ou seja, assimilados ao eu, o que denota novamente o perigo da inflação
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, embora por
motivos contrários:
É bem possível que a colocação do acento sobre a personalidade do eu e sobre o
mundo da consciência assuma tais proporções, que as figuras do inconsciente sejam
psicologizadas, e o si-mesmo, em conseqüência, assimilado ao eu. Embora isto
signifique o processo inverso relativamente ao que acabamos de descrever, a
conseqüência que se verifica é a mesma, ou seja, a inflação. Neste caso, o mundo da
consciência deveria ser demolido, em benefício da realidade do inconsciente. No
primeiro caso será preciso defender a realidade contra um estado onírico arcaico,
eterno e “ubíquo”; no segundo caso, deve-se, ao invés, dar espaço ao sonho, em
detrimento do mundo da consciência. Na primeira hipótese, recomenda-se o emprego
de todas as espécies possíveis de virtude. Na segunda eventualidade, a presunção do
eu só poderá ser sufocada por uma derrota moral. Isto se faz necessário, pois de outro
modo nunca se alcançaria aquele grau mediano de modéstia que é preciso para manter
uma situação de equilíbrio (Idem, 1988, p.23, § 47).
Nota-se que, em um primeiro momento, há um reforço da virtude, da moral e da
postura crítica obtida às duras custas na unio mentalis, produto do encontro com a sombra;
entretanto, em um segundo momento
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, “nao se trata de um afrouxamento moral, como se
poderia se supor, mas de um esforço moral numa direção diferente” (JUNG, 1988, p.23, §47).
Do ponto de vista psicológico, nesta fase do Opus Alchymicum, a crítica
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deve conseguir de
um lado, fixar alguns “limites racionais do eu, a partir de critérios universalmente humanos, e
de outro, conferir uma autonomia e uma realidade (de natureza psíquica) a figuras do
inconsciente, isto é, ao si-mesmo, à anima e à sombra” (JUNG, 1988, P. 21-22, §44). De
modo geral, a virada começa aos 35 – 40 anos. A atração do mundo exterior se torna menos
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Jung acrescenta: “... quanto maior for o número de conteúdos assimilados ao eu e quanto mais significativos
forem, tanto mais o eu se aproximará do si-mesmo, mesmo que esta aproximação nunca possa chegar ao fim.
Isto gera inevitavelmente uma inflação do eu, caso não se faça uma separação prática entre este último e as
figuras inconscientes” (JUNG, 1988, p. 21, § 44). Neste sentido, quando o homem se identifica com os
conteúdos a serem integrados, ocorre uma inflação positiva ou negativa. A inflação positiva, segundo Jung, “
assemelha-se a uma megalomania mais ou menos consciente; a inflação negativa vai resultar num aniquilamento
do eu. Também pode acontecer que esses dois estados se alternem.Em todo caso, a integração de conteúdos que
sempre estiveram inconscientes e projetados significa uma grave lesão do eu” (JUNG, 1999[C], p. 129, § 472).
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O primeiro estágio da coniunctio, a saber a unio mentalis, corresponde a uma restrita análise da sombra.
Entretanto, no segundo estágio, a saber, a união da unio mentalis com o corpo, é necessário que antes o indivíduo
se defronte com a sua anima, como será visto maios adiante neste capítulo. Sobre este aspecto Jung acrescenta:
“A sombra pode ser integrada de algum modo na personalidade, enquanto certos traços como o sabemos, opõem
obstinada resistência ao controle moral, escapando portanto a qualquer influência. De modo geral, estas
resistências ligam-se a projeções que não podem ser reconhecidas como tais e cujo conhecimento implica um
grande esforço moral que ultrapassa os limites habituais do indivíduo. Os traços da sombra podem ser
reconhecidos, sem maior dificuldade, mas tanto a compreensão como a vontade falham, pois a causa da emoção
parece provir, sem dúvida alguma, de outra pessoa (...)” (JUNG, 1988, p. 7, § 16).
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Sobre este aspecto acrescenta Jung: “...Quem não é suficientemente responsável, por exemplo, precisa de um
desempenho moral, a fim de que possa satisfazer a mencionada exigência. Para aqueles, porém, que são
suficientemente enraizados no mundo, em virtude de seus próprios esforços, vencer suas virtudes, afrouxando,
de algum modo, os laços de sua relação com o mundo e diminuindo a eficácia de seu esforço de adaptação,
representa um desempenho moral notável” (Idem, 1988, p.23, § 47).