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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Comunicações e Artes - ECA
Departamento de Jornalismo e Editoração - CJE
Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
Linha de Pesquisa: Jornalismo Comparado
A TELEVISÃO PÚBLICA
NUM AMBIENTE DE COMPETIÇÃO COMERCIAL
ESTUDO DOS MODELOS BRASILEIRO E PORTUGUÊS
Doutoranda: Liana Vidigal Rocha
Orientador: Prof. Dr. Laurindo Leal Filho
São Paulo - 2006
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LIANA VIDIGAL ROCHA
A TELEVISÃO PÚBLICA
NUM AMBIENTE DE COMPETIÇÃO COMERCIAL
ESTUDO DOS MODELOS BRASILEIRO E PORTUGUÊS
São Paulo, 2006
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LIANA VIDIGAL ROCHA
A TELEVISÃO PÚBLICA
NUM AMBIENTE DE COMPETIÇÃO COMERCIAL
ESTUDO DOS MODELOS BRASILEIRO E PORTUGUÊS
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação, Área de Concentração
Jornalismo, Linha de Pesquisa Jornalismo
Comparado, da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
doutor em Jornalismo, sob a orientação do
Prof. Dr. Laurindo Leal Filho.
São Paulo, 2006
A TELEVISÃO PÚBLICA
NUM AMBIENTE DE COMPETIÇÃO COMERCIAL
ESTUDO DOS MODELOS BRASILEIRO E PORTUGUÊS
Defendida em ......... de ....................... de ...........
Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
_____________________________________
______________________________________
______________________________________
Para Liéte, Antonio Jorge e Wander
AGRADECIMENTOS
A minha mãe Liéte pela disposição e paciência em transcrever as entrevistas
dos entrevistados portugueses. Sem você eu não conseguiria.
Ao meu pai Antonio Jorge que, de alguma forma, aceita as minhas decisões,
mas que sonha um dia com um futuro melhor para mim. Obrigada por ter
colaborado na minha viagem a Portugal.
Ao meu marido, Wander, companheiro paciente, que meu viu ingressar no
doutorado, que acompanhou as minhas angústias e que me deu forças,
sempre, para continuar.
Ao meu irmão Marcelo que meu deu dois sobrinhos lindos e a meus irmãos
Fabrízio e Laísa que, mesmo à distância, sei que torcem por mim.
Ao meu orientador Laurindo Leal Filho que foi um verdadeiro pai, me dando
idéias novas e acolhendo os meus devaneios.
Ao prof. Dr. Francisco Rui Cádima que me recebeu tão bem em Lisboa, sem
nunca ter me visto. Muito obrigada por ter respondido ao meu e-mail, por ter
confiado na minha pesquisa, por todo o material que me forneceu e pelas
entrevistas que conseguiu para mim. Sem o seu suporte, eu não teria obtido
sucesso em Portugal.
A minha indispensável amiga Fanny Mori que sempre esteve ao meu lado nos
momentos mais difíceis e por ser a minha parceira de trabalhos e delírios
acadêmicos.
Aos meus avós Hevete e João Rocha pelo amor e pelo carinho. A minha
querida avó Conceição Vidigal pela preocupação e pela confiança.
Agradeço ainda as minhas tias Graça e Sandra Vidigal por terem ido atrás de
material para mim na França; a madame Dorlan e Rosa Sarcinelli por terem
feito a tradução para o Português e ao pessoal da biblioteca de Brest que
gentilmente cedeu o material para a minha pesquisa.
Às minhas amigas e colegas de trabalho Cléo (pelos puxões de orelha) e
Eliane Basso pelas dicas que me deu ao longo dessa trajetória.
Aos meus amigos Tommy e Jackie que fazem parte da família peruana que
tenho aqui em São Paulo. À Adriana Miranda, minha amiga do coração que
está tão longe, mas, ao mesmo tempo, está tão perto.
À Ivete Roldão que, na qualificação, colaborou para que esta humilde pesquisa
tomasse um rumo melhor.
Ao amigo Paulo César Bontempi, do CJE, a quem sempre recorri nos
momentos de desespero. Muito obrigada por sua amizade e sua paciência.
A Maria Ferreira, minha ‘mãezinha preta’, que faz as minhas vontades quando
estou em casa.
À minha prima Rita Vidigal, Ronaldo e D. Arlete Almeida que me receberam de
braços abertos em Portugal. O apoio de vocês fez com que tudo ficasse mais
fácil.
Ao Dr. Pedro Jorge Braumann por ter aberto as portas da RTP para mim.
Agradeço ainda a todos os entrevistados que cederam uma parte do seu
precioso tempo para ouvir os meus questionamentos. Sem vocês a pesquisa
não teria sentido.
Agradeço ainda a Santo Expedito, por mais uma graça alcançada!!
“Não se pode ensinar alguma coisa a alguém.
Pode-se apenas auxiliar a descobrir por si mesmo”
Galileu Galilei
RESUMO
Esta pesquisa tem o propósito de mostrar como as televisões
públicas do Brasil e de Portugal, no caso a TV Cultura e a RTP, convivem num
ambiente de competição comercial. A partir de uma pesquisa bibliográfica foi
possível estabelecer um quadro teórico de referência sobre serviço público,
seus princípios e alguns modelos de televisão pública existentes na Europa
Ocidental. Posteriormente, por meio de entrevistas, foi realizado um
levantamento de informações que contribuíram para a análise e interpretação
das características do objeto de estudo. Um dos principais resultados dessa
pesquisa assinala que as televisões públicas dos dois países, em questão,
encontram-se diante de um dilema: devem se manter fiéis aos princípios do
serviço público ou se entregam às demandas do mercado, agindo
comercialmente conforme um canal privado.
Palavras-chave: televisão; televisão pública; serviço público, programação
ABSTRACT
This research has the intention to show as the public televisions of Brazil
and of Portugal, in this case the TV Cultura and the RTP, coexists in an
environment of commercial competition. From a bibliographical research it was
possible to establish a theoretical picture of reference on public service, its
principles and some existing models of public television in the Europe
Occidental. Later, by means of interviews, a survey of information was carried
through that had contributed for the analysis and interpretation of the
characteristics of the study object. One of the main results of this research
designates that the public televisions of the two countries, in question, meet
ahead of a quandary: fidiciary offices to the principles of the public service must
be remained or deliver the demands to it of the market, acting commercially as
a private channel.
Key words: television; public television; public service; programming
Lista de Tabelas
____________________________________________________________________________
LISTA DE TABELAS
Tabela nº 1 - Componentes Sintagmáticos do
Modelo Metodológico......................................................................................
18
Tabela nº 2 – Audiências................................................................................
190
Tabela nº 3 - Recuperação das audiências e captação de novos
públicos...........................................................................................................
193
Tabela nº 4 - Redução de
custos.............................................................................................................
194
Tabela nº 5 - Melhoria da produtividade e adequação do quadro
de pessoal da RTP1 e RDP...........................................................................
194
Siglas
____________________________________________________________________________
SIGLAS USADAS NO TEXTO
ARD - Direito Público da Alemanha
BBC - British Broadcasting Corporation
CCS – Conselho de Comunicação Social
CRP – Constituição da República Portuguesa
CSA - Conselho Superior do Audiovisual
CNCL - Comissão Nacional de Comunicação e das Liberdades
FPA – Fundação Padre Anchieta
INA – Instituto Nacional de Audiovisual
ICS – Instituto de Comunicação Social
MFA – Movimento das Forças Armadas
ORTF - Organismo da Radiodifusão e Televisão Francesa
PBS - Public Broadcasting Service
RAI - Radio Audizioni Itália
RDF – Radiodifusão Francesa
RTC – Rádio Televisão Cultura
RTP – Radiotelevisão Portuguesa
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SFP – Sociedade Francesa de Produção
SIC - Sociedade Independente de Televisão
SPT – Serviço Público de Televisão
SWR – Südwestrundfunk
TDF - Télédiffusion da França
TVC – TV Cultura
TVE – Televisão Espanhola
TVE – TV Educativa
TVI – Televisão Independente
UE – União Européia
UER – União Européia de Radiodifusão
ZDF - Zweites Deutsches Fernsehen
Sumário
____________________________________________________________________________
SUMÁRIO
Introdução ....................................................................................... 12
Procedimentos Metodológicos ....................................................... 18
Capítulo 1 – O conceito de TV Pública ............................................ 24
1.1 – A origem da Televisão Pública na Europa ............................ 24
1. 2 – Serviço Público de Televisão: definições .............................. 31
1.2.1 – Princípios do Serviço Público de Televisão ...................... 34
1.2.2 – Características do Sistema Público Europeu ...................... 37
1.3 – A questão da publicidade na Televisão Pública ................... 40
1.4 – A crise da Televisão Pública ................................................. 44
1.5 – O futuro da Televisão Pública .............................................. 47
Capítulo 2 – Modelos de TV Pública na Europa
e no Brasil ........................................................................................
52
2.1 – Alguns modelos europeus .................................................... 53
2.1.1 – Inglaterra ............................................................................ 53
2.1.2 – Alemanha: a SWR ............................................................... 56
2.1.3 - Itália .................................................................................... 60
2.1.4 – Espanha ............................................................................ 64
2.1.5 – França ............................................................................... 68
2.2 – A TV Pública/Estatal no Brasil .............................................. 73
Capítulo 3 – TV Cultura: um exemplo brasileiro ............................ 80
3.1 – História: a TV Cultura em quatro fases ................................. 80
3.1.1 – Primeira fase: de comercial a pública .............................. 80
3.1.2 – Segunda fase: a emissora no período da
ditadura militar ..................................................................................
86
3.1.3 – Terceira fase: Cultura se aproxima do modelo
de televisão pública ...........................................................................
92
3.1.4 – Quarta fase: tempos de crise e de mudanças .................... 97
3.2 - Controle e Financiamento ...................................................... 110
3.3 – Legislação: Estatuto da FPA ................................................. 117
Sumário
____________________________________________________________________________
Capítulo 4 – Televisão Pública portuguesa, a RTP ......................... 122
4.1 – Breve histórico ....................................................................... 122
4.2 – Legislação da TV pública portuguesa .................................... 135
4.2.1 – ICS – Instituto de Comunicação Social .............................. 135
4.2.2 – Lei da Televisão ................................................................. 136
4.2.3 – Estatuto da RTP ................................................................. 142
4.2.4 – Conselho de Administração .............................................. 145
4.2.5 – Conselho de Opinião ......................................................... 147
4.3 – Controle e financiamento da RTP ......................................... 149
Capítulo 5 – Programação televisiva dos modelos
brasileiro e português .......................................................................
156
5.1- Programação ......................................................................... 156
5.1.1 – Programação da RTP1 ....................................................... 158
5.1.2 – Programação da TV Cultura .............................................. 170
5.2 – Público-alvo, concorrência e audiência ................................. 182
5.2.1 – TV Cultura ......................................................................... 182
5.2.2 – RTP1 .................................................................................. 186
5.3 – RTP1 e 2: modelos em transformação ................................. 191
5.3.1 – O surgimento do canal 2: .................................................... 195
Considerações Finais .................................................................... 199
Bibliografia .............................................................................. 208
Anexos ......................................................................................... 214
Introdução
____________________________________________________________________________
12
INTRODUÇÃO
“A TV pública deve ser uma televisão que estabeleça uma sintonia entre as
demandas de informação e de educação de cada comunidade local.”
Beth Carmona
Lançada em junho de 1969 - quase vinte anos após a chegada da
televisão ao Brasil, trazida por Assis Chateaubriand, primeiro brasileiro a
construir um império jornalístico – a TV Cultura traz para a televisão brasileira o
conceito de TV pública. A TV Cultura surge inspirada nos modelos importantes
de emissoras públicas mundiais, como a CBC canadense, a PBS americana e
a BBC inglesa. Essa última, inclusive, sendo alvo de pesquisa do Prof. Dr.
Laurindo Leal Filho, cujo trabalho demonstrou ser a televisão britânica um
padrão de qualidade a ser seguido pelas demais TVs públicas do mundo.
Para viabilizar e manter a nova TV2 Cultura, o Governo de São Paulo
criou, em 26 de setembro de 1967, a Fundação Padre Anchieta - Centro
Paulista de Rádio e Televisão Educativas, com dotação do Estado e autonomia
administrativa. A fundação seguiu as diretrizes da Lei Estadual nº 9849 que
autoriza “o Poder Executivo a formar uma entidade destinada a promover
atividades educativas e culturais por meio do rádio e da televisão”.
A TV Cultura surge em meio a uma das maiores crises de legitimidade
de poder na história do Brasil. É o momento da consolidação de um modelo
econômico inserido num projeto político que excluía qualquer tipo de
participação democrática. Na década de 1970, o governo do Estado passa a
intervir de forma direta na TV Cultura, acabando de vez com a pequena
autonomia que existia.
Contudo, os problemas não pararam por aí, na década seguinte, em
1986, um incêndio destruiu praticamente 90% da capacidade de produção da
TVC. Dois estúdios que eram utilizados para gravação e apresentação da
maior parte dos programas ficaram completamente destruídos. Uma crise se
Introdução
____________________________________________________________________________
13
abateu sobre a TV Cultura, pois sua capacidade de produção ficou
praticamente reduzida a zero. No entanto, três meses após o incêndio uma
nova Diretoria-Executiva toma posse na Fundação Padre Anchieta. O novo
diretor-presidente seria Roberto Muylaert, que conseguiu fazer algumas
mudanças importantes: transformar a RTC em uma emissora pública,
semelhante às suas congêneres internacionais, como a BBC inglesa
A nova diretoria teve como principal tarefa reequipar a TV Cultura ao
nível das mais modernas emissoras. Além de promover uma ampla reforma
administrativa para adequar seu quadro de funcionários aos parâmetros de
uma empresa moderna. Houve também o desafio de replanejar e reordenar a
programação para que cumprisse os compromissos com a população previstos
nos estatutos da Fundação.
De acordo com o manual de redação da TV Cultura, a emissora
“modernizou o conceito de educação pela televisão, conciliando formação e
ampliação de conhecimentos com entretenimento”. O padrão de qualidade da
programação da TV Cultura é reconhecido, apesar das freqüentes crises
financeiras pelas quais vem passando nos últimos anos.
Independentemente de receber ou não o devido apoio financeiro do
Governo do Estado de São Paulo, a TV Cultura tenta manter o seu
compromisso com o público brasileiro que é o de noticiar informações “precisas
e de qualidade”. “Os telejornais e demais programas jornalísticos são
reconhecidos pelo telespectador que busca alternativas às fórmulas das
grandes redes e encontra na TV Cultura tradição de rigor e integridade”, revela
ainda o manual.
Portanto, a TV Cultura tem como princípios básicos a prestação de
serviços à sociedade brasileira e a defesa do interesse público, ambos
objetivos são alicerçados pela Fundação Padre Anchieta, que tem como meta a
difusão de cultura, educação e informação.
Introdução
____________________________________________________________________________
14
Já o continente europeu é considerado o berço da televisão pública, que
está presente, inclusive, em um dos países responsáveis pela formação
histórica e da sociedade brasileira: Portugal.
A televisão chega em Portugal um pouco mais tarde em relação ao
Brasil, em 15 de dezembro de 1955. O período é marcado por um governo
ditatorial que, desde o início, usa a RTP – Radiotelevisão Portuguesa – como
alvo de manipulações políticas. A emissora é a primeira a ser instalada em
Portugal e vai ser constituída por iniciativa do Governo , mas revestida na
“forma de sociedade anônima, possuindo um capital social de 60 mil contos,
tripartido entre o Estado, emissoras de radiodifusão privadas e pessoas
particulares”.
Contudo, é somente em 1956 que começam as primeiras emissões
experimentais da RTP, transmitindo da Feira Popular, em Lisboa. No ano
seguinte, em março de 1957 (data oficial de lançamento da televisão
portuguesa), a RTP dá início às suas transmissões regulares, a partir dos
estúdios do Lumiar. Apesar da novidade, o veículo dividiu as opiniões:
enquanto uns a receberam com alegria, outros a viram com desconfiança.
Diferentemente do Brasil, que lançou o seu primeiro telejornal no dia
seguinte ao da inauguração, os portugueses só puderam assistir ao primeiro
telejornal em outubro de 1959. E foi nesse mesmo mês que a RTP tornou-se
membro da UER – União Européia de Radiodifusão. Na década seguinte, a
emissora dá início às transmissões para todo o país, e é também nessa mesma
época que o veículo começa a influenciar os hábitos da população, que passa
a organizar a vida cotidiana em função de sua programação.
Já na década de 1970, Portugal ganha seu segundo canal: a RTP2.
Com características de TV generalista, o canal vai dar ênfase à cultura e ao
esporte. Logo depois foi a vez dos arquipélagos de Madeira e Açores
receberem a transmissão da RTP. São criadas as RTP Madeira, em agosto de
1972, e RTP Açores, em agosto de 1975.
Introdução
____________________________________________________________________________
15
Após a Revolução dos Cravos
1
, em 25 de abril de 1974, que depôs o
regime ditatorial liderado por Marcelo Caetano, o estatuto da empresa
concessionária da radiotelevisão é alterado. No dia 2 de dezembro desse
mesmo ano, a RTP é nacionalizada e transformada na empresa pública
Radiotelevisão Portuguesa, por meio do decreto-lei nº 674-D/75.
São os primeiros anos de liberdade para o povo português e, por esse
motivo, são vividos de maneira intensa, com muito entusiasmo, mas com uma
certa dose de radicalismo. Exemplo: acusados de ligação com o regime
anterior, muitos profissionais são afastados da emissora. Depois do dia 25 de
novembro, quando houve um choque entre a concepção democrática e a
revolucionária, a televisão pública começa a descobrir o seu ponto de
equilíbrio. Por outro lado, os políticos têm, cada vez mais, consciência da
importância e da influência que o veículo exerce na população.
Em 7 de março de 1980, a RTP inicia suas transmissões em cores. Um
atraso de quase 30 anos em relação ao primeiro país e de seis anos se
comparado com o Brasil. Tal evolução técnica além de influenciar no
crescimento do veículo, faz crescer também a ambição política em relação a
sua utilização. Uma das conseqüências é o aumento desmedido de
funcionários, cujas contratações estiveram sobretudo subjacentes critérios
partidários.
Em 1992, a RTP transforma-se em sociedade anônima de capitais
exclusivamente públicos (Radiotelevisão Portuguesa, S.A.) por meio da Lei nº
21/92. É também nesse mesmo ano que surge a primeira emissora privada: a
SIC (Sociedade Independente de Comunicação). Em fevereiro de 1993, é a vez
da TVI (Televisão Independente) entrar no cenário televisivo português.
Portanto, em mais de 35 anos, a RTP foi a responsável absoluta pela
transmissão de informações ao povo português, mostrando os acontecimentos
mais importantes da vida nacional e internacional, além de introduzir uma nova
forma de entretenimento.
1
No dia 25 de Abril de 1974, são ocupadas as instalões da Rádio Televisão Portuguesa, da Emissora
Nacional, da Rádio Clube Portuguesa, do Aeroporto de Lisboa, do Quartel General, do Estado Maior do
Exército, do Ministério do Exército, do Banco de Portugal e da Marconi, locais estratégicos considerados
fundamentais. Informações obtidas no site:
http://educom.sce.fct.unl.pt. Acesso em: setembro de 2004.
Introdução
____________________________________________________________________________
16
O primeiro capítulo desta pesquisa aborda a origem da televisão pública
na Europa Ocidental, que é considerada a base para o desenvolvimento dos
princípios do Serviço Público de Televisão utilizados em TVs públicas de todo o
mundo. São ainda explorados temas ligados à questão da publicidade,
principalmente, nos canais públicos brasileiro e português, bem como a
descrição dos problemas que originaram a situação de crise do modelo público
e um resumo do futuro do SPT.
Já no capítulo dois, são apresentados modelos de televisão pública da
Europa Ocidental e Brasil, com o objetivo de ter um suporte para entender
como os modelos sobreviveram e se transformaram com o passar do tempo.
De maneira concisa, foram representados os modelos da Inglaterra, da França,
Espanha, Itália e um modelo regional de televisão pública alemã (SWR). A
televisão pública/estatal brasileira está representada pela TVE (TV Educativa).
O terceiro capítulo traz um breve resumo da história da TV Cultura
dividida em quatro fases distintas. Além disso, o capítulo trata da questão do
financiamento e do controle do modelo brasileiro de televisão pública, traz
informações sobre o Conselho Curador da instituição e sobre a legislação que
rege a Fundação Padre Anchieta. Um dos pontos significativos desse capítulo
é o não cumprimento de alguns artigos do estatuto da emissora, no caso, o que
diz respeito à publicidade.
O capítulo quatro apresenta também a história da Radiotelevisão
Portuguesa, RTP, de forma resumida, abrangendo os momentos centrais de
sua trajetória, partindo do início nos anos de 1950 até os presentes dias. Há
ainda o registro da legislação da emissora, assim como o seu controle e
financiamento. Será possível perceber, por exemplo, que a história da RTP
sempre esteve associada à história do poder em Portugal.
O quinto e ultimo capítulo apresentada aspectos sobre a programação
dos dois modelos e como se transformaram ao longo do tempo, sobretudo,
devido às influências do ambiente comercial. A partir de definições teóricas
sobre concorrência, público-alvo e audiência foi possível efetuar uma análise
desses aspectos e como se apresentam em cada canal. O capítulo traz ainda
Introdução
____________________________________________________________________________
17
uma descrição do surgimento e da transformação do segundo canal da
televisão pública portuguesa, o 2:.
Procedimentos Metodológicos
____________________________________________________________________________
18
Procedimentos Metodológicos
O método é a arte de guiar a sua razão nas ciências.
(Descartes)
A concepção de pesquisa empírica como seqüência de fases está
fundamentada, primeiramente, na fase de definição do objeto de pesquisa. A
etapa seguinte é o encadeamento das diversas fases da pesquisa empírica que
demonstra que há uma certa ordem nas diferentes operações intelectuais
realizadas pelo investigador. Esse encadeamento indica ainda que as
operações da pesquisa são interdependentes, pois se associam e se
influenciam mutuamente, segundo o padrão regular de trabalho científico
(LOPES, 1990, p. 117). Portanto, é possível caracterizar a pesquisa científica
como um esforço cuidadoso para descobrir novas informações ou relações,
cujo objetivo esteja voltado para a verificação e a ampliação do conhecimento
existente.
Segundo Lopes (1990, p. 118), as fases da pesquisa e suas operações
estão diretamente relacionadas, como mostra o quadro a seguir:
TABELA Nº 1 - COMPONENTES SINTAGMÁTICOS DO
MODELO METODOLÓGICO
Fases Metodológicas Operações Metodológicas
I) Definição do objeto
(Teorização da problemática)
II) Observação
(técnicas de investigação)
III) Descrição
(técnicas e métodos de descrição)
IV) Interpretação
(métodos de interpretação)
1) Problema de pesquisa
2) Quadro teórico de referência
3) Hipóteses
4) Amostragem
5) Técnicas de coleta
6) Análise descritiva
7) Análise interpretativa
8) Conclusões*
9) Bibliografia*
* As conclusões e a bibliografia não constituem operações da fase IV.
Fonte: Lopes (1990).
Procedimentos Metodológicos
____________________________________________________________________________
19
O tema escolhido para a pesquisa, a televisão pública, aponta para o
debate junto à sociedade, pois os meios de comunicação vêm passando por
sucessivas fases de transformação.
Sobre o problema de pesquisa, Lopes (1990, p. 120) alerta que a
escolha do tema deve ser encarada como ‘um fato social em si, e que pode
também ser explicada sociologicamente’, pois é através de um procedimento
quase sempre dedutivo que se chega a especificar o problema da pesquisa,
cuja questão crucial deve ser criteriosamente redigida.
O problema proposto é: como os modelos brasileiro e português
convivem em meio a um ambiente de competição comercial? Para responder a
essa questão foi necessário descrever e analisar os elementos que compõem e
regem a televisão pública em dois países, salientando aspectos como: história,
estrutura, legislação, financiamento, controle, programação, concorrência e
audiência.
No caso, o estudo foi realizado entre emissoras públicas de televisão de
Portugal e Brasil devido ao fato de que, em ambos países, há um importante
debate em relação à sobrevivência desse modelo de televisão, visto que as
emissoras públicas se vêem confrontadas, cada vez mais, com os modelos
comerciais e por esse motivo acabam tendo sua identidade contaminada.
Esses modelos foram escolhidos por apresentarem diferentes
características, sobretudo, no que diz respeito aos elementos que compõem a
sua estrutura. Ao desenvolver essa pesquisa, alguns conceitos foram
trabalhados, tais como: televisão pública, serviço público, programação,
audiência e concorrência e público-alvo.
Em relação aos objetivos da pesquisa vale ressaltar que eles também
decorrem da formulação do problema. “Fixados nessa primeira fase da
pesquisa, eles devem ser exeqüíveis e podem conjugar várias ordens: empírica
(verificar determinado fenômeno da realidade), teórica (contribuir para o estudo
da teoria sobre o problema), prática, (intervir na existência do fenômeno) etc”
(LOPES, 1990, p. 120). Portanto, pode-se afirmar que a pesquisa visa atingir
Procedimentos Metodológicos
____________________________________________________________________________
20
as ordens empíricas - na medida em que pretende verificar o fenômeno que é a
televisão pública -, teórica - fornecendo informações sobre a conceituação e os
modelos de TV Pública vigentes no Brasil e em Portugal - e prática, analisando
e interpretando as informações obtidas sobre os dois canais.
A construção do quadro teórico de referência, que trata de descrever o
“estado de conhecimento” do problema, pressupõe a realização de uma
pesquisa bibliográfica específica, sendo necessário situar o problema em
relação às pesquisas existentes, mesmo que sejam de orientações teóricas
diferentes.
Para tal fim, este estudo elegeu algumas publicações “guias” que
auxiliaram não somente na construção da base teórica do trabalho, como
também na análise e interpretação dos dados coletados. Foram elas: A melhor
TV do mundo – o modelo britânico de televisão (1997); Atrás das Câmeras –
relações entre cultura, estado e televisão (1988) - ambas do prof. Dr. Laurindo
Lalo Leal Filho; O Telejornal e o Serviço Público (1999), de Felisbela Lopes; O
espetáculo das notícias – a televisão generalista e a abertura dos telejornais
(2002), de Nuno Goulart Brandão; O desafio da TV pública – uma reflexão
sobre sustentabilidade e qualidade (2003) – coletânea de textos organizada
pela TVE-RJ, A economia da televisão – as estratégias de gestão de um media
(1999), de Enrique Bustamante; Televisão e Cidadania – contributos para o
debate sobre serviço público (2005), organizado por Manuel Pinto e Salazar,
Caetano e a televisão portuguesa (1996), de Francisco Rui Cádima.
Já as hipóteses, que têm sua origem na problemática teórica e se
constituem em hipóteses teóricas da pesquisa, podem também ser traduzidas
em hipóteses de trabalho. “Estas são afirmações condicionais feitas
geralmente no início da pesquisa com o fim de orientá-la e podem ser
modificadas parcial ou totalmente no seu decorrer. Ao término da investigação,
espera-se a confirmação, a rejeição (total ou parcial) ou a formulação de novas
hipóteses” (LOPES, 1990, p. 121).
No caso desta pesquisa a hipótese central pretendeu comprovar a
seguinte sentença: os modelos de televisão pública, no Brasil e em Portugal,
Procedimentos Metodológicos
____________________________________________________________________________
21
vêm sofrendo, ao longo dos anos, uma transformação no que diz respeito a sua
identidade por conta da influência da competição comercial.
Sobre as técnicas de coleta de dados é possível afirmar que são
instrumentos através dos quais são obtidos ou coletados dados brutos ou
informações da pesquisa. “São propriamente técnicas de observação ou de
investigação (questionário, entrevista, história de vida, etc.), no que se
diferenciam das técnicas de análise (tabulação e classificação) que lhes
sucedem. As técnicas variam de acordo com a natureza da pesquisa e são
determinadas pela maneira como integram a estratégia da investigação”
(LOPES, 1990, p. 121).
A técnica de coleta de dados desta pesquisa se concentrou,
principalmente, nas informações advindas da história de cada canal e a
situação atual de cada modelo. É importante ressaltar que foi necessário
atualizar os dados constantemente, a ponto de apresentar um quadro recente
da estrutura das emissoras. Tais informações foram coletadas e analisadas.
Portanto, a técnica de coleta de dados utilizou os seguintes elementos:
a) documentação indireta:
- levantamento bibliográfico: teve como objetivo auxiliar a pesquisadora na
obtenção de dados pré-existentes, além de contribuir para a construção de
uma base teórica do estudo;
- levantamento de artigos científicos, de jornais (como reportagens e críticas)
sobre TV: teve como objetivo auxiliar a pesquisadora na obtenção de
informações mais atualizadas sobre o assunto e, contribuir para a construção
de uma opinião própria sobre o tema.
b) documentação direta:
- pesquisa de campo exploratória: teve como objetivo aumentar a familiaridade
do pesquisador com o ambiente e o fato;
Procedimentos Metodológicos
____________________________________________________________________________
22
c) pesquisa documental: nesse item foram incluídas as entrevistas com
profissionais e pesquisadores acadêmicos, tendo como objetivo obter
informações, inéditas ou não, ainda não registradas em livros e/ou periódicos.
Vale ressaltar que o roteiro das entrevistas foi elaborado posteriormente à
coleta de informações básicas sobre cada canal.
A etapa seguinte da pesquisa foi a da descrição, que fez a ligação entre
a fase de observação dos dados e a fase da análise. A descrição foi
desenvolvida por meio de uma análise descritiva e foi realizada em duas
formas: a primeira, constituída por procedimentos técnicos de organização,
crítica e classificação dos dados coletados; e a segunda abrangeu os
procedimentos analíticos que almejam a construção dos objetos empíricos e a
reprodução do fenômeno nas condições de sua produção. Este procedimento é
obtido por meio dos métodos descritivos, que são métodos ‘técnicos’ (LOPES,
1990, p. 129). Os mais usados na Comunicação são: o monográfico, o estudo
de caso, o estudo de comunidade, o etnográfico, e o estatístico, o histórico ou
documental e a análise de conteúdo.
De acordo com Lopes (1990, p. 129), para estudar uma organização
(grupo, instituição) é necessário utilizar o método do estudo de caso e o uso de
questionário, entrevista e/ou observação participante. Como esta pesquisa visa
estudar duas emissoras de televisão pública em países distintos e que também
podem ser classificadas como instituições, este foi o método de procedimento
utilizado. Segundo YIN (2005, p. 28), “em geral os estudos de caso
representam a estratégia, preferida quando se colocam questões do tipo ‘como’
e ‘por quê’, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e
quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum
contexto da vida real”.
Para Gil (2001, p. 54), o estudo de caso é caracterizado pelo estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita o seu
amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante
outros métodos alternativos.
Procedimentos Metodológicos
____________________________________________________________________________
23
É importante ressaltar o passo seguinte da análise, que se constituiu na
segunda etapa, a da interpretação, na qual o trabalho procurou atingir sua
condição de cientificidade. Esta é a fase da teorização dos dados empíricos
dentro do ponto de vista teórico adotada no início da pesquisa. Já o quadro
teórico de referência forneceu métodos interpretativos para a análise.
Cada um dos três principais métodos de interpretação nas Ciências
Sociais lida com problemas teóricos próprios e com os materiais
empíricos de forma diferenciada. O método dialético realiza o processo
de abstração e de generalização sempre num campo histórico,
buscando as relações estruturais do fenômeno no todo social através
do princípio da contradição (nível de funcionamento do tipo social
histórico); o método funcionalista busca a totalidade em termos de
causação funcional e de relações funcionais do fenômeno com o todo,
num campo supra-histórico (nível da comparação de tipos sociais
históricos); o método compreensivo busca construir relações de sentido
entre o fenômeno e o todo que se localiza num campo a-histórico (nível
operativo do tipo ideal). (LOPES, 1990, p. 131).
.
Portanto, em relação ao método de abordagem, é importante ressaltar
que foi utilizado na pesquisa o método dialético, cujo princípio é o de que todas
as coisas são inacabadas e, por isso, estão em contínuo processo de
transformação. Por abordar um objeto em fase de transformação, no caso a
televisão, a pesquisa visa descrever os históricos dos modelos de televisão
pública nos dois países, bem como seus métodos de controle e formas de
financiamento.
A fase da análise descritiva visa reconstruir a realidade do fenômeno por
meio de operações técnico-analíticas que deverão transformar os dados de fato
em informações científicas. Já na fase da análise interpretativa, o intuito foi
explicar o fenômeno observado, utilizando operações lógicas de síntese e de
amplificação. É possível que as duas etapas (de descrição e análise) se
apresentem de forma conjunta e entrelaçadas num único momento ou fase
deste estudo.
O conceito de TV Pública
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24
CAPÍTULO 1 – O CONCEITO DE TV PÚBLICA
A fim de contextualizar o objeto de estudo desta pesquisa, este capítulo
pretende abordar a origem da televisão pública na Europa Ocidental, pois pode
ser considerada a base para o desenvolvimento dos princípios do Serviço
Público de Televisão, que é utilizado ao redor do mundo.
Aqui serão explorados assuntos ligados à questão da veiculação da
publicidade, sobretudo, nos canais públicos brasileiro e português, assim como
a descrição dos problemas que ocasionaram a situação de crise do modelo
público e uma síntese do futuro do SPT.
Vale ressaltar que as definições e teorias aqui apresentadas são fruto de
uma mescla de entrevistas com revisão bibliográfica, cujo objetivo é o de
fornecer subsídios para a análise dos dados.
1.1 - A origem da televisão pública na Europa
Foi durante a primeira Grande Guerra Mundial que a televisão pública
começou a se desenhar. Contudo, convém ressaltar a importância da
radiodifusão para o desenvolvimento da tecnologia audiovisual. Em muitos
países, o rádio era o único meio de comunicação, que, além de abastecer os
militares com informações, se tornou fundamental também na transmissão de
notícias no período do conflito. No término da guerra, o veículo já havia se
consolidado como importante fonte de comunicação.
Segundo Wolton (1996, p. 25), a televisão na Europa surge a partir de
três idéias do pós-guerra. No início, o novo veículo provocou um medo maior
do que o rádio, pois emitia, além do som, a imagem. Naquele tempo, os
veículos de massa eram considerados perigosos e deviam ser controlados pelo
poder público. Na seqüência, houve um sentimento de repúdio ao modelo
privado surgido nos Estado Unidos durante o conflito mundial. “A
‘nacionalização’ da televisão era ainda mais justificada que a do rádio para se
O conceito de TV Pública
____________________________________________________________________________
25
escapar aos demônios do lucro” (WOLTON, 1996, p. 25). E, finalmente, a
última idéia era a de que, caso a televisão fosse bem utilizada, ela poderia ser
um excelente instrumento de democratização cultural. Essa última idéia foi
difundida somente entre os primeiros profissionais da televisão, políticos,
intelectuais e elite culta.
Entretanto, nem todas nações reagiram da mesma forma diante do novo
veículo. Países como a Itália, a Bélgica e a França apelaram para a lógica
administrativa, política e centralizadora. Já a Alemanha Ocidental escolheu
uma estrutura pública descentralizada. No caso dos países da América Latina,
o poder foi confiado ao Estado, na tentativa de garantir o bem público e a
chamada independência. No entanto, a história nos mostrou que não foi bem
assim que o fato se desenvolveu. Somente a “Grã-Bretanha e, sobretudo, a
Alemanha, que acabava de experimentar os piores excessos cometidos em
nome do estado, tivera uma atitude menos estatal” (WOLTON, 1996, p. 25).
De acordo com Felisbela Lopes (1999, p. 24), na Alemanha, nesse
período, a radiodifusão era controlada pelo Estado que seguia algumas tarefas,
tais como: “emitir autorização para as emissões, assegurar a exploração
técnica, fiscalizar a gestão, pronunciar-se sobre os conteúdos e fixar uma taxa
mensal sobre os receptores”. Em países como Itália, França e Inglaterra, a
situação era similar, porém a “tradição liberal britânica criou um sistema que
permitiu à rádio (British Broadcasting Corporation – BBC) uma certa liberdade
de controle político através da constituição de um ‘Conselho de Governadores’
que orientava toda a atividade de radiodifusão e de quem dependia o Diretor-
Geral da BBC” (LOPES, 1999, p. 24).
Em 1950, quando surge a televisão no Brasil, há uma migração dos
profissionais do rádio para o novo veículo, pois não havia mão-de-obra
especializada. Contudo, esse mesmo fenômeno já havia ocorrido em outros
países, onde os recursos técnicos e humanos foram aproveitados, enquanto o
conteúdo passava por adaptações. Já a consolidação da televisão pública
apresentou-se de forma diferente. Nos Estados Unidos, é possível perceber a
presença da televisão pública, porém há um domínio das televisões privadas,
O conceito de TV Pública
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26
tendo a publicidade como grande financiadora; já no continente europeu são as
televisões públicas que vão ocupar lugar de destaque entre os espectadores.
Na tentativa de reverter tal situação, o Congresso americano vota, em
1967, o Public Broadcasting Act. O objetivo era de implantar uma rede de
televisão pública, mas dependente do orçamento federal. Dois anos mais tarde,
em 1969, é criada a Corporation for Public Broadcasting, que ficaria
encarregada de distribuir o subsídio previsto e planejar o PBS (Public
Broadcasting Service), que congrega em rede um determinado número de
estações de televisão. ”Todavia, essas cadeias de televisão caracterizam-se
por uma programação marginal, dirigida principalmente às elites, não
conseguindo, ainda hoje, uma força que lhes permita uma forte implantação na
paisagem audiovisual americana” (LOPES, 1999, p. 26).
Já o continente europeu procurou seguir um outro modelo, mais voltado
para o serviço público. O controle do sistema radiotelevisivo ficaria a cargo do
Estado, seguindo o exemplo da radiodifusão. Enquanto na Europa a televisão
pública é voltada para o serviço público, no país norte-americano há uma
orientação para o mercado. Portanto, há determinadas características que
diferenciam os modelos americano e europeu de televisão pública, como:
1) cobertura abrangente: o intuito era o de abranger todo o território nacional
2) Pluralismo: uma televisão de todos e para todos
3) Relação com a Política: os operadores públicos de televisão surgiram na
Europa sob uma proteção política. Essa ligação, por um lado, fortaleceu os
propósitos cívicos da televisão, contudo, por outro lado, debilitou a
independência ambicionada, sobretudo, pelos jornalistas;
4) Vocação Cultural: nos países europeus, a implantação do serviço público de
televisão correspondeu a uma vontade de eternizar o patrimônio cultural de
determinada sociedade. Os franceses a chamavam de “la voix de la France” (a
voz da França); os italianos tinham a televisão pública como a “mamma”
(mamãe) e os ingleses apelidaram-na de “auntie Beeb” (Tia Beeb);
O conceito de TV Pública
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27
5) Distanciamento do mercado: na Europa, o serviço público de televisão
nasceu desligado de grupos econômicos, tendo na publicidade uma fonte de
financiamento apenas suplementar. No caso do modelo norte-americano, “a
publicidade era tratada como convidado de honra” (SEPSTRUP, 1986, p. 383-
405).
“Na prática, o rádio e depois a televisão vinham somar-se aos
empreendimentos culturais responsáveis por gerar e disseminar a
riqueza lingüística, espiritual, estética e ética dos povos e nações. Eles
se colocavam no mesmo setor da sociedade em que estavam
localizadas as universidades, as bibliotecas e os museus, e a
população os reconhecia dessa forma, distante da esfera dos negócios
ou da política de partidos ou grupos. A constatação de que a BBC é
chamada por muito britânicos de ‘tia’ e a RAI é a mamma de parte dos
italianos reforça a idéia de que essas emissoras integram o patrimônio
cultural de suas respectivas nações” (LEAL FILHO, 1997, p. 18).
Ao implantar um sistema de rádio e de televisão, o serviço público era a
única alternativa que seria capaz de alcançar esse tipo de proposta. Os dois
modelos existentes, na época o estatal (da antiga União Soviética) e o
comercial (dos Estados Unidos), não atendiam às exigências devido ao caráter
político do primeiro e ao excesso de exploração comercial do segundo.
A partir de 1955, passam a existir na Europa dois modelos de
organização da televisão. Um era o modelo inglês, que durante muito tempo
ficou isolado, composto por dois canais públicos e dois canais privados que
coexistiam de forma equilibrada -, o outro era o modelo que prevalecia na
Europa continental – como a televisão francesa – numa variante de tradição
pública centralizada.
“De acordo com uma pesquisa feita para a BBC sobre o funcionamento
de diferentes sistemas públicos em várias partes do mundo, no
continente europeu (que exclui a Grã-Bretanha) a indústria do rádio e
da televisão desenvolveu-se depois da Segunda Guerra Mundial
‘refletindo os princípios mais corporativistas dos governos nacionais’.
Um dos exemplos mencionados foi a forma como o presidente (1958-
69) Charles De Gaulle usava a televisão para conter a imprensa
provincial que ele considerava hostil ao seu governo” (LEAL FILHO,
1997, p. 22).
Segundo Dominique Wolton (1996, p. 27-29), até a década de 1990, a
história da televisão na Europa pode ser dividida em três épocas distintas: de
1950 a 1970; de 1970 a 1980 e 1980 a 1990.
O conceito de TV Pública
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28
Nas décadas de 1950 a 1970, acontece a chamada ‘dominação do
modelo de televisão de serviço público’. Foi a época dos pioneiros. Inventou-se
o que viria a ser o primeiro instrumento de divertimento popular. A missão do
serviço público, nessa ocasião, consistia em produzir programas com conteúdo
educativo e, ao mesmo tempo, popular. Contudo, a questão do controle político
veio ofuscar a animação e os projetos dos fundadores. “O controle político era
ainda o melhor meio para enquadrar um instrumento cujo sucesso, no mínimo,
era intrigante. Uma vez que o público, evidentemente, não tinha autonomia, e
tampouco era considerado adulto, cada um se proclamava o seu porta-voz”
(WOLTON, 1996, p. 27).
A televisão desperta um sentimento de desconfiança e a opinião sobre o
que ela realmente deveria ser, e tem dificuldades para se formar. É somente na
década de 1960 que essa questão vai se configurar e surgem, então, os
seguintes questionamentos: há necessidade de se criar um segundo canal de
televisão pública? Em qual prazo deve ser criado? Com exceção da Inglaterra,
os países europeus mostraram certa cautela e, até mesmo vagarosidade, ao
criar o segundo canal. Para se ter uma idéia, a França criou o seu segundo
canal somente em 1964 e o terceiro em 1971. Em Portugal, o processo foi um
pouco mais lento, a RTP2 surgiu apenas em 1972.
É nessa época também que surgem os debates acerca da publicidade
na televisão pública. Contudo, havia um sentimento de repulsa contra o
chamado ‘dinheiro corruptor’ e a questão foi discutida de forma até agressiva.
No entanto, a França introduziu a publicidade em seus canais em 1968, ao
contrário da BBC que, até os dias de hoje, não veicula esse tipo de material
comercial.
A segunda fase da história da televisão na Europa compreende o
período entre os anos de 1970 e 1980 e foi nomeado de ‘o confronto dos dois
modelos’. Na visão de Wolton (1996), esse período é fundamental para a
reflexão sobre a história da televisão na Europa, visto que ele terminará com
uma total inversão dos espíritos: a televisão privada, até então, rejeitada, passa
agora a ser um modelo atraente e irresistível. Segundo o autor, essa inversão
ocorreu devido ao desgaste que o modelo público sofreu causado por seu
O conceito de TV Pública
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29
sucesso. “O público não contestava a televisão pública, até a apreciava, e
queria somente mais imagens à medida que aumentava o número de
aparelhos vendidos” (WOLTON, 1996, p. 28). A televisão pública passou a se
fechar diante da popularização do veículo, o que culminou numa não
renovação. A população, que até então era fiel ao modelo, passou a querer
conhecer a televisão privada. O resultado foi um maior embrutecimento do
controle político sobre o veículo e a transformação do discurso sobre a
televisão de serviço público numa eloqüência fora da realidade.
“De certa maneira, o sucesso da televisão criou um divórcio entre o
público e as elites políticas e culturais. De fato, a realidade desse
sucesso não suscitou senão críticas nas elites e desconfiança entre os
políticos, pouco à vontade diante de uma mídia que lhes escapava, no
momento, em que as promessas tecnológicas não cessavam – embora
os prazos fossem sistematicamente falsos – de prometer um radiante
futuro multimídia” (WOLTON, 1996, p. 28).
Já a tecnologia forneceu uma base ao sonho de multiplicação de canais.
Os que eram hostis ao veículo agora eram considerados ultrapassados. O
modelo comercial norte-americano já não despertava tanto medo. Pelo
contrário, o desejo de ver programas produzidos pelos canais dos Estados
Unidos crescia, principalmente no que dizia respeito aos seriados americanos.
Outro fato que contribui para esse despertar foi o surgimento do vídeo-cassete.
“A idéia de questionar a televisão de serviço público parecia menos
iconoclasta, enquanto o poder político, atrasado diante da revolução das
mentalidades, confundia cada vez mais televisão pública e televisão política”
(WOLTON, 1996, p. 29).
No final dos anos de 1970, os profissionais da televisão pública não
conseguiram desenvolver um discurso autônomo e muito menos demonstrar
que a televisão pública poderia se modernizar. O resultado foi que o discurso
sobre serviço público acabou nas mãos dos sindicatos. “Na realidade, a
televisão pública sufocou-se porque foi incapaz de renovar o pessoal, as
equipes, os projetos e as produções” (WOLTON, 1996, p. 29). A imagem da
televisão pública ficou associada, então, à politização e à burocracia sindical.
Os anos de 1980 a 1990 correspondem à terceira fase da história da
televisão na Europa. Esse período foi chamado por Dominique Wolton de ‘a
O conceito de TV Pública
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30
troca’. A televisão privada se impõe sobre a pública não tanto por ser
considerada melhor em termos gerais, mas, sobretudo, pelo fato da segunda
não conseguir sobressair-se. Nessa etapa, a televisão pública dá início ao
processo de imitação: passa a se preocupar com os índices de audiência,
reduz sua diversidade de programas e diminui a exibição de documentários
científicos, sociais e culturais. O autor afirma:
“Chegamos assim a uma espécie de desvitalização do modelo, e
mesmo de alienação em relação à televisão privada, por tanto tempo
combatida. Mais cultura, maior capacidade de proposições dos
profissionais, dos políticos, dos pesquisadores, dos centros de estudo,
talvez tivessem evitado que essa adaptação se transformasse num
alinhamento, numa adesão!” (WOLTON, 1996, p. 30).
Outra idéia, que se estabeleceu nessa época, foi a de que era
necessário desvincular a televisão da política e, consequentemente, do Estado.
Seria, assim, a única maneira de promover a liberdade de televisão pública. O
dinheiro privado, através da publicidade, serviria como uma garantia muito
melhor de liberdade do que a verba pública fornecida pelo Estado. Em pouco
tempo, foi possível perceber que essa tese estaria completamente equivocada.
Os grupos de comunicação, pressentindo que a situação se voltaria a
seu favor, aproveitaram para explorar essa nova possibilidade que surgia. A
intenção não era necessariamente imitar os ‘interesses americanos’ (sobretudo
comercial), mas sim descobrir e investir no segmento que fascinava tanto o
público quanto a própria indústria. Agora, a televisão privada tornara-se um
símbolo de liberdade e progresso.
“O fascínio da televisão não se limitou exclusivamente apenas aos
Estados, aos poderes políticos, aos altos funcionários. Ela fascina
também os capitães da indústria, convencidos de encontrar nela um
instrumento incomparável de influência e promoção” (WOLTON, 1996,
p. 30).
Em 1984, os socialistas acabaram quebrando o preconceito em relação
à televisão privada. Nessa ocasião, foram criados na França o Canal Plus, La
Cinq e a TV6. Enquanto isso a direita lentamente aceitava a idéia de se ter
canais privados. Porém, a consonância política entre a direita e a esquerda em
benefício da televisão pública que houvera na França, bem como em outros
O conceito de TV Pública
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países da Europa continental, acabara de desabar. Ao retornar ao poder (1986-
1988), a direita privatizou a TF1, criando assim a M6.
Ao lado de países como Suécia, Noruega e Dinamarca, a França era a
nação que mais defendia a televisão pública e o serviço público. Ao multiplicar
o número de canais e reduzir o sistema de televisão pública, o país francês
provocou uma verdadeira reviravolta:
“A ideologia da concorrência derrotou-a e nós nos confortamos
pensando que a maneira como a televisão pública resistia à televisão
privada na Bélgica, com a Rádio Televisão Belga e na Itália, com a RAI,
comprovava que, de qualquer maneira, a televisão pública tinha
recursos” (WOLTON, 1996, p. 31).
Deste modo, a televisão pública européia, no final dos anos de 1980,
entrou de forma desorganizada numa lógica de concorrência com os modelos
privados. O problema é que os canais públicos não estavam devidamente
preparados para enfrentar a batalha da concorrência e, alguns deles, acabaram
entrando num caminho sinuoso e perigoso, como foi o caso da RTP, em
Portugal.
Portanto, a parte mais delicada do serviço público de televisão é o grau
de politização que possui pelo fato de pertencer ao Estado. Porém, é nos
canais públicos que se encontra a cobertura nacional da atividade política
(como sessões parlamentares e campanhas eleitorais), independentemente do
trabalho de seus profissionais ter sido contaminado. Para tanto, essa
politização deve ser evitada por meio de mecanismos de controle democrático
já praticado com sucesso em alguns países da Europa.
1. 2 - Serviço público de Televisão: definições
Segundo Joaquim Fidalgo (2005), no princípio, era mais fácil definir o
que é serviço público de televisão. No entanto, com o passar dos anos, os
modelos foram sofrendo mutações, o que acabou dificultando a sua
conceituação exata. Mas, afinal, o que é serviço público de televisão? Para
O conceito de TV Pública
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tentar esclarecer esta questão, é necessário mostrar a opino de diferentes
pesquisadores sobre o assunto.
De acordo com Eduardo Prado Coelho apud Brandão (2002, p. 19),
serviço público é “a prestação de um serviço que exige um investimento do
Estado porque, segundo a pura lógica de mercado, esse mesmo serviço não
poderá ser prestado com as mesmas características de natureza, eficiência e
qualidade pela iniciativa privada”.
Para Leal Filho (1997, p. 18), o conceito da expressão serviço público
pode ser entendida da seguinte forma:
Em primeiro lugar, de um serviço, o que indica a existência de uma
necessidade da população, que precisa ser atendida. E público porque,
segundo os idealizadores do modelo, é um atendimento especial que
não pode ser feito por empresas comerciais [...] só assim seriam
capazes de dar conta da sua vocação cultural”.
Na visão de Nuno Goulart Brandão
2
, professor do Instituto Superior de
Novas Profissões e autor do livro O espetáculo das Notícias, serviço público é
basicamente um serviço destinado aos cidadãos enquanto cidadãos e menos
enquanto consumidores. “O que quer dizer que a televisão pública,
obviamente, tem que ter audiência. No entanto, a televisão pública deve
procurar a expectativa do cidadão, independentemente das audiências que são
geradas”. Ele acredita ainda que, em Portugal, esse conceito nem sempre é
totalmente aceito. Há quem diga que não exista serviço público sem público e
outros acreditam que se um determinado programa não atinge uma certa
audiência, deve haver uma tentativa de modificar o seu conteúdo,
aproximando-o da estação comercial.
Já o crítico e jornalista português Eduardo Cintra Torres
3
tem uma outra
definição para serviço público. Ele afirma que serviço público não é
necessariamente um serviço prestado pelo Estado. “É um serviço que é
prestado por uma ou mais entidades à sociedade. Não interessa quem presta o
serviço, se é uma entidade pública ou privada”. Para ele, serviço público é
2
Informações coletadas a partir de entrevista concedida à autora em janeiro de 2006.
3
Informações coletadas a partir de entrevista concedida à autora em janeiro de 2006.
O conceito de TV Pública
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fazer programas de interesse da sociedade, atingindo as minorias, como
crianças, analfabetos e deficientes auditivos.
De acordo com Lima (2005, p. 11), “a televisão de serviço público,
teoricamente, busca preservar um maior grau de independência da sua
programação, visto que não está atrelada, puramente, a critérios comerciais”.
Com isso, não fica submetida à orientação dos índices de audiência. Na
prática, o serviço público de televisão deve produzir programas que sirvam a
todos os telespectadores, incluindo públicos e interesses regionais.
