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CATARINA VOLIC
A PRESERVAÇÃO DOS VÍNCULOS FAMILIARES: UM ESTUDO EM
ABRIGOS
MESTRADO: SERVIÇO SOCIAL
PUC – SÃO PAULO
2006
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CATARINA VOLIC
A PRESERVAÇÃO DOS VÍNCULOS FAMILIARES: UM ESTUDO EM
ABRIGOS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
Serviço Social, sob a orientação da
Professora Doutora Myrian Veras
Baptista.
Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo/ano 2006
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BANCA EXAMINADORA
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PUC – SÃO PAULO
ANO 2006
Sumário
Introdução................................................................................................. 1
Capitulo I – O Direito à Convivência Familiar............................................ 14
Capítulo II – O Abrigo como medida de proteção...................................... 35
Capítulo III – A preservação dos vínculos da Criança e do Adolescente
Abrigados com suas famílias....................................................................... 60
Reflexões Conclusivas................................................................................. 84
Referências Bibliográficas............................................................................ 90
Anexos.......................................................................................................... 94
RESUMO
O objetivo da pesquisa que fundamentou o presente trabalho foi
conhecer e analisar como ocorre a preservação dos vínculos familiares entre
famílias e seus filhos, durante o período em que eles se encontram abrigados
em entidades sociais, sob medida de proteção, preceituada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente e aplicada por autoridade judicial.
Foram pesquisados três dos sete abrigos que integram o Programa
“Casas de Acolhimento” da Obra Social Dom Bosco de Itaquera, entidade
social vinculada à religião católica, da ordem salesiana, localizada na região
leste da cidade de São Paulo.
Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de observação
participante e de entrevistas individuais. Um roteiro, previamente elaborado, foi
utilizado para nortear e melhor encaminhar os depoimentos dos entrevistados.
Foram entrevistados: o dirigente da entidade, os coordenadores dos abrigos
pesquisados, e uma família de cada abrigo, escolhida pelo profissional da
entidade, tendo como critério o tempo de permanência no abrigo - acima de
dois anos. Do Poder Judiciário foi entrevistada uma assistente social da Vara
da Infância e da Juventude do Foro Regional de Itaquera, jurisdição sob a qual
se encontra a entidade pesquisada.
A análise dos depoimentos iniciou-se com uma leitura atenta para o
estabelecimento das categorias analíticas. Em seguida, foi feito o levantamento
das unidades de contexto relativas a cada categoria. O material colhido dos
depoimentos dos entrevistados foi organizado a partir de cada categoria. A
análise relacionou-os uns com os outros, mantendo a individualidade de cada
um deles. A redação dessa análise teve como ponto de partida uma reflexão
teórica sobre a categoria e seu significado face à questão estudada. Em
seguida, foi apresentado o modo como ela é expressa pelos entrevistados,
cujos depoimentos foram mencionados na íntegra para favorecer a
compreensão. Em seguida, foram expressas as reflexões analíticas que os
depoimentos suscitaram. A reflexão sobre a prática profissional acumulada
pela pesquisadora acerca do tema estudado, também contribuiu para a
construção da análise realizada.
Abstract
The objective of the research on which the present study is based was
knowing and analyzing how the family links between families and their children
are preserved while they are sheltered in social entities, under protection
measure set down by the Child and Adolescent’s Statute and applied by judicial
authority.
Three of seven searched shelters integrate the “Casas de Acolhimento”
Program of the “Obra Social Dom Bosco de Itaquera”, a social entity linked to
the Salesian order of the catholic religion, located in the east region of São
Paulo city.
The research data were obtained through participant observation and
individual interviews. A scheme previously elaborated was used to orientate and
to best forward the interviewees' testimonies. The interviewees were: the entity
director, the searched shelters coordinators and one family of each shelter,
chosen by the professional of the entity, taking as criterion the time of
permanence in the shelter - above two years. It was also interviewed, from the
Judiciary, a social worker of the Childhood and Youth Jurisdiction of the
Regional Forum of Itaquera, under which authority is the searched entity.
The analysis of the testimonies began with an attentive reading in order
to establish the analytical categories. Afterwards, it was made the survey of the
context units related to each category. The data taken from the interviewees'
testimonies were organized considering each category. The analysis related
them one to another, maintaining the individuality of each one. This analysis
had as a starting point a theoretical reflection about the category and its
meaning concerned to the studied issue. Afterwards, it was presented the way it
was expressed by the interviewees, whose testimonies were mentioned in the
integral text to favor the understanding. Then, we expressed the analytical
reflections that the testimonies raised. The reflection on the professional
practice accumulated by the researcher concerning the studied theme has also
contributed to accomplish the present analysis.
AGRADECIMENTOS
Agradecimento especial à Profª Drª Myrian Veras Baptista que com
paciência, carinho e sabedoria soube me orientar para a realização desta
pesquisa. Não poderia deixar de falar sobre a sua importância na minha
trajetória profissional, onde esteve presente desde a graduação me
acompanhando, aceitando as minhas limitações, confiando e me ajudando a
superá-las. A você querida professora, obrigada por tudo...
Aos meus pais, mesmo não estando mais entre nós, estiveram
presentes no meu pensamento. Hoje, certamente estariam felizes em
compartilhar este momento. Saudade.
À minha pequena família, mas enorme de sentimentos: meu irmão,
cunhada e sobrinho, pela paciência nos momentos difíceis e pela compreensão
nas ausências dos encontros familiares, em razão da minha dedicação integral
para a realização deste trabalho.
Aos amigos do Serviço Psicossocial Vocacional do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, pelas palavras de incentivo que me fizeram persistir
na concretização dos meus objetivos, em especial a Marina pela sua
importante contribuição.
À grande amiga Maru, que mesmo passando por momentos difíceis,
teve paciência e dedicação para me auxiliar na revisão do texto.
À Obra Social Dom Bosco, em especial ao Padre Rosalvino, que
possibilitou a realização da pesquisa nesta grandiosa Obra. Aos coordenadores
das casas de acolhimento e às famílias que participaram da pesquisa, o meu
agradecimento.
Aos amigos da Vara da Infância e Juventude de Itaquera, em especial à
Assistente Social Cássia Pauletti, pela valiosa participação na pesquisa, a
minha gratidão.
A todos aqueles que deixei de mencionar e que de certa forma, mesmo
que indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa, o meu
reconhecimento.
Enquanto Houver Sol
Titãs
Composição: Sérgio Britto
Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma idéia vale uma vida
Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós, algo de uma criança
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Ainda haverá
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando que se faz o caminho
Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós, aonde Deus colocou
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Ainda haverá
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Ainda haverá
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
Ainda haverá
Enquanto houver sol, enquanto houver sol
1
INTRODUÇÃO
As discussões a respeito da prática profissional nas instituições em que
exerci a função de assistente social, ao longo dos meus 26 anos de atuação na
área da infância e da juventude, eram freqüentes e voltadas aos modos de
atendimento não apenas das crianças e dos adolescentes, mas também de
suas famílias.
O fato de ter atuado como assistente social e também como
coordenadora de abrigos, possibilitou-me maior aproximação ao processo de
institucionalização de crianças e de adolescentes, bem como, o conhecimento
de suas peculiaridades.
As dificuldades para promover o retorno desses abrigados ao convívio
da família de origem, para defender o seu direito à convivência comunitária e
para propiciar a conquista da autonomia aos que se encontravam abrigados,
eram aspectos que demandavam esforços e por vezes, chegavam a
ultrapassar os limites da ação profissional para oferecer um serviço digno à
população que era atendida.
Essas dificuldades se mesclavam com as das famílias dos abrigados
que tentavam sobreviver à situação de extrema pobreza em que viviam, porém
não conseguiam, nem mesmo com o apoio do abrigo e tampouco com o das
políticas públicas em vigor na época, uma vez que estas não eram eficientes
para resolvê-las. Isto gerava discussões e questionamentos no ambiente
institucional e, também, evidenciava a necessidade de aprofundar o
conhecimento para melhor compreender esta realidade e criar caminhos para
uma atuação mais efetiva e compromissada.
2
Foi a partir da minha participação nas pesquisas realizadas pelo Núcleo
de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente – NCA/PUCSP, em
parceria com o Judiciário, entitulada “Perda do Pátrio Poder: aproximações a
um estudo socioeconômico” em 2000, e “Por uma política de abrigos em
defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes na cidade de São Paulo”
em 2002, que se desenvolveu meu interesse pelo estudo sobre as famílias das
crianças e dos adolescentes institucionalizados.
Nestas pesquisas pude perceber que mesmo com a vigência do Estatuto
da Criança e do Adolescente, meninos e meninas eram retirados do convívio
de suas famílias, frente à precariedade da situação socioeconômica que não
oferecia condições aos pais, para cuidarem de seus filhos. Além disso, a
freqüência ao NCA/PUCSP propiciou a minha participação em discussões que
fomentaram meu interesse no aprofundamento teórico/prático do trabalho
desenvolvido nos abrigos.
O encaminhamento de crianças e de adolescentes para abrigos, ainda é
o procedimento mais utilizado nos casos, cujas famílias enfrentavam momentos
difíceis em seu percurso de vida. Desta forma, crianças e adolescentes
provenientes de famílias pobres, desprotegidas pelo Estado e desassistidas
pelas políticas públicas, vivem sob a ameaça do seu direito à convivência
familiar ser violado, uma vez que aumenta a possibilidade de seu afastamento
do ambiente familiar.
Nos dias atuais, o abrigo ainda é o destino de inúmeras crianças e
adolescentes. Ao serem encaminhados para os abrigos, separam-se de seus
pais, de outros familiares, dos vizinhos, dos amigos de casa e da escola. Esta
separação, ocorre em muitos casos, não só em razão da precária situação
socioeconômica, mas também, por outros motivos: conflitos nas relações
intrafamiliares, maus tratos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,
problemas de saúde tanto física como mental, morte dos pais e outros.
3
O abrigo, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, a
literatura especializada e os vários estudos acadêmicos, deve ser um espaço
para atendimento de situações excepcionais, como última alternativa,
destinado a crianças e adolescentes, de ambos os sexos, na faixa etária de
zero a 17anos e onze meses. Esse atendimento deverá ser feito, em casas
localizadas na comunidade, com características semelhantes ao ambiente
familiar e que ofereça atendimento personalizado, em pequeno número,
preservando os grupos de irmãos, e mantendo seu caráter de provisoriedade.
As atividades propostas pelo abrigo deverão ter como objetivo oferecer às
crianças e aos adolescentes oportunidades de convivência comunitária, por
meio da utilização dos recursos socioeducativos pertinentes às áreas de
educação, de lazer e cultura, de saúde, etc.
Há que se destacar a importância do abrigo para as crianças e para os
adolescentes que se encontram afastados temporariamente, por diversas
razões, do convívio familiar, durante o seu processo socioeducativo. E,
também, compreender que o abrigo, como qualquer outra instituição, não
consegue sozinho ou de uma maneira isolada, suprir todas as necessidades
das crianças e dos adolescentes que estão sob a sua guarda. O princípio da
incompletude institucional, que norteou as determinações do ECA, se aplica
para os abrigos e também para as famílias pois, elas também dependem de
uma rede de serviços para suprir as necessidades de seus filhos,
independentemente de sua condição socioeconômica.
Com a aprovação do ECA, há 16 anos, os abrigos foram se adaptando
aos princípios nele contidos, entretanto, encontramos ainda os “grandes
internatos” que, por contarem com recursos próprios para o atendimento de
crianças e adolescentes, minimizam o acesso destes às outras organizações
sociais, o que prejudica sua convivência comunitária e o desenvolvimento de
sua autonomia.
4
A legislação infanto-juvenil assegura à criança e ao adolescente, o
direito à convivência familiar e comunitária, no Cap.III – Do Direito à
Convivência Familiar e Comunitária, art. 19:
Toda criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio de sua família e
excepcionalmente, em família substituta, assegurada à convivência familiar e comunitária, em ambiente
livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.
Durante o período em que desenvolvi atividade profissional em abrigo, o
retorno à convivência familiar era a expectativa da maioria das crianças e dos
adolescentes. A reação ao abrigamento se manifestava de diferentes formas,
por meio de atitudes que evidenciavam a tristeza e o inconformismo em razão
da ausência de uma vida em família. Em muitas ocasiões aqueles que
conseguiam expressar seus sentimentos, clamavam pela busca de seus
familiares consangüíneos ou de alguma outra família que lhes oferecessem
proteção e acolhimento. Aqueles que não conseguiam retornar ao convívio da
família de origem, nem serem inseridos em famílias substitutas sofriam ainda
mais, com a possibilidade de terem que permanecer na instituição até
completar 18 anos, e posteriormente, sobreviverem de maneira independente
sem estarem preparados para tal.
A longa permanência nos abrigos pode gerar o distanciamento da família
e dificultar a manutenção e a renovação dos vínculos familiares, tornando
inviável qualquer tentativa de retorno à ela. Ademais, o fato de crianças e
adolescentes permanecerem longo período no abrigo sinaliza que a
provisoriedade da medida de proteção, não vem sendo cumprida. Na pesquisa
“Por uma política de abrigos em defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes na cidade de São Paulo verificou-se que são muitos esses casos
de crianças e adolescentes que permanecem por longo período nos abrigos,
tendo perdido, muitas vezes, qualquer perspectiva de retorno à família de
origem e ou, até mesmo, de uma colocação em família substituta. Essas
situações chamam atenção e nos leva a refletir a respeito dos programas de
abrigo implementados pelas entidades sociais, das perspectivas de preparação
5
para o retorno à convivência familiar, das políticas púbicas dirigidas às famílias
pobres que se separaram de seus filhos por esta razão.
A preservação dos vínculos familiares é direito assegurado às crianças e
aos adolescentes que estão sob a medida de proteção nos abrigos. Esse
princípio deve ser priorizado no atendimento do abrigados, conforme preconiza
o ECA no seu artigo 92, inciso I:
“As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios:
I – preservação dos vínculos familiares”;
Nos abrigos, as crianças e os adolescentes se relacionam com as
famílias por meio de visitas, de contatos telefônicos e de cartas. Em sua
maioria, essas visitas ocorrem semanalmente, por algumas horas. Há
entidades, no entanto, que permitem a visita apenas quinzenalmente, ou até
mesmo, mensalmente. Além da visitação, as famílias participam de eventos
promovidos pelo abrigo e são autorizadas a levarem os filhos em finais de
semana para o seu convívio. Isto costuma ocorrer também no período de férias
escolares, festas de final de ano e feriados prolongados. Esses procedimentos
são discutidos com freqüência pelos profissionais que operam a medida de
abrigo, os quais questionam que se as famílias reúnem condições para
permanecerem com os filhos em determinados períodos do ano, isso significa
que elas podem desabrigá-los. Suscitaram também em mim o interesse por
investigar se o contato das famílias com seus filhos durante o abrigamento, por
meio de visitas e de outros procedimentos já mencionados, são eficientes para
preservar os vínculos familiares.
Conforme Mioto
1
, “a família tem o direito de ser assistida para que possa
desenvolver com tranqüilidade suas tarefas de proteção e socialização de
novas gerações, e não penalizada por suas impossibilidades”. Essas
1
MIOTO, Regina Célia Tomaso. Novas propostas e velhos princípios: a assistência às famílias no
contexto de programas de orientação e apoio sociofamiliar. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS,
Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (orgs.).Política Social, Família e Juventude: uma questão de
direitos. São Paulo: Cortez, 2004.
6
possibilidades objetivas de cuidados e os modos de arranjos familiares são
aspectos instigantes no trato da questão dos abrigos. Esses aspectos devem
estar presentes quando se trata de assistência às famílias - as possibilidades
de eficácia - estão na modificação da maneira de concebê-las, no transformá-
las em parceiras e no compartilhar com elas de todas as formas de
intervenção, protegendo-as e respeitando-as em suas singularidades, inseridas
em um universo de diferentes composições familiares.
Ao nos relacionarmos com as famílias das crianças abrigadas
precisamos deixar de lado a representação do modelo tradicional de família
que, muitas vezes acreditamos ser o ideal, e passarmos a considerar as
diferentes composições familiares constituídas a partir das inúmeras
transformações econômicas e sociais que vêm ocorrendo em nossa sociedade.
As famílias que vivem sob precárias condições de subsistência e,
conseqüentemente, de subalternidade, têm projetos de vida, sonhos e desejos,
sendo capazes de modificar sua situação. Necessitam, no entanto, de apoio
para implementar seus projetos de vida, seja por meio de orientações, de
aconselhamentos ou pelo suprimento de suas necessidades materiais.
Todavia, não podemos deixar de nos preocupar e dirigir um novo olhar
para as razões que geraram o afastamento de crianças e de adolescentes de
suas famílias e também, buscar novos caminhos para nelas intervir com vistas
a um breve retorno dos abrigados ao convívio familiar. É preciso, segundo
Mioto “desvencilhar-se das distinções entre famílias capazes e incapazes,
normais ou patológicas e dos esteriótipos e preconceitos delas decorrentes.
Isto implica construir um novo olhar sobre as famílias e novas relações entre
elas e os serviços. Assim, o trabalho está apenas começando”.
Para realização desta Dissertação, realizamos uma pesquisa com
abrigos localizados no Distrito de Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo.
7
Em consulta aos dados da pesquisa realizada por Ferraz (2004: 18-21) o
distrito de Itaquera, a partir de 1950, caracterizou-se como um “bairro
dormitório” e foi crescendo com esta característica na medida em que,
construiu-se diversos conjuntos habitacionais – COHABs . Com as mudanças
territoriais implantadas pela Prefeitura do Município de São Paulo, Itaquera
passou a ser uma subprefeitura.
A região de Itaquera – Guaianazes tem aproximadamente 87km2; sua
população está estimada em 1.000.000 de habitantes, na sua maioria ente 20 e
45 anos, sendo que 60% tem renda entre 0 a 5 salários mínimos. A região
possui um grande número de favelas, sendo que algumas urbanizadas através
do projeto Cingapura. Economicamente, Itaquera possui um comércio regular.
A indústria, em lento crescimento, situa-se principalmente na área da colônia
japonesa, considerada como uma das fundadoras do bairro (os japoneses,
quando chegaram em Itaquera tinham por intuito produzir hortifrutigranjeiros).
Possui uma rede bancária expressiva. A rede de ensino municipal e estadual,
além de apresentar baixo padrão de ensino é insuficiente para atender a
demanda: apresenta também problemas graves, que estão atualmente sendo
discutidos na área de educação, como o despreparo do professor para
enfrentar novas situações sociais, as quais se expressam na conduta dos
alunos dentro da sala de aula. Na área da saúde os programas são
insuficientes e os postos de saúde e hospitais não atendem à demanda da
região. Há falta de profissionais especialistas e de equipamentos modernos -
os existentes estão desatualizados e/ou deteriorados.
Ainda segundo Ferraz, a população de Itaquera cresce, aumentando o
número de crianças e de jovens que vivem em situação de risco, em razão da
violência doméstica e por conta do tráfico de drogas que alicia muitos jovens e
em alguns locais controla a comunidade. Há muitas situações nas quais os
filhos mais velhos formam novas famílias e acabam residindo no mesmo local
que os pais por falta de estrutura econômica para se auto-gerirem.
8
A Obra Social Dom Bosco aparece como uma referência na região de
Itaquera/Guaianazes e de toda a zona leste da cidade de São Paulo. A
entidade implementa diversos programas e projetos na região, dentre eles, o
Programa “Casas de Acolhimento” que atende crianças e adolescentes em
regime de abrigo. Na ocasião da pesquisa o programa contava com sete casas
(abrigos) das quais, três foram pesquisados: a Casa de Acolhimento Mamãe
Margarida, a Casa de Acolhimento São Domingos Sávio e a Casa de
Acolhimento Irmã Maria.
A escolha da entidade como universo da pesquisa deveu-se ao fato da
pesquisadora ter tido conhecimento de que nela era realizado um trabalho com
as famílias dos abrigados que se diferenciava dos demais abrigos da região.
Além disso, ao participar de um treinamento em um dos abrigos da região,
ouviu uma das educadoras da Obra ao expor o seu trabalho dizer: “Lá na Obra,
quando a criança põe o pezinho dentro do abrigo ela já está com o outro do
lado de fora”.
A pesquisa iniciou com a realização de visita a todas as casas que
compõem o programa, acompanhada de sua coordenadora. As casas
constituem-se de imóveis amplos, umas assobradadas e outras térreas, todas
elas com área externa. Encontravam-se, no momento da visita, com sua
estrutura física em boas condições de uso e conservação. Em todas as casas
foi possível perceber um ambiente acolhedor, onde as crianças e os
adolescentes foram receptivos à visita, nos acompanhando durante todo o
período em que lá estivemos. Os educadores, da mesma forma, também foram
receptivos e disponíveis ao mostrar a casa e expor os seus trabalhos.
Posteriormente, foram realizadas entrevistas com os coordenadores dos
abrigos pesquisados, na sala da equipe técnica, localizada na sede da Obra
Social Dom Bosco. Deram seus depoimentos: Tânia Cristina de Moraes
Moreno, psicóloga, que coordena há um ano a Casa de Acolhimento Mamãe
Margarida; Helena Soares de Assunção, pedagoga, que está na coordenação
9
de abrigos desde 1998, e que atualmente coordena a Casa de Acolhimento
Irmã Maria; Cristiane Perez Santana, formada em Letras e que é coordenadora
há três anos.
Em seguida, foram feitas as entrevistas com as famílias, indicadas pelos
coordenadores e pela assistente social da Obra, Eliana Ferraz.
Com o intuito de obter dados pessoais das famílias, realizei consulta
aos prontuários das crianças dos adolescentes, após as entrevistas. Na
ocasião, os casos foram discutidos com as profissionais que neles atuam.
Passo a apresentar uma ligeira síntese dos dados obtidos desses
últimos, informando que, nesta Dissertação, os nomes dos familiares e das
crianças/adolescentes são fictícios, a fim de preservar a identidade dos sujeitos
da pesquisa. (famílias de crianças abrigadas):
BENTO, pai das crianças José, 13 anos; João, 9 anos; Maria, 7 anos;
Antonio, 5 anos. Bento, 38 anos, convive com Maria, 46 anos, há
aproximadamente 14 anos. O casal teve cinco filhos dos quais, um é falecido.
