraram outras áreas da cidade às dimensões desse centro.
24
Pelos idos de 1894, São Paulo é uma síntese de todas essas
transformações, um lugar de pluralidades e diferenças, e com um governo
subsidiado no PRP que tinha um claro plano para reestruturar o aspecto cultural
na capital, e para isso orquestra a instalação quase conjunta de quatro instituições
afins: a Escola Normal, o Instituto Histórico e Geográfico, o Museu Paulista e a
Escola Politécnica. Nesse ano, em 15 de fevereiro iniciam-se as aulas na Escola
Politécnica, recém-criada no ano anterior. No dia 2 de agosto, a Escola Normal,
que existia anteriormente, é instalada em sua sede própria na Praça da
República e, com um novo estatuto, inicia suas atividades letivas. Em novembro,
no salão nobre da Faculdade de Direito, reunem-se os membros da elite letrada
paulista para a sessão de inauguração do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, o Museu Paulista inicia suas atividades, destinado ao estudo da história
natural da América do Sul e do Brasil, além de, fazendo jus ao local de sua
instalação, colecionar e arquivar documentos relativos à Independência do Brasil.
Isso se porque o binômio cultura/instrução é um desses setores
remodelados na capital do café. Ao se abordar esse assunto, não se deve deixar
de lembrar que a apreensão com a instrução em São Paulo pode ser considerada
como primária, que sua origem esta ligada à fundação de um colégio pelos
jesuítas, fato comemorado em 25 de janeiro de 1554.
24
CERASOLI, J. F., Modernização no Plural: obras públicas, tensões sociais e cidadania em São
Paulo na passagem do século XIX para o XX, p. 250. Tendo como suporte o acervo da Câmara
Municipal contendo a documentação sobre a participação popular, afirma, contrariamente ao que
outros historiadores sustentam, que há sim participação popular nas decisões do poder público.
Ibidem, p. 36-37. Para Cerasoli: É significativa a forma como os signatários se posicionam em
relação à cidade e aos poderes instituídos, percebendo-se como membros da municipalidade e na
condição de participantes ativos. Três menções de confiança me parecem importantes nesse
sentido: a certeza de que a Câmara perceberia a necessidade levantada, a existência de princípios
que fundamentariam o exercício do poder público, e a expectativa certa na capacidade da
administração de tomar as providências adequadas”. Ibidem, p. 79.
159
Em São Paulo, na primeira década da República, o binômio
cultura/instrução da população em geral era visto como fator preponderante para o
desenvolvimento de condições de estabilidade, que levassem à consolidação da
República. Para a elite intelectual local, nutrida indistintamente do positivismo, do
darwinismo e do liberalismo, a organização de instituições voltadas para a
cultura/instrução era uma questão pacífica a ser consubstanciada nesse alvorecer
da República.
25
A República não era apenas um novo regime político que implicava a troca
de governantes e auxiliares. Despontava como uma nova forma de organização
social do povo, aliada a outras formas de políticas econômicas. Em São Paulo,
essa mudança no regime político é acompanhada da possibilidade da condução
de novos projetos socioeconômicos, até então não vivenciados no Império. Os
positivistas do Brasil, em grande parte influenciados pelas obras de Augusto
Comte, bem mais que as de Émilé Littré ou Herbert Spencer, vêem esse momento
como favorável para a implantação de alguns de seus ideais, como os
educacionais, por exemplo. Os festejos pela República em São Paulo eram
vivenciados ao som da Marselhesa e das cores vermelha, azul e branca.
26
Aqui encontramos duas instituições de caráter instrutivo, Escola Normal e
Escola Politécnica, ambas destinadas à instrução de uma minoria da população, já
que se exigia um letramento anterior para o ingresso em seus átrios. E duas de
cunho cultural/científico, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e o Museu
Paulista, destinadas não à formação escolar formal ou a população em geral, mas
espaços propícios para o encontro e, quiçá, desenvolvimento da constituída
elite letrada de São Paulo. Cada uma dessas instituições tem seus caminhos
próprios de percurso para chegar ao ano de 1894 e se constituir. Para essa
pesquisa, é relevante o aspecto de que a criação da Escola Politécnica não é,
naquele momento, um fato isolado na cidade, pois a unicidade dessas
25
Cf. NADAI, E., Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934), e o primeiro
capítulo, Educação e Política.
26
A história dos positivistas no Brasil pode ser acompanhada com mais detalhes na obra: I. Lins,
História do positivismo no Brasil.
160
instituições no que diz respeito a uma nova perspectiva intelectual para a cidade
que deixa de ser apenas o “burgo dos estudantes do Largo S. Francisco”.
A operacionalização dessas quatro instituições é possível em função de um
consolidado desenvolvimento material, e os projetos de todos eles tramitaram
contemporaneamente na Câmera dos Deputados e, gestados em grupos
específicos, trouxeram em si o surto do desenvolvimento para o âmbito das letras.
A influência positivista no Brasil perpassa vários setores intelectuais e
políticos do final do século XIX e início do XX. A formação dos normalistas da
Escola da Praça é nessa época direcionada para os programas comtianos por
Gabriel Prestes, ao efetivar os currículos enciclopédicos e ao valorizar a
hierarquização das ciências práticas, deixando de lado a ocupação pela psicologia
e pedagogia, áreas do conhecimento que não possuíam o status de ciência.
27
No mesmo ano, em fevereiro, quando se iniciaram as aulas na Escola
Politécnica, em novembro, no salão nobre da faculdade de Direito, reuniram-se
membros da elite letrada paulista para a sessão de inauguração do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, que contou nas estimativas mais
abrangentes com 139 sócios fundadores.
28
Assim sendo, ao se discutir o que vem a ser uma Escola de engenharia em
uma cidade, muito pode se dizer sobre sua função social que passa pelo serviço
técnico que ela proporcionará à cidade. No desenvolvimento de novas formas de
indústria e comércio, a questão da tolerância na diferença de valor entre os pesos
utilizados para medição nas transações comerciais deveria ser dirimida por
alguma instituição, e, no caso paulista, era a Escola Politécnica que, por meio de
laudo técnico, decidiria aqueles que poderiam ser considerados como pesos
exatos sob o ponto de vista comercial.
27
MONARCHA, C., op. cit., p. 209-216.
28
FERREIRA, A. C., A epopéia bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica (1870-1940),
p. 93.
161
3.2 Os gabinetes e laboratórios: espaços para a construção do
conhecimento (1899-1926)
Nos primeiros anos da República, Paula Sousa trabalhou como diretor da
Superintendência de Obras Públicas, sendo incumbido por Prudente de Moraes de
reorganizá-la para que ela pudesse dar suporte às inúmeras obras debatidas na
Câmara Legislativa para o processo de “melhoramentos” de São Paulo. Neste
cargo, deu ênfase ao estudo do saneamento da zona urbana. Identificou e
denunciou a falta de suporte tecnológico, como laboratórios para análise de água
e demais materiais, seja madeira ou ferro, para dar continuidade aos novos
estudos sobre o aproveitamento e as melhores condições de uso dos recursos
hídricos da cidade.
29
Contemporâneo de Paula Sousa, o também engenheiro Saturnino Brito
desenvolveu inúmeros estudos sobre o saneamento de cidades como Santos e
Salvador, e corroborava com ele no acoimar a falta de laboratórios onde se
pudessem realizar estudos sobre as características físico-químicas das águas de
cada região ou desenvolver conhecimentos sobre formas de higienizar a água a
ser consumida pela população.
A preocupação, primeiro, com a montagem e estruturação e, depois, com a
manutenção dos gabinetes e laboratórios foi uma constante das várias
administrações da Escola. Quando do início de seu funcionamento, em 15 de
fevereiro de 1894, a Escola Politécnica estava instalada no Palacete do Marquês
de Três Rios, que, ano a ano, com o aumento no número de alunos e de cursos
oferecidos, logo se tornou diminuto para todas as suas atividades. em 1895,
Paula Sousa informou ao Secretário do Interior que era necessária a:
29
Escola Polytechnica, O Estado de São Paulo, p. 4.
162
... construcção de um edifício especial para commoda e adequada instalação dos
differentes gabinetes elaboratorios, imprescindíveis para o regular ensino de varias matérias
dos diversos cursos da Eschola.
30
Neste mesmo ano, foi constituída uma comissão composta por Francisco
Ferreira Ramos
31
, Urbano de Vasconcellos
32
, sob a coordenação de Francisco de
Paula Ramos de Azevedo, que, em 2 de março, apresentou à Congregação da
Escola o projeto de um edifício concebido para abrigar as instalações dos
gabinetes/laboratórios.
33
Inaugurado a 21 de janeiro de 1899, nele passam a
funcionar a estrutura administrativa da Escola, a Congregação, a quem coube um
lugar de destaque, e inicialmente, os gabinetes de Química Mineral, Orgânica,
Analítica e de Física Industrial.
34
Em 1
o
de fevereiro de 1899, o diretor comunicou aos lentes catedráticos
responsáveis pelas cadeiras de Agricultura Geral, Horto Botânico, História da
Arquitetura, e pelos Gabinetes de Hidráulica, Química Mineral e Orgânica, de
Mineralogia, de Estradas de Ferro e Tráfego, de Mecânica Elementar, Máquinas
Hidráulicas, Térmicas e Agrícolas, de Química Analítica e Industrial, de Botânica e
Zoologia, Mecânica Aplicada e Mecânica Industrial, Arquitetura, e também para as
cadeiras do recém-implantado curso de Engenheiros Arquitetos, para o Mestre
das Oficinas, e para os cursos de Engenheiros Industriais, os valores de que
poderiam dispor, a 31 de dezembro daquele ano, para as despesas com os
respectivos cursos, bem como material de expediente.
35
No decorrer deste ano,
foram efetuadas diversas compras para permitir a realização das aulas práticas
30
Relatório apresentado ao Cidadão Cezário Motta Jr., Secretário do Interior, pelo Engenheiro
Antonio Francisco de Paula Sousa, Director da Escola Polytechnica, em 14 de janeiro de 1895, p.
5.
31
Engenheiro Civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1866). Catedrático de Eletrotécnica e
Física Industrial, Vice-diretor da Escola Politécnica (1927-1928). SANTOS, M. C. L. Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo: 1894-1994, p. 78.
32
Engenheiro Civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1866). Catedrático de Álgebra
Superior e Analítica, secretário da Escola Politécnica (1894-1895). Ibidem.
33
Uma leitura mais ampla sobre as instalações da Escola Politécnica pode ser encontrada em:
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 65-111.
34
EPUSP/APFI/L-35, p. 67.
35
EPUSP/APFI/L-35, p. 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54.
163
nesses gabinetes e cursos.
36
rias dessas aquisições deveriam ser feitas no
exterior, principalmente na França, cujo importador era Guillard, Aillaud & Comp.
37
,
e na Alemanha. No País, não havia fábricas que produzissem os equipamentos,
ou mesmo os produtos a serem utilizados nestes gabinetes/laboratórios.
38
Por vezes, devido ao fato de a compra ter que se adequar ao orçamento do
gabinete, alguns pedidos necessitavam ser cancelados, como a compra solicitada
em janeiro de 1899 à firma Lion & Comp. da qual sofreram exclusão os artigos de
platina que
    
, fazendo com que a fatura ficasse
acima da dotação orçada para o laboratório de Química Analítica e Industrial,
39
ficando posteriormente acordado que o material seria entregue, mas pago apenas
no ano seguinte.
40
Ao se observar no decorrer dos anos a descrição da dotação orçamentária
da Escola, pode-se inferir que uma significativa parcela do seu custo de
implantação e de manutenção foi despendida com os gabinetes/laboratórios.
Estruturados inicialmente com o intuito didático de servir ao aprendizado prático
dos alunos nas mais diversas áreas, eles se converteriam, com o passar dos
anos, num espaço privilegiado de contato entre a Escola e a sociedade, pois neles
poderiam ser executados serviços/análises até então impossíveis de serem
executados na cidade, e que muita falta faziam para um melhor conhecimento do
Estado.
Um dos primeiros documentos, informando que a Escola realizava
prestação de serviço para a sociedade por meio da análise de materiais, está
registrado no oficio do diretor, 470-29/11/1899, endereçado ao Sr. Barão de
Almeida Vallim, no qual Paula Sousa afirmava:
... tendo engarregado ao Dr. Adolpho Barbalho de Uchoa Cavalcanti, lente
cathedratico de chimica mineral, de fazer o exame das amostras de mineraes, trazidos a esta
36
EPUSP/APFI/L-35, p. 19, 24, 34, 65, 71, 72, 131, 141, 152, 153, 160, 161, 174, 172, 173, 178,
191, 192, 193, 196, 199.
37
EPUSP/APFI/L-35, p. 188.
38
EPUSP/APFI/L-35, p. 201.
39
EPUSP/APFI/L-35, p. 193.
40
EPUSP/APFI/L-35, p. 268.
164
Escola por V. Excia., prestou-me aquelle lente a informação seguinte: - Tendo examinado os
mineraes não encontrei ouro, nem outro metal precisoso. Os mineraes são constituídos por
pyrites de ferro, com pequena dose de cobre e varias impurezas, principalmente quartzo.
41
Essa prestação de serviços de análise de materiais realizados nos
gabinetes/laboratórios da Escola Politécnica é um dos pontos em que se evidencia
o seu contato com a sociedade, termo aqui usado em seu espectro mais amplo
que representa instituições estatais e privadas, bem como cidadãos particulares.
Por ocasião da
!     $
, em
1899, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro publicou:
A orientação, que se observa a cada passo, é a de facilitar-se ao alumno os meios
concretos de adquirir, parallelamente ao ensino theorico, a maior porção de conhecimentos
praticos, affeiçoando-o á applicaçao segura e prompta dos methodos e formulas mais usuaes
na arte de construcção.
Pretende-se menos alargar desmedidamente o rol de conhecimentos theoricos
relativo ás sciencias puras do que familiarizar os alumnos com o cabedal da sciencia e arte
indispensáveis á resolução dos variados problemas de engenharia.
42
Possibilitar aos alunos um ensino no campo da engenharia que lhes
permitisse de maneira otimizada solucionar, os não poucos problemas da cidade
era o que se prenunciava para o ensino na Politécnica desde as discussões que
levaram a sua criação pelo Congresso Legislativo. É com esse intuito que em
1899/1900 têm início as atividades práticas do Gabinete de Resistência dos
Materiais, ligado aos cursos de Estabilidade e Resistência dos Materiais, de
responsabilidade de Paula Sousa.
41
EPUSP/APFI/L-37, p. 3.
42
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1900, p. 423. Não foi possível
identificar quem foi o “Engenheiro Freire” responsável por este artigo; entretanto, pela forma como
foi escrita pode ser que seja um professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
165
A estruturação desse Gabinete foi realizada segundo projeto do engenheiro
Ludwig Von Tetmeyer, então diretor do Laboratório Federal de Ensaio de
Materiais, anexo à Escola Politécnica de Zurique, e seu assistente, Wilhelm
Fischer, veio para São Paulo com a responsabilidade de assumir sua direção
entre 1902 a 1905. A montagem foi executada pelo chefe das oficinas Ernesto
Heincke, sob a orientação direta de Paula Sousa e de Victor da Silva Freire, então
substituto da secção. Quando de sua instalação possuía a seguinte aparelhagem
principal, toda de fabricação da firma Suíça J. Amsler:
... duas prensas para ensaios de compressão e flexão, uma de 150 e outra de
5 toneladas; uma máquina de tração e flexão de 50 ton.; uma prensa para ensaios de
compressão de pequenos corpos, com 30 ton. De capacidade e todas as pequenas
máquinas e aparelhos necessários para o ensaio dos aglomerantes...
43
Em 1903, alunos dos últimos anos, entre eles Hyppolito Gustavo Pujol Jr.,
sob a orientação do professor Wilhelm Fischer, contratado dos laboratórios de
Viena especialmente para se responsabilizar pelo Gabinete, e outros professores
que também desenvolviam aulas práticas no Gabinete, realizaram os ensaios
sobre materiais então de uso corrente na construção civil em São Paulo: pedras,
tijolos, telhas, madeiras, cais e o cimento “Rodovalho”, o primeiro nacional; dos
materiais importados, foram ensaiadas quinze marcas de cimento e alguns metais.
Esses ensaios dão origem à publicação realizada em 1905 do Manual de
Resistência dos Materiais, pelo Grêmio Politécnico, com informações sobre as
propriedades físicas, mecânicas e químicas dos materiais de construção então
mais empregados. Tal publicação foi por décadas decantada por conter as
primeiras indicações experimentais acerca dos materiais do País, sobre os quais
eram omissos os manuais e os formulários da profissão, à época.
44
Sobre isso, M. Vargas afirma que:
43
TORRES, A. F., Instituto de Pesquisas Tecnológicas: Histórico de sua evolução (1899-1939). In;
Boletim do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, n
o
20, janeiro/1939, p. 14.
44
Ibidem, p. 15-16.
166
... de se convir que, na República Velha, nossa engenharia não contava
com a pesquisa tecnológica, o que afetava muito a solução correta de problemas
técnicos, principalmente os referentes a materiais de construção.
45
Entende-se que a discussão sobre tecnologia no Brasil ainda carece de
pesquisas mais centradas e, é claro, da divulgação desses trabalhos. Como a
atuação do Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica. No
entanto, é uma generalização afirmar que não existia pesquisa tecnológica no
Brasil durante a República Velha. Poderia ser sim limitada e restrita a poucas
áreas, mas não inexistente.
46
Discutir ciência no Brasil requer pontuar que o primeiro movimento filosófico
a influenciar a elite dirigente do País foi o Positivismo, no qual a ciência é
supervalorizada, considerada como perfeita e acabada, simplesmente pronta para
ser ensinada, e não a ser pesquisada, pois já havia atingido o ápice do seu
desenvolvimento. Com essa visão, o positivismo que conduziu o Brasil ao mundo
modernizado tem em sua proposta um entrave à pesquisa científica, o que levou a
uma maior demora no ensino das ciências exatas de nível superior. Dizer isso é
também afirmar que o cartesianismo e o empirismo inglês, filosofias básicas na
discussão da ciência, careceram de um maior debate nos institutos de ensino
superior.
47
Se em 1900 o responsável pela Light não confiava nos resultados das
análises realizadas pelos laboratórios da Escola Politécnica, em 1926 a situação
era outra. Dentre os interessados em que o Laboratório de Ensaios de Materiais
passasse a funcionar em tempo integral estava a Comissão de Obras Novas e
Abastecimento de Água de São Paulo, cujo intuito era de que as provas dos
materiais a serem empregados nas obras de reforço do abastecimento da capital
45
VARGAS, M., História da técnica e da tecnologia no Brasil, p. 195. Grifo nosso.
46
Em um outro texto sobre a pesquisa tecnológica no Brasil, M. Vargas aponta como iniciadores
desse processo o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, no Rio de Janeiro na questão da
necessidade nacional de resolver os problemas de combustíveis e minérios; o Gabinete de
Resistência de Materiais da Escola Politécnica, pelo imperativo da construção de edifícios em São
Paulo, e o Instituto Agronômico de Campinas, na busca de soluções para os problemas da lavoura
cafeeira. Ibidem, p. 211-224.
167
fossem realizadas pela Escola, e a Companhia Paulista de Estrada de Ferro, que,
em vez de estruturar nas suas dependências um Gabinete para ensaios de
materiais, optou por investir na ampliação do laboratório da Escola.
48
Essa atividade era rotineira para a Escola. o aqui a realização de
nada de novo, mas, sim, continuação de um percurso de ensino utilitário que se
encontra nas origens da instituição. No próprio mês de julho de 1926, Ramos de
Azevedo, no dia 28, encaminhou o seguinte ofício:
llmo. Sr. Dr. João Lindenberg Junior
M.D. Diretor da Estrada de Ferro Campos de Jordão – Pindamonhangaba
Tenho o prazer de enviar-vos o resultado do ensaio de 4 corpos de prova em ferro,
que enviastes para o Gabinete de Resistência desta Escola.
Esta semana será realisado o ensaio dos cabos de cobre e o exame microscópico
pedido.
Como o Ensaio foi executado segundo dos methodos suissos, junto enviamos-vos a
copia de um trecho do caderno suisso de especificações, relativo as construções metallicas,
para vosso uso no julgamento do material que foi ensaiado, no caso de não terdes á mão o
citado caderno.”
49
Ramos de Azevedo afirmava:
Para isso necessário torna-se modificar o regimen de trabalho até então nelles
seguido e dar lhes feição não tão restricta de ensino como até aqui, e sim mais geral e
utilitária.
No estrangeiro, notadamente na Suissa e nos Estados Unidos, onde as escolas
tecnnicas são modulares, não são os seus laboratórios e gabinetes destinados ao ensino
exclusivamente dos diversos ramos da profissão de engenheiro.
[...]
47
Ibidem, p. 211-213.
48
Ibidem, p. 48-49.
49
Ibidem, p. 45.
168
Nelles são feitos estudos e pesquisas de toda a sorte, que além de aproveitarem
directamente ao ensino pelo lado do aperfeiçoamento dos métodos experimentaes, interessam
também o exercício da profissão do engenheiro, pela orientação technica a ser seguida para o
emprego seguro e mais econômico dos materiais utilisados nas construcções e nas industrias;
d’ahi a reducção dos preços de custo dos productos, do fomento industrial e não raro a
origem de outras que vêm avolumar a riqueza publica.
50
As palavras escritas em 1926, mais de trinta anos após o início de seu
funcionamento, dizendo que os gabinetes/laboratórios não tenham uma função de
serem restritos ao ensino, mas
    #
são um re-visitar as
palavras de Cesário Motta Jr. nos primeiros anos da Escola:
Instituição baseada no estudo das mathematicas em suas differentes applicaçoes, a
sua creação corresponde á uma necessidade quer se encare pelo lado utilitário quer pelo
scientifico.
51
O caráter pragmático do ensino tecnológico, tendo como modelo de
referência a Suíça e os Estados Unidos, foi buscado com freqüência pelos
dirigentes da Escola Politécnica. No anuário de 1911, com vários prédios
construídos para o específico fim de abrigarem laboratórios para a Escola, lemos
que:
O problema das installações de ensino pratico e experimental é de tal importância
nas escolas technicas modernas e de sua solução para a actividade econômica dos paizees
que délla se tem occupado, que será de relevar a inistencia com que a oimmissão abaixo
assignada refere-se a este assumpto, certa de que esforça-se por grande melhoramento para o
ensino e conseqüente resultado altamente profícuo para o futuro esperançoso do Estado de
S. Paulo.
52
50
EPUSP/APFI/L-112, p. 2.
51
SANTOS, M. C. L. dos, op. cit., p. 630.
52
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1911, p. 7.
169
A insistência para as montagens dos laboratórios era tão grande que até
merecia um pedido de desculpa, mas o ensino das escolas técnicas modernas se
fundamentava nas aulas práticas oferecidas nos gabinetes. É de se observar a
expressão “escolas técnicas”, e não faculdades ou algo que denotasse o ensino
superior, dando-se aqui à valor a praticidade do ensino oferecido., Formada por
Paula Sousa, Silva Telles, Victor Silva Freire e José Brant de Carvalho, essa
comissão propunha uma relação de causa e efeito ao identificar o futuro
esperançoso de São Paulo ao ensino ministrado nos laboratórios da Escola
Politécnica. Realmente era nisto que eles acreditavam.
Concomitante aos intramuros dessa Escola tecnológica, cujos objetos de
estudo eram definidos pela sua finalidade, e não pela sua constituição, pulsava
uma sociedade. Enquanto a Escola era responsável pela formação de
profissionais de nível superior, que estudam em seus laboratórios, havia, além
desses, a preocupação com a instrução profissional do operariado paulista, o que
em parte era suprido pelas atividades do Liceu de Artes e Ofícios
53
, e, a partir da
década de 1930, pelas ações desenvolvidas no Instituto de Organização do
Trabalho (IDORT)
54
, cuja preocupação era a racionalização do trabalho. Nas
revistas de engenharia transparecia essa preocupação, na realidade não com a
melhor qualificação do trabalhador, mas, sim, com que não faltasse a sua força de
trabalho nas atividades em andamento nos vários setores do mercado.
No início da segunda década do século XX, o crescimento vertiginoso
urbano transcorria nas ruas paulistas e exigia um grande número de trabalhadores
53
O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo teve suas origens na Sociedade Propagadora da
Instrução Popular, pelos idos de 1873. Seu objetivo estava centrado na educação profissional
elementar. No período de 1895 a 1924, foi dirigido por Ramos de Azevedo. Era conhecido como
Casa-de-Operários. Cf. SEVERO, R. O liceu de Artes e Ofícios de São Paulo: preâmbulo histórico,
p. 12-37.
54
Segundo M. A. M. Antonacci, o Instituto de Organização do Trabalho surgiu em São Paulo em
1931, como resultado da experiência acumulada no decorrer da década de vinte, por vários grupos
envolvidos com questões de organização cientifica do trabalho, num momento de redefinição das
práticas de dominação social. Ele foi o operador das mais modernas exigências da racionalização,
como a proposta fordista, configurando-se na matriz de vários elos que compuseram a nova
mentalidade e a nova ordem social. ANTONACCI, M. A. A Vitória da razão (?): O Idort e a
Sociedade Paulista, p. 17.
170
em várias áreas da produção: a agricultura, a construção civil e a nascente
indústria manufatureira.
Naquele momento, havia por parte das classes dirigentes uma política de
incentivo à imigração para o trabalho nas lavouras de café, com benefícios no
pagamento das passagens, reembolso da importância despendida com as
mesmas no caso de imigração voluntária, translados, hospedagem e
encaminhamento para a atividade laboriosa. Mas o Governo não estendia tais
incentivos àqueles que desejassem trabalhar nas cidades como operários quer na
construção civil ou na indústria.
55
Em fins de 1911, houve em São Paulo uma greve de pedreiros que causou
transtornos aos empreiteiros das obras, que não eram poucas. Os dados sobre o
aumento anual de construções em São Paulo indicam, em que, 1906, 1.091 novas
casas foram construídas e quatro anos depois, 1910, esse número triplicou
chegando a 3.231 novas construções
56
. Cesário Motta Jr., na inauguração da
Escola Politécnica, afirmava aos engenheiros que:
  # 9 

de São Paulo. Essas palavras podem
ser também aplicadas aos operários anônimos que, cada vez mais, se
organizavam em agremiações na busca por melhores condições de trabalho.
A greve dos pedreiros levou os engenheiros, por meio de suas revistas e da
Sociedade dos Arquitetos e Engenheiros, a solicitar do Governo a imigração de
operários urbanos em iguais condições às oferecidas àqueles que aqui chegavam
para se dirigirem às lavouras, já que no tocante à imigração:
De há muitos annos os poderes públicos, principalmente os do Estado, empregam os
maiores esforços para a colonização do solo patrio; e, todos o reconhecem, os muitos milhares
de contos despendidos com a immigração subvencionada representam uma parcella
insignificante comparada à riqueza por ella creada com o aproveitamento dos elementos
naturaes do paiz.
57
55
A crise de mão de obra. Revista de Engenharia, v.1, n° 8, p. 217.
56
Augmento annual de construcções em S. Paulo, p. 25.1
57
A crise de mão de obra. Revista de Engenharia, v.1, n° 8, p. 217.
171
Essa medida não visava a melhoria da qualidade da mão-de-obra, mas,
sim, a solução dos problemas dos engenheiros, como fica mais evidente no trecho
a seguir, quando foi solicitada do Governo a vinda de:
... de profissionaes affeitos aos trabalhos elementares, para as suas obras,
incorporando assim ao operariado existente elementos necessários, que hoje não existem ou
são em numero absolutamente insufficiente.
58
Além da mão-de-obra da construção civil, os operários da indústria também
eram objeto de preocupação por parte dos engenheiros desse período:
Concebe-se, facilmente, que si a par do progresso industrial não se desenvolverem
igualmente as classes operarias, em numero e qualidade, ás condições cada vez mais
precárias da nossa industria, sucederá inevitavelmente a  questão tão
debatida em todos os paizes...
59
Com o advento da manufatura, a indústria vivencia a liberação de operários
da atividade laboriosa, por sua substituição pelas máquinas e concomitantemente
passa-se a arvorar a instrução profissional para esse novo perfil de operário da
indústria. Essa instrução, pela natureza do trabalho, deveria ser teórica e prática:
... pois como bem diz Buyse ‘escolher a matéria, a fórma, o ângulo de córte, o modo
de o manter, a sua inclinação sobre a peça, é praticar a geometria, o calculo e a mechanica.
60
Essa visão do trabalho prático apoiado no intelectual começou a ser
difundido entre os gestores das indústrias de São Paulo, e teria um grande
desdobramento na racionalização das atividades industriais. A proposta solicitava,
além dos cursos profissionais, considerados fundamentais, cursos de
58
A crise de mão de obra. Revista de Engenharia, v.1, n° 8, p. 218.
59
A Instrucção Profissional, Revista de Engenharia, v. 2, n° 1, p. 1.
60
Ibidem.
172
hospedagem, de curta duração, dois ou três meses, nos quais um professor hábil,
com conhecimentos científicos e com experiência na área técnica orientaria um
grupo de operários-estudantes na fabrica. Propor-se-iam também cursos
temporários, dirigidos ao aperfeiçoamento daqueles que estavam na labuta da
fábrica, por meio de conferências realizadas por especialistas, no próprio local do
trabalho.
61
A proposta aqui era que a própria fábrica qualifique o seu pessoal, incluindo
os da área administrativa e comercial. Como se pode observar quase uma
centena de ano já se passou desde a publicação dessas propostas, mas a mesma
continua hoje na mentalidade do empreendedorismo moderno no modelo onde si
deve qualificar o trabalhador não em si, mas para as exigências de sua empresa
num determinado momento.
Desde seus primórdios, a Escola buscou arduamente a conjugação do
ensino teórico com o prático, e isso só era possível com a implantação dos
laboratórios, embora bem oneroso para os cofres públicos, pois grande parte, para
não afirmarmos a totalidade dos equipamentos, seja das máquinas de maior porte,
seja dos reagentes, deveria ser importada da Europa. Nas primeiras décadas, a
correspondência com o Porto de Santos foi acentuada, na cobrança de
mercadorias lá retidas.
62
Outra questão era a própria estrutura física das instalações onde estava a
Escola, que não comportava todas as salas de aulas e todos os laboratórios que
se faziam necessários com o passar dos anos. A necessidade de mais espaço
para os laboratórios e gabinetes é a principal justificativa para a construção em
1898 , de novas instalações. Dois prédios laterais são construídos exatamente
para essa finalidade. Esses espaços precisavam de instalações hidráulicas e
elétricas adequados, e que por vez davam problemas de funcionamento.
63
61
Ibidem, p. 2.
62
EPUSP/APFI/L-35, p. 15, 95, 102, 321.
63
Num panorama nos Copiadores de Expediente, sistematicamente o pedido de reparos para
as instalações hidráulicas ou elétricas dos laboratórios. Na década de sessenta, as transformações
173
O laboratório de química se destacou desde os primórdios. Na Politécnica,
como vimos no capítulo 2, desde 1918 existia o Curso de Químico, e o curso de
Engenharia Química foi criado em 1925, embora Química, como disciplina,
sempre estivesse presente. O primeiro regulamento previa no curso de
Engenharia Industrial, no segundo ano, a quarta cadeira como sendo de Química
Geral, primeira parte, e explicitava “Trabalhos do laboratório”.
64
No regulamento
que instalou o Curso Preliminar e Geral, a disciplina química foi incluída no Curso
Geral no segundo ano na quarta cadeira, como, Química Mineral e Noções de
Química Orgânica; em 1897, inúmeros são pedidos feitos ao Secretário do Interior
de equipamentos para esses laboratórios.
65
Junto com o laboratório de química, são estruturados os laboratórios de
física, mineralogia e hidráulica, que pouco a pouco passam a serem utilizados não
somente para fins didáticos, mas para prestação de serviços as repartições do
Estado, como a de Águas e Esgotos, que inclusive envia equipamentos para a
montagem do Laboratório de Hidráulica
66
, e a pessoas físicas.
67
Nestes
laboratórios, além do professor responsável havia a figura do “preparador”,
responsável pelos equipamentos e pelo bom funcionamento dos mesmos.
68
Alguns alunos começam seu trabalho na Escola exatamente na função de
“preparador”, como Adriano Marchini
69
; outros preparadores chegaram a ser
contratados no exterior como o Sr. Adolfh Voelmy, de Zurique, preparador do
decorrentes da implantação da reforma didática de 1955 trouxeram significativo acréscimo de
cursos, matérias e a necessidade de mais espaços para os seus laboratórios. No conjunto
politécnico do bairro da Luz, a área ocupada pela Escola não mais comportava ampliações, e a
questão do crescimento dos Institutos anexos à Escola, que na realidade era um desenvolvimento
de laboratórios e linhas de pesquisa da própria Escola, foi um dos argumentos fundamentais para
o início da transferência das instalações para a Cidade Universitária. Antes disso, desde 1949 as
aulas práticas do curso de Engenheiro de Minas e Metalurgistas eram ministradas na Cidade
Universitária, no núcleo das Instalações Experimentais de Metalurgia do IPT. SANTOS, M. C. L.
dos, op. cit., p. 99-105.
64
Ibidem, p. 585.
65
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935, p. 4.
EPUSP/APFI/L-33, p. 213, 221, 222, 223, 226, 227, 243, 261-271, 285, 286.
66
EPUSP/APFI/L-35, p. 72, 178, 172 e 173.
67
EPUSP/APFI/L-35, p. 19, 24, 34, 65, 71, 141, 152, 153, 160, 174, 191, 192, 193, 196, 199, 206,
231, 251, 271, 273, 275, 277, 280, 292, 294, 319, 326, 327, 355.
68
Em 1897 temos a nomeação do preparador de química mineral e orgânica, Sr. Regino de Paula
Aragão EPUSP/APFI/L-35, p. 352 e 358.
69
EPUSP/APFI/L-121, p. 18.
174
Laboratório de Ensaios de Material LEM –, cujo contrato de trabalho foi enviado
por correio, recebeu auxílio de viagem para se deslocar para cá.
70
É exatamente no laboratório de química, com o preparador químico Oscar
Campelo, em 1899, que a Escola Politécnica vivenciou um dos seus primeiros
casos de polícia. Tendo sido instalado inquérito interno, ficou comprovado que o
respectivo preparador fez uso indevido dos talões de fornecimento de material
para o ensino, comprando, em nome da Escola, materiais que não eram de seu
uso, que o funcionário usava provavelmente em beneficio próprio, fato pelo qual
foi demitido. A questão virou caso de polícia quando o advogado de Dutra &
Comp, empresa onde ocorreriam as compras fraudulentas, Dr. Villaboim foi à
Escola cobrar os materiais entregues ao demitido funcionário, e a Escola se negou
a pagar e explicou o problema de o citado funcionário ter feito compras em nome
da Escola, sendo isso desconhecido pela mesma. O diretor enviou cópia ao
delegado auxiliar, Dr. Reynaldo Perchat do auto de busca procedido por
funcionários da Escola nos Laboratórios de Química Mineral e no de Química
Orgânica, onde o material dos requerentes não foi encontrado, e coloca os
laboratórios da Escola à disposição da firma Dutra & Comp. para futuras
vistorias.
71
Não satisfeita, a firma Dutra & Comp. continuou requerendo o recebimento
das compras que a escola dizia o ter feito, nem recebido. Após inúmeras idas e
vindas, ficou esclarecido que uma parte do material requerido pela firma foi
entregue à Escola, e esses foram colocados à disposição para serem retirados, ou
ao menos os que ainda estivessem intactos, e que para foram indevidamente
mandados. O Prof. Uchoa Cavalcanti ficou como responsável dessa devolução. O
ex-preparador Oscar Campello tinha deixado na Escola

  
que, por ordem do diretor, foram colocados à disposição do
próprio Sr. Campello quando de sua demissão, embora o mesmo não tenha ido
70
EPUSP/APFI/L-118, p. 5.
71
EPUSP/APFI/L-35, p. 255, 256, 257, 262,302 e 303.
175
buscá-las. Informa tal fato ao Sr. Dr. Reynaldo Porchat, colocando tais objetos à
disposição de Dutra & Comp.
72
Mas a menina dos olhos do diretor continuava sendo o Gabinete de
Resistência dos Materiais que tendo iniciado seu funcionamento em 1899/1900,
após a saída de Wilhelm Fischer; em 1905, o recém-formado Eng. Hipollyto Pujol
Jr. foi contratado para a direção do mesmo, e logo no ano seguinte foi
comissionado pelo Governo do Estado para estudar as instalações e a
organização dos laboratórios técnicos europeus. Realizou um estágio na
Politécnica de Zurique e visitou os laboratórios de Viena, Berlim, Stuttgart,
Munique, Bruxelas e Paris. No seu relatório de viagem, além de apontar os
progressos da Europa no que dizia respeito à técnica experimental, propôs um
plano de aumento da aparelhagem do Gabinete e uma reforma do ensino prático
da experimentação dos materiais, estendendo-o para dois anos de curso.
73
Podemos afirmar que, nos relatórios do Diretor da Escola apresentados ao
Secretário do Interior, existiu quase que ano a ano a solicitação do aumento de
verbas com destino ao Gabinete de Resistência dos Materiais. Em 1909, essa
necessidade foi justificada pela introdução dos ensaios de resistência ao choque e
os de metalografia e microscopia. Com esse aumento de conteúdo a ser
ministrado no curso, as turmas não foram mais divididas em dois grupos como
acontecia anteriormente, mas tiveram, nas aulas práticas, a mesma turma de
alunos das aulas teóricas. Esse foi o único caminho encontrado para poder dar
toda a matéria do programa dentro do período letivo. Aconteceu que as turmas de
cada ano tornavam-se cada vez mais numerosas, chegando a 30 alunos, o que
dificultava o ensino à vista das proporções reduzidas do pavilhão onde funcionava
o Gabinete. O diretor se queixava que as salas de aulas eram tão reduzidas e tão
cheias com as máquinas e os materiais de ensino que sobrava pouco espaço para
o movimento dos alunos durante as aulas, isto porque nem todos os
equipamentos de que o Gabinete dispunha estavam instalados. Por toda essa
conjuntura, o Prof. Eng. Hippolyto Pujol Jr. solicitou:
72
EPUSP/APFI/L-36, p. 53, 54 e 86.
73
TORRES, A. F., op. cit., p. 17.
176
... venho pedir a V. E. as providencias que reclama a regularidade do ensino no
gabinete, solicitando do Governo do Estado a ampliação do pavilhão em que o mesmo
funciona com grande dificuldade e serio prejuízo do ensino prático.
74
Aqui começa a se formar uma estrutura delineada para a organização e
regulamentação de um serviço não restrito a um laboratório didático e sim, voltado
para pesquisas industriais à disposição da sociedade, quer pessoas físicas ou as
empresas nascentes, cada vez em maior número. Muito em breve, começaria a
ser discutido um projeto de autonomia econômica para os laboratórios, que
deveriam contar com receita própria, advinda de pagamentos pelos ensaios
realizados, e, como veremos em seguida, com o subsídio de empresas,
principalmente ligadas às estradas de ferro.
Essa solicitação de ampliação do Gabinete de Resistência dos Materiais foi
concomitante ao desenrolar de uma outra expansão, o início do funcionamento do
curso de engenheiros Mecânicos-Eletricistas, em 1911, que necessitava também
da criação do Gabinete de Eletrotécnica e Máquinas.
75
Para tal, foi anexado à
Escola o edifício antes destinado à sede do Ginásio do Estado, cujas obras
estavam paralisadas vários anos. Adaptação foi projetada Ramos de Azevedo,
ficando sediados os Laboratórios de Mecânica Aplicada e Eletrotécnica,
76
mas
não sem muitos pedidos, solicitações e ofícios do diretor informando de tal
necessidade, sem a qual nenhum proveito poder-se-ia tirar da criação de tal curso,
com afirmações do tipo:
Já bem adeantadas estão as obras do edifício ao lado da escola, que foi destinado ao
referido Gabinete, por isso é de esperar que o Governo, no louvável intuito de desenvolver
é de esperar que o Governo, no louvável intuito de desenvolveré de esperar que o Governo, no louvável intuito de desenvolver
é de esperar que o Governo, no louvável intuito de desenvolver
74
EPUSP/APFI/L-58, p. 93.
