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JOSEANE KARLA DE LIMA
(In)visibilidade da violência doméstica no atendimento do Sistema Público de Saúde:
nos bairros das Quintas e de Felipe Camarão
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Serviço Social do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte UFRN, como parte dos requisitos
para a obtenção do grau de Mestre em
Serviço Social, na Área de Serviço Social,
Cultura e Relações Sociais.
Orientadora: Profª. Drª. Rita de Lourdes
de Lima
NATAL
2006
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JOSEANE KARLA DE LIMA
(In)visibilidade da violência doméstica no atendimento do Sistema Público de Saúde:
nos bairros das Quintas e de Felipe Camarão
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Serviço Social do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte UFRN, como parte dos requisitos
para a obtenção do grau de Mestre em
Serviço Social, na Área de Serviço Social,
Cultura e Relações Sociais.
Aprovada em 15 de agosto de 2006.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profª.drª. Rita de Lourdes de Lima (Presidente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
_____________________________________________________
Profª.drª. Silvana Mara de Morais dos Santos (Membro – Titular)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_____________________________________________________
Profª. Drª. Telma Gurgel da Silva (Membro – Titular)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
_____________________________________________________
Profª. Drª. Denise Câmara de Carvalho (Membro - Suplente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
4
DEDICO
Às mulheres e homens que se
empenham na luta para por fim a toda forma de
violência contra a mulher.
5
AGRADEÇO
Aos meus pais, Germina e Xavier, por acreditarem em mim e
persistirem em minha capacidade de continuar.
Ao meu amor e companheiro, Edmilson, por todos os momentos de
compreensão, dedicação e colaboração nessa árdua caminhada.
À Rosângela, pela dedicação e empenho em me ajudar no momento
mais difícil da minha vida.
À Profª. Rita de Lourdes, pelas horas de valiosas orientações e
contribuições para o desenvolvimento desta dissertação.
Aos profissionais, médicos/as, assistentes sociais e enfermeiros/as,
pela colaboração para a realização desta pesquisa.
Às professoras Denise e Silvana, pelas contribuições essenciais para
a conclusão deste trabalho.
À turma do mestrado, Adalberto, Ana Paula, Deusa, Fernando, Ilena,
Iza, Késia, Késsia, Maria, Regina, Rita, Rose e Valéria, pelos bons
momentos de aprendizagem e discussão.
Às amigas de curso, Adriana, Edyvânia, Helenita, Késsia, nya,
Kéturi, Liliane e Wilma, pelo apoio em não desistir.
À Lúcia, pela atenção e paciência com que sempre me socorrer na
secretaria da pós-graduação de Serviço Social.
Às servidoras da Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS), Ana
Tereza e Vanessa, que possibilitaram o acesso aos documentos da
instituição e pelas relevantes informações prestadas.
E por fim, a todos/as que contribuíram, direta e indiretamente, na
elaboração e conclusão do mestrado.
6
NOTÍCIA DE JORNAL
Tentou contra a existência do humilde barracão
Joana de tal, por causa de um tal João
Depois de medicada, retirou-se pro seu lar
Aí a notícia carece de exatidão
O lar não mais existe, ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de João
Ninguém notou
Ninguém morou
Na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal
Luís Reis e Haroldo Barbosa
7
RESUMO
Analisa o enfrentamento dado pelos/as profissionais de saúde (assistentes sociais,
enfermeiros/as e médicos/as) à violência contra a mulher, nas Unidades Mistas de
Saúde de Felipe Camarão e das Quintas, do município de Natal e busca identificar
se a violência doméstica é (in)visível no atendimento do Sistema blico de Saúde.
Aborda a magnitude dessa violência e as conseqüências à saúde da mulher,
percebendo-a como um problema de saúde pública. Para o entendimento da relação
existente entre os atos violentos contra a mulher e os agravos à sua saúde, expõe a
história da luta dos movimentos feministas e de mulheres no Brasil, demonstrando a
visibilidade adquirida, a partir destas lutas, das questões relacionadas às mulheres e
como o estudo de gênero se torna uma categoria central para (re)pensar as relações
sociais que envolvem mulheres e homens, especialmente, as relações violentas
entre eles. Analisa, principalmente, àquelas praticadas pelos maridos,
companheiros, namorados ou amantes. Fala, por fim, sobre as políticas públicas de
combate à violência adotadas nas delegacias e nos centros de saúde, mostrando as
dificuldades para efetivação da legislação existente que diz respeito ao combate à
violência sofrida pelas mulheres que procuram as unidades de saúde. Pretende,
com esse percurso, dar maior visibilidade à questão da violência doméstica nas
relações afetivo-conjugais e chamar atenção do poder público e profissionais de
saúde entre eles o/a assistente social para a (in)visibilidade deste problema nos
atendimentos realizados.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Gênero. Mulheres. Unidades de Saúde.
8
ABSTRACT
It analyses the approach given by health professionals (social workers, nurses and
doctors) against woman violence at the Medical Unities of Felipe Camarão and
Quintas of the City of Natal and searches to identify if the domestic violence is (in)
visible at the Public Health Assistance System attendance. and It refers to the
grandiosity of this violence and its consequences to the women health, recognizing it
as a public health problem. To the comprehension of the relationship between violent
acts against women and their health serious damages, exposes the battle history of
the feminist movements and the brazilian women, demonstrating the visibility
acquired by theses conquests of the questions related to the women and how the
gender study becomes the central category to (re) think the social relations involving
women and men, specially, the violent relationships between them. It analyses,
mainly, those practiced by the husbands, partners, boyfriends or lovers. It refers, at
the end, about the public politics of violence combat adopted at police stations at
health centers, showing the difficulties to establish the legislation that exists to
combat the violence suffered by the women that look for assistance at the health
unities. It intends, with this way, to give more visibility to the domestic questions at
the marital relations and ask attention from the public power and health professionals
between them, the social worker to the (in) visibility of this problems at the
attendances practiced.
Key Words: Domestic Violence. Gender. Women. Medical Unities.
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BEMFAM Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil
BO Boletim de Ocorrência
CEPIA Cidadania, Pesquisa, Informação e Ação
CIIIP Centro Internacional de Investigação e Informação para a Paz
CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CODIMM Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher e das Minorias
DEAM Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
DPDM Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher
GT Grupos de Trabalhos
HOUL Hospital Universitário Onofre Lopes
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IML Instituto Médico Legal
ITEP Instituto Técnico e Científico de Polícia
MEJC Maternidade Escola Januário Cicco
OEA Organização dos Estados Americanos
ONGs Organizações Não-Governamentais
OMS Organização Mundial de Saúde
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
PAISM Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PSF Programa de Saúde da Família
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SPM Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
SSP Secretaria de Segurança Pública
TCO Termo Circunstanciado de Ocorrência
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UPAZ Universidade para a Paz das Nações Unidas
USF Unidade de Saúde da Família
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................ 11
1- GÊNERO: UMA CATEGORIA CENTRAL PARA (RE)PENSAR AS
RELAÇÕES SOCIAIS QUE ENVOLVEM MULHERES E
HOMENS........................................................................................................ 14
1.1– Os movimentos feministas no Brasil....................................................... 14
1.2– Da invisibilidade feminina aos estudos de gênero................................. 28
1.2.1– Gênero o que é, afinal?....................................................................... 29
2- VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: IDENTIFICAR, NOTIFICAR E
DENUNCIAR, AS ARMAS PARA COMBATER ESSE
MAL................................................................................................................ 37
2.1– Gênero e violência, qual a relação entre eles?...................................... 37
2.2– Violência contra as mulheres.................................................................. 38
2.2.1– Delegacias da mulher: “o silêncio é cúmplice da violência,
denuncie”......................................................................................................... 48
2.2.2– Centros de saúde: “violência contra a mulher é uma questão de
saúde pública”................................................................................................. 52
3- A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO
ATENDIMENTO ÀS MULHERES AGREDIDAS NAS RELAÇÕES
AFETIVO-CONJUGAIS................................................................................. 56
3.1 – Os caminhos percorridos para trilhar a pesquisa de campo.................. 56
3.2 Refletindo acerca das falas dos/as profissionais (assistentes sociais,
enfermeiros/as e médicos/as) sobre a violência contra as mulheres............. 60
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 84
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 89
APÊNDICES................................................................................................... 98
ANEXOS......................................................................................................... 100
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação, com o título (In)visibilidade da violência doméstica no
atendimento do Sistema blico de Saúde: Quintas e Felipe Camarão, pretende
realizar um estudo qualitativo com o objetivo de apreender o tratamento dado por
parte dos profissionais de duas unidades de saúde, dos bairros de Felipe Camarão e
Quintas em Natal-RN, às mulheres que sofrem violência doméstica. Os bairros
pesquisados pertencem à zona Oeste da capital, que têm
os maiores índices de
ocorrências registradas
1
na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
(DEAM/Zona Sul – Natal)
2
.
A motivação em pesquisar essa problemática surgiu com a experiência de
estágio curricular na Deam/zona sul, no curso de Serviço Social da UFRN, que nos
instigou a saber os motivos dessas localidades terem um mero tão elevado de
ocorrências. Perguntamo-nos, inicialmente, que motivos levavam as mulheres,
nesses bairros, a buscar mais o atendimento das delegacias, que as demais
mulheres dos outros bairros
3
. Haveria algo que as impulsionassem a denunciar e a
enfrentar essa situação?
Frente a essas questões, levantamos como hipótese que, as mulheres
desses bairros, talvez recebessem informações/encaminhamentos/incentivos de
profissionais que trabalhassem nesses locais. Assim, voltamos nossa atenção para
os serviços de saúde desses bairros, pois pareceu-nos, então, que as mulheres
agredidas fossem, inicialmente, buscar ajuda em tais serviços e daí pudessem ser
encaminhadas para os serviços especializados, inclusive para as delegacias de
atendimento às mulheres. Desse modo, a abordagem desta temática justifica-se
pelo interesse acadêmico em investigar se haveria alguma relação entre o alto
número de denúncias nos dois bairros e o enfrentamento da violência contra as
mulheres, pelos centros de saúde, nos quais os/as profissionais da área seriam
sensibilizados para esse problema.
A pesquisa foi realizada: nos Centros de Saúde – Unidade Mista de Felipe
1
Segundo dados da Deam/Zona Sul de Natal, em 2002. Atualmente, a delegacia faz a estatística
geral dos números de crimes apurados, não tendo dados sobre os bairros de maior ocorrência.
2
Atualmente, a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM/Zona Sul), antiga
DEDAM, está localizada no mesmo endereço, Rua do Saneamento, nº. 298, Ribeira. Sua atuação
compreende os bairros das Zonas Leste, Oeste e Sul.
3
Neste caso, não partíamos do pressuposto que, a violência nesses bairros era maior, mas
somente que o número de denúncias era maior e perguntávamos-nos o motivo disso.
12
Camarão e das Quintas (zona oeste) de Natal-RN. Os sujeitos da pesquisa foram: 2
(duas) assistentes sociais, 3 (três) enfermeiros/as e 3 (três) dicos/as dos centros
de saúde mencionados, perfazendo um total de 8 (oito) entrevistados. A partir
dessas três categorias profissionais de saúde de Felipe Camarão e Quintas,
objetivamos apreender o enfrentamento dado, por parte desses profissionais, à
violência doméstica. Como também tentar identificar os encaminhamentos e as
orientações dos profissionais às mulheres agredidas, que procuram essas unidades
de saúde e analisar a concepção desses profissionais sobre violência doméstica.
Para situar o objeto de estudo, faz-se necessário uma discussão sobre a
violência contra as mulheres, configurando esse tipo de violência como uma das
expressões das relações de gênero, destacando as lutas dos movimentos
feministas, para darem visibilidade a essa questão. O estudo, aqui proposto, sobre a
violência contra a mulher surgiu da importância de tornar visível a condição de
muitas mulheres que viviam, e até hoje vivem, numa situação de violência praticada
por seus maridos, companheiros e namorados, ou seja, por alguém com quem
mantiveram, ou ainda mantém, algum tipo de relacionamento afetivo-conjugal.
Os procedimentos metodológicos tiveram um enfoque qualitativo
4
, sendo
utilizada para a coleta dos dados a entrevista parcialmente estruturada, incluindo
alguns dados pessoais e as questões relacionadas à temática da violência contra as
mulheres no dia-a-dia profissional. Todas as entrevistas foram gravadas, com a
autorização dos/as entrevistados/as. Para preservar a identidade dos/as
profissionais, empregamos nomes fictícios. Nas citações das entrevistas, optamos
em destacá-las em itálico, colocando entre parênteses o nome fictício do/a
entrevistado/a, a profissão que exerce e o local onde trabalha.
Para expor a aproximação ao nosso objeto, esta dissertação divide-se em
três itens. No primeiro, abordamos a trajetória histórica dos movimentos feministas
no Brasil, pois é a partir da década de 1980, com a ação desses movimentos, que a
violência contra as mulheres ganha visibilidade. Em seguida, destacamos a
contribuição dos estudos de gênero na análise dessa questão tão presente em
nossa sociedade e, ao mesmo tempo e contraditoriamente, tão velada.
No segundo item, dedicamo-nos ao estudo da violência contra as
mulheres, abordando de forma especial, a violência doméstica nas relações afetivo-
4
Na pesquisa qualitativa, os aspectos específicos dos dados e acontecimentos são captados no
contexto do que acontece, pois estes são colhidos interativamente em um processo de ida e vinda
e na interação com os sujeitos (MARTINELLI, 1999).
13
conjugais. Neste sentido, destacamos o trabalho das delegacias da mulher e dos
centros de saúde. Esses últimos, poucos anos, também passaram a ser
considerados como espaços de enfrentamento da violência contra a mulher.
No terceiro item, por fim, apresentamos o caminho percorrido para a
realização da pesquisa de campo e os resultados obtidos com as entrevistas dos
profissionais de saúde. Esperamos que nosso trabalho, mesmo constituindo-se
numa aproximação ainda parcial e limitada, possa contribuir para dar visibilidade a
esta violência cotidiana e silenciosa, a qual são submetidas muitas mulheres.
Esperamos também que possa servir como um alerta para os profissionais de
saúde, que no dia-a-dia profissional lidam com mulheres em situações diversas, as
quais, por vezes, carregam sofrimentos silenciosos e esperam somente um
atendimento adequado e sensível ao problema para se manifestarem.
14
1- GÊNERO: UMA CATEGORIA CENTRAL PARA (RE)PENSAR AS RELAÇÕES
SOCIAIS QUE ENVOLVEM MULHERES E HOMENS.
1.1– Os movimentos feministas no Brasil.
Para tratarmos do enfrentamento dado pelos profissionais, que trabalham
nos postos de saúde de Felipe Camarão e Quintas, à violência contra as mulheres,
objeto de nosso estudo, achamos necessário, primeiramente, situarmos o
movimento feminista como um fenômeno mundial e precursor da visibilização da
violência ocorrida dentro de casa. Para isso, é importante um breve histórico do seu
surgimento e expansão no cenário internacional, para, posteriormente, compreendê-
lo no contexto brasileiro, pois o que ocorria no exterior refletia-se
5
no país. Essa
contextualização fundamenta-se teoricamente a partir das seguintes autoras: Lima
(1987); Toscano e Goldenberg (1992); Teles (1993); Fonseca (1996); Bandeira
(2000); e Piscitelli (2004).
Os ideais feministas se concretizaram em um movimento organizado
politicamente no final do século XVIII e no início do século XIX
6
, saindo do discurso
para uma ação crítica. Esse período foi marcado por profundas transformações
sociopolíticas, visto que a sociedade atingiu um alto grau de desenvolvimento,
destacando-se a primeira fase da Revolução Industrial (1760-1860) e os
acontecimentos advindos da Revolução Francesa (1789), como alguns dos fatores
que marcaram a propagação do feminismo na Europa e, posteriormente, em outras
partes do Ocidente.
Na Europa, muitas mulheres participaram ativamente do processo da
Revolução Francesa. Em 1791, Olympe de Gouges propôs a Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã, denunciando a incoerência do direcionamento dos
direitos, ditos, universais, contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789. Gouges argumentava que os direitos eram apenas para os
homens livres, enquanto as mulheres permaneciam vistas como coisas, do mesmo
modo que os escravos e as crianças. As mulheres foram às assembléias reivindicar
5
O termo refletia-se aqui não exclui a necessidade das particularidades históricas brasileiras que
foram “o chão” necessário ao recebimento das influências externas.
6
“Quando se pretende referir ao feminismo como um movimento social organizado, esse é
usualmente remetido, no Ocidente, ao século XIX” (LOURO, 1999, p. 14).
15
mudanças na legislação do casamento e direitos de cidadania, conquistando alguns
avanços, como a institucionalização da união civil e a legalização do divórcio.
Apesar dessas conquistas, ao fim da Revolução, elas sofreram com o retrocesso
nas lutas pelos seus direitos, sendo esse período marcado pela execução de
Olympe de Gouges (1793). Em 1804, com o advento do digo Civil de Napoleão
Bonaparte, de cunho conservador no aspecto relativo às relações entre mulheres e
homens, houve novamente a proibição do divórcio, e o reemprego da palavra
madame
7
, que havia sido banida pela Revolução.
No século XIX, com a expansão do capitalismo, o regime patriarcal foi
legitimado institucionalmente, caracterizando-se pela dominação do homem sobre a
mulher e os/as filhos/as na esfera familiar
8
. Mesmo tendo se estabelecido de forma
diferenciada em cada país, o capitalismo fez com que as mulheres enfrentassem
situações de opressão e discriminação similares. Na consolidação do modo de
produção capitalista, no século XIX, o desenvolvimento tecnológico e industrial
exigiu o emprego de um enorme contingente de mão-de-obra feminina, quando se
transferiram para as fábricas, as tarefas antes feitas em casa. Na fábrica, as
mulheres passaram pela mesma forma de hierarquia do patriarcado, sob o domínio
de chefias masculinas. Esse processo, Saffioti (apud CASTRO; LAVINAS, 1992, p.
221) vai chamar de “prática combinada do capitalismo com o patriarcado na
construção social da submissão feminina, necessária à reprodução da sociedade de
classes”. Elas eram sujeitadas a jornadas de trabalho de 14 a 18 horas diárias, com
salários mais baixos, em relação aos dos homens. Situação essa desencadeou
mobilizações grevistas por parte das operárias, que reivindicavam melhores
condições de trabalho.
O papel masculino idealizado se torna o responsável pela parte
econômica da família, e isso designa o trabalho do homem na produção, enquanto
que o trabalho doméstico das mulheres designa a reprodução (ter filhos, criá-los e
cuidar da sobrevivência de todos). Entretanto, as modificações nas relações de
produção, exigiram a presença da mulher no espaço blico (trabalho fora de casa)
para atender às necessidades da crescente produção industrial. Segundo Antunes, a
mulher trabalha duplamente
9
dentro e fora de casa e é explorada duplamente pelo
7
Atualmente, na França, esse termo, que se refere a mulher casada, quando usado isoladamente
adquire um caráter pejorativo.
8
Segundo Scott (1991), o regime patriarcal caracteriza-se pela dominação do homem sobre todos
os membros familiares e baseia-se somente nas diferenças biológicas/físicas que são
naturalizadas.
9
Para Castells (1999) a entrada da mulher no mercado de trabalho trouxe para ela uma quádrupla
16
capital: 1º, por exercer no espaço público seu trabalho produtivo e 2º, na vida
privada, que lhe consume horas de trabalho doméstico não remunerado,
possibilitando ao capital sua reprodução, pois é nesse momento que “se criam as
condições indispensáveis para a reprodução da força de trabalho de seu marido,
filhos/as e dela própria” (ANTUNES,1999, p. 108).
O acontecimento que marcou essa fase foi o massacre de 129 operárias
grevistas na fábrica da Cotton, em Nova York, no dia 08 de março de 1857. Data
que é hoje reconhecida como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem às
mulheres que lutaram por seus direitos trabalhistas e contra todo tipo de exploração
a que eram submetidas.
no século XX, a partir da Revolução Russa, em 1917, o pensamento
socialista foi implementado, levantando a necessidade de transformações profundas
na estrutura de poder e nas relações de produção. Em conseqüência, o movimento
feminista, após a década de 20, passou a ter duas linhas de pensamento: a corrente
marxista, que defendia a emancipação política das mulheres através da luta de
classes e associada a luta pela modificação nas relações de produção, e a corrente
liberal, que defendia essa emancipação através das próprias mulheres, sem
questionamentos ao sistema de produção. Pode-se dizer que existem várias
vertentes no movimento feminista, desse modo, não se deve falar o movimento, e
sim, os movimentos feministas, cada um com suas idéias e seus ideais, mas todos
visando à valorização das mulheres.
Segundo Saffioti (1987), as diversas correntes teóricas procuram
interpretar, a seu modo, o porquê das mulheres ocuparem uma posição subordinada
na sociedade. Assim, a autora divide o movimento feminista da seguinte forma: a) o
conservantismo, que se preocupa com as tensões entre as categorias de sexo e
defende que a inferioridade social da mulher em relação ao homem é legitimada e
fundada na anatomia da mulher; b) o feminismo marxista-dogmático, o qual
compreende que a subordinação das mulheres nasceu com o surgimento da
propriedade privada e desaparecerá com a eliminação do capitalismo, acreditando
que a luta pela liberdade da mulher dependeria do movimento revolucionário,
reduzida a lutas de classes; e c) o feminismo radical, que defende que a
subordinação e a opressão das mulheres estão presentes e atravessam todas as
sociedades, raças e classes, atribuindo a dominação da mulher ao patriarcado e
jornada diária (trabalho remunerado, organização do lar, criação dos filhos e a jornada noturna em
benefício do marido).
17
propondo mudanças através do controle, por parte das mulheres, sobre seu corpo,
sobre a reprodução e ainda a destruição da família monogâmica. Essas três
correntes não tiveram tanta expressividade no Brasil, como tiveram em outros
países, a exemplo dos Estados Unidos, que tanto difundiram as idéias feministas
quanto antifeministas (SAFIOTTI, 1987).
Existem ainda duas tendências, estas expressivas no Brasil: a) o
feminismo liberal ou burguês, baseado na Revolução Francesa e nos ideais de
igualdade, liberdade e fraternidade, que busca a igualdade de direitos com os
homens, através do acesso à educação e ao trabalho. Defende também a sociedade
capitalista como a única capaz de criar condições de igualdade entre os sexos, não
questionando os papéis tradicionais da mulher (mãe e esposa) nem a superioridade
e dominação masculina; e b) o feminismo socialista, que consiste em realizar
tentativas de lidar com a problemática das relações de gênero e com a questão das
relações de classes sociais, tendo como base à dialética marxista, ou seja,
entendendo que o enfrentamento da opressão feminina se através das lutas
cotidianas das mulheres na produção e reprodução, sem qualquer tipo de hierarquia,
entre as questões de gênero e classe (SAFIOTTI, 1987). Assim, esta tendência não
desvincula a luta por novas relações de gênero da luta por novas relações sociais,
no contexto de uma nova sociabilidade.
No Brasil, o movimento feminista teve início a partir da influência do que
ocorria nas nações mais industrializadas da Europa e nos Estados Unidos e a partir
das necessidades particulares da sociedade brasileira. Neste sentido, apresentou
peculiaridades que o diferenciaram dos demais países. Segundo Toscano e
Goldenberg (1992), a partir de alguns elementos presentes na herança colonial do
país, tornou-se possível compreender essas diferenças, as quais podem ser
atribuídas aos seguintes elementos: ao regime escravocrata, ao longo período de
dependência com a metrópole (Portugal), ao modelo fundiário imposto pela
metrópole, à influência da Igreja Católica na formação cultural brasileira e o seu
papel como instituição política e repressora da sociedade em geral e,
principalmente, das mulheres. Esses elementos são responsáveis pelo
18
patriarcalismo, paternalismo
10
, conservadorismo
11
e o machismo
12
brasileiro. Neste
sentido, apesar desses elementos existirem em outros países, no Brasil, eles se
expressaram de forma mais gritante e profundamente enraizada na cultura da
população, devido aos determinantes histórico-culturais enfatizados anteriormente.