No momento da entrevista encontrava-se desempregado. Maria não trabalha.
Bento e sua esposa residem no interior de um veículo sob um viaduto na região
de Itaquera. Ela faz uso de medicação contínua, cujo acompanhamento é da
responsabilidade de Bento, porém não se tem informações sobre a doença.
Desde 27/10/1998, as crianças foram encaminhadas para o extinto SOS
– Criança, com Boletim de Ocorrência que informava o óbito de um dos filhos
por choque elétrico, negligência e local de moradia sem princípios de higiene.
Há notícias de uma passagem anterior das crianças pelo mesmo local, no ano
de 1997, cujo motivo é desconhecido. Em seguida as crianças foram
encaminhadas para a UEMA-3 Artur Alvim, unidade que na época, ainda era
administrada pela FEBEM/SP.
10
Em agosto de 2003, as crianças foram transferidas para o abrigo Irmã
Maria, da Obra Social Dom Bosco. O motivo deduzido é a proximidade do
abrigo da residência dos pais. Os pais visitam os filhos com freqüência e se por
qualquer motivo faltam, mantém contato telefônico para justificar. Mesmo
comparecendo às visitas, costumam falar com os filhos, ao telefone durante a
semana.
O adolescente José, em uma das entrevistas na VIJ, manifestou o
desejo de ser adotado. Consta no prontuário um estudo para a colocação em
família substituta e destituição do poder familiar. O abrigo encaminhou relatório
apontando dificuldades para colocação do adolescente em família substituta
bem como, dificuldades relacionadas aos vínculos existentes entre ele e a
família natural: José é o filho que estava presente no momento do acidente que
causou a morte do irmão. Na ocasião, o pai responsabilizou-o por essa morte,
o que desencadeou tensão na relação entre pai e filho, tensão esta que, até a
presente data, se mantém. O adolescente apresenta gagueira que pode estar
relacionada ao trágico acidente, do qual é responsabilizado.
ROBERTO, pai das crianças Katy, 9 anos; Lais, 8 anos; Wilson, 7 anos;
Gislaine, 6 anos e Jef, 12 anos. Roberto tem 29 anos, é solteiro e reside com
pais e irmãs, no município de Ferraz de Vasconcelos. Não completou o ensino
médio e trabalha como ajudante. Os avós paternos apresentam quadro de
saúde debilitada e não reúnem condições para cuidarem dos netos.
As crianças e o adolescente foram abrigados em julho de 2004, pelo
Conselho Tutelar do Município de Ferraz de Vasconcelos (município vizinho de
Itaquera). O abrigamento ocorreu em virtude do falecimento da mãe e a
negligência da família materna. Com o falecimento da mãe, as crianças
permaneceram sozinhas e passaram a freqüentar as ruas, comercializando nos
faróis e nos trens.
11
A mãe fora acometida de um câncer abdominal e era alcoolista. Teve
oito filhos dos quais, cinco estão abrigados e três no convívio das tias
maternas. O pai separou-se da mãe, antes de seu falecimento e visitava os
filhos esporadicamente. No momento, atua profissionalmente na construção
civil. É alcoolista e ao fazer uso excessivo de bebidas alcoólicas torna-se
agressivo.
Não visita os filhos com freqüência. Realiza as visitas mensalmente.
Teve uma época que ausentou-se durante três meses do abrigo. Não
comparece às reuniões de pais.
O adolescente Jef, fruto de outra união da mãe deverá retornar em breve
ao convívio da família materna, aguardando a conclusão do estudo para o
desabrigamento. Com relação às outras crianças, até o momento, não há
perspectiva de desabrigamento.
NELI , mãe das crianças Elvis,12 anos; Lucas, 5 anos; Marília, 8 anos;
Laura, 3 anos (permanece em seu convívio)e Luis, 15 anos (internado na
FEBEM). Neli, (não há documento da mãe no prontuário), é solteira, não
trabalha, recebe cesta básica, tem problemas psiquiátricos (sem diagnóstico).
Há uma informação no prontuário de que as crianças foram abrigadas
devido à denúncia de vizinhos que a mãe esmolava com as crianças. Foram
abrigadas em 04/01/2002 e encaminhadas ao Educandário Santa Terezinha.
Foram transferidos em maio de 2005, para a Obra.
A mãe realiza visitas esporádicas e, segundo a coordenadora, justifica
sua ausência pela falta de recursos financeiros. A criança que se encontra sob
os seus cuidados, freqüenta creche e o pai visita-a com pouca regularidade. A
12
mãe vem sendo acompanhada sistematicamente pelo abrigo, por meio de visita
domiciliar em razão da criança Laura. Segundo a profissional que acompanha o
caso, a mãe é afetiva, porém pouco cuidadosa. Tem resistência ao tratamento
psicológico.
Após as entrevistas com as famílias, comparecemos à Vara da Infância
e da Juventude de Itaquera a fim de procedermos à entrevista com Cássia
Pauletti, assistente social chefe da Seção Técnica de Serviço Social. A
assistente social atua na área da Infância e da Juventude há mais de 20 anos e
coordena um grupo de 14 assistentes sociais. Entre as suas atribuições, está a
de fiscalizar os abrigos da região de Itaquera/Guaianazes e São Mateus.
Por último, entrevistamos o Padre Rosalvino Morãn Vynaio, dirigente da
entidade pesquisada. O Padre Rosalvino chegou a Itaquera em 1981, na
Comunidade Nossa Senhora Aparecida, a pedido de D. Angélico Sândalo
Bernardino, bispo da diocese de São Miguel Paulista e com o apoio e
aprovação de Dom Paulo Evaristo Arns, então cardeal de São Paulo. Sua vinda
teve o objetivo de desenvolver programas sociais para crianças e adolescentes
uma grave situação de exploração e promiscuidade nas ruas. Naquela época,
essas crianças e esses adolescentes saiam da periferia para permanecerem no
centro de São Paulo, principalmente, na Sé, no Largo São Francisco e
imediações.
Em 1986, a Comunidade Nossa Senhora Aparecida e a Obra Social
Dom Bosco, apoiaram os movimentos populares, especificamente o movimento
por moradias, que teve naquela ocasião, forte influência religiosa. Havia
grandes manifestações religiosas na época, para protestar contra a falta de
condições econômicas e sociais para a população.
A Obra Social Dom Bosco, desde o seu início realizou trabalho voltado
às crianças e jovens com atividades de recreação, esporte, lazer e cultura,
13
alimentação e cursos semi-profissionalizantes. Seus trabalhos têm contribuído
significativamente para o crescimento e melhoria dos bairros de maior
abrangência e das condições de vida de muitas crianças, adolescentes, jovens,
adultos e idosos de baixa renda. E o Padre Rosalvino é quem coordena todos
os programas da Obra.
Inicio a apresentação do estudo realizado, esboçando, no capítulo I
desta Dissertação, aspectos referentes à importância da convivência de
crianças e adolescentes na família. Abordamos também, os artigos da
legislação brasileira que asseguram o direito à convivência familiar e
comunitária à população infanto-juvenil e de que maneira estes, permeiam as
políticas públicas de atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade
social.
O capítulo II, retrata o funcionamento dos abrigos pesquisados, a sua
estrutura física e como se processam as relações intrainstitucionais no sentido
de dar cumprimento à medida de proteção. Inclui-se neste, os depoimentos dos
entrevistados.
O capítulo III, trata da importância da preservação dos vínculos
familiares das crianças e dos adolescentes abrigados, como meio de promover
o retorno ao convívio da família. Nele estão contidas as descrições das
atividades que são desenvolvidas pela entidade pesquisada para atingir o seu
objetivo.
E, ao final foram registradas as reflexões advindas da análise dos
depoimentos dos entrevistados. Acrescento que, em todos os capítulos, os
depoimentos foram mencionados na íntegra, por sugestão da orientadora da
pesquisa, para favorecer a compreensão do ponto de vista dos depoentes.
14
CAPÍTULO I
O DIREITO A CONVIVÊNCIA FAMILIAR
“À época, o estatuto foi escrito dessa forma, foi na vida, na vivência, na concretude da
rapaziada”.
Padre Rosalvino, dirigente da entidade.
É numerosa a literatura dedicada aos estudos que reconhecem a
importância da família no desenvolvimento integral de crianças e adolescentes,
assim como também é significativo o número de leis, planos, programas e
projetos que têm como foco o direito à convivência familiar.
A convivência entre pais e filhos em família, seja ela de origem ou
substituta, independente da maneira como ela se estruturou, é o ambiente
indicado para que crianças e adolescentes convivam com adultos e recebam
deles os cuidados necessários à proteção e ao afeto.
Neste mesmo ambiente, as famílias se incumbem da socialização de
seus filhos, na perspectiva de promover a construção de suas identidades, a
conquista da autonomia, o estímulo à solidariedade e a busca de melhor
qualidade de vida, tornando-os desta forma, membros efetivos e independentes
na sociedade.
Para Berger e Luckmann
2
, o indivíduo nasce apenas com predisposição
para viver em sociedade e somente ao ser socializado é que se torna um de
seus membros. A socialização primária é um processo que ocorre durante a
fase da infância, considerado essencial para o desenvolvimento do indivíduo.
2
Berger, Peter L. e Luckmann, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do
conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1987.
15
Neste processo, as crianças apreendem normas, valores, padrões de
comportamento que servirão como base, para novas e futuras apreensões.
As constantes e ágeis transformações que acontecem no mundo,
provocam mudanças em nossas vidas pessoais, levando-nos a resignificar
valores e a repensar os padrões culturais tradicionais, transmitidos de gerações
anteriores que nos estimulam a modificarmos o modo de pensar, de formar
laços com outros e, conseqüentemente, possibilitam a composição de
diferentes grupos familiares.
Essas mudanças atingem a estrutura da família e nos leva a considerar
novas formas de convivência entre as pessoas e suas relações com a
comunidade. Desta maneira, podemos considerar como família, um
agrupamento de pessoas que convive num mesmo espaço, se entrelaça
afetivamente e cuidam-se entre si. Entre essas pessoas estão crianças,
adolescentes, adultos e idosos.
Assim, diante da contínua formação de novas composições familiares,
podemos considerar diferentes tipos de família: a nuclear (pai, mãe e filhos); a
extensa (onde convivem três ou quatro gerações); a monoparental, chefiada
por pai ou mãe; a homossexual com filhos; a reconstituída e a de pessoas
vivendo juntas com fortes vínculos afetivos.
Além dessas composições, podemos também considerar como família,
aquela que agrega crianças e adolescentes em seu convívio, mantendo
vínculos afetivos e duradouros com eles, onde os mesmos são tratados como
integrantes do grupo familiar que os receberam. Essa conhecida prática familiar
é denominada por Fonseca
3
de “circulação de crianças”. Refere-se àquelas
crianças e adolescentes que transitam pelas casas dos avós, de outros
familiares, de madrinhas, de vizinhos e até mesmo dos “pais verdadeiros”.
3
Fonseca, Claudia. Caminhos da Adoção – São Paulo: Cortez, 1995.
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Nessas composições familiares é comum as crianças agregadas considerarem
que, têm diversas mães, sem que este fato tenha sido legalizado pelo
judiciário.
A circulação de crianças ocorre com freqüência tanto nas camadas
pobres como nas mais abastadas. Segundo a autora, na primeira, “as que
circularam acabavam em abrigos ou famílias não aparentadas”, já na segunda,
“ficavam dentro da rede consangüínea de parentes”.
Na área da infância e da juventude, o trato das questões jurídicas e
sociais, é norteado pela legislação brasileira, na qual prevalece a condição de
“sujeito de direitos”.
Assim, temos a Constituição Brasileira de 1988 que, fixou como direito, a
convivência familiar no Artigo 227: “é dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão”. Sua promulgação mobilizou vários segmentos
da sociedade brasileira e deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA, que substituiu o paradigma da “situação irregular” do extinto Código de
Menores pelo da “proteção integral”.
Na pesquisa realizada, o dirigente da Instituição, Padre Rosalvino, ao
ser entrevistado, relatou que ele e os jovens que permaneciam na Obra Social
Dom Bosco, em meados de 1980/1981, durante as atividades que
desenvolviam, escreviam e cantavam canções que retratavam a sua vida
cotidiana: “vida é, quero pai, que meu pai não beba, que meu pai não bata na
minha mãe, eu quero ter comida em casa, eu quero ter isso e ou aquilo”;
“menores abandonados, quem foi que os abandonou”?. Essas canções
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serviam como tema para que eles escrevessem, em pequenos papéis, frases
que eles gostariam de incluir no estatuto.
O Padre Rosalvino prosseguiu comentando que eles compilaram os
artigos do Estatuto na Obra Social Dom Bosco e para tanto, contaram também
com a colaboração do Padre Julio Lancelotti e da Irmã Maria do Rosário. “À
época, o estatuto foi escrito dessa forma, foi na vida, na vivência, na
concretude da rapaziada”, disse o Padre.
É por esta e por outras razões que o Estatuto da Criança e do
Adolescente é reconhecido como marco significativo da atenção à infância e à
adolescência. Nele também está contido o direito à convivência familiar, no
Capítulo III – Artigo 19: ”Toda criança ou adolescente tem o direito a ser
educado no seio de sua família e excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da
presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.
Esse artigo reitera a importância da convivência familiar e comunitária,
porém trás uma condição que provoca a separação de pais e filhos: o uso
excessivo de substâncias entorpecentes no ambiente familiar. Nossas
intervenções nestes casos, necessitam de reflexões a respeito dessa
problemática, dada à sua complexidade, pois, dependendo da situação com a
qual nos deparamos, o afastamento das crianças de seus lares, embora, em
alguns casos seja inevitável, pode agravar a situação da família e das crianças,
fragilizando os vínculos afetivos e até mesmo, rompendo-os definitivamente.
A experiência de campo em nosso trabalho mostra que existe um
número elevado de meninos e meninas que convivem com pais alcoolistas e/ou
drogaditos, mas que dificilmente essas situações chegam ao Judiciário e aos
demais órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente. É muito
provável que este fato não tenha desencadeado conseqüências nefastas a
18
estas crianças/adolescentes. Outro aspecto a ser refletido ao intervirmos
nessas situações é que, o alcoolismo e a drogadição, considerados pelas
instituições de saúde como doenças, podem ser controlados, mediante
tratamento especializado e a fundamental participação dos familiares.
Bento, um dos pais entrevistados na pesquisa, fez referência ao seu uso
de bebidas alcoólicas antes da separação de seus filhos. Comentou que, com a
separação era acometido de constantes crises nervosas que o levavam a
ingerir o álcool combustível de seu veículo. Todavia, ao ser encaminhado a
uma Associação (não soube dizer o nome), lhe ensinaram um caminho que o
fez mudar e parar de beber. Disse que ainda fica nervoso, principalmente
quando não vê o filho José durante a visita ao abrigo, uma vez que, como pai,
tem o direito de vê-lo.
Pôde-se observar que após a separação a situação do pai agravou-se.
Foi encaminhado para tratamento em local especializado, e, provavelmente,
por ter sido bem acolhido e orientado, segundo ele, hoje consegue controlar a
bebida, mesmo sem ter os filhos em seu convívio.
O uso de substâncias entorpecentes foi comentado pelo Padre
Rosalvino durante a entrevista, que disse: “mesmo que pais façam uso de
drogas eu ainda insistiria no núcleo familiar.” Comentou que: “drogas existem
em toda a parte, na porta de nossas casas, na porta da igreja, no nosso quintal
e que hoje nós estamos aqui rodeados por isso”. Disse que por várias vezes,
teve que tirar alguns usuários da Obra, além de tantos outros que internou para
tratamento.
Acrescentou que, mesmo assim, tem-se que investir nesse núcleo
familiar de todas as formas, a fim de tentar retirar essa família do mundo da
droga, da bebida, apresentando-lhe todas as possibilidades e até propor uma
internação, se for o caso.
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Além disso, mencionou que poderíamos inserir esta família em cursos
de qualificação profissional, encaminhá-la para o mercado de trabalho, ou para
qualquer outra atividade. Enfim, “eu tentaria de todas as maneiras, para que
pais e filhos convivessem, juntos no mesmo ambiente”.
Para melhor embasar a sua fala, Padre Rosalvino reportou-se à sua
história de vida, contando-nos que durante a infância, permaneceu em um
orfanato, onde seu pai o havia colocado. Foi nessa instituição que, tempos
depois, tornou-se padre.
Comentou que seu pai veio para o Brasil como imigrante. Era viúvo e
trouxe consigo todos os filhos. Este pai, com medo que os filhos morressem no
meio da cultura do café, entendeu que o melhor seria se os colocasse num
orfanato ou, ao contrário, poderia perdê-los. Assim, seu pai “jogou-os” dentro
do orfanato. Porém, ele nunca os abandonou e os visitava com muita
dificuldade. Frente à precariedade na agricultura do café, ele deixou o local e
veio para a cidade de Campinas, ficando próximo dos filhos, sendo contratado
para trabalhar como “chacareiro” no orfanato em que os filhos permaneciam.
Um dado que nos chamou a atenção é que entre as pessoas que
trabalham com famílias é comum elas se reportarem às suas, dada a
intimidade que temos com elas. Essa intimidade com o conceito de família
segundo Vitale
4
, pode causar confusão entre a família com a qual trabalhamos
e os nossos próprios modelos de relação familiar. Por isso, para uma melhor
atuação, recomenda-se distinguir as diferenças existentes entre as famílias, ou
seja, identificar as singularidades, as particularidades, deixando de lado os
modelos tradicionais de famílias que costumamos ter como ideal.
4
Vitale, Maria Amália Faller. Famílias Monoparentais: indagações. In: Revista Serviço Social &
Sociedade, nº. 71 – setembro de 2002. São Paulo: Cortez Editora, 2002.
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Apesar dos 16 anos de vigência do Estatuto da Criança e do
Adolescente, a aplicabilidade das medidas de proteção e socioeducativas à
população infanto-juvenil, ainda sinaliza em muitos casos, uma análise
equivocada das causas que determinam a situação de risco pessoal e social de
crianças e de adolescentes, o que, conseqüentemente, implica na inadequação
da medida aplicada. Além disso, a pouca efetividade na defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes, pode por em risco a manutenção de algumas
conquistas alcançadas com o seu advento.
O Padre Rosalvino, em uma de suas falas, apontou alguns aspectos
referentes ao ECA, que vale a pena mencionar a fim de refletirmos a
respeito:”acho que o Estatuto é merecedor de um brinde, um brinde muito forte
da criança brasileira, da nossa infância e da nossa adolescência. A sociedade
brasileira precisava desse susto, desse grito e dessa interrogação grande que
ele trouxe: o que nós estamos fazendo com a nossa infância? E com a nossa
adolescência? Só isso já é altamente valioso, por termos um dia escrito o
Estatuto. Agora, tem um outro lado. É necessário que se interprete
devidamente o Estatuto. Que se aplique devidamente o Estatuto. É necessário
que juízes e promotores da infância dialoguem com a sociedade, com as
entidades sociais que têm toda a questão ao vivo, no cotidiano. E, que ouçam
os arrazoados que nós temos para eles. E que nós também possamos ouvi-los.
Mas eles se revestem da autoridade que é deles. Mas eu acho que com isso,
eles se fecham e não sei porque razão eles não dialogam”.
Por estas e inúmeras outras razões, é cada vez maior o número de
meninos e meninas com seus direitos ameaçados e/ou violados,
principalmente, os que são provenientes de famílias que pertencem às
camadas pobres da sociedade brasileira.
A situação das crianças e dos adolescentes que vivem em famílias sob
extrema pobreza, desprotegidas e não beneficiadas pelas políticas sociais,
21
agrava-se na medida em que aumenta a possibilidade de serem retirados da
convivência familiar e comunitária.
Sob o olhar do dirigente de uma instituição que lida com as seqüelas da
questão social de nosso país, no decorrer da entrevista, o Padre Rosalvino
opinou a respeito da situação dessa população: “o meu grito é contra a
realidade desse país, essa anarquia total, eu não sei o que há. A pobreza
passa por aqui e em muitas situações, até a miséria: esse desemprego que
existe, onde um cidadão que veio da roça, da agricultura, migrou do nordeste
para uma capital como São Paulo e acaba sendo jogado numa favela, num
ambiente péssimo, onde ele perde a raiz, o costume, a religião e o amor à
família. E de repente, deixa o núcleo familiar que trouxe para cá e funda um
outro. E, aí, filhos são abandonados de um lado e filhos vão nascendo de outro
e, como fica o outro núcleo familiar? Esse cidadão perdeu o princípio, perdeu a
religião, perdeu o amor, o primeiro núcleo, o primeiro amor, a primeira relação.
E, entre todas essas perdas, perdeu também sua capacidade e isto é um
pouco do que está acontecendo hoje, na nossa sociedade com o núcleo
familiar. Então, é necessário que as políticas do governo, voltadas para o bem
estar da família e da população, solucionem esta questão”.
A partir da fala do entrevistado, e retomando a legislação brasileira, não
podemos deixar de mencionar a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS,
promulgada em 1993, que também dispõe de princípios como o direito à
convivência familiar e comunitária, no Artigo 4º: “A assistência social rege-se
pelos seguintes princípios: item III – respeito à dignidade do cidadão, à sua
autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à
convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação
vexatória de necessidade”.
Com apenas treze anos de sua promulgação, os avanços no campo da
assistência social, pareceram significativos para a construção de uma política.
Dois aspectos foram de relevada importância nesta construção:
22
reconhecimento desta política como direito do cidadão e da responsabilidade
do Estado.
A Lei Orgânica da Assistência Social “propõe um conjunto integrado de
ações e iniciativas do governo e da sociedade civil para garantir proteção social
para quem dela necessitar”. Apesar disso, notou-se que essas ações foram
pouco implementadas, os seus resultados são ainda inexpressivos e,
geralmente, as ações desenvolvidas não são condizentes com o que é fixado
nos artigos que a compõem.
