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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU
FACULDADE DE GESTÃO E NEGÓCIOS − FAGEN
JACQUELAINE FLORINDO BORGES
AS MENSAGENS ESTRATÉGICAS DAS
“MELHORES E MAIORES”:
A RETÓRICA DAS ORGANIZAÇÕES NA WEB
UBERLÂNDIA
2005
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Jacquelaine Florindo Borges
AS MENSAGENS ESTRATÉGICAS DAS
“MELHORES E MAIORES”:
A RETÓRICA DAS ORGANIZAÇÕES NA WEB
Dissertação apresentada à Faculdade de Gestão e
Negócios FAGEN da Universidade Federal de
Uberlândia UFU como parte integrante para a
obtenção do Título de Mestre em Administração.
Orientador: Prof. Dr. Valdir Machado Valadão Júnior
UBERLÂNDIA
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
B732m
Borges, Jacquelaine Florindo
As mensagens estratégicas das “melhores e maiores” : a retórica das
organizações na WEB. - Uberlândia, 2005.
163f.
Orientador: Valdir Machado Valadão Júnior.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Progra-
ma de Pós-Graduação em Administração.
Inclui bibliografia.
1. Comunicação nas organizações - Teses. 2. Comportamento organi-
zacional - Teses. 3. Cultura organizacional - Teses. 4. Ideologia e comu-
nicação - Teses. 5. Administração - Teses. I. Valadão Júnior, Valdir Ma-
chado. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Gradu-
ação em Administração. III. Título.
CDU: 65.012.45 (043.3)
Jacquelaine Florindo Borges
As mensagens estratégicas das “Melhores e Maiores”:
a retórica das organizações na WEB
Dissertação apresentada à Faculdade de Gestão e
Negócios FAGEN da Universidade Federal de
Uberlândia UFU como parte integrante para a
obtenção do Título de Mestre em Administração.
Área de concentração: Gestão de Negócios e Marketing.
Linha de pesquisa: Estratégia, Educação para o
Trabalho e Aprendizagem Organizacional.
Aprovada em : 28 / 02 / 2005
_______________________________________
Prof. Dr. Valdir Machado Valadão Júnior − Orientador
Universidade Federal de Uberlândia − UFU
_______________________________________
Prof. Dr. Ricardo Roberto Behr
Universidade Federal do Espírito Santo − UFES
_________________________________________
Prof. Dr. Edison Mello Júnior
Universidade Federal de Uberlândia − UFU
AGRADECIMENTOS
Para a realização desta pesquisa tive a boa sorte de contar com muitos amigos e
colegas que apoiaram e incentivaram este trabalho.
No decorrer das aulas e do curso, recebi o apoio dos colegas e professores e
beneficiei-me da paciência com que cada um deles se dispôs a ouvir e discutir minha proposta
de pesquisa. Também recebi o apoio de amigos e colegas da Faculdade Politécnica de
Uberlândia. Agradeço imensamente aos mantenedores desta instituição pela bolsa de estudos
que me foi concedida durante o período em que me dediquei ao curso.
Sou grata à Cecília, Cintia, Rodrigo, Rosana, Selma por seus conselhos, idéias e
incentivo. Tenho muito a agradecer ao Prof. Valdir pela paciência e dedicação com que me
orientou a realizar este trabalho. À minha família, pelo apoio emocional e compreensão em
todos os momentos.
O regresso ao começo não é um círculo vicioso, se a viagem significa
experiência, donde se volta mudado.
Edgar Morin
RESUMO
O uso da Internet é crescente, desde os anos 90, como meio pelo qual empresas, governos e
instituições diversas vêm se comunicando. A comunicação, também, tornou-se elemento
estratégico para as organizações que, num contexto globalizado e interconectado, têm mais
visibilidade perante diferentes públicos e sua legitimidade passa a ser avaliada pela capacidade
de responder às necessidades, interesses, valores, desejos e sonhos desses públicos. As
mudanças no contexto dos negócios decorrentes também da própria concorrência capitalista,
desde os anos 70, têm apresentado diferentes desafios para as organizações. Esta pesquisa
trata de como as empresas brasileiras indicadas “Melhores e Maiores” de 2004 constroem
retoricamente sua legitimação por meio de discurso em seu web site. O discurso é um dos
meios de que as empresas dispõem para influenciar e exercer efeitos construtivos sobre o
ambiente e, ao mesmo tempo, é moldado pelo contexto histórico-social. As empresas
enfrentam situações de incerteza, de conflito e desequilíbrio entre o modo como são
percebidas, entendidas e acreditadas e a maneira como gostariam que fossem percebidas. O
objetivo desta pesquisa é analisar como o discurso das empresas em seu web site mobiliza
elementos retóricos, simbólicos e ideológicos para legitimar a sua existência e de suas
atividades no atual ambiente de negócios. A análise das afirmações autodescritivas das
empresas pesquisadas é conduzida a partir da perspectiva social-crítica e de uma abordagem
multidimensional do discurso como prática social. As dimensões de análise são a cultura e o
poder político na comunicação organizacional. A unidade de análise é o discurso oficial das
empresas na WEB. As quarenta empresas pesquisadas foram selecionadas a partir do Anuário
“As 500 Maiores Empresas do Brasil: as melhores e maiores”, da Revista Exame, de julho de
2004. As mensagens estratégicas das empresas para os seus públicos-chave, somente, não
garantem o poder e a legitimação visados, mas é um dos modos pelos quais a empresa busca
tornar-se persona grata. As empresas pesquisadas buscam conquistar a confiança e a simpatia
dos seus públicos-chave, a partir de argumentos sobre o seu caráter moral, a congruência de
suas características com o contexto sócio-histórico e com a audiência, o uso de argumentos
que amplificam as qualidades da organização, o uso de provas e de metáforas. A
personificação é uma estratégia lingüística que as empresas utilizam para estabelecer uma
personalidade perante sua audiência: a Parceira, a Moderna/Irmã-em-Humanidade e a
Encarregada-de-uma-grande-missão. O conteúdo deste discurso visa criar um quadro
favorável da empresa, na estrutura mental dos sujeitos e em sua forma de pensar a
organização. Portanto, estão ausentes do discurso elementos que possam, de algum modo,
gerar insatisfação ou dúvidas quanto à beleza e à virtude organizacional. A Internet como um
meio e um espaço de comunicação e as complexas relações entre cultura e poder, ou seja, a
dimensão política da cultura, são aspectos que podem gerar variados e interessantes problemas
de pesquisa no campo organizacional. Este trabalho se propõe contribuir neste sentido.
Palavras-chave: cultura, estratégia de comunicação, retórica, legitimação, Internet
ABSTRACT
The use of Internet as a means by which companies, governments and many
institutions communicate has been increasing since the 1990s. Communication has also
become a strategic element for the organizations that, in a globalized and interconnected
context, are more visible to different publics, and whose legitimacy is evaluated for their
ability to respond to the public’s needs, interests, values, wishes and dreams. The changes in
the business context due to the capitalist competition itself since the 1970s have been
introducing different challenges to the organizations. This research is about how the Brazilian
companies chosen as “The Best and Biggest” of 2004 rhetorically build their legitimacy by
means of discourse in their websites. Discourse is one of the methods companies use to
influence and exert constructive effects upon the environment and, at the same time, it is
shaped by the historical and social context. Companies face uncertain, conflictive and
unbalanced situations between the way they are perceived, understood and believed and the
way they would like to be perceived. The aim of this research is to analyze how the
companies discourse in their websites mobilizes rhetorical, symbolic and ideological
elements to legitimate their existence and their activities in the current business environment.
The analysis of the self-describing statements of the companies studied is conducted from a
social and critical perspective and from a multidimensional approach of the discourse as a
social practice. The dimensions of the analysis are the culture and the political power in the
organizational communication. The unit of analysis is the official discourse of the companies
in the WEB. The 40 companies researched were selected from “The 500 Biggest Brazilian
Companies: the best and the biggest” yearbook from the July/2004 issue of Exame magazine.
The strategic messages of the companies for their key-public cannot alone guarantee the
power and legitimacy aimed, but it is one of the ways by which the companies try to become
persona grata. The companies researched try to gain their public’s approval and trust based on
arguments about their moral character, congruence of their characteristics with the social and
historical context and with the audience, the use of arguments that enhance the qualities of the
organization, the use of proof and metaphors. Personification is a linguistic strategy used by
companies to establish a personality to their audience: The Partner, The Modern/Humanitarian
Sister and In Charge of a Great Mission. The content of the discourse aims to create a
favorable image of the company in the mental structure of the subjects and in their way of
thinking an organization. Hence, elements that may generate dissatisfaction or doubt towards
the organizations’ beauty and virtue are absent from the discourse. The Internet as a means of
communication and the complex relations between culture and power, i.e., the political
dimension of culture, are aspects that can lead to a range of interesting research topics in the
organizational field. The purpose of this work is to contribute in this area.
Key words: culture, communication strategy, rhetoric, legitimacy, Internet.
ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 Instituições e normas de comportamento empresarial ........................................... 50
Quadro 2 Elementos do discurso das empresas multinacionais ............................................ 54
Quadro 3 Elementos de reforço do discurso das empresas multinacionais ............................ 55
Quadro 4 Tema legitimador e papel assumido no discurso das empresas multinacionais ..... 56
Quadro 5 Elementos e estratégias do discurso das empresas multinacionais ......................... 58
Quadro 6 Formas de Poder ................................................................................................... 66
Quadro 7 Modos de operação da ideologia ............................................................................ 69
Figura 1 Análise tridimensional ou multidimensional do discurso ....................................... 73
Quadro 8 Melhores e Maiores de 2004 ............................................................................... 103
Quadro 8 Continuação .......................................................................................................... 104
Quadro 9 Elementos e estratégias do discurso das “Melhores e Maiores” de 2004 ............. 124
Quadro 10 Metáforas utilizadas pelas “Melhores e Maiores” ............................................. 131
Quadro 11 A identidade das “Melhores e Maiores” ............................................................ 136
Quadro 12 As “Melhores e Maiores” mostram capacidade .................................................. 137
Quadro 13 Atuação e estratégias das “Melhores e Maiores” ................................................ 138
Quadro 14 Realizações das “Melhores e Maiores” .............................................................. 139
Quadro 15 Objetivos e compromissos das “Melhores e Maiores” ........................................ 143
Quadro 16 Valores das “Melhores e Maiores” .................................................................... 146
Quadro 17 Vantagens oferecidas pelas “Melhores e Maiores” ............................................ 147
TABELAS
Tabela 1 Elementos e estratégias do discurso das “Melhores e Maiores” de 2004 ............ 126
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I
A SITUAÇÃO RETÓRICA DAS EMPRESAS NO SÉCULO XXI ................................... 17
1.1 Contexto macro-social .................................................................................................. 19
1.1.1 Mudanças na economia ................................................................................................. 20
1.1.2 Mudanças geopolíticas .................................................................................................. 24
1.1.3 Mudanças tecnológicas................................................................................................... 27
1.1.4 Mudanças culturais ......................................................................................................... 31
1.1.5 Mudanças em ideologias................................................................................................. 33
1.2 Empresas e mudanças organizacionais e institucionais ................................................. 38
1.2.1 Mudanças organizacionais ............................................................................................. 39
1.2.2 Mudanças institucionais ................................................................................................ 44
CAPÍTULO II
A RETÓRICA E A BUSCA DAS EMPRESAS POR LEGITIMAÇÃO NA WEB .............. 52
2.1 Temas Legitimadores e papéis assumidos no discurso das empresas ............................. 53
2.2 A construção simbólica da legitimação organizacional ................................................... 62
2.2.1 Poder, ideologia e construção simbólica da legitimação ................................................ 62
2.2.2 Legitimação, ideologia e discurso organizacional .......................................................... 74
2.3. Retórica, Web e discurso organizacional ........................................................................ 82
CAPÍTULO III
METODOLOGIA .................................................................................................................. 90
CAPÍTULO IV
AS MENSAGENS ESTRATÉGICAS DAS “MELHORES E MAIORES” NA WEB ......... 98
4.1 Quem fala? Quando? Contra quê? Por quê? Como? ...................................................... 100
4.2 Como as empresas compreendem o momento atual dos negócios ................................. 106
4.3 Como as empresas compreendem a sua existência ......................................................... 112
4.4 Elementos comuns e elementos ausentes dos discursos das empresas na WEB ............. 123
CAPÍTULO V
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................................... 154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 159
10
INTRODUÇÃO
Criar meu web site, fazer minha home-page, com quantos gigabytes, se faz uma
jangada, um barco que veleje, que veleje nesse informar, que aproveite a vazante da
infomaré.
Pela Internet, música de Gilberto Gil
Na sociedade atual, transformações no estilo, costume de vida e organização
social têm levado a sociedade do final do século XX e início do século XXI para além do
que se chama modernidade. Um dos aspectos centrais dessas transformações sociais refere-
se aos novos meios de comunicação, especificamente, à disseminação do uso da Internet.
Outro aspecto, igualmente importante, são as mudanças nas instituições sociais modernas.
Esse trabalho fundamenta-se nestes dois aspectos o tomar como tema as
mensagens estratégicas das empresas na WEB. A compreensão destes é fundamental para
a análise da retórica das empresas, a partir das transformações em curso nas últimas
décadas. Nesta pesquisa, investiga-se a seguinte questão: como as empresas indicadas
“Melhores e Maiores” pelo Anuário “As 500 maiores empresas brasileiras”, da
revista Exame de julho de 2004, constroem retoricamente sua legitimação por meio
de discurso em seu web site?
Ao analisar como o discurso das empresas, no início do século XXI, busca a
congruência com as demandas sociais mais amplas, influenciando identidades sociais,
relações sociais e sistemas de conhecimento e crença, considera-se questões secundárias,
tais como: em que contexto social esse discurso ocorre? O que torna um discurso
11
persuasivo e ideológico? Como as empresas “compreendem” o atual contexto de negócios?
Quais os elementos retóricos, simbólicos e ideológicos o mobilizados pelo discurso das
empresas na WEB? Como esses elementos são organizados em mensagens estratégicas
que visam legitimar a existência da empresa e de suas atividades?
Segundo Thompson (1998, p. 19) “de uma forma profunda e irreversível, o
desenvolvimento da mídia transformou a natureza da produção e do intercâmbio
simbólicos no mundo moderno”, visto que, os meios de comunicação têm uma dimensão
simbólica irredutível: eles se relacionam com a produção, o armazenamento e a circulação
de materiais que são significativos para os indivíduos que os produzem e os recebem”.
Essa comunicação mediada é um fenômeno social contextualizado por complexas
mobilizações das condições sociais que subjazem à produção e à circulação das mensagens
da mídia.
O desenvolvimento da Internet o tem origem no mundo dos negócios,
especialmente na década de 60, mas, hoje, a disputa por este espaço é feroz. As
instituições, as empresas e a sociedade sofrem a ão da lógica da rede e ao mesmo tempo
atuam sobre ela, transformando-a (CASTELLS, 2003). Do ponto de vista da pesquisa, o
ciberespaço apresenta enormes possibilidades para a comunidade de pesquisadores
(CASTI, 1997).
A Internet oferece novas maneiras de administrar a informação e de comunicá-
la, novas maneiras de articular desejos e de influenciar e agradar, novas maneiras de criar,
transmitir e fixar significado (GLEICK, 2004; SILVERSTONE, 2002; THOMPSON,
1998). Os negócios eletrônicos, as firmas ponto.com representam apenas parte do impacto
econômico global decorrente do uso possível da Internet por todo o tipo de empresas, em
todo tipo de operação (CASTELLS, 2003).
12
Quanto às transformações das instituições sociais modernas, estas ocorrem de
dois modos fundamentais. Primeiro, a transformação em formas tradicionais de
organização da modernidade, como o Estado e as empresas, e o surgimento de novas
formas de organização vindas da sociedade civil, especialmente as Organizações Não
Governamentais (ONGs), assim como o incremento do número de Organizações
Intergovernamentais (OIGs). O modo de atuação e existência do Estado e das empresas em
um contexto globalizado e interconectado foram significativamente alterados, mesmo que
essas transformações sejam resultado da própria concorrência intercapitalista entre países e
empresas.
Segundo, nesse processo de estruturação de novos modos de atuação e
reconfiguração das relações entre Estado, empresas, ONGs e OIGs, que vem se delineando
desde o final do século XX, a comunicação torna-se elemento fundamental para a
constituição de novas relações e a manutenção de vínculos e tradições. Segundo Giddens
(1991), para entender o que a modernidade realmente é, bem como o diagnóstico de suas
conseqüências mais radicalizadas e universalizadas, é preciso compreender as instituições
sociais modernas: ritmo de mudança, escopo da mudança e a natureza intrínseca dessas
instituições.
Numa sociedade global caracterizada por empresas que atuam em vários
países, marcas como McDonald’s ou Coca-Cola o reconhecidas pela maior parte dos 6
bilhões de habitantes da Terra. E, num mercado globalizado, segundo Klein (2002), o
processo de criar, estabelecer e gerenciar imagens e percepções por meio dos quais o
consumidor se relaciona com um produto ou uma empresa torna-se fator-chave para o
sucesso. Nas últimas décadas, segundo essa autora, as empresas não se propõem a vender
mercadorias, mas uma idéia, um estilo, um conceito, um sonho. Elas buscam não apenas a
mente, mas o coração e, algumas, a alma do consumidor.
13
Num contexto social globalizado e interconectado, argumenta-se acerca de
movimentos rumo à coesão de valores, à redução das diferenças, à codificação das
experiências, gerando sistemas de semelhança que incluem experimentações com os
sentidos “de tempo e espaço”, “de si mesmo e dos outros”, “das possibilidades e perigos da
vida”, permitindo o fluxo de um universo comum, uma sociedade planetária que
compartilha mensagens provindas dos meios de comunicação, conforme Rocha (1995).
Entretanto, as mensagens dos meios de comunicação de massa não fazem outra
coisa, segundo o autor, senão dialogar com a sociedade, existindo articuladas ao seu
desenho ideológico; seus significados são fruto de uma inscrição na ordem social,
mantendo uma relação de múltiplo e complexo rebatimento com a sociedade. Por isso, esse
movimento de produção, veiculação e recepção que faz dos meios de comunicação de
massa característica fundamental da sociedade contemporânea, o pode ser
compreendido de forma maniqueísta. As mensagens dos meios de comunicação,
especialmente as mensagens organizacionais, foco desse trabalho, não ocorrem sem
enfrentamentos.
No final do século XX, em meio à diversificação dos movimentos sociais,
emergem manifestações antiglobalização e anticorporação. Estas manifestações se
constituem em ações sociais coletivas, que por meio de protestos e denúncias dos
militantes, o uso de grafites e slogans, sabotagens de hackers, documentários e campanhas
anticorporativas denunciam os impactos das políticas de determinadas OIGs
(especialmente o movimento antiglobalização), e das ações de grandes empresas
(movimento anticorporação) que entregam sua manufatura a fábricas que não lhes
pertencem na América Latina e na Ásia, ou seja, terceirizam a mão-de-obra, economizam
em custos trabalhistas e, ao mesmo tempo, protagonizam escândalos e denúncias de
exploração.
14
O movimento anticorporação identifica como as empresas estão traindo as
promessas centrais da era da informação: diversidade de opções (que se perde com as
fusões, franquias predatórias, sinergia monopolista e censura corporativa), emprego (tem-
se uma precarização do trabalho com relações trabalhistas cada vez mais frágeis para
muitos trabalhadores, incluindo trabalhadores autônomos, subempregos e terceirização,
trabalho temporário e de meio expediente) e liberdade (a invasão das corporações em
espaços culturais: música, artes, esporte, educação e as várias formas de controle da
Internet). Sem opções, sem emprego, sem espaço, estas são as raízes da militância
anticorporativa, segundo Klein (2002).
Além dos movimentos da sociedade civil, existem as pressões de governos e
instituições nacionais, bem como de organizações intergovernamentais (OIGs) e da própria
concorrência capitalista, que demandam respostas das empresas, cujos exemplos recentes
são: a indústria de cigarros, o setor de fast-food (comida rápida) ou junk-food (comida de
lanchonete), a indústria de biotecnologia (produtos transgênicos), indústria petroquímica
(vazamentos, pesticidas), indústrias que compram carvão extraído a partir de trabalho
infantil, etc . Desde os anos 90, a WEB é um meio, não a único, que as empresas dispõem
para buscar apoio para a sua existência e suas atividades.
Nesta pesquisa, o estudo da retórica das empresas na WEB fundamenta-se na
análise do modo como as empresas fazem uso intencional da linguagem para influenciar
percepções, crenças, sentimentos e/ou ações de públicos-alvo. Ou seja, o discurso
concebido como uma prática social e uma das diversas formas que as empresas podem
fazer uso para buscar a legitimação. Segundo Halliday (1987), a retórica é um modo de
expandir as fronteiras simbólicas da organização. Essa autora conduziu um trabalho acerca
da retórica de multinacionais de três países (França, EUA, Brasil), identificando e
1
5
analisando a busca dessas organizações da legitimação pela palavra, na década de 70,
estudo que é o ponto de partida para a presente pesquisa.
O objetivo geral desse trabalho é identificar e analisar como as empresas
brasileiras, indicadas “Melhores e Maiores” de 2004, constroem retoricamente seus
discursos na WEB. As empresas selecionadas são aquelas indicadas “Melhores e Maiores”
pelo Anuário “As 500 maiores empresas do Brasil: maiores e melhores”, da revista Exame
de julho de 2004.
Quanto aos objetivos específicos busca-se identificar a situação retórica das
empresas no século XXI, incluindo mudanças no contexto macro-social e mudanças
organizacionais e institucionais; analisar de que modo elementos retóricos, simbólicos e
ideológicos podem ser mobilizados pelas empresas em um discurso que visa à legitimação
organizacional; analisar como as empresas pesquisadas compreendem” o atual contexto
social e a sua existência, os elementos comuns e os elementos ausentes nos discursos, bem
como as complementaridades e descontinuidades em relação às conclusões de Halliday
(1987).
Não é recente o uso dos meios de comunicação pelas empresas, mas a análise
do uso que as empresas fazem da WEB para a divulgação de uma visão de mundo e outros
elementos como forma de obter o endosso para a sua existência e atividades, ainda é
incipiente, embora necessária numa sociedade globalizada baseada na idéia da teia, a
WEB. A leitura retórica de textos não objetiva dizer se as empresas estão certas ou
erradas, se elas realmente são como dizem que são.
A análise retórica considera os argumentos, não pelo seu valor persuasivo
potencial, mas em relação ao contexto, ao público e à totalidade do texto, conforme Leach
(2002). Neste sentido, esta não hesita em mostrar que tal argumento é forte ou fraco, que
tal conclusão é legítima ou errônea. Conforme Reboul (2000, p.139), a leitura retórica é um
16
diálogo, que critica e pondera, sem se abster de admirar, tendo como postulado que o
texto, tanto em sua força quanto em suas fraquezas, pode ensinar alguma coisa”.
Concluindo, esse trabalho de pesquisa tem como ponto de partida o trabalho de
Halliday (1987), porém diferencia-se ao utilizar um meio de pesquisa que é a Internet,
enquanto aquela autora analisou anúncios impressos em revistas. Por constituir-se em um
esforço de análise do discurso de empresas brasileiras privadas de capital nacional e
estrangeiro e empresas públicas, essa pesquisa amplia o trabalho anterior que toma como
referência as empresas multinacionais. E, também, continuidade ao estudo da
construção da legitimação das organizações a partir da retórica, ao analisar em que medida
os temas legitimadores e os papéis centrais assumidos pelas empresas na década de 70,
ainda estão presentes nos discursos das empresas neste início do século XXI.
Esta pesquisa contribui com o desenvolvimento de estudos para a área de
concentração em gestão de negócios e marketing, uma vez que discute criticamente
elementos da cultura e estratégias de comunicação organizacional, também contribui
metodologicamente por explorar um método ainda pouco utilizado pelos pesquisadores,
qual seja, a análise retórica e análise de discurso, e por utilizar a Internet, meio ainda pouco
explorado pelas pesquisas em Administração. Afinal, num contexto de negócios
globalizado e interconectado, a capacidade das empresas de criar, estabelecer e gerenciar
significados (símbolos) torna-se fator-chave para a legitimação e o sucesso da organização.
17
CAPÍTULO I
A SITUAÇÃO RETÓRICA DAS EMPRESAS NO
SÉCULO XXI
Nosso mundo mediado es rapidamente inundando-se com mensagens e clamores a
serem ouvidos, excesso de informação, prazeres e persuasão, para comprar, votar,
escutar. Outdoors, rádio, televisão, revistas e jornais, a World Wide Web, todos se
acotovelando por espaço, tempo, visibilidade: para capturar um momento, tocar um
nervo, provocar um pensamento, um julgamento, um sorriso, um dólar.
Roger Silverstone.
As mudanças econômicas, geopolíticas, tecnológicas, culturais e em ideologias
que marcaram os anos 60 e meados dos anos 70 tiveram impactos para governos, empresas
e a sociedade de modo geral. Mesmo considerando que a intensidade e o ritmo das
mudanças foram bastante diferentes em cada país, que a participação de governos,
empresas e sociedade na direção dessas mudanças, foram e continuam sendo muito
diferentes, vários autores m buscado compreender essas transformações que moldaram”
a sociedade do século XXI.
Autores de diversos campos do conhecimento, como Antunes (2000),
Berman
(1989), Castells (1999, 2003), Giddens (1991), Harvey (2003), Lèvy (1999), Lipietz
(1988), escreveram sobre essas transformações e procuraram compreender em que medida
essas mudanças geravam rupturas ou continuidades, iniciavam uma “nova fase” ou
representavam a maturação e a universalização de características que se intensificaram, de
18
que modo o “velho” e o novo” estavam presentes na sociedade no final do século XX,
quais seriam os elementos essenciais dessas transformações e quais seriam os seus
possíveis e prováveis desdobramentos. Se esta é uma sociedade moderna ou pós–moderna,
pós-industrial, pós-fordista, são questões que interessaram estes autores, sob perspectivas
muito diferentes.
De modo geral, o termo modernidade refere-se ao estilo, costume de vida ou
organização social que emergiram na Europa a partir do culo XVI (BERMAN, 1989) e
que, posteriormente, se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. No final do
século XX, passa-se a falar de pós-modernidade. Além do sentido geral de se estar vivendo
um período de nítida disparidade em relação ao “passado moderno”, segundo Giddens
(1991), pós-modernidade é um termo que assinala a fragmentação, a indeterminação e a
intensa desconfiança de todos os discursos universais ou “totalizantes”, o que significa a
rejeição ou a morte das “metanarrativas”.
O termo pós-modernidade pressupõe a “história” destituída de teleologia e
conseqüentemente nenhuma versão de “progresso” pode ser plausivelmente defendida;
pressupõe o surgimento de uma nova agenda social e política, com as preocupações
ecológicas e os novos movimentos sociais (GIDDENS, 1991; HARVEY, 2003). Conforme
Giddens (1991, p. 58), “não vivemos ainda num universo social pós-moderno, mas
podemos ver mais do que uns poucos relances da emergência de modos de vida e formas
de organização social que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas”.
Nesta ordem política global, o Estado ainda é o “ator” principal e as
corporações ainda são os agentes dominantes da economia mundial; as empresas privadas
continuam sendo a principal fonte de criação de riqueza; o capital e o trabalho seguem
como componentes-chaves do sistema de produção e a produção em função de lucros
permanece como o princípio organizador básico da vida econômica da sociedade
19
(ANTUNES 2000; CASTELLS, 2003; GIDDENS, 1991; HARVEY, 2003). Ainda,
conforme Tavares (1993, p. 23), “a integração orgânica entre a grande empresa, os bancos
e o aparelho do Estado nacional, dentro da tradição da ‘modernização conservadora’ do
final do século XIX, continuou sendo a base do moderno capitalismo avançado do século
XX”.
A posição adotada nesse trabalho, perante essa questão, está em sintonia com
Berman (1989), Giddens (1991), Harvey (2003). Ao invés de “pós”, trata-se da idéia de
modernidade que “concebida em inúmeros e fragmentários caminhos, perde muito de sua
nitidez, ressonância e profundidade e perde sua capacidade de organizar e dar sentido à
vida das pessoas” (BERMAN, 1989, p. 17), cuja conseqüência, hoje, é uma era moderna
que perdeu contato com as raízes de sua própria modernidade; trata-se da “radicalização e
universalização das conseqüências da modernidade” (GIDDENS, 1991, p. 13); da hipótese
de uma transição no regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política
(HARVEY, 2003).
A seguir, algumas dimensões dessas transformações sociais, que se originaram
no início dos anos 60 até meados dos anos 70, e seus desdobramentos, mesmo que
impossíveis de serem totalmente apreendidos, serão parcialmente recuperados para
compreender, também não em sua totalidade, o contexto no qual as empresas atuais
buscam a legitimação para a sua existência e de suas atividades perante seus públicos-
chave.
1.1 CONTEXTO MACRO-SOCIAL
Nesse trabalho, as organizações são consideradas sistemas complexos
(BUNGE, 1999; VIEIRA, 2000), cujos ambientes também são complexos, sendo que a
20
relação dinâmica entre sistema (e subsistemas) e ambiente é perpassada por questões
relacionadas ao tempo-espaço e pela linguagem. As organizações compreendidas como
sistemas sociais complexos o produtoras e produto da relação que estabelecem com o
contexto social mais amplo e são caracterizadas por um processo histórico. Além de
recursos humanos, econômicos e materiais, a relação da organização com o ambiente é
marcada por elementos culturais e políticos, tais como valores, mbolos, mitos, sistema
de crenças, normas, legitimidade, interesses, expectativas, poder, conflitos e ideologia.
A compreensão do contexto ou circunstâncias do momento atual é uma etapa
importante para uma análise tridimensional ou multidimensional do discurso (texto, prática
discursiva e prática social) das empresas pesquisadas, ou seja, para a compreensão dos
elementos presentes e ou ausentes nos discursos destas empresas em seu web site, neste
começo de século. Algumas dimensões desse contexto social serão destacadas a seguir,
priorizando os aspectos mais diretamente relacionados às empresas.
1. 1. 1 Mudanças na economia
As mudanças econômicas envolvem, sobretudo, a crise do modo de
acumulação intensivo
1
taylorista/fordista caracterizado pela produção em massa de
mercadorias, a partir de uma estrutura organizacional que tem como base grandes empresas
verticalizadas e fortemente hierarquizadas, o trabalho parcelar e fragmentado,
predominantemente, realizado por operários semiqualificados de forma mecânica e
repetitiva, pois desprovido de sentido.
1
Visa à intensificação das formas de exploração ou intensidade da exploração do sobretrabalho: combate ao
“desperdício” na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho. Esse modo intensivo,
ainda combina a mais-valia extraída extensivamente pelo prolongamento da jornada de trabalho (ANTUNES,
2000, p. 37)
21
No final dos anos 60, evidencia-se a crise do regime de acumulação intensiva,
centrado no consumo de massa, que consiste na desaceleração geral dos ganhos de
produtividade ou crise de rentabilidade. A crise desse regime de acumulação foi, em geral,
acompanhada pela crise da regulação monopolista nacional. Essa forma de regulação
incorpora a priori na determinação dos salários e dos lucros nominais, um crescimento do
consumo popular em proporção aos ganhos de produtividade, o que se torna contraditório
com a internacionalização da produção, nos anos 60 e 70, fundamentada em “novos e
livres” mercados e que necessita de mão-de-obra disciplinada e de baixo custo (LIPIETZ,
1988).
A automação dedicada, automação clássica de base eletro-mecânica, que se
efetiva na passagem do século XIX para o século XX na indústria têxtil, química e
siderúrgica, assim como os princípios tayloristas e fordistas de organização do trabalho
que caracterizaram o setor de bens de consumo duráveis em geral, na primeira metade do
século XX, mostram progressivamente os seus limites econômicos, sociais e
organizacionais já em meados dos anos 60 (ALBAN, 1999; MORAES NETO, 1986).
No período que se segue, a necessidade de mais investimentos em pesquisa e
desenvolvimento tecnológico acentuará o processo de fusões e parcerias de empresas,
levando à formação de grandes conglomerados empresarias, com exigência de retorno
maior sobre os investimentos e a necessidade de amplos mercados livres de barreiras
nacionais protecionistas. Dois movimentos podem ser observados, a concentração de
capitais e a globalização de negócios que passam a atuar mundialmente dando origem às
empresas multinacionais ou transnacionais.
No final dos anos 60, a produtividade do Japão e da Europa, especialmente
França e Alemanha Ocidental, aproximou-se do nível alcançado pelos Estados Unidos. Tal
fato transformou a configuração econômica internacional, não só devido ao crescimento de
22
empresas multinacionais na Europa, mas também à difusão na Europa e Japão dos
princípios fordistas, adaptados a outras formas de organização do trabalho.
Uma “configuração mundial” emerge, então, compatibilizando provisoriamente
uma justaposição de regimes de acumulação semelhantes, porém diferentes quanto ao
ritmo de crescimento e ao modo de inserção internacional, um mundo marcado por uma
globalidade desigualmente articulada (ANTUNES, 2000), por complementaridades e
antagonismos entre economias nacionais (LIPIETZ, 1988), ou um processo de (des) ajuste
global e “modernização conservadora”(TAVARES, 1993).
Neste contexto, novas formas de organização da produção e do trabalho
mesclam-se ao fordismo e ao taylorismo decorrentes da experiência produtiva em outros
países como Alemanha, Suécia (kalmarismo), da “Terceira Itália” e do Japão, com o
toyotismo ou sistema Toyota, como é chamada a experiência japonesa (ANTUNES, 2000;
HIRATA et al., 1991; HIRATA, 1993; MARX, R. 1992). Essas transformações o
decorrentes da própria intensificação da concorrência intercapitalista entre os grandes
grupos transnacionais e oligopolistas e da necessidade de controlar as lutas sociais oriundas
do trabalho (ANTUNES, 2000); são formas alternativas de combinar produtividade e
organização do trabalho (HIRATA, 1991).
O padrão de acumulação flexível, cuja experiência fundadora é o “modelo”
japonês, articula um conjunto de elementos de continuidade e descontinuidade que acabam
por conformar algo relativamente distinto do padrão taylorista/fordista (ANTUNES, 2000).
Segundo Harvey (2003, p 135) “havia problemas com a rigidez dos investimentos de
capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que
impediam uma maior flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em
mercados de consumo invariantes”.
23
A acumulação flexível pressupõe e estimula diversos aspectos, tais como:
flexibilização dos processos e mercados de trabalho; novas técnicas e novas formas
organizacionais; aceleração do ritmo de inovação do produto com redução do tempo de
giro na produção e no consumo; transformação da estrutura ocupacional com destaque para
o incremento do setor de serviços, a partir dos anos 70; incremento da capacidade de
dispersão geográfica das organizações; processo de globalização associado a novas formas
de comunicação; reorganização do sistema financeiro global com a emergência de poderes
imensamente ampliados de coordenação financeira partir da criação de um mercado
mundial de dinheiro e de crédito (HARVEY, 2003).
Em resumo, em meados dos anos 60 e início dos anos 70, o sistema capitalista
apresenta sinais de um quadro crítico. Identificada, sobretudo, como crise do modelo
econômico do pós-guerra, segundo Antunes (2000), Harvey (2003), Lipietz (1988, 1989),
esta é, também, uma crise de ruptura de um padrão de dominação de classe relativamente
estável. Esta, apresenta-se como uma crise do regime de acumulação intensiva, o qual
fundamenta-se nos princípios taylorianos de organização do trabalho e no desenvolvimento
fordiano do consumo de massa (LIPIETZ, 1988). E, surge, também, como crise da
regulação monopolista nacional que se torna contraditória com a internacionalização da
produção.