Francisco Rui Cádima
4
, professor da Universidade Nova de Lisboa e
autor do livro Salazar, Caetano e a Televisão Portuguesa, afirma que:
“Vejo a televisão de serviço público como um lugar de liberdade
irrestrita, como o lugar de uma democracia a vir. Acima de tudo, a
televisão de serviço público encarna para mim um princípio de
resistência crítica face à mediocridade audiovisual, uma força de
dissidência diante de todas as tutelas, políticas, ideológicas e
mercantis, e uma chancela de criatividade que assegure as
possibilidades de uma (a)ventura humana".
Manuel Pinto (2005 p. 15-16), afirma que a televisão de serviço público
se diferencia como realidade específica, na medida em que se assume como
uma instituição da sociedade, agindo em estreita relação com as outras
instituições, vocacionada para lhes dar vez e voz, sem estar condicionada
pelas exigências do sucesso, embora também não as rejeitando. É nesta
relação de horizontalidade, dando corpo a um projeto de ação comunicativa de
natureza mais interativa, que é possível perceber o sentido da existência de
um operador televisivo, que atua em nome da comunidade e ao seu serviço. “É
a ação social, na variedade das suas formas, agentes e contextos, que dá
sentido ao serviço público” (PINTO, 2005, p. 15-16).
É possível perceber, então, que as opiniões são divergentes é que fica
difícil obter uma definição única e precisa do que é realmente serviço público
de televisão. No entanto, serviço público de televisão pode ser considerado a
prestação de um serviço, a preocupação com a qualidade dos programas; é
4
“SPTV ou o princípio de resistência crítica face à mediocridade audiovisual". Publicado em
http://irrealtv.blogspot.com/2006/02/sptv-ou-o-princpio-de-resistncia.html . Acesso em maio de 2006.
O conceito de TV Pública
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estar atento ao conteúdo, não esquecendo a quem se está dirigindo e o que se
está falando, é tratar o telespectador como cidadão e não meramente como um
consumidor em potencial.
Sendo ou não obrigação do Estado, ele acaba exercendo papel
fundamental nesse segmento audiovisual que seria o de estimular o
desenvolvimento do setor, além de cumprir com a sua função de intervir na
vida da sociedade. Mesmo com esses objetivos traçados, existem alguns
obstáculos que podem interferir no cumprimento desse papel que seriam: “a
própria extinção, defendida por quem acha que com tantos canais temáticos
um generalista não faz falta; a da privatização, que acabaria com o caráter
regulador e gratuito da oferta televisiva; e a popularização.” (Carvalho apud
Brandão, 2002, p. 20). Ao desviar-se desses percalços, a programação da
televisão pública conseguiria garantir o pluralismo e o acesso à diversidade,
garantir a língua, a cultura e a coesão nacional afirma Brandão (2002).
“Deve assim ser um ponto de referência para todos os membros do
público e um fator de coesão social e de integração de todos os
indivíduos, grupos e comunidades, dando uma enorme importância na
formação, informação e até no entretenimento das pessoas, em que a
qualidade das suas emissões é determinante” (BRANDÃO, 2002, p.
20).
Isso nos leva a crer que a televisão pública deveria ser uma alternativa
aos canais privados, com uma programação diferenciada, cujo conteúdo,
deveria visar não somente a educação da sociedade, como também a diversão
do público. Sob a pena de perder a sua legitimidade, logo, deve desobrigar-se
de ser um objeto de troca comercial, de forma a não romper com as suas
responsabilidades culturais e sua identidade, sob pena de desvirtuar o papel e
a função do Estado em manter a sua existência (BRANDÃO, 2002, p. 20).
1.2.1 – Princípios do Serviço Público de Televisão
Apesar das divergências em torno da conceituação de serviço público, é
importante ressaltar que o SPT possui princípios, que devem ser seguidos por
aqueles que possuem determinado comprometimento com seu público-alvo.
O conceito de TV Pública
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Entre os princípios básicos que regem o serviço público de televisão original,
estão, no plano teórico, os seguintes conceitos:
a) diversidade: compreende que uma programação pode ser diversificada,
desde que atinja os preceitos da informação, da formação e do
entretenimento;
b) universalidade: fazer com a televisão chegue a todos os cidadãos em
igualdade de condições;
c) financiamento público: poderia ser por meio de uma taxa paga pelo
cidadão ou através de recursos fornecidos pelo Estado;
d) independência: essa questão está ligada, sobretudo, à forma de
financiamento, porém, independentemente de como a televisão é
financiada, só é possível alcançar a independência ignorando a
influência de fatores externos, sejam eles de ordem política ou de
interesses particulares.
e) identidade nacional: preocupação particular com os sentimentos de
identidade nacional e de comunidade refletidos na programação;
f) minorias: atenção às minorias, em especial, as menos favorecidas (ex:
deficientes auditivos);
g) competição: este princípio refere-se ao estímulo à qualidade do que
propriamente à disputa por índices de audiência;
h) criação: orientações públicas que devem servir para dar liberdade aos
produtores ao invés de limitá-los.
Fidalgo (2005) afirma que nos primórdios, o serviço público de televisão
desempenhou um papel fundamental na auto-afirmação dos estados-nação. Na
verdade, o SPT funcionava como um meio de integração da política, do idioma
e da cultura, tendo como objetivo principal a consolidação da identidade
nacional. “Dele se esperava também alguma função educativa, que teve os
seus aspectos positivos para a época, mas associou igualmente à televisão
pública européia uma forte tradição paternalista que ainda hoje não terá
desaparecido de todo” Fidalgo (2005, p. 24).
O serviço público colaborou para que o Estado ganhasse uma outra
visão, diferente e fortalecida. A partir de agora, o papel do Estado seria o de
O conceito de TV Pública
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36
“proporcionar condições para o desenvolvimento da solidariedade social”
Segundo Jacques Chevallier apud Lopes (1999, p. 29). Para Richeri apud
Lopes (1999, p. 46-47), os argumentos que justificam a participação do Estado
no segmento televisivo estariam ligados, principalmente, às formas de
financiamento público e às funções de utilidade pública de televisão, que são:
a) Ordem jurídica: seguindo o papel do Estado, a televisão pública teria
também a função de garantir os direitos dos cidadãos previstos em suas
Constituições, como o direito da liberdade de expressão e o direito à
informação.
b) Ordem técnica: além de definir a distribuição das freqüências hertzianas,
o Estado se torna o responsável pela fixação de normas para o
funcionamento das estações de televisão. O objetivo era fazer com que
a transmissão abrangesse todo o território nacional, oferecendo um
acesso igualitário à sociedade. Portanto, segundo o autor, o serviço
público nasce como ‘uma grande infra-estrutura técnica’.
c) Ordem política: neste item o cidadão é chamado a participar da
discussão de assuntos de interesse público, independentemente da
posição social, política e cultural.
d) Ordem cultural: o serviço público seria “uma grande estrutura educativa”,
levando-se em consideração que a televisão pública deve atender às
necessidades informativas, formativas e de entretenimento da
população.
Na contramão desses argumentos, o autor Robert Andersen apud Lopes
(1999, p. 32) elabora um modelo organizacional que desviaria o Estado do
comando praticado em relação às emissoras públicas. A idéia é a de que tais
emissoras sejam dirigidas por uma espécie de ‘gerente’, cujo mandato teria
prazo indeterminado. Já o conteúdo seria fiscalizado por órgãos
independentes, sem qualquer ligação com o poder político
5
. Esses órgãos
5
No Brasil, o Conselho de Comunicação Social (CCS) foi criado pela Lei nº 8.389, de 30 de dezembro de
1991, na forma do artigo 224 da Constituição Federal, e dá outras providências. Informações obtidas no
site:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8389.htm. Acesso em: outubro De 2004. Na França, existe
o Conselho Superior do Audiovisual (CSA) que
é uma autoridade administrativa independente criada em
janeiro de 1989 para garantir a liberdade da comunicação audiovisual. Em Portugal, há o
Instituto da
Comunicação Social (ICS) que é um instituto público criado pelo Decreto-Lei nº 34/97, de 31 de Janeiro,
para executar e desenvolver as políticas definidas para a comunicação social, acompanhando as
O conceito de TV Pública
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37
seriam, preferencialmente, compostos por indivíduos de posições ideológicas
diferentes que, além de terem poder de sanção sobre as emissoras,
analisariam a programação. Ao Estado caberia apenas, então, a função de
legitimar a seleção dos operadores de televisão.
Em relação à gestão do serviço público de televisão, o modelo pode
sofrer algumas alterações, visto que, esse item está diretamente ligado ao
financiamento das emissoras. Portanto, independentemente do modelo de
gestão selecionado para a emissora, o financiamento é elemento fundamental
para a sobrevivência do serviço público. Contudo, o financiamento pode
adquirir determinadas formas, como: a) independentemente do consumo
televisivo, todos pagam uma taxa (adotado pelo Reino Unido); b) por meio de
uma taxa de televisão e de receitas publicitárias (exemplo: Itália, França e
Alemanha) e c) por meio de receitas publicitárias e do orçamento do Estado
(como Espanha e Portugal).
De acordo com Brandão (2002), o serviço público de televisão,
atualmente deve voltar-se para os seus princípios e valores para não perder a
sua legitimidade, o que significa que deve ser direcionado mais para o
interesse público que para o mercado. Portanto, são quatro os valores que
cobrem a televisão pública: a) atender às minorias; b) limitar a influência do
mercantilismo; c) evitar os interesses particulares; d) incentivar, por meio de
sua programação, a diversidade.
1.2.2 – Características do Sistema Público Europeu
Independentemente da relação entre governo e veículo e do seu
atrelamento ao mercado, Leal Filho (1997, p. 23-25) descreve em seu livro “A
melhor TV do mundo – o modelo britânico de televisão” - as seis características
básicas do sistema público europeu.
atividades de radiodifusão sonora e televisiva e de edição de publicações periódicas, respondendo aos
novos desafios colocados ao Estado pela privatização, licenciamento e abertura à iniciativa privada dos
órgãos de comunicação social. E há ainda o FCC
(Federal Communications Commission), organismo
norte-americano que regulariza as comunicações nos Estados Unidos da América.
O conceito de TV Pública
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38
A primeira característica diz respeito à existência de uma ‘ética da
abrangência’, cujo objetivo seria o de atender às expectativas de todo o tipo de
público existente no campo da sua atuação. Essa característica acontece,
sobretudo, devido à forma de financiamento do serviço público, mantido pela
‘licença paga’ que é cobrada de cada cidadão que possua um aparelho de
televisão ou rádio. “Na maioria dos países europeus, os gostos mais gerais da
audiência são atendidos por um primeiro canal, existindo um segundo para dar
conta dos interesses regionais, locais e das minorias” (LEAL FILHO, 1997, p.
23).
A segunda trata da generalidade dos termos dos documentos de ordem
jurídica que servem mais para fundamentar os propósitos gerais da emissora,
do que necessariamente serem utilizados como instrumentos de aplicação
legal. “As concessões de funcionamento dadas pelos governos são feitas na
forma de cartas régias, licenças, mandatos ou contratos formulados em termos
suficientemente amplos para permitir grande flexibilidade de interpretação”
(LEAL FILHO, 1997, p. 23). O exemplo mais notório é o da Inglaterra que tem
como objetivos principais divulgar a ‘informação, a educação e o
entretenimento’, nessa ordem.
A pluralidade é a terceira característica dos modelos de sistema público
europeu. Ela está presente na questão da multiplicidade dos tipos de
audiência, na composição dos conselhos diretores das emissoras ou então na
idéia de que a sociedade está dividida em categorias diferentes, como de
interesse, identidade e valores. Esta seria, então, a justificativa para a
elaboração de um orçamento que fosse capaz de produzir programas
diversificados e com um custo elevado. “Esse é um princípio básico do serviço
público que o distingue radicalmente dos empreendimentos comerciais onde os
custos são determinados pelos números da audiência” (LEAL FILHO, 1997, p.
24).
Já a quarta característica está relacionada ao papel cultural que as
emissoras devem ter. Ao criar um sistema público de televisão, a idéia era a de
que o próprio veículo se transformasse num instrumento de divulgação cultural
da sociedade. Seria o espaço para os diversos artistas demonstrarem o seu
O conceito de TV Pública
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trabalho, ao mesmo tempo em que a sociedade estaria absorvendo e tendo
acesso a essa cultura, veria ainda a sua própria cultura sendo representada no
veículo.
“As emissoras públicas têm também em comum a obrigação de
despertar o público para idéias e gostos culturais menos familiares,
ampliando mentes e horizontes, e talvez, desafiando suposições
existentes acerca da vida, da moralidade e da sociedade” (LEAL
FILHO, 1997, p. 24).
A quinta característica representa o lado positivo da alta politização dos
serviços públicos para com o Estado. No caso, o elevado grau de politização
do veículo com o estado-nação geraria programas equilibrados, responsáveis
pela participação do cidadão no futuro político da sociedade. Exemplo: em
época de campanha eleitoral, a emissora pública promoveria debates,
entrevistas, análises com especialistas e programas especiais, com o intuito de
fornecer ao telespectador a oportunidade de se informar e refletir melhor sobre
o tema.
A última característica mostra que o sistema público europeu está
situado entre as esferas cultural e comercial. No entanto, o sistema teria plenas
condições de resistir às ações do mercado, impedindo sua interferência na
produção dos programas. É possível inserir nesse contexto a questão da
publicidade. Enquanto no modelo comercial norte-americano ela foi
considerada fundamental, no sistema público europeu, a publicidade foi tratada
apenas com tolerância.
É evidente que essas características tratam de um momento inicial do
sistema público europeu, visto que, nos dias atuais, várias emissoras européias
sofreram transformações. Com exceção da BBC que continua resistindo à não
veiculação da publicidade, outros modelos, como o português e o italiano há
tempos apelaram para este tipo de financiamento.
A inserção da publicidade numa emissora pública não pode significar
baixa qualidade de programação. É claro que a audiência passa a ser um fator
fundamental para a emissora, pois os patrocinadores sempre desejam um
retorno. Contudo, é preciso ressaltar que, mesmo com a inclusão de anúncios
O conceito de TV Pública
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publicitários, é possível desenvolver programas com qualidade e que atinjam
bons índices de audiência.
1.3 – A questão da publicidade na Televisão Pública
“A publicidade é o mal necessário”
A questão da publicidade nos canais públicos sempre gerou muitas
discussões. No caso da TV Cultura, a publicidade passou a ser uma espécie de
‘salvadora’, visto que, a partir de sua veiculação na programação, os
rendimentos da emissora se elevaram. A TV Cultura que antes amargava um
déficit de aproximadamente R$ 1 milhão por mês, agora desfruta de um
superávit. Infelizmente, para alcançar esses resultados, a emissora vem
pagando um preço muito alto, pois veicula comerciais que estimulam o
consumo (muitas vezes banal) e atropela seu estatuto.
Segundo uma reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo –
‘Cultura dobra verba com anúncio irregular’, escrita por Daniel Castro - , a TV
Cultura “dobrou o faturamento com publicidade após mudar as regras de
comercialização de seus intervalos e passou a aceitar praticamente
propaganda de tudo (menos de bebidas, armas, cigarro, com apelo erótico e
que estimule o consumo infantil)”. Já o presidente da emissora, Marcos
Mendonça, se defende afirmando que a Cultura aceita apenas comerciais que
estejam dentro da política da emissora. “Apenas 4,5% da nossa grade é
ocupada por anúncios. Numa televisão comercial, esse número passa
geralmente de 20%. Até recusamos inserções que acreditamos não estarem
dentro dos princípios da emissora. As restrições são as de praxe: comerciais
de bebidas ou de produtos que não tenham sido testados e autorizados pelos
órgãos públicos, por exemplo”.
Contudo, desde fevereiro de 2005, a TV Cultura de São Paulo exibe
comerciais de produtos contendo promoções e supérfluos, como carros com
juros de financiamento, pacotes turísticos e celulares. Nas administrações
anteriores, essa prática era evitada e a emissora se restringia a veicular
O conceito de TV Pública
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somente comerciais institucionais, ou seja, que não continham estímulo de
consumo direto ao público.
“A ligação dessa atual administração com o governo do Estado
respalda uns certos remanejos nos estatutos a dos outros dois não.
Isso é verdade, está claro. Não estou defendendo ninguém, eu tenho
um olhar crítico, o tempo inteiro e isso, às vezes, é muito bem-vindo,
agora nem o Jorge e nem o Muylaert foram tão cruéis com os estatutos,
ou seja, a ponto de abrir deliberadamente para qualquer tipo de
anunciante para qualquer produto” (Mauricio Monteiro)
6
.
De acordo com Cícero Feltrin, diretor de marketing, a Cultura havia
faturado só em março de 2005 aproximadamente R$1,5 milhão até o dia 22.
Anteriormente, essa receita era de R$ 800 mil por mês. Na época, a meta da
emissora era fechar o mês de março com um faturamento na ordem de R$ 2
milhões. Essa publicidade impulsiona novas produções na Cultura, mas de
forma ilegal. A TV Cultura é uma televisão pública regulada pelo decreto
236/67 que proíbe a veiculação de qualquer tipo de publicidade. A presidência
executiva da emissora afirma que suas práticas comerciais são regidas pelo
estatuto da Fundação. Contudo, o artigo 5º mostra claramente a proibição da
publicidade: “não poderá a Fundação utilizar, sob qualquer forma, a rádio e a
televisão educativas para publicidade comercial”.
Para a professora Helena Sousa (2004), “não se pode desligar a
publicidade de toda uma estratégia do serviço público, e digamos, de todo um
conjunto de financiamento de canais televisivos num determinado país”. Ela
admite a possibilidade de um serviço público ter publicidade dentro de alguns
limites. No caso da RTP, a publicidade está restrita a 7,5 minutos por hora. Não
é o ideal, mas já é um avanço. A BBC, por exemplo, não veicula publicidade e
é considerada um modelo de serviço público.
“Em Portugal o modelo adotado foi a RTP ter publicidade. A sua
publicidade tem vindo a ser reduzida. Por exemplo, no tempo do
António Guterres, quando ele era Primeiro Ministro, a RTP2 deixou de
ter publicidade comercial. Portanto, passou a ter apenas publicidade
institucional e o próprio volume da RTP1 foi também reduzido, o que
6
Mauricio Monteiro é o representante dos funcionários da TV Cultura no Conselho Curador da Fundação
Padre Anchieta. Informações coletadas a partir de entrevista concedida à autora em outubro de 2005.
O conceito de TV Pública
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significa na prática que essa publicidade que não entra no canal 1 será
deslocada para as televisões privadas.” (HELENA SOUSA, 2004)
7
Segundo Gonçalves e Pires (2005, p. 116), “admitir uma televisão sem
publicidade é aceitar um mundo estranho ao mundo que conhecemos, uma
paisagem atópica, sem qualquer relação com a realidade envolvente”. Isto
significa que as pesquisadoras defendem que a televisão não seria a mesma,
caso não tivesse um espaço publicitário para divulgar produtos e idéias.
Em se tratando de televisão pública, é evidente, que o assunto gera
muito mais polêmica e reflexão, pois geralmente esse tipo de televisão é
considerado um espaço para a divulgação de educação, informação e
diversão. Para as pesquisadoras da Universidade do Minho (Portugal), a
veiculação da publicidade na televisão é uma forma de promover a cultura e as
identidades. A não veiculação das publicidades seria, no entendimento das
estudiosas, uma forma de “expulsar para fora desse espaço aquilo que
constitui a encenação do mundo que habitamos” (GONÇALVES E PIRES,
2005, p. 116).
A publicidade, de uma maneira mais geral, acabou sendo uma das
formadoras da cultura de massa, visto que seu objetivo é atingir milhares de
consumidores, fazendo com que eles adquiram o produto desejado. No
entanto, a publicidade não somente contribuiu para a formação da cultura de
massa, como também é uma forma de manifestação dessa mesma cultura.
Nessa perspectiva, é possível afirmar que na relação entre publicidade versus
consumidor, na maioria das vezes, os limites são ultrapassados. A relação que
antes era apenas comercial, após um determinado momento, passa a ser
comportamental. Ou seja, a publicidade reconstrói a realidade enquanto o
público se enxerga nessa encenação, assimilando sistemas de valores.
A publicidade sofre uma série de questionamentos, sobretudo, por
ocupar uma parte da programação/edição nos veículos de comunicação de
forma proposital e, por vezes, é considerada um ‘elemento estranho’ ao meio
7
Entrevista concedida à Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo.
O conceito de TV Pública
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do qual faz parte. Essa ojeriza ocorre pelo fato de que o segmento perturba a
qualidade da informação, a cidadania e a liberdade do telespectador.
No entanto, a publicidade não deve ser confundida apenas como uma
forma única e exclusiva de financiamento por parte de uma televisão pública.
Dessa maneira, a publicidade passa sim a ocupar esse lugar de vilã na
indústria cultural. De acordo com Gonçalves e Pires (2003, p. 117), a
publicidade não deve ser “associada ao tele-lixo que, supostamente,
caracteriza nossa televisão”. Para elas, a publicidade é totalmente confundida
com o “financiamento comercial”, o que desvaloriza ainda mais o papel do
segmento na televisão pública.
“Penso que é impossível desligar a questão da publicidade num serviço
público de todo o quadro de financiamento da televisão, tanto pública
como privada. Enfim, publicidade não pode ser desligada das outras
fontes alternativas de financiamento. Portanto, se não há publicidade
tem de haver outras fontes claras de financiamento, transparentes que
sejam compreensíveis para o público, para empresa, para que as
expectativas da empresa não saiam goradas. É importante uma
estação de serviço público saiba aquilo com que pode contar para
possa desenvolver a sua programação e desenvolver a sua estratégia”
(HELENA SOUSA, 2004)
8
.
A publicidade não deve ser considerada totalmente benéfica para a
televisão pública, pois, afinal, incentiva o consumismo, prática a ser combatida
pela prestação de serviço público. Por outro lado, é notório que, em tempos
atuais, qualquer mídia necessita de publicidade para sobreviver. Portanto, deve
haver uma forma harmônica para que a publicidade possa ser veiculada nos
canais públicos sem que causem grandes danos à sociedade. Um exemplo
seria estipular padrões para que uma avaliação fosse feita em relação aos
comerciais a serem veiculados, isto é, estabelecer normas para que os
comerciais fossem apresentados ao telespectador sem que causassem danos
à prática da cidadania.
Outra forma de preservar a qualidade da informação na televisão
pública, seria estipular, nos estatutos de cada emissora, o número de minutos
por hora de espaço publicitário na programação. Essa prática acontece na
8
Entrevista concedida à Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo.
O conceito de TV Pública
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televisão pública portuguesa – a RTP - , cuja legislação estabelece que 7,5
minutos por hora podem ser destinados à veiculação de publicidade.
1.4 – A crise da Televisão Pública
A presença da publicidade, nos anos de 1970, ficou mais evidente nos
canais públicos. Entretanto, a sua entrada não modificou o funcionamento e os
objetivos do serviço público na medida em que não representavam uma
parcela significativa do financiamento.
“Assim, as televisões públicas continuavam a ser aparelhos do Estado,
funcionando com uma ótica voluntarista, de caráter político e
econômico, em que a presença limitada de anúncios só tenuamente
punha em causa a separação entre broadcasting e circuito econômico.”
(BUSTAMANTE, 1999, p. 59).
A crise acontece mesmo durante as décadas de 1980 e 1990 quando
entram em cena os canais privados (em Portugal, isso acontece a partir de
1991) que passam a concorrer com as televisões públicas. Na época, o
pesquisador Giuseppe Richeri (1994) falou de uma crise de legitimidade,
financeira e de identidade. Já Bustamante (1999) elaborou uma outra divisão
para essa crise da TV pública, separando-a em três categorias: a) econômico-
financeira; b) política e c) sócio-cultural.
A crise econômico-financeira das televisões públicas acontece na
medida em que as taxas deixam de ser pagas, ou por motivos políticos
(quando são extintas pelos governos), ou por falta de pagamento por parte do
cidadão. Isso representou uma redução de receitas, enquanto os gastos com
produções aumentaram devido ao maior número de emissões (as emissoras
passaram a transmitir mais tempo de programação).
Outro fator que influenciou na crise econômico-financeira foi a inflação
de custos provocada pela concorrência, sobretudo, nos tipos de programas,
como: competições esportivas, ficção importada e apresentadores famosos. “A
concorrência e, em muitos casos, a perda dos direitos de retransmissão dos
mais importantes espetáculos desportivos são bons exemplos desse fenômeno
O conceito de TV Pública
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de acrescida perda de competitividade dos operadores públicos”
(BUSTAMANTE, 1999, p. 61). Na tentativa de compensar esta situação, as
emissoras públicas sentem-se na obrigação de aumentar a inserção de
publicidade. Nesse momento, tem início a crise de legitimidade, pois os canais
passam a disputar audiência com os operadores privados.
Porém, a esta crise econômico-financeira deve-se acrescentar motivos
políticos. A crise política nasce no momento em que os Estados retiram das
televisões públicas os meios necessários para fazer frente à concorrência
privada. “Mas os governos e parlamentos reagem assim como resultado da
ruptura do consenso em torno das televisões públicas, por vezes, face ao
questionamento do seu controle ou censura sobre elas” (BUSTAMANTE, 1999,
p. 62).
Em contrapartida, os Estados continuavam a exigir um maior controle e
produtividade, sendo que os recursos estavam cada vez mais escassos. As
conseqüências desse ato foram uma continuidade dos encargos do serviço
público de forma mais pesada, sobretudo, economicamente, e uma maior
rotatividade dos responsáveis das televisões públicas. Esse rodízio impedia
uma gestão mais estável.
“Esta deslegitimação política tem como base a quebra de audiências
das televisões públicas que, em média, passam em menos de dez anos
do controle da imensa maioria dos cidadãos a percentagens da ordem
dos 40% a 50% dos respectivos públicos nacionais” (BUSTAMANTE,
1999, p. 62).
A terceira e última categoria da crise da televisão pública é a de ordem
sócio-cultural causada pelas transformações sociais e culturais na Europa. “As
audiências homogêneas disponíveis para uma oferta uniforme e omnibus
fragmentaram-se em grupos múltiplos com gostos diversos” (BUSTAMANTE,
1999, p. 62). A popularização do vídeo cassete e o aumento de lares com
aparelhos de televisão irão colaborar ainda mais para essa fragmentação da
audiência. Os canais privados, alicerçados na ‘concepção comercial’, seduzirão
cada vez mais o público, ofertando uma programação voltada para o
entretenimento. A queda da audiência nas emissoras públicas acarretará uma
O conceito de TV Pública
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diminuição das receitas publicitárias, o que leva os governos a negociar os
fundos públicos. A crise econômica, então, se agrava.
Em virtude da diminuição da audiência nos canais públicos, a
programação tem passado por mudanças significativas. Uma das estratégias
utilizadas pelos operadores públicos é o de colocar programas culturais ou
documentais nas últimas horas do dia e difundir programas mais atrativos nas
horas em que a audiência é mais ampla. No entanto, Atkinson (1998, p. 26) diz
que é necessário ter certo cuidado com este tipo de tática, pois a TV pública
pode acabar se transformando numa televisão puramente comercial,
afastando-se dos seus ideais de serviço público. Este tipo de estratégia pode
ter uma influência ainda sobre a opinião do público, fazendo com ele não
consiga distinguir a diferença entre televisão pública e televisão privada.
O pesquisador argumenta ainda que o fato do telespectador não
conseguir distinguir os dois modelos de televisão, faz com que esse mesmo
telespectador não esteja disposto a pagar imposto para financiar um canal de
televisão que, supostamente, é similar aos comerciais. Da mesma forma, as
autoridades políticas se sentem tentadas a reduzir as verbas destinadas à
televisão pública, visto que ela poderia se auto-sustentar por meio da
publicidade. Nesse sentido, uma audiência elevada ou reduzida podem
representar um problema para o operador público.
Dave Atkinson (1998, p. 25), concorda com Bustamante (1999) quando
afirma que a origem da crise da televisão pública está na concorrência, cada
vez mais, exposta. E essa concorrência se intensifica na medida em que a
tecnologia avança e na medida em que o capital privado (publicidade) é atraído
para a televisão. Para a televisão pública, essa situação implica em competir
mais duramente para ganhar audiência, adquirir programas, ter uma estrutura
qualificada de profissionais, contar com figuras populares e famosas da
televisão, conseguir os direitos de retransmissão de acontecimentos esportivos,
obter recursos financeiros e, inclusive, conseguir que as autoridades políticas
apóiem a sua causa.
O conceito de TV Pública
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De fato a televisão pública encontra-se num contexto altamente
competitivo, o que limita as suas possibilidades estratégicas. Atkinson (1998, p.
25) afirma ainda:
“Pode se adaptar, jogando o jogo da concorrência, assumindo
veementemente uma atitude comercial; pode buscar sua purificação,
isto é, concentrar-se apenas na sua missão de serviço público, no
sentido de oferecer um serviço cuja programação se componha de
emissões que os canais comerciais considerem improdutivos; ou pode
jogar as duas cartas de vez, isto é, compensar, navegando entre o jogo
comercial e o serviço público.”
Portanto, é possível afirmar que a televisão pública está no meio de um
dilema. De um lado, se espera que ela obtenha mais sucesso que os canais
privados em relação à prestação de serviço público. Por outro lado, deseja-se
que a TV pública seja produtiva, eficaz, capaz de gerar suas próprias verbas e
de atrair os telespectadores. E por fim, pretende-se que a televisão pública se
mantenha fiel aos princípios do serviço público por meio da sua programação.
Então, espera-se que ela seja, ao mesmo tempo, similar e diferente da
televisão privada.
1.5 – O futuro da Televisão Pública
Na conjuntura atual é complicado ter uma perspectiva otimista quanto ao
futuro da televisão pública a médio e longo prazo. Ao que parece, qualquer
estratégia que a TV pública venha a adotar no sentido de querer solucionar
seus problemas, parecerá contraproducente. Dave Atkinson (1998, p. 27)
resume esse problema da seguinte maneira:
“Os organismos de difusão nadam entre duas correntes, ambas muito
perigosas: ou permanecem fiéis a si mesmo e a sua missão de serviço
público, de acordo com o conceito tradicional [...], ou enfrentam seus
concorrentes, imitando seus modelos, especialmente no que tange à
programação, mas sem os meios necessários para alcançar uma
qualidade superior.”
Por um lado, a televisão pública poderia tornar-se cada vez mais
comercial, o que justificaria a sua privatização. Por outro lado, a imagem de um
canal de TV que se concentra no cumprimento de poucas obrigações
O conceito de TV Pública
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tradicionais de serviço público, sugeriria a criação de uma espécie de gueto
cultural, que estaria direcionado apenas para uma audiência extremamente
limitada. Nesse caso, a televisão pública ofereceria somente programas
considerados não rentáveis pelos canais privados.
Para as emissoras privadas, essa seria uma estratégia digna de
comemoração, pois assim teriam menos uma preocupação, menos um
concorrente. Blumler e Hoffman-Riem apud Atkinson (1998, p. 28), afirmam
que no panorama atual, a televisão pública deveria competir de forma
complementar com os canais privados. Contudo, foram cautelosos ao definir a
questão complementaridade, já que provavelmente, no futuro, a maioria dos
canais públicos do mundo todo já seriam complementar ou pretenderiam ser.
Considerando a hipótese de que a questão comercial, que prevalece
atualmente na TV, não desaparecerá e, inclusive, continuará aumentando, que
a concorrência também aumentará (na medida em que se formularão novos
serviços de diversos gêneros), e junto a isso inserirmos a falta de criatividade
por parte da televisão pública para fazer frente a essas transformações, o
futuro do serviço público está fadado ao insucesso. Espera-se o pior, porque
conforme Atkinson (1998, p. 28) os pilares e os prinpios que podem justificar
a existência da TV pública não tem acompanhado tais mudanças.
“Como o modelo de serviço público já não existe, como suas visões e
justificativas têm sido pisoteadas, a televisão pública está próxima a ser
sacrificada. Deixando totalmente de lado a crise de seus métodos de
funcionamento, hoje em dia a TV pública enfrenta uma crise de
identidade, uma crise de legitimidade” (ATKINSON,
1998, p. 28).
A função da televisão pública, assim como sua programação, seu
financiamento e avaliação de seu rendimento dependerão do lugar que se
espera que ocupe no contexto presente e futuro. Para Atkinson (1998), na
verdade, o que precisa ser feito é uma reavaliação dos conceitos e princípios
de serviço público. Para justificar o seu argumento, o autor se baseia na
opinião de Silj:
“Talvez tenha chegado realmente o momento [...], de reavaliar e
renovar a terminologia já defasada, e não somente a terminologia.
Talvez tenha chegado o momento de redefinir as responsabilidades, o
O conceito de TV Pública
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49
papel e o modus operandi do Estado no setor da televisão com termos
completamente novos, ao invés de alterar o que já existe, ao invés de
apegarmos a um modelo que tem se tornado confuso que imita
comportamentos do mesmo modo que a televisão comercial, embora
não seja isso que se pretende (ou se se prefere simplesmente que a
televisão do setor público concorra pela audiência com o setor privado
de televisão), e se denomina pública sem sê-lo verdadeiramente.“
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Bustamante (1999) afirma que
existe a necessidade de analisar e reformular o conceito de serviço público,
dando respostas às solicitações de uma programação de qualidade, no sentido
de que seja mais criativa e reflita a diversidade cultural, social e regional de
cada país, garantindo assim uma informação ‘equilibrada, plural e autônoma’.
Evitar o declínio das televisões públicas, depende de sua própria
capacidade de se reinventar como televisão, mas também depende da vontade
dos governos de colocar em prática políticas ativas em prol da ‘qualidade,
diversidade, responsabilidade social e pluralismo’.
Portanto, isso exige que a televisão pública consiga se manter
independente perante o Estado e as demandas econômicas do mercado. Para
garantir a independência da TV pública, Bustamante (1999) salienta que é
necessário implementar um sistema de gestão e política autônomas, que
estejam baseadas no controle e na nomeação parlamentar não coincidente
com os períodos legislativos.
“Mas pressupõe igualmente bases econômicas realistas, sem as quais
não há projeto político ou cultural que possa vingar; um financiamento
predominantemente público, estável e garantido plurianualmente, regido
por contratos específicos com o Estado. Linhas de ação que as
estratégias de muitas televisões públicas foram parcialmente
delineando ao longo desta última década” (BUSTAMANTE, 1999, p.
70).
O autor diz ainda que é necessário dar continuidade aos ‘indicadores
específicos’ que orientem o trabalho das emissoras públicas, atendendo as
solicitações do público, desde que não se submetam às exigências dos índices
de audiência. Nesse sentido, a União Européia e suas instituições podem
contribuir na orientação do serviço público e na questão da gestão pública,
mantendo uma linha de ‘orientação equilibrada’ tanto no plano teórico quanto
prático das televisões públicas.
O conceito de TV Pública
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50
“Uma orientação que está presente no protocolo de Amsterdã sobre
radiodifusão pública adotado pelos estados-membros da UE em
outubro de 1997 e que converge com o Tratado de Maastricht, onde é
reconhecido que o ‘sistema de radiodifusão pública esta diretamente
relacionado com as necessidades democráticas, sociais e culturais de
cada sociedade, e com a necessidade de preservar o pluralismo dos
meios de comunicação’, assim como que corresponde a cada Estado
‘atribuir, definir e organizar a referida função de serviço público’”
(BUSTAMANTE, 1999, p.72-73).
A UER/EBU - União Européia de Radiodifusão – pode ainda exercer um
papel importante no que diz respeito à orientação e coordenação das
radiotelevisões públicas nela agrupadas. Esse desempenho é importante, pois
assim seria difícil apontar que a instituição estaria praticando cartel ou
monopolizando os interesses de um segmento.
Em 1992, algumas empresas privadas, como a SIC (Portugal), TF 1
(França) e Antena 3 e Telecinco (Espanha), apresentaram denúncias à
Comissão Européia contra as televisões públicas. A alegação era de que os
Estados prestavam ‘ajuda’ incompatíveis com a concorrência, provocando,
assim, uma concorrência desleal. A Comissão deu parecer favorável à RTP por
entender que os subsídios recebidos não eram ‘ajudas’, mas sim uma
compensação por serviços e encargos públicos. A partir daí, teve início o
processo de definição de um princípio apoiado em dois conceitos principais: a)
proporcionalidade (subsídios em relação ao serviço público assumido) e b)
transparência (contabilidade separada das atividades de serviço público e das
comerciais).
Já no Brasil é possível afirmar que a situação é completamente adversa
ao caso europeu, pois não há necessariamente um órgão, uma instituição ou
uma entidade que possa analisar e refletir sobre os princípios do serviço
público. Atualmente, o que existe é o Conselho de Comunicação Social, criado
pela Lei nº 8.389, de dezembro de 1991. No entanto, este conselho existe
somente de forma teórica, pois na prática não exerce qualquer influência sobre
os meios de comunicação.
O conceito de TV Pública
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51
Para Estrela Serrano
9
, o futuro do serviço público coloca questões além
do financiamento, entre as quais saber se, nas sociedades dominadas por
numerosos canais de comunicação, o Estado deve assegurar a criação e a
proteção da identidade nacional, ou seja, o sentimento dos cidadãos de
pertencer a uma cultura comum e a sua identificação com o país e com suas
instituições. Ela argumenta ainda se esse papel deve ficar a cargo das
televisões privadas. No entanto, é necessário esclarecer que a lógica dos
operadores públicos obedece a lógica do mercado, o que seria incompatível
com os preceitos do serviço público, gerando assim um rebaixamento do nível
da programação.
“Está provado que quanto maior é a atração do público por programas
de baixo nível cultural, maior é a necessidade de os governos apoiarem
os canais públicos, dotando-os de meios para cumprirem uma missão
que nenhuma outra mídia pode assegurar” (SERRANO, 2002).
Deste modo, o ponto-chave de toda esta questão se concentra em
definir as missões de serviço público e qual deve ser o limite com as atividades
comerciais. Se a televisão pública se restringir a difundir somente educação,
cultura e informação estará negando o seu papel de universalidade, de entreter
com qualidade. Por outro lado, se entrar na disputa pelo bolo publicitário para
patrocinar a transmissão de eventos esportivos e programas com elevado
custo de produção, estará caindo no ciclo vicioso da demanda comercial.
Portanto, o futuro da televisão pública depende muito dos objetivos que
pretende atingir e da sua verdadeira missão enquanto serviço público. O futuro
depende ainda da justificativa da existência desse modelo num ambiente onde
impera o modelo comercial.
9
“Europa e televisão pública”. Publicado no Diário de Notícias, em 29/04/02.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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52
CAPÍTULO 2 – MODELOS DE TV PÚBLICA NA EUROPA E NO BRASIL
Neste capítulo, serão apresentados alguns modelos de televisão pública
da Europa Ocidental e Brasil, a fim de ter uma base para entender como os
modelos sobreviveram e se transformaram ao longo do tempo. De forma
sucinta, estão aqui representados os modelos da Inglaterra (BBC), França
(France 2 e 3), Espanha, (TVE), Itália (RAI) e um modelo regional de televisão
pública alemã (SWR). No caso do Brasil, a televisão pública/estatal, está
representada pela TVE (TV Educativa).
De modo geral, a televisão, na Europa, representou um meio de
promoção cultural e de informação. Contudo, com o passar do tempo, o veículo
ganhou uma nova função: o de ser um instrumento de distração. É na Europa
Ocidental que se concentram os modelos mais significativos de televisão
pública, sobretudo, do ponto de vista do pioneirismo. No entanto, a
concorrência com o setor privado fez com que os modelos públicos passassem
por dificuldades, fazendo com que adotassem novas estratégias (como a
inserção de publicidade), nem sempre acertadas.
A BBC (British Broadcasting Corporation), de Londres, é considerada a
primeira rede pública de TV no mundo e a primeira emissora de televisão a
operar no Reino Unido. Ela também foi uma das primeiras emissoras a adotar
um sistema sem publicidade. Após a experiência inglesa, outros modelos de
emissora pública surgiram no continente europeu, como França, Espanha,
Itália, Alemanha e Portugal. Segundo Wolton (1996, p. 168), as televisões
européias tinham em comum uma forte tradição de serviço público,
compartilhando a mesma proposta: distrair, informar e educar. Entretanto, ele
aponta três problemas principais, que são:
1) No plano nacional, a necessidade de definir uma política para as novas
tecnologias e para a desregulamentação. Haverá ainda um projeto para
orientar a chegada das novas tecnologias ou não haverá senão
promessas, sempre mais idéias umas do que as outras?
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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53
2) Por outro lado, admitiremos a necessidade de manutenção de uma
regulamentação pública, ou, ao contrário, a abundância de técnicas de
comunicação conduzirá à supressão da regulamentação pública?
3) Será preciso manter uma regulamentação européia para preservar a
capacidade de produção européia, e evitar que os programas norte-
americanos dominem as telas? Ou será preciso aplicar aqui o
liberalismo absoluto e deixar a escolha aos espectadores?
É possível constatar que essas questões ainda estão sendo amplamente
debatidas por teóricos e estudiosos do serviço público de televisão, assim
como os de novas tecnologias. Já no Brasil, apesar da televisão ter sido
implantada, em 1950, por Assis Chateuabriand, o modelo de serviço público
será conhecido somente no final dos anos de 1960, sendo a TV Educativa
umas das primeiras televisões públicas a serem implantadas no país.
Portanto, percebe-se que os modelos de serviço público estão em
constante transformação, visto que as influências mercadológicas, econômicas
e tecnológicas não podem ser simplesmente ignoradas pelo setor. Portanto, eis
alguns modelos de serviço público que passaram por mudanças ao longo de
sua existência e que, de maneira breve, foram aqui retratados.
2.1 – Alguns modelos europeus
2.1.1 - Inglaterra
A BBC (British Broadcasting Company) foi criada em 1920. O seu
moderno conceito de serviço público encontrou, primeiro, a inspiração e, em
seguida, a concretização. A BBC surgiu como um modelo que refutava o lucro
como objetivo principal. Como corporação pública, a BBC detinha precedentes
nos serviços de água e eletricidade que eram considerados verdadeiros
serviços de utilidade pública. Isso fez com que a população britânica aceitasse
uma empresa de comunicação que apresentava o mesmo modelo de gestão,
inclusive, com os mesmo objetivos. No início, houve o receio de que se
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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54
tornasse uma agência de propaganda do Governo Britânico. Contudo, em
1930, já era vista como um elemento central da cultura inglesa.
Atualmente, cerca de 90% da população britânica utiliza algum serviço
da BBC, por semana. A rede possui oito canais nacionais de TV, incluindo um
canal só para crianças e um para a cobertura das atividades parlamentares, 10
canais de rádio, 50 emissoras regionais de TV, um site e mantém diversos
projetos comunitários, como um centro de treinamento profissional
(MESQUITA, 2003, p.29).
De acordo com Mesquita (2003, p. 31), “é preciso fornecer ao cidadão
uma grade de programação de boa qualidade, sem interesses comerciais,
voltada para educar, fornecer cultura e disponibilizar informação que
dificilmente seria exibida em uma emissora comercial”. A BBC procura veicular
programas que atendam a abrangência e a diversidade cultural. “A TV Pública
existe para o cidadão, que é o seu maior guardião” (MESQUITA, 2003, p. 31).
A principal fonte de financiamento da BBC advém de uma taxa anual
paga por domicílio britânico que possui aparelho de TV. O valor é de 116 libras,
com exceção dos idosos com aparelhos em preto e branco que pagam menos.
Com a arrecadação deste imposto, a BBC recebe cerca de 2,5 bilhões de
libras, equivalente a aproximadamente 12 bilhões de reais. Isso significa que
cada habitante do Reino Unido “paga 12 centavos de libras (60 centavos de
Real), por dia, para ter uma televisão de alta qualidade” (MESQUITA, 2003, p.
31).
Contudo, esta não é a única fonte de renda da televisão britânica. A
comercialização de programas e licenciamentos para diversos países,
destinações do Governo e a venda de espaços no canal BBC World também
contribuem para a geração de verba. É importante esclarecer que a taxa paga
pela população é destinada exclusivamente para cobrir os custos da BBC
Britânica.
A estrutura da BBC, ao contrário do que pode parecer, não é
complicada. A rede tem um diretor geral e 16 diretores de áreas. O diretor geral
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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55
está subordinado a um Conselho Curador, constituído por 12 membros, que
representam a população britânica. “A principal função do Conselho é observar
e controlar a qualidade do que está sendo produzido e aprovar novos projetos
e as contas da rede” (MESQUITA, 2003, p.33).
Há também, regionalmente, grupos populares de consulta e fiscalização
(alguns deles segmentados) cujo objetivo é ouvir a população, como por
exemplo da Escócia, para o debate de abordagens religiosas. Funcionam como
uma espécie de ombudsman, ou seja, ouvidores da população.
A BBC possui ainda um departamento especial para o atendimento ao
telespectador, que gera um programa de TV com as principais queixas e
sugestões encaminhadas. A rede produz também um relatório anual, que deve
ser apresentado e, consequentemente, aprovado pelo Parlamento britânico.
“Todas as informações relativas a BBC são públicas. Trabalhamos com o
máximo de transparência. Acho que o apoio público é essencial para a
sobrevivência de uma emissora pública” (MESQUITA, 2003, p. 34).
A exemplo da TV Cultura, a rede britânica possui um manual de conduta
e operação, que detalha conceitos, missões, valores, parâmetros e normas de
trabalhos, que orientam os 20 mil funcionários da BBC. Segundo Mesquita
(2003, p. 37), imparcialidade, precisão, justiça, uma visão completa e justa das
pessoas e fatos e respeito pelas diferenças são pontos de honra no manual.
“Nenhuma linha de pensamento pode ser excluída”, sentencia o autor.
Contudo, em qualquer emissora há limites de isenção e imparcialidade, até
mesmo na BBC. Um exemplo foi a época do apartheid na África do Sul, uma
das principais colônias britânicas, quando a BBC, nitidamente, foi contrária à
política segregacionista do governo do país naquela época.
Em se tratando de respeito ao público, a preocupação da BBC é “não
pegar a audiência de surpresa” (MESQUITA, 2003, p. 38-39), principalmente
no que diz respeito a horário e contexto. A rede procura avisar ao
telespectador, antes do início de cada programa, se há cenas fortes ou
violentas. Um exemplo aconteceu durante a guerra do Iraque, quando a
emissora avisava previamente sobre o conteúdo a ser veiculado. Mesmo
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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56
assim, representantes do Governo criticaram o trabalho da BBC por julgarem
que a emissora mostrou, mesmo de forma rápida, imagens de soldados
britânicos mortos.
“Outra norma que é seguida pela rede, é a de evitar a reprodução de
comportamentos anti-sociais e criminais, que atentem para o fato de que o
público é atraído por modelos veiculados pela TV” (MESQUITA, 2003, p. 39).
Nesse caso, é possível perceber uma semelhança nas regras da televisão
pública britânica com o modelo brasileiro, visto que, a TV Cultura “tem como
base a defesa do interesse público e a prestação de serviços à sociedade”,
visando a independência, a precisão e o equilíbrio de seu conteúdo.
10
2.1.2 – Alemanha: a SWR
A primeira emissora de rádio foi fundada em Berlim, Alemanha, em
1923, curiosamente na mesma época em que o rádio começou a ser veiculado
no Brasil. A emissora, pertencente aos correios, cobrava uma taxa de uso
(equivalente hoje a R$3,00 por mês) àqueles que estivessem dispostos a ouvir
a programação. Assim como no Brasil, as novas estações se proliferaram pelo
país germânico.
O período mais marcante do rádio alemão é justamente entre os anos de
1933 e 1945, referentes ao domínio nazista. Mesmo com o ditador Hitler no
poder, os correios não perderam a sua função centralizadora. Segundo Uwe
Rosenbaum (2003, p. 45) “Hitler entendia a força do rádio como elemento de
persuasão e, por conta da sedução que causava sua voz, utilizou com eficácia
esse meio”.
No período conhecido como pós-guerra, a Alemanha foi dividida entre
franceses, americanos e ingleses, que formavam a base aliada contra os
nazistas. Os países aliados repartiram o país em quatro zonas, reestruturando
as emissoras de forma mais democrática. Portanto, as emissoras de rádio
10
Informações obtidas no Manual de Redação da TV Cultura.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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57
alemãs passaram por um processo de reformulação, distanciando-se de
partidos políticos e da forte presença do Estado.
“Já o pai do nosso sistema foi o modelo de emissão norte-americano,
que até hoje tem uma organização descentralizada. Entretanto, há uma
grande diferença entre o nosso modelo e o dos americanos. Depois da
2º Guerra Mundial, na Alemanha, não se ganhava dinheiro com rádio,
porque não se podia fazer propaganda. Os americanos, por isso, não
puderam implantar o sistema comercial da radiodifusão. Eles
escolheram a descentralização, financiada através de tarifas, enquanto
os franceses escolheram um modelo que ficava entre os dois.”
(ROSENBAUM, 2003, p. 46)
Enquanto que os russos utilizaram o rádio, na sua área de ocupação, da
mesma forma que antes, ainda muito ligado ao Estado. Entretanto, os políticos
alemães, após 1945, queriam se basear na forma como as emissoras estavam
organizadas até 1933: de direito público, afastado do Estado. Em 1955, o grupo
dos aliados passou a supervisionar as emissoras na Alemanha. Essa influência
só terminou depois que o país se assumiu como República Federal da
Alemanha.
“[...] só a eles é que temos que agradecer o fato da Alemanha ter, ainda
hoje,um sistema de emissoras públicas inegavelmente aptas e valiosas,
organizadas como concorrência para o sistema privado. Esse sistema
foi criado, por exemplo, a partir dos fundamentos programáticos da BBC
que, como dizemos na Alemanha, foi a mãe das nossas emissoras
públicas - e isso é um elogio que dirijo aos representantes da BBC, que
foi, e é ainda, organizada centralizadamente, mas com grandes
ramificações regionais” (ROSENBAUM, 2003, p. 45).
De acordo com Rosenbaum (2003, p. 49), em 1950, todas as emissoras
públicas da Alemanha reuniram-se numa associação de trabalho, a ARD
(Direito Público da Alemanha), que operou a primeira TV pública federal. O
controle e direção das emissoras de radiodifusão do direito público estão
geralmente nas mãos de três órgãos: o Conselho de Radiodifusão ou de
Televisão, o Conselho Administrativo e o Diretor-Geral.
11
11
Os membros do Conselho de Radiodifusão representam grupos da sociedade, cuidando dos interesses
coletivos, além de exercerem o controle da radiodifusão de direito público em nome da coletividade. Eles
são eleitos pelas assembléias legislativas estaduais ou nomeados diretamente por partidos políticos,
comunidades religiosas e organizações dos setores econômico e cultural. O Conselho de Radiodifusão
assessora o Diretor-Geral na configuração da programação e controla a observância dos princípios
básicos da programação. O Conselho Administrativo aprova o plano orçamentário e controla a gestão de
negócios da emissora. Seus membros são eleitos principalmente pelo Conselho de Radiodifusão. O
Diretor-Geral é eleito pelo Conselho de Radiodifusão. Ele dirige a emissora de acordo com as resoluções
tomadas pelos Conselhos de Radiodifusão e Administrativo; é responsável pela programação e
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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O sistema de emissoras de televisão de direito público da Alemanha é
complexo. O país possui 16 estados e 12 televisões públicas. Em parte, as
emissoras cobrem os Estados onde estão sediadas - como a Baviera e a SWR
(Südwestrundfunk) - e, em parte, transmitem para mais de um Estado. As
emissoras estaduais reúnem-se no Grupo de Trabalho das Emissoras
Incorporadas ao Direito Público da Alemanha (ARD). Em conjunto, elas
mantêm um canal de televisão, para o qual cada uma contribui com uma parte
da programação.
Esse canal, que é sintonizado em todo o território nacional, chama-se
Erstes Deutsches Fernsehen (Primeira Televisão Alemã). A ZDF (Zweites
Deutsches Fernsehen) – o segundo canal de televisão alemã –é resultado de
um convênio entre a Federação e os Estados e transmite para todo o território
nacional apenas programas de televisão. Sem considerar a sua participação na
DeutschlandRadio, a ZDF é uma emissora exclusivamente de televisão,
considerada a maior da Europa. Além disso, cada emissora tem um canal de
televisão próprio (de forma genérica, denominado terceiro canal), de alcance
regional; mas, por meio de satélite e cabo, quase todos podem ser vistos no
país inteiro.
