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Marina Silva Rahal
O CONFORTO TÉRMICO NAS RESIDÊNCIAS DE RINO LEVI
Dissertação apresentada à Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de
São Paulo, como parte dos requisitos para a
obtenção do Título de Mestre em Arquitetura
e Urbanismo.
Orientador: Prof. Dr. Admir Basso
São Carlos
2006
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Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento
da Informação do Serviço de Biblioteca EESC/USP
Rahal, Marina Silva
R147c O conforto térmico nas residências de Rino Levi /
Marina Silva Rahal. - São Carlos, 2006.
Dissertação (Mestrado) –- Escola de Engenharia de São
Carlos-Universidade de São Paulo, 2006.
Área: Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia.
Orientador: Prof. Dr. Admir Basso.
1.Arquitetura moderna brasileira. 2. Conforto térmico.
3. Rino Levi. I. Título.
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Aos meus pais, por todo carinho e apoio incondicional
em todos os momentos de minha formação.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Admir Basso, pela orientação deste trabalho e pela disponibilidade sempre.
Aos professores Carlos Martins, Denise Duarte e Renato Anelli pelas contribuições dadas
na banca do exame de qualificação.
Aos professores e ex-professores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola
de Engenharia de São Carlos que contribuíram mesmo indiretamente para o
desenvolvimento desta pesquisa, especialmente à Profa. Rosana Caram e ao Prof. Hugo
Segawa.
A CAPES pelo apoio financeiro.
Aos funcionários do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e da Biblioteca Central da
Escola de Engenharia de São Carlos pelo auxílio na parte burocrática.
Ao Centro Áudio Visual da Pontifícia Universidade Católica de Campinas por ceder as
imagens do acervo digital Rino Levi.
Aos funcionários da biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo que auxiliaram na consulta aos projetos do acervo Rino Levi.
Aos meus amigos do curso de graduação e mestrado, especialmente ao Ded, Dinah,
Jeferson e Raquel pelas boas conversas ao longo destes anos.
Aos meus irmãos, Danilo e Ciro, e aos meus pais, Vilmar e Regina, por todo amor e
carinho, e pela presença em todas as etapas vencidas até aqui.
Ao Léo, pelo amor, amizade, companheirismo e paciência imprescindíveis para a conclusão
deste trabalho.
RESUMO
RAHAL, M. S. (2006). O Conforto térmico nas Residências de Rino Levi. Dissertação
(Mestrado) Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos,
2006.
Esta pesquisa avalia o conforto térmico das residências projetadas pelo arquiteto Rino Levi,
um dos protagonistas da arquitetura moderna brasileira, que se caracterizam pela presença
de jardins integrados aos ambientes internos. As sete obras residenciais estudadas
localizam-se em regiões diferentes do território brasileiro e apresentam soluções para o
condicionamento térmico de acordo com as exigências climáticas do local, tais como
elementos de proteção solar, dispositivos para ventilação cruzada ou instalação de
calefação. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar as soluções arquitetônicas
desenvolvidas para garantir o conforto térmico nestas residências. A análise é feita a partir
das recomendações construtivas referentes à insolação e ventilação, elaboradas na mesma
época em que as casas foram projetadas, e complementada pelas diretrizes construtivas
indicadas na norma brasileira atual de desempenho térmico. Verifica-se que a maior parte
das soluções projetuais desenvolvidas por Rino Levi para estas casas estão de acordo com
as recomendações construtivas da época, bem como as atuais, no tocante ao conforto
térmico.
Palavras-chave: arquitetura moderna brasileira; conforto térmico; Rino Levi.
ABSTRACT
RAHAL, M. S. (2006). The Thermal Comfort in the Residences of Rino Levi.
Dissertação (Mestrado) Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo,
São Carlos, 2006.
This research evaluates the thermal comfort of the residences projected by Rino Levi, one
of the Brazilian modern architecture’s protagonists. These houses are characterized by the
presence of gardens integrated with the internal spaces. The seven residences studied are
located in different regions of Brazilian territory, and present different solutions for
thermal performance, according to the exigencies of local climate, like shading elements,
crossing ventilations devices or calefaction. This work intends to identify the architectural
solutions developed to guarantee thermal comfort in these residences. The analysis is made
based on constructive recommendations about solar radiation and ventilation elaborated
when these houses were projected and the constructive directress indicated by actual
Brazilian norm about thermal performance. The efficiency of most of constructive solution
developed by Rino Levi for these residences concerning thermal comfort is verified.
Keywords: Brazilian modern architecture; thermal comfort; Rino Levi.
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
Introdução....................................................................................................................................... 08
Capítulo 1. Arquitetura e Clima................................................................................................ 12
1.1. Breve histórico da casa brasileira e a relação com o clima..................................................12
1.1.1. A casa colonial...........................................................................................................12
1.1.2. As casas do século XIX e início do século XX....................................................18
1.1.3. A questão da higiene da habitação e os primeiros estudos de insolação
no Brasil................................................................................................................................24
1.2. Arquitetura moderna brasileira ............................................................................................. 29
1.2.1. Contextualização do estilo universal: algumas considerações ......................... 32
1.3. Conceitos de adaptação climática ......................................................................................... 38
Capítulo 2. O arquiteto Rino Levi .......................................................................................... 48
2.1. A formação italiana e a atuação profissional ...................................................................... 48
2.2. O conforto ambiental na obra do arquiteto........................................................................ 50
2.2.1. A relação da acústica com a arquitetura e o urbanismo ................................... 52
2.2.2. Os elementos de proteção solar ........................................................................... 60
2.3. O partido projetual das casas ajardinadas ............................................................................ 67
Capítulo 3. As Residências de Rino Levi............................................................................... 74
3.1. Apresentação dos métodos para analisar o conforto térmico .......................................... 75
3.1.1. As recomendações construtivas da época.............................................................75
3.1.2. As diretrizes construtivas da ABNT NBR 15220: um parâmetro atual...........79
3.2. Aplicação dos métodos........................................................................................................... 84
3.2.1. Residência Rino Levi, São Paulo, SP (1944)....................................................... 84
3.2.2. Residência Milton Guper, São Paulo, SP (1951/52)...........................................90
3.2.3. Residência Gomes, Ubatuba, SP (1962/65).......................................................101
3.3. Outros exemplos residenciais ...............................................................................................107
3.3.1. Residência Paulo Hess, São Paulo, SP (1953)....................................................107
3.3.2. Residência Roberto Egídio Azevedo, Recife, PE (1955).................................113
3.3.3. Residência Anselmo Fontana, Concórdia, SC (1956).......................................118
3.3.4. Residência Castor Delgado Perez, São Paulo, SP (1958/59)...........................121
3.4. Conclusões...............................................................................................................................126
Considerações finais ................................................................................................................. 128
Referências .................................................................................................................................. 131
Introdução
8
INTRODUÇÃO
Em países de clima quente como o Brasil, um dos maiores problemas relacionados ao
conforto térmico é o ganho de calor pelas aberturas devido ao excesso de insolação. Desde
o período colonial nota-se a preocupação com as questões relacionadas ao conforto,
ilustradas pelo uso dos elementos de proteção solar como os muxarabis, as gelosias ou as
varandas. No avançar do século XIX, tais soluções incorporadas à arquitetura tradicional,
com o objetivo de amenizar o calor, foram se perdendo em substituição a modismos
estilísticos possibilitados pela imensa gama de materiais construtivos importados que
chegavam ao país.
No início do século XX, com o aparecimento das questões relacionadas à salubridade e
higiene das habitações, advindas também de territórios estrangeiros, inicia-se no país uma
série de estudos relacionados à insolação e à ventilação. Em um primeiro momento
norteadas pela idéia do sol como agente microbicida, estas pesquisas visavam garantir um
mínimo de sol a todas as habitações. Entretanto, logo se percebeu que, diferentemente dos
países europeus, os locais com temperaturas elevadas como o Brasil deveriam atentar a
outro problema referente à incidência dos raios solares, pois o excesso destes não trazia
apenas benefícios higiênicos para a população, mas sim, lhe causava o desconforto térmico.
Paralelamente a estes estudos, desenvolvem-se os ideais da arquitetura moderna, que
quando chegaram ao Brasil caracterizaram-se principalmente pelo uso dos elementos de
proteção solar, que visavam à adaptação dos preceitos racionalistas, dos volumes puros e
dos grandes vãos envidraçados ao clima tropical. Os mais diversos tipos de dispositivos de
sombreamento – os brise-soleilforam desenvolvidos a partir das novas técnicas e materiais
construtivos provenientes da revolução industrial. O uso dos brises permitia a integração
da arquitetura com a natureza, pois possibilitava a abertura total das fachadas para o
exterior, por meio das vedações transparentes, protegendo-as do excesso de insolação e
garantindo-lhes a ventilação dos ambientes.
Introdução
9
A produção arquitetônica brasileira dos anos 1940 e 1950 é constantemente caracterizada
pela crítica da historiografia da arquitetura por apresentar adequação dos preceitos
universalistas modernos ao clima do país. Porém, o uso indiscriminado dos elementos de
proteção solar mostra que, em alguns casos, visava estritamente à composição plástica das
fachadas, deixando de lado seu principal desempenho de proteger os edifícios do
desconforto térmico causado pela insolação.
Verificou-se, portanto, que esta questão da adaptação climática da arquitetura moderna
brasileira deveria ser mais bem explorada. Algumas pesquisas recentes têm tratado deste
assunto. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar qualitativamente as soluções
arquitetônicas desenvolvidas por Rino Levi, um dos protagonistas da arquitetura moderna
brasileira, para garantir o conforto térmico em suas obras. Para tanto, foram selecionadas
sete obras residenciais, que fazem parte de uma série de casas projetadas pelo arquiteto a
partir dos anos 1940 e que se caracterizam pela inserção de jardins integrados aos
ambientes internos. A relação dos espaços exteriores com o interior da habitação é feita por
meio de elementos vazados de concreto ou pergolados que permitem a presença de
grandes painéis de vidro, intensificando assim, a relação com a natureza representada pelos
jardins tropicais. Com esta pesquisa pretende-se contribuir para a avaliação do conforto
ambiental nos edifícios unifamiliares do período de formação da arquitetura moderna no
Brasil.
O objetivo específico da pesquisa é avaliar se Rino Levi, ao desenvolver os projetos das
residências ajardinadas, adotou os preceitos de conforto térmico desenvolvidos na mesma
época para determinar a orientação das fachadas, bem como para selecionar a face a ser
sombreada com os elementos de proteção solar. E ainda, verificar se as casas fossem
construídas hoje estariam de acordo com os padrões atuais de desempenho térmico, a
partir da análise comparativa entre as soluções projetuais desenvolvidas pelo arquiteto e as
diretrizes construtivas para condicionamento térmico passivo presentes na norma brasileira
da ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 15220 (2003).
Para o desenvolvimento da pesquisa, foram selecionados três projetos: Residência Rino
Levi (1944), Residência Milton Guper (1951/52) e Residência Gomes (1962/65), sendo as
duas primeiras projetadas para a cidade de São Paulo e a terceira para a cidade de Ubatuba,
no litoral norte do estado de São Paulo. Outros quatro exemplos residenciais foram
adotados na pesquisa a fim de complementar a análise: Residência Paulo Hess (1953),
Residência Castor Delgado Perez (1958/59), Residência Roberto Egídio Azevedo (1955) e
Introdução
10
Residência Anselmo Fontana (1956). As duas primeiras também foram construídas na
cidade de São Paulo e apresentam soluções similares às outras residências paulistanas
estudadas, o terceiro projeto foi para a cidade de Recife-PE, porém não construído, e a
última residência, para a cidade de Concórdia-SC, não há registros do estado atual.
Julgou-se importante a análise destas casas que não foram projetadas para o clima
paulistano, para avaliar se as soluções construtivas para cada situação climática são
diferentes entre si, e se correspondem às diretrizes de conforto térmico traçadas pelos
estudiosos da época ou pela norma atual.
Este trabalho está dividido entre três capítulos, sendo que o primeiro capítulo,
ARQUITETURA E CLIMA, traça um panorama sobre a relação entre a arquitetura brasileira e
o clima desde o período colonial até as primeiras décadas do século XX. Para tanto, estuda-
se a casa colonial desde suas origens, analisando as soluções construtivas para a adaptação
da arquitetura vinda da metrópole portuguesa à realidade cultural, física e ambiental do
país. Em seguida, observam-se as transformações ocorridas no século XIX com a chegada
de novos materiais construtivos e de modelos arquitetônicos importados, até chegar no
início do século XX, expondo-se os ideais do movimento moderno desenvolvidos nos
países europeus e a maneira como estes foram adaptados ao clima tropical brasileiro.
Ainda no primeiro capítulo, investigam-se os primeiros estudos sobre insolação no Brasil,
norteados pelas questões de salubridade e higiene das habitações, chegando aos anos 1930
e 1940, onde os engenheiros salubristas e arquitetos passaram a buscar soluções para evitar
o excesso de sol nos edifícios. Estes conceitos foram bastante difundidos entre os
arquitetos brasileiros que buscavam adequar os ideais modernos às características climáticas
do país.
O segundo capítulo, O ARQUITETO RINO LEVI, é dedicado à investigação da obra deste
arquiteto, bem como de sua atuação profissional, a partir de 1926, quando retornou ao
Brasil após concluir os estudos de arquitetura em Roma. Por meio da análise de projetos,
publicações e pesquisas sobre este arquiteto, procurou-se identificar os aspectos
relacionados ao conforto ambiental em sua obra, como o conforto acústico das salas de
cinema e as diversas tipologias e aplicações dos elementos de proteção solar em obras
comerciais, habitacionais e de serviço. Por fim, são apresentadas as residências ajardinadas,
desenvolvidas por Rino Levi a partir de 1940, objeto desta pesquisa, explorando-se os
fatores que levaram o arquiteto ao desenvolvimento desta tipologia.
Introdução
11
O terceiro capítulo, AS RESIDÊNCIAS DE RINO LEVI, apresenta os métodos usados para a
análise do conforto térmico, bem como o estudo dos sete projetos residenciais. Os
métodos foram divididos em duas etapas, sendo a primeira as recomendações construtivas
relacionadas à insolação e ventilação desenvolvidas na mesma época em que as residências
foram projetadas, com indicações diferenciadas para cada situação climática. A segunda
parte apresenta as diretrizes construtivas para o condicionamento térmico passivo,
aplicáveis na fase de projeto, para o clima das quatro cidades estudadas: São Paulo, Recife,
Concórdia e Ubatuba, a partir da norma atual de desempenho térmico de edificações NBR
15220 (2003). Em seguida, os sete projetos residenciais são apresentados e analisados a
partir destes parâmetros.
1. Arquitetura e Clima
12
CAPÍTULO 1
1. ARQUITETURA E CLIMA
1.1. Breve histórico da casa brasileira e a relação com o clima
Antes de mais nada, devemos lembrar que a função básica de uma casa é
a chamada função abrigo. A casa tem que ser entendida como um
invólucro seletivo e corretivo das manifestações climáticas, enquanto
oferece as mais variadas possibilidades de proteção. (LEMOS, 1989a,
p.9).
Desde as casas coloniais, o quadro da arquitetura brasileira apresenta soluções construtivas
para a adaptação de modelos e técnicas importadas à realidade física e cultural do país. Para
a melhor compreensão do desenvolvimento da relação entre arquitetura e clima no Brasil, é
preciso resgatar os conceitos que nortearam construtores, engenheiros e arquitetos de
diferentes gerações sobre as questões relacionadas à insolação e ventilação dos edifícios.
1.1.1. A casa colonial
A casa brasileira apresenta, em suas origens, íntima relação com o modo de construir e
habitar dos países ibéricos, principalmente de Portugal, responsável por nossa colonização.
Entretanto os portugueses quando chegaram ao Brasil debateram-se com uma realidade
ambiental bastante diferente de sua terra natal, e este fato acarretou no desenvolvimento,
desde o início, de medidas para a adaptação das construções às características do ambiente
local.
As residências urbanas deste período apresentavam rigorosa uniformidade em relação à
implantação e ao partido arquitetônico adotado. Os lotes eram estreitos e compridos, e as
casas, térreas ou assobradadas, construídas sobre os limites laterais do terreno e sobre o
alinhamento da rua, sem recuos frontais ou laterais (figuras 1 e 2). Segundo Reis Filho
1. Arquitetura e Clima
13
(1997, p.32) as origens deste tipo de implantação estão no urbanismo medieval-
renascentista português, e as condições locais apenas selecionaram entre os modelos
importados os de maior conveniência, desenvolvendo-os e adaptando-os em termos de
colônia.
Figuras 1 e 2 - Fotos da cidade de São Paulo em 1860. Fonte: www.sampa.art.br
Lemos (1989a, p.14) afirma que a grande contribuição portuguesa para a arquitetura
residencial brasileira do início da colonização deu-se no campo das técnicas, pois o mesmo
sistema construtivo da península foi adotado na colônia, e não somente pelo “saber fazer”
oriundo da metrópole, mas também pelo desejo, por parte dos colonizadores, em manter
na colônia a mesma aparência da terra de origem.
Vale lembrar que em Portugal, predominavam as construções em pedra e cal, sobretudo
nas terras frias mais ao norte, enquanto mais ao sul, comumente apareciam as casas de taipa
ou tijolo. Portugal apresenta um regime climático com quatro estações bem definidas,
típico dos países europeus, o que sugere a adequação das construções em pedra devido ao
atraso térmico deste material. Isto significa que, se nas épocas mais quentes e secas do ano,
o calor absorvido externamente demore a penetrar no ambiente interno, nas épocas mais
frias, ou no período noturno, este sistema construtivo mantém o ambiente aquecido por
meio da irradiação do calor armazenado durante o dia, ou ainda, por isolar o calor
proporcionado pelo fogão à lenha dentro das residências.
Na distribuição espacial das casas portuguesas o fogão estava localizado sempre ao centro,
como importante fonte de calor aos moradores. Esta solução, porém, não pôde ser
transportada para a colônia, pois não havia, na maioria das vezes, a necessidade de aquecer
as edificações.
1. Arquitetura e Clima
14
Adeus às lareiras e chaminés. Nos trópicos, o cozinhar deveria ser fora
da área de estar e dormir, bem que os índios tinham razão. [...] Fogo
grande de ferver caldeirões, só no quintal. Realmente essa foi a primeira
decisão assumida pela casa brasileira. (LEMOS, 1989a, p.19).
As construções coloniais eram simples no tocante à técnica construtiva, pois esta, quando
importada da metrópole teve de se adequar à nova realidade física e cultural. As casas eram
totalmente despojadas de ornamentações, concretizadas com materiais construtivos
disponíveis na região e mão-de-obra local. Todas estas características, segundo Lemos
(1989a), conferem à arquitetura colonial o título de vernacular.
Arquitetura vernácula é aquela feita pelo povo, por uma sociedade
qualquer, com seu limitado repertório de conhecimentos num meio
ambiente definido, que fornece determinados materiais ou recursos em
condições climáticas bem características. Com o seu próprio e
característico “saber fazer” essa sociedade providencia suas construções,
suas casas, satisfazendo a peculiares necessidades expressas em
programas caracterizados por próprios e únicos usos e costumes. A casa
vernácula é, portanto, uma expressão cultural. Só pode ser daquele povo e
daquele sítio. É uma arquitetura que percorre gerações. É funcional. Está
fora dessas questões ligadas a estilos arquitetônicos. (LEMOS, 1989a,
p.15).
Lúcio Costa (1995) também sugere autenticidade à arquitetura colonial brasileira, que
apesar da aparência e da técnica importada da metrópole, sofreu devidas alterações
relacionadas às características da nova terra:
A arquitetura regional autêntica tem as suas raízes na terra; é produto
espontâneo das necessidades e conveniências da economia e do meio
físico social e se desenvolve, com tecnologia a um tempo incipiente e
apurada, à feição da índole e do engenho de cada povo; ao passo que
aqui a arquitetura veio já pronta e embora beneficiada pela experiência
africana e oriental do colonizador, teve de ser adaptada como roupa feita,
ou de meia confecção, ao corpo da nova terra. (COSTA, 1995, p.451).
Em geral, no início da colonização, foram empregados diferentes métodos construtivos, de
acordo com a origem da população que se instalou na colônia: pau-a-pique, adobe, taipa de
pilão ou paredes de pedra. No entanto, com o passar dos anos, a maneira de construir foi
se acentuando conforme as características de cada sítio.
Sem embargo dessa variada aplicação de processos construtivos nos dois
primeiros séculos, com o tempo e as circunstâncias locais a preferência
por uma determinada técnica se foi definindo: a taipa de pilão,
encontrando terreno propício, fixou-se principalmente em São Paulo; a
alvenaria de tijolo floresceu mais em Pernambuco e na Bahia; nas terras
acidentadas de Minas, onde os caminhos acompanhavam as cumeadas,
com as casas despencando pelas encostas, o pau-a-pique sobre baldrames
de pedra foi a solução natural; já no Rio de Janeiro, a fartura de granito
marcou a perspectiva urbana com a seqüência ritmada das ombreiras e
1. Arquitetura e Clima
15
vergas de pedra suporte e arquitrave , princípio construtivo da Grécia
antiga. (COSTA, 1995, p.453).
No estado de São Paulo existem soluções distintas na maneira de construir as casas
coloniais. No interior e, principalmente, na cidade de São Paulo, houve a adoção da taipa
de pilão devido à disponibilidade dos materiais necessários para este tipo de construção no
local.
A taipa de pilão simbolizou a civilização paulista, dando caráter peculiar
às cidades, aos estabelecimentos rurais. Sendo muito erodível, era sempre
protegida por profundos beirais nunca por alpendres, porque nessas
providências de determinação de partidos arquitetônicos também influi
bastante o nosso clima, que pode apresentar certos dias bem quentes,
mas sempre de noites frescas ou bastante frias; assim era conveniente
que a grossa parede de terra socada estivesse acumulando calor do sol
para aquecer o repouso noturno do mameluco cansado. (LEMOS,
1989b, p.26).
Bem como as construções paulistanas deste período se adaptaram ao meio ambiente e aos
materiais disponíveis na região, as edificações do litoral paulista, do mesmo modo,
passaram por esse processo. A terra encontrada nas praias é pouco argilosa, imprópria para
a taipa, além deste sistema construtivo suportar pouco a alta pluviometria própria da região.
E a solução encontrada foi a utilização de materiais disponíveis em abundância no local: a
pedra e a cal (LEMOS, 1989b, p.25).
Apesar das diferentes técnicas construtivas empregadas, as casas coloniais apresentavam
monotonia em relação ao programa arquitetônico e à aparência das edificações: ausência de
recuos laterais e frontais, pequenas aberturas somente nas fachadas externas, zona escura
no centro da casa e telhado de duas águas, com a cumeeira paralela à via pública,
conduzindo as águas pluviais para a rua e para o quintal por meio dos beirais (figura 3).
Figura 3 Esquema de distribuição espacial da casa colonial. Fonte: REIS FILHO, 1997.
1. Arquitetura e Clima
16
A uniformidade das casas deste período deve-se, na maioria das vezes, à padronização
fixada pelas Cartas Régias, ou posturas municipais, que estabeleciam o número e as
dimensões das aberturas, altura dos pavimentos e alinhamento com as edificações vizinhas.
Estas exigências, típicas do século XVIII, visavam em grande parte garantir às vilas e
cidades brasileiras uma aparência portuguesa (REIS FILHO, 1997, p.22).
Já a organização interna das residências ficava a critério dos proprietários, não havia
interferência municipal. Entretanto a disposição espacial dos ambientes também
apresentava uma exaustiva repetição de soluções.
As salas da frente e as lojas aproveitavam as aberturas sobre a rua,
ficando as aberturas dos fundos para a iluminação dos cômodos de
permanência das mulheres e dos locais de trabalho. Entre estas partes
com iluminação natural, situam-se as alcovas, destinadas a permanência
noturna, e onde dificilmente penetrava a luz do dia. A circulação
realizava-se sobretudo em um corredor longitudinal que, em geral,
conduzia da porta da rua aos fundos. Esse corredor apoiava-se a uma das
paredes laterais, ou fixava-se no centro da planta, nos exemplos maiores.
(REIS FILHO, 1997, p.24).
Assim era o modo de habitar da sociedade desta época, apenas a quantidade e dimensões
dos cômodos diferenciava as residências dos mais ricos e dos mais pobres. As salas ficavam
na fachada da frente, e ao fundo a cozinha e a varanda, onde eram realizadas as refeições.
As alcovas, no centro da casa, sem luz ou ar diretos, eram conseqüência do sistema
construtivo, pois o telhado de duas águas não permitia a abertura de pátios para iluminação
natural (figura 4).
Figura 4 Distribuição e insolação dos aposentos da casa colonial. Fonte: REIS FILHO, 1997.
1. Arquitetura e Clima
17
Estes cômodos escuros, desprovidos de janelas, foram tradicionalmente identificados como
locais ideais para dormir, e isso ocorria inclusive nas áreas rurais, onde não havia problema
de espaço (MASCARÓ, 1983, p.124).
Além da influência da metrópole, pode-se identificar também nas casas brasileiras do início
da colonização um certo vínculo com a oca indígena, ajustes relacionados ao negro africano
e até algum compromisso com o Oriente, como por exemplo na segregação dos aposentos
familiares, ou no uso dos muxarabis.
Os muxarabis constituem uma das marcantes testemunhas da influência
árabe na arquitetura ibérica transplantada para o Brasil colonial.
(CORONA & LEMOS, 1972, p.331).
O muxarabi é um anteparo perfurado, na maioria das vezes composto de pequenas tiras de
madeira que se cruzam diagonalmente. Este elemento é bastante citado na literatura como
um meio de adaptação da casa colonial ao calor próprio do clima brasileiro, devido à
propriedade de sombrear e permitir ventilação constante no interior dos edifícios. Além
disso, resguarda a intimidade familiar, principalmente das mulheres, das vistas dos
passantes, pois permite o olhar dos habitantes da casa para o exterior sem serem
observados.
Figura 5 Evolução da casa colonial para as casas com porão alto do início do século XIX, a distribuição
espacial e ausência de recuos frontais e laterais permanecem. Fonte: REIS FILHO, 1997.
Até o início do século XIX não ocorreram grandes mudanças a partir do modo de habitar
colonial. Começaram a surgir as casas com porão alto, e embaixo das janelas da sala
comumente estavam pequenas aberturas gradeadas para a respiração do porão. O desnível
então era solucionado por uma pequena escada sob a porta de entrada (figura 5). As
edificações continuavam alinhadas à rua e sem recuos laterais. No decorrer do século XIX,
os porões tornaram-se obrigatórios, pois as normas municipais exigiam os assoalhos
afastados do chão a fim de separar a casa da umidade direta do solo.
1. Arquitetura e Clima
18
1.1.2. As casas do século XIX e início do século XX
A chegada da corte portuguesa no Brasil, em 1808, proporcionou à sociedade colonial a
adoção de novos hábitos e o contato com as novidades européias decorrentes da revolução
industrial. Neste momento, a integração do país no mercado mundial, e a abertura dos
portos, permitiram a importação de materiais e equipamentos, como vidros simples ou
coloridos, calhas, rufos e condutores de águas pluviais, que contribuíram para alterar a
aparência dos edifícios, porém sem abandonar o primitivismo das técnicas tradicionais.
O estudioso francês Saint-Hilaire, que esteve no Brasil entre os anos de 1816 e 1822, assim
descreveu as casas da capital paulista da época:
As casas, feitas de taipa e bastante sólidas, são todas caiadas e cobertas
de telhas. Nenhuma delas sugere opulência, mas vê-se um grande
número de sobrados, que chamam atenção por seu aspecto vistoso e
limpo. Os telhados não se projetam muito para fora, apenas o suficiente
para darem sombra e protegerem as paredes da chuva, e as janelas não
são tão juntas umas das outras, como se vê comumente no Rio de
Janeiro. As dos sobrados são quase todas envidraçadas, com postigos
pintados de verde e com sacadas. As casas de um só pavimento têm
gelosias que se abrem de baixo para cima e são feitas de paus cruzados
em diagonal. (SAINT-HILAIRE, 1976, p.128).
