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Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação
UNESP – FCT – Campus de Presidente Prudente
V247p
Valenciano, Renata Cristiane.
A Participação da mulher na luta pela terra : discutindo
relações de classe e gênero / Renata Cristiane Valenciano. –
Presidente Prudente : [s.n.], 2006
143 f., il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Orientador: Antônio Thomaz Júnior
1. Geografia. 2. Luta pela terra. 3. Coletivo de gênero. 4.
Omaquesp. 5. Relações de gênero.. I. Valenciano, Renata
Cristiane. II. Thomaz Júnior, Antônio. III. Título.
CDD (18.ed.) 910
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Dedicatória
Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra que
contribuíram diretamente para a construção desse trabalho e que,
agora, mais do que nunca, estão se sentindo desafiados a enfrentar
e superar as desigualdades nas relações de gênero no cotidiano de
suas ações, nas famílias, nas comunidades, nas entidades que
participam, enfim, nas diversas esferas da vida social.
Agradecimentos
É chegado o momento de fazer um balanço da nossa trajetória, e
agradecer a todos aqueles, que direta ou indiretamente, colaboraram para a realização deste
trabalho.
Assim, gostaria de agradecer inicialmente ao Prof. Thomaz, por toda
dedicação e acompanhamento destinados à orientação da pesquisa, o qual se mostrou, no
decorrer desses anos, não apenas um excelente orientador, mas um grande amigo, sempre
ajudando, compreendendo, dando uma força, enfim, o meu profundo agradecimento a esse
amigão de todos os dias.
A Maria, mais do que uma amiga, a colaboradora direta e fonte de
inspiração constante na organização e estruturação do conjunto de idéias que compõe esse
trabalho.
Aos colegas do CEGeT, pela contribuição durante alguns debates e
discussões, que com certeza fomentaram a amplião das idéias. Por todo o convívio e
momentos que passamos juntos, os quais, com certeza, vão ficar gravados na memória.
Um agradecimento todo especial aos meus queridos e inesquecíveis
amigos: Sônia, Divino, Lima, Marcelino, Fernanda, Jorge, Marcelo, Denis, Karina, e a
grande Sílvia. Pelos nossos momentos juntos, toda atenção e carinho.
Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, sobretudo do
município de Teodoro Sampaio, que sempre ajudaram colaborando com o nosso trabalho,
sempre nos recebendo de bros abertos e prontos para conversar, bater um papo, fornecer
informações, enfim... pelas cantorias, histórias e emoções.
A todas as trabalhadoras sem terra que conhecemos nos encontros,
passeatas, acampamentos, sorridentes, fortes e na luta sempre. Um agradecimento todo
especial para minha grande amiga Mirian.
Aos meus familiares, Orlando, Lourdes, Gabriela e Amélia, por todo o
apoio e incentivo durante esses anos.
Agradeço ao CNPq pelo apoio e financiamento para a consecução dessa
pesquisa.
RESUMO
A presente pesquisa apresenta um estudo sobre duas formas distintas de
organização de mulheres trabalhadoras sem terra do Pontal do Paranapanema: Coletivo de
Gênero e Omaquesp, no qual procuramos apreender o processo de luta pela terra e a
mobilização política das trabalhadoras sem terra tendo como perspectiva a leitura
geográfica desse processo, onde o gênero é a categoria anatica e ferramenta metodológica
basilar para compreendermos as manifestões e configurações das relações sócio-espaciais
nos territórios de luta: acampamentos e assentamentos.
A partir da análise das duas formas de organização, pudemos verificar as
bases que deram sustentação para sua implementação, suas estratégias de organizão,
principais entraves, obstáculos e avanços em sua luta. Embora tenham sido forjadas no
processo de luta pela terra desencadeado no Pontal, ambos os grupos possuem atuões e
ões distintas, e vem desenvolvendo uma série de trabalhos, projetos e ações, possuindo
um histórico de formação, organização e desenvolvimento de atividades que se diferem
uma da outra, com linhas de atuação, ideologia e ligões diretas com outras organizões
distintas.
Da análise das relações de gênero no processo de luta pela terra, notamos
os mecanismos que dão condições para o estabelecimento e perpetuação das relões de
poder desiguais e que impossibilitam a construção de espaços igualitários de participação
na luta, onde a existência dessas experiências de organização de grupos de mulheres nos
forneceu elementos que mostram como sua participação está contribuindo para a
fundamentação e dinamismo do espaço geográfico, rompendo com valores que antes
conduziam a sua submissão, exploração, etc. seja no âmbito do trabalho doméstico, na lavra
e até mesmo na militância.
Palavras-chave: Luta pela terra; Coletivo de Gênero; Omaquesp; Relações de Gênero.
SUMMARY
To present research it presents a study on two forms different from hard-
working women's organization without earth of Pontal of Paranapanema: Collective of
Gender and Omaquesp, in which we tried to apprehend the fight process for the earth and
the workers' political mobilization without earth tends as perspective the " geographical
reading " of that process, where the gender is the analytic category and tool methodological
basilar for we understand the manifestations and configurations of the partner-space
relationships in the fight territories: camps and establishments.
Starting from the analysis in the two organization ways, we could verify
the bases that gave sustentação for its implementão, its organization strategies, main
entraves, obstacles and progresses in its fight. Although they have been forged in the fight
process by the earth unchained in Pontal, both groups possess performances and different
actions, and it comes developing a series of works, projects and actions, possessing a
historical of formation, organization and development of activities that they are differed
one of the other, with lines of performance, ideology and direct connections with other
different organizations.
Of the analysis of the gender relationships in the fight process for the
earth, we noticed the mechanisms that give conditions for the establishment and
perpetuação of the unequal relationships of power and that disable the construction of
equalitarian spaces of participation in the fight, where the existence of those experiences of
organization of women's groups supplied us elements that show as its participation is
contributing to the fundamentão and dynamism of the geographical space, breaking up
with values that before they drove its submission, exploration, etc. it is in the ambit of the
domestic work, in it plows it and even in the militância.
Word-key: It fights for the earth; Collective of Gender; Omaquesp; Relationships of
Gender.
SUMÁRIO
Lista de figuras.......................................................................................................................... 8
Lista de tabelas.......................................................................................................................... 9
Lista de quadros......................................................................................................................... 9
Lista de gráficos.........................................................................................................................
9
Lista de Siglas............................................................................................................................ 10
Apresentação..............................................................................................................................
11
Introdução.................................................................................................................................. 15
Capítulo I As organizações de mulheres trabalhadoras sem terra no Pontal do
Paranapanema
28
1.1 A classe trabalhadora e a luta pela terra em questão......................................................
29
1.2 O Pontal do Paranapanema: lócus da luta e da mobilização política............................. 33
1.3 A Organizão das Trabalhadoras Sem Terra: O Coletivo de Gênero e a Omaquesp...
37
1.4 O Gênero no MST.......................................................................................................... 41
1.4.1
A origem e resistência do Coletivo de Gênero na região do Pontal.............................. 43
1.5 0maquesp Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São
Paulo...............................................................................................................................
51
1.5.1
Origem, organização e lutas........................................................................................... 51
Capítulo II O Coletivo de gênero e a Omaquesp: lutas e dinâmica territorial 62
2.1 Dinâmica e Organização do Coletivo de Gênero no Pontal...........................................
63
2.2 Conquistas e Desafios.................................................................................................... 70
2.3 Do Setor ao Coletivo: Avanços e Retrocessos............................................................... 78
2.3.1
As dificuldades............................................................................................................... 79
2.3.2
O Encontro Regional...................................................................................................... 80
2.3.3
Os entraves nos assentamentos...................................................................................... 82
2.4 As transformações organizacionais da Omaquesp no Pontal do Paranapanema........... 89
2.4.1
O princípio da separação................................................................................................ 90
2.5 As distâncias: representação e mobilidade.....................................................................
93
2.6 Do acampamento ao assentamento: as relações de gênero nos territórios de luta......... 103
Capítulo III Gênero, território e mobilização política 106
3.1 Gênero: Uma Categoria Importante para Análise Geográfica....................................... 107
3.2 Divisão Sexual do Trabalho e Luta pela Terra.............................................................. 109
3.3 O Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais - MMTR como pioneiro na luta e
resistência.......................................................................................................................
116
3.4 O Feminismo na História da Organização Política das Mulheres................................. 119
3.5 Gênero e Desenvolvimento Territorial: Questões para o Debate.................................. 125
Considerações finais.................................................................................................................. 132
Bibliografia................................................................................................................................ 138
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Locais de realização do trabalho de campo no município de Teodoro
Sampaio...................................................................................................
22
Figura 2: Localização dos principais marcos históricos da luta pela terra no
Pontal do Paranapanema.........................................................................
36
Figura 3: Área de atuão dos Grupos Técnicos de Campo do ITESP no Pontal
do Paranapanema.....................................................................................
56
Figura 4: IV Encontro Estadual de Mulheres Assentadas e Quilombolas
Araraquara...............................................................................................
57
Figura 5: IV Encontro Estadual de Mulheres Assentadas e Quilombolas
Araraquara...............................................................................................
57
Figura 6: Assentamento Madre Cristina Área de Reserva Cultivada pelas
Mulheres da Omaquesp...........................................................................
59
Figura 7: Assentamento Che Guevara Área de Reserva Cultivada pelas
Mulheres da Omaquesp...........................................................................
59
Figura 8: Divisão dos Núcleos de Trabalho do MST no Pontal do
Paranapanema..........................................................................................
64
Figura 9: Assentamentos com representantes do Coletivo de Gênero no
município de Teodoro Sampaio..............................................................
66
Figura 10:
Acampamento de Mulheres, Teodoro Sampaio Mulheres e Crianças
se preparando para o almoço...................................................................
70
Figura 11:
Acampamento de Mulheres, Teodoro Sampaio
Rotina de Trabalho da
Acampada................................................................................................
71
Figura 12:
Acampamento de Mulheres na cidade de Teodoro. Sampaio
Vista
parcial......................................................................................................
72
Figura 13:
Acampamento de Mulheres, Teodoro. Sampaio
Um dia no
acampamento...........................................................................................
72
Figura 14:
Prisão de Diolinda Alves de Souza Jornal O Imparcial....................... 74
Figura 15:
Marcha de Mulheres Sem Terra em Protesto Contra a Prisão de
Militantes.................................................................................................
75
Figura 16:
Contestação e Repúdio à Marcha das Mulheres Sem
Terra.........................................................................................................
76
Figura 17:
Divisão das Regionais da Omaquesp
e abrangência no Estado de São
Paulo........................................................................................................
91
Figura 18:
I Encontro Regional de Mulheres Assentadas do Pontal no município
de Teodoro Sampaio................................................................................
92
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1:
Divisão Territorial da Omaquesp............................................................ 89
Tabela 2:
Planos de ação......................................................................................... 90
LISTA DE QUADROS
Quadro A: Organização do MST.............................................................................. 41
Quadro B:
Organização da Omaquesp...................................................................... 41
Quadro 1:
Evolução do Coletivo de Gênero do MST Pontal do
Paranapanema..........................................................................................
47
Quadro 2:
Conjuntura regional e o desenvolvimento do Coletivo de Gênero no
Pontal.......................................................................................................
48
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1:
Pontal do Paranapanema - ocupações (1990 -
2002)........................................................................................................
49
Gráfico 2:
Pontal do Paranapanema - ações do coletivo (1996 -
2004)........................................................................................................
49
10
LISTA DE SIGLAS
CEGeT Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
CEMOSI Centro de Estudos, Memória e Hemeroteca Sindical
COCAMP Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados da
Reforma Agrária do Pontal
CUT Central Única dos Trabalhadores
FMI Fundo Monetário Internacional
HA Hectares
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITESP Instituto de Terras do Estado de São Paulo
MMC Movimentos de Mulheres Camponesas
MMTR Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OMAQUESP Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São
Paulo
SP São Paulo
UNIPONTAL União dos Municípios do Pontal do Paranapanema
__________________________________________________________________Apresentação
11
APRESENTAÇÃO
O medo de ousar, ser agressivo ou inovar, fechou muito mais portas do que
a ousadia”. É assim que caracterizamos as experiências que estão presentes neste trabalho,
cujos resultados se tornaram possíveis a partir da pesquisa e convivência junto aos
trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra do Pontal do Paranapanema
Todo esse caminhar teve início ainda durante o Curso de Graduação
1
,
sobretudo, a partir de 2000, mas veio a se consolidar quando do nosso ingresso no curso de
mestrado, o que aconteceu em 2003. Foi um processo, cujo conteúdo aqui gostaria de frisar. A
oportunidade de conhecer e trabalhar com o Prof. Antonio Thomaz Júnior e o contato com os
demais membros do Grupo de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) foram decisivos
para o nosso aprendizado e identificação com a pesquisa em Geografia. Aos poucos, essa
relação foi se constituindo em um espo de trabalho e pesquisa, e além disso, numa forte e
sólida amizade. Junto ao Prof. Thomaz e os demais companheiros de grupo encontramos todo
o estímulo, apoio e orientação para dar encaminhamento à atividade de pesquisa. Não
poderíamos deixar de registrar a contribuição de uma companheira muito especial do CEGeT,
Maria Franco, que, na ausência do Prof. Thomaz, assumiu a orientação do nosso trabalho, e
que por isso, mas não apenas, senão por todo apoio, contribuições e amizade, agradeço
profundamente.
Ainda como estudante de Graduação em Geografia junto à FCT/Unesp de
Presidente Prudente, tivemos a oportunidade de iniciar a pesquisa com bolsa de iniciação
científica com o apoio do CNPq durante um ano. Isso foi fundamental para o nosso
amadurecimento e ordenamento das idéias, as quais mais tarde viriam a consolidar-se no
presente trabalho. Isto é, a soma dessas primeiras impressões formatou o Projeto de Pesquisa
apresentado junto ao Curso de Pós-Graduação, e mais uma vez contando com o apoio do
CNPq, apresentamos aqui os resultados de mais essa empreitada. As seqüências de atividades,
1
Referimo-nos ao Estágio Não-Obrigatório, com Projeto Intitulado As implicações dos assentamentos rurais
no rearranjo das atividades terciárias em Teodoro Sampaio: o trabalho em questão, desenvolvido na
FCT/UNESP/Presidente Prudente, de março a junho 2000, tendo como seência e em caráter de Pesquisa de
Iniciação Cienfica no período de junho de 2000 a março de 2001. E ainda a Pesquisa de Iniciação Científica
com o projeto A Participação da Mulher na Luta pela Terra. Uma Questão de Gênero e/ou Classe?. Com
financiamento do CNPq/PIBIC, no período de julho de 2001 a dezembro de 2002, ambos sob a orientação do
Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior.
__________________________________________________________________Apresentação
12
que se apresentaram nessa transição permitiram aprofundar-nos, elaborar novas questões,
ampliar nossos horizontes de pesquisa, dentre eles a pesquisa bibliográfica, o trabalho
empírico etc., bem como as contribuições por conta do cumprimento de créditos das
disciplinas. O que sentimos é a finalização de uma etapa; sabemos, porém, que se abriram
caminhos para que outras sejam iniciadas.
O nosso trabalho está ligado aos estudos designados como estudos de
gênero, os quais têm conhecido uma ampliação expressiva nos últimos tempos, em variados
campos das ciências. Esses estudos se propõem a entender as diferenças que se constroem
sobre os corpos sexuados, gerando, portanto, papéis sociais, normas, entre outros, logo, são
também constitutivos das relões de poder operadas sobre os gêneros. A especificidade está
na tentativa de realizar um estudo geográfico que contemple essa dimensão e contribua para o
aprofundamento da Geografia do Gênero, partindo para tanto da análise de duas organizações
de mulheres trabalhadoras sem terra atuantes no Pontal do Paranapanema: o Coletivo de
Gênero do MST e a Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São
Paulo Omaquesp.
Isso significou um grande desafio, pois inicialmente contávamos com poucas
indicações ou contribuições sobre essa temática, sobretudo, no âmbito da Geografia. Mas,
apesar de todas as dificuldades, procuramos apresentar essas diferentes formas de organização
de mulheres sem terra atuantes no Pontal, a fim de destacar sua origem, organização,
principais entraves, objetivos, demandas etc. Estruturamos nossa interpretação por meio da
leitura” dos papéis de gênero que marcam esses atores sociais no universo da luta pela terra.
Assim, apresentamos no primeiro capítulo uma contextualização do processo
de Luta pela Terra que marca o Pontal do Paranapanema e a organização dos trabalhadores e
trabalhadoras inseridas neste processo, destacando a iniciativa das diferentes formas de
organização dos grupos de mulheres trabalhadoras sem terra que atuam na região do Pontal.
No segundo capítulo, nos propomos a analisar as diferentes estratégias de
organização e manutenção dos grupos que se estabelecem nos territórios da luta pela terra, os
acampamentos e assentamentos rurais, destacando a dimensão organizativa e fechando com
os principais entraves, dificuldades e obstáculos enfrentados por esses grupos para garantir a
efetivação de seus projetos.
No terceiro e último capítulo, apresentamos um debate conceitual sobre as
relões de gênero e sua contribuição para a análise das organizações de mulheres, bem como
__________________________________________________________________Apresentação
13
um resgate de experiências anteriores que serviram de base e exemplo para o fortalecimento e
execução das atividades hoje desenvolvidas no Pontal. O fechamento do capítulo aponta para
a necessidade de implementação de iniciativas e políticas públicas que contemplem a questão
de gênero, visando ao fortalecimento dos grupos e a organização de ões, planos e projetos
de desenvolvimento territorial.
Contudo, para chegarmos até esse ordenamento, o trabalho de pesquisa se
desenvolveu de forma permanente em duas dimensões. Primeiramente, centramos nosso
interesse no levantamento bibliográfico, que nos permitiu arranjar, organizar, revisar, e
também descobrir tanto a literatura que aborda a questão de gênero (concepções, enfoques,
diferentes análises), quanto aquela direcionada para mobilização social de trabalhadores e
trabalhadoras da luta pela terra e a reforma agrária.
O trabalho de levantamento bibliográfico foi realizado, sobretudo, nas
bibliotecas e Centros de Documentação das seguintes instituições: Faculdade de Ciências e
Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente; Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de
Reforma Agrária (NERA) da UNESP de Presidente Prudente; Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP, com destaque para as publicações da linha de pesquisa Gênero e
Geografia”, do Núcleo de Estudos da Mulher e Relões Sociais de Gênero (NEMGE/USP); e
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, por meio do acervo do Núcleo de
Estudos de Gênero, PAGU/UNICAMP.
Concluímos nossa pesquisa documental nos acervos da sede da Coordenação
Nacional do MST, na Secretaria Estadual do MST, ambas localizadas em São Paulo, onde
pudemos consultar as publicões do Coletivo Nacional de Gênero, Cadernos de Formação, e
demais produções ligadas à temática na sua totalidade.
Nesse âmbito, a pesquisa empírica baseou-se na realização de entrevistas
junto aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, assentadas e acampadas, militantes e lideranças
do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra e Organização de Mulheres Assentadas e
Quilombolas do Estado de São Paulo, funcionários e técnicos do Instituto de Terras de São
Paulo (ITESP), membros de Organizões Não-Governamentais (ONGs), técnicos
municipais envolvidos diretamente com a temática e representantes da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) nos assentamentos e acampamentos. Participamos dos eventos, reuniões,
encontros, passeatas e mobilizões organizadas pelo MST e, ainda, das atividades
programadas pela Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São
__________________________________________________________________Apresentação
14
Paulo (OMAQUESP). Para tanto, acompanhamos o desenvolvimento da luta nos
acampamentos e assentamentos na região do Pontal do Paranapanema durante todo o período
de pesquisa.
Podemos afirmar que o balanço da nossa experiência vivenciada foi muito
positivo e construtivo. Entendemos que o mesmo se evidenciará por meio não só dos capítulos
apresentados, senão de toda construção pessoal e coletiva vivenciada, que agora se consolida
como produto das reflexões realizadas e das experiências provadas no período de março de
2003 a abril de 2005.
_______________________________________________________________Introdução
15
INTRODUÇÃO
A base da pesquisa está centrada na contextualização e localização de duas
estratégias distintas de mobilização de mulheres trabalhadoras sem terra, no Pontal do
Paranapanema: o Coletivo de Gênero e a Omaquesp. As duas iniciativas são estratégias de
organizão das trabalhadoras que se evidenciam na conquista de um espo de visibilidade
e atuação social. Por meio da participação em ambas as organizações, e sua inserção nas
atividades é que as mulheres superam os limites do barraco, do lote e do assentamento,
contestando a ideologia de gênero hegemônica na nossa sociedade. Buscamos ainda
apresentar quais são os impedimentos de acesso aos grupos e aos trabalhos desenvolvidos
por eles, apontando as limitações, entraves e contradições que também estão presentes e
atuando no contexto da luta nesses territórios.
Como observamos especificamente com relação a nossa dissertação,
propomo-nos a realizar uma análise que contribua para as referências relativas a uma
Geografia do Gênero, por dentro, pois, da temática do trabalho, já que essa perspectiva se
insere em um dos eixos temáticos existentes do Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho (CEGeT) e conta com estudos desenvolvidos por outros pesquisadores, com
destaque para a tese de doutorado sob a responsabilidade de Maria Franco Garcia e a
dissertação de mestrado de Terezinha Brumatti Carvalhal.
Tomamos, portanto, o gênero como categoria de análise, pois este permite
analisar diferentemente homens e mulheres, destacando seus papéis
1
. Por meio desses
papéis analisar o acesso, a participão, o controle, as necessidades, as oportunidades, os
conflitos etc., que se apresentam e se concretizam nos lugares. Dessa forma, esperamos
contribuir para desvendar os processos que criam e reproduzem a ideologia hegemônica de
gênero por meio das experiências de organização dos grupos, e ainda apresentar as práticas
de resistência tomadas, que podem contribuir para sua superação, rumando em busca de
mudanças, e de construção de relações solidárias e de igualdade.
1
Por papéis de gênero, entendemos as funções atribuídas aos diferentes gêneros, em cada sociedade e cultura.
Em nossa análise a definição de tarefas é o primeiro passo para a apreensão das relões sociais que se
estabelecem entre homens e mulheres. Uma definição mais apurada sobre a noção de papéis e relações de
gênero, é apresentada por Louro, 1999.
_______________________________________________________________Introdução
16
A contribuição das análises que visam a entender as relações de gênero no
processo de luta pela terra baseia-se no intuito de revelar os mecanismos que dão condições
para o estabelecimento e perpetuação das relões de poder desiguais e que impossibilitam
a construção de espaços igualitários de participação na luta. Essa análise fornecerá
elementos que mostrem como sua participação está contribuindo para a fundamentação e
dinamismo do espaço geográfico, rompendo com valores que antes conduziam a sua
submissão, exploração, etc. seja no âmbito do trabalho doméstico, na lavra e até mesmo na
militância.
Acreditamos não só na importância desse tipo de análise, quanto na
conveniência da aplicação da mesma a objetos de pesquisa como o nosso, no qual não há
estatísticas disponíveis, tampouco um aporte de dados possíveis de serem encontrados. Isso
poderia oferecer informações suficientemente significativas para outros estudos.
Procuramos apreender o processo de luta pela terra e a mobilização
política das trabalhadoras sem terra tendo como perspectiva a leitura geográfica desse
processo, em que o gênero é a categoria anatica e a ferramenta metodológica basilar para
compreendermos as manifestações e configurações das relações sócio-espaciais nos
territórios de luta: acampamentos e assentamentos. O sujeito e o objeto de nossas
indagões se apresentam na mobilização das mulheres na luta pela terra, tanto as
acampadas quanto as assentadas. No interior dessa luta social, a luta pela terra é uma
dimensão da luta de classe.
A sociedade se desenvolve e se movimenta por dentro do sistema
capitalista, que, por sua vez, é efeito da contradição capital e trabalho. O trabalho e suas
mutões são as expressões do modo de ser e de existir da classe trabalhadora; logo, esta se
apresenta de diferentes formas e sentidos nos lugares, já que o desenvolvimento do
capitalismo é desigual, gerando, portanto, configurações distintas. Sabedores de que a
expansão das relões capitalista de produção no Brasil se deu de forma desigual e
diferenciada nos lugares, expressando hoje as marcantes diferenças regionais, o trabalho
também se estruturou de forma diferenciada, fragmentada, sendo que muitas vezes
encontramos os trabalhadores separados/segmentados em corporões ou entidades
representativas. Também é preciso chamar a atenção para as externalizações do trabalho e
_______________________________________________________________Introdução
17
as diferentes formas que este pode tomar, territorializando-se num momento,
desterritorializando-se e reterritorializando-se num outro momento. Trata-se de um
movimento que expressa as transformações no mundo do trabalho e também os níveis
diferenciados de consciência de classe. Mas essas transformações foram e continuam sendo
acompanhadas de outras mudanças. Em cada lugar, o patriarcalismo e as relações
capitalistas articulam-se e contextualizam-se de maneiras diferentes.
A mulher trabalhadora também é movida por tais mudanças,
transformações e conformações, que se dão no âmbito da classe trabalhadora. Podemos
tomar, como exemplos disso, a movimentação constante dos trabalhadores tanto do campo
para a cidade e vice-versa, e na própria atividade que desenvolvem. Assim, entender a
mulher trabalhadora sem terra é buscar na luta pela terra, no desenvolvimento do
capitalismo no campo e nas mutações do mundo trabalho, as explicações para a construção
das relações sociais e de gênero.
Assim, como eixo norteador não apenas deste trabalho, mas também das
pesquisas desenvolvidas no âmbito do CEGeT, temos a classe trabalhadora como sujeito da
história, de forma que entender a classe trabalhadora é dizer que esses sujeitos, além de
sofrerem com a explorão, sofrem uma outra opressão, que é a opressão de gênero,
articulando os papéis sociais que por sua vez fazem perpetuar as relações de submissão e
impedem a viabilização e transformão da sociedade. Dessa forma, queremos enfatizar
que articular classe com outras categorias de análise, como o gênero, é fundamental, pois a
construção ideológica está colocada, assim como os impedimentos para que as
trabalhadoras se mobilizem politicamente.
De acordo com autores da questão de gênero (SCOTT, 1995; FRANCO,
2004; LOURO, 1999), este compreende dois níveis de definição. Um primeiro nível
percebe o gênero como elemento constitutivo das relões sociais, baseado nas diferenças
perceptíveis entre os sexos e, em um segundo nível, toma o gênero como forma primária de
representar relações de poder
2
. Assim, nosso recorte metodológico, prioriza a questão do
2
O presente estudo se constrói com base na pesquisa qualitativa, tendo como referencial o gênero, importante
para entendermos a construção das relações sócio-espaciais, sendo que este se apresenta enquanto elemento
constitutivo das relões sociais, baseado nas diferenças percepveis entre os sexos, e como forma de
representação das relações de poder (SCOTT, 1995).
_______________________________________________________________Introdução
18
poder de classe e do conflito social, visando a apreender os significados da mobilização das
trabalhadoras rurais por meio das duas entidades organizadas no Pontal do Paranapanema.
A análise da questão de gênero como processo teórico-prático na pesquisa
geográfica, permite-nos analisar diferencialmente, entre homens e mulheres, os papéis,
cargos, noções, promoção, acesso e obstáculos, demandas e prioridades que compreendem
o processo de Luta pela Terra, materializado nos assentamentos e acampamentos. Estando o
objetivo colocado, a contribuição se concentrou na tentativa de desvendar os processos que
criam e reproduzem a ideologia hegemônica de gênero, os quais perpetuam as relações de
poder, e, da mesma forma em como as práticas de resistência presentes no território da Luta
pela Terra são capazes de contribuir para a construção de espaços mais igualitários de
participão e transformação nas estruturas de poder predominante rumo à emancipação
dos trabalhadores e trabalhadoras do jugo do capital.
O caminhar da pesquisa
A pesquisa empírica e o acompanhamento constante de ambas as
organizões analisadas foi fundamental. Antes de qualquer coisa, devemos salientar que o
acompanhamento das organizações é anterior à fase que se iniciou com a entrada no
Programa de Pós-Graduação em Geografia, já que vimos nos dedicando a esta temática em
momentos anteriores, o que acrescentamos ao conjunto de informações conseguidas nesse
período. Logo, é fundamental apresentar essas experiências que antecederam a nossa
entrada no Curso da Pós-Graduação. Dividimos, assim, nossa atividade empírica em três
fases.
A primeira se iniciou ainda quando cursávamos a graduação, quando
desenvolvemos o projeto de Iniciação Científica/PIBIC/CNPq. Naquele momento,
entramos em contato com o universo de militância tanto do Movimento Sem Terra, e
particularmente do Coletivo de Gênero, no ano de 2001. A participação em eventos
organizados pelo Coletivo, bem como pelo MST foi constante. Já nos relacionávamos,
então, com o universo que compunha o Coletivo de Gênero e os trabalhos que eram
desenvolvidos por seus integrantes. Naquele mesmo ano, participamos pela primeira vez do
Encontro Estadual de Mulheres Assentadas do Estado de São Paulo, ocorrido na cidade de
_______________________________________________________________Introdução
19
Araraquara e que contou com a participação de assentadas de várias regiões do Estado,
organizado pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo ITESP. Estavam presentes
mulheres representantes de outros movimentos de luta pela terra, portanto, de experiências
distintas daquela de que até então tínhamos conhecimento. Na ocasião desse encontro, uma
outra organização estava sendo forjada e dava os primeiros passos para sua constituição em
nível estadual. Essa organização era Omaquesp, que viria logo depois a se efetivar e
organizar seus grupos por regiões.
Foi exatamente nesse momento que nos voltamos também para o
acompanhamento das atividades que viessem a ser desenvolvidas por esse grupo, na região
do Pontal do Paranapanema. A partir daí, organizamos um trabalho de campo para
conhecermos mais de perto como estava sendo estruturada a organização. Nessa atividade,
visitamos duas áreas de assentamentos e um acampamento. Foram eles: Santa Zélia, em
Teodoro Sampaio, e Che Guevara, em Mirante do Paranapanema. Escolhemos essas áreas
porque estavam sendo desenvolvidos, na época, projetos voltados para renda familiar,
organizados pelo ITESP, em conjunto com a Omaquesp, e também por serem esses
assentamentos exemplos de áreas com representatividade do Coletivo de Gênero do MST.
Nestes locais, conhecemos algumas militantes, fizemos entrevistas com as mesmas, e
também, tivemos oportunidade de visitar as áreas onde estavam sendo cultivados os
produtos que, num segundo momento, serviriam para comercialização e o retorno
financeiro para as mulheres envolvidas no projeto. Registramos as áreas cultivadas, por
meio de fotos. O Acampamento escolhido foi o Padre Josimo, localizado em Teodoro
Sampaio, no qual a presença do Coletivo também se fazia relevante. Passamos um período
neste acampamento, onde apreendemos toda a dinâmica de funcionamento daquele
acampamento. Foram dias e noites em contato com as acampadas e acampados, ou seja,
com as famílias acampadas.
Durante o mestrado, e já tendo como objeto de estudo as duas
organizões, passamos para uma segunda fase de acompanhamento de ambas, no
Município de Teodoro Sampaio. Realizamos outra atividade de campo, sendo que
retornamos aos locais visitados no período anterior, já que nosso objetivo era acompanhar o
desenvolvimento e as mudanças que possivelmente pudessem ter ocorrido.
_______________________________________________________________Introdução
20
Dessa forma, foi possível notar uma série de mudanças ocorridas no
interior dos assentamentos visitados, bem como na organizão dos grupos de mulheres.
Nos assentamentos, os projetos em desenvolvimento, já mencionados, foram interrompidos,
e da mesma forma que antes, buscamos entrar em contato com as militantes e as assentadas
para apreender as mudanças que, possivelmente, tivessem sido efetivadas naquele intervalo
de tempo. Como já havíamos entrado em contato com elas num período anterior, nossa
recepção foi muito positiva; acreditamos, inclusive, ter sido uma experiência importante, já
que acompanhamos o desenvolvimento e transformação tanto dos espaços como da atuação
e participão daquelas mulheres.
O acampamento Padre Josimo encontrava-se então sob outras condições.
Os próprios acampados tiveram a iniciativa de organizar e produzir uma divisão da área em
lotes, concebida sob uma forma diferente de outros assentamentos implantados no
município. O assentamento foi concebido de tal forma que todos os lotes convergiam para o
centro comunitário, formando assim vários núcleos. Segundo um militante assentado que
esteve ligado a essa iniciativa desde o começo, tal modelo de disposição dos lotes facilita e
fortalece uma vida comunitária mais intensa entre os assentados. As vias de circulação
internas também possuem uma estrada principal que permeia todos os cleos, de forma a
tornar a circulação dos assentados mais integrada. Enfim, a experiência, segundo ele, foi
muito importante nesse caminhar de contatos com os assentados do município. Entramos
em contato com as mulheres que antes se encontravam na condição de acampadas e que
estavam então na condição de assentadas; foi possível compreender por quais mudanças
passaram e como isso rebateu na própria organização da sua vida dentro do Pré-
assentamento São Pedro.
A última fase da atividade se deu no início do ano de 2004, quando
sentimos a necessidade de fazermos uma incursão em outras áreas distintas das visitadas até
então. Procuramos entrar em contato com assentados e assentadas em áreas onde não
tínhamos realizado nenhum contato anterior e, principalmente, nas quais houvesse um
histórico de formação e ligação com outros movimentos diferentes do MST; ou ainda, áreas
que não tivessem um trabalho de representação expressivo, justamente para compreender
de que forma estão estruturadas as relões dentro delas bem como conhecer quais são as
grandes diferenças notadas do ponto de vista da inserção na luta pela terra, enfim, conhecer
_______________________________________________________________Introdução
21
uma outra realidade, diferente daquela até então visitada. São assentamentos cuja luta
primeira, em alguns casos, não esteve necessariamente vinculada ao MST, e que não existe
uma representatividade dos grupos de mulheres (Coletivo de Gênero e Omaquesp), etc.
Foram eles: Santa Cruz da Alcídia, Santa Terezinha da Alcídia, Tucano (localizado em
Euclides da Cunha), e Ribeirão Bonito. Este último é um assentamento com representantes
do Coletivo e da Omaquesp, mas que não tinha sido visitado no trabalho de campo anterior.
Para fechar a importância da escolha desse município para realização do
trabalho de campo, destacamos os inúmeros projetos implantados e as ações desenvolvidas
pelos grupos em assentamentos e acampamentos existentes até então. Mas isso não excluiu,
de qualquer forma, a necessidade de acompanharmos algumas atividades e realizar o
trabalho de campo em outras áreas de assentamentos e acampamentos em outros
municípios, como o Assentamento Tucano, em Euclides da Cunha, e o Che Guevara, em
Mirante do Paranapanema. Essa necessidade se efetivou por existirem, nesses outros
municípios, áreas onde estavam sendo desenvolvidos trabalhos diretamente ligados à esfera
de organização dos dois grupos, ou pelo fato de haver ali uma representação interna
destacada.
Nossa pesquisa tem, como foco, assentamentos e acampamentos
localizados no município de Teodoro Sampaio, existindo, ainda, algumas áreas nas quais
entendemos ser necessário um acompanhamento por conta dos fatores acima enunciados.
Outro fato extremamente relevante se deve às transformações e modificões que foram
ocorrendo no decorrer da pesquisa. Procuramos satisfazer nossas indagações ampliando
nosso universo de pesquisa que a princípio tinha como composição apenas duas áreas de
assentamento e um acampamento localizado no município.
Na Figura 1, podemos visualizar todas as áreas de assentamentos do
município de Teodoro Sampaio. Dentre eles, há aqueles nos quais fizemos atividades de
campo. Atualmente, existem 19 assentamentos no município de Teodoro Sampaio.