75
Sobre o curso de Engenheiro Mecânico e Eletricista, o diretor esclarecia ao Secretário do Interior
que o mesmo fora instituído pela primeira vez pelo Decreto n
o
1.539 de 9 de dezembro de 1907, e
deveria vigorar a partir de de setembro de 1908. Entretanto, esse decreto foi suspenso, e a
criação desse curso foi retomada pela Lei n
0
1.228 de 20 de dezembro de 1910, que também
extinguiu o curso de Agrônomos e alterou o período letivo que passou a ser de 15 de fevereiro a 14
de novembro, ao invés de 1º de setembro a 31 de maio. EPUSP/APFI/L-62, p. 77-78.
76
SANTOS, M. C. L., op. cit., p. 93.
177
continuamente o ensino technico superior do nosso Estado, facilite os recursos para a
continuamente o ensino technico superior do nosso Estado, facilite os recursos para acontinuamente o ensino technico superior do nosso Estado, facilite os recursos para a
continuamente o ensino technico superior do nosso Estado, facilite os recursos para a
continuação das referidas obras
continuação das referidas obrascontinuação das referidas obras
continuação das referidas obras.
77
O Gabinete de Resistência dos Materiais era o carro-chefe da Escola em
termos de laboratório, mas não o único. Com os laboratórios de química e física,
passaram a possibilitar que fossem feitas em São Paulo análises de: pedras, ferro,
cimentos, papéis, metais diversos, tinta, pedra branca, madeiras, o valor calorífico
de óleo combustível, água, viscosidade de óleo, poder de combustão de amostra
de coque, óleo para motor diesel, etc., no intuído de verificar se os mesmos
tinham aplicação industrial, e quais seriam as melhores ou se poderiam ser
usados na construção civil.
78
O principal produto analisado no Gabinete de
Resistência dos Materiais foi o cimento; nos laboratórios de química, a água; e nos
de física, questões ligadas à energia. Em 25 de julho de 1914, a Escola recebe da
Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas a seguinte solicitação:
Precizando esta Directoria conhecer o der calorífico do gaz produzido e distribuído
pela S. Paulo Gás CompanyLimited e não se achando habilitada com o necessário
aparelhamento, peço-vos a fineza de informar se no laboratório de Physica Industrial desse
estabelecimento poderão ser levadas a effeito experiências no sentido da determinação
d’aquelle elemento de fiscalização.
79
Em 1917, The Texas Company, solicitou a análise químico-física completa
em três qualidades diferentes de gasolina, com as seguintes especificações:
A analyse deverá ter por fim determinar exactamente: 1. Qual das três amostras é
mais adaptável aos automóveis e machinas de combustão interna; 2. Densidade respectivas;
3. Pontos de ignição; 4. Côr e cheiro; 5. Força desenvolvida por unidade; 6. Depósitos
resultantes da combustão; 7. Proporção de volume de ar exigida para mistura em vista de
77
EPUSP/APFI/L-62, p. 77.
78
EPUSP/APFI/Cx. 21, 37 e 38.
79
EPUSP/APFI/Cx. 37.
178
obter-se Maximo poder explosivo; e 8. Qualquer outra informação que julgarem de
interesse.
80
A Escola, ou seria mais apropriado dizer seus laboratórios, tinha como
principal cliente o Poder Público fosse o Estado de São Paulo, como suas diversas
municipalidades, fossem outros Estados
81
, mas prestava serviços para: J. C.
Macintyre & Comp., Companhia Nacional de Artefatos de Cobre, Officinas
Progredior, diversas companhias de estrada de ferro, Companhia Melhoramentos
de São Paulo, Herm. Stoltz & Comp., empreiteiro Dagoberto de Almeida e Silva,
Indústrias Reunidas Matarazzo, cimento nacional Rodovalho, Sociedade Anônima
Votorantim, Ernesto de Castro e Comp., Cia Carbonífera Ribeirão Novo, Srs.
Schmidt, Trost & Comp. Cia de Cimento Portland S/A, Cia Brasileira de Petróleo
“Cruzeiro do Sul”, Theodor Willi & Comp., Empresa Imobiliária de São Bernardo,
Estação Cardoso de Almeida, Srs. Assumpção e Comp., Fonte Simão-Vila
Inglesa-Campos do Jordão, The San Paulo Coffee Estates Cia Ltda, Guinle & Cia,
Klabin Irmãos & Cia, L. Grumbach & Cia, Escritório Leônidas Moreira, Fábrica de
Cal de São Paulo, Fábrica de tecido S. Bento, entre outros.
82
O reconhecimento da qualidade das análises realizadas pela Politécnica
atravessou as fronteiras do Estado, como atesta esse ofício recebido em 22 de
setembro de 1911, pelo diretor da Escola Politécnica enviada pela firma C. F.
Hargreaves & Cia do Rio de janeiro:
... estabelecidos no Rio de Janeiro, á rua da Alfândega, n. 48, representantes de
Martin, Earle & Cia., Ltd., fabricantes de cimento Portland, marca “Rhinoceros”,
desejando a confirmação da analyse feita na Inglaterra
desejando a confirmação da analyse feita na Inglaterradesejando a confirmação da analyse feita na Inglaterra
desejando a confirmação da analyse feita na Inglaterra, annexa ao presente, vêm solicitar a
V. Excia. Digne-se mandar proceder á experiência necessária pelo Gabinete de Ensaios
d’essa Escola, mediante o pagamento das taxas devidas, pondo á disposição a quantidade
80
EPUSP/APFI/Cx. 21.
81
O Rio de Janeiro é aquele que mais constantemente enviava solicitações aos laboratórios da
Escola. Em 24 de novembro de 1906, solicitou análise de uvas “atacadas por moléstia
desconhecida” da Sociedade Nacional de Agricultura; em 1908, solicitou análise de algodão.
82
EPUSP/APFI/Cx. 21, 37, 38 e 39.
179
necessária, que póde ser retirada do armazém dos Srs. Hargreaves, Hamshire & Cia., n’essa
capital, á rua Quintino Bocayuva, n. 16.
83
A maioria desses serviços era cobrada, salvo quando por alguma troca de
favores o diretor informava ao solicitante não ser necessário efetuar o pagamento
previsto em uma tabela, no qual o valor dos ensaios era constantemente
atualizado.
84
As análises feitas nos laboratórios tinham todo o respaldo para dirimir
questões legais, como as tarifas de importação cobradas no Porto de Santos.
Como a solicitação feita pela firma L. Grumbach & Cia, enviando uma carta a
Escola Politécnica, com o seguinte teor:
... sendo as duas colheres que lhe enviamos artigos que costumanos importar do
estrangeiro, e como a Alfândega de Santos quer classifical-os cada um em differente taxa
aduaneira, apezar de ambos representarem a mesma composição chimica, o que constitue a
base essencial para serem admittidas com uniformidade de taxa, e, como para documentar a
nossa causa perante aquella Alfândega urge a necessidade de exhibir uma analyse chimica
dos ditos artigos, vimos, confiados na sua reconhecida benevolência, solicitar o especial
favor de nos fornecer officialmente um certificado declarando a composição de cada um dos
objectos, fazendo-os acompanhar com um signal ou chancella, se for possível, para
caracterizar ou relacionar o documento com os ditos objectos, podendo-se assim submettel-os
a comissão de arbítrios com uma frizante prova que vêm arazoar o que temos allegado.
85
A Escola então passa a ser consultada com regularidade pela própria
Alfândega de Santos para poder aferir a taxação da alíquota sobre o material
importado,
86
pelas empresas de construção civil quanto a escolha do cimento
87
ou
83
EPUSP/APFI/Cx. 37.
84
Ibidem.
85
EPUSP/APFI/Cx. 39.
86
Na documentação da correspondência recebida pela Escola, são comuns ofícios vindos da
Alfândega de Santos com o enunciado:
$   (C    
&!-
A mesma já tinha um formulário impresso para envio de amostras
180
pelas companhias de estradas de ferro quanto a escolha da água para abastecer
suas locomotivas.
88
No meio de tantas solicitações feitas aos laboratórios da Escola, tinha uma
que insistentemente se repetia, a tentativa, por parte da população, de encontrar
metais preciosos. Como esse fazendeiro de Penápolis, que, em março de 1912,
enviou essa carta ao diretor da Escola:
... tendo encontrado em terras de sua propriedade vestígios de mineraes que lhe
parecem de valor, vem pelo presente requerer a V. Ex. se digne nomear profissionaes
competentes para procederem ao referido exame, correndo as despezas por conta do
requerente...
89
O funcionamento desses laboratórios oferecia à cidade a possibilidade de
um desenvolvimento na área industrial. A Escola Politécnica estabeleceu com
esse modelo de ensino tecnológico, em que a aprendizagem teórica está ligada ao
fazer prático, um percurso no qual o proveito para o desenvolvimento de suas
estruturas, estava ligado a qualificação profissional do engenheiro, tinha como
norte a própria expansão econômica do Estado de São Paulo, e num certo sentido
do Brasil, por sua atuação nos processos de urbanização e posteriormente de
industrialização.
90
Com isso, ela tem uma especificidade e uma singularidade no
processo da construção urbana de São Paulo ao trazer para o discurso
normativo e civilizador sobre a cidade gerado nas sociedades urbanas européias
do século XIX, e que serviram de berço para o modelo da escola tecnológica
paulista.
a Escola Politécnica, colocando apenas o número do pacote enviado. Esse formulário permaneceu
até 1934, pelo menos. A Escola já tinha também o formulário de resposta.
87
EPUSP/APFI/Cx. 21.
88
Ibidem.
89
EPUSP/APFI/Cx. 39.
90
Em seu texto Atuação dos Politécnicos na Urbanização e na Industrialização”, M. Nagamini
destaca essa relação em três setores: no sistema de transportes, como instalações portuárias,
ferroviárias e rodoviárias, áreas estratégicas para a expansão agrícola e urbano-industrial; a
proposição de novos sistemas construtivos, advindos da pesquisa sistemática; e as propostas
relativas ao saneamento, higiene e salubridade de habitações e cidades, bem como a melhoria das
vias de circulação. MOTOYAMA, S., NAGAMINI, M. Escola Politécnica, 110 anos construindo o
futuro, p. 84.
181
A moeda tem dois lados. A Escola Politécnica com seus diversos
laboratórios e o Gabinete de Resistência dos Materiais foram a mola propulsora do
primeiro surto da construção em concreto armado ocorrida em São Paulo no início
do século XX. foram realizados, como foi e é cantado e decantado, as provas
de cargas do primeiro edifício de concreto armado em 1913 num prédio de
propriedade da Guinle & Company, os primeiros ensaios de metalografia
realizados nas América do Sul e as análises da água do Estado. Tudo isso deu à
Escola Politécnica, ou seja, às pessoas ligadas à Politécnica, a possibilidade de
indicar propostas de melhoramentos para a cidade, isto é, de saneá-la e
embelezá-la, palavras usadas para designar o que hoje chamamos de
urbanização.
Até o final do século XIX, predominava a presença da iniciativa privada nas
obras de melhoramento da Capital; entretanto, nas primeiras décadas do século
XX, houve uma crescente participação do poder público que gradativamente
adquiriu um papel mais preponderante, até chegar a propor em 1910 a execução
de um plano de melhoramentos, ao qual concorreram três projetos apresentados à
municipalidade. O primeiro, proposto por Alexandre Albuquerque, em novembro
de 1910, representava os interesses de empreendedores interessados na
especulação imobiliária cada vez mais avassaladora sobre os arrabaldes da
Cidade; o segundo de Freire-Guilhem, apresentado em 3 de janeiro de 1911 em
memorial endereçado ao governador do Estado Albuquerque Lins organizado pelo
prefeito Antonio Prado e teve como idealizadores Victor da Silva Freire, diretor de
obras do Município, e Eugenio Guilhem, vice-diretor do mesmo órgão,
representava a perspectiva desse setor para os problemas da cidade; e o último
de Samuel das Neves, também apresentado em janeiro de 1911, divulgado pelo
Correio Paulistano, patrocinado pelo Governo do Estado.
91
Devido ao clima de animosidade desencadeado pela apresentação dos três
projetos anteriores, a Câmara Municipal recorreu ao juízo do Engenheiro-Arquiteto
francês, Joseph Antoine Bouvard, de passagem pelo Brasil, por compromissos
91
Uma discussão sobre esses projetos encontra-se em: SEGAWA, H. Prelúdio da Metrópole, p.
53-106.
182
assumidos com o governo argentino. Tal convite da municipalidade não passou
despercebido pelos politécnicos, e o próprio Alexandre Albuquerque, autor de um
dos projetos, publicou na Revista de Engenharia um artigo de desafeto à
solicitação de tal parecer:
Não faltam em nosso Estado, arquitectos e engenheiros, que passaram seis longos
anos nos bancos da academia, recebendo das mãos dos mestres diplomas científicos, todos
aptos a estudar e organizar um projeto geral de melhoramentos da capital paulista...
92
Essa fala de Alexandre Albuquerque está em consonância com o visto
ufanismo com o qual os próprios politécnicos se autoproclamam. Posto isso,
voltemos nossos olhos para o seu projeto, visto ser ele um egresso da Escola, da
turma de engenharia civil, engenheiro arquiteto de 1905. Seu projeto fora
solicitado e financiado por um grupo de empreendedores da iniciativa privada, que
buscavam auferir lucros com a expansão imobiliária numa cidade que, a décadas,
contava com um elevado crescimento populacional.
93
Esse é significativamente
um dos rumos dos formandos da Politécnica, trabalharem para/com os
especuladores imobiliários, e aqui se evidenciará um modelo de cidade, que
certamente nunca se operacionalizará por inteiro, mas que é, mesmo que isolado
e particularmente, proposto pelos politécnicos.
O projeto de Alexandre Albuquerque segue o modelo parisiense empregado
pelo arquiteto Haussmann (durante o governo de Napoleão III, 1853-70), ao qual
Segawa faz a seguinte crítica:
... estava em descompasso na Europa diante das propostas de planejamento
urbano alemão, as idéias de Camillo Sitte e o movimento inglês das cidades-jardins.
94
Esse jovem professor da Politécnica (que, em 1905, como prêmio de
viagem pela conclusão com louvor como Engenheiro Arquiteto, percorreu

92
ALBUQUERQUE, A. Os melhoramentos de São Paulo – As grandes avenidas. Revista de
Engenharia, p. 44-45.
93
SEGAWA, H. op. cit., p. 61.
183
10011G
4H
pela Europa) em 1910
propôs um projeto baseado num modelo já há muito superado, indicando uma falta
de amadurecimento para estudar a realidade paulista e encontrar um modelo mais
adequado a sua geografia e população.
O projeto de Freire-Guilhem, assinado pelo Prof. Victor da Silva Freire, está
em maior consonância com os padrões de arquitetura da época, e amadurecido
pelo tempo, seguiu a linha do arquiteto austríaco Camillo Sitte e transpôs a idéia
do anel vienense para o anel paulistano, que no final da cada de vinte foi
absorvido pelo projeto de urbanização de Francisco Prestes Maia.
96
No transcorrer
dos anos, nenhum dos projetos foi completamente executado, ficando o plano
inacabado, na vertigem continua do crescimento urbano paulistano.
O discurso normativo e civilizador trazido à cidade pela Politécnica fez com
que, ao se apresentar as reformas urbanas propostas para o Paulo em 1911,
fosse encontrada uma forte preocupação da municipalidade com o espaço público,
e não somente com o espaço privado. As discussões em torno do calçamento a
ser usado na cidade detonaram calorosas disputas entre materiais e técnicas de
calceteiros. Em abril de 1894, o diretor Paula Sousa convocou os professores
Ramos de Azevedo, João Pereira Ferraz e Francisco Ferreira Ramos a comporem
uma comissão, pois:
Desejando a Câmara Municipal d’esta cidade conhecer a opinião d’esta Escola, a
respeito de uma proposta de calçamento da Cidade, remettendo para esse fim e por meu
94
Ibidem, p. 74.
95
ALBUQUERQUE, A. Impressões de Europa. Revista Polytechnica, vol. III, n
o
15, p. 182.
96
SEGAWA, H. op. cit., p. 77-79. Entregue em 15 de maio de 1911, o Plano Bouvard frisa a
urgência da reforma urbana paulista, necessária para a melhoria da qualidade da paisagem
urbana. Seus comentários indicam o Projeto Freire-Guilhem como o mais indicado para a cidade.
Não propõe em si nenhuma alteração significativa ao que já vinha sendo proposto pelos vários
engenheiros desde a época do Adolpho Augusto Pinto, no início do século. Segawa afirma que o
Plano Bouvard levou ao crescimento imobiliário da zona oeste da cidade, com a criação da City
Lapa e City Pacaembu, por um grupo de especuladores imobiliários. A Companhia City foi a mais
importante urbanizadora de São Paulo neste período; implantou o padrão inglês de Cidades-
Jardins. O jardim América, que só passou a ter uma ocupação definitiva nos fins dos anos vinte, foi
projetado pelo arquiteto urbanista inglês Barry Parker, que, com Raymond Unwin, realizou a
primeira cidade-jardim na Inglaterra. Neste período, uma forte publicidade em torno desses
loteamentos, que possuíam rigorosas normas de ocupação, visando manter a qualidade do
investimento. Ibidem, p. 111-118.
184
intermédio os documentos concernentes ao assumpto [...] para estudar a questão e emittir o
respectivo parecer o qual depois de aprovado pela Congregação, será levado ao conhecimento
da mesma Câmara.
46
O fato de a municipalidade solicitar parecer da Instituição ocorreu dois
meses após o início do funcionamento da Escola e se perpetuaria no tempo, ora a
Escola aceitando, ora recusando opinar sobre as questões que lhe eram
propostas. Em maio, foi enviada à comissão a proposta do Sr. José Simão da
Costa para o calçamento da cidade em asfalto, aprovado no relatório da Comissão
enviado à Câmara Municipal.
98
Por razões orçamentárias, o Município não a
executou, levando a própria Escola em 1899 a fazer insistentes pedidos pelo
calçamento da rua Três Rios.
99
Ao Gabinete de Resistência dos Materiais, foram constantes as solicitações
de análises de pedras, a serem usadas nas mais diversas formas de calçamento
na cidade. Como o poder público via, na criação de um imposto, a única
possibilidade de se resolver o problema, tal questão se prolongou ao longo das
décadas. Em 1928, quando estava em vigor tal imposto, a Escola fez uma
solicitação ao Secretário do Interior buscando isenção da taxa de calçamento de
asfalto da rua de Três Rios e da guia de calçamento da Av. Tiradentes, por ser
uma instituição estadual.
100
Entretanto, paralela a essas discussões sobre áreas públicas houve
necessidade de se dirimir sobre as construções residenciais que cresciam em um
número cada vez mais acentuado. Se entre 1907 e 1914 houve um aumento
continuo no número de licenças expedidas para a construção de casas nos
arredores da cidade, com o início da Primeira Guerra Mundial uma forte queda
que exponenciou uma crise habitacional anunciada no crescente aumento
97
EPUSP/APFI/Cx. 42, ofícios n
os
44,45 e 46,
98
EPUSP/APFI/Cx. 42.
99
EPUSP/APFI/L-34, p. 20.
100
EPUSP/APFI/L-118, p. 55,74 e 88. Na década de vinte, há a publicação de dois artigos sobre o
calçamento na Revista Polytechnica, uma de Luis de Anhaia Mello, “Mais uma contribuição para o
calçamento”, e outro de José Amadei, “São Paulo e seu calçamento”.
185
populacional. Parou-se de construir seja pela alta nos preços dos materiais, seja
pela existência de outras opções de investimento, como manufaturados para
abastecer a Europa e os Estados Unidos. A falta de habitação levou as famílias a
viverem em locais cada vez mais diminutos, como proprietários ou, na maioria das
vezes, como inquilino.
H. Segawa divide, nesse período, a periferia de São Paulo em saudável,
onde prevalecia o padrão de melhoramentos da Cidade-Jardim, e remediada, nos
arrabaldes, onde se encontravam as construções das casas operárias, mas
também todo o trabalho da Prefeitura nas obras de infra-estrutura.
101
engenheiros politécnicos trabalhando nos melhoramentos dessas duas áreas
distintas, principalmente como funcionários da Prefeitura na Secretária de Viação
e Obras Públicas, na sua Diretoria de Obras ou na Repartição de Águas e
Esgotos.
102
A presença dos politécnicos nesses órgãos é inequívoca, e a atuação
dos mesmos nas mais diversas áreas da cidade é apresentada na pesquisa de J.
F. Cerasoli Modernização no Plural: obras blicas, tensões sociais e cidadania
em São Paulo na passagem do século XIX para o XX, quando discute questões
cujo foco são os habitantes da cidade e as dinâmicas que envolviam a
administração municipal e suas ligações com os citadinos. O estudo tem como
eixo as obras públicas que modernizaram São Paulo, levando-a a abordar
questões como: participação, cidadania, interesse e direito. Aqui os saberes dos
especialistas, entre esses os politécnicos, são como uma porta de entrada para
compreender a cidade, nos seus embates e espaços de negociações:
... a presença direta dos saberes dos especialistas da cidade bem como a
própria ação normatizadora do poder público acabam cedendo espaço para a
mobilização dos moradores praticamente anônimos.
103
101
SEGAWA, op. cit., p. 107-164.
102
Essa presença está documentada no anexo 1.
103
CERASOLI, J. F., op. cit.,, p. 51.
186
Entretanto, esses espaços onde o citadino dialoga com os poderes públicos
evidencia o uso de saberes considerados científicos por diferentes grupos sociais
e em função de interesses distintos. Assim, os politécnicos são um grupo entre
vários outros que buscam os melhoramentos das mais diversas áreas públicas ou
privadas. Mas se plural é o uso dos saberes técnicos sobre a cidade, o ensino da
tecnologia não o é, e muito menos os gabinetes e laboratórios onde materiais de
construções poderiam ser analisados, com melhor definição de seus usos, ou
novos projetos de habitações poderiam ser propostos, ou ainda ser feito um
planejamento sobre a coleta do lixo urbano, bem como sua destinação. Esse
espaço cabia, sim, à Escola Politécnica, sendo ela um dos principais interlocutores
no diálogo dos saberes especializados da cidade com sua população.
Nas primeiras décadas do século XX, a cidade salubre era um dos temas
que envolviam administradores, citadinos e politécnicos, envolvendo salubridade
das habitações, sua ventilação, coleta de esgotos, direito e muito mais. À
salubridade das habitações operárias ou populares, além das preocupações com
a higiene, acrescentavam-se preocupações sociais, econômicas, políticas e
estéticas, refletidas nos códigos de posturas do município.
104
Neste período, o
concreto armado com toda a tecnologia, o estudo experimental e os cálculos de
uma construção começa a alterar a concepção segundo a qual as cnicas de
construção eram, ou poderiam ser, dominadas por qualquer pessoa
indistintamente. O engenheiro se torna necessário à obra.
105
Em 1916, na administração de Washington Luís, é realizado um concurso
para apresentação de projetos de casa proletárias econômicas, destinadas à
habitação de uma família, que deveriam satisfazer as condições de higiene,
comodidade, estética e economia. Os 49 projetos apresentados, de 35 autores
distintos, foram divididos pela comissão julgadora formada por Adolpho Augusto
104
Ibidem, p. 161-168.
105
Na Revista Politécnica, encontramos artigos sobre o concreto escritos desde Paula Sousa,
passando por Hyppolito Pujol Jr. e Victor da Silva Freire, até Ary Frederico Torres e Gaspar
Ricardo Jr. ALONSO, O. Índice por assunto da matéria publicada pela Revista Politécnica de n
o
1
ao n
o
170. Revista Politécnica, n
o
172, p. 73.
187
Pinto
106
, Ramos de Azevedo e Victor da Silva Freire
107
, em quatro categorias, e
nestas ficando os projetos dos politécnicos Guilherme Winter e Hyppolito Pujol Jr.
dentre os premiados. Porém, após a divulgação, dos resultados a Prefeitura
colocou à disposição dos interessados os projetos selecionados e os orçamentos.
No entanto, o notícias de que algum desses trabalhos tenha sido
executado.
108
O não uso das casas operárias projetadas pelos especialistas indica que as
mesmas estavam fora da realidade da população da periferia remediada, para o
qual os conceitos de número de cômodos, dimensionamento e, portanto higiene,
comodidade, estética e economia de uma habitação eram distintos daqueles
apresentados como ganhadores de um concurso proposto pela Prefeitura.
106
Adolpho Augusto Pinto, o único nesta comissão não ligado a Escola Politécnica, era engenheiro
civil formado em 1879 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. H. Segawa atribui a ele as
primeiras preocupações ordenadas a respeito das melhorias urbanas para São Paulo, para quem o
principal problema da época era o saneamento público; assim sendo, ao invés de grandes
construções era necessária a melhoria das condições de higiene da cidade, donde o lema
“arborizar é sanear”. É de sua autoria o primeiro plano de melhoramentos para a São Paulo do
século XX, que compunha o programa de governo de Campos Salles, em campanha à presidência
do Estado em 1896. Tal programa não foi levado a termo devido, entre outros fatos, a uma
epidemia de febre que irrompeu no Estado, exigindo atenção e recursos para ser debelada.
SEGAWA, H., op. cit., p. 45-53.
107
Victor da Silva Freire foi professor na Escola Politécnica da cadeira de Tecnologias da
Construção Civil e Mecânica, e diretor entre 1933-1934. Esteve à frente da Diretoria de Obras do
Município durante vinte e seis anos. Desenvolveu ões em prol da salubridade, como a
sistemática arborização das ruas paulistanas, a criação de um viveiro anexo ao Jardim da Luz, o
ajardinamento da Praça da República, e tantos outros. Na Revista Politécnica, publicou diversos
artigos como: A madeira e seus ensaios, Melhoramentos de São Paulo, A cidade salubre, O futuro
regime das concessões municipais na cidade de São Paulo, e Especializações sobre areia para
argamassa e concretos. EPUSP/APFI/Prontuário de professores/ Cx. 229 e ALONSO,O., op. cit., p.
73-78.
108
Os grupos divididos pela comissão foram os seguintes: “1
o
– 2 projetos de edificações formando
blocos de quatro moradias, contíguas entre si por duas faces normais; 2
o
– 14 projetos de
edificações formando ‘série’, contíguas umas a outras por faces paralelas; 3
0
20 projetos de
edificações geminadas onde cada moradia oferece uma parede em comum com uma das
vizinhas; 4
0
13 projetos de edificações completamente isoladas”. SEGAWA, H., op. cit., p. 134-
135.
188
3.3 O Laboratório de Ensaio de Materiais: estrutura para o
desenvolvimento industrial. (1926-1934)
Na década de 20, a Escola Politécnica passa a pleitear junto ao governo do
Estado uma reformulação mais ampla nas instalações e no uso do Gabinete de
Resistência dos Materiais, o que como vimos poderia não ser uma novidade, pois
o mesmo, desde os primórdios de sua história fora alvo de constantes pedidos de
aumento de verbas e reformulações. O diferencial agora é a consolidada posição
de destaque que a Escola alcançou no cenário nacional, no que diz respeito à
credibilidade das análises nos mais diversos materiais desenvolvidas; o
vertiginoso crescimento na indústria e no comércio que exigiam nas suas ações
hodiernas, laboratórios de análises capazes de aferir os mais diversos tipos de
materiais. A valorização e o delineamento da profissão de engenheiro também
passava por essa ampliação.
109
A pesquisa de sistemas construtivos e de materiais era fundamental para o
desenvolvimento das sociedades urbanas brasileiras. Aqui, como em outras
regiões, a tendência dessa migração da zona rural para as cidades fora um dos
marcos do século XX. Em São Paulo, estava presente o Gabinete de
Resistência Materiais, mas um grupo de professores liderados por Ramos de
Azevedo queria dotar São Paulo de um órgão capaz de enfrentar os problemas
que a tecnologia, aplicada às ferrovias, construções e indústrias. Sua proposta
levaria anos de negociações com o Governo para se realizar: transformar o
Gabinete de Resistência dos Materiais, cuja organização e estrutura estavam
voltadas basicamente para ser um laboratório didático, em uma instituição ligada
ao Estado. Seria um Instituto de Tecnologia, com organização e estrutura de um
laboratório didático-industrial, com funcionários em horário integral habilitados a
desenvolver análises, prioritariamente de química aplicada e materiais de
construção à sociedade em geral.
110
109
As características da síntese aqui formulada foram desenvolvidas nos primeiro e segundo
capítulos dessa pesquisa.
110
TORRES, A. F., op. cit., p. 23.
189
Mesmo diante de tais solicitações, o Governo do Estado não acenava com
a possibilidade de liberar recursos para uma transformação tão onerosa. Ary
Torres afirmaria mais tarde que o nosso meio ainda não estava maduro para tão
grandiosa idéia, isto porque nenhuma instituição de pesquisa sistemática nessa
área funcionava ainda em nosso País. Muitos não compreendiam o alcance da
proposta efetuada num período pós Primeira Guerra, e outros receavam uma
organização burocrática e inútil, como provavelmente o eram algumas repartições
do Estado ou da Prefeitura. Era preciso então formar o ambiente, começar em
pequena escala e avançar por etapas, para demonstrar, pelos resultados colhidos,
a necessidade de existir, em São Paulo, um instituto de pesquisas
experimentais.
111
Para se fazer tal reforma, era necessário primeiramente convencer o poder
público da importância da implementação de um laboratório de ensaio melhor
equipado e propor uma reforma no Gabinete Paula Sousa (nome a época do
Gabinete de Resistência dos Materiais) com capacitação e remuneração de seu
quadro cnico-administrativo. Partindo do macro, o programa de um Laboratório
de Ensaio de Materiais, em uma Escola Técnica, deveria de um modo geral
possibilitar o exame de materiais solicitados por interessados. Sendo o
conhecimento preciso das qualidades de um material de construção o único
critério seguro para sua escolha, o mesmo seria imprescindível para as
repartições técnicas do Estado e Município, as companhias ferroviárias, aos
construtores e industriais. Não dispondo de um processo preciso para obter esse
conhecimento, os construtores não poderiam, com consciência, responder pela
durabilidade e segurança das obras a executar; as companhias ferroviárias, o
Estado e os Municípios estariam impossibilitados de, com autoridade, recusar
determinados lotes de material de fabricação nacional ou importado,
A necessidade de criar este instituto foi apresentada ao Governo do Estado por meio de outras
iniciativas, como em 1924, após o Congresso Brasileiro de Óleos, quando Alexandre Albuquerque,
presidente do Instituto de Engenharia, Paiva Meira, vice-presidente em exercício da Associação
Comercial, e Leovegildo Trindade, delegado da Associação Comercial procuraram o Presidente
Carlos de Campos, mostrando a necessidade para o Estado da fundação de um instituto de
tecnologia. Foi respondido que o orçamento do Estado não permitia, naquele momento, que
fossem atendidas tais solicitações. Ibidem.
111
Ibidem.
190
aparentemente de boa qualidade, mas sem certificado de garantia; as causas de
muitos desastres não poderiam ser racionalmente averiguadas e os engenheiros
ficariam sem critérios para obterem por esse ou aquele material, não tendo o
conhecimento das qualidades do mesmo.
112
Uma justificativa para o laboratório se baseava na necessidade de ele
possibilitar um meio para conhecer com mais rigor a qualidade de um material. À
época, um dos exames usados para essa finalidade era o organoleptico. Tornou-
se insuficiente, pois para se ter uma idéia precisa da qualidade de um material
eram e continuavam a ser estudados métodos para medir essa qualidade, como
os diversos tipos de ensaios a ser desenvolvidos, desde que houvesse
equipamentos e pessoal para tanto. Era sempre frisado o fato de que, nos países
considerados mais adiantados, os engenheiros construtores, e mais ainda o
Estado, a Municipalidade e as grandes empresas não faziam aquisição alguma de
material sem prévio exame num laboratório oficial. Nas concorrências públicas, o
papel de um laboratório dessa natureza era essencial. Já no Brasil, existia o hábito
de se estabelecer em concorrências à condição de que os materiais deveriam ser
de “primeira qualidade”. Mas, quem poderia atestar isso? Considerando que a
concorrência pressupunha igualdade de condições entre os candidatos, e que um
dos fatores mais importantes no preço de uma obra era a qualidade dos materiais
empregados, deixava de haver igualdade de condições e, portanto, concorrência
baseada num critério de justiça, com a ausência de uma instituição que atestasse
a qualidade dos materiais. Não havia valor algum numa concorrência o critério da
boa qualidade de um material sem um ensaio, e sem ele poderia sair perdendo o
concorrente serio que orça a obra considerando os materiais mais caros, e perde,
muitas vezes, o Estado recebendo uma obra executada com materiais inferiores.
É preciso lembrar que não os fabricantes nacionais, sabendo da existência de
um controle permanente, procuraram cada vez mais aperfeiçoar as qualidades de
seus produtos, como também os importadores de materiais estrangeiros, foram
forçados a por à venda artigos de primeira qualidade.
112
Esse parágrafo e os próximos estão subsidiados no documento
%8  
I$2$%7%
, EPUSP/APFI/Cx. 56.
191
Pela falta de ensaios, muitos construtores se contentavam em adquirir os
materiais de marcas conhecidas e que devam bons resultados em obras
executadas. Entretanto, não havia garantia de qualidade, pois podia acontecer de
o produtor, vendo acreditada a marca de seu produto e procurando tirar
vantagens, elevar os seus preços e muitas vezes abrir o da qualidade no
momento da fabricação. Também não era suficiente ter o ensaio de um
determinado material feito anteriormente. No caso do cimento, velho conhecido do
Gabinete de Resistência dos Materiais, onde constantemente eram realizados
ensaios, era praticamente impossível obter-se a constância absoluta das
propriedades nos diferentes momentos do fabrico; e por isso, era necessário que
fossem efetuados ensaios constantes. Diríamos que arvorava-se a esse
laboratório estatal a guarda do controle de qualidade, hoje ferramenta comum nas
empresas, mas não naquele período.
Outra justificativa era a necessidade de se desenvolverem pesquisas
sobre propriedades de materiais solicitados por interessados. O auxílio que um
laboratório de pesquisas podia prestar à indústria na redução do preço de custo e
na possibilidade de dar ao consumidor garantias de qualidades era evidente
naquele momento; entretanto, poucas indústrias tinham condições de manter um
laboratório dessa natureza. Como a indústria e os construtores não deveriam se
privar do auxílio desses ensaios, caberia ao Estado dispor do mesmo para colocá-
lo à disposição de todos os interessados. Deveria ser uma instalação que
dispondo de aparelhagem significativa e pessoal competente, (mediante é claro
remuneração razoável), para que se construísse com um processo racional e
garantia de segurança suficiente e houvesse também economia considerável.
113
113
Para exemplificar essa necessidade, é exposta a questão da construção civil nas obras de
concreto armado, na qual o processo adotado anteriormente nas especificações dessas obras era
a fixação empírica da dosagem a ser empregada pelo empreiteiro, com grandes desvantagens,
pois com uma dosagem rica é possível obter-se um concreto muito menos resistente do que com
uma dosagem mais pobre, desde que não se leve em conta a porcentagem de água, a composição
gramulométrica da areia e do pedregulho, o estado de limpeza destes materiais, a qualidade do
cimento, etc. O processo racional é sem dúvida fixar uma resistência. Desta forma, nas
especificações para uma concorrência em que se costuma encontrar uma dosagem determinada,
deve figurar uma resistência a ser atingida; sem isso, pode-se obter um concreto de resistência
insuficiente e, portanto, uma obra sem segurança, ou então um concreto forte demais, isto é, uma
obra sem economia. Caberá nesse caso, ao empreiteiro procurar com o auxílio de um laboratório
192
Foi proposta também a possibilidade de pesquisas sobre propriedades de
materiais por iniciativa do próprio laboratório, gerando a organização de Cadernos
de Especificações,
114
pois havia necessidade de ser regulado o recebimento dos
materiais mediante o exame num laboratório. Neste caso, foi preciso primeiro que
fosse feita a lição de casa, e que o próprio laboratório estabelecesse quais os
ensaios deveriam ser feitos, para cada emprego especial do material e que
resultados numéricos deveriam ser alcançados, para que fosse julgado como de
boa qualidade. Para resolver esse problema, foram organizados em vários Países
o que se chamou de Cadernos de Especificações, em que foram fixados os
ensaios a que deveriam ser submetidos os diferentes materiais conforme o uso a
que são destinados; o resultado numérico que devem atingir nessas provas; as
condições de recebimento, dosagem, pesagem, acondicionamento do material
recebido. Somente um Laboratório de Ensaio de Materiais estaria estar habilitado
a elaborar tais Cadernos, sendo um grave erro importá-los.
É preciso não esquecer que um Caderno de Especificações é um
organismo vivo que deve passar por reformas periódicas de acordo com o
desenvolvimento da indústria e das crescentes exigências do meio, como os
representantes de classes interessados em discutir as reformas. Para assim
proceder, o laboratório deveria manter secções permanentes de pesquisas,
visando o aperfeiçoamento dos diferentes todos de ensaios adotados,
corrigindo os defeitos constatados, estudando as bases para as reformas a serem
propostas. Um caderno que não passasse por reformas periódicas poderia
de ensaio o material e a dosagem mais vantajosa para atingir a resistência imposta. Por sua vez,
um serviço bem organizado de fiscalização controlará a resistência do material, com auxilio
igualmente de um laboratório.
114
O Laboratório de Ensaio de Materiais efetuou as seguintes publicações: Dosagem dos
Concretos, por Ary F. Torres, em julho de 1927; Determinação dos limites de elasticidade dos
metais, por Ary F. Torres, em maio de 1929; Dosagem racional dos concretos, por Ary F. Torres,
em junho de 1929; Especificações. Simplificação dos materiais de construção, por Ary F. Torres, F.
I. de Araújo Silva, Mario L. Ludolfo e A. de Araújo Perreira, em novembro de 1931; Especificações
para os cimentos. Balanço de nossa situação. Orientação a seguir para se obter uma especificação
racional, por Rômulo de L. Romano, em dezembro de 1931; Sugestões para o melhor
conhecimento de nossas madeiras. Propriedades físicas e mecânicas da Peroba Rosa, por
Federico A. Brotero, em dezembro de 1931; e Estudo sobre os tijolos da Capital. Relatório de uma
Comissão especial do Instituto de Engenharia, em fevereiro de 1932.
193
contribuir para a estagnação da indústria nacional e ser posto de lado pelos
consumidores.
É dito e redito ao longo da proposta que é
   
I"  $         

A eles estava entregue o trabalho de organização dos Cadernos
de Especificações, bem como a unificação dos produtos destinados ao mesmo
uso, e a limitação do número de tipos diferentes dos materiais de construção:
Na Inglaterra o Committeo of standards trabalha com o National Physical
Laboratory, para realisação desse programma. Nos Estados Unidos existe o Bureau of
Standards e a American Society for Testing Materials. Na Suissa o Laboratorio de Ensaio
de Materiaes da Escola Polytechnica de Zurich é quem se incube dessa importante tarefa
para o progresso de uma nação.
115
Havia também estudos específicos, embora de interesse geral, a serem
realizados com recursos próprios do laboratório ou auxiliados por associações
técnicas. Os resultados de todas essas pesquisas feitas seriam publicados,
distribuídos aos interessados e mesmo postos a venda, não pela difusão do
conhecimento, como pela exigência que seu uso passa a ter.
Como última justificativa, temos a melhoria da própria qualificação
profissional do engenheiro, pois seria necessário que tivesse durante o curso a
prática num laboratório de grande movimento, onde veria mais claramente a
importância do estudo, acompanharia certas pesquisas, apaixonar-se-ia pelo
método experimental e poderia daí tirar conclusões importantes para sua vida
profissional. Assim, os engenheiros poderiam conhecer a utilidade de um
laboratório de ensaio, como os dados fornecidos para a resolução de uma
dificuldade técnica e o modo de interpretar os resultados de um ensaio oficial. De
que serviria todos os Cadernos de Especificações se não existissem profissionais
capazes de fazer uso dos mesmos? Onde ensinar isso senão nas escolas de
115
EPUSP/APFI/Cx. 56.
194
engenharia, possibilitando ao aluno ficar em contato com um organismo vivo que
produz. Sem dúvida, isso teria um poder educativo muito superior ao oferecido por
uma instalação relativamente paralisada como, geralmente, eram os gabinetes de
ensaio de materiais destinados exclusivamente às aulas. Os docentes também se
beneficiaram ao dispor, para o seu curso, de uma coleção sempre maior de
exemplos, de casos interessantes, de estudos feitos no próprio laboratório.