Esse quadro crítico, dos anos 60 e 70, não impede a busca de saídas mediante
a retomada organizada do crescimento (LIPIETZ, 1989), e o capitalismo ingressa numa
nova fase de desenvolvimento, cuja dinâmica produtiva passa a ter por base a
microeletrônica, a biotecnologia e a química fina.
Há de ressaltar que, embora alguns elementos comuns das transformações
econômicas sejam encontrados nos países que adotaram o fordismo como regime de
acumulação ou modo de desenvolvimento econômico, os encadeamentos tornam
24
extremamente complexa qualquer análise mais ampla desse processo, devido à
interconexão das diferentes formações sócio-econômicas e os fenômenos específicos de
cada formação social (LIPIETZ, 1988).
1.1.2 Mudanças geopolíticas
As mudanças geopolíticas referem-se, em grande parte, à crise do modo de
regulação, ou crise do sistema de “compromisso social-democrata que, limitado a uma
parcela dos países avançados, aparentava um compromisso duradouro entre capital e
trabalho. Esse compromisso, que emergiu como solução para a crise de 1929 e como
contraponto ao fortalecimento dos sindicatos, era mediado pelo Estado e profundamente
devedor das políticas keynesianas de estímulo à demanda por meio do gasto público. A
estrutura estatal foi ampliada com a criação de um sistema de previdência social,
ampliação da rede educacional e de assistência dico-sanitária, além da organização de
grandes empresas estatais vinculadas aos setores estratégicos da economia nacional
(habitação, transporte, etc.).
Este Estado-Providência ou Estado de Bem-Estar Social (Welfare State)
fundamentou-se em políticas de intervenção do Estado que visavam garantir o pleno
emprego e a integração” do movimento operário social-democrático. Neste sentido, os
sindicados passariam a atuar como estrutura mediadora do comando do capital sobre o
proletariado, garantindo melhores condições salariais, melhores condições de trabalho,
saúde, moradia, educação, formação profissional e seguridade social, mas abririam mão
de um projeto histórico-societal (HARVEY, 2003).
Nos anos 60 e 70, essa estrutura estatal e as políticas de bem-estar foram
revistas, pois, conforme Antunes (2000), houve o fracasso quantitativo em garantir que
25
políticas distributivas ou ões legais remediassem ativamente as desigualdades,
combatessem o relativo empobrecimento e a exclusão de minorias. Para Houtart e Polet
(2002), o que houve foi um esforço no âmbito da política internacional durante o governo
Ronald Reagan (EUA) e Margareth Tatcher (Inglaterra), nos anos 80, junto com a eleição
de outros governos de direita na Europa para desmontar o Estado de Bem-Estar Social.
Nos anos 70, a crise de um “modelo” de Estado intervencionista fortalece um
outro modo de atuação do Estado. Este deve ser capaz de quebrar a força dos sindicatos, de
atuar estritamente no âmbito da política monetária, de abster-se de intervenções na
economia, de moderar e reverter (privatizações) os gastos na área social. O Estado Mínimo
fundamenta-se em políticas chamadas neoliberais, ou seja, em disciplina orçamentária,
restrição das despesas sociais e restauração de uma taxa de desemprego natural”
(HOUTART; POLET, 2002).
Quanto aos países em desenvolvimento, estes não chegaram a adotar um
Estado de Bem-Estar Social, visto que a presença do Estado na economia esteve vinculada,
nestes países, a um processo de industrialização, juntamente com o capital privado e o
capital estrangeiro, como ocorreu com o Brasil. Entretanto, nos anos 80 e 90, estes países
foram “estimulados” a adotar as políticas neoliberais de modo a cumprirem o seu papel no
processo mais amplo de globalização e internacionalização da concorrência capitalista.
Nos anos 80 e 90, o termo globalização passa a ser usado para explicar diversas
mudanças na economia, geopolítica e cultura. As grandes empresas são agentes
importantes deste processo, devido à tendência à internacionalização de seus negócios e do
seu patrimônio no estrangeiro. Neste contexto é que se insere a resolução do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas endossando a criação de Zonas de Livre Comércio,
em 1964. A justificativa é que a criação dessas áreas seria um meio de promover o
comércio e o desenvolvimento das regiões e países que sediassem essas áreas. O
26
crescimento dessas zonas de livre comércio se dá a partir dos anos 80 em países como
Índia, nos anos 90, em países como Indonésia, China, México, Vietnã, Filipinas.
Essas zonas tornam-se um espaço de processamento de exportação, produzindo
roupas, brinquedos, calçados, eletroeletrônicos, maquinaria e a carros, para empresas
como IBM, Nike, Reebok, Gap, Adidas, Ralph Loren, etc. (Klein, 2002). Essas zonas de
processamento de exportação são, nos últimos anos, alvos dos movimentos anticorporação.
Segundo Held e McGrew (2001), no final do século XX, o sistema moderno
de Estado-Nação tornou-se o principal tipo de governo político em todo o globo. Este, após
a “descolonização” e o colapso da União Soviética, tem papel relevante em distintos
processos de democratização em determinados países da Europa, Portugal e Espanha e, ao
mesmo tempo, fez vários outros se aproximarem da democracia na América Latina, na
Ásia, na África e no Leste Europeu.
Ainda, segundo esses autores, no fim do século XX ocorreu o rápido
surgimento de organizações e regimes internacionais que criaram novas formas de política
multilateral e global que envolve governos, organizações intergovernamentais (OIGs) e
uma vasta gama de grupos de pressão transnacionais e organizações não governamentais
(ONGs). Além do aumento explosivo do número de tratados e regimes internacionais em
vigor e de foros internacionais de formulação política, esse contexto geopolítico tem
gerado uma forma de governo de múltiplas camadas (local, nacional, regional, global).
No final do século XX, surgem novos atores sociopolíticos de caráter mundial
como os movimentos antiglobalização (GOHN, 2003; KLEIN, 2002) e o movimento
anticorporação (Klein, 2002). Estas são novidades na arena política e no cenário da
sociedade civil, devido à sua forma de articulação/atuação em redes com extensão global.
Estes movimentos têm elaborado um repertório das demandas e dos conflitos sociais,
trazendo as lutas sociais para o palco da cena pública e a política para a dimensão pública:
27
as manifestações nas ruas e a crítica ao modo de vida capitalista ocidental moderno e seus
efeitos destrutivos sobre a natureza humana, animal e vegetal, questionando as decisões e a
participação das empresas neste processo.
Em resumo, nos anos 80 e 90, com o fim oficial da União Soviética,
formalizando o encerramento do período da Guerra Fria, juntamente com outros eventos
que se seguiram, emergem novas relações econômicas e geopolíticas. Esta “nova ordem
internacional” fundamentou-se em políticas neoliberais, visto que a economia de mercado
passa a ser o “único” horizonte histórico para o século XXI.
Nesse período, há a reconcentração da riqueza, a redução do emprego e do
salário, o aumento do desemprego, as desigualdades sociais e a miséria são levadas ao
extremo. Questões mais recentes também chamam a atenção da sociedade como as
tragédias ecológicas, a violência urbana, o terrorismo, o narcotráfico. No final do século
XX os movimentos sócios se diversificam a partir de demandas como direitos da mulher,
do idoso e da criança, o movimento ecológico, os movimentos pelos direitos civis das
minorias, as lutas pela redução da jornada de trabalho (agora, num novo contexto) e pelo
emprego. A sociedade civil se organiza e surgem novos atores sociais que irão compor
com o Estado e as empresas um novo panorama sócio-político.
1. 1. 3 Mudanças tecnológicas
Nos anos 70, o desenvolvimento e a comercialização do microprocessador
possibilitaram diversos processos econômicos e sociais de grande amplitude (LÉVY,
1999). A produção industrial passou por alterações através dos processos de automação de
base microeletrônica que serão estendidos ao setor terciário. Desde então, a busca por
28
ganhos de produtividade tem-se baseado no uso de aparelhos eletrônicos, computadores e
novas formas de comunicação de dados, geração e troca de informações pelo uso de redes.
Desde a década de 1990, a difusão da Internet e seu uso mais abrangente no
mundo dos negócios têm transformado a prática das empresas, sendo as empresas
ponto.com apenas o núcleo de mudanças mais amplas. A relação capital-trabalho não
desaparece, segundo Castells (2003), mas suas características se modificam em uma
economia de mercado interconectada, ainda que desigualmente conectada.
O desenvolvimento de tecnologias de base microeletrônica não afeta os setores
industriais relevantes de modo igual. As indústrias xtil, química e siderúrgica já estavam
assentadas em processos automatizados desde final do século XIX e início do século XX.
A automação de base eletro-mecânica que caracterizava esses setores é a chamada
automação clássica dedicada ou rígida.
Nessa forma de automaçãoo existem elementos que permitam ao sistema de
máquinas alterar seus movimentos para a fabricação de produtos diferentes, o que exige a
produção em grande escala para tornar viável o investimento. Porém, a indústria metal-
mecânica e os setores de bens de consumo de produtos duráveis em geral (incluindo a
indústria automobilística), ainda tinham o trabalho vivo como base do processo produtivo,
dada a necessidade de flexibilidade de movimentos para a montagem (MORAES NETO,
1986).
A revolução tecnológica da montagem e dos processos industriais de
fabricação a partir da automação de base microeletrônica, nos anos 80 e 90, é de caráter
parcial, com efeitos concentrados na indústria metal-mecânica. Entretanto, a
microeletrônica terá um imenso impacto, do ponto de vista quantitativo, para os setores de
bens de consumo em geral, nas economias capitalistas com industrialização relevante. Pois,
29
estes setores que abraçaram o fordismo, ganharam um peso relativamente alto na estrutura
industrial capitalista do pós-guerra (MORAES NETO, 1986).
A produção de automóvel, no modelo taylorista/fordista, ocorre a partir da
realização de tarefas manuais de caráter extremamente simplificado e sem conteúdo para
os trabalhadores, mas que, no entanto, não são facilmente mecanizadas. Transformar a
linha de montagem em um sistema de máquinas exigiria no início do século XX um novo
tipo de quina, possível, somente, a partir do desenvolvimento da microeletrônica: o
robô. O uso de robôs e/ou outros equipamentos reprogramáveis, multifuncionais, que têm
dispositivos de auto-ajuste ou reorientação de sua posição, estão na base dos
desenvolvimentos da microeletrônica. Os computadores, a Internet, as telecomunicações e
a possibilidade de conexão de computadores em rede são desenvolvimentos tecnológicos
possíveis a partir dessa tecnologia.
As implicações dessas novas tecnologias para o trabalho “de escritório”
(supervisão da produção e administração média) são enormes devido à possibilidade de
integração vertical e lateral de informações na empresa, independente do volume,
qualidade ou aplicação. Desse ponto de vista, o a produção é automatizada, mas
também os escritórios. As mudanças geradas pelas novas possibilidades de comunicação,
aquisição, criação, manutenção, transformação de informação e processamento de dados
levaram a um potencial sem precedentes de crescimento da produtividade, ao incremento
de possibilidades para a eliminação de desperdício quer seja em operações internas e/ou
externas (FLEURY, 1987; GUROVITZ, 2003; HERZOG, 2003)
As mudanças tecnológicas, porém, muitas vezes, são analisadas do ponto de
vista do impacto que trazem para as empresas. Mas a tecnologia é imaginada, fabricada,
reinterpretada durante seu uso pelos homens, como também é o próprio uso intensivo de
ferramentas, junto com a linguagem e as instituições sociais complexas, que constituem a
30
humanidade enquanto tal. A tecnologia utiliza conhecimento científico e outros, e é
empregada para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou sociais
(BUNGE, 1999). Portanto, a tecnologia é parte integrante da cultura, não é um ator
autônomo, não é uma entidade real que existe separada e tem vontade própria (BUNGE,
1999; LÈVY 1999).
As atividades humanas e sociais envolvem as relações pessoais, entidades
materiais naturais e artificiais, idéias e representações. As técnicas carregam consigo
projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais bastante variados, pois um
grande número de pessoas inventa, produz, utiliza e interpreta as técnicas, de diferentes
formas. A técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se
condicionada, e não determinada, por suas técnicas (LÉVY, 1999).
O progresso técnico, afinal, é ambivalente, podendo ser destrutivo ou criador
em graus e modos muito variados, daí a importância de seu controle democrático
(BUNGE, 1999). A ambivalência está na capacidade de gerar produtividade e também
desemprego, gerar emprego e também a extinção de ocupações tradicionais, etc.
Em resumo, de todas as técnicas científicas, as que mais têm afetado a
convivência, e que mais interessam para este trabalho, são as da comunicação. A
comunicação é o principal veículo das relações sociais, sem as quais não somos
propriamente humanos, segundo Bunge (1999). Os novos meios de elaboração e difusão
da informação têm um impacto social crescente, especialmente na produção e circulação
de mercadorias assim como na prestação de serviços. A World Wide Web, desde a década
de 1990, é um espaço de comunicação global cujo uso e realização são produtos da ação
humana e, portanto, é contraditória.
31
1.1.4 Mudanças Culturais
As mudanças ideológicas e tecnológicas, isto poderia ser questionado,
deveriam estar nesta seção. Neste trabalho, optou-se por um tratamento separado, embora,
entenda-se a tecnologia como uma das dimensões da cultura; quanto à ideologia, esta será
tratada na próxima seção, com destaque para as suas dimensões cultural e política.
Uma primeira dimensão das mudanças culturais está relacionada com as
mudanças da estrutura produtiva, do modo de acumulação e valorização do capital, das
fontes de vantagens competitivas e o impacto sobre as formas de consumo. Uma segunda
dimensão está relacionada com as mudanças na relação tempo-espaço que faz emergir uma
hibridização entre local, nacional, global em termos de valores, comportamento.
Para Harvey (2003, p.148) “a estética relativamente estável do modernismo
fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética
pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a
mercadificação de formas culturais”. A atenção é maior para as modas fugazes e para a
mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural
que isso implica
Estudos apontam que comprar deixou de ser um ideal de felicidade, pelo
menos nos países ricos, desde os anos 50, mas a insatisfação tem gerado ainda mais
consumo, especialmente a partir dos anos 80, pois o mercado estimula o “consumo
infeliz”, governos estimulam o “consumo patriótico” (CARDOSO, 2003). Também muda
o “conceito de qualidade”. Para Ford (1967) a qualidade de um produto estava relacionada
com a durabilidade, e o preço baixo era essencial numa situação de mercado que
demandava produção em massa; isso muda nos anos 80 e 90.
32
A era da reestruturação produtiva, em que a empresa enxuta é o modelo a ser
buscado por meio das novas tecnologias de comunicação e técnicas de gestão como
downsizing, reengenharia, terceirização, Total Quality Management (gestão por qualidade
total), é também o momento da intensificação da taxa de utilização decrescente do valor de
uso das mercadorias, sem a qual, torna-se difícil a reposição do processo de valorização do
capital (ANTUNES, 2000). Em outras palavras, torna-se imperiosa a redução do tempo de
vida útil dos produtos, visando aumentar a velocidade da produção de valores de troca; os
produtos, afinal, devem durar pouco e ter reposição ágil no mercado.
Esse processo, para ser viabilizado exigirá mudanças de comportamento em
relação ao consumo e utilização dos produtos. Para um empreendimento como esse foram
fundamentais os meios de comunicação de massa. No final dos anos 80, sobretudo nos
anos 90, juntam-se aos meios de comunicação de massa os novos meios eletrônicos de
comunicação, que combinados alteram as dimensões espaço-temporal da vida social.
Segundo Thompson (1998), os desenvolvimentos dos meios técnicos de
comunicação capacitam os indivíduos a se comunicarem através de espaço e tempo sempre
mais dilatados, tornando-os capazes de transcender os limites de uma interação face a face,
ao mesmo tempo, levando-os a reordenar as questões de espaço e de tempo dentro da
organização social, a usar esta reorganização como meio para atingir seus objetivos.
As tecnologias recentes de comunicação, como é o caso da Internet, têm gerado
temas, além de interesses variados de pesquisa e discussão, sobretudo a partir da década de
90, período em que a Internet deixou de ser exclusividade governamental e das
universidades e passou a mediar o cotidiano das pessoas, a rotina das organizações, enfim,
a vida em sociedade. Os temas são variados e mostram a extensão das implicações das
“novas” formas de comunicação para a vida das pessoas e as rotinas e estruturas das
organizações. Alguns exemplos são: o uso do e-mail, ou correio eletrônico, no ambiente
33
de trabalho (DIAS, 2004); a disseminação do software livre ou de código aberto
(VIANNA, 2004a); as disputas e estratégias vinculadas à cultura do entretenimento digital
entre a indústria de videogame (jogos eletrônicos) e a indústria da música e do cinema
(VIANNA, 2004 b); a guerra dos códigos e os ataques com vírus (BEIGUELMAN, 2004).
E, por fim, as questões relacionadas ao conflito entre cibergrileiros” e
proprietários de marcas registradas, como “coca-cola” e “armani”, colocando em xeque os
conceitos de legitimidade e liberdade na Internet. Estes conflitos pelas esferas da
linguagem e da propriedade intelectual e/ou a briga por “nomes” no espaço da Internet
ocorrem porque estes passam a concentrar grande valor econômico (GLEICK, 2004). Há
de ressaltar, também, que neste espaço trava-se uma luta pela legitimação, na era da teia,
uma luta por significados (símbolos) na WEB.
1.1.5 Mudanças em ideologias
Essas mudanças estão relacionadas ao processo do capital “de reorganização
das suas formas de dominação societal, o procurando reorganizar em termos
capitalistas o processo produtivo, mas procurando criar um projeto de recuperação da
hegemonia nas mais diversas esferas de sociabilidade” (ANTUNES, 2000, p. 48). No plano
ideológico, destaca-se a queda do Muro de Berlim, em 1989, formalizando de um lado o
fim da guerra fria, a queda do socialismo real e, de outro, o “triunfo” das democracias
ocidentais e das idéias neoliberais.
A política neoliberal fundamentada na idéia de Estado Mínimo leva, nos anos
80, os países que adotaram o Estado de Bem-Estar Social, a reverem parte das políticas
que o sustentaram. Outros, como os países em desenvolvimento, que nem chegaram a
adotar um modelo de Estado-Providência foram “estimulados” por políticas de organismos
34
internacionais como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD), a
adotarem um modelo mais favorável ao fluxo de capital, investimentos e produtos
estrangeiros.
No final da década de 80, são realizadas as primeiras conferências sobre o
estado global do planeta, o que significou, em algum grau, questionar os limites de
exploração da natureza e de conquistas do capitalismo. Essas conferências deram origem a
outros encontros. Na década de 90, ocorre a Cúpula da Terra, Conferência das Nações
Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento, conhecida como RIO-92, que deu
origem a um documento ou programa de ação global conhecido por Agenda 21. Em 1997,
tratou-se do Protocolo de Kyoto, que entra em vigor a partir de fevereiro de 2005. Em
1999, é firmado o Pacto Global (Global Compact) entre as empresas e a ONU. Este pacto
pressupõe o compromisso das empresas signatárias com 10 princípios orientadores de
ações empresariais mais responsáveis. Em 2000, realiza-se a Cúpula do Milênio, cujo
marco é a definição dos 8 objetivos-compromissos de Desenvolvimento do Milênio com
os quais se comprometeram os 191 países membros da ONU.
Tais eventos, aliados a outros como a reestruturação das empresas e um
cenário competitivo mais globalizado, fazem com que nesse período ganhem destaque os
novos movimentos sociais, já citados na seção 1.1.2. Estes se caracterizam pela diversidade
da demanda como os movimentos ecológicos, pelos direitos da mulher, pela paz, pelos
direitos humanos, minorias em geral, movimentos no campo que lutam pela terra e
movimentos urbanos que lutam por melhorias na saúde, educação, transporte , etc. Neste
contexto, surge o Fórum Social Mundial (FSM) que além de críticas e protestos contra o
atual modelo de globalização, neste sentido assemelha-se ao movimento antiglobalização,
procura atuar de forma propositiva a partir da idéia “um outro mundo é possível”
35
(HOUTART; POLET, 2002; GOHN, 2003). Em relação a estes novos movimentos sociais
discute-se, a seguir, o movimento anticorporação.
Para Klein (2002), desde o início dos anos 90, as empresas reconsideram suas
estratégias de marketing. A idéia que a empresa vende um produto é substituída nos anos
90, o produto passa a ser sempre secundário em relação à marca, e a venda de uma marca
adquire um componente adicional que só pode ser descrito como espiritual. “A publicidade
trata de apregoar o produto. O branding, em suas encarnações mais autênticas e avançadas,
trata de transcendência corporativa”.(KLEIN, 2002, p. 45). A estranha mistura de cultura
corporativa com conceito de gestão de marca e ações de marketing corporativo, que
caracteriza empresas como Nike, Apple, Body Shop, Calvin Klein, Disney, Levi’s e
Starbucks, é uma estratégia criticada por essa autora.
A cultura corporativa era tão estreita e enclausurada que de fora parecia
um cruzamento entre uma fraternidade universitária, um culto religioso e
um sanatório. Tudo era publicidade para a marca: estranhos léxicos para
descrever os funcionários (parceiros, associados, jogadores do time,
membros da tripulação), canções da empresa, CEO superstar, atenção
fanática à coerência do design, uma propensão à construção de
monumentos e declarações de missão do estilo Nova Era. (KLEIN, 2002,
p. 40).
Klein (2002) afirma que, desde o final de 1940, o discurso publicitário se
distanciou dos produtos e suas características, e as agências se aproximaram de um exame
psicológico/antropológico do que significam as marcas para a cultura e para a vida das
pessoas. Porém, demorou, para que predominasse a idéia que o negócio essencial não era a
produção, mas a marca, e que a empresa inteira pode incorporar um significado.
Nos anos 80 surge o brand equit, capital de marca, cuja idéia era que a marca
pode agregar mais valor a uma empresa do que os seus ativos e vendas anuais totais. Isso
se confirmou em 1988, quando a Philip Morris comprou a Kraft por US$12,6 bilhões, seis
36
vezes o que a empresa valia no papel e, aparentemente, a diferença estava no custo da
palavra “Kraft”, algo que antes era tido como abstrato e não quantificável: a marca.
A partir dessas mudanças, nos anos 90, as estratégias de marketing das
empresas se tornam cada vez mais sofisticadas e invasivas, segundo Klein (2002)
ocupando todos os espaços e momentos, como: adesivos publicitários em frutas
promovendo seriados cômicos da rede ABC, propaganda da Levi’s em banheiros públicos,
propaganda de filmes do Batman projetadas em calçadas ou no céu noturno, e a PepsiCo
que ainda não desistiu de projetar sua logomarca na superfície da Lua. Conforme Klein
(2002) as empresas, muitas vezes, não se conformam em apenas patrocinar eventos
culturais, elas empurram a cultura que a hospeda para o fundo do palco e fazem a marca, a
estrela. “Isso não é patrocinar cultura, é ser cultura” (Klein, 2002, p.53).
Entretanto, não foram, somente, as políticas invasivas das corporações no
âmbito da cultura que deram origem a uma militância anticorporação e antiglobalização. À
questão da liberdade somam-se a promessa de emprego e a promessa de diversidade de
opções em uma sociedade da informação, que também não se realizam. Quanto à
diversidade de opções, esta se torna cada vez mais improvável com as fusões, sinergia
monopolista, franquias de varejo, censura corporativa, cujo resultado é um grupo de
supermarcas usando suas imensas reservas de dinheiro para tirar do mercado pequenas
empresas independentes.
Quanto à promessa de emprego, Klein (2002) afirma que desde que a
publicidade estabeleceu que a “alma” da corporação é a marca, as empresas têm tentado se
livrar de seus embaraçosos “corpos”. As corporações passam a gastar os seus recursos em
patrocínios, embalagens, expansão, publicidade, design e em criar sinergias, comprando
canais de distribuição e varejo. Essa decisão das empresas está, não na origem do
aumento do desemprego, mas também, da precarização do emprego, por todo o globo.
37
Como reação às inflexíveis táticas de negócios dos criadores de marca, nos
últimos anos desgastou-se a empolgação pelos relatos entusiasmados sobre as
possibilidades de vida e consumo em uma teia global de logos (marcas) e pelos produtos
expressos na euforia retórica de marketing da aldeia global. Em anos recentes, tem
crescido o interesse investigativo pelos pontos de origem dos produtos com marcas.
As viagens dos tênis Nike têm sido rastreadas até o trabalho
semi-escravo no Vietnã, as pequenas roupas da Barbie até a
mão-de-obra infantil de Sumatra, os cafés da Starbucks aos
cafeicultores castigados pelo sol da Guatemala, e o petróleo
da Shell às aldeias poluídas e empobrecidas do delta do
Níger (Klein, 2002, p.20).
Segundo Klein (2002), o movimento anticorporação é o próximo grande
movimento político dirigido contra as corporações transnacionais, particularmente aquelas
com marcas muito conhecidas. A articulação entre os diferentes grupos de militantes que
compõem esses movimentos tem como base a Internet, que viabiliza a troca de
informações entre pessoas em diferentes lugares do planeta, a partir de uma rede de
ONGs, de modo que as ações das empresas se tornam mais visíveis e monitoradas em
“tempo real”.
Às críticas dos países desenvolvidos, juntam-se as dos insatisfeitos do terceiro
mundo, segundo Harvey (2003), com um processo de modernização que prometia
desenvolvimento, emancipação das necessidades e plena integração ao fordismo e, na
prática, promovia a destruição de culturas locais, muita opressão a partir de novas formas
de domínio capitalista em troca de ganhos pífios em termos de padrão de vida e de serviços
públicos.
38
1.2 EMPRESAS E MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS E INSTITUCIONAIS
As organizações, como sistemas sociais complexos e específicos de meios
voltados para a execução de objetivos específicos, não são invenções da modernidade, mas
constituem o tipo de sistema social predominante nas sociedades modernas (CASTELLS,
1999). O que torna importante o estudo das organizações não é, somente, a sua
predominância na sociedade atual, mas o papel que ocupam na configuração das forças
sociais.
As empresas são sistemas complexos que agem em resposta a problemas
percebidos, desenvolvem mecanismos de adaptação, mas também, transformam situações
atuais, as quais elas ajudaram a criar. Desse modo, pode-se compreender as mudanças ou
processo de estruturação de novos modos de atuação e reconfiguração das relações entre
Estado, Empresas e Organizações da Sociedade Civil, que vêm se delineando desde o final
do século XX.
Segundo Giddens (1991), é preciso compreender as instituições sociais
modernas, o ritmo de mudança, o escopo da mudança e a natureza intrínseca dessas
instituições. A visibilidade que as organizações adquirem num contexto globalizado e
conectado por redes, é muito maior do que foi até meados dos anos 70.
As empresas têm, nos últimos anos, transformado a si mesmas a partir de
novos procedimentos de gestão, muitas vezes, contraditórios, da criação de novos
símbolos, adaptação dos valores corporativos, ocupação de novos espaços, criação de
novos produtos, enquanto outros são tirados do mercado, etc. . Essas mudanças precisam
ser comunicadas e, ao mesmo tempo, é preciso encontrar um sentido para as empresas em
um contexto cultural, político, tecnológico e empresarial diferente daquele dos anos 70.
No tópico anterior foram identificadas e discutidas algumas dimensões do
contexto social mais amplo. Concordar com Giddens (1991) que o final do século XX é um
39
período de radicalização e universalização das conseqüências da modernidade implica,
para o objetivo deste trabalho, analisar alguns desdobramentos ou desafios colocados para
as empresas no século XXI, no que se refere às mudanças de natureza organizacional e
institucional.
1.2.1 Mudanças organizacionais
No âmbito das transformações organizacionais, de modo geral, a grande
corporação criada por volta de 1870, caracterizada por uma organização do trabalho
taylorista-fordista, gestão burocrática, verticalização dos investimentos, clara associação
entre atividades em uma indústria e a tecnologia necessária para realizá-las, pouco
conhecimento e poder do cliente sobre as marcas e os produtos ou serviços prestados pela
empresa, predomina até meados da década de 1970, segundo Drucker (2003).
Entretanto, desde os anos 70, a abordagem das organizações como sistemas
sociais complexos tem estimulado a busca por compreender as organizações como produto
e produtoras dessas mudanças, a partir das interdependências entre indivíduos,
organizações, países, pois, as organizações como agentes sociais estimulam, facilitam,
sustentam e expandem esses eventos mundiais.
No âmbito das organizações, até a década de 50 e 60, a burocracia e o sistema
taylorista-fordista predominaram tanto como modelo de gestão e coordenação do trabalho,
quanto como tema central dos estudos organizacionais (CLEGG; HARDY, 1999). A crise
deste modelo de gestão, nos anos 70, tem levado à discussão de quais seriam as
características predominantes nos atuais modelos de gestão.
Algumas características apontadas como predominantes nos modelos atuais de
gestão são: a descentralização das decisões, com a exigência de maior democratização na
40
distribuição do conhecimento, informação e recompensa; outras formas de controle; a
estruturação das atividades na forma de uma rede interna, em que unidades de trabalho
estão conectadas por meios eletrônicos; a alteração na atuação das lideranças; a redução de
níveis hierárquicos e a alteração do significado da hierarquia como forma de coordenar e
controlar as ações por meio das pessoas; o aumento das possibilidades de combinação
entre conhecimento, tempo e espaço (CLEGG; HARDY, 1999).
Determinados estudos organizacionais questionam a emergência de novas
formas de organização pós-burocráticas ou pós-modernas (DELLAGNELO; MACHADO-
DA-SILVA, 2000), mais especificamente quais /qual a “nova racionalidade” ou “nova
forma de legitimação” caracterizariam essas organizações. Outros estudos apontam a
transição de diferentes tipos de burocracias para formas mais eficazes de burocracias
(ADLER, 1999; ADLER; BORYS, 1996). De outra perspectiva, aponta-se o equívoco que
é analisar de forma linear as transformações organizacionais recentes, visto que é possível
combinar certa flexibilidade externa com a organização do trabalho, internamente, baseada
em premissas da organização industrial taylorista/fordista (WOOD JR, 2000 b).
Neste último caso, insere-se o trabalho de Azevedo e Caldas (2002) acerca
daquele que é o modelo arquetípico da empresa do final do século XX, isto é, empresa
prestadora de serviços que utiliza sofisticada tecnologia de computadores e
telecomunicações, neste estudo, as grandes centrais de atendimento chamadas call centers.
Os autores apontam a possibilidade dessas empresas combinarem o uso de tecnologia
sofisticada, uma certa flexibilização externa na interação com os clientes de forma
diferenciada, com sofisticadas práticas de racionalização do trabalho para massificar a
acessibilidade da empresa perante seu público externo.
Para Drucker (2003), a corporação tradicional criada por volta de 1870, não
será substituída por um modelo predominante, mas por diferentes formas de organização.
41
Outros autores têm sugerido um novo “paradigma”, para além da empresa burocrática,
destacando a emergência de Organizações de Aprendizagem (SENGE, 1999), Adhocracias
(MINTZBERG, 2003), Organizações Visionárias (COLLINS; PORRAS,1996),
Organizações em Rede (CASTELLS, 2003, 1999), Organizações de Simbolismo Intensivo
(WOOD JR., 2000a).
Para Castells (2003) o uso crescente da Internet pelas empresas, desde a década
de 90, está criando novas formas de negócios. O autor refere-se às empresas eletrônicas
definidas como qualquer atividade de negócio cujas operações-chave ocorram por meio da
Internet ou outras redes de computadores. Outra forma organizacional é a empresa rede,
“construída em torno de projetos de empresas que resultam da cooperação entre diferentes
componentes de diferentes firmas, que se interconectam no tempo da duração de dado
projeto empresarial, reconfigurando suas redes para a implantação de cada projeto”
(CASTELLS, 2003, p.58).
As características apontadas pelo autor para a empresa rede são: flexibilidade
que implica manter o controle e, ao mesmo tempo, descentralizar decisões para os
diversos “nós” da rede; interatividade que permite a comunicação em múltiplas direções e
em tempo real ou escolhido; escalabilidade que se refere à capacidade de alterar a
topologia da rede de acordo com as necessidades mutantes da operação; customização que
permite combinar produção em grande escala e atendimento aos requisitos específicos do
comprador, esteja ele onde estiver; marca que é a capacidade da empresa ter um sinal
reconhecido de valor num mundo empresarial em que os compradores têm múltiplas
escolhas e os investidores precisam de um símbolo de capacidade reconhecida de criação
de valor (CASTELLS, 2003).
Outra perspectiva associada às “novas formas” organizacionais tenderia a
valorizar, em graus variados e com objetivos variados, um comportamento socialmente
42
responsável, visto que, os avanços científicos e tecnológicos não resolvem de forma
automática o crescimento de desequilíbrios e desigualdades sociais que persistem ao longo
do tempo, podendo, inclusive, ampliá-los. A redefinição do papel social das organizações
não é possível, como necessária, segundo Vergara e Branco (2001), visto que, como um
agente social, pode e tem um papel relevante para a busca das raízes de tal descompasso,
assim como para as alternativas de sua superação. Esse ponto será retomado na próxima
seção que trata das mudanças institucionais.
Ao mesmo tempo, que se exige um comportamento mais participativo das
organizações com relação aos problemas da sociedade, tem sido questionada a maior
participação também internamente. Isso não seria algo inédito em teoria das organizações,
mas a discussão recente é pertinente, visto que, as respostas neste campo não podem ser
definitivas. Segundo Bunge (1989, p.89), a experiência e a teoria sócio-política têm
mostrado que “se um indivíduo não pode participar da tomada de decisões que lhe dizem
respeito, tais decisões ignorarão os seus interesses e não contarão com sua adesão
espontânea e nem com a sua cooperação voluntária que é mais eficaz”.
Para Aktouf (2001), essa busca por maior participação dos funcionários na
empresa o é um ideal romântico e nem um ato de filantropia gratuita, nem uma utopia,
mas uma necessidade. Segundo esse autor, a empresa inteligente, tão procurada, deverá
contar com a sinergia dos “cérebros” que a compõem, como forma de conceder maior
capacidade de invenção de soluções originais, para enfrentar a complexidade e os desafios
da gestão contemporânea.
O cenário global intensifica as relações econômicas em escala mundial;
também exige a reformulação de conceitos e a emergência de novos parâmetros globais de
comportamentos e políticas. Neste contexto, o fluxo dos mercados e os sistemas políticos
tornam-se fundamentais para a condução da política interna da empresa. Em regimes de
43
governos mais democráticos, as relações sociais que permeiam a organização tendem a se
apresentar mais democratizadas. Ou seja, se o objetivo da empresa continua sendo o lucro
(objetivo de natureza econômica), e este depende do controle do trabalho a ser executado,
o poder é algo que precisa ser repensado nas empresas, outras articulações entre gestão e
trabalho precisam ser buscadas, conforme Pimenta e Corrêa (2001).
O que não quer dizer que este processo se dê de forma linear, homogênea, pelo
contrário, o articulações ambíguas e contraditórias, conforme Saraiva et al (2004).
Apenas as pesquisas vão confirmar se o discurso pautado pela democracia se realiza em
ações pautadas pela liberdade, por um espaço aberto que permite a criação de novos
direitos, que considera o conflito legítimo, considera os diversos interesses e necessidades
existentes, uma sociedade em que as dotações sociais são distribuídas segundo um
princípio de igualdade e justiça.
Do mesmo modo, apenas as pesquisas vão confirmar em que medida um
discurso pautado pela cidadania descreve a real gestão da organização de modo que, além
dos deveres, as pessoas estejam amparadas por direitos acessíveis a todos, desde os mais
capacitados aos menos capacitados. Pois, a cidadania pressupõe que as práticas de
reivindicação de apropriação dos espaços e de influência em decisões estratégicas para
uma dada sociedade sejam a norma (SARAIVA et al., 2004).
A partir dos anos 80, a disseminação da cultura do management,
simultaneamente às transformações mencionadas no contexto social mais amplo e no
campo empresarial, afeta a esfera ético-política consolidando um novo conjunto de valores
e comportamentos que sustentam o discurso e a cultura do management. Conforme estudo
de Wood Jr e De Paula (2001), termos como eficiência e sucesso orientam a conduta e
moldam a linguagem e as atividades dos indivíduos e das organizações.
