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A CONFIGURAÇÃO DA REDE POLISSÊMICA DE
CONSTRUÇÕES AGENTIVAS DENOMINAIS X-ISTA: UMA
ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA
Crysna Bonjardim da Silva Carmo
JUIZ DE FORA
2005
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CRYSNA BONJARDIM DA SILVA CARMO
A CONFIGURAÇÃO DA REDE POLISSÊMICA DE CONSTRUÇÕES
AGENTIVAS DENOMINAIS X-ISTA: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Lingüística
da Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Juiz Fora, como requisito para
obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Lingüística.
Orientadora: Profª Drª Neusa Salim Miranda
Juiz de Fora
Setembro de 2005
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CARMO, Crysna Bonjardim da Silva
A configuração da rede polissëmica de construções
agentivas denominais x-ista: uma abordagem sociocognitiva / Crysna
Bonjardim da Silva Carmo. – Juiz de Fora: [s.n.], 2005.
Xxx f.:il.,30cm.
Dissertação (mestrado em Letras Lingüística ) Universidade Federal
CRYSNA BONJARDIM DA SILVA CARMO
A CONFIGURAÇÃO DA REDE POLISSÊMICA DE CONSTRUÇÕES
AGENTIVAS DENOMINAIS X-ISTA: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Lingüística da Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Juiz Fora, como
requisito para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Lingüística
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________
PROFª. DRª NEUSA SALIM MIRANDA - ORIENTADORA
UFJF
____________________________________________________
PROFª. DRª MARIA MARGARIDA SALOMÃO
UFJF
____________________________________________________
PROFª. DRª CRISTINA MAGRO
UFMG
Juiz de Fora
Setembro de 2005
Ao meu pai,
À minha mãe.
A quem eu devo esta conquista
E, fundamentalmente, parte do que sou.
À profª Neusa Salim Miranda.
A quem eu devo parte do que me tornei.
AGRADECIMENTOS
À Neusa Salim Miranda, minha orientadora, pela orientação rigorosa e
paciente, por todo afeto demonstrado nesse breve período de convivência, e
sobretudo, pelas lições de vida que só uma educadora, verdadeiramente humana,
pode oferecer;
Aos meus inestimáveis professores Mário Roberto Zágari, Sônia
Bittencourt, Nilza Barroso, Paulo Gago, Cristina Name, Margarida Salomão e
Neusa Salim Miranda, pelo encontro real com o campo da lingüística; e pela
descoberta do viés sociogognitivista, o qual converge com o olhar que tenho sobre a
linguagem, o mundo e o homem;
Aos meus queridos amigos do mestrado, especialmente, Roberta, Ana
Maria, Dina e Tiago, pelos momentos de estudo, angústias e alegrias
compartilhados;
Aos bolsistas de Iniciação Científica, Paula, João, Cláudio e Eduarda,
iniciadores e colaboradores do presente trabalho;
Aos meus irmãos, Greyce, Tânya, Bougleux e Bianchyne, por entenderem a minha
ausência;
À pequena Barbra, minha sobrinha, que veio ao mundo enquanto eu estava
“fora”;
À minha amiga Ivana, companheira de lutas, derrotas e conquistas;
Aos meus tios Claudionor e Rosilene pelo impulso primeiro, sem o qual
esse projeto não seria possível nesse momento;
Aos meus amados pais, Almir e Ivone, que sem mesmo entender a extensão
dos meus sonhos e loucuras, sempre me apoiaram e acreditaram em mim;
À CAPES pelo apoio financeiro.
Agradeço a todos pela confiança e o afeto, respectivamente, depositados no
meu trabalho e em mim.
(...)
“É tão bonito quando a gente entende
que a gente é tanta gente onde quer que agente vá.
É tão bonito quando a gente sente
que nunca está sozinho por mais que a gente pensa está”.
(...)
“Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas”.
Gonzaguinha
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO, p. 14
2 A HIPÓTESE SOCIOCOGNITIVA DA LINGUAGEM, p. 17
2.1 OS PRIMEIROS NÓS DA REDE: O CARÁTER SOCIOCULTURAL DA COGNIÇÃO HUMANA E DA
LINGUAGEM, p. 19
2.1 UMA PERSPECTIVA INTEGRADORA DE COGNIÇÃO: A TEORIA DOS ESPAÇOS MENTAIS, p. 21
2.2.1 Domínios conceptuais, p. 22
2.2.2 Projeções entre domínios: as redes de integração conceptual, p. 23
2.3 CONSTRUÇÕES: O NÍVEL DE COMPOSICIONALIDADE NA REDE, p. 29
2.3.1 Gramáticas das construções: abordagem de Goldberg, p.31
2.3.2 Gramática das construções e o processo cognitivo da mesclagem: abordagem de
Mandelblit, p.35
A AFIRMAÇÃO DO PODER PROJETIVO DA MENTE HUMANA, p. 38
A mente literária, p. 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 42
UM BREVE PANORAMA DOS ESTUDOS EM MORFOLOGIA, p. 43
3.1 ESTUDOS MORFOLÓGICOS: DA ANTIGÜIDADE A CONTEPORANEIDADE, p. 43
3.2 UM ENFOQUE GERATIVISTA: A HIPÓTESE LEXICALISTA, p. 49
3.2.1 Regras de formação de palavras e regras de análise estrutural, p. 51
3.2.2 Produtividade lexical, p. 53
3.3 O PRINCÍPIO DA ANALOGIA DA CONSTITUIÇÃO DO LÉXICO: A VISÃO DE BASÍLIO, p. 55
3.4 O LÉXICO COM ARQUITETURA PARALELA: A PROPOSTA DE JACKENDOFF, p.56
3.5 FORMAÇÕES AGENTIVAS EM X-ISTA: ESTUDOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL, p. 61
3.5.1 A Constribuição dos dicionários, p. 62
3.5.2 Formação dos Agentivos em x-ista: a tradição Gramatical, p. 63
3.5.3 A configuração dos agentivos em x-ista: a resposta lexicalista, p. 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 71
4 A CONFIGURAÇÃO DA REDE POLISSÊMICA DE CONSTRUÇÕES
AGENTIVAS DENOMINAIS X-ISTA: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA,
p. 72
4.1 UM PADRÃO ABSTRATO AGENTIVO GENÉRICO, p. 74
4.2 A CONSTRUÇÃO AGENTIVA MÓRFICA DENOMINAL, p. 77
4.1.1 A construção agentiva mórfica genérica e o processo cognitivo de mesclagem, p.
80
4.1 A CONSTRUÇÃO AGENTIVA: O PADRÃO DOS DENOMINAIS EM X-ISTA, p. 82
4.1.1 Descrição morfológica do denominal x-ista, p. 83
4.1.2 Descrição formal e semântico-pragmática de x-ista, p.84
4.2 OS CLUSTERS DO AGENTIVO DENOMINAL EM X-ISTA, p. 86
4.2.1 A rede polissêmica em x-ista: uma solução construcional, p. 88
4.2.2 Os elos entre as construções em x-ista, p. 93
4.3 OS LIMITES SEMÂNTICO-PRAGMÁTICOS DAS CONSTRUÇÕES EM X-ISTA: A QUESTÃO DA
PRODUTIVIDADE PARCIAL, p. 96
4.3.1 Agentivos denominais e o MCI de Trabalho, p. 97
OS LIMITES DE UM PADRÃO CONSTRUCIONAL, p.100
A CENTRALIDADE DOS PROCESSOS FIGURATIVOS NA CONFIGURAÇÃO DA REDE DAS CONSTRUÇÕES X-ISTA,
p. 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS, p.104
CONCLUSÃO, p.106
ANEXO, p.110
BIBLIOGRAFIA, p.113
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 1, p. 25
Diagrama 2, p. 26
Diagrama 3, p. 30
Diagrama 4, p. 32
Diagrama 5, p. 35
Diagrama 6, p. 38
Diagrama 7, p. 57
Diagrama 8, p. 76
Diagrama 9, p. 78
Diagrama 10, p. 80
Diagrama 11, p. 85
Diagrama 12, p. 89
Diagrama 13, p. 92
Diagrama 14, p. 94
RESUMO
Palavras-chave: Lingüística Cognitiva, Morfologia, Léxico e Construção.
Uma das questões que norteiam a agenda dos estudos da Lingüística
Cognitiva é a afirmação da continuidade essencial entre a gramática e léxico. O
presente trabalho visa corroborar as hipóteses cognitivistas na defesa de um mesmo
tratamento analítico para ambos.
Como perspectiva teórica elegemos o enquadre da Hipótese Sociocognitivista
da Linguagem, nos termos delineados por SALOMÃO (1999; 2003;2004) e
MIRANDA (2000; 2003). Tal hipótese enfeixa os pressupostos teóricos da Lingüística
Cognitiva nos termos da Teoria da Metáfora Conceptual ( LAKOFF & JOHNSON,
1980; LAKOFF, 1987;), da Hipótese da Mente Literária ( TURNER, 1996), da Teoria
dos Espaços Mentais ( FAUCONNIER, 1994; 1997; FAUCONNIER & TURNER,
2002), da Gramática das Construções nos termos de GOLDBERG (1995) e
MANDELBLIT (1997) e, ainda, da Hipótese da Arquitetura Paralela
(JACKENDOFF, 2002). Os estudos em Antropologia Evolucionista de Tomasello
(2002) fornecem subsídios complementares à Hipótese Sociocognitiva.
Ancorados por esse viés teórico, elegemos como campo investigativo a
Morfologia semi-produtiva e, como objeto de estudo, as formações denominais em x-
ista no Português do Brasil. Buscamos descrever e explicar a configuração da rede de
construções em foco, em suas condições de licenciamento, armazenamento e
recorrência. Integrando a abordagem construcional com a perspectiva da Hipótese da
Arquitetura Paralela postulamos a existência de um padrão abstrato agentivo
genérico defectivo que, armazenado no léxico, recobre tanto expressões agentivas
sintáticas quanto morfológicas, instancia a construção agentiva mórfica genérica
denominal, responsável pela instauração da rede polissêmica x-ista em seus três elos
metafóricos: Construção de Movimento, Construção de Resultado e Construção de
Adesão.
O enquadre teórico analítico assumido empresta ao contexto interacional o
status de “componente chave” para explicar os processos de produção e compreensão
dos significados, haja vista a crença na insuficiência do significante lingüístico e no
caráter partilhado nos processos de significação. Guiados por essas premissas,
rechaçamos a perspectiva analítica composicional, em sua versão forte, bem como o
cenário desencarnado defendidos pelas abordagens formalistas para explicar o
fenômeno lingüístico.
ABSTRACT
Keywords: Cognitive Linguistics, Morphology, Lexicon and Construction
One of the issues guiding the Cognitive Linguistics’ study agenda is the
affirmation of the essential sintax-lexicon continuity. The presente study aims to
corroborate the cognitivist hypotheses in the defense of an equal analytical treatment for
both.
As theoretical perspective we have elected the framework of the Sociocognitive
Hyphothesis of the Language as outlined by SALOMÃO (1999; 2003; 2004) and
MIRANDA (2000; 2003). This hypothesis comprises the theoretical assumptions of
cognitive linguistics as set forth in tre Conceptual Metaphor Theory (LAKOFF &
JOHNSON, 1980; LAKOFF, 1987), the Literaty Mind Hypothesis (TURNER, 1996), the
Theory of Mental Spaces (FAUCONNIER, 1994; 1997; FAUCONNIER & TURNER,
2002), GOLDBERG’s Construction Grammar (1995) and MANDELBLIT (1997) and, the
Parallel Arquitecture Hypothesis (JACKENDOFF, 2002). Tomasello’s Evolutionist
Anthropology studies (2002) offer complementary subsidies to the Sociocognitive
Hypothesis.
Anchored by this theorethical perspective, we elect the semi-productive
morphology as our field of investigation and the x-ista noun-based formations in Brazilian
Portuguese as our object of study. We seek to describe and explain the configuration of the
constructional network in focus, in its licensing, storing and recurrence conditions.
Integrating the constructional approach with the perspective of the Parallel Architecture
Hypothesis we postulate the existence of a defective generic agentive abstract pattern
that, stored in the lexicon, covers both syntactical and morphological agentive expressions,
instances the generic noun-based morphological agentive construction, responsible for
the establishment of the polysemic x-ista network in its three metaphorical extensions: the
Movement Construction, the Result Construction and Adherence Construction.
The analytical theoretical perspective assumed lends the interactional context the
status of key componente in the explantion of meaning production and comprehension, due
to the belief on the scarcity of the linguistic signifier and the shared quality of the meaning
processes. Leaded by these premises we refuse the compnential analytical perspective in its
strong version as well as the disembodied scenario defended by the formalist approaches to
explain the linguistic phenomenom.
1. INTRODUÇÃO
Isso nós sabemos.
Todas as coisas são conectadas como o sangue que une uma família...
O que acontecer com a terra, acontecerá com os filhos da terra.
O Homem não teceu a teia da vida, ele é dela um fio.
O que ele fizer para a teia estará fazendo a si mesmo.
Ted Perry
A Hipótese Sociocognitiva da Linguagem que serve de núcleo teórico à presente
pesquisa tem como fundamentos a crença na insuficiência do significante, na natureza
sociocultural da cognição e de todos os seus modos, inclusive a linguagem. Tais premissas
sustentam-se em um paradigma de ciência cognitiva que investiga os sistemas complexos
dentro dos contextos em que esses se integram, sejam eles culturais ou biológicos,
acreditando que nestes “cenários” é possível alcançar a magnitude das propriedades que
lhes são inerentes.
Nesta esteira, nossa agenda analítica se distancia, amplamente, dos trabalhos de
tradição gerativista, dado o poder que esses estudos conferem ao significante lingüístico
nos seus modelos de processamento, desencarnados das cenas comunicativas; do olhar
estanque que marca as suas teses acerca do organismo humano; do modelo mecanicista que
impõem à ciência. Assim, ao assumir essa visão cartesiana de análise, que implica a
dissecação dos sistemas complexos em partes, intuindo obter suas propriedades, a teoria
gerativista termina por conceber a questão da integração conceptual em termos da
“Hipótese forte da Composicionalidade”, nos moldes fregeanos
1
, postulando a existência de
regras algorítmicas nos processos de significação lingüística.
Na perspectiva sociocognitiva presentemente assumida, tal posicionamento é
insustentável. Se, de fato, queremos nos aproximar, de modo mais consistente, da
compreensão dos processos de significação humana, temos que abarcar tais fenômenos
dentro de um contexto definido, no interior de uma rede de relações, onde e somente onde
1
A Hipótese forte da Composicionalidade, em termos fregeanos, significa assumir que o todo é resultado da
simples soma de suas partes.
certas propriedades particulares emergem (CAPRA, 1996, p. 46). Por isso, propomos, em
contraponto ao legado formalista, identificar os mapeamentos cognitivos e interacionais
disparados na configuração das estruturas lingüísticas, que o significante, constituído
culturalmente, alcança sentidos potenciais dentro das cenas de interação, nas quais os
usuários partilham atenção e coordenam ações conjuntas.
Nessa dissertação, guiados por esse viés teórico analítico, tomamos como campo
investigativo a Morfologia semi-produtiva e como objeto de estudo as formações agentivas
denominais em x-ista.
Nossa agenda consiste na tarefa de desvelar as redes de relações no sistema formal
e conceptual, em que emergem a gama de significados e de usos das formas agentivas em
foco. Em outros termos, o que buscamos explicar são as condições de licenciamento,
armazenamento e recorrência dessas construções no Português do Brasil.
Para procedermos à análise dessas construções, recorremos ao arcabouço teórico
recortado pela Lingüística Cognitiva, especialmente dos trabalhos de Gilles Fauconnier
(1994; 1997), Fauconnier & Turner (2002), Mark Turner (1996), Adele Goldberg (1995),
Nili Mandelblit (1997), George Lakoff (1987), Lakoff & Jonhsom (1980) e Ray Jackendoff
(2002), tal como têm sido discutidos e disseminados pelo Grupo de pesquisa “Gramática e
Cognição” em seu viés teórico analítico nomeado Hipótese Sociocognitiva (SALOMÃO,
1999; 2003; 2004). No caso da presente investigação, cabe assinalar a sua filiação ao
projeto liderado pela professora Neusa Salim Miranda, intitulado “A Gramática das
Construções na constituição do Léxico”
2
.
Os pressupostos sociocognitivos aqui enumerados serão apresentados, de modo
mais amiúde, no capítulo 2, onde serão acrescidas referências aos trabalhos de Michael
Tomasello, cujas pesquisas fortalecem o recorte teórico de linguagem que abraçamos.
Em favor do que Tomasello (2003, p. 06) definiu como “efeito catraca” na
constituição da história do conhecimento humano (aperfeiçoamento de um artefato, dentro
de uma comunidade humana, ao longo de um tempo histórico), delineamos no capítulo 3,
recuperando o “giro da catraca” dentro da tradição dos estudos morfológicos, desde a
preocupação dos filósofos gregos com a palavra, até a contribuição deixada pelo
2
Dentro desse projeto foi realizado um estudo sobre o agentivo denominal x-eiro, dissertação defendida por
Botelho (2004), intitulada “As construções agentivas em x-eiro: uma abordagem sociocognitiva e uma
pesquisa acerca do agentivo deverbal x-nte por Ana Maria Tavares dos Santos (2005), dissertação intitulada
“Uma abordagem sociocognitiva da rede de construçóõs agentivas deverbais em x-nte”.
gerativismo, através da Hipótese Lexicalista, que reconhece a existência de padrões
regulares dentro do componente lexical, até então visto como o espaço das idiossincrasias.
Somando novos avanços teóricos, explicitamos uma perspectiva de léxico flexível e
abrangente, delineada por Jackendoff (2002) em sua hipótese construcional da Arquitetura
Paralela para o específico lingüístico. As soluções e contribuições que essas abordagens
oferecem para descrever as formações em x-ista e para explicar sua gama de sentidos e de
usos constituem a segunda parte do capítulo 3.
Finalmente, no capitulo 4, focalizamos os agentivos denominais mórficos x-ista,
explicitando sua constituição formal-semântico-pragmática, descrevendo o processo de
integração conceptual que forja sua construção, denominada de construção agentiva
mórfica genérica denominal e apresentando a rede de construções polissêmicas,
definidora das relações conceptuais entre tais agentivos e apresentaremos os limites da
produtividade dessas construções delineada a partir do cluster do MCI de TRABALHO.
Para encerrar esse capítulo, afirmamos a centralidade das projeções figurativas na
constituição da rede dos agentivos denominais x-ista, tendo em vista as inúmeras
ocorrências de metáforas e metonímias incrustadas nos processos cognitivos de integração
conceptual que dão origem às diversas construções que compõem essa rede.
Assim pretendemos, com o resultado deste trabalho, corroborar uma nova
concepção integradora de linguagem e com um modelo de ciência cuja epistemologia,
considere os fenômenos da linguagem para além da circunscrição das formas, fortalecendo
a metáfora das “relações orgânicas e movediças de uma rede vital” (interacional), em lugar
da renitente metáfora dos “fundamentos arquitetônicos de um edifício” (CAPRA, 1996,
p.47) da ciência tradicional. Nesses termos, uma convicção orienta o nosso trajeto no
presente trabalho: é na nossa atuação dentro dessa intrincada e mágica rede que é a “teia da
vida” que se tecem os sentidos, costurados, em última instância, na contraface do outro.
2 A HIPÓTESE SOCIOCOGNITIVA DA LINGUAGEM
“A alma respira através do corpo, e o sofrimento,
quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne”.
“O cérebro é o público cativo das atividades teatrais do corpo“.
Antônio Damásio
O presente estudo tem como premissa fundamental a crença nas bases socioculturais
da cognição humana. Isto significa assumir que a biologia, a cultura, os modos de interação
social, forjados no tempo e compartilhados entre os homens, ao longo da História, foram e
são fundamentais para a constituição dos seres que somos, das realidades que engendramos
e, especialmente, da linguagem que desenvolvemos.
É certo que esta orientação vai de encontro a uma visão cartesiana do pensamento e
da linguagem, ainda hegemônica neste século, cuja epistemologia recai sobre uma
perspectiva de realidade amparada em fortes cisões, tais como mente/corpo, razão/emoção,
natureza/cultura, e sobre uma concepção da linguagem humana concebida como um
simples espelho do pensamento. Tudo isso sustentado no que Damásio (2001) sentenciou
como “uma paixão pela razão”.
Dissolvidas as relações dicotômicas entre internalidade e externalidade na
constituição do pensamento e da linguagem, o organismo humano institui-se, nesse viés
epistemológico, como referência de base para as interpretações que fazemos do mundo que
nos rodeia e para a construção do permanente sentido de subjetividade que é visto, então,
como parte essencial de nossas experiências. Nos termos de Damásio (2001, p.17), em tudo
usamos o corpo como instrumento de aferição, desde os mais refinados pensamentos até as
nossas melhores ações, passando por nossas maiores alegrias até as mais profundas mágoas.
Na busca de endosso para esse olhar epistemológico, elegemos a Lingüística
Cognitiva como o viés teórico central do presente trabalho, tendo em vista a convergência
de suas teses centrais com essa perspectiva integradora de cognição humana posta pelas
ciências cognitivas.
Rompendo com o mentalismo e o racionalismo, definidores do cognitivismo
chomskiano, o paradigma teórico que vem sendo nomeado como Lingüística Cognitiva
compreende a linguagem como um modo integrado da cognição (tal como a percepção, a
memória, o pensamento e a imaginação), considera a experiência física e sociocultural
como mediadores fulcrais na constitutividade do conjunto da cognição humana e afirma a
centralidade dos processos de integração conceptual na configuração do pensamento e
da linguagem, definindo os conceitos de identidade, integração e imaginação como
instrumentos incrustados e permanentes neste processo.
Dentro do vasto território de tendências postas sob o rótulo de Lingüística
Cognitiva, elegemos como enquadre teórico do presente estudo a Hipótese
Sociocognitivista da Linguagem, nos termos postos por Salomão (1999, 2003, 2004) e
Miranda (2000, 2001, 2003). Tal hipótese enfeixa os pressupostos teóricos da Lingüística
Cognitiva nos termos da Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF & JOHNSON, 1980,
LAKOFF, 1987), da Hipótese da Mente Literária (TURNER, 1996), da Teoria dos
Espaços Mentais ( FAUCONNIER, 1994, 1997, FAUCONNIER & TURNER, 2002) e
ainda da Gramática das Construções nos termos de Goldberg (1995) e Mandelblit
(1997). Os estudos em Antropologia Evolucionista de Tomasello (2002) fornecem à
Hipótese Sociocognitiva da Linguagem um conjunto de evidências externas capazes de
fortalecer suas premissas acerca da natureza sociocultural e interacional dos fenômenos da
linguagem. Uma mostra dessas evidências é o que anunciamos como tarefa expositiva da
próxima subseção.
A apresentação dos principais constructos teóricos da Hipótese Sociocognitiva da
Linguagem, arrolados nessa seção, que subsidiarão nossas análises, constituirão matéria das
demais seções do presente capítulo.
2.1 Os primeiros nós da rede: o caráter sociocultural da cognição humana e da
linguagem
A intenção desta seção, conforme anunciamos, consiste justamente em apresentar
uma evidência externa, capaz de corroborar a perspectiva sociocognitiva defendida no
presente trabalho, qual seja, a visão integradora de linguagem, como um modo da cognição
humana e como uma forma de ação conjunta, partilhada.
Para tanto, tomamos em primeiro lugar, uma evidência da ontogênese humana,
trazida da perspectiva evolucionista do antropólogo Michael Tomasello (2003). O autor
começa por afirmar o caráter social da cognição como a chave para o desenvolvimento da
linguagem humana e por definir a linguagem como uma forma, um modo de cognição
condicionada para fins de comunicação interpessoal.
De acordo com Tomasello, o desenvolvimento da linguagem no homo sapiens só foi
possível graças aos aspectos biológicos e socioculturais imbricados no desenvolvimento da
sua ontogenia. Para a afirmação da integração desses aspectos, tomados como exclusivos da
espécie, o autor apresenta uma hipótese sobre como a linguagem transformou-se em
atividade cognitiva.