Sobre este assunto foi comentado pelo entrevistado que: “é preciso
acabar com essas bolsas, com essas coisas todas de leite, de propinas, porque
isto é um vício, cria indivíduo preguiçoso e acomodado. Então, ele vai ter que
ganhar o pão, trabalhar para poder por o de comer na mesa e repartir com
seus filhos. Fruto de seu trabalho, de seu suor e no final do dia, ele vai olhar
para a sua consciência e dizer: Que bom, meu Deus, que eu hoje trabalhei.
Que eu fiz isso, eu construí aquilo, eu enfeitei aquilo outro, eu limpei aquela
empresa e o dinheirinho que eu ganhei, só me ajuda e banca as minhas
necessidades, é fruto do meu trabalho”.
O assunto abordado pelo entrevistado é de relevada importância para
refletirmos sobre a nossa atuação junto às famílias, principalmente, aquelas
que necessitam acessar bens e serviços socioassistenciais, para garantir a
convivência familiar e comunitária de seus membros. A autoconfiança e a
valorização do trabalho são aspectos importantes para a conquista da
autonomia de famílias que enfrentaram múltiplas crises, em razão da
vulnerabilidade social a que estão submetidas na vida cotidiana, devido à
situação de extrema pobreza em que vivem.
Por outro lado, precisamos atentar para aqueles casos em que a
inserção em atividade produtiva esteja prejudicada por diferentes razões, sejam
23
de ordem física, emocional ou disponibilidade de tempo por necessitarem
investir em cuidados específicos de si próprio ou de outrem (filhos, parentes,
etc.)
Ocorre que a assistência prestada a essas famílias por meio de órgãos
e de instituições que dispõem desses serviços, pode criar certa dependência,
estigmas e desqualificá-las socialmente, como aponta Véras (apud
Paugam,2003:15-29)
5
e uma das razões pode ser que a quantidade de
benefícios não corresponda à demanda a ser atendida, sendo utilizados
critérios inadequados de elegibilidade para o atendimento das famílias,
reforçando a sua condição de subalternidade.
A Política Nacional da Assistência Social - PNAS, aprovada em outubro
de 2004, dá ênfase à “matricialidade sócio-familiar”. Está “ancorada na
premissa de que a centralidade da família e a superação da focalização, no
âmbito da política de assistência social, repousam no pressuposto de que para
a família prevenir, proteger, promover e incluir seus membros é necessário
garantir sustentabilidade para tal”. Assim sendo, “a formulação da política de
Assistência Social é pautada nas necessidades das famílias, seus membros e
dos indivíduos”.
O Centro de Referência da Assistência Social – CRAS “é uma unidade
pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social,
que abrange um total de 1000 famílias/ano. Executa serviços de proteção
social básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais locais
da política de assistência social”. O CRAS, atua com famílias e indivíduos em
suas comunidades, com vistas à orientação e à convivência familiar e
comunitária. Assim, é responsável pela oferta do “Programa de Atenção
Integral às Famílias”. Essas unidades, implementam as medidas contidas no
Plano Nacional da Assistência Social, todavia o atendimento que abrange
1.000 famílias/ano em áreas de vulnerabilidade social requer discussões. Tal
5
Paugam, Serge. A Desqualificação Social: ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo: EDUC/Cortez, 2003.
24
medida, por exemplo, pode ser inexpressiva em bairros do município de São
Paulo, como o de Itaquera (universo da pesquisa), Guaianazes e São Mateus.
A recente aprovação da Política Nacional de Assistência Social com
centralidade nas famílias, não foi comentada pelos profissionais entrevistados,
no decorrer da pesquisa. Há notícias de que em outros municípios o CRAS já
iniciou os seus trabalhos e vem obtendo, segundo o profissional que atua no
centro, bons resultados.
Ainda mais recentemente, o Plano Nacional de Promoção, Defesa e
Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária, cuja versão preliminar foi aprovada em maio de 2006, é fruto da
prática profissional cotidiana de inúmeros atores sociais que lutam pelos
direitos das crianças e dos adolescentes em nosso país. Juntos, construíram
“um novo patamar conceitual” que permitirá a criação de políticas norteadas
pelos princípios do direito à convivência familiar e comunitária, expressos na
legislação brasileira. Espera-se que, a implementação dessas políticas, se
assemelhe ao processo de construção do referido Plano, garantindo a
participação dos indivíduos nelas envolvidos, para que se assegure a conquista
da autonomia, da inclusão social e da cidadania e, desta forma, possa oferecer
elementos necessários ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes
no seio de uma família.
O Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de
Crianças e de Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, também
não foi comentado durante a pesquisa, porém vale mencionar que todos eles,
em suas falas, enfatizaram a importância do convívio em família de crianças e
adolescentes.
O abandono pelo Estado, tanto das famílias como de seus filhos, pode
provocar a retirada de meninos e meninas do convívio de seus pais. O
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afastamento do ambiente familiar, em muitos casos, pode ser resultado da
iniciativa da própria família, da vizinhança e/ou de órgãos competentes
destinados à proteção da infância e da juventude.
Em outros casos, este afastamento se dá por iniciativa da própria
criança ou adolescente que, ao vivenciar situações adversas no ambiente
familiar, opta por deixá-lo, em busca de outros espaços. Na maioria das vezes,
estes espaços possuem características que levam ao risco pessoal e social,
podendo causar o abrigamento dessas crianças e adolescentes em instituições
ou, até mesmo, a internação sob medida socioeducativa.
Antes de serem retirados de seus lares é preciso priorizar a manutenção
da criança e/ou do adolescente no grupo familiar de origem, seja ele de que
tipo for, evitando-se a separação. Porém, quando o afastamento do grupo
familiar é inevitável, é preciso refletir sobre a manutenção de situações em que
essas crianças e adolescentes convivem com suas próprias famílias ou com
outras.
Na visão de uma das coordenadoras entrevistadas, existem muitos
casos em que as crianças não deveriam estar abrigadas. Mencionou que
deveria ser feito um trabalho com as famílias. A coordenadora prosseguiu
comentando que, o abrigo deveria ser apenas para aquelas crianças que não
têm pais, que são órfãos ou que sofrem de algum tipo de abuso/violência na
própria casa. Disse que a criança que se encontra em situação de pobreza não
deveria estar abrigada. Acredita que o governo deveria investir mais nessas
famílias porque é “uma judiação a criança ser privada do contato familiar”.
A coordenadora também comentou que, muitos pais desejam deixar o
filho no abrigo por ter uma relação conflituosa com ele. Informou que muitos
destes casos já aconteceram na instituição que trabalha. Hoje, ela acredita que
estão sendo utilizados critérios mais rigorosos para o ingresso de crianças e de
26
adolescentes nos abrigos, mas houve muitos casos que foram encaminhados
pelos Conselhos Tutelares e que não necessitavam estar abrigados.
Continuou a tecer comentários a respeito das famílias de crianças
abrigadas dizendo que elas são abandonadas pela sociedade, muitas vezes,
pelos políticos, pelas políticas governamentais e encerrou comentando: “até
por nós mesmos que ficamos fechados dentro do nosso núcleo familiar”.
Referiu que muitas vezes, as famílias enfrentam dificuldades e não se ajudam.
Por exemplo: “aqui nós temos cursos profissionalizantes e indicamos para os
pais freqüentarem, mas eles não comparecem. Têm casos de pais que
solicitaram ajuda, nós realizamos o acompanhamento e hoje eles estão super-
estruturados e com os filhos em seu convívio”.
Na instituição, espera-se que as famílias se reorganizem para
desabrigarem os filhos e, por essa razão, são realizados encaminhamentos
para cursos profissionalizantes, órgãos que tratam da drogadição e do
alcoolismo e outros. A instituição realiza todo este trabalho porque tem como
meta, o retorno da criança ao convívio da família.
Segundo a coordenadora, hoje, é comum o abrigamento. “Ele vem
ocorrendo, eu diria, “a torto e a direito” embora, este deveria ser o último
recurso a ser utilizado. Isto vem acontecendo porque o abrigamento tornou-se
um procedimento prático: quando se abriga uma criança, está se abrigando a
família. Apesar de saber que se deveria orientá-la, acompanhá-la e ajudá-la, é
comum lavar as mãos e entregar o problema para uma instituição qualquer que
irá cuidar deste tipo de projeto. Então, eu vejo que, às vezes, o abrigamento é
olhado muito friamente”.
Assim, pôde-se depreender que as famílias necessitam de um
acompanhamento sistemático, mesmo nos casos em que o abrigamento é
inevitável e se apresenta como primordial e necessário.
27
Por essas palavras pode-se perceber que o acompanhamento
sistemático, segundo a coordenadora do abrigo, “poderia ser realizado por um
profissional que ao visitar a família, poderia ouvi-la e também ajudá-la a
solucionar problemas, o que ela ainda não consegue sozinha. Ter alguém que
lhe ofereça apoio e trabalhe com esta família. É evidente que este trabalho
deve estar voltado para que a família se responsabilize pela sua vida. A
instituição deve deixar de lado a super-proteção, a condição de “mãezona”.
Mas, ter alguém que faça isso e trabalhe com ela, principalmente naqueles
casos patológicos. Mesmo assim, nos casos em que a mãe ou o pai é
psicótico, sabemos que essas famílias são numerosas, elas têm tios, avós,
primos, enfim, têm uma porção de pessoas na família que poderiam ser
conscientizadas para assumir o caso”.
A coordenadora entende que há necessidade de haver políticas públicas
para complementar os atendimentos necessários porque, às vezes, a
instituição necessita encaminhar famílias para algumas especialidades e não
tem local adequado para isso: “não devemos fechar os olhos para isso, porque
mesmo que as crianças/adolescentes sejam encaminhados para o abrigo, o
acolhimento será realizado e os parentes serão requisitados para colaborarem
na preservação dos vínculos familiares”.
A coordenadora, na ocasião da entrevista, opinou a respeito das
famílias: “eu penso que a maioria delas, têm problemas mal resolvidos entre os
parentes. São problemas que se arrastam de gerações anteriores e acabam
chegando nessa situação, por exemplo: já teve o problema com a mãe dela,
assim nasceu e cresceu, mas a mãe já não teve família, e ela também já foi
negligenciada de alguma forma, e, então, ela reproduz, vai reproduzindo, às
vezes sem nenhum questionamento. Para muitas, isto não é percebido na
relação delas com os filhos. Tem aquela família que não se conforma, como ela
não consegue aceitar e compreender o seu próprio erro porque ela acabou de
alguma forma errando: o filho dela foi para o abrigo. Ela não consegue aceitar
28
isso e, se você faz uma intervenção ela permanece o tempo todo duelando
com o abrigo”.
Uma outra coordenadora de abrigo, na entrevista realizada, comentou
que: “as famílias das crianças/adolescentes, em sua maioria, também estão
abandonadas. Elas deixam os filhos no abrigo porque estão abandonadas e
precisam de alguém que acredite nelas, alguém que lute por elas, para que se
sintam e falem: eu sou um cidadão, eu sou gente, para fazer o meu filho ser
gente também. É uma miséria econômica, social e até religiosa”.
Esta coordenadora prosseguiu comentando que: “as relações
intrafamiliares ocorrem de maneira conflituosa, as pessoas não se entendem e
as crianças, acabam presenciando e participando do caos do mundo em que
vivem. A família passa a ser apenas um reflexo do caos que o mundo vive. É
melhorando a família que vamos melhorar o mundo”.
No depoimento das coordenadoras de abrigo, foi possível depreender
que é claro para elas a importância do convívio de crianças e adolescentes em
ambiente familiar. Acreditam que as famílias deveriam ter sido acompanhadas
no período que antecedeu ao abrigamento de seus filhos, evitando desta forma
a separação entre eles. Apontam também para a ausência de políticas públicas
como uma das causas do abandono das famílias que, em decorrência, não
conseguem proteger e cuidar dos filhos.
Com relação à importância da família para o desenvolvimento integral de
crianças e adolescentes, o Padre Rosalvino expôs suas opiniões de maneira
clara e objetiva: “Não tem como família para educar alguém, ela é insubstituível
no meu modo de entender, por piores condições que ela possa ter”.
Disse também que, cabe ao Estado “o papel de recuperar, fortalecer e
apoiar a família para que esse menino, não tenha que sair do núcleo familiar.
29
Porque sair dele é um grande prejuízo, um grande erro e uma grande falha.
Isso só poderá acontecer em situações emergenciais e provisórias, de tal
maneira que, é o Conselho Tutelar, a própria instituição, o promotor de justiça e
o juiz da vara da infância e da juventude, que juntos deverão encontrar a
família, organizar esta família, ajudar esta família, apoiar esta família e reciclar
esta família”.
Ao expor suas opiniões, novamente reportou-se à sua família para
ilustrar a sua fala: “meu pai ficou viúvo e tinha oito filhos para criar.
Evidentemente, ele teve dificuldades para criar todos. Isto fez com que ele me
levasse para a casa de um tio, onde eu fui pastor (nas montanhas) e para ele
me criar. Até que um dia, de madrugada, eu falei: eu, fora de minha família?,
ninguém me segura aqui!. Eu tinha oito anos, nem sabia que direção tomava e
para onde que eu corria. Fugi da casa de meu tio, em busca de meu lar, onde
estavam os meus irmãos e o meu velho pai viúvo, onde a minha avó é que
fazia a parte da mãe”.
Prosseguiu contando: “eu me recordo que no caminho ainda me
alcançaram. Tentaram me levar de volta, porque o meu tio me adorava e me
tratava muito bem. Embora estivesse na família, aquele não era o meu núcleo
familiar, não era o sangue. Agarrei-me a uma árvore e não teve cristão que me
desgrudasse de lá. Porque o povo me socorreu quando eu comecei a gritar: eu
quero o meu pai! Eu quero a minha mãe! Eu quero a minha família! Eu quero ir
embora! Aquelas coisas de moleque. Os vizinhos foram em cima do meu tio e o
chamaram de velho caduco e disseram que se ele não me largasse eles iriam
bater no velho. Quando me afrouxaram eu peguei de novo a estrada e fui
embora. Eu cheguei em casa, sem saber por onde andava, eu tinha apenas
oito anos. Meu pai nunca me perguntou porque eu fizera aquilo. Só ficou na
tradição da família, que, para me segurar, só Deus mesmo. Porque quando eu
falava tinha que ser, na tradição da família, eu sempre fui diferente: um
guerreiro, um líder da rapaziada, sempre fomentei revolução, sempre. Nunca
concordei com aquilo que eu não achava bom. Mas, o mais interessante nisso
30
tudo é que meu pai nunca me perguntou por que eu fugi da casa de meu tio,
por que eu voltei”.
Cássia, assistente social judiciário, durante a entrevista comentou a
respeito do atendimento prestado pela Vara da Infância e da Juventude,
quando ocorre o afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias.
Mencionou que: “quando são esgotadas todas as possibilidades da criança
permanecer na família de origem ou na substituta, quer dentro do núcleo
familiar, quer com colaterais, ocorre o abrigamento. Isto se dá geralmente,
quando há um risco iminente de maus tratos, abuso sexual, abandono e muitas
vezes por negligência. Percebeu que em algumas ocasiões, a negligência
ocorre pela ausência de políticas sociais para o encaminhamento das famílias,
por exemplo: falta um CI (centro infantil, antiga creche). Outras vezes, por falta
de um núcleo socioeducativo, o que obriga a mãe deixar os filhos sozinhos,
porque precisa trabalhar para manter a família”.
Prosseguiu comentando que: “a partir do momento que a criança ou o
adolescente são abrigados, quer por determinação judicial, quer pelos
Conselhos Tutelares, o abrigo tem quarenta e oito horas para comunicar ao
juízo e, a partir de então, ele vai permanecer em acompanhamento pelos
setores técnicos: Serviço Social e Psicologia, que atendem as crianças muitas
vezes em parceria com os abrigos”.
Roberto, um dos pais entrevistados, falou a respeito de seus
sentimentos quando se separou de seus filhos. Relatou que inicialmente,
“sentiu-se triste porque não queria nunca que isso tivesse acontecido”. Disse
que: “os parentes da ex-mulher choraram, porque moravam juntos e gostavam
muito deles. Um dos cunhados ficou muito nervoso e disse que não deixaria se
fosse os filhos dele”. Roberto então lhe respondeu: “mas eu vou fazer o que?
eu não vou poder trabalhar e eles vão ficar nessa situação. Por mim, eu jamais
queria isso, eu queria estar com eles e que a mãe deles estivesse viva. Mesmo
31
estando separado, eu levava coisas para eles, nunca eu iria abandoná-los,
como nunca abandonei”.
Bento, outro pai entrevistado, comentou que: “no primeiro dia do
abrigamento de meus filhos, também me senti triste, derrotado e como se a
vida tivesse acabado. Sentia-me desvalorizado, mas às vezes, conseguia
pensar que ainda não estava totalmente derrotado”. Ele é mecânico e o Padre
Rosalvino, encheu o tanque do seu carro para que ele fosse à Araraquara, em
busca de trabalho, porém, ele errou o caminho por três vezes e não conseguiu
chegar ao seu destino, porque é analfabeto. Ele encerrou a sua fala dizendo:
os mais fracos têm que apanhar. Mas eu não desisto. Eu vou conseguir”.
Na entrevista com Nelí, uma mãe de criança abrigada disse: “Ah! Fazer
o que? Há cinco anos pegaram as crianças e levaram para um abrigo. Até hoje,
eu não sei o motivo disso. A assistente social pediu que eu fosse ao Fórum
para saber. Chorei como uma louca desesperada, mas vi que não tinha mais
jeito. Eles foram levados para o Educandário Santa Terezinha. Passei a visitá-
los, cumprindo o meu dever de mãe. Percebia que eles estavam sendo bem
cuidados. No começo, eu chorava quando voltava para casa. Depois fui me
conformando e entreguei nas mãos de Deus”.
Dos relatos das famílias, pudemos observar o quanto elas sofrem com a
separação dos filhos, mesmo reconhecendo que eles estão sendo bem
tratados. O afastamento dos filhos do convívio dos pais, nas famílias
pesquisadas, pareceu aflorar mais os sentimentos de incapacidade e
evidenciar a condição de subalternidade do que estimular a autoconfiança e a
autonomia para cuidarem dos filhos, independente da instituição. Foi possível
perceber que as famílias pesquisadas, além da precária condição
socioeconômica, vivenciavam outras situações, tais como: problemas
relacionados à saúde, à falta de moradia e ao uso excessivo de substâncias
entorpecentes, que os impedem de ter e cuidar dos filhos novamente em seu
convívio.
32
Com relação às crianças e adolescentes abrigados, embora estes não
sejam os sujeitos da pesquisa, o desejo de conviver com famílias foi
manifestado em dois casos: José, filho de Bento, conforme informações
constantes em seu prontuário, ao ser entrevistado no Fórum manifestou o
desejo de ser adotado e o juiz solicitou ao abrigo, estudo do caso, com vistas à
destituição do poder familiar e colocação em família substituta. Jef, irmão por
parte de mãe dos filhos de Roberto, em breve retornará ao convívio da família
extensa materna. Este fato leva a se ter por hipótese a possibilidade de haver
conflitos entre a família materna e o pai das demais crianças, que
permanecerão no abrigo, ou a tia não dispõe de recursos materiais para
assumir os cuidados de todas as crianças.
Pôde-se depreender que a separação de pais e filhos causa sofrimento
para ambos, principalmente, se o período for longo. É importante mencionar
que durante o período em que atuei profissionalmente em abrigos, crianças e
adolescentes que conseguiam expressar seus sentimentos, solicitavam
constantemente o retorno ao convívio familiar ou sua inserção em qualquer
outra família, desde que lhe oferecessem acolhimento e proteção. Nas
situações em que o retorno à vida em família não era possível, o sofrimento
aumentava, em razão da possibilidade de terem que sobreviver à mercê da
própria sorte, numa sociedade excludente e competitiva.
Dos entrevistados, somente os filhos de Roberto não circularam entre
abrigos. Os filhos de Bento, já passaram por outros três e os de Nelí apenas
por um. Estes abrigos localizavam-se distantes de sua residência, o que
reduzia o número de visitas, uma vez que dependiam da doação de passes de
ônibus para serem realizadas prejudicando desta forma, a preservação dos
vínculos familiares.
A este respeito, Bento comentou: “eu já passei por três abrigos, o
primeiro foi o de Artur Alvim que eu não sei dizer o nome, depois fui para o da
33
Vila Califórnia que eu também não sei o nome, mas é o da Dona Zélia que é
uma pessoa boa que eu conheci”. Bento continuou falando sobre diversos
assuntos e ao retomar a pergunta, esclareceu que, inicialmente, os filhos foram
encaminhados ao extinto SOS criança.
Assim sendo, mesmo protegida pela legislação brasileira no que se
refere ao direito à convivência familiar e comunitária, parcela significativa da
população infanto juvenil, ainda é excluída do convívio com suas famílias.
Dados da pesquisa sobre abrigos realizada na cidade de São Paulo
6
,
revelaram que no período de novembro de 2002 a março de 2003, somente no
município, permaneciam abrigados nos 185 abrigos pesquisados, 4847
crianças e adolescentes. Os motivos do abrigamento, conforme os dados
obtidos durante a mesma pesquisa, referem-se ao abandono e/ou negligência
dos pais, à violência doméstica, aos problemas relacionados à saúde, à
precária situação socioeconômica e ao uso excessivo de substâncias
entorpecentes pelos pais.
Esses motivos se propagam, na medida em que as políticas sociais por
serem ainda, ou inexistentes, insuficientes e/ou ineficientes e não suprirem a
demanda das famílias das crianças e dos adolescentes, de forma a garantir a
permanência dos filhos sob os seus cuidados.
Quando ocorre o abrigamento e a separação de pais e filhos, afloram na
família, sentimentos de incapacidade para cuidar deles e de vergonha pela sua
condição de pais cujos filhos foram retirados de seu convívio. Há casos em que
famílias omitem as informações acerca do abrigamento.
6
Oliveira, Rita c.S. et al. Relatório Pesquisa sobre Abrigos na cidade de São Paulo. São Paulo: em
SASPMSP, Reordenamento de Abrigos Infanto-Juvenis da Cidade de São Paulo. São Paulo, 2004.
34
Nos depoimentos das famílias, esses sentimentos foram por elas
apontados: Neli disse: “não é medo, a questão é que eu sou mãe e quero os
meus filhos no meu convívio”.