44
A linguagem e os símbolos, que permeiam os textos gerados e/ou disseminados
pelas publicações populares de gestão, que estes autores chamam de pop-management,
criam um novo imaginário organizacional e social, visto que, essa literatura popular de
gestão e a mídia de negócios têm papel relevante na disseminação de novas idéias,
discursos e práticas gerenciais, auxiliando na legitimação da cultura do management.
Em resumo, as críticas à organização burocrática são variadas e anteriores aos
anos 70. Mas é, sobretudo, nos anos 80 e 90 que se fala de uma “nova” organização. A
resposta à questão, se de fato emergiram tipos organizacionais pós-burocráticos, pressupõe
a resposta a uma outra questão, segundo Vasconcelos (2002), refere-se ao modus operandi
das organizações em um capitalismo avançado e quais critérios de constituição de
autoridade, legitimidade e eficiência as caracterizam.
Freitas (2002, p. 71) também caminha na mesma direção ao questionar “se sua
essência [da empresa] não mudou e sua finalidade básica é a mesma de sempre, mas ela
modifica as formas de realização dessa finalidade, podemos dizer que se trata de uma nova
forma organizacional?”. Essa autora destaca que o que diferencia a atual empresa daquela
do passado é a maior visibilidade perante diversos públicos e uma revalorização das
empresas a partir das respostas destas a um mundo complexo.
1.2.2 Mudanças institucionais
Nesta seção, o termo institucional refere-se ao contexto relacional e normativo
que tem influenciado a existência e o comportamento das empresas nos últimos anos.
Alguns aspectos serão priorizados, tais como: pressões ligadas à globalização, pressões
relativas ao controle de custos, pressões relativas à confiança entre os stakeholders
2
, e
2
Esse termo refere-se aos diversos públicos ou agentes que podem influenciar e ou são influenciados pela
existência, atividades e processos de uma organização (MITCHELL et al., 1997).
45
demandas por um comportamento ético e a responsabilidade corporativa. Rodrigues (2004)
avalia que esses são os desafios da administração e das empresas no século XXI.
Em busca de atuação mais eficiente num contexto competitivo mais global as
empresas têm feito uso de práticas como reengenharia, downsizing (basicamente redução
da estrutura organizacional), terceirização, processos de reestruturação, Total Quality
Management (gestão por qualidade total). Se por um lado essas técnicas podem ajudar
algumas empresas em momentos específicos a alcançarem resultados melhores, elas
também têm gerado desemprego e insatisfação do público externo e interno.
Em um contexto de competição globalizada, países em desenvolvimento, como
o Brasil, adotam duas perspectivas: o aumento das exportações e a internacionalização das
empresas. O governo estimula as empresas nacionais a empreenderem um processo de
internacionalização, que exigirá das empresas brasileiras mudanças da cultura
organizacional e da forma de distribuição e maior flexibilidade na produção (BALBI,
2004).
No final dos anos 80 e início dos anos 90, as empresas brasileiras tinham como
desafio o processo de abertura para o mercado internacional e a necessidade de adaptação
aos novos padrões de qualidade e produtividade. Embora este processo tenha afetado
desigualmente as empresas, a modernização e a reestruturação foram os caminhos
buscados, nos anos 90, para obter ganhos em eficiência e melhoria do nível de
competitividade.
O segundo desafio das empresas está relacionado ao controle de custos. Esse
processo tem intensificado o uso de tecnologias de comunicação e transmissão de dados, o
repasse da pressão por custos aos outros componentes da cadeia produtiva, a busca por
novos conhecimentos e competências que gerem capacidade de inovação. As técnicas de
controle e de redução de custos variam, por exemplo, melhoria contínua, just-in-time, seis
46
sigmas, benchmarking, etc. A busca por redução de custos em um ambiente em que a
competitividade é globalizada levou ao surgimento do “modelo Nike”.
Os meios de comunicação, hoje, disponibilizam as informações com mais
facilidade, a cópia também se tornou mais fácil, impondo um ritmo acelerado de inovação
às empresas que pretendem ser competitiva.” (RODRIGUES, 2004, p. 109). Nesse
contexto, surgem questões-chave tais como estímulo à criatividade, geração de
conhecimento a partir de diferentes culturas, principalmente no caso das multinacionais, o
trabalho em grupo, a formação de atitudes colaborativas, a construção de confiança entre
os atores organizacionais.
O terceiro desafio das empresas neste início dos anos 2000 está relacionado à
construção de relações de confiança entre os proprietários, acionistas, gerentes,
funcionários e demais stakeholders. Segundo Rodrigues (2004), o movimento de
expansão das fusões e aquisições internacionais, da delegação da gestão dos negócios em
virtude da grande dispersão dos acionistas, transformou as configurações de propriedade
no mundo inteiro e tornou centrais as relações de agência.
Questões relacionadas à confiança, ao grande poder nas mãos de um executivo
principal, ao governo e à gestão das empresas tornam-se fundamentais diante de
escândalos envolvendo grandes empresas como Enron, WorldCom, Parmalat. Nos anos 90,
o conceito de governança corporativa ganhou força na tentativa de superar o “conflito de
agência”, que emerge com a separação entre a propriedade e a gestão empresarial.
A satisfação dos diferentes interesses dos diversos stakeholders implica em
conciliar geração de valor para os acionistas, pagamento de altos salários para os
executivos além de atender os diferentes interesses e necessidades dos clientes,
funcionários, governo, comunidade. A terceirização, muitas vezes, leva o cliente de uma
empresa a resolver o seu problema com alguém que desconhece verdadeiramente o seu
47
problema, e pode estar em outra cidade, outro estado e outro país, são os chamados
serviços de call centers; a redução do quadro de funcionários por processos de downsizing
continua gerando desemprego para os que são demitidos e sobrecarga de trabalho e mais
insegurança para os que ficam (RODRIGUES, 2004).
O quarto desafio, que se impõe à empresa do século XXI, é o da
responsabilidade corporativa, “pois é que se muda a orientação de curto prazo para uma
perspectiva de longo prazo. Gradualmente, vem-se formando um consenso de que a
sobrevivência da empresa no longo prazo depende da construção de uma relação mais
equilibrada com seus vários stakeholders”, segundo Rodrigues (2004, p.110). O caminho
para uma atuação ética e responsável, talvez, seja o envolvimento mais efetivo destes nas
decisões que os afetam.
O discurso que ressalta a ética e a responsabilidade social seria a resposta das
empresas para as críticas relacionadas à corrupção, degradação ambiental, desemprego ,
críticas ao modo de operar das empresas e seus impactos sociais/ambientais negativos,
estas cresceram e pulverizaram-se à luz de incontáveis e diversificadas evidências. Desse
modo, as respostas das empresas às críticas e os novos compromissos assumidos, buscam
uma inserção mais adequada às condições econômicas, ambientais e sociais
contemporâneas (ASHLEY, 2002).
As vantagens de um comportamento socialmente responsável, para as
empresas, estariam relacionadas à melhor visibilidade, maior demanda e valorização de
suas ações, menor custo de capital, preferência dos investidores na seleção de seus
investimentos, diferenciação pelos consumidores, criação de novos produtos,
fortalecimento dos relacionamentos internos e sustentabilidade dos negócios. Portanto,
ações socialmente responsáveis criam valor para as empresas na forma de vantagens
competitivas, isto é, maior retorno, maior valor e maior produtividade (ASHLEY, 2002).
48
A responsabilidade social corporativa está associada a um projeto” maior
que as próprias empresas, mas que não pode se efetivar sem a participação delas, conforme
texto do web site ONU Global Compact ou Pacto Global (<http://www.onu-
brasil.org.br/global_compact.php>). O Pacto Global refere-se a um trabalho conjunto de
organismos internacionais e o setor privado, bem como outros atores sociais, para
contribuir e fazer avançar a prática de responsabilidade social corporativa, na busca de uma
economia global sustentável e mais inclusiva.
O objetivo do Pacto Global é encorajar o alinhamento das políticas e práticas
empresariais com os valores e os objetivos aplicáveis internacional e universalmente
acordados. Os princípios universais que orientam o Global Compact e com os quais as
empresas signatárias se comprometem, estão concentrados em quatro temas: princípios de
Direitos Humanos, princípios de Direito do Trabalho, princípios de Proteção Ambiental,
princípio contra a Corrupção.
O setor privado, com o apoio de agências das Nações Unidas, tais como
Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos (OHCHR), Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), é estimulado a adotar
esses princípios internamente e em suas relações externas, especialmente, em toda a cadeia
produtiva. Pois, conforme web site do Global Compact , respeitar os direitos humanos e do
trabalho, proteger o meio-ambiente, evitar a corrupção, podem favorecer comercialmente
as empresas.
O Governo brasileiro tem estimulado uma maior participação das empresas na
solução dos problemas sociais, especialmente ações voltadas para a educação, conforme
web site do Programa Fome Zero do Governo Federal e do Projeto Escola de Fábrica do
Ministério da educação. O Governo Federal afirma que as empresas, ao avaliarem suas
49
relações com empregados, fornecedores, clientes, consumidores, concorrentes, parceiros,
também devem considerar as comunidades nas quais atuam ou que são atingidas por suas
atividades. Esse exame deve considerar as amplas possibilidades que as empresas têm de
introduzir mudanças que tenham como conseqüência a inclusão social daqueles que hoje
não têm os seus direitos sociais básicos assegurados.
Um instrumento utilizado pelas empresas para a divulgação de suas ações de
responsabilidade social é o Balanço Social. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (IBASE) lançou, em 1998, o Selo Balanço Social Ibase/Betinho, que é
conferido anualmente a todas as empresas que publicam o balanço social conforme
modelo, metodologia e critério sugeridos pelo instituto.
As empresas podem usar o selo em seus anúncios, embalagens, balanço social,
sites e campanhas publicitárias; o selo é um indicador de que investem em educação,
saúde, cultura, esportes e meio ambiente. No site do IBASE justifica-se a realização do
balanço social porque é ético, agrega valor, diminui riscos, é um moderno instrumento de
gestão, é um instrumento de avaliação, é inovador e transformador, favorece todos os
grupos que interagem com a empresa (<http://www.balançosocial.org.br/ogi/cgilua.exe/
sys/start.htm?infoid=61&sid=8>).
As empresas têm enfrentado os desafios, acima citados, de diversas formas. Por
vezes, criando e ou apoiando instituições que normatizam comportamentos, outras vezes,
conformando-se ou procurando influenciar a direção das exigências e requerimentos de
instituições governamentais ou da sociedade civil. Em uma consulta preliminar ao site de
algumas instituições relacionadas aos temas ou desafios colocados para as empresas, neste
início de século, foi possível confirmar a institucionalização de alguns conceitos,
comportamentos e práticas organizacionais, conforme o Quadro 1, a seguir.
50
Instituições e normas de comportamento empresarial
Instituição Descrição
IBCG – Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa
www.ibcg.org.br
Mensagem básica: as boas práticas de governança corporativa têm
a finalidade de aumentar o valor da sociedade [sic], facilitar seu
acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade.
Objetivos: disseminar o conceito de Governança Corporativa e o
uso do Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança
Corporativa; debater idéias e promover pesquisas sobre a
governança corporativa; contribuir para que as empresas adotem
transparência, prestação de contas (accountability)e equidade como
diretrizes fundamentais ao seu sucesso e continuidade.
WBCSD World Business
Council for Sustainable
Development
www.wbcsd.ch
CEBDS Conselho
Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável
www.cebds.com
Mensagem básica: negócios e sociedade são interdependentes e
devem se proteger, a partir de uma compreensão mútua e um
comportamento responsável, o papel dos negócios para criar um
futuro melhor é reconhecido e encorajado pela sociedade; A
contribuição básica para o desenvolvimento sustentável é a eco-
eficiência, um termo cunhado pelo WBCSD em 1992.
Objetivos: eco-eficiência: reduzir o consumo de materiais, de
energia, a dispersão de substâncias tóxicas, intensificar a
reciclagem, prolongar a durabilidade dos produtos [sic], etc.
Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social
www.ethos.org.br
Mensagem básica: a responsabilidade social está se tornando cada
vez mais fator de sucesso empresarial, o que cria novas perspectivas
para a construção de um mundo economicamente mais próspero e
socialmente mais justo.
Objetivos: incorporar a prática da responsabilidade social
empresarial; implementar políticas e práticas que atendam elevados
critérios éticos, contribuindo para o alcance do sucesso econômico
sustentável em longo prazo; assumir as responsabilidades da
empresa com todos aqueles que são atingidos por suas atividades;
etc.
ISO International Organi-
zation for Standardization
www.iso.org
ABNT Associação Brasileira
de Normas Técnicas
www.abnt.org.br
Mensagem sica: marcas e certificados de conformidade são
indispensáveis na elevação do nível de qualidade dos produtos,
serviços e sistemas de gestão. A certificação melhora a imagem da
empresa e facilita a decisão de compra para cliente e consumidores,
facilita a ação de governos e exportadores.
Objetivos: normalizar a fabricação dos produtos, buscar a
melhoria da qualidade de vida através de normas relativas à saúde, à
segurança, à preservação do meio ambiente e à responsabilidade
social.
IBASE Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas
www.ibase.org.br
Mensagem básica: democracia é cidadania ativa, participativa, de
sujeitos sociais em luta, nos locais em que vivem, agindo e
construindo com igualdade na diversidade a sociedade civil, a
economia e o poder.
Objetivos: desenvolver ações para incidir em políticas públicas que
priorizem a igualdade e o desenvolvimento humano democrático e
sustentável, erradicar a pobreza e o combate à desigualdade; exigir
transparência dos representantes eleitos; cobrar ética,
responsabilidade social e cidadã dos setores empresariais, etc.
Quadro 1 Instituições e normas de comportamento empresarial
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos web sites das instituições
51
No site do IBASE (www.balançosocial.org.br/ogi/cgilua.exe/sys/start.htm?
infoid=61&sid=8), informa-se que a elaboração e divulgação anual de relatórios com
informações de caráter social têm origem nos anos 60, nos EUA e na Europa, devido ao
repúdio da população à guerra do Vietnã. Esse fato deu início a um movimento de boicote
à aquisição de produtos e ações de algumas empresas ligadas ao conflito. No Brasil, esta
idéia começou a ser discutida na cada de 70, mas apenas nos anos 80 surgiram os
primeiros balanços sociais de empresas. Nos anos 90, a visibilidade deste tipo de
instrumento de gestão cresceu com o apoio do sociólogo Herbert de Souza.
Neste capítulo, empreendeu-se um esforço para identificar um conjunto de
circunstâncias, neste início do século XXI, que exigem um discurso apropriado por parte
das empresas e que seja potencialmente capaz de legitimá-las. O capítulo seguinte trata do
uso intencional da linguagem, como uma das formas pelas quais as empresas buscam a
legitimação.
52
CAPÍTULO II
A RETÓRICA E A BUSCA DAS EMPRESAS POR
LEGITIMAÇÃO NA WEB
A Kibon muda a forma de se comunicar com os seus consumidores, deixando de ser
uma fabricante de sorvetes para se tornar uma provedora diária de diversão. ISSO SIM
É DIVERSÃO!
Unilever, “História”, década de 2000
O presente trabalho analisa o discurso das empresas identificadas “Melhores e
Maiores” pelo Anuário da Revista Exame, de julho de 2004, a partir do web site destas
empresas. Esta pesquisa tem como ponto de partida o quadro traçado por Halliday (1987)
sobre a construção simbólica da legitimidade organizacional. Halliday (1991, p. 25-26)
define a legitimação organizacional como o processo pelo qual se constrói
simbolicamente a legitimidade através da apresentação de credenciais que justifiquem a
existência e as atividades de uma instituição, em termos aceitáveis por seus públicos
relevantes”.
Na primeira seção, deste capítulo, faz-se uma descrição do trabalho de
Halliday (1987); na seção seguinte, apresenta-se as referências da literatura acerca das
complexas relações entre a dimensão cultural e política do discurso, na terceira e última
seção discute-se a natureza e determinadas características do discurso das empresas na
WEB.
53
2.1 TEMAS LEGITIMADORES E PAPÉIS ASSUMIDOS NO DISCURSO DAS
EMPRESAS
Halliday (1987) analisou a retórica das multinacionais na busca de legitimação
pela palavra. A partir do estudo de anúncios publicados em determinados periódicos
selecionados, identificou que as empresas faziam uso de credenciais, alegações cativantes e
apelos em sua comunicação corporativa. Nessa pesquisa, a autora identificou e analisou
as maneiras pelas quais as empresas multinacionais legitimam seu poder retórica e
simbolicamente. Retórica refere-se a “atos de comunicação que ocorrem em resposta a
certas situações, as quais exigem, inspiram ou encorajam certo tipo de discurso”;
simbólico refere-se a “‘por meio de símbolos’, isto é, palavras/imagens revestidas de
significado” (HALLIDAY, 1987, p. 10).
Halliday (1987) analisou 150 anúncios, publicados por 103 empresas
multinacionais, em três países: Brasil, Estados Unidos e França, entre janeiro de 1970 e
dezembro de 1980, e concluiu que as organizações constroem a sua legitimidade agindo
retoricamente. O estudo da comunicação de multinacionais voltada para os países
anfitriões apontou quais os elementos retóricos estavam presentes e como variavam as
mensagens ou como as empresas se autodescreviam para diferentes públicos-alvo.
Como pressuposto, a autora considerou que as multinacionais sofrem de
“legitimidade questionada” e procuram resolver este problema construindo simbolicamente
a sua realidade por meio da importação/exportação de significados do ambiente onde se
localizam e operam e, assim, expandem simbolicamente as fronteiras organizacionais.
A autora concluiu que o vocabulário e as imagens são mobilizados pelo discurso das
empresas multinacionais para alcançar legitimidade nos países anfitriões, conforme
destacado no Quadro 2.
54
Elementos do discurso das empresas multinacionais
Credenciais
Identidade: familiaridade, identificação com o cliente individual
ou com o país-anfitrião;
Status: qualidades excepcionais;
Realizações: dados autobiográficos que acentuam o sucesso da
empresa, a competência;
Capacidade: de ser útil aos clientes, à sociedade, capacidade de
ajudar;
Opiniões: alguém que sabe o que está dizendo, assim, digna de
confiança (tem cérebro);
Sentimentos: alguém que tem sentimentos, assim, humaniza-se
(tem coração);
Objetivos: justificativas socialmente aceitáveis para a razão de
ser da empresa, altos ideais;
Alegações
Cativantes
“Somos excelentes”;
“Podemos ajudar você”, “contribuir”, “colaborar”;
“Temos altos ideais”, “boas intenções”;
“Somos como vocês”, “fazemos parte do seu mundo”;
Apelos
“Provas” emocionais e racionais intelectualmente aceitáveis:
acenar com vantagens, prometer segurança, invocar certos ideais,
apelar para o orgulho nacional, uso da estatística, de
testemunhas/testemunhos e exemplos.
Quadro 2 Elementos do discurso das empresas multinacionais
Fonte: elaborado pela autora a partir de Halliday (1987, p. 21-28)
De modo geral, as acusações contra as multinacionais se aglutinam em torno de
uma única questão: seu poder de delinear as fronteiras de suas ações, em benefício próprio;
fato corroborado por sua atuação em vários países e pela idéia de controle total sobre
recursos e vidas, implicando e ressaltando a falta de poder dos outros, a ameaça de
onipotência e o abuso de poder.
Assim, essas empresas têm a sua legitimidade questionada. Algumas vezes, as
multinacionais tornam-se “bode expiatório”, embora nem sempre de todo inocente; passa-
se a atribuir às multinacionais “pecados” das elites nacionais e de governos ineficientes.
Desse modo, por serem alvo de ódio e críticas, as empresas multinacionais buscam a
aceitação e crédito por meio de seu discurso e auto-afirmações (HALLIDAY, 1987).
55
As mensagens estratégicas constituem-se em um dos meios pelos quais as
empresas lidam com a distância entre a maneira como elas são percebidas, entendidas e
acreditadas e a maneira como gostariam que fossem essas percepções, compreensão e
crédito. O estudo de Halliday (1987) identificou que as empresas multinacionais faziam
uso de três reforços retóricos, conforme o Quadro 3.
Elementos de reforço do discurso das empresas multinacionais
Metáforas
As multinacionais se autodescrevem a partir de imagens
que personalizam e humanizam a organização; são
utilizadas as metáforas da biologia, do imigrante, e as
metáforas religiosa e arquitetônica.
Personificação da empresa
Recurso retórico que serve para atribuir sentimentos,
características e comportamento humano a um objeto ou
entidade, neste caso,
às empresas.
Alusões que credenciam
Referências aos elementos de uma herança cultural
comum, nomes respeitados, figuras históricas,
provérbios, eventos e personagens familiares, essa é uma
forma de identificar a empresa com o seu público, uma
maneira das empresas multinacionais tornarem-se
persona grata
.
Quadro 3 Elementos de reforço do discurso das empresas multinacionais
Fonte: elaborado pela autora a partir de Halliday (1987, 1991)
Halliday (1987) identificou além destes, outros elementos do discurso das
multinacionais: os temas e os papéis. A autora concluiu que três temas estão presentes nos
discursos das multinacionais e três papéis são assumidos por estas empresas em seu
discurso legitimador na década de 70.
O primeiro tema, a Utilidade, corresponde ao nível mais básico de legitimação.
As empresas podem legitimar seus produtos e serviços destacando a qualidade destes para
a satisfação do cliente, destacando a sua utilidade para atender as necessidades sociais e
econômicas. Embora necessária, a legitimação pelo tema Utilidade não é suficiente. O
tema Utilidade ainda pode ser útil como retórica de manutenção do direito de existir da
organização.
56
Tema legitimador e papel assumido no discurso das empresas multinacionais
Tema Papel Descrição
Utilidade Empresa como
Parceira
A empresa apresenta-se como portadora de
benefícios e de confiança, tem conhecimento, é
competente, tem capacidade de trabalho e espírito
de cooperação. Essa persona é capaz de satisfazer
ou gratificar desejos e “ajudar” a atingir os
objetivos desejados. Sua função principal é
destacar a organização entre competidores e agradar
a clientes atuais ou potenciais com apelos aos
benefícios que estes podem obter das empresas.
Compatibilidade Empresa
Compatriota/Irmã-
em-humanidade
A empresa proclama “ser do mesmo tipo” e
enfatiza a congruência entre suas atividades,
objetivos, normas, valores, sonhos e desejos com
aqueles prevalecentes na sociedade. Essa persona
identifica-se com o ambiente externo do país
anfitrião e, de maneira geral, com os interesses,
valores, necessidades da humanidade.
Transcendência Empresa
Encarregada-de-uma-
grande-missão
A empresa coloca-se para além dos limites do
tempo, de sua natureza organizacional, de seu ramo
de atividade e de seus objetivos de autopreservação,
crescimento e lucro. A empresa apresenta-se como
alguém cuja razão de ser está ligada a uma causa
última, o futuro, o bem-estar da humanidade, a
felicidade, a união e a harmonia. Essa persona é
idealista, altruísta e socialmente engajada, atributos
que sacramentam a empresa aliando-a a fins mais
elevados, assim, dotada para dirigir-se a uma
audiência universal.
Quadro 4 Tema legitimador e papel assumido no discurso das empresas
Fonte: elaborado a partir de Halliday (1987)
Um segundo nível de legitimação pode ocorrer a partir do tema
Compatibilidade, ou seja, da ênfase consistente da congruência entre os objetivos e
normas da organização e os valores, objetivos que prevalecem “lá fora”, na sociedade .
Mas, segundo Halliday (1991, 1987), as multinacionais, ao exercerem um poder em escala
mundial, buscam uma forma de “legitimação suplementar” que coloca essas empresas num
quadro de referência sagrado e cósmico. Esse terceiro nível de legitimação é buscado pelas
organizações, geralmente, na sua interação simbólica com o ambiente externo: a
Transcendência.
57
A retórica das empresas multinacionais caminha no sentido de que o poder das
multinacionais passa a ser visto como benéfico, pois ajuda indivíduos e nações a obterem
bens concretos e ganhos abstratos, progresso, bem-estar. É um poder o ameaçador,
pois é exercido “por um de nós”. É um poder sagrado, pois dedicado a objetivos
transcendentes, que ultrapassam as fronteiras da organização e do país, como por exemplo,
uma vida melhor para todos os habitantes do planeta. A transcendência remove a pressão
por prazo para a verificação dos resultados das ações empresariais, ao relacionar eficácia
com a construção do porvir, a primeira se torna inverificável.
A legitimação pela transcendência é do tipo religioso”, fundamentada na
realidade última do universo. Conforme Halliday (1987, p. 43) “esta ‘cosmicização da
instituição’ infunde nas multinacionais um ‘senso máximo de ser correta’, e reverte para os
seus acusadores a ‘maldade’ atribuída à ordem questionada”. Outra conseqüência da
legitimação pela transcendência é que, ao utilizar uma retórica que recorre à afirmação de
objetivos intangíveis cujo alcance não poderá ser verificado no curto e nem no médio
prazo, isso torna o poder dessas empresas inquestionável perante seus públicos-chave. A
unção de transcendência, objetivos nobres e uma missão maior do que a própria vida
fazem parte da justificação dos interesses do grupo ou sistema empenhado na legitimação
de sua ideologia e justificação de suas vantagens.
O Quadro 5, sintetiza, de forma esquemática, as três maneiras utilizadas pelas
multinacionais para expandir de forma planejada suas fronteiras, lidando com os
significados do ambiente e atuando nos significados vigentes no ambiente, pesquisadas por
Halliday (1987).
58
Elementos e estratégias do discurso das empresas multinacionais
Elementos
do discurso
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Credenciais
Competência,
espírito de
cooperação,
capacidade de trabalho
e de realização,
objetivos intrínsecos
ao produto e objetivos
sistêmicos (faz uso de
status, realizações
capacidade, opinião,
objetivos)
Congruência dos
interesses, valores,
necessidades, anseios,
normas da empresa com
aqueles prevalecentes no
ambiente, compromisso
com os objetivos do
produto final (faz uso da
identidade, opiniões,
sentimentos, objetivos)
Objetivos nobres em
relação ao futuro, à
natureza, à “magia” da
tecnologia, à felicidade,
(faz uso de realizações,
capacidade, opiniões,
objetivos, sentimentos)
Alegações
cativantes
“Somos excelentes”,
“podemos ajudar
você”
“Somos como você” Temos altos ideais”
Apelos
Acenar com
vantagens, número de
empregos, variedade
de produtos, ênfase
nas necessidades do
público, confiança
Prometer segurança,
falar de “amizade”,
“integração”, “elo’,
apelar para o orgulho
nacional, tornar-se “um
membro da família”
Invocar questões
supremas, nomes ou
crenças para legitimar
ações/objetivos
egoístas a partir de
objetivos altruístas ,
referência a um
imperativo moral.
Metáforas
Metáfora biológica ou
analogia com seres
vivos (líder), metáfora
ecológica (parque
nacional)
Metáfora da família,
metáfora do imigrante,
metáfora arquitetônica
(pilares, base)
Metáfora da religião
(mandamentos , credos,
doutrina), da magia
Personifica
ção
Parceira (capacidade
de ajudar, excelente
relacionamento,
confiança)
Compatriota/Irmã-em-
humanidade (identificação
com “coisas” importantes
para a sociedade,
associação de
produtos/serviços com
sentimentos
compartilhados,
consubstancialidade )
Encarregada-de-uma-
grande-missão (além dos
limites comuns de sua
natureza organizacional,
de seu ramo de
atividades e de seus
objetivos de lucro e
sobrevincia)
Alusões
Fazer menção aos
esforços da empresa
para melhorar vários
aspectos da vida no país
Referência a termos da
língua local, dar apoio a
metas e políticas do país
anfitrião, identificar-se
com o país, por exemplo,
IBM – Brasil
Fazer menção à luta
contra a fome no mundo,
ao bem-estar do homem,
à melhoria das condições
de vida, ao progresso e
desenvolvimento do país
Quadro 5 Elementos e estratégias do discurso das empresas multinacionais
Fonte: Halliday (1991, 1987)
59
Halliday (1987) identificou três formas ou papéis representados pelas
multinacionais que, embora distintos, não se excluem, isto é, podem estar presentes em
diferentes graus, de forma combinada, nos discursos destas empresas. Assim, é possível
estabelecer relações entre as variações dos elementos do discurso e o público-alvo a que se
dirige. Na pesquisa realizada, a autora utilizou a mídia impressa, anúncios publicados por
empresas multinacionais em três revistas selecionadas, para públicos-alvos específicos:
norte-americanos, franceses e brasileiros, de janeiro de 1970 a dezembro de 1980.
Em resumo, na pesquisa original Halliday (1987, p. 75) identificou que, em
textos de multinacionais voltados para os países-anfitriões, “o tema Utilidade domina o
discurso auto-afirmador das multinacionais na França e nos Estados Unidos enquanto
Compatibilidade é o tema enfatizado no Brasil”. A autora argumenta que, no caso do
Brasil, a Utilidade das multinacionais não está em questão, uma vez que o governo e as
elites acolheram o capital estrangeiro como vantajoso para a economia nacional.
No Brasil, a Utilidade tende a ser afirmada por meio da Compatibilidade, de
modo que compartilhando dos objetivos nacionais, a empresa ajuda a atingi-los. Na
França ocorre quase o inverso, pois as empresas apresentam-se como fornecedoras de
produtos e serviços úteis, portanto, compatíveis com os objetivos nacionais. Nos EUA, a
Utilidade é o tema enfatizado, às vezes, ampliado pela transcendência, a argumentação
geral de que a empresa faz mais do que fornecer benefícios materiais e imediatos. Mas, a
Transcendência é uma estratégia retórica que aparece nos três países, corroborando a
existência de um problema retórico transnacional enfrentado pelas multinacionais.
As conclusões desta pesquisa estão intimamente associadas aos
acontecimentos, sentimentos, valores que prevaleciam na sociedade nos anos 70. E tem o
mérito de mostrar que a atuação retórica das empresas altera-se conforme a personagem-
tipo mais capaz de assegurar-lhe o status de persona grata, em cada país. Segundo
60
Halliday (1987, p.75) “o discurso das multinacionais segue a regra comportamental das
organizações segundo a qual estas procuram tanto influir no ambiente como para adaptar-
se a ele”.
Além da síntese apresentada acima, no capítulo 7 do trabalho de Halliday
(1987) algumas conclusões são apontadas com base em exame preliminar de uma amostra
de 69 textos, além dos 150 anúncios da pesquisa original, do mesmo período (de janeiro
de 1970 a dezembro de 1980). Estes textos, publicados por multinacionais e empresas
locais, se dirigem aos seus países de origem (os mesmos da pesquisa original: Brasil,
França e Estados Unidos). As conclusões de Halliday (1987, p. 82) em relação a essa
pesquisa preliminar têm relevância para o presente trabalho, conforme segue:
a) tanto as multinacionais como as não-multinacionais, dirigindo-se aos
públicos de seus países de origem, priorizaram o tema Utilidade;
independente das diferenças entre as empresas. Portanto, a Parceira é a
persona predominante em textos de multinacionais ou não, em que as
empresas se autodescrevem para os seus países de origem.
b) as empresas brasileiras dirigindo-se ao público brasileiro, e as empresas dos
EUA dirigindo-se ao público dos EUA, utilizam o tema Compatibilidade, mas
este aparece como segunda voz, como fragmentos nos textos, em relação ao
tema Utilidade. A ênfase do tema Compatibilidade varia e deve ser
interpretada de acordo com o retor, sendo que nos seus países de origem, as
empresas parecem introduzi-lo como fragmento, em algum ponto do texto;
nos países-anfitriões, as multinacionais utilizam mais intensamente esse
tema.;
61
c) o tema Transcendência está ausente nos discursos das multinacionais e das
empresas locais “em casa”, o que parece indicar, trata-se de tema peculiar ao
discurso das multinacionais , dirigido a uma audiência internacional.
Ao identificar os elementos do discurso das empresas pesquisadas, Halliday
(1987) considera a dimensão ideológica na retórica organizacional. Ideologia
organizacional “é o mapa de valores, crenças, idéias, interpretações da realidade e cursos
de ação característicos de uma organização ou grupo de organizações, servindo para unir
seus membros e legitimar o beneficiamento dos interesses daqueles indivíduos que
controlam a organização.” (HALLIDAY, 1987, p. 85).
As ideologias organizacionais abrigam contradições implicadas pela relação
entre organização e ambiente, que ora tende a sacrificar seus princípios autopreservadores,
ora avançam interesses próprios dos grupos dominantes, buscando um risco mínimo de
deslegitimação. E, não menos importante, é o fato de que toda ideologia precisa ser
comunicada aos membros da empresa e aos “de fora”, por um conjunto de práticas
comunicativas que a expressa, daí a relação ideologia e retórica.
O trabalho de Halliday (1987) é o ponto de partida dessa pesquisa, porém, aqui,
as empresas selecionadas são “empresas brasileiras”, de capital nacional ou estrangeiro e
empresas públicas, indicadas “Melhores e Maiores”, conforme Anuário de julho de 2004
da revista Exame. Outra diferença é que o discurso analisado no presente trabalho é aquele
do web site das empresas. Por ser uma mídia de alcance global, isso alteraria ou
confirmaria as conclusões de Halliday (1987)? O presente trabalho, tem como ponto de
partida o trabalho de Halliday (1987) e, ao mesmo tempo, acrescenta-lhe outras questões.
62
2.2 A CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA DA LEGITIMAÇÃO ORGANIZACIONAL
A discussão sobre legitimação não é recente. Nesta seção, recupera-se e
atualiza-se, brevemente, o conceito de legitimação, buscando estabelecer os vínculos entre
os elementos retóricos, simbólicos e ideológicos do discurso. Primeiro buscando
“desvendar” as complexas relações entre poder, ideologia e a utilização de mbolos
(significado) na busca de legitimação. Em seguida, discute-se o conceito de legitimação e
ideologia no âmbito das organizações.
2.2.1 Poder, ideologia e a construção simbólica da legitimação
Inicialmente, duas concepções clássicas do termo legitimação são destacadas,
segundo Marx e Engels (2002) e Weber (1991). Em seguida, são discutidas as
contribuições de Chauí (1982), Fairclough (2001), Thompson (2002, 1998).
Weber (1991a, p. 33) identificou o poder como “toda a probabilidade de impor
a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o
fundamento dessa probabilidade.” Quanto à dominação, um caso especial de poder, esta se
refere à “probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo”,
ou seja, para ordens específicas (ou todas) dentro de determinados grupos de pessoas.
A identificação de uma forma de dominação está relacionada à sua pretensão
de legitimidade, dependendo da natureza da legitimidade pretendida diferem o tipo de
obediência, o quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o caráter do
exercício da dominação e, assim, os seus efeitos. Weber (1991) identificou “três tipos
puros de dominação” ou autoridade legítima. A dominação de caráter tradicional, a
dominação carismática e a dominação racional-legal.
63
Embora seja possível, do ponto de vista da ação social, a racionalidade
referente a fins e a racionalidade referente a valores, para Weber (1991, p. 144) o tipo
mais puro de dominação legal é aquele que se exerce por meio de um quadro
administrativo burocrático”, cuja racionalidade refere-se aos fins. Quanto à dominação
carismática, esta é baseada na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou
do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas. A
dominação carismática é aquela que o poder de comando pode ser exercido por um líder
que comprova possuir carisma em virtude de poderes mágicos, revelações, heroísmo, ou
outros dons extraordinários; obedece-se ao líder carismaticamente qualificado. O motivo
para a ação é afetivo, especialmente emocional.
