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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA UNIVERSIDADE: UMA
TENDÊNCIA À PRIMAZIA DA PRÁTICA?
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
CLAUDIA VERA JANKOWSKI
Brasília DF
MARÇO DE 2006
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ii
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA UNIVERSIDADE: UMA
TENDÊNCIA À PRIMAZIA DA PRÁTICA?
CLAUDIA VERA JANKOWSKI
Dissertação apresentada à Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília
como requisito parcial para obtenção do
tulo de Mestre em Educação, na área de
Aprendizagem e Trabalho Pedagógico.
Orientadora: Profª Drª MARIA CARMEN VILLELA ROSA TACCA
Março de 2006
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iii
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA UNIVERSIDADE: UMA
TENDÊNCIA À PRIMAZIA DA PRÁTICA?
Dissertação defendida sob avaliação da Comissão Examinadora constituída por:
_________________________________________________________________
Profª Doutora Maria Carmen Villela Rosa Tacca (orientadora) - UnB
_________________________________________________________________
Profº Doutor Roberto dos Santos Bartholo Junior - UFRJ
_________________________________________________________________
Profª Doutora Maria Helena da Silva Carneiro UnB
_________________________________________________________________
Profª Doutora Gabriela Tunes da Silva (suplente)
iv
Ao meu companheiro e poeta.
Meu grande amor.
À minha mãe, espelho de minha força.
Meu orgulho.
Ao meu pai, sempre presente em espírito.
Minha saudade.
v
Na verdade há diversos tipos de cientistas.
Alguns preferem trabalhar sozinhos;
outros trabalham em equipe e, por fim,
há os que formam discípulos.
Wilhelm von Humboldt
vi
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª Drª Maria Carmen Villela Rosa Tacca, pela presença, apoio,
formação e por ser quem ela é.
Às professoras Maria Helena da Silva Carneiro e Elizabeth Tunes pelos momentos de
discussão e reflexão.
Às professoras Cristina Coelho e Albertina Mitjáns Martinez pelo incentivo.
Às professoras e aos alunos que participaram deste trabalho, pela sua colaboração.
À CAPES pelo apoio financeiro.
A todos que, de alguma forma e em algum momento, auxiliaram neste trabalho.
Aos amigos pela presença.
À Ruy por estar sempre ao meu lado.
vii
RESUMO
O presente estudo centra-se no reconhecimento das concepções presentes na
universidade, responsáveis pelo movimento a uma tendência de mais valia da prática na
formação profissional, especialmente nos cursos destinados à formação de professores.
A hipótese aqui sustentada é de que a força para esta tendência repousa em aspectos
que norteiam a constituição da instituição universitária, e nos princípios que fundamentam
a relação que se estabelece entre o sistema econômico vigente e a educação brasileira.
Esta pesquisa apoiou-se metodologicamente na análise de documentos que sustentam
a estrutura universitária, bem como, em um trabalho de campo com um grupo de 63 alunos
de curso de formação de professores na área de Ciências Biológicas, que responderam a
um questionário. A partir deste primeiro instrumento, foi formado um grupo de discussão
com 3 desses alunos, no qual foi feito o aprofundamento necessário nas questões
pertinentes ao estudo em foco.
Baseando-se em uma discussão teórica, a partir dos trabalhos de Bartholo Jr. (1986;
1992; 2001), Campos (2001), Polanyi (2000) e Tunes (2005), conclui-se que as concepções
que fomentam esta valorização dos aspectos práticos da formação oportunizada pela
universidade relacionam-se diretamente com as premissas do processo de mercantilização
do conhecimento, advindo do atual sistema econômico, voltado para o mercado. Verifica-
se, portanto, a presença de uma visão utilitarista representada pela prioridade dada à
pesquisa aplicada e pela valorização dos aspectos práticos do conhecimento, os quais
acredita-se vão permitir uma melhor aprendizagem e uma formação profissional mais
próxima à realidade, o que também é visto como necessário e muito significativo no que
diz respeito ao trabalho pedagógico do professor e, conseqüentemente, à sua formação.
A contribuição deste trabalho assenta-se na reflexão sobre a universidade brasileira
contemporânea e as concepções presentes em seu contexto, responsáveis por apoiar a visão
utilitarista que serve como sustentáculo do processo de mercantilização do conhecimento, e
como isso se faz muito presente nos cursos para formação de professores.
viii
ABSTRACT
The present study is focused on the recognition of existing university conceptions
responsible for a trend towards a surplus value of the practice on professional formation,
mainly in courses addressed to teacher formation.
The hypothesis sustained here is that the force behind this tendency relies upon
aspects that drives universitary foundation and upon principles that base on a relation
between present economic system and brazilian education.
This research was methodologically based on the analysis of documents related to the
university structure and also on a field survey on a group of 63 students from the
Biological Science teacher formation course, followed by a discussion group formed by 3
of these students to further deepened study pertinent questions.
From a theoretical discussion of Bartholo Jr. (1986; 1992; 2001), Campos (2001),
Polanyi (2000) and Tunes (2005), one concludes that the conceptions behind such
valorization relate directly to premises of the knowledge mercantilization process, as
consequence of a turning towards market present economic system. Therefore, one
observes the presence of an utililitarian vision, represented by the given priority to applied
research and by the increase in value of the knowledge practical aspects, which are
believed to permit a better learning and a more realistic professional formation. It is also
seen as necessary and very significant to the teacher pedagogic work and consequently to
its formation.
The contribution of this work is reflect upon contemporary brazilian university and the
conceptions presented on its context, responsible for an utilitarian vision that supports a
mercantilization of the knowledge, which is very present on the teacher formation courses.
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................
01
I. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. A universidade: sua história e sua contemporaneidade .......................................... 05
1.1. Dos filósofos à universidade ............................................................................. 05
1.2. Da Academia Real à universidade brasileira .................................................... 16
2. A mercantilização do conhecimento ....................................................................... 29
2.1. A economia de mercado e a criação da mercadoria conhecimento .................. 29
2.2. O utilitarismo e o conhecimento ....................................................................... 37
3. A mercantilização do conhecimento na universidade .............................................
45
3.1. A universidade em uma sociedade de mercado ................................................ 45
3.2. Formação de professores: a visão utilitarista presente nos cursos de
Licenciatura ...................................................................................................................
60
3.3. Uma expressão do utilitarismo: o primado da prática ...................................... 70
II. OBJETIVOS .......................................................................................................... 77
III. METODOLOGIA
1. Os procedimentos da pesquisa ................................................................................ 78
2. Os participantes da pesquisa ................................................................................... 79
3. Os instrumentos da pesquisa ................................................................................... 80
IV. RESULTADOS
1. Análise das informações obtidas com o questionário ............................................. 82
2. Análise das informações obtidas com o grupo de discussão .................................. 90
V. DISCUSSÃO
1. A valorização da prática na universidade e a formação de professores ..................
101
x
2. O papel da universidade hoje .................................................................................. 107
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................
118
ANEXOS ...................................................................................................................... 125
INTRODUÇÃO
O presente estudo nasceu de uma insatisfação compartilhada por diversos professores
de cursos superiores, em especial os de Licenciatura, com relação à cobrança por parte dos
alunos, de mais atividades práticas e do ensino de técnicas e metodologias que possam ser
aplicadas quando estiverem em sala de aula. Agregada a esta cobrança há também uma
desvalorização dos aspectos teóricos abordados nas disciplinas, motivada pela crença de
que estes só são necessários para a ação docente se servirem como instrumentos para o
professor, ou seja, se forem diretamente aplicáveis à realidade escolar. Associada a
expectativa dos alunos com relação aos conhecimentos a eles oportunizados, há uma
preocupação por parte dos professores universitários, relacionada ao distanciamento dos
graduandos para com uma formação mais voltada ao desenvolvimento de um pensar crítico
sobre o contexto em que eles vivem e atuam.
Nas duas situações acima descritas, verifica-se o estabelecimento de uma dicotomia
entre teoria e prática, na qual reforçam-se as concepções de que a “teoria é uma coisa e a
prática é outra”, que “a realidade é muito diferente da teoria” ou de que “a teoria não serve
para nada”. Com relação a estas concepções e a polarização que elas estabelecem entre os
conhecimentos teóricos e os práticos, Candau & Lélis (1983) realizaram uma pesquisa em
quatro universidades do Rio de Janeiro, tendo como foco os cursos de Licenciatura e os de
Pedagogia. Ao analisarem os documentos reguladores destes cursos e entrevistarem ou
questionarem alunos e professores, verificaram a presença da separação entre estes
conhecimentos tanto nos currículos dos cursos como nas falas e registros dos alunos e
professores.
Costa (1988) também levanta a questão desta dissociação entre teoria e prática,
presenciando-a tanto no senso comum como no meio acadêmico, ressaltando aí a área
educacional. Oliveira (1994) fez uma pesquisa semelhante aos trabalhos das autoras
anteriormente citadas, que teve como objetivo estudar de que forma se processava a
produção de conhecimento nas escolas de Magistério (2º grau) e qual a importância desse
conhecimento para a formação profissional do futuro professor. Uma das conclusões a que
chegou a autora foi de que a dicotomização entre a teoria e a prática está situada no próprio
currículo do curso. Outro fato levantado ao se finalizar o estudo, estava relacionado com a
2
importância que tanto alunos como professores davam para as disciplinas classificadas
como práticas.
Nesta forma de se entender a relação entre teoria e prática percebe-se uma separação
entre estes elementos, como se eles não se relacionassem entre si. Verifica-se na cobrança
dos alunos por técnicas e atividades práticas, uma expectativa de que a teoria sirva para ser
aplicada, ou seja, os conhecimentos teóricos devem ser prescrições para as atividades
práticas. Segundo Tunes & Carneiro (2002) é este anseio que leva os professores a um
sentimento de frustração com relação às teorias, e a idéia de que estas não têm utilidade
para a sua prática docente.
Esta visão dicotômica sobre o conhecimento e a pouca busca por um saber que possa
propiciar um pensar crítico, não é exclusividade dos alunos de cursos de Licenciatura. No
contexto escolar de 1º e 2º graus, também se faz presente entre os docentes já formados e
em atuação, uma depreciação com relação aos conhecimentos teóricos da área pedagógica,
e uma motivação maior em se adquirir um conhecimento relacionado ao fazer prático. Esta
perpetuação na mais valia dos conhecimentos práticos em relação aos teóricos torna-se
preocupante, na medida em que, estes professores ao atuarem junto a seus alunos podem na
sua ação oportunizar poucos momentos para uma formação mais crítica, reduzindo o
processo de ensino-aprendizagem a uma simples instrumentalização do estudante. Assim,
ele se concentrará mais na transmissão de conteúdos e no cumprimento de seu
planejamento, do que com a formação do aluno em si. Da mesma forma, preocupa o maior
interesse dos estudantes de Licenciatura por conhecimentos aplicados, pois isto pode trazer
como perspectiva a continuidade de uma ação docente limitada ao seu aspecto instrumental.
Neste sentido, questiona-se: que concepções presentes na universidade fazem com que esta
primazia da prática se mobilize e se perpetue, e como isto se apresenta nos cursos de
formação de professores? Foi no intuito de responder a estas perguntas que realizamos o
presente estudo.
Assim, objetiva-se com este trabalho, reconhecer as concepções presentes na
universidade, que dão movimento à tendência de se valorizar mais os aspectos práticos da
formação em detrimento dos teóricos, e como isto se apresenta nos cursos para formação
de professores.
Para se alcançar o objetivo proposto, viu-se a necessidade de contextualizá-lo dentro
de outros temas. Desta forma, estruturou-se a fundamentação teórica em três partes. Na
primeira é feita uma reflexão sobre a história da universidade, no sentido de se
compreender a sua origem e o seu processo de constituição, recorrendo-se principalmente
3
ao trabalho de Campos (2001). Com base neste estudo, percorreu-se um caminho na
história da universidade que se iniciou com os filósofos pré-socráticos dos séculos VI e V
a.C., passando depois pela Idade Média, até chegar ao século XIX com a proposta
universitária de Wilhelm von Humboldt.
O mesmo trilhar histórico realizado com a universidade como instituição, foi feito
com a universidade brasileira, no intuito de se compreender o seu processo de constituição
e, assim, elucidar os princípios que a sustentam atualmente. O contexto brasileiro inicia-se
no século XIX, com o estabelecimento da Academia Real por D. João VI, seguido pelas
mudanças instituídas no início do período republicano até os dias atuais.
Concomitantemente a esta retrospectiva, realizou-se a análise de alguns documentos que
regulamentam e estruturam a universidade atual. Assim, obteve-se uma visão dos
princípios que a constituíram no decorrer do tempo e os que a compõem hoje.
Na segunda parte da fundamentação teórica, discute-se o processo de mercantilização
do conhecimento. Como apoio para esta discussão, contou-se com as idéias de Polanyi
(2000) sobre a origem da atual economia de mercado e o estudo de Tunes (2005) sobre a
criação da mercadoria conhecimento. Desta forma, identificou-se a origem da visão
utilitarista sobre o conhecimento presente no contexto universitário. Na terceira e última
parte, situa-se o processo de mercantilização do conhecimento no âmbito da universidade,
ressaltando-se a visão utilitarista presente nos cursos para formação de professores.
Ao centralizar-se a discussão neste ponto, de igual maneira como foi feito com a
universidade, realizou-se um retrospecto a respeito da formação docente no Brasil, desde
1930 até a contemporaneidade. Assim, pode-se compreender quais as concepções que
estão por detrás da separação entre teoria e prática feita por alunos e professores, e de que
forma elas se articulam com a visão utilitarista e a mercantilização do conhecimento
presentes no contexto universitário, mais especificamente, nos cursos de Licenciatura.
No capítulo referente à metodologia são explicitados os procedimentos utilizados no
presente estudo, os instrumentos adotados e os participantes da pesquisa. Nas partes
subseqüentes, apresentam-se os resultados e sua discussão, retomando-se para isto,
algumas das discussões realizadas no decorrer da fundamentação teórica.
O propósito deste estudo não é condenar o modelo atual de universidade, nem
desvalorizar as concepções de alunos e professores, muito menos, propor uma solução para
os problemas encontrados no ensino universitário brasileiro. O que se pretende é contribuir
para uma reflexão sobre a universidade atual, enfocando as concepções que a estruturam e
4
que acabam por sustentar a visão utilitarista sobre o conhecimento presente nos cursos para
formação de professores.
5
I. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. A universidade: sua história e sua contemporaneidade
1.1. Dos filósofos à universidade
A universidade contemporânea nem sempre foi como a conhecemos hoje. Na verdade,
o termo universidade só passou a ser usado a partir do século XV. Antes disso, estas
instituições eram conhecidas como escolas e, posteriormente, como Studium. Para
fazermos um retrospecto da história da universidade, nos pautaremos principalmente no
trabalho desenvolvido por Campos (2001), intitulado “Identidade e diferença no
nascimento da universidade”, obra em que a autora faz uma análise histórica sobre esta
instituição, desde os filósofos gregos anteriores a era cristã até o século XIX com a
proposta universitária de Wilhelm von Humboldt.
Segundo a autora, os primeiros filósofos gregos dos séculos VI e V a.C., chamados de
pré-socráticos, eram reconhecidos como naturalistas ou físicos devido a sua preocupação
com o mundo. Ao elaborarem seus questionamentos, tinham como base a razão. Já os
sofistas e os socráticos do período humanista, século V a.C., refletiam sobre o ser humano,
principalmente o que se referisse à vida em sociedade. Os temas giravam em torno da
cultura, da educação, da preparação para a vida política, além da procura por novas
concepções a respeito da sabedoria, da virtude e, também, por formas de conduta que
estivessem de acordo com as novas normas da sociedade grega. Sócrates (470/69-399 a.C.)
respondia a essas questões apontando para a alma como a essência do ser humano e,
afirmava ele, era a partir dela que o homem deveria ser avaliado, pelos valores da alma
substanciados no conhecimento, entendido como o verdadeiro bem.
Platão e Aristóteles vieram no período subseqüente, século IV a.C., caracterizado pela
organização e aprofundamento dos elementos sintetizados dos filósofos antecessores.
Platão (428/7-347 a.C.) condensou elementos pré-socráticos, sofísticos e socráticos em um
sistema que distinguia no ser dois planos: um fenomênico e visível e outro invisível e
metafenomênico, este último perceptível apenas pela mente. Assim, passou a valer o
raciocínio puro e aquilo que podia ser compreendido pelo intelecto. Esta caracterização das
duas dimensões do ser viria a condicionar todo o pensamento ocidental. Portanto, as idéias
6
de Platão e Aristóteles marcaram uma ruptura com a forma de se entender o homem e o
mundo. A essência do ser humano deixa de ser a sua alma, cujos valores eram
representados pelo conhecimento, e passa a ser a sua mente.
Platão foi o responsável por fundar em Atenas uma escola chamada Academia,
voltada para a busca e a transmissão do conhecimento. Além da filosofia, eram também
privilegiadas, a matemática, a astronomia, a medicina, a história natural e a jurisprudência.
Um dos discípulos de Platão que estudou em sua escola foi Aristóteles (384-322 a.C.).
Entretanto, apesar da convivência e da formação compartilhada, os dois filósofos
apresentavam orientações diferentes. Enquanto Platão tentava explicar as coisas pelo
mundo das idéias, Aristóteles preferia as informações obtidas pela experiência e criticava a
visão dicotômica de Platão sobre o ser. Para Aristóteles todas as coisas eram formadas
pela unicidade entre forma (essência) e matéria. Nos seres vivos, a alma seria a forma,
aquilo que tornaria o corpo vivo, e seria composta por dois níveis funcionais, o vegetativo
e o sensitivo. Já no caso da alma humana haveria um terceiro nível, o intelectivo ou
racional.
Neste caso, a razão poderia seguir por três caminhos diferentes, cada um deles
equivalente a um ramo da Ciência. Se a razão se voltasse para a contemplação, para a
busca da verdade, do saber por si mesmo, o ramo da Ciência seguido seria o da teorética.
Se a razão seguisse para a ação prática, pela busca do saber com o objetivo de atingir a
perfeição moral, seria o ramo da Ciência prática. E, por fim, se a condução da razão fosse
para a confecção de objetos, para a procura do saber pelo prazer dos objetos fabricados ou
pela sua utilidade, seria o ramo da Ciência poiética (Campos, 2001). Como veremos
oportunamente, esta distinção entre a prática e a poiética desaparecerá com o tempo, e a
prática passará a ser relacionada com uma ação voltada para um fim externo ao indivíduo
ou para a produção de algo útil.
No período helenístico, Atenas não era mais o único grande centro filosófico, apesar
de ainda permanecer como o principal. Outras cidades se destacaram, dentre elas, Pérgamo,
Antioquia e Alexandria, considerada a capital da civilização helenística. Entretanto, com a
conquista macedônia e depois romana, as cidades-estado helênicas perderam autonomia e
deixaram de ser importantes politicamente, levando à perda do referencial para a vida em
sociedade. Os sistemas platônico e aristotélico perderam o apelo e outras filosofias se
desenvolveram no limiar dos séculos IV e III a.C. Apesar de terem características
diferentes, as novas filosofias compartilhavam alguns pontos em comum, como a visão
materialista da realidade, a desvalorização da vida e da atividade pública, a separação entre
7
ética e política e a busca por meios que possibilitassem a associação entre homens que não
pertenciam a uma mesma comunidade política. Além disto, tendiam a desvalorizar a teoria
1
em prol da “finalidade prática da busca do conhecimento” (Campos, 2001 p.37), pois seria
por ele que se conseguiria obter os meios para se atingir uma vida feliz. Ainda no período
helenístico, Alexandria foi palco de um grande desenvolvimento científico, resultado do
trabalho para torná-la uma capital cultural atrativa para os estudiosos. Assim, criou-se o
Museu e uma Biblioteca anexa, como a instituição que possibilitaria aos intelectuais
trabalhar.
A desvalorização da teoria e a busca por um conhecimento tendo em vista uma
finalidade prática, já demonstra a presença de uma visão utilitarista sobre o conhecimento.
Esta visão será aprofundada na Idade Média e se perpetuará até os dias atuais.
Na Antigüidade, entre o final da era pagã e início da cristã, algumas escolas filosóficas
foram retomadas, como as filosofias helenísticas, o aristotelismo e, em especial, o
platonismo. Entretanto, todas foram influenciadas pela religiosidade que se intensificava na
época. Mais tarde, parte desta filosofia e teologia produzidas foram transmitidas
diretamente aos cristãos ocidentais da Idade Média pelos mosteiros, maiores responsáveis
por um ensino segundo os modelos antigos. Os manuscritos antigos eram guardados nas
bibliotecas dos mosteiros e ali reproduzidos e estudados pelos monges.
Desta forma, aproximadamente a partir do século VII, as atividades de ensino eram
quase que totalmente de responsabilidade da Igreja, principalmente daquelas vinculadas a
mosteiros. Eram as chamadas escolas monásticas. O objetivo do ensino nestas escolas era
capacitar os indivíduos para que as escrituras fossem preservadas e compreendidas, assim
como os textos doutrinários. Além disto, visava-se também preparar os integrantes do clero
para participar da administração eclesiástica (Campos & Bartholo Jr., 2001). A importância
das escolas monásticas na transmissão de conhecimentos alcançou o seu auge entre os
séculos IX e XI. Os métodos utilizados baseavam-se na explicação, comentários e
discussão de textos, sempre se considerando o que os autores diziam, pois eles eram tidos
como autoridades naquele assunto.
Cabe esclarecer que neste período, segundo Ariès (1981), as escolas não faziam
distinção de idade entre os alunos, portanto, em uma mesma sala misturavam-se adultos
com crianças. O que importava era a matéria ensinada independente da idade do aluno. As
classes escolares começaram a surgir ao longo do século XV, quando a população escolar
1
Teoria entendida segundo Aristóteles, explicitada no texto ao nos referirmos a teorética.
8
começou a ser dividida em grupos de mesma capacidade, que ficavam sob a
responsabilidade de um mesmo mestre. Porém, ainda permanecia a mistura de idades, pois
o que valia era o grau de conhecimento do aluno. Apenas no século XIX, com o
reconhecimento das diferentes fases da infância, que os mestres passaram a organizar as
classes escolares de acordo com a idade dos alunos.
No final do século XI, deu-se início a um grande desenvolvimento da vida intelectual
e de movimentos de expansão do cristianismo em regiões da Europa Central e Oriental,
Sicília e Península Ibérica. Ainda neste período, devido à revitalização das cidades, as
escolas monásticas começaram a perder espaço para as escolas que eram vinculadas a
igrejas urbanas, principalmente as catedrais. Essas escolas urbanas, também chamadas de
episcopais, já existiam em alguns locais antes do século XI, mas foi neste período em
específico que elas começaram a aumentar em número e a crescer em tamanho e
importância. Isto se deveu à necessidade de se ter um clero melhor preparado para
desenvolver atividades mais complexas e para compreender de forma mais profunda o
cristianismo. Um outro motivo para o aumento das escolas episcopais foi a crescente
adesão de pessoas que, apesar de não se interessarem por uma carreira no clero, queriam
ter acesso aos estudos (Campos & Bartholo Jr., 2001; Campos, 2001).
Enquanto as escolas episcopais se fortaleciam e atendiam às novas necessidades de
ensino, as monásticas voltavam-se para as suas próprias necessidades, mantendo em
muitos casos, somente a instrução de seus próprios monges. Mas apesar disto, a atividade
intelectual nos mosteiros permanecia, pois eles continuavam como locais de guarda e
divulgação da cultura erudita religiosa.
De acordo com Campos & Bartholo Jr. (2001), no princípio, os professores das
escolas episcopais eram membros do capítulo da Igreja, cuja tarefa de ensinar era apenas
mais uma dentre outras atividades a se fazer. Porém, com o aumento do número de
interessados em estudar, sobretudo no século XII, houve a necessidade de incumbir esta
tarefa a pessoas que não pertenciam ao capítulo, os chamados “professores agregados”. No
início, estes professores utilizavam as dependências das igrejas e das catedrais para ensinar.
Posteriormente, eles obtiveram a licentia docendi, uma licença especial que os permitia
manter escolas independentes da Igreja. Com isso, surgiram várias escolas desvinculadas
do clero, originadas da reunião de alunos interessados nos ensinamentos dos professores.
Os custos relacionados à remuneração destes docentes e ao pagamento do que fosse
necessário para que as aulas ocorressem, eram normalmente de responsabilidade dos
9
próprios alunos. Entretanto, como estas escolas independentes não tinham estrutura
material ou institucional, elas não persistiam por muito tempo.
Com o fortalecimento das escolas urbanas, o ensino de conhecimentos não laicos
ganhou um espaço crescente. Algumas escolas centravam o ensino em alguma área
específica ou disciplina, o que deu origem a especializações. Surgiram, por exemplo,
escolas voltadas ao ensino de dialética, aos estudos literários, ao direito e à medicina. Além
disto, começava a haver um movimento migratório de estudantes à procura de uma escola
ou de um professor que mais lhe chamasse a atenção. O aumento populacional e a
complexidade social e econômica demandavam novas necessidades, dentre elas, a procura
por pessoas mais qualificadas, por isso a busca por uma maior especialização e formação
profissional.
Isto aumentou a importância do ensino e a necessidade de maior especialização e
dedicação por parte dos professores, o que permitiu a alguns serem reconhecidos
especificamente por suas atividades docentes e pela qualidade com que as executavam,
levando-os a profissionalizarem-se e a receberem por seus serviços educacionais (Campos
& Bartholo Jr., 2001). Portanto, o ensino oportunizado nas instituições escolares também
era voltado para a capacitação ou profissionalização específicas. A busca era por uma
educação escolarizada, não pelo conhecimento em si, mas por um conhecimento com
vistas a uma aplicação, portanto, um conhecimento útil.
Os métodos e técnicas de ensino nas escolas urbanas aproximavam-se ao das escolas
monásticas, com a leitura de um texto, uma introdução sobre o autor, comentários e
discussão. Com o tempo, este método foi modificando-se, integrando-se a ele a dialética, a
análise lógica junto a comentários, a busca pela doutrina contida no texto e o
questionamento dos enunciados. Associadas a estas técnicas orais havia também as glosas,
formas escritas dos comentários feitos oralmente. Essa forma de ensinar, pautando-se na
confiança e na razão, era a principal corrente das escolas urbanas do século XII.
Segundo Campos & Bartholo Jr. (2001), com o passar do tempo, houve a necessidade
por parte das escolas monásticas e episcopais de buscar e trocar textos entre as bibliotecas
dos mosteiros, o que levou a um aumento e aprofundamento das disciplinas ministradas.
Com este fato, veio a necessidade por mais textos, dando início no século XII a um
movimento de tradução de textos, principalmente a partir do árabe(p.25), pois muito
dos conhecimentos filosóficos e científicos gregos haviam sido traduzidos para esta língua.
Todavia, o movimento de traduções não foi sistematizado nem centralizado, mas composto
na maior parte por iniciativas individuais. Isto permitiu a disponibilização de um grande
10
número de textos e de obras científicas, filosóficas e herméticas de diversas origens, o que
levou a ter, em alguns casos, várias versões para o mesmo texto, ao mesmo tempo em que
outros permaneceram ignorados. Entretanto, apesar deste movimento de tradução e troca
de textos, os livros na época permaneciam escassos.
Em virtude do aumento no número de alunos e de professores e, principalmente,
devido à compreensão de que eles formavam um grupo diferenciado com necessidades
próprias, docentes e estudantes começaram a se reunir em associações e as escolas a se
unirem, dando origem, no século XIII, às instituições que futuramente levariam às
universidades. Deve-se esclarecer que não era uma reunião de diferentes escolas ou cursos,
pois permanecia a união de alunos em torno de um professor que tinha sua forma pessoal
de ensinar. A diferença é que eles passavam a integrar uma federação, também chamada de
associação ou corporação. O objetivo das associações era a defesa de interesses e a
reivindicação do que os associados entendiam como sendo de seu direito, por exemplo, a
regulamentação do ensino e o controle de abusos por parte de professores e alunos
(Campos & Bartholo Jr., 2001).
No final do século XII começou a se formar em Paris uma corporação de professores e
alunos. No início do século XIII ela organizou-se formalmente e, progressivamente,
ganhou o reconhecimento de seus direitos. Esta organização encontrou resistência na
diocese, mas recebeu apoio do papado que, inclusive, incentivou a busca pela autonomia
2
da escola e pela auto-regulamentação de suas atividades como uma corporação de verdade.
Aos poucos, o vínculo com a diocese foi se enfraquecendo e, em 1215, por meio de um
legado papal, formaram-se os primeiros estatutos oficiais da corporação de professores e
alunos de Paris. Estes estatutos foram o reconhecimento formal da corporação e do
Studium
3
de Paris e regulamentavam as condições para se ter a licença docente para se ter o
acesso aos cursos, aos programas de ensino e a metodologia que deveriam ser seguidos.
Além disto, determinavam o limite de escolas participantes e proibiam a troca de escolas
ou a presença de alunos desvinculados de um professor (Campos, 2001).
O Studium consistia em uma federação das escolas independentes, onde cada uma era
responsável pelo ensino de uma disciplina. Eram formados por um professor titular, seus
assistentes alunos mais adiantados e pelos alunos que eram vinculados a ele. As escolas
que se dedicavam a uma mesma disciplina formavam um grupo chamado Faculdade. No
2
Autonomia entendida como liberdade de direitos, no sentido de, privilégio, imunidade e concessão
(Campos, 2001 p.159).
3
A partir do século XV o Studium passaria a ser chamado de universidade (Campos, 2001).
11
caso de Paris, no século XIII havia as Faculdades de direito, de artes liberais, de teologia e
de medicina. Cabe esclarecer que as Faculdades eram subconjuntos do Studium, ou seja, da
associação de pessoas vinculadas ao ensino de um lugar. Elas não eram edificações, pois o
Studium de Paris não tinha instalações permanentes nem para o ensino nem para sua
administração. Os primeiros edifícios universitários foram as instalações dos Colégios
fundados pelos estudantes seculares e tratados adiante que mais tarde, em Paris, foram
incorporados pela universidade, quando por meio de uma bula papal, o Studium passou à
condição de instituição universitária.
Em 1229, conflitos entre alunos e a polícia levaram a uma greve que só se encerraria
dois anos mais tarde, quando uma bula papal estabeleceria os estatutos que confirmariam
oficialmente a condição da universidade e, sobre os quais, todos os seus integrantes
deveriam jurar obediência.
Os estatutos de 1231 consolidavam todos os direitos concedidos até então à corporação:
incluíam o direito de elaborar normas e regulamentos relativos ao funcionamento do
ensino, o direito de greve, além da confirmação da jurisdição eclesiástica, de
responsabilidade não mais das autoridades locais, mas do papado. Na verdade,
estabelecia-se um autocontrole exercido pela comunidade sobre cada um de seus
integrantes. Os alunos ficavam sob responsabilidade de seus professores, que tinham suas
atividades controladas por seus pares (Campos 2001, p.160).
Assim, com a intervenção do papado, estabelecia-se a autonomia universitária. A
aproximação entre Roma e o Studium de Paris fez com que este ganhasse um caráter
universal, passando a interessar a toda cristandade.
Na cidade de Bolonha foi estabelecida uma outra forma de universidade, composta
apenas por alunos. O ensino em Bolonha não era centralizado nas escolas episcopais, ele
era oportunizado também em escolas diocesanas, monásticas e seculares, instituições
mantidas pela municipalidade. Em sua maioria, os alunos que freqüentavam as escolas
seculares vinham de fora da cidade e, por isso, eram desprotegidos do poder das
autoridades municipais. Para contrapor esta situação, os alunos reuniram-se e constituíram
sua própria associação sem a participação de professores. Formaram os Colégios,
consolidando-se desta forma a Universidade de Bolonha.
No decorrer do século XIII, outras universidades se estabeleceram, oriundas de
associações espontâneas ou de dissidências de outras universidades já estabelecidas, como
foi o caso de Pádua e de Cambridge. A organização das novas universidades seguia o
modelo de Paris ou de Bolonha, consideradas como exemplares.
12
A metodologia utilizada nas universidades era próxima às empregadas nas escolas do
século XII, porém mais complexas e metódicas. O ensino permanecia principalmente oral,
baseado em uma leitura comentada do texto, questões levantadas e discussões
normatizadas, as quais transformavam-se em disputas. Para estes confrontos era
selecionado com antecedência um tema e, no dia marcado, um bacharel deveria defender
as posições de sua escola a respeito do tema proposto, respondendo às argüições
elaboradas pelos mestres, outros bacharéis ou estudantes presentes. Na aula seguinte, o
bacharel deveria elaborar um ordenamento da discussão, no qual ele sistematizaria os
diversos argumentos apresentados, complementaria com as alegações que não tinham sido
expostas, rejeitaria os argumentos contrários à tese defendida por ele e resumiria o
ensinamento sobre aquele assunto. Esse ordenamento constituía a “determinação”, que
deveria ser transcrita e guardada na universidade e, após a revisão do professor titular,
servir como material de ensino. Apesar do ensino oral nas universidades continuar muito
presente, devido ao aumento de conteúdos ensinados, os livros passaram a ter maior
importância nos estudos, ainda que permanecesse a escassez de material escrito (Campos,
2001).
A universidade medieval foi uma instituição com vistas à transmissão do
conhecimento, tendo como suporte principal a presença física do professor, que
representava o meio de comunicação do saber. Como os alunos não tinham acesso fácil e
garantido aos manuscritos impressos, era papel do professor tornar acessível ao aluno o
conteúdo destes escritos. Assim, a forma dominante de aprendizagem era a memorização
dos textos clássicos ensinados em aula (Rocha, 2002). Para se ter uma idéia sobre a
escassez de livros, segundo Rocha (1997), supõe-se que até os anos 40 do século XVIII,
uma família alemã tinha em sua biblioteca a Bíblia e alguns livros ligados à religião, que
eram lidos em voz alta para um círculo de ouvintes atentos. Entretanto, a partir da metade
do século XVIII, com o advento da técnica dos tipos impressos, a popularidade de livros
seculares possibilitou uma forma de leitura silenciosa e solitária, além de acarretar uma
mudança na estrutura do ensino, pois a propagação do livro alcançou o cotidiano da vida
das pessoas.
Desta forma, na metade do século XVIII e principalmente no século XIX, o livro
tornou-se o meio fundamental de transmissão de valores sociais. Com isso houve a
necessidade de se pensar uma nova instituição de ensino capaz de abarcar a popularização
do livro e as transformações que ele trazia à sociedade e aos estudos. A predominância da
memorização das obras clássicas, por exemplo, tornou-se desnecessária já que elas
13
estavam disponíveis aos estudantes para consulta. O mesmo ocorreu com a superioridade
do professor como o detentor e, por isso, o transmissor do saber. A necessidade de sua
presença foi diminuída pela disponibilidade dos textos impressos, portanto, no princípio a
imprensa representou uma ameaça à estrutura da universidade. Para que seu fim não
acontecesse, fazia-se necessário propor uma nova solução para a sua existência. O
responsável pela proposta que reestruturou o ensino e garantiu a permanência e a validade
das universidades foi Wilhelm von Humboldt (Rocha, 2002).
Segundo o autor, o projeto humboldtiano apresentado para o Estado prussiano e que
fundamentou a criação da Universidade de Berlim em 1809, propunha uma nova forma de
ensinar que não entrava em conflito com a tecnologia de informação da época o livro
impresso e resgatava a importância da presença do professor à frente do processo
educativo. A proposta de Humboldt situava a universidade como um espaço onde o
convívio era determinado pela busca do conhecimento, e como para ele esta busca era um
esforço constante, a presença física do professor não poderia ser substituída pela tecnologia
nem pelo autodidatismo do aluno. A solução encontrada permitiu a criação do modelo
moderno de universidade, onde o ensino e a pesquisa formariam uma unidade.
A proposta de Humboldt, portanto, rompeu com a visão utilitarista sobre o
conhecimento que até então se fazia presente na universidade. Da mesma forma, a função
da instituição universitária que se restringia a formação profissional, era agora ampliada,
passando a ser a formação geral humanista do indivíduo.
De acordo com Humboldt (1997
4
), as instituições científicas superiores
5
teriam duas
funções: promover o máximo desenvolvimento da Ciência e produzir o conteúdo
responsável pela formação intelectual e moral” (p.79), porém, este conteúdo não poderia
ser imposto por uma intenção externa ao indivíduo. A organização interna das instituições
científicas superiores seria formada pela combinação da objetividade da Ciência com a
subjetividade da formação, e a organização externa prepararia para a transição da escola
para a universidade. Entretanto, o objetivo principal das instituições universitárias seria a
Ciência, e para que esta meta fosse alcançada, fazia-se imprescindível a presença de dois
princípios fundamentais em sua organização: a autonomia e a liberdade.