Todas essas justificativas acima são, podemos dizer genéricas, e
esclarecem a importância dessa estrutura para a cidade, embora já existisse,
desde 1899, um laboratório, ora chamado de Gabinete Paula Sousa. Foi preciso
traçar um perfil e propor-lhe as mudanças convenientes para que pudesse atender
às quatro justificativas acima apresentadas.
O juízo dado sobre o Gabinete Paula Sousa era que, embora

  
, segmentos como indústrias, construtores, repartições
técnicas do Estado e companhias ferroviárias não o utilizavam como seria de se
esperar. As razões apresentadas para isso iam desde o desconhecimento, por
parte de muitos engenheiros, dos serviços que o gabinete pode prestar, até a falta
de organização do mesmo, proveniente, sobretudo, da falta de pessoal.
É preciso ponderar aqui que a pesquisa sobre o Gabinete mostra que o
mesmo não era tão rico e bem instalado assim. Eram constantes os pedidos de
melhoria para tanto para o prédio como para seus equipamentos, e a futura
instalação do Laboratório de Ensaio de Materiais mostra exatamente a forte
reestruturação nessa área. O uso do Gabinete por parte da sociedade em geral
era significativo (como apresentado anteriormente). Mas aqui estava-se no meio
de uma negociação. Era preciso ressaltar alguns valores e não outros, mesmo que
nesse meio campo houvesse alguma confusão, para poder se conseguir outros,
no caso a mudança no regimento do Gabinete Paula Sousa.
116
É pontuado que, para o bom funcionamento de um laboratório de ensaios,
devem ser consideradas as instalações, o pessoal e a organização do trabalho.
Para a constituição do Laboratório de Ensaio de Materiais, foram propostas
195
alterações nessas três estruturas do Gabinete Paula Sousa. Quanto à instalação
houve uma lista extensa de equipamentos a serem adquiridos.
117
No que diz
respeito ao pessoal, a intenção era ter uma equipe de funcionários com tempo
integral de trabalho, o que não acontecia até então; era afirmado categoricamente
que sem isso não seria possível desenvolver nenhum trabalho de vulto. Eram sem
dúvida, grandes mudanças do Gabinete Paula Sousa para o Laboratório de
Ensaio de Materiais, o tempo integral e o aumento na remuneração do pessoal
locado, que como proposta incluiria: diretor, engenheiro da 1
a
secção materiais
não metálicos –, engenheiro para a 2
a
secção materiais metálicos –, químico,
mecânico para a 1
a
secção, além de empregados e serventes. Foram descritas as
atribuições de cada um desses funcionários e reafirmado, como sempre, que, no
exterior não se concebia a idéia de um laboratório sem a permanência constante
do pessoal no serviço, além de ser necessário haver pessoal bem pago e
escolhido.
No Laboratório de Ensaio de Materiais, destacaram-se Ary Frederico Torres
e Adriano Marchini. Ary Torres fora um politécnico formado com louvores em
engenharia civil na turma de 1923, conquistando por isso o prêmio de viagem para
aprofundar seus estudos à Europa, onde trabalhara por seis meses no Laboratório
da Escola Politécnica de Zurique, especializando-se em cimentos; em seguida
percorreu outras instituições tecnológicas na Itália, Alemanha e Áustria.
Retornando dessa viagem lhe é confiada por Rodolpho San Thiago, em 5 de abril
de 1926 a direção do Gabinete Paula Sousa, e posteriormente o Laboratório de
Ensaio de Materiais, nela permanecendo até transformar-se em Instituto de
Pesquisas Tecnológicas IPT , da qual também foi diretor. Ary Torres conduziu
116
EPUSP/APFI/Cx. 37.
117
A lista inicial era:
1   JK  1HL  :  
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F11HL:!
J#9
KF/ J7KJ!KF1
 ! 9 ?LL        J   
   "  1HL KM        

Ibidem.
196
todos esses processos de reforma, destacando-se por suas palestras no
Laboratório de Ensaio de Materiais, inclusive com a presença do prefeito Sr. Dr. J.
Pires do Rio, e principalmente por seus trabalhos em dosagens de concreto, que
renderam várias publicações, já no IPT.
118
Adriano Marchini era politécnico formado em engenharia civil em 1919.
Inicialmente contratado pela Prefeitura na Diretoria de Viação e Obras Públicas,
em agosto de 1926 foi solicitado, em comissão, para prestar serviços junto ao
Laboratório de Ensaio de Materiais, onde permaneceu como assistente de Ary
Torres, assumindo várias vezes a diretoria.
119
No que diz respeito ao pessoal, a efetivação, de tempo integral para os
funcionários do Laboratório de Ensaio de Materiais e, portanto, o aumento na
tabela de seus vencimentos eram pontos crucias nessa questão, que estava
concatenada a duas outras. Primeiro, a Escola buscava uma reestruturação
similar ao do Gabinete Paula Sousa no Gabinete de Eletrotécnica e Máquinas, o
que implicava também aumento do numerário desse grupo de funcionários. E,
segundo, na Faculdade de Medicina, instituição também estatal, funcionava
vários anos, laboratórios de análises, tendo funcionários em regime de tempo
integral. Os politécnicos não se cansavam de questionar: por que a Faculdade de
Medicina pode e a Escola Politécnica não? Além do mais, no contexto geral os
vencimentos do diretor, professores e funcionários da Faculdade de Medicina
eram regularmente maiores que os da Escola Politécnica.
120
118
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 128, EPUSP/APFI/Cx. 56
e 58, e L-119, p. 82.
119
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1934, p. 89 e EPUSP/APFI/L-
112, p. 57. Quando diretor em exercício do Laboratório de Ensaio de Materiais, Adriano Marchini
abriu mão de parte dos seus vencimentos em favor de funcionários do laboratório, pois acumulava
os vencimentos do cargo de diretor do LEM com o de engenheiro da Prefeitura Municipal em
comissão junto a Escola. EPUSP/APFI/Cx. 42.
120
A equiparação salarial entre a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica foi algo que os
mesmos nunca conseguiram, mesmo que repetidos ofícios tenham sido encaminhados ao
Secretário do Interior, e mesmo o regulamento da Escola, de 1925, ter previsto tal equiparação.
Em 31 de maio, de 1929 Rodolpho San Thiago encaminhou um ofício ao Governador do Estado,
vide anexo, contendo a disparidade salarial entre ambas instituições do Estado, mas, primeiro
semestre de 1933, portanto às vésperas da criação da USP, encontramos ofício do diretor da
Politécnica solicitando tal equiparação. EPUSP/APFI/L- 119, p. 139, 140 e 141 e L-132, p. 62-63.
197
No segundo semestre de 1926, Ramos de Azevedo apresentou ao
Secretário do Interior uma exposição sobre o desenvolvimento a ser dado ao
ensino prático na Escola e citou as instituições da Suíça e dos Estados Unidos
como as mais avançadas na área das tecnologias. Seu pedido principal era a de
mais verba para colocar em tempo integral os professores dos laboratórios de
Ensaios de Matérias e de Eletrotécnica e Máquinas. Informava ter feito contato
com companhias ferroviárias e indústrias em geral, e as mesmas se
comprometeriam em ajudar a equipar esses laboratórios. Justificava essa
solicitação afirmando que, nos países estrangeiros modernos, o Estado, as
municipalidades e as grandes empresas não faziam aquisição de nenhum material
sem um prévio exame nos laboratórios oficiais. Visavam-se a segurança no
momento do seu emprego, e também o lado econômico de seu uso, em que seria
aferido o produto mais adequado para determinada finalidade. Não adiantaria
construir uma estrada de ferro usando dormentes da floresta nativa próxima,
sujeitos ao ataque de pragas locais, como os cupins, por exemplo. A análise de
matérias nacionais baratearia os custos das construções locais. Justificativa
arvorada em 1905 quando da publicação do Manual de Resistência dos
Materiais.
121
O funcionamento em tempo integral desses laboratórios, que implicava a
contratação de funcionários nesse regime, não era uma necessidade apenas da
Escola. Argumentava Ramos de Azevedo:
... os trabalhos que vão ser effectuados são de capital importância e interessam
directamente ás Repartições Técnicas do Estado, a Municipalidade da Capital, bem como a
todas as outras Municipalidades do Estado e também as Emprezas Ferro-Viarias e
Industriaes.
122
Esse documento marcaria a fundação desses laboratórios, que assim se
designariam. Somente em janeiro de 1927, com o Decreto n
o
4.167, assinado pelo
Governador Carlos de Campos, os mesmos existiriam juridicamente, dando força
121
EPUSP/APFI/L-112, p. 2.
198
legal às diretrizes traçadas no projeto de remodelação e, principalmente, aplicando
vencimentos de tempo integral aos funcionários dos mesmos.
123
Isso mostra que não foram ceis as negociações com o Governo do
Estado para a realização de tais mudanças. Foram quase exigidas pela
Congregação ao Estado, que, no entanto, acatou e referendou apenas algumas
das solicitações da Escola Politécnica, no caso a necessidade do regime de tempo
integral para alguns funcionários.
Observando a estrutura da argumentação proposta por Ramos de Azevedo
e Rodolpho San Thiago para a criação do Laboratório de Ensaio de Materiais,
percebe-se que tudo é dito não para propagar a necessidade da ciência pela
própria ciência, o desenvolvimento tecnológico por um apoio à tecnologia
instituída. Não. O Laboratório de Ensaio de Materiais era necessário e importante
porque significava um diferencial para o desenvolvimento econômico do País, para
a sua indústria e construção civil. O discurso era: seria bom para o Estado que
investisse nessa estrutura para possibilitar, como o que ocorrera em outros
Países, maior geração de empregos, segurança maior para o empresário local,
competitividade dos produtos locais diante dos estrangeiros. Não que a Escola
quisesse essa transformação por aferir benefícios próprios ou que desejasse mais
recursos empregados em sua estrutura. Sabemos que, como consequência, isso
também ocorreria. Fundamental é destacar aqui como os Politécnicos se
apresentavam para o governo e para a sociedade nas suas ações: como aqueles
de quem dependia a possibilidade de o País efetuar um salto no seu
desenvolvimento como um todo, quer agrícola ou industrial, quer público ou
privado, quer para os pequenos ou grandes empreendedores. Ninguém poderia
prescindir desse tipo de estrutura a ser constituída em São Paulo.
No que diz respeito ao Laboratório de Ensaio de Materiais, reforma e
ampliação eram necessárias às atuais instalações para receber os equipamentos
adquiridos por Ary Torres na viagem feita à Europa em 1927, exclusivamente para
essa finalidade, com recurso provenientes de doações das companhias
122
EPUSP/APFI/L-112, p. 47.
199
ferroviárias, parceria essa que, por sua importância, será tratada no próximo
capítulo. Para a reforma e ampliação, é significativo verificarmos a parceria com a
Companhia Brasileira de Cimento Portland, que solicitava com frequência os
serviços do Gabinete Paula Sousa, e que, a pedido do diretor, fez contínuas
doações de sacos de cimento para essa obra. Só no ano de 1929, há uma
sequência de ofícios nos quais o diretor agradecia o recebimento de sacos de
cimento e solicitava mais. E as solicitações de análises de cimento Portland
continuaram a serem feitas.
124
Quanto à estrutura de trabalho, encontramos além da diretoria e áreas
administrativas, as secções de: Aglomerantes e concretos, ensaios mecânicos em
metais, metalografia e microscopia, ensaio mecânicos em madeiras, identificação
micrografica das madeiras e oficina mecânica e de carpintaria. Aqui trabalhavam
engenheiros especializados, além de assistentes e colaboradores que realizavam
os ensaios em geral e os solicitados por terceiros num crescimento que passou de
25, em 1925, a 140, em 1926; 255, em 1927; 540, em 1928; e em 1929, 1.125. A
partir de então, devido à crise econômica internacional observa-se um decréscimo
no número dos ensaios ocasionado pela instabilidade da economia.
125
Simultaneamente a esses ensaios, cujos preços eram tabelados, e
garantido o sigilo do resultado aos seus proponentes, o laboratório realizou
pesquisas por conta própria ou com auxílio de empresas interessadas ou
associações, sobre cimento, concreto armado, aço da armadura e madeira.
A identificação de nossas madeiras pelo todo anatômico foi iniciada em
São Paulo, em 1928, com os trabalhos do Prof. Auguste Chevalier do Museu de
História Natural de Paris, professor visitante da França a convite da Escola
123
EPUSP/APFI/L-112, p. 2-8 e TORRES, A. F., op. cit., p. 25.
124
Nessa seqüência, o diretor agradeceu o envio de 50 sacos de cimento para a construção do
Laboratório de Ensaio de Materiais, e pedido de mais 100 sacos; agradeceu o envio dos 100 sacos
de cimento e solicitou mais 200; agradece o envio dos 200 sacos e solicitou mais 200; agradeceu o
envio dos 200 sacos e solicitou mais 400 para encerrar a obra. E essa parceria não parou aí; nos
anos seguintes, novas solicitações e agradecimentos seriam realizadas. EPUSP/APFI/L-119, p. 59,
86 e 98, L-121, p. 137, e Cx. 21. Podemos afirmar que essa parceria perdura até hoje, já que
publicações atuais sobre a história da Escola Politécnica, como o de S. Motoyama e M. Nagamini
Escola Politécnica, 110 anos construindo o futuro, foram publicadoas em parceria com a
Associação Brasileira de Cimento Portland.
200
Politécnica e do Instituto Técnico Franco-Paulista, ficando dois meses como
pesquisador nos laboratórios da Escola. Em conferências e demonstrações,
chamou a atenção para a necessidade de se reconhecer cada madeira pelos
caracteres típicos de sua estrutura celular. Faziam-se economicamente
necessárias a caracterização de uma espécie ou qualidade de madeira e a
referência exata de sua origem botânica, para que no momento da venda dessa
madeira pudesse se afirmar com precisão que madeira estava sendo
comercializada, que as até então usadas, denominações populares eram
múltiplas para a mesma espécie ou repetiam o mesmo nome para duas ou
mais.
126
Esse procedimento foi causa de insatisfação em transações comerciais
envolvendo nossas madeiras nativas, e era um fator de retraimento dos
compradores estrangeiros desse produto, assim:
O processo de identificação micrográfica das madeiras veio assim pôr termo a
uma situação criadora de controvérsia entre fornecedores e consumidores e também
abrir a indústria e ao comércio madeireiro a possibilidade de operar agora com seguro
conhecimento da mercadoria e, portanto, do seu exato valor.
127
Essas controvérsia pode ser observada no recebido da Alfândega de
Santos, 3 de agosto de 1921, em que se afirmava:
$  
(C       &!  -   

.
128
Com seu trabalho, o Laboratório de Ensaios de Material contribui
certamente para que os compradores internacionais adquirissem de nosso País as
madeiras com as especificidades por eles desejadas, racionalizando e
aumentando a exploração florestal.
125
TORRES, A. F., op. cit., p. 29.
126
EPUSP/APFI/L- 118, p. 66, 67, 68, 95. EPUSP/APFI/L-126, p. 149-150, Cx. 37. A vinda ao
Brasil do Prof. Auguste Chevalier foi supervisionada pela Escola Politécnica; o professor foi
acompanhado por Politécnicos desde seu desembarque até o retorno a Paris, veio acompanhado
se seu secretário Noel Vuillet, que também recebeu vencimentos por este serviço, e foram
trocadas cartas de agradecimentos recíprocas quando de seu retorno. Ibidem, p. 116, 119 e 121.
127
TORRES, A. F., op. cit., p. 32. A visita do Prof. Auguste Chevalier foi documentada no relatório
de sua visita técnica, com tradução para o português de seu trabalho com Imbuia, e mais outros
vinte e cinco diferentes tipos de madeiras classificadas como adequadas para o fabrico de móveis
de luxo. EPUSP/APFI/Cx. 58.
128
EPUSP/APFI/Cx. 39.
201
Podemos dizer que o reconhecimento do Laboratório de Ensaio de
Materiais é quase imediato, pois pela lei municipal n
o
3.427, de 19 de novembro de
1929, o artigo n
o
250 deu ao Prefeito a autoridade de colocar em comissão junto
ao Laboratório de Ensaio de Materiais dois engenheiros com a missão específica
de estruturar um “Caderno de especificações dos materiais da cidade de São
Paulo”. Esse caderno seria desenvolvido pela secção de Aglomerantes que pelo
excesso de análises desenvolvidas, havia abandonado a algum tempo as
pesquisas iniciadas para o estudo de cadernos referentes aos principais materiais
em uso na construção civil na cidade. Essa lei, conhecida como “Código Sabóia”,
possibilitou a ampliação dos trabalhos no laboratório numa efetiva participação
com a sociedade.
129
O contexto em que o Laboratório de Ensaio de Materiais se transformou em
Instituto de Pesquisas Tecnológicas IPT é o da criação da Universidade de
São Paulo, que na sua gênese foi formada por diversas Faculdades e Institutos, e
também pelas chamadas Instituições Complementares: Instituto Biológico, Instituto
de Higiene, Instituto Butantã, Instituto Agronômico do Estado, Instituto
Astronômico e Geofísico, Instituto de Radium “Arnaldo Vieira de Carvalho”,
Assistência Geral a Psicopatas, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Museu
Paulista e o Serviço Florestal. Destes dez institutos complementares, dois
estavam ligados à Escola Politécnica, o IPT e o Instituto Astronômico e
Geofísico.
130
O IPT foi criado na administração do Interventor Federal Armando Sales
Oliveira, pelo Decreto n
o
6.375 de 3 de abril de 1934. Aqui são explicitadas como
justificativas para a essa criação a necessidade de transformação do Laboratório
de Ensaio de Materiais que “... por força das solicitações do meio...”, carecia
dilatar cada vez mais a sua área de atuação, e na sua configuração atual, isto é,
com um perfil de laboratório acadêmico, não dispunha de elementos capazes para
129
EPUSP/APFI/Cx. 42 e L-123, p. 75-76.
130
Annuario da Universidade de São Paulo - 1934-1935, p. 13.
202
assegurar o desenvolvimento de suas atividades; as funções por ele
desempenhadas no campo das ciências físicas e naturais, eram de molde a
contribuir para a orientação técnica tanto das indústrias em geral, como das
repartições estaduais e municipais do Estado, na solução de determinados
problemas de relevante interesse público. São expostas ainda três razões: a de
que tais serviços devem ser mantidos com recursos provenientes da remuneração
paga pelos interessados, mas que os serviços imprescindíveis, de interesse geral,
devem ser custeados pelo Estado, com os meios ordinários consignados em seu
orçamento e que, para que essas funções sejam satisfatoriamente
desempenhadas, devem existir pessoas idôneas e aparelhamento adequado para
realiza-los.
131
Após a criação dos institutos anexos Escola Politécnica, o que se em
1934 com a criação da Universidade de São Paulo, os professores afirmam a
percepção de que o ensino vivenciou uma nova dinâmica desenvolvendo-se numa
atmosfera mais favorável graças À colaboração dos mesmos. O primeiro desses
institutos foi o Instituto de Pesquisas Tecnológicas; em seguida, veio o Instituto de
Eletrotécnica, a esses afluíam para serem resolvidos os problemas industriais, e o
seu corpo técnico trabalhava em regime de tempo integral, conforme reformulação
ocorrida na década de vinte. Essa é apontada como a grande diferença entre os
gabinetes e laboratórios com fins exclusivamente voltados para o ensino e a
realidade dos institutos anexos: eram, em primeiro lugar, o espaço de um
laboratório industrial, que funcionava em tempo integral desenvolvendo os mais
diversos tipos de analises para os diversos setores da sociedade; criava-se,
assim, um ambiente extraordinariamente benéfico para os jovens estudantes de
engenharia que , além de efetuarem os trabalhos práticos das cadeiras afins,
como Mecânica dos Solos ou Termodinâmica, por exemplo, poderiam desenvolver
trabalhos de pesquisa na qualidade de assistentes-alunos, o que lhes daria
antecipadamente a vivência do mundo do trabalho.
132
131
CREA, Decretos que regulam o exercício profissional do engenheiro arquiteto e agrimensor, p.
5-19.
132
Anuário 1946 da Universidade de São Paulo – Escola Politécnica, p. 107.
203
Com a criação do IPT, o Laboratório de Ensaios de Material foi extinto,
passando suas instalações a serem parte integrante desse novo Instituto. Assim,
num primeiro momento poderia aparentar que a Escola estivesse perdendo um de
seus maiores patrimônios, o Gabinete de Resistência dos Materiais, mas na
realidade ele estava se tornando aquilo para o qual foi pensado, um instituto de
pesquisa.
É criada então uma regulamentação que permite ao IPT estar desvinculado
e, ao mesmo tempo, vinculado à Escola Politécnica, o que nesse momento já quer
dizer a Universidade de São Paulo, como uma autarquia.
Tudo isso, que podemos considerar como uma fundamentação coerente,
foi possível de se evidenciar graças ao posicionamento tomado no início da
década de vinte ainda na administração de Ramos de Azevedo, com os
insistentes pedidos de Ary Torres e Adriano Marchini, de transformar o Gabinete
de Resistência dos Materiais no Laboratório de Ensaios de Material. Como
apresentamos, isso levou anos de negociações junto ao Governo do Estado, que
subsidiava com muito mais recursos os laboratórios da Faculdade de Medicina do
que os da Escola Politécnica, e foi possível graças ao estabelecimento de
diversas parcerias, como com as companhias ferroviárias.
204
4
o
Capítulo – Os Politécnicos e as Ferrovias
Quando se pretender escrever a
História da Engenharia no Brasil,
um dos mais ricos mananciais a que se terá de
recorrer serão, sem dúvida, as Estradas de Ferro,
em cujos arquivos se acumulam as notícias,
quer as diretamente ligadas ao nosso desenvolvimento técnico,
quer as de simples correlação com os diversos fatores do Progresso
Nacional,
todas, porém, fiéis indicadoras das diferentes fases
ou melhor diríamos, estágios da
Engenharia Nacional.
Alexandre D’Alessandro
1
205
Como vimos anteriormente, a administração de João Theodoro Xavier de
Mattos em 1870 foi voltada para a urbanização da capital do Estado, e esse élan
de modernidade trazia em seu bojo o evento dos cafezais que através do Vale do
Paraíba adentravam o território paulista. Esse contexto é apontado por diversos
historiadores como um dos fatores indispensáveis para o desenvolvimento da
ação tecnológica solicitada pelos comerciantes no intuito de concatenar esforços
para a criação de uma rede de estradas de ferro no Estado cujo destino final seria
o porto de Santos, daí se estabelecendo uma rede de conexão com o comércio
Internacional.
2
As estradas de ferro foram durante o século XIX um dos ícones das
mudanças sociais dessa época, pois em si estavam presentes a transformação de
um metal, o ferro, e o uso de uma energia, o vapor, que permitiam percorrer
distâncias em um tempo menor do que até então era possível. Elas cortavam os
caminhos antes percorridos no lombo de animais, expoênciando o transporte de
passageiros e cargas. Com isso o percorrer dos seus trilhos alterou de maneira
1
D’ALESSANDRO, A., Cinqüentenário da inauguração do ramal de Itacaré da Estrada de Ferro
Sorocabana. Engenharia, 199, p. 592.
2
No capítulo 3, abordamos as correlações que levaram a reforma urbana durante a administração
de João Theodoro Xavier de Mattos.
206
significativa as relações com o tempo e o espaço da vida citadina das urbis
européia.
3
4.1 – Os trilhos do progresso
Ao publicar em 1903, portanto na primeira cada de existência da Escola
Politécnica, sua obra sobre a história da viação pública de São Paulo, Adolpho
Augusto Pinto estrutura em quatro fases o desenvolvimento ferroviário do Estado.
A primeira inicia-se em 1835 com a edição da Lei n
o
101, e é marcada por
tentativas não bem-sucedidas para a implementação de estradas de ferro, em São
Paulo e nos demais Estados. A segunda contempla a Lei n
o
641, que com sua
política de privilégio de juros, e demais vantagens, possibilita a construção de
estradas como a D. Pedro II e a implantação das grandes companhias paulistas, a
São Paulo Railway, a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana, além de outras
menores incorporadas a essas. Na terceira fase, por volta de 1880, o sistema
ferroviário paulista usufruindo razoável estabilidade possibilita a formação de
pequenas companhias para efetivar a construção de específicos trechos de
estradas de ferro, dispensando, da parte do governo, a garantia dos juros, mas
não dispensando o privilégio dos 30 Km a serem por elas explorados, e que lhes
garantiam o efetivo lucro. Essa é a fase na qual se tenda o prolongamento da
estrada de ferro para o Mato Grosso, e são formadas as Companhias: Rio Claro,
Bananal, Rio Pardo, Itatibense, Agrícola Fazenda Dumont, Descalvadense, Carril
Agrícola Funilense, entre outros ramais férreos. A quarta fase é proveniente da
nova legislação estadual de 1891, já na República, quando a legislação do Estado
sobre a regulamentação da concessão de estradas de ferro passa a prevê a plena
liberdade, isto é, é livre a qualquer particular, empresa ou companhia o direito de
3
Nas artes plásticas, encontramos o quadro de Marietti, “Estação”, que traz em si a idéia da
evolução documentada nessa máquina que espelha a imensa capacidade de perfeição da
natureza humana.
207
construir e explorar estradas de ferro dentro do território paulista, precedendo de
licença do Governo.
4
E é essa, desenvolvida em quatro fases, situação das estradas de ferro
que os engenheiros da Escola Politécnica encontraram presentes no Estado para
serem ativos interlocutores nas próximas décadas.
No Brasil, as primeiras iniciativas no tocante à construção de ferrovias são
da época do primeiro reinado quando em 1828 o Governo Imperial autorizou por
Carta de Lei a construção de estradas que interligassem as diversas regiões do
País. Aqui ainda não estava presente e claro o uso do conceito de “Estrada de
Ferro”. Pela Lei n
o
101, de 31 de outubro de 1833 o Governo cedia por quarenta
anos a concessão de exploração às empresas que se propusessem a construir
estradas de ferro interligando Rio de Janeiro a Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Bahia.
5
Nenhuma companhia se apresentou para realizar tal empreendimento, o
que permite entrever a questão de que vultosos recursos são necessários para
levar adiante uma iniciativa desse porte, e as perspectivas de lucro não
convenciam os investidores a efetivar tão vultoso empreendimento. Observar as
três regiões citadas no decreto a serem ligadas a Capital do Império nos leva a
evidenciar a ainda não significativa necessidade dessa ligação com São Paulo. A
data da edição dessa lei tem uma proximidade temporal com a Guerra dos
Farrapos, o que justifica a inclusão do Rio Grande do Sul com a Capital Federal.
Entretanto, não podemos esquecer de ponderar que as regiões a serem ligadas
ao Rio de Janeiro são exatamente as regiões de origem dos três autores do
projeto que com isso buscam beneficiar justamente os seus patrícios.
4
PINTO, A. A. História da Viação Pública de São Paulo Brazil. Nossa proposta aqui não é a de
desenvolver, nem que minimamente, o tão vasto tema das estradas de ferro paulista. A intenção é
dar ao leitor uma visão história deste setor, principalmente no século XIX, que, no surgimento da
Escola Politécnica, o Estado já possui uma vasta rede ferroviária já estabelecida.
5
Por essa lei, sancionada pelo Regente Feijó, mas de autoria dos deputados Gerais Bernardo
Pereira de Vasconcelos, Manuel Paranhos da Silva Veloso e José Florindo de Figueiredo Rocha,
representantes, respectivamente, das Províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia, as
Companhias interessadas em tal empreendimento deveriam começar a obra até dois anos depois,
construir no mínimo cinco guas por ano de estradas, e teriam a obrigação de reconstruir as
estradas e pontes existentes que fossem por ventura cortadas na execução da obra; além disso, o
governo indicaria as cidades e vilas por onde as estradas deveriam passar. DEBES, C., op. cit.,, p.
29.
208
A necessidade para a execução de tal empreendimento certamente existia,
basta para isso verificar que os portos de Parati e Angra dos Reis exportavam
cerca de cem mil sacas de café oriundas do Vale do Paraíba, e no porto de Santos
não era diferente, o volume do embarque era crescente. O transporte para toda
essa e qualquer mercadoria era sempre o mesmo: o lombo dos burros que tinham
que percorrer grandes trajetos, e ainda subir ou descer a Serra do Mar, em
estradas esburacadas e lamacentas, como relata um fazendeiro de café de
Vassouras, em 1850:
Tivemos pesadas chuvas,... os animais ficaram assustados porque patinavam na
lama, na altura do peito, ou despencavam no precipício ao lado do caminho. Os infelizes
tropeiros cobriam-se com lama na tentativa de salvar os sacos de café, que na maioria das
vezes ficavam molhados, perdendo-se o café. De uma tropa de mula, muitas vezes quatro ou
cinco perdiam-se naquele mar de lama.
6
As estradas de ferro se impõem ao País, e não somente a São Paulo, por
uma necessidade econômica de racionalização no escoamento de sua produção
agrícola, acompanhando para isso as transformações tecnológicas no âmbito dos
transportes. Entretanto é preciso ressaltar que a primeira ferrovia na Inglaterra
iniciou seu funcionamento poucos anos antes da edição da lei imperial no Brasil
que, assim sendo, pretendia a criação desse recém-inaugurado meio de
transporte em nossas terras.
7
6
TELLES, P. C. da S., História da Engenharia no Brasil, 1
o
vol., p. 229. Essa obra, ganhadora do
Prêmio Jabuti de 1985, se propõe a uma extensa análise da ação da engenharia e dos
engenheiros no Brasil, sendo o volume 1 dedicado aos séculos XVI a XIX e o volume 2 ao século
XX. Podemos afirmar que um dos indicativos da importância das estradas de ferro é que no 1
o
volume dois capítulos dedicados às ferrovias, o capítulo VI, “As primeiras estradas de ferro”, p.
227-387; e o capítulo IX, Desenvolvimento das estradas de ferro-século XIX”, p. 333-466, sendo
essa a única temática a merecer dois capítulos no conjunto dessa obra.
7
Na bibliografia consultada há divergências quanto à data da inauguração da primeira estrada de
ferro do mundo, que certamente ocorreu na Inglaterra. Entretanto C. Debes data o ano de 1830,
quando o primeiro trem de passageiros, construído por George Stephenson, percorre o trajeto
entre Manchester e Liverpool. P. C. da S. Telles o de 1825, provavelmente com alusão ao uso
do trem para transporte de carga nas minas de carvão. Cf. DEBES, C. op. cit., p. 15, e TELLES, P.
C. da S. op. cit., 1
o
vol., p. 230.
209
A despeito do Rio de Janeiro mais precisamente o Barão de Mauá
8
ser
citado como pioneiro no transporte ferroviário brasileiro, a primeira concessão
efetuada para a construção de uma estrada de ferro no Brasil foi a Lei Provincial
n
o
51, de 18 de março de 1836, pela qual o Presidente da Província de São Paulo,
José Cesário de Miranda Ribeiro, concede o privilégio a Aguiar, Viúva, Filhos &
Cia Ltda de construir uma estrada de ferro que, partindo de Santos, subisse a
Serra do Mar, passando pela capital e seguindo até Itu. Segundo C. Debes, que
descreve a tramitação jurídica dessa questão, o verdadeiro autor desse visionário
projeto foi Frederico Fromm, casado com uma filha do falecido Costa Aguiar, e
gerente de negócios da firma. Fora ele quem concebera o
8
#9!
4
Todavia, tendo ido à
falência, não conseguiu levar sua empreitada adiante, e após sua morte os papéis
relativos a essa estrada de ferro, cujos estudos e levantamentos topográficos
foram realizados pelo engenheiro inglês Mornay, foram concedidos por sua viúva
ao Marquês de Monte Alegre, seu parente. Este os entregou ao então Visconde de
Mauá, seu protegido, que os vendeu à São Paulo Railway, para servir de base aos
estudos futuramente desenvolvidos para a construção da linha Santos-Jundiaí.
10
Na primeira metade do século XIX várias são as tentativas realizadas quer
pelo Governo Federal, como por diversos Governos Estaduais para a efetiva
8
Irineu Evangelista de Souza nasceu em 1813, no Rio Grande de Sul, e faleceu no ano da
Proclamação da República, em Petrópolis. Quando se referiu ao Barão de Mauá em seu livro
editado em 1974, Café e ferrovias, Odilon Nogueira de Mattos já afirmava: “Sobre Mauá existe uma
extensa bibliografia, que poderá ser consultada com proveito”. MATTOS, O. N. de, Café e
ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira, p. 60. Hoje,
mais de trinta anos depois, tal afirmação é correta e Jorge Pimentel Cintra afirma que: “Bastaria ver
o número de ruas, praças, locomotivas e estações como o nome Mauá ou Irineu Evangelista de
Souza para vislumbrar a importância deste pioneiro das estradas de ferro”. CINTRA, J. P. História
Técnica das Rodovias e Ferrovias Brasileiras, p. 236. Para conhecer mais, citamos apenas duas
significativas obras: Alberto de Faria, Mauá, de 1926 e Jorge Caldeira, Mauá: Empresário do
Império, de 1997.
9
DEBES, C., op. cit., p. 27.
10
C. Debes informa que as referências a Frederico Fromm foram possíveis graças a uma extensa
biografia a ele dedicada e escrita por Augusto César de Miranda Azevedo: “Frederico Fromm”,
publicada no Almanaque Literário de São Paulo para 1880. Nela, pode-se ler:
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DEBES, C., op.
cit., p. 27 e 34.
210
execução da construção de ferrovias em território nacional, entretanto nenhuma
chega a bom termo, e o motivo, como aludido, é basicamente a vultuosa quantia a
ser despendida em tal empreendimento. Outras dificuldades certamente existem
como a questão tecnológica, mas seriam resolvidas, como foram, com a
operacionalização das mesmas.
O que vem mudar esse quadro é a direta intervenção do Governo Federal
na legislação que até então se havia mostrado ineficaz. A alteração efetiva veio
com a Lei n
o
641, de 26 de junho de 1852, criando aquele que seria por muitos
anos o atrativo a esse negócio: o governo passou a oferecer a garantia de 5% de
juros sobre o capital empregado nas ferrovias, esse valor chegou posteriormente a
7%. Além disso, essa lei estabeleceu também: isenção alfandegária na importação
de máquinas, materiais e equipamentos necessários, o que era indispensável visto
que, naquele momento, praticamente todos os componentes das ferrovias eram
oriundos do exterior; zona de privilégio de 30 km, para cada lado da estrada, onde
nenhuma estrada concorrente poderia ser construída, essa determinação orientou
grande parte da malha ferroviária de São Paulo, e grande parte dos lucros advinha
da exploração dessas terras ao longo da estrada; direito à desapropriação de
terras necessárias, e cessão de terras devolutas; proibia-se também o uso de
mão-de-obra escrava nas suas obras. Como esses termos da lei, veio em seguida
um grande surto de desenvolvimento nesse setor.
11
Quase concomitante à Lei n
o
641, o Barão de Mauá recebeu a concessão
do Governo Imperial para construção e exploração de uma linha férrea, no Rio de
Janeiro, entre o Porto de Estrela, situado nos fundos da Baia de Guanabara e a
localidade de Raiz da Serra, em direção a cidade de Petrópolis. A primeira seção,
por onde passaria a locomotiva “Baroneza”, nome em homenagem a esposa do
Barão de Mauá, de 14,5 Km foi inaugurada por D. Pedro II, no dia 30 de abril de
1854. Estava em funcionamento a primeira estrada de ferro brasileira.
12
Na
11
BRITO, J. do N., Meio século de estradas de ferro, p. 25-31.
12
TELLES, P. C. da S. op. cit., 1
o
vol., p. 235-236. Quando dos primórdios da implantação das
estradas de ferro não havia nenhum engenheiro brasileiro com experiência nesse novo setor. O
ensino de disciplinas dessa área começou em 1858, quando a Escola de Engenharia passou a se
denominar Escola Central. TELLES, P. C. da S. op. cit., 1
o
vol., p. 233.
211
sequência vieram as ferrovias Recife ao São Francisco, inaugurada em 8 de
fevereiro de 1858; a D. Pedro II, em 29 de março de 1858; a Bahia ao São
Francisco, em 28 de junho de 1860, e então a primeira ferrovia paulista de Santos
a Jundiaí, da São Paulo Railway, em 16 de fevereiro de 1867.
13
Para esses primeiros empreendimentos, no Brasil havia carência de mão-
de-obra especializada, bem como de equipamentos que levassem à execução da
estrada de ferro como um todo. A solução foi a importação de tudo o que se
fizesse necessário, de engenheiros, empreiteiros a todos os materiais utilizados,
até a locomotiva. Esse contexto levou o Eng. André Rebouças a afirmar “Oh!
como foi triste e custosa a infância dos caminhos de ferro no Brasil”
14
.
Constatamos isso com os dados apresentados por P. C. da S. Telles sobre o
custo das primeiras obras. A Estrada de Ferro Mauá saiu por 114 contos/km, e a
Estrada de Ferro do Recife ao Cabo foi ainda mais cara, custou 131 contos/km.
Esse custo elevado era decorrente de fatores como a falta de planejamento prévio
para as obras e a forma como os empreiteiros estrangeiros, subsidiados por
contratos de elaboração duvidosa, conduziam as obras superfaturando as
mesmas.
15
Todos esses fatores levavam à urgência na formação tanto da mão-de-obra
local que tivesse condições de levar adiante o desenvolvimento das ferrovias com
soluções planejadas com um suporte nacional, como era fundamental a pesquisa
de materiais autóctones nesse empreendimento. Entretanto, as estradas de ferro
se desenvolveram muito antes de se ter quadros nacionais para administrá-las e
construí-las.
Em São Paulo, após as primeiras tentativas mal sucedidas, as estradas de
ferro começam a se fazer presentes, e como documenta Adolpho A. Pinto, numa
intima relação com a produção e os produtores do café. em 1855 na abertura
13
MATTOS, O. N. de, Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento
da cultura cafeeira, p. 62-64. P. S. Telles nos oferece uma relação nominal dos engenheiros
ingleses e americanos que trabalharam na implantação do sistema ferroviário brasileiro. TELLES,
P. C. da S. op. cit., 1
o
vol., p. 234.
14
TELLES, P. C. da S. op. cit., 1
o
vol., p. 241.
15
Ibidem, p. 235-241.
212
da Assembléia Legislativa, o Presidente da Proncia, José Antonio Saraiva
concatenava em seu discurso as relações São Paulo-Café-Estradas de Ferro ao
afirmar que a situação econômica do Estado reclamava com urgência a
implantação do sistema ferroviário, sendo esse destinado ao lucro. Os municípios
de Jundiaí, Campinas, Limeira, Constituição, Rio Claro, Mogi-Mirim, Araraquara,
Casa Branca e Batatais produziam por perto de um milhão de arrobas de café e
açúcar, mas, com as novas plantações se efetivando, em quatro ou cinco anos
esse número seria de 2 milhões de arrobas. Quase em sua totalidade, essa
produção era destinada à exportação e necessitava ser transportada até um porto.
Propunha o Presidente que, mesmo às custas de garantia de juros por parte da
Província, a Assembléia deveria buscar a imediata implantação do serviço férreo,
estando entre suas vantagens:
... o desenvolvimento do comercio de Santos, o desenvolvimento do trabalho livre e
da colonisação espontânea, a reducção do preço dos transportes a uma terça parte do que se
paga actualmente, o melhoramento dos processos industriaes, o augmento do valor das
terras, a cessação das despesas publicas com a estrada que tem de ser substituída pela linha
férrea, a influencia da facilidade das communicações sobre o estado moral e político da
Província, a creaçao de espírito de empresa.
16
Com respaldo na legislação paulista, o Governo Imperial pelo decreto n
o
1.759, de 26 de abril de 1856, concede, à companhia que fosse organizada pelo
Marquês de Monte Alegre, como o Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno,
depois Marquês de São Vicente, e o Barão de Mauá, o privilégio pelo prazo de
noventa anos para a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro que, partindo
das vizinhanças da cidade de Santos, se aproximasse de São Paulo e se dirigisse
a Jundiaí. Não podemos nos esquecer que a construção de uma estrada de ferro
era um processo de uma tecnologia que ainda dava seus primeiros passos. Essa
concessão vinha acompanhada de muitos favores, pois, com o privilégio dos 30
km de exploração para cada lado da estrada, isenção das taxas de importação
16
PINTO, A. A. op. cit., p. 32.
213
para os materiais, direito de desapropriação dos terrenos necessários à
construção da estrada, exploração das minas que por ventura fossem encontradas
e obtenção de terras devolutas nos termos mais favoráveis permitidos pelas leis.