O trabalho de Weber pode ajudar na análise da constituição do discurso
organizacional, hoje, pois a racionalidade (meios e fins) e o carisma institucional (não da
perspectiva de um indivíduo) o aspectos presentes nos discursos das empresas
pesquisadas. O carisma institucional está relacionado à criação de uma imagem fascinante
e à competência da organização para produzir efeitos grandiosos.
Segundo Freitas (2002), estaria ocorrendo uma transição do carisma associado
à pessoa de um líder (este não deixa de existir, mas deixa de ser exclusivo) para o carisma
associado a uma empresa-líder.
A empresa [atualmente] promove a valorização dos comportamentos
convenientes, separa atividades objetivas de competição entre os seus
membros, mas também elabora um sistema coletivo, subjetivo,
alimentado de emoções. Enquanto a empresa do passado queria ser
apenas obedecida, a empresa moderna quer ser amada”. (FREITAS,
2002, p.143)
Neste contexto, o conjunto de crenças e valores é importante por dar sentido ao
que é concreto. A dimensão do sagrado, os rituais e as grandes cerimônias que estimulam e
reforçam o fervor e a lealdade na “comunidade” e a tendência antiutilitária da missão, da
64
qual os aspectos econômicos estão ausentes ou em segundo plano, seriam as bases de uma
instituição carismática.
A legitimação na perspectiva de Marx e Engels (2002) está vinculada à
temática da ideologia e da dominação de classe. Essa perspectiva foi desenvolvida e
ampliada por Chauí (1982) e redefinida e ampliada por Thompson (2002).
Para Chauí (1982, p.3), ideologia é um “um corpo sistemático de
representações e de normas que nos ensinam’ a conhecer e a agir”. O discurso ideológico
é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o
ser e, assim, engendrar uma lógica da identificação que unifique pensamento, linguagem e
realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais com
uma imagem particular universalizada, a imagem da classe dominante.
Essa autora destaca que é desse processo de universalizar o particular que a
ideologia ganha coerência e força. O discurso ideológico é um discurso lacunar que não
pode ser preenchido: “a ideologia é aquele discurso no qual os termos ausentes garantem a
suposta veracidade daquilo que está explicitamente afirmado” (CHAUÍ, 1982, p. 4). E, por
definição, na ideologia as idéias estão sempre “fora do lugar” (deveriam estar nos sujeitos
sociais e em suas relações, mas na ideologia, estes é que parecem estar nas idéias), pois são
tomadas como determinantes do processo histórico quando, na verdade, são determinadas
por ele.
O discurso ideológico é coerente e poderoso porque não diz tudo e não pode
dizer tudo. Daí, a solução não é opor um outro discurso, tomado como “verdadeiro”, ao
discurso ideológico, mas buscar um discurso crítico, aquele que toma o discurso ideológico
e o desdobra em todas as suas contradições, elaborando, a partir do interior daquele, o seu
contradiscurso.
65
A noção de discurso lacunar será importante para uma compreensão dos
elementos presentes, bem como dos elementos ausentes nos discursos das empresas
pesquisadas. O conceito de contradiscurso, também, pode ser explorado para uma análise
dos discursos dos críticos das atividades corporativas. Dado o propósito deste trabalho,
que não é o confronto entre discursos que se opõe, esse confronto, aqui, é parte do
contexto, não o objeto da análise, o conceito de contradiscurso não será explorado.
Quanto ao trabalho de Thompson (1998, 2002), este autor parte do pensamento
de Marx e Engels, também Weber e outros para explorar as relações entre ideologia e
mídia na cultura moderna. Em relação a Weber, o autor extrai do conceito de poder e dos
tipos de dominação weberianos a concepção de legitimação, como uma das formas de
operação da ideologia, ao considerar que “relações de dominação podem ser estabelecidas
e sustentadas pelo fato de serem representadas como legítimas, isto é, como justas e dignas
de apoio” (THOMPSON, 2002, p. 82). O trabalho deste autor também amplia a análise de
Chauí (1982), embora não tenha esta autora como referência, pois Thompson (2002)
analisa além da universalização e dissimulação, outras formas de operar da ideologia.
Em relação ao trabalho de Marx, Thompson (2002) o toma como ponto de
partida, mesmo reconhecendo que não há por parte daquele autor uma formulação explícita
de ideologia, mas propõe algumas distinções. Primeiro, a ideologia o é um “cimento
social” que consegue estabilizar as sociedades unindo conjuntamente seus membros e
propiciando-lhes valores e normas coletivamente compartilhados.
Segundo, o elo entre o conceito de ideologia e o de dominação de classe é
contingente, ao invés de necessário (é preciso tratar da dominação nas relações entre
gêneros, raças, etnias, países, etc.). Terceiro, as formas simbólicas não são simples
representações que servem para articular ou obscurecer relações sociais ou interesses
constituídos fundamental e essencialmente em um nível pré-simbólico, ao contrário, as
66
formas simbólicas estão, contínua e criativamente, implicadas na constituição das relações
sociais como tais.
Para Thompson (1998, p.21), poder, no sentido mais geral, é “a capacidade de
agir para alcançar os próprios objetivos ou interesses, a capacidade de intervir no curso dos
acontecimentos e em suas conseqüências”. O exercício do poder ocorre com base em
recursos, assim, quanto maior e mais variada for a acumulação de recursos, maior as
chances de aumentar o poder. Como esses recursos podem ser acumulados
individualmente ou dentro das organizações, estas se tornam bases importantes para o
exercício do poder. Thompson (1998) indica alguns vínculos entre tipos de poder, recursos
e instituições em que o poder se baseia, conforme o Quadro 6.
Formas de Poder
Formas de
Poder
Recursos Instituições Paradigmáticas
Econômico Materiais e financeiros Instituições econômicas (por exemplo,
empresas comerciais)
Político Autoridade Instituições políticas (por exemplo, Estados)
Coercitivo
(especialmente
poder militar)
Força física e armada
Instituições coercitivas (especialmente
militares, mas também a polícia, instituições
carcerárias, etc.)
Simbólico Meios de informação e
comunicação
Instituições culturais (por exemplo, a Igreja,
escolas e universidades, as indústrias da
mídia, etc.)
Quadro 6 Formas de Poder
Fonte: Thompson (1998, p. 25)
As empresas são instituições paradigmáticas, bases privilegiadas do poder
econômico. Este provém da atividade humana produtiva, relacionada com a provisão de
meios para a subsistência, com o uso de matéria-prima e de sua transformação em bens que
possam ser consumidos ou trocados no mercado.
Quanto ao poder político, este deriva da atividade de coordenação dos
indivíduos e da regulamentação dos padrões de sua interação. O poder coercitivo implica
67
o uso, ou ameaça, da força física para subjugar ou conquistar um oponente, não é exercido
apenas pelas armas, mas pelo treinamento, táticas, inteligência, planejamento e etc. O
poder cultural ou simbólico nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do
significado das formas simbólicas.
A atividade simbólica, corresponde às atividades dos indivíduos de expressão
de si mesmos ou da interpretação das expressões usadas pelos outros, à troca de
informações e comunicação uns com os outros, é tão importante quanto a atividade
produtiva, a coordenação dos indivíduos e a atividade coerciva. Segundo o autor, essas
distinções são de caráter essencialmente analítico, pois na prática, muitas ações individuais
e institucionais valem-se de recursos os mais diversos, de maneiras complexas e variadas.
Portanto, essas distinções de quatro formas de poder apenas ajudam a entender as
transformações institucionais.
A partir dos trabalhos de Marx, de Weber e outros Thompson (2002) define
que a ideologia constitui-se nas maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar
relações de dominação. Conforme Thompson (2002, p.76, grifo do autor) “fenômenos
ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que sirvam, em circunstâncias
sócio-históricas específicas, para estabelecer e sustentar relações de dominação”. Neste
caso, importa o sentido das formas simbólicas que estão inseridas nos contextos sociais e
circulando no mundo social. As formas simbólicas” são um amplo espectro de ões,
falas, imagens e textos que o produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros
como significativos.
Para Thompson (2002) é preciso identificar e analisar se o sentido, construído
e usado pelas formas simbólicas, serve ou não para manter relações de poder
sistematicamente assimétricas, relações de dominação, nos contextos sociais em que elas
são produzidas, transmitidas e recebidas. Por isso, para o autor, ideologia é sentido a
68
serviço do poder. A ideologia é “o estudo das maneiras complexas como o sentido é
mobilizado para a manutenção de relações de dominação” (THOMPSON, 2002, p. 17).
Portanto, as formas simbólicas ou os sistemas simbólicos não são
ideológicos em si mesmos; se eles são ideológicos e quanto o são, segundo este autor,
depende das maneiras como eles são usados e entendidos em contextos sociais específicos.
O interesse recai, desse modo, para os usos sociais das formas simbólicas. E, este é um
aspecto da vida social tão real quanto qualquer outro.
Pois a vida social é, até certo ponto, um campo de contestação em que a
luta se trava tanto através de palavras e símbolos como pelo uso da força
física. A ideologia [...] é uma parte integrante dessa luta; é uma
característica criativa e constitutiva da vida social que é sustentada e
reproduzida, contestada e transformada, através de ações e interações, as
quais incluem a troca contínua de formas simbólicas. (THOMPSON,
2002, p. 19)
Para Thompson (2002), existem pelo menos cinco maneiras ou modos como a
ideologia opera. Esses modos de operar da ideologia não atuam de forma independente,
mas se sobrepõem e reforçam-se mutuamente; em certas circunstâncias, a ideologia pode
operar de outras maneiras. Ou seja, estes modos de operar da ideologia estão associados a
certas estratégias de construção simbólica, que não o únicas e nem estão associadas
exclusivamente a esses modos.
Este autor alerta que inúmeros modos em que o sentido pode servir para
estabelecer e sustentar relações de dominação, em condições sócio-históricas específicas.
Por isso, o máximo que se pode dizer é que certas estratégias estão tipicamente associadas
com certos modos de operar da ideologia, embora, em circunstâncias diferentes, possam
servir a outros propósitos; assim, o objetivo é mais exemplificar, do que categorizar de
forma exaustiva e exclusiva. No Quadro 7, a seguir, identificam-se as formas de operar da
ideologia, sendo a legitimação apenas uma dentre outras.
69
Modos de operação da ideologia
Modos Gerais Algumas Estratégias Típicas de Construção Simbólica
Legitimação: relações
de dominação
apresentadas como
justas e dignas de
apoio
Racionalização: uso de uma cadeia de raciocínio para defender
ou justificar um conjunto de relações ou instituições sociais;
Universalização: acordos institucionais que servem aos
interesses de alguns indivíduos são apresentados como servindo
aos interesses de todos;
Narrativa: histórias que contam o passado e tratam o presente
como parte de uma tradição, muitas vezes, inventadas para criar
um sentido de pertencimento a uma comunidade e projetar um
destino coletivo.
Dissimulação:
relações de dominação
estabelecidas e
sustentadas pelo fato
de serem ocultadas,
negadas ou
obscurecidas,
desviando a atenção.
Deslocamento: um termo costumeiramente usado para se referir
a um determinado objeto/pessoa é usado para se referir a um
outro, daí, as conotações positivas ou negativas do termo são
transferidas para o outro;
Eufemização: ações, instituições ou relações sociais são
descritas ou redescritas de modo a despertar uma valoração
positiva;
Tropo (sinédoque, metonímia, metáfora): o uso figurativo da
linguagem, ou das formas simbólicas, para dissimular relações
de dominação, confundir, inverter, gerar sentido novo e
duradouro.
Unificação: envolve a
construção de uma
forma de unidade que
une indivíduos numa
identidade coletiva,
independente das
diferenças e divisões
que possam separá-los.
Estandardização (padronização): adaptação de formas
simbólicas a um referencial padrão, proposto como um
fundamento partilhado e aceitável de força simbólica, por
exemplo, a criação de uma linguagem comum, uma linguagem
nacional;
Simbolização da unidade: envolve a construção de símbolos de
unidade nacional tais como bandeiras, hinos nacionais,
emblemas, inscrições de vários tipos.
Fragmentação:
envolve a segmentação
daqueles indivíduos,
grupos, alvos
considerados maus,
perigosos,
ameaçadores para os
grupos dominantes.
Diferenciação: ênfase nas diferenças entre pessoas e grupos
apoiando as características que os desunem e os impedem de
constituir um desafio coletivo às relações existentes, ou um
participante efetivo do poder;
Expurgo do outro: envolve a construção de um inimigo, seja
ele interno ou externo, que é retratado como mau, perigoso ou
ameaçador e contra o qual é necessário o agir coletivo para
expurgá-lo.
Reificação: envolve a
eliminação do caráter
sócio-histórico dos
fenômenos.
Naturalização: criações sociais e históricas são retratadas como
acontecimento natural ou resultado inevitável;
Eternalização: fenômenos sócio-históricos são apresentados
como permanentes, imutáveis, recorrentes: costumes, tradições,
instituições;
Nominalização/passivização: Uso de recursos gramaticais e
sintáticos que, em circunstâncias particulares, servem para
estabelecer e sustentar relações de dominação.
Quadro 7 Modos de operação da ideologia
Fonte: elaborado pela autora a partir de Thompson (2002, p. 81-89)
70
Ao identificar cinco maneiras de operar da ideologia, o autor espreocupado
com o modo pelo qual formas simbólicas são construídas, difundidas de forma ampla no
tempo e espaço, e recebidas, a partir de um processo de midiação da cultura moderna. Para
Thompson (2002, p.166) fenômenos culturais podem ser entendidos como formas
simbólicas em contextos estruturados”. A análise das formas simbólicas pressupõe a
compreensão de suas relações com os contextos sociais estruturados dentro dos quais elas
são produzidas e recebidas, assim como uma análise dos meios materiais pelos quais essas
formas são difundias/circulam.
Ao confrontar a perspectiva de Thompson (2002) com o trabalho de Halliday
(1987), acerca da retórica das multinacionais na busca por legitimação, pode-se verificar
que esta autora realizou uma pesquisa tanto sobre a legitimação quanto sobre outras formas
de operação da ideologia. Elementos vinculados ao tema Transcendência podem ser
entendidos como estratégia unificadora perante um público universal: redução da exclusão
social, melhoria da qualidade de vida, criação de um mundo melhor.
A fragmentação pode ser utilizada como meio para atingir o tema
Compatibilidade: a empresa é compatível porque reduz a poluição, atua de forma
harmoniosa com o ambiente, etc. Está implícito que se a empresa se distingue por isso,
significa que existem outras empresas que não o compatíveis. O uso da dissimulação se
faz por meio de metáforas e da personificação que confundem empresa (sistema artificial)
e ser humano, identificando sentimentos, paixões deste com aquela, além da idéia de
empresa como sujeito ético (pessoa) com princípios morais.
O entendimento da autora do presente trabalho é que Halliday (1987) realizou
uma pesquisa que tratou da ideologia organizacional em sentido mais amplo, embora o
foco privilegiado tenha sido a legitimação, especificamente, a legitimação pela palavra. É
nesse sentido que o presente trabalho também foi conduzido.
71
Um outro aspecto fundamental do trabalho de Thompson (2002) para a
presente pesquisa, é a relação entre a ideologia e a natureza e o desenvolvimento da
comunicação de massa e seu papel como mediação ideológica nas sociedades modernas. A
análise referente às transformações culturais associadas ao surgimento das sociedades
industriais modernas dirige-se, em geral, para aspectos como a secularização progressiva
das crenças e práticas e para a racionalização progressiva da vida social, segundo o autor.
Nesse sentido, o conceito de ideologia é parte de uma grande narrativa teórica,
relacionado a um novo sistema de crenças seculares que pudesse mobilizar as pessoas
independentemente de valores ou seres de outro mundo; esses sistemas secularizados de
crenças, alguns teóricos contemporâneos, passaram a descrever, segundo o autor, como
ideologias. O conceito de ideologia preenchia um vácuo cultural criado pelo declínio da
religião e da magia e que trouxe às pessoas novas formas de consciência, novos
referenciais de sentido, num mundo que sofrera uma mudança social rápida e sem
precedentes.
Esses teóricos, segundo Thompson (2002), tenderam a negligenciar um
processo de muito maior significado, qual seja, a rápida proliferação de instituições e
meios de comunicação de massa e o crescimento de redes de transmissão através das quais
formas simbólicas mercantilizadas se tornaram acessíveis a um grupo cada vez maior de
receptores, o que o autor chama processo de “midiação” da cultura moderna. O autor não
está analisando um contexto social interconectado pela Internet. O meio de comunicação
que analisa é, sobretudo, a televisão.
O mundo, hoje, é cada vez mais “atravessado por redes institucionalizadas de
comunicação e em que as experiências das pessoas estão cada vez mais mediadas por
sistemas cnicos de produção e transmissão simbólica.” (THOMPSON, 2002, p. 21).
Para esse autor, os indivíduos não absorvem passivamente formas simbólicas, mas ativa e
72
criativamente, dando-lhes um sentido e produzindo um significado no próprio processo de
recepção, em contextos sócio-históricos específicos. O papel dos meios de comunicação,
sobretudo por ampliarem as possibilidades de veiculação de diferentes discursos, merece
mais atenção.
Thompson (2002) propõe uma metodologia para a investigação da ideologia,
cultura e meios de comunicação de massa a partir da abordagem sócio-histórica e o que ele
denomina hermenêutica em profundidade. De modo geral, as idéias e conceitos propostos
por este autor são compatíveis e podem ser enriquecidos com a Teoria Social do discurso
de Fairclough (2001), que propõe uma concepção crítica do discurso.
Para Fairclough (2001, p.22) “os discursos não apenas refletem ou representam
entidades e relações sociais, eles as constroem ou as ‘constituem’”, e “diferentes discursos
se combinam em condições sociais particulares para produzir um novo e complexo
discurso”. No caso do presente trabalho, um exemplo é o modo como diferentes discursos
são combinados (o dos ativistas, ONGs e outros grupos de pressão, da sociedade civil, de
organizações de consumidores, de investidores /credores das companhias, de intelectuais e
pesquisadores, dos organismos internacionais, dos Estados, das empresas) para constituir
um novo discurso: a responsabilidade social corporativa e/ou cidadania corporativa.
Para Fairclough (2001), a análise do discurso deve ser tridimensional ou
multidimensional, conforme mostra a Figura 1. Maior atenção deve ser dada à luta e à
transformação nas relações de poder e ao papel da linguagem. Qualquer exemplo de
discurso ou “evento” discursivo é simultaneamente um texto, um exemplo de prática
discursiva e um exemplo de prática social. Uma abordagem crítica do discurso, segundo
esse autor, mostra que este é moldado por relações de poder e ideologias e produz efeitos
construtivos sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de
73
conhecimento e crença, que correspondem às funções identitária, relacional e ideacional
da linguagem.
Figura 1 Análise tridimensional ou multidimensional do discurso
Fonte: Fairclough (2001, p. 101)
Segundo Fairclough (2001, p. 91) “o discurso é uma prática, o apenas de
representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o
mundo em significado”. O termo “discurso” refere-se ao uso da linguagem como forma de
prática social. E a prática social para esse autor está centrada nos conceitos de ideologia e
hegemonia, “no sentido de um modo de dominação que se baseia em alianças, na
incorporação de grupos subordinados e na geração de consentimento [legitimação]. As
hegemonias em organizações e instituições particulares, e no nível societário, são
produzidas, reproduzidas, contestadas e transformadas no discurso”. (FAIRCLOUGH,
2001, p.28).
A dimensão do texto (em sentido amplo, é a linguagem falada e escrita) e a
dimensão da prática social são mediadas por uma terceira que examina o discurso
especificamente como prática discursiva, uma forma particular de prática social. A prática
discursiva refere-se à produção, distribuição e consumo textual, portanto, relacionada a
PRÁTICA SOCIAL
PRÁTICA DISCURSIVA
(produção, distribuição e consumo)
TEXTO
74
ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares nos quais o discurso é
gerado. A relação entre discurso e estrutura social é dialética, “o discurso contribui para a
constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o
moldam e o restringem” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).
Em resumo, a partir das contribuições de Chauí (1982), Fairclough (2001) e
Thompson (1898, 2002), compreende-se que as diferentes empresas podem mobilizar
diferentes recursos na luta pela legitimação de suas atividades, de seus objetivos e valores,
ou seja, de sua existência. Este processo, por se dar em um contexto estruturado, varia
conforme cada estágio e/ou tempo-espaço e depende da posição da empresa na estrutura
objetiva das relações de autoridade e da força que esta empresa conquistou no decorrer
dessa luta. Assim, a história organizacional não se desenvolve de forma linear e
homogênea, podendo ser vista como marcada por interesses e conflitos, em que novos e
velhos instrumentos podem ser articulados e rearticulados para enfrentar desafios que a
própria concorrência intercapitalista contribui para criar. E, ainda, a empresa articula o
recursos econômicos, mas também culturais, simbólicos e até coercivos para continuar
existindo.
2.2.2 Legitimação, ideologia e discurso organizacional
Em estudos organizacionais, o tema da legitimação ganha espaço a partir de
meados dos anos 60, segundo Suchman (1995), com a compreensão das organizações
como “sistemas abertos” que buscam agir de modo estratégico para alcançar objetivos e
com a compreensão das fronteiras organizacionais como “porosas” e problemáticas.
Dentre as abordagens que têm buscado compreender as relações que se
estabelecem entre a organização e o ambiente, a questão das respostas da organização ou
75
do rebatimento das questões ambientais sobre o comportamento das organizações e sobre a
estrutura organizacional, estão a Teoria Institucional (DIMAGGIO; POWELL, 1983;
MEYER; ROWAN, 1977; SCOOT, 1998) e a Teoria da Dependência de Recursos
(DOWLING; PFEFFER, 1975), ou as conexões entre ambas (OLIVER, 1991).
A Teoria institucional considera a organização como um “ator social” que
interage num ambiente institucional com instituições diversas (estruturas regulatórias,
agências governamentais, leis, tribunais, profissões) e outras organizações. Em geral, busca
reconhecimento e legitimação conformando-se às normas e crenças coletivas. Essa
legitimidade pode ser assegurada de forma regulativa (cumprimento de leis, regras),
normativa (adequação às normas, certificados) e cognitiva (congruência de valores,
crenças).
A teoria da dependência de recursos considera que a organização é um agente
atuante politicamente. Atua de forma competitiva a partir de interdependências buscando
garantir o acesso aos recursos de que precisa para garantir sua sobrevivência e ampliar sua
segurança, a legitimidade pode facilitar o acesso aos recursos, ao mesmo tempo, tem
origem na mobilização de recursos.
Segundo Oliver (1991), embora possuam focos divergentes, estas duas teorias
têm pontos de convergência: compreendem que as escolhas organizacionais são limitadas
por múltiplas pressões externas, o ambiente organizacional é coletivo e interconectado, a
sobrevivência da organização depende de sua capacidade de resposta às demandas e
expectativas externas, as organizações buscam estabilidade e previsibilidade, as
organizações buscam legitimação, as organizações são dirigidas por interesses.
Mais recentes são as pesquisas relacionadas ao gerenciamento de impressões e
o reconhecimento do papel da audiência (ELSBACH; SUTTON, 1992; GINZEL et al.
1993; MENDONÇA; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2002; MOHAMED et al., 1999),
76
tendo por base, às vezes, a Teoria Institucional e as ações de comunicação corporativa, e a
Abordagem de stakeholders (MITCHELL et al., 1997). Um aspecto comum a estas duas
abordagens é a preocupação com o público (conjunto de indivíduos, instituições, grupos)
com o qual a organização interage.
A primeira argumenta que as organizações empreendem estratégias e táticas de
gerenciamento de impressões no sentido de influenciar as impressões de públicos-chave e
obter seu endosso e suporte. A segunda se interessa por identificar qual ou quais grupos ou
indivíduos os stakeholders podem afetar ou serem afetados pelas atividades e
objetivos da organização e como esta influência pode ocorrer e as repostas estratégicas da
organização.
Outras perspectivas seriam os estudos sobre o poder e conflito nas
organizações, a psicologia social, a abordagem psicanalítica. Para Pagés et al. (1990, p. 31)
“a organização é um conjunto dinâmico de respostas a contradições. É realmente um
sistema, mas um sistema de mediações que pode ser compreendido pela referência à
mudança das condições da população e das contradições entre os trabalhadores de um lado,
a empresa e o sistema social, do outro”.
Segundo Spink (1997), o discurso organizacional move-se e ajusta-se no
campo em mutação do conflito social. Por exemplo, em um processo de transição para
uma sociedade aberta e para o debate sobre cidadania e direitos civis, as palavras se
ajustam ao seu momento sócio-histórico, o discurso atualiza-se com os valores emergentes.
O trabalho de Freitas (2002) insere-se na última abordagem, ao investigar de
que modo a cultura organizacional pode se constituir em um conjunto de mecanismos de
controle social que as empresas utilizam. Como o imaginário organizacional adquire papel
determinante no imaginário social atual, a partir da construção de uma nova empresa: a
77
empresa-cidadã, a empresa baseada no culto da excelência, a empresa como lugar da
juventude eterna, a empresa restauradora da ética e da moralidade, a empresa-comunidade.
A organização faz uso da linguagem e de diversos meios de comunicação para
transmitir mensagens estratégicas. Se a linguagem é a base dos processos discursivos, por
tornar possível a mediação entre a organização e seus públicos-alvo, num espaço social
caracterizado por disputas, conflitos e forças antagônicas, a linguagem tende a ser
“marcada por este embate de forças. Nesse sentido, a contradição e a ideologia estão
inscritas na prática discursiva organizacional.
Conforme Freitas (2002, p.39) “as instituições sociais ganham e perdem
espaços de poder na dinâmica da própria sociedade, no seu constante refazer-se e na luta
das forças que ela própria abriga”. As organizações modernas são produto da história e do
tempo das sociedades onde se inserem, mas as organizações lêem o que se passa em seu
ambiente e (re) elaboram respostas que sirvam a seus objetivos, desse modo controlam,
influenciam, mobilizam, transformam, criam uma visão de mundo.
Para Freitas (2002), as organizações, especialmente as grandes empresas
privadas, apresentam maior facilidade em captar e responder mais rapidamente às
mudanças sociais que as demais instituições, o que lhes confere grande poder de influência
sobre o meio. As empresas respondem não apenas de maneira operacional e funcional,
“mas também de maneira simbólica, através da sua cultura organizacional e da veiculação
de todo um imaginário” (FREITAS,2002, p. 55). No caso das organizações modernas,
investidas como um novo pólo da legitimação social, estas constroem para e de si uma
auto-imagem grandiosa, que será enraizada em imaginário próprio e repassada aos seus
públicos-chave.
Desse modo, a legitimação organizacional é uma questão que emerge a partir
de um vasto aparato teórico, na tentativa de compreender forças pragmáticas, morais e
78
cognitivas que constrangem, constroem significado e dão poder aos atores organizacionais.
Conforme Suchman (1995, p.574), a “legitimação é uma percepção generalizada ou
pressuposição de que as ações de uma entidade são desejáveis, adequadas [dignas],
apropriadas conforme um sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e
definições”.A legitimação é uma percepção ou pressuposição que representa uma reação de
observadores de como a organização é vista por eles, assim, a legitimação é possuída
objetivamente, contudo criada subjetivamente e, ainda, é socialmente construída visto que
depende de uma audiência coletiva.
Como mostrou Halliday (1987), a existência da organização implica em agir
retoricamente, especialmente no caso das multinacionais, à escala do planeta; trata-se da
legitimidade buscada por meio da argumentação, do uso da palavra.
[...]
existir como organização e exercer poder de empresa multinacional
implica mais do que produzir produtos ou serviços da maneira mais
lucrativa possível. Implica também em negociar a latitude das fronteiras
físicas, políticas, legais, econômicas e culturais da empresa, interpretar a
si mesma e ao ambiente onde atua, apresentar credenciais de competência
técnica, viabilidade econômica e responsabilidade social e conseguir
cooperação entre as pessoas, grupos e instituições dos quais depende a
sobrevincia da organização nos melhores termos possíveis.
(HALLIDAY, 1987, p. 12-13)
As empresas preocupam-se com a criação de legitimidade para certas idéias,
valores e demandas, num processo de construção de símbolos e uso de valores, concebidos
para criar legitimidade e “deslegitimar” determinadas demandas, interesses,
comportamentos, segundo Hardy e Clegg (2001). Neste sentido, as empresas necessitam
justificar a sua existência, sua atuação, identificar valores compartilhados com a sociedade.
A literatura de negócios também indica a necessidade e importância da legitimação.
Peters e Waterman Jr. (1986), ao tratar de determinadas empresas americanas
bem-sucedidas destacam que, para além da manipulação da estratégia e da alteração das
estruturas, chegou o momento de ampliar os diagnósticos e a “caixa de primeiros socorros”
7
9
na solução de problemas empresariais. Os autores propõem o modelo “a estrutura dos 7-s
da McKinsey”: estratégia, estrutura, sistemas, habilidades, equipe de direção, estilo,
valores comuns (strategy, structure, systems, style, staff, skills, shared values), como
instrumento que visa auxiliar as empresas rumo à inovação.
Esses autores afirmam que as empresas de alto padrão, objeto de suas
pesquisas, dão atenção explícita aos valores e à maneira como seus líderes criam
contextos excitantes em todos os níveis da empresa, fazem uso de técnicas para formular,
em linguagem elevada e idealista, aquilo que é peculiar a respeito dos objetivos e
métodos da empresa, visando criar sentido unificado da missão ou razão de ser da empresa.
Peters e Waterman Jr. (1986, p. 305) identificam sete valores sicos, que
constituem o conteúdo específico das creas dominantes das empresas de alto
desempenho: crença na importância de ser o melhor; crença na importância dos detalhes
na execução e de todo o processo de fazer um bom trabalho; crença na importância das
pessoas como indivíduos; crença na assistência e qualidade superiores; crença de que a
maior parte dos membros da organização deve ser inovadora e uma disposição para aceitar
o fracasso; crença na importância da informalidade como meio de estimular a
comunicação; crença explícita e reconhecimento da importância dos lucros e do
crescimento econômico.
Para Quigley (1994), a missão, os objetivos e os valores compartilhados, são
fatores de motivação empresarial e não o lucro. O autor argumenta que sozinho o lucro
não é suficiente para motivar as pessoas, pois é percebido negativamente por muitos dentro
da empresa. Os funcionários, freqüentemente, enxergam o lucro como algo que eles
ganham e que a empresa obtém e transfere para os acionistas. Por isso, para obter o
melhor do quadro de pessoal de uma empresa é preciso combinar lucro e uma visão
de futuro, segundo Quigley (1994).
80
Os funcionários podem se indispor quanto à noção de lucro, mas a grande
maioria adquirirá essa noção com base nos conceitos de serviço ao cliente, qualidade
superior, integridade e supremacia, caso a empresa invista seriamente nesses valores. Para
Quigley (1994) essa é a tarefa dos líderes, expor a visão de que uma empresa não é
apenas uma entidade econômica, mas uma comunidade responsável, com papel central na
sociedade atual. Mais adiante, o autor destaca que o poder baseado na visão do líder deve
resultar, necessariamente, num desempenho competitivo e superior.
Quanto à relação entre os valores da empresa e o lucro, o autor afirma que a
perspectiva apropriada é tratá-los como parceiros. Aqueles que associam o lucro de uma
pessoa implicando em perda para outra pessoa, não conseguem compreender que os
valores são os principais elementos motivadores e a recompensa é o lucro. Desse modo, o
autor justifica o lucro como recompensa natural dos esforços empreendidos.
Outro aspecto da literatura de negócios refere-se às relações entre marca e
consumidores. Uma pesquisa realizada em 41 países com 3.300 consumidores, conforme
reportagem da Revista Harvard Business Review, set. 2004, indica que o consumidor
baseia sua preferência em três dimensões da marca global: qualidade, indicada pela
estatura global da empresa, mito cultural da marca e empenho da empresa para tratar
de problemas sociais. Essas questões são mais importantes do que o país de origem da
empresa.
O que é bastante interessante, pois são critérios que se assemelham aos três
temas identificados por Halliday (1987): utilidade, compatibilidade e transcendência,
conforme seção 2.1. Na citada reportagem, destaca-se que é crucial que as empresas
aprendam a administrar esses atributos globais da marca, que o crescimento futuro da
maioria das empresas provavelmente virá do mercado externo.
81
Em outra reportagem da Harvard Business Review, Holt (2003) afirma que
marcas icônicas, por exemplo, Nike, Apple, Harley-Davidson batem a concorrência, não
por oferecerem benefícios, serviços ou tecnologias inovadoras, mas porque forjam uma
profunda conexão com a cultura. Segundo Holt (2003, p. 27) “uma marca vira um ícone
quando apresenta um mito contundente, uma história capaz de ajudar o indivíduo a
resolver tensões em sua vida. A mais profunda fonte de tensão na sociedade moderna é a
disparidade entre ideologia nacional e a realidade do cidadão comum”.
Enquanto Holt (2003) aponta que as empresas precisam criar mitos que dêem
sentido às mudanças desnorteantes na sociedade, Cone et al. (2003) destacam como
promover a marca por meio de ações de branding social, um conjunto de ões que visam
fazer da cidadania corporativa um ativo de valor, e não uma prática de caridade. O que é
compatível com a crítica de Klein (2002) acerca das ações relacionadas ao brand equit
(capital de marca), conforme seção 1.1.5.
Para Cone et al. (2003), as melhores práticas de branding social indicam que,
em primeiro lugar, a empresa deve selecionar uma causa que promova os objetivos da
organização. Em segundo lugar, escolher as entidades a apoiar ou parceiros; terceiro, a
empresa deve colocar todos os seus ativos para trabalhar, sobretudo os funcionários e,
também, aproveitar sua rede de distribuição e demais canais. E, em quarto lugar, a
empresa, além das mídias tradicionais, deve divulgar suas iniciativas na WEB, em
relatórios anuais e por mala-direta, entre outros.
Pelo exposto acima, fica evidente a importância das tecnologias gerenciais de
comunicação, o pragmatismo da cultura de negócios, a ideologia intervencionista e como
as estratégias de legitimação buscam, além de provocar mudanças de comportamento,
alcançar os objetivos e o desempenho visados, exercer controle e gerir as fronteiras
82
simbólicas da organização, criar e manter impressões positivas perante os seus públicos-
chave, o que não implica que todas as tentativas sejam bem sucedidas.
Como o discurso analisado no presente trabalho é o discurso das empresas
selecionadas por meio de seu web site, a próxima seção trata especificamente desse
discurso.
2.3 RETÓRICA , WEB E DISCURSO ORGANIZACIONAL
A retórica, como forma de comunicação pragmática para resolver os negócios
humanos, remonta à Antiguidade. Adquiriu má fama ao ser reduzida a um discurso
floreado de figuras de linguagem, mas sem conteúdo, ou uma coleção de mentiras ou meias
verdades. No século passado, os estudos modernos de retórica resgataram-na a partir de um
sentido mais técnico de comunicação pragmática para influenciar um determinado tema. O
termo resgataram é correto, porque foi Aristóteles [19−] que transformou a retórica em um
sistema, que seus sucessores completaram, e que no século XX ganhou fôlego com a
comunicação de massa, sobretudo como uma técnica formal para interpretar discursos
(HALLIDAY, 1988; LEACH, 2002; REBOUL, 2000;).
Para Halliday (1988), somos seres retóricos, pois usamos a linguagem como
instrumento de mudança ou reforço de percepções, sentimentos, valores, posicionamentos
e ações, e agimos como seres retóricos, geralmente, respondendo a uma situação. As
empresas também buscam influenciar com palavras e outros símbolos: pronunciamentos,
cartas abertas, anúncios, notas oficiais, outdoors, campanhas, televisão, dio, revistas,
jornais, mala-direta e a Internet. Duas questões são ressaltadas a seguir, a primeira
referente à natureza retórica do discurso organizacional, a segunda refere-se às
características deste discurso na WEB.