A substituição dos acabamentos tradicionais da arquitetura colonial por novidades
arquitetônicas do século XIX iniciou-se com o desejo modernizador de D. João VI, que ao
chegar ao Rio de Janeiro, tratou logo de “limpar a cidade” dos resquícios coloniais,
integrando-a às novidades da época. Para tanto, ordenou a eliminação de elementos
mouriscos das fachadas, como treliças, gelosias e muxarabis, e conseqüente substituição
por vidros. Tal atitude teve reflexo em outras cidades brasileiras posteriormente. Em 1873,
a Câmara Municipal de São Paulo, sob o mesmo escopo modernizador, também ordenou
às velhas casas de taipa a eliminação desses elementos. Além disso, a imposição da
platibanda, a fim de proporcionar nova aparência à cidade, obrigou os proprietários a cortar
os beirais e rasgar a antiga taipa para embutir os condutores de água pluvial (LEMOS,
1989b, p.92).
A partir de meados do século XIX, com a decadência do trabalho escravo e o início da
imigração européia, as técnicas construtivas começaram a se aperfeiçoar. Aparecia um novo
tipo de implantação para as residências urbanas: o afastamento dos vizinhos com jardim
lateral. As casas continuavam no alinhamento da rua, porém afastadas do lote adjacente
1. Arquitetura e Clima
19
formando jardins ou corredores laterais que proporcionavam melhores condições de
iluminação e arejamento aos ambientes internos (figura 6).
As residências menores não podiam entretanto contar com lotes laterais
ajardinados para resolverem seus problemas de iluminação e arejamento.
Apresentavam, então, pequenas entradas descobertas, com portões e
escadas de ferro. Internamente, lançavam mão de poços de iluminação,
aproveitando as facilidades de obtenção de calhas, condutores e
manilhas, para controle das águas pluviais e para resolver os problemas
dos telhados complicados, decorrentes das novas soluções de plantas.
Em todos os tipos, porém, suprimiam-se as alcovas, com evidentes
vantagens higiênicas. (REIS FILHO, 1997, p.48).
Além do esforço em incorporar o espaço externo à arquitetura, também houve a alteração
das técnicas construtivas decorrentes da mecanização da produção dos materiais de
construção. Casas construídas com tijolos, telhados executados com telhas tipo Marselha e
o uso de madeiras serradas, que permitiam acabamento mais perfeito de janelas, portas e
beirais, são alguns exemplos da modernização das construções desta época.
Figura 6 Casas do final do século XIX com deslocamento lateral. Fonte: REIS FILHO, 1997.
O aparecimento dos novos materiais construtivos no país coincidia com a evolução da
economia proporcionada pela exportação de café.
Nessa hora, o nosso patrimônio cultural viu-se invadido: o dinheiro do
café, por exemplo, importou arquitetos, mestres de obras, pedreiros e
toda sorte de material de construção tudo, absolutamente tudo, vinha
da Europa e dos Estados Unidos. (LEMOS, 1989a, p.51).
1. Arquitetura e Clima
20
Para Latif (2003, p.306) a substituição do telhado “colonial”, do tipo capa-e-canal, com
suas grossas telhas umas recobrindo as outras - e intensamente utilizada nas regiões
subtemperadas do Mediterrâneo - por telhas tipo “francesa”, ou de Marselha - mais leve e
econômica e usada nos telhados inclinados e lisos da Europa do norte para escorregar a
neve -, foi o nosso primeiro retrocesso em matéria de adaptação ao meio.
O tipo capa-e-canal, comum nas construções coloniais portuguesas, é eficiente em relação
ao isolamento térmico devido ao colchão de ar formado entre a dupla camada de telhas
(figura 7). Além disso, o fato de serem permeáveis ao ar quente e portanto possibilitarem a
sua saída, comprova ainda mais que elas são adequadas às regiões quentes próprias do clima
tropical brasileiro (BITTENCOURT; CÂNDIDO, 2005, p.9).
Figura 7 Esquema do comportamento térmico das telhas coloniais, tipo capa-e-canal.
Fonte: BITTENCOURT; CÂNDIDO, 2005.
A vernaculidade da casa colonial brasileira, ligada ao conhecimento, à técnica e aos
materiais fornecidos naturalmente pelo meio, começava a ceder lugar às construções
ecléticas, nos mais variados estilos, baseadas em soluções importadas e de tendência
universalista. Novos materiais e novos programas surgiram para atender a nova sociedade
cafeeira. As casas urbanas, já deslocadas lateralmente no lote, começavam a apresentar
afastamento em relação às vias públicas.
Nas residências maiores, o grande refinamento técnico correspondia às possibilidades
financeiras dos proprietários. A uniformidade arquitetônica, típica das casas coloniais,
desaparecia aos poucos. Os benefícios do mundo industrial e a decadência do sistema servil
alteraram significativamente a maneira de usar a casa e os costumes da população. O
1. Arquitetura e Clima
21
aprimoramento tecnológico deste período permitiu a implantação de redes de esgoto,
abastecimento de água e iluminação nas cidades.
O zoneamento das funções da habitação, nas casas de classe média para cima, sofreu
alteração significativa a partir da última década do século XIX. Apareciam nestas
residências o quarto da criada dentro da casa, a copa, a despensa, a cozinha no porão, sala
de engomar, sala da senhora, gabinete (espécie de escritório), jardim de inverno, além das
cocheiras dentro dos limites do lote, acomodadas no recuo lateral, algo impossível nas
antigas casas paulistas de taipa, geminadas em ambos os lados. No início do século
seguinte, este espaço cedeu lugar à passagem dos automóveis, que se acomodavam em
edículas, construídas no fundo dos lotes. Nelas localizavam-se além da garagem para um ou
dois carros, a lavanderia, depósito de gasolina, dormitórios para motoristas, banheiro e o
galinheiro ou canil (LEMOS, 1989b, p.73).
O ecletismo também foi responsável pelo aparecimento de um novo critério de circulação
das casas burguesas. As áreas de estar, repouso e serviço deveriam ser distribuídas de tal
forma que para ir de uma delas a outra não fosse necessário passar pela terceira. Esta nova
exigência fez surgir o vestíbulo, responsável pela circulação independente entre as funções da
casa (LEMOS, 1989a, p.52).
No início do século XX, entre os anos 1910 e 1912 houve um aumento no ritmo de
construções na cidade de São Paulo, devido ao surgimento da indústria e conseqüente
aumento da população urbana. Novas construções residenciais surgiram para abrigar a
população que chegava à cidade em busca de melhores oportunidades de trabalho. Todos
os novos edifícios buscavam seus estilos arquitetônicos, desde as casas operárias e cortiços
das classes menos favorecidas, até as casas mais ricas dos afortunados. Aos palacetes dos
ricos imigrantes eram conferidas feições estilísticas à moda de sua terra natal, já os
brasileiros natos, optavam pelo estilo neoclássico, ou pela arquitetura “francesa”, como
apareciam nos postais e revistas da época.
Em 1914, com a Primeira Guerra Mundial, houve uma brusca paralisação das construções
no país. As edificações brasileiras desde o início do ciclo cafeeiro eram construídas quase
totalmente com materiais importados: grades, portões, telhas de Marselha, dobradiças,
trincos, vidros, luminárias, materiais hidráulicos, pregos, pisos cerâmicos, tintas, etc...
Quando todos estes elementos pararam de chegar ao país, o quadro da arquitetura
1. Arquitetura e Clima
22
brasileira, conseqüentemente, sofreu alterações. A indústria nacional não estava preparada
para fabricação de todos estes componentes construtivos importados.
A Primeira Guerra Mundial iniciada em 1914 significa para o Brasil um
divisor de águas de fundamental importância no que diz respeito à
arquitetura, especialmente à residencial, porque de início, obstaculizou as
comunicações com a Europa e, conseqüentemente, a importação de
materiais de construção que o nosso ecletismo consumia de modo
sôfrego. (LEMOS, 1989a, p.62).
No mesmo ano de 1914, o engenheiro português Ricardo Severo, então radicado no Brasil,
fez uma conferência na Sociedade de Cultura Artística, em São Paulo, “A arte tradicional
no Brasil”, reivindicando uma expressão nacional à nossa arquitetura, que deveria buscar
no período colonial alguma tradição arquitetônica que representasse o país e a sociedade da
época. Inspirado nas idéias de Severo, nascia o estilo Neocolonial, que surgiu como uma
nova estética nacionalista. Tal modismo estilístico dominou as construções residenciais
burguesas dos anos 1920. No Rio de Janeiro, o médico e historiador de arte José Mariano
Filho foi o responsável pela repercussão de tais ideais nacionalistas (LEMOS, 1989b,
p.161).
Em 1918, com a retomada das construções interrompidas desde 1914, imperava o
Neocolonial nos novos edifícios. Este estilo, segundo Lemos (1989a, p.65), era uma
repetição de soluções inspiradas no passado colonial e somadas aos elementos de
composição próprios do barroco português, ausente de qualquer tradição brasileira:
No fundo, a partir de uma colagem de soluções antigas, a artificialidade
da intenção e a ignorância dos verdadeiros critérios de composição da
arquitetura antiga inspiradora do movimento nacionalista propiciaram
uma nova série de invenções decorativas alheias a qualquer tradição e
nascidas do bom gosto novidadeiro de arquitetos bem inspirados como
Victor Dubugras francês formado em Buenos Aires e ativo em São
Paulo nas duas primeiras décadas deste século. (LEMOS, 1989a, p.65).
Para Segawa (1997, p.38), a repetição das formas do colonial brasileiro ou do barroco
ibérico indicava uma manifestação nacional, porém não passava de uma busca pelo melhor
“estilo” para representar a nova arquitetura, e portanto afigurou-se como uma variação do
ecletismo. O único diferencial foram as referências nacionais, o que mudava eram apenas as
formas e não o princípio. Contudo, segundo o autor, não se pode negar a importância do
Neocolonial para as discussões dos novos conceitos arquitetônicos:
Independente do referencial de ‘modernidade’ que adotavam, o principal
aporte da postura neocolonial foi a introdução do contraponto regionalista
1. Arquitetura e Clima
23
a busca de uma arquitetura identificadora da nacionalidade como
fator de renovação. (SEGAWA, 1997, p.38).
Em São Paulo é comum encontrarmos residências deste período com seus amplos beirais
de telhas tradicionais, tipo capa-e-canal, porém produzidas em São Caetano; tijolo à vista,
que nada tem a ver com tradição paulista da taipa de pilão; painéis de azulejo decorado;
treliças; e as janelas venezianas, cujo uso foi obrigatório pelo Código Sanitário como uma
maneira de obter a ventilação constante nos ambientes. Neste período também houve uma
alteração em relação a ocupação do lote, pois as prefeituras passaram a exigir nos novos
arruamentos os recuos frontais e laterais.
Para Lemos (1989b, p.201) o marco finalizador das residências burguesas de alvenaria do
ciclo cafezista foi a construção da casa da Rua Santa Cruz (figura 8), do arquiteto Gregori
Warchavchik, em 1928: “casa só de tijolos, de sobrado feito de assoalho e grossos
dormentes de madeira e coberta de telhas tradicionais de barro de capa e canal”. E
continua, “Era o fim de um comportamento quando o arquiteto mentiu ao fiscal da
Prefeitura dizendo que não executava as molduras e decorações previstas porque o seu
dinheiro acabara”. A ausência de ornamentações significou o fim das decorações estilísticas,
e o prenúncio do medernismo, que exigia as últimas versões da técnica construtiva,
principalmente do concreto armado.
Figura 8 Fachada da Residência do arquiteto Gregori Warchavchik, localizada à Rua Santa Cruz,
em São Paulo. Foto de 1930. Fonte: ASSOCIAÇÃO MUSEU LASAR SEGALL, 1984.
1. Arquitetura e Clima
24
Warchavchik e, depois, Rino Levi, deflagraram o novo movimento, dito
modernista, que o povo chamava de “futurista”, resultado da
popularização do estilo art déco, o responsável pelo gradual
escasseamento do atrás mencionado neocolonial simplificado dos
palacetes de tijolo à vista. (LEMOS, 1989b, p.201).
Estes dois arquitetos, Gregori Warchavchik e Rino Levi, foram os responsáveis pela
publicação, em 1925, dos primeiros discursos acerca da arquitetura moderna publicados
pela imprensa brasileira.
1.1.3. A questão da higiene da habitação e os primeiros estudos de insolação no
Brasil
Entre o final do século XIX e o início do século XX, a produção do café trouxe para São
Paulo as novidades da Revolução Industrial, principalmente por meio dos imigrantes
europeus que chegavam ao país em busca de oportunidades de trabalho e melhores
condições de vida. Com a imigração, além das novas tecnologias construtivas como a
alvenaria de tijolos e os novos materiais de acabamentos já mencionados, vieram também
um grande número de profissionais liberais qualificados, entre eles engenheiros, arquitetos
e médicos, responsáveis pela difusão de novos conhecimentos científicos relacionados à
saúde e a higiene da habitação. Os ideais salubristas e a crença no poder bactericida do sol
foram conceitos amplamente difundidos por estes profissionais.
Nesta época, a habitação dos ricos, que se beneficiavam com a fartura proporcionada pelo
café, eram os palacetes ecléticos isolados no centro do lote com seus belos jardins laterais e
frontais.
No entanto, o café não carreou apenas benesses e vantagens advindas do
progresso europeu. Ao lado da garantia de bom passadio a alguns,
também atraiu a outros tristezas do mal-morar porque a carência de
moradia se agravou ao desespero fazendo surgir o cortiço promiscuo e
insalubre, programa nunca imaginado por estas bandas. Apareceu na
cidade a casa incompleta. De fato, a abastança chegada com o café atraiu
muitas e incalculáveis vantagens à sociedade local mas também fez surgir
problemas decorrentes de imprevistos adensamentos populacionais
motivados pela descontrolada imigração, de início justificada pela
lavoura, mas que acabou satisfazendo demandas urbanas das atividades
terciárias e, também, das crescentes secundárias da cidade que se prepara
para a industrialização. (LEMOS, 1999, p.14).
A partir deste momento, com a difusão das moradias insalubres e o crescente adensamento
populacional nas cidades, iniciaram-se as preocupações com a higiene das habitações no
país. Questões relacionadas à insolação e arejamento começaram aos poucos a serem
1. Arquitetura e Clima
25
incorporadas às normas e posturas municipais, que deixaram de tratar apenas da estética
das fachadas.
Em 1894 foi redigido o primeiro Código Sanitário de São Paulo. Este documento exigia
que as casas fossem secas, ventiladas, iluminadas e fáceis de limpar, com barras
impermeáveis nas cozinhas e banheiros. No entanto, o texto abria margem para diferentes
interpretações, já que não era baseado em dados cientificamente comprovados, como
gráficos de insolação por exemplo e também não era preciso em suas solicitações.
Exigências do tipo “todos os cômodos devem ter, sempre que possível, aberturas para o
exterior”, permitiam ainda a existência das alcovas nas habitações (LEMOS, 1999, p.30).
As leis, no início, timidamente exigiam que os cômodos devessem
possuir aberturas para o exterior e vimos que o Código Sanitário de 1894
ainda recomendava janelas “sempre que possível”, não fazendo questão
absoluta das envasaduras. A tibieza desse código foi muito criticada pelos
especialistas, sempre atentos às experiências de cientistas de fora. Em
1904 cogita-se seriamente da reformulação daquele código e o diretor do
Serviço Sanitário solicita ao prefeito da capital a designação de um
funcionário para fazer parte da comissão encarregada da revisão do
código vigente. O escolhido foi naturalmente Vitor Freire, quem acabou
sugerindo que os cômodos obrigatoriamente recebessem a osculação
solar por três ou quatro horas por dia, no mínimo (art. 260). O Código
Sanitário revisto veio à luz somente em novembro de 1911, dezessete
anos depois do anterior, tempo suficiente para aprimoramento que,
afinal, ninguém soube providenciar, com clareza. (LEMOS, 1999, p.73).
Mesmo neste exemplar revisto de 1911, ainda não estava claro como garantir as tais horas
mínimas de insolação. Foi então que o engenheiro paulista Lúcio M. Rodrigues
1
escreveu,
em 1911, o artigo “Uma questão de hygiene” com o objetivo de auxiliar os projetistas a
orientarem cientificamente seus prédios, determinando por meio de gráficos e equações a
duração da insolação nas fachadas dos edifícios e as condições de iluminação natural em
suas obras. Rodrigues (1911) ressalta a importância da ação dos raios solares nas
edificações, quer pela ação física térmica e luminosa, quer pela ação química microbicida
que exercem sobre os ambientes. Observa também que aos poderes públicos caberia o
dever de regulamentar a disposição das construções privadas, assim como a determinação
da largura e orientação das ruas em relação à altura dos edifícios a fim de satisfazer as
condições impostas pela higiene. Adverte que a fachada sul deve ser evitada no território
brasileiro, principalmente a partir do Trópico de Capricórnio, onde está localizada a cidade
1
RODRIGUES, L. M. Uma questão de hygiene. Revista de Engenharia, São Paulo, v.1, n.6, 10 nov. 1911,
p.169 175.
1. Arquitetura e Clima
26
de São Paulo, em direção ao sul do país, por não receber insolação durante pelo menos seis
meses no ano.
Em uma construção há evidentemente paredes tendo pelo menos 4
orientações distintas. Deve ser evitada entre elas, principalmente a de
orientação sul para aquelas paredes que abrigam os cômodos mais
importantes da habitação que são os destinados aos dormitórios.
(RODRIGUES, 1911, p.169).
Para Rodrigues (1911, p.169), os estudos relacionados às questões de insolação são
exclusivamente locais, ou seja, não são transportáveis a outro território. Portanto, para
resolver os problemas de higiene da habitação, deve-se desenvolver pesquisas sobre a
incidência solar para cada região, considerando as características geográficas do local.
É claro que uma cópia do que se tem feito, ou de regras estabelecidas em
um certo lugar do Globo não podem ser reproduzidas entre nós, pois
que os elementos da questão mudam de um lugar para outro, seja pela
intervenção da latitude local, seja pela situação topográfica da região, do
clima e influências de outra ordem. De forma que o estudo deve ser feito
sob o ponto de vista puramente local, podendo variar sensivelmente até
para localidades vizinhas. (RODRIGUES, 1911, p.169).
As questões relacionadas à higiene pública e privada derivada dos estudos relacionados aos
poderes bactericidas dos raios solares vão sendo incorporadas aos códigos sanitários e de
obras. Estes passam a fazer exigências referentes a orientação dos edifícios, tempos
mínimos de insolação, dimensões mínimas para aberturas de janelas, altura dos prédios,
recuos obrigatórios, até chegarem a questões relacionadas ao espaço urbano como a
determinação da largura e orientação das ruas, como sugeriu o engenheiro Lúcio M.
Rodrigues em 1911.
Em 1916, o engenheiro paulista Alexandre de Albuquerque publicou o livro Insolação:
orientação e largura das ruas altura dos edifícios, que contribuiu para a evolução dos estudos em
andamento na época a fim de garantir a salubridade das edificações. Por meio do
desenvolvimento e aplicação de fórmulas e gráficos para estudar a trajetória solar e sua
incidência nos edifícios, demonstrou o número de horas de insolação nas diversas fachadas
e em diferentes épocas do ano, chegando a resultados práticos e recomendações
construtivas como, por exemplo, para a latitude da cidade de São Paulo:
1. São condenadas, no ponto de vista da higiene, por falta de insolação
durante certo período do anno, as faces viradas para o nascente,
compreendidas entre o azimuth 64º 16’ e a linha E W;
1. Arquitetura e Clima
27
2. Dentro dos mesmos limites, as faces viradas para o poente, no ponto
de vista construtivo, não devem ser utilizadas para certos cômodos, por
oferecerem excesso de insolação;
3. As fachadas devem ter a orientação máxima de 40º SW ou NO a fim
de receberem o mínimo de insolação de 2h48m4 (proximamente igual a
três horas), no dia mais desfavorável do ano;
4. São aconselháveis as orientações próximas a 25º 44’ SE, ou NE, por
serem as que menores oscilações sofrem na insolação durante o ano.
(ALBUQUERQUE, 1916, p.27).
Ainda sobre a cidade de São Paulo, faz algumas observações simultâneas entre o gráfico de
insolação e o diagrama dos ventos, lembrando os arquitetos que o principal objetivo é
examinar as condições gerais de higiene das habitações através da insolação, mas para
selecionar a face mais indicada para determinada atividade, deve-se verificar também o
regime dos ventos do local. Deste modo, reúne os dados obtidos em uma planilha a fim de
auxiliar os projetistas:
Tabela 1- Insolação e ventos para a cidade de São Paulo
Fonte: Albuquerque, 1916.
Fachadas
paralelas a:
Face voltada
para:
Insolação
Porcentagem de
ventos
E - W Sul 0 12.4
E W Norte 10h32m.8 5.6
NW SE Nascente 8 10.2 10.0
NW SE Poente 2 22.6 1.9
N - S Nascente 5 16.4 14.7
N - S Poente 5 16.4 4.5
NE - SW Nascente 2 22.6 18.1
NE - SW Poente 8 10.2 13.1
A partir da obra de Albuquerque, a questão da insolação entrou definitivamente nos
códigos. Em fevereiro de 1918, o engenheiro Vitor da Silva Freire publicou um importante
depoimento
2
no Boletim do Instituto de Engenharia de São Paulo, tratando de questões
para serem incorporadas ao novo Código Sanitário.
2
Este depoimento de Victor da Silva Freire trata da questão da higiene das habitações. Partiu da Legislação
Sanitária do Estado de São Paulo sobre Habitações de 1917, e buscou aperfeiçoá-la, por meio de um Esboço
de Lei sobre Espaços, Iluminação e Ventilação, para ser incorporada ao novo Código Sanitário Municipal de
São Paulo (apresentado no anexo III do mesmo artigo). O texto foi publicado no Boletim do Instituto de
Engenharia, em fevereiro de 1918, em resposta ao pedido da Câmara Municipal de São Paulo de um projeto
de reforma de suas posturas sobre construções.
1. Arquitetura e Clima
28
Para Freire (1918, p.231), são os códigos sanitários e as posturas municipais sobre
habitações que buscam atenuar o problema das condições de alojamento decorrentes das
aglomerações humanas que surgiram nas cidades com a industrialização.
O que eles devem ter em vista pois, esses ‘códigos sanitários e
municipaes’ é um duplo objetivo:
Primeiro positivo, de proteção e amparo proporcionar à parte da
população que aspira viver num ambiente sadio e decente, e educar a sua
prole em condições de dignidade, disposições que lhe facilitem realizar
essa tão legítima ambição;
Segundo negativo, de repressão e polícia impedir que a parte restante,
a qual pouco se importa com tudo isso ou é incapaz de tentar o esforço
necessário para o alcançar, possa crear situações que venham a constituir
ameaça para os vizinhos, para a comunidade e para a civilização.
Tal o enunciado do programa completo, como ele é hoje compreendido.
Nem sempre foi assim, entretanto. Tempos houve em que o texto desses
decretos ou regulamentos visava exclusivamente a segunda, a menos
importante, a mais fácil e cômoda, das duas funções mencionadas;
reduzia-se ele mesmo a acanhado paradigma de regras hygienicas
descosidas entre si. (FREIRE, 1918, p.231).
Os códigos sanitários do início do século XX reproduziam as regras da “cubação de ar”,
onde a salubridade de um cômodo era medida pela quantidade de ar disponível por
habitante da casa em metros cúbicos. Tal ideário sofreu modificações a partir dos avanços
científicos no estudo da ventilação.
Limitemo-nos a frisar as conclusões práticas. Os três elementos de
ventilação eram, nos códigos antigos
1- Cubação elevada, para armazenar maior ‘volume’ de ar; como
conseqüência
2- Pé direito alto, por exigir muito terreno uma superfície grande
bastante para um mesmo cubo com pouca altura; e, como corolário
3- Área qualquer, a suficiente apenas para, por diferenças de
temperatura e densidade, renovar o ar ‘viciado’.
Foram esses elementos transformados posteriormente, nos códigos
orientados cientificamente, por
1- Cubação qualquer desde que o ar possa penetrar em movimento e
‘circular’ pelo interior da casa entre a frente e o fundo;
2- -direito qualquer determinado de preferência pela iluminação,
admitindo-se que se lê perfeitamente no fundo de um cômodo
distante da janela o dobro da altura (com a condição, claro está, que
a rua ou a área correspondentes sejam claras),
3- Área ampla proporcionada a altura das paredes que a contornarem,
afim de que o ar não fique ‘estagnado’ mas a percorra sem cessar de
um topo a outro. (FREIRE, 1918, p.280).
1. Arquitetura e Clima
29
O Código Sanitário de 1918, foi inovador no que se refere à fiscalização das construções.
As novas habitações eram rigorosamente fiscalizadas, e as edificações existentes, que não
atendessem às exigências higiênicas do código, deveriam ser reformadas. Este código
perdurou até o final da década de 1940.
1.2. Arquitetura moderna brasileira
No início do século XX, os ideais modernos de universalidade e racionalismo romperam os
limites europeus e se instalaram definitivamente em outros territórios. Estes ideais da
arquitetura racional de linhas retas e volumes puros, que deveria ser produzida em série, e
acessível a todos os homens, refletiam o desejo modernizador da nova sociedade industrial
que buscava uma linguagem de representação para a sua época. Dessa forma, e a partir das
possibilidades técnicas surgidas com o processo de industrialização, a luz e a transparência
assumiram um caráter de rompimento com o passado, com a arquitetura eclética baseada
em estilos históricos. O desenvolvimento científico e industrial da era moderna permitia o
uso de grandes planos de vidro nas fachadas e maior integração entre o interior e o
exterior, de maneira que proporcionassem a claridade, a luz do sol e a circulação de ar a fim
de garantir a higiene dos edifícios.
Em 1925, o jovem brasileiro Rino Levi, estudante da Real Escola Superior de Arquitetura
em Roma, enviou uma carta ao jornal O Estado de São Paulo que representou uma das
primeiras manifestações sobre arquitetura moderna no país. Neste artigo
3
, Levi (2003)
argumenta sobre a necessidade de integração entre a arte e a técnica e sobre as
possibilidades das novas técnicas.
É digno de nota o movimento que se manifesta hoje nas artes e
principalmente na arquitetura. Tudo faz crer que uma nova era está para
surgir, se já não está encaminhada.
A arquitetura, como arte mãe, é a que mais se ressente dos influxos
modernos devido aos novos materiais à disposição do artista, aos
grandes progressos conseguidos nestes últimos anos na técnica da
construção e, sobretudo, ao novo espírito que reina em contraposição ao
neoclassicismo, frio e insípido. Portanto, praticidade e economia,
arquitetura de volumes, linhas simples, poucos elementos decorativos,
mas sinceros e bem em destaque, nada de mascarar a estrutura do
edifício para conseguir efeitos que, no mais das vezes, são
3
LEVI, R. A arquitetura e a estética das cidades. In: XAVIER, A. (org.) Depoimento de uma geração:
arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. Publicado originalmente em O Estado de São
Paulo, São Paulo, 15 de outubro de 1925.
1. Arquitetura e Clima
30
desproporcionados ao fim, e que constituem sempre uma coisa falsa e
artificial. (LEVI, 2003a, p.39).
Levi (2003) fala sobre a importância do estudo da estética das cidades para o arquiteto, e da
preocupação com a orientação e adaptação do edifício ao lugar onde será construído,
reflexo das idéias difundidas em Roma, porém com o cuidado de adaptá-las ao contexto
brasileiro.
É preciso estudar o que se fez e está fazendo no exterior e resolver os
nossos casos sobre estética da cidade com alma brasileira. Pelo clima,
pela nossa natureza e costumes, as nossas cidades devem ter um caráter
diferente das da Europa.
Creio que a nossa florescente vegetação e todas as nossas inigualáveis
belezas naturais podem e devem sugerir aos nossos artistas alguma coisa
de original, dando às nossas cidades uma graça de vivacidade e de cores
única no mundo. (LEVI, 2003a, p.39).
Menos de um mês depois, o jornal carioca Correio da Manhã publicou um manifesto
4
, do
arquiteto Gregori Warchavchik, também sobre os conceitos da arquitetura moderna. Neste
texto, Warchavchik (1981) chama a atenção da sociedade de sua época para uma nova
forma de pensar a arquitetura no Brasil.
Observando as máquinas do nosso tempo, automóveis, vapores,
locomotivas, etc., nelas encontramos, a par da racionalidade da
construção, também uma beleza de formas e linhas. (...) Essas máquinas,
são construídas por engenheiros, os quais ao concebê-las, são guiados
apenas pelo princípio da economia e da comodidade, nunca sonhando
em imitar algum protótipo. Esta é a razão porque as nossas máquinas
modernas trazem o verdadeiro cunho de nosso tempo.