Entretanto, as vantagens o paravam por aí. A maior de todas era a garantia de
7% sobre o capital empregado na construção da ferrovia, sendo 5% pagos pelo
Governo Imperial e o restante pelo Estadual.
17
Em Londres, foi organizada a São Paulo Railway Company que, pelo
decreto imperial n
o
2.601, de 6 de junho de 1860, teve aprovados os seus artigos
para a construção da ferrovia Santos a Jundiaí que começou em 24 de novembro
de 1860. Após algumas parciais, foi definitivamente inaugurada em 16 de fevereiro
de 1867, isso porque, para a construção, a linha foi dividida em várias secções, e,
conforme cada uma ficava pronta, as inaugurações aconteciam. Em 28 de julho de
1864, foi inaugurado o primeiro plano inclinado com a presença do Barão Homem
de Melo, Presidente da Província. No dia 6 de setembro de 1865, deveria chegar
em São Paulo, na estação da Luz, o primeiro trem procedente de Santos, mas
aconteceu foi o primeiro desastre ferroviário do continente. Depois de transpor o
perigoso trecho da Serra de Cubatão, o trem descarrilara no Pari, próximo à ponte
do Rio Tamanduateí, caindo em um fosso e arrastando vários vagões com sua
comitiva de ilustres, incluindo o Presidente da Província João da Silva Carrão. No
saldo desse acidente. O maquinista da segunda locomotiva morreu esmagado, e o
engenheiro-fiscal Ernesto Diniz Street foi demitido e apontado como responsável
pelo infeliz acidente, por ter permitido a viagem inaugural com um trem de
passageiros, e não com uma composição de carga, como previa o regulamento.
Na realidade, a causa, como ficou evidenciado no inquérito, foi o fato de não ter
sido feita a prova de lastro, para verificar a consolidação da linha.
18
Provavelmente, nas salas de aulas da Escola Politécnica esse acidente era
17
Ibidem, p. 34.
18
Ibidem, p. 35, e DEBES, C. op. cit., p. 43-46.
A festa estava preparada no Jardim Botânico com um banquete para trezentas pessoas, banda de
música tocando os últimos sucessos das valsas de Strauss, os transeuntes com suas melhores
roupas a esperarem o trem, mas o tempo ia passando e o trem que deveria chegar às 12h não
chegou. Os convidados ilustres haviam embarcado na estação da Mooca apenas para a chegada
triunfante na Luz.
214
recontado para que se verificasse a importância dos conhecimentos tecnológicos
na construção das estradas de ferro.
Essa obra tinha como principal obstáculo a subida da Serra do Mar, que
tem uma altitude de quase 800m. A proposta dos engenheiros ingleses, o
engenherio-Chefe da Companhia, James Brunless, e o empreiteiro Robert Sharp
& Sons, sob a supervisão do Eng. Daniel Makinson Fox, foi a construção de
planos inclinados, com tração por meio de máquinas fixas e cabos, no modelo
funicular. Essa cnica fora adotada com êxito, alguns anos antes, em montanhas
européias para vencer os aclives acentuados. Apesar dos receios iniciais, essa
solução se mostrou eficiente nas décadas seguintes.
19
Essa companhia apostou no monopólio dessa linha que seria o gargalo no
transporte ferroviário paulista: a transposição da Serra do Mar. a exploração
desse trecho rendeu-lhe a denominação “estrada de trilhos de ouro”. Todo o
planalto paulista poderia ser explorado pelas mais diversas companhias, mas para
chegar a Santos o único modo era a São Paulo Railway Company, que
formalmente desistiu do direito preferencial de prosseguir a construção de novas
linhas ferroviárias como prolongamento da Santos-Jundiaí.
Diante do acima exposto, em fins de 1867, realiza-se em Campinas, então
sede da próspera zona cafeeira do Oeste Paulista, uma reunião de fazendeiros
convocados pelo Conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, que era o presidente da
Província.
20
A finalidade da reunião era clara: formar uma companhia paulista de
estradas de ferro, e por relatos deixados pelo próprio Presidente, não teve
dificuldades de ser atingido, isso porque, por meio da compra de ações os
presentes, quase que em sua totalidade barões do café formaram a Companhia
19
FERREIRA, B. História das Ferrovias Paulistas, in: Engenharia, p. 101. Os dados técnicos dessa
obra são: “Oito quilômetros de rampas de dez por cento em que os trens se deslocavam por um
sistema de cabos de duas pontas, conhecido por ‘tail-end’, cãs um acionado por máquina fixa com
carga máxima de 60 toneladas numa extremidade e 30 toneladas na outra. O trabalho diário foi
calculado para 2.500 toneladas para cima e 1.800 toneladas no sentido do mar. A capacidade
anual teórica era de um milhão e setecentas mil toneladas...” Ibidem.
20
Podemos dizer que Saldanha Marinho fora um típico homem público do Brasil do século XIX.
Nascido em Pernambuco, formado em Direito pela Academia do Recife, foi: advogado, jornalista,
Deputado Geral e Presidente das Províncias de Minas Gerais e São Paulo. DEBES, C., op. cit., p.
80.
215
Paulista da Estrada de Ferro Jundiaí a Campinas. É bom frisar novamente que,
neste período, quando tudo deveria ser importado, do engenheiro ao empreiteiro,
da locomotiva ao carvão, vultosa era a quantia a ser empregada no
empreendimento ferroviário; portanto, nem o Estado, nem apenas um barão do
café poderiam sozinhos empreender tal execução.
21
A fundação da Companhia Paulista por um grupo de acionistas constituídos
por barões do café, que desejavam escoar a produção cafeeira da região e
também obter lucro no seu transporte, pôde ser efetivada após a desistência
dos ingleses que obtiveram a concessão dessa linha em 1960 e que,
concordaram com a entrega desta por encontrarem-se debilitados após os
investimentos na Guerra do Paraguai, e porque previam lucrar com a fundação da
mesma no maior uso do seu trecho de serra. Essa associação dos fazendeiros foi
especialmente fruto do trabalho de Saldanha Marinho, presidente da província,
que procurou demonstrar estudos sobre a importância desta para o Estado.
A instalação da Companhia Paulista de Estrada de Ferro de Jundiaí a
Campinas foi feita em 30 de janeiro de 1868. Nesse mesmo dia foi eleita uma
diretoria provisória constituída por membros da elite cafeeira. Em 28 de novembro
desse ano, os estatutos da empresa foram aprovados pelo governo imperial, e, em
29 de maio do ano seguinte, foi celebrado o contrato entre a companhia e o
governo da província, cuja base foi a estrada ligando Santos a Jundiaí.
A tramitação jurídica para a constituição dessa empresa seguiu os moldes
da São Paulo Railway Company. Isso é, a Paulista denominação dada a essa
nova Companhia se estruturou para poder usufruir as mesmas benesses
oferecidas pelos Governos Imperial e Estadual À Inglesa denominação popular
da São Paulo Railway Company, ou seja, o regime de juros e de zona privilegiada,
dentre outros.
22
21
A diretoria provisória foi composta por alguns de seus primeiros acionistas, como: Barão de
Itapetininga, Francisco Antonio de Souza Queiroz, Martinho da Silva Prado, Bernardo Avelino
Gavião Peixoto e Clemente Falcão de Souza Filho, a quem coube a direção. PINTO, A. A. op. cit.,
p. 37-38.
22
Em 1968, Célio Debes publicou um livro sobre a história da Companhia Paulista de Estradas de
Ferro, que contém subsídios para sua história no período de 1832 a 1869. Tendo por base um
216
Na engenharia, as desavenças sobre o traçado a ser adotado nesse
percurso começam em 1861/1862 quando um grupo de cafeicultores de Campinas
solicita do engenheiro da estrada de ferro Santos a Jundiaí, James Brunlees e a
Eng. Daniel M. Fox o estudo desse trecho, que por eles é avaliado em 5.234
contos de Réis. Posteriormente o Eng. Camilo Goffredo apresenta uma proposta
bem mais econômica e com um traçado menor. O presidente da Província
encarregou o Eng. João Ernesto Viriato de Medeiros dar um veredicto sobre a
querela que ganhou as páginas dos jornais da época. Apontando erros de
levantamento no projeto de Camilo Goffredo, deu causa ganha a proposta dos
engenheiros ingleses. Um novo estudo foi feito pelo Eng. Newton Bennatom, e a
obra foi executada pelos empreiteiros Ângelo Thomaz do Amaral, João Pereira
Daguirre Faro e Heitor Radamker Grunewald, sendo esses brasileiros.
23
Citamos o fato acima porque, no reconhecimento de uma estrada de ferro –
que consiste na indicação prévia do seu traçado, com a descrição de seus
obstáculos, da sua zona percorrida e das vizinhanças, suas respectivas produções
e populações –, identificamos a primeira efetiva atuação do engenheiro, munido
de equipamentos de seu uso profissional à época, como: ssola, para
determinação dos rumos; pedômetros para determinação aproximada das
distâncias; e aneróides para determinação das altitudes. Esses instrumentos que
marcam rumos, distâncias e alturas não indicam, entretanto, o traçado a ser
proposto. É feito do estudo das vertentes e contra-vertentes das montanhas, das
regiões planas, dos cursos d’água, nos rumos em que se deseja construir a
estrada. A descoberta das gargantas encontro de dois vales –, portanto um
ponto mínimo de altura, revela muitas vezes a habilidade do engenheiro ao
apresentar sua planta de reconhecimento a Companhia. Como afirma Joaquim
Leite Ribeiro de Almeida Jr.:
Reconhecer é uma tarefa muito especial, indicar o traçado é a commissão mais
honrosa e de maior responsabilidade para um Engenheiro de estradas. Uma vez adoptado e
extenso levantamento documental legislativo, o autor discute os primeiros passos desse
empreendimento no Brasil, com as leis imperiais que levaram à construção da Estrada de Ferro
Mauá e à conturbada e protecionista legislação paulista.
23
Toda essa querela está desenvolvida com detalhes em DEBES, C., op. cit., p. 53-120.
217
executado o reconhecimento, as conseqüências do erro ou da imprevidência são
irreparáveis.
24
E essa atuação levava o engenheiro, com sua barraca de pano de algodão,
e alguns auxiliares, com os instrumentos e os mantimentos, a efetuarem viagens
em terras nunca antes habitadas, debaixo de sol e chuva, por meses a fio. E
assim, num Brasil onde o trabalho braçal era destinado a escravos, a atuação do
engenheiro não era bem vista. Ele, que trabalhava num canteiro de obras, não era
um doutor.
A constituição da Paulista é um dos pontos mais inequívocos do binômio
Café-Ferrovias como dizia Saldanha Marinho em 1868, “A quem, senão aos
agricultores, capitalistas e negociantes da província, cabe a iniciativa disso?” ou
seja, do prolongamento da ferrovia. Essa companhia não nasceu de uma aventura
juvenil, mas foi uma solução imposta pela necessidade de se dar escoamento à
produção do café. Barros Ferreira descreve o Oeste Paulista que, em 1850, com
uma população dispersa de vinte mil almas, tinha uma produção cafeeira de 250
mil arrobas, e vinte anos depois com uma população de cem mil almas uma
produção do café de 2 milhões e meio de arrobas:
Começara a invasão mansa do sertão. Uma planta fazia a sua conquista. O
café deslocara-se do vale do Paraíba. Esvaziava-se a velha zona denominada norte
do Estado. Com os cafeeiros ia-se a gente, como atingida por um surto de peste.
Os dormentes da “Paulista” afundavam na zona de antigas matas e
assentavam sobre terra fértil, devido a multissecular deposito de húmus.
25
24
ALMEIDA JR., J. L. de. Construção de Estradas no Brasil, 1º vol., p. 74-75.
25
FERREIRA, B. op. cit., p.108.
Esse autor reconstrói a história das estradas de ferro valendo-se grandemente do livro, já citado,
de Adolpho Augusto Pinto, e também com muitas notícias veiculadas nos periódicos da época,
como a que descreve a chegada do trem inaugural, Princesa do Oeste, em Campinas: Duas
locomotivas galhardamente enfeitadas com topes, laços e bandeiras abriram caminho, puxando
dezenove vagões em que vinham os dois grandes vultos do dia, Saldanha Marinho e Falcão Filho,
o iniciador e o executor do pensamento concebido na ‘Companhia Paulista’, e vinham mais os
membros da diretoria desta, inúmeros acionistas e convidados, entre os quais o presidente da
Província e o chefe de Polícia”. FERREIRA, B. op. cit.,, p. 109.
218
A estrada de ferro que percorreu os 45 Km entre Jundiaí e Campinas foi
inaugurada em 11 de agosto de 1872, construída em bitola 1,60 m por ser essa a
da São Paulo Railway Company, dispensando assim a construção das onerosas
baldeações. As locomotivas foram importadas dos Estados Unidos, fabricação de
J. Flower, que por serem providas de um sistema “bogie” tinham um desempenho
melhor que as “Stlaugher” em uso na Inglesa. Essa disputa/escolha tecnológica
entre essas duas companhias irá se perpetuar pelos próximos anos, nos quais a
Paulista será tida como modelo de administração, tarifas e pontualidades, visto
que, não podendo ter déficit, procurava manter o equilíbrio financeiro por meio de
um programa de melhoramentos. A continuidade administrativa foi outra de suas
características, pois de 1892 a 1959 houve apenas quatro presidentes.
26
A expansão da Paulista, para além da linha inicial, é quase imediata, e
motivada pela pressão de grupos de acionistas que pleiteavam a chegada dos
trilhos até suas terras, ou seja, seus cafezais. As inaugurações foram se
sucedendo. Em 1875, Santa Bárbara; 1876, Limeira e Rio Claro; 1877, Araras,
Leme; 1878, Pirassununga; 1880, Porto Ferreira onde foi feita a integração com o
porto de Mogi-Guaçu; 1881, Descalvado; e, em 1892, o ramal de Santa Veridiana.
Temos então um total de 279 km de estrada de ferro construída em bitola larga.
27
A entrada desse sistema de transporte no interior do Estado leva consigo as
benesses, transporte de carga e de passageiros, e os problemas a ele inerentes
como o desmatamento das florestas que, na falta do carvão mineral, foram usadas
como combustível. A Paulista foi a pioneira no reflorestamento de grandes áreas,
sob a condução do Eng. Eduardo Navarro de Andrade que propôs a plantação de
eucaliptos, que propiciavam lenha para as caldeiras, que, com sua fumaça
poluíam as casas de todos, dormentes, e postes para as linhas telegráficas.
28
26
Ibidem, p. 108.
27
PINTO, A. A. op. cit., p. 44.
28
FERREIRA, B. op. cit., p. 111. inúmeros relatos nos periódicos da aversão ou prevenção da
população acerca dos trens, que para alguns eram mais lentos que os burros, as passagens eram
caras e as cargas transportadas sem o devido cuidado, como descreviam as charges no Diabo
Coxo.
219
A lei provincial n
o
34, de 24 de março de 1870, autorizava a construção de
uma estrada de ferro de Jundiaí a Itu, e outra de Jundiaí a Sorocaba. Daqui,
surgem duas companhias que depois vieram a se fundir: a Ituana e a Sorocabana.
Em 10 de outubro de 1870, o governo contratou a Companhia Ituana, dirigida por
José Elias Pacheco Jordão, com privilégio de noventa anos e juros de 7%, para a
construção, uso e custeio da Estrada de Ferro Jundiaí a Itu. Tendo os trabalhos
sendo dirigidos pelo Eng. Aristides Galvão de Queiroz, a mesma foi inaugurada
em 17 de abril de 1873. Foi usada a bitola métrica, como veremos depois, por
proposição de Paula Sousa, e o percurso invadiu a zona privilegiada da Paulista,
encaminhando as novas concessões de estradas de ferro a não mais terem em
seus contratos o privilégio de zona.
29
Dessa mesma lei, surgiu a Companhia Sorocabana, com a proposta de
uma linha inicial saindo da Capital até São João do Ipanema, onde havia minas de
ferro e se processava uma tentativa de metalurgia, passando por São Roque e
Sorocaba. Isso ocorreu pela mudança dos planos da Companhia Ituana de levar
seus trilhos até Sorocaba, e sim serem estendidos na direção de Piracicaba, e
depois Tietê. Inicialmente os termos jurídicos foram os mesmos da Companhia
Ituana. A 10 de julho de 1875 era inaugurado o trecho São Paulo-Sorocaba, em
1876, Vilete; 1879, Ipanema, depois seguindo para Bacaetava, Boituva e Tietê.
30
Em 1892, durante a política do “Encilhamento”
31
a Companhia Ituana e a
Companhia Sorocabana promovem uma incorporação para enfrentar as
dificuldades que as afligiam, pois, enquanto outras ferrovias, como a Paulista,
expandiram suas em terras férteis onde o café foi plantado, essas tinham-se
estendido por regiões de cana-de-açúcar e de solo pobre. Foi formada então
formada a Companhia União Sorocabana e Ituana. Mesmo assim a crise
financeira continuou, e em 1903 ela passa ao controle do Governo da União que,
29
PINTO, A. A. op. cit., p. 47-48.
30
FERREIRA, B. op. cit., p. 123.
31
O governo provisório da República permitiu a emissão, sem lastro, de papel-moeda, levando o
País a uma especulação econômica desenfreada.
220
em 1905, a transfere com todos os seus déficits ao Estado, quando assume a
denominação de Estrada de Ferro Sorocabana.
32
Entre 1905 e 1920, a companhia estatal a Sorocabana expandiu seus
trilhos para o sertão até então desconhecido e selvagem do sudoeste do Estado,
habitado apenas por índios, o que é claro levou a um extermino de muitos desses.
Mais de setecentos quilômetros de linhas foram construídas, adequadas às
normas técnicas desenvolvidas por engenheiros brasileiros, que sabiam que, sem
um bom traçado, uma estrada estaria condenada à ruína por excesso de
despesas com pessoal e combustível, desgaste do material, portanto não deviam
ter curvas com pequenos raios nem rampas fortes.
Em toda a zona sudoeste do Estado, a Sorocabana teve uma função
desbravadora e colonizadora, tendo à frente os engenheiros João Batista
Vasquez, Barros Ferreira, Joaquim Huet Bacellar Pinto Guedes, Isaac Garcez,
Alberto Horta, João Baptista Gomes Carneiro e Antonio Prudente de Moraes. Suas
linhas chegaram e fundaram Rancharia, Assis, Salto, Presidente Epitácio e a
Itacaré, extremo sul do Estado, ligando-se com a rede ferroviária do Paraná,
regiões que, se no início do século eram mata virgem, agora produziam café.
33
Toda essa empreitada não se deu sem atritos entre as propostas dos
engenheiros e a ação de políticos locais. Uma dessas desavenças, descreve
Alexandre D’Alessandro, ocorreu na construção do ramal do Itacaré, quando os
habitantes da cidade de Faxina, hoje Itapeva, pleiteavam para sua cidade uma
estação, mas segundo os engenheiros as condições topográficas não permitiam,
devido à impossibilidade de transposição dos vales do Ribeirão Fundo e do Rio
Taquari, excessivamente profundos e muito próximos um do outro. A estação teve
que ficar em Lageadinho, a 3,5 Km de Faxina. Os políticos locais procuraram o
Presidente do Estado, Jorge Tibiriçá, que tinha nessa cidade um reduto eleitoral.
Ao ser ameaçado com futuras e irreparáveis perdas de eleições, caso a estrada
de ferro não passasse por essa cidade, respondeu-lhes o Presidente:
32
Ibidem. A Estrada de Ferro Sorocabana tem entre um de seus biógrafos o politécnico Eng.
Alexandre D’Alessandro, que, entre 1958 e 1959, publicou diversos artigos sobre essa companhia
na revista Engenharia.
221
Não de ser nada, meus amigos! Perca-se o meu prestigio eleitoral, mas
salve-se a técnica, que o é assunto meu, mas dos ilustres engenheiros. Depois, a
estrada não está sendo feita para a cidade de Faxina, senão para ligar o Rio de
Janeiro e São Paulo ao Sul do País. É uma estrada estratégica! E, meus amigos,
tenho dito!
34
Desde então os engenheiros dizem sentir a falta de políticos da têmpera de
Jorge Tibiriçá.
Durante o ano de 1872, então quando a “Princesa do Oeste” chegou em
Campinas, fora organizada a Companhia Estrada de Ferro Mogiana, sob a direção
de Antonio Queiroz Telles, Conde do Parnaíba, tendo como chefe da construção o
Eng. Miguel Ribeiro Lisboa. Com o propósito inicial de construir uma estrada de
ferro, em bitola de 1m, entre as cidades de Campinas e Mogi Mirim, e um ramal
para Amparo. A lei concedera ainda o prolongamento da estrada até a margem do
Rio Grande, passando pelas cidades de Casa Branca e Franca, e, depois numa
disputa com a Paulista, até São Simão, Ribeirão Preto. Seus trilhos se espalharam
servindo os cafeicultores, e essa, mais que as demais, recebeu o codinome
“Estrada do Café”. A partir de vários acordos, chegou com seus ramais até: Itapira,
Poços de Caldas, Batatais, Jaguará, Espírito Santo do Pinhal, Monte Alegre,
Silveiras, São José do Rio Pardo, Mococa, Canoas, Serra Negra, Eleutério, e
chegou até Minas Gerais.
35
A Mogiana foi uma das pioneiras no emprego do concreto armado em obras
ferroviárias. Em 1911, construiu uma ponte sobre o rio Muzambinho, com 26 m de
comprimento em três arcos, e em 1915 construiu os pilares da ponte sobre o Rio
Grande, com 280 m de comprimento. Essas experiências bem-sucedidas e o
desenvolvimento dos estudos sobre o assunto levaram a Sorocabana a utilizar na
construção do ramal Mairinque-Santos (a segunda ligação ferroviária do Planalto
com o litoral, deixando assim a São Paulo Railway Company de ter a
33
TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, vol., p. 59.
34
D’ALESSANDRO, A. Cinqüentenário da inauguração do ramal de Itacaré da Estrada de Ferro
Sorocabana. Engenharia, 199, p. 593.
35
PINTO, A. A. op. cit., p. 51-54.
222
exclusividade dessa rota), entre 1928 e 1937, o concreto armado, numa das que
foi considerada uma das grandes e bem-sucedidas obras da engenharia nacional
da primeira metade do século XX.
36
O material utilizado na construção das nossas primeiras ferrovias era todo
de procedência estrangeira, e os primeiros fornecedores para nossas estradas de
ferro foram os ingleses, que detinham a primazia dessa tecnologia. A Baroneza foi
de importada. Mas com o passar das cadas, por volta de 1880, a importação
dos Estados Unidos passou a ser dominante, pois as configurações das estradas
de ferro lá desenvolvidas se adaptavam muito melhor às nossas condições do que
os modelos europeus. Para as locomotivas, um dos maiores fornecedores foi a
fábrica Baldwin, de Filadélfia. Em 1882, havia nas estradas de ferro do governo
114 delas para um total de 136. Os carros de passageiros também eram do tipo
americano, isto é, carro-salão em compartimentos. Mas não apenas os recursos
materiais foram importados. Da Inglaterra vieram os engenheiros, todos ingleses,
que construíram as primeiras estradas de ferro no Brasil, como: William Bragge,
Robert Milligan, Eilliam Geilbert Ginty, Alfred de Mornay, Charles Neate, J. Scott
Incker, William M. Penniston, Henry Spencer, John Withfield, Thomas Harrison,
Christopher Bagot Lane, Charles E. Austin, John Watson, Charles Vignolles,
36
TELLES, P. C. da S. op. cit., 2 vol., p. 59-60. Uma observação se faz necessária. O
desenvolvimento das estradas de ferro, no decorrer do século XIX e na primeira metade do século
XX, é um fenômeno que atinge principalmente as regiões Sudeste e Sul do Brasil, e parte do
Nordeste. Nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e principalmente Minas Gerais, um intenso
movimento ao redor do transporte ferroviário. P. C. da S. Telles discute essa abrangência ao
escrever sobre a Estrada de Ferro Mauá, e seu prolongamento; a Estrada de Ferro do Recife ao
Cabo, que foi a segunda estrada de ferro no Brasil, e a primeira cuja Companhia foi organizada na
Europa, e o deu bons resultados financeiros; Estrada de Ferro D. Pedro II, que na República
passou a chamar-se Central do Brasil, visto o desejo que seu traçado interligasse as malhas
ferroviárias dos diversos Estados; Estrada de Ferro Cantagalo que ia de Porto de Caixas, no fundo
da Baía de Guanabara, até Cantagalo, passando por Nova Friburgo; Estrada de Ferro da Bahia ao
São Francisco, que iria de Salvador a Juazeiro e a Companhia foi organizada em Londres; as
primeiras cremalheiras projetadas pelo Eng. Francisco Pereira Passos, na Serra de Petrópolis e no
Corcovado; Estrada de Ferro Paraná onde explica as dificuldades técnicas na construção do trecho
de 110 Km entre Paranage Curitiba, na qual se encontram 364 obras de arte, como o Viaduto
Conselheiro Sinimbu, ou Grota Funda, no Km 64, com três vãos em viga reta e comprimento total
de 60 m, sobre pilares de alvenaria com 23 e 24 m de altura, e isso construído no início da década
de 1880; Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; Estrada de Ferro Leopoldina e a Rede Mineira de
Viação. Cf. TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, 1 vol., p. 227-287 e 385-465, e
TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, vol., p. 35-137.
223
Samuel Allport, James Brunlees, Daniel Mackinson Fox, Robert Miligan, Newton
Bennaton, Willian F. Wightman, Charles Dulley, dentre outros.
37
No início do século XX, muitas das soluções pensadas para a questão dos
transportes passavam pelo prolongamento das existentes estradas de ferro. Um
exemplo disso é o parecer apresentado em 24 de julho de 1904 ao Conselho
Diretor do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro pelo Eng. Chrockatt de Sá
sobre uma interligação dos transportes no Estado do Mato Grosso que na época
possuía 3000 km de fronteiras externas. Em um eventual conflito, esse território
poderia ser invadido com facilidade, e para defendê-lo era vital estabelecer linhas
transportes com essa região, sendo assim esse um problema ao mesmo tempo
econômico e estratégico.
38
O parecerista analisou trinta e uma propostas de soluções para melhorar o
sistema viário em Mato Grosso, e grande parte delas implicava prolongamento das
linhas ferroviárias paulistas, como Sorocabana, Paulista ou Mogiana por diversos
ramais, e outras que propunham o prolongamento da Estrada de Ferro o
Francisco do Sul ou da Estrada de Ferro Paranaguá, e várias delas num sistema
misto interligando essa parte terrestre com a fluvial. Após analises técnicas,
pondera o autor:
Vê-se pelo que fica exposto, que se ha problema que tenha sido bem estudado e
discutido é esse.
Não ha solução que não tenha sido proposta.
Talvez seja essa a razão pela qual nada se fez até hoje.
Questão muito estudada não se resolve jámais.
Surgem naturalmente as hesitações na escolha.
A luta de interesses em jogo ainda mais contribue para hesitação na solução.
A luta de interesses em jogo ainda mais contribue para hesitação na solução. A luta de interesses em jogo ainda mais contribue para hesitação na solução.
A luta de interesses em jogo ainda mais contribue para hesitação na solução. Terá
chegado o momento em que seja dada essa solução tão almejada e tão criminosamente
protellada?
37
TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, 1 vol., p. 234; 430-432.
38
SÁ, C. de. Viação para Mato Grosso. Revista do Club de Engenharia, p. 5.
224
Sinceramente não creio.
39
Para a engenharia era possível propor mais de trinta soluções para um
problema, entretanto o engenheiro deixa bem claro sua incredulidade ante a
política nacional em efetivamente operacionalizar ações que beneficiem
determinados segmentos sociais, e isso em 1904.
As companhias ferroviárias, por sua já atuante participação na economia do
Estado, por sua efetiva necessidade de engenheiros qualificados, e por seu
potencial de expansão para os anos seguintes, significavam, no momento da
constituição da Escola Politécnica, onde tudo ainda estava por fazer, quando ela
não tinha prestígio nem reconhecimento, um espaço de atuação profissional
privilegiado para os recém-formados e para a Congregação uma parceira em
projetos tecnológicos que beneficiassem ambos os lados.
Entretanto, no Estado de São Paulo, a expansão da cafeicultura levou a
ampliação irracional de sua malha ferroviária, e podemos dizer que também foi
responsável pelo seu declínio quando da concorrência desta com o transporte
rodoviário. Muitos trechos da malha ferroviária paulistana foram construídos em
função da expansão dos cafezais, sem nenhum planejamento técnico de
distribuição racional ou tecnológica. Isso gerou um gasto operacional muito
acentuado, mas até a década de vinte os lucros do café bancavam essas
despesas irracionais do ponto de vista da engenharia de tráfego, e de fato sem
esses lucros não foi possível manter essa díspar malha ferroviária em
funcionamento. No passado, os engenheiros alertavam que, na construção dos
ramais, era necessário reduzir a inclinação da rampa para 2%, aumentado o raio
das curvas, e principalmente buscar soluções alternativas para o combustível das
locomotivas. A eletrificação, utilizada por algumas Companhias, apenas prolongou
a agonia de um sistema projetado por necessidades econômicas próprias, mas
sem alternativas viáveis com a adoção por parte do Governo do Estado em optar
39
Ibidem, p. 19. Grifo nosso.
225
pelo sistema rodoviário, cujas pesquisas também foram realizadas nos
laboratórios da Escola Politécnica.
4.2 – O Ensino Politécnico e as Companhias Ferroviárias
Vários autores afirmam que “a construção das estradas de ferro foi o
primeiro grande desafio que a engenharia teve de enfrentar aqui no Brasil”
40
e que
“... foi exatamente o café o principal responsável pela necessidade das estradas
de ferro”
41
, isso por que há toda essa correlação entre a implantação do transporte
ferroviário como elemento fundamental para dinamizar o setor agro-exportador, e
desses dois como fator da urbanização de cidades, com a construção de
repartições públicas, e construções particulares, com a necessidade de se
organizar os serviços de utilidade pública, em prol das lavouras cafeeiras. A
necessidade de toda essa infraestrutura urbana, entre outros fatores, favorecia o
crescimento da atuação do engenheiro na área das ferrovias, bem como atividade
industrial em São Paulo, que às margens nas ferrovias, em seus pontos de
paradas, as cidades se constituíam.
A importância das estradas de ferro na engenharia nacional pode ser
avaliada por esse juízo dado por P. C. da S. Telles:
É importante observar que, por essa época [1890] até cerca de 1920-30, a
engenharia ferroviária era a especialidade mais importante, e até quase única da
engenharia brasileira: fazer engenharia no Brasil era, praticamente, sinônimo de
projetar, construir ou operar estradas de ferro.
42
Para que isso ocorresse, foi necessário o ingresso de disciplinas ligadas à
temática das ferrovias no ensino universitário. Isso aconteceu em 1858 no Rio de
40
TELLES, P. C. da S. op. cit., 1
o
vol., p. 227.
41
Ibidem, p. 228.
42
TELLES, P. C. da S. História da Engenharia no Brasil, 1 vol., p. 387.
226
Janeiro, quando da grande reforma na Escola Militar, passando a denominar-se
Escola Central e ainda sujeita ao regime militar; ministravam-se matemática,
ciências físicas e naturais e engenharia para civis, e esses cursos passaram a ter
um enfoque voltado para as problemáticas das estradas de ferro. Dessa Escola,
saíram os primeiros engenheiros brasileiros que se dedicaram às questões
ferroviárias, como: Francisco Pereira Passos, Antônio Pinto Rebouças, João
Teixeira Soares, Herculano Velloso Ferreira Penna, Antônio Augusto Fernandes
Pinheiro, João Chrockatt de Pereira de Castro e Hermillo Cândido da Costa
Alves.
43
Além do ensino de disciplinas ligadas às estradas de ferro serem
ministradas na Escola Central, surge, nas oficinas da Estrada de Ferro Central do
Brasil, a Escola Ferroviária Nacional voltada exclusivamente para a formação e o
estudos de problemáticas dessa área, sendo essa de nível médio e não superior.
Como vimos, na primeira metade do século XIX, as estradas de ferro se
consolidaram como o meio de transporte da agricultura e do comércio no Brasil.
No período imperial, a resolução nº 101, de 31 de outubro de 1835, da Assembléia
Legislativa, promulgada pelo regente Diogo Antonio Feijó, autorizou o governo a
conceder o privilégio a uma ou mais companhias para a construção de estradas
de ferro do Rio de Janeiro para as capitais das províncias de Minas Gerais, Rio
Grande do Sul e Bahia. O caminho que percorreria a estrada de ferro do Rio de
Janeiro até Porto Alegre necessariamente passaria pelo estado de São Paulo,
mas por questões diversas, dentre essas a falta de profissionais nacionais que
pudessem levar a frente tal projeto, nesse momento, a construção dessa estrada
de ferro não se concretizou, embora pudesse ter sido a primeira em terras
paulistas.
44
Ainda na primeira metade do século XIX, o governo paulista tentou dar
início à implantação do sistema férreo no Estado, com a edição de várias
legislações sobre o assunto, mas também sem maiores sucessos. Entretanto,
devido à bem-sucedida lavoura de cana-de-açúcar na região de Itu e Porto Feliz,
começava-se a delinear o projeto de uma estrada de ferro ligando essas cidades
43
TELLES, P. C. da S. op. cit.,, 2 vol., p. 453-457.
44
PINTO, A. A., História da Viação Pública de São Paulo – Brazil, p. 28-35.
227
ao porto de Santos, principal cidade portuária do Estado, passando pelos
municípios de S. Carlos, atualmente Campinas, e Constituição, atual Piracicaba.
Dentre os fatores apontados para o insucesso das tentativas desse período, estão
a grande soma de capitais que tal empreendimento necessitaria e a falta de
pessoal com conhecimento técnico-científico da região.
Com todo o desenvolvimento subseqüente, quando se formou a primeira
turma de engenheiros politécnicos, São Paulo já contava com uma média de 3.393
km de estradas de ferro, dos quais 905 km pertencentes à União Sorocabana e
Ituana, 863 km pertenciam a Paulista, 139 km à Inglesa, e os demais divididos
entre pequenas empresas, e percursos de companhias de outros Estados.
45
Uma escola de engenharia era muito bem-vinda por essas terras onde o
progresso chegava tão velozmente, embora com ele também os desastres e as
desconfianças no seu uso. Certamente, os paulistas não esqueceram e ainda
tinham na memória os acontecimentos do dia 6 de setembro de 1865 quando
chegaria à Estação da Luz o primeiro trem procedente de Santos, mas que
descarrilou em Pari. São Paulo agora formaria profissionais capazes de evitar
acidentes como esse e outros tantos que a modernidade trazia a cidade.
Vários podem ser os fatores que indicam a correlação entre o ensino na
Escola Politécnica e as companhias ferroviárias paulistas. Dentre esses, vamos
destacar em nossa análise quatro: a correlação e a interligação realizadas pelo
corpo docente da Escola, com diversas Companhias. Vários dos seus professores,
a começar por Paula Sousa, exerciam funções ligadas ao sistema ferroviário,
favorecendo: o intercâmbio entre ambas; a formação dada aos discentes que tinha
disciplinas, como Estradas, Tráfego e Economia Política, voltadas para essa área;
as estradas de ferro como área de trabalho que se iniciava com o prêmio de
praticagem oferecido pelas próprias Companhias Ferroviárias; e a parceria entre
45
FERREIRA, B., op. cit., p. 124.
228
ambas no que diz respeito aos laboratórios da Escola, que pela sua amplitude
será analisado no próximo item.
46
Podemos dizer que a correlação da Escola Politécnica com as estradas de
ferro paulista encontra suas origens na própria atuação de Paula Sousa, antes de
ele se tornar o primeiro diretor da casa. Tendo se formado engenheiro em 1867,
com 25 anos, em Karlsruhe na Alemanha, ao retornar ao Brasil assumiu alguns
cargos públicos, dentre eles o de Ministro da Agricultura. Em São Paulo, o
governador Saldanha Marinho encarregou-o de organizar e dirigir a Repartição de
Obras Públicas da Província, que mais tarde tornar-se-ia um dos principais
redutos de trabalho dos politécnicos.
47
No início de sua atuação profissional, organizou os projetos para a
construção da Estrada de Ferro Ituana, onde instituiu pela primeira vez a bitola de
1,00m. Nesse mesmo período, foi nomeado árbitro na questão suscitada entre a
Companhia Paulista e os empreiteiros da construção da linha que ligava de
Jundiaí a Campinas sobre qual bitola deveria ser usada na extensão da linha.
48
Foi também chefe do trecho de Tatuí à Rio Claro, no prolongamento das linhas da
Companhia até aquela cidade.
49
A presença de Paula Sousa nessa discussão é importante, pois a bitola é
uma característica fundamental tanto do traçado como da exploração ferroviária, e
a contenda sobre a dimensão da mesma era de basilar na constituição da malha
ferroviária de um País. Alguns defendiam que deveria haver uma uniformidade
46
Para ser professor da Escola Politécnica era necessário se submeter a um concurso e, entre
1914 e 1915, por duas vezes, foi reprovado o candidato Cristiano Carneiro Ribeiro da Luz no
concurso para a disciplina Estradas, Tráfego e Economia Política. EPUSP/APFI/Cx. 13.
47
Dr. Paula Souza, A Platea, 14 de abril de 1917.
48
“Denomina-se bitola a distância entre as faces internas das duas filas de trilhos, medida a 12mm
abaixo do plano de rodagem (plano constituído pela face superior dos trilhos)”. BRINA, H. L.,
Estradas de Ferro I, p. 6.
Pela Conferência Internacional de Berna, em 1907, ficou oficialmente adotada como “bitola
internacional” a bitola de 1,435m. Na atualidade, essa é a adotada pela maioria dos países, apesar
de continuar existindo outras bitolas. Não há justificativa de ordem técnica para adoção da bitola de
1,435m. Tudo indica ter sido a mesma utilizada nos primeiros trechos ferroviários (Stokton a
Darlingon e Liverpool a Manchester) por que as “diligências” da época tinham entre as rodas a
distancia de 48”
1/2
, o que corresponde a 1,435m; o que leva a crer que foi, pois, por simples
analogia que se adotou essa bitola, tanto na Inglaterra como em outros países. Ibidem, p. 7.
49
Escola Polytechnica, O Estado de São Paulo, 4 de maio de 1914, p. 4.
229
nessas dimensões, com a prévia fixação de um padrão geral para todas as linhas
capazes de constituir, um dia, artérias mais ou menos importantes da rede geral.
Outros afirmavam que um profundo estudo técnico e econômico permitiria, em
cada caso, chegar à solução mais conveniente para uma determinada área. Mas
bitolas diferentes numa malha ocasionariam dificuldades de condições técnicas e
no regime do sistema de tráfego. No Brasil, devido às condições topográficas,
extensão territorial, população e elementos naturais de riquezas, tal discussão era
de acirrar os ânimos entre os engenheiros. Em 1903, A. A. Pinto afirmou:
... o exame d’este assumpto, que estava alias ao alcance dos conhecimentos da
época, foi completamente descurado. Não não houve nenhum empenho em adoptar um
typo uniforme para as linhas principaes, como a bitola preferida para as primeiras linhas foi
a menos compatível com as condições peculiares ao meio.
50
Na Europa, a bitola normal em uso para as grandes linhas era d de 1,45m.
No Brasil, alguns engenheiros como Paula Sousa, contra a indicação de todas as
circunstâncias para o uso de uma bitola mais modesta, como a de 1,20m, por
exemplo, foi adotada como bitola padrão pelo Plano Nacional de Viação a de
1,60m, chamada bitola larga. Essa foi a bitola das primeiras linhas construídas,
como a da Estrada de Ferro D. Pedro II, a da São Paulo Railway, e da Companhia
Paulista. Essa bitola, pelo menos por algumas décadas do século XIX, prevaleceu
também nos ramais.
Em 1867, a conclusão da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí representou a
transposição da Serra do Mar, trecho mais complicado da ligação ferroviária entre
o mar, com a cidade de Santos e o seu porto, e o planalto, e todas as cidades da
região como São Paulo, Campinas e Jundiaí. Esse feito abriu caminho para a
iminente difusão da malha viária do Estado. Como conseqüência de sua atuação
50
PINTO, A. A., op. cit., p. 90.
230
neste setor, Paula Sousa publicou em 1873 o livro Estradas de Ferro da Província
de São Paulo.