No depoimento de Bento, os filhos foram abrigados em razão da morte
de um deles: “eu morava no Parque Novo Mundo e ao cair um fio de energia de
alta tensão, matou um dos meus filhos e eu não estava em casa, o meu filho
José é quem estava e ele era muito pequeno. A autoridade policial disse que
iria levar os meus filhos para o abrigo”. Ao falar a respeito da morte do filho,
Bento emocionou-se e disse ter sentido muita raiva com o abrigamento dos
filhos e comentou: “tanta coisa acontece na vida e que não dá para voltarmos
atrás, mas jurei a minha mulher que um dia vou vingar a morte desse meu
filho”.
Vale a pena registrar o significativo depoimento de uma das
coordenadoras de abrigo, pessoa que atua na área da infância e da juventude,
especificamente, em programa de abrigamento: “o que nos entristece, a nós,
trabalhadores da área social, é que nós conhecemos toda a história da criança
em abrigo. Existem leis, desde a descoberta do Brasil até os dias atuais, e nós
percebemos que não houve mudança na mentalidade da sociedade, no sentido
de propor alterações na situação de crianças em risco. O que muda é o nome,
uma época é abrigo, outra é FEBEM, outra é...Então nós percebemos que não
há evolução na mentalidade da população em geral, com referência a como
ajudar essas famílias. Eu acho que o caminho não seria abrigo para as
crianças. Seria mesmo uma política voltada para as famílias, para que elas,
não tivessem a obrigação de colocar os filhos no abrigo. Então, é por isso que
eu fico entristecida de saber que há mais de 500 anos ainda não foi descoberta
uma fórmula para sanar de vez essa questão de abrigos, no Brasil, e no
mundo. Porque em vários países ainda existe essa questão do abandono.
Então, é entristecedor saber que ainda nós não conseguimos avançar”.
35
CAPÍTULO II
O ABRIGO COMO UMA MEDIDA DE PROTEÇÃO
“O QUE EU SINTO AQUI É RESPEITO, MUITO AMOR E AS PESSOAS ME TRATAM MUITO BEM AQUI
DENTRO”.
BENTO, PAI DE CRIANÇAS ABRIGADAS
Este capítulo procurou retratar como ocorre o funcionamento dos abrigos
no universo pesquisado e a opinião dos sujeitos da pesquisa, dos
coordenadores de abrigo, do dirigente da instituição e do assistente social
judiciário acerca da medida de proteção “abrigo em entidade”.
Dentre as várias medidas de proteção do Estatuto da Criança e do
Adolescente, o abrigo de crianças e de adolescentes em entidade social é uma
delas. No seu Artigo 101 - Parágrafo Único o ECA preceitua que:
“O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a
colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade”.
O referido artigo define a medida de proteção como provisória e
excepcional. No entanto, nos dias atuais, ainda não foi possível essa definição
contribuir para a mudança na cultura de práticas de institucionalização
prolongada, encontradas em todos os cantos do país. Nas entidades não
governamentais, principalmente aquelas que não recebem recursos públicos
para a manutenção do programa de abrigo, essas práticas ocorrem com
freqüência, de maneira auto-suficiente. Isto, em muitas situações, faz com que
os serviços prestados aos usuários sejam procedidos sem o devido registro no
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e, portanto, ficam
isentas da fiscalização da entidade por autoridades judiciárias e também pelo
Conselho Tutelar.
36
O tempo de permanência no abrigo é um dos aspectos que requer uma
discussão aprofundada, tanto da parte das entidades sociais que prestam
atendimento à população abrigada, como pela sociedade, pois quanto maior for
o período de afastamento de crianças e de adolescentes do convívio de uma
família, mais o direito à convivência familiar e comunitária estará sendo violado.
Neste sentido, é importante refletir sobre a análise de Silva
7
: “Fazer as
entidades e a sociedade entenderem que o quesito de excelência deve ser
determinado pelo menor tempo de abrigamento e não pelo maior tempo, é uma
tarefa ainda difícil, que esbarra no imaginário social quanto ao destino e às
opções que tal criança teria fora do abrigo”.
Nas discussões a respeito do tema ‘Abrigo’ é com freqüência que
ouvimos o comentário: “o abrigo é um mal necessário”. Esta frase nos leva a
pensar em como uma medida de proteção, ao ser aplicada, pode prejudicar as
pessoas a que se destina? Mais uma vez, ressalta-se a importância de se
analisar com profundidade o que se pretende alcançar com a aplicação dessa
medida. Entende-se que a análise deve ser norteada pelos princípios da
excepcionalidade e da provisoriedade contidos na referida medida.
Além disso, ao se aplicar/sugerir a medida de proteção “abrigo em
entidade” há que se atentar às novas modalidades de atendimento às crianças
e aos adolescentes, cujas famílias se encontram em situação de
vulnerabilidade social, tais como: famílias guardiãs, famílias acolhedoras,
famílias de apoio, etc. Essas modalidades as quais surgem como respostas às
antigas maneiras de se lidar com esta problemática, que ainda se distanciam
da mudança de cultura proposta pelo ECA, que prioriza o direito de crianças e
7
Silva , Roberto da. A construção do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. In: O direito
à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil/Enid Rocha
Andrade da Silva (Coord.). Brasília:IPEA/CONANDA, 2004.
37
de adolescentes a conviverem com suas famílias, sejam elas as de origem ou
as substitutas.
Mesmo com o distanciamento do que é determinado em lei, dos serviços
prestados por um número significativo de entidades sociais que atendem
programas de abrigo, consideramos que houve avanços no trato das questões
pertinentes à proteção, na área da infância e da juventude, principalmente, a
partir do ECA e da LOAS. Quiçá, acompanharemos outros avanços que
poderão envolver a maioria das entidades sociais que atendem à medida, a
partir do Plano Nacional de Assistência Social – SUAS/CRAS e do Plano
Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Das sete casas de acolhimento que compõem o Programa “Casas de
Acolhimento” da Obra Social Dom Bosco, localizada no distrito de Itaquera, a
pesquisa de campo foi realizada em três delas, que são: Casa de Acolhimento
“Mamãe Margarida”; Casa de Acolhimento “Irmã Maria” e Casa de Acolhimento
“São Domingos Sávio”.
Com base nos depoimentos dos entrevistados, pudemos traçar como
acontece o atendimento de crianças, adolescentes e famílias nos abrigos
pesquisados e como ele é visto por seus usuários (famílias), sob o prisma da
medida de proteção neste processo.
A partir do convênio firmado com a Secretaria de Assistência Social do
Estado de São Paulo, órgão que em 1996 era responsável pela FEBEM e com
a Secretaria de Assistência Social do Município de São Paulo, em 1998, a Obra
Social Dom Bosco, assumiu as casas de acolhimento (abrigos).
O Programa “Casas de Acolhimento”, segundo documentos da OSDB –
Obra Social Dom Bosco, 2003/2004, “é destinado a crianças e adolescentes
38
em situação de risco e visa ofertar espaços para acolhida, apoio e convivência,
assegurando-lhes proteção, prevenção a riscos, privacidade, identidade e
reconhecimento de sua cidadania. Ele tem caráter de excepcionalidade e
convivência por tempo determinado, uma vez que o lugar privilegiado para a
criança e o adolescente é junto à família de origem”.
As crianças e os adolescentes são encaminhados para o programa
pelas Varas da Infância e da Juventude, Conselhos Tutelares da Infância e da
Juventude, organizações sociais (outros abrigos), pessoas e grupos de igreja,
escolas e comunidade. O Programa procura agrupar os irmãos para que estes
mantenham os vínculos familiares, preparando-os para uma convivência futura,
independentes da entidade.
Os abrigos, na época do convênio firmado, localizavam-se em diferentes
distritos, distantes da sede da OSDB. Frente ao acúmulo de despesas, a
instituição decidiu transferir as casas para o entorno de sua sede, a fim de
diminuí-las e de facilitar o trabalho desenvolvido por elas.
O dirigente da instituição, por ocasião da entrevista, comentou o fato:
“por motivos econômicos, por pagamento de aluguéis que não condiziam com
a estrutura física da casa, achei por bem, buscar melhores lugares onde as
crianças tivessem mais espaço e o trabalho fosse desenvolvido com maior
facilidade. Hoje, as casas têm 50 metros de fundo, quintal, jardim, play ground,
espaço para brincar e espairecer um pouco. Além disso, a proximidade facilitou
a participação dos abrigados nas atividades dos demais projetos da Obra e a
integração de melhor qualidade, maior ternura e afetividade com a comunidade
local, porque na anterior, nós não éramos conhecidos e a população do
entorno pertencia à classe média e pouco se envolvia com o abrigo”.
A adaptação das crianças e dos adolescentes provenientes dos abrigos
da FEBEM, aos moldes da política de atendimento da OSDB, não foi uma
39
tarefa fácil para a instituição. Com a colaboração da equipe técnica, dos
funcionários e dos educadores da Obra, o Padre Rosalvino empreendeu
esforços para implementá-la. Durante a entrevista, ele nos contou: “Deixa eu
contar um caso para você. Quando eu cheguei em uma das casas, logo no
primeiro dia, um menino já adolescente, com 17 anos, estava na entrada da
casa e eu ouvi ele dizer: ‘esse padre está chegando aqui, agora nós vamos ter
que rezar todos os dias, porque ele é padre? Nós conhecemos esse padre, ele
está pensando que nós vamos ficar aqui, trabalhando para ele’. No primeiro e
no segundo dia apenas ouvi e não disse nada. No terceiro dia, um pouco mais
habituado ao clima da casa, solicitei ao coordenador que deixasse uma mesa
no meio da sala, porque eu ia fazer um teatrinho. Quando cheguei , a
rapaziada deitada nos tapetes, fingia que não me via, contava piadas, falava do
padre, etc. Foi então, que eu dei um pontapé na mesa e eu tinha um sapato
bem resistente e aí, foi moleque levantando e saindo, então eu pedi para sentar
e falei: gente querida, eu vou dizer o seguinte, estou chegando aqui e a
orientação é quem não participar da atividade de limpeza da casa e daquelas
coisas corriqueiras, acho que vai ter que comer na casa do vizinho, porque na
nossa casa se não colaborar, não vai ter como comer aqui comigo não.
Interessante, olha como é que as coisas fluem. Aí se levantaram, foram saindo
para o quarto. No dia seguinte, quando eu cheguei os comentários eram: ‘olha
você viu, com esse padre não é fácil não. Esse padre é osso duro. Nós temos
que ficar espertos com ele que a coisa... mano’...aquelas coisas de FEBEM”.
O episódio narrado pelo Padre Rosalvino, retratou os percalços vividos
no interior dos abrigos, ao se introduzir uma nova cultura no atendimento às
crianças e aos adolescentes institucionalizados, principalmente aquela que foi
trazida pelo ECA.
A introdução de uma nova cultura costuma gerar discussões e
questionamentos no ambiente institucional que, de modo geral, já apresenta
tensões significativas. Dentre essas tensões, que configuram o cotidiano do
abrigo, de um lado, há o desejo dos abrigados de retornarem ao convívio de
uma família, de outro lado, aparece o descontentamento dos educadores ao
40
desenvolverem as suas atividades e de outro ainda, a luta das famílias para
sobreviverem e desabrigarem os filhos.
Foi comentado ainda pelo Padre que os adolescentes disseram: “nós
vamos ajudar esse padre. Nós vamos colaborar com esse padre aí. Deixa com
a gente que nós vamos botar isso para frente porque, olha: até que ele é
simpático, até que ele é legal, esse padre”.
Prosseguiu comentando: “veja como era o conceito: quando um chegava
para tentar fazer um trabalho, mostrar um pouco um lado diferente, que não o
esperado, mas o lógico, para despertar neles uma consciência nova... Porque a
entidade precisava da participação deles na rotina da casa, na limpeza, para
descascar umas batatas, lavar um prato, aquela coisas que hoje a meninada
faz com o maior prazer”.
Concluiu dizendo que: “mas a partir daí, criou-se uma relação de
simpatia comigo e quando eu chegava no abrigo, eles me perguntavam: ‘padre,
o que o senhor quer que seja feito hoje? Tem alguma coisa para nós
fazermos? O senhor precisa de alguma coisa? E, assim foi mudando as coisas,
foi mudando. Depois disso, outra coisa que facilitou foi introduzir o nosso jeito.
Comecei a propor passeios, ida ao cinema, jogava bola com eles... Então foi se
criando uma confiança deles para conosco, e aí a coisa ficou muito fácil”.
A intervenção realizada pelo dirigente da instituição, com o objetivo de
propor uma nova forma de trabalho nos abrigos que havia assumido, contribuiu
para o estabelecimento das relações intrainstitucionais com base na confiança
e no respeito mútuo. Para que isto pudesse acontecer, foi necessário que, não
só o dirigente da instituição, mas todos os operadores da medida de abrigo
tivessem o compromisso ético-político implícito nas suas ações, ao atuar com a
população usuária de seus serviços.
41
A intervenção acima mencionada direcionou-se ao grupo de
adolescentes que viviam na casa, porém as dificuldades enfrentadas, também
envolveram os educadores. Conforme reflete o Padre Rosalvino: “mas posso
dizer que essa passagem não foi fácil, porque eles estavam ... não posso falar
mal do pessoal da FEBEM, porque o pessoal fazia o que podia , a estrutura
que tinham era aquela. Eu me dei muito bem com a rapaziada, os meus
funcionários que iam chegando, cada dia um novo, não conseguiam se
entrosar tão bem quanto eu, porque estavam acostumados a partir para ir com
tudo, já fazendo aquilo que era preciso. Mas quando a FEBEM se retirou,
depois de um ou dois meses a casa já estava nas nossas mãos, conduzida e
dirigida. Uma belezinha”.
Tentar modificar a mentalidade dos educadores, talvez tenha sido a
tarefa mais difícil nos abrigos. Estes, já adultos, tinham valores apreendidos de
sua socialização, os quais, eram somados às regras e normas da instituição.
Por isso mostravam-se mais resistentes a qualquer proposta de mudança.
Os trabalhadores que desenvolvem atividades profissionais, em
instituição governamental, possuem o contrato de trabalho regido por leis
diferenciadas das não governamentais, garantindo aos primeiros, a
estabilidade de emprego, bem como a interferência de políticos em sua
contratação. Porém, o pouco investimento na capacitação e na reciclagem para
o desenvolvimento desses profissionais, os deixava em defasagem com os
segundos, o que interferia negativamente na sua atuação.
Ao falar a respeito do histórico das Casas de Acolhimento, o Padre disse
que: “é a alma. As casas de acolhimento são a alma da Obra, porque a origem
de Dom Bosco, foi essa. Ele recolhia nas ruas de Turim , onde ele viveu, onde
ele iniciou a sua missão com os jovens. Acolhia dentro da própria casa, onde a
mãe era a cozinheira, a arrumadeira da casa dos meninos. Foi onde ele fundou
a Obra dele: em Turim. Hoje ela está em 120 países. Nós somos uma das
42
maiores entidades dentro da Igreja Católica nesta área da educação de jovens,
crianças e da capacitação profissional”.
Mamãe Margarida, era o nome da mãe de Dom Bosco, por isso que o
nome dela foi dado a uma das casas de acolhimento da Obra. Segundo o
Padre Rosalvino: “foi essa a nossa tradição, a criança vem por necessidade do
abrigo, de tirarmos o menino da rua. Se ele precisar dormir, além da
alimentação e de outros cuidados, ele também encontrará esse espaço
conosco. Então os abrigos vieram trazer a lição da origem de Dom Bosco. É
por isso que eu amo esse negócio de abrigo. Só que o meu problema é que eu
não posso estar lá o tempo todo. Mas a meninada... eu sei que a meninada que
estava gritando o meu nome lá fora da entidade, era dos abrigos”.
A Obra Social Dom Bosco é a organização social que mantém os
abrigos. Sua origem está vinculada aos princípios da religião católica, da ordem
salesiana que tem como base a herança deixada por Dom Bosco – o sistema
preventivo de Dom Bosco - que se trata de um método educativo em que a
razão, a religião e a bondade são priorizadas.
Percebeu-se que o atendimento prestado às crianças e aos
adolescentes nos abrigos pesquisados possui forte influência de princípios
religiosos, os quais pareceram não serem introduzidos por imposição no
processo socioeducativo de seus usuários, observando-se o respeito aos
diferentes credos.
Ainda, com relação ao trabalho de Dom Bosco, pôde-se observar como
as famílias e a comunidade iniciaram a sua participação nesse processo.
Segundo o Padre, a idéia de Dom Bosco era acolher os que não tinham família.
Com as guerras na Europa, apareceram os orfanatos, os grandes institutos de
órfãos. E, a partir daí, Dom Bosco criou os chamados “voluntários de Dom
Bosco”, que os salesianos denominam de “cooperadores” que são pessoas que
43
participam dessa missão. Ao participarem, criam uma relação, um vínculo, com
aqueles que não tinham com ninguém da sua família e desta forma, criam com
a família substituta, que é proveniente desse voluntariado, desses
cooperadores. São essas pessoas que hoje são denominadas famílias de
apoio. Então, o Padre disse: “não tem como a família para educar alguém”.
A missão da Obra Social Dom Bosco é “contribuir para a construção de
uma sociedade justa, humana e igualitária, por meio de atividades educativas
que visem à melhoria da qualidade de vida e o pleno exercício da cidadania
das famílias em situação de vulnerabilidade, exclusão ou risco social”. Na
entrada de todos os equipamentos da entidade, os dizeres desta missão,
encontram-se afixados nas paredes para serem divulgados.
Ao abordarmos como ocorre o atendimento de crianças e adolescentes
vítimas de maus tratos, o Padre argumentou que: “o primeiro trabalho a ser
feito com essa criança que vem para o abrigo é definir quem cuida, quem vai
dar banho nela, porque nós já recebemos crianças nessas situações que eram
verdadeiros ‘bichinhos ariscos’. Pelo semblante, pelo sorriso, pela timidez, nós
percebíamos aquela marca. O ambiente deve ser preparado. É preciso fazer
um ambiente, onde a menina ou o menino aflore isso e vá se libertando um
pouco disso e vamos trabalhando E, novamente, vamos ao núcleo familiar,
porque às vezes a mãe está acobertando o padrasto que vitimizou a criança,
por motivo de necessidade própria, por subsistência ou por outras razões. E
como resolver isso? Nesses casos, minha orientação é essa: manter a criança,
esse adolescente o maior tempo possível na Obra, pois no momento que ele
crescer, tiver um pouco mais de autonomia, de definição, de determinação, ele
não vai mais ser abusado, nem explorado. Ele já tem como se defender”.
O Padre prosseguiu dizendo que: “o problema para nós é quando vem
uma criança indefesa, uma menina de oito, nove anos que é abusada. Você
não pode querer devolvê-la para a família. Nós trabalhamos a mãe, por
exemplo, provando para ela, alertando-a de que é fato o que aconteceu,
44
porque normalmente, as mães dizem que não, que a filha está inventando, que
é mentira. Mas eu já encontrei fatos onde eram mentira. Isto quer dizer que,
dessas histórias todas, tem aquela que é mentira”.
Nos casos de violência doméstica em que o abrigamento é inevitável, há
que se ter o cuidado de não responsabilizar a criança pelo que aconteceu, ao
afastá-la do convívio familiar. Se possível, antes de abrigá-la buscar outras
famílias e estudar a possibilidade de ela permanecer no seu convívio. Já o
agressor deve ser responsabilizado e submetido a tratamento para que não
venha a reincidir em seus atos.
Quanto à sugestão e à aplicação da medida de abrigo em entidade, o
Padre Rosalvino comentou: “acho que uma definição sobre a vida de uma
criança, para onde ela vai, não poderia simplesmente, partir de uma técnica do
fórum, que avalia a seu critério e o juiz assina em baixo. A técnica da entidade
deveria, em conjunto com técnica do fórum, definir a situação daquela
criança/adolescente, ou seja, decidir junto que vai para tal lugar: volta para a
família, vai ter que ir para uma adoção... Mas, para isso a criança precisa ser
preparada. Se vai para uma adoção, temos que começar todo um trabalho,
mas um trabalho em conjunto. Eu sinto necessidade disso, nós não
conversamos com a juíza. Com as técnicas, às vezes, nós conseguimos ter um
diálogo, uma conversa. Isso para mim é uma grande falha. Prejudica a
aplicação do estatuto. Porque uns falam demais e outros de menos. Às vezes,
nós temos que dar um pequeno corretivo numa criança que vai ao fórum e
chega aqui ameaçando a educadora, dizendo se vocês me fizerem ou falarem
comigo isso ou aquilo, eu vou lá no fórum e vocês vão ver o que vai acontecer
com vocês”.
Prosseguiu dizendo que: ӎ esse o caminho. Certa vez num debate que
houve aqui eu comentei no Fórum da Lapa. Eu gostaria que aqueles juízes que
compuseram a mesa viessem mais até nós. E que nós tivéssemos maior
possibilidade de conversar no Fórum. No fórum de Itaquera nós já tivemos
45
vários juízes.Teve alguns juízes até que foram bons, agora é um juíza. Mas eu
ainda sinto um pouco que nós poderíamos trabalhar mais em conjunto”.
A respeito da fiscalização do Judiciário, o Padre Rosalvino falou: “sabe
aquela visita que o juiz faz e nós nos sentimos fiscalizados?: “Eu não gostaria
que fosse assim: quando a juíza viesse aos abrigos, ela avisasse. E também,
eu detesto receber ofício do Poder Judiciário no qual vem escrito: intime-se.
Isto para mim é a mesma coisa que me dar um chute”.
Prosseguiu comentando que: ”a minha vida é isso aqui, eu não posso
sair a pé porque se sair, a criançada vem e pede para andar de carro. O povo
me respeita muito aqui”.
Na fala do dirigente da instituição, foi possível observar a existência de
certa tensão nas relações entre as entidades, que representam autoridade
significativa em qualquer comunidade: o Poder Judiciário e a Igreja. Cada uma
a seu modo, exerce e se reveste do poder que lhe é atribuído para implementar
suas ações, sem refletir sobre a repercussão delas na comunidade. Isto poderá
causar prejuízo no desempenho de ambas as instituições e provocar o
afastamento de seus usuários por descrédito por insatisfação em relação aos
serviços prestados indo buscar outros meios para a solução de seus
problemas.