83
Quanto ao discurso organizacional ou a que categoria se refere no campo dos
discursos é uma questão pertinente, mas não simples. É que em toda a literatura pesquisada
não foi encontrado um estudo que caracterizasse o discurso organizacional. A própria
Halliday (1987, p. 81) questiona “se podemos ou não alegar a existência de uma ‘retórica
da legitimação organizacional’ como gênero retórico bem definido [...], com implicações
teóricas dentro do campo de estudos ‘Retórica Organizacional’ que, naturalmente, aborda
aspectos ideológicos do comportamento simbólico das organizações”.
Segundo essa autora, o fato de chamar certo tipo de discurso “a retórica de”
não o qualifica necessariamente como gênero retórico, pois a “oficialização” de um gênero
retórico está sujeita a certos critérios. Para Halliday (1987), os 150 textos por ela
analisados compartilham características estilísticas e situacionais substantivas, as
similaridades ultrapassam as diferenças: vocabulário comum (credenciais e temas
legitimadores), argumentação repetida (as alegações cativantes), uma textura de discurso
semelhante e uma mesma exigência situacional (a criação, manutenção ou restauração da
legitimidade).
Essa autora conclui que “há indicadores que permitem registrar a existência de
uma ‘retórica da legitimação’ como gênero de retórica organizacional” (HALLIDAY,
1987, p. 84). Tal situação remete à configuração mais complexa da vida social, em que a
Utilidade, embora necessária, não se constitui como suficiente para a construção simbólica
da legitimidade das empresas, surgindo a Compatibilidade e a Transcendência como temas
que permitem abarcar as dimensões econômicas, políticas e simbólicas na sociedade
contemporânea.
Aristóteles [19−] propõe três tipos ou gêneros de discurso que, hoje, se
mostram restritivos dado o surgimento de outros tipos de discurso, mas ainda constituem
84
pontos de referência, conforme Leach (2002), Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996),
Reboul (2000):
a) o discurso judiciário é a retórica dos tribunais, que se centra na natureza e na
causa de acontecimentos passados (tempo) que cumpre esclarecer, qualificar,
julgar; o auditório é composto por juízes que devem ser persuadidos de que a
explicação do interlocutor é “verdadeira”; o objetivo é acusar e defender; os
valores são: justo/injusto; argumenta-se de forma dedutiva (silogismos);
b) o discurso deliberativo é encontrado na arena política, cujo debate centra-se
no melhor rumo possível para uma situação futura (tempo) e inspira decisões
e projetos; o auditório é a assembléia; o objetivo é aconselhar e
desaconselhar; os valores o: útil/nocivo; argumenta-se de forma indutiva
(pelo exemplo);
c) o discurso epidíctico está centrado em temas contemporâneos (tempo
presente), ainda que extraia argumentos do passado e do futuro; o auditório é
o espectador; o objetivo é a avaliação de se determinado indivíduo ou
acontecimento merece elogio/louvor ou deve ser censurado; os valores são:
nobre/vil, argumenta-se pela descrição amplificadora de fatos conhecidos.
A questão de definir o nero do discurso é de grande importância, essa
decisão orientará a interpretação do discurso. Aristóteles [19−] avisa que, por vezes,
determinado gênero de discurso toma de empréstimo elementos dos outros gêneros. No
presente trabalho, considera-se que o discurso organizacional é do gênero epidíctico. Este
gênero comporta, hoje, os discursos da publicidade, por exemplo. Ao contrário dos
discursos judiciário e deliberativo, o discurso epidíctico ou demonstrativo é persuasivo no
85
longo prazo, pois ainda que não exija uma decisão imediata, orienta escolhas futuras, é
um discurso essencialmente pedagógico, conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996).
Para esses autores, o gênero epidícitco tem por finalidade aumentar a
intensidade de adesão aos valores comuns do auditório (conjunto daqueles que o orador
quer influenciar com a sua argumentação) e do orador, isto é, a comunhão em torno de
valores. O apelo a valores comuns tem em vista ações posteriores possíveis. São valores
sobre os quais não pairam dúvidas quando considerados isoladamente, mas que poderiam
não prevalecer contra outros valores que viessem a entrar em conflito com eles.
Segundo
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.57) “não receando a contradição, nele [discurso
epidíctico] o orador transforma facilmente em valores universais, quando não em verdades
eternas, o que, graças à unanimidade social, adquiriu consistência”.
Orlandi (2001) discute algumas tipologias e propõe o estudo do discurso
político, discurso pedagógico, discurso religioso, discurso feminino, etc. Citelli (2004), ao
tratar da análise dos textos persuasivos, identifica o discurso publicitário, discurso
religioso, discurso do livro didático, discurso literário, discurso jornalístico, discurso
político, mas não identifica um discurso corporativo ou organizacional. O autor define
também tipos de discursos: o discurso lúdico, o discurso polêmico, o discurso autoritário.
Citelli (2004) relaciona discurso, persuasão e ideologia ao tratar do discurso
dominante e do discurso autorizado ou burocrático-institucional. A linguagem não é
ingênua, segundo esse autor, e os recentes modos de dizer podem estar escondendo novas
formas de organizar a sociedade. Em administração, muitos termos são criados, quase
sempre para minimizar fenômenos socialmente difíceis de serem tratados: reengenharia,
racionalização das empresas, flexibilização das leis trabalhistas, adaptação aos mercados
globalizados. Esses termos podem estar dizendo, simplesmente, aumento do desemprego,
86
cortes na folha de pagamento, retirada de direitos sociais, aprofundamento de
desigualdades sociais entre países ricos e pobres.
Desde a escolha das palavras, algumas explorações semânticas, a organização
de frases, a escolha e a disposição dos raciocínios e dos temas ao longo do texto, existem
inúmeras possibilidades para se compor a ordem persuasiva e de convencimento dos
discursos. Para esse autor, as “nossas opiniões” podem não ser tão “nossas” quanto
imaginamos. Citelli (2004) fala do discurso autorizado ou burocrático-institucional “com
seu aparente ar de neutralidade e sua validação assegurada pela cientificidade”. Em geral,
quem afirma é o doutor, o professor, o economista, o cientista e, poderia-se incluir, o
administrador. Isso ajuda a perpetuar as relações de dominação entre os que falam a e pela
instituição e os que são por ela falados.
Citelli (2004) concorda com Chauí (1982, p. 7) que diz “não é qualquer um que
pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer
circunstância”, afinal, trata-se do discurso competente ou discurso instituído, em que a
linguagem sofre uma restrição, aquela apontada. O discurso competente “é aquele que
pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado (estes termos agora se
equivalem) porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem”.
Como afirma Cha (1982), o discurso ideológico visa realizar a lógica do
poder fazendo com que as divisões e as diferenças apareçam como simples diversidade das
condições de vida de cada um, e a multiplicidade das instituições aparece não como uma
multiplicidade conflituosa, mas um conjunto de esferas harmoniosa e funcionalmente
entrelaçadas, ocultando a divisão, a diferença e a contradição. O que também foi apontado
por Thompson (2002, 1998), que identificou o papel dos meios de comunicação, embora
não analise a Internet, na criação de sistemas simbólicos ou criação de significados.
87
A segunda grande questão refere-se ao discurso das empresas pela WEB. A
elasticidade da Internet, segundo Castells (2003), a torna suscetível de intensificar as
tendências contraditórias presentes no nosso mundo e, ao mesmo tempo, possibilita novas
formas de sociabilidade on-line, novas formas de participação do cidadão, a criação de
redes de comunidades de base, a criação do hipertexto (convergência da Internet e
multimídia), mas também gera desigualdade e exclusão na rede, o domínio de conteúdo
por países e empresas.
Em seu web site, as empresas utilizam-se de imagens, texto e som para enviar
mensagens, dar informações, vender produtos e serviços. A WEB é um domínio
discursivo, um espaço de práticas humanas de comunicação. Especificamente, o hipertexto
caracterizado pela união de texto/imagem/som, torna a comunicação envolvente, com
possibilidades de ampliação do sentido. As mensagens veiculadas nos sites destinam-se a
todo tipo de público, o que não exclui públicos-alvo.
A WEB pode ser uma ferramenta para marketing, vendas, comunicação
institucional e publicidade (GALLI, 2004). Os textos apresentados podem combinar
ilustrações coloridas, trechos de vídeo e som (consultar, por exemplo, o site da Grendene,
www.grendene.com.br). A persuasão se dá pela combinação de cores, ilustrações, forma
de apresentação, da linguagem utilizada pelo locutor, pelas possibilidades de interação ou
links que o site oferece, etc. Embora, na pesquisa realizada, sejam muito poucas as
empresas que combinam texto, imagem e som. O som, ainda, é pouco utilizado pelas
empresas.
Segundo Koch (2003), o texto eletrônico pode conter os seguintes elementos:
boxes explicativos, gráficos, tabelas, fotos, ilustrações e links. Para Koch (2003, p. 64),
os hiperlincks são dispositivos técnico-informáticos que permitem efetivar ágeis
deslocamentos de navegação on-line”, permitem movimentos em várias direções e a
88
diversas fontes de informação, levando a uma compreensão que se de maneira não-
linear, não-seqüencial, possibilitando, por meio de ramificações e acesso, praticamente,
ilimitado a outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas em tempo real por meio de
clicks-de-mouse.
Segundo esse autor, as principais características do hipertexto são a não-
linearidade, a volatilidade, a espacialidade topográfica, a fragmentariedade, a
multissemiose (palavras, ícones, efeitos sonoros, diagramas, tabelas, etc.), a interatividade,
a iteratividade e a descentração. Assim, o hipertexto é, por natureza e essência, intertextual.
No entanto, é importante lembrar as limitações ou restrições da escritura hipertextual. Até
os dias atuais, essas “novas” ligações são aquelas previstas pelo autor, para acessar os nós
interconectados pelos links indicados pelo autor e ou proprietário do site (CASTELLS,
2003; KOCH, 2003).
Segundo Klein (2000), na WEB, os sites das corporações fazem publicidade
sem publicidade. Quando se faz o acesso a um site de uma livraria, por exemplo, ao
mesmo tempo, se os conteúdos, as críticas/resenhas de livros, últimas novidades ou os
mais vendidos CD’s de música e Dvd’s de filmes, pode-se, mediante clicks-de-mouse, ler
as mensagens e também comprar o produto. Neste caso, as empresas usam a net para
cruzar a linha entre editorial e publicidade de uma forma muito mais agressiva do que
poderiam no mundo não-virtual, exemplos relativamente inofensivos de integração
branding-conteúdo.
As corporações utilizam o trabalho de desenvolvedores de conteúdo, quando
não se tornam um, de artistas gráficos, de estilistas de moda e de romancistas para a
criação de peças originais centradas na marca para usar em sua propaganda. O que se busca
são os corações e mentes dos consumidores; em alguns sites procura-se pela alma do
público-chave.
89
A comunicação em rede muda não a dimensão da produção, mas também a
dimensão do consumo. O discurso corporativo combina-se com o discurso publicitário na
Internet. Num mercado globalizado, o processo de criar, estabelecer e gerenciar imagens e
percepções por meio dos quais o consumidor se relaciona com um produto ou uma
empresa torna-se fator-chave para o sucesso. Nas últimas décadas as empresas não se
propõem a vender mercadorias, mas uma idéia, um estilo, um conceito, um sonho,
conforme Klein (2002), Rocha (1995).
Embora o considere a Internet em seu trabalho, Rocha (1995) analisa o
discurso publicitário, especificamente o significado de anúncios, como um sistema
articulador das esferas da “produção” e do “consumo” no mundo econômico. É na
complementaridade desses dois domínios, produção e consumo, que se fecha e se renova o
processo econômico na sociedade industrializada-moderna-capitalista. Na esfera do
consumo os produtos ou objetos são antropomorfizados para levarem aos seus
consumidores as individualidades e universos simbólicos que a eles foram atribuídos,
enfim, consome-se marcas que conferem identidade ou a ausência dela, remetem a um
estilo de vida e a uma visão de mundo que se fixa no corpo social.
O esforço de análise proposto pela presente pesquisa pode ser dimensionado pelo
referencial teórico apresentado até aqui. A seguir, apresenta-se e discute-se a metodologia
da pesquisa e alguns aspectos relacionados à análise da retórica das organizações na WEB.
90
CAPÍTULO III
METODOLOGIA
O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação
do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.
Norman Fairclough
A Internet e o e-mail (endereço eletrônico) ampliaram as oportunidades para os
pesquisadores, não pela possibilidade de coleta de dados, mas pelas possibilidades de
contato com outros pesquisadores. A Internet e outros meios recentes de comunicação
podem ser úteis para alcançar os indivíduos submetidos à pesquisa. Podem ser úteis como
interface entre o pesquisador e o pesquisado ou objeto de pesquisa, sobretudo, quando esse
acesso é dificultado sob as condições normais (entrevistas pessoais, por telefone) ou
quando o alcance de indivíduos para além das fronteiras internacionais é proibitivo
(BOBENDRIER, 2004; COOMBER, 1997; GURAK; HINE, 2004; SIMSEK, 1999).
A World Wide Web criou grande oportunidade para os dados na forma de
textos, imagens, etc. Neste trabalho, investiga-se a seguinte questão: como as empresas
indicadas “Melhores e Maiores”, constroem retoricamente sua legitimação por meio de
discurso em seu web site?. O esforço empreendido neste trabalho visa compreender o uso
que as empresas fazem da sua página na WEB, centra-se na identificação e análise da
91
retórica das empresas brasileiras consideradas “Melhores e Maiores” pelo Anuário “As 500
maiores empresas do Brasil”, de julho de 2004, da Revista Exame. Por orientar-se para a
capacidade de persuasão das mensagens destas empresas em seu web site, a partir da
interpretação de texto, esta é uma pesquisa qualitativa.
A pesquisa qualitativa é caracterizada pela não-formalização, o que tem
algumas implicações, pois conforme Bauer et al.(2002), a pesquisa quantitativa possui
amplo repertório de formalidades estatísticas a seu dispor, enquanto que um repertório
equivalente na pesquisa qualitativa não está ainda bem desenvolvido. Quanto ao método de
delineamento, trata-se de análise de texto das empresas na WEB e adota-se o método trans-
seccional, visto que a pesquisa se refere a um único ponto no tempo .
A análise de texto, atualmente, pode ser realizada com base em técnicas como
análise de conteúdo clássica, análise argumentativa, análise da conversação e da fala,
análise do discurso e alise retórica. Conforme já discutido, discursos são práticas sociais.
A análise de discurso é, por excelência, interdisciplinar e, como tal, é comum a exigência e
a utilização de mais de um método de abordagem.
A técnica adotada, neste trabalho, para analisar o discurso das empresas na
WEB foi a análise retórica. Como método de apoio adotou-se a análise de discurso, pois o
discurso retórico é antes de tudo, discurso. A análise retórica de textos e discursos orais
investiga, segundo Leach (2002, p. 293), “como e por que eles são atrativos e
persuasivos, por que eles se desenvolveram em momentos específicos, que estruturas de
argumentação, metáforas e princípios estruturantes estão em ação [...]”. A retórica defende
uma causa e só é exercida em situações de incerteza e conflito, conforme Reboul (2002)
A estrutura básica para uma análise retórica tem origem nos estudos de
Aristóteles [19−], conforme Leach (2002) e Reboul (2000). A análise retórica tem início
com cinco questões preliminares (lugares de interpretação): quem fala; quando ou qual a
92
época do discurso; contra o quê, que opinião, doutrina, autor, ainda que implicitamente;
por que o discurso tende a persuadir; como o autor se manifesta. Em seguida, é preciso
identificar a situação retórica que comporta duas questões: a quem se está falando, ou seja,
qual é a audiência real do discurso, e qual é a exigência a que a retórica responde.
Os teóricos da retórica também consideram importante identificar o tipo ou
gênero de discurso que se está analisando, conforme Leach (2002), Perelman e Olbrechts-
Tyteca (1996), Reboul (2000). A análise retórica deve considerar as quatro partes do
sistema retórico: a invenção, a disposição, o estilo ou elocução e a ação. Para Reboul
(2000), a definição do gênero do discurso (jurídico, deliberativo, epidíctico) faz parte da
invenção; já, Leach (2002), considera parte da análise da situação retórica
A invenção, no sentido de inventário e de invenção propriamente, é a fase em
que se realiza a busca pelos argumentos tradicionais utilizados e de outros meios de
persuasão criados pelo autor. Os argumentos definidos por Aristóteles são três: ethos
(forma de argumentação de ordem afetiva que se fundamenta no estabelecimento da
credibilidade do autor), pathos (forma de argumentação de ordem afetiva que se
fundamenta no apelo à emoção do auditório) e logos (forma de argumentação de ordem
racional, que se fundamenta em argumentos lógicos; no caso do discurso epidíctico, o
argumento-tipo é a amplificação).
Na análise desta etapa, a invenção, é preciso ainda buscar pelas provas
utilizadas, que podem ser de dois tipos: extrínsecas (testemunhas, confissões, leis,
contratos, etc.) ou intrínseca (devem ser buscadas no próprio discurso: ethos, pathos e
logos). Aqui também são considerados os lugares-comuns do discurso, ou seja, lugares
virtuais, ou depósitos de argumentos de onde os autores retiram os argumentos de que
precisam (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996). Para simplificar, neste trabalho
serão tratados por temas .
93
A segunda parte da análise retórica é a disposição que implica em identificar
a ordenação dos argumentos, isto é, a organização interna ou o plano do discurso. A
terceira parte da análise retórica é a elocução ou estilo, que implica em identificar
características da redação do discurso, bem como a capacidade de adaptação ao assunto, a
clareza para com o auditório, opções de estilo do autor para agradar”, cativar, ser
autêntico. Inclui nesta parte da análise a identificação das figuras de estilo: metáforas,
metonímias, sinédoques, e outras.
A quarta fase da análise retórica é a ação, que conforme Reboul (2000),
implica na identificação de todos os aspectos relacionados ao ato de proferir o discurso.
Nesta fase, a memória é fundamental, pois é ela, junto com a criatividade, que pode
permitir o orador ajustar-se às improvisações e objeções. Para Leach (2002), que divide
essa etapa em quarta (memória) e quinta (apresentação) a partir do trabalho do filósofo
Cícero, os teóricos atuais consideram importante a memória cultural e o modo como
discursos particulares recorrem a memórias culturais partilhadas entre autor e público.
A análise retórica deve considerar e julgar os argumentos, não pelo valor
persuasivo potencial, mas, em relação ao contexto, ao público e à totalidade do texto.
Outros limites que caracterizam a análise retórica, segundo Leach (2002), são: o fato de
que não busca inferências para todos os tempos e lugares, não trata do universal e do
provável, mas do particular e do possível. Também não se propõe a recuperar os processos
que primeiro construíram o discurso, isto é, a reconstrução das intenções dos autores ou
locutores, como se isso pudesse ser predito através de seus textos ou desempenhos orais.
A análise retórica, não permite fazer generalizações para outros textos, mas é
possível, por força da análise, fazer afirmações normativas baseadas na análise em questão,
seja na forma de sugestões sobre como o discurso não conseguiu persuadir um público, ou
de críticas sobre os recursos persuasivos empregados, ou a persuasão do público a partir de
94
argumentos sem sustentação. Também existe restrição quanto à utilização dessa técnica
para o estudo da ideologia, embora tenha crescido o uso dos métodos retóricos nas
ciências sociais e humanidades com a interdisciplinaridade.
Segundo Leach (2002), a atenção ao particular e local, e a simpatia por
conclusões normativas podem fazer com que a análise retórica seja considerada por alguns
críticos e referenciais da ciência social como não-científica. Entretanto, a análise retórica
pode ser útil para a criação de hipóteses que podem ser futuramente exploradas pelos
métodos tradicionais de pesquisa científica.
Neste trabalho, entende-se o discurso das empresas como forma de ação que se
organiza retoricamente. Primeiro, fala e textos são práticas sociais, sendo um dos objetivos
da análise de discurso identificar as funções, ou atividades, da fala e dos textos, e explorar
como eles são realizados. Segundo, a análise do discurso trata a fala e os textos como
organizados retoricamente, visto que a vida social é caracterizada por conflitos de vários
tipos (GILL, 2002). A análise de discurso tem quatro temas principais: “uma preocupação
com o discurso em si mesmo; uma visão da linguagem como construtiva (criadora) e
construída; uma ênfase no discurso como uma forma de ação; e uma convicção na
organização retórica do discurso” (GILL, 2002, p. 247).
A análise de discurso é uma técnica que tem sido desenvolvida a partir de
diferentes tradições teóricas, por meio de tratamentos diversos em diferentes disciplinas
(sociologia da ciência, estudos da mídia, estudos da tecnologia, psicologia social, análise
de políticas). Esta técnica tem como uma de suas etapas o exame de regularidade e
variabilidade nos dados e a criação de hipóteses tentativas. Num primeiro momento, busca-
se um padrão nos dados e as funções de características específicas do discurso. Num
segundo momento, é preciso buscar “nos silêncios”, aquilo que não é dito, conforme Gill
(2002).
95
Essa técnica apresenta alguns limites, segundo este autor, pois o discurso é
sempre circunstancial, tendo em mira contextos específicos não busca identificar processos
universais; de maneira geral, o interesse maior é sobre o conteúdo, a organização e as
funções do texto, e menor sobre a representatividade, embora não se rejeite a
quantificação; quanto à fidedignidade e validade dos dados, considera-se a variabilidade
dos dados por meio da análise de casos desviantes em relação a estudos anteriores e a
apresentação dos materiais analisados para as avaliações dos leitores.
Do ponto de vista ontológico, nesse trabalho, as empresas são compreendidas
como sistemas complexos a partir de uma visão que vai além do determinismo e do
voluntarismo, do totalismo/holismo e do individualismo (BUNGE, 1999; VIEIRA, 2000).
A empresa é compreendida como um sistema de mediações (PAGÉS et al.,1990),
instituições sociais (FREITAS, 2002) que ganham e perdem espaços de poder na dinâmica
sócio-histórica, no seu constante refazer-se e na luta das forças e contradições que ela
própria abriga.
As dimensões de análise desta pesquisa são a cultura e o poder político na
comunicação organizacional. A categoria de análise é a autodescrição (auto-afirmações)
das empresas presentes em seu web site. Ou seja, como as empresas falam de si mesmas,
sua história, seus objetivos, seus valores, sua atuação, suas políticas e compromissos em
relação ao meio-ambiente, funcionários, investidores, consumidores, sociedade. Esses
foram os links priorizados na navegação pelo web site das empresas.
A unidade de análise é o discurso oficial das empresas na WEB. A seleção das
empresas é intencional e foi realizada a partir do Anuário “As 500 Maiores Empresas do
Brasil”, da revista Exame, de Julho de 2004. Esse anuário, lançado trinta anos, e as
publicações dessa revista são voltados para o público empresarial. Para o levantamento
96
dos dados serão utilizadas técnicas de observação direta extensiva, a pesquisa de dados
primários disponíveis no web site das empresas e a pesquisa bibliográfica.
O desenvolvimento da pesquisa foi conduzido a partir dos passos indicados
para a realização de uma análise retórica, conforme Aristóteles [19−], Halliday (1988,
1987), Leach (2002), Perelman e Olbrecths-Tyteca (1996); Reboul (2000). O primeiro
passo consistiu em responder as cinco questões preliminares de uma análise retórica
(capítulo 4, seção 4.1). Em seguida, a partir da análise da situação retórica das empresas
(realizada no capítulo 1) e da identificação preliminar das categorias de análise (realizada
no capítulo 2), analisou-se “a voz” das empresas acerca do atual contexto de negócios e da
sua existência neste início do século XXI (capítulo 4, seções 4.2 e 4.3, respectivamente).
O trabalho de Halliday (1987), conforme capítulo 2, seção 2.1, foi o ponto de
partida para o mapeamento do discurso registrado nos textos do web site das empresas. Em
seguida, ao concluir o inventário dos elementos presentes nos discursos das empresas,
procedeu-se à descrição e análise dos dados referentes ao discurso auto-afirmador das
empresas pesquisadas, identificando elementos que persistem (em relação à análise
daquela autora), elementos novos e elementos ausentes (capítulo 4, seção 4.4). Nesta
pesquisa, os elementos analisados foram as credenciais, os apelos, as auto-afirmações
cativantes, as provas, os temas e as personas ou papéis assumidos pelas empresas.
A interpretação e análise das afirmações autodescritivas das empresas
pesquisadas foram conduzidas a partir da abordagem histórico-cultural do discurso de
Chauí (1982), da perspectiva social-crítica de análise do discurso de Fairclough (2001), da
perspectiva histórico-social de análise da ideologia e dos meios de comunicação na cultura
moderna de Thompson (2002). Outros três trabalhos estão relacionados mais diretamente
às empresas e ao atual contexto dos negócios, as críticas elaboradas por Freitas (2002) e
Klein (2002) e a análise de Rodrigues (2004). Não foi adotada uma única abordagem no
97
campo de estudos organizacionais, por tratar-se de um tema que “atravessa” diversas
abordagens, conforme discutido na seção 2.2.2.
Quanto aos pressupostos que orientaram esse estudo, são eles:
a) as empresas são sistemas complexos que agem em resposta a problemas
percebidos e desenvolvem mecanismos de adaptação e conformação, mas
também transformam situações atuais, as quais elas ajudaram a criar;
b) as empresas enfrentam problemas retóricos, ou seja, situações de incerteza,
conflito ou desequilíbrio entre a maneira como elas são percebidas,
entendidas e acreditadas e a maneira como gostariam que fossem essas
percepções, compreensão ou crédito;
c) as empresas fazem uso de comunicação organizacional para enviar
mensagens estratégicas aos seus públicos-chave, que visam criar e manter
significados na busca por legitimidade, portanto, são retóricas (persuasivas) e
ideológicas (visam manter relações de poder);
d) a ação retórica, somente, não garante poder à organização; a legitimação é
apenas uma das formas de operar da ideologia, portanto, de exercer o poder,
da qual as empresas fazem uso e pode ser que não sejam bem sucedidas.
Este trabalho busca ampliar as referências no campo dos estudos e análise das
organizações brasileiras. Por isso, na seleção das empresas optou-se por ter empresas
brasileiras representativas de vários setores. Dado o limite de tempo, o estudo limita-se à
análise de textos, embora imagens e sons sejam utilizados pelas empresas em seu web site.
No capítulo seguinte são apresentados os dados e a análise destes à luz do referencial
teórico apresentado nos capítulos 1 e 2.
98
CAPÍTULO IV
AS MENSAGENS ESTRATÉGICAS DAS
“MELHORES E MAIORES” NA WEB
Doriana derrete na boca do brasileiro pela primeira vez, enquanto a Becel faz ponte
entre sabor e saúde. A Gelato vai de Cornetto para seduzir o paladar, ao passo que a
Kibon começa a refrescar o calor nordestino. No fim de tudo, Close Up arranca sorrisos
de gel e as mulheres desfilam a maciez de vasenol.
Unilever, “História”, década de 70
O levantamento de dados por meio da pesquisa no web site das empresas
fundamentou-se na estrutura básica da análise retórica conforme Aristóteles [19−], Leach
(2002), Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), Reboul (2000), apresentada na metodologia,
e no trabalho de Halliday (1987) descrito na seção 2.1. À medida que a pesquisa estava
sendo realizada, era possível confirmar os elementos analisados por Halliday (1987) e, ao
mesmo tempo, identificar algumas inclusões e transformações em relação aos elementos do
discurso das empresas na década de 70 para o discurso das empresas, na Internet, em 2004-
2005.
A pesquisa nos sites considerou os links em que a empresa se autodescreviam:
ramo de atividades, visão, missão, valores, objetivos, história da empresa, suas relações
com clientes, fornecedores, investidores, colaboradores, comunidade e sociedade. Nem
todas as empresas apresentam links específicos com essas informações. Inicialmente,
99
realizou-se um pré-teste com seis empresas. Essas primeiras consultas permitiram realizar
um esboço dos temas mais freqüentes e dos elementos presentes, mas à medida que novas
consultas eram realizadas novos elementos surgiam. Na metade da pesquisa chegou-se a
um conjunto de argumentos que era comum encontrar, embora sempre fosse questionada a
ausência de outros elementos. Algumas vezes, foi necessário retornar ao site das empresas
para confirmar determinada informação.
Outro desafio enfrentado foi quanto ao critério para definir que os dados
coletados eram suficientes, visto que são links que levam a novos links. Além da grande
quantidade de informações, estas estão distribuídas de forma muito fragmentada, exigindo
muita paciência e disciplina para a coleta dos textos. O critério para considerar as
informações já coletadas suficientes, foi a restrição da consulta aos links acima, que podem
ser identificados no mapa do site; esse limite tem por base a categoria de análise deste
trabalho, a autodescrição das empresas.
Neste capítulo foram analisados os discursos das empresas selecionadas
seguindo as etapas de uma análise retórica. Na seção 4.1, discute-se as questões
preliminares da análise retórica efetuada nesta pesquisa. A segunda etapa de uma análise
retórica refere-se à identificação da situação retórica, conduzida no Capítulo I deste
trabalho. Ali, foram identificadas diversas dimensões do contexto sócio-histórico das
empresas pesquisadas, bem como as transformações organizacionais e institucionais que
emergiram desde o final do século XX até início do século XXI, constituindo-se em fonte
de incerteza e conflito. Portanto, neste capítulo, limita-se a apresentar a visão das empresas
acerca do momento atual dos negócios na seção 4.2 e a visão das empresas para a sua
existência na seção 4.3.
A terceira etapa de uma análise retórica refere-se à definição da natureza e das
características do discurso, neste caso, o discurso das empresas na WEB, que foi realizada
100
antecipadamente, no capítulo 2. O discurso organizacional apresenta-se como discurso
retórico na medida em que busca a persuasão por meio de palavras (HALLIDAY, 1987); é
ideológico na medida que mobiliza significado para criar ou manter poder (THOMPSON,
2002). Sendo discurso ideológico é discurso lacunar, porque determinados temas estão
ausentes do discurso, e é discurso competente porque é discurso “autorizado” feito por
especialistas (CHAUÍ, 1982). Por ser um discurso moldado por relações de poder e
ideologias do contexto histórico-social e, ao mesmo tempo, exercer efeitos construtivos
sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crença, o
discurso das empresas é uma prática social (FAIRCLOUGH, 2001).
Quanto ao gênero do discurso, trata-se de discurso epidíctico (ARISTÓTELES,
[19−]; LEACH, 2002; PERELMAN; OLBRECHT-TYTECA, 1986; REBOUL, 2000),
aquele em que a persuasão ocorre no longo prazo, visto que os argumentos visam a
valorização da organização perante seus públicos. A última etapa da análise retórica refere-
se às quatro partes do sistema retórico: a invenção, a disposição, o estilo e a ação, estes
aspectos que serão discutidos na seção 4.4.
4.1 QUEM FALA? QUANDO? CONTRA O QUÊ? POR QUÊ? COMO?
As perguntas preliminares para uma análise retórica foram, em parte,
respondidas até aqui. Esse é o caso de quando. A época do discurso é o momento presente,
visto que a pesquisa nos web sites das empresas selecionadas, ocorreu no período de
27/08/2004 até 15/01/2005. De modo mais amplo, trata-se do discurso organizacional de
empresas brasileiras no início do século XXI.
A questão contra o quê refere-se aos críticos e aos movimentos
antiglobalização e anticorporação (KLEIN, 2002) e às pressões relacionadas à
101
globalização, ao controle de custos, às pressões por mais confiança entre os stakeholders e
às demandas por um comportamento corporativo ético e responsável (RODRIGUES, 2004)
que caracterizam o atual contexto empresarial. Estes aspectos que junto com as mudanças
organizacionais e institucionais associadas às transformações no contexto social mais
amplo geram incerteza e conflito no ambiente de negócios, foram destacados
especialmente na seção 1.2.2.
Quanto à questão por quê, o discurso tende a persuadir os compradores,
clientes, governos, investidores, a comunidade, etc., de que a empresa está preparada para
enfrentar tais desafios, objetivo imediato. Mas, segundo Reboul (2000) o discurso tende a
persuadir de algo que pode ser múltiplo e o texto, muitas vezes, tem um objetivo imediato
e outro distante. Neste caso, o objetivo distante seria persuadir os públicos-alvo de que a
empresa apresenta-se como a instituição social por excelência, ator central da sociedade
que fornece o modelo de referências predominantes para o conjunto dos comportamentos
coletivos (FREITAS, 2002).
A questão de como o autor se manifesta será explorada adiante, mas segundo
Halliday (1987), as empresas tendem a se apresentar como persona grata, cuja “beleza” e
“virtude” são dignas de louvor, simpatia e apoio, assumindo o papel de Parceira,
Compatriota/Irmã-em-humanidade e Encarregada-de-uma-grande-missão. Sobre a questão
quem fala, a seleção das empresas pesquisadas para este trabalho teve como base o
Anuário “As 500 maiores empresas do Brasil: melhores e maiores”, de julho de 2004,
publicado pela revista Exame. Além de um ranking das 500 maiores empresas do Brasil, o
anuário também identifica as melhores e as maiores por setor. O presente trabalho
considerou as “Melhores e Maiores” de cada setor, sendo vinte setores identificados,
totalizando 40 empresas pesquisadas.
102
O critério para constar na lista das maiores é ser uma das 500 maiores empresas
privadas ou estatais do país, o que implica ter um faturamento anual superior a 149,8
milhões de dólares. Vários indicadores são utilizados para a análise de desempenho e as
empresas que atuam no país, mas não apresentam balanços separados para o Brasil e
agrupam seus dados financeiros na matriz, não fazem parte da pesquisa para o Anuário da
revista Exame.
Para a escolha das melhores, os pesquisadores da Revista Exame utilizaram
como critério de cálculo os seguintes indicadores e respectivos pesos: crescimento das
vendas (peso 10), investimento no imobilizado (peso 15), liderança de mercado (peso 15),
liquidez corrente (peso 20), riqueza criada por empregado (peso 25), rentabilidade do
patrimônio (peso 15), além de bônus (50 pontos para as dez empresas-modelo da última
edição do “Guia Exame de Boa Cidadania Corporativa”, 50 pontos para as dez primeiras
da última edição do “Guia Exame As melhores empresas para você trabalhar”, 25 pontos
para cada uma das demais destacadas neste último guia.). As empresas que não publicam
ou não enviam demonstrações contábeis não ganham bônus.
Esse trabalho também considerou relevante ter duas empresas de cada setor,
aquela indicada “Melhor” e aquela indicada “Maior”. Entre a data da divulgação do
anuário e a data em que esta pesquisa se desenvolveu ocorreram duas mudanças. A
empresa Agip do Brasil, indicada como melhor no setor de serviços públicos, foi adquirida
pela Petrobrás Distribuidora (BR). O site da Agip do Brasil ficou indisponível para
consultas, e optou-se por considerar a segunda empresa da lista Centro Integrado de
Energia (CIEN), mas o site desta empresa estava indisponível, especificamente em
construção. Por essa razão, no setor de serviços públicos, a empresa pesquisada foi a
terceira empresa da lista “Melhores”, a Bahiagás.
103
A outra situação ocorreu com a Telegoiás Celular, primeira da lista “Melhores”
do setor de telecomunicações. A empresa é controlada pela holding, Tele Centro Oeste
Celular Participações S.A. (TCO), empresa que passou a fazer parte dos ativos do grupo
Vivo, joint venture formada pela Portugal Telecom e pela Telefônica Móviles. A Telegoiás
Celular foi eleita pela terceira vez consecutiva a melhor do setor de telecomunicações,
continua atuando no Estado de Tocantins e Goiás, agora com a marca Vivo e outro padrão
tecnológico. Neste caso, optou-se por fazer a pesquisa na própria Telegoiás Celular,
decisão reforçada pela consulta à segunda colocada da lista “Melhores” do setor de
telecomunicações, a Celular CRT, que atua no Rio Grande do Sul, também uma empresa
do grupo Vivo. Em abril de 2003, mediante reorganização societária, foi realizada a
unificação das empresas do grupo em torno da marca Vivo.