O princípio básico em que se consistiria a organização interna das instituições
superiores é o de que a Ciência é uma eterna busca”, e que se perdermos isto de vista ou
se passarmos a crer que a Ciência é criada pela coleta e sistematização de dados e não a
4
Data da edição brasileira. A data original do documento é 1810.
5
Para Humboldt são instituições científicas superiores, as universidades e as academias de Ciência e arte.
14
partir da descoberta intelectual, estaríamos descaracterizando-a e limitando a função das
instituições superiores à produção do conhecimento e à multiplicação dos discursos
(Humboldt, 1997 p.84). Para isto não acontecer, o autor coloca que é preciso manter o
esforço intelectual e nunca deixar de se buscar o conhecimento.
Ainda com relação à organização interna das instituições científicas superiores, ela
deveria possibilitar e manter uma colaboração constante entre os cientistas de diferentes
áreas, pois para Humboldt, a atividade intelectual só segue adiante com a cooperação. Esta
colaboração seria no sentido de estimular o outro e não apenas supri-lo, pois a ajuda deve
ser livre, sem uma intenção predeterminada.
Outra característica importante para estas instituições era a compreensão, por parte de
seus membros, de que a Ciência é um problema sem uma solução definitiva, por isso a
pesquisa científica seria infinita. É esta compreensão sobre a infinitude da Ciência que
diferenciaria a relação professor/aluno nas escolas, das presentes nas instituições
superiores. A tarefa da escola seria transmitir conhecimentos prontos, enquanto que nos
institutos superiores, a relação professor/aluno teria por base a Ciência entendida como a
“busca pelo conhecimento” e não o conhecimento já estabelecido. Portanto, nas
instituições superiores, o trabalho do professor dependeria da participação do aluno e, em
virtude disso, o docente tentaria aproximar-se dos estudantes, inclusive daqueles que não
compartilhariam do seu curso, para reunirem suas forças e assim buscarem o conhecimento
por meio da Ciência.
A partir disto, Humboldt (1997) afirma ter o Estado duas obrigações: manter o
máximo possível do dinamismo na atividade científica e evitar o seu declínio ao manter a
diferença entre instituição superior e escolar. Além disso, ele teria também outros deveres
mais específicos: assegurar os meios externos necessários para que a Ciência se desenvolva
e, ao propiciar estes meios, não se sobrepor de forma a colocar em risco os objetivos
intelectuais e nobres” da atividade científica, em nome de preocupações materiais e
mesquinhas” (p.83).
Ainda ao tratar da relação entre Estado e instituições científicas superiores, Humboldt
(1997) alerta que elas não poderiam ser tratadas como se fossem escolas de ensino
profissionalizante ou de primeiro e segundo grau, muito menos servirem como assembléias
de especialistas. O Estado não pode exigir das instituições científicas superiores nada
relacionado direta ou imediatamente a ele mesmo, pois quando as universidades cumprem
sua finalidade, elas também alcançam os objetivos do próprio Estado. Com relação às
obrigações do Estado para com as escolas, o autor argumenta que este deveria aparelhá-las
15
de forma que os alunos se sentissem motivados a ingressar nas instituições científicas
superiores e, principalmente, que estivessem preparados para a atividade científica.
Segundo ele, esta obrigação teria por base dois pressupostos:
Em primeiro lugar, a certeza de que não é tarefa das escolas antecipar o ensino
universitário. As universidades, por sua vez, não são um simples complemento da escola.
Na verdade, a transição da escola para a universidade representa uma etapa na vida do
jovem para a qual a escola deve prepará-lo, a fim de que ele se encontre física, moral e
intelectualmente pronto para se desenvolver por si próprio” (Humboldt, 1997 p. 89).
Para que a escola consiga isto, ela deveria possibilitar o desenvolvimento de todo o
potencial dos estudantes, pois um aluno que não é preparado desta forma não procurará a
Ciência, já que o seu talento e esforço se transformariam em uma atividade prática e, por
seus conhecimentos serem isolados, ele não conseguiria ser capaz de desenvolver um
esforço científico sistemático”.
A proposta universitária de Humboldt encontra-se entre o modelo universitário
medieval e o atual. Neste caminhar, entre o século XIX quando a universidade
humboldtiana foi apresentada, e o século XX e início do XXI, as idéias de Humboldt
continuaram presentes na estrutura e na concepção das instituições universitárias. Porém,
não de forma pura, pois características da universidade medieval, como a transmissão de
conhecimentos tendo como suporte o professor e a memorização, também permaneceram.
Neste amálgama em que se constituiu a universidade contemporânea, vemos os princípios
humboldtianos de “solidão e liberdade”, autonomia institucional, a Ciência como “eterna
busca” e a união entre ensino e pesquisa deturpados pela idéia de uma universidade
profissionalizante que, como veremos no decorrer de nossa discussão, está voltada para as
necessidades de um mercado global, onde a mercadoria posta à venda é o conhecimento. A
formação humanista geral está cada vez mais relegada ao segundo plano, enquanto que a
formação profissional ocupa um espaço cada vez maior e ganha mais importância.
Frente a este contexto, como oportunamente coloca Campos (2001), pensar a
universidade como um local de formação humanista geral conforme propõe Humboldt,
pode parecer irreal, principalmente se levarmos em consideração o contexto
contemporâneo. Entretanto, como continua a autora, numa época em que conhecimentos e
tecnologia se tornam obsoletos tão rapidamente, a universidade profissionalizante com o
ensino voltado só para a especialização, perde sua razão de ser, pois os currículos seguidos
somente para a transmissão de conhecimentos desatualizam-se em pouco tempo. Neste
16
sentido, a autora defende um ensino universitário voltado para a reflexão. Conforme suas
palavras:
(...), não é um exercício inútil pensar sobre um ensino capaz de proporcionar às pessoas
condições de se situar em meio às transformações, para que consigam entendê-las, refletir
sobre elas, preparar-se para suas conseqüências e, até mesmo, pensar em mudar seu rumo.
Não é anacrônico pensar em modelos de universidade em que o estudo tenha como objetivo
não aceitar os fatos como inalteráveis e adaptar-se permanentemente a fatores externos,
mas “aprender a aprender”, aprender a refletir e a partilhar idéias e descobertas
(Campos, 2001 p.251).
Acreditamos ser este o grande desafio da universidade contemporânea, oportunizar
uma formação voltada para a pessoa, de forma que ela tenha possibilidades de olhar
criticamente sobre sua realidade e produzir um conhecimento que não esteja limitado a um
viés utilitarista.
Este foi um breve retrospecto sobre o percurso trilhado pela instituição universitária,
desde o seu gérmen com os filósofos gregos, passando pelas escolas monásticas e urbanas,
pela organização em um Studium até a sua constituição em universidade. Mas de que
forma este caminhar da universidade se deu no contexto brasileiro? Como a universidade
brasileira se constituiu e sobre quais princípios ela se sustenta atualmente?
1.2. Da Academia Real à universidade brasileira
Como tratado no início desta reflexão, as universidades européias surgiram por volta
do século XII. Entretanto, no Brasil o contexto do ensino superior é mais recente. Os
primeiros cursos superiores foram estabelecidos no início do século XIX, com a vinda da
família real portuguesa para o país, mas a primeira universidade surgiu apenas na segunda
década do século XX (Morosini, 2005).
Na transferência da Corte da Bahia para o Rio de Janeiro, as instituições que
ofereciam curso superior criadas por D. João VI estavam, em sua maioria, direcionadas
para a defesa militar da colônia. Assim, em 1808 é criada no Rio de Janeiro a Academia de
Marinha e em 1810 a Academia Real Militar, ambas voltadas para a formação de oficiais e
engenheiros militares e civis. Ainda no ano de 1808, foram criados no Rio de Janeiro e na
Bahia, cursos de anatomia e cirurgia com o objetivo de formar cirurgiões militares e, no
ano seguinte, os cursos de medicina (Mendonça, 2000).
17
Em 1808 é criada na Bahia a cadeira de economia e, entre 1812 e 1817, os cursos de
agricultura, química e desenho técnico. No Rio de Janeiro é aberto o laboratório de
química (1812) e o curso de agricultura (1814). Todos tinham o objetivo de proporcionar à
Corte a infra-estrutura necessária para sua sobrevivência na colônia. Estes cursos criados
por D. João VI associados aos cursos jurídicos instituídos por D. Pedro I em 1827 nas
cidades de Olinda e de São Paulo, originaram as escolas e faculdades profissionalizantes
que formaram as instituições de ensino superior até a instituição da República, em 1889
(Mendonça, 2000). Vê-se, portanto, que o motivo para o estabelecimento dos cursos
superiores no Brasil foi propiciar a formação de profissionais, tendo em vista as
necessidades da Coroa.
Segundo Morosini (2005), como o ensino superior tinha pouca importância e reduzida
demanda para o aumento de lucratividade do país, foram criados até a República, somente
entre 12 a 15 cursos superiores e faculdades. No final do século XIX, com a mudança no
regime político, associada a libertação dos escravos, a mão-de-obra livre, as imigrações e
ao primeiro impulso industrial, a influência positivista
6
se manifestou, com a defesa por
parte dos militares e da burguesia cafeeira da abertura do mercado para o ensino superior.
Com isso, a estatização do ensino superior e o seu controle centralizado, estabelecidos
pelo Império, foram quebrados pela República. O ensino superior passou a ser liberado
para o mercado, porém as instituições herdadas do Império permaneceram estatais. O novo
governo republicano estabeleceu o registro dos diplomas das profissões legalmente
regulamentadas, o que significava que os diplomas eram expedidos somente pelas
instituições de ensino que detivessem o mesmo currículo das estatais e que fossem
supervisionadas pelo Ministério. Nos primeiros vinte anos do governo republicano (1889 a
1909), o número de faculdades aumentou em todo o país, de forma que os diplomas
desvalorizaram-se econômica e simbolicamente (Cunha, 2004).
Em 1890, Benjamin Constant, baseado no ideário positivista, promoveu uma reforma
nos ensinos de 1º e 2º grau, introduzindo os estudos científicos e conciliando-os com os
literários. Em 1891, a Constituição Republicana reafirmou a descentralização do ensino e
delegou à União a responsabilidade pelo ensino de 2º grau e o superior, reforçando o viés
elitista, já que o ensino secundário era privilégio das classes mais altas (Aranha, 2002).
Epitácio Pessoa acentuou os estudos literários e, em consonância com a visão positivista,
6
As idéias positivistas valorizam a Ciência como o único conhecimento válido, a severidade moral e
disciplinar e acreditam que o ato humano não é livre, mas determinado por fatores biológicos ou ambientais
(Aranha, 2002).
18
equiparou as escolas privadas e as oficiais, tanto de nível secundário como superior. Em
1911, a reforma Rivadávia Corrêa aprofundou a tendência positivista de desestatização do
ensino e de abolição do diploma para o exercício profissional, e desoficializou totalmente o
ensino, dando-lhe completa autonomia didática e administrativa. Entretanto, em 1915, a
reforma Carlos Maximiliano reoficializou o ensino, criou o exame vestibular e a
obrigatoriedade do diploma de conclusão de ensino secundário para entrar no ensino
superior (Saviani, 2005).
Fazendo-se um paralelo com o ensino superior estabelecido no período Imperial e o
oferecido no início da República, conclui-se que, com relação ao seu objetivo, não houve
muita alteração, pois continuou voltado para a profissionalização. O diferencial foi a
abertura do ensino superior para o mercado, permitindo o surgimento de instituições não-
estatais.
Os anos 20 no Brasil foram marcados por movimentos culturais, políticos e sociais
que repercutiram nas décadas posteriores. Dentre eles, a semana de Arte Moderna de 22
que rompeu com o modelo do academicismo nas artes e na literatura, promovendo um
maior contato com a realidade brasileira e com as tendências de uma arte européia mais
viva. É neste contexto que, em 1922, se constituíram no Rio de Janeiro, a Academia
Brasileira de Ciências e, em 1924, a Associação Brasileira de Educação que reagiram ao
positivismo presente na época e ajudaram no surgimento de uma nova concepção de
universidade, voltada para o desenvolvimento de atividades de pesquisa (Fávero, 1999;
Morosini, 2005). Nota-se neste momento, uma tentativa de se romper com o modelo
universitário vigente, totalmente voltado para a profissionalização, para dar espaço a uma
universidade que, além de formar profissionais, também desenvolvesse pesquisas.
Em 1920, oficializou-se a primeira instituição universitária brasileira, a Universidade
do Rio de Janeiro. A sua criação trouxe à tona o debate sobre o problema universitário no
país. Dentre as questões levantadas estavam o conceito de universidade, a função a
desempenhar, a autonomia universitária e a opção entre um modelo universitário único ou
diverso, este último de acordo com as peculiaridades locais. Com relação às suas funções,
havia divergência de opiniões, alguns consideravam que era a pesquisa científica e a
formação profissional, enquanto outros viam somente a formação profissional como
prioridade (Fávero, 1999). Em 1925, a Reforma Rocha Vaz estabeleceu os currículos das
escolas superiores e determinou o caráter classificatório do exame vestibular, necessário
para se ingressar nas escolas de nível superior, as quais tinham um número limitado de
vagas (Saviani, 2005). Portanto, no começo do século XX, quando foram instituídas as
19
primeiras universidades brasileiras, já eram discutidas questões que ainda hoje estão
presentes no contexto universitário nacional.
Até 1930, as modificações ocorridas no ensino superior brasileiro foram superficiais,
apesar de neste período terem ocorrido importantes mudanças políticas, econômicas e
sociais. Após 1930, Francisco Campos titular dos Ministérios da Educação e Saúde
assinou a reforma do ensino superior e organizou a estrutura do ensino universitário
brasileiro, criando universidades pela união de no mínimo três dos institutos de ensino
superior: a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina, a Escola de Engenharia e/ou
Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Antes desta reforma, o ensino superior era
formado por cursos isolados. Entretanto, apesar do fato dos cursos estarem reunidos em
uma instituição só, permaneceu entre eles a autonomia de ensino e o isolamento (Morosini,
2005). O objetivo da reforma foi propiciar um ensino condizente com a modernização do
país, enfatizando a formação elitista e a capacitação profissional. Desta forma, o governo
promulga o Estatuto das Universidades Brasileiras, reorganiza a Universidade do Rio de
Janeiro e, em 1937, institucionaliza a Universidade do Brasil. Quanto às finalidades da
universidade, Francisco Campos as estendia além do ensino, valorizando a Ciência e a
cultura. Entretanto, na realidade, tanto a formação profissional, no caso de professores,
quanto a institucionalização da pesquisa foram relegadas pelo governo (Fávero, 1999).
Percebe-se no objetivo desta reforma, a presença de uma associação entre
modernização do país e capacitação profissional fornecida pela universidade. Assim,
centralizava-se a universidade como a instituição fornecedora dos profissionais necessários
para o desenvolvimento do país e, conseqüentemente, para o seu crescimento e progresso.
Mesmo colocando-se a pesquisa como uma das funções da universidade, esta foi
considerada pelo Governo Federal como secundária, permanecendo a prioridade na
profissionalização.
Em 1934 foi criada por um grupo de intelectuais ligados ao jornal O Estado de São
Paulo, a Universidade de São Paulo e, em 1935, Anísio Teixeira criou no Rio de Janeiro a
Universidade do Distrito Federal. Ambas as instituições tinham como um de seus
principais pressupostos o desenvolvimento da pesquisa (Mendonça, 2000). De acordo com
Saviani (2005), em meados de 1934, Gustavo Capanema substituiu Francisco Campos no
Ministério da Educação e deu continuidade ao processo de reforma na educação,
interferindo primeiramente no ensino superior e a partir de 1942 até 1946 nos demais
níveis. Estas mudanças, chamadas de Reformas Capanema, abrangeram o ensino industrial,
secundário, comercial, normal, primário e agrícola. Segundo o autor, por trás desta política
20
educacional havia uma “concepção dualista de ensino”, pois ao ensino secundário foi dado
o objetivo de formar as elites condutoras e, apenas ele, mediante o vestibular, dava acesso
a todos os cursos de ensino superior. O ensino técnico, por sua vez, só permitia o acesso
após o exame vestibular, aos cursos que pertenciam ao mesmo ramo daquele já seguido
pelo aluno. Se o estudante optasse por outra carreira, teria que cursar novamente o ensino
secundário ou o ensino técnico correspondente à sua nova escolha de curso superior. O
objetivo desta diferenciação entre o ensino técnico e o secundário era separar a educação
das elites, às quais estava reservado o trabalho intelectual, da educação popular que visava
a formação de trabalhadores manuais. Esta diferenciação no ensino só foi alterada em 1961
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que passou a permitir, por meio do
aproveitamento de estudos, a transferência dos alunos entre os diferentes ramos e, após a
conclusão do ensino secundário, terem acesso, por meio do vestibular, a qualquer curso
superior.
Esta concepção dualista de ensino já se fazia presente desde 1891, quando o ensino
secundário era dirigido para as elites e por isso não-estatizado, enquanto que o ensino de
primeiro grau era de responsabilidade do Governo e voltado para a população menos
abastada. Portanto, foram necessários 70 anos para o Estado tomar uma atitude e tentar
mudar tal situação.
Depois de 1945, a democratização política e econômica presente no contexto
brasileiro se refletiu nas legislações universitárias, levando a uma mudança nas formas de
ascensão social. Com isso, os diplomas passaram a fazer parte dos critérios para o ganho
de cargos, tornando os cursos superiores um caminho para um melhor nível social (Cunha,
2004; Morosini, 2005). Desta forma, os diplomas que no início do Governo Republicano
foram desvalorizados, chegando a ser abolidos para o exercício profissional, agora
voltavam a ter importância econômica e social. Isto demonstra que o papel da universidade
continuou sendo visto como o de formação profissional, desconsiderando-se o
compartilhar com a formação acadêmica. Esta revalorização do diploma de ensino superior
vai se manter constante até os dias atuais, assim como, a associação entre inserção no
mercado de trabalho e sucesso profissional, com a certificação de curso superior.
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 4.024/61) é
estabelecida, mas sem propor grandes alterações, mantendo a organização do ensino
oficializada pelas Reformas Capanema ocorridas entre 1942 e 1946. A nova legislação
limitou-se a definir que a prescrição dos currículos mínimos e o tempo de duração dos
cursos eram de responsabilidade do Conselho Federal de Educação (CFE), manteve-se a
21
cátedra, delegou-se às universidades a tarefa de normalizar os concursos e de distribuir os
professores de acordo com o tipo de disciplina e cursos oferecidos (Morosini, 2005).
No final de 1961 é instituída a Universidade de Brasília (UnB), marcada por uma
proposta original e apoiada pela cúpula da comunidade científica. De acordo com o projeto
proposto por Darcy Ribeiro, a universidade seria uma instituição de pesquisa e um centro
cultural, com o objetivo de manter junto ao humanismo e a liberdade de criação cultural a
Ciência e a tecnologia, e junto ao Governo uma reserva de especialistas graduados
(Morosini, 2005). Estruturalmente, foi formada por institutos centrais e faculdades que se
reuniam em departamentos. Os institutos eram responsáveis pelo ensino introdutório que
durava entre 2 a 3 anos e as faculdades davam continuidade com o ensino especializado.
Os professores eram contratados pelo regime de CLT (Consolidação das Leis de Trabalho)
e a cátedra passava a ser um grau universitário. Além dos alunos regulares, 10% das vagas
disponíveis eram destinadas aos alunos especiais que apenas assistiam ao curso. Com isto,
retomou-se o conceito de extensão universitária. Todavia, em virtude do Golpe de 64 e da
intervenção do Estado, este projeto inicial acabou sendo descaracterizado (Mendonça,
2000).
No período de 1968 a 1990, as atenções que até então estavam centradas nos cursos
universitários, agora se voltavam para a universidade como um todo. Ao contrário das
outras reformas universitárias promovidas até então, que poucas modificações fizeram, a
de 1968 trouxe grandes transformações (Morosini, 2005). De acordo com a nova legislação
(lei nº 5.540/68), as funções da universidade foram ampliadas e formou-se o tripé: ensino,
pesquisa e extensão. Os departamentos acadêmicos foram instaurados e associados a um
sistema organizacional de características administrativas e acadêmicas. A cátedra foi
abolida e os professores foram distribuídos de acordo com os departamentos e não mais
segundo os cursos; tentou-se promover a unidade ensino/pesquisa, onde o professor
transmitiria o conhecimento pronto e produziria o novo; os títulos acadêmicos e graus
passaram a marcar a carreira do professor, e foi criado o regime de dedicação exclusiva
para os professores. Além disto, foram instituídos o regime de créditos, a matrícula por
disciplina, os cursos semestrais e de curta duração, e a organização fundacional. A
instituição universitária foi eleita como a principal forma de organização do ensino
superior (Morosini, 2005; Saviani, 2005).
A Reforma de 1968 foi fruto da política vigente no país, entre meados de 1960 e a
década de 1970. Foi uma nova fase de expansão econômica, que levou ao chamado
“milagre econômico brasileiro”, e onde a política educacional estava preocupada,
22
principalmente, com a rentabilidade dos investimentos educacionais. A universidade era
tida como inadequada para atender as demandas do processo de modernização e
desenvolvimento do país, sendo necessária uma reforma que, por meio da racionalização
de suas atividades, tornasse a instituição mais eficiente e produtiva. A sua função social era
qualificar profissionais e produzir conhecimentos que permitissem o crescimento da
indústria brasileira (Sobral, 2000). Aparece, portanto, o delineamento do contexto
mercantilista em que a universidade se encontra hoje, voltada para a eficiência, a
competitividade e a produção de conhecimentos úteis que possam ser transferidos para o
mercado na forma de produtos ou vendidos diretamente.
Na década de 1990 foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei
nº 9.394/96) ou Lei Darcy Ribeiro. Esta legislação trouxe algumas importantes
modificações para o ensino superior, dentre elas, a abolição da universalidade de campo, o
que permitiu a fundação de universidades especializadas em uma determinada área, como
por exemplo, a saúde. Segundo Cunha (2003), desde a reforma universitária proposta por
Francisco Campos, que a universalidade de campo constituía-se como uma das
características essenciais da instituição universitária brasileira, mesmo que esta
universalidade fosse compreendida apenas como a reunião de diferentes faculdades.
Posteriormente, em 2001, o Decreto nº 3.860/01 ratificou a criação destas universidades
especializadas, porém, desde que fosse comprovada a “existência de atividades de ensino e
pesquisa, tanto em áreas básicas como nas aplicadas (...)” (Art.8º, §2º). Além disto, a lei
nº 9.394/96 estendeu a autonomia universitária às instituições privadas, desde que
comprovada a sua alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em
avaliação realizada pelo Poder Público” (Art.54, §2º).
Com relação aos cursos e programas oferecidos, a nova legislação de 1996 introduziu
os cursos seqüenciais por campo de saber, destinados a estudantes interessados em
complementar os estudos do ensino médio sem obter um grau acadêmico ou terem uma
formação com mais especificidade, mas em um tempo menor do que as oferecidas pelos
cursos de graduação (Cunha, 2003). Posteriormente, o Conselho Nacional de Educação,
por meio da Resolução CNE/CES 1/99, regulamentou os cursos seqüenciais e em 2003, a
Portaria nº 239 do Ministério da Educação, reconheceu estes cursos de formação superior
específica e garantiu a certificação aos alunos. Na verdade, estes cursos são uma
complementação de estudos oferecidos aos alunos formados no ensino médio ou graduados,
de forma que eles tenham uma formação mais específica, mas sem cursar uma graduação.
23
Após a promulgação da lei nº 9.394/96, os decretos nº 2.306/97 e 3.860/01
modificaram a organização acadêmica das Instituições de Ensino Superior (IES),
permitindo que elas adotassem formas diferentes: universidades, centros universitários,
faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores (Cunha, 2003;
2004). Tanto na lei nº 9.394/96 como nos decretos acima citados, não se define faculdade,
instituto superior nem escola superior, aparecendo apenas a definição de universidade,
centro universitário e faculdades integradas. De acordo com o decreto nº 3.860/01, as
universidades são caracterizadas pela oferta regular de ensino, pesquisa e extensão,
conforme estabelecido na lei nº 9.394/96. Os centros universitários são instituições
pluricurriculares, caracterizados pela excelência do ensino, pela qualificação do seu
corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidos à comunidade escolar
(Decreto 3.860/01, capítulo III, artigo 11); e as faculdades integradas são caracterizadas
por terem propostas curriculares que atendam a mais de uma área do conhecimento e que
atuem com regimento comum e comando unificado.
Na década de 1990, portanto, a educação estava voltada para a competitividade e era
responsabilizada por dar ao indivíduo condição de empregabilidade. A idéia presente nos
anos de 1970, de que investir em educação era promover o crescimento econômico do país,
permaneceu neste período, só que se aliaram a ela a Ciência e a tecnologia, formando o
tripé que poderia levar o país ao desenvolvimento (Sobral, 2000). Esta relação entre o nível
educacional do indivíduo e sua condição de conseguir um bom emprego, levou a um outro
tipo de associação, o de educação com o nível socioeconômico que o indivíduo poderá
alcançar. Assim, a valorização do ensino superior como propulsor de elevação social,
apoiada em 1945 com a consideração do diploma como critério para obtenção de cargos,
apresentou-se novamente, só que mais fortalecida devido ao nível de competitividade
exigido por uma economia que se tornou globalizada.
O contexto internacional que passou a ser marcado pela globalização e por diferentes
concepções de educação superior, dentre elas a da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a do Banco Mundial (Bird) e a do Fundo
Monetário Internacional (FMI), que vêem a universidade direcionada para o mercado, a
eficiência e a racionalidade, influenciou de diversas formas o ensino universitário
brasileiro (Morosini, 2005). Esta forma de ver a universidade ficou evidente no período de
1995 a 2002, com a proposta de política educacional do Governo Federal da época, a qual
deu destaque ao papel econômico da educação e do desenvolvimento científico e
24
tecnológico, e defendeu uma instituição universitária organizada e direcionada à prestação
de serviços para o mercado (Silva, Jr.& Sguissardi, 1999; Cunha, 2003).
A preocupação e a influência dos organismos internacionais sobre o ensino superior
neste período, foi bem representada pela Conferência Mundial sobre o Ensino Superior,
realizada em Paris no ano de 1998. Esta reunião foi convocada pelo diretor geral da
Unesco e contou com a representação de 180 países. O objetivo era estudar os desafios da
educação superior no final do século, analisar quais deveriam ser suas novas funções e
missões, e verificar como ela deveria atuar para colaborar com a construção de uma
sociedade melhor. Ao final, foram aprovados dois documentos básicos, a “Declaração
mundial sobre educação superior no século XXI: visão e ação” e o “Marco de ação
prioritária para a mudança e o desenvolvimento da educação superior”.
No primeiro documento, ao se tratar da necessidade de se formar uma nova visão de
educação superior, consta como uma das estratégias: Reforçar a cooperação com o
mundo do trabalho, analisar e prevenir as necessidades da sociedade” (Unesco, 1999 p.24,
artigo 7º). Para que isto seja viabilizado, recomenda-se que os vínculos entre ensino
superior, mundo do trabalho e demais setores da sociedade sejam reforçados e renovados.
Com relação, especificamente, ao fortalecimento da relação entre ensino superior e mundo
do trabalho, sugere-se que este seja feito por meio da presença de seus representantes nos
órgãos diretores das instituições de ensino superior, de um maior aproveitamento e de
oportunidades de estágios para estudantes e professores, de intercâmbio de participantes
entre o mundo do trabalho e as instituições, e da revisão dos currículos aproximando-os
mais das práticas de trabalho. Outra estratégia para reforçar a cooperação entre ensino
superior e o mundo do trabalho é tornar como principal preocupação da educação superior,
o desenvolvimento de habilidades empresariais e o senso de iniciativa, para assim
facilitar a empregabilidade de formados e egressos (...)”(Unesco, 1999 p.24, artigo 7º).
Outros documentos foram produzidos e aprovados durante a Conferência Mundial,
dentre eles o “Ensino superior e desenvolvimento. Responder às exigências do mundo do
trabalho”, cuja conclusão é que:
O ensino superior deve, desde já, levar necessariamente em consideração o papel que
pode desempenhar para setores de emprego os quais ele não se ocupava no passado,
especialmente as profissões de nível intermediário, que se tornam mais exigentes no
decorrer da evolução para o que é freqüentemente chamado ‘a sociedade do saber’ (...). O
ensino superior está intimado a diversificar-se para responder à ampliação da gama dos
empregos e das funções confiadas a seus diplomados” (Unesco/OIT, 1999 p.342).
25
Preocupa nas orientações presentes nestes documentos, o claro direcionamento do
ensino superior para o mercado de trabalho, como se a função deste nível de ensino se
restringisse à formação profissional. Esta preocupação se dá, principalmente, porque pode-
se perceber na legislação educacional, o acato a estas recomendações, quando se procura
associar a universidade com o mercado. Isto pode ser exemplificado, com a lei nº
10.168/00, promulgada em 2000, e que institui o Programa de Estímulo à Interação
Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. O objetivo principal deste Programa seria
(...) estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa
científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor
produtivo(Art. 1º). São considerados para fins desta lei, contratos de transferência de
tecnologia, os relativos à exploração de patentes ou de usos de marcas e os de
fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica” (lei nº 10.168/00, Art. 2º,
§1º).
O problema deste Programa é o direcionamento dado para a relação universidade-
empresa, que tem por objetivo fomentar o setor produtivo e não a pesquisa científica em si.
Não se questiona a necessidade nem a importância destas parcerias entre universidade e
empresas, mas sim, a forma como os contratos podem ser estabelecidos, dando margem à
instituição universitária de servir apenas como uma prestadora de serviços ao setor privado.
Segundo análise de Silva Jr. & Sguissardi (1999), o capítulo IV da lei nº 9.394/96 que
trata do ensino superior, também se fundamenta nos princípios defendidos pelos
organismos supranacionais, como por exemplo, o Banco Mundial. De acordo com estes
pressupostos, o modelo universitário humboldtiano focado na universidade de pesquisa,
seria sustentado quase que exclusivamente pelo poder público, fazendo com que o sistema
federal de ensino superior não absorva toda a demanda nem prepare adequadamente os
alunos universitários para o mercado, levando à crise do ensino superior brasileiro. Além
disso, segundo os autores, nestes princípios ditados pelo Banco Mundial, haveria também
uma crítica a unidade ensino, pesquisa e extensão, que deveria restringir-se a algumas
instituições, ficando a maioria dos estabelecimentos direcionados apenas para o ensino.
E de fato, na lei nº 9.394/96 o princípio da união ensino, pesquisa e extensão é omitido,
sendo depois exigido pelo Decreto 2.306/97, artigo 9º, mas somente para as instituições
universitárias. Neste aspecto, o referido decreto apenas ratifica o que consta no artigo 207
da Constituição Federal Brasileira de 1988.
No ano de 2004, dá-se andamento às discussões de uma nova reforma universitária,
atualmente ainda em discussão. De acordo com o Ministério de Educação, o objetivo da
26
reforma é propiciar condições para o crescimento do ensino superior com qualidade e
eqüidade. O Anteprojeto de Lei de Reforma da Educação Superior
7
proposto para efetivar
esta reformulação atende a todas as instituições de ensino superior, estatais ou privadas, e
centraliza-se em três temas considerados pelo Ministério como urgentes e complexos: a
relação Estado x autonomia universitária, o financiamento das instituições públicas
federais e a relação entre o poder público e o setor privado.
Com relação às instituições de ensino superior privadas, faz-se presente no documento,
uma preocupação com a expansão deste setor nos últimos anos e com a qualidade dos
serviços educacionais por ele prestados. Neste sentido, o Anteprojeto de lei propõe
medidas de regulação do Estado sobre as instituições particulares, presentes nos artigos 52,
53 e 54. Outra preocupação apresentada refere-se à concepção de educação superior como
um bem global, preconizada pelo Banco Mundial, ou como uma mercadoria sujeita às
normas comerciais, como defende a Organização Mundial do Comércio (OMC). A idéia
alegada na proposta de reforma é a de educação superior entendida como um bem público
que, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, cumpre sua função social. Aliás, a
preocupação com os aspectos sociais é uma das nove diretrizes que norteiam o Anteprojeto.
Neste caso, advoga-se a inclusão social dos menos favorecidos, por meio de medidas que
permitam um maior acesso destes ao ensino superior, para que tenham uma formação de
qualidade e assim possam ter melhores possibilidades no mercado profissional.
As outras diretrizes apresentadas referem-se à recuperação das instituições federais de
educação superior; à recuperação da capacidade de regulação, avaliação e supervisão do
Poder Público sobre as instituições de ensino superior, públicas ou privadas; ao
estabelecimento da autonomia universitária para as universidades públicas ou particulares;
ao papel estratégico das universidades no desenvolvimento científico-tecnológico do país;
ao estabelecimento de cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) e à
expedição de diplomas; ao aprimoramento da formação na graduação, focado no repensar
sobre as estruturas curriculares e as propostas pedagógicas; e por fim, o vínculo entre a
educação superior e os outros níveis de ensino.
Algumas mudanças com relação à lei nº 9.394/96 podem ser evidenciadas no
Anteprojeto de lei. No artigo 4º, referente às finalidades da educação superior, estabelece-
se dentre outros fins a formação pessoal e profissional, e não apenas a graduação de
profissionais para serem inseridos nos setores do mercado. A forma de organização das
7
Versão oficial de 29 de julho de 2005.
27
instituições de ensino superior também sofre algumas alterações, ficando sua classificação
em universidades, centros universitários ou faculdades (art.15º). No caso das universidades,
resgata-se a unidade ensino, pesquisa e extensão como uma de suas características
elementares e que na lei nº 9.394/96 não era mais considerada.
Atualmente, o Anteprojeto permanece em discussão e modificações ainda poderão
ocorrer, entretanto, independente disto, a proposta apresentada até o momento traz à tona
uma discussão de extrema relevância, que é o papel da universidade frente ao contexto
globalizado em que nos encontramos. Como já foi dito, no documento questiona-se a visão
mercantilista que vem sendo lançada sobre a educação. Porém, no decorrer da exposição
de motivos sobre a necessidade de se efetivar esta reforma universitária e no próprio
Anteprojeto de lei, pode-se perceber algumas incoerências que não sustentam a crítica feita
sobre a concepção de educação superior como um bem sujeito às leis de mercado.
Ao tratar dos desafios da universidade contemporânea, coloca-se em questão no
projeto, a importância que a produção de conhecimentos adquiriu com a globalização,
levando a uma divisão entre os países que produzem e os que consomem conhecimento e
tecnologia. Neste contexto, a universidade passa a ter um papel fundamental para a
integração soberana do país ao mundo globalizado.
Ao afirmar isto, podemos supor que a preocupação não seria a mercantilização do
conhecimento em si, mas sim, a posição em que se encontra o país na divisão deste
mercado e como alterá-la de forma a deixarmos de ser apenas consumidores para nos
tornarmos também produtores e, assim, integrantes do grupo de países soberanos. Com
base nisto, defende-se a expansão da rede pública de ensino universitário, pois a
universidade pública é líder na pesquisa acadêmica e na formação de profissionais
qualificados na pós-graduação, tornando-a, portanto, a principal produtora de
conhecimento e tecnologia. Daí supõe-se que, quanto maior o número de instituições
universitárias públicas, maior será a produção de conhecimentos, o que contribuirá para
uma melhor colocação do Brasil no ranking do mercado de informação.
Pode-se perceber no Anteprojeto uma preocupação com o ensino superior, mas com
vistas a tornar o país mais competitivo e a atender a demanda por mais mão-de-obra. Neste
caso, pensa-se que o papel da universidade seria o de prover os mercados de trabalho e de
conhecimento produtivo, ou seja, que possa ser transferido para o setor de produção. Esta
idéia é considerada novamente pelo Anteprojeto de lei, ao tratar do Plano Nacional de Pós-
Graduação, que deverá ser elaborado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) a cada cinco anos e que contemplará dentre outros:
28
“(...) a consideração das áreas do conhecimento a serem incentivadas, especialmente
aquelas que atendam às demandas de política industrial e comércio exterior, promovendo
o aumento da competitividade nacional e o estabelecimento de bases sólidas em Ciência e
tecnologia, com vistas ao processo de geração e inovação tecnológica; (...)” (Exposição de
motivos. Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, art. 12, inciso IV).