A coisa é muito diferente quando examinamos as máquinas para
habitação edifícios. Uma casa é, no final das contas, uma máquina cujo
aperfeiçoamento técnico permite, por exemplo, uma distribuição racional
de luz, calor, água fria e quente, etc. (WARCHAVCHIK, 1981, p.383).
A arquitetura moderna, segundo Warchavchik, deveria ser racional e basear-se apenas na
lógica, assim como são as máquinas, que revelam sua beleza a partir da racionalidade e
funcionalismo. Estas afirmações influenciaram toda uma geração de arquitetos brasileiros.
Em 1928 Warchavchik escreveu uma série de artigos sobre a arquitetura moderna, com o
título Arquitetura do século XX
5
, onde buscou definir ao público em geral os novos
paradigmas da arquitetura contemporânea. Para tanto, se apropriou dos ideais modernos da
4
Publicado originalmente em italiano, no jornal Il Piccolo, São Paulo, 14 de junho de 1925, com o título
Futurismo?. Reproduzido em língua portuguesa no jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1° de novembro de
1925, com o título Acerca da Arquitetura Moderna.
5
Série de 10 artigos escritos por Gregori Warchavchik para o jornal Correio Paulistano em 1928.
1. Arquitetura e Clima
31
época, e reproduziu trechos de artigos de Le Corbusier, enfatizando, entre outras, a idéia da
casa como “máquina de morar”. A beleza estava no funcionalismo, no racional, nas linhas
puras e sem ornamentações. Aos arquitetos modernos incumbia o dever de resolver o
problema da habitação a partir das vantagens do recente desenvolvimento industrial e
tecnológico, o que permitiria a fabricação de casas econômicas, higiênicas e confortáveis
em grande escala, e deste modo, expressariam o espírito de seu tempo.
Quando a indústria estiver aparelhada para fornecer, sem interrupção e a
preço baixo, determinada classe de materiais aos arquitetos, estes obterão
os resultados extraordinários com suas iniciativas, posto que nada mais
desejam do que dar muito ar, muita luz, muita higiene, um pouco de
simplicidade elegante e de muito bom gosto, ao habitante de cada casa.
(WARCHACHIK, 1990, p.2).
Alguns anos após as primeiras manifestações sobre a modernidade no país, a busca por
uma arquitetura de cunho nacional passou a ser também uma preocupação dos arquitetos
modernos. Em um primeiro momento a idéia de agregar um caráter local ao ideal moderno
universalista parece antagônica. Porém, diferentemente dos defensores do neocolonial, que
se apoiavam em uma volta ao passado, os modernistas buscavam garantir o caráter nacional
através do respeito ao ambiente cultural e geográfico ao qual se inseria a arquitetura. Este
viés regional da arquitetura moderna brasileira foi antecipado por Warchavchik na série de
artigos de 1928:
A arte que hoje parece dever ser, definitivamente, a da primeira metade
do século XX, começa a ser a expressão da coletividade universal. E não
se diga que essa convergência de estímulos uniformizará, em sua
totalidade, as casas do mundo.
Porque, com os mesmos princípios universais, adaptados a cada região, a
cada povo, a cada nacionalidade, surgirão, por certo, diferenciações
impossíveis de serem previstas agora, mas que darão, sem dúvida, a
unidade de estilo do século XX, em sua essência. (WARCHACHIK,
1990, p.2).
De fato o que diferenciou a produção brasileira dos anos 1930 e 1940 foi a conciliação dos
conceitos modernos de universalidade e racionalismo às condições locais, sejam elas
culturais, sociais, históricas, talentos individuais ou ainda, e principalmente, pela adaptação
à situação climática do país. A singularidade atingida pela arquitetura brasileira deste
período, que buscava uma expressão nacional e ao mesmo tempo consolidada pelas novas
técnicas, novos materiais construtivos e que evidenciasse o espírito da época, inquietaram a
crítica do exterior.
1. Arquitetura e Clima
32
1.2.1. Contextualização do estilo universal: algumas considerações
No Brasil, devido ao excesso de radiação solar, os arquitetos seguidores do movimento
moderno precisaram adaptar os preceitos europeus, universais e racionalistas, às
características ambientais locais. A produção arquitetônica brasileira deste período, que foi
bastante citada e considerada pela crítica no mundo todo, recebeu como principal diferença
em relação às demais a adequação ao clima local.
Sem dúvida alguma, foi o clima o fator físico que mais interferiu na
arquitetura brasileira. O país situa-se quase que inteiramente entre o
Equador e o Trópico de Capricórnio, estando sua parte meridional
bastante próxima deste, apresentando assim temperaturas bastante
elevadas durante o verão. Portanto, o primeiro problema que se colocava
para os arquitetos era o de combater o calor e o excesso de luminosidade
provenientes de uma insolação intensa. (BRUAND, 1981, p.12).
Segundo Bruand (1981), a aplicação dos princípios da arquitetura moderna difundidos por
Le Corbusier enalteciam a abertura dos ambientes para o exterior, proporcionando-lhes a
penetração do ar, da luz e da natureza. Porém, nos países de clima quente estas
recomendações exigiram algumas medidas de adaptação, como o emprego de dispositivos
capazes de combater o calor e a insolação excessiva. Dessa forma, foi o próprio Le
Corbusier quem desenvolveu, no projeto para urbanização de Argel, em 1930, o brise-soleil.
O que não se pode negar, é que este elemento de proteção solar, o brise-soleil, quando
incorporado à arquitetura moderna brasileira, assumiu as mais variadas formas, cores e
tipologias. Os brises tornaram-se o principal ícone para a identificação da produção
brasileira das décadas de 1930 e 1940, assumindo forte expressão plástica nos edifícios
deste período.
Ainda que, em certa medida, qualquer tipo de brise-soleil, possa ser
considerado uma imitação dos velhos e tradicionais métodos de proteção
contra a ofuscação e o calor, mesmo assim o brise-soleil adicionou um
novo elemento à nossa arquitetura, seja por sua independência com
relação às janelas, seja por sua integração plástica às fachadas, dando-
lhes, mesmo quando fixo, mas mais especialmente quando móvel, uma
característica dinâmica.
Freqüentemente, nos detalhes dos brise-soleil, bem como nos trabalhos em
madeira, podem ser encontradas reminiscências e variações das rótulas e
persianas coloniais, seja como expressões de um passado que se
reintegram no novo vocabulário em formação, seja como novas
respostas dadas aos problemas permanentes dos climas tropicais e
subtropicais. (MINDLIN, 2000, p.33).
Muitas revistas estrangeiras de arquitetura da época publicaram edições especiais sobre o
que se estava produzindo no Brasil naqueles anos. Uma delas foi a norte-americana
1. Arquitetura e Clima
33
Architectural Forum de novembro de 1947. A capa da revista (figura 9) traz algumas
ilustrações que representam expressivamente a produção arquitetônica brasileira do
período: o sol, que identifica a intensa radiação solar própria das nossas latitudes, e cada um
dos edifícios segurando um “guarda-sol”, cuja estampa evidencia os elementos de proteção
que compunham as suas fachadas.
Na última metade do século, a perspectiva da arquitetura moderna latino-
americana muda radicalmente. Esteve ausente nos primeiros ensaios
publicados na Europa; logo, foi assimilada quando se descobriu sua
proximidade aos paradigmas centrais; finalmente, as progressivas
decantações, transformações e transgressões da ortodoxia ‘estilística’ se
interpenetram como caminhos abertos na busca de uma identidade
ambiental própria. (SEGRE, 1977, p. 35).
Figura 9 Capa da revista The Architectural Fórum, nov. de 1947.
Para adaptar os preceitos da arquitetura moderna dos grandes vãos envidraçados às
características do clima brasileiro, os elementos de proteção solar foram amplamente
utilizados, criando uma nova iluminação natural para os ambientes internos através da
filtragem da luz incidente nas fachadas transparentes.
1. Arquitetura e Clima
34
Para Rivero (1986), o intercâmbio de modelos arquitetônicos sem a devida preocupação de
adaptação aos diferentes meios é fruto de uma grande exacerbação da técnica ou do
aspecto formal em detrimento das outras variáveis indispensáveis à boa condição de
habitabilidade do homem.
Izard e Guyout (1983) definem que a arquitetura bioclimática é aquela que busca soluções
arquitetônicas a partir de fatores do clima local, somados ao conjunto de técnicas e
materiais disponíveis na região. Deste modo, não permite a criação de modelos, já que os
edifícios são climaticamente e culturalmente adaptados ao meio onde são concebidos, e
portanto, não são transportáveis a outro clima.
A retomada da atenção às condições do local vem ocorrendo nos países desenvolvidos e
em desenvolvimento desde a década de 1970 com a crise do petróleo. No Brasil a crise de
abastecimento de energia elétrica ocorrida em 2001 intensificou a necessidade de soluções
que garantissem o conforto ambiental aos usuários com reduzido consumo energético. O
que se verificou nesses momentos, é que os padrões arquitetônicos inadequados ao clima
regional, fruto do abandono da preocupação com a adaptação climática e apoiados no uso
indiscriminado de ar-condicionado e iluminação artificial, causavam desperdício de energia
elétrica. A partir de então, as edificações que adotam como parâmetros de projeto as
tecnologias passivas para o condicionamento dos ambientes, como a iluminação e
ventilação natural por exemplo, e que consideram as características ambientais locais, são
chamadas de “arquitetura bioclimática”.
Esta definição não precisaria do termo bioclimática, pois deveria ser o significado próprio
da arquitetura. Nestes princípios estavam fundamentados os pensamentos de Rino Levi e
de outros arquitetos modernos brasileiros ao desenvolverem os dispositivos de proteção
solar, buscando adequar o uso das novas tecnologias no campo da construção civil à
realidade do clima brasileiro.
O edifício pioneiro no uso dos brises no Brasil foi o Ministério de Educação e Saúde -
MEC (1936/1945) no Rio de Janeiro, cujo projeto foi desenvolvido por uma equipe de
arquitetos liderada por Lúcio Costa. Este edifício mostra claramente os ideais da época,
pois a fachada sul apresenta uma grande superfície envidraçada, nos moldes dos preceitos
do movimento moderno, e permite a máxima penetração da luz, além de garantir a vista
para a baía (figura 10).
1. Arquitetura e Clima
35
Mas, apesar da fachada envidraçada significar um avanço tecnológico, a tradução dos
conceitos relacionados ao conforto ambiental era equivocada em relação à insolação desta
fachada. Nas latitudes brasileiras, e especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde o
edifício foi construído, a face sul somente não recebe a incidência direta dos raios solares
nos meses de inverno, mas nos meses de verão há incidência do sol nas primeiras horas do
dia e ao entardecer.
Portoghesi (1982) faz uma crítica à substituição das paredes externas pelos diafragmas
transparentes dos arranha-céus de vidro surgidos principalmente nos anos 1950 para
abrigar escritórios. Refere-se a este tipo de construção como um exemplo de
irracionalidade, uma vez que as superfícies transparentes aumentam a permeabilidade do
calor e do frio e a rápida variação da temperatura nas diversas horas do dia.
A arquitetura moderna, surgida para combater o desperdício inútil de
decorações artificiais impostas pelo gosto eclético do século XVIII,
adoptada pelo capitalismo em ascensão para a sua ética de austeridade e
de simplicidade, transformou-se, paradoxalmente, numa arquitectura de
esbanjamento energético, num gigantesco mecanismo de consumo dos
recursos limitados existentes na terra, que, ainda mais, requer a contínua
renovação do seu efêmero patrimônio. (PORTOGHESI, 1982, p. 28).
Entretanto, a fachada norte do MEC significa uma tentativa de adequar a arquitetura
moderna às condições geográficas locais, através da utilização do brise-soleil. O uso deste
elemento de proteção solar, composto por lâminas horizontais móveis de fibrocimento
fixadas a grandes lâminas verticais de concreto, representa uma preocupação em adequar os
grandes vãos livres ao clima brasileiro (figuras 11 e 12).
Figura 10 - Vista interna da fachada sul do MEC.
Plano de vidro e transparência para a paisagem.
Fonte: Architectural Forum, fev. 1943.
Figura 11- Vista interna da fachada norte do MEC.
Detalhe do brise móvel de fibrocimento.
Fonte: Costa, 1995.
1. Arquitetura e Clima
36
Figura 12 Croqui de Lúcio Costa sobre a insolação da fachada norte do MEC
e as possibilidades de proteção com o brise móvel.
Fonte: Architectural Forum, fev. 1943.
A luz que esse brise cria não é universal, mas sim de caráter local,
adequada à realidade brasileira e carioca, uma luz que não nega os
cânones do Movimento Moderno, mas questiona sua universalidade.
(SZABO, 2002, p.76).
Outro aspecto que possibilita uma leitura de adaptação climática desta obra é a ventilação
natural como forma de combater o calor. A ventilação cruzada, solução indicada para locais
de clima quente e úmido como o Rio de Janeiro, é possibilitada pela utilização de divisórias
à meia altura, o que permite também maior flexibilidade para modificações no espaço
quando necessário (figura 13).
Figura 13 - Detalhe da proteção solar da fachada norte e da ventilação cruzada do MEC.
Fonte: Architectural Forum fev. 1943
Le Corbusier teve grande contribuição para a elaboração do projeto do MEC, quando em
visita ao Brasil em 1936. As recomendações sobre os cinco pontos da arquitetura moderna
planta livre, janela em extensão, pilotis, fachada livre e terraço-jardim , assim como a
adoção da forma pura e geométrica e a criação do jogo de volumes à luz, eram conceitos
que já haviam sido absorvidos pelos arquitetos que compunham a equipe de Lúcio Costa.
1. Arquitetura e Clima
37
Além disso, Corbusier acrescentou a importância da valorização de elementos locais
naturais ou históricos, como a monumentalidade das palmeiras imperiais, a eficiência e a
beleza do granito cinza e rosa, extraído nas proximidades do Rio de Janeiro, e ainda os
azulejos originários de Portugal. Este último item foi bastante utilizado nas construções do
Brasil dos séculos XVII e XVIII, e asseguravam às paredes uma proteção eficaz contra a
excessiva umidade do clima, além de reduzir a transmissão de calor aos ambientes internos
devido à propriedade térmica de reflexão dos raios solares proporcionada pela superfície
brilhante.
As propostas de Le Corbusier abriam novos horizontes e possibilitavam
aos arquitetos brasileiros sair do impasse em que se encontravam:
conciliando posições arbitrariamente consideradas como antagônicas, o
mestre franco-suíço demonstrava que o estilo do século XX era
internacional, mas que isso não impunha, muito pelo contrário, o
abandono das variáveis regionais que assegurassem uma expressão
original. (BRUAND, 1981, p. 91).
Para Fernandéz (1998), a materialização de propostas projetuais do tipo universais
enfrentam fatores condicionantes tecnologicamente, o que resulta em uma arquitetura com
traços próprios de uma determinada história e cultura regional ou local. Para o autor, os
fatores tecnológicos que atribuem características locais à arquitetura vão desde a
disponibilidade técnica da mão-de-obra local, assim como a permanência de eventuais
técnicas tradicionais que resistem às inovações tecnológicas da época, ou mesmo a
utilização de materiais disponíveis na região. Assim, o autor faz uma leitura, a partir de
quatro aspectos, sobre um possível regionalismo americano de raízes tecnológicas ou
produtivas. O primeiro deles é o confronto entre a ancestralidade e a modernidade, que
significa a dificuldade de aceitação, por parte da população, de uma novidade ou progresso
tecnológico. O segundo seria a aproximação entre a produção arquitetônica e a
materialidade local, ou seja, a intenção de assumir as condições contemporâneas, buscando
adaptar a técnica construtiva tradicional, conhecida pela mão de obra local, e os materiais
construtivos disponíveis aos novos usos e necessidades da época. O terceiro aspecto é a
relação existente entre os componentes ambientais e as propostas tipo-tecnológico
construtivas, que seria a adaptação da arquitetura ao clima. E o quarto e último aspecto é a
relação existente entre a produção arquitetônica e a busca de conteúdos antropológicos e
históricos locais, visando valorizar a cultura popular.
1. Arquitetura e Clima
38
1.3. Conceitos de adaptação climática
O primeiro registro sobre a adaptação climática da arquitetura que se tem conhecimento é
o tratado de Vitrúvio
6
escrito no 1º século a.C. Apesar das obscuridades e incoerências do
escrito vitruviano apontadas por alguns historiadores
7
, fruto das diversas interpretações e
traduções para diferentes línguas, o texto de Vitrúvio foi amplamente divulgado entre os
arquitetos de diversas gerações. Trata-se de uma abrangente reflexão sobre a arquitetura,
considerando diferentes tipologias de edificação assim como a relação de cada uma delas
com o todo.
O texto integral está reunido em dez livros, sendo que o sexto versa sobre as teorias e
razões das proporções dos edifícios privados e traz algumas recomendações em relação à
adaptação ao clima, justificando que a arquitetura não deve ser a mesma em regiões com
características climáticas diferentes.
Estes (edifícios) estarão, pois, corretamente dispostos se, antes de mais
nada, for observado para que direções estarão voltados ou em quais
climas do mundo serão construídos. Com efeito, de uma forma no
Egito, de outra na Hispânia, não da mesma no Ponto, diferentemente em
Roma, e assim para as demais particularidades de terras e regiões, é
necessário que se construam diferentes gêneros de edificações, porque
numa região a Terra é envolvida de perto pela trajetória do sol, noutra
afasta-se consideravelmente dela, e em outra ainda é moderadamente
temperada. (VITRÚVIO, 2002, p. 143).
A disposição dos edifícios deveria seguir as particularidades das regiões, já que cada uma
delas assume características díspares de acordo com o curso do sol.
Sob o céu setentrional (norte), convém que os edifícios sejam
construídos abobadados e o máximo possível fechados; não abertos, mas
voltados para as direções aquecidas do céu. Pelo contrário, sob o
impacto do sol das regiões meridionais, porque premidas pelo calor,
deverão ser feitos mais abertos e voltados para o Setentrião (norte) e o
Aquilão (nordeste). Isso porque o que a natureza espontaneamente
danifica, deverá ser corrigido pela arte. (VITRÚVIO, 2002, p. 143).
Segundo Vitrúvio (2002), as diferentes incidências do sol nas diversas regiões influenciam
também as características físicas e emocionais do ser humano. Assim, a caracterização do
homem de acordo com a natureza do local onde está inserido acontece da seguinte
6
Versão em língua portuguesa: VITRUVIO, M. Da arquitetura. Trad. Marco Aurélio Lagonegro. 2ª ed. São
Paulo: Hucitec Annablume, 2002.
7
Ver D’AGOSTINO, M. H. A obscuridade do arquiteto Vitrúvio e a redação de Os Dez Livros de
Architetura. Revista do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, n
o
14,
dez. 2003, p. 26-47.
1. Arquitetura e Clima
39
maneira: nas regiões frias, sob o céu setentrional, devido à refrigeração do ar e da
abundância de umidade, os corpos são mais robustos, os sons emitidos pela voz são mais
graves, os cabelos lisos e ruivos, olhos azuis, sangue espesso e a mente mais vagarosa; nas
regiões quentes, sob o céu meridional, devido à exposição à trajetória do sol, em razão da
sua potência, os corpos são de pequena estatura, a pele morena, os cabelos crespos, olhos
negros, pernas esquálidas e sangue ralo, os sons emitidos pela voz são mais agudos e a
mente mais aguçada. Sendo assim, conclui que pela mesma razão da natureza dos povos
que apresentam “almas díspares” e “formas corporais distintas”, ou seja, devido a
“variedade de climas” nas diferentes regiões, também a “qualidade dos edifícios” devem
diferenciar-se entre as nações e os povos, e “seria conveniente conceber a forma dos
edifícios de acordo com a trajetória do sol e com as inclinações do eixo celeste”
(VITRÚVIO, 2002, p. 145).
Vitrúvio também explica como os ambientes, de acordo com o uso, devem ser distribuídos
e orientados em relação ao sol.
Que as salas de jantar de inverno e salões de banho estejam voltados
para o ocidente invernal, isso porque, nesses ambientes, é necessário
valer-se da luz vespertina, e também porque o sol poente, atingindo-os
diretamente com seu brilho e emitindo calor, mantém esses locais
tépidos ao anoitecer. Dormitórios e bibliotecas devem estar voltados
para o nascente, pois seu uso recomenda a luz matinal, bem como para
que os livros nas bibliotecas não apodreçam, pois quaisquer aposentos
voltados para o sul ou para o poente são viciados pelos vermes e pela
umidade, porque os ventos úmidos, aí chegando, geram-nos e os
alimentam, e, infundindo sopros úmidos, corrompem os corpos
embolorando-os. Salas de jantar primaveris e outonais devem estar
voltadas para o nascente. Com efeito, incidindo aí frontalmente os raios
de sol, seu ímpeto em sua marcha até o poente faz com que fiquem
temperadas durante as horas do dia em que seu uso for solicitado. Salas
de jantar para serem usadas durante o verão devem estar voltadas para o
norte, porque essa orientação durante o solstício não permanece, como
as outras, tórrida por causa do calor, e, por esse motivo, por estarem
numa posição contrária ao curso do sol, estão sempre refrigeradas,
prestando-se à saúde e ao prazer durante o uso, assim como pinacotecas,
oficinas de pintura e tecelagem, a fim de que seus materiais coloridos,
graças à constância da luz, mantenham suas qualidades inalteradas.
(VITRÚVIO, 2002, p.149 e 150).
O escrito vitruviano portanto, comprova que questões relacionadas ao clima estão
arraigadas na própria determinação da arquitetura desde o primeiro documento histórico
sobre o assunto que se tem conhecimento.
Os primeiros estudos sobre a insolação no Brasil, conduzidos pela nova prescrição da
higiene das habitações, ocorreram simultaneamente ao início do desenvolvimento dos
1. Arquitetura e Clima
40
conceitos de arquitetura moderna no país. O Sol como o protagonista do salubrismo
coincidia com o ideário moderno difundido por Le Corbusier
8
no início do século XX:
O sol, que comanda todo crescimento, deveria penetrar no interior de
cada moradia, para espalhar seus raios, sem os quais a vida se estiola. O
ar, cuja qualidade é assegurada pela presença da vegetação, deveria ser
puro, livre da poeira em suspensão e dos gases nocivos. O espaço enfim
deveria ser distribuído com liberalidade. Não se esqueça que a sensação
de espaço é de ordem psicofisiológica e que a estreiteza das ruas e o
estrangulamento dos pátios criam uma atmosfera tão insalubre para o
corpo quanto deprimente para o espírito. (CORBUSIER, 1989,
parágrafo 12).
Ainda em relação aos raios solares e ao número mínimo de horas de insolação que deveria
ser fixado para cada moradia continua:
A ciência, estudando as radiações solares, detectou aquelas que são
indispensáveis à saúde humana e também aquelas que, em certos casos,
poderiam ser-lhe nocivas. O sol é o senhor da vida. A medicina
demonstrou que a tuberculose se instala onde o sol não penetra (...). O
sol deve penetrar em toda moradia algumas horas por dia, mesmo
durante a estação menos favorecida. A sociedade não tolerará mais que
famílias inteiras sejam privadas de sol, e assim, condenadas ao
definhamento. Todo projeto de casa no qual um único alojamento seja
orientado exclusivamente para o norte, ou privado de sol devido às
sombras projetadas, será rigorosamente condenado. É preciso exigir dos
construtores uma planta demonstrando que no solstício de inverno o sol
penetrará em cada moradia no mínimo duas horas por dia. Na falta disso
será negada a autorização para construir. Introduzir o sol é o novo e o
mais imperioso dever do arquiteto. (CORBUSIER, 1989, parágrafo 26).
Um importante manual italiano sobre a racionalidade das construções, escrito por Griffini
9
nos anos 1930, aborda a questão da insolação das habitações modernas. Baseado nos
mapas solares de Howard Fisher, publicados em The Architectural Record, dez. 1931, Griffini
(1950) estabelece recomendações sobre a orientação mais adequada para a latitude 45º
norte, onde estão situadas as cidades de Milão, Turín e Veneza. A partir do estudo dos
gráficos para o solstício de inverno e de verão, e dos equinócios, determina o número de
horas de insolação que cada fachada recebe nos diferentes períodos do ano, e indica o
8
Trecho extraído da Carta de Atenas redigida por Le Corbusier em 1941. Esta publicação sintetiza as idéias
sobre a cidade funcional, tema discutido no IV CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna),
realizado em Atenas no ano 1933.
9
Este livro foi publicado pela primeira vez em Milão nos anos 1930, julgou-se importante a leitura deste
devido à formação italiana de Rino Levi e o possível contato do arquiteto com as idéias do autor, já que outro
livro com a mesma autoria estava no acervo da biblioteca do escritório Rino Levi, doado para FAU-USP:
GRIFFINI, E. A. (1934). Dizionario Nuovi Materiali per Edilizia. Milano: Editore Ulrico Hoepli.
1. Arquitetura e Clima
41
posicionamento ideal das janelas segundo a incidência do sol. No hemisfério norte, para
onde estes estudos foram realizados, as aberturas direcionadas entre sudoeste e sudeste
recebem boa insolação tanto no verão como no inverno, porém, as janelas voltadas para as
direções entre noroeste e nordeste não recebem os raios solares no inverno, e deveriam ser
evitadas.
A leitura da orientação mais adequada para cada tipo de habitação foi sintetizada
graficamente pelo autor (figura 15). Para a primeira representação, com o edifício orientado
no eixo norte e sul, ou seja, as duas maiores fachadas voltadas para leste e oeste, ambas
recebem sol, porém não devem existir janelas voltadas para norte ou sul. A segunda
orientação, leste-oeste, é adequada para as casas pequenas, com um ou dois quartos, e deve
localizar à face sul as salas e dormitórios e à face norte as escadas e os serviços. A
orientação noroeste-sudeste é adequada para grandes habitações, dispondo a nordeste os
dormitórios e serviços, e a sudoeste as salas e o quarto das crianças. E, por fim, a
orientação nordeste-sudoeste é adequada para habitações com 3 ou 4 dormitórios, que
assim como as salas, devem estar voltados para sudeste, e os serviços para noroeste.
Figura 15 Insolação dos edifícios orientados em quatro direções. Os três anéis que circunscrevem os edifícios
representam a incidência do sol no solstício de verão (21 junho), nos equinócios (21 março e 21 setembro) e
no solstício de inverno (21 dezembro), respectivamente do mais interno ao mais externo. As áreas preenchidas
são aquelas privadas de insolação. Fonte: GRIFFINI, 1950.
Griffini (1950) também menciona a localização e dimensionamento das janelas segundo a
iluminação. Nos ambientes com uma só janela distinguem-se três zonas de iluminação: uma
de máxima luz, outra de tênue sombra e a terceira com sombra bastante acentuada. A
intensidade de sombra diminui se existir grande quantidade de luz refletida, e ainda, a
extensão da sombra pode ser reduzida com o aumento da largura da janela, até anular-se
quando a janela ocupa toda a extensão do ambiente. Recomenda para um ambiente
uniformemente iluminado, que este seja orientado para norte (no hemisfério norte), com
profundidade limitada, levando tons claros nas paredes e tetos, e amplas janelas dispostas
1. Arquitetura e Clima
42
na parte superior da parede e providas de pequenas cortinas claras e translúcidas na parte
inferior dos vidros, pois estas auxiliam na difusão do fluxo luminoso multiplicando seus
reflexos. Discorre ainda sobre as janelas dispostas verticalmente, e afirma que estas
possibilitam aumentar a profundidade do local, pois a luz pode alcançar maior distância.
Pode-se perceber que este manual é condizente com o discurso modernista e racionalista
europeu daqueles anos. A preocupação dos arquitetos e engenheiros deveria ser de garantir
a insolação nos ambientes, e portanto a fachada norte é condenada por apresentar no
hemisfério norte insuficiente insolação. A indicação de que janela ideal para garantir grande
quantidade de luz natural é aquela que ocupa toda a extensão da fachada também estava de
acordo com os preceitos arquitetônicos corbusianos.
O que se pode notar é que, em um primeiro momento dos estudos sobre a insolação, o Sol
assumia o papel de importante agente microbicida, responsável pela salubridade e
iluminação dos edifícios. E o principal escopo para garantir os ideais higienistas era
estabelecer um mínimo de horas de insolação aos ambientes, como já foi mencionado
anteriormente. Entretanto, por volta dos anos 1940, com os avanços científicos das
pesquisas sobre insolação no país, descobre-se os malefícios causados pelo excesso de
radiação solar nos países quentes como o Brasil. A partir deste momento então, os raios
solares deixam de ser um mínimo ao qual se deve alcançar. Os engenheiros salubristas e os
arquitetos voltam-se para outra problemática: como evitar o excesso de sol e calor nos
edifícios? E mais uma vez se cruzam as idéias do mestre franco-suíço Le Corbusier e os
estudos sobre o clima no Brasil.