O tipo de colonização que o Brasil foi submetido visava à exploração e ao
lucro de suas terras e riquezas naturais. Isso estimulava a monocultura e o
latifúndio, o que possibilitou o surgimento e a manutenção desta estrutura familiar,
cujo poder, decisões e privilégios eram centrados no homem. Assim, a família
patriarcal brasileira da classe dominante caracterizava-se pelo marido autoritário,
que considerava tudo como sua propriedade, desde terras e escravos até sua
esposa e filhos. A Igreja Católica teve grande importância para difundir o regime
patriarcal e a subordinação feminina, incutindo na sociedade a imagem santificada
da mulher cristã e exaltando a virgindade feminina. Pois, a virtude, a castidade, a
obediência e as aptidões domésticas eram qualidades exigidas a uma boa mulher,
para a qual o único destino era o casamento
13
.
Na luta pelo direito à cidadania, as mulheres, no final doculo XIX e nas
primeiras décadas do século XX, começaram a reivindicar o acesso à educação, ao
voto, ao trabalho, ou seja, lutavam pela participação no mundo público, com
condições iguais às dos homens. Esse foi um período de intensas alterações na
economia, na política e na sociedade brasileira, devido ao desenvolvimento
industrial, apresentando significativas mudanças, que iniciou com a proibição do
tráfico negreiro e impôs, posteriormente, o fim da escravidão. Essas mudanças
refletiram-se no cotidiano feminino da classe alta urbana, como também, trouxe mais
oportunidades para que as mulheres pudessem repensar e questionar sua condição
e seu papel de subalternidade na sociedade. Este período do movimento feminista
no Brasil, ficou conhecido como sufragista
14
, pois a principal bandeira de luta era o
10
“Na linguagem vulgar, Paternalismo indica uma política social orientada ao bem-estar dos
cidadãos e do povo, mas que exclui a sua direta participação: é uma política autoritária e
benévola, uma atividade assistencial em favor do povo, exercida desde o alto, com métodos
meramente administrativos” (BOBBIO, 1986, p. 908).
11
“Toda atitude ou disposição em prol do status quo político-social e da fidelidade à tradição, à
propriedade privada, à hierarquia social, ao paternalismo, à existência de classes sociais inferiores
subservientes; reacionarismo, direitismo” (Dicionário Houaiss eletrônico).
12
“Ideologia e prática que considera o sexo masculino superior ao feminino. Manifesta-se
explicitamente no desejo de poder dos homens sobre as mulheres. Sua base histórica é o
patriarcado, que s o macho no centro das decisões históricas, políticas, sociais” (Dando nome
aos bois – Revista Maria Maria).
13
Ver a esse respeito em HAHNER, June. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas:
1850-1937. São Paulo: Brasiliense,1981.
14
“O sufragismo passou a ser reconhecido, posteriormente, como a primeira onda do feminismo.
Seus objetivos mais imediatos, [...], estavam, sem dúvida, ligados ao interesse das mulheres
19
direito ao voto.
Esse momento compreende a primeira fase do movimento feminista
no Brasil, de 1850 a 1950, que consiste no período das igualitaristas
e sufragistas, ou seja, vai da mulher como sujeito irrepresentável à
construção histórica da emancipação feminina, caracterizando-se
pela igualdade e paridade na luta em favor de direitos e
oportunidades iguais (BANDEIRA, 2000, p.16).
Enquanto as lutas pela educação e pelo voto eram organizadas e
definidas por mulheres intelectualizadas da classe burguesa e média, as
manifestações grevistas contavam apenas com a participação das operárias, que,
juntamente com os homens, lutavam por melhores condições no trabalho. As
primeiras, denominadas sufragistas, defendiam o direito das mulheres ao voto e de
ocupar cargos públicos, porém não reivindicavam uma transformação nas relações
familiares. Afirmavam que, mesmo almejando direitos iguais aos dos homens (pais e
irmãos), continuariam assumindo suas obrigações na família. Talvez essa posição
fosse um argumento estratégico para a obtenção de direitos ou, simplesmente, uma
limitação do movimento.
As demais, chamadas de agitadoras, como forma de ridicularizá-las e
repreendê-las, em sua grande maioria, não eram alfabetizadas. Participavam do
movimento anarquista, criticando a exploração capitalista do trabalho. Mesmo não
reivindicando direitos específicos ao seu sexo, lutavam pelos direitos trabalhistas e
contra os abusos cometidos. Nas manifestações grevistas, as conquistas das
operárias eram minimizadas em relação às dos homens. A discriminação sofrida
pelas trabalhadoras pode ser exemplificada na luta pela diminuição da jornada de
trabalho, na qual, os tecelões tiveram, sua jornada reduzida para 8 horas diárias,
enquanto as mulheres ainda tinham pela frente 9 horas e meia, por dia.
Entre os anos 40 e 50, do século XX, aproximadamente, o movimento
feminista, no Brasil, passou por um refluxo, pois muitas/os acreditavam que seus
objetivos de luta haviam sido conquistados: voto, educação, melhores condições
trabalhistas etc.
15
Contudo, isso não significou o fim das manifestações feministas,
brancas de classe média, [...]” (LOURO, 1999, p.15).
15
A Constituição de 1934 garantiu VÁRIOS DIREITOS ÀS MULHERES: a regulamentação do
trabalho feminino, a proteção à maternidade e à infância, a aposentadoria compulsória ao atingir
68 anos, o direito de que a nacionalidade da mãe concedesse a cidadania brasileira aos filhos
legítimos nascidos no estrangeiro, além de ratificar o direito ao voto feminino, embora se
20
elas continuaram presentes, embora um pouco menos expressivas, principalmente,
devido a Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937 – 1945).
Internacionalmente, entre as décadas de 50 e 60, duas autoras se
destacaram por suas publicações: Simone de Beauvoir e Betty Friedan. Em 1949,
Beauvoir escreveu O Segundo Sexo, que inaugura o feminismo contemporâneo, e
“denuncia as raízes culturais da desigualdade sexual” (ALVES; PITANGUY, 1985, p.
52). Friedan, em 1963, publicou A Mística Feminina, que explica as novas formas de
opressão da mulher da classe média na sociedade moderna. A partir da década de
60, começou o interesse pela mulher, enquanto assunto de análise acadêmica,
época que o movimento feminista denunciava as várias formas de discriminação e
violência contra a mulher. Rejeitava-se ao mesmo tempo, a vitimização da mulher,
pois reforçava a idéia da subordinação feminina como inevitável (FONSECA, 1996).
No Brasil, com o Golpe de 1964, instaurou-se o período de ditadura
militar, que durou 21 anos (1964 1985), marcado por duras repressões políticas,
sociais e culturais na sociedade brasileira. Os movimentos sociais, principalmente,
os sindicais e estudantis foram reprimidos violentamente pelos militares. Com isso, o
povo brasileiro perdeu sua liberdade e seus direitos, pois os militares consideravam
toda e qualquer expressão de idéias e críticas, que contestassem o regime, como
subversivas, não admitindo nenhuma opinião contrária.
Esse governo de caráter autoritário, caracterizado por perseguições,
prisões, torturas e assassinatos, gerou insatisfações e revoltas por parte da
sociedade civil organizada (intelectuais, ex-integrantes dos partidos extintos, artistas,
dentre outros). As mulheres não ficaram alheias a esse contexto, manifestando sua
indignação, seja na busca por parentes desaparecidos e presos políticos (filhos,
irmãos, companheiros, maridos), seja inseridas em organizações clandestinas, com
o intuito de libertar o país das forças opressoras, lutando pela democracia.
Contraditoriamente, neste período, um número maior de mulheres
ingressou no mercado de trabalho, pois a sociedade brasileira viveu um período de
grande desenvolvimento econômico o chamado milagre econômico brasileiro de
1968 a 1974 . A mão-de-obra feminina foi absolvida também por enquadrar-se, mais
facilmente, às normas e por o reclamar, tanto quanto os homens, das s
condições de trabalho e dos baixos salários recebidos. Essa maior adaptação das
mulheres que os homens às normas é o resultado de um longo processo incutido
restringisse as mulheres que ocupassem função pública remunerada (PIMENTEL, 1987).
21
socialmente e que se expressa, por vezes, na passividade e na submissão da
mulher, que foram utilizadas na esfera pública para impor salários mais baixos que
os dos homens e jornadas de trabalho excessivas. Por outro lado, essas mesmas
mulheres foram às ruas reivindicar seus direitos. As operárias também não ficaram
de fora das mobilizações, elas participaram dos movimentos grevistas organizados
pelos sindicatos. Mesmo não havendo uma quantidade expressiva de mulheres
nesses movimentos, a intervenção delas teve grande importância para as melhorias
nas condições de trabalho, o que, posteriormente, veio a estimular outras mulheres
a participarem dos movimentos em geral.
Entre meados da cada de 70 e início dos anos 80, do século XX, os
movimentos de mulheres e os movimentos feministas apareceram com maior
visibilidade no cenário brasileiro. Na academia, os estudos feministas passaram da
mulher vítima para a mulher heroína, dando visibilidade à mulher e ao feminino no
meio acadêmico. Neste período, o movimento feminista passou por dois momentos:
o começou no fim do século XIX, denominando-se de feminismo da igualdade,
que reivindicava para as mulheres o direito na vida pública igual ao dos homens,
uma vez que as mulheres não eram inferiores e que podiam fazer as mesmas coisas
que eles. Essa idéia foi analisada por algumas estudiosas como sendo fruto de um
sentimento de inferioridade, uma vez que o ideal a ser atingido era o masculino. A
partir dos anos 1970, iniciou-se o momento, denominado feminismo da diferença.
Este questionava a desvalorização da esfera feminina e declarava que as mulheres
não eram nem inferiores nem iguais aos homens, sendo diferentes apenas
(FONSECA, 1996).
Nesse período, os movimentos de mulheres caracterizaram-se pela ação
de grupos nas periferias dos centros urbanos: associações comunitárias, donas de
casa, clubes de mães; nos sindicatos e nas comunidades rurais. Elas lutavam por
boas escolas e creches para seus filhos, centros de saúde, transporte, habitação,
contra o alto custo de vida, enfim, por melhores condições de vida para suas
famílias.
Os movimentos de mulheres, como outros movimentos sociais, são
movimentos não-clássicos, na medida em que transcorrem nas
esferas não-tradicionais de organização e ação política – a novidade
é que tornaram visíveis a prática e a percepção de amplos setores
sociais que geralmente estavam marginalizados da análise da
22
realidade social, [...].Uma das principais contribuições do movimento
de mulheres tem sido evidenciar a complexidade da dinâmica social
e da ação dos sujeitos sociais, revelando o caráter multidimensional
e hierárquico das relações sociais e a existência de uma grande
heterogeneidade de campos de conflitos (SOARES,1998, p. 38).
Neste sentido, os movimentos de mulheres se preocupavam com
questões específicas relacionadas ao cotidiano, sem questionar os papéis
tradicionais, impostos às mulheres, de esposa e mãe, contudo
mesmo que organizadas em suas ações de sobrevivência, mesmo
tendo saído de seu encerramento doméstico, identificado
interlocutores, aumentando seu sentimento de auto-estima, estas
mulheres podem não modificar no essencial a profunda segregação
sexual na sociedade, nem alterar a direção dos projetos sociais. Mas
elas se constituíram e ainda se constituem nas interlocutoras
privilegiadas das feministas (SOARES, 1998, p. 40).
Já o movimento feminista caracterizou-se pela reivindicação de mudanças
sociais nas estruturas de poder, pela transformação da sociedade e superação das
relações hierárquicas, pelos menos em algumas vertentes.
As feministas, [...], traduzem a rebeldia das mulheres na identificação
de sua situação de subordinação e exclusão do poder e buscam
construir uma proposta ideológica que reverta esta marginalidade e
que se concretize a partir da construção de uma prática social que
negue os mecanismos que impedem o desenvolvimento de sua
consciência como seres autônomos e que supere a exclusão
(SOARES, 1998, p. 39).
Assim, o movimento feminista está inserido num contexto mais amplo,
ultrapassando as questões específicas, vistas, agora, apenas como um passo para
alcançar a emancipação feminina, como ser atuante na sociedade, propondo uma
mudança social, econômica, política e ideológica.
O feminismo no Brasil, durante a segunda metade dos anos 70, no século
XX, foi influenciado pelos movimentos feministas dos EUA e da Europa, mas não
23
chegou a adotar as mesmas posturas radicais, devido à repressão da ditadura
militar. Mesmo assim, o feminismo inseriu-se no âmbito dos movimentos políticos
mais progressistas e nas lutas pela democracia, adquirindo um discurso mais
politizado.
Nesse período, a discussão feminista começou a se impor no cenário
nacional, questionando os relacionamentos entre homens e mulheres e as
discriminações sofridas no seu cotidiano. Essa difusão deu-se através dos meios de
comunicação e da própria literatura feminista, que estava em pleno
desenvolvimento. A produção teórica feminista da época destaca-se pelas
publicações: A mulher na construção do mundo futuro, de Rose Marie Muraro, 1967,
que fala sobre a opressão da mulher com relação a opressão econômica - o livro foi
fruto de sua militância política e de sua ligação com a Teologia da Libertação da
Igreja Católica; A mulher na sociedade de classes: mito e realidade
16
, de Heleieth
Saffioti, 1969, que faz uma análise marxista da problemática feminina, resultado de
sua tese de livre-docência, tendo sido considerado um dos mais importantes textos
feministas; A mística feminina, 1971, traduzido no Brasil, de Betty Friedan - feminista
liberal que visava a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres -
considerado um marco no processo de conscientização e de organização das
mulheres, embora numa visão capitalista; e Mulher: objeto de cama e mesa, de
Heloneida Studart, 1974, que se tornou um best-seller de linguagem simples e
provocativa, mostrou a realidade de muitas mulheres no país. Praticamente, toda
uma década foi dedicada à elaboração de estudos teóricos e empíricos, que ainda
hoje são referências para estudos sobre o feminismo e a condição da mulher na
sociedade brasileira (TOSCANO; GOLDENBERG,1992).
Segundo Bandeira (2000, p. 23), o movimento feminista “legitimou-se
como movimento social mais amplo, pois trazia no seu bojo a possibilidade de
ruptura
17
com muitas das fronteiras culturais e morais estabelecidas”. De acordo com
16
O livro resgata a história da mulher no Brasil. “Faz uma análise da condição da mulher no sistema
capitalista, afirmando que esta não decorre unicamente das relações econômicas, posto que se
verifica também dentro da autonomia relativa das outras estruturas” ( ALVES;PITANGUY, 1981, p.
54).
17
Bandeira mostra três principais rupturas do movimento e do pensamento feminista, a partir de
1970. A primeira refere-se à questão da diferença, denominada de ruptura do e com o sujeito
único, negando o patriarcalismo e o androcentrismo, dessa forma, as mulheres começam a serem
vistas como seres sociais e atuantes. A segunda ruptura, denominada epistemológica, refere-se a
uma visão de mundo diferente da primeira ruptura, pois ultrapassa a superação do patriarcado.
Centraliza-se nos estudos sobre a mulher nos campos de pesquisa cientifica e política, que,
posteriormente, possibilitou a emergência do estudo de gênero. A terceira, refere-se a ruptura pela
24
a autora, nos anos 1970, iniciou-se a nova onda do movimento feminista no Brasil,
que aparece vinculado à produção acadêmica, à militância política nos movimentos
sociais, nas Organizações Não-Governamentais (ONGs) e com influências francesa
e americana.
Em 1975, a ONU decretou o Ano Internacional da Mulher, o que
possibilitou às militantes brasileiras irem às ruas mostrar seus anseios à opinião
pública. Foi um espaço importante, pois propiciou a discussão e a organização das
mulheres numa conjuntura repressiva e autoritária. Apesar de várias militantes terem
sido silenciadas, muitas aproveitaram para organizar encontros, seminários e
conferências, exigindo igualdade de direitos e questionando o papel da mulher.
Entre as décadas de 70 e 80, do século XX, o regime autoritário entrou
numa fase de transição, mesmo que lenta, na qual houve uma
proliferação de movimentos populares, da consolidação da oposição,
da remobilização da esquerda, da rearticulação de uma política de
oposição, da expansão pastoral da Igreja Católica (SOARES, 1998,
p. 35).
Nessa fase, no cenário político brasileiro, de efervescência dos
movimentos populares, destacam-se os movimentos de mulheres e, especialmente,
o movimento feminista.
Os anos 1980 foram marcados por profundas mudanças, com a abertura
política, a luta pelas eleições diretas e pela implementação de uma nova
Constituição, iniciando a redemocratização do Brasil. Nesse período, a participação
das mulheres foi expressiva, nos partidos políticos e na vida pública, o que
possibilitou reivindicações por políticas públicas e novas leis. Um dos exemplos
disso, foram os conselhos de mulheres, de todo o país, que se reuniram e lançaram
uma campanha Mulher e Constituinte, com o slogan Constituinte prá valer tem que
ter palavra de mulher, reivindicando melhores condições de vida não para as
mulheres, como também, para os homens. Através da reorganização partidária, o
movimento feminista inseriu-se no seio dos partidos políticos, lutando por políticas
públicas que atendessem às suas reivindicações.
eqüidade, nessa ruptura as relações de desigualdade e diversidade são mais debatidas que os
direitos da mulher, centralizando seus estudos na perspectiva de gênero (2000).
25
Apesar da integração à política partidária, o movimento feminista foi alvo
de questionamentos da chamada esquerda tradicional, por enfatizar questões mais
específicas a mulher, como: a divisão das tarefas domésticas, modificação da
legislação civil, a revisão da dupla jornada, criação de oportunidades iguais de
trabalho, programas de saúde voltados à mulher, políticas de combate à violência
contra as mulheres e o fim da educação diferenciada, dentre outras. Foi a partir
desses problemas específicos que a temática da mulher adquiriu maior visibilidade
no cenário nacional. Com isso, os meios de comunicação foram obrigados a
incorporar esse tema em sua programação, não restringindo seus programas
destinados ao público feminino apenas aos assuntos sobre beleza, moda e culinária.
Em resposta às pressões e reivindicações do movimento feminista e dos
demais grupos de mulheres, a partir da década de 1980, o Estado passou a
implementar políticas públicas, leis e instituições, criadas, especificamente, para
atender as demandas existentes. Desse modo, são criados os Conselhos Estaduais
e Municipais da Condição Feminina (São Paulo/1982) e, posteriormente, o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM/1985), Delegacias Especiais de
Atendimento às Mulheres Vítimas da Violência
18
e o Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher (PAISM - São Paulo/1985).
Sobre os conselhos nacional e estaduais da mulher, uma forte
discussão sobre sua real atuação junto às mulheres, pois ao invés de definir
políticas públicas que as beneficiassem, revelaram-se, por vezes, apenas estar a
serviço do governo brasileiro autoritário e machista. Apesar dessa contradição, é
inegável a conquista do movimento feminista junto ao Estado, porém a alteração
dessas políticas e das organizações se constitui num desafio, pois essas se
encontram desvinculadas das propostas feministas de transformação da sociedade
como um todo. Essa desvinculação das políticas públicas com os ideais feministas
evidencia-se pela desatenção do Estado à saúde e à segurança da mulher.
A perspectiva de atuar no Estado, para muitas, representou e ainda
representa uma quebra no princípio de autonomia do movimento
feminista. Por outro lado, apesar das conquistas obtidas, resultante
dessa parceria, não tem sido muito fácil a convivência do movimento
com esses organismos estatais de promoção feminina que, em
função dos hábitos e práticas autoritárias comuns ao Estado
brasileiro, fazem com que o movimento esteja sempre atento para
impedir as tentativas desses órgãos e/ou suas dirigentes, de
18
As DEAM's foram criadas, no Brasil, a partir da década de 1980. A primeira delegacia da mulher
foi fundada em São Paulo em 1985 e atualmente existem mais de 300 delegacias da mulher em
todo o país.
26
coordenar ou até mesmo dirigir, as lutas feministas no país
(COSTA,1998, p. 31).
Na saúde, foi criado o Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM), primeira proposta no campo da saúde para a mulher,
institucionalizado através das “ações educativas, preventivas, de diagnóstico,
tratamento ou recuperação aplicados permanentemente e de maneira não repetitiva,
tendo como objetivo final à melhoria dos níveis de saúde da população feminina”
(FERREIRA apud Ministério, 1999, p. 41). Tal programa foi idealizado para assistir a
mulher em sua integralidade, desde a infância à velhice, e não apenas como um
programa de controle da natalidade, focalizando mulheres em idade fértil de 15 a 45
anos, como foi implementado nos postos de saúde. Foi um período que o
movimento feminista e o movimento de mulheres propagaram às idéias do direito
das mulheres aos seus corpos, através dos slogans Esse corpo nos pertence e O
Prazer é nosso, disseminando “a idéia de reapropriação do próprio corpo, da
individualidade e sexualidade, vista até então pela ótica masculina” (FERREIRA,
2000, p. 72).
No Estado, a implementação e gestão de políticas públicas em relação ao
enfrentamento da violência contra a mulher é novo, tendo se iniciado somente na
década de 1980, embora, para muitas feministas, as ações do Estado já se iniciaram
enviesadas. As políticas são implantadas e, muitas vezes, entram em contradição
com as idéias feministas, de apoio e assistência integral a mulher, com ações
meramente pontuais para simplesmente minimizar os problemas. Além disso,
dispõe-se de recursos escassos para qualificação de profissionais e para dar
continuidade às propostas de ações e, como conseqüência disso, não se tem
condições materiais adequadas de trabalho sistemático e pessoal devidamente
treinado para o enfrentamento da violência.
Com relação à segurança, foram criadas Delegacias de Polícia voltadas
ao atendimento de mulheres agredidas. Embora essas delegacias tenham a
finalidade de combater a violência contra a mulher, especificamente a violência
doméstica e sexual, elas não incorporaram a perspectiva feminista em seus
objetivos e descontextualizam a violência contra a mulher como sendo apenas um
caso de polícia. Mesmo existindo núcleos de estudo e grupos de trabalho (GT)
nas universidades, que pesquisam e analisam a condição da mulher e as origens de
27
sua opressão, não houve aproximação adequada entre Estado e Academia, a fim de
possibilitar a implementação de uma política efetiva de combate a violência contra a
mulher.
Percebemos que, desde os anos 80, do século XX, o feminismo se
diversificou, articulando novas formas de organização e institucionalizando práticas e
ações relacionadas ao corpo, à saúde, à sexualidade feminina e ao combate à
violência
19
. A partir dessas articulações, surgiram discussões sobre lesbianidade,
que começaram a ganhar visibilidade entre os movimentos feministas e de
mulheres. Destaca-se também a articulação das mulheres negras com o movimento
feminista, possibilitando discussões das categorias de classe, gênero e raça, para
melhor compreender as diversas formas de exclusão e a diversidade presentes no
movimento feminista. Como afirma Soares (1998, p. 45), “o feminismo branco, no
seu início, não viu as mulheres negras, referenciado que esteve no feminismo
europeu e no viés de classe”. Entretanto, a visão de classe não foi a única
responsável pela invisibilidade da questão racial junto aos movimentos feministas,
ela estava permeada também pela perspectiva discriminatória que orientou a
formação cultural brasileira. Todos esses elementos não diminuem a importância
dessa articulação que, atualmente, traz uma contribuição importante no
reconhecimento das diferenças culturais no âmbito dos movimentos.