O diálogo e a parceria entre as entidades sociais, governamentais e não
governamentais, devem ser adotados por todas aquelas que integram a rede
de atendimento à criança e ao adolescente, cujos direitos se encontram
ameaçados e ou foram violados.
Em poucas palavras, o Padre disse o que significa abrigo para ele: “eu
não gosto da palavra abrigo...ainda a palavra orfanato....Eu gosto da palavra
acolhida, acolher...sei lá....Essa paternidade que não é do sangue, mas que
46
vem de um carisma, de uma fundação, de frutos colhidos de meninos e
meninas que passaram pelo abrigo e que hoje estão muitíssimo bem na
sociedade. Então, uma frase que eu diria é: o abrigo é uma casa que acolhe,
uma casa que encaminha, uma casa que prepara para a vida. No meu modo
de ver é onde se resgata a esperança, a credibilidade do ser humano. Pela dor,
pela carência que eles trazem do núcleo familiar, que praticamente os
expulsou, os abandonou. Então, o núcleo familiar, o núcleo do abrigo, é essa
casa que acolhe, esta casa que prepara e esta família que acolhe, esta família
que prepara, esta família que encaminha esse menino pequeno. Mas ele vai
amadurecendo e amadurecendo e ele acaba, por si próprio, depois se
dirigindo, se situando, se colocando na sociedade. Num meio onde ele vai
despertar ou apoiar, ou realizar os seus sonhos. E...também, um meio onde ele
vai realizar o seu projeto de vida, como um cidadão normal, um cidadão
comum, como qualquer filho de família normal”.
Pôde-se depreender do discurso do dirigente da instituição, que o
trabalho desenvolvido pelo abrigo requer de seus operadores disponibilidade e
empenho, para juntos enfrentarem os desafios que surgem durante a fase de
abrigamento. Observou-se também, a importância de refletirmos sobre o
significado das palavras que habitualmente utilizadas no cotidiano profissional.
O termo acolher, sem dúvida, se aproxima mais do objetivo do trabalho a ser
realizado com a população infanto-juvenil a qual se encontra distante do
convívio familiar. O respeito à diferença e à solidariedade, são aspectos que
devem estar à frente de toda e qualquer atuação neste âmbito.
Uma das coordenadoras, ao ser entrevistada, falou a respeito da
necessidade de desenvolver um trabalho em parceria: “eu acredito que é
possível se realizarmos um trabalho em conjunto: o conselho tutelar, o fórum, o
abrigo e a família. No mínimo, esse conjunto de pessoas pensando na família.
E isso é um sonho, porque cada um tem um pensamento e esse trabalho em
conjunto não acontece e a família esta aí jogada e continua jogada”.
47
Prosseguiu expondo que: “alguém precisa começar, só agora nós
estamos com metas mais definidas do que no início. Antes, era acolher a
criança e buscar a família dessa criança. Agora não, a criança já tem o espaço
para ser acolhida, ela se sente acolhida nesse meio. Então, o que falta? Falta
nós criarmos essa relação de parceria. Falta a comunicação básica, de
falarmos a mesma língua para que a criança possa entender. Porque se nós
não nos cuidarmos e se não estabelecermos metas atingíveis, vamos estar
sempre sonhando. Acho que é preciso buscar este intercâmbio”.
Pelo que foi possível compreender do exposto pela coordenadora do
abrigo, o incentivo ao trabalho em parceria com os demais serviços da rede de
atendimento à criança e ao adolescente tem como objetivo, implementar ações
que visem resultados mais efetivos, nas atividades desenvolvidas pelo abrigo.
O trabalho em parceria requer disponibilidade e interesse dos serviços que
integram a rede. Falar a mesma linguagem entre eles, não é uma tarefa fácil.
Para que isto ocorra é necessário o empenho das entidades em conhecer o
trabalho e o modo de pensar dos demais serviços da rede. As intervenções nas
situações do cotidiano e a elaboração de projetos no campo da infância e da
juventude devem ser procedidas de maneira sincronizada, com vistas a uma
atuação de melhor qualidade técnica, o que nem é sempre possível.
Vários aspectos do abrigo, como medida de proteção, foram abordados
pelas coordenadoras, durante as entrevistas realizadas o que nos levou a
mencioná-los para conhecimento e reflexões.
A provisoriedade da permanência no abrigo foi o comentário realizado
por uma das coordenadoras que disse: “nós procuramos aproximar, retirar um
pouco a impressão de que o abrigo é uma instituição. No nosso trabalho,
pensamos que a prioridade é a criança saber que está no abrigo
provisoriamente”.
48
Continuou comentando que: “por ser uma idéia nova, ninguém
acreditava, mas eu acreditei e busquei conversar com as crianças, deixando-as
a par de sua situação, do andamento do processo dela, de como ela conhece o
pai e a mãe, que dados ou informações elas podem fornecer para trabalharmos
a família delas, quem ela quer que trabalhe mais, quem ela entende que
precisa ser mais ajudada. Trabalhamos nessa linha. Em geral, os educadores
também”.
O fato de a criança saber que irá permanecer no abrigo por tempo
limitado, em alguns casos, ou dependendo da maneira como que este for
trabalhado, pode gerar certa confusão ou criar expectativas que demorem a ser
atendidas, uma vez que, é difícil para a criança ter clareza do que é provisório
ou definitivo. Também, há uma indefinição de por quanto tempo será este
provisório, para que a família solucione o problema que motivou o seu
abrigamento ou, ainda, para que a criança seja colocada em família substituta.
Por outro lado, avalia-se que a provisoriedade deve ser analisada com a família
dos abrigados para que ela tente superar as dificuldades que geraram o
afastamento dos filhos, é tê-los novamente em seu convívio.
A coordenadora prosseguiu dizendo sobre o trabalho de conscientização
das famílias sobre viver em abrigos: “eu entendo que nós devemos estar
voltados à conscientização, vamos conscientizar esta família, porque não é
legal viver num abrigo. Eu procuro colocar a família para conversar com o filho,
para ela ouvir do filho e não de nós que não é legal morar no abrigo, por melhor
que seja o abrigo. Não é legal morar no abrigo. Ele não tem nada dele, tudo é
em conjunto, tudo muda, funcionário, colega que é desabrigado, etc. Então,
nós tentamos fazer isso com a família para ela despertar. Mas ela não
consegue, ela fica brigando com o abrigo, porque ele pegou o filho dela
injustamente”.
Nessa sua fala, a coordenadora referiu-se ao regime de atendimento
coletivo, próprio das entidades sociais que desenvolvem o programa de abrigo.
49
Onde a privacidade e a individualidade das pessoas que dele necessitam nem
sempre são respeitadas. Quanto à ‘conscientização’, (entendida como reflexão
sobre a necessidade de, no mais curto prazo, retomar seus filhos) este é um
trabalho que cabe ao técnico do abrigo e não pode ser repassado à criança ou
ao adolescente. Naturalmente, em seus encontros eles expressam seus
sentimentos sobre o abrigo, sem que seja necessário instruí-los sobre como
fazê-lo. Há que se lembrar que, caso o período de abrigamento seja
prolongado ou o retorno à família não seja recomendado, como se sentirá essa
criança ou esse adolescente tendo que descrevê-lo como inadequado?
A coordenadora falou sobre as parcerias: “nós trabalhamos com uma
criança que está numa situação diferente das demais. Nós sabemos que a
escola tem curiosidade, mas não é só ela, outros Projetos têm curiosidade para
saber porque a criança está abrigada. Eu sei que eu não posso falar porque é
proibido por lei, que nós não podemos dizer o que aconteceu com aquela
criança, mas ao mesmo tempo eu também não posso negar para a escola ou
para outro Projeto que a criança está no abrigo. Vou à escola e tento falar com
a diretora ou a professora para ver qual é a dificuldade delas com a criança.
Porque elas têm problema de comportamento. Às vezes dormem na sala, às
vezes não querem fazer nada e tem casos de criança que o problema é de
aprendizado. Alguns casos nós explicamos que é uma situação delicada, que a
criança já passou por muito sofrimento e que por conta disso, ela tem
dificuldade de aprender. Quando é em outros Projetos e a criança está dando
trabalho lá, bate no outro e tal, vou ao Projeto e converso com eles, vejo o que
está acontecendo”.
Prosseguiu dizendo que: “às vezes, nós pegamos crianças que não são
da nossa região, mas agora não pode acontecer mais. Isto dificulta o trabalho,
porque não conhecemos a região de procedência, não conhecemos os
equipamentos para trabalhar de uma forma mais eficiente com as famílias. Se
é uma criança de Itaquera, as sete casas são bem localizadas, próximas da
maioria das escolas. Então, a criança fica provisoriamente no abrigo, porque
aconteceu uma situação em sua família mas ela não está longe da mãe, do pai.
50
Ela ainda continua com os mesmos amigos da escola, com a mesma escola,
ela conhece o lugar. Eu não arranco de um lugar e ponho em outro lugar
diferente porque ela têm medo. Quando elas são abrigadas, além de se
sentirem culpadas, porque elas acham que a culpa do abrigamento é delas,
elas também são arrancadas de tudo. Eu entendo que a palavra certa é
arrancada. Muita mãe não visita porque não tem dinheiro e o filho não entende
isso, ele pensa que a mãe não quer mais ele. Para explicar isso, você diz: ‘sua
mãe não veio hoje porque ela não teve o dinheiro, mas ela pediu que nós
mandássemos um beijo para você’”.
Muitas vezes, as crianças chegam ao abrigo trazidas pelo Fórum, por
causa do intercâmbio que há entre ele e a entidade, ou então, pelo Conselho
Tutelar. Sobre isso, a coordenadora informou que: “as crianças, primeiramente,
são encaminhadas para uma casa de passagem, porque a nossa demanda é
muito grande e não temos vagas para atendê-las. Depois, quando surge a
vaga, a casa de passagem leva as crianças ao Fórum e nós vamos buscá-las
ou então, o técnico do Fórum traz as crianças aqui. Então, o contato com as
famílias ocorre, via telefonema quando a criança chega ao abrigo”.
No abrigo, as famílias não são impedidas de visitar os filhos,
independente de ser domingo ou não, com exceção dos casos proibidos
judicialmente. Estes casos, segundo a coordenadora são aqueles que: “os pais
não podem saber onde se localiza o abrigo de seus filhos. São casos em que o
pai é agressivo e envolvido com a criminalidade. O impedimento ocorre, não só
pela segurança dos filhos dele mas também, das outras crianças, dos
educadores e da entidade. O técnico do Fórum, nestes casos, pede para não
divulgar o endereço do abrigo. Nós temos aqui apenas dois casos de proibição
de visitas. Mas aos domingos, aqui na sede, eles tem autorização para visitar
os filhos”.
Durante a semana, os pais são autorizados a conversar com os filhos,
pelo telefone, ou até mesmo visitá-los. Segundo a coordenadora, o Padre
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Rosalvino disse que: “o abrigo não é uma prisão, não é um sistema fechado,
não é uma FEBEM, é um abrigo. Então, é permitido às famílias terem esse
contato com os filhos. Mas não é por isso que elas vão deixá-los aqui. Porque
eles estando protegidos os pais ficam sossegados, despreocupados e acabam
não fazendo esse contato. Porque aos domingos, apenas 30% das famílias
visitam os filhos, aproximadamente. Então, o contato é pouco. Depois que as
famílias entendem o que é abrigo e observam que os filhos estão bem, deixam
um pouco de lado a responsabilidade que têm sobre eles”.
Sobre este assunto, a coordenadora comentou que: “acho que isso é
comodismo. Saber que os filhos estão bem e deixá-los de lado, é um pouco de
comodismo. Têm alguns que não comparecem porque não tem dinheiro para
pagar a condução, não têm como se deslocarem. Infelizmente, temos famílias
que moram longe daqui. Mas aos poucos, estaremos inserindo crianças
apenas da região para facilitar a visita dos pais. Temos casos aqui do Parque
Novo Mundo, de Ferraz de Vasconcelos e até de Franca. Então, um dos
motivos também é a indisponibilidade financeira. Mas, em geral, é comodismo
mesmo”.
Quando as famílias se aproximam do abrigo, a impressão que dá é que
elas possuem uma visão antiga de abrigo, como nos moldes dos grandes
internatos. O comentário da coordenadora a esse respeito foi: “a princípio, vêm
com uma visão do sistema fechado. Acreditam que no abrigo as crianças não
vão ter uma vida normal, que vai ser privada de tudo. Depois, nós convidamos
os pais para conhecerem a casa, É quando eles se assustam. Porque, para
eles, não seria uma casa com quarto, cozinha e sala, seria um quartel, um
sistema fechado. Então, nós explicamos também como é a dinâmica da
criança, que elas têm os afazeres da casa, arrumam suas camas e colaboram
com o dinamismo da casa. Elas vão conhecendo aos poucos que a criança
está inserida num ambiente familiar e não em um quartel. Mas é assim: os pais
precisam estar presentes no abrigo para ver como ele é e como funciona,
porque só pela fala, eles não conseguem compreender”.
52
Nas entrevistas realizadas com as famílias buscamos conhecer a
opinião delas a respeito dos abrigos em que seus filhos se encontram.
Os filhos de Neli foram retirados de seu convívio e encaminhados para
um abrigo há cinco anos. Inicialmente, o abrigo localizava-se no município de
Carapicuíba/SP, distante de sua residência, o que dificultava o seu acesso e
também a realização das visitas. Conforme as normas do abrigo, as visitas
ocorriam apenas uma vez por mês.
Neli, disse que desconhece a razão dos filhos terem sido abrigados
distante de sua residência e que: “eu tinha que pegar três trens, pegava um e
ficava fazendo baldeação. Aí eu fiquei visitando e quando eu ia lá visitar, eu via
que eles estavam sendo bem tratados, estavam sendo bem cuidados... mas eu
achei melhor depois que eles vieram para cá, porque aqui é melhor, a visita é
todo domingo e também é mais perto”.
Prosseguiu mencionando um fato que ficou marcado para ela durante a
fase do abrigamento de seus filhos: “o que ficou mais marcado foi quando eles
vieram para cá. O Lucas veio para cá com seis meses. Estava mamando no
peito, tirei o moleque do peito para trazer para cá, ele veio novinho, recém-
nascido. Aí eu sofri muito. Mas eu não tenho nada para falar daqui, aqui as
crianças são bem tratadas”.
O caso de Neli, nos mostra explicitamente, o quanto os direitos das
crianças e dos adolescentes, inúmeras vezes, são violados pelos próprios
órgãos com competência para defendê-los. Aplicar a medida de proteção
‘abrigo em entidade’ em crianças pequenas, no extremo oposto da residência
de seus familiares, em outro município, em local que propõe a preservação dos
vínculos familiares por meio de visitas mensais, pareceu ser uma incoerência
ou pareceu haver uma intenção desconhecida com relação ao destino dessas
53
crianças. E a falta de cuidado com a família que sequer foi informada dos
motivos do abrigamento.
Mesmo sob uma situação de risco pessoal e social, a medida de
proteção no caso, poderia ter provocado outras mais graves e até irreversíveis.
Não se questiona aqui a necessidade do abrigamento, mas as condições em
que ele se processou.
Neli, é uma mulher de aparência sofrida, simples, tímida, calma, fala
pouco com tom de voz baixo e se expressa-se dificuldade. Percebeu-se em
alguns momentos, que se esforça para compreender as questões que lhes são
postas, dando indicativos da existência de problemas na esfera emocional.
Com certeza, a situação de Neli requer um estudo aprofundado para uma
melhor avaliação, porém ela já nos dá sinais de que o caminho pode ser outro.
Com as características que possui, não incomoda o sistema e pode passar por
ele sem ser percebida. Ocorre que são quatro crianças e um adolescente que
estão sendo preparados (não por ela) para se tornarem membros da
sociedade. Cabe citar que o adolescente já se encontra sob medida
socioeducativa, internado na FEBEM.
Na entrevista com Roberto, pai de outras crianças abrigadas, ele iniciou
sua fala dizendo que: “as crianças estão bem mais educadas aqui, porque a
coordenadora do abrigo as educa bem. Não está sendo bom ficar longe deles,
mas eu não tenho condições ainda de ter uma casa e conseguir tirá-los. Então,
por enquanto não dá. Se for para eu pagar uma pessoa, para olhar eles e
depois fazer compra, pagar luz e água e tudo mais, não dá. Então, eles estão
aqui. O abrigo foi uma ajuda para mim. Até hoje, é uma ajuda muito grande
para mim. Até quando eu puder comprar uma casa, porque sem ter a casa, não
tem jeito”.
54
Prosseguiu dizendo que: “no começo eu não me senti bem, fiquei triste.
Mas quando eu vi que eles estavam bem educados, estudando, eu melhorei. A
minha preocupação é desabrigar, sabe? Quando eles foram abrigados, eu os
acompanhei até aqui, junto com a assistente social do Fórum. Quando nós
chegamos, eu conversei com a assistente social da Obra e ela me explicou
tudo. Ela disse que aqui era uma ajuda e que aqui não era um lugar para ficar
para sempre”.
O pai continuou falando a respeito do abrigo: “do abrigo o que eu penso
é que o Padre e esse pessoal dão uma força muito grande para nós e o que
eles fazem para nós, Deus dará em dobro a eles. Isto é uma coisa que só Deus
mesmo. Tem pessoas, crianças que se não fosse eles estariam por aí. E na é
só eles, são todos abrigos que fizeram. Para aqueles que não tem condições
de permanecer com as crianças. Por que o que eu iria fazer se eu não tivesse
este abrigo? Então, quando as crianças foram trazidas para cá, de um lado eu
achei ruim e de outro eu achei bom. Agora tem como eu me virar e correr atrás
de alguma coisa. Porque do jeito que eles estavam... mas como poderiam estar
bem se estavam sem a mãe? E também, sem o pai estar morando junto, mas
sempre indo lá? Então o que eu falo é que esse abrigo é muito bom”.
Roberto fez comentários a respeito dos coordenadores dos abrigos:
“eles fazem de tudo para que no contato com o pai, com a família e com as
crianças, todos fiquem em paz, sem nenhum problema. Quando as crianças
brigam, eles comunicam e solicitam uma “dura” dos pais, porque eles dizem
que os pais precisam falar com eles e eu acho isto normal. Até hoje, eu nunca
vi, mas tem gente que disse que isso acontece em outros lugares, da
coordenadora bater em crianças. Não, nunca bateu não. Mas dar uma
chacoalhada, falar firme, eu acho que não tem nada”.
Bento, outro pai entrevistado, também disse o que pensa sobre abrigo:
“olha nesse abrigo aqui, o que eu sinto é uma associação, um agrupamento,
alguma coisa que pode ajudar. O que eu sinto aqui é respeito. Tem muito
55
respeito, muito amor, as pessoas me tratam muito bem aqui dentro. Porque
tem abrigo que não trata bem. Tem espaço para andar, passear com as
crianças. Mas aqui eu senti mais alegria porque eu posso ir até lá em cima e
voltar, ninguém vai atrás. Porque um pai não vai roubar um filho e se ele não
tem lugar para fica. O pai deixa, mas vai com o coração partido, cheio de dor.
Aqui tem muito amor, carinho e respeito. O Padre me ajuda.
Prosseguiu dizendo que: “mas lhe digo uma coisa, aqui as crianças
brigam muito. Eu acho que elas não deveriam brigar. Se um não tem pai e o
outro tem, então eles precisam se unir e se ajudar e ter paciência”.
Encerrou a sua fala dizendo: “eu quero que o presidente ou quem estiver
ouvindo, que nós que somos pobres, não somos vagabundo. O cabra que cata
lixo ele também não é cachorro”. Bento mora sob um viaduto, no interior de um
veículo, em companhia da esposa que aparenta ter sido acometida de doença
mental. Sabe-se que ela faz uso contínuo de medicação, porém o diagnóstico é
desconhecido.
Nas entrevistas com as famílias foi possível observar que elas avaliam
os trabalhos realizados pelo abrigo de maneira positiva. As famílias
comentaram que os filhos, após permanecerem no abrigo, modificaram o
comportamento: hoje estudam, são educados e bem cuidados. Um dos pais
disse, inclusive, que não poderia oferecer aos filhos o que o abrigo oferece.
Quanto ao tratamento dispensado às famílias pelo abrigo, elas foram
unânimes em reconhecer que são bem tratadas pela instituição, que são
respeitadas e auxiliadas por ela na criação de seus filhos.
De imediato, pensou-se que os elogios postos pelas famílias se referiam
ao fato, dos filhos, naquele momento, estarem usufruindo dos serviços da
instituição. No entanto, nos casos de Neli e de Bento, pôde-se observar que
56
foram tecidos os mesmos elogios ao trabalho desenvolvido pelos abrigos
anteriores a este, onde destacaram o apoio recebido de alguns funcionários.
Das entrevistas depreendeu-se que, embora as famílias tenham falado
do sofrimento que vivenciam em razão do longo tempo de separação de seus
filhos, não apresentam perspectiva para o desabrigamento, sequer a médio
prazo.
Percebeu-se de suas falas, principalmente na de Bento e na de Roberto,
certa preocupação de serem destituídos do poder familiar e os filhos serem
colocados em família substituta. Apesar dessa possibilidade, soube-se por eles
e pelos coordenadores que os mesmos, não são freqüentes às visitas, mas que
sempre justificam as ausências.
As famílias reconhecem o trabalho do abrigo como positivo no processo
socioeducativo de seus filhos. Pareceu que se sentem incapazes de realizá-lo
da mesma maneira, ou até mesmo de cuidar desses filhos.
Na entrevista com a assistente social Cássia, chefe da Seção Técnica
de Serviço Social da Vara da Infância e da Juventude de Itaquera, pudemos
conhecer a sua opinião a respeito do abrigo como medida de proteção. É
importante mencionar que Cássia atua profissionalmente, na área da Infância e
da Juventude há mais de 20 anos e, antes disso, trabalhou na antiga Secretaria
da Promoção e do Bem Estar Social do Estado, com a supervisão e o apoio
técnico das entidades sociais conveniadas na referida secretaria.