Prova disso foi a introdução do brise-soleil na arquitetura brasileira a partir da elaboração do
projeto para o MEC (1936/1945), no Rio de Janeiro, sob orientação de Corbusier. Este
elemento de proteção solar foi sugerido como forma de combater o excesso de insolação
na fachada norte, e desta maneira, evitar o calor demasiado no edifício.
Em 1930, o médico pernambucano Aluízio Bezerra Coutinho
10
foi um dos primeiros
defensores da necessidade de adequar a nova arquitetura brasileira às condições de calor e
umidade próprias do país. Coutinho (apud SEGAWA, 2005) referencia-se por várias vezes
no texto aos preceitos modernos difundidos por Corbusier, e destaca a idéia de que a
10
Trechos selecionados por Hugo Segawa da Tese de Doutoramento apresentada por Aluísio Bezerra
Coutinho: O problema da Habitação Hygienica nos paizes quentes em face da “Arquitetura Viva” (Cadeira de Hygiene).
Rio de Janeiro: Officinas Alba Graphicas, 1930. Publicados na Revista Risco, São Carlos, n.2, fev. 2005, p.
83 92.
1. Arquitetura e Clima
43
arquitetura deveria ser adequada ao clima e, ao mesmo tempo, ser consolidada com os
novos materiais e técnicas construtivas da época, como as estruturas metálicas e o cimento
armado, assumindo em sua feição a nova estética racionalista.
A casa é um envoltório que encerra no seu espaço interior uma
atmosfera de qualidades constantes, própria para a existência confortável
do homem. Um abrigo contra o ambiente e suas variações, cujas
amplitudes nem sempre são compatíveis com a existência normal.
Mas um abrigo adequado.
E para isso, necessariamente, o meio deverá, por suas características,
condicionar a casa. Os climas extremos exigem soluções extremas.
Na adequação da casa às condições locais reside o nó da questão. E sua
resolução trará o estabelecimento de padrões que serão definitivos, uma
vez que, no sentido da eficácia, representem o aproveitamento máximo
das possibilidades dos meios técnicos empregados. (COUTINHO apud
SEGAWA, 2005, p.85).
Coutinho (apud SEGAWA, 2005, p.87) analisa a adequação das cabanas sertanejas ao clima
do nordeste brasileiro. Fala sobre o isolamento térmico das coberturas constituídas de
vastas camadas de palha, que deixam entre suas hastes pequenos espaços que são ocupados
pelo ar, e que portanto são más condutoras de calor. Sobre a iluminação e a ventilação,
estas se fazem pelas aberturas do frontão, e são muito mais eficientes do que se fossem
realizadas por janelas, mesmo as mais largas possíveis.
É entre os aborígines, entre os que vivem longe dos centros cultos, que
as formas naturais, filhas das condições do lugar, têm maiores
probabilidades de existência, principalmente porque, sendo construídas,
via de regra, com materiais os mais primitivos e modestos, por isso
mesmo estão subtraídas à influência de padrões estrangeiros, podendo
assim realizarem espontaneamente as formas convenientes ao seu meio.
(...) Os indígenas de vários países quentes sabem realizar, com materiais
geralmente os mais precários, habitações que constituem abrigos bem
superiores, bem mais frescos e agradáveis que as casas do tipo europeu,
construídas nos mesmos locais. (COUTINHO apud SEGAWA, 2005,
p.86).
Ao arquiteto moderno, chama a atenção para a importância em reconhecer os mecanismos
de adaptação da arquitetura vernacular às condições do meio, buscando realizar uma
habitação com todas as suas vantagens, porém com o emprego das mais recentes
conquistas da técnica construtiva.
O estudo das propriedades da casa nativa dos trópicos, e o conseqüente
reconhecimento das causas determinadoras de suas vantagens, permite
entrever a maneira de realizar a casa racional, já pelos materiais a serem
empregados, já pelos recursos técnicos aplicados no sentido de obterem
a reprodução de suas qualidades, evitando o aparecimento dos seus
1. Arquitetura e Clima
44
defeitos, oriundos, evidentemente, dos recursos precários de que pode
dispor o nativo. (COUTINHO apud SEGAWA, 2005, p. 87).
E a respeito das questões de conforto ambiental das habitações completa:
A solução justa para o problema da habitação higiênica nos países
quentes será a vitória na luta contra o calor e a umidade, porque, nas
condições habituais de tais países, estes elementos assumem, como
vimos, valores demasiadamente grandes, proporcionando uma
temperatura efetiva muito mais elevada que as da zona de conforto.
Para evitar que a temperatura efetiva assuma tais valores, somos
limitados a poucos métodos de ação. Podemos impedir que as porções
da casa expostas ao sol aqueçam o interior. Pôr em movimento a
atmosfera para facilitar as perdas de calor, pelo organismo, mediante os
vários meios estudados. Finalmente, agir sobre o próprio ar, roubando-
lhe a umidade e refrigerando-o. (COUTINHO apud SEGAWA, 2005,
p.89).
Em 1943, o engenheiro Heitor de Souza Pinheiro
11
publicou o folheto Excesso de sol nos
aposentos, em resposta ao questionamento de um arquiteto paulista, Eduardo Kneese de
Melo, sobre qual seria a direção dos raios solares nas diferentes horas do dia, em São Paulo,
no rigor do verão.
Seu intuito era o de estudar, com esses elementos, os meios de proteger
o interior das edificações contra o sol excessivo, escolhendo, para esse
fim, situação conveniente para as janelas, e posição adequada para os
‘stores’ das mesmas.
É, pois, um problema interessante, e de aplicação imediata para todos os
arquitetos brasileiros.
No Brasil os dias são quentes na maior parte do ano, mesmo nas regiões
do sul, onde o inverno é real e não apenas teórico. Quando nossos avós
criaram a arquitetura colonial, agiram com discernimento adotando
paredes espessas, beirais largos, janelas com rótulas, e outros dispositivos
que a arte de construir podia lhes dar naquela época para atenuar os
rigores dos climas escaldantes e das chuvas torrenciais.
Compete ao engenheiro moderno o estudo e divulgação das múltiplas
maneiras conducentes à melhoria do conforto do interior da habitação
por meio de isolamento térmico das paredes de bons sistemas de
ventilação, da análise científica da insolação e de outros processos
naturais, atinentes ao fim colimado. Entretanto, isso vai sendo feito a
passos de tartaruga.
Insistimos sobre os ‘processos naturais’ porque são de aplicação pouco
dispendiosa, contrariamente ao que se verifica com os processos
artificiais, como o ar condicionado por exemplo, eficiente, não há
dúvida, mas luxuoso pelo alto custo das instalações e, pior ainda, pelas
11
PINHEIRO, H. S. Excesso de sol nos aposentos. São Paulo: Revista dos tribunais, Publicação da
Engenharia Sanitária do Departamento de Saúde de São Paulo, 1943.
1. Arquitetura e Clima
45
despesas que acarreta, elevadas e permanentes, de combustível e de
energia elétrica. (PINHEIRO, 1943, p.5).
Esta preocupação de Kneese de Melo, um dos pioneiros da arquitetura moderna em São
Paulo, mostra claramente a mudança de postura dos projetistas em relação ao sol. A
intenção deixa de ser a garantia de uma insolação mínima, conforme exigiam os higienistas
e salubristas, passando para a postura de assegurar a proteção solar aos edifícios.
Ainda nos anos 1940, o engenheiro brasileiro Paulo Sá, com a mesma postura anti-solar
própria deste período, analisou qual seria a orientação mais adequada para os edifícios
localizados em 8 cidades brasileiras de diferentes regiões do país. O primeiro elemento
determinante para a realização deste estudo foi a quantidade total de calor recebido por
paredes orientadas para norte, sul, leste e oeste. Os cálculos foram feitos para o solstício de
inverno, o solstício de verão e os equinócios, e também foram considerados os ventos
dominantes.
O problema inicial na técnica da construção dos edifícios está
evidentemente na determinação da melhor maneira de orientá-los. Antes
de pensar no modo como edificá-los, antes de examinar a sua disposição
em planta ou em elevação, é certamente necessário fixar a sua posição
mais conveniente para que neles a moradia se torne confortável e
higiênica. (SÁ, 1942, p. 7).
Entre os municípios analisados na pesquisa está a cidade de São Paulo, que recebe algumas
observações típicas do clima paulistano da época:
(...) É o fato de ser São Paulo muito sujeito aos fenômenos de neblina e
de garoa que reduzem em proporção grande a sua insolação efetiva; não
apenas na parte referente ao calor, senão, e sobretudo, na relativa ao
iluminamento. (SÁ, 1942, p. 43).
A neblina reduz a insolação térmica e luminosa e se prolonga no período da manhã até 9
ou 10h, já as horas mais quentes do período da tarde não são muito sujeitas ao mesmo
fenômeno. Em relação à insolação, as fachadas voltadas para leste e oeste apresentam
grande oscilação entre o verão e o inverno; a face sul recebe pouca insolação, e concentrada
nos meses mais quentes; já a face norte é “a mais bem insolada, uma vez que a sua
insolação, pequena no verão, é máxima no inverno quando se torna mais necessária” (SÁ,
1942, p.43).
Em São Paulo, pois, o problema se põe em condições muito diversas
daquelas que existem no Rio: a questão de insolamento é uma questão
do mínimo acima do qual se deve ficar (com razão maior no inverno).
Do que se conclui que norte e oeste são, desse ponto de vista, as
melhores orientações. (SÁ, 1942, p.45).
1. Arquitetura e Clima
46
As condições climáticas apresentadas para a cidade de São Paulo neste período foram:
temperatura média para os meses de verão de 20,4ºC, atingindo a máxima de 26,7ºC; para
os meses de inverno, 14,7ºC; os meses mais chuvosos são de outubro a março, e os mais
secos de abril a setembro; os ventos dominantes são de sudeste, em segunda dominância de
nordeste, seguido de sul, este com menor incidência.
Feitas estas apresentações, Sá (1942) recomenda as orientações mais adequadas para os
edifícios paulistanos: as fachadas devem estar orientadas entre N e NO, a fim de aproveitar
a insolação do período frio, e evitar o exagero da insolação de verão, além de evitar os
ventos nordeste, dominante nos meses de inverno.
Reunidas em um gráfico elaborado pelo autor, estão as orientações mais adequadas para
cada tipo de ocupação dos ambientes, considerando o período, matutino ou vespertino, e
as épocas do ano, e ainda, a orientação mais apropriada para os hospitais (figura 14).
Figura 14 Recomendações de Paulo Sá para a orientação dos edifícios na cidade de São Paulo.
Fonte: SÁ, 1942.
Para as paredes que por alguma razão estejam mal orientadas, e recebam insolação
excessiva, Sá (1942) indica três tipos de solução para protegê-las. A primeira solução é a
disposição dos ambientes em planta.
1. Arquitetura e Clima
47
É claro que a uma fachada bem orientada corresponde, em regra, a
fachada oposta mal orientada. Será, porém, possível colocar do lado da
fachada de boa orientação os cômodos de utilização mais freqüente. (SÁ,
1942, p. 53).
Assim, recomenda que às fachadas opostas se disponham cômodos pouco freqüentados,
como depósitos, ou ambientes de passagem, como corredores. A segunda solução, quando
a primeira não for possível, é a escolha de materiais que protejam as paredes mal orientadas
do calor excessivo, ou seja, materiais isolantes. A última maneira de se corrigir uma má
orientação é a utilização de dispositivos de sombreamento, os quebra-sóis ou brise-soleil.
Desta forma, no início do século XX, muitos estudos científicos foram realizados para
analisar os efeitos do sol e da ventilação para o clima brasileiro. Pesquisas como de
Albuquerque, Coutinho, Pinheiro ou Sá foram importantes para a consolidação da
disciplina de conforto ambiental no Brasil, de raiz racionalista e fundamentada nos
preceitos da arquitetura moderna (SEGAWA, 2001, p.9).
Entre os anos 1930 e 1950, portanto, os arquitetos brasileiros contavam com um grande
respaldo científico no que se refere aos efeitos causados pelo sol, e muito se fala da
adequação das obras modernas deste período ao clima do país. Porém, havia uma lacuna
entre as pesquisas e a produção arquitetônica da época, que pode ser verificada pelo uso
indiscriminado dos elementos de proteção solar, que se tornaram um ícone identificador da
arquitetura brasileira deste período. Em alguns casos, o emprego dos brises visava
estritamente à composição plástica das fachadas, não seguindo as orientações com base
científica e deixando de lado seu principal desempenho de proteger os usuários dos
edifícios do desconforto térmico causado pela insolação.
2. O arquiteto Rino Levi
48
CAPÍTULO 2
2. O ARQUITETO RINO LEVI
2.1. A formação italiana e a atuação profissional
Rino Levi iniciou seus estudos de arquitetura em Milão, em 1921, onde cursou os dois
primeiros anos letivos. O curso oferecia matérias técnico-científicas, ministradas por
professores do Instituto Politécnico, e disciplinas artísticas e arquitetônicas, pela Academia
de Belas Artes. A primeira etapa percorrida então pelos alunos de arquitetura era a fase
preparatória com duração de dois anos, e em seguida, a fase de aplicação ou prática com
duração de três anos. O ensino tinha um caráter preponderantemente técnico-científico. O
conservadorismo dos professores afastava as idéias futuristas que apareciam época, o que
não impediu a participação de vários colegas de turma de Levi no desenvolvimento e
consolidação do racionalismo italiano fora do ambiente acadêmico.
Os dois anos de estudos em Milão possivelmente apresentaram pouca influência no
conjunto de sua formação, devido ao caráter preparatório da primeira etapa, responsável
pelo ensino do repertório básico de elementos arquitetônicos e de capacidade de desenho.
Em 1924 Rino Levi transferiu-se para a Escola Superior de Arquitetura de Roma, onde se
deparou com a proposta para um novo tipo de profissional, o arquiteto integral, que se
formaria a partir da união do saber técnico-científico ao conhecimento artístico.
No ano seguinte ao ingresso em Roma, cursou a disciplina Edilizia Cittadina, ministrada
pelo professor Marcello Piacentini, que assumiu importante papel em sua formação. A
proposta da disciplina era de instrumentalizar a arte de construir a cidade, articulando os
critérios estéticos aos funcionais. Por meio das idéias inovadoras de Piacentini, a arquitetura
moderna foi divulgada na escola romana, e aos alunos foram apresentadas algumas obras
dos arquitetos Mies Van Der Rohe, Walter Gropius, Le Corbusier e Richard Neutra.
2. O arquiteto Rino Levi
49
Piacentini defendia a idéia de que a Itália deveria apresentar uma modernização sem
ruptura com a tradição clássica, pois isso a distinguiria da produção internacional de sua
época. Além da característica de continuidade com o passado clássico, a arquitetura
moderna italiana deveria ser concebida levando em consideração o clima, a natureza e a
cultura, e não apenas repetir as propostas racionalistas dos países vizinhos. Ao modelo
universal europeu deveriam somar-se características peculiares do país.
A preocupação de Rino Levi em estudar as propostas de caráter universal do movimento
moderno, e adaptá-las ao clima, à natureza e à cultura brasileira
12
, representa uma postura
semelhante à dos italianos: somar às soluções universais produzidas nos outros países
europeus especificidades do país, o que as diferenciaria no contexto arquitetônico mundial.
Outra característica inerente à formação italiana de Levi é a preocupação com o conhecimento
técnico, pois o reconhecia como dado fundamental para a renovação da arquitetura. Sua obra
é marcada pela resolução formal diretamente vinculada à solução técnica.
Levi retornou ao Brasil, já formado, em 1926. Nesta época a situação profissional dos
arquitetos brasileiros apresentava-se bastante distinta dos italianos. No Brasil, não havia
escolas que formassem arquitetos, e sim engenheiros-arquiteto responsáveis por todo o
processo da construção, desde a elaboração do projeto até a etapa final de conclusão da
obra. Outra situação diferente encontrada pelo arquiteto foi a precariedade em relação ao
fornecimento e execução dos materiais construtivos, exigindo, portanto, maior exatidão e
detalhamento no desenvolvimento dos projetos.
Nos anos 1920, em São Paulo, o mercado da construção civil era dominado por mestres-
de-obra e empreiteiros, o projeto não era contratado independente da obra, o que levou
Rino Levi a atuar também como construtor. Durante pouco mais de um ano da chegada ao
Brasil, trabalhou na Companhia Construtora de Santos e, em 1927, abriu seu próprio
escritório, onde conseqüentemente desenvolvia os projetos e acompanhava as obras até a
última etapa da construção.
A qualidade das obras de Rino Levi foi rapidamente reconhecida pela sociedade da época, e
pôde ser vista como fruto da intimidade com a prática construtiva desde o início da carreira
somado ao conhecimento técnico bastante apurado de sua formação italiana.
12
Estas idéias estão reproduzidas no artigo A arquitetura e a estética das cidades enviado por Rino Levi quando
ainda era estudante de arquitetura em Roma, e representou uma das primeiras manifestações sobre arquitetura
moderna no Brasil. Este texto foi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, São Paulo, 15 de outubro
de 1925.
2. O arquiteto Rino Levi
50
Foi a partir do projeto para o Cine Art-Palácio para a cidade de Recife, em 1937, que ocorreu
uma expressiva modificação na postura de atuação profissional do arquiteto. A distância
em relação à obra gerou a necessidade de maior detalhamento e especificidade nos
desenhos para melhor informar os responsáveis pela execução do edifício. Tal atitude
alterou significativamente sua metodologia projetual, pois abandonou o papel de construtor
para dedicar-se exclusivamente ao desenvolvimento do projeto (BELLEZA, 1997, p.138).
A decisão de Levi entusiasmou os jovens arquitetos de então, pela possibilidade de exercer
exclusivamente a atividade projetual, abrindo um novo caminho para a prática profissional.
A desvinculação do arquiteto com a construção exigia a atenção maior no exercício do
desenho arquitetônico, pois este deveria expor exatamente a realidade construtiva aos
responsáveis pela execução de diferentes etapas da obra.
A partir da década de 1940, Rino Levi contou com a colaboração de Roberto Cerqueira
César, formado pela Escola Politécnica da USP. Em 1954, Luiz Roberto Carvalho Franco,
formado na Faculdade de Arquitetura Mackenzie em 1951, associou-se também ao
escritório. Seguramente, nestes anos, a preocupação técnica e o rigor construtivo eram
características que identificavam o escritório Rino Levi – Arquitetos Associados, diferenciando-
o na produção arquitetônica paulista.
2.2. O conforto ambiental na obra do arquiteto
O certo é que se classifique a arquitetura como arte plástica, de caráter
essencialmente abstrato. A função do arquiteto é o estudo da forma, em
ligação com o ambiente e o clima, dentro de condições funcionais e
técnicas, visando a criação harmoniosa de ritmos, ordenando volumes,
cheios e vazios, jogando com a cor e a luz.
13
(LEVI, 2003b, p.315).
Não são poucos os projetos do arquiteto Rino Levi que apresentam parte importante da
expressão formal vinculada ao tratamento que recebem para a proteção solar, ou ainda, que
resultam de cálculos de acústica, como no caso dos cinemas e teatros.
Entre os anos 1930 e 50 muitas pesquisas sobre insolação estavam sendo realizadas no
Brasil, como já mencionado no capítulo anterior. Rino Levi, assim como outros
companheiros que buscavam consolidar a arquitetura racionalista nos trópicos,
13
Este texto de Rino Levi foi publicado pela primeira vez pela revista francesa L'Architecture d'Aujourd'hui
27, em dezembro de 1949, e publicada em português na revista Óculum 3, FAU PUC-Campinas, março de
1993. Trata-se de parte selecionada pelo autor de uma conferência realizada no Museu de Arte de São Paulo,
a convite da Associação Paulista de Medicina.
2. O arquiteto Rino Levi
51
desenvolveu para seus projetos vários exemplos de dispositivos de proteção solar a fim de
evitar os malefícios causados pelo excesso de sol.
Para a proteção das fachadas onde há incidência dos raios solares, Levi utilizou desde
pequenas marquises ou pérgulas para o sombreamento das aberturas, até fachadas inteiras
compostas por elementos vazados de cerâmica, brises de concreto ou de alumínio. Essa
variedade de desenhos e materiais dos dispositivos de proteção solar enriquecia a expressão
formal de suas obras, além de demonstrar a preocupação com a adaptação climática dos
edifícios.
A obra de Rino Levi é profundamente marcada pela importância dada ao aspecto técnico
da arquitetura. Questões relacionadas ao conforto ambiental, englobando os aspectos de
insolação, iluminação, ventilação, térmicos ou acústicos são bastante exploradas nos
projetos do arquiteto, que estava sempre atento às novidades científicas e tecnológicas da
época.
A forma na arquitetura, acompanha a evolução da técnica construtiva,
exigindo, hoje, do arquiteto, sólidos conhecimentos científicos, que
deverão ser renovados e ampliados constantemente em virtude do
progresso moderno. O problema estético, porém, não muda. Mudam os
elementos da composição, mas não se alteram as leis e princípios que
governam a plástica. Os problemas da disposição ordenada, da harmonia
de ritmos, dos acordes, das proporções e da integração de todos esses
fatores numa unidade, são sempre os mesmos. A estética baseia-se no ser
humano, que, em sua essência, não varia.
A atividade do arquiteto resumia-se, no passado, à aplicação de algumas
regras empíricas, transmitidas de geração em geração, o que fazia dele
um intuitivo. o problema apresenta-se, hoje, bem diferente. As condições
da vida moderna tornam a arquitetura sempre mais complexa, exigindo
do arquiteto sólidos e extensos conhecimentos técnicos, científicos e de
cultura geral, embora conte, no exercício da sua atividade, com a
indispensável colaboração de especialistas.
14
(LEVI, 1958, p.2).
Nos projetos dos cinemas das décadas de 1930 e 40, Levi buscou as últimas novidades
sobre os cálculos de acústica da época, para dimensionar as salas de projeção. Além disso,
entre os anos 1958 e 1960, assumiu o posto de Presidente do Instituto Brasileiro de Acústica, o
que demonstra seu real interesse pelo assunto.
14
Aula inaugural da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande do Sul, proferida em Porto
Alegre, em 20 de março de 1958.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/documento/documento.asp>.
2. O arquiteto Rino Levi
52
2.2.1. A relação da acústica com a arquitetura e o urbanismo
Levi (1961) afirma que por meio da ciência acústica os arquitetos deveriam solucionar dois
aspectos relacionados ao som e que estavam diretamente ligados à vida da sociedade
moderna. O primeiro deles era a necessidade de eliminar ou atenuar os ruídos urbanos
resultantes da mecanização da atividade humana que surgiram com a industrialização. No
final do século XIX, o nascimento da indústria gerou um grande afluxo da população do
campo para a cidade em busca de melhores condições de trabalho, saúde e diversão.
Conseqüentemente houve o crescimento das cidades sem controle e sem planejamento em
virtude da especulação imobiliária. As cidades aumentaram de tamanho, porém a estrutura
urbana permaneceu a mesma e, portanto, ocorreu o desequilíbrio de suas funções, a falta de
unidade e a dispersão das atividades (LEVI, 1964, p.33).
A cidade antiga era de tamanho reduzido. Seu crescimento lento dentro
de limites razoáveis, lhe permitia conservar a unidade e o equilíbrio
harmônico de suas funções. (...) Com o crescimento exagerado da cidade
moderna, o quadro se modifica substancialmente. (...) A especulação
imobiliária se desenvolve de maneira desenfreada. A administração
pública torna-se incapaz de acompanhar e disciplinar o crescimento
urbano. (LEVI, 1964, p.33).
Os avanços provenientes da intensificação do uso da máquina trouxeram para as cidades as
novas instalações industriais e também os veículos motorizados. Entretanto este progresso
anunciava a origem do ruído urbano que se tornaria um dos maiores incômodos ao habitante
da cidade moderna. Segundo Levi (1961, p.11), a localização imprópria de indústrias,
mercados ou aeroportos agravavam o problema do ruído, assim como os
congestionamentos, os barulhos de motores e as buzinas dos automóveis que circulavam
pelas ruas remanescentes da época do tráfego de tração animal.
Com relação à indústria barulhenta e em geral nociva, não há dúvida que
deverá ser afastada da habitação. O problema deverá ser enquadrado no
zoneamento da cidade, tendo em vista a criação de zonas industriais e
residenciais nitidamente separadas. (...) Com relação aos ruídos da rua,
provenientes dos veículos motorizados, o problema se apresenta bem
mais complexo e difícil de solucionar nas cidades existentes. Medidas
realmente eficazes implicariam numa transformação radical da estrutura
urbana o que não é fácil de realizar. A rua, na nossa estrutura urbana,
nada mais é que um corredor, com pista para veículos e para pedestres, e
com edifícios em ambos os lados. É uma reminiscência da cidade antiga,
pacata e feliz, quando a velocidade era determinada pelo ritmo do cavalo.
(LEVI, 1961, p.11).
2. O arquiteto Rino Levi
53
Rino Levi considerava o planejamento urbanístico indispensável para minimizar o
problema dos ruídos causados pela industrialização, e os dois aspectos fundamentais para a
organização das cidades seriam o zoneamento e o transporte.
O zoneamento cuidará da distribuição, na área urbana, das várias funções
e atividades. Assim, localizará as zonas residenciais, comerciais e
industriais e, dentro delas, as instalações sociais, culturais e recreativas. O
transporte, por sua vez, implicará na organização de um sistema viário
adaptado ao tráfego mecanizado estabelecendo as ligações dos vários
setores da cidade. O zoneamento e o transporte constituem dois fatores
importantes para a organização da vida coletiva e para o conforto da
população. (LEVI, 1964, p.33).
O segundo aspecto da ciência acústica avaliado por Levi seria o condicionamento dos
ambientes fechados. Entretanto, havia duas maneiras de tratar deste assunto: nos projetos
para teatros, cinemas, estúdios de rádio, igrejas e salas de conferência, os arquitetos
deveriam preocupar-se com a boa audição dos espectadores; enquanto que em hospitais,
locais de trabalho como indústrias ou escritórios - com as máquinas de escrever e calcular
da época -, a atenção deveria ser para a eliminação de ruídos e trepidações por meio da
utilização de materiais absorventes ao som.
Em síntese, a solução acústica para boa audição depende da forma do
local e dos materiais aplicados no mesmo, elementos esses que podem
variar de acordo com o critério e a fantasia do projetista. (LEVI, 1961,
p.12).
Nas décadas de 1930 e 40, Rino Levi projetou uma série de salas de cinemas partindo do
estudo de acústica para dimensionar os ambientes. No Brasil dos anos 1930, o cinema
falado aparecia como uma inovação tecnológica, um novo espaço cultural e de lazer para a
sociedade da época. E, portanto, o som e a necessidade de melhorar a acústica das salas de
projeção surgiam como um novo desafio aos arquitetos.
No que diz respeito aos meios de expressão, estamos sempre verificando
o aparecimento de novas manifestações de arte. É o caso do cinema, que
nos apresenta imagens em movimento sincronizadas com palavras e
sons. Trata-se de um acontecimento inédito, e o que parece mais
extraordinário nele é o desenho animado, pela sua relação, sob certos
aspectos, com a pintura, uma pintura em movimento próprio e, além do
mais, acompanhada da palavra e da música. (LEVI, 2003b, p.313).
Segundo Levi (1936), a forma arquitetônica das salas de cinema e teatro deveria ser
resultante do projeto de acústica. Primeiramente seria necessário garantir a distribuição
uniforme da intensidade sonora, assim a última fila de espectadores deveria assistir ao
espetáculo com a mesma qualidade sonora e conforto que as fileiras localizadas nas
2. O arquiteto Rino Levi
54
proximidades do palco. Depois, o próximo passo para a elaboração do projeto seria a
determinação do tempo de reverberação, e “por reverberação entende-se o tempo durante o
qual o som permanece num determinado ambiente, em reflexões sucessivas, após a sua
emissão ter cessado” (LEVI, 1936).
Para garantir a distribuição uniforme da intensidade sonora nos cinemas nesta época um
conjunto único de alto-falantes era localizado atrás da tela , Rino Levi estudava as salas
buscando a forma ideal para as paredes e o forro nas proximidades do palco e depois nos
pontos mais distantes (figura 16).