Assim, o feminismo diversificou-se e assumiu novas formas de
organização e institucionalização nas ONGs, prestando serviços de cunho social às
mulheres. Destacam-se, entre as primeiras ONGs de mulheres, o SOS Corpo
(Recife/1978)
20
que se dedicava à questão da saúde e sexualidade, o Centro da
Mulher Brasileira (Rio de Janeiro/1978-80), o SOS Violência (São Paulo/1978-80),
entre outras.
A partir da década de 1980, inicia-se a desconstrução das teses
anteriores, que focalizavam a mulher, percebendo que existem as mulheres em
diferentes situações sociais e culturais (FONSECA, 1996). Para Guedes (1995),
durante os anos 1980, e até os dias atuais, houve uma periodização do movimento
feminista que pode ser dividido em 3 momentos: 1
º
momento (de 1980 a 1985): o
feminismo tornou-se visível e constitutivo da população e das instituições brasileiras,
dando importância à participação das mulheres no seio de partidos/sindicatos, dos
19
Nosso corpo nos pertence e Quem ama não bate nem mata, foram slogans utilizados pelo
movimento feminista para mobilizar/sensibilizar a população da situação feminina.
20
O SOS Corpo continua com o seu trabalho até os dias de hoje em Recife, com uma nova
denominação: SOS Corpo, Gênero e Cidadania.
28
movimentos de bairros e instituições; 2
º
momento (de 1985 a 1988): tem o conceito
de gênero consolidado nos movimentos sociais e na academia. No pós - anos 1980,
percebeu-se que era preciso ir além da visibilização das mulheres, “precisava-se
entender o sujeito Mulher, a identidade feminina, desvendando as relações do
cotidiano”; e o momento (de 1989 até os dias atuais): busca-se “lutar contra
guetos e resgatar aliadas (os)”
21
, apesar da sua atual visibilidade, o movimento ainda
encontra-se em guetos e continua com o discurso do Outro dominante
22
.
Resgatar a trajetória do movimento feminista, internacional e brasileiro foi
relevante para compreender a conquista dos espaços de lutas, do reconhecimento
das lutas feministas e da emergência do feminismo plural. A partir daí, surgiram os
primeiros estudos de gênero. No próximo subitem, veremos como os estudos sobre
a condição da mulher desembocaram nos estudos de gênero, e como ambos estão
atrelados à trajetória do movimento feminista.
1. 2 – Da invisibilidade feminina aos estudos de gênero.
Os estudos de gênero são conseqüências das lutas libertárias dos anos
1960, período de grandes questionamentos e revoltas: o movimento hippie; as
revoltas estudantis e de trabalhadores de maio em Paris; as lutas contra a Guerra do
Vietnã nos EUA e contra a Ditadura Militar no Brasil.
Nos anos 70 e 80, do culo XX, surgem os estudos sobre a condição
feminina, que tinham como preocupação à situação da dupla opressão das
mulheres, a partir de sua classe social e seu sexo. Na época, acreditava-se que esta
condição deveria ser pensada apenas por mulheres. Assim, elas se reuniam sem os
homens, pois era uma forma de, acreditavam, garantir a palavra às mulheres. Ainda
hoje, a presença dos homens nos movimentos feministas e de mulheres é uma
polêmica, pois sem eles as mulheres podem se expressar sem nenhuma censura.
Os primeiros estudos foram iniciados no final dos anos 1960, por Saffioti (1969), que
escreveu A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. O livro trata da
opressão da mulher nas sociedades patriarcais. Esse período era influenciado pela
21
Apesar dessa afirmação, é necessário ressaltar que o movimento feminista continua
profundamente heterogêneo e cheio de conflitos internos, o que não analisamos como negativo,
mas como um elemento a mais para o seu processo de crescimento.
22
A autora refere-se a este homem dito poderoso, viril e forte.
29
corrente do feminismo marxista, inspirada no livro de Engels A origem da família,
da Propriedade Privada e do Estado - que defende que a mulher foi a primeira
propriedade privada do homem (GROSSI, 2000).
Nos anos de 1980, as pesquisadoras feministas deixaram de falar da
condição feminina e passaram aos estudos sobre as mulheres. Perceberam que não
era mais possível falar de uma única condição feminina no Brasil, pois existem
inúmeras diferenças, não apenas de classe, mas também regionais, de orientação
sexual e de cor entre as mulheres. Apesar do avanço em relação aos estudos sobre
a condição feminina, ainda permanecia a referência a uma unidade biológica das
mulheres, ou seja, todas as mulheres, independente de sua condição social e étnica,
se reconhecem pelo sexo feminino. É a partir dos estudos de gênero que vai se
problematizar essa determinação biológica da condição feminina.
Nos anos 1990, institucionaliza-se a categoria gênero, passando a se
discutir as relações de desigualdades, de diversidades, de diferenças entre os
gêneros ao mesmo tempo em que permanece a discussão acerca dos direitos das
mulheres. Assim, “nos campos de reflexão e de pesquisa se incorpora o uso do
conceito de relações de gênero e este acaba tornando-se uma categoria central”
(BANDEIRA, 2000, p. 37). Trataremos disso a seguir.
1.2.1– Gênero o que é, afinal?
O termo gênero tem uma história, pois ao longo dos séculos, as pessoas
utilizavam-no de forma figurada, compreendendo-o apenas como “termos
gramaticais para evocar os traços de caráter ou os traços sexuais” (SCOTT, 1991,
p.1), incluindo os gêneros literários e artísticos. Porém, os estudos de gênero,
como o compreendemos hoje, chegam ao Brasil, a partir dos anos 1970, através
das pesquisadoras norte-americanas, com o objetivo de quebrar o determinismo
biológico das diferenças entre homens e mulheres.
23
As feministas norte-americanas foram as primeiras a utilizar o conceito de
gênero no meio acadêmico, sendo conceituado em seus dicionários como uma
identidade sexual, especialmente, em relação à sociedade e à cultura (LOURO,
23
Deter-nos-emos melhor, acerca deste assunto, posteriormente.
30
1999), para explicar a questão da diferença sexual, rejeitando o determinismo
biológico empregado como justificativa para as desigualdades entre homens e
mulheres. Dentre elas, destaca-se a antropóloga Gayle Rubin, que em 1975, aborda
a separação entre sexo e gênero, a partir do conceito matriz sexo/gênero e Joan
Scott, que em 1988, faz uma comparação de sexo/gênero com os termos
lingüísticos referente/significado, definindo gênero como o sexo significado
(SUARÉZ, 2000).
A partir da leitura crítica que as autoras citadas fizeram da condição
feminina, evidencia-se “a qualidade fundamentalmente social das distinções
baseadas no sexo” (SCOTT, 1991, p.1), dando ênfase à construção social e
histórica, gerada a partir das características biológicas, não negando com isso o
sexo de cada ser humano e suas características biológicas, mas extrapolando esse
sentido restrito. Assim, as explicações sobre as desigualdades entre homens e
mulheres não podem ser apenas relacionadas aos sexos, mas também, à historia,
às sociedades e suas culturas.
No Brasil, esse conceito começou a ser usado no meio acadêmico, a
partir dos anos 1980, sendo também apropriado pelos movimentos sociais.
Algumas/ns estudiosas/os feministas perceberam que os estudos sobre a mulher,
por si só, não davam mais conta da necessidade de explicar a complexidade e a
dinâmica das relações desiguais entre os sexos. Essa necessidade não foi sentida
apenas nos Núcleos de Estudos Feministas, mas também pelas/os
pesquisadoras/es do meio acadêmico que viram a importância de utilizar a
perspectiva de gênero para transformar os paradigmas científicos.
A partir da emergência de uma nova categoria Gênero que funciona
como um instrumento analítico-político, fundamentado empiricamente, numa
tentativa de explicar teoricamente a condição da subalternidade das mulheres, foram
criados os núcleos de estudo de gênero. Esses causaram desentendimentos entre
algumas feministas que participavam desses núcleos e outras militantes que não
aceitavam essa denominação para os núcleos de estudo sobre mulher, pois
acreditavam que essa expressão poderia representar um modo sutil de levar
novamente à invisibilidade da mulher.
A falta de uma compreensão e aprofundamento acerca de gênero gerou
essa polêmica, atiçada pela conveniência ou necessidade de renomear os núcleos
de estudo sobre a mulher. Na verdade, o que mudou foi à visão utilizada nos
31
estudos, ou seja, na maioria dos casos houve integração da perspectiva de gênero,
categoria que se refere à desigual e injusta distribuição de poder e oportunidade
entre as pessoas e não apenas a substituição da palavra mulher por gênero
24
.
Segundo Scott (1991), existem três posições teóricas sobre as
abordagens de gênero: as teorias do patriarcado, que têm a atenção voltada para a
subordinação das mulheres, explicando esse fato através da necessidade do macho
em dominar a fêmea e que questiona a desigualdade entre homens e mulheres,
baseando-se apenas nas diferenças físicas; as feministas marxistas, que têm uma
abordagem mais histórica, contudo o conceito de gênero foi por muito tempo tratado
como subproduto das estruturas econômicas; e a teoria psicanalítica que se divide
em
2 subgrupos: o pós-estruturalismo francês e as teorias de relação do
objeto ambas apóiam-se em escolas psicanalíticas para explicar a
produção e a reprodução da identidade do gênero do sujeito,
interessando-se pelas primeiras etapas do desenvolvimento da
criança. A primeira enfatiza a experiência concreta no
desenvolvimento da criança, enquanto a segunda sublinha o papel
da linguagem na comunicação, interpretação e representação do
gênero (LIMA, 2001, p. 10).
O estudo de gênero é útil para esclarecer as identidades atribuídas ao
sexo feminino e ao masculino, como sendo construções sociais adquiridas
historicamente. Apesar disso, o termo gênero é freqüente e erroneamente usado
para se referir ao sexo naturalmente dado, com suas características físicas,
anatômicas, reprodutivas e biológicas, negando os significados políticos e sociais
atribuídos aos sexos, de acordo com cada sociedade ao longo da história.
O gênero é uma construção social que define o ser mulher e o ser
homem. É das noções de mulher e de homem que nascem as
normas que permitem a transformação de um bebê em um ser
feminino ou masculino (SAFFIOTI,1997, p.41).
O emprego indiscriminado do termo tem contribuído para uma distorção
de seu sentido. Percebemos, duas questões que contribuíram diretamente para essa
distorção. A primeira refere-se ao fato do termo gênero ter sido apropriado fora do
24
Sobre este assunto, deter-nos-emos a seguir.
32
meio acadêmico, sem que antes houvesse uma melhor compreensão de sua
fundamentação teórica e empírica (SUÁREZ, 2000). E a segunda, refere-se ao
termo ser uma tradução da expressão inglesa gender, que tem seu significado na
identidade sexual, especialmente, relacionado à sociedade ou a cultura, e não
consta nos dicionários da Língua Portuguesa com essa conotação
25
. A existência de
outros significados para esse termo, encontrados nos dicionários, como Houaiss
26
e
Aurélio englobam sentidos completamente diferentes do proposto pelas norte-
americanas.
Identificamos diferentes usos de gênero, tais como: 1) termo
classificatório: na gramática portuguesa, sendo definido como uma “categoria que
indica, por meio de desinências, uma divisão dos nomes baseada em critérios tais
como sexo e associações psicológicas”, gênero feminino, masculino e o neutro
(GUEDES apud FERREIRA, 1995, p. 5); nas artes e literatura, definindo diferentes
gêneros (épico, dramático, lírico); e na biologia, uma categoria classificatória
compreendida entre família e espécie dos seres vivos; 2) sinônimo de mulheres:
aqui tem se dado a substituição da palavra mulher por gênero, pois onde antes se
falava Mulheres, agora se diz gênero, ou seja, quando se afirma estudo de gênero e
apenas se faz um estudo acerca das mulheres sem problematização de sua
situação social; 3) como associação à sexo: quando designa as pessoas pelas suas
características sexuais.
Ressaltamos, contudo, que sexo se refere aos aspectos físicos, biológicos
de macho e fêmea presente nos corpos, enquanto gênero refere-se às relações
sociais desiguais de poder entre homens e mulheres, sendo construído pela
sociedade (construção social), que define alguns atributos e papéis masculinos e
femininos.
Mesmo diante da apropriação indevida, da ambigüidade e da imprecisão
no uso do termo, é inegável a importância da categoria gênero nas diversas áreas
do conhecimento, como nas ciências humanas e sociais. Pois, tal termo contribui na
reavaliação das teorias sobre condição feminina na busca de novos paradigmas,
reconhecendo a mulher, enquanto ser social, histórico e político.
25
No dicionário Aurélio eletrônico versão 3.0 (2000) consta a conotação de gênero vista pela
antropologia, aproximando-se do significado trabalhado pelas feministas. No entanto, por ser uma
nova versão, esse sentido ainda não foi popularizado, a saber: “A forma culturalmente elaborada
que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se manifesta nos papéis e status
atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade sexual dos indivíduos”.
26
Conjunto de espécies com as mesmas características; maneira de ser ou agir; classe de estilo,
técnica ou natureza artística ou literária; em gramática, categoria que classifica as palavras em
masculino, feminino e neutro; mercadorias, víveres.
33
Para compreender o conceito de relações de gênero de forma mais ampla,
Gouveia e Camurça (1997, p. 9) afirmam que tal conceito
se refere as relações entre mulheres e homens, mulheres e
mulheres, homens e homens. Todas estas relações criam várias
desigualdades fazendo com que alguns tenham mais poder sobre
outros, sejam considerados mais importantes e respeitados na
sociedade, além de fazer com que algumas pessoas tenham mais
liberdade e oportunidade para se desenvolver do que outras.
Dessa forma, fica evidente que o estudo de gênero vai de encontro à
postura essencialista, não se referindo unicamente à mulher como objeto de estudo
e sim, aos sujeitos feminino e masculino em constante relação. Neste sentido, não
designa um conjunto de mulheres e homens, mas o aspecto relacional entre esses,
pois ao analisar um, remete-se necessariamente ao outro. Ao negar o
essencialismo, a categoria gênero desnaturaliza esses sujeitos, constituindo-se num
avanço em relação às mulheres, colocando limites claros aos que analisam a
situação feminina atrelada à idéia de que a mulher é determinada pela natureza.
Gênero, enquanto categoria sócio-histórica, designa uma pluralidade de
gêneros, ou seja, a existência de concepções de femininos e masculinos, sociais e
historicamente diversas. Essa pluralidade consiste em admitir que as concepções
não variam apenas ao longo da história e de sociedade para sociedade, mas
também dentro de uma mesma sociedade, de acordo com a classe social, religião,
raça/etnia, idade, orientação sexual, etc.
Para Gouveia e Camurça (1997, p. 22) “as desigualdades de classe, a
discriminação racial e as diferenças de idade formam, juntamente com as relações
de gênero, um grande conjunto que determina a distribuição desigual e injusta de
poder e oportunidades entre as pessoas”. Embora reconheçamos a importância dos
estudos sobre eventuais preconceitos que possam existir nas diferentes fases da
vida (infância, adolescência, fase adulta e velhice), a idade, por ser algo temporário,
em muito difere das situações relacionadas à classe social, raça/etnia ou gênero
27
.
Portanto, o estudo de gênero se articula com as categorias raça e classe social,
revelando que as desigualdades de poder estão ligadas a esses três eixos. A
categoria gênero propõe uma análise dos processos múltiplos de formação histórica,
da lingüística, da cultura etc, elementos estes sempre socialmente determinados.
27
Ver a respeito em: (SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995).
34
Segundo Scott (1991, p. 2), um problema nessa articulação, pois
pressupõe uma paridade que não existe, “classe tem seu fundamento na elaboração
da teoria de Marx sobre a determinação econômica e mudança histórica, ‘raça’ e
‘gênero’ não carregam associações semelhantes”. O próprio conceito de classe não
é unanimidade, e ao mesmo tempo, não existe uma clareza a respeito de raça e
gênero. Além disso as desigualdades existentes nas práticas e relações sociais, em
relação à assimetria homem/mulher e etnia, não se dão no mesmo plano de análise
das determinações econômicas (GUEDES, 1995). Porém, a essência dessa
articulação é que nenhum se sobressaia ao outro. No tripé: classe, raça e gênero
cada um tem sua especificidade, mas formando um conjunto onde um não exclui o
outro, ao contrário, se complementam, como podemos verificar na discriminação e
exclusão das mulheres negras e pobres.
A compreensão de gênero possibilita o entendimento de que as atitudes,
comportamentos e personalidades de cada ser humano são determinados pela
sociedade e construídos no decorrer dos tempos. Essas atitudes são generalizadas
e naturalizadas pelas pessoas, definindo o que é ser homem e o que é ser mulher
28
,
prevalecendo a hierarquia masculina nas relações sociais
29
. As sociedades
estabelecem um conjunto de elementos, símbolos, normas, valores, instituições e
subjetividades, utilizados para construir, manter e modificar as suas relações. Os
símbolos (imagens, lendas, músicas, romance, novela, por exemplo) transmitem a
tradição de cada sociedade; as normas e os valores (leis, educação, tradição e
costumes) estabelecem o que se deve ou não fazer, distinguindo o que é de mulher
e o que é de homem; as instituições (família, trabalho, política e, principalmente, a
igreja, a escola e a justiça) repassam esses valores e normas; e a subjetividade
determina a maneira como esses elementos serão assimilados e reproduzidos.
Portanto, as relações de nero são baseadas em construções das sociedades
bastantes arraigadas na cultura das pessoas (FARIA; NOBRE, 1997).
Para avançar no estudo sobre gênero é importante falar de Scott
30
(1991,
p.11) uma das mais conhecidas historiadoras e feministas norte-americanas, que
aborda gênero como “um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas
28
No pensamento socialmente construído a mulher é vista como intuitiva, amorosa, compreensiva e
o homem é inteligente, agressivo e corajoso, entre outros atributos que enaltecem seu poder.
29
Essa hierarquia é valorizada na figura do homem, branco, heterossexual, rico e jovem. Ver a esse
respeito em: (SAFFIOTI,1997).
30
Suas obras são utilizadas por muitos(as) pesquisadores(as) que trabalham as relações de gênero
no Brasil. Um dos artigos mais conhecidos Gênero: uma categoria útil de análise histórica -
publicada em várias revistas feministas no país, como a revista SOS Corpo em 1991.
35
diferenças percebidas entre os sexos, e o nero é forma primeira de significar as
relações de poder”.
Essa perspectiva de gênero, de acordo com Scott e outras (os)
estudiosas (os), tem como desafio romper com a lógica dicotômica, que coloca em
oposição o masculino e o feminino, público/privado, razão/sentimento,
produção/reprodução, nessas e em outras polaridades, na qual, a primeira
expressão é sempre superior à outra. “A lógica dicotômica supõe que a relação
masculino-feminino constitui uma oposição entre um pólo dominante e outro
dominado e essa seria a única e permanente forma de relação entre os dois
elementos” (LOURO, 1999, p. 33).
Não é fácil romper com essa visão dualista, pois é uma idéia que vem
sendo reproduzida no decorrer da história, sendo enraizada culturalmente. O
rompimento requer um processo de desconstrução dessas dicotomias/pólos. A
desconstrução compreende problematizar as polaridades para mostrar que o
masculino contém o feminino e vice-versa, pondo em evidência a pluralidade dos
sujeitos e negando a lógica dicotômica (LOURO, 1999).
Ao utilizar as dicotomias para estudo e análise da realidade, percebemos
que essas fortalecem e reproduzem as desigualdades entre os seres humanos. Por
isso, devemos ter cautela ao lidar com as dicotomias para que não se estabeleçam
antagonismos, tornando gênero uma categoria simplista.
Concluímos que a categoria gênero trouxe contribuições para
compreender e desvendar as relações de poder e desigualdade. Tais quais: a
construção social de gêneros que explicita as identidades e papéis femininos e
masculinos construídos historicamente e não biologicamente; o surgimento do
conceito das relações de gênero e a existência de práticas sociais, que diferem de
acordo com o sexo; a compreensão de que as relações de gênero são
hierarquizadas e constituem-se relações de poder, mostrando que essas podem ser
modificadas através de uma nova correlação de forças pela auto-organização das
mulheres; a não oposição das questões específica e geral, pois o conjunto das
relações sociais é estruturado pelas relações de gênero; a superação das
dicotomias, mostrando que mulheres e homens estão, ao mesmo tempo, presentes
em todas as esferas; a necessidade de considerar a perspectiva das classes sociais,
raça/etnia, idade, entre outras, e neste sentido, perceber que dentro da identidade
masculina existem traços da identidade feminina e vice-versa (FARIA; NOBRE,
36
1997).
Desta forma, o estudo de gênero vai propiciar um melhor entendimento
das relações desiguais presentes nas diferentes realidades. Assim, a categoria
gênero trouxe também contribuições para compreender e desvendar as relações de
poder e desigualdade, mostrando que essas relações são mutáveis. Contudo, temos
ainda um longo caminho a percorrer, pois as modificações culturais demoram a
acontecer. É justamente em razão da permanência da cultura patriarcal que a
violência contra as mulheres continua a nos desafiar no dia-a-dia. Trataremos disto a
seguir.
37
2- VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: IDENTIFICAR, NOTIFICAR E
DENUNCIAR, AS ARMAS PARA COMBATER ESSE MAL.
2.1– Gênero e violência, qual a relação entre eles?
A categoria gênero está diretamente associada à discussão da violência
contra as mulheres. É a partir dessa categoria que começamos a visualizar a
violência como um dos pilares da desigualdade, da hierarquia e do poder do homem
sobre a mulher. A investigação sobre a violência nasce sob as questões colocadas
pelo movimento feminista, ocupando uma posição de destaque entre os estudos de
gênero. A importância da violência para o feminismo brasileiro deve-se ao fato do
tema ter ampliado a visibilidade do discurso feminista para além das suas fronteiras
(SORJ; HEILBORN, 1999). A violência contra a mulher poderia, ainda hoje, estar
escondida na família, na vida privada e na intimidade, dentro das quatro paredes de
casa, mas devido ao movimento feminista esse fenômeno vem sendo visibilizado e
combatido.
A violência resulta da relação desigual, cuja superioridade de um implica
na opressão do mais fraco, na imposição da vontade de um sobre o outro. É um
fator das relações desiguais de gênero que atravessa as demais relações sociais,
manifestando-se de forma homogênea em todas as classes e segmentos sociais. A
contribuição da perspectiva de gênero para o estudo da violência é que essa não se
origina apenas das desigualdades de classe; ela se expressa também em todos os
segmentos da sociedade (SORJ; HEILBORN, 1999).
As desigualdades de gênero são reproduzidas e naturalizadas ao longo
da história. Costuma-se aceitar, “naturalmente”, que o domínio do feminino é o
privado, o doméstico (fragilidade, emoção, passividade, subjetividade), enquanto
que o domínio do masculino é o público, o político (força, racionalidade), mas
prevalecendo seu poder no âmbito doméstico. Os homens são considerados mais
corajosos, mais violentos, mais racionais e as mulheres mais propensas ao choro, à
histeria, ao amor. Isso produz uma valorização do que é masculino, pois as relações
de gênero produzem uma distribuição desigual de poder, autoridade e prestígio
entre as pessoas de acordo com o seu sexo.
