Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
O conhecimento numérico e o sistema
monetário: estudos de casos em uma 3ª. Série.
NANCI LEITE BRANQUINHO
São Paulo, 2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
O conhecimento numérico e o sistema
monetário: estudos de casos em uma 3ª. Série.
NANCI LEITE BRANQUINHO
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do Título de
MESTRE EM ENSINO DE
MATEMÁTICA, à Comissão Julgadora do
Programa de Pós–Graduação em Ensino de
Ciências e Matemática da Universidade
Cruzeiro do Sul, sob a orientação da Profa.
Dra. Celi Espasandin Lopes.
SÃO PAULO
FEVEREIRO
2006
ads:
Comissão Julgadora:
Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes
Profa. Dra. Anna Regina Lanner de Moura
Profa. Dra. Laura Marisa Carnielo Calejón
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, José e Odete,
que tanto lutaram para me propiciar uma boa
educação.
Ao meu marido, Ivo, pela paciência, força,
companheirismo, cumplicidade e incentivo para
tornar-me uma pesquisadora.
Aos meus filhos, Victor e Juliana, pela paciência e
compreensão nos momentos em que estive ausente e
também pelo incentivo para concluir este trabalho.
À minha irmã, Rosely, que, através de seus exemplos
e de seu profissionalismo , pôde contribuir para a
minha formação como educadora.
Aos meus alunos da 3ª série A do ano de 2004, que
foram essenciais para a realização deste estudo.
AGRADECIMENTOS:
Primeiramente, a Deus pela minha existência e pela força que me concedeu nos
momentos difíceis.
À minha orientadora, Profª Dra. Celi Espasandin Lopes, pela dedicação, empenho,
incentivo, competência e respeito, motivos pelos quais esse trabalho se concretizou.
À profª Dra. Laura Marisa Carnielo Calejón e a profª Dra. Anna Regina Lanner Moura,
que me orientaram e auxiliaram na reestruturação e no rumo desta pesquisa, por ocasião
do exame de qualificação.
À profª Dra. Laura Marisa Carnielo Calejón e ao prof. Dr. Guilhermo Arias Beatón, por
engrandecerem o referencial teórico com suas contribuições relacionadas ao ensino e
aprendizagem das crianças.
À profª Dra. Marlene Alves Dias, pela atenção.
A todos os professores, colegas e funcionários do programa de Mestrado em Ensino de
Ciências e Matemática da Unicsul, que contribuíram direta ou indiretamente com esta
pesquisa.
Ao meu marido, Ivo, que acompanhou cada detalhe dessa pesquisa, contribuindo para
sua finalização.
À minha irmã Suely, pelo apoio.
À Ana Paula, pelo empréstimo de materiais.
Aos pais dos alunos da 3ª série A de 2004, pela participação e empenho.
Ao programa Bolsa Mestrado da Secretaria da Educação do Governo do Estado de São
Paulo, pela bolsa de estudo que me concedeu.
RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo diagnosticar, as dificuldades das crianças de uma
série do Ensino Fundamental em lidar com o dinheiro ou entender seu significado
numérico nas situações que envolvam o sistema monetário. Construiu-se sete estudos de
caso analisando-se como as crianças têm necessidade de desenvolver habilidades
monetárias, decidir sobre uma determinada compra, comparar valores e, acima de tudo,
estar aptas ao exercício pleno da cidadania. As informações foram construídas a partir
de dois questionários: um endereçado às crianças e outro aos pais; uma entrevista
realizada com as crianças; e a aplicação das provas piagetianas, a fim de investigarmos
as questões relativas à conservação de número. Elegemos a teoria vygotskyana como
referencial teórico deste estudo por acreditarmos que a criança, com a ajuda do outro —
pessoas portadoras do conteúdo da cultura e com sua interação com o meio em que
vive, é influenciada e motivada a pensar, agir e desenvolver-se. O diagnóstico
evidenciou a necessidade da família realizar junto com a criança, atividades
significativas envolvendo o sistema monetário, e também ressaltou a importância do
papel da escola em oferecer o nível de ajuda necessário para a criança se desenvolver,
ser autônoma e independente.
Palavras-Chave: Matemática, Ensino Fundamental, Aprendizagem, Numeração e
Sistema Monetário.
ABSTRACT
This research had as purpose to diagnose the difficulties of 3rd grade children to cope
with money or understand its numerical meaning in situations which involve the
monetary system. Seven case studies were built, examining how children have a need to
develop monetary skills, decide about a particular purchase, compare values, and most
of all, be ready to the full exercise of citizenship. The information was taken from two
questionnaires: one addressed to the children, another to their parents; an interview with
the children; and the application of Piagetian tests, in order to investigate only questions
related to the number conservation. We elected the Vygotskyan theory as theoretical
reference to this study, because we believe that children with the help of another person
people having a cultural content and with their interaction with the environment in
which they live, are influenced and motivated to think, act and to develop themselves.
The diagnosis showed the need for the family to carry out with their chilcren relevant
activities involving the monetary system, and also stressed the importance of the school
role in offering the level of help necessary for the child to develop, be autonomous and
independent.
Key-words: Mathematics, Elementary School, Learning, Numbers and Monetary
System.
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .......................................................................................... 10
LISTA DE TABELAS ................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 12
Do professor ao investigador.......................................................................................... 12
O Objeto e sua descrição ............................................................................................ 14
O objetivo da pesquisa................................................................................................ 17
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 19
Escola e família: interações sociais ................................................................................ 19
1.1. A família como contexto de aprendizagem e desenvolvimento.......................... 19
1.2. A escola e seu papel social .................................................................................. 24
1.3. A aprendizagem................................................................................................... 26
CAPÍTULO 2 ................................................................................................................. 31
Formação dos conceitos pela criança ............................................................................. 31
2.1. Formação de conceitos: o caminho percorrido pela criança................................ 31
2.2. Como os conceitos científicos se formam na mente da criança .......................... 37
CAPÍTULO 3 ................................................................................................................. 42
A criança e os símbolos num processo de contagem...................................................... 42
3.1. Signos e Símbolos ............................................................................................... 42
3.2. Símbolos e significados....................................................................................... 44
3.3. Notações: desenhos, leitura e contagem.............................................................. 46
3.4. O número ............................................................................................................. 48
3.5. Contagem: os primeiros contatos ........................................................................ 50
3.6. Símbolos: mera reprodução, na Educação Infantil, ou construção de significado?
.................................................................................................................................... 52
3.7.Como o número é ensinado na escola .................................................................. 54
CAPÍTULO 4 ................................................................................................................. 58
O sistema monetário e a educação matemática .............................................................. 58
4.1. O que é o dinheiro: origem.................................................................................. 58
4.2. A criança e o dinheiro.......................................................................................... 61
4.2. A educação matemática e a educação financeira: ensinando a criança a lidar com
o dinheiro.................................................................................................................... 68
CAPÍTULO 5 ................................................................................................................. 72
Metodologia: A construção dos dados ........................................................................... 72
5.1. Os caminhos da pesquisa..................................................................................... 72
5.2. Entrevistas ........................................................................................................... 76
5.3. Seleção dos sujeitos............................................................................................. 78
5.4. Provas Piagetianas ............................................................................................... 80
CAPÍTULO 6 ................................................................................................................. 83
Processo de análise dos dados construídos..................................................................... 83
6.1. Estudo de caso: Cas ............................................................................................. 83
6.1.2. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 84
6.2. Estudo de caso: Déb ............................................................................................ 88
6.2.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 88
6.3. Estudo de caso: Dou ............................................................................................ 91
6.3.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 91
6.4. Estudo de caso: Kel ............................................................................................. 94
6.4.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 94
6.5. Estudo de caso: Let.............................................................................................. 97
6.5.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 97
6.6. Estudo de caso: Reb........................................................................................... 100
6.6.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista 100
6.7. Estudo de caso: Van .......................................................................................... 102
6.7.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista 103
6.8. Conservação de número..................................................................................... 106
6.9. Conservação de Matéria .................................................................................... 109
6.10. Conservação de Área....................................................................................... 112
6.11. Conservação de líquidos.................................................................................. 114
6.12. Seriação de palitos........................................................................................... 115
6.13. Inclusão de Classe ........................................................................................... 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 130
ANEXOS...................................................................................................................... 133
Anexo 1. Questionário com os alunos...................................................................... 133
Anexo 2. Roteiro da entrevista com os pais ............................................................. 134
Anexo 3. Encartes utilizados na entrevista com as crianças..................................... 135
Anexo 4. Entrevista com os alunos .......................................................................... 136
Anexo 5. Tabulação das Entrevistas com os alunos da 3ª série set/2004................. 137
Anexo 6. Ficha De Registro: Aplicação Das Provas Piagetianas............................. 138
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Gráfico das respostas sobre compra de produtos........................................ 74
Ilustração 2 Gráfico das respostas sobre troco na compra.............................................. 74
Ilustração 3 Encarte utilizado na entrevista.................................................................. 135
Ilustração 4 Encarte utilizado na entrevista.................................................................. 135
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Tarefas ou questões e conhecimentos exigidos ............................................... 76
Tabela 2 Produtos e valores............................................................................................ 77
Tabela 3 Resumo da entrevista....................................................................................... 78
Tabela 4 Estudo de caso: Cas ......................................................................................... 85
Tabela 5 Estudo de caso: Déb ........................................................................................ 89
Tabela 6 Estudo de caso: Dou ........................................................................................ 92
Tabela 7 Estudo de caso: Kel ......................................................................................... 95
Tabela 8 Estudo de caso: Let.......................................................................................... 98
Tabela 9 Estudo de caso: Reb....................................................................................... 101
Tabela 10 Estudo de caso: Van .................................................................................... 104
Tabela 11 Diagnóstico das características cognitivas................................................... 123
Tabela 12 Tabulação das 32 entrevistas com os alunos ............................................... 137
12
INTRODUÇÃO
Do professor ao investigador
O professor recebe influência do meio em que vive em seu modo de pensar,
sentir, agir; da cultura a que pertence; enfim, ele não se torna professor da noite para o
dia, há toda uma trajetória de vida que influencia seu lado profissional.
Desde minha formação no extinto Magistério, em 1987, envolvi-me com esse
contagiante ato de ensinar, aprender e trocar experiências. Amo muito o que faço e meu
maior defeito ou qualidade, depende do ponto de vista de quem observa, é mergulhar de
cabeça naquilo que me proponho a fazer.
A identidade pessoal e profissional, como dimensões constituintes da minha
personalidade, tinha uma simbiose acentuada: o eu (pessoa) e o outro ser, um
profissional que deseja fazer o melhor para contribuir com a formação da sua turma; o
professor, esse profissional, em qualquer lugar em que se encontra, desde a praia a
grandes congressos, sempre faz ligações com a aprendizagem de seus alunos. Muitas
vezes, em passeios de férias, já me vi falando: “Vou ensinar isso aos meus alunos, achei
muito interessante”. Nesse elo entre o eu-pessoa e o eu-professor, digo que é quase
impossível haver separação.
A maneira como cada professor exerce sua profissão depende daquilo que ele é
como pessoa, do que construiu durante seu processo de formação inicial e das
influências e modelos que tomou como exemplos na época em que era aluno.
Lembro-me das minhas professoras primárias como se fosse hoje e da influência
de seus modelos didáticos que segui no início da minha prática docente.
Quando iniciei a profissão docente no Ensino Fundamental, encontrei vários
conflitos nos modos de pensar e agir: a escola transmitia-me uma teoria bem distante da
13
prática que observava nos estágios, que cada unidade escolar possui suas
particularidades.
Na busca de aprimoramento nas questões pedagógicas, graduei-me em
Pedagogia em 1994. Preocupada com o aprendizado das crianças e, de uma forma mais
abrangente, com a escola na qual atuo, candidatei-me à função de coordenador
pedagógico em 2001, pois, desse modo, poderia trazer aos meus colegas momentos de
reflexão sobre a nossa prática e contribuir de alguma forma para sua formação, pois
havia abertura para a discussão de temas pedagógicos e estudo de casos que deveriam
ser solucionados em grupo.
Em meados de 2003, deixei a coordenação da escola com o objetivo de
capacitar-me, pois iniciava-se na rede estadual de ensino o programa do governo
intitulado Teia do Saber, oferecido somente a professores.
Como educadora, sempre procurei criar situações contextualizadas que fossem
mais próximas à vida cotidiana de meus alunos, reproduzindo em sala de aula situações
vivenciadas por eles para, a partir daí, introduzir os conteúdos que deveriam ser
trabalhados, ampliando seus conhecimentos.
No momento da escolha de livro didático de matemática para o período letivo de
2004, tive a preocupação de selecionar os que apresentavam atividades mais
diretamente voltadas ao cotidiano de meus alunos. O livro de Bordeaux
1
(2001)
despertou-me interesse e, analisando-o mais criticamente, decidi adotá-lo por conter
atividades voltadas ao uso do dinheiro, compra de produtos, trocas de notas, cálculo de
troco e demais propostas de trabalho que pressupus que estivessem diretamente voltadas
ao dia-a-dia de meus alunos.
1
Matemática na vida e na escola.
14
Decidi iniciar as aulas de matemática no ano de 2004 com uma turma de 32
alunos de uma terceira série, baseando-me nas atividades diretamente relacionadas ao
uso do dinheiro, criando situações de trocas de notas, simulação de venda de materiais
escolares e cálculo de troco.
A partir de minhas observações em sala de aula, constatei que, durante a
realização dessas atividades, alguns alunos não entendiam o que estava ocorrendo,
ficavam bloqueados e não queriam participar das “brincadeiras” de comprar e vender.
Senti-me impotente diante dessa situação e reconheci a necessidade de investigar
o que ocorria com os meus alunos. Esta necessidade foi ao encontro do programa de
capacitação que o governo do Estado de São Paulo estava lançando a “Bolsa Mestrado”.
Candidatei-me ao programa de mestrado da UNICSUL e fui selecionada para
iniciar o mestrado em Ensino de Ciências e Matemática; começaria uma nova
caminhada, dando-me a oportunidade de unir as observações naturais, corriqueiras de
uma sala de aula com a pesquisa acadêmica. Dessa forma construiria uma alavanca
capaz de ampliar meu olhar de professora, para tornar-me pesquisadora.
O Objeto e sua descrição
Observações e comentários em sala de aula levaram-me a considerar a percepção
que os alunos têm a respeito de si próprios. Quando os ouvimos falar “Não sou bom”
em matemática, “Não entendo nada”, eles trazem consigo a idéia dominante arraigada
no senso comum de seus pais e até de alguns professores de que a matemática é
muito difícil de ser aprendida. Crêem que estudar a disciplina é apenas realizar uma lista
de exercícios, fazer contas, decorar tabuadas e não compreendem que precisam exercitar
o movimento do pensamento lógico e descobrir que a matemática faz parte de sua vida,
dentro e fora da escola.
15
Durante minha trajetória na Educação, pude observar a facilidade de alguns
alunos em lidar com a matemática e os impasses de outros, diante de situações simples
de somar, subtrair, dividir e multiplicar: muitos não compreendem o que realmente
estão fazendo, apenas deduzem, copiam de outros colegas a operação matemática a ser
executada para atender a situação-problema.
Acredito que a tarefa da educação é ajudar aquele que aprende a desenvolver
reflexivamente um conjunto de modos de pensamento ou modos de aprendizagem de
conteúdos que são cada vez mais exigidos dentro de uma sociedade em evolução;
descobrir o que se sabe, quem aprende e como adquiriu tais saberes.
O ensino não consiste na transmissão de informação, e sim no incentivo à
curiosidade, pois quem aprende necessita explicar, argumentar, perguntar, defender suas
idéias e aprender a avaliar. Nesse sentido, concordo com Freire (1996), quando ressalta
que “saber ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 47).
Os professores devem enfrentar novos desafios na arte de ensinar, provocando
um novo modo de aprender que seja significativo para o educando, de modo que o que
foi aprendido possa ser utilizado em toda a sua vida, dentro e fora da escola.
Acredito que a educação na infância deva priorizar o desenvolvimento da
identidade e da autonomia pessoal; dessa forma, o ensino da
Matemática tem-se justificado pela necessidade das próprias crianças de
construírem e recriarem conhecimentos, desenvolverem a imaginação e a
criatividade, bem como, por uma exigência social de instrumentalizá-las para
a vida no mundo (LOPES, 2003, p.16).
A matemática está presente no universo infantil, independentemente da classe
social da qual a criança faça parte; ela precisa desenvolver habilidades matemáticas para
compreender e posteriormente transformar a realidade na qual vive.
16
Algumas ações sociais, como ir ao supermercado e efetuar o pagamento de uma
conta, administrar sua mesada nos gastos com lanches ou doces na cantina da escola,
calcular o troco na condução são alguns exemplos de oportunidades de acesso à cultura
necessárias para que as crianças possam conviver e entender o mundo financeiro e,
assim, construir alicerces para o exercício de uma cidadania pautada na criticidade.
A relação comercial na vida infantil tem sido cada vez mais precoce na
sociedade contemporânea e capitalista; dessa forma, julgamos relevante trabalhar com
atividades de ensino que envolvessem o sistema monetário brasileiro, a fim de tornar
mais significativa a aprendizagem e educar as crianças para as atividades que envolvam
finanças.
O espaço social escolhido para realização da pesquisa foi uma escola estadual
que atende somente alunos de a séries na qual leciono desde 1987, inserida em
um bairro periférico da zona leste do município de São Paulo.
No ano de 2004, tínhamos 500 alunos na faixa etária entre 6 e 11 anos,
distribuídos em dois períodos, com sete salas por turno. Contávamos com três turmas de
1ª série, quatro turmas de 2ª série, quatro turmas de 3ª série e três turmas de 4ª série.
O grupo focalizado para o objeto de estudo foi formado por meus próprios
alunos seis meninas e um menino com idades variando entre 9 e 10 anos,
selecionados a partir de questionário, entrevistas e aplicação de provas piagetianas —da
3ª série A do Ensino Fundamental, que apresentaram dificuldades em lidar com o
sistema monetário.
Nossa clientela, em sua maioria, é constituída por crianças de famílias de baixa
renda e pouca instrução escolar: os pais, em sua maioria, provêm do processo de
invasões de terra de bairros próximos, são migrantes do nordeste e possuem o Ensino
Fundamental incompleto.
17
As famílias dessas crianças não são, na maioria das vezes, nucleares (pai, mãe e
filhos); existem diferentes formas de constituições familiares. Os pais trabalham como
operários, camelôs, feirantes, pedreiros, pintores, catadores de material reciclável e as
mães, como domésticas e artesãs; poucas famílias têm um emprego durável com
registro em carteira.
Temos muitos alunos com pais separados; nesse caso, a mãe assume toda a
responsabilidade familiar e os irmãos mais velhos cuidam dos menores, ou estes são
criados pelos avós.
O embasamento argumentativo de nossa pesquisa esnorteado pela perspectiva
histórico-cultural do desenvolvimento humano; portanto, elegemos a teoria vygotskyana
com referencial teórico para respaldar nossa percepção de que a criança, com a ajuda do
outro (família, colegas, professores, funcionários) e sua interação com o meio em que
vive, é influenciada e motivada a pensar, agir e desenvolver-se.
O objetivo da pesquisa
O objetivo de nossa investigação é diagnosticar como a criança utiliza seu
conhecimento numérico para analisar situações que envolvam o Sistema Monetário.
Nosso estudo foi organizado em seis capítulos; apresentaremos a síntese de cada
um, a fim de que o leitor possa acompanhar o desenvolvimento da pesquisa:
No capítulo 1 discutiremos acerca do papel da família e da escola como
contextos em que o desenvolvimento da criança ocorre, baseando-nos na perspectiva
histórico-cultural do desenvolvimento humano, que traz em seu bojo a idéia de que todo
homem se constitui como ser humano pelas relações que estabelece com os outros.
No capítulo 2 apresentaremos a trajetória da criança para o desenvolvimento de
conceitos espontâneos e científicos, baseando-nos na abordagem histórico-cultural, a
fim de entendermos melhor esse processo.
18
No capítulo 3 discutiremos os primeiros contatos da criança com os meros, o
uso destes no âmbito familiar, na Educação infantil e no Ensino Fundamental.
Abordaremos o número mais ligado às relações cotidianas das crianças, o que deve
permitir uma aprendizagem significativa, preocupando-nos em compreender como se
estabelece esse conceito.
No capítulo 4 faremos uma breve apresentação a respeito da origem do dinheiro,
procuraremos discutir não apenas como a criança lida com o dinheiro, mas também a
importância da educação matemática, a fim de educá-la para o mercado financeiro.
No capítulo 5 apresentaremos a metodologia empregada na construção de nossa
pesquisa.
No capítulo 6 faremos a análise dos dados construídos através de estudo de caso
dos sete alunos selecionados.
No capítulo 7 apresentaremos as considerações finais desta pesquisa e sugestões,
a título de contribuição para trabalhos futuros.
A organização do nosso trabalho em seis capítulos procurou responder as
seguintes questões norteadoras desta investigação:
1. Qual é o papel da família e da escola como contextos em que o
desenvolvimento da criança ocorre?
2. Como a criança utiliza o seu conhecimento numérico para lidar com o
dinheiro?
19
CAPÍTULO 1
Escola e família: interações sociais
Nesse capítulo discutiremos acerca do papel da família e da escola como
contextos em que o desenvolvimento da criança ocorre, baseando-nos na perspectiva
histórico-cultural do desenvolvimento humano, que traz em seu bojo a idéia de que todo
homem se constitui como ser humano pelas relações que estabelece com os outros.
1.1. A família como contexto de aprendizagem e desenvolvimento
A constituição familiar vem mudando ao longo da história: tivemos a família
patriarcal, na qual o pai detinha o poder, o controle e a autoridade sobre todos os
membros da família. Depois, na família constituída como modelo religioso, pai, mãe e
filhos dialogavam entre si, mas nesse caso o pai era o centralizador. Na sociedade
contemporânea, temos as famílias formadas apenas pela mulher, que se provocada e
desafiada pelas exigências do papel de mãe e de pai ao mesmo tempo. Além dessas,
também as famílias constituídas apenas pelos avós, tias, ou parentes mais próximos, que
acabam criando as crianças frutos de uma aventura amorosa; as famílias formadas pelas
madrastas e padrastos; aquelas resultantes da união de homossexuais. A organização
familiar não é tão uniforme como se poderia pensar, a partir de um modelo de família
nuclear.
Seja qual for a constituição familiar, porém, sabemos ao certo que, desde o
momento da concepção até o nascimento do bebê, normalmente há um preparo do grupo
social e cultural no qual este será inserido de modo mais ou menos favorável; há
famílias que esperam o nascimento do bebê com grandes preparativos e esse dia torna-
se uma alegria; no entanto,em outras, a chegada do bebê é fator de desconforto devido a
questões financeiras, pessoais e culturais.
20
A partir do nascimento, o bebê passa a ser cercado por um saber cultural que
será construído gradativamente, e é no convívio social a partir da necessidade de
comunicar-se com seus semelhantes que ele aprenderá os sistemas de linguagem;
primeiramente ele se manifestará através de sons, choro, gestos e expressões;
posteriormente terá que utilizar signos que terão significados comuns dentro do grupo
em que vive; e futuramente desenvolverá a fala.
Rego (1995), embasada na teoria histórico–cultural, afirma que
o indivíduo se constitui enquanto tal não somente pelo processo de maturação
orgânica, mas principalmente, através de suas interações sociais, a partir das
trocas estabelecidas com seus semelhantes. As funções psíquicas humanas
estão intimamente vinculadas ao aprendizado, à apropriação (por intermédio
da linguagem) do legado cultural de seu grupo. (REGO, 1995, p.109).
O comportamento da criança, assim como outras dimensões do funcionamento
psíquico, constitui-se a partir dos costumes e da cultura de sua família. A família, por
ser o primeiro grupo social do qual ela participa, irá proporcionar o aprendizado de
habilidades necessárias para o seu desenvolvimento como um todo.
O desenvolvimento psicológico se produz a partir da experiência individual de
cada sujeito, pela maneira em que ele vivencia as situações sociais e culturais e pelas
influências que recebe durante sua formação e seu desenvolvimento ao longo de sua
história pessoal, incluindo as relações interpessoais nos primeiros anos de vida, o jogo, a
construção de significados e a linguagem. Depende, portanto, das condições sociais e
culturais que o sujeito vivencia. Suas características individuais, como o modo de agir,
falar, pensar, sentir, seus valores e conhecimentos são construídos a partir das interações
com o meio físico e social.
Consideramos importante o estudo realizado por Beatón (2001), afirmando que o
desenvolvimento, nas crianças, tem um aspecto mais satisfatório nas famílias que
compreendem o processo de desenvolvimento infantil, proporcionam um ambiente
21
emocional e afetivo positivo, que garanta independência e autonomia e estimula a
criatividade e o diálogo.
Na medida em que existem determinadas condições e dinâmicas no
funcionamento do grupo familiar, a capacidade da criança para participar, opinar, criar e
interagir tende a aumentar consideravelmente, a ponto de identificarmos os resultados
desse contexto no seu desempenho escolar, pois percebemos que a criança possui um rol
de conhecimentos que ela construiu nas vivências e experiências que estabeleceu e
compartilhou.