Os gastos do ARD e da ZDF são cobertos, primeiramente, pelas taxas
cobradas dos telespectadores e, depois pelas receitas complementares,
provenientes de comerciais (WOLTON, 1990, p. 170). Diferentemente do que
ocorre nos canais comerciais que privilegiam o intervalo comercial, os horários
para veiculação de publicidade nessas emissoras de direito público são
limitados.
Em relação às programações do ARD e da ZDF dedicam bom espaço ao
telejornalismo, às reportagens políticas, aos documentários nacionais e
internacionais, ao teleteatro, aos longas-metragens e, inclusive, aos programas
de entretenimento. Os noticiários e as reportagens internacionais do ARD e da
ZDF são de responsabilidade de uma rede de correspondentes e de estúdios
próprios, sediados em diversos países. As duas emissoras contribuem ainda no
representa a emissora externamente. Informações obtidas no site:
http://www.alemanha.org.br/perfil/9/pag_420.htm Acesso em: setembro de 2004.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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pool de notícias da União das Emissoras Européias. A ZDF e outras seis
emissoras cooperam na co-produção de filmes de entretenimento, através da
Comunidade Européia de Produções.
“Estes canais têm uma importância especial para a educação e a
formação. A maioria das emissoras do ARD transmite regularmente um
programa intitulado Tele-Escola, com cursos de formação suplementar
para muitos ramos educacionais. Além deles, o ARD e a ZDF, em
conjunto com outros parceiros europeus, mantém o canal cultural ARTE
e a emissora de tevê por satélite 3Sat”.
12
Já os canais regionais das emissoras pertencentes ao ARD, os
chamados terceiros canais, tratam em primeira linha de temas regionais, que
vão desde a política estadual até à cultura, como é o caso da SWR
(Südwestrundfunk). Segundo Rosenbaum (2003, p. 49), a função e a missão
da TV pública e das rádios na Alemanha vai muito além de fornecer
informação, entretenimento e cultura. Na visão do diretor, todo cidadão possui
o direito de emitir a sua opinião em palavras, por escrito ou por imagens, pois é
preciso defender a multiplicidade da informação. A idéia é pertinente, visto que,
as emissoras públicas podem preencher esse espaço deixado pelas
comerciais. É possível até que seja uma forma de atrair a audiência para as
TV’s públicas, já que o público gosta de ser ouvido e de participar de fatos
ligados aos seus interesses.
Outro ponto que atinge diretamente os meios de comunicação e,
inclusive, as TV’s públicas é a liberdade de expressão. Ele entende que a
liberdade de expressão sobre qualquer assunto em qualquer fonte de
transmissão é um direito garantido pela lei que rege as telecomunicações. É
algo que deveria ser posto em prática em todos os veículos de comunicação do
mundo. “Cultura, ciência, educação são áreas de doutrinação e, por isso,
devem ser descentralizadas para garantir a multiplicidade de influências e
inviabilizar a manipulação numa situação de estrutura política monopolista”
(ROSENBAUM, 2003, p. 50).
Ele acrescenta que toda emissora tem um compromisso com a verdade
e a união da Alemanha, respeitando a religião, a fé, a opinião e apoiar as
12
Informações obtidas no site: http://www.alemanha.org.br/perfil/9/pag_420.htm Acesso em: setembro de
2004.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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igualdades entre os homens e mulheres, princípios que também são
compartilhados pelos modelos britânico e brasileiro. Para Rosenbaum (2003),
as emissoras públicas não são apenas mídia, são, principalmente, um
importante fórum de debate social.
Em relação ao regionalismo que, atualmente, é um segmento abordado
por emissoras públicas, Rosenbaum (2003, p. 50) esclarece que há uma
tendência de crescimento nas áreas de entretenimento e informações regionais
por parte dessas emissoras, por causa de pressões feitas pelas redes
comerciais, e faz um alerta: a TV pública deve estar atenta a esse movimento e
estabelecer uma parceria com seu público, pois tem capacidade de mostrar
que é melhor, atendendo às peculiaridades e interesses da comunidade.
A SWR promove cerca de mil eventos públicos por ano, o que exige
grande estrutura para manter essa cobertura eficiente. No caso da TV Cultura,
é algo inimaginável, partindo-se do princípio de que a emissora brasileira não
dispõe de recursos financeiros para promover eventos. A solução para investir
nesse tipo de segmento seria buscar parcerias junto à iniciativa privada e
contar com a colaboração das TVs educativas espalhadas por todo o território
nacional. “A emissora pública alemã sai de seu prédio para que seu público a
veja” (ROSENBAUM, 2003, p. 53). Contudo, sua missão de informar, formar e
divertir não mudou. Segundo ele, cada sociedade tem que discutir suas
próprias estruturas.
2.1.3 - Itália
A história da televisão pública na Itália é um pouco mais antiga. Em
outubro de 1924, teve início o serviço cotidiano de transmissão radiofônica da
RAI. O primeiro programa a ser transmitido era de música, sendo seguido pelo
boletim meteorológico
13
.
Na década de 30, a publicidade radiofônica italiana obteve o seu
primeiro êxito com a rádio-revista “Os quatro mosqueteiros”. Numa promoção
13
Informações obtidas no site: www.rai.it. Acesso em: março de 2002.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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patrocinada pela casa Perugina, cerca de 900 mil italianos participaram do
sorteio de prêmios através da rádio. De acordo com os cálculos da época, a
rádio chegou a atingir a extraordinária marca de oito milhões de ouvintes.
A Segunda Guerra Mundial fez do rádio o instrumento principal de
informação, por ser o mais imediato, mas também o mais controlado. As ondas
curtas permitiram aos italianos ouvirem as notícias vindas do exterior. Ouvir as
rádios londrinas significava estar infringindo a lei, mas as notícias reais sobre o
andamento do conflito eram provenientes dali.
A exemplo dos jornais que modificaram os seus nomes para não serem
mais associados ao regime fascista, a E.I.A.R. também modificou sua
nomenclatura, passando a se chamar RAI – Radio Audizioni Itália. Em 1947, é
instituída uma Comissão parlamentar de vigilância à independência política e à
objetividade informativa. No ano seguinte, a rede radiofônica é reconstruída,
pois, devido à guerra, grande parte da rede de rádio italiana havia sido
destruída.
Em 1949, a RAI dá início as suas primeiras transmissões televisivas
experimentais. Dois anos mais tarde, as transmissões radiofônicas passaram a
ser distribuídas em três programas diferenciados e complementares: nacional,
segundo e terceiro.
Contudo, a transmissão regular do serviço começou apenas em janeiro
de 1954, com 28 horas semanais de programação, a qual atingia cerca de 36%
da população italiana. Em 1957, a RAI passa a cobrir o país inteiro e dá início
também à veiculação de publicidade. Quatro anos mais tarde, era inaugurado o
segundo canal, chamado RAI Due. No final dos anos sessenta, o exercício da
TV na Itália se incorporou definitivamente aos hábitos sociais da população.
“A partir de 1969, a RAI é contestada de dentro e de fora com greves e
ocupações das instalações. Por outro lado, estudos encomendados
pela própria direção da RAI concluem pela urgência de uma reforma do
pesado aparelho. Finalmente, o início da década de 70 vê aparecerem
as primeiras televisões por cabo. O monopólio de Estado começava a
ser posto fortemente em causa. Apesar disso, os sindicatos da RAI
opõem-se frontalmente nesta altura a qualquer possibilidade de
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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concorrência privada ao serviço público de televisão” (CÁDIMA, 1989,
p, 14).
Com a lei número 103, de 14 de abril de 1975, promoveu-se o
desenvolvimento interno da rede, que em seguida se uniu às estruturas do
Departamento de Educação, aos Tribunais de Justiça e aos serviços
jornalísticos. Tais reformas contribuíram para a diferenciação da programação
cultural e de entretenimento. Entretanto, “o sistema audiovisual italiano
caracterizava-se pela arregulamentação e pela ausência de um quadro jurídico
preciso, As décadas de 70/80 virão, por isso, a sofrer efeitos diretos de um
vazio legal: o sistema audiovisual italiano transforma-se numa verdadeira
anarquia” (CÁDIMA, 1989, p.13).
Na década de 1970, finalmente é feita a reforma da RAI. O serviço
público passa da tutela do Governo para o Parlamento, sendo criada uma
comissão parlamentar de ‘vigilância e orientação’ da televisão. A continuidade
do monopólio de Estado é assegurada durante um período de seis anos. Já a
publicidade é admitida como uma forma complementar relativa à taxa.
Contudo, havia uma ressalva: a publicidade não poderia ultrapassar os 5% da
totalidade do tempo de emissão e também seis minutos por hora. Outra
questão bem especificada foi que a emissora não poderia transmitir uma
quantidade maior de programas importados do que nacionais. Era uma forma
de assegurar e valorizar a produção italiana.
Em dezembro de 1979, nasce a terceira rede televisiva, a RAI Tre. Dois
anos depois, o Estado italiano decide renovar a concessão exclusiva de difusão
radiofônica e televisiva da RAI. Em contrapartida, no final dos anos 70,
começou a estender a toda a península o fenômeno das televisões privadas,
organizadas, sobretudo, em sistema de rede, coligadas de modo a cobrir todo o
território nacional.
No início dos anos de 1980, o número de canais privados existentes na
Itália já alcançava a primeira centena, encabeçada pelo grupo Fininvest,
pertencente ao empresário Silvio Berlusconi. Este grupo era o principal
elemento ameaçador do monopólio da televisão estatal. Portanto, o sistema
televisivo italiano necessitava de uma nova regulamentação. Em 1984, a
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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situação não era propriamente de monopólio, mas sim de duopólio, entre a RAI
e os canais de Berlusconi.
“Dados de fevereiro de 1988, apontavam para uma audiência de cerca
de 12 milhões de telespectadores para os três canais da RAI e de 9,2
milhões para o Canale 5, o Itália 1 e a Rettequattro. Em termos de
publicidade, os três canais de Berlusconi faturavam no total quase cinco
vezes mais do que os três canais da RAI” (CÁDIMA, 1989, p.15).
E em agosto de 1990, a lei número 223 reconhecia a existência de um
sistema misto composto por uma concessionária de serviço público e por um
transmissor nacional privado em regime de fundamental concorrência. Nos
primeiros anos da década de 1990, a RAI colecionou alguns prejuízos no
confronto direto com as televisões privadas, principalmente em relação à
transmissão de eventos esportivos. Por outro lado, desenvolveu rapidamente e
com significativo sucesso os programas telejornalísticos transmitidos
diariamente.
A história recente da RAI apresentou um quadro político adverso, pois o
primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, responsável direto pela nomeação
do conselho administrativo da emissora, é também proprietário do Mediaset, o
mais importante grupo de televisão privada na Itália, que tem três das seis
principais emissoras do país: Italia 1, Canale 5 e Rete 4.
Ao indicar os diretores da RAI, o premiê controlava cerca de 90% da
televisão italiana, o que apontava para a temível monopolização do setor. Em
março de 2003, Berlusconi nomeou o jornalista Paolo Mieli para ocupar o cargo
de presidente da RAI, gerando uma enorme crise no cenário político italiano.
Paolo Mieli nem sequer assumiu o cargo, denotando assim um
desentendimento entre as forças políticas da maioria governamental e o
primeiro-ministro italiano. Os aliados políticos de Berlusconi consideram Mieli
uma figura independente do meio jornalístico e, portanto, mais ligado à
oposição.
Na contra-mão, a esquerda italiana decidiu denunciar Silvio Berlusconi
por dar indícios de querer acabar com o prestígio da televisão e rádio públicas
com intuito de privilegiar os meios privados, incluindo aí o seu grupo de mídia.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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Essa crise aconteceu num momento delicado para a RAI que, nos últimos
anos, tem perdido qualidade e audiência em seus programas televisivos.
“Estabelece-se assim um duopólio público-privado quase perfeito, com
os três canais de Berlusconi frente aos três da RAI. Com a diferença de
que, enquanto a Fininvest consegue rapidamente organizar uma
programação conjunta, os canais da RAI ficaram divididos durante anos
pelo sistema de ‘lottizzazione’ criado em 1975, uma partilha da gestão
das cadeias e do poder interno entre os grandes partidos políticos”
(BUSTAMANTE, 1999, p. 53).
Tanto o modelo brasileiro quanto o modelo italiano de TV pública
passam por seguidas transformações, sendo que a TV Cultura, num primeiro
momento, inseriu o chamado “apoio cultural”, como uma forma de financiar
seus programas. Já a televisão italiana correu o risco de se tornar parte de um
monopólio liderado pelo empresário e ex-primeiro-ministro do país Silvio
Berlusconi. Portanto, esses são alguns fatos que implicam numa mudança de
estrutura que podem descaracterizar a proposta e o conceito de TV pública nos
países.
2.1.4 - Espanha
A Televisão Espanhola (TVE) foi fundada no ano de 1952. Desde seu
inicio, a transmissão da televisão espanhola contou com a participação do
modelo de televisão pública, cuja titularidade corresponde ao Estado,
dependendo do Ministério da Informação e do Turismo.
Em 1956, depois de um período de experimentação, a transmissão da
TVE passa a ser feita de forma regular. Dez anos depois é inaugurado o
segundo canal público, a TVE2, conhecida como um balão de oxigênio para a
televisão espanhola e para o país da época, por apresentar documentários
dramáticos com certo conteúdo progressista, algo bastante escasso na cultura
oficial do país naquele momento.
14
14
Informações obtidas no site da emissora: www.rtve.es. Acesso em setembro de 2004.
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65
Segundo Bustamante (1999, p. 55), durante o período da ditadura militar
na Espanha (1939 -1975), não havia uma concepção de serviço público e a
tentativa de financiamento por meio do pagamento de taxas não obteve
sucesso. A TV estatal espanhola era financiada, sobretudo, pela publicidade
(onipresente) e pelos subsídios provenientes do orçamento estatal.
Na Espanha, somente no início dos anos de 1980 é que se começa a
discutir sobre uma alternativa ao monopólio do Estado e, em particular, sobre a
questão da liberalização da lei de televisão. A UCD estava no poder e era
declaradamente a favor da TV privada. Entretanto, a polêmica girou mais em
torno da maneira como deveria ser feita a concessão. O governo encontrava-se
dividido: de um lado, alguns desejavam que a nova lei fosse promulgada por
simples decreto governamental; de outro lado, o ministro da Justiça, Francisco
Ordoñez, defendia que a lei deveria ser discutida no Parlamento.
Já a oposição era contrária à televisão privada. O então dirigente da
oposição, Felipe Gonzalez, dizia-se contrário à criação de canais privados de
TV. O governo não deixava de criticar a oposição e o secretário das relações
externas e informação da UCD, Javier Rupérez, criticava abertamente a
oposição por esta atitude.
Desde a sua fundação até 1983, com os canais públicos autônomos,
dependentes dos respectivos governos regionais, a TVE manteve o monopólio
informativo do Estado. Por mandato constitucional, os meios de comunicação
dependentes do Estado se regem por um estatuto que deve garantir a
pluralidade dos grupos sociais e políticos significativos.
“Nos anos 80 sucederam-se acontecimentos significativos que levaram
a uma prévia desregulamentação: entre 1982 e 1988 surgem os canais
autônomos cuja concorrência com a televisão pública central lembra o
simulacro de concorrência entre canais públicos na França nos anos
setenta” (BUSTAMANTE, 1999, p. 56).
A partir de 1983, o governo retira na prática a totalidade dos subsídios
estatais à TVE e a obriga a obter financiamento, praticamente integral, através
da publicidade. É nessa época também que a Televisión Española deixa de ser
a única televisão da Espanha com o surgimento das cadeias autônomas, como
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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66
a Televisis, da Cataluña. Portanto, era o fim da monarquia absolutista
televisiva.
Os governos socialistas são os responsáveis pelo início da TV privada
na Espanha. Em 1987, é instituída a Lei da Regulamentação das
Telecomunicações e, em 1988, é a vez da Lei da TV Privada, que deu lugar
aos canais Antena 3, Tele5 e Canal +.
Nos primeiros anos da década de 1990, durante a convivência do
sistema público e privado da televisão, o Grupo Radio Televisión Española
conseguiu manter a liderança no setor audiovisual, conservando, com
pequenas exceções temporais, os primeiros lugares de audiência. Os jogos
olímpicos de Barcelona e a Expo 92, em Sevilla, permitiram a TVE grandes
exibições de capacidade tecnológica. De acordo com Bustamante (1999, p.
56), a criação de canais privados entre os anos de 1989 e 1990 “irá consagrar
um sistema integralmente comercial e profundamente competitivo”.
Durante essa década foram realizadas grandes produções e,
principalmente, o sinal da TVE se expandiu por todo o mundo por meio dos
canais por satélite. Entretanto, a concorrência começa a pesar no ambiente e
os benefícios econômicos de anos atrás acabaram se convertendo em déficit
crescente, e na programação observa-se uma pressão constante pelos índices
de audiência em detrimento da qualidade e o tratamento de alguns conteúdos.
Na Espanha, a televisão pública vem passando por problemas sérios.
Em abril de 2004, o governo da região autônoma de Valência decidiu acelerar a
privatização dos serviços de notícias da televisão pública local, uma decisão
contra a qual se mobilizaram organizações sindicais de jornalistas de todo o
país.
Recentemente, em março de 2006, os funcionários da TVE iniciaram
uma greve em defesa do setor público de rádio e televisão. A alegação era a
de que o setor estaria ameaçado por um plano de reestruturação que implicaria
na extinção de 3133 postos de trabalho permanentes e 1300 contratos
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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67
temporários na TVE.
15
O movimento deixou as instalações da empresa
praticamente vazias.
Nesse episódio, diversas organizações sindicais ligadas ao setor
apelaram à solidariedade internacional por considerarem que a “defesa do
serviço público de radiotelevisão é um objetivo primordial para garantir os
valores democráticos, cívicos, educativos e de diversidade cultural, tanto na
Espanha como em todo o mundo”.
16
De acordo com a Federação de Sindicatos de Jornalistas espanhola
(FeSP), o plano a ser implantado na emissora pública pelo governo de José
Luis Zapatero era “economicista e centralista”. Na visão da entidade, o plano
“destruiria para sempre o serviço público de radiodifusão, pois não conseguiria
manter uma programação de qualidade”, prescindindo de 40% de seus
profissionais.
Já para o governo espanhol, a medida de redução do número de
funcionários dos cerca de 8 mil para 4.855 seria uma das medidas para fazer
face ao déficit histórico de 7.551 milhões de euros registrados, em 2005, pela
TVE. Outras soluções previstas pelo governo para reduzir o déficit seriam a
centralização da estrutura organizativa, a redução das desconexões territoriais
entre a rádio e a televisão públicas, o fim das emissões em catalão da TVE2 e
o encerramento total da Radio 4.
Para as entidades sindicais, as medidas autorizariam uma invasão das
produtoras privadas no setor público, enquanto a reestruturação representaria
uma submissão do governo aos setores mais liberais internos e externos,
desconstruindo um serviço público essencial. Já o encerramento do serviço em
catalão (TVE2) ignoraria a “missão da TVE de difundir as culturas e as línguas
das diversas comunidades”.
17
15
Informações obtidas do site: http://www.jornalistas.online.pt/noticia.asp?idCanal=0&id=4474 Acesso em
janeiro de 2006.
16
Idem.
17
Informações obtidas no site: http://www.jornalistas.online.pt/noticia.asp?idCanal=0&id=4429 Acesso em
janeiro de 2006.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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68
Segundo dados fornecidos pelos sindicatos, a adesão foi de
aproximadamente 85% dos empregados. Apesar da paralisação, as emissões
da rádio e da televisão públicas não foram afetadas, pois a direção da TVE
optou por colocar no ar programação previamente gravada.
2.1.5 – França
A Segunda Guerra Mundial havia interrompido as primeiras experiências
coma televisão na França. Todavia, no pós-guerra as emissões experimentais
serão retomadas e, a partir de outubro de 1947, a programação passa a ser
regular contando com 12 horas de programação por semana. “Em outubro de
49, o Jornal Televisivo passa a diário e a década de 50 começa sem que haja
ainda um emissor regional, e com um parque de receptores de 3794 unidades”
(CÁDIMA, 1989, p.12).
Em 1949, a Radiodifusão Francesa (RDF) torna-se ORTF (Organismo
da Radiodifusão e Televisão Francesa). A mudança tinha um objetivo principal:
assegurar o crescimento do meio através da lei nº 49-1032 que estendia a
cobrança de taxa aos receptores de televisão. Dois anos mais tarde, em 1951,
outro decreto-lei vai autorizar a veiculação de publicidade coletiva de interesse
nacional nas emissões radiofônicas. Em 1953, é confirmada a intenção de se
estabelecer um monopólio da produção e da programação, o que vem a ser
comprovado com a Lei de 31 de dezembro.
No final da década e 1950, Charles De Gaulle chega ao poder e com ele
tem início a fase chamada de ‘monopólio do general’. Começa, então, um
processo de dependência direta do ministro da Informação. Em fevereiro de
1959, a ORTF torna-se um estabelecimento público de caráter industrial e
comercial dotado de uma personalidade jurídica, cujo orçamento era autônomo.
No entanto, os seus diretores eram nomeados pelo Conselho de Ministros do
governo francês.
A lei de 27 de junho de 1964 consagrou o caráter de empresa industrial
e comercial do Organismo da Radiodifusão e Televisão Francesa (ORTF), ao
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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69
qual se encarregou o serviço público do rádio e da televisão. Desde a criação
da ORTF, o perfil da audiovisual francês foi profundamente modificado por uma
série de reformas, em especial, a Lei Fillioud, de 1982, que colocou um ponto
final no monopólio do Estado. Portanto, neste ano, a criação da ORTF
estabelece um novo serviço público nacional, considerando que a comunicação
audiovisual é da competência do domínio das liberdades públicas. De acordo
com a lei nº 64-621, as missões do ORTF são: “satisfazer as necessidades de
informação, cultura, educação e distração do público”.
No ano seguinte, a televisão emite as primeiras peças publicitárias, o
que leva à criação da Empresa Pública Francesa de Publicidade, uma
sociedade anônima filiada ao ORTF. O Objetivo era assegurar à empresa
pública de publicidade o respeito dos interesses fundamentais da economia
nacional e em conformidade com a missão geral do organismo.
Em 3 de julho de 1972 a ORTF é retomada, após um esboço de
liberação entre os anos de 1968 e 1969, durante o governo de Jacques
Chaban-Delmas. O serviço público nacional de rádio e televisão volta ser
declarado monopólio do Estado. O parlamento francês, pela lei de agosto de
1974, confirmou o papel da televisão como serviço público nacional; os seus
objetivos e o exercício de seu monopólio foram entregues a sete sociedades
públicas, autônomas e independentes: três cadeias (Televisão Française1,
Antenne2 e França-Régions3), a Sociedade Francesa de Produção (SFP),
Télédiffusion da França (TDF), Rádio França e o Instituto Nacional de
Audiovisual (INA). Essas sociedades ficam encarregadas dos diversos
aspectos do serviço (indústria, comércio, programação, gestão e
desenvolvimento dos centros regionais, instituto audiovisual, conservação de
arquivos, formação profissional, criação de equipamentos, etc.), sendo que
cada uma das sociedades é colocada sob a tutela do Primeiro Ministro. Mesmo
instaurando os princípios de concorrência entre os canais, a lei mantém o
monopólio do Estado.
“A reforma da radiotelevisão pública francesa (ORTF) em 1974, com a
divisão em sete sociedades, que obrigou os três canais públicos a
concorrer por uma quota de audiência que determinava a distribuição
de subsídios, constitui uma experiência de simulacro de mercado. Mas
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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70
a autêntica desregulamentação inicia-se em 1984, quando uma lei do
audiovisual determina que a comunicação audiovisual é livre”
(BUSTAMANTE: 1999; 54).
A nova lei não estabelece nenhum organismo federativo nem
coordenador das novas empresas, financiadas pelas receitas repartidas
anualmente entre as sociedades nacionais de programação e a instituição
pública; seus presidentes são nomeados pelo Governo. Haverá renda originária
de publicidade, mas este tipo de receita não pode exceder 25% do total.
De 1978 para 1981, acontece uma verdadeira mudança. A Lei de 28 de
julho de 1981 viria reafirmar o monopólio da radiodifusão e da televisão,
enquanto a Lei de 9 de novembro de 1981 altera o monopólio de Estado da
radiodifusão, aceitando rádios locais. Contudo, em julho de 1982 chega ao fim
o monopólio do Estado e é criada a Alta Autoridade, que concede autorização
de exploração das estações de rádio e de televisão; nomeia os presidentes dos
canais públicos; estabelece a distribuição de carga horária e supervisiona as
regras de concorrência.
No ano de 1984, começa a operar o Canal Plus, com a empresa estatal
Havas - que mais tarde seria privatizada - como acionista principal. O governo
socialista, antes de perder as eleições, concede a autorização para duas
televisões privadas operarem no país: a La Cinq e a M6 (CÁDIMA, 1989,
p.12).. Tem início, então, a concorrência comercial, o que quase levou o Canal
Plus à falência.
“Em 6 de dezembro de 1983, o Estado francês assina um protocolo
com a agência Havas para a criação do Canal Plus, sociedade privada
de economia mista, mas cuja concessão é ainda de ‘serviço público’. Só
em 1986 viriam a ser aprovadas as primeiras televisões privadas com
caráter nacional e, pouco depois, dar-se-ia a privatização da TF1”
(CÁDIMA, 1989, p. 13).
Já em setembro de 1986 é instaurada a lei sobre a liberdade de
comunicação. Essa lei substitui a Alta Autoridade pela Comissão Nacional de
Comunicação e das Liberdades (CNCL) e homologa a privatização da TF-1.
Mais tarde, em 1989, a CNCL é substituída pelo Conselho Superior do
Audiovisual (CSA).
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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71
O Conselho Superior do Audiovisual da França (CSA) é uma autoridade
administrativa independente criada para garantir a liberdade da comunicação
audiovisual. Algumas responsabilidades do CSA são: a) ser a responsável pela
nomeação dos presidentes das televisões e rádios públicas da França; b)
enviar ao governo projetos de leis e decretos referentes ao setor audiovisual; c)
alocar e administrar as freqüências destinadas à rádio e à televisão; d)
organizar as campanhas oficiais radiotelevisadas das distintas eleições
(presidenciais, legislativas etc.). O CSA pode sancionar uma emissora de rádio
ou televisão no caso do não cumprimento das normas.
“A direita no poder não só iria mudar os concessionários dessas
cadeias como realizará uma estréia em nível mundial: a privatização do
primeiro canal público, TF1, que passa para as mãos do grupo de
construção Bouygues provocando uma imediata desestabilização não
apenas da influência da televisão pública como dos operadores
privados.” (BUSTAMANTE, 1999, p. 54)
O canal La Cinq, primeiramente associado a Silvio Berlusconi por meio
do grupo Hersant e depois pela Hachette, dá início a um ciclo vicioso de queda
de audiência e de recursos. A emissora se vê obrigada, então, a encerrar suas
emissões no ano de 1992, com 11% da audiência. Em seu lugar surgem os
canais Arte e Cinquième, considerados “televisão da cultura, da formação e do
emprego” (BUSTAMANTE, 1999, p. 54).
Em março de 2000, o projeto de lei da Ministra da Cultura Catherine
Trautmann é aprovado pela Assembléia Nacional. O texto bastante modificado
em relação ao aprovado em primeira discussão em maio de 1999, prevê a
criação de uma holding que reúna os canais públicos, a redução do tempo de
publicidade no France-2 e France-3 e o reforço de financiamento do setor
público. A lei previa ainda a conclusão de contratos entre o Estado e as
sociedades do audiovisual público, cujo objetivo era dinamizar e modernizar
suas relações.
A televisão é uma das principais formas de lazer da população francesa.
O tempo médio gasto em frente do aparelho por um francês é de 3 horas e 15
minutos por dia
18
. Isso porque a oferta de canais do segmento audiovisual é
18
Fonte: site da emissora TV 5 (www.tv5.org). Acesso em: setembro de 2004.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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considerável, cerca de 130 canais de televisão, divididos entre emissoras
públicas e comerciais.
O território francês possui quatro emissoras públicas nacionais: France
2, France 3, Arte (canal franco-alemão) e Cinquième (canal educativo). Já
emissoras privadas nacionais são três: TF1, M6
19
e Canal Plus (canal por
assinatura que tem aproximadamente 6,6 milhões de assinantes no mercado
francês e 6,9 milhões no mercado internacional). A TV5 e Canal France
Internationale (CFI) são dois canais de televisão cuja ação audiovisual está
disponível para o exterior. Além desses, há mais de vinte emissoras de TV a
cabo nacionais e locais e um número
20
(ainda não calculado) de emissoras
catadas por satélite, como a Canal Satellite e TPS.
Na França, as empresas públicas ocupam um lugar importante no setor
do audiovisual. Perante transformações econômicas e tecnológicas
importantes, presentes desde o início dos anos de 1980 (quando aconteceu o
fim do monopólio do Estado e a abertura à concorrência), o setor público está
regularmente no centro dos debates políticos.
É possível afirmar que três grandes princípios guiaram a legislação na
definição das missões do setor público francês: um setor público não
especialista que informa, educa e diverte; um setor público que favorece a
criação e a produção de obras originais e um setor público que aumenta a
oferta de programas e desenvolve as novas técnicas de produção e de
divulgação.
Portanto, a televisão pública na França trabalha e desenvolve as suas
atividades num quadro jurídico definido pela regulamentação européia de uma
parte e por outra pela lei francesa que define os objetivos e as missões de
serviço público das televisões francesas e as suas sucursais.
19
A Métropole télévision (M6) é uma sociedade de direito francês que explora um serviço de televisão de
vocação nacional emitido em aberto por via hertziana terrestre, bem como por cabo e satélite.
20
Estima-se que 35% dos lares franceses estejam ligados a uma rede a cabo e que 7,1% dos lares
possuam assinaturas de programas da TV a cabo. Informação obtida no site (
www.tv5.org). Acesso em:
setembro de 2004.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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73
Em 2004, a escritora francesa Catherine Clément entregou um relatório
ao ministro da Cultura, Jean-Jacques Aillagon, cujo conteúdo propunha que a
Constituição francesa consagrasse o serviço público audiovisual como “um
dever do Estado” e que se opusesse à privatização de qualquer canal público
de televisão.
Segundo a escritora, “o serviço público deve ser encarado como um
todo, do qual nenhuma parte deve ser alienada”. Catherine Clément, autora do
relatório da Missão sobre a Cultura e a Televisão Pública, afirmava ainda que
era necessário introduzir a cultura de qualidade nos canais públicos franceses.
O relatório pedia ao presidente Jacques Chirac que reforçasse o financiamento
da Comunicação Social que, na França, está sob a tutela do Ministério da
Cultura.
21
2.2 – A TV Pública/Estatal no Brasil
“Diferente da Europa, onde o sistema de televisão está sob o conceito
do chamado public service brodcasting (radiodifusão de serviço público)
fundamentado na BBC, o Brasil seguiu o modelo norte-americano e as
televisões comerciais se estabeleceram antes das emissoras públicas”
(BRITTOS, 2003, p. 5 ).
A história da televisão pública/estatal, no Brasil, começa a ser escrita na
década de 60. Na época, começa a surgir uma determinada preocupação do
valor da televisão para com a educação, ou seja, começou-se a enxergar que o
veículo poderia colaborar para a instrução da população por meio de
programas educativos. Tem início, então, a criação de uma televisão educativa
brasileira.
No entanto, Mattos (1985; p. 22), acredita que “os governantes pós-64
estimularam a promoção de um desenvolvimento econômico rápido, baseado
num tripé formado pelas empresas estatais, empresas nacionais e corporações
multinacionais. Promovendo reformas bancárias e estabelecendo leis e
21
Informações obtidas dos site:
http://www.jornalistas.online.pt/noticia.asp?id=1005&idselect=462&idCanal=462&p=0 Acesso em abril de
2006.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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74
regulamentações específicas, o Estado, além de aumentar sua participação na
economia como investidor direto de uma série de empresas públicas, passou a
ter à sua disposição, além do controle legal, todas as condições para
influenciar os meios de comunicação através das pressões econômicas”.
A Fundação João Baptista do Amaral (TV Rio) - instituída em abril de
1961 e reconhecida pelo MEC em novembro do mesmo ano - criou um curso
destinado à alfabetização de adultos, que permaneceu no ar até 1965. Essa foi
considerada a “primeira iniciativa em favor de uma TV voltada para a educação
e a cultura”.
22
. No ano seguinte, em 1962, foi a vez da TV Continental (canal 9)
obter um horário, às 22h30, para veicular uma programação chamada "Mesas
Redondas", cuja idéia abrangia o lançamento da Universidade de Cultura
Popular.
23
Em outubro de 1964, uma comissão oficiosa, constituída de
funcionários do MEC, funcionários do CONTEL (Conselho Nacional de
Telecomunicações) e educadores, começou a estudar a elaboração de
projeto criando, sob a forma de Fundação, um Centro Brasileiro de TV
Educativa. Em 03/01/67, a Lei nº 5.198 autorizou o poder executivo a
criar, sob a forma de Fundação, o "Centro Brasileiro de TV
Educativa".
24
Em 1966, por meio do Decreto Nº 59.366, de 14 de outubro, foi instituído
o Fundo de Financiamento de Televisão Educativa. A Fundação Centro
Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE) foi constituída em abril de 1967, por uma
Assembléia Geral (prevista em lei) composta por diretores do Ministério da
Educação e Cultura. O primeiro presidente a ser eleito foi Gilson Amado, que
permaneceu no cargo até novembro de 1979, data de sua morte. Em 1967, foi
concebido um crédito de um milhão de cruzeiros novos à Fundação. No
entanto, o ministro do Planejamento, Delfim Neto definiu que a soma deveria
ser paga em cotas de cem mil cruzeiros novos.
Em 1968, foi realizado o I Seminário Internacional de Televisão
Educativa, promovido pela Fundação. O evento reuniu especialistas da
22
Fonte: site TVE Brasil: www.tvebrasil.com.br Acesso em: abril de 2004.
23
Segundo Gilson Amado, a Universidade de Cultura Popular “era uma universidade sem paredes capaz
de atender aos milhões de brasileiros maiores de 16 anos que perderam, na época própria, a
oportunidade de acesso à escola". Fonte: site da TVE Brasil:
www.tvebrasil.com.br Acesso em: agosto de
2004.
24
Informações obtidas no site da TVE Brasil: www.tvebrasil.com.br. Acesso em: abril de 2004
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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75
UNESCO e representantes brasileiros envolvidos em projetos experimentais de
televisão educativa. “Foi, também, uma contribuição importante para a
implantação, em termos de planificação e sistemática, da Televisão Educativa
no Brasil”.
25
De acordo com Alexandre Fradkin (2003, p.56), assessor da presidência
da TV Educativa do Rio de Janeiro, a televisão educativa foi implantada, no
Brasil, sem obedecer a um planejamento que decorresse de uma política
setorial de Governo. Algumas emissoras tiveram como raiz de sua criação
razões de ordem política, outras deveram sua existência à tenacidade
individual de idealistas, e poucas foram as que surgiram com objetivos
explicitamente definidos.
A TV Universitária de Pernambuco foi a primeira emissora educativa a
entrar no ar, em 1967, mesmo ano que o governo de São Paulo cria a
Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativas,
a TV Cultura. Entre os anos de 1967 e 1974, surgiram, no Brasil, nove
emissoras educativas com razão social e vinculação diversas. Exemplos: a
razão social da emissora TVE do Amazonas era ‘Fundação Pública Estadual’ e
estava vinculada à Secretaria de Comunicação do Estado; a TVE do Espírito
Santo, tinha como razão social ‘Fundação Pública Estadual’ e era ligada à
Secretaria de Educação; a TVE do Rio Grande do Norte, que tinha a razão
social de ‘Universidade Federal’, tinha vinculo com o Ministério da Educação.
Já na década de 70, a Portaria Interministerial nº 408/70 institui que as
emissoras de rádio e televisão comerciais veiculassem, gratuitamente,
programas educativos, durante cinco horas semanais e em horários
determinados. A FCBTVE, por ser um órgão do MEC, foi encarregada de suprir
essa programação, em todo o país, contudo, não estava preparada para
desempenhar essa função.
Em 1972, a emissora recebe da Fundação Konrad Adenauer, da
Alemanha, os primeiros equipamentos no valor de, aproximadamente, dois e
meio milhões de dólares, além de assistência técnica para as áreas de
25
Idem
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
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76
Pedagogia, Produção, Eletrônica e Iluminação. Essa doação visava a
montagem de um centro de produção que suprisse as necessidades da
programação da FCBTVE. Em novembro de 1975, foram iniciados, em caráter
experimental, os testes para o funcionamento do Canal 2. Ainda em fase de
experimentação, a programação do Canal 2 do Rio de Janeiro passa a ser
transmitida no dia 30/11/75, no horário de 19h22 às 22h35. Esse canal antes
era ocupado pela TV Excelsior, cuja concessão havia sido cassada pelo
governo militar. Essa primeira programação da TVE não foi publicada nos
jornais.
Segundo Mattos (2000, p. 45), em setembro de 1979, por iniciativa das
emissoras do Norte e Nordeste, foi realizada uma reunião de caráter regional,
no Ceará, a qual compareceram representantes da TVE do Rio de Janeiro. A
partir desta reunião, a TVE-RJ deu início à implantação de um Sistema
Nacional, contando com o apoio das emissoras das regiões Norte e Nordeste
do País. A TVE-RJ passa, então, a integrar o Sistema Nacional de Televisão
Educativa, coordenando as nove emissoras de televisão educativa existentes
no País.
No ano de 1980, já existem, no país, cerca de 106 emissoras comerciais
e 12 estatais. É também nesta década que a Fundação Centro Brasileiro de
Televisão Educativa (FCBTVE) agrega-se à Secretaria de Aplicações
Tecnológicas e o Serviço de Radiodifusão Educativa (SRE), que estavam
vinculados à Rádio MEC. Surge então a FUNTEVÊ, antiga FCBTVE, que a
partir desse momento vai se responsabilizar pela coordenação político-
administrativa e pela operação do SINRED - Sistema Nacional de Radiodifusão
Educativa criado em 1982 e vinculado ao Ministério da Educação e Cultura e
ao Ministério das Comunicações - (MATTOS, 2000, p. 52), pelo fato de ser a
única emissora a ter acesso ao satélite.
“O objetivo principal do SINRED era o de permitir que todas as
emissoras educativas veiculassem uma programação constituída por
programas produzidos por todas as integrantes, diferentemente do que
ocorria com as redes comerciais que se limitam a retransmitir a
programação das cabeças-de-rede localizadas, invariavelmente, no Rio
de Janeiro e em São Paulo” (FRADKIN, 2003, p. 58).
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O SINRED fez cumprir o seu papel de ‘órgão aglutinador’, porém o
desenvolvimento do Sistema que já contava com 15 emissoras até 1989,
mostrou que havia a necessidade de se ampliar a abrangência dos sinais. “A
implantação de estações retransmissoras simultâneas, que poderia ser uma
solução, representava um custo muito elevado que essas emissoras não
tinham possibilidade de assumir” (FRADKIN, 2003, p. 59).
O Decreto nº 96.291, de 1988 e a Portaria MC nº 93, de 1989, dariam a
solução para a questão, pois consentiriam a expansão do sinal educativo de
TV. Alexandre Fradkin (2003, p. 59) afirma que, a partir desse momento, “as
retransmissoras de televisões educativas pudessem inserir, em nível local,
programas de interesse comunitário, desde que não ultrapassassem 15% do
total da programação da geradora a qual a retransmissora estivesse veiculada”.
Em 1990, a FUNTEVÊ passou a se chamar Fundação Roquette Pinto –
FRP, que, a partir de 1993 começou a enfrentar uma grave crise econômica
que culminou no declínio de sua programação e numa considerável diminuição
do apoio técnico e financeiro que prestava às co-irmãs. Nessa mesma época,
em São Paulo, a TV Cultura passou a ter acesso ao satélite, o que provocou
uma desestabilização no SINRED, pois a programação da emissora paulista,
naquele momento, possuía uma qualidade superior.
“A programação do SINRED passou a ser gerada pelas duas emissoras
e, em 1994, o MEC tentou manter a FRP como coordenadora do
Sistema por meio da Portaria nº 1.014, que reformulava o SINRED e da
Portaria nº 1.015 que criava o PROSINRED, um programa destinado a
reequipar todas as emissoras educativas de rádio e de televisão, com
recursos provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação FNDE.” (FRADKIN, 2003, p. 61).
No ano de 1995, com a entrada do novo governo, a FRP foi transferida
do âmbito do MEC para a Secretaria de Estado de Comunicação do Governo
(SECOM) e o SINRED foi desativado. Em 1998, a Fundação Roquette Pinto foi
extinta e substituída pela Associação de Comunicação Educativa Roquette
Pinto (ACERP), enquanto que na capital paulista, a TV Cultura também criava
uma entidade privada que substituísse o SINRED, mas somente no segmento
televisão.
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É a partir desse fato que surge a ABEPEC
26
(Associação Brasileira de
Emissoras Públicas, Educativas e Culturais) que criaria a Rede Pública de
Televisão (RPTV), cujo objetivo era o de instituir uma grade de programação
comum para todas as emissoras associadas. A Rede Pública de Televisão
procurou “manter 26 horas de programação nacional por semana, produzida
pela TV Cultura de São Paulo, TVE do Rio de Janeiro, TV Minas, TV Cultura do
Pará, TV Cultura do Amazonas, TV Educativa do Rio Grande do Sul e TV
Universitária do Recife”, entre outras emissoras associadas.
27
Em setembro de 1999, parte da programação noturna da RPTV passou
a ser composta por programas produzidos pela TVE do Rio e pela TV Cultura
de São Paulo, que eram transmitidos por 20 emissoras e 938 retransmissoras.
Os principais objetivos da RPTV eram o de “propiciar o desenvolvimento e
formação integral do homem; a prestação de serviços de interesse público e a
preservação da identidade cultural da Nação, respeitando as particularidades
regionais, através de uma programação educativa, cultural e informativa”.
28
Esses objetivos foram elaborados pelas emissoras públicas, educativas e
culturais, em 1999.
“Esta programação não tem um caráter estritamente educativo, como
ocorria no início das transmissões dessas emissoras. A tendência atual
é a da transmissão de programas jornalísticos, culturais e de
entretenimento, todos tendo a educação como fio condutor” (FRADKIN,
2003, p. 62).
Contudo, o projeto não obteve sucesso, pois as diferenças falaram mais
alto. Principalmente no que diz respeito ao público, visto que a população
paulista não foi muito receptiva às produções da TVE. Outro fator que teve
importante influência, foi a diferença de estrutura jurídica entre a emissora
paulista e a carioca. “A TVE era uma emissora ligada diretamente ao governo
federal, de direito público, enquanto a TV Cultura funciona como uma fundação
26
A ABEPEC foi criada oficialmente em abril de 1998, durante assembléia geral, na sede da TV Cultura,
em São Paulo, com presença de dirigentes de 20 emissoras de televisão educativa e cultural do País. A
Entidade tem personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e congrega das emissoras
geradoras de caráter educativo e cultural, não comercial. Fonte:
http://www.abepec.com.br/a_entidade.asp. Acesso em: setembro de 2004.
27
Fonte: site da associação - http://www.abepec.com.br/ Acesso em: setembro de 2004.
28
Fonte: site da TVE Brasil: www.tvebrasil.com.br. Acesso em: abril de 2004.
Modelos de TV Pública na Europa e no Brasil
____________________________________________________________________________
79
de direito privado, com base na independência intelectual, política e
ideológica”.
29
Portanto, em maio de 2001, a RPTV chegou ao fim.
29
Jorge da Cunha Lima em depoimento a Gonçalo Junior publicado no livro O país da TV – a história da
televisão brasileira.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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80
CAPÍTULO 3 – TV CULTURA: UM EXEMPLO BRASILEIRO
3.1 – História: a TV Cultura em quatro fases
A história da TV Cultura pode ser dividida em quatro fases distintas, as
quais tiveram grande significado para a emissora. A primeira fase seria a dos
primeiros anos da TV Cultura, quando ainda pertencia aos Diários Associados,
de Assis Chateaubriand, e tinha como objetivos o lucro e a audiência. A
segunda fase vem logo em seguida, assim que a emissora é comprada pelo
governo do Estado de São Paulo e administrada pela Fundação Padre
Anchieta.
Já a terceira fase refere-se à gestão do jornalista Roberto Muylaert, que,
durante o período em que esteve à frente da emissora, chegou bem próximo do
conceito “ideal” de televisão pública. A quarta fase tem início na gestão de
Jorge da Cunha Lima e chega até os dias atuais. Essa última fase é marcada
por uma forte crise financeira e pelo descumprimento de alguns artigos do
estatuto da Fundação Padre Anchieta.
3.1.1 – Primeira fase – de comercial a pública
A televisão havia chegado ao Brasil no ano de 1950. Trazida por Assis
Chateaubriand - o primeiro brasileiro a construir um império jornalístico - o
veículo acabava por se tornar a principal fonte de informação do público
brasileiro. Em São Paulo, no ano de 1958, os Diários Associados ganham o
sinal para transmitir um novo canal 2. De acordo com o site da TV Cultura
30
,
“ao lado da TV Tupi, canal 3, os telespectadores iriam privilegiar os canais
‘Associados’, já que começando na ordem crescente nos canais, os dois
seriam os primeiros e poderiam despertar a atenção do público antes da TV
Paulista (5) e TV Record (7)”.
30
Site da TV Cultura: www.tvcultura.com.br
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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81
Com o surgimento do canal 2, era muito grande a possibilidade de haver
problemas na transmissão das imagens da TV Tupi. Por isso, a emissora
precisou trocar de sinal. A partir de 1º de agosto de 1960, a TV tupi passou a
ocupar o canal 4, pois esta faixa juntamente com a de número 5 pertencente à
TV Paulista (hoje Rede Globo) eram as mais longas e não corriam o risco de
interferir uma na outra. Então, no dia 20 de setembro de 1960, logo após a
comemoração de 10 anos de existência da TV Tupi, entrava no ar a TV
Cultura, cujos objetivos eram de educar, informar e divertir, “correspondendo
integralmente à responsabilidade do nome que levava” (KUNSCH, 1999; p.
200). Pouco mais de 15 anos após a chegada do veículo ao Brasil, o público
paulistano tinha acesso a seis canais: Cultura (canal 2), Tupi (canal 4), Paulista
(canal 5), Record (canal 7), Excelsior (canal 9) e Bandeirantes (canal 13).
Nessa época, o slogan da TV Cultura era: “Um verdadeiro presente de cultura
para o povo."
“As idéias que envolviam o nascimento da TV Cultura, de defesa dos
direitos humanos e de educação para todos, foram logo substituídas pela
guerra do mercado de audiência”, de maneira que após estar no ar há alguns
anos, o programa de maior audiência era ‘O Homem do Sapato Branco’,
apresentado por Jacinto Figueira Júnior e cujo conteúdo enfatizava o
sensacionalismo, mostrando problemas e brigas entre pessoas menos
favorecidas, além de guerras nas favelas e viciados em drogas (KUNSCH,
1999; p. 200).
Os estúdios da TV Cultura foram instalados no mesmo auditório que
serviu como laboratório para a TV Tupi, em 1950. Situado no 15º andar do
prédio dos Diários Associados, na Rua 7 de abril, no centro da capital paulista,
o estúdio abrigava os atores e técnicos que vinham emprestados da Tupi, que
também cedia a antena localizada no alto do edifício do Banespa. Num
primeiro momento, José Duarte Jr. foi o responsável pela direção artística e
comercial da emissora, mas foi substituído por Mário Fanucchi, que já
trabalhava na Tupi e que ficou “conhecido por ser um dos primeiros
‘vinheteiros’ do Brasil”. Foi ele também quem criou o ‘indiozinho’ que se
tornaria o famoso símbolo da TV Tupi.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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82
Em 1963, a TV Cultura juntamente com o Governo do Estado de São
Paulo criou o SERTE - Serviço de Educação e Formação pelo Rádio e
Televisão -, cujo objetivo era fazer com que o canal produzisse 10 horas
semanais de programação educativa. A TV Cultura começava, então, a ganhar
características de televisão voltada para a educação de seus telespectadores.
Contudo, em 1965, um incêndio acaba destruindo boa parte dos
equipamentos da TV Cultura, o que leva os Diários Associados a tomar uma
decisão: a emissora seria transferida de sede. Em princípio, a TV Cultura era
transmitida dos estúdios da Tupi situados no Sumaré, mas, no ano seguinte, a
emissora mudaria novamente de localização, desta vez, para o prédio da Rádio
Cultura, na Av. São João. “Outra parte da emissora se instalou num novo
complexo na Freguesia do Ó, em meio a um bosque natural a lagoa Santa
Marina.”
31
Os Diários Associados começam a entrar em decadência no ano de
1967, primeiro por causa do cerco do governo militar e depois com a morte de
Assis Chateaubriand, em 1968. Contudo, o fracasso da TV Tupi também pode
ser atribuído à incompetência de seus administradores, que não fizeram os
investimentos necessários para que a emissora disputasse a audiência em pé
de igualdade com as suas concorrentes. Com isso, a TV Tupi perdeu em
qualidade e suas concorrentes acabaram ocupando o espaço deixado pela
emissora pioneira. A solução encontrada foi vender a TV Cultura e outras
empresas do grupo Diários Associados pelo Brasil.
Em janeiro de 1968, a programação da TV Cultura - canal 2 - não
estava mais disponível para o público. As transmissões da TV Cultura -
considerada a irmã caçula da pioneira Tupi - haviam sido encerradas, pois no
seu lugar os telespectadores aguardavam a estréia de uma ‘TV Educativa’, que
seria inaugurada no ano seguinte.
Segundo Miriam Goldfeder, a TV Cultura surge no auge de um período
de transição política e econômica iniciado quatro anos antes com o golpe
militar de 1964. O governo militar percebendo a importância que os veículos de
31
Fonte: site da emissora: www.tvcultura.com.br. Acesso em junho de 2003.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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83
comunicação tinham em relação à difusão de ideologias e consequentemente
no alcance dessas mensagens, investiu no desenvolvimento das tecnologias
do setor. Uma das principais medidas tomadas pelo então governo foi a criação
da Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações), em 1965, que tinha
como princípio básico interligar o país através de linhas básicas de microondas,
além de aderir ao consórcio internacional para utilização de satélites de
telecomunicações, o Intelsat (KUNSCH, 1999; p. 200).
Portanto, a partir desse momento, a televisão passa a desempenhar um
papel fundamental na manutenção do poder. Em 16 de junho de 1969 - quase
vinte anos após a chegada da televisão ao Brasil - a TV Cultura era relançada
e trazia para o mercado brasileiro o conceito de TV pública. Segundo Leal Filho
(1988, p. 20), logo depois de ser vendida para o governo de São Paulo, a
emissora iniciaria a sua segunda fase, desta vez, inteiramente dedicada a
finalidades educativas e culturais. “Com a criação da ‘Fundação Centro
Brasileiro de TV Educativa’, em 1967, o Governo Federal dava o respaldo
necessário para o surgimento de canais voltados à educação e à cultura”.
32
Para viabilizar e manter a nova TV2 Cultura, o Governo de São Paulo
criou, em 26 de setembro de 1967, a Fundação Padre Anchieta - Centro
Paulista de Rádio e Televisão Educativas, com dotação do Estado e autonomia
administrativa. A fundação seguiu as diretrizes da Lei Estadual nº 9849 que
autoriza “o Poder Executivo a formar uma entidade destinada a promover
atividades educativas e culturais por meio do rádio e da televisão”. Cerca de 1
milhão de cruzeiros novos foram liberados para o empreendimento. O discurso
do então governador Abreu Sodré, em 1969, foi a primeira cobertura realizada
pela TV Cultura.
O surgimento da Rádio e Televisão Cultura acontece durante um
movimento nacional para a criação de televisões com caráter educativo que
seriam mantidas e organizadas pelo Estado. Na época, a nova TV Cultura
despertou o entusiasmo nos intelectuais (sobretudo jornalistas e professores
universitários), pois eles viam no veículo uma forma de “retomar o projeto de
32
Informações obtidas no site http://www.microfone.jor.br/hist_cultura.htm Acesso em abril de 2004.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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84
preencher o vazio intelectual que existia no Brasil desde a década de 1930”
(KUNSCH, 1999; p. 201). Entretanto, Leal Filho (1997), mostra que essa
situação não aconteceu somente no Brasil. Segundo ele, a televisão educativa
norte-americana passou por circunstância semelhante, visto que encarou o
espectador como um simples cilindro vazio, capaz de comportar uma série de
conhecimento sem qualquer reflexão, o que, no final, mostrou ser uma decisão
equivocada.