52°40’00’’
22°15’00’’
52°10’00’’
22°15’00’’
52°35’00’’
22°30’00’’
52°05’00’’
22°40’00’’
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0 3000 6000 9000 m
ESCALA GRÁFICA
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TEODORO
SAMPAIO NO EXTREMO OESTE PAULISTA
LEGENDA
LOCALIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS
VISITADOS NO MUNICÍPIO DE
TEODORO SAMPAIO-SP
ASSENTAMENTO
LAUDENOR DE SOUZA
ASSENTAMENTO
ÁGUA BRANCA I
ASSENTAMENTO
SANTA TEREZINHA
DA ALCÍDIA
ASSENTAMENTO
ALCÍDIA DA GATA
ASSENTAMENTO
SANTA ZÉLIA
ASSENTAMENTO
SANTA TEREZA
DA ÁGUA SUMIDA
ASSENTAMENTO
SANTA RITA DA SERRA
ASSENTAMENTO SANTO
ANTONIO DOS COQUEIROS
ASSENTAMENTO
VALE VERDE
ASSENTAMENTO
HAIDÉIA
ASSENTAMENTO
CACHOEIRO
DO ESTREITO
ASSENTAMENTO
SANTA VITÓRIA
ASSENTAMENTO
CÓRREGO AZUL
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613
158
CONVENÇÕES CARTOGRÁFICAS
Fonte: Prefeitura Municipal de Teodoro Sampaio
Base Cartográfica: Carta Base do Setor de Obras e Engenharia, 2000
Organização: Renata Cristiane Valenciano, 2004
ASSENTAMENTO
LAUDENOR DE
SOUZA
ASSENTAMENTO
VÔ TONICO
ASSENTAMENTO
STA. CRUZ DA
ALCÍDIA
ASSENTAMENTO
FUSQUINHA
ASSENTAMENTO
PADRE JOSIMO
ASSENTAMENTO
ÁGUA SUMIDA
Divisa municipal
Área dos assentamentos
Estrada sem pavimentação
Estrada pavimentada
Ferrovia
Área urbana
Corpos d’água
Assentamentos visitados no trabalho de campo
Assentamentos não visitados
Área de assentamento
20º S
24º S
PR
MS
MG
SÃO PAULO
51º30’ W
46º30’ W
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientítifo e Tecnológico
APOIO FINANCEIRO
INSTITUIÇÃO
FIGURA: 01
PÁGINA: 22
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Estado do Paraná
ASSENTAMENTO
SANTA EDWIRGENS
_______________________________________________________________Introdução
23
Essas foram às atividades de campo realizadas diretamente junto aos
assentamentos e acampamentos, muito embora o acompanhamento minucioso de
atividades, como ações e manifestações organizadas pelos grupos de mulheres na região,
tenha sido permanente e continue até hoje.
Como já tínhamos realizado um contato com as representantes de ambas as
organizões, sempre fomos comunicados de reuniões organizadas para realização das
atividades das mulheres. Assim, acompanhávamos toda a organizão das atividades, desde
a primeira reunião, até a execução da atividade em si. Foram passeatas, caminhadas,
ocupações de órgãos como o ITESP, Agências do Banco do Brasil etc. Dentre elas,
destacamos uma experiência muito interessante que vivenciamos na cidade de Teodoro
Sampaio: a organização de um acampamento de mulheres do MST. Foram dez dias de
mobilizão diante do Fórum da cidade, onde convivemos com mulheres e crianças vindas
de vários municípios, realizando místicas, discussões, manifestações. Enfim, foi um
momento de interlocução com as assentadas e acampadas.
Um outro momento extremamente marcante foi a organizão do primeiro
Encontro Regional de Assentadas e Acampadas do MST. Nesse encontro, além de
participarmos das reuniões que antecederam sua realização, contribuímos com as
atividades, com as místicas, de forma a nos inserirmos profundamente no universo daquelas
mulheres ali presentes. Nessas atividades, registramos toda evolução e transformão pelas
quais as organizações de mulheres do Pontal passaram. Chegamos ao final de todas essas
atividades carregando um conjunto amplo de informações, de contatos com as militantes
dos grupos, tanta as assentadas e como as acampadas, e não apenas mulheres, mas também
os militantes, assentados e acampados, ou seja, mulheres, homens e crianças inseridos nesse
processo de Luta pela Terra da região.
Opção Metodológica
Essas transformões pelas quais passaram o Coletivo de Gênero e a
Omaquesp, motivaram a organizão de várias atividades de campo, como já salientamos,
bem como o acompanhamento minucioso de ações por elas desenvolvidas. Foi justamente
_______________________________________________________________Introdução
24
por meio dessas incursões, que conseguimos ver de perto todas as modificações do ponto
de vista da organização, que ambas sofreram desde sua formão. Foram mudanças de
representantes, de divisão regional de trabalho, de dissidências e rompimentos, de
constituições de novos grupos, enfim, toda essa espiral que compreende o universo
pesquisado. Podemos destacar a dimensão empírica como central na pesquisa, pois além do
acompanhamento das atividades organizadas pelas (os) trabalhadoras (os), salientamos a
importância das entrevistas realizadas ao longo desse período, que abrangeram assentadas
(os), acampadas (os) e militantes. As entrevistas foram realizadas também junto aos demais
militantes do MST e lideranças do Coletivo de Gênero, na região do Pontal do
Paranapanema. Paralelamente, entrevistamos as dirigentes da Omaquesp nos
assentamentos, as suas representantes regionais.
E ainda nessas incursões de Trabalho de Campo, foram elaboradas fichas
das reuniões, nas quais organizamos toda a pauta a ser discutida, os participantes, e os
encaminhamentos decididos, sendo que pudemos registrar os fatos também por meio de
fotografias, conseguidas em grande parte por meio de trabalho de campo em equipe.
Na elaboração dos roteiros (anexos A, B, e C), baseados em questões
abertas, optamos por dividir, para fins analíticos, as mulheres entrevistadas em acampadas,
assentadas e militantes do movimento social e/ou representantes da organização de
mulheres, e demais atores envolvidos direta ou indiretamente no universo da luta pela terra.
Mas, como já esperávamos, os depoimentos das trabalhadoras, especialmente das
acampadas e assentadas não engajadas em nenhuma entidade, (logo, não comprometidas
com nenhuma delas), contribuíram sobremaneira para a percepção de uma série de
elementos que nos motivou a desenvolver outras análises.
Os trabalhos de campo desenvolvidos em equipe para a finalização desta
pesquisa contaram com a participação de Maria Franco Garcia, Edvaldo Carlos de Lima e
Sônia Maria Ribeiro de Souza. Todos são colegas e membros do CEGeT, e desenvolvem
projetos de pesquisa em nível de mestrado e/ou doutorado, voltados à temática da Luta pela
Terra e a organização das mulheres trabalhadoras, aos movimentos sociais de Luta pela
Terra no Pontal do Paranapanema e o MST no discurso jornalístico.
Quando nos colocamos o desafio de apreender a dinâmica dos grupos de
mulheres, e os significados que se verificam no território da luta dos trabalhadores e
_______________________________________________________________Introdução
25
trabalhadoras, por meio da perspectiva de gênero, assumimos, como instrumento válido e
fundamental, a análise qualitativa, vislumbrada nas entrevistas, no acompanhamento e na
participão tanto às reuniões, quanto às atividades desenvolvidas pelos trabalhadores sem
terra. Primeiramente buscamos apreender, por meio dessas técnicas, as relações sociais de
gênero presentes nos territórios de luta: assentamentos e acampamentos. Isso se deve a que
os mesmos elucidam muitas das questões colocadas para a pesquisa e para os estudos de
gênero. Pela fala das trabalhadoras e trabalhadores, procuramos entender o significado e o
universo desses atores, suscitando novas problemáticas, idéias, e hipóteses, prosseguindo,
enfim, na interpretação da realidade.
Ocupamos-nos da história oral
3
, pois o relato de vida é a técnica, por
excelência, para estudo dos processos ligados à exclusão social: ele nos permite captar as
rupturas que marcam as tortuosas trajetórias de todos os que se envolvem na luta pela terra.
Sob essa perspectiva, utilizamos as entrevistas como aporte fundamental
de contato com as trabalhadoras e trabalhadores rurais dos acampamentos e assentamentos
já referidos acima. As entrevistas nos permitiram apreender os diferentes significados
inerentes a cada uma das organizações, bem como os resultados, ou reflexos internos às
próprias organizações e aos espos em que incidem. Muito mais que meras descrições, ou
simples coleta de dados, é fundamental salientar a problemática dos diferentes grupos, os
seus alcances e objetivos, e os resultados alcançados.
As reuniões foram momentos nos quais pudemos acompanhar
regularmente os trabalhos realizados pelo Coletivo de Gênero do MST. As reuniões sempre
iniciavam com a chamada análise de conjuntura”, em que são tratados os desafios
colocados para o momento e a importância e contexto das ações a serem realizadas. Esse
espaço também garantia aos participantes a oportunidade de expressar suas opiniões,
ampliando as discussões e divulgação posterior das mesmas em assentamentos e
acampamentos.
Os encontros e reuniões do Coletivo também se tornaram ótimas
oportunidades para desenvolver discussões em grupos focais, que é uma técnica que
3
A metodologia utilizada em nossa pesquisa, e desenvolvida pelos estudos de História Oral, fundamenta-se
em WHITAKER, 2000.
_______________________________________________________________Introdução
26
permite alcançar, por meio da análise qualitativa, resultados muito positivos. Tal prática
traz inúmeras vantagens, como destaca Placco (2004):
Esta técnica permite obter dados qualitativos relativos à opinião do grupo
participante, suas representações, atitudes, sentimentos e expressões
verbais, além das diferenças existentes entre as representões expressas.
(p. 7).
Começamos por identificar o assunto a ser discutido na reunião, traçamos
a pauta do dia e passamos a destacar, algumas questões. Dentre elas destacamos as questões
presentes nos roteiros de entrevistas, as quais incentivavam a discussão, a conversão e
troca de experiências.
A participão em todas essas atividades, além de permitir o contato com
imeras fontes, trouxe também a oportunidade de criar um banco de imagens. São fotos
que ilustram as atividades realizadas pelos protagonistas da luta. São ações como passeatas,
ocupações, acampamentos, atos públicos etc., além de cenas do cotidiano, como o trabalho,
o dia-a-dia nos acampamentos e nos assentamentos.
Aos poucos, essas práticas da pesquisa participante foram-se
evidenciando como uma parte fundamental e integral do nosso estudo. Também não
podemos deixar de nos lembrar dos outros atores sociais com quem mantivemos
interlocução contínua: técnicos do ITESP, funcionários da prefeitura de Teodoro Sampaio e
a ONG vinculada ao desenvolvimento de projetos em parceria com as organizações, como
o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas).
Na cidade de Teodoro Sampaio, entrevistamos os técnicos do ITESP, que
acompanham o trabalho nos assentamentos, o Secretário de Desenvolvimento Local e Meio
Ambiente, a Assistente Social da Prefeitura, o diretor da Organização Não Governamental
IPÊ, a Vice-Presidenta Estadual e Representante Regional da Omaquesp, e outra
representante regional dessa organizão, a Representante Estadual do Coletivo de Gênero,
além de várias lideranças regionais do MST.
Dessa forma, buscamos compreender a dimensão do poder e do conflito,
por meio dos significados da organizão das mulheres trabalhadoras sem terra: Coletivo de
Gênero e Omaquesp, pois entendemos que as desigualdades de gênero podem ser
apreendidas nas relações interpessoais e mais do que isso, tais desigualdades são
_______________________________________________________________Introdução
27
produzidas e perpetuadas por meio das instituições sociais, além de se contextualizarem e
se configurarem territorialmente.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
28
CAPÍTULO I
AS ORGANIZÕES DE MULHERES TRABALHADORAS SEM TERRA
NO PONTAL DO PARANAPANEMA
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
29
Pra mudar a sociedade do jeito que a gente quer,
Participando sem medo de ser mulher
Porque a luta não é só dos companheiros
Pisando firme sem pedir nenhum segredo
Pois sem mulher a luta vai pela metade
Fortalecendo os movimentos populares
Na aliança operário-camponesa
Pois a vitória vai ser nossa com certeza.”
Zé Pinto, 1996
(Participando sem medo de ser mulher)
1.1. A classe trabalhadora e a Luta pela Terra em Questão
A organização das mulheres trabalhadoras sem terra envolvidas na Luta pela
Terra e a Reforma Agrária é nossa referência para compreendermos de que forma estão
estruturadas as relões de gênero que permeiam os territórios de luta, acampamentos e
assentamentos. Dessa forma, devemos nos ater à contextualização dessas instâncias
organizativas, tendo como base o universo da Luta pela Terra. Esses grupos têm como
contexto de origem a luta travada pelos trabalhadores rurais sem terra, que organizaram e
encontraram no Pontal do Paranapanema o berço para a constituição tanto do Coletivo de
Gênero como para a composição da Omaquesp.
Contudo, inicialmente procuraremos abordar o processo mais geral de Luta
pela Terra, ou seja, quais são os embates, conflitos e transformões que deram margem para
o surgimento e constituição da luta travada pelos trabalhadores rurais no Brasil, reportando-
nos logo em seguida, para o contexto do conflito estabelecido atualmente no Pontal do
Paranapanema, palco das manifestões e ões dos trabalhadores e das trabalhadoras
organizadas.
Todos os embates sociais que tiveram emergência nos últimos tempos, não
podem ser considerados sem fazer menção à diversidade de realidades, das quais destacamos
as transformações na agricultura e as respectivas formas de organização e luta dos
trabalhadores rurais diante dessas transformações. A Luta pela Terra no Brasil possui suas
bases fundadas no questionamento dos modelos expropriador e excludente, impresso
secularmente no latifúndio e nos setores modernizados/mecanizados, e agroexportador.
Mesmo com o passar dos tempos, esse modelo de propriedade permanece,
registrando seu legado de exclusão social. Sendo esses latifúndios a marca da elite ruralista
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
30
brasileira, expressam o interesse do capital como um todo pela sua ampliação, articulando de
forma combinada a expropriação e a exclusão (MARTINS, 1980). À medida que o capital se
desenvolve no campo, sua tendência é apoderar-se dos meios de produção, subtraindo dos
trabalhadores seus recursos e instrumentos de trabalho. Assim, pequenos agricultores ou
foram expropriados de suas terras, ou tiveram de submeter-se ao trabalho assalariado, ao
sistema de parceria, dentre outras formas de arrendamento para garantir sua sobrevivência.
Segundo Thomaz Jr., (2000, p. 2):
Esse é o retrato da travagem ou mesmo do impedimento ao acesso à terra de
milhões de famílias sem terra, sendo que também se apresenta como indutor
da expulsão de milhares de famílias da terra, na condição de posseiros,
agregados, arrendatários e pequenos proprietários etc., como ainda fragiliza
e exclui milhões de trabalhadores do direito ao trabalho, à moradia etc., nos
centros urbanos. Mas também é o centro da estimulão rumo às ocupões
de terras.
O desenvolvimento do capitalismo na agricultura envolve diversos atores,
por meio de um processo desigual, excludente e contraditório, em que a crise social desponta
como resposta a essas transformões. Esse desenvolvimento trouxe ainda conseências
estruturais que se anunciam na deterioração das condições de vida da população rural,
desapropriação de suas terras, aumento do número de agricultores sem terra, dando margem,
por conseguinte, aos crescentes conflitos pela conquista de terra.
Os conflitos revelam, ao longo da história, a expropriação dos trabalhadores
e trabalhadoras em favor da emergência das grandes empresas rurais e dos grandes
latifundiários. Esse processo, além de modificar intensamente a economia e a sociedade,
marcou a exclusão social dos trabalhadores rurais, dos camponeses e a supressão das suas
raízes históricas, culturais, entre outros.
Perante a conjuntura de desigualdade, expropriação e exploração, que privou
o trabalho e vetou sua dignidade e identidade, os trabalhadores do campo, os sem terra, se
organizaram em busca dos seus direitos e na conquista daquilo que deles foi tirado: a terra. O
processo de ocupação de terras passou a ser uma das estratégias de luta e resistência nessa
conquista (FERNANDES, 2000).
Dessa dinâmica social é que surgiram as lutas sociais desencadeadas nas
últimas décadas. Os trabalhadores e as trabalhadoras rurais passaram a lutar pelo seu espaço
de sobrevivência, mas não apenas isso. Passou a questionar as formas de ocupação e uso da
terra pelos grandes proprietários e grileiros, de forma organizada. A conquista da terra vai
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
31
além da conquista de um lote para produção. Isso significou a retomada e/ou resgate da
identidade do camponês, a criação de novos espaços sociais, onde se vivencia uma nova fase
de relões sociais. Aqueles atores desenraizados surgiram buscando a transformação. É uma
nova realidade que está sendo construída por homens e mulheres, ambos organizados na luta,
em busca de uma sociedade mais justa, onde possam sobreviver e exercer seus direitos.
Assim, enfatiza Fernandes (1999, p. 53):
Desta forma, a luta pela reforma agrária não passa apenas pela distribuição
de terras, vai além... vai em direção da construção de novas formas de
organizão social que possibilitem a (re)conquista da terra de trabalho a
propriedade familiar. Vai em direção à (re) construção da propriedade
coletiva dos meios de produção, e, mais importante ainda, vai em direção à
construção de novas experiências realizadas cotidianamente pelos
trabalhadores rurais no movimento de luta pela terra.
Concebemos a organização e a luta pela conquista da terra como sendo
geradas em torno da existência de uma identidade social, uma situação de vida que é comum a
todos esses trabalhadores e trabalhadoras. Isso os faz reconhecerem-se como atores de uma
mesma realidade e de um mesmo passado, forjando, na luta, a tentativa de tornar possível o
resgate de suas raízes e o seu sonho de uma vida mais digna. (MST, 1995). São homens e
mulheres vindos de muitos lugares, os quais se despertaram, se reconheceram, como
integrantes de uma luta e engajados na busca por um futuro mais digno; tornaram-se sujeitos
sociais coletivos, modificando a sua história e a da sociedade, deixando suas marcas para
sempre na história.
É possível notar a crescente adesão aos movimentos sociais do campo de
trabalhadores e trabalhadoras proletarizados e semi-proletarizados, os quais buscam, no
acesso à terra, a retomada da dignidade e o direito ao trabalho. Referimos-nos àqueles que
foram expropriados. Dessa forma, temos que este é mais um elemento, o qual, adicionado ao
modelo concentrador/modernizador da agricultura, requalifica o perfil dos trabalhadores
rurais sem terra no Brasil, como salienta Thomaz Jr., (2001, p. 20):
Isto é, a demanda por terra não se restringe tão somente aos trabalhadores
que já têm ou que tiveram ligação com a terra, mas um conjunto
diversificado de trabalhadores, ex-assalariados urbanos, engrossa as fileiras
dos sem terra no Brasil, passam a compor os movimentos sociais afins e as
frentes de luta pela terra, redefinem o perfil e o conteúdo societal do
trabalho envolvido na luta pela terra.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
32
A reprodução ampliada do capital e a sua hegemonização, tanto no campo
quanto na cidade, tiveram como repercussão, para o universo do trabalho, novas
conformões marcadas pelas novas territorialidades que se materializam. Assim, poderemos
apreender as diferentes formas às quais os trabalhadores têm-se submetido para a conquista da
manutenção de sua existência, o que implica a sua inserção cada vez mais acentuada em
atividades precarizadas ou mesmo ao desemprego. Esses são os referenciais para entendermos
as alterões e transformões que dão contorno ao mundo do trabalho e às suas expressões.
Dessa forma, acreditamos estar mais próximos da compreensão das mutões
que atingem a classe trabalhadora, visto que assistimos a um quadro de fragmentação do
trabalho que repercute diretamente na noção de (des) pertencimento de classe. Ao que
Thomaz Jr. (2003), denomina de plasticidade do trabalho, em que diferentes formas de
externalizações do trabalho, juntamente com as diferentes externalizões do capital e do
Estado (re) estruturam tais formas geográficas, ou a dinâmica geográfica do trabalho. Essas
diferentes externalizões do trabalho corroboram para a constituição de diferentes estratégias
de luta, nas quais os trabalhadores, inseridos em diferentes atividades, caminham entre uma e
outra, redimensionando constantemente o desenho da classe trabalhadora no Brasil. Observa-
se que essa realidade faz extrapolar os limites, as fronteiras, entre ser trabalhador (a) rural,
bóia-fria, e um trabalhador (a) urbano, um (a) operário (a) fabril. Logo, nossa compreensão de
classe trabalhadora é mais ampla, pois consideramos os trabalhadores e trabalhadoras
independentemente do universo laboral no qual estejam inseridos.
Essas transformões no mundo do trabalho que fragmentaram, separaram e
obstaculizaram o entendimento e as relões solidárias entre os trabalhadores, observadas
sobretudo nas corporões, substanciaram ou deram margem para o isolamento, segmentando
e desqualificando uns e evidenciando outros. E não apenas isso: o poder do capital sobre o
tecido social além de gerenciar as atividades laborativas, ainda se reportou para a reprodução
da vida, para a subjetividade da classe trabalhadora, o que repercutiu pontualmente sobre as
formas de organização política dos mesmos. Assim, quando demandas distintas se fazem
notar, como reivindicação por melhores salários ou realização da Reforma Agrária, apresenta-
se de forma dispersa, quase oposta, o que implica nas dificuldades de representação dos
trabalhadores e na interlocução entre si mesmos.
No entanto, o que apreendemos no contexto da Luta pela Terra,
principalmente no que tange aos trabalhadores e trabalhadoras que estão nas fileiras da luta, é
que existem trabalhadores (as) com experiências distintas, tanto do campo quanto da cidade, o
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
33
que é revelador do movimento contínuo dos mesmos pelas mais variadas atividades
laborativas.
Desde o primeiro passo da luta, que é a ocupão, a mulher está presente. Ela
qual se destaca ao lado dos homens, muito embora a cultura e os preceitos que referenciam a
organização patriarcal familiar tenham, na mulher, a dona de casa, a senhora do lar, a mãe, a
esposa. Ou seja: todos os aspectos que caracterizam o espo privado. A sua luta é justamente
para extrapolar essa condição, ganhando também a esfera pública. Essas mulheres
desenvolvem inúmeras funções dentro da organização e seguem junto com os companheiros a
luta pela Reforma Agrária e pela fundamentação da luta política.
1.2. O Pontal do Paranapanema: Lócus da Luta e da Mobilização Política
O processo de enfrentamento entre sem-terras e fazendeiros desencadeado no
Pontal do Paranapanema, envolveu, desde o princípio, conflitos violentos, muitas vezes
armados. Esse quadro reflete o caráter tenso da Luta pela Terra travada não só no Pontal, mas
em quase todo o país. Conforme Fernandes (1999, p. 93): O avanço da organização dos
trabalhadores acirrou os ânimos das outras classes que não pouparam atitudes de violência
extrema”.
Essa classe que veio a se formar, a se organizar e a desempenhar a luta pela
Reforma Agrária no Pontal do Paranapanema, é constituída por trabalhadores e trabalhadoras
rurais, com experiências distintas, e também por trabalhadores (as) egressos dos centros
urbanos. São parceiros, meeiros, bóias-frias, ex-proprietários (pequenos produtores), e
trabalhadores urbanos desempregados, que já vivenciaram as diferentes facetas da
precarização do trabalho (informalidade, por exemplo). Mas, provaram, sobretudo a
radicalidade da despossessão, do desemprego. A respeito dessa questão, afirma Gonçalves
(2002, p. 58):
O fenômeno do desemprego e da precarizão das condições de trabalho na
nova era do capital, podem facilmente ser observados na maior parte das
cidades brasileiras. É nesse cenário que se tornam mais visíveis a partir do
ano de 1990, assumindo dimensões nunca registradas antes.
Segundo o autor, o desemprego pode ser facilmente notado no espo urbano
em grande parte do país. Contudo, o fenômeno ao qual se refere extrapola esse limite e vai
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
34
além da cidade. A pobreza oriunda desse fenômeno também pode ser observada no campo, à
beira de rodovias de muitas pequenas cidades do Pontal.
A região do Pontal ainda se mantém num quadro de empobrecimento, que foi
gerado por um agravamento econômico devido à expansão do latifúndio. O estrangulamento
da pequena propriedade, por sua vez, está intimamente associado à expansão das pastagens. A
pecuária disseminou-se por inúmeras propriedades (em grande parte, latifúndios) do Pontal.
Esse cenário atual de empobrecimento, sem dúvida nenhuma, se agravou por conta da
concentração fundiária que suprimiu as pequenas propriedades, e que expropriou os
trabalhadores e trabalhadoras.
Resultado desse processo, os conflitos entre fazendeiros e sem-terras
agravaram-se durante toda a década de 1990. A onda de violência que marcou o Pontal
assegurou, em grande parte, a expulsão desses trabalhadores (as). Violências de toda ordem
têm sido cometidas contra essas pessoas, especialmente por jagunços e pistoleiros, a fim de
assegurar a sua expulsão da terra. Muitos trabalhadores (as) foram recebidos a bala quando
tentavam fazer uma ocupação
1
. Esse quadro de violência ainda está ativo, sendo que existem
fazendas vigiadas 24 horas por dia por jagunços armados, que controlam inclusive a entrada e
a saída de pessoas.
Em alguns municípios, o clima tenso entre sem-terras e fazendeiros vigora
até hoje. Porém, é no plano local que esses conflitos acontecem e vão ganhando dimensões
cada vez maiores, já que a mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras, para lutar pela
Reforma Agrária, se inicia com a identificação das áreas devolutas. É pertinente chamar a
atenção para o que caracterizou o Pontal do Paranapanema
2
como sendo um dos principais
focos de luta pela reforma agrária: a imensidão de terras devolutas e latifúndios improdutivos.
A conquista dessas terras se intensificou na década de 1990, quando se deu início a
transformação das áreas em assentamentos rurais.
Todo esse processo de formação dos assentamentos no município de Teodoro
Sampaio teve sua gênese no final de 1994 e início de 1995, momento em que o MST chega ao
1
Ver anexo 01.
2
O processo de ocupação da rego do Pontal do Paranapanema aconteceu com base na conhecida grilagem” de
terras e pela destruição de duas grandes reservas florestais: a Lagoa São Paulo e a Reserva do Pontal. O poder
político, econômico e social, concentrado nas os de grandes coronéis e fazendeiros, conhecidos como os
grileiros, os quais se apropriaram da terra, fortalecendo seu poder local, contando para isso com a exploração da
classe trabalhadora rural. Esses trabalhadores tinham, como condição de permanecer na terra, a derrubada da
mata para a formação das pastagens. Uma vez tendo sido realizada a formação da fazenda, esses trabalhadores,
os posseiros, eram expulsos e quando resistiam à saída, eram por vezes assassinados. Todo esse processo de
exploração da madeira, formação de grandes latifúndios e a exploração dos trabalhadores é descrito por
FERRARI LEITE (1998), cuja obra serve de referência para compreendermos o processo de ocupação da região
do Pontal do Paranapanema.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
35
município e inicia um trabalho de base, envolvendo trabalhadores que, juntos, não
ultrapassavam 500 participantes. No entanto, o MST já contava, à época com outras ões na
região do Pontal, ocorridas num período anterior, das quais podemos destacar a ocupação da
Fazenda Nova do Pontal no município de Rosana, em 1990, com cerca de 800 famílias que
ocuparam uma área de 287 hectares, cujo objetivo foi, segundo Bergamasco e Norder (1996,
p. 101):
reverter sua forma de ocupão. Em sete dias, receberam uma liminar de
reitengração de posse e oito meses depois, 247 destas famílias ocuparam a
Fazenda São Bento. Iniciava-se a efetivação de uma série de estratégias
políticas visando à ocupação destas áreas que resultariam, no final de 1994,
no assentamento emergencial de 316 famílias na Fazenda Santa Clara, no
município de Mirante do Paranapanema.
A localização da Fazenda, hoje Assentamento Nova do Pontal, pode ser
visualizada na Figura 02.
Uma outra ocupação ocorrida em 1991 da qual se originou o Assentamento
Che Guevara, no município de Mirante do Paranapanema, é mais uma das grandes ões de
ocupação que se converteram em assentamentos. Essas ões são consideradas as primeiras
que o MST realizou na região do Pontal do Paranapanema. A localização desse assentamento
pode ser conferida também na Figura 02.
Com o passar do tempo, outras frentes de luta vieram a se formar.
Organizaram-se e promoveram-se ões na região do Pontal, deixando, a luta pela terra, de ser
restrita ao MST. Segundo Lima (2002, p. 13):
Neste contexto além do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra), enquanto movimento social organizado, existe outras frentes de luta
pela terra que se manifestam no Pontal do Paranapanema, porém com
propostas ainda embrionárias num projeto de reforma agrária. Em sua
maioria são organizações sociais geradas a partir de dissidências do MST,
em busca de construir novas relões e uma nova territorialidade.
112
EUCLIDES
DA CUNHA
ROSANA
MIRANTE DO
PARANAPANEMA
TEODORO
SAMPAIO
FIGURA: 02
PÁGINA: 36
0 30 60 Km
ESCALA GRÁFICA APROXIMADA
Base Cartográfica: Itesp - 2004
Fonte: ITESP; LIMA (2004); Trabalho de Campo
Organização: Renata Cristiane Valenciano (2004)
APOIO FINANCEIRO:
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientítifo e Tecnológico
INSTITUIÇÃO:
LEGENDA
20º S
24º S
PR
MS
MG
SÃO PAULO
51º30’ W
46º30’ W
Assentamento Nova do Pontal
Assentamento Che Guevara
Área Urbana
COCAMP
Sede de Município
Limite de Município
Perímetro da Fazenda São Domingos
Brasil
23º S
53º W
23ºS
51º30’ W
22ºS
51º30’ W
22º S
53º W
R
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SANDOVALINA
LOCALIZAÇÃO DOS MARCOS
HISTÓRICOS
DA LUTA PELA TERRA EM MUNICÍPIOS
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
37
A cidade de Teodoro Sampaio é considerada atualmente uma referência no
que tange à organização dos trabalhadores no Pontal (Localização da cidade ver: Figura 02).
Entende-se, assim, que Teodoro Sampaio encontra-se inserida nesse processo de forma
especial, sendo hoje um dos principais focos representativos da luta pela terra no Pontal do
Paranapanema. (VALENCIANO, 2001).
O município de Teodoro Sampaio foi o local no qual nos debruçamos para
compreender a dinâmica de atuação das organizões de mulheres. Primeiro, porque, como já
salientamos, o município encontra-se inserido de forma especial no contexto da luta na região.
Está também presente ali a Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços para os
Assentados de Reforma Agrária COCAMP, cujas instalões sempre foram utilizadas para
uma série de ões do MST, além de servirem como referência para os assentados e
acampados, tanto os do próprio município quanto os da região. Inúmeras reuniões do Coletivo
de Gênero foram organizadas na COCAMP, além de encontros e cursos de formação.
A COCAMP foi construída com o objetivo de se tornar a materialização do
sistema de cooperativismo amplamente trabalhado no âmbito do MST, em que no processo de
(re) dimensionamento da luta política, o cooperativismo, revelou-se como um dos pilares da
gestão dos assentamentos rurais, tanto no que tange à viabilização da produção, como na
reafirmação da sua luta política e na viabilidade da reforma agrária (RIBAS, 2004). Se tanto o
projeto de gestão de assentamentos, quanto o próprio funcionamento das unidades de
processamento da COCAMP viessem a se tornar realidade, a COCAMP representaria um
ícone da luta e das estratégias de viabilização do projeto político-ideológico do MST para a
região do Pontal. Contudo, os projetos não passaram desse plano, logo, inviabilizaram-se
todos esses ideais. O que temos atualmente é um projeto falido esvaído entre paredes,
máquinas e implementos. Ou seja, há apenas o que sobrou desse plano.
1.3. A Organização das Trabalhadoras Sem Terra: O Coletivo de Gênero e a Omaquesp
Partimos da existência de organizações de mulheres rurais sem terra na
região do Pontal para tecer algumas considerões sobre as diferentes formas de
implementação e ação de ambas, as quais surgiram de mobilizações, que envolviam
inicialmente homens e mulheres com demandas, a priori, semelhantes. Contudo, no decorrer
do processo de luta pela terra, seus contextos e histórias foram-se tornando distintos e
resultaram em características organizacionais, metas e estratégias significativamente
diferentes.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
38
O Coletivo de Gênero do MST é um dos segmentos do MST, tendo sido
forjado a partir de 1995; é composto por mulheres, e registra atualmente, a participação e a
ligação com mulheres assentadas e acampadas em, praticamente, todos os assentamentos e
acampamentos da região do Pontal. Apresenta um grupo minoritário de militantes que são
representantes municipais, cujo número varia constantemente. O leque de demandas e ões
desse grupo variou. Ele evoluiu consideravelmente, partindo de reivindicões iniciais, desde
liberdade aos presos políticos do MST até direitos extensivos às mulheres no que tange: à
saúde, aos direitos trabalhistas, à violência doméstica, à representação das mulheres nas
instâncias organizativas do movimento e fora dele, entre outros.
Já a Omaquesp está disposta em cinco regionais no Estado de São Paulo, das
quais o Pontal do Paranapanema é uma dessas regionais. É uma organização muito recente,
cujo projeto embrionário data de 2001; no entanto, já coleciona muitas transformões
internas, que posteriormente serão tratadas com o devido rigor. Nasceu a partir de iniciativas e
estímulos do ITESP, tornando-se uma forma organizacional estimulada para garantir
incremento de renda familiar, a princípio, a partir de projetos forjados com esse intuito.
Esses projetos têm enfocado, primeiramente, a implantação de pequenas
áreas de cultivo nas áreas de reserva dentro dos assentamentos, seguido da colheita e
comercialização desses produtos, convertendo-se, na seência, em uma renda extra para a
falia. Outra iniciativa desse grupo é promover a execução de cursos de formação, em
parceria com entidades do governo e algumas Ongs feministas
3
.
O objetivo principal de estabelecer uma linha de análise entre essas duas
organizações é compreender as diferentes estratégias executadas pelos grupos, com base em
todo o histórico de origem e estruturação das mesmas, nas quais as linhas de atuação ficarão
mais claras.
As formas pelas quais as mulheres dessas duas organizações optaram por
trabalhar são determinadas pela história específica de formação de ambos os grupos e o
contexto político em que surgiram. Assim, pretendemos apresentar as diferentes influências
organizacionais, políticas etc., em ambos os casos, que deram margem à formação de grupos
com distintas características e especificidades.
As mulheres ligadas ao Coletivo de Gênero do MST possuem uma estratégia
de desafiar os papéis tradicionalmente identificados como sendo de mulheres, tentando
construir novos espaços de socialização e participação política, além de questionar outros
3
Podemos destacar o trabalhado realizado em parceria com Sempre-Viva Organização Feminista SOF.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
39
assuntos que envolvem a classe trabalhadora na qual estão inseridas, como a criminalização
de lideranças, lutas por melhores condições de moradia, saúde, educação etc.
A Omaquesp optou por trabalhar no âmbito social, não abordando de forma
pontual a condição da precarização e expropriação da classe na qual estão inseridas as
mulheres. Uma outra característica que podemos vislumbrar com muita clareza tanto pelas
atividades que desenvolvem, como pelo próprio conteúdo de seu Estatuto
4
, é o repúdio a
qualquer manifestação de cunho contestador contra o Estado e demais Instituições e/ou órgãos
diretamente ligados à questão agrária. Manifestões e ões públicas não fazem parte das
atividades da Omaquesp. Essa organização optou por manter um canal aberto de interlocução
não conflitiva com tais instituições.
Uma apreciação mais cuidadosa dessas organizações aponta algumas
diferenças centrais entre elas: O Coletivo de Gênero tem a sua gênese dentro de um
movimento de oposição, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), (este, por
sua vez, mantém vínculos com grupos de iniciativas populares que compartilham um enfoque
ideológico que privilegia de um lado 1) o confronto com o Estado e os grupos representantes
da elite ruralista, os latifundiários, os opressores dos trabalhadores rurais, os quais manifestam
as formas de expropriação e exploração dos mesmos; e, por outro o lado, 2), a organização da
classe trabalhadora. Já a Omaquesp não fundamenta suas ões em oposição ao Estado ou
qualquer uma de suas instâncias de representão. Suas lideranças alinharam-se ao ITESP,
inicialmente, visando, com essa relação, a estabelecer um canal de interlocução obter os
recursos públicos e fomentos necessários para desenvolver seus trabalhos, implantar projetos
e viabilizar suas atividades.
Aliás, foi esse financiamento que sustentou vários projetos e o próprio
funcionamento do grupo desde a sua constituição até o período de crise vivenciado na região
do Pontal, onde a regional da Omaquesp optou por se desligar da organização, evento recente,
porém muito instigante. O desligamento da regional do Pontal é revelador de uma série de
conflitos que se deram no âmbito dessa organização e servem para compreendermos de que
forma está solidificada a base do grupo, tanto do ponto de vista organizativo quanto das
aspirações político-ideológicas que permeiam sua luta.