Portanto, é papel dos adultos da família guiar as crianças, utilizando para isso
sua cultura acumulada e experiências anteriormente vividas, proporcionando e
estimulando o seu convívio social em variados grupos. Dessa maneira, o adulto passa a
ser o fio condutor, o formador, o influenciador das crianças no processo de
viver/aprender/viver. Sem essas vivências, as crianças, ao adentrarem o convívio
escolar, podem ter defasagem de conteúdos básicos como, por exemplo, calcular o troco
de uma compra, escolher entre alguns produtos o mais barato ou mais caro situações
que o professor pressupõe que façam parte do contexto social das crianças, mas que
nem sempre são concretizadas.
Concordamos com as afirmações de Moura (1995), quando explana que
Em qualquer organização humana o caminho de aprender é aquele que passa
dos indivíduos mais velhos para os mais jovens, do adulto para a criança.
(MOURA,1995, p.8).
Dessa forma, para que a criança possa dominar os conhecimentos, os valores
culturais, as formas de pensar e de se comportar que a humanidade construiu através da
história, é fundamental a mediação de um indivíduo experiente e possuidor de cultura
neste caso, o adulto é o portador dos conteúdos da cultura.
Assim, uma criança envolvida em atividades significativas realizadas com a
ajuda das outras pessoas vai internalizando esses conhecimentos, concretizando-os e
22
apropriando-se deles. Suas características individuais vão sendo formadas a partir de
suas inúmeras e constantes interações com o meio (compreendido como contexto físico
e social), que inclui as dimensões interpessoal e cultural. Nesse processo dinâmico,
ativo e singular, a criança estabelece, desde o seu nascimento e durante toda a sua vida,
trocas recíprocas com o meio, que, ao mesmo tempo em que internaliza as formas
culturais, transforma-as e intervém no universo que a cerca e, assim, gera o seu próprio
desenvolvimento individual, vindo a ser capaz de realizar sozinha atividades que outrora
exigiam a ajuda dos outros.
A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) postula a existência de um
desenvolvimento real ou atual do sujeito, ou seja, o que a criança é capaz de fazer
sozinha; no entanto, existem situações em que a criança, num primeiro momento,
necessita de ajuda e, posteriormente, consegue realizar a atividade sozinha.
A teoria vygotskiana insiste em que o educador organize sua ação educativa de
modo que a criança possa realizar sozinha aquilo que antes fazia com ajuda; a ZPD,
portanto, estabelece a existência de “outros” e de “níveis de ajuda”.
O que Vygotsky categorizou como os “outros” num sistema de ajuda inclui: os
adultos que possuem desenvolvimento mais avançado, os professores, os pais e todas as
pessoas portadoras do conteúdo da cultura.
Para Beatón (2005), os “outros”, num sistema de ajuda, também podem ser os
grupos potenciadores do desenvolvimento, a TV, o vídeo, o computador e o próprio
sujeito que, em um momento posterior de sua formação, constitui-se em um promotor
do seu próprio conhecimento.
A ZPD é um conceito abstrato que pretende explicar um processo ideal,
subjetivo, cujos únicos indicadores objetivos são os resultados que se obtêm daquilo que
o sujeito não podia fazer anteriormente e que, mais tarde, com a ajuda dos “outros”,
23
consegue realizar de forma independente. Esse conceito, segundo Beatón (2005), inclui
situações diversas: em algumas delas, o sujeito pode resolver problemas de forma
independente; em outras, porém, em função da complexidade do problema, não
consegue realizá-lo sozinho e, então, com determinados “níveis de ajuda”, poderá fazê-
lo. Por sua vez, esse não será um novo aprendizado ou um novo desenvolvimento, a não
ser que ele passe a realizar o problema independentemente e tenha produzido uma
interiorização definitiva que se transforme em apropriação.
A ZPD acontece num processo dinâmico, pois o que hoje a criança sabe fazer
sozinha, ou seja, o seu desenvolvimento real já foi — em uma situação anterior, na qual
precisou de ajuda dos “outros” o seu desenvolvimento proximal; após a apropriação
do conhecimento, dos instrumentos da cultura, e o desenvolvimento de recursos
psicológicos pelo sujeito, todo desenvolvimento proximal se transforma no
desenvolvimento real ou atual.
Uma vez compreendido que o conhecimento se processa num contexto de
interações que partem dos mais experientes aos mais jovens dentro de um processo
culturalmente desenvolvido, acreditamos que a família desempenha papel fundamental
na construção de conhecimentos que são constituídos nessas interações sociais.
Podemos observar, em alguns alunos da 3ª série A, influências culturais
marcantes que estão arraigados em seu modo de falar e vestir, em seus valores...
Surpreendemo-nos ao saber que, mesmo a criança participando de outro grupo social
no caso, a escola —, influenciada pelo meio e corrigida pelo professor em algumas
formas de expressão, não há mudança.Observemos algumas falas:
“Professora, é para pegar o caiderno?” (caderno)
“Hoje na merenda vai dar arroz, feijão e caine”. (carne)
“Professora, a minha carteira está toda chuja”. (suja)
24
A maneira como essas crianças falam é fator de preocupação para todos que
estão acostumados aos padrões formais de linguagem. É parte das atribuições dos
educadores apontar-lhes a forma culta de comunicação; entretanto, ocorre o conflito
entre o grupo familiar e esses ensinamentos, pois é dessa forma que a criança se
comunica com seus pares, é desse grupo social e cultural que recebe os princípios
básicos de educação. Muitas vezes podemos considerar que uma inversão de papéis,
pois em muitas famílias a criança passa a ser a única mediadora de um conhecimento
mais elaborado aos seus pais que não possuem nenhum letramento.
Como essas famílias podem contribuir para o desenvolvimento das crianças que
não sabem lidar com dinheiro, se não propiciam situações de compra e venda, não
oferecem oportunidades para as crianças experimentarem, refletirem, vivenciarem e
criarem?
As relações ou o diálogo entre família e escola poderão ser alcançados quando a
escola puder conhecer de fato a família e quando família e escola assumirem seus papéis
e atribuições na formação de novas gerações.
1.2. A escola e seu papel social
Desde o nascimento, a criança, inserida em seu próprio meio cultural, imita o
adulto. Orientada por ele, vai tendo contato com a bagagem histórica acumulada e
começa a construir conhecimentos espontâneos adquiridos no convívio social antes do
seu ingresso na escola.
Dessa forma, segundo as afirmações de Oliveira (1997), a criança inserida em
um grupo cultural constrói o seu desenvolvimento “de fora para dentro”. Isto é, ela
realiza ações externas que serão interpretadas pelas pessoas que constituem seu grupo
social de acordo com os significados construídos culturalmente por esse grupo. A partir
da interpretação desses significados, a criança internaliza a sua ação e interpreta-a a
25
partir dos mecanismos estabelecidos pelos códigos compartilhados pelos membros
desse grupo.
É através das interações com o meio em que vive que a criança amplia sua
capacidade para lidar com o mundo e se apropria de significados construídos num
processo de convivência social.
Partindo da premissa de que as crianças em estudo o compartilham no
ambiente familiar situações necessárias para o seu desenvolvimento, é indispensável
entendermos como é o cotidiano desse aluno. Que atividades são realizadas
conjuntamente com seus familiares? Como a criança participa da casa? Os pais
promovem atividades para que a criança vivencie situações de compra e venda de
mercadorias?
Nesse sentido, o papel da escola é propiciar atividades em que a criança possa, a
partir de seus conhecimentos espontâneos, ter contato com conhecimentos mais
elaborados e assim, com o auxílio do professor, absorvê-los e utilizá-los.
Para Vygotsky, à medida que a criança se apropria da cultura elaborada pela
humanidade, orientada e guiada por um adulto, ela vai aprendendo e se desenvolvendo;
dessa forma, a aprendizagem precede o desenvolvimento, pois a aprendizagem é
possível através das interações mediadas com os outros. Portanto, a criança demonstra
que está num processo de desenvolvimento quando consegue, através das atividades
colaborativas e significantes que realiza juntamente com seus pares, interagir com o seu
meio cultural.
Dentro desse quadro, a escola é o espaço social que acesso à criança o
apenas à ampliação e ao enriquecimento dos seus conhecimentos cotidianos, mas
também à proximidade com os conhecimentos científicos mais detalhados e elaborados
pelo professor. Nesse espaço socialmente constituído, ela interage com seus pares:
26
colegas, professores e funcionários e com livros, brinquedos, jogos, computadores, TV
e, a partir desse contato, é instigada a desenvolver-se.
Quando nos reportamos à escola como um ambiente interativo, identificamo-nos
com Martins (1997), que a destaca como um espaço que oportunidade e
possibilidade a todos de falar, levantar suas hipóteses, negociar, chegar a conclusões
que ajudem o aluno a perceber-se parte de um processo dinâmico de construção, tendo o
professor que mobiliza os alunos para pensar e apresentar saídas e estratégias
conjuntas — como um grande articulador dos conhecimentos da classe.
1.3. A aprendizagem
As teorias referentes à relação entre desenvolvimento e aprendizagem na criança
agrupam-se em três categorias fundamentais:
1. Parte da independência entre o processo de desenvolvimento e o
processo de aprendizagem.
2. Afirma que a aprendizagem é desenvolvimento.
3. Concilia os extremos dos dois primeiros pontos de vista.
A primeira categoria de teorias considera a independência entre o processo de
desenvolvimento e o de aprendizagem, sendo o último um processo exterior e paralelo
ao desenvolvimento da criança. O desenvolvimento deve atingir etapas de maturação de
determinadas funções antes de a escola fazer a criança adquirir determinados
conhecimentos; ele é independente do desenvolvimento do pensamento escolar: a
criança possui suas idéias sobre o que a rodeia, faz suas interpretações das causas
físicas, tem sua capacidade de raciocínio e inteligência independentemente da
aprendizagem escolar. Segundo essa teoria, o curso do desenvolvimento precede a
aprendizagem. Um típico exemplo é a concepção de “Piaget, que estuda o
27
desenvolvimento do pensamento da criança de forma completamente independente do
processo de aprendizagem”. (VIGOTSKY, 2003, p.1).
O segundo ponto de vista afirma que a aprendizagem é desenvolvimento, que
existe um movimento paralelo entre os dois processos, uma simultaneidade, uma
sincronização e não é possível distinguir qual o processo que precede e qual o segue.
Aprendizagem e desenvolvimento se misturam. Para entender essa teoria, é preciso
levar em conta que ela considera as leis do desenvolvimento como leis naturais.
A terceira categoria tenta conciliar os extremos das duas teorias anteriormente
citadas: por um lado, temos o processo de desenvolvimento concebido
independentemente da aprendizagem; por outro lado, a aprendizagem considera-se
coincidente com o desenvolvimento, implicando uma teoria dualista do
desenvolvimento.Um claro exemplo, segundo Vygotsky (2003), é a teoria de Koffka,
segundo a qual
O desenvolvimento mental da criança se caracteriza por dois processos que,
ainda que conexos, são de natureza diferente e condicionam-se
reciprocamente. Por um lado está a maturação, que depende diretamente do
desenvolvimento do sistema nervoso, e por outro a aprendizagem que,
segundo Koffka, é em si mesma o processo de desenvolvimento.
(VYGOTSKY, 2003, p.4).
As três teorias que discutimos interpretam de maneiras diferentes as relações
entre aprendizagem e desenvolvimento: “tomemos como ponto de partida o fato de que
a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem
escolar”.(VYGOTSKY, 2003, p.8).
Sabemos que a aprendizagem da criança inicia-se bem antes que esta freqüente
uma instituição escolar; ela tem contato com quantidades muito antes de aprender
aritmética na escola; a aprendizagem escolar nunca parte do zero — sempre há uma pré-
história, uma etapa de desenvolvimento alcançado pela criança antes de entrar na escola,
construída a partir das interações com seu grupo familiar, o que demonstra que a criança
28
fez uma pré-escola aritmética antes de aprender os conceitos sistemáticos na escola. De
acordo com Vygotsky (2003), a aprendizagem e o desenvolvimento o entram em
contato somente na idade escolar, mas estão interligados desde os primeiros dias da vida
da criança, que imita um grande número de ações do adulto e, guiada por ele, pode fazer
muito mais que sua capacidade de compreensão permitiria, se estivesse realizando as
tarefas sozinha.
A diferença entre o nível de atividades que a criança consegue realizar com o
auxílio do adulto e o nível de tarefas que pode desenvolver sozinha define a área de
desenvolvimento potencial da criança.
A área de desenvolvimento potencial permite-nos determinar os futuros passos
da criança, o processo de desenvolvimento adquirido até o momento e os processos de
maturação que ocorreram e que estão amadurecendo e se desenvolvendo. Assim, o
que a criança consegue realizar hoje com a ajuda de um adulto, futuramente poderá
realizar sozinha; portanto, de acordo com Vygotsky,
o estado do desenvolvimento mental da criança só pode ser determinado
referindo-se pelo menos a dois níveis: o nível de desenvolvimento efetivo e a
área de desenvolvimento potencial. (VYGOTSKY, 2003, p.12).
O nível de desenvolvimento efetivo consiste nas tarefas que a criança consegue
realizar sozinha e o nível de desenvolvimento potencial é revelado pelas tarefas que
realiza com a ajuda de outras pessoas.
Em uma sala de aula temos alunos em diferentes níveis de desenvolvimento
proximal; essas diferenças podem ser explicadas porque diferentes níveis de
desenvolvimento real ou atual influenciados pela ajuda que receberam, pela cultura,
pela intensidade das relações sociais. Portanto, o professor deve trabalhar de forma
diversificada com grupos de alunos, de modo a propiciar o nível de ajuda necessário
para o seu desenvolvimento, independência e autonomia.
29
Vygotsky define quatro níveis de ajuda para promover o processo de
desenvolvimento da ZPD.
O primeiro deles é quando o professor faz a leitura da tarefa que o aluno tem que
executar, explica o seu objetivo, elabora um problema, buscando fazer com que a
criança apresente a solução da tarefa de maneira mais independente possível.
O segundo nível de ajuda se quando a criança, perante a tarefa que lhe foi
proposta, não consegue chegar à solução de forma independente e pede ajuda aos
“outros”, que fazem recordações e referências a tarefas semelhantes, anteriormente
realizadas, para que a criança possa estabelecer comparações e tentar resolver a
proposta mais complicada.
O terceiro nível de ajuda é chamado de elaboração conjunta, em que o professor
inicia a tarefa com o aluno e, durante o desenvolvimento da mesma, incentiva-o para
terminá-la.
O quarto nível de ajuda é a última alternativa para a abordagem histórico-
cultural que se apresenta à criança. Inicialmente, o professor solicita-lhe fazê-la
independentemente; depois, com a ajuda dos “outros”; posteriormente, o professor
inicia a tarefa e pede ao aluno que a termine; e, se nem assim o aluno conseguir, então
se demonstram e explicam à criança os procedimentos para realizá-la.
Nesse processo, o papel do professor é fundamental para elaborar os níveis de
ajuda e dirigir o processo com intencionalidade capaz de propiciar a participação ativa
da criança, sua autonomia na construção do próprio conhecimento. Dessa maneira, de
acordo com Beatón (2005), os pais, os educadores e a escola, que m conhecimento
desse processo, devem instigar as crianças desde a mais tenra idade a alcançar melhores
níveis de desenvolvimento. No entanto, muitos pais, por não terem conhecimento do
30
processo de desenvolvimento, crêem que o desenvolvimento da criança se de forma
natural e espontânea.
Vygotsky (2003) afirma que a característica essencial da aprendizagem é que ela
ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento, adquiridos nas
inter-relações com os outros, depois absorvidos e convertidos em aquisições internas
das crianças.
Uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao
desenvolvimento mental, ativa todo um processo de desenvolvimento, e esta
ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem.(VYGOTSKY, 2003,
p.15).
Segundo o mesmo autor, toda ação educacional se dá em três vertentes: na
família, na escola e na sociedade. Em todos eles a criança sempre está num processo de
aprendizagem; a única diferença é que a escola é a instituição social oficial para
sistematizar o conhecimento.
No próximo capítulo, discutiremos sobre o caminho que a criança percorre na
construção de seus conhecimentos. Baseando-nos na teoria histórico-cultural,
procuraremos entender como é realizada a elaboração de conceitos.
31
CAPÍTULO 2
Formação dos conceitos pela criança
Apresentamos neste capítulo a trajetória da criança no desenvolvimento de
conceitos espontâneos e científicos, baseando-nos na abordagem histórico-cultural, a
fim de entendermos melhor esse processo.
2.1. Formação de conceitos: o caminho percorrido pela criança
A criança que chega à escola é um ser que possui saberes e curiosidades, opera
intelectualmente, faz parte de um grupo sociocultural que lhe fornece o material cultural
construído historicamente para utilizá-lo em sua vida cotidiana, é um indivíduo único
que vive uma história pessoal cheia de experiências particulares.
A escola à qual essa criança chega é elemento de fundamental importância no
seu ambiente sociocultural, pois tem o objetivo de ensinar um corpo de conhecimentos
considerados importantes, dentro do contexto social, que serão sistematizados em
conhecimentos científicos.
O que devemos fazer para trazer cada indivíduo, do ponto de partida em que se
encontra ao entrar na escola, para o ponto de chegada estabelecido pelos objetivos dessa
escola?
Para responder a essa pergunta, recorremos à elaboração conceitual baseada na
perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, a fim de compreendermos
como se dá o desenvolvimento dos conceitos científicos na mente da criança.
A elaboração conceitual, de acordo com a perspectiva histórico-cultural, ocorre
em um movimento constante de interações entre os sujeitos e os objetos do
conhecimento, pela mediação da palavra.
32
A utilização da palavra como meio de direcionamento e organização dos
processos mentais é parte integrante da formação de conceitos que é plenamente
desenvolvida na adolescência, mas tem seu início na infância.
A criança, quando é bebê, utiliza o choro como forma de expressão; em outra
fase, aponta os objetos de que necessita e, posteriormente, inicia o uso da palavra como
forma de comunicação. Procuraremos exemplificar o processo de elaboração conceitual
através do exemplo a seguir:
Juliana, com 1 ano de vida, quando estava com sede, apontava para o filtro de
água e prontamente um adulto que entendia a sua mensagem se encaminhava até o filtro
dizendo: “Você quer água?”
Juliana, por volta dos 18 meses começou a utilizar as palavras como forma de
comunicação, pronunciava a palavra água como “aga”, aua”, de modo que seus
familiares conseguissem identificar a sua necessidade.
Com o passar do tempo, ela começou a expressar sua necessidade de saciar sua
sede através da fala: “Eu quero água”, mas a palavra água era utilizada como forma
de matar a sua sede. Outros líquidos com que ela tinha contato: leite, suco e refrigerante
também eram classificados como água, porém, para os adultos de sua família, a palavra
água já possuía outros significados desconhecidos por ela até aquele momento.
Quando Juliana foi à praia pela primeira vez, seus pais levaram-na até o mar e
ela ficou encantada com a enorme quantidade de água que estava observando, percebeu
o seu sabor e diferenciou-a do sabor da água que matava sua sede. Seus pais explicaram
o perigo que a água do mar poderia lhe representar.
Retornando da praia, sua mãe, durante o banho de Juliana, explicava a
necessidade de economizar água, que os banhos deveriam ser rápidos e sem
33
brincadeiras, pois senão a água doce utilizada para beber, fazer comida, lavar roupa e
tomar banho... poderia faltar.
Quando Juliana iniciou sua trajetória escolar, nas séries iniciais, a escola em que
estudava estava desenvolvendo um projeto sobre a água: os alunos pesquisaram e
discutiram com os colegas da turma e com a professora sobre as utilidades da água, as
formas corretas de economizar, a poluição, os locais em que se encontra água doce, a
quantidade de água doce e salgada existente em nosso planeta.
mais tarde, Juliana ampliava o seu conceito de água, através de livros,
revistas, professores, recursos audiovisuais; estudava os estados (sólido, líquido e
gasoso) em que a água se apresentava, as transformações desses estados e até a sua
composição expressa pela fórmula H
2
O. Podemos convir que houve um avanço
significativo sobre o tema abordado.
Segundo Padilha (2003), o conceito de água foi sendo construído, ampliado,
transformado.Mas os conceitos de água anteriormente estabelecidos por Juliana não
desapareceram. Hoje Juliana é adulta, pesquisadora ambientalista, e investiga as
causas que estão provocando a escassez da água em nosso planeta. Os conceitos de água
que hoje ela possui estão muito bem definidos, mas, segundo Padilha (2003) para que
ela chegasse ao processo de conceitualização a que chegou, foi necessário que todos os
outros conceitos de água fossem bem elaborados.
Com certeza Juliana ainda não conhece todos os conceitos de água, outros
estudos ainda virão e outras pessoas, filhos, netos e bisnetos poderão obter novos
conhecimentos que ela não pôde adquirir.
Tentamos exemplificar, através da história de Juliana, como se forma a
elaboração conceitual, o que passaremos a discutir a seguir.
34
Padilha (2003) apresenta alguns fundamentos sobre a elaboração conceitual,
num esforço de compreendê-la como processo:
O primeiro fundamento ressalta que “A elaboração conceitual não é um processo
natural, nem fruto da memorização de definições”. Se o ensino fosse baseado neste
último processo, tudo aquilo que fosse ensinado seria imediatamente aprendido. A
elaboração conceitual é um processo cultural relativo à história da humanidade e à
história pessoal, produzido nas relações concretas de vida social.
O segundo fundamento afirma que “A elaboração conceitual não se refere às
coincidências entre as falas dos adultos e das crianças”, mas deve referir-se à elaboração
dos significados mais estáveis no grupo social em que a palavra do outro ajude na
formação de novos conceitos.
O terceiro fundamento destaca que “A elaboração conceitual não é um processo
individual”, mas acontece nas interações das pessoas mais experientes que elaboram
ou estão em processo de elaboração de conceitos com as crianças, jovens e adultos
aprendizes.
Vygotsky (1998) apresenta três fases básicas, divididas em vários estágios, que
demonstram a trajetória da formação de conceitos estudada pelo método da “dupla
estimulação”: a primeira fase é o sincretismo, a segunda, a do pensamento por
complexos e a terceira é a da formação de conceitos.
Na fase do sincretismo, a criança agrupa objetos de forma desorganizada,
amontoando-os sem qualquer fundamento; não uma relação dos objetos entre si nem
entre eles e seu signo (palavra), mas na percepção da criança existe uma relação. Esta
fase se subdivide em três estágios:
O primeiro estágio na formação de amontoados sincréticos representa os
significados de palavras artificiais; nesse estágio de tentativa e erro do desenvolvimento
35
do pensamento, a criança cria grupos de objetos ao acaso e, quando percebe que sua
suposição estava errada, ela a substitui por outra.
No segundo estágio, a formação do grupo é baseada na posição espacial dos
objetos e realizada pela organização visual sincrética da criança.
Durante o terceiro estágio, a criança compõe seu grupo de elementos retirando
os objetos de outros grupos que ela havia formado. Esses objetos, porém, ainda não
apresentam relações entre si, continuam sem significado; apesar de ter havido maior
elaboração, continua um amontoado de objetos.
A segunda fase de formação de conceitos é a do pensamento por complexos: os
objetos associam-se na mente da criança de acordo com as relações que existem entre
eles. As ligações entre os componentes dos grupos são concretas e factuais e carecem do
pensamento lógico abstrato; a generalização de qualquer fato presente, na composição
dos grupos por complexo, pode levar à inclusão de um objeto, sendo que, na formação
do conceito, os elementos são agrupados seguindo um atributo essa é a principal
diferença entre um complexo e um conceito.
Vygotsky (1998) elencou cinco tipos básicos de complexos:
O primeiro complexo é o de tipo associativo; nesse estágio a criança agrupa os
objetos em “famílias”: de acordo com sua percepção, estabelece um núcleo que pode ser
apoiado em semelhanças de cor, forma, tamanho, contraste ou organização da
proximidade espacial.
O segundo complexo consiste na organização dos grupos por coleções: a criança
estabelece um atributo, como cor, forma, tamanho...; durante o processo passa a
desconsiderar o primeiro atributo escolhido e estabelece uma nova característica que
torne os grupos mistos.
36
O terceiro é o complexo em cadeia, em que uma junção de elos isolados
formando uma corrente, com transmissão de significado de um elo para o outro; mas,
uma vez incluído na cadeia, cada elo tem sua importância, não hierarquia, os
atributos podem variar de elo para elo.
O quarto complexo é chamado de complexo difuso; nele, os grupos de objetos
são formados em conexões indeterminadas, vagas, irreais, instáveis e sem limites — são
generalizações realizadas pelas crianças.
O quinto e último complexo é o chamado de pseudoconceito. A criança produz
pseudoconceitos todas as vezes que precisa agrupar elementos com base em um
conceito abstrato; ela se orienta pela semelhança concreta e perceptível.
