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Desde o começo a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado
quanto a escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre
os indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado quase ao mesmo
tempo que o próprio projeto. Desde 1820 se constata que a prisão,
longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas
para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na
criminalidade.”
212
Mas, se a prisão é um fracasso tão notório e antigo, alguma razão deve
existir para que ela tenha se mantido até os dias de hoje como pena padrão de todo
sistema penal. Pois, se a prisão se mantém, é porque certamente realiza outras
funções com sucesso. Essa pergunta é o ponto de partida da busca das reais
funções do sistema penal pelos estudos críticos da prisão.
Antes mesmo do desenvolvimento da criminologia crítica, em 1939, Rusche
e Kirchheimer, representantes da primeira geração da Escola de Frankfurt
213
,
analisaram sob a perspectiva marxista o vínculo existente entre o mercado de
trabalho, o sistema punitivo e a prisão, em sua obra Punição e estrutura social.
Descreveram a origem histórica das prisões e concluíram que a prisão como pena
surgiu no sistema capitalista, para suprir várias necessidades do mercado
214
, no
decorrer do tempo. Afirma Kirchheimer:
Todo sistema de produção tende a descobrir formas punitivas que
correspondam às suas relações de produção. É, pois, necessário
pesquisar a origem e a força dos sistemas penais, o uso e a rejeição
de certas punições e a intensidade das práticas penais, uma vez que
elas são determinadas por forças sociais, sobretudo pelas forças
212
Michel FOUCAULT, Microfísica do poder, p. 131-132.
213
A chamada “Escola de Frankfurt” pode ser entendida como um rótulo que designa quatro
fenômenos: um acontecimento, ou seja, a criação, em 1923, em Frankfurt, do Instituto de
Investigação Social (Institut für Sozialforschung), por decreto do Ministério da Educação em
parceria com a Sociedade para a Investigação Social (Gesellschaft für Soziallforschung), sob a
inspiração de pensadores marxistas; um projeto científico denominado “filosofia social”; uma
atitude denominada “teoria crítica”; e uma corrente sociológica, contínua e diversa, com ênfase
nos estudos sobre a sociedade capitalista, suas desigualdades sociais e a dominação de classes
pela comunicação. Atribuem-se, em geral, à “Escola de Frankfurt” os nomes de Max Horkheimer,
Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin e Erich Fromm. Devido à perseguição sofrida
durante a Segunda Guerra, o Instituto fixou-se em 1941 nos Estados Unidos, ligando-se à
Universidade de Columbia. Ver Paul-Laurent Assoun.
214
Por exemplo, as casas de correção (workhouses), na Inglaterra, que tinham por fim, num período
de escassez de mão-de-obra, limpar as cidades de vagabundos e mendigos. Essas pessoas que
se encontravam fora do perfil da mão-de-obra assalariada eram preparadas por meio da disciplina,
ou mesmo pela aversão a ter de retornar a tais estabelecimentos para que no futuro entrassem no
mercado de trabalho espontaneamente.