Do ponto e vista das ligações com outras entidades, podemos notar que as
militantes do Coletivo têm estabelecido contatos consistentes e significativos com outros
grupos ou movimentos de objetivos similares como a MMTR; o que se confunde com a
4
Para saber mais sobre o Estatuto da Omaquesp, ver Anexo 2.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
40
própria história de organização do MST, de abrangência nacional. Também, tem trabalhado
com cursos de formação, visando à transformão dos papéis opressivos pela construção de
novas relões de gênero.
As mulheres da Omaquesp, como já salientamos, mantêm contatos com
instâncias do governo, e algumas Ongs feministas. O reconhecimento da importância da luta
desenvolvida pela MMC em âmbito nacional também faz com que a Omaquesp mantenha
contatos e organize um espo de participação para esse Movimento que teve presença
garantida nos Encontros Estaduais.
Desde o seu surgimento até hoje, as lideranças que representam o Coletivo
de Gênero foram relativamente marginalizadas ou tiveram os seus trabalhos subestimados
dentro da organização maior. Muito embora a participação da mulher na Luta pela Terra seja
uma das metas priorizadas pelo movimento como um todo, são inúmeros os depoimentos de
militantes, tanto homens quanto mulheres, que reconhecem esse problema, existente no cerne
da luta, como um obstáculo, a ser gradativamente trabalhado, futuramente rompido e, por
conseência excluída. Aprendendo com essa experiência, o Coletivo luta por uma estrutura
de funcionamento e inserção da mulher que garanta sua atividade dentro dos mais diferentes
setores do MST, inclusive na participação de cargos de liderança de maior visibilidade.
A Omaquesp optou por se efetivar com base numa forma hierarquizada de
estruturão do grupo, ou seja, pautada numa rede de distribuição de tarefas hierarquicamente
subordinadas entre si. Isso, mais tarde, deu margem a uma exclusão no interior da própria
organização, e, posteriormente, a uma fragmentão interna seguida por crise entre as
lideranças. As dissidências internas foram os reflexos mais diretos do problema, sendo que os
resultados dessa crise foi o rompimento da regional Pontal do restante do Estado e os rumores
de surgimento e implementação de um novo grupo independente na região.
Com o objetivo de compreender melhor essa relação de hierarquias e
distribuição de tarefas, papéis, cargos etc., montamos dois quadros, dispostos na seência.
Eles ilustram as diferenças existentes entre os grupos com relação a esse aspecto. Temos dois
esquemas de distribuição de cargos: o primeiro (A) ilustra a organização do MST, em que
existem as coordenões distribuídas por ordem territorial. Há também as representões
nacionais, estaduais e regionais, fechando com as representões dos setores e a militância
que na verdade, essas representões estão dentro das outras divisões. Não existe uma
hierarquia definida por poderes, mas um esquema que permite à base constituída pelos setores
atuar, e até mesmo organizar, representar, deliberar dentro dos grupos de direção. Essas
deliberões partem da base para o topo e vice-versa. Existe uma fluência entre um e outro. Já
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
41
o esquema da Omaquesp (B) é organizado hierarquicamente, distribuindo poderes que estão
definidos de acordo com o papel a ser desempenhado. As deliberões partem da direção para
a base, sempre nesse sentido.
A) B)
Presidente
Secretária
Tesoureira
Conselheiras
Membros
Para refletirmos mais profundamente e, ao mesmo tempo, deixarmos mais
clara as colocações acima presentes, é necessário um resgate de como se forjaram ambas as
organizações: os principais objetivos, as dinâmicas e a estruturação. Essa experiência,
proporcionada sobretudo nos momentos de atividades de campo, foi fundamental e
imprescindível para um estudo minucioso sobre cada grupo, com destaque para sua origem,
organização, atuações, lutas, conquistas, desafios e limites.
1.4.- O Gênero no MST
Assim como as outras formas de organização do MST, dentre as quais
temos setores, coletivos, comissões, dirões, instâncias, que organizam e atendem a várias
demandas dentro do movimento (educação, produção, saúde, comunicação, formação, frente
de massa, gênero etc.), aqui nada se formou como um projeto pré-elaborado. As bases
surgiram de acordo com as demandas e necessidades que foram aparecendo no decorrer do
Coordenação/Direção
Nacional
Coordenação/Direção
Estadual
Coordenação
Regional
Setores Militantes
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
42
processo de luta nos mais diversos lugares. Nada ocorre da mesma forma, pelo mesmo
processo, em diferentes lugares.
A discussão de gênero dentro do MST, ou seja, a reflexão sobre o que é
construído socialmente sobre os sexos, originando, dessa forma, os papéis específicos de
homens e mulheres, e as relões de poder oriundas desse processo, surgiu como uma
preocupação que despontou dentro da organização, já que a participação das mulheres nos
cargos de direção e demais atividades era reduzida e o preconceito contra as mulheres alvos
da formação conservadora em termos de costumes e cultura, era muito visível. Dessa forma,
sentiu-se a necessidade de introduzir esta discussão, com a finalidade de promover uma
transformação nas relões de gênero, ou seja, a construção de relões mais igualitárias de
participação e valores, bem como ainda dar margem a uma maior vinculação da mulher às
ões promovidas pelo MST e a sua própria inserção na estrutura organizativa.
Como podemos notar, na fala, introduzida logo em seguida, há uma
resistência muito grande dentro do MST com relação às discussões de gênero, consideradas às
vezes uma perda de tempo, ou assunto secundário dentro da pauta de discussões levadas a
cabo pelo MST. No entanto, é possível detectar os avanços que desdobraram da introdução
dessa discussão, tais como os Coletivos de Gênero, fruto da introdução dessa contenda,
organizados dentro dos Estados e articulados em nível regional:
Um dos marcos que considero como sendo o principal no início da
implantação da discussão de gênero no movimento, foi o Encontro Estadual
de Companheiros e Companheiras do MST, ocorrido em 1995, onde os
militantes foram chamados a discutir as questões de gênero, porque suas
mulheres não participavam das discussões etc. Foi muito difícil realizar esse
encontro, encontramos muita resistência, e essa foi a primeira vez que
aceitaram discutir gênero, que era visto como uma perda de tempo, ou
questão secundária. Mas ele acabou acontecendo e despertou um problema
que existia, chamou a atenção para essa questão e, a partir daí ela começou
a ser discutida. Foi uma espécie de embrião do gênero, e a partir desse
marco, as discussões foram fluindo naturalmente em vários pontos do país,
nos Estados, dentro das regionais etc. A formação dos coletivos de gênero
trouxe a tona essa discussão, esse problema, apesar de não termos avançado
muito, mas já se discute. É um começo. Uma coisa interessante foi depois
disso, quando veio a soma de gênero e classe, pois os dois andam junto,
ambos são relações de poder. E essa questão do poder é histórica. Aos
poucos o MST foi crescendo e na sua grandeza, foi crescendo também a
necessidade de se discutir mais e mais assuntos, de abordar e trabalhar com
problemas que surgiam. E o gênero é um problema, é mais um no rol dos
problemas que o MST discute.
(Militante do MST, integrante da Direção Estadual e Direção da COCAMP,
assentado no Assentamento Che Guevara em Mirante do Paranapanema)
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
43
Segundo Fernandes (2000, p. 38), a primeira manifestação de organização
das mulheres, surgiu no 1
o
Congresso do MST, no qual:
As mulheres compuseram a organização e iniciaram os trabalhos para a
formação da Comissão Nacional das Mulheres do MST. Em março de 1986,
conquistaram o direito de receberem lotes na implantão dos
assentamentos, sem a condição de serem dependentes de pais ou irmãos.
Nesse período, nos Estados, as mulheres sem-terra organizaram encontros
para reflexão e avaliação das formas de participação na luta.
Além de estarem presentes em diversos encontros nacionais e estaduais de
mulheres, participando das diversas esferas organizativas do MST como os setores e
instâncias, criou-se o Coletivo Nacional das Mulheres do MST, como mais uma atividade
de organização do movimento e um espo para debate sobre as ões das mulheres na luta
pela terra e as relões sociais envolvidas nesse processo. O nosso desafio é entender como o
Coletivo de Mulheres, posteriormente chamado Coletivo de Gênero, veio a se efetivar na
região do Pontal.
1.4.1.- A Origem e Resistência do Coletivo de Gênero na Região do Pontal
O período de 1997 a 1999 foi marcado por uma atuação destacada por parte
das mulheres integrantes do MST. No decorrer dessa fase, alguns fatos relevantes ocorreram e
culminaram na formação de um Coletivo de Mulheres o que mais tarde passaria a ser o
Coletivo de Gênero , no âmbito do Pontal do Paranapanema. Como mencionamos
anteriormente, a origem dessas formas de organização do MST assume características
específicas que configuram a realidade de um dado lugar, organizando-se territorialmente de
acordo com as demandas assumidas. A respeito da primeira forma de organização do Coletivo
de Gênero, que foi a formação de um coletivo só de mulheres, existiu, mesmo com a mudança
para Coletivo de Gênero o que sugere além dessa discussão a participação de homens na
composição do grupo , uma resistência por parte dos homens do movimento, que ainda
consideram o coletivo como espo de formação único e exclusivo de mulheres. Esse era o
objetivo da mudança para Coletivo de Gênero: introduzir as discussões acerca do papel da
mulher na organização, e inserir também os homens nas atividades, além de fazer um trabalho
de conscientização para ambos os gêneros. O que não se efetivou na prática. Isso é
sintomático da reafirmação das separões e demarcações espaciais dentro da organização,
bem como do estabelecimento das funções para as quais estão voltadas as atividades
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
44
desenvolvidas pelas mulheres militantes. Internamente, a resposta para essa realidade se
anuncia na necessidade de implementar o grupo, as ões e as discussões a serem
desenvolvidas pelo Coletivo de Gênero. Mas, apesar da resistência, as mulheres do Coletivo
de Gênero seguiram realizando seus trabalhos e, a partir de algumas ões de notada
relevância e destaque, o trabalho do grupo foi, ao longo do tempo, ganhando mais expressão.
Existem assim algumas atividades organizadas pelo grupo que consolidaram o Coletivo, e são
essas atividades que vamos descrever na seqüência.
Uma militante do movimento e integrante do Setor de Saúde e Gênero foi
vítima de um tiro em um dos confrontos entre sem-terra e jagunços durante a ocupação da
Fazenda São Domingos, em 23 de fevereiro de 1997
5
. Em novembro de 1997, outra liderança
que era uma das principais dirigentes do movimento é presa e encaminhada para a cadeia
feminina de Presidente Bernardes. Nesse período de ascensão das manifestões, ocupões e
resistências do MST, um grupo de militantes organizou um ato no dia internacional das
mulheres, em 1997, em protesto contra a violência desencadeada em relação às lideranças do
movimento. Participaram da manifestação aproximadamente 150 mulheres de assentamentos
e acampamentos da região. Além de promover a manifestação, um grupo constituído apenas
por mulheres, no ano anterior, organizou uma ocupação na Fazenda São Domingos, a mesma
Fazenda onde uma de suas principais lideranças foi alvejada por um tiro. Essa seria a primeira
mobilização de grande repercussão organizada e praticada pelo Coletivo. Foi a primeira
ocupação de terras realizada apenas por mulheres na região. Eram 200 mulheres protestando
contra a prisão de uma liderança pertencente ao grupo.
Diante desse quadro de represálias envolvendo as mulheres e a organização
de forma geral, o MST, na figura de muitas militantes, sentiu, portanto, a necessidade de criar
um grupo de mulheres e de organizar um espaço amplo para discussão e formação das
militantes. O grupo ficou mais fortalecido quando em 1999, aproximadamente 500 mulheres
ocuparam o Fórum de Pirapozinho. Existiam na época cerca de 10 militantes presos e um
número considerável de processos em andamento nesse Fórum. As mulheres do Movimento
Sem Terra se reuniram e decidiram fazer uma marcha para exigir uma audiência com o Juiz
de direito. Mesmo contanto com a resistência do Juiz, foram atendidas. Os resultados dessa
ação e outras surtiram efeitos positivos pouco tempo depois, garantiu-se também respaldo e
5
A Fazenda São Domingos é até hoje uma das áreas disputadas por fazendeiros e sem terras. As ocupões que
se deram no local foram inúmeras, com confrontos de toda ordem. Para visualizar a localização da área ver
Figura 02.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
45
consideração para o grupo dentro da organização. Esse foi um dos marcos para a articulação
do Coletivo de Gênero na regional do Pontal.
No início, esse grupo era composto apenas por algumas militantes. Foi no
decorrer das ões e dos resultados positivos surgidos que se sentiu a necessidade de articular
essas mulheres e trazer novas militantes para, mais tarde, formar uma instância em que se
pudesse discutir, estudar, formar politicamente e desenvolver ões programadas. As
primeiras militantes a iniciar o processo de formação do Coletivo de Gênero no Pontal
permanecem até hoje desenvolvendo e organizando outras mulheres. Com o tempo, novas
mulheres foram se integrando ao grupo e buscando representação em todos os assentamentos
cuja origem fosse a luta do Movimento Sem Terra. De acordo com a agenda histórica de lutas
das mulheres do Coletivo de Gênero, os principais fatos ligados à história de constituição do
Coletivo na região, indicam a atuação das mulheres, os principais conflitos e as grandes
vitórias ocorridas.
Agenda Histórica de Luta das Mulheres Sem Terra do MST - Pontal do Paranapanema
1996
- (27) Fevereiro: Diolinda Alves, liderança do MST é presa e encaminhada
para a cadeia de Álvares Machado, onde inicia greve de fome.
- (08) Março: Ocupação da Fazenda São Domingos, participação de 200
mulheres em protesto contra a prisão de Diolinda.
- (13) Março: A militante Diolinda é solta.
- Maio: Debate de comemoração do dia das mães no Acampamento
Taquaruçu, em Sandovalina.
- (28) Julho: O Jornal O Imparcial publica a seguinte reportagem Entre sem-
terra, mulheres rompem com a submissão (destaque para a iniciativa de
participação de mulheres em atividades do MST) .
- (25) Agosto: Ato de mulheres sem-terra reúne 700 participantes, numa
caminhada de 8 Km (Saída do acampamento Santa Rita), terminando com uma
concentração em Teodoro Sampaio. O objetivo: denunciar o quadro de tensão que
se instalou no Pontal.
- (27) Setembro: Cerca de 80 mulheres bloqueiam agência do Banco do Brasil
em Teodoro Sampaio em protesto contra a demora na liberação de créditos do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Pronaf.
- (01) Outubro: Cerca de 50 mulheres voltam a bloquear Banco do Brasil em
Teodoro Sampaio, em protesto contra a demora na liberação do financiamento
para o plantio da chamada safra de verão. (Recurso do Pronaf).
- (02) Novembro: Ocupação da Fazenda Santa Irene.
- (05) Novembro: A militante Edna Torreane sofre ferimentos ao tentar
escapar de tiroteio na Fazenda Santa Irene. Durante mais de duas horas os
funcionários da fazenda atiraram nos trabalhadores rurais sem-terra.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
46
1997
- Janeiro: Marcha das panelas vazias do acampamento Santa Rita de
Sandovalina até a cidade de Teodoro Sampaio.
- Janeiro: Entrega de flores para jagunços por mulheres e crianças na fazenda
Santa Rita.
- (23) Fevereiro: Conflito da São Domingos em Sandovalina deixa oito feridos
dentre eles, a militante Miriam de Oliveira é baleada no peito durante a
ocupação.
- Setembro: Seminário Estadual do Coletivo de Mulheres no Convento de Santo
Anastácio.
- A militante Diolinda Alves é presa no Carandiru São Paulo.
1998
- Seminário de plantas medicinais e curso de formação na sede do Assentamento
São Bento, em Mirante do Paranapanema.
- (28) Agosto: Ocupação do Banco do Brasil pelas mulheres sem terra na cidade
de Teodoro Sampaio.
1999
- (08) Março: Mobilização das mulheres no Fórum de Pirapozinho contra a
perseguição do Delegado de Sandovalina e Juiz de Pirapozinho.
2000
- Seminário de plantas medicinais na Gleba XV de Novembro, em Rosana.
- Março: Acampamento Nacional de Mulheres em Brasília.
- Participação no Encontro Estadual de Mulheres Assentadas, em Promissão.
2001
- Participação no Encontro Estadual de Mulheres Assentadas na cidade de
Araraquara.
2002
- Março: Acampamento Estadual de Mulheres, em São Paulo
- (06 a 15) Junho: Acampamento de mulheres no Fórum de Teodoro Sampaio
- Participação das mulheres no Encontro Estadual de Mulheres Assentadas
(Euclides)
2003
- (11) Setembro: Diolinda Alves, militante e liderança do MST, é presa em
Piquerobi.
- (16) Setembro: Participação no Encontro Regional de Mulheres Assentadas
(Presidente Venceslau)
- (17) Setembro: Marcha das Mulheres pela Paz, Reforma Agrária e Justiça,
desde o aeroporto até Presidente Prudente, finalizando com o ato político na
catedral São Sebastião.
- Participação no Encontro Estadual de Mulheres Assentadas (Araras)
- (28 e 29) Setembro: I Encontro Regional de Mulheres Assentadas e Acampadas
do Pontal, com a participação de aproximadamente 200 mulheres. (Teodoro
Sampaio)
2004
- (08 e 09) Março: Acampamento de Mulheres no prédio do Instituto de Terras
do Estado de São Paulo (ITESP) em Presidente Prudente.
Fonte: Coletivo de Gênero do MST; Nera Núcleo de Estudos de Reforma Agrária; Trabalho de Campo, 2004.
Org.: Renata Cristiane Valenciano, 2004.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
47
Depois de ter explicitado a agenda história de luta na qual destacamos os
principais fatos que envolveram a organização do Coletivo, passamos, no quadro que segue, a
ilustrar as diferentes formas e denominações que o Coletivo assumiu no decorrer de sua
existência, tendo como marcos históricos algumas das principais ões organizadas e
implementadas pelo grupo.
Quadro 01: Evolução do Coletivo de Gênero do MST Pontal do Paranapanema
Ocupação da Fazenda São Domingos
Diolinda Alves é Presa
Ocupação da Fazenda São Domingos
Coletivo de Mulheres
-------------------------------------------
Mobilização Fórum de Pirapozinho
Coletivo de Gênero
-------------------------------------------
Acampamento de Mulheres em Teodoro
Setor de Gênero
-------------------------------------------
Marcha pela paz
Coletivo de Gênero
-------------------------------------------
Acampamento de Mulheres em Prudente
1996 1998 1999 2002 2003 2004
Coletivo Mulheres Coletivo Gênero Setor Gênero Coletivo Gênero
O quadro acima ilustra de forma clara todo o caminho percorrido pelo grupo
da região do Pontal, as suas idas e vindas, as diferentes marcas, os significados e
denominões. Recorreremos a este quadro explicativo novamente no decorrer do texto.
Assim, antecipamos aqui todo o percurso pelo qual o Coletivo de Gênero passou, desde sua
gênese até hoje: de um grupo de mulheres a Coletivo de Gênero; depois, para Setor; e,
novamente, volta a ser Coletivo. Isso denota muito mais do que simples mudanças de nomes;
externa uma série de implicações que irão incidir sobre sua organização interna, sua
articulação com outros setores, a própria organização do MST, os principais entraves,
dificuldades etc.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
48
Com base nessas informões, elaboramos um quadro no qual podemos
compreender todo o contexto de luta do grupo, destacando para isso a conjuntura em que se
desenvolveram, os fatos propriamente ditos e a repercussão deles, com base nas ões que se
desdobraram.
Quadro 2: Conjuntura regional e o desenvolvimento do Coletivo de Gênero no Pontal
Período
CONTEXTO DE LUTA
REGIONAL
FATOS ÕES
1990 a 1994
O MST inicia suas atividades de
organizão dos trabalhadores no
Pontal. As formas de repressão
para tais ações são embates
diretos com fazendeiros e
policiais.
Existe um
movimento de
ações
ascendente,
sobretudo
ocupações de
terras.
Aumento considerável de
participação das mulheres
nessas ões, o que dá a base
para o surgimento ou gestação
da idéia de compor o Coletivo
de Gênero no Pontal.
Contudo, o que temos
inicialmente é um a formação
de um grupo de mulheres,
ainda não articulado.
1995 a 1999
As ocupações continuam
crescendo a cada ano, contudo, o
processo de criminalização do
Movimento ganha novas
qualificões.
A prisão de
integrantes e/ou
lideranças na
região.
As mulheres se organizam em
torno de atos de contestação e
repúdio à perseguição de
militantes: caminhadas,
ocupações de prédios blicos
etc. O Coletivo de Gênero se
estabelece e o grupo já
organizado trata assuntos e
temas voltados para à mulher.
COLETIVO DE GÊNERO PONTAL
2000 a 2004
Haverá uma diminuição de
determinadas práticas até então
observadas. A desmobilização
sentida por conta da perseguição
de lideranças e as suas respectivas
prisões a tiram de cena e dão
margem para um recuo
considerável de ações.
Diminuição
observada nos
atos de
ocupações. As
prisões repetidas
de líderes que
respondem por
atos cometidos
no início da
década de 1990.
Muito mais do que ações, as
mulheres do Coletivo se
mobilizam em torno da
participação ou elaboração de
seminários e encontros,
ressaltando os momentos de
estudo e formação. Contudo,
existe, ainda que
esporadicamente, atos pela
liberdade dos presos e pela
rapidez no processo de
julgamento das áreas
destinadas à formação dos
assentamentos. Em 2002 o
Coletivo de Gênero passa a
ser Setor de Gênero, voltando
à condição inicial de Coletivo
em 2003.
Org.: Renata Cristiane Valenciano, 2003.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
49
Na seência, apresentamos os gráficos 1 e 2 nos quais procuramos fazer
um paralelo entre a atuação do atual Coletivo de Gênero no Pontal do Paranapanema e uma
das principais estratégias de luta do MST: as ocupões. Com isso, aproximamos as duas lutas
e podemos perceber a consonância entre elas, sobretudo no período de 1996 em diante.
Apesar de os gráficos fazerem referência a períodos diferentes (1
o
. 1990 a 2002; 2
o
. 1996 a
2004), os apresentamos dessa forma com o intuito de: a) com base na informação do primeiro
gráfico que traz justamente a evolução do MST na região, destacar o período que precedeu e
forneceu as condições para que em 1996 se estabelecesse o Coletivo de Mulheres; b) apesar
de não possuirmos os dados referentes às ocupões de terra até o ano de 2004, acreditamos
ser extremamente relevante considerar o referido período para o Coletivo já que este informa
a condição de organização e ação do mesmo, elementos fundamentais para a pesquisa em
apro.
GFICO 1: PONTAL DO PARANAPANEMA - OCUPÕES (1990 - 2002)
0
20
40
60
80
100
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002
Ocupões
Início do Coletivo
Fonte: DATALUTA Banco de Dados da Luta pela Terra, 2003.
GFICO 2: PONTAL DO PARANAPANEMA - AÇÕES DO COLETIVO (1996 - 2004)
0
2
4
6
8
10
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Ações - Coletivo
Fonte: Coletivo de Gênero do MST Pontal do Paranapanema, 2004.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
50
Questões como violência contra a mulher, discriminação, dentre outros
assuntos, eram predominantes entre as pautas de discussões deste grupo. Dessa forma, os
primeiros objetivos colocados para o coletivo que nascia era trabalhar a educação, a saúde e a
formação da mulher
6
. Por isso, esse grupo ficou, em grande medida, vinculado às mulheres e
organizado apenas por elas. Como podemos concluir, a primeira manifestação deste grupo se
deu em torno da organização de um coletivo, formado única e exclusivamente por mulheres.
O atual Coletivo de Gênero, inicialmente denominado Coletivo de Mulheres
passou por um período de transição como pudemos notar no Quadro 1. Nesse período muitas
questões foram levantadas e estudadas. As mulheres sentiram a necessidade de ampliar os
objetivos para os quais o coletivo foi criado, dentre eles, a formação política e a inserção de
um número cada vez maior de mulheres nas ões a serem promovidas pelo grupo. Nessas
ões, as questões de fundo extrapolariam as discussões sobre a condição da mulher e
retomariam assuntos ligados à organização dos trabalhadores.
A luta pela terra, é uma luta da família, do homem, da mulher e da criança.
A idéia do fortalecimento do MST, como uma ferramenta da classe trabalhadora na luta
contra o capital, o latifúndio, incorporou também a idéia de que é preciso envolver mulheres e
homens, construir internamente no Movimento novas relações de gênero. Um dos objetivos
de transformação da sociedade colocados pelo MST é construir uma sociedade solidária, com
justiça social, capaz de garantir vida digna a toda a população. Essa transformação radical só
seria possível pela neutralização das bases ideológicas de sustentação da sociedade capitalista;
entre elas, a desigualdade nas relões de gênero. Dentre os objetivos gerais do Movimento
Sem Terra, existe um direcionado especificamente para este fim: Combater todas as formas
de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher.
Dentro do movimento, é impossível acreditar que não existam
desigualdades de gênero, já que este é formado por indivíduos que possuem valores,
qualificões e práticas disseminadas ao longo dos tempos. Por meio das lutas e das diversas
formas de conscientização, a militância busca ter saltos de consciência, rompendo com a
ideologia dominante. A idéia mais interessante aparece quando a proposta do Coletivo de
Gênero não prioriza a luta pela igualdade de gêneros em detrimento da luta de classes. Essas
duas lutas não aparecem separadamente. Podemos concluir tal fato tendo em conta as pautas
de discussão das reuniões promovidas pelo Coletivo de Gênero. Ali São abordados diversos
6
Existe internamente ao Coletivo de Gênero a produção de cartilhas, livros e textos que abordam desde a saúde,
educação, até a formação política das mulheres. É um material que é distribuído às militantes em cursos e
momentos de estudos.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
51
assuntos que priorizam questões específicas e dirigidas às mulheres, assim como assuntos
amplos e dirigidos às ões da organização dos trabalhadores de forma geral.
A partir dessa concepção, entendemos que as mulheres do MST procuram
construir uma consciência de classe, com compromisso com a classe trabalhadora, a fim de
que tenham condições iguais para militar e dirigir o movimento, como sujeitos e não apenas
objeto da história”. Romper com a consciência social burguesa, como podemos notar na
passagem de um texto produzido pelo Coletivo de Gênero apresentado na seência, significa
não somente quebra e constituição de novos valores culturais; implica também, a
emancipação da classe trabalhadora:
Entendemos que é fundamental no processo de luta, mobilização e
organizão popular ir discutindo e criando condições reais para que se
estabeleçam novas relações de gênero, garantindo as condições objetivas e
subjetivas para que se gere o novo homem e a nova mulher. Nesse sentido,
concordamos com Bogo quando afirma que a questão de gênero deve ser
trabalhada no contexto da revolução cultural, uma vez que alterar o padrão
de gênero significa romper com valores, princípios, comportamentos, enfim
com a consciência socialburguesa
7
.
1.5. 0maquesp Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São
Paulo
1.5.1. Origem, Organização e Lutas
É de fundamental importância fazer algumas referências à adição de novos
elementos que foram lançados no exercício da pesquisa em seu decorrer. A princípio, uma das
organizações de mulheres que seriam referenciadas para análise seria o Coletivo de Gênero do
MST. Ao longo do estudo, deparamo-nos com a existência de outras organizações, como é o
caso da Omaquesp, caracterizada pela formação e composição apenas de mulheres assentadas
e quilombolas (descendentes de áreas de quilombos existentes no Estado de São Paulo,
situadas próxima ao litoral, portanto, inexistentes na região do Pontal) e que vem
desenvolvendo uma série de atividades não só na região do Pontal, mas em todo o Estado de
São Paulo. Importante salientar que essa organização esteve ligada ao ITESP, o qual sempre
compareceu dando apoio e fomentando cursos, encontros. Debruçarmo-nos sobre mais essa
7
Refletindo sobre as Relações de Gênero e/no MST”, texto produzido pelo Coletivo de Gênero Nacional,
(mimeo), Anexo 3.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
52
forma de organização das mulheres trabalhadoras sem terra, que hoje se apresenta em nossa
região, tornou-se, a partir de então, mais um de nossos objetivos.
Os grupos de mulheres, assim como a mobilização deles, não são fatos
recentes. Desde 1986 esses grupos já se organizavam e desenvolviam uma série de ões que
iam desde a luta pela terra em si, constituindo o processo de ocupão, até a reivindicação por
melhorias e demais necessidades que despontariam no pós-assentamento das famílias. Até
então eram grupos pontuais, espalhados pelos assentamentos no Estado. Uma das primeiras
manifestões desses grupos surgiu no período de 1993 a 1997, quando as mulheres
organizadas lutaram para sanar as dificuldades econômicas e de transporte nos assentamentos
do Estado de São Paulo. Mas as lutas anteriores mantiveram vivos os grupos e as iniciativas
das mulheres dentro dos assentamentos, com o anseio de conquistar o desenvolvimento
econômico e de promover a plena integração na vida sócio-econômica e político-cultural,
tanto de suas integrantes quanto de suas comunidades
8
:
As próprias mulheres começaram a ver as dificuldades nos assentamentos e
começaram a se reunir. Sempre que uma liderança desses grupos vinha,
corríamos atrás, indo até as prefeituras etc. A partir de então começaram a
realizar os encontros de mulheres, onde se encontravam com mulheres de
outros assentamentos e elas perceberam que os problemas enfrentados eram
quase sempre os mesmos. Então surgiu a idéia e a vontade de se organizar
no nível de Estado.
(Vice-presidente da Omaquesp, assentada no Assentamento Ribeirão Bonito
em Teodoro Sampaio)
O ITESP favoreceu a coordenação dos grupos de mulheres nos
assentamentos, até porque estes estavam prontos antes mesmo da chegada do Instituto. A
colaboração do órgão veio no sentido de apoiar e fomentar alguns aspectos como o
deslocamento de uma cidade para outra, de assentamento para assentamento, a articulação das
mulheres, enfim, o transporte; além da organização de cursos e do desenvolvimento de
projetos dentro dos assentamentos. Foi a partir de então que o ideal de autonomia despertou a
atenção dos grupos.
Somente em fevereiro de 2002, é que a Omaquesp veio a se constituir numa
Organização legalizada
9
, com base nas e vividas desde o ano de 1986. A organização já
8
Todas as informações referentes à fundação e seus fins, ver Dos Objetivos e Finalidades Capítulo I do Estatuto
da Organização Estadual de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo, Anexo 2
9
Para saber mais detalhes, ver Omaquesp Estatutos, em Anexo 2.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
53
contava com grupos de mulheres em diversos assentamentos, nos municípios de Sumaré,
Promissão e na região do Pontal do Paranapanema. Os primeiros objetivos traçados,
discutidos e levados adiante pela organização foram:
reconhecimento da profissão de agricultora;
salário maternidade para as produtoras rurais;
aposentadoria aos 55 anos, para as mulheres, e 60, para os homens;
acesso à terra para as mulheres.
Essa organização também mantém vínculo com a MMTR (Movimento de
Mulheres Trabalhadoras Rurais), hoje Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
Em 1998 foi realizado o 1
o
Encontro Estadual das Mulheres Assentadas,
ocorrido em Castilho SP, no qual o apoio do ITESP se deu integralmente. Esse primeiro
encontro contou com a presença de 80 mulheres. Em 1999, o 2
o
Encontro se realizou no
município de Rosana, região do Pontal. O objetivo principal, debatido nos encontros, era
como ampliar os recursos e influir na política do ITESP para que a discussão acerca das
questões do universo feminino fosse realmente introduzida nos assentamentos de Reforma
Agrária.
A partir dessas iniciativas, a organização ganhou o apoio governamental
para a construção de fábricas de doces, fábrica de costura, horticultura etc., com a finalidade
de investir em projetos para aumentar a renda das falias. No ano de 2000, foi realizado o 3
o
Encontro, em Promissão, contando com a presença de 350 mulheres participantes. Dessa vez,
o destaque foi para a participação das quilombolas da região do Vale do Ribeira. Ainda
debatendo questões como produção e crédito para a agricultura familiar, cresceram as
referências e o acúmulo em temas específicos como saúde, educação, previdência. Nesse
encontro, discutiu-se exaustivamente a autonomia da organização das mulheres.
Em 2001, foi realizado o 4
o
Encontro Estadual, em Araraquara, com a
presença de 450 mulheres e, ainda, a participação de algumas das organizações que atuam no
campo. Esse Encontro destacou-se pela discussão sobre saúde, educação e produção. Foram
realizados debates sobre questão ambiental e demarcação das terras dos quilombos. Foram
eleitas as 26 representantes das 13 regionais do Estado. O esquema de representação seguiu a
mesma estrutura de divisão dos escritórios do ITESP, distribuídos pelo Estado de São Paulo.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
54
Percebe-se que os Encontros Estaduais aconteceram em sistema de
alternância, ou seja, privilegiando num primeiro momento a região da Alta Paulista (cujos
municípios sede de encontros foram Promissão, Araras e região de Andradina) e, na
seência, o Pontal.
Por deliberação da Comissão Estadual, na reunião realizada nos dias 26 e 27
de fevereiro de 2002, com assessoria da Ordem dos Advogados do Brasil Mulher (OAB-
MULHER), Centro de Pesquisa e Estudo Agrário CPEA, e o apoio do ITESP, definiu-se
sobre da Omaquesp, com elaboração do estatuto e realização de todos os procedimentos
necessários para a sua fundação.
A diretriz da organização é promover, em todos os níveis, a defesa e a
protão dos direitos e interesses das mulheres em sua comunidade, visando à eliminação das
discriminões, promovendo o bem-estar e a integração das mulheres na vida
socioeconômica, política e cultural. Por meio de estudos temáticos, do incentivo à educação e
à formação, o intuito é elevar a auto-estima e o nível intelectual de intervenção das mulheres
assentadas e quilombolas em sua comunidade, município etc.
As mulheres que hoje integram a Omaquesp vêm de experiências distintas
no que tange ao envolvimento com outras organizações e manifestões de luta, seja pela
terra, seja pela moradia. Muitas delas passaram pela organização e mobilização de
acampamentos, ocupações, isto é, estavam ligadas anteriormente a outras frentes de luta, da
qual podemos destacar no Pontal, o MST, do qual grande parte da população atualmente
assentada fez ou ainda faz parte. Assim, a experiência com lutas, segundo algumas
integrantes da Omaquesp, facilitou o envolvimento das mesmas em torno dessa organização.
A cada encontro estadual realizado pelas mulheres assentadas e quilombolas
do Estado, o número das participantes foi aumentando de tal modo, que um dos problemas
notados foi a da falta de infra-estrutura capaz de suportar o número de mulheres interessadas
em participar desses eventos. A intervenção do ITESP foi fundamental para a consolidação
dos encontros e dos contatos entre as mulheres das várias regiões do Estado, proporcionando e
subsidiando os espos para as reuniões e articulação das participantes que, vindas de vários
assentamentos, poderiam nesses momentos discutir e debater sobre os problemas que
afetavam o seu cotidiano, como produção, família, saúde, filhos etc. Além disso, o ITESP
apostou na capacidade de mobilização e articulão das mulheres para encaminhar uma série
de projetos que poderiam ser desenvolvidos dentro dos seus espos de vivência. Apesar de
ser fundada oficialmente em 2002, o grupo de mulheres que compõem a Omaquesp já contava
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
55
com um esquema de organização territorial que lhes permitia desenvolver suas atividades.
Esse modelo de divisão de trabalho seguia o mesmo esquema de divisão regional do ITESP.
Mais tarde surgiu, no Encontro Estadual de Araraquara, a idéia de formar
uma comissão de mulheres, que contaria com uma representante em cada região. Essas
representantes seriam em nível regional e municipal, correspondendo com a área de atuação
do Grupo Técnico de Campo
10
- GTC. O ITESP dividiu a região do Pontal em cinco GTCs,
sendo que a cada GTC corresponderia um escritório da instituição. Os escritórios localizam-
se, então, nos municípios de Teodoro Sampaio, Presidente Bernardes, Mirante do
Paranapanema, Presidente Venceslau e Primavera. Esses grupos não atendem a divisões
municipais. Dessa forma, ao GTC de Teodoro Sampaio corresponde uma área de atuação que
abrange a totalidade dos assentamentos do município de Teodoro, dois assentamentos de
Sandovalina e três, de Mirante do Paranapanema. A forma de gestão territorial corresponde à
proximidade com a sede de cada escritório do ITESP, como podemos visualizar na Figura 3.