Assim, as mulheres têm sido, ao longo da história, oprimidas e
38
discriminadas pela forma como se organizam essas relações, que são produtos de
um processo que se inicia antes mesmo do nascimento (na escolha da cor do
enxoval do bebê rosa para menina e azul para menino) e continua ao longo da
vida, reforçando a desigualdade existente entre homens e mulheres. Apesar de
terem mais poder, os homens sofrem algumas conseqüências negativas com essas
relações desiguais de gênero. A obrigação de ser forte, dificulta a vida e o
desenvolvimento pessoal e coletivo tanto quanto o de ser fraca prejudica as
mulheres. Na maioria das sociedades, as atividades de cuidar das crianças e dos
idosos, preparar comida, cuidar da casa, das roupas e educar é sempre um trabalho
exercido pelas mulheres, ou seja, trabalho doméstico é de responsabilidade das
mulheres, sendo desvalorizado.
A partir daí, tem-se a formação e educação diferenciadas para as
crianças, tipos de brinquedos e brincadeiras de meninas e de meninos, pois desde
pequenos são ensinados seus papéis, sendo valorizado o masculino. A diferença na
educação das crianças mostrando que para o menino é permitido tudo (brincar na
rua, sair à noite, ter namoradas, ter um trabalho que possa sustentar uma futura
família) e para as meninas somente algumas coisas (apenas brincar de boneca e de
casinha, sair acompanhada de uma pessoa responsável, aprender os afazeres
domésticos para um futuro casamento). Tanto os papéis ditos femininos quanto os
ditos masculinos são desiguais e preconceituosos para ambos os sexos.
O conceito de gênero questionou a construção das diferenças de sexo
determinadas pela biologia, enfatizando a importância do social e cultural, pois esse
sistema de relação entre os sexos configura e reflete posições hierárquicas de
gênero e antagônicas entre homens e mulheres. Neste sentido, a relação
hierárquica de gênero tem um papel relevante na violência contra as mulheres.
2.2– Violência contra as mulheres.
A violência é um fenômeno social, presente em todas as culturas, desde
as épocas mais remotas, nas mais diversas formas, atingindo a todos, independente
de sexo, faixa etária, classe social, raça ou etnia. Dentre as várias definições
existentes do que seja violência, podemos destacar duas delas. A primeira, de Sônia
39
Felipe, identifica a existência da violência “quando uma grande desigualdade de
forças na situação de conflito e um dos integrantes é destruído ou aniquilado, seja
pela morte, por estupro, pela tortura” (GROSSI, 1998, p. 9). A segunda, de Chauí
(1999, p. 337), entende a violência como a “violação da integridade física e psíquica,
da dignidade humana de alguém”, a redução do ser humano em objeto.
Concordamos com a primeira definição como ponto de partida para entendermos a
violência, em especial, a violência nas relações afetivo-conjugais entre homem e
mulher, na qual uma desigualdade de força, tanto sica quanto a que a estrutura
social vigente ao homem, privilegiando-o, mas, para tanto, não é necessário que
um dos integrantes seja morto ou aniquilado, como Sônia aponta. Nas situações de
conflito, o homem, geralmente, considera a mulher um mero objeto, tentando evitar
que esta tenha posicionamentos próprios, impossibilitando o diálogo, usando de
violência sempre que acha necessário. Apesar disso, as mulheres desenvolvem
estratégias de enfrentamento “ela se opõe como sujeito, tanto que revida a
agressão, xinga, ou não reage, a mulher é tima da violência, mas não é passiva”
(SAFFIOTI, 1997a, p. 70).
Segundo o Centro Internacional de Investigação e Informação para a Paz
(CIIIP/UPAZ, 2002), as diferentes manifestações de violência são produtos históricos
das próprias sociedades e podem ser classificadas em 3 (três) tipos, de acordo com
seu maior ou menor grau de visibilidade histórica, subdivididas em 5 (cinco)
tipificações: 1) Violências Visíveis: a) coletivas, são as guerras; b) institucional ou
estatal, instituições legitimadas para o uso da força, como as prisões e manicômios;
2) Violências Invisíveis: a) estrutural, refere-se ao poder desigual no que se refere ao
econômico, ou seja, as desigualdades sociais; b) cultural, utiliza-se da diferença
racial/étnica para inferiorizar (discriminação a grupos étnicos); 3) Violências Semi-
invisíveis ou parcialmente visível: a) individual, tem origem na sociedade, mas
manifesta-se nas relações interpessoais (violência doméstica).
Utilizamos a classificação acima para mostrar como a violência é
tipificada, mas nos resta assinalar até que ponto as violências estruturais e culturais
podem ser consideradas invisíveis, principalmente para os que as sofrem. No nosso
ponto de vista, tanto as desigualdades sociais como as discriminações raciais são
bastante visíveis e tangíveis. Apesar do Brasil o ser considerado um país
“preconceituoso, a realidade cotidiana nos mostra a discriminação e a exclusão da
população pobre, negra e indígena dos serviços básicos de educação, saúde, lazer,
40
segurança entre outros. Podemos assinalar ainda as piadas, as brincadeiras que
excluem e reproduzem “sutilmente” preconceitos históricos contra a população
excluída
31
.
Dentre as muitas expressões da violência, este trabalho irá se deter a
estudá-la no contexto da violência doméstica. Sendo considerada uma violência
semi-invisível, a violência contra a mulher tem sido relegada ao segundo plano, não
recebendo a atenção necessária, principalmente pelo poder público, apesar da
gravidade da situação. Mesmo com os crescentes números de denúncias, eles não
revelam a real situação de milhares de mulheres agredidas dentro de casa. Segundo
Teles e Melo (2002, p. 19), a violência doméstica “é a que ocorre dentro de casa,
nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais/mães e
filhos, entre jovens e pessoas idosas”. Essas autoras abordam uma posição mais
ampla, que inclui na violência doméstica a praticada contra crianças, mulheres e
idosos. Entretanto, no presente estudo, interessa-nos, especificamente, a violência
conjugal, ou seja, aquela que ocorre nas relações entre marido e mulher ou aquelas
ocorridas em uniões estáveis, manifestando-se tanto no espaço doméstico como
fora dele.
O novo código civil
32
(BRASIL, 2002), reconhece “como entidade familiar a
união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Apesar de seus avanços, o novo código não reconhece a união entre pessoas do
mesmo sexo, mas apenas entre casais heterossexuais. Embora não concordando
com essa posição de garantir os direitos apenas para as uniões estáveis entre
homens e mulheres, neste trabalho abordaremos somente a violência entre os
casais heterossexuais, deixando para estudos posteriores a violência entre casais
homossexuais. Neste sentido, interessa-nos também a violência praticada pelos ex-
maridos, ex-companheiros, incluindo outras relações afetivas como noivos ou ex-
noivos, namorados ou ex-namorados.
Mesmo a violência contra a mulher não sendo um fenômeno recente,
apenas em 1994, na Convenção de Belém do Pará
33
, foi definido o seu conceito.
31
A este respeito ver: PINSKY, 2000.
32
Em Brasília no dia 10 de janeiro de 2002, a Lei nº. 10.406 institui o digo Civil. Presidência da
República. Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Entrou em vigor no dia 11/02/2003.
33
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, criada em
41
Assim, compreende-se violência contra a mulher, como sendo:
qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano
ou sofrimento sico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera
pública como na esfera privada. [...] abrange a violência física, sexual
e psicológica: ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou
em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha
compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras
formas, o estupro, maus tratos e abuso sexual (LIBARDONI, 2002, p.
86-90).
A violência em geral é associada à figura masculina, tanto para prática da
violência entre os próprios homens, quanto em relação a sua atitude violenta para
com as mulheres.
A associação da masculinidade ao poder e à violência não se
constrói exclusivamente a partir de (nem se reduz aos) determinantes
biogenéticos. Ela é construída e se reproduz nas relações sociais
histórica e culturalmente datados, se constrói na divisão social do
trabalho, na socialização da família, da escola, no cotidiano, em
pequenas ações (MEDRADO;LYRA,2003, p. 24 ).
A partir do ambiente familiar, os homens, ainda garotos, são incentivados
a ter uma postura agressiva diante da vida e de seus obstáculos. Eles, ao contrário
das garotas, são preparados para a vida pública, para a disputa por respeito dos
seus pares, quando, por exemplo, os pais dizem se chegar apanhado da rua, vai
apanhar novamente em casa. Na vida adulta, são cobrados para serem
competitivos, lhes é exigida uma certa agressividade para alcançarem seus
objetivos. No ambiente privado, sua voz impera, como o chefe da casa, o provedor,
impondo aos filhos/as e à mulher sua autoridade, e, em não sendo obedecido, por
vezes, a brutalidade prevalece. Dessa forma, a violência apresenta-se de forma
1994 pela OEA (Organização dos Estados Americanos). A Convenção de Belém do Pará é um
tratado que define o que é violência contra a mulher, explica todas as formas que essa violência
pode assumir e os lugares onde se manifesta. Além da Convenção de Belém do Pará outros
acordos e convenções, das quais o Brasil é signatário no combate a violência contra a mulher,
entre elas: a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher
(1979); a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena/1993); a Conferência Internacional
de População e Desenvolvimento (Cairo/1994); a Conferência da Cúpula para o Desenvolvimento
Social (Copenhague/1995) e a Conferência Mundial sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz
(Pequim/1995).
42
diferenciada para homens e mulheres. Enquanto o homem sofre com maior
incidência a violência nas ruas, nos espaços públicos, geralmente praticada por
outros homens
34
, as mulheres sofrem, predominantemente, a violência masculina,
dentro de casa, no espaço privado, e seu agressor é, ou foi, namorado, marido,
companheiro ou amante
35
.
Essa forma de violência nasce na falsa idéia de que os homens são
superiores e as mulheres inferiores. É a partir da adoção de perspectivas teóricas
críticas e da compreensão das relações de gênero que se possibilita o entendimento
de que as atitudes, os comportamentos e os papéis são determinados pela
sociedade e construídos no decorrer dos tempos. Essas atitudes são generalizadas
e naturalizadas pelas pessoas, definindo o que é ser homem (forte, agressivo,
corajoso...) e o que é ser mulher (frágil, amorosa, compreensiva...), prevalecendo à
hierarquia masculina nas relações sociais. Isso reforça a banalização do homem
violento e da mulher submissa.
A violência de gênero é resultado das desigualdades nas relações sociais
entre homens e mulheres, nas quais o homem é centro de tudo. Segundo Saffioti
(1999), a violência de gênero pode ser perpetrada entre dois homens ou entre duas
mulheres, dependendo da circunstância, podendo ainda ser caracteriza como
violência doméstica, sendo mais difundida no sentido da violência do homem contra
a mulher.
Teles e Melo (2002) apontam vários tipos de violência de gênero, que
podem ser sinônimos de violência contra a mulher, a saber:
violência contra a mulher - por ser praticada contra pessoa do sexo feminino,
apenas e simplesmente pela sua condição de mulher;
violência doméstica - ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas
da família, entre homens e mulheres, pais/mães e filhos, entre jovens e
pessoas idosas;
violência intrafamiliar - pode ocorrer fora do espaço doméstico como
34
Segundo o IBGE (2002), a maior freqüência de mortes por causas externas (violência e acidentes)
se entre os homens, na faixa dos 15 aos 35 anos. No subgrupo dos 20 aos 25 anos, ocorre
maior disparidade, em que a probabilidade de morte dos homens é 4 vezes maior que a das
mulheres. Fonte dos dados pelo site do IBGE. http://www.ibge.gov.br, acesso em 03/06/2006.
35
A violência contra as mulheres não se restringe somente ao espaço doméstico, mas se
também no espaço público por pessoas conhecidas ou desconhecidas, contudo, em função do
nosso objeto de estudo, deter-nos-emos ao estudo da violência praticada dentro de casa numa
relação afetivo-amorosa entre homem e mulher.
43
resultado de relações violentas entre membros da própria família, inclui
portadores de deficiência ou idosos;
violência conjugal - ocorre nas relações entre marido e mulher ou
naquelas propiciadas pela união estável, também denominada violência
nas relações do casal e manifesta-se tanto no espaço doméstico como
fora dele, pode ocorrer entre os ex-cônjuges ou ex-conviventes, incluindo
outras relações afetivas como noivos ou namorados;
violência sexista - praticada em decorrência da discriminação sexual;
abuso sexual - violência sexual praticada principalmente contra crianças e
adolescente;
assédio sexual - ato de poder exercido por uma pessoa, na maioria das
vezes por um homem contra uma mulher, principalmente no local de
trabalho;
violência interpessoal prática de violência entre pessoas que se
conhecem;
violência patrimonial provoca danos, perdas, destruição, retenção de
objetos, documentos pessoais, bens, entre outros.
Há uma certa correlação entre as violências contra a mulher, a doméstica,
a intrafamiliar e a conjugal que, por vezes, muito se aproximam, incluindo membros
da família (os/as filhos/as, idosos e outros familiares). Neste trabalho, limitamos o
estudo da violência doméstica à que acontece nas relações entre marido e mulher,
nas uniões estáveis, nas relações afetivo-conjugais atuais ou anteriores (ex-
namorados, ex-noivos, ex-amantes entre outros), ocorrendo tanto dentro do lar como
fora dele. A definição da violência contra a mulher estabelece e prioriza,
exclusivamente, o sexo feminino, enquanto que os outros tipos de violência,
expostos acima, incluem também os homens, principalmente na infância, na
adolescência, na velhice e deficientes. Mas, em todos esses tipos, as mulheres
(criança, jovem, adulta, idosa) são as que mais sofrem agressões dentro e fora de
casa.
Segundo as autoras Teles e Melo (2002), a violência de gênero, pode ser
entendida como violência contra a mulher, acontecendo no mundo inteiro e atingindo
as mulheres em todas as idades, graus de instrução, classes sociais, raças, etnias e
orientação sexual. Desse modo, quando se trata de violência doméstica contra a
44
mulher, não importa se ela é branca ou negra, escolarizada ou não, do campo ou da
cidade, pobre ou rica. “Trata-se de um fenômeno mundial que ultrapassa a fronteira
de classe social, raça/etnia, religião, idade e grau de escolaridade” (PROTOCOLO...,
2006).
Várias mulheres, independente de seu grau de instrução, faixa etária ou
classe social temem denunciar seu agressor, que, muitas vezes, como foi exposto
anteriormente, está dentro de casa, entretanto, são as mulheres de baixa renda as
que mais denunciam. As pertencentes às classes média e alta não o fazem para não
chamar a atenção para si e criar situações desagradáveis em seus círculos sociais.
Além do mais, elas têm acesso à rede privada de saúde, evitando o constrangimento
de precisar explicar as marcas deixada pela agressão.
A permanência da mulher numa situação de violência está enraizada de
valores, sentimentos que impedem uma ruptura. Os motivos são os mais variados,
desde o desejo de continuar com a relação, a esperança de mudanças, a
dependência econômica e afetiva até a naturalização de acreditar e aceitar que as
agressões, os insultos, as ameaças o comuns numa relação conjugal. É
recorrente a frase: Apesar dessas coisas que ele faz comigo, é um ótimo pai e não
deixa faltar nada em casa. Subentende-se que os sentimentos da mulher não têm
nenhum valor nessa relação, importando apenas a família e a sobrevivência dos
filhos, pois, apesar da violência contra a mulher, ele é uma pessoa boa e admirada
no trabalho, na vizinhança, pelos amigos e traz o sustento da casa
36
.
Nessas relações violentas, existe, muitas vezes, o ciclo da violência que é
por demais difícil de ser rompido pela mulher: 1ª) fase, a Tensão – começa quando o
casal se ofende com palavras, provocações e discussões; 2ª) fase, a Explosão a
agressão física acontece; e 3ª) fase, a Lua de Mel depois da explosão, a violência
cessa e vêm os pedidos de desculpas, as promessas de que as agressões não vão
se repetir e declarações de amor. É nesse último que a mulher passa a ter
esperança que ele mude. Então, depois disso, recomeça o ciclo, e o mais grave é
que a fase da explosão dessa vez se mais violenta, agravando-se sempre,
podendo chegar ao homicídio (SOARES, 1999). Muitas mulheres conviveram, e
ainda convivem, com esse ciclo durante anos, pois introjetaram que a violência faz
parte da relação conjugal, além da naturalização pela família e amigos/as que
reproduzem afirmações como: ruim com ele, pior sem ele. Soma-se a isso, o
36
A este respeito, ver: (MOREIRA; RIBEIRO; COSTA, 1992).
45
sentimento de culpa por toda essa situação, banalizando a violência e criando
desrespeito a si própria.
Essa naturalização reforça e justifica a manutenção da violência contra a
mulher, em que a violência e a agressividade são vistas como naturais do sexo
masculino. A partir disso, são impostos os modos como homens e mulheres devem
se comportar no casamento e em sociedade, nos quais, se a mulher não cumprir
suas obrigações, merece apanhar para aprender “função educativa da violência” -
e se ela não respeitar a individualidade do marido, de sair, de estar só, ela não está
cumprindo seu papel de esposa, merecendo ser castigada (PORTELLA, 2002). Isso
remete a uma observação de que apenas a mulher tem o dever de ser uma boa
mãe, boa filha e uma esposa exemplar, mas o dever do homem/marido de também
respeitá-la, não é tão cobrado socialmente. Tais valores e comportamentos são
reproduzidos cultural e ideologicamente, agravando ainda mais a situação de
desigualdade entre homens e mulheres.
A violência contra a mulher é uma das mais trágicas e covardes
manifestações utilizadas para reproduzir e manter a ideologia machista, o poder do
homem, menosprezando as mulheres como simples objetos, como nas palavras de
Faria e Nobre (1997, p. 18) “expressa a demonstração de poder dos homens e a
idéia de que as mulheres são objeto de posse”. Mas isso não significa a passividade
da mulher, pois esta revida de alguma forma, até mesmo, aparentemente, não
reagindo. A violência, como um todo e em especial a violência contra a mulher, está
estreitamente relacionada com o poder; pois esta se manifesta na busca do
exercício e da manutenção deste. A desigualdade entre homens e mulheres está
“longe de ser natural, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas de poder, pelos
agentes envolvidos nas tramas das relações sociais” (SAFFIOTI, 1999, p. 82-83).
A violência doméstica é a forma mais comum e menos “visível” de
violência praticada contra a mulher dentro de casa. “São atos e comportamentos
contra a mulher que correspondem a agressões físicas, ameaça, maus tratos
psicológicos e abusos ou assédios sexuais” (SCHRAIBER; D'OLIVEIRA, 2003, p.
10-11). As agressões manifestam-se de diversas formas: física, psicológica e sexual.
A violência física caracteriza-se por uma ação que causa dano à integridade física
de uma pessoa, como: tapas, socos, empurrões, chutes, lesões com arma ou
objetos etc.; a violência psicológica corresponde a uma ação que se destina a
degradar ou controlar o comportamento, as decisões por meio de intimidações,
46
ameaça, humilhações, chantagens, manipulação afetiva, privação de liberdade etc;
a violência sexual é uma ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual,
físico ou verbal com o uso da força, intimidação, manipulação ou qualquer outro
meio que anule ou limite à vontade do outro (FÊMEAS, 2003).
São muitas as formas de violência de gênero, além das citadas
anteriormente, têm-se ainda: “desigualdades salariais; assédio sexual no trabalho;
uso do corpo da mulher como objeto, nas campanhas publicitárias; assédio moral;
tráfico nacional e internacional de mulheres e meninas”, discriminação racial, dentre
outras (CAMARGO, 2003, p. 9).
Toda essa situação veio a público quando o movimento feminista passou
a reivindicar questões específicas relacionadas às mulheres, principalmente sobre a
violência doméstica, na década de 80
37
, século XX, trazendo à tona situações de
discriminações e abusos cometidos contra elas no cotidiano familiar. Ao evidenciar a
violência, o movimento feminista ousou questionar as condições vivenciadas pelas
mesmas no domínio privado. Fatos esses, que eram velados culturalmente,
expressos através de ditos populares: em briga de marido e mulher, não se mete a
colher. O movimento incitou essa questão encoberta pela sociedade patriarcal e
conservadora, denunciando e combatendo as arbitrariedades cometidas pelo
autoritarismo do homem sobre a mulher. Tal fato tornou pública esta questão,
contribuindo para o aumento dos registros de violência.
Assim, os índices de ocorrência da violência contra a mulher têm
aumentado progressivamente nos registros das delegacias da mulher em todo o
país. “No Brasil, os maridos, ex-maridos e namorados são responsáveis por cerca
de 70% das agressões praticadas contra as mulheres, média de 2,1 milhares de
mulheres espancadas, por ano, 175 mil por mês, 5,8 mil por dia e 4 por minuto”
(CFEMEA apud Pesquisa Nacional da Fundação Perseu Abramo, 2003)
38
. Apesar de
não se ter uma real visibilidade da incidência da violência contra a mulher dentro de
casa, devido a vários fatores que inibem a denúncia, - o medo, a represália, a
dependência emocional e/ou financeira, o sentimento de culpa, a vergonha, o
constrangimento de ir a uma delegacia, dentre outros -, os casos registrados nos
boletins de ocorrência (BOs) são assustadores.
O Rio Grande do Norte não se difere dos demais estados nos altos
37
Num contexto de abertura política e elaboração da Constituição de 1988, em que o movimento
feminista lutou por direitos iguais e pela visibilidade da violência contra a mulher.
38
Disponível em: < http://www.cfemea.org.br/pdf/femea/femea129.pdf >. Acesso em: 14 abr. 2006.
47
índices de violência contra a mulher. No município de Natal, a DEAM registrou 2.262
ocorrências no ano de 2000, em 2001 o número de registros caiu para 2.046, mas
em 2002 foram 3.755 BOs e no ano 2003, foram registrados 5.750 boletins
(ALBUQUERQUE, 2004, p. 8). Em 2004, foram registrados 3.606 boletins de
ocorrências (BOs), e em 2005, de janeiro a abril, foram 1.217 números de
ocorrência.
39
Em 2005, o Rio Grande do Norte contabilizou, nas suas 5 delegacias
da mulher, um total de 8.792 (BOs), tendo a delegacia Zona Sul/Natal
40
o maior
número de boletins de ocorrência, 3.822 (BOs), desse total apenas 839 tornaram-se
TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência)
41
e 36 transformaram-se em Inquérito
Policial
42
. Segundo Amaral (2001), há uma maior concentração de mulheres
agredidas na faixa etária dos 15 aos 45 anos, sendo 33,13%, dos 15 aos 25 anos;
36,01% dos 26 aos 35 anos e 18,02%, dos 36 aos 45 anos. A maioria das usuárias,
35,06%, são donas de casa; 12,78% são empregadas domésticas e 10,42% o
estudantes. Das mulheres que comparecem a DEAM, 535 são naturais de Natal,
vindas, em sua maioria, dos bairros periféricos, tendo 28,35% residência na zona
Oeste e 25,04% na zona Norte (AMARAL, 2001)
43
.
As localidades que apresentam os maiores números de ocorrências
registradas, no primeiro semestre de 2002, são: Felipe Camarão (Região Oeste)
7%, Igapó e Vale Dourado (Região Norte) 6%, Mãe Luiza (Região Leste) 5%,
Quintas (Região Oeste) – 5%, Nova Natal – 4% (MELO, 2004). O local de ocorrência
dessas agressões sofridas pelas vitimas, na sua grande maioria, (mais de 70%) é na
sua própria residência. Os seus agressores são pessoas com quem a vitima possui
relação afetiva, geralmente o marido/ex-marido, companheiro/ex-companheiro,
irmão, pai, namorado/ex-namorado ou parente próximo. As estatísticas da DEAM
mostram que 78,78% dos registros dos BOs são de agressão física
44
, seguida, na
39
Dados segundo a DEAM/Zona Sul. Esses dados não são contabilizados com a Delegacia da
Mulher na Zona Norte.