O Quadro 8, apresenta as empresas pesquisadas identificando o setor de atuação e
outras informações, tais como a época da fundação, o controle acionário e a posição que a
empresa ocupa na lista das “500 maiores empresas do Brasil”.
MELHORES E MAIORES DE 2004
SETOR MELHORES
Razão Social
Endereço Eletrônico
Data
da
funda-
ção
Posição
entre as
500
maiores/
Controle
acionário
MAIORES
Razão social
Endereço Eletrônico
Data
da
funda-
ção
Posição
entre as
500
maiores/
Controle
acionário
Alimentos,
bebidas
e fumo
Primo Schincariol
Ind. de Cerveja e Refrig.
do Nord. S.A.
Schincariol Nordeste
www.schincariol.com.br
1939 426
Brasileiro
Cia Brasileira de
Bebidas
CBB/Ambev:
www.ambev.com.br
1999 5
Brasileiro
Atacado e
comércio
exterior
Votorantim Export. e
Participações Ltda
VCP Exportadora
www.vcp.com.br
1995 276
Brasileiro
Petrobrás Distribuidora
S. A.
www.br.com.br
1971 2
Estatal
Automotivo Master Sistemas
Automotivos Ltda.
www.fmaster.com.br
1986 660
Brasileiro
Volkswagen do Brasil
Ltda
www.vw.com.br
1953 7
Alemão
Comércio
varejista
Comercial Automotiva
Ltda − DPaschoal:
www.dpaschoal.com.br
1949 215
Brasileiro
Cia Brasil. de Distrib. −
Pão de Açúcar: www.
grupopaodeacucar.com.
br
1948 12
Brasileiro
104
Confecções
e têxteis
Grendene S. A.
www.grendene.com. br
1971 344
Brasileiro
Vicunha Têxtil S. A.
www.vicunha.com.br
1946 133
Brasileiro
Construção Matec Engenharia e
Construções Ltda
www.matec.com.br
1990 536
Brasileiro
Construtora Norberto
Odebrecht SA.
www.odebrecht.com.br
1944 75
Brasileiro
Eletro-
eletrônico
Semp Toshiba S A
Amazonas www .
semptoshiba.com.br
1942 273
Brasileiro
Nokia do Brasil
Tecnologia Ltda
www.nokia.com.br
46
Finlandês
Farmacêu-
tico, higiene
e cosméticos
Natura Cosméticos
S. A.
www.natura.net
1969 116
Brasileiro
Unilever Brasil Ltda.
www.unilever.com.br
1929 26 Anglo-
holandês
Material
de
Construção
Camargo Corrêa
Cimentos S. A.− Cauê
www.cimentocaue.com
.br
1997 260
Brasileiro
Cimento Rio Branco S.
A.
www.cimentoriobranco
.com.br
1933 88
Brasileiro
Mecânica
Voith Paper Máq. e
Equip. Ltda.
www.voith.com
2000/
1964
558
Alemão
Weg Indústrias S. A.
www.weg.com.br
1961 125
Brasileiro
Mineração Minerações Brasileiras
Reunidas S. A. − MBR
www.mbr.com.br
Início
dos
anos
40
15
Brasileiro
Companhia Vale do
Rio Doce
www.cvrd.com.br
1942 13
Brasileiro
Papel e
celulose
Aracruz Celulose S.A.
www.aracruz.com.br
1967 71
Brasileiro
Klabin S. A.
www.klabin.com.br
1899 60
Brasileiro
Plásticos
e borracha
Petroflex Ind. e
Comércio S. A.
www.petroflex.com.br
1977 185
Brasileiro
Pirelli Pneus S. A.
www.pirelli.
com.br
1929 72
Italiano
Química
e petroquí-
mica
Alberto Pasqualini –
Refap S/A
www.refap.com.br
2001 32
Brasileiro
Petróleo Brasileiro S.
A. − Petrobrás
www.petrobras.com.br
1953 1
Estatal
Serviços
de transporte
Gol Linhas Aéreas
Inteligentes
www.voegol.com.br
2001 147
Brasileiro
Varig S.A. Viação
Aérea Rio-Grandense.
www.varig.com.br
1927 25
Brasileiro
Serviços
diversos
Redecard S.A.
www.redecard.com.br
1996 298
Brasileiro
Credicard S.A.
www.credicard.com.br
1970 106
Brasileiro
Serviços
públicos
Bahiagás Cia de Gás da
Bahia
www.bahiagas.com.br
1991
387
Estatal
Eletropaulo Metropol.
Eletric. de S. P. S.A.
www.eletropaulo.com.
br
1899 20
Brasileiro
Siderurgia
e metalurgia
Albrás – Alumínio
Brasileiro S. A.
www.albras.net
1978 118
Brasileiro
Cia Siderúrgica
Nacional − CSN
www.csn.com.br
1941 24
Brasileiro
Tecnologia e
Computação
Serv. Fed. de Proces.
de Dados – SERPRO
www.serpro.gov.br
1964 281
Estatal
IBM Brasil Ind. de
Máq. e Serv. Ltda.
www.ibm.com.br
1917 54
Americano
Telecomu-
nicações
Telegoiás Celular S. A.
− Vivo Goiás
www.vivo.com.br
2003 406
luso-
espanhol
Telemar Norte Leste
S/A
www.telemar.com.br
1999 3
Brasileiro
Quadro 8 Melhores e Maiores de 2004
Fonte: elaborado pela autora a partir do Anuário “Melhores e Maiores”, de julho de 2004, da Revista Exame.
Algumas destas empresas o apresentam comunicação institucional própria.
As informações sobre a organização são apresentadas juntamente com as informações
105
sobre o grupo ao qual pertence, como é o caso da empresa Cimento Rio Branco (Grupo
Votorantim Cimentos), a Telegoiás Celular Vivo Goiás (Grupo Vivo), Semp Toshiba
Amazonas (holding controladora da fabricante de eletroeletrônicos Semp Thoshiba). O site
define que aquela é a estratégia ou modo de atuar de todas as empresas do grupo.
Determinadas empresas têm seu site vinculado ao site do grupo, isso significa
que algumas informações estão disponíveis em um link com informações da unidade,
enquanto informações estratégicas e/ou relacionadas às ações sociais e mesmo a história da
organização estão inseridas em textos com informações do grupo, exemplo deste caso, a
Construtora Odebrecht (Grupo Odebrecht), Pirelli Pneus (Grupo Pirelli), Votorantim
Celulose e Papel (Grupo Votorantim), Voith Paper (Grupo Voith). Esta última, com opção
de acesso somente em inglês e alemão.
As informações acerca de como a empresa atua junto à comunidade, em alguns
casos, exigiu a visita ao site do Instituto ou Fundação que coordena as ações de todas as
empresas do grupo. O próprio site da empresa indica o link para a consulta. Nesta situação
estão o Instituto Vivo (área de responsabilidade social da operadora de telefonia Vivo que
atua no Brasil), Instituto Votorantim (tem por objetivo ampliar e incrementar, centralizar
esforços, dividir resultados e dar suporte às ões sociais das empresas do grupo),
Fundação Vale do Rio Doce (atuar como instrumento social da empresa nas regiões onde
atua), Fundação Educar DPaschoal, Instituto Telemar, Fundação Volkswagen, Instituto
Unilever, Fundação CSN, Instituto Camargo Correia.
Outra consideração importante refere-se ao fato de que algumas dessas
empresas têm vínculos de propriedade entre si. Nesta situação, incluem-se a Eletropaulo
Metropolitana que tem como uma de suas controladoras a Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN); a Albrás e a Companhia Vale do Rio Doce são empresas do grupo Vale
do Rio Doce; a empresa Cimento Rio Branco faz parte do grupo Votorantim Cimentos que,
106
junto com a Votorantim Celulose e Papel (VCP); fazem parte do grupo Votorantim; a
Redecard foi criada como uma divisão da Credicard e têm em comum os principais
acionistas.
Ainda, sobre os vínculos de propriedade, a Petrobrás Distribuidora é uma das
empresas do grupo Petrobrás; a Petroflex tem como um dos acionistas a Braskem (empresa
não pesquisada), que é controlada pela Odebrecht; a Caemi Mineração e Metalurgia S/A
(empresa não pesquisada) detêm o controle acionário de 85% da MBR. A Eletropaulo é
controlada pela CSN. Em 2003, a Caemi teve o controle acionário adquirido pela Cia Vale
do Rio Doce (CVRD). A CVRD era, até então, concorrente direta da MBR e, mesmo com
a aquisição, optou por manter a direção da empresa e deixar que a MBR seguisse caminho
próprio (Anuário “Melhores e Maiores”, Revista Exame, jul. 2004, p. 232).
4. 2 COMO AS EMPRESAS COMPREENDEM O MOMENTO ATUAL DOS
NEGÓCIOS
Nesta seção procura-se evidenciar como as empresas compreendem o momento
atual dos negócios, ou seja, quais são as questões que demandam respostas da organização
neste começo de século XXI. Os discursos das empresas confirmam os aspectos apontados
no Capítulo 1 acerca das transformações sociais (em suas diversas dimensões),
organizacionais e institucionais. Por isso, nesta seção, são analisados os discursos de
empresas de vários setores.
Em Mensagem do Presidente, no site da Aracruz, argumenta-se que as
empresas vivenciam um novo ambiente de negócios. Neste ambiente, as demandas sociais
e ambientais tornam-se tão relevantes quanto às demandas por produtividade, qualidade do
produto e eficiência operacional. A competitividade das empresas passa a ser, cada vez
107
mais, avaliada por sua sustentabilidade econômica, social e ambiental, conforme uma visão
de longo prazo do negócio.
Este novo cenário demanda das empresas responsáveis ainda maior cuidado
e transparência na prestação de contas de suas ações à sociedade. Em todo o mundo, é
crescente o interesse da sociedade pelo desempenho social e ambiental das empresas.
Ainda, segundo o site da Aracruz, um consenso de que a geração de riquezas para a
sociedade é um dos principais fatores de sustentabilidade de qualquer negócio.
Além das questões relacionadas à responsabilidade social e ambiental, esta
empresa aponta outros aspectos igualmente importantes que caracterizam o atual ambiente
de negócios, tais como: a necessidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico; a
importância da qualidade dos produtos e serviços; a preocupação com o bem-estar dos
empregados; a capacidade para atrair, desenvolver e manter profissionais talentosos,
qualificados e em sintonia com as metas, os valores e a cultura da empresa. A gestão com
foco em resultados, o trabalho em equipe, um ambiente de trabalho que incentiva e
valoriza a iniciativa e o profissionalismo, também são elementos indispensáveis para uma
atuação competitiva e em sintonia com as rápidas mudanças que ocorrem no mundo.
A Nokia, em seu site, argumenta que no atual ambiente de negócios os
grupos interessados expressam mais suas expectativas. Os clientes, assim como as
ONGs e a mídia, desejam saber como gerenciamos a nossa cadeia de fornecimento; os
investidores realizam mais pesquisas sobre o desempenho ético e, em alguns casos, criam
índices de referência; os funcionários desejam mais oportunidades de discutir questões
relacionadas ao seu bem-estar; os governos e as organizações intergovernamentais (OIGs)
como a ONU, a UE e a OCDE publicam códigos de práticas e criam ou alteram a
legislação com respeito a temas como os materiais dos produtos, a reciclagem, o controle
das empresas, a igualdade de oportunidades e o sistema de informações.
108
A empresa alega que, além de uma marca de confiança, nesse momento atual
dos negócios, é fundamental ter boa reputação. A "licença para fazer negócios" começa
com o cumprimento da lei e as boas práticas, de que são exemplos: o trabalho ambiental,
os programas para os funcionários e o gerenciamento ético e eficiente da cadeia de
fornecedores. Mas a boa reputação se fomenta, sobretudo, mediante a participação na
comunidade. Ou seja, confiança e boa reputação a empresa conquista ao demonstrar a sua
capacidade e responsabilidade para responder às expectativas dos grupos interessados. Em
longo prazo, segundo site da empresa, “como expressa apropriadamente o World Council
for Sustainable Business, ‘as empresas não poderão alcançar sucesso se as sociedades
fracassarem’ ” (disponível em http://www.nokia.com.br/nokia/0,8764,46317,00.html)
A Cia Vale do Rio Doce (CVDR), em seu site, afirma que nas empresas
modernas, todos – patrões e empregados − sabem que, para poderem atuar de forma
competitiva, conquistar o seu lugar no mercado precisam se ver como parceiros numa
espécie de modelo “ganha-ganha”. O importante é atingir as metas individuais e
corporativas, pois todos serão beneficiados. Nesse sentido, é fundamental que exista um
clima positivo de bem estar e satisfação. Assim, o trabalho rende mais e todos se
comprometem com o sucesso da empresa, que é também o sucesso de cada um.
Para manter o clima organizacional harmônico entre a empresa e os
empregados, a Vale oferece ao empregado um canal aberto de comunicação para conciliar
esta relação, além de programas específicos na área de recursos humanos, pois o Setor de
Recursos Humanos tem interesse em garantir um sistema de relações trabalhistas que seja
atuante e rápido na identificação de conflitos e na resolução dos mesmos. A contradição
está presente aqui, pois a Vale descreve a si mesma como uma empresa democrática,
mostrando-se aberta na relação com os empregados, ao mesmo tempo, interessa-se por
identificar e resolver o mais rápido possível os conflitos que possam surgir dessa relação.
109
Quando a Vale voz a um de seus departamentos, no caso acima o Setor de
Recursos Humanos, ela usa o discurso competente porque afinal trata-se de especialistas
que por conhecerem o que fazem vão sempre tomar as melhores decisões e, ao mesmo
tempo a empresa transfere para o esse setor o impacto negativo que porventura possam ter
as decisões do departamento. É um discurso lacunar porque não diz que esse setor toma
decisões conforme parâmetros estabelecidos estrategicamente pela empresa e que podem
não coincidir com os interesses dos trabalhadores.
No ambiente atual de negócios, a Cia Siderúrgica Nacional (CSN) considera
que o ser humano é o que faz a diferença nas empresas, especialmente em um contexto no
qual recursos tecnológicos e outros investimentos em maior ou menor proporção se
equivalem. A empresa não deve medir esforços para oferecer aos empregados um ambiente
de trabalho agradável e seguro, além de investir em formação educacional e profissional.
Desse modo, capacitar a equipe para enfrentar os desafios e alcançar o nível de
qualidade exigido no mundo dos negócios.
A Gol Linhas Aéreas destaca a importância do controle de custos
operacionais e do gerenciamento dos rendimentos para uma maior flexibilidade na
fixação de preços dos produtos (tarifas). Eficiência operacional, serviços confiáveis e
satisfação dos clientes são aspectos importantes em mercados altamente competitivos.
Com base no conceito de baixo custo, a Gol constrói seu modelo de negócios com
melhoria de processos e na gestão da empresa.
A Vivo/Telegoiás Celular afirma a necessidade de agilidade nas operações, de
máxima qualidade dos serviços, de inovação e do uso de tecnologia de ponta. Um dos
desafios que toda grande empresa enfrenta é a busca por novos talentos, a necessidade de
uma equipe articulada, dotada de energia, entusiasmo e idéias, aspectos imprescindíveis
para geração de resultados e o contínuo crescimento empresarial em um ambiente de
110
competitividade acirrada, em que o ritmo de mudanças é muito rápido. A grande
preocupação com tecnologia de ponta e “novidades” no site da Vivo e da Nokia
evidenciam a situação da indústria de celulares em que os aparelhos são trocados, em
média, a cada dois anos, o que explica ou se justifica pelo ritmo quase frenético com que as
empresas apresentam as novidades (Anuário “Melhores e Maiores”, Revista Exame, Jul.
2004, p. 218).
A Votorantim Celulose e Papel (VCP) argumenta que a superação dos níveis
de desempenho ocorre por meio do aprendizado contínuo e pela busca e adoção das
melhores práticas. Estes são os aspectos que possibilitam a geração de valor e de
diferenciais competitivos capazes de garantir uma atuação global. A busca por outros
mercados também caracterizou a atuação da Voith Paper, Petroflex, Natura, Grendene,
Weg, que também diversificou sua linha de produtos.
Determinadas empresas apontam que na busca por competitividade se
reestruturaram, desfazendo-se de alguns negócios e especializando-se, como é o caso da
Klabin, que concentrou esforços e recursos no fornecimento de papelão. É, também, o caso
da IBM que vendeu o negócio de computadores pessoais para a companhia chinesa Lenovo
Group Limited. O negócio de computadores pessoais definiu a atuação da IBM nos anos
80. No decorrer da década de 90, a fabricação de computadores pessoais (PCs)
comprometia as margens de lucro da empresa que concentrava-se no negócio de serviços e
softwares.
Determinadas empresas apostaram na diversidade como uma estratégia para
compensar as oscilações no mercado consumidor brasileiro, como a Semp Toshiba e a
Grendene. Enquanto outras investiram em novos projetos, em modernização, aumento da
capacidade instalada e em infra-estrutura para buscar novos mercados e consolidar
mercados conquistados. Este é o caso da MBR, Aracruz, VCP, DPaschoal, Cauê, Refap.
111
Algumas empresas investiram em aquisições como é o caso da CVRD, que adquiriu a
Caemi que controlava a MBR, sua concorrente direta. A aquisição da Agip do Brasil pela
Petrobrás Distribuidora e a aquisição da Telegoiás Celular pela Vivo.
Determinadas empresas, como a Credicard e a Redecard, cresceram junto com
e estimulando a mudança de comportamento. O “dinheiro de plásticopassou a fazer
parte da vida das pessoas. Por volta de 2000, havia 23 milhões de cartões de crédito e
débito; por volta de 2004, são 47 milhões (Anuário “Melhores e Maiores”, Revista Exame,
jul.2004, p. 168). Outro exemplo de tecnologia aliada a novos comportamentos foi o setor
de telefonia celular. Em 2003, no Brasil, o número de celulares ultrapassou o de telefones
fixo.
Mudanças de comportamento, também foi o que Schincariol, Grendene e
Natura buscaram, investindo pesado em marketing e publicidade associados a “novos”
produtos. A Natura associou sua marca aos conceitos de biodiversidade e desenvolvimento
sustentável. A Grendene investiu em diversidade de produtos e campanhas com
celebridades. A Schincariol lidou com o fato de ter o seu presidente assassinado, ao
mesmo tempo que efetivava uma estratégia de marketing que mexeu com o mercado
brasileiro de cerveja, tradicionalmente dominado pela Ambev: foi o lançamento da Nova
Schin” e do comercial “Experimenta”.
Quanto às empresas estatais, uma tendência a adotar a forma de gestão dos
concorrentes privados. O Serpro corta custos, busca novos mercados, qualificação de
pessoal, certificação de serviços, integração de redes e adoção de softwares livres,
investimento em infra-estrutura. A Petrobrás investe em expansão, novos mercados e
parcerias estratégicas.
A Bahiagás investe em expansão com a construção de gasodutos, aumento do
número e categorias de clientes, apostando no crescimento do consumo de gás natural que,
112
conforme site da empresa, oferece segurança, praticidade e conforto, eficiência e
modernidade, além de vantagens ambientais. A Petrobrás Distribuidora investe em
pesquisa tecnológica, adota programas destinados ao cliente que visam a otimização do uso
de produtos da Companhia e a redução dos custos para o cliente, também informa estar
atenta a novas oportunidades de negócios.
Os números apresentados pelas empresas em seus sites e os indicadores por
setor (Anuário “Melhores e Maiores” da Revista Exame, Jul. 2004, p. 158-159) mostram
que são empresas com realidades distintas no crescimento das vendas, rentabilidade do
patrimônio, margem das vendas, liquidez corrente, investimentos no imobilizado e riqueza
criada por empregado. A análise do discurso das empresas, entretanto, permite identificar
respostas comuns aos desafios enfrentados nos últimos anos, conforme seção 4.4.
4.3 COMO AS EMPRESAS “COMPREENDEM” A SUA EXISTÊNCIA
Nesta seção são destacados diversos exemplos de como as empresas
“compreendem” a sua existência no atual contexto de negócios. Foram selecionados
discursos de empresas de diferentes setores, de modo a evidenciar os elementos retóricos,
simbólicos e ideológicos que estas mobilizam em seu discurso na WEB.
Em seu site, a Natura apresenta as suas crenças e estas indicam uma concepção
de realidade e como a empresa pode ou não, deve ou não construir a sua existência. Essas
crenças são apresentadas a seguir:
a) a Natura acredita que a vida é um encadeamento de relações. Acredita
profundamente na importância das relações e na possibilidade de uma grande
revolução humana na busca pela paz, harmonia e beleza do ser;
113
b) a Natura acredita que no mundo, cada ser, cada organização, cada país tem
potencial para se aperfeiçoar e para aperfeiçoar suas ações. A busca
permanente por aperfeiçoamento promove o desenvolvimento dos indivíduos,
das organizações e da sociedade, gerando conquistas, enriquecimento e
sabedoria;
c) a Natura acredita no compromisso com a verdade como o caminho para o
alcance do aperfeiçoamento e da qualidade das relações. Acredita que o
compromisso com a verdade é o caminho para uma revolução transformadora
de todas as relações tanto pessoais quanto de mercado;
d) a Natura acredita que a vida se manifesta através da diversidade. Acredita
que o cultivo da interação entre pessoas diferentes gera a energia necessária à
evolução dos indivíduos, das organizações e da sociedade;
e) a Natura acredita na busca da beleza como aspiração da alma, da mente e do
corpo. Acredita que a beleza é um anseio legítimo de todo ser humano, por isso
deve estar liberta de preconceitos e de manipulações;
f) a Natura acredita que a empresa é um dinâmico conjunto de relações, cujo
valor e perpetuação estão relacionados à sua capacidade de contribuir para o
aperfeiçoamento da sociedade. Acredita que o valor da empresa se amplia
proporcionalmente à sua capacidade de estabelecer relações de qualidade com
consumidores, consultoras, colaboradores, fornecedores, acionistas e toda a
comunidade, promovendo seu enriquecimento material, emocional e espiritual.
A Natura, ao falar do compromisso com a verdade, emite uma crítica à
sociedade de consumo em geral. Nesta sociedade, e no mundo dos cosméticos em
particular, tem prevalecido o engano, o ilusório, o falso na busca do êxito a qualquer preço.
114
Desse modo, a sociedade perde a oportunidade de viver relações baseadas em verdades que
personalizam e aperfeiçoam os indivíduos e as organizações. A empresa critica a sociedade
de consumo em geral e o mundo dos cosméticos em particular pela manipulação do anseio
legítimo de todo ser humano pela beleza. Isso ocorre com a imposição de estereótipos e
preconceitos que estabelecem padrões de beleza relacionados à idade, raça,
comportamento. Ou seja, a sociedade impõe padrões ao invés de incentivar e valorizar a
diversidade.
A Natura argumenta que acredita e está comprometida com a necessidade e
possibilidade de desmistificação desta atitude. Justifica que quanto maior a diversidade,
maior a riqueza e a vitalidade de todo o sistema, de toda a rede de relações. Assim é na
ecologia ambiental, assim é, também, na ecologia das relações humanas (e nas relações de
mercado!). As empresas existem numa tal realidade para atender às necessidades dos
indivíduos e da sociedade através de produtos, serviços e ações que contribuam para um
desenvolvimento econômico-ambiental sustentável, além de socialmente justo.
Desse modo, a empresa apresenta uma visão de mundo a partir de suas crenças.
O mundo, a sociedade, as organizações como são, e como devem ser. Mas, o discurso é
ambíguo. Se o se pode discordar da crítica que a empresa faz à manipulação e
mistificação do conceito de beleza, também o se pode ignorar algum grau destes
aspectos no que a Natura define suas causas (“nossas causas”): o uso sustentável da
biodiversidade brasileira, o combate ao estereótipo da mulher e a defesa da importância do
vínculo mamãe e bebê, sendo que, para cada causa, existe uma linha de produtos Natura
Ekos, Natura Chronos, Natura Mamãe e bebê.
A Aracruz, a Natura, a MBR, a VCP, a CVRD, a Petrobrás, em seu web site,
destacam um aspecto fundamental da sua existência. Essas empresas têm em comum a
dependência de recursos da natureza para ter sua matéria-prima. Por isso, a
115
responsabilidade para com a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável, o equilíbrio e
ou a harmonia entre a empresa, a natureza e a comunidade em que atuam são aspectos
bastante enfatizados. Desenvolvimento sustentável, essas empresas explicam, é aquele no
qual o progresso social e econômico é realizado em harmonia com a natureza.
Para a Aracruz, suas práticas florestais visam o mínimo impacto ambiental,
pois os plantios florestais da empresa estão localizados numa área “também ocupada” pela
Mata Atlântica. A Aracruz detém a maior área de reservas florestais nativas de Mata
Atlântica da Bahia e Espírito Santo. Uma mata de rica biodiversidade, a empresa
argumenta, apesar de ter sido devastada, anteriormente, ao longo de décadas, pelo uso
inadequado do solo e dos recursos naturais. No Espírito Santo, conforme a Aracruz restam
apenas 8% da Mata Atlântica. Uma área que a empresa ajuda a preservar e recuperar a
partir do reflorestamento e do cultivo de eucalipto.
A Aracruz argumenta que, entre a demanda mundial por mais madeira e a
defesa do meio ambiente, o eucalipto tem sido uma saída racional para diversas regiões do
planeta, além de ecologicamente correta para manter o progresso e o bem-estar da
humanidade. A Aracruz argumenta que quando investe na plantação de eucalipto, o está
investindo somente na própria empresa, mas também no social. Além de produtos (celulose
e outros) que serão comercializados, as pesquisas realizadas ao longo de décadas geram
conhecimento. Essa atividade estimula o mercado regional, contribui para a geração de
empregos e impostos, atrai fornecedores e novos negócios, evita a migração para as
cidades, promove a qualificação profissional na região e gera recursos para a ação social
nas áreas de abrangência da empresa.
A Aracruz defende que um bom negócio é aquele em que todos saem
ganhando. A empresa desenvolve parcerias com produtores rurais independentes para o
plantio de eucaliptos em terras inativas, além de diversos programas voltados para as
116
comunidades vizinhas de suas instalações (por exemplo, comunidades indígenas
localizadas no município de Aracruz, no Espírito Santo). No link “Comunicação com as
partes interessadas”, entretanto, a empresa informa que recebeu a visita de um grupo de
trabalho da Comissão de Direitos Humanos da mara de Deputados, em dezembro
[2003?], para apurar possíveis violações de direitos humanos associados aos plantios de
eucalipto no Espírito Santo e na Bahia. A empresa mostrou documentação e dados
concretos que comprovavam o seu respeito pelos direitos humanos.
A Aracruz enfrentou, ainda, algumas campanhas contra os plantios de
eucalipto, no Brasil e na Europa. No Brasil, movimentos em sua maioria sociais,
segundo a empresa, opõem-se ao modelo econômico baseado na economia de mercado
e na globalização e situam os plantios florestais neste contexto. Esses movimentos
receberam o apoio de algumas ONG’s européias. A Aracruz, conforme seu site, respondeu
a todos os questionamentos com esclarecimentos detalhados e de modo coerente com sua
postura ética e de transparência. De fato, na pesquisa realizada com quarenta empresas, a
Aracruz foi a única empresa que afirmou explicitamente ter suas atividades
contestadas.
A postura ética e de transparência da Aracruz, segundo seu web site, vai ao
encontro das demandas sociais e visa à atender o ambiente normativo e institucional,
o que inclui a publicação de Relatório Social e Ambiental, adoção de um Código de
Conduta, de Princípios de Governança Corporativa, e a reformulação do site da empresa na
Internet. A empresa informa que o site recebeu cerca de 327 mil visitantes, no ano [2003?],
e teve 2,7 milhões de páginas acessadas.
A Natura alega que enfrenta de forma responsável os impactos ambientais
resultantes de suas atividades no setor de cosméticos, saúde e fitoterápicos, tanto no Brasil
quanto no exterior. A empresa afirma que cumpre a legislação, visa a ecoeficiência no
117
gerenciamento de toda a sua cadeia de geração de valor (por exemplo, redução dos
impactos ambientais das embalagens), incorpora tecnologias limpas, a questão ambiental é
tratada como tema transversal e estratégico em sua estrutura organizacional, dissemina a
cultura da responsabilidade ambiental, individual e coletiva entre colaboradores,
fornecedores, clientes, etc., busca desenvolver projetos e orienta investimentos visando à
compensação ambiental pelo uso de recursos naturais e pelo impacto causado por
suas atividades.
A Natura defende o investimento em estudos interdisciplinares para se chegar a
um modelo de extração adequado de determinada matéria-prima sem danificar
ecossistemas (a Mata Atlântica, a Amazônia, por exemplo) e sem prejudicar a economia
local das populações envolvidas (por exemplo, comunidades indígenas), evitando a
dependência econômica de um produto, o que acarretaria a destruição da biodiversidade
e das comunidades envolvidas (do conhecimento e da cultura de populações tradicionais).
Por isso, a Natura define-se como uma empresa que tem responsabilidade para com as
gerações futuras.
A Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), ao falar de sua atividade de
extração de minério de ferro, apresenta imagens de lagos, flores, plantas e animais. No
texto, argumenta que trabalha em região ambientalmente sensível (Quadrilátero Ferrífero,
no Estado de Minas Gerais), que busca as melhores práticas de gestão ambiental e
antecipa-se à legislação relativa ao meio ambiente. Portanto, argumenta, a mineração
organizada é compatível com o meio ambiente e com as comunidades vizinhas e que os
projetos e atividades da empresa são marcados pelo diálogo permanente com as
comunidades vizinhas.
Para a instalação do Complexo Tamanduá, uma das unidades operacionais da
MBR, foram necessários três anos de intensas negociações, que resultaram em um acordo
118
com as comunidades vizinhas às minas. Acordo que pre monitoramento rigoroso de
todas as atividades inerentes à operação que afetam o ambiente e a população vizinha (por
exemplo, explosões, ruídos, poeira, etc)
A Votorantim Papel e Celulose (VCP) afirma que busca associar a imagem da
empresa com o compromisso e a responsabilidade pelo meu ambiente. Argumenta ter
como prioridade o respeito pela natureza, prevenindo e reduzindo os impactos adversos,
embora não especifique e nem discuta quais sejam, e que o relacionamento da Companhia
não se limita ao mercado a que se destinam seus produtos ou aos seus profissionais, mas
expande-se atingindo diversos setores da sociedade.
Segundo o web site da empresa, quando uma empresa se instala em
determinada comunidade, está criando uma série de relações, não apenas com o mercado a
que se destinam seus produtos e com os empregados envolvidos na produção. Empresas
criam relações com as pessoas, com os vizinhos, com os consumidores, com os governos,
etc. Portanto, queiram ou não, empresas relacionam-se com setores diversos da sociedade,
com a população que consome e com aquela que ainda nem teve acesso ao consumo,
especialmente, num país que tem tantos reconhecidos problemas de exclusão social.
A Cia Vale do Rio Doce (CVRD) afirma que o respeito e o valor atribuído ao
ser humano são fundamentais para o desenvolvimento dos negócios e projetos da empresa..
A “filosofia” de relacionamento para os diversos públicos que interagem com a
Companhia, “amadureceu”, ao longo dos 62 anos de existência da empresa. A Vale tem
como premissa promover o crescimento profissional de seus empregados, contribuir com o
desenvolvimento das comunidades onde está presente, incentivando a integração família-
empresa, e investindo na preservação do meio ambiente.
Estas iniciativas, segundo a Vale, geram valor para a empresa, motivam os
empregados cada vez mais e, conseqüentemente, otimizam os resultados. Quanto ao meio
119
ambiente, a empresa se diz comprometida com o conceito de desenvolvimento sustentável,
que visa o equilíbrio entre a proteção do meio ambiente e a necessidade de crescimento
econômico, com a garantia do uso consciente e eficaz dos recursos naturais, logo, com a
melhoria da qualidade de vida das pessoas.
A empresa também cita o bom relacionamento que mantém com as
comunidades indígenas, fator indispensável para o sucesso das atividades operacionais da
Vale na área de influência do Projeto Ferro Carajás (Estado do Maranhão e Pará). Informa
que as atividades da empresa se efetivam em propriedade da empresa, áreas públicas
concedidas e de terceiros, seguindo o Código de Mineração, entre outras diversas
situações. Isso significa que a área sob interferência ou influência da Vale é de cerca
de 2 milhões de hectares, distribuída em vários estados e municípios, sob diversas
condições legais e normativas e em diferentes ambientes naturais e sócio-econômicos.
A Klabin afirma que, aos 105 anos de existência, tem orgulho de ser uma
empresa brasileira reconhecida internacionalmente pelos altos padrões de qualidade de
seus produtos e seu profundo respeito pela natureza, num cenário de desafios colocados
pela globalização e competição acirrada. Foi a primeira empresa do mundo a receber o
certificado FSC (Forest Stewardship Council) pelo manejo de planta medicinal em suas
florestas no Paraná, a primeira empresa do mundo a produzir celulose de eucalipto de fibra
curta com matéria-prima 100% certificada.
A empresa investe em pesquisas, principalmente nos campos da genética,
silvicultura e manejo de solo. Preserva 119 mil hectares de matas nativas, mantidas em
consórcio com 183 mil hectares provenientes de projetos de reflorestamento de pinus e
eucaliptos, o que garante a biodiversidade e o equilíbrio da natureza, segundo a Klabin. As
matas naturais interligadas, em corredores, com a parte de reflorestamento comprovam que
nem todas as atividades de reflorestamento produzem “Florestas do silêncio”, argumenta a
120
empresa que é possível conciliar desenvolvimento econômico com a conservação da
natureza.
A Petrobrás destaca que o petróleo é um componente básico para mais de 6.000
produtos que influenciam a vida, os bitos e os costumes a partir de inovações que o
petróleo proporcionou com seus inúmeros derivados, até chegar aos dias atuais, quando se
tornou um produto indispensável à vida moderna. Mas, a Petrobrás “abasteceo país com
algo além de derivados de petróleo, ao cumprir o seu papel de empresa pública e estender
ao bem-estar da sociedade a mesma preocupação com que produz petróleo e derivados. A
empresa “entende” que ao interagir com o meio ambiente e consumir seus recursos
naturais, deve prestar contas à sociedade sobre o impacto de suas atividades na biosfera e
contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população.
Em seu web site, a empresa afirma que, como realiza atividades potencialmente
poluidoras, que geram produtos poluentes, as grandes companhias de petróleo preocupam-
se muito com a proteção ao homem e ao meio ambiente. No Brasil, isso não é diferente.
A Petrobrás procura conduzir todas as suas atividades reduzindo ao mínimo as alterações
nos ecossistemas, tornando compatíveis todas as fases da indústria do petróleo com a
preservação do meio ambiente, a segurança das pessoas e das instalações e a melhoria da
qualidade de vida.
Em determinadas empresas, a relação entre a sua existência e a dependência de
recursos da natureza não é tão óbvia, ainda assim, as empresas procuram justificar a sua
existência. A Construtora Odebrecht afirma estar consciente das mudanças que provoca na
natureza, ao realizar muitas de suas obras, por isso dedica especial atenção para evitar que
este aspecto resulte em desequilíbrios, normalmente danosos, ao meio ambiente. Essa
preocupação tem sido demonstrada em iniciativas de apoio aos clientes, no sentido de
desenvolver alternativas de projeto visando à preservação ambiental.
121
Para encerrar essa seção, apresenta-se, brevemente, o discurso de uma empresa
cujo setor de atuação é emblemático do final dos anos 90 e começo dos anos 2000. O
discurso por meio do qual a Nokia justifica a sua existência tem três etapas. Na primeira, a
empresa destaca os benefícios que pode proporcionar à sociedade mundial. Em seu site, a
Nokia argumenta que o impacto de suas atividades na sociedade implica responsabilidades
para a empresa que vão além do fornecimento de produtos úteis, seguros e de qualidade.