Portanto, cada GTC reuniria um número de representantes de acordo com os
seus respectivos assentamentos. Essa forma de organização e representação da organização
das mulheres subordinada ao modelo de divisão territorial do ITESP passou a ser questionada.
Segundo as mulheres, essa divisão trouxe algumas dificuldades para a articulação da
organização, sobretudo quando se trata de dirigir reivindicações junto às Prefeituras, onde os
limites municipais influenciam muito na tomada de decisão ou ajuda para o grupo de
mulheres. A proposta de uma nova forma de divisão da organização das mulheres com base
na divisão municipal, e não mais na divisão dos GTCs, foi sendo, então, construída. A idéia
de transformar o grupo de mulheres, que já se encontrava articulado em nível de Estado, em
uma organização surgiu quando essas mulheres começaram a entrar em contato com alguns
órgãos, sobretudo do governo, para reivindicar melhorias. Segundo as mulheres, o grupo, a
sua origem, a sua representação sempre foi questionada. Surgiu, assim, a necessidade de
legalizar o grupo, pela criação de um estatuto, com o intuito de ganhar mais credibilidade.
10
Os GTC’s são divisões territoriais utilizadas pelo ITESP para definir a área de abrangência e atuação dos seus
escritórios. Essa divisão não corresponde aos limites municipais, mas abrange as áreas de assentamentos mais
próximas a cada escritório. No município de Teodoro Sampaio existe um escritório do ITESP, o qual possui um
GTC que abrange, além dos assentamentos deste município, outros assentamentos dos municípios de Mirante do
Paranapanema e Sandovalina.
20º S
24º S
45º S51º S
Localização no
Estado de São Paulo
SP
01 -Alfredo Marcondes
02 - Álvares Machado
03 - Anhumas
04 - Caiabu
05 - Caiuá
06 - Emilianópolis
07 - Estrela do Norte
08 - Euclides da Cunha Paulista
09 - Iepê
10 - Indiana
11 - João Ramalho
12 - Marabá Paulista
13 - Martinópolis
14 - Mirante do Paranapanema
15 - Nantes
16 - Narandiba
17 - Piquerobi
18 - Pirapozinho
19 - Presidente Bernardes
20 - Presidente Epitácio
21 - Presidente Prudente
22 - Presidente Venceslau
23 - Rancharia
25 - Ribeirão dos Índios
26 - Rosana
27 - Sandovalina
28 - Santo Anastácio
29 - Santo Expedito
30 - Taciba
31 - Tarabai
32 - Teodoro Sampaio
Identificação dos Municípios
24 - Regente Feijó
Fonte: NERA - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária Desenhista: Anderson Antonio da Silva, 2003 Organização: Renata Cristiane Valenciano, 2004
Limite Estadual
Limite Municipal
Municípios do Pontal do Paranapanema
01 - Nova do Pontal
01A - Gleba XV de Novembro
02 - Bonanza
03 - Santa Rita do Pontal
03A - Porto Letícia
04 - Santa Rosa
05 - Rancho Grande
06 - Rancho Alto
07 - Tucano
08 - Córrego Azul
09 - Santa Rita da Serra
09A - Sto. Ant.dos Coqueiros
09B - Vale Verde
09C - Haidéia
09D - Cachoeiro do Estreito
09E - Santa Vitória
10 - Santa Zélia
10A - Santa Edwirges
10B - Alcídia da Gata
10C - Sta. Terezinha da Alcídia
11 - Recanto do Porto X
11A - Sta Terez da Água
Sumida
12 - Água Branca I
13 - Santa Cruz da Alcídia
14 - São Pedro da Alcídia
14A - Vô Tonico
14B - Laudenor de Souza
15 - Che Guevara (Sta. Clara)
15A - Paulo Freire
15B - Antônio Conselheiro
16 - Canaã
16 - Canaã
17 - King Meat
18 - Santana
27 - Santa Cruz
28 - Washington Luiz
29 - Flôr Roxa
30 - Lua Nova
30A - Santa Rosa I
30B - Santo Antônio I
31 - Santa Cristina
32 - Santa Lúcia
32A - Santa Isabel I
33 - Novo Horizonte
34 - Vale dos Sonhos
35 - Pontal Sta. Rosa 2
36 - Santo Antônio
37 - Santa Carmem
38 - Bom Pastor
39 - Guarany
40 - Quatro Irmãs
41 - Palu
42 - Rodeio
43 - Florestan
Fernandes
44 - Santo Antônio II
45 - Água Limpa I
45A - Água Limpa II
45B - Santa Eudóxia
46 - Santo Antônio
46A - N. Senhora
Aparecida
47 - Santa Maria
48 - Primavera I
48A - Primavera II
49 - Vista Alegre
49A - Maturi
50 - Santa Rita
50A - Santa Angelina
ASSENTAMENTOS
LEGENDA
FIGURA: 03
PÁGINA: 56
APOIO FINANCEIRO
INSTITUIÇÃO
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientítifo e Tecnológico
GTC de Presidente Bernardes
GTC de Mirante do Paranapanema
GTC de Presidente Venceslau
GTC de Teodoro Sampaio
GTC de Euclides da Cunha e Rosana
Sede de Município
ÁREA DE ATUAÇÃO DOS
GTC’s DO ITESP NO PONTAL
DO PARANAPANEMA
Paraná
0
20 40 Km
Mato Grosso do Sul
53º00’ W
21º25' S
53º00’ W
22º45’ S
50º40’ W
22º45’ S
50º40' W
21º25' S
26
32
20
5
14
22
17
28
27
19
6
18
7
31
3
30
10
2
21
24
4
1
29
16
15
13
23
9
11
8
12
25
01
02
13
10
07
04
05
06
08
14B
12
38
18
22
15
16/17
24
25
23
26
34
35
36
33
31
32
29
30/30A
27
19
28
39
46
47
48
48A
4848
03
20
37
50B
52
09/09A
09B
09C
09D/09E
30B
04A
14
14A
10A
11
32A
11A
49
50
50A
49A
51A
51
46A
03A
10C
10B
21
42
41
43
40
44
45
45A
45B
01A
56
54
55
53
15B
15A
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
57
No encontro em Promissão surgiu a idéia de legalização do grupo, mas foi
somente em Araraquara, durante o IV Encontro, que a Omaquesp veio a se consolidar.
Figura 4: IV Encontro Estadual de Mulheres Assentadas e Quilombolas -Araraquara
As dinâmicas são partes integrantes do Encontro de Mulheres, momentos em que por meio de uma
apresentação ou interação com as demais participantes, são passadas mensagens a partir de leituras,
cânticos etc. Podemos notar, nessa dinâmica, a utilização de símbolos. Nesse caso, uma colcha de
retalhos que ilustra a união de mulheres vindas de diferentes lugares, portanto diferentes culturas e
representando distintas organizações, mas cuja uno significa o fortalecimento das trabalhadoras
rurais em torno de objetivos comuns.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2001.
Figura 5: IV Encontro Estadual de Mulheres Assentadas e Quilombolas - Araraquara
Observamos todo o conjunto das participantes durante uma palestra no encontro. Ao fundo, vemos a
faixa com o símbolo do ITESP, principal fomentador do evento, e uma outra faixa que representa o
grupo de Teodoro Sampaio, presente também no evento.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2001.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
58
Foram eleitas as representantes das regionais do Estado, totalizando 33
mulheres. Existe em todo o Estado de São Paulo um total de 13 GTCs, somando assim 13
representões regionais, as quais possuem três membros em cada uma. Como existem
regionais que não possuem esses três membros (o que equivaleria a um total de 39
representantes), há apenas 33 mulheres nas representões regionais.
A articulação das mulheres não se limita somente àquelas que já tiveram
uma experiência em algum movimento social. Independentemente dessa participação, a
organização entende que toda mulher trabalhadora do campo deve ser chamada a integrar-se e
participar. Dessa forma, as mulheres se organizam em grupos e realizam visitas aos
assentamentos, onde, por meio de reuniões, divulgam os trabalhos da organização com o
intuito de chamar outras mulheres para participarem. O ITESP realiza reuniões
periodicamente em todos os assentamentos para tratar dos mais variados assuntos.
Mas essa parceria não se restringe somente a isso. O GTC de Teodoro
Sampaio desenvolveu alguns trabalhos dirigidos especificamente para as mulheres assentadas.
São oferecidos alguns cursos e oficinas das quais podemos destacar o curso de educação
continuada, que seria realizado regulamente por meio de oficinas sediadas em Teodoro
Sampaio, e que já conta com um local cedido pela prefeitura, embora não tenha sido
efetivado. O deslocamento das assentadas seria, inicialmente, providenciado pelo instituto. O
curso seria dirigido às mulheres que, nos grupos criados dentro de cada assentamento, se
destacassem pelo seu dinamismo ou implicação nas propostas dirigidas pelo ITESP. As
oficinas inseridas no curso são: Oficina de gênero e liderança; Oficina de Planejamento
participativo; Oficina de diagnóstico e negociação; Oficina sobre associacionismo e estatutos;
Oficina de elaboração de projetos comunitários.
Existem ainda em andamento os Projetos Agroflorestais
11
, dos quais
podemos destacar duas experiências. Uma delas deu-se no município de Teodoro Sampaio, no
assentamento Madre Cristina, onde são cultivados 6 ha. A outra fica no assentamento Che
Guevara, no município de Mirante do Paranapanema, onde é cultivada uma área de 1 ha
(Figuras 6 e 7). O objetivo é incrementar a renda familiar por meio da comercialização dos
produtos cultivados nessas áreas, onde as mulheres são as responsáveis pelo plantio, cuidado,
colheita e a posterior venda dos produtos.
11
Esses projetos agroflorestais se constituem na tomada de áreas de reserva para fazer o reflorestamento e, em
consórcio, desenvolver o cultivo de culturas como: mandioca, milho, batata-doce e ainda algumas árvores
fruferas como a acerola, manga, jaca etc.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
59
Figura 6: Assentamento Madre Cristina Área de Reserva Cultivada pelas Mulheres da Omaquesp
Podemos observar na figura a área preparada para o plantio de mandioca, localizada em uma área de reserva.
Todo o trabalho realizado até eno contou com a participão de aproximadamente quatro mulheres, todas
assentadas no Assentamento Madre Cristina. Contudo, a área já apresenta problemas com relação à
conservação das mudas, pois não é cercada e existe a circulação de animais por toda a extensão da reserva.
Fonte: Trabalho de Campo em Equipe, 2002.
Figura 7: Assentamento Che Guevara Área de Reserva Cultivada pelas Mulheres da Omaquesp
É utilizado o mesmo tipo de espo para plantio observado na figura anterior. Podemos visualizar o projeto
localizado no Assentamento Che Guevara. Esse projeto encontra-se no mesmo esgio de desenvolvimento do
anterior. A diferença é que este conta com mais variedade de mudas de espécies fruferas, embora não esteja
visível na imagem, pois se trata de mudas muito pequenas. Para este projeto ser desenvolvido, foi necessário a
participação de 3 mulheres inicialmente.
Fonte: Trabalho de Campo em Equipe, 2002
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
60
Um outro projeto a ser desenvolvido é o da horta comunitária. Esse projeto
ainda está em fase de negociação e a previsão é de que seja implantado no assentamento Santa
Terezinha de Água Sumida.
A idéia da organização é trabalhar com parcerias que estão sendo buscadas
com o INCRA e com a CESP, com relação a essa última há a previsão de doação de dois
carros para auxiliar na mobilidade das mulheres. Outro objetivo traçado, e que veio a se
concretizar em parte, foi a construção da Sede da Omaquesp em Araras, sendo que a subsede,
que deveria ser construída em Teodoro Sampaio, não se efetivou devido a problemas de
organização, rompimentos internos etc. A idéia era construir um local onde pudessem ser
desenvolvidos, além dos trabalhos e reuniões da organização, espos para a produção de
artesanato, cozinha, enfim, uma casa de apoio à mulher.
Essas mulheres traçaram ainda, como linha de atuação do grupo, o trabalho
de formação e conscientização das integrantes. Esse trabalho teria o intuito de fazer fluir, nas
mulheres, a sua autovalorização, seja com relação à sua profissão de trabalhadora rural, seja
como mulher que luta por uma vida melhor para sua família. Além disso, todos os projetos
desenvolvidos nos assentamentos dirigidos para as mulheres buscam, em certa medida, o
incremento da renda familiar:
Porque não adianta você ter consciência e não ter uma casa onde morar.
Somente a consciência não vale para nada. As mulheres têm que batalhar
para conseguir tudo o que precisam nos assentamentos como se estivessem
na cidade.
(Vice-Presidente da Omaquesp)
São mantidos contatos com várias organizações. Dentre tais organizões
são feministas, como a SOF (Sempre-Viva Organização Feminista), a qual proporciona alguns
cursos de formação para as mulheres da Omaquesp. O curso acontece na própria sede da SOF,
em São Paulo. Algumas pautas de discussão do curso referem-se a questões de saúde da
mulher, preparação para negociar, sexualidade etc. O objetivo da participação das
representantes nesses cursos seria o de retornar aos assentamentos e por meio de reuniões e
assembléias, transmitir os conhecimentos adquiridos. Essas experiências têm sido
concretizadas sem o apoio direto do ITESP, já que, com a Omaquesp, o Instituto tem colabora
por meio de parcerias.
_______________As Organizações de Mulheres Trabalhadoras Sem Terra no Pontal do Paranapanema
61
Existe, em andamento, um projeto voltado para a educação, vinculado a
EUCAFRO (Educação Comunitária para Negros e Afrodescendentes), segundo o qual haverá
a formação de grupos de estudos que utilizarão materiais e apostilas doadas.
Em linhas gerais podemos, notar que as preocupões, projetos e demais
assuntos discutidos pelas mulheres nos levam a concluir que os objetivos delas estão voltados
para o incremento da renda familiar, financiamento, infra-estrutura para o assentamento,
educação, saúde, lazer etc.
Ao analisarmos todo o processo de formação e organização dos grupos de
mulheres presentes no Pontal, o Coletivo de Gênero e a Omaquesp, pudemos apreender as
diferentes marcas que deram origem aos mesmos e às diferentes formas de organização,
atuação e objetivos para os quais ambas estão voltadas, sobretudo quanto ao desvendamento
das diferenças entre as duas organizações.
Buscaremos desenvolver, no próximo capítulo, as dinâmicas e lutas que
expressam os grupos, pautadas nas principais transformões e contradições que deram
margem a uma série de rearranjos, tanto do ponto de vista organizacional quanto territorial,
das organizões no Pontal. A reestruturação interna do Coletivo de Gênero e as clivagens e
dissidências que marcaram a Omaquesp nos fornecerão elementos para compreendermos o
movimento contínuo que delineia o universo da organização dos trabalhadores a partir do
processo de luta pela terra.
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
62
CAPÍTULO II
O COLETIVO DE GÊNERO E A OMAQUESP
LUTAS E DIMICA TERRITORIAL
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
63
Eu penso que neste momento é muito mais importante lutar pela
libertação de nosso povo junto com o homem. Não é que eu aceite o
machismo, não. Eu considero o machismo também uma arma do
imperialismo, assim como o é o feminismo. Portanto, considero que o
fundamental não é uma luta entre sexos; é uma luta de casais. E, ao falar
de casais, falo também dos filhos, dos netos, que tem que se integrar, na
sua condição de classe, à luta pela libertação”.
Domitila Chungara, 1978.
2.1. Dinâmica e Organização do Coletivo de Gênero no Pontal
A partir de um grupo de mulheres militantes, o Coletivo se estendeu por
todo Pontal. Atualmente, há pelo menos uma representante do Coletivo em cada assentamento
e/ou acampamento, vinculado ao MST. Existe ainda uma representante estadual. A regional
do Pontal, uma das maiores do Estado de São Paulo, está divida em três micro-regiões, como
podemos observar na Figura 8. Cada núcleo regional
12
, bem como os municípios que
compõem cada um deles, possui as militantes que são representantes e que por sua vez estão à
frente da organização de trabalhos e atividades.
As linhas de atuação do Coletivo, discutidas em reuniões, contam com a
participação de mulheres militantes integrantes do Coletivo de Gênero distribuídas nas três
micro-regionais. O grupo ainda possui representantes homens, embora a participação deles
seja muito pequena.
No princípio de sua organização, o grupo contava com o envolvimento de
aproximadamente 70 mulheres, espalhadas por toda a regional do Pontal. Suas reuniões eram
realizadas quinzenalmente, amparadas por um esquema que lhes permitia realizar cursos de
formação. Essas reuniões aconteciam na Secretaria Regional do Movimento ou na COCAMP.
Os acampamentos também foram objetos da realização desses encontros.
12
Os núcleos regionais são delimitações que obedecem aos limites municipais, aglomerando um determinado
número de municípios em cada um deles. Essa é uma divisão elaborada e utilizada pelo MST para fins de
organização. Dessa forma, as atividades, trabalhos e ações, que venham a ser realizadas pelo movimento, ficam
dividas para os militantes que atuam nas regionais, uma espécie de divisão de trabalho. Assim, são estabelecidos
os vínculos e ligações da militância com a sua respectiva regional. Geralmente esses militantes possuem
residência fixa na regional da qual fazem parte e desempenham a milincia nos assentamentos e acampamentos
existentes nos respectivos municípios.
RANCHARIA
MARTINÓPOLIS
TACIBA
REGENTE
FEIJÓ
INDIANA
CAIABU
PRESIDENTE
PRUDENTE
ANHUMAS
NARANDIBA
PIRAPOZINHO
ESTRELA
DO NORTE
TARABAI
ALVARES
MACHADO
ALFREDO
MARCONDES
SANTO
EXPEDITO
EMILIANÓPOLIS
PRESIDENTE
BERNARDES
SANDOVALINA
MIRANTE DO PARANAPANEMA
SANTO
ANASTÁCIO
RIBEIRÃO
DOS ÍNDIOS
PIQUEROBI
PRESIDENTE
VENCESLAU
CAIUÁ
PRESIDENTE
EPITÁCIO
MARABÁ PAULISTA
TEODORO
SAMPAIO
EUCLIDES DA
CUNHA PAULISTA
ROSANA
IEPÊ
NANTES
LOCALIZAÇÃO DOS NÚCLEOS MUNICIPAIS DE
TRABALHO DO MST - PONTAL
Núcleo I
Núcleo II
Núcleo III
23º 10’S
23º 10’S
53º W 50º 45’ W
53º W
21º 25’S
50º 45’ W
21º 25’S
PR
MS
MG
SÃO PAULO
FIGURA: 08
PÁGINA: 64
ESCALA GRÁFICA APROXIMADA
Base Cartográfica: Instituto Geográfico e Cartográfico do
Estado de São Paulo; Escritório Regional de Articulação e
Planejamento.
Fonte: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Organização: Renata Cristiane Valenciano (2004)
APOIO FINANCEIRO
INSTITUIÇÃO
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientítifo e Tecnológico
LEGENDA
0 30 60 Km
20º S
24º S
51º30’ W
46º30’ W
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
65
Como já foi salientado anteriormente, em cada assentamento cuja origem
tenha sido a luta desencadeada pelo MST, existe pelo menos uma mulher que integra o
Coletivo de Gênero, desenvolve os trabalhos e leva as discussões para dentro do seu
respectivo assentamento. Assim, com base em informações de integrantes do Coletivo de
Gênero, pudemos fazer um levantamento de quais assentamentos, no município de Teodoro
Sampaio, contavam com representação e participação de militantes ligadas ao Coletivo. Essas
informões encontram-se dispostas na Figura 9.
Do total de assentamentos existentes atualmente no Pontal do
Paranapanema, há uma participação relativamente alta de mulheres inseridas no Coletivo de
Gênero. No entanto, por conta da falta de informões precisas, não é possível apontar, no
momento, quais são esses assentamentos dentro da regional do Pontal. Podemos indicar,
porém, uma estimativa de participação, baseada nas entrevistas dirigidas a militantes do
Coletivo de Gênero da região, nas quais temos que 81% do total de assentamentos possuem
pelo menos uma representante do Coletivo de Gênero, restando, portanto 19% dos
assentamentos sem representação.
Nesses momentos de encontros e reuniões, as mulheres discutem assuntos
que perpassam a Luta pela Terra, a reforma agrária, a emancipação dos trabalhadores, etc. De
acordo com as pautas das reuniões
13
, podemos detectar alguns dos principais assuntos
discutidos pelo Coletivo de Gênero no decorrer desses últimos anos: a) a construção de hortas
medicinais dentro dos assentamentos; b) a implantão e organização dos Projetos de Saúde
Familiar - PSFs; c) o lançamento e conseente utilização de material para cursos e palestras
como cartilhas sobre saúde e defumação de carnes; d) a organização de ões e manifestões
específicas das mulheres e ões gerais da organização dos trabalhadores, como Encontro
Estadual das Assentadas e Acampadas, Encontro Regional do MST e a organização para
mobilização das mulheres, etc.
Sempre que é necessário decidir alguma coisa ou organizar determinada
ação, as mulheres são convocadas para as reuniões, de forma que não existe uma relação de
datas pré-estabelecidas para os encontros e reuniões. As decisões estão ancoradas na
deficiência de algo, na eleição de algum problema em discussão. Daí são tiradas as linhas de
atuação do Coletivo.
13
Para saber mais sobre as questões discutidas nas reuniões ver Anexo 4.
52°40’00’’
22°15’00’’
52°10’00’’
22°15’00’’
52°35’00’’
22°30’00’’
52°05’00’’
22°40’00’’
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M
ASSENTAMENTO
LAUDENOR DE SOUZA
ASSENTAMENTO
ÁGUA BRANCA I
ASSENTAMENTO
SANTA TEREZINHA
DA ALCÍDIA
ASSENTAMENTO
ALCÍDIA DA GATA
ASSENTAMENTO
SANTA ZÉLIA
ASSENTAMENTO
SANTA TEREZA
DA ÁGUA SUMIDA
ASSENTAMENTO
SANTA RITA DA SERRA
ASSENTAMENTO SANTO
ANTONIO DOS COQUEIROS
ASSENTAMENTO
VALE VERDE
ASSENTAMENTO
HAIDÉIA
ASSENTAMENTO
CACHOEIRO
DO ESTREITO
ASSENTAMENTO
SANTA VITÓRIA
ASSENTAMENTO
CÓRREGO AZUL
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613
158
ASSENTAMENTO
LAUDENOR DE
SOUZA
ASSENTAMENTO
VÔ TONICO
ASSENTAMENTO
STA. CRUZ DA
ALCÍDIA
ASSENTAMENTO
FUSQUINHA
ASSENTAMENTO
PADRE JOSIMO
ASSENTAMENTO
ÁGUA SUMIDA
ATUAÇÃO DO COLETIVO
DE GÊNERO NOS ASSENTAMENTOS
DO MUNICÍPIO DE TEODORO SAMPAIO/SP
Assentamentos com representantes no coletivo de gênero
Assentamentos sem representantes no coletivo de gênero
Área de assentamento
Divisa municipal
Área dos assentamentos
Estrada sem pavimentação
Estrada pavimentada
Ferrovia
Área urbana
Corpos d’água
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l
CONVENÇÕES CARTOGRÁFICAS
LEGENDA
20º S
24º S
PR
MS
MG
SÃO PAULO
51º30’ W
46º30’ W
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TEODORO
SAMPAIO NO EXTREMO OESTE PAULISTA
0 3000 6000 9000 m
ESCALA GRÁFICA
Fonte: Prefeitura Municipal de Teodoro Sampaio
Base Cartográfica: Carta Base do Setor de Obras e Engenharia, 2000
Organização: Renata Cristiane Valenciano, 2004
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientítifo e Tecnológico
APOIO FINANCEIRO
INSTITUIÇÃO
FIGURA: 09
PÁGINA: 66
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Mas as ações promovidas pelo Coletivo de Gênero não se resumem apenas a
momentos de estudos e formação política das militantes ou a realização de ões como
passeatas, mobilizões, ocupões, etc. Esses trabalhos se estendem aos territórios em que
temos materializado um dos resultados da Luta pela Terra: os assentamentos. Alguns desses
trabalhos, como mencionamos acima, é a aplicação de cursos para os assentados como o
plantio de mudas medicinais e a sua manipulação para a produção de medicamentos caseiros,
defumação de carnes, hortas comunitárias, viveiros de mudas de árvores, etc. Esses projetos
foram pensados e idealizados dentro do Coletivo de Gênero e de outros Setores como o da
Saúde e Educação. Porém, tais projetos, em parte, não tiveram aplicação ou seência
satisfatória. A falta de recursos seria uma das explicações para a paralisação dos mesmos, já
que a estrutura que possui o movimento não é suficiente para atender a demanda que existe
dentro dos assentamentos e acampamentos. Esse problema foi apontado durante entrevistas
com algumas militantes no Assentamento Santa Zélia, em Teodoro Sampaio.
O Coletivo de Gênero surgiu como um espaço de formação e ação das
mulheres. Muitos projetos, para serem aplicados diretamente dentro dos assentamentos
visando à educação, à saúde, ao crédito, enfim, ao desenvolvimento material e à formação de
consciência, foram discutidos e assinalados por esse grupo de trabalhadoras. Poucos foram os
projetos que tiveram aplicação. Mas, desde sua gênese, o caráter informacional (a tentativa de
promover a integração das mulheres ao MST, por meio da disseminação das informões, ou
seja, manter as militantes informadas, ou conjunturadas
14
) e de formação política das
militantes foi a principal marca desse Coletivo. O objetivo de deixar as militantes
conjunturadas, informadas foi alcançado e até hoje vigora como um dos objetivos mais
marcantes do Coletivo de Gênero.
Organizar, formar e informar as militantes, sempre foi possível e trouxe
resultados fundamentais. Os momentos de estudo, as discussões de formação, enfim, a
aglutinação das militantes, reforçou, no decorrer dos anos, sua participação e envolvimento na
organização. As reuniões que levantavam as dificuldades das mulheres trabalhadoras, as
necessidades delas, os embates pessoais, tudo isso foi discutido, além da promoção e
organização de inúmeras ões.
Trazer para as mulheres assentadas as notícias do que acontecia em termos
de política e de conquistas do movimento, fez nelas a vontade de mudança. Mas o
engajamento mais profundo nessa forma de organização, realizada pelas mulheres do MST
14
Expressão utilizada pelas militantes do Coletivo de Gênero e que tem o sentido de informar.
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esbarra numa série de condições que esboçamos acima. O fato de ser mulher coloca desde
cedo muitas condições, cercadas por valores, símbolos, rotinas e uma série de elementos
pertinentes à construção delas como sujeitos, bem como de seu respectivo papel na sociedade.
Dessa forma, o idrio do Coletivo de Gênero não ganhou as pretensas extensões. É nesse
sentido que ainda não se avançou nos trabalhos e na realização dos objetivos colocados:
A conquista no futuro é transformar a mulher trabalhadora, para defender a
nossa classe. Esse é o maior desafio e será a maior conquista. Nós não
conseguimos muitas coisas ainda. Nós simplesmente não queremos elogiar
tanto o coletivo porque não existe ainda uma coisa que deveria existir.
Existe um grupo que pensa, que discute, um grupo onde estão inseridos
militantes que buscam formar mais militantes no futuro. Exatamente
transformar nossas bases em guerreiras. E essa transformação sem dúvida,
passa por politizar as companheiras. Esse será o nosso grande desafio, não
só do coletivo, senão da organização.
(Entrevista realizada com uma das principais lideranças do MST, militante e
idealizadora do Coletivo de Gênero no Pontal, assentada no Assentamento
Che Guevara em Mirante do Paranapanema).
Assim, diante dos empecilhos colocados para o Coletivo surgiu a idéia de
fortalecer esse grupo, criando, de alguma forma, os meios que permitissem viabilizar seus
projetos, suas idéias, enfim, criar um canal de participação e reconhecimento de suas ões.
O ano de 2002 trouxe algumas mudanças para a composição dos Coletivos
de Gênero do Estado de São Paulo e dos demais estados do país onde o MST está organizado.
Foi votada uma proposta no Encontro Nacional do MST, realizado em janeiro de 2002, cujo
conteúdo está baseado na mudança de Coletivo de Gênero para Setor de Gênero. A transição
de Coletivo para Setor reúne uma série de novas conformações, das quais podemos destacar a
maior autonomia e organicidade. Ou seja, há uma nova reestruturação não apenas do Coletivo
de Gênero, mas de todas as formas de organização, assim como da própria estrutura do MST.
Atualmente as mulheres que compõem o quadro do Coletivo são chamadas de polivalentes,
pois contribuem com ões desempenhadas dentro do Coletivo de Gênero e dentro de outros
setores como educação, saúde, frente de massa, etc. Essas mulheres estão inseridas em várias
instâncias de organização. A mudança para Setor implica uma maior atenção para os
trabalhos de gênero, ou seja, uma dedicação mais canalizada nesse sentido, além de uma
forma de buscar mais credibilidade para o grupo.
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A pauta de reivindicações para o ano de 2002 foi muito extensa, permeada
por uma série de ões nas quais se trabalhou, inicialmente, assuntos como pagamento da
dívida externa, MERCOSUL, ALCA, dentre outros. As jornadas de luta do MST e do Setor
de Gênero ultrapassam o questionamento dessas e outras questões. A estruturação do Setor
fez parte da meta colocada pelas mulheres, pois, além de recuperar e ampliar os cursos de
formação e organização das mulheres da base, (dos assentamentos e acampamentos), isso
poderia proporcionar um momento de rever as linhas de atuação e promover uma nova
estrutura de trabalho para o Coletivo e o movimento sem terra de forma geral.
A posição ocupada por tais mulheres no MST mostra que a forma como o
mesmo encontra-se estruturado, apesar de ainda estar dominado por valores conservadores,
fortalece a participação feminina nos espos de debate e de formação política. No entanto,
mais do que desenvolver um trabalho de militância, essas mulheres estão engajadas nas outras
esferas do trabalho, como as atividades domésticas e a lida no campo. Apesar de toda a carga
de ocupações, as mulheres estão presentes nas frentes de luta, desempenhando assim a terceira
jornada de trabalho.
Esse envolvimento crescente das mulheres revela que já existe uma
alteração significativa nas atitudes de homens e mulheres frente a vários preconceitos sexistas,
não apenas sobre a mulher, mas também sobre o homem. Essas transformões, no entanto,
não atingiram ainda o alcance desejado.
Internamente à organização, foi necessário conjecturar, junto com homens e
mulheres, os comportamentos, as atitudes, as crenças, os valores, as normas, as regras, as
rotinas e os códigos, criados pela cultura, pela tradição de uma sociedade milenarmente
conservadora. O campo e o MST não são imunes a tais transformões; contudo, é necessário
implementar estratégias que estimulem e facilitem as transformões inevitáveis. Os
Coletivos de Gênero, durante todo o seu processo de estruturação, foram responsáveis pela
inserção das questões acerca das relões de gênero no MST, e certamente desencadearam
uma discussão que em muito deve avançar. A reestruturação que se iniciou em 2002, ou seja,
a formação de um Setor de Gênero, veio com o objetivo de trazer muitas mudanças, as quais
poderiam fazer avançar os trabalhos, desenvolver projetos que desde então afetem a base e
sejam introduzidos dentro dos assentamentos e acampamentos.
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2.2.- Conquistas e Desafios
As mulheres vêm escrevendo uma história de mobilização e organização na
região do Pontal do Paranapanema desde a metade da década de 90. Elas organizaram
ocupões e continuam promovendo inúmeras ões em protesto contra a violência
desencadeada sobre as mulheres do movimento e a prisão de vários militantes do MST na
região. Atualmente, as mulheres voltam a se organizar da mesma forma em que fizeram na
gênese do Coletivo de Gênero, para protestar contra a violência e a prisão de suas lideranças.
Desde o momento em que o Coletivo de Gênero passou a ser considerado
um Setor com vistas às reformulões na estrutura orgânica do MST e à atual conjuntura que
se apresenta para os trabalhadores sem terra, a experiência de organização do acampamento
de mulheres aparece como uma das mais expressivas diante do quadro colocado na região. O
acampamento das mulheres do Movimento Sem Terra se deu entre os dias 06 a 15 de junho de
2003, num local próximo ao Fórum de Teodoro Sampaio.
Figura 10: Acampamento de Mulheres, Teodoro. Sampaio Mulheres e Crianças se
preparando para o almoço.
No acampamento, existe uma série de normas e disciplinas organizacionais a serem seguidas pelos
integrantes. O almoço preparado para todo o grupo é servido em forma de fila.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2002.
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Figura 11: Acampamento de Mulheres, Teodoro. Sampaio Rotina de Trabalho da
Acampada.
Buscar a água para o preparo da alimentação e demais atividades realizadas no barraco é função
realizada, quase na sua totalidade, por mulheres e/ou crianças. A água, quase sempre escassa, é
armazenada em galões ou potes carregados por um longo trecho até chegar no barraco.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2002.
O acampamento contou com a participação de aproximadamente 100
mulheres, vindas dos vários acampamentos e assentamentos da região. Entre os protestos
estava a crítica contra a criminalização do MST, a perseguição política desencadeada contra
as lideranças do movimento e a reivindicação de liberdade aos militantes presos. Podemos
visualizar nas Figuras 12 e 13 o acampamento, as faixas com reivindicações e a mobilização
das mulheres e crianças.
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Figura 12: Acampamento de Mulheres, Teodoro. Sampaio Vista parcial.
Podemos visualizar, além do acampamento, as faixas com reivindicações atestadas pelas mulheres. É muito
comum encontrar faixas com as mensagens que, na verdade, externam os motivos pelos quais eso
protestando, seus objetivos ou palavras de ordem.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2002.
Figura 13: Acampamento de Mulheres, Teodoro. Sampaio Um dia no acampamento.
Os momentos de descanso eso intercalados com outras atividades realizadas pelas mulheres, como
podemos notar mais ao fundo: um varal com roupas a pouco lavadas e secando ao sol.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2002.
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Esse fato se torna muito relevante para as mulheres da região, visto que é a
primeira vez que as mulheres organizam um acampamento no Estado de São Paulo,
coordenado então pelo Setor de Gênero. A primeira vez que as mulheres realizaram uma ação
semelhante foi no ano de 1999, no Fórum de Pirapozinho. As mulheres se mobilizaram diante
do Fórum em protesto contra a prisão de alguns membros da direção regional.
Na região do Pontal do Paranapanema, vem-se desenvolvendo, ao longo
desses anos, uma trajetória de luta e resistência permanente por parte do Movimento Sem
Terra, que sofre diariamente com as ões repressivas, como prisões, perseguições, despejos,
etc. As mulheres têm um papel significativo nessa história, visto que têm desenvolvido uma
série de ações, contestando, discutindo e refletindo sobre essa realidade, que nada mais é do
que uma expressão da luta de classe. Esse trabalho, ainda embrionário em 1996 e 1997, hoje
já é expressivo e dá provas da força que reúne as mulheres militantes.
O movimento não muda a sua estrutura, mas sim as ões que são
desenvolvidas como ocupação, caminhada, mobilização das mulheres, etc. São ões que
surgem como uma reação diante da situação que se instalou na região. No momento, as
investidas do Poder Judiciário, no sentido de reprimir a organização, prendendo militantes,
têm desencadeado uma contra-reação do movimento. Esse contra-ataque se exprime nessas
ões que hoje são desenvolvidas não só pelas mulheres, embora elas tenham se destacado,
mas por toda a organização do movimento sem terra.
Podemos traçar um perfil das represálias, mesmo que superficialmente, que
o movimento tem sofrido, desde a sua chegada ao Pontal, no início da década de 1990. A
atuação da pocia era intensa, e o contato se dava mais diretamente, com represálias, prisões e
despejos. Nesses últimos dois anos, essa perseguição tem se dado de forma muito mais sutil,
na qual o poder judiciário tem-se destacado enormemente. A criminalização do MST, de suas
principais lideranças, tem sido a nova forma assumida contra o Movimento. O objetivo de
tirar as lideranças de ação é enfraquecer, desnortear e desmobilizar os trabalhadores. Nesse
sentido, a única saída encontrada pela organização é preservar seus militantes, e dar
encaminhamento a ões de contraposição a essa represália. A participação das mulheres tem
sido fundamental:
Dentro do movimento não poderia ser diferente. A gente vai construindo a
historia do MST e dentro do movimento se constrói a história das mulheres,
dos homens, das crianças, tudo de acordo com o que vai acontecendo.