Figura 16 Estudo de acústica realizado por Rino Levi para o Cine Ufa-Palácio construído em 1936, à Av. São
João, 419, São Paulo. O dimensionamento do ambiente foi realizado com o auxílio gráfico das reflexões do som.
Fonte: LEVI, 1936.
Os espectadores localizados nas poltronas do fundo da sala recebem o som direto com
menor intensidade que os localizados na frente e, deste modo, precisariam ser
compensados através da reflexão do som. Então, as paredes e o forro próximos ao palco
apresentam forma parabolóide para garantir a difusão do som para os pontos mais
distantes. As superfícies das parábolas são lisas e com orientação apropriada para refletir as
ondas sonoras para o fundo da sala.
2. O arquiteto Rino Levi
55
O som direto diminui na razão inversa ao quadrado da distância da origem. Portanto, nos
pontos mais afastados da origem sonora há necessidade de maior número de ondas
refletidas. As paredes e forros apresentam formas divergentes a partir do palco, visando o
aumento de superfícies refletantes para os pontos mais afastados.
No estudo da forma acústica, apropriada para uma uniforme distribuição
da intensidade sonora, fixa-se o critério segundo o qual o som deve ter
uma reflexão no máximo; na segunda vez que o mesmo atinge um
obstáculo, seja público ou qualquer superfície, deve ser absorvido o mais
possível para assim se evitarem outras reflexões, difíceis de serem
controladas. Por conseqüência, uma parte das superfícies da sala, terá por
função, refletir as ondas sonoras, portanto deverá ser lisa e com
orientação apropriada para esse fim, tendo a outra parte uma função
absorvente. Geralmente consideram-se como sendo refletantes, as
superfícies próximas do palco, e absorventes, as que ficam situadas do
lado oposto. (LEVI, 1936).
Os pontos mais distantes do palco recebem tratamento diferente já que deveriam absorver
as ondas sonoras refletidas para que estas não retornassem à frente prejudicando a
inteligibilidade do som. A fim de evitar o fenômeno do eco, o intervalo de tempo decorrido
entre a onda direta e a refletida não deveria ser superior a 1/10 de segundo para a audição
da palavra, e 1/15 para a música (LEVI, 1936).
O tempo de reverberação está diretamente relacionado ao volume do ambiente e deveria ser
definido em função do destino do local. Assim, para a audição da palavra o tempo de
reverberação precisa ser breve, garantindo a nitidez, e distinção perfeita entre as sílabas
consecutivas. Para a música é preciso dar ao som maior volume e, portanto, a reverberação
deve ser mais longa. Logo, uma sala para conferências não será adequada para concertos, a
não ser que contenha grandes superfícies móveis absorventes como cortinas, tapetes e
paredes que possibilitem a adequação conforme a necessidade (LEVI, 1936).
Para calcular o tempo de reverberação nos cinemas, Levi utilizou a Fórmula de Sabine
15
. O
tempo de reverberação (T) é calculado em função de uma constante determinada
experimentalmente pelas observações feitas em salas de boa acústica (0,164), do volume da
sala (V) e da capacidade de absorção total do ambiente (A), sendo T = 0,164 x V/ A.
Para casos especiais de locais muito absorventes, como os cinemas, onde a absorção
deveria ser mais elevada devido à facilidade de aumentar a intensidade do alto-falante, Levi
15
O físico americano Paul Sabine desenvolveu em 1932 uma fórmula para o cálculo da reverberação
demonstrando a importância do volume do local para o projeto de acústica.
2. O arquiteto Rino Levi
56
aplicou a correção de Eyring. Também utilizou cadeiras com estofamentos especiais para
amenizar a diferença do tempo de reverberação entre a sala vazia e lotada.
O Cine Ufa-Palácio construído em 1936 e localizado à Avenida São João em São Paulo, foi o
primeiro cinema projetado por Rino Levi. A área do térreo foi totalmente ocupada,
medindo 28,50 metros para a Avenida São João, por 80 metros de fundo. O edifício
apresenta mais seis andares destinados a pequenos apartamentos (figura 17).
Figura 17 Corte e planta do Cine Ufa-Palácio. Projeto do arquiteto Rino Levi construído em 1936, São Paulo.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
A sala de projeções tem capacidade para 3.139 espectadores, o pé-direito é de 18 metros, e
o volume total da sala é de 19.000 m
3
, sendo aproximadamente 6 m
3
para cada pessoa. O
cinema oferece um palco para pequenas apresentações, e plataforma móvel para orquestra.
O volume da sala foi calculado em função do tempo de reverberação, para o qual utilizou-
se a fórmula de Sabine. Primeiramente foi calculada a reverberação do local antes do
2. O arquiteto Rino Levi
57
tratamento acústico, e para diferentes tipos de ocupação da sala (1/3 do público, ½ do
público, 2/3 do público e a sala inteiramente ocupada). Para concluir os cálculos, o
arquiteto incluiu os materiais usados para o tratamento acústico do recinto, como as chapas
acústicas colocadas no forro, nas paredes laterais, na parede do fundo e no parapeito do
balcão, dimensionados para atingir o tempo de reverberação ideal desejado para a sala de
projeção.
Os próximos cinemas projetados por Levi seguem, de maneira geral, os mesmos conceitos
adotados na formulação do primeiro. Porém, a partir do Cine Universo, edificado entre os
anos 1936 e 39, as salas de projeção trazem uma inovação em relação à forma das paredes,
uma vez que estas não apresentavam mais a forma parabolóide somente nas proximidades
do proscênio, mas se estendiam por toda a sala, proporcionando a otimização da
distribuição do som para os locais mais afastados da origem sonora.
A solução acústica desta sala (determinação da reverberação) é baseada
na aplicação de materiais absorventes do som colocados exclusivamente
no forro e no parapeito dos dois balcões. Os quatro planos refletores
colocados no forro, na ‘avant-scéne’, acabados com reboco lisos, são
orientados de maneira a dirigir o som para os fundos da sala. Nota-se a
divergência entre as paredes laterais, criada com o fito de se evitar as
ondas sonoras repercutindo repetidas vezes, de uma a outra parede. Nas
três cavidades que correspondem à posição dos balcões, no fundo da
sala, não havia necessidade da aplicação de materiais acústicos, isto pelo
fato das mesmas constituírem elementos fortemente absorventes devido
à sua grande profundidade. (LEVI, 1939a, p. 107).
Outra preocupação de Rino Levi, que pôde ser verificada desde o primeiro cinema, foi em
relação à visibilidade. A forma sensivelmente parabólica do piso garante a toda platéia uma
visão ininterrupta da tela inteira (figura 18).
Praticamente, a fórmula consiste em fazer com que o raio visual, que liga
os olhos do espectador ao ponto mais baixo do palco (nos teatros) ou da
tela (nos cinemas), seja tangente à cabeça do primeiro espectador sentado
logo adiante. Admite-se também a solução que considera essa linha
tangente ao segundo espectador; pensamos não ser o caso de aplicarmos
este critério aos nossos cinemas, devido ao fato de quase totalidade dos
filmes serem falados em língua estrangeira, e portanto com dísticos na
margem inferior do quadrante luminoso. (LEVI, 1939a, p.107).
2. O arquiteto Rino Levi
58
Figura 18 Cine Universo. Projeto do arquiteto Rino Levi, 1936/39, São Paulo. O corte mostra a forma
sensivelmente parabólica do piso. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
O Cine Ipiranga, de 1941, também traz uma inovação em relação aos demais: os balcões
convexos. A forma arredondada dos balcões proporciona aos mesmos uma atuação como
dinâmicos difusores sonoros, otimizando a distribuição uniforme do som no recinto
(figuras 19 e 20).
Figura 19 Cine Ipiranga. Projeto do arquiteto
Rino Levi, 1941, São Paulo. Vista da platéia.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Figura 20 Cine Ipiranga. Projeto do arquiteto
Rino Levi, 1941, São Paulo. Balcões convexos.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Os mesmos princípios usados na formulação dos cinemas foram adotados para o projeto
do Teatro Cultura Artística, em 1942/43, e que ainda hoje se apresenta como uma das
melhores salas de concerto de São Paulo. O edifício comporta duas salas de espetáculo,
sendo a menor no piso inferior, com capacidade para 458 espectadores, adequada para
apresentação de audições musicais - música de câmera, recitais - ou conferências. A sala
maior contém 1.560 lugares, e tem como finalidade a apresentação de concertos musicais e
2. O arquiteto Rino Levi
59
espetáculos teatrais. Ambas apresentam um desnível na platéia, que é de 2,05 metros na
menor, localizada no piso inferior, e 4,15 metros na maior, a fim de garantir a visibilidade a
todos os espectadores (figura 21).
Figura 21 Teatro Cultura Artística. Projeto do arquiteto Rino Levi, 1942/43, São Paulo. Corte.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Uma vez definidas as funções e dimensões dos auditórios, partiu-se então para o cálculo do
tempo de reverberação, para o qual também foi usada a fórmula de Sabine. O índice de
reverberação ideal foi alcançado com o deslocamento do forro para cima no auditório
maior, atingindo o volume adequado do local que é de 7.600 m
3
. A forma das paredes e do
forro é divergente a partir do palco, buscando evitar a repetição inadequada das ondas
sonoras (figura 22).
2. O arquiteto Rino Levi
60
Figura 22 Teatro Cultura Artística. Projeto do arquiteto Rino Levi, 1942/43, São Paulo.
Planta do piso superior. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
O critério utilizado para os cálculos foi de alcançar o resultado desejado sem emprego de
materiais acústicos, fixando-se o índice ideal de reverberação e encontrando-se o volume
adequado para a finalidade de cada sala. Porém, no auditório maior, foi indispensável o
tratamento da parede do fundo. E para impedir a volta do som para o setor próximo ao
palco, o arquiteto aplicou 70 m
2
de material absorvente.
O fato de Rino Levi adotar a fórmula de Sabine, desenvolvida em 1932, para o cálculo de
acústica dos cinemas projetados na mesma década comprova a preocupação do arquiteto
com as conquistas técnicas e científicas da época.
2.2.2. Os elementos de proteção solar
A finalidade essencial dos elementos de proteção em países de clima quente como o Brasil
é o controle da radiação solar. Portanto, os dispositivos assumem importante papel no
desenvolvimento dos projetos de arquitetura, e cabe a cada profissional aplicá-los
adequadamente, considerando outros aspectos relevantes que influenciam nos espaços
interiores, como a visibilidade ou a comunicação com o exterior, a luminosidade e a
ventilação, ou ainda o aspecto plástico do edifício externamente.
Rivero (1986) classifica os dispositivos de proteção solar pela localização, em exteriores ou
interiores, e pela mobilidade, em fixos e móveis. Levanta algumas considerações favoráveis
2. O arquiteto Rino Levi
61
aos dispositivos móveis, como a versatilidade que permite qualquer graduação para o
controle da radiação solar, conforme necessidade do usuário nas diferentes estações do
ano. Porém, destaca algumas vantagens dos fixos - aqueles que não permitem nenhuma
regulagem - pois estes proporcionam menor custo de manutenção, e ainda, apresentam
uma performance que foi estudada previamente e dispensa a intervenção de pessoas que
muitas vezes não acertam sobre a oportunidade e o grau em que deve mover-se uma
proteção solar (RIVERO, 1986, p.101).
Com o objetivo de ilustrar o uso dos dispositivos de proteção solar na obra de Rino Levi,
foram analisados quatro projetos desenvolvidos após 1940, para edifícios com diferentes
programas como habitacional, hospitalar, comercial e também bancário.
O Edifício Porchat, de 1940, está localizado em São Paulo e foi construído em um lote de
forma trapezoidal, apresentando como solução para a implantação o escalonamento das
unidades habitacionais. Por meio desta disposição, foi possível orientar a fachada frontal,
onde estão localizadas as salas e dormitórios, para nordeste, e deste modo garantir a
isolação no período matinal, principalmente no inverno. A necessidade de barrar os raios
solares com maior ângulo de incidência, devido ao calor que proporcionariam nestes
ambientes, levou o arquiteto a desenvolver, para a proteção desta fachada, balcões curvos
dispostos em frente à sala de estar e um dos dormitórios que funcionariam como marquise
para o andar inferior (figura 23). Deste modo, os espaços de convívio e de repouso
recebem o sol das primeiras horas do dia praticamente o ano todo, especialmente nos
meses mais frios. E ainda, são protegidos no período mais quente do ano pela própria
disposição espacial dos cômodos, pois na fachada oposta, sudoeste, que recebe intensa
insolação no verão no período da tarde, está o setor de serviços da habitação.
Figura 23 Edifício Porchat. Projeto do arquiteto Rino Levi, 1940, São Paulo. Fachada frontal voltada para
nordeste. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
2. O arquiteto Rino Levi
62
Rino Levi dispôs sabiamente os ambientes neste edifício, elegendo a insolação necessária
para o conforto térmico dos moradores. O tratamento diferenciado das fachadas é
fundamental nos projetos de arquitetura, pois a incidência dos raios solares varia segundo a
orientação. Em outros edifícios de apartamentos projetados por Levi nos anos anteriores,
como o Edifício Columbus, em 1930, ou o Edifício Higienópolis, em 1935, ambos em São Paulo,
as unidades são dispostas simetricamente, e não há distinção no tratamento das fachadas
opostas. Deste modo, se em alguns apartamentos os dormitórios estão voltados para leste
recebendo apenas os raios solares da manhã, em outros, voltados para oeste, recebem
toda a insolação no período da tarde, deficiência que poderia ser compensada pela proteção
desta fachada.
Em 1945, Rino Levi venceu o concurso arquitetônico para a Maternidade Universitária de São
Paulo, o que significou o ponto de partida para o desenvolvimento de uma série de projetos
hospitalares na carreira do arquiteto. Levi (1965b) defendia que o primeiro passo para o
planejamento de hospitais deveria ser a organização do programa funcional, pois este
apresenta grande complexidade e constitui etapa importante na concepção da obra. A
forma do edifício, entretanto, deveria resultar além do estudo técnico e funcional do
programa, da topografia do terreno e da orientação solar adequada.
Além disso, os projetos hospitalares deveriam levar em conta três fatores principais para
definir a distribuição espacial: o agrupamento dos serviços afins, o estudo da circulação e a
flexibilidade do plano. A rápida evolução da medicina e as novas necessidades de uso dos
espaços exigiam que eles fossem flexíveis, o que somente seria possível devido ao
progresso ocorrido na área da construção civil.
Nas épocas passadas a construção apresentava condições rígidas. Nunca
se pensou e provavelmente nunca surgiu a necessidade de modificar o
seu destino. Isto não seria mesmo possível ou fácil, pois a técnica só
conhecia materiais pesados e maciços, as paredes tinham a função de
suporte e o tamanho das janelas e dos vãos era limitado pelas
possibilidades reduzidas dos materiais e da técnica. Tudo isto mudou de
maneira radical. O progresso trouxe novas necessidades e a técnica
evoluiu a ponto de inverter a situação. As paredes tornaram-se finas e
leves e passaram a ser suportadas, pilares delgados passaram a suportar a
construção, grandes vãos são vencidos com facilidade e as fachadas
tornaram-se transparentes. (LEVI, 1965b, p.25).
Todas estas questões metodológicas para o desenvolvimento dos projetos já estavam na
concepção arquitetônica da Maternidade Universitária, que deveria ser implantada junto ao
2. O arquiteto Rino Levi
63
edifício do Hospital das Clínicas, no entanto não foi construída. Para o desenvolvimento
do projeto, Levi contou com a colaboração de vários médicos e especialistas.
Figura 24 Maternidade Universitária de São Paulo. Projeto do arquiteto Rino Levi e equipe, não executado.
Esquema da distribuição funcional. Fonte: Levi; Briquet, 1946.
O grande desnível do terreno, que atinge 21 metros entre as cotas extremas, foi
aproveitado para separar os acessos em níveis diferentes e também para agrupar os serviços
afins. O edifício acompanha os níveis do terreno com a utilização de pilotis, mantendo o
térreo livre e ajardinado, o que evitaria grandes serviços de terraplanagem. A orientação do
edifício, assim como a disposição dos blocos, foi determinada de acordo a incidência solar
e os ventos dominantes (figura 25).
A localização das enfermarias e alojamentos obedece à insolação do setor
N.O. N.N.O., preconizada pelo Eng. Paulo de Sá e recomendada no
programa do concurso; houve cuidado de fugir da zona de sombra
projetada pelo Hospital de Clinicas, sombra essa, que, no inverno, na
época, portanto, em que a insolação se torna mais necessária, cobre parte
considerável do terreno. A orientação adotada resolve perfeitamente a
proteção não só contra os ventos dominantes, frios e úmidos, do
quadrante S.E., a que está particularmente exposto o local, como
também o problema dos isolamentos de enfermaria contra os ruídos do
tráfego intenso da Avenida Rebouças. (LEVI; BRIQUET, 1946, p. 17).
2. O arquiteto Rino Levi
64
Figura 25 Maternidade Universitária de São Paulo. Projeto do arquiteto Rino Levi e equipe, não executado.
Orientação do prédio de acordo com as indicações de insolação e ventos dominantes preconizadas por Paulo Sá.
Em destaque o bloco das enfermarias. Fonte: Levi; Briquet, 1946.
O bloco maior das enfermarias como descrito no memorial pelo arquiteto, está voltado
para noroeste, de acordo com as recomendações de Paulo Sá. Esta fachada é composta por
uma grelha ortogonal, que funciona como elemento de proteção solar (figura 26). A
fachada oposta, sudeste, é transparente e abriga os corredores de circulação (figura 27).
Figura 26 Maternidade Universitária de São Paulo.
Projeto do arquiteto Rino Levi e equipe. Fachada
noroeste. Fonte: Levi; Briquet, 1946.
Figura 27 Maternidade Universitária de São Paulo.
Projeto do arquiteto Rino Levi e equipe. Fachada
sudeste. Fonte: Levi; Briquet, 1946.
2. O arquiteto Rino Levi
65
O Edifício Concórdia , construído em 1955/57 na cidade de São Paulo, é constituído por um
único volume em um terreno de esquina, sendo que o térreo abriga as lojas, o primeiro
pavimento, a garagem, e os três últimos andares, escritórios. Este edifício comercial recebe
tratamento diferenciado para cada fachada de acordo com a incidência do sol (figura 28).
Figura 28 Edifício Concórdia. Projeto do arquiteto
Rino Levi e equipe, 1955/57. Fachadas noroeste e
sudoeste. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Figura 29 Edifício Concórdia. Projeto do arquiteto
Rino Levi e equipe, 1955/57. Corte. Brises em
balanço na fachada sudeste. Fonte: Anelli; Guerra;
Kon, 2001.
O projeto do brise segue as necessidades da orientação das fachadas.
Enquanto a fachada da rua Plínio Ramos recebe brise horizontal feito
com placas curvas de fibrocimento rente ao caixilho para barrar o sol de
noroeste (tarde e poente), a fachada interna, aberta para um jardim
construído no teto da garagem, recebe brise horizontal disposto em
balanço, filtrando um pouco da insolação matutina e acentuando a
extensão do espaço interno para o exterior. (ANELLI; GUERRA; KON,
2001, p.205).
Na fachada sudeste, que apresenta os brises em balanço (figura 29), o arquiteto leva em
consideração a visibilidade, ou seja, a comunicação com o exterior, neste caso constituído
por um jardim interno disposto sobre o recuo do edifício, que além de permitir a abertura
para insolação, possibilita a ventilação cruzada no ambiente interno. Esta solução foi
amplamente utilizada nos projetos residenciais de Rino Levi a partir dos anos 1940.
Devido à forma trapezoidal do lote, uma das fachadas tem orientação norte, e é totalmente
opaca, pois se acomoda no limite do terreno. Na fachada oposta, de frente para a rua Paula
Souza (figura 28), os planos de vidro nos escritórios não recebem proteção externa, mas
certamente recebem os raios solares nos meses de verão, pois estão voltados para sudoeste,
o que exige dos usuários, a proteção interna através de cortinas ou persianas, menos
2. O arquiteto Rino Levi
66
eficientes que a proteção externa. Nesta mesma fachada, o pavimento da garagem e os
sanitários dos andares superiores recebem o fechamento através de elementos vazados,
garantido a ventilação constante nestes espaços.
O Banco Sul-Americano do Brasil, atual Banco Itaú, edificado em 1960/63 e localizado na
Avenida Paulista em São Paulo, é composto por dois volumes sobrepostos (figura 31). O
volume inferior, com três andares, ocupa todo terreno para abrigar o banco; e o superior,
recuado dos limites do lote, é mais alto, com 14 pavimentos onde estão localizados os
escritórios. As quatro fachadas do banco (térreo) são compostas por brises de alumínio
fixos, sendo que a fachada sudoeste e a nordeste recebem brises verticais, e as restantes,
brises horizontais.
No edifício de escritórios (bloco superior) as fachadas sudoeste e nordeste são menores e
opacas (figura 31). Visto que o edifício é retangular e simétrico, as fachadas opostas
recebem o mesmo tratamento. Então, a opção pela não abertura da fachada sudoeste - e
conseqüentemente da nordeste - é a ideal, pois no período mais quente, as tardes de verão,
é a face que recebe maior radiação solar direta.
Figura 30 Banco Itaú. Projeto do arquiteto Rino Levi
e equipe, 1960/63. Brises da fachada noroeste.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Figura 31 Banco Itaú. Projeto do arquiteto Rino Levi
e equipe, 1960/63. Fachada noroeste e nordeste.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Já as fachadas sudeste e noroeste dos escritórios apresentam brises horizontais móveis,
também de alumínio (figura 30). Porém, a face sudeste, recebe a proteção apenas na parte
superior dos caixilhos, o que pode ser explicado pela necessidade de proteger apenas os
2. O arquiteto Rino Levi
67
raios solares mais altos do período da manhã, permitindo a entrada dos primeiros raios do
dia. Neste volume, a caixilharia que compõe toda a extensão das duas fachadas está recuada
80 cm do plano de brise, isto possibilita a perda de calor por convecção dos elementos de
alumínio e dificulta a propagação do calor irradiado por estes para o ambiente interno. Os
brises móveis permitem ao usuário ajustar o ângulo de abertura conforme a trajetória do
sol, podendo torná-los mais eficiente. Porém, esta solução requer manutenção, caso
contrário o efeito pode ser o inverso estabelecendo-se um ângulo não adequado aos
períodos de maior necessidade de proteção.
Szabo (2002) analisou a eficiência dos elementos de proteção deste edifício a partir de um
estudo comparativo dos níveis de iluminâncias médias em diferentes períodos do ano -
verão, inverno e equinócios para duas situações distintas: o edifício com os brises
projetados por Rino Levi e equipe, e outra desconsiderando os brises, através de
simulações computacionais. Os dados obtidos neste estudo mostram que a seleção e
dimensionamento dos brises foram eficientes. Além de controlar a entrada dos raios solares
no interior do edifício, e proporcionar conforto térmico aos usuários, contribui para o
conforto luminoso do ambiente, impedindo o ofuscamento e proporcionando a
distribuição mais homogênea da luz natural.
Todos esses fatos mostram que a fama de eficiência do edifício do Banco
Sul-Americano é justa e merecida. [...] Rino Levi e seus associados, ao
contrário de muitos de seus colegas de época - que procuraram
acompanhar os caminhos que estavam sendo propostos na Europa e nos
Estados Unidos para edifícios de escritórios -, mantiveram-se fiéis às
tradições brasileiras e projetaram uma obra totalmente integrada à
realidade do lugar, mostrando a importância do domínio técnico no
desenho dos brises e critério na escolha das faces a serem sombreadas.
(SZABO, 2002, p.310).
O estudo destas obras mostra que Rino Levi preocupou-se em orientar as fachadas
adequadamente, elegendo diferentes tratamentos para cada uma delas de acordo com a
incidência solar.
2.3. O partido projetual das casas ajardinadas
As residências projetadas por Rino Levi a partir da década de 1940 caracterizam-se pela
presença marcante de ambientes totalmente voltados para os jardins. As casas se articulam
inteiramente com os espaços externos, que são subdivididos para cada ala da residência:
social, íntima e serviço. Em geral, há um jardim para onde estão voltadas as salas, outro
2. O arquiteto Rino Levi
68
mais íntimo para os dormitórios, e um terceiro para a cozinha e demais dependências de
serviço.
A tendência hoje é fazer da casa cada vez mais um lar e não uma
caricatura de palácio, comprimido num terreno exíguo. Procura-se
igualmente resolver a casa por dentro, fazendo-a humana e na escala do
homem. A sua concepção compreende todos os detalhes, mesmo os
móveis, o jardim, as cortinas. O papel do decorador, que intervém
quando a casa está em acabamento, vai desaparecendo aos poucos.
Há depois a preocupação da ligação com o jardim. Alguns materiais e
processos, relativamente recentes, permitem impermeabilizarem o
terreno. Consegue-se, assim, proteção contra a umidade do solo,
evitando-se o porão e fazendo-se o piso interno diretamente sobre a
terra, no mesmo nível do jardim. De outro lado, não representa
problema técnico especial a abertura de grandes vãos.
Conseqüentemente, a ligação casa-jardim torna-se mais íntima em
perfeita interpenetração.
16
(LEVI, 1965a, p.9).
Esta característica de integração física com os jardins pode ser notada desde a primeira
residência que adota este partido, a Residência Rino Levi, do próprio arquiteto, construída no
bairro Jardim Europa, em São Paulo, no ano 1944 (figura 32).
A presença dos arquitetos Bernard Rudofsky e Daniele Calabi em São Paulo, a partir de
1939, foi significativa na obra de Levi. Esses dois arquitetos desenvolveram diversas casas
modernas com pátios na Itália, e os primeiros projetos com essa tipologia em São Paulo e
devem ter gerado alguma contribuição para as transformações na arquitetura de Rino Levi
depois da década de 1940 (Anelli; Guerra; Kon, 2001, p. 90).
Ainda que afastadas da retórica ideológica que o tema do Mediterrâneo
carrega na Itália, as casas produzidas em São Paulo por esses arquitetos
identificam na tipologia de pátios extraída daquela arquitetura uma forma
de abrir o interior das casas sem perder o sentido de intimidade do
ambiente doméstico. Os projetos quase contemporâneos de Rino Levi,
usando o pátio como tema, ‘tensionam’ a atitude de seus colegas ao
revelarem uma estrutura espacial mais distante das bases tipológicas
tradicionais e transformarem esses pátios em jardins tropicais. (ANELLI;
GUERRA; KON, 2001, p.93).
16
Publicado originalmente em Artes Plásticas, set./out. 1948.
2. O arquiteto Rino Levi
69
Figura 32 Planta da Residência Rino Levi. Projeto do próprio arquiteto, Jardim Europa, São Paulo,1944.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
O partido arquitetônico das habitações integradas aos jardins tropicais, além da influência
dos arquitetos italianos, pode ter origem nas exigências impostas pelos terrenos onde foram
implantadas. As casas que iniciaram esta tipologia na obra de Levi foram construídas nos
bairros jardins da cidade de São Paulo, que apresentam uma implantação peculiar de
loteamento urbano.
Localizadas nos primeiros bairros jardins de São Paulo, os limites entre o
interior do lote e o exterior urbano assumiriam uma total opacidade,
opondo-se à tipologia de casas com varandas abertas para jardins
frontais, até então dominante e estimulada pelas normas desses
loteamentos. Paredes opacas ou de elementos vazados, construídas sobre
o recuo obrigatório, constituíam uma única volumetria englobando os
jardins no interior da habitação. Separando o interior da casa do exterior
urbano, Levi criava a possibilidade de continuidade entre salas e jardins,
o que permitia a convivência cotidiana do morador com a vegetação ao
ar livre, instrumento para recompô-lo dos desgastes da vida
metropolitana. (ANELLI; GUERRA; KON, 2001, p. 94).
2. O arquiteto Rino Levi
70
O bairro Jardim América foi o primeiro bairro-jardim desenvolvido em São Paulo, pela Cia.
City, na década de 1910 (figura 33). A empresa possuía escritórios em Londres, Paris e São
Paulo e, em 1912, adquiriu mais de 12 milhões de metros quadrados na capital paulista, o
que correspondia na época a 37% do perímetro urbano da cidade. Deste modo, a Cia City
teve importante participação no desenho da paisagem urbana de São Paulo (WOLFF,
2001).
Figura 33 Bairro Jardim América, São Paulo, projeto de Barry Parker. Desenho pubicado nos folhetos de
vendas, em 1919. Fonte: Wolff, 2001.