Ao justificar suas atividades no ramo de comunicações móveis, afirma que estas podem
ajudar a transpor a divisão digital, tornando as comunicações móveis universais e
respeitando, ao mesmo tempo, as economias e culturas locais.
As comunicações móveis podem prestar uma importante contribuição para o
desenvolvimento sustentável pela sua responsabilidade ecológica (possibilidade de redução
do uso de matéria-prima e energia), por estimular a economia (contribuem para a eficiência
das empresas em áreas como logística, marketing e comunicações internas, além de ser
uma valiosa ferramenta para as pequenas empresas), por possibilitar o estabelecimento de
redes sociais (o uso do celular permite estabelecer e manter relações de formas cada vez
mais variadas) e por estimular a maior facilidade de acesso às informações (permite a
rápida circulação de informações e notícias).
Numa segunda etapa, o discurso trata, ainda que indiretamente, dos impactos
negativos que as atividades da empresa podem trazer para a sociedade, razões pelas quais
suas atividades e a sua existência podem ser questionadas. A empresa argumenta que se
obtidas da forma correta, as vantagens, citadas anteriormente, superam os possíveis efeitos
negativos ou preocupações públicas, tais como o risco de uma crescente divisão digital, as
dúvidas sobre os problemas de saúde, o consumo de energia em modo de espera, o
problema do lixo e da reciclagem, o possível lado negativo da globalização e a variação no
comportamento dos consumidores.
122
A empresa reconhece que, como líder do mercado com operações globais, tem
um importante impacto na sociedade. Com uma parcela de mercado na telefonia móvel de
aproximadamente 40% e com cerca de 1/3 dos telefones utilizados, os produtos da empresa
influenciam a vida de centenas de milhões de pessoas. A empresa, por toda a cadeia de
valor, afeta o emprego, o bem-estar social e o desenvolvimento econômico, tanto em países
desenvolvidos como em desenvolvimento. Por meio do ciclo de vida dos seus produtos,
afeta a ecologia e, por suas relações com os funcionários e pela gestão da cadeia de
fornecimento, influencia os direitos humanos.
Neste momento, o discurso tem uma inflexão, nesta terceira etapa, a empresa,
não só restabelece a necessidade de suas atividades para a sociedade, como também invoca
melhores condições para a sua atuação. Para a Nokia, todos os interessados esperam que a
empresa fabrique produtos seguros e de alta qualidade e que, ao mesmo tempo, a empresa
respeite a lei, proteja o meio ambiente e adote as práticas éticas corretas. Mas, argumenta
que os benefícios das comunicações digitais para a sociedade serão alcançados a partir
do esforço de várias organizações, não apenas do setor privado, no longo prazo. Portanto,
políticas favoráveis ao setor de telecomunicações e infra-estrutura são imprescindíveis.
Esses breves exemplos dos discursos das “Melhores e Maiores” de 2004 na
WEB, permitem concluir que estas empresas mobilizam recursos retóricos, simbólicos e
ideológicos. Recursos retóricos, porque as palavras são utilizadas e organizadas visando
persuadir os públicos-chave da importância da empresa para o atual contexto social,
aspecto que se analisado na próxima seção 4.4.
Quanto aos recursos simbólicos, a empresa procura explicar e justificar a sua
existência ou razão de ser a partir de palavras como responsabilidade, ética, realização de
sonhos, busca pela beleza, relações verdadeiras, diálogo, harmonia com a natureza,
123
palavras que mobilizam significado congruente com os valores, crenças e expectativas da
sociedade e dos diferentes públicos.
Quanto aos recursos ideológicos, identifica-se, principalmente a legitimação,
pois os discursos visam a aceitação da empresa e o apoio dos diferentes públicos às suas
atividades de forma a garantir os recursos e a manutenção e ampliação do poder. Embora
não sejam objetos de estudo desta pesquisa, as outras formas de operação da ideologia
(conferir seção 2.2) também estão presentes como a unificação (uso de valores, ões e
temas que unificam) e dissimulação (ausência de temas que possam comprometer a
“virtude” e a “beleza” da organização).
4. 4 ELEMENTOS COMUNS E ELEMENTOS AUSENTES DOS DISCURSOS DAS
EMPRESAS NA WEB
Após a análise das questões preliminares e da definição do gênero do discurso
pesquisado, a fase seguinte da análise retórica volta-se para as partes que compõem o
discurso retórico a invenção, a disposição, o estilo e a ação das empresas pesquisadas.
Visto que a disposição (modo como os argumentos são ordenados na WEB por meio de
links e boxes) e a ação (modo como o discurso é proferido na WEB por meio de texto,
imagens e som), foram exploradas nas seções 2.3, 4.2 e 4.3; nesta seção, a disposição e a
ação, cederam espaço para a invenção e estilo.
No Quadro 9, elabora-se uma síntese dos elementos retóricos que foram
identificados na pesquisa e em seguida apresenta-se a análise dos textos das empresas em
seu web site.
124
Elementos e estratégias do discurso das “Melhores e Maiores” de 2004
Ethos: argumentos
vinculados ao caráter moral
que o orador deve assumir
para inspirar confiança,
credibilidade e simpatia
Credenciais
Origem: alega tradição que remete a uma origem nobre
Identidade: descreve a si mesma como virtuosa e bela
(justa, corajosa, magnânima) de modo a despertar
simpatia.
Capacidade (sabe fazer): apresenta-se como “alguém”
que tem conhecimento, portanto é capaz de ajudar e ser
útil aos clientes e à sociedade.
Realizações (o que fez ou faz): apresenta dados
autobiográficos que acentuam a experiência/
competência.
Atuação/estratégia (como faz): apresenta-se como
“alguém” cuja atuação merece o sucesso e o
reconhecimento.
Objetivos/compromissos: apresenta justificativas
socialmente aceitáveis para a razão de ser da empresa.
Pathos: argumentos
vinculados às características
psico-sociais do auditório, de
modo a suscitar emoções,
paixões, sentimentos
Apelos
Valores (concretos e abstratos): a empresa apresenta
valores que motivem o ouvinte a fazer certas escolhas
em vez de outras ou a justificar certas escolhas.
Crenças: a empresa apresenta crenças que reforçam
determinada visão de mundo.
Sentimentos: a empresa humaniza-se, mostra que tem
sentimentos (tem coração).
Opiniões: a empresa tem opiniões sobre aspectos, fatos
que são de interesse comum, portanto se preocupa (tem
cérebro).
Alusões: referências a elementos culturais, históricos,
etc., comuns com o público.
Vantagens: a empresa acena com vantagens para o
público.
Logos: o argumento-tipo é
que se faz por meio da
amplificação que visa
suscitar uma valorização
qualitativa da empresa
Auto-
afirmações
cativantes
A empresa é a única que faz, foi a primeira ou está entre
as primeiras a fazer (pioneira), está entre as poucas que
fazem (rara), é a que faz mais ou está entre elas (líder), é
a melhor ou está entre as melhores, faz muito, é a maior
ou está entre as maiores, recebeu prêmios, homenagens.
Provas: argumentos de
reforço
Provas
Certificados, selos, números, relatórios, a empresa na
imprensa.
Lugares-comuns: temas a
partir dos quais se retira os
argumentos
Temas
Utilidade: uma empresa “virtuosa” pode proporcionar
maior utilidade, a virtude permite ser benfazejo.
Compatibilidade: é prova de virtude reconhecer a beleza
dos usos, costumes de cada povo e tudo quanto
manifesta as práticas estimadas no seio de cada
comunidade.
Transcendência: é prova de virtude tudo que se faz em
atenção aos outros e à pátria em detrimento de interesses
próprios.
Personificação: estratégia
lingüística que visa
estabelecer uma
personalidade para a empresa
e torná-la persona grata
Personas
Metáforas: imagens que personalizam e humanizam a
empresa.
Personas: Parceira, Moderna/Irmã-em-humanidade,
Encarregada-de-uma-grande-missão.
Quadro 9 Elementos e estratégias do discurso das “Melhores e Maiores” de 2004
Fonte: elaborado pela autora a partir de Aristóteles [19−], Freitas (2002), Halliday (1987), Klein (2002),
Leach (2002), Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), Reboul (2000).
125
As diferenças entre as empresas pesquisadas foram apontadas, entretanto,
estas empresas têm em comum o fato de que existem e realizam suas atividades no atual
contexto de negócios e, muitas, têm em comum o fato de que atuam em âmbito
internacional como, por exemplo, Petrobrás, Odebrecht, CVRD, CSN, Nokia, Vivo, Voith
Paper, Unilever, Volkswagen. O discurso organizacional como prática social não adere
a esse contexto, mas busca influenciá-lo. Nesse sentido, é possível identificar elementos
comuns, assim como diferenças nos discursos das empresas pesquisadas.
A análise dos textos fundamentou-se nas seguintes questões: trata-se de
retórica? Que significados estão sendo mobilizados? Dado o contexto em que estas
empresas atuam, quais elementos poderiam estar presentes? Quais elementos deveriam
estar presentes e não estão? A partir destas questões foi possível criar hipóteses-tentativas
ou argumentos-tentativas de análise que iriam se confirmar ou não. Há de ressaltar que este
trabalho se propõe a identificar e analisar os elementos e estratégias dos discursos das
empresas selecionadas na WEB. Embora adote uma concepção dinâmica da prática
discursiva e de sua relação com outras dimensões da prática social, a análise nesta seção
limita-se aos elementos comuns e aos elementos ausentes naqueles discursos.
O Quadro 9 foi construído tendo como referência a literatura sobre o discurso
retórico: Aristóteles [19−], Halliday (1987), Leach (2002), Perelman e Olbrecht-Tyeteca
(1996), Reboul (2000), e outros como Freitas (2002), Klein (2002), Rodrigues (2004).
Inicialmente, realizou-se uma pré-análise do discurso de cada empresa selecionada, com
base neste quadro. Numa segunda etapa, esse material foi revisto, a fim de se identificar
elementos comuns e elementos ausentes. Para a apresentação e análise dos dados
pesquisados, fez-se uso de quadros que, além de sintetizarem os principais aspectos da
análise são, de certa forma, auto-explicativos, uma necessidade frente a grande quantidade
de informação com que lida esta pesquisa. Apresenta-se, inicialmente, um quadro geral
126
com os principais elementos do discurso das empresas pesquisadas e, a seguir, alguns
aspectos da análise são detalhados em quadros específicos.
Elementos presentes nos discursos das “Melhores e Maiores” de 2004
Elementos Estratégias Número de
empresas
Percentual
Origem 13 33%
Identidade 40 100%
Capacidade 40 100%
Realizações 40 100%
Atuação/estratégia 40 100%
Credenciais
Objetivos/compromisso 40 100%
Valores 40 100%
Crenças 21 53%
Sentimentos 18 45%
Opiniões 31 78%
Alusões 37 84%
Apelos
Vantagens 40 100%
A empresa é a única que faz 12 30%
Foi a primeira ou está entre as
primeiras (pioneira)
30 75%
É a melhor ou está entre as
melhores (está entre as poucas
que fazem)
22 55%
É a que faz ou oferece mais ou
está entre (líder)
22 55%
É a maior ou está entre as
maiores
32 80%
Faz muito (experiência) 20 50%
Auto-afirmações
antes
Recebeu prêmios e homenagens 26 65%
Provas
Certificado e selos 26 65%
Números e relatórios 27 68%
A empresa na imprensa 26 65%
Código de conduta/ética 12 30%
Utilidade 40 100%
Compatibilidade 33 83%
Temas
Transcendência 33 83%
Metáforas 39 98%
Parceira 40 100%
Moderna/Irmã-em-humanidade 33 83%
Personas
Encarregada-de-uma-grande-
missão
33 83%
Tabela 1 Elementos e estratégias do discurso das “Melhores e Maiores” de 2004
Fonte: elaborado pela autora a partir de Aristóteles [19−], Freitas (2002), Halliday (1987), Klein
(2002), Leach (2002), Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), Reboul (2000) e pesquisa nos sites
das empresas.
127
É interessante constatar que argumentos que foram apontados por Aristóteles
[19−] ainda sirvam para legitimar as organizações neste começo de século XXI, e sejam
utilizados na comunicação organizacional por meio da Internet, que caracteriza o modo
como as pessoas, as empresas e instituições vêm se comunicando desde o início dos anos
90. Entretanto, os números na tabela 1, a seguir, exigem muito cuidado em sua leitura.
Um exemplo do cuidado com a leitura desta tabela é o fato que 83% das
empresas pesquisadas fazem uso da transcendência e compatibilidade como tema
legitimador e todas elas, ou seja, 100% fazem uso do tema utilidade, mas o grau em que
isso ocorre é bastante variado. Por exemplo, quando a empresa faz uso dos três temas, mas
enfatiza um ou dois em relação ao (s) outro(s) e sobretudo a variação da quantidade de
material dedicado a cada tema. Determinadas empresas apresentam muito pouco material
institucional em seus web sites, priorizando o aspecto publicitário e/ou vendas e
atendimento ao cliente, como ocorre com a Master, Grendene, Matec, Toshiba, Gol,
Redecard, Bahiagás, Pirelli (no site Pirelli Pneus-Brasil), Varig, Credicard, Eletropaulo,
IBM (no site IBM Brasil), Telemar. Outras empresas fazem uso de extenso material
institucional como ocorre com a Natura, Petrobrás, CVRD, MBR, Weg, Aracruz, Pão de
Açúcar.
Alguns elementos do discurso serão analisados brevemente, por meio de
exemplos, outros serão detalhados em quadros específicos. De modo geral, as credenciais
são argumentos bastante utilizados pelas empresas que utilizam mensagens estratégicas de
identidade, capacidade, realizações, atuação/estratégia e objetivos/compromissos. Porém, a
origem foi, comparativamente, pouco utilizada, o que faz sentido num contexto dito
altamente competitivo em que os sucessos passados não são garantias para um futuro
melhor.
128
Entretanto, algumas empresas recorrem à origem ou alegam tradição, o que
implicaria uma origem nobre. Um bom exemplo é a Vicunha Têxtil. Ao tratar do ano 1967
em “nossa história”, a empresa fala de uma aquisição comercial pelas famílias Steinbruch e
Rabinovich.
Estava nascendo o Grupo Vicunha, resultado de uma antiga e sólida
relação familiar e comercial. Os sócios-proprietários da Brasibel haviam
decidido expandir seus negócios. À tradição dos fios de e das finas
casimiras da Varam, eles juntaram os blends da Campo Belo e os tergais
da Brasibel e da Elizabeth. Os produtos resultantes dessa fusão de
tradição, elegância e experiência cnica tiveram um resultado
extraordinário, com reconhecimento e prestígio nos principais mercados
do país. Começa a despontar uma nova marca, "Vicunha", inspirada na
marca de uma casimira do antigo Varam. ( disponível em:
http://www.vicunha.com.br/br/vicunhatextil/nossahistoria.asp.
Consultado em: 11 out. 2004)
Quanto aos apelos predominam as mensagens que fazem uso de valores,
vantagens e alusões. Por exemplo, as crenças foram utilizadas por 53% da empresas que
apresentam argumentos que reforçam sua visão de mundo. No entanto, os mesmos
argumentos podem aparecer na forma de opinião, em algumas empresas. A diferença é que
quando é uma crença, a empresa diz “acreditar”, o que remete a uma confissão de ou
convicção íntima, uma opinião adotada com e convicção. Já, quando se trata de opinião,
a empresa mostra que tem cérebro, ela pensa ou tem por princípio, se preocupa com
aspectos importantes da relação com seus públicos-chave, neste caso, a empresa
“considera”, “reconhece’, “sabe”. Destacam-se, ora na forma de crenças, ora como opinião
dois argumentos: as pessoas e os lucros.
O primeiro está relacionado às pessoas ou equipes como responsáveis pelo
sucesso da empresa. Utilizam esse argumento as seguintes empresas: Schinkariol,
Votorantim (VCP), Master, DPaschoal, Grendene, Albrás, Construtora Odebrecht, Cia vale
do Rio Doce, Klabin, Petróleo Distribuidora, Cia Siderúrgica Nacional e Telemar. A CSN,
por exemplo, considera que o ser humano é o que faz a diferença nas empresas,
129
especialmente em um contexto no qual recursos tecnológicos e outros investimentos, em
maior ou menor proporção, se equivalem.
O segundo argumento, o lucro, é utilizado pela Master, Matec, Aracruz,
Ambev, Odebrecht, Weg. O lucro é um meio de perpetuação da organização, é a base para
a geração de empregos e riqueza em benefício de toda a sociedade. O lucro é um mérito
pelo trabalho árduo, pela iniciativa individual e deve-se ganhar com o cliente e não do
cliente. Se o lucro cresce, cresce a empresa, o emprego, os fornecedores, o município e o
país. A Weg, por exemplo, afirma que os bons resultados da empresa sempre foram e
sempre vão ser sinônimo de bons resultados para Jaraguá do Sul e toda a região. Mesmo
quando o lucro vem de um processo de internacionalização, o país e a sociedade continuam
ganhando com a empresa, porque a empresa gera divisas e leva a imagem do Brasil para o
exterior, como argumenta a Ambev.
Quanto aos sentimentos, as empresas utilizam argumentos que emocionam,
além de mostrarem que também “têm coração”, destaca-se no tema Utilidade: o orgulho de
satisfazer as necessidades dos clientes (Matec) ou é um prazer poder ajudar”(Voith). No
tema Compatibilidade, destaca-se “o orgulho de ser brasileira” (Schinkariol, Natura, Weg,
Klabin). Já no tema transcendência, o sentimento é um argumento pouco utilizado.
Quanto às alusões a fatos, personagens de representatividade histórica, social,
cultural e econômica que façam com que a organização se aproxime do seu público ou crie
com este uma relação de intimidade, os tópicos são bastante variados. Quando a empresa
faz uso do tema Utilidade, prevalecem referências econômicas, por exemplo, como a
empresa enfrentou crises na economia, a abertura de mercado e a desestatização nos anos
80 e 90. Também, como a empresa participou da industrialização brasileira fornecendo
ferro, petróleo, foi personagem importante no setor de transporte aéreo, no setor de
130
tinturaria de tecidos do país, na modernização da construção civil brasileira nos anos
2000/2001, na construção da infra-estrutura do país, na Balança Comercial do país.
Quando o tema é a Compatibilidade, prevalecem as alusões relacionadas ao
meio ambiente, por exemplo, referência aos blecautes e à escassez de energia no final dos
anos 90, ao aumento da demanda por papel e ao Brasil como um grande fornecedor global
de aço. Essas alusões têm em comum o fato de que as empresas que as utilizam produzem
os produtos que podem solucionar estes problemas, por exemplo, gás natural (Bahiagás),
motores econômicos (Weg), pneu verde que
contribui para reduzir o consumo de
combustível do veículo (Pirelli), papel produzido de forma ecologicamente sustentável
(Aracruz, Voith, Klabin), aço 100% reciclável (CSN), o automóvel bicombustível
(Volkswagen).
Quando o tema é a Transcendência são mais comuns alusões à qualidade de
vida e preservação do meio ambiente (32 empresas), ao papel transformador da educação
(28 empresas), ao resgate e à construção da cidadania (20 empresas), ao desenvolvimento
sustentável (10 empresas), à inclusão/exclusão social e digital (25 empresas),
democratização e preservação de manifestações culturais (23)
Quanto às metáforas, estas têm a função de personalizar e humanizar as
empresas em seu discurso. Uma mesma metáfora pode invocar imagens diferentes, logo,
adquirir diferentes funções no discurso das empresas. Um exemplo é a metáfora da
biologia, a empresa vista como um ser vivo. Quando o tema é a Utilidade, a metáfora
resgata imagens da empresa como um ser em evolução que nasce e cresce (22 empresas).
Quando o tema é a Compatibilidade, esse ser vivo se adapta às mudanças do mercado (cujo
resultado pode ser a internacionalização) e cria raízes (19 empresas). Quando o tema é a
Transcendência, as imagens são de sementes que dão frutos (10 empresas).
131
Metáforas utilizadas pelas “Melhores e Maiores” (número de empresas )
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Biológia
Caminho/receita
Arquitetônica
Conquista
22
15
10
8
Biologia
Arquitetônica
Caminho/receita
Família/casa
Sonho
Religião
19
11
10
5
5
5
Pedagogia
Biologia
Caminho/receita
Comunhão/religião
Arquitetônica
Construção
26
10
8
6
5
5
Quadro 10 Metáforas utilizadas pelas “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
Além da metáfora da biologia, as empresas invocam imagens de si como
aquelas que trilharam um caminho; que utilizaram os “ingredientes” corretos para o
sucesso; são sólidas ou crescem a partir de uma base sólida; conquistam clientes,
admiração e reconhecimento; produzem famílias de produtos; fazem a sua parte dentro de
casa (Cimentos Rio Branco); buscam funcionários que conhecem e tenham o varejo na
alma (Pão de Açúcar); constroem ideais, porque são eles que, no fundo, edificam a alma,
sabem que viver é um eterno construir, acreditam que Deus quer, o homem sonha, a obra
nasce (Matec); assumem o compromisso de contribuir para a construção de um Brasil
melhor (Vivo).
A identidade é um outro elemento presente no discurso das empresas. O
gênero retórico demonstrativo ou epidíctico trata do elogio e da censura, cujos fins são a
virtude e o vício, o belo e o disforme. Enquanto as virtudes tornam alguém digno de
confiança, “o belo é o que, sendo preferível por si, é digno de louvor, ou o que, sendo
bom, é agradável pelo fato de ser bom”, conforme Aristóteles [19−, p. 7].
O modo como as empresas se identificam perante seus públicos-chave foi
explorado por Freitas (2002). Essa autora identificou cinco temas presentes no imaginário
organizacional moderno, cinco formas pelas quais as empresas vêem” a si mesmas e
“compreendem” a sua existência, modos pelos quais elas se autodescrevem e visam criar
132
um quadro favorável na estrutura mental dos sujeitos e em sua forma de pensar a
organização: a empresa-cidadã, a empresa lugar de excelência, a empresa lugar de
juventude eterna, a empresa restauradora da ética e moralidade e a empresa-comunidade.
Essa autora identificou que esse processo se fundamenta na idealização, ou seja, as
qualidades e o valor de um objeto são elevados à categoria de perfeitos.
Esses cinco modos pelos quais as empresas se autodescrevem e a ênfase em
cada um dos cinco argumentos foram identificados no discurso das “Melhores e Maiores”.
Além de criarem uma identidade para si, as empresas se apresentam como “alguém
capaz”, que sabe fazer, tem conhecimento e “compreende” a situação na qual empresas e
público se encontram. Enquanto os argumentos de identidade despertam simpatia e
confiança, os argumentos de capacidade mostram quanto a empresa é capaz de ajudar e ser
útil aos clientes e à sociedade.
Os cinco temas identificadas por Freitas (2002) e as três personas identificadas
por Halliday (1987) foram confirmadas pela análise do discurso das empresas
selecionadas, conforme segue:
a) quando a persona é a Parceira, predomina o argumento da empresa como
lugar da excelência (alguém que busca superar os padrões de qualidade sem
que se entreveja um limite para tal), e tem como coadjuvante a empresa
como lugar da juventude eterna (alguém que se renova ou se reinventa
continuamente, é dinâmico, flexível e moderno);
b) se a persona é a Encarregada-de-uma-grande-missão, predomina o
argumento da empresa-cida (alguém que cumpre os seus deveres e se
esforça para que os outros também exerçam seus direitos e deveres), da
empresa-comunidade (que amplia suas fronteiras ao buscar fortalecer os
133
laços sociais com os funcionários, seus familiares, seus vizinhos, estes
chamados por comunidade, visando criar uma coletividade em torno de si) e
da empresa-responsável (alguém que responde legal ou moralmente pela
vida, pelo bem-estar, etc. de alguém), este último, identificado por esta
pesquisa;
c) quanto a persona Compatriota/Irmã-em-humanidade, definida por Halliday
(1987), a protagonista é a empresa como lugar da juventude eterna (alguém
que se renova ou se reinventa continuamente, é dinâmico, flexível e
moderno) combinada à empresa restauradora da ética e da moralidade
(alguém que estabelece relações que se fundamentam em princípios éticos e
morais). Algumas mudanças nesta persona, que serão discutidas a seguir,
levaram à sua substituição pela Moderna/Irmã-em-humanidade.
A persona Compatriota/Irmã-em-humanidade (o nome é duplo porque a
mesma persona aglutina esses dois papéis), identificada por Halliday (1987), apresenta
tendências de mudança da década de 70 para os anos 2000. Determinadas empresas ainda
utilizam este argumento, por exemplo, somos uma empresa 100% Brasil ou brasileira
(Schinkariol, Telemar, Cimento Rio Branco), algumas se mostram respeitosas dos
costumes e da cultura dos locais onde atuam (de um modo geral, sem citar o Brasil).
A primeira mudança desta persona está no fato de que algumas empresas
fazem questão de se identificar como empresa global ou como “um importante player
mundial” (VCP, Petroflex), uma empresa de classe mundial” (Master) , uma Cia
verdadeiramente global” (IBM), “crescemos como uma corporação autenticamente
multinacional” (Pirelli), “somos uma multinacional multilocal” (Unilever), uma empresa
que assume definitivamente o posto de multinacional (Weg). Tais argumentos não seriam
134
compatíveis na década de 70, mas são compatíveis no início dos anos 2000, conforme
discutido nas seções 1.1 e 1.2.
A segunda tendência de mudança da persona Compatriota/Irmã-em-
humanidade está relacionada ao desejo de ser uma empresa moderna, no sentido de ser
“alguém que vive e constrói” neste momento atual mediante o uso dos recursos mais
modernos disponíveis. Caso não estejam disponíveis, a empresa poderá criá-los, visto que
é uma empresa flexível e bem sucedida. O ser moderna”, neste caso, remete a uma certa
inversão do que Halliday (1987) identificou com o “somos como você”. A
Compatibilidade, neste caso, é buscada não porque a empresa é brasileira. A idéia presente
aqui é “somos como os outros”, ou seja, somos compatíveis, somos tão boas quanto elas.
As empresas apresentam-se como alguém que é ou deseja estar entre o que
de mais moderno em termos de tecnologias, processos, estrutura e relações sociais,
políticas de gestão, para então poder dizer-se dinâmica e competitiva. Mas, ser moderno
neste atual mundo dos negócios está relacionado também a outro aspecto. É imprescindível
o comportamento ético nas relações com os públicos-chave e com o meio ambiente,
conforme argumentos das empresas apresentados nas seções 4.2 e 4.3 e as mudanças
organizacionais e institucionais nas seções 1.2.1 e 1.2.2, respectivamente.
A terceira e última mudança dessa persona está relacionada com o fato de que
a consubstancialidade, ou o que liga intimamente e identifica com intimidade a empresa
com o seu público, não está relacionada ao país de origem da empresa ou do público, mas
aos produtos que esta empresa produz e vende e sem os quais a vida parece impossível.
Essa é uma tendência que este trabalho identificou nas seções 1.1.3 e 1.1.5.
As empresas querem ser reconhecidas como alguém que proporciona
experiências de vida. Conforme Klein (2002, p.173), o discurso do Setor de Marketing
tornou-se mais íntimo, “as empresas baseadas na marca não estão mais interessadas em
135
atirar-se sobre o consumidor. Elas querem viver com ele”. As empresas querem ultrapassar
a necessidade de se identificarem com seus produtos terrenos e, para isso, buscam
profundos significados para as suas marcas.
Afinal, são marcas que estão ou conquistaram o nosso coração (Volkswagen),
a empresa parte da nossa história (Volkswagen, Grupo Pão de Açúcar, Odebrecht, Pirelli) e
que quer fazer parte do nosso futuro (Odebrecht), uma questão de pele (sobre o jeans,
Vicunha), produtos que transportam carinho e a alegria de viver (Unilever), empresa que
busca inspiração na alma do Brasil, para criar produtos com a nossa cara (Grandene),
vídeos que dão um efeito especial nas melhores cenas da nossa vida (Semp Toshiba),
empresa que busca contribuir para criar uma relação harmoniosa do indivíduo consigo
próprio, com seu corpo, porque entende que deve, permanentemente, aprofundar o seu
conhecimento da nossa alma (Natura).
Produtos como papel (Klabin, Aracruz, Voith), ferro (MBR), aço (CSN),
petróleo (Petrobrás), celulares (Nokia, Vivo), sistemas/siglas Receitanet, Renavan
(Serpro), cartões de crédito (Credicard) fazem parte do nosso dia-a-dia e, nos dias atuais,
as empresas argumentam, é impossível viver sem eles.
Essa relação de intimidade está bastante explícita nos argumentos da Unilever.
Esta empresa afirma que conhece profundamente o Brasil e procura corresponder à
expectativa de bem-estar e qualidade de vida cotidiana dos brasileiros, acompanhando o
amadurecimento do consumidor brasileiro ao longo de gerações. Como a intimidade
depende do outro, a Unilever argumenta que uma pesquisa realizada em 2000, pela
Indicator, indicou que 100% dos brasileiros conhecem e utilizam pelo menos um produto
da Unilever, por dia. Adiante, a empresa afirma que o Brasil sabe o que quer: o bem estar
de todos os brasileiros, o prazer do convívio, o conforto de viver bem a vida, todos os dias.
Assim é o Brasil. E assim é a Unilever.
136
Estas mudanças identificadas na persona Compatriota/Irmã-em-humanidade
mostraram que esta persona cedeu espaço para uma outra, a Moderna/Irmã-em-
humanidade. A seguir, os quadros que sintetizam os argumentos de identidade e
capacidade presentes no discurso das empresas pesquisadas. Não está em questão o que
estas empresas realmente são ou praticam. Na análise retórica a questão que prevalece é se
o discurso é persuasivo e quais os elementos contribuem para que a persuasão possa
ocorrer.
Os argumentos de identidade (Quadro 11) e capacidade (Quadro 12) foram
pesquisados de dois modos. Primeiro, analisando o que a empresa traz explícito no
discurso. Segundo, o argumento pode estar implícito, neste caso, foi identificado a partir de
“argumentos-transversais”. Por exemplo, a empresa o argumenta explicitamente que é
capaz de enfrentar desafios, mas usa argumentos no início [...] hoje”, de modo a ressaltar
todos os desafios que enfrentou para “ser alguém”. Ou a empresa não se auto-afirma
cidadã, mas alega trabalhar para a “construção ou o resgate da cidadania”.
A Identidade das “Melhores e Maiores” (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Somos excelentes
Podemos ajudar você
Somos inovadoras
Somos
admiradas/reconhecidas
(marcas consagradas)
40
40
37
28
Somos modernas
Somos competitivas
Fazemos parte da sua vida
Somos como você
Somos éticas
Somos vencedoras, bem-
sucedidas
Somos global
37
37
21
21
20
16
11
Temos altos ideais
Somos socialmente
responsáveis
Somos ecologicamente
responsáveis
Somos empresa-cidadã
Somos uma comunidade
35
33
33
28
25
Quadro 11 A Identidade das “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
Estes elementos de identidade e capacidade, presentes nos discursos das
empresas analisadas, têm grande capacidade de persuasão no contexto atual, pois enquanto
137
Governos, Organizações intergovernamentais e Organizações não-governamentais,
discutem os caminhos para o desenvolvimento num contexto sócio-econômico que emerge
com a terceira revolução industrial, as empresas mostram que encontraram o caminho. Por
meio de um discurso que congrega modernidade e tradição, flexibilidade e compromissos,
busca por melhores práticas de gestão, por melhores resultados e lucratividade com
responsabilidade.
As empresas identificam-se como excelentes e alguém que pode ajudar, o
modernas e estão comprometidas com altos ideais. Elas apresentam-se como capazes de
enfrentar desafios, responder às expectativas dos diferentes grupos interessados no impacto
de suas atividades e exercer uma gestão socialmente responsável que produza
transformações positivas na vida e no futuro das pessoas.
As “Melhores e Maiores” mostram capacidade (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Para enfrentar desafios
Para atender (antecipar)
as necessidades dos
clientes
Para gerar valor ao
identificar e explorar
oportunidades criadas
pelas mudanças de
mercado
39
39
34
Para responder às
expectativas dos grupos
interessados no impacto
das atividades da empresa
junto à
sociedade/ambiente
Para participar de
mercados competitivos
Para participar de vários
mercados
36
34
22
Para exercer gestão
socialmente responsável
Para produzir
transformações positivas
na vida e no futuro das
pessoas
Para exercer uma gestão
ecologicamente
responsável
32
30
30
Quadro 12 As “Melhores e Maiores” mostram capacidade
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
Em seu discurso na WEB, as “Melhores e Maiores” também utilizam
argumentos relacionados à sua atuação e estratégias (como a empresa faz), falam de suas
realizações (o que fez e o que faz). Aristóteles [19−, p. 81] ao falar do discurso panegírico
ou epidíctico, afirma que este tem por objeto as ações, “os atos são os sinais das
138
disposições da alma”, as obras são sinais de virtude; trata-se de ações e obras realizadas
deliberadamente, já que “é próprio do homem virtuoso agir deliberadamente”. Razão pela
qual os objetivos ou compromissos da empresa, também, foram incluídos na análise da
retórica do discurso das empresas.
Atuação e estratégias das “Melhores e Maiores” (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Satisfação do cliente
Busca por resultados
Busca por qualidade
Busca por eficiência
Busca por inovação
Ganhos produtividade
Melhores práticas
Aprendizado contínuo
Parcerias/experiências
compartilhadas
Sistema integrado de
gestão/agilidade em
comunicações e decisão
Visão/cultura
empreeendedora
40
39
37
35
34
28
26
23
20
20
17
Investimento em
modernização
Participação
/trabalho em equipe
Cumprimento da lei
Atuação ética
Transparência e
normas de
governança
corporativa
Fortalecimento da
atuação no mercado
internacional
Gestão profissional
Diversidade cultural
35
29
20
18
17
17
10
07
Parcerias e alianças
Respeito/preservação da
Natureza
Ações voltadas para a
qualidade de vida
(especialmente da
comunidade onde atua)
Ações sociais para reduzir
a exclusão social/digital
Investimento na qualidade
de vida dos funcionários
Respeito pelo ser
humano/pessoas
Investimento na qualidade
de vida da família do
funcionário
30
28
27
28
19
17
12
Quadro 13 Atuação e estratégias das “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
Quanto aos argumentos relacionados à atuação e às estratégias das empresas
pesquisadas, no tema Utilidade predomina a preocupação com a satisfação das
necessidades e expectativas dos clientes. Em seguida, esforços que visam melhorar o
desempenho da organização, o que pode ser útil para acionistas, além de beneficiar a
própria empresa e os funcionários.
Quando o tema é a Compatibilidade, destacam-se os esforços no sentido de ser
e manter-se uma empresa moderna que se comporta e estabelece relações pautadas pela
ética e transparência. O “ser moderna”, neste caso, remete a uma certa inversão do que
139
Halliday (1987) identificou com o “somos como você”. A Compatibilidade, neste caso é
buscada o porque a empresa é brasileira. A idéia presente aqui é “somos como os
outros”, ou seja, somos compatíveis, somos tão bons quanto eles. O tema Transcendência
surge pela voz da Parceira que atua em prol do bem-estar social e pela preservação da
natureza.
Quanto às realizações, predominam no tema Utilidade, os argumentos
relacionados à preocupação com a atualização tecnológica, a ampliação da estrutura
produtiva e a geração de novos produtos, mais adaptados às mudanças do mercado,
também o aperfeiçoamento da equipe de funcionários.
Realizações das “Melhores e Maiores” (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Investimento em P &
D /tecnologia
Investimento em
novos produtos
Investimento no
aumento da
capacidade de
produção
Investimento no
aperfeiçoamento dos
funcionários
35
31
29
28
Investimento em
modernização (produtos,
estruturas, processos,
etc.)