Por outro lado, o Estado demonstrava grande interesse nesse processo,
o regime militar, junto com empresários brasileiros e estrangeiros, via no
veículo uma forma de criar uma imagem do país a ser difundida de norte a sul.
Além disso, visualizavam também a possibilidade de incutir valores de uma
sociedade de consumo a partir do projeto militar do ‘milagre econômico’, cujo
objetivo primordial era o de garantir a implantação de uma economia alinhada
aos interesses internacionais do capital e uma ordem política integradora
(LEAL FILHO, 1997, p. 39-42).
A justificativa para o debate da implantação de tais tevês era a de que as
instituições do governo e universidades precisavam participar da elaboração de
novas metas educacionais para o país na transição dos anos de 1960 para
1970. O crescimento acelerado das grandes cidades, o fortalecimento da
indústria e a consolidação do segmento de serviços exigiram que a população
tivesse um nível escolar mais alto para atender a essa demanda de trabalho
(nessa época a taxa de analfabetismo no Brasil era de aproximadamente 60%,
um índice muito elevado, considerando que o país visava investir em seu
crescimento político e econômico). Determinadas parcelas da população
exerceram uma certa pressão, pedindo a ampliação do ensino fundamental
(DOS SANTOS, 1998, p. 29). Portanto, o nascimento da TV Cultura pode ser
compreendido como “fruto de uma confluência de interesses e propostas”. A
RTC seria o resultado da linha político-econômica do regime militar e do
esforço de um grupo para a implementação de projetos na área da educação.
Vale destacar que a elite intelectual, ligada e esse projeto educativo, vivia um
clima de euforia, pois acreditava que a televisão seria um “moderno método de
educação de massa” (DOS SANTOS, 1998, p. 30).
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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85
Durante a primeira fase da TV Cultura é possível perceber que a filosofia
da emissora estava baseada em alguns princípios como a produção para a
elite, reservas quanto ao veículo e forte dose de regionalismo, além de uma
visão conservadora. Essas impressões ficaram mais nítidas no discurso de
José Bonifácio Coutinho Nogueira, durante a inauguração da TV Cultura. Seu
discurso dizia:
“A Fundação Padre Anchieta, afirmando-se legionária do regime de
liberdade, não terá qualquer posição política que não seja a de divulgadora
dos postulados da democracia. Todas as formas de proselitismo serão
recusadas. Sem quaisquer preconceitos religiosos, adotaremos a posição
ecumênica, que unem a todos que crêem em Deus. Aos espíritos jovens de
todas as idades e condições sociais dirigiremos a nossa mensagem (...) a
filosofia do nosso trabalho busca a democratização do ensino pela cultura”
(KUNSCH, 1999, p. 201 e 202).
José Bonifácio Coutinho Nogueira buscou profissionais para dar início ao
projeto da nova TV Cultura. Mais uma vez, a emissora mudaria de sede. A
nova administração ficaria, agora, na Rua Carlos Spera, nº 179, no bairro
paulistano da Água Branca. O patrimônio inicial da TV Cultura consistia em
dois estúdios, um pequeno prédio utilizado pela administração, uma
lanchonete, outro prédio térreo (da Rádio Cultura AM), o almoxarifado geral,
além de uma pequena casa onde morava o zelador.
A ampliação da emissora aconteceu a partir do ano de 1968. Foram
construídos um prédio de dois andares que passaria a abrigar a diretoria, o
Conselho de Curadores e a produção; um prédio para a nova sede da Rádio
Cultura e mais um anexo para o setor de operações. A equipe reunida pelo
presidente José Bonifácio Nogueira era responsável pela elaboração de um
cronograma de trabalho que colocaria o canal no ar. A equipe era composta
por: brigadeiro Sérgio Sobral de Oliveira (assessor administrativo); Carlos
Sarmento (assessor de planejamento); Carlos Vergueiro (assessor artístico);
Cláudio Petraglia (assessor cultural); Antonio Soares Amora (assessor de
ensino); Miguel Cipolla (assessor técnico) e Fernando Vieira de Mello (assessor
de produção).
“Vários desses profissionais traziam experiência de outros veículos –
Petraglia tinha no currículo vários cursos e estágios no exterior e uma
passagem significativa pela TV Paulista; Cipolla havia trabalhado na TV
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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86
Excelsior; Vergueiro era diretor da Rádio Eldorado; e Vieira de Mello
atuava na Rádio Pan Americana, a Jovem Pan”.
33
Ao mesmo tempo em que os profissionais eram contratados, cuidava-se
também da aquisição de equipamentos e da concepção visual da emissora. Os
designers Ludovico Martino e João Carlos Cauduro foram os idealizadores do
logotipo da TV Cultura. Em depoimento ao site da emissora, Armando Ferrara,
chefe do Departamento de Cenografia e Arte da TV Cultura de 1969 a 1988,
afirmou que “logo no início, a Fundação se pautou pela escolha de profissionais
de grande gabarito. Foram esses profissionais que formaram verdadeiramente
a primeira escola de televisão no Brasil. Antes da estréia, nós passamos de
seis a oito meses formando conceitos, discutindo o caminho que deveria tomar
uma TV educativa.”
3.1.2 – Segunda fase – a emissora no período da ditadura militar
Conforme visto anteriormente, a TV Cultura surge poucos anos depois
do golpe militar de 1964 e, segundo Miriam Goldfeder (1980), é o momento em
que há uma “transição de desenvolvimento econômico associado”. Os militares
enxergaram na televisão um meio de comunicação para difundir a sua
ideologia, montando, inclusive, uma rede de telecomunicações (Embratel –
Empresa Brasileira de Telecomunicações) que auxiliaria na sustentação da
política autoritária do regime. É também por meio da Embratel, nessa época,
que o país começa a importar tecnologia e a instalar centros de televisão em
cidades médias e grandes. A empresa estatal era responsável pela
“comutação, controle e distribuição de transmissores de televisão” (KUNSCH,
1999, p. 204). Portanto, a televisão ganha um papel de destaque em meio à
estrutura do poder militar.
Com a televisão em alta, é possível perceber que, a partir desse
momento, o regime possui um projeto para utilizar o veículo a seu favor. Um
pouco antes do golpe militar, em 1962, o Congresso Nacional havia aprovado o
Código Brasileiro de Telecomunicações (lei nº 4.117). Apesar de ter sido
33
Fonte: site da emissora: www.tvcultura.com.br. Acesso em junho de 2003
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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87
elaborado e aprovado ainda no período democrático, o projeto tinha “inspiração
militar, plenamente identificado com as teses de integração nacional,
segurança e desenvolvimento pregadas na Escola Superior de Guerra”
(KUNSCH, 1999, p. 204).
Portanto, o tripé estava formado: a Embratel era a empresa que faria o
serviço, o Ministério das Comunicações cuidaria da parte institucional e
sustentaria o esforço do governo e o Código Brasileiro de Telecomunicações
seria a base legal. A ampliação das redes de TV no país, durante o governo
militar, aconteceu por meio de facilidades oferecidas à iniciativa privada pela
legislação. O decreto-lei nº 486 (de 1968), teve real importância para as
emissoras, pois permitiu que elas importassem equipamentos e peças
destinados à instalação e manutenção com total isenção de impostos.
“Nesta mesma época no Brasil ocorre a racionalização da indústria de
teledifusão, tanto no setor público como no privado. O Estado passa
executar planos de integração nacional que garantem o controle e a
operação das comunicações sob a direção de um centro único de poder,
através do Ministério das Comunicações, criado pelo decreto-lei nº 200, de
25 de novembro de 1967, que passou a Contel (Conselho Nacional de
Telecomunicações), órgão normativo que deve decidir sobre as concessões
para a operação do sistema; A Embratel, como principal órgão executor da
política elaborada pelo Contel, o Dentel (Departamento Nacional de
Telecomunicações), responsável pela fiscalização do funcionamento do
sistema, e a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) (KUNSCH, 1999, p.
205).
É a partir desse momento que o Estado começa a construir suas
próprias redes de emissoras de rádio e televisão educativas e a criar fundações
públicas e privadas que passaram a funcionar com verbas do Estado, de forma
complementar às da iniciativa privada. Portanto, a TV Cultura, mesmo não
sendo uma empresa privada, acabou transformando a sua matéria-prima
(educação, cultura e informação) numa espécie de moeda ideológica,
retransmitindo o pensamento dominante da época. A TV Cultura manteve-se
ligada ao governo e somente perdeu o vínculo de emissora ‘chapa branca’ no
final de 1986 (KUNSCH, 1999, p. 206).
Essa segunda fase da história da TV Cultura é marcada por
intervenções do Estado e um caso trágico. O processo teve início quando o
liberalismo cultural e político da direção da emissora não corresponderam à
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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visão impositiva e autoritária do governo militar. Em 1972, o procurador Hélio
Bicudo fez duras críticas ao sistema carcerário do Estado. Esse episódio irritou
o Chefe da Casa Civil do governador Laudo Natel, Henry Aidar, que exigiu a
demissão do diretor do programa, na época, e, caso não fosse cumprido, a
emissora sofreria um violento corte de verbas. O presidente da Fundação, à
época, José Bonifácio Coutinho Nogueira, preferiu entregar o seu cargo a se
submeter ao abuso de poder por parte do governo.
Em março de 1972, foram convocadas novas eleições para a Diretoria
Executiva da Fundação e a chapa indicada pelo governador Laudo Natel foi a
vencedora. Raphael Souza Noschese, pessoa de confiança do governador,
ocupou o cargo com a condição de que sua autonomia seria respeitada.
“Porém, o Palácio dos Bandeirantes solicitou-lhe que readmitisse Benedito Ruy
Barbosa, afilhado do governador, que havia sido demitido pelo ex-presidente
José Bonifácio” (COUTINHO, 2003, p. 47). As pressões por parte do governo
eram freqüentes e Noschese acabava cedendo aos favores menores para não
parecer radical e intransigente. Henri Aidar, chefe da Casa Civil do governador,
pediu então que Benedito Ruy Barbosa fosse promovido na TV Cultura. O
problema maior era que o cargo pretendido, o de assessor de programação,
inexistia na emissora. O intuito era fazer com que Barbosa controlasse a linha
de programação da tevê. Raphael Noschese tentou resistir às pressões do
governo, mas as exigências aumentavam cada vez mais e ele decidiu se
demitir, deflagrando uma nova crise.
De acordo com Coutinho (2003, p. 47-48), os políticos procuraram fazer
da emissora uma espécie de porta voz oficial. Antônio Guimarães Ferri
assumiu o cargo de presidente da Fundação Padre Anchieta, porém, a crise
interna não cessou mesmo com a sua posse. No ano seguinte, um dos
membros do Conselho, Paulo Duarte, se demite devido às pressões e
interferências por parte do governo na emissora. Nessa época, inclusive,
funcionários do telejornal ‘Hora da Notícia’ também se demitiram por se oporem
à divulgação de notícias sem conteúdo jornalístico, ou seja, que representavam
apenas os interesses particulares dos políticos.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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89
Dois anos mais tarde, a TV Cultura conheceria um dos seus piores
momentos: o assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Nascido na Iugoslávia,
Herzog imigrou para o Brasil, onde se tornou jornalista, professor da
Universidade de São Paulo e teatrólogo. Ele trabalhava como diretor de
jornalismo da TV Cultura quando foi intimado pelo DOI-CODI (Destacamento
de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de
São Paulo para prestar depoimento sobre suas atividades políticas. Herzog era
membro clandestino do PCB, mas não era um militante intenso e muito menos
tinha uma função de dirigente. Na verdade, ele foi uma vítima dos
enfrentamentos entre grupos de militares que disputavam o controle do regime.
Segundo a versão oficial, Wladimir Herzog se suicidou nas
dependências do DOI-CODI, enforcando-se com o cinto do macacão de
presidiário que usava. No entanto, de acordo com o laudo do legista que
examinou seu corpo, ele foi assassinado. Além disso, os jornalistas Jorge
Benigno Jathay Duque Estrada e Rodolfo Konder, também presos nas
dependências do DOI-CODI, afirmaram ter ouvido ruídos que indicavam que
Herzog havia sido torturado. Esse é um capítulo funesto na história da TV
Cultura.
34
“Com o caso Herzog, o Departamento de Telejornalismo entrou em regime
de medo. Alguns dos principais editores foram presos e posteriormente
afastados. (Fernando) Faro pediu demissão que depois transformou-se em
pedido de férias. (José) Mindlin foi demitido. Só restou o medo, a censura
da Polícia Federal, do Palácio do governo, da prefeitura. E muito trabalho
debaixo da tensão, para tentar manter a programação no ar” (COUTINHO
apud BRAGA, 1976, p. 52).
Durante a gestão de Paulo Maluf (1979-1982), a TV Cultura obteve uma
certa atenção especial, sendo beneficiada com liberação de verbas e
ampliação da rede no interior do Estado. Evidente que tais benefícios não
seriam ofertados gratuitamente, em troca, o governo exigia mais espaço na
programação. “O curador das Fundações interpelou o Conselho Curador,
questionando o uso abusivo da TV Cultura para fins político-partidários, o que é
34
Informação obtidas no site http://www.museudapessoa.net/emdia/emdia60.htm. Acesso em abril de
2003.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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90
vedado pelo artigo 3º, parágrafo único do estatuto da Fundação Padre
Anchieta”.
35
O então senador Franco Montoro denunciou as infrações cometidas pelo
governador de São Paulo em relação à legislação eleitoral. Segundo as
denúncias de Montoro, Paulo Maluf estaria fazendo campanha em favor da
Arena por meio do programa de entrevistas Vox Populi, da TV Cultura. Tal
prática feria o artigo 12 da lei Etelvino Lins que previa que a propaganda
eleitoral no rádio e na televisão poderia ser feita somente em horário gratuito.
Montoro, em suas denúncias, lembrou ainda que, além do artigo 12 da lei
Etelvino Lins, o artigo 72 da resolução 10.445, baixada pelo TSE, em junho de
1978, proibia a utilização dos serviços públicos, de autarquias e de fundações
para beneficiar partido ou organização de caráter político. Portanto, o senador
Franco Montoro solicitou ao Tribunal Superior Eleitoral que notificasse as
emissoras de rádio e televisão, os serviços de auto-falante e a Agência
Nacional para que cessassem a transmissão de mensagens que infringissem a
legislação eleitoral (COUTINHO, 2003, p. 59).
Enquanto o ex-governador Abreu Sodré era conduzido à presidência do
Conselho, José Maria Marin tomava posse do cargo de governador do Estado
após a saída de Paulo Maluf que iria se dedicar à campanha eleitoral. Ao
prever que teria problemas na RTC, Marin assina, em agosto de 1982, dois
decretos: o primeiro demitia sumariamente a maioria do Conselho e nomeava
outros membros e o segundo afastava a Diretoria Executiva – escolhida pelo
Conselho Curador anterior – e colocava pessoas de sua confiança. Além disso,
Marin alterou o estatuto e os objetivos da Fundação, argumentando que eles
estavam superados e que foram ultrapassados.
No dia seguinte a assinatura dos decretos, 18 dos 35 membros do
Conselho Curador decidiram impetrar um mandato de segurança. Após
inúmeros embates jurídicos, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu a
favor da Fundação Padre Anchieta por 23 a 0, derrubando, assim, o decreto de
José Maria Marin, ratificando a FPA como sendo uma pessoa jurídica de direito
35
Cultura 20 anos/ Fundação Padre Anchieta; Organização de Walmes Nogueira Galvão e Waldimas
Nogueira Galvão; São Paulo: Biblioteca da FPA; 1989; pág. 19
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privado. O STJ reafirmou ainda que competia somente ao Conselho Curador o
poder de alterar seu estatuto, além de eleger seus próprios membros e sua
Diretoria Executiva. Estava reconhecida, assim, a autonomia da FPA perante o
Poder Judiciário.
Esse período de crise chegou ao ápice e começam a surgir propostas
independentes atreladas às classes subalternas. “Primeiro, mostrou-se que
tanto o projeto liberal quanto o autoritário excluíam a participação de
importantes camadas da população da direção da emissora. Vários projetos de
reformulação surgiram e passaram pelo Poder Legislativo estadual, propondo a
reestruturação jurídica da Fundação Padre Anchieta” (KUNSCH, 1999, p. 209).
Três propostas vieram da Assembléia Legislativa do Estado de São
Paulo. A primeira era o projeto de lei nº 311 do deputado estadual Eduardo
Suplicy, que fora apresentado à Assembléia, em junho de 1982. O projeto
sugeria alteração no estatuto da FPA para permitir que fosse possível
“informar, em seus programas jornalísticos, as atividades e os fatos mais
importantes relativos a todos os partidos políticos e promover,
obrigatoriamente, em sua programação de debates, a participação eqüitativa,
simultânea ou alternada de cada um dos partidos políticos legalmente
existentes no Brasil, além de transmitir a opinião e divulgar o trabalho das mais
diversas correntes de pensamento” (KUNSCH, 1999, p. 209).
O segundo projeto, de autoria do deputado estadual Luiz Carlos dos
Santos, propunha que representantes de sindicatos dos trabalhadores, das
organizações de músicos, escritores, advogados; da Comissão de Justiça e
Paz; da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e de
representantes de funcionários fossem incluídos no Conselho Curador da TV
Cultura. Já o terceiro projeto de lei era do deputado Fernando Moraes e sugeria
que fossem incluídos não somente representantes de sindicatos, de
empregados da Fundação, da SBPC, mas ainda representantes da raça negra,
de mulheres e propunha a ampliação da representatividade das universidades.
A Assembléia Legislativa aprovou, por unanimidade, este terceiro projeto.
Contudo, o governado do Estado o vetou.
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Ao tomar posse, o governador Franco Montoro revogou os dois
decretos. Além disso, o próprio Conselho Curador elaborou propostas de
alteração no estatuto a fim de modernizá-lo. As alterações foram enviadas à
Assembléia Legislativa na forma de decreto que o aprovou sem alterações.
Portanto, o direito de auto-gestão da Fundação Padre Anchieta estava
reconhecido pelos Três Poderes. Em 1985, chega ao fim o regime ditatorial no
Brasil e a RTC está pronta para iniciar uma nova fase da sua história.
3.1.3 – Terceira fase – Cultura se aproxima do modelo de televisão pública
A terceira fase da TV Cultura pode ser considerada como a mais
produtiva, pois é nessa etapa que ela se aproxima do conceito de televisão
pública. A gestão de Roberto Muylaert será marcada por uma democratização
no estatuto e a emissora apresentará índices de audiência de até 14 pontos.
Uma marca extremamente significativa ao longo de toda a trajetória da TV
Cultura. Contudo, o período não é composto apenas por bons momentos. Em
1986, um incêndio vai destruir as instalações da emissora, causando um
grande prejuízo.
No dia em que o Plano Cruzado congelou a economia do país, a TV
Cultura pegou fogo. No dia 28 de fevereiro de 1986, um incêndio destruiu
praticamente 90% da capacidade de produção da emissora. Dois estúdios que
eram utilizados para gravação e apresentação da maior parte dos programas
ficaram completamente destruídos. O fogo se espalhou e consumiu a central
de controle de imagens e áudio, responsável pelas emissões da televisão, as
sete ilhas de edição de vídeo cassete, o switcher (mesa de operações de
diretor de TV) e o controle-mestre das imagens.
Neste setor estavam guardadas, e que também foram queimadas, todas
as fitas usadas recentemente ou programadas para uso imediato. Contudo, o
restante do acervo não sofreu qualquer dano. Os estúdios anexos aos
destruídos não foram efetivamente afetados pelo fogo, mas foram danificados
pela fumaça e pela água das mangueiras contra incêndio. Além disso, por
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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93
estarem ligados diretamente ao setor técnico que também fora destruído, suas
conexões desapareceram totalmente, deixando-os fora de aproveitamento
imediato.
Uma crise se abateu sobre a TV Cultura, pois sua capacidade de
produção ficou praticamente reduzida a zero. Os programas de debate,
entrevistas e prestação de serviços passaram a ser transmitidos de um estúdio
ainda em construção. Do Teatro Franco Zampari, com uma terceira unidade de
externa, a emissora apresentava os programas ao vivo. Mas em meio à
tragédia, um gesto solidário por parte das TVs Globo, Bandeirantes e Manchete
fez com que a Cultura se mantivesse no ar: as emissoras cederam horários em
suas ilhas de edição e emprestaram imagens e equipamentos. Contudo, esse
incêndio contribuiu de maneira positiva, pois assim os problemas estruturais
foram revistos. Além da recuperação de arquivos e estúdios, as instalações
foram reconstruídas e equipamentos tecnológicos mais avançados também
foram adquiridos pela diretoria que acabara de tomar posse.
Três meses após o incidente, uma nova Diretoria-Executiva na
Fundação Padre Anchieta é empossada. A equipe era formada por Roberto
Muylaert (diretor presidente); Maria Aparecida Tamaso Garcia (diretora vice-
presidente) e Alfredo Cecílio Lopes (diretor financeiro). A nova diretoria tinha
como principal tarefa reequipar a TV Cultura ao nível das mais modernas
emissoras, além de promover uma ampla reforma administrativa para adequar
seu quadro de funcionários aos parâmetros de uma empresa moderna. Havia
ainda o desafio de replanejar e reordenar sua programação para que
cumprisse os compromissos com a população previstos no estatuto da
Fundação.
36
A gestão de Roberto Muylaert acaba se tornando um divisor de águas na
história da TV Cultura, pois ele tenta implantar uma nova visão de televisão.
Muylaert era um profissional ligado ao gerenciamento de instituições culturais:
possuía uma empresa chamada “Consultoria de Comunicação” e foi curador da
Fundação Bienal São Paulo. Além disso, conhecia a TV Cultura, pois, em 1977,
36
Cultura 20 anos/ Fundação Padre Anchieta; Organização de Walmes Nogueira Galvão e Waldimas
Nogueira Galvão; São Paulo: Biblioteca da FPA; 1989; pág. 24.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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94
havia feito parte da equipe que criou o programa Vox Populi. Durante o
processo de redemocratização, o seu nome foi apontado para ocupar o cargo
de diretor da emissora, pois tinha um bom currículo e uma certa facilidade para
transitar pelos ‘setores progressistas’ (DOS SANTOS, 1998, p. 62).
Muylaert busca dar uma outra dinâmica à emissora, sendo que boa parte
dos empreendimentos administrativos da sua gestão se baseou nos estudos
feitos por sua empresa. Um dos principais objetivos era o de desfazer a
‘mentalidade estatal’ que dominava a emissora. Segundo os estudos, faltavam
diretrizes claras e unificadas que interferiam no funcionamento da TV Cultura,
tornando-a extremamente burocrática, o que era conflitante e contraditório,
visto que a emissora necessitava veicular programas todos os dias. No entanto,
Roberto Muylaert não foi o único a ter que enfrentar esse problema. Em 1998,
na gestão de Jorge da Cunha Lima, foi realizada uma pesquisa interna com os
funcionários e o resultado foi surpreendente: o público interno acreditava ser a
TV Cultura uma espécie de mãe, ou seja, a relação do funcionário com a TV
era extremamente matriarcal ao invés de profissional.
Roberto Muylaert foi o presidente da TV Cultura que conseguiu realizar
mudanças importantes, como transformar a tevê em uma emissora pública,
semelhante às suas congêneres internacionais, inspirando-se no modelo norte-
americano de TV pública. Outro objetivo da gestão de Roberto Muylaert era
desvincular, ao máximo, a TV Cultura do governo estadual, fato de difícil
realização visto que a emissora dependia financeiramente do poder executivo.
A solução seria buscar a independência financeira, mas havia um impedimento:
o artigo 12, item 1, do Decreto-lei 282 de 1967, proibia as televisões educativas
de buscarem patrocínio por não terem um caráter comercial.
A Fundação Roquete Pinto, órgão responsável pelas tevês educativas
do governo federal, recebia os chamados “apoios culturais” e por isso a TV
Cultura decidiu também organizar uma estratégia de marketing com o intuito de
buscar apoio. E foi o momento certo, visto que o governo federal acabara de
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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95
aprovar as leis Sarney e Rouanet
37
de incentivo à cultura e cujo objetivo era o
de colaborar com as produções culturais, permitindo que as empresas da
iniciativa privada investissem nas emissoras educativas.
“Quando comecei na TV Cultura, cujo nome resgatei de uma
despersonalizada RTC que havia sido adotada há alguns anos, na época,
sem aprovação pelo Conselho, as TVs européias eram todas estatais,
chatas e sem-graça, exceto a BBC. E as americanas tinham o
extraordinário sistema em rede da PBS, em especial a de Nova York que
era um oásis na TV americana. Comecei, então, a estudar as TVs públicas,
como eles as dominavam e o seu sistema de sponsorship, que eu batizei
de apoio cultural, nome depois adotado por todo mundo.” (COUTINHO,
2003, p. 73)
É partir desse momento que a programação da TV Cultura sofre
alterações que a deixam mais informativa e menos educativa. O público
infanto-juvenil se torna o foco principal da emissora, que agora veicula também
séries produzidas no Brasil e no exterior, lança programas novos e permite que
outras TVs educativas retransmitam a sua programação, passando, inclusive, a
transmitir via satélite para todo o país.
No entanto, um dos grandes problemas da TV Cultura era a transmissão
de seus sinais para a cidade de São Paulo. É sabido que São Paulo possui
uma geografia muito acidentada o que acaba interferindo na recepção dos
sinais. No caso específico da TV Cultura, muitos bairros paulistanos -
principalmente os situados na zona leste da capital - sequer conseguiam
receber as imagens da emissora. Mas, em março de 1992, o problema foi
solucionado. Com um investimento de US$ 5,5 milhões, a TV Cultura adquiriu e
instalou uma nova antena no bairro do Sumaré (um dos pontos mais altos da
cidade). O investimento se tornaria um marco na história da emissora, de
acordo com Roberto Muylaert, pois em alguns horários a TV Cultura alcançaria
o segundo lugar na medição dos índices de audiência (Folha de S. Paulo – TV
Folha, 8/11/92).
Para alcançar o público fora do Estado de São Paulo, a TV Cultura
necessitava de um canal de satélite que, infelizmente, ainda não havia sido
37
Lei Rouanet: a Lei nº 8.313/91 permite que os projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo
à Cultura (CNIC) recebam patrocínios e doações de empresas e pessoas, que poderão abater, ainda que
parcialmente, os benefícios concedidos do Imposto de Renda devido.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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autorizado pelo governo federal. Roberto Muylaert esteve em Brasília por
diversas vezes, negociando com ministros e políticos, mas sem obter sucesso.
A autorização veio somente durante o governo Itamar Franco por meio da
Embratel e, a partir desse momento, a TV Cultura deixava de ser uma emissora
de caráter regional para entrar na era da globalização (SILVA, 1997, p. 35).
Alguns de seus programas já eram retransmitidos pelas emissoras educativas
do país, mas agora a TV Cultura se transformava em Rede Cultura de
Televisão.
Porém, a gestão de Roberto Muylaert também teve seus problemas e o
mais grave deles foi uma crise institucional no ano em que a TV Cultura
comemorava seus 20 anos de existência. A questão envolvia o fato da
emissora não ter definido ainda o seu papel, ou seja, a TV Cultura, afinal, era
uma tevê pública ou estatal? O conflito afetou, inclusive, o departamento de
jornalismo. No início de junho de 1989, o Jornal da Cultura mostrou uma
reportagem sobre a inauguração de um comitê do candidato ao governo
Ulysses Guimarães e professores da rede pública pisoteando um cartaz do
então governador Orestes Quércia. Duas semanas mais tarde, Roberto
Muylaert, presidente da FPA, e Alfredo Cecílio Lopes, diretor superintendente
da fundação, enviaram uma carta de advertência a Roberto de Oliveira,
coordenador de programação da TV Cultura, declarando que o Jornal da
Cultura estava divulgando notícias contrárias ao governo.
Após a advertência, Oliveira e as chefias de jornalismo pediram
demissão. No dia 16 de junho, dia em que a emissora comemorava seus 20
anos, os jornalistas decidiram interromper suas atividades por considerarem
que estavam sem chefia. Durante quatro dias consecutivos, todos os telejornais
mais os programas Repórter Especial e Metrópolis saíram do ar. Nesse
período, Roberto Muylaert renunciou à presidência, alegando que não
concordava com as exigências feitas pelo coordenador de programação. O
cargo foi assumido interinamente por Alfredo Cecílio Lopes, que enviou um
memorando conciliatório aos jornalistas, retirando as ameaças de punição e
reintegrando Roberto Oliveira ao cargo. Os jornalistas voltaram ao trabalho e o
Conselho Curador tratou de convencer Muylaert a reassumir seu cargo. No dia
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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97
26 de junho de 1989, Roberto Muylaert volta à FPA e Oliveira sai
definitivamente junto com a diretoria de programação (COUTINHO, 2003, p.
74-75).
Esse episódio mostra claramente a relação que a TV Cultura mantém
com o governo do Estado e que as suas principais dificuldades estão ligadas,
sobretudo, à dependência político-financeira que possui. A disputa entre
Muylaert e Oliveira aponta para uma fogueira das vaidades, na qual a disputa
pelo poder falou mais alto que o respeito ao cidadão-telespectador. A
obediência política e o recebimento de verbas ressaltam ainda mais a falta de
autonomia e imparcialidade por parte da emissora, sendo que na área
jornalística essa situação fica muito mais evidente com a veiculação de material
favorável ao governo estadual.
Mesmo registrando bons índices de audiência e desfrutando de uma
certa credibilidade junto ao telespectador, os anos que se seguem não serão
tão favoráveis para a TV Cultura. A saída de Roberto Muylaert da presidência
da FPA deixa boas recordações para a emissora, como uma empresa
organizada, programação adequada, reconhecimento do público, bons índices
de audiência e algumas dezenas de prêmios nacionais e internacionais.
Contudo, “a gestão de Roberto Muylaert deixou uma dívida muito grande para
a gestão seguinte, a de Jorge da Cunha Lima” (Maurício Monteiro).
3.1.4 – Quarta fase – tempos de crise e de mudanças
O jornalista Jorge da Cunha Lima assumiu a presidência da Fundação
Padre Anchieta em junho de 1995, logo após sair da Fundação Cásper Líbero,
onde criou o TV Mix, da TV Gazeta de São Paulo. Jornalista do jornal Última
Hora e da revista Vogue Senhor nos anos de 1960 e 1970, ele ocupou também
cargos políticos, como o de secretário de Cultura do governo Franco Montoro
(1983-1986). Ao assumir a TV Cultura, ele encontrou uma emissora deficitária
financeiramente, cuja dívida estava em pouco mais de R$ 30 milhões, sem
contar os débitos trabalhistas.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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98
A gestão de Cunha Lima sofreu também uma quebra violenta de
orçamento logo no primeiro ano. “Tivemos de recompor o aporte de dinheiro
público, as verbas voltaram a certa normalidade e tivemos de fazer verdadeiras
magias” (GONÇALO JÚNIOR, 2001, p. 234). O orçamento da Cultura no ano
de 1997 foi de R$ 59 milhões, sendo que o governo estadual colaborou com R$
35 milhões e os outros R$ 14 milhões vieram da venda de produtos licenciados
- como vídeos, brinquedos e jogos referentes a programas e personagens – e
propaganda institucional.
O corte de verbas imposto pelo governo Mário Covas fez com que a
emissora tomasse algumas medidas radicais que resultaram na demissão de
funcionários – cerca de 250 - e mudanças em sua grade de programação, além
de haver a possibilidade de mais 400 funcionários serem demitidos. “O
governador Mário Covas, em entrevista em junho de 1995, disse que a Cultura
recebia dinheiro demais do Estado, sendo ela própria culpada pela
incapacidade de gerar receita própria. Fez severas críticas à emissora,
afirmando que até uma criança, com todo aquele equipamento, faturaria mais”
(KUNSCH, 1999, p. 216). Covas criticou ainda a folha salarial da Fundação
Padre Anchieta.
Uma das primeiras decisões foi a de pedir ao governo do Estado 120
dias para se inteirar da situação da emissora. Em compensação, Cunha Lima
não mudaria a programação direcionada para o público infanto-juvenil e não
daria início a qualquer novo projeto sem que fossem firmadas parcerias com a
iniciativa privada. A crise afetou sobretudo a programação, pois, sem verba, a
emissora precisou cancelar alguns projetos, como a produção de
documentários e a nova versão do Rá-Tim-Bum, projeto iniciado na gestão de
Roberto Muylaert voltado para o público infantil.
Na tentativa de recuperar parte dos projetos, Cunha Lima apostou na
‘reengenharia administrativa’, isto é, incentivou a comercialização de alguns
produtos (cópias VHS de programas e a exploração da marca Castelo Rá-Tim-
Bum) e aluguel dos estúdios para gravações. Outra alternativa para obter
verba, foi a negociação dos chamados ‘apoios culturais’. No entanto, no final
dos anos 1990, a TV Cultura procurou não utilizar o termo ‘apoio cultural’, mas
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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99
somente ‘apoio’, pois a conotação cultural dava a impressão de que os
parceiros investiam na produção, o que, segundo o departamento de marketing
da emissora, não acontecia.
38
Portanto, com essas medidas, acreditava-se que
era possível evitar problemas, assim como a demissão de 147 funcionários
ocorrida em 1997.
Em entrevista ao Jornal da Tarde, em abril de 1998, Jorge da Cunha
Lima afirmou que o déficit mensal da TV Cultura, num primeiro momento, era
de R$ 1 milhão e que depois passou a ser de R$ 780 mil. Segundo ele, a
solução para redução do déficit consistia basicamente no apoio dos governos
federal, estadual e municipal por meio da veiculação de publicidade
institucional. Mais uma vez, é possível perceber a dependência que a emissora
tem em relação ao poder público.
Contudo, a preocupação de Cunha Lima tinha fundamento. O
endividamento da emissora com a previdência social era da ordem de R$ 14,8
milhões até o ano de 1998. Para tentar amenizar a situação, a empresa decide
requerer um parcelamento da dívida em até oito anos. Além da previdência, a
emissora tinha também uma dívida de R$ 7 milhões com empresas
prestadoras de serviços, como Embratel, Eletropaulo e Sabesp. “Para captar
mais recursos, a emissora tenta reorganizar seu Departamento de Receitas
Operacionais, investindo numa boa gerência de marketing institucional e a
profissionalização de recursos” (KUNSCH, 1999, p. 217).
Por outro lado, as dificuldades enfrentadas pela TV Cultura não eram
somente de ordem financeira. Àquela altura, apesar de ter quase 30 anos de
existência, a emissora vivia um dilema marcado pelo “paradoxo existente entre
tevê e cultura” (KUNSCH, 1999, p. 217). A falta de qualidade dos canais
comerciais abertos da televisão brasileira colocava a TV Cultura numa situação
muito complicada entre a TV Aberta e a TV por assinatura, pois o público que
assistia à emissora, era o mesmo que consumia os programas da tevê paga.
Algo, no mínimo, contraditório, visto que a TV Cultura recebia verbas do
Estado.
38
Entrevista com Solange Amadeo, do Departamento de Marketing da TV Cultura.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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100
A gestão de Jorge da Cunha Lima entrava no século XXI com os
mesmos problemas. É claro que a falta de dinheiro contribuiu para o
agravamento da crise que, em momentos diferentes, ficou evidente. No início
de 2003, cerca de 250 funcionários foram demitidos e a tevê, que ao longo dos
anos foi protagonista de um paradigma de qualidade, teve problemas eclodindo
ao mesmo tempo: a caixa-d’água da emissora que estava a ponto de cair, a
reutilização de fitas de vídeo que continham programas históricos e os estúdios
vazios no período da manhã por total falta de equipes.
Para justificar tantos problemas, Cunha Lima declarou à revista Carta
Capital, em março de 2003, que “sem as demissões, a Cultura fecharia o ano
com um déficit de R$ 8 milhões”
39
. Já a secretária estadual de Cultura, Claudia
Costin, declarou ao jornal Folha de S. Paulo, em junho do mesmo ano, que
havia achado ‘estranho a contratação de pouco mais de 200 pessoas nos
últimos anos e a posterior demissão”.
40
O Sindicato dos Radialistas do Estado
de São Paulo afirmava que não haviam provas, mas indícios de uma gestão
ruim na emissora e desvio de dinheiro. Para o então deputado Luiz Antonio
Fleury Filho (PTB-SP), na verdade, o governo queria tirar Cunha Lima da
presidência da Fundação e cortava a verba com a intenção de que ele se
demitisse. Arnaldo Moreira, secretário da Casa Civil, defendia o governo e
dizia: “O investimento está parado. A verba para custeio foi cortada em 10% e
atingiu a área da cultura. Não existe orientação do governador para interferir na
fundação.”
41
No caso da programação, as reprises ficaram evidentes para o público.
Por exemplo, durante mais de um ano, o programa Vitrine exibiu retrospectivas
dos melhores momentos e quase nenhuma novidade. Até o público-alvo da
emissora foi atingido. O infantil Ilha Rá-Tim-Bum não fez o sucesso desejado,
por outro lado, as reprises do Castelo Rá-Tim-Bum deram mais audiência que
o programa inédito. É nesse cenário conflitante e instável que a gestão de
Cunha Lima vai sofrer dois grandes golpes: o pedido de uma CPI na
Assembléia Legislativa e a intervenção de uma auditoria.
39
“Imagem com Chuvisco”. Reportagem publicada na revista Carta Capital, em 12/03/2003.
40
Ministério Público vai aprofundar investigação em contas da TV Cultura”. Folha de S. Paulo, 15/6/03
41
Idem
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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101
Apesar de, em maio de 2003, o governador Geraldo Alckmin ter
declarado à imprensa que a TV Cultura não passaria por uma intervenção
42
,
Julieda Puig Pereira Paes, economista indicada pelo governo, assume as
contas da TV Cultura em agosto e requisita aos funcionários que relatem as
dificuldades vividas no dia a dia da empresa. Em novembro desse mesmo ano,
Julieda Paes afirma ao jornal Folha de S. Paulo - Auditoria orienta mudanças
na Cultura - que a auditoria estava avaliando os procedimentos, os contratos e
as contas da emissora. "Ela vai fazer uma fotografia da situação, diagnosticar
equívocos. É menos investigatória e mais de aprimoramento". Para a nova
superintendente - que era ligada ao secretário da Fazenda, Eduardo Guardiã -
o principal problema da tevê não era a falta de dinheiro, mas sim a sua
administração, tese que também era defendida pela secretária estadual de
Cultura, Claudia Costin. Para Cunha Lima, essa situação era extremamente
incômoda.
“A maior crise que tive foi quando eu pedi ao governo que nomeasse uma
superintendente. Ela veio e ao invés de entrar no espírito de construir junto
e fazer, acabou com o departamento administrativo. Administrou por
auditorias e por consultorias externas e virou uma inquisição. Ela veio aqui
dentro só para buscar erros, para ver se tinha corrupção”. (Jorge da Cunha
Lima)
Um pouco antes, em junho, deputados e sindicalistas defenderam a
abertura de uma comissão parlamentar de inquérito da TV Cultura, durante
uma audiência pública, na Assembléia Legislativa de São Paulo. A defesa da
abertura da CPI foi feita pelos deputados Ênio Tatto (PT) e Orlando Morando
(PSB), que, inclusive, já haviam protocolado o pedido para a instalação da
investigação da crise na emissora. Para completar, os sindicatos dos
radialistas, dos jornalistas e dos artistas de São Paulo entregaram um abaixo-
assinado com 564 assinaturas aos deputados da Assembléia, solicitando não
somente a CPI, mas também a liberação de recursos do Estado para a tevê.
Cunha Lima foi convocado para dar explicações e exibiu balanços desde 1995,
quando assumiu o cargo, e atribui as dificuldades da TV à falta de verbas para
42
“Geraldo Alckmin descarta intervenção na TV Cultura”, Reportagem publicada no jornal Folha de S.
Paulo, em
07/05/2003.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
____________________________________________________________________________
102
investimentos. Segundo ele, os repasses efetuados pelo governo permaneciam
bloqueados para investimentos em tecnologia.
43
A gestão de Jorge da Cunha Lima realmente foi problemática. Além de
cortes de verbas, demissões de funcionários, sucateamento da empresa,
defasagem tecnológica e auditoria, na reta final do seu terceiro mandato, ele
ainda enfrentou um embate político pela disputa da presidência da fundação.
Em abril de 2004, Jorge da Cunha Lima, já com 72 anos e há nove no
comando da Fundação Padre Anchieta, tenta se reeleger pela quarta vez
consecutiva. No entanto, entra na disputa Marcos Mendonça, 58, ex-secretário
de Cultura do governo Mário Covas, que fora substituído no governo de
Alckmin, em janeiro de 2003, por Claudia Costin. As eleições para a
presidência da FPA sempre foram tranqüilas, havendo uma certa concordância
entre os candidatos. Contudo, desta vez, o clima de harmonia foi trocado por
uma disputa acirrada.
“O velado acordo de cavalheiros que sempre regeu as eleições para a
presidência da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da rádio e da TV
Cultura, deu lugar este ano a um aberto duelo de floretes. Rivais e eleitores
mantêm a fleuma, mas a primeira disputa da história da emissora agita as
rodas políticas e culturais de São Paulo. E coloca muita gente numa saia-
justa.”
44
Para o deputado Ênio Tatto (PT-SP), que havia protocolado o pedido de
CPI na Assembléia e cujo objetivo era o de apurar “o sucateamento da TV”, a
chegada de Marcos Mendonça na disputa pelo cargo apenas comprovava que
a falta de verbas ocorreu também devido a um impasse político. “Agora fica
claro que o não-repasse de verbas era uma forma de pressão do Estado. Não
defendo a gestão atual, acusada de mal utilização de recursos públicos e
suspeita de compra irregular de equipamentos e de firmar contratos duvidosos
com empresas. Mas também acho péssima essa alternativa chapa-branca”,
afirmou na época
45
. Ambos candidatos, refutaram a tese do deputado, evitando
assim entrar em conflito com o governo estadual.
43
Cunha Lima expõe as contas da TV Cultura, e deputados pedem CPI, reportagem publicada na Folha
de S. Paulo, em 25/06/03.
44
“Saia justa na eleição”. Matéria publicada na revista Carta Capital, em abril de 2004. Escrito por Ana
Paula Sousa
45
Idem
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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103
Tatto ainda chamou a atenção para o fato de que, mal foi lançada a
candidatura de Mendonça, a bancada do PSDB na Assembléia começou a
conversar com as lideranças para descongelar a CPI. Para ele, a atitude visava
desestabilizar Cunha Lima às vésperas do pleito. Nilton Martins, coordenador
do Sindicato dos Radialistas concordou com o deputado e disse: “Não
apoiamos o Marcos porque ele não aparece com compromisso de brigar pela
verba do Estado. Ele representa diretamente essa política de menos verbas do
Estado, que leva a uma espécie de privatização da tevê, e vai aceitar o jogo do
se virem no mercado”.
46
Entre os funcionários da emissora o sentimento era outro. O musicólogo
e representante dos funcionários no Conselho Curador, Mauricio Monteiro,
afirmava que, àquela altura, uma oposição seria bem recebida. Ele disse ainda
que os funcionários estavam traumatizados com a crise e que, provavelmente,
estavam se agarrando a qualquer alternativa. Contudo, os fatos mostrariam
que o futuro não seria tão cheio de glórias para a TV Cultura e seus
funcionários. Mas esse assunto será abordado mais à frente.
Durante a sua campanha pela disputa da presidência da emissora,
Marcos Mendonça declarou que os R$ 80 milhões liberados pelo Estado eram
suficientes para a TV Cultura, visto que existiam também os recursos próprios
(em torno de R$ 25 milhões anuais) provenientes de parcerias, apoios e
publicidade. Enquanto Mendonça dizia contar com o apoio de John Neshling,
regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), Emanoel
Araújo, diretor da Pinacoteca, Paulo Autran e Juca de Oliveira (atores) e
entidades teatrais - como a Apetesp – para a disputa, Cunha Lima declarava
ter a assinatura de vários conselheiros para a sua indicação. “O Conselho tem
44 membros e deles apenas um recomendou-me que estudasse uma
conciliação para que não haja disputa ao cargo”, disse Cunha Lima em matéria
publicada pela revista Carta Capital, em abril de 2004.
47
Porém, Mauricio Monteiro tinha uma outra opinião: “os problemas
financeiros eram tantos que, se todos os conselheiros fossem acionistas da
46
Idem
47
Idem
TV Cultura: um exemplo brasileiro
____________________________________________________________________________
104
Fundação Padre Anchieta, o Jorge da Cunha Lima não teria votos”. Entre os
conselheiros as opiniões também eram divergentes. Alguns, como Persio
Arida, preferiram não falar sobre a disputa. Havia também os indecisos, como o
escritor Fábio Lucas, que “esperava conhecer melhor o programa dos dois
candidatos”, e o presidente da União Brasileira de Escritores, Levi Ferrari. Já o
médico Carlos Alberto Pastore tomou uma posição e afirmou que a candidatura
de Marcos Mendonça era sadia para a empresa. O jornalista Ethevaldo
Siqueira foi mais direto, dizendo que a gestão de Cunha Lima não havia tido
escândalos, porém havia sido uma gestão “medíocre e que não soube
enfrentar as dificuldades”. Outro conselheiro que mostrou ser direto em suas
declarações foi Fábio Magalhães, que, ao contrário de Siqueira, defendia a
reeleição de Cunha Lima. “Uma tevê pública só faz sentido se for totalmente
independente do Estado. Como o Marcos se apresenta como candidato do
governo, continuo com o Jorge”, disse.
48
O mais curioso nessa disputa era que ambos candidatos apresentaram
propostas comuns, como investimento em tecnologia, apoio ao jornalismo
independente e à literatura brasileira, além do aumento de parcerias com
empresas privadas. Uma das poucas diferenças eram a atenção aos esportes
olímpicos e a transmissão dos concertos da Orquestra Sinfônica do Estado de
São Paulo (Osesp) apresentada no plano de Marcos Mendonça e que contava
com o apoio da secretária estadual Claudia Costin.
“Eu achava que já era tempo de eu me mudar, mas não havia candidato.
Como o governo impôs um candidato de surpresa (Marcos Mendonça) eu
não aceitei. Candidato tem de ser do Conselho e nesse sentido eu
continuei candidato disposto a ir até às últimas conseqüências, para perder
ou para ganhar. Eu não podia trair a minha tese de independência.”
49
“Daí ele (Marcos Mendonça) tomou a atitude de desistir da candidatura. No
dia em que ele retirou a candidatura eu o chamei e falei: - Olha, agora nós
temos condições de conversar. Vamos ver o seguinte: o que é melhor?
Para mim é manter a independência, mas para manter a independência o
Conselho precisa ter mais poder.’ Daí o Marcos (Mendonça) falou: - Eu
topo fazer as modificações que você quiser, mas o que a gente faz então
para acertar?”
50
48
Idem
49
Entrevista com Jorge da Cunha Lima, em setembro de 2005.
50
Idem
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____________________________________________________________________________
105
Segundo Jorge da Cunha Lima, os dois candidatos não acertariam nada
naquele momento. As exigências viriam por meio do jornal O Estado de S.
Paulo. “Eu vou fazer uma matéria no Estadão e vou dizer quais são as nossas
condições. Eu não vou falar isso para você (agora) para você não ficar
barganhando no Palácio. Eu vou pôr no jornal, se o Governo aceitar, nós
podemos discutir”. De acordo com Cunha Lima, a proposta era ele ser
presidente do Conselho e Marcos Mendonça ser o presidente executivo da TV
Cultura.
Em junho de 2004, Marcos Mendonça assume a presidência da FPA.
Contudo, a transição não foi nada serena. A jornalista Ana Paula Sousa, da
revista Carta Capital, descreveu em sua matéria “Uma transição nada pacífica”:
“O ar era festivo. mas um certo mal-estar pairava no ambiente. A transição de
poder na Fundação Padre Anchieta – mantenedora da rádio e da TV Cultura –,
veio acompanhada de denúncias e dúvidas. Dois relatórios assinados pela ex-
superintendente da emissora Julieda Puig Paes Pereira motivaram a
instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público e deram mais munição
à CPI pedida pelo deputado Enio Tatto (PT). A remuneração a que teria direito
Jorge da Cunha Lima, ex-presidente da fundação e agora presidente do
conselho, também está sob análise do Poder Judiciário”.
O motivo para o mal-estar era justamente o acordo feito no final do
mandato de Cunha Lima em relação à presidência e que estava evidente:
Jorge da Cunha Lima desistiria do quarto mandato em favor de Marcos
Mendonça, candidato legítimo do governo do PSDB, e consequentemente seria
o presidente do Conselho Curador, ou seja, a criação de um cargo
remunerado. Mendonça foi eleito presidente em 11 de maio, com 29 votos dos
34 conselheiros, um arranjo que beneficiava ambas as partes. O problema é
que, dias antes da posse, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma matéria
na qual informava que o Ministério Público cancelaria a remuneração de Cunha
Lima. A Promotoria de Fundações de São Paulo alegava que a remuneração
somente seria permitida se houvesse dedicação exclusiva da parte dele.
Cunha Lima se defendia, dizendo que nas novas funções do presidente
do conselho existia uma quantidade imensa de trabalho pela representação
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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106
internacional, nacional e pela presidência das comissões deliberativas do
conselho e que iria trabalhar, no mínimo, seis horas por dia.
51
A remuneração
fora definida a partir de uma mudança no estatuto aprovada pelo Conselho
Curador em maio daquele ano. Porém Marcos Mendonça afirmou que a
decisão do Ministério Público, responsável por referendar qualquer alteração
no estatuto de uma fundação, é que deveria prevalecer.
Além da contestação da remuneração, havia o relatório de Julieda Puig
Paes Pereira, superintendente nomeada pelo governo. Apelidado de ‘dossiê
Julieda’, o documento mostrou o que antes circulava apenas pelos corredores
da emissora: problemas administrativos. De acordo com o relatório, elaborado
pela consultoria Booz Allen Hamilton, as mais de 200 demissões, feitas há
pouco mais de um ano, eram somente a ponta do iceberg da crise
administrativa. O documento apontava que a receita havia crescido cerca de
25% nos últimos três anos enquanto a audiência caíra 41% entre 1995 e 2003.
Sobre a programação, as informações assinalavam que as reprises haviam
crescido 20% entre 1995 e 2003 e, durante o mesmo período, as produções
inéditas haviam despencado de 27% para 16%.
52
A revista Carta Capital, na
época, revelou alguns dados apontados no ‘dossiê’:
“Outros pontos problemáticos levantados pelo relatório são: a excessiva
prestação de serviços para terceiros, uma estrutura organizacional
fragmentada, que dilui responsabilidades e implica baixa produtividade, o
contrato (já desfeito) com a empresa Connect para a comercialização de
espaços publicitários e uma suposta maquiagem de balancetes que
culminou, em 2003, com a revelação de que a tevê fecharia o ano com uma
dívida de R$ 12 milhões. O estudo da Booz Allen Hamilton também
questiona o custo das produções próprias da Cultura. Entre os programas
citados estão o Cartão Verde, que sai por R$ 26,7 mil e teria um custo
benchmark (baseado em análises e prospecções) de apenas R$ 4,8 mil e o
premiado Caminhos e Parcerias, que custa R$ 132 mil e, segundo a
consultoria, poderia ser feito com R$ 7,6 mil. São valores, concordará
qualquer pessoa que faça programas de tevê, insuficientes para uma
produção mesmo barata.”
53
Portanto, a gestão de Jorge da Cunha Lima encerra-se de forma
melancólica, abarrotada de críticas e suspeitas em relação à administração da
emissora. Marcos Mendonça assume uma TV Cultura, sucateada, defasada
51
“Uma transição nada pacífica”. Reportagem publicada pela revista Carta Capital, em 23/06/04
52
Idem
53
Idem
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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107
tecnologicamente e com uma estrutura fracionada. Para tentar reverter esse
quadro, ele imprime algumas mudanças, substituindo o diretor de
programação, Walter Silveira, por Rita Okamura (funcionária da empresa desde
1974) e o diretor comercial Paulo César de Araújo por Cícero Feltrin e para
“garantir a transparência da emissora”
54
, ele nomeia Oswaldo Martins como
ombudsman.