O projeto de Barry Parker, arquiteto britânico com experiências no traçado urbano das
cidades-jardim da Inglaterra, introduziu em São Paulo um novo padrão de lote amplo e
ajardinado, ruas sinuosas e arborizadas, que consolidaram desde 1910 até a década de 1940
com sua completa ocupação, casas unifamiliares que caracterizaram a produção
arquitetônica paulistana do período.
Imaginou-se que com planejamento adequado se poderiam criar atrativos
extras para os lotes do bairro Jardim América, que, afinal, localizava-se
em terras enlameadas, descontinuadas da trama urbana e desservidas de
infra-estrutura. Com acordos buscou-se resolver os aspectos estruturais;
com drenagens, contornar a má condição do solo, e com o urbanismo, a
arquitetura e a exclusividade residencial, valorizar os terrenos e
comercializá-los com bom lucro, o que de fato se deu. (WOLFF, 2001,
p.83).
2. O arquiteto Rino Levi
71
O modelo urbanístico eleito pela empresa era fruto de experiências do urbanismo
ajardinado que vinha alcançando sucesso na Europa no início do século XX. O padrão de
loteamento iniciado no Jardim América pela Cia. City disseminou-se como um modelo entre
os loteamentos vizinhos ou os que tinham o mesmo objetivo. Outros bairros foram
desenhados e comercializados pela City, como o Alto da Lapa (1921), Pacaembu (1925),
Alto de Pinheiros (1925) e Butantã (1935). Os bairros com arruamentos orgânicos que
foram influenciados pela City foram o Jardim Europa (1921), Cidade Jardim, Jardim da Saúde e
Chácara da Mooca (WOLFF, 2001).
Todos os projetos arquitetônicos para os bairros da Cia City eram analisados por
profissionais da área, ligados à empresa, para avaliar a adequação destes às rigorosas
diretrizes estabelecidas e fiscalizadas pela loteadora. Os bairros admitiam exclusivamente
residências unifamiliares, prevendo setores comerciais em áreas restritas. As casas térreas
poderiam ocupar até um quinto da área do terreno. Essa área diminuía conforme a altura
da edificação que não poderia ser superior a dois pavimentos. Os recuos frontais variavam
de acordo com o lote, mas o mínimo previsto era de 6 metros (WOLFF, 2001).
Os bairros-jardim de São Paulo caracterizaram-se por uma população de alto poder
aquisitivo, que ocuparam os grandes lotes com as residências unifamiliares, voltadas para
ruas resguardadas da cidade, apenas com trânsito local. Nas residências projetadas por Rino
Levi para esses loteamentos os recuos frontais exigidos pela lei de urbanização do bairro
foram aproveitados para abrigar um jardim contínuo à calçada (figura 34).
Figura 34 Residência Milton Guper. Projeto de Rino Levi e equipe, Jardim América, São Paulo, 1951/52.
Fachada frontal com jardim acomodado sobre o recuo obrigatório.
Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
2. O arquiteto Rino Levi
72
A relação interior-exterior destas casas é garantida pelos painéis de vidro ou elementos
vazados voltados para os jardins que, em alguns casos, se acomodam sob as pérgulas
(figura 35).
Longe de ser uma opção formalista, o partido arquitetônico de suas casas
representava, para ele mesmo, a possibilidade de uma nova sociabilidade,
utopicamente serena e feliz impregnada pela harmonia que deveria existir
na natureza. Nesse partido arquitetônico Levi realiza sua mais importante
contribuição para o modernismo brasileiro. O partido de integração
física com a natureza, representada no interior da casa como jardim, é o
melhor resultado de sua longa procura por uma ‘alma brasileira’.
(ANELLI; GUERRA; KON, 2001, p.96).
Figura 35 Residência Milton Guper. Projeto de Rino Levi e equipe, Jardim América, São Paulo, 1951/52.
Jardim sob pérgulas. Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
O primeiro projeto de Rino Levi da série de residências caracterizadas pela presença dos
jardins é a Residência Rino Levi (1944), construída no bairro Jardim Europa. A Residência
Milton Guper (1951), no Jardim América, foi a seguinte, e depois a Residência Paulo Hess
(1953), ambas em colaboração com Roberto Cerqueira César. A Residência Castor Delgado
Perez (1958), também localizada no Jardim Europa, contou com a colaboração de Roberto
Cerqueira César e Luís Roberto Carvalho Franco. Estas são as quatro residências mais
representativas desta fase, todas localizadas em loteamentos com a mesma característica de
ocupação urbana. Porém, a tipologia desenvolvida para estas casas paulistanas foi
transportada a outras localidades, com características físicas e espaciais distintas.
2. O arquiteto Rino Levi
73
Neste quadro, encontram-se a Residência Roberto Egídio Azevedo (1955), projeto para a cidade
de Recife, entretanto não executado, Residência Anselmo Fontana (1956) para Concórdia em
Santa Catarina e a Residência Gomes (1962-65) em Ubatuba, litoral norte do estado de São
Paulo. Cada uma destas casas foi projetada para situações climáticas peculiares e distintas
da capital paulista.
Os projetos executivos de todas essas residências apresentam uma série de detalhes e
especificações que mostram a preocupação de Rino Levi com as questões relacionadas ao
conforto ambiental. Por exemplo, o uso dos elementos vazados e das pérgulas contribuem
para atenuar a incidência direta dos raios solares e, ao mesmo tempo, permitem a abertura
total para a natureza, aqui representada pelos jardins tropicais. Também são detalhados
alguns mecanismos que permitem a ventilação cruzada nos ambientes, assim como a
ventilação dos armários de dormitórios e cozinhas, necessária em locais com alto grau de
umidade como a cidade de São Paulo dos anos de 1950, ou a cidade de Ubatuba, localizada
entre o mar e a mata atlântica. O projeto para a Residência Anselmo Fontana, em Santa
Catarina, apresenta especificação para a instalação de calefação, solução indicada para o
clima frio.
Se por um lado, Rino Levi adotou os preceitos modernos nestas residências por meio da
valorização da integração interior-exterior alcançada pela presença dos jardins, por outro,
atentou às necessidades de adequar esta solução tipológica ao clima local, visando o
conforto térmico dos moradores. E este será o tema tratado no próximo capítulo.
3. As residências de Rino Levi
74
CAPÍTULO 3
3. AS RESIDÊNCIAS DE RINO LEVI
Com o objetivo de contribuir para a avaliação do conforto ambiental dos edifícios do
período de formação da arquitetura moderna no Brasil, investigar-se-á o conforto térmico
das obras residenciais de Rino Levi, desenvolvidas a partir dos anos 1940, tendo em vista
que este arquiteto foi um dos protagonistas da arquitetura moderna brasileira.
As quatro residências mais representativas deste período da obra de Levi foram projetadas
para a cidade de São Paulo e selecionadas para esta pesquisa. O material encontrado sobre
estas obras é bastante vasto, devido ao grande número de publicações nos periódicos da
época em que foram construídas. A fim de complementar o estudo, buscou-se analisar mais
três projetos residenciais deste arquiteto desenvolvidos para localidades com características
climáticas distintas, sendo uma residência para Recife, no nordeste do país, outra para
Concórdia, no estado de Santa Catarina, pertencente à região sul, e a terceira para a cidade
de Ubatuba, no litoral norte do estado de São Paulo. A pesquisa inicial de todos esses
projetos foi possível por meio do acervo dos projetos de Rino Levi localizado na FAU-
USP.
Dentre as sete residências selecionadas, três serão mais bem investigadas e detalhadas,
sendo: a Residência Rino Levi, São Paulo, SP (1944), a Residência Milton Guper, São Paulo, SP
(1951/52) e a Residência Gomes, Ubatuba, SP (1962/65). As outras residências paulistanas -
Residência Paulo Hess (1953) e Residência Castor Delgado Perez (1958/59) - apresentam soluções
similares às duas primeiras. A Residência Roberto Egídio Azevedo, Recife, PE (1955) não foi
construída e sobre a Residência Anselmo Fontana, Concórdia, SC (1956), não há registros que
informem o estado atual. Estas duas últimas, portanto, apresentam menor disponibilidade
de dados projetuais para serem analisados.
3. As residências de Rino Levi
75
A partir da leitura das peças gráficas dos projetos, como as plantas, cortes e detalhes
construtivos, auxiliada por fotos, os dados de cada projeto, de acordo com a
disponibilidade de informação, serão coletados e armazenados em planilhas, tais como:
orientação das fachadas, ventilação, tipo de paredes, forro, cobertura e aberturas, e
posteriormente serão avaliados para concluir se os projetos apresentam adequação térmica
ao local. Para esta avaliação qualitativa do conforto térmico das casas serão utilizados os
parâmetros desenvolvidos pelas pesquisas relacionadas ao conforto e higiene das
habitações desenvolvidas no início do século XX, mais precisamente nos anos 1930 e 1940,
sob o escopo de proteger as fachadas do excesso de insolação.
Optou-se por analisar as obras a partir dos conhecimentos relacionados ao conforto
térmico que se tinha na mesma época em que as casas foram projetadas, visto que os
instrumentos de projeto que dispomos hoje para adequação da arquitetura ao clima não
existiam naquele momento, como os programas computacionais, a vasta bibliografia sobre
o assunto e o desenvolvimento de grande número de pesquisas de conforto ambiental no
país.
A norma ABNT NBR 15220: Desempenho térmico de edificações (2003) será usada com o
objetivo de verificar o seguinte questionamento: se as casas de Rino Levi fossem projetadas
hoje, atenderiam ao critério atual de recomendações construtivas contidas na normalização
brasileira de desempenho térmico? Ressalta-se que este parâmetro atual deve ser tomado
apenas como critério comparativo entre suas diretrizes construtivas e as soluções
desenvolvidas por Levi, tendo em vista as significativas alterações climáticas ocorridas nos
últimos anos. A cidade de São Paulo, por exemplo, já não pode mais ser chamada deterra
da garoa”, característica peculiar desta região nos anos em que as casas foram projetadas.
Daí também a importância em adotarem-se parâmetros para investigação do conforto
térmico desenvolvidos na mesma época em que Rino Levi projetou as residências.
3.1. Apresentação dos métodos para analisar o conforto térmico
3.1.1. As recomendações construtivas da época
No início do século XX a questão da insolação assumia importante papel entre os
higienistas e salubristas que visavam garantir um mínimo de sol a todas as habitações. No
avançar do século percebeu-se que o excesso dos raios solares nos países de clima quente
3. As residências de Rino Levi
76
como o Brasil, não traziam apenas benefícios higiênicos para a população, mas sim, lhe
causava desconforto térmico.
Foi então que começaram a surgir pesquisas relacionadas à insolação no Brasil, e algumas
delas já foram estudadas no Capítulo 1. Percebe-se que a preocupação com a orientação
dos edifícios tornou-se assunto bastante explorado neste momento, considerando a questão
da insolação das fachadas, seja para buscar o sol, quando esse se faz necessário, ou para
evitá-lo quando em excesso. Alguns autores, como Coutinho
17
, Griffini (1950) ou Sá (1942)
traçaram recomendações construtivas buscando garantir o conforto térmico das
edificações, alcançado pela proteção ou abertura das fachadas em relação ao sol, de acordo
com a necessidade de cada situação climática.
Griffini (1950) faz recomendações para a latitude 45°N, e portanto não podem ser
aplicáveis diretamente para o hemisfério sul sem a devida tradução dos conceitos. As
orientações indicadas pelo autor
18
sugerem que os dormitórios e as salas serão mais bem
orientados se estiverem voltados para as faces localizadas entre sudeste e sudoeste. E nas
fachadas opostas devem estar os setores de serviços, escadas e corredores. A face norte,
entretanto, deve ser evitada pela insuficiência de insolação.
A utilização destes conceitos no hemisfério sul, corresponde a indicar que as fachadas mais
indicadas para salas e dormitório, ou seja, os ambientes de maior permanência, estejam
localizados entre nordeste e noroeste, passando pela fachada norte. E os ambientes menos
freqüentados da casa devem estar na fachada oposta. Do mesmo modo, a fachada sul
deveria ser evitada por receber pouca incidência dos raios solares, porém esta afirmação
não é válida para todo o território brasileiro, pois na maior parte do país, e em especial nas
latitudes mais próximas do equador, a face sul é castigada pelo excesso de sol nos meses de
verão.
Coutinho (apud SEGAWA, 2005) foi um dos pioneiros, nos anos 1930, a defender a
necessidade de adequar a arquitetura brasileira ao calor e umidade próprios do clima do
país. Coloca como principal obstáculo a ser vencido pelos arquitetos a luta contra o
desconforto térmico. Para tanto indica algumas medidas que devem ser consideradas pelos
17
Trechos selecionados por Hugo Segawa da Tese de Doutoramento apresentada por Aluísio Bezerra
Coutinho: O problema da Habitação Hygienica nos paizes quentes em face da “Arquitetura Viva” (Cadeira de Hygiene).
Rio de Janeiro: Officinas Alba Graphicas, 1930. Publicados na Revista Risco, São Carlos, n.2, fev. 2005, p.
83 92.
18
Conforme a figura 15 do Capítulo 1 na página 41.
3. As residências de Rino Levi
77
projetistas, tais como: impedir que as porções da casa expostas ao sol aqueçam o seu
interior e colocar em movimento a atmosfera para facilitar a perda de calor.
Paulo Sá (1942) afirma que o problema inicial da técnica da construção está na maneira de
orientar as edificações, visando garantir a posição mais conveniente para torná-las
confortáveis e higiênicas. Conforme já mencionado no Capítulo 1, estudou qual seria a
orientação mais adequada para os edifícios localizados em 8 cidades brasileiras de diferentes
regiões do país. Dentre as cidades analisadas duas interessam particularmente à pesquisa,
devido à localização das residências que serão estudadas, e são elas São Paulo e Recife. Os
resultados obtidos para a cidade de São Paulo já foram demonstrados e, portanto, serão
expostos resumidamente a seguir.
Em relação à insolação, o autor recomenda para a cidade de São Paulo que a orientação
ideal para as fachadas estaria entre N e NO, a fim de aproveitar a insolação do período frio
e evitar o exagero da insolação de verão, além de desviar-se dos ventos provenientes de
nordeste, dominante nos meses de inverno (figura 36). Justifica esta indicação por São
Paulo estar muita sujeita aos fenômenos da neblina e da garoa, cuja incidência era comum
naqueles anos, e que reduziam em proporção grande a insolação efetiva. Portanto a questão
de insolação seria uma questão do mínimo acima do qual se deveria ficar e com razão
maior no inverno.
Os estudos de Sá (1942) para Recife mostram resultados bastante diferentes da capital
paulista. A fachada sul recebe insolação de setembro a março, atingindo o ponto máximo
em dezembro. A face voltada para norte recebe sol o ano todo, atingindo o máximo em
junho. A temperatura média nos meses de verão é de 26,8ºC e nos meses de inverno,
24,4ºC. As chuvas são mais intensas de abril a junho, sendo mais secos os meses de
setembro a janeiro. Os ventos dominantes são de sudeste durante 10 meses do ano, e leste
em novembro e dezembro.
Após apurar esses dados, o autor indica as orientações adequadas para Recife, e deste
modo recomenda que as salas, local de maior permanência, sejam orientadas entre ESE e
SE:
Procurando diminuir a insolação total no ano, já que as estações ainda
não são muito definidas e aproveitar as brisas refrescantes do sudeste;
evitando tanto quanto possível a insolação vespertina ou a ausência
absoluta de insolação, somos levados a preferir uma orientação entre
ESE e SE (SÁ, 1942, p.28).
3. As residências de Rino Levi
78
Para as salas ocupadas de abril a novembro desaparece o inconveniente da insolação estival
do sul. Recomenda, então, que se caminhe mais para o sul, evitando mais a insolação e
aproveitando melhor a brisa de SE. Para tal situação, recomenda as fachadas voltadas entre
SSE e SE. Mas para as salas ocupadas no mesmo período, e somente pela manhã, deve ter
orientação O e NO; e se ocupadas no período vespertino, ENE e NE. A orientação para
norte é justificada pela necessidade de receber os raios solares hibernais. Entretanto, para
esta região que apresenta temperaturas mais altas que São Paulo, recomenda que o sol seja
evitado, e indica como situação ideal para os ambientes de maior permanência as faces
voltadas para ESE SE (figura 36).
São Paulo Recife
Figura 36 Recomendações de Paulo Sá para a orientação dos edifícios na cidade de São Paulo e Recife,
respectivamente. Fonte: Sá, 1942.
O autor faz ainda três recomendações gerais para proteger as fachadas que por qualquer
motivo não estejam bem orientadas. A primeira solução é a disposição dos ambientes, pois
a uma fachada bem orientada corresponderá, em regra, a oposta com má orientação.
Recomenda-se que nesta última se disponham os cômodos pouco freqüentados, como
depósitos ou corredores. A segunda solução, quando a primeira não for possível, é a
escolha de materiais que protejam as paredes mal orientadas do calor excessivo, ou seja,
materiais isolantes. E a última maneira de se corrigir uma má orientação é a utilização de
dispositivos de sombreamento.
Portanto, o que se pode concluir, baseando-se nestas recomendações da época em que as
residências foram projetadas por Rino Levi, é o seguinte:
? As recomendações de Griffini poderiam ser aplicadas às latitudes mais altas, como
é o caso de Concórdia SC, por apresentar clima mais frio com temperaturas mais
3. As residências de Rino Levi
79
baixas. Conclui-se que as salas e os dormitórios devem estar nas fachadas voltadas
para NE NO, e os serviços, escadas e corredores na face oposta. A fachada sul
deve ser evitada por receber insolação insuficiente, especialmente nos meses mais
frios.
? Coutinho recomenda que a umidade e o calor sejam combatidos nas localidades
com clima quente e úmido, como é o caso por exemplo de Recife-PE e Ubatuba-
SP. Para tanto, as fachadas expostas ao sol devem ser protegidas, e a ventilação se
faz essencial para facilitar a perda de calor, e deve ser proporcionada.
? Para a cidade de São Paulo, Sá indica como orientação ideal a N NO, pois
aproveita a incidência solar nos meses de inverno, evita nos meses de verão, e
ainda, se esquiva dos ventos frios no inverno provenientes de nordeste.
? Para Recife-PE, Sá determina como orientação ideal a ESE SE, e aponta que os
ventos dominantes, tão desejado em locais úmidos e quentes, são provenientes de
sudeste durante 10 meses do ano e leste em novembro e dezembro.
? Como recomendações gerais, Sá ressalta a importância da disposição dos
ambientes, desta forma, as fachadas com má orientação devem abrigar cômodos
menos freqüentados. Sugere também a utilização os dispositivos de sombreamento
quando houver necessidade de proteger as fachadas castigadas pelo excesso de
insolação.
As sete residências selecionadas para esta pesquisa serão analisadas a partir deste quadro
resumido de recomendações construtivas sugeridas por autores contemporâneos a Rino
Levi.
3.1.2. As diretrizes construtivas da ABNT NBR 15220: um parâmetro atual
A norma ABNT NBR 15.220: Desempenho térmico de edificações (2003) é constituída por cinco
partes que tratam de definições, símbolos, unidades, métodos de cálculo, zoneamento
bioclimático, diretrizes construtivas e medições dos componentes. Para este trabalho, usar-
se-á a terceira parte, que diz respeito ao zoneamento bioclimático brasileiro e diretrizes
construtivas para habitações unifamiliares de interesse social e apresenta um conjunto de
recomendações tecno-construtivas, aplicáveis na fase de projeto, a fim de obter uma
3. As residências de Rino Levi
80
otimização no desempenho térmico das edificações, buscando sua adequação ao clima do
local onde será construída.
O território brasileiro foi divido em oito zonas bioclimáticas (figura 37), relativamente
homogêneas em relação ao clima, e para cada zona foram elaboradas recomendações de
diretrizes construtivas, referentes a aberturas, paredes e coberturas, e detalhamento de
estratégias de condicionamento térmico passivo (figura 38).
Figura 37 Zoneamento bioclimático brasileiro. Fonte: Roriz, 2004.
Para a formulação das diretrizes construtivas para cada zona bioclimática, foram
considerados os seguintes parâmetros e condições de contorno:
? Tamanho das aberturas para ventilação;
? Proteção das aberturas;
? Vedações externas (tipo de parede externa e tipo de cobertura);
? Estratégias de condicionamento térmico passivo.
3. As residências de Rino Levi
81
A norma apresenta a relação de 330 cidades brasileiras classificadas em relação ao clima,
para as quais foram indicadas a zona bioclimática e as estratégias de condicionamento
térmico passivo que devem seguir.
Figura 38 Carta bioclimática. As letras correspondem às estratégias de condicionamento térmico passivo. A
partir de dados de temperatura média máxima e mínima mensal e umidade do ar localizam-se as cidades neste
gráfico, indicando as diretrizes bioclimáticas. Fonte: Roriz, 2004.
Roriz (2004) desenvolveu o programa ZBBR 1.1 que trata da classificação bioclimática dos
municípios brasileiros, conforme a ABNT NBR 15220, onde apresenta além das 330
cidades, cujos climas foram medidos para a elaboração da norma, mais 5.231 cidades para
as quais o clima foi estimado por interpolação.
A norma apresenta alguns exemplos de sistemas construtivos, de paredes e coberturas, com
os valores correspondentes à transmitância térmica (U), atraso térmico (f) e fator de calor
solar (FCS). Por meio destes exemplos será verificado o desempenho térmico das vedações
externas utilizadas nas residências de Rino Levi.
A seguir serão demonstradas as recomendações construtivas para as cidades de São Paulo,
Ubatuba, Recife e Concórdia. Para esta última os dados foram retirados do programa
ZBBR 1.1 (RORIZ, 2004), pois não está presente no quadro das cidades apresentadas na
norma.
3. As residências de Rino Levi
82
São Paulo - SP
A cidade de São Paulo está localizada na Zona Bioclimática 3 e apresenta estratégias de
condicionamento passivo do tipo BCFI
19
. As diretrizes construtivas da norma para a zona
três são:
? as aberturas para ventilação devem ser médias, ou seja, devem corresponder de
15% a 25% da área do piso em ambientes de longa permanência como dormitório,
sala de estar e cozinha;
? o sombreamento das aberturas deve permitir a entrada do sol durante os meses de
inverno;
? as paredes externas devem ser leves e refletoras;
? a cobertura deve ser leve e isolada.
Em relação às estratégias para o condicionamento térmico passivo desta zona, recomenda-
se:
? Verão: ventilação cruzada (corresponde às letras F e I) para desumidificar os
ambientes, através da renovação do ar interno por externo, melhorando assim as
sensações térmicas;
? Inverno: aquecimento solar da edificação (letra B) e vedações internas pesadas (letra
C) que contribuem para manter o interior da edificação aquecido. A forma, a
orientação e a implantação, além da correta orientação de superfícies envidraçadas
podem contribuir para o aquecimento no período mais frio por meio da incidência
dos raios solares.
Ubatuba - SP
A cidade de Ubatuba também está localizada na Zona Bioclimática 3, e portanto apresenta
as mesmas diretrizes construtivas que a cidade de São Paulo. As estratégias de
condicionamento passivo são do tipo BCFIJ, contendo igualmente as mesmas
recomendações para o verão e inverno. A letra J corresponde à ventilação cruzada, que
pode ser obtida através da circulação de ar pelos ambientes da edificação, e mesmo em um
19
As letras indicam as estratégias de condicionamento térmico passivo, de acordo com a carta bioclimática de
cada cidade. As diretrizes bioclimáticas são extraídas da carta a partir dos dados de temperatura média
máxima e mínima mensal e umidade do ar dos municípios.
3. As residências de Rino Levi
83
ambiente com janelas em apenas uma das fachadas, a porta deverá ser mantida aberta para
permitir que isso ocorra.
Recife - PE
A cidade de Recife está localizada na Zona Bioclimática 8 e apresenta estratégias de
condicionamento passivo do tipo FIJ. As diretrizes construtivas para a zona oito são:
? as aberturas para ventilação devem ser grandes, ou seja, devem ser maior que 40%
da área do piso em ambientes de longa permanência como dormitório, sala de estar
e cozinha;
? as aberturas devem ser sombreadas;
? as paredes externas devem ser leves e refletoras;
? a cobertura deve ser leve e refletora.
Em relação às estratégias para o condicionamento térmico passivo desta zona, recomenda-
se:
? Verão: ventilação cruzada permanente (corresponde às letras F, I e J) para
desumidificar os ambientes, através da renovação do ar interno por externo,
melhorando assim as sensações térmicas.
Concórdia - SC
A cidade de Concórdia está localizada na Zona Bioclimática 2. As diretrizes construtivas da
norma para a zona dois são:
? as aberturas para ventilação devem ser médias, ou seja, devem corresponder de
15% a 25% da área do piso em ambientes de longa permanência como dormitório,
sala de estar e cozinha;
? o sombreamento das aberturas deve permitir a entrada do sol durante os meses de
inverno;
? as paredes devem ser leves;
? a cobertura deve ser leve e isolada.
Em relação às estratégias para o condicionamento térmico passivo desta zona, recomenda-
se:
3. As residências de Rino Levi
84
? Verão: ventilação cruzada;
? Inverno: aquecimento solar da edificação, vedações internas pesadas que
contribuem para manter o interior da edificação aquecido e aquecimento artificial
necessário.
As diretrizes construtivas, bem como as estratégias de condicionamento térmico passivo
indicadas pela norma para cada uma das cidades apresentadas, servirão para complementar
a análise das residências, e indicar se há adequação dos projetos de Rino Levi aos critérios
brasileiros atuais de adaptação climática e desempenho térmico.
3.2. Aplicação dos métodos
3.2.1. Residência Rino Levi, São Paulo, SP (1944)
Em 1944, Rino Levi projetou sua própria residência iniciando uma série de casas que se
caracterizam pela presença marcante de ambientes totalmente voltados para os jardins
internos. Os cômodos se articulam inteiramente com os espaços ajardinados que são
subdivididos em áreas social, íntima e serviço, para onde estão voltadas as salas, os
dormitórios e a cozinha e dependências de serviço respectivamente. Nestas residências o
fechamento para a rua e abertura para os espaços abertos localizados no interior do lote
propiciam a intimidade da vida familiar.
A Residência Rino Levi (figura 39), construída no bairro Jardim Europa, já foi demolida.
Buscou-se reunir os dados projetuais desta casa a partir da leitura do projeto original
composto por plantas, cortes e memorial descritivo da obra, que se encontram no acervo
da FAU-USP, e também por meio de fotos e artigos publicados nos periódicos da época.
3. As residências de Rino Levi
85
Figura 39 Planta da Residência Rino Levi. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Cada ala desta residência se integra a um espaço aberto: os setores de serviço estão voltados
para a área descoberta ao lado da garagem, os dormitórios contam com um jardim íntimo
da família, e o terceiro jardim, com maior destaque, está circunscrito pela sala de estar, o
corredor dos dormitórios e os limites do lote. A integração dos ambientes internos com
este último fica estabelecida por meio dos planos de elementos vazados da sala e do
corredor.
3. As residências de Rino Levi
86
Figura 40 Vista interna da sala e varanda abertas para o jardim principal. Residência Rino Levi. Fonte: Anelli;
Guerra; Kon, 2001.
Figuras 41 e 42 Vista interna da sala de estar. Residência Rino Levi.
Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
Na sala de estar, a integração com o jardim se intensifica devido à presença de uma
jardineira localizada entre o caixilho de vidro e o painel de elementos vazados, que
auxiliam, juntamente com a vegetação, na filtragem dos raios solares desta fachada
orientada para noroeste (figuras 40 e 43).
3. As residências de Rino Levi
87
Figura 43 Vista do jardim principal para a fachada da sala de estar e circulação interna.
Residência Rino Levi. Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
Para a ventilação e iluminação dos banheiros os caixilhos foram dispostos sobre a
cobertura rebaixada da circulação interna (figura 43).
A caixilharia do conjunto copa-cozinha é composta por duas janelas contínuas e paralelas,
sendo uma superior, de caixilho basculante e encostada na laje, e a outra sobre a bancada da
pia, auxiliando na iluminação da superfície de trabalho (figuras 44 e 45).