Articula-se com os objetivos do Plano Nacional de Pós-Graduação, o disposto na lei
nº 10.973/04, de Incentivo à Inovação e à Pesquisa Científica e Tecnológica, sancionada
em Dezembro de 2004. De acordo com o artigo 1º, a presente lei estabelece medidas de
incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com
vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento
industrial do país (...)”. Neste sentido, os Governos federal, estadual, municipal, distrital e
as agências de fomento – públicas ou privadas –, poderão incentivar e apoiar a formação de
“alianças estratégicas” e o desenvolvimento de projetos cooperativos entre empresas
nacionais, instituições científicas e tecnológicas onde se enquadraria a universidade e
organizações de direito privado filantrópicas, direcionadas para as atividades de pesquisa e
desenvolvimento que gerem produtos e processos inovadores.
Com relação à instituição científico-tecnológica, é permitido a ela firmar contratos
de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou de
exploração de criação por ela desenvolvido” (lei nº 10.973/04, art. 6º). Além disto, a
instituição poderá também prestar serviços a instituições públicas ou privadas, nas
atividades relacionadas com “a inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente
produtivo” (art.8º) e, ainda, realizar parcerias em atividades conjuntas de pesquisa
científica e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, com
instituições públicas e privadas” (art.9º).
Em vista do exposto, constata-se, portanto, uma tendência à continuidade no cenário
político-educacional de uma visão mercantilista sobre o ensino superior, incentivada pelos
organismos internacionais e adotados pelo Governo Federal. Neste contexto, preocupa o
papel dado à universidade, que nada mais é, do que o de sustentar a economia de mercado
com mão-de-obra especializada e com a mercadoria considerada de mais valia atualmente,
o conhecimento. Desta forma transforma-se a universidade em uma provedora de produtos
e de trabalhadores, desresponsabilizando-a pela formação de um sujeito crítico que possa,
por meio de seu pensar, resolver os problemas com os quais se deparará em seu cotidiano.
A universidade voltada para a economia de mercado, forma profissionais úteis e não
“sujeitos pensantes”. Mas, qual a origem desta economia de mercado vigente e como o
conhecimento se transformou em uma mercadoria?
29
2. A mercantilização do conhecimento
2.1. A economia de mercado e a criação da mercadoria conhecimento
O estabelecimento da economia de mercado foi uma das conseqüências da Revolução
Industrial ocorrida na Inglaterra em meados do século XVIII. Segundo Polanyi (2000),
neste período houve um grande progresso nos instrumentos de produção, paralelamente, a
uma desestruturação na vida das pessoas. Para melhor compreender o porquê disto, vamos
nos reportar ao cercamento de terras abertas aráveis e a sua transformação em pastagens de
carneiros, ocorrido na Inglaterra durante o primeiro período do governo Tudor, final do
século XV. Quando se fez esta conversão sobre o uso da terra, destruíram-se habitações e
restringiram-se os empregos. Os senhores e os nobres roubaram da população pobre, na
sua fração de terras comuns, promovendo a demolição de casas e a destruição de costumes
tradicionais, ora pela violência ora pela intimidação e pressão. Como resultado, cidades
foram depredadas, aldeias abandonadas e a organização social alterada, transformando
aldeões decentes em mendigos e ladrões. Em contrapartida, as terras cercadas que
permaneceram destinadas à agricultura valorizaram-se mais do que as abertas, além de não
ter ocorrido a diminuição de empregos e, tanto o provimento de alimentos quanto o
rendimento das terras, aumentaram de forma expressiva.
De certa forma, a conversão das terras comuns em pastagens não foi de todo o mal,
pois o aumento das pastagens para carneiros levou ao desenvolvimento da indústria
lanígera e desta à têxtil. Entretanto, o aspecto positivo só pôde ocorrer devido a política
dos Tudors e dos primeiros Stuarts de, por meio da Coroa, controlar o ritmo do progresso
que se instaurava, de forma a evitar que o desenvolvimento obtido se transformasse em
degeneração. Assim, o crescimento econômico tornou-se socialmente suportável, apesar
dos cercamentos e dos danos por eles produzidos (Polanyi, 2000).
Porém, ao passar o período de transição e as mudanças políticas, econômicas e sociais
se equilibrarem, o cerceamento da Coroa começou a restringir o comércio. O
constitucionalismo, depois adotado, rompeu com o protecionismo da Coroa e permitiu que
a classe então representada pelo poder desse continuidade ao desenvolvimento industrial e
comercial. Um século e meio depois, já no período da Revolução Industrial, a Inglaterra
sofreu novamente as conseqüências do progresso. As moradias do povo comum foram
30
devastadas, as pessoas se amontoaram nas cidades industriais, os camponeses passaram a
habitar favelas, a instituição familiar se perdeu e grandes áreas foram devastadas.
De acordo com Polanyi (2000), a explicação para estes acontecimentos reside na
ocorrência de uma desarticulação social superior àquela presente no período dos
cercamentos, agregada a um grande movimento de progresso econômico e à ação de um
novo mecanismo institucional que se instaurava. As causas que levaram à Revolução
Industrial são conhecidas: o crescimento dos mercados, a extração de carvão e ferro, o
clima favorável à indústria do algodão, a quantidade de pessoas espoliadas pelos novos
cercamentos, as instituições livres, a invenção das máquinas, dentre outras causas.
Entretanto, o que realmente caracterizou a Revolução Industrial foi o estabelecimento da
economia de mercado, advinda da adoção de máquinas complexas e da instituição dos
estabelecimentos fabris com vistas à produção em uma sociedade comercial,
corporificando a idéia de um mercado auto-regulável.
O uso das máquinas mudou as formas de produção e permitiu a criação de novos
produtos. A incorporação de ferramentas e fábricas especializadas fez com que o mercador
deixasse de comprar e vender os produtos da terra já prontos, e passasse a comprar a
matéria-prima e o trabalho necessário para fabricar os produtos de venda. Este fato trouxe
conseqüências para o sistema social. Como o uso de máquinas envolve custos altos, para
que se tenha uma compensação é necessário que haja uma grande produção de mercadorias.
E para que isto seja possível, o mercador precisa ter à sua disposição quantidade suficiente
de matéria-prima para que haja uma produção contínua, de forma a atender as necessidades
então criadas para a comunidade: obtenção de renda, emprego e mantimentos. Assim,
houve uma transformação no que motivava a ação dos indivíduos da sociedade: eles
deixaram de agir para suprir sua subsistência e passaram a agir para gerar excedente e com
isso o lucro, fazendo com que todas as transações se tornassem monetárias. A fonte de
renda pessoal se resumiu a resultados de uma venda, o que institucionalizou o sistema de
mercado.
Para que este sistema funcione é preciso deixar que ele subsista sozinho, porém, com
isto perde-se a garantia de lucro, fazendo com que o mercador o obtenha no próprio
mercado, ocasionando a auto-regulação dos preços e promovendo um novo sistema
econômico, a economia de mercado
8
. A consolidação deste novo sistema transforma a
natureza e o homem em mercadorias, pois para que haja produção é necessário que o
8
Economia de mercado “(...) significa um sistema auto-regulável de mercados, (...) é uma economia dirigida
pelos preços do mercado e nada além dos preços do mercado” (Polanyi, 2000 p.62).
31
mercador compre matéria-prima e trabalho, sendo a primeira representada pelos recursos
naturais e o segundo pela força humana (Polanyi, 2000).
Segundo afirma o autor, até o século XVIII o mercado não controlava a economia. O
lucro não desempenhava papel preponderante no sistema econômico, pois este era
incorporado pelo sistema social. Foi somente a partir do século XIX que a economia tomou
um novo rumo. O outro trilhar do sistema econômico veio de uma mudança na organização
do mercado que, como já foi citado, deixou de ser isolado, regulável e baseado nas relações
sociais, para se tornar uma economia de mercado, auto-regulável e pautada no lucro. Isto
levou a mudanças na organização da sociedade, que se tornou um suplemento do mercado,
pois ao invés de dar relevância as relações sociais e nelas incluir a economia, o que houve
foi o contrário, o sistema econômico passou a mais valer e as relações sociais se
subjugaram a ele. Com isto, a existência da sociedade passou a depender do fator
econômico, modelando-se a ele de forma a permitir o funcionamento de um sistema
econômico regulado conforme as leis de mercado. Lembrando que este modelo econômico
foi criado para sustentar o novo contexto social e político, que emergiu com a adoção de
máquinas especializadas no sistema de produção. Associada a essas transformações na
relação entre sociedade e economia há a mudança no próprio mercado, que deixou de ser
regulado externamente para se tornar auto-regulável. Este mecanismo de auto-regulação é
responsável por estabelecer a ordem na produção e na distribuição de bens, constituindo
uma economia baseada no almejo de que as pessoas, ao alcançarem o ápice de ganhos
monetários, tenham um determinado comportamento. Assim, o dinheiro passa a ser
importante, pois ele detém o poder de compra nas mãos de quem o possui, fazendo com
que a produção seja controlada pelos preços, pois é deles que depende o lucro dos
produtores e, é com a ajuda deste lucro, que os bens produzidos serão disponibilizados aos
membros da sociedade. Portanto, são somente os preços que garantem a ordem na
produção e na disponibilização de bens.
Todos os rendimentos, então, derivam da venda no mercado dos bens produzidos
industrialmente. Sendo assim, conforme Polanyi (2000), há mercado, portanto preço, para
tudo que integra a indústria, desde bens e serviços, até o trabalho, a terra e o dinheiro. O
preço para o uso do dinheiro e que se constitui em rendimento para quem o fornece é o juro;
o preço da terra é dado pelo aluguel e forma a renda dos que a disponibilizam; e o salário é
o preço do trabalho e constitui a renda de quem o vende. O estabelecimento do mercado
auto-regulável dicotomizou a sociedade em economia e política, de forma que, como já foi
dito, ela se submetesse a ele e passasse a se constituir como uma sociedade de mercado.
32
Isto ocorre porque uma economia de mercado deve abarcar tudo o que comporta a indústria,
inclusive o trabalho, a terra e o dinheiro, e como o trabalho é o próprio indivíduo e a terra o
ambiente onde ele vive, ao inseri-los no mercado, a sociedade acaba subordinada às leis
mercantis.
Adotando-se a definição empírica de mercadoria proposta por Polanyi, segundo a qual,
esta seria um objeto produzido para venda, pode-se concluir que toda mercadoria dever ter
um mercado, formado por compradores e vendedores e que tudo que se submete a este
mercado passa a ser uma mercadoria. O problema é que o trabalho, a terra e o dinheiro
passaram a fazer parte da economia de mercado, mesmo sem corresponderem ao conceito
empírico de mercadoria, porque afinal, eles não são mercadorias. Conforme explica o autor:
Trabalho é apenas um outro nome para a atividade humana que acompanha a própria
vida que, por sua vez, não é produzida para venda, mas por razões inteiramente diversas, e
essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode ser armazenada ou
mobilizada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem.
Finalmente, o dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra, ele não é
produzido, mas adquire vida através do mecanismo dos bancos e das finanças estatais
(Polanyi, 2000 p.94).
Portanto, conclui o autor, nem o trabalho, nem a terra, nem o dinheiro são produtos de
venda, o que torna a sua definição como mercadoria simplesmente fictícia. Entretanto,
mesmo pautados na ficção, eles são considerados como mercadorias, organizados em
mercados e até hoje ocupam um lugar essencial na economia.
Retornando à época dos deslocamentos e da indústria lanífera inglesa, foi neste
período que os mercadores passaram a liderar a organização da produção industrial, que
atingiu uma grande escala. Entretanto, mesmo responsabilizando-se pela produção, o
mercador não assumia sérios riscos financeiros, pois a fábrica não era dispendiosa, já que a
maquinaria utilizada na produção era barata e não-qualificada. Com o tempo, este sistema
mercantil ganhou mais poder, até que a indústria de lã passou a ser organizada pelo
negociante de tecidos. Apareceram as fábricas e as máquinas especializadas, levando ao
desenvolvimento de um sistema fabril que envolvia investimentos em longo prazo e altos
riscos. À medida que a produção industrial ganhava complexidade, aumentava a
quantidade de elementos da indústria que precisavam ter fornecimento garantido. Destes
componentes, três eram fundamentais para manter a produção em andamento: o trabalho, a
terra e o dinheiro. Como o trabalho é ligado diretamente ao ser humano, a organização do
sistema de mercado mudou também a organização do trabalho e da própria sociedade, de
33
forma que o homem passou a ser um acessório do sistema econômico. Como afirma
Polanyi (2000, p.97): “(...) como regra, o progresso é feito à custa da desarticulação
social. Se o ritmo desse transtorno é exagerado, a comunidade pode sucumbir no
processo”. Daí os problemas sociais que apareceram após a Revolução Industrial.
Neste ponto, damos um salto na história e voltamos nosso foco ao contexto brasileiro
atual, para tecermos uma crítica a ânsia do Estado em promover o desenvolvimento
científico-tecnológico brasileiro para que, assim, possamos fazer parte do bloco de países
que exportam conhecimento e não apenas o importam. Isto pode levar a uma
desarticulação social, de forma a tornar a sociedade não uma beneficiária, mas um
acessório, cuja serventia seja a de prover sustento à corrida pelo progresso. Esta política
progressista, ao invés de resolver ou aplacar os problemas sociais como se apregoa, poderá
levar à criação de mais problemas ou até mesmo a acentuar os já existentes. Nesta seara
defendida pelo Estado por meio de suas políticas públicas, o conhecimento cumpre papel
fundamental, pois ele será a mercadoria das transações comerciais que se almeja efetivar.
Portanto, comparando-se com o que ocorreu na Revolução Industrial, em que o dinheiro, a
terra e o trabalho foram transformados em mercadorias fictícias para sustentar o novo
mercado que se instaurava, hoje vemos a criação de uma nova mercadoria fictícia: o
conhecimento.
Machado (2004) tece uma crítica a esta visão mercadológica sobre o conhecimento,
considerando-a totalmente impertinente. Ele afirma que toda mercadoria apresenta seis
princípios que caracterizam a sua produção e circulação: a materialidade, a fungibilidade, a
objetivação, a estocabilidade, a confiança e a equivalência. Entretanto, no caso da
mercadoria conhecimento, algumas destas características não se aplicam.
Segundo o princípio da materialidade, ao se vender uma mercadoria, aquele que a
dispôs fica imediatamente sem ela, pois quem a comprou passa a ter a sua posse. Quando
um conhecimento é de alguma forma vendido, quem o vendeu não se desfaz dele, pois ao
contrário das mercadorias verdadeiras, o conhecimento é imaterial. A partir do momento
que eu o tenho, por mais que eu o divida com outras pessoas, ele continua comigo. O
mesmo ocorre com a estocabilidade, característica que para o conhecimento não é cabível,
já que ele é imaterial e por isso não pode ser estocado. A fungibilidade é o limite de
obsolescência de uma mercadoria. No caso do conhecimento, este limite é inexistente, pois
quanto mais ele é usado mais ele se renova. O que pode caducar são dados e simples
informações, mas segundo o autor, o conhecimento é mais do que isto, pois ele pressupõe
uma teoria que leva a uma compreensão. Ao compreendermos algo, este entendimento
34
permanece conosco, podendo mudar devido às novas compreensões que tivermos, mas não
se torna um conhecimento obsoleto, mesmo porque, a obsolescência é um conceito ligado
à idéia de validade, no que subjaz uma noção de utilidade que não se aplica ou, pelo menos,
não deveria se aplicar ao conhecimento, mesmo quando este se relaciona com tecnologias
passadas. Outro item presente nas mercadorias e que no conhecimento não é passível de
existência, é a questão da objetivação, no sentido de que todas as pessoas usam uma
mercadoria para um mesmo fim. Um conhecimento é sempre subjetivado, ou seja, a
maneira como ele é compreendido e os enlaces com outros saberes que serão feitos com
ele e a partir dele, dependem de cada pessoa.
Entretanto, apesar da concepção de conhecimento como mercadoria parecer
incoerente e inconsistente, a sua criação é um fato. E para compreendermos de que forma o
conhecimento transformou-se em uma mercadoria, nos reportaremos ao trabalho
desenvolvido por Tunes (2005), onde com base no pensamento de Polanyi, a autora traça
um paralelo entre as transformações da sociedade oriundas da Revolução Industrial e as
mudanças que ocorrem atualmente em nossa sociedade.
Da mesma forma que no século XVIII a Revolução Industrial fez surgir três novas
mercadorias o trabalho, a terra e o dinheiro , vê-se hoje surgir, segundo Tunes (2005),
mais uma nova mercadoria, o conhecimento. A diferença é que na primeira transformação
originou-se o capitalismo industrial e a economia de mercado, e na segunda são feitas a
manutenção e a expansão deste sistema, apesar das modificações nele ocorridas com o
passar do tempo. A mercadoria fictícia conhecimento foi criada no contexto da revolução
informacional, e aí a autora ressalta a importância da palavra criação, pois esta denota
intencionalidade, portanto, por detrás da mercadoria fictícia conhecimento existiram ações
intencionais que levaram a sua criação, que no caso foram as intervenções do Estado.
Apoiada em Meszários
9
, a autora levanta como uma possível causa para a criação da
ficção da mercadoria conhecimento, a necessidade do Estado de manter o capital por meio
de sua expansão, mas sem alterar a hierarquia de poder econômico entre os países do norte
e do sul. Como a criação de necessidades materiais para o aumento de consumo e
conseqüente crescimento de capital encontraria barreiras na própria finitude dos recursos
materiais, optou-se pela produção de mercadorias imateriais, dentre elas, o conhecimento.
E há inúmeros mecanismos que possibilitam a conversão do conhecimento em mercadoria.
Um deles é a associação de conhecimentos a produtos e sua venda posterior.
9
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Boitempo Editorial, São
Paulo, 2002.
35
Por exemplo, sabão em pó que lava mais branco graças a substâncias químicas que nem
imaginamos quais são, iogurtes com menos gorduras (...). Nesses casos, o conhecimento
vendido está associado a um produto material; o preço final do produto reflete todo o
investimento em pesquisas e geração de conhecimentos que possibilitaram que o produto
fosse exatamente o que é (Tunes, 2005 p.46).
Outra forma de transformar o conhecimento em mercadoria é associá-lo a produtos
por meio de marcas. Na verdade, o valor não estaria na marca em si, mas nas idéias que
estão associadas a elas, pois o que se consome são estas idéias que servem como objetos de
desejo para o consumidor e garantem o valor de mercado daquele produto.
Há outros mecanismos de mercantilização do conhecimento que não estão associados
diretamente a produtos, a marcas ou a processos, mas às pessoas que os possuem. Tunes
(2005) cita três destes mecanismos: a nova forma de organização do trabalho, as novas
ideologias que associam o progresso técnico com a salvação do homem e a validação de
um conhecimento pela Ciência.
Para analisar o primeiro destes mecanismos, a autora faz uma analogia entre a
conversão do conhecimento em mercadoria e a do trabalho em mercadoria. Como já
exposto por Polanyi, no início da Revolução Industrial houve uma série de mudanças na
organização dos sistemas de produção, de forma que se pudesse garantir o trabalho e assim
torná-lo uma mercadoria. O trabalho foi dividido e a produção automatizada, permitindo a
correlação entre tempo de trabalho e quantidade de produtos confeccionados, assim,
quantificava-se o trabalho em virtude do tempo gasto para executá-lo. No caso da
economia da informação, o valor do produto final está muito mais associado às
características informacionais e imateriais a ele associadas do que ao seu aspecto material.
Desta forma, as relações de trabalho advindas da Revolução Industrial não são as mais
adequadas ao sistema de produção imaterial, pois seus produtos não podem ser
quantificados. Portanto, fez-se necessário mudar a estrutura organizacional das empresas
de forma que se pudesse converter o conhecimento em mercadoria.
Para demonstrar esta idéia, Tunes (2005) traz à análise os princípios que norteiam a
gestão do conhecimento. Segundo ela, há uma série de manuais contendo técnicas que
possibilitam o acesso ao conhecimento das pessoas que trabalham em uma empresa, de
forma que este possa ser utilizado para que ela cresça. Nesses manuais afirma-se que a
nova forma de gerenciar as empresas deve estar pautada na formação técnica do pessoal e
no desenvolvimento de suas aptidões e de sua vontade para trabalhar. Assim, os
empregados passam de trabalhadores para colaboradores da empresa, de modo que o seu
sucesso pessoal estará diretamente ligado ao sucesso da empresa, fazendo com que eles se
36
empenhem em prol dos objetivos da instituição. É este empenho, juntamente com o seu
comportamento e a sua competência social, que serve como base para avaliar a
produtividade do trabalhador.
O segundo mecanismo para mercantilização do conhecimento discutido relaciona-se
com o advento das tecnologias de informação e comunicação, e sua contribuição para uma
economia do conhecimento. Traçando um paralelo com a Revolução Industrial, segundo a
autora, da mesma forma como a crença ideológica de que o desenvolvimento da técnica
resolveria os problemas da humanidade, na revolução informacional há uma ideologia de
crença de que o progresso técnico relacionado com as novas tecnologias de comunicação e
geração de conhecimentos vai redimir a humanidade, pois elas possibilitarão a renovação
de um laço social baseado no conhecimento. Percebe-se aqui, a origem de alguns
princípios adotados pelo Estado e usados para justificar diretrizes políticas voltadas para o
desenvolvimento do país, a partir da produção de um conhecimento que possa ser
comercializado.
O terceiro mecanismo para a mercantilização do conhecimento refere-se às verdades
da Ciência. Como bem coloca a autora, o mercantilismo do conhecimento existe porque há
uma necessidade pelo conhecimento como mercadoria fictícia. Porém, não é de qualquer
conhecimento, pois o conhecimento cotidiano, por exemplo, não tem valor no mercado, o
que vale é o conhecimento científico. O conhecimento não-científico só tem real valor
mercadológico quando ele passa a ser cientifizado, enquanto isto não acontece o seu valor
é apenas potencial, ou seja, um valor de uso e não valor de troca. Portanto, no mercado do
conhecimento, a Ciência torna-se responsável pela criação da mercadoria fictícia
conhecimento.
Novamente, começa-se a vislumbrar a partir de que pressupostos são elaborados
determinados programas e projetos governamentais. Segundo Bartholo Jr. (1986), neste
novo panorama da modernidade, Ciência e política se unem, de forma que a política usa a
Ciência para respaldar suas estratégias e ações, e a Ciência por sua vez, usa a política como
veículo de divulgação de seus pressupostos. Esta parceria entre Estado e Ciência passou a
ser mais visível com a Revolução Industrial, pois o crescimento do poder capitalista-
industrial inglês, que tinha como aliada a Ciência, fez com que as outras Nações
investissem na pesquisa científico-tecnológica, como forma de apoio a um aumento das
forças empresariais na produção de novidades economicamente úteis. Nesta perspectiva, a
promoção de desenvolvimento da pesquisa científica passou a ser considerada como uma
responsabilidade do Estado, o que fez com que as iniciativas empreendidas se voltassem
37
para o fortalecimento da Nação, que tem como pressuposto fundamental o aumento do
desempenho, eficiência e produtividade industrial. Pressupostos estes, mais que evidentes
na lei nº 10.973/04, promulgada em 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à
pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo; e também no teor do atual
Anteprojeto de Lei de Reforma da Educação Superior
10
, o qual será analisado mais adiante,
quando situarmos a instituição universitária no contexto de uma economia de mercado.
Cabe também à Ciência criar a demanda necessária para que haja o mercado, o que é
feito por meio da desqualificação do conhecimento não-científico. Isto faz com que todo o
saber cotidiano das pessoas, advindo de sua experiência de vida, não seja considerado
como válido, tornando-as dependentes do conhecimento produzido cientificamente. Desta
forma, a Ciência passa a reger a vida das pessoas, colocando-as na dependência de um
conhecimento que elas só podem comprar e não gerar. Esta relação que se faz entre
Ciência e verdade aliada a idéia de que o saber científico é superior às outras formas de
saber, e ao fato de que este conhecimento deve ser utilizado para solucionar os problemas
do dia-a-dia, são formas de se vender oproduto Ciência” como algo fundamental para a
vida das pessoas (Tunes, 2005). E neste sentido, é delegado à universidade um papel de
extrema importância, a de meio onde o conhecimento técnico-científico útil é produzido e
onde os profissionais são capacitados para o mercado de trabalho. Mas de onde vem esta
visão utilitarista sobre o conhecimento?
2.2. O utilitarismo e o conhecimento
Como visto em Polanyi (2000), a criação da economia de mercado levou a uma
transformação social devastadora, com a criação de mercadorias fictícias (a terra, o
trabalho e o dinheiro), o domínio de máquinas especializadas que permitiram o
crescimento do comércio em indústrias e a valorização do lucro. Segundo Bartholo Jr.
(1986), estas transformações sociais tiveram em seu contexto, mudanças na forma do
homem compreender o mundo. Na Idade Média preponderava o geocentrismo, com a
teleologia servindo de base para as explicações sobre os fatos, o tempo era cíclico e
estático, referenciado nos ciclos naturais, e a natureza era vista como orgânica e animada,
sob um ponto de vista qualitativo, onde a observação e a dedução de preceitos gerais
levavam ao conhecimento. O saber tinha por objetivo responder o “por que” das coisas, e
10
Versão oficial de 29 de Julho de 2005.
38
as respostas vinham sempre acompanhadas da união entre saber científico e ética de
conduta. Com a era Moderna houve uma mudança radical nestas concepções. O universo
passou a ser infinito e a visão heliocêntrica substituiu o geocentrismo. A explicação para os
acontecimentos baseou-se no atomismo, o tempo ficou linear e progressivo, onde só se
alcançava o conhecimento por meio da experimentação e da abstração matemática, de
forma que as coisas perderam seu valor imanente e o saber científico passou a procurar o
“como” fazer.
De acordo com Bartholo Jr. (1986), o pensamento ocidental baseia-se em dois
modelos cognitivos: o racionalismo e o empirismo. Na Modernidade estas duas frentes
terão como representantes significativos, René Descartes e Francis Bacon. A passagem do
“por que” para o “como” é coerente com o pragmatismo baconiano que dá ao saber um
status de poder e à verdade um viés utilitarista. Assim, vincula-se a busca da verdade na
práxis científica, às bases que sustentam um saber que tem por objetivo, dominar e
controlar a natureza. Nesta busca, as soluções científicas encontradas servem apenas para o
estabelecimento de critérios” (p.36) sobre como se fazer algo, e não sobre a reflexão do
que se deve ou não fazer. Assim estabelece-se uma relação direta entre a verdade científica
e a sua operacionalidade, tornando o experimento, a quantificação, a predição e a
aferição” (p.36) os novos parâmetros científicos. Como conseqüência, os eventos naturais
passam a ser analisados sob uma visão quantitativa e descritos de forma atomística e
mecanicista. A valoração da natureza pelo homem funde-se com um projeto de dominação,
onde o ambiente estaria à sua disposição para total uso.
Conforme o autor, a busca pela lucratividade associada com a concepção quantitativa
sobre a natureza, segundo a qual, esta estaria a serviço das necessidades do homem como
uma mercadoria, faz com que o único valor a ser considerado seja o da funcionalidade com
vistas a um lucro. Este mesmo processo reducionista presente na relação
sociedade/natureza ocorre nos meios de produção, onde o valor do trabalhador está na
mercantilização de sua força de trabalho, que é vendida em troca de um salário. Desta
forma, coloca-se o homem a serviço, portanto, sob o domínio do próprio homem,
reduzindo-o a um instrumento de produção que possibilitará o ganho de riquezas
monetárias.
Segundo Bartholo Jr. (1986), para que este lucro esteja sempre presente, cobra-se do
trabalhador uma grande produtividade. Entretanto, como ele apresenta limitações, pois é
humano, a busca por mais ganhos monetários faz com que haja uma transferência gradual
das funções desempenhadas pelos indivíduos para as máquinas, já que elas têm uma maior
39
eficácia instrumental. Neste sentido, o modo como a Ciência considera a natureza,
decompondo a sua riqueza por meio da mensuração e experimentação para depois
manipulá-la, contribui para esta transferência de funções do homem para a máquina, pois
ambos apresentam o mesmo pressuposto: o controle sobre a atividade ou sobre a natureza.
Este ponto em comum possibilita a formação de uma Ciência como tecnologia” (p.41)
que fomenta a divisão do trabalho. Portanto, a moderna Ciência experimental originou-se e
desenvolveu-se em um contexto histórico que coloca como condição necessária ao
desenvolvimento produtivo capitalista industrial, uma nova relação entre o trabalho
intelectual (atividade “espiritual”) e o trabalho manual (atividade “física”).
Na Idade Média, a intelectualidade preservava o pensamento matemático da
Antigüidade e dissociava a atividade “espiritual” da atividade popular, a qual não conhecia
a teorização baseada no pensamento conceitual matemático. O artesão medieval dominava
sua produção mediante um “saber prático”, que vinculava seu conhecimento de como as
coisas são feitas à sua habilidade para fazê-las. O universo simbólico das regras práticas
que expressavam a sistematização do saber vinculado ao mundo do trabalho medieval se
constituía no trato direto com os elementos e materiais da natureza, e permaneciam
indissoluvelmente vinculados à esfera da atividade “física” (Bartholo Jr., 1986).
Segundo o autor, esta apropriação sobre o “saber prático” garantia às corporações de
ofício medieval a detenção do conhecimento técnico e a sua aplicação exclusiva sobre a
produção. Ao se romper com este domínio, a habilidade técnica deixa de ter como
fundamento o acúmulo de experiências e hábitos e passa a ser pautada no pensamento
racionalista, redefinindo a relação entre trabalho manual e trabalho intelectual, a qual será
constitutiva da Modernidade. Nesta redefinição, a separação entre atividade manual e
atividade intelectual deixa de ser devido a estes trabalhos se situarem em universos
simbólicos diferentes, e passa a se situar no próprio processo produtivo, subordinando o
“fazer técnico” ao “pensar científico”.
O racionalismo reduz a natureza a um mundo de leis constantes, interpretadas à luz de
teorias científicas livres do subjetivismo. Assim, a moderna técnica cientifizada permite
que o homem realize socialmente o que individualmente, no contexto da modernidade, não
lhe é possível fazer: a união entre corpo e mente, entre trabalho manual e intelectual. Com
a crescente modernização da indústria e a cientifização das técnicas produtivas, a
automação começa a ganhar mais espaço, levando à produção em massa e a união entre
Ciência, técnica e indústria. De acordo com Bartholo Jr. (1986), o princípio que organiza o
“circuito econômico-científico-tecnológico” da sociedade industrial moderna não advém
40
de vontades individuais, mas de uma conduta hierárquica que vem do mecanismo de
produção e controle. O resultado é a produção em massa organizada de forma a reservar
homens e coisas em um mesmo espaço/tempo, de acordo com uma hierarquia de atividades
diretivas e operacionais que levam a uma divisão do trabalho diferenciada e especializada,
seguindo critérios de eficácia instrumental, reconhecidos como determinantes da práxis
científica tecnológica” (p.44). É esta forma de organização do trabalho que preponderará
na sociedade industrial moderna.
Ao se pautar a técnica no racionalismo, separando o fazer do pensar, negando o
conhecimento pessoal em prol de um saber científico externo à história de vida do
indivíduo, pode-se dar início a um processo de desenraizamento do homem que o levará a
sua negação como ser e a sua transformação em um acessório do mercado. De acordo com
Weil (2001), o enraizamento é a necessidade mais importante da alma humana. Um ser
humano é enraizado quando ele participa ativa e naturalmente em uma coletividade que
preserva certos tesouros do passado e certos pressentimentos de futuro” (p.43). Todo ser
humano necessita de várias raízes, que são formadas por intermédio dos meios nos quais
ele participa naturalmente e de onde recebe a maior parte de sua vida moral, intelectual e
espiritual. As trocas de influências entre meios diferentes são tão importantes quanto o
enraizamento no meio natural, entretanto a influência externa deve ser um estimulante à
intensidade de sua vida e não uma contribuição.
Traçando-se uma conexão com a questão do mercantilismo do conhecimento, vê-se
que este processo leva ao desenraizamento do conhecimento pelas pessoas, pois com a
desqualificação do conhecimento cotidiano pelo saber científico, cria-se a necessidade das
pessoas buscarem um conhecimento exógeno que lhes ajuda a dar sentido à sua vida,
porém este conhecimento reconhecido pela Ciência e posto como o verdadeiro é alheio à
vida vivida destas pessoas, portanto, desenraizado (Tunes, 2005).
Outra possível conseqüência desta valorização do conhecimento científico é a procura
por teorias que validam determinadas práticas, ou seja, teorias diretamente “aplicáveis”,
que sirvam para dar base a uma suposta atividade prática. Como se determinados atos
assim pudessem ser justificados, pois estariam pautados em verdades do conhecimento
científico, que é o conhecimento validado e respeitado. Não que este modo de
conhecimento não seja válido, ele o é, mas não pode ser considerado como sinônimo de
verdadeiro, pois o conhecimento cotidiano passado por gerações e construído no decorrer
do tempo, da história e do contexto de um povo também é válido e legítimo. Portanto, não
pode ser desqualificado nem negado, mas sim considerado tanto quanto o científico.
41
Tunes (2005) faz uma analogia entre os processos de desenraizamento operário e
camponês ocorrido na Revolução Industrial, descritos por Simone Weil, com o
desenraizamento científico contemporâneo. Processo este que se acentuou com o advento
da sociedade informacional, ocorrido a partir de meados do século XX, e com a
transformação do conhecimento científico em mercadoria. Ainda de acordo com a autora, a
efetivação do desenraizamento operário e camponês foi acompanhada pela
institucionalização das mercadorias fictícias terra e trabalho”. Já o desenraizamento
tecnocientífico que ocorre na contemporaneidade com a revolução informacional, é
acompanhado da institucionalização da nova mercadoria fictícia conhecimento”.
Segundo a autora, este processo de mercantilização do conhecimento aumenta os riscos
do desenraizamento da Ciência e dos cientistas” (p.93).
A partir de Freyer
11
, Tunes (2005) pressupõe que tendências determinantes da
modernidade industrial, como a possibilidade de se fazer coisas, presentes no quadro da
produção científica contemporânea conduziram ao desenraizamento científico. Dentre
estas tendências está a mercantilização do conhecimento. Quanto a possibilidade de fazer
coisas, segundo a autora, Hans Freyer distingue a relação que o ser humano estabelece
entre ele e os seres e entre ele e as coisas. Quando o homem se relaciona com os seres, no
seu fazer, ele não tem um controle sobre estes seres, a relação é de reciprocidade. Exemplo:
camponês, agricultor. Mas quando o ser humano se relaciona com as coisas, o seu fazer é
de total domínio, pois é ele quem as manipula. O exemplo que a autora traz é o do ferreiro.
Neste caso, o homem é considerado como homo faber”, ou seja, o homem que faz as
coisas das quais necessita e não fica à espera de que elas aconteçam, como é o caso do
camponês ou agricultor. A introdução de máquinas pela Revolução Industrial não mudou a
natureza da atividade deste homo faber, já que a manipulação da matéria-prima por ele e
para os seus fins permaneceu. Ainda de acordo com a autora, Hans Freyer coloca que a
tendência que marcou a Revolução Industrial foi a perda de espaço da atividade de esperar
para a atividade de fazer.
Em verdade, o que diferencia a atividade de esperar da atividade de fazer é a relação que
o homem estabelece com o objeto do seu trabalho. As atividades de esperar, colher e
guardar são aquelas que o homem realiza quando em contato com seres; a atividade de
fazer coisas é aquela que o homem realiza quando em contato com coisas. E a relação do
homem com os seres é diferente da relação do homem com as coisas” (Tunes, 2005 p.95).
11
FREYER, Hans. Teoria da época atual. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1965.
42
Hoje, o ser humano cada vez menos se dedica a atividades de espera, o que o distancia
da relação com os seres, e cada vez mais ele procura atividades de fazer, aproximando-o da
relação com as coisas e da mercantilização, pois com a materialização ou coisificação do
mundo, o ser humano, a partir de suas necessidades, manipula e transforma tudo aquilo que
ele considera como matéria ou como coisas, incluindo os seres. O que nos leva à visão
utilitarista presente no contexto moderno.
De forma análoga ocorre com a produção tecnocientífica e as suas possibilidades de
intervir na realidade. Neste caso, a mercantilização do conhecimento é um fator
fundamental. Devido a objetivação oriunda do pensamento de Descartes, que possibilita a
representação do mundo de forma racional e matemática, que a mensurabilidade tornou-se
a lei fundamental no domínio da natureza. Com base neste princípio que a atividade da
tecnociência passou a ser a produção de técnicas e instrumentos que possam medir a
natureza e, a partir das informações conseguidas, propor teorias que sejam coerentes com
estes dados (Tunes, 2005). Assim, o homem utiliza estas técnicas e instrumentos para
chegar à verdade. O objeto de conhecimento da tecnociência deixa de ser os seres para ser
as coisas, levando à perda de dialogicidade e da relação do homem com os seres.