(Militante do Setor de Gênero, assentada no Assentamento Paulo Freire, em
Mirante do Paranapanema)
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O MST tem sofrido muitas perseguições que afetam diretamente alguns
militantes e lideranças nos níveis regional e nacional. A esse respeito e como resposta à prisão
de uma militante e integrante do Coletivo em setembro de 2003, as mulheres se mobilizaram
novamente e organizaram uma marcha na cidade de Presidente Prudente. Foram
extremamente criticadas e combatidas por representantes da elite ruralista local. Nas Figuras
14, 15 e 16 temos essas informões noticiadas no Jornal O Imparcial
15
.
Figura 14: Prisão de Diolinda Alves de Souza Jornal O Imparcial
O Jornal anuncia na primeira página a prisão da liderança Diolinda e enfatiza a condenação de
outros membros do MST.
Fonte: Jornal O Imparcial, 2003.
15
O Jornal O Imparcial é um veículo de comunicação regional, cujo pertencimento es vinculado a grupos de
interesse específico: defesa do donio latifundista regional. O posicionamento em relação ao Movimento Sem
Terra fica claramente expresso nas reportagens que fazem menção a atuação da organização, quando são
analisadas mais detidamente. São evidenciadas as falas e fatos que dizem respeito a qualquer representante dessa
elite local em detrimento da fala ou colocação de um representante do MST. É uma via de comunicação que
emite uma imagem destrutiva do MST. Mais detalhes ver: SOUZA, S. M. R. Trabalho Social, Imprensa e
Construção de Sentidos. Pegada, v. 3, n. 1, Presidente Prudente, 2002.
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Figura 15: Marcha de Mulheres Sem Terra em Protesto Contra a Prisão de Militantes
Essa marcha organizada pelo Coletivo e com a presença massiva de mulheres, a maioria
acampadas de toda rego, é um ato de repúdio à prisão de deres do MST e um pedido pela paz.
Notamos na reportagem uma menção à situação vivenciada por esses militantes, que converte a
criminalização e a mobilização dos trabalhadores a uma queso jurídica.
Fonte: Jornal O Imparcial, 2003.
Para contestar essa perseguição, a organização tem apostado na mobilização
das bases, o que fortalece internamente seus quadros, ou seja, seus Setores e os mais diversos
elementos que eles representam. Dessa forma, a apreciação das atividades desenvolvidas pelas
mulheres foi grande dentro do movimento. É a mulher lutando pelo seu espo, como
militante, como mãe e esposa. Por meio dessas ocorrências, as mulheres passam por um
processo de formação e politização; comam a entender o que está acontecendo na região e
por que acontece.
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Figura 16: Contestação e Repúdio à Marcha das Mulheres Sem Terra
O Prefeito da cidade de Presidente Prudente, considerada a cidade pólo da rego e que serviu
inúmeras vezes de local para manifestações do MST, anuncia enfaticamente a sua repulsa por
qualquer ato do movimento, e dá provas de seu autoritarismo excessivo.
Fonte: Trabalho de campo em equipe, 2003.
A mobilização diante do Fórum em Teodoro Sampaio, citada anteriormente,
alcançou um dos seus objetivos principais: esclarecer qual a função do poder judiciário diante
do quadro que se estabeleceu no Pontal. É a construção da consciência de classe que está
sendo desenvolvida ao longo da história de organização das mulheres, as quais estão sendo
encaradas como um poder muito proeminente dentro do MST. Elas possuem uma relevante
capacidade de mobilização e, desde sua primeira experiência, têm dado exemplos dessa força.
As mulheres já fizeram ocupação de terra, de prédios públicos, mobilizões,
acampamentos... Todas as ões surgiram como resposta a uma determinada realidade que se
impôs para o movimento.
Um elemento que aparece nesse momento e que se torna relevante discutir,
é o papel que foi estabelecido para o Setor de Gênero dentro do contexto geral do movimento.
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Existem, dentro do movimento em geral, inúmeros Setores que trabalham e
desenvolvem ões para sanar os mais diversos problemas e incrementar esses quadros ao
mesmo tempo. Setores como educação, saúde, produção, etc. Ou seja, são Setores voltados
para programas de incremento da renda familiar, para desenvolver projetos dentro dos
assentamentos, etc.
A característica do Setor de Gênero continuou sendo a ação. Dessa forma,
podemos dizer que esse grupo de mulheres sempre esteve, desde sua gênese, voltado para a
mobilização e ação das mulheres. A formação e ação política foram a marca desse grupo
composto pelas mulheres do Movimento Sem Terra.
Essa inclinação das mulheres para as ões é representativa das
transformões que estão sofrendo. Transformações que perpassam as relões sociais, desde
o núcleo familiar até o interior do próprio movimento. Estão ocorrendo mudanças nas
relões de gênero que compõem a vida dessas mulheres; e os frutos desse caminhar
despontam em ões políticas que contestam a situação em que se encontra a classe
trabalhadora. Mas a grande questão é: até que ponto chegam essas mudanças e como elas têm
alterado de fato o cotidiano da luta e da vida desses trabalhadores?
Dessa forma, as relões de gênero não podem ser compreendidas
isoladamente, dentro da sociedade, assim como não podemos fazer uma leitura” desses
grupos de mulheres somente pelo viés do gênero. É preciso considerar que uma sociedade
encontra-se dividida em classes, e é evidente que nenhuma relação está desvinculada do
contexto da luta de classe. Com o intuito de compreender as relões de gênero, é necessário
compreender paralelamente, o funcionamento da sociedade, seu metabolismo societário, sua
estrutura econômica, as relões de produção, bem como os mecanismos de controle político,
jurídico e ideológico. (THOMAZ, JR., 2003a).
O MST, baseado principalmente na organização desses grupos de mulheres,
tem como uma de suas principais conquistas, a construção de novas relões de gênero, já que
um dos seus princípios é a transformação da sociedade, mais solidária, com justiça social, etc.
Essa transformação, segundo o Movimento, é impossível sem acabar com as bases
ideológicas de sustentação da sociedade do capital, das quais, uma das facetas é desigualdade
nas relões de gênero.
É impossível imaginar que não exista dentro da organizao a desigualdade
de gênero que está colocada na sociedade. A mesma, também agrega na sua totalidade,
relões sociais, por valores, por desvios, práticas, etc. É por meio das lutas, da formação, que
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a sua base vem tendo saltos de consciência, com o intuito de romper com essa ideologia, com
essa relação de poder.
A mulher não está apenas conquistando seu espo do ponto de vista de
ocupação em cargos de liderança, o que sugere muito mais do que conquistas quantitativas;
ela está também desenvolvendo um trabalho em prol da emancipação da classe trabalhadora.
Essa mudança de Coletivo de Gênero para Setor trouxe, como objetivo principal, o
estabelecimento de uma série de transformões na forma de organização dessas mulheres,
internamente ao MST. Tendo como referência a experiência do acampamento de mulheres,
isso alavancou os trabalhos, naquele ano (2003), e deu continuidade à forma de organização e
ação da Luta pela Terra. Mas não avançou, não rompeu limites, não superou questões que
estavam na pauta do dia. Isso refletiu em mais uma das etapas de construção desse grupo, que
foi a retomada do funcionamento do Coletivo. Acreditamos que foi um momento muito
expressivo diante do contexto de organização das trabalhadoras sem terra, já que entendemos
ser este mais um dos fatos que espelham uma dinâmica territorial de funcionamento e de
gestão dos grupos de mulheres no Pontal; e não apenas isso, senão que espelha também as
verdadeiras faces da realidade vivida por essas militantes, no bojo da organização dos
trabalhadores e nos territórios de luta.
2.3 Do Setor ao Coletivo: Avanços e Retrocessos
Sabemos da reestruturão que as organizões sociais, principalmente
quando falamos num movimento social de Luta pela Terra como o MST, em face das
demandas e necessidades que se colocam, tem de apostar na mudança e na reorganização de
seus quadros. Pautados nessa afirmação, é que damos continuidade a nossas colocações sobre
as tendências pelas quais esses grupos de mulheres trabalhadoras sem terra vêm tramitando
nos últimos anos.
No ano de 2003, surpreendemo-nos com as transições pelas quais o então
Setor de Gênero, como se espera de uma organização dinâmica, novamente havia passado. A
organização sofreu um período de dormência” ou, segundo as palavras de uma militante,
voltou-se para dentro de si, na tentativa de rever suas ações e planejar os rumos que seriam
tomados nesse período. E, por meio de algumas reuniões de avaliação das ões e da própria
estruturão do Setor, votou-se para a retomada do Coletivo de Gênero. O Coletivo que se
tornou Setor, volta, novamente, a ser um Coletivo.
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2.3.1 As dificuldades
Existem inúmeras dificuldades que as militantes apontaram como
motivadoras da mudança. A principal delas é o próprio envolvimento das militantes com as
tarefas propostas para o Setor, que deveria possuir um trabalho mais canalizado e mais
direcionado das mulheres. Como já salientamos anteriormente, o Coletivo sempre foi
constituído de mulheres que já atuavam em outras frentes de luta, principalmente no Setor de
Saúde e Educação. O fato de estabelecer um compromisso mais rígido com uma determinada
demanda, certamente acabaria por fragilizar o trabalho já desenvolvido nas outras frentes.
Como um Coletivo, o trabalho é muito solto. Ou seja, de acordo com a demanda que se
colocam, os vários militantes, que atuam em outros Setores, poderiam facilmente estar se
comprometendo na realização de um determinado trabalho. Assim, a dinâmica, que é uma das
características mais importantes dessa organização, aparece com mais clareza. O Coletivo é
constituído de militantes que atuam em vários Setores sendo que, todos os Setores estão
dentro do Coletivo”.
A discussão acerca das relões de gênero, marca que sempre caracterizou o
grupo, continua sendo um dos principais temas de trabalhos e ões. Entendemos, porém, que
esse grupo é responsável pela instauração e realização de ões que cruzam com todas as
esferas que englobam o processo de luta pela terra e emancipação da classe trabalhadora.
Ainda assim, foi possível apreender a resistência de muitos militantes de
outras frentes no momento da mudança de Coletivo para Setor. Acreditamos que a
denominação de Setorzinho é uma expressão clara e viva da resistência, preconceito e, mais
do que isso, significa uma expressão que diminui e desqualifica o papel desse grupo diante do
processo de organização dos trabalhadores. Isso se materializou dentro do próprio movimento.
Afirmamos isso, baseados nas observações de militantes que consideravam ser um absurdo
reconhecerem o trabalho de um grupo de mulheres e elevá-lo à categoria de Setor. Está muito
claro, tanto pela forma de organizar como pelo significado das instâncias organizativas do
MST, que um Setor tem qualificões distintas de um Coletivo. E isso se refletiu claramente
naquele momento e se concretizou mais tarde quando a iniciativa das mulheres em condensar
e qualificar o trabalho, que já era desenvolvido no Coletivo, passando a ser denominado Setor,
veio a se desfazer, dando provas das dificuldades e entraves internos pelos quais as
integrantes do Coletivo se submeteram. Esse movimento constante de denominações,
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Coletivo Setor Coletivo, é revelador da instabilidade do grupo, da falta de coesão e,
principalmente, da dificuldade de implementação de um projeto de superação.
As mulheres assumiram a realização de inúmeras ões nesse período,
dentre as quais destacamos as ões no Dia Internacional da Mulher, em 2002, em que
centenas de assentadas e acampadas realizaram um trabalho de panfletagem em São Paulo,
discutindo temas como a criminalização, a ALCA, o não pagamento da dívida externa e o
FMI. Em março de 2003, na comemoração da mesma data, realizaram uma passeata, em
Presidente Prudente, além de reuniões e manifestões em praça pública.
2.3.2. O Encontro Regional
Um dos grandes eventos que o Coletivo de Gênero sempre pretendeu
organizar, mas que, em vista das outras demandas, não pôde fazê-lo, em outra ocasião (2003),
passou a constituir a agenda de lutas das mulheres: Trata-se do Encontro Regional de
Mulheres Assentadas e Acampadas do MST, no Pontal. A idéia de realizar o evento surgiu
durante a manifestação realizada no Dia Internacional da Mulher realizado, em Presidente
Prudente, nesse mesmo ano:
A vontade de fazer o encontro é muito antiga. As mulheres vêm fazendo
muitas lutas e mobilizações. Em 1999, ocupamos o Fórum em Pirapozinho.
Em 2002, organizamos o 1
o
. acampamento de mulheres diante do Fórum em
Teodoro. Sempre para protestar. A frente das mulheres cresceu e a
sociedade tem simpatia pelasões.
(Entrevista realizada com uma militante do Coletivo de Gênero em ocasião
da reunião para a preparação do Encontro Regional de Mulheres do MST).
Para a organização do evento as militantes se utilizaram entre outros
instrumentos, de algumas faixas com frases de reivindicações, organizaram debates e
apresentões no evento, sticas e dinâmicas, entre outros. E ainda, a plenária composta
pelas participantes, seguida da mobilização das mulheres em Grupos de Trabalho separados
por município. Esses Grupos, ou frentes, reúnem as mulheres para debater sobre os principais
problemas vivenciados nos assentamentos de origem e deliberam sobre as decisões que
devem ser encaminhadas.
Além disso, as mulheres do Coletivo ainda frisaram a importância da
realização desse encontro. O mesmo contemplou um público que o Encontro Estadual de
Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo, (organizado pela Omaquesp e
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órgãos do Governo como o ITESP), não incluiu na sua lista de convidados. Segundo as
mulheres, o caráter que marca esse Encontro Estadual é a representação; de outra parte, a
proposta do Coletivo de Gênero, é trazer para a linha de frente mulheres acampadas, também,
trabalhando, portanto, com a participação e inclusão de um público amplo e abrangendo,
ainda os acampamentos. Assim, fica clara a diferença nas linhas de ação, na tomada de
decisão e no blico para o qual os dois encontros são direcionados.
Dentre os pontos da pauta do Encontro, que teve um caráter de luta para os
meses seguintes, destacamos o Programa Luz da Terra e Moradia. Segundo as mulheres, que
são as que mais sofrem com a decadência de meios adequados de sobrevivência dentro dos
assentamentos, esses são dois dos principais problemas enfrentados atualmente. As
mensalidades do Programa Luz da Terra estão atrasadas e precisam ser negociadas. No que
tange à Moradia, discutiu-se a respeito. Um grupo deverá encaminhar às autoridades
competentes o quadro no qual se encontram as famílias assentadas, de acordo com a situação
de precariedade. Outro tema tratou da situação dos militantes presos e das ões que deverão
ser implementadas, envolvendo o repúdio ao processo de criminalização do MST.
A realização desse encontro que, como já salientamos sempre foi um dos
atos que o Coletivo teve por anseio promover, mas que, até então, não se tinha efetivado, pode
ser interpretada como uma das estratégias que o grupo adotou para conquistar espos dentro
dos assentamentos e acampamentos, de forma a irradiar, consolidar e construir novas redes de
comunicação e intercambio com tais espos. Essa é uma das demandas mais nítidas, não
apenas do Coletivo, senão da Omaquesp também. Trata-se de construir linhas de comunicação
para consolidar sua representação dentro dos assentamentos e acampamentos. As formas
como cada uma se utiliza para tal fim, em alguns momentos, são bem distintas, muito embora
o objetivo seja o mesmo. A dificuldade em constituir esses canais de comunicação é
impedimento à consecução das atividades e pode levar à estagnação, sobretudo ao final da
representação dos grupos dentro dos assentamentos. Na seência, temos uma série de
depoimentos que delineiam com muita clareza esse problema.
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2.3.3. Os Entraves nos Assentamentos
Segundo as entrevistadas, a falta de recursos para dar encaminhamento a
cursos de formação teve, como desdobramento, a perda de influência e apoio dentro do
assentamento. Isso culminou com a entrada em cena do ITESP, que munido de recursos e
proposta de cursos para as militantes, organizou-se e passou a trabalhar com o grupo de
mulheres nos assentamentos:
Quando se discute com as companheiras, sempre volta à discussão para uma
coisa básica que é o que a gente pode fazer, para contribuir no orçamento da
família, nós queremos um curso disso ou de tal coisa. Nós fomos perdendo.
Então entrava de novo naquela coisa que eu já falei, que o movimento não
tem pernas para dar seência ou encaminhamento nestas coisas depois que
já é assentado. Aí perdemos espo para o Estado trabalhar. Diversas vezes
eu reuni companheiras aqui e dissemos que queríamos fazer uma horta
comunitária, vamos trazer pra cá um curso de corte e costura, mas aí não
tem verba, não tem perna pra trazer isso. Aí entrou o Estado na pessoa da
dona Geni, e trouxe essa resposta que faltava. Esse respaldo que faltou para
gente dar, o ITESP deu. Aí as propostas de trabalho que o Coletivo de
Gênero do movimento trouxe aqui pra dentro perderam a credibilidade,
perdeu, por não ter tido pernas para dar encaminhamento, não teve a ação.
(Militante do Coletivo de Gênero do Assentamento Santa Zélia no
município de Teodoro Sampaio)
Na verdade eu mesma apesar de ter conhecimento de que o movimento não
ta mais presente, as companheiras de gênero não estão dentro dos
assentamentos dando esta resposta por uma questão de falta de infra-
estrutura do movimento, de não ter pernas pra estar vindo, mesmo estando
lá dentro e tendo conhecimento desta dificuldade acho que faltou esforço,
faltou garra, e eu muitas vezes aqui dentro acabei perdendo o respaldo das
companheiras por estar trazendo sonhos, a possibilidade de mudança e no
final não dar a resposta, porque não tinha respaldo do coletivo, não tinha
como financiar isso.
(Militante do Coletivo de Gênero do Assentamento Santa Zélia no
município de Teodoro Sampaio)
Está colocado aqui um dos primeiros problemas detectados no que tange ao
encaminhamento das ões e do próprio andamento do Coletivo dentro dos assentamentos.
Mas quais são os mecanismos que o Coletivo utiliza para que as deliberões sejam passadas
para as bases, ou para os sem-terra de forma geral a fim de que possam integrar as ações
planejadas pelo Coletivo? Nas reuniões do Coletivo de Gênero, existe a participação das
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representantes dos assentamentos, as quais, depois de compartilhar das discussões
encaminham as deliberões para dentro do seu respectivo assentamento. Isso se dá por meio
das reuniões ou assembléias, cuja organização está fundada na convocação dos assentados.
Nos acampamentos o processo é semelhante.
O Coletivo de Gênero sempre foi composto quase que em sua totalidade por
mulheres com um engajamento intenso no MST, ou seja, que possuem um histórico de
envolvimento mais direto e são, em grande parte, casadas e com filhos. Essas militantes
também já possuem uma história de luta muito ampla, dotada de muitas conquistas e um
engajamento político destacado dentro da organização. Isso não quer dizer que não existam
militantes jovens e com pouca experiência de luta. O que passa é que, desde sua origem, a
organização do Coletivo foi forjada por um grupo de militantes que já possuíam um nível de
envolvimento e participação muito grande; com o passar do tempo, o ingresso de um número
maior de mulheres participantes aconteceu sensivelmente”. Mantiveram-se as bases que
deram origem e seência aos trabalhos. Não existe formação de novos quadros no Coletivo
do Pontal do Paranapanema, senão pela presença de militantes vindos de outras regiões,
sobretudo das brigadas de formação.
Um dos principais entraves salientados pelas militantes como sendo o
responsável pela não entrada de novas mulheres na militância são os filhos. Há também as
atividades desenvolvidas nos lotes, as quais se desdobram em duas: a primeira jornada de
trabalho, constituída das atividades da casa; e a segunda, relativa ao trabalho na lavoura, além
da oposição e/ou negação dos maridos, entre outros. No espo compreendido pela família, a
mulher encontra muitos obstáculos à sua inserção na luta de forma ampliada. O fato de deixar
a casa, os afazeres domésticos (que são atividades desempenhadas pelas mulheres), os filhos
(cujo cuidado está sob a responsabilidade da mulher), não é bem vistos pelo seus respectivos
companheiros, o que e impede a saída e a participação delas em eventos, reuniões e demais
atos promovidos, não somente pelo Coletivo, mas pelo movimento como um todo. É o que
salientam as falas de algumas militantes do Coletivo:
Existem mulheres interessadas e o marido não deixa mesmo, tem umas que
insistem e falam: eu vou sim, mais têm umas que o marido não deixa
mesmo, dizem que o lugar da mulher é lá, já que quis o lote, tem que ficar
lá tem o serviço, não pode deixar sozinho, depois vêm os filhos e é assim.
(Militante do Coletivo de Gênero do Assentamento Che Guevara, no
município de Mirante do Paranapanema)
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A participão das companheiras não está sendo totalmente ativa, já que
estamos numa fase inicial. Muitas não participam por conta da família,
muitas são impedidas pelos companheiros, eles não deixam a companheira
participar. Outras acham que a carga de trabalho fica muito difícil para
encontrar um tempo.
(Militante do Coletivo de Gênero do Acampamento Padre Josimo, em
Teodoro Sampaio)
É um desafio para cada mulher, um desafio para todas, tanto militantes do
coletivo, quanto as outras que trabalham com outros grupos. O desafio é o
enfrentamento com os próprios companheiros, com os próprios homens da
militância, que portam o machismo da sociedade. Eles não deixam avançar
a companheira. Por isso acho que um dos nossos grandes desafios é
trabalhar o machismo nos companheiros. Que às vezes se traduz por podar o
que aquela mulher tem de importante, o que tem de potencial para poder
levar a frente a luta do homem e da mulher.
(Militante do Coletivo de Gênero do Acampamento Padre Josimo, em
Teodoro Sampaio)
O envolvimento delas era grande internamente, fora era mais ou menos.
Pois a grande dificuldade que as mulheres têm de estar participando lá fora
são os filhos, que têm uma parcela de responsabilidade nesse entendimento
da mulher não sair. Mas eu acredito que mais ainda pelos companheiros que
não deixam sair. É um dos grandes entraves não ter companheiras à frente
de trabalho, de participar, mais mulheres na militância, ocupando cargos,
isso tudo pelo machismo. O companheiro achar que tem que ficar lá
lavando, cozinhando e passando. Então essa é a razão das mulheres não
participarem mais. Aqui, se for perguntar pra companheira se ela gostaria de
participar nesse acampamento do dia 8 de março, com certeza todas diriam
ótimo, elas têm essa ânsia, esse desejo de participar, mas infelizmente os
companheiros não deixam.
(Militante do Coletivo de Gênero, assentada no Assentamento Santa
Zélia, em Teodoro Sampaio)
Seria este mais um dos elementos que impedem uma participação mais ativa
das mulheres em assentamentos e, em menor, grau nos acampamentos.
Mas não existe, em contrapartida, nenhum trabalho que tenha sido
implantado dentro dos assentamentos com o intuito de trazer esclarecimento e formação para
mudar esse quadro de isolamento das mulheres. A representante do Coletivo de Gênero
participa das discussões e reuniões, porque sua história de luta e formação é outra. Essa
mulher já possui um trabalho de conscientização mais amplo; sua realidade não se compara à
das outras mulheres assentadas. Essa representante tem que passar o resultado das discussões
e deliberações internamente aos assentamentos, mas não encontra espo para isso, onde não
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existem brechas para que possa irradiar as discussões. Há uma resistência muito grande por
parte das famílias, sobretudo dos maridos, que não permitem a saída de suas mulheres para
participar de tais reuniões.
Ora, de quais resistências estamos tratando? As relões de poder existentes
dentro do núcleo familiar são um grande empecilho à inserção e participação das mulheres. O
trabalho que a militante, representante do Coletivo, realiza dentro do assentamento fica dessa
forma fragilizado, desacreditado e não alcança os objetivos propostos. Isso porque não chega
até as bases, não conquista novos sujeitos.
Portanto, não há formação de uma nova consciência, de um novo homem e
uma nova mulher com relação às questões de gênero. Nesse momento, um questionamento é
inevitável: mas o que tem essa representante de diferente que a faz presente nos
assentamentos como uma militante do Coletivo? O perfil de formação dessas militantes e seu
envolvimento com o movimento é muito anterior a essa fase de que tratamos aqui. São
mulheres que estiveram engajadas nas primeiras lutas iniciadas na década de 1990. Desde
então, vêm construindo sua história junto com o Movimento. Tanto é que, se compararmos
uma mobilização realizada em 1996 com uma outra mobilização organizada em 2003,
observaremos que as mesmas mulheres estão à frente do Coletivo, organizando as atividades.
E essa realidade não é específica do Coletivo. O movimento, de forma geral, também sente
essa dificuldade na constituição de novos quadros. Isso foi apontado pelos militantes em
algumas ocasiões. A título de exemplo, apontamos o depoimento de um dos representantes
regionais do MST, quando da visita a um dos maiores acampamentos na região:
Eu, Zé Rainha, Bill, Mineirinho, e tantos outros aí, s já era pra como se
diz, estar aposentando. Mas não tem jeito, a gente tá aí até hoje ainda, à
frente na lida, porque não tem ainda assim uns meninos bom mesmo pra
organizar a luta. Então nós vamos ficando e trabalhando aí junto com o
pessoal.
(Militante e Integrante da Direção Regional do MST)
Mas não é esse o único obstáculo para a efetivação dos trabalhos do
Coletivo. O machismo é apontado pelas militantes como um dos principais entraves na
participação das mulheres. A própria fala acima referida é, na sua totalidade, reveladora disso.
O representante destaca o fato de não haver formação de novos quadros de liderança, mas
evidencia, por outro lado, que as lideranças que estão desde o início atuando na organização
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dos trabalhadores sem terra e que continuam atuantes, é toda formada por homens...Entre eles,
não foi citado nenhum nome de mulher. Certamente, não foi um mero esquecimento.
As mulheres que militam atualmente nas fileiras do MST realizam uma luta
por dentro da luta. O seu engajamento é na Luta pela Terra e pela construção de novas
relões de gênero. Como já salientamos, internamente essas mulheres também são vítimas do
preconceito e do machismo, ambos vivenciados por meio das relões sociais mantidas entre
todos os sujeitos incorporados na organização. As diferenças nas relões de gênero existem
dentro do MST. A formação do Coletivo veio justamente proporcionar um espo em que se
possam discutir, avaliar e elencar propostas e ões, cujo objetivo é a formação e
conscientização de homens e mulheres. A libertação da sociedade não é completa se não
houver a construção de novos sujeitos, embutidos em novos valores. Mas, como podemos
notar, os próprios homens, militantes do MST, admitem a existência dessa relação de
submissão da mulher como militante em potencial para o desempenho das atividades.
Um outro aspecto relevante e que pode ser notado nessa fala é a questão da
terceira jornada de trabalho da militante que configuraria como o seu desprendimento para
com a luta dos trabalhadores. Segundo consta, essa militância, muitas vezes, é prejudicada
devido a outras atividades desempenhadas pelas mulheres, ou seja, as atividades do lar, o
cuidado com os filhos, as atividades na roça. É esclarecedor o depoimento deste trabalhador
sem terra:
A questão do machismo é muito presente e forte dentro do MST, como em
qualquer outro movimento popular existente no Brasil. É uma marca, uma
herança histórica de costumes e valores que estão impregnados na família
camponesa. O machismo nada mais é do que uma herança de décadas e
mais décadas de formação e educação dentro de moldes conservadores e
que vêem a mulher, muitas vezes, como ineficiente para atuar em alguns
setores ou assumir determinadas responsabilidades. É a famosa submissão
da mulher. Muitos militantes dirigentes são machistas, não aceitam sequer
discutir as relões entre homens e mulheres. Sempre estão preocupados
com outros problemas, tanto que sempre estão presentes em setores como
frente de massa, produção, cooperação, comunicão, etc. As mulheres
dentro do MST ocupam em grande parte funções em setores como da
educão, saúde, gênero. Muitas vezes as mulheres possuem muito
potencial e uma capacidade enorme, superando muitos dirigentes, porém,
problemas internos, pessoais, familiares, acabam por prejudicar os trabalhos
e a disponibilidade dessa mulher para atuar no movimento e desempenhar
seus trabalhos.
(O entrevistado é militante do MST, integrante do Setor de Comunicação e
da Direção Estadual, assentado no Assentamento Che Guevara, em Mirante
do Paranapanema).
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A vontade de interagir com as ões promovidas pelo movimento é notada
pelas militantes. Essas mulheres, no entanto, esbarram nas relões de poder estabelecidas
internamente no núcleo familiar, o que as impedem de participar. Dentro da própria
organização, as mulheres sentem o peso da carga cultural que está presente na sociedade de
maneira geral. O que não podemos imaginar é que apenas as mulheres assentadas e
acampadas, as quais do ponto de vista de inserção na luta não possuem um engajamento
amplo, sejam as únicas que sofrem com o peso da construção desigual das relões de gênero.
As militantes também enfrentam os mesmos problemas, (machismo, poder, etc.), pois não são
diferentes: são também esposas, mães; têm um universo familiar da mesma forma que outras
assentadas. O descrédito dirigido aos seus trabalhos, como a discriminação, também existe
dentro do movimento, e não poderia ser diferente, pois o MST não é uma ilha dentro da
sociedade, mas é parte dela. Não podemos perder de vista a questão dos valores nos quais a
cultura camponesa, extremamente conservadora, encontra-se impregnada na formação desses
sujeitos. As militantes têm consciência plena dessa condição, como podemos observar no
depoimento que segue:
Não tem autonomia, nós discutimos ainda sobre isso nas últimas reuniões
do coletivo nas que eu participei. Infelizmente, mesmo dentro da direção,
masculina, hoje composta por 25 membros, ainda que com algumas
companheiras ocupando cargos, predomina o machismo, porque uma das
grandes conquistas que o MST teve, em 1999, foi através das mulheres, mas
ainda assim não se dá valor. Você ainda ouve chacotas: vamos mandar as
mulheres, e vamos ver o que acontece. Elas não têm respaldo.
(Militante do Coletivo de Gênero, assentada no Assentamento Paulo Freire,
em Mirante do Paranapanema)
As militantes não encontram espaço para desenvolver as discussões que
estão instauradas como objetivos norteadores do Coletivo e da organização. O simples fato, de
uma mulher organizar e convocar as reuniões, já é visto de forma pejorativa pelos assentados.
É como nos assegura uma entrevistada:
Sinceramente, eu tenho medo de continuar lutando lá dentro sozinha. Eu
tenho medo. Medo de ouvir o que não quero por parte dos homens. Ainda
que eu tenha o apoio do movimento, o trabalho lá dentro fica difícil por
causa dos homens.
(Militante representante do Coletivo de Gênero no Assentamento Santa
Zélia, no município de Teodoro Sampaio)
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Criou-se uma imagem do MST, cujos únicos representantes se resumem
geralmente aos homens, ou então, a poucas mulheres. Ou seja, toda a representatividade fica
concentrada num número reduzido de militantes, os quais possuem uma maior expressividade
na região, mas que não têm condições para encaminhar todas as discussões e deliberações
dentro de todos os assentamentos. As militantes, tendo consciência disso, sabem que o MST é
um movimento de massa, composto por trabalhadores e trabalhadoras, e não por grupo
reduzido de dirigentes. Mas é exatamente esse quadro que está esboçado dentro dos
assentamentos: não existe receptividade para as questões que as mulheres levantam. Os
assentados não reconhecem o trabalho feminino e não dão credibilidade ao fazer de uma
assentada. A cobrança volta-se à direção do movimento, como coloca a entrevistada:
Se eu chegar lá e disser o que foi discutido na reunião do coletivo, eles (os
homens) não aceitam, de assentado igual a nós não tem que aceitar. Eles
perguntam: cadê o fulano? Por que não vem aqui falar com a gente? Eles
acabam cobrando lá de cima e não de nós. Eles não aceitam o que s
falamos, não dão atenção para o que uma mulher tem a dizer.
(Militante do Coletivo de Gênero no Assentamento Santa Zélia)
Apesar de as militantes se conscientizarem de que não estão mais presentes
dentro dos assentamentos por uma série de questões que envolvem o universo cultural, a falta
de estrutura para dar encaminhamento aos projetos desenvolvidos e planejados pelo MST e
pelo Coletivo de Gênero também é colocada como um entrave. A luta pela terra trouxe
consigo muitos sonhos, sendo que um deles é a conquista da terra em si. Mas os outros
anseios dos trabalhadores continuam a existir. As mulheres do Coletivo de Gênero colocaram
a possibilidade de mudança e trouxeram a discussão para as mesas de debate. Além da
formação política que se pretendia alçar com as mulheres por meio de cursos e demais formas
de organização, foram idealizados, dentro do Coletivo de Gênero e de outros Setores como o
de Saúde, Educação, etc., projetos para melhorar as condições de vida do assentado. Porém, o
planejado não se tornou realidade. O trabalho dessa forma perdeu respaldo: o recuo dessas
ões é, pois, explicável.
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2.4. As Transformações Organizacionais da Omaquesp (Pontal do Paranapanema)
A Omaquesp, que é caracterizada pela formação e composição apenas de
mulheres assentadas e quilombolas, vem desenvolvendo uma série de atividades, não só na
região do Pontal, mas em todo o Estado de São Paulo.
A grande questão que se coloca, contudo, nesse momento, é a reestruturação
organizacional e territorial pela qual vem passando a Omaquesp. Como podemos perceber, o
ITESP funcionou como fomentador das práticas das mulheres, promovendo cursos de
formação, implementando uma série de projetos dentro de assentamentos para melhoria de
renda familiar, além de atuar como um dos parceiros e financiadores do Encontro Estadual de
Mulheres, ocorrido todos os anos. Essa relação, que como já apontamos em algumas
passagens, vem sendo fragilizada.
A organização já demonstrava a dificuldade de desenvolver um trabalho que
obedecesse à divisão dos GTCs. Segundo a direção, no momento de arrecadação de recursos
em Prefeituras, essa situação se complicava ainda mais, tanto que a primeira idéia era de
reorganizar o grupo obedecendo às divisões municipais.
Dessa forma, a reorganização não tardaria a acontecer; contudo,
contrariando às primeiras impressões, o que tivemos foi uma divisão territorial em 5 macros
regiões, (Tabela 1).
TABELA 1: Divisão Territorial da Omaquesp
MACRO REGIÕES
PONTAL DO
PARANAPANEMA
NOROESTE QUILOMBOS CENTRO NORTE-NORDESTE
MUNICÍPIOS
Mirante, Teodoro,
Euclides, Rancharia
e Região.
Andradina,
Promissão e
Região.
Vales do
Ribeira e
Paraíba,
Taubaté e São
José dos
Campos.
Araras,
Sumaré,
Porto
Feliz,
Iperó e
Itapeva.
Bebedouro, Colina e
Araraquara.
Fonte: Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo, 2003.
Organização: Renata C. Valenciano, 2003.
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
90
Deliberou-se o seguinte: 5 macros regiões para melhor organizar a
Omaquesp. Podemos visualizar essa divisão com mais clareza na Figura 17. Todas essas
divisões, ou seja, cada regional possui organizados três setores: Setor de Formação, Educação
e Cultura; Setor de Geração de Renda, Setor de Direitos e Cidadania. Em todas as regionais,
existem as respectivas representantes que estão engajadas e desenvolvendo as atividades à
frente do Setor ao qual pertencem.
A organização está dividida em Planos de Ação (Tabela 2), o que, na
prática, são as demandas a que o grupo pretende dar encaminhamento. Existem as mulheres
responsáveis pelo desenvolvimento desse trabalho e, ainda, uma representante que está
incumbida de fiscalizar o andamento das atividades:
TABELA 2: Planos de ação
PLANO DE AÇÃO PLANO DE AÇÃO
CONVÊNIOS ORGANIZAÇÃO
RELAÇÃO COM O LEGISLATIVO RELAÇÃO COM O ITESP
GERAÇÃO DE RENDA RELAÇÃO COM A SECRETARIA DE
DESENVOLVIMENTO E BEM ESTAR
SOCIAL
DIREITOS E CIDADANIA FINANÇA
EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E CULTURA. RELAÇÕES COM ENTIDADES, ONGS,
SINDICATOS ETC.
NEGOCIAÇÃO COLETIVA COORDENAÇÃO DO PLANEJAMENTO
COMUNICAÇÃO SECRETARIA GERAL
Fonte: Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo, 2003.
Organização: Renata C. Valenciano, 2003.