Sob a jurisdição do Foro Regional de Itaquera, o segundo maior da
capital, especificamente, na Vara da Infância e da Juventude, há um número
aproximado de 12 abrigos. Este Foro abrange os bairros de Itaquera, São
Mateus e Guaianazes. Na oportunidade, Cássia descreveu a área de atuação
do Fórum: “Guaianazes é formada por diversos bairros, dentre eles o de
57
Cidade Tiradentes e Lajeado que são áreas extremamente grandes, são
bairros dentro de bairros. São Mateus caracteriza-se como o bairro de maior
periculosidade. Nele, existem algumas áreas invadidas por traficantes, eles
aplicam as suas leis e comandam a área. São áreas de difícil acesso, inclusive
para nós adentrarmos e é composta por várias COHABs e várias favelas, uma
área extremamente violenta”.
A Vara da Infância e da Juventude de Itaquera atende uma grande
demanda de crianças e de adolescentes em situação de risco, quer por
omissão dos pais ou responsáveis, quer pelo envolvimento dos adolescentes
com grupos inadequados ou por sofrer ameaça à integridade física, são
situações que “realmente exigem a medida de abrigamento”.
Quando o juiz determina o abrigamento de crianças e de adolescentes,
segundo Cássia, o procedimento da Vara da Infância e da Juventude é: “o
primeiro passo seria procurar por abrigo. E nos deparamos com as dificuldades
para obter as vagas nos abrigos. Os abrigos da nossa região não conseguem
dar conta da demanda. Em agosto do ano passado foi inaugurado pela Ação
Social de São Mateus, em parceria com a Prefeitura do Município de São
Paulo, o Centro de Referência Voltando Para Casa o que, significaria uma
porta de entrada de crianças e de adolescentes. O Centro de Referência tem
uma proposta de permanecer com as crianças por dois, três meses e, em
parceria com o Judiciário, propor a reintegração familiar ou o encaminhamento
para abrigos de permanência. E o que estamos percebendo? Eles estão com a
mesma dificuldade dos técnicos do juízo, ou seja, de obter vaga s em abrigos
onde as crianças possam permanecer por um período. E este Centro de
Referência, que é caracterizado como porta de entrada, está se tornando um
abrigo e não é esta a proposta. Então, hoje se aparecer espontaneamente um
adolescente, uma criança em situação de risco, não temos para onde
encaminhar. Porque o que era um apoio tornou-se um abrigo e também não
tem vaga”.
58
Com relação às providências a serem tomadas diante desta situação,
Cássia disse que: “recentemente, nós encaminhamos (eu e a chefe da Seção
Técnica de Psicologia) um documento dirigido à juíza da Vara da Infância e da
Juventude expondo a dificuldade que estávamos vivenciando e ainda estamos
no aguardo de deliberações. Ao encaminharmos o documento consideramos
que a juíza poderia acionar o Ministério Público dos Direitos Difusos e
Coletivos, o Gabinete da Secretaria Municipal de Assistência Social, uma vez
que este atendimento está em fase de municipalização. São necessárias
providências urgentes a quem compete para que se amplie o número de
abrigos”.
Cássia, no que se refere à medida de abrigo teceu comentários
importantes que valem a pena serem registrados: “embora consideremos que a
medida de abrigo não seja ideal e percebemos que por melhor que seja o
padrão de atendimento, ele é um lugar triste, um lugar frio. No abrigo o
atendimento não consegue ser personalizado, mas há situações que o abrigo
precisa ocorrer naquele momento, como uma medida de proteção. Então,
precisa mesmo ampliar esta rede”.
Há problemas com a municipalização do atendimento de crianças e de
adolescentes em regime de abrigo, como apontou Cássia: “nós estamos
percebendo o que está acontecendo com esse processo de municipalização: ’o
estado está detendo uma rede dos abrigos e a prefeitura outra rede. Quando
vamos cobrar do estado a falta de recursos em termos de abrigo, o estado diz
que não, está municipalizando. Quando cobramos da prefeitura, ela diz que
não ainda não municipalizou’. Então essas divergências está tendo como
principal prejudicada a criança e o adolescente que precisa de uma medida de
proteção”.
Os técnicos do juízo e dos abrigos discutem a respeito da medida de
acolhimento. Nessas discussões são questionadas outras formas de
encaminhamento que não seja o abrigo. Cássia comentou as discussões: “em
59
primeiro lugar, nós buscamos a rede familiar. A mãe que vitimizou o filho, essa
criança tem avó, como é essa avó? Ela tem um irmão mais velho? Tem uma
tia? Nós buscamos primeiro e rede familiar, até com colaterais, o primeiro
passo é esse. O segundo passo seria encaminhar para algum programa onde,
essa criança pudesse permanecer um determinado período. Buscar
alternativas para trabalhar essa mãe, enquanto a criança está fora. Realizamos
acompanhamentos, encaminhamentos. Dependendo da situação não
abrigamos a criança num primeiro momento. Quando percebemos que a
família não correspondeu a nenhuma das orientações, a nenhum dos
encaminhamentos. Aí, não resta alternativa. E quando a vitimização é grave, é
gritante, não restam dúvidas. É preciso retirar a criança daquele contexto,
abrigar e aí buscar. Tem situações que nós não acolhemos. Nós buscamos na
família, nos encaminhamentos. Se sentimos alguma predisposição naquela
família em mudar, se reestruturar, nós investimos, para tornar o abrigamento
como última alternativa”.
Cássia comentou que: “nós deixamos um grupo de irmãos com um mãe
que era dada ao tráfico de drogas porque não havia vaga no abrigo. Nós
esperamos alguns dias porque não obtivemos vagas para retirar as crianças.
Eram crianças e uma delas era vitimizada pela mãe. Em muitos casos, nós
aguardamos ocorrer um desabrigamento para ceder a vaga para outra
criança/adolescente. Há uma troca entre os técnicos”.
Encerrou a sua fala dizendo: “se as medidas protetivas de abrigamento
se dão geralmente, por maus tratos e negligência, nós podemos ter a certeza
de que essa família foi maltratada e negligenciada”.
60
CAPÍTULO III
A PRESERVAÇÃO DOS VÍNCULOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
ABRIGADOS COM SUAS FAMÍLIAS.
“troca de roupa que você é a mãe e eu sou o pai, vamos visitar os filhos”.
Bento, pai de crianças abrigadas.
A preservação dos vínculos familiares é de fundamental importância às
crianças e aos adolescentes que se encontram privados do direito que todo o
ser humano possui, de ter uma vida em família e na comunidade.
As entidades sociais que atendem à essa parcela da população infanto-
juvenil, se esforçam para adotar os princípios preconizados pelo ECA, no que
diz respeito ao seu funcionamento. Buscam por meio das atividades que
desenvolvem atenuar o sofrimento causado pela separação de pais e filhos
que, dependendo das circunstâncias que geraram o abrigamento, pode ser
transitória ou definitiva.
Tanto a pesquisa sobre Abrigos na cidade de São Paulo como a
realizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em parceria
com o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, em âmbito nacional, entitulada “O Direito à convivência familiar e
comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil” apontaram que
o índice das crianças e dos adolescentes que possuem família e recebem
visitas de seus familiares, chega a ser superior a 50%, em ambas as
61
pesquisas. Portanto, depreendeu-se que a maior parte dos abrigados mantém
vínculos com seus familiares.
Esse dado sugere que o motivo do abrigamento da maioria das crianças
e dos adolescentes pode estar relacionado à impossibilidade das famílias de
cuidarem dos seus filhos, como também, de superarem as dificuldades dos que
vivem sob a situação de extrema pobreza.
Embora tenha se constatado, na primeira pesquisa acima mencionada,
que grande parte dos abrigamentos que ocorreram pela precária situação
socioeconômica da família, resultou no desabrigamento de crianças e de
adolescentes a curto prazo, questiona-se o que motivou a aplicação da medida
de proteção “abrigo em entidade”.
A esse respeito, podemos refletir a partir de dois aspectos: o primeiro, a
inexistência de apoio às famílias em condição de vulnerabilidade social na fase
anterior ao abrigamento, quando ainda os direitos se encontravam sob ameaça
de serem violados e os vínculos familiares, estavam apenas fragilizados. E, o
segundo, se refere à análise pouco aprofundada, realizada pelos órgãos
especializados na defesa dos direitos da criança e do adolescente, da situação
que estes, vivenciavam no convívio de suas famílias. Essa análise, geralmente
se processa de maneira emergencial, frente às graves situações encaminhadas
para intervenção, com as quais esses órgãos se deparavam em seu cotidiano e
que, posteriormente, se tornaram definitivas.
Nas situações em que o abrigamento se deu por motivo de negligência,
maus tratos e/ou abandono da criança/adolescente por parte de seus
familiares, além da permanência no abrigo ser prolongada, o desabrigamento
pode ocorrer após inúmeras intervenções com as famílias, e só ocorrer nos
casos em que elas são presentes no abrigo. Nestes casos, a manutenção dos
62
vínculos familiares é mais trabalhosa, e dependerá do motivo que gerou a
retirada dos filhos do convívio familiar.
Segundo Bowlby, “quando uma criança pequena se vê entre estranhos
e sem suas figuras parentais familiares, ela não só se mostra intensamente
aflita no momento, mas suas relações subseqüentes com seus pais ficam
comprometidas, pelo menos temporarimante”. Assim sendo, é com
preocupação que vemos ainda nos dias atuais, o abrigamento de crianças e de
adolescentes como uma prática constante em todo o país, mesmo após o
reconhecimento dos prejuízos que podem acarretar para o desenvolvimento
dos mesmos, caso não haja ações voltadas ao fortalecimento de vínculos
familiares. Portanto, empreender esforços para melhor fundamentarmos as
ações, no sentido de viabilizar manutenção e a renovação dos vínculos
familiares daqueles que se encontram abrigados, deve ser a tarefa de quem se
predispõe a operar a medida.
Ainda com relação aos estudos realizados por Bowlby, pôde-se
depreender que entre os tipos de vínculos, um dos mais comuns é aquele que
existe entre os pais e seus filhos e que “o primeiro e mais persistente de todos
os vínculos é geralmente entre a mãe e seu filho pequeno, vínculo que persiste
até a idade adulta.” Freqüentemente, quando ocorre a separação, por
diferentes razões, cada um deles procura o outro, mais cedo ou mais tarde, a
fim de se reaproximarem.
Ainda, a partir de Bowlby, pôde-se compreender que as emoções das
pessoas se originam a partir da formação, manutenção, rompimento e
renovação dos vínculos. De uma maneira subjetiva, a formação dos vínculos se
refere ao “apaixonar-se por alguém”; a manutenção, a “como amar alguém”; e
a perda do outro é como “sofrer por alguém”. A ameaça da perda causa
“ansiedade” e a perda real, “tristeza” e ambas as situações podem despertar
“raiva”. Ao mantermos os vínculos experimentamos a segurança e ao renová-
los, uma alegria intensa.
63
O autor, ao discorrer sobre o tema, faz com que nos reportemos à nossa
trajetória profissional, levando-nos a refletir sobre ela, incitando-nos a
ampliarmos o conhecimento das necessidades essenciais do ser humano, com
vistas a uma melhor atuação, se possível, de caráter preventivo e não
emergencial.
Ressalta-se mais uma vez, a fase da infância como a mais importante no
desenvolvimento das pessoas, e que se esta receber o apoio efetivo da parte
do mundo adulto, poder-se-á, de certa forma, evitar a proliferação de graves
distúrbios emocionais e psiquiátricos, difíceis de serem tratados, que as
impedem de viver em família e na comunidade.
Desta forma, a preservação dos vínculos familiares com vistas ao
retorno à sua convivência e à comunidade, configura-se como um aspecto
essencial, na socialização dos que se encontram abrigados, seja pela ausência
de condições socioeconômicas familiares, seja por causas delas decorrentes,
tais como: a negligência, o abandono, os maus tratos, o abuso sexual, etc..
O retorno à família de origem e/ou a colocação em família substituta,
como contempla o ECA, é direito de meninos e meninas que se encontram
abrigados, pressupondo-se que os irmãos, se os tiverem, devam receber
encaminhamentos semelhantes e para o mesmo ambiente, como também
determina a legislação infanto- juvenil.
O incentivo e a viabilização para reaproximar crianças e adolescentes de
suas famílias, iniciam-se por ocasião do abrigamento e são considerados
como, imprescindíveis ao trabalho de retorno ao convívio famíliar. Porém, ainda
é grande o número de instituições que resistem a adotar os princípios e
diretrizes estabelecidos pelo ECA, oferecendo à população atendida, pouca ou
64
nenhuma oportunidade para manter e/ou renovar seus vínculos familiares,
dificultando o retorno à família de origem e a colocação em uma outra.
No depoimento de Cássia, assistente social da Vara da Infância e da
Juventude do Foro Regional de Itaquera, soube-se que os assistentes sociais e
os psicólogos que compõem a equipe técnica, procedem orientações e
acompanham as famílias durante a fase de abrigamento. Geralmente, realizam
este trabalho em parceria com os profissionais do abrigo, a partir do momento
que o juiz determina a institucionalização. Com isso, tanto os profissionais do
judiciário como os dos abrigos visam a preservação dos vínculos familiares
para o breve retorno dos abrigados à convivência familiar.
No entanto, este caminho pareceu ter alguns obstáculos em seu trajeto,
como expôs Cássia: “em alguns casos, nós temos adolescentes que não têm
referência familiar, desconhecem quem são seus familiares. Às vezes, têm
algum referencial de família, mas não é a família biológica. São famílias
desestruturadas que, mesmo com o acompanhamento, elas não conseguem se
reestruturar. Muitas vezes, a Psicologia percebe que faltam recursos internos.
E o Serviço Social percebe que faltam recursos externos, a partir do momento
que os programas de assistência social que têm por objetivo essa
reestruturação familiar também são escassos e, muitas vezes, inexistentes”.
Prosseguiu expondo que: “o acompanhamento das famílias se dá a cada
três meses, porque a demanda da VIJ de Itaquera é numerosa, acredito que
nós temos mil e quinhentos processos em andamento e nós somos um grupo
de dez assistentes sociais e dez psicólogos. Muitas vezes, este grupo não
consegue suprir essa demanda. Mas, dentro do que é possível, o caso é
acompanhado, tanto a família, quanto as crianças e/ou os adolescentes
abrigados e os técnicos do abrigo”.
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Cássia deu continuidade às suas exposições, reiterando os percalços
encontrados no caminho de volta para o lar: “nós fazemos um trabalho em
parceria quando dá pra fazer... e... nós tentamos trabalhar o retorno, a
reintegração familiar dessa criança e desse adolescente. É quando nós
esbarramos naquelas dificuldades que já falamos: a ausência de políticas
públicas”.
A entrevistada falou a respeito das visitas das famílias aos filhos: “nós
sempre questionamos, como são realizadas as visitas. Se há casos de crianças
e adolescentes que passam os finais de semana com a família. Geralmente,
nós fazemos isso durante a fiscalização nos abrigos e durante o atendimento
individual das crianças abrigadas”.
Prosseguiu dizendo: “não são todas as entidades que trabalham essa
reintegração familiar, nem todas as entidades, eu não diria que não trabalham,
eu diria que favorecem, pelo esquema das visitas. É dito para as mães: Olha, a
senhora vai visitar quinzenalmente, se ela não for naquele determinado
domingo, ela não pode ir outro dia. E nós sabemos que nem sempre ocorre
essa reaproximação. Nós percebemos que nem sempre o abrigo é um agente
facilitador dessa reintegração”.
A este respeito, Cássia comentou que: “eu acho que é uma falta de
esclarecimento, uma falta de conhecimento da parte dos abrigos. Assim: ‘o
adolescente foi para casa, ele passou o final de semana com a família e voltou
rebelde’. São falas, geralmente, dos abrigos. E mais, ‘aquela mãe veio aqui,
mas aquela mãe é difícil de lidar’. Às vezes, parece que existe uma
acomodação por parte dos abrigos. Assim: eles estão aqui, eles estão
quietinhos. Eles vão para a família, a mãe vai ao fórum, a criança já se
transforma, o adolescente volta rebelde. Eu acho que existe certa acomodação,
uma falta de esclarecimento”.
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Cássia disse ainda que: “eu diria que noventa por cento das crianças e
dos adolescentes, de todos os casos que nós atendemos, não querem
permanecer no abrigo. Acredito que, frente a essa situação, o primeiro passo
seria ampliar as políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente,
a fim de encaminharmos as famílias para que elas se reestruturassem e, desta
forma, reunissem condições para receberem os filhos novamente. Nós
percebemos que a desestruturação familiar, em alguns casos, ocorre pela
carência material, outros não”.
Prosseguiu argumentando sobre a necessidade da criação de outros
programas que atendessem as famílias: “Precisaria até de um programa que
atendesse a família, que orientasse o casal, pois este, devido estabelecer
relações conflituosas acabam envolvendo os filhos nas discussões chegando a
prejudicá-los. Por exemplo: a mãe que vitimizou o filho, ela teria que ter um
acompanhamento mais amiúde, um programa que prestasse atendimento
neste sentido. E também, deveria ser assistida no sentido material, de
assistência social mesmo”.
Sobre este assunto informou que: “parece que o estado de São Paulo,
tem um programa, chamado Bolsa Trabalho, que é repassado para a
prefeitura. Assim, ela pode assistir às famílias, mas essa assistência é uma
assistência material, não existe um acompanhamento das famílias. O
acompanhamento, certamente, é o mais importante, porque temos famílias que
apresentam histórico de uso de entorpecentes (álcool) e muitas, empregam o
dinheiro que recebem para essa finalidade. Nós recebemos algumas denúncias
de pais irresponsáveis que estavam utilizando essa verba para o consumo de
bebidas alcoólicas, de entorpecentes. E, muitas vezes, mesmo nos casos em
que não há o uso de substâncias químicas, percebemos que a família não
reúne condições para administrar essa verba. Então fica o assistencialismo
pelo assistencialismo”.
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Com relação à preservação dos vínculos familiares, Cássia comentou:
“em algumas ocasiões, nós orientamos os técnicos dos abrigos a serem mais
acessíveis. Não existe um esquema de visitas, mas em determinados casos é
preciso favorecer - principalmente, nos casos em que a família comparece nos
dias que não são os estipulados pelo abrigo - a fim de garantir a preservação
dos vínculos familiares tendo em vista a reintegração familiar”.
Prosseguiu comentando que: “nós não temos encontrado muitas
resistências, em alguns casos. Em outros, nós percebemos certa resistência, a
ponto de ouvirmos: mas eu vou facilitar para essa família, e as demais?”. É o
que eu já disse. Nós percebemos muitas vezes, que no abrigo há falta de
conhecimento, de esclarecimento e outras vezes é a acomodação. Eles dizem:
a mãe vem, nós temos uma rotina, a família chega e desestabiliza aquela
rotina. É bastante complicado, então, eu diria assim: que temos abrigos que
são acessíveis, que dá para trabalhar em parceria. Existem outros que
percebemos algumas linguagens distintas entre eles e o Judiciário. Alguns não
têm corpo técnico e são administrados por pessoas leigas e é mais complicado
para trabalhar, trocar experiências”.
Ainda, com relação à reaproximação, Cássia disse que: “dependendo da
situação nós trabalhamos gradativamente, a reaproximação quer com a família
de origem, quer com a família substituta. Porque nós solicitamos para os
técnicos serem mais acessíveis à visita. Autorizamos a passar determinados
finais de semana com a pessoa que tem proposta de desabrigar. Tentamos
assim, uma reaproximação gradativa, dependendo da faixa etária e da situação
da criança e/ou do adolescente, antes de sugerirmos ao juízo o
desabrigamento, que aquela criança será desligada definitivamente do abrigo”.
Com relação à preparação para o desabrigamento, mencionou que: “na
própria fala da criança percebe-se que ela não deseja mais permanecer no
abrigo porque a pessoa com quem irá conviver, já se faz presente na vida dela.
Percebemos que as crianças/adolescentes estão prontos para o
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desabrigamento após avaliarmos as visitas no abrigo, as idas nos finais de
semana para a companhia dos familiares. Enfim, é quando observamos certa
“ansiedade” naquela criança, naquele adolescente para se desligar do abrigo e
ir para aquela família.
Cássia falou que somente em alguns casos, conseguem preservar os
vínculos familiares e também, proporcionar o retorno à família, em outros não.
Nestes casos nos quais não obteve êxito sugere que: “geralmente quando a
família não está preparada ainda para receber aquela criança e/ou
adolescente, há necessidade de se propor um trabalho mais efetivo. Assim:
trabalhar mais com essa família, estimular e reaproximar. Porque cada situação
é uma situação. Não podemos ter procedimentos prontos, cada criança, cada
adolescente, é uma situação peculiar. Em uma família substituta, geralmente,
quando nós estamos fazendo a aproximação daquela criança com a família,
esse tipo de procedimento surte efeito. Agora, às vezes, quando é uma
reintegração com a família de origem talvez até se estabeleça mais
dificuldades, cada situação é uma situação. Fica até contraditória minha fala,
porque se eu disse que praticamente noventa por cento não deseja
permanecer no abrigo, nem sempre a reinserção familiar é procedida com
êxito. Muitas vezes também, ocorre o reabrigamento daquela criança e/ou
daquele adolescente”.
As questões abordadas por Cássia nos levam a refletir sobre a
importância do acompanhamento e da avaliação de políticas e programas
sociais. Estes, ao serem implementados necessitam ser menos burocráticos e
mais voltados à eficiência, eficácia e efetividade. As famílias desprotegidas
carecem de acolhimento e apoio para que possam se reorganizar, conceder o
benefício apenas, não supri as suas necessidades e não se consegue alcançar
o que se pretende, a sua inclusão social.
Na instituição pesquisada, a preservação dos vínculos familiares ocorre
por meio de visita dos familiares, saídas em fins de semana, férias ou datas
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comemorativas com destino à família de origem e/ou de apoio. Além disso,
ocorrem contatos diários com as famílias, por meio de contato telefônico e
visita domiciliar aos familiares, dependendo da necessidade da criança e/ou do
adolescente. A visita ao domicílio da família é realizada pelo coordenador do
abrigo, em companhia da criança que deseja visitar seus familiares.