Segundo Tunes (2005), esta tecnociência pode colocar em perigo a sociedade humana,
pois o século XX, que presenciou o surgimento da sociedade de informação, também
sofreu grandes transformações advindas da mercantilização do conhecimento presente no
fazer Ciência, as quais interferiram sobre a própria relação dos cientistas com o seu
trabalho. A busca da verdade se dá em meio a requisições utilitárias do individualismo
possessivo” (p. 99). Ainda de acordo com a autora, para a tecnociência o quão verdadeiro
pode ser considerado um fato científico, depende da quantidade de pessoas qualificadas,
instrumentos e recursos mobilizados. A relação seria direta: quanto mais pessoas,
instrumentos e recursos, mais verdadeiro pode ser o fato defendido pelos cientistas.
Quanto maior for seu prestígio político, maior será sua capacidade de construir novos
fatos; quanto maior for a quantia de dinheiro de que dispõe, maior será a capacidade de
criar novas verdades” (p.100). Assim, abre-se a possibilidade das verdades científicas
serem as verdades que interessam ao capital.
Bartholo Jr. (1986) faz uma crítica à comunidade científica, por ela aceitar
acriticamente a idéia de que a forma moderna da prática científica e o conhecimento a ela
atrelado são um fenômeno natural e suprahistórico. Isto se dá, segundo o autor, pela
concordância a dois princípios: a realidade universal da Ciência moderna, principalmente,
das ciências matemáticas e naturais; e o entendimento de que esta universalidade vem do
43
fato de que os conhecimentos científicos são o resultado de uma reação cognitiva inata do
ser humano quando em relação com o ambiente. Esta concepção naturalista do
conhecimento científico compreende que as leis teóricas são universais por existirem leis
naturais e o homem é o ser apto a lê-las. Para que esta leitura seja de qualidade, é preciso
que ele se abstenha de qualquer outra fonte de informação que de alguma forma possa
perturbar ou distorcer a compreensão destas leis naturais, por isso a importância da
objetividade e a negação do caráter histórico-cultural do conhecimento científico. Para que
esta objetividade se faça presente, é preciso que o indivíduo negue sua particularidade e
abstraia-se de si mesmo, de forma que não haja interferência de sua constituição subjetiva.
É por meio desta negação de si mesmo que o cientista se considera apto a emitir e receber a
forma científica de conhecimento objetivo.
O argumento de Bartholo Jr. (1986) é de que esta forma científica de conhecimento é
um produto histórico-cultural e não algo natural. O homem civilizado moderno entende
que a forma científica de conhecimento é a forma natural de pensamento, por isso para ele,
ela possui um caráter a-histórico, assim como sua própria consciência, entendida como
algo dado a priori e imutável. Entretanto, não é natural negar a sua própria identidade em
nome de uma forma científica de conhecimento objetivo, que dissocia a subjetividade de
cada pessoa da sua realidade.
A abstração presente naquilo que a comunidade científica moderna considera como
informação significativa, está fora de qualquer contexto histórico-cultural. Além disto, a
esta abstração supõe-se uma aptidão sem a qual o indivíduo não estaria apto a reproduzir
os resultados obtidos pelos cientistas, condição esta fundamental para uma teoria científica
moderna. Esta aptidão é encontrada em todos os indivíduos que se socializaram dentro da
civilização moderna, a qual tem como eixo de socialização as relações mercantis. Para
estes indivíduos contemporâneos a presença de uma “abstração real” torna-se fundamental
para a sua sobrevivência na sociedade. Esta “abstração real” abarca uma consciência dual
que permite a viabilização de dois sentidos ao ato de compra/venda de mercadoria: um
subjetivo, particular, relacionado com as necessidades e sentimentos de cada pessoa; e um
outro lado objetivo, social geral, que caracteriza a todos os indivíduos. È esta relação entre
valor de uso e valor de troca que representa a “abstração real” exigida socialmente de cada
indivíduo, e que sem a qual ele não subsistiria dentro da civilização capitalista industrial
moderna” (Bartholo Jr., 1986).
Portanto, a abstração não é algo restrito ao pensamento teórico, já que envolve
também o campo da ação humana, especialmente no caso de uma sociedade mercantilizada
44
em que a troca mercantil é a base para a socialização abstrata. Neste caso, a mercadoria
seria a abstração das necessidades, desejos e sentimentos dos indivíduos. Mercadoria esta,
representada pelo dinheiro, o qual constitui-se na unidade abstraída da sociedade moderna,
pois a equivalência de valores de troca possibilitada por ele, faz com que as quantidades
físicas de determinada mercadoria sejam substituídas por uma quantidade abstraída da
mesma. Como coloca o autor:
A realidade do valor de troca mercantil é uma realidade abstrata, que depende da
desqualificação dos atributos de valores de uso para poder existir. Nesta existência tais
atributos são apenas uma “projeção imaginária”, e a substância da mercadoria pode
unicamente se expressar na materialidade do dinheiro” (Bartholo Jr., 1986 p.52).
Assim, continua Bartholo Jr. (1986), a troca mercantil é uma ação a-histórica e
abstrata. Ao se equivaler os objetos ao dinheiro, ou seja, uma equivalência quantitativa em
que as qualidades presentes são transformadas matematicamente, as relações entre causa-
efeito são vistas como situações isoladas e restritas, alheias aos diversos contextos
histórico-culturais. Isto faz com que somente os homens que participam desta sociedade
entendam a lógica da troca mercantil e compartilhem seus conceitos e princípios, ao que o
autor designa como “pensamento mecanicista”. Portanto, a pré-formação desta forma de
pensar estaria justamente na “abstração real” da troca mercantil. A mensuração e a
objetivação presentes neste processo de troca fazem com que as sensações individuais e
concretas sejam eliminadas, permanecendo apenas as genéricas e abstratas. Estas sensações
gerais abstratas são necessárias para o caráter objetivo do conhecimento dos fenômenos
naturais, pois ao se eliminarem as particularidades, permanecem apenas as observações
objetivas gerais criadas pela Ciência moderna.
A escola, e aí podemos estender à educação, contribui para esta negação do
conhecimento não-científico e validação do conhecimento científico, contribuindo também
para o desenraizamento do conhecimento e sua mercantilização. Segundo Weil (2001), o
renascimento separou as pessoas cultas da massa, levando ao desenvolvimento de uma
cultura alheia às tradições nacionais, separada do mundo, direcionada e influenciada pela
técnica forjada em um meio restrito, marcada pelo pragmatismo e fragmentada pela
especialização.
Acredita-se comumente que um pequeno camponês de hoje, aluno da escola primária,
sabe mais do que Pitágoras, porque repete docilmente que a terra gira em torno do sol.
45
Mas de fato ele não olha mais as estrelas. Esse sol de que lhe falam na aula não tem para
ele nenhuma relação com aquele que vê” (Weil, 2001 p.45)
Apesar da autora ter como parâmetros um contexto educacional da primeira metade do
século XX, sua crítica continua atual. Segundo ela, a instrução de massas limita-se a pegar
a cultura moderna criada em um mundo restrito, vulgariza-a e ministra o que sobrou na
memória daqueles que querem aprender. O desejo de aprender por aprender tornou-se raro.
Os exames exercem sobre os jovens, nas escolas, uma obsessão equivalente à do dinheiro
sobre os operários, só que estes têm a atenção toda voltada para o cálculo do dinheiro e os
estudantes para o cálculo da nota.
Conclui-se, então, que a visão utilitarista sobre o conhecimento presente no contexto
atual, vem dos parâmetros científicos pós-Revolução Industrial, marcados pela
quantificação e pela experimentação que deram origem a um pensamento racionalista e
mecanicista sobre o mundo. Esta forma de pensar fez com que o homem se dedicasse mais
à atividade de “fazer” do que a atividade de “espera”, transformando seres e coisas em
matéria manipulável e, portanto, passível de ser mercantilizada. Com isto, o conhecimento
científico passou a preponderar sobre o cotidiano, ocasionando o desenraizamento da
Ciência e do próprio homem, e a valorização de um conhecimento que permita um “fazer
prático”. Na sociedade de mercado, orientada por uma economia de mercado, o que vale é
o conhecimento útil que pode servir como mercadoria.
Porém, como o interesse deste trabalho é o contexto universitário, questiona-se: de
que forma a universidade contribui e participa desta sociedade de mercado em que
vivemos? Como a mercantilização do conhecimento se faz presente nestas instituições de
ensino superior?
3. A mercantilização do conhecimento na universidade
3.1. A universidade em uma sociedade de mercado
No cenário de uma economia de mercado, onde o conhecimento é tido como a
mercadoria mais valiosa, a universidade passa a ter por parte do Estado uma importância
vital, já que é ela a responsável por garantir a produção de conhecimentos científico-
tecnológicos que podem ser repassados ao setor de produção industrial e, assim, levar o
país ao desenvolvimento econômico e social.
46
Segundo Goergen (1998), a criação de instituições com a finalidade de se produzir
Ciência e de se transpor os seus alcances para a prática, ocorreu no início da Idade Média,
a partir do século V, e foi uma conseqüência da concepção de que a Ciência era o meio
pelo qual o ser humano teria acesso à realidade. Desde então, ela passou a ser vista como
propulsora do desenvolvimento e símbolo do progresso, estabelecendo-se a relação entre
Ciência e desenvolvimento humano e social. Assim, o homem começou a preocupar-se em
fazer Ciência e com o tempo esta passou a ser valorizada pelo sentido prático de seus
resultados. Aos poucos, a universidade também incorporou o “sentido prático do saber”, de
forma que a expectativa com relação a ela passou a ser de um agente produtor de
conhecimentos úteis e de formador de profissionais capacitados para trabalharem em um
mundo moldado pela Ciência e pela tecnologia. Devido a mentalidade neoliberal que
transformou e dominou o mundo, a Ciência passou a servir como um instrumento para
potencializar e justificar o lucro, princípio básico deste sistema político-econômico. Desta
forma, a capacidade de se produzir conhecimento tornou-se um dos principais fatores de
distribuição de poder econômico, pois os países líderes da economia são aqueles que detêm
os melhores lugares neste tipo de produção.
A adoção do mercado como referência também pode ser encontrada na forma como a
unidade ensino, pesquisa e extensão vem sendo oportunizada. Atualmente, associa-se
ensino e pesquisa à extensão, como uma prestação de serviços comunitários e/ou como
meio para se estabelecer convênios com empresas. Isto ocorre porque se confunde
extensão com instrumento para se obter mais recursos e melhorar o orçamento da
instituição ou do departamento; ou então, como uma forma da universidade retornar à
sociedade os investimentos que recebeu. Esta maneira de entender o que seria a extensão
universitária faz-se presente no Plano Nacional de Educação (lei nº 10.172/01) ao se
estabelecer os objetivos e as metas do ensino superior. Segundo o documento, cabe às
instituições de ensino superior: Garantir, (...) a oferta de cursos de extensão, para
atender as necessidades da educação continuada de adultos, com ou sem formação
superior, na perspectiva de integrar o necessário esforço nacional de resgate da dívida
social e educacional” (Plano Nacional de Educação, 2001 p.45).
Como coloca Moraes (1998), a extensão deveria ser compreendida como extensão de
pesquisa e ensino e não a pesquisa e o ensino como extensão de serviços. Segundo
Schugurensky & Naidorf (2004), até a década de 1980, o modelo de interação
universidade/empresa muitas vezes tinha a forma de “programas de educação cooperativa”,
onde os currículos eram elaborados para atender as necessidades das fábricas, e os alunos
47
dedicavam parte de seu tempo à sala de aula e outra parte à empresa. Depois, este modelo
foi substituído por outro marcado por um aumento na transferência de tecnologia das
instituições universitárias às empresas e pelo comércio dos trabalhos acadêmicos.
Na associação entre ensino, pesquisa e extensão deveriam ser rejeitados projetos que
visassem substituir um sistema de Ciência e tecnologia público e estatal, por outro que
esteja de acordo com as necessidades empresariais (Mancebo, 2004). Preocupa a forma
como se compreende o papel da extensão universitária, pois ela apenas contribui para que
se estabeleça um regime de servidão da universidade ao sistema econômico.
As instituições universitárias cumprem na revolução informacional, citada por Tunes
(2005), o papel que as indústrias têxteis cumpriram na Revolução Industrial: a
responsabilidade pela geração de produtos que alimentam a economia de mercado que, no
contexto atual, seria o conhecimento e a mão-de-obra especializada. A partir disto,
corroboramos com a reflexão da autora, levantando duas questões, não para serem
respondidas, mas para serem pensadas: estaríamos vivendo uma reedição do “moinho
satânico” citado por Polanyi (2000)? Que rupturas o tecido social moderno poderá sofrer e
que repercussões isto terá para a sociedade?
Para darmos continuidade à discussão sobre a universidade no contexto da economia
de mercado atual, não podemos deixar de fazer um resgate das idéias presentes na proposta
universitária humboldtiana, apresentadas na primeira parte desta discussão, as quais nos
ajudam a vislumbrar os caminhos tortuosos que o ensino universitário trilha e que a atual
proposta de reforma do ensino superior pretende reforçar e perpetuar.
De acordo com Bartholo Jr. (1992; 2001), no início do século XIX o contexto político-
universitário alemão era caracterizado predominantemente por quatro tendências. A
primeira dizia respeito à universidade tradicional e conservadora, separada das atividades
de pesquisa empírico-sistemática, focada na transmissão de conhecimentos e negando-se a
um comprometimento utilitarista-tecnológico. Na segunda tendência, a universidade é
abandonada em nome de uma “escola científico-profissionalizante especializada de nível
superior”, fruto de um projeto político pedagógico iluminista radical, que concebia a
atividade científica como geradora de conhecimentos úteis, sistematizados em
enciclopédias e tecnologicamente instrumentalizados. Esta escola científico-
profissionalizante seria a representação de um sistema estatal de ensino integrado. A
terceira tendência, representada pelo projeto pedagógico iluminista reformista,
compartilhava do viés utilitarista sobre a prática científica defendido pelo “projeto
iluminista radical”, mas não relegava a universidade ao passado nem a substituía por um
48
sistema de direção estatal. A idéia era adaptar a instituição universitária, por meio de
reformas administrativas, aos novos imperativos, na busca de um “compromisso
pragmático”. E por fim, a quarta tendência, o projeto universitário humboldtiano,
representado pela fundação da Universidade de Berlim.
Conforme o autor, a nova instituição universitária alemã foi criada em 16 de agosto de
1809, via decreto assinado por Frederico Guilherme I. O objetivo desta proposta era
proporcionar algo novo, que não seguisse os pressupostos da universidade tradicional nem
do projeto pedagógico utilitarista-iluminista, ou seja, ela não veio como fruto de uma
reforma universitária, mas sim como uma nova possibilidade de concepção de espaço
universitário. Sua fundação só ocorreu após a derrota da Prússia para Napoleão (1806-
1807), pois isso levou a uma perda de territórios e com eles várias universidades, tais como:
Duesburg, Paderborn, Erlangen, Erfurt, Münster, Göttingen e Halle.
A idéia norteadora deste novo projeto de universidade foi proposta por Wilhelm von
Humboldt (1769-1859), com base no humanismo idealista de Schiller, Schelling e Fichte.
Este pressuposto central entendia a Ciência “(...) como um produtivo pensar-se a si mesma
de verdade em sua generalidade, que se liberta de todas as autoridades e fins imediatos do
saber, para se constituir numa atividade de auto-reflexão que reconstrói a totalidade do
mundo como consciência de princípios (Schelsky, 1963 apud Bartholo Jr., 1992 p.36)
12
.
A autonomia universitária seria o espaço institucional onde pensamento e realidade
encontrar-se-iam e, de forma voluntária, se transformariam. Seria o espaço de “solidão” e
“liberdade”, que teria como opositor o projeto pedagógico utilitarista-iluminista e a
transformação das instituições universitárias em universidades “escolarizadas”, as quais
apenas seguem os princípios de utilidade e especialização. “Solidão e liberdade” são
metáforas que representam a destutelarização do intelecto, pois para Humboldt, a formação
universitária deveria ser estruturada com o objetivo de “(..) metamorfosear tanto mundo
quanto possível na própria pessoa (...) pela vinculação do nosso eu com o mundo para as
mais gerais, provocantes e livres inter-relações” (Bartholo Jr., 1992 p.37). Por isso a
tutelação do saber defendida pela Ciência e por ela implantada no ambiente universitário,
não é viável nem válida, pois limita o pensar e o autoconstruir da pessoa, subordinando-os
aos ditames mercadológicos sob os quais a Ciência se subjuga.
A concepção de Humboldt sobre universidade se contrapõe com a do projeto
pedagógico utilitarista-iluminista, porque o seu pressuposto é de que a reflexão filosófica
12
Palavras do discurso de Humboldt perante a Academia de Ciências de Berlim, em Janeiro de 1809, citado
por Schelsky apud Bartholo Jr., 1992, p.36.
49
deve ser o âmago da atividade universitária e que todos, professores e alunos, teriam
acesso a ela de forma imediata. Portanto, o conhecimento produzido e oportunizado na
universidade não seria restrito a alguns nem simplesmente transmitido de forma vazia por
aqueles que o dominam para aqueles que o desconhecem. Os alunos quando entram para a
universidade, trazem consigo suas vivências de mundo que permitem a ele se inserir
diretamente na reflexão crítico-filosófica, sem ter que antes serem preparados para isto,
para o pensar crítico, nem ter o seu pensamento direcionado à produção de um
conhecimento considerado de aplicação direta, ou seja, utilitário. Isto demonstra que o
projeto humboldtiano é incompatível com o pragmatismo presente na concepção de uma
universidade “escolarizada” (Bartholo Jr., 1992). Humboldt dá ênfase à unidade entre
pesquisa e ensino como sendo esta uma característica necessária a uma formação ética por
meio da Ciência. Para ele, este tipo de formação permite que professores e alunos sejam
vistos com indivíduos em formação e não como pessoas que, por estarem naquele ambiente,
acumulam conhecimentos. O fundamental não é a quantidade de conhecimentos que
alguém tenha, mas a sua constante busca pela verdade. A organização da universidade
como instituição de ensino não deve ser feita com vistas à “posse da verdade”, mas sim,
como instituição de aprendizagem pautada na “busca de verdades”.
Mas, no que as idéias de Humboldt nos apóiam ao analisarmos a universidade
contemporânea? Para responder a esta questão, com a ajuda de Bartholo Jr. (2001),
discutiremos alguns dos pressupostos defendidos por Humboldt. O primeiro é a liberdade
de ensino e aprendizagem de professores e estudantes. Neste caso, Humboldt diferencia a
liberdade presente nas escolas superiores da existente nas universidades. Nas escolas, os
professores estariam lá por causa dos estudantes, e na universidade, professores e alunos
estão lá em confronto “com a Ciência pura”. Eles têm o privilégio da liberdade frente ao
pragmatismo da aprendizagem e da formação pessoal. De acordo com Bartholo Jr. (2001),
se fôssemos aplicar este critério para as universidades atuais, verificaríamos que a maioria
delas não passaria de “centros escolares de formação profissional cientifizada”.
O segundo pressuposto humboldtiano é a unidade de ensino e pesquisa. Segundo o
autor, este princípio fazia parte da realidade acadêmica de Humboldt (1809), entretanto,
hoje esta unidade é impossível, pois para que se possa pesquisar exige-se que o indivíduo
tenha como pré-requisito um curso superior completo. O que, muitas vezes, ainda não é
suficiente, requerendo-se também um mestrado, seguido de um doutorado e, se possível,
também de um pós-doutorado. De onde se conclui, que os diplomas expedidos atualmente
pelas universidades nos atestam uma competência cada vez menor. Culpa do mercado que
50
vê os diplomas universitários como referenciais de aptidão ao trabalho, fazendo com que as
universidades sejam vistas como “fornecedoras de credenciais” (Casper, 2002).
O terceiro princípio humboldtiano é o da autonomia da Ciência como cultura, a qual
deveria ser promovida pelo Estado, mas sem perder de vista a liberdade para pesquisar e
para a formação pela Ciência (Bartholo Jr., 2001). Esta autonomia é representada pela
eterna busca na Ciência e pelos limites que o Estado deve ter ao intervir na universidade,
portanto, autonomia da Ciência significa liberdade em relação à política. Entretanto, esta
liberdade ou autonomia é muitas vezes inibida pela burocracia estatal, já que é o Estado o
patrocinador da pesquisa, ou então pelo poder legislativo, que na ânsia de atender ao seu
eleitorado impõe limites à liberdade de pesquisa. Além disto, autonomia em relação à
política não é apenas limitar a ação do Governo sobre a universidade, mas sobre o abuso
político, sobre os interesses particulares e, também, autonomia para o corpo docente e
discente (Casper, 1997).
Com relação à estrutura da universidade, de acordo com Bartholo Jr. (2001), a partir
da segunda metade do século XX, foram feitas mudanças para que essas instituições se
tornassem centros de produção e transmissão de conhecimento. Essa estrutura teve por
base três pontos de apoio advindos do contexto norte-americano: o departamento, o
currículo e o campus. É sobre essa tríade que se fez a transformação da universidade em
unidades fabris, que reproduzem o tipo de conhecimento necessário à civilização
tecnológica. Como conseqüência deste processo, o autor aponta para a questão da
empregabilidade, pois é mais lucrativo empregar um “cérebro novo”, recém-treinado de
acordo com os últimos avanços tecnológicos, do que manter um “cérebro obsoleto” ou
arriscar-se em seu aprimoramento. Portanto, os princípios que ligavam a formação
profissional-universitária com a formação ética da pessoa são coisas do passado.
Esta prioridade à formação profissional oportunizada nas universidades traz algumas
conseqüências que merecem ser pensadas e ponderadas. Uma delas é a sujeição da
instituição universitária aos ditames do mercado de trabalho, tornando-a uma mera
prestadora de serviços e não uma formadora, por meio do ensino e da pesquisa, de
profissionais críticos. A visão da universidade como prestadora de serviços, segundo
Moraes (1998), traz uma mudança nas figuras do professor e do pesquisador. De acordo
com o autor, eles passam a agregar as tarefas de consultor e administrador, de forma que o
ensino deixa de ser sua principal atividade e a pesquisa passa a ter maior relevância.
Neste aspecto, Tunes (2005) traça um paralelo entre o sistema de produção fabril e a
produção tecnocientífica. Segundo ela, tanto um quanto o outro, possui uma tendência
51
análoga de decompor o trabalho em partes elementares. O que daria suporte à divisão de
trabalho tecnocientífico seria o aparato burocrático, pois ele permite que se efetive a
decomposição da produção tecnocientífica nas partes elementares que o constituem, tendo
como objetivo o aumento quantitativo de sua produtividade. Os cientistas, neste caso,
seriam equivalentes aos operários.
Segundo a autora, os efeitos desta burocratização podem ser vistos no formato rígido e
padronizado exigido para os artigos científicos e na cobrança existente sobre a quantidade
de artigos publicados por um cientista. Quanto mais ele publicar, mais bem conceituado ele
será. Esta valorização com base na quantificação pode reforçar a mercantilização da
tecnociência. Aliada a esta burocratização há a produção de atividades superespecializadas
que alienam o cientista, tanto quanto os operários foram alienados com o advento da
Revolução Industrial. Desta forma, na produção tecnocientífica, cada grupo de trabalho
realiza apenas uma parte do processo de produção, sem haver necessidade de se conhecer
as outras partes que o compõem. Desta forma, assim como na indústria, o
trabalhador/cientista perde a noção do todo, gerando uma impessoalidade e uma
desresponsabilização com relação ao que é produzido.
Moraes (1998) também aponta uma outra alteração adquirida pela universidade como
prestadora de serviços, a forma como ela controla o seu próprio caminhar.
Convencionalmente, os orçamentos universitários são submetidos a um planejamento
interno conforme as diretrizes estabelecidas pelos órgãos colegiados. Entretanto, cada vez
mais as verbas extra-orçamentárias têm complementado os recursos disponíveis.
Geralmente, as verbas advindas de órgãos financiadores públicos, como o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), por exemplo, tem o seu uso determinado por uma relação
existente entre o professor/grupo de pesquisa e a agência financiadora, sem passar pela
verificação dos organismos internos da universidade. Desta forma, a própria instituição
perde o controle sobre uma parte de suas despesas, já que elas são manejadas fora dos
canais normais, o que acaba por influenciar o próprio orçamento interno, pois estes
recursos externos interferem no uso de espaços, instalações e equipamentos.
Percebe-se por detrás desta concepção sobre o papel da universidade, tal como
analisado anteriormente, uma visão utilitarista que concebe a função da instituição
universitária como a de atender às necessidades do Estado e da sociedade, ou seja, uma
agência prestadora de serviços estatais e sociais. Idéia defendida por Kawasaki (1997), ao
afirmar que, como o conhecimento básico e acadêmico é pago pela sociedade, as
52
universidades precisam desenvolver projetos de pesquisa e educação voltados para as áreas
de relevância social e econômica, por meio de parcerias com setores da sociedade, tendo
em vista estudos que possam subsidiar intervenções na realidade nacional e regional. Tais
parcerias não se constituiriam em uma prestação de serviços, pois o retorno social deve ser
uma das principais metas da universidade, tal qual em universidades de países avançados
em que o modelo universitário adotado está em consonância com o modelo econômico e
com as leis de mercado. A autora entende que não é papel da universidade resolver
problemas sociais, mas formar profissionais tecnicamente, cientificamente e socialmente
competentes, para enfrentar os desafios sociais. Para isto, ela sugere a criação de centros de
pesquisa que levem em consideração a demanda social, principalmente, do setor produtivo.
Apesar da autora reforçar que as parcerias não seriam uma terceirização da
universidade, mas sim um confluir de espaços, é esta a idéia que se passa. É também esta
visão que se faz presente quando centramos nosso olhar sobre as atividades de pesquisa
cobradas e incentivadas por parte do Estado. Portanto, a partir do momento que a
universidade se redime e limita-se a atender às necessidades de mercado, que visa o uso e a
aplicação utilitarista do conhecimento, ela se perde em sua ação e passa a ser mais um
acessório da economia de mercado.
Assim como se posiciona Bartholo Jr. (2001), a intenção aqui não é adotar as idéias de
Humboldt como um modelo universitário, mas sim, traçar um paralelo entre o contexto em
que ele se encontrava e as soluções que propôs aos problemas vigentes, e o contexto e
problemas presentes na universidade contemporânea. De acordo com o autor, Humboldt
encontrava-se em um contexto em que o Estado e a sociedade iluministas voltavam-se para
uma formação profissionalizante, pragmática e cientifizada como forma de se atingir o
progresso. Conforme declara, “o movimento em prol de um saber prático útil impulsiona a
reforma da universidade tradicional, transformando-a numa escola superior especial para
formação profissional” (p. 52). Para contrapor esta idéia, Humboldt propõe uma nova
universidade, pautada na ética da Ciência contra a “Ciência pragmática” (utilitarista) e a
favor da “Ciência pura”(em eterna busca pela verdade).
Infelizmente, constata-se que, apesar de muitas mudanças terem ocorrido entre 1809 e
os dias atuais, a universidade contemporânea permanece essencialmente iluminista,
sofrendo reformas como forma de se adequar às novas exigências contextuais, norteada por
uma visão de Ciência utilitarista e pragmática, a qual acredita-se levará o país ao progresso.
Vemos, portanto, como já colocado por Bartholo Jr. (1992), uma universidade
53
“escolarizada”, voltada não para a formação humanista geral, mas para o acúmulo de
conhecimentos considerados práticos e, portanto, úteis.
A eterna busca pela verdade, proposta por Humboldt como um dos princípios
fundamentais da universidade, é esquecida em nome da busca por conhecimentos que
possam servir como mercadoria, como matéria-prima para a indústria e/ou para o comércio
entre países. Isto afeta a própria estrutura da universidade, que deixa de ser um local de
cooperação entre cientistas de diferentes áreas, unidos pela busca comum ao conhecimento.
Não há uma comunhão de interesses pelo conhecimento em si, mas sim uma
compartimentalização em departamentos ou institutos, onde cada grupo de pesquisadores
está voltado para os seus próprios problemas e pesquisas. Mesmo dentro do próprio grupo,
nem sempre se oportuniza o diálogo para o compartilhar de conhecimentos. Como muito
apropriadamente coloca Tunes (2005) e Bartholo Jr. (2001), a produção tecnocientífica é
equivalente à produção fabril.
Os departamentos são as unidades operacionais das universidades/fábricas. Os
professores são as ferramentas-agentes de uma linha de montagem (o currículo), mas ao
mesmo tempo representam os produtos finais de tal linha. Na operacionalização
departamental dos currículos/linhas-de-montagemos estudantes são a matéria-prima a
ser transformada, cujo estado futuro é espelhado diante deles nas figuras dos professores,
como ferramentas preparadas para produzir cérebros para profissões específicas.
Resulta da grande desqualificação provincializante do intelecto, adestrado para ser algo
utilizável exclusivamente para aquele fim para o qual a linha de montagem está ajustada
(Bartholo Jr., 2001 p.56).
Tunes (2005), como já destacado na segunda parte desta discussão, traz três formas de
mercantilização do conhecimento que não estão associadas a produtos nem a marcas. São a
nova organização do trabalho, a crença no caráter “salvador” da tecnociência e a validação
do conhecimento pela Ciência. Todos estes mecanismos, de alguma forma, se fazem
presentes na organização da universidade brasileira moderna. A cobrança aos docentes, por
parte de órgãos federais ligados à educação superior, com relação à quantidade e a
relevância de sua produção científica e associando-a a avaliação dos cursos universitários,
é um bom exemplo sobre como a nova organização do trabalho atinge a instituição
universitária. Se a produção científica do professor for considerada como adequada, o
curso ao qual ele está ligado também terá uma boa avaliação. Portanto, o sucesso da
instituição universitária depende do sucesso de seu quadro docente. A valorização do
conhecimento científico em detrimento do conhecimento cotidiano e a convicção de que
este saber cientifizado solucionará os problemas do país, levando-o ao progresso e
54
trazendo o desenvolvimento a todos, estão retratados nos documentos oficiais que
regulamentam e estruturam a instituição universitária.
Para situar esta concepção mercadológica de Ciência no contexto universitário
brasileiro, analisaremos alguns pontos do Anteprojeto de Lei de Reforma da Educação
Superior, que atualmente está em discussão e também de alguns documentos que dão apoio
para tal proposta de reforma. O Anteprojeto que aqui será discutido refere-se à versão
oficial de 29 de Julho de 2005, aprovada pelo então Ministro de Estado da Educação, Tarso
Genro.
Na exposição de motivos do Anteprojeto, afirma-se que o desafio que o ensino
superior no Brasil tem pela frente é o de liderar a “(...) construção de um projeto nacional
de um País que aspira legitimamente a ocupar um lugar valorizado na divisão
internacional do conhecimento” (p.2). É com vistas a este objetivo maior que se pauta a
atual proposta de reforma universitária. Neste sentido, defende-se uma universidade
autônoma voltada para a geração, disseminação e transferência de conhecimentos e
tecnologias, cultura e arte; à formação acadêmica e profissional de qualidade nacional e
internacional; e por meio das atividades de ensino, pesquisa e extensão contribuir para o
desenvolvimento sustentável da região onde se encontra a instituição.
Vê-se nesta proposta, uma preocupação em delegar à universidade tanto a
responsabilidade pelo desenvolvimento de pesquisas quanto pela formação profissional.
Ao contemplar estas duas frentes, tem-se a impressão de que a discussão sobre o papel da
universidade, se produção de conhecimentos ou se formação de profissionais, estaria
encerrada. Entretanto, analisando-se o Anteprojeto e os documentos a ele associados e
sobre os quais a proposta se baseia, percebem-se algumas distorções que não só fomentam
o debate sobre a função da universidade como também trazem à tona outras questões a
serem discutidas.
No artigo 19, inciso III, que trata dos compromissos que cabem à universidade
enquanto instituição autônoma constata-se uma separação entre formação acadêmica e
profissional, ou seja, o indivíduo é formado para ser um pesquisador ou para ser um
profissional técnico. Com isso, acaba-se com a concepção de promover, por meio do
ambiente universitário, uma formação humanista geral, além de levar à separação entre
aquele que pensa e pesquisa, e entre aquele que faz e trabalha. Um outro ponto é com
relação à pesquisa acadêmica. Apesar de nos artigos 4º, 5º e 19 do Anteprojeto, que tratam
das finalidades e dos compromissos do ensino superior e das universidades, ser defendida a
pesquisa de forma geral, em outros pontos, como o artigo 12 que se refere à pós-graduação
55
e na própria justificativa do projeto de reforma, fica muito evidente a primazia dada à
pesquisa científico-tecnológica, com vistas à produção de patentes e tecnologias que
possam ser absorvidas pelas indústrias e/ou postas à venda no mercado nacional e
internacional de conhecimentos. Percebe-se isto no apoio declarado à lei nº 10.973/04, de
Incentivo à Inovação e à Pesquisa Cientifica e Tecnológica e, ao afirmar que, apesar da
produção científica brasileira ter crescido em número e em qualidade, não se obteve este
mesmo crescimento na transferência dos conhecimentos tecnológicos produzidos ao setor
produtivo.
Embora o Brasil apresente índices de crescimento na produção científica superiores à
média americana e da comunidade européia, a produção de patentes e as transferências ao
setor produtivo são relativamente baixas”.
É um desafio gigantesco compatibilizar o demonstrado potencial de crescimento científico
(...) com a geração de produtos capazes de competir nos mercados externo e interno e de
incorporar média e alta tecnologia nos processos produtivos. Assim agindo, pode a Nação
tornar-se mais competitiva, gerar mais empregos e melhorar a qualidade de vida de toda
população, fechando o ciclo virtuoso do crescimento sustentável” (Exposição de motivos.
Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, p.25).
Esta expectativa de que a Ciência e a tecnologia vão trazer melhorias sociais a todos e
levar ao desenvolvimento sustentável, também condiz com o segundo mecanismo de
mercantilização do conhecimento proposto por Tunes (2005), onde se acredita que as
inovações tecnológicas e a produção de conhecimentos resolverão nossos problemas. Neste
sentido, a reflexão de Dias Sobrinho (2005) é bem pertinente:
Há uma crença quase determinista no conhecimento como insumo econômico de grande
importância estratégica para a competitividade dos indivíduos, das empresas, das
corporações empresariais e para os países desenvolvidos. É como se não houvesse nenhum
problema na tão glorificada sociedade do conhecimento e em sua correlata economia do
conhecimento. A idéia vendida como verdadeira é a de um saber planetário, alimentado
pelo determinismo da tecnologia como motor e equalizador do progresso, e da crença
religiosa no mercado global substituindo as desigualdades nacionais e eclipsando as
injustiças no acesso e nos usos do conhecimento” (Dias Sobrinho, 2005 p.167-168).
Na proposta de Anteprojeto, fica claro o incentivo de pesquisas científicas voltadas às
áreas que podem alimentar a economia de mercado, pois são estas que vão possibilitar o
alavancar do progresso nacional e assim resolver ou minimizar os problemas sociais e
econômicos do País, levando-o a sustentabilidade e inserindo-o no bloco dos países
soberanos. Portanto, a função da universidade seria a de prover o mercado de
conhecimento brasileiro com a produção de conhecimentos que possam se constituir em
56
mercadoria e com a formação de profissionais que possam servir ao mercado de trabalho,
dando continuidade à economia de mercado. Esta idéia é reforçada na preocupação em
atender as exigências do mercado, evidenciada na participação de representantes da
Confederação Nacional de Indústrias (CNI) nas discussões sobre o teor e a abrangência
deste documento sobre a reforma no ensino superior e, cuja ênfase, está no incentivo à
formação profissional para o mercado.
Da mesma forma, ao tratar das políticas sociais, este enfoque na profissionalização se
faz presente. Ao esclarecer as razões da sociedade para apoiar a reforma universitária, o
Anteprojeto chama a atenção para a necessidade de se expandir o ensino superior público
nas cidades interioranas, para que os jovens, a partir de sua formação, possam contribuir
para o desenvolvimento social e cultural de suas cidades, ao inserirem-se no mercado de
trabalho. Os cursos daí oferecidos pelas instituições seriam de acordo com a demanda local.
O incentivo à expansão do ensino superior público é, sem dúvida alguma necessário, mas
amarrar este crescimento somente à formação profissional e não à formação humanista
geral, é reduzir a universidade a uma escola técnica.
Ainda com relação a este aspecto, a sexta diretriz do Anteprojeto de reforma do ensino
superior refere-se à implantação de políticas afirmativas nas instituições federais, de forma
a diminuir a desigualdade e o desperdício de talentos. Assim, argumenta-se que as pessoas
pertencentes às classes menos abastadas, mesmo apresentando “capacidade criativa”,
“vocação” e “talento para os estudos”, não conseguem chegar ao ensino superior. Enquanto
que outros, pertencentes às camadas sociais de melhor poder aquisitivo, mesmo não tendo
propensão aos estudos, “vocação específica” ou “talento comprovado”, concluem o ensino
superior. Além disto, segundo consta no documento, os dados do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), indicam que o acesso de pessoas
negras e pardas às instituições de ensino superior é bem inferior ao de indivíduos brancos.