2.4.1. O princípio da separação
Atualmente, o drama pelo qual passa a organização vai muito além da
respectiva divisão territorial. A regional do Pontal do Paranapanema encaminhou, no final do
ano de 2003, um ofício à direção da Omaquesp, no qual anunciava o futuro afastamento das
mulheres e a desvinculação dessa regional do restante do Estado. A separação foi discutida e
aprovada na ocasião de realização do Encontro Regional de Mulheres Assentadas do Pontal
(Figura 18). Uma das explicões para esse afastamento seria uma crise no que tange aos
cargos e funções estabelecidos dentro da Omaquesp. Sabemos que essa organização está
pautada numa divisão de funções que obedece a uma hierarquia, mesmo que não ocorram
relões em que transparam práticas de poder
16
.
16
Maiores detalhes ver Estatuto da Omaquesp, no Capítulo II, São I. Anexo 2.
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92
Figura 18: I Encontro Regional de Mulheres Assentadas do Pontal
A imagem retirada do jornal apresenta, resumidamente, o contexto do Encontro: o número de
participantes, os municípios presentes juntamente com suas representantes, promoção, etc. Na imagem,
podemos visualizar a plenária e as mulheres que compareceram ao evento.
Fonte: Jornal O Imparcial, 2003.
Muitas militantes com uma representatividade nos assentamentos do Pontal
do Paranapanema não foram indicadas para a ocupação desses cargos. Hoje, acreditam que a
organização das mulheres no Pontal está suficientemente articulada, a ponto de não necessitar
de vínculo algum com outras regionais.
A necessidade de deslocamento constante também é um dos fatores
indicados pelas mulheres como mais uma dificuldade, visto que os custos de deslocamentos
são altos e a organização não tem como arcar com esse ônus. O fato deu margem a uma crise
que aponta para a formação de um grupo independente, organizado no Pontal.
A grande questão que se coloca é pensar até que ponto as formas de
organização dos movimentos, obedecendo a um determinado modelo organizacional, podem
influenciar decisivamente na sua viabilização. Outro elemento associado a este, é a questão
territorial em si. A disposição da organização, baseada em determinadas delimitões,
também é um fator que influencia no êxito do desenvolvimento das suas atividades, bem
como da própria articulação das mulheres que estão presentes nos mais diferentes pontos do
Estado. Desde o seu surgimento, a Omaquesp tem desenvolvido suas atividades vinculadas
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sob uma forma de disposição territorial que mudou constantemente, buscando assim,
conquistar uma acertada divisão, da qual surgiriam maiores benefícios e facilidades para a
consecução dos trabalhos das mulheres. Nesse momento, uma nova conformação pode ser
dada a essa organização, a qual certamente marcará novos rumos e sentidos para a própria
Omaquesp e para o novo grupo independente que poderá surgir no Pontal nos próximos anos.
A proposta é a de constituir a Organização de Mulheres Assentadas do
Pontal OMAP, proposta esta que, até o referido momento, não chegou a se concretizar,
devido ao pouco ou nenhum envolvimento de suas lideranças com a base, ou seja, a uma
ausência de articulação entre as principais representantes e as representadas, bem como
desentendimentos entre as próprias lideranças e falta de coesão do grupo.
2.5. As Distâncias: Representação e Mobilidade
A fragmentação da Omaquesp e a reestruturação do Coletivo de Gênero do
MST, no Pontal do Paranapanema, sugeriram alguns aprofundamentos a fim de desvendarmos
as manifestões que estão por trás desses fatos. Assim o fizemos. Surpreendentemente,
deparamo-nos com uma série de motivões para tais transformões, as quais explicam, em
parte, como está calcada a real condição de organização desses grupos, com destaque para
sua dinâmica, discurso, propostas e principais entraves.
Atentaremos às contradições e transformões recentes para entendermos os
significados dos rearranjos presentes hoje no Pontal.
Sendo a Omaquesp uma organização cuja estrutura organizativa está
pautada numa hierarquia de poderes e de funções, organizada de cima para baixo, podemos
afirmar que este é um dos elementos que contribuíram para sua estagnação e, ainda mais, para
a dificuldade de fluidez, circulação e difusão de informações por dentro dos territórios de luta:
esse grupo atua apenas em assentamentos. Apesar de ser detentora de um estatuto e de estar
legalmente registrada, a organização esbarrou e limitou sua área de ação. Procuraremos
entender os motivos que levaram a essa realidade, dificultando o desenvolvimento das
atividades, da participação e, por sua vez, comprometendo a busca pela formação de novos
quadros, novos integrantes. A luta pela emancipação da mulher ou a formação para
reestruturar as relões de gênero vigentes não se concretiza, muito embora a iniciativa tenha
sido tomada. (o que, sem dúvida, é um avanço). Porém, nos dedicaremos a esses entraves,
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
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buscando compreender de que forma estão estruturadas as relões de gênero por esse
caminho.
Quando analisamos a atuação dos grupos de mulheres, estudamos também
quais são suas propostas, as principais reivindicações e as questões que estão na pauta das
ões realizadas na região. Nesse sentido, optamos, inicialmente, por fazer uma análise do
Estatuto da Omaquesp, o qual traz consigo todas as regras para a composição e organização
do grupo. De acordo com o Estatuto, notamos que a organização está pautada em linhas
organizacionais hierarquizadas, um dos principais fatores de fragmentação do grupo na região
do Pontal.
Poderíamos apontar que as principais representantes desse grupo já foram,
num período anterior, ligadas ao MST, participando da militância, e até mesmo do Coletivo
de Gênero. Portanto, são mulheres que tiveram uma herança um pouco distinta no que diz
respeito à organização de grupos de mulheres. O Coletivo de Gênero, ao contrário da
Omaquesp, possui uma horizontalidade no que diz respeito à sua organização. Não existem
hierarquias a serem respeitadas, a não ser a direção estadual do movimento; regionalmente,
porém, existem frentes municipais, ou representantes municipais, que, juntos, organizam,
debatem, deliberam as ões a serem promovidas coletivamente. De certa forma, a saída do
Coletivo, por motivos variados, e a entrada na Omaquesp, que possui uma linha de atuação
diferenciada, pode ter contribuído para que o conflito interno, no que tange à deliberação de
poderes, venha a concretizar-se atualmente.
A representação da Omaquesp no Pontal se deu da seguinte forma: cada
município possuía sua representante, que estava inserida em seu respectivo assentamento.
Cada ação pensada ou proposta a ser debatida não poderia concretizar-se sem o aval da
Presidenta. O que passa é que a Sede da Omaquesp funciona atualmente em Araras. As
limitões financeiras e de ordem material impediam que as representantes locais do Pontal se
deslocassem com certa freência para a Sede, a fim de discutir e deliberar as ões. O
elemento distância” é um fator importante para entender os entraves que levaram esta
organização a se desfazer localmente:
No encontro regional, que aconteceu antes do Estadual, em
Venceslau, já compareceram com a idéia, intenção de fundar uma
outra organização, o que se concretizou logo em seguida. As
principais alegações são: insatisfação com a Omaquesp, pois elas
acreditavam que um grupo regional teria, em função das
representantes, uma representação muito melhor, como conseência,
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
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um êxito local, do que se ficasse ligado e dependente de uma
articulação estadual.
(Vice-Presidenta da Omaquesp, assentada no Assentamento Ribeirão
Bonito, em Teodoro Sampaio)
A comunicação sempre foi um dos principais entraves para o
desenvolvimento de ação em nível de Estado. A distância e a falta de
reuniões para juntar as militantes sempre atrapalharam e comprometeram o
andamento dos trabalhos.
(Representante da Omaquesp, assentada no Assentamento Gleba XV, em
Rosana)
Surgiu dessa forma a idéia de fundar uma outra organização regional,
considerando que assim se poderia alcançar maior êxito em suas articulões. Trata-se da
OMAP. A questão da representatividade é um elemento a ser analisado mais de perto:
No encontro estadual, ocorrido em Euclides, houve certo ciúme. A
Presidenta Adélia, que é de outra região, veio de fora e tomou a frente dos
trabalhos, organizão das mesas, etc. As militantes locais não
apareceram. Mágoa por poder”. A imprensa que esteve presente só
conversou com a Adélia, que é a presidenta. As outras representantes locais
não tiveram acesso a isso e também ficaram ofendidas.
(Representante da Omaquesp em Teodoro Sampaio)
A impressão de projeção pessoal fica evidente. Sem autonomia para
organizar e dirigir as atividades durante o Encontro, e sem alcançar uma projeção diante das
assentadas presentes na ocasião, as representantes regionais recuaram e passaram, desde
então, a articular a separação da regional do Pontal.
Um outro elemento extremamente importante e revelador da grande questão
que envolve os entraves e impedimentos do acesso de um maior número de mulheres a essas
organizações e suas ões, projetos, etc, é a dificuldade de irradiação da informação. Podemos
considerar a esse respeito duas distâncias: uma que faz um intermédio entre a representação
dos grupos de mulheres que existem dentro dos assentamentos e a base, ou seja, o conjunto de
mulheres presentes nesses territórios de luta; outra, que estaria centrada no universo do
assentamento, o dentro e o fora dele. Ou seja, isso significa pertencer e estar presente num
território de luta para mulheres que não estejam diretamente ligadas à atividade de militância?
Como se compreende o território do acampamento e as relões que estão colocadas nesse
primeiro momento? O que significa estar, num segundo momento, em outro território, qual
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seja o assentamento? São lugares diferentes, que expressam momentos diferenciados no
processo de luta pela terra. Logo, as relões espaciais de gênero que se estabelecem nesses
lugares também são diferentes. Isso proporciona tendências diferenciadas, envolvimentos com
a luta, enfim existe uma série de mudanças que constroem relões de gênero diferenciadas. E
é graças a essa leitura” da organização e da atuão dos grupos de mulheres, nesses
territórios, que podemos visualizar tais diferenças.
Em alguns assentamentos visitados, as mulheres assentadas não possuem
nenhuma noção sobre a existência dessa organizão, ou de qualquer outra forma de inserção
em ões, manifestões, cursos, etc. Observe-se a fala destas assentadas:
Nunca ouvimos falar disso de Omaquesp ou outro grupo, não. Aqui dentro
quem sempre saiu foi a Bia no Encontro estadual. Não chega a informação
das coisas pra gente.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Santa Terezinha da Alcídia,
em Teodoro Sampaio)
Eu mesma nunca participei de nada, nunca ouvi falar dessa Omaquesp, tô
ouvindo agora que você falou. Pra mim mesma nunca chegou convite
nenhum, mas se tivesse vindo eu teria disposição de participar, eu nunca fiz
nada, nem quando estava no acampamento, pois foi meu marido que
acampou.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Santa Cruz da Alcídia, em
Teodoro Sampaio)
Quem trouxe o convite para participar do encontro estadual da Omaquesp
foi o ITESP. Eu me considero uma representante das mulheres e da
Omaquesp aqui dentro, porque eu gosto de participar. Participação efetiva
mesmo, só de umas duas pessoas. As outras não vão.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Santa Cruz da Alcídia em
Teodoro Sampaio)
Haveria ainda muitos outros depoimentos de mulheres de inúmeros
assentamentos. Acreditamos que os relatos acima expostos denunciam a dificuldade de
irradiação da informação e da conseqüente falta de participação e inserção nos grupos de
mulheres. Os fatores que levam a essa configuração são inúmeros: a falta de recursos para
amparar e fomentar as atividades, a mobilidade das representantes, o próprio momento por
que passam as mulheres. Elas estão assentadas, inseridas em outra dinâmica de vida, ligadas
às tarefas voltadas para a manutenção do lote, da família, enfim, do universo agora dos
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
97
assentados. Estão muito mais voltadas para dentro do seu lote, de sua sobrevivência, do que
para qualquer outra coisa.
Embora não seja a regra, raras são coletividades, como aquelas que se
estabelecem no acampamento: os indivíduos desfrutam de um ambiente que proporciona a
interação entre todos, e se anulam as divisões de tarefas entre indivíduos da família, até
porque não existe o lugar da casa, da roça para servir de base de divisão dessas tarefas. A
disposição espacial desses lugares é desarranjada no momento do acampamento. As coisas, e
lugares estão todos diluídos. Logo, a facilidade para organizar, e ter uma resposta de
participação de ambos os gêneros é muito positiva. Voltando para dentro do espo do lote, as
divisões espaciais se instauram e as relões de gênero que se constroem sobre esses lugares,
são assim materializadas.
O que existe de fato é algumas representantes dentro de assentamentos
possuírem facilidade para se deslocar, participar, etc. Mas por que isso acontece? O que
dificulta a participação e o deslocamento das mulheres? A princípio, podemos notar que as
mulheres que estão à frente da representação, dentro dos assentamentos, tiveram, no processo
da Luta pela Terra, uma ligação muito efetiva com a organização (no caso o MST), ligação
essa que se construiu desde o período de acampamento. Forjaram-se militantes,
representantes, desde o primeiro momento. Isso faz parte da construção da consciência dos
indivíduos inseridos na luta. Carregaram consigo essa experiência e, uma vez assentadas,
continuaram ligadas diretamente ao exercício da militância interna. Reiteramos, porém, que
são poucos os casos de militantes com esse perfil. E ainda, depois de muito tempo como
assentadas, na tentativa de desenvolver seu trabalho dentro do assentamento, deparando-se
com uma série de obstáculos, acabaram desistindo da representação e entrando numa situação
de anomia. Um outro facilitador, para que algumas militantes atuem no assentamento, se
observa quando o marido também tem uma ligação anterior muito forte com o Movimento,
isto é, ambos possuem consciência e envolvimento, o que facilita a participação da mulher
também. Outras, são envolvidas com trabalhos comunitários como de agente de saúde, o que
lhes permite circular por todo o assentamento e ter um contato mais amplo com a
comunidade. Também, por conta da sua atividade como agente de saúde, possuem uma
facilidade no retorno para irradiar as informões e as experiências colhidas em atividades
fora do assentamento. Contudo, são poucas as mulheres que se disponibilizam e se envolvem
em atividades de representação e militância. Depois, não encontram uma resposta positiva
para o que trazem, não são reconhecidas, enfim existem vários casos de desistência da
militância por falta de reconhecimento e repúdio da comunidade assentada.
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
98
Quando participamos de algum encontro, manifestação ou outro ato
promovido por esses grupos, nota-se que sempre estão presentes as mesmas mulheres. São as
representantes que possuem essa disponibilidade para sair. De que disponibilidade se está
falamos? Todos os fatores motivadores de participação que colocamos acima. E não se trata
de um número expressivo, mas de apenas uma ou outra mulher por assentamento. A falta de
disponibilidade, informação e até mesmo de recursos para o deslocamento, para angariar um
número maior de participantes, também é fator inibidor da efetiva participação.
O ITESP, que sempre chega com o convite e aí tira a representante do
assentamento para sair, que é mais ou menos sempre as mesmas que gostam
de participar, as outras não.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Santa Zélia, em Teodoro
Sampaio)
Eu, aqui, do assentamento que participei, mas também só foi dos encontros
estaduais, e nenhuma outra coisa mais.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Santa Cruz da Alcídia, em
Teodoro Sampaio)
Quem sempre participou nessas coisas foi a Bia e a Elaine, só. Mas elas
ganharam bebê e se afastaram, mas também quando elas iam nunca fizeram
a divulgação dentro do assentamento. Nunca chegou com nada aqui pra nós.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Santa Terezinha da Alcídia,
em Teodoro Sampaio)
Como vemos, a falta de divulgação no interior do assentamento é marcante.
Uma militante que sai para os encontros ou qualquer outra atividade não passa, no seu
retorno, as informões colhidas no ato da participação. As assentadas alegam a dificuldade
de organizar uma reunião, até mesmo devido à ausência de espo apropriado (coletivo),onde
as mulheres possam se reunir e compartilhar as informações. Outro elemento extremamente
importante é o conteúdo a ser discutido pelas mulheres nas ocasiões do Encontro:
Como é só conversa fiada, não adianta sair. Sair pra quê? Perder tempo
andando a toa? Se tivesse uma promessa, aí sim, uma proposta de melhoria.
A gente queria era um incentivo para melhorar nosso assentamento. A
assistência técnica? Só vem aqui fazer reunião, mais nada. E aqui tem
muitos problemas, o mais grave é a falta de água e ninguém vem aqui fazer
nada.
(Trabalhadora rural assentada no Assentamento Alcídia da Gata, em
Teodoro Sampaio)
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
99
É nesse momento que nos questionamos: afinal, como se colocam as
discussões sobre a questão de gênero, para essas mulheres assentadas? Fica muito claro que o
eminente problema que circunda esse universo das assentadas e assentados diz respeito às
necessidades básicas, como água, financiamento, trabalho, moradia, saúde, infra-estrutura,
dentre outras demandas. Discutir ou elaborar oficinas de formação que introduzam discussões
sobre questões de gênero é assunto secundário para as pessoas que convivem, diariamente,
com dificuldades e problemas relativos à sua qualidade de vida e a de seus filhos. O espo do
lote, do assentamento, traz outros determinantes que incidem sobre a forma de vida dessas
pessoas e, que se difere drasticamente do primeiro momento na busca pela terra que é o do
acampamento. Conquistada a terra, seguem-se as outras fases. A mais importante delas, é
garantir a sobrevivência da lavra da terra, do seu lote. Qual o conteúdo dos encontros, das
manifestões? As demandas que se apresentam para as mulheres parecem ser outras, e o que
discute nesses momentos não motiva, não desperta interesse. Logo, elas não participam.
Podemos ainda elencar uma outra problemática que diz respeito às formas de
representação política dos grupos ou organizações de mulheres assentadas. Sendo esses
grupos atrelados à classe trabalhadora, assistimos ao desenvolvimento de um novo canal de
expressão, evidenciando a existência de novos campos de luta, as questões de gênero. Assim,
torna-se necessário compreender as formas ou as práticas desenvolvidas por esses grupos
representativos das mulheres assentadas e acampadas, as quais trabalham ou planejam
trabalhar em projetos e ões dirigidos para a transformação no contexto social que as
envolve. Queremos questionar se esses grupos ou os representantes das mulheres
trabalhadoras serão capazes ou não, diante das inúmeras dificuldades de apreenderem e
conduzirem as demandas sociais efetivamente provenientes dos segmentos os quais
representam?
Dessa forma e baseados nas razões expostas acima, que tratam do
distanciamento entre as práticas pensadas e elaboradas nas organizões e os entraves e
impedimentos que travam a disseminação dessas iniciativas, atentamos para a lacuna existente
entre as representões ensaiadas, as quais muitas vezes aparecem como estereótipos de ação
política.
Pela forma como se impõem os representantes e mediadores desses grupos,
notam-se, ainda que amenamente, práticas que dizem respeito muito mais às representantes do
que as representadas. Estas últimas, desconhecem a existência de qualquer organização que as
represente, ou, se conhecem, não fazem idéia do conteúdo das propostas nem das
reivindicações.
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
100
Não quer isso dizer que discussôes ou seminários de formação não sejam
importantes; ao contrário, são formas de engajamento na luta e de esclarecimento de uma
série de questões que corroboram para uma modificação no modo de vida, nas relões sociais
entre esses atores, os quais anseiam uma maior participação da mulher, o que, por sua vez,
implica um crescimento por dentro da classe trabalhadora. Assim, onde romper com valores
de opressão e poder entre os gêneros é significado de demanda e necessidade diárias.
Mas muitas vezes assistimos à idealizão de comportamentos
desvinculados do universo dos trabalhadores e trabalhadoras. Estes, por sua vez, estão diante
de problemas mais concretos e imediatos. Dessa forma, muitos dirigentes e representantes,
tendendo a se ligarem ao cenário político, utilizam a sua representação dentro de
assentamentos e o conhecimento das demandas mais urgentes dos assentados para benefícios
eleitoreiros:
Sou candidata a vereadora nas próximas eleições, e nós, as mulheres aqui
do município de Teodoro Sampaio, se tudo der certo, queremos montar uma
associação de mulheres, mas vinculada a Omaquesp.
(Vice-Presidente da Omaquesp)
São encontradas muitas dificuldades na divulgação de encontros, seminários
de formação, oficinas. Na verdade, estas são conquistas ou espos para formação e
aprendizado das trabalhadoras. Mas, muitas vezes essa bandeira de luta não sensibiliza. Por
sua vez, as frentes de luta não vêm obtendo o êxito, ou alcance desejado na construção de
projetos alternativos, na melhoria das condições de vida, no rompimento com valores de
submissão. O discurso elaborado e pautado nessas questões não se irradia.
Muito embora estejamos assistindo às iniciativas de mobilização das
mulheres em prol da classe trabalhadora no Pontal, que, desde 1996, entraram no cenário das
lutas com todo o seu potencial, as demandas eminentes, dentro dos assentamentos
especificamente são aquelas ligadas à sobrevivência, ao fomento do cotidiano. A impressão
que temos é de que as trabalhadoras assentadas estão vivenciando um cenário de anomia
social, frutos do prolongamento de uma situação crítica nessas áreas. Isso leva à descrença de
qualquer ação ou organização que não estejam interessadas em elucidar as carências mínimas
do seu espo de vivência, do lote, do assentamento.
Situação bem diferenciada é a que se assenta na primeira fase do processo
de luta pela terra: os acampamentos. Nestes, as condições estimulam uma alteração da
natureza da estrutura ocupacional, pela introdução de novas formas de trabalho, dando lugar a
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
101
uma nova divisão das tarefas, a um rearranjo das atividades. Isso desmonta, mesmo que
sutilmente, uma mudança nas relões de poder entre gêneros. Um fato importante a se
destacar diz respeito às articulações do Coletivo de Gênero do MST, cuja parcela de
participantes em ões é composta por muitas mulheres acampadas. Não que esse seja o
público-alvo para a articulação do Coletivo. No entanto, os impedimentos de uma maior
participação de mulheres assentadas estão pautados em uma série de questões elucidadas
anteriormente e, diminuem ainda mais o potencial delas na luta. Assim, acreditamos que seja
nesse território de luta, o acampamento, o espo ideal para se trabalhar e desenvolver
atividades de formação, com o objetivo discutir a reestruturão das relões de gênero entre
os trabalhadores e trabalhadoras. As relões pautadas no modelo patriarcal se esfacelam
momentaneamente, pois observamos o engajamento na luta de uma forma muito igualitária. A
própria disposição do espo de moradia, de vivência, aparece muito mais homogêneo e
coletivo. Não existe o lugar da casa e da roça. Ambos os espos se fundem em apenas um, o
espo de resistência, que é comum entre todos os que se encontram acampados.
E é exatamente nesse momento, em que acampados vivenciam uma situação
de cooperação mútua, de paridade entre os gêneros, mesmo que tênue, que temos todo um
ambiente propício (não o único) para desenvolver atividades de formação política. As
militantes, que atualmente levam à frente as atividades dentro do Coletivo de Gênero do
MST, foram forjadas nesse processo. Foi no convívio do acampamento que elas deram os
primeiros passos para a constituição desse grupo. Amparando esses trabalhos e fortificando-os
no cotidiano da luta, será mais difícil dissipar as experiências vividas, ainda que, no segundo
momento da luta, o assentamento, alguns obstáculos impam uma participação mais efetiva,
pontual e ampla das mulheres.
Um outro elemento extremamente importante e que podemos observar nesse
momento de acampamento diz respeito à questão da segurança. Como sabemos, estar
acampado é estar compartilhando, com outros indivíduos, num mesmo período de tempo e
lugar, uma série de condições, quase sempre muito precárias. São problemas enfrentados
coletivamente, sentidos mutuamente pelos membros do grupo. E, para o convívio em
comunidade, é traçada uma série de normas de convivência, ou seja, existem determinadas
práticas que devem ser evitadas para que o convívio seja harmonioso. Caso seja desrespeitada
certa norma, o acampado corre o risco de ser expulso do acampamento, pois pratica atos que
culminam para existência de problemas e crises entre a sua família e as outras acampadas.
Assim, não é comum encontrar, no seio do acampamento, a prática de atos de violência contra
a mulher, contra a criança, etc. A bebida alcóolica, muitas vezes causadora desses problemas,
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
102
segundo militantes do movimento, é proibida em acampamentos. E não apenas isso, mas uma
série de outros tipos de violência que podem causar danos, prejuízo ou qualquer conseência
indesejada para a organização do grupo também é proibida. Esse momento do acampamento
pressupõe a não-existência de tais praticas, trazendo para as mulheres, no caso, uma sensação
de segurança, conforto e confiabilidade no grupo, que não permitirá que uma integrante seja
alvo de qualquer violência, seja ela da natureza que for. O grupo sofre junto os percalços que
esse caminhar pela busca do pedo de chão oferece ao longo do período. Se existem crises,
situação de miséria, fome, frio, medo e incertezas, o drama será vivenciado mutuamente.
Uma vez no assentamento, a cerca que divide um lote do outro não significa
apenas uma mera separação de quintais. As familias passarão, de agora em diante, a vivenciar
os mesmos problemas de antes, só que agora separadas, individualizadas, em seus lotes, em
suas casas. A contribuição e solidariedade do grupo já não existirão mais. Logo, as mazelas,
problemas e crises serão sentidas pelas familias e superadas, ou não, por seus membros.
Aquela atmosfera de segurança não mais será sentida e a sobrevivência será, não a única, mas
talvez, a principal questão a ser discutida.
Nesse processo, a origem do assentamento deve ser destacada. Procuramos
ao longo da nossa investigação dispor de maior amplitude possível para as ões empíricas.
Dessa forma, visitamos inúmeros assentamentos do município de Teodoro Sampaio e de
municípios vizinhos. Cada área visitada possui origem e histórico muito específico quanto à
formação. Alguns vieram da mobilização do MST, do MAST; outros, de experiências
diversas de alguma mobilização ou movimento que os representasse. Ora, sendo o MST um
movimento que há muito tempo privilegia, em sua pauta de discussões e objetivos a
dissipação das atuais relões de poder entre gêneros, poderíamos, a princípio, imaginar que,
nos assentamentos, cuja origem tenha sido a luta do MST, os aspectos sobre essa questão se
demonstrassem diferentes, por conta das experiências, de discussões de formação e
mobilização política. No entanto, não é bem isso que notamos.
Como já salientamos anteriormente, a passagem para o assentamento traz
consigo a estruturação dos lugares no espo do lote. Casa, a roça, quintal, todos delimitados.
Há a reafirmação do modelo patriarcal de relões; repousam, sobre cada indivíduo, o seu
determinado lugar e a sua corresponde tarefa. Além disso, estes são bombardeados, a todo o
momento, por problemas relativos à sobrevivência e manutenção do lote. Essa realidade não é
diferente para nenhum desses atores sociais, muito embora tenham vindo de experiências
distintas, já que todos são levados a operar no sentido de angariar melhores condições de vida,
infra-estrutura nima, etc. A realidade, agora, é outra e a manutenção da vida está em pauta.
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103
A falta de água, energia, produção, dinheiro, comida, etc, é o assunto da pauta do dia. As
necessidades pedem iniciativas e incursões no sentido de melhorar as condições de vida, não
de transformar ou de romper com valores, identidades. Discutir saúde da mulher, educação,
formação é importante. Mas, se não existem suportes básicos para implantar e implementar
alguma iniciativa material, concreta, isso se perde, não é valorizado. Por conseguinte, não se
irradia, não forma, não é valorizado.
A organização do grupo e a idealização de um objetivo comum entre os
membros desse grupo, juntamente com a elaboração de um projeto político de superação,
foram a base sustentadora do movimento que deu origem aos movimentos dos trabalhadores
sem terra. E foi por meio dessa organização que esses trabalhadores e trabalhadoras
conseguiram superar uma condição precária de sobrevivência e alcançaram o que buscavam: a
terra para trabalho, a terra para a manutenção da vida. E não será apenas se organizando que
esses trabalhadores e trabalhadoras conseguirão superar dificuldades e todos os problemas que
dizem respeito à sua sobrevivência estando, agora, assentados? Não será apenas por meio do
exercício da coletividade, da união, que esses assentados e assentadas poderão novamente
superar as mazelas que envolvem diretamente a manutenção da vida e da família?
A questão é: como resgatar e fazer fluir, dentro dos assentamentos, aquele
ideal de superação? Ou seja: qual será a condição, comum a todos, que poderá novamente
trazê-los para o seio de uma organização de trabalhadores, que se encontram nesse momento
assentados?
2.6. Do Acampamento ao Assentamento: As Relações de Gênero nos Territórios de Luta
Pretendemos, por meio desse exercício analítico, compreender, pelas
divisões sexuais e sociais do trabalho, de que forma estão estruturadas as relações de gênero
nos dos territórios de luta, ou seja, nos assentamentos e acampamentos. Queremos identificar
também as práticas sociais e simbólicas na construção dos papéis sexuais e sociais. Assim, ao
estabelecer um recorte que evidencie papéis sexuais e sociais, estamos concebendo estes
como facetas de um mesmo movimento. Uma outra problemática colocada está em
compreender de que forma as transformões nos papéis sexuais-sociais refletem na divisão
sexual e social do trabalho, ou mesmo nas relões entre trabalho e poder.
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
104
Essa questão foi abordada por Franco (2004) quando trata da divisão entre
trabalho produtivo e reprodutivo
17
, destacando as diferenças existentes entre o acampamento e
o assentamento, onde a passagem para este segundo comporta mudanças decisivas no que diz
respeito à divisão sexual do trabalho:
A separação entre trabalho produtivo e reprodutivo por gêneros se traduz na
divisão espacial do assentamento, onde o espo blico, da roça, do
futebol, do boteco, da militância, é masculino e o privado feminino, a casa e
o lote. A igreja quando existe, destaca-se como lugar de convívio social
para a maioria das assentadas. Franco (2004, 67-68)
Como já sabemos, a região do Pontal vivencia uma série de transformações
do ponto de vista agrário, por conta da ação dos movimentos de trabalhadores rurais em prol
da efetivação da reforma agrária. Por dentro desse processo, as mulheres têm se organizado e,
com certa freência, vêm realizando atividades na região. Essas atividades já foram descritas
e mencionadas em outro momento, quando tratamos da emergência de grupos e organizações
de mulheres. Assim, a nossa indagação central é saber se o papel sexual e social atribuído à
mulher (na esfera da reprodução), transformou-se, ou não, no decorrer desse período.
As práticas sociais ligadas aos papéis sexuais podem determinar a
estruturão dos espos da produção e da reprodução social. Isso permitiu as representões
sexuadas do trabalho. Isso equivale a dizer que há papéis sexuais utilizados para justificar e
ancorar uma divisão sexual do trabalho e, por conseguinte, a divisão social do trabalho.
Quando analisarmos as distribuições de tarefas vinculadas aos papéis sociais-sexuais, ficará
clara a hierarquização dos mesmos, isto é, da produção (trabalho assalariado, mantenedor da
falia) e da reprodução (trabalho doméstico, esfera do lar). Tanto pela origem simbólica,
quanto pela forma de organização patriarcal da sociedade, a distribuição dos papéis obedece à
relação mulher-mãe, homem-provedor. Nessa distribuição, às mulheres ficaram destinadas a
reprodução e o trabalho doméstico como identidades.
Os estudos dos territórios de luta vêm apontando algumas transformões
que têm afetado a natureza das relações estabelecidas entre os indivíduos. O movimento
recente, porém, significativo de inserção no processo de luta pela terra é a expressão nítida
dessa questão. Essas mudanças podem nos dar pistas de uma possível reorganização do
trabalho e de suas expressões na divisão sexual de tarefas produtivas e reprodutivas. É
17
Para a autora existe em toda formação social uma produção social de bens e uma outra de seres humanos,
sempre distintos mas relacionados entre si. Assim atribui a primeira o nome de produção e a segunda o nome de
reprodução.
___________________________O Coletivo de Gênero e a Omaquesp: Lutas e Dimica Territorial
105
eminente a participação de um número considerável de mulheres em todos os âmbitos da luta.
As mulheres seguem-se inserindo e participando das lutas, quando necessário. Assim, fica
evidente a importância de se apostar em formas ou meios de articular esses grupos,
fomentando discussões, ões e estratégias que deverão partir, sobretudo, das entidades que
estejam diretamente ligadas ao universo da luta pela terra. O objetivo final dessa idéia seria
introduzir as discussões acerca da condição da mulher, mas de modo a buscar a superação da
opressão, da discriminação e garantir os direitos e a participação efetiva nos mais diferentes
níveis de envolvimento. Assim defendemos a proposta de introdução dessas questões que
abordam a condição da mulher em projetos e ações a serem desenvolvidos em assentamentos
e acampamentos, com o objetivo de alcançar maior êxito na execução de políticas públicas
voltadas para os trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
106
CAPÍTULO III
GÊNERO, TERRITÓRIO E MOBILIZAÇÃO POLÍTICA
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
107
Não se nasce mulher. Torna-se mulher.
Simone de Beauvoir
É nessa dialética que a feminização do trabalho ao mesmo
tempo emancipa, ainda que de modo parcial, e precariza, de
modo acentuado. Oscilando, portanto, entre a emancipação e a
precarização, mas buscando ainda caminhar da precarização
para a emancipão”.
Claudia Mazzei Nogueira
3.1. Gênero: Uma Categoria Importante para Análise Geográfica
17
A partir dos resultados da análise até então realizada, na qual destacamos,
primeiramente, o contexto de surgimento das organizações de mulheres que atuam no Pontal
e, ainda, suas dinâmicas de organização territorial, principais entraves e conquistas,
levantamos uma série de questionamentos que desembocaram em algumas questões de
relevância com base nessa abordagem. Uma delas reverencia a constituição de projetos ou
formulação de políticas públicas, estratégias de viabilidade dos assentamentos rurais, dos
movimentos sociais, sindicatos, etc. Contemplamos esse aspecto porque, como vimos
anteriormente, existe uma transição de uma série de condicionantes da vida do trabalhador e
da trabalhadora sem terra do momento em que saem da condição de acampados e passam a
ser assentados. Essa transição enumera modificações que vão desde a relação que marca o
núcleo familiar até a esfera da produção, da reprodução, etc. Uma nova questão vem à tona, a
da sobrevivência no lote, e isso desloca todas as atenções para formas e/ou meios que lhes
permitam alcançar essa condição. A mobilização política das mulheres, como já vimos, se
desestrutura, perde respaldo e importância, dando lugar a medidas que venham a sanar essa
condição que se apresenta. A mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras foi o caminho
que os permitiu chegar à condição de assentados. Logo, seria o caminho que também lhes
conduziria à conquista de uma série de benefícios que poderiam corroborar para a viabilidade
dos assentamentos. Contudo, não é esse o quadro que assistimos.
A realidade dos assentamentos e dos agentes envolvidos no processo de luta
pela terra comporta atores sociais que não são homogêneos: homens e mulheres vindos de
diferentes lugares, com trajetórias de vida distintas e inserção na luta também diferenciada,
17
Parafraseando o artigo pioneiro nos estudos de gênero, da historiadora Joan Scott, intitulado: Gênero: Uma
Categoria Fundamental de Análise Histórica. Educação e Realidade, 1995.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
108
tudo isso dá conta da diferencialidade que marca tais sujeitos. Justamente pautados nessa
diferença é que justificamos o nosso enfoque, o sujeito da nossa análise. É a opção que
tomamos ao analisar essa viabilidade dos assentamentos e a mobilização dos trabalhadores e
trabalhadoras. Essa opção por trabalhar com a categoria de gênero é válida devido à
importância dessa categoria para a leitura” geográfica dos movimentos sociais, aqui
vislumbrados como organizões de mulheres trabalhadoras sem terra.
As categorias homem e mulher são socialmente construídas
18
. Essa é a
perspectiva analítica que utilizamos para compreender as diferenças que marcam homens e
mulheres. As implicações dessa abordagem são muito claras na argüição de Louro
19
:
Ao dirigir o foco para o caráter fundamentalmente social, não há, contudo, a
pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados,
ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a
construção social e histórica produzida sobre as características biológicas.