40
A DEAM da Zona Sul/Natal abrange todos as zonas administrativas da cidade, excetuando a zona
norte, que atualmente, possui uma delegacia da mulher exclusiva para essa zona, pois se
“destaca” por ter elevados índices de violência contra a mulher.
41
Quando vítima e autor de violência não entram em acordo na audiência, o Termo Circunstanciado
de Ocorrência (TCO) é elaborado e encaminhado ao Juizado Especial Criminal.
42
Fonte dos dados estatísticos na CODIMM (Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher e das
Minorias).
43
Nesse livro, os dados estatísticos citados são da DEAM/Natal, situada na rua do Saneamento, nº.
228, Ribeira, a única delegacia da mulher no município na época da pesquisa entre 1987 e 1997,
mas atualmente há outra delegacia no bairro Potengi.
44
Agressão física é um termo mais amplo, que abrange tanto lesão corporal quanto vias de fato. No
código penal, art. 129, consta que lesão corporal consiste em ofender a integridade corporal ou a
saúde de outrem, ou seja, ocorre quando alguém usando mãos, pés ou qualquer objeto machucar
a vítima, provocando qualquer tipo de ferimento leve ou grave. Enquanto que vias de fato ocorre
48
maioria das vezes, 70%, de lesão corporal.
45
Os bairros de Felipe Camarão e
Quintas foram escolhidos para serem trabalhados nessa pesquisa, devido ao seu
alto índice de violência contra a mulher, durante o (primeiro) semestre de 2002,
na zona Oeste de Natal, sendo também esta zona de maior registro de boletins de
ocorrência na DEAM/Zona Sul
46
.
Além de todas as conseqüências para o corpo, a violência traz consigo
diferentes tipos de sentimentos (medo, culpa, baixa auto-estima, vergonha, temor de
novas agressões...) que dificultam a mulher a buscar apoio na família, na delegacia,
ou mesmo, nos postos de saúde, tornando ainda mais invisível a violência dentro de
sua casa. Isso se devido ao modelo patriarcal, no qual o homem acha que tem
plenos poderes sobre a mulher, e esta “aceita” tal idéia, contribuindo, desse modo,
para naturalizar a violência, como se esta fizesse parte da vida do casal (SOARES,
2006).
Contudo, a violência contra a mulher, desde sua plublicização, foi
remetida à questão do direito, da segurança e da justiça, ligada principalmente às
delegacias da mulher, aos juizados, mas devido às conseqüências à saúde física e
mental das mulheres, a problemática vem sendo discutida e repensada também no
sistema de saúde.
2.2.1- Delegacias da mulher: “o silêncio é cúmplice da violência, denuncie”.
Quando, na década de 1980, o movimento feminista no Brasil passou a
reivindicar questões específicas relacionadas às mulheres, principalmente sobre a
violência doméstica, trouxe à tona situações de discriminações e abusos cometidos
contra elas no cotidiano familiar. Ao evidenciar esse tipo de violência, o movimento
feminista questionou as condições vividas pelas mulheres no domínio privado.
Assim, incitou essa questão encoberta pela sociedade patriarcal, conservadora e
machista, denunciando e combatendo as arbitrariedades cometidas pelo
quando alguém desferir tapas, empurrões, chutes ou utilizar algum objeto para agredir, sem
provocar nenhum ferimento.
45
Dados extraídos do demonstrativo do movimento policial de 2001, fonte: DEAM Zona Sul/Natal,
estatísticas correspondentes aos meses de janeiro a junho de 2001.
46
Os dados foram extraídos da dissertação de Melo (2004), pois atualmente, as estatísticas da
DEAM/Zona Sul, que compreende todos os bairros de Natal, com exceção dos bairros localizados
na Zona Norte, não incluem mais os registros por bairros.
49
autoritarismo do homem sobre a mulher.
Ao trazer a violência doméstica da esfera privada para o domínio público,
o movimento feminista sofreu críticas, tanto por parte dos partidos de esquerda,
quanto da mídia. Esta alegava que as reivindicações feministas eram cópias das
européias, pois acreditava que no Brasil não existia esse tipo de violência e, se por
acaso ocorresse, estaria ligada à questão econômica e apenas seria cometida por
negros e pobres. Tal visão não caracterizou apenas o menosprezo às mulheres,
mas também, à classe de baixa renda e à população negra.
A medida que a intimidade da casa é revelada e tratada como
questão pública e, portanto, política, vêm junto com ela outros
elementos que constituem a vida doméstica, entre os quais, a
violência, que chama a atenção pelo grau de dano que inflige à vida
de mulheres e crianças (PORTELLA, 2002, p. 46).
Em resposta, às várias manifestações organizadas pelo movimento
feminista para combater a violência contra a mulher foram criadas organizações de
denúncia a este tipo de violência e de apoio às suas vítimas. O SOS Mulher, as
Casas da Mulher, os Conselhos Estaduais e Municipais sobre a condição feminina, o
Centro de Defesa dos Direitos da Mulher, e o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher foram os primeiros órgãos de amparo às mulheres vítimas de violência no
Brasil. Posteriormente, foram inauguradas as primeiras Delegacias Especializadas
no Atendimento à Mulher, os Serviços Jurídicos para esses casos específicos e,
mais recentemente, os Centros de Saúde, que tratam também da saúde da mulher
agredida
47
.
Com a criação das delegacias, a demanda, antes reprimida, começa
a aflorar nas estatísticas policiais de norte a sul, permitindo trazer à
tona uma realidade anteriormente oculta. Surgiu a possibilidade de
estabelecer com maior precisão os diferentes tipos de crimes contra a
mulher. [...] A atuação dessa delegacia passou a desnudar o espaço
doméstico como perigoso, à medida que é nele que se estabelece o
confronto subjetivo e cotidiano entre, de um lado, a imposição da
disciplina e, do outro, a resistência (TELES, 1993, p. 135-136).
47
Todas estas iniciativas se inserem no contexto de reorganização dos movimentos sociais no
Brasil, na década de 80, já tratadas no primeiro item.
50
A primeira delegacia voltada a atender mulheres que sofreram agressões
físicas e psicológicas foi criada no dia 06 de agosto de 1985, emo Paulo, cidade
onde se encontra atualmente a maioria relativa das 339 delegacias da mulher
existentes no país. Hoje, existe pelo menos uma Delegacia de Polícia de Defesa da
Mulher (DPDM) em cada capital dos estados brasileiros. Essas Delegacias estão
ligadas às Secretarias de Segurança Pública (SSP) e aos Departamentos de Polícia
Estaduais. Têm o objetivo especifico de atender as timas de violência doméstica e
também de evitar constrangimentos causados pelo atendimento inadequado nas
delegacias comuns de polícia, visto que, antes da criação dessas delegacias
especializadas, as mulheres que procuravam o atendimento policial eram atendidas
por homens e tratadas com descaso.
Na região Nordeste, a partir de 1986, começaram a ser criadas as
DPDMs. No Rio Grande do Norte, através da Lei Estadual nº. 9.561, de 12 de maio
de 1986, foi decretada a criação da primeira Delegacia de Policia de Defesa da
Mulher (DPDM), inaugurada, em junho desse mesmo ano, no município de Natal.
Essa delegacia permaneceu sendo a única do Estado até 1997, quando foi criada a
mais uma, agora na cidade de Mossoró. Atualmente, existem duas delegacias da
mulher em Natal, uma no centro da cidade e a outra na zona Norte. Além de Natal e
Mossoró, foram criadas nas cidades de Parnamirim e, recentemente, Caicó (2005)
mais duas delegacias da mulher, perfazendo um total de cinco em todo o Estado.
Os crimes de competência da delegacia da mulher em Natal, atualmente,
denominada Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM/ Natal – RN),
previstos no Código Penal de 1940 (OLIVEIRA, 1986), consistem em: Lesão
Corporal, “Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”
48
;
Estupro, “Art. 213. Constranger mulher à conjugação carnal, mediante violência ou
grave ameaça”
49
; Atentado Violento ao Pudor, “Art. 214. Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique
ato libidinoso diverso da conjugação carnal”
50
. Além desses crimes, a DEAM atende:
agressão física, ato libidinoso, sedução, assédio sexual e abuso sexual.
De acordo com o decreto estadual nº. 16.259/2002 (RIO GRANDE DO
NORTE, 2006)
51
, a Delegacia de Defesa da Mulher ampliou seu atendimento, pois:
48
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
49
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
50
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 7 (sete) anos.
51
A lei nº. 16.259/2002 amplia o atendimento da DEDAM para crimes contra a vida, contra a
51
compete investigar e apurar, no município de Natal, os crimes contra
a vida (homicídio tentado e consumado), induzimento e instigação ou
auxílio a suicídio contra a honra (calúnia, difamação e injuria) contra
a liberdade individual (constrangimento ilegal, ameaça, seqüestro e
cárcere privado e redução à conduta análoga a de escravo), de todos
os tipificados nos capítulos das lesões corporais, contra a liberdade
sexual e contra os costumes, previstos na legislação penal comum,
quando as timas forem pessoas do sexo feminino (DECRETO .
16.259, 15/08/2002).
É importante ressaltar que o Código Penal brasileiro sofreu recente
modificação, com a lei nº. 11.106 (MARCÃO, 2006), nos artigos que tratavam, de
maneira discriminatória, dos crimes sexuais contra as mulheres, retirando a
expressão mulher honesta dos artigos 215 e 216
52
. Essa definição sobre a mulher
insinuava que somente se configuraria crime quando esses delitos fossem
cometidos contra mulheres de boa conduta, honestas e/ou virgens. Com isso, são
combatidos os preconceitos presentes ainda na cultura patriarcal da sociedade
brasileira, que além de desrespeitar as mulheres, não atendia às necessidades
jurídicas postas na atualidade. Não apenas o Código Civil de 1917
53
necessitava ser
reformulado, como também o Código Penal (1940) e outras leis promulgadas em
meados do século passado.
A política de Segurança Pública Nacional que perpassa as DEAMs se
apresenta através da Constituição de 1988 (BRASIL,2004), afirmando em seu artigo
144, Cap.III, Da Segurança Pública:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária
federal; polícias cíveis; polícias militares e corpos de bombeiros
militares.
liberdade individual, contra a honra e contra os costumes.
52
Conforme a Lei nº. 11.106/2005, a redação dos crimes previstos nos artigos 215 e 216 passou a
ser a seguinte: art. 215 - "Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude" e o art. 216 -:
"Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da
conjunção carnal" (MARCÃO, 2006).
53
O novo código civil foi aprovado em 2002 e passou a vigorar a partir de janeiro de 2003 no país.
52
Pode-se destacar também na Carta Magna de 1988 (BRASIL,2004) o art.
226, inciso 8º, que afirma: “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações”, constituindo-se num avanço jurídico em relação ao combate a
violência contra a mulher no Brasil, sendo as Delegacias da Mulher um dos
mecanismos na coibição dessa violência, como também os centros de saúde no
enfrentamento dessa questão.
Apesar de alguns avanços legais, ainda convivemos com a indiferença do
Estado quanto à problemática de gênero, restringindo recursos destinados,
principalmente, às delegacias em defesa da mulher – refletindo-se na falta de verbas
para qualificação de profissionais, melhores salários e uma adequada infra-estrutura
para um desempenho qualitativo dos trabalhos desenvolvidos nas Delegacias -,
reproduzindo, desse modo, “seu caráter machista, defensor de uma classe e etnia,
ocultando o gênero, para o que obtém respaldo no aparato jurídico ideológico
patriarcalista” (MACHADO, 1995, p. 346).
2.2.2– Centros de saúde: “violência contra a mulher é uma questão de saúde
pública”.
Além das delegacias, dos conselhos da mulher, dentre tantos, uma outra
conquista do movimento feminista foi que, a partir da década de 1990, a violência
contra as mulheres passa a ser tratada como questão de saúde pública. Órgãos
internacionais como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a OPAS
(Organização Pan-Americana de Saúde) passaram a tratar essa questão como parte
da saúde pública. Isso ocorreu devido aos diversos efeitos à saúde da mulher e ao
entendimento de que a intervenção na problemática da violência contra a mulher
não faz parte apenas do trabalho nas áreas jurídica, policial, psicossocial, mas
também é tarefa da área da saúde, pois muitas mulheres sofrem agressões físicas,
sexuais e emocionais e adoecem freqüentemente em decorrência dessas
agressões.
De acordo com o estudo da OMS (2006) sobre a saúde da mulher e a
53
violência doméstica, uma em cada seis mulheres no mundo é tima de abusos
físicos e psicológicos, e em algumas comunidades duas em cada três foram
agredidas pelo marido, noivo ou namorado
54
. No Brasil, 22% das mulheres que
foram agredidas pelo marido, companheiro ou namorado não contaram a ninguém;
29% relataram ter sofrido violência física ou sexual pelo menos uma vez; 60% não
abandonaram o lar sequer por uma noite por causa da violência e 20% saíram de
casa uma vez, mas depois retornaram (SOARES, 2006).
Os atos de violência psicológica, física e sexual causam vários danos a
saúde da mulher. Devido a hostilidade e o maltrato dos companheiros, as mulheres
se tornam temerosas, inseguras e deprimidas, agravando assim os problemas de
saúde. As conseqüências sobre a saúde física vão desde as doenças transmitidas
sexualmente, inflamação pélvica, gravidez indesejada, aborto espontâneo, lesões,
dores de cabeça, problemas ginecológicos, abuso de drogas/álcool, à incapacidade
permanente ou parcial e, em último caso, a morte. Segundo a OMS, as mulheres
maltratadas sofrem de distintas manifestações psicossomáticas: doenças na pele,
cefaléia, insônia, falta ou excesso de apetite, alta ou baixa pressão arterial, úlceras,
gastrites, hematomas e marcas pelo resto da vida em seus corpos e mentes
(CECIP, 1999).
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), muitas mulheres nessa
situação de violência freqüentam, com assiduidade, os serviços de saúde,
apresentando “queixas vagas” (FONTANA, 2006).
As mulheres que vivem em situação de violência são freqüentadoras
dos serviços públicos de saúde, conhecidas como poliqueixosas, ou
aquelas que sentem vários sintomas, dores e incômodos difíceis de
serem localizados e que não conseguem explicar seus sofrimentos
(TELES; MELO, 2002, p. 52).
Percebemos que o centro de saúde, apesar de muitas mulheres agredidas
silenciarem sua situação, pode ser um local não para curar ou tratar suas
“queixas” de dores, mas um local no qual essas mulheres possam ser orientadas e
encaminhadas à Delegacia, ou mesmo, receberem outros encaminhamentos à
assistência jurídica, social, psicológica dentre outros. Desse modo, o objeto dessa
54
Disponível em: <http://www.ansa.it/ansalatinabr/notizie/rubriche/entrevistas/200511241301
33735288.html>. Acesso em: 25 mar. 2006.
54
pesquisa é estudar a violência doméstica e seu enfrentamento pelos profissionais da
saúde, especialmente médicos (as), enfermeiros (as) e assistentes sociais, nos
bairros de Felipe Camarão e Quintas.
Uma das dificuldades para o enfrentamento da violência no sistema de
saúde é a identificação das lesões e queixas provocadas por agressões cometidas
no espaço doméstico, faltando, desse modo, treinamento adequado para os
profissionais e a devida importância a este problema. “Na área da saúde é preciso
desenvolver ações voltadas às unidades básicas de saúde da rede pública, [...]
garantindo um acolhimento receptivo, procedimento adequado e, sobretudo,
atendimento integral” (SAFFIOTI, 2003, p. 52).
Nos anos 1980, as políticas públicas restringiam-se à proteção policial e
ao encaminhamento jurídico dos casos de violência contra a mulher. Em 1986,
surgiram as primeiras casas-abrigos, que tinham como um dos objetivos oferecer
moradia temporária protegida e atendimento integral às mulheres em risco de vida.
Sua implantação, no entanto não correspondeu ao modelo idealizado de
atendimento, constituindo-se apenas em mais uma medida paliativa. No início de
1990, nas áreas da saúde e da assistência, surgiram novas ações do Estado. Os
serviços de saúde passaram a adotar políticas visando diagnosticar o problema e
oferecer atenção à saúde nos casos de violência sexual contra mulheres e crianças
e outros agravos.
Assim, em 1998 foi criada uma Norma Técnica do Ministério da Saúde,
determinando que os serviços de saúde colaborem com a prevenção e tratamento
dos agravos da violência sexual contra mulheres e adolescentes, que a partir dessa
norma os profissionais de saúde possam se orientar em como atendê-las e
encaminhá-las (TELES;MELO, 2002).
Contudo, apenas em 2003, o governo federal, através da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) elaborou, no plano nacional, um
Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência contra a Mulher, tendo
como prioridade construir uma rede de serviços nas áreas jurídica, área social, área
de saúde, segurança e serviços que possibilitassem educação e cidadania
(Delegacias Especiais/Deams, corpo de bombeiro, unidade móvel da policia militar,
Instituto Médico Legal (IML), centro de referência, casa-abrigo, defensoria pública,
hospitais e centros básicos, conselhos de mulheres) todos trabalhando em parceria
para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas conseqüências
55
(CAMARGO, 2003).
E neste mesmo ano, em 24/11/2003, foi aprovada a Lei nº. 10.778
(BRASIL, 2003), que “estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do
caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou
privados”, a qual entende os atos violentos contra a mulher como podendo ocorrer
tanto na família, comunidade, trabalho, estabelecimentos de saúde e educacionais,
instituições em geral ou qualquer outro local, englobando, dentre outras violências,
estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual. Partindo desse pressuposto, os
serviços de saúde devem se comprometer em atender, orientar ou encaminhar as
mulheres agredidas que chegam às unidades de saúde.
As usuárias do Sistema Público de Saúde, algumas vezes, procuram os
profissionais para falarem das agressões recebidas, no entanto, em outros casos,
solicitam apenas o atendimento das lesões, podendo os profissionais, percebendo
nestas, sinais de violência doméstica, proporem ajuda para a solução da situação
penosa na qual as mesmas se encontram. Para que isso se concretize, se faz
necessário um treinamento de sensibilização com os profissionais de saúde, a
respeito dessa temática, bem como um trabalho integrado e articulado entre todas
as instituições que lidam, direta ou indiretamente, com esta questão.
Dessa forma, diante das análises e observações feitas no âmbito da
Deam/Natal/Zona Sul, conclui-se que os centros de saúde também se tornaram
lugares onde se busca ajuda, conforto, orientação, no qual os/as profissionais das
diversas áreas possam identificar e fazer as orientações e encaminhamentos
necessários para que se possibilite combater a violência contra a mulher. Neste
sentido, passamos a nos interessar por pesquisar como se o atendimento às
mulheres agredidas e o enfrentamento dessa violência no cotidiano profissional dos
que trabalham nas unidades de saúde. A seguir, veremos como a pesquisa de
campo se concretizou.
56
3- A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO ATENDIMENTO ÀS
MULHERES AGREDIDAS NAS RELAÇÕES AFETIVO-CONJUGAIS.
3.1- Os caminhos percorridos para trilhar a pesquisa de campo.
Neste item, apresentaremos os principais resultados obtidos na pesquisa
de campo. A princípio, descreveremos, sucintamente, os bairros de Felipe Camarão
e Quintas e relataremos a experiência nos postos de saúde dessas duas
localidades, em seguida, conheceremos o perfil dos profissionais de saúde
entrevistados (assistentes sociais, enfermeiras/os e médicas/os).
Natal
55
, cidade do sol, conhecida por suas belas praias e pelo povo
hospitaleiro que abriga, infelizmente também acolhe altos índices de violência contra
as mulheres. A cidade possui 36 bairros, que estão subdivididos em 04 regiões ou
zonas administrativas (Norte, Sul, Leste e Oeste), com uma população total
aproximada de 712.317 habitantes
56
.
A região Oeste, palco de nossa pesquisa, é formada por 10 bairros da
periferia, onde é encontrado um alto contingente populacional, aproximadamente,
195.584 pessoas, o que corresponde a 28% da população de Natal, a segunda em
número de habitantes. Ocupam 47.209 domicílios e têm renda média mensal de
2,92 salários mínimos. Apresentando características similares, Felipe Camarão e
Quintas são igualmente esquecidos pelo poder público, conhecidos principalmente
pelos seus altos índices de violência, inclusive a violência doméstica.
O bairro de Felipe Camarão tem esse nome em homenagem ao índio
Poti, que se destacou no combate à invasão holandesa, no inicio do processo de
colonização do Rio Grande do Norte. Peixe-Boi foi a primeira denominação do
bairro, devido ao aparecimento de um grande peixe nos mangues do local. A
localidade passou a se chamar Felipe Camarão e foi oficializado como bairro de
Natal através da lei 1.760 de 22/08/1968. Em 1993, teve seus limites redefinidos
pela Lei nº. 4.330, de 05 abril do referido ano. O bairro faz limites com os bairros
Bom Pastor (norte), Guarapes (sul), Cidade da Esperança/Cidade Nova (leste) e o
55
As informações sobre Natal e os bairros pesquisados foram retirados do site da prefeitura de
Natal. Disponível em: <http://www.natal.rn.gov.br/semurb/nossa_cidade/anuario_2005.php#>.
Acesso em: 05 jun. 2006.
56
Ver mapa dos bairros e regiões administrativas da cidade do Natal em anexo.
57
município de São Gonçalo do Amarante (oeste).
O bairro tem uma população de 45.907 habitantes e uma área de
663,40ha, numa média de 69,20 habitantes por km ², é o terceiro em população da
cidade. O número de mulheres é um pouco maior do que dos homens: 23.375
(50,92%) e 22.532 (49,08%), respectivamente. Segundo dados do IBGE e do plano
Diretor de Natal, esse é um dos maiores e mais populosos bairros da cidade,
representando 4,5% da população da cidade e 19,4% da Região Oeste. A taxa de
analfabetismo corresponde a 22,9% da população do bairro, entre 15 anos ou mais
de idade. A renda mensal da maioria da população (67,32%) fica entre 2 e 4 salários
mínimos mensais. Em relação a rede de serviços de saúde, o bairro possui no
âmbito estadual o Hospital Drº. José Maciel, já no âmbito municipal temos:
A Unidade Materno Infantil Felipe Camarão;
A Unidade Mista e Unidade de Saúde da Família (USF) de Felipe
Camarão
57
;
A Unidade de Saúde da Família de Felipe Camarão II;
A Unidade de Saúde da Família de Felipe Camarão III;
O Centro de Saúde KM 6
O bairro das Quintas, por sua vez, surgiu como caminho para a cidade de
Macaíba e a região do Seridó do Estado, era um local de sítios e granjas. Em 30 de
setembro de 1947, o bairro foi definido pela Lei nº. 251 e teve seus limites
redefinidos na Lei nº. 4.330/1993. Faz limite ao norte com o Rio Potengi, ao sul com
o bairro de Dix-Sept Rosado/Bom Pastor, ao leste com o Alecrim e ao oeste com o
Bairro Nordeste.