Assim, para diminuir este quadro de exclusão social, a proposta estabelece que, no prazo
de 10 anos, cada instituição de ensino superior deverá cumprir a meta de 50% das vagas
por curso, serem preenchidas por pessoas egressas integralmente do ensino médio público,
especialmente, afrodescendentes e indígenas, respeitadas as proporções regionais.
Concorda-se que a preocupação com as minorias sociais e com os menos favorecidos
deve estar presente em todas as diretrizes governamentais, mas é preciso ter cuidado para,
ao apoiar ações afirmativas, não acabar criando novas situações discriminatórias. Um
exemplo disto é usar como justificativa para ações inclusivas a aferição de talentos e
aptidões. Esta concepção aparece também no Plano Nacional de Educação (lei nº
57
10.172/01), documento que serve de base para que Estados, Distrito Federal e Municípios
elaborem seus planos decenais. Ao tratar do financiamento e da gestão do ensino superior,
coloca-se dentre outras, a seguinte meta: Estimular as instituições de Ensino Superior a
identificar, na educação básica, estudantes com altas habilidades intelectuais, nos estratos
de renda mais baixa, com vistas a oferecer bolsas de estudo e apoio ao prosseguimento
dos estudos” (Plano Nacional de Educação, 2001 p.46).
Segundo consta na atual Constituição da República Federativa do Brasil é objetivo
fundamental do Estado promover o bem de todos, sem qualquer preconceito ou
discriminação, pois todos são iguais perante a lei, sendo a educação um direito social.
Ainda, segundo o Capítulo III que trata da educação, da cultura e do desporto: A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho(Constituição da República
Federativa do Brasil, 1988, capítulo III, artigo 25). Isto demonstra, que a seleção de
talentos em quaisquer classes fere os direitos garantidos pela nossa Constituição e não
resolve o problema de acesso ao ensino superior pelas classes menos favorecidas, pois os
que forem julgados como com “pouco ou nenhum talento” não serão beneficiados nem
terão o mesmo direito que outros do mesmo grupo social, considerados como “talentosos”.
Promover este tipo de seleção é transformar os indivíduos em fontes de investimentos que,
depois de um certo tempo, gerarão lucros para o Estado. O lema é: “Investir em quem dará
retorno”. Portanto, prega-se uma política de inclusão com o objetivo de diminuir a
discriminação e a falta de oportunidades para todos, mas por meio de novas ações
restritivas e discriminatórias. Se todos têm direito à educação e a promoção desta é dever
do Estado, todos devem ter acesso a ela, independente de classe social, cor, descendência
cultural e tipo de educação oportunizada.
Compreende-se por detrás destas propostas, não uma verdadeira preocupação com o
contexto social de pobreza e falta de oportunidades que muitos brasileiros vivem, mas um
interesse maior em promover o acesso em massa ao ensino superior com o objetivo de
formar profissionais para alimentar o mercado e perpetuar o tipo de economia vigente.
Entretanto, como bem argumenta Oliveira (2003), a desigualdade social em uma sociedade
capitalista não advém de diferentes aptidões individuais, mas do próprio sistema
econômico que sobrevive e se mantém a partir destas desigualdades. Para que a produção
capitalista se sustente faz-se necessária a existência de condições diferenciadas de acesso à
propriedade dos meios de produção. E, como já vimos ao tratarmos da criação da economia
58
de mercado, o que importa é o sistema econômico e não a sociedade, pois é o dinheiro que
determina o poder de compra, que por sua vez permite que os preços regulem a produção e
o lucro dos produtores, assim como, a ordem na distribuição de bens.
Para contribuir com esta discussão, trazemos novamente Polanyi (2000) e duas
questões apresentadas por ele ao tratar das conseqüências sociais advindas da Revolução
Industrial, mas que no contexto social moderno permanecem atuais: Que ‘moinho
satânico’ foi esse que triturou os homens transformando-os em massa? (...) Qual foi o
mecanismo por cujo intermédio foi destruído o antigo tecido social e tentada, sem sucesso,
uma nova integração homem-natureza?” (Polanyi, 2000 p.51).
Segundo o autor, a Revolução Industrial trouxe o progresso para os instrumentos de
produção, mas também uma imensa desarticulação social, em que aldeias foram destruídas,
grandes áreas devastadas, pessoas transformadas em mendigos e ladrões. Tudo isto devido
à crença e a busca por um progresso econômico que se acreditava ser inevitável e cujo
ritmo era inabalável. Estabeleceu-se a economia de mercado que trouxe uma mudança no
contexto social, que deixou de agir motivado pela sua necessidade de subsistência para agir
em busca de lucro. O crescimento da indústria com suas máquinas especializadas e o
aumento da demanda por produtos levaram à procura por mais matéria-prima e trabalho,
representados respectivamente pela natureza e pelo homem, que acabaram sendo
transformados em mercadorias. Acreditava-se que os bens materiais resolveriam todos os
problemas da humanidade, portanto, o preço cobrado pelo progresso desenfreado
justificava os benefícios que a sociedade viria a ter.
Voltando aos dias atuais, vemos que tal crença pouco se alterou. A mudança talvez
seja no tipo de mercadoria hoje valorizada, no caso, o conhecimento. Para sustentar este
novo momento econômico, os homens são transformados em mão-de-obra pelo incentivo à
formação profissional voltada às necessidades do mercado de trabalho, camuflado sob o
discurso de ações afirmativas e políticas sociais. Neste cenário, a universidade é o grande
motor do progresso, pois é ela a responsável pela formação destes profissionais que
adentrarão ao mercado e, também, pela produção dos conhecimentos que o mobilizarão.
Como coloca Dias Sobrinho (2005):
O que o pensamento dominante espera hoje da educação superior tem um foco muito mais
centrado na função econômica e nas capacidades laborais. As principais demandas atuais
têm um sentido muito mais imediatista, pragmático e individualista. A ortodoxia neoliberal
e suas práticas levam as universidades a abandonar, ao menos em parte, sua tradicional
vocação de construção do conhecimento e da formação como bens públicos, devendo elas
59
passar a adotar o mercado, e não a sociedade, como referência central (Dias Sobrinho,
2005 p.167)
A adoção do mercado como referencial para as atividades desenvolvidas pela
universidade, pode ser evidenciada pelo incentivo ao estabelecimento de parcerias entre
empresas e a universidade, visando o financiamento de pesquisas e projetos. Tal
possibilidade é claramente exposta e fomentada pela lei nº 10.168/00 que regulamenta o
Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. O
problema é que ao se aceitar o financiamento de pesquisas por instituições não-públicas,
abre-se o precedente de serem custeados somente os projetos que atendam aos interesses
das empresas e indústrias, não sendo contemplados outros estudos que fujam das
prioridades do mercado. Isto poderia ser amenizado se, em contrapartida, o Estado não
privilegiasse determinadas áreas do conhecimento em seus programas de fomento e em
suas diretrizes governamentais. Entretanto, o que se percebe é uma valorização de
pesquisas na área científico-tecnológica, o que nos permite inferir que a autonomia pregada
na atual proposta de Anteprojeto de Lei de Reforma da Educação Superior, não é tão real
assim, já que a preferência por determinada área da Ciência, no caso, a que viabiliza a
produção de conhecimentos que servem ao mercado da informação, denota uma
interferência do Estado sobre a universidade e a sua respectiva produção científica.
Isto pode levar a uma perda da liberdade acadêmica, e a universidade poderá ver-se
presa às prerrogativas políticas e empresariais e, sem liberdade, não há autonomia
(Vaidergorn, 2001). Na verdade, o que se observa é uma distorção de conceitos, onde
autonomia vira desresponsabilização. Ao fomentar o convênio da universidade com
fundações e empresas, o Governo deixa de se responsabilizar por determinadas áreas de
pesquisa e, em certa medida, pela própria instituição universitária, o que não deixa de ser
uma forma “mais amena” de privatização do ensino superior público. Para que se tenha
uma verdadeira autonomia universitária, é preciso que a universidade possa definir suas
próprias linhas de pesquisa e suas prioridades, independentemente de financiamentos
estatais ou privados (Chauí, 2003). Cabe lembrar que, para Humboldt, a interferência do
Estado sobre as instituições universitárias deve ser mínima, e que não se pode exigir delas
nada que esteja relacionado a ele, pois quando as universidades cumprem sua função, elas
atingem também as metas do próprio Estado.
Conclui-se que a universidade brasileira cumpre, na atualidade, o papel de
viabilizadora de uma economia de mercado voltada para o comércio de conhecimentos e
60
que, assim como na Revolução Industrial, promove a desestruturação social pela servidão
do homem ao mercado, a destruição do Meio e a busca predatória pelo progresso.
Este é o cenário em que se encontra atualmente a universidade brasileira. De um local
onde se poderia oportunizar a formação humanista do indivíduo, tendo por princípios, a
liberdade, a cooperação e a Ciência como uma eterna busca, ela se vê reduzida a mais um
acessório do sistema econômico. Além disto, encontra-se subjugada junto com a sociedade,
a uma economia de mercado voraz, cujo objetivo único e precípuo é o de obter lucro, e que
transforma homens, natureza e conhecimentos em simples mercadorias.
Após este panorama apresentado sobre como é constituída a instituição universitária
brasileira contemporânea, fica uma questão: de que forma a visão utilitarista e pragmática
presente na mercantilização do conhecimento, pode se apresentar em nosso contexto
universitário atual? Concentraremos essa discussão, acerca da visão utilitarista sobre o
conhecimento na universidade, nos cursos de Licenciatura. Este foco deve-se por
entendermos que, sendo a ação docente voltada para a formação de pessoas, torna-se
imprescindível que os professores sejam profissionais reflexivos, no sentido de usarem o
seu pensar como norteador de sua ação e não serem apenas profissionais reprodutores de
técnicas e conhecimentos já prontos.
3.2. Formação de professores: a visão utilitarista presente nos cursos de
Licenciatura
Os primeiros cursos superiores para formação de professores surgiram no Brasil nos
anos 30, devido à regulamentação do preparo de docentes para a escola secundária. Em
vista disso, foram criadas novas unidades de ensino ligadas a diferentes projetos de
universidade, que surgiram entre os anos de 1931 a 1939, com modelos de organização
variados, norteados por várias formas de se entender qual seria o objetivo desses cursos de
formação de professores e qual seria o papel a ser desempenhado pela universidade. Esses
projetos abarcavam correntes de pensamento político que iam desde o autoritarismo até o
liberalismo (Candau, 1987).
Em 1931, com a promulgação do Estatuto das Universidades Brasileiras, foram
estabelecidos padrões para o ensino superior, levando à reforma da Universidade do Rio de
Janeiro, a qual serviria como modelo para as outras instituições de Ensino Superior. Uma
das mudanças ocorridas foi a criação de uma Faculdade de Educação, Ciências e Letras
responsável pela oferta dos cursos de Licenciatura, habilitando os docentes a ministrarem
61
as disciplinas de sua área específica nos cursos normal ou secundário. Entretanto, a
existência desta faculdade nas universidades não era obrigatória e, por isso, ela nem
chegou a ser instalada pelo Governo Federal. Em 1934 foi criada a Universidade de São
Paulo onde, dentre as diversas faculdades aglutinadas, estava a de Educação. De acordo
com o projeto original, ela deveria desempenhar o papel de um centro de formação de
professores para o ensino secundário. Entretanto, o que se propôs na verdade foi que ela se
responsabilizasse pela formação pedagógica dos licenciados da Faculdade de Filosofia.
Após 1938, ela foi extinta e criou-se então uma seção equivalente na Faculdade de
Filosofia, ficando em segundo plano sua função acadêmica, e voltando-se mais para a
formação de professores secundários. Em 1937 formaram-se os primeiros professores
licenciados para o ensino secundário (Candau, 1987).
Esta prioridade dada à formação de professores mostra também a existência de uma
preocupação maior com a função de formação profissional do que a acadêmica. Cabe à
universidade oportunizar a formação de profissionais, mas sem limitar-se a ela. Verifica-se,
portanto, que o problema no qual vivemos hoje, com relação à redução do papel da
universidade à formação profissional técnica, em detrimento de uma formação acadêmica
humanista, já se apresentava desde o início da estruturação da universidade brasileira.
De acordo com Candau (1987), em 1935 foi fundada no Rio de Janeiro, então capital
federal, a Universidade do Distrito Federal (UDF). Uma das suas finalidades era a
formação do magistério em todos os graus. Para isto, foi incorporada a ela, a Escola de
Professores do Instituto de Educação, que passou a se chamar Escola de Educação. Os seus
objetivos com relação à formação de professores eram bem maiores do que os propostos
para a unidade educacional da Universidade de São Paulo. Previa-se a oferta de uma série
de cursos, voltados para habilitações de magistério de segundo grau e para o Normal,
cursos de administração e orientação escolar, e de extensão e continuação para professores.
Desta forma, articulava-se a universidade com os demais graus de ensino e não apenas com
o secundário. Anos depois, em 1939, a Universidade do Distrito Federal foi incorporada à
Universidade do Brasil e deixou de existir como instituição autônoma. A Universidade do
Brasil era na verdade a Universidade do Rio de Janeiro reorganizada novamente em 1937,
de forma que se tornasse um modelo padrão para as outras instituições de nível superior. A
Faculdade de Educação, Ciências e Letras que até então não existia efetivamente, acabou
por nascer, mas dividida em Faculdade Nacional de Educação e Faculdade Nacional de
Filosofia, Ciências e Letras. Em 1939, após mais uma reforma, a Faculdade Nacional de
Educação foi transformada em duas seções da Faculdade de Filosofia: a seção de
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Pedagogia, com um curso de Bacharelado na área; e a seção de Didática, responsável pela
habilitação de professores para o ensino secundário.
Muitos destes cursos de formação de professores seguiram o modelo da racionalidade
técnica, estruturado de acordo com a fórmula “3+1”, onde as disciplinas pedagógicas, com
duração de um ano, eram justapostas às disciplinas de conteúdo, com duração de 3 anos.
Neste modelo, o professor é visto como um técnico especialista que aplica em seu trabalho
as regras oriundas dos conhecimentos científico e pedagógico. Por isso a necessidade de
prover a sua formação com um conjunto de disciplinas pedagógicas e científicas. Os
conhecimentos adquiridos pelo aluno de Licenciatura nestas disciplinas eram aplicados nas
atividades do Estágio Supervisionado. As críticas feitas a este modelo referem-se,
principalmente, ao fato da preparação teórica e prática estarem separadas; ao primado da
teoria, já que esta é considerada como prioritária; e ao entendimento de que a prática se
resume a uma aplicação direta dos conhecimentos. Além disto, tem-se como pressuposto
que o bom professor é aquele que domina os conhecimentos específicos da área em que vai
atuar. Atualmente, em algumas universidades este modelo ainda não foi superado por
completo, permanecendo as disciplinas específicas sob responsabilidade dos institutos
correspondentes, as disciplinas pedagógicas como incumbência das Faculdades de
Educação, e os momentos de estágio continuam a ocorrer no final do curso (Pereira, 1999).
Percebe-se neste modelo “3+1” a oportunização de um ensino com foco utilitarista,
pois resumir a prática a uma aplicação dos conhecimentos teóricos é dar à teoria um caráter
utilitário, já que permite pressupor, que os conteúdos selecionados para serem trabalhados
serão aqueles que possibilitarão uma posterior aplicação, ou seja, os que poderão ser
utilizados na prática. Além disto, a separação entre o Bacharelado e a formação de
professores deixa clara a idéia de que não é necessária ao docente a formação para
pesquisa, pois a sua função é a de um técnico do ensino.
Com a incorporação da Faculdade Nacional de Educação à Faculdade de Filosofia,
retornou-se ao modelo proposto por Francisco Campos em 1931, no Estatuto das
Universidades Brasileiras, tornando-se o padrão de referência para outras instituições. De
1939 até 1950 houve um lento processo de expansão das Faculdades de Filosofia, agora
novamente acrescidas pelas Faculdades de Educação. Entretanto, nos dez anos seguintes, o
seu número triplicou, de forma que em 1961 foi vetada a obrigatoriedade presente no
projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 4.024/61), de uma
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no conjunto universitário (Candau, 1987).
63
Na época, década de 1960, encontrava-se em plena execução o projeto
desenvolvimentista brasileiro e a lei nº 4.024/61, estava em consonância com o
crescimento industrial e urbano e com a progressiva demanda por acesso à escola (Weber,
2000). Segundo Morosini (2005), a nova legislação não trouxe grandes mudanças na
estrutura dos cursos universitários, mas com relação à formação de professores, houve
algumas alterações. Passou-se a admitir que os alunos que concluíssem o normal ginasial
ou o normal colegial pudessem exercer o magistério. Isto acentuou as diferenças entre
escolas urbanas e rurais e entre o ensino oportunizado nas várias regiões do país. A
normatização da formação para o magistério tinha como foco atender a necessidade de
professores no ensino primário que se expandia (Weber, 2000). Podemos perceber,
portanto, que já nesta época havia uma preocupação em convergir o projeto de
desenvolvimento do país com a formação de professores, de forma a atender uma demanda
social e mercantil, pois o crescimento industrial e urbano trazia a necessidade de formação
de mão-de-obra.
Em 1968 dá-se mais uma reforma universitária, onde a Lei nº 5.540/68 traz
modificações para o ensino de terceiro grau. Uma das alterações é a substituição das
Faculdades de Filosofia pelos institutos centrais de ensino básico, ficando a formação
pedagógica dos professores sob responsabilidade da Faculdade de Educação. Entretanto,
apesar desta reforma,
“(...) a mesma precariedade e o mesmo desprestígio que marcavam as seções de
Pedagogia e Didática na antiga Faculdade de Filosofia se reproduziam nas novas
Faculdades de Educação. Os mesmos problemas com que se defrontavam os cursos de
formação de professores, desde o seu início (tais como a falta de integração entre a
formação pedagógica e a específica, e o caráter excessivamenteteórico dos cursos),
persistiram e até talvez se agravaram com a desarticulação da Faculdade de
Filosofia”.(Candau 1987, p.20)
De acordo com Candau (1987) e Weber (2000), alguns anos depois, também
ocorreram transformações nas escolas de primeiro e segundo graus advindas da
promulgação da lei nº 5.692/71, em um período marcado por um regime político autoritário
e por uma visão de educação como capital humano. Dentre as mudanças sancionadas estão
a profissionalização dos cursos e o aumento da escolarização obrigatória de quatro para
oito anos, de forma que os estudos seguissem uma linha que ia do mais amplo para o mais
específico, associando os conteúdos de formação geral com os de formação específica.
Quanto aos cursos de Licenciatura, estes foram estruturados em três setores: o de educação
geral, o de formação especial e o setor pedagógico. Além disto, cada uma das
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Licenciaturas teria duas habilitações: a Licenciatura curta e a Licenciatura plena. Com isto,
a formação de professores passou a obedecer a diferentes graus de titulação, conforme os
níveis de ensino, no caso 1º e 2º graus. Possibilitava-se também, que os licenciados em
curso de curta duração ministrassem aulas para as turmas de 5ª a 8ª série e aqueles que
tinham até o 2º grau poderiam, por meio de uma complementação de estudos, também
lecionar nas turmas de 5ª e 6ª séries do 1º grau. A formação de professores era de caráter
tecnicista com ênfase na instrumentalidade advinda dos métodos.
Com o intuito de se desativar a escola normal, criou-se a “Habilitação Magistério”,
que sofreu várias críticas. Dentre elas, a irrelevância do conteúdo tanto de formação geral
como os de formação pedagógica; disciplinas isoladas, não havendo interdisciplinaridade
entre as matérias de núcleo comum e as profissionalizantes; formação fragmentada com
um currículo dividido em disciplinas teóricas e práticas; grande preocupação com a
passagem de conteúdos e o cumprimento do planejamento, sem espaço para momentos de
reflexão, acabando por dissociar a escola da realidade; entre outras dificuldades
(Gonçalves e Pimenta 1990 apud Aranha 2002; Oliveira, 1994). Porém, estes problemas
não eram exclusividade do Magistério, pois as Licenciaturas, além de apresentarem
entraves muito próximos, ainda somavam a estas questões a separação entre pesquisa e
ensino e o tratamento diferenciado entre os alunos do Bacharelado e da Licenciatura
(Pereira, 2000).
Portanto, apesar das reformas universitárias de 1939 e 1968 e das mudanças na
legislação educacional, o caráter dado aos cursos de formação de professores permaneceu
restrito ao instrumentalismo e à idéia da prática como aplicação de técnicas e métodos
aprendidos na teoria. Isto demonstra que a visão utilitarista manteve-se presente nos cursos
de Licenciatura e no contexto educacional.
Segundo Freitas (2002), entre o final da década de 1970 e início dos anos de 1980, a
luta dos educadores dentro do movimento para democratização da sociedade contribuiu de
forma significativa para a educação, ao destacar as relações entre educação e sociedade.
No campo de formação de professores, o Comitê Nacional, a Comissão Nacional pela
Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE) e a Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) tiveram um importante
papel nas mudanças de rumo das discussões ocorridas no âmbito oficial que, sob uma ótica
tecnicista, compreendia a formação de professores como formação de recursos humanos
para a educação. Nos anos de 1980 houve um rompimento com este pensar tecnicista, e no
65
movimento de formação de professores foram produzidas concepções sobre a formação do
educador,
“(...) destacando o caráter sócio-histórico desta formação, a necessidade de um
profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu
tempo, com desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar
as condições da escola, da educação e da sociedade” (Freitas, 2002 p.139).
Com base nesta concepção buscou-se superar as polarizações entre
professor/especialista, Pedagogia/Licenciatura, especialista/generalista, já que as relações
de poder no interior da escola caminhavam para a democratização e a elaboração de
projetos coletivos novos. As discussões e os estudos realizados neste período não tinham
por objetivo somente negar o tecnicismo presente na educação desde a década de 1970, e
que colocava professor e aluno em um plano secundário, pois o principal era organizar
racionalmente os meios, de forma a se atingir a eficiência instrumental. O objetivo era
voltar o foco da educação para o professor, resgatando-o como profissional (Freitas, 2002;
Facci, 2004).
Entretanto, apesar desta tentativa de se mudar a concepção tecnicista até então
presente na educação, esta nunca se fez ausente, apenas ganhou diferentes roupagens.
Segundo Bueno (2004), a mesma tendência presente nos anos de 1970, de se importar
modelos de planejamento, avaliação, administração e supervisão escolares, que tinham
como parâmetro a classificação e a mensuração da qualidade e da adequação das seções
educacionais , fez-se presente nos anos de 1990 com o neotecnicismo presente nas
recomendações dos organismos internacionais.
No decorrer da década de 1990, algumas idéias de organismos internacionais sobre a
formação de professores circularam em âmbito global e influenciaram diversos países.
Uma destas influências internacionais sobre a educação veio do Banco Mundial. São
pontos comuns em seu discurso, a expectativa do custo-beneficio, a relevância das leis de
mercado e a aproximação entre as imagens da escola e da empresa (Lüdke; Moreira &
Cunha, 1999). Neste período, segundo Freitas (2002), as discussões centralizaram-se no
conteúdo da escola, em termos de habilidades e competências escolares, enfatizando-se o
que acontecia na sala de aula e focando a ação educativa no professor. Acabou por se
tornar centro de interesse de políticas neoliberais preocupadas com a qualidade da
instituição e do conteúdo, e não com a formação humana geral. A qualidade na educação
passou a ter papel estratégico para o desenvolvimento e a realização das políticas
66
educacionais neoliberais, no sentido de aprimorar a acumulação de riquezas e aprofundar o
capitalismo.
Segundo Maués (2003), o neoliberalismo e as organizações internacionais têm
influência na definição das políticas educacionais mundiais, de forma a homogeneizá-las
para assim permitir a formação de trabalhadores que atendam às exigências do mercado. A
introdução de novas tecnologias e o esgotamento do fordismo levou a mudanças na
sociedade, principalmente, com relação ao trabalho. A escola que até então, preparava o
indivíduo para um processo de trabalho baseado no paradigma industrial, representado pelo
fordismo, deixou de atender a demanda exigida pela nova configuração econômica
mundial. Assim, ela foi responsabilizada pela falta de preparo dos alunos e pela ausência
de vínculo entre os conteúdos ministrados e as novas necessidades advindas do paradigma
informacional moderno, e passou a se fundamentar sobre o mundo do trabalho. Neste
contexto, os professores foram criticados e sua formação começou a ser vista como
excessivamente teórica, separada de uma prática real e distante das necessidades sociais e
educacionais.
Ainda, segundo o autor, de acordo com as análises de organismo internacionais, como
o Banco Mundial, a Unesco e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a única saída é uma reforma no sistema educacional com o objetivo
de qualificar as pessoas para a competição presente em um mundo que está em
consonância com o mercado. Assim, as políticas educacionais são estruturadas e as
reformas internacionalizadas, pois os seus objetivos estão de acordo com o que é
determinado pelos organismos internacionais multilaterais que, por sua vez, estão
centradas no crescimento econômico e por isso tentam equiparar a escola à empresa e os
conteúdos ministrados às demandas no mercado. As reformas na formação de professores
têm apresentado uma preocupação com o papel deste profissional no mundo moderno.
Observa-se também uma indicação, por parte do movimento internacional, de alguns
elementos fundamentais que devem estruturar a formação de professores. Dentre eles estão,
a “universitarização”/profissionalização; a ênfase na formação prática/validação das
experiências e a formação continuada.
A “universitarização” seria um meio de qualificar melhor a formação de professores e
profissionalizá-la, de forma que houvesse um aprofundamento dos conhecimentos e maior
domínio da função. Entretanto, em alguns países, no intuito de atender as organizações
internacionais, a formação dos profissionais foi passada para o nível superior, mas fora da
universidade, afastando o ensino da pesquisa. A ênfase na formação prática/validação das
67
experiências é justificada com a idéia de que o futuro docente necessita entrar em contato
com a realidade em que irá atuar e por isso deve assumir atividades específicas desde o
início de sua formação, e ter um acompanhamento constante para a realização destas
tarefas. Além disso, argumenta-se que os cursos de formação de professores são muito
teóricos, demonstrando que o saber valorizado é o saber prático capaz de resolver
problemas do cotidiano. Desta forma, defende-se o aumento da carga horária da parte
prática, como garantia de melhor qualidade na formação docente. O aproveitamento e a
validação de experiências têm o intuito de considerar a importância das experiências
relevantes que enriquecem a formação. Entretanto, isto tem contribuído para aligeirar e
reduzir o tempo dos cursos de formação, elevando o número de diplomados e as
respectivas estatísticas, as quais têm a função de impressionar os organismos financiadores.
A formação continuada tem o caráter de adaptação dos professores a uma sociedade
voltada para as demandas do mercado (Maués, 2003).
É sob esta perspectiva que, ainda na década de 1990, foi aprovada a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9.394/96. Segundo a nova legislação, a
formação de profissionais da educação se dará em nível superior, em cursos de
Licenciatura plena, oferecidos em universidades e em Institutos Superiores de Educação e
terá como fundamentos a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
capacitação em serviço” e o aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino e outras atividades” (lei nº 9.394/96, artigo 61, incisos I e II).
Os Institutos Superiores de Educação manterão cursos para formação de professores
para a educação básica, inclusive o Normal Superior; programas de formação pedagógica
para os já graduados em ensino superior, mas que queiram atuar na educação básica; e
programas de educação continuada para profissionais da educação. Já a formação de
profissionais da educação não-docentes, será feita pelos cursos de graduação em Pedagogia
ou em pós-graduação. Tais determinações foram, posteriormente, reforçadas com a
Resolução CNE/CP 1/99 do Conselho Nacional de Educação, que dispõe sobre os
Institutos Superiores de Educação. Segundo este documento, os cursos oferecidos nestes
institutos deverão contemplar na formação de seus alunos, dentre outros itens: a ligação
entre teoria e prática, valorizando-se a atividade docente, e o aproveitamento da formação
e de experiências anteriores, inclusive na prática profissional. Entretanto, ao se discriminar
as capacidades profissionais que se espera de um professor graduado nestes institutos, em
nenhum momento alude-se a idéia de oportunizar em sua formação a atividade de pesquisa.
Dentre as expectativas relacionadas com as aptidões desenvolvidas pelos graduados, estão
68
o domínio dos conteúdos que serão ensinados na atividade docente e a resolução de
“problemas concretos” presentes na atividade e no contexto escolar.
Portanto, não se oportuniza a formação humanista, possibilitadora de uma ação
docente pautada no próprio “pensar” do professor. O que se faz é instrumentalizá-la com
técnicas e conhecimentos que serão aplicados posteriormente em sala de aula.
Retornando com a contribuição de Maués (2003) sobre a influência dos organismos
internacionais em nossa educação, vemos que a “universitarização” citada pelo autor e a
formação de professores em nível superior centrada em instituições próprias, longe da
pesquisa acadêmica, é claramente presente tanto na lei nº 9.394/96 quanto na Resolução
CNE/CP 1/99. Além disso, verifica-se também nestes documentos oficiais, a ênfase na
formação prática e na validação das experiências. Desta forma, conclui-se que a
valorização da prática como meio primeiro para formação de professores, que a visão de
que os conhecimentos teóricos abordados devem ser aqueles que serão de alguma forma
utilizados na ação docente, que a tendência em se separar Bacharelado de Licenciatura,
limitando a formação do professor a técnicas e conteúdos a serem aplicados e ministrados,
permanecem presentes no contexto educacional brasileiro. Separar Licenciatura de
Bacharelado ou concentrar a formação de docentes em instituições específicas, é assumir
que o magistério se restringe a um elaborado de técnicas e metodologias, não sendo
necessário nenhum arcabouço teórico para fundamentar sua prática. Além disto, vemos
também que as determinações desses documentos condizem com as orientações dadas
pelos organismos internacionais, para que as políticas educacionais estejam de acordo com
o mercado.
Gadotti (2000) critica a criação dos Institutos Superiores de Educação, pois segundo
ele, se permanecerem os currículos fragmentados e desvinculados da realidade escolar, a
ausência de relação teoria e prática e a formação conteudista, o fato de se criar novas
instituições não significará a promoção de mudanças reais. Outra crítica feita pelo autor
refere-se ao aumento do número de horas de estágio em Prática de Ensino que, de acordo
com o artigo 65 da lei nº 9.394/96, passou de 180 horas para 300 horas. De acordo com o
autor, isto não garante a melhora da formação docente, pois as horas antes estabelecidas já
são cumpridas com dificuldades e de forma burocrática e que, portanto, não resolve
aumentar o número de aulas sem repensar a forma como se realiza o estágio. Entretanto,
esta reflexão sobre o formato dos estágios supervisionados não ocorreu e, com a Resolução
CNE/CP 1/99, o número de horas obrigatórias para a parte prática de formação de
professores, aumentou para 800 horas, oferecidas no decorrer do curso e não apenas ao
69
final deste. Os alunos que já desenvolvem atividades docentes podem incorporar as horas
trabalhadas, desde que devidamente comprovadas.
Concordamos com Gadotti (2000) que propor mudanças e colocá-las sob a forma de
lei não garante que elas ocorram e, da mesma forma, elevar o número de horas de estágio
não garante aumento de qualidade na formação docente. Entretanto, na análise feita pelo
autor há uma idéia, também presente no discurso comum dos educadores, que merece um
olhar mais detido. É a crítica feita com relação a falta de vínculo entre o currículo dos
cursos de formação de professores e a realidade que estes encontram nas escolas. O
contexto real é heterogêneo e dinâmico e atrelá-lo a um currículo é burocratizá-lo, não é
atingi-lo. A velocidade com que a realidade se altera é superior a das mudanças
burocráticas. Desta forma, fica uma questão para se refletir: como elaborar um currículo
que sempre abarque a realidade?
Scheibe (2003) também critica a criação dos Institutos Superiores de Educação,
colocando-os como uma forma de desresponsabilizar a universidade brasileira pela
formação dos professores, além de fomentar a separação entre Licenciatura e Bacharelado,
já estabelecida dentro do ambiente universitário. Segundo Freitas (1999), a separação da
pesquisa das áreas de formação, leva a crer que o caráter dos cursos de formação de
professores para a educação básica é limitado ao técnico e ao instrumental. Neste sentido,
Veiga (2003) tece uma crítica ao papel dado ao professor a partir da lei nº 9.394/96, a qual
o deixa muito próximo de um tecnólogo do ensino, já que a sua formação passa a se basear
no desenvolvimento de competências para o exercício de sua profissão, reduzindo sua ação
ao pragmatismo.
Em 2001 foi sancionado o Plano Nacional de Educação (lei nº 10.172/01), o qual,
dentre outras orientações, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
graduação, com o objetivo de assegurar a flexibilidade e a diversidade nos programas
oferecidos pelas diferentes instituições de ensino superior do país. De acordo com Freitas
(1999; 2002), o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares foi suscitado pelo
Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), a
partir de 1997, e segue as orientações dos organismos internacionais, no sentido de adequar
a formação profissional fornecida pelas universidades brasileiras às demandas do mercado
globalizado.
Em 2002 foram instituídas por meio da Resolução CNE/CP 1/2002 do Conselho
Nacional de Educação, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura, de graduação
70
plena. Ao analisar-se o teor deste documento, verifica-se uma preocupação excessiva em
orientar os cursos de formação de professores para o desenvolvimento de diferentes
competências nos alunos de graduação. Percebe-se uma tendência nítida para a capacitação
do professor, no sentido de dar-lhe instrumentos para sua ação docente. Conforme consta
no documento: Na concepção, no desenvolvimento e na abrangência dos cursos de
formação é fundamental que se busque: considerar o conjunto das competências
necessárias à atuação profissional; adotar essas competências como norteadoras, (...)”
(Resolução CNE/CP 1/2002, artigo 4º, incisos I e II).
Nos artigos 5º e 6º de tal Resolução, reforça-se este enfoque nas competências
necessárias a serem desenvolvidas pelos futuros professores. Novamente, assim como em
outros documentos anteriormente citados, percebe-se uma visão sobre a formação docente,
extremamente técnica, voltada para a instrumentalização profissional. A valorização da
dimensão prática do curso também aparece nos artigos 12 e 13, enfatizando-se que a
prática não pode se restringir ao estágio curricular supervisionado, pois este é apenas uma
das formas de se propiciar aos alunos uma atividade prática. Segundo o documento, todas
as disciplinas que formarem os componentes curriculares terão uma dimensão prática.
Após esta análise de alguns documentos oficiais que regulamentaram e
fundamentaram o contexto educacional brasileiro, e daqueles que atualmente direcionam
os caminhos de nossa educação, concluímos que o eixo norteador de todas as políticas
públicas educacionais sempre foi o do utilitarismo, do uso prático, voltado para a
satisfação das necessidades do mercado, no princípio nacional e, após 1990, global.
Uma das formas de expressão deste utilitarismo é a valorização dos conhecimentos
práticos e o entendimento de que a teoria está a serviço desta prática e, portanto, seus
conhecimentos precisam ser úteis. Assim, dicotomiza-se a formação do professor em
aspectos teóricos e práticos devidamente oportunizados em momentos distintos. Mas, quais
concepções estão por detrás desta separação entre teoria e prática, e como estas se
articulam com a visão utilitarista presente nos documentos que estruturam nossas
instituições de ensino, em especial a universidade?
3.3. Uma expressão do utilitarismo: o primado da prática
Segundo Lalande (1996), o termo prática pode ter duas conotações: como adjetivo,
relacionado a ação em oposição ao teórico; e como substantivo no sentido de práxis, de ser
uma atividade modificadora do meio. Já a teoria é compreendida tanto como uma
71
concepção do espírito que esquematiza os fatos de forma simplificada e muito esquemática
para que se possa concluir algo aplicável ao real, quanto uma concepção individual
originada mais da imaginação ou do preconceito do que da razão.
Pereira (1994) faz uma análise dos diferentes significados dados ao vocábulo teoria, e
percebe a constância da sua relação com alguma forma de abstração, seja ligada ao ato
contemplativo ou ao ato intelectual, de cunho científico ou não. Claro que ao teorizar,
abstraímos, mas como pondera o autor, apesar destes dois atos estarem ligados entre si e
serem inseparáveis, não são sinônimos. Quando a teoria é resumida à abstração, ela é
separada da prática e vista como antagônica desta. No entanto, quem se opõe à prática não
é a teoria, mas sim a abstração, portanto, a equivalência dos termos só ocorre quando há
uma separação entre teoria e prática.