A gestão de Marcos Mendonça não teve um início muito bom. De cara
enfrentou uma paralisação por parte de jornalistas e radialistas. Eles
reivindicavam os pagamentos dos dissídios de 2003 e 2004, ambos atrasados.
Já o Governo do Estado de São Paulo alegava que o pagamento não havia
sido feito para não prejudicar o orçamento e caso fosse executado, o Governo
se complicaria com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o sindicato
55
, o
estado de greve atingiu cerca de 90% dos trabalhadores da Fundação, de um
total de 1.100 funcionários. A greve durou aproximadamente 10 dias.
Outro problema enfrentado pela gestão de Marcos Mendonça foi a não
aceitação de alguns programas por parte do público. Na matéria “Novos
programas da TV Cultura não decolam no Ibope”, o jornalista Daniel Castro, da
Folha de S. Paulo, expõe a dificuldade. “Em junho, Marcos Mendonça completa
um ano à frente da TV Cultura com a emissora nos mesmos patamares de
audiência, baixíssimos, de quando assumiu”. Segundo a reportagem, a nova
gestão levou cerca de um ano para estrear novos programas e as apostas se
revelaram um fracasso. Na opinião do repórter, a maior frustração, em termos
de audiência, foi o programa de Silvia Poppovic que registrou apenas 1,1 ponto
no Ibope.
A nomeação de um ombudsman na TV Cultura foi um diferencial da
gestão. No entanto, o nomeado para o cargo, o jornalista Osvaldo Martins
(amigo de Mário Covas), já iniciou as atividades gerando polêmica. Ele afirmou
que o programa de Silvia Poppovic, sobre qualidade de vida, possuía um
“formato muito elitista”, o que vai de encontro com a sua tese de que “uma
emissora pública tem de dar audiência. Se for para poucos, não é pública.”
54
Idem
55
“Funcionários da TV Cultura mantêm estado de greve”. Folha Online, publicado em 12/08/04
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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108
Segundo ele, o grande desafio é “conciliar qualidade com formato atraente” e,
de acordo, com suas palavras, o programa não se encaixava nesses requisitos.
No início de 2006, Osvaldo Martins se envolveu em outra polêmica ao
afirmar que os formatos dos telejornais da TV Cultura são “irrelevantes e sem
pé nem cabeça”. Os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo
escreveram artigos sobre o assunto aumentando ainda mais a discussão. O
Estadão publicou inclusive uma enquete na qual fazia a seguinte pergunta ao
leitor: “o jornalismo da TV Cultura deve acabar, como propôs seu
ombudsman?”. Osvaldo Martins se defendeu dizendo que nunca fez tal
proposta, mas sim que instigou a discussão sobre a estrutura dos telejornais,
sugerindo que os recursos destinados a esses programas fossem melhor
utilizados para custear a produção de documentários.
A pessoa que ocupa o cargo de ombudsman não possui vínculo
empregatício direto com a TV Cultura. No entanto, seu contrato não pode ser
rescindido antes do final do prazo e seu nome não pode ser substituído, o que
lhe garante, em tese, a isenção nos textos. Osvaldo Martins afirmou que
“nunca sofreu qualquer intervenção da diretoria ou de qualquer outro
profissional da Fundação Padre Anchieta”.
56
Apesar dessa declaração, Martins
afirmou que o acesso para os seus textos no site da emissora ficou mais
complicado. Antes a coluna podia ser acessada já na página inicial do portal,
após as polêmicas, o acesso foi transferido para o link ‘Patrimônio’ que possui
pouca ou quase nenhuma ligação com o jornalismo da emissora. Uma forma
de censura? Na opinião de Martins não exatamente, mas apenas um
desinteresse por seu trabalho como ombudsman.
Enquanto os jornais publicavam notícias contrárias à audiência da TV
Cultura, Marcos Mendonça comemorava os resultados da sua gestão. Em
junho de 2005, a revista Go Where publicou uma entrevista com o presidente
da emissora na qual dizia, entre outras informações, que a TV Cultura era uma
televisão que agora dava Ibope e lucro. Segundo o depoimento de Mendonça à
revista, a solução encontrada para atingir esses objetivos foi “primeiro arrumar
56
“Repercussão de artigos desagrada ao ombudsman da TV Cultura”. Folha Online, publicado em
11/04/06.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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financeiramente a casa, depois pensar na modernização tecnológica e, enfim,
mexer na programação”.
57
Ele revelou ainda que a compra de equipamentos e
digitalização do acervo e a grade de programação estavam estagnadas e que
por falta de recursos a TV não produzia. Vale lembrar que, independentemente
dos problemas de gerenciamento da gestão anterior, o Estado ordenou um
brusco corte de verbas para a emissora.
Infelizmente esses resultados foram alcançados de uma forma não muito
convencional, em termos de televisão pública. Desde que assumiu a TV
Cultura, Marcos Mendonça deu início à veiculação de publicidade na emissora.
De acordo com a reportagem da Folha de S. Paulo – Novos programas da
Cultura não decolam no Ibope – a emissora não aceitava comerciais com
promoções e informações sobre preços. No entanto, a partir da nova gestão
passou a veicular peças das Casas Bahia, uma rede de lojas varejista. “A
captação mensal da emissora era de 300 e poucos mil reais por mês.
Aumentamos para um milhão”, justificou Mendonça à revista Go Where. O que
deve ficar claro é que o estatuto da Fundação Padre Anchieta proíbem a
veiculação de publicidade (artigo 5º).
“Temos três situações diferentes, três gestões diferentes: o Muylaert fez
muito pela TV Cultura. Ele tornou a FPA um centro de excelência. Gastou o
que não tinha, mas respeitou os estatutos. A gestão do Jorge da Cunha Lima
não gastou porque não tinha. Acumulou dívidas e déficit, mas respeitou os
estatutos. A gestão do Marcos Mendonça está gerando um superávit, gasta o
que está sobrando e desrespeita os estatutos” (Mauricio Monteiro,
representante dos funcionários no Conselho Curador da FPA).
Outra criação da gestão de Marcos Mendonça foi a TV Rá Tim Bum.
Lançado no dia 12 de dezembro de 2004 (Dia Internacional da Criança no
Rádio e na TV), o canal tinha como proposta veicular programas totalmente
voltados para o público infantil (2 a 10 anos de idade). No entanto, não está à
disposição de todas as crianças que assistem televisão. A TV Rá Tim Bum é
transmitida somente na TV por assinatura, privilegiando ainda mais o público
das camadas mais altas da sociedade, contrariando mais uma vez a tese da
televisão pública para todos. Já a programação, segundo Mauro Garcia (diretor
57
“TV Cultura dá audiência”. Entrevista com Marcos Mendonça publicada pela revista Go Where-SP, em
agosto de 2005.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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110
da TV infantil)
58
, veicularia apenas produções legitimamente brasileiras, unindo
o acervo da TV Cultura com novas produções.
É possível perceber que a gestão de Marcos Mendonça possui uma
grande preocupação com os índices de audiência e com os rendimentos da
emissora. Com o objetivo de depender, cada vez menos, dos subsídios do
Governo Estadual, o presidente da FPA criou novos programas (nem sempre
de acordo com a filosofia da emissora), passou a veicular publicidades que
estimulam o consumo e ignorou artigos do Estatuto da Fundação. “A
administração de Jorge da Cunha Lima, que ficou cerca de nove anos no
cargo, era uma administração político-intelectual, mas a administração atual é
político-administrativa. No meu ponto de vista, nenhum dos dois modelos são
bons e nem contemplam o que deve ser uma emissora pública”, revela
Maurício Monteiro, representante dos funcionários da TV Cultura no Conselho
Curador.
3.2 –Controle e Financiamento
Criada pelo governador Roberto de Abreu Sodré, em setembro de 1967,
a Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativa,
recebia verbas do Estado, mas tinha autonomia administrativa, além disso
compreendia mais duas empresas: a Rádio Cultura AM e FM. Leal Filho (1988,
p. 21) afirma ainda que a TV Cultura, após um breve período fora do ar, volta a
funcionar em junho de 1969, “sob a tutela da Fundação Padre Anchieta, em
pleno vigor do Ato Institucional nº 5, iniciando uma trajetória marcada por
projetos liberais, esperanças democráticas, imposições autoritárias e crises
dramáticas”. Para ele, esta é a gênese da TV Cultura.
A Fundação Padre Anchieta é uma entidade de direito privado conduzida
por um Conselho formado por representantes das principais instituições
educacionais e públicas do Estado de São Paulo. A Fundação é uma instituição
autogerida que passou por períodos turbulentos e alguns embates judiciais.
58
Informações obtidas no site http://www.midiativa.org.br . Acesso em março de 2006.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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111
“A Fundação Padre Anchieta iniciou-se como uma entidade de direito
privado instituída pelo governo do Estado, mantida por dotações
orçamentárias e recursos obtidos junto à iniciativa privada e
administrada por um conselho misto com representantes de
instituições públicas e privadas ligadas à área de cultura e educação
do Estado (USP, UNESP, Unicamp, PUC, Mackenzie, SBPU, ABI,
UBE, UEE e outras).
59
“A Fundação Padre Anchieta, à qual é ligada a Cultura, funciona como
uma fundação de direito privado, que tem independência intelectual,
política e ideológica em relação ao poder.” (Jorge da Cunha Lima)
60
A TV Cultura surge em meio a uma das maiores crises de legitimidade
de poder já encontradas na história do Brasil. “É o momento da consolidação
de um modelo econômico inserido num projeto político que exclui qualquer tipo
de participação democrática” (LEAL FILHO, 1988, p. 31). Em 1967, época em
que foi elaborada a proposta de formação da Fundação, a mensagem enviada
à Assembléia Legislativa deixava claro que nem mesmo o então governador
Abreu Sodré, os governadores futuros e os deputados teriam o direito e poder
de interferir na entidade que estava sendo criada. O que nem sempre
aconteceu.
O primeiro presidente da Fundação Padre Anchieta foi o banqueiro José
Bonifácio Coutinho Nogueira que em seu discurso inaugural disse que a
Fundação Padre Anchieta não teria qualquer outra posição política que não
fosse a de divulgar os postulados da democracia. Ele seguiu afirmando que
todas as formas de proselitismo seriam recusadas e que a emissora acataria
uma posição ecumênica, sem adotar preconceitos religiosos, já que a filosofia
do trabalho se basearia na busca da democratização do ensino e da cultura.
Já o Conselho Curador, teoricamente, é o órgão máximo da Fundação
Padre Anchieta. Esse conselho é formado por 45 pessoas, distribuídas em
cargos inatos - que são diretores, presidentes, reitores de instituições e
também secretários de Estado de Cultura, de Educação como também de
Cultura e Educação do município - e os membros vitalícios, que inicialmente
eram formados por pessoas da Família Crespi, que foi a doadora do terreno
que possibilitou criar a FPA. Os conselheiros natos são representantes de
59
Fonte: site da emissora: www.tvcultura.com.br. Acesso em junho de 2003.
60
Em depoimento a Gonçalo Junior publicado no livro O país da TV – a história da televisão brasileira.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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órgãos e entidades públicos ou privados. Ao deixarem seus cargos, os
mandatos se encerram automaticamente, sendo substituídos pelos novos
titulares. De acordo com o atual estatuto da Fundação Padre Anchieta.
O representante dos empregados da Fundação, eleito em votação direta
e secreta, desfruta das imunidades sindicais ao longo do exercício de seu
mandato. Já os conselheiros vitalícios, no caso de falecimento ou impedimento
de um de seus membros, os remanescentes escolherão um novo sucessor
para a vaga. “Todos os conselheiros, exceto os natos e os vitalícios, são eleitos
por si próprios. Os próprios pares elegem os conselheiros, exceto também o
representante dos funcionários, que é eleito pelos funcionários. Então, o
representante dos funcionários, às vezes, concorre com dois, três ou quatro
candidatos”, diz Mauricio Monteiro, atual representante dos funcionários no
Conselho Curador. A Diretoria executiva é eleita pelo próprio Conselho para um
mandato de três anos. Os conselheiros eleitos têm um mandato trienal e um
terço de seus membros é renovado anualmente, sendo permitida apenas uma
reeleição.
A função do Conselho Curador é cumprir as diretrizes estabelecidas no
Estatuto da instituição, além de aprovar e fiscalizar as medidas e propostas
feitas pela Diretoria Executiva. O Conselho também é responsável pela
aprovação dos convênios e acordos sugeridos pelas emissoras de Rádio e
Televisão e das programações das emissoras da Fundação; pela aceitação de
doações, legados ou subvenções; pela autorização de venda ou aquisição de
bens imóveis e, claro, pela aprovação do orçamento e fiscalização de sua
execução.
Já a Fundação Padre Anchieta tem como finalidade promover atividades
educativas e culturais. Para a consecução de seus objetivos e a estrita
observação do estatuto, a Fundação é controlada por um Conselho Curador,
cujos membros são renovados periodicamente de modo a evitar a cristalização
de seus atos e decisões.
61
61
Cultura 20 anos/ Fundação Padre Anchieta; Organização de Walmes Nogueira Galvão e Waldimas
Nogueira Galvão; São Paulo: Biblioteca da FPA; 1989; pág. 07.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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Os idealizadores da Fundação Padre Anchieta quando elaboraram o
estatuto da instituição, talvez tenham imaginado que com os artigos propostos
e um Conselho Curador qualificado, poderiam preservar a entidade de
influências externas. No entanto, alguns episódios mostraram que aconteceram
interferências, por parte do poder público, na emissora.
Um arbítrio ocorreu três anos depois da inauguração, em 1972. O ex-
procurador da Justiça, Hélio Bicudo, concedeu uma entrevista à Cultura
criticando o sistema carcerário, fato que irritou o chefe da Casa Civil do
governo Laudo Natel. O governador exigiu a demissão do diretor do programa.
A filosofia da TV Cultura durante os anos de 1960 e 1970 estava baseada no
pensamento liberal, por meio da liberdade de expressão e da transmissão de
informações transparentes. No entanto, fica claro que tais propostas vão de
encontro ao autoritarismo imposto pelo governo militar, principalmente após a
edição do AI-5, em 1968. Pode-se afirmar que esse conflito ideológico vai
resultar na primeira crise vivida pela Cultura e que teve como conseqüência a
demissão da Diretoria Executiva, presidida por José Bonifácio Coutinho
Nogueira, que preferiu não se submeter ao abuso de poder.
No entanto, a subordinação desejada pelo governo militar encontrava
certas resistências dentro da RTC, principalmente no telejornalismo da
emissora que não realizava proibições internas em sua redação, mas tinha que
se submeter às seleções de reportagens por parte da censura federal.
Contudo, com a nomeação de Walter Sampaio para comandar o jornalismo na
TV Cultura, o governo do Estado passa a intervir de forma direta na emissora,
acabando de vez com a pequena autonomia que existia.
Sem divulgação prévia, os decretos foram publicados no dia 30 de
agosto de 1982, um sábado, dia escolhido estrategicamente, pois se espera
que ninguém leia o Diário Oficial. O resultado foi uma seqüência de embates
jurídicos até o Superior Tribunal de Justiça dar ganho de causa à Fundação,
derrubando assim os decretos elaborados e impostos por Marin. A decisão do
Tribunal confirmou em definitivo ser a Fundação Padre Anchieta uma pessoa
jurídica de direito privado, além de ratificar que o Conselho Curador é o único
que pode tomar a iniciativa de alterar estatutos, eleger seus próprios membros
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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e os da Diretoria Executiva. Após esse fato, a autonomia da Fundação é
finalmente reconhecida pelo Poder Judiciário.
Essa autonomia foi reconhecida ainda pelo poder Executivo pois, ao
tomar posse, em 1983, o novo governador André Franco Montoro revogou os
dois decretos. Mais tarde Montoro assumiu propostas de alteração elaboradas
pelo próprio Conselho Curador, no sentido de modernizá-lo, e as enviou, na
forma de decreto, para apreciação da Assembléia que o aprovou sem
alterações. Assim, o Poder Legislativo admitiu a autonomia da Fundação Padre
Anchieta. Estava reconhecido, então, pelos Três Poderes o direito de auto-
gestão da Fundação.
Em novembro de 2000, o site AcessoCom publicou um artigo que
relatava sobre a tentativa da TV Cultura de obter recursos sem ter que
depender totalmente do governo do Estado de São Paulo. O artigo dizia, entre
outras informações, que a emissora paulista estava vencendo as barreiras
legais que proibiam a veiculação de publicidade em sua programação. Outra
tentativa da emissora era a de modificar a relação com o Estado, mantendo
assim uma distância regulamentar entre a diretoria e os interesses do governo.
Naquela época, a TV Cultura tinha cerca de 75% de sua arrecadação
proveniente do governo e 25% de captações junto a empresas privadas. A TV
Cultura foi também pioneira na utilização de leis de incentivo cultural, como a
Rouanet, em 1998.
Três anos mais tarde, o panorama era outro. Mergulhada numa crise
política-administrativa-fincanceira, a TV Cultura sofria, inclusive, a ameaça de
sair do ar. Os cortes de recursos tiveram início em 1995 e foram crescendo
paulatinamente até chegar a um “nível insuportável”. O governo Alckimin
parecia não se importar com o futuro da emissora pública e muito menos com
os riscos de queda da qualidade de seus programas. “Nada parece sensibilizar
o governo, que se recusa a manter a emissora, mesmo com verbas muito
menores que as do passado”, publicou o jornal o Estado de S. Paulo, em
março de 2003.
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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Mesmo com o passar do tempo, a TV Cultura ainda dependia
basicamente de dois tipos de recursos: a) verbas do governo e b) receitas de
patrocínio publicitário. Estava evidente que o governo não tinha interesse em
investir na emissora, o que acabou interferindo na outra fonte de receitas. A
fundação enfrentava a queda das receitas de publicidade, conseqüência da
falta de atrativo de uma emissora que a cada dia perdia competitividade em
relação à qualidade técnica e à renovação de programas.
Dois meses após a publicação desse texto, a revista Carta Capital
revelou que a situação havia atingido o seu auge, com o governo e a fundação
trocando farpas e culpando-se reciprocamente pela crise na emissora. A então
secretária de Cultura Claudia Costin chegou a questionar o tipo de modelo da
TV Cultura: “o modelo de televisão pública não estatal é correto, mas o modelo
de gestão é anacrônico”. Para ela, o modelo de gestão moderno é aquele que
inclui um contrato e vincula os recursos estatais a determinadas metas a serem
alcançadas. “O governo não pode dizer que programa a tevê deve passar, mas
pode definir uma porcentagem de programas educativos, estabelecer metas de
trabalho e criar regras para compras e contratações de serviços”. A secretária
não se conformava com o fato de uma empresa que vive de recursos públicos
não ter clareza de seus números e não detalhar ao governo como foi gasto o
dinheiro.
62
Ao ter conhecimento do contrato para a TV Cultura, o professor Laurindo
Leal Filho observou na reportagem que, caso fosse viabilizado legalmente, o
plano faria com que a emissora caminhasse do modelo público para o estatal.
“Ao estabelecer metas, o governo abre uma brecha para futuras interferências
na programação”, disse. O deputado Enio Tatto, do PT, também partilhava da
preocupação do professor e disse que “um contrato em que o governo possa
ter qualquer tipo de participação corre o risco de se transformar em ingerência
política”.
Contudo, é fato que a Fundação Padre Anchieta tem sérios problemas
administrativos e que sua estrutura também não se tem mostrado eficaz. Leal
62
“Duelo na TV Cultura”. Reportagem publicada na revista Carta Capital, em maio de 2003.
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Filho aponta para um dos problemas e diz que “pelo grande número de
integrantes, o conselho talvez tenha se transformado numa entidade amorfa,
que dilui as responsabilidades”. Maurício Monteiro, representante dos
funcionários no Conselho Curador, concorda com o acadêmico e diz que “de
dez reuniões que fazem por ano, apenas 40% dá quorum”. Para se ter uma
idéia, o conselho da BBC de Londres, considerado modelo ideal de televisão
pública, possui apenas 12 membros.
A ameaça de fechamento da TV Cultura chegou a ser anunciada pelo
Sindicato dos Radialistas, mas não chegou a ser efetivamente concretizada.
Contudo, o risco de se transformar numa tevê sem audiência e que se
mantinha no ar apenas para não perder a concessão era real sim. Por outro
lado, a então secretária da Cultura Claudia Costin garantiu que isso não
aconteceria: “o governo faz questão de que a tevê continue no ar e de que o
seu formato público, capaz de mostrar cultura de bom nível, seja preservado”.
O governo do Estado continuou insistindo que somente liberaria verbas
se a estrutura da emissora fosse modificada. Para tanto, em agosto de 2003, o
governador Geraldo Alckmin sugeriu que a Cultura recebesse uma “cesta de
fontes” de financiamento, na qual o Tesouro estadual arcaria com pessoal e
custeio e a sociedade com recursos para investimento, por meio de doações.
Naquele momento, a TV Cultura amargava um rombo de R$ 6 milhões e não
tinha condições de fazer novos investimentos. O deputado Jamil Murad (PC do
B) não tinha grandes expectativas quanto à negociação visto que o setor
privado tinha poucas condições de dar algo a mais para a emissora, porque já
existiam parcerias naquele sentido. A situação só voltou a se normalizar, em
2004, com a entrada de Marcos Mendonça na emissora.
Apesar da Fundação Padre Anchieta ser uma entidade de direito
privado, não poderia - de forma alguma - sofrer interferência do governo.
Contudo, a dependência de subsídios estaduais transforma o risco de
instrumentalização política numa ameaça permanente. Os gastos previstos
para o ano de 2005 eram da ordem de R$ 115 milhões, sendo que 80% do
orçamento da TV Cultura foi coberto pelo governo de São Paulo.
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3.3 – Legislação: Estatuto da FPA
A redação do estatuto da Fundação Padre Anchieta foi aprovada pelo
Conselho Curador nos dias 9 de agosto de 1999 e 11 de dezembro de 2000. O
estatuto é dividido em oito capítulos distintos, sendo que os principais dizem
respeito à natureza jurídica, sede e foro (capítulo I), aos órgãos dirigentes e
administração (capítulo II), ao pessoal (capítulo IV) e ao patrimônio e recursos
(capítulo V).
Conforme expresso no estatuto, artigo 3º, constitui finalidade da
Fundação a promoção de atividades educativas e culturais por meio da rádio e
da televisão. A finalidade da FPA é a de produzir e emitir programação cujo
caráter seja educativo, mantendo assim a vinculação com programas culturais.
Acredita-se que tais objetivos alcançaram a defesa e o aprimoramento integral
da pessoa humana, no caso o telespectador, assim como contribuirá para a
valorização dos bens constitutivos da nacionalidade brasileira na compreensão
dos valores universais. É função também da fundação operar as emissoras de
rádio e televisão, além de ampliar e promover as suas atividades.
Já o artigo 5º do estatuto deixa bem claro que a fundação não poderá se
beneficiar das emissoras de rádio e televisão para fins político-partidários, para
a difusão de idéias ou fatos que incentivem a violência, preconceito de raça,
classe ou religião. É nesse artigo do estatuto que se encontra ainda a proibição
de veiculação de publicidade comercial, que, atualmente, tem sido
desrespeitada.
No capítulo II do estatuto, estão especificados os órgãos que devem
dirigir e administrar a fundação. São eles: I) o Conselho Curador; II) a Diretoria
Executiva. Está claro que os administradores da Fundação devem ser
brasileiros natos e que os membros do Conselho devem exercer seus
mandatos gratuitamente, sendo que seus serviços serão considerados
relevantes para o Estado de São Paulo.
O Conselho Curador é composto por 45 membros distribuídos em quatro
categorias distintas: a) três vitalícios; b) vinte natos; c) vinte e um eletivos e d)
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118
um representante dos empregados da Fundação. O exercício do cargo é de
caráter pessoal e indelegável. No caso do falecimento, renúncia ou
impedimento definitivo por parte de algum membro do Conselho, os demais
deverão escolher o sucessor para a vaga, a fim de manter o mesmo número.
São membros natos:
1) o presidente da Comissão de Educação da Assembléia do Estado de São
Paulo;
2) o presidente da Comissão de Cultura da mesma Assembléia;
3) o secretário de Estado da Cultura;
4) o secretário de Estado da Educação;
5) o secretário de Estado dos Negócios da Fazenda;
6) o secretário da Educação do Município de São Paulo;
7) o secretário da Cultura do Município de São Paulo;
8) o reitor da Universidade de São Paulo (USP);
9) o reitor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP);
10) o reitor da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
(UNESP);
11) o reitor da Pontifícia universidade Católica de São Paulo (PUC)
12) o reitor da Universidade Mackenzie;
13) o presidente do Conselho Estadual de Educação;
14) o presidente do Conselho Estadual de Cultura;
15) o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP);
16) o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC);
17) o presidente da União Brasileira de Escritores;
18) o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino
Superior, Seção de São Paulo;
19) o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Seção de São Paulo;
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20) o presidente da União Estadual de Estudantes.
Para Maurício Monteiro, representante dos funcionários, a maior parte
do Conselho é formada por cargos eletivos que deveriam representar a
sociedade. “O problema é que nem a sociedade sabe disso”, afirma. Ele revela
que o que realmente acontece é um culto à personalidade. Ou seja, a
personalidade toma posse no Conselho, não ganha nada para isso, mas
desfruta de um status. Ele reclama que vários conselheiros ficam quase um
ano sem aparecer numa reunião, o que fere as diretrizes do estatuto, visto que
no regimento o conselheiro que se ausentar das reuniões por três vezes
consecutivas sem justificativa, deve ser automaticamente desligado de suas
funções.
A escolha do representante dos funcionários é feita através de eleição
direta e secreta da qual tem direito de participar todos os empregados da
Fundação. Durante o seu mandato, ele está livre de sanções previstas na
legislação trabalhista e não poderá ter seu contrato de trabalho rescindo sem
justa causa definida na lei.
Em relação ao Conselho Curador, o estatuto prevê um presidente, um
vice-presidente e um secretário a fim de constituir a Mesa Diretora. A função do
presidente é representar, dirigir e supervisionar as atividades do Conselho e
sua convocação. O mandato dos cargos é de três anos, sendo que é permitida
uma reeleição.
O Conselho Curador é responsável, entre outras atribuições, por:
estabelecer as diretrizes da programação (desde que estejam de acordo com
as finalidades da fundação); zelar para que a programação das emissoras da
FPA se faça por essas diretrizes; aprovar convênios ou acordos com órgãos ou
instituições públicas ou privadas referentes à programação; aprovar o
orçamento e fiscalizar a sua execução; aprovar as contas e os relatórios anuais
da Diretoria Executiva e fixar remuneração dos membros da Diretoria
Executiva.
Já a Diretoria Executiva é composta por: a) diretor presidente; b) diretor
superintendente; c) diretor técnico; d) diretor de programação; e) diretor de
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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120
jornalismo e f) diretor de receitas operacionais. O diretor presidente e o diretor
superintendente são eleitos pelo Conselho Curador por maioria absoluta de
seus membros. No caso dos demais diretores, eles são designados pelo diretor
presidente que deve dar ciência ao Conselho. O mandato da diretoria executiva
é de três anos, com direito a reeleição. Em caso de renúncia conjunta do
diretor presidente e seu superintendente, os sucessores deverão exercer um
novo mandato.
No artigo 19 do estatuto da FPA estão claras as funções da diretoria
executiva, que são: I) aplicar e movimentar os recursos e contas bancárias da
fundação; II) tratar das relações de trabalho e da prestação de serviços à
Fundação e estabelecer os critérios de sua remuneração; III) elaborar a
proposta orçamentária e encaminhá-la ao Conselho; IV) apresentar ao
Conselho o relatório de atividades, o balanço geral e a demonstração de
resultados e V) cumprir e fazer cumprir as determinações legais aplicáveis, as
normas estatutárias e regimentais, as deliberações e recomendações do
Conselho.
Segundo Maurício Monteiro, representante dos funcionários, o Conselho
Curador da FPA acaba tendo um papel decorativo. Ele afirma que, “embora
surjam algumas discussões, de efetivo as coisas não andam”. Monteiro quer
dizer que geralmente o Conselho perde para a diretoria executiva em relação
às decisões importantes. “O poder que o Conselho tem sobre a diretoria
executiva é praticamente nulo.” Ele aprofunda as críticas e revela:
“É claro que o Conselho tem um papel fundamental dentro da
Fundação, mas ele poderia ser um pouco mais incisivo, se investir do
poder que teoricamente lhe foi dado, o que não acontece. As
discussões são desviadas para outro lado. Há um interesse ideológico
em tudo isso. É um Conselho democrático, em tese, mas
funcionalmente ele é fechado. É quase uma Câmara dos Lordes.”
(Mauricio Monteiro)
O estatuto da FPA ainda conta com artigos referentes ao patrimônio e
recursos, os quais prevêem que os bens e direitos da fundação devem ser
utilizados exclusivamente para a consecução de seus objetivos. Portanto, de
acordo com o estatuto da Fundação Padre Anchieta, a missão da instituição
TV Cultura: um exemplo brasileiro
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121
está voltada para a prestação de serviço à comunidade enfocando, sobretudo,
as áreas de Educação e Cultura, sendo uma espécie de “complementadora de
formação e disseminadora de valores brasileiros, que visa contribuir para o
desenvolvimento e para a valorização da Nação”.
63
Enquanto instrumento educacional, a Fundação Padre Anchieta
reconhece seu caráter agregador de conhecimentos nas diversas capacitações
intelectuais, profissionais, artísticas e técnicas dos cidadãos, ao mesmo tempo
em que se vê como democratizadora de oportunidades. Já no aspecto cultural,
a Fundação procura desempenhar o papel de disseminador da cultura
brasileira, voltando-se também para a ampliação de horizontes culturais e para
o melhoramento da compreensão da cultura de outras nações.
63
Cultura 20 anos/ Fundação Padre Anchieta; Organização de Walmes Nogueira Galvão e Waldimas
Nogueira Galvão; São Paulo: Biblioteca da FPA; 1989; págs. 28
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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122
CAPÍTULO 4 – TELEVISÃO PÚBLICA PORTUGUESA, A RTP
Este capítulo traz a história da Radiotelevisão Portuguesa, RTP, de
forma sucinta, abordando os principais momentos de sua trajetória, desde o
início na década de 1950 até os dias atuais. Será possível perceber que a
história da RTP sempre esteve associada à história do poder em Portugal.
Essa reconstrução foi possível graças a utilização de informações publicadas
em livros e artigos.
Em uma segunda etapa do capítulo, há o registro da legislação que rege
a televisão pública em Portugal, assim como o órgão que colabora para o seu
desempenho. Contudo, será possível notar que as questões sobre o
financiamento da RTP não estão muito claras no estatuto. Este fato, inclusive,
é alvo de discussão por parte de pesquisadores portugueses.
Por fim, o controle e o financiamento da RTP são abordados no final
deste capítulo e trazem informações, como foi a relação do Estado com a RTP,
o fim da cobrança da taxa para a televisão pública e os reflexos que essa
medida teve n a situação financeira da empresa.
4.1 – Breve Histórico
“A televisão é um instrumento de ação, benéfico ou maléfico, consoante
o critério que presidir à sua utilização.” (Marcello Caetano)
A televisão, surge, em Portugal, durante o Estado Novo, regime político
autoritário, com características conservadoras e que era comandado por
Antonio de Oliveira Salazar. O Estado Novo foi implantando em 1933 e segue
ininterruptamente até 1974 quando a Revolução dos Cravos derruba o regime
ditatorial. Em 1932, Salazar havia se tornado o primeiro-ministro e instaura
uma ditadura inspirada no fascismo. Esse período será conhecido como
salazarismo. No ano seguinte, Salazar transforma a governista União Nacional
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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123
no único partido de Portugal, reprime a oposição, proíbe greves, estabelece a
censura e organiza uma polícia política (PIDE). Em 1968, sofre um derrame
cerebral e é afastado do poder. Dois anos depois, ele morre em Lisboa e é
substituído por seu ex-ministro Marcello Caetano.
Em janeiro de 1953, o governo de Antonio Salazar encarregou o
Gabinete de Estudos e Ensaios da Emissora Nacional de preparar os primeiros
projetos referentes à instalação de uma estação de televisão em Portugal. Com
esse objetivo definido, é criado então o Grupo de Estudos de Televisão que,
apesar de dispor de uma verba de 500 mil escudos, se restringiu apenas ao
estudo do problema, ou seja, ao estudo da implantação da emissora. Em 1954,
enquanto nascia a União Européia de Radiodifusão, Portugal ainda dava
seqüência aos estudos em relação à instalação do serviço de televisão. O
governo de Salazar não tinha conhecimento suficiente sobre tal
empreendimento e, portanto, receava avançar na implantação e
desenvolvimento do meio. No ano seguinte, o Governo designa a Emissora
Nacional como a responsável pela elaboração do primeiro projeto de instalação
de uma rede nacional de televisão (CÁDIMA, 1996, p. 26-27).
A essa altura, Marcello Caetano já era ministro da Presidência e é a
partir dele que surge o decreto-lei da concessão da instalação e exploração do
serviço público de radiodifusão, na modalidade de televisão. Caetano liderou o
processo de estruturação e fundação da nova empresa de teledifusão com
entusiasmo pessoal, desde as regras de concessão às questões mais técnicas.
“De imediato, ficariam, porém, bem explícitos receios e cautelas do Estado
Novo face ao meio que dava ‘dores de cabeça’ a Salazar” (SOUSA E SANTOS,
2005, p. 62). Em 15 de dezembro de 1955, é feita a escritura dos Estatutos da
Sociedade, denominada RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SARL - , cuja
concessão seria em regime de exclusividade. Segundo o contrato, a concessão
foi dada para um período inicial de 20 anos, sendo que poderia ser prorrogado
para um prazo de mais 10 anos. Além disso, a concessionária desfrutaria de
“isenção de impostos e contribuições do Estado e das autarquias, dos direitos
de importação e exportação e de emolumentos consulares relativos a
determinados materiais e equipamentos” (CÁDIMA, 1996, p. 30).
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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124
Durante a assinatura do contrato de concessão, Marcello Caetano, em
seu discurso, profere: "A televisão é um instrumento de ação, benéfico ou
maléfico, consoante o critério que presidir à sua utilização. O governo espera
que os dirigentes do novo serviço público saibam fazer desse instrumento um
meio de elevação moral e cultural do povo português". De acordo com Maria
João Pacheco de Miranda
64
, a RTP não seria necessariamente a voz da
Nação, mas sim a voz do partido que governava tal Nação. Os telespectadores
não veriam programas que gostavam, mas sim o que o regime ditatorial julgava
apropriado. Marcello Caetano utilizar-se-ia do veículo televisivo à exaustão,
servindo, inclusive, de exemplo para governantes posteriores a ele.
Camilo Mendonça foi o primeiro presidente nomeado da RTP. Além de
ser membro da União Nacional era amigo pessoal de Marcello Caetano.
Mendonça ficou à frente da RTP por quase cinco anos (de dezembro de 1955 a
setembro de 1960) e, anteriormente, havia exercido no regime as funções de
secretário de Estado da Agricultura, vogal do Conselho Corporativo e deputado
da Assembléia Nacional. Já Domingos de Mascarenhas, integralista, seria o
diretor de programas da emissora. Mesmo com pessoas de confiança
comandando o canal, o governo ditatorial acreditava que a fiscalização da
‘casa’ não era suficiente e, portanto, instituiu na emissora os chamados
‘consultores literários’ que, na verdade, eram os censores.
No ano de 1956 é realizada a primeira transmissão de um programa de
televisão em Portugal. Foi durante a Feira Popular do Porto, e diante de
personalidades – incluindo o Governo Civil – pode-se ver a demonstração do
equipamento. Contudo, as emissões experimentais da RTP aconteceram em
Lisboa, também na Feira Popular, aproximadamente um ano depois.
“A multidão invade a Feira Popular, na enorme expectativa de
testemunhar o fabrico das primeiras imagens hertzianas em Portugal,
através do vidro que substituiu uma das paredes do estúdio erguido
em pré-fabricado ou de um dos vinte monitores espalhados no parque
de Palhavã. Noutros pontos da grande Lisboa onde se pode captar a
emissão (que chega até à margem sul), formam-se idênticas
aglomerações frente a montras de lojas de eletrodomésticos.”
65
64
“A indústria da Televisão”. Trabalho realizado por Maria João Pacheco de Miranda e Luís Bravo
Pereira. Disponível em
http://si.porto.ucp.pt/internal/mestrado/mest99/Teoria_media/tv/principal1.htm
65
Informações obtidas nos site: http://www.img.lx.it.pt Acesso em setembro de 2004.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
125
No ano seguinte, em 7 de março de 1957 (data oficial do lançamento da
televisão portuguesa), a RTP dá início às suas transmissões regulares, a partir
dos estúdios do Lumiar, antigo estúdio de cinema. A RTP tinha autorização
para emitir em preto e branco, comercializar o espaço publicitário, vender,
alugar e reparar receptores de TV. Logo no início foi decretada também a
necessidade do pagamento de uma taxa cobrada daqueles que possuíssem
aparelhos de TV. Essa taxa foi inicialmente fixada em 360 escudos anuais.
Ao contrário de Salazar que, de certa maneira, ignorava o novo veículo,
mal a televisão havia começado a emitir sua programação de forma regular,
Marcello Caetano já estava discursando ao país. Segundo Cádima (1996, p.
40), em junho de 1957, Caetano falou pela primeira vez à população, por meio
da rádio e da televisão e seu discurso tinha como tema a comemoração do 10º
aniversário do Plano Marshall (auxílio americano à Europa pós Segunda
Guerra Mundial). Portanto, era Caetano quem acabava representando o regime
na televisão.
Em 1958, após a conclusão da primeira fase de instalação da rede
nacional de televisão, o sinal já cobria cerca de 44% do território continental,
atingindo 60% da população, sobretudo a área de Coimbra e as regiões
litorâneas. Vale ressaltar que um aparelho de televisão custava
aproximadamente 5 mil escudos, o que na época era um preço muito elevado.
Para se ter uma idéia, esse valor era algo entre oito e nove meses de salários
de um trabalhador não qualificado. “Nos dois primeiros anos de emissões
regulares (1957 e 1958) foram registrados apenas 17.569 receptores, números
que, apesar de tudo, não se afastavam substancialmente dos verificados nos
outros países europeus” (CÁDIMA, 1996, p. 33).
Nesse mesmo ano, Salazar faz a sua primeira aparição ao vivo na
televisão. O objetivo era ‘agradecer’ a vitória que obtivera nas eleições
presidenciais ocorridas no mês de julho. De acordo com Cádima (1996, p. 145),
caso não tivesse havido fraude eleitoral, o general Humberto Delgado teria tido
provavelmente voto dos portugueses para demitir Salazar. Para se ter uma
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
126
idéia da manipulação que ocorreu nessa época, as notícias veiculadas na RTP
não mostravam as imagens do enorme apoio popular que o candidato Delgado
recebia, o que indica que a emissora funcionou como um instrumento
importante do regime.
Em 1959, é aberto o Estúdio do Norte, em Vila Nova de Gaia (cidade
vizinha ao Porto), sendo que todos os programas de estúdio eram transmitidos
ao vivo. É nesse momento também que surge o Telejornal, um dos mais
importantes noticiários da televisão portuguesa. Assim como outras emissoras
públicas, a RTP cresceu graças a acontecimentos oficiais, pois a publicidade
representava uma parte muito pequena da receita (naquele momento, a
principal fonte de financiamento era realmente a taxa). Entre os fatos oficiais
que impulsionaram a transmissão e a expansão da RTP, podemos destacar a
visita oficial da Rainha Isabel II; as inaugurações do Cristo-Rei e da Ponte
sobre o Rio Tejo, além das eleições para a VII Legislatura. O primeiro
acontecimento é considerado um momento decisivo para a arrancada das
emissões regulares e as inaugurações receberam, inclusive, apoio técnico de
televisões estrangeiras.
O movimento de transformação da emissora é lento, contudo, acontece
de maneira contínua. Na década de 1960, a RTP vai ser, inclusive, responsável
pela integração do país, visto que dá início ao auto conhecimento da
população portuguesa. Com as devidas ressalvas, é possível falar, pela
primeira vez, em sinais de homogeneidade que, definitivamente, começam a
diluir a – até aí, - quase estanque dualidade (aos níveis social, econômico e
geográfico) que caracterizava o país no início do Estado Novo. Fatores como
um melhorado “sistema de estradas, a acima mencionada transmigração de
mão-de-obra e, até mesmo, a circunscrição militar - num período de doze anos
mais de um milhão de jovens portugueses viajaram continuamente dentro do
país e para os territórios africanos” (PINTO, 2005, p. 64).
Nos primeiros anos da década de 1970, a RTP, sob a liderança de
Ramiro Valadão, manteve-se leal ao propósito de cumprir os objetivos políticos
da ‘orientação’ da opinião pública. Chegou-se a pensar que o esforço dos
profissionais da emissora havia ajudado a alterar a maneira como os
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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127
portugueses se encaravam e que a participação da empresa em organismos
internacionais de televisão teria tornado-a mais influenciável em relação a
medidas renovadoras. Mais tarde em 1972, surge a RTP2 como canal
generalista dando mais destaque à cultura e ao esporte. Os portugueses
tinham, agora, o poder de escolher entre dois canais.
Porém, tudo não passou de uma ilusão. A televisão portuguesa havia
sido criada para atender aos interesses políticos do regime militar, era
fortemente controlada pelo Estado e não mostrava interesse em acatar a
opinião do público. Essa situação permanecerá viva e constante até os últimos
dias do Estado Novo. O deputado Manuel José Homem de Mello, durante um
debate na Assembléia Nacional, em finais de 1972 disse:
“Acresce que se trata de um meio de comunicação por tal forma
poderoso e sedutor que o estado tem o dever de zelar pela respectiva
utilização, evitando que possa ser colocado ao alcance de hábeis
manipuladores de opinião pública – insuficientemente preparada para
se defender da forma mais lúcida e conveniente” (PINTO, 2005, p. 65).
“A história da RTP não é uma história animadora. É uma história
bastante trágica. Se quisermos analisar bem, sempre foi uma empresa
que começou no tempo do Salazar, Marcello Caetano, sempre a serviço
do poder - e este, autoritário. Depois, com a democracia, a RTP
cresceu, desenvolveu, transformou-se, mas nunca deixou de estar sob
a alçada do poder político de formas mais ou menos sutis. Foi muito
subserviente ao poder político” (Helena Sousa).
66
E a democracia não demoraria a chegar. Em 25 de abril de 1974, a rádio
informou sobre as mudanças políticas que estavam acontecendo no país, Era a
Revolução dos Cravos. A televisão foi a responsável por mostrar, pela primeira
vez, o rosto de alguns protagonistas desse capítulo da história portuguesa. O
clima de euforia que dominou os primeiros dias foi substituído por uma queda
de braço entre as forças políticas. A discussão sobre o serviço público foi
colocada de lado.
O Movimento das Forças Armadas (MFA) deu início ao novo período de
controle político dos meios de comunicação social, incluindo a RTP. As
medidas implementadas tinham duas preocupações principais: destruir os
mecanismos repressivos de liberdade de expressão do antigo regime e garantir
66
Entrevista concedida à Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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128
que o novo poder político tivesse acesso privilegiado aos órgãos de informação
de maior audiência. “Assim, a abolição da censura e do exame prévio foi
acompanhada da criação de uma comissão ad-hoc, para controle da imprensa,
rádio, televisão, teatro e cinema, ‘de caráter transitório’ e diretamente
dependente da Junta de Salvação Nacional” (PINTO, 2005, p. 66).
Em fevereiro de 1975, o novo governo tratou de aprovar a nova Lei de
Imprensa, mas foi cauteloso ao definir o regime legal para o setor audiovisual.
O novo regime herdou do Estado Novo o princípio de que a televisão poderia
ser um objeto de propriedade privada. Tanto que a Constituição de 1976
rebateu a possibilidade da transformação política abrir um campo para reflexão
e de reformulação do serviço televisivo nacional. A Lei da Televisão seria
aprovada somente no ano de 1979.
Infelizmente, mesmo com uma nova força política no poder (desta vez
com caráter democrático), a RTP continuou a ser encarada como “instrumento
de mobilização e de ação política”. Os governos subseqüentes continuaram
controlando a emissora e fizeram dela um verdadeiro ‘cabide de empregos’,
inchando, cada vez mais, sua estrutura. Para se ter uma idéia, num espaço de
dez anos (pós-1974), os onze lugares do Conselho de Administração e as vinte
diretorias foram ocupadas por 80 e 130 pessoas respectivamente. A
qualificação trabalhista dera lugar à filiação política.
“Os novos protagonistas políticos são de quadrantes opostos, mas tal
como os seus antecessores servem-se da estação pública com a
mesma ganância. Os primeiros anos de liberdade são vividos com
euforia, mas também com muito radicalismo. Cometem-se excessos e
afastam-se profissionais competentes. Acusados de pacto com o antigo
regime”
67
Em meio ao turbilhão político, a RTP passou por algumas mudanças de
ordem física e tecnológica. Em 1979, é feita a transferência dos primeiros
serviços para o novo edifício-sede, em Lisboa. No ano seguinte, em março de
1980, com um relativo atraso em comparação a outras TVs do mundo, a RTP
dá início às suas emissões regulares em cores. O primeiro programa a ser
veiculado totalmente em cores foi o 17º Festival RTP da Canção.
67
“A indústria da Televisão”. Trabalho realizado por Maria João Pacheco de Miranda e Luís Bravo
Pereira. Disponível em
http://si.porto.ucp.pt/internal/mestrado/mest99/Teoria_media/tv/principal1.htm
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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129
No início da década de 1980, vemos um país diferente. Portugal acabara
de libertar-se formalmente das ligações com os países africanos, vivia um novo
regime político, mantinha novas formas de relacionamento social e regras de
comportamento individual e entrara para a Comunidade Econômica Européia.
As aberturas política e econômica acabaram transformando Portugal num país
de chegada e não mais de saída. Esses elementos serão fundamentais para a
expansão dos meios audiovisuais, inclusive da RTP. Em 1986, entra em
funcionamento o Centro de Emissão, na sede da RTP, em Lisboa, e nesse
mesmo ano abre a primeira delegação da RTP no exterior, em Bruxelas.
Os políticos, cada vez mais, têm consciência do poder da televisão e a
utilizam como instrumento de aproximação com o eleitorado. Essa vai ser a
década de consolidação da televisão em Portugal. Há um crescimento técnico
e tecnológico, mas, por outro lado, há uma utilização indiscriminada do veículo.
O objetivo de cada governo que se sucede no poder vai ser o de controlar a
televisão. O pensamento político na época era: “mais vale 15 segundos em TV
do que a manchete de um jornal”. Segundo Miranda e Pereira
68
, chegava a ser
caricato a organização das agendas ministeriais. O importante era ‘criar’ fatos
noticiáveis através da TV, datas e horários de eventos eram alterados em favor
do veículo. “Se a estação pública evoluiu formal e tecnologicamente, se o
aumento de qualidade das emissões e da própria programação são um fato
inegável, não é menos verdade que a crescente sofisticação corresponde uma
maior cobiça política.” A televisão pública segue uma trajetória de sucesso
como detentora de um imenso poder.
A crise mais profunda do setor audiovisual português tem início no final
da década de 1980. Nessa época, os sociais-democratas estavam no poder e
consequentemente na RTP, sendo o responsável de antena José Eduardo
Moniz (que depois se tornaria diretor de programas e de informação do canal
privado TVI). O governo fez investimentos significativos na emissora, mas, ao
mesmo tempo, desproporcionais.
68
“A indústria da Televisão”. Trabalho realizado por Maria João Pacheco de Miranda e Luís Bravo
Pereira. Disponível em
http://si.porto.ucp.pt/internal/mestrado/mest99/Teoria_media/tv/principal1.htm
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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130
Na década de 1990, acontece a entrada dos canais privados, primeiro a
SIC (em 6 de outubro de 1992) e em seguida a TVI (em 20 de fevereiro de
1993). A disputa pela audiência vai fazer com que chegue ao fim o monopólio
da RTP. De acordo com Cádima
68
, os analistas independentes acreditavam
que não haveria mercado para quatro canais para disputar o bolo da
publicidade. “Diversos alertas foram então lançados, mas a verdade é que o
governo de Cavaco Silva decidia avançar com duas novas licenças, mantendo
a RTP1 e a RTP2 também na disputa da publicidade.”
Por um lado, a chegada das novas emissoras vai esquentar o mercado
televisivo português, por outro lado, os novos canais não vão garantir a
independência da RTP. Pelo contrário, houve uma maior espetacularização da
informação. Agora, tudo era em nome da audiência. Na época, o presidente da
República, Mário Soares dirigiu uma mensagem à Assembléia Nacional,
criticando o papel desempenhado pela RTP em relação à independência e ao
pluralismo.
“Como é do conhecimento dos senhores Deputados, tem havido
queixas e protestos, individuais e coletivos, vindos dos mais diferentes
setores da opinião nacional denunciando a discriminação ou a
dificuldade no acesso aos meios de comunicação social do setor
público – que constituem serviços com o dever de isenção – e, em
especial, a governamentalização da RTP. A manipulação dos
telejornais tem sido freqüentemente referida como uma prática
constante, indigna de um país democrático membro da Comunidade
Européia. Sou sensível a estas queixas, como me cumpre. E sem
recorrer a uma enumeração de fatos concretos – toda a gente os
conhece, por experiência direta – não deixarei, contudo, de referir
algumas práticas que, de modo mais comum, refletem essas queixas: a
incoerência dos critérios jornalísticos e o desequilíbrio da sua aplicação
em relação ao governo e aos partidos da Oposição; o sistemático
tratamento das iniciativas destes partidos em horários e blocos
noticiosos de menor audiência; a utilização de técnicas e montagem; a
incapacidade de comunicação e a presença dos intervenientes,
sobretudo, quando não são certos membros do governo; a omissão ou
a minimização de iniciativas sociais independentes do governo ou em
confronto da atualidade; o afastamento de profissionais qualificados e
isentos; o recurso a comentadores anódinos ou apenas representativos
de franjas marginais da opinião; finalmente, a chocante discriminação
no tratamento das atividades dos diferentes órgãos de soberania”
(Soares apud Pinto, 2005, p. 71).
68
“Televisão, serviço público e qualidade”. Disponível em:
http://www.fcsh.unl.pt/cadeiras/httv/artigos/Televisao,%20servi%C3%A7o%20p%C3%BAblico%20e%20qu
alidade.pdf. Acesso em janeiro de 2006.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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131
Para Sousa e Santos (2005, p. 73), a abertura do mercado à iniciativa
privada foi feita de maneira apressada e que criou problemas à RTP. O então
secretário de Estado da Comunicação Social, Arons de Carvalho, declarou que
estava disposto a resolver as dificuldades da emissora pública. Duas
importantes medidas foram aprovadas pelo governo: a primeira foi um plano de
reestruturação da empresa, que procurava alocar profissionais
reconhecidamente competentes fosse pelo rigor, fosse pela independência, e a
segunda foi a extinção da taxa paga pelos espectadores à televisão.
Entretanto, a emissora não conseguiu solucionar seus problemas financeiro e
editorial e acabou agravando ainda mais a sua situação.
“Independentemente das lideranças, o efeito mais significativo do
aparecimento de operadores privados foi, de fato, o abandono do
serviço público em detrimento de uma lógica claramente comercial. Não
existia uma filosofia própria e um ‘livro de estilo’, o que acaba por se
traduzir em vulnerabilidade.”
69
A verba que o Estado destinava à RTP não era suficiente para garantir
um serviço público, no mínimo, independente. Essa atribuição de verbas
recebe o nome de ‘indenizações compensatórias’, que além de serem
insuficientes tinha uma certa indefinição na sua aplicação. É nesse momento
que a publicidade passa a desempenhar um papel fundamental e até mais
importante do que realmente deveria ter. A RTP começa a concorrer pelo bolo
publicitário com as demais emissoras comerciais. Um caminho considerado
perigoso, visto que as outras emissoras, por serem novidade, acabavam
atraindo mais a audiência.
É também na década de 1990 que a RTP dá início ao seu plano de
expansão. Em 1992, entra no ar a RTP Internacional com o objetivo de ser um
importante fator de identidade cultural e um elo entre os portugueses
espalhados por vários continentes. Cerca de quatro anos mais tarde, em julho
de 1996, é anunciada a criação da RTP África, canal étnico dirigido aos países
69
“A indústria da Televisão”. Trabalho realizado por Maria João Pacheco de Miranda e Luís Bravo
Pereira. Disponível em
http://si.porto.ucp.pt/internal/mestrado/mest99/Teoria_media/tv/principal1.htm
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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africanos com língua oficial portuguesa. Em 1997 dá-se o início das emissões
de teletexto.