Na Obra Social Dom Bosco de Itaquera, a visita dos familiares ocorre
semanalmente, aos domingos e tem como período de duração, o dia todo. É
realizada na sede da obra, onde se localiza a Comunidade Nossa Senhora
Aparecida. As crianças/adolescentes abrigados são trazidos pelos educadores
à sede, por volta das 8:00 horas e permanecem no local, aguardando a
chegada de seus familiares ou assistindo a missa rezada pelo Padre Rosalvino.
A pesquisa foi realizada, nos domingos, nesse momento da visita dos
familiares. Na ocasião, pude observar o entusiasmo, a agitação e a ansiedade
das crianças e dos adolescentes ao aguardarem a chegada dos visitantes.
Trata-se de espaço amplo, onde as crianças podem correr, brincar, cantar e os
adolescentes formam pequenas rodas para conversar.
Nos dias em que realizei a coleta de dados da pesquisa, vários eventos
ocorriam ao mesmo tempo na Obra, contribuindo para descontrair ainda mais o
ambiente. Em todos os eventos, a comunidade participou efetivamente das
atividades, observando-se haver bom entrosamento entre todos os presentes.
Os familiares das crianças e dos adolescentes chegaram aos poucos,
encontraram os filhos ou foram encontrados por eles. Neste clima de festa,
agitação e contentamento, pude observar também, momentos de tristeza, pela
ausência dos familiares, de indignação por ainda estar abrigado,de insatisfação
por causa da Obra ou do Judiciário, etc. Esses últimos, se mostravam
inexpressivos diante de tanta euforia. No dia da visita, os familiares, as
crianças e os adolescentes se juntam às pessoas da comunidade e almoçam
70
na sede da Obra, além de participarem nas atividades que são desenvolvidas
no decorrer do dia.
Naquele espaço há que se destacar o Padre Rosalvino, como figura de
autoridade, além de ser um grande articulador, líder comunitário, carismático e
humano, apesar do “jeitão” meio rígido de se relacionar.
A este respeito, uma das coordenadoras disse: “O Padre Rosalvino
consegue ficar em tudo ao mesmo tempo. Eu não sei como ele faz, ele circula,
claro que ele é muito requisitado, mas ele circula: se tem algum pai que às
vezes está precisando ser chamado à atenção ele vai conversar com ele,
porque nós passamos tudo para ele. Ele exerce uma figura de autoridade muito
intensa. Nós, coordenadores e equipe técnica, não temos essa figura, nós não
somos reconhecidos da forma que ele é. Então, às vezes é importante ele
conversar com o pai, sobre uma atitude sua em relação ao filho, e, em muitas
vezes, também para elogiar, porque o elogio é dele. Às vezes, ele vai até lá, vê
uma família, conversa um pouco com ela, escuta e, às vezes, trás algumas
informações que ela não falou para nós, mas falou para ele. Então, ele trabalha
afinadinho com a gente, é que ele corre muito, é muito rápido”.
O Padre Rosalvino, durante a entrevista, também discorreu sobre a
importância da preservação dos vínculos familiares de crianças/adolescentes
abrigados. Disse que: “então, do ponto de vista econômico, didático-
pedagógico, humano, despertando esse valor importante da família, que está
dentro da obra e a Obra está dentro das famílias foi esse valor que me levou a
deslocar os abrigos para próximo da Obra”.
Para melhor compreensão, o Padre Rosalvino firmou convênio com a
FEBEM, no período da terceirização da área de carentes e abandonados da
referida instituição, assumindo os abrigos da zona leste da cidade de São
Paulo, que se localizavam distantes da sede da Obra Social Dom Bosco,
71
dificultando os trabalhos com a população abrigada e o acesso das famílias
para visitação.
Como já foi exposto anteriormente, o Padre Rosalvino, define o núcleo
familiar, como espaço essencial para a educação de crianças e jovens.
Comentou que: “eu sempre disse para a minha equipe: Pessoal, pelo amor de
Deus, sou contra adoção, só em último, mas no último caso mesmo.
Batalhemos, lutemos, busquemos e façamos tudo que pudermos para que
essa criança volte ao lar que ela nasceu. E olha que às vezes, nós fazemos
milagres, viu?”
Um exemplo disso foi: “De todas as crianças, só temos um menino que
nós não encontramos a família. Nós tínhamos dois irmãos: um menino e uma
menina, que também não conseguíamos, não conseguíamos, e não
conseguíamos. Um dia eu me enfezei aqui e falei “Gente, não é possível,
vamos à FEBEM, buscar de onde eles vieram, que eles eram da FEBEM,
vamos lá nos arquivos, vamos lá que tem que ter alguma coisa. E vai, e vai, e
vai, e vai... e aí o nome apareceu, não sei que bairro, aí fomos lá num bairro
não sei onde lá em Campinas. Numa rua perdida de Campinas. Fulanos, num
bar perguntamos: você conhece um fulano assim?, tem duas crianças? Você
sabe alguma coisa? Sim eu sei: a mulher, fulana de tal, está presa. Assim
achamos a mulher. Ela estava presa com as duas filhas. Mas aí por meio
dessa mulher, descobrimos que eles tinham tias. E agora tem uma outra tia
que está com os dois meninos”.
Prosseguiu comentando a respeito das situações do cotidiano
institucional que demonstram o empenho de todos, na luta pelo retorno das
crianças e adolescentes abrigados ao convívio familiar: “tentamos recuperar.
Por exemplo, se o problema é econômico, vamos ver: é possível trabalhar esse
pai ou essa mãe, qualificando aqui nas oficinas, numa costura? Vamos dizer
assim, num curso, numa marcenaria para os homens, numa mecânica, de
repente? Vamos ajudá-lo no mutirão, o senhor pode entrar no mutirão, e fica
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tendo uma casa, o espaço físico. Também podemos facilitar isto. Então, é o
que eu penso, toda a minha equipe fica atenta para isso”.
O levantamento das situações vivenciadas pelas famílias dos abrigados
é realizada pelo profissional de Serviço Social. Como disse o Padre: “isso, o
social vai levantar, vai averiguar, vai perceber e agir nessa família com todo o
esforço que nós pudermos. Inclusive, atraí-las para as festividades, para os
eventos. As famílias têm, mensalmente, uma reunião com a técnica que
acompanha, que averigua se a problemática já está sendo resolvida, se não
está sendo resolvida, é isso que nós procuramos fazer”.
No trabalho que a Obra desenvolve com as famílias, segundo o Padre:
é preciso ter uma paciência de Jô, principalmente, quando a pessoa bebe e
também usa droga. Quando é usuário é mais fácil, mas se é o traficante é pior.
Nós temos disso aqui, são os presidiários que aparecem aqui. Nós percebemos
como é a vida desse pessoal, eles não trabalham e como vivem?. Aliam-se um
ao outro para poder manter o sapato, o terninho, tudo brilhantezinho. Como
podem ter isso aí? E aí nós também procuramos pesquisar, buscar
informações, avaliar, chegar mais próximo do camarada, onde mora. Fazemos
uma pesquisa no entorno, conhecemos o fulano. Nesses casos, às vezes, a
pessoa da equipe se identifica, outras vezes é bom não se identificar. E, olha,
isto é um desafio”.
No decorrer da pesquisa, ao estabelecermos contato com os
funcionários, educadores e demais profissionais, observamos que nas relações
intrainstitucionais, prevalecem o respeito mútuo, o interesse e a dedicação para
suprir as necessidades do outro, configurando o ambiente como acolhedor,
produtivo e compromissado.
Na entrevista com a coordenadora do abrigo, ela nos contou sobre as
visitas dos familiares: “nós estávamos tentando trazer a família para a sede,
porque as visitas ainda não eram realizadas aqui, elas aconteciam nas casas.
73
Na época, nossa avaliação era negativa, porque o grupo de crianças ficava
reduzido. Tinha criança que não recebia visita, tinha criança que recebia a pai
bêbado e isto era traumatizante para elas. Aqui na sede, é mais fácil para
lidarmos com isso. O ambiente é mais amplo, favorece a descontração e facilita
as brincadeiras, principalmente, com aqueles cujos familiares não
compareceram à visita. Nas casas, era difícil para o educador lidar com isso.
Às vezes, a coordenadora do abrigo não comparecia no sábado e tampouco no
domingo, ficando apenas um ou dois educadores, para resolver toda a
situação. A técnica realizava a visita, mas esta, era direcionada à observação
do que ocorria fora do abrigo e não intervia. Não, não estava legal,na visita dos
familiares nas casas, as crianças estavam passando por vexame. Nós tivemos
que rever isso. Foi quando nós começamos a trazer os pais para a sede.
Então, as visitas das familias de crianças e adolescentes das sete casas do
Programa, passaram a ser aqui, aos domingos, na sede da Obra”.
Prosseguiu dizendo que: “agora nós estamos reestudando se voltamos
as visitas para as casas. Este ano, estamos pensamos em trabalhar assim,
para analisarmos o que há de positivo nesta forma. Nós estamos analisando a
importância de organizarmos uma reunião mensal para os pais. A assistente
social Eliana é que estava tendo a iniciativa desde o ano passado. Porque este
ano, nós tivemos pouca participação dos pais. Então, nós estamos pensando
em reativar isso e trazermos as famílias para dentro da casa. Num mês,
ficaríamos na casa conversando, lanchando ou jantando, ou sei lá o que nós
vamos montar. Talvez café da manhã com os pais e as crianças, ainda não
sabemos. Isto, é para observarmos a relação entre eles, o vínculo existente
para depois trazermos à reunião no outro mês. Pretendemos intercalar um mês
na casa, com esse momento de partilha, de aproximação e no outro sábado, no
outro mês aqui a reunião de pais, onde se daria mais formação, mais
direcionada”.
As famílias das crianças e dos adolescentes que foram abrigados, se
aproximam do abrigo de diferentes maneiras, o contato telefônico é a mais
comum, como disse a coordenadora do abrigo: ”elas telefonam, perguntam o
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dia da visita ou então, nós entramos em contato telefônico antes, solicitando
que compareçam na visita. Ou então, realizamos visita domiciliar, quando
falamos da importância desse momento. Falamos do que elas estão perdendo,
que elas são as maiores perdedoras: estão perdendo o vínculo com os filhos.
Que elas correm o risco de, se não vierem, não irão alimentar o vínculo.
Falamos que o juiz pode entender que elas não merecem mais ter esse vínculo
e aí elas vão sofrer. As crianças também vão sofrer muito porque as
referências da criança são elas. Então, nós trabalhamos isso nas visitas e a
importância desse momento também. Assim, se estiverem com os filhos o
quanto puderem, a todo momento, nas festas, no ensaio das festas, enfim, que
se façam presentes”.
Uma outra coordenadora de abrigo, ao ser entrevistada, falou como
ocorre a aproximação dos familiares com o abrigo: ”todos os domingos, às 8:30
horas, é o horário que começa a missa e a visita dos familiares. Então, as
famílias que estão autorizadas, à exceção daqueles que têm proibição judicial,
estão autorizados a visitar os filhos aqui na Obra. Temos também a reunião de
pais, uma vez por mês. Quando acontece dos pais visitarem os filhos na casa,
nós autorizamos, mas sempre alertando que nós temos uma dinâmica na casa,
e que ele precisa estar agendando a visita no abrigo. Alguns pais visitam e
outros não, os primeiros são carinhosos e atenciosos, já os segundos são
totalmente alheios, visitam por obrigação. Nós temos o controle dos pais que
vêm para a visita, por isso sabemos daqueles que só vêm para bater o cartão,
só para marcar presença”
No momento da visita, as famílias se relacionam com seus filhos, e
como isto se processa, foi descrito pela coordenadora: ”temos a primeira
conversa junto com os pais e as crianças, depois não, nós os deixamos à
vontade com a mãe. Procuramos perceber a mãe. Isto não significa sondar, é
perceber mesmo. Nós tivemos uma mãe que comentou estar surpresa com o
tratamento que estava sendo dispensado ao filho, porque ela achava que era
uma outra situação, que o filho estava sendo judiado. Pude observar as
orientações que ela dava ao filho no momento da visita, ela dizia: ’olha, isso é
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melhor para você, eu não posso dar a você tudo o que está recebendo por
enquanto, eu vou tentar me reestruturar para tirar você daqui’. Nós temos que
estar sempre acompanhando, nós temos um pai que se estiver sozinho com o
filho, passa a mão e leva embora. Mesmo assim, nós procuramos deixar os
pais á vontade com seus filhos durante a visita”.
Neste sentido, a mesma coordenadora comentou a respeito de um caso
que vale a pena ser mencionado: “tem outros casos, o de um grupo de irmãos
que a mãe aceitou acompanhar-nos de volta para a casa, após a visita na
sede. Lá chegando ela deu banho nos filhos e cuidou da higiene da cabeça
deles. Então nós achamos que a mãe poderia estar adentrando ao abrigo e
cuidando dos filhos, permanecendo com eles, por mais tempo. Isso foi muito
positivo para as crianças, elas passaram uma ótima semana no abrigo e ainda,
tiveram um bom rendimento escolar”.
A partir desta fala, nos interessamos em conhecer o trabalho que ela
desenvolve com as famílias, no abrigo que coordena. Nesse sentido, comentou
que:”nós temos a reunião de pais, que não é simplesmente uma reunião: nós
fazemos todo um trabalho começando pela história de vida da família, sua
origem, de onde veio, de quem era filho, enfim nós buscamos resgatar todo o
histórico dos pais, para entender o porquê dos filhos terem sido abrigados.
Trabalhamos com os pais, por meio de técnicas de dinâmica de grupo.Temos
até um livro que foi publicado com os contos dos pais. A partir disso, eles
começaram a se sentir mais valorizados, porque reconheceram que fazemos
um trabalho para desabrigar os filhos, mas com os pais. Agora as visitas se
tornaram mais intensas e quando vamos à sua residência, eles também se
sentem valorizados porque percebemos a sua realidade.”
Prosseguiu comentando que: “temos um projeto para desenvolvermos
com as famílias. Agora com a equipe técnica ampliada, pretendemos fazer
reuniões bimestrais com as elas aqui e na casa também. Cada técnico na sua
casa, com suas famílias. Acredito que será uma boa experiência essa de estar
76
com os pais na casa. Iniciaremos o trabalho com uma festa para vê-los
interagindo com os seus filhos, e depois partiremos para as reuniões mesmo.
Avaliamos o trabalho com as famílias todo final de ano. A avaliação direciona o
nosso trabalho com os pais, com as crianças e na Obra como um todo.”
Quando as famílias não correspondem às expectativas dos técnicos e
dos coordenadores, no que se refere ao desabrigamento foi dito pela
coordenadora que: “é um sentimento de tristeza para nós, porque procuramos
fazer todo um trabalho e percebemos que a família não tem interesse, não pelo
nosso trabalho, mas pelos filhos. A frustração é pelas crianças que desejam ser
desabrigadas, mas percebem a falta de vontade de seus pais”.
Na entrevista com outra coordenadora, tomamos conhecimento da
participação de famílias da comunidade as quais, desempenham a função de
acolher crianças e adolescentes nos finais de semana, datas comemorativas e
férias escolares, cujas famílias não possuem autorização judicial para visitar os
filhos. Segundo ela: “a família de apoio é um projeto muito interessante, mas
que também exige todo um cuidado na hora de analisar o casal ou a pessoa,
porque o papel da família de apoio é que ela mostre para a criança como que é
uma família, como ela funciona, que tem divergências, que tem regras,
principalmente, e que tem hierarquia dentro dessa família. Então, com isso, a
criança já está no meio do caminho quando retornar para a família dela. A
criança passa a aceitar algumas coisas, e também mostra para a sua família
que existem regras e que alguém tem que exercer o poder, o poder familiar de
estar impondo regras e que a criança precisa aceitá-las, mas que ela também,
às vezes, precisa cobrar da família”.
Com relação às crianças/adolescentes que são encaminhados para a
família de apoio, a coordenadora de abrigo disse: “nos casos que o juiz ainda
não liberou a visita da família biológica, nos casos de perda do poder familiar
ou nos casos onde não ocorreu a perda do poder familiar mas que não
conseguimos encontrar ninguém da família, nenhum parente. Porque às vezes,
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eles somem, não deixam o endereço, outros não têm endereço fixo, então a
criança pode estar indo para a família de apoio. As crianças são encaminhadas
para as famílias de apoio nos finais de semana, exceto quando há algum
evento na Obra. Também depende da família de apoio, se ela quer pegar a
criança todo o final de semana. Quando acontece ser sempre a mesma
criança, nós começamos revesar e a família tem consciência disso, para que
ela não tenha vínculo, porque a família acaba querendo a criança para ela e a
criança não está para ser dela, a criança está provisória aqui. Então, ela não
pode, nós não podemos permitir isso, até porque nós temos famílias que a
maioria, ela tem uma condição financeira estável e a maioria das nossas
famílias não tem. Tem criança que ela se adapta rapidamente, quer depois
que o outro a adote sabe, são bem calculistas. Então nós conversamos com a
criança também. Se ela vai estar indo para a família de apoio, precisa prestar
atenção nas regras da casa, nós fazemos as orientações, olha você está indo
para lá, mas essa família não vai adotar você, porque você tem pai, você tem
mãe, você tem avó. Na casa nós temos a regra permitir se ela quer ir ou não,
porque, às vezes, ela não quer ou se pode ficar em casa, ou qual a família que
ela gosta mais, então tudo isso é avaliado. Porque senão ao invés de ter um
projeto que vai ajudar, ele vai é prejudicar. Vai obrigada? Não, não vai”.
Ainda na entrevista com a mesma coordenadora, ela informou que, além
das visitas dos familiares aos domingos, as famílias mantém contatos com os
filhos no abrigo de diversas maneiras, dentre elas: “às vezes, a criança está
com saudade. Umas falam ‘estou com saudade’ e outras não falam, mas elas
têm a liberdade na minha Casa, de estar pedindo: ‘tia a senhora deixa eu falar
com o meu pai ou com a minha tia’. E eu deixo. A carta ou bilhete, a maioria
tem muita dificuldade para aprender a escrever e a ler, mas já cheguei a
colocar no carro e levar. Se eu percebo e se me pediu, eu faço o possível e o
impossível levo. Porque eu acho que se a criança chegou a pedir já é o
suficiente, só se eu não tiver como ir. Às vezes não dá para ir no dia, mas no
outro dia nós arrumamos uma forma: ou eu vou, ou o educador leva. Nós
fazemos questão de manter isso, porque é importante para eles. Então nós
fazemos assim na minha Casa. Eu nem sei se isso pode, mas eu faço.”
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As famílias, ao serem entrevistadas, falaram a respeito das visitas que
realizam aos filhos na sede da Obra. Observou-se, nos três casos
pesquisados, que a situação socioeconômica apareceu como fator impeditivo
para a sua realização com maior constância. Notou-se em suas falas, que a
perda do poder familiar os preocupa mais do que o desabrigamento, pois têm
claro que este somente poderá ocorrer a longo prazo, se for o caso. Pelo
tempo de permanência dos filhos das famílias pesquisadas, no abrigo.
Percebeu-se o pouco avanço, no sentido de minimizar ou até mesmo,
solucionar os problemas que motivaram o abrigamento. E, pelo que foi possível
depreender, eles não pretendem entregar os filhos para adoção.
Roberto, na entrevista comentou: “como o abrigo localiza-se em
Itaquera, é próximo para visitá-los. Mas eu não tive medo de deixá-los aqui,
porque eu sou bem informado. Isso que o pessoal fala: vai lá, vai lá! Podem
doar as crianças! Eu acredito que não é assim, ninguém pode pegar e doar a
criança se ela tem família. Eu acho que não é assim. Só pode doar se o pai
sumir e não aparecer mais ou se ele falar para a coordenadora: olha eu não
gosto desse filho. Agora, se às vezes eu estou trabalhando e não tenho tempo
de vir aqui, não quer dizer que eu não goste deles. Às vezes eu não tenho
tempo, trabalho a semana inteira, trabalho aos sábados, acordo cedo e de
sábado para domingo, eu durmo, acordo tarde, e o ônibus aos domingos, é de
uma em uma hora. Às vezes atrasa até mais. A condução que eu gasto de lá
para cá e daqui para lá é mais cansativo. Não é porque eu não quero vê-los, é
porque, sabe, isto para mim é um compromisso mesmo, é como um trabalho
para mim, entendeu? Mas eu gosto dos meus filhos, sim. Eu não tenho medo,
eu não tive medo, mas eu jamais quero que eles sejam doados. Deus que me
livre! Eu nunca ouvi falar como que foi feito uma adoção, eu não sei”.
Durante a entrevista, Roberto mostrou-se preocupado com a situação
dos filhos, receoso de perder o poder familiar. Apresentou proposta para
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desabrigá-los, mas pelo que foi possível observar, delineou-se como pouco
consistente, podendo mais uma vez submeter os filhos à uma situação de risco
pessoal e social. Em razão disso, comentou que: “não adianta ficar correndo
como um louco, se estressar, se a pessoa não vai conseguir. Não adianta a
pessoa querer fazer uma coisa, sem poder. A pessoa tem que ir devagar.
Entendeu? Às vezes a vizinha, ou a colega da minha mãe, ou o meu pai
mesmo, ou minha mãe toca no assunto “como é que você vai fazer”? Aí eu
tenho que explicar tudo de novo como que eu vou fazer. Eu vou fazer isso,
quando eu puder, não adianta ficar comentando a mesma coisa, que eu não
vou conseguir resolver. Eu tenho que tentar é resolver aos poucos”.
Prosseguiu dizendo: “Para tirar os meus filhos daqui, eu estou
trabalhando, e quando eu puder, eu vou fazer um curso de segurança. Alguma
coisa, uma profissão que eu possa ganhar mais para tirá-los daqui”.
Roberto na conta com o apoio de familiares para cuidar dos filhos. Disse
que estes não se interessam por eles e não os visitam. Este fato pareceu
causar-lhe certa preocupação, principalmente por não saber como cuidar dos
filhos e trabalhar ao mesmo tempo.