51
Paula Sousa discutia a superioridade da bitola estreita, de 1,00m sobre a
bitola larga, de 1,60m, apregoando a necessidade da diminuição da distância
entre os trilhos pelas vantagens oferecidas pela bitola estreita que eram as de:
curvas de menor raio; menor largura da plataforma, terraplenos e obras; economia
de lastro, dormentes e trilhos; material rodante mais barato; menor resistência à
tração e economia nas obras de arte
52
, sobrepondo-se assim às desvantagens de:
menor capacidade de tráfego; menor velocidade e necessidade de baldeação nos
entroncamentos com outras bitolas, que pela adoção inicial pela bitola padrão
seria inevitável. Com a difusão de várias companhias de estradas de ferro no
Estado, ele vislumbrava num futuro próximo, o que de fato ocorreu, a
incompatibilidade de interligar a malha ferroviária dessas diversas companhias,
caso cada uma utilizasse uma dimensão de bitola ou uma determinada distância
entre os trilhos.
Paula Sousa abriu então um escritório de engenharia em Campinas, de
onde procurou difundir o uso de bitolas estreitas, como as Decauville. Em 1883,
convidado pelo então Barão do Pinhal assumiu o cargo de engenheiro chefe da
Estrada de Ferro Rio Clarense, difundido a metodologia de, ao se construir uma
obra, iniciar pelos trabalhos de campo e utilizar um instrumental tecnológico, como
o tacômetro. Em três meses, terminou a exploração e o projeto de 105 quilômetros
de linhas de estrada. em 1888, assumiu a Inspetoria Geral da Companhia
Ituana re-estabelecendo o tráfego ora quase interrompido, com a estruturação dos
seus trilhos e bondes.
53
Com a Proclamação da República, Prudente de Moraes, quando
governador de São Paulo, chamou-o para reformar e dirigir a Superintendência de
51
Apesar de constar no cadastro da Biblioteca Central da Escola Politécnica, essa publicação por
não foi localizada.
52
Obras de arte é a denominação dada para pontes, túneis e viadutos necessários na construção
de um percurso ferroviário.
53
Escola Polytechnica, O Estado de São Paulo, 4 de maio de 1914, p. 4.
231
Obras Públicas do Estado. Nessa época, foi incumbido dos estudos e construção
da estrada de ferro de Uberaba a Coxim.
54
Observemos agora o quadro apresentado por H. L. Brina sobre as bitolas
utilizadas na malha ferroviária do Brasil em fins do século XX:
55
Bitola Extensão
1,60 m 4. 430 km
1,435 m 194 km
1,00 m 25.355 km
0,76 m 13 km
Total 29.992 km
Esse quadro comprova que, no desenrolar da construção da malha
ferroviária, a proposta de Paula Sousa e de outros engenheiros cariocas de
alguma forma se impôs como padrão para o futuro, com a implantação na Estrada
de Ferro Ituana a bitola estreita, considerada mais econômica que a bitola larga,
cujas vantagens eram velocidade e estabilidade.
A atuação na área do sistema ferroviária paulista continuou a ser
desenvolvida por Paula Sousa durante toda a sua permanência como diretor da
Escola Politécnica, propiciando a interligação do meio acadêmico com esse meio
profissional, que conhecia tão bem por nele ter atuado efetivamente, e também
como professor da cadeira de Resistência dos Materiais. O laboratório ligado a
essa disciplina mantinha contato direto com as diversas companhias ferroviárias
paulistas que foram as primeiras e que, continuariam sendo, ao longo das
54
Dr. Paula Sousa, Jornal do Commercio, p. 3, 14 de abril de 1917.
55
BRINA, H. L. op. cit., p.7.
232
décadas, a principal área de trabalho dos politécnicos, juntamente com a
construção de portos e a execução de obras públicas.
A correlação dos docentes com as estradas de ferro passa
necessariamente por estudos de melhorias e soluções, como no caso das bitolas,
que se constitui na ação efetiva desse saber especializado no embate com a
realidade. M. Nagamini mostrou a atuação dos politécnicos na urbanização e na
industrialização de São Paulo. Destaca no sistema de transportes o
desenvolvimento ocorrido nas ferrovias com a participação da Escola Politécnica,
em ações como: a elaboração do traçado, realização de cálculos e orçamentos; as
análises feitas nos seus laboratórios, como em 1909, quando o Gabinete de
Resistência dos Materiais realizou estudos comparativos em trilhos de diferentes
procedências, a serem utilizados nas linhas da Estrada de Ferro Sorocabana, por
meio de ensaios de flexão e de elasticidade; a participação do Politécnico
Francisco Bhering na comissão organizada por Candido Rondon; a construção da
ponte com 28 m sobre o ribeirão dos Machados, em Socorro, de propriedade da
Companhia Mogiana, realizadas pelos politécnicos Ernesto de Oliveira Chaves e
Guilherme Winter preocupados em substituir pontes metálicas importadas, por
aquelas feitas em concreto armado, ou seja, por materiais produzidos pela
indústria local, o que graças à atuação conjunta dos politécnicos efetivamente
ocorre.
56
Faremos agora o caminho inverso, ou seja, verificar como as companhias
ferroviárias estiveram presentes dentro dos muros da Politécnica, isto é
constituindo-a como escola de engenharia paulista na ação social do fazer a
cidade.
Os politécnicos são, em parte, responsáveis pela difusão da idéia de que a
construção de estradas de ferro era necessária para o desenvolvimento do Brasil.
A existência de determinada tecnologia é um dos aspectos para sua
disseminação, outro é que grupos sociais se disponham a apostar nessa
tecnologia, pois a mesma certamente será onerosa na sua implementação. Com
56
MOTOYAMA, S., NAGAMINI, M. Escola Politécnica, 110 anos construindo o futuro, p. 89-101.
233
as estradas de ferro não foi diferente, era preciso que o poder público e
empreendedores continuassem investindo nessa tecnologia, e para isso a mesma
precisava ser divulgada. No primeiro número da Revista Politécnica o Eng. José
da Costa Marques escreve sobre as vantagens de uma estrada de ferro ligando
São Paulo a Mato Grosso, pois a estrada de ferro possibilitava abrir os sertões à
civilização, com o escoamento de produtos como borracha, cana-de-açúcar, erva-
mate e gado.
57
Por inúmeras vezes a Revista, concomitante aos artigos
considerados técnicos, discutia as implicações sociais, econômicas e políticas da
implantação de uma tecnologia, no caso as estradas de ferro.
Outro artigo esclarecedor nessa ótica é do Prof. Augusto C. da Silva Telles,
num texto de exaltação as estradas de ferro, pois seriam a força geradora de
progresso, de bem-estar, de riqueza e de poder. Vários intelectuais de época
apontavam a necessidade do povoamento do País, como exigência para o
progresso, e o autor afirma que não poderia existir povoamento onde não
houvesse transporte franco, rápido e barato. Assim, o trem era o veículo do
progresso, e a sua expansão não deve ser tomada como um interesse isolado de
um Estado, mas sim de todo o País, por isso:
... vemos incessantemente surgirem projectos de grandes linhas férreas sulcando o
nosso extenso território em todas as direcções, ligando entre si os Estados da União,
penetrando por esses grandes centros, opulentos reservatórios de riquezas de todo gênero e
até hoje despresadas em sua primitiva virgindade e completa inutilidade.
Tem-se apregoado que o quatriênio do sr. Affonso Penna se caracterisará pelo
impulso as estradas de ferro.
Se assim for, será assignalado como a quadra de mais efficaz impulso para a
grandeza do Brazil.

57
MARQUES, J. C., Estrada de Ferro para o Mato Grosso, Revista Politécnica, n
o
1, p. 28-37.
Pelo levantamento que fizemos dentre as revista de engenharia paulista, a Revista Politécnica era
aquela que mais espaço propiciou a divulgação de assuntos ligados às estradas de ferro. De 1904
a 1933 foram dezesseis artigos diretamente tratando desse assunto.
234
O Brasil será realmente grande, quando sentir vigorosa a circulação de sua vida
O Brasil será realmente grande, quando sentir vigorosa a circulação de sua vidaO Brasil será realmente grande, quando sentir vigorosa a circulação de sua vida
O Brasil será realmente grande, quando sentir vigorosa a circulação de sua vida
por uma vasta e bem delineada rêde de estradas de ferro.
por uma vasta e bem delineada rêde de estradas de ferro.por uma vasta e bem delineada rêde de estradas de ferro.
por uma vasta e bem delineada rêde de estradas de ferro.
58
Em outro artigo bem ilustrado, um autor que assina apenas com M. analisa
a travessia da Serra do Mar no estado do Paraná, pois em 5 de fevereiro de 1909
completou 24 anos de funcionamento do tráfego da linha férrea entre Curitiba,
Paranaguá e Antonina, e autor sustenta ser mal compreendido o papel das
estradas de ferro no País, pois seu desenvolvimento deveria estar mais
acentuado.
59
À Congregação da Escola cabia reconhecer a rede de relacionamentos que
iam compondo-na, quer pelas visitas técnicas quer pela praticagem, como
veremos em seguida, com as diversas companhias rreas paulistas. E daí resulta
como proposta da mesma a emissão de título Membro Honorário da Congregação.
Esse título foi consedido aos diretores e responsáveis técnicos de empresas
correlacionadas a Politécnica. Em 1904, a Congregação concede ao Sr. Alfredo
Eugenio de Almeida Maia, Superintendente da Estrada de Ferro Sorocabana e
Ituana, e ao Sr. José Pereira Rebouças, da Companhia Mogiana devido ao:
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58
TELLES, A. C. da S., Viação Férrea, Revista Politécnica, n° 17, p. 287-289. Estamos
argumentando aqui o fato da Revista Politécnica veicular artigos de seus docentes em prol das
estradas de ferro, mas não podemos olvidar de que nestas mesmas páginas se fez a propaganda
em prol das estradas de rodagem, e ainda, o mesmo professor que escreveu essa exaltação em
1907, no ano seguinte escrevia glorificações as estradas de rodagem como força motriz do
desenvolvimento do Estado, devido ao alto custo de construção e manutenção das estradas de
ferro, e afirmando:
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!  $  E.
Ibid, Tracção Mecânica em Estradas de Rodagem, Revista
Politécnica, 23, p. 257-265, 1908.
59
Travessia da Serra do Mar no Estado do Paraná. Revista Politécnica, n
o
27, p. 184-191.
235
  $
, o título de Membro Honorário dessa
Congregação.
60
Em 1919, um grupo de professores propõe que seja concedido o título de
Membro Honorário da Congregação aos engenheiros Francisco Paes Leme de
Monlevade, Alberto de Mendonça Moreira e Carlos William Stevenson, da direção
técnica das Companhias de Estrada de Ferro Paulista e Mogiana, pois eles:
...agasalhando com carinho os nossos alumnos que vão praticar nas referidas
Estradas, cujo quadro do pessoal technico é quase todo constituído de Engenheiros
diplomados por esta Escola...
61
E, como não poderia deixar de ser, a troca de pêsames, como pelo falecimento do
Coronel José Paulino Nogueira, Presidente da Companhia Mogiana, que sempre
dispensou apoio a Escola.
62
Num período em que pessoal qualificado nessa próspera área técnica não
era abundante, e mesmo décadas depois quando isso acontecesse, a
Congregação era encarregada de administrar a questão, quer de professores ou
funcionários, que atuassem tanto na Escola, como em alguma das companhias
ferroviárias. Na maior parte do tempo, a legislação estadual permitiu esse
acúmulo, e vários professores, como Roberto Mange, pode acumular as funções.
Mas, por vezes era também necessária a negociação com as Companhias, para
que as mesmas permitissem que seus funcionários trabalhassem na Politécnica.
Foi o que ocorreu no caso do Prof. Guilherme Winter, lente substituto da Escola, e
com o cargo de sub-chefe de linha na Companhia Sorocabana. Essa solicitou
esclarecimentos sobre tal situação. O diretor informou que não havia
incompatibilidade nos cargos e solicitou ao Sr. Luis Tavares Pereira, representante
da Brasil Railway que o funcionário podia continuar dando as aulas. Tendo a
anuência da Companhia, agradeceu a atenção e a permissão concedida para que
60
EPUSP/APFI/L-47, p. 187 e 188.
61
EPUSP/APFI/Cx. 13.
62
EPUSP/APFI/L-79, p. 90.
236
o funcionário continuasse a dar aulas, não ficando assim a Escola sem o seu
funcionário.
63
A ligação entre essas instituições ia além das visitas técnica e praticagem.
Incorporavam-se outras rotinas como, por exemplo, a dos prêmios de viagens. Em
agosto de 1905, o diretor agradeceu ao Sr. Williams Spears, Superintendente da
São Paulo Railway sua intercessão junto a companhias inglesas para que os
alunos que fizessem visita técnica ao exterior pudessem realizar visita às
principais obras de engenharia na Inglaterra. Como veremos em seguida, nas
primeiras décadas do culo XX a temática das estradas de ferro estava presente
nos roteiros de viagem elaborados pelos professores politécnicos, em vista do seu
aprimoramento com esse prêmio.
64
Com o passar dos anos, as companhias ferroviárias se tornaram parceiras
da Escola em diversas ocasiões, e muitos dos assuntos que diziam respeito às
estradas de ferro aos da rotina da Escola. Em novembro de 1905, a Escola
recebeu inesperadamente da Acierie de la Seine uma carga de aço acima do seu
pedido. O que fazer com todo o aço restante? A solução veio por intermédio do Dr.
Adolpho Pereira, intercedendo para que a Estrada de Ferro Sorocabana compre o
excedente, o que de fato ocorreu.
65
Entretanto, a parceria sobre a temática das estradas de ferro, é claro, era
bem mais ampla, e colocava a Escola numa trama de relacionamentos com
diversos setores concatenados com essa problemática. Em março de 1910, o
63
EPUSP/APFI/85, p. 18 e 52.
Dentro dessa temática, uma questão singular é a do lente Clodomiro Pereira da Silva, que era
professor da Escola desde 1904. Em 1919 o mesmo foi elevado ao cargo de Diretor Geral dos
Correios da República, e em 1924 o diretor Ramos de Azevedo envia uma carta ao distinto colega
e amigo, que era diretor da Estrada de Ferro Noroeste, em Bauru, mas o mesmo morava no Rio de
Janeiro, para que ele viesse a São Paulo tomar posse do cargo de lente catedrático da cadeira de
Rios, Canais e Portos, para o qual foi designado. O diretor esclarece que é tão somente “tomar
posse”, e não atuar em sala de aula, pois o mesmo continuava em Comissão junto ao Governo
Federal. EPUSP/APFI/Prontuário dos Professores, Cx. 239; L-90, p. 11; L-105, p. 63.
64
EPUSP/APFI/L-49, p. 2.
As companhias ferroviárias passaram a ser parceiras da Escola nos mais diversos assuntos. Como
em maio de 1913 em que a direção da Escola necessitando de verbas para a publicação da
Revista Politécnica, envia carta de pedidos a: Secretaria do Interior, São Paulo Railway,
Companhia Docas de Santos, Companhia Mogiana, Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande,
Companhia Sorocabana e Companhia Paulista. EPUSP/APFI/L-70, p. 69, 71, 71, 72, 73, 74 e 75.
65
EPUSP/APFI/L-49, p. 142.
237
Prof. José Brant de Carvalho pediu que a diretoria solicitasse da Direção Geral da
Repartição Federal da Fiscalização das Estradas de Ferro um mapa geral do
Brasil com a indicação atual da rede de viação férrea; neste mesmo mês, Sr. J. B.
Ottoni foi agradecido pelo envio do folheto O Futuro das Estradas de Ferro no
Brazil; em setembro, agradeceu a Repartição de Estradas de Ferro do Rio Janeiro
o envio do material solicitado pelos professores. A Escola passou a receber, por
exemplo, informações, como em novembro de 1912, de que a Estrada de Ferro do
Paraná deixou de ser arrendada pelo Estado, passando para as mãos do Governo
Federal, sendo dirigida pela Companhia São Paulo-Rio Grande. Em novembro de
1920, se agradece a José Joaquim Rodrigues Saldanha, Ministro da Agricultura,
Indústria e Comércio, o recebimento da publicação Solução do problema ferro-
viario brasileiro; em outubro de 1922, ao representante da American Locomotive
Sales Corporation o envio dos seus trabalhos sobre nomenclaturas ferroviárias,
sendo essas muito usadas pelos alunos; e em fevereiro de 1930, o diretor
Rodolpho San Thiago solicitou a vários professores propostas de livros sobre
hidráulica e estrada de ferro, a serem adquiridos pela biblioteca, com uma doação
especial feita por vários engenheiros em homenagem a Dr. Manuel da Rocha
Martins. Assim, temos a preocupação com o sistema ferroviário pulsando na
Escola Politécnica durante toda a temporalidade dessa pesquisa.
66
Como veremos no próximo item, estabeleceu-se uma relação de
empréstimos de materiais das companhias ferroviárias para contribuir com o
ensino nas salas de aula da Escola. Alguns desses pedidos de empréstimos nos
mostram o grau de informalidade entre os dirigentes dessas duas instituições,
como esse, em 1921, quando o diretor Ramos de Azevedo pede do
)
&()&P 7Q'*&2
o
66
EPUSP/APFI/L-60, p. 11 e 131; Cx. 53; L-96, p. 53; L-123, p. 24 e L-101, p. 107.
O envolvimento do corpo docente da Escola Politécnica com o esse tema perdura até hoje com
toda a discussão da revitalização da nossa malha ferroviária. Na década de quarenta, tiveram
destaque os trabalhos do Prof. Eng. José Astrogildo Ribeiro Saboya, realizados para a Estrada de
Ferro Sorocabana, de propriedade e administração do Estado de São Paulo, em que analisava
bobinas de choque, receptor de prova, campo de alto falante, recalques dentre outros.
EPUSP/APFII/Cx. Indefinida.
238
empréstimo de seis cadernetas, para o ensino pratico da cadeira de Estradas,
pedido esse aceito e agradecido.
67
Sobre empréstimos, um registro inusitado em março de 1919 no qual a
Escola pede da Companhia Mogiana seus doze elastecimetros Manet para que a
mesma possa emprestar para a São Paulo Railway, para experimentação de suas
pontes. Anteriormente, a Escola havia solicitado o empréstimo desse material,
mas para fins didáticos para a disciplina de “Pontes e Estradas”. O pedido é
aceito, e são enviados quatro dos equipamentos solicitados. Observamos aqui a
credibilidade da Escola realizando a interface entre duas Companhias, pois se o
pedido não foi feito diretamente de uma para outra, é porque sem dúvida havia
desentendimentos entre ambas. Com a mediação da Escola Politécnica, essa
cooperação voltou a ser possível, já que para as duas Companhias a Escola
garantia a credibilidade no empréstimo. Nos anos seguintes, há registros de novos
empréstimos dessa natureza.
68
No campo docente, havia também uma preocupação de se manter
atualizado nos avanços dos transportes ferroviários, e a participação em eventos e
palestras fazia parte da rotina dos professores politécnicos, que difundiriam esse
conhecimento no Estado. Neste sentido, era profícuo o relacionamento com a
Estrada de Ferro Central do Brasil, que por vezes convidava os docentes a assistir
conferências por eles patrocinadas.
69
A Escola Politécnica não possuía um curso especificamente voltado para a
formação de engenheiros ferroviários. Do seu curso de engenharia civil, saíram os
futuros engenheiros a trabalharem nessa área, que o mesmo tinha em seu bojo
disciplinas ligadas às ferrovias, como a terceira cadeira do terceiro ano que era
exatamente Estradas de Ferro. Entretanto, não era a existência de uma ou outra
disciplina isolada que validava essa atuação, e, sim, a própria estrutura geral dos
cursos da Politécnica que tinham a proposta de subsidiar o aluno com um todo
67
EPUSP/APFI/L-97, p. 11 e 44.
68
EPUSP/APFI/L-87, p. 149; L-90, p. 131 e 149 e Cx. 52.
69
EPUSP/APFI/L-80, p. 65 e 69.
239
de análise que lhe permitisse entender os mais variados problemas e propor-lhes
soluções fazendo o uso de bases cientificas.
Como vimos no primeiro capítulo, a Escola Politécnica teve oito
regulamentos no período analisado nessa pesquisa. Em todos eles, estiveram
sempre presentes, no curso de engenharia civil ao qual vamos nos deter,
disciplinas ligadas à temática das estradas de ferro. Algumas vezes, a disciplina
era simplesmente denominada “Estrada de Ferro”, mas em várias outras esse era
um dos enfoques, como em Teoria de Resistência dos Materiais, Tecnologia das
Profissões Elementares e Mecânica Aplicada as Máquinas. No regulamento de
1901, a décima segunda disciplina fora denominada de Estradas de Ferro e de
Rodagem. Pontes e Viadutos, e lentamente nos primeiros anos, mas de maneira
evidente na década de 20, as estradas de rodagem começam a fazer frente às
estradas de ferro no processo da formação dos discentes.
70
De um modo geral, as disciplinas ligadas às ferrovias estavam agrupadas
nos últimos anos dos cursos, ora divididas em Estradas, Pontes e Viadutos e
Estradas de Ferro, ora com um único bloco, Estradas, Tfego e Economia
Política. Os cursos da Escola Politécnica buscavam ter sempre uma parte
experimental, um lado prático, e é que a correlação com as companhias
ferroviárias fica evidenciada.
Em março de 1899, a Escola foi convidada pelo Sr. Barão Rymkiewiez &
Comp. a visitar a construção da nova linha da São Paulo Railway na Serra de
Santos, oferecendo hospedagem e transporte aos alunos, ao que Paula Sousa
responde que:
 !
$8
, e em maio comunica a ida
do primeiro grupo de alunos.
71
Visitas técnicas dos discentes aos canteiros de obras dos ramais em
construção, às oficinas das companhias ferroviárias, às caldeiras repetiam-se ano
a ano na Escola, não era exceção, mas sim uma rotina. O primeiro professor a
70
Regulamentos da Escola Polytechnica de São Paulo, de 1897 a 1935.
71
EPUSP/APFI/L-35, p. 124, 129, 183 e 184.
240
intensificá-las foi Jo Brant de Carvalho, cujas visitas, além das companhias
ferroviárias, tinha como destino obras de infra-estrutura urbana como
abastecimento de água, saneamento e energia.
72
Só no segundo semestre de
1900, esse professor levou grupos de alunos a visitarem: São Paulo Railway,
Companhia de Água e Luz de São Paulo, Cachoeira de Parnaíba, Companhia
Paulista, Represa do Tietê, Docas de Santos, Moinho Matarazzo, Companhia
Sorocabana, Tramway da Cantareira, a invernada da cavalhada da força pública,
Companhia Lidgrwood, Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais, São Paulo
Tramway.
73
Outro professor que constantemente visitava as oficinas das companhias
ferroviárias foi José Maria Borges, lente catedrático da cadeira de Motores,
disciplina que, alterando a nomenclatura e o ano em que era ministrada,
perpassou todos os regulamentos analisados nessa pesquisa. Em 1907, junto com
o Prof. Adolpho Pereira, levou seus alunos às oficinas da Companhia Paulista,
Companhia Mogiana, São Paulo Railway, e Companhia Sorocabana. Essas visitas
repetiam-se ano a ano ora para instalações no Alto da Serra, ou na Estação Norte,
ou nas oficinas da Lapa, ou mesmo a algum ramal que estivesse em construção.
Colocar os alunos em contato com essa realidade profissional, possibilitar a
integração entre o conteúdo da sala de aula e a vivência de uma oficina em
funcionamento era o objetivo desses professores, que não ficavam restritos a São
Paulo; em 1912, os alunos foram levados a visitar as instalações da Estrada de
Ferro Central do Brasil e recebidos pelo Eng, Paulo de Frontin, um dos
destacados engenheiros nessa área.
74
72
José Brant de Carvalho foi professor de Tecnologia Rural, do curso de engenheiro agrônomo, e
também de Tecnologia, nas oficinas do curso de engenharia civil. EPUSP/APFI/Prontuário de
Professores/Cx. 118.
73
EPUSP/APFI/L-39, p. 1, 2, 3, 10, 13, 14, 16, 17, 18 e 59.
EPUSP/APFI/Cx. 72. Nessa caixa estão organizados os retornos que as Companhias Férreas
davam À Escola Politécnica autorizando as visitas técnicas solicitadas. Nos copiadores de
Expediente, encontra-se também vasta documentação esse assunto, como: L-47, p. 112, 132, 135,
136 e 137; L-49, p. 29.
74
EPUSP/APFI/L52, p. 66, 70, 71 e 73; L-57, p. 116, 119, e 122; L-63 e p. 81, L-64, p. 15.
Em 1908, ocorre uma visita à estrada de Ferro do Corcovado, para se estudar as rampas
inclinadas lá instaladas. EPUSP/APFI/L-54, p. 34.
241
As visitas técnicas ocorrem às mais diversas Companhias Ferroviárias, e
também aos mais diversos trechos, como a Estrada de Ferro São Paulo-Rio
Grande, Curitiba-Paranaguá ou Santos-Juquiá, na maioria das vezes tendo o Prof.
José Maria Borges na condução dos alunos.
75
A esse professor, apresentaram-se,
em 1913, os professores Roberto Mange
76
e Felix Hegg
77
, formados pela Escola
Politécnica de Zurique, contratados por Paula Sousa por indicação do Dr. Gnehm,
Presidente do Conselho Escolar Suíço, para lecionarem na Escola Politécnica de
São Paulo e dar continuidade ao trabalho dos professores José Brant de Carvalho
e José Maria Borges.
78
Nas décadas seguintes, a esses professores ligados ao Laboratório de
Eletrotécnica e Mecânica coube a efetivação das visitas técnicas na Escola
Politécnica, principalmente as Companhias Paulista, Sorocabana, Mogiana e a
São Paulo Railway. Essas visitas tinham objetivos de: visitar os pátios das
Companhias para que os alunos pudessem verificar o serviço de condução e
manobra das locomotivas em vários trens das vias férreas, verificar o uso do
maquinário, conhecer as caldeiras, tomar contato com os problemas técnicos
enfrentados. Repetiram-se freqüentemente semestre após semestre, mostrando a
preocupação na formação dos discentes para o conhecimento dessa área de
atuação profissional. Dois destinos se fizeram presentes ao longo dos anos, as
75
EPUSP/APFI/L-68, p. 3, 5, 25, 35, 69, 103 e 104.
José Maria Borges foi nomeado lente interino da III secção em 1904, e lente catedrático da cadeira
de Motores em fevereiro de 1911. Faleceu em 1914. EPUSP/APFI/ Prontuário dos professores, Cx.
225.
76
Roberto Mange nasceu na Suíça em 31 de dezembro de 1885, foi engenheiro mecânico
diplomado pela Escola Politécnica de Zurique. No decorrer de 1912, ocorrem os contados entre ele
e Paula Sousa para sua contratação como professor de Desenho de Máquinas e Diretor do
Gabinete de Eletrotécnica e Mecânica Aplicada em 1913. Por diversas vezes, teve problemas com
o seu contrato docente por ser estrangeiro; por diversas vezes, solicitou aumento de seus
vencimentos, e com frequência substituiu o prof. Felix Hegg. Foi engenheiro da Estrada de Ferro
Sorocabana e, em 1939, naturalizou-se brasileiro. EPUSP/APFI/L-69, p. 141 e 143; L-70, p. 130-
135; L-80, p. 136; Prontuário dos Professores/Cx. 233.
77
Felix Hegg nasceu na Suíça em 2 de setembro de 1885. Engenheiro mecânico diplomado em
1908 pela Escola Politécnica de Zurique, foi convidado por Paula Sousa para ser professor de
Termodinâmica e Máquinas Aplicadas II em 1913, substituindo o Prof. Victor da Silva Freire. Em
1940, naturalizou-se brasileiro, aposentou-se compulsoriamente em 1955. Foi-lhe concedido o
título de Professor Emérito pelos quarenta e dois anos de trabalhos dedicados à Escola
Politécnica. EPUSP/APFI/L-70, p. 138-142; Prontuário de Professores/Cx. 230.
78
EPUSP/APFI/L-70, p. 129; L-71, p. 42.
242
oficinas da São Paulo Railway na Lapa e as oficinas da Companhia Paulista em
Rio Claro.
79
Como no período de José Maria Borges, também com Roberto Mange e
Felix Hegg as visitas não ficaram restritas ao Estado de São Paulo, e visitas eram
feitas as estradas de ferro, principalmente do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Paraná.
80
Acreditamos que a atuação dos suíços Roberto Mange e Felix Hegg gerou
um movimento em prol da intensificação dos cursos práticos na Escola,
impulsionando visitas não somente as companhias ferroviárias. Nas décadas
seguintes, as suas contratações o grupo de professores que passaram a conduzir
seus alunos a instalações industriais, de saneamento básico, de produção de
manufaturas é bastante significativa. Professores como Guilherme Winter,
Alexandre Orecchia, Oscar Machado, Gaspar Ricardo Jr. e Mario Whately
passaram também a acompanhar seus alunos em exercícios práticos as
companhias ferroviárias, mas também a Companhia de Tração de Luz e Força ou
a Companhia Metalúrgica de Ribeirão Preto, por exemplo.
81
As visitas técnicas estavam inseridas nas aulas de laboratório que várias
disciplinas possuíam, e a ida a instalações ferroviárias não era feita apenas por
Em março de 1914 o Prof. Felix Hegg substitui o Prof. José Maria Borges que faleceu.
EPUSP/APFI/L-74, p. 73 e74.
79
EPUSP/APFI/L-72, p. 51 e 51; L-73, p. 10, 11, 14, 15, 16, 17, 44 e 45; L-76, p. 99, 102 e 105; L-
75, p. 67 e 74; L-78, p. 51, 54, 65 e 66; L-79, p. 97, 102, 104, 105 e 111; L-81, p. 56-58; L-82, p.
17, 61, 87 e 89; L-84, p. 93, 94, 107, 108 e 138; L-86, 24, 25, 42, 46, 48, 64, 64, 68, 69 e 83; L-88,
p. 89, 95, 96 e 97; L-91, p. 121 e 125; L-95, p. 8; L-97, p. 114 e 119; L-98, 123; L-100, p. 132; L-
102, p. 15; L-103, p. 81, 94 e 98; L-104, p. 61 e 129; L-105, p. 129; L-106, p. 129; L-107, p. 3; L-
108, p. 10; L-109, p. 92; L-111, p. 125; L-112, p. 12 e 20; L-115, p. 147; L-117, p. 100; L-118, p. 12;
L-124, p. 34.
80
EPUSP/APFI/L-90, p. 65, 75, 76, 78, 83, 94, 114 e 116; L-96, p. 16, 17 e 61. Em dezembro de
1916, o diretor da Escola agradeceu ao Diretor de Obras e Viação do Para por hospedar o
professor e alunos que a esse Estado foram para visitar as importantes vias férreas e de rodagem
do Paraná. Em junho de 1922, solicitou ao diretor da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que a
turma de Pontes e Estradas pudesse visitar a ponte sobre o Rio Paraná. EPUSP/APFI/L-82, p. 107
e L-101, p. 4, 5, 6, e 12.
81
EPUSP/APFI/L-73, p. 10 e 11; L-102, p. 27; L-107, 124.
Mario Wately nasceu em São Paulo em 16 de abril de 1885. Engenheiro civil diplomado pela
Escola Politécnica em 1911, começou a trabalhar na Escola em 1909, como auxiliar do Gabinete
de Química Mineral. Como professor substituía Guilherme Winter e Victor da Silva Freire. Faleceu
em 19 de junho de 1943, no cargo de professor catedrático das cadeiras de Elementos de
243
professores com ligadas a essa problemática. O Prof. Lúcio Martins Rodrigues do
curso de Geodésia fazia as aulas experimentais nas instalações da São Paulo
Railway
82
.
Essas visitas técnicas geraram toda uma rede de cordialidade entre Escola-
Companhia levando, como vimos anteriormente, a emissão do título de Membro
Honorário da Congregação da Escola Politécnica a responsáveis das diversas
companhias. Eram comuns após as visitas os envios de agradecimentos, por
exemplo, a Carlos W. Stevenson, Eng. Chefe de Locomoção e Tração da
Companhia Mogiana, pela acolhida aos alunos.
83
Os temas ferroviários também fizeram parte do roteiro de estudo das
viagens premiadas aos pelos melhores alunos concludentes. Essas viagens não
tinham o caráter de turismo, mas visavam fortalecer a aprendizagem do curso de
graduação. Cabia a alguns professores eleitos pela Congregação elaborar um
roteiro de estudo a ser seguido pelo recém-formado nos meses em que se
encontrasse na Europa, destino natural para a aprendizagem. O roteiro de Gabriel
Dias, em 1906, e o de Cerqueira Leite em 1909 eram essencialmente
ferroviários.
84
Com o passar do tempo, as preocupações com as questões urbanas e a
mudança de destino se fizeram presentes nessas viagens. Em 1915, tendo o
aluno Pedro de Siqueira Campos feito jus ao prêmio de viagem ao exterior, o
mesmo é o primeiro a desejar ir aos EUA, e não mais a Europa, como todos os
outros. A Primeira Guerra Mundial certamente foi o fundamental nessa mudança
de rota. Daqui em diante, mesmo depois da guerra, os EUA passaram a ser o
destino das viagens desse prêmio. Foi pedido aos professores João Pereira
Ferraz, Ataliba Valle e Edgard de Souza que elaborassem a viagem, cujo plano
Mecânica dos Solos e Fundações, e Estruturas Metálicas e Grandes Estruturas.
EPUSP/APFI/Prontuário dos Professores/Cx. 241.
82
EPUSP/APFI/L-49, p. 29.
83
EPUSP/APFI/L-47, p. 116.
84
EPUSP/APFI/L-50, p. 94, L-57, p. 9.
Em julho de 1909, é solicitado aos professores Ataliba Valle e Adolpho Pereira a elaboração do
plano de estudos para a viagem ao exterior do aluno Francisco Teixeira Silva Telles. EPUSP/APFI/,
L-57, p. 146.
244
contemplou os seguintes assuntos: saneamento das cidades (águas e esgoto),
utilização da energia das quedas de água, aplicação da eletricidade á tração
ferroviária e tráfego das estradas de ferro.
85
Passadas duas décadas de sua criação, esse plano de viagem, com suas
publicações, demonstrou o perfil das temáticas nas quais essa escola de
engenharia se envolvia na dialética com questões urbanas como abastecimento
de água, esgotos e drenagens, serviço de lixo, vias públicas, cemitérios,
matadouros, e transporte e energia, com a aplicação da eletricidade a tração,
discutindo instalações mais modernas para as estradas ferro, desenvolvendo com
mais detalhes as aplicações da corrente contínua com alta voltagem, a aplicação
dos retificadores a arco de mercúrio na tração elétrica e estudo de eletrólise nas
canalizações subterrâneas de água e gás.
A cidade na sua mudança magnética
tinha agora esses profissionais atuando em diversas áreas, propondo soluções e
começando a pesquisar respostas aos problemas locais.
Uma viagem de estudo não era fácil e exigia muito empenho da
Congregação da Escola para que o aluno de fato obtivesse proveito acadêmico.
Basta verificar o trâmite para a viagem em 1910 do aluno Francisco Teixeira da
Silva Telles, do curso de engenheiros civis, com o intuito de se aperfeiçoar em
estradas de ferro, especialmente em viação elétrica, que se apresentava como
possibilidade de energia para esse transporte. Para que a essa viagem pudesse
ser bem-sucedida, a diretoria da Escola solicitou apoio para esse aluno ao Sr.
Francisco Regis de Oliveira, enviado extraordinário e Ministro Plenipotenciário do
Brasil na Inglaterra, ao Sr. Alberto Monteiro de Carvalho, em Londres, ao Sr.
Bruno Gonçalves Chaves, junto a Santa , ao Barão do Rio Branco, Ministro de
Estado das Relações Exteriores, e a Gabriel de Almeida Pisa em Paris. Isto para
que o recém-formado pudesse visitar instalações tecnológicas que contribuíssem
com a sua formação. Ele não viajava a turismo, mas em busca de tecnologia. Dez
anos depois, o mesmo procedimento foi realizado, informando os representantes
85
EPUSP/APFI/L-L79, p. 39, 91 e 92.
245
do Brasil no exterior que o Sr. Leopoldo Augusto Silveira Franca iria ao exterior em
viagem de estudos pela Escola Politécnica.
86
O regulamento de 1918 previa no segundo ano de engenharia civil, na sua
parte prática de oficinas, “Trabalhos em Metais e Fundição”. Para ministrar a
fundição aos alunos, a Escola solicitava regularmente a colaboração da São Paulo
Railway para que um auxiliar de fundidor dessa Companhia fosse à Escola fazer
demonstrações desse ofício aos alunos. Esse pedido e os agradecimentos pela
realização do mesmo perpetuaram-se por toda a década de vinte, sempre a
Escola pagando as diárias de tal funcionário, e algumas vezes solicitando
especificamente Donatello Fiaschi, por sua destreza no ensino do ofício aos
alunos.
87
Cientes da necessidade da formação desses futuros engenheiros, as
companhias ferroviárias foram também grandes contribuidoras para a formação da
biblioteca da Politécnica, provendo bibliografia que favorecesse a formação de
seus futuros funcionários. Em 1897, a Companhia União Sorocabana e Ituana, na
pessoa de seu Superintendente Georges Oetterer, envio à biblioteca da Escola a
Planta do Perfil das suas linhas em operação, e um volume em língua alemã
relativo À fabrica Krupp de Essen. Em janeiro de 1900, a Companhia Mogiana
enviou a planta de suas linhas férreas. A busca por literatura dessa área também
era preocupação da própria Escola que, em março de 1906, solicitou ao Dr. Assis
Brasil, Ministro Brasileiro na República na Argentina o envio de todas as
publicações referentes à Estrada de Ferro, instalação de imigrantes e movimento
financeiro e industrial daquele País. Em agosto de 1922, solicitou da Repartição
de Fiscalização das Estradas de Ferro uma planta e o perfil da Estrada de Ferro
Campos do Jordão, para estudos dos alunos. Ao longo dos anos, foi sistemática a
doação dos relatórios das companhias ferroviárias efetuadas à Escola Politécnica.
86
EPUSP/APFI/L-59, p. 9, 46, 47, 48 e 50; L-94, p. 98.
87
EPUSP/APFI/Cx. 52; L-100, p. 55; L-101, p. 2 e 3; L-106, p. 52; L-108, p. 49; L-112, p. 112 e
148; L-118, p. 142 e 146; L-125, p. 44, L-103, p. 21, 78 e 79 e L-118, p. 41.
Realizaram também demonstrações os fundidores Júlio Gonçalves e Constantino Vivaldi.
246
Hoje, sua biblioteca central possui um privilegiado acervo documental sobre esse
tema.
88
Pelos dados do Anuário de 1934, verificamos que, dos cerca de seiscentos
engenheiros formados pela Politécnica desde sua criação até aquela data, pelo
mais de trinta atuaram no setor ferroviário.
89
Alguns, como Gaspar Ricardo Jr.,
atuaram concomitantemente, enquanto a lei permitia, como docente da Escola e
funcionário em alguma companhia, no caso a Sorocabana. Era engenheiro civil
diplomado em 1912, foi nomeado Assistente do Gabinete de Física Industrial e
Eletrotécnica; em março de 1912, substituiu os professores Clodomiro P. Silva,
José A. da Fonseca Rodrigues, Francisco Ferreira Ramos e Ataliba Oliveira Valle
e depois foi professor catedrático da cadeira de Estradas. Em 1919, foi trabalhar
na Companhia Sorocabana, e por isso pediu dispensa da Escola, mas retornou
anos depois acumulando as duas funções. Na cada de trinta, esse professor
chegou a ser o diretor da Sorocabana.
90
Essa relação era profícua para ambas as partes, permitindo um intercâmbio
estreito entre os pedidos e propostas das duas instituições.
Uma significativa correlação entre a Politécnica e as companhias
ferroviárias foi a inclusão das mesmas na Lei n
o
824 de 13 de agosto de 1902, que
instituiu o prêmio de Praticagem. Consistia indicar para cargos profissionais
remunerados (uma política de primeiro emprego diríamos hoje) os primeiros
88
EPUSP/APFI/ L-33, p. 46; L-38, p. 21; L-50, p. 85; L-101, p. 44 e 56 e L-127, p. 138.