Como atividade cognitiva, a linguagem aparece por volta dos nove meses de idade,
período que marca a emergência da ontogenia humana. Esta afirmação premente sustenta-
se na capacidade que os seres humanos possuem de relacionar comunicação e
representação cognitiva. Dita de outro modo, tal afirmativa implica pontuar que tanto
crianças quanto primatas (i) percebem atividades externas, (ii) percebem sons vocais
discretos e (iii) associam sons com experiências visuais. No entanto, crianças humanas
conseguem relacionar-se de maneira triádica, dividindo e focalizando objetos e eventos
externos com/como seus co-específicos adultos. Nas palavras do autor, tais diferenças são
assim demarcadas:
Embora todas as outras espécies primatas representem o mundo, recordem onde
coisas estão localizadas, antecipem eventos, impeçam eventos, usem desvios
espaciais e criem atalhos (mapeamento cognitivo), categorizem novos objetos
com base em similaridades perceptuais e resolvam problemas a partir de insights
mentais de julgamento-e-erro, as crianças humanas possuem a habilidade
cognitiva de representar o mundo no sentido de que experiências sensório-
motoras podem ser preservadas e, em alguns casos, ativadas representativamente
e consultadas como um guia para comportamentos semelhantes como navegação,
pesquisa e resolução de problemas. (TOMASELLO & CALL, 1997)
Todavia, as habilidades de comunicação e representação cognitiva foram
possíveis de serem desencadeadas, dado o fato de duas variantes fundamentais entrarem em
jogo: (i)a descoberta feita pelas crianças de que os adultos, como elas, são seres co-
específicos e agentes intencionais; e (ii)a singularidade da cognição humana em seu
aspecto sociocognitivo.
Para fortalecer este pensamento, Tomasello junto a Carpenter e Nagell, 1998
apresenta resultados de experimentos capazes de comprovar essas hipóteses. Tais
experimentos, realizados com crianças de nove a quinze meses de idade, período que
marca a emergência da linguagem, levaram em consideração nove comportamentos de
atenção conjunta
3
.
Com base nos resultados obtidos em tais experimentos, Tomasello (2003, p.77)
afirma que a compreensão humana dos outros como seres intencionais, apesar de surgir por
volta dos nove meses de idade, manifesta-se apenas gradualmente à medida que as crianças
passam a utilizar ativamente as ferramentas culturais que essa compreensão lhes permite
dominar, sobretudo a linguagem. Nesta esteira, o autor ainda ressalta o fato de que as
línguas do mundo, de certa maneira, são uma coleção de signos e construções que as
comunidades criam num tempo histórico para compartilhar e dirigir atenção entre si, e a
criança aprende a linguagem antes de ser integrada, definitivamente, nas cenas de interação
social.
A aquisição da linguagem, dessa forma, seria a arena privilegiada em que podemos
enxergar o inter-jogo entre as linhas individual e cultural do desenvolvimento cognitivo, na
medida que crianças criam individualmente construções lingüísticas abstratas, mas o fazem
usando os artefatos simbólicos (construções) culturalmente convencionadas que existem
em seus grupos sociais (TOMASELLO, 2003, p. 209).
Fenômenos como o da referência (escolha individual sobre um objeto/evento no
mundo) levam em conta granularidade, especificidade, perspectiva e função e o que entra
3
Para mais detalhes, ver Tomasello (2002, p. 77-129).
em questão não é o respeito em relação ao objeto predicado, mas o interesse e a atenção do
ouvinte, que divide consigo o mesmo grupo de escolhas e constructos lingüísticos, por
sinal, envolto em diversas miríades. Sendo assim, símbolos lingüísticos humanos, nas
palavras do autor, “são antes de tudo inter-subjetivos”. Como ele próprio ressalta:
A principal função da linguagem é manipular a atenção das outras pessoas ou
seja, induzi-las a adotar certa perspectiva sobre um fenômeno [...] os símbolos e
as construções lingüísticos nada mais são senão artefatos simbólicos [...] ao
aprender a usar esses artefatos, e assim internalizar as perspectivas que a eles
subjazem, a criança acaba conceituando o mundo da maneira que os criadores
(antepassados) dos artefatos fizeram. (TOMASELLO, 2003, p. 210)
O que Tomasello afirma, enfim, e de forma veemente é a importância da linguagem
para configurar o que somos: seres eminentemente culturais, capazes de produzir e legar
cultura, tendo em vista, a forte interação que mantemos com o meio ambiente, na medida
em que o transformamos, e com o outro, ao reconhecê-lo como contraparte fundamental
nesta missão de continuação e conservação da própria espécie no espaço e na História.
2.2 Uma Perspectiva Integradora de Cognição: a Teoria dos Espaços Mentais
Dentro do enquadre teórico da Lingüística Cognitiva, eleita como escopo do
presente trabalho, a Teoria dos Espaços Mentais (FAUCONNIER, 1994, FAUCONNIER,
1997, FAUCONNIER & TURNER, 2002) constitui-se como uma das contribuições mais
relevantes. Trata-se de uma perspectiva analítica que integra sistemas cognitivos e
linguagem, tendo como premissas fundamentais a subdeterminação do significante
lingüístico, entendido apenas como pista de sentido, e a afirmação da capacidade projetiva
da mente humana. Na presente seção, procedemos à apresentação de seus principais
constructos, os conceitos de domínios, projeções e integrações entre domínios.
2.2.1 Domínios conceptuais
O processo de construção do significado nas línguas humanas, de acordo com a
Teoria dos Espaços Mentais, mobiliza conhecimentos estruturados em domínios
conceptuais que se projetam uns nos outros.
Segundo Salomão (1999) e Miranda (1999), essas construções incluem domínios
que podem ser de duas naturezas: domínios estáveis e domínios locais.
1) Domínios estáveis: correspondem a estruturas de memória pessoal ou
social (esquemas e frames). Embora estáveis, não são estáticos, pois são
conhecimentos prévios que estruturam internamente os domínios locais
(espaços mentais) e que podem ser alterados ou elaborados nas
construções em processo. Nos termos de Salomão (1999) e Miranda
(1999), são identificados pela seguinte tipologia:
(i) Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs): estruturam nosso
pensamento, através de conhecimentos socialmente produzidos e
culturalmente disponíveis. Esses conhecimentos possuem papel
crucial na cognição humana, qual seja, possibilitar o domínio, a
lembrança e o uso de um vasto conjunto de conhecimentos
adquiridos na vida diária;
(ii) Molduras Comunicativas (frames de interação): são conhecimentos
operativos configurados no evento. Incluem identidades, papéis
sociais, agenda de encontro, alinhamento permitindo a identificação
do que está sendo posto em movimento, ou seja, o resultado da
conjugação entre um conhecimento socialmente estabelecido e as
representações singulares mobilizadas em cada situalção social em
que o sujeito está inserido;
(iii) Esquemas Genéricos: domínios mais abstratos e abertos,
representam os espaços de homologia entre os diversos domínios que
entram no processo de integração conceptual.
De acordo com Salomão (1999, p. 32), os domínios estáveis são marcados “pela sua
permanência como ordens cognitivas identificáveis e evocáveis; pela organização interna
das informações que os constituem; pela flexibilidade de sua instanciação, conforme as
necessidades manifestadas”.
2) Domínios Locais: são operadores dinâmicos do processamento
cognitivo. São espaços, por excelência, de construção de referência. São
domínios lacunares, que proliferam enquanto pensamos e falamos com o
propósito de compreensão e ação, por isso são diferentes e novos a cada
semiose. Internamente são estruturados por domínios estáveis.
(MIRANDA, 2002, p.86).
2.2.2 Projeções entre domínios: as redes de integração conceptual
De acordo com Miranda (1999) as projeções, tradicionalmente vistas como
periféricas, são alçadas pelo Modelo dos Espaços Mentais a um papel central no
funcionamento da cognição humana, tendo em vista a sua função de ligar domínios e
configurar redes de integração conceptual.
Em The Way we Think, Fauconnier & Turner (2002), ao definirem o que
denominam como os três I’s da cognição Identidade, Integração e Imaginação, colocam
em relevo o papel das projeções na configuração das diversas redes de integração
conceptual. Nesta obra, inteiramente dedicada a essas redes, definidas como processo
cognitivo de MESCLAGEM (blending), os autores celebram a sua descoberta pela ciência
cognitiva e, acima de tudo, convidam a um olhar mais acurado e rigoroso sobre tais redes,
na busca dos diferentes tipos e dos princípios que as governam.
Enfrentando tal desafio, os autores propõem alguns princípios que regulam os
processos de mesclagem, dentre os quais podemos apontar como fundamentais
(FAUCONNIER & TURNER, 2002, p.310):
1) Princípios constitutivos: caracterizam-se por serem definidores da estrutura
mínima constitutiva de uma rede de integração em mescla. Fazem parte deste
grupo: (i) espaços inputs (domínios de conhecimento, valores, funções,
enquadres, frames); (ii) espaço genérico (a homologia presente nos espaços
inputs, alçada pelo mapeamento destes); (iii) espaço mescla (resultado do
mapeamento (ii), contém elementos de (i)); e (iv), estrutura emergente
4
(marcada pela singularidade, constitui-se pelas não-correspondências dos
espaços inputs).
Para facilitar a compreensão do funcionamento do mapeamento dos espaços
mentais, Fauconnier & Turner (1994, 1997, 2002) apresentam um nível de representação
descritiva a partir do uso de diagramas em círculos que correspondem aos espaços
mentais/domínios de conhecimento, e linhas que caracterizam as projeções conectadas no
processo de ativação/ligação de uma determinada rede. Uma rede mínima pode ser
formalizada da seguinte maneira:
4
A estrutura emergente pode ser gerada mediante três movimentos: (1) Composição: consiste na combinação
de material conceptual dos inputs evocados; (2) Completamento: envolve o recrutamento de conhecimento e
estruturas conceptuais na memória de longo prazo e a sua ativação no processo de integração; e (3)
Elaboração: é o produto imaginativo da integração, passível de ser recorrente em outras situações (SILVA,
2003, p.59).
Espaço genérico
1) Princípios reguladores: caracterizam as estratégias de otimização da estrutura
emergente. Freqüentemente, competem uns com os outros.
No caso da língua, as regras gramaticais e o vocabulário são princípios
constitutivos, limitam o que pode ser realizado ou acontecer numa determinada língua, no
entanto, os falantes desenvolvem um vasto grupo de princípios reguladores adicionais que
ajustam quando e o que pode ser dito pelos usuários e sob quais circunstâncias. Mesmo
assim, os autores ancorados no princípio da insuficiência do significante e no caráter
dinâmico da significação, ressalvam que, mesmo com todos esses princípios, não se pode
predizer o que se ouvirá numa dada cena comunicativa (FAUCONNIER & TURNER,
2002, p. 311).
Embora esses princípios governem as redes de integração conceptual, conforme
assinalado, as mesclas (blendings) não são produtos de extrema harmonia; pelo contrário,
são resultantes de diversos clashes (choques). São esses que determinam, de certa maneira,
as características de uma dada rede de integração conceptual.
Na busca de um maior rigor para o entendimento do processo de integração
conceptual ou mesclagem, Fauconnier & Turner (2002) identificam pelo menos quatro
Input 1 Input 2
Domínio mescla
Estrutura Emergente
Diagrama 1: Formalização de uma rede mínima
tipos básicos de rede, a saber: Rede Simplíssima, Rede em Espelho, Rede em Escopo Único
e Rede em Escopo Duplo
5
.
Para melhor ilustrar o funcionamento e organicidade de uma rede de integração
conceptual, apresentamos uma rede em Escopo Único, tipo que recobre as projeções
metafóricas. Nessa mescla mostramos o processo de compressão de uma expressão muito
usada entre os jovens, de ambos os sexos, para se referirem a alguém em quem estão
interessados: “filé”. Assim temos:
No input 1 (domínio-origem), temos o MCI de ALIMENTO/CARNE em que filé é
o tipo de carne em foco. Dentro desse MCI, estão salientados os principais traços desse
5
Para maiores detalhes, ver Fauconnier & Turner (2002, p. 113-137).
SEXO É ALIMENTO
MCI
HOMEM/MULHER
parceiro
sexo
desejo
belo
atraente
sedutor
cobiçado
MCI
ALIMENTO/CARNE
filé/carne
comida
fome
rara
vermelho
suculento
cobiçado
parceiro / filé
sexo / comida
desejo / fome
cobiçado / cobiçado
...
PARCEIRO ATRAENTE É FILÉ
Espaço genérico
Input 2
Input 1
Espaço mescla
Estrutura emergente
Diagrama 2: Mescla da expressão ‘filé’
domínio: carne nobre, suculenta, vermelha, cobiçada, entre outras. no input 2 (domínio-
alvo), temos o MCI de HOMEM/MULHER, no qual temos iluminadas as características
primordiais que especificam um possível parceiro amoroso ideal: atraente, sedutor,
cobiçado, etc. No espaço genérico, encontramos uma metáfora estrutural, SEXO É
ALIMENTO. Esta metáfora se configura como o domínio de homologia entre os dois
inputs, trazendo em sua configuração conceitos fundamentais e inconscientes para a
conservação e continuação da espécie: procriação (sexo) e comida (alimento). Na estrutura
emergente, temos importado conceitos de ambos os inputs. Tais conceitos estão em
contrapartes nos domínios 1 e 2: sexo/comida, desejo/fome, parceiro/filé.
Da projeção parcial entre os domínios 1 e 2, surge o espaço mescla, em que temos
um produto original, resultante do conflito entre os MCI´s. Esse novo conceito foi gerado,
mediante reenquadramento do input 2 (HOMEM/MULHER) pelo input 1
(ALIMENTO/CARNE), do qual temos a compreensão imaginativa de que “parceiro
atraente é filé”.
Expressões desse tipo, a cada época, surgem no comportamento lingüístico dos
jovens para referenciar o parceiro desejado. Entretanto, essas expressões também
acompanham a dinâmica das mudanças de comportamentos sociointeracionais. Por
exemplo: no início do século XX, expressões do tipo docinho eram comuns na fala dos
homens para se referir a uma mulher; posteriormente, com a revolução feminista na década
de 70, temos introduzida a expressãopão utilizada, sobretudo, pelas mulheres para aludir
ao homem em quem estavam interessadas. Vale ressaltar o sentido das projeções
metonímicas envolvidas nessas expressões. No caso dedocinho’, os conceitos de ‘frutas’ e
‘doces’, são ícones do universo feminino, mais doméstico; em pão’, símbolo do alimento
cristão, tem-se uma dimensão ainda do sagrado. na expressão filé’, além de ser usada
igualmente por homens e mulheres, guarda um sentido carnal, profano, e mais urgente no
que tange à concretização da conquista.
Comprimir para compreender, esse é o objetivo da mescla. Segundo Fauconnier
& Turner (2002), o ato de mesclar nos torna mais criativos e eficientes, tendo em vista que
é através do seu processamento que comprimimos o que é difuso, obtemos insight global,
vamos do múltiplo ao uno, fazemos emergir histórias, compreendemos em escala humana
6
6
A “escala humana” remete a percepção direta em frames familiares que são facilmente apreendidos por nós.
Tal escala implica alguns participantes, intencionalidade direta e efeitos corporalmente imediatos que são
e fortalecemos as relações vitais. É sobre este último conceito que nos deteremos antes de
encerramos essa subseção.
Para configurar as redes de integração conceptual não bastam apenas domínios e
projeções. Elementos perceptivos básicos da cognição humana, fortemente reiterados e
muitas vezes inconscientes, entram na configuração das mesclas, comprimidos nos espaços
mentais. Os autores chamam esses elementos de relações vitais e relacionam os seguintes
tipos: relações de identidade, percepção de causa e efeito, mudança, tempo, espaço, parte-
todo, representação, papel, analogia, desanalogia, propriedade, similaridade, categoria,
intencionalidade, unicidade.
Para demonstrar o funcionamento de tais relações nos processos cognitivos de
mesclagem, tomemos como exemplo a mescla apresentada. Nela temos comprimidas as
seguintes relações vitais:
Para Fauconnier e Turner (2002) a integração conceptual é o coração da
imaginação e como tal é indispensável para a configuração do significado e de sua
compreensão. Dada a natureza restrita do sistema lingüístico, segundo os autores, as
formas lingüísticas pouco comunicariam se tivessem que representar significados
completos e invariantes. A solução evolucionária encontrada para esse problema implica a
criação de sistemas de construção de significados que vão além da forma. Nas palavras
dos autores: “o fato é que expressões lingüísticas mais ativam o significado do que
propriamente o representam e os sistemas lingüísticos não são análogos aos sistemas
conceptuais (...), o que eles fazem é ativar a construção do significado, mas não
representá-lo” (FAUCONNIER & TURNER, 2002, p. 277).
apreendidos como coerentes (Fauconnier & Turner, 2002, p. 312).
Identidade: parceiro (HOMEM/MULHER) e filé (ALIMENTO/CARNE)
Analogia: ambos são elementos fundamentais para a conservação da espécie
Desanalogia: domínios distintos: MCI HOMEM/MULHER e MCI ALIMENTO/CARNE
Intecionalidade: expressão do desejo do sujeito interessado por outrem
Unicidade: entendimento global, resultante da integração de todas as relações vitais
envolvidas.
2.3 Construções: o Nível de Composicionalidade no Modelo de Rede
Firmado o princípio sociocognitivo de que a linguagem não representa o significado
diretamente, de que a expressão lingüística e outras semioses são apenas detonadoras dos
complexos processos de significação, podemos, nos termos de Fauconnier & Turner (2002,
p. 142-143), pensar na linguagem como um sistema de acionamento de integração.
Uma evidência lingüística nessa direção, apontada pelos autores, é a seguinte: se um
conjunto de significados que nos parecem diferentes (enquadres simples, analógico,
metafórico) são, de fato, instâncias de integração conceptual, então deve haver uma única
forma sintática para a configuração desse conjunto de significados (FAUCONNIER &
TURNER, 2002, p.144). A existência desta configuração, que os autores postulam como
construção, estaria estruturada em fórmulas que subjazem e recobrem a taxinomia de todas
as redes de integração conceptual.
Nesses termos, os autores definem a gramática como uma rede de construções. Um
exemplo de construção apresentado pelos autores é a fórmula X é Y de Z, em que X, Y e Z
são nomes ou frases nominais. Esta construção estaria instanciada tanto em sentenças
complexas quanto sentenças simples do tipo: “João é pai de José”. Tal construção é
estruturada da seguinte maneira (FAUCONNIER & TURNER, 2002, p. 144):
(i) a cópula indica que X e Y são contrapartes;
(ii) Y identifica o elemento que relaciona ambos, o enquadre, do qual existe
um termo implícito [W];
(iii) [W] é a contraparte de Z:
(iv) o esquema Y de desencadeia uma mescla para o qual é importado o
enquadre Y – [W] na forma de Y ‘ – [W ‘];
(v) o esquema Y de tem Y uma conexão aberta o mesmo se aplica a
[W‘].
Formalizando, de modo esquemático tal construção, teríamos a seguinte
representação para o exemplo de “João é pai de José”:
Y
[W]
João
José
FAMÍLIA
João (elemento X) tem como contraparte Y (PAI) que está posta através da cópula é,
que por sua vez, evoca o enquadre de FAMÍLIA e revela a pista para a sua contraparte W: o
papel de FILHO para José (elemento Z).
Assim, os autores concluem que os significados em si são produtos imaginativos de
mesclagem, não são preditíveis, quer sejam simples ou complexos. Entretanto, os esquemas
mapeados das formas lingüísticas usadas para evocá-los o são. Segundo os autores, o
significado do todo não é preditível do significado das partes, mas o esquema mapeado do
todo é preditível do esquema de mapeamento das partes (FAUCONNIER & TURNER,
2002, p.147).
Sendo assim, o papel dos estudos lingüísticos, neste caso, seria o de descobrir o
repertório de construções de uma determinada língua humana, constitutivos de sua
Gramática e de seu Léxico.
2.3.1 A Gramática das construções: abordagem de Goldberg
Y ‘: PAI/João
[W‘]:FILHO/José
[W ‘]:FILHO/José
Diagrama 3: representação da construção X é Y de Z,
subjacente na seqüência “João é pai de José”.
A centralidade do conceito de construção dentro do paradigma cognitivista tem sua
história iniciada no texto ancestral de Lakoff (1977), Linguistic Gestalts. Neste texto, o
autor trata das expressões idiomáticas, um problema para a teoria gerativa, e sugere que
essas expressões seriam apenas uma potencialização de padrões lingüísticos lexicalmente
abertos, cuja configuração contribuiria semanticamente para a interpretação da sentença.
É, ainda neste texto, que Lakoff sugere a indistinção entre léxico e gramática.
A idéia de uma Gramática das Construções emerge em Berkeley, no final da década
de oitenta, a partir de três movimentos que, embora dividissem as mesmas premissas,
distinguiam-se no foco analítico e na formulação de modelos. Em linhas gerais, esses
movimentos podem ser assim resumidos: (1) alavancados por George Lakoff, essa vertente
estuda as redes polissêmicas, reconhece as redes construcionais motivadas por projeções
conceptuais; (2) encabeçada por Charles Fillmore e Paul Kay, estuda as fórmulas
situacionais, especialmente as que se constituem como idiomas sintáticos, e a semântica das
gradações associada ao uso de hedgs adverbiais; e (3) liderada por Goldberg, elege como
tema o fenômeno da variação das valências abordado a partir de proposição de regras
lexicais
7
. É esse último movimento que trataremos amiúde.
Adele Goldberg foi orientada por George Lakoff em sua tese de doutorado de 1995.
Nesse trabalho, a autora apresenta, de forma mais sistemática, uma Teoria da Gramática das
Construções, tomando como objeto de estudo, a variação de valência.
Segundo Goldberg (1995), a construção é a unidade básica da língua, um tipo de
padrão formal, contudo capaz de um alto grau de abertura. Assim, podemos entender uma
construção como um pareamento de forma/sentido, o que implica em dizer que, para cada
componente que participa da estrutura lingüística, existe um argumento subjacente na
estrutura conceptual. Nas palavras da autora:
C é uma construção se C é um par de forma/sentido <Fi,Si>, de forma que algum
aspecto de Fi ou algum aspecto de Si não seja estritamente preditível das partes
componentes da construção ou de outras construções previamente estabelecidas.
(GOLDBERG,1995, p. 04).
Sendo assim, uma construção para GOLDBERG (1995, p. 40) pressupõe a
associação de uma estrutura argumental básica e uma cena dinâmica, básica à experiência
humana. No caso da estrutura argumental, teríamos os seguintes elementos:
7
Para maiores esclarecimentos ver Salomão (2004, p.17-20)
(i) um VERBO que determina os papéis dos participantes, que por meio de sua
valência funciona focalizando ações específicas dentro de uma cena
humanamente relevante;
(ii) uma CONSTRUÇÃO que se caracteriza como um esquema sintático
cindido por um padrão oracional básico, porém lexicalmente aberto, e um
estrutura argumental que encerra em si cenas cognitivas básicas.
De acordo com a autora, este pareamento não se de forma desordenada,
acontecendo por meio de uma operação chamada FUSÃO (GOLDBERG, 1995, p. 50). Tal
operação implica dois princípios:
Princípio da coerência semântica: indica compatibilidade entre os participantes verbais e os
argumentos da construção;
Princípio da correspondência: (i) todos os participantes devem ser realizados sintaticamente e (ii) a
construção pode contribuir com um argumento ou diminuir um participante.
Do ponto de vista esquemático, essa grade, em que temos a composição verbo-
construção, é assim representada pela autora:
Para iluminar esta relação, GOLDBERG postula esquemas construcionais básicos,
que fazem parte da estrutura lingüística do inglês, cujos contornos fornecem os padrões
semântico/sintáticos. São eles:
CONSTRUÇÕES SINTAXE SEMÂNTICA BÁSICA
Semântica PREDICAÇÃO < argumentos da predicação >
Relação: PREDICADOR < quadro de participantes >
Sintaxe: VERBO Relações gramaticais
esquema da construção
esquema do verbo
Diagrama 4: Fusão abstrata dos esquemas verbo-construção
Ditransitivas [S V OBJ1 OBJ2] X causar Y receber Z
Movimento causado [S V OBJ OBL] X causar Y mover Z
Resultativas [S V OBJ Xcomp] X causar Y tornar-se Z
Movimento intransitivo [S V OBL ] X mover Y
Conativas [S V OBL prep] X dirigir a ação a Y
A autora salienta, ainda, a capacidade que estas construções possuem de
reiteração. Essa possibilidade ocorre mediante a existência de dois princípios:
(i) MOTIVAÇÃO: possibilidade de extração das regularidades e padrões
existentes entre o par de forma / sentido;
(ii) HERANÇA: capacidade que esse padrão possuiria de capturar certos
aspectos numa relação de hierarquia.