O pseudoconceito predomina sobre todos os outros complexos no pensamento:
ele é o elo entre o pensamento por complexos e o pensamento por conceitos. A criança
aprende muitas palavras com os adultos, o significado que ela atribui aos objetos é o
mesmo que o adulto tem em mente, mas a forma de compreensão é diferente entre as
crianças e os adultos, devido às operações mentais que realizam.
A criança inclui objetos, por força de seus atributos concretos, em dois ou mais
complexos; para ela uma determinada coisa pode ter vários nomes e ela definirá qual
atributo ou nome será utilizado, dependendo do complexo que ela ativará. De acordo
com Vygostky (1998), as crianças pensam por pseudoconceitos e para elas
as palavras designam complexos de objetos concretos, seu pensamento terá
como resultado a participação, isto é, conexões que são inaceitáveis pela
lógica dos adultos.(VYGOTSKY, 1998, p.89).
O pensamento por complexos início à unificação de objetos desordenados,
mas, tratando-se de formação de conceitos, é preciso ir além da unificação: é preciso
abstrair, isolar os elementos e analisá-los; na verdade, é preciso uni-los e separá-los.
Na terceira fase de formação de conceito, o primeiro passo em busca da
abstração dá-se quando a criança agrupa elementos com base na máxima semelhança
37
possível. Essa primeira tentativa de abstração não é óbvia, pois a criança abstrai todo o
conjunto de características dos elementos que compõem o grupo sem distingui-las
claramente; baseia-se apenas numa impressão vaga e geral da semelhança.
O segundo passo em busca da abstração dá-se com base num único atributo, a
criança agrupa os elementos de um grupo escolhendo, por exemplo, uma forma, ou uma
cor... Essas formações são chamadas de conceitos potenciais.
As crianças muito novas esperam que situações semelhantes levem a resultados
idênticos; por exemplo: a criança associa uma palavra para classificar um objeto; em
uma nova situação, ela utilizará a mesma palavra para indicar o novo objeto que a
impressionou. Assim,
um conceito se forma não pela interação das associações, mas mediante uma
operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam
de uma combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das
palavras como o meio para centrar ativamente a atenção, abstrair
determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um
signo.(VYGOTSKY, 1998, p.101).
Na elaboração conceitual as crianças necessitam relacionar-se com os adultos e
pessoas mais experientes, ter acesso a livros, revistas, TV, recursos multimídia, etc.
Nessas interações, a criança deve integrar-se à comunicação verbal do adulto e dos
meios com que se relaciona, adquirindo novas palavras e ampliando suas possibilidades
de significação daquelas que conhece, sedimentando seu significado de acordo com
os conceitos predominantes no grupo cultural e lingüístico de que faz parte.
2.2. Como os conceitos científicos se formam na mente da criança
A psicologia infantil contemporânea apresenta duas concepções da evolução dos
conceitos científicos. A primeira defende que os conhecimentos científicos não passam
por um processo de desenvolvimento, pois são absorvidos prontos, mediante um
processo de compreensão e assimilação.
38
Um conceito é um ato real e complexo do pensamento, não pode ser ensinado
através do treinamento; a criança poderá formar conceitos quando o seu
desenvolvimento mental tiver atingido o nível necessário. Segundo Vygotsky (1998),
o desenvolvimento dos conceitos ou dos significados das palavras, pressupõe
o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada,
memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar. Esses
processos psicológicos complexos não podem ser dominados apenas através
da aprendizagem inicial. (VYGOTSKY, 1998, p. 104).
O professor deve atentar ao desenvolvimento das funções intelectuais: atenção,
memória lógica, abstração, comparação e diferenciação, para que os conceitos
científicos possam ser elaborados; caso contrário, o ensino direto de conceitos será mera
reprodução de palavras sem significado, que apenas simulam um conhecimento de
conceitos, de forma oculta e vazia.
A segunda concepção da evolução dos conceitos científicos admite a existência
de um processo de desenvolvimento, na mente da criança, que não difere dos conceitos
cotidianos por ela formados. Os conceitos científicos que se originam do aprendizado
sistematizado em sala de aula formam-se e desenvolvem-se sob condições internas e
externas totalmente diferentes dos conceitos espontâneos que se desenvolvem nas
experiências pessoais das crianças. “A mente se defronta com problemas diferentes
quando assimila os conceitos na escola e quando é entregue aos seus próprios recursos”.
(Vygotsky, 1998, p.108).
Quando sistematizamos o conhecimento na escola, ensinamos às crianças muitas
coisas que não podem ser vivenciadas diretamente — diferentemente do que ocorre com
os conceitos espontâneos que dependem da vivência da criança.
Ao lidar com conceitos espontâneos, a criança não está consciente deles e a
capacidade de defini-los por meio de palavras e operá-los ocorre tardiamente, pois sua
mente está sempre focada no objeto que ele representa e não no ato do pensamento; por
39
outro lado, o desenvolvimento dos conceitos científicos começa pela sua definição
verbal e com sua aplicação em operações não-espontâneas. Dessa forma,
os conceitos científicos desenvolvem-se para baixo por meio dos conceitos
espontâneos; os conceitos espontâneos desenvolvem-se para cima por meio
dos conceitos científicos.(VYGOTSKY, 1998, p. 136.).
Os conceitos espontâneos e os conceitos científicos desenvolvem-se na criança
de maneiras diversas. Os conceitos espontâneos desenvolvem-se de acordo com a ajuda
que as crianças recebem do adulto, pois, antes de entrar na escola, ela questiona, ouve
histórias, constrói conceitos; no entanto, os conceitos científicos não surgem de campos
completamente desconhecidos, ou seja, quando a criança ouve falar sobre a água na
escola, já havia aprendido, em casa, algo sobre esse líquido.
A diferença entre os conceitos espontâneos e os conceitos científicos, segundo
Vygostky (2001), está na abstração, na verbalização, pois, quando a criança conhece
determinada coisa, possui um conceito e consegue formular sua verbalização,
estabelecer operações vinculadas a essa definição, surge o conhecimento científico.
Os conceitos “científico” e “espontâneo” parecem encontrar-se em um nível
no sentido de que não se pode separar nos pensamentos da criança os
conceitos adquiridos na escola dos conceitos adquiridos em casa.
(VYGOTSKY, 2001, p. 528).
O desenvolvimento dos conceitos espontâneos deve atingir um certo nível, para
que as crianças possam entender os conceitos científicos, que devem estar estreitamente
ligados aos seus conhecimentos espontâneos.
Vygotsky cita a obra de J.L. Chif, Estudo dos conceitos científicos das crianças
em face da investigação dos conceitos espontâneos, a fim de analisar trabalhos
concretos sobre o desenvolvimento de conceitos. Pediu-se às crianças que
completassem frases interrompidas na palavra “porque”. “O navio afundou porque...
As crianças tinham a sua disposição o material sociológico trabalhado na escola e o
material do dia-a-dia. Tiveram mais facilidade de achar a solução com os materiais
utilizados na escola do que com os materiais utilizados no dia-a-dia. Isso demonstra a
40
divergência entre os testes com conceitos científicos e os testes com conceitos
espontâneos. O que distingue uma tarefa de completar uma frase a partir da palavra
“porque” de outra, em que ela deve informar algum fato da vida social, como uma
revolução? Pode-se dizer que a diferença está nos conhecimentos: na escola ela estudou
o porquê da revolução, mas não estudou o motivo de os navios naufragarem. A criança
desconhece as relações casuais entre os conceitos, ainda não tem consciência da relação
entre os porquês. O fato é que “a criança não sabe fazer voluntariamente o que em
situação análoga faz uma infinidade de vezes” (VYGOTSKY, 2001, p. 531).
As crianças tiveram dificuldades em terminar os testes com o uso dos materiais
do dia-a-dia, porque
tanto em relação ao aluno quanto ao material tomado do campo dos conceitos
espontâneos exigem da criança um uso voluntário das estruturas que ela
domina involuntariamente, automaticamente. (VYGOTSKY, 2001, p. 534).
Os testes realizados com o uso do material sociológico, cujo objetivo é o
desenvolvimento dos conceitos científicos, tiveram mais sucesso devido ao fato de a
criança estudá-lo na escola, de o professor ter trabalhado o tema, verificado
dificuldades, corrigido — todo o trabalho do aluno foi realizado com o auxílio do
professor e posteriormente poderá ser realizado de forma independente.
Para Vygotsky (2001), os testes com conceitos espontâneos e os testes com
conceitos científicos exigem da criança diferentes operações, pois, nos primeiros, a
criança deve fazer voluntariamente alguma coisa que faz automaticamente e, nos testes
dos conceitos científicos, sob orientação do professor, ela deve saber fazer algo que
ainda não fez espontaneamente. “O desenvolvimento mental da criança não se
caracteriza por aquilo que ela conhece, mas também pelo que ela pode
aprender”.(VIGOTSKY, 2001, p. 537).
41
Toda criança tem seu potencial e este deve ser incitado pelos contatos sociais
que estabelece com os professores, familiares, colegas..., no sentido de promover seu
desenvolvimento.
No próximo capítulo procuraremos esboçar como a criança estabelece relações
com os números no contexto familiar e escolar sua representação simbólica e
significado.
42
CAPÍTULO 3
A criança e os símbolos num processo de contagem
O que vamos discutir nesse capítulo são os primeiros contatos da criança com os
números, o uso destes no âmbito familiar, na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental. Abordaremos o número mais ligado às relações cotidianas das crianças, o
que deve permitir uma aprendizagem mais significativa, preocupando-nos em
compreender como se estabelece esse conceito.
3.1. Signos e Símbolos
Um signo ou representamen, para Peirce, é aquilo que representa alguma coisa
para alguém,
Signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele pode
funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma
outra coisa diferente dele. (SANTAELLA, 1983, p.58).
Peirce citado por Netto (1996) propõe uma divisão dos signos em ícone, índice e
símbolo, referente às relações semânticas entre signo e objeto.
"Ícone é um signo que tem alguma semelhança com o objeto representado”.
(NETTO, 1996, p.58). Um bom exemplo de signo icônico é uma fotografia de um carro,
que não o representa materialmente, mas o representa de forma semelhante ao objeto;
assim, podemos fazer idéia do carro sem vê-lo materialmente.
“Índice é um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de ser
diretamente afetado por esse objeto”. (NETTO, 1996, p.58). O signo inicial tem alguma
qualidade em comum com o objeto e pode ser modificado por ele. Exemplo: “fumaça é
signo indicial de fogo, uma rua molhada é signo indicial que choveu...”. (NETTO, 1996,
p.58).
43
“Símbolo é um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de uma
associação de idéias produzidas por uma convenção [...] Exemplo qualquer das palavras
da língua portuguesa, a cor verde como símbolo de esperança”. (NETTO, 1996, p.58).
Um signo pode exercer simultaneamente as três funções semióticas: a icônica, a
indicial e a simbólica, não sendo possível, muitas vezes, determinar qual das funções
predomina.
É necessário destacar que na ótica de Pierce a noção de símbolo sob formas
mutáveis, primeiramente o símbolo constituía um signo por convenção; nos textos
atuais deste autor o símbolo é considerado como um representamen cujo significado
reside no fato de existir um hábito, disposição ou qualquer outra norma a
fazer com que esse signo seja sempre interpretado como símbolo.(NETTO,
1996, p.60).
O homem, desde os tempos mais remotos, vem utilizando signos para tentar
expressar suas idéias, armazenar informações que não tem condições de guardar na
memória; desenhos, varetas ou pedras para registrar e controlar a quantidade de seu
gado. Dessa forma o signo utilizado por ele passou a ser uma representação da realidade
através de elementos ausentes no espaço e tempo.
Oliveira (1997) relata que, a partir da evolução da humanidade e do
desenvolvimento de atividades coletivas, do trabalho e das relações sociais, as
representações da realidade passaram a ser articuladas por meio de sistemas simbólicos.
Isso significa que os indivíduos não utilizavam mais signos isolados ou particulares
referentes a objetos avulsos, mas signos compartilhados pelo conjunto dos membros do
seu grupo social.
De acordo com Oliveira (1998), a humanidade criou ao longo da história os
códigos culturais
como sistemas semióticos, pois são estruturas de grande complexidade que
reconhecem, armazenam e processam informações com um duplo objetivo:
regular e controlar as manifestações da vida social, do comportamento
individual ou coletivo. Segundo tal concepção os seres humanos não somente
44
se comunicam com signos como são em larga medida controlados por eles.
Desde a mais tenra idade os homens são instruídos segundo códigos culturais
da sociedade. (OLIVEIRA, 1998, p.1)
Segundo a teoria vygotskyana, as sociedades criaram ao longo da sua história
instrumentos e signos que modificaram e influenciaram o seu desenvolvimento social e
cultural.
Os instrumentos são objetos socialmente usados como mediadores entre o
indivíduo e o mundo. Algumas invenções, como o microscópio, o computador, a
calculadora foram criados de modo a facilitar a interação homem-meio.
De acordo com a teoria sociocultural da inteligência, é através da educação que
aprendemos a utilizar os instrumentos culturalmente desenvolvidos que amplificam as
nossas capacidades. Neste sentido, esses instrumentos podem ser “objetos simbólicos,
um sistema de sinais com significados culturalmente determinados, como a linguagem e
os sistemas de numeração”. (NUNES, 2001, p.16).
Os sistemas de numeração foram criados nas diferentes civilizações com a
finalidade de ampliar as possibilidades de registrar, manipular e lembrar posteriormente
as quantidades.
3.2. Símbolos e significados
Saber matemática é uma exigência da sociedade contemporânea mediante
avanços tecnológicos que estão presentes em nossa vida diária, porém o paradoxo
estabelecido demonstra-nos que a matemática, um dos conhecimentos mais valorizados
em nossa sociedade, é ao mesmo tempo inacessível para grande parte da população que
não consegue lidar com seus dados, sua linguagem própria; nesse sentido o domínio
dela passa a ser um processo seletivo no sistema educacional.
A criança, quando chega à escola, traz os conhecimentos matemáticos
espontâneos adquiridos no convívio com seu grupo social, expressa-se através de uma
45
linguagem natural, pouco precisa, como diria Granell (2002), utiliza termos tais, como
“comprido, estreito, largo, pequeno, grande, muito, etc.” (GRANELL, 2002, p.260.). A
linguagem matemática, porém, é abstrata e pouco compreendida, pois utiliza termos
próprios, formais e universais.
Os símbolos matemáticos possuem dois significados: um formal, que obedece às
regras do sistema e outro referencial, que permite associar os símbolos às situações úteis
e reais. O uso formal dos símbolos matemáticos baseia-se muito mais na manipulação
de regras do que na compreensão do seu significado; ainda presenciamos alunos
executando listas e listas de exercícios sem saber o motivo pelo qual os resolvem... Será
que o próprio professor sabe para que deve ensinar determinado conteúdo?
O ensino da matemática deve valorizar os procedimentos e estratégias pessoais
dos alunos, mesmo que sejam informais, a fim de que as crianças progressivamente
entendam ou construam o significado dos conceitos matemáticos. Muitas vezes, o que
ocorre na sala de aula é o oposto desse procedimento: apresentam-se os conteúdos e
pede-se aos alunos que resolvam os exercícios ou os problemas. Se o aluno responde
corretamente, quer dizer que ele “aprendeu”; se errar, não entendeu. Na verdade, de
acordo com Granell (2002), as crianças devem primeiramente construir os significados
das operações matemáticas através da manipulação e da ação e, posteriormente, traduzir
esse conhecimento em linguagem simbólica.
Devido à interação com o meio social e cultural, as crianças mantêm contato
direto com os desenhos, as letras e os algarismos e reconhecem diferenças entre eles,
mas isso não quer dizer que dominem seu significado ou que tenham um conhecimento
mais profundo de cada sistema em particular. Granell (2002) afirma que
Saber matemática implica dominar os símbolos formais independentemente
das situações específicas e, ao mesmo tempo, poder devolver a tais símbolos
o seu significado referencial e então usá-los nas situações problemas que
assim o requeiram... O domínio da linguagem matemática implica também
46
um conhecimento de aspectos sintáticos e semânticos. (GRANELL, 2002,
p.274).
Dessa forma, aprender uma linguagem não é apenas aprender uma seqüência de
regras (aspectos sintáticos) que também são necessárias —, mas também adquirir
certo grau de competência, de significação (aspectos semânticos) que permita o uso
dessa linguagem adequadamente.
Os trabalhos de Carraher e Schielman (1982) propagam a idéia de que os
conhecimentos se constroem a partir da sua utilização nos contextos sociais e culturais
de forma contextualizada; no entanto, percebemos, através dos estudos realizados por
Branquinho e Lopes (2005), que crianças na faixa etária entre 8 a 10 anos, provindas da
periferia de São Paulo,
têm dificuldade em operar com o sistema monetário, não adquiriram
conhecimentos que lhes permitam entender o seu significado, apresentam
dificuldade em relacionar o preço do produto com a quantia em cédulas ou
moedas, não fazem a correspondência da quantia em dinheiro composta de
cédulas e moedas com a quantidade de produtos que podem ser comprados e
não calculam o troco de uma compra. (BRANQUINHO e LOPES, 2005).
Portanto, as afirmações de Granell (2002) ressaltam que, se queremos ensinar
matemática de uma forma significativa, primeiro devemos conhecer
os usos e as funções que o conhecimento matemático cumpre em nossa
sociedade e situar a aprendizagem dos conceitos e procedimentos
matemáticos no contexto de tais usos e funções. (GRANELL, 2002, p.275).
Granell (2002) assinala que as crianças recorrem ao desenho, aos procedimentos
figurativos, à linguagem natural como forma concreta de explicitar a semântica da
operação do sistema e assim construir uma representação mental interna da mesma.
3.3. Notações: desenhos, leitura e contagem
A idéia veiculada na história da escrita é de que o desenho antecede a escrita: as
crianças expressavam suas idéias primeiramente a partir do desenho, depois percebiam a
necessidade de apropriar-se de notações que pudessem ser bem compreendidas e não
47
causar mal-entendidos como os desenhos causavam, por conceber diversas
interpretações.
Em uma comunidade alfabetizada, as crianças estão imersas em uma crescente
diversificação gráfica, as notações aparecem em objetos, embalagens, jogos, placas,
outdoors... Nesse sentido, os meios notacionais são instrumentos de comunicação.
O estudo realizado com crianças com idades entre três anos e meio e seis anos e
meio por Tolchinsky (2002) teve como objetivo averiguar se uma notação, para ser
considerada adequada no universo da escrita, deveria cumprir com as mesmas
regularidades na notação numérica, ou seja, comparar se a escrita e a notação numérica
estavam regidas pelas mesmas leis.
Foram apresentados as crianças vários cartões que continham, em um grupo,
combinações de letras, algumas com significados outras não, pequenos desenhos e
figuras geométricas; noutro grupo, combinações de algarismos, pequenos desenhos e
figuras geométricas.
Ao início da entrevista, as crianças receberam instruções para dividir os cartões
em dois grupos: No grupo das letras, os cartões que não servem para escrever e, no dos
números, os cartões que não servem para contar.
Os resultados apontaram que todos os cartões que continham desenhos, mistura
de letras e meros e figuras geométricas, foram rejeitados pelas crianças. Um dado
interessante foi que os cartões que apresentavam repetições de letras foram rejeitados
pelas crianças no domínio da escrita, no entanto os que apresentavam repetições
numéricas foram aceitos no domínio dos números. Percebemos que as crianças
identificam os elementos que compõem cada sistema e suas respectivas regularidades.
Outro estudo realizado com crianças entre três e cinco anos tinha o objetivo de
verificar o que ocorria quando as crianças deveriam utilizar os meios notacionais para
48
transmitir informações quantitativas ou lingüísticas. Foram apresentados pares de
cartões, em alguns dos quais havia o desenho de um ou vários objetos; em outros, o
mesmo objeto representando quantidades diferentes (duas rodas e cinco rodas); em
outros pares de cartões, ainda, apareciam objetos diferentes, mas com a mesma
quantidade de elementos (três caminhões e três policiais). As crianças deveriam guardar
cada par de cartões em envelopes diferentes e escrever as etiquetas para saber o que
haviam desenhado em cada cartão e quantos objetos eram.
Os dados apontaram que algumas crianças utilizaram os algarismos para anotar a
quantidade, mas não usaram as convenções do sistema notacional, pois repetiram os
algarismos tantas vezes quanto o número de elementos que o cartão continha; outras
escreveram os nomes dos números e também utilizaram algarismos.
Na nossa cultura os números podem ser simbolizados de diversas formas sem
perder seu significado: por desenhos; oralmente; por meio da escrita; com algarismos
através de notação numérica; através de objetos; concretizados nos códigos e sinais de
surdos e em braile... Em cada forma de simbolização que apresentamos temos regras
distintas para serem seguidas.
Podemos destacar entre as regras existentes que não correspondência entre a
notação numérica e a expressão lingüística, os números compostos por mais de dois
algarismos não necessariamente são compostos em sua escrita; por exemplo, o número
cem, representado por uma única palavra lingüisticamente, é, no entanto, representado
por três algarismos numericamente.
3.4. O número
O maior ou menor conhecimento dos números está diretamente relacionado às
condições econômicas dos povos, nas relações sociais que são estabelecidas. povos
primitivos com vida social pouco desenvolvida, em que apenas os números naturais são
49
necessários para resolver seus problemas. A partir da evolução das civilizações,
aparecem novos problemas que os números naturais já não dão conta de resolver,
havendo, então, necessidade de introduzir novos números.
Se procurarmos uma definição para número, a primeira que nos vem à mente é
que o mesmo serve para quantificar, contar, mas, se formos fazer uma reflexão sobre
essa definição, teremos inúmeras espécies de números: algébricos, aritméticos,
atômicos, cardinais, combinatórios, compostos, de chamada, decimais, de massa,
ordinais, fracionários, primos, entre outros (FERREIRA, 1986, p. 1204). De acordo com
as idéias do autor citado, percebemos que os números cumprem outras funções, além de
contar ou quantificar.
Quando utilizamos os números para contar e descrever os elementos de um
grupo, eles são encarados como cardinais: em uma corrida de fórmula 1 de que
participam 20 carros, o número 20 é cardinal. Mas, quando precisamos classificar as
posições dos pilotos, passamos a usá-los na forma ordinal: “O piloto brasileiro chegou
em vigésimo lugar”, temos aí idéia de uma seqüência.
Por outro lado, como afirma Cebola (2001), se atentarmos para os números do
telefone, do cartão de crédito, do R.G., das filas de supermercados e muitos outros
ligados à vida cotidiana, nenhuma das duas definições anteriores servirá para classificá-
los, pois a idéia que transparece é do número como nome, identificação, sem qualquer
preocupação com a seqüência ou quantidade. Surge, então, segundo a autora, o conceito
nominal do número que não tem qualquer significado matemático, como os cardinais ou
ordinais; assim, faz pouco sentido dizer que o mero do meu cartão de crédito é maior
ou menor que outro.
Os números de caráter nominal estão diretamente ligados à vida do cidadão
comum, que está em contato direto com um mundo de números por todos os lados: no
50
controle remoto da tv; no celular; nos relógios; na previsão do tempo; nas propagandas,
outdoors, anúncios de jornais; nas embalagens e preços de produtos... Enfim, podemos
dizer que estamos mergulhados em uma imensidão numérica; portanto, nada mais
adequado do que partirmos desse contexto de utilização desde o início da escolarização
das crianças.
Não podemos nos referir ao número apenas baseando-nos em seu caráter
elementar e cotidiano, que é demasiadamente limitado, mas precisamos evidenciar seu
caráter utilitário e global no mundo do cidadão atual, o qual traz exigências de novas
habilidades frente ao avanço tecnológico.
3.5. Contagem: os primeiros contatos
Vivemos em um mundo coletivo e, de acordo com nossas necessidades,
utilizamos a contagem em várias circunstâncias de nossas vidas: o pastor conta seu
rebanho; o chefe da família, os dias que faltam para chegar o próximo salário; a dona de
casa, o dinheiro que possui para o orçamento das despesas da casa; o aluno, as notas que
precisa obter para ser aprovado; o assalariado, o dinheiro da condução; a gestante, as
semanas de gestação; os pilotos, os milésimos de minutos que perdem em uma pista... A
contagem é realizada por todos, em diversos contextos.
Os homens primitivos, segundo Caraça (1998), não criaram a idéia completa de
número para depois aplicá-lo à prática, mas resolveram o problema da contagem pela
criação dos números naturais devido à necessidade e utilização na prática diária.
Os pais começam a ensinar a contagem para as crianças através de músicas
folclóricas
2
, parlendas
3
, incentivam-na a reproduzir uma seqüência numérica com
2
A galinha do vizinho, bota ovo amarelinho, bota um, bota dois, bota três...
3
“Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato...
51
aplausos, beijos e abraços. Exibem-na para seus familiares dizendo: “Olha, fulano
sabe contar, conte para ele, filhinho...”