70
O tempo passava e os problemas da RTP só aumentavam. A dificuldade
financeira da empresa era notória e serviu de argumento para oposição contra
o governo. Eles criticavam sistematicamente o suporte financeiro do Estado e,
a esta altura, defendiam a privatização, alegando que a empresa, além de não
estar prestando um serviço público autêntico, era um sorvedouro de dinheiro.
“No panorama audiovisual, tal como foi redesenhado por Cavaco Silva e
preservada pelos governos de António Guterres, a RTP manteve-se condenada
à indefinição quanto ao projeto de Serviço Público, à dependência política e à
inviabilidade financeira” (SOUSA e SANTOS, 2005, p. 75).
Segundo o prof. Francisco Rui Cádima
71
o governo Cavaco Silva (1985-
1995) representou um dos momentos mais caóticos para a história da RTP,
pois durante o seu governo foram tomadas as piores medidas administrativas.
O financiamento da emissora vinha diretamente do pagamento da taxa e foi no
período do governo Cavaco Silva que foi tomada a decisão quanto à abolição
da taxa e a entrada dos canais comerciais. O problema é que foi nesse período
também que a RTP não soube ter um comportamento distanciado do mercado
dos privados e, portanto, acompanhou a lógica comercial. “Faltou rigor, faltou
uma regulação, deixando que a televisão pública rapidamente se adaptasse à
estratégia de privada e passasse a ter mais uma televisão privada em
Portugal.”
Em julho de 1998, durante o governo de António Guterres (1995-2000),
é aprovada a nova Lei da Televisão que, apesar de sugerir novas
possibilidades, não trouxe grandes contribuições para os problemas da RTP.
Uma das determinações baixadas pela nova lei foi o fato da RTP1 ter, no
máximo 7,5 minutos de publicidades por hora e a RTP2 não ter anúncios
comercias, apenas institucionais. Entretanto, a nova lei não criou alternativas
70
Um meio de obter informação, através da consulta das últimas notícias, acesso aos resultados
desportivos atualizados, bem como à programação televisiva e a informações úteis. O Teletexto é uma
invenção da BBC Research que, no início dos anos setenta, teve a idéia de enviar informação digital
numa parte não utilizada do sinal de televisão. Fonte:
http://bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=quico-
celia-jogos-de-computador-televisao-digital.html
71
Entrevista realizada em janeiro de 2006.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
133
transparentes em relação ao financiamento da RTP e a proposta de Arons de
Carvalho, então secretário de Estado da Comunicação, de financiar a empresa
por meio de uma relação direta com o PIB acabou não passando de uma
promessa. Vale ressaltar também que a retirada de publicidade do segundo
canal acabou privilegiando somente os canais privados, pois, desta forma,
passaram a ter menos um concorrente no bolo publicitário.
O século XXI chega e a RTP continua contabilizando prejuízos e
problemas. Em 2002, cumprindo o seu programa eleitoral, o Governo anuncia
um novo conjunto de medidas que vão colaborar para a mutilação da RTP.
Uma dessas medidas dizia respeito à possível extinção de um dos canais
nacionais públicos. Para os críticos era a “morte anunciada do serviço público
de televisão”. Uma total reforma da RTP não era questionável, pelo contrário,
era praticamente uma questão unânime entre estudiosos, críticos e sociedade
civil. Todavia, a extinção de um dos canais representaria um retrocesso quando
comparado aos parceiros europeus e ao interesse nacional. Tratava-se de
entregar um dos canais públicos a mais um operador privado com conteúdo,
possivelmente, discutível.
“Os dois grandes partidos, OS e PSD, na luta eleitoral para a legislatura
da era pós-Guterres (2002), coincidiam num ponto: eram necessárias
medidas de emergência e poder-se-ia chegar inclusivamente à
liquidação da RTP, criando de raiz uma nova empresa para o serviço
público, que poderia ser eventualmente prestado por um só canal. O
secretário-geral do PS. Ferro Rodrigues, chegou também a referir-se à
crise da RTP, tendo então dito que a empresa poderia ter uma evolução
exatamente nesse sentido se a prazo – até um máximo de dois anos –
os problemas não tivessem resolvidos.”
72
O PSD venceu as eleições e no seu programa eleitoral havia referências
à RTP, como: a) reestruturar a empresa a partir de uma auditoria de gestão; b)
aplicar um plano financeiro de curto e de médio prazo; c) cindir em duas
empresas a atual RTP; d) concentrar o serviço público de televisão num canal
generalista, na RTP Internacional e na RTP África; e) alienar parte, ou mesmo
a totalidade, das empresas participadas do grupo RTP; f) quantificar de forma
rigorosa e a partir da auditoria o custo real do serviço público de televisão,
72
“Televisão, serviço público e qualidade”. Disponível em:
http://www.fcsh.unl.pt/cadeiras/httv/artigos/Televisao,%20servi%C3%A7o%20p%C3%BAblico%20e%20qu
alidade.pdf. Acesso em janeiro de 2006.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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134
passando este a ser financiado pelo Orçamento do Estado; g) fixar padrões de
qualidade para o canal generalista; h) autonomizar os Centros Regionais dos
Açores e da Madeira; i) fazer da RTP Internacional e da RTP África verdadeiros
instrumentos de uma política de defesa da identidade nacional.
Morais Sarmento é nomeado ministro da Presidência e anuncia um só
canal generalista e a redução do número de trabalhadores. No entanto, ele
deixa algumas questões em aberto, como a alienação ou liquidação de um
canal, ficando o outro com ou sem publicidade. Uma nova administração é
nomeada, tendo a frente Almerindo Marques, um gestor socialista. Contudo, o
Conselho de Opinião da RTP veta o novo Conselho de Gestão. A crise que
antes se restringia ao setor audiovisual ganha proporções e transforma-se
numa crise institucional, com pedidos de intervenção ao presidente da
República.
O ano de 2004 é marcado pela mudança para uma nova sede, situada
na Av. Marechal Gomes da Costa, em Lisboa. Foi também o ano do
lançamento de dois novos canais através da distribuição por cabo: a RTP N e a
RTP Memória. Ainda em 2004, a RTP adaptou atividades na área das
plataformas digitais: formatos interativos de programas TV e novas
funcionalidades na programação adequada para públicos com necessidades
especiais, como os deficientes auditivos.
Após uma longa jornada de discussões, é lançado definitivamente, em
janeiro de 2004, o novo canal 2:. Em parceria com a sociedade civil, a RTP1
elaborou o projeto que visava substituir a antiga RTP2. O canal seria uma
concessão autônoma que viveria no universo da RTP e que seria seguido por
um Conselho de Acompanhamento, composto pelos parceiros. O principal
objetivo do 2: era fornecer espaços às minorias.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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135
4.2 – Legislação da TV pública portuguesa
4.2.1 – ICS - Instituto de Comunicação Social
Antes de entrarmos na questão da legislação da RTP é necessário
resgatar algumas informações sobre o ICS e a Lei da Televisão. Esses dados
servirão para mostrar que os meios de Comunicação Social em Portugal estão
mais bem amparados no que diz respeito a leis.
Em 22 de Setembro e 17 de Novembro de 2003, são assinados os
seguintes contratos entre o Estado e a RTP: Contrato de Concessão Geral de
Serviço Público de Televisão; Aditamento ao Contrato de Concessão Geral de
Serviço Público de Televisão e Contrato de Concessão Especial de Serviço
Público de Televisão.
Em Portugal, o Decreto-Lei nº 34/97 criou o ICS (Instituto de
Comunicação Social) cujo objetivo era o de executar e desenvolver políticas
definidas para a comunicação social, acompanhando as atividades de
radiodifusão sonora e televisiva e de edição de publicações periódicas,
respondendo aos desafios colocados ao Estado pela privatização,
licenciamento e abertura à iniciativa privada dos órgãos de comunicação social.
O instituto público pretende garantir um nível adequado de
independência do setor da comunicação social com a Administração. O ICS
funciona sob a tutela do Ministro de Estado e da Presidência, responsável
governamental pela área da comunicação social
. Suas principais competências
são:
- registrar e fiscalizar os órgãos de comunicação social (imprensa, rádio e
televisão);
- aplicar os incentivos do Estado à comunicação social e coordenação da
publicidade do Estado;
- fazer o acompanhamento técnico do setor junto de instâncias internacionais,
tais como a União Européia, Conselho da Europa e Unesco.
Cabe também ao ICS proceder aos atos de registro dos órgãos de
comunicação social nacionais, ou sujeitos à jurisdição do Estado português,
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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136
organizando o registro das publicações periódicas, das empresas jornalísticas,
dos operadores radiofônicos e televisivos. Para melhorar seu desempenho, o
instituto costuma promover ações de informação e sensibilização que em cada
momento se mostram necessárias para a observância da legislação aplicável
por parte dos agentes do setor. É função também do ICS fiscalizar diretamente
os operadores de radiodifusão sonora e televisiva com o objetivo de assegurar
o cumprimento da lei.
Portanto, o ICS é responsável por importantes atribuições no que diz
respeito às responsabilidades públicas, fazendo com que haja um
acompanhamento sistemático dos princípios que regem as atividades do setor,
cumprindo com todas as obrigações essenciais à existência dos serviços
públicos de rádio e televisão no contexto de uma sociedade de informação. Já
ao Estado, cabe a função, por meio do ICS, de apoiar os órgãos de
comunicação social, sejam locais ou regionais, de forma com que possa
contribuir para a dinamização empresarial do segmento.
4.2.2 – Lei da Televisão
De acordo com Arons de Carvalho (2005, p. 103), a primeira Lei que
regulou o acesso à atividade de televisão e o seu exercício foi aprovada em
1979. Era a lei nº 75/79, de 29 de novembro de 1979. O fim do monopólio da
RTP e a abertura à iniciativa privada na década de 1990 imporiam uma nova
legislação – a lei nº 58/90, de setembro de 1990. No entanto, essa lei seria
revogada em 1998, sendo aplicada uma nova Lei da Televisão a de nº 31-
A/98, de 14 de julho de 1998. Esta lei manteve inalterados vários capítulos da
anterior.
“O regime da atividade de televisão é enquadrado pelos arts. 37º, nº 1 e
2, 28º, nº 1, 2 e 7. e 29º, nº 4, Da Constituição da República Portuguesa
(CRP). Na medida em que o acesso à atividade de televisão e a
regulação do seu exercício contendem diretamente com a matéria dos
direitos, liberdades e garantias constitucionais, o seu tratamento legal
deve obedecer ao disposto no art. 165º da CRP. Assim, o Governo só
pode legislar em matéria de televisão mediante autorização legislativa,
que deve fixar o objeto, o sentido e a extensão dessa intervenção”
(CARVALHO, 2005, p. 103).
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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137
A Lei da Televisão tem como objetivo regular o acesso à atividade de
televisão e o seu exercício em todo o território nacional. A lei ainda conceitua o
que é televisão (organização de serviços de programas sob a forma de
imagens); operador de televisão (pessoa coletiva legalmente habilitada para o
exercício da atividade televisiva); Serviço de programas televisivo (conjunto de
elementos da programação fornecido por um operador); autopromoção
(publicidade difundida pelo operador de televisão relativo aos seus próprios
produtos, serviços, serviços de programas televisivos e programas) e televenda
(difusão de ofertas diretas ao público, tendo como objetivo o fornecimento de
produtos ou a prestação de serviços mediantes remuneração).
O artigo 4º da Lei da Televisão dispõe dos itens sobre concorrência e
concentração, explicando que é aplicável aos operadores de televisão o regime
geral de defesa e promoção da concorrência no que diz respeito às práticas
proibidas, em especial o abuso de posição dominante, e à concentração de
empresas. A lei explica ainda que a transmissão de serviços de programas
televisivos “não pode ficar dependente de qualquer exigência de participação
dos operadores de televisão no capital social dos titulares das redes, assim
como da participação destes no capital dos primeiros”. Já a transmissão de
serviços de programas deve processar-se com respeito baseados nos
princípios de igualdade, transparência e da não discriminação seja pelo
acesso, seja pelas condições de remuneração.
O serviço público é tratado no artigo 6º da lei e esclarece que o Estado
deve assegurar a existência e o funcionamento de um serviço público de
televisão, assim como o cumprimento das obrigações específicas, por parte
dos operadores que atuam ao abrigo de concessão do serviço público de
televisão. O artigo seguinte, o de nº 7, faz considerações sobre o princípio de
cooperação, no qual o Estado, os concessionários do serviço público e os
demais operadores de televisão devem colaborar entre si no prosseguimento
dos valores da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito, da
sociedade democrática e da coesão nacional e da promoção da língua e da
cultura portuguesas, tendo em consideração as necessidades especiais de
determinadas categorias de espectadores.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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138
Já o artigo 16º da Lei da Televisão trata do licenciamento e autorização
de serviços de programas televisivos, o qual explica que “compete à entidade
reguladora atribuir as licenças e as autorizações para o exercício da atividade
de televisão”. No artigo 20º, está disposto o prazo das licenças ou autorizações
e prevêem que, para o exercício da atividade televisiva de âmbito nacional, são
emitidas licenças para um prazo de 15 anos, renovável por iguais períodos.
No capítulo III, da Leia da Televisão, encontram-se os artigos que tratam
da programação e da informação da televisão em Portugal, abordando,
sobretudo, a questão da liberdade de expressão. O artigo 23º trata da
autonomia dos operadores especificados em dois itens: 1) a liberdade de
expressão do pensamento através da televisão integra o direito fundamental
dos cidadãos a uma formação livre e pluralista, que são essenciais à
democracia e ao desenvolvimento social e econômico do país; 2) o exercício
da atividade de televisão baseia-se na liberdade de programação, não podendo
a Administração pública ou qualquer órgão de soberania, com exceção dos
tribunais, impedir, condicionar ou impor a difusão de quaisquer programas.
O artigo seguinte, 24º, refere-se aos limites à liberdade de programação,
dispondo sobre o que os elementos dos serviços de programas devem
respeitar, no que diz respeito à apresentação e conteúdo, a dignidade da
pessoa humana, os direitos fundamentais e a livre formação da personalidade
das crianças e adolescentes. Portanto, é possível perceber que há uma clara
declaração de princípios e uma substancial preocupação com os conteúdos
veiculados pelos operadores, independentemente de serem públicos ou
privados.
Em se tratando de operadores, a Lei da Televisão possui uma Seção (II
– obrigações dos operadores) específica para eles. O artigo 30º versa sobre
as obrigações gerais dos canais de televisão, que devem garantir, na
programação, a observância de uma ética de antena, o respeito pela dignidade
da pessoa humana (e pelos demais direitos fundamentais), protegendo os
públicos mais vulneráveis, como crianças e jovens. É ainda obrigação dos
operadores garantir o direito de resposta e de retificação, assim como
assegurar o rigor, a objetividade e a independência da informação. A questão
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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139
da informação será retomada no artigo 33º (serviços noticiosos) que explica
que os serviços de programas generalistas devem apresentar, durante os
períodos de emissão, serviços noticiosos regulares assegurados por
jornalistas.
O artigo 36º dispõe do tempo reservado à publicidade. Portanto, faz-se a
necessidade de especificar a lei:
1 - Nos serviços de programas televisivos de cobertura nacional e acesso não
condicionado, o tempo reservado às mensagens publicitárias não pode exceder
15% do período diário de emissão, salvo quando inclua outras formas de
publicidade ou mensagens de televenda, caso em que esse limite pode elevar-
se a 20%.
2 - Nos serviços de programas televisivos de cobertura nacional e acesso
condicionado, a difusão de publicidade ou de mensagens de televenda não
deve exceder 10% do período diário de emissão.
3 - Nos serviços de programas televisivos temáticos de televenda ou de
autopromoção, o tempo destinado à publicidade não deve exceder 10% do
período diário de emissão.
4 - O tempo de emissão destinado às mensagens publicitárias e de televenda,
em cada período compreendido entre duas unidades de hora, não pode
exceder 10% ou 20%, consoante se trate ou não de serviços de programas
televisivos de acesso condicionado.
5 - Excluem-se dos limites fixados no presente artigo as mensagens difundidas
pelos operadores de televisão relacionadas com os seus próprios programas e
produtos diretamente deles derivados, os patrocínios, os blocos de televenda a
que se refere o artigo seguinte, bem como as que digam respeito a serviços
públicos ou fins de interesse público e apelos de teor humanitário, transmitidas
gratuitamente.
Sobre a questão da publicidade, Arons de Carvalho (2005, p. 151)
explica:
“A necessidade de delimitar os tempos de publicidade e de televenda
assenta basicamente em razões de proteção da cidadania, evitando-se
que a função publicística da televisão (informação, educação,
desenvolvimento sócio-cultural e divertimento) seja absorvida por
finalidades comerciais ou promocionais específicas. No mesmo sentido,
procura salvaguardar-se a independência dos operadores perante os
interesses econômicos dos anunciantes, sem prejudicar a obtenção de
receitas publicitárias de que depende em grande medida a atividade
televisiva.”
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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140
Fica claro que há uma dupla preocupação. De um lado, há um cuidado
em não ferir os direitos do cidadão com a veiculação da publicidade. Contudo,
por outro lado, há uma preocupação em não prejudicar os interesses dos
operadores e do meio publicitário, visto que os canais dependem dos
investimentos do segmento.
O capítulo IV da lei da Televisão trata especificamente do Serviço
Público de Televisão. O artigo 46º faz uma observação sobre os princípios da
universalidade e da coesão nacional, da excelência da programação e do rigor,
objetividade e independência da informação, bem como do seu funcionamento
e estrutura. Cabe aos operadores fornecer uma programação pluralista e que
leve em conta os interesses das minorias e a promoção da diversidade cultural.
Além disso, deve proporcionar uma informação rigorosa e independente;
garantir a cobertura noticiosa dos principais acontecimentos nacionais e
internacionais e garantir a produção e transmissão de programas destinados ao
público jovem e infantil, educativos e de entretenimento, contribuindo para a
sua formação.
O serviço público de televisão deve ainda emitir programas destinados
aos portugueses fora de Portugal e aos nacionais de países de língua oficial
portuguesa residente fora de Portugal; deve promover a possibilidade de
acompanhar as emissões por parte de pessoas surdas ou com deficiência
auditiva; deve apoiar a produção nacional; garantir os direitos de resposta e de
réplica política (previstos na Constituição); deve ceder tempo de emissão à
Assembléia Pública para a divulgação de informações de interesse geral; e
emitir mensagem do presidente da República, do presidente da Assembléia da
República e do primeiro-ministro.
O financiamento é tratado no artigo 52°, o qual diz que o Estado deve
assegurar o financiamento do serviço público de televisão, nos termos
estabelecidos na lei e nos contratos de concessão. “O financiamento público
deverá respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência”. Já os
contratos de concessão devem estabelecer um sistema de controle que
verifique o cumprimento das emissões de serviço público e a transparência e a
proporcionalidade dos fluxos financeiros associados, por meio de auditoria
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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141
externa anual a ser realizada por uma entidade especializada indicada pela
entidade reguladora.
O objetivo do financiamento é permitir uma “adequada e eficaz gestão
de recursos, de acordo com a evolução do previsível da conjuntura econômica
e social”. Já os encargos decorrentes do financiamento serão previstos num
“horizonte plurianual, com a duração de quatro anos”. A previsão deve
identificar, além dos custos totais desse período de quatro anos, a parcela
anual desses encargos. Para Arons de Carvalho (2005, p. 170):
“O financiamento do serviço público de televisão é assegurado por
indenizações compensatórias, pelas receitas da contribuição para o
audiovisual. [...] A indenização compensatória constitui desde o fim da
taxa, em 1991, a principal fonte de financiamento do serviço público de
televisão. Em 2004, por exemplo, ela deverá ascender a cerca de 143
milhões de euros, face aos esperados 44 milhões provenientes da
publicidade comercial e aos 27 milhões correspondentes a parte da
contribuição para o audiovisual.”
O último artigo a ser comentado nesta pesquisa é o de nº 65, que trata
dos crimes cometidos por meio de televisão. Segundo a Lei da Televisão, os
atos ou comportamentos prejudiciais de interesse jurídico devem ser punidos
nos termos gerais com as adaptações constantes. “Sempre que a lei não
estabelecer agravação mais intensa em razão do meio de perpetração, os
crimes cometidos através da televisão são punidos com as penas
estabelecidas nas respectivas normas incriminadoras, elevadas de um terço
nos seus limites mínimo e máximo.” No caso de emissões não consentidas,
deverá responder quem tiver determinado a transmissão. Já os técnicos não
são responsáveis pelas emissões as quais deram sua contribuição profissional.
De acordo com Sousa e Santos (2005, pg. 75) a aprovação de uma nova
Lei da Televisão (31-A/98 de 14 de julho), apesar de abrir novas possibilidades,
não forneceu soluções para os problemas da RTP. Segundo os autores, esta
lei introduziu alterações no acesso e no exercício da atividade televisiva e
possibilitou a criação de canais locais, regionais e temáticos. Esta abertura
consentiu que as estações já existentes pudessem se associar a operadores
de cabo, a produtores internacionais de conteúdos televisivos, a fim de
conceber novos projetos. Entretanto, a propagação de canais segmentados
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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142
“veio fragmentar ainda mais as audiências, complicando a já difícil situação
financeira das estações de televisão hertziana” (2005; p. 75).
Já as questões da dívida e do financiamento da RTP foram outra vez
postergadas. Além de continuar sem taxa, a emissora pública teve ainda o seu
espaço publicitário reduzido, por meio de decreto governamental. Essa decisão
passou a vigorar a partir de janeiro 1997. “A RTP1 passou a ter um máximo de
7,5 minutos de publicidade por hora e a RTP2 ficou sem anúncios comerciais
(SOUSA e SANTOS, 2005, p. 75).
4.2.3 – Estatuto da RTP
Após o 25 de Abril de 1974, o estatuto da empresa concessionária da
radiotelevisão é alterado. Em 1975, A RTP é nacionalizada, transformando-se
na empresa pública Radiotelevisão Portuguesa, EP, pelo Decreto-Lei n.º 674-
D/75, de 2 de Dezembro. Em 1992, a RTP transforma-se em sociedade
anônima de capitais exclusivamente públicos - a Radiotelevisão Portuguesa,
S.A. - pela Lei n.º 21/92, de 14 de Agosto (revogada pela Lei n.º 33/2003, de 22
de Agosto).
Em 2000, a RTP - juntamente com a Radiodifusão Portuguesa (RDP) e a
Agência LUSA - passa a fazer parte da sociedade anônima de capitais
exclusivamente públicos denominada "Portugal Global, SGPS, S.A.", criada
pelo Decreto Lei n.º 82/2000, de 11 de Maio (alterado pelo Decreto-Lei n.º
2/2002, de 4 de Janeiro). A Portugal Global foi extinta pela Lei n.º 33/2003, de
22 de Agosto, que aprovou a reestruturação do setor empresarial do Estado na
área do audiovisual.
Entre outras alterações, esta lei transforma a Radiotelevisão Portuguesa,
S. A., sociedade anônima de capitais exclusivamente públicos, numa
sociedade gestora de participações sociais, denominada Rádio e Televisão de
Portugal, SGPS, S. A. e aprova os respectivos estatutos. Cria também a
sociedade anônima de capitais exclusivamente públicos designada
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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143
Radiotelevisão Portuguesa - Serviço Público de Televisão, S. A. e aprova os
respectivos estatutos.
Em 31 de Março de 2004, a Rádio e Televisão de Portugal - de que
fazem parte os operadores de serviço público RDP e RTP - inaugura as suas
novas instalações na Av. Marechal Gomes da Costa (Cabo Ruivo). É também
nesta data que a RTP passa a difundir as suas emissões a partir deste novo
local (a RDP já o fazia desde meados do mesmo mês).
Entretanto, no início do ano, o Canal 2 da RTP - no ar desde 25 de
Dezembro de 1968 - deu lugar a um novo canal denominado 2:. Este canal
iniciou as suas emissões em 5 de Janeiro de 2004. Trata-se de um novo
projeto que resulta da parceria entre a RTP e a sociedade civil, materializado
através da assinatura de protocolos entre a RTP e os diversos parceiros
envolvidos
Sobre a Assembléia Geral da RTP, o estatuto prevê que deverá ser
composta pelos acionistas com direito a voto. Já as reuniões acontecem
ordinariamente, pelo menos, uma vez por ano e extraordinariamente sempre
que o Conselho de Administração ou o fiscal único julgarem necessário e ainda
quando a reunião seja requerida por acionista que represente, no mínimo, 5%
do capital social. À assembléia geral compete: a) apreciar os documentos de
prestação de contas e deliberar sobre a aplicação dos resultados do exercício;
b) eleger a mesa da assembléia geral, o conselho de administração e o fiscal
único; c) delibera sobre qualquer alteração no estatuto e aumento de capital; d)
autorizar a aquisição, oneração ou alienação de participações sociais de valor
superior a 5% do capital social; e) autorizar a contração de empréstimos; f)
deliberar a associação da sociedade com outras entidades; g) deliberar sobre
as remunerações dos membros dos corpos sociais, podendo designar uma
comissão de vencimentos e h) tratar de qualquer outro assunto para que tenha
sido convocada.
O artigo 18º do estatuto da RTP versa sobre a fiscalização da
sociedade, que deve ser exercida por um fiscal único eleito em assembléia
geral, que também elegerá o seu suplente. A função do fiscal único, de forma
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
144
geral, é revisar as contas da empresa. Portanto, compete ao fiscal único:
examinar a escrituração da sociedade; acompanhar o funcionamento da
sociedade e o cumprimento das leis, dos Estatutos e dos regulamentos que
forem aplicáveis; assistir às reuniões do conselho de administração; pedir a
convocação extraordinária da assembléia geral quando entender que for
necessário; emitir parecer sobre os documentos de prestação de contas e levar
ao conselho de administração qualquer assunto, emitindo parecer sobre
qualquer matéria que lhe seja submetida pelo órgão.
O capítulo VII-A do estatuto da RTO trata de um assunto importante: os
provedores. No caso, os provedores são separados em duas categorias
distintas, a do ouvinte (RDP) e a do telespectador (RTP). Esses provedores
funcionam como uma espécie de ombudsman, recebendo reclamações e
elogios do público-alvo. Eles são escolhidos dentre pessoas de reconhecidos
méritos profissionais, credibilidade e integridade pessoal, cuja atividade, nos
últimos cinco anos, tenha sido na área de comunicação. Os nomes indicados
para esses cargos ficam sujeitos ao parecer do Conselho de Opinião.
Sobre as competências dos provedores, o estatuto define que: a) devem
receber e avaliar queixas e sugestões do público sobre os conteúdos
difundidos; b) devem produzir pareceres sobre as queixas e sugestões,
dirigindo-os aos órgãos de administração e a seus respectivos responsáveis; c)
devem indagar e formular conclusões sobre os critérios adotados e os métodos
utilizados na elaboração de apresentação da programação e da informação
veiculadas; d) devem transmitir ao público os seus pareceres sobre os
conteúdos veiculados; e) devem assegurar a edição de um programa semanal
sobre matérias da sua competência, com duração mínima de 15 minutos, em
horário adequado e f) devem elaborar um relatório anual sobre as suas
atividades.
Já o Anexo II do Estatuto versa sobre os objetivos da Radiotelevisão
Portuguesa que são:
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
145
1 - exercer a atividade de televisão nos domínios da emissão e produção de
programas, bem como a exploração do serviço público de televisão, nos termos
da Lei da Televisão.
2 - prosseguir com quaisquer outras atividades comerciais ou industriais,
relacionadas com a atividade de televisão, designadamente as seguintes:
a) exploração da atividade publicitária na televisão;
b) comercialização de produtos, de programas e publicações, relacionados
com as suas atividades;
c) prestação de serviços de consultoria técnica e de formação profissional
e cooperação com outras entidades, nacionais ou estrangeiras,
especialmente com entidades congêneres dos países de expressão
portuguesa;
d) comercialização e aluguel de equipamentos de televisão, filmes, fitas
magnéticas, vídeo cassetes e produtos similares.
3 - Por deliberação do conselho de administração, a sociedade pode deslocar a
sede social dentro do mesmo município ou para município limítrofe.
Em se tratando da programação, o estatuto da RTP prevê que a
responsabilidade pela seleção e pelo conteúdo pertence, direta e
exclusivamente, aos diretores que chefiam as áreas de programação e
informação. No caso, cabe à RTP assegurar a contribuição das delegações
regionais para a programação e informação (artigo 4º, do capítulo I, do Anexo
II).
4.2.4 – Conselho de Administração
Segundo o estatuto da RTP, a sociedade é gerida por um Conselho de
Administração composto por três a sete membros, eleitos em assembléia geral,
que designará dentre estes os que devem exercer as funções de presidente e
de vice-presidente. Cabe ao Conselho de Administração, sem prejuízo das
demais competências:
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
146
a) Gerir, com os mais amplos poderes, todos os negócios sociais e efetuar
todas as operações relativas ao objeto social;
b) Representar a sociedade em juízo e fora dele, ativa e passivamente,
podendo desistir, transigir e confessar em quaisquer pleitos e, bem assim,
celebrar convenções de arbitragem;
c) Propor à assembléia geral que a sociedade, direta ou indiretamente, se
associe com outras pessoas ou adquira, aliene ou onere participações
sociais de valor superior a 5% do capital social;
d) Associar-se com outras pessoas ou adquirir, onerar ou alienar participações
sociais de valor igual ou inferior a 5% do capital social;
e) Propor à assembléia geral a contração de empréstimos que devam por ela
ser autorizados;
f) Nomear representantes, temporários ou permanentes, em sociedades ou
outras instituições ou organismos públicos ou privados;
g) Assegurar a compatibilidade e articulação dos planos de investimento e de
atividade das sociedades participadas.
No que se refere às reuniões, o próprio Conselho é responsável pela
determinação de datas e periodicidade. Ele deve reunir-se extraordinariamente
sempre que convocado pelo presidente, por sua iniciativa ou a solicitação de
dois administradores. “Qualquer administrador pode fazer-se representar nas
reuniões do conselho por outro administrador, mediante carta dirigida ao
presidente”, informou o vogal Gonçalo Reis.
73
As deliberações são tomadas por
maioria simples dos administradores presentes ou representados, tendo o
presidente, em caso de empate, voto de qualidade.
É tarefa do presidente do Conselho representar a empresa em juízo ou
fora dele; coordenar a atividade do conselho de administração, bem como
convocar e dirigir as respectivas reuniões; exercer voto de qualidade e zelar
pela correta execução das deliberações do conselho de administração. No
caso de faltas ou impedimentos, o presidente deverá ser substituído pelo vogal
do Conselho por ele assim designado.
73
Entrevista realizada em janeiro de 2006.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
____________________________________________________________________________
147
Atualmente, o Conselho de Administração da RTP é formado pelo
presidente Almerindo Marques, o vice-presidente Ponce Leão e os três vogais
Gonçalo Reis, Luís Marques e Armando Costa e Silva.
4.2.5 – Conselho de Opinião
O Conselho de Opinião da Rádio e Televisão de Portugal foi criado na
Lei 33/2003, de 22 de Agosto, tendo como primeiro objetivo acompanhar os
contratos de concessão de serviço público de televisão e de radiodifusão, bem
como os planos e bases gerais de atividade das sociedades participadas que
exploram os serviços de programas integrados nos serviços públicos.
Todavia, sua missão não termina aí. O Conselho é responsável ainda
por representar o público na emissora pública, fazendo valer seus direitos de
cidadão. O Conselho funciona como uma espécie de instrumento permanente
de acompanhamento da prestação de serviço público, fazendo observações
críticas junto aos responsáveis pelo cumprimento desse serviço. Sua existência
justifica-se pelo fato dos órgãos públicos necessitarem corresponder às
exigências da sociedade em relação à divulgação da educação, do idioma, da
cultura, da arte e do progresso econômico e social.
É obrigação do Conselho de Opinião representar a maneira de pensar e
ser do povo português, acompanhar, ajuizando e opinando sobre a forma como
o serviço público deve ser executado. O Conselho é um órgão moderador
independente que procura discutir e analisar a boa utilização dos meios e
equipamentos que o Estado coloca ao dispor do serviço público, no caso, a
RTP.
De acordo com as suas normas, o serviço público tem obrigação de
contribuir para o progresso científico e técnico, elevar culturalmente a
população para que entendam a linguagem midiática e tenham acesso aos
meios quaisquer que sejam as suas restrições, sejam de ordem econômica,
social ou política. Em contrapartida, o serviço público não pode ficar refém dos
desejos individuais ou dos instrumentos de governamentalização. Por isso, o
Conselho de Opinião, por ser um representante da sociedade civil, tem o dever
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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148
de ser um observatório permanente de verificação do cumprimento dos
princípios do serviço público. Atualmente o presidente do Conselho de Opinião
da RTP é Manuel Coelho da Silva. O Conselho de Opinião é formado por:
- cinco representantes eleitos pela Assembléia da República;
- três representantes designados pelo Governo;
- um representante designado pela Assembléia Legislativa Regional de cada
uma das regiões autônomas;
- um representante designado pelos trabalhadores da Radiotelevisão
Portuguesa (RTP);
- um representante designado pelos trabalhadores da Radiodifusão
Portuguesa (RDP);
- um representante designado pela confissão religiosa mais representativa;
- um representante designado pelas associações dos espectadores de
televisão;
- um representante designado pelas associações de pais;
- um representante designado pelas associações de defesa da família;
- um representante da Associação Nacional dos Municípios Portugueses;
- um representante designado pelas associações de juventude;
- um representante designado pelas associações de defesa dos autores
portugueses;
- três representantes designados pelas coletividades de cultura, esporte e
lazer;
- um representante designado pelo Conselho de Reitores das Universidades
Portuguesas;
- um representante designado pelo movimento cooperativo;
- dois representantes da assembléia geral da sociedade;
- dois representantes das associações sindicais e dois representantes das
associações patronais;
- dois representantes designados pelas associações de defesa dos
consumidores;
- cinco personalidades de reconhecido mérito, cooptadas pelos restantes
membros do conselho.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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149
O Conselho de Opinião se reúne ordinariamente uma vez por semestre
e extraordinariamente mediante solicitação de dois terços dos seus membros
(artigo 23º).
4.3 – Controle e financiamento da RTP
De acordo com Pinto (2005, p. 63), a RTP nasceu a partir de uma visão
predominantemente financeira do Estado. A proposta era de ser “uma
sociedade ordenada (de matriz corporativa) – como contra-modelo simultâneo
a uma estruturação capitalista e a uma proposta ausência de estruturas
socialista”. No entanto, a RTP provou ser uma “prioridade de segunda
grandeza como foram a construção de estradas e a eletrificação”. Na realidade,
a criação da RTP serviu mais como um instrumento para o Estado do que
propriamente um benefício para a população.
O Movimento das Forças Armadas (MFA) abriu as portas, na década de
1970, para que fosse instaurado um novo ciclo de controle da emissora de
televisão além de outros veículos de comunicação. Após a Revolução dos
Cravos, o Estado aprovou uma nova Lei de Imprensa na qual definia o tipo de
regime para o setor audiovisual. Como dito anteriormente, o novo regime
democrático herdou o princípio do Estado Novo de que a televisão não poderia
ser entregue à propriedade privada. Tanto que a Constituição de 1976 afastou
definitivamente esta hipótese. Portanto, a RTP continuou a ser encarada como
um instrumento de mobilização e ação política que seria controlada pelos
sucessivos governos.
No período entre 1977 e 1980, a história da RTP sofreu uma mutação,
mostrando estar mais próxima do conceito de serviço público. Foi durante a
gestão de João Soares Louro, que se adotou, pela primeira vez, uma estratégia
de programação alternativa para a RTP2. Além de reformular a programação,
Soares Louro tomou medidas que encaminhavam a empresa para uma
autonomização financeira. “Trata-se, ainda assim, de uma opção de gestão,
eventualmente fundamentada em percepções e contato com outras realidades,
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150
mas nunca resultante de uma reflexão alargada e participada” (PINTO, 2005, p.
67).
Em 1980, a Aliança Democrática vence as eleições. As administrações
seguintes decidem investir em duas frentes: o saneamento financeiro e o
aumento da instrumentalização. Na época, o primeiro presidente do Conselho
de Administração, nomeado pela Aliança Democrática, admitiu que a
‘imparcialidade na televisão era algo impensável’. Portanto, ficam claras as
intenções do governo em utilizar a RTP para fins políticos. Essa situação ser
estenderia por toda a década de 1980.
Em janeiro 1991, com a abolição da taxa de televisão (Lei n.º 53/91, de
26 de Janeiro) e a limitação das receitas publicitárias, o serviço público de
televisão passou a ser essencialmente assegurado pelo Orçamento de Estado,
as chamadas indenizações compensatórias. Mas essa medida, junto com a
entrada dos canais privados no mercado televisivo português, teria uma grave
conseqüência: o endividamento da RTP. “O passivo da RTP iniciou-se em
1992, a seguir ao fim da taxa de televisão. Em simultâneo, a empresa perdia
em dois tabuleiros. O início da televisão comercial tirava-lhe crescentemente
receitas publicitárias, dando que, mês após mês, os novos operadores
aumentavam a sua audiência. Por exemplo, em 1992, as receitas publicitárias
foram superiores a 28 milhões de escudos; em 1995, já eram inferiores a 15
milhões. O fim da taxa anulou a outra receita relevante da empresa, calculada
em 4,3 milhões de escudos em 1990” (CARVALHO, 2002, p. 27-28).
A concorrência dos privados aconteceu de forma agressiva, tanto que
José Eduardo Moniz, diretor de Informação e Programas da RTP, solicitou ao
então presidente do Conselho de Administração, Freitas Cruz, que decretasse
um corte nas despesas da emissora. O uso de satélites, enviados especiais,
compra de programas e recursos de produção externa foram os setores que
mais sofreram. Contudo, as dificuldades financeiras da emissora continuaram.
Em janeiro de 1995, Freitas Cruz revelou à imprensa que a dívida da RTP
havia aumentado em aproximadamente 25 milhões de escudos somente no
ano de 1994. Enquanto a emissora pública amargava prejuízos, a SIC
comemorava seu sucesso comercial.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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151
Na tentativa de melhorar o setor televisivo em Portugal com a abertura
aos operadores privados, o governo conseguiu apenas agravar ainda mais a
situação financeira da RTP com decisões equivocadas. Em 1992, o governo
PSD decidiu que a RTP vendesse a sua rede de emissores, arrecadando cerca
de 5,4 milhões de escudos. Porém, nos dois anos seguintes pagou
aproximadamente 7,2 milhões de aluguel pela rede. Além disso, essa
reestruturação não trouxe qualquer inovação em relação à independência
política da emissora. A RTP continuava a sofrer forte influência do Estado. “Tal
como no passado, a RTP continuou a ser vista como uma estação dependente
dos interesses dos governos do dia e incapaz de garantir um tratamento
equilibrado dos diversos atores políticos” (PINTO, 2005, p. 70).
De fato, as intenções governamentais não resistiram às lutas internas
no governo e no Partido Socialista e mesmo a clarificação dos objetivos
da estação de serviço público patentes no novo Contrato de
Concessão, assinado entre o Estado e a RTP em dezembro de 1996,
não veio resolver qualquer problema. No novo contrato, o Serviço
Público era entendido de uma forma menos redutora, mais próximo de
uma filosofia de programação”. (SOUSA e SANTOS, 2005, p. 74)
Segundo o novo contrato assinado em dezembro de 1996, a RTP tinha
uma missão enquanto serviço público que era a de ser “uma televisão de
referência”, “uma televisão nacional”, “uma televisão de utilidade social”, “uma
televisão de programação agregadora”, “uma televisão das Liberdades
Públicas”, “uma televisão que produza obras de ficção de reconhecida
qualidade”, “uma televisão com exigência ética” (cláusula 4ª).
Já a cláusula 6ª desse contrato estabelecia orientações em relação ao
que se considerava ser interesse público. Na prática, o documento não teve,
necessariamente, um bom resultado, mas havia um nível superior de definições
sobre o que deveria ser feito, em se tratando de programação, na tentativa de
garantir padrões de qualidade. Tanto os contratos de Concessão de 1993 e de
1996 decretavam que a fiscalização e verificação do serviço público seriam da
competência do ministro das Finanças e do membro do governo responsável
pela área a comunicação social. O Estado compreendia que ele seria o mais
indicado para verificar a plena execução da missão de serviço público. À RTP
caberia apenas ser um serviço público.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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152
Mesmo com as alterações na legislação, ao final de duas décadas de
regime democrático, a RTP era encarada como um sorvedouro de dinheiro
público, uma empresa que possuía uma estrutura inchada (pessoal), pagava
salários milionários aos seus trabalhadores; não tinha audiência e a sua
programação era idêntica a das privadas. “No final de 1995, a RTP estava
técnica, econômica e financeiramente falida. A empresa deixara, desde há
alguns anos, de investir na renovação do equipamentos. Alguns serviços
operavam com elevado risco de ruptura” (CARVALHO, 2002, p. 28).
No entanto, manter a sua estrutura não era algo considerado ‘barato’ . A
RTP mantinha seis canais no ar (sendo dois – RTP1 e RTP2 – generalistas e
complementares); sua programação alimentava gratuitamente cerca de 80% da
grade dos outros canais (RTP Madeira, RTP Açores, RTP Internacional e RTP
África); somente os dois canais RTPi e RTP África custavam cerca de 4,5
milhões de escudos/ano; por decisão do governo, o canal 1 era difundido nas
regiões autônomas, o que representava um gasto da ordem de 450 mil
escudos/ano; o teletexto e a legendagem para deficientes auditivos custavam
anualmente 210 mil escudos; a lei obrigava a RTP a contribuir com cerca de
um milhão de escudos em benefício da indústria cinematográfica; também
obrigatoriamente, a emissora deveria contribuir com 300 mil escudos/ano para
a Fundação do Desporto; para conservar e atualizar seus arquivos, o gasto
girava em torno do 800 mil escudos/ano e, por fim, as transmissões esportivas
consumiam aproximadamente 3 milhões de escudos/ano em direitos de
transmissão.
Essa pequena amostra revela que a RTP gastou obrigatoriamente, em
2001, cerca de 13,5 milhões de escudos/ano. Além disso, a emissora tinha de
pagar nove milhões de escudos anuais somente em juros sobre empréstimos
feitos a bancos. Os valores somados chegavam a um total 22,5 milhões de
escudos/ano.
O ex-secretário de Estado da Comunicação Social, Arons de Carvalho,
afirma que entre os anos de 1996 e 2001, a RTP recebeu do Estado 128,75
milhões de escudos dos quais 89,25 milhões a título de indenizações
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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153
compensatórias e 39,5 milhões em dotações de capital ou outros
financiamentos.
“Se tivermos em conta o custo efetivo do serviço público, de acordo
com esse contrato que assinei, em nome do Governo conjuntamente
como Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, a RTP deveria ter
recebido 168,44 milhões. Sublinho que esta verba não inclui os juros da
dívida da RTP – que foram crescendo até aos atuais cerca de 8,5
milhões de escudo por ano. Se assim não fosse, os números rondariam
os 200 milhões de escudos, o que significa um subfinanciamento da
RTP de cerca de 60 a 70 milhões de escudos, entre 1996 e 2001”
(CARVALHO, 2002, p. 30-31).
Portanto, é possível concluir que o Estado repassou para a RTP, em
seis anos, uma média de 20 milhões de escudos por ano. Um valor abaixo
daquele que a emissora gastara no mesmo período. E dessa forma, a emissora
foi sobrevivendo, com seis canais no ar, uma lista de obrigações previstas no
contrato de concessão e o corte da receita publicitária. Vale lembrar que, no
novo contrato, a RTP1 passava a ter somente 7,5 minutos/hora de publicidade
e a RTP2 somente anúncios institucionais. Esse corte representou a perda de 3
milhões de escudos/ano para a empresa.
Segundo Nuno Goulart Brandão
74
, quem financia a RTP é o Estado. A
RTP tem um financiamento misto. Uma parte do orçamento vem do Estado, é
plurianual, e a outra parte é financiada através da taxa da radiodifusão, que é
revertida através do orçamento do Estado. “As pessoas pagam e sabem que
estão a pagar”. De acordo com o pesquisador, atualmente, a verba obtida com
a publicidade é utilizada somente para pagar as dívidas que a RTP possui.
Em agosto de 2003, entrou em vigor a Lei nº30/2003 que aprovou um
novo modelo e financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão,
instaurando a contribuição para o audiovisual. O regulamento prevê que o
Estado deve assegurar o financiamento do serviço público de radiodifusão e de
televisão nos termos estabelecidos na presente lei e nos respectivos contratos
de concessão. Tal financiamento é assegurado por indenizações
compensatórias e pela receita da contribuição para o audiovisual. Já as
receitas de publicidade do operador, que explore a concessão geral, ficam
74
Entrevista realizada em janeiro de 2006.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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154
restritas ao serviço da dívida consolidada e posteriormente, a novos
investimentos, não sendo utilizáveis para financiar a sua exploração corrente.
Em relação ao controle, no início do ano 2000, a situação da RTP
sofrera uma pequena modificação. O governo socialista tentou afastar a RTP
da subordinação política do executivo. Entretanto, a falta de orientação e a
incerteza marcaram a emissora nesse período. O então presidente do
Conselho de Opinião da RTP, António-Pedro Vasconcelos declarou certa vez:
"A RTP, tal como está, não pode continuar. Devido à falta de estratégia,
à irresponsabilidade ou à incúria dos governos, à instabilidade das
administrações, nomeadas na maioria dos casos , em função da
confiança política e não da sua competência, ao peso corporativo da
nomenclatura interna,
à
falta de imaginação, criatividade e talento, que
parecem ter desertado da programação, é hoje o principal obstáculo
à
existência de verdadeiro Serviço Público de Televisão em Portugal"
(SOUSA E SANTOS, 2005, p.76).
Para Brandão, o Estado continua influenciando na emissora, mas de
forma perceptível. Se o serviço público é financiado pelo Estado, é evidente
que ele vai querer entrar na lógica do controle. Ela afirma:
“As pessoas não são parvas, sabem ver, sabem criticar, sabem avaliar
os diferentes parceiros. Eu penso que essa questão, hoje, não se cobre
tanto, sendo certo que a administração da empresa é nomeada pelo
Estado e aprovada. Mas digamos que as direções de informação têm
uma autonomia muito grande, exatamente pela lógica da informação e
dos diferentes operadores que estão no mercado. Haverá uma lógica
subliminar muitas vezes pontual, mas não grave”.
Sobre o assunto da independência, Brandão diz que a discussão deve
se concentrar na questão do conteúdo da televisão pública. “No meu ponto de
vista, o problema está no conteúdo. Os conteúdos é que são o cerne da
questão.” Para ele, deve-se procurar veicular conteúdos direcionados ao
cidadão e não tratá-lo como mero consumidor. “O objeto de estudo que analisei
foram os telejornais e descobri que eles precisam ter dignidade na televisão
pública.”
Segundo Francisco Rui Cádima
75
, os mecanismos de intervenção
ostensiva, por parte dos governantes, terminaram de fato durante os anos de
75
Entrevista realizada em janeiro de 2006.
Televisão Pública Portuguesa, a RTP
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155
1990. “Eu penso que o governo anterior, do PSD, e o atual são governos que
têm uma maior dificuldade, tem um maior cuidado no tipo e interação que
fazem com o órgão público. Agora, essa organização do operador do Estado
em função dos pressupostos, digamos assim, político-partidários, isso faz-se
fundamentalmente da administração dos administradores, que estão
fortemente imbricados com o ministro da tutela. E, portanto, não são uma
espécie de protagonismo. Um protagonismo mais tutelado pelo ministro do que
um protagonismo tutelado pela cidadania, pela experiência social, pelas
entidades intendentes dos governos. Digamos que é uma intervenção
subliminar, que está sempre presente, uma estratégia tutelar. Os diretores de
informação dizem que não sofrem pressões, que não sofrem influências. O fato
é que isso não resulta da informação que eles fazem, nós não vemos em termo
de conteúdos informativos, conteúdos de programação, não vemos essa
autonomização clara dessas estratégias”.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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156
CAPÍTULO 5 – PROGRAMAÇÃO TELEVISIVA DOS MODELOS
BRASILEIRO E PORTUGUÊS
Neste capítulo, serão apresentados aspectos sobre a programação da
TV Cultura ao longo de sua história, assim como da emissora portuguesa, RTP.
No transcorrer desse capítulo será possível perceber as transformações que as
grades de programação sofrerem com o passar tempo, devido às influências do
ambiente comercial.
Tendo como partida definições teóricas sobre concorrência, público-alvo
e audiência foi possível realizar uma análise desses aspectos e como se
apresentam em cada canal. Por fim, há uma descrição do surgimento e da
transformação do segundo canal - num primeiro momento chamado de RTP2 e
mais recentemente modificado para 2: - da televisão pública portuguesa.
5.1- Programação
“A grade de programas simboliza um meio de ação estratégica das
estações de televisão, na medida em que constitui um instrumento de
fidelização do público”. (FERNANDES, 2001, p. 49)
A grade de programação é, ao mesmo tempo, uma técnica e um
discurso que representa uma relação entre os telespectadores e os programas
difundidos. Isso nos mostra, na verdade, que existe uma relação entre o tempo
social e o tempo televisivo, que se apóia nos dados da audiência e nos estudos
sociológicos. No entanto, uma grade de programação não está livre de alguns
percalços, que vão servir como contratempo para seu bom desempenho. São
eles: as obrigações culturais, a falta de adequação entre algumas categorias
sociais (como a educação) e as horas de difusão das emissões a quem são
destinadas. A função da programação é dar unidade ao tipo de mensagens,
fornecendo uma coerência e uma continuidade à ‘macromensagem’.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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157
A grade de programação gera ainda quatro critérios interdependentes:
não ultrapassar o orçamento previsto, aumentar a audiência, construir e
preservar a imagem e respeitar as obrigações. Já para o telespectador, a grade
de programação possui outros significados, como a repartição dos conteúdos
em diferentes dias da semana e a divisão do tempo em quatro períodos
distintos: day time, access to prime time, prime time e second time (também
chamado de late night).
Portanto, uma estação de televisão além de procurar apresentar uma
boa oferta de produtos para assegurar a audiência, tenta unificar no projeto
editorial, a sua grade de programação. Além disso se configura como uma
técnica comercial, no intuito de fixar um discurso, isto é, procura representar a
identidade da estação de televisão. Lochard e Boyer apud Fernandes (2001, p.
51) dizem que é nesse contexto que “a programação representa um
instrumento de asseveração da identidade para uma estação de televisão, que
marca a competitividade econômica, social e/ou discursiva”.
Na televisão comercial, a grade de programação é um meio de captação
de audiência incentivada pelos anunciantes – uma maneira de justificar as
tarifas dos espaços publicitários. Lochard e Boyer apud Fernandes (2001, p.
50) afirmam que “a oferta do horário nobre, é um momento compensador em
termos publicitários, pois tem como finalidade a fidelização do público”.
Para a professora Helena Sousa, uma boa programação para a televisão
pública é aquela que compreende as questões culturais, educativas, de
formação e informação e entretenimento. Ela acredita que o serviço público
deve compreender uma grande diversidade, não somente de objetivos, mas
também de gêneros televisivos, desde a ficção, a reportagem, a informação, as
minisséries e até mesmo as telenovelas. Neste caso, a grade de programação
da televisão pública deveria ser uma televisão generalista, mas com qualidade.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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158
5.1.1 – Programação da RTP1
A primeira transmissão da televisão portuguesa aconteceu em setembro
de 1956, na Feira Popular, em Lisboa. Uma multidão se aglomerou para
testemunhar as primeiras imagens hertzianas em Portugal. Na época, o Jornal
de Notícias relatou: “Na Praça dos Restauradores o movimento foi além do que
era de esperar e, por isso, parou o trânsito e criaram-se dificuldades que a PSP
requisitada para tal, resolveu ordenando a abertura de um (canal) – não de TV
mas de caminho para carros e pessoas poderem circular”.