Esses princípios podem se efetivar de várias formas, através do que a autora
chamou de elos (links) entre as construções. Goldberg identifica pelo menos quatro tipos de
elos, a saber:
Elo por Polissemia (Lp): captura a natureza da relação semântica entre um
sentido particular de uma construção e qualquer extensão de sentido. As
extensões herdam as especificações sintáticas da construção central;
Elo por Subpartes (Ls): ocorre quando uma construção é subparte da outra,
existindo independentemente. Caracteriza-se também pela redução de valência
do verbo;
Elo por instanciação (Li): é postulado quando uma construção particular é um
caso especial de outra construção, ou seja, motivada por outra. Neste elo, pode
haver ocorrência de múltipla herança, sintática e semântica, associada a outras
construções;
Elo por Extensão Metafórica (Lm): duas construções são relacionadas
metaforicamente se a semântica da construção dominante for mapeada na
semântica da construção dominada. É no sentido central da construção que está
o domínio fonte da extensão metafórica;
Elo de Heranças Múltiplas (LI): a possibilidade de uma construção ser
motivada por mais de um padrão construcional.
Contudo, esta tipologia dos links possíveis na configuração de uma construção tem
sido objeto de críticas dos pesquisadores do “GP Gramática e Cognição” (UFJF/UFRJ).
Para a professora Neusa Salim Miranda, o elo de polissemia não pode ser caracterizado
como um tipo de link, dado o fato de que a polissemia é um fenômeno de superfície e não
um fenômeno cognitivo; é, de fato, o resultado de outros elos como o metafórico, por
exemplo. Na mesma esteira, a professora Margarida Salomão postula que os links “por
subparte” correspondem, na verdade, a projeções metonímicas (PULHIESE, 2004, P. 40).
As construções, como vimos, possuem um alto grau de abertura, existindo padrões
construcionais abertos mais abstratos, semi-abertos e fechados. Entretanto, Goldberg
(1995) salienta ainda que as relações entre elas ocorrem, considerando certos princípios
psicológicos relevantes que organizam a linguagem, a saber:
Princípio da Motivação Maximizada: Se uma construção A se relaciona
sintaticamente com uma construção B, então o sistema da construção A é,
também, semanticamente motivado pelo sistema da construção B;
Princípio da Não-sinonímia: Se duas construções são sintaticamente distintas,
elas serão semântica ou pragmaticamente distintas;
Corolário A: Se duas construções são sintaticamente distintas e
semanticamente sinônimas, então elas são pragmaticamente distintas.
Corolário B: Se duas construções são sintaticamente distintas e
pragmaticamente sinônimas, então elas são semanticamente distintas.
Princípio da Expressividade Maximizada: O repertório das construções é
maximizado procurando atender às necessidades comunicativas;
Princípios da Economia Maximizada: O repertório de construções não excederá
as necessidades comunicativas.
De modo a tornar mais clara a exposição posta, apresentamos a construção de
movimento-causado (X causar y mover z):
Ex: Janete jogou a bola na cesta.
A semântica desta construção é CAUSAR-MOVER. Como tal, oferece a relação
argumental CAUSAR/MOVER com os papéis argumentais: <causa, alvo, tema>, cindida a
um padrão sintático, que responde com as relações gramaticais de (Suj V Obl Obj). Esses
se fundem, linearmente, aos papéis dos participantes fornecidos pela valência do verbo
jogar: Janete (jogador), cesta (destino) e a bola (coisa jogada).
2.3.2 A gramática das construções e o processo cognitivo da mesclagem: abordagem
de Mandelblit
Mandelblit (1997), assim como Goldberg, defende que a construção, enquanto
pareamento de forma/sentido, é responsável pela promoção do sentido de uma determinada
sentença e não dos itens lexicais presentes nesta, mesmo sendo a construção derivada da
estrutura argumental dos verbos.
Contudo, Mandelblit (1997) vai trazer uma contribuição altamente relevante para os
estudos da construção, ao substituir o processo de FUSÃO posto por Goldberg (de caráter,
fortemente linear e estrutural) pelo processo de MESCLAGEM aos modos de Fauconnier
& Turner (1994, 1997, 2002). Dessa forma, a autora traz para a teoria da Gramática das
Construções a contribuição da Teoria dos Espaços Mentais. Nesses termos, o conceito de
SEM: CAUSAR/MOVER < causa alvo tema >
RELAÇÃO JOGAR < Janete cesta bola >
SIN: V Suj. Obl. Obj.
Fusão de
papéis
Diagrama 5: Fusão da construção de movimento-causado
construção ganha em simultaneidade, multidirecionalidade e perde seu caráter mais linear,
marcado no trato goldberguiano.
A abordagem de Mandelblit significa um grande avanço na ampliação dos estudos e
pesquisa da Lingüística Cognitiva, pois a autora assume e sustenta a idéia de que o processo
de integração lingüística é paralelo ao processo de integração conceptual. Salienta, ainda,
que as operações que subjazem à combinação de formas lingüísticas e, em particular, à
combinação de construções gramaticais (sintática e morfológica) com itens lexicais, são as
mesmas envolvidas no processo de interpretação da linguagem que envolve o
“desempacotar” ou “des-integrar” de mesclas lingüísticas, em um processo de des-
integração conceptual (MANDELBLIT, 1997, p. 02).
Com esta importante contribuição, Mandelblit alarga a compreensão de gramática
ao corroborar idéias fundamentais da Lingüística Cognitiva como: o caráter dinâmico,
gestáltico, multitirecional e contextual dos processos de integração conceptual e formal.
Revisitando as construções analisadas por Goldberg (1995), focalizando
especialmente a construção de movimento-causado, para efeito de ilustração,
apresentaremos uma construção transitiva do Português, reproduzindo o processo de
mesclagem, proposto pela autora, para uma construção básica do Inglês:
Ex: Janete jogou a bola.
Agente
AÇAO
Paciente
SUJ
V
OBJ
Estrutura Estr.
Conceptual Ling.
Agente
AGE sobre
Paciente
Janete
joga
bola
Estrutura Estr.
Conceptual Ling.
evento
causador
SINTAXE: SN’ V SN’’ SEQUÊNCIA DO EVENTO
Input 2 Input 1
No input 1, temos um evento concebido no mundo, numa forma esquemática: há um
agente (Janete) que age sobre um paciente (a bola). Os participantes desta cena têm um
papel semântico genérico (agente, paciente, agir sobre) que pode ser preenchido por itens
lexicais da língua como Janete jogou a bola.
No input 2, temos a Construção Transitiva Básica do Português esquematizada, em
suas relações gramaticais (Suj V Obj) associada às relações semânticas correspondentes
(Ag Ação Pac)
O mapeamento em contraparte entre os input 1 e 2 desenha um enquadre lingüístico
recortado sobre uma cena no mundo. Assim, a mescla faz emergir a construção sintática do
PB em que o agente é associado à Maria no evento concebido e, sintaticamente, denotado
pelo SUJEITO. O mesmo se reflete nos demais itens jogar e bola.
A operação de mesclagem, de acordo com a autora, tanto pode ser aplicada às
sentenças mais simples da língua, quanto às mais complexas, tendo em vista, os aspectos
salientados acima.
2.4 A Afirmação do Poder Imaginativo da Mente Humana
SUJ (Janete)
V (jogou )
OBJ (a bola)
MESCLA:
Janete jogou a bola.
Diagrama 6: Construção transitiva básica
Uma das afirmações principais da Hipótese Sociocognitiva da Linguagem, em seu
feixe de princípios, está, conforme explicitamos, no caráter projetivo e imaginativo da
cognição humana e, conseqüentemente, da linguagem. É nessa perspectiva que as projeções
figurativas metafóricas e metonímicas passam a ocupar a cena contemporânea das
ciências cognitivas.
Por dois milênios, metáforas e metonímias, foram conceituadas como simples
figuras de linguagem, ligadas apenas à arte, poesia e retórica. A metáfora e a metonímia
alcançam status epistemológico na Lingüística Cognitiva, ao serem (re)descobertas como
capacidades cognitivas estruturantes do pensamento, linguagem e ações humanas
(LAKOFF & JONHSON, 1987, p.11).
Forjadas a partir da interação do nosso corpo com o meio ambiente natural e social,
essas projeções figurativas conceptualizam domínios da experiência mais abstratos e sutis
em termos do que é mais concreto e imediato. Metáforas e metonímias são semelhantes, na
medida em que representam uma conexão entre duas entidades em que um termo é
substituído por outro, na medida em que ambas descrevem projeções conceptuais e
sistemáticas de um domínio origem para um domínio–meta. A distinção que as separa
reside, para alguns autores, num continuum metáfora-metonímia. Para outros, a distinção
está na natureza de cada processo.
Em termos amplos, a distinção entre metáfora e metonímia situa-se na oposição
entre a similaridade da primeira, e a contigüidade da segunda. Essas relações, explicitadas
pelo modelo lakofiano (SILVA, 2003, p. 27), podem ser assim explicadas: a metáfora
envolve domínios conceptuais (experienciais) distintos, projetando um domínio-fonte em
um domínio-alvo, passando este a ser entendido em termos daquele, ao passo que a
metonímia envolve um mesmo domínio conceptual (experiencial), em que um sub-domínio
é focado em vez de um outro. Em outros termos, a metonímia se caracteriza por uma
“salientação de domínios” (uma ativação mental de um sub-domínio pouco saliente (PR
ponto de referência) por referência a outro mais saliente (ZA zona ativa)); a metáfora,
pela projeção entre domínios (LANGACKER, 1984; 1993, apud SILVA 2003, p. 27). O
diagrama abaixo, tomado de SILVA (2003, p. 28), ilustra a distinção entre tais projeções:
METÁFORA
METONÍMIA
Apesar da distinção posta entre metáfora e metonímia, a investigação
contemporânea tem afirmado a integração freqüente entre ambas: metonímias dentro de
metáforas (ou o contrário), ou uma sucedendo a outra, como mecanismo de extensão
metafórica.
Esse achado teórico ganha reforço com o reconhecimento da naturalidade e
ubiqüidade das projeções figurativas (SILVA, 2003, p.36), sobretudo da metáfora, o que
vai alavancar o estudo de que, antes fenômenos relegados à periferia, passam a ocupar a
cena analítica da Lingüística contemporânea. Um exemplo desse caso são as redes
polissêmicas-metafóricas, corriqueiras na linguagem, tanto no nível sintático, quanto no
lexical – objeto do presente trabalho.
As projeções figurativas, especialmente a metáfora, quando tomadas no seu início,
dentro da Teoria da Metáfora Conceptual, nos termos de Lakoff (1987), sofrem uma
importante revisão crítica a partir da sistematização da teoria da Mesclagem. Nesta
perspectiva, as projeções figurativas ganham um caráter menos linear e mais processual,
tendo em vista a natureza das projeções e integrações conceptuais características do
processamento de produção e compreensão do fenômeno de significação humana (cf. seção
2.3.2 deste capítulo).
Desta maneira, as diferenças substanciais que emergem destas duas perspectivas
sobre a metáfora podem ser assim resumidas: na Teoria da Metáfora Conceptual, o
fenômeno é definido em termos unidirecional, pois a relação é entre domínios (domínio-
fonte e domínio-alvo) e seu foco está na relação estabelecida entre domínios estáveis,
enquanto que na Teoria da Mesclagem, o fenômeno é multidirecional, pois a relação é entre
vários domínios (cf. seção 2.2.2) e o foco é no discurso on line, nos espaços mentais, nas
A
B
C
1
2
3
PR ZA
Domínio
origem
Domínio
alvo
Domínio
novas conceptualizações que podem ser temporárias ou recorrentes. Desse modo, a teoria
da mesclagem lança luz sobre o caráter dinâmico e rotineiro das projeções figurativas no
pensamento e na linguagem.
2.4.1 A mente literária
É a partir das bases experienciais do pensamento humano e da linguagem, tidas
como um dos pilares mais caros aos cognitivistas, que Turner (1996) concebe sua tese
principal: a mente humana é literária e, nesses termos, precede a mente gramatical.
Assumindo uma perspectiva integradora da cognição humana em que experiência
corporal, física e sociocultural instituem a base conceptual do pensamento e da linguagem,
Turner (1996) evoca os esquemas imagéticos
8
como proto-narrativas da mente humana.
De acordo com esta tese, experiências corporais, a exemplo de um simples
deslocamento ou manipulação de objeto, recobririam pequenas histórias espaciais que se
projetariam de instâncias mais concretas para instâncias mais abstratas, gerando as bases
conceptuais da linguagem. Nessas micro-narrativas, envolvendo sempre eventos e objetos,
alguns objetos são concebidos como seres animados. Esses seres animados são chamados
por Turner (1996, p.20) de atores prototípicos. Dentro desta categoria, estão classificados
entes humanos e animais, pois estes são dotados de movimento-próprio e são capazes de
mover outros objetos e projetar sobre estes suas próprias sensações.
O movimento (self-moviment) é percebido mediante esquemas imagéticos-
dinâmicos. Segundo Turner (1996, p.22) “nós detectamos agentividade animada quando
reconhecemos um esquema imagético de animacidade combinado a um esquema imagético
de movimento causado. O ‘objeto causal’ em um esquema imagético de agentividade
animada é compreendido como ATOR”.
É este esquema imagético de agentividade animada, corriqueiramente projetado em
objetos (coisas), idéias e estados, que nos faz perceber essas entidades como objetos causais
8
Esquemas imagéticos seriam gestalts experienciais”, minimamente estruturados, que permitiriam a
organização de um “número infinitamente grande de percepções, imagens e eventos”. Tais esquemas podem
ser dinâmicos (TRAJETO) e estáticos (CONTAINER) (JOHNSON, 1987, p.29, apud BOTELHO, 2004).
ou atores. É essa projeção e percepção de agentividade que origem ao que Lakoff &
Johnson (2002) nomeiam como metáfora da personificação.
Essa capacidade que temos de “projetar história em histórias” é definida por Turner
(1996, p.05) através do conceito de parábola. Definida pelo autor com um processo mental
que combina história e projeção, a parábola entra no nosso sistema conceptual como um
mecanismo básico de criação e compreensão de significados. Sua função primeira talvez
seja a de configurar modelos mentais de predição, avaliação, planejamento e explicação,
elementos fundamentalmente presentes nas histórias que contamos e projetamos. Como
salienta Turner (1996, p.14-15), “somos construídos, evolucionariamente, para aprender
distinguir objetos e eventos e combiná-los em pequenas histórias espaciais na escala
humana, de uma forma que seja útil para nós, dado o fato de que temos corpos humanos”.
Turner vai afirmar que essas micro-narrativas também estruturam esquemas
gramaticais, nesse sentido, cada sentença é vista como uma projeção de uma micro-
narrativa. Com esse respaldo, podemos entender o cerne literário da mente, incluindo as
construções gramaticais. Este será, de fato, um ponto substancial em nossa proposta
analítica apresentada no capítulo 04.
Vale ressaltar, por fim, que nos termos das teses defendidas por Turner (1996) a
língua pode ser entendida com uma verdadeira rede de micro-narrativas, cuja função é nos
guiar nas “arenas” de interação comunicativa.
Considerações Finais
Com a explicitação dos pressupostos teóricos que orientam o presente trabalho,
podemos asseverar as diversas vantagens que uma abordagem construcional oferece para
explicar os processos de configuração forma/sentido de um item lexical, seja este de que
natureza for.
A primeira dessas vantagens respeita ao fato de que os constructos teóricos erigidos
pela Lingüística Cognitiva em seu conjunto de modelos e, em especial, pela Teoria dos
Espaços Mentais e pela Gramática das Construções são, de fato, mais eficazes para
explicar não as manifestações semântico-formais “comportadas” do fenômeno
lingüístico, como também aquelas lançadas à periferia pelas abordagens tradicionais, por
serem consideradas impreditíveis.
Tal eficácia é imputada ao caráter processual, dinâmico, multidirecional que a
Lingüística Cognitiva empresta a seus princípios e categorias e, em contraposição ao traço
linear, estrutural ou algorítmico das postulações da tradição formalista.
Concebendo a linguagem (a gramática e o léxico de uma língua) como uma rede de
integrações de forma e sentido (numa rede de construções) mobilizada pela nossa
capacidade projetiva e imaginativa, fundada na cultura, a Lingüística Cognitiva, na vertente
presentemente assumida, atribui ao significante o status restrito de pista acionadora dos
complexos processos cognitivos, culturais e interacionais imbricados na significação. Tal
perspectiva amplia as fronteiras da análise lingüística para além das formas (o mapa não é o
território), para além dos grilhões dos princípios de previsibilidade absoluta e da
transparência que aprisionam os sentidos. Incrustados nas cenas de interação humana, os
sentidos, ainda que mapeados pelos padrões conceptuais/formais em grau relativo de
previsibilidade, revelam o jogo vivo da linguagem.
É de posse desses fundamentos que nos lançamos na tarefa de desvelar, nos
próximos capítulos, a gama de significações e usos das formações denominais agentivas em
x-ista, buscando comprovar a hipótese de que tais formas se articulam em uma rede de
construções polissêmicas.
3 UM BREVE PANORAMAMA DOS ESTUDOS EM MORFOLOGIA
No princípio era a Palavra; e a Palavra estava com Deus e a palavra era Deus.
João 1:1
E da terra, o senhor Deus formou todos os animais do campo e todas as aves do céu;
e conduziu-os até junto do homem para ver como ele os chamaria;
e todos os seres vivos seriam conhecidos pelo nome que o homem lhes desse.
Gênesis 2:19
Neste capítulo, apresentamos um breve histórico sobre o desenvolvimento dos
estudos no campo da Morfologia e do Léxico. Na primeira parte, focalizamos a reflexão
sobre fenômenos dessa natureza, construída desde a Antigüidade Clássica até
Contemporaneidade, demarcando os estudos da chamada tradição gramatical, os
paradigmas estruturalistas e gerativistas (Hipótese Lexicalista) e, por fim, a abordagem
construcional do léxico dentro da Hipótese da Arquitetura Paralela (JACKENDOFF, 2002).
Na segunda parte, apresentamos propostas analíticas das formações em x-ista do
Português do Brasil, desenvolvidas pela tradição gramatical e pela abordagem lexicalista na
segunda metade do século XX.
Nesse percurso, algumas tensões marcam presença, tais como o pêndulo entre o
universal e o particular como focos alternados nos distintos paradigmas e a centralidade da
palavra ou do morfema na definição das questões da morfologia e do Léxico.
3.1 Estudos Morfológicos: da Antigüidade à Contemporaneidade
A especulação em torno da palavra tem origem remota em nossa cultura,
confundindo-se, muitas vezes, com questões mais amplas como a origem do homem e da
própria linguagem.
Na Antigüidade Clássica, a palavra constitui-se como objeto da preocupação tenaz
dos filósofos desse período, a exemplo de Platão e Aristóteles. O primeiro, em seu diálogo
O Crátilo, discute o que é correspondência (phýsis/natureza) e o que é arbitrário
(thései/convenção) na relação entre as palavras e o mundo; o segundo em sua obra De
Interpretatione, defende que “as impressões e as coisas são as mesmas para todos os
homens, ao passo que são as palavras que diferem ao representarem as interpretações”.
(WEEDWOOD, 2003, p.26-27).
Essa tensão entre o que é correspondência e arbitrariedade na natureza da palavra
perpassa, em linhas gerais, todo esse período, seja na diferença posta pelos Estóicos (séc.
III-II a.C.) entre o lógos (enunciado significativo dirigido pelo pensamento racional), a
phone (voz / substância física do lógos, privada de referência ou significado, que pode ser
articulada ou não) e a léxis (forma/ representação escrita da phone), seja nas referências
do filósofo, historiador Marcos Terêncio Varrão (116-127 d.C.) que, no estudo da
gramática, estabelece duas dicotomias: o papel da natureza e da convenção na origem das
palavras e a questão da analogia, da anomalia e da regulação do discurso (WEEDWOOD,
2003, p.57).
Na Idade Média, até por volta do século IX, embora a palavra ainda permaneça
como objeto de investigação, ganha relevo o estudo da sua estrutura em termos de sílabas
e letras. Por volta do século XII, registra-se o que pode ser considerado como uma análise
IMPLÍCITA da palavra em termos de radical-terminação (ROSA, 2002, p.26).
No século XV, quando os estudos sobre as línguas vernáculas ganham força, o
conceito de gramática analisado por Pedro Rombo (comentarista português do séc. XV-
XVI) revela ainda a centralidade da palavra. Como podemos observar no seguinte
fragmento:
A primeira parte da gramática é o conhecimento dos vocábulos. Onde cada
vocábulo ou é um nome, ou é um verbo, ou um advérbio, denominando-se o
vocábulo muitas vezes por dição. A segunda é a própria declinação. E a
declinação é a manutenção do início e a variação da terminação. Declina-se o
nome por suas declinações; o verbo, pelas conjugações; o advérbio não se
declina. A terceira parte é a própria construção. E se faz por quatro maneiras, a
saber: entre o substantivo e o adjetivo, entre o relativo e o antecedente, entre o
suposto e o verbo e quando uma palavra exige outro depois de si. (ROSA, 2002,
p.28)
Nesta definição, fica clara a preocupação com a palavra, dado que as duas
primeiras partes da gramática estão voltadas para o estudo do vocabulário no que toca a
sua classificação e à variação, deixando apenas a última para a construção, ou seja, para
sintaxe.
Este modelo originário dos estudos filosóficos greco-romanos ainda continua
presente nos atuais manuais de gramática das línguas, onde se cada palavra como uma
unidade semântica (WEEDWOOD, 2003, p.51). Denominando este modelo de palavra e
paradigma, tal modelo implica a analogia entre um padrão exibido nos paradigmas
(listas) e a palavra (HOCKETT,1954 apud ROSA, 2003, p.44). Nesses termos, um verbo
é definido, por exemplo, a partir de sua terminação em um paradigma: cant-ar (1º), vend-
er (2º) e part-ir (3º).
Até o Renascimento, como ressalva Weedwood (2003, p.81-82), a idéia de que
uma forma podia ser derivada da outra, tão cara aos estudos lingüísticos a partir do século
XVIII, fica praticamente inexplorada. Segundo a autora, estava fora de questão isolar
unidades menores, como sugere a ausência de termos correspondentes a “raiz”, “radical”,
“afixo”.
Com a descoberta de que o latim e o grego tinham raízes comuns no sânscrito
(século XVIII) e o surgimento da Teoria Evolucionista (século XIX), uma nova onda
investigativa se ergue em torno da busca de uma língua-mãe e do enigma da origem da
linguagem. É nesse período marcado pelos estudos históricos evolutivos que, alavancada
pela mesma preocupação, desenvolve-se a Gramática Comparada (ou Filologia ou ainda
Lingüística Histórica e Comparada). Uma “tendência biologizante” ganha relevo neste
período. Leibniz, grande filósofo da época, retoma a hipótese monogenética (postulação
de uma única língua original) e lança a perspectiva de que o parentesco lingüístico era
determinado pela proximidade geográfica (WEEDWOOD, 2003, p.87-88).
É nesta cena de efervescência dos estudos históricos evolucionistas que o termo
morfologia
9
surge, enquanto estudo dos aspectos formais da língua investigada. O
conceito de raiz
10
é refinado neste momento, como podemos constatar na definição de
Frans Bopp (1824):
Raízes são os elementos primitivos das palavras, não encontráveis como tais na
língua, mas identificáveis a partir de formas derivadas deles que contêm uma
base comum ou radical. (BOPP, apud WEEDWOOD, 2003, p. 92).
Essa nova perspectiva, em que a estrutura interna das palavras é reconhecida a
partir da depreensão destas em unidades mínimas (raízes e afixos), é um prenúncio do
que seriam as pesquisas do início do século XX.
9
Atribui-se a criação do termo ao escritor e cientista alemão Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832).
10
As ferramentas para a análise morfológica das palavras foram desenvolvidas fora da tradição ocidental,
entre os estudiosos judeus e árabes. “Conscientes, desde a época muito mais remota, do fenômeno da
derivação (assim como nas ciências médicas e biológicas seu conhecimento estivera muito avançado), os
estudiosos semitas dedicaram muito esforço à sistematização da morfologia de suas respectivas línguas”.
pelo séc. X, o conceito de raiz um núcleo consonantal invariável com um conteúdo semântico básico e
estável – estava plenamente elaborado. (WEEDWOOD, 2003, p.83)
Na primeira corrente de estudos lingüísticos do século XX, enfeixada pelo
Estruturalismo de Ferdinand Saussure, embora a palavra continue em cena, sua
compreensão parte da idéia de signo (unidade composta de duas faces: significante e
significado). A Lingüística
11
, enquanto ciência, é forjada neste período e é o significante,
como uma das faces do signo, o objeto privilegiado de investigação. O resultado disto é o
deslocamento da preocupação diacrônica, que primava pelo estudo histórico-comparativo,
para uma preocupação sincrônica, o estudo da língua num “corte” de tempo.