Atualmente, segundo o Censo de 2000, Quintas possui 29.751 pessoas,
distribuídos em uma área de 212,47ha. O número de mulheres é superior ao dos
homens: 15.967 (53,67%) e 13.784 (46,33%), respectivamente. A taxa de
analfabetismo no bairro corresponde a 15,5% da população, entre pessoas de 15
anos ou mais de idade. A maioria da população do bairro (62,01%) percebe entre 2
e 4 salários nimos por mês. Esse bairro possui uma rede de serviços de saúde
que compreende um hospital filantrópico, o Hospital Drº. Luiz Antônio e, no âmbito
estadual, o Hospital Giselda Trigueiro. Já no âmbito municipal temos:
57
A Unidade Materno Infantil de Felipe Camarão e a Unidade Mista de Felipe Camarão/USF estão
situadas em um mesmo prédio, onde funcionam a maternidade, o pronto-socorro e o ambulatório.
58
A Unidade Materno Infantil das Quintas;
A Unidade Mista das Quintas
58
;
A Unidade de Saúde da Família Monte Líbano; ;
O Centro de Saúde Quintas.
Era nossa pretensão, iniciar a coleta de dados ao fim do semestre do
Mestrado, contudo, até chegarmos à pesquisa de campo enfrentamos inúmeros
problemas: modificação na problemática originalmente pensada, mudança de
orientador, problemas pessoais etc. Tudo isso atrasou o nosso processo de
pesquisa e nos levou à coleta de dados quase com nosso prazo para o término do
mestrado expirado.
Assim, devido a urgência em terminar a pesquisa, por causa dos prazos
que estavam se esgotando, o número de profissionais foi estipulado num total de 8
entrevistados, 4 profissionais em cada unidade de saúde. O próximo passo foi a
escolha das unidades de saúde. Optamos por duas (2) unidades, uma em Felipe
Camarão e a outra nas Quintas e escolhemos a Unidade Materno-Infantil de Felipe
Camarão e a Unidade Materno Infantil das Quintas, pois ambos são unidades
mistas, ou seja, no mesmo prédio funciona mais de um serviço e num deles (Felipe
Camarão) ainda funciona um pronto-socorro. Assim, pareceu-nos que nestas
unidades houvesse maior demanda que nas outras e, além disso, eram serviços
especialmente destinados as mulheres e as crianças.
Faltava ainda escolher quais seriam as profissões que fariam parte da
pesquisa. Para escolhê-los levou-se em conta motivos diferenciados em relação a
cada profissão. Assim, optamos por Serviço Social, Medicina e Enfermagem. O
Serviço Social por ser, na maioria das unidades de saúde, a porta de entrada nos
serviços e porque desejávamos conhecer a postura de nossos/as colegas de
profissão em relação a esta temática, no cotidiano profissional. A Medicina, pois
pareceu-nos que nos casos de danos físicos, o/a médico/a seria procurado/a e por
fim, a Enfermagem, pois, às vezes, este profissional assume o papel de mediador
entre a população e o/a médico/a, conhecendo mais de perto os problemas das
unidades de saúde. Os profissionais entrevistados foram 6 mulheres e 2 homens,
escolhidos aleatoriamente, neste caso, profissionais de Serviço Social, Medicina e
58
A Unidade Materno Infantil das Quintas e a Unidade Mista das Quintas estão situadas no mesmo
prédio, onde funciona a maternidade e o ambulatório.
59
Enfermagem, os quais se dispuseram a colaborar com a pesquisa. O estado civil da
grande maioria (6) era casado/a, (1) era solteira/o e (1) era divorciado/a. A idade dos
profissionais variou entre 35 e 59 anos, sendo que a maioria (5) pertence a faixa
etária dos 40 anos de idade.
Desta forma, os contatos com os profissionais de saúde foram iniciados
no final do mês de outubro de 2005. No dia 31/10/2005, liguei para a Maternidade
das Quintas e para a Maternidade de Felipe Camarão. A primeira poderia
receber-me no dia 02/11/2005, a segunda autorizou minha visita para o mesmo
dia. Assim, no dia 31/10/2005, mesmo dia do primeiro contato telefônico, foi
marcada e realizada a primeira visita à Maternidade de Felipe Camarão, no período
da tarde. Como era a primeira vez que ia à Felipe Camarão (maternidade,
ambulatório e pronto-socorro), fiquei com um pouco de receio por ser considerado
um bairro violento. Entretanto, a unidade fica numa das principais ruas do bairro, de
fácil localização e com muito movimento de transeuntes. Lá, procurei a assistente
social com quem tinha entrado em contato por telefone, então apresentei a proposta
de pesquisa e ela se prontificou em comunicar-se com a direção da unidade e com
os profissionais para as entrevistas. Marcamos um novo encontro para o dia
07/11/2005, pois este era o dia de seu plantão na unidade.
No dia 02/11/2005, fui à Maternidade Materno-Infantil das Quintas, que é
também unidade mista
59
. Nesse bairro, como tenho mais vivência, fui sem muita
preocupação ou medo da violência urbana, tão presente em todos os bairros de
Natal. O interessante é que quando não conhecemos o ambiente, este parece-nos
ainda mais hostil. Procurei a assistente social com quem tinha entrado em contato,
apresentei a pesquisa e ela logo alertou que na unidade eram raros os casos de
ocorrência de violência contra a mulher, mas que estes existiam. Fiquei um pouco
apreensiva, pois como iria mostrar o enfrentamento dos profissionais frente a esta
problemática, se a demanda de mulheres agredidas quase não existia na unidade de
saúde, segundo a assistente social de plantão? Surgiram então, algumas
indagações: porque num centro de saúde que atende, principalmente, pessoas do
sexo feminino, num bairro, no qual as estatísticas apontam como oem número de
ocorrência da Zona Oeste de Natal, não atendimento desses casos? Porque as
mulheres não procuram a unidade para, pelo menos, tratar de suas lesões/dores
físicas que escondem as agressões e humilhações sofridas em casa? E foram com
59
Chama-se unidade mista pois funciona no mesmo prédio a maternidade e o centro de saúde.
60
essas dúvidas que comecei as entrevistas.
Assim, no dia combinado, com menos receio, voltei à Felipe Camarão.
A assistente social me apresentou a diretora da unidade, que não se opôs à
pesquisa. Em seguida, fui conhecer a unidade (maternidade, ambulatório e pronto-
socorro) e os profissionais que se dispuseram a participar. As entrevistas foram
breves, mas de muita riqueza. Nessa unidade, foram entrevistados 1 médico e 1
assistente social do plantão e 2 enfermeiros/as (1 da maternidade/plantão e outro do
ambulatório/PSF).
No outro dia, 08/11/2005, fui a Unidade Materno Infantil das Quintas e a
assistente social me possibilitou a entrada na unidade, mostrou-me as dependências
físicas e apresentou-me aos profissionais que participariam da pesquisa. Nesse
mesmo dia, realizei as entrevistas. Como nas duas unidades, de Felipe Camarão e
das Quintas, alguns profissionais não puderam, naquele dia, responder à entrevista,
voltei alguns dias depois e concluí a pesquisa no final de novembro/2005. Nas
Quintas, foram entrevistados 2 médicos/as (1 do ambulatório e outro da
maternidade), 1 assistente social e 1 enfermeiro/a do ambulatório. Nos dois espaços
escolhidos para a pesquisa, todos foram cordiais e se propuseram a ajudar.
Depois de realizada a pesquisa de campo nas unidades de saúde de
Felipe Camarão e Quintas, foi o momento da transcrição das entrevistas e em
seguida, passamos a analisar o discurso dos profissionais de saúde sobre o
enfrentamento dado por eles/as à violência doméstica. Trataremos disto a seguir.
3.2– Refletindo acerca das falas dos/as profissionais (assistentes sociais,
enfermeiros/as e médicos/as) sobre a violência contra as mulheres.
Nossa primeira preocupação, ao analisarmos as entrevistas, foi
verificarmos se as variáveis sexo, estado civil ou faixa etária interferiram na
percepção dos profissionais acerca da temática estudada. Assim, ao analisarmos
mais detalhadamente esses elementos e os confrontarmos com as falas dos/as
profissionais, percebemos que estas variáveis não tiveram influência significativa
nas opiniões expressas pelos/as entrevistados/as. O único elemento que nos
chamou atenção foi o que tange a participação dos/as profissionais nos
61
treinamentos realizados pela SMS de Natal, com o enfoque na violência sexual.
Percebemos que as mulheres (6) participaram ou tomaram conhecimento destes
treinamentos. os homens (2), afirmam não terem participado, nem mesmo
tomado conhecimento desses. Podemos levantar como hipótese explicativa para
esta relação sexo/participação em treinamentos, o fato de que tal tema parece
interessar e dizer respeito mais as mulheres que aos homens, pois estas são suas
principais vítimas
60
. Contudo, esta é somente uma hipótese, uma vez que os dados
colhidos não permitem uma afirmação mais precisa sobre o assunto. Apesar disso,
parece-nos que o sexo dos/as entrevistados/as influencie no seu interesse em
participar de treinamentos acerca da temática em estudo.
Para facilitar a exposição das falas dos/as profissionais entrevistados/as,
dividimos as mesmas em três grandes blocos, a saber: a) o atendimento as
mulheres agredidas nas unidades de saúde; b) os motivos das agressões e os
sentimentos das mulheres agredidas, na visão dos profissionais; c) a política pública
de atendimento as mulheres vítimas
61
da violência. Começamos então pelo 1º bloco:
O atendimento as mulheres agredidas nas unidades de saúde:
Nas duas unidades de saúde de Felipe Camarão e das Quintas, menos
da metade dos entrevistados (3) afirmaram ter atendido a mulheres agredidas no
posto onde trabalham ou trabalharam. Outro (1), apesar de não ter atendido nenhum
caso, sabe do atendimento desses casos na unidade de saúde. Apenas uma
entrevistada não respondeu a essa questão, pois ainda não tinha passado por essa
experiência no cotidiano profissional e afirmou que no posto onde atua não
aparecem esses casos. Podemos ver a seguir uma amostra destas respostas:
[Atendi] vários casos de agressão. Meu plantão aqui é segunda,
terça e quarta. Quase sempre, eu faço atendimento aqui. Agora tem
que pesquisar (Adriano
62
, médico, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
60
No item que tratamos sobre violência de gênero, ficou claro através de dados estatísticos, que as
mulheres são as maiores vítimas da violência.
61
A palavra vítima está empregada no sentido de que é a mulher que sofre a violência praticada pelo
homem, e não no sentido de que essa mulher seja passiva ou não reaja numa relação violenta.
62
Os nomes dos profissionais foram modificados, a fim de preservar suas identidades.
62
Raro, mas sim (Ana Rosa, assistente social, Unidade Mista das
Quintas).
Atendimento de agressão sica, sexual e psicológica praticamente,
as duas primeiras não atendi (Sofia, médica, Unidade Mista das
Quintas).
Não, não posso responder... Eu acho que não tem chegado nenhum
caso desse tipo para a gente, não (Jéssica, enfermeira, Unidade
Mista das Quintas).
Eu não, mas o clínico , no pronto-socorro (Pedro, enfermeiro,
Unidade Mista de Felipe Camarão).
Percebe-se, portanto, certa discrepância entre as respostas dos
profissionais, desde aqueles que assinalam o atendimento de vários casos, aqueles
que assinalam o atendimento somente a casos de violência psicológica e aqueles
que relatam que não atenderam nenhum caso. Como podemos perceber, a
freqüência de mulheres agredidas que procuram os serviços de saúde pesquisados
não é tão grande, pois apenas um dos médicos refere-se que quase sempre faz
esse tipo de atendimento. Uma possível explicação para este fato é dada por uma
profissional que assinala:
A física e sexual praticamente o atendi, porque o fluxo, acho que
é conhecido pela população. Os casos são registrados na
delegacia, quando se registra a ocorrência praticamente vão todos
pro ITEP. no ITEP, serão mais de 50%, são casos de agressões
leves, lesão corporal leves, escoriações, geralmente, de brigas de
casais, desentendimentos de casais (Sofia, médica, Unidade Mista
das Quintas).
Assim, esta profissional acredita que, a maioria das mulheres procura logo
a delegacia e o ITEP para o registro da ocorrência. Ainda, a este respeito, outro
profissional de enfermagem assinalou:
É raro, porque mesmo a própria população quando é agredida, a
mulher, ela sempre procura mais a polícia, a delegacia e alguns
casos que vem para são encaminhados para fazer o corpo de
delito no ITEP... Pode a ser que seja um elevado número de
63
paciente que sejam agredidas, que aqui é que a gente não tem
estatística, que o pessoal, às vezes, não vem direto para aqui, para a
unidade, vai logo para a delegacia. Porque, quando elas vêm,
procuram o pronto-socorro, principalmente nessa parte de agressão
física (Pedro, enfermeiro, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Entre os tipos de violência, o relato mais freqüente é sobre a violência
psicológica, três profissionais - 1 médico/a e 2 assistentes sociais - afirmaram que
esse tipo de violência está mais presente na vida das mulheres que buscam os
serviços de saúde, do que mesmo a agressão física e sexual. Segundo Saffioti
(2004, p. 63), numa pesquisa da Fundação Perseu Abramo, “pouco menos de um
quinto (18%) das interrogadas sofre violência psicológica, sendo freqüente as
ofensas à conduta moral das vitimas”.
Às vezes, a violência é psicológica mesmo, chega a ser todos os
casos, nem chega a ser agressão física. A própria violência
psicológica também acontece com uma freqüência muito grande e
assídua (Anita, assistente social, Unidade Mista de Felipe Camarão).
[...] a mulher é a maior vítima das agressões, eu digo, quando
começa a partir para a falta de respeito, com palavras, com
pornografias, que, muitas vezes, a pessoa pensa que a violência é só
quando machuca. Tem o fator psicológico, tem o fator emocional,
que, muitas vezes o homem não bate, mas derruba a estima da
mulher com palavras, humilha, mal-trata... tem violência
emocional, psicológica, quando alguém maltrata e muitas chegam
chorando, é mais por esse lado que eles maltratam (Ana Rosa,
assistente social, Unidade Mista das Quintas).
O máximo de violência que teve seria aquele que não é considerada
nem física, nem talvez sexual, é mas considerada social, por
exemplo, mulheres com bastante, com DST, [...] elas não usam os
métodos, têm temor, acata a submissão, a submissão que eu
chamaria de violência social... Na minha mão chega praticamente
nada, os casos eram violência, mas é chamada assim psicológica,
social. [...] A psicológica e a social não têm sido muito objeto, mas eu
acho se começasse por essa dava para caminhar (Sofia, médica,
Unidade Mista das Quintas).
A violência social abrange um campo amplo, incluindo a violência
doméstica contra crianças e adolescentes, mulheres e idosos, violência na rua,
acidente e negligências no lar, entre outros. Nessa última entrevista, é mencionada a
64
violência emocional, a submissão da mulher ao homem, e que a esse tipo de
violência o é dada tanta importância como os outros tipos. A violência psicológica
lesiona profundamente as mulheres, deixando-as, entretanto, sem marcas físicas
visíveis, mas, por outro lado, com marcas difíceis de sanar, pois são internas e por
isso, às vezes, mais difíceis de serem percebidas. Surgem graves problemas
emocionais, baixa auto-estima, depressão, ansiedade e tantos outros agravos à
saúde mental, tanto dela como dos filhos, ocasionando em muitas mulheres doenças
psicossomáticas. Uma das entrevistadas acrescenta a subordinação das mulheres
aos desejos e caprichos dos homens em relação aos direitos sexuais e reprodutivos
da mulher, mostrando que isto também se caracteriza como uma violência contra as
mulheres, uma vez que há uma negação do seu direito a saúde:
Com relação a essas mulheres que não fazem o preventivo, porque o
homem diz: 'Ah, você não vai ficar se abrindo para ninguém se você
não está sentindo nada'. Às vezes, elas não vêm até pela vergonha e
muitas não fazem o preventivo, porque o homem não quer passar 2
(dois) dias com abstenção sexual. Então não deixa de ser uma
violência, elas estão se anulando para atender as necessidades
sexuais do homem (Ana Rosa, assistente social, Unidade Mista das
Quintas).
Diversos/as profissionais assinalaram que a maioria das mulheres tentam
esconder o que causou os ferimentos, as marcas e as dores, ou seja, a maioria
delas não relatam que viveram ou vivem numa relação violenta, por diversos
motivos, desde a vergonha, o sentimento de culpa, a crença de que essa situação
seja restrita ao domínio do lar, ou, até mesmo, por não reconhecer as agressões
como violência, mas sim como ignorância e estupidez. Embora, algumas mulheres,
sentindo confiança e apoio, desabafam suas dores, não do corpo, mas também
da alma, e isso podemos ver no depoimento da assistente social, e na fala dos/as
médicos/as nos dois bairros pesquisados.
Geralmente, quando ela chega ao Centro de Saúde, ela vem tão
fragilizada, procura um profissional para lhe ouvir, para lhe dar
atenção, para acolher. E no momento que ela chega, ela fala pra
gente o que foi e que sofreu agressão, por parte do marido (Anita,
assistente social, Unidade Mista de Felipe Camarão).
65
Agora tem que pesquisar. A maioria delas, quando chegam aqui, eu
noto que elas tentam esconder, dizem. Ah, às vezes, vem com
olho roxo, diz que escorregou na escada, bateu com o olho no
vaso, [...] (Adriano, médico, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Normalmente elas contam que foram, que apanharam, geralmente,
quando elas estão sozinhas e referem quando chegam com
problemas emocionais, contam que brigou com o marido,
principalmente, com o marido, onde existe maior violência (Ananda,
médica, Unidade Mista das Quintas).
Alguns profissionais identificaram as mulheres agredidas apenas quando
estas falaram, ou insinuaram algo sobre a existência de uma agressão, outros
identificaram por circunstâncias diversas. Percebe-se, portanto, que sem uma
capacitação adequada para esse tipo de atendimento, fica muito difícil a
identificação, a abordagem e, conseqüentemente, o enfrentamento.
A gente começa a conversar, às vezes, elas vêm assim: “Eu queria
tirar uma dúvida com você”; “Aí, como é que se faz uma separação?
Como se faz para gente denunciar alguém?”. Aí, em cima dessas
conversas, ela diz que foi agredida, às vezes, o marido bebe e
espanca. Por aí, a gente começa a identificar (Ana Rosa, assistente
social, Unidade Mista das Quintas).
Acontece muito o seguinte, depois da agressão, algumas vezes, o
marido vem atrás. Aí, fica preocupado. O que é que aconteceu, se
teve algum desdobramento, teve que encaminhar para o Walfredo
para fazer um raio-X (Adriano, médico, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
Esta suposta “preocupação” dos maridos/companheiros pode ter como
uma das interpretações a idéia de acompanhar a esposa e não deixá-la com os
profissionais para não correr o risco de ser denunciado.
Pela análise das entrevistas realizadas, podemos constatar que os
assistentes sociais são os profissionais dos serviços de saúde que têm uma maior
facilidade de dialogar com as mulheres que procuram estes serviços, na busca por
orientações com relação a separação e a guarda dos filhos. Isso possibilita ao
assistente social visibilizar a situação de violência de algumas mulheres. Uma das
66
médicas explica que um dos motivos deo atender com tanta freqüência mulheres
agredidas é devido ao Serviço Social ser a porta de entrada do serviço de saúde e
as mulheres terem mais acesso a esses profissionais, pois eles trabalham
diretamente com elas, nos grupos de espera.
Mas se falar com assistente social, se fosse o caso, realmente eu
não sei se a assistente social, [...] atende e, se atende, talvez nem
passe para mim, não chega nem a passar para mim, a não ser, se
precisar de uma medicação. [...] Então, tem coisa que ela passa a
saber e eu não. Aqui, de prática aqui dentro, ou por ter mais tempo
ou por causa é que ela é quem recebe os pacientes. Se ela procura
direto a assistente social, que é a porta de entrada para a gestação e
para casos especiais, [...] (Sofia, médica, Unidade Mista das
Quintas).
Em relação a esse aspecto, três elementos a serem assinalados. O
primeiro é que realmente o Serviço Social continua sendo a porta de entrada nos
serviços e ainda está entre suas funções a triagem. O segundo elemento é que o
assistente social, nos serviços de saúde, ainda é o profissional que faz a ligação
população/serviço, trabalhando com as relações interpessoais e com o diálogo. A
esse respeito, Iamamoto (1996, p. 114-115) assinala:
[O assistente social] dispõe de um poder, atribuído
institucionalmente, de selecionar aqueles que têm ou não direito de
participar dos programas propostos, [...]. Devido à proximidade com o
usuário, o Assistente Social é tido como agente institucional que
centraliza e circula informações sobre a situação social dos clientes
para os demais técnicos e para a entidade, e as informações sobre o
funcionamento desta para a população. A estas atividades é
acrescida outra característica da demanda: ação de persuadir,
mobilizando o mínimo de coerção explícita para o máximo de adesão.
[...]. O Serviço Social, como uma das formas institucionalizadas de
atuação nas relações entre os homens no cotidiano da vida social,
tem, como instrumento privilegiado de ação, a linguagem.
Um terceiro elemento que a fala desse profissional pode indicar é que os
assistentes sociais, em virtude do seu processo de formação acadêmica, tem mais
sensibilidade para perceber os casos de violência de gênero, que chegam ao serviço
de saúde. Contudo, não temos elementos nas entrevistas realizadas, que nos
67
permitam afirmar isso com certeza, podemos somente levantar essa consideração,
que pode servir para futuras investigações.
Nesse sentido, quase a totalidade dos profissionais de medicina e
enfermagem encaminham as mulheres agredidas ao assistente social, onde
recebem as orientações e os encaminhamentos necessários, para que possam lidar
com o problema e tomar as suas decisões acerca dos procedimentos que podem ser
realizados.
[...] a gente faz o atendimento e, às vezes, encaminha ao assistente
social para dar uma orientação. A gente atende aqui, eu vejo mais na
parte médica, examino, vejo se tem algum caso de fratura e nesse
caso, eu oriento para ir a delegacia da mulher e encaminho depois do
atendimento para conversar com a assistente social [...] A gente
encaminha normalmente pro serviço social e é ele quem resolve
(Adriano, médico, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Geralmente, quando vem, a gente fala com a assistente social e a
assistente social liga para a delegacia e faz a referência (Carolina,
enfermeira, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Um dos profissionais afirma que é apenas a assistente social e o médico
que devem cuidar, tratar da violência, como se apenas esses dois profissionais
fossem responsáveis por enfrentar a violência contra as mulheres nos serviços de
saúde.
A gente encaminha para a assistente social e a assistente social faz
todo o processo, encaminha para o ITEP para fazer os exames de
praxe... Na parte... como eu falei, eu sou enfermeiro obstetra, isso
não entra muito na nossa parte, mas para a assistente social, o
médico que está sempre mais ligado a esse tipo de assunto (Pedro,
enfermeiro, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Contudo, a lei nº. 10.778 (BRASIL, 2003) estabelece a notificação
compulsória de caso de violência contra a mulher e torna obrigatório aos serviços de
saúde públicos ou privados dar conhecimento do atendimento que fizerem às vitimas
deste tipo de violência. Assim, as pessoas físicas, como enfermeiros/as, assistentes
sociais, médicos/as e as entidades, públicas ou privadas - hospitais, postos de
68
saúde, institutos de medicina legal etc. - ficam sujeitas às obrigações previstas nesta
lei, mas nem todos os profissionais têm isso claro. E isto o que se pode perceber
nas falas selecionadas.