Os pais m conhecimento de que saber contar é importante para a criança e, de
uma forma instintiva ou até quem sabe por fatores de cobrança e inclusão social,
querem que seus filhos contem até dez, pois, na sua visão leiga, acreditam que a criança,
reproduzindo uma seqüência de palavras em certo ritmo, está aprendendo. Por esse
motivo, esses pais não estão preocupados com a questão do significado desse número
para essa criança, o que eles representam ou o que ela pensa quando reproduz essa lista
de números.
Uma criança que sabe recitar uma série numérica não necessariamente sabe
contar, pois, para contar, é preciso atribuir a cada objeto uma palavra-número. Quando
observamos crianças da Educação Infantil contar, percebemos que utilizam os dedos
como recurso e muitas vezes os dedos da mão vão mais rápido do que a oralidade:
algumas crianças, para contar uma coleção, iniciam do 1, 2 , 3, 4, 5, 6 e, no momento de
dar o total de objetos, precisam iniciar novamente a contagem, porque não conseguem
perceber que o último número da contagem é a quantidade de elementos que aquela
coleção possui.
A criança, antes de ingressar no mundo escolar, traz consigo um saber
composto de idéias sobre o mero, fruto de uma vivência cultural adquirida no
convívio com o seu grupo social. Essas idéias estão relacionadas à quantidade e à
medida, ela sabe distinguir se ganhou mais ou menos balas, se o pedaço do chocolate do
irmão ou do colega é maior ou menor que o dela, se seu copo tem mais ou menos suco,
comparando-o com o de alguém; enfim, no seu senso comum ela experimenta a
matemática que está inserida em seu dia-a-dia.
52
3.6. Símbolos: mera reprodução, na Educação Infantil, ou construção
de significado?
As crianças na Educação Infantil conhecem a oralidade numérica dos números,
recitam a série numérica a partir do um e param quando não sabem mais a seqüência.
Nessa recitação momentos de confusão quando iniciam a dezena, contam um, dois,
três ... sete, oito nove, dez, dez e um, dez e dois ... Ou repetem números que ouviram os
mais velhos falar: catorze, vinte, quarenta... Ou então chegam ao 19 e esperam alguém
lhes dizer “vinte”... e reiniciam a contagem em série até o 29... e param novamente. No
último caso, iniciaram a percepção da regularidade e organização que o sistema
decimal tem.
A criança na Educação Infantil carrega consigo todo o saber acumulado no seu
legado cultural, passa a ter contato com os símbolos numéricos, que anteriormente
reproduzia oralmente e que, nesta fase, também podem apenas ser memorizados e
reproduzidos em uma seqüência preestabelecida, ou realmente compreendidos a partir
da relação do símbolo com o seu significado, dependendo do trabalho que o professor
desenvolver.
Durante a educação na infância, a criança precisa perceber que os números
aprendidos na escola são os mesmos que ela havia aprendido em casa; dessa forma, a
escola deve partir da linguagem que o aluno possui para ampliar seu conhecimento.
Moyses (1997) defendia essa questão, quando ressaltava a importância de uma
relação de continuidade entre o que se aprende na escola e o conhecimento que existe
fora dela.
Os números que são aprendidos dentro e fora da escola são sempre os mesmos; o
significado dado a eles é que muda: em casa a criança tem um contato espontâneo com
os números, vai percebendo sua existência de forma gradativa, sem sistematização e,
53
nessa fase, chega a dizer: “Eu conheço a ‘letra’ 3”; uma confusão entre letras e
números.
O estudo de Ferreiro e Teberosky (1999), realizado com crianças de 4 a 6 anos
provenientes de classes de baixo poder aquisitivo na Argentina, demonstra que a relação
entre letras e meros tem três momentos importantes: inicialmente uma confusão
entre letras e meros, não exatamente pela semelhança gráfica que possuem, mas sim,
em razão da distinção estabelecida pelas crianças entre o que é o desenho graficamente
representado e o que o separa da representação escrita. Ou seja: tudo aquilo que ela não
classifica como desenho é escrita. No segundo momento, a criança começa a perceber
que as letras são utilizadas para ler e os números para contar. Mas, no terceiro momento,
quando inicia a escolaridade, o conflito entre letras e meros reincidirá, pois o
professor questiona os alunos: “Quem consegue ler esta palavra?” “Quem consegue ler
esse número?”. Os números podem ser lidos, apesar de não terem letras em sua
representação simbólica, mas estamos confrontando a leitura de dois sistemas de escrita
totalmente diversificados.
Na escola, a sistematização simbólica é priorizada em relação ao processo. O
professor, na maioria das vezes, está preocupado em verificar se os alunos sabem os
numerais, mas não utiliza os meios mais adequados para isso e faz com que seu aluno
reproduza uma lista de numerais que julga importante, como, por exemplo: Faça os
numerais de 0 a 1.000, Escreva como se lê, mas dificilmente trabalha com composição
ou decomposição dos números. Muitos professores ainda não tiveram a oportunidade de
utilizar o Material Dourado, o Ábaco como material de apoio para criar momentos de
reflexão, para o aluno discutir, argumentar e construir seu conhecimento.
Podemos em alguns momentos ver semelhança entre o trabalho que é
desenvolvido na família e o trabalho que muitos professores realizam na escola; a
54
mudança se apenas do exercício oral para o escrito: os professores se apóiam na
memorização pela repetição do uso, não se faz presente neste método a criação de
significados conceituais.
Desde a Educação Infantil é importante propiciar à criança um processo que
atenda às suas necessidades para aprender aqueles números que ela ouviu durante o seu
desenvolvimento no núcleo familiar, paralelamente com a descoberta do seu
significado. Assim, a criança que entende a relação do número enquanto
símbolo/significado passa a utilizá-lo para organizar-se melhor, usa a contagem para
saber quantos objetos tem sua coleção, quantos brinquedos possui, quantas balas
ganhou... Compactuamos com os estudos realizados por Nunes (2001), que afirma:
a criança que aprende a contar poderá começar a usar a contagem como
instrumento de pensamento, para auxiliar sua habilidade de registrar e
lembrar-se de quantidades, e amplificar sua capacidade de resolver
problemas. (NUNES, 2001, p.18).
A contagem de uma coleção de objetos realiza-se, como Caraça (1998) afirma,
fazendo corresponder a cada objeto um número natural sucessivamente. A operação de
se “fazer corresponder” é uma das operações mentais mais importantes que utilizamos
quase todos os dias em nossas vidas. Ele destaca que a correspondência entre objetos e
números exige que haja um antecedente (o objeto) e um conseqüente (o número); “a
maneira pela qual o pensar no antecedente desperta o pensar no conseqüente chama-se
lei da correspondência”. (CARAÇA, 1998, p.7).
A contagem como ferramenta construída pela cultura permite, por um lado, o
manejo mais adequado das situações oferecidas pelo cotidiano e, por outro, o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
3.7.Como o número é ensinado na escola
Na prática docente o ensino dos números é apresentado aos alunos com um
enfoque arraigado em uma visão mais tradicional, segundo a qual devem-se ensinar os
55
números aos poucos, um a um, não se pode ultrapassar o conteúdo programático pré-
estabelecido para aquela determinada série; por exemplo, na Educação Infantil as
crianças deverão dominar os números de 1 a 9 e na série devem aprender até 99. A
escrita convencional dos meros deve ser repetida por várias e várias linhas do
caderno; nessa perspectiva considera-se que o conhecimento se por meio de
observação, imitação e cópia.
Os números são apresentados um a um: primeiro a criança “aprende” o número
um, enche uma folha do caderno com esse mero, faz exercícios; depois, noutro dia,
“aprende” o número 2, enche uma folha do caderno com esse mero, faz exercícios e
assim por diante... O ensino voltado à repetição e cópia do mero que está sendo
apresentado na aula não serve como base para estabelecer significado numérico para a
criança, pois o número isoladamente não tem parâmetro de comparação, de regularidade
e de organização.
Quaranta, Tarasow e Wolman (2006) destacaram três critérios arraigados na
concepção dos professores — que permeiam o trabalho numérico na Educação Infantil e
nas séries iniciais:
1. As crianças aprendem os números de um a um, respeitando a ordem da
série numérica.
2. Parte-se do ensino da base dez e agrupamentos com a utilização de vários
recursos, além do conhecimento do valor posicional de cada algarismo.
3. Os erros cometidos pelas crianças ao ler ou escrever números são
classificados como ausência de conhecimentos.
A concepção de aprendizagem no ensino tradicional consiste em um processo
cumulativo: o aluno considerado como uma “tábula rasa”, ou seja, sem
conhecimentos anteriores aos conteúdos que devem ser ensinados — aprende através do
56
treinamento por meio de repetições e memorizações. Assim, uma limitação e o
nivelamento do conhecimento do aluno, pois o mesmo pode avançar em seus
conhecimentos de acordo com a seriação estabelecida.
O “saber” matemático limita-se ao domínio de procedimentos formais: o aluno
“sabe” escrever os numerais em uma seqüência, faz as quatro operações corretamente,
conseqüentemente ele resolve os problemas que servirão apenas para aplicar o que se
“sabe”, pois um treino excessivo das operações, para depois aplicá-las na resolução
de problemas.
Nas aulas de matemática, habitualmente ensinam-se as representações dos
números seguindo agrupamentos na base 10 e baseando-se na posição relativa que o
algarismo ocupa; “assim, o aprendizado da representação numérica, reduz-se à
capacidade de ler os números, de escrevê-los e de reconhecer em um mero dado os
valores de posição”.(BEDNARZ, 1996, p.51).
Encontramos no ensino da escrita dos números uma reprodução mecânica e
automatizada de regras sintáticas centradas na codificação e decodificação, ou seja,
pede-se às crianças que associem o símbolo à quantidade e, inversamente, que
desenhem uma quantidade de elementos a partir de uma simbolização. Percebemos a
falta de sentido na escrita dos números quando as crianças precisam executar operações
de cálculos.
O estudo realizado por Bednarz (1996) propôs às crianças situações nas quais a
escrita dos meros, as operações e a representação adequada atingissem toda a sua
significação através de atividades em que puderam comunicar, confrontar e debater
informações acerca de como operar com coleções e operações. A partir das interações
sociais, as crianças exteriorizaram seus procedimentos com o grupo de trabalho e assim
puderam elaborar seus próprios conceitos a respeito da escrita de números.
57
Para aprender, as crianças precisam usar os números, refletir sobre eles e, a
partir daí, construir a regularidade e a organização do sistema de numeração.
O que significa usar os números? É poder nomeá-los, escrevê-los e
interpretá-los à sua maneira; compará-los; utilizá-los para resolver e/ou
representar o procedimento escolhido na resolução de um problema, para
comunicar e confrontar esses procedimentos.(MORENO, 2006, p.71).
É necessário apresentar atividades que permitam às crianças refletir e usar os
números, descobrir relações entre a numeração oral e a escrita, realizar inferências que
poderão ser generalizadas e utilizadas em outros números, interpretando-os em
diferentes momentos e não particularmente em ordem. É nas trocas de experiências, nos
debates e comunicações de idéias que as crianças vão elaborando seus conhecimentos.
Os alunos estabelecem relações entre os meros, entre a linguagem falada e a
escrita; a escola não pode limitar as margens numéricas ou trabalhar inicialmente com
os números que as crianças já aprenderam, pois estaria impedindo a prática dessas
relações.
Limitar o trabalho aos números até 9 na Educação Infantil impediria as crianças
de criar, de colocar em prática aquilo que já sabem, de perceber as regularidades e a
organização do sistema decimal.
Percebemos que a criança constrói o significado da escrita dos números quando
propiciamos atividades que trazem em seu bojo o desenvolvimento desse conceito como
processo. Inversamente, o que fazemos com nossos alunos é apresentar um conteúdo,
exemplificá-lo e, a partir daí, pedir os exercícios; não criamos desafios, confrontos e
debates capazes de transformar concepções memorizadas pelos alunos em novas
concepções de aprendizado.
Após esta explanação sobre a criança e seu contato com os números, no capítulo
seguinte discutiremos como a criança lida com o número ao tratar de situações
monetárias.
58
CAPÍTULO 4
O sistema monetário e a educação matemática
Neste capítulo faremos uma breve apresentação a respeito da origem do dinheiro
e procuraremos discutir não apenas como a criança lida com o dinheiro, mas também a
importância da educação matemática para educá-la financeiramente.
4.1. O que é o dinheiro: origem
As moedas e cédulas que circulam hoje, de acordo com Robert (1989), são o
resultado de um longo desenvolvimento histórico das trocas de mercadorias realizadas
entre os povos. O dinheiro hoje tem um papel universal, ou seja, todas as mercadorias
são compradas com o dinheiro, mas não foi sempre assim...
milhares de anos, existiam poucas pessoas, que viviam em cavernas, comiam
aquilo que caçavam ou pescavam e, portanto, não precisavam de dinheiro. Com o
aumento da população, as pessoas começaram a viver em comunidade e, além da caça e
da pesca, iniciaram a agricultura, produziam armas e potes de barro para cozinhar.
Quando uma comunidade tinha a necessidade de obter algum objeto que o
produzia, ia até a comunidade mais próxima e trocava os objetos que produzia por
aqueles que não produzia; dessa forma surgiu o escambo: a troca de mercadorias por
mercadorias, a primeira forma do comércio.
Com o desenvolvimento da produção mercantil, fazer trocas passou a ser
considerado cada vez mais complicado: foi necessário estabelecer o valor de alguns
artigos para serem trocados por outros; assim, certos objetos, como alimentos, conchas,
lanças, cabeças de gado, plumas, tabaco, peles, pedras, sementes, cereais e sal foram
usados como dinheiro para comprar e vender mercadorias.
No Brasil, após a chegada dos portugueses, o pau-brasil era a principal
mercadoria utilizada para a troca, seguida pelo pano de algodão, o açúcar, o fumo e o
59
zimbo (tipo de concha utilizada nas trocas entre os escravos) todos foram utilizados
como moeda-mercadoria.(BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2002).
Com o passar dos anos, as mercadorias não atendiam mais aos objetivos das
trocas, em razão da oscilação de seus valores, por não serem fracionáveis e por estarem
sujeitos a fácil deterioração, não permitindo o acúmulo de riquezas. Surgiu, portanto, a
necessidade de utilizar materiais que pudessem ser armazenados sem risco de
deterioração e sem perder o seu valor; que pudessem ser fracionados; e que tivessem
maior durabilidade. Os metais preciosos (ouro, prata, bronze e cobre) passaram então a
ser utilizados para a troca sob diversas formas: em seu estado natural, derretidos ou em
barras.
Os comerciantes carregavam seus sacos de ouro e prata e algumas balanças para
pesar a quantidade de metal necessária para compra ou venda de mercadorias, porém era
muito difícil carregar todo aquele peso e, cada vez que se realizava uma transação, era
necessário verificar a qualidade e o peso das barras.
O rei Creso, aproximadamente no ano 550 a.C., na Lídia (Robert, 1989), cidade
situada no atual território da Turquia, inventou a moeda. Como todas elas tinham o
mesmo tamanho, não era necessário pesá-las, para saber a quantidade de ouro que
representavam.
As de maior valor eram cunhadas em ouro e as de menor valor, em prata e cobre;
a partir do século passado, porém, as moedas passaram a ser feitas em ligas metálicas e
o seu valor passou a não depender mais do metal que a compunha, e sim do valor
gravado em sua face.
Mas o problema não foi de todo solucionado: as pessoas evitavam sair com
sacos de moedas para comprar mercadorias, pois as estradas estavam cheias de ladrões;
resolveram, então, guardar suas moedas na casa de uma pessoa em quem confiavam: o
60
ourives, que negociava objetos de ouro e prata e era o encarregado de trabalhar com os
metais nobres. Em troca das moedas que lhe davam para guardar, ele emitia um recibo
no qual prometia devolvê-las. Quando o comerciante necessitava das moedas, ia à casa
do ourives e as retirava. Além de guardar o dinheiro, os ourives começaram a emprestá-
lo a reis, governantes e outras pessoas, em troca de algum benefício ou favor. Muitos
desses ourives tornaram-se os primeiros banqueiros.
Os recibos emitidos pelos ourives foram usados como cédulas: circulavam de
mão em mão para efetuar os pagamentos das mercadorias; dessa forma surgiu o papel-
moeda.
Em 1810 o Banco do Brasil lançou os primeiros bilhetes de banco, que eram
preenchidos à mão e que atualmente representam as cédulas. Para evitar falsificações, os
governos passaram a controlar a emissão de cédulas através dos bancos centrais,
existentes atualmente em quase todos os países.
As cédulas retratam parte da cultura do país emissor, através de imagens que
reproduzem paisagens, a fauna, a flora, monumentos, líderes políticos, cenas históricas.
O conjunto de cédulas e moedas utilizadas por um país forma o seu sistema monetário,
que é regulado através de legislação própria. Este sistema é organizado a partir de um
valor que lhe serve de base e que é sua unidade monetária.
Atualmente, quase todos os países utilizam o sistema monetário de base
centesimal, no qual a moeda é dividida em unidades que representam um centésimo de
seu valor; os valores mais altos são expressos em cédulas e os valores menores, em
moedas.
No mundo contemporâneo tudo tem seu preço: pagamos pela água que
consumimos, pela iluminação, pela alimentação... Cada mercadoria de que necessitamos
tem um valor determinado pelo custo de quem o produziu; o dinheiro é usado como
61
uma medida que expressa o valor da mercadoria através de cédulas e moedas, cheques,
cartões de créditos, cheques eletrônicos... Sua evolução continua constante, pois ele
acompanha as necessidades ditadas pelos avanços da humanidade.
Com a evolução das relações sociais, o homem passou a ter necessidade de
realizar transações comerciais; como poderíamos imaginar uma transação comercial na
qual uma pessoa não saiba contar os gêneros que compra e a outra, o dinheiro que
recebe? (CARAÇA, 1998).
4.2. A criança e o dinheiro
É comum ouvirmos frases do tipo: “As crianças estão acostumadas a fazer
compras, a conferir o troco”, “Lidar com o dinheiro faz parte do cotidiano”. Será
realmente que as crianças sabem lidar com o dinheiro? Conseguem conferir o troco?
Algumas autoras, como Schliemann, Santos e Costa (2001), Carraher e
Schliemann (1998), Nunes, et al. (2005), pesquisaram o uso do dinheiro em atividades
desenvolvidas com crianças e apontam-no como material que poderia criar situações
significativas.
O dinheiro supostamente familiar à criança é apontado como material
apropriado para se trabalhar o sistema decimal por permitir composições e
decomposições numéricas, pois “as notas m um valor absoluto (número de notas) e
um valor relativo (valor monetário das notas)”. (NACARATO, 1995, p.46).
Essa questão também se evidencia nos estudos de Schliemann, Santos e Costa,
ao afirmarem que
O dinheiro pode ser útil para criar situações em sala de aula que permitam à
criança compreender as propriedades do sistema decimal, não por ser um
material concreto, mas porque nosso sistema monetário é um sistema decimal
e, como tal, guarda as mesmas propriedades do sistema que as crianças
precisam entender na escola.(SCHLIELMANN, SANTOS E COSTA, 2001,
p.103).
62
Nas pesquisas relatadas por Nunes e Bryant (1997), que citam a pesquisa de
Carraher (1985), podemos observar algumas investigações sobre a compreensão do
conceito de unidade e composição aditiva no contexto do dinheiro, realizadas no Brasil
com 72 crianças pré-escolares com idades variadas entre cinco e sete anos.
Nessa pesquisa, as crianças deveriam usar o conceito de unidades para comparar
valores compostos por notas ou moedas. A tarefa seria a de verificar ou a possibilidade
de comprar a mesma quantidade de doces que o experimentador, ou se um deles poderia
comprar mais doces do que o outro.
Foram apresentados às crianças dois grupos contendo fichas que imitavam
moedas de valores diferenciados – por exemplo, quatro moedas de um cruzeiro
4
e
quatro moedas de dez cruzeiros. As crianças deveriam imaginar que levariam as moedas
de um dos grupos para comprar doces em uma loja e que o experimentador levaria as
outras moedas.
Os dados apontaram que 60% das crianças tiveram êxito nessa tarefa, entre elas
algumas que nem sequer conseguiram contar a quantidade total de dinheiro.
Os estudos realizados por Carraher (1985) permitem-nos discernir que uma
parcela considerável de crianças que consegue estabelecer a quantidade correta de
cédulas ou moedas para o pagamento de uma conta, mas nossa preocupação centra-se
nas crianças que não conseguem realizar essas atividades: qual o fator complicador?
Outra tarefa realizada em seus estudos foi chamada de tarefa de compra: era
sobre composição aditiva e a estrutura na base dez. Seu objetivo era avaliar a habilidade
das crianças de combinar dezenas e unidades, a fim de atingir um número específico.
As crianças deveriam brincar com um jogo no qual comprariam objetos e teriam
que pagar o preço exato para o experimentador, que no contexto era o dono da loja. Elas
4
(c = cruzeiro, a moeda brasileira na ocasião).
63
receberam imitações de moedas de 1c e 5c ou de 1c e 10c. Elas tinham dinheiro
suficiente para pagar as quantidades solicitadas, mas precisavam considerar o valor das
moedas ao contar o dinheiro; por exemplo,
elas poderiam receber quatro moedas de 10c e quatro de 1c e ser solicitadas a
pagar 13c. Embora tivessem apenas oito moedas, se elas levassem em conta
apenas o valor relativo das moedas elas perceberiam que tinham dinheiro
suficiente. (NUNES, 1997, p.61).
Segundo os dados coletados na pesquisa, apenas 39% das crianças tiveram
sucesso nessa tarefa, mas, na visão da autora, sua taxa de sucesso, mesmo modesta,
indica que não é necessário aprender números para entender composição aditiva. Nesse
ponto discordamos de Carraher (1985), pois nos preocupamos com os 61% das crianças
que não entendem esse processo aditivo e que não conseguem operar com o dinheiro.
É importante observarmos que, em relação a um sistema de numeração,
possuímos uma seqüência sistematizada dos números, que indica que um número é
igual ao seu anterior mais um
5
. Os estudos de Nunes (2005) m reforçar essa idéia,
sinalizando que um sistema de numeração não pode de forma alguma ser comparado a
uma seqüência de palavras, como uma lista de compras de um mercado, pois em um
sistema de numeração temos uma relação de um número com seu anterior, além de que
qualquer mero poder ser composto através da soma de dois meros que o
antecedem
6
. Assim, a seqüência numérica supõe uma organização que a autora intitulou
de composição aditiva.
O professor não pode pressupor que, ensinando o sistema de numeração decimal,
a criança compreenderá que existem unidades de valores diferentes no sistema e que as
diferentes unidades podem ser somadas, formando uma única quantia. Ele deve propor
atividades práticas para demonstrar essa situação.
5
1; 2 = 1+1; 3 = 2+1; 4=3+1( Nunes, 2005, p.21)
6
7= 6+1 ou 5+2 ou 4+3 (ibid)
64
Dessa forma, faz-se necessário propiciar atividades para examinar se a criança
compreende a composição aditiva de números, ou se apenas diz um rótulo numérico
dentro de uma lista de palavras que precisam ser memorizadas e reproduzidas.
A criança que compreende a organização do sistema numérico decimal percebe a
existência de diferentes unidades de valores e conclui que, se estas forem somadas,
passarão a constituir uma quantia única. Isso é evidenciado na pesquisa de Nunes
(2001), que afirma:
Uma situação em que contamos unidades de valor diferente e coordenamos
essas unidades num só total é a contagem do dinheiro com notas de diferentes
valores. Se tivermos duas moedas de dez e três de um real, teremos de
combinar a contagem com a adição desses valores distintos para saber quanto
dinheiro temos ao todo. (NUNES, 2001, p. 19).
Os estudos desenvolvidos por Nunes et al. (2005) e seus colaboradores serviram
de base para examinar se a criança compreende as dificuldades do nosso sistema de
numeração.
Inicialmente houve uma investigação para saber até que número as crianças
sabiam contar. Foram colocadas diante das crianças 50 moedas de um real; com a
contagem dessas moedas, tinha-se o objetivo de verificar se as crianças diziam os
rótulos numéricos em correspondência com os objetos contados, sem contar nenhum
duas vezes ou sem deixar algum sem contar.
O segundo passo era avaliar a compreensão da composição aditiva através de
moedas e notas de diferentes valores, trabalhando sempre com totais numéricos de
conhecimento das crianças. Elas deveriam comprar objetos (bolinhas de gude,
borrachas, apontadores.) no “mercadinho de brinquedo”; o preço das mercadorias era
determinado a fim de as crianças utilizarem moedas de dois valores diferentes, por
exemplo: “uma moeda de cinco e três moedas de um real para pagar oito reais”. Noutro
momento foram distribuídas às crianças fichas azuis que representavam dez reais e
fichas vermelhas que simbolizavam um real. Foi solicitado que pagassem quantias
65
superiores a dez reais; nesse caso elas deveriam utilizar a combinação de valores
diferentes, envolvendo dezenas e unidades.