Figura 44 Vista externa da Rua Suécia, com o
jardim externo e a fachada sudeste onde se abrem os
caixilhos da copa e cozinha. Residência Rino Levi.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Figura 45 Vista interna da copa-cozinha,
caixilhos intermediários sobre a bancada da pia, e
superior encostado na laje. Residência Rino Levi.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
A sala de jantar também conta com uma jardineira delimitada pelo caixilho de vidro e as
“venezianas de concreto armado”, assim descritas pelo arquiteto no memorial do projeto
3. As residências de Rino Levi
88
(figuras 46 e 47). Esta solução permite maior integração do ambiente com a natureza, além
de preservá-lo do contato direto com a rua, pois os elementos de concreto, além de
proteger contra a insolação e garantir a ventilação deste cômodo, barra a visibilidade
indesejada do exterior para o interior da residência. Diferentemente dos elementos vazados
da sala de estar que garantem este contato com os jardins.
Figura 46 Vista externa da fachada
nordeste, para rua Bélgica, mostra as
venezianas da sala de jantar. Residência Rino
Levi. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Figura 47 Vista interna da sala de jantar, com o jardim
formado entre o caixilho de vidro e venezianas de
concreto. Residência Rino Levi. Fonte: Levi, 1948.
A seguir serão demonstrados os dados projetuais da Residência Rino Levi para serem
analisados a partir dos parâmetros delineados no item anterior.
1. Obra: Residência Rino Levi
2. Data: 1944
3. Estado de conservação: Demolida
4. Local: Rua Bélgica, 116, Jardim Europa, São Paulo, SP
5. Eixo de orientação NO - SE
NO: sala estar
SE: copa e cozinha
NE: circulação interna, banheiros, sala jantar
6. Orientação
SO: dormitórios
7. Ventilação Cruzada nos dormitórios
8. Paredes Alvenaria de tijolos (externas e=30cm; internas e=15cm)
Dormitórios, banheiros, copa e cozinha: laje de tijolos ocos. 9. Forro
Sala de estar e jantar: Placas de 61x61 cm de “Celotex” de ½”,
pregadas sobre sarrafos.
10. Cobertura Telha ondulada de fibrocimento
3. As residências de Rino Levi
89
Dormitórios: 2,41m
2
- porta de correr com veneziana.
Sala de estar: 25,39m
2
área total, sendo:
12,74m
2
Porta de correr com 3 folhas de madeira e vidro.
10,30m
2
caixilho fixo.
2,35m
2
caixilho maxim-ar.
Sala de jantar: 7,59m
2
área total, sendo:
5,06m
2
caixilho fixo.
2,53m
2
caixilho maxim-ar.
11. Aberturas
Copa e cozinha: 4,81 m
2
área total, sendo:
3,24m
2
caixilho fixo.
1,57m
2
caixilho basculante.
Dormitórios: 2,41m
2
(~ 20% e 25% área do piso)
Sala de estar: 10,85m
2
(~21% área do piso)
Sala de jantar: 2,53m
2
(~18% área do piso)
12. Área ventilação
Copa e cozinha: 1,57m
2
(~ 10% área do piso)
13. Proteção das
aberturas
A sala de estar (noroeste) e a circulação interna (nordeste) recebem
elementos vazados de concreto; a sala de jantar (nordeste),
veneziana de concreto pré-moldado.
14. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 3
Recomendações: BCFI
Segundo as recomendações de Paulo Sá (1942) para a cidade São Paulo, a orientação mais
indicada para os ambientes de maior permanência são as fachadas localizadas entre norte
(N) e noroeste (NO). Dentre os ambientes mais freqüentados, apenas a sala de estar segue
esta orientação pois está na fachada noroeste. Os dormitórios, localizados à sudoeste,
recebem insolação no período da tarde e com maior intensidade nos meses de verão,
quando deveria ser evitada.
Ainda segundo os parâmetros da época para a capital paulista, a fachada nordeste recebe os
ventos frios nos meses de inverno. Nesta fachada foram dispostos os ambientes menos
freqüentados como os banheiros, o corredor e a sala de jantar.
A norma NBR 15220 recomenda que a abertura para ventilação dos ambientes de longa
permanência corresponda de 15% a 25% da área do piso. Os três dormitórios menores
apresentam aberturas correspondentes a 20% e o dormitório maior 25%. As salas de estar e
jantar também estão dentro dos limites indicados. Porém, a cozinha apresenta aberturas
insuficientes neste quesito, pois satisfaz a apenas 10% da área do piso.
3. As residências de Rino Levi
90
Em relação às vedações externas da casa, a parede de alvenaria com tijolos maciços
assentados na maior dimensão é pesada, e não leve e refletora como deveria ser. O sistema
construtivo da cobertura composto por telhas de fibrocimento e laje de tijolos furados
também é pesado, prejudicando o conforto em função do acúmulo de calor durante o dia e
sua retransmissão à noite. Porém, como foi utilizado tijolo furado, as camadas de ar
representam uma isolação térmica, o que aproxima este sistema das exigências da norma.
Esta avaliação vale para todas as residências paulistanas, visto que apresentam o mesmo
sistema construtivo para as vedações externas.
Entretanto nesta obra a cobertura da sala, composta por telhas de fibrocimento e forro de
“Celotex”, apresenta adequação à norma pois segue as recomendações construtivas sendo
leve e isolada.
A respeito da ventilação cruzada, ela é possibilitada nos dormitórios apenas quando as
portas estiverem abertas, devido a caixilharia composta por elementos vazados no
corredor. O aquecimento solar no inverno é facilitado pela localização dos caixilhos de
vidro nas fachadas noroeste e nordeste, privilegiadas com a insolação no período mais frio
do ano.
Conclui-se portanto que nesta residência apenas as salas seguem a orientação recomendada
pelos parâmetros da época. A aplicação dos critérios normativos atuais reprovaria o
dimensionamento da abertura para ventilação da cozinha, assim como o sistema
construtivo para as vedações externas, exceto o de cobertura das salas.
3.2.2. Residência Milton Guper, São Paulo, SP (1951/52)
Os loteamentos de Barry Parker para os bairros-jardim construídos em São Paulo no início
do século XX exigiam amplos recuos nos lotes, pois visavam à implantação dos palacetes
isolados que caracterizavam as habitações da sociedade cafezista da época. No projeto para
a Residência Milton Guper, localizada em um destes loteamentos, o arquiteto Rino Levi,
com a colaboração de Roberto Cerqueira César, acomodou sobre os recuos obrigatórios
amplos jardins tropicais, que se configuraram como prolongamento dos espaços edificados.
A área construída desta residência corresponde a 25% do terreno, máximo permitido por
lei (figura 48).
3. As residências de Rino Levi
91
Figura 48 Planta e cortes da Residência Milton Guper. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Os jardins frontais se configuram como um ambiente intermediário entre o passeio público
e a habitação (figuras 49 e 50). Além destes, existem mais quatro espaços ajardinados
ligados aos ambientes internos da casa: o jardim da habitação noturna, para onde estão
voltados os dormitórios; o social que abriga as salas; o espaço aberto de serviço, ao lado da
cozinha, que apresenta parte coberta para acolher a garagem; e o último - inexistente na
primeira residência da série - ao lado do corredor de circulação para os quartos (figura 54).
Na Residência Milton Guper, a integração da sala de estar com o jardim se intensifica em
relação à Residência Rino Levi. O plano de elementos vazados, que junto a caixilharia de
vidro formava a jardineira, se afasta chegando até a divisa do lote e proporciona um
ambiente único de sala-jardim (figura 51).
3. As residências de Rino Levi
92
Figura 49 Vista externa da fachada sudoeste, para
rua Nicarágua. Residência Milton Guper. Fonte:
Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
Figura 50 Vista externa da fachada noroeste, para
rua Venezuela. Residência Milton Guper. Fonte:
Anelli; Guerra; Kon, 2001.
O jardim social (figuras 51 a 53) e o da circulação interna são cobertos por pérgulas de
concreto armado que acentuam a ligação entre o exterior e o interior, pois se configuram
como um prolongamento do forro sobre o jardim. A principal função do pergolado é de
atenuar a incidência dos raios solares, mas além disso, garante a segurança dos moradores e
cria condições favoráveis para as plantas, regulando a insolação e a incidência de ventos
fortes.
Neste segundo projeto da série de residências introvertidas, a sala de
estar se transforma em jardim sem nenhuma perda de continuidade;
apenas os limites superiores e laterais se tornam perfurados (pérgulas e
elementos vazados), sem nenhuma mudança de plano, permitindo a
entrada de luz, ar e chuva sobre a vegetação. (ANELLI; GUERRA;
KON, 2001, p.164).
Figura 51 Vista da sala de estar para o jardim.
Residência Milton Guper. Fonte: Acervo digital Rino
Levi, CAV-PUCCAMP.
Figura 52 Vista da sala de estar e jardim.
Residência Milton Guper. Fonte: Anelli; Guerra;
Kon, 2001.
3. As residências de Rino Levi
93
Figura 53 Vista do jardim sob pérgulas, prolongamento da sala de estar.
Residência Milton Guper. Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
O plano de elementos vazados e o pergolado na fachada que acomoda o corredor de
circulação para os dormitórios, com frente para a rua Nicarágua, possibilitou a colocação
do painel de vidro intensificando a iluminação natural deste ambiente, sem perder a
privacidade ou a segurança dos moradores (figura 54).
Figura 54 Vista do jardim do corredor de circulação dos dormitórios.
Residência Milton Guper. Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
3. As residências de Rino Levi
94
Este corredor conta ainda com grelhas para ventilação dispostas na laje de forro medindo
1,90m por 0,30m. Estas apresentam abertura regulável proporcionada por meio de
caixilhos basculantes (figura 55).
Figura 55 Detalhe do jardim sob pérgulas do corredor de circulação dos dormitórios. A grelha de alumínio
apresenta abertura regulável para ventilação por meio de caixilho basculante. Residência Milton Guper.
Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
Após a leitura do projeto, complementada pelo memorial descritivo da obra e publicações
em periódicos da época, os dados desta residência foram reunidos na planilha seguinte:
1. Obra: Residência Milton Guper
2. Data: 1951/52
3. Estado de conservação: Diversas alterações desfiguraram o projeto
4. Local: Rua Venezuela, 309, Jardim América, São Paulo, SP
5. Eixo de orientação NO - SE
NE: salas, 3 dormitórios
SE: closet, banho suíte
SO: banho social, 1 dormitório, circulação, dependências de serviço
e garagem
6. Orientação
NO: cozinha, dependências de serviço
7. Ventilação Cruzada e regulável
8. Paredes Alvenaria de tijolos (externas e=30cm; internas e=15cm)
9. Forro Laje com tijolos ocos de barro
10. Cobertura Telha ondulada de fibrocimento
Dormitórios: 3,36m
2
- porta de correr com veneziana.
Salas: 42,49m
2
- caixilho com vidros (5 mm) fixos, basculantes e de
correr.
11. Aberturas
Cozinha: 2,56 m
2
- janela basculante.
12. Área ventilação Dormitórios: 3,36 m
2
(~ 25% área do piso)
3. As residências de Rino Levi
95
Salas: 20,04 m
2
(~ 25% área do piso)
Cozinha: 2,56 m
2
(~ 20% área do piso)
13. Proteção das
aberturas
Pérgulas protegem a face NE nas salas e a face SO na circulação
interna.
14. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 3
Recomendações: BCFI
A revista Arquitetura e Decoração AD de janeiro de 1954, ao descrever esta residência
comenta sobre as intenções do autor do projeto em relação ao conforto térmico:
A insolação adotada no projeto, de meio dia e de poente, é a mais
apropriada, dado que as manhãs em São Paulo se apresentam
freqüentemente com céu coberto.
A ventilação é sempre cruzada e regulável.
As paredes são de alvenaria de tijolos. Algumas divisões internas são
feitas por armários, no fundo dos quais foi aplicada uma camada de lã de
vidro para evitar transmissão de ruídos de um para outro quarto. Os
forros, para boa proteção térmica, são de lajes de tijolos ocos, de barro.
A cobertura é de telhas onduladas de fibrocimento sobre estrutura de
madeira. A lareira e a pérgula são em concreto armado.
(RESIDÊNCIA..., 1954).
Na primeira residência estudada, não se pode afirmar que Rino Levi tinha conhecimento
dos preceitos indicados por Paulo Sá. Porém, começa-se a perceber o contato do arquiteto
com estes ideais a partir das intenções projetuais descritas acima, bem como do memorial
apresentado em 1945 para o concurso arquitetônico da Maternidade Universitária de São
Paulo mostrado no Capítulo 2:
A localização das enfermarias e alojamentos obedece à insolação do setor
N.O. N.N.O., preconizada pelo Eng. Paulo de Sá e recomendada no
programa do concurso; houve cuidado de fugir da zona de sombra
projetada pelo Hospital de Clinicas, sombra essa, que, no inverno, na
época, portanto, em que a insolação se torna mais necessária, cobre parte
considerável do terreno. A orientação adotada resolve perfeitamente a
proteção não só contra os ventos dominantes, frios e úmidos, do
quadrante S.E., a que está particularmente exposto o local, como
também o problema dos isolamentos de enfermaria contra os ruídos do
tráfego intenso da Avenida Rebouças. (LEVI; BRIQUET, 1946, p. 17).
Conforme especificado na planilha da Residência Milton Guper, para noroeste estão
voltadas a cozinha e as dependências de serviço. A sala de estar e os dormitórios, que
deveriam estar na fachada mais privilegiada, por serem os ambientes mais freqüentados,
estão a nordeste (NE). Talvez esta disposição seja justificada devido a menor dimensão da
fachada noroeste, pois obedece aos recuos obrigatórios do loteamento, e também por ela
estar voltada para a rua. Então a fachada mais indicada, neste caso, seria a nordeste, o que
3. As residências de Rino Levi
96
atende em parte as indicações de Sá, já que, a face norte é “a mais bem insolada no inverno,
quando se torna mais necessário”. E ao invés de receber a insolação vespertina no inverno,
como a noroeste, receberá a matutina.
As fachadas restantes, sudeste (SE) e sudoeste (SO), são menos apropriadas pois recebem
maior incidência solar no verão, e quase nenhuma no inverno. De acordo com as sugestões
de Sá, nestas estão dispostos os cômodos menos freqüentados, como ambientes de
passagem, garagem, entrada principal e área de serviço. Além disso, Rino Levi também
utiliza os dispositivos de sombreamento que permitem a abertura total dos ambientes para
o exterior, intensificando a relação com a natureza dos exuberantes jardins tropicais. As
pérgulas, ao mesmo tempo em que amenizam a intensidade dos raios solares na sala de
estar e possibilitam a utilização do plano de vidro, protegem o ambiente dos ventos de NE
dominantes nos meses de inverno.
Segundo as estratégias de condicionamento térmico passivo para a cidade de São Paulo
presentes na NBR 15220 (2003), a correta orientação de superfícies envidraçadas pode
contribuir para otimizar o aquecimento das edificações no período frio, através da
incidência da radiação solar, o que confirma a boa solução adotada pelo arquiteto neste
projeto para a sala de estar (figura 56). Por meio das pérgulas e da orientação nordeste, este
ambiente recebe os raios solares filtrados o ano todo no período da manhã, com maior
intensidade no inverno.
Figura 56 Caixilho de vidro da sala de estar. Ocupa toda a extensão da vedação para o jardim, permitindo a
entrada dos raios solares filtrados pelo pergolado. Residência Milton Guper.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
3. As residências de Rino Levi
97
Outra estratégia indicada pela norma refere-se à ventilação cruzada, pois a desumidificação
das edificações obtida com a renovação do ar interno por ar externo melhoram as
sensações térmicas nos ambientes.
Nesta residência, há muitas evidências da preocupação do arquiteto Rino Levi com a
umidade da cidade de São Paulo, e os danos que esta poderia causar. Primeiro, foi
proporcionada a ventilação cruzada em todos os cômodos. A disposição de grelhas com
abertura regulável na laje do corredor (figura 55) e também na parte superior das paredes
opostas às aberturas nos dormitórios (figura 57) otimizaram este sistema. Nos dormitórios
menores são dois caixilhos basculantes de 1,42m por 0,30m de altura, e no dormitório
maior um caixilho medindo 3,40m por 0,40m de altura. A ventilação por meio destes
dispositivos se faz possível devido à colocação de tijolos furados para a sustentação do
telhado permitindo a circulação do ar (figura 58).
Figura 57 Corte passando pelo banheiro, corredor e dormitório, da esquerda para a direita. Detalhe da abertura
para ventilação na parte superior da parede, e abertura para ventilação da cobertura indicada pelo número V.
Residência Milton Guper. Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
As aberturas para ventilação dos ambientes de longa permanência, obedecem ao
dimensionamento proposto pela norma. Pois os dormitórios e as salas apresentam área
para ventilação correspondente a 25% da área do piso, e na cozinha a abertura é de 20% da
área do piso.
A configuração do caixilho da cozinha nesta residência é diferente da solução adotada na
Residência Rino Levi. Uma única janela basculante, medindo 1,60m de largura por 1,60m
de altura, está situada no centro da parede voltada para a fachada noroeste (figura 50).
3. As residências de Rino Levi
98
Figura 58 Detalhe da abertura para ventilação cobertura, indicada pelo número V no corte da figura anterior.
Residência Milton Guper. Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
As divisões internas entre os dormitórios da habitação são compostas por armários. Para
evitar a transmissão de ruídos de um cômodo para outro foi aplicada uma camada de lã de
vidro no fundo destes. Além disso, estes armários, que foram também projetados por Rino
Levi, prevêem aberturas para ventilação (figura 59). Estas aberturas se configuram como
furos na parte frontal e também aberturas na parte superior, na laje, que contam com telas
para proteção contra os insetos.
Mesmo os armários da cozinha apresentam estes furos na parte frontal, visando combater
os prejuízos causados pelo excesso de umidade (figura 60). O desenvolvimento destes
desenhos para o mobiliário comprova a real preocupação do arquiteto com as
recomendações da época, que consideravam os problemas causados pela neblina e pela
garoa.
3. As residências de Rino Levi
99
Figura 59 Planta de dois tipos de armários que servem de divisão entre os quartos. Indicação da camada de lã
de vidro e aberturas na laje para ventilação. A elevação também mostra os furos na parte frontal. Residência
Milton Guper. Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
3. As residências de Rino Levi
100
Figura 60 Corte do armário da cozinha. Indicação de pequenas aberturas para ventilação na parte superior e
inferior das portas. Residência Milton Guper. Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
As vedações externas da casa, compostas por paredes de alvenaria e cobertura de laje de
tijolos ocos de barro e telhas de fibrocimento, não seguem as recomendações da norma,
conforme já analisado na Residência Rino Levi.
Nesta casa pode-se comprovar, por meio do memorial descritivo, que o uso do tijolo
furado como isolante foi consciente uma vez que sua propriedade térmica de isolamento
está descrita neste documento. Além disso, o detalhamento do desenho da cobertura,
prevendo a ventilação das telhas, faz com que a transmissão de calor da telha para a laje
seja minimizada e diminua a inadequação da solução construtiva perante a recomendação
da norma.
3. As residências de Rino Levi
101
3.2.3. Residência Gomes, Ubatuba, SP (1962/65)
A Residência Gomes, situada entre a praia e a mata atlântica, apresenta forma retangular
cujo eixo de orientação está no sentido nordeste sudoeste (figura 61). As duas fachadas
menores abrigam os dormitórios e os serviços, na área central da casa estão as salas e a
cozinha integradas a um jardim interno coberto por pérgulas, como na Residência Milton
Guper. Entre as salas e os dormitórios existe o bloco de sanitários, que se ergue formando
uma caixa d’água de concreto destacando-se do volume da habitação (figura 62).
Figura 61 Planta da Residência Gomes, Ubatuba - SP. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
3. As residências de Rino Levi
102
Figura 62 Fachada sudeste, com frente para a praia. Residência Gomes, Ubatuba - SP.
Fonte: foto da autora.
As duas fachadas maiores são constituídas por tijolo aparente, com aberturas apenas na
porção correspondente às salas. As amplas portas de correr, dispostas simetricamente nas
duas faces opostas, permitem a abertura total destes ambientes para o mar e a montanha.
A equivalência, que permitia a substituição de um panorama” ausente
pelo jardim nas casas urbanas, permite a justaposição das duas situações
num só ambiente. O jardim, constituído com pedras e água corrente da
montanha, reproduzindo idealmente a mata, expande a sala, visual e
sensorialmente, no sentido longitudinal. Na transversal, ela se expande
visualmente para a mata e para o mar. (ANELLI; GUERRA; KON,
2001, p.97).
Na fachada frontal, a parede que divide o jardim interno com o exterior apresenta uma
disposição diferente no assentamento dos tijolos, tornando-a permeável à visibilidade para
a praia, além de possibilitar a entrada da brisa do mar (figura 63).
O pergolado sobre o jardim está no mesmo alinhamento do forro, permitindo maior
fluidez com o espaço interno. No projeto original, entre a sala e o jardim estavam as portas
de alumínio envidraçadas de correr, e a divisão com a cozinha era composta por parede de
alvenaria à meia altura, a partir da qual estava a caixilharia, também de alumínio, até a laje
de concreto. As fotos recentes não mostram mais estas vedações, pois foram furtadas
devido ao abandono da residência por parte dos antigos proprietários (figura 70).
3. As residências de Rino Levi
103
Figura 63 Vista do jardim para a fachada sudeste. Residência Gomes. Fonte: foto da autora.
A fachada nordeste é composta por pequenas varandas, que são cobertas por pérgulas e
vedadas com elementos vazados de concreto, para as quais se abrem os dormitórios
(figuras 64 a 66). Além da proteção contra o sol, estes elementos serviam também para
proporcionar segurança à residência. As telhas de fibrocimento destacam-se do volume da
casa para permitir a ventilação da cobertura.
Figura 64 Fachada nordeste onde estão localizados os dormitórios. Residência Gomes. Fonte: foto da autora.
3. As residências de Rino Levi
104
Figuras 65 e 66 Fachada nordeste. Detalhe dos elementos vazados de concreto e pérgulas das varandas dos
dormitórios. Residência Gomes. Fonte: foto da autora.
A visita ao local contribuiu para o levantamento dos seguintes dados desta obra:
1. Obra: Residência Gomes
2. Ano construção: 1962/65
3. Estado de conservação: Preservada e em razoável estado de conservação.
4. Local: Praia Grande, Ubatuba, SP.
5. Eixo de orientação NE - SO
NE: Dormitórios
SE: Sala de estar e jardim interno.
SO: Sala de estar, dependências de serviço e garagem.
6. Orientação
NO: Cozinha e sala de jantar.
7. Ventilação Cruzada e regulável nos dormitórios e salas.
8. Paredes Alvenaria de tijolos (externas e=30cm; internas e=15cm).
9. Forro Laje de concreto aparente na sala, cozinha e banheiros.
Forro de madeira nos dormitórios.
10. Cobertura Telha ondulada de fibrocimento.
Dormitórios: 2,52m
2
- porta de correr com veneziana.
Salas: 62,40 m
2
portas de correr.
11. Aberturas
Cozinha: 9,70 m
2
caixilho fixo e maxim-ar.
Dormitórios: 2,52 m
2
(~ 21% área do piso) 12. Área ventilação
Salas: 52,80 m
2
(~ 40% área do piso)
3. As residências de Rino Levi
105
Cozinha: 7,20 m
2
(~ 24% área do piso)
13. Proteção das
aberturas
Pérgulas protegem a face SO da sala de estar, voltada para o jardim
interno.
Elementos de proteção solar e pérgulas protegem a fachada NE dos
dormitórios.
14. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 3
Recomendações: BCFIJ
Dentre as recomendações relativas ao conforto térmico da época em que foi desenvolvido
este projeto, não há uma específica para a cidade de Ubatuba. Adotar-se-ão as
especificações de Coutinho, para locais quentes e úmidos, que recomendam a proteção das
fachadas expostas ao sol e a ventilação dos ambientes.
Nesta residência todas as aberturas são protegidas. Os dormitórios, voltados para nordeste,
apresentam pérgulas e elementos vazados para proteção da fachada. As salas e a cozinha
contam com o pergolado sobre o jardim para proteger as superfícies envidraçadas. As
portas de correr da sala, em ambas as fachadas recebem como proteção uma marquise de
concreto. Estas aberturas proporcionam a ventilação cruzada no ambiente quando
necessário. Os dormitórios, assim como em outras residências estudadas, apresentam as
grelhas de ventilação dispostas no forro (figuras 67 e 68). Os banheiros, localizados na
parte central da residência também apresentam grelhas semelhantes. Esta ventilação é
possível devido ao afastamento do telhado em relação à laje, formando vãos para circulação
de ar na cobertura.
Figura 67 Grelha para ventilação no forro
dos dormitórios. Residência Gomes.
Fonte: foto da autora.
Figura 68 Saída das aberturas para ventilação dos banheiros
na cobertura, protegidas com telas. Residência Gomes.
Fonte: foto da autora.
3. As residências de Rino Levi
106
Assim como nas residências paulistanas, nos armários desta casa foram previstos furos de
ventilação, prevenido os possíveis danos causados pelo excesso de umidade (figura 69).
Figura 69 Detalhe da porta do armário
dos dormitórios. Residência Gomes.
Fonte: foto da autora.
Figura 70 Vista do jardim sob pérgulas para a cozinha.
Residência Gomes. Fonte: foto da autora.
Segundo as diretrizes construtivas da norma NBR 15220 (2003) para a cidade de Ubatuba,
as aberturas para ventilação devem ter de 15 a 25% a área do piso. Os dormitórios e a
cozinha estão de acordo com as recomendações, porém a sala excede este valor. A intenção
do arquiteto ao propor abertura total das fachadas voltadas para o mar e para a mata foi
criar um ambiente integrado aos espaços externos. A possibilidade de variar a área de
abertura neste caso deixa uma dúvida em relação à adequação ou não à norma (figura 71).
Figura 71 Vista da fachada sudeste com o painel de vedação parcialmente aberto
sob a marquise de concreto. Residência Gomes. Fonte: foto da autora.
3. As residências de Rino Levi
107
As vedações externas da casa, assim como das residências paulistas, não seguem as
recomendações da norma. A parede de alvenaria com tijolos maciços assentados na maior
dimensão é pesada, e não leve e refletora como deveria ser.
O sistema construtivo da cobertura composto por telhas de fibrocimento e laje de concreto
também é pesado, o que prejudica o conforto em função do acúmulo de calor durante o dia
e sua retransmissão à noite. As aberturas para a ventilação da cobertura podem amenizar
esta inadequação. Porém, a cobertura dos dormitórios, constituída pelo mesmo tipo de
telhas e forro de madeira está adequada à norma por ser leve e isolada.
Em relação ao aquecimento solar da edificação no inverno, os dormitórios recebem maior
incidência dos raios solares nas manhãs do período mais frio do ano, uma vez que estes
estão localizados na fachada nordeste. A vedação de vidro da sala, possibilitada pela
presença das pérgulas que amenizam a insolação no verão, poderia ser uma maneira de
aquecimento solar no inverno, porém, como estão voltados para sudoeste não cumprem
este papel.
Conclui-se que esta residência está adequada às recomendações de conforto térmico para o
verão, pois as fachadas estão protegidas, e os ambientes apresentam ventilação cruzada.
Porém para o inverno, atende parcialmente às diretrizes da norma referentes ao
aquecimento solar, uma vez que, os dormitórios apresentam esta adequação, mas as salas
deixam de cumprir esta indicação.
3.3. Outros exemplos residenciais
3.3.1. Residência Paulo Hess, São Paulo, SP (1953)
Esta residência, que também contou com a colaboração de Roberto Cerqueira César, adota
princípios similares às outras duas casas paulistanas já apresentadas. Enquadra-se
exatamente nos limites fixados pelos recuos exigidos pela legislação, sobre os quais foram
implantados jardins (figura 72). O jardim frontal é delimitado pelo muro de elementos
vazados na divisa com a rua, e do lado oposto pelos dormitórios que estão voltados para a
face localizada entre norte e noroeste. Ao fundo, a sala de estar integra-se a outro jardim
por meio de elementos vazados de concreto vedados com vidro (figura 73).
3. As residências de Rino Levi
108
Figura 72 Planta e corte da Residência Paulo Hess. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
A preocupação com a orientação adequada desta habitação também está descrita em
periódicos da época. A revista Habitat, de 1959, assim descreve a residência em relação à
insolação e ventilação:
Inscreveram, entretanto, os arquitetos, a casa nos limites exatos da
legislação para os recuos necessários, situando os dormitórios voltados
para o recuo da frente, situada ao norte, de maneira a garantir-se uma
insolação abundante (...).