Candau & Lélis (1983) vêem estas diferentes definições como uma das causas
primeiras da separação que é feita entre teoria e prática. Segundo as autoras, esta dicotomia
reflete os problemas e as contradições da sociedade capitalista que separa o trabalho
intelectual do trabalho manual. É neste contexto que a relação entre teoria e prática situa-se
na formação do educador. As autoras reúnem em dois grupos as diferentes visões
dicotômicas presentes na educação sobre esta relação: a concepção dissociativa e a
concepção associativa.
Quando se dissocia a teoria da prática, elas são vistas como componentes isolados e
opostos. O papel do teórico seria pensar, refletir e planejar, enquanto que o prático seria
aquele que executa, age e faz. É o que fundamenta a célebre frase “na prática a teoria é
outra”. Percebe-se que esta forma de compreender está presente na formação do professor
quando o currículo de seu curso é justaposto entre disciplinas teóricas e práticas, fazendo
com que coexistam em um único programa duas tendências: a que enfatiza a formação
teórica, favorecendo a aquisição de conhecimentos teóricos, percebendo a teoria como um
conjunto de verdades absolutas e universais e a prática como ativismo, algo não-rigoroso e
não-científico; e no extremo oposto a outra tendência, que enfatiza a formação prática e
defende a inserção do professor na realidade escolar, pois acredita que a prática educativa
tem uma lógica própria que independe da teoria. Nesta forma de entender, para se formar
um educador é necessário inseri-lo na prática e esta ditará o seu processo formativo.
Em contrapartida a esta visão dissociativa, há a relação teoria e prática entendida
como dois pólos separados, mas não opostos, considerando-os como justapostos. É o
primado da teoria, que deverá ser aplicada pela prática. A teoria traz inovações, já a prática
não, por isto ela só é relevante se for fiel à teoria. Uma outra concepção também de cunho
72
associativo é a visão positivo-tecnológica cujo lema é saber para prever, prever para
prover” (Candau & Lélis, 1983 p.14), denotando uma grande valorização da Ciência, que
tem por finalidade prever os acontecimentos para que a prática possa ter instrumentos de
domínio da realidade natural e social. O movimento é da teoria para a prática, ou seja, da
Ciência para a ação, sendo a tecnologia o mediador desta passagem. Os professores
formados dentro desta concepção vêem a prática educacional como aplicação das teorias
pedagógicas e a tecnologia como o meio que assegura esta aplicação. Para esta visão, a
educação precisa ser organizada racionalmente de forma que as interferências subjetivas
sejam minimizadas, pois elas representam um risco para a eficiência. Exemplos desta
concepção são o micro-ensino, o tele-ensino e a instrução programada. A ênfase está na
aquisição da tecnologia neutra que garante uma ação eficiente, por isto a educação está
voltada para a produção de resultados observáveis e mensuráveis. Com relação ao
currículo, as disciplinas instrumentais são vistas como aplicação das teóricas.
Este entendimento de a teoria fornecer subsídios para a prática reforça a idéia de que
as formulações teóricas são receitas que servem para solucionar os problemas do cotidiano
escolar. Tunes & Carneiro (2002) colocam que, quando os professores vêem a teoria como
uma prescrição, acabam ficando frustrados, pois não conseguem chegar aos resultados que
esperavam alcançar, levando à idéia de que a teoria não serve para a prática.
Costa (1988) também questiona a polarização entre a teoria e a prática presente na
formação do professor e levanta como uma das causas para esta visão dicotômica, o
critério da utilidade presente em nossa sociedade, que é caracteristicamente pragmática.
Este pragmatismo leva a uma segunda causa, que é o desejo de ser efetivo e, neste aspecto,
tem-se a falsa impressão de que a prática parece ser mais eficiente do que a teoria.
Segundo a autora, esta dicotomia entre teoria e prática revela alguns problemas na
formação docente. O primeiro é a separação entre o conhecimento específico e o
conhecimento pedagógico, sendo este último restrito a aplicação e sem nenhum vínculo
com o saber específico. Esta forma de pensar se manifesta também na polarização entre
conteúdo e forma, onde a área pedagógica é a responsável pela forma, pelo fazer prático, e
a área específica pelo conteúdo teórico. Um outro equívoco presente na formação de
professores é a idéia de que o conhecimento só é produzido por meio da pesquisa, pois a
prática é ação e não reflexão.
Mitjáns Martinez (2003), contrapõe este utilitarismo da prática não-reflexiva ao
enfocar a importância do professor conhecer aspectos do desenvolvimento infantil,
justamente para que a sua prática pedagógica seja mais reflexiva, efetiva e coerente com os
73
posicionamentos teóricos adotados. Entretanto, na prática do cotidiano escolar, o que se
tem observado são algumas tendências, sobre as quais a autora chama a atenção e coloca
sua preocupação: a subvalorização do conhecimento científico como direcionador da
prática pedagógica, a superficialidade do conhecimento sobre desenvolvimento e as
confusões conceituais e, por último, a procura por receitas pedagógicas. Dois aspectos dos
três que foram levantados nos interessam em especial.
O primeiro é a reduzida valorização do conhecimento científico como direcionador da
prática pedagógica. Segundo a autora, isto é evidenciado pela pouca procura, por parte dos
professores, de literatura especializada na área de desenvolvimento infantil como forma de
aprimorar sua ação pedagógica permanecendo a predominância do senso comum.
Esta falta de linearidade entre os pressupostos teóricos e as necessidades que o
professor sente com relação às situações do dia-a-dia escolar, leva a segunda tendência
muito comumente encontrada nas escolas, que é justamente a procura por “receitas”
pedagógicas que possam ser utilizadas diretamente nas diversas realidades educacionais.
Como o conhecimento teórico não abarca esta diversidade, os professores acabam
perdendo o interesse e recorrendo ao que é oferecido pelo senso comum. É a crença de que
as teorias são verdades universais que independem dos diferentes contextos.
No sentido de superar esta bipolaridade entre teoria e prática, Costa (1988) coloca
como ponto de partida o reconhecimento da unidade teoria-prática, proposta por Vázquez
13
.
Para que esta unidade esteja presente na formação dos professores, faz-se necessário que
haja a valorização da teoria e a sua validação na prática, destacando a sua necessidade na
explicação do saber e do fazer docente, de forma que estes estejam fundamentados e
possam ajudar na proposição de ações alternativas. Tendo em vista estas concepções, a
autora propõe pensá-las dentro do currículo, tarefa esta de responsabilidade dos
especialistas, mestres e doutores que precisam trabalhar com o conteúdo à medida que eles
se apresentam na prática.
Trazendo esta visão de unidade para a organização da escola e para os cursos de
formação de professores, a teoria e a prática seria o núcleo articulador da formação do
educador. A teoria deixaria de se resumir a normas sistematizadas e passaria a ser
formulada a partir das necessidades concretas, ou seja, ela passaria a orientar a ação que
permitiria mudar a realidade existente. Neste caso, a prática seria tanto ponto de partida
13
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
74
como de chegada e o fazer pedagógico seria articulado ao “para quem” e ao “para que”,
denotando a unidade entre conteúdos teóricos e instrumentais (Candau & Lélis, 1983).
Rays (2004) também defende a unidade teoria-prática na formação docente e
caracteriza esta união como sendo indissolúvel e recíproca, pois fornece ao ato educativo
as alternativas pedagógicas para uma educação comprometida em orientar para as soluções
das dificuldades educacionais atuais, as quais fazem parte das problemáticas sociais
contemporâneas. Ainda, segundo o autor, o objetivo da didática escolar produzida na
mediação da unidade teoria-prática, é a formação de um “sujeito histórico competente”
com capacidade para, a partir do conhecimento científico, avaliar a realidade e nela
interferir ocasionando uma mudança.
Entretanto, o que se verifica na concepção de unidade teoria-prática como o caminho
para uma mudança social, é a presença do mesmo utilitarismo em que se fundamentam as
diferentes visões dicotômicas. Ao se defender uma visão de unidade, com o objetivo de
formar o professor para que a partir de sua reflexão ele mude a realidade em que se
encontra, é transformá-lo em uma ferramenta para se alcançar a transformação social.
Portanto, a formação oportunizada volta-se para algo externo ao sujeito, um objetivo que
deve ser alcançado por ele em sua ação profissional. Neste sentido, o foco da educação
deixa de ser a formação do indivíduo em si, e se torna o desenvolvimento de habilidades
para que ele tenha uma ação mais efetiva frente aos problemas do cotidiano. O mesmo
ocorre quando Candau & Lélis (1983) articulam o fazer pedagógico ao “para que”, o qual
significa, “para que” o indivíduo faça algo. Não se oportuniza a unidade entre teoria-
prática, pois é o aspecto prático que acaba prevalecendo, já que a pessoa será formada para
fazer algo, no caso, mudar a realidade. Portanto, a visão utilitarista permanece, assim como
o primado da prática.
Da mesma forma, quando Candau & Lélis (1983) associam a teoria com as
necessidades concretas, elas a colocam a serviço da prática. Logo, a teoria só é válida se
corresponder à realidade, o que também constitui uma visão utilitarista e pragmática sobre
o conhecimento.
Quando Costa (1988) coloca a necessidade de se valorizar a teoria e de validá-la na
prática, está dando aos conhecimentos teóricos um caráter utilitário, pois se associa sua
valorização com a respectiva legitimação na prática. O que nos leva a pressupor que,
aquilo que por ventura não possa ser válido “praticamente” não é relevante. Da mesma
forma quando a autora propõe pensar a unidade teoria-prática dentro do currículo, e
delegar esta tarefa aos especialistas, ela desresponsabiliza o professor e distancia-o da
75
reflexão sobre a sua realidade e sobre a sua ação. A unidade teoria-prática não pode ser
imposta por uma estrutura curricular, dimensioná-la dentro de um currículo é burocratizá-
la não é oportunizá-la.
O que precisa ser entendido, segundo Tunes & Carneiro (2002), é que não existe um
caminho direto ligando as teorias com as situações práticas, pois elas não são soluções
prontas. Os conhecimentos teóricos servem como meio de reflexão da prática e, se assim
forem compreendidos, podem possibilitar um melhor entendimento das situações vividas e
desta forma auxiliar o professor a planejar as ações necessárias para alcançar os seus
objetivos. Estas ações vão depender das diversas situações e contextos, portanto, elas não
poderão ser generalizadas. Os ajustes necessários para cada realidade encontrada
dependem da reflexão feita pelo professor.
Partindo-se do pressuposto que a teoria nos ajuda a refletir sobre nossa realidade, e
que esta é formada por nossas vivências, a unidade entre teoria e prática não pode ser algo
externo que é dado ao indivíduo para que este a adquira e use-a em sua ação. A unidade
teoria-prática depende de cada um, pois a forma como o sujeito vive e compreende a
realidade é única para cada pessoa. O que se pode oferecer nos cursos de formação é um
ambiente onde, por meio da relação com o outro, cada um possa ter a possibilidade de unir
os conhecimentos teóricos adquiridos com a sua prática, representada por suas experiências
vividas. A unidade teoria-prática está na possibilidade do indivíduo analisar alternativas
que lhe permitam fazer opções na sua ação.
Levando esta discussão para os documentos oficiais já analisados aqui e que
regulamentam e orientam a educação brasileira, vemos que a visão utilitarista do
conhecimento presente neles e a valorização dos aspectos práticos, estão pautados em um
entender dicotômico entre teoria e prática, de caráter tanto dissociativo como associativo.
A dissociação aparece no formato dos cursos de Licenciatura que permanecem com o
modelo “3+1”, coexistindo a ênfase teórica representada pelas disciplinas específicas e
algumas pedagógicas, e a prática representada pelos estágios supervisionados.
Concomitantemente, percebe-se também uma visão associativa, em que as práticas são
vistas como momentos de aplicação das teorias aprendidas. Entretanto, apesar de
aparentemente se primar pelos conhecimentos teóricos, o que se vê é que estes estão a
serviço da prática, eles são abordados com vistas a uma aplicação. Portanto, podemos dizer
que eles existem por causa da prática e que em nossos cursos para formação de professores
e na legislação educacional, o que prevalece é o primado da prática, pois é esta que
interessa, já que é por meio dela que a teoria cumprirá o seu papel utilitário. Daí a
76
preocupação em aumentar o número de horas de atividades práticas nos cursos de
Licenciatura.
Associando-se este primado da prática à discussão feita até este momento, acredita-se
que a valorização dos conhecimentos práticos constitui-se em uma das formas de
representação do utilitarismo presente na mercantilização do conhecimento, advinda da
economia de mercado estabelecida pela Revolução Industrial. Mas, com relação à
universidade, quais concepções estão presentes em seu contexto, que fomentam esta
valorização da prática e permitem que ela se perpetue?
77
II. OBJETIVOS
Sendo constatada a valorização dos conhecimentos práticos na formação oportunizada
pela universidade, colocam-se como objetivos deste estudo:
Objetivo geral
Reconhecer as concepções presentes na universidade, que dão movimento à tendência
de maior valorização dos aspectos práticos da formação universitária e profissional.
Objetivos específicos
Analisar os documentos que trazem a legislação e as concepções que fundamentam a
formação da universidade contemporânea e como isso se apresenta nas propostas de
cursos a serem desenvolvidos nesta instituição, mais especificamente, naqueles
voltados à formação de professores;
Verificar como a visão utilitarista e a tendência a mercantilização do conhecimento se
fazem presentes nos cursos de formação de professores, analisando a continuidade do
processo de valorização desse conhecimento, como um instrumental para a prática
profissional.
78
III. METODOLOGIA
1. Os procedimentos da pesquisa
Na realização deste estudo foram utilizados diferentes procedimentos, voltados para
duas frentes: a análise documental
14
e a pesquisa de campo envolvendo alunos de
Licenciatura em Ciências Biológicas.
A análise de documentos foi feita no decorrer de todo o estudo, servindo como fonte
de argumentação e caracterização do contexto universitário atual. No caso, foi estudada a
atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/96), a Lei de Financiamento do
Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (nº
10.168/00), o Plano Nacional de Educação (nº 10.172/01) e a Lei de Incentivo à Inovação e
à Pesquisa Científica e Tecnológica no Ambiente Produtivo (nº 10.973/04). Também foram
analisados os decretos que regulamentam o Sistema Federal de Ensino (nº 2.306/97) e o
que dispõe sobre a organização do ensino superior e avaliação de cursos e instituições (nº
3.860/01).
Além destes documentos, também foram objetos de análise, a resolução CNE/CP 1/99,
que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, a CNE/CP 1/2002, que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, em
nível superior, curso de Licenciatura de graduação plena, e a CNE/CP 2/2002, que institui
a carga horária dos cursos de Licenciatura, de graduação plena, de formação de professores
da Educação Básica em nível superior; o atual Anteprojeto de Lei de Reforma da Educação
Superior (versão Julho/2005), as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
Ciências Biológicas (CNE/CES 1.301/2001) e a proposta curricular para o curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), presente no
Manual do aluno de Biologia 2003/2004. Na época em que se realizou este estudo, estava
sendo discutida uma nova estrutura curricular. Em virtude disso, foi solicitada à Secretaria
do curso uma cópia desta nova proposta, porém, como a discussão ainda estava ocorrendo,
não nos foi liberado o acesso ao documento.
Na investigação junto aos alunos foram utilizados dois instrumentos
15
, um
questionário composto por questões abertas (anexo 1) e a participação de 3 alunos em um
14
Considerando-se documento qualquer registro escrito que possa ser usado como fonte de informação
(Alves-Mazzotti; Gewandsznajder, 2002 p.169).
79
grupo de discussão. A escolha pelo questionário teve por objetivo possibilitar o acesso a
um número maior de alunos, os quais, por meio das questões abertas poderiam expressar a
sua opinião a respeito dos temas abordados. O grupo de discussão foi pensado, como sendo
um momento em que se poderia aprofundar a discussão com alguns poucos alunos sobre a
universidade e o curso de Licenciatura em foco. Sobre os alunos participantes da pesquisa,
e sobre a composição dos instrumentos, outras informações aparecem em sessões que vêm
a seguir.
2. Os participantes da pesquisa
Tendo em vista que o objeto deste estudo é o que sustenta a tendência de valorização
dos conhecimentos práticos na formação oportunizada pela universidade, e que o foco
desta discussão centra-se na formação de professores oferecida por esta instituição de
ensino superior, foram escolhidos para participarem deste trabalho alunos de cursos de
graduação que tivessem optado pela modalidade Licenciatura.
Como na metodologia proposta seriam feitas análises de alguns dos documentos que
estruturam a universidade e os cursos oferecidos por ela, optou-se por trabalhar com um
curso de graduação específico, no caso o de Licenciatura em Ciências Biológicas. O
motivo desta escolha é o fato deste ser o curso de formação da pesquisadora e, por isso, a
discussão acerca da estrutura curricular e da dinâmica do curso poderia ser feita com mais
propriedade. Dentro dos alunos que compõem esta graduação, o foco recaiu sobre os
estudantes que estivessem matriculados a partir do 4º semestre de curso, pois eles já teriam
cursado algumas das disciplinas pedagógicas voltadas especificamente para a Licenciatura,
tais como: Organização da Educação Brasileira, Didática Fundamental e Psicologia da
Educação, oferecidas pela Faculdade de Educação; Desenvolvimento Psicológico e Ensino,
ofertada pelo Instituto de Psicologia; Metodologia de Ensino em Ciências, Metodologia de
Ensino em Biologia, Estágio Supervisionado em Ciências e Estágio Supervisionado em
Biologia, de responsabilidade do Núcleo de Ensino em Ciências e Biologia (NECBIO)
pertencente ao Instituto de Ciências Biológicas (IB).
Consultando-se o rol de disciplinas ofertadas no segundo semestre de 2005 para o
curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, optou-se por Metodologia de Ensino em
Ciências e Estágio Supervisionado em Biologia, respectivamente, do 6º e 8º/9º semestres.
15
Entende-se por instrumento, todos os procedimentos utilizados que estimulem a expressão dos sujeitos e
não forneçam apenas dados (González Rey, 2002).
80
Os alunos matriculados nestas disciplinas estão na fase final de sua formação para a
docência, e já entraram em contato com a sala de aula nas escolas. Além disso, por estarem
em vias de finalizarem o curso, a preocupação com a vida profissional-acadêmica pós-
universidade está mais próxima, fato que poderia contribuir para nossa reflexão.
As duas professoras responsáveis pelas disciplinas escolhidas mostraram-se solícitas e
colaboraram com o trabalho, cedendo o espaço de suas aulas para a aplicação do
questionário, o que facilitou o acesso aos alunos.
Os alunos participantes do grupo de discussão foram selecionados a partir da
disponibilidade que tiveram para o envolvimento e a formação do grupo. Nos questionários
vários alunos se prontificaram para tal, mas no ajuste de dias e horários foram reunidos três
alunos para este momento da pesquisa.
3. Os instrumentos da pesquisa
Neste estudo foram utilizados dois instrumentos: um questionário de questões abertas
aplicado aos alunos do curso de graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas e um
grupo de discussão formado por alunos deste mesmo curso.
Com relação ao questionário (anexo 1), este foi estruturado em três partes. Na
primeira foram abordados os dados pessoais do aluno, como: o nome e a faixa etária; e
informações mais gerais como o nome do curso de graduação, o turno e o semestre que
cursava naquele momento. A identificação dos participantes foi solicitada porque, após a
análise das respostas, alguns seriam convidados a integrarem o grupo de discussão, onde
seriam aprofundados aspectos sobre a universidade e o curso de graduação, levantados por
eles ao responderem o questionário. Entretanto, apesar de se solicitar a sua identificação,
foi-lhes preservada a liberdade de se revelar ou não, pois a participação no grupo era
voluntária.
A segunda parte do questionário voltou-se para a relação do aluno com seu curso de
graduação. Neste sentido, foram exploradas as expectativas dele ao iniciar o seu curso, se
estas foram ou estavam sendo cumpridas e porque ele assim considerava; o porquê da
opção pela Licenciatura; quais das atividades desenvolvidas no curso ele considerava como
as que mais contribuíram para a sua formação e porque. Ainda com vistas a sua formação,
quais outras atividades ele gostaria que fossem implementadas e, se fosse reformular o
currículo de seu curso de graduação, que mudanças faria, incluindo aí disciplinas e
81
atividades. Na terceira parte foi abordada a temática da universidade e o que pensava o
aluno sobre esta instituição. Assim, questionaram-se as expectativas dele com relação à
universidade; a importância de se cursar o ensino superior; a avaliação que ele fazia da
formação até então oportunizada, identificando as experiências acadêmicas mais marcantes
e importantes; e, para finalizar, como ele pensava a vida pós-universidade e quais as
possibilidades e os limites que ele conseguia perceber no momento.
Pode-se contar com a colaboração de 63 alunos, os quais participaram prontamente,
respondendo as perguntas propostas no questionário. Foi esclarecida aos participantes a
possibilidade de se formar um grupo de discussão para que alguns temas pudessem ser
aprofundados. Desta forma, foi solicitado aos alunos interessados em participar deste
segundo momento da pesquisa, que disponibilizassem um meio de contato. Feito,
posteriormente o convite, três estudantes puderam comparecer para a discussão. Com esses
três alunos foi concretizada uma rica reflexão que ajudou a esclarecer vários aspectos com
relação à universidade e ao curso de graduação em Ciências Biológicas, levantados
anteriormente no questionário.
Neste grupo foram discutidos os problemas do curso, tanto em termos gerais como em
relação à parte de Licenciatura; possíveis soluções para os conflitos levantados; o papel da
universidade hoje; a relação entre ensino e pesquisa existente no curso e a importância da
pesquisa na universidade. Para que se pudesse proceder com a análise da discussão, esta
sessão foi gravada em vídeo e em áudio. No sentido de auxiliar a condução do grupo,
elaborou-se um roteiro de temas (anexo 2) a serem tratados.
Os alunos participantes apresentaram-se colaborativos e interessados, de modo que a
discussão transcorreu com tranqüilidade, com a abordagem aos temas propostos feita de
forma espontânea no decorrer da reflexão, sem a necessidade de interferência. Como a
discussão realizada alcançou o objetivo proposto, corroborando com as informações já
obtidas com o questionário, não se viu a necessidade de se organizar um novo grupo, no
caso, com a presença de outros estudantes que tivessem respondido ao questionário.
Os resultados obtidos com o questionário e com o grupo de discussão são
apresentados a seguir.
82
IV. RESULTADOS
1. Análise das informações obtidas com o questionário
O questionário (anexo 1), como relatado anteriormente, foi composto por 14 questões,
05 objetivas e 09 subjetivas, e dividido em três partes: a primeira voltada para a
identificação do participante, a segunda direcionada para a relação entre o aluno e o seu
curso de graduação e a terceira entre o estudante e a universidade.
Dos 63 alunos que participaram da pesquisa e que eram provenientes do curso de
graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), 16
deles (25,40 %) estavam matriculados na disciplina de Estágio Supervisionado em
Biologia e 47 (74,60 %) em Metodologia de Ensino em Ciências. Para a aplicação deste
instrumento, as professoras das respectivas disciplinas cederam um tempo em suas aulas, o
que facilitou o contato com os alunos.
Ainda, desses 63 alunos participantes, 73,02% estavam entre o 6º e 8º semestre o que
corresponde ao 3º e 4º ano de curso; 50,8% freqüentavam o turno diurno, 44,4% o noturno
e 4,8% não responderam. Com relação à faixa etária, 73,02% possuíam entre 21 e 23 anos
de idade, 15,88% entre 24 e 26 anos, 7,93% de 18 a 20 anos e 1,58% dos 27 aos 29 anos de
idade. Apenas um aluno (1,58%) não informou sua faixa etária.
Ao se abordar o curso de graduação, questionou-se quais expectativas os alunos
tinham com relação ao seu curso, se elas se cumpriram ou não e o porquê de assim
considerarem. Segundo os estudantes, eles esperavam, principalmente, a obtenção de um
emprego no mercado de trabalho, um maior aprofundamento dos assuntos ligados a
Biologia e a possibilidade de fazer pesquisa. Com relação à formação para docência,
apenas um aluno se pronunciou a respeito, afirmando que esperava ser mais bem preparado
para a realidade da sala de aula. Do total de participantes, 66,7% afirmaram que suas
expectativas não se cumpriram devido a problemas relacionados com a estrutura do curso,
seja pela carência de vagas e créditos, pelo foco maior em uma determinada área, pelos
professores desmotivados ou pelo pouco número de atividades práticas realizadas. As
outras justificativas para o não cumprimento das expectativas foram, a não aplicabilidade
dos conhecimentos da área escolhida e a não relação entre a teoria aprendida e a realidade
do cotidiano.
83
Ainda com relação ao o que os alunos esperavam do curso, sobre a opção Licenciatura,
as explicações sobre o porquê da não satisfação estavam voltadas para a pouca
aplicabilidade dos conteúdos e para o pouco número de atividades práticas.
(...). A maioria dos professores ensina práticas que estão longe de aplicar, creio que a
maioria está realmente muito desmotivada. (...).
16
(...), acho que devia ser menos teórica, ou ao menos, investir mais em práticas.
Simulações de aulas deveriam acontecer ao longo do curso e não apenas no final, assim
como as observações.
Eu achava que um curso de Licenciatura realmente ensinasse quais as melhores
‘técnicas’ de ensino. (...). Aprendemos muita teoria e pouca prática, e a maioria
esmagadora dos trabalhos são teóricos demais.
(...) sou muito familiar com as teorias (grifo do aluno) pedagógicas, mas não tenho a
mínima segurança ou idéia da parte prática de dar aulas. Meu intuito era meramente
aprender a dar aulas, lidar com situações inusitadas, saber elaborar uma prova; em
nenhum momento tive interesse nessas teorias, que considero inválidas no cotidiano das
aulas.
Dos participantes que consideraram suas expectativas cumpridas (33,3%), algumas
das justificativas foram:
(...) percebi as várias possibilidades de emprego do biólogo, (...). Já realizo(...) estágio em
minha área e já tenho planos definidos para minha carreira..
Proporcionou os fundamentos (...) para a escolha de minha área de atuação (...) e
condições para uma futura especialização.
Aprendi muito (...).
Percebe-se nas falas dos alunos que a insatisfação com relação ao curso está associada
com a expectativa de que os conhecimentos adquiridos fossem diretamente aplicáveis, e
que a sua formação estivesse mais voltada para as atividades práticas e para o ensino de
técnicas. Mesmo aqueles que se consideraram satisfeitos, foram porque já atuavam por
meio de estágios na área escolhida. Portanto, o sentimento de satisfação também está
ligado à aplicabilidade, pois estavam atuando em algum campo. Da mesma forma, quando
afirmaram que o curso proporcionou os fundamentos para que escolhessem onde atuar ou
para uma especialização, ou ainda que aprenderam muito, eles não fazem alusão a uma
formação voltada para o pensar ou para busca pelo conhecimento.
16
Ao se transcrever as citações, foram respeitadas as formas de expressão do participante, não se fazendo
correções.
84
Solicitou-se aos alunos, na questão 13, que fizessem uma avaliação da formação até
então recebida na universidade e que citassem as experiências consideradas como mais
marcantes. Apesar da maioria dos participantes (66,7%) ter considerado que as suas
expectativas com relação ao curso de graduação não foram efetivadas, 47,6% dos alunos
avaliaram de forma positiva a formação oportunizada a eles pela universidade, justificando
a sua satisfação pelos conhecimentos adquiridos em cada disciplina e pela convivência
com professores e colegas. Com relação às atividades, foram consideradas como
experiências importantes, as saídas a campo, os congressos e os estágios em laboratório e
em escolas. Em algumas respostas, a relação entre a importância destas atividades e a
possibilidade de contato com a realidade é ressaltada.
(...) a realização do estágio junto ao meu projeto de iniciação científica, o que me ajudou
a enxergar a realidade de um profissional da área de Biologia”.
(...) grupo de pesquisa, o que foi extremamente importante, pois lá pude aprender e
conhecer a realidade acadêmica da pesquisa, (...)”.
(...) a universidade oferece suporte para saídas a campo, congressos e outros eventos nos
permitindo uma contextualização com a realidade”.
Apenas 17,5% fizeram uma avaliação negativa de sua formação, afirmando que não se
sentiam bem preparados profissionalmente, nem com conhecimentos suficientes para
atuarem na área. As experiências mais marcantes para este grupo foram as atividades
práticas, saídas a campo, atuação no colégio e estágios. Com relação a este último, um dos
alunos diz que(...) o programa do curso é bem fraco no sentido de possibilitar tais
experiências”. Os restantes (34,9%) apenas indicaram quais tinham sido as suas
experiências acadêmicas mais importantes, não fazendo uma avaliação da formação
universitária que tiveram. Neste caso, as atividades citadas foram pesquisa, estágios,
congressos, o volume de informação e a capacidade dos professores para despertar o
interesse no aluno.
Novamente, a importância dada às atividades práticas se fez presente, associando-se
estas a momentos de contato com a realidade, e que por isso contribuíram de forma mais
significativa para a formação de cada um. Subentende-se aí uma crença de que é “na
prática que se aprende”, o que não deixa de ser também uma visão utilitarista sobre o
conhecimento, representando uma primazia da prática.
Na questão 8, perguntou-se quais atividades desenvolvidas no curso que eles
consideraram como as que mais contribuíram para a sua formação e porque. Foram
85
considerados os estágios, as aulas práticas e as saídas a campo. Segundo os alunos, porque
elas proporcionaram uma aproximação da realidade, uma melhor aprendizagem e
complementaram a teoria.
(...) tornam os assuntos mais interessantes e permitem um contato prático e longo ao
assunto abordado. Dessa forma o conteúdo teórico torna-se parte da experiência de vida
do aluno. (...) existe uma maior possibilidade dos alunos não esquecerem o assunto com
facilidade, como acontece com assuntos abordados apenas no âmbito da teoria.
As atividades práticas são as que mais contribuem para a formação, pois é nela que
obtemos experiência real com a profissão”.
Porque complementam o arcabouço teórico e permitem uma atuação prática que é
insubstituível do ponto-de-vista profissional.
É muito importante vivenciar uma situação para realmente aprender.
Na seqüência, foram citadas a monografia, as aulas de algumas disciplinas, a
participação em congressos, discussões e atividades de extensão e de pesquisa. A
consideração sobre a parte teórica apareceu explicitamente em apenas um caso. Nas
respostas apresentadas a esta questão, duas chamaram a atenção pela crítica feita a algumas
disciplinas consideradas como não aplicadas.
Segundo comentários, (as disciplinas da Educação) não contribuem muito para a
formação profissional e que somente nos estágios que o aluno encara a realidade e
confirma que a maioria dos conteúdos vistos (Psicologia) são difíceis de serem aplicados”.
As aulas teóricas são uma armadilha, pois existem muitos professores ruins, e você, acaba
muitas vezes, saindo da matéria sem saber nada. Sem falar naquelas matérias que não têm
utilidade e você é obrigado a fazer.
A preocupação e a valorização das atividades práticas também se fez presente quando,
na questão 9, se perguntou quais outras atividades eles gostariam que fossem
implementadas no curso.
Mais práticas. Uma parceria com uma empresa de licenciamento ambiental, uma escola,
uma indústria ligada à área de saúde, etc”.
Oficinas ensinando dinâmicas para o curso de biologia e ciências (...), ensinando a
confecção de experimentos simples e baratos para o ensino. Oficinas de idéias para
ensinar diversos conteúdos”.
Principalmente maior contato com a parte experimental da Biologia. Isso nos ajudaria a
melhor fixar o conhecimento e a ter idéias de como passá-los caso me tornasse um
professor”.
86
Mais aulas práticas!!! E também oportunidades de estágio (...) em áreas diferentes da
pesquisa e do magistério”.
(...) oferecer cursos rápidos, não no formato de disciplinas, que servissem para fins
específicos, como técnicas de laboratório, triagem etc”.
Foi mencionado também, um maior número de palestras com especialistas e pessoas
bem sucedidas na área e de mais disciplinas optativas.
Em ambas as questões, números 8 e 9, verificam-se a valorização da prática e a menos
valia da teoria. A crença de que para se aprender é preciso vivenciar uma situação, de que
as aulas teóricas podem ser uma armadilha, a não utilidade de algumas matérias, a não
aplicabilidade de conhecimentos e a cobrança por cursos rápidos e oficinas, ilustram a
existência de um primado da prática. O mesmo ocorre com as atividades que os alunos
gostariam que fossem implementadas no curso. Analisando-se as respostas, observa-se que
são todas voltadas para a aplicação, como se estas garantissem uma melhor formação
profissional, por permitirem um contato com a realidade. Realmente, os momentos práticos
são muito importantes, porém, não porque representam a realidade a ser encontrada no
contexto profissional, mas porque são momentos que possibilitam ao aluno, analisar
alternativas que lhe permitam fazer uma opção de ação. As atividades práticas precisam se
constituir em espaços de pensar para o agir e não, simplesmente, em situações aplicadas.
Ao se questionar quais reformulações eles fariam no currículo, as reivindicações de
aumento no número de créditos e vagas em algumas disciplinas específicas da área
biológica e maior oferta de disciplinas, foram as que se apresentaram com mais força.
Entretanto, também neste momento, a solicitação por mais atividades práticas não foi
esquecida.
Mudaria a maneira como as aulas são dadas. (...) faria um esforço conjunto com os
professores para mostrar a realidade prática moderna (ou atual) da matéria, para que o
aluno saia da universidade e possa se tornar um profissional, (...)”.
Incluiria um maior número de disciplinas com parte prática”.
(...) daria mais importância a parte experimental, isto é, prática”.
Incluiria pelo menos mais um estágio de licenciatura no meio do curso”.
No caso da educação acredito que seria melhor diminuir o número de disciplinas pois são
muito repetitivas e acrescentar mais dois estágios”.
87
Novamente, vê-se representada a crença de que a prática representa a realidade e que,
por isso, ela possibilita um melhor preparo profissional. A preocupação com a formação
profissional é válida, porém, não serão estas atividades por si só que garantirão esta melhor
preparação, pois a realidade é muito mais dinâmica, diversa e complexa do que os
momentos de aplicação.
Como o curso de Ciências Biológicas oferece as modalidades, Bacharelado e
Licenciatura, questionou-se o porquê dos alunos terem optado pela Licenciatura. Segundo
as respostas, para 47,6% dos alunos, porque a docência constitui-se como uma segunda
opção no mercado de trabalho, para 19,1% porque a nota de corte ou a concorrência no
vestibular era menor e para 12,7% porque têm interesse em se tornarem professores. Os
outros 20,6% restantes apresentaram diferentes justificativas, como para ter outro diploma,
para aprender a lidar com as pessoas e a ter mais didática.
Aparece em algumas respostas, o esclarecimento de que a escolha pela Licenciatura
foi feita depois de eles já terem entrado para o Bacharelado, e que decidiram por fazê-la
porque, além do que já foi exposto, eles precisariam cursar apenas mais algumas matérias
para terem as duas habilitações.
(...). Além do que os dois currículos são muito parecidos, e possibilitam uma dupla
habilitação sem adicionar muitos semestres.
Optei pela licenciatura por uma questão de comodidade já que meu curso é de
bacharelado mas a universidade permite que se tenha a dupla habilitação.
Porque na UnB o currículo era parecido com o de Bacharel, (...).
Vi que não tinha diferença com o bacharelado e é mais fácil de entrar.
A escolha primeira pelo Bacharelado demonstra a diferente valorização existente entre
ser bacharel e ser licenciado. A relevância dada à pesquisa é muito maior do que a que é
dada à docência, sendo esta vista mais como uma forma de arranjar um emprego do que
como uma atividade satisfatória e realizadora. A própria universidade colabora para esta
desvalorização ao oferecer dois cursos em um, transformando a Licenciatura em uma
complementação do Bacharelado.
Com relação à universidade, da mesma forma que feito com o curso de graduação,
questionou-se as expectativas que os alunos tinham com relação a instituição. No caso,
estas se direcionaram primeiramente para a formação profissional, seguido pelo anseio de
aprender muito. A questão da infra-estrutura também apareceu nas respostas,
88
principalmente com relação à organização, a higiene, a salas de aula mais confortáveis e a
laboratórios melhor equipados.
Me especializar em algo para me tornar produtivo”.
(...) adquiriria todos os conhecimentos necessários para a profissão”.
(...) seria a única maneira de alcançar a formação exigida pelo mercado de trabalho,
(...)”.
Que o curso superior seria a salvação e garantia de emprego”.
Abertura de horizontes, conhecer pessoas interessantes e aprender muito”.
(...) Estudar muito, aprender muito (...)”.