Estudos anteriormente realizados por Nunes (1997) demonstraram que, apesar
de as crianças possuírem a noção de contagem acima de 20, não conseguiram combinar
valores com unidades diferentes quando se tratava de combinações envolvendo o
dinheiro; a tendência apontada pelas crianças era a de contar todas as moedas como se
fossem de R$ 1,00.
A dificuldade apresentada por essas crianças, segundo a autora, é conceitual,
pois as crianças não compreendem as adições implícitas nesse tipo de contagem,
embora consigam contar objetos usando corretamente a seqüência numérica,
esse comportamento é típico das crianças de 4 anos. É a partir dos 6 anos que
a maioria das crianças resolve os problemas de contagem de dinheiro no
mercadinho (aproximadamente 2/3 resolvem corretamente), porém mesmo
entre crianças de 7 anos pode-se observar dificuldade na compreensão da
composição aditiva dos números. (NUNES, 2001, p. 21).
Quando a criança conta dinheiro, ela precisa levar em consideração a quantidade
de moedas ou cédulas e seu valor; nesse caso, há um valor implícito nas notas e moedas,
o que pode ser um agente complicador para as crianças que se atêm apenas aos aspectos
observáveis, como o tamanho das moedas, as cores das cédulas. Por exemplo: ela
precisa entender que uma moeda de R$ 0,50 equivale a duas moedas de R$ 0,25, ou a
cinco moedas de R$ 0,10, ou a dez moedas de R$ 0,05, ou ainda a cinqüenta moedas de
R$ 0,01 e assim por diante, e que, em todas essas decomposições, ela sempre terá a
mesma quantidade de dinheiro.
Nunes (2001) nos chama a atenção para a análise das diferenças entre contar
objetos e contar notas de diferentes valores: precisamos refletir e tentar compreender
por que as crianças apresentam dificuldades na contagem de dinheiro,
para contar o total formado por uma nota de 5 reais e 3 de 1 real, a criança
precisa começar a contar a partir da nota de 5, e continuar a contagem a partir
daí: “cinco (mostrando a nota de 5), seis, sete, oito (mostrando as de 1 real).
66
Essa forma de contagem difere do procedimento mais habitual, em que a
criança começa do um. (NUNES, 2001, p.23).
Essa atividade demonstrou a dificuldade das crianças em trabalhar com valores
implícitos em uma situação, pois uma nota de cinco reais não apresenta a quantidade
“cinco” à percepção; na visão de algumas crianças, ela representa apenas o valor de uma
unidade. Elas precisam perceber e entender que existe uma quantidade, implícita nas
cédulas, que foi sendo construída no convívio social.
Um outro aspecto que deve ser relevado é que os valores monetários expressos
nos preços das mercadorias são representados por mbolos do decimal fracionário, e os
valores expressos nas cédulas referem-se aos números naturais. Assim, se o valor de
uma coca-cola é de R$ 2,48, não encontraremos um símbolo correspondente, nas
moedas e cédulas, que represente esse valor; ficaremos restritos apenas à leitura visual
dos símbolos. a leitura oral dos valores contribui para estabelecer a diferença
simbólica, pois, quando se lê “dois reais e quarenta e oito centavos”, notas ou
moedas que representam o primeiro valor “dois reais” e “quarenta e oito
centavos” podem ser compostos por moedas de diferentes valores.
Quando nos deparamos com os estudos de Nunes (1997), Schliemann (1998) e
Carraher (1985), questionamos se os conhecimentos espontâneos que as crianças trazem
à escola são suficientes para desenvolver habilidades matemáticas que o professor
pressupõe que a criança possua ou que realmente façam parte da sua rotina.
Todo ser que se torna professor escutou, durante toda a sua formação e também
nos momentos de aperfeiçoamento profissional, que deve procurar saber os
conhecimentos que o aluno possui e utilizá-los como alavanca na introdução de novos
conceitos. Que deve criar situações e atividades de ensino voltadas ao cotidiano do
aluno. O professor das séries iniciais não é um especialista, e sim polivalente; sua
formação é defasada, pois não aprofundou seus estudos em uma única disciplina; possui
67
uma visão superficial de todas as disciplinas que deve ministrar e, quando nos referimos
à matemática em especial, um fator complicador, pois a maioria dos professores das
séries iniciais não domina os conceitos matemáticos a serem abordados durante as aulas.
Com a extinção do curso de Magistério, os cursos de Pedagogia começaram a
incluir em seus currículos disciplinas voltadas para os conteúdos de Português,
Matemática, Ciências, História e Geografia, propiciando aos alunos, futuros educadores,
noções norteadoras dos trabalhos que poderão ser desenvolvidos em sala de aula.
Quando o professor inicia seu trabalho em uma sala de aula, ele realmente
acredita que seus alunos tenham saberes matemáticos, e disso certamente não podemos
em hipótese alguma discordar. O que precisamos assinalar é como a criança utiliza esses
saberes matemáticos, tanto na vida como na escola. Será que as crianças possuem
saberes suficientes para a introdução dos conteúdos mínimos exigidos para a série ou o
ciclo em que se encontram?
Os questionamentos nos levam à pausa e à reflexão, para tentarmos compreender
como a criança utiliza seu conhecimento numérico na análise de situações que
envolvam o sistema monetário.
Partindo dos estudos realizados por Carraher (1985), Nunes e Bryant (1997) e
Schliemann (1998), que envolvem situações cotidianas de manipulação do dinheiro,
novas interrogações surgem: Será que as crianças sabem lidar com o dinheiro, ou apenas
fazem uma manipulação utilitária do mesmo?
Muitas vezes o conhecimento cotidiano não é compreendido, mas sim
reproduzido; é limitado ao universo utilitário: as crianças manipulam o dinheiro, mas
não compreendem o seu significado, ou até mesmo não possuem noção de quantidade,
do valor absoluto da representação das cédulas contam as cédulas como valores
unitários sem considerar o valor monetário das mesmas —; por exemplo: se uma
68
criança possui em sua mão duas cédulas de cinco reais e cinco cédulas de um real e
perguntarmos quanto em dinheiro ela possui, sua resposta certamente será sete
dinheiros, ou sete reais, porque nesse caso a criança apenas levou em consideração as
quantidades isoladas, a representação unitária da cédula.
Em outra situação, quando a criança não compreende o significado do valor do
dinheiro, se propusermos a ela trocar as duas cédulas de cinco reais por cinco cédulas de
um real, ela certamente trocará e escolherá o monte em que mais cédulas, pois, de
acordo com sua percepção, havendo maior quantidade em cédulas certamente haverá
maior quantidade em dinheiro.
Usar o dinheiro é uma coisa; analisar situações problemas que envolvem
grandezas monetárias em que se exigem comparação, escolhas, reflexão, é outra. Dessa
constatação nasceu o objetivo de nossa pesquisa: diagnosticar os conhecimentos
numéricos que as crianças possuem ao lidar com situações monetárias.
4.2. A educação matemática e a educação financeira: ensinando a
criança a lidar com o dinheiro
As concepções que os alunos têm sobre o ensino de matemática serviram não
apenas de obstáculos para aprendizagem, mas também como ponte para construção de
novos conhecimentos. A aquisição de novos conhecimentos parte da ampliação e do
questionamento de conhecimentos anteriores; da interação entre as concepções
elaboradas por eles que foram fator de sucesso em ações já realizadas e da confrontação
de concepções.
A educação matemática é influenciada pelas interações sociais na sala de aula
entre alunos e professor e alunos entre si —, pela troca de experiências e pela busca de
construção dos conhecimentos matemáticos.
69
Em uma aula tradicional de matemática, o professor, ao apresentar um problema
ao aluno, possui um modelo de resolução; qualquer tentativa, por parte do aluno, de
construir um modelo diferente daquele que o professor preestabeleceu não é levada em
consideração. Dessa forma, os conflitos cognitivos necessários ao desenvolvimento
conceitual são minimizados e evitados; o aluno não percebe o processo de construção de
conceitos quando tem apenas um caminho e uma única resposta. Por outro lado, as
ações de conflito cognitivo; as situações de interações entre os alunos e professor; a
apresentação de novas construções e novos caminhos para se obter um mesmo resultado
— tudo isso faz com que os alunos elaborem, testem, percebam as contradições em suas
concepções e escolham a melhor resolução.
A confrontação de alunos em torno de uma tarefa comum não garante, por si
só, a existência de trocas, a percepção de contradições e sua resolução... A
qualidade das interações entre alunos vincula-se à importância que a tarefa
adquire aos seus olhos, à escolha das situações, à composição das
interações...(BEDNARZ, 1996, p.49).
Quando o professor induz sua turma a comunicar e confrontar seus pensamentos
e estratégias na resolução de um problema envolvendo situações de compra e uso do
dinheiro, ele oportunidade ao aluno de argumentar, exteriorizar seus próprios
procedimentos e debatê-los com a turma, a fim de desenvolver novas concepções.
Ninguém nasce sabendo qual o valor do dinheiro; para adquirirem essa
competência, as crianças, no convívio social, aprendem com os exemplos dos adultos
(sobretudo dos pais e de pessoas próximas), com a sua própria experiência e na escola.
As crianças aprenderão a lidar com o dinheiro ao ver os adultos utilizando-o em
seu dia-a-dia, quer ao fazer compras, ao pagar uma condução, ao pagar as contas da
casa, em vários contextos...
É papel da escola e dos adultos que cercam as crianças ensiná-las a comparar
preços de produtos, características e qualidades, observar as situações promocionais
para escolher a melhor vantagem. No entanto, se a família não propicia circunstâncias
70
para que a criança possa vivenciar e observar situações com o uso do dinheiro, é
esperado que essa criança tenha dificuldades em seu manejo. Se o professor julgar que
lidar com o dinheiro é uma questão do cotidiano e que as crianças já sabem manipulá-lo,
pode estar um fator complicador para a formação de habilidades nas crianças que não
sabem lidar com o dinheiro.
Os exemplos dos mais velhos servirão de base para uma boa educação financeira
da criança; portanto, é necessário atentar-se aos gastos, pois as palavras são bem menos
efetivas que os exemplos, ou seja, a criança e o jovem aprendem muito mais com o que
observam.
D'Aquino (2005) explica que construímos as bases de nossa relação com o
dinheiro até os cinco anos de idade e que as experiências que tivemos em nossa infância
são responsáveis pela formação da mentalidade financeira que temos como adultos.
Segundo Guerra (2004), alguns aspectos devem ser analisados no gerenciamento
de uma boa educação financeira:
Apresentar as idéias iniciais do sistema monetário, as cédulas e as
moedas que o compõem quando a criança tiver noção de número e
souber seu significado e contagem.
Fazer com que a criança participe das compras da família, desde a ida ao
supermercado até uma aquisição mais significativa e, com isso,
estabelecer um diálogo que lhe possibilite a compreensão da importância
de o dinheiro ser bem aplicado.
Ajudá-la a compreender a diferença entre a necessidade e o desejo. Com
isso, ela poderá optar de forma mais consciente sobre seus gastos e
opinar sobre os da família.
71
Incentivar a criança a guardar dinheiro, mas também permitir que ela
efetue sua retirada para concretizar alguma meta preestabelecida junto
com os pais.
Ensiná-la a pensar e a desenvolver o senso crítico sobre a “sedução” da
mídia e abordar questões como: Esse produto faz o que promete?
Precisamos disso? Existem mercadorias similares de menor custo?
Informar a ela o que é uma promoção e o que são juros.
O dinheiro é um tema de relevância na vida das pessoas. Ensinar as crianças a
utilizar seu dinheiro propiciará a elas melhores condições de vida material e muito mais
equilíbrio emocional quando forem adultos.
No próximo capítulo apresentaremos a metodologia utilizada em nossa pesquisa.
Todos os métodos empregados tiveram o objetivo de diagnosticar como algumas
crianças que cursam uma série não conseguem lidar com o dinheiro ou entender seu
significado numérico.
72
CAPÍTULO 5
Metodologia: A construção dos dados
Nesse capítulo apresentaremos a metodologia empregada na construção de nossa
pesquisa. Os caminhos que percorremos para coletar dados emergiram de um
questionário endereçado às crianças; um questionário aos pais; uma entrevista com as
crianças; e a aplicação das provas piagetianas, a fim de investigar as questões relativas à
conservação de mero. Vale ressaltar que as provas piagetianas foram utilizadas como
procedimento metodológico. Todos os métodos empregados tiveram o objetivo de
diagnosticar como algumas crianças que cursam uma série não conseguem lidar com
o dinheiro ou entender seu significado numérico.
5.1. Os caminhos da pesquisa
Iniciamos as aulas de matemática no ano letivo de 2004 com uma turma de
série do Ensino Fundamental, composta de 32 alunos, entre 8 e 10 anos de idade
este foi o grupo de sujeitos para a realização desta pesquisa.
Passamos a propor atividades de ensino as quais envolvessem situações
concretas que simulassem a compra e venda de mercadorias, para o estudo do Sistema
de Numeração Decimal (SND). Acreditamos que essa opção didática seria uma maneira
mais fácil de promover a compreensão dos alunos em situações de uso do “dinheiro”,
uma vez que muitos acompanham seus pais na venda de materiais reciclados, nas feiras,
nas barracas de camelôs características do cotidiano de uma comunidade carente na
qual a escola está inserida.
Essa concepção nos remete à identificação com Bordeaux (2001), por introduzir
a idéia de associar cédulas ao Sistema de Numeração Decimal,
Optamos por utilizar apenas as notas de um, dez e cem, que correspondem ao
valor de cada agrupamento das ordens do SND. Assim, associando as notas
de cada um desses valores às unidades simples, dezenas e centenas,
73
respectivamente, o aluno tem oportunidade de verificar, de maneira concreta,
a relação existente entre elas (realizando trocas como, por exemplo: uma nota
de dez vale dez notas de um, ou uma dezena vale dez unidades), compor e
decompor números e até mesmo compreender o princípio empregado na
escrita dos números (BORDEAUX, 2001, p.48).
Os alunos usariam pequenas réplicas de notas de dinheiro para realizar trocas na
base dez, simulariam compras de produtos e calculariam o troco.
Verificamos, através da aplicação dessa atividade, que alguns alunos não
obtiveram êxito: ficavam quietos ou procuravam copiar as respostas dos outros colegas;
quando interrogados ficavam paralisados; não entendiam o processo que estava
ocorrendo. As atividades que estavam sendo desenvolvidas de alguma forma não faziam
sentido para eles. Essa situação foi alvo de nossa atenção, passando a ser o aspecto
desencadeador desta investigação.
Criamos um questionário
7
contendo questões que pudessem ilustrar melhor se os
alunos faziam ou não compras com seus familiares, se conseguiam ou não conferir o
troco de uma compra.
Ao responder ao questionário, pedimos aos alunos que se identificassem, pois
nosso objetivo era cruzar os dados coletados a partir do questionário com os dados
referentes a nossa observação em sala de aula.
7
Anexo 1.
74
Vocostuma sair e comprar alguma
coisa?
18
1
13
0
5
10
15
20
sim não às vezes
Respostas Obtidas
Efetivos
Ilustração 1 Gráfico das respostas sobre compra de produtos
Você consegue conferir o troco de
uma compra?
17
3
12
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
sim o às vezes
Respostas obtidas
Efetivos
Ilustração 2 Gráfico das respostas sobre troco na compra
Averiguamos que os dados estatísticos coletados através do questionário foram
contraditórios em relação à realidade vivenciada em sala de aula. Essa constatação
deve-se às observações das atitudes e da compreensão dos alunos, pois os alunos que
sabiam operar com o dinheiro responderam que não sabiam e os alunos que o
conseguiam operar com o dinheiro diziam que sabiam.
75
A análise estatística não se mostrou um instrumento adequado para responder às
hipóteses iniciais, mas serviu para levantar novas questões, conduzindo-nos a uma
análise mais fina das atitudes e comportamentos dos alunos através de entrevista.
Treze alunos, na nossa concepção, não entendiam o significado numérico do
dinheiro e, para averiguar se essas crianças manipulavam dinheiro, participavam de
atividades relacionadas à compra de mercadorias, conferiam troco, contatamos e
entrevistamos
8
seus pais. . Para nossa surpresa, obtivemos os seguintes depoimentos:
“Minha filha nunca comprou nada para mim”.
“Ela nunca foi fazer compras conosco”.
“Quando peço para comprar alguma coisa, já dou o dinheiro contado
para não ter problema”.
“O que ela aprende aqui na escola bom, eu, que sou pai dela, não
sei conferir o troco de uma condução”!
“Se mando comprar pãezinhos, já digo que com um real ela deverá trazer
dez pãezinhos”.
Os depoimentos anteriormente descritos nos sinalizam que as famílias das treze
crianças não atuam como contexto de aprendizagem e desenvolvimento no processo de
aquisição de habilidades ao lidar com o dinheiro, pois não criam situações favoráveis
para que as crianças possam se desenvolver.
Se a família não promover situações para que a criança possa experimentar,
errar, acertar, questionar, refletir, não estará contribuindo para o desenvolvimento dessa
criança.
Nesse momento, questionamos: Como uma família pode tornar-se um contexto
de aprendizagem, se possui integrantes sem nenhum grau de escolaridade, sendo a
8
Anexo 2.
76
criança a única alfabetizada em sua casa? Se o próprio pai não consegue conferir o troco
de uma condução?
5.2. Entrevistas
Decidimos entrevistar os 32 alunos da série A, para verificar o que realmente
estava acontecendo, a fim de delimitar o problema de pesquisa e obter dados que
pudessem ilustrar melhor a situação de aprendizagem numérica em que eles se
encontravam — se realmente havia dificuldades em lidar com o dinheiro.
Utilizamos como material réplicas de cédulas de um, dois, cinco, dez, vinte,
cinqüenta e cem reais que compõem o nosso sistema monetário; moedas de valor
monetário real, ou seja, as de um, cinco, dez, vinte e cinco, cinqüenta centavos e de um
real; encartes de produtos comuns em supermercados, de marcas conhecidas e
previamente consumidas pelas crianças
9
; e um questionário
10
elaborado com um roteiro
de perguntas preestabelecidas e outras que surgiram conforme a necessidade de dados
coerentes com os objetivos de nossa investigação. O desenvolvimento das atividades
foi gravado em fita cassete.
A seguir apresentaremos as tarefas ou questões que as crianças deveriam
executar e os conhecimentos exigidos.
Tarefas ou questões Conhecimentos
Leitura dos preços dos produtos existentes
no encarte
Identificar os valores em reais
Qual a bolacha mais barata?/ qual a
bolacha mais cara?
Identificar o produto mais barato e o mais caro
Quanto teria que dar em dinheiro para
pagar a bolacha mais barata e a mais cara?
Relacionar o preço com a quantia de cédulas
ou moedas necessárias para pagar o produto
Quantos produtos poderiam ser
comprados com uma quantia em dinheiro
preestabelecida?
Relacionar a quantia de cédulas e moedas com
a quantia de produtos que poderiam ser
comprados
Existência de troco Calcular o troco
Tabela 1 Tarefas ou questões e conhecimentos exigidos
9
Anexo 3
10
Anexo 4
77
Foi colocado à frente da criança um panfleto de supermercado contendo a figura
e o preço de oito tipos de bolachas nos seguintes valores:
Biscoito Tortinhas R$ 1,19
Biscoito Waffer R$ 0,99
Biscoito Club Social R$ 1,99
Biscoito Marilan R$ 1,39
Biscoito Passatempo R$ 1,38
Biscoito Bono ou Negresco R$ 1,18
Biscoito amanteigado R$ 1,48
Biscoito Cream Cracker ou Água e sal R$ 0,59
Tabela 2 Produtos e valores
Em um outro panfleto havia imagens de garrafas do refrigerante Coca-Cola, no
preço de R$ 2,48 cada uma.
Os alunos deveriam identificar, comparar e decidir, a partir das figuras do
panfleto do supermercado:
1. Entre oito tipos de bolachas, a mais barata — R$ 0,59.
2. A quantidade em dinheiro para pagar a bolacha mais barata.
3. Entre oito tipos de bolachas, a mais cara — R$ 1,99.
4. A quantidade de dinheiro para pagar a bolacha mais cara.
5. O preço de uma Coca-Cola.
6. A quantidade de garrafas de Coca-Cola que poderiam ser compradas com
R$ 5,00.
Após a transcrição das 32 entrevistas criamos algumas categorias
11
, a fim de
nortear nosso processo de seleção de sujeitos, de acordo com o desempenho e a
11
Anexo 5.
78
capacidade em responder, segundo as seguintes habilidades: identificação de valores em
reais; relação do preço com a quantidade em cédulas ou moedas para pagamento de um
produto; correspondência de cédulas e moedas com a quantidade de produtos que
poderiam ser comprados; e cálculo do troco.
5.3. Seleção dos sujeitos
A seguir podemos observar a situação dos 32 alunos da 3ª série, após a tabulação
das entrevistas:
Quadro-resumo da entrevista
Habilidades Quantidade
de alunos
Identificam valores em R$ 32
Fazem relação entre o preço e a quantidade em cédulas ou moedas 25
Não fazem relação entre o preço e a quantidade em cédulas ou moedas 7
Fazem a correspondência entre cédulas e moedas e a quantidade de
produtos
19
Não fazem a correspondência entre cédulas e moedas e a quantidade de
produtos
13
Calculam o troco de uma compra 12
Não calculam o troco de uma compra 20
Tabela 3 Resumo da entrevista
Averiguamos, após as entrevistas com os trinta e dois alunos da série A, que
todos conseguiram identificar e ler as quantidades relacionadas à representação do valor
monetário, o símbolo R$ (reais), mas sete dessas crianças não conseguiram entender o
seu significado apresentaram dificuldades em relacionar o preço do produto com a
quantia em cédulas ou moedas. Treze alunos não conseguiram fazer a correspondência
entre a quantia em dinheiro, composta de cédulas e moedas, e a quantidade de produtos
que poderiam ser comprados.
Constatamos que, embora muitos alunos conseguissem identificar os valores em
reais, fazer relação do preço com a quantidade em cédulas ou moedas e fazer a
79
correspondência de cédulas e moedas com a quantidade de produtos, ainda assim
apresentaram problemas no cálculo do troco e nas operações matemáticas.
A partir dessa análise inicial, dividimos as crianças em dois grupos distintos de
alunos.
O grupo I refere-se a vinte e cinco alunos que sabem lidar com o dinheiro:
realizam operações de troca, conferem o troco, identificam os valores nas notas e
moedas.
O grupo II abriga sete alunos que não conseguem operar com o dinheiro: não
calculam o custo e nem o troco, estão sem noção de valor das notas e moedas.
Entrevistas com os pais dos alunos apontaram outras particularidades relevantes.
Os alunos pertencentes ao grupo I estão acostumados a comprar produtos, conferem o
troco. Suas famílias lhes proporcionam situações estimulantes, capazes de inseri-los nas
atividades sociais de compra e de venda. os alunos do grupo II não conseguem
realizar esse tipo de procedimento, essas atividades não têm sentido, não são comuns na
sua vida cotidiana, não lhes é oferecido um ambiente estimulante nem pela família nem
pelo grupo social a que pertencem.
A investigação assume, então, o perfil de diagnosticar os conhecimentos
numéricos que as crianças possuem para analisar situações que envolvam o Sistema
Monetário.
Dessa forma, definimos como sujeitos desta pesquisa os sete alunos que
apresentaram dificuldades em operar com o dinheiro, ou seja, não conseguiram entender
o seu significado; apresentaram dificuldades em relacionar o preço do produto com a
quantia em cédulas ou moedas; não fizeram a correspondência entre a quantia em
dinheiro, composta de cédulas e moedas, e a quantidade de produtos que poderiam ser
comprados; e não calcularam o troco de uma compra.
80
Ao percebermos que as crianças não sabiam lidar com o dinheiro, procuramos
averiguar o conceito de número que elas possuíam e elegemos as provas piagetianas
como parte integrante de nossa metodologia, a fim de investigarmos as relações do
conceito de número com os estágios cognitivos de conservação.
Conservação, de acordo com Piaget, in Wadsworth (1996), “refere-se ao
conceito de que a quantidade de uma matéria permanece a mesma, independente de
quaisquer mudanças em uma dimensão irrelevante”.(WADSWORTH, 1996, p. 66).
5.4. Provas Piagetianas
Optamos por utilizar o Método Clínico de Piaget para analisar os princípios
lógicos da alfabetização matemática. A aplicação das provas piagetianas dentro desse
trabalho buscou entender como se dá o processo de conservação de número, para
verificarmos se as condições cognitivas facilitam ou dificultam a aprendizagem
matemática.
Piaget, em sua teoria, criou estágios de desenvolvimento cognitivo: O estágio da
inteligência sensório-motora; o estágio do pensamento pré-operacional, o estágio das
operações concretas e o estágio das operações formais. Nosso objetivo é descrever os
problemas de conservação ocorridos nos estágios pré-operacional e de operações
concretas.
Segundo a teoria piagetiana, as crianças que se encontram no estágio do
pensamento pré-operacional não possuem o esquema de conservação, isto quer dizer
que elas não conseguem entender a variação de uma dimensão frente a mudanças de
outra dimensão; nos conflitos entre a percepção e o pensamento, no caso dos problemas
de conservação, a percepção ainda domina o raciocínio.