Sobre este assunto comentou que: “da minha família eu tenho quatro e
na casa do meu pai não dá porque as minhas irmãs têm dois sobrinhos que
ficaram lá e são todos grandes. É apartamento da CDHU, então não dá para
ficar. Minha mãe tem problemas sérios de saúde. Às vezes ela fica com os
dois, as outras duas grandes, nós mandamos para a casa da tia materna que
gosta muito delas. Mas da parte da minha família, eu tenho duas irmãs, se eu
falar que dois irão ficar em casa e eu pedir: tem como você ficar esse feriado
com eles”? Elas já arrumam pretexto, porque não cabe. O que me revolta muito
é isso, porque eu quero que eles tomem conta dos meus filhos e eu não tenho
apoio. Só eu realizo as visitas. Se eu deixar de vir, eles ficam aí, sozinhos”.
80
Prosseguiu comentando sobre o trabalho realizado com as famílias no
abrigo: “tem uma reunião que eles fazem e eu não posso faltar, ela acontece
cedo, acho que às 10:00 horas ou às 9:00 horas. É uma reunião de pais, onde
se discutem coisas sobre as crianças. Sobre esse assunto de crianças com os
pais e pais com crianças, é uma coisa que eu já sei, eu já tenho entendimento,
tenho estudo. Na reunião, ela fala com os pais e eu fico lá, eu não sei que
trabalho elas querem fazer. Porque eu não sou drogado, não sou alcoólatra, às
vezes essa reunião não interessa para mim.”
Na entrevista com Bento, verificou que, apesar de demonstrar esforços
para manter os vínculos com os filhos, ele ainda não reúne condições para
desabrigá-los. Percebeu-se em seu discurso, situações ainda pouco
exploradas, que geraram o abrigamento de seus filhos. Eles se encontram
abrigados há aproximadamente, oito anos e esta é a quarta instituição em que
estão. José, o filho mais velho, pelo que nos foi informado, não pretende
manter os vínculos com seus pais, manifestou o desejo de ser colocado em
outra família.
Bento, em sua fala, demonstrou que deseja manter os vínculos
familiares: “eu digo, se eu não gostasse, se eu não amasse tanto os meus
filhos, eu não viria visitá-los. Eu não teria apego. Se eu fosse um fugitivo ou se
eu fosse algum vagabundo, eu diria para Quitéria, troca de roupa que você é a
mãe e eu sou o pai, vamos visitar os filhos. Agora, vou dizer uma coisa à
senhora: se eu tivesse uma chácara, para eu tomar conta, eu faria um contrato
de dez anos ou cinco anos. Mas com uma condição, eu queria os meus filhos
todos os finais de semana, um final de semana sim e o outro não. Aí daria
certo. Moça, eu trabalho, eu não roubo, eu não mexo com mulher de ninguém.
Mas eu preciso de um apoio da sociedade”.
Bento, em seu depoimento, fala da maneira como foi acolhido por alguns
profissionais dos abrigos, pelos quais seus filhos já passaram. Mesmo assim,
81
sofreu muito com separação e encontra dificuldades para preservar os vínculos
familiares, possivelmente, em razão do tempo que estão abrigados: “às vezes,
chegava muito bravo no abrigo, louco da minha cabeça, não de tomar pinga
nem usar droga, era nervoso. Saber que a gente está com o filho da gente ali,
e vê o filho da gente chorando e não poder levar para casa. Por que? Se foi a
minha mulher que teve a maior dor do mundo para ter esse filho, e por que não
é meu filho? Porque se meu filho gostasse de mim ele não fazia assim como
ele está fazendo”.
Ao falar sobre o retorno dos filhos ao seu convívio disse que: “eu quero
mais ou menos uma chance...mas o amor do meu filho...não é um peça de
roupa que a gente vai doar. Gente para doar, precisa o pai e a mãe estarem
mortos e não ter nenhum parente para doar. Mas me dá uma chance ee u peço
a todo mundo. Deixa eu continuar minha vida, meu rumo. Deixa eu andar.
Porque um dia eu vou encontrar uma coisa certa. A cada dia eu falo, um lugar
certo para morar. Uma pessoa que me dê apoio...A senhora pensa que não dói
o coração ver meus filhos aqui.Caramba! Eu falo assim caramba não é piada.
O caramba que eu falo é uma dor que eu sinto”.
Prosseguiu dizendo que:”eu já sinto medo. Eu sinto é prazer e alegria. Aí
é que eu vou começar a pensar mais. Porque se ninguém me der uma dica:
‘Seu Bento, o senhor vai ter o seu filho de volta’. Aí eu vou caprichar. Aí não
vou pensar em carro velho, não vou pensar em nada. Eu vou lutar”
Neli, outra mãe de criança abrigada, denotou simplicidade e
tranqüilidade para expor sua história de vida. Seus filhos encontram-se
abrigados há cinco anos e esta é a segunda instituição para onde foram
transferidos. Disse que na instituição anterior, visitava os filhos apenas uma
vez por mês, por causa do regulamento. Agora, por estar mais próximo de sua
residência, consegue realizar as visitas quinzenalmente.
82
Percebeu-se, apesar do seu retraimento, certo inconformismo por estar
separada de seus filhos há anos, sem saber até hoje, porque eles foram
retirados de seu convívio. Com ela, está apenas uma menina de cinco anos,
fruto de seu último relacionamento, que permanece em uma creche. Comentou
que o pai de sua filha não convive na mesma casa, mas a ajuda a cuidar da
criança.
Quanto ao retorno dos filhos para o seu convívio comentou que: “eu
gostaria, mas a minha casa não tem espaço, é muito pequena e precisa de
espaço. Não tem como recebê-los. Aqui no abrigo tenho três, com amenina
quatro, mais o filho que está internado na FEBEM. Ele vai e volta para minha
casa, tem apenas 15 anos, ficou em Franco da Rocha”.
Ao falarmos a respeito das mudanças que ocorreram em sua vida com o
abrigamento de seus filhos disse que: “eu estava trabalhando, só que depois
não deu certo, eles me mandaram embora, fiquei sem serviço e estou sem
serviço. Você sabe como é trabalhar em asa de família! A única coisa que
mudou foi que eu arrumei emprego, mas depois eles me manaram embora e
eu fiquei sem serviço”.
Neli, não soube falar a respeito do que vem fazendo para solucionar os
problemas que geraram a separação de seus filhos. Disse não saber nem
quais são os problemas: “solucionar problemas? Não sei não, ainda não
falaram para mim quais são. Não tenho a mínima idéia, viu”.
A este respeito, pareceu ter sofrido muito por causa da retirada dos
filhos de sua companhia. Disse que: “o Lucas veio para cá com seis meses,
novinho. Ele estava mamando no peito, tirei o moleque do peito para trazer
para cá. Veio novinho, recém-nascido. Aí foi que eu sofri muito, mas eu não
tenho o que falar daqui. Aqui as crianças não são bem tratadas”.
83
Comentou durante a entrevista que conversou a respeito do abrigamento
de seus filhos com a psicóloga do Fórum: “eu tive uma conversa com a
psicóloga do Fórum de São Miguel. Aqui? Não, eu não sei o nome da mulher”.
84
REFLEXÕES CONCLUSIVAS
Como se diz popularmente no trânsito, “atrás de uma bola vem sempre
uma criança”, eu diria que atrás de uma criança vem sempre uma família, uma
pessoa adulta, idosa e até adolescente, com qualidades e defeitos, com boas e
más intenções, com desejos e sonhos, com tristeza, alegria, culpa, dor e
vergonha. A maior parte delas, prontas para amar, proteger, cuidar e educar
uma criança, coisa que nem sempre conseguem e as razões disso são difíceis
de serem enumeradas, devido à diversidade de situações, de modos de
pensar, de sentir e de agir.
Cada um tem sua história, tem sua individualidade, mas nessas
histórias e nessas individualidades podem-se encontrar algumas persistências
relacionadas à classe social de renda a que pertencem essas famílias.
A situação de extrema pobreza das famílias e a ausência de políticas
públicas e todas as seqüelas deixadas por ambas, permearam as falas dos
entrevistados no decorrer da pesquisa. Seria repetitivo discorrer a respeito das
causas do afastamento de crianças e de adolescentes do convívio da família e
da sua inserção no processo de institucionalização. Assim como também, falar
sobre políticas de atendimento, de municipalização, de redes sociais, de planos
nacionais, de projetos, de programas e da legislação brasileira.
É só tendo clareza das determinações mais amplas, histórico-estruturais,
norteadas pelos rumos da economia, que se abre o nosso olhar e a nossa
emoção para desvelar os caminhos possíveis para lidar com situações de
extrema pobreza, acreditando na competência dessas famílias para a
superação dos desafios, que são muitos e que às vezes parecem até
intransponíveis. E é só com esse olhar e com essa emoção que se está
preparado para implementar ações que possibilitem enfrentar a pobreza nos
85
dias atuais sem permitir que o pobre sofra discriminações, desqualificações e
desvalorizações. E, ainda, defender seus direitos de cidadão, membro da
sociedade, sem excluí-lo da convivência comunitária e sem torná-lo
dependente de instituições.
Na pesquisa realizada, um dos motivos que levou o dirigente da
instituição a transferir as casas de acolhimento para o distrito de Itaquera, foi o
fato de elas serem instaladas em bairro de classe média, onde havia pouco
envolvimento da comunidade nas atividades do abrigo e se percebia certa
resistência dos vizinhos de aceitá-los em seu convívio. A proximidade das
casas de acolhimento da sede da entidade facilitou também a utilização dos
recursos por ela oferecidos, às crianças, aos adolescentes e às famílias, dentre
eles, equipamentos com cursos de formação, espaços de lazer e de encontro.
Facilitou também, o acesso das famílias à entidade, permitindo que algumas
delas se dirijam a pé para a sede, a fim de realizar as visitas aos filhos.
A concentração dos abrigos na região de abrangência da Obra Social
responsável por eles, veio facilitar o desenvolvimento de atividades em parceria
com outras entidades. Embora ainda permaneçam muitas das dificuldades que
os operadores da medida de abrigo têm para desenvolver atividades em
parceria com os demais recursos sociais, dos quais dependem para dar
continuidade aos seus trabalhos. Estes recursos parecem ainda pouco
habituados às mudanças que ocorrem em nossa sociedade e às novas
situações que delas decorrem. Apresentam dificuldades para lidar com elas e
com as diferenças do outro, o que implica numa certa resistência em atuar
sobre elas.
Essa é também uma dificuldade da própria sociedade em relação à
medida de protetiva de abrigo. Há uma tendência de responsabilização dos
pais pelo abrigamento dos filhos, existem preconceitos sociais, compartilhado
com sentimentos de dó, de medo, de desconfiança e de curiosidade. Essas
86
dificuldades, tal como se apresentam nesta pesquisa, são evidentes
principalmente na relação escola/abrigo.
Assim sendo, há que se persistir no trabalho em parceria com os
recursos sociais da comunidade, uma vez que, dada a incompletude
institucional, o abrigo por si só, não dá conta da diversidade da demanda de
serviços de seus usuários. Mas, por outro lado, essa parceria precisa ser
consolidada a partir de um processo de discussão permanente interinstitucional
dessas questões. Ainda, é preciso ter presente a carência de recursos na
região periférica da cidade, onde se concentram os segmentos mais pobres da
população.
A este respeito, como pudemos verificar nas falas dos entrevistados, a
região de Itaquera apresenta demanda superior aos recursos existentes na
região, o que implica em equipamentos lotados, crianças vitimizadas
aguardando vagas nos abrigos convivendo com seus agressores, técnicos do
juízo e dos abrigos barganhando vagas, equipamentos de curta permanência
se transformando em longa, órgãos de defesa dos direitos abrigando por
motivos que destoam dos princípios do ECA. Esta situação denota, além do
descaso, a inconveniente interferência política no trato das questões da
população infanto-juvenil, o que prejudica significativamente o seu
atendimento.
Neste cenário, aparece também o processo de municipalização que,
segundo a assistente social do judiciário, abre espaço para a
desresponsabilização: de um lado o estado detém ainda uma rede de abrigos e
de outro lado, o município administra uma outra e, quando faltam recursos para
o atendimento de crianças e de adolescentes em regime de abrigo, ao serem
acionadas essas instâncias, uma responsabiliza a outra pela ausência de
resposta. Esta precariedade de infra-estrutura de atendimento leva às
situações extremamente inadequadas para a saúde e o desenvolvimento da
criança e fragiliza ainda mais suas relações com suas famílias. Segundo este
87
estudo, crianças e adolescentes ainda são encaminhados para modalidades de
atendimento denominadas Casas de Passagem ou “porta de entrada”. Nestes
locais ficam aguardando vaga para serem levadas aos abrigos de
permanência, sendo que o tempo dessa passagem pode ser longo.
É preciso repensar essa questão. Transferir crianças e adolescentes de
um lugar para o outro não é recomendável pela para o seu desenvolvimento
físico, mental e emocional de acordo com os conhecimentos científicos
acumulados sobre a infância e a adolescência é também empecilho à formação
e manutenção de vínculos que precisam ser estabelecidos e fortalecidos
durante as fases de desenvolvimento em que se encontram. Por isso mesmo,
também não é recomendado pela legislação infanto-juvenil.
Também é preciso incentivar outras alternativas de atendimento à
população infanto-juvenil nos casos em que a sua permanência no convívio de
sua própria família se torna inviável, seja em curto, seja em longo prazo. A
alternativa de família acolhedora/guardiã e/ou de apoio é uma delas. Este
trabalho requer uma maior divulgação e um maior aprofundamento como
proposta de intervenção, uma vez que permite à criança e ao adolescente
conviver com uma família, garantindo desta forma, o seu direito à convivência
familiar. Além disso, à família de origem também são assegurados os seus
direitos, inclusive o de receber a assistência, apoio e retomar seu filho quando
suas condições o permitirem.
A entidade pesquisada, nos serviços que presta à população abrigada,
tem por princípios incentivar a convivência de crianças e de adolescentes com
suas famílias. Ao desenvolver as atividades, se empenha para oferecer
assistência material e espiritual às famílias dos abrigados, deixando de lado o
motivo que gerou o afastamento e avançando em direção a prepará-los para o
breve retorno dos filhos a seu convívio. Além disso, por abarcar a
implementação de vários projetos na área da assistência social, com facilidade,
88
oferece oportunidades às famílias para que se insiram em alguns deles ou
mais, a fim de atingir os objetivos a que se propõe.
A preservação dos vínculos familiares é favorecida pelas visitas das
famílias ao abrigo, pelos contatos telefônicos, pelas visitas domiciliares das
crianças/adolescentes às suas casas, pela permanência dos abrigados nos
finais de semana no convívio das famílias também em feriados prolongados,
em férias escolares e em datas comemorativas. Naturalmente, estas últimas
alternativas são possíveis quando não há interdição judicial.
A entidade incentiva a vinda das famílias em visitas aos filhos, desde o
primeiro dia de abrigamento. Esta questão é tratada já durante entrevista inicial
com o técnico e com o coordenador do abrigo para o qual a criança ou o
adolescente foi encaminhado. A esse respeito, na entrevista com as
coordenadoras, duas atividades chamaram a atenção sobre a forma de realizar
a manutenção dos vínculos entre as famílias e seus filhos: uma delas foi a
visita às famílias quando a criança/adolescente sente a falta dos pais e a outra
a ida da mãe para o abrigo após a visita na sede, onde pôde lhes oferecer
cuidados quanto à higiene e alimentação, o que interferiu positivamente no
comportamento dos filhos na escola e no abrigo.
As visitas programadas dos familiares ocorrem aos domingos, na sede
da entidade e se inicia às 08h30min horas. Todas as crianças/adolescentes
são levadas para o local da visitação pelos educadores. O sistema de visitas
implementado pela entidade pareceu eficiente no incentivo ao entrosamento de
famílias e crianças/adolescentes abrigados com as famílias e
crianças/adolescentes da comunidade. Diferentemente das demais entidades
de abrigo, onde os encontros semanais têm tempo limitado para a permanência
dos pais com os filhos, geralmente, em torno de uma ou duas horas no
máximo. Na entidade pesquisada, as visitas também ocorrem semanalmente,
porém, o tempo de duração é o dia todo, permitindo inclusive que desfrutem de
almoço comunitário, e participem de atividades lúdicas após este período.
89
No dia da visita, ocorrem com freqüência, eventos comemorativo que
deixam o ambiente mais descontraído e apropriado para a realização da visita.
Pelo que pudemos observar, o número de pessoas que participam desses
eventos é elevado e o ambiente rico para a troca de experiências e
orientações, seria importante se o número de técnicos e coordenadores de
abrigo fosse ampliado a fim de propor o acompanhamento de um maior número
de famílias. Foi comentado que este sistema de visitas passará por alterações
retomando-se o anterior, onde estas eram realizadas nos abrigos.
Nos casos pesquisados, a participação das famílias nas atividades
voltadas à preservação dos vínculos com seus filhos, delineou-se como pouco
efetiva e inconsistente. O espaço de encontro foi favorecido, mas verificou-se
que, por diferentes razões, a presença dos familiares nas visitas não vem
acontecendo com regularidade. Também, não encontramos evidências de
trabalhos significativos para superar as dificuldades que determinaram a
institucionalização. Emerge daí a indagação: que ações vêm sendo
implementadas para solucionar os problemas que motivaram o abrigamento
dos filhos, o que aconteceu nesses anos que a família não conseguiu voltar a
conviver com seus filhos e o que precisa acontecer para que isto ocorra.
Dos casos que foram estudados, apenas os filhos de Roberto
encontram-se abrigados há dois anos, os de Neli há cinco anos e os de Bento
há oito anos, sendo que, os filhos dos dois últimos já permaneceram em outros
abrigos. Considera-se que esses três casos requerem um estudo aprofundado
para uma melhor avaliação, uma vez que apresentam dados significativos que
sugerem problemas emocionais e psiquiátricos que podem levá-los à perda do
poder familiar, haja vista, o caso do filho de Bento que, manifestou o desejo de
ser adotado e já existe solicitação de estudo psicossocial formalizado pelo
Fórum competente, para tanto.
90
Durante as entrevistas, as falas das famílias indicaram certa
preocupação com relação à possibilidade da perda do poder familiar e da
colocação em família substituta, com exceção de Neli. Roberto e Bento
mencionaram que no caso deles, isto seria impossível, pois os filhos têm
família e eles os visitam. Mais uma vez, as famílias deram sinais de que não
conhecem as razões da medida de abrigo aplicada na situação de seus filhos
ou se, conhecem, não deixaram transparecer. Isto pareceu-nos um indicativo
de que essas razões não foram trabalhadas pelos profissionais ligados aos
casos.
Os casos pesquisados foram discutidos com os profissionais que os
acompanham no abrigo, com a finalidade de aprofundarmos os dados obtidos
nas entrevistas, além de podermos complementar com informações sobre os
dados pessoais, importantes para análise. Na ocasião, observou-se a ausência
de algumas informações nos prontuários as quais consideramos de
fundamental importância para a intervenção nos casos em questão. Por
exemplo, um diagnóstico do problema de saúde mental da esposa de Bento
que faz uso contínuo de medicação e não se sabe para que.
Para concluir, a entidade deu indicativos de desenvolver suas atividades,
com as famílias, que visam à valorização das pessoas, a elevação da
autoconfiança, a conquista da autonomia a fim de que reúnam condições para
desabrigar os seus filhos. O empenho da entidade é reconhecido pelas
famílias, que agradecem o tratamento que lhes é dispensado estendendo-se
este, aos filhos. No entanto, o que vem dificultando e eficácia de reunir a
família é a ausência da contrapartida das políticas públicas. Há que se pensar
na possibilidade de desenvolver um trabalho específico para o atendimento das
famílias que se separaram de seus filhos, em razão do abrigamento. Assim
sendo, entendo que caberá às entidades que operam a medida de abrigo, o
incentivo à participação das famílias na preservação dos vínculos familiares e à
rede de proteção local a construção de condições que efetivem a possibilidade
daquelas famílias voltarem a conviver com seus filhos a partir de serviços que
91
atendam suas necessidades, não apenas econômica, mas também de saúde
física, mental e emocional.
A precária condição socioeconômica, a ausência de moradia em
condição de habitabilidade, a extensa jornada de trabalho, a saúde físico-
mental debilitada, o alcoolismo, a monoparentalidade exercida pelo pai, a
inexistência de apoio da família extensa e o desemprego, se mostraram como
fatores impeditivos, não superados e são determinantes da longa permanência
no abrigo. Isto nos leva a refletir sobre a importância da rede transinstitucional
de proteção, na qual se realizariam ações pactuadas para a superação dessas
condições determinantes da institucionalização, na qual haveria um papel
específico a ser desempenhado pelo abrigo na vida dessas famílias.
Este assunto merece uma atenção especial que, brevemente, pretendo
aprofundar.
92
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ANEXOS
97
ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS COORDENADORES DO
ABRIGO.
Das relações abrigo/famílias/abrigados
1. Como as famílias se aproximam dos abrigos?
2. De que maneira ocorre o primeiro contato das famílias com o abrigo?
3. Por que as crianças e os adolescentes são abrigados?
4. Qual a sua opinião a respeito das famílias que têm os filhos em
abrigos?
5. As famílias conhecem o trabalho do abrigo? Como elas vêm este
trabalho?
6. O abrigo participa da relação das crianças e dos adolescentes com
suas famílias?
98
.
Das relações abrigo/famílias
1. Descreva como é o trabalho que o abrigo desenvolve com as
famílias.
2. Quem executa este trabalho?
3. Como profissional/educador que executa este trabalho é preparado
para desenvolvê-lo?
4. O abrigo avalia os resultados obtidos do trabalho desenvolvido com
as famílias?
5. As famílias expõem para algum profissional do abrigo suas
necessidades e tensões vividas em seu cotidiano? Para quem?
6. O que o abrigo espera das famílias?
99
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS
1. O que aconteceu para o seu filho ir para o abrigo?
2. Como foi que ocorreu o abrigamento de seus filhos?
3. Como você se sentiu esse abrigamento?
4. Do que você teve medo ao deixar o seu filho no abrigo?
5. Como vocês se aproximaram do abrigo?
6. As relações com os seus filhos mudaram depois que eles estão no
abrigo?
7. O que mudou na vida de vocês após o abrigamento de seus filhos?
8. Você quer o seu filho de volta?
9. O que você vem fazendo para solucionar os problemas que gerou o
abrigamento?
10. Do que você tem medo se seu filho voltar para casa?
11. O que mais te marcou durante este período?
12. O que você pensa do abrigo?
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