A preocupação com o emprego e com uma boa colocação no mercado de trabalho
também apareceu em 61,9% das justificativas dos alunos, quando perguntado sobre a
importância de se cursar o ensino superior. Já a aquisição e aprofundamento de
conhecimentos estiveram presentes em 20,6% das respostas dos estudantes. O restante não
respondeu ou colocou outras justificativas, como o crescimento e amadurecimento pessoal
ou a formação cultural.
O ensino superior qualifica o indivíduo com um conhecimento específico, mais complexo,
o qual possibilitará que esse indivíduo possa realizar uma função mais valorizada e,
portanto, melhor remunerada no mercado de trabalho”.
Aumenta o seu leque de oportunidades de emprego (...)”.
Fundamental para competir no mercado de trabalho e ter boas oportunidades futuras”.
Aprofundamento dos conteúdos; formação teórica; ter o próprio diploma em si, pois hoje
em dia é um requisito fundamental para um lugar melhor no mercado de trabalho”.
Possibilidade de produzir novos conhecimentos (pesquisa), maior oportunidade de
emprego, o conhecimento em si”.
Vê-se, claramente, nas respostas dos alunos o anseio de terem uma formação voltada
para o mercado de trabalho, como forma de se garantir um emprego no futuro e de se
tornarem produtivos. Isto retrata a maneira como a universidade foi reduzida a uma escola
técnico-profissionalizante. Mesmo quando se levanta a possibilidade de produzir novos
conhecimentos”, associa-se isso com oportunidades de emprego. Isto porque o fazer
pesquisa é visto como atividade laboral e não como a busca pelo conhecimento.
89
Na última questão, perguntou-se o que os alunos esperavam da vida pós-universidade,
com suas possibilidades e limites. As possibilidades vislumbradas foram a pós-graduação
(mestrado e doutorado), ser aprovado em concurso público para ter estabilidade financeira,
e a Licenciatura. Entretanto, no caso da docência, esta se apresenta como uma alternativa
temporária e não como um desejo profissional.
Outra possibilidade que eu vejo (a primeira é pós-graduação) é ser professor de ensino
dio, pois já trabalho em monitoria, mas não gostaria de fazer isso desde agora até o fim
de minha vida profissional”.
(...) não penso em lecionar enquanto existir a opção de seguir a vida como pesquisadora
apenas”.
A docência como opção temporária corrobora as impressões já relatadas na questão 7,
quando se questionou o porquê dos alunos terem optado pela Licenciatura. No caso, a
docência é vista como mais uma alternativa de empregou e/ou como uma complementação
à formação de bacharel.
Ainda com relação à vida pós-universidade, os limites no momento visualizados pelos
alunos estão relacionados com o temor de não atuar na área de formação devido ao próprio
mercado, e as poucas possibilidades existentes por conta da formação dada pela
universidade. Em contrapartida, há os que consideraram esta formação como fundamental
para as perspectivas futuras.
A universidade não me ensinou tudo, mas ela me ensinou a melhor maneira de passar a
conhecer tudo. Com isso, posso ser um profissional de destaque, que busca soluções e
melhoramentos”.
A universidade proporciona o fim dos limites”.
Verifica-se que, mesmo ao se considerar a formação universitária como importante
para as perspectivas futuras, esta é relacionada com a profissionalização, como sendo uma
forma de ele poder buscar soluções e melhoramentos. Apresenta-se mais uma vez a visão
utilitarista em que o conhecimento é associado somente a aplicação.
No sentido de aprofundar esta discussão acerca do curso de Licenciatura e da
universidade, realizou-se o grupo de discussão com alunos que colaboraram respondendo
ao questionário. Como veremos a seguir, alguns depoimentos presentes no questionário
foram reforçados no grupo de discussão.
90
2. Análise das informações obtidas com o grupo de discussão
No grupo de discussão o foco maior foi sobre o curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas e não tanto a universidade de uma forma geral. Foi abordado, o currículo, a
qualidade da formação oferecida, a relação professor-aluno, a união entre pesquisa e ensino,
e as atividades de pesquisa que os alunos desenvolvem nos estágios. Além disso, foram
discutidos o papel da universidade hoje, a importância da pesquisa na universidade e
algumas propostas para contornar os problemas apresentados por eles. No sentido de
orientar a discussão, elaborou-se um roteiro com os temas a serem abordados (anexo 2).
O grupo, formado pelos três alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas
da Universidade de Brasília (UnB), mostrou-se participativo e interessado na discussão
oportunizada. Em nenhum momento houve necessidade de intervenção por parte da
pesquisadora, devido a desvio dos temas ou por não abordarem algum tópico. A discussão
teve duração de aproximadamente 1 hora e 23 minutos, e transcorreu de forma tranqüila
atingindo o objetivo esperado, de aprofundar a reflexão iniciada com o questionário.
Apesar de ser um grupo formado por três alunos, este se apresentou representativo e, por
este motivo, julgou-se não ser necessária a realização de um outro momento semelhante,
que tivesse a participação de mais ou de outros alunos.
Os participantes iniciaram a discussão com uma crítica ao atual currículo do curso, no
que diz respeito ao pouco número de créditos e vagas nas disciplinas. Pode-se evidenciar
que se associa a este problema, a preocupação com a qualidade do curso e,
conseqüentemente, com a formação oportunizada a eles.
É, a qualidade do curso cai, porque é impossível, é inviável! Você ver uma matéria de seis
créditos, ás vezes fica difícil da gente conseguir ver tudo! Aí, por mais que os professores
falem: ‘Não, mas aqui vocês só vão conhecer onde que tá o conhecimento. Vocês que vão
atrás’. Não dá, (...) a gente vai sair incompleto da universidade. (...)”.
Percebe-se neste comentário, o problema de se limitar a ação da universidade à
transmissão de conteúdos e a profissionalização. Caso não se possam oferecer as
disciplinas, os alunos perdem em sua formação, pois esta se resume a conhecimentos
prontos e ao ensino de técnicas e não ao pensar para se produzir o conhecimento.
A reivindicação apresentada nos questionários por mais atividades práticas, também
se fez presente na discussão quando tratado da qualidade do curso.
91
A maioria das matérias que a gente tem, não tem nem prática.
A gente (...) não vê a técnica, né. (...), é tudo muito teórico. (...). Precisa da teoria, é óbvio
que precisa, mas como que você é um biólogo que, por exemplo, a gente não tem muita
saída a campo, né. (...).
Neste aspecto, cabe esclarecer que, segundo os alunos, a cobrança por mais aulas
práticas deve-se por estas serem pouco ofertadas. Entretanto, em outros momentos,
verifica-se que, independente desta necessidade, há também uma valorização maior para
este tipo de atividade.
Ainda no que diz respeito à qualidade do curso, este quesito foi abordado também
com relação ao nível e ao tipo de cobrança feita por alguns dos professores do Instituto de
Ciências Biológicas (IB).
B: (...) Porque ali na sala é ridículo! Não é segundo grau?!
(...)
C: Não, é menos do que segundo grau. Quando eu fiz (...) a gente estudava pelo Amabis
17
(...).
B: E aí os professores criticam a gente, (...).
C: Aluno é preguiçoso (imitando um professor).
B: (...), mas eles que estão cobrando da gente pouco!
A: Pouco! Como é que você vai buscar mais conhecimento se eles ficam cobrando um
mínimo.
B: É, a aula não condiz, não tem nada. Porque, por exemplo, quando o professor dá aula
pesada pra gente, a gente não corre atrás?! (...)”.
O pessoal ficou revoltado porque a prova foi assim, a transparência da aula, aquela coisa
bem decoreba, decoreba”.
As da (...) é canetão. Mas tem que botar as palavras-chave, se não tiver no texto (...),
desconsidera. (...)”.
Dá vontade da gente escrever na prova assim, né: ‘Ah, o capítulo 3 (...), página 100 a
220’ (...). (...), não te dá muita abertura pro teu raciocínio. Você tem que ir do jeito que
eles gostam”.
Segundo os alunos, este mesmo quadro se repete com relação às disciplinas
específicas da Licenciatura, oferecidas pela Faculdade de Educação e/ou pelo Instituto de
Psicologia, acrescentando a elas, críticas sobre a metodologia utilizada pelos professores
ao ministrarem as aulas.
(...), primeiro a professora dividiu a matéria em três módulos. O primeiro (...) ela fazia
discussão na aula e ela ficava sentada assim, olhando a galera conversar. O segundo
17
Autor de um dos livros de Biologia utilizados no ensino médio.
92
módulo foi pela internet, (...) era só discutir texto na internet, (...), e o módulo três era
apresentação de seminário. Ela não fez nada! Nada, nada, nada...
E a aula do (...) era expositiva né, voltada pros órgãos dele, porque ele falava pra dentro
e parecia que estava morto na frente da sala, era algo assim, impressionante!
(...), eu acho seminário muito bacana, sabe, mas na Educação eles são mestres nisso, a
gente dá aula, né. Porque você fica assim, a aula todinha você dando aula, e eu não acho
que seja tão maravilhoso. (...) às vezes você passa, acho que metade do curso, aluno dando
aula pra professor, né. (...)
Estes relatos sobre o tipo de cobrança e a metodologia utilizada pelos professores,
tanto do Instituto de Ciências Biológicas como da Faculdade de Educação e do Instituto de
Psicologia, ilustra o processo de escolarização que a universidade vem sendo submetida. A
pouca cobrança por parte dos professores, o nível de aprofundamento equivalente ao do
ensino médio e o excesso de seminários, mostra um ensino preocupado com a transmissão
de conteúdos e não com uma formação humanista voltada para o sujeito e para a busca
pelo conhecimento.
Ao se questionar, como solucionar o problema relacionado com a qualidade das aulas
do curso, foi sugerida pelos alunos que se tivesse uma coordenação de disciplina que
funcionasse e que os professores tivessem preocupação com a qualidade da matéria
ministrada e não apenas em cumprir a ementa proposta. Associou-se às críticas, a formação
dos próprios professores, questionando-se a valia de titulações e a falta de uma formação
pedagógica. Este último item foi direcionado, especificamente, a alguns professores do
Instituto de Ciências Biológicas (IB).
(...), as pessoas acham que lá (UnB) estão os monstros, os gênios né, os doutores. Só a
nata, mesmo. Mas você vê que de repente tem professores que você fica, gente o quê que é
um título, né?! (...). Porque você vê assim, que tem a referência, o cara super-famoso e não
sabe nada. (...)”.
(...), acho que entra aquela questão da formação dos professores, porque eles são ali
mestres, doutores, bacharéis. Acho que muitos deles não têm essa formação de
Licenciatura. Então, eu acho que por mais que esteja na universidade, eles teriam que ter
algum conhecimento sobre educação, né. Falta pra eles. Eles são bons, até podem ser
ótimos lá na pesquisa deles, mas eles não sabem dar aula, (...). Não vêem assim, a
importância da educação. (...). Eles estão lá com a pesquisa deles e tem que dar aula
porque você tem que dar. (...)”.
Apesar das críticas, alguns professores receberam elogios. Dois docentes responsáveis
por disciplinas específicas da Biologia foram extremamente elogiados pelo fato de que,
segundo os alunos, eles ensinavam a pensar. No caso de um dos professores, os elogios
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foram reforçados, pois ele também cobrava uma aplicação do conhecimento e não apenas o
domínio do conteúdo.
Não, é muito bacana, porque (...) ela tá ali: ‘Gente, vamos pensar? (...) Vamos fazer
alguma coisa, sair da decoreba. Vamos aplicar!’ (...). Então, assim não fica muito naquela
coisa que os professores gostam, que é só aquela coisa massacrante e tal.
Neste relato vê-se que há uma valorização da aplicação, pois o fato do professor
aplicar o conhecimento é reforçado na fala do aluno.
Já com relação à formação dos professores responsáveis pelas disciplinas pedagógicas
da Licenciatura, especificamente aos da Faculdade de Educação, as críticas se voltaram
principalmente para o grau de atualização do docente: Eles são muito arcaicos, sabe. Eles
vêem a educação como essa coisa que parou no tempo né, ou estudou lá em 1970 e
continua daquele jeito, sabe”.
Este problema da atualização do professor é considerado também em relação ao
conteúdo trabalhado pelas disciplinas da Educação e associa-se a ele a distância que,
segundo os alunos, existe entre o que se discute nas aulas e a realidade encontrada nas
salas escolares. A solução apontada pelos participantes e ilustrada pelo diálogo a seguir, foi
a reciclagem dos professores.
B: Reciclagem de professores, porque, isso mesmo, lá na Educação eles são muito antigos,
(...). Eu ouvia muito na sala as pessoas falarem, ‘mas professora, na sala de aula não é
assim’. (...), eu acho que eles ficam envolvidos com essas pesquisas deles, ‘porque a
educação, porque a educação’ (...).
A: Mas é muito teórico.
B: Só que não vão pra sala de aula!
A: Eles não estão na sala de aula, então eles não têm a menor idéia.
B: Educação pra eles é uma coisa teórica, Educação é linda e porque fulano disse isso, (...)
sala de aula que é bom, ver o problema que está acontecendo (...), eles não vêem isso,
entendeu?! (...) você vai ver aqueles textos, nossa aquele texto velho que você pega lá de
1970. Não tem nada de novo, (...), não tem ninguém novo aí nessa área da Educação. (...).
A gente só conhece esse povo, né. Fala de Piaget...
A: Piaget, Vigotsky.
C: É do século retrasado (...).
B: (...). A educação que eu tive é diferente do que tá hoje e esse povo não muda! (...).
Percebe-se nesse diálogo uma idéia de que o conhecimento teórico no caso da
Educação é ultrapassado e, portanto, considerado como não válido. Isto reforça a idéia de
sua não aplicação ao cotidiano escolar.
94
Ao discutirem esse distanciamento entre o conteúdo ministrado pelos professores da
Educação e a realidade encontrada nas escolas, foi questionada a aplicabilidade destes
conhecimentos.
C: (...) Tá e aí, o quê que eu vou fazer com isso? Você chega na sala e você vê: nada,
nada...
A: É, porque é diferente! Porque assim, você vê que o referencial teórico é uma coisa e
quando você vai pra sala de aula, vê como a realidade é completamente diferente. Que
você não vai aproveitar nada! Você vê aquilo, que você tem que se virar mesmo pra poder
dar a matéria.
Nessa hora não existe Piaget, não existe ninguém”.
(...). Então, eu não entendi como eu vou utilizar isto (...).
Neste momento, questionou-se aos participantes se, ao fazerem as atividades do
estágio supervisionado, eles conseguiram associar o que estavam fazendo com o que
tinham visto nas disciplinas de Licenciatura. Os alunos pensaram em silêncio por um
momento e afirmaram que não, abrindo apenas uma exceção.
Pra não dizer que eu não lembrei de um desses teóricos, ela falou em Vigotsky e eu
lembrei que numa dessas aulas (...) eu tenho certeza que não entenderam nada (...). Foi, foi
muito difícil pra mim ter dado essa aula. (...), mas eu lembrei que o Vigotsky falava alguma
coisa de um conhecimento lá, é... proximal, que você aprende com outro (...), e eu chamei
uma aluna pra explicar, e eu passei exercício (...) pra eles fazerem em dupla pra um ajudar
o outro. (...). Acho que foi a única aula em que eu lembrei de alguma coisa desse tipo,
porque quando a gente entra na sala de aula é muita coisa na sua cabeça, sabe.
Como já exposto por Tunes & Carneiro (2002), ao se cobrar a aplicabilidade dos
conhecimentos teóricos das disciplinas pedagógicas, evidencia-se uma separação entre
teoria e prática, retratada pela expectativa de que a teoria seja prescritiva. Como ela não o é,
fica o sentimento de frustração e a idéia de que “teoria é uma coisa e prática é outra”.
Neste relato, o aluno afirma que usou o conhecimento teórico, no caso um conceito de
Vigotsky, mas ele o fez aplicando-o diretamente a uma situação, como se este fosse uma
solução para aquele problema. Ele não usou o conceito para pensar sobre a situação que se
lhe apresentava e daí optar por uma ação.
Segundo uma aluna, a preocupação era em fazer alguma coisa diferente, pois ela
lembrava de que havia aprendido isso em uma das disciplinas de Metodologia de Ensino.
B: Então eu tinha uma preocupação, vamos fazer um jogo, aquela coisa assim, ‘como que
eu vou dar aula disso?’ Sabe, aquela coisa de você ficar bolando uma prática, alguma
95
coisa. Porque a consciência que eu tinha, que a (...) passou, foi aquela coisa assim: ‘Não
tem que dar essa aula de giz que o menino não presta atenção’. Então a minha
preocupação era assim, vamos fazer uma coisa diferente. (...).
(...)
A: Você sabe que estar ali na frente só com o gizinho, não adianta nada, porque é aí que
eles vão tá tacando bolinha, tacando caneta, não presta atenção.
Novamente ilustra-se uma valorização do conhecimento prático, no sentido deste ser
útil e aplicável. Na situação citada pelo aluno, seria a elaboração de uma prática que
chamasse a atenção dos alunos e, assim, ficassem quietos e prestassem a atenção na aula.
Portanto, mais uma vez valoriza-se o conhecimento como aplicação, e não como um norte
para o pensar.
No que diz respeito às disciplinas da Licenciatura, uma das Metodologias de Ensino,
ministrada por professor do Instituto de Ciências Biológicas (IB), foi considerada como a
que mais ajudou, pois saiu das teorias.
B: Porque pela primeira vez você sai daquela coisa da teoria (...), e ali é a aula e vamos
fazer, vamos elaborar uma coisa bacana. ‘Como que o aluno vai prestar atenção?’ Então
(...) você saiu daquele mundo lá dos pensadores. Eles podem ser ótimos (...).
C: Mas eles são teóricos!
B: É, talvez a gente até gostasse mais deles, se a gente fizesse uma discussão pra realmente
entender (...) como que se utiliza isso e tal (...).
Como sugestão para solucionar o problema do descompasso existente nas disciplinas
da Educação, entre o conteúdo teórico e a realidade, a alternativa apontada foi a ida dos
professores junto com os alunos para a sala de aula. De acordo com eles, as matérias da
Licenciatura, no caso a parte sob responsabilidade da Educação, não chamam muito a
atenção porque ficam discutindo textos que não os ajudam. A expectativa era de que
aprenderiam a como dar aula, mas segundo os alunos, eles estão aprendendo a como não
dar aula, tecendo aí uma crítica à forma dos professores trabalharem. Ainda, segundo os
participantes, das quatro disciplinas pedagógicas que eles precisam fazer, nenhuma delas é
prática e todas são enfadonhas e desinteressantes.
Em mais um momento verifica-se a menos valia da teoria como produtora ou como
explicativa da realidade e, nesta perspectiva, importante como uma proposta de elaboração
do pensamento a partir do real. Ao contrário, para o aluno a teoria serve em sua
aplicabilidade, o que acaba convergindo para a primazia da prática. A disciplina
considerada como a que mais contribuiu foi aquela que se voltou mais para as atividades
aplicadas. No caso da Educação, como as disciplinas não são práticas, elas são
96
consideradas como desinteressantes e desnecessárias. Além disso, cobra-se novamente a
aplicação ou a utilidade dos conhecimentos teóricos.
Foi solicitada aos alunos, uma avaliação sobre a validade dos Estágios
Supervisionados nas escolas. Segundo seus relatos, eles valem à pena e são necessários,
pois representam a realidade. Entretanto, não aprovam um aumento no número de horas de
estágio, como determinado pela Resolução CNE/CP 2/2002, mas sim que elas sejam
distribuídas ao longo do curso e não concentradas nos dois anos finais. Além disso,
sugerem aulas de observação nas escolas desde o começo do curso, para depois atuarem
em sala de aula.
(...). É só naqueles momentos finais, então você dá bastante aula pra vê se você aprende,
sendo que, antes a gente fica naquela, não vai na sala porque são só os teóricos (...).
A: É distribuindo a carga horária e não é aumentando.
B: É, justamente! Talvez outras matérias, que de repente a gente faça, por exemplo, só de
observação, entrevistas com os alunos”.
Ao fazerem estas sugestões, eles exemplificaram com uma atividade desenvolvida
também em uma das disciplinas de Metodologia de Ensino, que consistia em aplicar um
questionário a alunos de segundo grau para ver o que eles estavam entendendo sobre
determinado assunto. A aula em que os resultados foram apresentados aos participantes da
disciplina, foi considerada como uma das melhores daquele semestre.
O comentário de que é no final do curso que os alunos ministram mais aulas para ver
se aprendem, exemplifica a crença de que “é na prática que se aprende”. Portanto, apesar
de defenderem a distribuição de carga horária dos estágios supervisionados e não o
aumento de horas, o que se espera é por momentos de aplicação.
No decorrer da discussão, pode-se perceber que a relação entre professores e alunos é
considerada difícil, pois segundo os participantes, os docentes não gostam de ser
questionados e não são receptivos quando procurados.
“Não sei, a grande questão é que o professor não gosta de ser questionado, a grande
maioria (...)”.
“(...), parece que a pergunta é pra afrontar e não pra esclarecer”.
“É, tipo assim, pra muitos professores você não consegue conversar com eles, parece que
eles gostam que você corra atrás deles. Então fica difícil você conseguir ir atrás deles pra
fazer qualquer coisa, né?!”
97
“É porque tem professor que te ignora, né. Acha que você é nada, passa por você assim e
finge que você não existe”.
Ainda no que diz respeito à relação professor/aluno, que pela falas acima fica evidente
a valorização da aproximação e o repúdio às relações hierarquizadas e autoritárias, outra
constatação é de que, apesar dos alunos estarem cientes de que os docentes além de
ministrarem aulas também realizam pesquisas, eles demonstraram não saber que pesquisas
são feitas pela maioria de seus professores. Segundo os participantes, não há abertura para
que os alunos conheçam as pesquisas nem se oportuniza este tipo de atividade no decorrer
das disciplinas. Entretanto, apesar desta restrição, os alunos consideram que a
Universidade de Brasília (UnB) é muito mais voltada para a pesquisa do que para a
formação profissional.
Eles te preparam para ser professor meia-boca ou eles preparam para ser pesquisador.
Eu acho o seguinte, que lá de cima (Governo Federal) eles estão querendo que a gente
saia da universidade, porque (...) reduzindo os créditos do jeito que estão fazendo, eles não
estão querendo formar profissionais. Acaba que a gente vai ficar ou na área acadêmica ou
vai ficar na área acadêmica (...).
Em um momento anterior, já foi relatado o distanciamento presente na relação dos
professores com os alunos. O fato destes não terem conhecimento das pesquisas feitas por
seus professores, nem de lhes serem oportunizados momentos para este tipo de atividade
no decorrer das aulas, reforça as evidências antes discutidas sobre o processo de
escolarização passado pela universidade. Apesar dos alunos acreditarem que eles estão
sendo preparados para a pesquisa, não é isto que se verifica em seus relatos, pois se
percebe que, na maioria das vezes, quando acontece a participação em pesquisas, ela
restringe-se a tarefas estanques e mecânicas.
Abrindo a discussão para o papel da universidade hoje, os alunos admitem que este se
restringe à certificação.
C: Acho que é mais do diploma, você ter a educação formal, (...). Na prática.
B: Eu acho que o objetivo (...) é: ‘Vamos todos ter um curso superior, independente da
qualidade que seja. Então, vamos terminar logo, vamos reduzir os créditos e saiam daqui,
pelo amor de Deus. Tirem seu diploma e entrem para as estatísticas de pessoas que têm o
nível superior’.
Nesta fala da aluna evidencia-se um imediatismo, uma premência de finalização do
curso, para o quê a qualidade pode ser dispensada. Assim, como presenciado no
98
questionário, há a preocupação com o mercado de trabalho, o receio de não poder
continuar trabalhando na área e a opção pela docência como uma atividade provisória.
B: É, a minha mãe, quando eu falei (...) que ia fazer Biologia, ela falou assim: ‘Minha
filha, você já pensou em uma Administração, um Direito ...
A: Tem mercado de trabalho? (ironizando).
E ainda tem essa questão, e agora, e o mercado de trabalho?
(...). Eu queria ficar na minha área, aí tem essa questão de dar aula. Porque eu, na
verdade, eu gostei de ter dado aula, (...). Só que eu penso, eu não quero dar aula porque eu
quero viver! (...) Porque o salário do professor é muito ruim, entendeu. (...). Eu vi lá no
estágio, (...) como eles são frustrados! Sabe, eles brincam assim: ‘Você quer ser sofressora,
mesmo?’ (...). Porque não é um emprego em que eles vão e que saem realizados, (...).
(...). Como que a pessoa vai ficar feliz sabendo que vai ficar a vida inteira nessa vida?! (...)
Então, financeiramente dá um medo de dar aula (...). Então, assim, eu gostaria de dar aula,
só que eu acho que não tenho muita vontade de ficar por muito tempo, não.
Comprova-se nestas falas que a formação dada aos alunos pela universidade não é
voltada para a pesquisa como busca pelo conhecimento, mas para a certificação necessária
ao mercado de trabalho. Com relação à docência, assim como nos questionários, esta é
vista em segundo plano e como opção temporária.
Tendo sido ressaltado este direcionamento da UnB para a pesquisa, foi solicitado aos
alunos que fizessem uma avaliação da formação acadêmica por eles recebida, se a
universidade os preparava mesmo para serem pesquisadores. Todos consideraram que sim,
mas desde que eles fossem atrás dos professores. Ao relatarem suas impressões sobre a
formação para pesquisa recebida até o momento, descreveram como sendo diferente da
sala de aula, porque nesta, eles estão passivos, apenas absorvendo o conhecimento.
Também foi relatado que não são incentivados a questionar o que fazem e que não
verificam a presença de uma metodologia científica nos projetos de pesquisa já
vivenciados.
É muito diferente do que a gente faz em sala de aula. Ali você (...) meio que é sujeito, você
tá lá só, é passivo, tá lá só escutando, tentando absorver.
Na pesquisa, o que eu descobri, é que esse negócio de método científico (...) não existe
muito né, ali na prática. (...).
(...), a nossa pesquisa assim, também não é tão questionadora, (...). Acho que ainda não é
uma pesquisa, aquela coisa assim de você estar ali sendo incentivado a pensar mesmo, a
questionar às vezes o que você faz. (...).
99
Você vai, você não questiona, você simplesmente faz.
Estes relatos ajudam a ilustrar como a formação universitária oportunizada não é
voltada para a pesquisa. Mesmo quando os alunos participam de projetos de pesquisa, eles
não têm contato com todo o processo inerente a uma pesquisa científica. O que eles fazem
é cumprir com uma determinada etapa de um projeto, sem saberem exatamente o porquê
de estarem fazendo o que fazem e sem questionar. De onde se conclui que o trabalho
desenvolvido por eles não é de pesquisa, mas meramente técnico, ou seja, eles cumprem
uma tarefa, nada a mais.
Com relação à importância da pesquisa na universidade, como ilustrado pelo diálogo
transcrito abaixo, foi levantada pelos participantes a questão da aplicabilidade de alguns
conhecimentos pesquisados.
C: (...). A pesquisa na Biologia é muito assim, pouca coisa você aplica. Eu mesmo, fiz
PIBIC
18
com diversidade de aranhas e ficava imaginando: ‘Mas no quê isso é relevante
concretamente?’ É bem claro, é conhecimento, é coisa de Ecologia, não tem nada no
Cerrado tal, mas... Sai do âmbito da Zoologia é isso: ‘O quê que isso faz diferença?’ (...),
fora da universidade pouca coisa da Biologia você aplica, mais as pesquisas do pessoal
que trabalha com Botânica, tipo com melhoramento genético, o pessoal da Embrapa. Isso é
uma coisa muito aplicada agora.
B: Pois é, mas é, eu também não acho muito certo a gente ficar perguntando o pra quê que
serve. É só fazer se tiver uma utilidade pro homem? (...). Se é pesquisa tem algo mais,
entendeu?!
C: (...), mas é um questionamento meu, por quê que eu não posso fazer alguma coisa que
tenha uma utilidade?
B: É porque é uma coisa que a sociedade cobra, né. (...).
(...)
B: (...). Acho que a pesquisa é isso mesmo, a gente não tem também que ficar só buscando
uma coisa pra você, entendeu?! ‘Eu só vou pesquisar se tiver uma utilidade pra mim’.
Senão perde o foco e acho que deixa de ser pesquisa, né. Se você fica só naquilo, ‘eu só
vou fazer alguma coisa que... Eu vou deixar de estudar isso aqui porque eu não tô vendo
uma importância nisso aqui agora’.
C: Claro que não, né?! (...), mas às vezes você pensa: ‘Mas o quê que eu tô produzindo?’
(...)
C: (...), mas por que não aplicar? (...).
B: Eu vejo (...) esse sentimento como uma coisa assim, (...) porque a sociedade também não
dá muita força pra gente.
C: Não tem essa integração.
Nota-se neste diálogo, o incômodo que os alunos sentem com relação à aplicabilidade
ou não dos conhecimentos produzidos nos projetos de pesquisa dos quais participam. Eles
sentem também a cobrança que a sociedade faz com relação a isto. A expectativa é de que
18
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.
100
os resultados obtidos sejam úteis, aplicáveis. É o retrato da mercantilização do
conhecimento na universidade.
As análises interpretativas aqui realizadas nos permitem ver como o primado da
prática se faz presente na universidade, em especial, nos cursos de formação de professores.
A valorização das atividades e dos conhecimentos aplicados, o modo como a pesquisa é
possibilitada aos alunos, a distância entre professores e alunos, a forma como as aulas são
dadas, nos revelam uma universidade escolarizada, como colocado por Bartholo Jr. (1992),
voltada para a capacitação profissional e não para a formação humanista do aluno, de
forma que ele possa, a partir dos conhecimentos oportunizados, pensar sobre as situações
do seu cotidiano e daí fazer opções de ação.
Após esta análise das informações obtidas com o questionário e com o grupo de
discussão, pergunta-se: de que maneira estas impressões corroboram e se articulam com a
reflexão apresentada anteriormente, quando se discutiu a trajetória que a instituição
universitária percorreu até constituir-se tal como a conhecemos hoje, a mercantilização do
conhecimento e a forma como esta se apresenta na universidade, em especial, nos cursos
de formação de professores?
101
V. DISCUSSÃO
Na análise documental feita no decorrer do trabalho, percebeu-se em alguns dos
documentos que estruturam o ensino superior brasileiro, em especial a universidade, uma
tendência de se contribuir com a perpetuação do sistema econômico vigente, o qual se
pauta em uma economia de mercado e que tem no conhecimento sua principal mercadoria.
Este apoio a mercantilização do conhecimento, presente no sistema de mercado, é
representado nos documentos analisados sob a forma de uma visão utilitarista, marcada
pela valorização da pesquisa na área científico-tecnológica, que seja capaz de produzir
patentes e/ou conhecimentos que possam ser diretamente comercializados. Além disso, há
uma preocupação em formar profissionais para prover o mercado de trabalho e, assim,
sustentar o atual sistema econômico.
Neste sentido, percebe-se por detrás destas prioridades, uma valorização de aspectos
práticos na formação universitária, tanto para a pesquisa como para o técnico profissional,
como se fez presente nas falas dos alunos já anteriormente apresentadas. Como forma de se
garantir o cumprimento destas metas escolariza-se a universidade, transformando-a em
uma escola técnico-profissionalizante, conforme colocado por Bartholo Jr. (1992). Além
disso, a instituição universitária passa a cumprir o papel de uma prestadora de serviços
para as empresas e fornecedora de produtos para a indústria. Esta preponderância da visão
utilitarista sobre o conhecimento também foi constatada pelo questionário e pelo grupo de
discussão. As informações obtidas pela pesquisa podem ser agrupadas em dois grandes
temas: a valorização da prática na formação universitária e a formação de professores, e o
papel que a universidade desempenha hoje.
1. A valorização da prática na universidade e a formação de professores
A valorização da prática aparece explicitamente nos depoimentos quando os alunos
consideram os estágios, as aulas práticas e as saídas a campo, como as atividades que mais
contribuem para a sua formação. Estas mesmas atividades aparecem nas sugestões para
reformulação do currículo, acrescidas pela solicitação de oficinas e cursos rápidos voltados
para o ensino de técnicas tanto pedagógicas como laboratoriais. Nas justificativas
apresentadas do porquê destas diversas atividades práticas serem consideradas tão
102
importantes, vê-se a sua associação com a realidade, como se sem elas esta estivesse
distante. Além disso, são relacionadas também a uma melhor aprendizagem e como forma
de se complementar os conhecimentos teóricos estudados em momentos anteriores. É
importante ressaltar que, ao referirem-se à sua formação, na maioria das vezes, esta é
direcionada para o aspecto profissional e, em alguns poucos relatos, à formação pessoal, no
sentido de se poder acumular mais conhecimentos. Porém, em nenhum momento há
referência a uma formação humanista geral voltada para o seu desenvolvimento como
sujeito, capaz de a partir dos conhecimentos oportunizados e de sua experiência vivida,
questionar a realidade que se lhe apresenta. É esta formação que o habilitará para a
diversidade de contextos que formam a realidade e não o ensino de técnicas, de
conhecimentos prontos nem atividades práticas que se resumem a momentos de aplicação.
A visão da prática como complemento da teoria pode, em um primeiro momento,
parecer estar relacionada à visão dissociativa entre teoria e prática, citada por Candau &
Lélis (1983) ao tratarem das diferentes formas de se entender a relação entre
conhecimentos teóricos e práticos. Segundo as autoras, há uma compreensão desta relação,
em que teoria e prática são vistas como separadas, porém justapostas. Nesta forma de
entender fica constituído um primado da teoria, pois a prática é considerada como um
complemento desta. Nesta visão, acredita-se também que os conhecimentos teóricos
deverão ser aplicados pela prática, portanto, esta seria um instrumento de aplicação teórica.
Entretanto, quando os participantes se referem a esta complementaridade, é no sentido
de valorizar a prática, pois ela é entendida como a que proporciona a melhor aprendizagem
e que os aproxima da realidade. Ela não é vista como uma ferramenta para aplicação da
teoria, pelo contrário, é o conhecimento teórico que serve como receita para a prática.
Portanto, não se verifica um primado da teoria, mas sim um primado da prática, pois a
teoria está a serviço dela.
Como as atividades práticas são valorizadas por possibilitarem uma melhor
aprendizagem, pois segundo os alunos permitem o contato com a realidade, elas são
consideradas como fundamentais para a formação profissional. E mesmo quando se
reconhece a importância da teoria, esta normalmente é relegada em nome da prática, sendo
considerada até mesmo como uma armadilha, devido a forma de trabalhar de alguns
professores ou como sem utilidade por conta do conteúdo de algumas disciplinas. No caso
da área pedagógica, esta valorização da prática se faz ainda mais presente, pois se
questiona a aplicabilidade dos conhecimentos teóricos trabalhados nas aulas e, defendem-
se os estágios supervisionados e as disciplinas de metodologia de ensino como as que
103
realmente contribuem para a formação, pois são as que permitem uma aproximação da
realidade e não ficam somente na teoria.
Esta preocupação com a aplicação dos conhecimentos teóricos, vistos nas disciplinas
pedagógicas, acaba por levar a um sentimento de descrença com relação às teorias que
apóiam a educação, pois se entende que teoria é prescrição e não um meio para reflexão.
Desta forma, a impressão que os alunos têm é de que o conhecimento teórico-pedagógico
não serve para nada e que, por isso, essas disciplinas deveriam ter o número de créditos
reduzido, aumentando no seu lugar as horas de estágios e/ou momentos de aplicação, como
observações ou atividades feitas junto às escolas. Associada a idéia de não aplicação das
teorias pedagógicas, está a compreensão de que para ser professor é preciso a prática, pois
é ela que permite um melhor aprendizado. Tal crença pode ser bem ilustrada pela resposta
dada por um dos participantes, ao ser questionado sobre quais das atividades desenvolvidas
no decorrer do seu curso de graduação, ele considerava como as que mais contribuíram
para a sua formação. Ele diz:
As atividades práticas, que simulem o que irei enfrentar caso vire professor. Isso porque o
excesso de teorias pedagógicas nos sobrecarregam, não sabemos que métodos aplicar. Se
eu fosse seguir uma pós-graduação em Educação, esse modelo seria ideal; mas, como eu
seria apenas professor, sinto uma dificuldade com a parte prática. São tantos métodos
psicopedagógicos que nos ensinam, que o que ocorre é: ou esqueceremos todos, ou não
saberemos como aplicá-los.
Segundo Candau & Lélis (1983) esta forma de entender a formação do professor
revela uma dissociação entre teoria e prática, onde esta última é vista como tendo uma
lógica própria que independe da teoria. Fato este, bem exemplificado no diálogo em que os
alunos afirmam que ao chegar em sala de aula, percebem que o conhecimento teórico visto
nas disciplinas pedagógicas não servirá para nada, pois a teoria é diferente da realidade.