Investimento interno em
processos,
equipamentos, e
produtos “limpos”
Investimento no bem-
estar e melhores
condições de trabalho
para os funcionários
29
29
22
Ações sociais diversas
Programas voltados para a
educação
Programas sociais para a
melhoria da qualidade de vida
da comunidade onde atua
Programas de valorização da
cultura e esporte
Investimento externo em
preservação e proteção
ambiental
Programas para a melhoria da
qualidade de vida dos
funcionários
Ações pontuais/campanhas
32
28
26
22
22
18
14
Quadro 10 Metáforas utilizadas pelas “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir de pesquisa nos sites das empresas
Em relação ao tema Compatibilidade, os argumentos concentram-se na
modernização da empresa, e no uso de equipamentos, processos e produtos que o
agridam o meio ambiente, nas condições seguras de trabalho e nos benefícios (refeição,
transporte, convênio médico e odontológico, etc.). Quando o tema é a Transcendência,
140
predominam as questões sociais relacionadas à educação, pois as empresas argumentam
que a educação tem papel transformador na vida das pessoas, também são destacadas as
ações voltadas para a preservação da natureza.
Na pesquisa, 32 empresas argumentam que realizam algum tipo de ação social:
saúde, esporte, geração de renda e emprego, educação, cultura e artes, esporte, exclusão
digital, etc. Essas ações são bastante variadas e, em geral, estão voltadas para as
necessidades específicas da região em que a empresa atua. A WEG, por exemplo, tem
ações voltadas para a reintegração social de ex- presidiários e portadores de deficiência
física. A Natura, fala do Projeto Enxergar, lançado em 2001, que promove a participação
de portadores de deficiência visual no Painel Olfativo, de avaliação de fragrâncias. O
projeto evoluiu, em 2002, com a contratação de uma cooperativa social para essa prestação
de serviços.
No caso do emprego de portadores de deficiência, a empresa pode estar, assim
como outras que declaram estas ações, simplesmente cumprindo uma determinação do
Governo Federal, Lei 7.853 (1989), Decreto 3.298, Art.36, que visa garantir às pessoas
portadoras de deficiência possibilidades reais de inclusão em todas as esferas da vida em
sociedade, consoante à Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Essa informação está ausente dos sites das empresas pesquisadas, o que pode levar,
erroneamente, à conclusão de que se trata de uma ação deliberada ou iniciativa da
empresa.
A Albrás fala do seu Programa Sorriso nos Rios, realizado em parceria com
diversas entidades, inclusive o Governo do Estado do Pará, e voluntários da empresa que
desenvolveram equipamentos de proteção para os eixos dos barcos que navegam nos rios
da região, implantados gratuitamente para prevenir o escalpelamento de crianças (em geral,
141
meninas) que brincando em pequenos barcos, deixam o cabelo ser atingido pelos eixos dos
motores.
A Construtora Odebrecht fala de seus programas Projeto Reinserção Social
para os mutilados de guerra em Angola que trabalham na Hidrelétrica de Capanda, os
mutilados recebem o mesmo salário dos demais integrantes de funções correlatas, o
apresentados depoimentos de três pessoas, tem ainda, o Programa de Combate à Aids em
Angola, premiado internacionalmente.
Na análise dos argumentos voltados para a atuação e as realizações, fica nítido
o fato de que capacidade de persuasão da empresa também se constrói a partir da ausência,
no discurso, de elementos que possam, de algum modo, gerar insatisfação, ou que
possam gerar dúvidas quanto à beleza e à virtude organizacional. Este outro caso de
ausência no discurso das empresas na WEB refere-se ao impacto que as melhores práticas
(terceirização, downsizing, reengenharia, qualidade total, etc) e o uso da tecnologia mais
avançada (robôs, produção monitorada por computadores, câmeras de vídeo especiais,
sensores laser e outros sistemas eletrônicos que permitem a imediata identificação e
solução de problemas etc.) têm sobre o emprego ou o número de funcionários demitidos.
Não obstante, em dois casos, as empresas argumentam sobre o grande esforço
que fizeram para não demitir. O primeiro caso é da WEG que no início dos anos 80,
período de crise na economia brasileira, tem uma forte queda nas suas vendas por quase
dois anos, mas a WEG soube tirar proveito da crise. Ao invés de demissão em massa, a
empresa argumenta que reduziu a jornada de trabalho em 25 % e desencadeou um plano
espetacular de treinamento preparando-se para dias melhores: a fábrica transformou-se em
escola e os colaboradores em estudantes de matemática, português, alfabetização e
atualização cultural. Neste momento, a WEG começa a planejar o futuro, em busca de
142
resultados programados e assume o compromisso de propiciar um ambiente para o
autodesenvolvimento profissional e pessoal.
O segundo caso é da Volkswagen. Essa empresa argumenta, em seu discurso,
que é possível conciliar modernização e geração de emprego. Na brica de Taubaté, São
Paulo, considerada uma das mais modernas do país, existem quase 140 robôs em operação
e os índices de automação chegam a 75% (na estamparia). Em outro momento do discurso,
a Volkswagen argumenta que em janeiro de 1999, por causa da crise econômica, a empresa
assinou novo acordo com os sindicatos dos Metalúrgicos de o Bernardo do Campo e de
Taubaté para evitar demissões; houve redução da jornada semanal para quatro dias e
redução nos salários anuais: o acordo preservou cerca de 7.000 empregos nas fábricas.
No segundo semestre de 2004 as grandes redes de varejo do país finalizavam
um processo de reestruturação que implicava no fechamento de lojas deficitárias. As
palavras de um diretor executivo do CompreBem, do Grupo Pão de Açúcar, depois de
fechar oito lojas, é que a sua tolerância para loja deficitária é zero (MATTOS, 2004). Não
informação de demissões no site da empresa, visto que aqui como em outros sites, a
reestruturação e o que se chama melhores práticas são apresentadas, apenas, como
positivas.
O Quadro 15, aborda os compromissos que as empresas pesquisadas assumem
e os objetivos para os quais buscam legitimação. Halliday (1991, 1987) considera os
objetivos organizacionais como os fins com os quais uma organização declara estar
operacional e filosoficamente comprometida; os objetivos implicam em um tipo de
relacionamento entre uma organização e o seu ambiente; objetivos são justificativas
socialmente aceitas para as atividades da organização e estão, nesse sentido, intimamente
associados ao processo de legitimação organizacional.
143
Objetivos e compromissos das “Melhores e Maiores” (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Satisfação dos clientes
Qualidade
produtos/serviços
Crescimento/resultado
/lucratividade
Inovação
Eficiência
Melhores práticas
Criar/manter equipes
competentes
Gerar valor
Aprendizagem/conheci
mento
Produtividade
Longevidade/
sustentabilidade dos
negócios
40
38
34
34
34
33
32
29
27
26
14
Ser moderna e
competitiva
Alinhamento com as
mudanças do mercado
Desenvolvimento dos
funcionários
(treinamento
/educação)
Impactos ambientais de
suas atividades
(reduzir, reutilizar,
recliclar)
Melhores condições de
trabalho para os
funcionários (benefícios
e segurança)
Superar a concorrência,
ampliar mercados
40
34
31
29
27
17
Produzir transformação
social (sociedade mais
justa)
Contribuir com a missão de
educar (inserção social,
auto-estima)
Melhoria/preservação da
qualidade do meio
ambiente
Construção da cidadania
Qualidade de vida da
comunidade onde atua
Trabalhar para um futuro
melhor/futuras gerações
Preservação e estímulo à
cultura e ao esporte
Sensibilizar as
pessoas/promover o
voluntariado
31
30
30
26
25
23
23
20
Quadro 15 Objetivos e compromissos das “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
Quando o tema é a Utilidade, predominam os argumentos relacionados à
satisfação do cliente, dos acionistas e da própria empresa, baseada em produtos com
qualidade, eficiência no uso de recursos e buscando sempre a inovação. A legitimidade
pela Compatibilidade ocorre na medida em que a empresa mostra sintonia com as
mudanças do contexto em que atua, é moderna e competitiva.
As equipes ou funcionários competentes são argumentos do tema Utilidade
quando a empresa mostra que tem e procura manter uma equipe preparada para atender o
cliente e desenvolver tarefas com elevada qualidade. É um argumento de Compatibilidade
quando a empresa mostra que investe no desenvolvimento dos seus profissionais de modo
que se tornem “profissionais modernos” trabalhando para uma “empresa moderna”, por
exemplo, funcionários com MBA, que falam um segundo idioma (inglês), etc.
144
Quando o tema é a Transcendência, predominam objetivos e compromissos
com a transformação da sociedade na busca de uma sociedade mais justa, o compromisso
com a educação e o meio ambiente. A educação é vista como tendo papel fundamental para
a melhoria da qualidade de vida, a realização de sonhos, a elevação da auto-estima e o
“resgate da cidadania”. As empresas se auto-afirmam educadoras por excelência, atuando
no âmbito da educação infantil, de jovens, de adultos e idosos, quer seja no âmbito da
educação formal, profissionalizante, ambiental, capacitação de professores da rede
pública, educação de hábitos alimentares e vida mais saudável.
Esta pesquisa identificou que os objetivos presentes nos discursos das empresas
são múltiplos e conflitantes. São múltiplos, porque os objetivos e compromissos variam
nas esferas da Utilidade, da Compatibilidade e da Transcendência. E, são conflitantes
porque diferença de foco entre o que busca as personas relacionadas a cada um destes
temas. Ou, visto de outro modo, estes objetivos deixam de ser conflitantes porque e/ou se
termos como cidadania, educação transformação social e futuro melhor estiverem sendo
utilizados não em seu sentido substantivo, mas num sentido pragmático ao qual a empresa
os limitou.
Um exemplo desta limitação de sentido nos discursos analisados é o termo
educação no discurso da Gol. A empresa fala de seu programa de educação que visa
atender às necessidades do colaborador, do acionista, dos clientes e da sociedade como um
todo, equilibradamente. A preparação para a vida, argumenta a empresa, inclui o
desenvolvimento da vontade da pessoa em ser sempre melhor, crescer e realizar-se pessoal
e profissionalmente, os tópicos do programa são: conceitos da natureza humana, conceitos
da empresa, autogerenciamento e programa 5
S.
O programa 5S é uma ferramenta de gestão que busca eliminar o desperdício
(descarte, arrumação, limpeza, higiene, disciplina/ordem) e não desenvolver pessoas e
145
muito menos preparar as pessoas para a vida. Em outros casos, quando o foco é a
educação profissionalizante, ficam visíveis as vantagens para a empresa, quase nunca
explicitadas. Ao formar estes profissionais, as empresas garantem “recursos” capacitados e
pessoas “alinhadas” com os valores da empresa.
Quanto aos compromissos e objetivos de ressaltar as ausências no
discurso. As empresas nem sempre dizem, em seu web site, que muitas de suas ações o
são simples iniciativas ou decisões unilaterais, como por exemplo a preservação de
recursos naturais, a redução do consumo de matéria-prima e energia, a reutilização de
recursos (por exemplo, água), o uso de embalagens recicláveis, a não utilização de trabalho
escravo e de trabalho infantil, a segurança no ambiente de trabalho, a fabricação de
produtos que não usam animais ou seres humanos como cobaias, o comportamento ético na
gestão fiscal e financeira.
As ações, citadas acima, constituem-se em um esforço das empresas para se
adaptarem às normas e acordos firmados no âmbito intergovernamental, por exemplo,
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde (OMS),
Organização Mundial do Comércio (OMC) e outras, e no âmbito nacional, estadual e
setorial. Normas e acordos que visam, por vezes, a sobrevivência das empresas em um
contexto social em transformação e decorrem, outras vezes, da própria concorrência
capitalista.
As empresas utilizam-se, também, de valores em sua retórica na WEB. Esses
valores podem estar explícitos no texto em uma “declaração de valores”, ou podem estar
distribuídos ao longo dos textos, de forma implícita, reforçados por argumentos-
transversais. No caso da Telegoiás/Vivo, a empresa afirma que a transparência, a
tecnologia e a inovação são palavras de ordem empregadas no dia-a-dia da empresa
(Telegoiás-Vivo).
146
Valores das “Melhores e Maiores” (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Qualidade
Inovação
Eficiência
Segurança
Excelência
Confiança
Criatividade
Dedicação
Cultura empreendedora
Ousadia
Perseverança/determinação
34
31
27
26
24
23
16
15
14
11
7
Modernidade
Pessoas/equipes
motivadas e alinhadas
com os objetivos da
empresa
Marca/identidade visual
(moderna, competitiva)
Ética
Transparência
Honestidade
Diversidade cultural
38
32
22
20
20
11
6
Responsabilidade
Qualidade de vida,
bem-estar/também da
comunidade onde atua
Meio ambiente/natureza
Cidadania
Desenvolvimento
sustentável
Ser humano
Vida
Solidariedade
37
32
31
24
14
9
7
6
Quadro 16 Valores das “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
Pode ocorrer, no caso do uso de valores como estratégia, que a empresa destaca
o quanto “qualidade” é um parâmetro organizador de suas atividades e relações, mas ao
declarar os seus valores oficialmente a empresa não incluir a qualidade. Por isso, foram
considerados os valores declarados oficialmente pelas empresas e aqueles não declarados,
mas que estavam reforçados no discurso como valores a partir de vários argumentos sobre
a sua importância para a empresa.
Os valores são importantes argumentos aos quais as empresas recorrem para
motivar o ouvinte a fazer certas escolhas em vez de outras, e, sobretudo, para justificar
certas escolhas, de modo que se tornem aceitáveis e tenham a aprovação do público
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996).
Quanto às vantagens que as empresas pesquisadas oferecem para o público, se
o tema é Utilidade, predominam os argumentos de quem tem credibilidade e pode ajudar.
A empresa oferece produtos e ou serviços variados e de qualidade que atendem as
necessidades específicas de cada cliente, emprega profissionais aptos a enfrentar os
147
desafios do mercado, adota um padrão de produção de nível internacional, gera empregos
(benefícios para os funcionários) e paga impostos e ou gera divisas (receita para o
município e Estado). A empresa, sobretudo, tem algo que a diferencia e lhe vantagens
para ajudar e ser útil, esse diferencial competitivo pode estar relacionado com diversos
aspectos como tecnologia, processos, equipes competentes, localização, a marca ou uma
identidade visual reconhecida.
Vantagens oferecidas pelas “Melhores e Maiores” (número de empresas)
Utilidade Compatibilidade Transcendência
Possui diferencial
competitivo
Oferece
produtos/serviços de
qualidade
Conta com profissionais
preparados e
competentes
Produção conforme
padrões /normas
internacionais
Oferece variedade/linha
completa de produtos
Gera empregos e riqueza
Gera divisas/exportação
Paga impostos, gera
receita
39
36
36
30
29
24
11
6
Trabalha para atender às
expectativas, necessidades
dos grupos interessados nos
impactos das atividades da
empresa para a sociedade
Gera oportunidades de
crescimento pessoal e
profissional para os
funcionários
Possui modernas
instalações, equipamentos e
sistemas de gestão
Utiliza/oferece processos,
produtos e equipamentos
ambientalmente corretos
Adota políticas de
remuneração e benefícios
para os funcionários
37
31
30
29
24
Trabalha para produzir
transformações
positivas na sociedade
(especialmente na
comunidade onde atua)
Trabalha pela
preservação e em
harmonia com a
natureza
Trabalha para o bem-
estar comum e um
futuro melhor
Trabalha respeitando o
ser humano e buscando
seu bem-estar
31
30
23
16
Quadro 17 Vantagens oferecidas pelas “Melhores e Maiores”
Fonte: elaborado pela autora a partir da pesquisa nos sites das empresas
A internacionalização e as fusões são apresentadas como eventos naturais na
“vida” de uma organização que quer ajudar, crescer, ser bem sucedida. A Ambev ao falar
da fusão entre a Antártica e Brahma, fala desta histórica união cujo objetivo era consolidar
uma organização capaz de ultrapassar as fronteiras do país e difundir as principais marcas
brasileiras do setor em todo o mundo. O que está ausente do web site desta empresa e das
148
demais que empreendem essas ações são as vantagens que a internacionalização e as
fusões podem trazer para a empresa, de modo que pode levar à conclusão de que o país,
portanto, a sociedade será a maior beneficiada. Estão ausentes os impactos das fusões
sobre o emprego, os preços dos produtos e, conforme Klein (2002), seção 1.1.5, sobre a
diversidade de opções.
A retórica da Compatibilidade mostra que a empresa procura levar em
consideração os interesses dos diversos públicos que influenciam ou podem influenciar as
suas atividades. Portanto, essa empresa é moderna, pois considera diferentes demandas
relacionadas às suas atividades, é transparente em suas relações e busca a eco-eficiência.
A Cauê afirma que possui uma das mais modernas fábricas de cimento do mundo, adota
um dos mais modernos sistemas para controle de emissão de poluentes e, no momento,
continuidade à estratégia de modernizar e consolidar a marca Cauê junto aos
consumidores. Esta estratégia inclui um novo personagem que substituirá o tradicional
símbolo dos produtos da empresa visando aumentar a aproximação desta com o público,
por meio de bom humor, alegria e visual moderno.
As vantagens relacionadas ao tema Transcendência reforçam a empresa-
responsável, empresa que busca criar em torno de si uma coletividade (empresa-
comunidade) envolvendo funcionários, suas famílias e as pessoas que moram no entorno
da empresa. Essas atividades podem se estender além da vizinhança, pois trata-se de
“alguém” que tem objetivos ou assume compromissos que transcendem a “própria vida”. A
Natura afirma que promove ões que fortalecem as relações com a comunidade com a
qual se relaciona e que “queremos mobilizar corações e grupos, em movimento crescente,
para o aperfeiçoamento da qualidade da vida na terra”. Ao usar a primeira pessoa do plural
a empresa busca, do ponto de vista retórico, mostrar a coincidência entre os interesses da
empresa e da sociedade.
149
Entretanto, muitas vantagens que a empresa afirma proporcionar para os
seus públicos-alvo são também altamente compensadoras para a organização. Não
parecem ser ações desinteressadas para com o outro e para com a Pátria, conforme
Aristóteles [19?]. Esta parte, está ausente dos discursos das empresas pesquisadas. Por
exemplo, o Programa de Fomento Florestal, da Klabin, tratado como programa
comunitário. Segundo a empresa, o objetivo do programa é permitir que as pequenas e
médias propriedades rurais possam se beneficiar do programa de reflorestamento.
Este programa tem como finalidade, segundo a empresa, atender os aspectos
sociais, ao contribuir para a fixação do agricultor na área rural, com o incremento na renda,
disseminar as práticas de conservação ambiental e aumentar a disponibilidade de madeira
de florestas plantadas preservando a floresta nativa. Essa iniciativa estimula, ainda, a
atividade econômica, ao gerar alternativa de produção em áreas atrativas para as atividades
mais tradicionais, como agricultura e pecuária.
A Klabin afirma que na outra ponta se beneficia com a maior oferta regional de
madeira. O que a empresa não diz é que essa é uma estratégia deliberada para escapar do
custo social e econômico de adquirir novas terras, de evitar ou contornar problemas legais
de limitação do avanço da plantação e evitar o desabastecimento no futuro. Os recursos
que seriam imobilizados em terras são investidos na ampliação da produção. Esse processo
de terceirização recebe o nome de parceria e fomento. De outro lado, as empresas do setor
de celulose enfrentam o discurso e as ações de ONG’s contrárias à expansão da
“monocultura do euclipto” ou “Florestas do silêncio”, como são chamadas (PINHO, 2005).
A Construtora Odebrecht fala do Programa de Comunicação Social “de mãos
dadas com a comunidade” para a reabilitação de dutos, voltado para as crianças e suas
mães. Este programa orienta quanto à segurança das comunidades que vivem no entorno
das obras e que convivem com as máquinas e valas abertas. Essas pessoas demonstram seu
150
contentamento por se sentirem prestigiadas e respeitadas quanto aos seus direitos. E a
empresa certamente reduz o risco com acidentes.
A Aracruz tem o Projeto bons vizinhos, considerado ação social, cuja
finalidade é aproximar a empresa dos pequenos proprietários rurais e moradores das
regiões situadas nos limites de seus plantios de eucaliptos e reservas nativas, por meio de
visitas de técnicos da empresa às comunidades e visitas da comunidade à empresa. Em
contrapartida, os vizinhos após conhecerem as instalações e atividades da empresa, bem
como sua importância para a região em que habitam, se tornam atentos à presença física
dela e avisam quando princípios de incêndio ou outras atividades que possam ameaçar
os plantios de eucalipto. As vantagens para a empresa dessa ação social podem se medidas,
mas não estão no site.
No discurso da Varig não havia nenhuma referência à grave crise em que a
empresa se encontrava (BARROS, 2005). A Eletropaulo não discute em seu web site que
suas atividades têm impacto na sociedade e são questionadas por moradores que temem
riscos à saúde, devido à expansão em bairros residenciais de linhas de alta tensão (138kV),
que aumentam os campos eletromagnéticos, e que alguns estudos associam a casos de
câncer (LEITE, 2005), informações nesse sentido não constam no site da empresa..
A Petrobrás, por exemplo, argumenta que passou a se destacar no Brasil como
a empresa que mais investe em projetos sociais, culturais, artísticos e de educação
ambiental; que incorporou aos seus negócios os princípios de direitos humanos, trabalho,
meio ambiente e combate à corrupção, ao aderir em 2003, a uma das mais importantes
iniciativas de responsabilidade social corporativa do mundo, o Global Compact (conferir
seção 1.2.2). A empresa também é parceira, desde 2003, do Programa Fome Zero do
Governo Federal. Este é um programa que se caracteriza como política pública de combate
à miséria e à fome, que exige a capacidade da empresa de compreender
a realidade onde
151
atua, visto que, busca-se alterá-la, o que exige a inclusão do outro na proposta de alteração
da realidade.
Além da Petrobrás, a CVRD, o grupo Pão de Açúcar, o Serpro e a Telemar
também são empresas parceiras do Programa Fome Zero. Segundo Aristóteles [19−], é
prova de virtude tudo que se faz em atenção aos outros e à pátria em detrimento de
interesses próprios. Nestes casos, o discurso das empresas parece indicar que elas não
medem esforços para isso, mas a verdade é que várias empresas afirmam em determinado
momento, que os projetos de cunho social voltados para a redução da exclusão social, para
a democratização da cultura, para a educação, para a saúde, a geração de renda, etc. são
analisados pela área de Marketing da empresa, que irá avaliar se a empresa deve ou não
investir em determinado projeto, mas esse dado não é explicitado no site destas
empresas.
Um outro aspecto dessa questão, que as empresas o tratam em seu web site,
é que o patrocínio de projetos culturais e artísticos, no Brasil, significa que a empresa
deixará de recolher parte dos impostos devidos, quando esse patrocínio é feito com base na
Lei Rouanet e Lei do Audiovisual, leis federais de incentivo à cultura. A questão que
importa é: se o dinheiro é público são também usados critérios públicos na escolha dos
projetos a serem patrocinados?
A Petrobrás tem enfrentado manifestações de especialistas dos EUA,
Alemanha, Inglaterra e Equador, contrários à construção pela Petrobrás de uma estrada em
área licenciada à empresa, dentro do principal parque nacional equatoriano. O projeto
também é questionado por ambientalistas, pois este parque é uma das 25 reservas da
biosfera reconhecidas pela ONU, a empresa, porém, alega estar realizando estudos sobre o
impacto da estrada (TORRES, 2004).
152
Não discussão específica sobre este caso no web site desta empresa e/ou
de outros impactos que as suas atividades possam trazer para o meio ambiente, fala-se
apenas de modo geral e vago, como ocorre também com as demais empresas pesquisadas.
Apenas a Aracruz destacou explicitamente que suas atividades foram questionadas
(conforme discutido na seção 4.3). Foi encontrado, no site da Petrobrás, um breve
comentário sobre o acidente em 2001, com a plataforma Petrobrás 36, na Bacia de
Campos, seu naufrágio e a morte de 11 empregados, um dos mais graves acidentes da
história da empresa.
Em resumo, as empresas fazem uso de diferentes argumentos para alcançar a
sua legitimação, e deixam de usar aqueles que possam reduzir ou impedir a simpatia e a
confiança do blico em relação à empresa. Dentre os argumentos que são utilizados pelas
empresas na WEB, resta falar das auto-afirmações cativantes que amplificam as
qualidades distintivas da empresa e visam suscitar uma valorização da organização junto
aos seus públicos-chave. As empresas apresentam-se como a única que faz, ou está entre
as poucas que fazem. Aristóteles [19?] trata de vários argumentos de amplificação, tais
como: apresentar-se como algo raro, único, ser a maior ou estar entre as maiores,
apresentar-se como alguém que faz muito, é referência, estabelece padrões, serve de
exemplo, é a principal, é benchmark.
No discurso epidíctico os fatos são tomados por aceite e resta ao orador revesti-
los de grandeza e beleza, segundo Aristóteles [19?]. A Refap, por exemplo, apresenta-se
como uma das mais belas refinarias do país, suas unidades de produção “convivem” com
lagos, gramados e mata que abrigam espécies raras e vulneráveis de plantas e árvores, e
serve de moradia para animais como capivaras, pavões, roedores, ovelhas, cisnes, gansos,
patos e pássaros de inúmeras espécies.
153
As empresas fazem, ainda, uso de provas como certificados de qualidade (ISO
9000), de meio-ambiente (ISO 14001), de segurança (OHSAS 18001), etc. e selos,
conforme discutido na seção 1.2.2. Acima foram citadas as empresas parceiras do
Programa Fome Zero, cuja logomarca pode ser utilizada pela empresa-parceira. Outras
provas que as empresas pesquisadas fazem uso são relatórios, por exemplo, o Balanço
Social no modelo IBASE (conforme seção 1.2.2): Aracruz, Br Distribuidora, Camargo
Correia, CRVD, DPaschoal, Eletropaulo, Grupo Pão de Açúcar, Klabin, Natura,
Odebrecht, Petrobrás, Serpro, Telemar, Volkswagen, VCP, Weg, Semp Toshiba, Unilever,
Volkswagen, VCP .
Determinadas empresas pesquisadas são associadas ao Instituto Ethos (ver
seção 1.2.2): Serpro, Aracruz, Vivo Goiás e Tocantins, Albras, CVRD, CSN, IBM,
Petrobrás, Petroflex, DPaschoal, Telemar, Klabin, Camargo Corrêa, Pão de Açúcar,
Natura, Nokia, Ambev, Telemar. Como prova, as empresas utilizam, ainda, um link que
traz para o público, informações da empresa na imprensa.
Os selos, por exemplo, Selo Empresa Cidadã, Empresa Amiga da Criança, a
logomarca Parceira do Programa Fome Zero, etc., além dos certificados, são maneiras
pelas quais a empresa busca a legitimidade perante diferentes públicos. Estas práticas
empresariais são significativas porque dizem muito acerca de como a organização
“entende” a realidade na qual se insere e como as mudanças institucionais rebatem nas
estratégias empresariais. Selos, certificados, balanços, técnicas, são símbolos que precisam
ser comunicados, compreendidos, perseguidos, mantidos, substituídos, transformados.
As empresas, neste começo de século, buscam por meio do discurso “criar um
quadro favorável na estrutura mental dos sujeitos e em sua forma de pensar a organização”
Freitas (2002, p. 59). Neste sentido, a Internet pode potencializar resultados por combinar
texto, imagem e som.
154
CAPÍTULO V
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As campanhas publicitárias pedem muita personalidade. Temos que criar símbolos que
representem nossa filosofia, nossa história e nossa própria equipe, sempre desperta,
alegre e prestativa. Nasce o Nestor. Sucesso. Nascem o Alemão e o Gastão.
DPaschoal, “nossa história”, ano 1986
Nesta pesquisa, analisou-se o discurso na WEB das 40 empresas brasileiras
indicadas “Melhores e Maiores” pelo Anuário da Revista Exame “As 500 maiores
empresas brasileiras”, de julho de 2004. O discurso é um dos diversos meios de que as
empresas dispõem para influenciar o contexto histórico-social atual e exercerem efeitos
construtivos sobre este e, ao mesmo tempo, o discurso organizacional é moldado pelo
esforço da organização em adaptar-se a esse contexto.
Por considerar o discurso uma prática social, este trabalho buscou evidenciar a
relação entre os argumentos e o contexto, o público e a totalidade do texto. As questões
relacionadas ao contexto e ao público foram analisadas no capítulo 1. No capítulo 2, foram
analisados os aspectos do texto e as implicações entre retórica, ideologia, poder e
legitimação. No capítulo 3, discutiu-se a metodologia da pesquisa. No seguinte, conduziu-
se uma análise da retórica das empresas selecionadas, que fundamenta as conclusões e
recomendações deste trabalho.
155
O uso da Internet é crescente, desde os anos 90, como meio pelo qual
empresas, governos e instituições diversas vêm se comunicando. A comunicação, também,
tornou-se elemento estratégico para as organizações que, num contexto globalizado e
interconectado, têm mais visibilidade perante diferentes públicos. Estes apresentam
diferentes necessidades, interesses, expectativas a serem consideradas e/ou atendidas pela
empresa. E, por fim, o contexto dos negócios tem se transformado desde os anos 70, de
modo que a incerteza e os conflitos tornam-se inerentes ao ambiente de negócios.
Neste contexto, como as empresas indicadas “Melhores e Maiores” de 2004
constroem retoricamente sua legitimação na WEB? A análise do discurso destas empresas
levou a concluir que se trata de discurso retórico, na medida em que busca a persuasão do
público para determinada visão da empresa como agente social por excelência no início
dos anos 2000. Quanto ao gênero, trata-se de discurso epidíctico, que busca a persuasão no
longo prazo a partir de argumentos que visam à valorização da organização perante seus
públicos, por meio de elogios à sua virtude e sua beleza.
O discurso das organizações pesquisadas é ideológico, pois mobiliza
significado para criar ou manter poder, garantir recursos e obter /manter a legitimação para
a empresa e suas atividades. É discurso lacunar, porque existem elementos que estão
ausentes do discurso, e é discurso competente, pois é material preparado por especialistas
para comunicar a visão “autorizada” da empresa. Por ser um discurso moldado por relações
de poder e ideologias do contexto histórico-social e, ao mesmo tempo, exercer efeitos
construtivos sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento
e crença, o discurso das empresas é uma prática social.
As empresas pesquisadas buscam conquistar a confiança e a simpatia de seus
públicos-chave, a partir de argumentos sobre o seu caráter moral, de características
congruentes com o contexto sócio-histórico e com a audiência, do uso de argumentos que
156
amplificam as qualidades da organização e do uso de provas. Nessa pesquisa, verificou-se
que os elementos tradicionais de um discurso retórico são utilizados pelas Melhores e
Maiores” de 2004 em seu web site. Todas as empresas pesquisadas apresentam credenciais
(identidade, capacidade, realizações, atuação/estratégias, objetivos/compromissos),
fazem uso de apelos (valores e vantagens). As auto-afirmações mais freqüentes nos
discursos destas empresas o é a maior ou está entre as maiores” e foi a primeira ou
está entre as primeiras”, e as provas mais freqüentes são o uso de números e relatórios.
Os temas Utilidade, Compatibilidade e Transcendência, identificados por
Halliday (1987) no discurso das multinacionais nos anos 70, foram confirmados. Quanto as
personas que correspondem aos temas, foram confirmadas a Parceira e a Encarregada-de-
uma-grande-missão, enquanto a Compatriota/Irmã-em-humanidade cedeu espaço para a
Moderna/Irmã-em-humanidade.
A primeira mudança em relação à década de 70, é que as empresas brasileiras
“Melhores e Maiores” priorizam o Tema Utilidade, o que significa a importância da
Parceira como persona legitimadora das organizações perante seus públicos, no atual
contexto de negócios. A totalidade das empresas pesquisadas, ou seja, 100% utilizam o
tema Utilidade, independente das diferenças entre as empresas, embora a quantidade de
material (texto) disponível nos web sites seja bastante variada. Portanto, a Parceira é a
persona predominante nos textos das empresas brasileiras na WEB, empresas de capital
nacional e estrangeiro e empresas estatais. As mensagens neste tema conduzem à empresa
como lugar da excelência..
Cerca de 83% das 40 empresas pesquisadas também utilizam o tema
Transcendência. O que parece indicar que a personificação da empresa em Encarregada-
de-uma-grande-missão, seja um papel importante para que as empresas se tornem persona
grata, no atual contexto de negócios. Na análise de Halliday (1987), o tema
157
Transcendência estava ausente dos discursos das multinacionais e das empresas locais “em
casa”, o que segundo a autora, parecia indicar tratar-se de tema peculiar ao discurso das
multinacionais, dirigido a uma audiência internacional.
Talvez, por tratar-se de discurso vinculado por um meio que atinge uma
“audiência universal” e devido ao grau de internacionalização que caracteriza este grupo de
empresas, o tema Transcendência esteja presente nos discursos de tantas empresas. Mas,
esta pesquisa permite concluir que a persona Encarregada-de-uma-grande-missão não é
peculiar ou exclusiva das multinacionais.
As mudanças no contexto social mais amplo e no contexto organizacional e
institucional recentes têm gerado um ambiente caracterizado pela incerteza e por conflitos.
Um ambiente globalizado e interconectado em que as empresas por estarem mais
vulneráveis têm recorrido ao uso do tema transcendência, mais que na década de 70, para
legitimar a sua existência e de suas atividades, mesmo no caso do discurso se dirigir ao
público do país de origem da empresa. As mensagens estratégicas, neste tema, conduzem à
empresa-cidadã, empresa-comunidade e empresa-responsável.
O tema Compatibilidade, presente no discurso de 83% das empresas
pesquisadas, também é uma mudança em relação ao trabalho de Halliday (1987). A forte
presença do tema nos discursos das empresas brasileiras pode estar relacionada com a
mudança no modo como as empresas buscam a compatibilidade, no atual ambiente de
negócios. Ou seja, com mensagens que conduzem à empresa lugar da juventude eterna,
empresa ética, empresa-moderna, além de uma consubstancialidade que torna a empresa
indispensável à vida social e que constituem a identidade da persona Moderna/Irmã-em-
humanidade, enquanto a Compatriota/Irmã-em-humanidade, identificada por Halliday
(1987), nos anos 70, cede espaço. As modernas empresas dos anos 2000 estão intimamente
158
unidas ao seu público, desde que, “decidiram” que o produto se produz na fábrica,
enquanto as marcas são feitas no coração, na mente e na alma das pessoas.
Nesse sentido, as empresas pesquisadas mobilizam símbolos (significados)
que explicam e justificam a sua existência ou razão de ser, a partir de palavras como
responsabilidade, ética, realização de sonhos, busca pela beleza, moderno, preservação da
natureza, excelência, futuro melhor, palavras que mobilizam significado congruente com
os valores e crenças da sociedade e dos diferentes públicos. As técnicas gerenciais, os
selos, os certificados e os balanços são práticas empresariais significativas para a
manutenção e/ou ampliação do poder.
Quanto à ideologia, de ressaltar que as lacunas” nos discursos das
empresas não podem ser preenchidas, pois podem comprometer a virtude e a beleza auto-
afirmadas. Enfim, as mudanças no discurso das empresas quando associadas às
transformações no contexto social, organizacional e institucional dos anos 70 para os anos
2000 confirmam a existência de uma dimensão retórica na relação organização-ambiente.
As conclusões desta pesquisa não podem ser generalizadas para outros
contextos e organizações, por tratar-se de análise retórica e análise de discurso, mas podem
configurar hipóteses para futuras pesquisas. Neste sentido, amplia os temas de pesquisa na
área de estudos organizacionais, comunicação e comportamento organizacional. Também,
reforça a pesquisa interdisciplinar no campo da administração, visto que o discurso como
prática social é, por natureza, interdisciplinar.
A Internet, como um meio e um espaço de comunicação, e as complexas
relações entre cultura e poder, ou seja, a dimensão política da cultura, são aspectos que
podem gerar variados e interessantes problemas de pesquisa no campo organizacional.
Esse trabalho se propõe contribuir neste sentido.
159
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