76
As primeiras imagens emitidas pela TV portuguesa foram os rostos dos
locutores Raul Feio e Monsenhor Lopes da Cruz, então presidente da
Assembléia Geral da RTP. Eles apresentaram uma nota curta de abertura, cujo
conteúdo “fazia votos para que o novo empreendimento fosse coroado de
êxito”. Na seqüência foram mostrados um pequeno recital de piano e violino,
uma entrevista com Alves Barbosa, ciclista que havia recém conquistado a
Volta de Portugal, algumas notícias internacionais (um pouco desatualizadas,
visto que o material era fornecido pelas embaixadas e no formato de filme) e
uma reportagem sobre a visita de jornalistas convidados aos estúdios da
emissora. Ao final, o locutor Raul Feio reaparece para anunciar a programação
do dia seguinte.
Assim transcorreu este primeiro episódio de emissões experimentais que
durariam até o final do mês de setembro, com 24 emissões e 50 horas de
emissão aproximadamente. O curioso é que às quartas-feiras não havia
emissão, pois este dia era reservado para a revisão do equipamento e o
descanso da equipe.
Agora é o momento dos astros na televisão. João Villaret cria a liturgia
dos domingos ao declamar teatro e poesias. Henrique Mendes é considerado o
locutor estrela e recebe, por anos, milhares de cartas de admiradoras. Artur
Agostinho torna-se o rei dos concursos, enquanto José Alves dos Santos faz a
76
“A Grande expansão da televisão”. Trabalho escrito por Ana Lourenço, Elisabete Costa, Teresa
Teixeira. Disponível em:
http://www.ipv.pt/forumedia/5/24.htm Acesso em setembro de 2005.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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159
pedagogia do futebol. Outro que ganha destaque é Manuel Machado que fala
da língua portuguesa sem rigidez. As mulheres também ocupam o seu espaço
no veículo. Maria de Lurdes Modesto apresenta programas sobre culinária e
detém os segredos da boa comunicação com o telespectador. Há ainda as
revelações, como Vasco Santana com suas anedotas da semana. Já Rui de
Carvalho dá ritmo ao teatro na TV com o seu Monólogo do Vaqueiro. Entre os
locutores pioneiros, os destaques são Maria Helena Santos, Gina Esteves,
Jorge Alves, Fernando Pessa. Gomes Ferreira e Fialho Gouveia.
Durante os anos seguintes na década de 60 a televisão condiciona os
hábitos dos portugueses que organizam a sua vida caseira em redor da
programação da televisão . A verdadeira cobertura nacional só começou em
meados da década de 60. Em maio de 1960, é realizada a primeira
transmissão direta do exterior: a reportagem do encontro de hóquei em patins
Espanha-Portugal, jogo decisivo para a atribuição do título de campeão
mundial. A imagem chegou em ótimas condições, mas houve problemas com o
som na transmissão de Madrid. Dois anos mais tarde, Portugal vê,
simultaneamente com toda a Europa e continente norte-americano, a primeira
transmissão da Mundovisão: a emissão ao vivo, transatlântica, via satélite
Telstar, de um programa de TV.
Em dois de Fevereiro de 1964, a RTP realiza o 1º Grande Prêmio da
Canção Portuguesa. Já em julho desse mesmo ano, no programa TVClube, ao
vivo, Francisco José canta ‘Olhos Castanhos’, e profere um pequeno discurso
sobre a remuneração desigual entre artistas estrangeiros e nacionais. O
episódio serviu para apressar o surgimento do video-tape em Portugal. É o
princípio do fim da era da transmissão ao vivo.
Em 1966, acontece a Copa do Mundo de Futebol, na Inglaterra. A RTP
transmite os jogos que levam os portugueses a sonhar com um lugar na final.
O terceiro lugar é considerado brilhante, mas a derrota nas meias-finais deixa
a população um pouco desiludida. Em Portugal, nunca se tinham vendido
tantos aparelhos de televisão como nesse ano. Em agosto de 1966, é feita a
transmissão ao vivo da Inauguração da ponte sobre o rio Tejo, que mobilizou
recursos técnicos e humanos até então nunca experimentados na RTP.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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160
Após a ascensão de Marcello Caetano ao poder, a RTP passa a
disponibilizar mais horas de programação, com uma variedade temática maior,
e adota, de forma explícita, uma nova estratégia de relacionamento com uma
crescente audiência. Em meados da década, a RTP passa a transmitir a sua
programação para todo o país. A programação aparenta refletir um ligeiro
abrandamento no controle estatal (foi possível, por exemplo, assistir a peças de
teatro de García Lorca), mas a informação dá passos muito significativos no
sentido da ostensiva propaganda.
“Estávamos em abril de 1969. O Homem ainda não tinha chegado à
Lua. Salazar já não estava na cadeira do poder, assumindo-a agora
Marcello Caetano. A Censura apertava o cerco à liberdade da televisão.
Ramiro Valadão era o novo homem forte a conduzir os destinos da
RTP, um braço aliado do poder. Mas apesar da estagnação que se vivia
em Portugal, Raúl Solnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia propunham a
realização de um programa diário, ‘de estúdio aberto, porta aberta’.
Ramiro Valadão foi peremptório: Era complicado... mas porque não
fazer semanalmente? Nascia, assim, o Zip Zap.”
77
Ainda que controlada e clinicamente amputada, a ficção internacional
(sobretudo a de origem britânica) trazia aos portugueses, imagens de outros
universos sociais e impressões de outros ambientes. A telescola cumpriu um
importante papel no combate à falta de leitura. A produção de ficção nacional
(os chamados teleteatros) aproximou a audiência de textos literários. Já os
concursos e os espaços de entretenimento divulgaram pessoas e atividades
até então desconhecidas do grande público e houve o nascimento de
programas temáticos de grande sucesso (como a Conquista do Espaço, de
Eurico da Fonseca ou o TV Rural, de Souza Veloso). Esses programas
contribuíram de forma decisiva para o que ficou conhecido como processo
‘silencioso’ de mudança social que contribuiu para a criação das condições
para o sucesso do 25 de abril. Esta transformação social não aparente era
contrária a algumas regras ideológicas do Estado Novo, embora estivesse
intensamente ligada à estrutura de prioridades econômicas e políticas do
Estado.
77
Informações obtidas no site: http://www.rtp.pt/web/historiartp/1960/zip_zip.htm
Acesso em janeiro de 2006.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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161
Em maio de 1970, o primeiro canal dá início a um novo período de
emissão: Hora de Almoço. Os telespectadores tinham, finalmente, uma
emissão especial que começava às 12h45 e terminava às 15h. O aparelho de
televisão deixa de ser ligado somente à noite, passando a incluir neste espaço
programas de gêneros diferentes, como uma edição do Telejornal, o Feminino
singular, o programa ABC, Mini-Decoração, entre outros. Surgem também
novos rostos que vêm marcar a história da RTP: Alice Cruz, Ana Zanatti e
Linda Bringel. Nesse mesmo ano, em 27 de julho, morre António Salazar. A
RTP faz uma vasta e intensa reportagem, cobrindo todo o acontecimento.
O Teatro Maria Matos é alugado permanentemente, em 1972, sendo
adaptado para as exigências específicas de um estúdio de televisão. A RTP
carecia de espaços para os seus trabalhadores e programas. Já os estúdios do
Lumiar sofrem uma importante reestruturação e ficam praticamente
irreconhecíveis. O espaço dos estúdios aumenta apenas significativamente,
mas a comodidade e a organização ficam bem melhores. No dia 22 de abril de
1972, Portugal assiste, pela primeira vez, uma transmissão ao vivo e via
satélite, a partir do Rio de Janeiro. Era a cobertura da cerimônia de entrega ao
Brasil dos restos mortais do Imperador D. Pedro I.
Em 25 de abril de 1974, as tropas do Movimento das Forças Armadas
ocupam os estúdios da RTP no Lumiar. Na seqüência, todos os pontos
nevrálgicos de emissão e sua distribuição ficam sob o controle do MFA. A partir
desse momento, a RTP, assim como o resto do país, procura o seu novo rumo,
num período de grande turbulência. Em maio, a Comissão Administrativa da
RTP decide nomear, interinamente, quatro diretores gerais, no intuito de que a
Direção Geral de Programas pudesse funcionar normalmente. Foram
nomeados Álvaro Guerra, Artur Ramos, Manuel Ferreira e Manuel Jorge
Veloso.
Um ano após a revolução, a RTP passa a transmitir em cores ainda de
forma experimental e apenas durante algumas horas do dia. Em 1976, a RTP
transmite algumas provas dos Jogos Olímpicos de Montreal, no Canadá.
Durante o mês de outubro desse mesmo ano, a RTP2 fica desligada e a RTP1
vê interrompida por meses a sua emissão da Hora de Almoço. As razões
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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162
apontadas pelos responsáveis foram de adaptações técnicas, mas o fato é
que a programação, as audiências e os lucros da publicidade, nada estava de
acordo com a reestruturação preparada.
No ano de 1977, a RTP completa 20 anos e para comemorar são
apresentados dois novos programas, e que iriam revolucionar todo o
panorama televisivo em Portugal, bem como os hábitos dos portugueses: a
telenovela brasileira Gabriela e o concurso A Visita da Cornélia. Além disso, a
emissora inaugura um novo estúdio no Lumiar, de onde passa a ser
transmitido o Telejornal. No ano seguinte, em 1978, o 2.º Canal fica com
autonomia total, competindo então diretamente com a RTP1 Canal, o que viria
a revolucionar a própria dinâmica televisiva. No ano e década seguinte
chegaria a cor e a RTP viveria uma nova fase.
A década de 1980 vai ser marcada por uma política de privatizações
instauradas pelo governo democrático. Esse processo fará com que o Estado
se encontre numa situação mais confortável economicamente e, como
conseqüência, permita um maior investimento no setor de comunicação.
Enquanto alguns grupos se expandem, outros consolidarão alianças com
empresas internacionais. No que diz respeito à televisão, o veículo manterá o
monopólio do Estado, por meio da RTP, até o início da década de 1990.
Apesar de ser pública e monopolizar o setor, a RTP, a partir desse
momento, será peça fundamental para o processo de modernização não
somente do segmento, como também da população. De acordo com Isabel
Ferin
78
, “cerca de 90% dos lares possuem televisão, ainda preto e branco, no
final da década de 80. Mas a televisão passa a constituir-se como centro de
informação e de cultura(s) nacionais e internacionais, estabelecendo relações
entre imagens e realidades, normalizando procedimentos privados e públicos,
conferindo rotinas ao quotidiano”.
Ao longo da década, a RTP vai optar por um modelo mais convencional
de televisão, apresentando um serviço generalista na RTP1 e na RTP2 uma
78
“As novelas brasileiras em Portugal”. Publicado em http://bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=cunha-
isabel-ferin-telenovelas-brasileiras.html. Acesso em janeiro de 2006.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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163
grade de programação voltada para os gostos de um público cativo. O curioso
é que os dois canais da mesma estação pública vão travar uma guerra de
audiência em torno da informação. Para tanto, a RTP2 desenvolveu programas
pioneiros e uma escola de jornalistas e apresentadores que dominam, até hoje,
o setor da mídia em Portugal.
Enquanto isso a grade de programação da RTP1 incorporou os
programas infantis, à medida que os prazos das transmissões se foram
alargando, com desenhos animados vindos dos países de Leste, da Europa
Central ou do Brasil (como por exemplo, o Muppet Show e O Sítio do Picapau
Amarelo), programas de caráter cultural (por exemplo, sobre História e Música),
programas formativos e educativos (desde a TV Rural ao ensino à distância),
programas de humor portugueses (onde se iniciaram a maior parte dos
grandes humoristas portugueses da atualidade, por exemplo, Herman José) e
brasileiros (por exemplo, O Planeta dos Homens e Viva o Gordo, abaixo o
Regime), assim como as transmissões de festivais de Música Ligeira e a
revelação, em programas de auditório, de novos talentos das artes e dos
espetáculos (como O Passeio dos Alegres, de Júlio Isidro, a presença regular
de atores como Mário Viegas).
Em relação à ficção, a televisão pública procurou diversificar a oferta,
trazendo para Portugal as produções globalizadas, sobretudo, as produzidas
nos EUA, como o Dallas e as séries Balada de Hill Street e Fame. Além disso,
veiculou séries inglesas e italianas, ao mesmo tempo em que se ensaiavam as
primeiras tentativas de telenovela portuguesa. Contudo, a RTP ainda mantinha
a receita de sucesso do prime-time: telenovela brasileira – telejornal -
telenovela brasileira. Como se pode observar, uma réplica do modelo comercial
da Rede Globo.
Como não havia alternativa aos dois canais públicos, a audiência era
cativa, e chegava aos 92% do universo dos espectadores. Esses números se
confirmaram, sobretudo, durante os períodos de exibição das telenovelas
brasileiras Escrava Isaura (1978), Guerra dos Sexos (1984) e Roque Santeiro
(1987). “Esta última, dez anos depois da exibição de Gabriela vai conseguir, de
novo e em ambiente de eleições autárquicas, politizar a recepção, como o
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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164
prova a análise dos jornais e semanários de qualidade, onde são constantes as
referências de políticos e de líderes de opinião ao enredo, nomeadamente no
que se refere à corrupção política”.
79
Para aqueles que não gostavam das novelas brasileiras, a RTP criou
uma alternativa: começou a produzir telenovelas portuguesas, mas inspiradas
no modelo da Rede Globo. As produções portuguesas tinham temas e atores
nacionais, sendo a telenovela Vila Faia, exibida em 1982, a tentativa com mais
sucesso. Conforme dados da empresa Marktest publicados no jornal O Dia, de
14 de Junho de 1982, a novela Vila Faia agradou, nos seus primeiros cinco
capítulos a aproximadamente 71% dos portugueses e terminou com uma
aprovação de cerca de 91%.
É impossível falar de programação da RTP sem citar as demais
empresas privadas de televisão. Em outubro de 1992, surge o primeiro
operador privado: a SIC (Sociedade Independente de Televisão). Seu principal
acionista era o ex-primeiro-ministro social-democrata, Francisco Balsemão,
dono de um grupo de imprensa que incluía o jornal Expresso.
A primeira grade de programação da SIC revelou-se um fiasco, o que
acabou levando a emissora a modificar sua estratégia para alcançar seus
objetivos comerciais. A solução encontrada foi fechar um acordo de
exclusividade com a emissora brasileira Rede Globo, uma das maiores
produtoras de telenovelas no mundo. Em pouco tempo, a SIC viu seus
números aumentarem substancialmente, chegando a ser assistida por quase
metade dos telespectadores portugueses. Na época, o então diretor Emídio
Rangel proferiu a seguinte frase: “quando o público gosta, não há nada a
fazer”. Além das telenovelas, o canal apostou numa programação populista que
ia de desafios insólitos e escatológicos a programas com revelações da vida
íntima de gente anônima.
Em nome da liberdade de expressão, a televisão privada adquire um
poder quase impossível de ser combatido, por mais que fossem duras as
críticas em relação ao conteúdo da programação. Em 1995, o programa A
79
Idem
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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165
Máquina da Verdade, da SIC, mostrava pessoas envolvidas em processos
judiciais que se deixavam submeter a um detector de mentiras. O resultado era
conclusões diferentes das dos tribunais reais o que levava a uma série de
condenações unânimes do Parlamento. Tempos depois, no mesmo canal, o
setor político rebela-se contra a veiculação de falsas notícias que envolviam a
vida privada de um governante, a pretexto do lançamento do concurso A
Cadeira do Poder.
Na cláusula 5 do Contrato de 1993, era possível ler que a RTP era
obrigada a pautar a sua programação pelo respeito pelo interesse público, por
exigências de qualidade e de diversidade para assim promover o
esclarecimento, formação e participação cívica e política dos cidadãos. A
emissora tinha ainda a obrigação de contribuir para a informação, recreio e
promoção educacional e cultural do público em geral, no respeito pela
identidade nacional. A RTP deveria também promover a produção e emissão
de programas educativos ou formativos, especialmente os dirigidos a crianças,
minorias e deficientes auditivos.
O problema é que lista de objetivos não era complementada com
orientações concretas sobre tipos e/ou gêneros de programas que mais se
adequariam a esta visão programática. Não houve sequer a tentativa de
apontar o que se entenderia por ‘respeito pelo interesse do público’ nem por
‘exigências de qualidade e de diversidade’. “Substancialmente esvaziada de
meios, privada de parte significativa das suas receitas e pressionada por uma
feroz concorrência, a RTP não conseguiria, nem mesmo neste período, um
claro e inequívoco posicionamento do seu acionista majoritário sobre as
funções que competiam e sobre o papel a desempenhar no novo
enquadramento televisivo nacional” (PINTO, 2005, p. 70).
Já a SIC será ultrapassada nos índices de audiência quando decide
elevar a sua programação para atingir as camadas mais sofisticadas da
população. Em 1993, entra em cena outra emissora privada a TVI (Televisão
Independente) que, em 2000, levou ao ar o programa Big Brother. A equipe de
jornalistas da TVI vive um momento turbulento ao ter que noticiar a vida dos
concorrentes do Big Brother. Tais notícias acabam ultrapassando em grau de
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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166
importância informativa outros temas como a crise do Governo português, o
debate sobre o futuro da Europa, as eleições presidenciais nos Estados Unidos
da América e até a corrida para Belém. É possível observar que o mais
importante não é necessariamente o fato em si, mas sim a repercussão que ele
terá.
De acordo com Isabel Ferin Cunha
80
, desde a chegada dos canais
privados, a informação tornou-se progressivamente entretenimento e o valor
notícia acaba adquirindo outros contornos, para além dos critérios
institucionalizados das fontes oficiais que pontificaram na televisão pública. A
privatização dos canais vai se refletir em toda a mídia noticiosa.
“Primeiro, abre-se um leque novo de temas considerados de interesse
público, em função da crescente complexidade da sociedade e da
diversidade dos atores sociais. Temas como transportes, habitação,
ambiente, segurança e criminalidade são, paulatinamente, tratados na
óptica dos utilizadores e não mais, exclusivamente, na perspectiva das
fontes políticas e institucionais. Em segundo lugar, a forma de fazer
notícias, altera-se, dando lugar, cada vez mais a uma linguagem
imagética, aos fait-divers apresentados de forma exemplificativa, aos
enquadramentos e tons interpretativos (positivo, negativo, neutro)
conferidos pelos jornalistas.”
Para ela, a mídia noticiosa atribui um espaço maior e visibilidade ao
homem comum, convocando-o a participar das emissões, oferecendo-lhe a
noção de proximidade e de intimidade. Por último, em função da guerra por
audiência, os gêneros televisivos vão contaminar os gêneros jornalísticos,
dando origem a um fluxo ficcional entre o entretenimento e a informação
notícia.
“Os críticos dirão que a informação cede ao sensacionalismo, que o
estilo e a técnica de produção se aplicam a programas sem valor, e o
trabalho dos atores é ligeiro e que os filmes apoiados pela TV privada
são desinteressantes. Mas não são opiniões que os responsáveis
televisivos tenham em grande conta”.
81
Entretanto, a entrada dos canais privados terá um lado positivo.
Produtores, atores e apresentadores de TV tornam-se profissões bem pagas
80
“Imigração e racismo: dez anos nos media”. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/cunha-isabel-
ferin-sos-racismo.html. Acesso em abril de 2006.
81
“A Grande expansão da televisão”. Trabalho escrito por Ana Lourenço, Elisabete Costa, Teresa
Teixeira. Disponível em:
http://www.ipv.pt/forumedia/5/24.htm Acesso em setembro de 2005.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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167
em Portugal, muitas vezes só superadas pelos jogadores de futebol. O futebol,
por sua vez, também gera alguns frutos para a televisão com a criação de
programas televisivos especialmente dedicados à modalidade.
Em qualquer parte do mundo, o público possui uma característica bem
peculiar: a curiosidade. Em Portugal, não é diferente. Nos anos de 1980, o que
prevalecia na televisão era gente rica e pouco famosa. Nos anos de 1990, isso
vai mudar. Agora são os pouco ricos (ou novos ricos), mas famosos, que vão
ocupar lugar de destaque na televisão. Surge um novo conceito de jet-set que
será composto por estilistas de moda, modelos, produtores e diretores de TV,
apresentadores, atores, além de jogadores de futebol, treinadores e artistas do
meio musical. Para satisfazer a curiosidade popular pela vida dessas pessoas,
cria-se uma verdadeira indústria editorial, começando pela propagação de
revistas consideradas ‘cor de rosa’ e culminando com programas de TV como
Jet 7 (RTP), Mundo Vip (SIC) ou Lux (TVI).
Apesar dos problemas na grade de programação, os canais generalistas
da estação pública ainda são os que mais oferecem informação aos
telespectadores. Para se ter uma idéia, em 2001, os dois canais juntos
apresentavam quatro telejornais (Jornal da Tarde, Telejornal, 24 horas e Jornal
2); sete noticiários regionais no continente; a RTP2 transmitia o Jornal África
uma vez por semana para as populações africanas residentes em Portugal;
realizava transmissões integrais e diretas do Parlamento; veiculava programas
de grande informação; tinha um programa semanal sobre as atividades da
Assembléia da República, chamado Parlamento e mantinha o jornal diário de
caráter cultural Acontece.
Além desses programas, a RTP exibia o maior número de filmes
nacionais (sendo co-produtora da maioria deles); dedicava regularmente
espaço para a exibição de curtas-metragens, cobria com regularidade, pelo
menos, 20 modalidades esportivas; veiculava programas voltados para a
religião e o estudo em nível superior, como o Universidade Aberta; dedicou
espaço e dinheiro à produção e emissão de séries de época baseadas em
fatos histórico portugueses (Ballet Rose, Alves dos Reis, O processo de
Távoras) e programas com temáticas diversificadas, tais como: Planeta Azul
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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168
(sobre ecologia), 2001 e 2010 (sobre tecnologia de informação e multimídia),
Dinheiro Vivo (economia); Retratos, Sinais dos Tempos, Encontros de África
(documentários) e O Trabalho (sobre profissões).
Nos últimos três anos, 1999-2002, as televisões generalistas
portuguesas ensaiaram múltiplas estratégias, com o objetivo de
aumentar as suas quotas de mercado através da apresentação de
novos produtos em novas grelhas. Os novos diretores, à frente das
antigas estações rivais, apregoam um novo estilo de televisão, o mais
das vezes subordinado a critérios de rentabilização, na exploração de
valores inerentes a certas faixas das novas classes médias,
possuidoras de um legítimo desejo de protagonismo social e de
expectativas de ascensão rápida.
82
Recentemente, os três canais generalistas de televisão em Portugal
aderiram aos noticiários da manhã (das 7h às 10h). O primeiro foi a
RTP1, em
2002, com o
Bom Dia Portugal. Dois anos mais tarde, a TVI resolveu fazer o
mesmo com o Diário da Manhã e finalmente a SIC completou o trio com o
Programa da Manhã. Desta forma, no período da manhã, o público fica
sabendo das notícias do dia enquanto toma o café da manhã antes de ir para o
trabalho.
O programa Bom Dia Portugal, da RTP, pouco mudou desde que
estreou em 2002. O seu estilo é muito parecido com os programas de notícias
veiculados na TV por assinatura. As notícias são rápidas e atualizadas várias
vezes durante a emissão. Sem entrar em detalhes, o programa fornece as
principais notícias do dia em cinco minutos. De maneira geral, o modelo da
RTP é aquele que, em pouco tempo, consegue transmitir uma substancial
quantidade de informação. O lado negativo é que se torna um pouco repetitivo
Contudo, parte-se do princípio de que o público não acompanha o programa do
início ao fim ininterruptamente.
Em 2004, a média diária de informação regular oferecida pelos quatro
canais nacionais de sinal aberto cifrou-se em 1 hora e 47 minutos por canal.
Durante todo o ano de 2004, RTP1, 2:, SIC e TVI ofereceram mais de 2.608
horas de informação nos seus serviços noticiosos regulares, emitindo 85.942
notícias. A RTP1 foi o canal que mais horas de informação emitiu, que mais
82
“Imigração e racismo: dez anos nos media”. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/cunha-isabel-
ferin-sos-racismo.html. Acesso em abril de 2006.
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169
notícias passou e que mais visibilidade teve (número de notícias ponderado
pela sua audiência) e a SIC foi o canal onde as notícias registraram maior
média de audiência. RTP1 emitiu um total de 28.339 peças, em mais de 882
horas de emissão. Estes números representam 33% do total de notícias
passadas nestes quatro canais e 33.9% do total de emissão informativa
regular. Do total de informação vista, cerca de 34.4% passou na RTP. As
notícias tiveram uma audiência média de 9,0%. A pesquisa foi realizada pelo
serviço Telenews da MediaMonitor entre os dias 1 de janeiro e 31 de dezembro
de 2004.
Em relação à programação da RTP, é possível afirmar que havia
programas que não deveriam ter sido sequer veiculados, pois feriam os
preceitos do serviço público. Mas, na guerra pela audiência, eles foram
totalmente esquecidos. De acordo com Ribeiro Cardoso
83
, dizer que ninguém
assiste a RTP é uma grande mentira. Ele concorda que o serviço público de
televisão perdeu audiência desde a entrada dos operadores privados, mas era
algo inevitável, visto que a ofensiva desses canais foi violenta. O apelo ao
chamado ‘tele-lixo’ foi sistemático e isso fez com que a televisão pública
perdesse, inclusive, parte da sua identidade.
Portanto, é necessário definir uma estratégia de programação que
realmente contemple o serviço público, visando melhorar progressivamente o
conteúdo de seus produtos. No entanto, para que isso ocorra, é preciso que o
Governo defina qual tipo de serviço público deseja ter e quanto está disposto a
pagar por ele. No caso de Portugal, a população consome mais horas de
televisão que de leitura, o que exigiria um nível mais elevado de serviço público
de televisão.
83
RTP: o seu a seu dono. Disponível em:
http://jornalistas.online.pt/noticia.asp?id=791&idselect=462&idCanal=462&p=0. Acesso em janeiro de
2006.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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170
5.1.2 – Programação da TV Cultura
“Cultural e informativa, a TV Cultura concretizou o projeto de tornar-se
uma alternativa real às emissoras comerciais. Seu padrão de qualidade
a coloca em um patamar de respeito e reconhecimento, em relação a
seu público, semelhante ao das mais importantes emissoras públicas
do mundo, como a BBC inglesa, PBS americana e a CBC
canadense”.
84
Na época, os estúdios da Escola de Comunicações e Artes da USP,
localizados no antigo prédio da Reitoria, abrigaram os primeiros testes técnicos
e de produção da TV Cultura. Os alunos do curso de Rádio e TV da ECA
puderam não somente acompanhar os testes como também se juntar, nos
anos seguintes, aos profissionais da nova emissora. Era, definitivamente, o
início da televisão pública no Brasil.
O governador Roberto de Abreu Sodré e o presidente da Fundação
Padre Anchieta, José Bonifácio Coutinho Nogueira, inauguraram a transmissão
da emissora. Em seu discurso Nogueira afirmou que a emissora enfatizaria
artistas e autores brasileiros, buscando uma democratização e independência
em relação ao governo estadual. (SILVA, 1997, p. 32). A programação seguiu
com a apresentação de um clipe mostrando o surgimento da emissora, os
planos futuros e uma descrição dos programas a serem veiculados a partir do
dia seguinte. Nos primeiros meses de transmissão, a TV Cultura permaneceu
no ar por apenas quatro horas diárias, que ocupava o chamado horário nobre –
das 19h30 às 23h30. O episódio da série Planeta Terra foi o primeiro programa
a ser exibido pela emissora. Era um documentário de, aproximadamente, 25
minutos, “que trazia como tema terremotos, vulcões e fenômenos que ocorrem
nas profundezas do planeta”.
85
Em seguida, entrava um boletim meteorológico
diário, apresentado por Albina Mosqueiro, que se chamava A Moça do Tempo
e durava apenas cinco minutos.
O primeiro dia seguiu com programas voltados para a difusão da cultura.
Às 21h foi exibido o programa Quem faz o quê, que mostrou o trabalho de três
artistas plásticos. Na seqüência, entrou Sonatas de Beethoven, com o pianista
Fritz Jank (com 30 minutos de duração) e para encerrar a programação do dia
84
Caderno comemorativo. 20 Anos de TV Cultura. São Paulo: fundação Padre Anchieta, 1989, pág. 07.
85
Informações obtidas no site da emissora: www.tvcultura.com.br. Acesso em outubro de 2003.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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171
O ator na Arena, com os atores Carlos Arena e Ana Lúcia Vasconcelos e o
diretor polonês Ziembinsky. A emissora lançou novos programas com o passar
dos dias, entre eles as teleaulas de Ciências Humanas, Matemática, Inglês e
Ciências Naturais e os culturais como Mundo, Notícias, Mocidade; Clube de
Cinema e Perspectiva. Este último “utilizava elementos de ficção para enfatizar
situações reais do cotidiano”. Já a ficção não foi esquecida pela emissora que
produziu o programa Grande Teatro.
Foi também nessas primeiras transmissões que surgiu um programa que
faria história na emissora: Curso de Madureza Ginasial. O objetivo era
transmitir aulas através da televisão, algo que já havia sido tentado por outras
emissoras (comerciais) sem bons resultados. O desafio, então, era transmitir
uma aula agradável e eficiente e para isso foram selecionados 18 atores que
apresentavam o conteúdo preparado pelos professores universitários. Segundo
Fernando Pacheco Jordão, que em 1969 era o produtor responsável pelas
aulas de Ciências Humanas, declarou que era uma equipe de alto nível. Entre
os professores, estavam Gabriel Cohn, Ruth Cardoso, Paul Singer, Rodolfo
Azen, Jobson Arruda e José Sebastião Witter.
A TV Cultura investiu ainda na abordagem de assuntos polêmicos. Foi
assim que surgiu o programa Jovem Urgente, apresentado pelo psiquiatra
Paulo Gaudêncio e produzido por Walter George Durst, que mais tarde também
se tornaria escritor para o veículo. Nesta época, os militares governavam o país
e como o programa debatia o comportamento da sociedade, mais
precisamente dos jovens, freqüentemente era proibido pela censura. O Jovem
Urgente discutia temas como liberdade de opinião, virgindade, conflitos de
gerações e tabus sexuais e culturais.
“O momento é também de muitas amarras políticas e culturais. Uma
das poucas válvulas de escape ainda abertas são os programas
genericamente chamados de ‘popularescos. A TV Cultura enfrenta o
‘Seu Sete’ é a história do surgimento de uma televisão ‘culta’ para se
contrapor a um tipo de programação comercial, altamente competitiva,
onde até espíritos baixavam no auditório”. (LEAL FILHO, 1988, p. 17)
Leal Filho (1988, p. 50-53) estabelece uma categorização para a
programação da TV Cultura, formada por quatro propostas básicas: a) a
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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172
elitista original; b) as tentativas populistas na busca por audiência; c) a
tentativa de escapar dessa popularidade (por meio de uma proposta que
conciliava as anteriores) e d) propostas vinculadas ao atendimento de
aspirações populares. O que se pode observar é que ao longo da existência
da TV Cultura, a história se repetirá. Ou seja, as modificações feitas na
programação nas diferentes gestões acabaram se encaixando nessa
categorização.
A primeira proposta seria uma forma de combater a televisão comercial
que investia pesado nos programas popularescos. O objetivo era o de ter uma
tevê voltada para as classes elitistas, consideradas mais ‘cultas’, explorando
assuntos principalmente ligados à música erudita e à literatura. A segunda
proposta é uma conseqüência da primeira. Com os baixos índices de
audiência alcançados com a programação elitista, a medida encontrada para
reverter o quadro foi abraçar uma programação mais popular, inclusive,
adotando formatos já consagrados na televisão comercial, como os programas
de auditório e as telenovelas.
Em 1971, a TV Cultura veiculou a novela Meu pedacinho de chão, que,
segundo o presidente na época, José Bonifácio Coutinho Nogueira, era “o
início de uma fase não prevista pelo canal 2, mas pelas áreas do governo
interessadas em educar através de uma outra maneira” (KUNSCH, 1999, p.
219). De acordo com Leal Filho (1988, p. 53), a elevação da audiência não era
o único objetivo para a mudança da programação. Havia também um interesse
político-eleitoral e, portanto, a audiência seria uma sustentação para a
divulgação das mensagens. A proposta não deu certo e o público acabou não
prestigiando a novela.
Já a quarta proposta, propunha que a emissora fosse “um canal de
expressão e opinião e veículo de manifestações culturais de toda a sociedade”
(KUNSCH, 1999, p. 219). O telejornalismo da TV Cultura foi a área que mais
teve destaque em relação à proposta popular. Os anos de 1970 foram
marcados pela censura imposta pelo regime militar, enquanto isso, a emissora
pública investia no jornalismo interpretativo. A equipe de produção da TV
Cultura realizou diversos programas que tinham caráter jornalístico (mas não
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173
necessariamente jornalístico), como as entrevistas do programa
Personalidades, as reportagens do Perspectiva e do Brasil, esse
desconhecido e do Presença.
Apenas em 1971 é que a emissora teria o seu primeiro programa
puramente jornalístico: Foco na Notícia. Semanal e levado ao ar às sextas-
feiras, o programa era apresentado por Nemércio Nogueira e contava com
Fernando Pacheco Jordão, Gabriel Romeiro (editor de internacional) e Gilberto
Barreto (repórter). Esse programa foi a semente dos produtos jornalísticos a
serem produzidos posteriormente pela emissora. O Foco na Notícia e o jornal
diário Hora da Notícia procuravam discutir as causas e os efeitos do problema,
inserindo a informação num contexto mais dilatado. Essa sim foi uma fórmula
que atraiu os telespectadores, aumentou os índices de audiência da tevê. No
entanto, chamou também a atenção do governo que acabou demitindo toda a
equipe de jornalismo da emissora. Uma demonstração clara de arbitrariedade
e interferência no conteúdo e no funcionamento da empresa.
É a partir desse fato que surge a idéia de implantar uma programação
que reunisse duas características principais e opostas: elitismo e populismo.
“Os defensores dessa idéia querem um equilíbrio entre a condição horizontal
de uma televisão (atingir todos os públicos) e a condição vertical de uma
emissora educativa (atingir públicos especializados)” (KUNSCH, 1999, p. 220).
A TV Cultura começa a produzir programas como A História da Arte no Brasil,
cujo conteúdo era mais erudito e voltado para as classes mais elitizadas da
população. O jornalismo também sofreu alterações com os programas
Interação e Vox Populi. O primeiro analisava dois fatos considerados mais
importantes na semana e o segundo entrevistava políticos, líderes sindicais e
religiosos para responder perguntas formuladas pelo povo.
Na área de esportes, o destaque era Orlando Duarte com o seu famoso
jargão ‘Esporte também é Cultura’. A emissora investiu também num outro
segmento das modalidades esportivas: o esporte amador. “A TV cultura foi
pioneira na cobertura dos esportes amadores. Fazíamos transmissões de tênis,
automobilismo, vôlei, basquete, hipismo e atletismo. Ainda lembro das partidas
memoráveis da Taça Davis e também dos amistosos internacionais de futebol,
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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que transmitimos ao vivo”, relembra Luís Noriega, pioneiro da equipe esportiva
da TV Cultura, em depoimento ao site da emissora.
História do Esporte e É Hora de Esportes foram os primeiros programas
esportivos produzidos pela emissora. Claro que dentre todos os esportes, o
futebol tinha grande destaque, inclusive, porque a emissora surgiu no mesmo
ano da preparação da seleção brasileira que, em 1970, seria tricampeã no
México. A TV Cultura também foi responsável pela transmissão de
competições de atletismo (Jogos Abertos do Interior e Campeonato Brasileiro),
natação, vôlei, basquete e outros esportes olímpicos.
A equipe de Carlos Vergueiro, assessor artístico da TV Cultura, foi
responsável pela criação de programas musicais. O horário nobre ganhou o
programa Música da nossa terra, que era exibido aos sábados e apresentado
por Joel de Almeida, Pode-se dizer que este é o pai do programa Viola minha
viola, veiculado nos dias de hoje pela emissora e apresentado pela cantora
Inezita Barroso. Entre os anos de 1969 e 1972, a TV Cultura levou ao ar mais
de 80 séries diferentes, entre elas produções próprias e adquiridas de terceiros.
Era a tentativa da emissora em consolidar a sua audiência e a sua autonomia.
No entanto, a mudança de governo seria um difícil teste para a TV Cultura.
“O novo governador Laudo Natel buscou alterar o relacionamento que
o Estado mantinha com a emissora. Ao esbarrar nos estatutos que
garantiam a independência da Fundação, passou a reduzir as verbas
destinadas à manutenção da TV Cultura”.
86
Como não conseguiu mudar a ‘vocação cultural’ da emissora, o
governador asfixiou financeiramente a TV Cultura. O resultado foi a saída de
José Bonifácio Coutinho Nogueira da presidência da Fundação Padre Anchieta
e a demissão, em solidariedade, de todos os diretores da emissora. Estava
instaurada uma das muitas crises da TV Cultura. Contudo, o novo presidente
da Fundação, Rafael Noschese, não fez grandes alterações na programação e
no conteúdo da emissora. Foi justamente nessa época que surgiu um dos
programas de maior repercussão da TV Cultura: o infantil Vila Sésamo.
86
Informações obtidas no site da emissora: www.tvcultura.com.br. Acesso em novembro de 2003.
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175
Inspirado no norte-americano Sesame Street, o programa buscou
“construir uma programação cultural e educativa séria, competente e, ao
mesmo tempo, atraente aos olhos do grande público”. O Vila Sésamo foi
produzido em parceria com a Rede Globo e contava com um grupo de
apresentadores, que anos mais tarde faria muito sucesso na emissora
comercial. Eram eles: Armando Bógus, Aracy Balabaniam, Sônia Braga, Flávio
Galvão e Laerte Morrone. A série educativa foi ao ar entre os anos de 1972 e
1976. Era apenas o primeiro de vários programas voltados para o público
infantil.
Em 1979, com o governo de Paulo Maluf, a TV Cultura retoma o caráter
populista, cujo objetivo estava centrado, mais uma vez, em conquistar
audiência. Na verdade, o governo pretendia utilizar a emissora para divulgar
suas mensagens políticas, como um instrumento de propaganda. Novamente,
a TV Cultura volta a copiar programas da televisão comercial, como Festa
Baile, e o Quem Sabe Mais. Enquanto o primeiro priorizava o público da
terceira idade, o segundo era uma competição entre escolas sobre
conhecimentos gerais.
Na parte cultural, houve a introdução dos chamados ‘telecontos’ e
teleromances’, produtos cujo objetivo era o de aproximar a programação da TV
Cultura com a das televisões comerciais. Já em relação aos programas
educativos, foram criados, além do telecurso, programas de auditório, como o
É proibido colar, Quem Sabe Sabe e Qual é o Grilo. A intenção dos programas
era levar conteúdos educativos por meio de uma linguagem televisiva, algo que
já era feito pelas emissoras comerciais na época. Apesar de utilizarem essas
estratégias para conquistar audiência, os índices continuaram baixos.
Em 1983, a proposta populista volta a aparecer. No entanto, Fernando
Pacheco Jordão, diretor de programação da emissora na época, decidiu
“colocar no lugar do populismo, uma televisão autenticamente popular, na
medida em que canal de expressão e opinião é veículo de manifestações
culturais de toda a sociedade” (KUNSCH, 1999, p. 221). Um do programas
criados foi o Imagem e Ação que mostrava as produções do cinema
independente. Na área jornalística, os debates políticos e sindicais retornaram
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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176
à programação. Contudo, a diretoria da emissora e o conselho curador
impuseram alguns obstáculos nessa empreitada e Pacheco Jordão teve de
deixar o cargo por não ter a possibilidade de continuar com seus projetos.
Durante um longo período, a TV Cultura passou por problemas de
identidade, vivendo o dilema entre o culto versus o popular, produzir programas
para classes mais humildes ou programas para as elites culturais. Na verdade,
esses problemas foram causados pelo governo militar, que via a emissora
como um instrumento de veiculação de suas mensagens ideológicas.
“A emissora concebe sua programação como educadora e divulgadora
de cultura dentro do espectro do regime militar que procurava divulgar a
cultura brasileira através da idéia de indivisibilidade da nação. O Brasil
foi mostrado em abundância, com destaque para seus aspectos
geográficos, aliados a seus símbolos de expressão da nacionalidade”
(DOS SANTOS, 1998, p. 47).
Com o fim do regime militar, a TV Cultura vai, aos poucos, se
desvinculando do poder governamental e retomando seus objetivos de
emissora pública: educar, informar e entreter. Após o incêndio em 1986, a
emissora tenta se firmar como modelo de televisão educativa inspirando-se,
sobretudo, na BBC, de Londres. Outro fator importante que se somou a essas
mudanças foi a nova situação educacional do país. De acordo com os dados
fornecidos pelo IBEAC (Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário), o
nível educacional do brasileiro havia apresentado uma significativa elevação.
Surge, então, um novo objetivo para a emissora: colaborar com o Estado para
a complementação das informações escolares.
É nesse período que a programação da emissora vai desfrutar de seu
melhor momento. Com Roberto Muylaert à frente da TV Cultura, a emissora
conquistou prestígio, prêmios e audiência. A programação , agora, tinha um
alvo principal que era o público infanto-juvenil. Ao investir nesse segmento, a
TV Cultura procurou atender aos objetivos básicos de sua mantenedora, a
Fundação Padre Anchieta. A estratégia era formar um público acostumado a
ser tratado com inteligência (desde a pré-escola), ou seja, um público cativo
que não deixasse atrair-se pelo apelo popularesco das emissoras comerciais.
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177
O programa Rá-Tim-Bum era um programa voltado para o público infantil
da faixa de idade entre 3 e 6 anos. Patrocinado pelo SESI/FIESP, o programa
contou com uma série de 190 episódios de 30 minutos cada e acabou
ganhando a Medalha de Ouro no Festival Internacional de Nova York. Durante
um ano inteiro de trabalho, cerca de 450 profissionais trabalharam para que os
82 cenários, os 800 figurinos e as cinco mil horas de gravação fossem
concluídos. Um dos destaques do programa era o quadro ‘Repórter Rá-Tim-
Bum’ que funcionava nos moldes de um telejornal, desde a montagem do
estúdio e cenários até a iluminação.
Na década de 1990, além do Rá-Tim-Bum uma série de outros
programas dedicados ao público infanto-juvenil, como Glub-Glub, X-Tudo,
Contos de Fada, Mundo da Lua, Som Pop e Fanzine foram criados. O Glub-
Glub apresentava desenhos produzidos na Alemanha, na Inglaterra e na ex-
Checoslováquia, além da série Os Urbanóides, que foi desenvolvida
especialmente para a emissora pelo animador brasileiro Cao Hamburguer. Já o
programa X-Tudo era uma “revista semanal de variedades para crianças entre
7 e 12 anos, interessadas em resolver o ‘xis’ da questão. Com 30 minutos de
duração, o programa tinha quadros fixos, reportagens e informação cultural,
além de contar também com o apoio cultural do SESI/FIESP”.
87
O programa Contos de Fada era uma série americana, chamada Fairy
Tale Theatre, que apresentava os clássicos da literatura mundial e tinha a
participação de importantes artistas, como Susan Sarandon, Mick Jagger,
Vanessa Redgrave, Robin Williams, Tim Burton e Francis Ford Coppola. Outro
programa que contou com a parceria do SESI/FIESP foi Mundo da Lua, que
marcou a volta da TV Cultura à produção de ficção e de teledramaturgia. A um
custo total de 800 mil dólares, Mundo da Lua foi desenvolvido em 52 capítulos
de 30 minutos de duração, ao longo de nove meses de produção. A novela
mostrou os problemas comuns do cotidiano que as famílias brasileiras
enfrentam por meio dos conflitos entre pais, avós, filho, filha e empregada
doméstica. A produção contou com a participação de atores importantes e
87
Caderno comemorativo. 20 Anos de TV Cultura. São Paulo: fundação Padre Anchieta, 1989, pág. 18.
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veteranos, como Gianfracesco Guarnieri e Antonio Fagundes e também com o
novato Luciano Amaral.
A experiência com o programa Matéria Prima (apresentado por Sérgio
Groisman) inspirou a produção de outros programas voltados ao público jovem,
como o Fanzine. Veiculado diariamente e ao vivo, Fanzine era apresentado
pelo escritor Marcelo Rubens Paiva. Era um programa “agitado, voltado à
necessidade de responder aos questionamentos múltiplos de seu público”.
88
O
conteúdo era baseado em debates sobre os assuntos de maior interesse entre
os adolescentes, matérias especiais sobre o tema do dia (produzidas pelos
estudantes de escolas e faculdades que participavam do programa), uma
banda de rock que intervinha com músicas temáticas e vinhetas sonoras. Já o
Som Pop era apresentado por Kid Vinil, vocalista e líder de banda, que “levava
o público a viajar musicalmente pelo o que havia de mais significativo no Brasil
e no mundo da música pop.”
89
A programação da TV Cultura também investiu na formação e ampliação
do conhecimento do público jovem. Ao seguir essa linha, a emissora levou ao
ar programas como Vestibulando, que fornecia dicas e informações sobre os
conteúdos das provas de vestibular, e Escola Viva. Já na linha de formação, a
TV Cultura apresentou um conjunto de cursos de línguas (inglês, francês,
alemão e italiano), cujos programas procuravam ampliar o conhecimento sobre
a cultura destes países bem como a riqueza do idioma de cada um.
No campo jornalístico, os destaques da programação ficaram por conta
do Repórter Cultura, 60 minutos e Jornal da Cultura. A intenção dos
jornalísticos era apresentar os principais acontecimentos do dia, somando
análise aprofundadas com comentários de especialistas e convidados. Além de
cobrir e analisar os fatos do dia, a emissora se propunha ainda a oferecer ao
telespectador um programa de entrevistas. É na gestão de Muylaert que nasce
o programa Roda Viva, que recentemente completou 20 anos. Durante todos
esses anos passaram pela cadeira do Roda Viva personalidades nacionais e
88
Idem. Pág. 20
89
Idem. Pág. 20
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internacionais do mundo das artes, cultura e esportes até educação, saúde e
política.
Além do programa Roda Viva, outros programas foram criados durante a
gestão de Roberto Muylaert e sobrevivem até os dias atuais, como Repórter
Eco (criado na época da Conferência Mundial de Ecologia – ECO-92); Vitrine
(programa de variedades que procura revelar os bastidores do universo da
comunicação); Metrópolis (programa de serviço ao telespectador que informa
sobre os eventos culturais e artísticos, sobretudo, da cidade de São Paulo);
Bem Brasil (show semanal, ao ar livre, com grandes nomes da música
brasileira) e Ensaio (programa que oferece um perfil detalhado dos principais
nomes da música brasileira).
Em meados dos anos de 1990, a programação da TV Cultura possuía
quatro pontos fundamentais: a) educação (complementar a formação escolar,
na tentativa de ampliar a formação do cidadão brasileiro); b) cultura (ter uma
programação cujo objetivo é a promoção e divulgação de valores culturais e
artísticos nacionais e internacionais); c) informação (ter um jornalismo
independente, plural e informativo, tentando fugir das pautas impostas pela
mídia) e d) entretenimento (buscava formar e ensinar por meio do
entretenimento e da diversão). Na época, a emissora conseguia ter “oito horas
da sua programação no terceiro lugar do ibope, quatro horas em quarto lugar e
duas horas em segundo lugar” (KUNSCH, 1999, p. 223).
Em 1994, tem início um dos maiores sucessos da TV Cultura: o Castelo
Rá Tim Bum. Dirigido por Cao Hamburguer e realizado com o apoio do SESI, o
programa tinha como principal público crianças na idade entre 4 e 8 anos.
Junto com outros programas do gênero, o ‘Castelo’ foi um impulso para que a
emissora conquistasse um novo tipo de público. O programa rendeu ainda
livros, cd-rom, fitas de vídeo e brinquedos. Nos momentos de crise financeira,
esses produtos colaboraram para incrementar o orçamento da Cultura. Nesse
mesmo ano surge outro programa que resiste bravamente ao passar do tempo:
Nossa Língua Portuguesa. Apresentado pelo professor Pasquale Cipro Neto, o
programa examinava filmes publicitários, letras de músicas, poemas, histórias
em quadrinhos, artigos de imprensa e programas de TV de maneira
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descontraída. O objetivo era mostrar as dificuldades que todos possuem em
relação ao idioma.
Nos anos de 1990, a preocupação da TV Cultura era a de se transformar
numa alternativa às televisões comerciais. No entanto, a crise financeira, que
tem início em 1995, torna-se uma ameaça à qualidade dos programas da
emissora. O primeiro sintoma se refletiu justamente na programação através
das reprises. Em 1998, a programação da TV Cultura já contava com cerca de
50% de reprises em sua grade, quando o aceitável gira em torno dos 30%. A
solução seria a produção e compra de novos programas, mas a emissora não
dispunha de capital para tais investimentos.
A situação se prolongou até o início do novo século. Em maio de 2003,
Esther Hamburger publicou um artigo na Folha de S. Paulo cujo conteúdo
falava sobre o problema das reprises - naquele momento, umas das poucas
produções inéditas exibidas pela emissora era o Viola Minha Viola. Sob o título
“Em tempos de dificuldades, reprises imperam”, ela fez duras críticas à
programação da TV Cultura:
“Programas sobre natureza são bons de ver. Mas a exibição de um
enlatado como ‘Planeta Terra’, com paisagens australianas, na faixa
das 20h, duas vezes por semana, é patética. Em meio à crise, marcas
de empresas ganham espaço. Projetos especiais ligados ao marketing
cultural privado, financiados provavelmente via renúncia fiscal,
interrompem a programação normal, transmitindo uma sensação de
espaço público alugado. Sucessos da fase áurea como ‘No Mundo da
Lua’ ou ‘Castelo RáTim Bum continuam em exibição, chamando a
atenção para o padrão um dia alcançado.”
Com a saída de Jorge da Cunha Lima e a chegada de Marcos
Mendonça, homem indicado pelo governo do Estado, não somente a
programação, mas toda a emissora ganhou uma sobrevida. Contudo, a nova
programação não agradou logo no início, sofrendo também duras críticas por
parte da imprensa. O jornalista Daniel Castro publicou na sua coluna na Folha
de S. Paulo que, após um ano à frente da emissora, os novos programas da
gestão de Marcos Mendonça não haviam ainda decolado. Velhas fórmulas,
como Silvia Poppovic, foram implantadas e a audiência não correspondeu
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como o esperado. Na visão do próprio ombudsman da emissora, o programa
era muito ‘elitizado’ e por esse motivo não havia cativado o público.
Em contrapartida, a emissora teve dois bons motivos para celebrar.
Primeiro, o programa De Fininho, apresentado pelo ex-jogador de tênis
Fernando Meligeni, teve uma boa aceitação por parte do público, apesar de
estrear com apenas dois pontos no Ibope e segundo um fato inédito na história
da emissora: um recorde de audiência. O fato aconteceu no dia 26 de junho de
2005, durante a transmissão da Copa das Confederações, torneio disputado na
Alemanha e que trazia como participantes países como Brasil, Argentina,
Japão, México, entre outros. A Rede Globo, detentora dos direitos de
transmissão dos jogos, não se interessou em veicular o jogo entre Argentina e
México, pois isso acarretaria uma mudança na sua grade de programação.
Num acordo, a emissora carioca cedeu o direito de transmissão para a
televisão paulista que, assim, marcou 14 pontos no Ibope, índice nunca
atingindo em seus 35 anos de existência.
Mesmo com os investimentos da nova gestão, é notório que a grade de
programação da emissora não melhorou. Ao contrário, além de mesclar
algumas produções novas com reprises (principalmente no que diz respeito aos
programas infantis), a TV Cultura passou a veicular publicidade que incentiva,
sem pudores, o consumo. Uma transformação, no mínimo, abrupta visto que,
em outros tempos, a emissora combatia tal prática.
Vale ressaltar também que os programas novos possuem um caráter um
tanto peculiar. A maioria se inspira em velhas fórmulas da televisão comercial
na tentativa de angariar pontos de audiência. Afinal, com a veiculação de
publicidade os anunciantes querem sempre um retorno. Outro problema
detectado nessa nova grade de programação é a presença - ora sutil, ora nem
tanto sutil – de conteúdo com interesses políticos relacionado, sobretudo, ao
governo do Estado de São Paulo. É provável que a atual gestão tenha
esquecido que televisão pública não deve e não precisa competir com canais
comerciais, já que seu objetivo deve ser o de garantir a qualidade do conteúdo
e da linguagem de seus programas.