(...) Pretende-se, dessa forma, recolocar o debate no campo do social, pois é
nele que se constroem e se reproduzem as relações desiguais entre os
sujeitos. As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas
não nas diferenças biológicas, (se é que mesmo essas podem ser
compreendidas fora de sua constituição social), mas sim nos arranjos
sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas
formas de representação. (1999, p. 21 e 22):
Noutra posição estão aqueles que, como a mesma autora coloca:
justificam as desigualdades sociais entre homens e mulheres, remetendo-as,
geralmente, às características biológicas. O argumento de que homens e
mulheres são biologicamente distintos e que a relação entre ambos decorre
dessa distinção, que é complementar e na qual cada um deve desempenhar
18
As sociedades constroem um padrão sócio-cultural que determina como deve ser o papel masculino e
feminino, ou seja, o que é coisa de homem e o que é coisa de mulher, assim como todos os desdobramentos
dessa configuração. Segundo Alves e Pitanguy (1991, p. 55 e 56): O masculino e o feminino são criações
culturais e, como tais, são comportamentos apreendidos através do processo de socialização que condiciona
diferentemente os sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas. Essa aprendizagem é um
processo social. Aprendemos a ser homens e mulheres e a aceitar como naturais as relações de poder entre os
gêneros. Os papéis produzidos são reveladores de relações de poder que se estabelecem entre homens e
mulheres, que eso, por sua vez, ligados a relações de poder muito mais abrangentes: as relações de poder da
sociedade. Em cada momento histórico esse padrão vai se adequando aos interesses econômicos e ideológicos
das classes dominantes. Romper com esse padrão significa não apenas estabelecer relações de gênero mais
equilibradas, mas também, realizar uma transformação muito maior: a mudança nas relações de poder presentes
na sociedade.
19
Esta autora apresenta no livro “Gênero, Sexualidade e Educação”, conceitos e teorias recentes no campo dos
estudos feministas e suas relações com a educação. Relacionam as relações do gênero com a sexualidade, as
redes do poder, raça, classe, a busca de diferenciação e identificação pessoal e suas implicações com as práticas
educativas atuais. Enfocando algumas questões centrais das práticas educativas da atualidade, o livro centra-se
na forma como são produzidas as diferenças e as desigualdades sexuais e de gênero, em suas articulações com
outros "marcadores sociais".
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
109
um papel determinado secularmente, acaba por ter o caráter de argumento
final, irrecorrível. (1999, p. 20)
Em todo caso, o que se conclui é que as relações de gênero são um elemento
constitutivo na estruturão do espo, estando intimamente conectadas com as de raça e
classe. De acordo com Franco (2002, p. 46):
o gênero é processo, relação, movimento, o que implica a interconexão com
outras variáveis sociais como raça, religião, idade e/ou nacionalidade. E, em
uma sociedade dividida em classes é evidente que nenhuma relação está
desvinculada do contexto de sua luta.
O fato de que tais relões sejam constituídas e constituam espos, nos leva a
discutir a sua estrutura generificada
20
, enquanto produto social.
3.2. Divisão Sexual do Trabalho e Luta pela Terra
As trajetórias de vida dos trabalhadores e trabalhadoras inseridos no
contexto da luta pela terra, quando analisadas, deram conta de uma série de implicações do
ponto de vista do trabalho, anterior à sua inserção na luta. Isso nos permite avaliar o caminho
que a classe trabalhadora tem percorrido em busca da sua emancipação. Existe, por sua vez,
uma inserção diferenciada na luta; homens e mulheres são marcados por uma condição de
precarização do trabalho que é comum a ambos. Porém, sofrem essa condição de formas
específicas, marcados pelas diferenças de gênero.
A mulher, como força de trabalho, faz parte da divisão do trabalho. É objeto
da exploração como vendedora de mão-de-obra para a acumulação e reprodução do capital e,
à frente da lida nos assentamentos, juntamente com a família, se insere no processo específico
de produção de subsistência ou da reprodução simples, além da subordinação de gênero. É
ingressando no âmbito laborativo, que a mulher irá se sobrecarregar, mas suas obrigões
domésticas não serão afastadas, devido à divisão sexual das tarefas. Isso tudo é decorrente da
ideologia pregada pela sociedade burguesa e patriarcal, que afirma a hierarquia social entre os
gêneros e a conseente divisão de sexo e correspondentes funções. Sobre a primeira divisão
social do trabalho, destaca Smith (1988, p. 75):
20
Utilizamos este neologismo traduzindo o termo ingles genered, a qual remete a condição de gênero das
estruturas sociais.
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110
uma diferença biológica na natureza é reproduzida como uma divisão
social do trabalho. Essa divisão do trabalho social é básica para o processo
de reprodução, mas também se propala para a esfera da produção. A divisão
sexual do trabalho então se torna geral através da sociedade e desta maneira,
novamente através das finalidades da atividade humana, a própria natureza
humana começa a ser diferenciada. (grifo nosso)
A argumentação natural da divisão sexual do trabalho traz embutida uma
diferenciação que está na formação de homens e mulheres e nas representões, e nas
imagens que se faz do que é masculino ou feminino. Mas será no âmbito laborativo
(assalariado ou não), com a junção da divisão social e sexual do trabalho que a mulher sofrerá
descaso ainda maior, pois enfrentará uma dupla jornada de trabalho, o trabalho na lida e o
doméstico-invisível. Isso se deve a que o trabalho doméstico faz parte da condição de
mulher, o emprego faz parte da condição de mulher pobre” (Souza, 1991:75). No entanto,
quando a autora trata do trabalho doméstico, entendemos que se refere não especificamente ao
trabalho, às atividades domésticas em si, mas, sim, ao universo feminino do lar, que se
apresenta como condição comum às mulheres, independentemente de sua classe. E ainda,
quando afirma que o emprego faz parte da condição da mulher pobre, nos questionamos: será
o emprego ou o tipo de emprego (precarizado) que se apresenta no universo da mulher pobre?
A partir da análise das entrevistas realizadas com assentadas e acampadas,
sobretudo no que diz respeito ao momento anterior ao acampamento, ou seja, à trajetória de
vida da família, observam-se inúmeras características que nos dão pistas para compreender
esse universo do trabalho, da dupla jornada de trabalho, do trabalho precarizado, etc.
Geralmente, esses trabalhadores e trabalhadoras residiam em cidades, onde se ocupavam de
atividades laborativas informais, desqualificadas, mal remuneradas, etc. Grande parte dessas
mulheres encontrava-se inserida no mercado de trabalho na condição de domésticas, bóias-
frias, ou ocupando funções dentro do setor de serviços e comércio, como balconistas,
atendentes, serventes, acumulando ainda as tarefas ligadas à manutenção da família, do lar.
Seus companheiros, como diaristas, bóias-frias, ou ainda no ramo da construção civil, como
ajudantes, serventes, pedreiros, etc., também se encontravam inseridos no mercado de
trabalho informal, ganhando salários reduzidos, desfrutando de uma condição de vida muitas
vezes extremamente precária. Toda essa condição de extrema dificuldade, miserabilidade e
necessidade os conduziu à organização de trabalhadores na tentativa de tornar seus anseios de
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111
uma vida melhor, uma realidade
21
. Isso revela a pluralidade de atores sociais envolvidos na
luta pela terra, vindos de experiências distintas, mas marcados pelo mesmo processo de
exclusão e expropriação: na cidade, pelas transformões tecnológicas que envolveram a
atividade produtiva; e no campo, pelas mesmas transformações, somadas ainda à
concentração fundiária
22
. Uma vez expropriados de seu meio de sobrevivência, que garantia
sua subsistência, a terra, esses trabalhadores e trabalhadoras muitas vezes migraram para as
cidades, onde se inseriram em atividades precarizadas e engrossaram as camadas mais pobres
nas periferias urbanas. Essa situação conduziu tal classe trabalhadora a se transformar em uma
das mais marcantes formas de contestão e resistência das últimas décadas, organizando-se
na tentativa de retornar por meio do acesso à terra, às suas origens, às suas antigas atividades
e, dessa forma, garantir a manutenção da vida. O anseio de mudança, refletivo no desejo de
retorno à terra, pode ser constatado por meio dos depoimentos das trabalhadoras sem terra
acampadas:
Eu sempre morei no sítio, desde pequena com minha família. Só que aí os
irmãos foram casando e foram todos embora, e eu também acabei casando
mas ainda fiquei na roça por algum tempo. Depois, quando o serviço
acabou, porque a gente era empregado numa fazenda aqui perto, aí a gente
veio para a cidade. O meu marido conseguiu emprego na barragem aqui, e
eu logo entrei de doméstica também. Fiquei alguns anos, mas não agüentei,
a saúde não deixou. Meu marido também perdeu o emprego quando a obra
acabou, e foi aí que a gente resolveu entrar pro movimento, pra ver se a
gente conseguia um pedo de terra, porque a gente sempre gostou, sempre
foi mesmo não é...
(Trabalhadora rural acampada no Betinho, em Teodoro Sampaio).
Ah, pra morar na cidade tem que ter um emprego, senão não dá não. Então
nós acabamos vindo pra cá, porque desempregado não dá, as coisas são
muito caras, tem aluguel, qualquer coisa que vo quiser fazer tem que
pagar, e aqui não, aqui é mais fácil.
(Trabalhador rural acampado no Padre Josimo, em Teodoro Sampaio).
Outra questão considerável que surge da análise desses depoimentos é a
condição marcada pelo gênero que recai sobre tais atividades. A diferença de salários é brutal,
as condições de trabalho são precárias e desvalorizadas. Esse quadro se agrava quando as
atividades são realizadas no meio rural. As mulheres ganham salários inferiores aos dos
21
A esse respeito, Franco (2004) destaca como as novas formas de produção, aumento da tecnologia, a
flexibilização do capital, incrementaram o desemprego em nível mundial e, ainda, quais são os rebatimentos
dessas transformações para o universo do trabalho e da subjetividade do trabalhador sem terra no Brasil.
22
Para saber mais, ver: Thomaz (2001) “Desenho Societal dos Sem Terra no Brasil”.
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112
homens para o mesmo tipo de atividade e não possuem registros em carteira. Logo, não
gozam de nenhum benefício como licença-maternidade e outras garantias a que teriam direito.
As condições de existência da classe trabalhadora tornaram-se mais precárias e a presença
feminina em postos de trabalho tem aumentado consideravelmente; contudo, encontram-se
concentrados nos segmentos e atividades mais precarizados atualmente. Tudo isso nos leva à
conclusão de que esses condicionantes da manutenção e reprodução do capital também se
apóiam na opressão de gênero. E é essa mesma condição que vemos perpetuar-se no universo
da luta pela terra; assim, servem de base para entendermos como estão estruturadas as
relões de gênero a partir das organizações de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra.
A partir disso, os grupos de mulheres trabalhadoras rurais, organizados e
atuantes na região do Pontal do Paranapanema, no Coletivo de Gênero no âmbito do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, e ainda na Organização de Mulheres
Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo Omaquesp, ganham em abrangência e
magnitude, tendo em vista que privilegiam, nas pautas de discussões, não somente a questão
da exploração da mulher trabalhadora (dentre outras opressões de gênero como preconceitos,
violência, etc.), mas também questões como emancipação de classe e de gênero. São objetivos
e demandas que se apresentam, mas que comparecem de forma muito mais perceptível no
Coletivo de Gênero do que na Omaquesp, como já analisamos nos capítulos anteriores.
Nesse contexto, entendemos que a contribuição das análises que visam a
apreender as relações de gênero, tendo como pano de fundo o processo de luta pela terra,
baseia-se no intuito de revelar os mecanismos que dão condições para o estabelecimento e
perpetuão das relões de poder desiguais e que impossibilitam a construção de espos
igualitários de participação na luta.
Analisar a participação da mulher na luta pela terra, seja ela atuante no
trabalho doméstico, na lavra remunerada ou na militância, seja ela assentada ou acampada, é
de fundamental importância, já que fornece elementos que mostram como sua participação
está contribuindo para a fundamentação e dinamismo do espo geográfico, rompendo com
valores que antes conduziam à sua submissão, exploração, etc. Por meio ainda da análise
verticalizada das relões de gênero, que se estruturam no âmbito da Luta pela Terra,
procuramos desvendar as formas nas quais estão estruturadas essas relões e os
impedimentos relativos à construção desses espos igualitários de participação.
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113
Assim sendo, evidenciamos que, somente por meio do exercício da pesquisa,
sobretudo a participativa
23
, é que foi e continuará sendo possível apreendermos as
especificidades existentes na construção das relações de gênero. A participação das mulheres
nesses espaços sejam eles no trabalho produtivo e reprodutivo, ou ainda nos espaços de ação e
militância, está contribuindo para a construção de uma nova dinâmica social. Aspectos de
fundamental importância para compreendermos a dinâmica dos espos resultantes da Luta
pela Terra: acampamentos e assentamentos.
Isto nos permite afirmar que é pelo viés geográfico que tais análises poderão
contribuir sobremaneira para o desvendamento das manifestões territoriais desse processo,
possibilitando-nos, assim, o entendimento das transformões em pauta a partir dos rearranjos
que dão formas, contornos e fundamenta-se sobre conteúdos diversos, como processos
históricos de construção e transformação. Como forma para apreendermos as configurões
geográficas oriundas desse processo atentamos para o movimento contínuo de
territorialização, desterritorialização e reterritorialização do trabalho, que revela o conteúdo
das transformões do capital e suas implicações para o mundo do trabalho, logo, a sua
expressão nos lugares (THOMAZ JR., 2003).
Sendo o espo socialmente produzido, ele é resultado das ões e relões
sociais que o permeiam, ou seja, é resultado das relões que dão contorno e forma a esses
lugares. A esse respeito, destacamos o trabalho desenvolvido por Franco (2002), que versa
sobre a forma em que o gênero é produzido e a forma em que este se relaciona com a
produção do espo, tendo como base a discussão das localizações como viés geográfico da
construção do gênero, com destaque para como se constroem as paisagens geográficas no
contexto da luta pela terra.
Assim, o percurso que procuramos fazer teve como indagação maior
entender de que forma as relões de gênero, juntamente com as de classe, comparecem como
elementos constitutivos das relões sociais, e ainda de que forma a introdução da discussão
sobre a construção de novas relões de gênero é responsável, ou não, pela construção de
espos diferenciados, dentro dos territórios de luta.
As práticas sociais vinculadas aos papéis sexuais estão impressas nas suas
determinões no espo da produção e reprodução social. Essas práticas se constroem e
constroem lugares, são as práticas socialmente construídas sobre os sexos que se anunciam
em determinados lugares.
23
Referimo-nos à pesquisa e acompanhamento das ações e do conjunto dos grupos organizados de mulheres da
região.
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114
A importância dos estudos sobre tais aspectos é destacada por Hirata (2002),
quando aborda a ligação entre relões de trabalho e relões de poder, presentes nas análises
da divisão sexual do trabalho, e salienta que esses estudos podem trazer novos elementos de
análise para pensar as configurões da divisão do trabalho entre homens e mulheres, em um
contexto de movimentos sociais, que compreendem diferentes categorias sociais.
A distribuição das tarefas, papéis e funções, nada mais é do que uma
distribuição espacial, que marca e delineia as relações de poder, configurando os territórios de
luta. Dessa forma, justificamos a análise das relões de gênero como nosso aporte para
compreender as configurões que dão forma e conteúdo aos dos territórios de luta, e não
apenas a esses, mas também à busca pela emancipação por dentro das estruturas de poder.
Entendendo o poder instituído dentro desses territórios como expressão clara
da opressão de gênero e exploração de classe, consideramos este um ponto chave da nossa
investigação. Isso possibilitou apreender como estão estruturadas as relações de poder que
envolve o cotidiano espacial de tais atores sociais. Até onde existem brechas ou fissuras que,
se bem administradas, podem dar lugar a uma conversão, mudança ou alteração das relões
espaciais de gênero entre esses atores? Queremos dizer que a dominação e a hierarquização
das relões de poder não podem ser meramente analisadas do ponto de vista quantitativo
24
,
mas, sim, na qualificação dessas relações. Para sermos mais claros: não se trata de avaliar a
quantidade, inserção nem a distribuição de tarefas; se existe ou não uma distribuição justa;
trata-se de fazer um mapeamento que dê conta de insinuar os motivos que estão por trás da
superioridade entre um e outro agente e a conseqüente divisão da classe trabalhadora entre si.
Já que o capitalismo se apoderou da divisão sexual do trabalho, utilizando-se disso para
instaurar uma exploração duplamente qualificada sobre as mulheres, ou seja, marcada pelo
gênero, fortaleceu a opressão a que podemos assistir, tanto do ponto de vista do trabalho,
quanto da família, da política, da militância, enfim, em todas as esferas da vida social, na
subjetividade da classe trabalhadora. Transgredir toda essa construção, como ressalva Franco
(2002), significa uma revolução cultural, que implica uma revolução da subjetividade”.
O MST e o Coletivo de Gênero são exemplos a serem analisados, já que
propõem, como um dos objetivos de sua luta, a participação efetiva das mulheres, pautada na
tomada de consciência. Ou seja, foi no contexto da luta e da busca pela emancipação da classe
trabalhadora, que esses movimentos atinaram para uma das facetas da dominação que é a
dominação de gênero. A partir disso, criaram espos para trabalhar e desenvolver uma
24
Queremos destacar que não se trata de distribuição pura e simples de atividades, ou seja, de uma equidade nos
números.
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115
discussão que tem como princípio fundamental reverter ou modificar essas estruturas de poder
que permeiam o conjunto dos trabalhadores. Como vimos, apesar de terem espos criados e
implementados ao longo de sua constituição, os grupo ainda assim contam com uma série de
determinantes, que são empecilhos a serem quebrados. Os seus limites estão colocados e os
entraves que dificultam o êxito da sua luta, também.
Os estudos sobre os territórios de luta têm apontando algumas dessas
transformões que afetam a natureza das relações estabelecidas entre esses atores sociais: o
movimento recente, porém significativo, de inserção no processo de luta pela terra das
trabalhadoras rurais sem terra. Essas mudanças nos dão pistas de uma possível reorganização
do trabalho e de suas expressões na divisão sexual e social de tarefas. Tem sido marcante a
participação de mulheres, em todos os âmbitos da luta. Isso é sintomático de que outras
transformões podem estar em vias de acontecer.
Por isso, essa empreitada nos fez mergulhar na esfera do pessoal, focando,
por dentro dos movimentos e grupos de mulheres, todos os embates, contradições, avanços e
entraves que delineiam o conjunto das relões sociais que se dão no processo de luta pela
terra, nos assentamentos e acampamentos, bem como nos espos de militância. Falar em luta
pela terra, movimentos sociais, tratando esses sujeitos não como seres homogêneos, mas
destacar que estão inseridos no processo de formas diferenciadas e comportam características
distintas, ou seja, sofrem ou exprimem condições distintas: é qualificar e dar luz a uma série
de questões antes obscuras e inalteradas. A luta pela terra comporta diferentes agentes. Esses
agentes são diferenciados. É isso que acreditamos estar trazendo à tona quando discutimos as
diferentes formas de inserção na luta, protagonizadas pelos grupos de mulheres trabalhadoras
analisados.
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116
3.3. O Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais - MMTR como pioneiro na luta e
resistência
É importante destacar que a experiência da organização de grupos de
mulheres trabalhadoras sem terra, no Pontal, não é algo inédito, ou isolado. Trata-se de mais
uma experiência presente no universo plural da luta pela terra. É o desdobramento de um
processo muito anterior, que teve início com outros movimentos, particularmente o MMTR,
também organizado e pautado em questões que reverenciam a mulher trabalhadora sem terra.
O MMC, organizado em âmbito nacional, pode ser considerado levando-se
em conta a sua constituição, contexto e trajetória, como um precursor do que acontece
atualmente no Pontal do Paranapanema no que tange à organização de grupos de mulheres
trabalhadoras rurais. Assim, não podemos negar a influência e ligação que existem entre esse
movimento e os grupos que atuam na região.
Muito embora apenas recentemente esses grupos tenham assumido um
caráter organizacional, as ões coletivas, com alta presença de mulheres trabalhadoras rurais,
começaram a se efetivar e a ganhar mais fôlego no início da década anterior. Até então, sua
presença era bastante reduzida, com uma atuação discreta e minoritária.
Foi a partir da segunda metade da década de 80, que as mulheres começaram
a entrar em cena por meio de dois canais principais. Um deles foi o sindicalismo oficial, o
qual, segundo Navarro (1996, p. 97):
percebeu que o crescente debate blico sobre a condição feminina e a
emergência de movimentos de mulheres poderia contribuir no aumento da
participação nos sindicatos, se mulheres rurais pudessem ser atraídas às
iniciativas sindicais, inclusive trazendo consigo cônjuges eventualmente
pouco participantes. Para tanto, os sindicatos da órbita da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (FETAG-RS), que
agrega os sindicatos subordinados à estrutura oficial, selecionaram
bandeiras de luta consideradas aceitáveis, evitando temas polêmicos no
meio rural, em especial os que discutiam relões no âmbito da família.
Como resultado, as ões patrocinadas centraram-se exclusivamente no
terreno dos direitos.
Questões como reconhecimento da profissão de agricultura e acesso a
serviços de saúde diretamente canalizados para mulheres foram as mais tratadas até então. A
sindicalização e a iniciativa de formar lideranças que pudessem estar à frente nos trabalhos e
formando parte do quadro dos sindicatos, também foram objetivos colocados para as
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117
trabalhadoras. Mas isso não significou uma participação efetiva e qualitativa das mulheres nas
estruturas sindicais, já que estas se mostraram muito seletivas, e poucas mulheres chegaram a
ocupar posições relevantes dentro dessas estruturas. A presença delas em encontros,
manifestões ou outras ões promovidas pela FETAG se mostrou muito tênue. E mesmo
assim, dentro das comunidades não se evidenciava a existência de atividades ou ações
organizadas por e para as mulheres. (NAVARRO, 1996)
Os outros caminhos pelos quais as mulheres também se aproximaram do
ideal de organização surgiram juntamente com a emergência de movimentos sociais, dentre os
quais podemos destacar o MST. Para este, a presença delas era fundamental: primeiro, por
questões de afirmação ideológica; segundo, porque se reconhecia na mulher um potencial
relevante e marcante no que tange às lutas travadas a partir daquele momento em diante. No
discurso do MST, o papel da mulher foi sempre exaltado, estando presente obviamente nos
objetivos e pautas de discussões do movimento.
Assim, a participação e a mobilização das mulheres foram pontos marcantes
nesse período. Embora não se tenha assistido a uma inserção em massa das mulheres por
dentro das estruturas da organização, ocupando posições de liderança, sua participação foi
decisiva nos momentos de ocupões e manifestações, a voz feminina estava presente e
atuante. É nesse contexto de emergência dos movimentos de Luta pela Terra que o embrião
do MMTR é forjado.
Internamente a esses movimentos como o MST, uma das questões que
surgiram, no que tange à participação das mulheres, foi atrelar as demandas delas às outras
bandeiras de luta. Sendo tanto o movimento quanto o sindicato dominados por homens, e
sempre atrelados às demandas dos trabalhadores de forma geral, chegou-se à conclusão da
necessidade de organizar um movimento autônomo, que discutisse e debatesse questões
diretamente ligadas ao universo da mulher.
Os movimentos organizados naquele período, marcados por um discurso e
idrio de esquerda, necessariamente introduziriam a questão da discriminação e exploração
da mulher nas suas discussões. Com o tempo, apesar de essas questões terem sido abordadas,
o que se constatou foi um cenário de lutas e organização, no qual o ambiente era
majoritariamente dominado por homens marcados por uma prática que reduzia e
desqualificava as questões ligadas à mulher. Assuntos como sexualidade, saúde da mulher,
igualdade de participação, foram dados como secundários. Os grandes temas a serem
discutidos giravam em torno da organização, da produção, das ocupões, entre outros temas
pertinentes.
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118
Dessa forma, as mulheres foram tomando as primeiras iniciativas para
constituir uma organização que tivesse, como demanda e bandeira de luta, as principais
questões ligadas ao universo da mulher trabalhadora rural. Depois de iniciados esses passos, o
debate acerca da autonomia ganhou fôlego, formando em 1988 uma comissão provisória,
emergindo em agosto de 1989 o MMTR, fundado formalmente durante o I Encontro Estadual
do MMTR. Inicialmente, temas relacionados com a saúde da mulher, aposentadoria, licença-
maternidade foram os mais discutidos. Desde então, sua agenda de lutas tem-se ampliado.
Muito embora o movimento tenha como base discutir a classe trabalhadora, seu lugar, seus
objetivos, sua emancipação, está, aos poucos, trabalhando também com os aspectos culturais e
sociais que marcam as diferenças entre homens e mulheres, no âmbito da Luta pela Terra no
Brasil.
A partir de então, o movimento tem sido referência nacional no que tange à
luta organizada das mulheres trabalhadoras rurais. Por ele, são produzidos materiais de apoio,
cartilhas, livros, textos, que abordam desde a saúde da mulher até discussões sobre as redes de
poder e a busca pela sua superação no processo de luta pela terra. Aliás, muitos desses
materiais foram e continuam sendo amplamente utilizados como apoio por integrantes, tanto
do Coletivo de Gênero quanto da Omaquesp, e fazem parte, inclusive, do acervo documental
de materiais utilizados em palestras, cursos de formação política, dentre outros eventos
realizados pelos grupos, sobretudo o Coletivo de Gênero do MST.
Isso indica a constituição do MMTR e sua influência como precursora dos
outros grupos organizados na região. A presença de representantes desse movimento
organizado em âmbito nacional foi sempre constatada quando da realização dos Encontros
Estaduais de Mulheres Assentadas do Estado de São Paulo.
A luta levada a cabo por esse movimento certamente foi a inspiração para a
organização e constituição da Omaquesp como uma organização autônoma de mulheres
trabalhadoras rurais. Ao mesmo tempo, sua origem se confunde quando da efervesncia da
discussão acerca da participação da mulher no MST, já que foi por meio desse movimento,
como já salientamos anteriormente, tracejado um dos caminhos pelo qual o MMTR viria mais
tarde a se constituir. Da mesma forma, na segunda metade da década de 90 assistimos à
emergência do Coletivo de Gênero, organizado e atuante na região do Pontal, dando provas da
força e importância da mobilização das mulheres e tendo participação concorrendo até hoje
decisivamente no contexto da luta travada pelos trabalhadores rurais sem terra.
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119
3.4. O Feminismo na História da Organização Política das Mulheres
Os homens, seus direitos
e nada mais.
As mulheres, seus direitos
E nada menos .
Susan B. Anthony
Em se tratando de movimentos sociais e grupos organizados de mulheres,
não poderíamos deixar de repensar sua construção e seu processo histórico de formação.
Tampouco poderíamos negar que se atualmente existem expressivos trabalhos e novas formas
de organização feminina, isso se deve a um acúmulo de experiências e avanços que tiveram
sua emergência e concepção com os movimentos feministas. O surgimento dos trabalhos e
estudos que discutem o conceito de gênero está diretamente ligado a essa história, e ao
significado das lutas políticas de emancipação feminina.
É impossível falar em mobilização política, sobretudo uma mobilização que
envolve particularmente mulheres sem fazer menção ao feminismo. Este aparece como um elo
comum entre as lutas desencadeadas pelas mulheres ao longo da história. Apesar de estarem
vinculadas a iniciativas e demandas específicas, o elemento norteador dessas lutas sempre
esteve ligado ao idrio de mudança, conquista e superação das condições que envolviam o
universo feminino. Essas conquistas feministas têm sido progressivas, apesar de não terem
alcançado a conquista total de seus ideais. Mas devemos salientar que muitos desses objetivos
têm sido alcançados, superando suas expectativas.
Esse movimento que sempre esteve pautado num idrio político feminista
tem conquistado, ao longo de sua trajetória, muitos avanços, inicialmente com as lutas por
melhores salários, saúde da mulher, direitos, etc., e que são agora, reportados para o universo
da luta pela terra.
O movimento feminista organizado conheceu sua emergência ainda no
século XIX, ganhando maior visibilidade naquele que é considerado por muitos a primeira
onda deste movimento, conhecido como sufragismo
25
. Organizado então nos países do
Ocidente, o movimento ganha novos ingredientes na segunda metade da década de 1960. É
nesse momento que os estudos e elaborões teóricas começam a ganhar fôlego. Contudo,
25
O sufragismo foi uma das bandeiras de luta do movimento feminista, segundo o qual as mulheres
reivindicavam a extensão do direito de voto.
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120
devemos salientar que essa primeira onda do movimento feminista não esteve vinculada a
uma luta de classe, na qual as mulheres não ergueram a bandeira da emancipação da sua
condição, mas reivindicaram apenas direitos civis.
A exaltação à libertação da mulher, e à sua emancipação foram elementos
que compareceram mais tarde, sobretudo a partir da década de 1960. Cabe aqui compreender
melhor o que significou a emancipação e libertão no contexto em que foi forjado o
feminismo. Emancipar-se tinha o sentido de equiparar-se ao homem em direitos jurídicos,
políticos e econômicos, correspondia à busca de igualdade. A idéia de libertar-se ia adiante,
significava marcar a diferença, realçar as condições que dariam margem às significativas
mudanças nas relões de gênero. Eram essas as principais reivindicações que estavam
imbricadas nas manifestões do movimento, já que era esse o objetivo almejado numa
sociedade que ainda mantinha a mulher como oprimida, subtraída, explorada.
As mudanças tão profundas não poderiam ser alcançadas apenas com
mudanças jurídicas na sociedade, nem mesmo com a mudança para outro modelo de sistema
econômico, como queriam Marx
26
, Clara Zetkin
27
e outros. Uma das principais obras de
contextualização da situação da mulher e de abordagem da questão da mudança do sistema
econômico como um dos meios para sua libertação foi escrita em 1889. Trata-se O Socialismo
e a Mulher, de Bebel, que concordava com a tese de Engels de que a sociedade retrocedera de
um período mítico, matriarcal e feliz, para um período patriarcal, fundado na propriedade
privada. Assim, julgou que a abolição da propriedade privada significaria a libertação da
mulher, no que se equivocou (BETTO, 2001).
O socialismo no leste europeu comprovou que não se liberta a mulher
abolindo a propriedade privada e introduzindo-a no processo produtivo. É preciso mudar
também a superestrutura cultural e psicológica da sociedade e, sobretudo, reinventar formas
de produção e de exercício de poder que tenham as mulheres como sujeito. Enquanto o
masculino for o paradigma do feminino, esse ideal não será alcançado, a menos que as
26
Marx, em O Capital. Vol. 5. São Paulo: Nova Cultural, 1998.
27
Foi ela uma das mulheres que propôs a criação de um dia para as mulheres operárias, o que posteriormente
acabou resultando no Dia Internacional da Mulher, 8 de março. Isso ocorreu durante o II Encontro das Mulheres
Socialistas, realizado em Copenhague. Tal proposta se devia às grandes movimentações femininas que marcaram
vários pses em anos anteriores, principalmente por melhores condições de trabalho e direito de voto. No dia 20
de junho de 1933, com 76 anos de idade, Clara Zetkin morreu em Archangelskoje, próximo a Moscou. Seu corpo
foi sepultado nas muralhas do Kremlin e seu nome continua sendo lembrado toda vez que se fala em Dia
Internacional da Mulher e em luta das mulheres socialistas. Deixou como contribuição várias pesquisas sobre o
papel das trabalhadoras na sociedade capitalista. Disponível em: www.mcls-rj.org/biozetkin.htm. Acesso em:
20/12/2004.
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mulheres descubram que elas próprias são o paradigma de si mesmas. Segundo Antunes
(1999, p. 110):
A luta das mulheres contra as formas históricas e sociais da opressão
masculina será, além disso, uma luta pós-capitalista, pois o fim da
sociedade de classe não significa o fim da opressão de gênero, pois esta é
pré-capitalista. (grifos do autor)
Nessa lógica, muito mais do que buscar a emancipação feminina há que se
buscar a emancipação do gênero humano, compreendido na sua totalidade. Essa mudança de
base cultural e psicológica prevê a revolução estrutural que marca todas as classes. Deve
haver uma revolução nas estruturas de poder, nas quais estão mergulhadas não só o gênero,
mas também a raça, a classe.
As mulheres eram consideradas inferiores ao homem, pelo que apareciam
como naturalmente” inferiores, segundo a relação dicotômica entre os pólos:
dominador/dominado, produção/reprodução, razão/sentimento. Nesse sentido, o primeiro é
sempre superior ao segundo. Quando os questionamentos se dirigiam à possível libertação do
escravo e sua transformação em religioso, entendia-se que o escravo era socialmente inferior,
enquanto a mulher era naturalmente inferior.
Simone de Beauvoir publica, em 1949, O Segundo Sexo
28
, considerado um
dos marcos sobre a história das mulheres e do feminismo. Colocando as profundas raízes da
opressão feminina e analisando o desenvolvimento psicológico da mulher e as condições
sociais que a tornam alienada e submissa ao homem, denunciava a opressão da mulher, a
angústia do eterno feminino, da mulher sedutora e submissa. A partir dessas novas idéias, o
movimento feminista alastrou-se pelo mundo. Sutiãs foram queimados nas ruas; a libertação
sexual tornou-se um fato político; as palavras de ordem se multiplicaram. O modelo
tradicional do ser mulher entrou em crise e um novo perfil feminino comou a se esboçar. As
mulheres brasileiras participaram ativamente da resistência à ditadura militar. Segundo Betto
(2001, p. 16):
28
Esta obra foi lançada numa época em que o termo 'feminismo' nem sequer havia sido cunhado. O livro pode
ser considerado, hoje, o marco inicial da prática discursiva da situação feminina. Neste primeiro volume, Simone
de Beauvoir aborda os fatos e mitos da condição da mulher numa reflexão que interessa a ambos os gêneros
humanos.
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122
o primeiro grupo organizado de feministas s-Simone de Beauvoir surgiu
em São Paulo, em 1972. Aos poucos, o tema do feminino e do feminismo
passou a ocupar fóruns nacionais de debate, como ocorreu na reunião anual
da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), em Belo
Horizonte, em 1975. No mesmo ano, um encontro na Associação Brasileira
de Imprensa (ABI), no Rio, deu origem ao Centro da Mulher Brasileira.
Também no mesmo ano, em São Paulo, realizou-se o Encontro para o
Diagnóstico da Mulher Paulista; surgiu o Movimento Feminino pela
Anistia, liderado por Terezinha Zerbine; e foi lançado o jornal Brasil
Mulher que circulou de 1975 a março de 1980.
A presença das mulheres no tocante às questões políticas, foi, assim, se
evidenciando no período da ditadura e tornando-se um dos principais elementos de
contribuição aos avanços na mudança do regime político, como coloca Álvarez (1988). Além
disso, as mulheres também compuseram a coluna vertebral de muitas das organizações de
sociedade civil e partidos políticos de oposição, que, com êxito, desafiaram regras autoritárias
durante os anos 70 e início dos 80.
Dessa forma, a imprensa feminista ganhou respaldo e se ampliou, assim
como destaca Louro (1999, p. 16):
É, portanto, nesse contexto de efervescência social e política, de contestação
e de transformação, que o movimento feminista contemporâneo ressurge,
expressando-se não apenas através de grupos de conscientização, marchas e
protestos blicos, mas também através de livros, jornais e revistas.
Algumas obras hoje clássicas como, por exemplo, Lê deuxième sexe, de
Simone Beauvoir (1949), The feminine mystique, de Betty Friedman (1963),
Sexual politics, de Kate Millett (1969) marcaram esse novo momento.
(grifos do autor).
No Brasil:
entre os anos trinta e sessenta, assistimos à emergência de um expressivo
movimento feminista, questionador não só da opressão machista, mas dos
códigos da sexualidade feminina e dos modelos de comportamento
impostos pela sociedade de consumo. No contexto de um processo de
modernização acelerado, promovido pela ditadura militar e conhecido como
milagre econômico, em que se desestabilizavam os vínculos tradicionais
estabelecidos entre indivíduos e grupos e a estrutura da familiar nuclear, as
mulheres entraram maciçamente no mercado de trabalho e voltaram a
proclamar o direito à cidadania, denunciando as múltiplas formas da
dominação patriarcal. (RAGO, 2003
29
).
29
Ver mais em: RAGO, M. Os feminismos no Brasil: dos anos de chumbo à era global. Labrys Estudos
Feministas, no. 3, janeiro/julho 2003. Disponível em: www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/web/marga1.htm.
Acesso em 10/01/2005.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
123
É importante salientar as diferentes marcas dos idrios que marcaram o
feminismo ao longo de sua trajetória e como ele veio adicionando novos elementos e
transformando sua bandeira de luta. Essa bandeira foi, inicialmente, erguida pelas mulheres da
classe média e, agora é defendida pelos setores mais precarizados da população.
Entre 1970 e 1980, as mulheres organizadas centraram-se na luta pela
redemocratização do país. Nos setores mais pobres, surgiram, com o apoio da Igreja Católica,
clubes de mães e associões de dona-de-casa. Muitos outros movimentos brotaram pelo
território nacional, em defesa dos direitos da mulher e da ampliação da cidadania feminina.
