38
subjacente à forma sujeito-predicado adstrita às línguas indo-européias. O motivo, por exemplo, que
levou Bertrand Russel a se opor à noção de substância reside no fato de ter ele descoberto um nova
lógica não fundamentada na forma de proposição sujeito-predicado. Chang Tung-Sun, no seu
ensaio
A Teoria do Conhecimento de um Filósofo Chinês
, e Benjamin Whorf, no seu trabalho
An
American Indian Model of the Universe
, mostram como a linguagem dos chineses e dos indígenas
hopi, respectivamente, não possuem o conceito de substância devido ao fato de não se estruturarem
na forma sujeito-predicado. Com efeito, Chang Tung-Sun nos afirma que:
pode-se afirmar definitivamente que a base da Lógica aristotélica está na forma sujeito-predicado da
estrutura da linguagem. O verbo “ser” tem significado de existência, e a Lógica ocidental está intimamente
ligada ao verbo “ser” nas línguas ocidentais. Dele decorrem muitos problemas filosóficos. Por ter o verbo “ser”
um significado de existência, a “lei da identidade” é inerente à Lógica ocidental; sem ela, não pode haver
inferência lógica. Por conseguinte, a Lógica ocidental pode ser qualificada de “lógica da identidade”. A lei da
identidade não se limita a controlar as operações lógicas como as deduções e inferências: influencia também os
conceitos do pensamento. A substância é um simples derivado do sujeito e do verbo “ser”. Deste último
porque, implicando “existência”, leva naturalmente à idéia de “ser”, de “ente”, e do primeiro porque, numa
proposição com sujeito e predicado, o sujeito não pode ser eliminado. Partindo da indispensabilidade do sujeito
numa sentença, vai apenas um curto passo até a necessidade de um substratum no pensamento. Com o
substratum surge a idéia de “substância”. A idéia de substância é, na verdade, o fundamento ou fonte de todos
os outros desenvolvimentos filosóficos. Havendo uma descrição qualquer, ela passa a ser atributo. Um atributo
deve ser atribuído a uma substância, de modo que a idéia de substância é absolutamente indispensável ao
pensamento, assim como o sujeito é absolutamente indispensável à linguagem.
Mas a linguagem chinesa, caracterizando-se pelo uso da lógica da correlação, nada tem a ver com a
identificação. Por serem ideográficos, os caracteres chineses enfatizam os signos, ou símbolos dos objetos. O
chinês interessa-se apenas pelas inter-relações entre os diferentes signos, sem preocupar-se com a substância
que lhes fica subjacente. Daí a consideração relacional ou correlacional. É também em virtude deste fato que
não existe nenhum vestígio da idéia de substância no pensamento chinês. Na China não existe a palavra
substância. Para o espírito chinês, não faz a menor diferença que exista ou não um substratum supremo
subjacente a todas as coisas.
36
Ainda Yu-Kuang Chu completa:
A possibilidade de dispensar o sujeito em chinês torna mais fácil imaginar o cosmo num perpétuo
processo circular de transição, sem necessidade de postular um agente externo para atuar ou controlar o
processo. É um conceito-chave da cosmologia chinesa. Esta concepção reflete uma falta de interesse pela
substância, pelo substrato das coisas. Sem o padrão sujeito-predicado na estrutura da sentença, o chinês não
desenvolveu a noção da identidade na Lógica, nem o conceito de substância em Filosofia. E sem esses
conceitos, não poderia haver noção de causalidade, nem de Ciência. O chinês desenvolve, em lugar disso, uma
Lógica correlacional, um pensamento analógico e um raciocínio relacional que, apesar de inadequado para a
Ciência, são extremamente úteis em teoria sociopolítica. É por isso que, primacialmente, a Filosofia chinesa é
uma Filosofia da vida.
37
De maneira um tanto semelhante Benjamin Whorf observa que:
As línguas indígenas mostram que com uma gramática adequada temos sentenças inteligentes que não
podem ser quebradas em sujeitos e predicados. A maneira em inglês de se falar depende do contraste de duas
classes artificiais, substantivos e verbos. Nossa sentença normal, com exceção do imperativo, deve ter algum
36
Chang Tung-Sun,
A Teoria do Conhecimento de um Filósofo Chinês
, do livro
Ideograma – Lógica, Poesia,
Linguagem
, organizado por Haroldo de Campos, Editora Cultrix Ltda, 1986, São Paulo, SP.
37
Isto esclarece, segundo Chang Tung-Sun, porque o marxismo, sendo essencialmente uma filosofia voltada para as
questões sociais e políticas, eliminou a lei de identidade e propôs a lei de oposição no raciocínio.