Ainda na primeira metade do século XX, do outro lado do Atlântico, desenvolve-
se o Estruturalismo Americano, que elege o morfema (átomo de som e significado) como
seu objeto de pesquisa (ROSA, 2002, p.39). Um dos personagens principais desta escola,
Bloomfield, define o léxico como o estoque de morfemas de uma língua (ROSA, 2002,
p.50).
Preocupado com a busca e o estabelecimento destas unidades, com a ordenação e
com os padrões que regem sua combinação, o estruturalismo americano se dedica à
questão da diversidade, descrevendo um manancial de línguas indígenas, a fim de
indutivamente alcançar as generalizações descritivas buscadas. A metodologia
desenvolvida fica conhecida como item-e-arranjo e consiste em observar grupos de
palavras, segmentá-las de modo a desvelar a concatenação de partes (morfemas) que a
estruturam, marcada pela oposição parcial, tanto no plano da expressão como do conteúdo
(teste de comutação ou substituição). Exemplificando tal abordagem analítica, temos :
Língua Asteca de Tecelcingo (México)
11
O fim do séc. XIX e o início do séc, XX, assinalam também a introdução de um novo paradigma dentro das
ciências, o modelo de sistema, instaurado pela Lingüística de Saussure e pela então nascente Sociologia de
Durkheim, em que tanto a língua quanto a sociedade eram analisadas como sistemas, dirimidos numa
determinada comunidade.
(1) nikwika - “eu canto”
tikwika - “você canta”
nikonis - “eu vou beber”
tikwikas - “você vai cantar”
{ni-}: 1p. sg.
{ti-}: 2p. sg.
{kwika}: cantar
{koni}: beber
{-s}: futuro
A distinção entre morfologia e sintaxe, ainda que difusa, se coloca nos termos
seguintes: a primeira era definida como a gramática interna das palavras e a segunda
como o estudo de sua gramática externa e das seqüências das palavras, ou seja, uma
morfologia baseada na análise sintagmática da palavra (Gleason Jr, 1961, apud ROSA,
2002, p. 38).
A noção de morfema como forma mínima significativa, ainda que central ao
modelo, vai enfrentar muitos questionamentos. Para a morfologia lexical, a dificuldade se
estabelece na relação do significado global das palavras com o significado de cada parte
que a compõe, ou seja, com cada morfema (exemplos 2). a morfologia flexional
enfrenta o problema da relação um-para-um (pareamento entre forma e sentido), noção
subjacente à noção clássica de morfema (exemplo 3).
Os exemplos, retirados de ROSA (2002, p.68-70), ilustram esse território de
dificuldades. Em (2), as raízes -fer-, -duz e -ceb- nos dados não possuem um significado
em isolado, alcançando o sentido somente no ambiente das palavras; em (3) a forma
verbal amo pode ser segmentada em am-o, e poderíamos dizer que -o é o morfema de
Pessoa/Singular. Sabemos que essa marca é “condicionada” pelo IND./PRES., isto é, que
não temos outro seguimento em -o no verbo AMAR. Esse –o, portanto, marca
Pessoa/Número, mas também Modo/Tempo.
Na segunda metade do século XX, a noção de palavra como unidade básica
ressurge. Desta vez, alavancada pelo Gerativismo que, ao impor o foco analítico centrado
na sintaxe, passa a propor regras, operações algorítmicas aplicáveis a formas subjacentes
ou teóricas, através do modelo que veio a ser denominado de item-e-processo.
O Gerativismo se impõe, enquanto tarefa, prover uma teoria lingüística capaz de
explicar o desenvolvimento do conhecimento lingüístico dos indivíduos. Daí o
redimensionamento dos estudos gramaticais e morfológicos. Ao postular a competência
(2) referir deferir conferir
reduzir deduzir conduzir
(3) amo
do falante em relação ao léxico da sua língua, o que importa não são mais as listas de
unidades mínimas ou morfemas, mas sim a capacidade de relacionar os itens lexicais ao
perceber a estrutura de um vocábulo (ROCHA, 2003, p. 30, apud BOTELHO, 2004).
Contudo, é preciso ressaltar que o centro da preocupação gerativista nunca foi a
morfologia e sim a sintaxe. Tanto que nos primeiros momentos da teoria gerativa, o
componente morfológico não tem espaço como um componente autônomo da gramática.
Mesmo depois de reconhecido por Chomsky em Remarks on Nominalization, o
componente morfológico, carreando os procedimentos formais e algorítmicos postos pela
sintaxe, como as regras morfológicas, vai enfrentar sérias dificuldades com os fenômenos
concernentes ao léxico. Assim, embora consiga dar conta de todas as formações
morfológicas ditas “regulares”, deixa a descoberto os inúmeros casos de formações
lexicais que, por trilharem caminhos imprevistos, são considerados como meras
“exceções”, sem relevância para a teoria. Desse cenário de dificuldades é que emerge a
distinção entre morfologia e léxico, posta por Rosa (2002, p.88) nos seguintes termos: a
primeira é definida como o que pode ser captado como generalizações acerca da
estrutura das palavras e o segundo, como o que é impreditível na formação destas. É em
busca de uma redefinição desses campos, de modo a costurar uma convergência com as
construções teóricas sociocognitivas anunciadas no capítulo anterior, que organizamos o
percurso subseqüente deste capítulo. As contribuições da Hipótese Lexicalista são o
primeiro passo.
3.2 Um Enfoque Gerativista: a Hipótese Lexicalista
A principal contribuição da Hipótese Lexicalista, dentro do seio da tradição
gerativista sintatocêntrica, foi abrir um espaço para a consideração dos fenômenos
morfológicos ditos derivacionais.
Sabe-se que, no âmbito da Teoria Gerativa, a Morfologia Derivacional
12
esteve
condicionada, inicialmente, aos mesmos princípios definidos para o nível sintático
(MIRANDA, 1979). No entanto, tais princípios revelaram-se inadequados para o trato das
inúmeras “irregularidades” presentes no componente morfológico, especialmente, daqueles
que concerniam à produtividade, visto que, no nível sintático, esta se apresenta de modo
regular e sistemático, enquanto que, no nível lexical, é parcial e esporádica.
Em razão desta impossibilidade de imprimir aos fenômenos morfológicos o mesmo
trato transformacional dado à sintaxe, o componente lexical é separado dos outros níveis da
gramática do falante, assim erige-se a Hipótese Lexicalista (historicamente principiada por
Chomsky em “Remarks on Nominalization”, em 1970), que impõe aos lingüistas à tarefa
de um modelo teórico capaz de descrever a estrutura do léxico com suas leis, princípios e
restrições inerentes e possivelmente distintos dos demais componentes gramaticais
(MIRANDA, 1979, p. 11).
Ao longo das tentativas de concepção de um modelo ideal e abrangente que
explicasse as idiossincrasias do léxico, diversas propostas foram apresentadas, em busca do
refinamento dos constructos lexicalistas. Nesta trajetória, podemos elencar as seguintes
contribuições:
(i) Halle (Prolegomena to a Theory of word Formation,1973): delineou
coordenadas gerais para o estabelecimento de um componente morfológico,
cuja composição consistia em: uma lista de morfemas, regras de formação
de palavras e um filtro contendo as idiossincrasias lexicais;
(ii) Jackendoff (Morphological and Semantic Irregularities in the Lexicon,
1975): fundamentou sua proposta na Teoria de Entrada Lexical Plena
(listagem de entradas lexicais totalmente especificadas) e na postulação de
Regras de Redundância (responsáveis por expressar as regularidades
fonológicas e sintático-semânticas existentes entre os itens lexicais);
(iii) Aronoff (Word Formation in Generative Grammar, 1976): propôs a
distinção entre palavras existentes e palavras possíveis no léxico, postulando
restrições que resguardam o estabelecimento de propriedades que regulam as
12
Parte da gramática que descreve a competência do falante nativo em relação ao léxico de sua língua
(MIRANDA, 1980, p.11).
Regras de Formação de Palavras (RFPs) e sua relação com as Regras de
Análise Estrutural (RAEs);
(iv) Basílio (Aspects of the Structure of the Lexicon: evidence from Portuguese,
1977): defendeu o léxico como uma lista de entradas lexicais organizadas de
acordo com padrões relacionais de diversos tipos; encurtou a distância entre
Morfologia Derivacional e Morfologia Flexional, quando reconheceu que a
primeira apresenta um grau significativo de sistematicidade, embora não seja
tão regular e sistemática quanto a segunda; e por fim, reconheceu as relações
paradigmáticas como um traço básico do léxico.
Em resumo, os últimos modelos lexicalistas (iii) e (iv) conseguem ampliar as
propostas anteriores, ao fornecer contornos mais precisos e capazes de forjar uma teoria
lexical mais abrangente. É importante ressaltar, ainda, a contribuição do modelo de Basílio
no que se refere ao deslocamento da unidade básica da Morfologia Derivacional. Ao invés
de uma morfologia baseada em palavras ou radicais, como nos modelos antecedentes, ela
apresenta como base elementos detectáveis dentro do léxico, sejam eles bases presas ou
livres.
Após estas considerações, passemos à apresentação dos principais constructos que
forjam a Hipótese Lexicalista, tendo em vista as análises, comparações e conclusões
advindas e reunidas na pesquisa de Miranda (1979).
3.2.1 Regras de Formação de Palavras e Regras de Análise Estrutural
Regras de Análise Estrutural (RAE) e Regras de Formação de Palavras (RFP),
vistas como processos comuns ligados à competência do falante, são construções
fundamentais dentro da Hipótese Lexicalista. Estas regras são responsáveis diretas pela
descrição e criação de novos itens lexicais. Podemos assim defini-las:
1) Regras de Análise Estrutural (RAE) implicam na capacidade que o falante tem
de descrever processos a partir de palavras já existentes.
2) Regras de Formação de Palavras (RFP) podem ser definidas como uma operação
efetuada sobre uma base, acompanhada de condições diversas sobre esta base e
que resulta numa palavra nova, envolvendo certos elementos: um input (base),
um output (palavra nova) e o acesso a informações sintáticas, semânticas e
fonológicas.
A formalização dessas regras pode ser expressa da seguinte forma:
Basílio (1977 apud MIRANDA, 1979, p.24), revendo as proposições de Aronoff
(1976), fortalece a distinção entre RFP e RAE e afirma que para cada RFP existe uma RAE
correspondente, mas o contrário não é verdadeiro; afinal, existem regras que descrevem
estruturas de palavras sem se prestarem à formação de novos itens (MIRANDA, 1980, p.
22). Um exemplo são as regras de adoção do sufixo x –idão (gratidão, mansidão), cujas
construções fossilizadas são descritas por regras improdutivas e constituem, segundo
Basílio, RAEs isoladas sem uma correspondente RFP.
Outra questão coloca-se sobre as RFPs. Para que estas possam operar diretamente
sobre bases presas, é necessário que haja condições paradigmáticas especiais que propiciem
ao falante condições de isolar tais bases e criar palavras novas tarefa para as RAEs. Um
exemplo de RFPs que atuam sobre bases presas são as regras de adição do sufixo –ia e
ico (sociologia/sociológico). Concluindo, se o falante reconhece redundâncias a ponto de
usá-las na formação de novas palavras, então ele também será capaz de usá-las para
descrever a estrutura das palavras.
R1: [ X ] [ [ X ] Y ] (RFP)
(A) (A) (B)
1. descreve a operação de uma RFP e significa que uma entrada lexical da
categoria B pode ser formada pela adição do Y e uma base X;
R2: [ [ X ] Y ] (RAE)
(A) (B)
2. descreve uma RAE e significa que uma entrada lexical da categoria B pode ser
descrita como sendo formada pelo acréscimo de Y a base X.
Entretanto, dentro da proposta lexicalista, as regras morfológicas não são
consideradas suficientes para descrever todas as relações previstas no léxico. Assim, dois
novos padrões de relação lexical são propostos por Basílio, a fim de cobrir relações mais
específicas do componente lexical:
O PADRÃO (a)
Motivado pelas nominalizações, este padrão geral traduz uma relação peculiar no
léxico entre Verbos e Nomes, em que as correspondências de sentido e de traços
contextuais vão ser garantidas à revelia do processo morfológico envolvido. Para a autora,
tal padrão pode ser estendido aos pares de verbos/Agentivos e de Adjetivos/Nomes
Abstratos, a exemplo de criar/criação, agonizar/agonia.
O PADRÃO (b)
O padrão (b) é motivado pela existência no léxico de pares de RFPs tão intimamente
associados que a formação de uma palavra do tipo XY faz prever uma palavra do tipo XW
e vice-versa. Exemplo: estruturalismo/estruturalista.
3.2.2 Produtividade lexical
A preocupação lexicalista com a estrutura interna das palavras complexas e seu
potencial de criação na língua vai levar ao estudo de uma questão relevante, considerada
(a) [ X ] [ X ] [ X ’ ]
A A B
(b) [ XY ] [ XW ]
como um dos “mistérios” da Morfologia Derivacional, qual seja, a questão da
produtividade lexical em seu caráter semi-produtivo (ROSA, 2002, p. 88-89).
Como produtividade lexical entende-se a parte da competência do falante
responsável pela criação de novas palavras em sua língua. Tal capacidade está relacionada,
mas não é necessariamente idêntica, à sua competência para analisar a estrutura dos itens
lexicais existentes. Antes confundida com criatividade sintática, a produtividade passa a ser
definida pelo seu caráter parcial e esporádico e sua efetivação, em vez de um jogo de acaso,
passa a ser visto como resultado da interação de uma complexidade de fatores.
Cabe ressaltar que o fenômeno da produtividade lexical não pode ser identificado
com um alto nível de ocorrência. As regras morfológicas, constituintes de seu arcabouço, é
que seriam definidas como mais ou menos produtivas de acordo com a listagem maior ou
menor que apresentam. E o que deve definir uma regra como produtiva é o fato de esta
regra se prestar à formação de novos itens lexicais. Todavia, esta relação entre listagem e
produtividade acaba por ser resguardada, possibilitando a postulação de propriedades
concernentes à produtividade das RFPs que, nos termos propostos por Aronoff (1976, apud
MIRANDA, 1980, p.30-31) são as seguintes:
1) Estabelecimento de uma relação entre restrições morfológicas de base de RFP e
sua produtividade o grau de produtividade de uma regra de formação de
palavras está ligado aos tipos específicos de bases morfológicas em que esta
opera;
2) Postulação de uma estreita relação entre coerência semântica e produtividade.
Uma RFP é tida como semanticamente coerente desde que possamos prever o
sentido das formas resultantes dela;
3) Estabelecimento da relação entre listagem lexical e produtividade. A chave desta
conexão seria a noção de Bloqueio – a não ocorrência de uma forma considerada
legítima devido ao fato de o léxico dispor de outra forma com o mesmo valor
que evita a listagem de sinônimos numa mesma raiz, uma vez que a
produtividade de um afixo em relação a uma determinada classe morfológica vai
bloquear a produtividade de sufixos rivais em relação àquela classe.
Tais propriedades, ainda que consideradas de grande relevo para a Hipótese
Lexicalista, não foram satisfatórias para explicar a complexidade da produtividade em
termos de sua realização. A saída posta por Basílio (1977, apud MIRANDA, 1979, p.79)
foi a costura da relação entre paradigma e produtividade lexical. Ao estender a noção de
bloqueio de Aronoff (bloqueio sintagmático), Basílio alcança os vários níveis dos padrões
derivacionais gerais, como é o caso da relação paradigmática geral do tipo Adjetivo/Nome
(belo/beleza) abstrato. Assim as formações em x-ista seriam bloqueadas pelas demais
regras produtivas do mesmo padrão relacional. A partir desta possibilidade, a autora propõe
a Hipótese do Bloqueio Paradigmático, estrategicamente capaz de prever a
improdutividade de uma regra morfológica.
Em sua definição de Bloqueio Paradigmático, Basílio (1977, apud MIRANDA,
1979, p.60) vai ampliar as noções de transparência e opacidade, assim redefinindo:
Uma regra é transparente quando qualquer de suas formas tem a composição
fonética, a função e/ou o significado de seu sufixo definidos sem qualquer
ambigüidade, assim como as classes de base com as quais este sufixo se combine.
Ou seja, uma regra é transparente quando podemos prever não o sentido de
qualquer forma que dela resulte, como também as informações fonéticas e sintáticas a
respeito do sufixo e da base. A ausência de uma destas condições vai determinar o grau de
opacidade da regra morfológica, nos termos dos seguintes princípios:
1) Regras morfológicas transparentes deverão ser produtivas desde que outros
fatores não intervenham, bloqueando a produtividade;
2) Regras morfológicas opacas estarão marcadas pela improdutividade ou por uma
produtividade restrita, dependendo do grau de opacidade.
De posse destes fundamentos, podemos compreender a resposta que os lexicalistas
fornecem acerca da formação de palavras. No caso dos agentivos, e particularmente das
formações em x-ista, foco do presente estudo, a ausência das condições de transparência
implica o reconhecimento de um processo de formação de palavras opaco e a um tempo
produtivo vai gerar um analítico para abordagem lexicalista. A solução será, como
veremos nas seções seguintes, a postulação da HOMONÍMIA, de modo a garantir a
validade de aplicação de procedimentos algorítmicos (as RFPs) na configuração desses
agentivos.
3.3 O Princípio da Analogia na Constituição do Léxico
Em artigo intitulado O princípio da analogia na constituição do léxico: regras são
clichês lexicais (Veredas, 1997), Basílio reconhecendo o alcance limitado das RFPs no
processo de formações de palavras que fogem aos ditos “padrões regulares”, examina a
pertinência de se adotar o Princípio da Analogia (PA) em lugar dessas regras. A autora,
confrontando o poder explicativo desses dois constructos, acaba por afirmar a
superioridade do Princípio da Analogia nos seguintes termos: enquanto todo produto de
uma RFP pode ser explicado via PA, o inverso não é verdadeiro. Assim a postulação de
um ou de outro implica em conseqüências diferentes. Exemplos de formações analógicas
do Português do Brasil que estariam fora do alcance das RFP, são arrolados pela autora,
tais como: panelaço, businaço, apitaço; ou carreata, tratorada, passeata. Para além
desses exemplos, um conjunto de evidências significativas é posto pela autora de modo a
reforçar a pertinência do PA. Para ela, a escolha de um princípio geral no trato dos
fenômenos de produção lexical é teoricamente mais relevante do que a postulação de
regras particulares.
Ao optar pelo PA, no entanto, a autora pontua uma preocupação teórica. Como o
mecanismo da analogia é um princípio lógico e não especificamente lingüístico, teríamos
o princípio fundamental da expansão do conhecimento lexical como um mecanismo geral
cognitivo e não especificamente lingüístico, o que contraria a teoria gerativa em seu
pressuposto modularista.
Para a presente dissertação, no entanto, a postulação do PA, não se coloca como
um problema; pelo contrário, tal caminho fortalece as teses sociocognitivistas,
respaldadas na visão de linguagem como um dos modos da cognição. Para a Lingüística
Cognitiva a analogia é um tipo de relação conceptual uma relação vital fortemente
reiterada nos processos de compressão em mescla. Assim, dentro desse olhar integrador
da cognição e da linguagem defendido pela perspectiva construcional, posta como
arcabouço teórico-analítico do presente estudo, o caminho apontado por Basílio sinaliza,
acima de tudo, a possibilidade de busca de constructos teóricos para a Morfologia
Derivacional, pensados fora da lógica estreita e fechada das regras algorítmicas gerativas.
3.4 O Léxico com Arquitetura Paralela: a proposta de Jackendoff
Contrapondo-se à hipótese gerativista em sua visão sintatocêntrica, a Hipótese da
Arquitetura Paralela proposta por Jackendoff (2002) postula a existência de múltiplas
fontes geradoras da gramática. Tais fontes seriam configuradas pelo conjunto dos
subcomponentes lingüísticos, a saber: fonológico, sintático e semântico-conceptual, e o seu
funcionamento aconteceria de modo paralelo, combinando-se para forjar um dado item
lexical. Em decorrência dessa perspectiva, o autor propõe uma estrutura tripartite para o
específico lingüístico, a qual denomina como a Gramática (JAKENDOFF, 2002, p.125). A
hipótese prevê ainda uma interação entre esses subcomponentes e a postulação de
componentes de interface. O léxico, nesses termos, seria o componente de interface do
especifico lingüístico, enquanto, o componente fonológico e o semântico, além de interface
com o específico lingüístico teriam, respectivamente, interface com os processos de
audição e articulação e com os processos de percepção e ação. Essas relações de interface
podem ser observadas no diagrama abaixo:
Regras de formação
fonológica
Regras de formação
sintática
Regras de formação
semântico-onceptual
ESTRUTURAS
FONOLÓGICAS
ESTRUTURAS
SINTÁTICAS
ESTRUTURAS
SEMÂNTICAS
Interface
fonológico-
sintática
Interface
sintático-
semântica
Diferente das abordagens formalistas anteriores, o componente lexical e a
morfologia em Jackendoff (2002) são reconhecidos à luz de suas múltiplas faces, tendo em
vista a distinção, a aparente irregularidade dos elementos que esses abarcam. Mas, antes de
entrarmos nessas particularidades, inerentes ao léxico e a morfologia, se faz necessário uma
breve consideração.
Os modelos que antecederam essa nova visada de Jackendoff (2002), ao
delimitarem os objetos de análise da morfologia e do léxico, sempre esbarravam numa
dificuldade intransponível: ao privilegiarem a palavra, conseguem dar conta da parte
irregular da morfologia, deixando para o léxico os exemplos idiossincráticos, impossíveis
de serem submetidos a regularidades; no entanto, quando privilegiavam o morfema, por sua
vez, conseguiam responder às questões regulares da morfologia, e novamente, relegando ao
componente lexical os elementos impreditíveis (JACKENDOFF, 2002, p.161)
Jackendoff (2002, p.153-154) opta, em primeiro lugar, por considerar a distinção
entre o conceito de palavra (padrão fônico, dicionarizável que possui um padrão
gramatical, como N, V, A, P, C, F, etc) e de item lexical (unidade armazenada na memória
de longo-termo (MLT) que pode ser menor ou maior que uma palavra). Essa distinção
posta pelo autor pode ser sumarizada nas seguintes hipóteses (SALOMÃO, 2004,P.13):
(1) Itens lexicais podem ser maiores e menores que as palavras;
afixos (x-ista)
expressões idiomáticas (quebrar o galho)
fórmulas interacionais (De nada)
marcadores discursivos (Por falar nisso).
Interface fonológica/semântica
Interação com processos de
audição e articulação
Interação com processos
de percepção e ação
Diagrama 7: Modelo paralelo tripartite (JACKENDOFF, 2002, p. 125).
(2) Nem todas as palavras gramaticais são itens lexicais;
Palavras idiomáticas não serão necessariamente registradas como itens
lexicais, mas sem dúvida é necessário diferenciar:
muito em Muito obrigado (que pode tornar-se Muitíssimo obrigado)
toda em toda forma (invariável)
(3) Existem itens lexicais complexos sem substância fonológica e/ou semântica
(“itens lexicais defectivos”);
sujeitos nulos, anáforas (no primeiro caso)
expressões idiomáticas (sua realização composicional não tem sentido)
padrões sintáticos (SN AUX SV)
(4) Muito do que se denomina como “regras de gramática” é, na verdade, um item
lexical;
padrões sintáticos (SN AUX SV)
[ N + ista ]
(5) A GU pode ser formulada como um conjunto de itens lexicais abstratos que
inseminam o processo de aprendizagem.
No modelo posto por Jackendoff (2002), todo conhecimento lingüístico
armazenado na memória de longo-termo é parte do léxico; são itens lexicais. Assim,
dentro da Hipótese da Arquitetura Paralela, o léxico deixa de ser o lugar do conhecimento,
das idiossincrasias, para ser o lugar do conhecimento, da idiomaticidade, regulado por
regras e princípios que apresentariam naturezas específicas, assim definidas:
(a) Princípios de combinação livre: agrupam princípios de combinação livre e
princípios que constroem output maiores, do tamanho ou menores que uma
palavra no léxico, nesses termos refere-se a noção gramatical de palavra
(JACKENDOFF, 2002, p.158). São marcadas pela regularidade e
produtividade;
(b) Regras de redundância lexical: aplicadas ao léxico, essas regras são
caracterizadas por produtividade e regularidade parciais, expressando
generalizações nas relações entre pares de entradas lexicais. (JACKENDOFF,
2002, p.159), ou em outros termos, restrições sobre padrões admissíveis.