81
Nesse estágio a criança é incapaz de reverter as operações e não consegue
acompanhar as transformações ocorridas; é egocêntrica; a percepção tende a ser
centrada; e o pensamento está sob o controle do imediato.
A criança no estágio das operações concretas opera logicamente sobre os
problemas de conservação; seu pensamento não é egocêntrico; ela é capaz de
descentrar, o que lhe permite soluções lógicas; compreende as transformações ocorridas,
consegue acompanhar as mudanças; é capaz de reverter operações por inversão ou por
reciprocidade.
Do ponto de vista cognitivo, o desenvolvimento das operações lógicas ocorre
nesse estágio. De acordo com Piaget citado por Wadsworth (1996), uma operação lógica
apresenta quatro características:
(1) é uma ação que pode ser internalizada ou realizada em pensamento tão
bem quanto materialmente;
(2) é reversível;
(3) supõe sempre alguma conservação, alguma invariância; e
(4) nunca existe isoladamente, pois está sempre relacionada a um sistema de
operações. (WADSWORTH, 1996, p. 92).
A teoria piagetiana ressalta a importância de entender a qualidade do
pensamento, os argumentos do sujeito na tentativa de compreender as transformações da
realidade — o processo como a criança chega aos resultados.
Selecionamos, dentre as provas piagetianas, seis que pudessem ilustrar melhor
os aspectos qualitativos do pensamento da criança, o caminho percorrido e a construção
dos argumentos para explicar as transformações que ocorreram na sua frente relativas às
questões de conservação de número.
Destacamos em Nunes (1997) que
Entender conservação é saber que o número de um conjunto de objetos pode
apenas ser mudado por adição ou subtração: todas as outras mudanças são
irrelevantes (NUNES, 1997, p.21).
As provas de conservação de número, de matéria, de área, de líquidos, seriação e
inclusão de classe foram aplicadas nos sete alunos em estudo, individualmente, num
82
período de três dias. As observações foram escritas em ficha exclusiva para este
fim
12
,simultaneamente à aplicação e à argumentação das crianças, para que não
perdêssemos nenhum detalhe.
Anteriormente à aplicação do exame, houve toda uma preparação e explicação
minuciosa para que a criança entendesse o que seria trabalhado, num clima descontraído
e agradável. Ela precisaria entender que não estaríamos checando se errou ou acertou tal
questão, mas que estaríamos preocupados em entender como ela pensa, como constrói o
caminho para chegar a uma resposta. Segundo Carraher (1998)
O exame piagetiano visa buscar as respostas mais características do
pensamento do sujeito, aquelas que o sujeito com maior convicção e não
com maior rapidez. (CARRAHER, 1998, p.17- 18).
Durante a aplicação das provas piagetianas deve haver sempre o momento do
confronto, em que é feita uma transformação da realidade na frente da criança, a fim de
observarmos se ela entendeu o processo de conservação de números, ou se fica apenas
atenta aos aspectos perceptivos dos objetos.
A criança que entende o significado de conservar descentra seu olhar,
acompanha as transformações ocorridas, reverte operações por inversão e por
reciprocidade.
No próximo capítulo faremos a análise dos dados coletados a partir do
questionário aplicado aos alunos, entrevistas com os pais, entrevistas com os alunos e
aplicação das provas piagetianas.
12
Anexo 6.
83
CAPÍTULO 6
Processo de análise dos dados construídos
Neste capítulo faremos a análise dos dados construídos através de estudo de
caso. Os sete alunos selecionados para estudo foram seis meninas e um menino: Cas,
Déb, Dou, Kel, Let, Reb e Van. Durante toda a descrição da pesquisa usaremos as
abreviaturas apresentadas para nos referirmos aos nomes das crianças.
O capítulo está estruturado da seguinte maneira: primeiro convidamos os
responsáveis pelos sete alunos sujeitos de nossa pesquisa, para uma entrevista mais
detalhada, a fim de conhecer melhor os responsáveis, investigarmos de que forma
ajudavam as crianças com os estudos de Matemática, qual o grau de instrução que
possuíam, se as crianças, no seu parecer, sabiam lidar com o dinheiro e se freqüentaram
a Educação Infantil.
No segundo momento, apresentaremos a visão da criança sobre sua
aprendizagem matemática. Posteriormente, exporemos um quadro-síntese referente aos
aspectos relevantes e emergentes da entrevista e da aplicação das provas piagetianas,
faremos a análise das entrevistas através de estudo de casos isoladamente e realizaremos
a análise da aplicação das provas piagetianas das sete crianças, agrupadas de acordo
com as semelhanças ocorridas. Para finalizar o capítulo, apresentaremos o quadro
diagnóstico das habilidades cognitivas das crianças em estudo.
6.1. Estudo de caso: Cas
Cas tem 9 anos, é filha de operário e artesã, nasceu em São Paulo, fez pré-escola
na rede municipal de ensino, mora com os pais, que estudaram até a série do Ensino
Fundamental. Num primeiro contato, a mãe relatou que a criança não acompanhava os
pais nas compras de supermercado ou outras compras que a família realizava; raramente
84
pediam a ela para comprar alguma coisa e, quando lhe solicitavam que comprasse
pãezinhos, davam o dinheiro contado — R$ 1,00 — e pediam para comprar dez pães.
Os pais passaram a incentivá-la a manipular o dinheiro, conferir troco e
participar das compras da casa, depois de conversa e apontamentos feitos pela
pesquisadora, que ressaltou a importância de a criança pensar e se virar sozinha. A mãe
afirma que Cas não sabe lidar com o dinheiro.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças, podemos
observar qual é a visão de Cas sobre sua aprendizagem: às vezes considera a
Matemática difícil, não se considera uma boa aluna em Matemática, afirma que sai para
comprar produtos e que às vezes consegue conferir o troco de uma compra.
6.1.2. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo deste quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Cas
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
85
Estudo de caso: Cas
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando
todos os valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Não identificou o produto mais barato.
Identificar o produto mais caro. Não identificou o produto mais caro.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Não conseguiu identificar a quantidade de
cédulas necessárias para o pagamento do
produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Não estabeleceu a correspondência da
quantidade em dinheiro que possui com a
quantidade de produtos que poderiam ser
adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Realizou a correspondência biunívoca.
Identificar a quantidade de fichas. Identificou corretamente que há mais fichas.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Não conserva número, identificou a fileira
azul como a maior, ficou centrada apenas nos
aspectos perceptivos (tamanho das fileiras,
ampliação do espaço).
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, apontou a bolinha amarela como a
maior.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formatos diferentes.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, atentou-se aos aspectos
perceptivos no tamanho da massinha amarela
que se transformou em cobrinha.
Perceber a relação espaço-quantidade. Identificou a igualdade entre as duas figuras.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Não identificou a relação espaço-quantidade,
apontou como maior o campo da esquerda em
que os capins estavam juntos.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Não identificou a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente, apontou
o copo alto e fino, acreditando que o mesmo
continha mais líquido.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Classificou os palitos respeitando a ordem
crescente.
Classificar objetos seguindo a ordem
decrescente.
Classificou os palitos respeitando a ordem
decrescente.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Não identificou a pertinência dos objetos,
apontou as margaridas como o grupo maior.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos.
Não identificou a subclasse na qual o objeto
estava incluído, apontou que ficariam menos
rosas.
Identificar a classe e inclusão de classe em
objetos.
Não fez a inclusão das margaridas e rosas na
classe de flores.
Tabela 4 Estudo de caso: Cas
86
Cas conseguiu identificar e fazer a leitura dos valores expressos em reais nos
produtos. Percebemos que ela identificou os símbolos que foram adquiridos no convívio
social, porém não identificou nem a bolacha mais cara e nem a mais barata, num total de
oito marcas de bolachas, o que nos conduz a assinalar que ela não compreende os
significados dos símbolos matemáticos expressos através do valor monetário. Pudemos
evidenciar melhor essa situação quando solicitamos a ela identificar a quantidade de
cédulas necessárias para o pagamento da bolacha mais barata, que custava R$ 0,59:
Entrevistador: Qual a bolacha mais barata?
Cas: A bolacha mais barata custa R$ 0,99.
Entrevistador: Quanto você deverá dar em dinheiro para pagar essa bolacha?
Cas: Oito notas de R$ 1,00.
Ela não conseguiu estabelecer nenhuma relação entre o símbolo expresso em
reais e a quantidade de cédulas ou moedas que tinha à disposição para efetuar o
pagamento.
Para pagar a bolacha mais cara, que custava R$ 1,99, Cas resolveu a situação-
problema da seguinte maneira:
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Cas: R$ 1,39.
Entrevistador: Quanto você deverá dar em dinheiro para pagar essa bolacha?
Cas: Uma nota de um real e três notas de dez reais.
Entrevistador: Quanto você tem em dinheiro?
Cas: Um real e trinta centavos.
Nessa passagem da entrevista, podemos observar que houve uma confusão entre
os números inteiros e os decimais: ela utilizou as cédulas de dez reais para compor os
valores expressos em centavos. Nesse caso, notamos que ela ainda não compreendeu a
87
organização do sistema numérico decimal e não percebeu a existência de diferentes
unidades de valor e nem que, se estes forem somados, constituem uma quantia única.
Isso é evidenciado na pesquisa de Nunes (2001), quando afirma que
Uma situação em que contamos unidades de valor diferente e coordenamos
essas unidades num só total é a contagem do dinheiro com notas de diferentes
valores. Se tivermos duas moedas de dez e três de um real, teremos de
combinar a contagem com a adição desses valores distintos para saber quanto
dinheiro temos ao todo. (NUNES, 2001, p. 19).
Ela não fez a correspondência de uma determinada quantia em dinheiro com a
quantidade de produtos que poderiam ser adquiridos; podemos exemplificar melhor essa
situação com a transcrição a seguir:
Entrevistador: Quanto custa uma Coca-Cola?
Cas: R$ 2,48.
Entrevistador: Se eu te der uma nota de cinco reais, quantas Coca-Colas você
poderá comprar?
Cas: Quatro.
Entrevistador: Por quê?
Cas: Porque a Coca-Cola custa R$ 2,48 (E suspirou).
Entrevistador: E com cinco reais dá para comprar quatro?
Cas: Não.
Entrevistador: Então, dá para comprar quantas?
Cas: Cinco.
Cas, nas interações com seu grupo familiar, não tinha oportunidade de vivenciar
atividades de compra e venda, não manipulava o dinheiro, não observava os adultos
com quem convivia a realizar essas operações. Isso certamente contribuiu para sua
dificuldade em lidar com o dinheiro e entender o seu significado numérico.
88
6.2. Estudo de caso: Déb
Déb tem 9 anos, é filha de operário e costureira, nasceu em Recife, fez pré-
escola na rede municipal de ensino, mora com os pais, que estudaram até a série do
Ensino Fundamental. A mãe auxilia a filha no estudo da Matemática, ensinando-lhe a
tabuada. A mãe afirma que a filha manipula dinheiro, faz compras e consegue conferir o
troco de uma compra.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças, podemos
observar qual é a sua visão sobre sua aprendizagem. Déb não considera a matemática
difícil, às vezes considera-se uma boa aluna em Matemática, afirma que sai e compra
produtos e que consegue conferir o troco de uma compra.
6.2.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo deste quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Déb
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
89
Estudo de caso: Déb
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando todos
os valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Não identificou o produto mais barato.
Identificar o produto mais caro. Não identificou o produto mais caro.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Não conseguiu identificar a quantidade de cédulas
necessárias para o pagamento do produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Não estabeleceu a correspondência da quantidade em
dinheiro que possui com a quantidade de produtos
que poderiam ser adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Realizou a correspondência biunívoca.
Identificar a quantidade de fichas. Identificou corretamente que há mais fichas.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Não conserva número, identificou a fileira azul como
a maior, ficou centrada apenas nos aspectos
perceptivos (tamanho das fileiras, ampliação do
espaço).
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Não identificou a conservação da quantidade de
matéria, apontou a bolinha vermelha como a maior.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formato diferente.
Não identificou a conservação da quantidade de
matéria, continuou a afirmando que a bolinha
vermelha era a maior.
Perceber a relação espaço-quantidade. Não percebeu a relação espaço-quantidade entre as
duas figuras, apontou o campo da esquerda como
maior.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Não identificou a relação espaço-quantidade, apontou
como maior o campo da esquerda em que os capins
estavam juntos.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Não identificou a conservação do volume de líquido
nos dois copos, apontou o copo da direita como o
maior.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Não identificou a conservação do volume de líquido,
após mudança de recipiente, apontou o copo alto e
fino, acreditando que o mesmo continha mais líquido.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Classificou os palitos e respeitou a ordem crescente,
mas deixou-os separados.
Classificar objetos seguindo a ordem
decrescente.
Não classificou os palitos e não respeitou a ordem
decrescente, deixou alguns palitos fora de ordem no
meio da série.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Não identificou a pertinência dos objetos, utilizou o
comprimento das rosas e comparou com o
comprimento das margaridas.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos.
Não identificou a subclasse na qual o objeto estava
incluído, apontou que ficariam menos rosas.
Identificar a classe e inclusão de classe em
objetos.
Não fez a inclusão das margaridas e rosas na classe
de flores.
Tabela 5 Estudo de caso: Déb
90
Déb conseguiu fazer a leitura dos símbolos numéricos expressos no preço dos
produtos em reais. Essa habilidade ela adquiriu nas interações que estabeleceu no
convívio social, porém não identificou a bolacha mais barata e nem a mais cara, num
total de oito bolachas, demonstrando que analisar situações-problemas que envolvem
grandezas monetárias em que se exigem comparação, escolhas, reflexão é uma
habilidade que ela ainda não adquiriu.
Déb não identificou a quantidade de cédulas necessárias para o pagamento do
produto, situação que pode ser evidenciada no trecho a seguir, extraído da entrevista:
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Déb: R$ 1,39.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
cara?
Déb: Deu duas notas de um real e três moedas de dez centavos.
Entrevistador: Quanto você tem em dinheiro na mão?
Déb: R$ 2,30.
Entrevistador: Dá para pagar a bolacha?
Déb: Não.
Entrevistador: Quanto precisa?
Déb: Preciso de mais duas moedas de dez.
Entrevistador: Quanto você tem agora na mão?
Déb: R$ 2,50
Entrevistador: Agora dá para pagar a bolacha?
Déb: Dá.
Percebemos algo interessante na passagem desse trecho: Déb não relacionou o
valor do símbolo numérico expresso em reais com as cédulas ou moedas que tinha à
91
disposição para efetuar o pagamento das bolachas, ou seja, para pagar R$ 1,39 ela nos
deu R$ 2,30 e afirmou que com essa quantia não poderia pagar a bolacha, mas, ao
mesmo tempo, conseguiu contar a quantidade de dinheiro que possuía. Quando a
criança conta dinheiro, ela precisa levar em consideração a quantidade e o valor de
moedas ou cédula; um valor implícito nas notas e moedas, o que pode ser um agente
complicador para as crianças que se atêm apenas aos aspectos perceptivos.
6.3. Estudo de caso: Dou
Dou tem 9 anos, é filho de operário e mãe desempregada, nasceu em São Paulo,
fez pré-escola na rede municipal de ensino, mora com os pais, que possuem o grau.
Os pais ajudam a criança no estudo da Matemática, através da utilização de materiais
concretos, (grãos e bolinhas) para trabalhar com as operações. A mãe afirma que ele
manipula dinheiro, compra mercadorias, mas não consegue conferir o troco.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças, podemos
observar qual é a visão de Dou sobre sua aprendizagem: às vezes considera a
Matemática difícil e às vezes considera-se um bom aluno em Matemática, afirma que
costuma sair para comprar produtos e que às vezes consegue conferir o troco de uma
compra.
6.3.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo deste quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Dou
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
92
Estudo de caso: Dou
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando
todos os valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Identificou o produto mais barato.
Identificar o produto mais caro. Identificou o produto mais caro.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Não conseguiu identificar a quantidade de
cédulas necessárias para o pagamento do
produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Estabeleceu a correspondência da quantidade
em dinheiro que possui com a quantidade de
produtos que poderiam ser adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Realizou a correspondência biunívoca.
Identificar a quantidade de fichas. Identifica corretamente que há mais fichas.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Não conserva número, identificou a fileira
azul como a maior, ficou centrada apenas nos
aspectos perceptivos (tamanho das fileiras,
ampliação do espaço).
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Identificou a conservação da quantidade de
matéria nas duas bolinhas.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formato diferente.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, atentou-se aos aspectos
perceptivos no tamanho da massinha amarela
que se transformou em cobrinha.
Perceber a relação espaço-quantidade. . Identificou a igualdade entre as duas figuras.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Identificou a relação espaço-quantidade
mesmo após a transformação do espaço.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos mesmo após mudança
de recipiente.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Classificou os palitos e respeitou a ordem
crescente, mas deixou-os separados.
Classificar objetos seguindo a ordem
decrescente.
Não classificou os palitos e não respeitou a
ordem decrescente, apenas mudou os palitos.
das extremidades.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Não identificou a pertinência dos objetos,
apontou as margaridas como o grupo maior.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos.
Identificou a subclasse na qual o objeto estava
incluído.
Identificar a classe e inclusão de classe em
objetos.
Não fez a inclusão das margaridas e rosas
naclasse de flores.
Tabela 6 Estudo de caso: Dou
Dou fez a leitura dos símbolos numéricos expressos em reais, analisou a
situação-problema que envolveu grandezas monetárias, comparou os preços dos
93
produtos, refletiu e escolheu, entre oito tipos de bolacha, a mais cara e a mais barata,
porém não conseguiu identificar a quantidade de cédulas necessárias para o pagamento
do produto. Observem o trecho a seguir da entrevista:
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Dou: R$ 1,99.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
cara?
Dou: R$ 11,00.
Entrevistador: Precisa de R$ 11,00 para pagar R$ 1,99?
Dou: Não.
Entrevistador: O aluno pega novamente o dinheiro.
Entrevistador: Quanto você tem em dinheiro agora?
Dou: R$ 1,60.
Entrevistador: Com R$ 1,60 dá para pagar a bolacha?
Dou: Dá.
Entrevistador: Sobra troco?
Dou: Sobra.
Essa passagem evidencia que o conhecimento do sistema monetário que Dou
possui está limitado ao universo utilitário, ele consegue realizar escolhas numa compra,
mas ao mesmo tempo não consegue identificar a quantidade de notas de que precisa
dispor para pagar sua conta relacionada a valores monetários compostos por inteiros e
decimais. Ele não compreendeu o processo da composição aditiva em que precisa somar
diferentes valores para compor uma quantidade única, quando se trata de combinações
envolvendo o dinheiro.
94
6.4. Estudo de caso: Kel
Kel tem 10 anos, é filha de pedreiro desempregado e avó do lar, nasceu em São
Paulo, fez pré-escola na rede municipal de ensino, mora com o pai e avó; ambos não
possuem estudo. Não auxiliam a criança nos estudos. Afirmam que ela manipula o
dinheiro, compra mercadorias e consegue conferir o troco.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças, podemos
observar qual é a visão de Kel sobre sua aprendizagem: não considera a Matemática
difícil e considera-se uma boa aluna em Matemática; afirma que costuma sair para
comprar produtos e que consegue conferir o troco de uma compra.
6.4.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo desse quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Kel
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
95
Estudo de caso: Kel
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando todos os
valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Não identificou o produto mais barato.
Identificar o produto mais caro. Identificou o produto mais caro, fazendo aproximações
aos números inteiros.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Identificou a quantidade de cédulas necessárias para o
pagamento do produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Não estabeleceu a correspondência da quantidade em
dinheiro que possui com a quantidade de produtos que
poderiam ser adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Não conseguiu realizar a correspondência biunívoca,
sobrou uma ficha.
Identificar a quantidade de fichas. Não identificou a quantidade de fichas, apontou a
fileira das fichas vermelhas como a maior.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Não conserva número, identificou a fileira azul como a
maior, ficou centrada apenas nos aspectos perceptivos
(tamanho das fileiras, ampliação do espaço.).
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Não identificou a conservação da quantidade de
matéria, apontou a bolinha vermelha como a maior.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formato diferente.
Não identificou a conservação da quantidade de
matéria, afirmou que na bolinha vermelha havia mais
massinha, pois a cobrinha amarela tinha o mesmo
tamanho das outras massinhas que estavam na caixa
inicialmente.
Perceber a relação espaço-quantidade. . Não identificou a igualdade entre as duas figuras,
apontou o campo da direita como o maior.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Não identificou a igualdade entre as quantidades,
apontou como maior o campo da direita em que os
capins estavam separados.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Não identificou a conservação do volume de líquido
nos dois copos, apontou o copo da esquerda como o
maior.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Não identificou a conservação do volume de líquido,
após mudança de recipiente, apontou o copo alto e fino
acreditando que o mesmo continha mais líquido.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Classificou os palitos, mas não respeitou a ordem
crescente, montou na ordem decrescente.
Classificar objetos seguindo a ordem
decrescente.
Classificou os palitos e o respeitou a ordem
decrescente, montou na ordem crescente.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Não identificou a pertinência dos objetos, apontou as
margaridas como o grupo maior.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos.
Não identificou a subclasse na qual o objeto estava
incluído, apontou que ficariam menos rosas.
Identificar a classe e inclusão de classe em
objetos.
Não fez a inclusão d as margaridas e rosas Ana classe
de flores.
Tabela 7 Estudo de caso: Kel
96
Kel fez a leitura dos símbolos numéricos expressos em reais, não identificou a
bolacha mais barata e identificou a mais cara, relacionou a quantidade de cédulas
necessárias para o pagamento do produto com o seu preço. Um fato interessante é que
ela realizou aproximações de valores. Observemos o trecho a seguir:
Entrevistador: Qual das bolachas você acha que é mais barata?
Kel: R$ 1,00.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
barata?
Kel: R$ 1,00.
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Kel: R$ 2,00.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
cara?
Kel: R$ 2,00.
Percebemos que Kel trabalhou com aproximações de valores: o preço da bolacha
mais barata que ela conseguiu identificar era de R$ 0,99, mas, na leitura do valor
expresso, ela automaticamente leu como R$ 1,00 e efetuou o pagamento com uma nota
de R$ 1,00. O mesmo ocorreu com a bolacha mais cara, que era de R$ 1,99: ela leu
como R$ 2,00 e pagou com uma cédula de R$ 2,00. Nesse caso, ela utilizou uma leitura
utilitária de valores, pois ninguém nasce sabendo qual o valor do dinheiro; para
adquirirem esta competência, as crianças, no convívio social, aprendem com os
exemplos dos adultos (sobretudo dos pais e de pessoas próximas), com a sua própria
experiência e na escola. Sabemos que a maioria dos estabelecimentos comerciais
arredondam os valores e não recebemos R$ 0,01 de troco.
97
6.5. Estudo de caso: Let
Let tem 9 anos, é filha de cobradora de perua (meio de transporte coletivo
alternativo) e avó do lar, nasceu em São Paulo, não fez pré-escola, mora com a avó, que
estudou até a série do Ensino Fundamental, e a mãe, que também possui o Ensino
Fundamental incompleto. Em relação ao estudo da Matemática, ensinam a criança a
fazer tabuada e as quatro operações. Afirmam que ela manipula o dinheiro, compra
mercadorias, mas não consegue conferir o troco.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças, podemos
observar qual é a visão de Let sobre sua aprendizagem. Let às vezes considera a
Matemática difícil e às vezes considera-se uma boa aluna em Matemática; afirma que
costuma sair para comprar produtos e que às vezes consegue conferir o troco de uma
compra.
6.5.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo desse quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Let
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
98
Estudo de caso: Let
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando
todos os valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Identificou o produto mais barato.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Não identificou a quantidade de cédulas
necessárias para o pagamento do produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Não estabeleceu a correspondência da
quantidade em dinheiro que possui com a
quantidade de produtos que poderiam ser
adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Realizou a correspondência biunívoca.
Identificar a quantidade de fichas. Não identificou a quantidade de fichas,
apontou a fileira das fichas vermelhas como a
maior.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Identificou a quantidade de fichas, pois
utilizou a contagem para identificá-la.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, apontou a bolinha vermelha como
a maior.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formato diferente.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, atentou-se aos aspectos
perceptivos no tamanho da massinha amarela
que se transformou em cobrinha.
Perceber a relação espaço-quantidade. . Identificou a igualdade entre as duas figuras.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Identificou a igualdade entre os capins mesmo
após a transformação.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Não identificou a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente, apontou
o copo alto e fino acreditando que o mesmo
continha mais líquido.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Classificou os palitos, mas não respeitou a
ordem crescente, organizou-os em grupos.
Classificar objetos seguindo a ordem
decrescente.
Não classificou os palitos e não respeitou a
ordem decrescente.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Não identificou a pertinência dos objetos,
apontou as margaridas como o grupo maior.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos.
Não identificou a subclasse na qual o objeto
estava incluído, apontou que ficariam menos
rosas.