Os motivos das agressões e os sentimentos das mulheres agredidas, na visão dos
profissionais:
Uma relação violenta envolve vários sentimentos de culpa, vergonha,
medo. Entre as falas dos entrevistados, o sentimento mais detectado pelos
profissionais foi o medo, o temor de novas ameaças e agressões e de perder os
filhos. Com isso, o medo de denunciar, que segundo alguns profissionais, é devido à
dependência econômica da mulher em relação ao marido, sendo esse, ainda, um
dos grandes empecilhos à denúncia. De acordo com Saffioti, a questão financeira
esta presente não só, na população mais pobre, como nesses dois bairros - Felipe
Camarão e Quintas - nos quais a maioria das pessoas têm baixa renda e
escolaridade, mas também nas camadas mais abastadas, em que a “ameaça
permanente de empobrecimento induz muitas mulheres a suportar humilhações e
outras formas de violência”(SAFFIOTI, 2004, p. 84).
No momento que elas começam a falar com a gente, elas temem.
Não querem entrar em contato com a delegacia de defesa da mulher.
Porque algumas o dependentes financeiramente dos esposos e
temem, têm medo (Anita, assistente social, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
...muitas desistem de denunciar porque, às vezes, depende do
dinheiro, nunca estudou, mas eu passo as informações e oriento elas
a procurar os direitos delas, para procurar a delegacia da mulher...
muitas vezes, elas têm medo, diz que o marido ameaça, mas eu digo
a ela que é melhor ela denunciar porque ela tem a polícia do lado
dela (Ana Rosa, assistente social, Unidade Mista das Quintas).
Muitas vezes, também eu acredito, são agredidas e permanece até
em casa. Têm medo de sair. Muitas aqui não falam, mesmo sabendo,
é quase certa de violência sei lá, tem medo. Elas ficam com medo
depois de uma reação do marido, de alguma coisa assim (Adriano,
médico, Unidade Mista de Felipe Camarão).
69
Segundo uma das entrevistadas, algumas mulheres agredidas atendidas
não desejam denunciar, querendo apenas melhorar sua crise emocional, fato
semelhante ao que ocorre na delegacia da mulher. Freqüentemente, algumas
mulheres vão denunciar, mas não querem levar o agressor, que, muitas vezes, é o
próprio marido ou companheiro à justiça, pois o querem prejudicá-lo, querendo
apenas uma ajuda para que ele melhore e não mais a agrida. Apesar das agressões
e humilhações, muitas querem protegê-los devido a sua dependência, tanto
financeira, quanto afetiva, e também por acreditar e esperar que ele possa mudar,
como sempre promete. Essa posição da mulher deve ser respeitada, mas ela deve
ser orientada para que possa repensar esse comportamento desastroso,
principalmente, para ela e os filhos.
Normalmente, essa paciente chega chorando, querendo melhorar
apenas da crise emocional, mas ela o quer se queixar na polícia,
ela não quer parte, ela fica omissa (Ananda, médica, Unidade
Mista das Quintas).
Apesar de caber, inicialmente, à mulher agredida denunciar a violência
sofrida e assim começar o processo de mudança, tal decisão não é fácil, pois
envolve sua vida, a de seus filhos e a do companheiro que escolheu. As mulheres
agredidas, para decidirem tomar alguma atitude, precisam de orientações,
encaminhamentos e apoio. Além disso, existem aquelas que acreditam que a
violência entre quatro paredes, faça parte da relação conjugal, e, geralmente, não
sabem onde procurar assistência social, jurídica e de saúde. “A violência doméstica
ocorre numa relação afetiva, cuja ruptura demanda, via de regra, intervenção
externa. Raramente uma mulher consegue desvincular-se de um homem violento
sem auxilio externo” (SAFFIOTI, 2004, p. 79).
É através de palestras, debates amplos, discussões em pequenos grupos,
que muitas poderão enxergar seus direitos, como mulher e ser humano. Vários
fatores: sociais, históricos, econômicos e emocionais impedem que a mulher o
primeiro passo para tentar reverter sua situação. Desse modo, é dificílimo para a
mulher interromper o ciclo de violência em que está inserida e denunciar o agressor,
pois está presa por anos de convivência e agressões. Por essa razão, é necessária
a informação e a orientação adequada para que se possa começar a reverter os
70
altos índices de violência contra a mulher.
Para a maioria dos profissionais, as questões sócio-econômicas são os
elementos determinantes da violência doméstica, como o desemprego, a falta de
dinheiro. Incluem-se também as desigualdades sociais, a falta de educação, saúde,
ou seja, as condições precárias da família, associada a uma maior incidência de
problemas com álcool e drogas, gerando situações de maior tensão e conflito que
ocasionam a violência.
Talvez o que acontece com a maioria [a violência] é quase
considerado uma coisa normal, no extrato social delas acontece com
a maioria (Sofia, médica, Unidade Mista das Quintas).
[...] na maioria, tem um comportamento de alcoolismo bem forte e de
drogas também... Isso envolvido com vários fatores, primeiro no
econômico e o desemprego, o alcoolismo, drogas e faz aquela
mistura e eu acho que isso é um dos fatores fundamentais
(Adriano, médico, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Eu acho, [...], devido ao próprio sistema socioeconômico e aqui no
bairro, principalmente, que é um bairro muito grande, o pessoal não
tem emprego, vive desempregado e o meu ponto de vista é esse.
Falta educação, saúde, tudo, emprego. Aí, tudo isso é o que leva a
esse tipo de procedimento, realizando briga, confusões (Pedro,
enfermeiro, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Quem trabalha, quem é o provedor da família hoje, em algumas
casos, a mulher ajuda, trabalha fora, mas alguns casos, na sua
grande maioria, é o homem que é o provedor. É o provedor assim da
informalidade. Ele vive do mercado informal, não tem um trabalho
garantido por lei, e a mulher fica em casa cuidando dos filhos, dos
afazeres domésticos e, na maioria das vezes, esse homem chega em
casa violenta essa mulher. Porque a própria situação de vida que ele
vive favorece isso. É um problema, ao meu ver, estrutural... É a falta
de tanta coisa, a falta de auto-estima dessa mulher, a falta de
oportunidade dessa mulher, falta de educação ou uma prole
numerosa, que elas têm, é um problema estrutural (Anita, assistente
social,Unidade Mista das Quintas).
Eu vejo assim, muitas mulheres novas, elas sem nenhuma educação,
sem uma perspectiva de um emprego e elas se submetem a ficar
com esse homem, às vezes, eu penso que é mais pela questão da
subsistência, de não ter opção, não ter um direcionamento de vida, o
que ela vai fazer? Até eu vejo que é mais submissão, medo e não
tem opção, não tem nenhum objetivo assim de trabalho. A maioria
não estuda, a maioria estudou até a série, não tem profissão,
sai logo cedo da casa da mãe. A gente as precariedades da casa
e fica se sujeitando ao homem para poder sobreviver. E tem casos
71
assim, que a mulher que trabalha e o homem fica em casa, aí é que é
triste, além disso, ainda passar por essas humilhações (Carolina,
enfermeira, Unidade Mista de Felipe Camarão).
De acordo com Saffioti (2004), o desemprego o é o único fator de
crescimento da violência, especialmente da violência doméstica. Mas, assinala a
autora que talvez, no quadro da ordem patriarcal de gênero, a perda do status de
provedor seja um dos mais importantes fatores deste fenômeno.
Como percebemos nas falas, para muitos profissionais, as mulheres
suportam essa violência por não ter outra opção na vida, sem oportunidade de
emprego, sem estudo, sem perspectiva de vida. Do mesmo modo, assinalam que a
permanência e a submissão da mulher numa situação violenta se também pela
falta de oportunidade, devido às desigualdades sociais. Entretanto, não podemos
reproduzir a ideologia das classes dominantes, afirmando que apenas os pobres
praticam e sofrem violências, como se a violência fosse normal e aceitável apenas
no cotidiano das camadas mais baixas da população. Apesar de reconhecermos que
a realidade dos/as usuários/as, nesses bairros, seja de constante luta pela
sobrevivência, se faz necessário mostrar que a violência contra mulher se em
todas as classes sociais, raça/etnia, religião, grau de instrução e orientação sexual.
Em alguns casos, também observados pelos entrevistados, o fato da
mulher trabalhar fora de casa o impede as agressões. Em muitas situações, as
agressões se intensificam, pois o homem não é mais o único provedor da família ou
não mais trabalha, e isso, numa cultura patriarcal, machista, é considerado uma
desonra, ou seja, o poder masculino está sendo questionado. Para ele, o seu
controle sobre a família, em todas as esferas do mundo privado, está sendo
ameaçado.
Os entrevistados, em sua maioria, são contrários à violência doméstica,
caraterizando-a como um absurdo, um fato terrível, que precisa ser resolvido e que a
relação conjugal deve ser repensada, como podemos observar nas seguintes falas:
A violência doméstica, ela é uma coisa muito terrível, porque você
tem que conviver com o agressor, depois que existe agressão e lidar
com isso é muito difícil. E a paciente, além de sofrer a agressão, a
discussão, a briga, o sofrimento de bater, ela tem que superar isso e
tem que conviver e tentar superar para poder ter uma convivência
harmoniosa (Ananda, médica, Unidade Mista das Quintas).
É um absurdo. Eu costumo dizer assim, quando elas aparecem, eu
72
digo ´olhe, mulher nenhuma merece ser saco de pancada do marido,
como o marido também não merece ser saco de pancada da
mulher'. Mas como a mulher é a maior tima das agressões, eu
digo, quando começa a partir para a falta de respeito, com palavras,
com pornografias... É o meio da pessoa repensar seu casamento
tentar resolver (Ana Rosa, assistente social, Unidade Mista das
Quintas).
[...] a violência doméstica, ela está muito presente hoje nos lares é
uma violência intrafamiliar, [...] e acho que ela deve ter uma solução,
ela não pode ficar, a mulher, ela agredida. Era pra, a partir do
momento que ela sofre violência, ela tem que procurar os seus
direitos. Acho que ele não pode ficar impune. Ela tem que, a mulher
tem que buscar uma solução para aquele problema, ela tem que ser
resolvida (Anita, assistente social, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
Acho horrível, qualquer época... Eu acho uma coisa ruim, é
desumano, mas não é prioridade (Sofia, médica, Unidade Mista de
Felipe Camarão).
Assim, apesar de todos os profissionais se indignarem frente a violência
contra as mulheres, a maioria deles não encontra respaldo numa política de
atendimento adequada voltada para essa questão. Trataremos disto a seguir.
Política pública de atendimento a violência contra as mulheres:
Como assinalamos, apesar de alguns/as entrevistados/as mostrarem
sua indignação sobre a violência doméstica, uma das profissionais considera esse
tipo de violência como não sendo prioridade. Embora afirme que não deveriam
existir diferenças entre os direitos masculinos e femininos, e considere que
historicamente isso não acontece, expressa que não precisaria de leis focalizadas
para as mulheres, pois bastaria apenas o respeito entre as pessoas. Esta lei
abordada, na fala a seguir, seria a lei nº. 10.778 (BRASIL, 2003), que entrou em
vigor em 2004, sobre a notificação do caso de violência contra a mulher nos serviços
de saúde.
73
Eu vi uma legislação todinha [toda] em favor da mulher, que nem
precisava, a do homem e da mulher. E a da mulher é a mesma para
o homem, deveria ser, mas como historicamente não é. Em 2004,
saiu uma legislação todinha dirigida para a mulher, 10 mil e
alguma coisa, que eu não decorrei o número, mas daquilo ali
praticamente é muito focal... [...] Tem muita lei, tem até aquela
legislação não precisava nem tanto, bastava, mas se tivesse uma
intenção, porque numa comunidade até mais atrasada se tiver o
respeito humano tem amor, tem respeito à vida, o respeito à vida é
fundamental em todo o canto ... (Sofia, médica, Unidade Mista de
Felipe Camarão).
séculos que as mulheres vem sendo excluídas de seus direitos. As
leis, que servem para regular as relações entre as pessoas e expressam o nível de
desenvolvimento social e humano de uma dada sociedade têm permitido que as
pessoas possam ser educadas e passem a respeitar as diferenças de cada um. É
através da educação que se procura sensibilizar as pessoas para o respeito as
diferenças. Para aqueles ainda não sensibilizados, são necessárias as leis. Assim, a
conquista de direitos, de leis e de políticas públicas direcionadas as mulheres são
um grande avanço, pois como Olimpe De Gouges, tantas outras morreram na luta
pela cidadania das mulheres. Numa história mais recente, no Brasil, apenas em
1988, as mulheres e homens foram considerados iguais, pela Constituição de 1988
(BRASIL, 2004) no título II, cap. I, art. 5 § I “homens e mulheres são iguais em
diretos e obrigações, nos termos desta constituição”. E para que as leis se efetivem
é necessário que o poder público faça a sua parte, esclarecendo e treinando os
profissionais acerca dos avanços obtidos na legislação.
Acerca dos treinamentos realizados pela Secretaria de Saúde de Natal,
sobre a problemática da violência contra as mulheres, seis (6) entrevistados/as (2
médicas, 2 assistentes sociais, 2 enfermeiras), afirmaram que estes aconteceram,
dentre estes, apenas uma disse que nunca participou desses treinamentos. Para 2
profissionais (homens), do mesmo centro de saúde, nunca houve treinamento.
Sim, houve treinamento acerca dessa temática, a respeito da
violência doméstica (Anita, assistente social, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
Existe alguns treinamentos sobre a violência sexual, principalmente
sexual, mas quando ela abrange todo o caso da violência (Ananda,
médica, Unidade Mista das Quintas).
74
A gente teve um treinamento, geralmente tem reciclagem. Esse ano
ainda não houve, mas no ano passado e no ano retrasado também a
gente teve um treinamento sobre a violência justamente com relação
a estupro, à adolescente, à própria mulher adulta. Teve todo um
treinamento para gente, como tratar essas mulheres e como
encaminhar (Ana Rosa, assistente social, Unidade Mista das
Quintas).
Não, esse ano, que eu sabia, não, pelo menos, esse ano não. Teve
um ano, acho que foi a secretaria, que ela fez esse treinamento para
médico e enfermeira, se eu não me engano, serviço social, o público
era esse (Jéssica, enfermeira, Unidade Mista das Quintas).
Nós temos o nosso treinamento, aqui não faz treinamento não. Os
treinamentos são sempre dirigidos pela secretaria, pelo órgão de
recursos humanos. Os treinamento são feitos por lá. Eu, pelo menos,
eu lembro que eu participei, faz muito tempo, mas era sobre
violência mesmo (Sofia, médica, Unidade Mista das Quintas).
teve de violência contra a mulher, mas eu nunca fui. Daqui, foi a
enfermeira, e a assistente social, mas teve, bem uns 2 ou 3
treinamentos (Carolina, enfermeira, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
Não, nunca houve, pelo menos na parte de enfermagem, do médico,
tudo, nunca teve (Pedro, enfermeiro, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
Especificamente assim para violência não. Treinamento o, [...] O
treinamento especifico para a gente não tem, não (Adriano, médico,
Unidade Mista de Felipe Camarão).
Segundo os profissionais entrevistados, houve treinamentos sobre
violência, mas principalmente sobre a violência sexual. De acordo com informações
da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal, desde 2001 vem sendo
realizados, periodicamente, cursos, oficinas e seminários sobre violência,
principalmente, sexual e muitos foram direcionados à criança e ao adolescente. Em
agosto de 2003, houve uma oficina de sensibilização em violência intrafamiliar para
os agentes comunitários de saúde. Com isso, se percebe a necessidade de
sensibilizar os profissionais em cursos de capacitação, devido aos números
crescentes de mulheres agredidas e o agravo à saúde física e mental dessas
mulheres. A capacitação é necessária para que certos mitos e crenças sejam
abolidos e não impeçam a identificação e o atendimento desses casos, devido ao
75
receio de invadir a privacidade da paciente, pois muito tempo se mete a colher
em briga de marido e mulher
63
.
Apesar das informações da SMS/Natal, algumas profissionais (1 médica e
1 assistente social) demonstram o descaso do poder público com o atendimento às
mulheres agredidas, pois embora mobilize os profissionais para a participação em
treinamentos, não a implantação das propostas de ação no cotidiano das
instituições de saúde, em Natal. Profissionais de saúde sensibilizados e bem
treinados são agentes fundamentais na quebra do ciclo da violência.
A mensagem, a idéia de participação em alguns eventos desse tipo
quase todos os profissionais já tiveram algum, não é uma seqüência,
'vamos fazer um treinamento e implantar', não mas é assim a
participação em algum evento desse tipo acho que todo profissional
fez. Treina e não executa, às vezes, até esquece embora se o
treinamento for bom ficou a mensagem. A pessoa tem mais
sensibilidade para perceber, talvez, acho que sim. Acho que é
válido, de maneira total, [...], mas seria melhor se houvesse assim
um equilíbrio entre o treinamento e o objetivo para você tá treinando,
para executar tal ação, que vai implantando, senão universal, em
todos as áreas, senão nos locais onde foi feito (Sofia, médica,
Unidade Mista das Quintas).
Infelizmente tem muito treinamento para pouca ação. A coisa não
fica muito bem amarrada... Acho que esses treinamentos deveriam
amarrar mais, porque a gente faz uma reciclagem, tudinho e na
prática, pelo menos, aqui a gente muito pouco (Ana Rosa,
assistente social, Unidade Mista das Quintas).
Percebemos que, se por um lado, falta incentivo por parte da Secretaria
Municipal de Saúde e dos poderes públicos municipal, estadual e federal à
sensibilização dos profissionais da saúde, por outro, alguns profissionais, não
sentem a necessidade de extrapolar seu atendimento profissional curativo e
medicamentoso, em relação à violência contra a mulher.
Vemos que, apesar de termos conseguido conquistar, através das lutas
feministas e de mulheres, diversas políticas públicas direcionadas à segurança, à
saúde e ao trabalho da mulher, dentre outros, ainda muito pelo que lutar, pois,
embora criem e aprovem leis específicas para as mulheres, a implantação das
mesmas tarda a acontecer ou acontece de maneira enviesada.
63
Ver a este respeito em: (SAFFIOTI,1999, p. 82 – 91).
76
Por exemplo, na área da saúde, o Programa de Assistência Integral à
Saúde da Mulher (PAISM/1985), inicialmente idealizado para atender pessoas do
sexo feminino da infância à velhice, mas, na prática, funcionou como um programa
de controle da natalidade
64
. Em Natal, especificamente sobre a violência contra a
mulher e seu atendimento nos serviços de saúde, existe o decreto lei nº. 6.703
(NATAL, 2001), que instituiu, no âmbito municipal, o Protocolo de Atendimento à
mulher em situação de violência sexual, sendo obrigatória sua utilização em todas
as unidades de saúde do município. No ano de 2002, em Natal, antecipando a lei
federal, a Câmara dos Vereadores aprovou a lei ordinária de nº. 05386 (NATAL,
2002), que entrou em vigor no início de 2003, embora até hoje não tenha sido
implantada, que trata do procedimento da notificação compulsória de violência
contra a mulher. Em seu artigo 10, determina que “a Secretaria Municipal de Saúde
fica autorizada a promover capacitação e treinamento para os profissionais de
saúde, em todos os níveis, para acolher e assistir às mulheres vítimas da violência
de forma humanizada e ética” (NATAL, 2002, p. 2).
Em âmbito nacional, foi aprovada a lei nº. 10.778 (BRASIL, 2003), que
entrou em vigor em 2004, estabelecendo a notificação compulsória, no território
brasileiro, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de
saúde públicos ou privados, mas que também ainda não foi implantada nos serviços
de saúde de Natal.
Entre os entrevistados, apenas um acredita que o treinamento sobre esse
tema não seja importante para a sua área profissional, mas sim para o assistente
social e médico, que estão mais próximo dessa realidade.
Na parte... como eu falei, (na área de enfermagem) eu sou
enfermeiro obstetra, isso não entra muito na nossa parte, mas
para a assistente social, o médico que está sempre mais ligado a
esse tipo de assunto, eu acho que seria importante (Pedro,
enfermeiro, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Todos os outros profissionais abordaram a importância de um treinamento
sobre violência, para que possam conhecer mais essa temática. Para uma das
entrevistadas, além dos profissionais participarem desses treinamentos, a
população, principalmente, o homem deve ser conscientizado, iniciando o processo
64
Apesar do PAISM propor-se ao atendimento integral a saúde da mulher, funciona atendendo a
faixa etária de 15 a 45 anos, ou seja, prioriza-se a mulher na sua idade reprodutiva.
77
já entre os adolescentes.
Treinamento é importante para a gente, mas eu acho que tinha que
ter mais conscientização da população, dos homens... Porque,
principalmente, a população masculina, acho que tem que ser eles,
desde adolescente. Que a gente pega muitos adolescente também
que começam a bater logo cedo nas meninas (Carolina, enfermeira,
Unidade Mista de Felipe Camarão).
Apenas uma das entrevistadas, do posto das Quintas, menciona que este
posto é um centro de referência, mas, segundo informações do Núcleo de Projetos
Especiais da SMS de Natal, que trabalha com os agravos da violência em geral para
a saúde da população, atualmente, não existe nenhum centro de referência no
atendimento à mulher. Nos postos de saúde dos bairros de Pajuçara (Zona Norte) e
Cidade da Esperança (Zona Oeste), em setembro de 2004, os profissionais
participaram de um treinamento para que esses postos funcionassem como centros
de referências, no entanto, até hoje isso não ocorreu, tendo previsão de ser
implantado ainda em 2006, nos dois bairros. Desse modo, não se pode/deve cobrar
encaminhamentos ou atitudes mais adequadas dos profissionais da saúde, em
relação a essa temática, se ainda não foram dadas todas as condições institucionais
necessárias para que se possa desenvolver ações contra a violência.
O treinamento que a gente foi, foram de cada posto de saúde teve
um treinamento, existem postos de referência, aqui é um posto de
referência. Vamos supor, Igapó, se não for posto de referência, aí vai
uma mulher que está grávida de uma violência doméstica, o que
faz, encaminha para cá, aí, aqui a gente vai acompanhar essa
mulher, dar orientação a ela e encaminhar ela para Januário Cicco.
Porque tem os postos de referência para isso. Agora eu não sei, sei
que aqui é, não sei quais os outros que são (Ana Rosa, assistente
social, Unidade Mista das Quintas).
A cada dia, o número de mulheres agredidas por seus maridos,
companheiros (namorados, amantes...) está crescendo nas estatísticas municipal,
estadual e nacional, e com isso a exigência de enfrentamento desses casos não
na parte policial, judicial como também na saúde, nas escolas, em diversos setores
da sociedade. Para isso, se faz necessário o conhecimento das relações de gênero
e, especialmente, da violência doméstica para, a partir daí, tentar perceber/entender
78
a ambigüidade feminina e não cair na análise, por vezes presente no senso comum,
de achar que a mulher gosta dessa situação, por isso não sai definitivamente de
casa, como outras interpretações de que a mulher não sabe o que quer diante da
violência, ou que gosta de apanhar, dentre outras. Isso caracteriza o ciclo da
violência, pois até que a mulher decida sair dessa relação definitivamente, uma
“trajetória oscilante”, com movimentos de idas e voltas (SAFFIOTI, 2004). A esse
respeito, ainda de acordo com Saffioti (2004, p. 87):
a ambigüidade da conduta feminina é muito grande e compreende-se
o porquê disto. Em primeiro lugar, trata-se de uma relação afetiva,
com múltiplas dependências recíprocas. Em segundo lugar, raras
são as mulheres que constroem sua própria independência ou que
pertencem a grupos dominantes.