89
Identificamos na relação geral dos diplomados os seguintes: Pedro Soares de Camargo, Cyro
Berlinck, Jayme Blandy, Humberto Soares de Camargo, Jayme Pinheiro de Ulhôa Cintra, José
Aryosa Galvão, João B. Garcez, Francisco Oliva, Américo Piva, José Malhado Quirino, Joaquim R.
dos Santos Filho, na Companhia Paulista; Sócrates Halfeld de Andrade, na Companhia
Araraquarense; José Braga Netto, Acríscio Paes Cruz, Jorge Tavares Gouveia, João Carlos
Fairbanks, Fernando de Barros Ferraz, Bruno Simões Magro, Gaspar Ricardo Jr., Antonio de
Prudente Moraes, Francisco Ribeiro e Luis de Castro Sette, na Companhia Sorocabana; Roberto
Simonsen, na Southem Brazilian Railway; Jales Machado de Siqueira, na E. F. de Goiás; Luiz
Álvaro da Silva e Plínio Penteado Witacker na Companhia Mogiana; Homero B. Ottoni, na E. F.
São Paulo a Minas; Oscar Spinola Teixeira, na Companhia Noroeste, Orlando Drummond Murgel,
na E. F. Campos do Jordão, André Perez Velasco, Agenor Corrêa, na Estrada de Ferro Mairinque-
Santos, Alexandre Rangel Belfort Mattos na Estrada de Ferro Sul de Minas, e Mario Leite na
Inspetoria Federal de Estradas. Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de
1934, p. 103-129.
90
EPUSP/APFI/ Prontuário dos professores, Cx. 238.
247
colocados por notas dentre o grupo de formandos de cada ano, principalmente os
concludentes do curso de engenharia civil, para desenvolverem durante o prazo
de um ano serviço remunerado na Companhia Paulista, Companhia Mogiana,
Companhia Sorocabana, Companhia Docas de Santos e nos Departamentos
Técnicos do Estado. Todas essas instituições mantinham contato regular com a
Escola.
91
Em 1899, formou-se a primeira turma de engenheiros civis da Escola, com
nove concludentes, a de engenheiros arquitetos com dois concludentes, e a de
engenheiros industriais com três. Na perspectiva de abrir locais para a atuação
para esses novos profissionais, o prêmio de praticagem veio a ser um incentivo à
conclusão do curso, pois o primeiro emprego estava garantido aos primeiros
colocados que a Escola os encaminhava por meio de ofício as instituições com
quem por força de lei havia instituído esse convênio. Na turma de 1903, temos os
primeiros indicados: Pedro Soares de Camargo, à Companhia Paulista, Ariosto
Amaral à Companhia Sorocabana e João Baptista Garcez à Companhia
Mogiana.
92
Em 1912, foram listados vinte oito alunos que haviam ocupado cargos de
praticagem junto às companhias ferroviárias paulista. Num período de
estruturação da profissão, essa era sem dúvida uma política necessária, pois se
um corpo técnico estava sendo formado às custas do Estado era também preciso
investir no aproveitamento desse recurso humano disponível para um mercado
que, embora necessitasse de tais profissionais qualificados, ainda o tinha o
hábito de contratá-los.
93
Gaspar Ricardo Jr. nasceu em 5 de agosto de 1887 e faleceu no cargo de professor em 3 de maio
de 1937.
91
EPUSP/APFI/Cx. 50.
92
Os engenheiros que concluíram o curso de Civil foram: Francisco de Paula Ramos, Carlos Kiehl,
Antonio de Cerqueira Cezar, Ernesto Dias de Castro, Francisco de Godoy M. e Costa, Mario de
Campos, Aureliano Ignácio Botelho, Francisco O. Teixeira de Almeida e Eduardo Kiehl. Arquiteto:
João Moreira Maciel e Mauro Álvaro de Souza Camargo. Industriais: Raul de Queiroz Telles,
Regino de Paula Argão e Theodoro Marcos de Ayrosa. Annuario da Escola Polytechnica de São
Paulo para o anno de 1901, p. 62 e 63.
EPUSP/APFI/L-46, p. 212, 233 e 236.
93
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1912, p. 63.
248
Com o passar dos anos se começa a observar a prática desses melhores
alunos indicados o às companhias ferroviárias de São Paulo, mas também
ao Estado ou a empresas privadas virem a declinar dessa oferta de trabalho. Dos
dez formandos da turma de 1913, que foram indicados ao prêmio de praticagem,
oito deles formalmente avisaram ao Prof. Rodolpho San Thiago que declinavam
da oferta feita pela Escola, e pelas Empresas das Companhias de Estrada de
Ferro Paulista e Mogiana do cargo de engenheiro praticante. Dentre os motivos
apresentados estão os de mudança do Estado, terem emprego ou ida para o
estrangeiro.
94
Fato é que até 1912 a Escola Politécnica havia formado o seguinte número
de engenheiros
95
:
Engenheiros Formandos
Civis 139
Arquitetos 17
Industriais 18
Agrônomos 23
Neste segundo momento, passada a primeira fase de implantação da
Escola, sua participação na cidade começou a se tornar cada vez maior, quando
podemos identificar um período de grande absorção dos engenheiros no mercado
de trabalho. Dois dados nos levam a afirmar isso. Primeiros, os melhores
colocados de cada turma não mais necessitavam, como nos anos anteriores,
dessa indicação para o mercado de trabalho: conseguem melhores oportunidades
por eles mesmos, sem indicação da Escola. Ser engenheiro formado pela Escola
Politécnica passa a ser efetivamente a possibilidade de trabalho efetivo, como, por
exemplo, a abertura de firmas próprias que figuraram no catálogo telefônico da
94
EPUSP/APFI/Cx. 13.
95
Anuário 1912, p. 41.
249
cidade e nas revistas da área, e o prêmio de praticagem, antes um relevante
estímulo para o termino do curso, agora pode ser declinado.
Outro fato que mostra integral absorção no mercado de trabalho dos
engenheiros formandos na Escola Politécnica é oficio encaminhado por C.
Valentini, responsável pela Revista de Engenharia ao secretário da própria Escola
Politécnica, em 3 de outubro de 1912, respondendo a uma solicitação feita:
Respondendo a vossa prezada carta de 11 de setembro cumpre-nos dizer que não
conheço presentemente algum engenheiros ex-aluno da escola Polytechnica, em condições de
acceitar a collocação em França.
Felizmente, os alumnos da escola estão todos collocados; conhecemos alguns
engenheiros diplomados por outras escolas, mas não temos informações sobre a competência
profissional dos mesmos, que nos habilite a fazer alguma indicação.
A demora da nossa resposta foi motivada pelo facto de termos nos empenhado em
encontrar um engenheiro para a alludida collocação.
96
Esse sintético ofício é revelador de um momento não nos foi possível
mensurar a duração –, quando todos, isso mesmo todos, os engenheiros
formados pela Escola Politécnica estavam envolvidos em alguma atividade
profissional. Não é identificada qual a habilitação do engenheiro que se queria
contratar; entretanto, é significativo seja a própria Escola a fazer a solicitação
sobre conhecer algum profissional, por ela formado que possa ir trabalhar na
França. É dito categoricamente:
E     !

e não há uma propensão a se indicar engenheiros formados por outras
instituições. Essa pida colocação no mercado de trabalho leva a um progressivo
aumento na procura pelos cursos oferecidos na Escola.
Em relação à praticagem nas companhias ferroviárias, sutis alterações
aconteceram ao longo do tempo, sempre no intuito de fortalecer suas ligações
com a Escola Politécnica. Em 1911, a Estrada de Ferro Araraquara oferecia
96
EPUSP/APFI/Cx. 72.
250
anualmente à Escola um lugar de praticagem. Na década de 20, a São Paulo
Railway também aceitava alunos para praticagem; passam a serem indicados os
engenheiros eletricistas à Companhia Paulista; e, em 1928, a Companhia
Sorocabana criou três vagas para praticagem aos formandos de engenharia civil.
Por vezes, a Escola agradecia as companhias por aumentarem os salários da
praticagem, que passou a ser uma opção ao prêmio de viagem.
97
A saturação do mercado de trabalho para os engenheiros politécnicos foi
evidentemente algo passageiro, e, em janeiro de 1933, encontramos um ofício
encaminhado a empresas como a Light, General Electric e Pirelli, no qual do
Diretor afirmava que a Escola estava empenhada em facilitar aos engenheiros
recém-formados a possibilidade de conseguir um local para a praticagem nas
grandes empresas particulares. Solicitava que as mesmas aceitassem alguns de
seus alunos que acabavam de receber os títulos para os cargos de engenheiro
praticante. Podemos considerar esses ofícios como os predecessores do atual
departamento de estágio hoje encontrado nas Universidades. À necessidade de
colocação profissional para os estudantes ora formados são incorporadas também
as instituições de ensino, visto que é para tal fim que se destina o alunado.
98
Esse pedido realizado pelo Diretor não tardou a ser correspondido, e em
fins de janeiro a Escola agradecia o atendimento de sua solicitação. Esse fato,
supomos ser indicativo de que ocorreram conversações anteriores ao envio dos
ofícios, entre os representantes da Escola e os das empresas contatas para a
contratação dos recém-formados acerca dessa possibilidade.
99
Às companhias ferroviárias junta-se agora as empresas privadas como
receptoras de egressos da Politécnica, mas nesse ano, os ofícios que apresentam
97
EPUSP/APFI/L-61, p. 73; L-120, p. 109 e L-116, p. 100.
Dentre tantos, foram indicados ao prêmio de praticagem: Francisco Machado de Campos, Arthur
Maciel Jr., Hypólito Pujol Jr., Paulo Vargas, Bruno Simões Magro, Alcides Martins Barbosa, Achilles
Nacarato, Bento Quirino dos Santos, Alaôr Prata Soares, Osório Alves Cardoso Dulphe Pinheiro
Machado, Alvimar de Magalhães Castro, Arthur Guiterrez Canguçu, Geraldo Corrêa Dias, Pedro de
Andrade Carvalho, Marcelo Milliet Kiehl, Ítalo Bologna, Luiz Peres Velasco, Arnaldo Corrêa,
Leopoldo Guimarães da Cunha, Francisco Ribeiro Jr. e Cyro Rocha. Ibidem, L-47, p. 157 e p. 213;
L-49, p. 38, p. 68, p. 71, p. 72, p. 73 e p. 75; L-51, p. 10 e p. 17; L-52, p. 150; L-58, p. 15 e p. 57; L-
61, p. 28; L-120, p. 109; L-125, p. 114; L-126, p. 36 e L-129, p. 40 e p. 56.
98
EPUSP/APFI/L-131, p. 128-132.
251
esses praticantes, como o recém-formado Paulo Silva Pinheiro à Companhia
Mogiana, a explicitação de que a Escola espera que o mesmo saiba

$
numa indicação de que se os formandos de 1901 eram
uma promessa para o desenvolvimento paulista, agora, em 1933, os mesmos
são uma realidade histórica.
Em vários trabalhos, uma ligação entre as estradas de ferro e a Escola
Politécnica é quanto à racionalização do trabalho operário efetuado pelos
engenheiros no seu trabalho junto às ferrovias.
100
Sendo os engenheiros os
responsáveis pelo adequado funcionamento das linhas férreas, a eles cabia a
condução desses serviços, entre eles a de disciplinarização dos operários. Dentre
os métodos, estava o de elaboração de tabelas para as diversas atividades
desenvolvidas no processo, como gasto de combustível por quilometro rodado ou
uso de graxa nos trilhos. Esses conhecimentos, anteriormente detidos por
funcionários como maquinista, foguista e graxeiro, agora estavam mensurados em
tabelas possibilitando a comparação entre a eficiência da máquina e o trabalho
humano. O conhecimento empírico do funcionamento das várias fases do
processo da ferrovia foi paulatinamente na atuação dos engenheiros sendo
substituído pelo conhecimento racionalista. Tudo estava documentado.
No final da década de vinte, uma grande reestruturação foi proposta na
Companhia Sorocabana para repensar o funcionamento global das oficinas. As
reformas foram dirigidas por quatro engenheiros: Homero Barbosa, Olavo Faria de
Oliveira, José Alfredo de Marsillac e Oscar Antônio de Mendonça. Buscaram
estudar a forma de trabalho a fim de verificar se havia ou o mau aproveitamento
das capacidades de máquinas e de ferramentas. Também buscaram averiguar
negligências. Esses estudos tiveram como base o método de comparação entre
dados. É sempre ressaltado o conhecimento técnico abrangente que os
99
EPUSP/APFI/L-132, p. 8.
100
Vários desses trabalhos foram produzidos utilizando os conceitos de Michel Foucault ao discutir
os espaços de poder. Entres esses trabalhos destacamos: Ferrovia e ferroviários, uma contribuição
para a análise do poder disciplinar na empresa de Liliana R. Petrillini Segnini, Nos trilhos do
silêncio de Márcio Saliba Dias e Mecanismos de controle e disciplina no trabalho na Viação Férrea
do Rio Grande do Sul (1920/42) de Marluza Harres.
252
engenheiros possuíam, dominando os vários segmentos do trabalho, podendo
assim pensá-lo como um todo, o que lhes garantia uma visão de conjunto que os
demais funcionários não alcançavam.
4.3 – Os Laboratórios da Escola Politécnica e as Companhias
Ferroviárias
Indicamos como ponto de conexão mais estreito entre a Escola Politécnica
e as companhias ferroviárias a parceria por elas desenvolvidas no uso dos
diversos laboratórios da Escola. Se nos primeiros anos a Escola precisou
constituir essas estruturas, precisou igualmente de quem usufruísse da mesma, de
quem utilizasse os seus serviços, e as companhias ferroviárias foram esse “quem”
por saberem da importância do uso de laboratórios no seu setor. No Rio de
Janeiro onde se iniciou o desenvolvimento do sistema ferroviário brasileiro, a
Estrada de Ferro Central do Brasil teve de montar o seu próprio laboratório não
tendo, é claro, um perfil voltado ao ensino ou à pesquisa, e sim ao controle de
qualidade dos materiais a serem utilizados na execução da obras vinculadas às
estradas de ferro.
A Escola Politécnica não podia ter apenas ter como interlocutores no uso
das estruturas dos seus laboratórios os órgãos da administração pública para
justificar os gastos com esses espaços, que como vimos eram os mais onerosos
da Escola. Esses laboratórios, pouco a pouco passam a ser utilizados por diversos
segmentos sociais, como as companhias ferroviárias, para os mais diversos
serviços da cidade.
Sabemos que o Gabinete de Resistência dos Materiais foi o primeiro a se
constituir de modo mais sistemático, por estar ligado à disciplina ministrada por
Paula Sousa. Logo nos seus primórdios, publicou o Manual de Resistência dos
Materiais, edição essa das mais divulgadas e merecedora de elogios por parte
253
daqueles que dele se utilizavam, como o Coronel Augusto Ximeno de Villeroy,
Eng. Chefe da Comissão de Defesa de Santos, que, em 18 de fevereiro de 1907,
enviou a Paula Souza a seguinte carta:
Tomo a liberdade de oferecer á Escola que com tanta proficiência dirije V.Ex.
uma fotografia do viaduto Marechal Deodoro, como prova de gradidão pelos serviços que
devo ao Gabinete de resistência dos materiais d’esse estabelecimento modelo; efetivamente,
para estabelecer o projeto d’essa obra, servi-me dos coeficientes indicados no “Manual”
publicado por um grupo de vossos discípulos.
101
Entretanto, esse mesmo manual gerou um primeiro atrito entre a Politécnica
e o Eng. Carlos Euler, da Estrada de Ferro Central do Brasil. A publicação do
Manual estava mais diretamente ligada à construção civil, mas os materiais
analisados poderiam ser usados nas mais diversas obras, como, por exemplo, nas
obras de arte das estradas de ferro, e o foram. O Instituto de Engenharia do Rio
de Janeiro publicou em sua revista o parecer do Eng. Carlos Eurler, descordando
dos resultados obtidos nas experiências descritas no Manual, por não
corresponderem aos resultados dos ensaios realizados nos laboratórios da
Estrada de Ferro Central do Brasil.
Em seção no anfiteatro da Escola, ainda em 1905, Hyppolito Gustavo Pujol
Jr., que sob a orientação do professor Wilhelm Fischer fora o principal autor do
Manual, e agora um recém-contratado, contestou tais afirmações, e demonstrou
como estavam equivocados os resultados do engenheiro carioca, inclusive do
ponto de vista conceitual da estrutura da matéria. A querela se estende pelos
periódicos com cartas de explicações dos dois lados, sempre cada um
defendendo a sua metodologia.
102
As companhias ferroviárias nas primeiras décadas do século XX utilizaram-
se dos laboratórios da Escola, enviando-lhe pedido de análises das mais diversas,
como água, óleos ou ensaios de madeiras, como para André Rebouças,
101
EPUSP/APFI/L-51, p. 136 e 142.
254
engenheiro chefe da Estrada de Ferro Oeste de Minas. Mas durante esse tempo,
buscaram um estreitamento desse relacionamento. Parece-nos que neste
momento esta consolidada para as companhias ferroviárias a qualidade das
análises efetuadas na Escola Politécnica. Era chegada a hora de negociar um
melhor preço para a prestação desse serviço e melhorar os canais de contato
entre essas instituições.
103
Em 24 de novembro de 1913, Ramos de Azevedo então no exercício da
diretoria, como o fez várias vezes substituindo Paula Sousa, recebeu a seguinte
proposta da Companhia Sorocabana:
Desejando esta Administração confiar ao laboratório da Escola que V. Exa.
Proficientemente dirige os exames e experiências que indiquem a resistência dos materiaes
não desta Companhia como de todas as outras pertencentes ao grupo da Brazil Railway
Company; mas parecendo-nos um tanto elevada a tabella normal desse scientifico
estabelecimento, permittimo-nos a liberdade de vir á presença de V. Exa. Solicitar-lhe os
bons officios no sentido de nos ser, para trabalhos taes concedido um abatimento sobre os
respectivos preços.
Essas experiências, até aqui, têm sido feitas no extrangeiro, o que nos não parece
curial, possuindo São Paulo, como possue, uma escola polytechinica na altura não do
desenvolvimento intellectual paulista, senão também na do de qualquer outro paiz
scientificamente desenvolvido e cultivado.
Não se trata de uma nem duas experiências, mais de quantas sejam mister
idefinidamente para as emprezas de que fizemos menção.
104
Certo é que, nos anos seguintes, a Sorocabana e as demais Companhias
utilizaram com mais regularidade os laboratórios da Escola, numa negociação de
interesse para ambas, como atesta a resposta do diretor da Companhia
Sorocabana, em janeiro de 1914. Informava Ramos de Azevedo que a mesma
102
PUJOL JR., H. G. O Manual de Resistência dos Materiaes. Revista Politécnica, n° 12, p. 322-
329.
103
EPUSP/APFI/L-76, p. 73.
104
EPUSP/APFI/Cx. 49.
255
tinha preferência a que as provas de resistência de materiais dessa Companhia
fossem feitas pela Escola Politécnica, mas que precisaria consultar a diretoria em
Paris. Isto é, a própria Escola buscava essa negociação com as companhias, mas
o inverso também era recíproco.
105
A questão dos preços cobrados pelos laboratórios da Escola era um ponto
de negociação não somente com as ferrovias. Um ano antes Paula Sousa, teve de
se explicar ao Secretário do Interior sobre o custo das análises no Laboratório de
Química Analítica, pelo fato de a Secretaria receber reclamações de o mesmo ser
abusivo. Em sua resposta, Paula Sousa afirmou tratar-se de preços módicos pelo
tipo de serviço oferecido.
106
Consolidada a parceria, a Escola efetuou continuamente em seus
laboratórios análises para as companhias ferroviárias. Assim, o Dr. Francisco de
Monlevade, da Paulista, acusou o recebimento da análise do minério de ferro; a
Companhia Mogiana agradeceu o envio do resultado da análise da água; a São
Paulo Railway solicitou os serviços do Gabinete de Resistência dos Materiais para
medir a força exercida pelas tenazes nos breques da Serra; a Brazil Railway
Company solicitou análise de água e óleo; a Companhia Paulista foi informada do
resultado da análise de água que essa companhia pretendia utilizar para o
abastecimento das caldeiras das locomotivas.
107
Depois de atender tantos pedidos de análises, em setembro de 1916, a
Companhia Paulista informou:
Attendendo as inúmeras gentilezas que á essa Companhia a Escola é devedora, a
Directoria resolveu nada cobrar pelas analyses feitas. Os laboratórios desta Escola estão
sempre promptos a proceder a qualquer analyse pedida pela Companhia Paulista.
108
105
Ibidem.
106
EPUSP/APFI/L-71, p. 96.
107
EPUSP/APFI/Cx. 21; Cx. 48; Cx. 52; Cx. 53; L-99, p. 3;
108
EPUSP/APFI/L-82, p. 8.
256
O mesmo ocorreu em novembro de 1921, quando enviou o resultado da
análise das pedras para lastro em alvenaria à Estrada de Ferro Araraquara e
informou que a mesma nada devia pagar pelo serviço.
109
Entramos na década de vinte com os laboratórios da Escola se refazendo
da interrupção na importação de materiais devido a Primeira Grande Guerra.
Quando, em julho de 1918, a Brazil Railway Company solicitou análises de água e
óleo, a Escola respondeu:
... quanto a analise de óleo é necessário saber o que se pretende examinar, pois que
actualmente, dadas as difficuldades de compras no estrangeiro, não temos installação
inteiramente adquada para uma analyse rigorosa e completa de óleos.
110
Assim, a falta de equipamentos ou de reagentes, por vezes, dificultava os
trabalhos nos laboratórios de materiais, de química ou de física. Ao mesmo tempo,
a solicitação de novos tipos de análises era crescente por parte das companhias
ferroviárias, como do ácido sulfúrico, de elementos químicos da água ou provas de
resistência em determinados metais. A Escola se esforçava para dar respostas do
tipo “o laboratório de Física Industrial da Escola pode efetuar as análises
solicitadas”, entretanto, pelas suas limitações, nem sempre isso era possível.
111
Durante esse tempo, uma das preocupações da Escola foi quanto à clareza
na emissão dos resultados das análises, na preocupação de sua boa interpretação
e na garantia do uso para a finalidade solicitada. Em julho de 1926, quando o
Gabinete de Resistência de Materiais encaminhou ao diretor da Estrada de Ferro
Campos do Jordão, João Lindenberg Jr., o resultado do ensaio em quatro corpos
de prova em ferro, a ser ainda completado com o ensaio em cabos de cobre e um
exame microscópico no material, foi explicitado que:
Como o Ensaio foi executado segundo dos methodos suissos, junto enviamos-vos a
copia de um trecho do caderno suisso de especificações, relativo as construções metallicas,
109
EPUSP/APFI/L-98, p. 128 e 141.
110
EPUSP/APFI/L-88, p. 117.
111
EPUSP/APFI/L-102, p. 38, 41 e 53; L-106, p. 69 e L-108, p. 30.
257
para vosso uso no julgamento do material que foi ensaiado, no caso de não terdes á mão o
citado caderno.
112
Como explicitado no capítulo anterior, nesse período estavam
encaminhadas, entre a Escola Politécnica e a Secretaria do Interior, as
negociações para a transformação de alguns de seus laboratórios acadêmicos em
laboratórios de efetiva prestação de serviços ao público externo, necessitando
para isso de profundas modificações, inclusive no regime de trabalho de alguns
funcionários, e de recursos para a compra de novos equipamentos de modo a
poder oferecer novos serviços.
O contato com as companhias ferroviárias foi feito inicialmente com a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro. O diretor Ramos de Azevedo, por
intermédio de seu presidente o Dr. J. F. Ulhôa Cintra, interpelou-a por intenção de
montar um gabinete para ensaio e experimentação de materiais, cujo objetivo era
analisar os materiais da construção civil e, sobretudo, verificar a qualidade do
material importado. Entretanto, o diretor informou que os Gabinetes de Resistência
e de Química da Escola estavam em condições de prestar tais serviços e propôs
se não seria o caso de dispor, a Estrada de Ferro Paulista, dos referidos gabinetes
mediante uma contribuição conveniente.
Consulto previamente ao distincto collega nesse sentido, e caso mereça apoio a
minha proposta, tornal-a-ei official não junto a Estrada de Ferro Paulista, como junto a
todas as outras de nosso Estado.
E desse modo com contribuições relativamente módicas das diversas companhias
poderão os nossos gabinetes tomar desenvolvimento compatível com os seus destinos,
prestando ao mesmo tempo os serviços que a Companhia Paulista pretende com a montagem
de um gabinete especial para taes fins.
113
112
EPUSP/APFI/L-112, p. 45.
113
EPUSP/APFI/L-111, p. 84.
258
Tais negociações avançaram e, no mês seguinte, houve solicitação formal
do Inspetor Geral da Companhia Paulista de Estrada de Ferro ao Diretor Ramos
de Azevedo, informando que como a mesma estava pensando em montar um
laboratório para ensaios de experimentos de materiais, para fazê-lo diariamente
com materiais de fabricação corrente nas suas oficinas, dispensando assim o uso
de materiais importados. Por ser objetivo desse laboratório a busca da exatidão e
o rigor no desenvolvimento dos trabalhos da Companhia, informava que a mesma
estaria disposta a contribuir com a manutenção de um Gabinete para ensaios de
materiais na própria Escola:
Todavia, indo ao encontro dos desejos manifestados por V. Excia., pensamos que
a Paulista poderá contribuir, para effeito de ampliar as installações dos Gabinetes de
Resistência e Chimica dessa Escola, augmentando assim o seu campo de secção, e podendo
esta Companhia utilizar-se do referido gabinete e de seus trabalhos scientificos, no estudo
de seus problemas e de seus materiaes, sem prejuízo de, em tempo opportuno e se for isso de
utilidade, montar um gabinete para seu uso quotidiano.
114
Nascia então a parceira pela qual as companhias ferroviárias se
comprometiam em doar uma delimitada quantia para a montagem do Laboratório
de Ensaios de Material LEM da Escola Politécnica. Foram elas a Companhia
Paulista com duzentos contos de reis, a Companhia Mogiana com cem contos de
réis, e a Companhia Sorocabana com cem contos de réis. Essas foram apenas
contribuições iniciais, pois elas, diferenciadas entre as companhias continuaram
em doações ora mensais ora semestrais que eram regularmente cobradas pela
Escola Politécnica. Seu destino inicial era para a compra de equipamentos
importados necessários para a montagem do mesmo, orçados no valor de
300:000$000 que seriam obtidos unicamente com essas “generosas doações”.
Com o passar dos anos, a Escola enviaria ofício solicitando contribuições da o
114
EPUSP/APFI/L-112, p. 49.
259
Paulo Railway e da Estrada de Ferro Araraquara, que também contribuiria com o
Laboratório de Ensaio de Materiais.
115
Entre 1926 e 1929, desenvolveram-se as obras de estruturação do
Laboratório de Ensaio de Materiais que implicou inclusive na demolição do
primeiro edifício a abrigar as dependências da Escola, o Solar do Marquês de Três
Rios, para a construção de um novo edifício que abrigaria o novo laboratório.
116
Nesse período, seguia normalmente o pedido de análises por parte das
companhias ferroviárias, as que não como a Estrada de Ferro Campos do Jordão
e a Estrada de Ferro Noroeste de Brasil, e para aquelas que eram contribuidoras,
a Escola informava que:
... fará sempre, com muito prazer, as analuses solicitadas pela Companhia Paulista,
sem cobrar taxa alguma, visto como essa Estrada contribue generosamente para a
installação do Laboratório de Resistência e Ensaios desta Escola.
117
Informava ao Dr. Gaspar Ricardo:
115
EPUSP/APFI/L-115, p. 20-21; L-118, p. 13; e L-120, p. 29-31.
Nos anos seguintes, foram comuns correspondências da Escola encaminhadas às companhias
ferroviárias com o seguinte teor: agradecer a Companhia Mogiana a contribuição de cem réis para
auxiliar na aquisição de aparelhagem para o Laboratório de Ensaio de Materiais - LEM; agradece a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro a contribuição de duzentos contos de réis para auxiliar
na aquisição de aparelhagem para o LEM; informar a Companhia Mogiana que Rodolpho Baptista
de S. Thiago ficara encarregado de receber os vinte e cinco contos de réis da subvenção dessa
companhia ao LEM, sendo essa a primeira prestação; informar a Companhia Paulista que
Rodolpho Baptista de S. Thiago ficara encarregado de receber os cinquenta contos de is da
subvenção dessa companhia ao LEM, sendo essa a primeira prestação; agradecimento de Ramos
de Azevedo a Sorocabana pelos cem contos de is com que vem ajudando ao LEM; questionar a
Companhia Mogiana quando um funcionário da Escola poderia ir receber a terceira parcela da
contribuição para o LEM, correspondente ao segundo semestre de 1928; informar que a segunda
prestação foi recebida em março daquele ano, no valor de vinte e cinco contos de réis; apresentar
o Dr. Luiz Adolpho Wanderley para receber a terceira prestação do donativo da Companhia
Mogiana; agradecer a Mogiana pelo pagamento da terceira prestação; agradecer a Companhia
Paulista pelo pagamento da terceira prestação. EPUSP/APFI/L-115, p. 4, 20, 21, 30, 59, 60; L-116,
p. 18; L-118, p. 86, 100, 113, 114.
na década de 30, evidencia-se uma contribuição mais efetiva da Estrada de Ferro Araraquara e
da São Paulo Railway. EPUSP/APFI/L-126, p. 13, 14 e 129; L-128, p. 23, 36, 37 e 66; L-129, p. 52,
82 e 123; L-130, p. 9, 48, 91 e 146; L-133, p. 7; e L-134, p. 66 e 83.
116
EPUSP/APFI/L-119, p. 35 e 36; L-116, p. 127; L-117, p. 139; L-118, p. 10 e 11; L-112, p. 103 e
104; e L-114, p. 118.
117
EPUSP/APFI/L-118, p. 38.
260
... que, tendo em consideração ao grande auxilio prestado pela Estrada de Ferro
Sorocabana ao laboratório de ensaios dos materiaes, as analyses pedidas por ella não serão
cobradas.
118
No primeiro semestre de 1929, teve fim a última parcela dos donativos das
companhias ferroviárias para a constituição do Laboratório de Ensaio de Materiais,
para as quais todas foram convidadas à inauguração em 3 de dezembro de
1929.
119
A realização de análises para as companhias ferroviárias seguia
normalmente, e havia inclusive surpresas por parte da diretoria devido ao
inesperado aumento do movimento, quando, por exemplo, a atividade na secção
de aglomerados chegou a ser inteiramente absorvida pela execução dos ensaios
para particulares.
120
As contribuições das companhias ferroviárias serviram não apenas para
equipar o LEM, mas também para enviar em comissão o seu diretor Eng. Ary
Frederico Torres para uma viagem técnica, quando se aperfeiçoou na área de
dosagem de concretos e ficou encarregado da compra das máquinas necessárias
à completa montagem do laboratório. Subsidiou a vinda do professor francês
Auguste Chevalier para ministrar em São Paulo um curso sobre métodos
científicos de classificação de madeiras comerciais, e para a contratação, em
Zurique, de um técnico Suíço especialista em metais para vir prestar seus serviços
no LEM.
121
Desde o início da década de 20, quando a Sorocabana Railway Company
passou para a propriedade do Estado de São Paulo propiciando assim um contato
mais estreito com a Escola Politécnica, e a Escola não prestou mais análises a
nenhuma outra companhia. Com a estruturação do Laboratório de Ensaio de
118
EPUSP/APFI/L-118, p. 102.
119
EPUSP/APFI/L-120, p. 50-54.
Em maio de 1929, a Escola cobrou da São Paulo Railway a importância de cinco contos de reis
referente à cota anual para o LEM, e posteriormente acusou o recebimento do valor; agradeceu a
Mogiana o envio da quarta e última parcela do donativo para o LEM no valor de vinte e cinco
contos de réis; e agradeceu a Companhia Paulista o envio da quarta e última parcela do donativo
para o LEM no valor de cinquenta contos de réis. EPUSP/APFI/L-119, p. 113, 120-122.
120
EPUSP/APFI/Cx. 42.
261
Materiais pode-se observar nos serviços oferecidos a essa Companhia o aumento
no leque das análises oferecidas. A partir de então, a Escola divulgou que seus
laboratórios eram capazes de oferecer qualquer análise de água, e em ligas
metálicas, aços de trilhos, carvão mineral, bronze, rochas.
122
Na análise aqui desenvolvida, fundamentou-se como foi significativa a
participação das companhias ferroviárias na estruturação do Laboratório de
Ensaio de Material. Entretanto, esse período era o da transição entre o modelo
de transporte ferroviário adotado pelo governo brasileiro, desde a segunda metade
do culo XIX, para o modelo do transporte rodoviário, cujo grande incentivador,
nas várias administrações, foi Washington Luis. No transcorrer do tempo, o
Laboratório de Ensaio de Materiais e seu herdeiro o Instituo de Pesquisas
Tecnológicas orientaram-se bem mais para o desenvolvimento de pesquisas
ligadas à construção das rodovias nacionais do que propriamente para o
aprimoramento da nossa malha ferroviária, que dava sinais de decadência. Um
dos indicativos desse dado é que, na relação das publicações efetuadas quer pelo
Laboratório de Ensaios de Material como pelo Instituto de Pesquisas
Tecnológicas, não temáticas especificas as estradas de ferro, e sim voltadas
para materiais de construção, como o concreto, usado nas rodovias.
123
As doações das Companhias Ferroviárias, iniciadas em 1926 a título de
contribuição para a formação do Laboratório de Ensaio de Material,
121
EPUSP/APFI/Cx. 56. No capítulo anterior é discutida a vinda do Prof. Auguste Chevalier.
122
EPUSP/APFI/L-119, p. 136; L-120, p. 139; L-122, p. 42, 100, 116, 130 e 149; L-124, p. 37, 59,
116, 125, 127, 128, 139, 148 e 149; L-125, p. 17, 74 e 81; L-126, p. 13, 14, 18, 35 e 100; L-128, p.
31 e 33; L-129, p. 24, 107, 126 e 132; e L-132, p. 118.
123
Encontramos no acervo do Museu Paulista, em Itu, um projeto financiado pela FAPESP, tendo
como bolsista Tereza Cristina Reingruber, sob a orientação do Prof. Dr. José Sebastião Witter,
sobre uma análise da integração escola-comunidade no governo de Washington Luis (1926-1930),
fazendo um estudo de caso da Escola Politécnica da USP, na área de construção de estradas
visando indicar como é decisivo o papel das escolas de engenharia na produção científica e
tecnológica de um País, por estar formando pessoal apto para atuar nos vários contextos
sociopolítico e econômico da sociedade, e assim são formandos destas escolas profissionais que
atuam diretamente na sociedade, influenciando na manutenção ou transformação de sua estrutura,
ocupando cargos de direção político-econômico e administrativo. Em 15 de novembro de 1926,
tomou posse Washington Luís, e creditava-se que com seu governo encerrar-se-iam as lutas
partidárias, e se afastariam motivos de levantes e revoluções. Seu programa de governo fora
marcado por construção de rodovias e reforma financeira. Seu lema era “Governar é abrir
estradas”, sendo iniciadas as estradas rodoviárias entre Rio de Janeiro e o Paulo, e Rio de
262
transformaram-se em contribuição ordinária, chegando a contribuir também com o
Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Em julho de 1933, em um formulário
indicando o nome Instituto de Pesquisas Tecnológicas, há no indicativo de receitas
as contribuições da Araraquarense no valor de $ 3:000$000, da Sorocabana no
valor de $ 7:500$000, e da Inglesa com $ 5:000$000, enquanto a renda com a
realização de ensaios a terceiros era de apenas $ 3:977$000, evidenciando assim
o significado dessas contribuições para o funcionamento desse Instituto.
124
Janeiro/Petrópolis/Belo Horizonte. REINGRUBER, T. C. Análise da integração escola-comunidade
no governo de Washington Luís, 1926-1930.
124
EPUSP/APFI/Cx. 51. Durante o ano de 1934, o diretor da Escola enviou a Ary Torres, do IPT,
as faturas de pagamentos dos donativos que as companhias ferroviárias ainda enviavam para lá, e
em 1936, ainda havia registro de doações da São Paulo Railway para o IPT. EPUSP/APFI/L-136,
p. 38 e EPUSP/APFII/Cx. 91.
Conclusão
264
As diversas correntes historiográficas concordam que não seria possível, na
transição do século XIX para o século XX, um indivíduo passasse alguns dias em
São Paulo sem se dar conta de que essa era uma cidade em ebulição. Poderia
não saber que, algumas décadas antes, uma rubiácea adentrara seu território
vindo do Rio de Janeiro pelo Vale do Paraíba, poderia até desconhecer os lucros
dessa lavoura na economia local. No entanto, ao andar pelo Largo da
Misericórdia, ao passar pela rua S. Bento e atravessar o Viaduto do Chá, veria a
diversidade de construções sendo edificadas, as casas comerciais que se
multiplicavam a cada dia, o frenesi industrial das importações e das primeiras
produções industriais. Esse senhor que aqui passava talvez viesse a ficar, como o
fizeram inúmeros migrantes nacionais e estrangeiros, contribuindo ele também
para o contínuo aumento populacional registrado na capital do Estado durante as
primeiras décadas do século. As instituições bancárias, educacionais, culturais,
desportistas, e por que também não citar as políticas, multiplicavam-se
exponencialmente, evidenciando por vezes o caos urbano materializado nesse
espaço.
265
Neste cenário, ocorre a instalação, na cidade de São Paulo, em 1893 da
Escola Politécnica. Seu primeiro instituto estadual de ensino superior, surgia como
a possibilidade de proporcionar-lhe um maior desenvolvimento na área
tecnológica. No dizer de Cesário Motta Jr., seriam os futuros politécnicos os
responsáveis, até certo ponto, pelo seu progresso e desenvolvimento, e, imbuído
desse desejo, Paula Sousa conduziu essa instituição em seus primórdios.
1
No percurso histórico da Escola Politécnica aqui abordado, podemos
distinguir três momentos. O primeiro é quando se identifica o seu “viver na cidade”,
as vicissitudes da sua implantação, pensada dentro da política de governo do
Partido Republicano Progressista como um dos eixos para a construção da
modernidade paulistana. Neste projeto que incluía Escola Normal e Museu
Paulista, uma considerável soma de recursos do Estado foi despendida, vide sua
infra-estrutura e a montagem de seus gabinetes e laboratórios; aqui a Escola
tinha contas a pagar com a Cidade. Sua interface com o
comércio/indústria/serviços que a cidade oferecia era significativamente utilizada
para a estruturação da instituição, permitindo uma circulação de capital próprio,
pois em alguns casos houve um nicho de mercado muito específico, como a
importação de material técnico. Eles tinham que pagar pelos vidros colocados na
porta das salas de aulas
2
, pagar a Carlos Gerke & Comp. pela impressão do
anuário da Escola
3
, pagar o fornecimento do equipamento para o laboratório
4
.
Nestes anos, a Escola, antes de propor mudanças ou transformações para
a cidade, constituiu-se a si mesma, sendo seu diálogo com a cidade efetuado por
intermédio dos fornecedores locais, pelos importadores, pela construção de suas
1
Revista Politécnica, n
o
1, p. IV, 1905.
2
EPUSP/APFI/ L-35, p. 187.
3
EPUSP/APFI/ L-38, p. 203-204.
4
Em 1897 pedidos para os laboratórios de química: EPUSP/APFI/ L-33, p. 213, 221-223, 226, 227,
243, 261-271, 285-286. Solicitação de material para o laboratório de física: EPUSP/APFI/ L-33, p.
299 e 314. Em 1899 pedidos de material para os laboratórios de química, física e mineralogia:
EPUSP/APFI/ L-35, p. 19, 24, 34, 65, 71, 141, 152, 153, 160, 174, 191, 192, 193 (informa o
cancelamento de alguns itens solicitados devido ao aumento no preço do produto), 196, 199
(pedido ao serviço sanitário), 206, 231, 251, 271, 273, 275, 277, 280, 292, 294, 319, 326, 327, 355.
Para o laboratório de hidráulica, gabinete de topografia e geodésia e gabinete de mecânica
aplicada: EPUSP/APFI/ L-35, p. 72, 131, 137, 161, 172, 173 e 178. Aqui as indicações são quase
ad infinitum.
266
novas instalações, e edição de periódicos, dando-lhe mais visibilidade social. Dois
aspectos são cruciais para este momento: o da formação e captação de pessoas
interessadas neste projeto, ou seja, uma escola de ensino superior tecnológico em
São Paulo; e a distinção entre formadores e formandos, que é comum
denominar politécnicos, essas duas categorias tão distintas. Observar esse
momento permite uma melhor compreensão dessa problemática.