A área dos fundos reservaram-na, os arquitetos, aos setores de
representação e serviço: voltada para o sul, a sala de estar recebe
insolação pela manhã, através do terraço, e à tarde através da sala de
jantar; a insolação do meio-dia chega através das janelas colocadas acima
dos telhados dos dormitórios. Mereceu no projeto particular atenção a
ventilação regulável, cruzada, por todas as peças da casa, por portas para
os pátios e aberturas acima do telhado.
3. As residências de Rino Levi
109
Tecnicamente, procedeu-se a proteção térmica, através do telhado, por
meio de tijolos ocos que sustentam os mesmos a cobertura é feita por
telhas onduladas de fibro-cimento. (RESIDÊNCIA..., 1959, p.20).
Vale lembrar que Paulo Hess, casado com a irmã de Rino Levi, era proprietário da Neo-
Rex, uma das primeiras fábricas de componentes pré-moldados de concreto, utilizados em
grande quantidade nesta obra.
Figura 73 Vista da varanda para a sala de estar. Residência Paulo Hess. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Observa-se, portanto, que os arquitetos estavam atentos às questões relacionadas ao
conforto térmico da residência. A planilha a seguir reúne os dados do projeto para serem
analisados.
1. Obra: Residência Paulo Hess
2. Data: 1953
3. Estado de conservação: Em bom estado de conservação e preservação.
4. Local: Rua Campo Verde, 225, Butantã, São Paulo, SP
5. Eixo de orientação L/NE - O/SO
S/SE: Sala de estar
O/SO: Sala de jantar
N/NO: Dormitórios e cozinha
6. Orientação
L/NE: Varanda
3. As residências de Rino Levi
110
7. Ventilação Cruzada e regulável.
8. Paredes Alvenaria de tijolos.
9. Forro Laje com tijolos ocos de barro
10. Cobertura Telha ondulada de fibrocimento
Dormitórios: Porta de correr com veneziana.
Salas: Portas de correr envidraçadas e elementos vazados de
concreto vedados com vidro.
11. Aberturas
Cozinha: Caixilho basculante na parte superior e fixo sobre a
bancada da pia.
12. Proteção das
aberturas
Elementos vazados de concreto protegem as fachadas da sala de
estar.
13. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 3
Recomendações: BCFI
Os dormitórios e a cozinha estão situados na fachada frontal orientada entre norte e
noroeste, assim como preconizou Paulo Sá para esta cidade. Já a sala de estar localiza-se na
fachada oposta, e poderia não estar de acordo com os requisitos da época por não receber
insolação suficiente no inverno. Entretanto, este ambiente conta com os raios solares
provenientes da varanda, para a qual está totalmente aberta, recebendo a insolação matutina
principalmente no inverno. Além disso, apresenta elementos de proteção solar, já que está
na fachada sul/sudeste, garantindo a filtragem da insolação no verão.
De acordo com as diretrizes construtivas da norma NBR 15220 (2003), todos os ambientes
recebem ventilação cruzada. O rebaixamento da laje de cobertura do corredor possibilitou
a disposição de grelhas com abertura regulável para a ventilação dos dormitórios, além da
abertura de janelas dos ambientes intermediários, localizados entre os quartos e a sala
(figura 74), e até mesmo para a própria sala de estar (ver corte da figura 72).
Figura 74 Corte da Residência Paulo Hess, passando pelo dormitório, corredor, banheiro e sala de estar.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
3. As residências de Rino Levi
111
Figura 75 Detalhe da grelha para ventilação dos dormitórios. Residência Paulo Hess.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
O desenho do mobiliário da Residência Paulo Hess, assim como da Residência Milton
Guper, também previu os furos para ventilação dos armários e a abertura na laje, protegido
por telas contra insetos, a fim de combater os problemas causados pelo excesso de
umidade (figura 76).
O caixilho da cozinha tem a mesma disposição da Residência Rino Levi, composto por
janelas basculantes na parte superior, e caixilho fixo de vidro na altura da bancada
auxiliando na iluminação da superfície de trabalho (figura 77).
3. As residências de Rino Levi
112
Figura 76 Detalhe do armário dos dormitórios.
Residência Paulo Hess.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Figura 77 Detalhe do armário da cozinha.
Residência Paulo Hess.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
A Residência Paulo Hess, portanto, apresenta vários indícios de adequação aos estudos de
conforto térmico da época relacionados à orientação das fachadas. A fachada tida como
ideal foi selecionada para a localização dos dormitórios, apesar de estar voltada para a rua.
A fachada oposta, que deveria ser ocupada por ambientes menos freqüentados, acomoda a
sala de estar. Entretanto, os arquitetos tomaram o cuidado de proteger esta face com
elementos vazados de concreto, e complementar a insolação por meio da varanda. Em
relação ao critério atual, verificou-se que a casa apresenta vários dispositivos, que
combinados com a disposição dos ambientes possibilitam a ventilação cruzada.
3. As residências de Rino Levi
113
3.3.2. Residência Roberto Egídio Azevedo, Recife, PE (1955)
Esta residência não foi construída e também não foi publicada em periódicos ou livros
sobre Rino Levi. Assim como as outras obras, o projeto original localiza-se no acervo do
arquiteto na FAU-USP. Julgou-se importante a análise desta casa, assim como das outras
que não foram projetadas para o clima paulistano, para avaliar se as soluções construtivas
para cada situação climática são diferentes entre si, e se correspondem às diretrizes de
conforto térmico traçadas pelos estudiosos da época ou pela norma atual.
A Residência Roberto Egídio Azevedo não apresenta os mesmos limites urbanos que os
lotes dos bairros-jardim de São Paulo. O terreno é mais extenso, e a casa, dividida entre
setores de serviço, habitação noturna e social, integra-se ao espaço externo como um todo,
pousando sobre um amplo jardim (figura 83).
A casa é composta por quatro blocos, alocados no eixo norte-sul, que se interligam por
meio de um corredor central, no sentido leste-oeste. Estes volumes representam os
diferentes setores da habitação: o social que abriga as salas, localizado mais ao norte; o
bloco dos dormitórios, em piso superior, sob o qual situa-se a garagem; o terceiro com
dormitórios também, e mais o setor de serviço, abrigando a cozinha, a sala de almoço e
alguns depósitos; e o quarto e último, a sala das crianças, no extremo oeste do lote, de
forma circular, também ligada pelo corredor central (figuras 78 e 80). Com exceção deste
último, todos apresentam aberturas apenas na face leste e oeste, e contam com diferentes
proteções para cada situação, sendo a face oeste a mais bem protegida (figuras 79, 81 e 82).
As recomendações construtivas para Recife referem-se como fachada ideal àquela orientada
entre ESE e SE, e a insolação vespertina deve ser evitada tanto quanto possível.
Considerando a situação climática local, com altas temperaturas e alta taxa de umidade
praticamente o ano todo, a ventilação cruzada permanente é recomendada pela norma, pois
a renovação do ar interno por externo melhora as sensações térmicas nos ambientes. As
indicações de Sá e Coutinho também apontam para a necessidade de ventilação,
aproveitando-se os ventos dominantes de nordeste durante dez meses do ano, e leste em
novembro e dezembro. A direção dos ventos dominantes está apontada na prancha do
projeto, junto à orientação.
3. As residências de Rino Levi
114
Figura 78 Planta da Residência Roberto Egídio Azevedo Recife, PE.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Figura 79 Fachada Sul. Residência Roberto Egídio Azevedo.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
3. As residências de Rino Levi
115
Figura 80 Planta da Cobertura e piso dos dormitórios da Residência Roberto Egídio Azevedo Recife, PE.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Figura 81 Fachada Leste. Residência Roberto Egídio Azevedo.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
3. As residências de Rino Levi
116
Figura 82 Fachada Oeste do bloco garagem /dormitórios e salas. Residência Roberto Egídio Azevedo.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Figura 83 Perspectiva externa da Residência Roberto Egídio Azevedo. Recife-PE.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Todas as peças gráficas que compõem o projeto original, desenvolvido até a etapa de
estudo preliminar apenas, foram reproduzidas aqui. Não há maiores detalhes de
dimensionamento da caixilharia, por exemplo, ou especificação de material construtivo.
Portanto, esta residência será estudada a partir dos dados referentes à implantação, tipo de
aberturas e proteção das mesmas.
1. Obra: Residência Dr. Roberto Egídio Azevedo
2. Ano: 1955
3. Estado de conservação: Não construída.
4. Local: Rua da Casa Forte, Recife, PE
3. As residências de Rino Levi
117
5. Eixo de orientação N - S
N: Corredor de circulação.
S: -
L: Dormitórios, cozinha, sala de estar.
6. Orientação
O: Sala de estar e jantar, corredores dos dormitórios e despensas.
7. Ventilação Cruzada e regulável nos dormitórios e salas.
8. Proteção das
aberturas
Amplos beirais protegem as fachadas L e O das salas, que contam
ainda com elementos vazados na face oeste.
Elementos vazados também protegem a face leste dos dormitórios
do térreo, a circulação dos dormitórios do piso superior, voltada
para oeste, e o corredor da fachada norte.
9. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 8
Recomendações: FIJ
Rino Levi selecionou a fachada leste neste projeto como ideal para os ambientes de longa
permanência. À face oeste, que recebe maior insolação no período da tarde, e deve ser
evitada, dispôs os ambientes menos freqüentados, como os corredores de circulação dos
dormitórios localizados térreo e no piso superior. A cozinha, também na fachada leste, está
protegida na face oposta pelos depósitos. As salas de estar e jantar apresentam na fachada
oeste proteção por meio de um jardim, implantado sob o forro, e delimitado por elementos
de proteção solar (figura 84).
Figura 84 Corte da sala de estar. Residência Roberto Egídio Azevedo.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Ambas as fachadas da sala recebem amplos beirais para proteção contra a insolação, e por
estarem localizadas em faces opostas, possibilitam a ventilação cruzada. A orientação leste
não é a indicada por Paulo Sá, mas atende as especificações de ventilação por receberem a
incidência dos ventos sudeste, e principalmente dos ventos leste, com maior incidência no
verão. Nos dormitórios também houve a preocupação com a ventilação cruzada,
3. As residências de Rino Levi
118
proporcionada por aberturas no forro, e rebaixamento da cobertura do corredor, conforme
indicado no estudo do próprio arquiteto (figura 85).
Figura 85 Corte do bloco garagem/ dormitórios. Residência Roberto Egídio Azevedo.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
Todas as aberturas voltadas para oeste recebem proteção contra insolação. Mesmo na sala
das crianças, de forma circular e aberta para todos os lados, o beiral da face oeste é maior
que da face leste. Os dormitórios do piso superior apresentam beirais amplos, o que
garantiria a proteção dos raios solares mais altos do período da manhã. Os dormitórios do
térreo e a cozinha são protegidos por um painel de elementos de proteção solar afastado da
fachada.
As soluções para esta residência, projetada para uma situação climática com temperaturas e
umidade elevadas, e bastante diferente da capital paulista, apresentam adequação às
exigências de conforto térmico. A disposição dos ambientes linearmente possibilita a
ventilação cruzada em todos os cômodos da habitação. Além disso, houve um critério na
disposição dos mesmos, já que, todos os de maior permanência estão localizados na mesma
face. Do mesmo modo, todas as aberturas da fachada oeste recebem proteção, pois esta
orientação é menos indicada devido à incidência dos raios solares no período mais quente
do dia.
3.3.3. Residência Anselmo Fontana, Concórdia, SC (1956)
Nesta residência, os ambientes estão dispostos no terreno de maneira a criar espaços
externos integrados ao interior, como nas casas paulistanas. Pode-se ler na planta deste
projeto a denominação feita pelo arquiteto para o “pátio das crianças”, delimitado de um
lado pelo corredor de circulação dos dormitórios, e de outro por um muro que divide esta
área com o “pátio de serviço” (figura 86).
3. As residências de Rino Levi
119
Figura 86 Planta da Residência Anselmo Fontana Concórdia, SC.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
A residência apresenta setorização dos ambientes, em áreas de serviço, social e íntima,
definindo a implantação segundo dois eixos de orientação: sudoeste-nordeste para os
dormitórios, e sudeste-noroeste para as salas, cozinha e serviços. Sob o setor de serviços
fica a garagem, com um acesso por escada para a sala, outro para o serviço, e mais a
caldeira e um depósito para lenha. Este último porque a residência conta com instalações
de calefação, sistema de aquecimento artificial, por meio da circulação de água a
temperatura de 50°C em serpentinas de tubos de aço de ½” dispostas no piso da habitação.
A caldeira localizada no subsolo é responsável pelo aquecimento da água.
Segundo as recomendações da época, a orientação mais indicada para esta residência seria
entre nordeste e noroeste, para onde deveriam estar voltados os dormitórios e salas. Às
faces opostas, portanto, os cômodos menos freqüentados das habitações, como corredores,
serviço ou depósitos.
3. As residências de Rino Levi
120
Para a norma atual, as estratégias de condicionamento térmico passivo para a cidade de
Concórdia prevêem que no verão seja possível ocorrer a ventilação cruzada nos ambientes,
e no inverno, o aquecimento solar da edificação, complementado por aquecimento artificial
necessário para esta situação climática.
Os dados recolhidos a partir da análise do projeto foram:
1. Obra: Residência Anselmo Fontana
2. Ano de construção: 1956
3. Estado de conservação: Construída, porém sem informação sobre o estado atual.
4. Local: Rua Floriano Peixoto, Concórdia, SC.
5. Eixo de orientação Ala dos dormitórios: SO NE
Ala social e serviços: SE - NO
NO: Dormitórios.
NE: Cozinha, serviços, sala de estar e sala de jantar.
SO: Cozinha, serviços,sala de estar.
6. Orientação
SE: Corredor dos dormitórios.
7. Ventilação Cruzada na ala social e de serviços.
8. Proteção das
aberturas
Amplos beirais nas fachadas das salas e dormitórios. Proteção nos
caixilhos localizados na parte superior do setor de serviços e
salas.
9. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 2
10. Outros Instalação de calefação: sistema de aquecimento do piso, por meio
da circulação de água a 50°C, proveniente da caldeira situada no piso
inferior junto à garagem.
A partir dos dados apresentados, conclui-se que esta residência está adequada às
recomendações construtivas descritas acima. Os dormitórios estão na face noroeste assim
como as salas, que contam ainda com a insolação das fachadas nordeste e sudoeste para o
aquecimento solar por meio das portas envidraçadas. Não há proteção para estas aberturas,
como pérgulas ou elementos vazados, apenas um largo beiral de concreto intensifica a
continuidade entre o interior e o exterior (figura 87).
Na fachada oposta aos dormitórios, fachada sudeste, não recomendada para os ambientes
de longa permanência por receberem menor insolação, está o corredor. Nenhum ambiente
está voltado diretamente para o sul, face que deveria ser evitada. A ala de serviços conta
com uma espécie de varanda na fachada sudoeste, onde estão o tanque e a máquina de
3. As residências de Rino Levi
121
lavar, e na fachada nordeste (figura 87) existe proteção nos caixilhos localizados na parte
superior, e que continuam até as salas de jantar e estar.
Figura 87 Vista da fachada. Residência Anselmo Fontana Concórdia, SC.
Fonte: Acervo Rino Levi, FAU-USP.
A disposição dos ambientes linearmente permite a ventilação cruzada quando necessária. A
previsão para instalação de calefação também segue as diretrizes da norma atual. Todas
estas constatações, comprovam a adequação desta residência aos rigores climáticos desta
região, com características distintas das soluções desenvolvidas para São Paulo.
3.3.4. Residência Castor Delgado Perez, São Paulo, SP (1958/59)
No projeto para a Residência Castor Delgado Perez (figura 88), o arquiteto Rino Levi, desta
vez com a colaboração de Roberto Cerqueira César e Luis Roberto Carvalho Franco,
obteve maior integração no conjunto sala-jardim, que nas outras três casas paulistanas.
Os ambientes desta residência distribuem-se em torno de quatro jardins, sendo um na parte
frontal, para apoio dos serviços, um ao fundo, para os dormitórios, e dois principais no
centro para onde se abrem as salas. Assim como nas casas anteriores, esta também está
situada nos limites dos recuos exigidos por lei. Na frente da casa, sobre a garagem estão
dois dormitórios para empregados (figura 90). No corredor da direita, a cozinha, sala de
almoço e área de serviço, à esquerda, a entrada principal, o lavabo e o acesso a adega
3. As residências de Rino Levi
122
subterrânea. No fundo ficam os dormitórios, voltados para noroeste, e ao centro, as salas
de estar e jantar.
Figura 88 Planta da Residência Castor Delgado Perez. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
3. As residências de Rino Levi
123
Figura 89 Corte da Residência Castor Delgado Perez. A viga invertida na sala permite maior fluidez do
ambiente em relação aos jardins. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Os dois jardins centrais são cobertos por pérgulas de concreto armado, construídas no
mesmo nível do forro da sala, garantindo assim, maior integração entre o interior e o
exterior, já que o fechamento das salas para estes espaços abertos ocorre por meio de
painéis móveis de vidro (figura 91).
A parede divisória entre o corredor dos dormitórios e o jardim é composta por elementos
vazados de concreto, os mesmos colocados sobre as pérgulas, e fechados com vidros. Esta
solução também foi usada para vedação da parede da sala da Residência Paulo Hess.
Figura 90 Fachada da Residência Castor Delgado Perez. À esquerda a entrada principal, à direita o volume
dos dormitórios de empregados sobre a garagem. O fechamento do jardim frontal para a rua ocorre por meio do
muro de elementos vazados. Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
3. As residências de Rino Levi
124
Figura 91 Vista da sala de estar com os dois jardins laterais. Residência Castor Delgado Perez.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Os dados para a análise desta casa são:
1. Obra: Residência Castor Delgado Perez
2. Data: 1958/59
3. Estado de conservação: Em bom estado de conservação e preservação.
4. Local: Av. Nove de Julho, 5170, Jd. Europa, São Paulo, SP
5. Eixo de orientação NO - SE
NO: Dormitórios e salas.
NE: Cozinha e serviço.
SO: -
6. Orientação
SE: Salas e circulação dos dormitórios.
7. Ventilação Cruzada e regulável nos dormitórios e salas.
8. Paredes Alvenaria de tijolos.
9. Forro Laje de concreto armado e tijolos cerâmicos ocos.
10. Cobertura Telha ondulada de fibrocimento.
Dormitórios: Porta de correr com veneziana.
Salas: Porta de correr envidraçada.
11. Aberturas
Cozinha: Caixilho basculante na parte superior e fixo sobre a
bancada da pia.
3. As residências de Rino Levi
125
12. Proteção das
aberturas
Elementos vazados de concreto protegem o corredor dos
dormitórios. Pérgulas protegem as faces NO e SE das salas.
13. Zona bioclimática
(NBR 15220)
ZB n° 3
Recomendações: BCFI
Assim como as outras três residências construídas em São Paulo, esta também mereceu
publicação em vários periódicos da época, com destaque às soluções projetuais relacionadas
ao conforto térmico. Desta forma, a revista Acrópole, de abril de 1960, considerava os
seguintes aspectos relacionados à obra, começando com os jardins cobertos por pérgulas:
A referida pérgula funciona como elemento regulador da insolação. Os
dois pátios atuam como espaços intermediários entre o interior e o
exterior, mantendo o interior fresco nos dias quentes, e quentes nos dias
frios. (RESIDÊNCIA...,1960, p.123).
Figura 92 Vista de um dos jardins sob as pérgulas.
Residência Castor Delgado Perez.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Figura 93 Vista lateral da sala de estar e jardins.
Residência Castor Delgado Perez.
Fonte: Anelli; Guerra; Kon, 2001.
Esta consideração refere-se à eficiência da combinação entre os painéis de vidro, o
pergolado e a disposição destes ambientes. A estratégia corresponde ao recomendado pelas
diretrizes construtivas da norma NBR 15220 (2003), já que, no inverno as superfícies
envidraçadas, uma delas inclusive voltada para noroeste, permitem o aquecimento solar do
ambiente, uma vez que esta face é a mais privilegiada no inverno. Por outro lado, no verão,
a abertura total das portas possibilita a ventilação cruzada, e as pérgulas, mais a vegetação
dos jardins, amenizam a incidência direta dos raios solares (figuras 92 e 93).
Os dormitórios, que em São Paulo necessitam de sol abundante, foram
voltados para os fundos do terreno, isto é, para o lado de maior
insolação. (RESIDÊNCIA...,1960, p.124).
De acordo com as recomendações da época, os dormitórios foram orientados para
noroeste, aproveitando a insolação no inverno e protegendo-se dos ventos frios de
3. As residências de Rino Levi
126
nordeste. Além disso, os dormitórios contam também com a solução das grelhas para
ventilação dispostas no forro, como nas outras residências já estudas, permitindo quando
necessário a ventilação cruzada.
Os forros foram construídos de concreto armado e tijolos cerâmicos
ocos, de modo a se garantir bom isolamento térmico através do telhado.
(RESIDÊNCIA...,1960, p.124).
Esta solução para a cobertura é praticamente a mesma da Residência Milton Guper, com a
diferença da circulação de ar no telhado ocorrer por meio de telhas com ventilação, e não
por tijolos furados como na primeira.
A disposição dos ambientes também apresenta adequação às recomendações da época, já
que, às faces menos indicadas estão os setores de serviço e circulação. Esta casa, portanto, é
a que apresenta maior adequação tanto aos critérios de conforto térmico difundidos no
período em que foi projetada, como às diretrizes da norma brasileira atual sobre
desempenho térmico de edificações.
3.4. Conclusões
Nos projetos desenvolvidos para a cidade de São Paulo, nota-se que houve uma evolução
em relação à adaptação dos conceitos de desempenho térmico. As recomendações de Paulo
Sá sobre a orientação das fachadas, necessidade de proteção e também sobre a ventilação
dos ambientes começaram a ser incorporadas nos projetos principalmente após a
Residência Milton Guper.
O próprio arquiteto Rino Levi registrou a “evolução” do uso das pérgulas em seus projetos
residenciais. Na ilustração (figura 94), o número 1 (um) indica os elementos de proteção,
usados tanto para o controle da luz do sol, como para manter a segurança física das
habitações. Estes elementos possibilitam a disposição dos grandes painéis de vidro,
representados pelo número 2 (dois), usados para intensificar a integração da sala com o
jardim.
3. As residências de Rino Levi
127
Figura 94 Croqui ilustrativo do manuscrito “A evolução das pérgulas”, de autoria de Rino Levi.
O número 1indica os elementos de proteção solar; o número 2, os painéis de vidro.
Fonte: Acervo digital Rino Levi, CAV-PUCCAMP.
Verificou-se que além desta integração interior-exterior, esta solução também colaborou
para a adequação dos projetos às diretrizes construtivas da norma NBR 15220. A
necessidade de aquecimento solar das edificações por meio de superfícies envidraçadas
expostas ao sol se faz possível pela presença destes grandes painéis de vidro. Por outro
lado, não fosse a proteção das pérgulas, as fachadas não seriam sombreadas no verão.
Na Residência Castor Delgado Perez, a última da linha de evolução, a eficiência da
combinação entre os painéis de vidro, o pergolado e a disposição destes ambientes, torna
esta residência adequada às diretrizes para o condicionamento térmico passivo de verão e
inverno encontrados na norma atual.
Em relação aos projetos desenvolvidos para situações climáticas distintas, avaliou-se que as
soluções construtivas para cada local são diferentes entre si, e correspondem às diretrizes
de conforto térmico traçadas pelos estudiosos da época, assim como pela norma atual na
maior parte das recomendações.
A partir da análise destas obras de Rino Levi, sob parâmetros da época, bem como de
atuais, conclui-se que se por um lado o arquiteto, seguidor dos ideais modernos, abre a casa
para a natureza, por outro, busca soluções de adaptação do modelo racionalista ao clima
local.
Considerações finais
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse trabalho procurou-se analisar as soluções construtivas desenvolvidas por
Rino Levi para resolver o conforto térmico nos projetos residenciais elaborados partir dos
anos 1940. Observou-se que as casas projetadas para quatro situações climáticas distintas
apresentam soluções projetuais também diferentes entre si em relação à orientação e
proteção das fachadas, assim como para a ventilação dos ambientes, de acordo com as
exigências térmicas de cada localidade. Algumas obras apresentam maior adequação aos
parâmetros construtivos difundidos na época em que foram construídas, bem como aos
parâmetros atuais de otimização do desempenho térmico. Portanto, concluiu-se que Rino
Levi, ao adequar os ideais modernos ao clima, baseou-se em critérios científicos para
alcançar o conforto térmico destas residências.
Seus projetos residenciais apresentam simplicidade formal, de linhas retas e volumes puros
próprios da arquitetura racionalista, e buscam a integração total dos ambientes ao exterior,
à natureza dos exuberantes jardins tropicais. Entretanto, para atingir esta aparência de
simplicidade em suas obras, há um longo caminho no desenvolvimento dos detalhes
construtivos dos projetos. O detalhamento de todos os caixilhos, cobertura, acabamentos,
materiais construtivos, estrutura, além de todo mobiliário, formam um conjunto
harmonioso que resulta na singeleza da obra final.
A ventilação cruzada das residências é garantida pela disposição dos ambientes, e também
devido às grelhas dispostas no forro com abertura regulável por meio de caixilhos
basculantes. O uso dos elementos de proteção solar nas fachadas, sejam os elementos
vazados de concreto ou as pérgulas, intensificam a integração interior-exterior, pois
permitem a visibilidade ou a abertura total dos ambientes para os jardins, sem causar o
desconforto térmico ocasionado pelo excesso de insolação.
A adoção dos materiais e técnicas construtivas mais recentes para a época também
demonstra a atenção de Rino Levi às novidades do mundo moderno, tais como as telhas de
Considerações finais
129
fibrocimento, o forro de laje de tijolos ocos, os painéis de vidro ou os elementos pré-
moldados de concreto para proteção solar.
Avaliou-se no desenvolvimento da pesquisa, que a arquitetura do Brasil colonial passou por
um processo de adequação do modelo “importado” de Portugal, às características do novo
território, seja em relação à disponibilidade de material para construção, ao conhecimento
da mão-de-obra local ou ainda ao clima. As soluções para a adaptação climática eram
simples e estavam dentro dos limites tecnológicos da época, como os amplos beirais para
proteger da chuva, e portanto da umidade, as varandas que protegiam as paredes da
insolação demasiada e os muxarabis que garantiam a ventilação constante dos ambientes.
No século XIX, a arquitetura brasileira assistiu a uma disseminação de modelos
importados, que chegavam ao país junto aos imigrantes europeus e à possibilidade de
importar todo tipo de elemento construtivo, desde telhas, condutores, vidros, madeira para
acabamentos, até pisos cerâmicos ou tintas. A arquitetura eclética deste período, dos
palacetes isolados no lote, visava representar a sociedade enriquecida com os lucros do
café.
No início do século XX, os ideais modernos de universalidade e racionalismo refletiam o
desejo modernizador da nova sociedade industrial que também buscava uma nova
linguagem de representação para a sua época. Dessa forma, e a partir das possibilidades
técnicas surgidas com o processo de industrialização, a luz e a transparência assumiram um
caráter de rompimento com o passado, com a arquitetura eclética baseada em estilos
históricos. A conciliação dos conceitos modernos às condições locais, sejam elas culturais,
sociais, históricas, e principalmente, pela adaptação à situação climática do país, garantiram
a singularidade atingida pela arquitetura brasileira deste período, que buscava uma
expressão nacional e ao mesmo tempo consolidada pelas novas técnicas, novos materiais
construtivos e que evidenciasse o espírito da época.
A obra de Rino Levi enquadra-se neste panorama da história da arquitetura no Brasil.
Ainda quando estudava arquitetura em Roma, em 1925, já buscava a autenticidade da
arquitetura brasileira na adaptação desta ao clima, à natureza e aos costumes próprios do
país. A busca pela “alma brasileira” obteve sucesso nos projetos residenciais, onde o
arquiteto conseguiu a integração total dos ambientes aos jardins, compostos pela
“florescente vegetação” brasileira, somados a adaptação ao clima, por meio dos elementos
de proteção solar e dos dispositivos para ventilação.
Considerações finais
130
Estes projetos residenciais desenvolvidos por Rino Levi mostram que a partir de soluções
simples, mas que exigem grande atenção dos projetistas no detalhamento de suas obras, é
possível melhorar as condições de conforto térmico, que no Brasil estão relacionados
principalmente à necessidade de proteção solar das aberturas e garantia de ventilação dos
ambientes. Os arquitetos devem estar atentos às novidades tecnológicas, bem como ao
desenvolvimento científico de sua época, para estarem aptos a tomar decisões projetuais
não ligadas apenas a fatores estéticos.
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