Devido à ausência de interesse, tanto institucional quanto particular, de
perceber o emaranhado de fatores que envolvem uma relação afetiva-conjugal
violenta, muitos/as se deixam levar pelo senso comum, acreditando ou deduzindo
que a permanência da mulher nessa relação é por gostar. Como podemos ver no
trecho a seguir:
E uma moça, tem 17 anos, tem 2 filhos, foi agredida pelo marido
várias vezes. Eu dei até o dinheiro a ela para ela ir a delegacia
prestar queixa, os vales, que ela não tinha dinheiro. Ela foi, saiu de
casa, foi morar na casa dos pais em Parnamirim, mas voltou,
está com ele de novo. A realidade que a gente tem é essa, vai, sai e
volta e essa é uma pressão. Uma moça nova, com 2 crianças lindas
e ele botou até uma mulher na casa quando ela saiu e veio atrás dela
e ela voltou. A gente fica assim, será que é a falta de oportunidade de
trabalho? Será se a família aceitou toda vez que ela voltou a família o
apóia? Se é, sei lá, porque gosta? (Carolina, enfermeira, Unidade
Mista de Felipe Camarão).
A falta de conhecimento sobre as perversidades da violência contra a
mulher não pode ser motivo para tanto profissionais da saúde como de outras áreas
acreditarem que a violência seja um problema privado, e por isso, acreditam que o
profissional não deva intervir, sendo apenas um problema social ou legal, caso de
polícia, e não um problema de saúde pública.
79
Já teve [treinamento] de violência contra a mulher, mas eu nunca fui.
Eu nunca falei sobre violência contra a mulher. E você até me
alertou, que eu tenho um grupo, a gente nunca entra, até a gente
mulher, até as profissionais não levam muito, não é importância...
(Carolina, enfermeira, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Embora a SMS/Natal não tenha implantado nenhum atendimento
diferenciado às mulheres agredidas, alguns profissionais abordam sugestões
pontuais no atendimento e encaminhamentos dessas mulheres, mas também
reclamam da falta de estrutura para o atendimento, pois não um trabalho
sistematizado, um trabalho em equipe.
Inclusive eu acho que todos os serviços de saúde, eles deveriam ter
uma rotina estabelecida em relação a essa questão, já que são
casos que a gente atende com tanta freqüência (Anita, assistente
social, Unidade Mista de Felipe Camarão).
Essa temática dentro da violência poderia ser aproveitada na hora
para ter outra direção de encaminhamento para um programa assim,
que tivesse alguém que pudesse ir a casa da pessoa, [...], alguma
coisa assim, talvez se conserta alguma coisa (Adriano, médico,
Unidade Mista de Felipe Camarão).
Da parte dos profissionais de saúde tudo bem, agora da parte de ter
o que oferecer a ela, uma equipe assim, sistematizada, atendimento
organizado não, porque aqui não tem implantado o programa de
violência contra a mulher, mas não tem... Seria [...] a atuação através
da educação e saúde o que podia ter aqui. Tem, mas não é
sistematizado não, você dizer que aqui não tem, tem mas não é
sistematizado (Sofia, médica, Unidade Mista das Quintas).
O fator principal que eu acho que falta é a psicóloga... precisaria de
uma psicóloga para acompanhar o casal, acompanhar a família (Ana
Rosa, assistente social, Unidade Mista das Quintas).
Segundo a maioria dos profissionais, nos postos onde trabalham - Felipe
Camarão e Quintas - não nenhuma forma de enfrentamento da violência contra a
mulher. A única mencionada é a atuação do Serviço Social nos grupos de espera,
na sala de espera da unidade das Quintas.
80
Então, tem um grupo de espera na sala de espera, que a gente
passa essas informações para elas conversarem em casa.
Pouquíssimos homens vêm, porque aqui é um hospital para mulher,
mas quando os homens estão, a gente já conversa também que 2 ou
3 homens, mas é alguma coisa para gente falar. A gente fala
importância de nós nos amarmos e amar nosso companheiro, agora
não pode amar o companheiro, enquanto ele não respeita a
mulher, porque esta provando que ele não está amando ela. Está
usando (Ana Rosa, assistente social, Unidade Mista das Quintas).
Por minha parte não existe não, acho que o trabalho do assistente
social pode ser que tenha, porque elas fazem palestra e eu escuto
algumas coisas que elas estão fazendo aqui no corredor. Elas têm
essa parte, essa parte eu vejo elas fazendo (Sofia, médica, Unidade
Mista das Quintas).
Duas profissionais (médica e enfermeira), do mesmo posto de saúde, das
Quintas, explicam que devido a unidade ser apenas de consultas ambulatoriais e
maternidade não tem recebido ocorrências de mulheres agredidas. Mas segundo
Oliveira (2006), os casos de violência cronificada são mais bem atendidas nos
postos de saúde e ambulatórios, pois exigem uma outra abordagem, onde pode
haver um diálogo mais sistematizado, buscando as causas daquelas lesões.
Já aqui, na nossa unidade, como nosso atendimento é especifico, só
de consulta ambulatorial e ginecologia/obstetrícia e pré-natal,
praticamente, a gente não tem recebido essas ocorrências a nível de
internação, que é a unidade mista que faz internação (Sofia, médica,
Unidade Mista das Quintas).
Aqui, a gente atende mais a parte de saúde da mulher. É mais
pré-natal e a parte ginecológica que faz preventivo, mas não tem
outra, não chegou nenhum caso... Porque, como aqui é, se bem que
aqui é maternidade, não sei se nesses casos é para procurar mais
aqui, porque tem muita questão, às vezes, dela ter engravidado num
negócio desse por uma violência sexual. Pelo menos para gente,
não tem chegado nada relacionado a isso (Jéssica, enfermeira,
Unidade Mista das Quintas).
Como podemos perceber, neste posto não praticamente atendimento
de mulheres agredidas, apesar de alguns relatos de atendimentos, principalmente,
de violência psicológica. Não uma freqüente procura das mulheres agredidas
81
pelos serviços de saúde nesse posto, segundo a maioria dos entrevistados, apesar
de especialmente atender mulheres na parte ginecológica e reprodutiva (parto, pré-
natal, preventivo). Segundo informações do profissional da enfermagem, nunca
atendeu nenhum caso de violência contra mulheres, pois elas não procuram, ou
seja, esse tipo violência não esta presente no cotidiano profissional na unidade de
saúde.
É uma coisa que a cada dia pior e, assim, como você mesmo,
falou tem esses registros todos de ocorrência e, infelizmente, assim,
não há, não tem esse vínculo com a gente, que era para existir. Esse
caso, assim, elas, pelo menos, assim, para a enfermaria não. Eu
acho que não tem chegado nenhum caso desse tipo para a gente,
não (Jéssica, enfermeira, Unidade Mista das Quintas).
Contudo, devido ao alto número de registros de casos na delegacia da
mulher, esperava-se que existisse, nessas unidades de saúde, alguma forma de
registros e/ou dados sobre os atendimentos dos casos de violência contra a mulher.
Como vimos neste estudo, muitas mulheres agredidas, escondem as agressões
sofridas e, sem um treinamento adequado por parte dos profissionais de saúde, não
se sabe a real freqüência com que essas mulheres vão às unidades de saúde
pesquisadas. Neste sentido, apenas um (1) profissional das Quintas abordou a
necessidade dos treinamentos para ter conhecimento acerca das notificações nos
casos de violência contra a mulher.
É muito importante, porque a gente aprende a lidar melhor e saber
como solucionar esses problemas e até aprender que tem que
notificar também... Seria a gente aprender como notificar esses
casos, porque a paciente, ela está fragilizada e a gente deveria
ajudar, notificando esses casos... A fazer o registro, o BO dessa
violência (Ananda, médica,Unidade Mista das Quintas).
Entre alguns profissionais entrevistados (3) a preocupação da falta de
um retorno - feedback - das informações, tanto pelas instituições que atendem as
mulheres encaminhadas pelos serviços de saúde, como pelas próprias mulheres.
Falta um trabalho articulado entre os órgãos de atendimento a mulher, como as
82
delegacias, os conselhos da mulher, as varas da família, a OAB, os outros serviços
de saúde que formam uma rede de serviços para essas mulheres em situação de
violência.
Têm muitos casos que a gente encaminha e a mulher chega
contando para gente que não deu em nada, que foi, denunciou e não
deu em nada. Aí, a gente teria que realmente ver se realmente é
verdade, porque a gente sabe que existem os órgãos e que eles
estão fazendo o trabalho deles, mas que tivesse um “feedback” com
o serviço de saúde (Anita, assistente social, Unidade Mista de Felipe
Camarão).
[...] se for uma adolescente que está grávida por violência, então a
gente orienta para ir à MEJC (Maternidade Escola Januário
Cicco/UFRN) [...] Com relação ao homem, quando bate na mulher,
que a gente também encaminha para a delegacia, muitas vezes, elas
têm medo, diz que o marido ameaça, [...] e a gente orienta também
elas não dão retorno, não vem para saber, pra gente saber se ela foi,
se não foi. [...] quando vão pessoas que a gente encaminha, indica,
não tem um retorno, não o resultado, o amarra. Não é para
violência não, pra outros casos também, não tem retorno, a gente
fica sem saber o que deu (Ana Rosa, assistente social, Unidade
Mista das Quintas).
Tenho até outra, essa a gente viu que era sofredora, pela questão
física, moça nova, as condições da casa, e ela foi embora, não deu
mais notícia, nenhum contato (Carolina, enfermeira, Unidade Mista
de Felipe Camarão).
Segundo informações da Deam/Zona Sul/Natal, as parcerias que a
delegacia possui com a rede de saúde, são com os Hospitais Núcleo de Violência
Sexual: o Hospital Gizelda Trigueiro, a Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC),
o Hospital Santa Catarina e o Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL).
A este respeito, Saffioti (2004, p. 91) assinala:
Uma verdadeira política de combate à violência doméstica exige que
se opere em rede, englobando a colaboração de diferentes áreas:
polícia, magistratura, Ministério Público, defensoria pública, hospitais
e profissionais da saúde, inclusive da área PSI, da educação, do
serviço social etc, e grande número de abrigos.
Entretanto, ainda hoje, persiste, apesar das lutas por mudanças nos
83
serviços de saúde pública por melhores atendimentos as mulheres agredidas, a não
valorização devida as conseqüências da violência à saúde da mulher. Isso ocorre,
não apenas por parte dos profissionais, mas também, e principalmente, por parte do
poder público e da sociedade. São severos os agravos a saúde da mulher, tanto
física quanto mental, por isso os órgãos e profissionais devem trabalhar juntos para
dar visibilidade a essa situação e posteriormente, poder revertê-la.
A assistência à saúde contra a violência doméstica nesses serviços
requer, para seu bom desempenho, uma abordagem multidisciplinar. Todas as
pessoas que trabalham na instituição de saúde necessitam de sensibilização e
habilitação na temática, uma vez que muitas mulheres não procuram os/as
profissionais de saúde somente para falar, mas também para tratar de suas lesões.
Desse modo, compete aos serviços, em especial, aos de saúde, procurar meios de
investigar a violência contra as mulheres e oferecer um espaço de confiança onde
possam encontrar algum apoio para sair da situação em que se encontram.
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início da pesquisa, indagávamos se existia alguma forma de
enfrentamento da violência contra a mulher nos postos de saúde dos bairros de
Felipe Camarão e Quintas Natal/RN e se isso teria alguma relação com o alto
número de denúncias provenientes desses dois bairros. Mas, o que podemos
observar, ao final da pesquisa, é que não existe nenhum enfrentamento
sistematizado e organizado, apenas ações pontuais de determinadas áreas de
atuação. Neste sentido, a atuação do profissional de Serviço Social parece fazer
diferença. Quando há a identificação de agressões às mulheres, os profissionais das
áreas de medicina e enfermagem as encaminham ao assistente social para que este
as informações e orientações necessárias. Embora existam leis, tanto federais
como municipais, que tratam da notificação compulsória, por parte dos serviços de
saúde, da mulher agredida, estas não são implementadas. A Constituição de 1988
(BRASIL, 2004), em seu art. 226, §8°, afirma que o “Estado assegurará a assistência
à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações”. Como ficou evidente na fala dos
profissionais, não basta criar leis, é preciso dar subsídios para que a violência nas
relações conjugais seja reprimida.
Uma outra indagação feita foi sobre existência de programas ou
projetos sendo desenvolvidos nos centros de saúde que incentivem as mulheres
agredidas a denunciarem. Foi visto que isso não ocorre, pelo menos nos postos
pesquisados, mas alguns profissionais orientam as mulheres a denunciar, mesmo
entendendo que muitas não cheguem a ir à delegacia por medo de seus agressores,
que, na maioria dos casos, são os próprios maridos/companheiros.
Nas entrevistas, percebemos que, nos locais pesquisados, as mulheres
quando agredidas, não recorriam a esses com tanta freqüência, pois, no
entendimento de alguns entrevistados, elas, conscientes dos seus direitos, iriam
diretamente às delegacias. Entretanto, várias usuárias podem procurar a unidade de
saúde e não dizerem o que provocou as lesões, indo tratar de uma doença
ocasionada por agressão não somente física ou sexual, mas também emocional.
Desse modo, cabe às áreas policiais, judiciais, de educação e, em especial, da
saúde, devido a magnitude desse fenômeno no pais, encontrarem meios de
85
investigar a situação de violência contra a mulher, trabalhando conjuntamente e
buscando saídas para enfrentá-la. Neste sentido, cabe a ação pública pensar
mecanismos de ação que possibilite a detecção e o enfrentamento não da
violência física, mas também da violência psicológica, tão presente nas relações de
gênero.
As estatísticas mostram os altos e crescentes índices de violência contra
a mulher dentro do âmbito doméstico a cada dia e mostram que muitas delas estão
buscando “ajuda”, um meio de reverter, de sair dessa situação, pois estão tentando
quebrar o ciclo da violência e romper o silêncio. É a partir das denúncias, das
notificações dos casos de violência, que se têm subsídios para enfrentar essa
situação, com políticas públicas e leis mais eficazes.
Este trabalho não encerra a discussão, esperamos que muitos e muitas
venham a somar e tornar mais visível a realidade dessas mulheres, que, por vezes,
estão tão próximas, embora não percebamos. Como esclarece Minayo (2002, p. 27):
“Certamente o ciclo nunca se fecha pois toda pesquisa produz conhecimentos
afirmativos e provoca mais questões para aprofundamento posterior”. Desta forma, a
presente pesquisa apenas acrescenta alguns elementos à discussão e esperamos
que possam surgir outras pesquisas sobre o tema e, até mesmo, aprimorá-la, pois,
apesar do esforço de tentar abordar de forma mais completa possível o tema
estudado, este é complexo e dificilmente não se negligencia algum ponto. A
discussão sobre a violência contra a mulher não está esgotada ou superada como
muitos acreditam. Enquanto as mulheres estiverem sendo ameaçadas, humilhadas,
agredidas física, psicológica e sexualmente dentro de suas casas será necessário
falar, debater, mostrar que essa situação é comum, mas não é natural nas relações
conjugais ou afetivo-amorosas. Abordagens acerca deste tema serão sempre
importantes, enquanto o Estado, as instituições, os profissionais e a população como
um todo não compreenderem que a violência contra nós, mulheres, deve ser
combatida e que os agressores devem ser punidos e que não basta apenas leis e
decretos. É preciso uma implantação e o funcionamento efetivo de uma política de
combate a violência em todos os níveis.
Seria cômodo criticar os profissionais de saúde pela falta de
sensibilização ou não identificação da violência, pois assim como ocorre nos mais
diversos setores da sociedade, rotineiramente esses não dão a devida importância à
gravidade dessa situação. O que por traz de tudo isso? O sistema patriarcal, o
86
machismo vem sendo cultuadomuito tempo
65
, uma educação sexista baseada na
idéia de que os conflitos são resolvidos através da violência, no qual o mais forte é o
melhor, em que o homem tem sempre mais chances e oportunidades que as
mulheres.
Tal cultura contudo, começa a ser questionada com o movimento
feminista, que teve sua primeira manifestação, no século XVIII, na Revolução
Francesa. De lá para cá, o movimento feminista e as mulheres conseguiram grandes
conquistas: o direito ao voto, à cidadania política, aos direitos sexuais e reprodutivos
etc. Contudo, ainda há um longo caminho a ser percorrido...
Ao longo deste trabalho, tentamos mostrar como é difícil, inclusive para as
mulheres, perceber que a violência praticada por maridos ou companheiros não é
normal e não faz parte da relação conjugal. Mostramos também a dificuldade das
mulheres em denunciar a violência à delegacia, buscando apoio, orientação e
tratamento para suas lesões nas unidades de saúde, procurando reverter essa
situação. Evidenciamos a dificuldade que os profissionais têm para identificar a
violência sem receberem um treinamento adequado, uma sensibilização deles e do
governo.
Como o objetivo da pesquisa era analisar o enfrentamento dado pelos
profissionais à violência doméstica e o abordou à experiência pessoal em relação
ao problema, não foi possível constatar a possibilidade desses profissionais
sofrerem ou praticarem a violência dentro de casa, ou mesmo, vivenciarem de forma
indireta essa situação, tornando mais difícil o trabalho envolvendo tal temática.
No Brasil, existem várias formas de enfrentamento, sensibilização e
treinamentos sobre a violência doméstica. Temos alguns exemplos de ações para
tentar combater essa situação: o Protocolo de Assistência à Saúde Sexual e
Reprodutiva para Mulheres em Situação de Violência de Gênero, elaborado pela
BEMFAM (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), que é destinado aos
profissionais de saúde, os quais atuam em unidades ambulatórias, tendo como
objetivos “auxiliar a identificação de casos de violência de gênero, e orientar as
etapas que devem ser seguidas, para uma resposta efetiva às necessidades das
mulheres agredidas” (BEMFAM, 2002, p. 8).
65
Segundo Saffioti (2004, p. 60) “o processo de instauração de patriarcado teve início no ano de
3100 a. C. Ese consolidou no ano 600 a. C. A forte resistência oposta pelas mulheres ao novo
regime exigiu que os machos lutassem durante dois milênios e meio para chegar a sua
consolidação. [...] se preferir fazer o cálculo a partir do fim do processo de transformação das
relações homem-mulher, a idade desta estrutura hierárquica é tão-somente 2.603-4 anos”.
87
Outro serviço é o Protocolo: considerações e orientações para
atendimento à mulher em situação de violência na rede pública de saúde, que foi
lançado em 1998, pela iniciativa de feministas, profissionais de saúde e outras
trabalhadoras de serviços de apoio às mulheres de Belo Horizonte (MG), para ser
implantado em dois hospitais locais. Seu objetivo é sensibilizar profissionais de
saúde e evidenciar a responsabilidade que lhes cabe, que é contribuir efetivamente
no apoio às mulheres, ajudando-as na quebra do “ciclo da violência”. Aborda entre
outras coisas, a questão da raça/etnia, os encaminhamentos, internos e externos,
que devem ser registrados
66
(OLIVEIRA, 2006).
ainda uma cartilha intitulada O que devem saber os profissionais de
saúde para promover os direitos e a saúde das mulheres em situação de violência
doméstica, organizada pelo Coletivo feminista Sexualidade e Saúde em conjunto
com o Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina USP.
Publicada pela primeira vez em 2002, “tem como objetivo ajudar a preencher as
lacunas de conhecimento que impedem os profissionais de praticarem uma melhor
assistência para as vítimas de violência nos serviços de saúde” (SCHRAIBER; B
D'OLIVEIRA, 2003, p. 5).
Existem tantos outros protocolos e guias para auxiliar os profissionais, em
especial, os da saúde no atendimento a mulher agredida, que podem servir de
modelo, adequando-os a realidade local, como: o Guia de serviços de atenção a
pessoas em situação de violência, de Salvador; o Protocolo de atenção à violência
sexual e doméstica, da prefeitura de São Paulo; Violência contra a mulher. Um guia
de defesa, orientação e apoio, da CEPIA/CEDIM; Prevenção e tratamento dos
agravos resultantes da violência sexual contra as mulheres e adolescentes, do
Ministério da Saúde; e o Manual de violência sexual, de Porto Alegre (SCHRAIBER;
B D'OLIVEIRA, 2003, p. 32).
A intenção deste trabalho foi também de tornar mais visível a situação das
mulheres agredidas pelos seus companheiros, maridos, situação que envolve
sentimentos diversos e conseqüências terríveis a saúde das mulheres, de mostrar
as formas de enfrentamento que o Estado ou não a essa questão. Não basta
apenas estatísticas, é necessário ações mais efetivas e eficazes para uma possível
solução. É muito difícil, e a batalha parece ser longa, mas a esperança e a luta por
66
Mostra quais são os encaminhamentos necessários: os internos, registro da queixa no posto
policial da instituição de saúde, serviço social e serviço de apoio psicológico da instituição; os
externos, delegacias especializadas no atendimento a mulher, IML (Instituto Médico Legal) e
casas-abrigo e outros centro de apoio à mulher em situação de violência.
88
melhores condições de vida para todas s, mulheres, têm que continuar: sem
violência, sem discriminação, sem educação sexista, sem negligências, mas sim
com oportunidades iguais de educação, de emprego, de salários, de participação
pública e política, saúde integral, dentre tantas outras coisas.
Finalmente, ressaltamos que muitas mulheres adoecem devido às
agressões verbais, físicas e sexuais praticadas por alguém com quem mantiveram
ou mantêm alguma relação afetiva-conjugal. Não dúvida da relação entre a
violência contra a mulher e a sua saúde, apesar da maioria não mencionar que viveu
ou vive em situação de violência doméstica. Portanto, é extremamente relevante que
os/as profissionais de saúde recebam mais treinamentos, capacitações para que,
em seu cotidiano profissional, possam melhor identificar, atender, tratar e apoiar as
mulheres que chegam ao serviço de saúde, apresentando queixas e sintomas
possivelmente relacionados a abusos e a agressões ocorridas no âmbito doméstico.
89
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98
APÊNDICE
99
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO
( In)visibilidade da violência doméstica no atendimento do Sistema Público de Saúde:
Quintas e Felipe Camarão
QUESTIONÁRIO
Centro de Saúde:
Dados Pessoais
Idade:__________ Sexo:_______ Estado Civil: ________ Profissão: _________
Questões
1) Você já atendeu casos de mulheres agredidas por seus companheiros?
Sim ( ) Não ( )
2) Com que freqüência chegam casos de mulheres agredidas pelos seus
companheiros?
( ) diariamente ( ) freqüentemente ( ) ocasionalmente ( ) raras vezes
( ) outros __________________
3) Como você identifica que uma mulher foi agredida, principalmente, no âmbito
doméstico?
4) Qual a atitude da mulher ao chegar ao centro de saúde, quando foi vítima de
violência doméstica?
5) Como é o atendimento, no centro de saúde, às mulheres agredidas? Quais são os
encaminhamentos feitos a estas mulheres?
6) Como você vê a questão da violência doméstica?
7) Há algum treinamento com os profissionais sobre essa temática? Sim ( ) Não ( )
8) Qual sua opinião sobre a realização de um treinamento acerca da violência
doméstica, no centro de saúde?
9) Existe no centro de saúde, alguma forma de enfrentamento da violência
doméstica?
10) Na sua opinião, como se poderia melhorar o atendimento às mulheres vítimas de
violência doméstica no centro de saúde?
100
ANEXOS
101
Fonte: www.natal.rn.gov.br.
102
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Lima, Joseane Karla de.
(In)visibilidade da violência doméstica no atendimento do Sistema Público de Saúde: nos bairros das
Quintas e Felipe Camarão / Joseane Karla de Lima. – Natal, 2006.
101 f.
Orientadora: Profª. Drª. Rita de Lourdes de Lima.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social.
1. Serviço Social - Tese. 2. Violência doméstica Tese. 3. Gênero - Tese. 4. Mulheres Tese. 5.
Unidades de saúde Tese. I. Lima, Rita de Lourdes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 36.058.97
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