Tendo em vista que no léxico existem elementos armazenados que podem ser
generalizados (como a regra geral de formação do plural: acréscimo do –s) e outros que não
possuem tamanho alcance, mas, ainda assim, são produtivos (formação de Agentivos a
partir de Nomes objeto do presente estudo), Jackendoff (2002) propõe uma nova
ordenação para os fatos morfológicos dada a especificidade dos elementos que abarcam.
Assim, em lugar da tradicional divisão entre Morfologia Derivacional e Flexional, o autor
assume a seguinte tipologia:
(i) MORFOLOGIA PRODUTIVA: responde às regras de formação lexical,
introduzindo um conjunto fechado de informações (tempo, pessoa, aspecto,
modalidade); é gramaticalizada e regular, exceto quando formas irregulares
são bloqueadas por algum tipo de restrição. Não se restringe à chamada
“morfologia flexional”; comparece, também, na “morfologia derivacional”
Exemplos de sua natureza podem ser verificados na morfologia flexional
com a regra de acréscimo do –o para marcar a pessoa do presente do
indicativo (am-o, cant-o, fal-o); e na morfologia derivacional com a
formação do advérbio em que se tem o acréscimo do sufixo -mente aos
adjetivos (feliz/felizmente; lindo/lindamente), restringido, contudo, a
algumas categorias, como é caso das cores (*vermelho/vermelhamente;
*azul/azulmente);
(ii) MORFOLOGIA SEMI-PRODUTIVA: marcada por regularidades parciais
ou padrões combinatórios possíveis, seus outputs devem ser listados, pelo
menos em parte, na memória de longo-termo, pois não podem ser produto de
livre combinação, dado que os elementos dessa morfologia respondem às
regras de redundância lexical. Um exemplo desse caso é a relação entre
pares de Verbos/Nomes (construir/construção, poluir/poluição).
Os itens lexicais, no entanto, sejam do mais simples aos mais complexos, a exemplo
de padrões sintáticos “defectivos”, respeitam certas condições de licenciamento e
armazenamento presentes no componente lexical, podendo existir, assim, de várias formas:
signos portadores de significado/significante, signos sem realização fonológica, signos sem
expressão semântica e signos sem realização fonológica e semântica (JACKENDOFF,
2002, p.131-132).
Posta nestes termos descritos, a hipótese da arquitetura paralela, incorpora o
conceito de construção (Gramática das Construções), alargando-o e flexibilizando para
abarcar os padrões ou construções “defectivos”. A perspectiva de uma teoria heterogênea
para o léxico, com signos de diferentes naturezas é fundamental para Jackendoff (2002,
p.131). Nesses termos, o autor nega a idéia de hierarquia de heranças, tão cara às teorias
formalistas, as quais reservavam aos itens lexicais o papel de enxertar “lugares” nas
derivações sintáticas. Para o autor, os itens lexicais estabelecem a correspondência de
certos constituintes sintáticos com as estruturas fonológica e conceptual em sua estrutura
tripartite (JACKENDOFF, 2002, p.131). Ressalta ainda que não basta apenas explicar o
repertório de possíveis elementos sub-lexicais de uma língua. Para o autor é preciso
desvelar as combinações, ou seja, a constituição desses itens lexicais pela competência do
falante.
A adoção da hipótese de Jackendoff (2002, p.185) no presente trabalho, além de se
encontrar respaldada no acima exposto, leva em consideração dois elementos cruciais, a
saber: o primeiro está na perspectiva que o autor tem acerca da idéia de construção. Como
pareamento de forma e sentido, armazenado no léxico, Jackendoff entende a construção
como um padrão altamente flexível e recorrente e, diferentemente de Goldberg (1995), a
considera aberto e livre de hierarquias de heranças (aspecto formal) que não estão presentes
no cérebro, no qual existem apenas heranças; e o segundo, ao considerar as condições de
aprendizagem como indispensáveis ao desenvolvimento lingüístico (o que converge com os
postulados de Tomasello (2000, apud JACKENDOFF, 2002, p.191).
Para encerrar essa seção, salientamos que a exploração da proposta de Jackendoff
acontecerá com rigor no próximo capítulo, por hora, apresentaremos algumas respostas
acerca da formação dos agentivos em x-ista no Português do Brasil.
3.5 Formações Agentivas em –ista: Estudos no Português do Brasil
De posse dos fundamentos arrolados até aqui, no que concerne ao desenvolvimento
das teorias acerca das pesquisas morfológicas e lexicais, passamos, nas próximas seções, a
apresentar as respostas que a tradição gramatical e a Hipótese Lexicalista, fornecem para o
processo de formação de agentivos em x-ista.
A contribuição descritiva em termos sincrônicos e etmológicos posta pelos
dicionários será o nosso ponto de partida, tendo em vista a cartografia dessas perspectivas.
3.5.1 A contribuição dos dicionários no estudo do sufixo –ista
O Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa de Antônio
Geraldo da Cunha (1986) traz o seguinte histórico do sufixo –ista, bem como suas
acepções:
-ista. Suf. Nom. (cast. ista = ita. –ista = fr. ista = ing. –ist = ale. –ist ).
Derivado do grego –istês (>latim –ista ) que se documenta em vocabulários
formados no próprio grego ( como batista ) e em numerosíssimos outros criados
nas línguas modernas de cultura, alguns dos quais, particularmente do francês e
do inglês, serviram de modelos para a formação de inúmeros derivados
portugueses ( como empirista < fr. empiriste, egotista < ing. egotist). E atesta a
sua grande vitalidade na língua portuguesa, o sufixo –ista ( tal como –ismo, com
que forma, habitualmente, pares do tipo comunismo/comunista,
salazarismo/salazarista etc) participa também da formação de derivativos de
cunho nitidamente popular e conotações irônico-pejorativas bem acentuadas
(machista, punguista). Os derivados em –ista designam, preferencialmente: (i)
partidários ou sectários de doutrinas ou sistemas artísticos (academicista,
simbolista), filosóficos (marxista, positivista), políticos (getulista, lacerdista), ou
religiosos (budista umbandista); (adeptos de divertimentos, esportes,
etc.(futebolista, turfista); (iii)profissão, ocupação, ofício (dentista, pianista); (iv)
nomes pátrios e gentílicos (paulista, sulista).
o dicionário Houaiss (2001) explica o sufixo -ista a partir da referência do
verbete “-ismo”. Além de trazer brevemente sua etimologia, aventa sua relação
paradigmática tanto com o -ismo quanto -ístico, como podemos atestar na seguinte
descrição:
-ismo Suf. Do gr. –ismós, formador de nome de ação de verbos em –izõ e, às
vezes pelo lat. –ismus, donde: gr. Katekhizõ:katekhismós / port. Catequizar:
catecismo [...];cumpre notar que, no port., tal processo tornou-se expressivo tb.
no sentido inverso, -ismo:-izar, ( bolchevique: bolchevizar); em form. mais
recentes, o suf. –ismo foi, primeiro, usado em medicina para designar uma
intoxicação de um agente obviamente tóxico: absintismo, alcoolismo, iodismo
[...]; no curso, ainda, dos s. XIX e do s. XX, seu uso se disseminou para designar
movimentos sociais, ideológicos, políticos, opinativos, religiosos e personativos,
através dos nomes próprios representativos, ou de nomes locativos de origem e se
chegou ao fato concreto de que potencialmente para cada nome próprio um
seu der. em –ismo; a isso se acresceu que o suf. gr. –istês > port. –ista, masc. e
fem. como em gr.; foi associado a ele para designar o adepto, aderente, seguidor,
partidário; por fim, a ambos os suf. se agregou um terceiro, adjetivo, por soma do
suf. ista + -ico, formador de adjetivos (-ístico/a), formando uma constelação
sufixal em que a ocorrência de um deles tem função paradigmática com a dos
outros numa cognação, isso, entretanto, não quer dizer que a constelação -ismo/
-ista / -ístico tenha existência concomitante e automática ( pianista / pianístico/
*pianismo )[...].(p.1655)
Como se pode constatar, ambas as fontes apontam a origem do verbete -ista como
um derivado do grego (-ismós), bem como seus correspondentes em outros idiomas e sua
produtividade na formação dos agentivos. O reconhecimento da regularidade do padrão x-
ismo/x-ista no Português é a principal contribuição de ambos os dicionários. Outro ponto
é o fato de esses dicionários reconhecerem, a existência em linhas gerais, dos mesmos
agrupamentos semânticos para as formações em x-ista (oficio e adesão).
3.5.2 Formação dos agentivos em x-ista: a tradição gramatical
Dentro da tradição gramatical, o processo de formação lexical em –ista, assim como
qualquer outro processo similar, recebe tratamento bastante fragmentário. A Novíssima
Gramática da Língua Portuguesa (CEGALLA, 1980) é um exemplo disso. Em um capítulo
de Morfologia, nomeado como “Estrutura das palavras”, -ista é um tipo de afixo (sufixo)
tido como elemento secundário na estrutura da palavra. Em outro capítulo, “Formação de
Palavras”, um quadro tipológico dos processos de formação de palavras (por derivação ou
composição) aponta a participação dos sufixos no chamado processo de derivação sufixal.
Um terceiro capítulo, nomeado “sufixos” apresenta, por fim, uma lista dos principais
sufixos nominais (onde –ista aparece) e verbais.
É desta lista, mais ou menos simplificada, que emerge, nestes manuais, a descrição
semântica do sufixo –ista, como formador de palavras com o sentido de “partidário,
ocupação, ofício”, como comunista e maquinista.
Esta descrição semântica, abarcada por esse sufixo, é tão marcada que não
encontramos divergências nesses manuais de gramática. Exemplo disso são a “Nova
Gramática do Português Contemporâneo” de Cunha & Cintra (1985, p.96) e da “Gramática
Secundária da Língua Portuguesa” de M. Said Ali (1969, p.111-112), em que encontramos,
grosso modo, a mesma definição, como podemos observar, respectivamente, abaixo:
(1) SUFIXO –ista:
(i) partidário ou sectário de doutrinas ou sistemas (em ismo), sejam eles
políticos, religiosos, filosóficos ou artísticos: realista, simbolista,
Kantista, positivista, federalista, fascista, budista.
(ii) ocupação, ofício: dentista, pianista, neurologista, tenista.
(2) SUFIXO – ista:
sufixo de origem grega que designa, relativamente aos nomes de doutrinas em
ismo, os seus sectários, bem como os atos de acordo com elas: bramanista,
gongorista, socialista, etc...Também serve o sufixo –ista para designar indivíduos
cuja ocupação se relaciona com o objeto a que se refere o termo derivante:
flautista, florista, telefonista, folhetinista, maquinista, latinista, dentista,
acionista, etc”.
Esta definição do sufixo x-ista ainda pode ser encontrada na “Gramática
Fundamental da Língua Portuguesa” de Gladstone Chaves de Melo (1968, p.106) e nos
“Estudos Práticos da Gramática Normativa da Língua Portuguesa” de J. Nelino de Melo
(1968, p.35). Este último define o -ista como um sufixo nominal, formador de substantivo
ou adjetivo e como designativo de agente.
Ainda que dispersas e pouco reveladoras dos segredos contidos nas formações em
x-ista, as descrições gramaticais são indicações de comportamentos morfossintáticos,
insights semânticos de validade empírica que não serão desprezados em nossas análises.
3.5.3 A configuração dos agentivos em x-ista: a resposta lexicalista
Miranda (1979), assumindo uma perspectiva lexicalista de análise, reconhece que as
formas agentivas em –ista se dividem em dois grandes grupos, podendo ser compreendidas
através das seguintes paráfrases: (1) partidário de x-ismo’ e (2)especialista em X’, como
podemos constatar nos exemplos que se seguem:
Entretanto, Miranda (1979, p.64) ressalta que existem algumas particularidades em
relação ao grupo 2. Assim, os agentivos que têm na sua formação a base com o traço
GRUPO 1
‘ partidário de X ’
estruturalista
absolutista
vanguardista
simbolista
futurista
marxista
getulista
GRUPO 2
especialista em X’
neurologista
patologista
musicista
semanticista
psicanalista
ginecologista
traumatologista
semântico /-concreto/ respondem perfeitamente à paráfrase proposta (‘especialista em X’).
Mas, quando a base apresenta um traço /+concreto/, a especificação de sua característica
vai depender das particularidades sintático-semânticas denunciadas no radical da forma em
questão. No entanto, segundo a autora, isto não chega a comprometer o sentido geral do
grupo 2, como evidenciam os exemplos abaixo:
Além da distinção presente no que toca à composição do sentido geral dos agentivos
em -ista, diferenças no comportamento sintático destas formações são apresentados nos
termos que passamos a sumarizar:
GRUPO 1
Os agentivos deste grupo têm como forma de base as categorias Nome e Adjetivo,
dispostos nas seguintes subcategorizações (Miranda, 1980, p.66):
1. Nome [- concreto] 2. Adjetivos
Nome [-comum]
Como mostram, respectivamente, os exemplos abaixo:
pianista: que toca piano’
tratorista: ‘que dirige o trator’
tenista: ‘que joga tênis’
ensaísta: que escreve ensaios’
romancista: ‘que escreve romances’
figurinista: que desenha figurinos’
1. Nome [- concreto]
vanguarda / vanguardista
esquerda / esquerdista
futuro / futurista
abolição / abolicionista
reforma / reformista
Nome [-comum]
Marx / marxista
Getúlio / getulista
Jango / janguista
Lenin / lenista
Kant / kantista
2. Adjetivos
sindical / sindicalista
real / realista
concreto / concretista
humano / humanista
moderno / modernista
A autora faz ainda uma pequena consideração em relação à divisão dos Nomes nas
duas subcategorias semânticas: [-concreto] e [-comum]. Os agentivos que apresentam o
traço [-comum] em suas bases, no caso nomes próprios, funcionam do mesmo modo que os
agentivos que apresentam o traço [-concreto], pois enquanto nomes de personalidades de
destaque, tais formas representam idéias (Miranda, 1980, p.67).
Os agentivos desse grupo podem funcionar tanto como adjetivos quantos nomes,
como ilustram os exemplos abaixo:
1. Os gerativistas são ferrenhos defensores da supremacia sintática.
(Nome)
2. As teorias gerativistas sofreram um abalo com o advento do Cognitivismo.
(Adjetivo)
GRUPO 2
Neste grupo, a base é composta sempre pela categoria sintática de Nome, e suas
subcategorizações semânticas estão especificadas nos traços de [+concreto] e [-concreto].
Contudo, como esse último traço está presente também no GRUPO 1, é proposta uma nova
distinção entre os nomes abstratos dos dois grupos. Miranda (1979, p. 69), aponta o traço
de [+especialidade], pois esse está presente em todos os nomes abstratos do GRUPO 2 e
nenhum no GRUPO 1. Vejamos esta distinção nos subgrupos abaixo:
Nome [+concreto]
piano / pianista
paisagem / paisagista
trator / tratorista
flauta / flautista
concerto / concertista
Nomes [-concreto]
e [+especialidade]
ortopedia / ortopedista
oncologia / oncologista
patologia / patologista
logopedia / logopedista
anatomia / anatomista
O grupo 2 tem função única de Nome, como atestam os exemplos abaixo:
3. Os oftamologistas do SUS estão em greve.
(Nome)
4. * O SUS contratou um SN oftamologista.
(Adjetivo)
Diante das distintas configurações semântico-formais dos grupos 1 e 2, Miranda
(1979, p.69) vai apresentar a seguinte proposta: os agentivos em –ista são formados por
meio de dois processos homônimos, mas distintos, formalizados a partir de uma RFP e sua
correspondente RAE, dentro dos termos abaixo:
Assim, teremos as seguintes regras subjacentes às formações em –ista do grupo 1
(janguista, chargista, gerativista):
R1: [ X ] [ [ X ] - ista ] (RFP)
Adj^N Adj^N Adj^N
Ag
R2: [ [ X ] - ista ] (RAE)
Adj^N Adj^N
Ag
Semântica:
Input: Adj, N [ - concreto ] ou [ - comum ]
Output: ‘partidário de x-ismo’
INPUT
Grupo 1
a. Adjetivo
Nome [ -concreto ] ou [ -comum ]
Grupo 2
b. Nome [ +concreto ] ou
[ [ -concreto ] ^ [ especialidade] ]
OUTPUT
Grupo 1
a. Nome ou Adjetivo
semântica: ‘partidário de – ismo’
Grupo 2
b. Nome
semântica: ‘especialista em X
Para o grupo 2 (ecologista, surfista, pianista), as regras postuladas são as seguintes:
Para concluir sua investigação, Miranda reflete sobre as implicações da postulação a
homonímia, para as formações em x-ista. Tal solução teórica implica contra a relação entre
transparência e produtividade, proposta por Basílio (1977) que determina: “quanto mais
transparente a regra mais produtiva ela será” (cf. seção 3.2.1). Nesses termos, as regras de
adição do sufixo -ista, mostram-se opacas e a um tempo produtivas, o que pareceria, em
princípio, uma contra evidência ao princípio da relação entre opacidade e produtividade.
Diante deste obstáculo, e a fim de solucionar o problema, Miranda (1980, p. 73)
propõe o acréscimo de uma especificação à definição da relação entre opacidade e
produtividade:
Uma regra pode se manter transparente, mesmo quando a composição fonológica
do sufixo que ele adiciona é idêntica ao sufixo adicionado por outra regra,
contanto que a especificação sintático-semântica da base e do produto da regra
impeça a identificação do sufixo desta regra como o sufixo da outra.
A autora conclui fortalecendo os processos formadores de agentivos em -ista através
do oferecimento de uma evidência adicional, qual seja, a relação paradigmática x-ista/x-
ismo. Esta relação prevê que, para cada forma em x-ista, existe um correspondente x-ismo,
e o inverso também é possível. Para a configuração desta relação paradigmática, a autora
propõe um padrão subjacente [ XY ] <–> [ XW ], exposto na seção 3.2.1, no qual temos
expressa a relação entre duas entradas lexicais formadas por duas RFPs sistematicamente
R3: [ X ] [ [ X ] – ista ] (RFP)
N N N
Ag
R4: [ [ X ] – ista ] ] (RAE)
N N
Ag
Semântica:
Input: N [+concreto] ou [[ - concreto] ^ [+especialidade] ]
Output: ‘especialista em X’
relacionadas (Basílio, 1977, apud MIRANDA, 1980, p.74). Em relação ao paradigma em
questão, podemos formalizá-lo da seguinte maneira:
Com o reforço deste padrão paradigmático, Miranda afirma que a postulação de
duas regras distintas para os agentivos em x-ista é assim consubstanciada; se fosse o
contrário, um processo morfológico único, não poderíamos explicar a relação x-ista / x-
ismo.
Ainda neste trabalho, Miranda (1979) conclui que existe uma pirâmide funcional
que ordena tais regras, restringindo sua produtividade por meio de demarcação de status
social. É esta pirâmide que irá determinar a relação de uma ‘quase’ distribuição
complementar entre tais sufixos, em meio à concorrência dos paradigmas.
Em linhas gerais esta configuração é posta da seguinte forma:
(i) os agentivos em x–o, pico da pirâmide, possuem primazia na linguagem
científica, espaço extremamente seleto, controlado e que envolve
atividades de pesquisa. Exemplos: sociólogo, psicólogo, geógrafo, geólogo,
odontólogo, etc.
(ii) os agentivos em x–ista determinam especialidade intelectual adquirida,
normalmente, nos meios acadêmicos, cuja escolha recai em atividades
socialmente prestigiadas. Exemplos: jornalista, violonista, ginecologista,
novelista, odontologista, etc.
(iii) os agentivos em x–eiro determinam um fazer em relação a algo”. Como
este fazer, normalmente, implica numa prática de manipulação física sem,
necessariamente, estar ligada a uma especialização, sua escolha recai em
atividades pouco prestigiadas socialmente. Exemplos: jornaleiro, violeiro,
motoqueiro, noveleiro, etc.
No que concerne à produtividade, o falante marca sua preferência pelas formas em
x–ista, em detrimento do x-o, a não ser para as formas cristalizadas na língua. Isso
porque, dentro do Português, é sabido que existe uma tendência fonológica que recai sobre
[ X –ISMO ] < – > [ X – ISTA ]
N Adj.N
Ag
o padrão paroxítono de formação das palavras. Um exemplo claro são os surgimentos das
novas especialidades médicas constituídas com a adição do sufixo x-ista, a exemplo de
proctologista, urologista. mesmo o meio científico prima pelo uso do x–o, a despeito
dos fatores lingüísticos desfavoráveis à regra. Nas palavras de Miranda (1979, p. 83) “isto
é natural, dado que a linguagem científica é ‘natural’ até certo ponto (...) e é
primordialmente escrita, de modo que o fator fonológico não entra em questão”.
No tocante à concorrência entre os agentivos x–ista e x–eiro, Miranda (1980, p.86-
88) aponta os seguintes fatores: (i) o –ista teria o traço [+ formal], pois demarca prestígio e
formalidade, enquanto o x–eiro com o traço [-formal], indica menos prestígio e um aspecto
pejorativo; e/ou (ii) a agentividade [+ intelectual] para o x-ista, coberta pela paráfrase
especialista em X, equivale o traço [-intelectual] para o x–eiro, tendo como correspondente
a paráfrase ‘que faz algo em relação a X’.
Considerações Finais
Os estudos morfológicos arrolados no presente capítulo deixam explícita a crença
na auto-suficiência da forma por parte das várias correntes teórico-analíticas: seja na
perspectiva do léxico como uma lista aleatória, flagrante nas listas de afixos isolados,
organizadas pelas gramáticas tradicionais ou na visão estruturalista, linear, em que
significantes autônomos são concatenados para formar um todo significativo; seja ainda,
na visão algorítmica e derivacional da gramática gerativa, com suas regras que explicam
só parte do fenômeno.
Ainda que se possa reconhecer o papel de relevo da Hipótese Lexicalista na
definição de um trato específico para o nível morfológico, a eterna tarefa formalista de
desvendar formas secretas atrás de forma ostensivas acaba por impedir que venham à tona
os grandes elos não-formais (sociais, interacionais, culturais e cognitivos), capazes de
iluminar as cenas reais da linguagem. É assim que as fórmulas matemáticas postuladas em
nome do “rigor científico” aprisionam sentidos, vetando o imprevisível e transformando o
jogo da linguagem, construído através de amplas redes projetivas e imaginativas,
promotoras de integração entre sistemas formais e conceptuais, em códigos fechados.
A abordagem construcional e flexível do léxico, nos termos de Jackendof (2002),
representa, neste cenário, uma substantiva contribuição para a Hipótese Sociocognitiva.
Ao postular o léxico como espaço de conhecimento, em que padrões construcionais
dinâmicos, abertos e previsíveis estão presentes, Jackendoff (2002) possibilita um
“casamento feliz” com o sociocognitivismo, que permite a entrada de fenômenos
interacionais, fundamentais a esse paradigma, na configuração e determinação desses
padrões armazenados no componente lexical. Assim, o léxico deixa de ser uma lista de
idiossincrasias para se tornar o lugar da idiomaticidade, capaz de lidar com o
imprevisível, dado que a idiomaticidade comporta padrões desde os níveis mais abertos
até os mais fechados, e todos passíveis de algum tipo de regularidade.
Ainda que erigidas dentro de um paradigma formalista, as análises sobre as
formações em x-ista referenciadas neste trabalho terão relevância garantida em nossas
análises no próximo capítulo. Lacunas e contribuições serão retomadas, de modo a
conferir-lhes um olhar crítico, antagônico ou complementar.
4 A CONFIGURAÇÃO DA REDE POLISSÊMICA DE CONSTRUÇÕES
AGENTIVAS DENOMINAIS X–ISTA: UMA ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA
Não havia nenhuma trama(...), eu a descobri por engano.
Nunca duvidei da verdade dos signos,
são a única coisa de que dispõe o homem para se orientar no mundo.
O que eu não compreendi foi a relação entre eles(...),
criei relações que não dependiam de qualquer desígnio.
Guilherme de Baskerville
( Humberto Eco: Em Nome da Rosa)
Nos capítulos precedentes, explicitamos os pressupostos teóricos nos quais se
sustenta o presente trabalho (cf. cap. 2) e buscamos delinear o panorama dos estudos
tradicionais que, historicamente, vem caracterizando as pesquisas em Morfologia e no
Léxico, bem como as respostas teórico-analíticas construídas para explicar a formação dos
agentivos em x-ista (pragmatista, surfista, desenhista) (cf. cap.3).
No presente capítulo, apresentamos uma proposta construcional de análise, de viés
sociocognitivista, para as formações em x-ista. Incorporando contribuições de propostas
anteriores e enfrentando as lacunas deixadas, encaramos uma tarefa complexa, qual seja, a
de buscar uma resposta analítica alternativa, em princípio, superior, para lidar com a
questão da diversidade de sentidos das formações em foco, bem como com sua
produtividade restrita. Em outros termos, significa dizer que estamos buscando desvendar
as condições de licenciamento, armazenamento e recorrência (SALOMÃO, 2004, p.13-14)
das formações em x-ista no léxico do Português do Brasil (PB). Tal tarefa analítica, a ser
desenvolvida nas próximas seções tem como guia as seguintes hipóteses:
HIPÓTESES GERAIS:
(i) Existe um PADRÃO ABSTRATO AGENTIVO GENÉRICO, armazenado
como item lexical na memória de longo-termo (MLT), que inseminaria as
construções agentivas perifrásticas e mórficas;
(ii) As construções agentivas sintéticas (mórficas) e as construções perifrásticas
(sintáticas) são projeções metafóricas de proto-narrativas (AGENTE,
AÇÃO, OBJETO) configuradas na mente, como esquemas básicos, a partir
da experiência humana física e social;
(iii) As construções agentivas mórficas implicam em um processo cognitivo de
compressão dessa proto-narrativa em seu participante principal o
ATOR/AGENTE – o que estamos nomeando como compressão de
personificação.
HIPÓTESES ESPECÍFICAS:
(iv) As construções agentivas denominais em x–ista se configuram como uma
rede polissêmica;
(v) A produtividade parcial dessa rede se explica pela sua vinculação a sub-
modelos específicos do MCI de trabalho;
(vi) As construções agentivas denominais em x-ista se configuram a partir de
dois clusters básicos.
Os princípios fundacionais, definidores do Léxico, que norteiam o presente estudo,
estão ancorados em um conjunto de contribuições que sustentam as pesquisas sobre o
Léxico desenvolvidas dentro do GP “Gramática e Cognição” (MIRANDA, 2004,
BOTELHO, 2004) e enfeixadas sob o rótulo da Hipótese Sociocognitiva da Linguagem
(parâmetros 3, 4, 5 e 6). Os acréscimos firmados no presente estudo (parâmetros 1 e 2)
representam uma contribuição de relevo erigida pela Hipótese da Arquitetura Paralela de
Jackendoff (2002).
Tais parâmetros teóricos podem ser sumarizados nos termos seguintes:
1. Concepção de Léxico como um componente de interface da Arquitetura Paralela
(JACKENDOFF, 2002. p.131), responsável pelo armazenamento de itens
lexicais maiores e menores que palavras, cuja expressão permite regularidades
limitadas e licencia signos de diversos tipos;
2. Postulação de ITENS LEXICAIS, maiores ou menores que a palavra, como
construções plenas, entendidas como pares de forma/sentido, nos termos da
Gramática das Construções (GOLDBERG(1995); MANDELBLIT(1997)) e
como construções “defectivas ou padrões genéricos (regras L, nos termos de
Jackendoff, 2002) em que podem ocorrer lacunas de natureza fonológica,
sintática e semântica;
3. Afirmação da CONTINUIDADE ESSENCIAL entre léxico e gramática,
semântica e pragmática, dicionário e enciclopédia;
4. Sustentação da concomitância dos processos de composicionalidade e
multidirecionalidade na integração de esquemas conceptuais e formais geradores
das construções lexicais;
5. Postulação das categorias de herança e motivação nas relações entre construções
lexicais de modo a configurarem-se REDES DE CONSTRUÇÕES,
estabelecidas através de projeções (links) de diferentes naturezas a partir de uma
construção central;
6. Afirmação do mesmo trato conferido tanto a produções previsíveis, regulares
quanto às ditas periféricas.
Anunciados os pressupostos e as hipóteses-guia desta pesquisa, passamos, nas
seções seguintes à nossa proposta analítica da rede de construções x-ista a partir do seguinte
percurso: em primeiro lugar, apresentamos o Padrão Abstrato Agentivo Genérico; em
seguida procedemos à apresentação da Construção Agentiva Mórfica Genérica
Denominal e, por fim, passamos à análise da Construção Agentiva Denominal x-ista,
delimitando sua gênese, sua estrutura mórfica e semântico-pragmática, os clusters e
construções constitutivos de sua rede polissêmica. As restrições de produtividade desse
padrão formativo são o tópico final do presente capítulo.
4.1 Um Padrão Abstrato Agentivo Genérico
A proposição de um item lexical complexo, abstrato, o Padrão Abstrato Agentivo
Genérico (ou PAAgG), se filia, conforme explicitado (hipóteses gerais (i)), à hipótese da
Arquitetura Paralela, nos termos de Jackendoff (2002) e na concepção ampliada e flexível
de Léxico sustentada pela mesma.
Nessa nova dimensão, é imputado ao léxico o papel de um dos componentes de
interface da arquitetura paralela e de espaço de armazenamento não apenas de palavras,
mas de todos os itens lexicais de uma determinada língua, sejam eles maiores ou menores
que as palavras. Esses itens lexicais, respeitadas as condições de licenciamento, presentes
no componente lexical, podem ser de várias espécies: signos portadores de
significado/significante, signos mais abstratos sem realização fonológica, ou signos sem
expressão semântica e signos sem realização fonológica e semântica (JACKENDOFF,
2002. p.131-132). São esses últimos, tidos como construções “defectivas”, de natureza
complexa e abstrata, que nos interessam, mais especificamente, enquanto ferramenta
teórica descritiva do padrão genérico, pois entram na configuração das construções em x-
ista.
Esses signos, sem realização fonológica e semântica, são entendidos como padrões
sintáticos genéricos que, idiomatizados, estão armazenados numa memória mais profunda,
enquanto conhecimento lingüístico. Segundo Jackendoff (2002. p.154), esses padrões
genéricos, regras-l ou arquétipos gramaticais
13
inseminam o processo de aquisição da
linguagem. Por essa razão, servem tanto para recobrir manifestações sintáticas quanto
morfológicas.
No presente estudo, conforme já assinalado, temos como foco analítico as condições
de licenciamento, armazenamento e recorrência dos formativos em x-ista. O padrão que nos
interessa é o que está presente nas construções transitivas analíticas/sintáticas do tipo (1) ou
sintéticas/mórficas do tipo (2):
Analisando esses exemplos, podemos extrair o padrão genérico “defectivo” que
subjaz a essas seqüências, marcado pela presença de uma estrutura sintática/mórfica e pela
ausência de expressão fonológica.
Tendo em vista a sua estrutura e conceptualização genérica de AGIR, o padrão em
foco apresenta uma semântica bastante vaga, na interface com uma cena transitiva
prototípica concebida no mundo ator volicional age sobre paciente inanimado. Nos
termos discutidos, o padrão abstrato agentivo genérico (PAAgG) pode ser formalizado
da seguinte forma:
13
Não estamos entendendo essas construções gramaticais, regras l ou padrões genéricos, como estruturas
“desencarnadas” de uma possível Gramática Universal (GU). Estamos postulando esses padrões como
construções específicas de uma dada língua.
Morfossintaxe:
Classe: PADRÃO ABSTRATO AGENTIVO GENÉRICO
Estrutura Sintática [SUJ V OBJ.]
ou
Estrutura Mórfica ( [X]
N/V
sufixo agentivo )
Semântica:
AGIR X Ag Y Pac
(1) Construções analíticas
Carlos toca piano.
Heitor escreve romance.
Pedro faz sapatos.
(2) Construções sintéticas
pianista
romancista
sapateiro
Nos termos do diagrama proposto, temos, portanto, um item lexical complexo,
cristalizado sob a forma de construção lingüística, e constituído de um padrão
morfossintático formado a partir de relações gramaticais ([Suj V Obj] ou ([X]
NV
sufixo)
AG
emparelhadas com relações argumentais semânticas em um predicado de dois lugares
[AGIR, Ag Pac ].
A gênese experiencial e conceptual desta construção estaria no esquema imagético
básico de deslocamento e manipulação, as proto-narrativas espaciais básicas, e projetados
em metáforas primárias do tipo EVENTOS SÃO AÇÕES, ATORES SÃO
MANIPULADORES E MOVEDORES (TURNER, 1996).
Como ressaltamos anteriormente, esse PAAgG insemina construções sintáticas e
mórficas. Por isso, podemos encontrar na Língua Portuguesa um vasto repertório de
construções recobertas por ele. São essas últimas, as construções agentivas mórficas
(violonista, jornalista, violeiro, jornaleiro), objeto de análise do presente estudo, que serão
estudadas a seguir.
4.2 A Construção Agentiva Mórfica Genérica Denominal
Para fins de recorte do objeto do presente estudo, passamos a apresentar apenas a
construção agentiva mórfica genérica de natureza DENOMINAL, deixando de lado as de
origem verbal
14
.
14
Dentro do GP “Gramática e Cognição, como já foi mencionado (cf. introdução), existe um estudo em que o
foco são os agentivos deverbais e, particularmente, as ocorrências com o sufixo deverbal x-nte.
Diagrama 8: formalização do padrão abstrato agentivo genérico
( item lexical complexo )
A construção agentiva mórfica genérica denominal (CAMGD) é uma instância
do padrão abstrato agentivo genérico proposto no diagrama 8. Antes, no entanto, de
procedermos a sua apresentação, faz-se necessário uma breve ressalva acerca da
constituição deste item no léxico, que estamos agora no campo da morfologia semi-
produtiva (cf. seção 3.4), marcada por regularidades parciais ou padrões combinatórios
possíveis configurados por regras de redundância lexical.
Uma regra de redundância lexical, segundo Jackendoff (2002. p.53), permite a
existência de duas formas separadas (jornal-jornalista, romance-romancista), mas que
podem se encontrar relacionadas no léxico. Essas relações entre essas formas são
parcialmente idiossincráticas, mas também, parcialmente sistemáticas. A parte sistemática é
configurada em regras de redundância.
As regras de redundância lexical envolvem correlações de fonologia, sintaxe e
semântica entre os itens pareados, ou seja, assinalam as redundâncias que esses
compartilham. Levando em conta apenas o comportamento semântico-gramatical dos
formativos agentivos denominais, podemos postular, de modo informal, a seguinte regra de
redundância:
É nesses termos que o nome base TRATOR se relaciona com o Nome
TRATORISTA, suscitando o enquadre específico que permitirá, nesse caso, a postulação
de uma paráfrase da cena agentiva enquadrada nos seguintes termos: alguém que guia um
trator é tratorista”.
Nos termos definidos por Jackendoff (2002), a disponibilidade de uma regra de
redundância na morfologia semi-produtiva, permite prever formações novas, mas não o
sentido completo de cada formação específica instanciada. Assim, cada output de uma regra
semi-produtiva deverá ser armazenado (pelo menos no que tem de singular) na memória de
longo-termo.
Tendo em vista os aspectos marcados na regra de redundância acima, passamos à
formalização dessa construção morfológica em foco, proposta por Goldberg (1995) para
construções sintáticas:
Um Nome [ X ]
N
pode estar relacionado a um formativo agentivo [ X
N
+ Y
AG
] que
exprime um enquadre semântico-pragmático específico de uma cena agentiva,
desencadeada por esse Nome base e comprimido em um participante, o AGENTE.
No diagrama 9 proposto por Botelho (2004, p.87), temos a fusão dos participantes
(X e Y), fornecidos por um predicador (Z), instanciados numa determinada cena, com os
argumentos semânticos: AGIR <agente, objeto>. Assim, temos a seguinte configuração: um
predicador de dois lugares, ou seja, de dois argumentos (X AGIR Y), em que, após a fusão,
X tem o papel de agente e Y o papel de objeto. E estes, cindidos no padrão morfológico
de sufixo agentivo acrescido ao NOME.
Observando os aspectos que marcam a CAMGD, enquanto pareamento de
forma/sentido, nos termos de conceito de construção proposto por Goldberg
15
(1995), uma
dificuldade parece emerger, qual seja, o modo de expressar a compressão de
personificação prevista neste padrão construcional.
De fato, as construções agentivas mórficas, pela sua natureza sintética,
COMPRIMEM toda a cena enquadrada pela construção em seu argumento principal O
ATOR. Assim é que, em tratorista ou lixeiro, por exemplo, temos, na nomeação de um
AGENTE, a evocação de uma cena agentiva plena: tratorista ou aquele que dirige o
trator”.
Botelho (2004, p.87), ao propor a configuração acima, tenta expressar tal
compressão através de uma linha de fusão entre o predicador e o agente com o sufixo
(diagrama 9). Acontece, no entanto, que o instrumento goldberguiano, dado o seu caráter
linear, marcadamente estrutural, não se presta à expressão desse processo de fusão e
compressão entre a estrutura semântica e o padrão mórfico da construção.
15
Dentro da Gramática das Construções, nos modos goldberguianos, não há distinção entre léxico e gramática
e sim uma continuidade essencial, diferindo apenas em termos de especificação formal interna.
Semântica: AGIR < AGT. OBJ. >
R: Z < X Y >
Morfologia: [ sufixo agentivo ] [N]
Diagrama 9
Construção agentiva mórfica genérica denominal
Assim, para melhor explicitar tal processo de integração e compressão envolvido na
constituição da construção agentiva denominal, passamos a evocar um constructo teórico
alternativo: o processo cognitivo de mesclagem. Botelho (2004, p.96), embora também
propor o uso deste constructo teórico para desvelar a compressão de personificação, deixa
de avaliar, pelo menos não o faz de modo explicito, os limites do modelo de fusão proposto
pela Gramática das Construções de Goldberg (1995). Como constructo teórico fundamental
da Teoria dos Espaços Mentais, a mesclagem, promotora de integrações entre domínios,
define-se pelo seu caráter processual e multidirecional e pelo seu poder de compressão.
“Comprimir para compreender” é esse um dos objetivos da mescla (cf. seção 2.2.2). Nos
termos de Mandelblit (1997), tal processo pode ser visto como um instrumento vigoroso de
enriquecimento para a Gramática das Construções. A nosso ver, a mesclagem é também um
constructo relevante para a perspectiva instaurada pela Hipótese da Arquitetura Paralela
proposta por Jackendoff (2002).
4.2.1 A construção agentiva mórfica genérica denominal e o processo cognitivo de
mesclagem
Como pontuamos, as construções agentivas mórficas são projeções metafóricas
de proto-narrativas da mente humana, configuradas através do que estamos nomeando
como um processo de compressão de personificação. Tal processo cognitivo de integração
conceptual e formal, de caráter multidirecional e dinâmico, pode ser explicado através da
compressão metafórica e metonímica, que exprimem a condensação de todo um evento
(agente-ação-objeto) em seu protagonista (MIRANDA, 2004). Para melhor compreensão
deste fenômeno, usaremos o item lexical padeiro para efeito de formalização, evocando a
mescla proposta por Botelho (2004, p.97) para explicar a gênese das construções agentivas
lexicais:
Espaço genérico
O diagrama 10 nos mostra uma Rede de Escopo Duplo (cf. seção 2.2.1), uma vez
que temos dois domínios conceptuais (input 1 e 2) organizados por dois esquemas distintos.
No domínio 2, temos a informação de um esquema gramatical, em 1, temos expresso o
esquema de um evento concebido no mundo com a sua informação fonológica concreta
(pão+eiro). No domínio genérico temos uma protonarrativa espacial básica, (agente-ação-
objeto) que é o espaço de homologia dos domínios inputs. O domínio resultante, a
MESCLA, é formado pelas informações advindas de todos os domínios envolvidos. Agora,
passemos a explicação do exemplo tomado acima:
No input 1, temos o evento causativo experiencial concebido no mundo e sua
contraparte no léxico. Na estrutura conceptual estão as entidades mais genéricas e os papéis
do participantes desta cena: um ator (agente) desloca/manipula (age sobre) um objeto
(agido). Essa cena conceptual é projetada em uma estrutura lingüística. Assim temos o
Diagrama 10 : formalização do processo de mesclagem gerador de padeiro,
nos termos de Mandelblit (1997)
PROTONARRATIVA:
(Agente-Ação-Objeto)
EVENTOS SÃO AÇÕES
ATORES SÃO MANIPULADORES
Estrutura
Conceptual
Estr.
Morf.
AGENTE
status
baixo
AGIR
OBJETO
SUFIXO
AGENTIVO
NOME
Estr.
Ling.
Estrutura
Conceptual
EIRO
PÃO
ATOR
(entidade 1)
AÇÃO
OBJETO
(entidade 2)
Construção denominal
X-EIRO
[ [X] a eiro ] b
Evento causativo
concebido no
mundo
Input 2
Input 1
Espaço mescla
N _____ pão
SUFIXO _____ - eiro
[ [ pão ]
N
eiro
NAg
Estrutura
emergente
sufixo -eiro que comprime em sua forma o papel de ATOR/AGENTE e a própria AÇÃO; e
o NOME que é o OBJETO (pão).
No input 2, temos representada a estrutura lingüística abstrata, no caso, uma
construção morfológica disponível no repertório da língua, com sua estrutura binária: forma
(estrutura morfológica: [ [N] a [[SUFIXO] b] ] e significado (estrutura semântico-
pragmática: AGENTE-AÇÃO-OBJETO), com a marca pragmática de status baixo.
O esquema genérico é o espaço de homologia entre os inputs 1 e 2. O frame ativado
por esta e outras construções agentivas tem a seguinte base metafórica: EVENTOS SÃO
AÇÕES, ATORES SÃO MANIPULADORES.
A estrutura emergente é o resultado do processo de compressão dos inputs. Seu
produto, a MESCLA, é o instrumento cognitivo que nos permite “comprimir para
compreender” dentro da escala de compreensão humana, o significado exato da cena (cf.
seção 2.2.2). Citando ainda Botelho (2004, p.98) o que temos é uma “historinha” inteira
comprimida em seu agente. Talvez possamos ir mais longe sugerindo a hipótese de que os
processos de formação lexical são, de fato, compressões de diferentes “historinhas”.
Com base nesta hipótese, segundo Botelho (2004, p.98), poderíamos compreender
as nominalizações que comprimem e recuperam uma palavra em uma cena anterior, que
contém “agente-ação-objeto”. Entretanto o foco da compressão, desta vez, é a AÇÃO e não
o AGENTE. Isso fica claro nos exemplos abaixo:
O réu confessou o crime.
A confissão levou-o à prisão.
Antes de darmos prosseguimento à presente análise, é preciso fazer algumas
considerações. Em primeiro lugar, a idéia de uma construção genérica que insemina
formativos agentivos não é inédita. Conforme assinalamos, Botelho (2004) ancorada na
Gramática das Construções (Goldberg, 1995) postulou a construção agentiva lexical
genérica para explicar a grande rede polissêmica do x-eiro.
A diferença entre a postulação e Botelho (2004) e a nossa definição para a CAMGD
como um padrão abstrato, inserido no Léxico, está na incorporação de uma visão mais
flexível e enriquecedora do léxico, nos termos da Hipótese da Arquitetura Paralela, e no
conceito de ITEM LEXICAL decorrente dessa nova visada. A diferença, em resumo, está
na posse de constructos teóricos mais elaborados, capazes de melhor enquadrar o trabalho
anterior de Botelho.
4.3 Construção agentiva: o padrão dos denominais em x-ista
A partir dos padrões lexicais propostos nas seções precedentes, estamos postulando
a existência de uma categoria radial no Português do Brasil, a construção agentiva
denominal x-ista, configurada como uma rede polissêmica. Essa construção é uma forma
de instanciação da construção agentiva mórfica genérica denominal (cf. seção 4.2),
inserida, por sua vez, em uma construção mais ampla e abstrata, do padrão abstrato
agentivo genérico formal (cf. seção 4.1).
No processo de combinatoriedade da arquitetura paralela, a construção agentiva x-
ista, possui a seguinte especificação: estrutura formal [ [N]
N
ista ]
AG,
estrutura conceptual
de AÇÃO, recebendo, ainda, especificação fonológica parcial oriunda do sufixo -ista.
Frente aos padrões mais genéricos anteriores, tal item lexical se delineia com um grau
maior de especificidade, de concretude.
Com vistas a uma melhor compreensão desse padrão denominal, passamos, nas
subseções seguintes (cf. 4.3.1 e 4.3.2), a uma apresentação mais detalhada da estrutura
formal (morfológica) e semântica do mesmo, buscando retomar algumas contribuições da
tradição analítica gerativista e, em especial, da Hipótese Lexicalista.
4.3.1 Descrição morfológica do denominal x-ista
Morfologicamente, as construções agentivas sufixais em x-ista possuem a seguinte
configuração (MIRANDA, 1979):
[ [ X ]
N/Adj
– ista ]
N/Adj
Portanto, temos uma base nominal (substantivo ou adjetivo) ligada ao sufixo x-ista,
dando origem a formações denominais com função prototípica de substantivo, como
ilustram os exemplos abaixo:
Função substantiva:
Os psicanalistas continuam em voga.
Preciso consultar um bom cardiologista.
Função adjetiva:
*Os SN psicanalistas continuam em voga.
*Preciso consultar um SN cardiologista.
Entretanto, os formativos em x-ista que estão, paradigmaticamente, relacionados
com um correspondente em x-ismo (nomes), apresentam flutuação. A definição da
categoria de substantivo e adjetivo vai depender do contexto no qual a ocorrência está
inserida, como pode ser atestado nos seguintes exemplos:
Função substantiva:
Os teosofistas são seguidores de Blavatsky.
Os petistas estão sendo acusados de corrupção.
Função adjetiva:
As idéias teosofistas foram organizadas por Blavatsky.
Os ideais petistas estão perdidos no governo Lula.
A flutuação presente neste grupo pode ser explicada pela hipótese apresentada por
Botelho (2004, p.91). Segundo a autora, a agentividade em construções substantivas ou
adjetivas se estabelece em termos de relação semântico-pragmática de figura e fundo:
quando a construção é um substantivo, a construção agentiva é figura, quando a
construção é um adjetivo, a construção agentiva é fundo.
4.3.2 Descrição formal e semântico-pragmática de x-ista
Como assinalamos no capítulo 03, existe nas abordagens tradicionais um forte
consenso quanto à descrição semântica das formações em x-ista.
Miranda (1979), por exemplo, subdivide os formativos x-ista em dois grupos: (1)
especialidade, formado por denominais que respondem à paráfrase especialista em x’, a
exemplo de dentista, ortopedista, romancista, pianista; e (2) adesão, formado por
denominais que respondem à paráfrase partidário de x-ismo’, a exemplo de petista,
getulista, modernista, bramanista.
Nos manuais de gramática normativa e dicionários encontramos, via de regra, a
mesma proposta de agrupamento semântico. Basílio (1995), afirmando a distinção primária,
de natureza semântica, entre os dois tipos de formativos em x-ista, considera uma
semântica de adesão (o indivíduo que se caracteriza por uma atitude mental, definida por
seu objeto, expresso pela base da formação (marxismo/marxista)) e outra semântica de
atuação (o indivíduo que atua de um modo ou outro, sobre um objeto definido pela base
(violino/violinista)). A essa distinção semântica corresponde uma distinção categorial: as
formações em x-ista com semântica de adesão têm possibilidade natural de uso adjetivo, ao
contrário das formações com semântica de atuação, circunscritas ao uso substantivo.
As descrições apresentadas pela tradição formalista podem ser sumarizadas no
seguinte quadro
16
:
Estrutura formal (morfológica) [ [ X ]
N/Adj
ista ]
N/Adj
Estrutura semântico-pragmática
- agentivo
- X fazer Y onde X é humano
- semântica: adesão/atuação
- status mais elevado
16
As razões para o reconhecimento do x-ista como um agentivo marcado pelo status elevado foram
apresentadas no capítulo 3, nas seções 3.3.3, 3.3.2 e 3.3.3.
O fato é que os agrupamentos semântico-formais apontados (adesão e atuação) pela
tradição formalista, embora correspondam a intuições empíricas válidas, não deixam
entrever qualquer relação possível entre esses subgrupos de x-ista, o que tem levado a
postulação da homonímia para tais formações. Assim, são postuladas duas regras para o x-
ista, tomando tais formações como um caso de homonímia semântica (MIRANDA, 1979,
p.72-73), conforme apresentado no capítulo 03.
Nossa abordagem semântica, sem negar a pertinência descritiva das abordagens
anteriores, segue outro rumo, ditado pelo postulado da continuidade essencial entre léxico e
gramática, entre semântica e pragmática. Semanticamente, temos, conformeassinalamos,
uma estrutura conceptual de AÇÃO presente na construção agentiva mórfica genérica
(cf. seção 4.2) e no padrão abstrato agentivo genérico (cf. seção 4.1). Vale lembrar que, na
interface com a experiência física e social, tal estrutura conceptual, recobrindo um amplo
repertório de construções mórficas e sintáticas no Português do Brasil, se configura através
da projeção metáforica de uma proto-narrativa básica espacial agente volicional
movimenta/manipula objeto. Tal estrutura conceptual de AÇÃO, em nossa perspectiva
analítica, tem valor substantancial na definição dos submodelos ou clusters semânticos do
x-ista, oferecendo-nos a motivação sociocognitiva básica necessária para a configuração da
rede de sentidos desses agentivos como um caso de polissemia e não de homonímia como
passamos a tratar na seção 4.6.
A essa altura, nossas análises cumpriram a tarefa de explicar a postulação de uma
construção agentiva denominal x-ista como um padrão idiomatizado no léxico e, portanto,
como um item lexical permanente e recorrente. No entanto, duas questões permanecem
ainda em aberto, carecendo de definição, quais sejam, a gama de sentidos dessas
construções, que estamos recusando as tipologias tradicionais; e os limites de sua
produtividade.
Com vistas a completar nossa tarefa investigativa no que concerne a uma melhor
compreensão da gama de sentidos dos formativos em x-ista, de modo a comprovar a
existência de uma rede polissêmica, passamos, nas seções seguintes, à análise dos
Diagrama 11: Descrição formal, semântico-pragmática do denominal x-ista
submodelos semânticos desse grupo de agentivos. A questão da produtividade restrita será
tratada na seção 4.6.
4.4Os Clusters dos Agentivos Denominais em x-ista
Conforme assinalamos (cf. seção 4.3.1), a estrutura conceptual de AÇÃO seria, para
nós, a motivação sociocognitiva básica para a postulação dos enquadres
17
gerados pelas
formações em x-ista e para afirmação da existência de uma rede polissêmica. De fato,
estamos colocando em relevo a estrutura argumental subjacente a essas construções,
resultante da mescla entre papéis argumentais e relações gramaticais (morfológicas),
configurada nessa cena agentiva. Assim é que, “descomprimindo” as construções mórficas
agentivas em x-ista, a estrutura argumental explicitada revela a presença de dois tipos de
enquadres definidores de dois clusters
18
básicos de formações agentivas em x-ista. Os
clusters são os seguintes:
1. CLUSTER de ATIVIDADE: a cena enquadrada neste submodelo de agentivos
exprime um dado <fazer > (movimento/manipulação de objeto) localizado num
intervalo de tempo aberto, delimitado por dois eventos (início e final de uma
atividade). Assim, temos um script que implica um objeto manipulado que
pré-existe à ação:
17
Por enquadre entende-se uma estrutura (frame) semântico-lingüística que introduz uma perspectiva sobre
uma cena conceptual. O enquadre é um recorte que tem o efeito de colocar em foco determinadas porções de
significado da situação referenciada, subfocalizando ou desfocando outras inferíveis na cena. A tarefa da
gramática e do léxico (das construções) é suscitar enquadres diferentes. (MIRANDA, 2000, p.91).
18
Cluster models são definidos como um conjunto de modelos que se combinam para formar um
conglomerado complexo que é psicologicamente mais básico do que os modelos tomados individualmente
(LAKOFF,1987, p.74).
tratorista: o homem que DIRIGE trator
pianista: o homem que TOCA piano
montanhista: o homem que ESCALA montanhas
2. CLUSTER de CRIAÇÃO: o script evocado demarca um estado de coisas
dinâmico, localizado num dado intervalo, que exprime a passagem de um estado
para outro estado. Assim, temos o seguinte script: o objeto manipulado resulta, é
produto da ação exercida sobre ele (movimento de criação de um objeto):
Para Matheus (1989, p.39) tais cenas evocadas envolvem dois tipos de predicadores
distintos, quais sejam, predicador de processo e de evento. No entanto, a nosso ver, a
distinção é, de fato, de natureza aspectual
Estes grupos, definidos pelo enquadre da cena evocada (atividade e criação),
cognitivamente, estariam armazenados no léxico em forma de conglomerados ou clusters.
A postulação da existência de tais conglomerados, parte da natureza associativa da
memória, o que significa que falantes, ao categorizar, tentam fazê-lo através de instâncias já
aprendidas (GOLDBERG, 1985, p.133).
Se considerarmos esses dois clusters frente aos grupos semânticos de x-ista
propostos pela tradição analítica, veremos que os clusters em questão são marcados pela
semântica de ATUAÇÃO (cf. subseção 4.3.2).
Qual seria então o ganho de uma análise alternativa ancorada na definição de
clusters pela estrutura argumental, pelo enquadre de uma cena conceptual?
Considerando que nossa agenda investigativa implica responder à questão da
complexidade dos processos de integração conceptual das formações em x-ista, o ganho
primeiro seria a explicitação de outras regularidades semânticas parciais (cluster de
atividade e criação) para além de uma mera definição de uma semântica de ATUAÇÃO.
O ganho fundamental, no entanto, estaria na possibilidade de se postular uma
relação cognitiva de motivação entre esses dois clusters e entre o cluster de ATIVIDADE e
o subgrupo de ADESÃO, conforme veremos na seção seguinte. Tais elos cognitivos
permitem explicitar as relações de sentidos entre as formações em x-ista e anunciar a
maquetista: o homem que CONSTRÓI maquetes
ceramista: o homem que MODELA a cerâmica
novelista: o homem que ESCREVE novelas
existência de uma complexa rede polissêmica, em lugar de se afirmar a homonímia entre os
grupos de ATUAÇÃO e ADESÃO.
Para explicitar esses elos, passaremos a uma abordagem construcional desses
clusters, definindo-os como uma rede de construções associadas por elos de motivação e
herança.
4.4.1 A rede polissêmica dos agentivos em x–ista: a solução construcional
As alternativas analíticas apresentadas no percurso deste trabalho sustentam, de
modo reiterado, a continuidade essencial entre as construções morfológicas e sintáticas. É
esse suposto que nos permite evocar uma solução construcional para a gama de sentidos das
formações em x-ista, em paralelo com uma rede de construções sintáticas. Nossa intenção,
conforme explicitado, é aprofundar, nos termos da Gramática das Construções, a
compreensão dos elos cognitivos que subjazem à rede polissêmica que estamos postulando
para x-ista.
Neste sentido, o amplo quadro das construções sintáticas proposto por FERREIRA
(2005) pode ser uma pista para detectar o padrão construcional de x-ista. A autora,
ancorada nas postulações de Goldberg (1995) acerca das relações de herança e motivação
entre as construções, apresenta um esquema de generalizações sintáticas abstratas relativas
à ordem linear, marcação de caso e regularidades relativas às correspondências entre
funções temáticas e funções gramaticais, especificando uma rede de heranças
construcionais do Português do Brasil (PB) nos seguintes termos:
COM SUJEITO
SEM SUJEITO
INTRANSITIVAS
FENÔMENOS
DA
NATUREZA
Hi
Hi Hi
Hi Hi
CONSTRUÇÕES ORACIONAIS
Observando a rede de construções postuladas no diagrama 12 e analisando a
estrutura argumental presente nas construções agentivas em x-ista, em princípio, parece
clara a relação semântica entre os clusters, diferenciados pelos clusters de ATIVIDADE e
CRIAÇÃO, e duas construções sintáticas motivadas pela construção AGENTIVA: a
construção de movimento-causado e a construção resultativa. Assim é que em
“pianista”, cluster de ATIVIDADE, temos uma cena que focaliza o início de uma ação de
movimento/manipulação de um objeto (piano); em “novelista”, cluster de CRIAÇÀO,
temos uma cena que focaliza o resultado de uma ação de movimento/manipulação de um
objeto (a “novela” é resultado).
Observando as características particulares das construções referidas, teríamos os
seguintes padrões sintático/semânticos:
CONSTRUÇÕES SINTAXE SEMÂNTICA BÁSICA
Movimento-causado
[S V OBJ OBL ]
X causar Y mover Z
Resultativa
[ S V OBJ X comp ]
X causar Y tornar-se Z
TRANSITIVAS
ESTATIVAS
PROPOSICIONAIS
INERGATIVAS INACUSATIVAS
AGENTIVAS
AÇÕES ROTINEIRAS
MOVIMENTO
CAUSADO
RESULTATIVA
OBJETO INTERDITO
REFLEXIVAS
DESREFLEXIVAS
Hm
Hi
Hi
Hi
Hi Hi
Hi
Hi
Hi
Hi
Hs
Hs
Diagrama 12: Construções Oracionais do PB
Exemplos:
Hortência jogou a bola direto na cesta do adversário.
(movimento-causado)
O calor passou o gelo a líquido em poucos minutos.
(construção resultativa)
Contudo, a “descompressão” da cena implicada nas construções sintáticas e
morfológicas revelaria, nesse caso, uma gênese conceptual, de fato, comum?
Nas construções sintáticas, a estrutura argumental resulta da compressão, em uma
mescla complexa, de uma seqüência de dois eventos (EVENTO CAUSADOR e EVENTO
CAUSADO). No caso da construção de movimento causado, teríamos:
Hortência jogou a bola direto na cesta do adversário.
1.Evento causador – Agente1 AGIR
2.Evento causado – Agente2 MOVER direção
Parafraseando as etapas dos eventos, teríamos:
Hortência CAUSOU a bola MOVER-SE em direção à cesta .
EVENTO CAUSADOR EVENTO CAUSADO
De fato, temos um script distinto nas cenas evocadas pela construção agentiva
morfológica em x-ista. Trata-se de uma construção transitiva canônica em que se verifica a
compressão de um evento causador, único, em um script de um ato e não de dois, como as
construções sintáticas de movimento causado e resultativa.
Embora reconhecendo tal diferença em termos de estrutura argumental mais ou
menos complexa, é certo que as construções mórficas em questão preservam uma
semântica de ação de movimento (motorista, iatista, pianista) e de resultado (novelista,
desenhista, paisagista) presentes nas construções sintáticas. Daí, passarmos a nomeá-las
desse modo, de forma a fazer lembrar o paralelismo, a continuidade entre construções
morfológicas e sintáticas.
Frente ao exposto, estamos propondo o cluster de ATIVIDADE (manobrista,
flautista, dentista) como construção central e passando a nomeá-lo como CONSTRUÇÃO
DE MOVIMENTO. A proposta de centralidade dessa construção deve-se à cena de
manipulação/movimento “real” evocado, nos termos da proto-narrativa espacial básica (cf.
seção 2.4.1).
O cluster CRIAÇÃO (romacista, letrista, maquetista) passa a ser nomeado como
CONSTRUÇÃO DE RESULTADO, dado que a sua manipulação/movimento dá-se sobre
um objeto que só passa a existir como resultado da ação do agente.
Uma terceira construção seria a CONSTRUÇÃO DE ADESÃO (modernista,
bramanista, pefelista) é motivada metaforicamente pelo cluster de ATIVIDADE. Nesse
caso, a projeção metafórica implica movimento/manipulação sobre um objeto de ordem
mental (manipulação de objeto mental). Em outros termos, o movimento para um espaço
(metafórico) ideológico.
O aprofundamento da explicitação desses elos será objeto da próxima seção. No
momento, passamos à formalização esquemática da construção central (construção de
movimento) nos termos do processo cognitivo de mesclagem, que pode ser assim
representada:
SUFIXO
Ag
NOME
AGENTE
AGIR SOBRE
MOVER
OBJETO
concreto
CONSTRUÇÃO AGENTIVA
MÓRFICA GENÉRICA
DENOMINAL
[ [ N ] SUFIXO]
Ag
Estrutura
Gramatical
Mórfica
Estrutura
Conceptual
Item lexical
armazenado
N ( piano )
SUFIXO ( ISTA )
Domínio mescla
Domínio 1Domínio 2
Espaço genérico
( PIANISTA )
Estrutura emergente
Evento
causal
No diagrama 13 em Rede de Escopo Duplo, temos, no Input 1, uma cena concebida
no mundo (agente- AGIR-MOVER-objeto), que é projetada em sua contraparte no léxico,
no input 2, com a estrutura gramatical formada pelo sufixo (-ista) e por um Nome base (no
caso, piano). O espaço genérico, homólogo aos dois domínios, é constituído pela
construção agentiva mórfica genérica denominal que, por sua vez, enquadra o x-ista. A
estrutura emergente é o resultado do processo cognitivo de compressão desses inputs, é
onde se processa, ainda, o entendimento global, resultante da compressão de todas as
relações elencadas (identidade, percepção de causa e efeito, mudança, tempo, parte-todo,
representação, papel, analogia, desanalogia, propriedade, similaridade, categoria,
intecionalidade), que se nomeia como Relação Vital de UNICIDADE (cf. seção 2.2.2). E,
finalmente, no espaço mescla, temos o produto da compressão dos dois inputs, resultando
na formação pianista.
A solução teórica desenhada a partir da MESCLA pode ser assim resumida: o
acervo das construções de movimento e de resultado no léxico implicaria em formas
lexicalizadas de dois tipos: sintéticas (palavras) e analíticas (orações). Na medida da
necessidade comunicativa, evocaríamos um script mais completo (construção sintática) ou,
com vistas à nomeação, dispensaríamos argumentos desnecessários ao enquadre desejado,
como a direção do objeto em movimento, realizando ainda a COMPRESSÃO de
personificação (a compressão morfológica).
Tal achado analítico representa, a nosso ver, uma forte evidência em favor da
hipótese da continuidade entre os padrões semi-produtivos sintáticos ou morfológicos.
Significa, ainda, um forte argumento de validação externa para o desenho das redes de
construções sintáticas proposto por Goldberg (1995) e redesenhado por Ferreira (2005). O
fato é que a busca de explicação para um padrão construcional morfológico nos conduziu a
uma solução teórica paralela para os padrões sintáticos.
Diagrama 13: Construção Central dos agentivos em x-ista
4.4.2 Os Elos Entre as Construções em x-ista
Nessa perspectiva analítica, portanto, a construção agentiva denominal em x-ista se
organizaria em uma rede polissêmica em que a construção de movimento seria uma
possível instanciação da construção agentiva genérica denominal (padrão mais abstrato e
aberto) e motivaria a construção de resultado e a construção de adesão que seriam suas
herdeiras, através de elos metafóricos distintos. Assim, nesse traçado, teríamos a seguinte
rede polissêmica de construções agentivas denominais em x-ista:
CONSTRUÇÃO AGENTIVA MÓRFICA GENÉRICA
Construção de Resultado
Construção de Adesão
Elo metafórico
Elo metafórico
Construção de Movimento
( central )
Sufixo
Ag
Nome
Agente
AGIR SOBRE
MOVER
Objeto
(CONCRETO)
N (piano)
SUFIXO (ISTA)
PIANISTA
Estr.
Mórfica
Estr. Conceptual
O diagrama 14 mostra, portanto, uma construção central (Construção de
Movimento) que motiva, via elo metafórico, as Construções de Resultado e de Adesão
19
. A
afirmação da centralidade da construção de movimento, como foi salientado, deve-se ao
fato de esta envolver movimento/manipulação “real”, marcando uma cena prototipicamente
transitiva, a mais básica cena projetada das proto-narrativas espaciais.
Os elos metafóricos presentes nessa herança seriam os seguintes:
1. Na relação entre a Construção de Movimento e a Construção de Resultado,
temos uma projeção metafórica (Goldberg, 1995:83-84) em que “a mudança de
lugar” ou ”mudança de estado” são compreendidos como movimento.
Exemplos: maquetista, figurinista, estilista. Assim em “projetista”, a existência
de um objeto novo no mundo, como ‘resultado’ da ação do agente, equivale a
uma mudança de estado projetada, metaforicamente, como movimento.
2. No caso da relação entre a Construção de Movimento e a Construção de
Adesão, temos a ação do agente sobre um objeto mental (idéias,
19
Não trataremos da relação paradigmática existente entre x-ista/x-ismo. Miranda (1979) propõe a existência
de um padrão morfológico entre esses sufixos (ver seção 3.3.2 neste trabalho). Vale marcar, no entanto, a
expansão, por analogia, das formações em x-ismo para outra construção da rede (a construção de movimento
(ciclista / ciclismo; motociclista / motociclismo; turista / turismo) e mesmo para outras construções do
Português do Brasil ( atleta / atletismo; rádio-amador / rádio-amadorismo)
Sufixo
Ag
Nome
Agente
AGIR SOBRE
FAZER
Objeto
(RESULTADO)
Sufixo
Ag
Nome
Agente
AGIR SOBRE
ADERIR
Objeto
(MENTAL)
N (romance)
SUFIXO (ISTA)
ROMANCISTA
N (social)
SUFIXO (ISTA)
SOCIALISTA
Estr.
Mórfica
Estr. Conceptual
Estr.
Mórfica
Estr. Conceptual
Diagrama 14: Rede polissêmica x-ista
comportamentos e conceitos). Exemplo: socialista, teosofista, santista, egoísta,
escapista, etc. A projeção metafórica aqui se expressa através da metáfora do
conduto (Lakoff, 2002. p.15), a qual pode ser evocada para explicar como uma
“idéia” pode ser entendida/projetada como um objeto. Nessa metáfora,
explicitada por Michael Reddy (1979, apud LAKOFF, 2002, p.15-19) a
comunicação é concebida como um conduto em que idéias, conhecimentos e
significados, são entendidos como objetos e, por sua vez, possíveis de serem
transportados de um ponto a outro em um determinado canal livro, pessoa,
fala, música, etc. A Construção de Adesão cobriria o
deslocamento/manipulação desses “objetos mentais”.
4.5 Os Limites Semântico-pragmáticos das Construções em x-ista: a Questão da
Produtividade
A questão da produtividade das formações agentivas em x-ista implica duas
questões distintas e complementares. A primeira diz respeito ao reconhecimento de que se
trata de um padrão lexical produtivo, isto é, de um padrão disponível para novas formações;
e a segunda concerne ao território da Morfologia semi-produtiva a partir do qual deve-se
indagar as condições limitadoras da produtividade dessa construção.
As duas questões mereceram atenção especial dentro da Hipótese Lexicalista
(ARONOFF, 1976; BASÍLIO, 1977, apud MIRANDA, 1979).
Em relação à regra lexical de formação de x-ista, Miranda (1979) reconhece a alta
produtividade da mesma e busca uma solução teórica para lidar com a gama de sentidos
dessa formação. Dada a premissa posta pelos lexicalistas acerca da relação entre
transparência (uma Regra de Formação de Palavra é transparente desde que possamos
prever o sentido de qualquer forma resultante dela, assim como as condições fonéticas e
sintáticas da base) e produtividade (uma regra presta-se a produção de novos itens), as
formações em x-ista, caracterizadas por uma gama de sentidos e por uma relativa flutuação
entre N/Adj em que seu output, são em princípio, um caso de contra-exemplo a tal
premissa: são opacas e, a um só tempo, produtivas.
Para fugir desse problema e explicar a produtividade dessas formações, Miranda
(1979, p.60) postula a existência de dois processos morfológicos homófonos e distintos,
refazendo, em parte, o conceito de transparência (cf. seção 3.2.2). Dessa forma, busca
desfazer a “opacidade” de x-ista e garantir a motivação de sua produtividade.
Quanto à segunda questão, a indagação posta por Miranda (1979) é a seguinte:
frente à existência de diversas regras morfológicas de formações agentivas denominais, tais
como x-ista, x-eiro e x-o, o que delimitaria as condições de produtividade de cada um
desses grupos?
Uma das hipóteses levantadas pelos lexicalistas é a noção de Bloqueio, ou seja, a
ocorrência de uma nova forma é impedida devido ao fato de o léxico dispor de outra
forma com o mesmo valor (ARONOFF, 1976, apud MIRANDA, 1979). Basílio (1977,
apud MIRANDA, 1979) estuda a noção de Bloqueio de Aronoff no nível dos padrões
relacionais gerais, propondo uma hipótese de bloqueio paradigmático, isto é, uma regra
será bloqueada pelas demais regras produtivas quando essas pertencerem ao mesmo
paradigma.
Ancorada nesse suposto paradigmático, Miranda vai postular as restrições de
produtividade de três grupos de agentivos denominais (x-ista, x-eiro, x-o), a partir de uma
concorrência entre paradigmas marcados pelos traços de [+/ - formal] ou [+/- intelectual].
A autora chega a afirmar a existência de “uma distribuição complementar” entre tais
regras morfológicas, decorrente de um padrão social que atribui maior valor às atividades
intelectuais. Nas palavras da autora:
As atividades que em nossa cultura são consideradas de maior prestígio seriam
designadas por agentivos em x-ista (sem esquecer dos agentivos x-o que
concorrem x-ista); enquanto os ofícios de menor prestígio sociocultural ou
mesmo marginalizados seriam expressos por x-eiro. Em termos mais absolutos,
as regras em x-ista e x-eiro resultariam, pois, como definidoras de status.
(MIRANDA, 1979, p.86-87).
O reconhecimento de restrições não apenas formais entre os paradigmas
concorrentes e a invocação de um modelo social de organização do trabalho constituem-se
como uma vigorosa contribuição para a compreensão das condições de produtividade desse
agentivos.
O redesenho sociocognitivo dessa proposta, dentro de dimensões semântico-
pragmáticas, é o que passamos a apresentar.
4.5.1 Agentivos denominais e o MCI de TRABALHO
Na perspectiva da Hipótese Sociocognitiva, os conhecimentos produzidos
socioculturalmente são organizados em esquemas conceptuais, definidos como Modelos
Cognitivos Idealizados (MCI). Miranda (1999, p.83) afirma que esses esquemas m por
função possibilitar o domínio, a lembrança e o uso de um determinado conjunto de
conhecimentos adquiridos na vida diária (cf. seção 2.2.1).
Nesses termos, podemos postular a existência de um MCI de TRABALHO que, em
seus submodelos ou clusters, definiria as limitações de produtividade dentro do mesmo
padrão genérico (Construções agentivas mórficas genéricas denominais (cf. seção 4.1)),
recobrindo as construções em x-o, x-ista e x-eiro.
Como conceito, estruturado pela sociedade, o MCI de TRABALHO pode ser
compreendido da seguinte forma:
Como um conjunto de atividades em que se aplicam as forças e faculdades
humanas para alcançar um determinado fim; como atividade coordenada de
caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço
ou empreendimento; é uma atividade produtiva por isso remunerada ou
assalariada; significa ainda: serviço, emprego, qualquer obra realizada, lida,
labuta e local onde se exerce essa atividade. (Dicionário Aurélio, 2000, p.679).
Nesta definição, podemos constatar que este conceito abarca diversos tipos de
atividades, que vão desde as atividades braçais, que envolvem força física, até as de
natureza intelectual. É a partir dessa divisão do trabalho que se estruturam os clusters que
nos interessam na presente análise. Tais clusters se distribuem verticalmente dentro da
metáfora estrutural
20
da pirâmide (LAKOFF, 2002. p. 59-69) que, iconicamente,
representa a estrutura hierárquica definidora das classes sociais nos seguintes termos
orientacionais: STATUS SUPERIOR É PARA CIMA e STATUS INFERIOR É PARA
BAIXO (LAKOFF, 2002. p. 63). Assim, da base da pirâmide até o topo, temos a classe
social baixa, desprovida de bens não materiais como simbólicos, e as classes,
gradativamente mais providas desses bens (classes média e alta). Tal hierarquia se projeta,
associativamente, no MCI de Trabalho nos termos seguintes: na base (em baixo) temos as
profissões do “fazer”, envolvidas com a força física, menos prestigiadas. Verticalmente e,
gradativamente, temos as profissões especializadas, intelectualizadas, e cada vez mais
relacionadas com o “saber”, com status superior.
Nesses termos, definiríamos, esquematicamente, três clusters do MCI de Trabalho,
através dos quais é delimitada a relação de produtividade “complementar” entre as
construções denominais x-o, x-ista, x-eiro:
No caso do x-o, teríamos um cluster numericamente mais reduzido e organizado em
torno de agentivos que definem atividades altamente especializadas, normalmente restritas
a ambientes acadêmicos e de pesquisa, a exemplo de filósofo, sociólogo, paleontólogo,
biólogo, arqueólogo
21
, etc. em x-ista, teríamos um cluster organizado em torno de
agentivos que indicam alguma especialidade, seja intelectual, tecnológica ou artística,
atividades que se encontram distribuídas em vários setores sociais, desde a academia até
setores públicos e privados, a exemplo de jornalista, eletricista, lingüista, paisagista,
umbandista, etc. Por fim, com relação a x-eiro, teríamos um cluster bastante abrangente,
que organizaria atividades que não requerem especialização, normalmente braçais, que
alcançam os setores sociais menos prestigiados (faxineiro, lixeiro, jornaleiro, pedreiro,
costureiro, etc.)
Outras expressões metafóricas entram em cena na relação desses clusters do MCI de
Trabalho com os clusters de construções denominais. Botelho (2004), em seu trabalho
sobre o x-eiro, vai explicar a grande gama de sentidos dessa construção através da rede
polissêmica que, tendo como base prototípica a categoria dos agentivos humanos
(lavadeira, sapateiro, bombeiro, carcereiro), se expande, através de um processo
20
Metáforas estruturais: estruturam, metaforicamente, certos conceitos em termos de outro. (LAKOFF, 2002,
p.59).
21
A Origem erudita e o acento proparoxítono contribuem com a restrição numérica e semântico-pragmática
do cluster em x-o (MIRANDA, 1979, p. 82-83).
metafórico de PERSONIFICAÇÃO, para a designação de objetos, fenômenos, estados
negativos (lixeira, nevoeiro, bobeira, respectivamente). O curioso é que apenas as
construções em x-eiro projetem essa herança de AGENTIVIDADE para além do domínio
humano. Isto não acontece com x-ista e, muito menos, com x-o. Novamente, uma base
metafórica orientacional comparece: PARA CIMA É BOM; PARA BAIXO É RUIM
(LAKOFF, 2002. p.63). Assim, o cluster de x-eiro carrega o peso de estar “em baixo”,
apresentando uma rede de construções que herdam esse status. É este aspecto,
particularmente, que vai determinar a semi-produtividade da construção x-ista, tendo em
vista que este denominal é usado para referenciar agentividade humana (tratorista,
figurinista, barista, ginecologista, letrista).
Em síntese, portanto, o cluster x-ista pode ser definido pela agentividade marcada
pelo traço humano e pelo traço de status mais elevado.
Entretanto, esses clusters que organizam os agentivos denominais também podem
ser entendidos como categorias, e como tal, podem sofrer o que Fauconnier & Turner
(2002. p.269) definem como metamorfoses categoriais, ou seja, as categorias não se
encontram estanques, são passíveis de mudança, como qualquer conhecimento humano de
uma determinada época, tendo em vista a necessidade, alargamento ou a imprecisão de suas
“fronteiras”. Um exemplo seria o agentivo de “faxineira”. Com as últimas mudanças que
enquadram tal profissão, a partir do reconhecimento dos direitos trabalhistas, tal
profissional passa a receber a designação de “diarista”, uma espécie de ascensão dentro da
pirâmide – denominal e social.
Aparentemente teríamos também contra-exemplos em formações como manobrista,
frentista, taxista, dada a posição dessas profissões na pirâmide social, mas tais formações
podem ser explicadas por associação/analogia (cf. seção 2.2.2) dentro do MCI de
PROFISSÕES relacionadas à manipulação de veículos, lideradas pelo agentivo
motorista”.
Em termos da Gramática das Construções, as fronteiras de produtividade erigidas
entre as diferentes construções agentivas denominais do Português poderiam ser explicadas
pelo Princípio da Expressividade Maximizada (o repertório de construções de uma
língua é maximizado procurando atender às necessidades comunicativas) e pelo Princípio
da Economia Maximizada (o repertório de construções não excederá as necessidades
comunicativas em uma dada língua) (GOLDBERG, 1995, p.67).
4.6 Os Limites de um Padrão Construcional
Cabe ressaltar, a essa altura, que a postulação de um padrão construcional para x-
ista, nos termos que acabamos de descrever, não significa um “acerto de contas final”. É
certo que um padrão construcional como esse não determina qual das construções herdeiras
está sendo evocada. Assim, para tratorista poderíamos evocar tanto a construção de
movimento como é o caso (‘aquele que dirige, movimenta o trator’), como a construção de
resultado (‘aquele que faz/constrói o trator’), não o fazemos, porque esta forma está
armazenada em nossa memória de longo-termo. Em uma forma nova como cruzadista, só o
contexto vai ratificar se este agente é aquele que cria palavras’ (construção de resultado)
ou aquele que faz uso delas’ (construção de movimento). Em alguns casos, o enquadre
metonímico apontado permitirá a compreensão do sentido do agentivo, dentro de uma
cena fortemente marcada pelo contexto de produção. É o caso do neologismo barista” do
PB que, ao usar o nome bar, aponta o cenário da ação, mas não nos a pista do sentido
especifico (‘aquele que faz drinks de café em um bar’) em contraponto ao barman que
prepara drinks genéricos’ no mesmo cenário.
Nesse ponto vale evocar princípios fundamentais que sustentam a Hipótese
Sociocognitiva da Linguagem, quais sejam, o Princípio da insuficiência do significante
(SALOMÃO, 1999, p. 66) e o Princípio do partilhamento no processo de significação
(MIRANDA, 2001, p. 61). Nos termos de Fauconnier (1994: xxii apud MIRANDA, 2000,
p.33), “a linguagem não porta o sentido, mas o guia”. Tais princípios implicam na
afirmação séria sobre o caráter compartilhado, dinâmico da construção dos sentidos, enfim,
na afirmação do contexto pragmático (atores e enquadre sociointeracional) como parte da
arquitetura do específico lingüístico, ao lado da estrutura formal, e não como seu pano de
fundo em “cenas raras”.
Nesses termos, cada formação emergente do padrão construcional x-ista, ainda que
carreie consigo a arquitetura semântica da rede, vai evocar enquadre semântico-pragmático
específico, metonimicamente, apontado pela sua variável x (o objeto manipulado o nome
de base trator, por exemplo) e ratificado pelo contexto pragmático específico gerador do
agentivo.
É por tudo isso que cada output dessa rede de construções deverá estar listado, pelo
menos naquilo que tem de singular, idiossincrático, no léxico como um item lexical
(JACKENDOFF, 2002. p.152-230).
4.7 A Centralidade das Projeções Figurativas na Configuração da Rede das
Construções em x-ista.
Conforme explicitado na seção 2.4, as projeções figurativas têm um papel
fundamental nas análises apresentadas até aqui, conduzindo à ratificação da hipótese, da
centralidade dos processos metafóricos e metonímicos na configuração da rede polissêmica
do x-ista.
De modo a tornar mais explícita esta centralidade, apresentamos, na presente seção,
um quadro das principais manifestações figurativas nas construções da categoria radial x-
ista.
No caso das projeções metonímicas, temos a sua manifestação principal em três
situações na construção x-ista:
(1) na COMPRESSÃO DE PERSONIFICAÇÃO, haja visto que toda expressão
mórfica denominal de agentividade é, em si, resultado de uma projeção
metonímica (PARTE PELO TODO), o que se tem é toda uma cena comprimida
em um elemento, o agente/ATOR (‘aquele que escala montanhas’/montanhista,
aquele que pinta paisagens’/paisagista, ‘aquele que trata dos
olhos’/oftamologista);
(2) outra projeção metonímica (PARTE PELO TODO) pode estar no Nome que
forma a base dos agentivos. Aqui temos, também, um elemento (parte) que,
iconicamente, aponta a cena enquadrada, remetendo ao todo. É assim que
tênis’ em tenista define o enquadre não pelo objeto manipulado (a bola), mas
pela designação da atuação esportiva. No caso de desenho em desenhista,
temos o produto da ação do agente evocando a cena da atuação artística.
(3) No caso das construções de adesão, a metonímia vai ter um papel crucial na
explicação da diversidade de categorias gramaticais que compõem a sua base.
Temos nomes comuns (futuro/futurista; reforma/reformista), nomes próprios
(Marx/marxista; Lenin/lenilista; Getúlio/getulista), adjetivos (real/realista,
concreto/concretista) e até algumas, ainda que raras, bases verbais
(continuar/continuísta, escapar/escapista, entregar/entreguista). Por trás dessa
aparente “desordem”, existe, de fato, uma lógica promovida pela projeção
metonímica, que vai conduzir um processo de nomeação a partir de uma
relação vital parte/todo. Assim, qualquer dessas categorias da gramática é um
ícone da cena conceptual evocada, servindo, de fato, à nomeação, à designação
do todo (a idéia , o conceito ao qual se adere) pela sua parte mais relevante (o
mentor da idéia, a substância ou a característica da idéia, a ação focal). Tal
processo projetivo comparece igualmente na forma em x–ismo que se articula
no padrão x-ista/x-ismo: getulismo, marxismo, futurismo, escapismo, realismo.
No caso das projeções metafóricas que compõem a rede polissêmica do x-ista,
temos as seguintes ocorrências:
(1) uma micro-narrativa (Agente, Ação, Objeto), em termos de esquema
imagético (agente desloca/manipula objeto), projetada e comprimida nas cenas
dos agentivos denominais em sua expressão sintética;
(2) a metáfora do conduto presente no elo metafórico entre as construções de
movimento e a de adesão constituintes da rede polissêmica do x-ista;
(3) a metáfora mudança de estado é movimento/deslocamento” presente no
elo metafórico que liga a construção de movimento à construção de resultado
da rede o x-ista;
(4) a metáfora orientacional embutida na metáfora estrutural da pirâmide,
estrutura não apenas a idéia que temos da sociedade, em termos hierárquicos,
mas também o MCI de TRABALHO e, por extensão, os clusters dos agentivos
denominais.
Cabe acrescentar ainda a natureza das relações vitais, comprimidas nessas redes de
integração conceptual, geradoras dessas construções metafóricas. Conforme apontado nesta
seção, a relação vista PARTE-TODO está fortemente presente, assim como as relações
identidade, analogia, desanalogia, percepção de causa e efeito, papel, representação,
categoria, intencionalidade, unicidade.
O desvelamento destas projeções na análise da rede polissêmica do x-ista corrobora
a experiência como fundamento no processo de estruturação da cognição, do pensamento e,
conseqüentemente, da linguagem. Em outros termos, afirma-se o fundamento do corpo na
constituição do pensamento humano, bem como o papel da imaginação como ferramenta de
produção e projeção de significados. Nos termos de Turner (1996, p.05), tais projeções
metafóricas e metonímicas são uma evidência da capacidade parabólica da mente humana,
isto é, da capacidade de projetar histórias em outras histórias e mais outras, construindo a
gramática, o léxico, os textos, o discurso.
Considerações finais
Neste capítulo, apresentamos os resultados do estudo acerca do agentivo denominal
x-ista, analisado à luz dos pressupostos teóricos que norteiam a Hipótese Sociocognitiva,
bem como através da contribuição fundamental da Hipótese da Arquitetura Paralela e da
concepção mais flexível e abrangente do léxico advindos do trabalho de Jackendoff (2002).
Dentro da agenda analítica proposta no presente estudo, acreditamos poder afirmar
o cumprimento dos seguintes pontos principais:
(1) Desvelamento da gama de significações das formações em x-ista mediante a
postulação da existência de uma rede de padrões construcionais agentivos, em
diferentes níveis de abstração, armazenadas no léxico e estruturada a partir dos
seguintes nós: (a) padrão abstrato agentivo genérico, capaz de recobrir as
construções agentivas sintéticas (mórficas) e analíticas (sintáticas); (b)
construção agentiva mórfica genérica denominal instanciada a partir do
padrão (a); e (c) rede de construções agentivas denominais em x-ista,
constituída a partir da Construção de Movimento e ampliada, por elos
metafóricos, através das Construções de Resultado e de Adesão;
(2) Comprovação, mediante desvelamento das múltiplas formas de integração
conceptual intrincadas nos processos de formação em x-ista, da existência de
uma rede polissêmica em lugar da homonímia postulada para tais formações
pelas análises formalistas;
(3) Explicitação das restrições de produtividade dos agentivos denominais através
da associação dos mesmos à metáfora da Pirâmide que, metonimicamente,
estrutura o MCI de Trabalho.
Os ganhos obtidos em nosso percurso analítico representam, a nosso ver, uma
contribuição significativa às teses sociocognitivas da linguagem. Sobre eles nos
deteremos no capítulo de conclusão deste trabalho.
5 CONCLUSÃO
Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Pergunte, sem querer ‘a’ resposta.
Não se preocupe em ‘entender’.
Viver ultrapassa todo o entendimento.
Clarice Lispector
“Não há nenhum sentido morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia o seu renascimento”
M. Bakhthin
O primeiro desafio enfrentado neste trabalho foi o recorte de nossa matéria
investigativa dentro do campo da denominada Morfologia Derivacional (a morfologia semi-
produtiva, nos termos de Jakendoff (2002)) e do Léxico. Dada à tradição formalista
sintatocentrista, hegemônica na segunda metade do século XX, a morfologia derivacional
esteve, via de regra, à periferia das agendas analíticas de diversas tendências.
Dentro da tradição estruturalista, a visão atomística do morfema, que em ordenações
lineares compunha o todo, previsível e transparente, levou a grandes impasses analíticos (cf
cap.3). No caso da tradição gerativista, os fenômenos morfológicos derivacionais
receberam, nos modelos iniciais, um tratamento sintático. Regras transformacionais, a
exemplo das regras de transformação das nominalizações, foram postuladas para dar conta
de fenômenos morfológicos. A recalcitrância dos fenômenos morfológicos a tal tratamento
derivacional e algorítmico levou a Teoria Gerativa à postulação da Hipótese Lexicalista (cf
cap.3). Com o advento dessa hipótese, separa-se o componente morfológico, considerado
semiprodutivo, do resto da gramática, considerada regular e produtiva. A idéia de um
domínio de regularidades parciais autônomo, com princípios e regras próprias (componente
morfológico), vai levar os lexicalistas a rechaçarem qualquer suposição de aproximação
entre esse domínio e o da sintaxe. Isto não impede, no entanto, que esse módulo seja regido
por fundamentos derivacionais amplos do modelo gerativista. Assim, RFPs são
configuradas, como acontece com as regras sintáticas, pelos aspectos estruturais
(categorias gramaticais de base (N , Adj, V...). Acrescidas de afixos e observadas as
restrições impostas pela entrada lexical, são atadas a princípios de previsibilidade e
transparência. De fato, como enfatiza Salomão (2004), em um instigante trabalho sobre o
problema da especificação da estrutura argumental, a ênfase teórica do modelo gerativista
22
,
nesse período, recai sobre os aspectos estruturais e não sobre os aspectos relacionais
(funções temáticas e relações gramaticais).
Nesses termos, ainda que meritória, por colocar em relevo padrões e regras de
produção lexical, a hipótese lexicalista vai negligenciar uma lista enorme de fenômenos
“mal comportados”, para os quais não é capaz de encontrar explicação.
O percurso teórico-analítico dessa dissertação foi outro. Dialogando com o
paradigma gerativista, a solução construcional (cf. cap. 4) apontada neste trabalho para o
tratamento de fenômenos morfológicos recupera, do Modelo Padrão, a relação possível
entre construções sintáticas e mórficas (postulada para as nominalizações). O tratamento
não-derivacional, não-linear, não-modularista, acrescido de uma visão mais flexível e
ampliada do léxico (JACKENDOFF, 2002), nos possibilitou, no entanto, o redesenho dessa
relação em outros termos. Ao postular um padrão abstrato agentivo genérico, capaz de
recobrir construções sintáticas e mórficas, e, ao explicitar uma rede de relações
polissêmicas das construções X-ista, através do desvelamento dos elos metafóricos em sua
22
O paradigma gerativo vai evoluir, em modelos da década de 1980 ( Teoria dos Princípios e Parâmetros) ou
atuais (Programa Minimalista), para o reconhecimento da relevância da definição de relações gramaticais
(Teoria do Caso) e mesmo da especificação temática. A visão modularista se repete, no entanto: a grade
temática é importada do léxico e as relações gramaticais são atribuídas derivacionalmente. Tal desconexão
impede o vislumbramento da natureza simbólica das estruturas argumentais (SALOMÃO,2004:7).
estrutura argumental, pudemos marcar a continuidade essencial entre padrões semi-
produtivos gramaticais (construções agentivas de Movimento Causado e de Resultado) e
morfológicos (Construções agentivas de Movimento, de Resultado e de Adesão).
Como, mesmo dentro do domínio da investigação de viés sociocognitivista, os
fenômenos morfológicos permanecem à margem da agenda principal, o tratamento
construcional adotado em nosso trabalho teve que se erguer a partir de uma complexa
tarefa, qual seja, a de repensar os constructos teóricos cognitivistas, postos de forma muito
mais relevante para a sintaxe, projetando-os na dimensão dos fenômenos morfológicos. Ao
privilegiar o estudo de processos de integração conceptual em construções frasais,
expressões idiomáticas, palavras, negligenciados pelos paradigmas formais, o foco nos
padrões mórficos internos, definidores das semelhanças e diferenças dentro do contínuo
de relações entre fenômenos sintáticos e morfológicos parcialmente produtivos, tem estado
a descoberto. Essa foi uma lacuna que tentamos preencher, ainda que certos da
complexidade da tarefa ante os limites dessa dissertação.
Em se tratando também do objeto de estudo recortado, as formações em x-ista, a
escassez de trabalhos, nas diferentes tradições analíticas, foi um fato constatado em nossa
investigação. Na perspectiva gerativista, o trabalho de Miranda (cf. cap 3 e 4) serviu de
contraponto principal ao nosso diálogo. Dentro da abordagem cognitivista presentemente
assumida, não tivemos conhecimento de nenhum trabalho na literatura brasileira.
De modo sucinto, pontuamos nos itens abaixo, os principais achados analíticos de
nosso estudo:
(1) Desvelamento da gama de significações das formações em x-ista
mediante a postulação da existência de uma rede de padrões
construcionais agentivos, em diferentes níveis de abstração, armazenada
no léxico e estruturada a partir dos seguintes nós: (a) padrão abstrato
agentivo genérico, capaz de recobrir as construções agentivas sintéticas
(mórficas) e analíticas (sintáticas); (b) construção agentiva mórfica
genérica denominal instanciada a partir do padrão (a); e (c) rede de
construções agentivas denominais em x-ista, constituída a partir da
Construção de Movimento e ampliada, por elos metafóricos, através
das Construções de Resultado e de Adesão.
(2) Comprovação, mediante desvelamento das múltiplas formas de
integração conceptual intrincadas nos processos de formação em x-ista,
da existência de uma rede polissêmica em lugar da homonímia
postulada para tais formações pelas análises formalistas.
(3) Explicitação das restrições de produtividade dos agentivos denominais
através da associação dos mesmos à metáfora da pirâmide que,
metonimicamente, estrutura o MCI de Trabalho.
Dialogando com as contribuições e lacunas da tradição formalista ou
assumindo contribuições contemporâneas de peso para as teses sociocognitivas, a
relevância de nosso percurso teórico-analítico, em termos de sínteses teóricas mais
amplas, situa-se na medida em que:
1. Rechaça a dicotomia entre internalidade e externalidade, afirmando a força da
injunção biológica, cultural, interacional no pensamento e na linguagem;
2. Assume o contexto interativo, pragmático como um “componente” chave para
a compreensão dos significados (em última instância, significações são
definidas nas cenas, dada a insuficiência do significante), sem abrir mão, no
entanto, dos aspectos de natureza conceptual e formal que garantem
estabilidade (não estaticidade!) ao jogo da linguagem.
3. Fortalece a afirmação da continuidade essencial entre padrões semi-produtivos
morfológicos e gramaticais;
4. Reconhece o componente lexical, um dos componentes de interface
linguístico, como lugar da idiomaticidade (não de uma lista de
idiossincrasias!), dotado de regras de redundância e princípios de livre
combinação, e como o espaço de armazenamento de itens lexicais suas
diversas naturezas de uma língua;
5. Corrobora as teses sociocognitivistas acerca do poder projetivo da mente
humana que forja, por meio da integração conceptual, não o artefato
linguístico mas, também, as formas como conhecemos e percebemos o mundo
que nos cerca, seja ele concreto ou subjetivo.
É certo que muitas perguntas ficaram sem respostas. Deixamo-las, portanto, como
um desafio para os próximos que quiserem se aventurar nesse terreno movediço e
demarcado da Morfologia Derivacional, ou ainda, dentro desse campo abrangente que é o
léxico.
Para nós, a ciência é o espaço do debate, da investigação, e a atividade da
pesquisa é uma luta travada entre o que é deixado e o que será construído, tendo em vista
respostas mais contundentes sobre o devir humano. É essa tensão permanente entre o novo
e o velho que faz mover a roda da história e da evolução do próprio homem e, como está
dito na epígrafe (Bakhthin), faz com que não haja nenhum sentido morto de maneira
absoluta, que, a cada dia, possamos festejar o seu renascimento.
6 BIBLIOGRAFIA
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7. ANEXOS
Lista de agentivos em x-ista
1. abolicionista
2. absolutista
3. abstracionista
4. africanista
5. alarmista
6. alpinista
7. altruísta
8. anabatista
9. analista
10. antropocentrista
11. arte-finalista
12. assistencialista
13. atomista
14. automobilista
15. barista
16. baixista
17. balconista
18. baterista
19. behaviorista
20. bipartidarista
21. bolchevista
22. bramanista
23. budista
24. cacografista
25. calvinista
26. cancerologista
27. capitalista
28. cardiologista
29. carlista
30. cartazista
31. cartunista
32. ceramista
33. cientista
34. clarinetista
35. classicista
36. clientelista
37. coletivista
38. coletivista
39. colonialista
40. comunista
41. conceitualista
42. concertista
43. concretista
44. conformista
45. congruísta
46. construcionista
47. cooperativista
48. cordelista
49. cravista
50. criacionista
51. cronista
52. cruzadista
53. cubista
54. curanderista
55. dadaísta
56. deísta
57. dentista
58. dermatologista
59. derrotista
60. desenhista
61. desenhista
62. detalhista
63. diarista
64. direitista
65. ecologista
66. egoísta
67. eletricista
68. empirista
69. empregista
70. enciclopedista
71. ensaísta
72. epicurista
73. equilibrista
74. escapista
75. espancionista
76. esportista
77. esquerdista
78. esteticista
79. estruturalista
80. evolucionista
81. existencialista
82. expressionista
83. extremista
84. facista
85. fagotista
86. fatalista
87. feitichista
88. feminista
89. feudalista
90. figurinista
91. flamenguista
92. flautista
93. folhetinista
94. fonetista
95. formalista
96. franquista
97. frentista
98. funcionalista
99. futurista
100.gaitista
101.galicista
102.gastroenterologista
103.gerativista
104.germanista
105.getulista
106.golpista
107.gongorista
108.grevista
109.guitarrista
110.halterofilista
111.helenista
112.hinduísta
113.humanista
114.iatista
115.igualitarista
116.iluminista
117.imperialista
118.impressionista
119.inatista
120.indianista
121.individualista
122.interacionista
123.italianista
124.jainista
125.janguista
126.Jornalista
127.latinista
128.leninista
129.letrista
130.lexicalista
131.liberalista
132.lingüista
133.logista
134.logopedista
135.lusista
136.luzitanita
137.machista
138.malabarista
139.maquetista
140.marxista
141.masoquista
142.materialista
143.militarista
144.minimalista
145.monoteísta
146.montanhista
147.motorista
148.musicista
149.nacionalista
150.narcisista
151.nazista
152.neocolonialista
153.nepotista
154.neurologista
155.niilista
156.nortista
157.ocultista
158.oftamologista
159.onanista
160.oncologista
161.oportunista
162.ortodontista
163.ortopedista
164.otorrinonaringologista
165.paisagista
166.panteísta
167.pára-quedista
168.parlamentarista
169.patoccista
170.patologista
171.paulista
172.pedessista
173.pedetista
174.peemidebista
175.periodontista
176.peronista
177.pessedista
178.pessimista
179.petista
180.pianista
181.platonista
182.pluralista
183.politeísta
184.populista
185.positivista
186.presidencialista
187.proctologista
188.projetista
189.protecionista
190.psicanalista
191.racionalista
192.racista
193.realista
194.recepcionista
195.reducionista
196.reformista
197.reformista
198.regionalista
199.relativista
200.repentista
201.resenhista
202.retratista
203.romancista
204.romanista
205.sambista
206.santista
207.satanista
208.saudosista
209.saxofonista
210.sectarista
211.semanticista
212.sentimentalista
213.simbolista
214.sincretista
215.sintaticista
216.sionista
217.sketista
218.socialista
219.sofista
220.stalinista
221.starista
222.sulista
223.surfista
224.tarcisista
225.taxista
226.tecladista
227.tecnicista
228.telefonista
229.tenentista
230.tenista
231.teocentrista
232.terceiro-mundista
233.totalitarista
234.tradicionalista
235.tratorista
236.traumatologista
237.trompetista
238.tropicalista
239.truísta
240.turista
241.ufanista
242.umbandista
243.universalista
244.urologista
245.violinista
246.violocelista
247.violonista
248.virologista
249.vocalista
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