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182
5.2 – Público-alvo, Concorrência e Audiência
5.2.1 – TV Cultura
“Quanto mais audiência tem um canal, mais constitui a preferência dos
anunciantes. Isto significa que planejar uma programação que suscite o
interesse do público torna-se uma tarefa nem sempre fácil, uma vez que
muitas vezes se investe num determinado programa que acaba por ter
poucas audiências e tem de ser retirado da grade”. (FERNANDES,
2001, p. 127)
“O concorrente da TV Cultura é o cabo.” A afirmação feita por Solange
Amadeu, do departamento de Marketing da emissora, num primeiro momento
causa certa surpresa, pois ao contrário do que se pode pensar, a TV Cultura
possui um telespectador diferenciado. O público da TV Cultura não é
semelhante ao público que assina o cabo, no entanto a abrangência da
emissora é semelhante ao da TV aberta, mas em relação ao conteúdo, o
concorrente da Cultura é o cabo, apenas com quantidades diferentes. “O
conteúdo é mais importante, por isso o nosso concorrente é o cabo. A TV
Cultura é a única TV segmentada aberta, por isso, hoje, o nosso concorrente
direto é o canal a cabo Futura”, confirma. Já Maurício Monteiro, representante
dos funcionários no Conselho Curador da FPA, diz que essa afirmação está
equivocada. “Eu não concordo que a televisão por assinatura seja o nosso
concorrente. Emissoras abertas que possuem uma programação generalista
não tem como concorrer com emissoras cuja programação é segmentada”.
Ele vai mais fundo na crítica em relação à atual programação e diz: “Por
que você vai ver, por exemplo, o Le Journal, da TV Cinq, na TV Cultura de
madrugada? Quem vai ver esse telejornal, pode ver na TV por assinatura. Mas
esse é mais um empreendimento dessa administração atual para criar um
contraponto entre a banalização e culturalização do cidadão, mas de forma
completamente errada, porque não sabe, não conhecem o que é uma emissora
pública, o que é um conteúdo cultural”.
Churchill e Peter (2000, p. 48) afirmam que, hoje em dia, é muito
improvável que apenas uma organização seja a única fornecedora de um
determinado produto ou serviço. Nesse sentido, os autores consideram como
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concorrência todas aquelas outras organizações que poderiam potencialmente
ofertar os mesmos produtos ou serviços para o público-alvo.
Em função do ambiente competitivo, Hooley et. al. (2001, p. 130)
salientam a necessidade do conhecimento dos pontos fortes e fracos dos
concorrentes e suas ações mais prováveis a fim de ajudar à própria
organização a desenvolver uma vantagem competitiva, isto é, a capacidade de
ter um desempenho melhor que o do concorrente na oferta de algo que o
público-alvo valorize.
Há dois pontos que precisam ser observados: 1) a programação da TV
Cultura, por mais que se concentre no público infanto-juvenil, realmente não
pode ser considerada segmentada, mas sim de caráter generalista; 2) existe
uma contradição no que diz respeito ao público-alvo. E notório que o público da
TV por assinatura se concentra nas classes A, B e parte da C. Se a TV Cultura
tem como objetivo atingir um público mais abrangente, essa tese de que seu
concorrente é o cabo entra em conflito com a primeira. Como um canal de sinal
aberto, considerado público, pode simplesmente esquecer as classes menos
privilegiadas?
É necessário lembrar que as classes A e B têm acesso a outros tipos de
informações ao contrário das demais classes que, muitas vezes, possuem
apenas a televisão como forma de entretenimento. Em outra declaração a
funcionária do departamento de marketing admite que as classes A e B têm
esse acesso e poder aquisitivo suficiente para obter cultura em outros meios.
“Esse público tem acesso fora da TV”. No entanto, a contradição nas
declarações e a falta de conhecimento de quem realmente é o público-alvo do
canal ficam evidentes.
De acordo com McCarthy e Perreault (1997, p. 47), o público-alvo é um
grupo relativamente homogêneo de consumidores que uma organização deseja
atrair; portanto, os esforços desta organização devem focar a satisfação
daquele grupo de consumidores.
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184
É muito comum ouvir as pessoas afirmarem que o público da TV Cultura
se restringe às classes A e B, o que se leva a pensar que a emissora investe
em informação inacessível para as classes mais baixas. Contudo, esse tipo de
pensamento não é verdadeiro, pois para se assistir televisão não é necessário
ter cultura e educação refinadas. A televisão é tipicamente um veículo popular.
Portanto, uma emissora veiculada em sinal aberto pode e deve transmitir
informações importantes com conteúdos relevantes e de fácil acesso à
população.
Em relação à concorrência é importante ressaltar que, sendo a TV
Cultura uma emissora de caráter público, a competição com os demais canais
comerciais é injustificada. Apostar em programas que repetem fórmulas já
testadas nas outras redes não justifica a criatividade e a qualidade já exibida
pela emissora tempos atrás. Pelo contrário, mostra apenas os mesmo
problemas enfrentados pelas emissoras comerciais, o da guerra pela
audiência, o que faz com que o nível da programação seja mais baixo possível.
Se a TV Cultura, única emissora pública, se propõe a veicular uma
programação idêntica a dos canais abertos, qual seria a sua razão para existir?
Ainda segundo o departamento de marketing, a TV Cultura não possui
concorrente no sinal aberto, pois comercializa ‘conteúdo qualificado’. Contudo,
a forma como esse produto é qualificado como bom ou ruim é que inspira
preocupação. Para identificar a qualidade da informação a qual está veiculando
para o seu público, a Cultura contava apenas com um mecanismo: a pesquisa
interna. “O único mecanismo que nós tínhamos era a pesquisa interna, pois a
TV não tinha dinheiro para contratar institutos de pesquisa”, lamenta Solange
Amadeo.
90
No início dos anos 1990, os programas infantis produzidos pela TV
Cultura atingiam cerca de 12 pontos no Ibope e acabaram se tornaram modelo
de qualidade na TV. Isso mostra que existe uma solução para o problema e
que está disponível na própria história do canal. A saída para melhorar a
qualidade dos programas da Cultura e fugir da má-influência dos canais
90
Entrevista realizada em outubro de 2004
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185
comerciais seria experimentar novos formatos e apostar em produções de
qualidade. Render-se ao baixo nível dos canais privados é escolher o pior
caminho, além de obrigar o telespectador a não ter alternativas ao excessivo
comércio das demais emissoras.
No que diz respeito à avaliação da audiência, a emissora dispõe dos
números do Ibope que é um sistema de contagem minuto a minuto. Com bases
nesses dados, são feitos cruzamentos de informações realizados por um
funcionário da própria emissora. Dessa forma, então, a TV consegue detectar
quem é o seu público. Vale ressaltar que os dados servem também para
efetuar modificações na grade, adequando-a ao público-alvo. Essas
informações nos levam a crer que um dos maiores problemas da emissora é
não saber para quem está falando, ou seja, falta conhecer de forma eficiente o
próprio público-alvo. Esse pode ser um dos motivos pelos quais a programação
ainda não tenha uma boa receptividade por parte do telespectador e
conseqüentemente os números de audiência continuem tão baixos quanto na
gestão anterior que enfrentou a crise financeira.
Em 1993, a Rede Cultura desfrutava de uma audiência de
aproximadamente 50% nas classes A e B, 30% na C e 20% na classe D.
Segundo Roberto Muylaert, a emissora não deveria apresentar uma
programação direcionada apenas para a classe dominante, pois tal
procedimento poderia resultar numa perigosa armadilha. O ideal era se
comprometer com todos os segmentos da sociedade. Ele acreditava que, ao
atingir camadas tão diferentes da sociedade e cada vez maiores, seria possível
obter sucesso e retorno por parte do público, assim como a Rede Globo faz há
anos.
Com a entrada de Marcos Mendonça na TV Cultura ficou nítida a busca
pela audiência. Tanto que a emissora trouxe para o seu casting um grupo de
apresentadores que pertenceram a emissoras comerciais ou que tinham boa
aceitação na mídia. As ex-VJs da MTV Sabrina Parlatore e Cuca Lazzarotto
foram algumas dessas apostas. Cuca passou a comandar, junto com o
jornalista Cunha Jr., a revista cultural Metrópolis. Já Sabrina divide a bancada
do Vitrine com Rodrigo Rodrigues. O objetivo, claro, é atrair a audiência do
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público jovem. Segundo Marcos Mendonça a audiência com crianças e adultos
é boa, mas não com adolescentes. “Resolvemos repaginar os programas mais
marcantes e buscar pessoas que tenham esse apelo jovem”, explicou o
presidente executivo da TV Cultura à revista Época, em julho de 2005. Além
das duas ex-VJs, a emissora contratou ainda Silvia Poppovic, Rolando Boldrin
e Fernando Meligeni.
“Está havendo uma massificação desnecessária, uma banalização do
popular. A TV Cultura não está tornando acessível, popular. Está
apenas banalizando para conseguir audiência, o que é diferente. A
Escola de Frankfurt utiliza dois termos interessantes: política cultural e
política na cultura. Eu acho que essa demonstração é muito mais
política e muito menos municiada de recursos para fazer uma rede
pública com cultura, com arte, com informação, com entretenimento,
visando à educação.” (Maurício Monteiro)
Outro grave problema que vem atingindo a programação da emissora e
que tem contribuído para essa busca incessante pela audiência é a veiculação
de publicidade. A qualidade dos anunciantes e dos produtos acaba criando
uma relação com a programação que satisfaz apenas ao próprio anunciante.
Quanto mais popularesca for a programação, mais espectadores terá, o que
atrai, sem dúvidas, o anunciante. Quanto mais programas com conteúdos
consagrados pela indústria cultural tiver o canal, mais audiência ele vai obter.
O ideal é que a emissora tente modificar a sua forma de interagir com o
telespectador e torne a sua comunicação mais acessível. A TV Cultura deve se
conscientizar que não adianta falar somente com os públicos A e B. O mais
importante é falar com o público que tem carência de informação. Pode
acontecer de que esse mesmo telespectador assista a programas sem
qualidade e muito menos conteúdo, mas ele terá a TV Cultura como opção.
5.2.2 - RTP1
De acordo com a pesquisadora portuguesa Ana Paula Fernandes
(2001), o público da RTP1 é ‘rural e velho’. De forma bem generalista e sem
fazer distinção de classe, social idade ou sexo, o canal público português
parece sofrer com a ação do tempo. Essa definição de público-alvo nos leva a
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crer que a audiência da RTP1 não se renovou com o passar dos anos. Para
tanto, um dos objetivos do canal é tentar reconquistar o público considerado
urbano, que esteja por volta dos 40 anos, seja homem ou mulher. O público
jovem é uma outra preocupação da RTP1. Apesar de tratar-se de um público
difícil de se cativar – sobretudo pelo fato de conseguir encontrar alternativas de
lazer, como a internet - a RTP1 tem interesse em atingir esse segmento,
principalmente para tentar renovar a sua audiência.
É evidente que a questão da faixa etária representa apenas um
indicador que explica o hábito de assistir televisão, pois é sabido que, ao longo
do dia, a audiência é variável, flutuante. Ou seja, há uma inclinação para uma
fragmentação do público de massas, em vários segmentos.
Michel Souchon apud Fernandes (2001, p. 99) defende que não há um
público, para o canal, mas públicos diferentes, que podem ser divididos em
dois grupos: um público de longa duração e um público que vê pouca televisão.
O público de longa duração assiste televisão para se informar ou se distrair,
pois, muitas vezes, não dispõe de outras formas de lazer e de informação. No
caso do público que assiste pouca televisão, o veículo tem uma função apenas
acessória. Isto é, além de desfrutarem de outros meios de lazer, não tem a
televisão como única fonte de informação.
Brandão (2002, p. 61) considera audiência como um ‘termômetro’, na
medida em que permite apreciar o impacto de um programa de televisão
mesmo que não exista apreciação da sua qualidade e interesse. O autor
conclui, ainda, que a Tv pública encontra-se submissa aos imperativos da
concorrência e aos níveis de audiência que têm provocado um nivelamento por
baixo da qualidade da programação televisiva. Segundo Dominique Mehl apud
Fernandes (2001, p. 100), é possível distinguir sete modelos de audiência
televisiva. São eles:
1) Modelo audimétrico: os programas visam o máximo de audiência e de
uma forma intuitiva, as emissoras concebem uma imagem do grande
público alicerçada na interpretação dos dados da audiência obtidos no
dia anterior;
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2) Modelo popular: os programas procuram ser acessíveis, em termos de
nível de estudos e cultural, a um vasto público (as emissoras concebem
o grande público como um personagem simbólico);
3) Modelo pela proximidade: o profissional da programação vê os seus
programas e os dos outros canais, na companhia de uma fração do seu
público;
4) Modelo imaginário: as emissoras reconhecem o fato de não terem uma
imagem do seu público, mas uma representação;
5) Modelo profissional: a concepção da programação assenta no que os
outros canais emitem;
6) Modelo pelos críticos: o universo dos outros media constitui o alicerce da
grade de programação;
7) Modelo da indiferença: apenas tem em conta a satisfação da emissora,
se coincidir com a do público, melhor.
Portanto, na RTP1 observamos que há um cruzamento entre os modelos
audimétrico e imaginário, o que significa que os programas são desenvolvidos
com base em estudos de audiência. No caso, a audimetria serviria como
conhecimento do público disponível ao longo do dia, o que representa apenas
uma idéia ficcional, construída com base nos dados numéricos. O dia a dia
desta estação de televisão visa atingir o mesmo objetivo que qualquer outra
emissora comercial: alcançar a audiência mais elevada por meio da
programação. Assim, é possível concluir que tanto na televisão pública, como
na privada, a audiência é tratada como mera mercadoria e não como público,
como espectador.
Dois fatores sobre a audiência da RTP1 chamam a atenção. O primeiro
é que a emissora pública portuguesa, após a entrada dos canais comerciais na
década de 1990, perdeu paulatinamente a liderança absoluta no ranking, mas
continua brigando com seus concorrentes. Em 2004, após um jejum de quatro
anos a RTP1, à custa do futebol (Euro 2004), ultrapassou a TVI (canal privado
que atualmente ocupa o primeiro lugar em audiência).
O outro ponto é o fato dos programas jornalísticos da RTP1 desfrutarem
sempre dos melhores índices. É por meio da informação que a televisão
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pública consegue marcar pontos no quadro das audiências. Um exemplo, o
Telejornal - principal programa jornalístico da emissora - é o programa mais
visto da estação, com aproximadamente 12% de rating. Em outubro de 2005, o
segundo programa mais visto na RTP1 foi o Jornal da Tarde, também de
conteúdo informativo, alcançando uma média de 11%.
“Desde que a SIC e a TVI entraram no mercado televisivo, em Portugal,
a RTP foi atrás das audiências. Desenvolveu estratégias no sentindo de
não perder as audiências, de manter um, share considerável, A RTP foi
atrás das televisões privadas. Em alguns casos, repetindo até algumas
de suas lógicas, estratégias de programação”. (Helena Sousa)
91
Na RTP1, além dos programas noticiosos, os produtos que alcançam
bons índices de audiência são os baseados em concursos que oferecem
prêmios aos participantes, como Um Contra Todos e O Preço Certo em Euros.
Esses programas chegam a atingir cerca de 20 pontos na medição, o que para
termos de televisão pública brasileira é uma quimera.
Atualmente, a situação da RTP, se comparada com anos atrás, não é
nada confortável. Desde que as emissoras comerciais entraram na disputa pela
audiência, os índices da RTP baixaram consideravelmente. No entanto, a
emissora pública continua brigando bravamente pelo segundo lugar. Num
primeiro momento, a SIC (canal que retransmite novelas da Rede Globo)
alcançou o primeiro, sendo que nos últimos anos foi ultrapassada pela TVI
(canal que privilegia produções portuguesas). Nessa disputa pela audiência a
RTP acaba oscilando entre o segundo e o terceiro lugares.
Para Nuno Goulart Brandão
92
, desde a chegada dos canais privados, a
RTP1 perdeu muito em audiência. “A RTP1 tinha cerca de 100% de audiência,
hoje os números giram em torno do 25%. Foi uma perda bem acentuada de
aproximadamente 75%”. E os números mostram essa queda. Para se ter uma
idéia, em Junho de 2006, a TVI liderou o share mensal com 29.4%. A SIC subiu
para a segunda posição com 27.6% em troca com a RTP1 que alcançou 23%
de share. Para Brandão, o ideal seria que cada canal tivesse um terço do
mercado, revelando, assim, um equilíbrio maior em termos de serviço público.
91
Entrevista concedida à Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo – Ano 1 – nº 1
(janeiro/junho de 2004)
92
Entrevista realizada em janeiro de 2006.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
____________________________________________________________________________
190
Tabela nº 2 – Audiências
Notas sobre o quadro:
* Este valor reporta-se ao último trimestre de 1992. A SIC iniciou as suas emissões em
6 de Outubro de 1992;
** A TVI iniciou as suas emissões em 20 de Fevereiro de 1993;
No início de 2004 a RTP2 foi substituída pelo 2: que iniciou as suas emissões em 5 de
Janeiro desse mesmo ano.
Fonte:
Marktest / MediaMonitor – disponível no site do ICS
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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191
5.3 – RTP1 e 2: - modelos em transformação
Em 2002, a RTP1 enfrentava uma forte crise de identidade, de estratégia
e de organização. A conseqüência era que tanto a RTP1 quanto a RTP2
encontravam-se numa situação negativa em diferentes níveis, como:
- inexistência de orientação quanto ao posicionamento de objetivos
empresariais;
- falta de cumprimento das obrigações de serviço público (reprodução de
conteúdo similar ao da concorrência privada);
- perda progressiva de audiência;
- falência técnica e situação financeira desastrosa;
- custos de funcionamento muito elevados e em evolução descontrolada e,
- situação de recursos humanos fortemente inadequada.
Para se ter uma idéia, em aproximadamente sete anos, a RTP perdeu
quase 20% de índice de audiência. Em 1995, a audiência média da emissora
era de 44%, caindo para 26%, no ano de 2002. Ao longo desse tempo, foi
registrado também um prejuízo da ordem de 1 bilhão de euros e uma situação
líquida negativa de 900 milhões de euros. O grupo da RTP contava com nove
empresas, sendo que seis haviam sido criadas nos últimos anos e todas elas
deficitárias. Os resultados negativos somados chegaram a 16 milhões de
euros, em 2001. Além disso, a RTP devia a instituições externas, como
financeiras, fornecedores e parceiros.
Já os custos operacionais da emissora, em 2001, chegaram a 343
milhões de euros, tendo crescido 218 milhões de euros, em 1996. Não havia
instrumento de gestão e mecanismos de controle adequados que pudesse
redirecionar a administração da empresa. O setor de recursos humanos estava
superdimensionado com cerca de 2.300 trabalhadores da RTP1 e empresas
parceiras, mais cerca de mil trabalhadores da RDP (radiodifusão). Além desse
número excessivo de mão de obra, parte das remunerações era acessória,
poucas pessoas exerciam funções polivalentes e havia uma política de
promoções por antiguidade e não necessariamente por mérito.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
____________________________________________________________________________
192
Com todas essas dificuldades à mostra, a solução foi definir estratégias
que pudessem socorrer a empresa pública. Foi então que o governo, após um
diagnóstico, baixou uma série de medidas cujo objetivo era resgatar a postura
coerente e sustentável tanto para a rádio quanto para a televisão pública. Um
grupo de trabalho independente foi o responsável por apresentar um relatório
que trouxesse um novo conceito de serviço público. Em dezembro de 2002, o
documento “Novas Opções para o Audiovisual” foi apresentado. Nele estavam
as orientações estratégicas para a RTP1 e a RDP cuja missão do operador
público estaria expressa na nova Lei da Televisão, de setembro de 2003, e no
novo contrato de concessão. O documento trazia os seguintes objetivos:
- manter um canal de vocação generalista (RTP1), orientado para uma
verdadeira programação de serviço público;
- desenvolver um novo conceito para a RTP2, abrindo-a à participação ativa
da sociedade civil e possibilitando para os parceiros selecionados a
oportunidade de estabelecer uma via de comunicação direta com o público;
- desenvolver novos conceitos na televisão por cabos (um canal dedicado à
informação regional e um canal dedicado à divulgação dos arquivos
históricos da RTP1);
- preparar a autonomização dos canais RTP Ações e Madeira através da
criação de empresas regionais de televisão, mantendo, no entanto, a
operação desses até a sua efetivação;
- potencializar a RTP Internacional e África, melhorando a sua programação
e alargando o seu papel na defesa da língua e cultura portuguesas em todo
o mundo;
- preparar a transferência dos arquivos históricos da RTP1 para o Arquivo
Nacional de Imagens em Movimento (ANIM), de forma a garantir a
segurança e o tratamento do patrimônio;
- preparar a televisão pública para os desafios das novas plataformas no
domínio digital e multimídia.
Contudo, havia ainda a reforma empresarial que englobava objetivos,
como racionalizar a estrutura do grupo RTP, introduzir uma lógica de gestão
rigorosa e orientada à eficiência, potencializar o entrosamento entre RTP1 e
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
____________________________________________________________________________
193
RDP e, finalmente, a mais importante das medidas, reduzir os custos de
funcionamento da RTP1 e da RDP em 110 milhões de euros por ano, a partir
de 2003.
O processo de reestruturação não foi fácil. Contudo, houve significativa
melhora em relação ao serviço público oferecido pelo canal. A RTP1 lançou
novos programas e formatos cujos conteúdos deveriam estar de acordo com o
novo conceito de serviço público. Programas sensacionalistas ou com teor
ofensivo foram retirados da grade de programação e, no lugar, colocaram
programas recreativos com significativa qualidade. A grade de programação
passou a cumprir rigorosamente seus horários, objetivando manter uma
relação de fidelidade com o público espectador.
Houve ainda a valorização da informação com a criação de novos
programas jornalísticos, tanto que, nos últimos anos, esses programas sempre
estiveram na lista dos dez mais assistidos no país. A emissora apostou
também na veiculação de documentários e programas de ficção nacional, além
de centralizar os projetos de produtores externos, iniciando uma relação com
os produtores privados e agentes de mercado. Os resultados podem ser
conferidos nas tabelas abaixo.
Tabela nº 3 - Recuperação das audiências e captação de novos públicos
Audiências 2001 2002 2003 2004*
RTP1 + 2: 25.7% 26.4% 28.8% 29.2%
Telejornal da RTP1 24.3% 24.2% 28.2% 29.3%
Jornal da Tarde RTP1 29.9% 32.9% 36.0% 36.4%
RTP1 + 2: Clã 26.2% 26.5% 29.7% 30.7%
*(Até 15 de Março)
Fonte: site da RTP
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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194
Tabela nº 4 - Redução de custos
Redução dos custos operacionais da RTP1 e RDP de 402 milhões de euros em
2001 para 277 milhões de euros em 2003.
CUSTOS OPERACIONAIS 2001 2002 2003 2004*
RTP1 343M€ 283M€ 226M€ 212M€
RDP 59M€ 62M€ 51M€ 48M€
TOTAL 402M€ 345M€ 277M€ 260M€
* (Estimativa)
Fonte: site da RTP
Tabela nº 5 - Melhoria da produtividade e adequação do quadro de
pessoal da RTP1 e RDP
QUADRO DE PESSOAL 2001 2002 2003
RTP1 e empresas participantes 2330 2041 1753
RDP 994 923 786
TOTAL 3324 2964 2539
Fonte: site da RTP
Em 2005, mais trinta profissionais deveriam deixar o grupo RTP até o
final do ano. A operação fazia parte da reestruturação de pessoal iniciada pela
administração em 2002. Nos últimos três anos cerca de 1100 pessoas já
haviam deixado a empresa.
Vale ressaltar que uma das principais medidas para a reestruturação da
RTP foi tomada nessa época: a redução do tempo de veiculação da
publicidade. Foi durante esse processo que aconteceu a assinatura do
protocolo entre RTP1, SIC e TVI, estabelecendo a redução do tempo de
publicidade comercial na RTP1 para 7,5 minutos por hora, a limitação dos
patrocínios no 2:, garantindo uma série de obrigações para os três operadores
relativas à programação cultural para minorias, ficção e documentário,
linguagem gestual, legendagem em português através de teletexto e
distribuição de conteúdos da SIC e TVI na RTP1 Internacional e RTP África.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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195
5.3.1 – O surgimento do canal 2:
Em 5 de janeiro de 2004, tiveram início as emissões do novo canal 2:. A
RTP1, em parceria com a sociedade civil, elaborou o projeto que visava
substituir a antiga RTP2. O 2: seria uma concessão autônoma, mas que viveria
no universo da RTP. Na época, o 2: foi considerado um novo conceito de canal
de televisão. O seu conteúdo seria complementar em relação ao universo
audiovisual português, tendo como base a divulgação da cultura e do
conhecimento. A missão do novo canal era de fazer com que as minorias
tivessem um acesso mais fácil ao meio televisivo e que, conseqüentemente,
conseguissem divulgar suas preocupações.
“Agora temos a idéia do segundo canal da RTP que é a de fazer os
cidadãos, a sociedade civil para a construção da própria grade, da
própria programação. É uma experiência que está ainda por avaliar.
Penso que os verdadeiros motivos pelos quais este projeto tenha sido
desenvolvido têm a ver, essencialmente, com questões econômicas,
porque o Estado quer reduzir os gastos com a RTP. Há de fato algumas
instituições da chamada sociedade civil que estão envolvidas neste
processo.” (Helena Sousa)
93
A sociedade civil participaria no novo canal da seguinte forma: a)
fornecendo programas (produção e/ou co-produção e entrega de um programa
completo ou de seqüências que se integrassem num programa para
transmissão, no quadro da missão do canal); b) apoiando a produção através
de cessão de meios humanos (apresentadores, peritos, etc.) ou matérias; c)
suporte técnico e científico (prestação de serviços de apoio técnico ou científico
nas áreas de vocação do canal); d) patrocinando espaços ou programas na
grade com conteúdo específico.
O funcionamento do novo canal seria seguido por um Conselho de
Acompanhamento, com competências consultivas. Tal Conselho, com
composição representativa dos parceiros, teria os seus princípios de
funcionamento definidos no Contrato de Concessão especial de serviço público
previsto na nova Lei de Televisão. Este órgão avaliaria o cumprimento dos
93
Entrevista concedida à Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo – Ano 1 – nº 1
(janeiro/junho de 2004)
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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196
objetivos de serviço público e complementaridade do canal, a qualidade e
diversidade da sua programação e os aspectos da gestão corrente.
O 2: passou a ter uma estabilidade de horários de exibição, trazendo as
principais notícias nacionais, internacionais, sobretudo, das áreas de economia,
educação e saúde. Concretizaram a contratação de produção externa,
valorizando o trabalho dos produtores independentes, como fator de
desenvolvimento da área audiovisual portuguesa. O 2: comprometeu, ainda,
parte do seu orçamento à produção de programas com conteúdos voltados
para a preservação da língua, da cultura e do patrimônio portugueses.
Portanto, as principais linhas de atuação do 2: eram:
- co-produção com parceiros (aposta na área de documentários);
- atenção às minorias (programas voltados para as minorias étnicas e
emigrantes produzidos por entidades e associações);
- preocupação com a comunicação com cidadãos com dificuldades
(sobretudo deficientes auditivos);
- ficção: exibição de produções portuguesas, européias e internacionais
- entretenimento: gravações de espetáculos, música clássica, dança e teatro;
- esportes: enfoque nas modalidades amadoras;
- educação: implantação do projeto TV Universidade que procurava fornecer
a possibilidade de concretização prática da aprendizagem aos alunos de
cursos de comunicação;
- informação diversificada sobre a atividade cultural no país.
A RTP2 havia surgido no início dos anos de 1970. No entanto, em 2002,
após uma reestruturação no grupo RTP, o nome foi modificado para 2:. Para
Nuno Goulart Brandão, o surgimento da RTP2 foi um dos momentos mais
férteis da história da RTP. “O surgimento desse segundo canal permitiu que
nós tivéssemos uma idéia do que é e do que poderia ser um canal de serviço
público de TV. Porque até então o modelo que nós usávamos na RTP era o
modelo comercial. Era o único. Era um modelo generalista.” Com o advento do
segundo canal é que se percebeu o que se poderia fazer com os conteúdos de
teatro, de cultura, de documentários.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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197
Num primeiro momento, a idéia era a de extinguir a RTP2. Contudo, a
pressão política foi maior e o governo precisou voltar atrás da sua decisão. A
mudança do nome teve mais significado político que estrutural. “O 2: seria um
canal dentro do próprio canal; seria parceiro da RTP1. Qualquer problema seria
uma questão de partilha.” O primeiro-ministro dizia que a RTP só devia ter um
canal, que devia ter um canal cultural sem publicidade, isso criou um enorme
problema com os partidos políticos, de tal forma que ele teve que voltar atrás.
Após toda essa confusão, Nuno Goulart Brandão afirma que foi uma boa
decisão, visto que conseguiu redefinir as lógicas do serviço público.
Em abril de 2005, o governo anunciou uma nova série de mudanças no
2:. Consideradas meramente formais pela direção do canal, as mudanças
visavam, sobretudo, consolidar o serviço público alternativo à sociedade civil.
Manuel Falcão, diretor do 2:, disse ao jornal Diário de Notícias
94
: “Penso que as
coisas têm ocorrido muito bem, com um crescimento progressivo e uma
fidelização de audiências. O que me parece é que o canal está a ganhar
consistência junto dos espectadores”.
A direção do canal também comemorou o aumento nos índices de
audiência. No início, quando foi implantado, o 2: tinha um índice em torno dos
3,9%. Em março de 2005, esse índice havia subido para 4,7%. No entanto, a
direção destacava que os índices de audiência não deveriam ser encarados
apenas do ponto de vista quantitativo, mas sim qualitativo. “Gostaria de
destacar a crescente penetração que temos tido junto ao público infantil, que
era, como sabe, uma das nossas apostas principais”, revelou Falcão.
Com base em números comparativos, a antiga RTP2 tinha uma média
de quatro por cento de público infantil, enquanto que o 2: agora tem cerca de
10%. Além disso, o investimento que o 2: fez nesse segmento foi muito maior
se comparado aos demais canais privados. Outra aposta do canal 2: foi a
veiculação de documentários sobre ciência, história e natureza. Alicerçados
nos programas produzidos pelos canais Discovery e National Geographic, o 2:
tornou-se uma alternativa importante em relação às emissoras em sinal aberto.
94
“O 2: tem uma estratégia, coisa que não havia”, matéria publicada no jornal Diário de Notícias, em 28
de abril de 2005.
Programação televisiva dos modelos brasileiro e português
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198
No Brasil, por exemplo, esses dois canais fazem parte do pacote da TV por
assinatura e não estão acessíveis ao grande público.
Porém, os críticos portugueses acusam o 2: de não possuir uma grade
de programação muito diferente da antiga RTP2. A direção da emissora se
defende, dizendo que a afirmação não tem sentido, pois a RTP2 tinha uma
grade de programação que privilegiava o chamado prime-time (horário nobre).
“Pela primeira vez, o canal tem uma grade estabilizada. As pessoas sabem o
que podem encontrar. A RTP2 tinha uma grade horizontal, quando todos os
canais tinham grades verticais, que mudavam todos os dias.”
O canal 2: é generalista vocacionado para públicos específicos. tem
telejornais, tem séries estrangeiras, por exemplo a série
Las Vegas.
Aquelas séries que nós vemos geralmente na TV por assinatura. É o
canal culto, o canal, digamos, das grandes séries estrangeiras. O
público do canal 2 é um público mais qualificado nem tanto em função
das ofertas público-privadas, mas sim em função das temáticas do
movimento digital”. (Nuno Goulart Brandão)
Recentemente, o governo manifestou a intenção de alterar o modelo da
2: e voltar a integrá-la à esfera da RTP, ficando, assim, o operador com duas
concessões de serviço público. Atualmente o 2: constitui-se como um serviço
alternativo aberto à sociedade civil que possa reforçar os princípios de
universalidade, coesão e proximidade do serviço público de televisão.
Considerações Finais
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199
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A televisão pública surge na Europa e se dissemina pelo resto do
mundo. No entanto, a sua consolidação acontece de forma diferente, enquanto
no Brasil e nos Estados Unidos há um predomínio das televisões comerciais,
no continente europeu, a televisão pública vai encontrar espaço para se
desenvolver, investindo, sobretudo, na questão do serviço público, mas sob o
controle do Estado.
Na década de 1950, passam a existir na Europa dois modelos de
organização da televisão: um era o modelo britânico, composto por dois canais
públicos e dois canais privados que convivem de forma equilibrada, e um
segundo modelo que predominava na Europa continental: um exemplo era a
televisão francesa.
Portanto, ao longo de 40 anos, a televisão pública na Europa vive três
fases. A primeira foi a fase de ‘dominação’, cuja missão era a de produzir
programas culturais e educativos; nessa época surgem os primeiros debates
sobre a veiculação de publicidade na televisão pública, mas esse tipo de
prática não era muito bem vista, inclusive, pela população. Em seguida veio a
fase do ‘confronto’, no qual os dois modelos existentes (público e comercial)
dão início a uma disputa pelo público-alvo. É nesse período dos anos de 1980
que acontecem as primeiras privatizações, como é o caso da TF1, francesa,
que foi privatizada em 1986. Por fim, acontece a terceira fase nomeada por
Wolton (1996; p. 30) de ‘a troca’. É o momento em que a televisão privada se
sobrepõe à pública, tomando-lhe a audiência, as verbas publicitárias e
instaurando de vez a concorrência. Para a televisão pública essa é uma fase
de imitação, na qual se espelha nos produtos da TV comercial para tentar
competir em pé de igualdade.
Segundo Bourdieu (1997, p. 68) a televisão dos anos de 1950 tinham a
pretensão de ser cultural e de certa forma utilizavam o monopólio para impor
ao público produtos com tal anseio cultural, como documentários, obras
Considerações Finais
____________________________________________________________________________
200
clássicas adaptadas para o veículo, debates sobre assuntos culturais etc. O
objetivo era o de formar o gosto do grande público. Já nos anos de 1990, a
televisão pública terá como objetivo explorar esse gosto para atingir a mais
ampla audiência, mas, desta vez, oferecendo ao telespectador produtos
‘brutos’ capazes de satisfazer o voyerismo e o exibicionismo.
Sobre a definição do que é serviço público de televisão, conclui-se que
não há uma explicação que possa ser considerada única, correta e definitiva.
Os autores e entrevistados nesta pesquisa comprovaram que as opiniões são
divergentes e que, cada um, a seu modo, possui uma concepção. Entretanto,
serviço público de televisão pode ser considerado como uma prestação de
serviços, que se preocupa com a qualidade dos programas, que está atento às
demandas do público sem causar danos ou prejuízos a uma minoria (ou
maioria) e que deve tratar o telespectador, antes de tudo, como cidadão e não
como consumidor.
Já em se tratando dos princípios do serviço público de televisão, foi
possível perceber que os conceitos abrangem diferentes questões, como a
universalidade (televisão para todos em igualdade); diversidade (propagação
dos preceitos de informação, formação e entretenimento); financiamento (na
maioria das vezes público, incluindo ou não o pagamento de taxas por parte do
cidadão); identidade nacional (fazer com que o cidadão se enxergue na TV
que assiste); independência (ignorar os interesses políticos ou particulares);
competição (que seria um incentivo à melhoria da qualidade dos programas e
da programação); criação (estimular a criatividade de quem trabalha para o
SPT) e finalmente as minorias (favorecer quem provavelmente é desfavorecido,
como os deficientes auditivos). O ideal é que o SPT esteja voltado para esses
princípios a fim de não perder a sua legimitidade. Ou seja, deve se preocupar
mais com os interesses do cidadão e não necessariamente com os do
mercado.
Já a publicidade, um forte elemento do mercado, se constituiu, nos
últimos anos, como uma das formas de financiamento das televisões públicas
na Europa e, inclusive, no Brasil. No caso de Portugal, a publicidade tem
gerado um acalorado debate entre os pesquisadores. Alguns são favoráveis à
Considerações Finais
____________________________________________________________________________
201
publicidade, pois acreditam que ela faça parte da ‘paisagem’ da televisão. Por
outro lado, há quem condene esse tipo de prática, pois acredita que haja uma
contaminação nos princípios do serviço público. A RTP, em especial, encontrou
uma saída caseira e não definitiva para o problema, limitando a veiculação da
publicidade para 7,5 minutos por hora na programação, prevista na legislação.
No caso da TV Cultura, no Brasil, o problema é ainda maior. Após a
entrada da publicidade na programação, a emissora paulista passou a desfrutar
de um superávit ao veicular anúncios que incitam o consumismo frívolo e
supérfluo, como aparelhos de celular, pacotes turísticos e carros financiados.
Além disso, a atual gestão está passando por cima do estatuto da emissora,
que diz claramente: “não poderá a Fundação utilizar, sob qualquer forma, a
rádio e a televisão educativas para publicidade comercial” (artigo 5º).
A publicidade não deve ser tratada como uma forma exclusiva de
financiamento por parte das televisões públicas, pois, dessa forma, passaria a
ocupar o lugar de vilã na indústria cultural. Na realidade, seria bom se os dois
modelos de televisão pública – português e brasileiro – seguissem o exemplo
da BBC, de Londres, que, até os dias atuais, não veicula publicidade.
A entrada da publicidade nos canais públicos colaborou para aumentar a
crise no setor, pois incentivou, de forma agressiva, a concorrência, não
somente pelo bolo publicitário, mas também pelos índices de audiência. Para a
televisão pública, essa situação implica em concorrer mais rigorosamente para
ganhar audiência, comprar programas, apresentar uma estrutura qualificada de
profissionais, obter recursos financeiros, fazer com que as autoridades políticas
apóiem a sua causa, além de disputar os direitos de retransmissão de
acontecimentos esportivos.
Portanto, é possível afirmar que a televisão pública está em meio a um
dilema. De um lado, se espera que ela obtenha mais sucesso que os canais
privados em relação à prestação de serviço público e que se mantenha fiel aos
princípios do SPT por meio da sua programação. Por outro lado, acredita-se
que a TV pública seja capaz de gerar suas próprias verbas e de atrair os
Considerações Finais
____________________________________________________________________________
202
telespectadores. Então, ela precisa ser, ao mesmo tempo, semelhante e
diferente à televisão privada.
Apesar de, na Europa, o modelo de serviço público de televisão ter se
modificado devido, principalmente, ao fato das televisões públicas terem
passado a operar num contexto de concorrência, há ainda um legado ao qual a
maioria dos canais públicos procura se manter leal. Assim sendo, a televisão
pública desenvolveu o seu modelo na base de uma programação de cobertura
abrangente, com objetivos de qualidade, diversidade e popularidade.
A especialização apareceria, nos anos de 1960, com o surgimento de
novos canais que forneceram espaços para públicos considerados minoritários,
além de programas regionais e locais. Portanto, foi possível perceber que os
modelos de serviço público estão em constante transformação, visto que as
influências mercadológicas, econômicas e tecnológicas não podem ser
simplesmente ignoradas pelo setor.
No que diz respeito ao modelo de financiamento, a televisão pública
européia nasceu de uma base não comercial, o que significa que os fatores
mercantis não devem ser decisivos no seu desempenho. Porém, isso não
significa que ela deva adotar uma posição de insensibilidade frente à economia
do meio em que atua. A procura por recursos, o controle dos custos e o estudo
da audiência constituem obrigações da televisão pública.
Já em relação à história da RTP, foi possível observar que o canal
possui uma trajetória ligada à história do poder em Portugal. Conforme afirma a
professora Helena Sousa (2004), ‘“a história da RTP não é uma história
animadora. É uma história bastante trágica”. Segundo a pesquisadora, a RTP
foi uma empresa que começou no tempo do Salazar, passou pelo governo de
Marcello Caetano, ambos de caráter autoritário. Em seguida, com a
democracia, a emissora cresceu, desenvolveu-se, transformou-se, mas não
deixou de estar sob o controle do poder político. Isso significa que a televisão
pública portuguesa sempre muito servil ao poder político.
Considerações Finais
____________________________________________________________________________
203
Sobre o financiamento da televisão pública portuguesa, Gonçalves e
Pires (2005) têm uma sugestão: “julgamos que seria razoável, de acordo com o
contexto nacional e com as tendências comunitárias, manter um sistema misto
de financiamento, embora mais equilibrado entre os fundos públicos e
comerciais, de modo a garantir a absoluta independência do serviço público de
televisão quer do Governo quer do mercado”. Esta forma de financiamento
seria capaz de garantir a independência econômica do serviço público frente o
mercado, de modo que teria como fonte complementar a publicidade, que na
opinião das pesquisadoras, é importante para produzir programas com
qualidade e voltados para todos os tipos de público.
Segundo o European Institute for the Media, o modelo para um
financiamento ideal do serviço público de televisão define-se do seguinte modo:
a) suficientemente substancial para criar um verdadeiro concorrente aos canais
privados; b) independente do governo e de outras influências; c) previsível a
médio prazo; d) com um crescimento similar ou superior ao ritmo dos custos de
radiodifusão pública; e) suficientemente simples e estável de modo a que
possa ser administrado com um mínimo de controvérsia política.
A crise do serviço público de televisão, em Portugal, não deriva somente
da fragilidade do financiamento (sobretudo com a extinção da taxa, em 1991),
mas especialmente da falta de visão estratégica sobre o setor. Na verdade, a
RTP não se preparou adequadamente para enfrentar a concorrência dos
canais privados, que entraram dispostos a ocupar o primeiro lugar no ranking
das audiências. Essa falta de estratégia pode representar uma falta de
comprometimento, por parte do poder político, para com o setor.
A programação cotidiana da RTP não tem assumido um papel
alternativo face os concorrentes privados, sobretudo, no que diz respeito à
qualidade. A emissora pública escolheu uma estratégia de competição e
imitação dos canais privados. Tal estratégia marcou, de forma negativa, o seu
perfil, levando-a a uma condição menor em função ao seu desempenho
enquanto emissor de serviço público. Além de não estar prestando um serviço
público de qualidade, a RTP se adaptou às lógicas dos operadores privados
Considerações Finais
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204
que é a do próprio mercado. O resultado dessa atitude é o nivelamento por
baixo do nível da programação.
Em 2002, a RTP1 enfrentou uma forte crise de identidade, de estratégia
e de organização. A solução foi definir estratégias que pudessem socorrer a
empresa pública. O governo, após um diagnóstico, baixou uma série de
medidas cujo objetivo era resgatar a postura coerente e sustentável tanto para
a rádio quanto para a televisão pública. O processo de reestruturação não foi
fácil. Porém, houve uma significativa melhora em relação ao serviço público
oferecido pelo canal. A RTP1 lançou novos programas e formatos cujos
conteúdos deveriam estar de acordo com o novo conceito de serviço público.
Dentre essas mudanças, surgiu, em janeiro de 2004, o novo canal 2:.
Elaborado para substituir a antiga RTP2, o 2: considerado um novo conceito de
canal de televisão. O seu conteúdo seria complementar em relação ao universo
audiovisual português, fazendo com que as minorias tivessem um acesso mais
fácil ao meio televisivo e que, conseqüentemente, conseguissem divulgar suas
preocupações.
Entretanto, os críticos portugueses acusam o 2: de não possuir uma
grade de programação muito diferente da antiga RTP2. A direção da emissora
se defende, dizendo que a afirmação não tem sentido, pois a RTP2 tinha uma
grade de programação que privilegiava somente o horário nobre.
Atualmente o
2: constitui-se como um serviço alternativo aberto à sociedade civil que possa
reforçar os princípios de universalidade, coesão e proximidade do serviço
público de televisão.
No que diz respeito à TV Cultura, foi possível dividir a sua história em
quatro fases distintas, as quais tiveram grande significado para a emissora.
Durante a primeira fase da TV Cultura é possível perceber que a filosofia da
emissora estava fundamentada em alguns princípios como a produção para a
elite, reservas quanto ao veículo e forte dose de regionalismo, além de uma
visão conservadora.
Considerações Finais
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205
Já a terceira fase da história da emissora, que compreende a gestão do
jornalista Roberto Muylaert, chegou bem próxima do conceito ‘ideal’ de
televisão pública. A quarta fase teve início na gestão de Jorge da Cunha Lima e
chega até os dias atuais e é marcada por uma forte crise financeira e pelo
descumprimento de alguns artigos do estatuto da Fundação Padre Anchieta.
Apesar da Fundação Padre Anchieta ser uma entidade de direito
privado, ela sofreu interferência do governo do Estado de São Paulo ao longo
dos anos. Alguns episódios da sua trajetória mostram que determinados
governos a utilizaram como instrumento político, em virtude, sobretudo, de sua
dependência de subsídios. No caso da TV Cultura, seus problemas recentes de
ordem financeira foram sensivelmente solucionados a partir do momento que o
governo colocou, à frente da emissora, uma pessoa da sua confiança.
Mesmo ferindo artigos do seu estatuto, a TVC é considerada, hoje, uma
televisão lucrativa e que, numa visão deturpada, atinge os preceitos do serviço
público de televisão. A impressão que fica é que a presente diretoria não
conhece o verdadeiro significado da expressão ‘televisão pública’, despertando
nela características do modelo comercial. O período atual mostra a TV Cultura
cometendo os mesmo erros que, por exemplo, a televisão pública em Portugal
comete desde os anos de 1990.
Sobre a programação da TV Cultura, há dois pontos que foram
observados: 1) a programação, por mais que se concentre no público infanto-
juvenil, não pode ser considerada segmentada, mas sim de caráter generalista;
2) existe uma contradição no que diz respeito ao público-alvo da emissora. Ao
se afirmar que o concorrente da TVC é o cabo, nota-se que o público da TV por
assinatura se concentra nas classes A, B e parte da C. Se a TV Cultura tem
como objetivo atingir um público mais abrangente, essa tese de que seu
concorrente é o cabo entra em conflito com a primeira. Afinal, um canal de sinal
aberto, considerado público, não pode simplesmente ignorar as classes menos
privilegiadas.
No Brasil, a televisão pública (TV Cultura) recebe subsídios do governo
estadual, enquanto na Europa, alguns modelos são financiados por taxas
Considerações Finais
____________________________________________________________________________
206
pagas pelo cidadão. Aqui essa prática seria complicada, visto que as televisões
públicas brasileiras se aproximam do modelo comercial. Esse fato inviabilizaria
a cobrança da taxa, pois o cidadão comum não estaria disposto a pagar por um
serviço que ele obtém gratuitamente via emissoras comerciais. Nesse ponto,
há uma diferença entre Brasil e Europa, pois a televisão pública brasileira, por
não receber verba diretamente da população, acaba tendo uma liberdade maior
para copiar as fórmulas já consagradas nas televisões comerciais.
Em suma, no que diz respeito aos modelos públicos brasileiro e
português, é possível observar que, em Portugal, a televisão nasce pública e a
população conhecerá o modelo comercial somente no início da década de
1990. Apesar disso, a curiosidade em relação ao novo modelo fez com que o
público, rapidamente, se interessasse pela nova oferta. Como a televisão
pública portuguesa não se preparou adequadamente para enfrentar a
concorrência, há anos vem amargando uma crise de identidade e legitimidade.
No caso do Brasil, a televisão nasce comercial e o modelo público surge
quase vinte anos após a sua instalação. No início, a televisão pública não
dispunha de altos índices de audiência. No entanto, durante um período fértil, a
emissora alcançou índices que somente modelos consagrados desfrutavam,
como a BBC. Ela então virou televisão de excelência. Apesar disso, nos últimos
anos enfrentou uma crise, sobretudo, financeira que atingiu consideravelmente
a sua programação, fazendo com que perdesse parte do seu prestígio
enquanto emissora de serviço público. Na tentativa de recuperá-lo, a TV
Cultura tem se entregado às demandas do mercado. Uma estratégia
considerada errada, visto que o seu congênere português já o fez e vem
sofrendo as conseqüências ao longo dos anos.
Portanto, é possível observar que a crise dos dois modelos em questão
foi em decorrência da falta de subsídios para se manter. E a pergunta que se
faz é a seguinte: qual é o futuro da televisão pública? Quanto ao futuro, é
possível afirmar que não há boas perspectivas. Apesar dessa colocação um
tanto quanto pessimista, vale ressaltar que, a televisão pública para ser
destacar perante seus concorrentes, precisa redefinir seus conceitos e, até
mesmo, seus objetivos e sua missão enquanto serviço público.
Considerações Finais
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207
O futuro depende ainda da justificativa da existência desse modelo num
ambiente onde impera o modelo comercial. Somente os países que
reinventarem o conceito de serviço público, encontrando um novo modelo de
financiamento e eventualmente novos suportes técnicos, poderão garantir o
acesso livre e gratuito dos seus cidadãos às televisões.
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208
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Instituto da Comunicação Social: http://www.ics.pt
Instituto Politécnico de Viseu: http://www.ipv.pt
Microfone: http://www.microfone.jor.br
Midiativa: http://www.midiativa.org.br
Museu da Pessoa: http://www.museudapessoa.net
RAI: www.rai.it
TV5: www.tv5.org
TVE Brasil: www.tvebrasil.com.br
TVE (Espanha): www.rtve.es
RTP: www.rtp.pt
Sindicato de Jornalistas de Portugal: http://www.jornalistas.online.pt
Tudo sobre TV: http://www.tudosobretv.com.br/
TV Cultura: http://www.tvcultura.com.br
TVE Brasil: http://www.tvebrasil.com.br/
Rede Pública de Televisão
TV's Públicas no Mundo
As televisões públicas estão espalhadas por todos os continentes. Em muitos países elas
foram pioneiras, como a British Broadcasting Corporation (BBC, de Londres), a primeira
rede pública de TV no mundo e primeira emissora de televisão a operar no Reino Unido.
No Brasil, a televisão chegou com a TV Tupi, de Assis Chateaubriand, inaugurada em
1950. Contudo, já em1967 entrava no ar a primeira emissora pública brasileira, a TV
Universitária do Recife.
Com o tempo, os canais comerciais proliferaram em todo o mundo levando as emissoras
públicas a se adaptarem aos novos mercados. Com o advento da TV a cabo, elas
procuraram marcar presença e buscar novos nichos de mercado.
Na Ásia, em países como a China, Índia, Singapura e Coréia do Sul, o Estado ainda
exerce forte controle nesse setor da cultura. No continente americano, embora
preponderem os canais comerciais, as emissoras públicas têm ampliado espaço junto ao
público. Uma pesquisa divulgada pela NABA, entidade que representa 40 emissoras
(públicas e privadas) nos EUA, Canadá e México revela que os programas educativos são
a principal reivindicação dos assinantes de canais pagos. Segundo os dados, a
programação educativa é como "bibliotecas e serviços de saúde; as pessoas não
precisam necessariamente deles numa base diária, mas querem que eles continuem
existindo".
Para garantir a qualidade da programação, algumas emissoras públicas vêm se unindo ao
capital privado. É o caso da RTVI na Indonésia e da TVE BRASIL e TV Cultura, na
América latina. A própria BBC fez um acordo com a Discovery Communications Inc. para
atuarem juntos nos EUA. A emissora inglesa também chegou a provocar polêmica ao
lançar um canal só de notícias (oferecido gratuitamente a operadoras de cabo) que
suplantou um rival comercial. Outras TVs públicas européias também têm marcado
presença com uma atuação competitiva comprando os direitos exclusivos de
transmissões de grande interesse popular.
Bélgica
RTBF - Radio Télévision Belge de la Comunauté Française
www.rtbf.be
VRT - Flemish Radio Et Television
www.vrt.be
Dinamarca
DR - Danmarks Radio
www.dr.dk
Espanha
TVE - Televisión Española
www.rtve.es
Finlândia
YLE - Finnish Broadcasting Company
www.yle.fi
França
France 2
www.france2.fr
France 3
www.france3.fr
Hungria
Magyar Televizió Rt (Hungarian Television)
www.mtv.hu
Irlanda
RTE - Radio Telefis Eireann
www.rte.ie
Islândia
RUV - Rikisutvarp Sjonvarp
www.ruv.is
Itália
Rai - Radiotelevisione Italiana
www.rai.it
Países Baixos
NOS
www.omroep.nl
Polônia
TVP - Telewizja Polska
www.tvp.com.pl
Portugal
RTP - Radiotelevisão Portuguesa
www.tvi.pt
Reino Unido
BBC - British Broadcasting Corporation
www.bbc.co.uk
Channel Four TV Corporation
www.channel4.com
S4C
www.s4c.co.uk
República Checa
Czech Television
www.czech-tv.cz
Suécia
SVT - Sveriges Television
www.svt.se
Suíça
SBC - Swiss Broadcasting Corporation
www.stg-ssr.ch
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
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