Milhares de mulheres reuniram-se em eventos, congressos, sendo que, em 1979, aconteceu o I
Encontro Nacional Feminista, em Fortaleza, que teve a sua 13
a
versão, em João Pessoa, no
ano de 2000
30
.
Grande destaque deve ser dado aos movimentos feministas sindicais, que,
desde 1963, se faziam presentes, tendo sido sufocados pelo golpe militar. Somente
ressurgiram em meados da década de 1970.
No I Conclat (Congresso das Classes Trabalhadoras), em 1981, a voz
feminina soou, sobretudo com as demandas das empregadas domésticas pelo reconhecimento
da profissão e extensão dos direitos trabalhistas à sua categoria.
A reação contra o preconceito e violência doméstica deu condições para que
mais tarde fossem criadas as Delegacias da Mulher, empenhadas nos casos de violência ou
quaisquer outros dirigidos à mulher. Cada vez mais, ganhou espo na mídia a violência
contra as mulheres, sobretudo os assassinatos cometidos por seus companheiros.
Mais tarde, já nos finais da década de 1970, o movimento feminista
fragmentou-se em diversas tendências, algumas mais voltadas para a discriminação do aborto,
outras centradas na isonomia profissional com os homens. Muitas mulheres, após
conquistarem postos de trabalho antes ocupados exclusivamente pelos homens, lograram
também assumir funções políticas de comando.
Contudo, aquilo a que assistimos é uma ampliação das relões de poder que
regem esses dois pólos: masculino e feminino. A sobreposição da figura do homem que
reforça a tendência de discriminação e desvalorização da mulher está inserida em práticas que
se reforçam no nosso dia-a-dia. No plano cultural, tal tendência se mostra muito forte. Por
esse motivo, ressaltamos, novamente, que a transição dessa realidade caracteriza-se não
30
Mais detalhes, ver: http: //168.96.200.17/ar/libros/lasa98/sarti.pdf. Acesso em: 10/01/2005.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
124
apenas por transformar os meios de produção, mas também pelas mudanças culturais e
comportamentais que regem as relões sociais.
Mas, foi a partir de 1979, que as trabalhadoras despontaram e começaram a
se organizar em movimentos de mulheres, nos sindicatos, nas associões, lutando pelos seus
direitos. O MST foi o berço de alguns desses grupos e ajudou a impulsionar tais objetivos,
denunciando e combatendo, em sua luta, todas as formas de discriminação à mulher. Como já
pudemos aspirar em momentos anteriores, os grupos de mulheres oriundos da Luta pela Terra,
como o Coletivo de Gênero, deram margem a uma série de reivindicões, protestos e
anseios, presentes em vários encontros, passeatas, caminhadas, acampamentos e
assentamentos. E ainda não se restringiam às questões essencialmente feministas; objetivavam
questionar a condição da classe trabalhadora na qual estavam inseridas. Esse é um elemento
diferenciador.
Entre 1985 e 1990, as mulheres negras começam a dar visibilidade nacional
às suas lutas também. Atualmente, estão incorporadas em uma outra organização de mulheres
trabalhadoras rurais, alvo de nossas investidas, a Omaquesp, de que participam mulheres
negras descendentes dos quilombos no Estado de São Paulo, contudo representam ainda um
grupo minoritário dentro da organização.
No plano teórico, muitas transformões se esboçavam. Foi exatamente para
mudar o foco das relões entre homens e mulheres da esfera biológica para a social, que o
movimento feminista passou a se preocupar em diferenciar gênero de sexo. Por esse motivo o
conceito de gênero, que no Brasil só passa a ser utilizado no final dos anos 1980, serve como
importante ferramenta política, pois permite enxergar que as relões de gênero vão muito
além da guerra dos sexos. Segundo Nizza da Silva (1987), no Brasil, os estudos de gênero
representam uma área do conhecimento que vem ganhando espaço e autonomia dentro das
universidades. Existem inúmeros núcleos de estudos e pesquisa em vários Estados, a destacar:
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outros. (BLAY: 1990).
Os estudos e pesquisas refletiram as transformões da sociedade. O
feminismo e/ou as conseências de seu estabelecimento, crescimento e ideais também se
fizeram ver dentro da academia. Prova disto são os inúmeros trabalhos que vêm sendo
elaborados e que, de uma forma ou outra, trazem uma análise para a condição da mulher. Na
Geografia, esse fato ainda tem sido tênue. Já assistimos a um crescente e expressivo
movimento de pesquisadores, que se debruçaram sobre o universo da mulher, analisando seu
trabalho, sua presença nos movimentos sociais, entre outros, muitos já estabelecidos enquanto
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
125
grupos de estudo, o que indica o fortalecimento e a relevância desse tema para o próprio
entendimento da sociedade.
3.5. Gênero e Desenvolvimento Territorial: Questões para o Debate
Avaliar a história de exclusão das mulheres trabalhadoras rurais e buscar, em
suas iniciativas de organização, o reforço para romper com as amarras dessa mesma exclusão,
foi o caminho percorrido até então. Acreditamos que parte de nossa contribuição, talvez,
esteja centrada na proposição de algumas reflexões que nos permitam ir além, ou seja, pensar
em algumas alternativas, ões e iniciativas para promover uma integração, de fato, maior e
com mais alcance no que diz respeito ao tema. Esses conjuntos de ações podem e devem ser
estudados, elaborados e praticados pelos agentes ligados ao desenvolvimento do campo, de
modo a promover uma inclusão das mulheres nesse processo e nas políticas públicas. Dessa
forma, pensamos em ões que unam desenvolvimento social e integração da mulher.
Falar em desenvolvimento sempre implicou ou ao menos sugeriu uma
ligação com a área econômica, muitas vezes, dissociado da noção de práticas que integram
para além de uma atuação econômica, ou seja, sem privilegiar aspectos sociais. Como já
pudemos analisar anteriormente, o movimento feminista sempre esteve distante do universo
econômico, privilegiando em sua pauta de lutas, questões que envolviam a saúde da mulher,
os direitos trabalhistas, a aposentadoria, a assistência à mulher, a violência, etc.
Alguns projetos voltados à mulher começaram a despontar no período que
corresponde a duas décadas. Foram experiências que instituíram as mulheres como
mediadoras de políticas, algumas das quais com o objetivo de combater a pobreza e a miséria.
Porém, tais práticas não chegavam a promover essas participantes a sujeitos do processo. As
mulheres sempre foram chamadas a participar pela questão das privões, das necessidades,
da pobreza, de modo geral, não pela questão de gênero. Isso pode se explicar pelo fato de elas
estarem inseridas num segmento que passa por um quadro crônico de pobreza, e que tem
maior contato com esses grupos. As mulheres vivenciam de forma muito especial, essas
condições: estão ligadas a esse universo na família, na comunidade, etc. Logo, acredita-se
que, dirigindo determinadas ões de combate à pobreza para as mulheres, indiretamente
estariam sendo trabalhados, também, aspectos como da saúde (natalidade, mortalidade,
gestação), alimentação, entre outros. Ou seja, por meio da pobreza da mulher, sanava-se a
pobreza da família.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
126
Assim, as políticas e/ou iniciativas de desenvolvimento, além de reforçarem
a tradicional divisão sexual do trabalho não promovem a inclusão positiva
31
das mesmas; pelo
contrário, há uma especialização naturalizada na qual a mulher é formada. Inserir autora
No Pontal do Paranapanema, podemos notar essas linhas de atuação. Alguns
órgãos públicos, ongs e as próprias organizações de mulheres, que têm seus trabalhos
voltados para a manutenção e desenvolvimento do campo, contam com algumas iniciativas,
projetos e atividades na área econômica que privilegiam a geração de renda e também ações
de caráter assistencialista. Grande parte delas se ocupa da produção, comercialização e
prestação de serviços pautados nas habilidades tradicionalmente consideradas como femininas
(corte, costura, artesanato, culinária, etc.). Para comprovar isso, basta focar as iniciativas
destacadas nos capítulos anteriores. Em vista da condição de precariedade vivenciada pelas
familias assentadas, chegou-se à conclusão de que era necessária uma renda extra para somar
aos outros rendimentos da família. Tais iniciativas mostraram que o trabalho feminino não
passa de uma renda complementar na organização e manutenção da vida familiar. Assim
essas mulheres pobres passaram a ter dupla jornada de trabalho, sobretudo em épocas de crise.
Logo, são trabalhadoras secundárias, ocasionais, temporárias, quebra-galho.
Esse tipo de iniciativa, na verdade, não se mostra como transformadora da
condição vivenciada pelas mulheres trabalhadoras rurais. Um plano de desenvolvimento que
tivesse como foco tal mudança teria, nas mulheres, as protagonistas dessa transformação. Isso
só se efetivaria se houvesse uma simetria de gênero, uma decisão consciente de transformar as
desigualdades no acesso aos recursos, nas tomadas de decisão e no controle sobre os
resultados dos projetos de desenvolvimento. Quantas mulheres atualmente são as titulares ou
beneficiárias dos lotes de assentamentos rurais? Quantas mulheres têm acesso a créditos ou
benefícios? A quem cabe o papel de decisão e gestão na manutenção do lote, nas atividades
ali desenvolvidas, e na programação do que será futuramente desenvolvido?
Se a condição para as mulheres, de forma geral, tem sido o que destacamos
no decorrer deste trabalho, frisamos que, para as mulheres do campo, outros agravantes se
somam. Enquanto no meio urbano elas se encontram mais próximas dos canais de
informação, e até mesmo do contato com outras mulheres, pela comunidade, no campo, as
limitões são ainda maiores. O isolamento e o fechamento, aliados ao conservadorismo, são
armas potentes. As marcas culturais vivenciadas também se diferem. As mulheres estão muito
31
Por inclusão positiva, entendemos a inclusão de fato transformadora, que traga no bojo de suas ações as
condições necessárias para construir uma mudança no que tange à participação da mulher; que venha a romper
com as tradicionais marcas que caracterizam os papéis delegados às mulheres.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
127
mais presas a estruturas familiares mais tradicionais, sem acesso fácil à educação, à saúde. O
quadro se agrava consideravelmente quando se trata de participação política ou de qualquer
coisa que as coloque em contato com o universo público. Elas não têm reconhecimento
político e não contam com uma ação inerente aos projetos de desenvolvimento para
transformar as relões desiguais de poder. Portanto, a realidade das mulheres rurais em nada
mudou. As atividades realizadas por elas não são consideradas produtivas, por isso não tem
reconhecimento.
A desvalorização, a invisibilidade e a negação das atividades das mulheres,
na produção, conduziram ao esfacelamento de inúmeros projetos geralmente ligados à
geração de renda, os quais acabaram se concentrando em atividades pouco remuneradas e
segregadas por sexo, já que se estabeleceram em âmbitos femininos próximos às atividades
domésticas, vinculadas, majoritariamente, às mulheres. Para tanto, basta retomar os exemplos
vivenciados pelas integrantes da Omaquesp e o atual trabalho desenvolvido pelo Itesp no
município de Teodoro Sampaio, onde as mulheres se dedicam à confecção de paninhos
bordados, pintados, em crochê, etc. Aproveitam-se os conhecimentos das mulheres
prendadas
32
para a produção e venda de pas com o objetivo de angariar uma pequena renda
extra no fim do mês.
Mas, nem tudo são pedras. Existem avanços no sentido da ampliação dos
direitos das mulheres rurais, dos quais podemos destacar o trabalho desenvolvido pelo MMC.
Este reivindicou: titulação conjunta da terra, revisão do sistema de pontuação para a seleção
dos candidatos, demanda de credito especifico, assistência técnica, etc., ou seja, políticas
agrárias consoantes com outras lutas como: ampliação dos direitos das trabalhadoras rurais na
previdência, serviços públicos, salário mínimo, salário maternidade, violência contra a
mulher, saúde, documentação pessoal e profissional etc., aliadas ainda às lutas gerais do
conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras. Os movimentos sociais passaram a se articular
destacando o papel da mulher na luta contra o neoliberalismo, contra a ALCA, FMI,
almejando um modelo alternativo de desenvolvimento e ruptura dos padrões de gênero.
Nos movimentos sociais rurais, há também outras iniciativas, como as cotas
para mulheres, a criação de estruturas específicas dentro dos movimentos, a exemplo do
Coletivo de Gênero do MST, etc. Aos poucos, essas demandas políticas das mulheres do
32
Ao nos referirmos a este termo, fazemos alusão a uma condão tradicionalmente conhecida em grande medida
no meio rural, que versa exatamente sobre os conhecimentos das mulheres com relação a artesanato, culinária,
cuidados com a família, etc. Referir-se à mulher como prendada significa que ela é dotada de inúmeros
conhecimentos e potencialidades nessa área, conhecimento esse que é transmitido no convívio familiar através
das gerações.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
128
campo foram tomando corpo e acumulando experiências e poder político para legitimar as
conquistas e a interlocução com Órgãos ligados à questão agrária, dentro dos movimentos
sociais e por dentro dos próprios movimentos de mulheres.
Mas existem muitas coisas a fazer, as quais passam pela necessidade de um
avanço considerável. O trabalho da mulher continua oculto e desvalorizado. Elas são vítimas
da violência verbal. Como constatamos muitas vezes, este não é o único tipo de violência; ao
contrário, é talvez o mais ameno. O fato de considerar o trabalho realizado pela mulher como
uma ajuda , um apêndice, dá mostras da submissão e exploração a que estão subordinadas as
mulheres.
O grande obstáculo é enfrentar as diferentes dimensões da exclusão que
marcam as mulheres. Isso passa por desafiar um padrão secular de subordinação e negação
das mulheres trabalhadoras rurais sem terra como sujeitos políticos e econômicos no campo.
O Estado, igualmente, vem legitimando essa desigualdade social estruturada pelo sexo. As
relões sociais de gênero, porém, são um dos aspectos estruturadores das relões sociais no
campo. Logo, devemos reconhecer nas mulheres, não só indivíduos beneficiados, mas
indivíduos capazes e dotados de potencial de transformação.
Um dos caminhos a serem trabalhados leva à esfera da cultura. A opressão e
a discriminação das mulheres estão sustentadas na ideologia burguesa machista, que
naturalizou essa condição, de que as próprias mulheres são educadas para conduzir as
condutas para seus filhos e para a família. Elas próprias são condutoras da sua subordinação.
Observe-se a fala da militante analisando a si mesma e tirando suas conclusões a respeito:
Machismo existe no movimento, mas não é culpa dos companheiros. Tanto
as mulheres, também têm o machismo feminino. Muitas vezes a mãe
ensinou aquilo. Por exemplo, menina brinca de boneca e menino de bola. É
muito difícil conciliar ser mãe e militante porque a gente já começou a
educar do jeito que a gente foi criado, né?
(Militante do Coletivo de Gênero)
Até agora, tratamos do desenvolvimento do campo e das formas nas quais as
mulheres foram inseridas nesses projetos e iniciativas, bem como da necessidade de criação
de políticas públicas que fornam canais de participação efetiva por parte das mulheres
inseridas como agentes protagonistas de sua própria transformação. Portanto, devemos nos
ater à discussão em torno das formas para alcançar esse objetivo. O Desenvolvimento
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
129
territorial
33
, entendido como o fortalecimento da ação coletiva identificada com um território,
é um desses caminhos.
Assim, utilizamos o conceito de território, destacando um de seus principais
aspectos, que são as relões de poder, conceito defendido por Marcelo de Souza. O autor
defende a idéia do conceito que abranja o seu caráter político desvinculado ou para além do
donio estatal.
Apesar de existem outras abordagens como as "vertentes culturalista e
econômica”, as quais destacam primeiro os aspectos ligados às identidades e representões e,
na seência, os referentes às questões locacionais, de competitividade, inovões
tecnológicas e desenvolvimento, acreditamos que o caráter político supera essas abordagens.
Rogério Haesbaert é um dos autores que destaca tais diferentes noções de território. Contudo,
é importante analisar o território também pelo viés político, que, aliás, é uma das noções
clássicas do conceito. Essa escolha se faz necessária, sobretudo para a formulação de políticas
públicas que tenham por objetivo desenvolver ou implementar ões direcionadas para
comunidades específicas. (Haesbaert, 1995)
Para o autor, o território, além de ter um sentido político, possui também o
seu sentido simbólico. Ele é apropriado simbolicamente, de maneira que as relações sociais
vão produzir ou fortalecer uma identidade, repousando sobre um determinado espo. Nesse
sentido, a dupla dimensão do território, cultural e política, pode estar relacionada ou
contraditória de acordo com as formas e a intensidade com que se apresenta a relação entre as
dimensões político-econômicas e simbólico-cultural.
Um dos objetivos entendidos por meio do desenvolvimento territorial é
diminuir a precariedade, a sujeição, as desigualdades; dentre elas, a mais comum e universal,
segundo os autores, é a de gênero.
Apesar dos progressos alcançados por algumas mulheres nos últimos anos,
elas continuam em situação de desvantagem econômica e política em todas as classes sociais
33
Para explicitar melhor a utilização deste termo, remetemo-nos ao conceito de território utilizado como uma
categoria-chave para compreensão da realidade que se coloca. Assim, entendemos o território como um espo
de apropriação e reprodução concreta e simlica, definido e delimitado por e a partir de relações de poder, logo,
é base para entender quem domina ou influencia quem nesse espaço e como?(SOUZA, M.,1995). Consideramos
o espaço, não apenas com seus atributos naturais, senão que comporta uma dimensão cultural, simlica por
meio de uma identidade territorial dotada pelos grupos sociais, que como formas de controle simlico sobre o
espaço onde vivem, são capazes de ordenar, dominar e disciplinar os indivíduos. São relações sociais, que
quando projetadas nesse espo, afirmam um controle, um domínio, uma delimitação. O território explana essa
teia de relações sociais, dentre as quais o gênero é uma delas, logo permeada por relações de poder que os grupos
projetam no espaço.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
130
(trabalhadoras e capitalistas), em todas as raças (negras, caboclas, orientais, brancas) e em
todas as regiões (no norte e nordeste, centro oeste, sul e sudeste):
Porém, ainda que tais desigualdades estejam presentes em áreas urbanas e
rurais, são estas últimas, como salientado anteriormente, onde a identidade
de gênero é mais determinante para o acesso aos recursos, para a
participação política, e para a divisão sexual do trabalho no espaço
doméstico. Atendendo a isso podemos constatar como o gênero define, não
só quem faz quê ou quem tem acesso ao quê, senão que como uma
dimensão cultural importante nestes espaços condiciona as mudanças e
determina de forma decisiva a aceitação de inovações”.
34
Os projetos de políticas públicas para o campo, inclusive a formulação de
uma Reforma Agrária plena, são omissos a essa desigualdade: não estão atentos a tal
realidade. Mas não é apenas isso. Os movimentos sociais que lutam por terra e na terra não
têm a superação como meio e fim das suas lutas. Apesar de alguns terem em sua lista de
objetivos, algumas questões que aludem à busca pela emancipação feminina, na prática, não
alcançam nem de longe tais objetivos. Trabalhar com uma perspectiva de gênero implica
tratar homens e mulheres na sua especificidade, o que requer uma ampliação das estratégias
de desenvolvimento. Por isso, é uma concepção a ser praticada pelas instituições públicas,
pelas agências de desenvolvimento, pelos ministérios, sindicatos, associões e cooperativas,
e demais possíveis agentes de mudanças ligados ao universo agrário.
Isso, contudo, requer o estabelecimento de novas discussões, dentre as quais
podemos destacar: 1) a necessidade de ir além da análise sobre quem faz o quê e onde na
esfera produtiva, pois as relões de poder se estabelecem não somente na esfera pública, mas
também na doméstica; 2) analisar as formas de inserção no espaço público é fundamental,
mas é no espo privado que estão as sementes das desigualdades do atual padrão de gênero.
Logo, trabalhar nesse espo também é fundamental; 3) no espo, a promoção dessa
mudança se dá por meio da criação e do fortalecimento de organizações que promovem os
interesses dos grupos sub-representados na cena política do território. Isso pressupõem ões
específicas para fortalecer as organizações que representam os interesses das trabalhadoras
assentadas, acampadas e militantes.
Apesar de estarem diante de uma série de entraves, conflitos, dificuldades
inter e intra-organizacionais, as iniciativas que conduziram ao estabelecimento das
experiências configuradas no Coletivo de Gênero e Omaquesp, no Pontal, podem e devem
34
In: www.iica.org.br/eventos/arquivos/genero Acesso em: 20/08/2003.
____________________________________________Gênero, Território e Mobilização Política
131
servir de base para essa análise e demais proposições que venham a se apresentar. Não se
alcançará o objetivo buscado se não houver o reconhecimento da necessidade de
fortalecimento das políticas públicas voltadas às mulheres trabalhadoras rurais. Devido a isso,
tais grupos são exemplos a serem tomados.
Basta para tanto tomar como exemplo os grupos estudados nesta pesquisa.
Procuramos aqui destacar desde sua gênese até os conflitos atuais, mas sem perder de vista as
conquistas das mulheres trabalhadoras rurais que se organizaram e foram capazes de
estabelecer representões importantes, cujo reconhecimento é inevitável.
São essas iniciativas, com a criação de espaços específicos de ações
direcionadas para as mulheres, que poderão nos dar saltos de realização e confirmação de um
projeto de integração que rompa com valores, com preconceitos, com submissões e
explorões, desafiando a ordem e estabelecendo a igualdade de gênero. É preciso apostar
nessas iniciativas e injetar, em outras que não foram promissoras, uma nova mentalidade, que
reconheça definitivamente a importância de trabalhar a opressão de gênero como um
elemento bloqueador do desenvolvimento econômico e, sobretudo, social, e por isso,
territorial.
__________________________________________________________Considerações Finais
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito mais do que apresentar um estudo aprofundado de reconhecimento das
diferentes formas de organização de mulheres envolvidas na luta pela terra, presentes no
Pontal do Paranapanema, ou seja, o Coletivo de Gênero e a Omaquesp, tentamos refletir uma
série de condicionantes que influenciam diretamente sobre essas instâncias, especialmente
para destacarmos articuladamente as formas de organização, com as de mobilização. Entender
os porquês que estão por trás das tomadas de decisão, mapear onde estão os principais
obstáculos e dificuldades para a implementação das políticas específicas de gênero no âmbito
da luta pela terra, eis o que nos propusemos.
Para tanto, devemos destacar o que significou trabalhar com algumas
técnicas de levantamento e de pesquisa voltadas para a temática em apro. A opção
metodológica utilizada, a pesquisa qualitativa e participativa, se mostrou, mais do que
necessária, fundamental. É uma opção que, como pudemos notar baseados em outros
trabalhos cujos objetos de pesquisa são semelhantes, vem ganhando em amplitude e
significação. Para esta experiência, sobretudo, elas se mostraram muito eficazes.
Quando iniciamos nossa pesquisa, uma questão que se apresentava,
sobretudo se pensarmos em estudos na Geografia, era a sensação de estarmos um tanto
desamparadas. A quantidade de estudos sobre Geografia de Gênero, apesar de estar em
constante crescimento, ainda era modesta. Hoje, porém, com a finalização deste trabalho,
podemos afirmar que os estudos sobre gênero vêm ganhando abrangência a cada momento.
Fazer uma leitura” na qual a mulher se desperte como sujeito histórico, uma
leitura” que privilegie todas as relões em que estão inseridos esses sujeitos, sejam elas
relões de classe, de gênero, é vital. Acompanhar e vivenciar o dia a dia das lutas, as
preocupações, as demandas e empreitadas vislumbradas por essas mulheres foi, sem dúvida, o
maior aprendizado. Conviver com as dificuldades, os empecilhos e as discriminões
fortaleceu as provas de quanto são necessárias e importantes as iniciativas levadas adiante
pelas mulheres envolvidas na luta pela terra no Pontal do Paranapanema. A partir desse
convívio, foi possível constatar uma série de elementos, os quais destacamos a seguir e que se
configuram enquanto as contribuições da nossa pesquisa para os estudos sobre questão agrária
no Brasil.
__________________________________________________________Considerações Finais
133
No primeiro capítulo pudemos constatar a iniciativa levada pelas mulheres
inseridas no MST, e ainda da Omaquesp, baseada na necessidade de organizar-se em torno de
um objetivo comum, ou seja, buscar a contestação de uma série de condições que permeiam a
luta pela terra e atuam diretamente sobre o cotidiano dessas mulheres: como a nima
participação em atividades desenvolvidas pelo movimento; o difícil acesso aos cargos ou
funções de liderança; a necessidade de iniciar o debate acerca da exploração, violência, saúde
da mulher, entre outros temas relacionados. Assim, elas passaram a se organizar em
determinados lugares sociais, criando sua representatividade dentro dos territórios de luta: os
acampamentos e assentamentos.
A partir da organização desses grupos, passamos a compreender de que
forma estavam pautadas as relões de gênero nos territórios de luta onde estão inseridos os
grupos de mulheres, no qual constatamos que:
a) O momento do acampamento vivenciado pelos trabalhadores e trabalhadoras sem
terra, sem dúvida, permite, pela forma como são estruturadas as relões e os lugares,
que exista uma temporária dissipação da opressão feminina, o que culmina com uma
maior participação em atividades, encontros, marchas etc., enfim, com um contato
maior com o espo público. Existe uma momentânea simetria entre os gêneros. Essa
condição se dissipa quando da transição do acampamento ao assentamento;
b) No assentamento é criado e estabelecido o lugar da morada, o lote, onde são
resgatados os valores que circundam a família, e, com eles, as atividades ligadas ao
trabalho, à reprodução, ou seja, a casa, a família, os cuidados com os filhos. Estes são
novamente colocados em pauta e a repercussão disso, para a mulher, se materializa no
abandono dos grupos de mulheres, do movimento no qual estava inserida, de
atividades coletivas, seja de trabalho ou de recreação etc. Acontece, assim, o retorno e
a dedicação exclusiva ao trabalho no lote.
Já no segundo capítulo constatamos uma questão extremamente relevante
que diz respeito à desmobilização dos grupos de mulheres. Assistimos a um vai-vém de
mudanças de denominação, de áreas de atuação, de diretrizes, de abrangência geográfica.
Contudo, essas mudanças constantes denotaram o grande caminho a ser percorrido por essas
mulheres em busca da transformação da sua condição enquanto mulheres e enquanto
trabalhadores: uma mudança de postura, de práticas, que deve partir não apenas do âmbito
familiar, mas de toda a organização dos trabalhadores rurais envolvidos na luta pela terra.
Caminho esse que se apresenta demasiado longo, diante do quadro a que assistimos. Assim, é
__________________________________________________________Considerações Finais
134
extremamente importante apostar nas iniciativas de organização que buscam trabalhar essa
transformação.
Mapeamos as diferentes formas de organização, atuão e diretrizes que
formam parte dos grupos de mulheres, que atualmente desenvolvem ões no Pontal. Assim,
foi possível identificar suas estratégias, limitões, avanços, entraves e obstáculos. Enquanto
estratégias, os grupos pautados em formações e bases distintas, utilizaram sua
representatividade dentro dos assentamentos e acampamentos para envolver as mulheres e
ampliar sua área de atuação. Justamente nesse momento que as limitações se apresentaram
enquanto barreiras a essa ampliação: a própria distância física foi um elemento a ser
considerado, uma vez que os assentamentos se encontram relativamente distantes uns dos
outros e por várias vezes, as mulheres encontraram dificuldades em divulgar suas ões e
envolver as trabalhadoras das comunidades assentadas.
O envolvimento em diferentes setores, ou à frente de ões ligadas a outros
temas, como saúde e educação, sobrecarregaram as militantes, as quais encontraram pouco
tempo para dedicar-se a atividades voltadas para o Coletivo. O seu desprendimento para atuar
em vários setores, no caso do MST, apresentou-se enquanto um empecilho, não havendo uma
dedicação pontual para o fortalecimento do Coletivo de Gênero. Quando houve essa
iniciativa, ou seja, a de canalizar as ões desenvolvidas pelas mulheres apenas para o
Coletivo, as mesmas não encontraram respaldo dentro da organização. Mas internamente ao
movimento, assistimos a valorização do debate da questão de gênero, ainda que na prática,
essa iniciativa acabe esbarrando nos obstáculos mencionados.
A questão da representatividade dentro dos assentamentos foi considerada
como um entrave, pois a comunidade não reconhece nas mulheres, ainda que essas sejam
militantes ou lideranças, o seu potencial de articulação e organização dos trabalhadores,
reivindicando em todas as ocasiões a presença de homens deres do movimento.
O cuidado com os filhos e as atividades ligadas à manutenção do lote, da
casa e da roça, ou seja, a divisão sexual e territorial do trabalho, é um elemento central que,
quando adicionado a esse conjunto de entraves já colocados, sustenta as dificuldades para que
outras mulheres sejam envolvidas nos trabalhos e atividades dos grupos. O envolvimento das
trabalhadoras ampliou-se dentro dos assentamentos, de forma mais contundente, quando
foram iniciados alguns projetos voltados para o incremento da renda familiar, ou seja,
atividades alternativas, não ligadas à esfera da produção. Mas esses projetos não tiveram ao
longo de sua execução o apoio e incentivo necessário, chegando rapidamente ao seu fracasso
total.
__________________________________________________________Considerações Finais
135
Esses entraves também foram notados quando tratamos da organização e
implementação de um grupo, cujas origens foram fundadas dentro de um esquema do
exercício do poder, do controle, sendo orientado e regido por influências de determinados
segmentos que, como não possuem compromisso com a transformação da realidade,
sucumbiram e não alcançaram o êxito almejado. Referimos-nos à Omaquesp, uma
organização pensada e forjada para implementar ões relativamente diferentes do Coletivo
de Gênero, na alçada do MST, a qual veio a se estruturar justamente para buscar espaços,
influenciar e criar massa crítica a respeito das demandas em apro, em espos em que o
Coletivo não atuasse, ou se atuasse, perderia aos poucos sua força. Uma organização que teve
em seus próprios princípios os problemas para a sua falência.
De toda forma, ainda que não tenham conseguido ampliar sua base de
participantes e militantes, esses grupos estabeleceram no Pontal uma série de ões nunca
antes praticadas e levadas à diante apenas por mulheres, como liderar uma ocupação ou um
acampamento constituído na sua totalidade por mulheres trabalhadoras sem terra. Ou ainda,
organizar e realizar um encontro regional envolvendo mulheres representantes dos
assentamentos e acampamentos de todo Pontal. Esse conjunto de ões se apresenta enquanto
o principal avanço da luta das mulheres trabalhadoras durante o período de desenvolvimento
de nossa pesquisa.
Diante do exposto, essas constatações nos levam a enfatizar a necessidade de
incorporar a categoria de gênero na análise espacial, em dois momentos diferentes: a) na
elaboração e formulação de planos de desenvolvimento territorial; b) no exercício de
formulação e reflexão teórica sobre a complexidade que marca as relões sociais.
Entendemos que para a transformação de uma realidade deve-se ter claro que
homens e mulheres ocupam lugares e constroem realidades diferentes, mas não desiguais.
Logo, é preciso apostar em ões que dêem conta de sanar essas necessidades diferenciais.
Trabalhar com o intuito de transformar e desenvolver os territórios significa incorporar essa
abordagem e, portanto, de políticas e ações estratégicas. Assim, nosso trabalho se configura
como o ponto de partida dessa prerrogativa, a de levantar e enumerar uma série de entraves
para que as mulheres se insiram no projeto de superação. Mas, não só isso. Essas constatações
deixam em aberto o caminho para futuras pesquisas, que atendam a elaboração de projetos de
desenvolvimento dos territórios estudados, das suas formas de organização e das relões
sociais e espaciais que neles se estabelecem.
__________________________________________________________Considerações Finais
136
Por isso, dimensões como representação política, família, trabalho,
militância, tem que ser analisadas para a elaboração de diagnósticos e estudos que conduzam
à estratégias de superação dos limites e opressões de gênero vigentes.
Um passo seguinte seria apostar em iniciativas como essas existentes no
Pontal, que trabalham a organização das mulheres trabalhadoras, executando ões práticas, e
desenvolvendo trabalhos voltados para a formão e tomada de consciência. E é justamente
nesse trabalho que o Coletivo vem apostando. Um trabalho em que se tentou implementar
essas questões durante todo seu período de existência, mas que, por motivos já elencados não
alcançou um êxito esperado.
Ainda que as mulheres do MST fam ões em momentos nos quais os
militantes estão presos, fora de circulação; ainda que sejam as mulheres e as crianças as
escolhidas para levar flores para jagunços, porque são frágeis, e contra mulheres ninguém
teria coragem de executar qualquer ato de agressão; é preciso ter claro que existe uma
condição de opressão. E isso só poderá ser transformado quando se abrirem os espos. E, se
forem estes, os espos que se abrirem, ainda que sejam nesses momentos, os mesmos podem
e devem ser aproveitados e conquistados. São por essas fendas que vão-se abrindo, que, não
só o trabalho das mulheres trabalhadoras sem terra do Pontal, mas que de tantos outros grupos
e iniciativas, começaram a ganhar visibilidade e atenção. Isso já significa um avanço, já
representa uma saída.
Outro aspecto de igual relevância é a necessidade de trazer ao debate, no que
tange à elaboração de políticas públicas voltadas para o âmbito da reforma agrária, a
prerrogativa do gênero, já que, para tal elaboração, é imprescindível conhecer os territórios da
luta pela terra e também formas como esses territórios estão estruturados, onde a temática
gênero é um desses fatores. Afirmamos a importância disso, uma vez que as mulheres têm
participado, com um número muito menor do que os homens, em inúmeras atividades e ões.
Quando são tratados temas ligados à saúde, educação, existe uma concentração das mulheres,
sendo o oposto quando se trata de temas ligados ao âmbito econômico, como produção,
comercialização entre outros. As justificativas para essa segmentação aparecem, não
raramente, pautadas na diferenciação natural de papéis de gênero, as quais apresentam
especificidades quando falamos dessas relões no campo. As iniciativas e projetos em
desenvolvimento acabam reforçando a tradicional divisão sexual do trabalho pautado na
naturalização dos papéis de gênero.
Consideramos as experiências vivenciadas no Pontal muito importantes.
Exemplos de que por meio da organização de grupos e implementação de ões conjuntas, as
__________________________________________________________Considerações Finais
137
mulheres caminham para alcançar a transformão da sua realidade, dos lugares sociais que
ocupam. A luta travada pelo Coletivo de Gênero e a Omaquesp se constitui como base para se
pensar numa ação integradora atenta à desigualdade que oprime as mulheres trabalhadoras
sem terra.
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MARIA SEM VERGONHA DE SER
MULHER
Já são tantas
Milhares, milhões
Uma verdadeira rama
Florescendo por todo o planeta. Lilás.
São Marias sem vergonha de ser mulher
Não são só florzinhas
São mulheres se agrupando
Misturando suas cores,
Gritando seus encantos,
Exibindo suas verdades.
São domesticas, bailarinas, medicas,
Estudantes, banrias, professoras,
Escritoras, garis,
Brancas, negras, índias, meninas...
(São agricultoras)
São sem vergonha de lutar.
Acreditar, denunciar, exigir, reivindicar,
Sonhar...
São Marias sem vergonha de dizer
Que ainda falta trabalho
Salário digno, respeito...
Que ainda são vitimas da violência física,
Da porrada, do assedio, do estupro,
Do aborto, da prostituição,
Da falta de assistência.
São marias sem vergonha de se indignar
Diante do preconceito, da escravidão.
Da injustiça, da discriminação
De seus cabelos pixaim
E a sua pele negra
São Marias sem vergonha de ser brigar
Por creches, educão,
Saúde, moradia, terra,
Comida, meio ambiente,
Pelo direito de ter ou não filhos...
Estar aqui é um sonho
Para alguns é uma proeza...
Em alguns momentos
Estar aqui é estar longe daqui
Estar aqui significa querer
Estar além de onde chegamos
Que não é pouco.
Viemos de várias partes, às vezes nos
quebramos...
De saudades,
De dúvidas,
É um desafio!
A esperança leva nossas pernas
Para pontos distintos deste país
Para aprender a levantar
A andar...
Aprender a cair!
Refazer-se...
Cada mão, cada cabeça
Sementes que estão sobre
E às vezes sob as pedras
Desfazer, quebrar, por fim
A todas as cercas
Curso para formação de militantes, 1999.
Dona Cida, Acampada no Acampamento Padre
Josimo, 2002.
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