Identificar a classe e inclusão de classe em
objetos.
Fez a inclusão das margaridas e rosas na
classe de flores, após interferência do
pesquisador.
Tabela 8 Estudo de caso: Let
99
Let fez a leitura do rótulo numérico, identificando todos os valores em reais,
habilidade essa que adquiriu nas interações com o grupo social no qual foi inserida.
Identificou o valor da bolacha mais barata; no entanto, não identificou a quantidade de
cédulas necessárias para o pagamento do produto. Vejamos o trecho a seguir:
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
barata?
Let: R$ 0,59.
Entrevistador: Quanto tem aí?
Let: R$ 0,80.
Entrevistador: Mas não é R$ 0,59?
Let: É.
Entrevistador: Então, para que você me deu R$ 0,80?
Let: Porque sobrou troco.
Entrevistador: E se não fosse sobrar troco?
Let: Aí eu não sei.
Entrevistador: E se fosse em notas?
Let: Eu daria vinte reais.
Entrevistador: Não teria uma nota mais baixa?
Let: Tem dois reais.
Entrevistador: E com um real, dá?
Let: Dá.
Notamos que Let, embora tivesse identificado a bolacha mais barata e falado que
deveria pagá-la com R$ 0,59, acabou juntando a quantia de R$ 0,80; percebemos que a
noção de quantidade de cédulas ou moedas para pagar o produto não foi compreendida.
Muitas vezes, o conhecimento cotidiano que ela possui não foi compreendido, mas sim
100
reproduzido, é limitado ao universo utilitário: ela manipula o dinheiro, mas não
compreende o seu significado, ou até mesmo não possui noção de quantidades do valor
absoluto da representação das cédulas, não percebeu que um valor implícito nas
cédulas e moedas e não compreendeu que, se juntarmos diferentes valores, poderemos
compor uma quantidade única, quando se trata de combinações envolvendo o dinheiro.
6.6. Estudo de caso: Reb
Reb tem 9 anos, é filha de ajudante de pedreiro e faxineira, nasceu em São
Paulo, fez pré-escola, mora com os pais que estudaram até a série do Ensino
Fundamental. O pai e o irmão mais velho auxiliam-na nos estudos de Matemática. A
mãe afirma que ela manipula o dinheiro, compra mercadorias e consegue conferir o
troco.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças podemos
observar qual é a visão de Reb sobre sua aprendizagem: às vezes considera a
Matemática difícil e às vezes considera-se uma boa aluna em Matemática; afirma que
costuma sair para comprar produtos e que às vezes consegue conferir o troco de uma
compra.
6.6.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo deste quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Reb
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
101
Estudo de caso: Reb
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando
todos os valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Identificou o produto mais barato.
Identificar o produto mais caro. Identificou o produto mais caro.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Não conseguiu identificar a quantidade de
cédulas necessárias para o pagamento do
produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Estabeleceu a correspondência da quantidade
em dinheiro que possui com a quantidade de
produtos que poderiam ser adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Realizou a correspondência biunívoca.
Identificar a quantidade de fichas. Identificou corretamente que há mais fichas.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Identificou a quantidade de fichas,
argumentando que apenas aumentou o espaço
entre elas.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Identificou a conservação da quantidade de
matéria nas duas bolinhas.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formato diferente.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, apontou a massinha vermelha
como a maior, por estar no formato de
bolinha.
Perceber a relação espaço-quantidade. . Não identificou a igualdade entre as duas
figuras, apontou o campo da direita como o
maior.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Identificou a igualdade entre as quantidades,
após interferência do pesquisador.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos, mesmo após mudança
de recipiente.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Classificou os palitos, respeitando a ordem
crescente.
Classificar objetos seguindo a ordem.
decrescente.
Classificou os palitos, respeitando a ordem
decrescente.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Identificou a pertinência dos objetos, apontou
as margaridas e rosas como a subclasse das
flores.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos.
Não identificou a subclasse na qual o objeto
estava incluído, apontou que ficariam menos
rosas.
Tabela 9 Estudo de caso: Reb
102
Reb fez a leitura do rótulo numérico expresso em reais nos produtos
selecionados, identificou a bolacha mais barata (R$ 0,59) e a mais cara (R$ 1,99),
porém a quantidade em dinheiro que ela juntou para pagar as bolachas foi insuficiente.
Vejamos a seguir:
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
barata?
Reb: R$ 0,55.
Entrevistador: Dá para pagar a bolacha?
Reb: Dá.
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Reb: R$ 1,99.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
cara?
Reb: R$ 1,95.
Entrevistador: Se a bolacha custa R$ 1,99, R$ 1,95 dá para pagar a bolacha?
Reb: Dá.
Podemos evidenciar no caso de Reb que ela apresentou dificuldade na
composição de números inteiros e decimais: fez a leitura do valor expresso no produto,
selecionou a quantidade em dinheiro, porém não conseguiu identificar que o valor que
possuía seria insuficiente para o pagamento de sua conta.
6.7. Estudo de caso: Van
Van tem 9 anos, é filha de pedreiro, nasceu no Maranhão, fez pré-escola, mora
com a cunhada do pai, mas quem participa das reuniões é o pai, que estudou até a
série do Ensino Fundamental. A criança não recebe auxílio nos estudos. O pai afirma
103
que a criança manipula o dinheiro, mas que as pessoas no supermercado a “enrolam”,
pois ela não sabe conferir o troco.
Nas respostas obtidas no questionário inicial destinado às crianças, podemos
observar qual é a visão de Van sobre sua aprendizagem: às vezes considera a
Matemática difícil e às vezes considera-se uma boa aluna em Matemática, afirma que
costuma sair para comprar produtos e que consegue conferir o troco de uma compra.
6.7.1. Quadro-síntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da
entrevista
O objetivo deste quadro-síntese é elucidar o conhecimento matemático de Van
referente ao sistema monetário e à conservação de número, mediante a aplicação das
provas piagetianas, traduzindo aspectos importantes para nossa análise.
104
Estudo de caso: Van
Conhecimentos Habilidades observadas
Identificar os valores em reais. Fez a leitura do rótulo numérico, identificando
todos os valores em reais.
Identificar o produto mais barato. Não identificou o produto mais barato.
Identificar o produto mais caro. Identificou o produto mais caro.
Relacionar o preço com a quantidade em
cédulas ou moedas necessárias para o
pagamento de um produto.
Não identificou a quantidade de cédulas
necessárias para o pagamento do produto.
Fazer a correspondência de cédulas e moedas
com a quantidade de produtos que poderiam
ser comprados.
Não estabeleceu a correspondência da
quantidade em dinheiro que possui com a
quantidade de produtos que poderiam ser
adquiridos.
Calcular o troco. Não calculou o troco.
Realizar correspondência biunívoca. Realizou a correspondência biunívoca.
Identificar a quantidade de fichas. Não identificou a quantidade de fichas,
apontou a fileira das fichas vermelhas como a
maior.
Identificar a quantidade de fichas,
preocupando-se com a conservação de
número.
Identificou a quantidade de fichas,
argumentando que havia mais fichas no total.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos de mesmo formato.
Identificou a conservação da quantidade de
matéria nas duas bolinhas.
Identificar a conservação da quantidade de
matéria em objetos com formato diferente.
Não identificou a conservação da quantidade
de matéria, atentou-se aos aspectos
perceptivos no tamanho da massinha amarela
que se transformou em cobrinha.
Perceber a relação espaço-quantidade. . Não identificou a igualdade entre as duas
figuras, apontou o campo da direita como o
maior.
Perceber a relação espaço-quantidade após
transformação do espaço.
Não identificou relação espaço-quantidade;
após a transformação do espaço, apontou
como maior o campo da direita, em que os
capins estavam separados.
Identificar a conservação do volume de
líquidos.
Identificou a conservação do volume de
líquido nos dois copos.
Identificar a conservação do volume de
líquido, após mudança de recipiente.
Não identificou a conservação do volume de
líquido; após mudança de recipiente, apontou
o copo alto e fino acreditando que o mesmo
continha mais líquido.
Classificar objetos seguindo a ordem
crescente.
Não classificou os palitos e não respeitou a
ordem crescente.
Classificar objetos seguindo a ordem
decrescente.
Não classificou os palitos e não respeitou a
ordem decrescente.
Identificar a classe de pertinência dos objetos. Não identificou a pertinência dos objetos,
apontou as margaridas como o grupo maior.
Identificar a subclasse de pertinência dos
objetos
Não identificou a subclasse na qual o objeto
estava incluído, apontou que ficariam menos
rosas.
Identificar a classe e inclusão de classe em
objetos.
Não fez a inclusão das margaridas e rosas na
classe de flores.
Tabela 10 Estudo de caso: Van
105
Van fez a leitura do rótulo numérico, identificou todos os valores expressos em
reais nos produtos. Não identificou o produto mais barato, mas sim o mais caro. Quando
foi solicitada a pagar as bolachas, não identificou a quantidade de cédulas necessárias
para realizar o pagamento. É o que exemplificaremos a seguir:
Entrevistador: Qual das bolachas você acha que é mais barata?
Van: R$ 0,99.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
barata?
Van: R$ 2,00.
Entrevistador: R$ 1,00 não dá para pagar essa bolacha?
Van: Não.
Entrevistador: Por quê?
Van: Porque ela é R$ 0,99.
Entrevistador: E R$ 0,99 é maior que R$ 1,00?
Van: Não.
Entrevistador: Então dá para pagar com R$ 1,00?
Van: Dá.
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Van: R$ 1,99.
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais
cara?
Van: R$ 1,00.
Entrevistador: Com R$ 1,00 dá para pagar essa bolacha?
Van: Não.
Entrevistador: Precisa de quanto?
106
Van: R$ 2,00.
Podemos considerar que Van, quando solicitada a juntar o dinheiro para efetuar
o pagamento, não demonstrou que possui a noção de quantidade em relação aos valores
monetários: entendeu que R$ 0,99 é maior que R$ 1,00; podemos pressupor que ela
esteja analisando que o valor 99 é maior que 1 no sentido da contagem cotidiana dos
números naturais, mas não observou, ou não entendeu, a composição aditiva dos
valores monetários no sentido de reais e centavos. Já, quando foi solicitada a pagar a
quantia de R$ 1,99 referente à bolacha mais cara, separou uma cédula de R$ 1,00, valor
insuficiente para a compra. Dessa forma, evidenciamos que Van não compreendeu a
relação existente entre o símbolo expresso em reais nos produtos e a quantidade de
cédulas de que necessita para pagar por eles.
Após a aplicação da entrevista, que nos elucidou o conhecimento numérico do
sistema monetário, passaremos a analisar o conceito de número que as sete crianças em
estudo possuem, utilizando para tal as provas piagetianas de conservação de meros,
de matéria, de área, de líquido, seriação e inclusão de classe.
6.8. Conservação de número
Fizemos uma síntese das explicações dadas às crianças antes e durante a
aplicação do exame piagetiano.
Apresentamos individualmente às crianças um saquinho com 22 fichas,
explicamos a elas que as fichas estavam divididas em dois grupos: um grupo de 11
fichas azuis e outro de 11 fichas vermelhas. Não deixamos explícita, em momento
algum, a quantidade de fichas, as crianças deveriam, no decorrer da aplicação da prova,
contar a quantidade, se julgassem necessário.
107
Montamos uma fileira horizontalmente com as fichas azuis e pedimos a elas que
montassem uma fileira igual a nossa. Perguntamos se havia mais fichas, mais fichas
azuis ou mais vermelhas.
Os alunos Cas, Dou, Déb e Reb responderam que havia mais fichas. Já Let, Van
e Kel disseram haver mais fichas vermelhas.
No caso de Cas, Dou, Déb e Reb, percebemos que inicialmente entenderam a
questão de inclusão de objetos, pois, mesmo com as fichas separadas em azuis e
vermelhas não deixaram de incluí-las em uma classe maior de fichas. Let, Van e Kel
ficaram procurando alguma diferença na construção das fileiras, tendo sido a fileira das
fichas vermelhas construída pela própria criança.
Fizemos uma transformação na frente das crianças, ampliando o espaço entre as
fichas azuis; perguntamos novamente se havia mais fichas, mais fichas azuis ou mais
fichas vermelhas.
Destacamos, após a transformação realizada, que o pensamento de algumas
crianças se caracterizou apenas pela centração, o que significa que os fatos tenderam a
centrarem-se apenas nos aspectos perceptivos, e não em todos os fatores envolvidos.
Podemos evidenciar esse fato nas descrições a seguir:
Cas: Tem mais fichas azuis.
Por quê?
Porque as vermelhas têm poucas e as azuis têm mais.
Dou: Há mais fichas azuis.
Por quê?
Porque as vermelhas estão juntas e as azuis estão separadas.
Déb: Tem mais fichas azuis.
Por quê?
108
Porque você as separou.
Então, porque eu separei aumentou o número de fichas?
Sim.
Kel: Tem mais fichas azuis
Por quê?
Porque você separou elas, eu contei e aí tinha mais azuis.
De acordo com a teoria piagetiana, após a transformação, ampliação do
espaçamento entre as fichas, as crianças dão respostas apenas centrando-se nos aspectos
perceptivos dos objetos, em vez de respostas cognitivas. Elas responderam que na fileira
azul que foi alongada, sem nenhuma adição de elementos havia mais fichas;
quando questionadas quanto ao seu raciocínio, tipicamente responderam que aquela
fileira tinha mais porque era mais longa.
Distintamente do descrito anteriormente, ressaltamos os argumentos de três
alunos que compreenderam não apenas as mudanças ocorridas, mas também que estas
não interferiram no resultado final.
Let: Há mais fichas.
Por quê?
Porque são iguais; só aumenta o espaço.
Reb: Há mais fichas.
Por quê?
Porque 10 azuis e 10 vermelhas, você separou as azuis, mas continua com
mais fichas.
Van: Há mais fichas.
Por quê?
Porque tem mais fichas no total.
109
O que descrevemos ilustra o que a teoria piagetiana prioriza: a construção do
pensamento. Durante toda a aplicação procuramos explicitar e encaminhar as crianças
até o total entendimento do processo ocorrido.
No entanto, pudemos perceber como as crianças inicialmente estavam presas
apenas aos aspectos perceptivos e, após nossa interferência, passaram a observar melhor
o que ocorria.
Então, se crianças cursando a 3ª série, na idade de 8 a 10 anos deveriam
apropriar-se dessa noção, por que apresentam essa falha de conservação? Estão abaixo
do seu estágio de desenvolvimento, ou será que o ambiente em que vivem não lhes
proporcionou condições suficientes para promover o seu desenvolvimento?
Os estudos realizados por Wadsworth (1996) mostram que
Em torno dos 6 ou 7 anos, a criança típica
13
aprende a conservar o número;
ao mesmo tempo ela descentra suas percepções, acompanha as
transformações e reverte as operações. Ela forma uma noção de que uma
mudança no comprimento de uma fileira de elementos não afeta o número de
elementos da fileira. (WADSWORTH, 1996, p.63).
Quais habilidades deixaram de ser trabalhadas com essas crianças, para elas
apresentarem essa lacuna?
6.9. Conservação de Matéria
Nesta prova, as crianças deveriam perceber que a mudança do formato do objeto
não interfere na quantidade de matéria do qual ele é composto.
Apresentamos uma caixa de massinha de modelar com seis unidades. Retiramo-
las da caixa e mostramos às crianças que todas eram do mesmo tamanho. Pegamos uma
massinha amarela e outra vermelha e fizemos duas bolinhas iguais. Em seguida,
perguntamos às crianças em qual das duas bolinhas elas achavam que havia mais
massinha.
13
Criança que usa a correspondência uma a uma e monta a fileira igual em número e do mesmo
comprimento que a do modelo.
110
Cas: Na bolinha amarela.
Por quê?
Porque a vermelha é pequena e a amarela é grande.
Let: Na bolinha vermelha.
Por quê?
Porque a vermelha é maior que a amarela.
Déb: Na bolinha vermelha.
Por quê?
Porque ela é maior que a amarela.
Kel: Na bolinha vermelha.
Por quê?
Porque está mais crescida do que a bolinha amarela.
Observamos que essas quatro crianças ficaram apenas centradas nos aspectos
perceptivos do objeto (massinha), procuraram de todas as formas, através de olhares
fixos e concentrados, identificar alguma diferença, por mínima que fosse, para
justificarem a disparidade entre as massinhas. Van, Reb e Dou afirmaram que as
bolinhas eram iguais, porque antes de virarem bolinhas tinham a mesma quantidade de
massinha.
Realizamos uma transformação, na frente das crianças: pegamos a bolinha
amarela e fizemos no formato de “cobrinha”, ampliando visualmente o seu tamanho.
Mantivemos a massinha vermelha na forma de bolinha. Perguntamos se havia mais
massinha na bolinha vermelha ou na “cobrinha” amarela.
Van: Na cobrinha amarela.
Por quê?
111
Porque você esticou ficou mais massinha na cobrinha amarela do que na
bolinha vermelha.
Cas: Na cobrinha amarela.
Por quê?
Porque a vermelha é bolinha e a amarela é palito.
Dou: Na cobrinha.
Por quê?
Porque uma está em forma de bola e a outra está comprida.
Let: Na cobrinha amarela.
Por quê?
Porque quando ela era uma bolinha era menor agora parece uma cobrinha e
ficou maior.
Mas elas não eram do mesmo tamanho dentro da caixa?
Sim.
Então porque uma ficou maior que a outra?
Porque se você levantar a cobrinha ela vai ficar maior que a bolinha.
Déb: Na bolinha vermelha.
Por quê?
Porque a vermelha é maior que a amarela.
Kel: Na bolinha vermelha.
Por quê?
Porque a cobrinha amarela está do tamanho das outras massinhas da caixa e a
vermelha, não.
Reb: Na bolinha.
Por quê?
112
Porque esticou a massinha amarela e essa vermelha ficou uma bolinha.
Percebemos que os alunos não compreenderam a prova de conservação de
matéria que compunha a massinha: nas transformações ocorridas perante seus olhares,
acompanharam o processo de transformação, deixando-se influenciar por ele; não
entenderam que todas as massinhas possuíam uma mesma quantidade de matéria
inicialmente e que, mesmo depois das transformações ocorridas, essa quantidade de
matéria não poderia ser modificada. As crianças ficaram presas ao formato que a
matéria adquiriu.
6.10. Conservação de Área
Colocamos diante das crianças duas placas emborrachadas e verdes para
representar pastos. Demos a elas duas vaquinhas do mesmo material. Explicamos que
elas deveriam colocar as vaquinhas nos pastos. Pegamos duas figuras retangulares
exatamente do mesmo tamanho para representar a moita de capim que a vaquinha iria
comer. Distribuímos uma moita de capim (figura retangular) em cada pasto.
Perguntamos em qual dos dois pastos havia mais capim.
As crianças responderam que a quantidade de capim era igual nos dois pastos.
Pegamos mais duas peças retangulares do mesmo tamanho que as anteriores e
distribuímos da seguinte forma: no pasto da esquerda colocamos as moitas lado a lado
no sentido vertical e no pasto da direita as duas moitas separadas horizontalmente.
Perguntamos em qual havia mais capim.
Van: No pasto da direita, que está separado.
Por quê?
Porque no pasto da direita você colocou dois capins maiores e no outro você
colocou dois menores.
Cas: No pasto da esquerda, que estão juntos.
113
Por quê?
Porque os dois estão juntos e os outros estão separados.
Déb: No pasto da esquerda, que estão juntos.
Por quê?
Porque os dois estão juntos e os outros estão separados
Kel: No pasto da direita, que está separado.
Por quê?
Porque no pasto da direita está mais grosso e o da esquerda está mais fino.
Reb: Nos dois currais tem a mesma quantidade de capim.
Por quê?
Porque este (apontando para o pasto da esquerda) está dividido e este (o pasto
da direita) está junto.
Dou: Os dois são iguais.
Por quê?
Porque uns estão separados e os outros estão abertos.
Let: Os dois são iguais.
Por quê?
Porque um está junto e o outro separado, mas são iguais.
Notamos que Cas, Déb, Kel e Van não conseguiram identificar que a quantidade
de capim era a mesma nos dois currais. Essas crianças não estão aptas a descentrar e
observar todos os aspectos envolvidos na situação que lhes foi apresentada, nem nas
transformações ocorridas, pois para elas cada nova disposição não tem relação com a
anterior.
114
6.11. Conservação de líquidos
Pegamos dois copos cilíndricos do mesmo tamanho, pedimos às crianças que
nos ajudassem a medir a quantidade de água, de forma que ficasse igual nos dois copos.
Depois de colocarmos a água na mesma altura nos dois copos, perguntamos em qual
deles havia mais água.
As crianças olhavam atentamente e diziam que havia a mesma quantidade de
água nos dois copos.
Pegamos um copo alto e fino, transportamos a água de um dos copos iniciais
para esse, em seguida interrogamos em qual dos copos havia mais água?
Van: No copo alto e fino.
Por quê?
Porque você mudou de copo e aumentou a água do copo alto e fino.
Cas: No copo alto e fino.
Por quê?
Porque o primeiro copo (inicial) é pequeno e no segundo copo (alto e fino) é
grande.
Let: No copo alto e fino.
Por quê?
Porque o copo é maior.
Déb: No copo alto e fino.
Por quê?
Porque a água está do mesmo tamanho nos dois copos, mas este aqui tem mais
(apontando para o copo alto) porque o copo é maior.
Kel: No copo alto e fino.
Por quê?
115
Porque no copo alto tem mais água que no copo inicial.
Dou: Os dois têm a mesma quantidade.
Por quê?
Só muda o copo, que é maior.
Reb: Os dois têm o mesmo tanto.
Por quê?
Porque nos dois copos tinham a mesma quantidade de água, mudou o lugar
da água.
A maioria das crianças disse que no copo alto e fino havia mais água. Nesse
caso, elas não conseguiram estabelecer a equivalência entre os líquidos dos dois
recipientes; o raciocínio foi baseado nos aspectos visuais, em particular na altura dos
copos.
Pegamos a água do outro copo usado inicialmente e depositamos em um copo
baixo e largo e interrogamos novamente em qual dos copos havia mais água?
Muitas crianças continuavam afirmando que no copo alto e fino havia mais água.
Dividimos a água do copo baixo e largo em 4 copos finos e baixos.
Perguntamos: Há mais água no copo alto e fino, ou nos quatro copos finos e baixos?
A maioria das crianças afirmou que no copo alto e fino havia mais água. Elas
acreditam que a quantidade de líquido aumenta ou diminui de acordo com o recipiente
em que é depositado; não conseguem observar as variantes (largura, tamanho e volume)
envolvidas (PIAGET e SZEMINSKA, 1975).
6.12. Seriação de palitos
A seriação consiste na capacidade de organizar mentalmente um conjunto de
elementos em ordem crescente ou decrescente de tamanho, peso ou volume
(Wadsworth, 1996).
116
A tarefa delegada às crianças foi a seguinte: Vocês estão recebendo palitos de
diferentes tamanhos, deverão arrumá-los do menor para o maior como uma escadinha,
todos juntos.
Cas e Reb montaram a seqüência sem apresentar nenhuma dificuldade. Déb,
Dou e Kel tiveram problemas na ordenação dos palitos. Quando foi solicitado a Dou
montar os palitos em ordem decrescente ele apenas mudou os palitos das extremidades.
Déb usou a estratégia de utilizar um palito como medida, mas montou-os todos
separados; quando pedimos para colocá-los na ordem decrescente, ela não conseguiu
organizá-los, pois não conseguia visualizá-los. Kel montou os palitos na série
inadequada e, quando pedimos para montar na ordem crescente, ela montou-os na
ordem decrescente. Let e Van não estabeleceram nenhuma série para organizar os
palitos, o que nos revelou que eles, assim como Déb, Dou e Kel, demonstraram ausência
de transitividade
14
.
6.13. Inclusão de Classe
O material apresentado às crianças consistia em um saquinho contendo várias
flores e coelhos de EVA (material emborrachado). Explicamos que as flores estavam
divididas em dois grupos: um de flores chamadas margaridas e outro de flores chamadas
rosas. Colocamos cinco margaridas lado a lado e, na fileira abaixo, três rosas lado a
lado. Indagamos: Há mais flores, mais rosas ou mais margaridas?
Cas: Há mais margaridas.
Por quê?
Porque tem mais margaridas e menos rosas.
Dou: Há mais margaridas.
14
Compreender transitividade consiste em compreender que, se A é menor do que B e B é menor do que
C, então A é necessariamente menor do que C. (Wadsworth, 1996, p.94).
117
Por quê?
Porque aqui (apontando para as margaridas) tem mais e aqui (apontando para as
rosas) tem menos flores.
Let: Há mais margaridas.
Por quê?
Porque tem cinco margaridas e três rosas.
E todas elas não são flores?
São.
Então, há mais flores, mais rosas ou mais margaridas?
Resp. Há mais margaridas.
Van: Há mais margaridas.
Por quê?
Porque tem cinco margaridas e três rosas.