Pelos idos de 1911, com a edição do quinto regulamento, encontramos a
Escola num segundo momento no qual ela passou a “construir a cidade”, pois
se encontrava consolidado o projeto que lançou suas bases em 15 de fevereiro de
1894. Sua correlação com a cidade ressoa contundente em publicações como
Revista Politécnica e seus Anuários, sobretudo por ela se constituir em novo grupo
político que se auto-propõe interlocutor dos problemas da cidade, e principalmente
como grupo mais apto para resolver tais problemas, e não apenas a discorrer
sobre os mesmos. A consultoria solicitada pela Câmara Municipal de São Paulo
ao arquiteto francês Joseph Antoine Bouvard (que desde 1907 trabalhava para a
municipalidade de Buenos Aires) concretizou-se na entrega de seu relatório em 15
de maio de 1911, propondo um conjunto de remodelações que conduziriam aos
“melhoramentos” de o Paulo. Não passou inócuo ao ex-aluno politécnico e
agora professor Alexandre Albuquerque, que bradou contra a necessidade de se
solicitar o parecer de um engenheiro estrangeiro.
Nos anos que se seguintes, quando iniciaria os serviços para a sociedade
por meio dos seus laboratórios, a Escola buscou assim construir a cidade por meio
de um instrumental tecnológico e racional, não mais baseado apenas no
conhecimento empírico dos mestres-de-obras. Poder-se-ia dizer que, após o
período de implantação desse espaço da racionalidade, ela estava pronta para
sua expansão, para atuar significativamente nos espaços da construção da
cidade, expressa na implantação de novas tecnologias (cimento armado, concreto)
utilizadas na construção do projeto de Victor Dubugras na Estação Ferroviária
Mayrink, ou na Escola de Artífices de Amparo, na tração mecânica nas estradas
de rodagem ou na implantação do transformador eletrolítico em uma fábrica.
Assim, desde 1911, a Escola Politécnica havia formado 176 engenheiros, sendo:
267
129 engenheiros civis, 17 engenheiros arquitetos, 17 engenheiros industriais e 23
do extinto curso de engenheiros agrônomos.
5
rios desses atuariam fora de São
Paulo, e uma grande parte montaria, em sociedades, escritórios para prestação de
serviços de engenharia, atuando nas áreas das estradas de ferro e da construção
civil que representaram o foco do encaminhamento profissional dos formados pela
Escola Politécnica. Por isso, a luta pela regulamentação da profissão tornou-se
mais acirrada, era preciso garantir espaços de atuação profissional para esse
grupo crescente de formandos, e o Instituto de Engenharia foi fundado com os
auspícios da Politécnica.
Muitas vezes, olha-se para a história de uma instituição e pensa-se que
tudo foi fácil de ser conseguido, que simplesmente aconteceu por que seus
proponentes eram privilegiados. Mas, não é bem assim. A possibilidade de
pesquisar os Copiadores de Expediente da Escola Politécnica nos mostrou as
dificuldades enfrentadas para conseguir a implementação dos serviços essenciais
ao ensino, na busca de sucessivas reformas pleiteadas pela diretoria da Escola
para o Gabinete de Resistência dos Materiais e seus demais laboratórios. Mais
verbas junto aos cofres blicos eram sempre uma longa disputa, que levava a
implementações quase sempre aquém das solicitadas. Os gabinetes e
laboratórios eram os maiores consumidores das verbas da Escola, e não era para
menos. Neles realizava-se a prestação de serviço autóctone da Escola numa inter-
relação com a sociedade.
A lei estadual n
o
2.128, de 31 de dezembro de 1925, implantou para o ano
de 1926 o sétimo regulamento da Escola num período em que ela se colocava
como aquela que podia “mudar a cidade” por meio de seus profissionais. Esses
cada vez mais buscariam a regulamentação da profissão de engenheiros, pela
atuação destes na Secretaria de Viação e Obras Públicas da cidade, pelas
propostas de Francisco Prestes Maia e pela atuação do Laboratório de Ensaio de
Materiais.
5
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o ano de 1912, p. 41
268
No final da década de vinte, encontramos uma instituição preocupada antes
de tudo com a constituição de sujeitos sociais que têm projetos para a cidade,
para mudar a cidade, com propostas articuladas para a reestruturação viária da
cidade, para as estradas de ferro, para a questão energética e tantas outras
questões. Agora, a Escola Politécnica passa também com os seus laboratórios,
não mais só para fins didáticos, mas também voltados para a indústria e pesquisa,
a ter contas a receber devido a sua prestação de serviços a órgãos públicos e
empresas particulares, e os politécnicos não constroem, mas pensam a cidade
e os espaços geopolíticos onde eles se encontram. Assim, no transcorrer do
século XX, a engenharia nacional tentou firmar o seu papel econômico, a luta pela
regulamentação da profissão, a multiplicação de instituições formadoras e de
periódicos, nos quais, no decorrer das décadas de 40 e 50 foram cada vez mais
comum seções do tipo “Economia e Finanças” discutindo o uso e a implantação de
uma política nacional aço ou do petróleo ou a influência das taxas de juros na
exportação.
No período pesquisado, cerca de quarenta anos, a Escola Politécnica não
figurou mais sozinha na capital paulista como instituto de tecnologia. Em 29 de
novembro de 1934, a Prefeitura convida-a a participar de uma comissão:
... incumbida do julgamento do concurso aberto para apresentação de sugestões,
visando fixar as diretrizes para um projeto definitivo de ligação das duas colinas separadas
pelo vale do Anhangabaú, onde se hoje o Viaduto do Chá, tendo em vista a solução mais
conveniente à viação e estética local...
6
Entretanto, ao lado do representante da Escola Politécnica, teríamos o
engenheiro representante da Prefeitura, e aqueles indicados pela Escola de
Engenharia do Mackenzie College, pelo Instituto Paulista de Arquitetos e pelo
Instituto de Engenharia. Com o seu amadurecimento, esta mudança foi o que aqui
procuramos mostrar, durante a qual os caminhos com o surgimento de seus
pares, com quem dialogavam e estabeleciam correlações, surgiram espaços de
6
EPUSP/APFII/Cx. 2606.
269
conflitos e disputas no campo da engenharia paulista, com a mediação da
engenharia da Escola Politécnica.
A Escola Politécnica é a gênese em São Paulo da disputa tecnológica com
a implantação de uma linguagem tecnológica no Estado que se faz presente como
instrumento de mudança social. Em 1901, assim se referiu o Prof. Ataliba Valle, ao
caracterizar o entendimento daquele momento à concepção de ciência, para os
formandos daquele ano:
Na sciencia a vossa orientação é positiva: aprendestes que os conhecimentos
humanos se originaram da observação e se desenvolveram independentemente da indagação
das causas primarias. Conhecíeis a ordem, que á a disposição constate dos phenomenos e
sabeis que esta não está sujeita á intervenção de experimentador. Os phenomenos
reproduzem se d’um modo invariável no tempo e no espaço, dadas as mesmas
circunstancias.
7
Neste pequeno trecho, encontramos explicitada a concepção de ciência
propagada pela Escola Politécnica, mesmo que a discussão da
contemporaneidade afirme que ela não é correta, introduzindo na querela da
ciência a subjetividade do pesquisador. O enfoque inicial não deixa dúvida: A
ciência é Positiva, essa afirmação advém da concepção francesa do século XIX de
onde o positivismo elaborado por Auguste Comte muito se irradiou para o Brasil,
vide a existência no Rio de Janeiro do templo da igreja positiva, e sua influência
na política da República Velha. Mesmo que por vezes se afirme que a Escola
Politécnica de São Paulo se espelhava no ensino ministrado na Alemanha e
Suíça, onde estudou seu primeiro diretor, isto é um ensino de caráter prático, em
que o conhecimento se faz por meio da observação e da experimentação legados
do empirismo inglês do século XVIII, com ênfase no uso dos laboratórios. Esse
ideal era concomitante nos corredores do Solar do Marquês de Três Rios, a idéia
de ciência francesa pela qual o conhecimento advém da observação, sendo
7
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1901, p. 279.
270
irrelevante investigar suas causas primárias, pois essas em nada alteram o
processo científico, por sinal também não alterado pelo homem, o experimentador.
A construção política desse saber é sistematicamente apresentada nos
incontáveis discursos proferidos, e depois editados, nas sucessivas formaturas
dos engenheiros politécnicos, desde 1899. A ciência é como a deusa Minerva,
parte do povo, de sua história social, mas a história só se faz presente para relatar
o sucessivo desenvolvimento da ciência seguindo o modelo idealizado por Sarton,
neste mesmo movimento de progresso contínuo do mundo grego aos dias de
então.
A quem servia essa ciência positiva de “ordem”, à qual os políticos do
Partido Republicano Paulista entregavam a possibilidade do progresso? Podemos
afirmar que essa era uma incógnita tão bem constituída que, por mais que se
falasse e publicasse sobre o tema, e como vimos ao longo dessa pesquisa muitas
foram essas publicações, o destinatário do conhecimento científico parecia não
existir. A ciência era pura e perfeita, os fenômenos aconteceriam invariavelmente
no tempo e no espaço, dadas as mesmas circunstâncias. E aos politécnicos em
seus anos nesta casa, competia-lhes ter acesso a esse conhecimento sublime e
iluminado que desenvolveria o Estado de São Paulo, e o Brasil. Assim no discurso
do Prof. Ataliba Valle, é dito:
A elaboração scientifica não compreende, porém, em si os o destino social da
intelligencia; além da actividade, há o sentimetno que a impelle, esclarecendo-a e exaltando-
a.
Esse é o fim da Arte!
8
A arte teve seu apogeu na história da civilização, que, para Valle, se
identificou com a própria história do homem, nos tempos gregos de Homero e
Aristóteles. E agora a civilização viveria o apogeu do desenvolvimento da área
8
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1901, p. 280.
271
cientifica, pois ela, além do gozo moral, traria o aumento de felicidade, pelo
avanço correspondente no domínio da Indústria.
9
O desenvolvimento da indústria engloba as grandes funções da economia
social, ou seja, a produção, a transformação e a troca, constituindo-se numa das
principais manifestações da capacidade produtora do homem. O chamado mundo
moderno daquela época buscava seu sustentáculo neste regime industrial que
levaria, à sociedade, a paz e a felicidade o sonhadas no passado das artes e
das administrações humanas.
Se no início do século XX os vocábulos arte e ciência podiam ser vistos
como similares, o transcorrer dos anos desvaneceria essa concepção, e a ciência
caminharia para a técnica como linguagem, e a arte para expressão lúdica. Na
Revista Politécnica artigos identificados como artísticos aparecem apenas em
seus primeiros números, permanecendo na temporalidade os artigos sobre
tecnologia.
Além da discussão sobre a ciência, uma questão abordada ao se pesquisar
os átrios dessa instituição é a de qual orientação norteou a produção de seu
conhecimento e que interesses orientavam os seus currículos. Toda a profícua
relação mantida com a Escola Politécnica de Zurique deixa claro que é ela quem
conduziu mais precipuamente os rumos da Escola Politécnica de São Paulo, com
a vinda em 1903 de Wilhelm M. F. Fischer para a montagem do Gabinete de
Resistência dos Materiais; em 1929, de Adolpho Voelmy para trabalhar no
Laboratório de Ensaios de Materiais; de ser esse ponto de parada obrigatória para
os inúmeros formandos em prêmio de viagem a Europa, de Hippolyto Gustavo
Pujol Jr., em 1905, a Ary Frederico Torres, em 1924; dessa instituição, serem
oriundos professores de Alexandre Brodowki, em 1896, a Roberto Mange e Felix
Hegg, em 1913. Por tudo isso, podemos dizer que as raízes acadêmicas da
Escola Politécnica de São Paulo encontram-se nos átrios da Escola Politécnica de
Zurique, sabendo, entretanto, que outras tantas demais instituições, como a
9
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1901, p. 282.
272
Escola Politécnica de Paris, também permearam a formação dos politécnicos
paulistas.
Na distância temporal entre 1905 e 1926, encontramos nas pessoas de
Hippolyto Gustavo Pujol Jr e Ary Frederico Torres alguns paralelos de sujeitos
históricos em suas experiências sociais que identificam a trajetória histórica em
busca da modernidade da Escola Politécnica. Ambos são ex-alunos do curso de
engenharia civil, o mais significativo no período dessa pesquisa. Tendo sido
constituído no primeiro regulamento da Escola, perdurou, com sucessivas
reestruturações, ahoje, e foi o curso que mais alunos graduou, e produziu um
forte impacto social no desenvolvimento urbano paulista. H. G. Pujol Jr. foi
concludente da turma de 1905 e A. Torres de 1923, e ambos foram contemplados
com o prêmio de viagem ao exterior para aperfeiçoamento dos estudos por terem
completado o curso com distinção e louvor. Ambos se dirigiram à Europa para
estudar a instalação e a organização dos mais reputados laboratórios cnicos,
ambos fizeram estágio nos laboratórios da Escola Politécnica de Zurique, onde
Paula Sousa estudara, e em seu retorno propuseram, em um relatório, mudanças
e melhorias para o ensino técnico da Escola, e seus laboratórios, um no Gabinete
de Resistência dos Materiais e o outro no Laboratório de Ensaios de Materiais.
Ambos tornaram-se funcionários da Escola, num movimento que constantemente
ocorreu, pois a própria Escola passou a formar os seus profissionais nos mais
diversos setores, do secretário e bibliotecário ao docente.
Sim, ex-alunos da Escola assumiam nessa fase as funções administrativas
da mesma, não somente as regências de aulas. Alexandre Albuquerque,
engenheiro civil da turma de 1905 foi por décadas o bibliotecário da Escola.
Docentes assumiam a secretaria, como o Prof. Carlos Gomes de Souza
Schalders, funcionário da Escola por 32 anos; em 1931, em memorando a Ataliba
Baptista de Oliveira Valle, justificou que não era possível acumular os cargos de
professor e secretário da Escola, e pediu sua saída da secretaria.
10
Poucos meses
depois, tomou posse como diretor, atuando entre 1931 e 1933, sendo ele o diretor
10
EPUSP/APFI/L-129, p. 5 e 6.
273
durante a Revolução de 1932, durante a qual a Escola assumiu responsabilidade
pela divisão de artilharia.
Nos dias de hoje, não podemos mais querer definir o norteamento dado à
produção acadêmica da Escola como unidirecional, aos boulevards da aristocracia
ou as habitações operárias. Sabemos que, desde suas origens, foi criada para
atender as exigências da elite paulista enriquecida com os lucros do café, mas
seria no mínimo ingenuidade afirmar a unicidade deste grupo na condução da
atuação profissional do engenheiro politécnico paulista. Ele atende, sim, aos
interesses daqueles que pagam pelos seus relatórios, mas sua voz também se faz
ouvir nos outros segmentos, na periferia remediada que busca junto aos
engenheiros da prefeitura, na sua grande maioria politécnicos, saneamento
básico, calçamento, instruções de construções. O serviço da engenharia é por
vezes para a coletividade social, e por isso mesmo é um poderoso instrumento de
reforma social, pois planejar a cidade é tanto planejar o seu espaço geográfico,
quanto planejar a sociedade. Esse planejamento é conflituoso, como as propostas
de reformulação urbana de 1912, e os politécnicos são partícipes da construção
de um padrão estético na composição do modelo urbano.
A percepção do espaço geográfico é múltipla em cada momento histórico, e
a visibilidade de uma percepção em momentos distintos é maior ainda. Assim, em
2006, a USP fará o primeiro vestibular para o curso de Engenharia Ambiental. Em
1911, o engenheiro Edmundo Navarro de Andrade em artigo publicado na Revista
Politécnica afirmava que no Estado de São Paulo não havia “devastação de
florestas” e, sim,
     
. Encerra seu
artigo afirmando que, com os benefícios das derrubadas que deveriam ocorrer em
maior número no futuro, São Paulo marchava à frente de todos os outros Estados
da Federação, e esse desmatamento serviria de orgulho para todos os brasileiros,
afinal a natureza paulistana era alterada, em nome deste progresso. É provável
que o curso de engenharia ambiental desse início de século XXI não concorde
274
muito com o posicionamento publicado na Revista Politécnica de um século
atrás.
11
Ao longo do tempo, a Politécnica formou inúmeros alunos. A observação
dos dados da tabela “Total de formandos da Escola Politécnica da sua criação até
1934” evidencia de imediato uma percepção que se construiu ao longo do culo
XX, o da supremacia do curso de engenharia civil na Escola. Este curso se
mantém desde o primeiro regulamento da Escola até os dias de hoje. A
engenharia civil, denominação conferida no século XIX àqueles que faziam o
curso de engenharia, mas não eram militares, é considerada a mais antiga das
engenharias estando ligada às áreas de construção e saneamento. Por isso
mesmo era tão premente para o desenvolvimento de um lugar no limiar do século
XIX, quando no Brasil existia apenas o curso de engenharia na Real Academia
militar, formando, portanto, os engenheiros para atuar em ações ligadas a dos
militares. Da engenharia civil, surgiram as principais áreas de atuação dos
engenheiros politécnicos, levando-os a encabeçar em São Paulo uma, na
realidade várias, campanhas na busca do reconhecimento legal dessa profissão
que não possuía jurisdição que lhe acautela-se. Circunstâncias políticas nacionais
fizeram com que representantes da Escola não estivessem no centro do grupo
deliberativo que levou a termo a edição da primeira lei nacional em prol da
regulamentação da profissão.
No campo da engenharia nacional, Milton Vargas considera a construção
do Porto de Santos como a primeira grande obra blica concedida pelo governo
a uma empresa privada nacional, a Companhia de Melhoramentos do Porto de
Santos, e a primeira grande obra republicana, realizada em sua maior parte pelos
governos paulistas. A obra teve início no final do século XIX tendo como
responsável técnico o engenheiro civil Guilherme Benjamim Weinschenk, que
recrutava para a obra os engenheiros formados na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro. No entanto, seu filho, e substituto em 1919, Oscar Weinschenk
engenheiro civil formado pela Escola Politécnica de São Paulo, mudou esse
11
ANDRADE, E. N. de. A pseudo devastação das nossas florestas. Revista de Engenharia, vol. I,
1, p.72.
275
quadro, passando a dar preferência aos politécnicos paulistas. A atuação dos
politécnicos, como descrita nesses quatro capítulos, foi um processo de
assimilação no mercado de trabalho, num reconhecimento gradativo dos
profissionais lá formados.
12
Se a construção do Porto de Santos se efetivou, o mesmo não se pode
dizer de tantas outras propostas dos politécnicos para a capital. Ler os materiais
impressos sobre São Paulo no início do século passado, especificamente aqueles
ligado à área das engenharias, nos leva a questionar o que foi feito com tudo o
que eles propuseram, explicaram, justificaram para essa cidade. Quantas
propostas foram feitas para a canalização do Rio Tietê, e não chegaram a ser
executadas, quantos estudos sobre o calçamento da cidade, sempre problemático
para a população, que nunca saíram do papel, quantos concursos foram feitos
para obras no Paço Municipal, na Avenida S. João ou no Vale do Anhangabaú,
sem que seus vencedores, nunca tenham contemplado sua obra na materialidade
do espaço.
Tantos descaminhos levavam os engenheiros a afirmar com melancolia
no término de suas propostas:
Esboçados estes leves e despretenciosos reparos, façamos votos pelo feliz êxito
final, que é o que mais interessa, após tanta tentativa infructífera: que a capital Paulista
acabe enfim por ver iniciadas as obras...
13
Essas linhas foram publicadas em 1922 quando o surto de desenvolvimento
apregoado desde 1870 estava estabelecido, a capital atingira seu primeiro
milhão de habitantes e os lucros com o café haviam sido colhidos. Todavia,
essas reticências finais poderiam ser preenchidas com as mais diversas obras de
que carecia a metrópole do Brasil, e não apenas com o Paço Municipal ao qual o
texto de fato fazia alusão.
12
VARGAS, M. História da técnica e da tecnologia no Brasil, p. 190.
13
O Paço Municipal – Concorrência para Projectos. Boletim do Instituto de Engenharia. São Paulo,
p. 140.
276
Diante dessa documentação, tem-se de admitir que os engenheiros
politécnicos estudaram, pesquisaram e propuseram soluções que possibilitassem
o desenvolvimento de uma São Paulo mais humana, isto é, um lugar onde o
homem pudesse viver, onde quem aqui morasse encontrasse boas condições de
habitação, salubridade na água e energia suficiente tornando do seu viver
minimamente probo.
Operacionalizar o discurso técnico na interface entre engenheiros e
administradores públicos para a construção da cidade é uma tarefa árdua, dura e
penosa, entretanto necessária na construção da modernidade urbana. Entre
outros, um politécnico que vivenciou essa dificuldade foi Victor da Silva Freire que
expôs as incoerências no contrato do Governo do Estado com a Light, no período
de 1901 a 1941, e sem resultados, com outros politécnicos como Catulo Branco,
orquestrava um coro contra o “polvo canadense”.
Após nos depararmos com inúmeros discursos de formatura, seja dos
formandos ou dos paraninfos, depois de lermos páginas e ginas de colocações
de engenheiros politécnicos paulistas, várias o as possibilidades que se abrem
para pesquisas futuras. Uma delas é a rivalidade dos engenheiros com médicos e
advogados. Se numa literatura sedimentada esses grupos sociais são vistos como
pares, a fala dos engenheiros não corrobora com essa afirmação. Os engenheiros
formam sua estruturação de classe num embate contínuo com médicos e
advogados, esses vistos no passado colonial e imperial, mas também no presente
republicano, como os dirigentes do País, e os engenheiros estão sempre a bradar
contra esse viés bacharelesco da política nacional. Poder entender os meandros
dessa rivalidade é um percurso para melhor compreender essas classes
profissionais na constituição histórica do País.
Uma característica observada neste estudo é a de que os politécnicos
viveram uma dicotomia. Quando observados por terceiros, eram denominados
como parte da elite do País, afinal eram portadores de um diploma de curso
superior, mas, no contexto das classes intelectuais brasileiras, eram por vezes
tratados como uma elite de “segunda categoria”, que sua atuação estava ligada
277
a obras físicas, o que por vezes desqualificado pelas intelectuais do País. Isso,
que transpareceu na mobilização dos engenheiros em prol da sua profissão, foi
algo não circunscrito ao período dessa pesquisa, mas certamente chega aos
nossos dias. Como de certo modo ocorre com todas as profissões, mesmo com as
mais estabelecidas, elas estão sempre de alguma maneira tentando garantir os
seus espaços de atuação. Na década de 60, ocorreu uma forte campanha
encampada pelo Clube de Engenharia intitulada “Em defesa da engenharia
Brasileira”, cujo alvo era o Governo Federal que, além de não ter uma política
tecnológica para orientar o desenvolvimento do País, ainda permitia a maciça
entrada de firmas não com capital estrangeiro, mas que também dava
preferência para a mão-de-obra não autóctone, vista como uma das principais
causas do desemprego entre os engenheiros locais.
14
Aqui, uma discussão que se coloca é a que categoria pertence os
engenheiros, são homens da inteligência ou homens da ação? Escolher qualquer
um dos lados implica ganhos e perdas. Como representação própria, os
politécnicos desejavam reunir em si as duas características: ser intelectuais,
propositores das explicações sobre a realidade, e concomitantemente dar
explicações sobre como as máquinas funcionam, quais os parâmetros para
designar a eficiências dos equipamentos... Sim, intelectuais da ação, do objeto. Ao
longo do tempo, o politécnico seria identificado pela sociedade como esse o
homem da ação; entretanto, não caberia a ele o louro do intelectual, do homem da
cultura. Essa pesquisa deu voz aos politécnicos, com os seus discursos, com as
suas falas, como no item sobre o Laboratório de Ensaio de Materiais,
evidenciando que é equivocado pensar que eles só falavam e pensavam na
ciência como um reduto hermético. São políticos e pensam politicamente o País
nas suas ações. A ciência e o conhecimento tecnológico são fatores diferenciais
no desenvolvimento social.
Nesta pesquisa, teve destaque a Revista Politécnica, que manteve até o
137, de janeiro/fevereiro de 1941, o subtítulo de “Órgão do Grêmio Politécnico”, de
14
Uma leitura mais aprofundada sobre esse movimento pode ser encontrada em: ROTSTEIN, J.
Em defesa da engenharia brasileira.
278
quem era divulgador de suas ações e por quem era mantido, sendo responsável
pela elaboração, redação e distribuição da Revista, gratuita para assinantes em
diversos períodos. A partir daquela data a referência ao Grêmio Politécnico
passou a ser encontrada apenas no interior da Revista em seu expediente. No
198, de novembro de 1987, se introduz o subtítulo “A mais antiga revista brasileira
de engenharia”, e com o 203, de outubro/dezembro de 1991, o subtítulo passa
a ser “Editada pela Escola Politécnica”. Essas nuanças no tempo concretizam a
percepção que tivemos ao analisá-la desde seus primeiros números: a de que ela
não era somente o “Órgão Oficial do Grêmio Politécnico”, mas, sim, o instrumento
de difusão da idéias da Instituição como um todo, principalmente de seu quadro
docente, autores da imensa maioria dos artigos. Mais do que no Anuário da
Escola, é nas páginas da Revista Politécnica que se encontram o norteamento e
os interesses dos dirigentes da Escola para com a cidade, a questão energética e
do abastecimento, por exemplo, e os diversos assuntos que apontavam para o
futuro tecnológico a ser desenvolvido para a capital. É pela revista que os
professores dialogam com seus pares de outros Estados, dizem aos dirigentes
políticos seus pareceres sobre a questão urbana, no seu aspecto técnico e
também socio-político, que o viés técnico a ser dado às questões favoreceria
um ou outro grupo social, a um ou a outro grupo político que se beneficiariam com
os mesmo.
Ao se afirmar que a Escola Politécnica influenciou o desenvolvimento
paulistano, têm-se presentes às páginas das várias revistas de engenharia nas
quais o fazer ciência se une às necessidades da cidade. Essas revistas,
principalmente a Revista Politécnica, são perpassadas por assuntos que alguns
historiadores julgam como estérios, como hipocloritos na esterilização d’água,
questões de álgebra superior, teorema de números consecutivos, muros de arrimo
ou cálculos dos cabos aéreos de transporte. Na realidade, esses estudos
representam o trabalho de formiguinha dos engenheiros que de fato altera o tecido
urbano e a forma de circulação na cidade. Poucas coisas são tão coletivas como o
espaço urbano e a aplicabilidade das tecnologias.
279
Os assuntos abordados nas páginas das revistas de engenharia são,
mesmo que para um leitor desavisado não pareça, todos de aplicabilidade social,
como o estudo sobre os índices pluviométricos do Estado, as estradas de ferro e
suas cabines de sinalização, a urbanização com o calçamento, ou a indústria
têxtil. Aquilo que se estudava estava concatenado com a visão de progresso, a
qual alguns membros da elite impulsionavam por acreditarem representar o futuro
para o qual a cidade caminhava. Buscava-se assim a tecnologia, entendida como
uma atividade humana com o objetivo de resolver problemas técnicos por meio de
métodos, processos e resultados da ciência. A Escola se fez como construtora
efetiva, com seus laboratórios, de novas possibilidades econômicas à cidade. Os
átrios da Escola eram uma via de mão dupla por onde entravam os problemas
sociais que tinham necessidade dos saberes científicos para serem solucionados,
e de saíam, por meio de artefatos tecnológicos, mudanças para a cidade e sua
população.
A principal problemática abordada pelo ensino da Escola Politécnica é a
sociedade na qual ela está inserida, para onde os dirigentes responsáveis por sua
conduta, que podem não ser propriamente o seu diretor e a Congregação,
orientam, norteiam e propõem sua estrutura curricular, por meio das reformas em
seu regulamento. Na proposição desse ensino está presente a trilogia passado,
presente e futuro, pois a estrutura de seus conhecimentos tem raízes no passado.
No entanto, se no presente essa Escola não souber orientar, perceber e
identificar os rumos a serem dados nas suas reformas educacionais, como as
mudanças de paradigmas necessárias à produção do conhecimento ou a
vanguarda metodológica implícita a divulgação do conhecimento, esta
determinada a ser formadora de mão-de-obra, mas não transformadora do
processo histórico do futuro do País, que por mais distante que pareça, se constrói
no presente próximo.
Ao intitular o terceiro capítulo de “Uma cidade com gabinetes e
laboratórios”, iniciamos discorrendo sobre a cidade de o Paulo com seus
inúmeros contrastes foi devido a percepção de que a formulação de uma proposta
280
e a escolha da implantação de um determinado modelo, como aquele que Paula
Sousa designou de
     "    #
implicaram em toda uma orientação futura para Escola Politécnica e para suas
correlações com os demais grupos sociais da Cidade. O intenso diálogo com a
cidade evidenciado durante todo o transcorrer dessa pesquisa, compõe as raízes
e portanto a sustentabilidade daqueles que são hoje os diversos institutos da
Escola Politécnica. Quando uma instituição diz que está apta a realizar análises da
água, a ensaiar a resistência dos mais diversos materiais ou a desenvolver o
projeto de um veículo não tripulado para inspeção de tubulações de petróleo, isto
é possível na interligação com do momento socioeconômico com o momento
do desenvolvimento tecnológico daquela instituição. Para isso, é necessário
permitir e oferecer na materialidade condições para essa interface.
A tecnologia não pode olhar só para o presente, se assim o faz está fadada
ao fracasso, ou seja, a se manter num subdesenvolvimento. A capacidade de
transformação do Gabinete de Resistência dos Materiais, para Laboratório de
Ensaios de Material, poucos anos depois transformado em Instituto de Pesquisas
Tecnológicas foi, sobretudo, uma mudança de método, em que o politécnico ao
olhar o futuro da ciência na sociedade, e não apenas o que esta acontecendo no
presente, indica e luta por uma transformação institucional, do didático a pesquisa
cientifica.
Ari Torres, um dos idealizadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas,
teve a complementação de seus estudos na Europa financiados pelas companhias
ferroviárias. Todavia, soube vivenciar a concomitância do transporte ferroviário
com o rodoviário, e então se dedicar aos estudos do concreto, como uma
modificação da capacidade de transformação tecnológica que o governo de
Washington Luís indicava como modelo para o Brasil. Dialogar com a sociedade é
usar o realismo, isto é a capacidade de avaliar todos os fatores em jogo numa
determinada circunstância, como por exemplo, não o que é agora, o momento,
mas sim o sentido dá história.
281
Adaptação e transformação foram as palavras-chave para que a proposta
de Paula Sousa se tornasse com realismo, razoável, não apenas para a São
Paulo do início do século XX, mas para a engenharia brasileira de hoje. Não
passes de gica ou soluções mirabolantes: no passado homens construtores
da história do futuro no seu presente. Vejamos que construtores são diferentes de
repetidores, pois as escolhas desses ficam no passado. A mudança na
metodologia das construções de estradas de ferro deve ser contínua, senão está
fadada ao fracasso, a superação, pois estamos numa estrutura capitalista onde
são necessários recursos não apenas para a pesquisa, mas para o pesquisador, e
a busca por eles pode implicar em perdas de identidade para ambos.
formados, os primeiros politécnicos tinham dois grandes eixos de
orientação: os transportes e as obras públicas. Fundada nesse período áureo do
crescimento do Estado, quando a cultura cafeeira encetava os diversos rumos
econômicos e políticos da região, o crescimento e, portanto, a estruturação urbana
da cidade eram grandes focos de atenção a necessitar desse novo profissional
que atuava tanto na empresa pública, como na empresa privada, nos sistemas
construtivos e pesquisa de materiais, e também no saneamento e vias de
circulação da cidade que exigiam soluções a curto prazo, devido a transformação
que se operava a passos largos.
Na segunda metade do século XIX, São Paulo acordou, conjuntamente com
a estruturação da Escola, de sua sonolência de três séculos ao barulho do trem,
das estradas de ferro, das companhias São Paulo Railway, Paulista, Mogiana ou
Sorocabana, que, com a concessão do uso de suas terras adjacentes, subiriam a
Serra do Mar, levando a modernidade para o interior do Estado. A ferrovia
anunciava o novo ritmo da cidade, e o concreto a nova maneira de construir a
cidade. Se São Paulo foi designada pelo brasilianista Joseph Love como a
locomotiva do Brasil, nesta pesquisa se evidenciou que um dos elementos que
possibilitou que ela se movesse foi a Escola Politécnica, que com a formação de
seus discentes capacitou objetivamente a construção de um modelo tecnológico
no País, num século em que estava em curso um processo de globalização dos
mercados e das comunicações subsidiado pela tecnologia. Ficar com um modelo
282
de ensino meramente bacharelesco seria condenar o futuro do Brasil ao seu
passado colonial e imperial, sem condições críveis de constituir um parque
industrial.
Essa proximidade com as ferrovias está concatenada ao projeto de
valorização da própria Escola Politécnica, que entendia caber à classe de
engenheiros a possibilidade da transformação econômica do País. Isso devido à
crescente atuação da engenharia na passagem do século XIX para o século XX,
pois por meio da construção de estradas de ferro encurtaram-se distâncias, por
meio do aproveitamento do calor, do desenvolvimento da eletricidade, da
utilização da energia mecânica como força motora, a indústria e o comércio se
transformaram, assim como todas as relações sociais. Assim, o novo culo que
nascia teria uma influência muito maior da ação dos engenheiros, que deles
dependeriam o enriquecimento e o progresso do País. Por isso, a Escola, diz o Dr.
Álvaro de Menezes,
... não tem por objectivo formar douctores da sciencia; ella tem em mira preparar
elementos que possam efficazmente reagir contra o actual estado de dependência agrícola e
industrial, e portanto financeira e econômica, em que jaz a nossa Patria.
15
Hoje, ao se refletir sobre engenharia é preciso levar em conta o contexto
cada vez mais globalizado que tinha e tem a tecnologia como um dos seus
diferenciais. Essa pesquisa deixou evidente a preocupação de Paula Sousa, de
seus colaboradores e de seus sucessores em estarem concatenados com a
engenharia nos lugares onde, por reconhecimento, ela era tida como de
vanguarda, e esse procedimento metodológico permitiu que, em poucas décadas,
a Escola se afirmasse como referência da engenharia nacional. O que foi válido
para o período de 1893 a 1933, o é certamente muito mais nos nosso dias de
globalização, a necessidade daqueles que são responsáveis pelo ensino de
engenharia no País de se manterem atualizados com as questões internacionais,
15
O Dr. Álvaro de Menezes representando a Congregação na solenidade da formatura em 1901.
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1902, p. 202.
283
sempre tendo-as como interlocutoras e, em seus laboratórios, serem realizadas
pesquisas de forma integrada entre as seções e mesmo com pesquisadores de
outras instituições, quer nacionais ou internacionais.
É por tudo isso que uma escola de engenharia é a porta de entrada para
múltiplas transformações de uma cidade, pela sua capacidade de articulação entre
o possível e o realizável, entre aquilo que um empreendedor deseja construir e a
materialidade dessa obra: é a engenharia que “constrói” essa ponte. Isto ocorre
pela formação de engenheiros especializados, pelas potencialidades de soluções
que o uso do acervo de sua biblioteca oferece, pelas possibilidades de divulgação
que a sua produção acadêmica disponibiliza, pelas múltiplas aplicações das
análises efetuadas em seus laboratórios, e isso tudo no diálogo com outros grupos
sociais.
Os pedidos e agradecimentos pelas visitas técnicas foram uma constante
durante todo o período dessa pesquisa. Não há semestre em que elas não tenham
ocorrido, envolvendo as mais diversas disciplinas e tendo como enfoque as
companhias ferroviárias e as questões urbanas. O intenso número e a
perpetuação dessas visitas estão nas raízes formadoras da Politécnica, isto é, não
apenas no projeto pedagógico proposto por Paula Sousa, espelhando-se no
modelo alemão de ensino tecnológico e sempre dialogando com o modelo francês.
O desenrolar histórico do ensino aqui efetuado foi feito nas visitas técnicas de
professores como José Brant de Carvalho, José Maria Borges, Roberto Mange ou
Felix Hegg, foi a efetivação delas, sempre solicitando passes ao Secretário do
Interior, sempre agendado horário, sempre lidando com a indisciplina de alguns
alunos que deram a Escola o sustentáculo que a constituiu como ensino prático,
ensino voltado para pesquisar e solucionar problemas ligados à sociedade. Assim
se constituiu a Escola Politécnica: um na sala de aula, e outro na oficina, na
rua, na praça, sendo responsável pela construção do futuro da cidade, como
previu Cesário Motta Jr. em sua sessão inaugural.
284
Bibliografia
285
1 – FONTES
1.1 – Periódicos
A Platea
A Província de São Paulo
Boletim de Informações do Instituto de Engenharia
Boletim do Instituto de Engenharia
Engenharia
Evolução
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894-1944): Jubileu Social
O Estado de São Paulo.
O Politécnico
Revista Brasileira de Engenharia
Revista Engenharia
Revista de Arquitetura
Revista de Engenharia
Revista de Engenharia do Mackenzie College
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo
Revista do Club de Engenharia
Revista do Instituto Polytechnico
Revista Politécnica
São Paulo CREA São Paulo
286
1.2 – Artigos
A canalização do Rio Tietê no território da capital e municípios adjacentes. Boletim
do Instituto de Engenharia, vol. 4, n° 19, p. 181-197, 1923.
A crise de mão de obra. Revista de Engenharia, vol.1, n° 8, p. 217-218, 1912.
A Escola Polytechnica de S. Paulo. Revista de Engenharia, vol.1, n° 9, p. 247-248,
1912.
A Instrucção Profissional. Revista de Engenharia, vol. 2, n° 1, p. 1-2, 1912.
A questão do lixo em São Paulo. Revista de Engenharia, vol. 1, 1, p. 13-19,
1911.
A regulamentação da profissão do engenheiro. Revista Brasileira de Engenharia,
ano II, tomo II, nº 5, p. 213-215, 1921.
A regulamentação do exercício da profissão do engenheiro. Revista Brasileira de
Engenharia, ano XIII, tomo XXV, nº 4, p. 104, 1933.
A tradição dessa história de lutas. Evolução, 2
a
quinzena-fevereiro/1987.
ALBUQUERQUE, A. Impressões de Europa. Revista Polytechnica, vol. III, n
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15, p.
182-198.
__________. Idem. Revista Polytechnica, vol. III, n
o
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__________. Idem. Revista Polytechnica, vol. III, n
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17, p. 319-334.
__________. Os melhoramentos de São Paulo – As grandes avenidas. Revista de
Engenharia, vol. 1, 2, p. 37-39-45, 1911.
ALVARO, M. Reforço do nosso abastecimento d’água. Boletim do Instituto de
Engenharia, vol. 4, n° 16, p. 93-101,1922.
__________. Idem. Boletim do Instituto de Engenharia, vol. 4, 17, p. 123-133,
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ANDRADE, E. N. de. A pseudo-devastação das nossas florestas. Revista de
Engenharia, vol. I, n° 1, p.72, 1911;
287
Antonio Francisco de Paula Souza, Engenharia, vol. II, n° 16, p. 131-134, 1943.
Anuários da Escola. O Politécnico, fevereiro-março, p. 7, 1956.
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Typographia do Diário Official, 1910.
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Arquivo Permanente – Fundo II
Arquivo Intermediário – Fundo II
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Anexos
310
A Atividade profissional dos politécnicos em cargos públicos
1
N
o
Nome Curso/ano Atuação estatal
2
1 Telêmaco H. de M. Van
Langendonck
3
EC/1931 Diretoria de Estradas e Rodagem
2 Zozimo Bittencourt de Abreu EC/1918 Repartição de Águas e Esgotos
3 Ayr Albuquerque EC/1930 Observatório Astronômico e
Geográfico
4 Alessandro d’Alexandre EC/1925 Diretoria de Estradas e Rodagem
5 Luis Gonzaga Pereira de Almeida EA/1922 Engenheiro da Prefeitura
6 Oscar Machado de Almeida EC/1916 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
7 Chystophono Machado Alvim EC/1916 Repartição de Águas e Esgotos
8 José Amadei EME/1919 Engenheiro da Prefeitura
9 Oscar Amarante EC/1924 Repartição de Águas e Esgotos
10 Regino de Paula Aragão EI/1900 Engenheiro da Prefeitura
11 João Baptista Aranha Mec/1908 Engenheiro da Prefeitura
12 Mario Julio Ayrosa EC/1904 Engenheiro do Serviço Sanitário
13 Nestor Marques da Silva Aryosa EC/1914 Engenheiro da Prefeitura
14 José de Mello Balthazar EC/1926 Diretoria de Obras
15 Alcides Martins Barbosa EC/1905 Engenheiro da Prefeitura
16 Paulino Cezar Otto Barreire EC/EI/1908 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
17 Perceu Leite Barros EC/1919 Diretoria de Obras
18 Alfredo Borelli EC/1922 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
19 Adeodato de Andrade Botelho Jr. EC/1924 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
20 Paulo Araújo Corrêa de Brito EC/1920 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
21 Sylvio Soares de Camargo EC/1916 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
22 Theodureto L. de Almeida Camargo Eagr/1905 Secretario de Agricultura
23 Pedro de Siqueira Campos EC/1911 Engenheiro da Prefeitura
24 Carlos A. Gomes Cardim Filho EC/1923
4
Engenheiro da Prefeitura
25 Francisco Garcia de Carvalho EC/1912 Secretaria da Viação e Obras
1
Esta tabela foi elaborada tendo como fonte principal o Anuário da Escola Politécnica de 1934.
Devido a sua finalidade, evidenciar a participação dos politécnicos na esfera pública não foram
dados ênfase aos cargos específicos, chefias, por exemplo. O eixo básico é de Engenheiro da
Prefeitura de São Paulo, e daí, quando foi possível identificar, alguma área especifica e atuação,
diretoria ou repartição, por exemplo. Apenas é identifica a cidade/estado quando esse não for São
Paulo.
Neste quadro não estão evidenciados os politécnicos que trabalharam como docentes em Sp ou
em outros Estados.
Foi considerado como politécnico apenas os ex-alunos da Escola. Não consta, por exemplo, o Dr.
Theodoro Augusto Ramos, que sendo docente da Escola foi prefeito de São Paulo em 1933.
EPUSP/APFI/L-132, p. 59.
2
A Diretoria de Estradas e Rodagem estava ligada a Secretaria da Viação e Obras Públicas de
São Paulo, bem como a Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo
3
LINDENBERG NETO, Henrique. Professor Doutor Telêmaco Hippolyto de M. Van Langendonck.
Vox Poli, n
o
3, 1-2.
4
Em 1925 recebe o título de Engenheiro Arquiteto.
311
Públicas
26 José Olympio de Carvalho EC/1918 Diretoria de Terras e Colonização
27 Emilio Castello Jr. Eagr/1903 Secretaria de Agricultura
28 Omar Catunda EC/1930 Prefeitura Municipal de Santos
29 João Florence de Ulhôa Cintra EC/1911 Engenheiro da Prefeitura
30 Agenor Guerra Correa EC/1912 Engenheiro das Prefeituras de
Santos e São Paulo
31 Alberto de Oliveira Coutinho EC/1901 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
32 Alberto de Oliveira Coutinho Filho EC/1927 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
33 Acrisio Paes Cruz EC/1909 Engenheiro da Prefeitura de
Campinas
34 Mario Cunha Eagr/1906 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
35 Benjamim Botelho Egas EC/1916 Engenheiro da Prefeitura
36 Mario Freire EC/1902 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
37 Ernesto Sampaio de Freitas EA/1933 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
38 Francisco Gayotto EC/1915 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
39 Miguel de Godoy Neto EC/1921 Engenheiro da Prefeitura
40 Aurélio Gregori EC/1922 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
41 Henrique Jorge Guedes EC/1914 Prefeito da Capital
42 José Botelho Guerra EC/1928 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
43 Archimedes Barreto Pereira
Guimarães
EME/1917 Secretaria de Educação da Bahia
44 Contimentino Antonio Guimarães Eagr/1902 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
45 Antonio Ponzio Ippolito EC/19 Engenheiro da Prefeitura de Rio
Preto e de São Paulo
46 Henrique Neves Lefevre EME/1919 Engenheiro da Prefeitura
47 Mario Leite EC/1917 Inspetoria Federal de Estradas
48 Jose Antonio Lima ConT/1903 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
49 Ranulpho da Matta Pinheiro Lima EC/1906 Serviço Sanitário
51 Paulo Diamantino Lopes EC/1913 Inspetoria Federal de Estradas
52 Christiano Carneiro Ribeiro da Luz Jr. EC/1923 Secção de Aferição de Pesos e
Medidas
53 Francisco Cornélio Pereira
Macambira
EC/1911 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
54 Dulphe Pinheiro Machado EC/1908 Ministério do Trabalho/Dep. Nacional
do Povoamento
55 José Maria de Toledo Malta EC/1908 Repartição de Águas e Esgotos
56 Adriano Marchini EC/1919 Engenheiro da Prefeitura
57 Isidoro Marcigaglia EC/1918 Engenheiro da Prefeitura
58 Alberto Maricato EC/1930 Observatório Astronômico e
Geográfico
59 Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia
Mello
EA/1913 Prefeito da Capital
60 Octavio Ribeiro de Mendonça EC/1913 Prefeitura Municipal de Santos
312
61 Achilles Nacarato EC/1906 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
62 Walter Sócrates do Nascimento EC/1918 Engenheiro da Prefeitura
63 Manoel Jose da Costa Negraes Jr. EC/1917 Repartição de Águas e Esgotos
64 Jose Maria da Silva Neves EA/1922 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
65 Jose Mascarenhas Neves EC/1912 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
66 Sylvio Cabral Noronha EC/1918 Engenheiro da Prefeitura
67 Eduardo Sabino de Oliveira EE/1928 Ministério da Agricultura
68 Guilherme Augusto Loyolla de
Oliveira
EC/1930 Observatório Astronômico e
Geográfico
69 João Cornélio Oliveira EC/1914 Engenheiro da Prefeitura
70 José Luiz Gonçalves de Oliveira EC/1902 Engenheiro da Prefeitura de Santos
71 Marcial Fleury de Oliveira EA/1926 Engenheiro da Prefeitura
72 Gumercindo Saraiva de Oliveira
Penteado
EC/1922 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
73 Joaquim Timotheo de Oliveira
Penteado
EC/1903 Engenheiro das Prefeituras de
Santos, Recife e SP
74 Arthur de Lima Pereira EC/1915 Engenheiro da Prefeitura
75 Paulo Alves Pimentel EC/1911 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
76 Pedro França Pinto Filho EC/1923 Engenheiro da Prefeitura
77 Amador Cintra do Prado EA/1921 Engenheiro da Prefeitura
78 João Baptista de Almeida Prado EEM/1918 Engenheiro da Prefeitura
79 Osório de Quadros EC/1920 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
80 Gilberto de Souza Ratto EC/1928 Engenheiro da Prefeitura
81 Aristeu dos Reis EC/1920 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
82 Alexandre Martins Rodrigues EC/1925 Engenheiro da Prefeitura
83 Lucio Martins Rodrigues Filho EC/1926 Engenheiro da Prefeitura
84 Arthur Saboya EC/1908 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
85 Alberto San Juan EG/1899 Diretoria de Terras e Colonização
86 Samuel Antonio dos Santos EC/1914 Prefeito de Parnaíba/PI
87 Hyppolito da Silva EC/1911 Repartição de Águas e Esgotos
88 Jorge do Amaral e Silva EC/1920 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
89 José de Campos e Amaral e Silva EC/1919 Engenheiro da Prefeitura
90 Luiz Álvaro da Silva ECEA/1909 Repartição de Águas e Esgotos
91 Luiz Dias da Silva Jr. EC/1915 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
92 Raul Silveira Simões EEM/1919 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
93 Roberto Cochrane Simonsen EC/1909 Engenheiro da Prefeitura de Santos
94 Jales Machado de Siqueira EC/1919 Engenheiro da Prefeitura de Goiás
95 Alaor Prata Soares EC/1906 Deputado federal por MG e Prefeito
da Guanabara
96 Antonio de Paula Souza EC/1900 Comissão Geográfica e Geológica
97 Oscar Spinola Teixeira EEM/1918 Engenheiro da Prefeitura de
Caetité/GO
98 Adalberto de Queiroz Telles Eagr/1902 Secretaria da Agricultura
99 Luiz Gomes de S. Thiago EC/1928 Secretaria da Viação e Obras
313
Públicas
100 Arthur M. Tomassini EC/1922 Engenheiro da Prefeitura
101 Leovigildo Trindade EI/1921 Comissão de Portos
102 José de Freitas Valle Filho EC/1926 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
103 Cássio da Costa Vidigal EC/1917 Engenheiro da Prefeitura
104 Oscar Weinschenck EC/1901 Engenheiro da Prefeitura de Santos
105 Paulo Vargas Cavalheiro
5
EC/1905 Inspetoria Geral
106 Joaquim Alcaide Valls EC/1924 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
107 Avelino Ribas d’Avila A/1899 Secretaria da Viação e Obras
Públicas
Fontes
- Podemos afirmar um baixa participação no governo federal.
- Estabelecer os percentuais por curso.
- Comentar o considerável número dos que estão nas estradas de ferro.
- O levantamento foi feito considerando a atividade profissional dos mesmos até 1934, isto é,
após esse período muitos politécnicos podem ter ingressados na vida pública.
- Vários dos engenheiros que trabalhavam para a Prefeitura de São Paulo mantinham seus
escritórios particulares.
5
Boletim do Instituto de Engenharia, vol, X, n
o
45, fev. 1929.
314
LEI N. 2022 – DE 27 DE DEZEMBRO 1924
6
Regulamenta o exercico da profissão de engenheiro architecto e
agrimensor.
O Doutor Carlos de Campos, Presidente do Estado de São Paulo.
Faço saber que o Congresso Legislativo decretou e eu promulgo a lei
seguinte:
Artigo 1 - O Exercicio da profissão de engenheiro, de architecto e de
agrimensor, em qualquer dos ramos somente será permittido:
a) aos que se mostrarem habilitados por titulo conferido pelas escolas de
engenharia officaes da União ou do Estado de São Paulo, ou pelas equiparadas;
b) aos que, sendo graduados por escola ou faculdade extrangeira, se
habilitarem perante qualquer dessas escolas na fórma dos respectivos regimentos;
c) aos que, na data da promulgação, desta lei, exercerem cargo effectivo de
engenheiro architecto agrimensor em repartição federal, estadual ou municipal;
d) aos que contarem cinco annos de exercício da profissão de
engenheiro, architecto ou agrimensor, no territorio do Estado;
e) aos agronomos diplomados pela Escola Agricola “Luiz de Queiroz”, na
divisão e demarcação de propriedades ruraes.
§ 1.° - Poderão ser dispensados do exame de habilitação a que se refere a
letra “b”, os professores ou ex-professores de escolas extrangeiras e os que,
sendo diplomados por uma dessas escolas, provarem a autoria de livros ou obras
notaveis da especialidade. Neste ultimo caso deve ser previamente ouvida a
congregação da Escola Polytechnica de São Paulo.
§ 2.° - No caso da letra “d”, o interessado receberá um titulo de licença na
Secretaria da Agricultura, desde que prove, dentro de um anno, a contar da
publicação desta lei, que executou ou dirigiu trabalhos profissionaes.
6
Coleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo, 1924, p. 63-65.
315
§ 3.° - Serão dispensados da habilitação a que se refere a letra “b”, do
artigo 1.°, os brasileiros que registrarem o seu titulo na Secretaria da Agricultura,
até cinco annos depois da promulgação desta lei e provarem ter feito o curso
regular da escola ou faculdade que expediu o diploma.
§ 4.° - A mesma faculdade é concedida aos que, estando matriculados na
data desta lei, em escolas, cujos titulos já foram acceitos pelo Secretario da
Agricultura, concluirem o seu curso dentro de cinco annos.
Artigo 2.° - Nenhum engenheiro, agrimensor ou architecto podera exercer a
profissão sem o registo do respectivo titulo na Secretaria da Agricultura.
§ 1.° - O registo se fará independente de qualquer emolumento, em livro
especial, consistindo na transcripção do diploma ou licença.
§ 2.° - De seis em seis mezes, será publicada no Diario Olficial a relação
onomastica em ordem alphabetica dos profissionaes habilitados.
§ 3. - O profissional que exercer a profissão sem o registro do titulo
incorrerá na multa de 500$000, multa que será elevada ao dobro na reincidencia.
§ 4.° - Aos que estiverem nas condições da letra “c”, do artIgo 1.°, bastará,
para o exercicio da profissão, o registro do titulo na Secretaria da Agricultura.
Artigo 3.° - Incorrerá na multa de 1:000$ a 2:000$ na suspensão do
exercicio da profissão, pelo tempo de seis meses a um anno, o engenheiro,
agrimensor ou architecto que acobrrtar com o seu nome o exercicio ilegal da
profissão.
Artigo 4 - O exercicio da engenharia, architectura ou agrlmensura, por
parte de companhia ou sociedade, sómente será permittido si a direcção e a
execução do serviço estiverem a cargo de profissionais habilitados.
Artigo. 5.° - Decorrido um anno da promulgação desta lei, nem o Estado
nem os municípios poderão emprehender servíços ou obras publicas referentes á
engenharia, architectura ou agrimensura, sem que as plantas, especificacões e
orçamentos sejam feitos e as obras ou serviços dirigidos por profissionaes
habilitados legalmente.
316
§ unico - O disposto neste artigo não terá applicação nos logares onde não
houver engenheiros, architectos ou agrimensores diplomados ou licenciados.
Artigo 6.° - Os alumnos da Escola Po1ytechnica de São Paulo, que
concluirem qualquer dos cursos da mesma, receberão o respectivo diploma
independente da apresentação de caderneta de reservista do Exercito.
Artigo 7.° - Revogam-se as disposições em contrario.
O Secretario de Estado dos Negocios do Interior, assim a faça executar e
bem assim o da Agricultura, Commercio e Obras Publicas.
Palacio do Governo do Estado de São Paulo, aos 27 de Dezembro de 1924.
CARLOS DE CAMPOS
José Manoel Lobo
Gabriel Ribeiro dos Santos.
317
DECRETO FEDERAl, N.o 23.569
7
de 11 de Dezembro de 1933
Regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de
agrimensor.
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil,
na conformidade do art. 1.° do decreto número 19.398, de 11 de novembro de
1930, resolve subordinar o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e
de agrimensor às disposições seguintes:
CAPÍTULO I
DOS PROFISSIONAIS DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E
AGRIMENSURA
Art. 1. ° - O exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de
agrimensor será sòmente permitido, respectivamente:
a) aos diplomados pelas escolas ou cursos de engenharia, arquitetura ou
agrimensura, oficiais, da União Federal, ou que sejam, ou tenham sido ao tempo
da conclusão dos seus respectivos cursos, oficializadas, equiparadas às da União
ou sujeitas ao regime de inspeção do Ministério da Educação e Saúde Pública;
b) aos diplomados, em data anterior à respectiva oficialização ou
equiparação às da União, por escolas nacionais de engenharia, arquitetura ou
agrimensura cujos diplomas hajam sido reconhecidos em virtude de lei federal;
c) àqueles que, diplomados por escolas ou institutos técnicos superiores
estrangeiros de engenharia, arquitetura ou agrimensura, após curso regular e
válido para o exercício da profissão em todo o país onde se acharem situados,
tenham revalidado os seus diplomas, de acôrdo com a legislação federal do
ensino superior;
d) àqueles que, diplomados por escolas ou institutos estrangeiros de
engenharia, arquitetura ou agrimensura, tenham registrado seus diplomas até 18
de junho de 1915, de acôrdo com o decreto n.
o
3.001, de 9 de outubro de 1880, ou
os registrarem consoante o disposto no art. 22 da lei n.
o
4.793, de 7 de janeiro de
1924.
§ único - Aos agrimensores que, até à data da publicação dêste decreto,
tiverem sido habilitados conforme o decreto n.
o
3.198, de 16 de dezembro de
1863, será igualmente permitido o exercício da respectiva profissão.
7
CREA, Decretos que regulam o exercício profissional do engenheiro arquiteto e agrimensor, p. 5-
19.
318
Art. 2. ° - Os funcionários públicos e os empregados particulares que,
dentro do prazo de seis meses, contados da data da publicação dêste decreto,
provarem, perante o Conselho de Engenharia e Arquitetura que, pôsto não
satisfaçam as condições do art. 1.° e seu § único, vêm, à data da referida
publicação, exercendo cargos para os quais se exijam conhecimentos de
engenharia, ,arquitetura ou agrimensura, poderão continuar a exercê-Ios, mas não
poderão ser promovidos nem removidos para outros cargos técnicos.
§ único - Os funcionários públicos a que se refere êste artigo deverão, logo
que haja vaga, ser transferidos para outros cargos de iguais vencimentos e para
os quais não seja exigida habilitação técnica.
Art. 3. ° - É garantido o exercício de suas funções, dentro dos limites das
respectivas licenças e circunscrições, aos, arquitetos, arquitetos-construtores,
construtores e agrimensores que, não diploma dos, mas licenciados pelos Estados
e Distrito Federal, provarem, com as competentes licenças, o exercício das
mesmas funções à data da publicação ste decreto, sem notas que os
desabonem, a critério do Conselho de Engenharia e Arquitetura.
§ único - Os profissionais de que trata êste artigo perderão o direito às
licenças se deixarem de pagar os respectivos impostos durante um ano, ou se
cometerem erros técnicos ou atos desabonadores, devidamente apurados pelo
Conselho de Engenharia e Arquitetura.
Art. 4. ° - Aos diploma dos por escolas estrangeiras que, satisfazendo as
condições da alínea c do art. 1.°, salvo na parte relativa à revalidação, provarem,
perante o órgão fiscalizador a que se refere o art. 18, que, à data da publicação
dêste decreto, exerciam a profissão no Brasil, e registrarem os seus diplomas
dentro do prazo de seis meses, contados da data da referida publicação, será
permitido o exercício das profissões respectivas.
Art. 5. ° - poderão ser submetidos ao julgamento das autoridades
competentes e só terão valor jurídico os estudos, plantas, projetos, laudos e
quaisquer outros trabalhos de engenharia, arquitetura e agrimensura, quer
públicos, quer particulares, de que forem autores profissionais habilitados de
acôrdo com êste decreto, e as obras decorrentes dêsses trabalhos, também,
poderão ser executadas por profissionais habilitados na forma dêste decreto.
§ único - A critério do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, e
enquanto em dado município não houver profissionais habilitados na forma dêste
decreto, poderão ser permitidos, a título precário, as funções e atos previstos
neste artigo a pessoas de idoneidade reconhecida.
Art. 6. ° - Nos trabalhos gráficos, especificações, orçamentos, pareceres,
laudos, e atos judiciários ou administrativos, é obrigatória, além da assinatura,
precedida do nome da emprêsa, sociedade, instituição ou firma a que
interessarem, a menção explícita do título do profissional que o subscrever.
§ único - Não serão recebidos em juízo e nas repartições públicas federais,
estaduais ou municipais, quaisquer trabalhos de engenharia, arquitetura ou
agrimensura, com infração do que preceitua êste artigo.
319
Art. 7. ° - Enquanto durarem as construções ou instalações, de qualquer
natureza, é obrigatória a afixação de uma placa, em lugar bem visível ao público,
contendo, perfeitamente legíveis, o nome ou firma do profissional legalmente
responsáveis, e a indicação do seu título de formatura, bem como a de sua
residência ou escritório.
§ único - Quando o profissional não fôr diplomado deverá a placa conter,
mais, de modo bem legível, a inscrição - "Licenciado".
Art. 8.° - Os indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e
emprêsas, em geral, e suas filiais, que exerçam ou explorem sob qualquer forma,
algum dos ramos de engenharia, arquitetura ou agrimensura, ou a seu cargo
tiverem alguma secção dessas profissões, poderão executar os respectivos
serviços, depois de provarem, perante os Conselhos de Engenharia e Arquitetura,
que os encarregados da parte são, exclusivamente, profissionais habilitados e
registrados de acôrdo com êste decreto.
§ 1.° - A substituição dos profissionais obriga a nova prova, por parte das
entidades a que se refere êste artigo.
§ 2.° - Com relação à nacionalidade dos profissionais a que êste artigo
alude, será observado, em tôdas as categorias o que preceituam o art. 3.° e seu §
único do decreto n.
o
19.482, de 12 de dezembro de 1930, e o respectivo
regulamento, aprovado pelo decreto n.
o
20.291, de 12 de agôsto de 1931.
Art. 9. ° - A União, os Estados e os Municípios, em todos os cargos,
serviços e trabalhos de engenharia, arquitetura e agrimensura, sàmente
empregarão profissionais diploma dos pelas escolas oficiais ou equiparadas,
previamente registrados de acôrdo com o que dispõe êste decreto, ressalvadas
unicamente as exceções nêle previstas.
§ único - A requerimento do Conselho de Engenharia e Arquitetura, de
profissional legalmente habilitado e registrado de acôrdo com êste decreto, ou de
sindicato ou associação de engenharia; arquitetura ou agrimensura, será anulado
qualquer ato que se realize com infração dêste artigo.
CAPÍTULO II
DO REGISTRO E DA CARTEIRA PROFISSIONAL
Art. 10 - Os profissionais a que se refere êste decreto poderão exercer
legalmente a engenharia, a arquitetura ou a agrimensura, após o prévio registro de
seus títulos, diplomas, certificados-diplomas e cartas no Ministério da Educação e
Saúde Pública, ou de suas licenças no Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
§ único - A continuação do exercício da profissão sem o registro a que êste
artigo alude, considerar-se-á corno reincidência de infração dêste decreto.
320
Art. 11 - Os profissionais punidos por inobservância do artigo anterior não
poderão obter o registro de que êste trata, sem provarem o pagamento das multas
em que houverem incorrido.
Art. 12 - Se o profissional registrado em qualquer dos Conselhos
Engenharia e Arquitetura mudar de jurisdição, fará visar, no Conselho Regional a
que o novo local de seus trabalhos estiver sujeito, a carteira profissional de que
trata o art. 14, considerando-se que mudança desde que o profissional exerça
qualquer das profissões, na nova jurisdição por prazo maior de noventa dias.
Art. 13 - O Conselho Federal a que se refere o art. 18, organizará,
anualmente, com as alterações havidas, a relação completa dos registros,
classificados pelas especialidades dos títulos e em ordem alfabética, e a fará
publicar no Diário Oficial.
Art. 14 - A todo profissional registrado de acôrdo com êste decreto sera
entregue uma carteira profissional numerada, registrada e visada no Conselho
Regional respectivo, a qual conterá:
a) seu nome por inteiro;
b) sua nacionalidade e naturalidade;
c) a data de seu nascimento;
d) a denominação da escola em que se formou ou da repartição local onde
obteve licença para exercer a profissão;
e) a data em que foi diplomado ou licenciado;
f) a natureza do título ou dos títulos de sua habilitação;
g) a indicação da revalidação do título, se houver;
h) o número do registro no Conselho Regional respectivo;
i) sua fotografia de frente e impressão. Dactiloscópica (polegar);
j) sua assinatura.
§ único - A expedição da carteira a que se refere o presente artigo fica
sujeita à taxa de 30$000 (trinta mil réis).
Art. 15 - A carteira profissional, de que trata o art. 14, substituirá o diploma,
para os efeitos dêste decreto, servirá de carteira de identificação e terá fé pública.
Art. 16 - As autoridades federais, estaduais ou municipais receberão
impostos relativos ao exercício profissional do engenheiro, do arquiteto ou do
agrimensor a vista da prova de que o interessado se acha devidamente registrado.
Art. 17 - Todo aquêle que, mediante anúncios, placas, cartões comerciais
ou outros meios quaisquer, se propuser ao exercício da engenharia, da arquitétura
ou da agrimensura, em algum de seus ramos, fica sujeito às penalidades
aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado.
321
CAPÍTULO lII
DA FISCALIZAÇÃO
Art. 18 - A fiscalização do exercício da engenharia, da arquitetura e da
agrimensura será exercida pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura e
pelos Conselhos Regionais a que se referem os arts. 25 a 27.
Art. 19 - Terá sua sede no Distrito Federal o Conselho Federal de
Engenharia e Arquitetura, ao qual ficam subordinados os Conselhos Regionais.
Art. 20 - O Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura será constituído
de dez membros, brasileiros, habilitados de acôrdo com o art. 1 e suas alíneas, e
obedecerá à seguinte composição:
a) um membro designado pelo Govêrno Federal;
b) três profissionais escolhidos pelas congregações de escolas padrões
federais, sendo um engenheiro, pela da Escola Politécnica do Rio de Janeiro;
outro, também engenheiro, pela da Escola de Minas de Ouro Prêto, e, finalmente,
um engenheiro arquiteto ou arquiteto pela Escola Nacional de Belás Artes;
c) seis engenheiros, ou arquitetos, escolhidos em assembléia que se
realizará no Distrito Federal e na qual tomará parte um representante de cada
sociedade ou sindicato de classe que tenha adquirido personalidade jurídica seis
meses antes, pelo menos, da data da reunião da assembléia.
§ único - Na representação prevista na alínea e dêste artigo haverá, pelo
menos, um terço de engenheiros e um têrço de engenheiros arquitetos ou
arquitetos.
Art. 21 - O mandato dos membros do Conselho Federal de Engenharia e
Arquitetura será meramente honorífico e durará três anos, salvo o do
representante do Govêrno Federal.
§ único - Um têrço dos membros do Conselho Federal de Engenharia e
Arquitetura será anualmente renovado, podendo a escolha fazer-se para nôvo
triênio.
Art. 22 - São atribuições do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura:
a) organizar o seu regimento interno;
b) aprovar os regimentos internos organizados pelos Conselhos Regionais,
modificando o que se tornar necessário, a fim de manlter a respectiva unidade de
ação;
c) examinar, decidindo a respeito em última instância, e podendo até anular,
o registro de qualquer profissional licenciado que não estiver de acôrdo com o
presente decreto;
d) tomar conhecimento de quaisquer dúvidas suscitadas nos Conselhos
Regionais e dirimíIas;
322
e) julgar em última instância os recursos de penalidades impostas pelos
Conselhos Regionais;
f) publicar o relatório anual dos seus trabalhos, em que deverá figurar a
relação de todos os profissionais registrados.
Art. 23 - Ao presidente, que será sempre o representante do Govêrno
Federal, compete; além da direção do Conselho, a suspensão de qualquer
decisão que o mesmo tome e lhe pareça inconveniente.
§ único - O ato da suspensão vigorará até nôvo julgamento do caso, para o
qual o presidente convocará segunda reunião no prazo de quinze dias, contados
do seu ato; e se, no segundo julgamento, o Conselho mantiver, por dois terços de
seus membros, a decisão suspensa, esta entrará em vigor imediatamente.
Art. 24 - Constitui renda do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura
o seguinte:
a) um rço da taxa da expedição de carteiras profissionais estabelecida no
art. 14 e § único;
b) um têrço das multas aplicadas pelos Conselhos Regionais;
c) doações;
d) subvenções dos Governos.
Art. 25 - O Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura fixará a
composição dos Conselhos Regionais, que deve, quanto possível, ser semelhante
à sua, e promoverá a instalação, nos Estados e no Distrito Federal, de tantos
dêsses órgãos quantos forem julgados necessários para a melhor execução dêste
decreto, podendo estender-se a mais de um Estado a ação de qualquer dêles.
Art. 26 - São atribuições dos Conselhos Regionais:
a) examinar os requerimentos e processos de registro de licenças
profissionais, resolvendo como convier;
b) examinar reclamações e representações escritas acêrca dos serviços de
registro e das infrações do presente decreto, decidindo a respeito;
c) fiscalizar o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de
agrimensor, impedindo e punindo as infrações dêste decreto, bem como enviando
às autoridades competentes minuciosos e documentados relatórios sôbre fatos
que apurarem e cuja solução ou repressão não seja de sua alçada;
d) publicar relatórios anuais de seus trabalhos e a relação dos profissionais
registrados;
e) elaborar a proposta de seu regimento interno, submetendo a à aprovàção
do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura;
f) representar ao Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura acêrca de
novas medidas necessárias para a regularização dos serviços e para a
fiscalização do exercício das profissões indica das na alínea c dêsté artigo;
323
g) expedir a carteira profissional prevista no art. 14;
h) admitir a colaboração das sociedades de classe nos casos relativos à
matéria das alíneas anteriores.
Art. 27 - A renda dos Conselhos Regionais será constituída do seguinte:
a) dois terços da taxa de expedição de carteiras profissionais,
estabelecida.no art. 14 e § único;
b) dois terços das mutlas aplicadas conforme a alínea c do artigo anterior;
c) doações;
d) subvenções dos Governos.
CAPÍTULO IV
DAS ESPECIALIZAÇÕES PROFISSIONAIS
Art. 28 - São da competência do engenheiro civil:
a) trabalhos topográficos e geodésicos;
b) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de edifícios, com
tôdas as suas obras complementares;
c) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das estradas de
rodagem e de ferro;
d) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das obras de
captação e abastecimento de água;
e) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de obras de
drenagem e irrigação;
f) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das obras destinadas
ao aproveitamento de energia e dos trabalhos relativos às máquinas e fábricas;
g) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das obras relativas a
portos, rios e canais e das concernentes aos aeroportos;
h) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das obras peculiares
ao saneamento urbano e rural;
i) projeto, direção e fiscalização dos serviços de urbanismo;
j) a engenharia legal, nos assuntos correlacionados com as especificações
das alíneas a a i;
k) perícias.e arbitramentos referentes à matéria das alíneas anteriores.
Art. 29 - Os engenheiros civis diploma dos segundo a lei vigente deverão
ter:
324
a) aprovação na cadeira de "Portos de mar, rios e canais", para exercerem
as funções de Engenheiro de Portos, Rios e Canais;
b) aprovação na cadeira de "Saneamento e Arquitetura", para exercerem as
funções de Engenheiro Sanitário;
c) aprovação na cadeira de "Pontes e grandes estruturas metálicas e em
concreto armado" para exercerem as funções de Engenheiro de Secções
Técnicas, encarregadas de projetar e executar obras de arte, nas estradas de
ferro e de rodagem;
d) aprovação na cadeira de "Saneamento e Arquitetura" para exercerem
funções de urbanismo ou de Engenheiro de Secções Técnicas destinadas a
projetar grandes edifícios.
§ único - Somente engenheiros civis poderão exercer as funções a que se
referem as alíneas a, b e c dêste artigo.
Art. 30 - Consideram-se da atribuição do arquiteto ou engenheiro-arquiteto:
a) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de edifícios, com
tôdas as suas obras complementares;
b) o estudo, projeto, direção, fiscalização. e construção das obras que
tenham caráter essencialmente artístico ou monumental;
c) o projeto, direção e fiscalização dos serviços de urbanismo;
d) o projeto, direção e fiscalização das obras de arquitetura paisagística;
e) o projeto, direção e fiscalização das obras de grande decoração
arquitetônica;
f) a arquitetura legal, nos assuntos mencionados nas alíneas a a c dêste
artigo;
g) perícias e arbitramentos relativos à matérias de que tratam as alíneas
anteriores.
Art. 31 - São da competência do engenheiro industrial:
a) trabalhos topográficos e geodésicos;
b) a direção, fiscalização e construção de edifícios;
c) o estudo, projeto, direção, execução e exploração de instalações
industriais, fábricas e oficinas;
d) 0 estudo e projeto de organização e direção das obras de caráter
tecnológico dos edifícios industriais;
e) assuntos de engenharia legal, em conexão com os mencionados nas
alíneas a a d dêste artigo;
f) vistorias e arbitramentos relativos à matéria das alíneas anteriores.
325
Art. 32 - Consideram-se da atribuição do engenheiro mecânico eletricista:
a) trabalhos topográficos e geodésicos;
b) a direção, fiscalização e construção de edifícios;
c) trabalhos de captação e distribuição de água;
d) trabalhos de drenagem e irrigação;
e) o estudo, projeto, direção e execução das instalações de fôrça motriz;
f) o estudo, projeto, direção e execução das instalações mecânicas e
eletromecânicas;
g) o estudo, projeto, direção e execução das instalações das oficinas,
fábricas e indústrias;
h) o estudo, projeto, direção e execução de obras relativas às usinas
elétricas, às rêdes de distribuição e às instalações que utilizem a energia elétrica;
i) assuntos de engenharia legal concernentes aos indicados nas alíneas a a
h dêste artigo;
j) vistorias e arbitramentos relativos à matéria das alíneas anteriores.
Art. 33 - São da competência do engenheiro eletricista:
a) trabalhos topográficos e geodésicos;
b) a direção, fiscalização e construção de. edifícios;
c) a direção, fiscalização e construção de obras de estradas de rodagem e
de ferro;
d) a direção, fiscalização e construção de obras de captação e
abastecimento de água;
e) a direção, fiscalização e construção de drenagem e irrigação;
f) a direção, fiscalização e construção das obras destinadas ao
aproveitamento de energia e dos trabalhos relativos às máquinas e fábricas;
g) a direção, fiscalização e construção de obras concernentes às usinas
elétricas e às rêdes de distribuição de eletricidade;
h) a direção, fiscalização e construção das instalações que utilizem energia
elétrica;
i) assuntos de engenharia legal, relacionados com a sua especialidade;
j) vistorias e arbitramentos concernentes à matéria das alíneas anteriores.
Art. 34 - Consideram-se da atribuição do engenheiro de minas:
a) o estudo de geologia econômica e pesquisas de riquezas minerais;
b) a pesquisa, localização, prospecção e valorização de jazidas mineráis;
c) o estudo, projeto, execução, direção e fiscalização de servicos de
exploração de minas;
326
d) o estudo, projeto, execução, direção e fiscalização de serviços da
indústria metalúrgica;
e) assuntos de engenharia legal, relacionados com a sua especialidade;
f) vistorias e arbitramentos concernentes à matéria das alíneas anteriores.
Art. 35 - São da competência do engenheiro-geógrafo ou do geógrafo:
a) trabalhos topográficos, geodésicos e astronômicos;
b) o estudo, traçado e locação das estradas, sob o ponto de vista
topográfico;
c) vistorias e arbitramentos relativos à matéria das alíneas anteriores.
Art. 36 - Consideram-se da atribuição do agrimensor:
a) trabalhos topográficos;
b) vistorias e arbitramentos relativos à agrimensura.
Art. 37 - Os engenheiros agrônomos, ou agrônomos, diplomados pela
Escola. Superior de Agricultura e Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, ou por
escolas ou cursos equivalentes, a critério do Conselho Federal de Engenharia e
Arquitetura, deverão registrar os seus diplomas para os efeitos do art. 10.
§ único - Aos diplomados de que êste artigo trata será permitido o exercício
da profissão de agrimensor e a realização de projetos e obras concernentes ao
seguinte:
a) barragens em terra, que não excedam a cinco metros de altura;
b) irrigação e drenagem, para fins agrícolas;
c) estradas de rodagem de interêsse local e destinadas a fins agrícolas,
desde que nelas só haja bueiros e pontilhões até cinco metros de vão;
d) construções rurais destinadas a moradia ou fins agrícolas;
e) avaliações e perícias relativas à matéria das alíneas anteriores.
CAPÍTULO V
DAS PENALIDADES
Art. 38 - As penalidades aplicáveis por infração do presente decreto serão
as seguintes:
a) multas de 500$ (quinhentos mil réis) a 1:000$ (um conto de réis) aos
infratores dos arts. 1.°, 3.°, 4°., 5.°, 6.° e seu § único, e 7.°, e seu § único;
b) multas de 500$ (quinhentos mil réis), a 1:000$ (um conto de is) aos
profissionais, e de 1:000$ (um conto de réis) a 5:000$ (cinco contos de réis) às
firmas, sociedades, associações, companhias e emprêsas, quando se tratar de
infração do art. 8.° e seus parágrafos e do art. 17;
327
c) multas de 200$ (duzentos mil réis) a 500$ I(quinhentos mil réis) aos
infratores de disposições não mencionadas nas alíneas a e b ste artigo ou para
os quais não haja indicação de penalidade em artigo ou alínea especial;
d) suspensão do exercício da profissão, pelo prazo de seis meses a um
ano, ao profissional que, em virtude de erros técnicos, demonstrar incapacidade, a
critério do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura;
e) suspensão do exercício, pelo prazo de quinze dias a um mês às
autoridades administrativas ou judiciárias , que infringirem ou permitirem se
infrinjam o art. 9.° e demais disposições dêste decreto.
Art. 39 - São considerados como exercendo ilegalmente a profissão e
sujeitos à pena estabelecida na alínea a do art. 38:
a) os profissionais que, embora diplomados e registrados, realizarem atos
que o se enquadrem nos de sua atribuição, especificados no capítulo IV dêste
decreto;
b) os profissionais licenciados e registrados que exercerem atos que não se
enquadrem no limite de suas licenças.
Art.40 - As penalidades estabelecidas neste capítulo não isentam de
outras, em que os culpados hajam porventura incorrido, consignadas nos Códigos
Civil e Penal.
Art. 41 - Das multas impostas pelos Conselhos Regionais poderá, dentro do
prazo de sessenta dias, contados da data da respectiva notificação, ser interposto
recurso, sem efeito suspensivo, para o Conselho Federal de Engenharia e
Arquitetura.
§ 1.° - Não se efetuando amigavelmente o pagamento das multas, serão
estas cobradas por executivo fiscal, na forma da legislação vigente.
§ 2.° - Os autos de infração, depois de julgados, definitivamente, contra o
infrator, constituem títulos de dívida líquida e certa.
§ 3.° - São solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas os
infratores e os indivíduos, firmas, sociedades, companhias, associações ou
emprêsas e seus gerentes ou representantes legais, a cujo serviço se achem.
Art. 42 - As penas de suspensão do exercício serão impostas:
a) aos profissionais, pelos Conselhos Regionais, com recurso para o
Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura;
b) às autoridades judiciárias e administrativas, pela autoridade competente,
após inquérito administrativo regular, instaurado por iniciativa própria ou a pedido
do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura ou dos Conselhos Regionais,
quer de profissional ou associação de classe legalmente habilitados.
§ único - As autoridades administrativas e judiciárias incursas na pena de
suspensão serão, também, responsabilizadas pelos danos que a sua falta houver
porventura causado ou venha a causar a terceiros.
328
Art. 43 - As multas serão inicialmente aplicadas no grau máximo quando os
infratores já tiverem sido condenados, por sentença passada em julgado, em
virtude de violação dos arts. 134, .135, 148, 192 e 379 do Código Penal e dos arts.
1.242, 1.243, 1.244 e 1.245 do Código Civil.
Art. 44 - No caso de reincidência na mesma infração praticada dentro do
prazo de dois anos, a penalidade será elevada ao dôbro da anterior.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 45 - Os engenheiros civis, industriais, mecânico-eletricistas, eletricistas,
arquitetos, de minas e geógrafos que, à datada publicação dêste decreto,
estiverem desempenhando cargos ou funções, em ramo diferente daquele cujo
exercício seus títulos lhes asseguram, poderão continuar a exercê-los.
Art. 46 - As disposições do capítulo IV não se aplicam aos diplomados em
época anterior à criação das respectivas especializações nos cursos das escolas
federais consideradas padrões.
Art. 47 - Aos Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura fica
cometido o encargo de dirimir quaisquer dúvidas suscitadas acêrca das
especializações de que trata o capítulo IV, com recurso suspensivo para o
Conselho Federal, a quem compete decidir em última instância sôbre o assunto.
Art. 48 - Tornando-se necessário ao progresso da técnica, da arte ou do
país, ou, ainda, sendo modificados os cursos padrões, o Conselho Federal de
Engenharia e Arquitetura procederá à revisão das especializações profissionais,
propondo ao Govêrno as modificações convenientes.
Art. 49 - Dos anteriores registros de títulos de profissionais, efetuados nas
Secretarias de Estado, fedérais ou estaduais, os quais ficam adstritos à revisão do
Ministério da Educação e Saúde Pública, serão cancelados os que êste reputar
irregulares ou ilegais e incorporados ao registro de que se ocupa o capítulo II
dêste decreto os que considerar regulares e legais.
§ único - Os profissionais cujos títulos forem considerados regulares e
legais consoante êste artigo ficam: sujeitos também ao pagamento da taxa de
30$000 (trinta mil réis) relativa à expedição da carteira profissional de que trata o
art. 14.
Art. 50 Dos noves membros que, consoante as alíneas b e c do art. 20,
constituirão o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, serão sorteados, na
reunião inaugural, os seis que deverão exercer o respectivo mandato por um ano
ou por dois anos, cabendo cada prazo dêste a um dos membros constantes da
primeira daquelas alíneas e a dois dos da segunda.
Art. 51 - A exigência do registro do diploma, carta ou outro título será
efetiva após o prazo de seis meses contados da data da publicação dêste decreto.
329
Art. 52 - O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 53 - Ficam revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1933, 112.° da Independência e 45.° da
República.
GETULIO VARGAS
Joaquim Pedra Salgado Filho
Washington Ferreira Pires
Publicado no «Diário Oficial» de 15/12/1933.
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