Espera-se destes conhecimentos quase que um receituário para a prática, que eles sirvam
como ferramentas para solucionar os problemas do cotidiano escolar.
De acordo com Tunes & Carneiro (2002) é isto que leva os professores à frustração,
pois eles esperam que as teorias os ajudem a obter determinados resultados, mas como
estes não são alcançados, eles entendem que a teoria não lhes auxilia em nada. Novamente
colocam-se os conhecimentos teóricos a serviço da prática, sendo esta a mais valorizada.
Portanto, vê-se mais uma vez representado o primado da prática.
A forma como as disciplinas são trabalhadas também pode colaborar para esta visão
prescritiva sobre os conhecimentos teórico-pedagógicos. Um estudo feito por Silva (2003)
104
revelou que a disciplina Psicologia da Educação privilegia conhecimentos que estão
distantes da prática escolar, contribuindo para que os professores não associem o seu saber
docente com o saber científico produzido sobre o fazer docente. Segundo a autora, isto
ajudaria na manutenção de uma concepção instrumental sobre a formação do professor.
A noção da teoria como prescrição também está representada quando os alunos
questionam a validade, em termos de atualização, das linhas pedagógicas trabalhadas nas
disciplinas da Licenciatura. Assim, Piaget e Vigotsky, autores citados pelos participantes,
são considerados como ultrapassados e, por isso, não servem para o contexto educacional
atual. Esta forma de pensar revela a expectativa de que os conhecimentos produzidos pelos
teóricos sejam diretamente aplicáveis, e que sirvam para solucionar os problemas com os
quais o professor se depara em seu dia-a-dia escolar. Assim, os participantes defendem
uma atuação maior dos graduandos de Licenciatura nas escolas e uma redução no número
de disciplinas pedagógicas consideradas como teóricas.
Este aumento de horas para o estágio docente já foi instituído pela Resolução CNE/CP
2/2002, a qual determina que da carga horária de 2.800 horas previstas para os cursos de
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de Licenciatura
com graduação plena, 400 horas sejam destinadas ao (...) estágio curricular
supervisionado a partir do início da segunda metade do curso” (Art. 1º, inciso III).
Acrescenta ainda o parágrafo único da Resolução que, os alunos que já estiverem
exercendo regularmente a atividade docente na educação básica, poderão diminuir as horas
de estágio curricular supervisionado em até, no máximo, 200 horas.
Isto comprova que, assim como os alunos, para o Conselho Nacional de Educação
(CNE) o que importa na formação do educador são as horas de atividade prática e que estas
não precisam necessariamente de uma orientação. Tanto que se o aluno já exerce a
docência, ele pode reduzir pela metade o número de horas de estágio, pois já tem a
experiência prática, por isso não precisa de tanta orientação como aqueles que ainda não
têm tal vivência. Portanto, o que vale é estar em sala de aula atuando, a forma como essa
ação está sendo feita, não importa. Não se percebe uma preocupação com a sustentação
teórica desta ação, o que nos leva a ver que, nos próprios documentos que regulamentam
os cursos de Licenciatura, há uma tendência em se valorizar mais a prática,
subentendendo-se que os aspectos teóricos da formação são secundários.
Preocupa este entendimento de que a docência é ateórica e de que para ser professor é
preciso acima de tudo tempo de prática em sala de aula, pois tal crença limita o papel do
professor à transmissão de conteúdos, relegando-se o aspecto formador de sua ação. Com
105
isso, equivale-se a função do professor a de um técnico-especialista. Esta desqualificação
da ação docente também é ilustrada quando a maioria dos alunos assume que optou pela
Licenciatura devido a nota de corte no vestibular ser mais baixa, aumentando as
possibilidades de eles entrarem na universidade, e por ela ser uma segunda opção de
emprego, a qual eles não gostariam de recorrer e, se for preciso, que seja apenas em caráter
temporário.
A Licenciatura como segunda opção é reforçada pela própria estrutura do curso de
Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB). Segundo o “Manual do aluno de
Biologia 2003/2004”, a graduação em Ciências Biológicas oferece duas habilitações: o
Bacharelado e a Licenciatura. A modalidade Bacharelado habilita o aluno a atuar em todas
as atividades profissionais de responsabilidade de um biólogo, exceto as relativas ao
Ensino Fundamental e Médio , mais especificamente para a atividade de pesquisa, e que
sua formação deve ser complementada com cursos de Pós-Graduação. A Licenciatura
habilita o aluno para exercer a docência no Ensino Fundamental, além das outras
atividades profissionais do biólogo, dentre elas a pesquisa. Com relação ao currículo, a
Licenciatura engloba as disciplinas obrigatórias do Bacharelado, mais as psicopedagógicas
oferecidas pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de Psicologia, e as disciplinas de
Metodologia do Ensino e Estágio Supervisionado em Ciências e em Biologia, de
responsabilidade do Instituto de Ciências Biológicas (IB). Para que o aluno tenha as duas
habilitações ao mesmo tempo, ele precisa matricular-se nestas disciplinas a partir do
segundo semestre do curso.
A divisão em habilitações faz com que se divida a formação do biólogo em duas
frentes principais: aquele que pesquisa e aquele que leciona. Mesmo que o licenciado possa
atuar em outras atividades, inclusive a pesquisa, sua ação é limitada à docência, pois ele
não é visto como um pesquisador ou como um biólogo, ele é um professor. Denotando-se
aí, um sentimento de menos valia, presente na fala dos alunos e na estrutura do curso que
trata a formação em Licenciatura como uma complementação do Bacharelado. Isto
também é evidenciado nos relatos dos alunos ao afirmarem que optaram primeiro pelo
Bacharelado e depois se matricularam na Licenciatura, pois bastava fazer mais algumas
disciplinas para eles terem as duas habilitações.
Isto nos leva a alguns questionamentos: se a base curricular da Licenciatura é a mesma
do Bacharelado, acrescida das disciplinas psicopedagógicas, por que dividir o curso em
duas habilitações? Se o licenciado pode exercer todas as atividades cabíveis ao biólogo,
dentre elas a pesquisa, por que distinguir entre o bacharel (pesquisador, biólogo) e o
106
professor? Esta distinção não está presente somente na estrutura do curso de Ciências
Biológicas, as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais separam dos cursos superiores as
Licenciaturas. No caso, há as Diretrizes para o curso de Ciências Biológicas (CNE/CES
1.301/2001) e para a Formação de Professores (CNE/CP 1/2002), sendo que esta última
atende a todas as Licenciaturas.
Na verdade, ao fazermos o retrospecto histórico sobre a formação de professores no
Brasil, vemos que esta separação entre Bacharelado e Licenciatura data de 1939, quando a
Faculdade Nacional de Educação foi transformada em duas seções da Faculdade de
Filosofia. Na seção de Pedagogia formavam-se os bacharéis e na seção de Didática
habilitava-se para o magistério de ensino secundário. Segundo Pereira (1999), nestes
cursos o professor era visto como um técnico especialista que aplicava em sua prática, os
conhecimentos científicos e pedagógicos adquiridos no decorrer de sua formação. Por
conta desta aplicação, os cursos de formação eram constituídos por disciplinas científicas e
pedagógicas, cujos conhecimentos vistos eram aplicados quando os alunos realizavam o
Estágio Supervisionado. Com relação ao currículo, as disciplinas específicas da área eram
de responsabilidade dos institutos correspondentes, as pedagógicas das Faculdades de
Educação e os estágios supervisionados ocorriam no final do curso.
Comparando-se este quadro apresentado com a organização curricular do curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), deduz-se que, no
decorrer do tempo houveram poucas mudanças com relação à formação de professores.
Além disso, percebe-se que a limitação da formação docente ao aspecto técnico, separado
da pesquisa e com um viés utilitarista em que o papel do professor é aplicar os métodos
aprendidos na teoria, faz parte da estrutura da universidade brasileira. Como visto em
Freitas (2002) e Facci (2004), apesar de nos anos de 1980 ter-se tentado um rompimento
com este tecnicismo acerbado, ele nunca foi eliminado dos cursos de formação de
professores. Na década de 1990, contribuíram para a sua permanência, a maior presença do
neoliberalismo e a forte influência dos organismos internacionais sobre a educação do país,
fazendo com que a concepção tecnicista ganhasse nova força (Bueno, 2004). Relembrando
Maués (2003), a ênfase na formação dos professores passou a ser no aspecto prático, pois
assim ela estaria mais próxima da realidade e das necessidades sociais e educacionais. O
argumento era de que os cursos de formação de professores estavam muito teóricos, por
isso defendeu-se um aumento na carga horária das disciplinas práticas para, assim, o
docente ser mais bem formado. Esta perspectiva com relação à formação dos professores
107
foi oficializada no artigo 65 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº
9.394/96), nas Resoluções CNE/CP 1/99, CNE/CP 1/2002 e CNE/CP 2/2002.
Deduz-se, portanto, que a crença dos alunos do curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas de que é na prática que eles aprendem e que por isso é necessário um maior
número destas atividades, tem respaldo na própria estrutura da universidade, que é
organizada segundo as determinações previstas pela legislação educacional, elaborada
pelos órgãos que representam o Governo Federal.
2. O papel da universidade hoje
A mais valia das atividades práticas e a crença de que elas podem oportunizar um
melhor aprendizado, aparece também quando os alunos avaliam a formação que até aquele
momento receberam na universidade. Independente do parecer positivo, negativo ou da
abstenção de opinião, as atividades práticas, no caso, os estágios, saídas a campo e a
participação em congressos, foram consideradas como as experiências mais marcantes por
permitirem um maior contato com a realidade. De onde podemos deduzir que para eles o
que é visto teoricamente está distante do contexto real. Mesmo quando se consideram os
conhecimentos adquiridos como experiências marcantes, estes são vistos em termos
quantitativos, considerados importantes profissionalmente e não como momentos que
contribuíram para a sua formação como pessoa. Tanto que a quantidade de conhecimentos
adquiridos foi considerada pela maioria como um dos fatores positivos da sua formação.
Portanto, mesmo quando se considera o conhecimento, este não é visto pela sua
importância em si, mas pela sua quantidade. Somando-se a isto a importância dada à
prática, verifica-se que não há uma valorização da busca pelo conhecimento, independente
de sua aplicabilidade. Ao contrário, o que se busca e se valoriza é o conhecimento útil que
pode ser aplicado. Isto se verifica, de igual maneira, quando os participantes relatam as
expectativas que tinham quando iniciaram o curso de graduação. Ao registrarem que
esperavam um maior aprofundamento dos conhecimentos em Biologia e uma maior
aprendizagem, eles referiram-se à quantidade de informações e não à busca pelo
conhecimento que os ajudariam a pensar o mundo e, assim, poder posicionar-se diante dele
e não apenas repetir o que já está estabelecido.
Retomando o que discutimos em nosso referencial sobre a relação entre o utilitarismo
e o conhecimento, vimos que o domínio das máquinas especializadas e o estabelecimento
108
da economia de mercado, conseqüentes da Revolução Industrial, levaram a criação das
mercadorias fictícias terra, trabalho e dinheiro, ocasionando uma arrasadora transformação
social (Polanyi, 2000). No contexto destas transformações sociais, segundo Bartholo Jr.
(1986), a forma do homem compreender o mundo mudou, fazendo com que a busca da
Ciência pelo saber deixasse de ter por objetivo responder o “por que” das coisas e passasse
a procurar pelo “como” fazer. Assim, a busca da verdade pela Ciência vinculou-se a um
saber que visava o domínio e o controle da natureza. Com isso, foram estabelecidos novos
parâmetros científicos, dentre eles a quantificação e a aferição. Como conseqüência, a
natureza começou a ser vista de forma quantitativa e a sua valoração pelo homem passou a
fazer parte de um projeto de dominação e uso do ambiente. Esta concepção quantitativa
sobre a natureza aliada a busca pelo lucro, característica da economia de mercado, fez com
o valor da funcionalidade e da lucratividade preponderasse. A busca pelo lucro fez com
que atividades antes desempenhadas pelos homens fossem transferidas para as máquinas,
pois estas eram mais eficientes do que o ser humano. Assim, o trabalho foi dividido em
partes, e o trabalhador deixou de dominar o processo de produção para participar de apenas
parte dele. Desta forma, separou-se o trabalho manual do trabalho intelectual e a técnica
deixou de se pautar no acúmulo de experiências para basear-se no pensamento racional, de
modo que o “fazer técnico” passou a ser subordinado ao “pensar científico”. A
subordinação do “fazer” ao “pensar” contribuiu para a valorização do conhecimento
científico, levando dentre outras conseqüências, a busca por teorias “aplicáveis”, ou seja,
que servissem a uma prática.
Esta servidão da teoria à prática apresenta-se neste estudo sob duas formas. Uma delas
é a valorização das atividades práticas na formação universitária, presente na fala dos
participantes e no teor de alguns dos documentos analisados responsáveis pela estruturação
da universidade. O objetivo desta valorização seria formar profissionais para prover o
mercado de trabalho e assim sustentar a economia de mercado vigente. A outra forma é a
preocupação em se produzir conhecimentos úteis, presente também nos relatos dos alunos
e nas leis que regulamentam e incentivam a pesquisa na universidade, e defendem a sua
parceria com empresas privadas, tendo por objetivo a produção de conhecimentos que
sirvam como mercadoria.
O objetivo da formação profissional para o mercado de trabalho é compartilhado pelos
alunos, quando consideram quais eram as suas expectativas quando iniciaram o curso
universitário. Segundo eles, esperavam ser preparados para o mercado de trabalho e para a
pesquisa, o que demonstra uma visão de universidade como um espaço de formação
109
profissional. Mesmo os participantes que consideraram a formação para pesquisa, esta é
vista sob o aspecto profissional, ou seja, o foco não é a atividade de pesquisa como busca,
como questionamento da realidade, mas o desejo de se tornar um pesquisador para o
mercado do trabalho. Portanto, permanece a preocupação com o aspecto profissional, o que
denota que as expectativas dos alunos são todas voltadas para uma aplicação, ou seja, eles
esperavam ser preparados para atuarem profissionalmente. Não havia a expectativa de uma
formação pessoal sem um objetivo externo ao próprio indivíduo. O que importava era estar
preparado tecnicamente para exercer uma função fosse ela como pesquisador, professor ou
outra forma de atuação profissional.
A preocupação com a formação profissional, no sentido de se conseguir uma boa
colocação futura no mercado de trabalho, também aparece como justificativa para a
importância de se cursar o ensino superior. Isto reforça a presença de uma visão utilitarista
sobre a formação universitária, pois a preocupação é a formação técnica com o objetivo de
se conseguir um bom emprego. Ao mesmo tempo, revela-se a redução do papel da
universidade ao de uma escola técnico-profissionalizante, ou seja, ela tal como é vista, não
ultrapassa os limites de uma escola. A nossa universidade hoje é escolarizada, uma
continuação do ensino secundário.
A escolarização da instituição universitária nos faz pensar sobre o papel
desempenhado por ela atualmente. Neste sentido, vale retomar alguns aspectos já
discutidos anteriormente, quando situamos a universidade na sociedade de mercado.
Segundo Goergen (1998), a partir do século V, criaram-se instituições que tinham por
objetivo produzir Ciência e transferi-la para a prática, pois se considerava que esta era a
única forma do ser humano acessar a realidade. A partir daí, a Ciência passou a ser
relacionada com desenvolvimento e progresso, e valorizada pela praticidade de seus
resultados. Com o tempo, a universidade acabou incorporando este “sentido prático do
saber”, transformando-se em uma unidade produtora de conhecimentos úteis e de formação
de profissionais treinados para atuarem em um mundo modelado pela Ciência e pela
tecnologia. Com o neoliberalismo, já nos dias atuais, a Ciência foi tomada como uma
ferramenta dentro do sistema político-econômico para aumentar e justificar o lucro, pois os
países que detêm o conhecimento lideram a economia mundial. Assim, como coloca Tunes
(2005), a universidade atual tem um papel semelhante ao das indústrias têxteis na
Revolução Industrial, ou seja, a geração de produtos que mantenham a economia de
mercado, representados atualmente pelo conhecimento e pela mão-de-obra especializada.
Funções estas bem diferentes das propostas por Humboldt em seu projeto universitário.
110
De acordo com Bartholo Jr. (1992; 2001), a proposta de Humboldt não veio com o
objetivo de reformar a universidade da época, início do século XIX, marcadamente
iluminista e voltada para o utilitarismo da prática científica. O que ele propunha era uma
nova concepção de universidade, voltada para a reflexão filosófica, para a eterna busca
pelo conhecimento. Um local onde o conhecimento produzido não seria restrito a alguns
nem simplesmente transmitido, pois o objetivo não seria a posse da verdade por meio do
conhecimento, mas sim a busca pela verdade. Sendo assim a quantidade de conhecimentos
adquiridos não importaria, pois as pessoas que ali conviveriam não estariam interessadas
em acumular conhecimentos, mas em buscá-los. Por isso estariam na universidade
voluntariamente, o que permitiria uma relação de cooperação entre professores e alunos.
Segundo Humboldt (1997), é este tipo de relação professor/aluno que diferencia a
universidade da escola, pois nesta última o objetivo seria a transmissão de conhecimentos
prontos.
Conclui-se que a aprendizagem oportunizada na concepção humboldtiana de
universidade, não seria voltada para a formação técnico-profissionalizante, pois a
aprendizagem não estaria associada à transmissão, acúmulo e repetição de conhecimentos,
nem ao pragmatismo característico da visão utilitarista. Aliás, o objetivo da universidade
não seria somente a aprendizagem do aluno em si, mas a formação deste como pessoa, ou
seja, uma formação humanista geral. Professores e alunos estariam unidos pela Ciência,
pela eterna busca do conhecimento e da verdade, e não pela mera aquisição dos
conhecimentos necessários para exercerem uma profissão. Na universidade humboldtiana
formar-se-iam pessoas e não técnicos, pois conforme Humboldt (1997), a sua função seria
o desenvolvimento da Ciência e a produção do conteúdo responsável pela formação
intelectual e moral. Lembrando que este conteúdo não poderia ser algo imposto ao
indivíduo por alguma intenção externa a ele.
Em vista do exposto, reiteramos nossa afirmação anterior de que a universidade hoje é
escolarizada. Pode-se verificar isto no relato dos participantes quando eles comentam o
modo como as disciplinas são trabalhadas, onde a cobrança dos professores é pautada na
simples repetição da matéria transmitida, com foco no cumprimento da ementa. O mesmo
se observa na forma como os seminários são propostos aos alunos, cujo objetivo não os
diferencia em nada de outras aulas. Isto demonstra a não preocupação com a formação da
pessoa-aluno, mas sim com a quantidade de conhecimentos que serão transmitidos a ele.
A falta de atividades de pesquisa nas disciplinas de forma a unir pesquisa e ensino, a
dificuldade de acesso dos alunos aos professores, os problemas com a pouca oferta de
111
créditos e de vagas nas disciplinas, trazem à tona um contexto universitário em que a
formação do aluno não é a prioridade, a não ser no nível técnico-profissional, por isso a
centralização na transmissão de conhecimentos. Como conseqüência, verifica-se um
distanciamento entre professores e alunos, de forma que se torna difícil a possibilidade de
uma formação humanista geral.
A falta de uma relação de cooperação entre aluno e professor e a escolarização da
universidade, revela-se até mesmo nas atividades de pesquisa realizadas pelos alunos nos
estágios em que participam como voluntários. Verifica-se que eles participam dos projetos
de pesquisa como executores, estão lá para fazer e não para pensar ou questionar. São
delegadas determinadas funções e eles as cumprem. Novamente percebe-se que não há
uma busca pelo conhecimento, pois a pesquisa para eles se resume a atividades técnicas, o
que pode levar ao desenraizamento da atividade científica ali oportunizada, pois ela torna-
se externa ao indivíduo, algo do qual ele participa, mas permanece como um estranho no
processo. Ele faz o que lhe dizem para fazer, mas não sabe porquê fazer aquilo. Não há
uma noção do todo, tanto que eles não percebem a metodologia científica no contexto da
pesquisa, pois não participam da totalidade do processo, apenas de uma parte dele. É o
primado da prática representado pela Ciência que, segundo Bartholo Jr. (1986) busca o
“como” e o “para que”, não o “por que” das coisas.
Esta concepção utilitarista de Ciência é revelada no diálogo entre os participantes, em
que eles revelam a angústia que sentem com relação ao objetivo das pesquisas que fazem e
à cobrança que sentem da sociedade com relação a estas atividades. O questionamento
feito por uma das alunas sobre a aplicabilidade e a relevância concreta da pesquisa em
Biologia, o incômodo por não fazer algo útil ou com alguma aplicação, demonstra
claramente a preocupação com a utilidade, com o fim prático, com um produto que sirva
para algo, que faça alguma diferença. A pesquisa com o objetivo de se buscar o
conhecimento sem uma finalidade que possa ser aplicada, não é compreendida. Exemplo
disso é o projeto que uma das alunas desenvolveu no PIBIC
19
, e sobre o qual ela se
questionava: “É bem claro, é conhecimento, é coisa de Ecologia, não tem nada no Cerrado
tal, mas... Sai do âmbito da Zoologia é isso: ‘O quê que isso faz diferença?’ (...)”.
Esta preocupação em se fazer uma pesquisa aplicada está em consonância com o
Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (lei nº
10.168/00), que estimula programas de cooperação entre universidade e o setor privado,
19
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.
112
com vistas a pesquisas científico-tecnológicas que propiciem a transferência de tecnologia
e a exploração de patentes ou uso de marcas. Além disso, estes contratos universidade-
empresa também abarcam o fornecimento de tecnologia e a prestação de assistência técnica.
Há outros documentos já apresentados no decorrer de nossa reflexão, que também dão
relevada importância à pesquisa aplicada, dentre eles o atual Anteprojeto de Lei da
Reforma da Educação Superior
20
, que delega à universidade o papel de integrar o país no
mundo globalizado, como uma nação que produz conhecimentos e tecnologia e não apenas
os consome; o Plano Nacional de Pós-Graduação, proposto neste Anteprojeto, que
considera como sendo necessário incentivar, especialmente, as áreas do conhecimento que
atendam as necessidades de política industrial e comércio exterior, de forma a aumentar a
competitividade nacional. Conjuga-se com este Plano de Pós-Graduação, o estabelecido
pela Lei de Incentivo à Inovação e à Pesquisa Científica e Tecnológica (lei nº 10.973/04)
que prevê medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científico-tecnológica no ambiente
produtivo, com o objetivo de capacitar o país a alcançar a autonomia tecnológica e o
desenvolvimento industrial. Para isto, permite-se que a instituição científica tecnológica,
no caso a universidade, firme contratos que visem a transferência de tecnologia e o
licenciamento para concessão de direitos de uso ou de exploração de criação desenvolvidos
por ela.
Portanto, o papel da universidade hoje é o fornecimento de dois produtos:
conhecimentos que possam servir como mercadoria, portanto úteis, e para isso ela tem a
possibilidade de poder contar com a parceria das instituições privadas e com o aval e
incentivo do Governo Federal; e mão-de-obra especializada que possa atender às demandas
da economia de mercado institucionalizada e assim garantir a permanência do atual sistema
político-econômico. A mercantilização do conhecimento, representada por uma visão
utilitarista que valoriza a prática constituindo-a em um primado, não somente faz parte da
estrutura da universidade, como direciona suas ações, desvirtuando-a em uma escola
técnico-profissionalizante. Fato este comprovado pelos depoimentos dos alunos tanto no
questionário como no grupo de discussão e que responde à questão proposta neste estudo,
ou seja, como se movimenta a tendência de valorização dos aspectos práticos na formação
docente e, ainda mostra de que forma dicotomiza-se a teoria e a prática, as quais deveriam
ter uma concepção de unidade.
20
Versão oficial de 29 de Julho 2005.
113
Assim, concluímos que os pressupostos presentes nos documentos oficiais que
estudamos, os quais promovem e institucionalizam o mercado do conhecimento, fazem-se
presentes também no próprio contexto universitário. A visão utilitarista sobre o
conhecimento que permeia estes documentos, representada pelo incentivo a pesquisas que
gerem produtos e patentes e pela preocupação em formar profissionais para alimentar o
mercado, é evidenciada nos relatos dos alunos.
Por conseguinte, a valorização que os estudantes dão aos aspectos práticos de sua
formação e a cobrança que fazem junto aos professores por mais atividades práticas, menos
teorias e mais conhecimentos aplicados, é fomentada e compartilhada pela forma como a
instituição universitária é organizada, gerida e sustentada pelos órgãos federais. A
mercantilização do conhecimento, o primado da prática e o seu utilitarismo cerceante
fazem parte de uma instância maior chamada economia de mercado. Este sistema
econômico que nasceu com a Revolução Industrial, ganhou dimensão global e dominou o
comércio entre os países, estabelecendo uma nova categorização entre eles: as nações que
produzem conhecimento, o comercializam e tornam-se soberanas; e aquelas que somente o
compram e permanecem submissas.
Na ânsia de tornar o Brasil um país do bloco dos poderosos, promove-se uma política
desenvolvimentista que transforma nossos centros de pesquisa, dentre eles a universidade,
em fábricas de conhecimentos. No caso das instituições universitárias, a situação torna-se
mais alarmante, pois se soma ainda, a responsabilidade pela formação de pessoas que
sirvam de massa para o mercado institucionalizado e o façam funcionar. Neste aspecto, os
cursos de formação de professores podem estar contribuindo para a manutenção do
processo de mercantilização do conhecimento, pois são orientados sob a primazia da
prática, representada pela busca por um conhecimento aplicado e pela crença de que a
formação docente resume-se ao ensino de técnicas.
114
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretendia-se com este estudo colaborar para uma reflexão sobre a universidade atual,
enfocando as concepções presentes em seu contexto que fomentam e perpetuam uma visão
utilitarista sobre o conhecimento, representada pela valorização, por parte dos alunos, dos
aspectos práticos de sua formação. Para isso, fez-se uma retrospectiva histórica dos
caminhos percorridos pela universidade, desde os filósofos gregos dos séculos VI e V a.C.
até esta se constituir como a instituição que conhecemos hoje. Neste longo caminhar, a
busca e a transmissão de conhecimentos sempre esteve presente, mas sob diferentes
enfoques.
No caso da universidade brasileira, de história mais recente, podemos perceber uma
certa constância com relação ao papel a ela proposto nos vários momentos de sua trajetória.
Analisando-se o seu percorrer, vê-se que ela sempre esteve voltada para a formação
profissional. No período colonial, as Academias Reais formavam os profissionais
necessários para o estabelecimento da Coroa na colônia. Com a República vieram as
faculdades, mas o enfoque na profissionalização permaneceu, diferenciando-se apenas pela
liberação do ensino superior à exploração privada. Em 1920, oficializava-se a
Universidade do Rio de Janeiro, primeira instituição universitária do país, e com ela
iniciaram-se as discussões acerca da função da universidade, se pesquisa ou se formação
profissional. Tal debate permanece até os dias atuais, assim como, a prioridade à formação
de profissionais. Apesar das reformas e discussões realizadas nesses 86 anos de caminhada
da instituição universitária brasileira, vemos que determinadas concepções sobre o seu
papel não mudaram, mostrando a constante presença de um viés utilitarista sobre as suas
funções, representado pelo seu direcionamento a profissionalização.
Na análise documental realizada constatou-se que esta visão utilitarista se faz presente
em diversos documentos que compõem a legislação educacional, e que interferem na
estrutura das instituições universitárias. Este enfoque utilitarista foi reforçado nos anos de
1990, com o estabelecimento das políticas neoliberais e a institucionalização de uma
economia de mercado baseada na mercantilização do conhecimento.
Neste sistema de mercado mundial, os países que mais produzem conhecimentos
capazes de gerar produtos e/ou patentes são aqueles que detêm o poder sobre as outras
nações que não produzem ou que o fazem em menor escala e, por isso, são obrigadas a
115
comprar os conhecimentos de que necessitam. Portanto, o conhecimento hoje é
responsável pela condição de soberania dos países. Neste contexto, a universidade tem um
papel central, a responsabilidade pela produção destes conhecimentos aplicados, ou seja,
úteis e comercializáveis. Para sustentar esta economia de mercado é preciso que haja mão-
de-obra disponível e devidamente capacitada para exercer diferentes funções no mercado
de trabalho. Aí novamente a universidade se faz primordial, pois ela permaneceu
responsável pela formação profissional.
Para garantir que os indivíduos procurem tal capacitação, criou-se a apologia do
“cidadão produtivo”. Assim, todos precisam adentrar no mercado de trabalho para serem
úteis à sociedade. Como a competitividade faz parte deste mercado, quem estiver mais bem
preparado terá mais chances de sucesso, por isso cursar o ensino superior tornou-se uma
necessidade, já que se acredita que é nas instituições superiores que a pessoa terá uma
preparação mais adequada. Entretanto, como o valor que rege o sistema de mercado é o do
utilitarismo, os profissionais necessários ao mercado são aqueles formados para
produzirem, portanto, para serem úteis. Em vista disso, valoriza-se a parte prática da
formação profissional, pois é nela que o aluno vai aprender a fazer, a produzir. Assim,
aprovam-se leis, decretos e resoluções que garantam tanto a produção de conhecimentos
úteis, por meio do incentivo à pesquisa aplicada e às parcerias universidade-empresa,
quanto a formação profissional voltada para os aspectos práticos.
Os alunos que cursam a universidade fazem parte desta sociedade de mercado,
portanto, os princípios que a regem fazem parte da “formação cidadã” destes estudantes.
Quando eles entram para o ensino universitário, buscam que as expectativas constituídas
em seu ambiente social sejam atendidas. Como a maioria dos estudantes espera ser
formada para atuar no mercado de trabalho e assim tornar-se útil, os alunos cobram em sua
formação profissional, atividades práticas, úteis, que lhes prepare para a realidade que vão
encontrar e não uma formação que lhes permita pensar para atuar bem. Desta maneira,
formam-se professores para situações padrão e não para a diversidade de contextos
presentes na realidade. Assim, institui-se na universidade o primado da prática, onde o que
importa é o saber fazer. Entretanto, como o mercado é mais dinâmico do que a estrutura da
universidade, por mais que ela seja organizada e legislada para corroborar com ele, não
consegue acompanhá-lo, o que leva os estudantes a terem a impressão de que a
universidade está fora da realidade.
Não se questiona aqui a validade e a importância da formação prática. Compreende-se
e defende-se a sua essencialidade para a formação profissional. O que se levanta é a
116
primazia dada a ela, como se somente a prática bastasse em uma formação. O mesmo
ocorre com o incentivo, por parte do Governo Federal, às parcerias universidade-empresa e
às pesquisas aplicadas que gerem produtos e/ou patentes para serem comercializados e,
assim, promover o desenvolvimento do país. Tais parcerias e pesquisas são fundamentais
para o crescimento econômico de uma nação. O problema é dar-se prioridade a
determinadas áreas da pesquisa científica, as quais julga-se que possam contribuir para o
progresso do país, e relegar os outros campos como se o conhecimento produzido por eles
fosse irrelevante.
Com relação ao papel que a universidade desempenha atualmente, consideram-se
como suas funções sim, a formação profissional e o desenvolvimento de projetos de
pesquisa aplicada. O problema é restringir sua ação a estas duas frentes. A universidade,
como qualquer instituição de ensino, é responsável também pela formação do aluno como
pessoa. Não se defende aqui um modelo universitário humboldtiano, mas admite-se que os
princípios da proposta de Humboldt, como “solidão e liberdade”, “busca pelo
conhecimento” e uma formação humanista, podem nos ajudar a pensar em como a
universidade brasileira foi estruturada, nas possibilidades que lhe foram negadas e como
ela dificulta a atuação em um mundo diverso.
Retornando à questão norteadora deste estudo, concluímos que as concepções
presentes na universidade, que dão movimento à tendência de se valorizar mais os aspectos
práticos da formação profissional, estão diretamente associadas ao processo de
mercantilização do conhecimento. Portanto, uma visão utilitarista e imediatista
representada pela valorização da prática como a forma de melhor aprendizagem e de
capacitação técnica para o mercado de trabalho, e pela preocupação em se fazer pesquisas
cujos resultados possam ser diretamente aplicados.
Não se espera com este trabalho a exaustão do assunto. O contexto universitário
possibilita muitas outras reflexões, por isso, ao finalizar este estudo alguns pontos ficam
em aberto à espera de mais contribuições. Vê-se como importante um aprofundamento a
respeito das relações entre teoria e prática, principalmente sobre a dimensão unitária entre
elas e a concepção de que esta unidade é o caminho para uma mudança social. Outra
questão pertinente refere-se à extensão universitária como prestação de serviços à
comunidade e, ao modo como as políticas de inclusão social estão sendo implementadas.
De que forma esta compreensão sobre a extensão universitária e sobre a inclusão dos
menos favorecidos se articulam com os princípios da economia de mercado vigente?
117
Com relação à formação de professores, também ficaram questões em aberto.
Considerando-se como ela é vista pelos alunos de Licenciatura, associada às suas
expectativas por uma formação essencialmente prática e o lugar que a docência ocupa no
rol de possibilidades destes estudantes e no currículo dos cursos, questiona-se: Que
docente é este que está sendo formado pelas universidades? De que maneira a formação de
professores estruturada segundo os princípios da economia de mercado atual, pode
influenciar no sistema de ensino fundamental e médio? Devem estes níveis de ensino, por
meio da ação docente, serem utilizados como espaços para a reprodução de concepções
utilitaristas e assim garantir a manutenção de um mercado do conhecimento? Dependendo
da reflexão que este estudo oportunizou a cada um que o leu, outras questões podem ser
levantadas, inclusive uma continuação do próprio trabalho.
Não fez parte desta pesquisa o objetivo de que ela sirva para ser aplicada de alguma
forma, seja para novos projetos ou como possibilidade de solução para os problemas
contemporâneos do contexto universitário. Não se propõe com este trabalho nenhum
modelo, muito menos uma solução para as questões relacionadas com o ensino
universitário brasileiro. Como dito anteriormente, nos movimentamos no sentido de trazer
uma contribuição para a análise de uma questão crucial vivida pela universidade em nossos
dias. Isto sim desejamos ter possibilitado.
118
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Campinas: Papirus, 2003 p.65-93.
WEBER, Silke. Como e onde formar professores: espaços em confronto. Educação &
Sociedade, ano XXI, nº70, Abril/2000. p.129-155.
WEIL, Simone. O enraizamento. Bauru, SP:EDUSC, 2001.
125
ANEXOS
126
ANEXO 1
O QUESTIONÁRIO APLICADO
127
Caro (a) aluno (a):
O presente questionário faz parte de uma pesquisa de mestrado, voltada para conhecer as
concepções dos alunos com relação a seu curso de graduação e à universidade. Sendo assim,
solicitamos sua colaboração respondendo as perguntas abaixo relacionadas, ajudando-nos em nosso
estudo.
Agradecemos sua atenção e colaboração.
INFORMAÇÕES PRELIMINARES
1. Nome: _______________________________________________________________________
2. Curso de graduação: _______________________________________________ 3. Semestre: ___
4. Turno: £ Diurno £ Noturno
5. Faixa etária: £ 18-20 £ 21-23 £ 24-26 £ 27-29 £ 30 anos ou mais
VOCÊ E SEU CURSO DE GRADUAÇÃO
6. Ao iniciar a sua graduação, quais expectativas você tinha com relação ao seu curso? Elas se
cumpriram ou estão sendo cumpridas? Por que considera assim?
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7. Por que você optou pela licenciatura?
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128
8. Das atividades desenvolvidas no seu curso, quais você considera que mais contribuem para a sua
formação? Por que?
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9. Que outras atividades você gostaria de ver implementadas no seu curso objetivando sua
formação?
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10. Se você fosse reformular o currículo do seu curso de graduação, incluindo disciplinas e
atividades desenvolvidas, que mudanças faria?
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_______________________________________________________________________________
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VOCÊ E A UNIVERSIDADE
11. Ao entrar em um curso superior, quais expectativas você tinha com relação à universidade?
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12. Qual a importância de se cursar o ensino superior?
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13. Como você avalia a formação oportunizada a você pela universidade? Justifique sua resposta,
caracterizando esta formação em termos de identificar, quais as experiências acadêmicas que foram
importantes e marcantes.
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130
14. Como você pensa a vida pós-universidade? Que possibilidades e limites você pode perceber
hoje?
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Agradecemos sua participação!
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ANEXO 2
RELAÇÃO DE TEMAS PARA O GRUPO DE DISCUSSÃO
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RELAÇÃO DE TEMAS PARA O GRUPO DE DISSCUSÃO
O papel da universidade hoje.
A pesquisa na universidade.
Expectativas com relação à universidade e ao curso.
Mudanças no currículo atual.
Como aproximar teoria da prática?
Perspectivas para o futuro.
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