E as margaridas e as rosas não são flores? Então, mais flores, mais rosas ou
mais margaridas?
Há mais flores.
Por quê?
Porque tem mais margaridas.
Déb: Há mais flores.
Por quê?
Porque todos são do mesmo tamanho, se eu juntar duas margaridas
(horizontalmente) o tamanho da rosa (usou o comprimento da rosa como
medida).
Kel: Há mais margaridas.
Por quê?
118
Porque tem mais margaridas e menos rosas.
Reb: Há mais flores.
Por quê?
Porque as margaridas e as rosas são todas flores.
Cas, Dou, Let, Kel e Van responderam que havia mais margaridas e, mesmo
com nossas argumentações, não conseguimos fazê-las entender as subclasses
envolvidas. Déb, apesar de utilizar estratégias pessoais, confundiu ainda tamanho com
quantidade e Reb finalmente percebeu a subclasse com a qual estávamos trabalhando.
A questão seguinte foi apresentada desta forma: Se nós tirarmos uma rosa,
ficaremos com menos flores, menos rosas ou menos margaridas?
Todas as respostas obtidas apontavam que ficariam menos rosas; mesmo o aluno
Reb, que inicialmente percebeu as subclasses, nesse momento desconsiderou-a. Então,
perguntamos se todas as margaridas e rosas não faziam parte de um grupo de flores.
Mesmo assim, não entendiam a divisão de classe, subclasse ou inclusão.
Pedimos às crianças que contassem o total de flores e algumas ainda
perguntaram-nos se era para juntar todas (margaridas e rosas). A partir desse
apontamento, muitas crianças puderam compreender que as margaridas e as rosas
faziam parte do grupo das flores; no entanto, outras ficaram apenas presas à percepção
da quantidade de elementos, sendo que nesse caso havia mais margaridas.
Pegamos os dez coelhos que estavam dentro do saquinho com as flores e
colocamos numa mesma fileira lado a lado, logo abaixo das rosas. Formulamos uma
nova questão: Há mais flores, mais rosas, mais margaridas ou mais animais?
Cas: Há mais margaridas.
Por quê?
Porque as rosas e os coelhos têm menos e as margaridas têm mais.
119
Então, conte as flores!
Todas?
Conte as flores.
Há 13 flores.
Há mais flores, mais rosas, mais margaridas ou mais animais?
Há mais flores
Por quê?
Porque as flores tem 13 e os coelhos tem 10.
Dou: Há mais animais.
Por quê?
Porque têm 10 animais e aqui também tem 10 margaridas.
Conte todas as flores.
Ah! Agora eu entendi, se eu juntar as margaridas com as rosas, eu terei mais
flores.
Let: Há mais flores.
Por quê?
Porque tem 13 flores e 10 animais.
Van: Há mais animais.
Por quê?
Porque eles estão em fileira.
E as rosas e margaridas também não estão enfileiradas?
Sim.
Então, por que tem mais animais?
Porque os coelhos estão mais juntos.
120
Pedimos a ela que contasse as flores e os coelhos e repetimos a pergunta:
mais flores, mais rosas, mais margaridas ou mais animais?
Tem mais margaridas, as margaridas e os coelhos tem 10.
Conte todas as flores.
Onde tem mais?
Nas flores. Porque tem 13 flores e 10 coelhos.
Déb: É tudo igual, porque tem 10 margaridas e 10 coelhos.
E as rosas não contam?
Ah! Tem mais animais.
Por quê?
Porque as margaridas tem poucas e os coelhos tem mais porque são animais.
Então, conte as flores!
Todas?
Conte as flores.
Tem 13 flores.
Há mais flores, mais rosas, mais margaridas ou mais animais?
Há mais flores
Por quê?
Porque as flores tem 13 e os coelhos tem 10.
Kel: Há mais animais.
Por quê?
Porque tem 10 margaridas e os animais... ih! Também tem 10.
Então, há mais flores, mais rosas, mais margaridas ou mais animais?
Nenhum dos três.
Por quê?
121
Porque as margaridas estão empatadas com os animais e tem três rosas.
Pedi a ela que contasse as flores e os coelhos e repeti a pergunta: Há mais flores,
mais rosas, mais margaridas ou mais animais?
Tem mais flores.
Por quê?
Porque se eu contar as duas juntas (margaridas e rosas) são 13 e tem 10
animais.
Dou, Déb e Kel contaram o grupo de margaridas e o dos coelhos e ficaram em
dúvida na afirmação de uma resposta, pois constataram que em ambos havia dez
elementos; Van apontou o grupo dos coelhos como maior, afirmando que estavam
juntos; Cas apontou o grupo das margaridas como o maior; ela deixou-se influenciar
pelos aspectos perceptivos tamanho e quantidade de margaridas, não incluiu as
rosas como flores e não considerou a quantidade de coelhos, apenas. Let conseguiu
identificar sem interferência que havia mais flores do que animais.
Percebemos a importância da teoria piagetiana em ressaltar o processo, os
argumentos e as contra-sugestões às crianças, a fim de compreendermos e respeitarmos
o caminho do seu raciocínio.
Discutimos um pouco sobre as crianças conservadoras e não-conservadoras de
número, área, etc, mas na verdade, de acordo com Wadsworth (1978) in Wadsworth
(1997), uma terceira categoria as chamadas conservadoras limítrofes: são aquelas
crianças que apresentam seu raciocínio misturado, ou seja, não apresentam uma forma
de raciocínio consistente ora apresentam situações conservadoras e em outros
momentos caracterizam-se como não-conservadoras. Do ponto de vista do
desenvolvimento, essas crianças, se provocadas, estão mais aptas a tornarem-se
conservadoras.
122
Pudemos presenciar essa situação descrita anteriormente durante as aplicações
das provas piagetianas em diversos alunos que, ora compreendiam os aspectos
cognitivos que estavam sendo trabalhados, ora centravam-se apenas nos aspectos
perceptivos.
Após termos aplicado as entrevistas nas crianças a fim de verificarmos seu
conhecimento numérico referente ao sistema monetário e as provas piagetianas para
averiguarmos a conservação de mero que elas possuíam, construímos o quadro a
seguir, que apresenta o diagnóstico das características cognitivas apresentadas pelos
alunos do grupo analisado:
123
Caracte
rísticas
cognitiv
as
Parti
cipan
tes
Iden
tific
ar
os
valo
res
em
reais
Identif
icar o
produt
o mais
barato
e o
mais
caro
Relaci
onar o
preço
com a
quanti
a de
cédula
s ou
moeda
s
necess
árias
para
pagar
o
produt
o
Relacio
nar a
quantia
de
cédulas
e
moedas
com a
quantia
de
produtos
que
poderia
m ser
comprad
os
Cal
cula
r o
troc
o
Cons
ervaç
ão de
núme
ro
Conser
vação
de
matéri
a
Conse
rvação
de
área
Conse
rvação
de
líquid
os
Seri
açã
o
Incl
usão
de
class
e
Cãs sim não não não não não não não não sim não
Déb sim não não não não não não não não às
vez
es
não
Dou sim sim não sim não não não sim sim às
vez
es
não
Kel sim às
vezes
sim não não não não não não às
vez
es
não
Let sim sim não não não não não sim não não não
Reb sim sim não sim não sim não não sim sim não
Van sim às
vezes
não não não não não não não não não
Tabela 11 Diagnóstico das características cognitivas
124
Como podemos observar no quadro diagnóstico das características cognitivas
das sete crianças, fica explícito que todas utilizaram o seu conhecimento numérico para
a leitura dos preços dos produtos com símbolos em reais, mas percebemos que elas
apenas “reproduziram um saber” sem significado, porque não conseguiram relacionar o
preço com a quantidade de cédulas necessárias para o pagamento do produto, assim
como não conseguiram calcular o troco. Algumas conseguiram utilizar seu
conhecimento numérico para identificar o produto mais caro e o mais barato.
O quadro também evidencia a defasagem, nos alunos, de conceitos referentes à
conservação de número, inclusão de classe e seriação, o que demonstra a falta de
compreensão do significado numérico quando tratam de valores monetários.
No próximo capítulo apresentaremos as considerações finais desta pesquisa e
sugestões, a título de contribuição para trabalhos futuros, de como a família e a escola
podem auxiliar os alunos que apresentam dificuldades em lidar com o dinheiro e
entender o seu significado numérico.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenvolvimento desta pesquisa evidenciou-se a dificuldade existente nas
sete crianças em relação à noção de conservação de número, ou seja, elas deveriam
perceber que o número sofre mudanças se a ele são acrescidos ou são dele subtraídos
elementos. Todas as outras transformações ocorridas são apenas em relação ao espaço,
tamanho e disposição em que se encontram.
As sete crianças, que cursaram a série, ainda não se apropriaram do conceito
de número, o qual deveria ser explorado desde a Educação Infantil. Constatamos que as
crianças prestaram mais atenção aos aspectos perceptivos e não entenderam o que
realmente estavam fazendo; dessa maneira, não compreenderam a constituição do
número, o que certamente influenciará na aquisição de habilidades em lidar com o
dinheiro.
De acordo com os estudos realizados por Nunes e Bryant (1997), podemos
considerar que
a criança é capaz de contar bem, no sentido de que certos números são
produzidos na ordem certa, mas a criança não entenderá o significado desses
números até que tenha compreendido a conservação. (NUNES e BRYANT,
1997, p.22).
As crianças têm a necessidade de desenvolver habilidades monetárias para não
serem enganadas, decidirem melhor a oferta em uma compra, compararem valores e,
acima de tudo, estarem aptas ao exercício pleno da cidadania.
O objetivo de nossa pesquisa foi diagnosticar como a criança utiliza seu
conhecimento numérico para analisar situações que envolvam o sistema monetário.
Esperamos ter atingido o nosso objetivo e contribuído com as pesquisas em Educação
Matemática.
126
A opção pela aplicação das provas piagetianas não trouxe incompatibilidade
teórica com o referencial vygotskiano, pois foram utilizadas como procedimento
metodológico.
Buscamos sinalizar ao professor a necessidade de que ele passe a investigar
quais conhecimentos espontâneos o aluno traz em relação ao sistema de numeração,
para não trabalhar somente com rótulos numéricos reproduzidos em uma seqüência pré-
determinada.
Schliemann (1998) destaca que utilizar os conhecimentos do dia-a-dia como
cópia fiel de situações vividas pela criança não proporciona o desenvolvimento de
conhecimento, mas o professor em sua sala de aula pode, a partir dos conhecimentos
espontâneos que a criança possui, proporcionar oportunidades para que ela venha a
compreender novas situações. Para isso, basta criar atividades capazes de engajar as
crianças na utilização de todos os seus recursos.
Na introdução do nosso estudo, elencamos duas questões norteadoras da
pesquisa as quais procuramos, no decorrer deste trabalho, contemplar:
1. Qual é o papel da família e da escola como contextos em que o
desenvolvimento da criança ocorre?
2. Como a criança utiliza o seu conhecimento numérico para lidar com o
dinheiro?
Podemos assinalar que o comportamento da criança, assim como outras
dimensões do funcionamento psíquico, constitui-se a partir dos costumes e da cultura de
sua família. A família, por ser o primeiro grupo social do qual ela participa, irá
proporcionar o aprendizado de habilidades necessárias para o seu desenvolvimento
como um todo. Suas características individuais, como o modo de agir, falar, pensar,
127
sentir; seus valores e conhecimentos são construídos a partir das interações com o meio
físico e social.
Verificamos que as sete crianças sujeitos de nossa pesquisa, alunos de uma
terceira série, que possuíam um certo convívio com o meio escolar, apresentaram
defasagem de conteúdos básicos como, por exemplo, calcular o troco de uma compra,
escolher entre alguns produtos o mais barato ou mais caro, relacionar a quantidade de
cédulas ou moedas necessárias para o pagamento da conta. Essas situações devem ser
alvo de atenção por parte dos professores, pois muitos pressupõem que as atividades
descritas anteriormente façam parte do contexto social das crianças, mas, como vimos,
nem sempre são concretizadas.
Portanto, é papel dos adultos da família guiar as crianças, utilizando para isso
sua cultura acumulada e experiências anteriormente vividas, bem como o seu convívio
social em variados grupos. Dessa maneira, o adulto passa a ser o fio condutor, o
formador, o influenciador da criança no processo de viver/aprender/viver.
É preciso envolver a criança em atividades que a família realiza, como a compra
de produtos, pagamentos de contas, atividades significativas que devem ser realizadas
com a ajuda das outras pessoas. Dessa maneira, a criança irá internalizando esses
conhecimentos, concretizando-os e apropriando-se deles. Suas características
individuais vão sendo formadas a partir das suas inúmeras e constantes interações com o
meio (compreendido como contexto físico e social), que inclui as dimensões
interpessoal e cultural. Nesse processo dinâmico, ativo e singular, a criança estabelece,
desde o seu nascimento e durante toda a sua vida, trocas recíprocas com o meio, já que,
ao mesmo tempo em que internaliza as formas culturais, transforma-as e intervém no
universo que a cerca, gera o seu próprio desenvolvimento individual, vindo a ser capaz
de realizar sozinha atividades para as quais outrora dependia da ajuda dos outros.
128
Em uma sala de aula temos alunos em diferentes níveis de desenvolvimento
proximal. Essas diferenças podem ser explicadas porque diferentes níveis de
desenvolvimento real ou atual influenciados pela ajuda que receberam, pela cultura,
pela intensidade das relações sociais. Portanto, o professor tem que trabalhar de forma
diversificada com grupos de alunos, de modo a propiciar o nível de ajuda necessário
para o desenvolvimento, independência e autonomia destes.
Vale reforçar que o papel do professor é fundamental para elaborar os níveis de
ajuda e dirigir o processo com intencionalidade capaz de propiciar a participação ativa
da criança, sua autonomia e construção do próprio conhecimento. Dessa maneira, de
acordo com Beatón (2005), os pais, educadores e a escola, que m conhecimento desse
processo, devem instigar as crianças desde a mais tenra idade a alcançar melhores níveis
de desenvolvimento.
No decorrer do nosso trabalho devemos ressaltar algo que observamos durante o
processo de coleta de dados e julgamos importante: percebemos quatro momentos de
olhares centrados em um alvo comum a habilidade do aluno em lidar com o dinheiro.
O primeiro olhar é o do professor, que percebeu que seus alunos ficavam paralisados e
não entendiam o sentido nurico do dinheiro nas atividades realizadas em sala de aula;
o segundo olhar é o do pesquisador, que detectou o problema e partiu para a coleta de
dados mais refinados, a fim de entender a dificuldade dos alunos em lidar com o sistema
monetário; o terceiro olhar é o do aluno, a respeito da sua própria aprendizagem: ele
demonstra a percepção do sujeito sobre ele mesmo, e não o que ele realmente sabe
fazer; e o quarto olhar é o dos pais, dos quais os de Déb, Kel e Reb acreditavam que as
crianças conseguiam operar com o dinheiro, contrariamente do que diagnosticamos, e os
pais de Let e Dou afirmaram que as crianças manipulavam o dinheiro, mas o
129
conseguiam conferir o troco. Apenas os pais de Cas e Van perceberam que as crianças
não conseguiam operar com o dinheiro.
Pedimos aos responsáveis por Cas, Déb, Dou, Kel, Let, Reb e Van que
envolvam as crianças nas atividades que a família realiza conjuntamente, tais como
fazer compras em supermercado, pagar contas... Solicitamos que incentivassem as
crianças a comprar produtos e utilizar o seu raciocínio no cálculo dos gastos e da
quantidade das cédulas ou moedas que deveriam possuir para o pagamento da compra,
assim como no cálculo do troco. Em sala de aula, envolvemos as sete crianças,
juntamente com seus colegas, em atividades de compra e venda de produtos,
oferecendo, para cada criança, os níveis de ajuda necessários. Dessa forma, percebemos
que tiveram um salto qualitativo no desenvolvimento de habilidades para lidar com o
dinheiro.
130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANCO CENTRAL DO BRASIL. O que é o dinheiro. Cadernos BC, Série Educativa,
2002. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/Pre/educacao/cadernos/dinheiro.pdf.>
Acesso em 12 de outubro de 2005.
BEATÓN, Guilhermo Arias. Evaluación y diagnóstico en la educación y el desarollo
desde el enfoque histórico-cultural. São Paulo: Cromoset, 2001.
BEATÓN, Guilhermo Arias. La persona em el enfoque histórico cultural. São Paulo:
Linear, 2005.
BEDNARZ, Nadine. Interações sociais e a construção de um sistema de escrita dos
números no ensino fundamental. IN: GARNIER, Catherine; BEDNARZ, Nadine;
ULANOVSKAYA, Irina. Após Vygotsky e Piaget: perspectiva social e construtivista.
Escolas russa e ocidental. Tradução: Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas,
V1996.p. 47-60.
BORDEAUX, Ana Lúcia et al. Matemática na vida e na escola. São Paulo: Editora do
Brasil, 2001.
BRANQUINHO, Nanci L. e LOPES, Celi A. E. O uso cotidiano dos números e o
sentido numérico. In: V CIBEM - CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Julho de 2005. Porto. Anais. CD-ROM
CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos fundamentais da Matemática. 2. ed. Lisboa:
Gradiva,1998.
CARRAHER, Terezinha Nunes (Org). Aprender Pensando: Contribuições da
Psicologia Cognitiva para a Educação. Petrópolis : Ed. Vozes, 1982.
CARRAHER, Terezinha Nunes. O método clínico usando os exames de Piaget. 5.ed.
São Paulo: Cortez, 1998.
CEBOLA, Graça. Do número ao sentido do número. In:XI ENCONTRO DE
INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Maio. 2002, Coimbra ,. Anais.
D’AQUINO, Cássia. A importância da educação financeira. Disponível em:
<http://www.psicopedagogia.com.br>. Acesso em: 18 de novembro de 2005.
FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda (2. ed.). Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
131
GRANELL, Carmen Gómez. A aquisição da linguagem matemática: símbolo e
significado. In: TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana (org). Além da
Alfabetização: aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. 4. ed. São
Paulo: Ática, 2002. p.259 - 282.
GUERRA, Lígia. Educação Financeira: Chave do Sucesso. Disponível em:
<http://www.psicologia.com.pt/profissional/emprego/ver_artigo.php?id=41&grupo=1.
Acesso em 20 de outubro de 2005.
LOPES, Celi A. E. O Conhecimento profissional dos professores e suas relações com
estatística e probabilidade na Educação Infantil. 2003.Tese de Doutorado — Faculdade
de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas..
MARTINS, João Carlos. Vygotsky e o Papel das Interações Sociais na Sala de Aula:
reconhecer e desvendar o mundo. Série Idéias n. 28. São Paulo: FDE, 1997.Páginas:
111-122
MORENO, Beatriz Ressia. O ensino do número e do sistema de numeração na educação
infantil e na 1ª série. In: PANIZZA, Mabel. Ensinar matemática na educação infantil e
nas séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. p.43-76.
MOURA, Anna Regina Lenner. A medida e a criança pré-escolar. 1995. Tese de
doutorado — Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
MOYSÉS, Lúcia. Aplicações de Vygotsky à Educação Matemática. Campinas/SP:
Papirus, 1997.
NACARATO, Adair Mendes. A construção do conceito de número na educação
escolarizada. 1995. Dissertação de Mestrado Faculdade de Educação, Universidade
Estadual de Campinas.
NETTO, J, Teixeira. Semiótica, informação e comunicação. São Paulo: Perspectiva,
1996.
NUNES, Terezinha, et al. Educação Matemática: números e operações numéricas.São
Paulo: Cortez, 2005.
NUNES, Terezinha. Introdução à educação Matemática: os números e as operações
numéricas. São Paulo: Proem, 2001.
NUNES, Terezinha; BRYANT, Peter. Crianças fazendo matemática. Tradução Sandra
Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: um processo
sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.
OLIVEIRA, Regina. Códigos culturais. Disponível em:
<www.pucsp.br/pos/cos/cultura/conceito.htm#Codigos%20culturais,12/98>. Acesso em
10 de outubro de 2005.
PADILHA, Anna M. L. Elaboração Conceitual: papel fundamental da escola; Acta
Científica; 2003; 1; 4; 6; 12; Português; 1519-9800; Impresso;
132
PIAGET, Jean; SZEMINSKA, Alina. A gênese do número na criança. Rio de Janeiro:
Zahar, 1975.
QUARANTA, Maria Emíla; TARASOW, Paola; WOLMAN, Susana. Abordagens
parciais à complexidade do sistema de numeração: progressos de um estudo sobre as
interpretações numéricas. In: PANIZZA, Mabel. Ensinar matemática na educação
infantil e nas séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006.p.95-109.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
ROBERT, Jozsef. A origem do dinheiro. Lisboa : Global, 1989.
SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SCHLIEMANN, Analucia Dias; SANTOS, Clara Melo; COSTA, Solange Canuto. Da
compreensão do sistema decimal à construção de algoritmos. In: ALENCAR, Eunice
Soriano (org.) Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e
aprendizagem. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2001. p.97- 117.
SCHLIEMANN, Analúcia, CARRAHER, David. (Org.) A compreensão de conceitos
aritméticos: ensino e pesquisa. Campinas: Papirus,1998.p.11-37.
TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana (org). Além da Alfabetização:
aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. 4. ed. São Paulo: Editora
Ática, 2002. p. 195 a 217.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. O desenvolvimento psicológico na infância. Tradução
Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. Trad. Jefferson Luiz Camargo.
2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. Psicologia pedagogia. Tradução: Paulo Bezerra. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade
escolar. In:LEONTIEV, Alexis et al. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da
aprendizagem e do desenvolvimento. Trad.: Rubens Eduardo Frias. São Paulo:
Centauro, 2003.p.1-17.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget.
Tradução: Esméria Rovai. 4.ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
133
ANEXOS
Anexo 1. Questionário com os alunos
1. Você considera a matemática difícil?
( ) sim ( ) não ( ) as vezes
2. Você se considera um bom aluno de matemática?
( ) sim ( ) não ( ) as vezes
3. Você costuma sair e comprar alguma coisa?
( ) sim ( ) não ( ) as vezes
4. Você consegue conferir o troco de uma compra?
( ) sim ( ) não ( ) as vezes
5. O que você lembra da matemática?
134
Anexo 2. Roteiro da entrevista com os pais
1) Nome do aluno (a):___________________________idade: __________
2) Local de nascimento: ________________________________________
3) Fez pré – escola: ( ) sim ( ) não
4) Quantos anos faz que a criança estuda nessa escola:________________
5) A criança vive com: _________________________________________
6) Grau de instrução dos pais: ____________________________________
7) De que forma os pais ajudam a criança no estudo da Matemática?
8) O aluno (a) manipula o dinheiro: ( ) sim ( ) não
9) A criança faz compras de mercadorias: ( ) sim ( ) não
10) Consegue realizar a conferência de um troco: ( ) sim ( ) não
135
Anexo 3. Encartes utilizados na entrevista com as crianças
Ilustração 3 Encarte utilizado na entrevista
Ilustração 4 Encarte utilizado na entrevista
136
Anexo 4. Entrevista com os alunos
1. Qual das bolachas você acha que é mais barata?
2. Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais barata?
3. Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar a bolacha mais cara?
4. Quanto custa uma Coca-Cola?
5. Com R$ 5,00 você conseguiria comprar quantas Coca-Colas?
137
Anexo 5. Tabulação das Entrevistas com os alunos da 3ª série set/2004
Nome
Identifica
valores
em R$
Faz relação
do preço
com a
quantidade
em cédulas
ou moedas
Não Faz
relação do
preço com a
quantidade
em cédulas
ou moedas
Faz a
correspondência
de cédulas e
moedas com a
quantidade de
produtos
Não Faz a
correspondência
de cédulas e
moedas com a
quantidade de
produtos
Calcula
o troco
de uma
compra
Não
Calcula
o troco
de uma
compra
Ad x x x x
Al x x x x
Am x x x x
An x x x x
And x x x x
Cas x x x x
Deb x x x x
Den x x x x
Dou x x x x
Ed x x x x
Jaq x x x x
Jos P x x x x
Kel x x x x
Leo x x x x
Let.N.
x x x x
Let.R.
x x x x
Luc x x x x
Mai x x x x
Mar x x x x
Mary x x x x
Ram x x x x
Rl x x x x
Reb x x x x
Rod x x x x
Sal x x x x
Sama x x x x
Tal x x x x
Van x x x x
Vin x x x x
Jos S x x x x
Ka x x x x
Lar x x x x
Tabela 12 Tabulação das 32 entrevistas com os alunos
138
Anexo 6. Ficha De Registro: Aplicação Das Provas Piagetianas
Prova: ______________________________________________________________________
Nome: _____________________________________________________________________
Idade: ________________________________Série: ________________________________
Local De Aplicação: __________________________________________________________
Hora De Início: ______________________________________________________________
Hora De Término: ____________________________________________________________
1. Instrução verbal (material apresentado)
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Resposta:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Porquê?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
2. Instrução verbal (material apresentado)
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Resposta:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Porquê?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
3. Contra sugestão:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Resposta:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Porquê?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo